02-A Fúria Do Highlander - J M - 241110 - 164821
02-A Fúria Do Highlander - J M - 241110 - 164821
Jane Mackenna
Broke MacNeil
Kisimul, Isla de Barra, 1571
A chuva me molha enquanto faço a última ronda da noite.
Poderia ter pedido a outro para fazê-lo, mas não confio a segurança do
clã que me acolheu a qualquer um. Após me certificar de que tudo está
em ordem, caminho pela curta distância entre o castelo e o penhasco,
completamente encharcado. Olho para baixo, sem conseguir ver muito,
já que a fraca luz da lua cheia é a única fonte que ilumina meu
caminho.
Como em todas as vezes que venho aqui, nutro a pequena
esperança de encontrar meu amigo, mesmo sabendo, no fundo do
coração, que é impossível. Faz meses que o mar enfurecido o engoliu,
e nem sequer nos devolveu seu corpo para que pudéssemos lhe dar um
sepultamento adequado. Todos sentimos sua falta, mas eu me sinto
culpado por não ter conseguido salvá-lo. Ele entregou sua vida para
salvar Jaelyn e seu filho, mostrando que a amava mais do que a si
mesmo.
Um forte relâmpago ilumina o lugar, e decido que é hora de voltar
ao castelo. Faço isso sem pressa, já que não há ninguém me esperando,
o que me leva a pensar em meu amigo e Laird, Broderick. Quem diria,
quando éramos garotos, que ele se tornaria o senhor de Kisimul e
estaria casado com o grande amor da sua vida?
Ao entrar, percebo que tudo está calmo e à meia-luz. Todos
devem estar em seus respectivos quartos, descansando. Deixo um
rastro de água por onde passo, sem me importar, até esbarrar em
alguém. Instintivamente, agarro seu braço para evitar que ela caia no
chão como um fardo.
— Que diabo! — exclamei. — Rachel?
— Por que você está encharcado? — pergunta Rachel,
preocupada. — Algo aconteceu?
— Quando chove, as pessoas se molham — replico com
mordacidade. — Não é da sua conta. Quantas vezes tenho que te dizer
para não me questionar? Cuide dos seus próprios assuntos, menina.
Passo por ela sem sequer tocá-la, em direção ao meu quarto.
Posso sentir seu olhar sobre mim, mas não paro nem olho para trás.
Quando entro no meu quarto e começo a me despir, olho ao redor: uma
cama, uma pequena mesa e uma cadeira, tudo muito austero. Não
preciso de mais nada. Cresci com pouco e posso continuar assim.
Mesmo que Broderick e Jaelyn tenham oferecido decorar o quarto com
tapeçarias requintadas e outros móveis, recusei categoricamente.
Deito-me na cama e me cubro com as mantas. Suspiro,
percebendo apenas agora o quanto estou cansado. Estou há mais de
dois dias sem dormir e rezo para conseguir descansar esta noite antes
que enlouqueça.
Rachel
Aquelas palavras malditas perfuraram meu coração como uma
faca. Duvidar do meu amor por Cedric me humilhou, fazendo-me sentir
tão insignificante que o odiei ainda mais, se isso fosse possível. Claro
que eu morreria pelo filho do meu Laird ou pelo meu irmão. Se minha
senhora confiasse a vida de seu primogênito a mim, eu faria de tudo
para protegê-los.
— Pronta? — Arthur interrompe meus pensamentos. — Pelo
que vi, você não é ruim com o arco — ele sorri com aquele sorriso doce
que o faz parecer um menino. — Podemos treinar um pouco e depois
passar para as adagas.
— Como preferir — respondo, sorrindo de volta. — Gosto
mais do arco. Não sei se teria coragem de ferir alguém com uma adaga
tão de perto.
— Você precisa aprender a usar ambos — ele aconselha. —
Com sorte, nunca precisará usá-los.
— São tempos difíceis — comento, observando os homens
cobrindo os corredores que ninguém sabia que existiam. — Por que
estão fazendo isso?
— Para evitar que o que aconteceu com Cedric se repita — ele
explica. — Os inimigos podem usar esses corredores para entrar, e só
perceberíamos quando já estivessem dentro do castelo.
Concordo, observando meu irmão correr entre os homens que
trabalham perto de uma das entradas. Ele me acena e eu retribuo com
um sorriso, aliviada ao ver que todos o tratam bem e não se importam
com sua presença. Tento me concentrar nas instruções de Arthur antes
de começarmos o treino. Mas então sinto o chão tremer sob meus pés.
Fico paralisada, olhando o chão que parece se mover. Só reajo quando
ouço Arthur gritar.
— Saiam do corredor! — ele ordena.
Olho ao redor, procurando meu irmão, mas não o vejo na
multidão em pânico.
— Greylen! — grito, desesperada, correndo para o corredor
onde o vi pela última vez. — Greylen!
Alguém tenta me segurar, mas me solto e entro no corredor. Um
som ensurdecedor me envolve e tudo fica escuro, com a poeira
sufocante impedindo-me de respirar.
— Greylen! — grito novamente, vendo que a parede
desmoronou e me prendeu.
— Rachel? — ouço sua voz trêmula. — Estou aqui!
Corro em direção ao som e encontro Greylen caído no chão,
soluçando. Dou-lhe um abraço apertado.
— Você está machucado? — pergunto, enquanto o examino.
— O que está fazendo aqui?
— Desculpe — ele soluça. — Fiquei com medo quando tudo
começou a tremer. Vamos morrer aqui?
— Claro que não — respondo, pegando-o nos braços. —
Vamos encontrar uma saída.
— A entrada está bloqueada — ele sussurra. — Vamos
morrer. Papai tinha razão, eu nunca deveria ter nascido...
— Não diga isso! — interrompo, com firmeza. — Você é o
melhor presente que mamãe me deu. Vamos sair daqui.
Começo a caminhar com ele nos braços, usando a parede para
me guiar. Nossa única chance é que nos ouçam do castelo. Rezo para
que o tremor não tenha danificado o castelo. Meu corpo treme, e meu
coração bate forte. Ao chegar na entrada bloqueada, grito por ajuda.
Será que alguém me viu entrar? Essa é nossa única esperança...
— Estou com medo, Rachel — meu irmão soluça. — Você não
deveria ter me seguido.
— Pare com isso — digo, colocando-o no chão. — Fique perto
de mim.
Bato na parede e grito. Não sei quanto tempo passa, minhas
mãos doem e minha garganta arde. Sinto que minhas mãos estão
feridas, e o sangue está escorrendo.
— É inútil — ele sussurra. — Ninguém vai nos ouvir.
Sento no chão, tentando segurar as lágrimas para não assustá-
lo mais. Ele segura minha mão em busca de conforto e logo adormece.
O frio aumenta, e sei que não temos muito tempo. Se não morrermos
de fome, será de frio.
— Estou com sede — murmura Greylen. Meu coração se
aperta, pois pela primeira vez não posso ajudá-lo.
— Tente dormir mais um pouco — peço. — Não temos água.
O silêncio é aterrorizante. De repente, ouço algum som. Meu
irmão também percebe.
— São batidas? — ele pergunta, esperançoso. — Estão nos
procurando?
— Acredito que sim — digo, tentando ouvir melhor. — Fique
em silêncio.
Mais batidas. Começo a gritar. As pedras começam a cair, mas
continuo gritando para que não desistam.
— Olha, Rachel, luz! — exclama Greylen. — Eles estão nos
salvando!
— Rachel? — ouço uma voz familiar. — Rachel, consegue me
ouvir?
— Broke? — grito, incrédula. — Estamos aqui!
— Eu sei — resmunga. — Só você para se meter em um
corredor...
Cruzo os braços, irritada. Logo vejo a cabeça de Broke aparecer,
e ele me encara zangado. Afasto Greylen para protegê-lo das pedras.
— Vamos tirá-los daí — diz Arthur, ajudando Broke a derrubar
a parede.
Outro tremor me atinge. Protejo Greylen com meu corpo
enquanto tudo desmorona. Sinto algo forte bater nas minhas costas e
na cabeça, e então tudo fica escuro.
— Abra os olhos, maldição! — ouço alguém
Broke
Algumas horas antes...
O tremor nos surpreende no castelo, e saio com Jaelyn, que se
recusa a partir sem o marido e o filho. Antes de correr para o quarto do
filho, Broderick me ordenou que a mantivesse segura. E é exatamente
o que vou fazer.
— Não vou deixá-los! — ela grita, desesperada. — Me solta,
Broke!
Ela se debate nos meus braços, chorando ao perceber que, desta
vez, não vou obedecê-la.
Quando o tremor cessa, estou prestes a voltar, mas Broderick
aparece com Cedric nos braços. Jaelyn corre até eles, e se abraçam,
alheios ao caos ao redor enquanto as pessoas fogem em pânico. Procuro
por Rachel, mas não a encontro. Lembro que estava treinando com
Arthur e corro para o pátio externo, temendo o pior.
As pessoas me empurram enquanto correm para encontrar suas
famílias. Vejo Arthur dando ordens perto da entrada do corredor, agora
completamente bloqueada.
— Arthur! — grito ao me aproximar. — Onde está Rachel?
Ele olha ao redor, empalidece e me lança um olhar preocupado,
o que me deixa desconfortável.
— Ela estava comigo quando o tremor começou — responde
Arthur. — Não vejo o irmão dela, que também estava aqui. Droga!
— Rachel! — começo a chamá-la. — Greylen!
Procuro-os na multidão, mas não consigo encontrá-los. Não sei
quanto tempo passa até que alguém me interrompe.
— Você está procurando a jovem que cuida do filho do Laird?
— pergunta uma voz atrás de mim. Viro-me e vejo um rapaz. — Tentei
impedi-la, mas ela entrou no corredor pouco antes dele desabar...
— Não pode ser — murmuro, horrorizado. — Por que ela faria
algo tão imprudente?
— Acho que estava procurando o irmão — ele responde.
Fecho os olhos, consciente de que é muito provável que os dois tenham
morrido. Quem sobreviveria a algo assim? O remorso por como os tratei
me atinge como um golpe, e cambaleio.
— Reaja, Broke — repreende Arthur, me empurrando. Tento
piscar várias vezes para entender o que está acontecendo. — Talvez
eles estejam bem. Se estiverem presos, temos pouco tempo para
resgatá-los...
— Vai ser impossível entrar por aqui — digo, pensando em voz
alta. — Precisamos ir pelo castelo.
Tento correr, mas Arthur me impede. O encaro, confuso.
— A primeira coisa que os homens fizeram foi bloquear as
entradas do castelo — Arthur informa. — Fizeram duas paredes em
cada porta. Precisamos nos apressar.
Corremos de volta ao castelo. Broderick está dando ordens e
verificando se todos estão bem e recebendo cuidados. Quando nos vê,
percebe que algo está errado e se aproxima rapidamente.
— Rachel e seu irmão ficaram presos em um dos corredores —
explica Arthur — Há uma chance de que ainda estejam vivos e...
— Não há tempo a perder — Broderick o interrompe. — Não
restam mais homens no castelo. Teremos que fazer isso nós mesmos.
— Onde está Jules? — pergunto rapidamente enquanto nos
dirigimos ao corredor com as duas entradas para o túnel.
— Ordenei que verificasse se todas as casas estavam bem após
o tremor — ele responde. — Se houver outro tremor, a terra não vai
resistir.
— O castelo foi danificado? — pergunto enquanto pego um
machado para golpear a parede. — Abre a maldita porta, Broderick
— ordeno, nervoso com o que podemos encontrar.
— Para alguém que diz não se importar, você parece muito
preocupado — Broderick provoca enquanto abre a porta, e
encontramos uma parede que estou pronto para derrubar o mais
rápido possível. — Espero que não seja tarde demais para você
reconhecer a verdade.
Começo a golpear sem parar. As pedras não cedem facilmente,
apesar do tremor que deveria ter enfraquecido a parede. Isso me dá
esperança de que o corredor tenha resistido o suficiente para que eles
estejam vivos. O suor escorre pelo meu peito, costas e rosto, e continuo
até derrubar mais da metade da parede. Planejo pular para alcançar a
outra entrada, mas percebo que não terei espaço para me mover. Vai
demorar mais do que esperava para chegar até eles.
— Vocês ouviram isso? — pergunta Arthur, que golpeia ao
meu lado enquanto Broderick remove os escombros. — Parece que
alguém está gritando.
— Parem — ordena Broderick.
— É Rachel! — exclama Brook. — Eles estão vivos! Precisamos
nos apressar, maldição.
Com forças renovadas, ajudo meu Laird a remover as pedras que
bloqueiam nosso caminho. Arthur se junta a nós enquanto os gritos de
socorro começam a diminuir. Sabemos que o tempo está contra nós,
então trabalhamos rapidamente. Quando abrimos um espaço
suficiente na parede, pego o machado e começo a golpear novamente,
gritando na esperança de que me ouçam.
Já se passaram várias horas desde o tremor, e não sei se Rachel
ou seu irmão estão feridos. Finalmente, consigo abrir uma fenda na
parte superior e começo a gritar novamente. Quando ouço a voz dela,
sinto um alívio imediato que quase me faz cair de joelhos. Acelero o
trabalho, mas, quando estou prestes a entrar, um novo tremor sacode
tudo ao nosso redor. Vejo, horrorizado, Rachel cobrindo o corpo do
irmão com o dela. Uma pedra grande a atinge, e outra a deixa presa.
Meu grito sai em desespero. Corro para dentro, mesmo com a
terra ainda tremendo. Com a ajuda dos meus amigos, tento remover a
pesada pedra que prende Rachel e seu irmão. Ouço o menino chorar, e
isso me dá esperança de que ele ainda esteja vivo. Minhas mãos tremem
tanto que duvido conseguir fazer isso sozinho, mas meus amigos me
ajudam. Em pouco tempo, tenho Rachel em meus braços, enquanto
Broderick carrega o pequeno, que grita pela irmã. A jovem está
inconsciente, mas ainda respira.
Não consigo parar de me balançar, apavorado com a
possibilidade de nunca mais ver seus belos olhos. Por isso, não consigo
conter o que sempre tentei esconder até de mim mesmo.
Caí como um idiota na primeira vez que a vi de longe, antes
mesmo de ela chegar ao castelo como protegida de Broderick. Percebi
imediatamente que não era alguém com quem eu poderia simplesmente
me deitar e depois abandonar. Tentei me afastar, até mesmo odiá-la se
isso ajudasse, mas nada disso funcionou.
— Você não pode morrer, maldição — murmuro entre dentes,
tentando afastar o terror que me paralisa. — Abra os olhos, Rachel —
ordeno, na esperança de que ela me ouça.
— Precisamos sair daqui, Broke — aconselha Arthur,
preocupado. — Se houver outro tremor, não conseguiremos escapar.
Concordo e me levanto, percebendo que em algum momento uma
pedra deve ter me atingido. Meu amigo se oferece para pegar Rachel,
mas recuso. Não vou me separar dela até ter certeza de que ela sairá
ilesa. Com cuidado, a deito em sua cama, e ao ouvir um gemido, meu
corpo se tensa de preocupação e impotência.
Como imaginei, assim que ela abre os belos olhos, a primeira
atitude que toma é perguntar pelo irmão e tentar se levantar. Impeço-
a com delicadeza, sem precisar usar muita força. O que realmente me
surpreende é a força com que suporta os pontos na ferida. Ela não
emite nenhum som de dor, nem move um único músculo enquanto a
agulha perfura sua carne. Isso me leva a questionar quantas vezes ela
já passou por isso.
Odeio a ideia de não ter estado ao lado dela para protegê-la. Sinto
que falhei, mesmo antes de conhecê-la, e isso me incomoda. Me faz
sentir como um idiota, e não gosto disso. Por isso, tento me manter
afastado dela, mas não é fácil, já que meus amigos parecem decididos
a me torturar, sem perceber o quanto sua presença me afeta.
— Isso é tudo — a voz da velha curandeira me tira dos
pensamentos. — Não acho que a ferida na cabeça vá causar febre,
mas se ela perder a consciência novamente ou sentir dor, chamem-me
imediatamente — explica enquanto se prepara para sair do quarto.
— Cuide-se, garota.
Nem me dou ao trabalho de olhar para trás, porque o sorriso
suave e cansado de Rachel é a coisa mais linda que vi hoje. É um
milagre tê-la à minha frente, ferida, mas viva, e sou grato por isso,
mesmo que não consiga demonstrar, agora que sei que ela está fora de
perigo.
— Por que está me olhando? — sua pergunta me surpreende,
e eu pigarreio. — Não vou morrer, Broke. Pode ficar tranquilo.
— Ficarei quando você parar de se colocar em perigo — advirto,
ciente de que ela não é culpada pelo tremor, mas sim por arriscar a
própria vida.
— Tão gentil como sempre — ironiza, sem me olhar. — Devo
ter sonhado naquele corredor... — sussurra, me deixando tenso, pois
sei a que se refere. — Houve feridos? — pergunta, levantando o olhar,
e sinto um tremor percorrer meu corpo.
— Não — nego, após pigarrear. — O maldito tremor não tirou
vidas.
— Isso é bom — exclama. — Estou muito cansada — suspira.
— Onde está Greylen? Quero vê-lo.
— Você deveria descansar — aconselha Broke. — O menino
está com Broderick e os outros. Eu mesmo posso dar a boa notícia
sobre sua saúde.
— Ele deve estar assustado — rebate Rachel. — Quero vê-lo
— exige com teimosia. — Pode chamá-lo, por favor?
— Não — responde Broke com firmeza. — Você precisa
descansar para se recuperar e cuidar dele, não acha?
— Muito bem. — Vejo-a tentando se levantar, mesmo depois
de uma pedra ter caído sobre ela há menos de uma hora. — Vou eu
mesma, muito obrigada — diz, com ironia. — Você é um verdadeiro
cavalheiro.
— Onde você pensa que vai? — exclama Broke, impedindo-a
ao colocar as mãos sobre Rachel, o que não é uma boa ideia. — Você
não vai sair dessa cama.
— Quem vai me impedir? Você? — Rachel pergunta,
enfurecida. — Me solte, maldito brutamontes! — se debate.
— Fique quieta ou vai se machucar — ele rosna. — Basta,
Rachel, não me obrigue a fazer algo de que ambos vamos nos
arrepender!
— Vai me bater também? — pergunta, furiosa. — Vamos,
faça isso, bastardo miserável...
Atuo por instinto e cubro seus lábios para que ela se cale, para
que pare de dizer besteiras e, finalmente, fique quieta. Consigo, pois
ela permanece imóvel entre meus braços enquanto saboreio,
possivelmente, o primeiro e último beijo que lhe darei.
— Lamento interromper — diz Jaelyn, fazendo Rachel me
empurrar. Bufo ao me virar e vejo Greylen correndo até sua irmã. —
Ele estava muito preocupado — ela se desculpa, me observando como
se quisesse ler minha mente.
— Certifique-se de que ela não saia da cama — digo à senhora
do castelo, pronto para ir embora. — Se ela piorar, avise-me
imediatamente.
Saio como se o diabo estivesse no meu encalço, sem deixar que
Jaelyn me intercepte para me interrogar. Nem estou preparado para
enfrentar minhas próprias respostas.
CAPÍTULO III
Rachel
— Maldito imbecil — murmuro enquanto Greylen me abraça.
— Não se preocupe, pequeno — digo, concentrada no meu irmão, que
treme nos meus braços. — Estou bem.
— Você não acordava — soluça ele. — Foi minha culpa, você
teria morrido por causa da minha imprudência.
— Quem te disse isso? — pergunto furiosa, afastando-o para
que olhe nos meus olhos. — Quem, Greylen? — repito, sem resposta.
— Talvez Broke tenha dito coisas que não sentia — Jaelyn
intervém. — Ele estava assustado e...
— E por isso desconta numa criança? — exclamo. — Não há
desculpa. O tremor não foi culpa de ninguém. Meu irmão controla a
natureza, por acaso?
— Claro que não — Jaelyn concorda. — Não leve isso a sério,
querida. Ele estava aterrorizado com a possibilidade de algo acontecer
com você.
— Por quê? — pergunto, tentando entender. — Se ele me
detesta...
— Acho que nós duas sabemos que isso não é verdade —
Jaelyn sorri. — Especialmente depois do beijo que presenciei.
— Imagino que foi outra forma de punição — respondo,
evitando pensar no que senti quando seus lábios tocaram os meus e
no porquê.
— Por que Broke teria que te punir? — pergunta meu irmão,
franzindo a testa. — Você não fez nada de errado. — Ele está quase
chorando de novo, e eu odeio ver isso.
— Você não entende, pequeno — digo apressadamente. — Vá
comer um pouco daquele pão com mel que você gosta tanto.
Ele sai correndo, nos deixando sozinhas, exatamente como eu
queria. Não quero discutir o comportamento de Broke na frente de
Greylen. Jaelyn se senta ao meu lado, esperando que eu comece a falar,
mas, na verdade, não tenho muito a dizer.
— Você escapou por pouco, querida — diz Jaelyn, suspirando.
— Estávamos todos muito assustados. Mas posso garantir que o
homem que derrubou paredes para chegar até você não é alguém que
te odeie ou que te veja com indiferença.
— Suponho que ele tenha um coração — digo, dando de
ombros. — Talvez ele não me odeie tanto quanto eu pensava, mas isso
não significa que não me veja com indiferença ou que sinta algo por
mim...
Fico em silêncio, lembrando dos pedidos que pensei ter sonhado
enquanto estava inconsciente. Broke implorava para que eu não o
deixasse. Por quê?
— Vejo que você não pode negar — Jaelyn concorda, satisfeita.
— O que você vai fazer a respeito? — pergunta.
— Eu? — questiono, confusa. — Devo fazer algo? Não
entendo, Jaelyn. Já o agradeci por nos salvar.
— Pode me dizer que esse homem não significa nada para você?
— pergunta Jaelyn, cautelosa. — Você não sente nada ao vê-lo?
— Sinto uma mistura de emoções — concedo. — Com ele,
estou sempre em guarda, pois não sei quando ele vai lançar suas
adagas venenosas. Tudo o que faço parece errado aos olhos dele, e isso
me faz sentir inútil, algo a que já estou acostumada.
— Pelo amor de Deus — diz Jaelyn, revirando os olhos. —
Não há pior cego do que aquele que não quer ver. Espero que não seja
tarde demais quando um de vocês decidir ser corajoso.
— Jaelyn — suspiro, cansada. — Sei que você deseja a minha
felicidade porque teve a sorte de encontrá-la, mas o que você tem não
é comum. Você teve muita sorte, e eu não quero tanto.
— Você desistiu — responde Jaelyn, contrariada. — Acha
que não merece nada, mas não é assim.
— Eu sei o que não mereço, Jaelyn — interrompo. — É ser
tratada pior que um animal. Você acha que vou permitir que outro
homem faça isso comigo? Não — balanço a cabeça vigorosamente. —
Nem mesmo Broke.
— Não estou pedindo isso — rebate Jaelyn. — Jamais permita
que isso aconteça. Estou apenas dizendo que, se esse homem desperta
sentimentos em você, lute por isso.
— Nem todas temos a sorte de encontrar um Broderick tão cedo
— respondo, tentando não parecer rude.
— Meu marido não é perfeito — Jaelyn sorri. — Você conhece
nossa história. Foi um longo caminho, cheio de solidão, dor e
ressentimento, mas eu não desisti.
Minha cabeça dói, e toda essa conversa, junto com o que
aconteceu há algumas horas, é demais para mim. Jaelyn percebe e
apaga as velas. Somente a luz da lareira me permite vê-la se afastar,
enquanto me diz para descansar. Eu obedeço, entregando-me ao
cansaço e tentando parar de pensar no impossível, em contos de fadas
que não são para mim.
Broke
Isso vai me deixar louco...
Ontem, tive que resgatá-la de debaixo de pedras que poderiam
tê-la matado. Hoje, preciso ajudá-la a tomar um banho, o que é uma
tortura, pois seu corpo pequeno me descontrola. Tento não olhar
enquanto a coloco na água, mas não consigo evitar, e meu desejo surge
de repente. Viro-me rapidamente, preocupado em passar vergonha na
frente das duas mulheres.
— Vai ser bom tirar toda a sujeira de ontem — diz a esposa do
meu melhor amigo, enquanto tira a camisa molhada, a deixa cair no
chão e começa a lavá-la. — Você vai se sentir melhor depois do banho.
Logo, Jaelyn me pede para tirá-la da banheira e levá-la para a
cama. Um grunhido escapa quando seus seios tocam meu peito,
separados apenas por uma fina camada de tecido. Seus mamilos eretos
ameaçam me fazer perder a sanidade. Se não fosse pela presença de
Jaelyn, não sei se conseguiria me controlar. Minhas mãos tremem ao
deixá-la na cama, e a esposa do meu melhor amigo a cobre
rapidamente. Viro-me, não por pudor, mas para esconder o desejo que
sinto.
— Você pode ir, Broke. A partir de agora, eu cuido — diz a
senhora de Kisimul com firmeza. — Agradeço pela sua ajuda.
