Manual de ECG SANAR Jose Nunes de Alencar Neto
Manual de ECG SANAR Jose Nunes de Alencar Neto
1. Introdução
2. Histórico
5. Configuração Do Eletrocardiógrafo
6. Referências
1. Introdução
3. Situações Especiais
9. Referências
1. Introdução
7. Derivações Especiais
8. Referências
1. Introdução
4. A Onda P
5. Intervalo PQ
6. O Complexo QRS
7. O Segmento ST
8. A Onda T
9. Intervalo QT
10. Onda U
12. Referências
Capítulo 5 Artefatos
1. Introdução
1. Introdução
4. Bloqueio Interatrial
5. Referências
1. Introdução
7. Sobrecarga Biventricular
8. Referências
1. Introdução
5. R’ Em V1 E O Algoritmo De Baranchuk
8. Referências
1. Introdução
5. Referências
1. Introdução
6. Associação De Bloqueios
7. Conclusão
8. Referências
1. Introdução
5. Alterações Da Onda T
6. O Fenômeno De Memória Elétrica
11. Referências
1. Introdução
3. Isquemia
8. Infarto Atrial
15. Referências
Capítulo 13 ECG em Clínica Médica e situações diversas
1. Introdução
2. Doenças Hematológicas
3. Disturbios Ácido-básicos
4. Distúrbios Hidroeletrolíticos
5. Doenças Gastrointestinais
6. Doenças Endocrinológicas
7. Distúrbios Da Temperatura
8. Doenças Respiratórias
10. Takotsubo
11. Pericardite
13. Valvopatias
16. Drogas
17. Referências
Seção 2 Arritmias
1. Introdução
2. Ectopia Atrial
3. Ectopia Juncional
4. Ectopia Ventricular
6. Parassístole
7. Condução Oculta
8. Referências
1. Introdução
3. Regularidade Do QRS
9. Conclusão
10. Referências
1. Introdução
2. Definições
3. Epidemiologia
4. Mecanismos
5. Diagnóstico Eletrocardiográfico
8. Taquicardias Focais De AD
11. Referências
1. Introdução
2. Fibrilação Atrial
3. Flutter Atrial
4. Referências
4. Taquicardia Juncional
6. Referências
1. Introdução
2. Pré-excitação Típica
4. Teste De Adenosina
5. Referências
Capítulo 20 Taquicardia Ventricular: diagnóstico diferencial com as taquicardias
supraventriculares
1. Introdução
5. Referências
1. Introdução
2. TVS Estruturais
3. TV De Coração Normal
4. TV Fascicular
6. Referências
1. Introdução
3. Doença Do Nó Sinusal
5. Referências
1. Introdução
2. Anatomia E Fisiologia Do Nó AV
3. Bloqueios Atrioventriculares
4. Referências
Capítulo 24 Canalopatias
1. Introdução
3. QT Longo Medicamentoso
5. Síndrome De Brugada
8. Referências
1. Introdução
3. Doença De Chagas
4. Cardiomiopatia Hipertrófica
5. Amiloidose
6. Sarcoidose
7. Referências
Seção 3 Avançado
1. Introdução
2. Método De Realização Do Exame
4. Eletrocardiograma Em Ergometria
5. Referências
1. Introdução
6. Falhas Do Marca-passo
10. Referências
1. Introdução
2. O Padrão Fetal
3. O Padrão Neonatal
4. O Padrão Infantil
5. O Padrão Adulto
7. Padrões Patológicos
8. Referências
3. Referências
1. Histórico
2. Presente
3. Futuro
4. Referências
1. Introdução
3. Digitalização Do Eletrocardiograma
6. Referências
Capa
1. O ECG Normal
3. Bloqueios
4. Sobrecargas
5. Síndrome Coronariana
7. Bradi-arritmias
8. Taqui-arritmias
9. Clínica Médica
Capítulo 5. Artefatos
INTRODUÇÃO
O funcionamento do aparelho é simples, vamos ver. O profissional responsável posiciona eletrodos que
irão registrar as atividades elétricas (diferenças de potencial) a partir de um “ponto de vista” específico,
portanto, saibam desde já que é importante posicionar corretamente os eletrodos e iremos falar disso logo
mais. O ECG funciona como se “câmeras” fossem posicionadas em volta do coração em locais pré-
determinados e estas registram os impulsos elétricos que se aproximam ou se afastam de cada eletrodo
(Figura 1).
A atividade elétrica cardíaca gera uma diferença de potencial (voltagem) que é registrada pelo aparelho de
ECG. O pré-requisito para que haja uma diferença de potencial é a existência de dois pontos com potenciais
diferentes. Uma derivação, portanto, é uma câmera que registra a atividade em dois pontos.
Figura 1 - Várias câmeras capturando a beleza da “Dama del paraguas”, um ponto turístico de Barcelona.
Para a melhor visualização de todos os pontos de vista desse monumento, várias câmeras são usadas. Desenho de Pilarín Bayés
de Luna, irmã do professor Bayés de Luna.
Se esse potencial está ocorrendo no sentido da câmera, então a seta do vetor apontará para ela. Simples
assim.
Essas “câmeras”, de que falo, possuem um nome especial no ECG: derivações. Elas são compostas
sempre por dois polos (bipolares, portanto). As derivações dos membros, que chamamos de periféricas,
registram a diferença de potencial dos próprios polos entre si; e as derivações do precórdio, chamadas de
derivações horizontais, registram a diferença de potencial do eletrodo no tórax até um ponto central virtual
criado matematicamente pelas quatro derivações periféricas. Como no caso das derivações dos membros,
um vetor parte de um polo para outro, e no caso das derivações precordiais, o vetor parte deste polo virtual
para o eletrodo no tórax, os livros didáticos erroneamente chamam os eletrodos periféricos como “bipolares”,
e os precordiais como “unipolares” (1).
HISTÓRICO
No fim do século XIX, era senso comum entre cientistas o fato de que nervos e músculos podiam ser
estimulados artificialmente. Fisiologistas se deram ao trabalho de procurar atividade elétrica em animais, até
que em 1856, Koelliker e Muller conseguiram demonstrar biopotencial elétrico no coração de um sapo. E
foram além, no mesmo experimento, ao posicionar a pata de um sapo na mesma solução em que estava
contido o coração, perceberam que a atividade elétrica que contraía a pata precedia a sístole cardíaca – a
descoberta de que a atividade elétrica precedia a sístole e poderia ser a razão pela qual os corações batem
(2,3).
Esses avanços levaram ao primeiro registro de um eletrocardiograma humano, em 1887, por Waller (4),
que fez também vários experimentos em seu cachorro de estimação, o bulldog Jimmie. Se você está
preocupado com o bem-estar do animal, saiba que a Royal Society of London também ficou, e o que se sabe
da época é que nenhum maltrato foi registrado no simpático animal (5) (Figura 2).
Figura 2 - Uma demonstração da captura de um eletrocardiograma do bulldog Jimmie, animal de estimação de Augustus
Waller.
Essa demonstração causou certo estranhamento no público presente, causando debate se o Ato de Crueldade aos Animais fora
contravertido. A resposta do secretário de estado foi: “Mr. Gladstone, eu entendo que o cachorro ficou em pé por algum tempo em
água com sal. Se meu honrado amigo já tivesse remado no mar, saberia a sensação” (5).
Nos seus experimentos, Waller usava uma cinta no tórax contendo eletrodos: o primeiro na parte frontal do
tórax, conectado a uma coluna de mercúrio de um eletrômetro capilar; e o segundo no dorso conectado a
ácido sulfúrico (Figura 3). A coluna de mercúrio se movia para cima e para baixo de acordo a atividade
elétrica e o que movia a placa onde se desenhava essa atividade para que um registro temporal fosse
adquirido era um trem de brinquedo.
A marcação “t” é a representação de um segundo, a marcação “h” é a movimentação da parede do tórax, e a representação “e”
representa o eletrocardiograma através da movimentação da coluna de mercúrio no eletrômetro (4).
É lamentável que o papel de Waller seja negligenciado na história da eletrocardiografia, mas o próprio
parece ter subestimado seus achados que, sim, eram de má qualidade (mas eram os primeiros!) e
inadequados para propósitos clínicos e chegou a afirmar que não imaginava que a eletrocardiografia
encontraria papel extenso em hospitais.
O médico holandês Willem Einthoven, insatisfeito com o eletrômetro capilar usado nos experimentos de
Waller, desenvolveu em 1901 um novo galvanômetro de corda, superior ao capilar usado até então com
sensibilidade e metodologia aplicáveis em Medicina. Ele desenvolveu um método em que a placa fotográfica
onde seria registrada caía numa frequência constante pela gravidade – 25 milímetros por segundo e um
fotoquimiógrafo projetava uma linha vertical mais grossa após 4 linhas mais finas. O galvanômetro se moveria
1mm caso uma diferença de potencial de 0,1mV fosse registrada. Também nesse artigo foram alcunhadas as
deflexões do eletrocardiograma: PQRST (6,7). Nesse momento, o leitor já percebe que Einthoven não apenas
criou o primeiro eletrocardiógrafo passível de utilização na prática clínica, como definiu seus fundamentos,
tudo em duas publicações isso lhe rendeu o prêmio Nobel e 40 mil dólares em prêmio em 1924 (8). As letras
escolhidas (PQRST), aliás, são fruto de discussão até hoje: uns afirmam que Einthoven escolheu letras no
meio do alfabeto para deixar espaço para outras deflexões que poderiam ser (e foram) descobertas; outros –
e esta é também a opinião do autor – afirmam que teve influência dos trabalhos geométricos e médicos (de
fisiologia ótica) de Descartes (9–11).
Em 1908, em um extenso artigo, Einthoven descreve seus aprendizados com a observação de 5 mil
eletrocardiogramas já realizados. Definiu que a onda P representava a ativação do átrio e onda Q fazia parte
do ventrículo (12).
Para que se uniformizasse o exame no mundo inteiro, era necessário saber em que ângulos essas
“câmeras” iriam olhar para o coração. Esforços se iniciaram para criar derivações que pudessem ter
importância prática na avaliação da atividade elétrica cardíaca.
A teoria clássica das derivações foi proposta por Einthoven. Essa teoria assume que o corpo humano é
parte de um condutor homogêneo e infinito em que as fontes elétricas cardíacas são representadas por uma
única corrente de dipolo que varia com o tempo, mas preso a uma localização fixa. Resumindo: um único
vetor a cada batimento. As derivações de Einthoven usam derivações em três membros: braços (direito e
esquerdo) e perna esquerda.
O triângulo de Einthoven (Figura 4) foi, então, criado a partir dessas derivações: a derivação D1, por
exemplo, grava o potencial de ação entre o braço direito e o braço esquerdo, D2 entre o braço direito e a
perna esquerda e D3 entre o braço esquerdo e a perna esquerda (13). E a lei de Einthoven postula que D1 +
D3 = D2, de acordo com a lei de Kirchoff (1).
Figura 6
No painel A, observamos o triângulo de Einthoven e o terminal central de Wilson criado pelas três resistências de 5000ohms
colocadas em cada vértice do triângulo. No painel B, observamos o círculo de Cabrera, em que temos as derivações clássicas D1,
D2, D3, mais as criadas por Wilson e aumentadas por Goldberg: aVR, aVL e aVF, todas dispostas de acordo com seus ângulos.
Se você não entendeu muita coisa do que foi escrito acima, não tem problema. Esta é uma introdução
teórica, mas com pouco papel na prática. A partir de agora, vamos focar no que interessa na vida de um
profissional que lida com eletrocardiograma.
Cada uma dessas atividades corresponde a uma entidade do eletrocardiograma, seja ela uma onda, um
complexo de ondas, um intervalo ou um segmento (Figura 7). Vamos aprender:
Para entender melhor essa seção, vamos revisar cada um desses tópicos individualmente. E para fazer
isso, vou relembrar duas regras importantes da eletrocardiografia.
O nó AV atrasa o impulso e, como não há maiores áreas sendo despolarizadas, registra-se apenas uma
linha reta que denominamos de intervalo PR. Após isto, o ventrículo iniciará sua despolarização. O que você
vai ver nos próximos parágrafos também pode ser traduzido em vetores.
As mudanças iônicas geradas pelo potencial de ação seguem, então, em direção ao ápice cardíaco pelos
ramos direito e esquerdo, se aproximando intensamente da nossa “câmera” D2. O resultado é a grande onda
R, por definição a onda positiva. Se é assim, esse vetor, o maior de todos, vai em direção a D2.
Posteriormente, a ascensão pelas paredes livres dos ventrículos, se afastando novamente da câmera,
forma a onda S, por definição, a onda negativa que vem depois da onda R, afastando-se de D2, acabando
assim de despolarizar os ventrículos. A soma dos vetores de Q + R + S é o vetor elétrico cardíaco, e deverá
ser posicionado no Círculo de Cabrera para análise. Veremos isso no próximo capítulo. Por fim, após a
despolarização, as células retornam ao seu estado original, ou seja, se repolarizam. O resultado, de modo
simplista, é o registro da onda T.
É importante lembrar que essas ondas possuem essa conformação que descrevemos em D2 e também
em algumas outras derivações, mas não em todas. Por exemplo, em aVR, que é praticamente oposta a D2
(vide Círculo de Cabrera), o normal é termos uma P negativa, uma onda Q apenas (não sucedida de R ou S)
e uma T negativa.
Outras ondas ou eventos podem aparecer no eletrocardiograma. São de interesse por enquanto: (a) o
ponto J é o ponto em que o complexo QRS termina e o galvanômetro ganha novamente a linha de base do
eletrocardiograma; (b) o ponto Y é de interesse na eletrocardiografia de estresse, como discutiremos
no capítulo 26; (c) a onda U é motivo de controvérsia até hoje (discutiremos com detalhes no capítulo 4) e
pode corresponder à repolarização das fibras de Purkinje ou das células M (células médio-miocárdicas com
características ambíguas de músculo e condutora de estímulo elétrico).
Perceba que devemos obedecer a três regras para a correta nomenclatura deste complexo. A primeira é: sempre seguir a ordem
alfabética. A segunda é: a onda “q” é sempre negativa, a onda “r” é sempre positiva, e a onda “s” é sempre negativa. A terceira
regra é: se uma onda é pouco ampla, ela será marcada por letra minúscula “e” e uma letra é muito ampla, ela será marcada por
uma letra maiúscula. Sabendo das regras, fica fácil perceber que um complexo com uma pequena deflexão positiva seguida de uma
grande deflexão negativa será chamada “qR”.
Sobre o complexo QRS, devemos ter em mente que ele só existe no eletrocardiograma caso a
despolarização ventricular apresente três vetores – um negativo, outro positivo, e o terceiro negativo. Caso
apresente apenas dois complexos, o leitor deve observar naquela derivação qual deflexão inicia a atividade
ventricular: se negativa, sabemos que teremos um complexo “q” seguido de alguma coisa que pode ser “r” ou
“s”; se positiva, teremos um complexo “r” seguido de alguma coisa que só pode ser “s”. Temos que seguir a
ordem alfabética! Por exemplo: um complexo cuja primeira deflexão é negativa, seguida de uma positiva é
chamado de complexo “qr”. O leitor também precisa se acostumar ao fato de que a amplitude da deflexão
também dita se usaremos letras minúsculas ou maiúsculas. Mais um exemplo: se um complexo começa com
uma onda positiva de pequena amplitude e é sucedida de uma negativa de grande amplitude, sua descrição
no texto estará como complexo rS – atenção, não podemos chamar de rQ, pois isso não segue a ordem
alfabética.
Caso tenhamos um complexo com apenas uma deflexão negativa, chamamos esse complexo de QS.
Caso a deflexão seja exclusivamente positiva, chamamos “R puro”.
Em último caso (mas não infrequentemente), se tivermos um complexo com uma onda positiva, seguida
de uma deflexão negativa e mais uma positiva, teremos que começar o complexo pela letra “r”. A deflexão
negativa será chamada de “s”. A terceira deflexão positiva, seguindo o alfabeto, não pode chamar-se “T”, pois
essa significa a repolarização ventricular. Então, a saída foi chamar de R’ (lê-se erre linha): complexo rsR’,
típico do bloqueio de ramo direito em V1. Veja o resumo dessas denominações na Figura 8.
CONFIGURAÇÃO DO ELETROCARDIÓGRAFO
Já vimos que o eletrocardiógrafo tem a capacidade de representar estímulos elétricos através da inscrição
gráfica de uma voltagem (diferença de potencial elétrico) em um papel milimetrado – quem convencionou isso
foi Einthoven. Quando configurado no modo padronizado (N de “ganho” e 25 mm/s de velocidade), cada
milímetro do papel para cima ou para baixo corresponde a 0,1 mV de amplitude (é o “tamanho” da onda), e
para esquerda ou para direita a 40 ms ou 0,04 segundos de duração (é a “largura”da onda) (Figura 9).
Figura 9
Papel milimetrado: cada milímetro ou quadradinho corresponde a 0,1mV e 40ms (0,04 segundos). Cada quadradão, portanto,
corresponde então a 0,5mV e 200ms.
Já vimos o que significam as derivações: são uma espécie de olho ou câmera que enxergam aquilo que
está na sua frente. Mas elas têm um filtro: não enxergam movimento, não enxergam infravermelho; elas
enxergam uma diferença de potencial (ou voltagem). Se uma diferença de potencial é criada com um vetor
que vai de encontro àquela derivação, a caneta do eletrocardiógrafo irá desenhar algo para cima no papel
(positivo). Se o vetor fugir da derivação, a caneta desenhará algo negativo (para baixo) no papel. Também
obedecerá à voltagem e ao tempo de ativação. Se fugiu 0,5mV, teremos uma deflexão negativa com
amplitude de 5 quadradinhos (ou 1 quadradão). Se essa atividade durou 80ms, então teremos uma deflexão
que durará 2 quadradinhos.
O ECG padrão conta com 12 derivações, sendo seis periféricas (D1, D2, D3, aVR, aVF e AVL) e seis
precordiais (V1, V2, V3, V4, V5 e V6). Cada uma delas vê o coração através de um ponto de vista diferente:
as derivações periféricas, por exemplo, enxergam se o estímulo elétrico vai para cima ou para baixo e para a
esquerda ou para direita, mas não se anterior ou posteriormente; já as derivações precordiais enxergam se o
estímulo vai para frente e para trás, para a esquerda e para a direita, mas não se superior ou inferiormente.
Por isso, para avaliar um eletrocardiograma, o profissional experiente avalia as 12 derivações em conjunto. E
em algumas situações clínicas, usamos até 18 derivações, ou até inventamos uma (18).
V3 Entre V2 e V4
V5 Entre V4 e V6
V7 Entre V6 e V8
V9 Medial a V8
Elas são dispostas pelo corpo do paciente de maneira a obter êxito em um objetivo: o de registrar no papel
a atividade elétrica do coração, na tentativa de capturar a maior área possível – lembre-se da “Dama del
paráguas”.
A localização exata dos eletrodos onde vamos plugar essas derivações, portanto, é de fundamental
importância para um eletrocardiograma de qualidade. Reveja na Figura 10 e Tabela 1. Você viu que podemos
ter quantas derivações quisermos. É clássico em prontos-socorros de Cardiologia a solicitação de um
“eletrocardiograma de 17 derivações”. Nele estão inclusas as derivações V7, V8 e V9, V3R e V4R (Figuras
10, 11 e 12). O motivo da solicitação destas derivações é aumentar a área vista por esses olhos ou câmeras
que são as derivações.
No capítulo 5, revisaremos o que acontece quando há troca de eletrodos ou quando qualquer outro
artefato influencia na correta realização do exame.
Figura 10 - Posicionamento correto das derivações em plano horizontal: V1 e V2 no quarto espaço intercostal, sendo V1
vizinho ao esterno à direita e V2 vizinho ao esterno à esquerda. V3 fica no meio do caminho entre V2 e V4. V4, V5 e V6
ficam no quinto espaço intercostal. Elas devem ser dispostas de tal maneira que V6 deve estar na linha médio-axilar.
Um erro bastante comum na preparação para a obtenção de um eletrocardiograma de 12 derivações é o posicionamento de V1 e
V2 no segundo espaço intercostal. Como você reparou no texto, essas derivações do plano horizontal não são capazes de perceber
se um estímulo está vindo de cima ou de baixo, portanto, a localização deles em um espaço intercostal diferente do preconizado
pode levar a uma interpretação errada.
Figura 11 - Na mesma altura de V6, coloca-se V7, V8 e V9, sendo que V8 fica no plano da ponta da escápula.
Figura 12 - Para o posicionamento de V3R e V4R, deve-se imaginar que foi colocado um espelho no esterno do paciente.
No mesmo local onde deve ficar V3 à esquerda, fica V3R à direita, idem com V4
REFERÊNCIAS
3. Bruce FW. Rudolf Albert Von Koelliker. Clin Cardiol [Internet]. Wiley-Blackwell; 2009 Feb 3;22(5):376–
7. doi.org
4. Waller AD. A Demonstration on Man of Electromotive Changes accompanying the Heart’s Beat. J
Physiol [Internet]. 1887;8(5):229–34. ncbi.nlm.nih.gov/
5. Levick JR. Chapter 4 – Electrocardiography. In: Levick JRBT-AI to CP, editor. An Introduction to
Cardiovascular Physiology. Butterworth-Heinemann; 1991. p. 45–54.
8. Maciel R. Willem Einthoven. De um começo árduo ao prêmio Nobel. Arq Bras Cardiol.,
1996;66(4):179–86.
9. Henson JR. Descartes and the ECG Lettering Series. J Hist Med Allied Sci [Internet]. 1971 Apr
1;XXVI(2):181–6. doi.org
10. Hurst JW. Naming of the Waves in the ECG, With a Brief Account of Their Genesis. Circulation
[Internet]. 1998;98(18):1937–42. ncbi.nlm.nih.gov ahajournals.org7
11. Einthoven W. Ueber die Form des menschlichen Electrocardiogramms. Pflüger, Arch für die
Gesammte Physiol des Menschen und der Thiere [Internet]. 1895 Mar [cited 2018 Dec 29];60(3–
4):101–23. springer.com
12. Einthoven W. Weiteres über das Elektrokardiogramm. Pflügers Arch ges Physiol., 1908;122:517–84.
13. Einthoven W, Fahr G, de Waart A. On the direction and manifest size of the variations of potential in
the human heart and on the influence of the position of the heart on the form of the electrocardiogram.
Am Heart J [Internet]. Elsevier; 1950 Jan 11;40(2):163–211. doi.org
14. Burger HC, Van Milaan JB. Heart-vetor and leads. Br Heart J [Internet]. 1946 Jul;8(3):157–61.
ncbi.nlm.nih.gov>.
15. Burger HC, Van Milaan JB. Heart-vector and leads. Part II. Br Heart J. England; 1947 Jul;9(3):154–60.
16. Wilson FN, Johnston FD, Macleod AG, Barker PS. Electrocardiograms that represent the potential
variations of a single electrode. Am Heart J [Internet]. 1934;9(4):447–58. sciencedirect.com
17. Goldberger E. A simple, indifferent, electrocardiographic electrode of zero potential and a technique of
obtaining augmented, unipolar, extremity leads. Am Heart J [Internet]. Elsevier; 2018 Jan
11;23(4):483–92. doi.org
18. Alencar Neto JN de. Eletrocardiograma: do internato à cardiologia. 1st ed. São Paulo: Porto de
Ideias; 2016.
Capítulo 2
Anatomia E Eletrofisiologia Cardíacas
José Nunes de Alencar Neto
INTRODUÇÃO
Não me leve a mal, mas para o uso prático básico de eletrocardiograma, isto é, detectar sobrecargas,
bloqueios, isquemia e arritmias, o conhecimento da anatomia e da eletrofisiologia cardíaca pode ficar em
segundo plano. Com “segundo plano”, no entanto, não quer dizer que esse conhecimento é desnecessário.
Não. Tanto para um interno de Medicina que irá prestar prova de Residência, como para um médico que quer
se aprofundar no conhecimento dessa arte, esses conceitos precisam ser conhecidos.
Neste capítulo traremos informações básicas sobre tudo o que é importante para a ciência do
eletrocardiograma. Nos capítulos que sucedem faremos considerações breves sobre anatomia e fisiologia,
mas, quando for necessário, daremos a sugestão que o autor retorne aqui.
Em resumo, este capítulo pode ser “pulado”, caso você esteja procurando por um conteúdo mais prático,
mas o autor não aconselha.
O sistema elétrico é composto de células musculares cardíacas especializadas que formam nós (ou
nodos) e feixes que possuem a capacidade de gerar o impulso (potencial de ação) e de conduzir o mesmo
com uma maior velocidade (Figura 1).
Todo o sistema elétrico cardíaco possui a capacidade de geração do impulso, porém cada estrutura
imprime velocidades diferentes para executar o processo de geração de despolarização de membrana que
detalharemos mais à frente. Desse modo, a estrutura que mais rápido conseguir executar todo o passo a
passo necessário para que sua membrana tenha um salto em voltagem interrompe o mesmo processo que
vinha ocorrendo nas demais células elétricas que estavam ainda tentando despolarizar-se, e estas passarão
apenas a conduzir o impulso gerado. Por esse motivo, em condições fisiológicas, o nó sinusal, que é
localizado no teto do átrio direito, em sua parede posterolateral, é considerado o maestro do coração. Este
impulso não é capturado pelos eletrocardiógrafos, portanto, nessa fase ainda existe um silêncio elétrico no
ECG. Dura pouco tempo, porque em questão de 50 ms o impulso sai do nó sinusal e começa a despolarizar a
musculatura dos átrios.
Esse potencial de ação gerado é transmitido pelo átrio direito por células miocárdicas atriais dispostas
paralelamente e erroneamente chamadas de feixes internodais (espere um pouco para compreender a
razão do erro) e também para o átrio esquerdo através de células miocárdicas atriais não especializadas e
não insuladas, portanto, erroneamente chamadas de feixe de Bachmann – o melhor seria chamar esse local
de “região” de Bachmann, por exemplo (1,2). Sua ativação é incapaz de ser capturada pelos
eletrocardiógrafos.
Nessa fase do ciclo cardíaco, a despolarização ocorre apenas nas células atriais. Até aqui, falando em
termos elétricos, o que temos é a geração da onda P (pois os átrios foram despolarizados). Concomitante a
isso, o estímulo que desceu pelos feixes internodais em direção a outro nó na fronteira entre os átrios e os
ventrículos que é o nó atrioventricular, nó de Aschoff-Tawara (carinhosamente chamado de nó AV). O nó AV
foi caracterizado por Sunao Tawara em 1906 (3). É uma estrutura ovaloide com 1 x 3 x 5 mm de área
localizada dentro do triângulo de Koch, uma região endocárdica de interesse para arritmologia delimitada
anteriormente pelo folheto septal da valva tricúspide, posteriormente pelo tendão de Todaro, tendo no ápice o
corpo fibroso central e na base o óstio do seio coronariano (4) (Figura 2).
Na sua porção anterior está o folheto septal da valva tricúspide, na porção posterior o tendão de Todaro, no ápice está o corpo
fibroso central onde se localiza o feixe de His e a base do triângulo é o óstio do seio coronariano (4).
Em situações normais, só há uma forma de o estímulo elétrico passar do átrio para o ventrículo: é através
do nó AV. O esqueleto fibroso cardíaco é um complexo de tecido fibroso que sustenta as valvas cardíacas à
base do coração e é o responsável por isolar eletricamente as câmaras atriais das ventriculares (5) (Figura 3).
Dessa forma, a propagação do impulso atinge as células transicionais do nó AV (células que não possuem
características histológicas de condução nem de contração), onde há reduzidas junções comunicantes,
propiciando de maneira fisiológica um atraso na condução do impulso nervoso. Esse atraso que o nó AV
imprime à condução do estímulo elétrico é o responsável pelo silêncio elétrico que existe entre a onda P
(despolarização dos átrios) e o complexo QRS (despolarização dos ventrículos).
Em eletrofisiologia invasiva, no entanto, podemos posicionar um cateter próximo ao feixe para capturar
sua atividade e assim definir o nível de bloqueio atrioventricular de um paciente. Em um bloqueio de
condução atrioventricular que não chegou a despolarizar o feixe de His, por exemplo, sabemos que o defeito
está no tecido atrial ou no nó atrioventricular. Quando o bloqueio ocorreu depois do feixe de His, denominado
“bloqueio infra-hissiano”, o problema não é mais o nó AV, e sim o tecido de condução ventricular, denotando
maior gravidade. Isto será importante no capítulo 23.
Ao adentrar no esqueleto fibroso rumo ao septo interventricular, o feixe de His se divide na sua porção
bifurcante em ramo direito, mais fino e frágil, e ramo esquerdo, que chega a possuir 5-7 mm de diâmetro.
O ramo direito passa pela musculatura septal na base do músculo papilar medial do ventrículo direito e
penetra nas trabeculações ou na banda moderadora (6). O ramo esquerdo parte inferior e anteriormente e se
divide em fascículo anterossuperior e fascículo póstero-inferior (7). O fascículo anterossuperior cruzará a via
de saída do ventrículo esquerdo e terminará na base do músculo papilar anterior. O fascículo póstero-inferior,
mais calibroso, se curvará posteriormente para atingir o músculo papilar posterior (8) (Figura 4).
Figura 4 - Anatomia esquemática do feixe de His e de seus ramos direito e esquerdo, além dos fascículos anterossuperior e
póstero-inferior do ramo esquerdo (8).
BM = banda moderadora; Hb = feixe de His (His bundle); MPA = músculo papilar anterior; MPP = músculo papilar posterior; RD =
ramo direito; RE = ramo esquerdo.
Tem-se questionado a natureza trifascicular do sistema de condução. De porções distais do fascículo
póstero-inferior ou do anterossuperior emerge uma intrincada rede de tecidos de condução septal, o que
resultaria na existência de quatro fascículos – um da direita e três da esquerda (9). Há também quem defenda
que o ramo direito também se bifurca ou trifurca, podendo, em teoria, um ser humano apresentar seis
fascículos no total (teoria hexafascicular). Detalhes serão vistos no capítulo 10.
Por fim, o impulso irá prosseguir pelas fibras de Purkinje, continuações desse sistema elétrico, até atingir
as células que irão contrair os ventrículos, gerando o complexo QRS. O trajeto nos ventrículos aumenta a
eficiência da sístole ventricular. Isso porque o estímulo contrátil chega primeiro às células do ápice cardíaco e,
posteriormente, ascende pelas paredes. Dessa forma, o ápice se contrai em direção à base do coração, onde
se encontram as artérias, que são os destinos do sangue acumulado nas câmaras inferiores.
SITUAÇÕES ESPECIAIS
São de importância para eletrofisiologia alguns detalhes sobre a condução do estímulo elétrico: (a) na
maioria das pessoas, o nó AV possui capacidade de condução anterógrada e retrógrada, seguindo do átrio
para o ventrículo ou, se por desventura o ventrículo despolarizar-se primeiro, do ventrículo para o átrio – é o
que chamamos de condução retrógrada. Em até 35% das pessoas, existe ainda o que chamamos de “dupla
fisiologia nodal”, em que ocorre uma espécie de bifurcação do tecido nodal a nível de nó AV compacto (10);
(b) outra situação digna de nota é a presença de “atalhos” através do esqueleto fibroso, contendo feixes
acessórios usualmente chamados feixes de Kent (nomenclatura julgada errada por alguns especialistas, já
que Kent afirma ter encontrado, mas não descreve com detalhes, em seu artigo original conexões átrio-
ventriculares múltiplas que seriam responsáveis pela condução elétrica de conduções normais) (11-13),
capazes de condução elétrica, que "trapaceiam" o atraso de condução fisiológico imposto pelo nó AV. Se o
impulso elétrico chega aos ventrículos antes do habitual atraso no nó AV, irá haver o que chamamos de pré-
excitação ventricular, e o que três cardiologistas, Wolff, Parkinson e White descreveram em 1930 como a
síndrome que leva seus nomes (14): a síndrome arritmogênica de Wolff-Parkinson-White, ou WPW, essas
estruturas serão descritas com detalhes no capítulo 19; outro tipo de atalho conhecido que o estímulo pode
tomar para ganhar os ventrículos é uma estrutura histologicamente semelhante ao nó AV, mas conecta
estruturas distintas. São as fibras de Mahaim e foram originalmente descritas por Mahaim e Benatt como
estruturas que conectavam o nó AV ao ramo direito ou ao ventrículo (15), mas hoje em dia sabe-se que há
sete tipos de “vias acessórias atípicas”, que serão descritas com detalhes no capítulo 19; por fim, vamos citar
uma estrutura que não “bypassa” o esqueleto cardíaco, mas pela sua semelhança com as anteriores, será
citada aqui. O feixe de James, ou via acessória atípica átrio-hissiana é uma estrutura histologicamente
semelhante ao nó AV pode conectar o átrio com o feixe de His, funcionando como um nó AV acessório. Esse
feixe foi responsabilizado pela Síndrome de Lown-Ganong-Levine (intervalo PR curto sem onda delta), mas
este termo está em desuso devido à falta de correlação clínica e anatômica (16–18). Também estará descrito
no capítulo 19.
Figura 5 - Resumo das fibras que conseguem “by-passar” o esqueleto fibroso cardíaco.
Feixe de típicos: vias acessórias rápidas que produzem PR curto e onda delta e a síndrome de Wolff-Parkinson-White. Feixe de
Mahaim: vias acessórias lentas histologicamente semelhantes ao nó AV que produzem mínima ou nenhuma pré-excitação. Feixe de
James: Não “by-passa” o esqueleto, mas falamos aqui por ser similar às anteriores. São fibras histologicamente semelhantes ao nó
AV que conectam o átrio ao feixe de His, atuando como um nó AV acessório. Pode ser uma das causas do achado de um intervalo
PR curto sem onda delta no eletrocardiograma.
O resumo dessas fibras que produzem bypass através do esqueleto cardíaco está contido na figura 5.
O nó sinusal é irrigado pela artéria do nó sinusal, um ramo da artéria coronária direita (CD) em 53% dos
casos e da circunflexa nos outros 42% e de ambas artérias em 3%. A região de Bachmann recebe sangue de
um ramo da artéria do nó sinusal (19). O nó AV e o feixe de His são supridos pela artéria no nó AV, um ramo
da CD em 72% dos humanos e da Cx em 28% (20). O ramo direito e o fascículo anterior do ramo esquerdo
são supridos pelos ramos septais proximais da artéria descendente anterior (DA). O fascículo posterior do
ramo esquerdo é a porção menos vulnerável do sistema, recebendo suprimento duplo: DA e artéria
descendente posterior (DP) (21). O átrio é irrigado pelos ramos atriais das artérias coronárias (22) e os
ventrículos possuem irrigação complexa que será descrita com detalhes no capítulo 12.
Tabela 1 - Estruturas anatômicas de interesse em eletrofisiologia, sua irrigação sanguínea e expressão eletrocardiográfica.
Estrutura Irrigação ECG
Artéria do nó sinusal (ramo da CD em 53%, Despolarização é incapaz de ser sentida pelo eletrocardiórafo -
Nó sinusal
Cx em 42% e dupla em 3%). Silêncio elétrico.
Região de
Ramo da artéria do nó sinusal. Silêncio elétrico não interferindo na onda P.
Bachmann
Átrio
Ramos atriais da coronária esquerda. Porção final da onda P.
esquerdo
Ramo
DA e descendente posterior. Intervalo PR.
esquerdo
Fibras de
Depende da parede. Complexo QRS.
Purkinje
Siglas: AV: atrioventricular; CD: coronária direita; Cx: circunflexa; DA: descendente anterior.
Calma, este tópico não morde. Vamos apenas entender como o estímulo elétrico é formado e conduzido
célula a célula, fibra a fibra. O processo de geração do impulso elétrico é realizado, na maior parte das vezes,
pelo nó sinusal, mas pode ocorrer em outras células com capacidade automática, a saber: nó AV, feixe de
His, fibras de Purkinje. A nível celular, ocorrem mudanças nas concentrações iônicas que resultam na
despolarização da membrana celular das suas células que estavam polarizadas e essa perturbação iônica é
propagada para as células adjacentes musculares, provocando a contração destas, e para o restante do
sistema elétrico que irá transmitir esse estímulo para as demais regiões cardíacas.
O potencial de ação das células automáticas é diferente do potencial de ação das células musculares.
Vamos observar em detalhes estas diferenças.
A membrana de uma célula do nó sinusal possui canais de sódio, potássio e cálcio. Inicialmente, essas
células se encontram com uma carga negativa em relação a concentração extracelular, ou seja, polarizada (-
60 mV), com uma maior concentração de potássio no seu interior e uma maior concentração de sódio e cálcio
externamente. A situação polarizada do nó sinusal se mantém devido à presença de um canal de potássio
com corrente praticamente constante (IK).
A automaticidade das células do nó sinusal se deve a dois canais: (1) os canais lentos de sódio que
permitem uma entrada constante de sódio independente do potencial de ação. A corrente gerada por esse
canal é denominada IF, porque os nerds que a descobriram acharam “funny” que um canal de sódio pudesse
ser lento (23); os canais tipo T de cálcio (ICaT) que fazem entrar cálcio, também carga positiva para dentro da
célula. Esses dois canais vão aos poucos deixando menos negativo o potencial da membrana. Até que a
carga de – 40 mV é atingida. Quando o potencial alcança esse valor, os canais de cálcio dependentes de
voltagem (ICaL) se abrem, permitindo assim um grande influxo de cálcio que eleva o potencial para valores
positivos em torno de + 10 mV, ou seja, leva à despolarização da membrana (10,24) (o leitor atento perceberá
que o potencial de ação passou de polarizado negativo para polarizado positivo, mas, por convenção,
chamamos essa transformação em carga positiva de “despolarização”). Despolarização em eletrofisiologia
significa: positivei o potencial, fiz nascer o estímulo. Pronto. Agora você já sabe por que o coração tem o
potencial de “bater” sozinho (25).
Mas a vida continua e ao se obter um potencial positivo, abrem-se os canais de potássio (IK), que
promovem a repolarização da membrana. Repolarização em eletrofisiologia significa: voltei o potencial para
negativo, repolarizei a célula para iniciar de novo o processo.
Você encontrará esses passos que revisamos como “fases” em livros texto. A fase 4 é a fase de repouso,
em que a célula está polarizada e as correntes IF e ICaT estão pronunciadas. A fase 0 é a fase de
despolarização lenta comandada pela abertura dos canais de cálcio da corrente ICaL. A fase 3 é a fase em
que há abertura dos canais de potássio que repolarizam a célula. Veja o resumo desses passos na Figura 7.
A fase 4 é a fase de repouso, em que a célula está polarizada e as correntes IF e ICaT estão pronunciadas. A fase 0 é a fase de
despolarização lenta comandada pela abertura dos canais de cálcio da corrente ICaL. A fase 3 é a fase em que há abertura dos
canais de potássio que repolarizam a célula.
Essa despolarização irá resultar na abertura dos canais antagônicos responsáveis pela fase de
repolarização: potássio que repolariza a célula e cálcio que segue deixando-a despolarizada. Entenda: as
correntes potássio (Ito, IKr e IKs) servem para que saiam cargas positivas e a célula seja repolarizada. Já a
corrente lenta de cálcio (ICaL), por onde entram cargas positivas, seguem positivando o potencial da célula.
Devido à abertura mais gradual dos canais de cálcio, sua ação é atrasada em relação aos canais de potássio.
Logo, a saída de potássio inicia a repolarização da célula (fase 1), contudo, devido a entrada lenta de cálcio,
irá se formar um breve equilíbrio na movimentação das cargas. Esse antagonismo representa a fase de platô
do potencial de ação.
Vou repetir pra que fique bem entendido: a fase de platô é a fase 2 do potencial de ação. Nela acontece
algo curioso: duas correntes brigam entre si. Canais de potássio tentam repolarizar a célula e canais de cálcio
tentam deixa-la polarizada.
Essa entrada de cálcio também dispara a liberação do cálcio armazenado no retículo sarcoplasmático.
Dessa forma, uma grande quantidade de cálcio se concentra no meio intracelular e irá participar do processo
de contração muscular.
Entretanto, não demora para os canais de cálcio se fecharem novamente, pois, com a leve queda do
potencial durante o platô, a voltagem deixa de ser suficiente para mantê-los abertos. Consequentemente, a
repolarização ocorre, afinal apenas o potássio (carga positiva) está saindo da célula. E assim permanece por
toda a fase de repouso com a célula polarizada devido à ação do canal retificador IK1. O resumo destes
passos você encontrará na Figura 8.
Na tabela 2, você encontrará um resumo dos potenciais de ação da célula automática. Na tabela 3, você
encontrará um resumo dos potenciais de ação da célula contrátil.
0- Fazem entrar cargas positivas e elevam pouco rapidamente o potencial de ação de – 40 mV até +
ICaL
Despolarização 5 mV.
3- Fazem sair cargas positivas e trazem o potencial de membrana para negatividade de repouso
IK
Repolarização (-60 mV)
Transporta potássio para dentro da célula Célula permanece nesse potencial até que
4 - Repouso IK1
perturbações externas a fazem passar para próxima fase.
0- Entra carga positiva na célula e seu potencial passa muito rapida mente de – 90 mV para + 20
INa
Despolarização mV.
1–
Canal de potássio age pratica mente sozinho por um curto período tirando carga positiva e
Repolarização Ito
repolarizando parte da célula.
inicial
ICaL x IKr A corrente de cálcio faz entrar carga positiva e a corrente de potássio faz sair carga positiva,
2 - Platô
e IKs permanecendo constante por um breve período.
3-
IKr e IKs Agora que o canal de cálcio fechou, a célula retorna à sua carga de repouso.
Repolarização
Falamos do potencial de ação, mas não falamos das características elétricas de cada corrente.
INa
Despolarizante. Miócitos atriais e ventriculares e células de Purkinje são densamente populadas por esses
canais. Eles abrem muito rapidamente (< 1 ms), por isso chamamos de “canais rápidos de sódio” acima.
Pouco presentes nas células dos nós sinusal e atrioventricular.
A função inadequada desses canais pode levar à Síndrome de Brugada, ao QT longo congênito tipo 3, e à
síndrome de Lev-Lenegre.
ICaL
ICaT
Despolarizante. A corrente tipo T de cálcio é expressa no miócito atrial e nas células nodais e condutoras.
Tem ação importante na saída da fase de repouso da célula automática.
IF
Ito
Repolarizante. É a chamada corrente transiente “outward” de potássio. Sua importância clínica se deve ao
fato de que essa corrente é expressa em magnitudes diferentes pelo miocárdio ventricular: é robusta no
epicárdio e modesta no endocárdio, levando a um gradiente transmural de potencial de membrana que pode
gerar a onda J de Osborn ou a repolarização precoce no eletrocardiograma.
IKur
Repolarizante. É uma corrente ultrarrápida. Presente nas células atriais, por isso elas possuem um
potencial de ação mais curto que o ventricular.
IKs e IKr
Repolarizantes. Importantes na fase 3 do potencial de ação de células automáticas e contráteis. O IKs (“s”
de “slow”), por sofrer uma desativação mais lenta, permanece aberto de um batimento cardíaco para outro em
frequências muito rápidas. Isso faz com que a próxima repolarização seja mais rápida, afinal já tem canal
aberto. Esta é a razão pela qual nosso intervalo QT (ou seja, nossa repolarização) encurta a frequências
elevadas.
Defeitos genéticos na transcrição do IKs com perda de função levam à Síndrome do QT longo congênito
tipo 1 e defeitos na transcrição do IKr com perda de função levam ao QT longo congênito tipo 2 (26).
IK1
Corrente retificadora voltagem dependente que serve para deixar o potencial de membrana próximo de –
90 mV. A potenciais mais negativos que isso, ela deixa potássio entrar na célula para manter o potencial
próximo de – 90 mV.
IKach
Corrente ligada à proteína G inibidora e expressa nas células automáticas e Purkinje. A proteína G
inibidora é ativada tanto pela ação dos canais muscarínicos pela ação do sistema nervoso autônomo
parassimpático como pela ação do receptor de adenosina (A1). Sua ativação ativa a saída de potássio e
hiperpolariza a célula, deixando-a mais difícil se ativar (27).
A adenosina age nas arritmias por reentrada nodal justamente desta maneira: a ação no canal A1 ativa a
proteína G inibitória que ativa a corrente IKach, o que leva a uma hiperpolarização da célula, deixando-a mais
difícil de despolarizar, quebrando a arritmia (28).
REFERÊNCIAS
1. Anderson RH, Ho SYEN. The Architecture of the Sinus Node, the Atrioventricular Conduction Axis,
and the Internodal Atrial Myocardium. J Cardiovasc Electrophysiol [Internet]. Blackwell Publishing Ltd;
1998;9(11):1233–48. doi.org
2. Anderson RH, Ho SY, Smith A, Becker AE. The internodal atrial myocardium. Anat Rec. United
States; 1981;201(1):75–82.
3. Tawara S. Das Reizleitungssystem des Saügetierherzens. Jena: Gustav Fischer; 1906. 135-138 p.
4. Netter FH. Atlas of Human Anatomy E-Book [Internet]. Elsevier Health Sciences; 2017.
books.google.com.br
5. Saremi F, Sánchez-Quintana D, Mori S, Muresian H, Spicer DE, Hassani C, et al. Fibrous Skeleton of
the Heart: Anatomic Overview and Evaluation of Pathologic Conditions with CT and MR Imaging.
RadioGraphics [Internet]. Radiological Society of North America; 2017 Aug 18;37(5):1330–51. doi.org
6. Rosenbaum M, Elizari M, Lázzari J. Los hemibloqueos. Ed. Pados; 1968.
7. Elizari M V. The normal variants in the left bundle branch system. J Electrocardiol. United States;
2017 Mar.
8. Alencar Neto JN de. Associação entre bloqueio de ramo esquerdo e bloqueio divisional ântero-
superior: revisitando as evidências Association between left bundle branch block and anterosuperior
hemiblock: revisiting evidences. Relampa. 2018;31(1):8–12.
9. Medrano GA, Brenes C, De Micheli A, Sodi-Pallares D. [Simultaneous block of the anterior and
posterior subdivisions of the left branch of the bundle of His (biphasic block), and its association with
the right branch block (triphasic block). Experimental and clinical electrocardiographic study]. Arch
Inst Cardiol Mex. Mexico; 1970;40(6):752–70.
10. Issa ZF, Miller JM, Zipes DP. Clinical arrhythmology and electrophysiology. 2nd ed. Philadelphia, PA:
Elsevier; 2012.
11. Kent S. Observations on the auriculo-ventricular junction of the mammalian heart. Q J Exp Physiol
[Internet]. John Wiley & Sons, Ltd (10.1111); 1913 Nov 18;7(2):193–5. doi.org
12. Lev M, Lerner R. The theory of Kent; a histologic study of the normal atrioventricular communications
of the human heart. Circulation. United States; 1955;12(2):176–84.
13. Anderson RH, Ho SY, Gillette PC, Becker AE. Mahaim, Kent and abnormal atrioventricular
conduction. Cardiovasc Res. 1996;31(4):480–91.
14. Wolff L, Parkinson J, White PD. Bundle-branch block with short P-R interval in healthy young people
prone to paroxysmal tachycardia. Am Heart J [Internet]. Elsevier; 1930 Jan 4;5(6):685– 704. doi.org
15. Mahaim I, Benatt A. Nouvelles recherches sur les connexions supérieures de la branche gauche du
faisceau de His-Tawara avec la cloison interventriculaire. Cardiology [Internet]. 1937;1(2):61–73.
karger.com
16. Caracta AR, Damato AN, Gallagher JJ, Josephson ME, Varghese PJ, Lau SH, et al.
Electrophysiologic studies in the syndrome of short P-R interval, normal QRS complex. Am J Cardiol.
United States; 1973 Feb;31(2):245–53.
17. Brechenmacher C. Atrio-His bundle tracts. Br Heart J. 1975;37(8):853–5.
18. Alencar Neto JN de, Ramalho de Moraes SR, Back Sternick E, Wellens HJJ. Atypical bypass tracts:
can they be recognized during sinus rhythm? EP Eur [Internet]. 2018 May 16;euy079-euy079. doi.org
19. James TN. The connecting pathways between the sinus node and A-V node and between the right
and the left atrium in the human heart. Am Heart J [Internet]. 1963;66(4):498–508. sciencedirect.com
20. Ramanathan L, Shetty P, Nayak SR, Krishnamurthy A, Chettiar GK, Chockalingam A. Origin of the
sinoatrial and atrioventricular nodal arteries in South Indians: an angiographic study. Arq Bras Cardiol.
Brazil; 2009;92(5):314-319,330-335,342-348.
21. James T, Burch G. Blood supply of the human interventricular septum. Circulation. United States;
1958;17(3):391–6.
22. James TN, Burch GE. The atrial coronary arteries in man. Circulation. United States; 1958;17(1):90–
8.
23. Brown HF, Difrancesco D, Noble SJ. How does adrenaline accelerate the heart? Nature [Internet].
Nature Publishing Group; 1979 Jul 19;280:235. doi.org
24. Bonow RO, Mann DL, Zipes DP, Libby P. Braunwald, tratado de doenças cardiovasculares. 9th ed.
Rio de Janeiro: Elsevier; 2013.
25. Barros D, Alencar Neto J de. Medicina resumida: sistema cardiovascular. 1st ed. Salvador: SANAR;
2018.
26. Schwartz PJ, MD LC, Insolia R. Long QT Syndrome: From Genetics to Management. Circ Arrhythm
Electrophysiol [Internet]. 2012 Aug 1;5(4):868–77. ncbi.nlm.nih.gov
27. Asirvatham SJ, Cha YM, Friedman PA. Mayo Clinic Electrophysiology Manual [Internet]. OUP USA;
2013. books.google.com.br
28. Shryock JC, Belardinelli L. Adenosine and Adenosine Receptors in the Cardiovascular System:
Biochemistry, Physiology, and Pharmacology. Am J Cardiol [Internet]. Elsevier; 2018 Jan 28;79(12):2–
10. doi.org
Capítulo 3
O Eletrocardiógrafo E Os Sistemas De Derivações
José Nunes de Alencar Neto
INTRODUÇÃO
Neste capítulo, revisaremos o correto funcionamento do eletrocardiógrafo, desde sua configuração até o
posicionamento adequado dos eletrodos. Se você não dormir até o fim do capítulo, ainda vamos apresentar
maneiras diferentes de posicionar os eletrodos pra tentar enxergar coisas diferentes no ECG. Foco, força e fé.
O eletrocardiógrafo é um aparelho designado para gravar a atividade elétrica cardíaca através de cabos
para placas de metal em cada derivação. Consiste em um amplificador que magnifica sinais elétricos e em um
galvanômetro que move uma agulha de acordo com a magnitude do potencial elétrico do paciente e também
de acordo com a direção dessa corrente: positiva se o eletrodo está face a face com o vetor e negativa se
o vetor está indo em direção contrária ao eletrodo. Esse é um dos conceitos mais fundamentais da
eletrocardiografia.
De acordo com as convenções feitas pelo inventor do galvanômetro de corda, Einthoven, a inscrição do
traçado eletrocardiográfico deverá ser calibrada no exame padrão da seguinte maneira: a cada 0,1 mV de
diferença de potencial registrada pelo galvanômetro, 1 quadradinho (ou 1 milímetro) será inscrito (Figura 1) –
quando essa configuração está selecionada, o aparelho trará a letra “N” maiúscula ou a inscrição da Figura 2.
Com relação ao tempo, o papel corre pelo aparelho a uma velocidade de 25 mm/s. Essa é a configuração
padrão de um ECG. Precisa ser aprendida, tá ok?
Falando sobre voltagem ou amplitude, na configuração N, cada 10 mm corresponderá a 1 mV/mm, ou seja, 0,01 mV/mm. Falando
sobre o tempo, na velocidade habitual de 25 mm/s, cada 5 quadradinhos (ou 1 quadradão) corresponderão a 200 ms, e 1
quadradinho a 40 ms.
Às vezes, por razão de melhor leitura do traçado, ou pesquisa de algo específico, podemos solicitar para
que se aumente ou diminua o “ganho” do traçado. Por exemplo: se você está em dúvida sobre uma linha reta
no monitor, você pode configurar o aparelho para dobrar o ganho para você, isto é, se antes cada 0,1 mV
significava 1 mm, agora significa 2 mm e talvez isso desmascare uma fibrilação ventricular – quem trabalha
em emergência ou unidade de terapia intensiva sabe do que estou falando. Resumindo, uma onda pequena
pode ser vista com mais nitidez. Da mesma forma, se um traçado de um paciente hipertrófico, por exemplo,
está muito confuso porque tem ondas muito amplas e elas se encontram com as outras derivações de modo
que você não consegue ver seus limites, o examinador pode solicitar para reduzir o ganho pela metade ou a
um quarto. Assim, cada 0,1 mV vai desenhar apenas 0,5 mm ou 0,25 mm – o eletrocardiograma vai ficar mais
limpo.
Figura 2 - No painel A, temos uma coluna com 10 mm, o que significa que cada 1 mV será inscrito em 10 mm, esta é a
configuração “N” padronizada por Einthoven. No painel B, temos uma coluna com 5 mm, ou seja, a cada 1 mV serão
inscritos apenas 5 mm, portanto, N/2. No painel C, a cada 1 mV serão inscritos 20 mm, ou seja, 2N.
Aumentar o ganho de um ECG é transformá-lo de “N” para “2N”. E reduzir é deixá-lo em “N/2” ou “N/4”
(Figura 2). Atenção: muitas avaliações dependem da amplitude de ondas ou segmentos. Um exemplo
clássico é a medição do supradesnivelamento do segmento ST para infarto agudo do miocárdio, como
veremos no capítulo 12. Considere que determinado paciente tenha em D2 e D3 um supradesnivelamento de
1,5 mm quando o aparelho está configurado em “N” – o que lhe dá o diagnóstico de infarto. Mas imagine que
no plantão anterior, alguém apertou “sem querer” o botão do ganho e o reduziu para N/2. Esse paciente terá
um supradesnivelamento de 0,75 mm (metade) e o médico do dia errará em dizer que o paciente não tem
infarto agudo. Erros em ECG podem custar vidas. Uma dica prática é multiplicar as amplitudes por 2 em um
ECG N/2, por 4 em um N/4, dividir por 2 em um 2N, e assim por diante.
Outra modificação passível de ser realizada é aumentar a velocidade do traçado e isso pode ser a chave
para encontrar ondas escondidas em ritmos muito acelerados. Como assim? Se uma determinada atividade
elétrica, por exemplo, uma onda P, possui 80 ms de duração, significa que a 25 mm/s ela ocuparia 2
quadradinhos ou 2 mm no papel do ECG. Agora, como estou gravando a 50 mm/s, os mesmos 80 ms serão
gravados em 4 quadradinhos, pois o papel vai passar com o dobro da velocidade por algo que manteve a sua
duração constante (1).
A configuração de filtros é uma ferramenta frequentemente negligenciada até mesmo por especialistas.
Muitos artefatos podem interferir na gravação de um exame, a saber: contração muscular, respiração, linha
elétrica, campos magnéticos, marca-passos, pulsos arteriais, movimento, má adesão do eletrodo com a pele.
Por essa razão, os aparelhos modernos de eletrocardiograma passaram a filtrar sinais que não interessam
ao exame. Para isso, estudaram qual a frequência (em Hz) das ondas estudadas de interesse em
eletrocardiografia. Veja na tabela 1. Agora resta configurar o aparelho para excluir do traçado as frequências
dos artefatos, deixando visíveis apenas a faixa que contém componentes normais do ECG. O leitor atento à
tabela 1 perceberá que isso nem sempre é possível. Um exemplo é o artefato muscular que possui a mesma
frequência de oscilações dos componentes do ECG. Sorte que resolver isso é fácil: é só pedir para o paciente
não se mexer durante a aquisição do exame.
QRS 10 – 50 Hz
Onda T 1 – 7 Hz
Artefatos Frequência
Contração muscular 5 – 50 Hz
Como sabemos da sua dificuldade em física, trouxemos a fórmula de transformação de Hz em oscilações por minuto: é só
multiplicar por 60. Pode usar uma calculadora se quiser.
Para excluir sinais com oscilações lentas, ou seja, de baixa frequência, como a oscilação de baseline, que
é quando o traçado fica subindo e descendo pelo papel, introduzimos o “high-pass filter”, ou “filtro de passa-
alta”. O problema relacionado a esse filtro é que se excluirmos oscilações menores que 0,67 Hz, podemos
não ver frequências cardíacas menores que 40 bpm, então foi decidido por excluir oscilações menores que
0,5 Hz e o resultado não foi animador: com essa frequência existe considerável distorção no ECG,
principalmente em áreas em que a amplitude de frequência muda abruptamente, como no segmento ST
(figura 3). A primeira recomendação da American Heart Association (AHA) em 1975 a respeito do tema
sugeriu configurar os aparelhos para excluir frequências menores que 0,05 Hz, frequência que não distorcia o
ECG, mas não protegia contra oscilação de baseline. Por sorte, os novos filtros digitais conseguem corrigir
essa distorção e hoje podemos usar o limite de até 0,67 Hz sem prejuízos (2). Acorda aí. Vou resumir o
parágrafo pra você: em aparelhos modernos, podemos configurar o filtro de passas-altas em 0,05-0,67 Hz.
Para excluir sinais de alta frequência, como rede elétrica, o mais sensato seria estabelecer um filtro que
excluísse sinais com frequência maior que 50 Hz (frequência máxima do complexo QRS) e para esse fim foi
criado o “filtro de passa-baixa”. O problema, no entanto, é que isso reduz sobremaneira a capacidade
diagnóstica do exame, pois ondas de alta frequência (100 – 500 Hz) podem aparecer em algumas patologias,
como a onda épsilon em displasia arritmogênica do ventrículo direito (3). Por isso, a recomendação é que se
configure um filtro de 150 Hz para adultos (2) e 250 Hz para crianças (4).
Figura 3 - Mudança de configuração do segmento ST de um batimento cardíaco em V1 sem filtro (azul) e filtrado em
passas-altas (vermelho) – perceba a importante distorção do segmento ST em vermelho e os potenciais erros diagnósticos
que podem acontecer secundários a isso.
O leitor atento deve perceber que se um filtro que exclua frequências maiores que 150 Hz for configurado,
a linha de rede elétrica, que possui 60 Hz na maior parte do Brasil, não será excluída da gravação. Para
rejeitar esses sinais, um filtro específico é configurado: o line frequency filter (LFF), também chamado “notch
filter”, basicamente um filtro que exclui frequências de 59 – 61 Hz. O problema desse filtro é a geração
de“artefatos de anel” que ocorrem após complexos QRS e ocorre devido à mudança abrupta no espectro do
domínio da frequência (Figura 4).
Figura 4 - “Artefato de anel” ausente em A e presente em B devido à configuração de um “notch filter” (29).
O último filtro digno de nota é o do eletrodo da perna direita ou common mode rejection que serve para
cancelar os artefatos de rede elétrica que vêm do próprio paciente, que nesse caso está servindo como
antena. O aparelho faz isso automaticamente coletando sinais na faixa de frequência de rede elétrica
provenientes dos demais membros e enviando ao aparelho um sinal exatamente oposto a este (5). É para
isso que serve o eletrodo da perna direita. Por essa razão, chamaremos o eletrodo da perna direita de
“eletrodo terra” quando for oportuno.
V3 Entre V2 e V4
V5 Entre V4 e V6
V7 Entre V6 e V8
V9 Medial a V8
A preparação da pele também é crucial para a realização de um exame sem artefatos e deve ser
perseguida em todas as situações da prática clínica. A pele é um pobre condutor de eletricidade e pode criar
artefatos importantes, pois não podem ser filtradas pelo aparelho e sua amplitude é, muitas vezes, muito
maior que a do traçado do paciente. A preparação da pele deve ser feita da seguinte maneira: (1) tricotomia
da região onde os eletrodos serão fixados; (2) limpe a região com água e sabão ou álcool; (3) seque a área
vigorosamente com papel toalha ou gaze, realizando abrasão do local até que a pele fique cor de rosa. Esses
passos são suficientes para reduzir a impedância desse sistema pele-eletrodo (7,8).
Sistema Mason-Likar
Em 1966, Mason e Likar sugeriram transferir os eletrodos dos membros para o tórax em testes
ergométricos, assunto que será discutido no capítulo 26. A mudança foi proposta para reduzir os artefatos
causados pelos movimentos dos membros dos pacientes enquanto eram submetidos ao exame. No artigo
original, não houve diferenças importantes em amplitudes quando se movia o eletrodo do braço direito (RA)
para a fossa infraclavicular direita medial à borda do músculo deltoide, dois centímetros abaixo da borda
inferior da clavícula, o eletrodo do braço esquerdo (LA) em posição similar à esquerda, e o eletrodo da perna
esquerda (LL) na linha axilar anterior, no ponto médio entre o rebordo costal e a crista ilíaca. O eletrodo da
perna direita foi ilustrado como posicionado no membro no trabalho original de Mason e Likar, mas por
conveniência, o posicionamento em região análoga à da perna esquerda foi adotado (9) (Figura 5). A
adaptação, no entanto, não é isenta de falhas e críticas. O sistema Mason-Likar de eletrodos causa um desvio
de eixo do vetor cardíaco para a direita, reduz a amplitude das ondas R em D1 e aVL e aumenta a amplitude
da onda R em D2, D3 e aVF. Ainda mais importante: é possível que esse desvio de eletrodos faça com que os
eletrodos “inferiores” vejam a parede anterior do coração, uma possível explicação para velhos dogmas da
eletrocardiografia de esforço: (a) o infradesnivelamento no teste não determina parede com isquemia; (b) a
parede inferior sofre de altos índices de falso-negativo (10).
Figura 5 - Posicionamento de eletrodos pelo sistema Mason-Likar a ser usado em testes ergométricos.
O braço direito (RA) é posicionado na fossa infraclavicular, 2 cm abaixo da borda inferior da clavícula, medial à borda do músculo
deltoide. O braço esquerdo (LA) é posicionado em região análoga à esquerda. A perna esquerda (LL) é posicionada na linha axilar
anterior, ponto médio entre o rebordo costal e a crista ilíaca (9).
ST, por isso sua importância em testes ergométricos. Existem outras posições em que esse eletrodo pode
ser fixado, por exemplo, na fronte do paciente (Figura 6).
Hospitalar
Para fins de monitoramento hospitalar, o uso do sistema Mason-Likar já discutido no tópico anterior é
também amplamente utilizado, apenas com os eletrodos dos membros. O acréscimo de um eletrodo
simulando V2 para-esternal à esquerda pode ajudar em situações de análise de ritmo.
Outro sistema bastante usado é chamado de “Modified Chest Lead” ou “Mariott’s Chest Lead”, onde o
posicionamento de três eletrodos originalmente descrito obedecia à seguinte ordem: eletrodo do braço
esquerdo no local de V1, eletrodo do braço direito locado infraclavicular à esquerda e eletrodo terra em
qualquer local (11).
Derivações Ortogonais e o Vetorcardiograma
O leitor até aqui já deve ter percebido que a atividade elétrica cardíaca pode ser traduzida pela soma das
diferenças de potencial das células cardíacas. Uma diferença de potencial resultante pode ser traduzida
matematicamente como um vetor resultante. Cientistas perceberam que o vetor cardíaco resultante poderia
ser avaliado através da construção de sistemas ortogonais, que são nada mais do que sistemas que
representam três derivações: x, y e z. Por convenção, x detecta as forças laterais (similar à derivação D1 do
ECG convencional); y detecta forças superiores ou inferiores e, assim como aVF, tem deflexão positiva caso
um vetor aponte para o pé do paciente; e z, um eletrodo que detecta correntes anteroposteriores, similar ao
V2 do ECG (Figura 7).
x: latero-lateral; y: supero-inferior; z: póstero-anterior. PF: plano frontal, PH: plano horizontal, PS: plano sagital.
Nas décadas de 40 e 50, investigadores projetaram sistemas de medição do vetor resultante cardíaco
nestas três derivações/eixos. No entanto, entre 1945-1955, um conhecimento maior sobre a geometria
cardíaca e a relação do vetor resultante com os diferentes posicionamentos de eletrodos demonstrou que
essas os sistemas criados até então, Duchosal, tetaedro de Wilson e cubo de Grishman, não eram tão
ortogonais assim. Não vamos nos ater a esses sistemas, pois estão em desuso na prática clínica.
A importância do parágrafo anterior é que foi a partir disso que surgiram as “derivações ortogonais
corrigidas”. Frank, em 1956, publicou o primeiro sistema realmente ortogonal (12), pelo menos nos modelos
de torso em tanques (13) (Figura 8).
Figura 8 - Modelos de torsos estudados por Frank e que foram a base para a correção dos sistemas ortogonais (13).
O sistema de Frank, ortogonal corrigido, possui cinco eletrodos (A, C, E, I e M). A e I são posicionados
nas linhas axilares médias esquerda e direita, respectivamente. E e M no esterno e coluna. C deve ficar 45º
distante de A e E, em uma posição similar ao ápice cardíaco. Todas essas derivações estarão dispostas no 4º
ou 5º espaço intercostal. Existe mais um eletrodo: o H, que geralmente é posicionado na porção posterior do
pescoço, mas sua localização não é particularmente importante (Figura 9).
Na década de 70, a fim de reduzir o tempo de realização de um exame e os custos com eletrodos, Dower
introduziram o sistema de “derivações transformadas” (14) – soa estranho em português, mas significa que
com o registro de apenas três derivações (X, Y e Z), serão calculadas matematicamente as derivações
clássicas do eletrocardiograma. O progresso da técnica foi reportado pelo autor 11 anos mais tarde trazendo
um resultado no mínimo conflitante: o ECG derivado seria melhor correlacionado com os achados clínicos que
o ECG de 12 derivações (15), resultado que foi duramente criticado. Anos mais tarde, diferenças em
coeficientes de transferências foram percebidas e apresentadas no 14º Congresso Internacional de
Eletrocardiografia (16).
O contrário também é possível. Com todos os eletrodos posicionados no tórax de um paciente, uma
transformação inversa de Dower (6) (IDT, sua sigla em inglês) ou transformação de Kors (17), um aparelho
de eletrocardiograma pode capturar um eletrocardiograma de 12 derivações e um vectorcardiograma ao
mesmo tempo.
O uso dessas transformações pode ser muito importante clinicamente caso seja estudado em cenários
clínicos e validado em pacientes de diferentes formatos físicos. Por enquanto, os seus idealizadores
defendem os métodos de transformação por trazer mais informações sem o gasto de eletrodos adicionais, e
pela possibilidade de retorno do estudo vetorcardiográfico ao arsenal de exames complementares do
cardiologista (11).
Outro sistema de ECG “transformado”é o EASI, também proposto por Dower, que consiste no uso de 4
eletrodos. São posicionados nas posições A, E e I de Frank, adicionando um eletrodo S no topo do esterno
(18) (Figura 10).
Desenvolvido por Norman Jeff Holter com sua primeira publicação em 1949, o eletrocardiograma
ambulatorial, hoje conhecido pelo nome do seu inventor, pesava 38 kg (Figura 11). Os aparelhos atuais são
leves e discretos e realizam monitorização contínua de ECG, com características distintas a depender do
modelo escolhido pelo clínico: detecção automática de arritmias, análise do ST e do QT, variabilidade de onda
T, etc.
Figura 11 - Eletrocardiograma ambulatorial elaborado por Norman Jeff Holter em 1947, com trabalho publicado em 1949.
O Holter (escreve-se com letra inicial maiúscula) mais conhecido da comunidade médica é o gravador de
ECG ambulatorial de 24-48 h, mas pode chegar a capacidades de grava ção de 30 dias. Ele pesa entre 200-
300 g e pode possuir cabos e eletrodos ou apenas um patch adesivo na pele (19). Os sistemas de eletrodos
variam de acordo com as diferentes marcas, mas geralmente se limitam a dois ou três canais bipolares
independentes, 10 eletrodos para a gravação de 12 derivações ou o sistema EASI. Com o posicionamento de
eletrodos bipolares nos locais corretos, um clínico pode inferir, a partir da gravação do Holter, que o paciente
tem um bloqueio de ramo direito ou esquerdo. Isso é possível caso haja a montagem de uma derivação“tipo
V1” que consiste no posicionamento de um eletrodo positivo no quarto espaço intercostal direito a 2,5 cm do
esterno e um eletrodo negativo no terço lateral da fossa infraclavicular. Se isso não for respeitado, é
impossível inferir se há bloqueio de ramo direito ou esquerdo ou apenas bloqueio intraventricular (11).
Loop recorders são uma das variações do método. Nesse caso, derivações bipolares são posicionadas
por semanas a meses na pele (Loop externo) ou implantadas (Loop implantável) no subcutâneo do paciente.
Essa modalidade reconhece automaticamente a arritmia e podem gravar até 1 hora do evento. Muito útil para
arritmias infrequentes.
Monitor de eventos é o terceiro tipo de gravação de ECG ambulatorial. Neste caso, o paciente ativa o
gravador com um botão. Bom para arritmias sintomáticas. Tipicamente seu uso pode durar até 30 dias.
A tabela 3 resume o rendimento diagnóstico e a figura 12 ilustra cada um desses aparatos (20).
Nos últimos anos, temos visto ainda a introdução de gravadores de ECG em smartphones e
smartwatches. O Kardia Mobile (AliveCor, Inc., Estados Unidos) é um device portátil em que se posicionam os
dois dedos para obter um registro da gravação D1 (21). O Apple Watch mede o fluxo sanguíneo através de
reflexos que o sangue causa em luzes de LED emitidas na parte posterior do relógio ou através de
infravermelho. Quando há irregularidade do ritmo cardíaco, o aparelho notifica o usuário a tocar com o dedo
da mão contralateral ao relógio para obter um registro de D1 (Figura 13).
Pulsos de luz verde são enviados em alta frequência e os sensores de luz observam quantas vezes há reflexo dessa luz (o
vermelho do sangue reflete luz verde). O LED infravermelho também pode fazer contagem de ritmo cardíaco. Quando o aparelho
detecta anormalidade, ele solicita ao usuário que posicione seu dedo contralateral à mão onde está o relógio na “Digital Crown”,
criando assim uma derivação braço esquerdo – braço direito, ou seja, D1.
DERIVAÇÕES ESPECIAIS
Na tentativa de melhorar a detecção de uma onda específica no ECG, algumas derivações “especiais”
foram propostas ao longo dos anos (22).
A derivação de Lewis é usada para melhorar a detecção de atividade atrial no ECG. Bom para situações
em que a onda P tem baixa amplitude ou existe a suspeita de que ela está escondida em outra onda ou
complexo do ECG (23). Os eletrodos dos braços são movidos para o tórax do paciente da seguinte maneira:
braço direito fica posicionado no segundo espaço intercostal direito próximo ao esterno e braço esquerdo no
quarto espaço intercostal direito próximo ao esterno. Nessa configuração, o eletrocardiógrafo deve ser
configurado para gravar obrigatoriamente um D1 longo – lembre-se que D1 é a derivação que mede a
diferença de potencial entre os dois braços – a diferentes velocidades (25 mm/s, 50 mm/s) (Figura 14).
Eletrodo do braço direito posicionado no 2º EIC direito e eletrodo do braço esquerdo posicionado no 4º EIC direito. Demais
eletrodos dos membros podem ser posicionados em qualquer lugar. O eletrocardiógrafo deve gravar um D1 longo
(obrigatoriamente) a diferentes velocidades.
As derivações de Fontaine foram descritas a fim de aumentar a capacidade de identificação de ondas
épsilon, as ondas presentes em diversas situações, mas classicamente descrita na displasia arritmogênica do
ventrículo direito. Os eletrodos são posicionados no manúbrio esternal (braço direito), no apêndice xifoide
(braço esquerdo) e no lugar de V4 (perna esquerda) com o eletrodo de perna direita posicionado em qualquer
lugar. As derivações D1, D2 e D3 devem ser gravadas e substituídas pela nomenclatura FI, FII e FIII (24)
(Figura 15).
Figura 15 - Derivações de Fontaine para detecção de ondas épsilon da Displasia Arritmogênica do Ventrículo Direito. Para
posicionamento dos eletrodos e detalhes sobre a gravação, vide texto
Derivações esofágicas podem ser usadas para detectar atividade atrial devido à proximidade do esôfago
com o átrio esquerdo (25). Com um eletrodo de braço direito adaptado posicionado no esôfago a nível de
silhueta cardíaca e um eletrodo de braço esquerdo conectando a um amplificador, a uma derivação no tórax
ou a um polo proximal no próprio eletrodo esofágico utilizado. A utilização desse método pode ser diagnóstico
em até 86% dos casos em que o ritmo não estava bem definido (26) (Figura 16).
Derivações intracardíacas também podem ser tentadas. Num paciente com acesso venoso central em
veia jugular interna ou subclávia, cuja ponta do cateter esteja mergulhada no do átrio direito, pode-se seguir o
seguinte passo-a-passo: 1) aspirar o conteúdo do acesso com uma seringa para assegurar que não há bolhas
de ar, 2) um sistema agulha-seringa contendo solução salina deve ser inserido na ponta distal do acesso
central (ou um fio-guia), 3) um eletrodo de V1 deve ser conectado a essa agulha (ou fio-guia). 4) com os
demais eletrodos conectados às suas posições habituais, gravar 12 derivações ou V1 longo (27,28). Atenção:
garanta a esterilidade de todo o procedimento.
REFERÊNCIAS
1. Bayés De Luna A. The ECG Recording: Leads, Devices, and Techniques. In: Clinical
Electrocardiography [Internet]. Wiley-Blackwell; 2012. p. 54–66. doi.org
2. Kligfield P, Gettes LS, Bailey JJ, Childers R, Deal BJ, Hancock EW, et al. Recommendations for the
Standardization and Interpretation of the Electrocardiogram. Circulation [Internet]. 2007 Mar
13;115(10):1306 LP – 1324. ahajournals.org
3. Alencar Neto JN de, Baranchuk A, Bayes-Genis A, Bayes de Luna A. Arrhythmogenic right ventricular
dysplasia/cardiomyopathy: an electrocardiogram-based review. Europace. 2018 Jun;20(FI1):f3–12.
4. Rijnbeek PR, Kors JA, Witsenburg M. Minimum bandwidth requirements for recording of pediatric
electrocardiograms. Circulation. 2001 Dec;104(25):3087–90.
5. Winter BB, Webster JG. Driven-right-leg circuit design. IEEE Trans Biomed Eng. 1983;BME30(1):62–
6.
6. Pahlm O, Haisty WKJ, Edenbrandt L, Wagner NB, Sevilla DC, Selvester RH, et al. Evaluation of
changes in standard electrocardiographic QRS waveforms recorded from activity-compatible proximal
limb lead positions. Am J Cardiol. 1992 Jan;69(3):253–7.
7. Berson AS, Pipberger H V. Skin-electrode impedance problems in electrocardiography. Am Heart J
[Internet]. 1968;76(4):514–25. sciencedirect.com
8. Medina V, Clochesy JM, Omery A. Comparison of electrode site preparation techniques. Heart Lung.
1989 Sep;18(5):456–60.
9. Mason RE, Likar I. A new system of multiple-lead exercise electrocardiography. Am Heart J. 1966
Feb;71(2):196–205.
10. Papouchado M, Walker PR, James MA, Clarke LM. Fundamental differences between the standard
12-lead electrocardiograph and the modified (Mason-Likar) exercise lead system. Eur Heart J. 1987
Jul;8(7):725–33.
11. MacFarlane P, van Oosterom A, Pahlm O, Kligfield P, Janse M, Camm J, editors. Comprehensive
Electrocardiology. 2nd ed. London: Springer; 2011.
12. Frank E. An accurate, clinically practical system for spatial vectorcardiography. Circulation. 1956
May;13(5):737–49.
13. Frank E, Kay CF. Frontal plane studies of homogenous torso models. Circulation. 1954 May;9(5):724–
40.
14. Dower GE. A lead synthesizer for the Frank system to simulate the standard 12-lead
electrocardiogram. J Electrocardiol [Internet]. 1968;1(1):101–16. sciencedirect.com
15. Dower GE, Bastos Machado H, Osborne J. Progress report on the ECGD. In: Macfarlane PW, editor.
Progress in Electrocardiology. Tunbridge Wells, Pitman Medical; 1979. p. 264–71.
16. Uijen GJ., van Oosterom A, Van Dam RTH. The relationship between the 12-lead standard ECG and
XYZ vector leads. In: Schubert E, editor. Proc 14th International Congress Electrocardiology. Berlin:
Academy of Sciencies of the DDR; 1988. p. 301–7.
17. Kors JA, van Herpen G, Sittig AC, van Bemmel JH. Reconstruction of the Frank vectorcardiogram
from standard electrocardiographic leads: diagnostic comparison of different methods. Eur Heart J.
1990 Dec;11(12):1083–92.
18. Dower GE, Yakush A, Nazzal SB, Jutzy R V, Ruiz CE. Deriving the 12-lead electrocardiogram from
four (EASI) electrodes. J Electrocardiol. 1988;21 Suppl:S182-7.
19. Lobodzinski SS. ECG Patch Monitors for Assessment of Cardiac Rhythm Abnormalities. Prog
Cardiovasc Dis [Internet]. 2013;56(2):224–9. sciencedirect.com
20. Steinberg JS, Varma N, Cygankiewicz I, Aziz P, Balsam P, Baranchuk A, et al. 2017 ISHNE-HRS
expert consensus statement on ambulatory ECG and external cardiac monitoring/telemetry. Hear
Rhythm. 2017 Jul;14(7):e55–96.
21. Benezet-Mazuecos J, García-Talavera CS, Rubio JM. Smart devices for a smart detection of atrial
fibrillation. J Thorac Dis [Internet]. 2018 Nov;10(Suppl 33):S3824–7. Available from: ht-
tps://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30631488
22. Francis J. ECG monitoring leads and special leads. Indian Pacing Electrophysiol J [Internet].
2016;16(3):92–5. sciencedirect.com
23. Mizuno A, Masuda K, Niwa K. Usefulness of Lewis Lead for Visualizing P-Wave. Circ J.
2014;78(11):2774–5.
24. Gottschalk B, Gysel M, Barbosa-Barros R, De Sousa Rocha RP, Pérez-Riera AR, Zhang L, et al. The
use of fontaine leads in the diagnosis of arrhythmogenic right ventricular dysplasia. Ann Noninvasive
Electrocardiol. 2014;19(3):279–84.
25. Oblath R, Karpman H. The normal esophageal lead electrocardiogram. Am Heart J [Internet].
1951;41(3):369–81. sciencedirect.com
26. Schnittger I, Rodriguez IM, Winkle RA. Esophageal electrocardiography: a new technology revives an
old technique. Am J Cardiol. 1986 Mar;57(8):604–7.
27. Madias JE. Comparison of P waves recorded on the standard electrocardiogram, the “Lewis lead,”
and “saline-filled central venous catheter”-based intracardiac electrocardiogram. Am J Cardiol. 2004
Aug;94(4):474–8.
28. Madias JE, Narayan V, Attari M. Detection of P waves via a“saline-filled central venous catheter
electrocardiographic lead” in patients with low electrocardiographic voltage due to anasarca. Am J
Cardiol. 2003 Apr;91(7):910–4.