Concordo e saio como um raio daquele maldito quarto. Desço as
escadas rapidamente e encontro meus amigos sentados à mesa. Ao
informar a Rachel sobre a hora, não menti.
— Como está a garota? — pergunta Broderick assim que me
sento.
— Sua mulher insistiu para que Rachel tomasse um banho —
respondo.
— E? — pergunta o mais jovem. — Você não ficou olhando?
— Alguém tinha que levá-la até a banheira e depois até a cama
— informo. — Ela deve estar com dor e não consegue andar.
— Imagino que foi ideia da minha esposa — sorri Broderick.
— Sinto muito, irmão — bate no meu ombro em sinal de apoio. —
Deve ter sido muito difícil.
— Não deve ser a única coisa que está dura agora — provoca
Jules, fazendo os outros rirem. — Não é, Broke?
— Quer levar um soco, irmão? — pergunto, furioso. — Não
vejo graça nenhuma, droga.
— Da onde estou sentado, vejo sim — Jules insiste. — Não
sou eu que estou apaixonado por essa garota.
— Pare de falar besteiras — respondo, envergonhado e
frustrado ao mesmo tempo.
— Por que continuar lutando? — intercede Arthur. — Eu
testemunhei tudo que aconteceu ontem e vi você apavorado,
segurando-a como se a tivesse perdido. Por que continuar negando,
Broke? Aprendemos que a vida é curta, ela teve a sorte de se salvar e
você tem uma chance de ser feliz. Não a desperdice.
— Não posso acreditar que você seja o mais jovem de todos —
exclama Broderick, aplaudindo. — Concordo com ele, pare de lutar e
faça algo antes que seja tarde demais.
— Não acha que já é tarde? — pergunto, tentando soar
indiferente, embora isso esteja muito distante da realidade.
— Claro que não — Broderick rebate, convicto. — Você
precisa explicar a ela por que se comportou como um idiota e pedir
desculpas. Depois, mostre a ela quem você realmente é. Se não a ama,
eventualmente acabará amando.
— Fico feliz que você dê bons conselhos, esposo — diz Jaelyn,
me surpreendendo ao entrar. — Vocês deveriam ter começado sem
mim — acrescenta, sentando-se ao lado de Broderick e lhe dando um
beijo suave. — Já pedi para nos servirem.
— Ainda bem, pequena, porque estou faminto — Broderick
replica, olhando para Jaelyn com carinho. — Como está Rachel?
— Eu a deixei descansando e pedi que levassem comida para
ela — responde Jaelyn. — Depois do banho, percebi que ela estava
um pouco cansada.
— Eu avisei — resmungo. — Parece que ninguém se lembra
que a tirei de debaixo de algumas pedras...
— Não é algo que vamos esquecer, Broke — rebate Jaelyn. —
Por que você não come com ela? — pergunta animada. — É um bom
momento se você deseja fazer as pazes.
— Não me pressionem — sussurro, me mexendo inquieto. —
Preciso pensar...
— E agora mesmo você não pode — continua a brincadeira
Jules, que parece se divertir.
Deixo meu copo na mesa com um golpe seco que ressoa na sala.
Sybil, que está servindo a comida, me olha estranhamente, e grunho
frustrado. Meu estado de espírito não melhora quando ela exibe suas
curvas diante de mim. Sei o que ela quer, pois não é a primeira vez que
aceito o que oferece com tanto entusiasmo, e sinto que hoje não será
diferente. Durante esses meses em que Rachel virou minha vida de
cabeça para baixo, não a procurei, mas sinto que vou explodir se não
conseguir me satisfazer.
Quando ela se afasta e os outros estão apreciando a comida, me
levanto para segui-la, sem me importar se percebem ou não. Não devo
explicações a ninguém, e talvez nunca precise. Como sempre, ela me
espera com um sorriso nos lábios e um olhar carregado de desejo que
não tenta esconder, mordiscando os lábios, deixando claro que está tão
ansiosa quanto eu.
— Sabia que você viria — sussurra de forma sedutora
enquanto me aproximo, pega minha mão e me guia até seu pequeno
quarto. — Aqui não vão nos incomodar.
Canso de tantas palavras e a beijo para silenciá-la. Não sou
gentil, nem ela espera isso, pois seus gemidos deixam claro que gosta
do que estamos fazendo. Por minha parte, tento tirar da cabeça uma
certa garota que agora está em cima de nós, deitada em sua cama e…
Grunho frustrado e deixo meu instinto me guiar, a possuindo
como um animal que quer saciar seu desejo. Não há nada além disso.
Quando tudo termina, me sinto vazio e sujo. Embora uma parte do meu
corpo já não doa, não sinto que estou melhor do que ao entrar naquele
quarto. Saio sem dizer nada, palavras vazias não são necessárias.
Ambos sabemos como a situação é, e Sybil entende que nunca vou dar
a ela mais do que o que aconteceu há poucos minutos.
*****
Ando como um animal enjaulado pelo corredor, em frente à porta
do quarto de Rachel, sem coragem para entrar.
— Droga — exclamo, passando a mão pelo meu cabelo
bagunçado. — Não é tão difícil...
— Certamente que não é — a chegada de Jules me surpreende.
— Eu te vi enfrentar homens armados e, no entanto, te encontro em
frente à porta de uma garota que é mais baixa que você — ele brinca.
— Você está de bom humor — retruco. — O que você está
fazendo aqui?
— Estava procurando você — ele dá de ombros. — Presumi
que não estaria longe — diz, apontando com a cabeça em direção à
porta.
— Aconteceu algo? — pergunto, esquecendo por um momento
todas as dúvidas que me assaltavam.
— Não — ele se apressa a negar. — Só queria saber se você
estava bem, você saiu da sala praticamente sem comer...
— Jules, não sou uma criança — interrompo, revirando os
olhos. — Se eu pular uma refeição, não vou morrer; tinha algo urgente
para fazer.
— Espero que esse algo urgente não tenha a ver com Sybil —
ele baixa a voz, olhando ao redor para se certificar de que ninguém nos
escuta. — E se for, não vá agora ao encontro da Rachel.
— Não devo explicações a ninguém, amigo — contra-ataco. —
Ela não é minha esposa, nem minha amante, nada.
— É a mulher que te transformou em um completo idiota —
ele agora fala sério. — Você a ama, droga. Aceite isso de uma vez e se
comporte como um homem.
Ele quase me empurra contra a porta antes de seguir seu
caminho como se nada tivesse acontecido. O observo com raiva até
perdê-lo de vista e, em seguida, bato na porta, me sentindo estúpido
por agir como um garoto inexperiente. Abro assim que ouço sua voz
melodiosa me dando permissão. Vê-la tão pequena naquela cama
enorme me provoca ternura, mas não posso deixar isso aflorar porque
não tenho o direito.
— Como você está? — pergunto, após limpar a garganta.
— Bem — ela responde, um pouco confusa. — Aconteceu
algo com meu irmão?
— Por que deveria? — questiono sem pensar. — Está tudo
bem, não precisa se preocupar com nada além de se recuperar, Rachel.
— Odeio me sentir inútil — ela murmura, e acho que não
percebe a careta que seus lábios fazem, mas para mim é adorável.
— As pessoas ficam doentes ou se machucam todos os dias —
retruco. — E você precisa descansar, assim como eu.
— Você faria isso? — pergunta, olhando nos meus olhos.
— Morda a língua, mulher — exclamo, ofendido. — Sou um
homem, um guerreiro. Nunca fiquei deitado na cama sem fazer nada
na vida.
Após um breve silêncio, ela começa a rir, e eu franzo a testa, sem
entender. Chego a me preocupar se o golpe na cabeça a afetou, por isso
está agindo de forma tão estranha.
— Não me olhe como se eu tivesse perdido o juízo, Broke — ela
diz, conseguindo se acalmar. — Você deveria ter visto sua cara quando
perguntei se faria o mesmo que eu. Parecia que iam te arrancar um
dente.
— Muito engraçada — resmungo — Fico feliz em ver que você
está bem. Poderia ter sido fatal, Rachel.
— Eu sei — ela assente — Mas eu faria de novo. Amo Greylen
acima de qualquer coisa, até mesmo da minha própria vida.
— Acho que o homem que se casar com você será muito sortudo
— digo, tentando parecer indiferente — Você ama intensamente e
está disposta a arriscar tudo por quem ama.
— Uau... — exclama, corando e desviando o olhar — É muito
bonito o que você disse, Broke. No entanto, não acredito no amor além
do que meu irmão e eu conhecemos — ela levanta os olhos novamente,
e vejo a tristeza refletida — Apenas conheço socos e desprezo, então
não desejo me casar.
— Nem todos os homens são assim — exclamo ofendido —
Seu pai é uma besta sem honra.
— Há palavras ou atos que doem mais do que os golpes — ela
sussurra, olhando para o vazio, e sinto um golpe no peito, sabendo que
ela se refere ao meu comportamento.
— Rachel, eu... — fico em silêncio porque não sei como me
expressar, nunca precisei pedir desculpas e não faço isso bem —
Queria me desculpar...
— Por quê? — interrompe, olhando para mim novamente,
como se quisesse atravessar minha alma — Não é necessário que...
Eu a interrompo, me aproximando da cama para me sentar ao
seu lado e pegar uma de suas pequenas mãos. Ela fica tão surpresa
que abre os olhos como pratos e me observa, até tenta se afastar, mas
não a deixo. Se eu perder a coragem agora, temo que nunca mais
consiga recuperá-la.
— Escute-me, por favor — peço — Depois, respeitarei
qualquer decisão que você tomar.
Finalmente, ela assente, ainda hesitante. Respiro fundo para
tentar me acalmar e encontrar as palavras certas.
— Sinto muito por como te tratei sem razão, já que você nunca
fez nada para me ofender — digo finalmente — Foi minha maneira
de me proteger.
— De mim? — pergunta — Não compreendo, Broke. O que
eu poderia fazer para você? Sou inofensiva.
— Destruir-me — rio ao ver sua surpresa — Você, uma
mulher pequena, pode me ferir mais do que a lâmina da espada mais
afiada com apenas uma palavra ou gesto, se eu deixar.
CAPÍTULO V
Rachel
"Não entendo nada", é o único pensamento que tenho enquanto
o observo, esperando que termine de falar. Meu coração dispara,
ansioso pelo que suas palavras podem significar.
— Quando te vi pela primeira vez, soube que você seria um
problema — ele sorri, dessa vez sem cinismo, apenas com ternura. —
E por isso, a única opção foi me afastar de você.
— Acredite, você conseguiu — admito, magoada. — Você é
como um ouriço — murmuro, tentando soltar minha mão da dele,
mas seu toque arde como brasa. — Se quer meu perdão, já o tem,
Broke.
— Não quero só o seu perdão, Rachel — ele responde baixinho.
— Quero tudo.
— Tudo — repito, olhando em seus olhos, agora mais escuros.
— Broke, pare de falar em enigmas. Não sei o que você quer, mas não
sou esse tipo de mulher. Se espera que eu compartilhe sua cama...
— Eu quero você na minha cama, na minha vida, noite e dia —
ele me interrompe com fervor, segurando meu rosto. Prendo a
respiração. — Quero você de corpo e alma, Rachel. Você sente o
mesmo?
«Eu sinto isso?», penso, com o coração a mil e o rosto incrédulo.
Broke me observa, esperando uma resposta que não sei se consigo dar.
Nunca imaginei que, por trás de seu comportamento, houvesse algo
além de desprezo.
— Eu achava que você me odiava — retruco. — Não vou negar
que, quando te vi pela primeira vez, pensei que seria meu salvador,
Broke. Mas isso já faz tanto tempo... Mesmo sabendo que você me
ajudou do seu jeito, acha que é possível esquecer o que aconteceu?
— Eu rezo para que sim — ele diz, acariciando minha
bochecha. — Rezo para que você esqueça e me deixe mostrar quem
realmente sou. Talvez assim você acabe me amando.
— Você quer que eu te ame? — pergunto, quase sem voz,
sentindo o ar sumir e meu corpo tremer. — Por quê?
— Eu já disse — ele replica. — Não quero que você seja minha
amante, Rachel. Quero tudo e que me deixe mostrar o que sinto e o que
você significa na minha vida.
— Meu Deus — murmuro, sem fôlego, ao ver a sinceridade
brilhar em seus olhos. — Se eu permitir, você vai me machucar?
— Nunca — ele diz imediatamente. — Juro que nunca mais
vou te machucar. Deixe-me proteger e cuidar de você.
— Obrigada por pensar em Greylen — soluço, acariciando sua
bochecha, enquanto a barba loira arranha minha palma. — Sim —
concordo, convencida. — Vou te dar uma chance.
— Obrigado — ele sussurra, me beijando com uma intensidade
que me aterroriza e excita ao mesmo tempo. Só ele me beijou assim. —
Você não vai se arrepender, pequena.
Sorrio, mesmo com as lágrimas de felicidade que embaçam
minha visão. Não consigo acreditar que isso está acontecendo,
especialmente porque, há poucas horas, pensei que ele me odiava. Sua
rejeição me machucava, pois, no fundo, sempre desejei que ele agisse
assim. Sempre soube que o queria.
— Gosto quando você me chama assim — confesso,
envergonhada. — Ninguém nunca fez isso antes.
— Então, sempre vou te chamar assim — ele diz, beijando meu
nariz com ternura. — Adoro suas sardas — ele sorri. — Não acredito
que você me deu uma chance — sussurra, próximo aos meus lábios.
— Você vai me beijar? — pergunto, ansiosa.
— Você quer que eu beije? — ele pergunta, sem desviar os
olhos dos meus. Apenas concordo. É tudo o que consigo fazer antes
que seus lábios tomem os meus com paixão.
Minhas mãos se perdem em seu cabelo, enquanto as dele descem
pelas minhas costas com cuidado, provocando arrepios. Ele geme ao
deixar meus lábios e seguir para o meu pescoço, até a base dos meus
seios, que estão doloridos sem motivo aparente.
— Broke… — não sei se estou pedindo para ele parar ou não.
— Droga! — exclama, se afastando de repente. Sinto frio. —
Não é o momento para isso, pequena — diz, tentando recuperar o
fôlego. Eu só consigo olhar para sua calça, que se levanta na virilha.
— Não olhe assim — ele geme, fechando os olhos e respirando fundo.
— Desculpe — sussurro, envergonhada, olhando para baixo,
achando que fiz algo errado.
— Você não fez nada de errado, Rachel — ele se apressa a
esclarecer com ternura. — Se eu não temesse perder o controle, te
abraçaria de novo. Mas eu te desejo tanto que dói, pequena. — Ele faz
uma careta engraçada, me fazendo sorrir como uma boba. — Está
zombando da minha dor? — pergunta, sorrindo. — Vou te fazer pagar
quando você melhorar.
— Promete? — pergunto, encorajada pelo desejo que brilha em
seus olhos e que me faz sentir poderosa.
— Não brinque com fogo, mulher — ele avisa — . Vou sair
antes que perca o controle.
Ele sai correndo e eu, surpresa com sua reação, começo a rir. É
assim que Jaelyn me encontra. Ela sorri ao me ver e se aproxima,
enquanto tento me acalmar.
— Você parece feliz — ela comenta. — Broke finalmente
conversou com você sobre seus sentimentos?
— Você sabia? — pergunto, surpresa. — Sempre me
encorajava, mas...
— Todos sabíamos — ela dá de ombros. — Era preciso ser
cega para não ver — brinca. — Espero que vocês sejam muito felizes.
— Obrigada — suspiro. — Ainda não consigo acreditar no
que aconteceu, Jaelyn. Não entendo o que o fez mudar de ideia.
— Acho que ele ficou com medo de te perder — ela responde,
sentando-se ao meu lado. — A vida é curta, querida. Precisamos vivê-
la plenamente.
As palavras da senhora de Kisimul ficaram gravadas naquele dia.
Algumas semanas se passaram, e já estou totalmente recuperada do
ferimento, que não deixou sequelas mais sérias. Broke cuidou de mim
com dedicação incansável e, durante esse tempo, conversamos
bastante, o que me permitiu conhecer o verdadeiro homem que ele
esconde dos outros. Agora, enquanto o observo ensinar Greylen a
montar com uma paciência infinita, não consigo evitar amá-lo
profundamente.
— Ele será um ótimo pai para seus filhos — diz uma voz atrás
de mim. Ao me virar, vejo Arthur ao meu lado. — Ele me ensinou
muito do que sei.
— Não entendo por que ele esconde seu verdadeiro eu… —
respondo, voltando a olhar para eles.
— Acho que todos fazemos isso em maior ou menor grau — ele dá
de ombros. — E você, esconde algo?
Refletindo sobre isso, percebo que, em várias ocasiões, escondi o
que realmente sentia para não incomodar os outros. Minha nova
família, como insistem que eu a chame, não conhece tudo o que passei
na infância, e prefiro não falar sobre isso, pois relembrar o passado
apenas traz mais dor.
— Talvez — admito. — Mas não posso negar que gosto que
Broke se mostre como realmente é, pelo menos comigo e Greylen. Meu
irmão o adora — sorrio ao vê-lo tão feliz, lutando para conter as
lágrimas.
— E você? — pergunta novamente, e não me incomoda, pois
sei que é a forma dele de se preocupar com o amigo. — O que você
realmente sente por ele? Espero que não seja apenas gratidão, porque
isso pode machucá-lo.
— Eu o amo — afirmo com firmeza, encarando-o. — Pode ser
que você não confie em mim, mas pode ter certeza de que não deixaria
um homem se aproximar de mim apenas por gratidão.
— Isso é o que eu queria ouvir — ele assente, sorrindo
satisfeito. — Para mim, ele é como um irmão, e quero o melhor para
todos eles. — Algo em seu olhar se entristece, e sei que ele está
pensando em Andrew.
— Não quero fazer mal a ele, Arthur — replico. — Apenas
quero o que Broderick e Jaelyn têm. Quem não gostaria?
— Eu não — ele dá de ombros. — Não pense que tudo foi
fácil. Eles sofreram muito até chegar aqui. Por que todos insistem em
depender dos atos e palavras de outra pessoa? — murmura mais para
si mesmo, mas ouço e franzo a testa.
— Você não acredita no amor? — pergunto cautelosamente,
pois não conhecia esse lado de Arthur. — Nunca amou?
— Eu os amo — diz, apontando para Broke. — Para mim,
isso é o suficiente.
— Mas isso é muito solitário — exclamo. — Você não gosta
de nenhuma garota? Está sempre cercado por elas e parece feliz...
— Como é que acabamos falando sobre mim em vez de vocês?
— interrompe, um pouco irritado, fazendo-me recuar
involuntariamente. — Desculpe, Rachel.
— Está tudo bem? — Broke se aproxima rapidamente,
visivelmente surpreso. Provavelmente ouviu nossa conversa à
distância. — Arthur?
— Não é nada — ele responde, virando-se para se afastar.
Broke tenta seguir Arthur, mas eu o detenho, balançando a
cabeça quando ele me olha, confuso.
— Não aconteceu nada — tento acalmá-lo. — Estávamos
apenas conversando.
— Você se afastou, então se sentiu ameaçada de algum modo
— ele diz, irritado. — Não o proteja, Rachel.
— Não estou fazendo isso — exclamo, olhando à distância,
onde meu irmão cuida do cavalo. — Estávamos apenas conversando.
Ele respondeu de forma brusca e, instintivamente, recuei, mas não me
senti ameaçada em nenhum momento — explico. — Você precisa
acreditar em mim. Sei que ele não me faria mal.
— Droga, mulher — ele replica, me abraçando. — Você vai
acabar com meus anos de vida — brinca, e eu rio contra seu peito,
sentindo o cheiro de homem e natureza.
— Não fiz nada — tento me defender, sorrindo. — Muito
obrigada por ensinar Greylen a montar com tanta paciência. Pensei
que, por causa de sua condição, ele não conseguiria...
— Não precisa agradecer — ele interrompe com carinho,
também observando o menino. — Ele é muito inteligente e se esforça
bastante. Tem consciência de sua condição e lutará com todas as suas
forças para superar as dificuldades.
— Não será suficiente — lamento. — Ele não poderá ser um
guerreiro como vocês.
— Quem disse que não? — ele pergunta. — Ele pode treinar
e fortalecer a perna, e aprender a manejar o arco, por exemplo.
— Não crie falsas esperanças, Broke — peço. — Ele pode ser
um homem de paz, um ferreiro ou cuidar dos cavalos...
— Mulher — ele adverte — deixe o menino comigo, ele será o
que quiser.
— Obrigada — digo, sorrindo. — Obrigada por tudo que faz
por nós.
— Vocês são minha família — ele replica. — Vou cuidar de
vocês, pequena.
Abraçados, observamos meu irmão brincar com o cavalo,
cuidando dele e conversando como se fossem amigos. É tão lindo vê-lo
feliz. O sol se põe e percebo que, pela primeira vez desde a morte da
minha mãe, somos uma família completa.
E entendo que tomei a decisão certa.
CAPÍTULO VI
Broke
Falta pouco para que Rachel se torne minha esposa.
Durante essas semanas juntos, nos conhecemos
profundamente. Ela compartilhou segredos que assustariam muitos, e
eu não fiz o que planejava com seu pai porque ela me implorou que não
o fizesse.
— Você está nervoso? — pergunta Broderick enquanto
esperamos os homens voltarem da caçada. O inverno se aproxima e
precisamos estar preparados. — Eu pensei que você não conseguiria,
que não teria coragem de se abrir para Rachel, de explicar a ela seu
modo de agir.
— Não foi fácil para mim — respondo. — E também não foi
fácil para ela confiar em mim. Eu a entendo, pois não fiz nada para
ganhar essa confiança.
— Até agora — rebate Broderick — você mostrou quem
realmente é, Broke. E por isso ela se apaixonou por você, se é que já
não estava...
— Era gratidão — retifico, negando-me a acreditar nessa
possibilidade.
— Eu também a ajudei — exclama Broderick. — Mas ela não
me olhava como olha para você quando acha que ninguém a vê.
— Besteira — retruco. — Não acredito em contos de fadas,
Broderick. Agradeço por ela ter me dado uma chance, e rezo todos os
dias para que ela me ame como eu a amo.
— No fundo, você sabe que ela ama — diz enquanto
observamos os homens chegando ao pátio. — Não cometa erros,
irmão.
Passamos a manhã ocupados, mas avisto Rachel passeando com
Cedric e Greylen à distância. Não consigo evitar de observar encantado,
pois a cena é linda e acelera meu coração. Em breve, terei minha
própria família e temo não saber ser um bom pai ou esposo. Não
questiono meu amor por ela, mas sim minha capacidade de fazê-la feliz,
pois Rachel merece uma felicidade plena.
Ao cair da noite, antes do jantar, eu me lavo e me visto para
entrar no castelo. Sinto uma irritação crescente, pois não suporto a
confiança excessiva que Sybil vem demonstrando ultimamente. Desde
o dia em que confiei meus sentimentos a Rachel, não a toquei
novamente, e parece que isso a deixou furiosa. Não quero criar mal-
entendidos com minha futura esposa; já enfrentamos tantos desafios
para chegarmos até aqui e não suportaria vê-la sofrer por causa de um
passado que não posso mudar.
— Fiquei preocupada — a voz de Rachel me tira dos
pensamentos. Viro-me com o cabelo molhado e percebo seu olhar
percorrendo meu corpo. — Aconteceu algo? Você parece irritado...
— Não — apresso-me a negar. — O que poderia acontecer?
Minha noiva vem me buscar, a mais linda de todas as Highlands —
respondo, me aproximando para abraçá-la.
— Não minta — ela ri, deixando-se envolver pelos meus braços.
Sua fragilidade me surpreende, mas há uma força interna que a torna
ainda mais encantadora. — Vamos jantar, estou faminta.
Entramos no salão sorridentes, mas meu sorriso desaparece ao
avistar minha antiga amante servindo a mesa. O olhar dela dirigido a
Rachel me incomoda, e não consigo evitar de adverti-la com um olhar
firme, deixando claro que não tolerarei qualquer ato ou palavra que
possa fazer Rachel derramar uma única lágrima.
Nos sentamos e logo as mulheres começam a falar sobre o
casamento. Nós, por outro lado, nos concentramos nos preparativos
para o inverno, já que as neves estão chegando e poderemos ficar
isolados por semanas. Enquanto como e aproveito o jantar, percebo
que Rachel come pouco, o que me faz franzir a testa de preocupação.
— Não está bom? — pergunto em voz baixa. — Você não
comeu muito...
— Não estou com muito apetite — responde, olhando para
mim com um sorriso. É então que percebo que ela não parece bem. —
Estou um pouco cansada.
— Você está se sentindo bem? — pergunto, preocupado. Coloco
minha mão em sua testa e noto que ela está com febre. — Você está
ardendo. Por que não disse nada?
— Não exagere — ela replica. — Provavelmente peguei um
resfriado; amanhã estarei melhor.
— Há algo de errado? — intervém Jaelyn. Embora Rachel
insista que não é nada, não posso correr o risco.
— Ela está com febre — explico. — Devemos chamar a
curandeira?
A esposa do meu amigo se levanta e toca Rachel, mas não parece
preocupada, o que me deixa em dúvida. Elas conversam em voz baixa
e não consigo ouvir, o que me frustra.
— Não acho que seja necessário — diz por fim. — O melhor
é você subir e descansar. Vou preparar panos com água fria e isso deve
resolver.
— Eu farei isso — digo, levantando-me e ajudando minha
futura esposa a se levantar. — Tragam tudo o que for necessário, por
favor.
Puxo-a para que caminhe. Ela hesita, mas acaba seguindo em
frente, esforçando-se para me convencer de que não precisa da minha
preocupação.
— Chega, Rachel — peço enquanto subimos as escadas. —
Deixe que eu decida o que é importante.
Ao entrar no quarto, acendo o fogo, mesmo sem ter certeza se é
o melhor a fazer. Peço que ela se troque e fique à vontade. Viro-me para
dar-lhe privacidade, embora o que eu quisesse de verdade fosse
continuar admirando seu lindo corpo. Assim que ouço o som dela
subindo na cama, me viro, me aproximo e coloco minha mão em seu
rosto. Suas bochechas estão coradas e sua testa suada, indicando que
a temperatura está subindo.
— Por que estou te ouvindo? — murmuro para mim mesmo,
pronto para chamar a velha curandeira se necessário. No entanto,
Rachel pega minha mão, e quando olho para ela, ela apenas balança a
cabeça com um leve sorriso, embora pareça exausta. — O que você
pensa que está fazendo, mulher?
— Fique comigo — pede ela. — Tudo vai passar, você não
precisa se preocupar.
A porta se abre, e Jaelyn entra com água e panos. Ela os coloca
na mesa mais próxima e sai, lançando a Rachel um sorriso
tranquilizador. Fico pensando que essas mulheres devem ter perdido o
juízo para estarem tão calmas. Começo a umedecer o rosto de Rachel
com todo o cuidado, como se ela pudesse se quebrar em minhas mãos.
Ela fecha os olhos e se entrega, confiando em mim para curá-la,
enquanto meu maior medo é falhar.
Não sei quanto tempo passa, mas Rachel acaba adormecendo.
Sua respiração suave me confirma isso, e, em seus sonhos, ela
entreabre os lábios macios; tenho quase certeza de que sussurra meu
nome. Me aproximo para ouvir melhor e noto que seus mamilos estão
visíveis sob o tecido fino do camisão branco. Preocupo-me por ter
molhado demais seu corpo com a água fria, mas, ao tocar seu rosto
novamente, percebo que a febre diminuiu. Solto um suspiro de alívio.
— Graças a Deus — sussurro, aliviado, enquanto me sento ao
seu lado com cuidado para não perturbá-la. Ela se mexe de novo e
chama meu nome; aperto os dentes com força quando o desejo faz meu
corpo reagir. Sinto-me um miserável por isso, mas já faz muito tempo
que não estou com uma mulher, e ter Rachel tão perto não ajuda. —
Maldição, você vai me enlouquecer, pequena.
— Broke? — sussurra, abrindo os olhos levemente. — Não vá
embora — pede, segurando minha mão.
— Não vou a lugar nenhum — respondo para tranquilizá-la.
— Volte a dormir.
— Você vai ficar comigo? — pergunta, inquieta.
— Sempre — afirmo, recostando-me ao seu lado. Ela logo se
enrosca em mim, com a coxa perto da minha entreperna, a mão em
meu peito e seu perfume me envolvendo. — Rachel... — murmuro
seu nome, sentindo angústia.
— Você não gosta que eu te abrace? — pergunta, assustada.
Sinto-a se mover para se afastar, mas a impeço, mesmo sabendo que
isso só vai me torturar mais.
— Eu adoro — corrijo com sinceridade. — Durma — imploro,
na esperança de que, ao fazê-lo, meu fervor se apazigue.
— Eu te amo — murmura contra meu peito, deixando um beijo
que ressoa até a alma.
— Maldição, Rachel — sibilo, tenso como a corda de um arco.
— Se você não dormir, juro que vai me ter entre suas pernas antes da
nossa noite de núpcias.
— E se for isso que eu desejo? — pergunta, levantando o rosto
em minha direção. Olho nos olhos dela para confirmar que está
acordada. — Por que esperar? Eu desejo você, Broke — diz, quase
em um gemido.
— Você está tentando me torturar, pequena — queixo-me. —
Você está doente; a febre está falando por você.
— Não — ela nega, se levantando. — Você não me deseja
como eu desejo você? — pergunta, desconfiada.
Eu poderia tentar convencê-la com palavras, mas sempre fui um
homem de ações. Pego sua mão e a coloco perto do que revela meu
desejo. Ela abre os olhos, surpresa, e se envergonha como uma virgem;
não consigo conter o sorriso.
— Nunca duvide de que eu a desejo e a amo — digo com a voz
rouca. — Quero apenas fazer as coisas da maneira certa, pequena, só
isso.
— Eu entendo — ela diz, assentindo enquanto se afasta. —
Não deveria ter... — não termina a frase, vira-se e me dá as costas na
cama. Embora seu corpo ainda esteja próximo, sei que sua mente está
longe. Eu a machuquei sem querer e me odeio por isso.
— Rachel — sussurro, me aproximando e a abraçando. —
Você tem certeza?
Ela se remexe entre meus braços, se posicionando de frente para
mim; suas mãos se perdem em meu cabelo e ela me beija como
resposta. Deixo de pensar e selamos nosso destino. A paixão, o desejo
e o amor que sinto por ela se acumulam dentro de mim, e temo perder
a pouca sanidade que me resta ao ouvir seu gemido chamando meu
nome.
Vou despindo-a lentamente, percorrendo seu corpo com minhas
mãos e lábios, adorando-a e mostrando o quão preciosa ela é para mim.
Beijo cada cicatriz enquanto a sinto tremer. Quando sei que ela está
pronta, me cubro com seu corpo e a penetro lentamente, para não
machucá-la. Suas unhas cravam em meus ombros, enquanto meus
beijos silenciar seus gemidos e os meus.
— Broke — exclama, tensa e sei que ela está prestes a alcançar
o êxtase, assim como eu.
Não duvido que seu grito possa ser ouvido em todo Kisimul.
Pouco depois, eu também me esvazio dentro dela, gemendo seu nome
repetidamente.
CAPÍTULO VII
Rachel
Caminho apressada porque não gosto de deixar meu irmão e
Cedric sozinhos por muito tempo. A cesta cheia de hortaliças pesa e
atrapalha meus passos. Por que diabos eu me recusei a deixar Broke
me ajudar? A resposta é simples, não gostei de vê-lo conversando com
aquela mulher e ao lembrar disso não consigo evitar que a fúria me
invade novamente.
— Maldito — sussurro — todos os homens são iguais…
Engasgo quando alguém se intercepta em meu caminho e
empalideço ao reconhecê-lo por baixo de toda aquela sujeira. Meu pai
está à minha frente sorrindo de uma maneira sinistra que faz meu
sangue gelar. Eu conheço esse olhar e ele não pressagia nada bom.
— Finalmente te encontro sozinha, Rachel — diz como
saudação. — Você não vai dizer nada ao seu pai — ele debocha
enquanto se aproxima e eu recuo instintivamente.
— O que você está fazendo aqui — pergunto tentando esconder
meu medo. Sei que ele se diverte com isso. — Achei que o Laird havia
sido muito claro com você, pai.
Seus olhos escurecem e suas mãos se tornam punhos. Olho ao
meu redor e percebo que estou muito longe e ninguém vai me ouvir
pedir ajuda. Como pude ser tão estúpida a ponto de baixar a guarda?
— Seu prometido também foi — ele sussurra com raiva. —
Você já se deitou com ele como a boa meretriz que é, Rachel? Afinal,
você é a digna filha da sua mãe…
Sinto meu rosto esquentar diante de suas insinuações, uma
mistura de vergonha e raiva por ele manchar a memória da mulher que
me deu a vida. Erguendo o queixo com orgulho, afirmo que não fiz nada
de errado ao me entregar ao homem que amo e que me ama. Não
permitirei que meu pai destrua a coisa mais bela que experimentei em
minha curta existência.
— Então você realmente fez isso — ele ri. — Sempre soube
que acabaria aquecendo a cama de qualquer homem que cruzasse seu
caminho.
— Basta! — retruco furiosa. — Não fiz nada de errado, pai
— respondo com uma coragem que não sei de onde vem. — Broke é
meu prometido e dentro de três dias será meu esposo.
— Você tem certeza? — ele pergunta com sarcasmo. — Que
tal pensar no que ele diria se soubesse que sua "mulherzinha" é uma
vagabunda que se entrega a qualquer um?
— Isso é mentira! — grito ofendida. — Apenas me entreguei
a ele. Somente irei me deitar com meu esposo e com mais ninguém.
Com uma velocidade surpreendente, ele me atinge com um tapa,
me fazendo cair ao chão e ficando atordoada. Grito ao sentir seu peso
sobre mim e, em meio à dor do rosto contra a terra, começo a me
contorcer. Dificulto a respiração, mas luto com todas as minhas forças
ao perceber suas intenções. É em vão, pois ele sempre foi mais forte
que eu.
— Sou sua filha — grito numa tentativa desesperada de detê-
lo. — Maldito bastardo...
— Não é — ele sussurra em meu ouvido, enquanto sinto sua
mão tentando rasgar minha roupa íntima. — É por isso que sempre
te odiei, você me lembra o quão vagabunda era minha esposa.
Sua confissão me deixa imóvel, chocada com a revelação que
acabo de descobrir.
Grito quando sinto seu membro tentando encontrar meu centro.
Erguendo a cabeça como posso, golpeio a dele e ouço-o rosnar, mas
antes que possa fazer mais algo para me salvar dessa situação, um
golpe em minha têmpora faz com que a escuridão caia sobre mim, me
levando para longe desse novo inferno.
Desperto desorientada…
Ao lembrar do que aconteceu, levanto com as pernas trêmulas e
arrumo minha saia. Não sinto nada nas minhas partes íntimas, embora
não saiba o que deveria sentir. Choro, sentindo-me a mulher mais suja
das Highlands. Apresso-me a me recompor, envergonhada, olho ao meu
redor para ter certeza de que ninguém me viu. A verdade é que não sei
se agradeço ou não, porque neste momento o que mais desejo é
desaparecer, morrer para não ter que viver com o que acaba de
acontecer comigo.
Não sei quanto tempo se passou, então pego o cesto e me apresso
a chegar ao castelo, na esperança de poder esconder o que aconteceu.
Tento apagar as marcas do meu choro e rezo para que as marcas dos
golpes que levei do meu pai não sejam visíveis ou que possa mentir
mais uma vez, dizendo que caí.
Como posso olhar nos olhos de Broke? Eu paro, pois essa
pergunta é como um golpe de realidade. Fecho os olhos e volto a chorar,
agora com muito mais intensidade, ao perceber que não posso me casar
com ele, não depois do que deixei acontecer. Por que não lutei mais?
Tanto Broke quanto os outros me ensinaram bem e, na hora decisiva,
meu futuro marido tinha razão, não fui capaz de me proteger, nem a
mim mesma. Não sou digna de ser esposa de ninguém, muito menos
do homem que me salvou inúmeras vezes, até arriscando sua própria
vida, e que abriu seu coração para mim. E como eu retribuo isso?
Meus joelhos batem no chão quando não consigo me manter em
pé, quando a dor se torna insuportável e o único desejo que tenho é
que a terra me engula e que tudo o que sinto neste momento acabe.
— Rachel! — o grito de Broke me assusta. Olho para cima e
vejo-o se aproximando rapidamente montado em seu cavalo. — Rachel
— ele grita novamente. Consigo perceber o quão aterrorizado ele está,
então apresso-me a tentar me recompor e pensar em uma mentira
convincente.
Levanto-me e tento sorrir assim que ele desmonta e corre até
mim. Ele me abraça, e o que antes era um consolo agora me provoca
repulsa, por isso me afasto apressadamente. Ele me olha surpreso e
preocupado na mesma medida.
— O que aconteceu com você? — pergunta, tentando acariciar
meu rosto. Novamente, eu o afasto. — Quem te fez isso? — exige
saber.
— Ninguém — me apresso a responder. — Estava voltando
de pegar algumas hortaliças e tropecei — dou de ombros. — Acho
que bati a cabeça e perdi a consciência. Quando acordei, fiquei um
pouco desorientada, mas estou bem.
Ele me observa por uma eternidade. Vejo a dúvida em seus olhos
enquanto tenta encontrar uma verdade nos meus que não existe. Tento
passar ao seu lado para escapar de seu olhar penetrante. Apenas quero
fugir de sua presença, pois ela me lembra o que tive e perdi em pouco
tempo. Estou consciente da dor que vou causar a ele.
Ele me para, segurando meu braço. Nossos olhos se encontram
novamente, agora os dele estão escurecidos pela fúria.
— Pare de mentir para mim e me diga o que diabos aconteceu,
Rachel — exige entre dentes. — Você acha que sou estúpido?
Eu me tensiono e me solto de seu aperto. Não suporto isso
porque me lembra que outras mãos mancharam meu corpo, fazendo
com que eu não seja digna do homem que está à minha frente.
— É seu problema se você me acredita ou não, Broke — replico.
— Você vai me levar ao castelo ou devo voltar a pé? — pergunto
enquanto começo a caminhar em direção ao cavalo.
Assim que monto, sinto que ele faz o mesmo atrás de mim. Tento
me afastar de seu contato, mas não há como fugir. Posso sentir seu
cheiro, o calor que emana de seu corpo, e o desejo de me deixar cair
sobre ele e ser abraçada para me sentir protegida mais uma vez é tão
forte que preciso fazer um esforço quase sobre-humano.
— Pare de se mover — ele diz, passando o braço pela minha
cintura. — O que diabos está acontecendo com você? — questiona,
irritado, mas no fundo soando ferido, e isso me machuca ainda mais
por dentro.
Não respondo, mas odeio a sensação de tê-lo tão perto. Não
porque seu toque me cause repulsa, muito pelo contrário, mas porque
me lembra o que tive e que nunca mais sentirei. Estou certa de que ele
pode sentir o cheiro do meu pai em mim, e um desejo imenso de vomitar
ataca meu estômago. Broke xinga e para o cavalo, enquanto eu desço
rapidamente para vomitar.
Broke
Eu a contemplo enquanto se afasta de mim. Ao meu lado, seu
irmão me imita, com o rosto pequeno contraído pela preocupação. Foi
ele quem me avisou que Rachel estava demorando demais, então fui
procurá-la.
— Por que sinto que a decepcionei? — pergunto, mais para
mim mesmo. — Ela está mentindo, droga.
— Os olhos dela já não brilham — a voz trêmula de Greylen
me faz baixar o olhar para vê-lo prestes a chorar. — Não brilham mais,
Broke...
— Droga — exclamo, frustrado. — Ela se fechou novamente
para mim, eu percebi.
— Se você perguntar, só vai conseguir isso — suspira o
menino, com uma sabedoria incomum para sua pouca idade. — Ela
precisa falar por conta própria.
— Por que vocês estão parados aqui? — a chegada de Broderick
nos surpreende. — Por que essa expressão?
— Algo está acontecendo com Rachel — responde Broke.
— Como assim? — pergunta, cruzando os braços. — Não dê
muita atenção, as mulheres sempre ficam nervosas antes do
casamento.
— Você diz isso porque forçou a sua? — retruco, mordaz.
— Desculpe — peço, percebendo que estou descontando nele meu
mau humor e preocupação. — Não é isso, Broderick, eu sei.
— Fale com ela — aconselha Broderick preocupado — Não a
deixe se afastar porque pode ser que você nunca mais consiga alcançá-
la.
Saio correndo e subo as escadas esperando que ela esteja em seu
quarto. Ao entrar, a surpreendo chorando e fico imóvel pois sua reação
me deixa sem palavras por um momento.
— Quem diabos te deu permissão para entrar no meu quarto,
Broke? — ela me repreende, levantando-se do chão e se aproximando
de mim como uma fera enjaulada. — Por que você não me deixa em
paz? — grita, histérica, começando a me golpear no peito com todas
as suas forças.
Seguro suas mãos para imobilizá-la e evitar que se machuque,
enquanto ela continua gritando sem sentido. O que aconteceu para que
ela me olhasse com ódio, quando esta manhã, ao acordar ao meu lado,
seus olhos refletiam amor?
— Chega — ordeno, enfurecido e sem entender o que está
acontecendo. — Fique quieta, Rachel — grito, abraçando-a para
contê-la.
— Me solte, bastardo — grita, arranhando minhas costas com
fúria. Grunho de dor. — Me deixe sozinha... — sua voz se rompe e
seu corpo fica inerte em meus braços. — Por favor.
— Nunca — respondo com fervor. — Diga-me o que
aconteceu, Rachel — exijo, afastando-a de mim para olhar em seus
olhos. — Fale — a sacudo, perdendo a paciência ao vê-la tão
destruída sem saber o motivo.
Ela parece se recompor e se afasta abruptamente. Seu olhar
perdeu o brilho e seu irmão está certo, mas há algo mais. Algo morreu
dentro dela. Não é a garota com quem passei meu tempo nas últimas
semanas nem a que evitei para me proteger.
— Quero que você saia do meu quarto e da minha vida, Broke
— ela sentencia, me deixando atônito.
— O que você quer dizer? — pergunto, surpreso — Nós vamos
nos casar em três dias...
— Não — ela interrompe com firmeza — Não quero me casar,
nem em três dias, nem nunca mais.
— Você perdeu a razão, Rachel? — questiono, incrédulo —
Há algumas horas, você acordou na minha cama. Você se lembra?
Pela primeira vez, a vejo hesitar. Ela recua alguns passos, como
se minhas palavras a tivessem atingido, e baixa o olhar, evitando o
meu. Ao me aproximar, ela se afasta mais, levantando a mão para me
deter. Eu paro, notando que seus olhos estão marejados de lágrimas
que ela tenta não deixar cair.
— Não torne isso mais difícil — implora agora sem a mágoa
que me recebeu — Não posso me casar com você, Broke. Percebi que
não sou o que você precisa, muito menos o que você merece.
— Pare de dizer bobagens — sussurro frustrado — Eu te amo
e você me ama... — fico em silêncio quando ela balança a cabeça, com
uma tristeza que aperta meu coração.
— Uma vez você disse que eu era jovem demais para saber o
que realmente queria — diz sem me olhar — Você estava certo. Passei
toda a minha vida sob o jugo de um homem e agora sou livre e não
quero me comprometer com outra pessoa.
— Não me compare com aquele miserável — elevo a voz,
ofendido. — Nunca colocaria uma mão em você nem limitaria sua
liberdade, Rachel, você deve saber disso. Você já parou para pensar
que pode estar grávida do meu filho? — pergunto entre dentes, furioso
com ela.
Ela empalidece ainda mais e me observa com um olhar
aterrorizado. É nesse momento que sinto uma faca sendo cravada
diretamente em meu peito. Deixo de me importar com os motivos que
a levaram a agir dessa forma. Agora sou eu quem permite que a
armadura, que ela Broke, volte a me envolver, como um velho manto.
— Já que a ideia te horrorizou, reze a todos os deuses para que
isso não aconteça — respondo com frieza. A partir de agora, você e eu
não temos mais nada em comum — afirmo, sem me importar com sua
reação, e saio do quarto, me afastando dela.
A noite caiu e não sinto vontade de voltar
ao castelo. Estou na taverna mais próxima, tentando afogar
Rachel
— Greylen! — gritei ao ver que ele estava batendo em Broke.
Corro em direção a eles e empurro meu irmão — O que você acha que
está fazendo? — perguntei irritada.
— Ele te machucou — sussurra, lutando contra mim — Ele é
como o pai, te fez chorar e…
— Chega — gritei ao ouvi-lo mencionar aquele canalha que
arruinou minha vida — Nunca mais faça algo assim. Não preciso que
me defenda. Deixe Broke em paz e não se intrometa em assuntos que
você não entende.
Ele sai correndo e eu suspiro, cansada de que todos acham que
devem me defender de Broke. Fui eu quem decidiu romper nosso
compromisso, pois não acho justo que ele tenha que carregar uma
mulher defeituosa como eu. Não quero me virar e encontrá-lo na minha
frente, mas estou ciente de sua presença.
— Sinto muito — me desculpo sem olhar para ele — Não vai
acontecer de novo. Acelero meus passos para me afastar, pois não
consigo suportar ouvir sua voz desde que soube o que ele fez na noite
passada. Ainda lembro do momento em que ouvi Jules contando a
Jaelyn e Broderick.
bufando, sem me deixar ver para poder ouvir melhor — Justo quando
achava que tinha conseguido, uma qualquer se aproximou e o idiota
ficou com ela.
Cubro meus lábios para abafar o soluço de dor. Fecho os olhos e
as lágrimas escorrem pelas minhas bochechas. Não me movo. Quero
saber tudo, mesmo que isso me mate.
— Isso não significa nada — tenta raciocinar Jaelyn — Tenho
certeza de que ele voltará em breve.
— Ele subiu com ela para um dos quartos — Jules informa,
quebrando meu coração em mil pedaços — Não deve estar falando
com ela, exatamente. O bastardo estava bêbado como nunca vi…
— Idiota imprudente — reclama Broderick — Ele não
aprendeu nada com meus erros? — ele levanta a voz, furioso —
Rachel não pode descobrir isso…
“Tarde demais…” penso, triste. Afasto-me da sala com passos
hesitantes, sentindo-me tonta. Ando sem rumo e só percebo que subi
uma das torres quando a chuva torrencial cai sobre mim, encharcando-
me até os ossos. Mesmo assim, não sinto o frio, pois estou morta por
dentro.
Aproximo-me da beirada e olho para baixo. Toda a minha
existência miserável passa diante dos meus olhos. Pergunto-me para
que continuar vivendo. Sinto-me manchada, suja, quebrada e inútil. O
único homem que amei está desfrutando de outra mulher enquanto
estou aqui, sozinha e completamente destruída.
O pior de tudo é que não posso culpá-lo, pois fui eu quem decidiu
romper nosso compromisso. Fui eu quem falhou ao não me defender
daquele bastardo com mais firmeza. Eu falhei e não mereço ser sua
esposa. Mesmo assim, dói como se ele tivesse me traído.
Não percebo o que estou fazendo até que me encontro na beirada,
disposta a me deixar cair no vazio. Seria uma solução para parar de
sofrer, para não sentir o nojo que sinto de mim mesma, e para não
lembrar do toque das suas mãos em meu corpo e do seu cheiro em
minha pele.
— O que você acha que está fazendo, Rachel? — o grito de
Jaelyn me faz levar um susto e, se não fosse por ela, eu teria caído. —
Desça daí — sussurra, conseguindo me afastar da beirada. — Você
enlouqueceu?
Soluço e deixo-me cair no chão. Embora ela me pergunte várias
vezes o que aconteceu, não respondo. Ela me abraça, e juntas nos
balançamos durante o que me parece uma eternidade. Não se importa
de estar se molhando e não para de me dizer palavras tranquilizadoras
que conseguem me acalmar um pouco, embora meu coração não
encontre paz.
— Nenhum homem merece que você tire sua vida — replica,
segurando meu rosto entre suas pequenas mãos — . Vamos descer.
Você precisa tomar um banho ou ficará doente.
Deixo-me guiar em silêncio, com a mente confusa. Ao chegar ao
meu quarto, vejo que a banheira está cheia de água quente. Quando
ela começa a me despir, afasto-me, pois não consigo suportar o toque
de outra pessoa. Rápida, faço isso sozinha e deixo que a água quente
me aqueça. No entanto, mesmo assim, continuo a tremer, e pode ser
que nunca pare.
— Você pode ir embora — sussurro, olhando para as chamas
— Não vou fazer nenhuma tolice. Você precisa trocar de roupa, ou
acabará adoecendo.
— Não confio em você, Rachel — repreende — Você não está
em seu juízo, ou jamais teria pensado em abandonar seu irmão. Por
isso, vou ficar aqui com você.
— Mas seu lugar é ao lado do Laird — exclamo, olhando para
cima pela primeira vez — Eu vou ficar bem, juro que não vou fazer
nenhuma estupidez.
— Claro que não — replica — Estarei ao seu lado para impedir
isso. E não pretendo sair daqui até você me contar por que rompeu seu
compromisso com Broke.
Batidas na porta anunciam as criadas trazendo água nova. Saio
para que elas possam drenar e encher a banheira novamente para que
Jaelyn tome seu banho. Elas também trazem roupas de dormir a
pedido do marido dela, e, mais uma vez, sinto inveja do amor que eles
têm um pelo outro, um amor que eu jamais terei.
Enquanto ela toma seu banho, visto-me e preparo suas coisas.
Certifico-me de que Cedric e Greylen estão dormindo tranquilamente e
volto para o meu quarto, onde a encontro escovando o cabelo na frente
do fogo. Eu deveria fazer o mesmo, mas esse gesto simples me lembra
de Broke. Ele costumava fazer isso, e engulo em seco para afastar o nó
que ameaça me sufocar.