INTRODUÇÃO
A interpretação de um ECG por um examinador experiente é feita comparando aquele exame com a
memória fotográfica e com o conhecimento que possui de outros ECGs normais e anormais que já foram
vistos. No início da caminhada, é comum que se faça necessário o uso de guias, livros curtos, resumos,
manuais de plantão, aplicativos e outros materiais que nos traga a recordação dos padrões normais e
anormais.
Justamente na fase em que ganhamos experiência, é comum ficar fascinado ou assustado com um
determinado achado (por exemplo, a primeira vez que um leitor pouco experiente diagnostica um bloqueio
divisional anterossuperior ou como quando um examinador com experiência média acha que viu uma onda
épsilon) e isso pode levar ao erro diagnóstico por subestimar outros achados. A melhor maneira de evitar isso
é sistematizando a análise do ECG. Isso deve ser feito por todos, independentemente do nível de
conhecimento sobre o assunto. Este capítulo fará a análise sistemática por você. Cada tópico a seguir será
um passo a ser realizado para que o ECG seja avaliado por completo. Vamos começar.
Tudo começa pelo básico. Identifique o paciente, seu sexo e idade. Veremos nos próximos capítulos que
isso pode ser crucial para uma correta análise do exame, pois os valores de referência de alguns achados
podem mudar.
Sobre o eletrocardiógrafo, o leitor deve relembrar tudo que leu no capítulo anterior. Está configurado em N
e 25 mm/s? Seus filtros estão adequados? E mais: fique atento à possível presença de artefatos que serão
vistos com detalhes no capítulo 5. Houve troca de eletrodos ou outro artefato que impossibilita a correta
análise do ECG?
O próximo passo é olhar para o ECG e identificar o ritmo do paciente. Isso pode ser realizado através da
seguinte análise: as ondas e complexos sempre vêm em intervalos iguais? Pode ser necessário um
compasso ou que você desenhe numa folha à parte dois traços denotando a distância entre duas ondas P ou
dois complexos QRS e a partir daí observar se essas distâncias se mantêm constantes.
O ritmo cardíaco pode ser sinusal, ectópico ou arrítmico. O ritmo sinusal será visto neste capítulo. O
ectópico e o arrítmico serão discutidos na seção 2 deste livro. Antes de começarmos essa avaliação,
devemos lembrar um pouco da eletrofisiologia cardíaca, vista no capítulo 2. O estímulo elétrico cardíaco, em
condições normais, é gerado no nó sinoatrial ou nó sinusal, uma estrutura anatômica localizada no teto do
átrio direito. O caminho percorrido por ele será despolarizar as células atriais circunvizinhas, depois ganhar os
feixes internodais (que não são exatamente feixes, como discutimos naquele capítulo) até chegar ao nó
atrioventricular, uma estrutura mais inferior e mais à esquerda, e sofrer uma “pausa” em seu processo. Nesse
momento, o estímulo está tentando vencer a baixa velocidade de condução dessa região (Figura 1).
Figura 1 - Ativação atrial iniciando pelas forças atriais direitas (AD) e terminando pela esquerda (AE).
O vetor resultante está descrito em VR, apontando para inferior e para esquerda. Como o vetor muda de direção a cada momento
da despolarização atrial, é possível também imaginar o a alça que a despolarização desenha no plano frontal, com os sucessivos
múltiplos vetores instantâneos.
O importante do parágrafo anterior foi demonstrar para você o vetor da onda P no plano frontal (a onda
desenhada pela ativação atrial nas derivações dos membros): ela vai do teto para uma região mais inferior e
mais à esquerda. O vetor da onda P, portanto, apontará para derivações mais à esquerda (D1) e inferiores
(D2 e aVF), sendo positivo nessas derivações.
Além dos feixes internodais, existem também as células de Bachmann, equivocadamente descritas como
um feixe, que são responsáveis por transmitir o estímulo através do septo interatrial para o átrio esquerdo.
Quando Bachmann está lesado, o estímulo será conduzido através da fossa oval ou do seio coronário
(veremos isso com mais detalhes no capítulo 6). Mas o interessante é perceber que a segunda porção da
onda P é determinada justamente pela ativação do átrio esquerdo. Como o átrio esquerdo é ativado de cima
para baixo e de frente para trás (é uma estrutura mais posterior que o átrio direito, em contato direto com o
esôfago), o vetor de ativação do átrio esquerdo apontará de cima para baixo e de frente para trás. Portanto,
outra derivação a que o leitor precisa ficar atento é V1, que visualiza justamente o diâmetro anteroposterior do
paciente: em V1 a onda P tem um formato “plus-minus” (ou seja, primeiro positiva, depois negativa) ou
apenas “minus”(caso o nós sinusal seja uma estrutura muito anterior naquele coração).
Resumindo, a onda P precisa ser positiva em D1, D2 e aVF, plus-minus ou minus emV1. D3 pode ser
plus ou plus-minus e aVL pode ser plus, minus ou minus-plus. Se tudo isso for respeitado, teremos um ritmo
sinusal na imensa maioria dos casos (Figura 2). Um diagnóstico diferencial raro, mas importante, mesmo
quando tudo é respeitado é o ritmo atrial para-sinusal do átrio direito ou atrial de veia pulmonar superior
direita, no átrio esquerdo, estruturas muito próximas e que, portanto, podem produzir vetor muito semelhante.
Figura 2
Entenda a figura antes de passar adiante. À esquerda, temos os vetores do átrio direito (AD) e do átrio esquerdo (AE). A soma dos
dois vetores (VR) aponta para inferior e para a esquerda no plano frontal, mais especificamente em direção a D2. D2, portanto, terá
a maior amplitude, D1 e aVF também serão positivas. D3 geralmente é positiva. aVR está quase diametralmente oposta ao vetor,
portanto negativa. À direita, temos o vetor no plano horizontal, portanto, nas derivações precordiais. Perceba que a ativação final
(VR) realizada pelo AE traz o vetor para negativo na sua segunda porção, em V1. Adaptado de Gertsch.
A ausência de onda P no ECG pode significar o diagnóstico de fibrilação atrial, ondas P de formatos
distintos ou em dentes de serra podem significar taquicardias atriais multifocais e flutters atriais, arritmias que
serão pormenorizadas nos capítulos 16 e 17.
A frequência sinusal normal tem seus limites entre 50-100 batimentos por minuto. O cálculo dessa
frequência deve ser feito em todos os ECGs avaliados e são diversas as maneiras com que isso pode ser
alcançado. A mais fidedigna é dividir 1500 pelo número de quadradinhos entre uma onda P ou um complexo
QRS e outro. A razão do número “1500” é bastante fácil: em um ECG com velocidade de 25 mm/s, um
segundo será gravado em 1500 quadradinhos. Então 1500/X = frequência cardíaca.
Outra maneira é a “regra dos quadradões”. Cada quadradão possui 5 quadradinhos, então, 1500/5 = 300.
1500/10 = 150. 1500/15 = 100. Por aí vai. Sabendo dessa regra, você pode inferir de maneira menos
fidedigna a frequência (Figura 3).
Figura 3 - Pela regra dos “quadradões”, a frequência cardíaca desse paciente estará entre 100 e 75. Para saber com
exatidão, dividir 1500/19 = 79.
Se o ritmo for irregular, esses cálculos não poderão ser realizados. A maneira de estimar a frequência é
calcular a média de batimentos em 6 segundos e multiplicar por 10. Para isso, conte 30 quadradões (30 x 200
ms = 6 segundos) e multiplique a quantidade de batimentos encontrados por 10 (Figura 4).
Figura 4 - Cálculo da frequência cardíaca quando ritmo for irregular. Contar 30 quadradões (6 segundos) e multiplicar o
número de batimentos por 10.
A ONDA P
O ritmo da onda P denota a atividade sinusal ou ectópica do coração. Já a morfologia e duração da onda
P denotam a morfologia dos átrios. Como vimos nos parágrafos anteriores, o início da onda P, mais
especificamente sua primeira metade, é determinada pela ativação do átrio direito; e a sua segunda metade é
determinada pela ativação do átrio esquerdo. Na porção média da onda P, existe uma sobreposição de
atividades – o átrio direito está tendo suas últimas fases da despolarização enquanto o átrio esquerdo está
apenas começando (Figura 5).
Figura 5 - A onda P é gerada pela ativação dos dois átrios. Na figura, está representada a atuação de cada átrio na geração
dessa onda. Perceba que a primeira metade é comandada pelo átrio direito, enquanto o átrio esquerdo ganha importância
na segunda metade. Na porção central da onda, temos as últimas células do átrio direito e as primeiras células do átrio
esquerdo despolarizando-se.
A onda P precisa ser avaliada em sua amplitude, pois aumentos podem denotar sobrecargas atriais. Em
D2 a onda P não pode ultrapassar 2,5 mm de amplitude (dois quadradinhos e meio), pois mais que isso
seria sinal de sobrecarga atrial direita. Em V1 a onda P não pode ultrapassar 1,5 mm de amplitude em sua
porção positiva e 1 mm de amplitude em sua porção negativa (Figura 6), o que denotaria sobrecarga
atrial direita e esquerda respectivamente.
Figura 6 - Onda p normal em D2: positiva, com > 2,5 mm de amplitude e 2,5 quadradinhos de duração.
A onda P também precisa ser avaliada em sua duração, pois alargamentos dessa onda podem denotar
atrasos de condução. Adianto aqui uma importante divergência entre este livro e as ideias desse autor que
vos fala para a literatura já escrita. Repito: o alargamento da onda P denota atraso da condução intra ou inter-
atrial, que pode ou não ser secundário a uma sobrecarga atrial direita ou esquerda. Esse assunto será
discutido no capítulo 6. A onda P não pode exceder 100 ms de duração (dois quadradinhos e meio)
Vetor De cima para baixo, da direita para esquerda, porção inicial de trás para frene e porção final de frente para trás.
INTERVALO PQ
O intervalo PQ (ou PR) normal vai de 121 a 200 ms, ou seja, > 3 e ≤ 5 “quadradinhos” (ou um
“quadradão”). É medido do começo da onda P até com o começo do complexo QRS, tomando como base a
derivação em que este parecer maior. Às vezes, é necessário medir o começo da P em uma derivação, pois
naquela se inicia alguns milissegundos antes, e o começo do QRS em outra, exatamente aquela em que
também se inicia sutilmente antes.
O intervalo PQ é o silêncio elétrico produzido pela passagem do estímulo elétrico pelas células
transicionais e pelas poucas junções comunicantes do nó atrioventricular (AV). Como, em situações normais,
todos temos um esqueleto fibroso que separa completamente as células atriais das miocárdicas, o estímulo
elétrico obrigatoriamente precisa passar por essa pausa para chegar aos ventrículos e dar início ao complexo
QRS. Portanto, é esperado que todos possuam um intervalo PQ nos limites já citados.
A redução do intervalo PQ pode, então, significar que há um defeito no esqueleto fibroso que está
permitindo a passagem do estímulo elétrico do átrio para o ventrículo, uma via acessória, causador da
Síndrome de Wolff-Parkinson-White, um feixe de James, causador da extinta Síndrome de Lown-Ganong-
Levine (ambas descritas no capítulo 19) ou uma variante do normal.
O alargamento do intervalo PQ para além de 200 ms pode significar bloqueio atrioventricular de 1º grau
(capítulo 6), encontrado em doenças do nó AV e também em indivíduos normais: 8% dos homens e 12% das
mulheres (1,2).
O COMPLEXO QRS
Representa a despolarização dos ventrículos. Na sua abordagem sistemática do ECG, é necessário que
se verifique seu formato, sua duração, sua amplitude e seu eixo.
Na análise do formato, o leitor precisa avaliar qual o formato do complexo QRS: se qRs, rS, etc. Uma
forma muito simples, porém, bastante útil para aqueles que trabalham muito raramente com o ECG e não têm
acesso a consultas rápidas é a dica a seguir: existem dois padrões eletrocardiográficos básicos mais comuns
em um ECG e podem ser usados para diferenciar um exame normal de um anormal. A figura 7 exemplifica
esses padrões e dá a dica preciosa.
Figura 7 - Dica preciosa. Dois complexos QRS que exemplificam as principais morfologias encontradas em um ECG.
O complexo da esquerda é tipicamente encontrado em D1, aVF, V4 e V5, enquanto o complexo da direita é tipicamente encontrado
em V1 e V2. Se os passos dessa dica forem desrespeitados em um determinado exame, você provavelmente tem um ECG
anormal. Claro, essa é uma simplificação extrema do método, mas pode servir aos mais inexperientes e a quem tem pouco contato
com o ECG.
Com relação à sua duração, o complexo dura normalmente menos que 100 ms, e não deve ultrapassar
120 ms (três quadradinhos), indicando um atraso na condução dos ventrículos, seja por uma doença
miocárdica ou, mais frequentemente, por bloqueio de ramo.
Com relação à sua amplitude, o complexo deve ter pelo menos 5 mm em pelo menos uma derivação
do plano frontal e 8 mm em pelo menos uma derivação do plano horizontal. Valores abaixo disso são
definidos como "baixa voltagem". A amplitude máxima depende de critérios que serão descritos e discutidos
no capítulo 7.
O cálculo do seu eixo é motivo de terror para os alunos da graduação desde os primeiros semestres da
Universidade. E, como muitos assuntos abordados naquela época, tem seu valor. Para falar sobre o eixo
cardíaco, demonstraremos como o ventrículo se despolariza e como são formados os clássicos três vetores
cardíacos – 1, 2 e 3, ou mais basicamente chamados de Q, R e S.
Nos primeiros 5 ms do início da despolarização ventricular, três áreas são ativadas: uma área para-septal
anterior próxima ao músculo papilar anterior (região da divisão anterossuperior), uma área no centro da face
esquerda do septo, uma área póstero-septal a um terço da distância do ápice para a base. Essas áreas
crescem e se tornam confluentes nos primeiros 20 ms. A esse ponto, grande parte do septo e da parede livre
já despolarizaram. Até 40 ms todo o endocárdio ventricular esquerdo já estará despolarizado. O ventrículo
direito começa a sua despolarização em torno de 5 a 10 ms após o ventrículo esquerdo, iniciando a sua
ativação no músculo papilar anterior e indo em direção ao septo e parede livre, chegando às últimas porções
(área sub-pulmonar e posterobasal) (3) (Figura 8).
Figura 8 - Representação original do artigo de Durrer sobre a ativação ventricular esquerda e direita.
A ativação vai seguindo a sequência rosa-vermelho claro, escuro, laranja, amarelo, verde e azul. Perceba que o estímulo nasce no
septo endocárdico em direção às paredes livres de ambos ventrículos e ao epicárdio (3).
Perceba que a ativação mais inicial (primeiros 20 ms) denota septo interventricular em suas faces
esquerda (com maior massa e amplitude de vetor) e direita e início da parede livre do VE. Após cerca de 10-
20 do início até 40-50 ms, a segunda fase da despolarização leva em consideração a parede livre do VE e do
VD e a transmissão da onda de despolarização para o epicárdio. E a última fase (após 50 ms do início,
durando até os 70 ms) denota a despolarização das porções basais de ambos os ventrículos. Essas três
fases formam três vetores.
O primeiro vetor (0 – 20 ms) que representa basicamente o septo endocárdico e o início da parede livre
aponta da esquerda para a direita e para a frente. Esse vetor é basicamente chamado de onda Q, mas essa
facilitação acaba se tornando um equívoco, pois em V1 na verdade temos uma onda r. Veja, como o vetor
aponta de trás para frente, e V1 é uma derivação que enxerga o eixo antero-posterior, nada mais fácil de
compreender que aqui teremos um vetor positivo. Em V6, por outro lado, sim temos uma onda Q, visto que é
uma derivação quase oposta a V1. O vetor 2 (21 – 50 ms) representa o restante das paredes livres do VE
(com maior força e magnitude) e do VD, assim como a transição do estímulo para as regiões epicárdicas.
Esse vetor se direciona da direita para a esquerda, e de cima para baixo. Representa a maior parte do
complexo QRS e é basicamente chamada de R, mas sofre do mesmo problema já citado no parágrafo
anterior – em aVR, por exemplo, esse vetor determina uma onda S.
O vetor 3 (51 – 70 ms) representa as porções basais, e se direciona de inferior para superior, um pouco
para direita e posterior. É, de maneira generalizada, chamada de “S”, mas representa o pequeno r final em
aVR.
Como o vetor 2 representa a maior magnitude de área cardíaca despolarizada, sua representação
eletrocardiográfica será mais ampla e importante na análise do exame. Como dissemos, esse vetor, em
situações normais, aponta da direita para esquerda e de superior para inferior. O eixo cardíaco é
representado basicamente pelo vetor 2. Posicionado o vetor 2 no ciclo de Cabrera (plano Frontal), obtemos a
Figura 9.
O ciclo de Cabrera é dividido em quatro quadrantes. O quadrante número 1 é aquele que está entre D1
(0º) e aVF (+ 90º), ou seja, normal. O segundo quadrante está entre D1 (0º) e – aVF (- 90º) e pode ser normal
até – 30º, mas a partir daí chamamos esse desvio de “desvio de eixo para esquerda”. O terceiro quadrante é
a chamada “terra de ninguém” ou "extrema direita", pois poucas e graves enfermidades desviam o eixo
cardíaco para estas posições entre – aVF (- 90º) e – D1 (+ 180º). O quarto quadrante está entre aVF (+ 90º) e
-D1 (+ 180º) e quando o eixo cardíaco está situado naquele local, chamamos a situação de“desvio de eixo
para a direita). Veja a figura 10 para entender.
Para o cálculo exato do vetor resultante e do eixo cardíaco, o examinador deverá observar os
complexos QRS do plano frontal (ou seja, D1, D2, D3, aVR, aVL, aVF) e seguir um passo a passo simples (4):
1. Qual(is) derivação(ões) possui(em) um complexo isodifásico? (ou seja, a onda R é de mesmo tamanho
da onda S) – essa pergunta se faz importante porque complexos isodifásicos determinam que o vetor está
perpendicular (ou seja, a 90º graus, caso você tenha faltado a aula de geometria) àquela derivação.
2. Qual(is) derivação(ões) possui(em) complexos QRS de maior amplitude (seja positivo ou negativo, mas
não isodifásico)? – essa pergunta se faz importante porque, como já vimos nos capítulos anteriores, o vetor
cardíaco estará indo de encontro àquela derivação caso seja muito ampla positiva, e fugindo daquela
derivação caso seja muito ampla negativa.
3. Caso haja duas derivações igualmente amplas, o vetor estará entre elas. Existe também uma maneira
prática de inferir se o eixo está normal, mas não calcular seu ângulo. Segue:
Qual derivação está isodifásica? D2. O ângulo cardíaco estará, então, em + 150º ou -30º (perpendiculares a + 60º). Qual derivação
tem maior amplitude? aVL (- 30º), então o ângulo está a -30 graus. Perceba que as amplitudes de D1 (positiva) e D3 (negativa) são
similares, apontando para algo que está entre D1 e – D3, mais uma vez aVL é a derivação escolhida. Eixo -30º.
Figura 12 - Exemplo de ECG para cálculo de eixo cardíaco.
Qual derivação está isodifásica? aVR. O ângulo estará então em + 120 ou – 60º (os dois são perpendiculares a aVR). Qual
derivação tem maior amplitude? D3. O eixo, portanto, está em D3 (+ 120º).
Algumas enfermidades alteram o eixo cardíaco. A Figura 13 resume essas possibilidades. A Tabela 3
resume as principais características do complexo QRS normal.
Figura 13 - Diagnósticos diferenciais possí- veis pelo cálculo do quadrante em que está presente o eixo cardíaco.
BDAS: bloqueio divisional anterossuperior. BDPI: bloqueio divisional póstero-inferior. HVD: hipertrofia ventricular direito; HVE =
hipertrofia ventricular esquerda.
Tabela 3 - Características normais do complexo QRS.
Significado Despolarização ventricular
Significado Despolarização ventricular
Vetor
De cima para baixo, da direita para esquerda
principal
Depende da derivação. Não pode ser menor que 5 mm no plano frontal e 8 mm no plano horizontal. Geralmente
Formato
tem uma onda R que cresce de V1 a V5.
O SEGMENTO ST
O fim do complexo QRS é chamado “ponto J”. É no ponto J que se inicia o segmento ST, indo até o início
da onda
Representa o início da repolarização das células ventriculares e está relacionada à fase 2 do potencial de
ação cardíaco visto no capítulo 2, a fase de platô (Figura 14).
Figura 14 - Comparação temporal entre o ECG de superfície (acima) e o potencial de ação da célula miocárdica (abaixo).
Perceba que o segmento ST (do fim do QRS até o início da T) é relacionado à fase 2 (platô) do potencial de ação e está
ligada ao influxo de cálcio.
O segmento ST é, portanto, uma fase de silêncio elétrico, já que todas as células miocárdicas estão em
platô. Quando as primeiras células começam a se repolarizar, a onda T se inicia de maneira gradual.
O normal é que o ponto J esteja ao mesmo nível da linha de base do ECG ou até 1 mm desnivelado
para cima ou para baixo. A linha de base é a linha isoelétrica do intervalo PR (Figura 15).
Figura 15 - Medição do ponto J (ao fim do complexo QRS) demonstrando um ponto J elevado em relação à linha de base
(linha isoelétrica do intervalo PR). Se esse desnivelamento for maior que 1 mm, é considerado anormal.
A exceção à regra se faz nas derivações V2 e V3, onde até 70% dos ECGs podem conter um
supradesnivelamento do segmento ST de até 1,5 mm, chegando até 4 mm e se prolongando até V6 em
algumas situações. Isso se dá por estimulação vagal e é mais pronunciado em homens jovens e atletas (5).
Este padrão era antigamente chamado de “repolarização precoce”, termo que deve ser substituído por
“supradesnivelamento inespecífico do segmento ST” devido à síndrome de repolarização precoce que tem
achados diferentes e será discutida com mais detalhes no capítulo 24.
A ONDA T
A onda T se inicia quando as primeiras células começam a se repolarizar. A sua gênese é complexa e
será resumida nas próximas linhas. Ela é uma representação eletrocardiográfica dos potenciais de ação
miocárdicos que acontecem em fases diferentes pelas células endocárdicas, células M e células epicárdicas.
Na verdade, o que acontece é que as primeiras células a serem repolarizadas são as células do epicárdio – e
você lembra dos parágrafos anteriores que estas foram as últimas células a despolarizarem. Depois do
epicárdio, o endocárdio repolariza e, por fim, as células M (6) (Figura 16).
Figura 16 - Tempo em milissegundos, após uma estimulação atrial, em que ocorre a despolarização e a repolarização do
endocárdio e do epicárdio ventricular (6).
Veja bem: a onda T é nada menos que a subtração (ou “cancelamento”) do potencial de ação do
endocárdio, do epicárdio e das células M.
Para ser ainda mais exato, todo o ECG parece ser uma ciência de cancelamento (subtração) de potenciais
de ação do coração. Primeiro o endocárdio despolariza fugindo do eletrodo intracardíaco e gerando um
eletrograma negativo (q), dando origem àquelas q ou r iniciais em algumas derivações, dependendo se o
eletrodo está visualizando de frente ou por trás esse vetor. Depois vem a passagem transmural e o passeio
para a parede livre musculosa indo de encontro ao eletrodo extracardíaco, dando origem à onda R no ECG.
O que acontece agora é similar ao que ocorre no exemplo que vou descrever: um carro vai andando em
direção a um homem parado no fim de uma rua. Do ponto de vista desse homem, o que pode ser visto são os
faróis brancos da parte dianteira do carro (encare isso como o vetor positivo). Esse carro chega perto do
homem e breca. Depois começa a dar ré. O que o homem parado vê ainda são seus faróis brancos, mas se
afastando (o vetor permanece positivo, mas se afasta do homem). É assim que ocorre a repolarização pelo
fato de que as últimas células despolarizadas são as primeiras a repolarizarem (Figura 17).
Figura 18 - A repolarização ventricular é um cancelamento dos potenciais de ação do endocárdio, epicárdio e células M.
a: epicárdio já iniciou sua repolarização ficando menos positivo, enquanto a positividade do endocárdio permanece mais importante,
isso faz com que a onda T comece a crescer. b: o epicárdio inteiro já repolarizou. A T agora começa a perder a positividade à
medida que as últimas células do endocárdio também repolarizam, até chegar à linha de base. c: o endocárdio inteiro repolarizou,
trazendo a onda T para a linha de base. d: as células M são as últimas a se repolarizarem.
Agora imagine o que ocorre quando o endocárdio, por um motivo de isquemia, repolariza primeiro. O vetor
positivo vai ser direcionado agora para o eletrodo intracardíaco, sentido oposto ao eletrodo extracardíaco. No
nosso exemplo do homem no fim de uma rua, ele vai enxergar as luzes vermelhas da traseira do carro (ou
seja, a cauda do vetor) se aproximando dele. Por isso, em isquemia, o segmento ST e/ou a onda T são
negativas.
1. Uma despolarização que vai de encontro a um eletrodo gera uma onda positiva.
2. Uma repolarização indo em sentido oposto a um eletrodo gera uma onda positiva.
3. As ondas T são usualmente positivas na maioria das derivações porque as últimas células a
despolarizarem são as primeiras a repolarizarem (Figura 19).
Figura 19 - Demonstração mais exata do que ocorre na repolarização cardíaca. Na parte superior, a seta cheia demonstra a
despolarização indo de encontro a um eletrodo extracardíaco e dando origem à onda R do ECG. As setas tracejadas
demonstram o coração repolarizando em sentido oposto. Como vimos na regra número 2 do texto e como explicado nos
parágrafos anteriores, uma repolarização indo em sentido oposto a um eletrodo gera uma onda positiva, por isso a onda T
é positiva na maior parte das derivações do ECG. Na parte inferior da figura, verificamos a relação temporal dos potenciais
de ação epicárdicos e endocárdicos. É quando o epicárdio começa a repolarizar e o endocárdio permanece despolarizado
que a onda T cresce sua positividade. Quando também o endocárdio repolariza, a onda T tem sua porção negativa,
voltando à linha de base.
INTERVALO QT
É a representação gráfica da duração dos potenciais de ação de todas as células cardíacas durante um
batimento cardíaco, visto que se vai do início do complexo QRS até o fim da onda T, englobando também o
segmento ST.
Seus valores de normalidade variam de acordo com o sexo e idade. E a sua medição é motivo de muitas
dúvidas, que vamos solucionar agora.
Dúvida número 1: em qual derivação medir? Historicamente o intervalo QT se mede em D2, visto que
desde o trabalho seminal de Bazett, foi usado D2. Nossa recomendação é que se meça também em V3-V5,
considerando o maior resultado (7).
Dúvida número 2: e a onda U? Ela será detalhada no próximo tópico, mas já adianto que faz parte da
repolarização do miocárdio, então, deveria sim ser medida. Porém, existem dificuldades como filtros que
escondem a onda U e frequências cardíacas mais elevadas, que sobrepõem a onda P à onda U. Desse
modo, convencionou-se medir apenas o intervalo QT, mesmo que você veja a onda U. Isso não impede,
porém, que você avalie a morfologia e duração da U, visto que há síndromes, como a de Andersen-Tawil, que
atuam ali.
Dúvida número 3: se eu não meço a U, como saber onde terminou a onda T e começou a onda U? A
forma mais aceita é considerar o intervalo PR como linha de base, depois visualizar a porção final da onda T
e desenhar uma linha tangente. Onde essas duas linhas se cruzarem, temos o final da onda T. Veja um
exemplo na Figura 20.
ONDA U
Está presente em 25% dos ECGs. Possui um significado ainda indefinido. Postula-se que pode se tratar
da (1) repolarização tardia de fibras de Purkinje, (2) repolarização tardia de músculos papilares, (3) forças
eletromecânicas e repolarização de células M (17).
O intervalo entre o fim da onda T e o ápice da onda U é usualmente de 100 ms, sem relação com a
frequência cardíaca. Sua distinção da onda T pode ser difícil, especialmente quando a onda T é bífida ou
mesmo em casos em que há fusão da onda T com a onda
Algumas manobras podem ser usadas para diferenciá-las: a distância de 100 ms já citada e a correlação
temporal que essa onda possui com a segunda bulha cardíaca.
A onda U é frequentemente negligenciada na análise do ECG, mas sinais como inversão de onda U são
de imensa importância clínica, podendo estar presente em até 20% dos ECGs isquêmicos.
As características normais de cada onda, intervalo ou segmento visto até aqui serão resumidas na Tabela
4.
Tabela 4
Item Duração (ms) Amplitude (mm) Eixo médio
Intervalo
120 a 200
PR
Complexo > 5 em qualquer derivação do plano frontal e > 8 em Entre – 30º e + 90º
Até 120
QRS qualquer derivação do plano horizontal. (Positivo em D1 e D2).
Acompanha o eixo do
Onda T
QRS.
VARIANTES DA NORMALIDADE
Achados Variados
Padrão QIII: a presença de uma onda Q em D3 isolada pode ser normalmente encontrada em alguns
indivíduos.
Padrão QSV1/V2: a ausência de onda R nessas derivações é uma variante do normal, não sendo
diagnóstico de infarto anterosseptal na maioria dos casos (18). Algumas vezes está relacionada ao
posicionamento alto (no segundo espaço intercostal) de eletrodos.
Rotações do Coração
Uma pessoa mais longilínea pode ter um coração verticalizado com o eixo mais próximo de + 90º que de
0º. A aVL nessas situações pode até ter P e QRS negativos.
Um coração horizontalizado é visto em pessoas obesas e tem seu eixo direcionado para próximo de – 20º,
mas não ultrapassando – 30º (Figura 22).
Na rotação anti-horária ocorre o oposto: a transição ocorre já em V2: nesses indivíduos, em V2, a onda
R já é maior que a onda S. Pode ocorrer em até 10% das crianças, mas em apenas 1% dos adultos. Até os 8
anos de idade, o coração da criança é tipicamente rodado anti-horário, com um R>S já em V1, padrão que
pode persistir até a adolescência. O diagnóstico diferencial se faz com zona inativa lateral, miocardiopatia
hipertrófica e pré-excitação ventricular por uma via acessória.
É importante enfatizar que algumas vezes as rotações horária e anti-horária podem ser causadas pelo
simples artefato de posicionamento errado de eletrodos fora do espaço intercostal em que devem estar
posicionados.
Pessoas da raça negra podem apresentar inversão de onda T em V1-V3, especialmente as mulheres (20).
Na raça chinesa, a inversão de T isolada em V3 também é vista com prevalência de até 10% (21).
O fator que mais influencia o ECG é a idade, considerando desde o recém-nascido até o idoso. O ECG de
recém-nascido e da pediatria no geral será analisado no capítulo 28. As maiores diferenças do idoso em
relação ao adulto são: (1) menor amplitude e duração do complexo QRS e maior intervalo PR.
REFERÊNCIAS
3. Durrer D, Van Dam RTH, Freud GE, Janse MJ, Meijler FL, Arzbaecher RC. Total Excitation of the
Isolated Human Heart. Circulation [Internet]. 1970 Jun 1;41(6):899 LP – 912. ahajournals.org
4. Alencar Neto JN de. Eletrocardiograma: do internato à cardiologia. 1st ed. São Paulo: Porto de
Ideias; 2016.
5. Gertsch M, Cannon CP. The ECG: ATwo-Step Approach to Diagnosis [Internet]. Springer; 2004.
books.google.com.br
6. Abildskov JA. The sequence of normal recovery of excitability in the dog heart. Circulation. 1975
Sep;52(3):442–6.
7. Toivonen L. More light on QT interval measurement. Heart [Internet]. 2002 Mar 1;87(3):193 LP – 194.
heart.bmj.com
8. Bazett HC. An analysis of the time-relations of electrocardiograms. Heart [Internet]. 1920 Oct 27;
(7):353–70. doi.org
9. Fridericia LS. Die Systolendauer im Elektrokardiogramm bei normalen Menschen und bei
Herzkranken. Acta Med Scand [Internet]. 1920 Aug 8;53(1):469–86. doi.org
10. Sagie A, Larson MG, Goldberg RJ, Bengtson JR, Levy D. An improved method for adjusting the QT
interval for heart rate (the Framingham Heart Study). Am J Cardiol. 1992 Sep;70(7):797–801.
11. Hodges M, Salerno D, Erlien D. Bazett’s QT correction reviewed-Evidence that a linear QT correction
for heart is better. J Am Coll Cardiol. 1983;(12):694.
12. Luo S, Michler K, Johnston P, Macfarlane PW. A comparison of commonly used QT correction
formulae: the effect of heart rate on the QTc of normal ECGs. J Electrocardiol. 2004;37 Suppl:81–90.
13. Bogossian H, Frommeyer G, Ninios I, Hasan F, Nguyen QS, Karosiene Z, et al. New formula for
evaluation of the QT interval in patients with left bundle branch block. Hear Rhythm [Internet]. 2014
Dec 1;11(12):2273–7. doi.org
14. Musat DL, Adhaduk M, Preminger MW, Arshad A, Sichrovsky T, Steinberg JS, et al. Correlation of QT
interval correction methods during atrial fibrillation and sinus rhythm. Am J Cardiol. 2013
Nov;112(9):1379–83.
15. Viskin S. The QT interval: too long, too short or just right. Hear Rhythm. 2009 May;6(5):711–5.
16. Postema PG, Wilde AAM. The Measurement of the QT Interval. Curr Cardiol Rev [Internet]. 2014 Aug
10;10(3):287–94. ncbi.nlm.nih.gov
17. Perez Riera AR, Ferreira C, Filho CF, Ferreira M, Meneghini A, Uchida AH, et al. The enigmatic sixth
wave of the electrocardiogram: the U wave. Cardiol J. 2008;15(5):408–21.
18. MacAlpin RN. Clinical Significance of QS Complexes in V1 and V2 without Other Electrocardiographic
Abnormality. Ann Noninvasive Electrocardiol [Internet]. 2004 Jan 1;9(1):39–47. doi.org
19. S LaMonte C, H Freiman A. The Electrocardiogram after Mastectomy. Vol. 32, Circulation. 1965. 746–
754 p.
20. Walker AR, Walker BF. The bearing of race, sex, age, and nutritional state on the precordial
electrocardiograms of young South African Bantu and Caucasian subjects. Am Heart J. 1969
Apr;77(4):441–59.
21. Macfarlane PW, Katibi IA, Hamde ST, Singh D, Clark E, Devine B, et al. Racial differences in the
ECG--selected aspects. J Electrocardiol. 2014;47(6):809–14.
Capítulo 5
Artefatos
José Nunes de Alencar Neto
INTRODUÇÃO
Artefatos são anormalidades eletrocardiográficas produzidas por fatores alheios aos defeitos elétricos
cardíacos. Os artefatos podem ocorrer por problemas relacionados à técnica de aquisição do exame (mau
posicionamento de eletrodos) ou a problemas intrínsecos ao paciente (por exemplo, tremores).
Neste capítulo revisaremos esses artefatos com dois intuitos: (1) alertar aos profissionais de saúde como
um simples mau posicionamento pode trazer consequências deletérias, (2) treinar o leitor a identificar esses
artefatos e não errar o diagnóstico eletrocardiográfico.
Para evitar problemas, antes da realização do exame, o médico deve assegurar-se que o seu
eletrocardiógrafo está configurado adequadamente: em N, 25 mm/s, com filtros adequados. Verifique se
houve preparação adequada da pele e revise o posicionamento de eletrodos no tórax do paciente,
certificando-se que nenhum deles está solto. Proceda com a obtenção do traçado em um momento que o
paciente esteja calmo e sem movimentar-se.
Já adianto a dica mais importante do capítulo: trate o paciente, não seu eletrocardiograma.
Já vimos no capítulo 3 as orientações sobre como fazer a preparação da pele, grudar os eletrodos na pele
do paciente, e a localização correta dos eletrodos. Nos próximos parágrafos veremos o que acontece quando
essas orientações não são seguidas à risca.
Eletrodo Solto
Um eletrodo mal aderido à pele do paciente pode trazer uma linha de base e um segmento ST errôneos
(Figura 1). É comum em pacientes diaforéticos, pela impossibilidade de conexão perfeita do eletrodo com a
pele, mas também ocorre por preparação inadequada da pele e com o uso de “peras” mal aderidas. Uma boa
preparação da pele com abrasão leve e a troca de eletrodos cuja aderência não está boa pode resolver esse
problema.
Perceba que um leitor menos atento poderia confundir esse traçado com uma grave arritmia ventricular. A dica para perceber que
se trata de um artefato é que, ao mesmo tempo dessa bagunça em D2 e D1, a derivação D3 mostra um ritmo perfeitamente normal.
No caso em questão, as derivações D1 e D2 estão apresentando o mesmo artefato. D1 é a derivação braço esquerdo x braço
direito. D2 é braço direito x perna esquerda. O braço direito é o eletrodo em comum no caso. Um melhor posicionamento do
eletrodo resolveria esse problema.
Baseline Ondulante
O leitor com alguma experiência já deve ter se deparado com ECGs em que a linha de base não era reta,
mas ficava ondulando pelo papel. Isso ocorre na maioria das vezes por artefato de movimento: seja do
paciente, seja da ambulância.
A movimentação da caixa torácica causou este artefato da figura 2. A movimentação dos membros do
paciente causou o artefato da figura 3. O movimento da ambulância causou o artefato da figura 4.
Figura 2 - Artefato de baseline ondulante. Perceba que a baixa frequência de ondulação, condizente com a respiração do
paciente.
Para resolução desses problemas, o primeiro passo é melhorar a preparação da pele e a aderência dos
eletrodos. Pedir para o paciente parar de se mover e até respirar enquanto se grava o traçado pode ser feito.
Pedir para a ambulância parar é sempre uma opção se isso não trouxer malefícios ao paciente e à equipe.
Artefato de Tremor
artefato clássico de geração de pseudo-ondas F de flutter, pseudo fibrilação atrial e até mesmo
pseudo taquicardia ventricular e o examinador desatento pode errar o diagnóstico caso não observe
derivações livres de artefatos e spikes entre o que parece ser complexo QRS (na verdade os spikes são os
verdadeiros QRS) (Figuras 5 a 7) (1–4). A tabela 1 revisa as frequências de onda de componentes do ECG e
de artefatos. Perceba que há interseções entre muitos.
ECG realizado logo após evento sincopal com características vaso-vagais. Os asteriscos demonstram complexos que aparentam
um ritmo de fibrilação atrial pré-excitada. No entanto, as setas apontam para os “spikes”, que são os verdadeiros complexos QRS
obscurecidos pelo artefato de tremor.
Figura 7 - Artefato de tremor em ECG causando aparecimento de ondas com aparência similar a complexos QRS,
simulando uma taquicardia ventricular.
O examinador atento vai perceber que nas derivações precordiais, não tão influenciadas por tremor, os complexos QRS possuem
frequência muito menor que em D2. Em D2, podemos observar spikes entre os complexos, que são os verdadeiros complexos QRS
obscurecidos pelo artefato.
QRS 10 – 50 Hz
Onda T 1 – 7 Hz
Artefatos Frequência
Contração muscular 5 – 50 Hz
A melhor conduta nessas situações é a mais simples: resolva os tremores quando possível. Cubra com
uma manta o seu paciente que sente frio, promova analgesia adequada para aquele que sente dor e acalme
aquele que treme de ansiedade. Posicione os eletrodos nas raízes dos membros (onde o tremor é atenuado).
Em último caso ou em situações de urgência, reduza o filtro de alta frequência (passa-baixa) para 40 Hz
(Figura 8).
Figura 8 - Artefato de tremor muscular com filtro de passa-baixa configurado a 150 Hz acima e 40 Hz abaixo.