— Agora tudo vai te lembrar o que você perdeu — diz minha
amiga, como se pudesse ler meus pensamentos — Não deixe que o
orgulho, o medo ou qualquer outro sentimento te afaste da pessoa que
ama, Rachel. Você vai se arrepender.
— Eu me arrependeria mais se casasse com ele — respondo —
Não pergunte meus motivos, por favor, porque não vou te contar.
— Você faria isso se eu te ordenar? — questiona, virando-se
para me olhar — E se fosse o seu Laird a perguntar?
— Se ele fizesse isso, eu teria que deixar Kisimul — reconheço
— Mas nunca direi por que tomei a decisão de não me casar com
Broke.
Broke
Ouço o grito e reconheço o quarto. Corro até lá e, ao escutar
vozes, paro e abro a porta, deixando uma fresta.
— Foi um pesadelo, Greylen — escuto Rachel dizer. — Confia
em mim e volte a dormir.
— Pesadelos não fazem vomitar — franzo a testa. — Não vai
me contar a verdade, irmã? Foi o pai?
Fico tenso ao ouvir o menino perguntar e me sinto um idiota por
não ter pensado nisso antes. A última vez que vi aquele miserável,
quase o matei de tanto que bati nele. Não consigo acreditar que ele teve
a audácia de se aproximar dela novamente.
— Não mencione ele de novo, Greylen — rosna Rachel. —
Esse homem está morto, entendeu?
Não consigo vê-los, mas percebo que ela está sendo agressiva
demais. Sei que ela nunca fala assim com o irmão.
— Eu te conheço — insiste o pequeno. — Você não caiu,
nunca foi desajeitada. Alguém te atacou, e não entendo por que você
mente para todo mundo, até para o Broke...
— Chega! — grita ela, interrompendo-o. Quero entrar, mas me
contenho. — Obedeça, Greylen. Não tente entender os adultos, isso
não te diz respeito.
Depois disso, o silêncio se instala. Imagino que o pequeno
obedeceu e que não vão mais falar, mas o desejo de entrar e garantir
que está tudo bem é forte. Mesmo assim, sigo para meu quarto, que
era meu destino antes de ouvir o grito. Broderick e os outros me
prenderam na sala, e quase chegamos aos golpes. Eles não apenas me
recriminaram pelo meu comportamento durante o jantar, mas meu
Laird também decidiu me lembrar das palavras que trocamos quando
interrompi a conversa dele com minha ex-noiva.
Rachel
As semanas passam e me sinto cada vez pior.
Quase não durmo, não tenho apetite e o pouco que como
geralmente acaba em vômito. Tento ocultar isso, mas minha aparência
não passa despercebida. Perdi peso e os vestidos não me servem bem
e meu rosto pálido e com olheiras chama muita atenção.
Jaelyn e seu esposo se afastaram, mas estão preocupados. Jules
e Arthur respeitam meu espaço. Meu irmão está preocupado, mas
prefere não falar para não me irritar. Broke foi o único a me enfrentar,
e nossa conversa acabou se transformando em uma discussão, sem
que nenhum de nós cedesse.
— Vamos. — A chegada do homem com quem eu ia me
Broke
Detesto saber que a mulher ao meu lado se casa comigo por
obrigação. Os olhos que antes brilhavam ao me ver agora estão sem
vida, cheios de frieza que congela meu sangue. Ao meu lado, ouço o
padre que nos une, imóvel, como se seu corpo estivesse aqui, mas sua
mente distante. De relance, vejo que Jaelyn está tensa, segurando as
lágrimas. Conheço-a bem o suficiente para saber que não são lágrimas
de emoção. Seu marido me observa, e um gesto sutil dele revelou que
ele também percebeu a situação.
— Você pode beijar a noiva, garoto — exclama o padre. Ao me
virar, percebo que minha esposa me observa atentamente. — O que
você está esperando, homem?
Faço o que se espera de mim, tentando não me perder em seu
toque ou nas emoções que isso desperta. Estou furioso com Rachel por
sua recusa em se unir a mim, por não me amar como eu a amo. Os
aplausos me fazem reagir, e me afasto dela. Enrubescida, Rachel
esconde o rosto com os cabelos, tentando se ocultar dos olhares.
— Parabéns, irmão — Broderick me dá um tapa nas costas.
— Te desejo muita felicidade no seu casamento.
— Eu duvido — retruco. — Você sabe melhor do que ninguém
por que minha esposa aceitou…
— Detalhes — ele diz, com um gesto da mão, deixando claro
que não se importa. — Eu também forcei a minha, e olhe para nós.
— Existe uma grande diferença — replico, cruzando os braços.
— Qual? — pergunta minha esposa, se aproximando de nós.
— Vocês cresceram juntos e sempre tiveram uma ligação —
digo com indiferença. — Mas amor? Não, isso não pode ser verdade.
Mal consigo acreditar que já sentimos amor de verdade.
Jaelyn aperta os lábios, mas não diz nada diante das minhas
palavras. Os outros interrompem para nos oferecer seus melhores
votos, sem perceber que isso não fará diferença, pois nossa união está
condenada desde o início.
A comemoração se estende mais do que eu gostaria, mas como
Rachel não diz nada, me mantenho afastado dela. Converso com meus
amigos enquanto recebo felicitações. Preciso fingir, pois não quero
rumores sobre meu casamento, e muito menos sobre meu filho.
Filho…
Quando soube da sua existência, amei-o instantaneamente. Depois de
anos de solidão, o que mais desejei foi formar minha própria família,
aquela que me foi tirada ainda jovem.
— Pare de franzir a testa — diz Arthur entre dentes. — As
pessoas vão achar que você não está feliz.
— É que não estou — respondo, bebendo do meu copo. —
Você acha que eu queria me casar com alguém que não me suporta?
— Vocês vão resolver isso — Arthur dá de ombros, sorrindo.
— Você só precisa parar de ser idiota.
— Desculpe? — exclamo, franzindo a testa. — Isso não é
culpa minha…
— Você se deitou com uma prostituta — ele interrompe.
— Ela me deixou sem explicação — replico, elevando a voz.
Vejo algumas pessoas cochichando e tento me controlar. — Não vou
pedir desculpas pelo que fiz nem pelo que vou fazer.
— Não entendo… — Ele me olha confuso até perceber do que
estou falando. — Você não pode estar falando sério! — exclama. —
Você ficou louco? Por que buscar fora o que já tem?
— Porque eu não tenho isso — sibilo entre dentes. — Não
vou me deitar com uma mártir. Prefiro mulheres que queiram estar na
minha cama — digo com ironia, sabendo que não é bem isso que
desejo.
— Estou feliz em saber disso, esposo — diz Arthur, horrorizado
ao ver minha esposa atrás dele, pálida e furiosa. — É um alívio que
você busque refúgio em outro lugar. Reze para que o que cresce em
meu ventre seja um menino que continue seu legado, porque não darei
mais nada a você.
Ela sai quase correndo e, mesmo sentindo vontade de segui-la,
não o faço. Para quê? Ela decidiu me deixar para trás, como um cavalo
velho que não serve mais. Não vou ceder nem suplicar novamente.
— Juro que estou me contendo para não te bater — diz Arthur.
— Você está agindo como Broderick, que quase perdeu Jaelyn. Diga
uma coisa, Broke: você conseguiria viver sem Rachel?
Depois que Arthur fez a pergunta, ele sai, me deixando sozinho
entre as pessoas. Continuo bebendo e vejo Sybil, com quem já tive
encontros, me observando com um sorriso provocante. Reconheço
aquele olhar e o que ela oferece. Talvez eu aceite, já que é minha noite
de núpcias.
— Nem pense nisso — ouço Jaelyn sussurrar atrás de mim.
— Se você fizer isso, eu a expulsarei de Kisimul. E não sem antes
quebrar alguns ossos por agir como uma prostituta — ameaça.
— Não se meta no que não lhe diz respeito — retruco, furioso,
sem medir minhas ações, guiado pelo efeito do whisky. — Cuide do
seu marido e me deixe em paz — ordeno entre dentes.
— Se você voltar a me falar assim, vou cortar suas bolas, Broke
— responde Jaelyn, sem demonstrar medo. — Apenas estou deixando
passar porque sei que é a dor e o orgulho que estão falando por você.
— Você não sabe de nada — aperto os punhos com força,
tomado pela fúria. — Pode ser a senhora de Kisimul, mas isso não te
dá o direito de...
— Isso me dá todo o direito — Jaelyn me interrompe com
firmeza. Vejo sua mão se erguer, um sinal claro para que seu marido
não intervenha. — E mais ainda, me dá o direito de saber por que
Rachel age assim, Broke. Acredite, se continuar com suas atitudes, no
dia em que descobrir o motivo, ajoelhar-se e pedir perdão não será
suficiente. Você a terá perdido para sempre e não conseguirá viver com
o peso dos remorsos.
— Não vou me ajoelhar diante de ninguém — respiro fundo,
soltando uma risada. — Se vai me contar o que sabe, fale logo ou saia.
Como ela não fala, eu tomo a iniciativa. Vou até os estábulos por
pura rotina, já sabendo o que vou encontrar. E, de fato, não estava
errado: a morena de curvas generosas me espera em uma das baias.
Dou uma olhada por cima do ombro, garantindo que ninguém me veja,
e entro, decidido a viver minha vida do meu jeito, e não como os outros
ditam.
Ao diabo com todos...
Rachel
— Rachel — ele me chama, preocupado, enquanto eu, incapaz
de evitar, esvazio meu estômago. — Rachel! — ele diz, alarmado.
— Não se aproxime — gemo, conseguindo finalmente falar. —
Vá embora de uma vez — resmungo, furiosa por ele me ver nesse
estado tão lamentável.
— Eu não queria isso — ele responde, preocupado. — Deixe-
me ajudar você a ir para a cama e…
— Não! — exclamo. — Posso fazer isso sozinha. Vou me
arrumar assim que limpar tudo.
— Eu farei — replica, e então me dirijo para a cama.
— Rachel… — Uma vez deitada, olho de soslaio e vejo-o limpando a
bagunça que causei — Você realmente me acha repulsivo? — ele
pergunta, quase assustado. Nesse momento, sinto-me mal por ser seu
marido.
— Acho que qualquer mulher sentiria isso se o marido se
revirasse com outra — disparo. — Estou grávida, Broke. Não está
sendo fácil.
— Eu não a beijei — ele diz, após um breve silêncio. — Não
é o que você pensa…
— Deixe pra lá, por favor — peço, com vontade de chorar. —
Quero descansar.
Ouço-o suspirar enquanto se dirige para a porta. Uma vez lá,
sinto seu olhar sobre mim por um tempo que parece uma eternidade
antes de sair, fechando a porta com cuidado. Suspiro aliviada, mas não
consigo evitar a solidão. Esse sentimento não é novo, mas, desde que
Broke estava ao meu lado, parecia parte do passado. Agora, a dor é
mais intensa porque sei o que perdi. Acaricio meus lábios, lembrando
do toque dos lábios do meu esposo. Não vomitei por repulsa a ele, mas
pelos atos dele e de quem se fazia chamar meu pai.
Como vou viver assim? O que me espera? Minha vida foi
interrompida para sempre, e não creio que serei capaz de me recuperar.
Deito-me na cama, tentando parar de tremer, sabendo que o frio
que sinto não vai me abandonar.
Caio rendida ao choro…
Broke
Duas semanas depois…
Rachel enlouqueceu.
Nas últimas semanas, testemunhei sua recuperação. Ela já não
parece um cadáver. Mesmo assim, continuo observando-a, apesar de
sua recusa em ouvir o que digo. O que me tranquiliza é que ela passa
muito tempo com Jaelyn, Greylen e Cedric.
Agora, percebo que estão me escondendo algo. Jaelyn está
ensinando Rachel a atirar com arco, algo que não fazia há meses. Não
posso evitar me perguntar o que está por trás disso. Desde o terremoto,
Rachel não havia voltado a treinar. Agora, está fazendo isso com a
esposa de Broderick, o que mostra que não querem nossa ajuda.
— Estão escondendo algo de nós — replico, franzindo o cenho.
Meu amigo ao meu lado suspira. — Você não vai fazer nada? —
questiono.
— O quê? — Broderick bufou. — Elas não estão fazendo nada
de errado, Broke. Converse com sua esposa e não tente me empurrar o
trabalho sujo.
— Não disse para falar com Rachel — rebato, irritado com sua
passividade — e sim com a sua.
— Não vejo motivo — ele dá de ombros. — Jaelyn costuma
treinar sua mira e o manuseio da adaga. Qual é o problema?
— Estou te dizendo que estão escondendo algo — insisto entre
dentes. — Rachel não me conta nada e...
— Esse é o seu problema, amigo — interrompe, batendo no
meu ombro. — Não o meu. Eu te avisei para deixar suas putarias ou
isso condenaria seu casamento. Você não me escutou. Quem planta
ventos, colhe tempestades.
— Obrigado pela ajuda — digo, frustrado. — Não fiz nada
nessas últimas semanas. Mesmo que tivesse feito, Rachel deveria me
dar explicações, mas não está fazendo isso. Onde está a jovem
assustada? Eu a odiava assim, mas também odeio o que ela se tornou.
— O que você odeia é que ela não te ama — rebate Broderick,
brincando. — Isso eu ainda não entendo.
— Vá para o inferno — grunho, sentindo vontade de socá-lo.
— Vou falar com ela.
Caminho em direção às mulheres, enquanto meu amigo ri.
Jaelyn é a primeira a me ver e avisa minha esposa, que se vira e me
lança um olhar nada amigável, deixando claro que não sou bem-vindo.
— Vou deixar vocês a sós — diz a esposa do meu amigo. —
Continuamos amanhã, Rachel.
— O que está acontecendo? — pergunta, relutante. — Broke?
— insiste, enquanto tudo o que faço é observá-la.
— Está começando a ficar evidente — digo, fazendo com que
ela franza o cenho. — O que você está fazendo, Rachel?
— Treinando? — responde, com ironia.
— Por quê? — exijo respostas. — Você tinha parado há meses.
— Não preciso ter um motivo — retruca. — Não sei por que
você se mete nisso, Broke.
— Você é minha esposa — sussurro. — Me diga por quê —
exijo novamente, aproximando-me dela. — O que vocês estão
escondendo?
— Nada — responde rapidamente. — Você não tem outros
assuntos para cuidar? Não preciso que você seja minha babá. Lembro
de um tempo em que você nem queria ser...
Suspiro e tento manter a calma. Sei que gritar não vai ajudar. Rachel
não confia mais em mim e entendo por quê. Cometi erros que prometi
não repetir. Mas nunca a decepcionaria se ela precisasse de mim e não
deixaria ninguém lhe fazer mal.
— Você está testando minha paciência — digo, frustrado.
— Por que tudo tem que ser uma batalha? Não podemos conversar
como adultos?
— Claro — responde, pegando suas coisas e se preparando
para ir embora. — Você perguntou e eu respondi. Mas eu preferiria
que você não se intrometesse na minha vida. Eu não me intrometo na
sua.
Eu a seguro quando ela passa por mim e sinto como ela enrijece
com meu toque. Isso me dói, porque antes ela não reagiria assim.
— Chega, Rachel! — sussurro perto do seu ouvido. — Não
me obrigue a agir.
— Você está me ameaçando? — ela pergunta com ódio nos
olhos. — Quando acho que você não pode ser pior... — retruca, se
soltando do meu aperto. — Faça o que tiver que fazer, Broke. Mostre
seu verdadeiro eu.
Ela se afasta, murmurando palavras de descontentamento.
Broderick estava certo, consegui irritá-la e afastá-la. Vou ao castelo,
determinado a encontrar respostas. Se Rachel não as der, Jaelyn terá
que fazê-lo. Encontro Jaelyn no salão, ao lado de seu filho pequeno.
Por alguns momentos, apenas os observo brincar. Ela sorri enquanto
Cedric ri, e uma estranha sensação de calor invade meu corpo.
— O que você espera de mim, Broke? — Jaelyn pergunta, sem
se virar. — Você está parado faz tempo e está começando a me deixar
nervosa.
— Você tem olhos nas costas? — brinco, entrando na sala. —
Não queria interromper.
— Que consideração — ela brinca. — Você veio me interrogar,
não é? Não perca seu tempo, não vou dizer nada.
— Por quê? — pergunto, enfurecido. — Ela é minha esposa,
Jaelyn.
— E é por isso que ela precisa decidir se confia em você —
responde, olhando para mim enquanto segura seu filho. — Vocês
estão casados há semanas e você ainda não conseguiu se aproximar
dela. É assim que você imagina o seu casamento?
— Eu tenho alguma outra opção? — pergunto, com sarcasmo.
— A mulher que me amava mudou de ideia e agora me odeia. Ela se
casou comigo porque seu marido a forçou por causa da gravidez. Diga-
me, minha senhora, você vê alguma chance?
— Você é muito mais estúpido do que eu pensava — ela
dispara, entregando Cedric a uma criada para que o leve ao quarto.
Ficamos a sós. — Todos perceberam o comportamento estranho dela.
Até mesmo Broderick fez suas investigações. Algo que você deveria ter
feito — sua voz carrega severidade ao apontar. — Mas parece que
você não se importava o suficiente, ou estou enganada?
— Você não sabe de nada — sussurro, com os punhos
cerrados. — Você se importava o suficiente com Broderick quando se
casou com aquele velho?
Vejo-a empalidecer com meu ataque, mas não tenho tempo de
me desculpar, pois meu amigo chega. O soco que recebo é mais que
merecido. Não revido por duas razões: ele é meu Laird e, como marido,
entendo por que fez isso.
— Nunca mais fale assim com minha esposa — ele sibila,
furioso. — Nem a questione sobre nosso passado, porque isso não te
diz respeito.
— Desculpe — digo, limpando o sangue do meu lábio enquanto
olho para Jaelyn. — Foi um comentário infeliz.
— Eu aceito suas desculpas — ela diz, mesmo sentindo-se
irritada. — Lembre-se de que não somos seus inimigos, Broke. Você
é seu próprio adversário.
— Pelo menos, me diga se ela está em perigo — pergunto,
derrotado, olhando para ambos. — Eu quero estar lá para protegê-
la...
— Eu vou te dizer — ela assente, olhando para mim com pena.
— Tente se aproximar dela e lembre-a do Broke de meses atrás, aquele
que a conquistou.
— Ela nunca esteve apaixonada por mim — rebato, pronto
para sair do salão. — Nunca me amou, ou não teria mudado de ideia
e nos condenado a este inferno.
Caminho sem rumo, lentamente, como se o peso dos anos fosse
uma pedra sobre meus ombros. Ao sair para o pátio, sinto uma
tentação de me juntar ao treinamento dos homens, que deixei a cargo
de Jules para seguir Rachel e descobrir o que está acontecendo.
Claramente, perdi tempo.
— Alguém de nós deve ir falar com os clãs — a voz de Broderick
me interrompe, e eu me viro para vê-lo atrás de mim. — Acho que você
deveria ir e se afastar um pouco daqui.
— Você pretende que eu vá embora e a deixe sozinha? —
pergunto, incrédulo. — Estou dizendo que algo está acontecendo.
Sinto isso.
— Ela não está sozinha, Broke — ele diz. — Todos nós vamos
cuidar dela.
— Me bata — peço. — Se for por causa do que eu disse à sua
esposa, lamento, mas não me mande embora.
— Não estou te banindo, pelo amor de Deus — ele responde.
— Só estou tentando afastar vocês um pouco para que Rachel sinta
sua falta e você consiga acalmar seu temperamento.
Observo os homens treinando enquanto Jules dá ordens,
ocupando meu lugar porque estou agindo como um idiota atrás de uma
mulher que não quer saber de mim. Talvez seja uma boa ideia me
afastar por um tempo.
— Eu farei isso — aceno finalmente. — Cuidarei de manter
as alianças. Quando devo partir?
— Vocês partirão ao amanhecer — informa. — Arthur te
acompanhará, escolha dez dos melhores homens.
— Não é necessário — rebato. — Posso ir sozinho.
— Não vou te enviar sozinho — eleva a voz. — Não estou te
mandando para uma missão suicida, Broke.
— Que bobagem, sou capaz de me defender — replico ofendido.
— Não preciso de escolta.
— Ou você vai acompanhado ou não vai — exclama. — Não
me force a ir eu mesmo, irmão. Não quero me separar de Jaelyn e
Cedric nesse momento.
Seu apelo me faz guardar silêncio e assentir, mesmo contrariado.
Saio em busca do meu cavalo, decidido a cavalgar para longe. Às vezes,
sinto como se estivesse sufocando e nunca pensei que algo assim
pudesse acontecer comigo. Quando não tinha nada, meu único sonho
era pertencer a um clã e ter um lar. Agora percebo que não se trata
apenas de um teto ou de um lugar, mas de onde está o nosso coração.
Como sempre, estou à beira do penhasco, onde vi Andrew pela
última vez. A maré violenta me lembra muito do dia em que ele deu sua
vida por Jaelyn e seu filho. Pergunto-me o que ele diria se estivesse ao
meu lado agora. Tantas vezes o aconselhei, e ele estaria atrás de mim,
me dizendo o quão miserável estou sendo com minha esposa.
Amanhã partirei sabendo que não deixo nada para trás.
CAPÍTULO XV
Rachel
Ao acordar, percebi que algo havia mudado. Ao descer para o café
da manhã, fui informada de que meu esposo tinha partido sem avisar.
Não deveria doer, mas é como uma ferida aberta que corta minha alma.
— Não quero que você interprete mal — diz Jaelyn. — Imagino
que Broke esteja desesperado para se aproximar de você, mas não sabe
como. Acredito que tenha sido bom vocês se afastarem por um tempo.
— Quanto tempo? — pergunto, olhando para o meu prato. —
É uma viagem segura?
— Nenhuma viagem é completamente segura — intervém meu
Laird, entrando na sala com sua presença imponente. — Mas ele está
acompanhado pelos melhores guerreiros. E ele mesmo é um deles,
Rachel.
— Não é fácil aceitar que meu esposo prefira arriscar a vida a
estar ao meu lado — replico, engolindo a bile que ameaça me fazer
vomitar.
— Você deu a ele motivos para ficar? — pergunta Broderick ao
se sentar. — Fui eu quem ordenou que ele cuidasse das reuniões com
vários clãs.
Concordo, sabendo que Broke não teria colocado nenhum
obstáculo para ir. No entanto, Broderick tem razão. Que motivos eu dei
para ele ficar? Sempre me mostro esquiva e defensiva com ele, porque
sei que, se permitir sua aproximação, posso fraquejar e buscar nos
braços dele a proteção que não mereço.
— Broderick, não julgue sem conhecer todos os detalhes —
adverte sua esposa. Sinto um frio na barriga, pois não quero que
discutam por minha causa. — Broke não é um santo...
— Nem ela — ele bate na mesa com força. — Tive que enviar
meu melhor amigo longe para que não cometa um erro do qual se
arrependerá pelo resto da vida. Afastei vocês para tentar salvar o que
deveria ser um casamento por amor, não é assim, Rachel?
— Sinto muito — sussurro, a voz tremendo de tanto chorar.
— Não queria isso…
— Isso é óbvio — ele retruca. — Pare de atormentar Broke.
Fui eu quem mandou vocês se casarem e você sabe o motivo.
— Chega — Jaelyn interrompe, elevando a voz. — Você está
assustando-a. O estado dela é delicado e, como já disse, você não
conhece as razões dela.
— Então me diga — ele exige. — Se você a defende tanto,
deve saber. Por que devo ver meu amigo sofrer?
— Sofrer? — pergunto, levantando os olhos e tentando conter
o choro. — Ele sofreu tanto que se deita com qualquer mulher que
aparece em seu caminho.
— Eu sei dos erros dele — responde, sério. — Ele é meu
melhor amigo, meu irmão. Rachel, não posso ignorar os problemas
dele.
— Não quero isso — digo. — Fico contente que Broke tenha
amigos tão leais, mas não quero ser um problema para ele ou para
ninguém.
— Você não é um problema — diz Jaelyn. — Vamos discutir
isso mais tarde, esposo.
— Não tenho nada a discutir com você — ele responde. —
Quero saber a verdade.
— A verdade? — pergunto, assustada, olhando para minha
amiga, temendo que ela tenha revelado algo para seu esposo.
— Você o ama — afirma, sem hesitar. — Não pode mentir. O
orgulho ferido e a dor não me cegam. Todos nós vimos. Não pode
esperar que, da noite para o dia, acreditemos que você deixou de amá-
lo.
— Talvez eu nunca tenha amado — sussurro, defensiva. — O
que mais querem de mim? Casei-me, não sou infiel e não me intrometo
na vida dele. O que mais desejam? — exclamo, elevando a voz.
Jaelyn levanta-se rapidamente e me abraça, tentando me
acalmar, enquanto seu esposo observa. Tremendo, não consigo
controlar as lágrimas. Fecho os olhos e, ao fazer isso, as imagens do
verdadeiro motivo pelo qual tudo mudou vêm à mente, fazendo-me
gemer de nojo.
— Acalme-se, Rachel — ele ordena. — Não é bom para o bebê.
— Sinto que o diabo cresce dentro de mim, Jaelyn — gemo,
segurando seus braços enquanto ela me observa, espantada. — A
semente dele é veneno. Se o menino nascer, será como ele, um
demônio, um…
A bofetada que recebo me deixa emudecida. Começo a me sentir
tonta, e braços me envolvem antes que eu perca a consciência.
Broke
Sei que o propósito desta viagem era me afastar de Kisimul por
um tempo, mas algo dentro de mim me força a dar a ordem de voltar.
Apenas três dias se passaram e ainda não estamos longe do clã, então
decido seguir meu instinto e retornar, mesmo sabendo que isso pode
provocar a ira de Broderick por desobedecê-lo.
— Sempre acreditei nas suas intuições, Broke — diz Arthur,
cavalgando ao meu lado. — Quando chegarmos a Kisimul,
assumiremos a responsabilidade juntos.
— Não preciso da sua proteção, garoto — respondo,
misturando emoção e irritação. — Assumirei as consequências
quando for a hora. Mas não consigo me afastar quando sinto que algo
ruim aconteceu.
Pressiono o cavalo quando estamos a poucas milhas de Kisimul,
deixando Arthur no comando, determinado a chegar o mais rápido
possível. A cada hora que passa, a sensação de algo ruim aumenta. Ao
avistar o castelo, em vez de sentir alívio, sinto uma urgência que me
leva a exigir ainda mais do meu cavalo, já cansado, para que chegue
rapidamente ao meu destino e possa averiguar se Rachel, Greylen e os
outros estão bem.
Ao entrar no pátio vazio, confirmo que não estou errado.
Desmonto sem esperar minha montaria parar e pergunto à primeira
pessoa que vejo.
— Onde estão todos? — exijo saber. A jovem me olha
assustada. — Fale — ordeno, impaciente.
— Estão procurando por sua esposa — sussurra, pálida e
trêmula. — Ela desapareceu na primeira noite de sua partida e…
Não fico para ouvir mais, corro em direção ao castelo em busca
de explicações e é Jaelyn quem me recebe, surpreendida e aliviada ao
mesmo tempo.
— Sinto muito — lamenta, tentando conter o choro. — Sinto
muito…
— O que aconteceu? — grito, apavorado. — Onde está minha
esposa?
— Faz dois dias que não sabemos nada dela — responde,
trêmula. — Broderick ordenou expedições de busca assim que
notamos isso, Broke. Ele a encontrará e não parará até conseguir, e
você sabe disso.
— Você sabia? — pergunto, furioso. — Tenho certeza de que
ela não saiu por vontade própria, Jaelyn. Mesmo que não me ame,
nunca deixaria Greylen.
Assim que menciono seu nome, ele corre até mim chorando e se
abraça às minhas pernas. Fico tão comovido que me agacho para ficar
na altura dele e o abraço, tentando acalmá-lo um pouco.
— Traga-a de volta, por favor — suplica, escondendo o rosto
em meu pescoço. — Sei que ele a machucou, você precisa salvá-la.
— Quem? — pergunto, afastando-o levemente para que olhe
em meu rosto. — Quem a feriu, Greylen?
— Pai — responde. Meu sangue se congela ao imaginar que
ela pode estar nas mãos daquele bastardo. — Ele não vai descansar
até matá-la ele a odeia ainda mais do que a mim.
— Droga — grito ao me levantar. — Para onde foi? —
pergunto a Jaelyn, que chora em silêncio, sendo uma espectadora
muda do que acontece.
— Ela foi à sua antiga cabana — responde. — Não estão lá
— informa, entristecida. — Foi o primeiro lugar onde fomos. No
entanto, se ela estivesse se escondendo lá, já não estaria sozinha.
— Por quê? — insisto, com os punhos cerrados. — Por que
ela foi atrás dele?
— Queria matá-lo — replica. — Queria acabar com a vida
daquele miserável.
Saio rapidamente do castelo. Enquanto monto novamente em
meu cavalo, avisto Broderick acompanhado de alguns homens. Assim
que me vê, percebe que estou ciente de tudo e parece querer se
desculpar com o olhar.
— Não a encontramos — diz, como se fosse um cumprimento.
— Sinto muito, falhei com você, irmão.
— Vocês procuraram nos corredores? — pergunto, já
preparado para sair a galope. Ele nega, e isso é tudo o que eu precisava
saber.
Iniciei a marcha com um único pensamento encontrar minha
esposa. Não importava a distância entre nós, nem as tentativas
frustradas de odiá-la para aliviar a dor da sua ausência. Mesmo tendo-
a tão perto, nada disso era relevante agora que sei que ela está em
perigo nas mãos daquele desgraçado. Deveria tê-lo matado quando tive
a oportunidade, um erro que não cometerei novamente.
Embora eu saiba que não o encontrarei na cabana onde
costumava viver, essa é a minha primeira parada. Preciso verificar se
há alguma pista que me indique para onde ela pode ter ido. Ao entrar,
o cheiro de desespero me atinge. Tudo está espalhado, como se duas
pessoas tivessem brigado. Vejo sangue no chão, e meu coração dispara
de medo.
— Juro que, se você tocar nela, eu o matarei lentamente —
sussurro, saindo de lá com o estômago embrulhado.
Montou novamente quando Broderick e Jules chegam. Pelo
semblante deles, sei que o que têm a me dizer não vai me agradar, e
me preparo para ouvir o que tanto temo.
— Antes de continuar a procurá-la, acho que você precisa saber
os motivos, Broke — diz meu amigo. — Quero que você saiba de tudo
para que possa acabar com esse canalha como ele merece.
A frieza em sua voz e a fúria contida me deixam alerta e tenso,
enquanto espero finalmente descobrir a verdade por trás de tanto
mistério, encerrando meses de incerteza.
— Imagino que sua esposa finalmente falou — replico.
— Ela disse isso assim que percebeu que Rachel havia
desaparecido — ele concorda. — Eu queria estrangulá-la por ter
escondido algo tão sério, mas entendo a lealdade dela à amiga, assim
como eu faria por vocês.
— Estamos perdendo tempo com tanta conversa fiada, irmão
— interrompo. — Diga-me o que sabe, o tempo está correndo contra
nós.
— No dia em que tudo mudou, Rachel encontrou o bastardo —
diz Broderick. — Foi por isso que ela estava machucada. Não sabíamos
que ele havia confessado não ser seu pai antes de estuprá-la.
— O que? — meu grito deve ser ouvido por toda as Highlands.
— Por que diabos ela não me disse nada? — continuo gritando, meu
olhar se embaça e não sinto vergonha alguma de que eles me vejam.
— Ele a golpeou, e ela perdeu os sentidos — continua
Broderick. — Quando acordou, ele já tinha ido. Por isso, quando você
a encontrou, ela estava tão estranha, tão evasiva…
— Não entendo — exclamo, balançando a cabeça com fervor.
— Se ela estava inconsciente, como pode ter certeza de que...
— Isso é o que Jaelyn acha — interrompe. — Todos esperamos
que ele não tenha feito mal a ela. Se ele fez, o filho que ela espera pode
não ser seu, Broke.
— Esse filho é meu! — digo furioso — Vou matar aquele
porco.
— Mantenha a calma, Broke — diz Jules pela primeira vez. —
É improvável que ele esteja se escondendo nas cavernas, já que a maré
tem estado alta ultimamente.
— Então, onde ele está? — pergunto, enfurecido. — Não me
peça para me acalmar agora que descobri que ele pode ter estuprado
minha esposa, que o filho que ela espera pode não ser meu e que ela
não teve coragem de me contar a verdade.]
— Entendo como você se sente — disse Broderick. — Eu
também estaria desesperado e faria de tudo para encontrar Jaelyn. Mas
precisamos pensar com calma antes de agir, porque, caso contrário,
vamos perder um tempo precioso. Jules tem razão, entrar nas cavernas
seria um suicídio e aquele imbecil não se arriscaria.
— Não vou ficar parado — grunho, olhando para o horizonte,
na esperança de ter uma ideia de onde ele pode estar com Rachel. —
Não sabemos se ele está machucando ela, se ele a... — fico em silêncio,
porque dizer isso é tão doloroso quanto uma adaga cravada em meu
coração.
— Ele a manterá viva — diz Jules, com convicção. — Essa é
a única forma de sair daqui ileso, e ele sabe disso.
— Ele não vai sair vivo, Jules — afirmo com firmeza. — Assim
que tocou nela novamente, ele selou seu destino. Desta vez, não vou
deixar isso passar.
— Que seja — diz meu Laird. — Quando o encontrarmos,
você cuidará dele.
Montando meu cavalo, sigo em frente, sabendo que eles me
acompanharão. Percorremos a floresta ao redor de Kisimul em busca
de pistas, mas não encontramos nada. A terra parece tê-los engolido.
Não há rastros de cavalos ou pegadas. A cada hora que passa, fico mais
nervoso, especialmente com a noite se aproximando, tornando a busca
ainda mais difícil.
— Esse desgraçado conhece esses lugares muito bem —
lamenta Broderick.
— Ele pode estar se movendo e até nos vendo agora, rindo de
nós — diz, furioso, enquanto entramos no pátio.
Rachel
Desperto sem saber onde estou.
Alguém me sacode desesperadamente enquanto soluça.
— Por favor, acorde — repete sem parar — Não me deixe
sozinha com ele...
Abro os olhos com dificuldade e não reconheço o lugar onde
estamos. Já não estamos na cabana em que cresci. Quanto tempo
estive inconsciente? Contemplo o ambiente ao nosso redor, tentando
descobrir onde nos encontramos, enquanto gemo por causa da dor de
cabeça.
— Pare de chorar — reclamei — Estou com dor em todo o corpo,
e você está me deixando nervosa.
— Desculpe, você ficou muito tempo dormindo — diz a menina.
— Para com isso — murmuro enquanto me levanto — Você
pede desculpas por algo que não fez. Sabe onde ele nos trouxe? —
pergunto em voz baixa — Onde ele está?
— Ele saiu para caçar há um tempo — responde a menina com
a voz trêmula — Não sei exatamente onde estamos. Caminhamos por
bastante tempo, mas não acredito que estejamos fora das terras dos
MacNeil.
Tento abrir a porta, mas ela está trancada do lado de fora. Bato
com raiva, amaldiçoando mil vezes. Sinto o gosto do sangue em meu
lábio e o limpo com a mão enquanto observo a jovem que me
acompanha neste cativeiro.
— Você me conhece...? — Minha voz falha, mas é essencial
saber. — De onde?
— Sim, eu te vi no dia em que ele te agrediu — diz a menina.
— Mas... — Fazer essa pergunta significa encarar respostas
que talvez eu não consiga suportar sobre aquele dia terrível. — Você
o viu... quando ele me agrediu?
— Sim — assentiu, compreendendo. — Eu estava voltando
do riacho, onde estava lavando roupas, quando o vi sobre você. No
choque, deixei cair o cesto e chamei sua atenção — ela treme. — Ele
se levantou amaldiçoando por ter sido interrompido. Me olhou de uma
forma que deixou claro que não ia deixar isso passar. Depois que ele
saiu, eu quis te ajudar, mas o medo de me acusarem de te machucar
me paralisou. Quando vi que você estava viva, corri para o castelo.
— Então, ele não me estuprou? — pergunto, esperançosa, na
expectativa de que ela negue. — Meu Deus...
— Se eu não tivesse aparecido, não tenho dúvidas de que ele
teria feito isso — sentencia a menina, com um olhar firme e sombrio.
— Ele é um monstro que adora infligir dor aos outros.
— Sim — rebato — Ele é um covarde que se aproveita de
mulheres indefesas.
— Quando você apareceu, eu estava presa há um dia —
confessa — Ele me sequestrou por ser uma estúpida, sabia que não ia
me deixar viva e, mesmo assim, saí da proteção do castelo.
— Por que você fez isso? — pergunto, tentando entender — Por
que não pediu ajuda?
— Não trabalho em Kisimul — nega a menina. — Minha irmã
trabalha lá. Quando ela me disse que nada de grave havia acontecido,
presumi que você não havia falado. Eu não iria te incomodar porque
você tinha seus motivos.
— E adiantaria? — bufei — Agora meu marido deve me odiar
porque me comportei de forma injusta com ele.
— Soube que você se casou com Broke — disse a menina,
mudando de assunto — Minha irmã estava furiosa. — Ela percebe o
que disse e se desculpa — Desculpe, não deveria ter falado.
— Sua irmã trabalha no castelo? — pergunto, já antecipando
a resposta. — Não entendo sua raiva. Sei que meu marido se divertiu
com ela...
— Eu sei que minha irmã não deveria ter feito isso — responde,
claramente envergonhada.
— Não se culpe por algo que não é sua responsabilidade —
digo. — Quantos anos você tem?
— Vou completar dezessete anos em duas semanas — responde
a menina.
— O que eu suspeitava — suspirei. Ela é apenas dois anos mais
nova que eu, mas ainda parece uma menina. — Ele te machucou? Ele
te forçou?
— Ele estava tão bêbado que não conseguia se controlar —
sussurra, lutando contra as lágrimas. — Ele me agrediu porque
afirmou que eu não servia nem para isso. Parece que ele está obcecado
por você, realmente te quer.
— Assim que ele chegar, pretendo me deitar como se estivesse
inconsciente, tudo bem? — Vejo-a concordar, mas com uma certa
hesitação. — Preciso que ele pense que estou desmaiada para poder
atacá-lo de surpresa. Essa é a única maneira de conseguirmos escapar
daqui.
— E eu, o que faço? — pergunta assustada. — Posso distraí-
lo e...
— Não — interrompo. — Não tente provocá-lo ou talvez não
consigamos sair com vida daqui. Deixe que eu cuido disso, confie em
mim.
— Ouço ele vindo — sussurra, aterrorizada. — Deite-se.
Deixo-me cair onde estava ao acordar e fecho os olhos quando a
porta se abre de repente. Ouvindo os grunhidos e palavrões que ecoam
no ar, meu coração dispara, mas não abro os olhos. Não posso me
denunciar.
— Ela ainda está dormindo? — exclama. — Sempre foi uma
preguiçosa. Maldita! — grunhe ao fechar a porta. — Você terá que
me servir.
Sinto-me tensa ao ouvir suas palavras. O grito desesperado da
jovem, seus gemidos de dor e seu clamor angustiado por ajuda
confirmam o que está acontecendo. Abro os olhos devagar e vejo uma
cena aterradora: ela está encurralada contra a mesa, com ele atrás
dela, tentando forçá-la a ceder. Sei que tenho pouco tempo para ajudá-
la. Movendo-me lentamente, torço para que a adaga ainda esteja
escondida em minha coxa. Um alívio me invade ao sentir que está lá.
Empunho a adaga com determinação ao ouvir os grunhidos
animalescos do criminoso, que se entrega ao ato violento, sem perceber
o destino que o aguarda. Cada grito da jovem ressoa em minha alma,
despertando um ardente desejo de vingança. Levanto-me em silêncio,
como uma sombra, e me posiciono atrás dele, meu coração batendo
rápido. Com um golpe preciso, cravo minha adaga em suas costas uma,
duas, três, quatro vezes. O grito de dor que ecoa é música para os meus
ouvidos, um hino de justiça. Ele tenta me atacar, mas consigo me
esquivar rapidamente, sentindo a adrenalina percorrer meu corpo.
— Afaste-se — digo à garota. — Vá embora.
— Não vou te deixar sozinha — ela diz, trêmula, enquanto
vemos ele cair, rodeado por uma poça de sangue.
— Ele não está morto — a menina geme, horrorizada, ao vê-lo se
contorcer no chão.
— Estará — respondo, olhando fixamente para ele enquanto
me posiciono sobre seu corpo ensanguentado. — Eu disse que ia
matá-lo — sussurro, com a raiva ardendo em meu peito. — Olhe
para mim, porque meu rosto será a última coisa que você verá neste
mundo.
Ele gagueja, cuspindo sangue que mancha meu rosto, mas não
me importo. Vejo sua vida se apagando lentamente e não sinto remorso.
Seus olhos, agora opacos, encaram o vazio. Afasto-me, sabendo que
cumpri meu objetivo. Ele nunca mais poderá machucar ninguém,
mesmo que já tenha destruído minha vida, uma dor que não se curará,
mesmo que ele queime eternamente no inferno.
— Precisamos ir — digo com frieza. — Pare de chorar, por
favor. Ela não diz nada e me segue para fora da cabana. Ao olhar ao
redor, percebo que estamos longe do castelo, mais perto do clã MacLean
do que de Kisimul. — Maldito bastardo — digo com desprezo. —
Como ele nos trouxe até aqui?
— Você estava desmaiada — responde minha companheira.
— Eu disse que caminhamos muito.
— Muito! — exclamou. — Por que você não correu? Poderia
ter escapado.
— Não ia deixar você sozinha — replica. — Eu te devo isso.
— Você não me deve nada — reclamo. — Na verdade, sou eu
quem deveria agradecer por você ter me salvado naquele dia e por ter
me contado a verdade. Durante todo esse tempo, pensei que ia perder
a razão.
— Minha irmã te machucou — diz com teimosia. — Eu não
poderia te deixar para trás.
— Sua irmã não é quem me deve lealdade — rebato — É meu
marido.
Começo a caminhar, consciente de que ela me acompanha. Está
anoitecendo e sabemos que não chegaremos a Kisimul. Paro para
pensar no que é melhor para nós.
— Se dormirmos ao relento, vamos congelar — digo,
preocupada. — Há quanto tempo você não come?
— Apenas me deram água e um pedaço de pão — responde,
com a voz cansada.
— Maldito! — grunho, a frustração crescendo. — Estamos
fracas e não conseguiremos ir longe. Nossa única chance é que estejam
nos procurando.
O silêncio que se seguiu estava carregado de desespero.
Precisávamos urgentemente encontrar uma solução. Olhei para o céu
enquanto a escuridão se aproximava e torci para que a noite trouxesse
não apenas frio, mas também uma chance de escapar.
— Claro que estarão te procurando — exclama a menina —
mas estamos longe...
— Sim — admito — Vamos queimar esta pocilga. As chamas
serão enormes, e os homens a cavalo chegarão mais rápido.
Não perdemos tempo. Procuramos tudo o que era necessário
para atear fogo, coletando gravetos secos, palha e alguns pedaços de
madeira. A umidade dos galhos dificultou a tarefa, mas, com esforço,
conseguimos reunir o que precisávamos assim que o sol se escondeu
atrás das montanhas. Quando a cabana finalmente começou a arder,
observamos as chamas a devorarem. Pelo menos, não sentimos frio
diante daquela fogueira. Rezo para que meu plano funcione, pois
queimamos o único lugar onde poderíamos nos refugiar.
— Espero que ele esteja queimando no inferno — reclama a
jovem, sua voz carregada de indignação e dor. — Ele ficou na cabana,
morto.
— Ele mereceu isso — afirmo, sentindo uma certeza intensa
em meu peito. Ela concorda com a cabeça, mas seu olhar revela um
tumulto interno, como se ainda sentisse o cheiro da fumaça. — Não
sei seu nome...
— Sophie — diz com um sorriso tímido.
— Rachel — digo, devolvendo o gesto.
— Eu sei — ela ri, uma risada que mistura admiração e
espanto — a mulher que caçou o grande Broke MacNeil.
— Nunca pensei assim — respondo, triste ao lembrar do meu
casamento. — Eu me preocupei tanto em afastá-lo que não sei se
consigo recuperá-lo. E, pior ainda, não sei se quero.
— Os homens são criaturas misteriosas — sussurra,
observando o fogo. — Seu esposo provavelmente estava machucado,
o que explica seu comportamento. Ele pode ter esperado uma reação
sua.
— Antes, quando acreditava que meu pai me havia violado, não
me sentia no direito de reprovar nada no meu casamento — confesso.
— Agora, me repugna pensar que meu esposo esteve com outras
mulheres, como se eu não fosse digna de sua fidelidade.
— Não deixe que minha irmã espalhe seu veneno —
interrompe. — Sei com certeza que aconteceu apenas uma vez. Não
importa o que ela diga, Rachel.
— Uma vez ou mil — replico, abraçando-me — a dor da
traição é a mesma.
— Pensava que eu tinha má sorte — diz a menina. — Não sei
se é pior a traição ou a indiferença. Sentir que seu coração bate mais
forte quando o vê e que ele nem mesmo sabe da sua existência.
— Eu sofri por ambos... — suspiro. — Quem é esse homem
que você ama?
— Amar? — pergunta, hesitante. — Não sei se é amor —
encolhe os ombros. — Sei que meu coração acelera ao vê-lo. Eu
gostaria que seus olhos brilhassem ao me notar e que seus sorrisos
fossem para mim.
— É alguém do castelo? — pergunto, curiosa. — Ou é um
garoto da aldeia?
— Não importa — recuo envergonhada — São apenas sonhos
de uma tola, como diz minha irmã. Não gosto dela — reclamo — E
não apenas por suas escolhas de vida, mas porque sinto que, durante
toda a sua vida, ela me menosprezou e me fez duvidar de mim mesma.
Acredite, sei como é isso. Mas, apesar de tudo, ela cuidou de mim desde
que nossos pais morreram.
— Isso não lhe dá o direito de menosprezá-la — rebato — Eu
cuido do meu irmão e o amo mais que minha própria vida.
— Não posso pedir mais dela — replica teimosamente.
Não consigo responder, pois ouço o som de cavalos se
aproximando. Nos olhamos com felicidade, sabendo que conseguimos
nosso objetivo, mas decidimos agir com cautela. Pegando-a pela mão,
nos escondemos atrás de alguns arbustos para verificar se são os
MacNeil que chegaram.
— Rachel! — O grito de Broke me surpreende, pois não
esperava seu retorno. Ele salta de sua montaria, determinado a entrar
na cabana em chamas.
— Você enlouqueceu? — pergunta Broderick, segurando-o com
firmeza — Se estavam dentro da cabana, é impossível que tenham
sobrevivido.
CAPÍTULO XVIII
Broke
Vemos o fogo e nos aproximamos dele, como se fôssemos almas
perdidas.
Quando chegamos, uma cabana arde em chamas. Desço, com o
coração acelerado e um terror profundo apertando minha garganta ao
pensar que minha esposa pode estar dentro.
Meu amigo tenta me impedir, mas eu luto contra seu aperto
firme, grunhindo de dor. Não consigo suportar a ideia de que Rachel
possa ter morrido, consumida pelas chamas, pedindo ajuda sem que
ninguém a ouvisse.
— Ajude-me, droga! — grita Broderick, e sinto que estou
prestes a perder o controle.
Sinto as mãos de Jules e Arthur em meus ombros e pernas,
tentando me impedir de seguir em frente. Grito, xingando-os por me
barrar enquanto me dirijo ao destino de minha esposa. Uma vez mais,
falhei com ela, e agora isso lhe custou a vida.
— Ele pode não estar aqui — Jules sussurra em meu ouvido,
tentando me acalmar. — Calma, Broke.
Quando a cabana finalmente desaba, eu também desmorono.
Caio de joelhos no chão, soluçando como uma criança. A dor é
avassaladora, como se estivesse me partindo ao meio. Eu sei que essa
dor vai ficar comigo para sempre, porque, se ela estivesse lá, teria
levado consigo uma parte de mim que nunca poderei recuperar.
— Broke? — Ouço sua voz ao longe e, por um momento, penso
que estou enlouquecendo. — Broke, estou aqui...
— Olhe para cima, garoto — Jules diz, sua voz firme. — Veja
quem está na sua frente.
Levanto a cabeça lentamente, buscando a pessoa que pensei que
nunca mais veria. Ela está pálida e frágil, mas ali está, diante de mim.
Assim que a reconheço, levanto-me rapidamente e a abraço com força,
repetindo seu nome como se quisesse garantir que ela realmente está
aqui.
— Você está viva — sussurro contra seu pescoço, sentindo
um alívio imenso. — Achei que tinha perdido você para sempre,
mulher.
Seus braços envolvem meu corpo, e sinto como se estivesse
renascendo. Não sei quanto tempo passa, apenas percebo o silêncio ao
nosso redor. Quando abro os olhos, vejo meus amigos sorrindo
enquanto nos observam. Ao lado, uma menina, que não deve ser mais
velha que minha esposa, fica parada, parecendo perdida, como se não
soubesse onde se esconder. Ela parece ter sido espancada, e imagino
que seja irmã de Sybil.
— Devemos voltar, irmão — diz Broderick. — Elas estão
com frio, foram espancadas e devem estar com fome.
— Sim — concordo, sentindo-me egoísta por não ter pensado
nisso antes.
Seguro minha esposa em meus braços. Ela reclama que
consegue andar, mas preciso senti-la perto para acreditar que isso não
é um sonho.
— Sophie! — ela exclama, já montada em meu cavalo.
— A menina irá com um dos meninos — respondo. — Não
se preocupe.
— Eu a quero no castelo — ela ordena com firmeza, ao meu
lado.
— Arthur, leve a garota para o castelo — ordeno ao mais novo,
que parece não gostar muito de sua tarefa. Assim que eles se afastam,
respiro fundo, aliviado por estarem a salvo.