Perceba que o artefato foi reduzido, mas persiste. Isso ocorre por que o artefato de musculatura se apresenta numa faixa de
frequência de onda entre 5 – 50 Hz, similar à de componentes do ECG como o complexo QRS.
Artefatos Eletromagnéticos
São artefatos de alta frequência causados pela rede elétrica, por aparelhos móveis ou por aterramento
inadequado (Figura 9).
Figura 9 - Artefato de rede elétrica. Perceba a alta frequência dos eventos (se você observar com uma lupa vai ver que
existem milhares de artefatos nessa pequena tira), comportamento que deixa a linha de base ilegível.
Para reduzir artefatos de rede elétrica, o notch filter (capítulo 3) é ligado na maioria dos aparelhos. Se o
problema for o aterramento, verifique se a tomada do eletrocardiógrafo está bem aterrada e faça um teste de
gravar o ECG usando a bateria do aparelho (sem conexão com a rede elétrica). O problema pode estar no
aterramento inadequado de outros aparelhos elétricos próximos – desligue-os e retire-os da tomada para
testar. Como a maioria das redes elétricas espalhadas pelo mundo demonstra uma frequência de onda de 50
Hz (220 V) ou de 60 Hz (110 V), configurar o aparelho para um filtro de passa-baixa de 40 Hz também pode
resolver o problema. Lembre-se, no entanto, que manter o ponto de corte superior do filtro em 40 Hz pode
reduzir a acurácia do seu exame, pois alguns componentes do próprio ECG acabariam sendo filtrados. Como
visto no Capítulo 3, a recomendação é que os filtros sejam padronizados em 0,5 Hz – 150 Hz no adulto (5) e
0,5 Hz – 250 Hz na criança (6).
O uso de aparelhos móveis como celulares e smartphones pode interferir não apenas na obtenção do
ECG, mas no funcionamento de outros aparelhos de uso frequente em ambiente hospitalar, como monitores,
máquinas de hemodiálise, ventiladores mecânicos, etc (7). O quanto um aparelho pode interferir no exame
depende de fatores como: distância; tecnologia do aparelho móvel – digital ou analógico; sinal da operadora
de telefonia; tecnologia do equipamento médico em resistir à interferência eletromagnética. A recomendação
é que o aparelho móvel esteja a uma distância de pelo menos um metro do aparelho no momento do seu
funcionamento (8).
É sabido que durante uma reanimação cardiopulmonar, não se deve analisar o eletrocardiograma do
paciente. É essa uma das razões pelas quais as diretrizes de ressuscitação cardiopulmonar fixam a análise
de ritmo cardíaco para cada 2 minutos de compressões eficazes (9). Este é o momento no qual a equipe deve
afastar-se do paciente, para que nenhuma fonte de artefato esteja presente.
A figura 10 mostra um exemplo de ECG obtido durante compressões torácicas. A indústria tem trabalhado
no sentido de criar desfibriladores capazes de remover o sinal na frequência de onda da compressão para
que o ECG seja analisado concomitante às compressões torácicas (10–12).
Figura 10 - Artefato de compressões torácicas. Perceba que a frequência de compressões está em torno de 115 por minuto,
frequência adequada de acordo com as últimas diretrizes sobre o tema.
O Neuro Estimulador Elétrico Transcutâneo (TENS), estimulador nervoso periférico (Figura 11) causam
artefatos de alta frequência que podem ser confundidos com espículas de marca-passo.
O aparecimento de ondas T bizarras sem alterações do segmento ST pode estar associado ao artefato
de posicionamento de algum eletrodo dos membros sobre uma artéria do paciente, como a artéria radial,
ulnar, tibial posterior e dorsal do pé. A pulsação desta artéria periférica no momento da onda T acaba por
causar essa distorção que pode facilmente ser confundida pelo examinador menos experiente (Figura 12). O
artefato é mais evidente nas derivações do plano frontal, principalmente naquelas que dependem diretamente
daquele eletrodo que está em contato com a artéria. Entretanto, também ocorre nas precordiais mesmo que
estas não estejam sobre uma artéria, pois devemos lembrar que as derivações precordiais são construídas a
partir do terminal central de Wilson e este a partir das derivações dos membros (13).
O mau posicionamento de eletrodos é extremamente danoso para o paciente. Nem todo examinador está
apto para percebê-lo e condutas podem ser tomadas baseadas nesse artefato. É estimado que em até 4%
dos exames realizados em unidades de terapia intensiva haja artefatos (14). A impressão do autor é que esse
número é ainda maior no Brasil. Para a análise desse problema, Baranchuk criou um algoritmo chamado
REVERSE que está presente na tabela 2 (15).
E Extremo desvio de eixo (entre + 180º e – 90º). Troca de eletrodos do braço esquerdo por braço direito.
Letra Achado anormal Significado
S Suspeita de Dextrocardia (P negativa em D1). Troca de braço esquerdo por braço direito.
Tabela 3 - Resumo das trocas de eletrodos. BE = Braço esquerdo. BD = braço direito. PE = perna esquerda. PD = perna
direita.
Troca D1 D2 D3 V1-V6
BE/BD - D1 D3 D2 Inalterado
BE/PE D2 D1 - D3 Inalterado
BD/PE - D3 - D2 - D1 Inalterado
É a troca mais comum na prática clínica. E, por sorte, é facilmente reconhecível no ECG em ritmo sinusal.
A negatividade da onda P e do complexo QRS em D1 nunca ocorre em corações normais e é muito raro
mesmo em corações doentes. Pela substituição, todo o triângulo de Einthoven está alterado: aVR vira aVL e
vice-versa. D2 vira D3 e vice-versa. V1 a V6 permanecem inalterados (Figuras 13 e 14).
Figura 13 - Na troca de eletrodos de braços, é assim que fica a nova disposição das derivações: D1 se inverte (vira “– D1”),
D2 vira D3 e vice-versa. Em vermelho, o vetor cardíaco normalmente esperado. BE = braço esquerdo; PE = perna esquerda;
BD = braço direito.
Figura 14 - ECG com troca de eletrodo de membros. Aqui, a troca foi de braço esquerdo por braço direito. Perceba que D1
vira D1 negativo, D2 vira D3 e D3 vira D2.
Troca de Eletrodo de Braço Esquerdo por Perna Esquerda
A substituição do braço esquerdo por perna esquerda leva a uma primeira consequência óbvia: D1 se
transforma no que antes era D2.
Além disso, D3 vira “– D3”. Além disso, aVL vira aVF e vice-versa. A dica para encontrar essa troca é
perceber a P de D1 mais ampla que a P de D2 (sinal de Abdollah), além de um D3 com P negativa (16).
(Figuras 15 e 16).
Figura 15 - Na troca de eletrodos de braço por perna esquerda, D1 se transforma no que antes era D2 e vice-versa. D3
agora é um “-D3”. Em vermelho, o vetor cardíaco normal. BE = braço esquerdo; PE = perna esquerda; BD = braço direito.
Figura 16 - ECG com troca de eletrodo de membros. Aqui, foi trocado braço esquerdo por perna esquerda. Perceba que D1
vira D2 e D2 vira V1. D3 agora é D3 negativo. Observe que a P de D1 é mais ampla que a P de D2.
Figura 17 - Na troca de eletrodos de braço direito por perna esquerda, D1 se transforma em “- D3”, D2 se transforma em “-
D2”, e D3 se transforma em “- D1”. Em vermelho, o vetor cardíaco normal. BE = braço esquerdo; PE = perna esquerda; BD
= braço direito.
Figura 18 - Troca de eletrodos de braço direito por perna esquerda. D1 se transforma em “- D3”, D2 se transforma em “-
D2”, e D3 se transforma em “- D1”.
Quando isso ocorre, o triângulo de Einthoven é desfeito. Uma das derivações D1, D2 ou D3 vai se
transformar na diferença de potencial entre a perna esquerda e a perna direita, o que é irrelevante em termos
de vetor cardíaco, gerando uma linha reta naquela derivação (“pseudo-assistolia”). Veja as figuras 19 a 22
para entender. Se houver assistolia em D1 é sinal de troca BD-PD e BE-PE ao mesmo tempo; se em D2, a
troca foi BD-PD; e se em D3 troca foi BD-PE (17).
Figura 19 - Entenda o que ocorre na troca de eletrodo da perna direita (eletrodo “terra”).
Em “a”, por troca de eletrodo de perna direita por braço direito, o eletrodo do braço direito ficou próximo do eletrodo da perna
esquerda, em uma posição que é irrelevante para o registro de diferenças de potenciais. Nesse caso, a derivação formada pela
interação dos eletrodos de braço direito e perna esquerda (D2) é neutralizada, aparecendo como uma linha reta (“pseudo-
assistolia”) no ECG. Em “b”, com a substituição de braço esquerdo por perna direita, D3 é a derivação neutralizada. Em “c”, numa
troca dupla de braço direito por perna direita e de braço esquerdo por perna esquerda, D1 fica neutralizado, registrando uma
“pseudo-assistolia”. LA = left arm, braço esquerdo; LL = left leg, perna esquerda; RA = right arm, braço direito.
Figura 20 - ECG de troca dupla de eletrodos: braço direito por perna direita e braço esquerdo por perna esquerda. Perceba
a “pseudo assistolia” em D1.
Figura 21 - ECG de troca de eletrodos de braço direito por perna direita. Observe que D2 está apresentando “assistolia”.
Apesar da troca envolvendo perna direita, o triângulo de Einthoven não foi alterado (observe que as precordiais estão
iguais às dos ECGs das figuras 14 e 16).
Figura 22 - ECG de troca de eletrodos entre braço esquerdo e perna direita. Observe que D3 apresenta “assistolia”. Apesar
da troca envolvendo perna direita, o triângulo de Einthoven não foi alterado (observe que as precordiais estão iguais às
dos ECGs das figuras 14, 16 e 21).
Devido ao fato do triângulo de Einthoven ser desfeito, as derivações precordiais são distorcidas, não
devendo ser avaliadas (18).
A troca de eletrodos de perna direita por perna esquerda, em teoria, não altera o eletrocardiograma seja
no plano frontal como no plano horizontal.
Quando o assunto é posicionamento errado de eletrodos precordiais, a taxa de erros é ainda maior,
chegando a 50% dos exames realizados por técnicos experientes (19). Como vimos no capítulo 1, V1 e V2
devem estar no quarto espaço intercostal, V4 a V6 no quinto espaço intercostal e V3 no meio do caminho
entre V2 e V4. As derivações V1 e V2 são classicamente as mais atingidas por erros de posicionamento. Em
alguns serviços chegamos a ver o absurdo de se ter como padrão o posicionamento de V1 e V2 no segundo
espaço intercostal. O típico exemplo de um conhecimento que se perdeu com a falta de atualização.
Figura 23 - ECG de posicionamento alto de eletrodos V1 e V2 no tórax (2º espaço intercostal ao invés do 4º espaço, que é o
local preconizado). Observe a onda P totalmente negativa em V1 e pouco positiva em V2.
Elevar o posicionamento de eletrodos, na verdade, pode ser útil em uma situação clínica: aumentar a
sensibilidade do eletrocardiograma em encontrar um padrão de Síndrome de Brugada (21). Como veremos
no capítulo 24, o ECG pode ser realizado com V1 e V2 localizados um e dois espaços intercostais acima do
normal.
REFERÊNCIAS
2. Riaz A, Gardezi SKM, O’Reilly M. Pseudo ventricular tachycardia: a case report. Ir J Med Sci. 2010
Jun;179(2):295–6.
3. Huang C-Y, Shan D-E, Lai C-H, Fong M-C, Huang P-S, Huang H-H, et al. An accurate
electrocardiographic algorithm for differentiation of tremor-induced pseudo-ventricular tachycardia and
true ventricular tachycardia. Vol. 111, International journal of cardiology. Netherlands; 2006. p. 163–5.
4. Bryce A, Haseeb S, Baranchuk A. Syncope in a patient with Wolff-Parkinson-White pattern. Not all
that glitters is gold. JAMA Intern Med. 2019;In press.
5. Kligfield P, Gettes LS, Bailey JJ, Childers R, Deal BJ, Hancock EW, et al. Recommendations for the
Standardization and Interpretation of the Electrocardiogram. Circulation [Internet]. 2007 Mar
13;115(10):1306 LP – 1324. circ.ahajournals.org
6. Rijnbeek PR, Kors JA, Witsenburg M. Minimum bandwidth requirements for recording of pediatric
electrocardiograms. Circulation. 2001 Dec;104(25):3087–90.
7. Lawrentschuk N, Bolton DM. Mobile phone interference with medical equipment and its clinical
relevance: a systematic review. Med J Aust. 2004 Aug;181(3):145–9.
8. Irnich WE, Tobisch R. Mobile phones in hospitals. Biomed Instrum Technol. 1999;33(1):28–34.
9. Link MS, Berkow LC, Kudenchuk PJ, Halperin HR, Hess EP, Moitra VK, et al. Part 7: Adult Advanced
Cardiovascular Life Support: 2015 American Heart Association Guidelines Update for
Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Circulation. 2015 Nov;132(18
Suppl 2):S444-64.
18. Batchvarov VN, Malik M, Camm AJ. Incorrect electrode cable connection during electrocardiographic
recording. Eur Eur pacing, arrhythmias, Card Electrophysiol J Work groups Card pacing, arrhythmias,
Card Cell Electrophysiol Eur Soc Cardiol. 2007 Nov;9(11):1081–90.
19. Wenger W, Kligfield P. Variability of precordial electrode placement during routine electrocardiography.
J Electrocardiol. 1996 Jul;29(3):179–84.
20. Bayés de Luna A. Basic Electrocardiography: Normal and Abnormal ECG Patterns. Basic
Electrocardiography: Normal and Abnormal ECG Patterns. 2008. 1–174 p.
21. Holst AG, Tango M, Batchvarov V, Govindan M, Haunso S, Svendsen JH, et al. Specificity of elevated
intercostal space ECG recording for the type 1 Brugada ECG pattern. Ann Noninvasive Electrocardiol.
2012 Apr;17(2):108–12.
22. Colaco R, Reay P, Beckett C, Aitchison TC, Mcfarlane PW. False positive ECG reports of anterior
myocardial infarction in women. J Electrocardiol. 2000;33 Suppl:239–44.
23. Rautaharju PM, Park L, Rautaharju FS, Crow R. A standardized procedure for locating and
documenting ECG chest electrode positions: consideration of the effect of breast tissue on ECG
amplitudes in women. J Electrocardiol. 1998 Jan;31(1):17–29.
24. Hancock EW, Deal BJ, Mirvis DM, Okin P, Kligfield P, Gettes LS, et al. AHA/ACCF/HRS
recommendations for the standardization and interpretation of the electrocardiogram: part V:
electrocardiogram changes associated with cardiac chamber hypertrophy: a scientific statement from
the American Heart Association Electrocardiography. J Am Coll Cardiol. 2009 Mar;53(11):992–1002.
Capítulo 6
Anormalidades Atriais
José Nunes de Alencar Neto | Antoni Bayés de Luna
INTRODUÇÃO
Antes de começar a falar sobre as anormalidades atriais possivelmente avaliadas em um ECG, vamos
lembrar as características da despolarização atrial no ECG: representada pela onda P, que é composta pela
atividade atrial direita na sua primeira metade e esquerda na segunda metade, com um breve intervalo de
interseção entre elas. Ela pode ter até 2,5 mm de amplitude em D2 e durar no máximo 100 ms (dois
quadradinhos e meio). Em V1 a onda P costuma apresentar um padrão plus-minus e pode ter até 1,5 mm de
amplitude na porção positiva e 1,0 mm na porção negativa.
Os átrios podem dilatar-se e, em casos muito severos, aumentar sua massa miocárdica (“hipertrofiar”),
mas é mais comum encontra-lo dilatado. Por isso, no capítulo usaremos o termo “sobrecarga” quando nos
referirmos a este fenômeno. Também é importante frisar que os bloqueios atriais são entidades distintas da
dilatação/sobrecarga/hipertrofia, assim como o que ocorre nos ventrículos. Entretanto, com muita frequência o
bloqueio atrial foi consequência da dilatação, motivo pelo qual seus achados são encontrados em conjunto no
mesmo paciente, levando a uma difícil, mas de relevância crescente, avaliação das anormalidades atriais (1).
Existem achados de bloqueio atrial isolados que serão revisados neste capítulo.
As alterações miocárdicas atriais direitas alteram a primeira metade da onda P e o fazem com aumento de
amplitude, como foi descrito por Kahn pela primeira vez em 1927 em pacientes asmáticos (2). Como o átrio
direito despolariza de posterior para anterior e de cima para baixo, classicamente, as melhores derivações
para que sejam visualizadas alterações atriais são D2, V1 e V2. Além disso, por promover uma mudança na
conformação anatômica cardíaca, trazendo o átrio para uma região cada vez mais anterior no tórax do
paciente, a sobrecarga atrial direita também leva a alterações do complexo QRS também em V1 e no eixo
cardíaco. Os critérios que serão demonstrados a partir do próximo parágrafo possuem boa especificidade (>
90%), mas um perfil de sensibilidade que deixa a desejar (< 50%) (3).
Os critérios de sobrecarga atrial direita avaliados pela onda P são: (a) P ≥ 2,5 mm em derivações
inferiores; e (b) porção positiva de V1 ou V2 ≥ 1,5 mm. O aumento da amplitude da onda P em derivações
inferiores é a definição do termo “onda P pulmonale” (Figura 1). O achado de uma P pulmonale é muito
mais sensível para o diagnóstico de doenças pulmonares obstrutivas como asma e doença pulmonar
obstrutiva crônica (DPOC) (sensibilidade de 86%) e doenças pulmonares parenquimatosas do que para o
diagnóstico de alterações atriais primárias (4). A onda “P congenitale”, por sua vez, costuma alterar a alça
vetorcardiográfica da onda P para que esta aponte um pouco mais para esquerda e muito mais para anterior.
Sendo assim, a P congenitale se apresenta com uma P ampla e positiva em V1 e V2 (≥ 1,5 mm) (Figura 2).
Os critérios de Kaplan, propostos em 1994, são os que possuem melhor perfil de sensibilidade e
especificidade (49 e 100%, respectivamente): P ≥ 1,5 mm em V2 associado a um desvio de eixo elétrico de
QRS para a direita (> 90º) e uma onda R > S em V1 (na ausência de BRD) (3).
Os critérios de sobrecarga atrial direita avaliados por alterações indiretas no complexo QRS são: (a)
morfologia qR em V1; (b) aumento de > 2x de amplitude do complexo QRS de V1 para V2; (c) R>S em V1 e
eixo desviado para direita (≥ + 90º). A morfologia qR em V1 é indicativo de sobrecarga ventricular direita
(Figura 3) – o ventrículo mais anteriorizado desvia o eixo para perpendicular a V1 – e é chamado de “sinal de
Sodi Pallares” (Figura 4) e tem uma sensibilidade de 15% e uma especificidade de > 95% para concomitante
sobrecarga atrial direita (5). O aumento de > 3x de amplitude do complexo QRS de V1 para V2 é chamado
“sinal de Peñaloza-Tranchesi” e é explicado pela anteriorização do átrio direito crescido no tórax do
paciente que atua como uma barreira ao estímulo elétrico, levando a um complexo pouco amplo em V1 e
muito amplo em V2 (6). O sinal de Peñaloza-Tranchesi tem um perfil de sensibilidade melhor que os demais
sinais já descritos: 85%, mas perde em especificidade (60%). O achado de um complexo QRS < 4 mm em
V1, somado a um aumento > 5x, ou seja, maior que 20 mm, em V2, traz um valor preditivo positivo de 86%,
que chamaremos de sinal de Peñaloza-Tranchesi-Reeves (Figura 5) (7).
Figura 3 - O sinal de Sodi-Pallares é um indicativo de sobrecarga ventricular direita. Acontece que com a hipertrofia
muscular, o ventrículo direito assume uma posição mais anterior no tórax, desviando o primeiro vetor de despolarização
septal ventricular para longe de V1 e o complexo QRS para perpendicular.
Figura 4 - Sinal de Sodi-Pallares em V1. Além disso, desvio de eixo para direita e sobrecarga ventricular direita.
QR ou qR em V1 (Sodi-Pallares). 15 > 95
Porção positiva da P > 1,5 mm + desvio do eixo elétrico de QRS para direita
49 100
(além de + 90º) + onda R > S em V1 (na ausência de BRD).
Figura 7 - Sobrecarga atrial direita (P mais ampla que 2,5 mm em derivações inferiores). Além disso, desvio do eixo elétrico
para direita (+ 90º) por bloqueio divisional póstero-inferior e sinal de Peñaloza-Tranchesi-Reeves.
Alguns fatores devem ser levados em consideração quando o examinador avaliar a onda P em busca de
sobrecarga atrial direita. Em primeiro lugar, a voltagem da onda P sofre influência de fatores extracardíacos
como hipóxia e estimulação simpática, que aumentam a sua amplitude; ou enfisema que age como uma
barreira e diminui a sua amplitude. O bloqueio interatrial pode fazer desaparecer os critérios de sobrecarga
atrial direita; e a P de amplitude elevada em derivações inferiores podem estar presentes em patologias
exclusivas do átrio esquerdo ou hipocalemia (“pseudo P-pulmonale”) (Figura 8) (8,9).
Os critérios de sobrecarga atrial esquerda (P mitrale) serão descritos nos próximos parágrafos. Atente
para a importância da derivação V1 nos próximos parágrafos. Vamos quebrar um paradigma.
A avaliação da onda P em V1 pode demonstrar uma P com porção negativa de duração maior que 40 ms
(1 quadradinho). Quando a porção negativa de V1 dura mais que 40 ms e tem amplitude ≥ 1 mm, o índice de
Morris está presente, um sinal muito específico de sobrecarga atrial esquerda (SAE) (10) (Figura 9). A
combinação de uma porção negativa de P que dura mais que 40 ms em V1 com uma P que dura mais que
120 ms em D2 é mais um sinal que pode ser buscado (sensibilidade 50% e especificidade 87%) (11). Se
adicionarmos à fórmula também a amplitude da porção negativa da P em V1 ≥ 0,1 mV (ou seja, índice de
Morris + duração de P ≥ 120 ms), então já temos uma redução importante da sensibilidade, mas com alta
especificidade.
Figura 9 - Sinal de Morris em V1. P com por- ção negativa mais longa de 40 ms (1 quadradinho) e mais ampla que 0,1 mV (1
quadradinho).
Uma P que dura mais que 120 ms em D2, D3 e aVF isoladamente (sem associação com a duração
prolongada em V1) é um sinal mais associado a bloqueio interatrial que com SAE quando avaliados por
ecocardiograma e ressonância magnética atrial (12,13). A SAE pode apresentar P ≥ 120 ms associado a mais
um critério que demonstra que o átrio esquerdo cresceu em seu eixo posterior. O melhor critério é o índice de
Morris positivo, ainda que, sobretudo em idosos, pode haver SAE com índice de Morris negativo devido à
presença de fibrose atrial, e sempre que o eletrodo está bem posicionado no 4º espaço intercostal. Esse tema
será revisado na próxima seção. Não deixe de ler.
Uma relação P/PR > 1,6 é conhecido como Sinal de Macruz e é mais um sinal de sobrecarga atrial
esquerda (14). A tabela 2 resume os possíveis achados de sobrecarga atrial esquerda. As figuras 10 e 11
mostram exemplos de sobrecarga atrial esquerda.
Observe o sinal de Morris presente em V1 e se estendendo até V2, o que aumenta sua especificidade. Também, a duração da onda
P nas derivações inferiores é ≥ 3 quadradinhos.
Figura 11 - ECG exemplificando SAE. Perceba o índice de Morris presente em V1 e se estendendo até V2.
Você viu a importância da derivação V1 (não de D2, D3 e aVF) para o diagnóstico dessa anormalidade.
Também viu, no capítulo 5, que um dos artefatos mais comuns da prática clínica é o posicionamento incorreto
de V1 e V2 no tórax (no 2º ou 3º espaço intercostal, ao invés do correto 4º espaço). Pois bem, o artefato
gerado por esse posicionamento incorreto é justamente a presença de uma P com porção negativa mais
ampla nessas derivações. O pectus excavatum pode também simular uma P de porção negativa evidente em
V1, o que pode falsear o diagnóstico eletrocardiográfico de sobrecarga atrial esquerda.
É importante citar que em alguns pacientes jovens com estenose mitral sem doença atrial avançada, uma
P apiculada (pseudo P-pulmonale) sem aumento da duração da P em D2, D3 e aVF pode ocorrer. Este é mais
um motivo para que você valorize V1, sempre que o eletrodo estiver bem posicionado no 4º EIC, e não as
derivações inferiores se quer investigar SAE (Figura 12) (1).
Observe a curta duração da P e o padrão apiculado em derivações inferiores (pseudo P-pulmonale). O índice de Morris presente em
V1 dá a pista para o diagnóstico de sobrecarga atrial esquerda (1).
A sobrecarga atrial esquerda está presente em patologias como estenose mitral, cardiomiopatia dilatada,
hipertensão arterial e doença arterial coronária.
BLOQUEIO INTERATRIAL
É importante que o leitor entenda neste momento que o BIA pode ocorrer na ausência de sobrecarga atrial
esquerda ainda que às vezes estejam associados.
A condução interatrial, ou seja, do átrio direito, de onde nasce o estímulo, para o átrio esquerdo se dá
através das células de Bachmann em 2/3 dos casos. Em 1/3 dos casos, essa condução ocorre através da
fossa oval. Raramente através do seio coronário (16).
Foram definidos em consenso (17) três critérios para que se faça o diagnóstico de BIA: (a) o padrão
eletrocardiográfico pode aparecer transitoriamente e pode mudar abrupta e progressivamente para formas
mais avançadas; (b) o padrão eletrocardiográfico pode aparecer sem a concomitância de uma sobrecarga
atrial esquerda; (c) o padrão eletrocardiográfico pode ser reproduzido experimentalmente (18,19).
O BIA pode ser de primeiro, segundo ou terceiro grau. O BIA de primeiro grau tem uma onda P que dura
mais que 120 ms. Ela é bífida, ou seja, possui dois picos.
O BIA de terceiro grau ocorre porque o impulso é bloqueado em Bachmann e também na fossa oval,
havendo passagem apenas pelo seio coronário, situado em uma área inferior do átrio. Nesse caso, a onda P
também terá uma duração prolongada, mas associada a uma onda P que é plus-minus em D2, D3 ou aVF,
com a primeira porção positiva evidenciando o estímulo elétrico propagando-se do nó sinusal até as regiões
mais inferiores do átrio direito, e a porção negativa subsequente demonstrando o átrio esquerdo
despolarizando da região mais inferior (seio coronário) até a mais superior (Figura 13).
Em A, temos a ativação atrial normal: estímulo nascendo no nó sinusal em uma região superior do átrio e ganhando no átrio direito
de superior para inferior através das células internodais (1) e o átrio esquerdo através das células de Bachmann (2). Em B, temos
um atraso de importante da condução em Bachmann, deixando a onda P bimodal (dois picos). Em C, podemos observar o que
ocorre quando o estímulo não atravessa mais as células de Bachmann para ganharem o átrio esquerdo e o faz pelo seio coronário
(região mais inferior), ativando o átrio esquerdo de inferior para superior (vetor 2), trazendo forças superiores na alça da P em plano
frontal e deixando a segunda porção da P negativa em D2. Adaptado de Bayés de Luna.
A presença de BIA de terceiro grau está intimamente relacionada ao aparecimento de arritmias
supraventriculares, principalmente fibrilação ou flutter atrial (20).
Tabela 3 - Tipos de bloqueio interatrial e critérios. É importante lembrar que para o diagnóstico do bloqueio interatrial
isolado é necessário que não haja índice de Morris ou duração prolongada da porção negativa da P em V1.
Grau Critérios
Figura 14 - Exemplo de BIA de primeiro grau (parcial) em paciente com bloqueio de ramo direito e bloqueio da divisão
anterossuperior do ramo esquerdo. Perceba a ausência do índice de Morris em V1.
Figura 15 - Exemplo de BIA de terceiro grau (avançado). Perceba a ausência do índice de Morris em V1. Pode existir SAE
comprovada por ecocardiografia na ausência do índice de Morris devido à fibrose atrial.
O BIA de segundo grau é a evolução de condução interatrial normal para o padrão de primeiro grau ou de
primeiro grau para terceiro grau de maneira intermitente no mesmo traçado ou em momentos diferentes
(17,21). As figuras 16 e 17 exemplificam o BIA de segundo grau. Leia as legendas.
Figura 16 - A: ECG de um paciente de 77 anos com cardiomiopatia hipertrófica (CMP-h) a uma frequência de 70 bpm
demonstrando uma onda P que dura 160 ms (BIA de 1º grau) e QRS com padrão de sobrecarga ventricular e strain. B:
durante um episódio febril, com uma frequência cardíaca em torno de 100 bpm, a onda P agora apresenta duração de 170
ms e morfologia plus-minus em D2, D3 e aVF (BIA de 3º grau). O padrão retornou ao basal quando foi corrigida a febre (21).
Figura 17 - Tira de um D2 longo de um paciente de 82 anos com extrassístoles ventriculares frequentes.
Os primeiros dois batimentos demonstram BIA de 3º grau (P ≥ 120 ms plus-minus em D2). A primeira onda P após a pausa pós-
extra-sistólica apresenta uma morfologia normal. Este é um exemplo de BIA de segundo grau induzido por uma pausa
compensatória (21).
BIAs atípicos (Figura 18)
Figura 18 - A: BIA avançado. B: BIA atípico por duração (P plus-minus, mas < 120 ms em D2, D3 e aVF). C: BIA atípico por
morfologia tipo I (P ≥ 120 ms em D3 e aVF, mas com porção final isodifásica em D2). D: BIA atípico por morfologia tipo II (P
≥ 120 ms em D3 e aVF, mas com porção final bifásica em D2). E: BIA atípico por morfologia tipo III (P ≥ 120 ms em D2, mas
com porção inicial isodifásica em D3 e aVF associadas a porções finais negativas) (22).
Nem todos os BIAs se encaixam perfeitamente nos critérios propostos por Bayés de Luna. Por isso,
recentemente, ele mesmo definiu os BIAS atípicos. Os BIAs podem ser atípicos por morfologia ou por
duração. Quando atípicos por morfologia, podemos ter três tipos diferentes. Quando atípicos por duração,
uma morfologia pode ser encontrada. Vamos ver (Tabela 4):
Morfológico tipo I P ≥ 120 ms em D3 e aVF, mas com porção final isodifásica em D2.
Morfológico tipo II P ≥ 120 ms em D3 e aVF, mas com porção final minus-plus em D2.
Quando atípicos por morfologia, temos três tipos: (a) Tipo 1: P ≥ 120 ms bifásica em D3 e aVF mas com
um componente final isodifásico em D2 (dá a impressão que a P tem uma duração menor em D2 que nas
demais); (b) P ≥ 120 ms em D3 e aVF, mas com um componente final minus-plus (-+) em D2; (c) P ≥ 120 ms
em D2 mas com um componente inicial isodifásico em D3 e aVF (dá a impressão de que a P em D2 começou
antes ou que se trata de um ritmo atrial baixo ou juncional) (Figuras 18 e 19) (22). Quando atípicos por
duração, temos uma P plus-minus (+-), mas com duração < 120 ms em D2, D3 e aVF (Figura 19).
Figura 19 - Exemplos eletro e vetorcardiográficos dos diferentes tipos de bloqueios interatriais atípicos por morfologia.
A: onda P normal. B: tipo 1, em que a P tem uma porção final isodifásica em D2, dando impressão de menor duração. C: tipo 2, em
que a P tem uma porção final bifásica minus-plus em D2. D: tipo 3, em que a P tem uma porção inicial isodifásica em D3 e aVF,
dando uma impressão de que começa antes em D2, todas seguidas de porções finais negativas, dando a falsa impressão de ritmo
atrial baixo ou juncional (22).
REFERÊNCIAS
15. Rasmussen MU, Fabricius-Bjerre A, Kumarathurai P, Larsen BS, Dominguez H, Kanters JK, et al.
Common source of miscalculation and misclassification of P-wave negativity and P-wave terminal
force in lead V1. J Electrocardiol. 2019 Mar;53:85–8.
16. Tapanainen JM, Jurkko R, Holmqvist F, Husser D, Kongstad O, Makijarvi M, et al. Interatrial right-to-
left conduction in patients with paroxysmal atrial fibrillation. J Interv Card Electrophysiol. 2009
Aug;25(2):117–22.
17. Bayes de Luna A, Platonov P, Cosio FG, Cygankiewicz I, Pastore C, Baranowski R, et al. Interatrial
blocks. A separate entity from left atrial enlargement: a consensus report. J Electrocardiol. 2012
Sep;45(5):445–51.
18. Waldo AL, Bush HLJ, Gelband H, Zorn GLJ, Vitikainen KJ, Hoffman BF. Effects on the canine P wave
of discrete lesions in the specialized atrial tracts. Circ Res. 1971 Nov;29(5):452–67.
19. Schwartzman D, Warman EN, Devine WA, Mehra R. Attenuation of interatrial conduction using right
atrial septal catheter ablation. J Am Coll Cardiol [Internet]. 2001 Sep 1;38(3):892 LP – 899.
onlinejacc.org
20. Bayes de Luna A, Cladellas M, Oter R, Torner P, Guindo J, Marti V, et al. Interatrial conduction block
and retrograde activation of the left atrium and paroxysmal supraventricular tachyarrhythmia. Eur
Heart J. 1988 Oct;9(10):1112–8.
21. Bayes de Luna A, Baranchuk A, Nino Pulido C, Martinez-Selles M, Bayes-Genis A, Elosua R, et al.
Second-degree interatrial block: Brief review and concept. Vol. 23, Annals of noninvasive
electrocardiology : the official journal of the International Society for Holter and Noninvasive
Electrocardiology, Inc. United States; 2018. p. e12583.
22. Bayes de Luna A, Escobar-Robledo LA, Aristizabal D, Weir Restrepo D, Mendieta G, Masso van
Roessel A, et al. Atypical advanced interatrial blocks: Definition and electrocardiographic recognition.
J Electrocardiol. 2018 Nov;51(6):1091–3.
Capítulo 7
Sobrecargas Ventriculares
José Nunes de Alencar Neto
INTRODUÇÃO
A sobrecarga ventricular direita ou esquerda pode ocorrer como dilatação ou hipertrofia. A hipertrofia pode
estar delimitada ao septo e ao ápice ou difundida pelo coração. O comprometimento hemodinâmico
ventricular pode se dar por sobrecarga sistólica, quando a ejeção está prejudicada, ou diastólica, quando o
enchimento está excessivo. A sobrecarga sistólica, sinônimo de sobrecarga de pressão, que ocorre na
estenose aórtica ou hipertensão, acaba resultando mais comumente em hipertrofia concêntrica ou difusa; já a
sobrecarga diastólica, ou de volume, caso das insuficiências aórtica e mitral, tende a gerar hipertrofia
excêntrica ou dilatada (1) (Figura 1).
Figura 1 - Padrões de geometria ventricular normal e alteradas. IMV = índice de massa ventricular. Adaptado de Bayés de
Luna (1).
A diferenciação eletrocardiográfica entre sobrecarga sistólica e diastólica foi proposta por Cabrera e
Monroy em 1952, mas carece de correlação com exames de imagem. Na verdade, o que era descrito como
padrão de sobrecarga diastólica, ondas R não tão altas acompanhada de leves elevações do segmento ST e
ondas T apiculadas e simétricas (2,3), atualmente é tido como um estágio precoce da sobrecarga sistólica.
Entretanto, os critérios são pouco sensíveis para essa diferenciação. No capítulo, usaremos apenas o termo
“sobrecarga ventricular” para definir a presença dos critérios que discutiremos.
A importância de se estudar a sobrecarga ventricular se dá pelo fato de que esta entidade está associada
a um maior risco de arritmias ventriculares e morte súbita (4–6).
É lógico pensar que sexo e idade podem alterar os critérios de amplitude que serão demonstrados nesse
capítulo, visto que seus valores de normalidade também são diferentes.
A distância do coração aos eletrodos também é um fator influenciador, visto que altera a voltagem dos
complexos nas derivações precordiais (11). Há um efeito presente no campo das teorias que também precisa
ser levado em consideração: quando há um aumento no volume de sangue em um ventrículo gerando
também um aumento do seu volume e dilatação da câmara, mesmo que transitória e sem efeito direto na
estrutura do músculo cardíaco, há um aumento de amplitude nas derivações precordiais. Este é o chamado
“efeito Brody” e se deve à condutividade elétrica das células sanguíneas presentes em abundância no
ventrículo alargado (12,13). Resumindo, um paciente com maiores volumes diastólicos tende a apresentar
ondas R mais amplas nas derivações precordiais. Há uma contradição óbvia nessa teoria: você já deve ter
visto pacientes com disfunção grave de VE, portanto com volumes diastólicos aumentados, e baixa amplitude
de complexos QRS. A explicação para esse“paradoxo” pode ser a presença de líquido alveolar nestes
pacientes, o que reduziria a resistência à passagem do estímulo pelos pulmões e reduziria a voltagem dos
complexos (14–16). A avaliação de amplitudes de complexo QRS pode ser usada, por exemplo, para avaliar a
presença de hipovolemia (17).
Por fim, até a correlação entre a massa ventricular e o tamanho da cavidade parece influenciar na
amplitude dos complexos. Quando o tamanho da cavidade é normal e suas paredes alargadas, então o
complexo é mais amplo. Ao passo que mesmo que as paredes estejam alargadas, em caso de redução do
tamanho da cavidade, a amplitude dos complexos tende a reduzir (18).
Você já deve ter percebido que o eletrocardiograma é uma ferramenta dinâmica. Só nesse capítulo já
aprendemos que até o volume sanguíneo intraventricular e o líquido alveolar podem influenciar na sua
análise. Ainda mais fundamental que esse dado é o conhecimento de que esse fantástico exame avalia não
só os fenômenos elétricos cardíacos, mas também é influenciado pela sua mecânica e bioquímica.
Na figura 2, observamos o modelo comumente usado por médicos para avaliação de sobrecarga
ventricular. Na figura 3, observamos o modelo recentemente proposto para guiar novas pesquisas e análises
sobre o tema (19). Esse novo modelo intenta avaliar não apenas a amplitude dos complexos QRS, ou os
critérios clássicos de sobrecarga, mas que se perceba que a sobrecarga ventricular esquerda, seja por
hipertrofia ou dilatação, é acompanhada de alterações estruturais, elétricas e bioquímicas que convergem ou
divergem em sua representação eletrocardiográfica. Tendo como exemplo a mecânica cardíaca, já vimos que
o coração com paredes alargadas, mas cavidade reduzida resulta em complexos QRS menos amplos.
Acrescente a isso a redução da atividade das conexinas do ventrículo doente e teremos um complexo QRS
mais largo. Depois, acrescente as alterações iônicas do paciente com insuficiência cardíaca. A resultante de
todos esses fatores é que definirá se o paciente terá ou não critérios eletrocardiográficos de sobrecarga
ventricular esquerda.
O que se propõe aqui é que o examinador deve permanecer atento aos inúmeros fatores que podem influenciar na análise
eletrocardiográfica de uma sobrecarga e perceber que a sobrecarga traz consigo alterações estruturais/mecânicas, elétricas e
bioquímicas que interferem de modo divergente ou convergente nas alterações classicamente descritas. Um exemplo importante
disso, é a sugestão do autor de não negligenciar o intervalo QT e a morfologia do ST-T quando fizer essa análise. Adaptado de
Bacharova (19).