— Então é ele... — minha esposa sussurra, fazendo-me franzir
a testa enquanto sigo seu olhar.
— O que você quer dizer? — pergunto ao notar que a menina,
tão diferente da irmã mais velha, parece prestes a pular do cavalo,
tamanha é sua tensão. — Rachel?
— Nada — ela responde, visivelmente mais tranquila, como
se estivesse decidida a não explicar o que quis dizer.
Começamos a caminhar e, à medida que o alívio se transforma
em incerteza, sinto um desconforto ao perceber que ela não se apoia
em mim. Deve estar cansada, mas não age como se precisasse de mim.
Meu antigo eu a criticaria por sua imprudência e por não ter confiado
em mim quando tudo parecia perdido. Agora, sabemos que o que ela
temia não aconteceu. Mesmo que tivesse acontecido, eu não a
abandonaria, porque a amo mais do que a minha própria vida.
— Você já sabe? — Rachel pergunta baixinho, sem olhar para
mim.
— Conversaremos quando chegarmos ao castelo — respondo.
— Foi muito inteligente você ter ateado fogo para que pudéssemos
enxergar.
— Era isso ou morreria de frio e fome — ela responde
friamente.
— Você foi corajosa, mas também imprudente — censuro, não
conseguindo evitar, pois seu comportamento me deixa nervoso.
— Eu sei o que você vai me dizer — responde imperturbável.
— E pode economizar suas palavras.
Tento manter a calma, agora entendendo melhor os motivos que
a levaram a agir assim. Mesmo assim, controlar meu temperamento
não é fácil. Tudo o que quero é gritar com ela por ter suportado esse
tormento sozinha, acreditando que eu a culparia por algo quando, na
verdade, ela foi apenas vítima daquele bastardo.
Pouco depois, o castelo aparece diante de nós. Assim que
entramos no pátio, Jaelyn sai correndo, chorando, mas sorri ao ver
Rachel, apesar das lágrimas. Sybil também vem receber sua irmã,
embora não seja tão efusiva quanto a senhora do castelo, a reação da
minha esposa não passa despercebida.
— Rachel. — Jaelyn a abraça, e ambas se envolvem em um
abraço que demonstra o carinho que sentem uma pela outra. —
Estava tão apavorada, tudo isso é culpa minha — lamenta-se entre
lágrimas.
— Foi minha decisão — interrompe Rachel — Se não fosse
por você, eu não teria conseguido matar aquele porco.
— Ele sofreu? — pergunta Jaelyn, afastando-se para olhar
Rachel no rosto.
— Não o suficiente — replica Rachel com raiva. — Tive que
mudar de planos, matei-o pelas costas enquanto ele tentava violentar
Sophie.
— Sophie? — Jaelyn pergunta franzindo a testa, olhando ao
redor. — Você fez o certo — diz sorrindo. — Vamos entrar, você
deve estar congelada e faminta. Se machucou em algum lugar? O
bebê…?
— Acho que ele está bem — responde Rachel, enquanto fico
frustrado por não ter sido eu a fazer essas perguntas. — Preciso de um
banho e descansar. Gostaria que Sophie ficasse comigo — pede um
pouco tímida. — Não acho que sua irmã a trate bem — sussurra,
olhando de lado para mim.
— Eu a ajudarei — intervenho, cansado de ficar à margem. —
Tragam o necessário para meu quarto.
— Não — replica Rachel com firmeza. — Para meu quarto,
por favor — suaviza a resposta enquanto Jaelyn nos observa curiosa.
— Não preciso de babá, Broke. Acho que já te disse isso várias vezes.
— Acho que temos muito o que conversar — rebato,
caminhando ao lado dela. Não vou ceder. — Não acha, esposa?
— Não, não acho — nega, chegando à porta. — Você já sabe
de tudo e falar não vai mudar nada.
— Rachel, tentei ser paciente — murmuro, me aproximando
até encostá-la contra a porta. — Vamos conversar e começar de novo.
— Você vê tudo de forma muito simples — ela rosna, me
empurrando. O movimento me surpreende e ela consegue me afastar
alguns passos. — O que eu achava que aconteceu pode não ter sido
verdade, mas tudo o que veio depois foi real, e isso você não pode
mudar.
Ela tenta entrar e me deixar de fora, mas sou mais rápido. Entro
e fecho a porta, apesar de seu esforço para me impedir. Ela me olha
furiosa, seus olhos brilham como não faziam há muito tempo.
— Saia imediatamente do meu quarto! — grita, com os punhos
cerrados ao lado do corpo, que treme de raiva. — Por que você nunca
me ouve quando eu falo?
— É isso que eu quero, que a gente fale — respondo impassível.
— Não vou sair daqui até que tudo esteja esclarecido, então, enquanto
você toma um banho, vai me contar tudo.
— Vá para o inferno — sibila, olhando ao redor como se
procurasse algo para se defender. Quando pega seu pente e o joga em
mim, já estou preparado para desviar. — Saia — berra.
— Rachel, você vai se machucar — advirto, começando a
perder a pouca paciência que ainda me resta. — Pense no nosso filho.
Ela para, ofegante, suada e com os olhos cheios de lágrimas.
Tudo o que quero agora é me aproximar para abraçá-la e nunca mais
soltá-la, mas se o fizer, não conseguirei me controlar. Estou há meses
desejando-a, mas este não é o momento.
Batem à porta, e corro para abri-la. Sybil e mais duas moças
entram com a banheira e água quente. Rachel as fulmina com o olhar
antes de se voltar para a janela e se isolar, como tem feito por semanas.
— Fora — exijo rudemente, incomodado com a presença delas
no quarto. — Eu cuido da minha esposa.
— Que preparem um quarto para Sophie e providenciem um
banho — ordena Rachel antes que Sybil saia. Ela para no meio do
caminho.
— Ela é minha irmã — Sybil replica. — Posso cuidar dela,
senhora…
— De agora em diante, eu cuidarei — responde Rachel
friamente. — Algum problema?
— Não — Sybil murmura por fim entre dentes. — Vai ser um
alívio me livrar daquela garota.
Ela sai batendo a porta, deixando-nos sozinhos. Nunca imaginei
que Sybil me causaria problemas. Meu orgulho ferido e a dor me
cegaram, fazendo com que eu agisse de forma irracional, e agora vou
pagar por isso. Vejo isso claramente nos olhos da minha esposa.
— Sem dúvida, toda doçura — diz Rachel com ironia. — Vocês
são idênticos.
— Ela e eu não temos nada em comum — respondo com os
dentes cerrados. — Entre na água antes que esfrie.
— Não me dê ordens — exclama, cruzando os braços em
desafio. — Não vou me despir na sua presença.
— Não teste minha paciência, mulher — digo, me aproximando
lentamente. — Não me force a te despir.
— Tente — ela ergue o queixo com orgulho. — Não quero
suas mãos sujas em meu corpo.
— Minhas mãos vão fazer mais do que te despir, esposa — digo
em um tom profundo. — Senti sua falta, pequena — confesso ao
chegar diante dela.
A bofetada me pega de surpresa. Meu rosto arde com a força do
golpe. Quando olho novamente para ela, vejo sua respiração alterada,
suas bochechas ruborizadas e seus olhos escurecidos, despertando
algo em mim que pensei estar morto para sempre.
— Nunca mais me diga algo assim — sussurra, golpeando meu
peito com força. — Ao menos tenha a decência de não mentir.
Ela se afasta e começa a se despir. Minha provocação serviu para
algo, embora para mim seja o início da tortura. Fico tenso ao ver os
hematomas em várias partes do corpo e percebo que ela ainda está
magra demais para carregar um bebê, o que me preocupa. Ela entra
rapidamente na banheira para se esconder.
Ela começa a desfazer a trança. Me aproximo e afasto suas mãos
com delicadeza, rezando para que não volte a me afastar. Fico surpreso
quando ela não o faz e continuo observando enquanto lava o corpo com
raiva. O silêncio entre nós é tão tenso que poderia ser cortado com uma
adaga. Não gosto disso, me lembra o início, quando ambos lutávamos
contra nós mesmos.
— Vai se machucar — sussurro enquanto começo a molhar
seu longo cabelo.
— Queria poder arrancar minha pele em tiras — ela replica.
— Eu posso fazer isso sozinha.
— Deixa eu te ajudar — peço enquanto lavo cuidadosamente
sua cabeça. — Relaxe e feche os olhos.
Por algum motivo, ela me obedece. Minhas mãos massageiam
sua pequena cabeça enquanto ensaboo seu cabelo. Ao ouvir um
pequeno gemido de prazer, paro por um instante, impressionado. Não
sabia o quanto sentia falta desse som até agora. Sinto-me um porco
porque meu corpo reage sem que eu possa controlar. Ao contrário do
que minha esposa possa pensar ou acreditar, não toquei em outra
mulher desde o dia do nosso casamento.
Quando termino de cuidar de seu belo cabelo, minhas mãos
deslizam por seu pescoço e ombros. Eles se tensionam ao meu toque,
mas logo ela relaxa e suspira. Desço até seus seios, agora mais cheios
e com os mamilos mais escuros. Ao cobri-los, provoquei um gemido
mais profundo e um arrepio que faz meu membro doer de ansiedade
para se enterrar em seu calor.
— Broke... — Não sei se ela está me pedindo para parar ou
não.
— O que deseja, esposa? — pergunto enquanto beijo seu
pescoço exposto. — Me diga e eu te darei...
— Você pode voltar no tempo? Quando ninguém se metia entre
nós? — pergunta, me deixando imóvel, frio e descomposto.
Eu me afasto devagar enquanto ela se levanta para sair da
banheira. Cobre o corpo com uma bata que deixa pouco à imaginação,
molhada pela água que ainda escorre pela pele.
— Se eu pudesse, não cometeria os mesmos erros — respondo.
— E imagino que você também não.
— Você está errado. Ela levanta o olhar para encontrar o meu.
Eu faria tudo da mesma forma. Se tudo acontecesse de novo, pensaria
primeiro em você. Isso é o que significa amar, Broke, colocar a outra
pessoa acima de si mesmo, mas isso é algo que você sequer consegue
entender.
— Você acha que me fez um favor me mandando para o inferno
como se eu fosse sujeira sob seus pés? — pergunto incrédulo. — Você
sabe como me senti? — Exclamo entre os dentes.
— Coitado. Ela zomba. — Já pensou em como me senti ao
acordar e achar que aquele porco tinha me violado? Ou quando
descobri que estava grávida e pensei que o filho não era seu?
— Pare de tentar ser alguém que você não é, Rachel. —
Respondo cansado. — Você não é assim. Não há maldade em você, isso
não faz parte da sua natureza.
— E olha onde isso me levou. Ela diz as palavras com desprezo.
Fui espancada e humilhada a maior parte da minha vida. Meu marido
nem respeitou o dia do nosso casamento para me trair. Ela fala com
nojo e, quase rindo como uma louca, diz — Ah, quase me esqueci.
Não foi a primeira vez, certo, querido? Não podemos esquecer a
prostituta da taberna.
— Eu estava machucado. Grito furioso. — Você tinha me
destruído, Rachel.
— Maldito porco egoísta — ela retruca com a mesma fúria,
avançando sobre mim e golpeando com os punhos qualquer parte do
meu corpo que consegue alcançar.
CAPÍTULO XIX
Rachel
Eu bato com força enquanto rosno e xingo repetidas vezes.
Durante todo esse tempo, engoli a dor e a raiva pela sua traição,
achando que não tinha direito de sentir nada. Agora sei que nenhum
outro homem jamais me possuiu, e entender que ele é mais do que eu
imaginava me faz perceber que posso suportar isso.
— Eu te amei como ninguém, e você me traiu — grito, deixando
a raiva explodir. — Eu te odeio — repito enquanto Broke me deixa
bater nele, sem revidar.
Não sei quanto tempo passa até eu começar a me cansar. Não
grito mais, apenas soluço de dor. Os braços de Broke me cercam e
impedem que eu caia.
— Sinto muito — ele repete com a voz cansada. Você pode não
acreditar, mas eu te amo, Rachel.
— Não — nego, derrotada. — Você não faz isso...
Me solto do abraço e me afasto. Não confio em tê-lo perto de mim
porque isso me lembra do que perdemos e não sei se podemos
recuperar. Meu coração acelera quando percebo o olhar dele. A dor nos
olhos de Broke quase me faz perder o fôlego e quase me faz repensar
tudo.
— Passei a vida sozinho — ele diz, afastando-se para o fogo,
de costas para mim. — Quando encontrei Broderick, senti que tinha
uma família. Não precisei de mais nada depois disso. Quando ele virou
Laird, eu o segui sem hesitar. Ele me deu um clã.
— Não vejo o que isso tem a ver com... — interrompo, porque
não quero suavizar. Se continuar ouvindo, é isso que vai acontecer.
— Me escute, por favor — ele pede em voz baixa. — Eu
construí uma barreira em volta de mim que me permitiu viver sozinho,
mesmo cercado de pessoas. Quando te vi pela primeira vez, foi como se
um raio me atingisse. Eu não gostei disso. Odeio fraquezas, e você se
tornou a minha.
— Acho que percebi — brinco. — Você não me suportava.
— Não era você, era o que eu sentia por você, porque enxerguei
isso como uma fraqueza — ele responde. — Depois veio o tremor, e
o medo de te perder me fez perceber o quanto eu estava sendo tolo.
Baixei a guarda, deixei você entrar no meu coração, e você o destruiu
quando me olhou com frieza e disse que não me amava e que não se
casaria comigo.
— Eu mal conseguia respirar, Broke — confesso. — Me odiava
por não conseguir me defender. Sentia náuseas só de pensar no que
aconteceu enquanto eu estava inconsciente. — Tive vergonha de olhar
para você — sussurro, com o coração apertado ao lembrar daqueles
dias que parecem tão distantes agora. — Não podia me casar com você
depois do que aconteceu. Você merecia mais do que uma mulher
quebrada, e quando descobri que estava grávida, tudo ficou ainda pior.
O que você não entende é que eu não teria me importado — diz
ele, triste. — Eu teria segurado você nos braços nas noites em que as
lembranças fossem demais e faria qualquer coisa por você.
— Acho que ambos cometemos erros imperdoáveis — admito,
sentindo a sinceridade em suas palavras. — Condenamos nosso
casamento, Broke.
— Você tem razão, esposa — diz ele, decidido. — Nós
cometemos erros e nos ferimos, mas nosso casamento não acabou.
Ainda há espaço para perdão e novas oportunidades. Jaelyn e
Broderick me ensinaram isso.
— Para isso, é preciso coragem — responde Rachel. — Posso
ter machucado você, Broke, mas naquele momento, achei que era o
melhor. Fiz isso para o seu próprio bem. Você me machucou por
orgulho e raiva e essa é a diferença entre nós.
— Agora você está deixando seu orgulho nos condenar — diz
ele, frustrado. — Vamos ter um bebê, Rachel. Ele merece uma família
verdadeira, como a que nunca tivemos.
— Você acha? — pergunto. — Eu cresci em um casamento
forçado. Minha mãe tinha medo do meu pai, e ele a odiava. Que tipo de
inferno é esse? Não desejaria isso nem ao meu pior inimigo, muito
menos ao meu filho.
— Então, o que você quer? — ele pergunta, suavemente.
— Que tudo continue como antes — respondo, encolhendo os
ombros. — Em breve, você encontrará conforto em outra mulher, e eu
cuidarei do nosso filho e do meu irmão.
— Você enlouqueceu? — ele exclama. — Não vou me
contentar com isso, Rachel. Antes dessa tragédia, estávamos quase
felizes. Não aceito menos que isso.
— Isso não parece te incomodar nas últimas semanas, Broke
— respondo. — Podemos fingir que nosso casamento nunca existiu.
Você encontrará outra mulher para se casar e ter filhos.
— Eu já tenho um filho! — ele grita, passando a mão pelos
cabelos. — Rachel, eu sei que tudo o que aconteceu foi horrível. Você
deve estar muito afetada por ter matado aquele desgraçado, mas...
— Você está errado — interrompo. — Não me sinto afetada.
Saí deste castelo com a intenção de acabar com a sua vida miserável.
O que realmente me incomoda é não ter feito isso antes, antes de deixar
minha mãe morrer.
— Rachel — ele bufa, quase implorando — não me faça
lembrar de como éramos antes.
— Antes? — questiono, com um sorriso triste. — Quando
você não conseguia olhar para mim? Ou quando, depois de nos
casarmos, se deitou com aquela prostituta nos estábulos?
— Você queria — ele sussurra. Dou um passo para trás,
apavorada, pois vejo a decisão e o desejo em seus olhos. — Antes do
amanhecer, você e eu seremos um novamente.
São as últimas palavras que seus lábios pronunciam antes de
me beijar. Permaneço imóvel, meu corpo tenso como a corda de um
arco, desejando que minha falta de reação o afaste mais uma vez, pois
não tenho força para isso novamente.
Minhas orações não são ouvidas. Broke não desiste até que eu
ceda, e nossos lábios se encontram em uma batalha intensa. Suas
mãos, que estavam em meu rosto, descem para meus quadris, me
puxando para mais perto. Suspiro ao sentir sua excitação contra minha
barriga. A próxima coisa que sei é que estou na cama, com o corpo forte
do meu marido sobre o meu, entregando-me às sensações que tanto
senti falta, apesar de ter negado isso até agora.
— Rachel — ele rosna enquanto minhas unhas percorrem
suas costas. — Não me faça parar agora, por favor.
Abro os olhos e vejo seu olhar cheio de desejo, seus lábios
inchados me chamando para beijá-lo novamente. Faço isso para
silenciá-lo, sabendo que, se tiver tempo para pensar, vou me
arrepender. Minhas mãos se prendem em seus cabelos e minhas
pernas se envolvem em seus quadris, um convite que não consigo
expressar em palavras. Sinto-o entrar em mim lentamente, como se
tivesse medo de me machucar. Um gemido escapa dos meus lábios, é
uma doce tortura, e Broke também reage quando chega ao fundo do
meu ser.
— Eu poderia morrer agora mesmo — ele sussurra em meu
pescoço, enquanto suas mãos percorrem meu corpo suado, dos quadris
aos seios, fazendo-me soltar um grito de prazer. — Você está mais
sensível — ele diz, com os lábios quase tocando os meus.
Levanto os quadris, e ele emite um grunhido quase animalesco.
A partir desse momento, perdemos o controle. Nos entregamos ao
prazer, esquecendo tudo ao nosso redor. Somente Broke e eu existem,
sem passado, presente ou futuro. O tempo parece parar até que
chegamos ao êxtase. Não percebo que estou gritando até que ele cubra
minha boca com a dele, nem que minhas unhas estão cravadas nos
ombros largos do homem que me possui.
— Nunca diga que nosso casamento está fadado ao fracasso —
ele sussurra, forçando-me a abrir os olhos para encontrar seu olhar.
— Você vê o que nos une?
— Luxúria? Pergunto, tentando lutar novamente, mesmo que
ele ainda esteja dentro de mim, estou muito consciente desse fato para
minha consternação. — É algo que você consegue com muita
facilidade, marido.
Ele xinga e se afasta, e eu imediatamente cubro meu corpo,
tentando afastar o frio que me invade. Ele vira as costas, escondendo
o rosto entre as mãos, apoiando os cotovelos nas pernas musculosas.
Ao vê-lo tão derrotado, percebo que, mais uma vez, estou o
machucando e o acusando da mesma coisa que estou fazendo.
— Sinto muito — digo, envergonhada de mim mesma. — Me
desculpe...
— Você pensa sobre isso — ele interrompe, calmo. — As
palavras não machucam tanto quanto o que significam, Rachel.
Eu franzo a testa, sem entender.
— Você acha que o que sinto por você, o que você me faz sentir,
outra mulher é capaz de me dar? Você não entende o quanto eu te amo
e eu entendo isso.
Ele se vira para me olhar e vejo o desânimo em seu rosto.
— Não lhe dei razões nem espero que compreenda, mas peço
que não desconsidere o que acabamos de vivenciar. Acredite, é algo que
não se encontra todos os dias.
Ele se veste sem me olhar e vai em direção à porta. Meu coração
já dói com a sua ausência. Como vou suportar isso novamente? Antes
de sair, ele para, sem se virar, e me deixa triste.
— Se precisar de mim, estarei no meu quarto — diz ele. —
Se eu ouvir você gritar, entrarei sem sua permissão. Espero que você
não leve isso a mal, não quero invadir sua privacidade. Boa noite,
Rachel.
Assim que a porta se fecha, começo a chorar, abraçando os
joelhos e escondendo o rosto para não ser ouvida. O que eu fiz? Estou
agindo corretamente ou me deixando levar pelo orgulho? Não quero
sacrificar minha dignidade pelo amor que sinto pelo homem que acaba
de sair, machucado por minhas palavras cheias de ressentimento e
ciúme. Sinto raiva toda vez que penso que ele tocou em outra mulher,
e isso me faz parecer uma harpia vingativa.
Eu me enrolo para buscar calor e choro mais ao sentir o cheiro
dele. Fecho os olhos e gostaria que ele estivesse ao meu lado para me
abraçar. Me arrependo das últimas acusações que fiz, que destruíram
a magia e diminuíram o que acabara de acontecer entre nós.
— Eu sou estúpida — murmuro, incomodada.
Por que não consigo perdoar e esquecer? Não sei quanto tempo
vai levar para parar de pensar, lembrar e sofrer.
Broke
Voltar para um quarto frio e vazio é doloroso.
Ao longo da minha vida, recebi muitos golpes do destino, mas
nada doeu tanto quanto não ter Rachel, especialmente quando estive
tão próximo dela, desfrutando de seu corpo. Acho que vou pagar caro
por me deixar levar pelo orgulho ferido e pela arrogância. Esperava que,
agora que não há segredos entre nós, pudéssemos deixar tudo no
passado e continuar rumo ao futuro como planejado meses atrás.
Porém, ficou claro para mim que isso não será possível. Rachel não vai
esquecer algo que não significou nada para mim, e isso me deixa com
uma sensação quase sufocante de solidão e repulsa por mim mesmo.
Talvez eu seja um bastardo arrogante, orgulhoso e egoísta,
porque mesmo sabendo que errei, quero Rachel ao meu lado. Preciso
dela como o ar que respiro. Essas longas semanas sem ela, acreditando
que tudo tinha ido para o inferno porque ela não foi honesta comigo,
foram um pesadelo. Agora, percebo que a verdadeira provação começa,
sabendo que o único obstáculo entre nós são os meus erros.
— Como vou viver sob o mesmo teto sem ela? — pergunto a
mim mesmo, sentado na cama, derrotado. — Não vou aguentar —
blasfemo, levantando-me, incapaz de ficar parado ou dormir.
Saio do meu quarto e vou para a sala em busca de algo que me
faça perder a consciência pela noite toda. Ao descer para o grande
salão, vejo que, a princípio, está vazio. Mas logo percebo alguém
sentado em uma das poltronas em frente ao fogo.
— O que diabos você está fazendo acordado, garoto? —
pergunto ao taciturno Arthur.
— Acho que é o mesmo que você — ele responde, olhando para
o fogo. — Sua esposa está bem?
— Melhor do que eu, com certeza — resmungo, sentando-me.
— Não consigo dormir e o que está te incomodando? E não me diga
que nada, conheço você desde antes de saber empunhar uma espada.
— Sempre ri do amor — Arthur começa, sem olhar para cima.
— Fui o primeiro a reconhecê-lo, primeiro com Broderick e depois com
você, então imagino que ele exista.
Ele suspira e finalmente me encara, revelando que algo o
incomoda.
— Também testemunhei o sofrimento que vocês enfrentaram e
o que elas passaram. Não quero isso para mim, Broke — ele diz, e eu
o observo, sem entender por que está falando sobre isso.
— Nem sempre é tão difícil — admito. — O difícil é não
estragar tudo no meio do caminho.
— E se eu já tiver feito isso? — Arthur pergunta tristemente.
Franzo a testa. — Não quero fazê-la sofrer, caramba, mas...
— Pare — eu digo a ele. — De quem diabos estamos falando?
— Pergunto sem entender uma palavra.
— Sophie — ele diz depois de um breve silêncio. — Consegui
evitar isso enquanto ela estava fora, mas agora estou preso a ela neste
maldito castelo por causa da sua esposa — resmunga.
— A garota que foi sequestrada? — questiono, incrédulo. —
Por que você não nos contou isso antes?
— Não há muito o que contar — Arthur diz, dando de ombros.
— Ela diz que me ama — ri. — Como você pode amar alguém que
não conhece? — questiona. — Eu acho que sou jovem demais para
pensar em casamento.
— Você pode reconhecer essa pessoa com apenas um olhar —
eu digo. — Você realmente não aprendeu nada conosco, garoto?
Broderick se apaixonou por Jaelyn quando era criança, e nem o tempo
nem outras pessoas conseguiram apagar esse sentimento.
— E você? — Arthur pergunta. — O que você sente, Broke?