Em uma elegante pesquisa, Bacharova comparou os complexos QRS, o segmento ST, a onda T e o
intervalo QT de modelos com coração normal, alterações puramente elétricas (alteração “primária” de
repolarização), hipertrofia excêntrica, concêntrica e dilatação (alterações “secundárias” de repolarização).
Na alteração primária de repolarização, ele encontrou um alargamento do intervalo QT associado a alterações
mínimas de duração e amplitude de complexo QRS, alças de T mais arredondadas no vetorcardiograma e
ondas T com “notchs” ou bífidas. Nas alterações secundárias de repolarização, ou seja, aquelas produzidas
pela alteração estrutural ventricular, foi percebido que há um alargamento do QT associado a um alargamento
do QRS, provavelmente devido à ação prejudicada das conexinas, um aumento na magnitude da T e no
ângulo QRS-T no vetorcardiograma, além de T amplas e opostas ao QRS nas derivações precordiais (20). A
diferenciação entre onda T primária e secundária será revisada no capítulo 11.
Visto que demos tanta importância à análise global do ECG para avaliação de sobrecarga ventricular,
iniciaremos nossa análise eletrocardiográfica exatamente pela avaliação mais negligenciada: a da
repolarização.
O laudo de “padrão de strain ventricular”, alcunhado em 1941 (21), foi desencorajado na última diretriz
americana sobre o tema (22) devido ao fato de que a alteração eletrocardiográfica referida pelo termo não
necessariamente está relacionada ao padrão mecânico de“strain”, que significa“tensão” ou trabalho
aumentado das fibras. De acordo com essa diretriz, deve-se dar preferência ao termo “anormalidades
secundárias de ST-T”.
Figura 5 - Exemplo de eletrocardiograma de miocardiopatia hipertrófica. Ondas R muito amplas com padrão de strain em
derivações ântero-apicais e uma T muito profunda.
Um discreto aumento na duração do QRS (aproximadamente 110 ms), na ausência de critérios clássicos
de bloqueio de ramo, é esperado. Esse aumento na duração do complexo se deve ao aumento de massa
ventricular que distorce e prolonga a passagem do estímulo elétrico transmural. O achado eletrocardiográfico
de bloqueio incompleto do ramo esquerdo é uma entidade comumente associada à sobrecarga ventricular
esquerda.
Desvio de eixo elétrico para a esquerda também pode ocorrer. Essa alteração se dá por hipertrofia
ventricular por si só ou pelo desenvolvimento de bloqueio divisional anterossuperior secundário às alterações
musculares. Esse achado, assim como o de bloqueio incompleto do ramo esquerdo, pode corroborar o laudo
de sobrecarga ventricular esquerda.
Tabela 1 - Critérios eletrocardiográficos de sobrecarga ventricular esquerda (26–34). Um asterisco: comparado com
ecocardiograma. Dois asteriscos: comparado com ressonância cardíaca.
Risco de morte CV
Critério Valor Sensibilidade Especificidade
(Hsieh et al)
Gubner (RI + S3) > 25 mm 12%*, 13,8** 96%*, 94,5** 1,7 (1,4 – 2,1)
Sokolow-Lyon: S V1 + R
> 35 mm 29%*, 26** 89%*, 92,6** 1,9 (1,6 – 2,2)
V5 ou V6
≥ 28 mm em homens e ≥ 23 mm
Peguero: maior S + S V4 70%* 89%* -
em mulheres
Tabela 2 - Critérios de Romhilt-Estes para diagnóstico de sobrecarga ventricular esquerda. Valores: 4 pontos = SVE
provável; ≥ 5 pontos: SVE (32).
3 pontos R ou S ≥ 20 mm no plano frontal ou ≥ 30 mm nas precordiais.
3 pontos Sobrecarga atrial esquerda por índice de Morris (vide capítulo 6).
Figura 7 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda. Critérios de Cornell e Lewis presentes.
Figura 8 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda. Critérios de Cornell e Sokolow-Lyon
presentes. Sobrecarga atrial esquerda e padrão strain também visíveis.
Na presença de bloqueio ventricular, seja de ramo ou de um fascículo, os critérios a serem utilizados são
diferentes. A tabela 3 resume esses critérios (35–39). Cornell (ou Casale) e Sokolow de aVL também podem
ser usados em casos de bloqueio divisional anterossuperior (40). As figuras 9, 10 e 11 exemplificam casos de
sobrecarga ventricular esquerda associada a bloqueio de ramo esquerdo, bloqueio de ramo direito e bloqueio
divisional anterossuperior, respectivamente.
Tabela 3 - Critérios eletrocardiográficos de sobrecarga ventricular esquerda na presença de bloqueios ventriculares (35–
40).
Critério Valor Sensibilidade Especificidade
≥ 30 mm em homens e
Gertsch: S DIII + (R+S maior complexo precordial) 79% 47%
≥ 28 mm em mulheres
> 28 mm em homens e
Cornell (ou Casale): R aVL + S V3 44% 84%
> 20 mm em mulheres
Figura 9 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda associada a bloqueio de ramo esquerdo.
Observe que S V2 + R V6 = 25 mm e que o ECG está configurado em N/2, portanto, essa soma, na verdade, resulta em 50
mm.
Figura 10 - Exemplo de eletrocardiograma de sobrecarga ventricular esquerda associada a bloqueio de ramo direito.
Introdução
A sobrecarga ventricular direita pode acontecer em casos de tromboembolismo pulmonar (TEP),
hipertensão pulmonar, doenças congênitas (estenose pulmonar, defeito do septo interatrial, doença de
Ebstein, etc.), doença valvar, particularmente a estenose mitral, e cor pulmonale.
A gênese das alterações eletrocardiográficas nesta situação é que a força vetorial do ventrículo direito
sobrecarregado contrapõe a força do ventrículo esquerdo, levando o vetor cardíaco para a direita e para
anterior ou posterior. Associado a isso, assim como na sobrecarga ventricular esquerda, há também um
atraso de condução, nesse caso do ventrículo direito e também alterações de repolarização.
Ocorre em casos de hipertensão pulmonar, doença valvar mitral e doenças congênitas. A alça
vetorcardiográfica de ativação é anteriorizada no plano horizontal, levando a uma ativação progressivamente
positiva em V1: padrão rS que evolui para RS, depois Rs, chegando ao ponto de apresentar um R puro. Em
V5 e V6, um padrão Rs ou RS pode aparecer e uma onda q nessas derivações pode ser um achado
compatível.
Esse padrão ocorre mais frequentemente em doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e, mais
raramente, estenose mitral. Aqui, a sobrecarga ventricular direita está limitada a sua zona basal posterior e o
coração se apresenta verticalizado, como comumente visto em casos de DPOC. As alterações encontradas
nesse tipo de ativação são: (a) o padrão SI-SII-SIII com SII ≥ SIII, (b) onda R isolada em aVF; (c) r pequeno
em V1; (d) onda S ampla em V5 e V6 (1).
Figura 12 - Representação das alças vetorcardiográficas dos dois padrões encontrados em sobrecargas ventriculares
direitas: aquele cuja alça do complexo QRS no plano horizontal é anterior e apresenta ondas r mais proeminentes em V1, e
aquele cuja alça é posterior e não apresenta ondas r tão proeminentes (1).
A tabela 4 resume esses critérios (41–43). A figura 13 exemplifica uma sobrecarga ventricular direita.
R > S V1 - 6% 98%
R V1 ≥ 7 mm 2% 99%
qR V1 - 5% 99%
Na presença de bloqueios ventriculares também pode ser sugerida a presença de sobrecarga ventricular
direita (Figura 14). Esses achados estão dispostos na tabela 5 (44).
Figura 14 - Eletrocardiograma compatível com sobrecarga ventricular direita associado a bloqueio de ramo direito. Perceba
o padrão RsR’ que se estende além de V2 (no caso, vai até V3) e o R puro em V1 (BRD tipo Cabrera).
Tabela 5 - Achados eletrocardiográficos que sugerem sobrecarga ventricular direita na presença de bloqueios
ventriculares.
Bloqueio de ramo direito
R evidente em V1
SOBRECARGA BIVENTRICULAR
Introdução
Achados Eletrocardiográficos
Tendo em mente que a sensibilidade para encontrar sobrecarga ventricular esquerda é baixa (em torno de
25%), assim como também para sobrecarga ventricular direita (em torno de 6%), o diagnóstico
eletrocardiográfico de sobrecarga biventricular pode apenas ser sugerido pela combinação de alguns critérios
de um ou outro ventrículo.
Complexo QRS de amplitudes normais acompanhado de alterações importantes de repolarização (padrão strain)
REFERÊNCIAS
41. Murphy ML, Hutcheson F. The electrocardiographic diagnosis of right ventricular hypertrophy in
chronic obstructive pulmonary disease. Chest. 1974 Jun;65(6):622–7.
42. Walker ICJ, Helm RA, Scott RC. Right ventricular hypertrophy. I. Correlation of isolated right
ventricular hypertrophy at autopsy with the electrocardiographic findings. Circulation. 1955
Feb;11(2):215–22.
43. Butler PM, Leggett SI, Howe CM, Freye CJ, Hindman NB, Wagner GS. Identification of
electrocardiographic criteria for diagnosis of right ventricular hypertrophy due to mitral stenosis. Am J
Cardiol. 1986 Mar;57(8):639–43.
44. Milnor WR. Electrocardiogram and vectorcardiogram in right ventricular hypertrophy and right bundle-
branch block. Circulation. 1957 Sep;16(3):348–67.
45. Langendorf R, Hurwitz M, Katz LN. Electrocardiographic patterns of combined ventricular strain. Br
Heart J [Internet]. 1943 Jan;5(1):27–32. ncbi.nlm.nih.gov
46. Jain A, Chandna H, Silber EN, Clark WA, Denes P. Electrocardiographic patterns of patients with
echocardiographically determined biventricular hypertrophy. J Electrocardiol. 1999 Jul;32(3):269–73.
47. Katz L, Wachtel H. The diphasic QRS type of electrocardiogram in congenital heart disease. Am Hear
J. 1937;13(1):202–6.
Capítulo 8
Bloqueio De Ramo Direito Truncal, Periférico E
Zonal
José Nunes de Alencar Neto
INTRODUÇÃO
O sistema de condução ventricular é formado por dois ramos: direito e esquerdo. De acordo com a teoria
trifascicular de Rosenbaum, o ramo direito é dividido na rede Purkinje em divisões específicas e o ramo
esquerdo em fascículos anterossuperior e posterior-inferior.
Um distúrbio mais grave de condução do ramo direito ou esquerdo fará com que os ventrículos se
despolarizem mais lentamente, levando a um alargamento do complexo QRS ≥ 120 ms (três quadradinhos) –
esse é o primeiro critério de um bloqueio de ramo! Mas calma, tem alguns outros critérios que precisam ser
observados para o laudo de um bloqueio de ramo. Esses critérios vão ser revisados neste capítulo (bloqueio
de ramo direito) e no capítulo 9 (bloqueio de ramo esquerdo).
A tendência dos examinadores menos experientes é pensar que o atraso do impulso elétrico em casos de
bloqueio de ramo ocorria apenas a nível tronco do ramo direito ou esquerdo. Em casos de distúrbios de
condução do ventrículo direito, tema deste capítulo, sabe-se, através de estudos experimentais que o atraso
da condução do estímulo elétrico pode ser mais distal devido a um dano total ou parcial da rede de Purkinje
(chamadas“lesões periféricas”) ou de alguns dos seus ramos (“lesões zonais”), bem como também pode
haver lesões no feixe de His (que chamaremos de “lesões truncais”). A morfologia do bloqueio de ramo direito
é semelhante em casos lesão do tronco, lesão no His ou a um bloqueio distal a nível periférico global. O
bloqueio funcional do ramo direito também pode ocorrer em determinadas situações. Neste capítulo,
revisaremos esses conceitos.
O feixe de His é uma continuação direta da porção distal do nó atrioventricular e mede em torno de 5-10
mm de comprimento e 4 mm de diâmetro. Ela se inicia histologicamente quando as células adquirem uma
conformação longitudinal no mesmo lugar em que penetram no septo membranoso. Nesse local, temos a
primeira porção do feixe, a porção penetrante do feixe de His, que se direciona inferiormente e não se divide
por alguns milímetros (Figura 1) (1).
Tabela 1 - Resumo dos achados eletrocardiográficos dos diferentes graus de bloqueio de ramo direito.
Bloqueio Achados eletrocardiográficos
Tipo 1, visto em 47% das pessoas, tem sua porção penetrante coberta por uma fina camada de fibras
miocárdicas da porção membranosa do septo atrioventricular;
Tipo 2, visto em 32% das pessoas, tem sua porção penetrante insulada por uma camada de fibras
miocárdicas fora da porção membranosa do septo; Tipo 3, visto em 21% das pessoas, tem o feixe de
His“nu”sem cobertura nenhuma de camadas celulares (Figura 2). Um conceito importante sobre o feixe de His
é o da “dissociação funcional longitudinal de fibras”. Primeiro proposto por Kaufmann e Rothberger em
1919 (3), significa simplesmente que as fibras do feixe de His são longitudinalmente dispostas a ponto de
haver uma predestinação de fibras do feixe para conduzir em um ou outro ramo (Figura 3). Em outras
palavras, uma célula no início do feixe de His, ou seja, bem proximal, vai se transformar distalmente no ramo
direito ou esquerdo. Tecendo ainda mais em miúdos, uma lesão focal no feixe de His pode causar bloqueios
de ramo ou divisionais. Narula (4), em 1977, publicou uma série de casos em que um marca-passamento no
feixe de His em sua porção mais proximal, ou seja, bifurcante, era capaz de normalizar bloqueios de ramo
esquerdo. El-Sherif (5), no ano seguinte, demonstrou o mesmo para bloqueios de ramo direito.
O bloqueio de ramo direito (BRD), e também o esquerdo, pode acontecer em três graus. O de primeiro
grau é caracterizado por um atraso de condução. O de segundo grau pela intermitência no bloqueio. O de
terceiro grau significa que o estímulo não consegue mais ativar aquela área pelo caminho normal. O bloqueio
de terceiro grau é melhor chamado de “avançado” que “completo”, pois ainda há algum grau de passagem de
estímulo, mas esta se dá de maneira tão lenta que o estímulo do ventrículo oposto atravessa o septo
interventricular e acaba despolarizando o ventrículo bloqueado célula-a-célula antes mesmo do final do atraso
(7). Atenção: para não dar nomes errados aos bois, aprenda: o termo “distúrbio de condução do ramo direito”
se refere de maneira genérica, tanto na literatura internacional, como na Diretriz Brasileira de
Eletrocardiograma (ECG)(8), à doença no ramo direito.
O BRD de primeiro grau, chamado pela Diretriz Brasileira como “atraso de condução pelo ramo
direito”, é caracterizado por (a) ter um complexo QRS ainda dentro dos limites da normalidade (< 120 ms),
(b) uma pequena e estreita onda S em D1 e V6, bem como (c) uma onda r com as mesmas características em
aVR. (d) Em V1, observamos um padrão de rsr’ com amplitude variável da r’ (Figuras 4 e 5). Nesse grau de
BRD, parte do septo interventricular à direita se despolariza pelo estímulo elétrico que veio do ramo esquerdo
não bloqueado e atravessou o septo interventricular. A maior parte do septo em seu lado direito, no entanto, é
despolarizada normalmente pelo ramo direito nos BRDs de primeiro grau. Esse pequeno atraso já é capaz de
proporcionar, na porção final da despolarização ventricular, o aparecimento de áreas no ventrículo direito que
ainda não despolarizaram (o normal é que ventrículo esquerdo e ventrículo direito terminem sua
despolarização juntos). Essas áreas atrasadas se situam justamente na base do ventrículo direito, próximo à
valva tricúspide. O vetor de despolarização dessas áreas aponta para cima, para direita e para frente, o que
explica todos os achados eletrocardiográficos do BRD de primeiro grau (Figura 6).
Figura 4 - Padrão rsr’ visto em casos de bloqueio de ramo direito de primeiro grau. Observe que o complexo QRS dura
menos que 3 quadradinhos, portanto, menos que 120 ms.
Figura 5 - Atraso de condução pelo ramo direito (bloqueio de ramo direito de primeiro grau). Observe a onda S de curta
duração em D1 e V6, bem como a onda R curta em aVR. V1 apresenta um complexo QRS de conformação rSr’. A duração
do complexo é < 120 ms.
O vetor 1, como já sabemos, representa a ativação septal. Nesse caso, como há um atraso de condução do ramo, parte do septo
em seu lado direito acaba despolarizando pelo estímulo proveniente do ramo esquerdo normal através do septo. O vetor 2
representa a ativação das paredes livres dos ventrículos esquerdo (mais proeminente) e direito. O vetor 3 será determinado pela
última região do ventrículo direito a receber o estímulo elétrico. Como houve atraso no princípio, essa região acabou ficando
atrasada em relação ao ventrículo esquerdo, que já terminou toda sua despolarização. Como essa área despolariza sozinha,
teremos repercussão eletrocardiográfica: o vetor 3 aponta para cima, direita e para frente, gerando a onda s curta em D1 e V6, a
onda r curta em aVR e o padrão rsr’ em V1. Adaptado de Bayés de Luna (7).
O BRD de terceiro grau, por sua vez, apresenta como característica fundamental um complexo QRS que
dura mais que três quadradinhos, ou seja, > 120 ms. Nesses casos, a onda S em D1 e V6 será prolongada e
“empastada”. O r em aVR também seguirá o mesmo caminho. E em V1, agora teremos um padrão do tipo
rsR’ com uma porção final bastante empastada (BRD do tipo Grishman ou “tipo 1 de Baydar”) (Figuras 7 e
8). Em casos de sobrecarga ventricular direita, V1 pode apresentar padrão qR (sinal de Sodi-Pallares) ou R
pura (BRD do tipo Cabrera ou “tipos 2 e 3 de Baydar”) (9–11) (Figuras 9 a 11). No bloqueio avançado do
ramo direito, a onda T se inverte ao bloqueio, representado no eletrocardiograma pelo empastamento.
Portanto, em V1 e V2 (e às vezes até em V3) a onda T será negativa, inversa à R’.
Figura 7 - Bloqueio de ramo direito do tipo Grishman em V1. Perceba o padrão rSR’ e a duração do complexo QRS ≥ 120
ms. Assim como em V1 disposto na figura, é esperado que V2 e V3 tenham ondas T invertidas ao empastamento, ou seja,
apontando para baixo.
Figura 8 - Bloqueio avançado de ramo direito (terceiro grau). O complexo QRS dura ≥ 120 ms, há uma onda S empastada
em D1 e V6, bem como uma onda R lenta em aVR. V1 apresenta padrão qR e não rSR’, sendo sugestivo de associação do
BRD com sobrecarga atrial e ventricular direita.
Figura 9 - BRD do tipo Cabrera: R puro em V1. Se for analisada a duração do complexo QRS apenas em V1, o leitor menos
atento pode pensar que não se trata de bloqueio de terceiro grau, visto que em V1 o complexo dura menos que 120 ms. O
correto, no entanto, é avaliar o ECG por inteiro, medindo desde a primeira deflexão de alguma derivação até o final do
complexo, mesmo que em outra derivação. No exemplo, V2 demonstra um QRS ≥ 120 ms, comprovando a existência de
bloqueio avançado.
Figura 10 - BRD de terceiro grau tipo Cabrera: R puro em V1.
Figura 11 - Vetorcardiograma de um BRD do tipo Cabrera. Observe as forças finais atrasadas presentes no lado direito dos
planos frontal e horizontal. Atraso final. A alça do QRS dirige-se completamente para anterior nos planos horizontal e
sagital.
Figura 12 - Representação da ativação vetorial em bloqueio do ramo direito de terceiro grau.
Vetor 1 representa a despolarização septal praticamente normal (aponta para direita e para frente), o vetor 2 representa a ativação
da maior parte da massa ventricular esquerda (apontando para esquerda, inferior e posterior), o vetor 3 representa a ativação
transseptal e as últimas células ventriculares esquerdas (aponta para direita e para frente), e o vetor 4 a ativação das últimas áreas
atrasadas do ventrículo direito (para direita, superior e para frente). Adaptado de Bayés de Luna (7).
Em BRD de terceiro grau, observamos 4 vetores ao invés de 3. Como o septo interventricular possui mais
massa miocárdica esquerda que direita, o primeiro vetor não varia: segue se dando da esquerda pra direita e
para frente. O vetor 2 diminui um pouco de amplitude. Mas agora o jogo muda. Quando o ventrículo esquerdo
quase inteiro já foi despolarizado, algo interessante acontece: o terceiro vetor vai representar a
despolarização através do septo proveniente de um estímulo que veio do ramo esquerdo normal. Lembre-se:
aqui o atraso é tão avançado que o ventrículo direito só despolariza dessa forma: com a ajuda do ramo
esquerdo. Este terceiro vetor aponta para a direita e pra frente. Por fim, o quarto vetor representa a
despolarização da base do ventrículo direito, próximo à valva tricúspide, última área do coração a ser ativada.
Se você leu os parágrafos sobre a ativação do ventrículo direito nos bloqueios de ramo direito de primeiro
e terceiro grau, bem como visualizou atentamente às figuras 6 e 12 e mesmo assim não entendeu nada, não
se preocupe. Leia a tabela 1, decore aqueles valores e seja feliz.
Antes de seguir em frente, vamos, mais uma vez enfatizar que o bloqueio de ramo pode se dar em várias
localizações anatômicas, a saber: truncal no feixe de His ou no ramo direito ou periférico, que ainda pode ser
parcial ou global e ainda funcional. A morfologia eletrocardiográfica dos bloqueios é similar, havendo apenas
pequenas diferenças que serão discutidas adiante.
Mais uma vez, quero deixar claro que o bloqueio do ramo direito pode ser truncal ou periférico. Em ambos
os casos, o bloqueio pode ser global ou parcial. Falaremos agora especificamente do bloqueio periférico do
ramo direito, começando pelo tipo global. No caso do bloqueio periférico, ele ainda pode ser zonal.
O bloqueio periférico global do ramo direito nada mais é que um BRD de terceiro grau que ocorre a
nível de banda moderadora ou ramificações periféricas ainda mais distais e possui uma duração maior que
140, às vezes maior que 160 ms. Geralmente vem associado a critérios de sobrecarga ventricular direita
(vide capítulo 7) e desvio de eixo elétrico para direita. Costuma estar associado a pós-operatórios de
ventriculotomias em pacientes com Tetralogia de Fallot ou outras cardiopatias congênitas com ou sem
infundibulectomia. O diagnóstico de certeza através da medição intracavitária do tempo desde o início da
ativação ventricular até a ativação do ápice ventricular direito. Valores < 40 ms sugerem bloqueios periféricos
(12).
O bloqueio periférico parcial é indistinguível do bloqueio truncal parcial do ramo direito. Ambos
representam o BRD de primeiro grau.
O bloqueio zonal ou divisional é o bloqueio periférico que ocorre nas já citadas ramificações periféricas
do ramo direito, mas não em todas ao mesmo tempo. Tem seu fundamento descrito em 1917 por
Oppenheimer e Rothschild e foi chamado na época de bloqueio da arborização do ramo direito (13). A teoria
foi comprovada posteriormente por diversos estudos baseados em injeções de substâncias ou incisões
anatômicas nessa tal arborização (14–20). Os estudos identificaram, basicamente, dois padrões de bloqueios
periféricos zonais: o bloqueio da zona anterior subpulmonar e o bloqueio da zona póstero-inferior.
O bloqueio zonal anterior subpulmonar foi caracterizado principalmente pelo padrão S1S2S3, que
significa ondas S maiores que as ondas R nas derivações D1, D2 e D3 e o S de D2 ≥ S D3 (Figura 13). O
bloqueio zonal póstero-inferior é caracterizado pelo padrão S1R2R3, que significa onda S > R em D1, R >
S em D2 e D3 com R D2 ≥ R D3 e uma onda S evidente em V6 (Figura 14). Esses achados comumente estão
presentes em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e hipertrofia ventricular direita por
cor pulmonale (21,22).
Figura 13 - Padrão S1S2S3 (S D2 > S D3) de bloqueio periférico zonal subpulmonar anterior em paciente com disfunção
ventricular direita. Está demonstrada também a presença de uma ectopia ventricular de via de saída do ventrículo direito.
Figura 14 - Padrão S1R2R3 de bloqueio periférico zonal póstero-inferior em paciente de 78 anos com doença pulmonar
obstrutiva crônica. S > R em D1, R D2 > R D3, S proeminente em V6.
Esses dois tipos de bloqueio podem também estar presentes em indivíduos normais. O bloqueio da zona
anterior subpulmonar pode hipoteticamente acontecer por distribuição anormal das fibras de Purkinje ou por
rotação posterior do coração (23). E o traçado eletrocardiográfico clássico bloqueio da zona póstero-inferior
pode estar presente em pacientes com pectus excavatum (20).
A tabela 2 reúne os achados dos bloqueios periféricos zonais. Perceba que os critérios descritos são os
mesmos citados na diretriz brasileira como de bloqueio divisional dos fascículos direitos. Este livro traz a
teoria trifascicular como fundamento. Por isso, trouxemos os bloqueios zonais direitos neste capítulo, ao invés
de trazê-los no capítulo 10, que trata de bloqueios divisionais.
Tabela 2 - Resumos dos achados eletrocardiográficos dos bloqueios periféricos zonais do ventrículo direito.
Bloqueio Achados eletrocardiográficos
QRS ≤ 120 ms
Bloqueio periférico zonal póstero-inferior S1R2R3 (ou seja, S > R em D1, R > S em D2 e D3).
R D2 > R D3.
R’ EM V1 E O ALGORITMO DE BARANCHUK
O achado de um pequeno ou amplo r’ em V1 com um QRS ≤ 120 ms pode abrir o leque para vários
diagnósticos diferenciais. O BRD de primeiro grau é um deles, mas também o posicionamento alto de
eletrodos precisa ser sempre checado, principalmente aqui em nosso país, onde a técnica nem sempre é
acurada.
Para esse fim, foi criado o algoritmo de Baranchuk, que você pode encontrar na figura 15 (24,25).
Figura 15 - Algoritmo de Baranchuk. Esse algoritmo serve em casos que há r’/R’ em V1 e V2. Essas situações serão vistas
em capítulos diversos do livro (24,25).
BLOQUEIO FUNCIONAL DO RAMO DIREITO
Conhecido pelo termo “aberrância de condução”, o bloqueio funcional é baseado na fisiologia do potencial
de ação das células do ramo direito e do ramo esquerdo, mas a aberrância com padrão de bloqueio de ramo
direito é mais prevalente com 80% de prevalência total e quase 100% em indivíduos sem doença cardíaca.
O bloqueio de fase 3, ou bloqueio taquicardia-dependente, ocorre devido a canais de sódio que ainda não
tenham sido repolarizados após a despolarização do batimento anterior e, portanto, o seguinte potencial de
ação será reduzido e mais lento. Como o período refratário do ramo direito é maior que o do ramo esquerdo
em frequência cardíaca normal, o ramo direito é mais afetado. O fenômeno de Gouaux-Ashman ou apenas
Fenômeno de Ashman (26) tem a sua base fisiológica no bloqueio da fase 3 do potencial de ação (Figura
16). Os períodos refratários se alargam a frequências mais baixas e encurtam a frequências mais elevadas:
um ciclo RR curto – longo – curto (ou apenas longo-curto) pode produzir, devido a essas alterações súbitas
no período refratário, um padrão de bloqueio intermitente de ramo direito muito comum em casos de fibrilação
atrial ou bloqueio tipo Wenckebach (duas situações onde há irregularidade de ritmo) que pode confundir com
ectopias isoladas ou taquicardia ventricular (caso o fenômeno se sustente, passa a ser chamado“Efeito
Fole”(27), descrito por García e Rosenbaum em 1972). Essas alterações podem ser visualizadas tanto no
ECG de 12 derivações como no sistema Holter.
Figura 16 - Fenômeno de Ashman. Perceba que o batimento com padrão de bloqueio avançado do ramo direito ocorre após
uma variação de ciclo do tipo longo – curto (setas).
O bloqueio da fase 4, ou bloqueio dependente de bradicardia, quase sempre se manifesta como padrão
de bloqueio do ramo esquerdo e será discutido no próximo capítulo.
BLOQUEIOS MASCARADOS
Fenômeno raro descrito em 1954 por Richman e Wolff (28,29) que ocorre quando há expressão
eletrocardiográfica de bloqueio de ramo direito em derivações precordiais e do ramo esquerdo no plano
frontal. É um bloqueio de ramo direito mascarado de um bloqueio de ramo esquerdo. Mas atenção! Não se
trata de um bloqueio concomitante, pois se um indivíduo bloqueio ambos os ramos em terceiro grau, teríamos
um bloqueio atrioventricular total com escape ventricular.
Vamos escrever as mesmas informações novamente, mas com outras palavras nesse parágrafo: trata-se
de uma doença mais importante no ramo direito que no esquerdo, portanto, trata-se de um bloqueio de ramo
direito associado a uma doença fascicular esquerda – pode ser bloqueio anterossuperior ou póstero-inferior
(30). Como as forças do atraso esquerdas são maiores que as direitas, aquelas prevalecem sobre o ECG no
plano frontal.
Para se ter ideia da raridade desse evento, Bayés de Luna encontrou apenas 16 em 100 mil
eletrocardiogramas revisados (31).
Perceba que o QRS é largo e apresenta forç as fi nais proeminentes para a direita (R fi nal em aVR e V1). D1 e aVL com padrão
que lembra bloqueio de ramo esquerdo e desvio do eixo para esquerda. O leitor desatento poderia laudar como BRD + BRE avanç
ados (algo que só existe em eletrocardiografi a como bloqueio atrioventricular total). Retirado de Choudhary.
Fim do capítulo. The cake is a lie.
REFERÊNCIAS
1. James TN. Structure and function of the sinus node, AV node and His bundle of the human heart: part
I-structure. Prog Cardiovasc Dis., 2002;45(3):235–67.
8. Pastore C, Pinho J, Pinho C, Samesima N, Pereira-Filho H, Kruse J, et al. III Diretrizes da Sociedade
Brasileira de Cardiologia sobre análise e emissão de laudos eletrocardiográficos. Arq Bras Cardiol
[Internet], 2016 [cited 2018 Dec 7];106(4):1–23. gnresearch.org
9. Baydar ID, Walsh TJ, Massie E. A vectorcardiographic study of right bundle branch block with the
frank lead system: Clinical correlation in ventricular hypertrophy and chronic pulmonary disease. Am J
Cardiol [Internet]. 1965;15(2):185–94. doi.org
10. Miquel C, Sodi-Pallares D, Cisneros F, Pilleggi F, Medrano GA, Bisteni A. Right bundle branch block
and right ventricular hypertrophy: Electrocardiographic and vectorcardiographic diagnosis. Am J
Cardiol [Internet]. 1958;1(1):57–67. doi.org
11. Brohet CR, Styns M, Arnaud P, Brasseur LA. Vectorcardiographic diagnosis of right ventricular
hypertrophy in the presence of right bundle branch block in young subjects. Am J Cardiol.,
1978;42(4):602–12.
12. Horowitz LN, Alexander JA, Edmunds LHJ. Postoperative right bundle branch block: identification of
three levels of block. Circulation., 1980;62(2):319–28.
14. Frau G, Porta D. L’activité mécanique du cœur dans les troubles de la conduction ventriculaire.
Cardiology [Internet]., 1957 [cited 2018 Dec 7];30(5):319–43. karger.com
15. Alzamora-Castro V, Abugattas R, Rubio C, Bouroncle J, Zapata C, Santa-Maria E, et al. Parietal focal
block; an experimental and electrocardiographic study. Circulation. 1953 Jan;7(1):108–15.
16. Uhley HN, Rivkin L. Electrocardiographic patterns following interruption of main and peripheral
branches of the canine right bundle of his. Am J Cardiol [Internet]., 1961;7(6):810–6. doi.org
17. Moore EN, Boineau JP, Patterson DF. Incomplete right bundle-branch block. An electrocardiographic
enigma and possible misnomer. Circulation., 1971;44(4):678–87.
21. Pryor R.The S1, S2, S3 Syndromein Chronic Pulmonary Disease. Chest[Internet]. 1964;46(2):226.
doi.org
22. Incalzi RA, Fuso L, De Rosa M, Di Napoli A, Basso S, Pagliari G, et al. Electrocardiographic signs of
chronic cor pulmonale: A negative prognostic finding in chronic obstructive pulmonary disease.
Circulation., 1999;99(12):1600–5.
23. Cabrera E. Teoría y Practica de la Electrocardiografía. La Prensa Medica Mexicana; 1967. 106 p.
24. Koppikar S, Barbosa-Barros R, Baranchuk A. A Practical Approach to the Investigation of an rSr’
Pattern in Leads V1-V2. Can J Cardiol [Internet]. 2015;31(12):1493–6. doi.org
25. Baranchuk A, Enriquez A, Garc J, Bay A, Villuendas R, Bay A, et al. Differential Diagnosis of rSr ’
Pattern in Leads V 1 -V 2 . Comprehensive Review and Proposed Algorithm. Ann Noninvasive
Electrocardiogr [Internet]., 2015;20(1):7–17. doi.wiley.com
26. Gouaux JL, Ashman R. Auricular fibrillation with aberration simulating ventricular paroxysmal
tachycardia. Am Heart J., 1947;34(3):366–73.
27. García H, Rosenbaum M. El “efecto fuelle” en los bloqueos intermitentes de rama. Rev Argent
Cardiol., 1972;1:75–85.
28. Richman JL, Wolff L. Left bundle branch block masquerading as right bundle branch block. Am Heart
J [Internet]., 1954;47(3):383–93. sciencedirect.com
29. Unger P, Lesser M, Kugel V, Lev M. The Concept of “ Masquerading “ Bundle-Branch Block.
Circulation., 1958;XVII(March):397–409.
30. Puerta R, González E, Elizundia J, Torres Y. Masquerading bundle branch block revisited. Rev la Fed
Argentina Cardiol [Internet]., 2012 [cited 2018 Dec 18];41(2):75–9. fac.org.ar
31. Bayes de Luna A, Torner P, Oter R, Oca F, Guindo J, Rivera I, et al. Study of the evolution of masked
bifascicular block. Pacing Clin Electrophysiol., 1988;11(11 Pt 1):1517–21.
Capítulo 9
Bloqueio De Ramo Esquerdo
José Nunes de Alencar Neto
INTRODUÇÃO
Este capítulo é uma continuação do anterior. Sendo assim, não estranhe se introduzimos os capítulos
com textos similares. Como disse, é uma continuação. Venho por meio deste, então, falar, mais uma vez,
que o nosso sistema de condução ventricular, após o feixe de His, é dividido em dois ramos, o esquerdo
e o direito. O ramo esquerdo, por sua vez, ainda se divide em pelo menos dois outros fascículos:
anterossuperior e posteroinferior. Quem disse isso não fui eu, foi o Rosenbaum (1), nos estudos
seminais que definiram os achados eletrocardiográficos desses fascículos.
Um distúrbio mais grave de condução de um desses ramos fará com que os ventrículos se
despolarizem mais lentamente, levando a um alargamento do complexo QRS 120 ms (três≥
quadradinhos). Um distúrbio de condução de um fascículo isolado, por sua vez, leva a um desvio de eixo
cardíaco e outras alterações que serão vistas no capítulo 10.
Uma maneira muito simples de decorar os bloqueios de ramo direito (BRD) (tema do capítulo
anterior) e esquerdo (tema deste capítulo) é imaginar que você está dirigindo um carro e precisa virar
em uma rua à direita ou à esquerda (“regra da seta do carro”). Para onde você empurra a seta do farol
quando quer virar à direita? Para cima. O complexo QRS em BRD é para cima em V1. Para onde você
empurra a seta do farol quando quer virar à esquerda? Para baixo. O complexo QRS em BRE é para
baixo em V1. Esta é uma generalização rasteira, mas serve aos que estão iniciando na arte do
eletrocardiograma. Se você tiver paciência, este capítulo te ensinará muito mais do que essa decoreba.
Tabela 1 - Resumo dos achados eletrocardiográficos do BRE avançado e parcial em cada localização possível.
Grau de
Bloqueio /
Tronco Bidivisional Periférico
Local de
bloqueio
Figura 1 - Ilustração da anatomia do feixe de His e seus ramos direito e esquerdo. O ramo esquerdo ainda se divide em
fascículo anterossuperior e posteroinferior.
009_001
Como já comentamos no capítulo anterior, foi proposto por Kaufmann e Rothberger, em 1919 (5),
que as fibras mais proximais do feixe de His apresentam dissociação longitudinal entre si e por isso diz-
se que possuem um destino pré-definido: elas farão parte futuramente do ramo direito, ou do fascículo
anterossuperior, por exemplo. Uma lesão cirúrgica pontual na porção anterior da porção penetrante do
feixe de His produz bloqueio de ramo direito ou bloqueio da divisão anterossuperior e não bloqueio
atrioventricular total, dependendo da localização dessa lesão (6,7). Esta é a base fisiológica para a
terapia de ressincronização cardíaca baseada em marcapassamento direto do feixe de His (8–10).
No BRE de terceiro grau (que pode ser truncal ou bidivisional), a despolarização inicia-se na base do
músculo papilar anterior do ventrículo direito pelo estímulo proveniente do ramo direito normal e
progride através do septo com direção apontando para trás antes de alcançar o ventrículo esquerdo.
Nesses primeiros milissegundos, a soma dessas ativações vai apontar da direita para esquerda em
virtualmente todos os casos; portanto, uma onda q septal em D1 e aVL não é esperada, a menos que
haja zona inativa ou bloqueio bidivisional com despolarização através de fibras médias, de acordo com a
teoria tetrafascicular de Medrano (13,14), que considera a existência de um terceiro fascículo no ramo
esquerdo – o medial.
Após isso, ocorre a passagem do estímulo elétrico pelo septo, gerando os vetores médios, atrasados
e com a presença de “notchs e slurs” na porção média do complexo QRS, que representam a ativação
anormal do ventrículo esquerdo: o primeiro notch marca a ativação transeptal e o segundo a chegada
ao epicárdio da parede lateral (15) (Figura 2). Atenção. Talvez a informação mais importante do capítulo:
para diagnóstico de BRE de terceiro grau, ou avançado, é obrigatória a presença dos notchs. A
ativação vetorial do BRE se dá, então, da seguinte maneira: o primeiro vetor é direcionado para
esquerda e para frente, o segundo vetor traz uma rotação anti-horária no plano horizontal em direção
da direita para esquerda e posterior, com o vetor 3 sendo menos posterior. O vetor 4, das porções
superiores do septo e da parede livre do VE, reduz a amplitude da alça progressivamente para as
posições iniciais (Figura 3) (16).
Figura 2 - Comparação do aparecimento do notch no eletrocardiograma com o mapa de ativação dos ventrículos em
casos de bloqueio de ramo esquerdo.
009_002
O primeiro notch ocorre na passagem do estímulo pelo septo e o segundo ocorre quando o estímulo chega ao epicárdio
ventricular. A presença de notch em algumas derivações é obrigatória para o diagnóstico de bloqueio de ramo esquerdo de
terceiro grau. De Strauss (15).
Figura 3 - Alça vetorial do bloqueio de ramo esquerdo.
009_003
Primeiro vetor é a despolarização do septo ventricular esquerdo a partir do músculo papilar anterior do ventrículo direito
(aponta para frente e para esquerda), o segundo vetor é a ativação transeptal (aponta para esquerda e posterior), o terceiro e
o quarto vetores representam a despolarização da parede livre e das regiões basais da parede livre e do septo e são cada vez
menos posteriores (16).
Os critérios eletrocardiográficos para BRE são: ausência de onda q septal em D1, aVL e V6; QRS ≥
120ms; presença de notch ou slurring na porção média do QRS em mais que duas derivações: V1, V2, V5,
V6, D1 e aVL (Figura 4); padrão QS ou rS em V1. No bloqueio de ramo esquerdo, é normal haver inversão
completa entre as polaridades do complexo QRS e do segmento ST-T, ou seja, todas as T estarão
invertidas ao QRS (Figuras 5 a 7) (16). Na era da ressincronização cardíaca, alguns autores têm
considerado o bloqueio de ramo esquerdo apenas quando o QRS tem duração ≥
140ms (17). Em um
bloqueio periférico do ramo esquerdo, os critérios são basicamente os mesmos, entretanto, isso pode
significar uma doença muscular mais extensa, portanto, um QRS mais largo é esperado.
Figura 4 - Exemplo de um padrão de bloqueio de ramo esquerdo de terceiro grau. Perceba: ausência de q em D1 e aVL.
Um pequeno r seguido de uma grande S em V1, notch em ≥
2 derivações (D1, aVL, V1, V2, V5 e V6) – no caso D1, aVL e
V6.
009_004
Figura 5 - ECG de bloqueio de ramo esquerdo de terceiro grau. Ausência de q em D1 e aVL, rS em V1, notch em D1, aVL,
V5 e V6, QRS ≥120 ms. A onda T é oposta ao atraso: se o complexo é positivo, a T é negativa.
009_005
Figura 6 - Bloqueio de ramo esquerdo avançado ou de terceiro grau. Ausência de q em D1 e aVL, rS em V1, notch em
D1, aVL, V5 e V6, QRS ≥
120ms. A onda T é oposta ao atraso: se o complexo é positivo, a T é negativa.
009_006
Figura 7 - VCG de um BRE de 3º grau (as setas demonstram o início da ativação). A ativação se inicia da direita para
esquerda no plano frontal, depois assume a parede livre si dirigindo para posterior (planos horizontal e sagital) e
esquerda (plano horizontal). O atraso é médio-final.
009_007
O ramo esquerdo também pode ser parcialmente bloqueado. No BRE de primeiro grau, parte do
septo esquerdo despolariza através do estímulo proveniente do ramo direito (por isso há perda da onda
q em D1 e aVL), mas a maior parte da massa ventricular esquerda consegue ser despolarizada pelo
ramo esquerdo, como de costume (Figura 8). O BRE de primeiro grau tem como padrão
eletrocardiográfico a perda da onda q septal em D1, aVL, V5 e V6 e onda r em V1. A duração do QRS
ainda é menor que 120ms. Pode haver notchs, mas na porção ascendente da primeira deflexão,
simulando uma onda delta de pré-excitação ventricular (Figura 9).
Figura 8 - Ativação ventricular em caso de bloqueio de ramo esquerdo de primeiro grau. Parte do septo despolariza
pelo estímulo proveniente do ramo direito, mas a maior parte da massa ventricular consegue despolarizar pelo ramo
esquerdo que estava atrasado.
009_008
Com relação à localização do bloqueio, como já foi falado, tanto o bloqueio de primeiro grau como
de terceiro grau podem ocorrer no tronco do ramo esquerdo ou feixe de His (bloqueio truncal), nos dois
fascículos ao mesmo tempo com maior ou menor grau em um ou outro (bloqueio bifascicular do ramo
esquerdo), e nas fibras de Purkinje (atraso de condução intraventricular ou “periférico”) (12). O bloqueio
truncal é o padrão clássico que foi descrito nos parágrafos anteriores.
Figura 10 - Bloqueio “periférico” do ramo esquerdo. Perceba que nesse ECG existe claramente um complexo QRS
alargado (em torno de 150 ms). No entanto, não se consegue obter critérios de bloqueio de ramo direito ou esquerdo.
Há critérios para bloqueio da divisão anterossuperior do ramo esquerdo, como veremos no capítulo 10, mas isso não é
suficiente para explicar o atraso final da ativação ventricular. Estamos diante de um bloqueio periférico do ramo
esquerdo.
009_010
Figura 11 - Bloqueio “periférico” do ramo esquerdo: perceba a ausência de critérios clássicos de BRE (aqui só vemos
notch em uma derivação – V5) e também de bloqueio da divisão anterossuperior associado a um complexo muito
alargado (em torno de 160 ms) e uma possível sobrecarga ventricular esquerda (se contarmos critérios de SVE + BRE,
ainda não fechou. Mas existem critérios de SVE + BDAS).
009_011
Figura 12 - ECG com associação de bloqueio divisional anterossuperior esquerdo e posteroinferior esquerdo (bloqueio
bifascicular). O critério utilizado para o laudo foi o tempo de deflexão intrinsecoide (TIDI) de 0,09 s em aVL e 0,065
segundos em V6. Além disso, se observa o primeiro vetor de ativação septal. (Adaptado de Medrano, 2002)
009_012
O resumo dos achados eletrocardiográficos dos diferentes tipos e locais de atraso de condução no
BRE está disposto na tabela 1.
No entanto, quando se fala em bloqueio funcional do ramo esquerdo, não está se falando dessa
exceção e sim do bloqueio de fase 4, o bloqueio bradicardia-dependente (20). Este sim ocorre como
bloqueio de ramo esquerdo. Vamos ver o que ocorre no bloqueio de fase 4: um tecido já está há muito
tempo repolarizado (o indivíduo está bradicárdico e o próximo batimento não vem) – atenção, por muito
tempo eu quero dizer algumas centenas de milissegundos. Por um erro da automaticidade do tecido do
ramo (principalmente o ramo esquerdo) ou pela ação errônea de tecidos danificados, ocorre uma
pequena despolarização que não é capaz de gerar um batimento, mas é capaz de deixar aquele tecido
refratário ao batimento que virá. Quando finalmente o batimento vem, a onda de despolarização
encontra as células do ramo (principalmente esquerdo) refratárias e voilà, temos um bloqueio de ramo
esquerdo (Figura 13).
Perceba que a paciente tem um ritmo de fibrilação atrial de baixa resposta (ausência de ondas P, ritmo irregular
bradicárdico). Um determinado momento, após uma longa pausa, o ramo esquerdo deve ter passado por uma “micro-
despolarização” que foi incapaz de gerar um batimento sozinho. Quando, finalmente, o estímulo elétrico conseguiu
atravessar o nó AV, encontrou o ramo esquerdo bloqueado.
REFERÊNCIAS
1. Rosenbaum M, Elizari M, Lázzari J. Los hemibloqueos. Ed. Pados; 1968.
2. Elizari MV. The normal variants in the left bundle branch system. J Electrocardiol., 2017 Mar.
3. Tawara S. Das Reizleitungssystem des Saügetierherzens. Jena: Gustav Fischer; 1906.
4. Hudson RE. Surgical pathology of the conducting system of the heart. Br Heart J [Internet].
1967;29(5):646–70. ncbi.nlm.nih.gov
5. Kaufmann R, Rothberger C. Beiträge zur entstehungsweise extrasystolischer allorhythmien.
Zeitschrift Fu ̈ r Die Gesamte Exp Medizin., 1919;9:104–22.
6. James T, Sherf L. Fine Structure of the His Bundle. Circulation [Internet]., 1971;44(1):9 LP – 28.
circ.ahajournals.org
7. Narula OS. Longitudinal dissociation in the His bundle. Bundle branch block due to
asynchronous conduction within the His bundle in man. Circulation [Internet]. 1977;56(6):996 LP
– 1006. circ.ahajournals.org
8. El-Sherif N, Amay-Y-Leon F, Schonfield C, Scherlag BJ, Rosen K, Lazzara R, et al. Normalization of
bundle branch block patterns by distal His bundle pacing. Clinical and experimental evidence of
longitudinal dissociation in the pathologic his bundle. Circulation., 1978;57(3):473–83.
9. Scherlag BJ, Lazzara R. Functional aspects of His bundle physiology and pathophysiology:
Clinical implications. J Electrocardiol [Internet]., 2017;50(1):151–5. doi.org
10. Sharma PS, Dandamudi G, Naperkowski A, Oren JW, Storm RH, Ellenbogen KA, et al. Permanent
His-bundle pacing is feasible, safe, and superior to right ventricular pacing in routine clinical
practice. Hear Rhythm [Internet]., 2017;12(2):305–12. doi.org
11. Medrano G, Brenes C, De Micheles A. Experimental and clinical electrocardiographic study. Arch
Inst Cardiol Mex., 1970;40.
12. Rosenbaum M. Types of left bundle branch block and their clinical significance. 1969;2:197–206.
J Electrocardiol., 1969;2:197–206.
13. Medrano GA, Brenes C, De Micheli A, Sodi-Pallares D. [Simultaneous block of the anterior and
posterior subdivisions of the left branch of the bundle of His (biphasic block), and its association
with the right branch block (triphasic block). Experimental and clinical electrocardiographic
study]. Arch Inst Cardiol Mex. 1970;40(6):752–70.
14. Alencar Neto JN de. Associação entre bloqueio de ramo esquerdo e bloqueio divisional ântero-
superior: revisitando as evidências Association between left bundle branch block and
anterosuperior hemiblock: revisiting evidences. Relampa., 2018;31(1):8–12.
15. Strauss DG, Selvester RH, Lima JAC, Arheden H, Miller JM, Gerstenblith G, et al. ECG
quantification of myocardial scar in cardiomyopathy patients with or without conduction
defects: correlation with cardiac magnetic resonance and arrhythmogenesis. Circ Arrhythm
Electrophysiol [Internet]. 2008/12/02. 2008;1(5):327–36. ncbi.nlm.nih.gov
16. Bayes de Luna A. Clinical Electrocardiography: A Textbook. 4. ed. Wiley-Blackwell; 2012.
17. Strauss DG, Selvester RH, Wagner GS. Defining left bundle branch block in the era of cardiac
resynchronization therapy. Am J Cardiol., 2011;107(6):927–34.
18. Micheli A, Medrano G, Aranda A. En torno a los bloqueos polifasciculares no complicados y
complicados. Arch Cardiol Mex., 2002;72:240–8.
19. Medrano GA, de Micheli A, Iturralde P. Peripheral Heart Blocks Associated with Myocardial
Infarcts: Clinical Diagnosis Based on Experimental Findings. Curr Cardiol Rev [Internet].
2008;4(2):140–7. ncbi.nlm.nih.gov
20. Issa ZF, Miller JM, Zipes DP. Clinical arrhythmology and electrophysiology. 2nd ed. Philadelphia,
PA: Elsevier; 2012.
Capítulo 10
Bloqueios Divisionais
Guilherme Dagostin de Carvalho | José Nunes de Alencar Neto
INTRODUÇÃO
O feixe de His constitui uma estrutura cilíndrica que conecta o nó atrioventricular (AV) aos ramos de
condução. Admite-se, como seu limite anatômico inicial, a perda do arranjo nodal das células
neuromiocárdicas, marco a partir do qual as células especializadas passam a apresentar maior dimensão,
com disposição longitudinal e em paralelo. Ele é composto de dois segmentos: penetrante e bifurcante. O
primeiro possui relação com a porção atrial do septo membranoso, corpo fibroso e os anéis mitral e tricúspide,
com comprimento de 5 a 10 mm. O segundo é o local onde ocorre a distribuição das fibras do ramo esquerdo
e direito, os quais aparentemente apresentam continuidade estrutural. Estes subdividem-se em fascículos ou
divisões constituídos por leques de fibras orientadas em sentidos diferentes, com grande variação anatômica
individual (1,2).
Vamos enfatizar para ficar fácil para o leitor menos experiente: o que salta aos olhos num ECG de
bloqueio divisional é o desvio do eixo elétrico do complexo QRS. Viu desvio de eixo, pense em bloqueio
divisional.
Antes de começar a explicar os bloqueios divisionais, é importante citar aqui que o mundo da
eletrocardiografia vive uma constante controvérsia a respeito da anatomia dos fascículos dos ramos direito e
esquerdo. Como nossos critérios eletrocardiográficos passam obrigatoriamente pela anatomia, vamos tomar
um pouco de tempo para tentar explicar essa anatomia e demonstrar o que os pesquisadores acreditam.
Figura 2 - Variação anatômica das fibras septais do ramo esquerdo em uma série de casos. Retirado de Demoulin e
Kulbertus(5).
Esses trabalhos deram origem à teoria tetrafascicular do sistema de condução intraventricular. O
bloqueio dessa fibra média levaria, entre outros critérios que serão revisados nos próximos parágrafos, ao
aparecimento de “forças anteriores proeminentes” em V1 e V2. Falam a favor da existência de um terceiro
fascículo do ramo esquerdo, as fibras médias, ou seja, falam a favor da teoria tetrafascicular: (a) o clássico
trabalho de Durrer em corações humanos, que já foi citado em diversos capítulos desse livro (uma leitura
mais que recomendada pelos autores do livro), demonstrou que existem três pontos de ativação no ventrículo
esquerdo, favorecendo a teoria tetrafascicular (7). (b) Medrano sugeriu que a ativação elétrica do ventrículo
esquerdo pode estar preservada mesmo em vigência de bloqueio das clássicas divisões do ramo esquerdo
(anterossuperior e posteroinferior), se as fibras médias continuarem com sua atividade normal, explicando,
assim, o padrão de bloqueio de ramo esquerdo (BRE) com presença de ondas “q” nas derivações
correspondentes a parede lateral (DI, aVL, V5 e V6), vistas em casos atípicos de BRE (voltaremos a falar
disso em “associação de bloqueios” no fim deste capítulo) (8).
Evidências que falam contra a expressão eletrocardiográfica do bloqueio de fibras médias e, portanto,
contra a teoria tetrafascicular: (a) foi demonstrado por Piccolo e Peñaloza que as tais “forças anteriores
proeminentes” muito provavelmente correspondem a um bloqueio de ramo direito pré-divisional (9,10); (b) as
mesmas “forças anteriores proeminentes” possuem um comportamento estável ao longo dos anos, sugerindo
que a sua presença pode expressar uma variante normal da despolarização ventricular (11); (c) em pacientes
com infarto agudo do miocárdio e oclusão coronária da artéria descendente anterior (DA), o aparecimento de
“forças anteriores proeminentes” pode ser por bloqueio de fibras médias, mas também por distúrbio de
condução do ventrículo direito, visto que tanto as fibras médias, como o ramo direito, são irrigados pela DA;
(d) os trabalhos experimentais até conseguem bloquear as fibras médias, mas com achados
eletrocardiográficos diversos (12).
Há uma terceira teoria vigente, contudo menos aceita e difundida na literatura, a teoria hexafascicular.
Mahaim descreveu, em 1931, divisões anatômicas dos ramos direito e esquerdo do feixe de His.
Posteriormente, publicações de Uhley e Rivkin, Medrano, e De Micheli demonstraram bloqueios a partir de
postuladas divisões do ramo direito, bem como suas expressões vetorcardiográficas. Os dois últimos autores
propuseram uma classificação dos bloqueios em proximais ou tronculares, e distais ou fasciculares, os quais
resultariam em retardos globais ou regionais, respectivamente (13–17). A diretriz brasileira sobre análise e
emissão de laudos eletrocardiográficos, de 2016, cita esses critérios (18).
Mas vamos aos fatos: de maneira geral, o ramo direito – o qual tem sua origem como continuação direta
da porção penetrante do feixe de His – em sua parte inicial é subendocárdico; sua região média é mais
profunda (massa septal direita) e em seu trajeto distal, torna-se superficial novamente. Anatomicamente, em
sua terceira porção subendocárdica, alcança a base do músculo papilar anterior dividindo-se em três
arborizações principais – anterior, média e posterior – originando a rede de Purknije do ventrículo direito
sendo a divisão superior localizada abaixo da artéria pulmonar; e posteroinferior (8,13,14,16,17,19).
Em condições habituais, essas duas zonas se ativam simultaneamente, originando o vetor 3, orientado
para cima e discretamente para direita no plano frontal. Quando uma destas se despolariza com algum
retardo, a porção final da despolarização dirige-se mais para a direita, dada a ausência de oposição de forças
elétricas oriundas do ventrículo esquerdo, originando os bloqueios parietais zonais (e não divisionais, como
a diretriz brasileira sugere), já descritos no capítulo 8 (20). Expostos esses fatos, teorias e evidências, o
editor-chefe deste livro tem a difícil tarefa de assumir um lado: teoria trifascicular, tetrafascicular ou
hexafascicular? Acreditamos, fundamentados no Consenso sobre Fibras Médias, publicado em 2012 na
Journal of Electrocardiology (12), que há evidências anatômicas suficientes para acreditar que existe um
terceiro fascículo no ramo esquerdo (a fibra média) em boa parte da população (parágrafo “Evidências a favor
da existência de fibras médias”), mas que os achados eletrocardiográficos do seu bloqueio ainda são
controversos (parágrafo “Evidências contra a expressão eletrocardiográfica do bloqueio de fibras médias”).
Portanto, vamos trazer, por curiosidade, os critérios eletrocardiográficos do bloqueio de fibras médias
propostos pela Diretriz Brasileira sobre Análise e Emissão de Laudos Eletrocardiográficos (18) na próxima
sessão, mas enfatizo que, de acordo com a American Heart Association (21), devido à incerteza do seu
diagnóstico, por ainda não haver critérios bem estabelecidos, o termo “bloqueio de fibras médias” não deve
ser laudado.
Quanto à teoria hexafascicular (que considera a existência não só de três fascículos do ramo esquerdo,
mas também de três fascículos no ramo direito), por ser a menos aceita pela comunidade científica e
apresentar escassa literatura, tornando difícil sua exposição neste livro, não será usada e ao contrário do que
recomenda a Diretriz Brasileira, não usaremos os termos “bloqueio divisional anterossuperior direito
(BDASD)”, “bloqueio divisional posteroinferior direito (BDPID)” e “bloqueio divisional anteromedial direito
(BDAMD)”. Como já falado, o leitor pode encontrar as expressões eletrocardiográficas dos bloqueios zonais
do ventrículo direito no capítulo 8. Se não faz sentido falar em BDASD, tampouco faz sentido falar em BDASE
(bloqueio divisional anterossuperior esquerdo), por exemplo. Se considerarmos que não há fascículos à
direita do coração, só existe um BDAS, o esquerdo, sendo considerada redundância dizer que o esquerdo
está bloqueado.
Em resumo, este livro seguirá a teoria trifascicular e recomenda o uso das siglas BDAS e BDPI para
bloqueio divisional anterossuperior e bloqueio divisional posteroinferior.
Anatomicamente, a fibra média é central e se estende à região média do septo interventricular (22). É
vascularizado por ramos septais da DA ou pela artéria do nó AV. Não há dados epidemiológicos robustos para
estabelecer a exata prevalência de seu bloqueio. Em uma revisão de 26 mil eletrocardiogramas (ECGs), 0,5%
deles preenchiam critérios, taxa similar ao de bloqueio divisional posteroinferior (BDPI) (23). Em outra série, a
qual observou o fenômeno durante 10 anos, foram relatados 18 casos, em comparação a apenas dois casos
de BDPI isolado (22). Isquemia, fibrose, alterações esclerodegenerativas do sistema elétrico, diabetes
mellitus, miocardiopatia hipertrófica podem ser responsáveis pelo aparecimento desse achado, de maneira
similar às demais divisões. Adicionalmente, pacientes sem cardiopatia estrutural conhecida podem apresentar
bloqueio das fibras médias transitório decorrente de ectopias atriais (Figura 3) (24).
Figura 3 - Aberrância na condução ventricular após ectopias atriais levando a perda das ondas q de ativação septal.
Uma das alterações eletrocardiográficas produzidas pelo bloqueio dessa fibra seria o vetor inicial do QRS
direcionado para a esquerda com desvio da alça de ativação para a região lateral esquerda, expressada ao
ECG pela perda da onda q septal em V5 e V6. Esse critério, em associação a outros parâmetros – duração do
QRS ≤ 110 ms e ausência de entalhe e/ou empastamento na onda R em D1, V5 e V6 – foi descrito por
MacAlpin (23).
O achado mais importante do bloqueio dessas fibras é a presença de “forças anteriores proeminentes”,
representadas por ondas R amplas em V2 – ocasionalmente em V1 – secundárias ao atraso na condução do
potencial de ação pela região anterosseptal ventricular esquerda, resultando na anteriorização das alças
vetoriais do QRS no plano horizontal, com posterior incremento da amplitude em direção as derivações
precordiais médias e decréscimo em V5 e V6 (Figura 4). Esses critérios foram propostos inicialmente por
Hoffman (25) e, atualmente, corroborados pela escola brasileira (18,26).
Figura 4 - Em teoria, aqui há critérios para bloqueio de fibras médias: R > 15 mm em V2 com salto de onda de V1 para V2 e
QRS < 120 ms.
Morfologia qR de V1 a V4.
A prevalência de bloqueio divisional anterossuperior (BDAS) na população adulta varia entre 1 e 2,5%, e
aumenta com a idade. Em uma coorte finlandesa que incluiu 6416 indivíduos, verificou-se uma taxa de 0,2%
naqueles com menos de 45 anos até 2,3% nos maiores de 55 anos. Um estudo conduzido com 888 pacientes
com idade igual ou superior a 90 anos demonstrou que 8% apresentavam esse bloqueio fascicular de
maneira isolada (27,28).
Ele usualmente constitui um fascículo de fina espessura, cuja irrigação arterial é originada pelos ramos
septais da artéria descendente anterior ou pela artéria do nó AV, e atravessa a região da via de saída
ventricular esquerda em direção à base do músculo papilar anterior. Pode sofrer prejuízo em sua função por
situações em que ocorra sobrecarga de fluxo e/ou pressão, dentre as quais podemos citar valvopatias
aórticas, hipertensão arterial sistêmica e cardiomiopatias. Outras possíveis etiologias para essa alteração
incluem doença arterial coronária – quer no contexto de angina estável, quer em síndrome coronária aguda
(pode sinalizar lesão de artéria descendente anterior, acometimento multiarterial, ou mesmo disfunção
ventricular esquerda) –, doença de Chagas, degeneração esclerótica do sistema de condução elétrico,
cardiopatias congênitas (defeitos do septo atrioventricular, anomalias dos coxins endocárdicos, por exemplo),
doenças infiltrativas e após correção cirúrgica da valva aórtica. Atualmente, uma associação ganha relevância
clínica com a síndrome de apneia/hipopneia obstrutiva do sono, uma vez que o BDAS é encontrado em cerca
de 70% dos portadores dessa patologia (29–32).
Figura 5 - Representação da ativação vetorial e a sua apresentação eletrocardiográfica nas derivações do plano frontal na
presença de BDAS.
A duração do complexo QRS na presença de BDAS é discretamente maior, porém ainda dentro do limite
da normalidade (isto é, < 120 ms); muitas vezes sofre acréscimo de até 20 ms em relação a um exame de
base prévio sem a alteração. As ondas T são frequentemente normais, porém seu eixo pode estar
direcionado para frente e para baixo (Figuras 6 e 7) (35).
Figura 6 - BDAS de 3º grau. Observe a onda q em D1 e aVL, o padrão rS em D2 e D3, com S D3 > S D2.
Figura 7 - BDAS de 3º grau. Observe a onda q em D1 e aVL, o padrão rS em D2 e D3, com S D3 > S D2.
Os critérios diagnósticos de BDAS estão dispostos na Tabela 2 (36). O leitor deve ficar atento aos
critérios obrigatórios e não obrigatórios. Também lembrar que em caso de onda S D2 > S D3, o padrão
provavelmente é de um S1S2S3 que bloqueio zonal subpulmonar (capítulo 8). O vetorcardiograma do
BDAS é evidenciado por alterações típicas no plano frontal: pequenas forças orientadas inferiormente e para
direita, para depois haver uma mudança no eixo dessas forças para esquerda e superiormente, desenhando
na direção “anti-horária” uma alça larga (Figura 8).
Padrão “rS” em D2, D3 e aVF, com S de D3 > D2 e QRS com duração < 120 ms (obrigatório).
Padrão “qR” em D1 ou aVL com tempo de ativação ventricular > 50 ms ou qRs com “s” mínima em D1 (não obrigatórios).
Vetorcardiograma (plano frontal): alça de inscrição anti-horária que se inicia apontando para direita e inferior e depois muda para
esquerda e superior.
Observe as forças iniciais apontando discretamente para direita e inferior, para depois, se virarem para esquerda e superior nos
planos frontal e horizontal. No plano frontal, a alça tem uma inscrição “anti-horária”, ou seja, o oposto do movimento normal dos
ponteiros de um relógio.
O diagnóstico diferencial mais importante do BDAS é a zona inativa inferior (capítulo 12), que se apresenta
classicamente com ausência de onda r nas derivações inferiores e alterações de repolarização. No
vetorcardiograma, em plano frontal, se observa uma alça de rotação horária (Figura 9).
Figura 9 - ECG que pode confundir com a possibilidade de presença de um BDAS. Observe que há onda Q em D1 e aVL. A
ausência de onda r nas derivações inferiores, no entanto, já descarta que há um BDAS. Essa mesma onda Q patológica
também está presente em V4 a V6. O vetorcardiograma comprova a presença de zona inativa inferior e de parede livre do
ventrículo esquerdo: observe que, em plano frontal, a alça vetorcardiográfica possui ativação horária, diferente da vista em
BDAS e na figura 8.
Um paciente pode, ainda, apresentar uma associação de BDAS e zona inativa inferior. A presença de r em
D2, D3 e aVF é critério obrigatório para BDAS, mas quando, por zona inativa inferior, a r está ausente, só o
vetorcardiograma consegue definir se há associação de ambas as situações, com o “sinal da mordida” no
plano frontal. O contrário pode ocorrer: um paciente pode possuir padrão rS em D2, D3 e aVF (um padrão que
pode definir BDAS) e, mesmo assim, possuir zona inativa inferior. O principal achado eletrocardiográfico
dessa situação é a inversão de T em uma ou mais dessas derivações (Figura 10).
Observe que no ECG não há sinais claros de zona inativa, pois há onda r em D2, D3 e aVF. Entretanto, para surpresa geral, o
vetorcardiograma demonstra que há sim zona inativa pelo sinal da “mordida” (demonstrado na figura pela rosquinha). Observe, em
plano frontal, que a alça vetorcardiográfica foge da parte inferior como se tivesse sido mordida. O fato de a alça ter inscrição anti-
horária demonstra a presença associada de BDAS.
Como você observou, a rotação da alça vetorcardiográfica em direção horária ou anti-horária pode dizer
muito e ter prognósticos bastante divergentes: estamos falando aqui do diagnóstico diferencial com zona
inativa inferior por infarto ou cicatriz prévia. Uma maneira de saber se a alça vetorcardiográfica de um
paciente em plano frontal é horária ou anti-horária é observar se o pico da onda R de D3 é mais precoce que
o pico da onda R de D2. Se a resposta for sim, muito provavelmente o vetorcardiograma demonstrará uma
alça anti-horária (Figura 11).
Figura 11 - Traçar uma linha no pico da onda R de D2 pode ajudar a prever se a alça vetorcardiográfica em plano frontal é
horária ou anti-horária. Se o pico da onda R de D3 vier antes do pico da onda R de D2 (como é o caso em questão), a alça
deve ter inscrição anti-horária. Imagem cedida por Marcelo Farias.
O BDAS de 1º grau ou incompleto é quando o eixo elétrico cardíaco já ultrapassou 30º (mas ainda não
atingiu – 45º) e observa-se progressão do eixo cada vez mais à esquerda em ECGs seriados ao longo do
tempo (Figura 12) (37).
Figura 12 - BDAS de 1º grau. Observe que o eixo ainda não está desviado além de -45º (S de D2 = R de D2), mas com onda
q em D1 e aVL e S D3 > S D2.
Constituem diagnósticos diferenciais para essa alteração eletrocardiográfica infarto do miocárdio antigo
(ântero-apical e inferior), sobrecarga ventricular esquerda, pré-excitação ventricular, doença pulmonar
obstrutiva crônica, eixo cardíaco horizontalizado, miocardiopatia hipertrófica, além de cardiopatias congênitas
– dentre as quais podemos citar transposição corrigida dos grandes vasos, atresia tricúspide e anomalia de
Ebstein (1,38,39).
A presença de BDPI isolado, principalmente em indivíduos hígidos, é rara. Estima-se uma prevalência que
varia entre 0,1 a 0,6% da população. Estudo de saúde pública finlandês, previamente mencionado, verificou
uma taxa de 0,12%; em coorte envolvendo 2254 pacientes com insuficiência cardíaca acompanhados em
hospital universitário terciário de Barcelona encontrou a alteração em 0,6%. Essa, por sua vez, é mais
frequentemente encontrada em associação com bloqueio de ramo direito (BRD) (27,40).
Apresenta suprimento arterial duplo: seu segmento proximal é irrigado pela artéria do nó AV e,
eventualmente, pelos ramos septais da descendente anterior; a porção distal, por sua vez, é suprida pelos
ramos perfurantes septais (anterior e posterior). Essa característica é postulada como responsável pela
infrequência desse achado eletrocardiográfico (1).
BDPI pode ser decorrente, entre outras causas, de doença arterial coronária importante, hipertensão,
doença de Chagas, miocardite, hipercalemia, cor pulmonale agudo e degeneração do sistema de condução
(41,42).
A divisão usualmente promove a ativação elétrica da porção mais baixa do septo interventricular, da
parede ínfero-lateral e do músculo papilar posteromedial. Em vigência de seu bloqueio, a estimulação inicial
pelos demais fascículos do ramo esquerdo direciona o vetor anteriormente, superiormente e para a esquerda,
resultando em ondas “r” diminutas em D1, V1 e V6. Os momentos médio e terminal da condução do estímulo
possuem alça voltada para a direita, com sentido posterior e inferior, em decorrência do retardo da
despolarização das áreas que normalmente possuem influência do fascículo posteroinferior. Como reflexo,
ocorre o desvio característico do eixo para valores entre + 90º e+ 180º, representado pelas morfologias
“qR” em D2, D3 e aVF, e rS em D1 e aVL. A duração do complexo QRS segue o mesmo padrão encontrado
no BDAS; a onda T é geralmente normal, orientada posteriormente e para cima (Figuras 13 a 15) (21,35).
Figura 13 - Representação da ativação vetorial e a sua apresentação eletrocardiográfica nas derivações do plano frontal na
presença de BDPI.
Figura 14 - Eletrocardiograma compatível com BDPI. Observe o desvio de eixo para direita, o padrão qR em D2, D3 e aVF,
com R de D3 > R de D2.
Figura 15 - Eletrocardiograma compatível com BDPI. Observe o desvio de eixo para direita, o padrão qR em D2, D3 e aVF,
com R de D3 > R de D2.
No vetorcardiograma, em plano frontal, o BDPI apresenta uma alça com rotação horária que se inicia
apontando para superior e esquerda, para depois mudar seu eixo para inferior e direita. O leitor atento
percebe que é o exato oposto do vetorcardiograma de um BDAS (Figura 16).
Padrão “qR” em D2, D3 e aVF, com R de D3 > D2 e tempo de ativação ventricular > 50 ms (obrigatório).
Padrão “rS” em D1 com QRS < 120 ms, podendo ocorrer progressão lenta da onda r de V1 a V3 (não obriga/>tório).
Vetorcardiograma (plano frontal): alça de inscrição horária que se inicia apontando para esquerda e superior e depois muda para
direita e inferior
Fazem parte de seu diagnóstico diferencial a sobrecarga ventricular direita, infarto do miocárdio antigo
(anterior, médio e inferior), pré-excitação, troca de eletrodos e até mesmo variante da normalidade
(especialmente em indivíduos jovens) (1,38,39).
ASSOCIAÇÃO DE BLOQUEIOS
Se ambos os ramos estão bloqueados em graus avançados (3º grau) em sua porção truncal, a
representação eletrocardiográfica será de bloqueio atrioventricular total (BAVT) ou o bloqueio de ramo
alternante (Figura 17).
É a associação mais comum na prática clínica, dentre outros motivos, pelo fato de que ambas as
estruturas possuem perfusão de mesma origem e são vulneráveis a traumas diretos, pois apresentam
porções superficiais em seus trajetos. Quando ocorre a coexistência entre BRD e BDAS, este último se
manifesta com um vetor basal esquerdo que contrapõe à frente de salto de onda promovida pelo primeiro no
plano do terço superior do septo interventricular.
Ao ECG, observam-se, além da morfologia e aumento da duração do complexo QRS compatíveis com
BRD (≥ 120 ms), empastamento da onda R e aumento do tempo de ativação ventricular em aVL, bem como
desvio do SâQRS para a esquerda no plano frontal. No Brasil, a primeira hipótese em um indivíduo
proveniente de área endêmica e que se apresente com esse achado eletrocardiográfico é o acometimento
cardíaco da doença de Chagas, na qual ocorre em até 40% dos casos e confere pior prognóstico. Tal
associação também é encontrada com frequência em idosos portadores de doença degenerativa do sistema
de condução, bem como cardiopatia isquêmica (40 a 60%) e no contexto de infarto agudo do miocárdio (7%).
Mais raramente, pode ocorrer em outras cardiomiopatias, doenças congênitas (especialmente defeitos do
coxim endocárdico) e após transplante cardíaco (Figura 18) (1,38,39,43).
Figura 18 - ECG compatível com BRD + BDAS. Observe que as forças iniciais apontam para a esquerda e as finais para a
direita e para frente.
Bloqueio de Ramo Direito e Bloqueio Divisional Posteroinferior
Esse é um achado menos frequente e que reflete um distúrbio de condução intraventricular mais
importante do que a associação citada no tópico anterior, uma vez que a divisão posteroinferior é mais curta e
espessa que a anterossuperior, bem como apresenta irrigação dupla e é menos sujeita a forças de
cisalhamento hemodinâmicas.
Configura uma rara associação, persistindo a doença de Chagas e a cardiopatia isquêmica como
principais etiologias. Devem ser afastadas, primeiramente, outras causas de aparecimento de forças
proeminentes anteriores, as quais já foram previamente citadas neste capítulo. Nessa combinação, a ativação
elétrica se inicia nas outras duas divisões do ramo esquerdo, levando a um atraso na despolarização da
região parasseptal, originando o desvio da parte média da ativação para frente. A concomitância das forças
finais do bloqueio de fibras médias com o início da frente de onda do BRD promove o aparecimento de ondas
R amplas em V2 e V3, de forma monofásica e com empastamento em sua porção descendente, de maneira
contrária ao que ocorre no BRD isolado (polifásica e de pequena amplitude). A despolarização ventricular
direita é retardada e ocorre após a propagação do estímulo através do septo, levando ao aumento da duração
do QRS (Figura 20) (38).
A despolarização transeptal ventricular, devido ao bloqueio de ramo esquerdo (BRE), quando sofre um
atraso adicional na transmissão do impulso nas zonas de Purkinje, resulta em morfologia clássica do BRE
associada a desvio do SâQRS para esquerda ou direita, a depender da divisão onde ocorreu o alentecimento
da condução (anterossuperior ou posteroinferior, respectivamente) (Figura 21) (1).
Figura 21 - BRE com onda q inicial em aVL e desvio de eixo para esquerda.
Pode tratar-se de bloqueio bidivisional do ramo esquerdo (BDAS + BDPI), sendo que o fascículo anterossuperior está mais
acometido. A onda q em aVL é dada pela despolarização das fibras médias.
Entretanto, a existência conjunta desses bloqueios é controversa na literatura. No que tange a BRE
associado à BDAS, razões que falam contra esse cenário incluem o fato de que o fascículo é uma divisão do
ramo esquerdo e, logo, pode-se admitir que um bloqueio proximal provoque atraso em todo o conjunto; os
critérios de BRE requerem ausência do vetor de despolarização septal em D1, aVL, V5 e V6, aspectos que
fazem parte do diagnóstico de BDAS; por fim, outra evidência contra o bloqueio simultâneo é a presença de
outras causas de desvio do eixo, tais quais infarto inferior – produzindo morfologia QS nessa parede –, infarto
anteroapical e lateral, e também presença de vias acessórias atípicas (2).
Figura 22 - Em A, observamos um ECG com BRD + BDAS + BAV 1º grau. Não se pode chamar essa associação de
bloqueios como “bloqueio trifascicular”, pois, de acordo com Mark Josephson, o intervalo HV não tem correlação com o
intervalo PR. O diagnóstico de bloqueio trifascicular pode ser feito em outras situações descritas no texto, como, por
exemplo, o demonstrado na figura B: o mesmo paciente, três meses depois, evoluiu com um bloqueio atrioventricular total,
agora sim, definitivamente, bloqueio trifascicular.
Algumas situações raras, entretanto, podem ser interpretadas como bloqueio trifascicular: síndrome
Rosenbaum-Elizari (alternância de BRD + BDAS e BRD + BDPI no mesmo paciente); e alguns casos de
bloqueios mascarados (Capítulo 8) (1).
CONCLUSÃO
Um resumo dos achados dos bloqueios de ramo direito (capítulo 8), esquerdo (capítulo 9) e divisionais
divisional está presente na figura 23.
REFERÊNCIAS
5. Demoulin JC, Kulbertus HE. Histopathological examination of concept of left hemiblock. Br Heart J.
England., 1972;34(8):807–14.
6. Massing GK, James TN. Anatomical configuration of the His bundle and bundle branches in the
human heart. Circulation. United States., 1976;53(4):609–21.
7. Durrer D, Van Dam RTH, Freud GE, Janse MJ, Meijler FL, Arzbaecher RC. Total Excitation of the
Isolated Human Heart. Circulation [Internet]. 1970;41(6):899 LP-912. Available from:
<http://circ.ahajournals.org/content/41/6/899.abstract>.
8. Medrano GA, Brenes C, De Micheli A, Sodi-Pallares D. [Simultaneous block of the anterior and
posterior subdivisions of the left branch of the bundle of His (biphasic block), and its association with
the right branch block (triphasic block). Experimental and clinical electrocardiographic study]. Arch
Inst Cardiol Mex. Mexico., 1970;40(6):752–70.
9. Piccolo E, Delise P, Raviele A, D’Este D, Totaro G, De Piccoli B, et al. The anterior displacement of
the QRS loop as a right ventricular conduction disturbance. Electrophysiologic and
vectorcardiographic study in man. J Electrocardiol [Internet]. 1980;13(3):267–74. sciencedirect.com
10. Peñaloza D, Gamboa R, Sime F. Experimental right bundle branch block in the normal human heart.
Am J Cardiol [Internet]. Elsevier., 1961;8(6):767–79. http://dx.doi.org/10.1016/0002-9149(61)90239-
9>.
11. Paparella N, Alboni P, Cappato R, Pirani R, Gruppillo P, Preziosi S, et al. Prominent anterior QRS
forces: clinical, electrocardiographic and prospective study. J Electrocardiol. United States.,
1987;20(3):233–40.
12. Bayés de Luna A, Riera AP, Baranchuk A, Chiale P, Iturralde P, Pastore C, et al. Electrocardiographic
manifestation of the middle fibers/septal fascicle block: a consensus report. J Electrocardiol [Internet].
Elsevier., 2012;45(5):454–60. doi.org
13. Uhley HN, Rivkin L. Electrocardiographic patterns following interruption of main and peripheral
branches of the canine right bundle of his. Am J Cardiol [Internet]. Elsevier., 1961;7(6):810–6. doi.org
14. Uhley HN, Rivkin L. Peripheral distribution of the canine A-V conduction system; observations on
gross morphology. Am J Cardiol. United States., 1960;5:688–91.
15. Mahaim I. Les Maladies Organiques du Faisceau de His-Tawara. Paris: Masson & Cie;1931.
16. Medrano GA, De Micheli A. Contribution experimental al diagnóstico de los bloqueos fasciculares
derechos. Arch. Inst. Cardiol. Mex., 1975.