— Desde a primeira vez que a vi, eu sabia que Rachel me
causaria problemas — admito, sorrindo como um idiota, lembrando
daqueles tempos como se uma vida inteira tivesse passado. — Você a
acha linda? Agora, ela parece machucada e descuidada, mas se parece
com sua irmã...
— Esse é outro problema — Arthur bufa, interrompendo-me.
— Não quero uma esposa que possa ser uma vagabunda como a irmã.
— Ele expressa seu desgosto.
— Vejo que você não menciona a beleza dela — eu zombo. —
Então, deixe-me entender que você pensa assim. Não acredito que
aquela garota seja como Sybil. Elas são como o dia e a noite.
— Não vou descobrir — Arthur diz, levantando-se e
cambaleando, o que me faz perceber que bebeu demais. Ele nunca teve
uma boa tolerância ao uísque. — Não entendo por que ela ainda está
aqui. Vou ter que falar com sua esposa.
— Não incomode Rachel, Arthur — ordeno, levantando-me.
— Lute suas próprias batalhas, garoto.
— Como você, irmão? — Arthur responde, defensivo. — Você
não é o melhor para dar conselhos, já que seu casamento está
desmoronando e você não consegue se controlar.
Sinto a crítica dele e cerro os dentes, fechando os punhos. Sei
que ele está certo, mas já estou cansado de ouvir isso esta noite. Arthur
se levanta e eu o deixo ir; não está em condições de conversar, e não
quero acabar brigando com ele. Estou exausto com toda essa situação
envolvendo Rachel.
— Eu desci para ficar bêbado — rosno, voltando-me para focar
no meu propósito.
O primeiro gole acalma meus nervos. O segundo e o terceiro,
ainda mais. Depois de um tempo, perco a conta e minha mente fica
embotada, meu corpo, dormente. Eu deveria subir para o meu quarto,
mas em certo momento, a embriaguez me faz adormecer sentado, sem
perceber.
Um som abafado me desperta. Confuso, abro os olhos e vejo
Jaelyn com as mãos na cintura e um olhar de desaprovação, deixando
claro o que pensa do meu comportamento.
— Bom dia — gaguejo, sentindo minha boca seca.
— Bom dia? — Jaelyn pergunta. — Você passou a noite aqui?
Por que deixou sua esposa sozinha? Você sabe o que aconteceu? —
Suas perguntas me atingem como uma marreta, fazendo minha cabeça
girar.
— Mulher — interrompe Broderick, — deixe-o acordar antes
de continuar com suas reclamações — ele diz, em tom de brincadeira.
— Reclamações? — ela pergunta, furiosa. — O que eu
realmente deveria fazer é chutar a bunda dele e tirá-lo de Kisimul
imediatamente.
Ela sai furiosa, me deixando sozinho com meu melhor amigo. O
silêncio dele me incomoda mais do que a fúria da esposa.
— Seu silêncio me irrita — finalmente resmungo. — Não
estou a fim de conversar, Broderick.
— O que você quer para a sua vida, Broke? O que realmente
deseja?
— Você pode me levar de volta no tempo? — pergunto, com
sarcasmo. — Não pode, então não há nada que eu possa fazer para
mudar o que aconteceu. Estou em um ponto sem volta, como se
estivesse em uma encruzilhada, irmão.
— Fiquei assim por muito tempo — ele concorda. — O amor
pode ser o céu ou o inferno na terra, meu amigo — suspira, olhando
para mim com pena, algo que eu odeio. — Imagino que Rachel não te
perdoou...
— Quem faria isso? — pergunto, com tristeza. — Não sei o
que fazer, Broderick. Estou tão assustado que me surpreendo.
— Dê um tempo — Broderick aconselha. — Muita coisa
aconteceu nas últimas semanas. Seu mundo desabou quando ela
acreditou que o homem que pensava ser seu pai a havia estuprado. Ela
acredita que fez o melhor por você, Broke, e nos disse que te amava
tanto que se sacrificou por você.
— Você realmente acredita nisso? — interrompo. — Ela me
amava. Achou que ficar longe de mim era a melhor decisão, mas isso
não ajudou nenhum de nós, Broderick. Eu a teria entendido, consolado
e enfrentado aquele bastardo — levanto a voz, sentindo a impotência,
porque ele tirou isso de mim. — Era meu dever, não dela.
— Eu entendo que você sinta que falhou com ela — Broderick
responde. — Como homem e como marido, era seu dever acabar com
aquele bastardo — admite — assim como eu também sinto que era
meu dever como Laird. No entanto, ao refletir, consigo entender os
motivos de Rachel. Ela não fez isso apenas por si mesma, mas também
por seu irmão, por sua mãe e por todas as mulheres que sofreram nas
mãos daquele homem e que ainda poderiam sofrer. Você deveria estar
orgulhoso dela, Broke. Sua esposa é uma guerreira.
— Você acha que eu não sei? — grito, prestes a explodir de
tantos sentimentos confusos. — Minha mente entende tudo isso, mas
meu coração, essa parte estúpida, não. É isso que me causa a angústia
de saber que a perdi e que não há nada que eu possa fazer para mudar
isso.
— Pensei o mesmo que você durante anos — diz Broderick,
sentando-se. — Jaelyn saiu daqui casada com outro homem, mas o
destino é caprichoso. Se duas pessoas estão destinadas a ficar juntas,
nada nem ninguém poderá separá-las para sempre. O que você faria
por ela, irmão? — pergunta ele, sério.
— Tudo — respondo com intensidade. — Faria qualquer coisa
que ela me pedisse.
— Até deixá-la ir? — A pergunta de Jaelyn me surpreende mais
do que sua chegada. — Se Rachel pedisse para você deixá-la livre,
você faria isso? — insiste ela, firme.
Penso bem antes de responder. Sinto uma dor intensa no peito
ao considerar essa possibilidade, especialmente depois do que
aconteceu ontem à noite. Tento evitar esse pensamento, pois não quero
perder a pouca esperança que ainda tenho.
— Eu faria isso se isso significasse que ela teria a paz e a
felicidade que merece — digo, finalmente, com a voz trêmula. — Um
dia pensei que poderia tê-la ao meu lado, mas agora vejo que me
enganei.
— Essa era a resposta que eu esperava — diz Jaelyn,
aplaudindo. — Você precisa colocar a felicidade dela acima da sua.
Deixar Rachel ir seria uma condenação a vagar pela vida sem sua outra
metade. Acredite, não há dor pior do que essa.
Broderick coloca o braço forte em volta dos meus ombros e me
abraça, tentando me consolar. Como pude cometer tantos erros
enquanto tudo se desfazia? Fui tão estúpido quanto ele, não aprendi
nada com os sermões que dei e acabei tropeçando na mesma pedra: o
orgulho ferido.
— Estou começando a entender — digo. — Vou me concentrar
nas minhas tarefas...
— Você não dormiu nada, não é? — ele me repreende. — E
parece que não toma banho há anos. Limpe-se e desça para comer —
ordena. — Depois, vamos ensinar algo aos mais novos — tenta
brincar, mas não consegue me animar. Só uma pessoa pode fazer isso,
e não é ele.
— Se é uma ordem... — respondo, saindo da sala como se mil
anos tivessem caído sobre mim.
Quase chegando ao meu quarto, encontro o pequeno Greylen
saindo furtivamente do quarto da irmã. Ao me ver, sua expressão muda
e ele me observa com seriedade, como se tivesse amadurecido de
repente.
— Bom dia, Greylen — cumprimento. — Você precisa de algo?
— Não de você — ele responde, cruzando os braços. — Onde
está minha irmã?
— Ela não está dormindo? — pergunto, franzindo a testa.
— Não — diz ele. — Você a machucou de novo?
— Greylen — suspiro, sem saber o que dizer. — É complicado.
Agacho-me para ficar na altura dele. — Prometo que vou consertar
isso. Mesmo que eu tenha que ir embora, você e Rachel estarão bem.
Eu prometo.
— Vá embora? — ele pergunta, franzindo a testa. — Você
precisa sair de novo?
— Se isso é o que sua irmã precisa, eu farei — digo. — Mas
não quero que você se sinta sozinho. Nunca lhe faltará nada, mesmo
que eu não esteja aqui.
— Agora você vai abandoná-la também? — ele pergunta, com
a voz baixa, parecendo prestes a chorar. — Você vai deixar seu filho?
— Greylen — digo, preocupado. A voz de Rachel me deixa
tenso, com medo de que ela tenha ouvido. — Não se envolva em
assuntos que você não entende. Vá tomar o seu café da manhã.
O menino obedece e me deixa sozinho com Rachel. Ela está a
poucos passos de mim, com uma aparência pior do que ontem. Os
hematomas estão mais visíveis, e sinto uma mistura de frustração e
tristeza por não ter estado ao seu lado para protegê-la.
— Bom dia, Rachel — digo, sem saber o que mais dizer.
— Você seria capaz de fazer isso, Broke? — ela pergunta. —
Você iria embora sem olhar para trás?
CAPÍTULO XXI
Rachel
Espero em silêncio pela sua resposta, com o coração disparado e o
corpo tremendo de tensão. Não consegui dormir depois do que
aconteceu entre nós. Ouvir que ele me deixaria se eu pedisse foi
um golpe duro. Primeiro, escutei sua resposta para Jaelyn,
escondida na entrada da sala para não ser vista. Algumas lágrimas
escorreram ao perceber o quanto ele estava arrasado. Agora,
olhando para ele à minha frente, vejo em seu semblante que sua
noite foi tão difícil quanto a minha.
— Parece que, não importa o que eu diga, nada vai lhe
agradar — ele suspira, me encarando. — Então, devo responder?
O que você quer de mim, Rachel?
— Já quis muitas coisas — admito. — Agora, só desejo
viver em paz...
— E como posso lhe dar isso? — ele insiste. — Fico ou
vou embora?
— Não acho que precisa ser algo tão extremo, Broke —
respondo — Mesmo que nosso casamento não funcione, não é
preciso que você abandone sua família, seu lar...
— E você acredita que conseguiríamos viver debaixo do
mesmo teto? — ele pergunta, incrédulo. — Eu deveria ver você
se casando de novo? Ter filhos com outro homem?
Essa ideia nunca havia passado pela minha cabeça, e, por
isso, respondi o que veio à mente. Na verdade, o que eu queria dizer
a ele era que preciso dele ao meu lado, apesar de tudo o que
aconteceu. Mesmo assim, não estou disposta a desistir tão cedo.
— Isso não vai acontecer — respondo, confiante. Ele não
sabe que, apesar de tudo, eu ainda o amarei. — Pelo menos da
minha parte, não sei se você vai querer procurar uma nova
esposa...
— Chega — ele diz, interrompendo-me com um tom firme.
— Você pode achar que sou um bastardo egoísta e desleal —
continua — mas isso dói, Rachel. Dói demais. Por favor, pense
bem no que realmente deseja, e eu respeitarei sua decisão.
Ele sai apressado, sem me dar a chance de responder. Sinto
meu coração apertar ao vê-lo ir embora, pois percebo a dor que
estou causando. Sei do seu arrependimento e do seu tormento,
mas algo me impede de deixar tudo para trás e seguir nossas vidas
juntos.
— Você não deveria ser tão dura com ele — diz Sophie,
surgindo atrás de mim. — O que aconteceu com minha irmã não
é o que você pensa, e...
— Não quero falar sobre ela — interrompo bruscamente,
sentindo que ouvir sobre o que aconteceu dói demais.
— Você vai deixá-lo ir? — pergunta Sophie, elevando a voz.
Eu paro meus passos, surpresa. — Foi apenas uma vez, embora
ela faça você acreditar no contrário. Ele estava bêbado e ferido
porque a esposa, no dia do casamento, deixou claro que se casava
com ele obrigada pelo Laird. Você o mandou para o inferno, Rachel.
Minha irmã é inteligente e venceu essa jogada, mas, mesmo assim,
foi seu nome que ele sussurrou.
Contenho o choro e a vontade de vomitar ao ouvir essa nova
informação, que imagino ter vindo de Sybil. O que importa se foi
uma vez ou várias? A dor permanece a mesma. Não consigo
esquecer o que aconteceu, mesmo rezando todos os dias desde que
soube do ocorrido.
— Não muda muito — reconheço, com a voz embargada.
— A dor não acaba e suas palavras não me confortam, Sophie.
— Não deixe que ela vença! — diz Sophie, enfurecida,
enquanto me viro para observá-la. — Não permita isso, ou então
ela terá vencido.
— Que lindo, irmã — a recém-chegada aplaude, saindo de
seu esconderijo. Sinto meu corpo se enrijecer ao vê-la perto de
Sophie. — Sempre soube que você era uma ingrata — sibila,
levantando a mão.
— Não se atreva a tocá-la — digo, e minhas palavras a
detêm. Ela me lança um olhar de ódio. — Afaste-se — ordeno,
furiosa.
— Quem você pensa que é para me dar ordens? — exclama,
voltando-se para mim com desprezo. — Você não é importante.
— Você deveria se meter com alguém do seu tamanho —
replico, firme. — Sophie é boa demais para se voltar contra você,
mas, acredite, Sybil, eu não sou mais a mesma. Estou cansada de
dar a outra face. Se você me procurar, vai me encontrar.
— Acha que me dá medo? — ela zomba, se aproximando.
— Na verdade, você é quem tem medo de mim, e por isso me odeia.
Sabe que eu sou capaz de dar ao seu marido o que você nunca
conseguirá — continua, com malícia.
O triunfo em seu olhar me lembra o que Sophie disse. Deixo
a raiva me dominar e dou uma bofetada fazendo-a recuar. Ela me
olha assustada ao perceber que está com o lábio sangrando. Sorrio,
apesar de ouvir alguém gritar. Isso não importa. Quando minha
inimiga se lança sobre mim como uma fera, estou pronta para
enfrentá-la. Não sinto dor com seus golpes e quero proteger minha
barriga enquanto retribuo cada ataque de suas mãos e unhas.
— O que está acontecendo aqui? — O grito de Broke não
me faz parar de atacar sua amante. — Solte minha esposa
imediatamente — ele ordena entre dentes, afastando Sybil de
mim.
Ao olhar, percebo que ele a afastou de forma rude e a
empurrou contra a parede. Ele se volta para mim e me ajuda a
levantar do chão. Com os olhos turvos de preocupação, observa
meu rosto machucado enquanto suas mãos limpam o sangue dos
arranhões que ela deixou com aquelas unhas afiadas.
— Como você se atreve a tocar nela? — pergunta Broke,
com raiva, olhando para Sybil. — Você vai embora do castelo —
ele ordena, furioso. — Ou eu mesmo terminarei o que Rachel
começou.
— Você não se atreveria — Sybil responde, horrorizada. —
Foi ela quem começou — acusa, começando a chorar. — Eu
apenas me defendi. Você não pode me expulsar do castelo, não tem
autoridade para isso — diz, levantando o queixo com orgulho.
— Mas eu tenho — a chegada da senhora de Kisimul a faz
empalidecer. — Eu disse para não criar problemas, Sybil, mas
você continuou. Então, pegue suas coisas e vá embora. Seus
serviços no castelo não são mais necessários — diz com firmeza,
olhando para Broke
— Minha senhora, por favor — Sybil implora, ajoelhando-
se. — Eu não fiz nada...
— Isso não é verdade — Sophie interrompe, tendo
permanecido em silêncio até aquele momento. — Você sempre se
comporta assim, Sybil, e está na hora de você parar.
— Maldita traidora — grita, mostrando seu verdadeiro
rosto. — Deveria ter deixado você morrer de fome. Não se
considere importante porque está sob a proteção do Laird.
Ela tenta atacar Sophie, mas Arthur aparece para bloquear
seu caminho.
— O que você quer? — pergunta Sybil. — Por que a
defende? Já se deitou com ela? — zomba.
— Você vai embora, ou eu mando que a tirem daqui? —
insiste Jaelyn, furiosa. — Não me force a arrastá-la pelos cabelos
por Kisimul. Você sabe que sou capaz disso e não vou pensar duas
vezes.
Ela fica rígida, cospe aos pés da irmã e dá meia-volta,
afastando-se com dignidade, como se fosse a vencedora. Sophie sai
chorando, e Arthur a observa sem demonstrar emoção. Em
seguida, ele também se retira em silêncio.
— Agora é a vez de vocês — diz Jaelyn. — Vão tomar café
da manhã, ou eu ordeno que tragam algo? Acho que deveriam
conversar...
— Acho que tudo já foi dito — replica Broke. — Mas, se
ela tiver algo a dizer, estarei aqui para ouvi-la.
— Não tenho nada a dizer — respondo, ferida diante de sua
indiferença. — Acho que deveríamos comer algo. Já tivemos
drama demais por hoje.
Começo a descer as escadas, esforçando-me para que minhas
pernas me sustentem. Ao chegar à sala, vejo a surpresa no rosto
de Broderick e percebo que minha aparência deve estar bem
estranha.
— O que aconteceu? — pergunta Broderick.
— Tive uma conversa com Sybil — explico, sentando-me.
— Nada com que se preocupar.
Ele me observa por alguns instantes e começa a rir no
momento em que meu marido e Jaelyn entram. Eles se sentam
antes que o Laird consiga se recompor, e então Broke lhe lança um
olhar acusatório, que não passa percebido por mim.
— Vejo que a influência da minha esposa serviu para alguma
coisa — aplaude Broderick. — Estou orgulhoso de você, Rachel.
— Ela está grávida, caso tenha esquecido — resmunga meu
marido.
— Sua preocupação por mim é admirável, Broke — replico.
— Mas eu não precisaria me meter em brigas como uma vulgar
taberneira se você mantivesse suas mãos quietas.
— Sei disso — responde ele. — Sybil não está mais aqui.
Espero que, ao menos, isso lhe traga um pouco de paz.
— Paz — digo com amargura. — Nunca a tive, então não
é algo que espero encontrar agora.
— Rachel — ele suspira. — Não precisa ser assim...
— Não precisamos incomodar os outros com nossos
problemas — resmungo, tentando comer um pouco, apesar da
falta de apetite. — Gostaria de levar algo para Sophie. Estou
preocupada com ela, especialmente depois do que aconteceu com
a irmã. Ela saiu correndo.
— Claro — diz Jaelyn, fazendo um gesto para que atendam
meu pedido. — Essa garota ainda tem um longo caminho pela
frente. Espero que, longe do veneno da irmã, ela consiga florescer.
— Ela precisa de tempo para se curar — replico — Não
consigo entender como podem ser tão diferentes uma da outra. —
suspiro.
— Melhor assim — rebate. — Duas Sybil seriam demais
neste castelo — tenta brincar. — Não acha, esposo? — pergunta
ao Laird.
— É uma armadilha, mulher? — ele questiona, franzindo o
cenho e olhando de lado para seu amigo.
— Por que deveria ser? — Jaelyn responde, estranhando.
— Perguntei porque você está muito calado, querido.
— Eu te conheço, pequena — diz Broderick, sorrindo. —
Acho que, não importa o que eu diga, sempre vou acabar me
metendo em problemas por causa dos erros de Broke.
Ouço meu marido bufar e olho para ele. Nossos olhos se
encontram e sinto um calor ao lembrar da noite passada. Sou a
primeira a desviar o olhar envergonhada. Odeio que ele pareça tão
calmo e aja como se nada tivesse acontecido.
— Você não precisa se sentir culpado, meu amigo — diz,
olhando para Jaelyn. — Esta é minha responsabilidade agora,
assim como foi a sua na sua vez.
— Odeio quando os homens tentam ser mártires — Jaelyn
revira os olhos. — Não acha, Rachel?
— Não sei — respondo, desconfortável. — Acredito que as
pessoas possam se arrepender das suas ações — encolho os
ombros. — É simples sentir arrependimento, mas o difícil é
esquecer.
— Mas não é impossível — concorda Broderick. — Minha
esposa me perdoou na época, e eu também a perdoei.
— Não me faça falar — Jaelyn resmunga. — Não se trata
de nós, mas deles — diz, impaciente. — São dois cabeçudos
orgulhosos, e temo que nenhum deles vá ceder.
— Eu cedi! — exclama Broke, chamando minha atenção.
— O que mais posso fazer? Me jogar do maldito penhasco? — Ele
eleva a voz, bate o punho na mesa e se levanta de repente, saindo
como uma alma penada.
O silêncio é opressor, assim como a vontade de chorar.
Broderick suspira, dá um beijo em sua esposa e sai em busca
de seu amigo, provavelmente para convencê-lo.
— Em que você está pensando? — a pergunta da minha
amiga interrompe meus pensamentos.
— Se estou sendo dura demais com Broke — reconheço,
com medo. — O passado não pode ser mudado, nem podemos
apagar os erros que cometemos. Para que serve castigá-lo e me
castigar no processo?
— Somente você pode decidir isso, querida — ela diz,
sorrindo com pesar. — Apenas você sabe se consegue viver sem
ele.
— Essas semanas foram um verdadeiro inferno — confesso.
— Mas ficar imaginando o que ele fez com aquelas mulheres está
me torturando.
— E isso não vai parar se você não esquecer — aconselha
Jaelyn. — Eu fiz isso. Aceitei que meu marido tinha um passado
que nos separou por anos e não queria que continuássemos
afastados por mais tempo.
— O problema é que o meu se divertiu no presente — digo
entre dentes. — Pelo menos não terei que ver aquela vadia
novamente.
— É curioso que você tenha feito amizade com a irmã dela
— replica. — Diga-me uma coisa, como você se vê em dez anos?
Sozinha com seu filho ou com Broke ao seu lado? Feche os olhos e
pense no que te causa mais dor. Imagine-se sozinha com uma
criança de mãos dadas, mas nessa imagem seu esposo não está
presente. Dói?
Obedeço e imagino aquela cena distante. Uma lágrima escorre
pelo meu rosto. Ver-me mais velha, com tristeza nos olhos, me
afeta muito. A ideia de que meu futuro filho cresceria sem o pai é
difícil de aceitar.
— Você já tem sua resposta — diz Jaelyn em voz baixa, com
compreensão. — Vá encontrá-lo, conversem e resolvam isso.
Vocês se amam, e isso é o mais importante.
— Será que realmente nos amamos? — pergunto a mim
mesma. — Se nos amássemos de verdade, eu teria confiado nele,
e Broke não me teria traído.
— Os homens não precisam amar para se deitar com uma
mulher — diz Jaelyn. — Eles podem fazer isso por despeito,
luxúria ou vingança. Eles não são como nós. Para Broke, não
significou nada além de um alívio e uma maneira de manter seu
orgulho masculino intacto.
— E o meu não conta? — pergunto, mordendo o lábio
inferior. — O que acontece com meu orgulho se eu o perdoar?
— Esse sentimento não vai mantê-la aquecida à noite — diz
Jaelyn. — Ele não vai confortá-la nos momentos difíceis, nem vai
abraçá-la e dizer que a ama. O orgulho é necessário na medida
certa, mas se deixar que ele controle sua vida, acabará sozinha e
vazia.
— Achei que, ao acabar com aquele miserável, poderia deixar
tudo para trás — sussurro, levantando-me. — Mas, mesmo
morto, ele ainda arruína minha vida.
— Então não permita isso — ela diz, levantando-se também.
— Não deixe que ele vença. Você tem tudo para ser feliz, Rachel.
— Eu sei — respondo, sorrindo triste. — Mas não sei se
consigo...
CAPÍTULO XXII
Broke
Saio do salão com vontade de matar alguém, amaldiçoando
minha cabeça ruim.
— Broke — ouço meu amigo me chamar, mas continuo
andando, porque sei que, se parar, vou explodir.
— Broke! — ele repete, mais firme. Desta vez, é uma ordem, e
eu obedeço.
— O que? — questiono, virando-me para encarar meu Laird.
— Você precisa ter paciência — aconselha novamente. —
Tudo ainda é muito recente. Com certeza, com Sybil fora daqui...
— Você acha que isso vai mudar algo? — pergunto com ironia.
— Ela não vai me perdoar — sentencio, convicto. — Por que deveria?
— Porque vocês se amam — responde como se eu fosse
estúpido. — Nada mais importa.
— Está claro que importa — rebato. — Vou cuidar das minhas
tarefas.
Não lhe dou a chance de responder. Estou cansado de ouvir
sempre a mesma coisa. É como bater a cabeça contra uma parede que
nunca cai. No final, sou eu que acabo ferido, repetindo o que prefiro
ignorar e tentando evitar o inevitável.
Deixo meus problemas de lado, empunho a espada e me
concentro em ensinar os meninos mais jovens. Arthur treina outro
grupo com o arco, enquanto Jules trabalha com os punhos. Sinto os
olhares dos meus amigos em mim, como se estivessem esperando que
eu exploda a qualquer momento. Eles me conhecem bem e sabem que
estou no limite.
— Solte a maldita espada — diz Jules ao se aproximar. —
Não queremos que você acabe cortando o pescoço de alguém. Hoje,
cuide apenas da luta corpo a corpo.
Eu não precisaria obedecê-lo, já que sou o segundo em comando,
mas, no fundo, sei que ele está certo. Não quero machucar ninguém de
forma irreparável. Começo o treino tentando ignorar os comentários de
dois homens, mas fico tenso assim que ouço o nome da minha esposa.
Posso suportar qualquer coisa contra mim, mas nunca sobre ela.
— Tem algo a dizer, Rock? — pergunto, tentando manter o
controle diante do seu sorriso sarcástico.
— Eu dizia, Broke, que você deveria me agradecer. Graças à sua
esposa, Sybil foi expulsa do castelo — ele responde, cruzando os
braços. — Isso fez com que ela se refugiasse na minha humilde
cabana. — Todos riem. — Desde que fiquei viúvo, estou muito
sozinho — acrescenta, tentando parecer triste, mas isso não é
verdade.
— De nada — replico. — Agora, menos conversa e mais
trabalho — ordeno.
— O que eu me perguntava é… — ele insiste. — Como é trocar
Sybil por uma mosquinha morta que nem mesmo dorme na sua cama?
Talvez ela encontre consolo em outro lugar, Broke? — zomba.
Aperto os punhos com força antes de me virar e desferir um soco
em seu rosto feio.
— Não volte a falar da minha mulher — sibilo, contendo a
raiva. — Ou eu te mato.
Seu punho atinge minha mandíbula e uma dor forte percorre
meu rosto. Quando ouço suas palavras sujas de novo, tudo fica escuro,
e me transformo em um animal, incapaz de raciocinar.
— Por quê? — insiste ele. — Em breve, todos saberão que ela
é uma vagabunda que se oferece até para o próprio pai — ele diz, com
um tom sarcástico.
Sinto uma fúria crescente antes de me jogar sobre ele e começar
a socá-lo sem parar. O idiota não tem como escapar e logo não
consegue nem falar. Ouço gritos ao meu redor, mas não paro, mesmo
quando dois pares de braços tentam me afastar do homem que ousou
sujar o nome da minha esposa. O aperto em meu pescoço é o que me
afasta o suficiente para que outros levem embora o corpo machucado
daquele bastardo.
— O que você pensa que está fazendo? — grita Jules em meu
ouvido, soltando um pouco seu aperto em meu pescoço. — Você
enlouqueceu? Verifiquem se aquele homem ainda respira — ordena.
— Me solte — grunho entre dentes, tentando me desvencilhar.
— Vou acabar com ele.
— Não vamos te soltar até você se acalmar — informa Jules,
furioso. — E depois, você vem comigo.
— Não me dê ordens — sibilo, pressionando os dentes com
tanta força que doem. — Você não sabe o que ele disse sobre minha
esposa...
— Posso imaginar — interrompe ele. — Tente se controlar.
Vamos falar com Broderick para que ele cuide do assunto. Não me force
a te socar até te deixar inconsciente, Broke — diz ele, quase
suplicando. Isso me faz reagir e tentar me acalmar.
Demoro alguns minutos para conseguir ver melhor e para que
minha respiração ofegante, como a de um cão de caça, se acalme. Ao
olhar ao redor, percebo que os homens se dispersaram. Só restamos
eu, Arthur, segurando meus braços, e Jules, que me mantém preso ao
chão com seu peso.
— Solte-o, Arthur — pede Jules, tentando manter a calma. —
Se fizermos isso, você não vai acabar fazendo algo estúpido que me
obrigue a te bater?
— Não — digo, ofendido por estar sendo tratado como um
garoto imaturo.
— Bem — Jules concorda. — Arthur, afaste-se.
Ele obedece e, ao sentir os braços livres, a tentação de socar meu
amigo aumenta. Enterro meus dedos na umidade do chão enquanto
tento respirar normalmente. Aos poucos, Jules se afasta, permitindo
que eu me levante. Ambos ficam tensos, esperando minha reação,
prontos para se lançarem sobre mim novamente.
— Parem de me olhar assim — cuspo, irritado. — Não sou
uma besta.
— Isso é questionável — rebate Jules, cruzando os braços. —
Arthur, vá chamar Broderick.
— Não é necessário — digo, fechando os olhos ao ouvir a voz
do meu Laird. — Vocês acham que eu não ficaria sabendo de nada?
Broke?
— Aquele maldito começou a soltar absurdos — exclamo. —
Ele insultou Rachel. O que você teria feito no meu lugar?
— Matá-lo — responde ele, sem se abalar.
— Broderick! — exclama Jules. — Não dê razão a ele. Você
não viu que ele se tornou um verdadeiro animal que não podemos
controlar.
— Continuem com o treinamento — ordena Broderick. —
Broke, precisamos conversar.
Suspiro resignado, já estou farto de conversar. O acompanho em
silêncio enquanto ele caminha com as mãos atrás das costas. Olho para
as minhas mãos. Os nós dos meus dedos começam a inchar e o sangue
seco daquele bastardo se mistura ao meu.
— Sybil se abrigou com aquele homem — explico, quebrando
o silêncio. — Pode ser que já fossem amantes antes. Ele contou tudo
e estava caluniando minha esposa.
— Você me escuta, Broke? — pergunta. — Eu teria
atravessado aquele homem com minha espada, e não serei hipócrita.
Porém, precisamos ser um pouco mais civilizados. Deixe isso comigo.
Eu pensei que minha esposa já havia resolvido a situação, mas ela não
encontrará paz até que Sybil seja expulsa de minhas terras.
— Se for com aquele bastardo, melhor ainda — resmungo. —
Ou vou acabar matando-o.
— Vamos — ordena, sorridente. — Sei onde ele vive.
— Como não? — replico, já em melhor humor. — Você é o
Laird…
— Sou — confirma, orgulhoso. — Embora alguém tenha
tentado me impedir.
— Você sabe que provavelmente foram aqueles que se aliaram
ao seu irmão — digo, convencido. — Por algum motivo, queriam ele.
— Suponho que sim — ele admite, entristecido ao relembrar
tudo o que aconteceu. — Chegamos.
Ouço gritos e, pelo que imagino, estão cuidando dele. Pouco me
importa e parece que a meu amigo também. Ele abre a porta sem avisar
e nos deparamos com Sybil cuidando de seu amante.
— Que patético — digo, indiferente ao sofrimento do homem e
à surpresa da mulher.
— Sybil — exclamou Broderick — você está banida do clã
MacNeil. Leve essa desgraça com você.
— Eu não fiz nada! — respondeu enfurecida. — Não sou
culpada pelos atos de outros — sibilou, me lançando um olhar furioso.
— Não tenho culpa de que ele seja incapaz de ser fiel à esposa.
— Eu não te bani por isso — interrompeu Broderick, elevando
a voz poderosa. — Faço isso porque você é uma serpente maldita,
espalhando veneno por onde passa. Não vou permitir que prejudique
minha família — ergueu a mão, silenciando-a. — Você vai sair por
bem, Sybil.
Saímos em silêncio, sem trocar palavras. Nem me dou ao
trabalho de olhar para ela, pois não sinto pena alguma. No caminho de
volta, continuamos na quietude, e sou grato por isso, já que minha
mente é um turbilhão de pensamentos desordenados que quase me
levam à loucura.
— Tente se acalmar antes de entrar no castelo — sugere meu
amigo. — Vocês dois estão feridos, frustrados e perdidos. Cada palavra
ou ação pode causar um estrago irreversível.
— O estrago já foi feito — respondo, odiando repetir isso de
novo. — Não vou forçá-la a fazer nada que não queira. Já fiz isso uma
vez quando nos casamos e não vou cometer o mesmo erro novamente.
Rachel é livre para escolher o que quiser.
— É uma decisão corajosa, meu amigo — ele diz, me dando
um tapa nas costas. — Vamos entrar e tomar algo para acalmar os
ânimos.
Ao fazer isso, encontro minha esposa sentada em frente ao fogo
com o pequeno Cedric, cantando uma canção em voz baixa. Aos seus
pés, Greylen dorme, ouvindo sua irmã. Essa cena me faz perceber
ainda mais o que perdi.
Sinto o olhar do meu amigo antes de ele me encorajar a me
aproximar. Se eu fizer isso, serei um intruso. Ele insiste novamente, e
eu grunho, relutante, mas acabo obedecendo. Sei que Rachel não ficará
feliz se eu interromper sua paz. Ela ama as duas crianças como se
fossem dela e me mostra que será uma mãe amorosa para nosso filho.
Ela parece sentir minha presença antes que eu possa dizer uma
palavra. Vira-se e ergue o olhar para encontrar o meu. Nos olhos dela,
não consigo ler o que antes era tão claro.
— O que aconteceu com suas mãos? — pergunta em voz baixa
para não acordar o pequeno que dorme tranquilamente em seus
braços. — Broke? — insiste ao perceber meu silêncio.
— Nada de importante — respondo, encolhendo os ombros
enquanto olho para minhas mãos. Estão inchadas e manchadas com o
sangue do bastardo que eu deveria ter matado.
— Entendo... — ela diz, abaixando o olhar. — Talvez você
devesse deixar a curandeira cuidar delas.
— Duvido — respondo, um pouco ríspido por causa de sua
indiferença. Estou agindo como uma criança. — Não preciso que
ninguém examine minhas mãos. Já tive feridas piores.
Percebo que Greylen me observa, tenso e com uma expressão
séria, como se estivesse prestes a pular sobre mim. Rachel também
nota isso e, com um gesto simples, faz com que o menino se afaste a
contragosto, deixando-nos sozinhos e sem saber como preencher o
vazio ao nosso redor.
— Vou deitar Cedric — diz em voz baixa ao se levantar devagar.
— Eu faço isso — responde Broderick, surpreendendo-nos ao
aparecer.
— Claro — ela exclama, entregando o menino com cuidado
para não acordá-lo.
Meu amigo se afasta, mas não antes de me lançar um olhar que
expressa sua opinião sobre meu comportamento. Suspiro, sem saber o
que fazer ou dizer. Odeio não saber como agir e ter que medir minhas
palavras para não ofendê-la. Para que isso serve? Não importa o que
eu faça, ela não vai me perdoar.
— Você acha que serei um bom pai? — pergunto,
surpreendendo-a. Espero um tempo interminável antes de ouvir sua
resposta, que temo.
— Não tenho dúvidas, Broke — ela diz, olhando nos meus
olhos. — Você será um bom pai. Por que pergunta isso? — franze o
cenho.
— Não fui um bom marido — digo, encolhendo os ombros.
— Nem eu fui uma boa esposa — ela rebate. — Você acha
que não serei uma boa mãe?
CAPÍTULO XXIII
Rachel
— Claro que não — replicou com brusquidão. — Não conheço
mulher mais amorosa com as crianças. Você cuida do seu irmão desde
menina, Rachel.
Sua resposta me alivia, mas ainda carrego esse peso. Não sabia
o quanto precisava ouvir isso até Broke falar. As dúvidas me
atormentam, porque nada saiu como eu esperava, e não me sinto mais
a mesma de semanas atrás.
— Venha comigo — peço, notando seu olhar confuso. — Vou
cuidar das suas mãos.
Para minha surpresa, ele me acompanha até a cozinha, que está
vazia a essa hora, embora eu não consiga parar de pensar que minha
pior inimiga pode entrar a qualquer momento. Enquanto preparo o
necessário, percebo que Broke se sentou e que seu olhar está sobre
mim, o que me deixa nervosa.
— Você não precisa se preocupar mais com Sybil — sua voz
potente me paralisa. — Ela não faz mais parte do clã.
Viro-me e lanço um olhar incrédulo, mas ele permanece
impassível. Então, me sento à sua frente e começo a lavar suas mãos
com água quente. Deve arder, mas ele não emite nenhum som,
mostrando ser um verdadeiro guerreiro das Highlands.
— Então foi por isso que suas mãos estão assim — comento
para quebrar o silêncio. — Não era necessário expulsá-la.
— Claro que era — sussurra, olhando-me intensamente. —
Ela deveria ter mantido a boca fechada. Não se preocupe com ela, vai
partir acompanhada. Mas se não fosse assim, eu não conseguiria
dormir.
Suas palavras me ajudam a entender o que aconteceu. Imagino
que alguém tenha feito comentários sobre nós e ele, como meu marido,
defendeu minha honra. Cuido delicadamente de suas grandes mãos e,
quando termino, ele não me solta e começa a acariciar as minhas. Não
consigo evitar que meu coração dê um salto no peito e uma sensação
de saudade me invade.
— Não preciso que me defenda, Broke — digo, fazendo-o parar.
Quando o encaro, percebo que isso o incomoda — Não se importe com
o que dizem.
— Não importa o que você decida, Rachel — ele responde —
Não vou permitir que sujem seu nome na minha presença.
— Não faça isso — imploro, com um nó na garganta — Não
torne tudo mais difícil.
Ele se levanta para se ajoelhar ao meu lado. Fecho os olhos para
não vê-lo assim, mas sua mão levanta meu rosto, me obrigando a abrir
as pálpebras. O que vejo em seus olhos me deixa sem fôlego.
— Não é minha intenção te machucar — sussurra — . Mas
não me peça para não te proteger ou para não te amar, porque farei
isso até meu último suspiro.
Uma lágrima escorre pela minha bochecha, e faço o possível para
não chorar. Uma vontade irresistível de me sentir abraçada me invade,
e parece que ele pode ouvir meus pensamentos. Então, me vejo
envolvida em seus braços fortes e deixo a tristeza tomar conta de mim.
Broke
Meses depois…
A dor de me afastar dela é a mais intensa que já senti. Mas decidi
agir com integridade. Não vou pressioná-la ou forçá-la a decidir. Ela
precisa encontrar, em seu coração, o perdão e o amor por mim, para
que possamos ser felizes juntos. Não aceito menos do que isso.
A observo enquanto passeia com Sophie e Jaelyn, a gravidez à
mostra, e não consigo parar de me perguntar por que ela desapareceu.
Durante esses meses, conversamos pouco, e tenho evitado momentos
a sós para não ceder à tentação de beijá-la ou abraçá-la. Até tocar sua
mão seria arriscado para mim.
— Não falta muito. — Jules se aproxima em silêncio e fala. —
Quando você vai agir?
— Não vou fazer isso — respondo, mantendo o olhar em
Rachel. — Prometi a ela e a mim mesmo que deixaria as coisas fluírem,
sem pressões.
— Muito nobre da sua parte — Jules comenta, observando as
mulheres. — Mas não vejo vocês avançando, e seu filho vai nascer em
breve.
— Você acha que não sei? — retruco, frustrado. — Falei com
ela e abri meu coração. Agora, tenho que esperar.
— Esperar o quê? — pergunta Jules. — Que ela te perdoe?
Que esqueça? Que te ame?
— Eu não sei! — levanto a voz, furioso com seu interrogatório.
— Deixe-me em paz!
— Pelo menos consegui que você reagisse — Jules responde,
impassível. — Você está há meses apenas assistindo à vida passar em
vez de vivê-la intensamente.
— O que você sabe sobre isso? — retruco. — Espero estar
presente quando você se apaixonar. Vamos ver como você age. —
Percebo que as mulheres pararam e estão nos observando.
— Morde a língua — Jules ri. — O néctar do amor não é para
mim.
— É o que todos dizem — digo, mudando de assunto. — Onde
está Arthur? Não o vejo.
— No penhasco — ele responde, preocupadamente. — Ele
ainda não superou a morte de Andrew, Broke.
Ele me olha e vejo a tristeza em seu olhar. Todos sentimos falta
do nosso amigo. Sei como ele se sente, sendo o mais jovem entre nós,
porque também me senti perdido no início. Agora, estou aprendendo a
aceitar que Andrew não vai voltar.
— Eles sempre foram unidos — digo, olhando para o céu claro.
— Sempre senti que Arthur não se abriu completamente para nós, mas
ele parecia se revelar a Andrew. O segredo que compartilhavam, ele
levou para o túmulo.
— É verdade — concorda Jules. — Desde que Sophie chegou,
ele se fechou. Lembra? — tenta brincar. — Estou preocupado. Ele
apenas treina, caça sozinho e passa horas olhando para o mar. Tenho
medo de que um dia ele se jogue, Broke.
— Droga — exclamo. — Nem pense nisso. Vou tentar falar
com ele...
— Você acha que não tentei? — pergunta Jules. — Não quis
preocupá-lo, já que você tem muitos problemas na cabeça e nem
Broderick, mas estou começando a achar que preciso de ajuda para
lidar com esse cabeça dura.
— Vamos falar com ele — bato nas costas de Jules, sentindo-
me um egoísta por ter passado meses me lamentando sem perceber o
que estava acontecendo ao meu redor. — Talvez Sophie possa ajudar
e... — paro ao vê-lo negar com a cabeça.
— Não tenho certeza — diz Jules. — Tê-la por perto o enfurece
e isso o lembra demais de como você reagiu com Rachel...
— Então vamos deixá-la se aproximar — sugiro. — Se ele
resistir, significa que ainda se importa.
— Não me preocupo com ele, mas com ela — rebate Jules. —
Arthur nunca foi cruel, mas com essa jovem, ele é. Já vi como consegue
fazê-la chorar. Sophie não merece isso.
— Maldito garoto — resmungo. — Deixe que eu fale com ele.
Talvez Broderick e você sejam diplomáticos, mas não hesitarei em
enfrentá-lo.
— Talvez você consiga — Jules suspira, derrotado. — Não
seja muito duro com ele. Sempre soube que há algo doloroso em seu
passado. Agora ele está vulnerável porque perdeu seu melhor amigo e
não sabe como lidar com Sophie...
Vou responder, mas um grito chama minha atenção. Vejo que as
mulheres cercam minha esposa e corro até elas, sem me importar em
esperar meu amigo. Um medo intenso toma conta de mim e minha
mente fica em branco.
— Rachel! — exclamo ao ver seu rosto pálido e a expressão de
dor. — O que aconteceu?
— Estou sentindo dor — ela ofega e ao erguer o rosto, vejo o
medo em seus olhos. — O bebê...
— Não pode ser — digo apavorado. — Não é muito cedo?
— Nunca é tarde nem cedo — responde Jaelyn, a única que já
deu à luz. — É a hora, chamem a parteira. Broke, leve sua esposa
para o quarto dela — ordena enquanto nos movemos. — Água quente
e panos.
— Estou com medo, Broke — sussurra contra meu pescoço
enquanto apresso o passo em direção ao quarto. — E se eu não fizer
direito? — Ela se contrai em meus braços e eu fico angustiado por vê-
la tão indefesa.
— Você vai fazer tudo certo — digo, tentando acalmá-la ao
colocá-la cuidadosamente na cama. — Se eu pudesse viver esse
momento doloroso no seu lugar, eu faria — digo, olhando em seus
olhos, que agora estão cheios de dor e incerteza.
— Todos fora — ordena a parteira ao entrar. — Somente lady
Jaelyn pode ficar, os outros atrapalham.
— Não vai embora — suplica, aterrorizada, segurando minha
mão. — Não me deixe sozinha, por favor.
— Não vou me mover — respondo, mantendo o olhar fixo no
dela. — Ela está com medo.
— Todas nós temos medo quando chega o momento — diz a
parteira, posicionando-se entre as pernas da minha esposa. — Ela
começou o trabalho de parto e pode demorar muito, acredite em mim.
— Não me importa quanto tempo dure — insisto, irritado. —
Não vou sair daqui.
— Corajoso — ela ri. — Vamos ver quanto tempo você
aguenta...
As horas se arrastam entre os gritos de dor da minha esposa,
que provocam em mim uma mistura de arrepio e terror. Seguro sua
mão constantemente, enxugo o suor de seu rosto e ofereço palavras de
encorajamento sempre que percebo que ela começa a fraquejar.
— Não aguento mais — sussurra ela, após sentir uma nova
dor. — Não tenho forças, Broke.
— Você não vai desistir — respondo, beijando sua mão fria.
— Falta pouco, esposa. Por que o bebê não sai? — pergunto pela
terceira vez à parteira.
— Eu avisei — ela dá de ombros, com uma expressão
indiferente. — Ela é mãe de primeira viagem, e isso pode levar muitas
horas. O bebê está na posição correta, então ela deveria começar a
empurrar, mas a vejo muito cansada.
— Você escutou? — questiono. — Você deve começar a
empurrar.
— Como as mulheres conseguem ter mais de um filho? —
resmunga, esforçando-se para cumprir a tarefa.
— Querida, é algo que fazemos desde o início dos tempos —
responde Jaelyn, que se mantém à parte, entrando e saindo para
informar os outros. — Acredite em mim, você vai encontrar forças
onde nem imagina que as tem. Vai doer, mas quando o bebê estiver em
seus braços, tudo isso será esquecido.
Posiciono-me atrás da minha esposa, apoiando-a em meu peito.
Ela me lança um olhar por cima do ombro, tentando sorrir, e não
resisto: dou um suave beijo em seus lábios. Por um momento, temo
que ela não tenha gostado, mas, ao suspirar, ela se vira e se apoia,
começando a empurrar com mais força. Nesse instante, sinto um
orgulho imenso por tudo o que ela é capaz de realizar.
— Você está indo muito bem — sussurro enquanto ela
descansa após vários empurrões — Falta pouco. Eu te amo, Rachel.
Não se esqueça disso.
Ela solta um grito lancinante enquanto aperta minhas mãos com
força surpreendente. Logo, ouvimos o choro forte do bebê, revelando
sua saúde. Rachel desaba sobre mim, sem fôlego.
— É uma menina — anuncia a parteira. — Parece estar
saudável.
Rachel se senta e olha nos meus olhos, não gosto do que vejo.
— Menina? — pergunta baixinho. — Sinto muito, Broke, eu...
— Nem pense nisso — interrompo, tentando não ser brusco.
— Não me importa que seja uma menina, quero apenas que vocês duas
fiquem bem.
Ela soluça e, mais uma vez, se apoia em mim enquanto aliso seu
cabelo, tentando consolá-la. Vejo Jaelyn arrumando nossa filha
enquanto a parteira cuida de minha esposa. A parteira sai, dizendo que
está tudo bem, e a esposa de meu amigo se aproxima, segurando um
pequeno embrulho entre os braços, que não para de chorar nem por
um instante.
— Querida, sei que você deve estar muito cansada, mas sua
filha precisa se alimentar — digo suavemente enquanto minha esposa
estende os braços e acolhe nosso pequeno milagre. — Já decidiram o
nome dela?
— A verdade é que ainda não — confesso, encantado ao olhar
para nossa filha. — Ela é linda — exclamo, sentindo um medo sutil
ao vê-la tão pequena e indefesa. — Agradeço por ela se parecer com
você — brinco, dando um beijo suave no cabelo úmido de Rachel.
Rachel
— Claro que sim — ele afirma, tirando-me de minhas
reflexões. — Você é uma mulher forte.
— Parece que ela adormeceu — sussurro, emocionada pelo
apoio que recebi dele e pelas descobertas do dia. — Você pode deixá-
la no berço?
— Claro — ele diz, balançando a cabeça. — Mas não vou
machucá-la? Ela é tão pequena...
— Você precisa ter cuidado com o pescoço dela — explico,
enquanto o observo pegar Ciara em seus braços fortes. Ela permanece
em silêncio, sentindo-se segura.
A cena é comovente e quebra a última barreira que mantive ao
meu redor por medo de sofrer novamente. Vejo-o segurar com cuidado
o que há de mais precioso para mim. Ele coloca Ciara suavemente no
berço, sem acordá-la, e eu contemplo a cena com um amor tão puro
que meus olhos se enchem de lágrimas.
— Eu te amo — confesso de repente, fazendo-o parar de costas
para mim, de modo que não possa ver seu rosto. E nunca deixei de
amar você.
Prendo a respiração ao perceber que ele não se move e não diz
nada. Fico nervosa, temendo que seus sentimentos tenham mudado,
que os meses em que fiquei longe tentando encontrar coragem para lhe
dar uma nova chance tenham sido demais para ele.
Suspiro ao ver seu corpo tremer, sem acreditar no que está
acontecendo. Choro como uma criança e tento sair da cama, mas não
tenho forças e lamento frustrada. Ele se vira preocupado e corre para
o meu lado.
— Não chore — pergunto a ele. — Por que você faz isso?
— Achei que nunca mais ouviria essas palavras — ele responde,
entusiasmado. Deus sabe que não as mereço.
Minha mão acaricia seu rosto até chegar aos lábios, cobrindo-os
para que ele fique em silêncio. Não é hora de falar do passado, da dor
que nos fez agir de forma egoísta, especialmente hoje, quando nossa
filha veio ao mundo.
— Eu não queria, marido — digo. — Sinto muito por tudo
que aconteceu...
Não consigo continuar, pois ele me silencia com um beijo que
toca minha alma. Quando nos separamos, sorrio como não fazia há
muito tempo, e Broke me imita. Sinto meu coração transbordar de
amor e paz.
— Você finalmente me perdoou? — ele sussurra, nervoso. —
Podemos esquecer o passado para sempre?
Aceno com a cabeça, incapaz de falar. Toda a dor, raiva e
ressentimento desapareceram, deixando espaço apenas para um amor
imenso. Ele me abraça com carinho, e eu me deixo envolver por seus
braços fortes, aqueles que tanto senti falta nos últimos meses, quando
realmente precisei dele, mas meu orgulho me impediu de reconhecê-lo.
Broke
Algumas semanas depois...
FIM...