17. De Micheli A, Medrano GA, Martinez R. Right fascicular and truncular blocks in 100 cases of atrial
septal defect. In World Congress of Cardiology, 8. ed. Tokyo;1978. p. 233.
18. Pastore C, Pinho J, Pinho C, Samesima N, Pereira-Filho H, Kruse J, et al. III Diretrizes da Sociedade
Brasileira de Cardiologia sobre análise e emissão de laudos eletrocardiográficos. Arq Bras Cardiol
[Internet]. Arquivos Brasileiros de Cardiologia; 2016 [cited 2018 Dec 7];106(4):1–23. gnresearch.org
19. Oppenheimer B, Rothschild M. Electrocardiographic changes associated with myocardial
involvement: With special reference to prognosis. J Am Med Assoc [Internet]. 1917;LXIX(6):429– 31.
doi.org
20. Pastore C, J Moffa P, O Spiritus M, M Tobias N, P de Moraes A, Del Nero Júnior E, et al. [Fascicular
blocks of the right branch. Standardization of vectorelectrocardiographic findings]. Arquivos brasileiros
de cardiologia., 1983:161-166.
21. Surawicz B, Childers R, Deal BJ, Gettes LS, Bailey JJ, Gorgels A, et al. AHA/ACCF/HRS
recommendations for the standardization and interpretation of the electrocardiogram: part III:
intraventricular conduction disturbances: a scientific statement from the American Heart Association
Electrocardiography and Arrhythmias Committee,. J Am Coll Cardiol. United States.,
2009;53(11):976–81.
25. Hoffman I, Mehta J, Hilsenrath J, Hamby RI. Anterior conduction delay: a possible cause for
prominent anterior QRS forces. J Electrocardiol. United States., 1976;9(1):15–21.
26. Perez Riera AR, Ferreira C, Ferreira Filho C, Meneghini A, Uchida AH, Moffa PJ, et al.
Electrovectorcardiographic diagnosis of left septal fascicular block: anatomic and clinical
considerations. Ann Noninvasive Electrocardiol. United States., 2011;16(2):196–207.
27. Haataja P, Nikus K, Kahonen M, Huhtala H, Nieminen T, Jula A, et al. Prevalence of ventricular
conduction blocks in the resting electrocardiogram in a general population: the Health 2000 Survey.
Int J Cardiol. Netherlands., 2013;167(5):1953–60.
28. Kelley GP, Stellingworth MA, Broyles S, Glancy DL. Electrocardiographic findings in 888 patients > or
=90 years of age. Am J Cardiol. United States., 2006;98(11):1512–4.
29. Habicht JM, Scherr P, Zerkowski HR, Hoffmann A. Late conduction defects following aortic valve
replacement. J Heart Valve Dis. England., 2000;9(5):629–32.
30. Khalil MM, Rifaie OA. Electrocardiographic changes in obstructive sleep apnoea syndrome. Respir
Med. England., 1998;92(1):25–7.
31. Assali A, Sclarovsky S, Herz I, Solodky A, Sulkes J, Strasberg B. Importance of left anterior hemiblock
development in inferior wall acute myocardial infarction. Am J Cardiol. United States.,
1997;79(5):672–4.
32. Ozdemir K, Uluca Y, Danis G, Tokac M, Altunkeser BB, Telli HH, et al. Importance of left anterior
hemiblock development in inferior wall acute myocardial infarction. Angiology. United States.,
2001;52(11):743–7.
33. Jacobson LB, LaFollette L, Cohn K. An appraisal of initial QRS forces in left anterior fascicular block.
Am Heart J. United States., 1977;94(4):407–13.
34. Yano K, Peskoe SM, Rhoads GG, Moore JO, Kagan A. Left axis deviation and left anterior hemiblock
among 8,000 Japanese-American men. Am J Cardiol. United States., 1975;35(6):809–15.
35. Willems JL, Robles de Medina EO, Bernard R, Coumel P, Fisch C, Krikler D, et al. Criteria for
intraventricular conduction disturbances and pre-excitation. World Health Organizational/International
Society and Federation for Cardiology Task Force Ad Hoc. J Am Coll Cardiol. United States.,
1985;5(6):1261–75.
36. Pastore CA, Pinho JA, Pinho C, Samesima N, Pereira Filho HG, Kruse JCL, et al. [Not Available]. Arq
Bras Cardiol. Brazil., 2016;106(4 Suppl 1):1–23.
37. Elizari M V., Acunzo RS, Ferreiro M. Hemiblocks revisited. Circulation., 2007;115(9):1154–63.
38. Moffa PJ, Sanches PCR. Eletrocardiograma normal e patológico – Tranchesi. Roca;2001. 936p.
39. Sanches PCR, Moffa PJ. Eletrocardiograma, uma abordagem didática. Roca;2010. 368p.
40. Cinca J, Mendez A, Puig T, Ferrero A, Roig E, Vazquez R, et al. Differential clinical characteristics and
prognosis of intraventricular conduction defects in patients with chronic heart failure. Eur J Heart Fail.
England., 2013;15(8):877–84.
41. Godat FJ, Gertsch M. Isolated left posterior fascicular block: a reliable marker for inferior myocardial
infarction and associated severe coronary artery disease. Clin Cardiol. United States.,
1993;16(3):220–6.
42. Madias JE, Knez P. Transient left posterior hemiblock during myocardial ischemia-eliciting exercise
treadmill testing: a report of a case and a critical analysis of the literature. J Electrocardiol. United
States., 1999;32(1):57–64.
43. De Micheli A, Medrano G, Aranda A. En torno a los bloqueos polifasciculares no complicados y
complicados. Arch Cardiol Mex., 2002;72:240–8.
44. Veloso H, Ginefra P. Bloqueio trifascicular e repolarização ventricular. Revista da SOCERJ.,
2005:569-570.
45. Rosen KM, Ehsani A, Rahimtoola SH. H-V intervals in left bundle-branch block. Clinical and
electrocardiographic correlations. Circulation. United States., 1972;46(4):717–23.
46. Josephson ME. Josephson’s Clinical Cardiac Electrophysiology. Wolters Kluwer Health;2015.
Capítulo 11
Alterações Da Repolarização Ventricular
Renato de Aguiar Hortegal
INTRODUÇÃO
Como sabemos, as ondas eletrocardiográficas não medem a atividade elétrica pura que ocorre no coração
e sim os vetores resultantes das diferenças da duração dos potenciais de ação (DPA) nas diferentes regiões
do coração. Dessa forma, a onda T expressa as diferenças da recuperação elétrica entre as diferentes partes
dos ventrículos.
Existe nos ventrículos um fenômeno natural de cancelamento de vetores que causa grande redução nos
potenciais elétricos de superfície do corpo humano e, consequentemente, na amplitude normal das ondas
eletrocardiográficas e loops vetorcardiográficos. Aproximadamente 75% da energia elétrica envolvida no
processo de despolarização ventricular sofre cancelamento vetorial, esse fenômeno atinge proporções ainda
maiores durante a repolarização dos ventrículos: 92 a 99% (1), por isso a onda T normalmente não ultrapassa
25% da amplitude do complexo QRS.
Dois modelos teóricos coexistem para explicação da repolarização ventricular: 1) a teoria clássica do
modelo do dipolo cardíaco e 2) a teoria da diferença de duração dos potenciais de ação transmembrana
(DPA). Ambas as teorias são importantes para a compreensão de muitos dos conceitos vistos no estudo de
eletrocardiografia e vetorcardiografia.
Um dipolo é uma abstração matemática obtida do conjunto formado ao separar duas cargas elétricas de
polaridade contrária a uma distância "d". Uma corrente elétrica parte de uma fonte (source) seguindo através
das linhas de força em direção a um dissipador (sink) (3). Uma vez que o dipolo possui magnitude e direção,
ele pode ser considerado uma grandeza vetorial e representado a partir de vetores.
A teoria do dipolo cardíaco assume que o fluxo de íons através da membrana celular do coração atua
como fonte elétrica e que cada porção ativa da membrana atua efetivamente como um dipolo de corrente
infinitesimal (3). A soma de todos esses elementos dipolo é o campo elétrico cardíaco (Figura 1).
Figura 1 - A teoria do dipolo cardíaco parte do pressuposto que o coração pode ser tratado como um dipolo elétrico de
corrente infinitesimal. Assim, os vetores que representam as ondas de ativação e repolarização sempre apontam para a
carga positiva.
Do ponto de vista eletrocardiográfico, Wilson et al (4) propuseram o modelo do dipolo cardíaco com a ideia
que a atividade elétrica registrada nas derivações periféricas poderia ser aproximada através de um dipolo de
magnitude e orientação variáveis, de localização fixa em uma esfera homogênea. Sodi-Pallares sintetizou os
conceitos postulados por Wilson de maneira precisa: “em um meio de tecido excitáveis, a ativação elétrica
pode ser considerada como a crista de uma onda rápida que deixa para trás uma origem (source) de polo
negativo em direção a um dissipador (sink) com polo positivo” (2). Dessa forma, o vetor que representa a
onda de ativação e repolarização sempre aponta para a carga positiva.
Esse raciocínio pode ser aplicado quando ocorre a chegada da onda de ativação elétrica do coração, que
causa uma súbita migração da polaridade para potencial negativo da superfície externa celular no sentido
endocárdio-epicárdio, o que resulta no vetor QRS: expressão da diferença de potencial endocárdio (–) Ž
epicárdio (+). Isto gera o registro do complexo QRS no ECG com morfologia em pico, de grande amplitude,
rápida velocidade e com polaridade predominantemente positiva no eletrocardiograma.
Em A, observamos que a despolarização cardíaca começa no endocárdio e vai em direção ao epicárdio. Em B, observamos que,
assim como vimos em A, o potencial de ação da célula endocárdica se inicia primeiro. O epicárdio é que começa a repolarizar
primeiro. A repolarização segue sentido contrário da despolarização. Em C, observamos exatamente isso: os vetores de
despolarização e repolarização são opostos. Como a despolarização em si é um fenômeno elétrico oposto à repolarização, a
combinação “oposto + oposto” acaba por formar “semelhante”, sendo o complexo QRS e a onda T normalmente concordantes.
Figura 3 - A nível ventricular, a soma do potencial de ação transmembrana (APD) resulta na onda T normal (concordante
com o complexo RS)
Uma vez que, em condições normais, os vetores QRS e T têm a mesma polaridade endocárdio (-) e
epicárdio (+), o complexo QRS e a onda T devem ter a mesma polaridade nas diferentes derivações
eletrocardiográficas (exceto em aVR, a derivação que “olha” para interior das cavidades) e o loop T deve estar
inserido dentro do loop QRS no plano tridimensional vetorcardiográfico.
A segunda teoria explica a concordância do complexo QRS e da onda T na maioria das derivações a partir
das diferenças de duração do potencial de ação transmembrana do endocárdio e epicárdio. Em condições de
normalidade, a DPA é maior no endocárdio em relação ao epicárdio, maior na base em relação ao ápice
cardíaco e maior no ventrículo direito em relação ao ventrículo esquerdo (1) (Figura 4).
Figura 4 - Relação entre os potenciais de ação, sequência da repolarização e o eletrocardiograma: a onda T é determinada
pelas diferenças entre os potenciais de ação, assim como pelas diferenças dos tempos para completar a repolarização (A).
A pequena porção final da onda T (azul escuro) é primordialmente determinada pela sequência da repolarização (B), ou
seja, pelo momento do fim da repolarização nas diferentes partes do ventrículo (C).
Desde os trabalhos de Burdon-Sanderson e Page (5), em 1880, até o trabalho de Noble e Cohen de 1978
(6) já se apontava para a existência da dispersão ápice-base da repolarização. Essa teoria permaneceu até o
início da década de 90 quando foi substituída pela teoria da dispersão transmural.
Essas células teriam duração do potencial de ação consideravelmente maior quando comparadas ao
epicárdio e endocárdio. Por outro lado, Burton et al (5) preconizam que a presença de M cells não é pré-
requisito para aexistência do gradiente transmural.
Em suma, diversos fatores como genética, anatomia, íons e fisiológica determinam as características
eletrofisiológicas peculiares das diferentes partes dos ventrículos e que produzem uma dispersão fisiológica
da repolarização ventricular.
Como vimos, em condições de normalidade, existe um gradiente fisiológico da repolarização que é dado
pelas diferenças da DPA. Isto se dá porque em condições de normalidade, a súbita onda de ativação elétrica
(despolarização) atinge rapidamente as diferentes partes do ventrículo de maneira bastante uniforme
(aproximadamente 34 ms), enquanto o período refratário é menos homogêneo, apresentando uma pequena
dispersão de até 40 ms (12). Assim, as regiões que se ativam primeiro podem não ser as primeiras a
completar a repolarização devido às diferenças fisiológicas da repolarização.
Entretanto, algumas condições anômalas como zonas eletricamente inativas determinada por fibrose
intracelular ou hipertrofia ventricular podem alterar os tempos de ativação ventricular (12,13). Assim, surge o
conceito de tempo total de recuperação (“total recovery time”), que é dado pela soma do tempo de ativação
com o seu período refratário (8,12).
A análise morfológica da onda T permite inferir os elementos do tempo de recuperação total ventricular
aqui apresentados: a porção da onda T que vai do seu início até seu pico tem maior duração e velocidade
lenta. No momento em que a onda T atinge seu pico, apenas 25% do miocárdio ventricular está plenamente
repolarizado (14). Essa primeira e maior parte da onda T sofre maior influência das diferenças nas
características do potencial de ação entre as diversas partes do ventrículo (8).
A segunda parte da onda T tem menor duração, velocidade menos lenta e está primordialmente
determinada pelo momento do fim da repolarização de cada parte do ventrículo, em outras palavras, pela
sequência da repolarização ventricular (8) (Figura 5).
Figura 5 - O conceito tempo de recuperação total (RT) engloba o tempo de ativação (AT) quanto à duração do potencial de
ação (APD).
O fenômeno dispersão da repolarização ventricular apresentado faz com que a onda de recuperação
elétrica não se propague exatamente na mesma sequência da despolarização.
A consequência direta desse fenômeno é uma diferença na orientação do vetor QRS e do vetor T. Isto
resulta no surgimento um terceiro vetor: o Vetor Gradiente ou Gradiente Ventricular.
Wilson et al (15) moldaram as bases do conceito de gradiente ventricular em 1933: “... se a totalidade do
músculo ventricular passasse pelo período de excitação ao mesmo tempo e da mesma maneira, a área QRS
e a área T seriam iguais em magnitude absoluta, porém com sinal oposto e a área QRST seria zero. A área
QRST é uma medida dos efeitos elétricos produzidos pelas variações locais no processo excitatório". Ashman
e Bayley ampliaram o conceito e estenderam a aplicação clínica desse conceito. Assim, o gradiente
ventricular medido pelo eletrocardiograma indicaria em um simples vetor, a diferença média na duração do
estado excitado ou, como definido por Ashman: "o efeito elétrico resultante nas diferenças de tempo do curso
do processo de despolarização e repolarização" (16).
Com isso, a área total sob a curva do intervalo QT em uma determinada derivação eletrocardiográfica, a
“QRST integral”, depende apenas da heterogeneidade das durações do potencial de ação do coração,
independentemente da ordem de ativação elétrica. Desde então, esse parâmetro foi tratado como ferramenta
para auxiliar na discriminação das alterações da onda T primárias versus onda T secundária. Ao aplicar o
conceito escalar de área QRST de Wilson no vetorcardiograma espacial (“spatial vectocardiogram”), as
publicações subsequentes de Burch (17) e Burger (18) passaram a abordar o conceito de Gradiente
Ventricular como um vetor no espaço coexistindo com a abordagem escalar do QRST integral de Wilson. Em
1983, Geselowitz (19) provou que o QRST integral é determinado mais pela heterogeneidade espacial da
área sob a curva do potencial de ação do que pela heterogeneidade do potencial de ação em si. Portanto,
picos, amplitudes e inclinações das deflexões eletrocardiográficas influenciam o valor do gradiente ventricular
(20).
O vetor do gradiente ventricular espacial se posiciona partindo da região com maior potencial de ação em
direção a áreas de menor DPA, logo ele aponta da direita para esquerda, de trás para frente e de cima para
baixo (20), ou seja, algo em torno de 60 graus em relação eixo anatômico longitudinal do coração conforme
postulado clássico de Ashman e Byer (2).
ALTERAÇÕES DA ONDA T
As alterações da onda T podem ser secundárias (onda T secundária) ou primárias (onda T primária).
A onda T secundária ocorre quando um distúrbio na despolarização (complexo QRS) leva a uma
alteração da repolarização ventricular. Isto acontece nos casos de bloqueio de ramo, pré-excitação ventricular,
sobrecarga ventricular com padrão strain ou extrassístoles ventriculares. A onda T secundária tem morfologia
assimétrica e polaridade discordante do complexo QRS (onda T negativa secundária).
A onda T primária ocorre quando algum fator patológico altera o gradiente ventricular fisiológico (alteração
da excitação celular, duração/ morfologia do potencial de ação). A presença de isquemia ventricular aguda,
distúrbios metabólicos ou o uso os fármacos (como da classe III de Vaughan Willians, por exemplo) podem
levar a alterações primárias da repolarização ventricular. Abildskov (22) conseguiu demostrar o componente
puro da onda T primária após extrair artificialmente os componentes QRS e onda T secundária do traçado
(Figura 6).
Figura 6 - Diagrama de Abildskov ilustra a base teórica da onda T primária: representa-se o complexo QRS e as ondas T
secundária e primária.
A morfologia da onda T é determinada pela sequência de ativação e pelas propriedades intrínsecas da repolarização. A onda T
secundária é aquela que ocorre quando todos os potenciais de ação dos ventrículos possuem configuração uniforme, portanto a
área da onda T secundária deve ser igual a área do QRS. A subtração do QRS e a onda T secundária do registro resultam em um
QRS isoelétrico e em uma onda T primária, a qual tem sua morfologia determinada exclusivamente pelas propriedades intrínsecas
da repolarização ventricular, ou seja, pelo gradiente ventricular.
A onda T primária tem como característica principal a morfologia simétrica, seja com polaridade
concordante (onda T primária positiva) ou discordante (onda T primária negativa) com o complexo QRS. A
onda T primária frequentemente se acompanha de intervalo QT prolongado, pode ainda apresentar "notchs"
em sua superfície. Ao vetorcardiograma, o loop T apresenta um aspecto característico de morfologia
arredondada podendo se acompanhar ou não de distúrbios grosseiros da trajetória (Figura 7).
Figura 7 - Figura ilustra a aplicação prática do vetorcardiograma para a discriminação da onda T primária versus
secundária: enquanto a onda T secundária tem um formato elíptico com localização fora do loop QRS, a onda T primária
tem uma típica morfologia esférica.
Figura 8 - Macroalternância da onda T (observe que a T muda de amplitude batimento a batimento), esse achado denota
uma grande instabilidade elétrica ventricular com oscilação do gradiente ventricular ciclo a ciclo.
Após desligamento do estímulo de marca-passo, o coração retomou o ritmo sinusal normal, o complexo
QRS retornou à sua duração normal, entretanto as ondas T permaneceram alteradas. Esse fenômeno de
memória pode durar por vários dias e explica o porquê de algumas alterações de repolarização persistirem
após episódios de taquiarritmias, implantes de marca-passos provisórios etc.
Figura 9 - O padrão de bloqueio de ramo esquerdo transitório espontâneo ou induzido por marca-passo habitualmente se
acompanha uma morfologia de T secundária (A) que pode persistir mesmo após a normalização da ativação ventricular. A
presença de alça T com morfologia primária pode auxiliar na identificação de causas como isquemia cardíaca.
ONDAS T AMPLAS E SEUS DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
Em algumas situações, a repolarização ventricular pode acontecer de uma maneira precoce, aproximando
temporalmente os processos de ativação e recuperação ventricular e consequentemente produzindo
alterações desde ponto J (início do segmento ST). Dois diagnósticos diferenciais devem ser contemplados
inicialmente quando estamos diante de onda T positiva e alta: isquemia ventricular em fase hiperaguda e
hipercalemia: a Figura 10 a aborda os principais aspectos a serem levados em conta para o diagnóstico
diferencial eletrocardiográfico.
Figura 10 - O diagnóstico diferencial da onda T alta: a simetria e formato pontiagudo e o quão ampla é sua base são
caraterísticas determinantes.
A transecção do gânglio estrelado esquerdo produz inversão da polaridade da onda T com prolongamento
do intervalo QT, enquanto a estimulação do gânglio estrelado direito produz inversão da polaridade da onda T,
mas com encurtamento do intervalo QT(27).
Esse conjunto de informações nos permite ilações importantes sobre o grande impacto do sistema
nervoso autônomo (SNA) sobre fenômenos elétricos do coração.
Logo, vários parâmetros foram propostos para esse fim: a variabilidade do intervalo RR, a variabilidade do
intervalo QT e a turbulência da frequência cardíaca (HRT – heart rate turbulence).
A repolarização elétrica é um processo complexo e sensível a múltiplos fatores tais como modulação
autonômica, mutação genética, fármacos, ciclo menstrual, temperatura, isquemia, acoplamento elétrico ao
miocárdio adjacente.
Um mecanismo fundamental que contribui para repolarização do ventrículo humano é a corrente Ik (time-
dependent outward potassium current), principalmente seus componentes Ikr e Iks (28).
Dada a natureza estática da relação entre os Ik e outros componentes da repolarização que determinam
uma "reserva" contra a inibição dos Ik (e assim contra o prolongamento do intervalo QT), Roden (28) lançou o
conceito de “reserva de repolarização”.
Embora esse conceito seja importante para explicar a homeostase elétrica do processo de repolarização e
da idiossincrasia da vulnerabilidade a taquiarritmias malignas, não há uma técnica bem estabelecida para
mensurar a reserva da repolarização.
Existe uma preocupação crescente em busca de parâmetros que melhorem a estratificação do risco de
morte súbita. No decorrer do tempo, múltiplos parâmetros foram propostos.
Dentre eles, o intervalo QT corrigido é um parâmetro bastante conhecido como estratificador de morte
súbita. Uma coorte prospectiva de indivíduos com mais de 55 anos e QTc prolongado (> 450 ms para sexo
masculino e > 470 ms para sexo feminino) foi associado ao aumento de três vezes no risco de morte súbita
(29) (Capítulo 24).
Contudo, é comum nos deparamos com algumas limitações, visto que muitos indivíduos que cursam com
morte súbita apresentam QTc normal e, em outros, o QTc pode ter análise prejudicada devido a presença de
bloqueio ou atraso da condução intraventricular (30).
Um estudo finlandês envolvendo 10864 indivíduos de meia idade com follow up médio de 30 anos
evidenciou que portadores de padrão eletrocardiográfico de repolarização precoce com elevação do ponto J
(≥ 0.2 mV) nas derivações inferior e lateral têm três vezes mais risco de morte súbita de causa cardíaca e
arritmogênica (31) (Capítulo 24). Entretanto, o padrão de repolarização não é recomendado para
estratificação de risco individual de morte súbita isoladamente (32).
Existe ainda a avaliação de parâmetros que afere o tônus autonômico como a variabilidade do intervalo
RR. Dentre eles, o HRT é um preditor potente de eventos cardíacos em indivíduos pós-infarto do miocárdico,
bem como em pacientes com insuficiência cardíaca (33).
O intervalo entre o pico da onda T (Tpeak) e seu final (Tend), também denominado “Tp-Te” (Figura 11), é
proposto como um estratificador de morte súbita na população geral, em indivíduos com infarto submetidos à
angioplastia primária, Cardiomiopatia Hipertrófica, QT longo congênito e adquirido.
Contudo, não há valores de corte definidos na literatura: valores > 100 ms para indivíduos com infarto do
miocárdio, > 113 ms no contexto de bradiarritmias foram identificados como de alto risco (30).
Panikkath et al (34), aferiu o Tp-Te preferencialmente na derivação V5 e sugere um cut-off mais baixo
(algo em torno de 85 a 95 ms), devido ao fato que a utilização de um valor de corte de 100 ms em uma
população mais heterogênea obteve especificidade de 97%, porém com sensibilidade de apenas 27% (Figura
12).
Figura 12 - Performance diagnóstica do Tp-Te, mostrando uma área sob a curva superior a apresentada pelo QTc e QRS.
A correção do Tp-Te pelo intervalo QT pode ser uma ferramenta interessante e tem sido proposto com
marcador arritmogênico em síndrome do QT longo e Cardiomiopatia Hipertrófica. O valor de corte inicialmente
sugerido é de 0,21.
Figura 13 - Parâmetros de Heterogeneidade Elétrica Global associados a variáveis clínicas e predição de morte súbita (MS)
na população do estudo ARIC.
REFERÊNCIAS
1. Draisma HHM, Schalij MJ, van der Wall EE, Swenne CA. Elucidation of the spatial ventricular gradient
and its link with dispersion of repolarization. Heart Rhythm. 2006.
2. Sodi-Pallares D. New Bases of Electrocardiography [Internet]. St Louis: Mosby; 1956.
books.google.com.br
3. Geselowitz DB. Dipole theory in electrocardiography. Am J Cardiol. 1964;14(4):361.
4. Wilson FN, Macleod AG, Barker PS, Johnston FD. The determination and the significance of the
areas of the ventricular deflections of the electrocardiogram. Am Heart J. 1934;
5. Burton FL, Cobbe SM. Dispersion of ventricular repolarization and refractory period. Cardiovascular
Research. 2001.
6. Noble D, Cohen I. The interpretation of the T wave of the electrocardiogram. Cardiovasc Res. 1978
Jan;12(1):13–27.
7. Laurita KR, Katra R, Wible B, Wan X, Koo MH. Transmural heterogeneity of calcium handling in
canine. Circ Res. 2003;
8. Boukens BJ, Walton R, Meijborg VM, Coronel R. Transmural electrophysiological heterogeneity, the
T-wave and ventricular arrhythmias. Progress in Biophysics and Molecular Biology. 2016.
9. Antzelevitch C, Sicouri S, Litovsky SH, Lukas A, Krishnan SC, Di Diego JM, et al. Heterogeneity
within the ventricular wall. Electrophysiology and pharmacology of epicardial, endocardial, and M
cells. Circ Res. 1991;
10. Yan G-X, Antzelevitch C. Cellular Basis for the Normal T Wave and the Electrocardiographic
Manifestations of the Long-QT Syndrome. Circulation. 1998;3(98):1928–36.
11. Wilson LD, Jennings MM, Rosenbaum DS. Point: M cells are present in the ventricular myocardium.
Heart Rhythm. 2011.
12. Vassallo JA, Cassidy DM, Kindwall KE, Marchlinski FE, Josephson ME. Nonuniform recovery of
excitability in the left ventricle. Circulation. 1988;
13. Bacharova L, Ugander M. Left Ventricular Hypertrophy: The Relationship between the
Electrocardiogram and Cardiovascular Magnetic Resonance Imaging. Ann Noninvasive
Electrocardiogr. 2014;19(6):524–33.
14. Meijborg VMF, Conrath CE, Opthof T, Belterman CNW, De Bakker JMT, Coronel R.
Electrocardiographic T wave and its relation with ventricular repolarization along major anatomical
axes. Circ Arrhythmia Electrophysiol. 2014;
15. Wilson FN, Hill IGW, Johnston FD. The form of the electrocardiogram in experimental myocardial
infarction. I. Septal infarcts and the origin of the preliminary deflections of the canine levocardiogram.
Am Heart J. 1934;
16. Ashman R, Byer E. The normal human ventricular gradient. I. Factors which affect its direction and its
relation to the mean QRS axis. Am Heart J. 1943;
17. Burch BGE, Abildskov JA, Cronvich JA. A study of the Spatial Vectorcardiogram of Study of the
Ventricular Gradient. Circulation. 1954;c:267–75.
18. Burger HC. A theoretical elucidation of the notion “ventricular gradient.” Am Heart J. 1957;
19. Geselowitz DB. The Ventricular Gradient Revisited: Relation to the Area Under the Action Potential.
IEEE Trans Biomed Eng. 1983;
20. Draisma HHM, Schalij MJ, van der Wall EE, Swenne CA. Elucidation of the spatial ventricular gradient
and its link with dispersion of repolarization. Heart Rhythm. 2006.
21. Waks JW, Tereshchenko LG. Global electrical heterogeneity: A review of the spatial ventricular
gradient. J Electrocardiol. 2016;
22. Abildskov JA, Burgess MJ, Millar K, Wyatt R, Baule G. The primary T wave-a new
electrocardiographic waveform. Am Heart J. 1971;
23. Hohnloser SH, Ikeda T, Bloomfield D, Dabbous O, Cohen R. T-wave alternans negative coronary
patients with low ejection and benefit from defibrillator implantation. Lancet. 2013;362:125–6.
24. Gehi AK, Stein RH, Metz LD, Gomes JA. Microvolt T-wave alternans for the risk stratification of
ventricular tachyarrhythmic events: A meta-analysis. J Am Coll Cardiol. 2005;
25. Electrotonic modulation of the T wave and cardiac memory. Am J Cardiol. 1982;50(2):213–21.
26. Kors JA, De Bruyne MC, Hoes AW, Van Herpen G, Hofman A, Van Bemmel JH, et al. T axis as an
indicator of risk of cardiac events in elderly people. Lancet. 1998;
27. MacFarlane P, van Oosterom A, Pahlm O, Kligfield P, Janse M, Camm J, editors. Comprehensive
Electrocardiology. 2nd ed. London: Springer; 2011.
28. Roden DM. Editorial: Repolarization reserve: A moving target. Circulation. 2008;
29. Montanez A, Ruskin JN, Hebert PR, Lamas GA, Hennekens CH. Prolonged QTc Interval and Risks of
Total and Cardiovascular Mortality and Sudden Death in the General Population: A Review and
Qualitative Overview of the Prospective Cohort Studies. Archives of Internal Medicine. 2004.
30. Antzelevitch C, Sicouri S, Di Diego JM, Burashnikov A, Viskin S, Shimizu W, et al. Does TpeakTend
provide an index of transmural dispersion of repolarization? Hear Rhythm. 2007;
31. Tikkanen JT, Anttonen O, Junttila MJ, Aro AL, Kerola T, Rissanen HA, et al. Long-Term Outcome
Associated with Early Repolarization on Electrocardiography. N Engl J Med [Internet]. 2009 Dec
24;361(26):2529–37. doi.org
32. Wellens HJJ, Schwartz PJ, Lindemans FW, Buxton AE, Goldberger JJ, Hohnloser SH, et al. Risk
stratification for sudden cardiac death: Current status and challenges for the future. Eur Heart J. 2014;
33. Disertori M, Masè M, Rigoni M, Nollo G, Ravelli F. Heart Rate Turbulence is a Powerful Predictor of
Cardiac Death and Ventricular Arrhythmias in Postmyocardial Infarction and Heart Failure Patients: A
Systematic Review and Meta-Analysis. Circ Arrhythmia Electrophysiol. 2016;
34. Panikkath R, Reinier K, Uy-evanado A, Teodorescu C, Mariani R, Gunson K, et al. Prolonged Tpeak-
to-Tend Interval on the Resting ECG Is Associated With Increased Risk of Sudden Cardiac Death.
Circ Arrhythm Electrophysiol. 2011;4(4):441–7.
35. Kabir M, Ghafoori E, Biggs ML, Henrikson CA, Sotoodehnia N, Biering-sørensen T, et al. Global
Electrical Heterogeneity Risk Score for Prediction of Sudden Cardiac Death in the General Population
: The Atherosclerosis Risk in Communities ( ARIC ) and Cardiovascular Health (CHS ) Studies.
Circulation. 2016;7(133):2222–34.
Capítulo 12
O ECG Nas Síndromes Coronarianas Agudas
José Nunes de Alencar Neto | Louis Nakayama Ohe | Renato de Aguiar Hortegal
INTRODUÇÃO
Nos Estados Unidos, 400 mil pessoas morrem anualmente por síndrome coronária aguda e mais de 1
milhão sofrem eventos isquêmicos cardíacos (1). No Brasil, 100 mil pessoas morrem anualmente por doença
isquêmica cardíaca.
O capítulo é longo, portanto, vale falar da sua organização hierárquica. Iniciamos com uma introdução
sobre síndrome coronariana aguda e isquemia miocárdica. Depois começamos a falar de ECG em sequência:
isquemia subendocárdica, lesão subendocárdica, lesão transmural e zonas inativas. Ao fim, falaremos dos
critérios de reperfusão.
Dois tipos de lesão são mais frequentemente envolvidos em um evento isquêmico agudo: erosão e ruptura
da placa. A calcificação da placa é um evento mais raro, acometendo de 2 a 7% dos pacientes (2). É
importante enfatizar que, ao contrário do que muitos pensam, ruptura de placa e formação de trombo não
causam síndrome coronária aguda e comumente são eventos rotineiros assintomáticos em portadores de
doença arterial coronariana (3,4). Dessa forma, não só a ruptura ou erosão da placa podem ser
responsabilizadas por um evento isquêmico, mas uma conjuntura de outros fatores (Figura 1). Até mesmo as
placas consideradas de muito alto risco para ruptura (as chamadas "fibroateromas de capa fina") parecem ter
comportamento dinâmico com o passar do tempo, obtendo uma capa mais grossa; enquanto outras de capa
grossa evoluem para capa fina (dados que necessitam de mais evidência) (5).
Figura 1 - A cascata de eventos na gênese da síndrome coronária aguda é multifatorial e não está ainda perfeitamente
elucidada. Atuam nessa cascata fatores relacionados à placa, à hemodinâmica, fatores hemostáticos, metabólicos e
inflamatórios, desbalanço neuro-hormonal, fatores ambientais e fatores intrínsecos ao indivíduo.
Outro conceito que parece lógico e racional, mas que carece de comprovação é o de que "lesões com
maior volume possuem maior risco de romper-se". O clássico estudo CASS demonstrou que pacientes com
lesões coronárias > 50% possuíam maior risco de infarto que aqueles que não possuíam esse grau de lesões
(6). Entretanto, há um fator confundidor: pacientes que possuem lesão > 50% provavelmente possuem
doença coronária mais extensa, tendo, possivelmente, outras lesões passíveis de ruptura/erosão e maior
frequência desses eventos. Na verdade, estudos mostram que eventos agudos surgem de lesões com
diâmetros maiores que 25% a 50% (7,8).
A sequência de eventos, que deve ocorrer para um evento coronariano agudo, vem sendo chamada na
literatura de “tempestade perfeita”, uma convergência lastimável entre a ruptura/erosão de uma placa e um
estado pró-trombótico momentâneo (Figura 2) (9).
A: secção transversal de uma coronária normal. B: placa aterosclerótica acumulada levando ao remodelamento vascular e redução
luminal. C: ruptura e hemorragia de uma placa levando a um trombo intramural. Na vasta maioria dos casos, a placa irá cicatrizar e
aumentar de volume, reduzindo o lúmen (D). Em alguns casos, o material é embolizado distalmente, causando sintomas de
insuficiência coronária ou microinfartos assintomáticos (E). Se a ruptura da placa coincide com um estado pró-trombótico, trombose
arterial e oclusão podem ocorrer, levando a um evento coronário agudo.
ISQUEMIA
O miocárdio usa ATP (adenosina trifosfato) como fonte primária de energia. ATP é produzido através da
metabolização de glicose, gorduras ou proteínas. Em caso de redução na oferta sanguínea por oclusão de
vaso coronário, os miócitos mudam seu metabolismo para anaeróbico, utilizando as reservas de glicogênio e
reduzem a contratilidade para reduzir a demanda. Esses dois fatores protetores funcionam por 20 a 30
minutos. Se o fluxo sanguíneo não for reestabelecido antes disso, haverá morte celular (10). A sequência de
eventos imediatamente posteriores à oclusão coronária está descrita na figura 3, a famosa Cascata
Isquêmica (11).
Figura 4 - Secção transversal da parede livre do ventrículo esquerdo. Observe que o endocárdio é uma região naturalmente
mais suscetível a desbalanços na relação oferta-demanda.
Figura 5 - A progressão da isquemia miocárdica secundária à oclusão de uma coronária epicárdica é previsível: se inicia
no endocárdio e progride em direção ao epicárdio. A sequência de eventos está descrita na figura e explica a razão pela
qual a primeira alteração eletrocardiográfica a aparecer após uma oclusão coronária é a onda T primária (isquemia
transmural). No decorrer do processo, quando a lesão já progrediu por completo e é transmural, ocorre
supradesnivelamento do segmento ST. Se o fluxo sanguíneo não for reestabelecido, toda a área em risco irá morrer e o
tecido se tornará fibrótico (onda Q).
Figura 6 - Graus de isquemia de Birnbaum-Sclarovsky.
Na linha de cima, observamos o que ocorre em uma derivação que normalmente possua complexo Rs (por exemplo, D2 e V5)
quando uma coronária epicárdica é ocluída. O grau 1 é o aparecimento de uma onda T primária, de base larga e simétrica; o grau 2
evidencia um supradesnivelamento do ponto J não acompanhada de distorção da porção terminal do QRS; No grau 3, o
supradesnivelamento altera a porção terminal do QRS: aumento na amplitude da onda R e desaparecimento de ondas S. Na linha
de baixo, está demonstrada a sequência em derivações que possuem qR (D1 e aVL, ou áreas onde a isquemia já é longa o
bastante para haver progressão de zona inativa): aparecimento de onda T primária, supradesnivelamento do segmento ST e, por
fim, distorção da porção final do complexo QRS.
A onda T atribuível à isquemia em curso é a onda T primária concordante com o complexo QRS: onda T
primária positiva. Como visto no capítulo 11, a onda T primária tem morfologia simétrica e pode
acompanhar-se de prolongamento do intervalo QT. Quando avaliada através da vetorcardiografia, o loop T
perde o seu formato elíptico e adquire um característico formato esférico de fácil reconhecimento. É
importante citar que, embora a onda T primária não seja específica da isquemia, seu reconhecimento
diagnóstico é imprescindível e valioso.
Nos estágios mais inicias da oclusão coronária, a duração do potencial de ação da região endocárdica é
prolongada, possivelmente por perda de potássio e, enquanto o epicárdio ainda não estiver em sofrimento,
esse padrão permanecerá, levando às ondas T hiperagudas (Figuras 7 a 9).
Figura 7 - Eletrogênese da onda T primária. O vetor da isquemia aguda causada pela lesão coronária (A) é o produto do
potencial de ação mais prolongado dessa área (B), levando à onda T com base larga e simétrica.
Figura 8 - Onda T primária (ou hiperaguda) em paciente de 40 anos. Observe que há alterações recíprocas nas derivações
inferiores. Em destaque, demonstramos a onda T alta, de base larga e simétrica.
Figura 9 - Onda T primária (hiperaguda) em derivações anteriores e laterais. Observe a T ampla e simétrica em destaque.
Classicamente, a onda T negativa tem sido relacionada à isquemia subepicárdica do ventrículo esquerdo.
Não obstante, a premissa que a onda T negativa expressa isquemia em curso carece de acurácia. Isquemia
aguda por oclusão coronária não causa onda T negativa (13). Como já foi explicado, nos parágrafos
introdutórios, a progressão da isquemia vai do endocárdio para o epicárdio e não há razão para se pensar
que o epicárdio estaria sofrendo isoladamente devido a uma oclusão coronária (vide novamente a figura 5).
Nas síndromes coronárias agudas, a onda T negativa é uma alteração eletrocardiográfica pós-isquêmica
que tipicamente aparece após uma elevação do segmento ST de duração que pode variar de segundos a
horas e que tem como causa a isquemia transmural (13). Na síndrome coronária aguda com
supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST), a onda T primária alta e de base larga precede o
aparecimento do supradesnivelamento do segmento ST. Se houver reestabelecimento do fluxo sanguíneo,
ocorrerá o fenômeno de reperfusão e a aparição de onda T negativa.
A reperfusão do ventrículo leva a uma série de alterações estruturais que progridem no decorrer do tempo
e que são caracterizadas macroscopicamente por edema, necrose, hemorragia e obstrução microvascular
(Figura 10). Entretanto, a correlação das alterações eletrocardiográficas com cada um desses substratos
fisiopatológicos ainda é um campo aberto para a pesquisa (14). Além disso, infartos que cursam com
hemorragia têm curso caracterizado pela persistência da inflamação e edema, bem como pior prognóstico
(15).
Figura 10 - Substratos fisiopatológicos do infarto com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST): edema, necrose,
hemorragia e obstrução microvascular. Há diferentes combinações desses substratos determinam os diferentes padrões
eletrocardiográficos do infarto.
Uma boa maneira de exemplificar a onda T negativa como padrão pós-isquêmico (oclusão-reperfusão) é a
Síndrome de Wellens, que será demonstrada e exemplificada mais à frente. O padrão de Wellens tipo A é
definido pelo padrão de onda T plus-minus nas derivações V3 e V4 (16). Seu reconhecimento é crítico, pois
identifica estenose coronária grave no terço proximal da artéria descendente anterior (DA). Uma vez que as
alterações dinâmicas do processo isquêmico podem produzir um eletrocardiograma completamente normal, o
eletrocardiograma seriado é de suma importância, pois pode resultar em um significativo incremento da
sensibilidade do método (17). Em casos de obstrução residual menos crítica ou estados de menor consumo
de oxigênio do miocárdio, a onda T torna-se puramente negativa, simétrica e profunda, por vezes com
intervalo QTc prolongado ("onda T primária negativa"). Quando localizada em derivações precordiais
anteriores, denomina-se padrão Wellens tipo B. Antes de finalizar o parágrafo, vale lembrar: T negativa não
denota isquemia aguda, mas sim o sofrimento coronariano crônico.
Novas evidências sugerem que a geração de edema causada pelo processo isquemia-reperfusão segue
um padrão bimodal com primeira fase de aparição abrupta no ato da reperfusão e que se dissipa em 24
horas. A segunda onda de edema se inicia alguns dias após e atinge intensidade máxima no sétimo dia após
a reperfusão. Essa dupla onda de edema poderia estar relacionada a alterações da onda T em determinados
cenários pós-SCA (18). A avaliação de edema miocárdico, através de imagens de ressonância cardíaca
ponderada em T2, aponta que a onda T negativa apresenta correlação com o edema miocárdico. A
presença isolada de ondas T negativas em SCASSST apresenta alta especificidade (93%; 95% CI 79% a
98%) e baixa sensibilidade (41%; 95% CI 29% a 54%) para detecção de edema miocárdico (19).
De fato, tanto a presença de onda T negativa quanto a evidência de edema, à ressonância cardíaca em
pacientes com síndrome coronária aguda sem supradesnivelamento do segmento ST (SCASSST), são fortes
preditores de desfecho cardíaco: Raman et al (20) realizou uma coorte prospectiva de 100 pacientes, em que
o edema miocárdico foi preditor de eventos cardiovasculares e morte em seis meses independentemente da
revascularização (Figura 11).
Figura 11 - Edema miocárdico identifica músculo cardíaco em sofrimento e viável. A presença de edema está relacionada a
desfechos cardíacos maiores. A onda T negativa isquêmica tem alta especificidade para a identificação de edema.
Diante de tais evidências, acredita-se que doenças com etiopatogenias diversas como a miocardiopatia
tipo Takotsubo, miocardite/pericardite, cardiomiopatia hipertrófica em sua forma apical (Doença de
Yamaguchi) e hemorragia cerebral (onda T cerebral) possuam diferentes graus de edema miocárdico e
consequente alteração do gradiente ventricular apical-basal (21), cursam com ondas T negativas de difícil
diagnóstico diferencial eletrocardiográfico com a SCASSST. A tabela 1 resume as causas de onda T negativa.
4. Miocardite e miopericardite.
5. Cardiomiopatias: cardiomiopatia hipertrófica, displasia arritmogênica do ventrículo direito, miocárdio não compactado,
miocardiopatia tipo Takotsubo.
9. Atletas com ou sem elevação do segmento ST associada. Nesse cenário, a cardiomiopatia hipertrófica precisa ser descartada.
12. Pós-taquicardia.
Como já foi falado, a progressão da lesão isquêmica se dá do endocárdio para epicárdio. A evolução
natural é que a onda T primária progrida para o supradesnivelamento do segmento ST. Entretanto, caso a
oclusão seja subtotal ou em situações de desbalanço da relação oferta-demanda, a isquemia pode ficar
confinada ao endocárdio.
Se a isquemia ficar confinada ao endocárdio, haverá fuga intensa de potássio, redução da ação da bomba
de Na+/ K+/ATPase e inativação dos canais rápidos de sódio (INa). Esses efeitos levam a um potencial de
ação menos negativo (mais despolarizado), com duração reduzida e ascensão de fase 0 mais lenta (22).
Existem duas teorias para explicar o infradesnivelamento do segmento ST. A primeira é a teoria da
somatória dos potenciais de ação, em que o potencial de ação endocárdico (débil) acaba por perder a
capacidade de cancelar o potencial de ação epicárdico, que acaba sobrando e negativando o segmento ST
do eletrodo extracardíaco (Figura 12) (23). A segunda é a teoria do vetor de lesão, que é o inverso do
mecanismo pelo qual o supradesnivelamento do segmento ST ocorre em lesões transmurais (vide na seção
"Fisiopatologia da lesão transmural", mais à frente). A área lesada, justamente por ser menos polarizada na
diástole cardíaca (ou mais despolarizada), acaba por criar um vetor que vai de encontro ao eletrodo
extracardíaco e eleva o segmento TP, deixando a linha de base mais positiva do que o normal. Quando
todo o miocárdio ventricular está despolarizado, os potenciais se igualam, sendo o segmento ST o momento
em que não há diferença de potenciais, portanto, a nova linha isoelétrica do ECG. O infradesnivelamento do
segmento ST, de acordo com essa teoria, nada mais é que um supradesnivelamento de tudo, menos do
segmento ST (Figura 13) (24). De acordo com a Quarta Definição Universal de Infarto, o
infradesnivelamento do segmento ST precisa ser de ≥ 0,5 mm em duas derivações contíguas que possuam
R proeminente ou R > S (25) para que haja suspeita de síndrome coronária aguda sem supradesnivelamento
do segmento ST. É um padrão relacionado à suboclusão de uma artéria coronária ou à oclusão completa
na presença de colaterais (Figura 14). Não identifica artéria culpada (Figuras 15 e 16). A depressão do
segmento ST em sete ou mais derivações é a conhecida “isquemia circunferencial” e será descrita mais
adiante.
Devido à fuga de potássio, à fase 0 mais lenta e à redução na duração de potencial de ação das células endocárdicas, a somatória
dos potenciais de ação vistas pelo eletrodo explorador extracardíaco acabará evidenciando uma preponderância do potencial de
ação epicárdico, que é negativo aos olhos desse eletrodo. Isto resulta no infradesnivelamento do segmento ST demonstrado na
figura. Área cinza: lesada.
Figura 13 - Eletrogênese do infradesnivelamento do segmento ST.
A área lesada está com células menos positivas devido à inabilidade de manter potássio no interior da célula. Essa diferença de
potencial cria um vetor que foge da lesão e vai de encontro ao eletrodo explorador. Esse vetor se mantém durante toda a diástole
elétrica (final da onda T até o próximo QRS). Sendo assim, o que conhecemos como "linha de base" do ECG vai ficar mais positivo
que o usual. Quando o ventrículo está inteiramente despolarizado, essa diferença de potencial entre área lesada e área sadia
desaparece, fazendo com que agora sim, o ventrículo inteiro esteja com os mesmos potenciais. O problema é que a linha de base
(potencial diastólico em que há diferença de potencial) está supradesnivelada em relação ao segmento ST (momento em que o
ventrículo inteiro está despolarizado). O infradesnivelamento do segmento ST é, na verdade, um supradesnivelamento de tudo,
menos do segmento ST.
Figura 14 - A oclusão completa de um vaso coronário causa isquemia transmural, elevação do segmento ST e define-se
clinicamente como "síndrome coronária aguda com supradesnivelamento do segmento ST" (SCACSST). A obstrução
parcial ao fluxo sanguíneo pode cursar com isquemia subendocárdica, depressão do segmento ST e define-se
clinicamente como "síndrome coronária aguda sem supradesnivelamento do segmento ST" (SCASSST).
Tabela 2 - Relação das possíveis lesões recíprocas ou "em espelho" que podem estar presentes em síndrome coronária
aguda.
Área do infarto Alterações indicativas Alterações recíprocas
Figura 18 - O infradesnivelamento do segmento ST em aVL é recíproco da parede inferior (D2, D3 e aVF) e específico de
oclusão aguda da artéria coronária direita.
Fisiopatologia
Quando a célula miocárdica é privada da oferta de oxigênio e nutrientes devido à oclusão de uma
coronária epicárdica, a bomba de sódio-potássio dependente de ATP (que em situações normais mantém a
concentração intracelular de potássio alta e de sódio baixa) para de funcionar (27). A queda do potássio
intracelular faz com que a célula fique menos positiva, o que é chamado de despolarização diastólica. A
diferença de potencial entre a área de tecido isquêmico (com células menos positivas) e a área de tecido
sadio (com células mais positivas) acaba criando um vetor que se mantém constante durante toda a diástole
elétrica (intervalo TQ) que, seguindo a teoria do dipolo, vai sempre de negativo para positivo (ou, nesse caso,
de menos positivo para mais positivo). Como esse vetor foge do eletrodo extracardíaco, a linha de base fica
mais negativa do que o normal. Após a despolarização do miocárdio, o ventrículo inteiro será repolarizado e
perderá essa diferença de potencial, inscrevendo, agora sim, a linha isoelétrica do ECG. Só que essa linha é
“supradesnivelada” em relação à linha de base diastólica. O supradesnivelamento do segmento ST é, na
verdade, um infradesnivelamento de tudo, menos do segmento ST (Figura 21) (24).
Descrito em 1920 por Pardee (28), o “supra” de ST é a elevação do ponto J, ao fim do complexo QRS, e é
talvez o mais importante achado eletrocardiográfico que existe (Figura 22). De acordo com a Quarta
Definição Universal de Infarto, o supradesnivelamento deve ser considerado se estiver presente em duas
derivações contíguas (exceto aVR) e tiver ≥ 1 mm de amplitude em qualquer derivação, exceto V2 e V3,
que variam com o sexo e idade:
Figura 22 - Linha de base (1); Supradesnivelamento do segmento ST de 1,5 mm (2) – o desnivelamento é de 1,5
quadradinhos.
Essa alteração, no contexto de dor torácica anginosa, é diagnóstica de infarto com supra de ST. E o que
são derivações contíguas? São derivações que olham para a mesma parede. Veja mais sobre topografia da
lesão nas próximas páginas.
Histórico
As terminologias utilizadas para dividir as paredes do ventrículo esquerdo (VE) têm variado ao longo do
tempo, mas a divisão mais difundida no decorrer das últimas décadas tem sido: septal, anterior, lateral,
inferior e posterior. Supradesnivelamento do segmento ST/ ondas Q nas derivações V1-V2 corresponderia,
por essa classificação, a um infarto em curso ou antigo na região septal; supradesnivelamento de ST/onda Q
em V3-V4 corresponderia ao infarto da parede anterior, supradesnivelamento de ST/onda Q em V5-V6, I e
aVL corresponderia a infartos da parede lateral baixa (ou apical) e alta, respectivamente, e Supra/Q em D2,
D3 e aVF denotaria infarto de parede inferior. A presença de um infradesnivelamento de segmento ST/onda R
anormalmente alta em V1-V2, como consequência de um espelho de supra de ST/onda Q na parede posterior
(V7 – V9), foi denominada, por essa classificação, como infarto posterior. Supra de ST em V1, V3R e V4R
denota infarto de ventrículo direito (VD) (Tabela 3 e Figura 23) (29,30).
Tabela 3 - Antiga terminologia das regiões acometidas no infarto de acordo com as deriva- ções. Essa terminologia é
antiga, não possui correlação anatômica com o coração in vivo e é desaconselhada pelo autor do livro.
Achados/derivações Parede/região acometida Artéria acometida
Coronária direita ou
Supra de ST/onda Q em D2, D3 e aVF Infarto em curso ou antigo em região inferior.
circunflexa
Supra de ST em V1, V3R e V4R Infarto em curso em ventrículo direito. Coronária direita
Figura 23 - Antiga terminologia de regiões acometidas por um infarto agudo em curso ou antigo de acordo com as
derivações anormais. Essa terminologia é antiga, não possui correlação anatômica com o coração in vivo e é
desaconselhada pelo autor do livro.
A parede inferior, em contato com o diafragma, é, por algum ponto de vista duvidoso, um tanto oposta à
parede anterior. Como resultado, nas décadas de 40 e 50, essa parede costumava ser chamada “parede
posterior” (31,32). Foi Robert Grant que, através de autópsias, postulou pela primeira vez que as paredes
irrigadas pela artéria coronária direita estavam, na verdade, adjacentes ao diafragma e não faziam parte do
septo interventricular (33,34). Quando a lesão se estendia até a porção mais posterior do tórax, Grant
descreveu o achado que conhecíamos antigamente como sugestivo de infarto posterior: R ampla em V1-V2.
Em 1964, usando o vetorcardiograma, Perloff determinou que o “infarto posterior antigo verdadeiro” é
identificado pelo ECG quando os seguintes achados estão presentes: (a) ondas R com mais de 40 ms de
duração em V1; (b) R > S em V1 e V2; e (c) presença de slurring na porção descendente do R em V1 (35). A
figura 24 representa essa mudança de entendimento sobre esse tema entre os cardiologistas entre as
décadas de 50 e 60 (36). Também nos anos 40 e 50, as reconhecidas escolas argentina e mexicana de
eletrocardiografia defenderam a ideia de que um infarto lateral alto teria uma onda Q em D1 e aVL, e que a
parede lateral baixa teria ondas Q em V5 e V6 (37–39). Esses dois conceitos se tornaram dogma e foram
repetidos milhares e milhares de vezes por todo o mundo. Este livro tem o prazer de lhes mostrar que tudo
mudou.
Figura 24 - Abaixo, os desenhos originais do livro de Goldberger, de 1953, destacando as áreas de infarto anterior e
posterior.
Perceba que a região em contato direto com o diafragma era um tanto quanto oposta à região anterior, então, naquela época se
chamava infarto inferior (ou seja, das áreas adjacentes ao diafragma) de infarto posterior. Abaixo, desenhos do artigo de Perloff
propondo chamar a região destacada como posterior.
Mesmo na época de Perloff, já havia quem duvidasse que a tal parede posterior poderia ter repercussão
eletrocardiográfica com R em V1 e V2 (Figura 25) (40). A ressonância cardíaca fornece valiosas imagens
anatômicas in vivo. A observação de imagens no corte sagital do tórax humano demonstrou que o segmento
inferobasal raramente se dobra em direção a porção superior, de modo que uma parede posterior
raramente existe (Figura 26) (41). Além disso, um elegante estudo com corações isolados evidenciou que a
porção inferobasal do VE é ativada após 40-50 ms do início do complexo QRS. Portanto, infartos dessa
região, teoricamente, não poderiam causar alterações na primeira parte do complexo QRS e,
consequentemente, não poderiam produzir uma onda R ampla ou uma onda Q nas derivações posteriores
(42).
Figura 25 - Imagem original do artigo de Dunn, de 1956, demonstrando correlação eletrocardiográfica (esquerda) com
achados anatomopatológicos (direita) de um cora- ção com infarto antigo de parede lateral. Observe a onda R alta em V1
(40).
Figura 26 - Formatos encontrados por Bayés de Luna em seus estudos de correlação da anatomia do coração com
ressonância cardíaca.
No formato em G, as regiões basais dos ventrículos (em contato com as valvas) ocupam a região posterior. No formato em C (mais
comumente encontrado), nenhuma musculatura assume localização posterior. Apenas no formato em U (encontrado em indivíduos
muito magros), a parede posterior existe verdadeiramente e é a parede que deveria estar em contato com o diafragma, ou seja, a
parede inferior além da sua segmentação basal. Adaptado de Bayés de Luna.
Além disso, quando imaginamos um coração, a primeira face do VE que viria aos nossos olhos é a parede
anterior. Paredes septal e lateral estão dispostas lado a lado e a parede oposta à anterior (que, partindo
desse pressuposto, pode ser chamada tanto de inferior quanto de posterior) está obscurecida. Essa é a visão
favorita dos namorados apaixonados, pois lembra o coração de São Valentim, aquele mesmo que nós
mandamos em cartões para nossas amadas – com os átrios representando o formato em “m” na parte
superior. Também parece correta na mão de um patologista moderno ou mesmo dos mais antigos, como Da
Vinci (Figura 27) (43). Se observarmos o famoso bull’s eye da Medicina Nuclear, também seria essa a
disposição do coração (Figura 28) (44). Seria perfeito, se não estivesse tudo errado.
Figura 28 - Ventrículo esquerdo dividido em 17 segmentos, de acordo com o proposto por Cerqueira. Observe que não
existe segmento posterior. O que mais se aproxima de ser a antiga parede posterior seria o segmento 4, inferobasal.
O fato, e isso foi possível graças às imagens de ressonância cardíaca, é que o coração se posiciona
quase inteiro do lado esquerdo da linha média do tórax, com seu eixo principal apontando do ombro direito
até o hipocôndrio esquerdo (Figura 29) (45). É óbvio que essa anatomia não é uma novidade. Uma das
projeções mais clássicas dos exames fluoroscópicos cardíacos é a oblíqua anterior esquerda (30 – 50º),
exatamente para observar o coração em seu eixo ântero-posterior. Foi assim que o bull’s eye foi pensado.
Tudo à esquerda da imagem pertence ao hemitórax direito e tudo à direita da imagem pertence ao hemitórax esquerdo. No vivo,
esta é a correta disposição do coração: ele fica quase inteiro à esquerda da linha média. O ventrículo direito é a estrutura mais
anterior do coração. A seta vermelha demonstra o vetor de parede lateral que vai em direção a V1.
Baseado em tudo isso que foi citado, Bayés de Luna e outros autores coletaram dados anatômicos
robustos, e a International Society for Holter and Noninvasive Electrocardiology propôs uma mudança na
terminologia da localização eletrocardiográfica de infartos do miocárdio (46–50). Agora, a nova terminologia
de localização de infarto divide o ventrículo esquerdo em sete segmentos: septal, anterior médio,
apical/anterosseptal, anterior extenso, lateral, inferior e inferolateral (Tabela 4 e Figura 30) (23,41,51).
Tabela 4 - Nova terminologia das localizações de um infarto agudo (supra ou infra) ou antigo (onda Q ou R) do miocárdio
pelo eletrocardiograma. Essa terminologia é oficialmente embasada por este livro e seus autores (23,36,41).
Parede/região
Achados/derivações Artéria acometida
acometida
Parede/região
Achados/derivações Artéria acometida
acometida
Infarto em curso ou
Terço proximal da descendente
Supra de ST/onda Q em V1 e V2 até V4 a V6 e aVL antigo da região anterior
anterior.
extensa.
Infarto em curso ou
Supra de ST/onda Q (ou pequeno r) em D1 e aVL e às Primeiro ramo diagonal da
antigo da região anterior
vezes V2 e V3 descendente anterior.
média.
Infarto em curso ou
Supra de ST/onda Q em D2, D3 e aVF Coronária direita ou circunflexa.
antigo da região inferior.
Infarto em curso ou
Supra de ST/onda Q em D2, D3, aVF + D1, aVL, V5 e V6
antigo da região Coronária direita ou circunflexa.
ou Infra de ST/RS em V1 e/ou Supra de ST de V7 – V9
inferolateral.
Figura 30 - Nova terminologia proposta por Bayés de Luna para localizar infarto do miocárdio agudo e antigo pelo
eletrocardiograma.
Localizar região da artéria ocluída
Agora vamos pormenorizar esses infartos e apresentar alguns algoritmos que podem aumentar a
especificidade em encontrar a artéria culpada. No caso de um infarto de região apical/ anterosseptal, a
oclusão provavelmente se encontra nos terços proximal ou médio da descendente anterior (DA). No caso de
infarto em região inferior com supradesnivelamento do segmento ST em D2, D3 e aVF, a oclusão
provavelmente se encontra na artéria coronária direita (CD) ou na circunflexa (Cx). Os algoritmos de Fiol
ajudam a termos uma estimativa mais exata nas duas situações (Figuras 31 e 32) (52,53).
Figura 31 - Algoritmo de Fiol para encontrar localização de anatomia exata da oclusão em caso de infarto
apical/anterosseptal. Os achados eletrocardiográficos possuem entre 71 e 100% de valor preditivo positivo. O quadro A
demonstra como fazer a soma e subtração dos segmentos ST de aVR, V1 e V6 (52).
Figura 32 - Algoritmo de Fiol para encontrar localização de anatomia exata da oclusão em caso de infarto inferior ou
inferolateral (53).
ECG demonstra ritmo de bloqueio atrioventricular total com escape juncional e supradesnivelamento de segmento ST compatível
com lesão transmural em parede inferolateral. O infradesnivelamento do segmento ST em D1 e a presença do bloqueio AV total são
indicativos da presença de uma lesão na artéria coronária direita. O cateterismo realizado confirmou essa hipótese.
Figura 34 - ECG de um homem de 55 anos com quadro de angina e dispneia há 2 horas.
ECG demonstra ritmo sinusal com supradesnivelamento de segmento ST compatível com lesão transmural em parede inferior. O
infradesnivelamento do segmento ST isoelétrico em D1 nos obriga a ver se o supradesnivelamento de ST de D2 é maior ou igual ao
de D3. Como a resposta é sim, a artéria culpada provavelmente é a Cx.
Figura 35 - ECG de um homem de 53 anos com quadro de angina e dispneia há 30 minutos.
ECG demonstra ritmo sinusal com supradesnivelamento de segmento ST compatível com lesão transmural em parede anterior
extensa. Para encontrar o local exato da oclusão, usamos o algoritmo de Fiol. Como há infra ≥ 2,5 mm em D3 e aVF, e a soma dos
supras de V1 e aVR – infra de V6 é ≥ 0, a artéria culpada provavelmente é a DA proximal.
Figura 36 - ECG de um homem de 63 anos com quadro de angina há 55 minutos.
ECG demonstra ritmo de bloqueio atrioventricular total com escape juncional e supradesnivelamento de segmento ST compatível
com lesão transmural em parede inferolateral. O infradesnivelamento do segmento ST em D1 e a presença do bloqueio AV total são
indicativos da presença de uma lesão na artéria coronária direita.
Figura 37 - ECG de um homem de 65 anos com quadro de angina há 1 hora.
ECG demonstra ritmo sinusal com supradesnivelamento de segmento ST compatível com lesão transmural em parede
apical/anterosseptal. A provável artéria culpada é a descendente anterior. Pelo algoritmo de Fiol, como não há infra de ST em
derivações inferiores, essa lesão se encontra distal à emergência do primeiro ramo diagonal.
Figura 38 - ECG de um homem de 73 anos com quadro de angina há 40 minutos.
ECG demonstra ritmo sinusal com supradesnivelamento de segmento ST compatível com lesão transmural em parede
apical/anterosseptal. A provável artéria culpada é a descendente anterior. Pelo algoritmo de Fiol, como não há infra de ST em
derivações inferiores ≥ 0,5 mas < 2,5 mm, essa lesão se encontra distal à emergência do primeiro ramo diagonal.
Figura 39 - ECG de uma mulher de 54 anos com quadro de angina há 30 minutos.
ECG demonstra ritmo sinusal com infradesnivelamento do segmento ST de V1 a V4 associado a supradesnivelamento do segmento
ST de D2 e aVF. Quando esse padrão é encontrado, é mandatório que se realize um ECG com as derivações dorsais para se
encontrar supradesnivelamento em derivações laterais (V7 – V9).
Figura 40 - ECG de uma mulher de 61 anos com quadro de angina há 160 minutos.
ECG demonstra ritmo sinusal com infradesnivelamento do isolado de segmento ST de V1 a V3. Quando esse padrão é encontrado,
é mandatório que se realize um ECG com as derivações dorsais para se encontrar supradesnivelamento em derivações laterais (V7
– V9). Essas derivações demonstraram supradesnivelamento do segmento ST e a artéria culpada foi a circunflexa.
Acontece quando há oclusão da coronária direita proximal ao ramo do ventrículo direito. Ocorre em 25%
dos infartos de parede inferior. Menos comumente ocorre por oclusão da Cx. O achado eletrocardiográfico
típico será o supradesnivelamento ≥ 1 mm do segmento ST de derivações inferiores e V1, uma derivação
situada à direita do precórdio. O supra de V1 tem um comportamento de redução de amplitude de V1 para V2,
depois de V2 para V3 e finalmente para V4, diferente do que ocorre no infarto anterosseptal. (56,57)
Para aumentar a sensibilidade do ECG em enxergar apropriadamente o VD, é possível rodar o ECG com
derivações à direita, geralmente V3R e V4R (Capítulo 1), mas pode ser estendido até V6R. O
supradesnivelamento ≥ 1 mm nessas derivações, principalmente V4R, será indicativo de infarto de VD (Figura
41) (58).
Figura 41 - Infarto de ventrículo direito em cenário de infarto inferior por oclusão aguda de coronária direita. Perceba o
supradesnivelamento de ≥ 1 mm do segmento ST de V3R a V6R.
O infarto de VD é clinicamente mal tolerado, pois se acompanha de hipotensão e congestão sistêmica.
Mas a médio e longo prazo, não há desenvolvimento de fibrose e zona inativa após infartos de VD,
possivelmente devido à perfusão colateral vinda da coronária esquerda ou pelo contato direto do sangue com
as células miocárdicas (59).
INFARTO ATRIAL
O suprimento sanguíneo atrial depende principalmente dos ramos ostiais cavais superiores, que é um
ramo da CD em 60% dos casos e da Cx nos demais 40% (60). Os ramos atriais intermediários direito e
esquerdo irrigam o átrio direito e esquerdo e são ramos da CD e da DA, respectivamente. Além disso, há
várias anastomoses entre os sistemas coronários atriais, a principal delas, a artéria de Kugel (61,62). Isso
demonstra que a irrigação atrial é complexa e é uma das razões pelas quais o infarto atrial é raro.
Outro motivo que explica a raridade do infarto atrial é que aparentemente este, assim como o VD, também
consegue receber oxigênio por difusão, visto que o átrio esquerdo, território mais oxigenado, é menos
acometido que o átrio direito. Associado a isso, sabemos que o infarto atrial pode ser de causa aterosclerótica
(mais comumente), mas também por aumento de pressão das câmaras direitas em situações como
tromboembolismo pulmonar e hipertensão pulmonar importante (63–65).
O infarto atrial deve ser suspeitado nos pacientes com dor torácica anginosa associada a correntes de
lesão em ventrículo esquerdo ou direito e arritmias atriais. O critério eletrocardiográfico mais usado para
diagnóstico é o critério de Liu: (a) supradesnivelamento do intervalo PR de 0,5 mm em V3 e V6 com infra de
espelho em V1 e V2; (b) supradesnivelamento do intervalo PR de 0,5 mm em D1 com infra de 0,5 mm em D2
e D3; (c) infradesnivelamento do intervalo PR ≥ 1,5 mm em precordiais associado a um infradesnivelamento
de 1,2 mm em D1, D2 e D3 associado a arritmia atrial (Figura 42) (66,67).
Figura 42 - Infarto atrial. Perceba o infradesnivelamento do intervalo PR ≥ 1,0 mm em D2, D3 e aVF. Apesar de haver,
também, infradesnivelamento em V1, a presença de arritmias atriais nesse paciente chamou atenção para o quadro.
Figura 43 - ECG com exemplo de isquemia circunferencial. Infradesnivelamento do segmento ST em ≥ 7 derivações + supra
proeminente em aVR. A proeminência do supra em aVR e dos infradesnivelamento nas precordiais localiza essa lesão
como suboclusiva do tronco de coronária esquerda ou tri-arterial.
Figura 44 - Demonstração da razão pela qual o infradesnivelamento do segmento ST em V1 e V2 e às vezes até V4 pode ser
indicativo de uma lesão oclusiva da artéria circunflexa com comprometimento de parede lateral em V7 – V9.
Figura 45 - Exemplo de padrão de “de Winter”: infradesnivelamento ≥ 1 mm em qualquer derivação de V1 – V6
acompanhado de uma onda T alta, positiva e simétrica. Esse é um sinal de oclusão aguda de DA e deve ser “encarado”
como um supra e encaminhado para tratamento de reperfusão urgente.
Um padrão já conhecido pelos médicos brasileiros é a síndrome de Wellens. Descrito em 1982 a partir da
observação que 12 dos 16 pacientes admitidos por angina instável com esse padrão tiveram infartos agudos
oclusivos de DA algumas semanas após admissão. Este padrão denota lesão sub-oclusiva de DA, gerando
uma grande área de miocárdio em risco. Dois padrões foram descritos: o tipo A: supradesnivelamento
discreto que não ultrapassa 1 mm em V2 e V3, seguido de uma T que cresce, para depois diminuir e inverter-
se (onda T plus-minus); tipo B: discreto infradesnivelamento que não ultrapassa 0,5 mm em V4 e às vezes V5
e V6 seguida por um segmento ST convexo e uma onda T invertida profunda e simétrica (Figuras 47 e 48)
(70).
Figura 47 - A síndrome de Wellens é a associação de um quadro de angina instável com o achado eletrocardriográfico
demonstrado nessa figura. Aqui, Wellens tipo A, com uma onda T plus-minus em V2 e V3.
Figura 48 - Wellens tipo B. Infradesnivelamento discreto de segmento ST de V4 a V6 seguida por um segmento ST convexo
e uma onda T invertida, profunda e simétrica, principalmente em V4. Achados do padrão de Wellens tipo A também estão
presentes no mesmo paciente.
O nó sinusal é irrigado pela artéria do nó sinusal, um ramo da CD ou da Cx. As razões pelas quais o nó
sinusal pode ficar disfuncional após um infarto não estão bem esclarecidas: inflamação, isquemia
propriamente dita, efeitos disautonômicos. O que se sabe é que essa é uma causa incomum de doença do nó
sinusal (71,72).
Condução Interatrial
Em testes ergométricos, o aumento da duração da onda P por bloqueio interatrial (BIA) de segundo grau
(capítulo 6) – ou seja, aquele em que o BIA é intermitente – pode predizer a presença de doença coronariana
com mais sensibilidade que o segmento ST isoladamente (S: 75% vs 55%, E: 77% vs 85%) (73,74).
Nó Atrioventricular
O nó atrioventricular (AV) é uma complexa estrutura cuja irrigação normalmente é feita pela CD e por
múltiplas anastomoses provenientes dos ramos septais da DA, além de anastomoses com artérias atriais e
sinusoides venosos que fizeram os patologistas interpretarem como sendo um sinal de que essa região
receba irrigação por difusão direta do endocárdio (75). Os bloqueios AV de segundo e terceiro graus (BAVs
avançados, capítulo 23) são uma complicação frequente dos infartos agudos. A incidência global varia de 2-
13% e apenas 9% desses pacientes apresentaram BAVs avançados após 48 horas de infarto (76). Houve
uma incidência de 9,4% de BAVs avançados em pacientes com IAM inferior e 2,5% em pacientes com IAM
anterior em uma série de casos (77).
No infarto inferior, a artéria coronária ocluída é CD ou Cx, implicando que o sistema de condução AV será
lesado proximal ao feixe de His. O infarto anterior, por sua vez, é causado pela oclusão da DA. O BAV ligado
ao infarto anterior está relacionado à interrupção da perfusão septal acompanhada de extenso dano
miocárdico e disfunção ventricular esquerda significativa (78).
A literatura é discordante sobre a fisiopatologia dos BAVs avançados em casos de infarto. Hackel,
estudando 20 corações de pacientes mortos por oclusão aguda de CD ou coronária esquerda complicada
com BAVs avançados ou bloqueios de ramos, não foi capaz de reconhecer necrose aguda, edema ou
inflamação no sistema condutor, documentando o fato de que as fibras condutoras são geralmente poupadas
em pacientes com IAM (79). Sutton e Davies, estudando 29 corações com infarto agudo do miocárdio
complicado por BAV total, descreveram tecidos de condução normais ou, no máximo, um dano de pequena
monta em 21 deles, mas nos demais puderam observar grandes danos nos ramos esquerdo e /ou direito (80).
Desse modo, BAVs complicando infartos parecem ser resultado de uma lesão direta do sistema de condução
em alguns casos, especialmente se há dano grave dos ramos do feixe de His nos casos de infarto anterior,
particularmente se houver lesões concomitantes na CD e na Cx (81). Algumas teorias têm sido utilizadas para
explicar essas controvérsias: como foi falado antes, pode haver difusão do oxigênio da cavidade ventricular
para o sistema de condução subendocárdico, 2) maior concentração de glicogênio em fibras condutoras do
que nas fibras miocárdicas, sugerindo menor dependência do metabolismo oxidativo e melhor resistência a
lesões coronárias e menor índice de consumo de oxigênio (82,83), 3) alterações iônicas (84) ,4) reflexos
vagais, que serão discutidos no próximo parágrafo.
O aumento da ação parassimpática tem sido postulado como a causa dos BAVs que complicam o infarto
inferior, sugerida pela alta incidência de náuseas, vômitos, diaforese e bradicardia sinusal concomitante e pela
observação de que a atropina (um medicamento vagolítico) pode ser eficaz nesses casos (85,86). Outro
mecanismo que pode ter papel, especialmente naqueles resistentes à atropina, é a liberação de adenosina
pelo miocárdio isquêmico, sugerida pela observação de que o tratamento com aminofilina ou teofilina,
antagonistas competitivos da adenosina, pode reverter alguns desses bloqueios (87,88).
Houve uma redução na incidência de bloqueio AV na era pós-fibrinolítica e mais uma redução significativa
na era da intervenção coronária percutânea primária (ICP), no entanto, o BAV segue sendo um marcador de
mau prognóstico nesses pacientes (77,89).
A prevalência de bloqueios de ramo em pacientes com infarto varia de 1,6 a 13%, sem diferenças entre
prevalências do BRD e do BRE (90), embora a verdadeira incidência seja difícil de estimar. A grande maioria
dos pacientes com BRD ou BRD + bloqueio divisional anterossuperior (BDAS), no contexto de uma
síndrome coronária aguda, apresenta oclusão de DA com infarto anterosseptal extenso, afinal, são dois
feixes irrigados por ramos septais da DA. Há alguns relatos de casos de BRD acompanhados de infarto
inferior, talvez devido a bloqueio nas porções mais proximais do feixe de His, uma porção ainda suprida pela
CD – o que, em teoria, poderia até causar lesão do ramo esquerdo (você viu nos capítulos 8 e 9 que as fibras
do feixe de His possuem dissociação longitudinal e uma lesão localizada nas suas porções mais proximais
pode determinar um bloqueio de ramo – talvez seja interessante rever agora a figura 3 do Capítulo 8. Vai lá
rapidinho e volta aqui). Por apresentar uma irrigação principalmente coronariana direita, os casos novos de
bloqueio divisional póstero-inferior são resultado de infarto do miocárdio inferior, mas o surpreendente é que
quase sempre está associado à doença concomitante grave dos três grandes vasos epicárdicos (91,92).
O ramo esquerdo, por ter uma irrigação complexa (DA e CD, além de algumas colaterais da Cx), costuma
apresentar um“algo mais” quando bloqueado em casos de isquemia aguda: a maioria dos pacientes que
realmente apresentarem um BRE por infarto vai apresentar sinais de franca insuficiência cardíaca e choque,
pois são pacientes com doença arterial coronariana mais difusa e infarto septal extenso com áreas de lesões
novas e antigas. Só assim para o ramo esquerdo bloquear. Isso explica por que o BRE agudo causado pelo
infarto está associado a mau prognóstico (93,94).
Vamos tocar agora em um ponto crucial. Todos nós aprendemos na faculdade e nos cursinhos que um
BRE novo ou presumivelmente novo é diagnóstico de infarto agudo do miocárdio, equivalente ao achado
de um supradesnivelamento do segmento ST. Entretanto, estudos contemporâneos sugerem que o BRE
agudo por infarto transmural é relativamente incomum – menos da metade de todos os pacientes com
suspeita de IAM e BRE novo ou presumivelmente novo terá de fato um infarto (Tabela 5) (95– 98). O BRE, na
verdade, se apresenta nesses pacientes como um marcador de doença cardíaca estrutural subjacente, como:
fibrose do sistema de condução, doença arterial coronária isquêmica crônica, hipertrofia ventricular esquerda,
remodelamento ventricular por insuficiência cardíaca ou valvopatia. Não necessariamente sempre um infarto
agudo (99).
Figura 50 - Critérios de Sgarbossa para diagnóstico de Infarto Agudo em Bloqueio de Ramo Esquerdo.
Para usá-lo, basta substituir o critério original “supradesnivelamento ≥ 5 mm discordante do complexo QRS” pela razão ST/S ou
ST/R em qualquer derivação que visualmente apresente um supradesnivelamento ou infradesnivelamento discordante importante.
Esse critério vale dois pontos, assim como o original Sgarbossa. Essa modificação aumentou a sensibilidade da pontuação ≥ 3 para
80%. Nos dois casos, o módulo dessa razão é ≥ 0,25.
Tabela 6 - Critérios de Sgarbossa. Uma pontuação ≥ 3 pontos confere uma especificidade de 98%, mas uma sensibilidade
de apenas 40%.
Critério Odds ratio Escore
Outro achado citado na literatura que permite identificar infarto agudo concomitante a um BRE (mas
também um BRE associado à zona inativa) é o sinal de Cabrera: um notch de 50 ms (um quadradinho e um
quarto do próximo – já comprou sua lupa?) na porção ascendente da onda S de V3 e V4 (Figura 52). Os
critérios de Sgarbossa foram testados em seu artigo original em pacientes usuários de marca-passo em
câmara ventricular direita, o que lhe confere um padrão de BRE. Portanto, os critérios de Sgarbossa
servem também para portadores de marca-passo em VD (Figura 53).
Figura 52 - Sinal de Cabrera que significa BRE complicado com infarto antigo ou novo: notch de pelo menos 50 ms de
duração em V3 e V4.
Figura 53 - SCA em paciente portador de marca-passo bicameral (observe a presença de espículas e o padrão de bloqueio
de ramo esquerdo característico do marca-passamento do ventrículo direito). Aqui, observamos um infradesnivelamento >
1 mm seguido de T positiva apiculada em V2 (três pontos) e o supra de ST > 5 mm em diversas derivações (dois pontos).
Também existe um critério que define se o BRE é mesmo novo, os critérios de Shvilkin. Nele, dois
critérios são usados: a razão das magnitudes QRS/T pelo vetorcardiograma ≤ 2,25 (96% de especificidade) e
a razão entre as mais amplas S/T < 2,5 (89% de especificidade) (Figuras 54 e 55) (103).
Figura 54 - Critério de Shvilkin para BRE novo. A razão entre a amplitude da onda S pela onda T na derivação em que elas
forem maiores < 2,5 é indicativa de BRE novo (103).
Figura 55 - Critério de Shvilkin para BRE novo. A razão entre a magnitude da alça do complexo QRS pela magnitude da alça
da onda T pelo vetorcardiograma ≤ 2,25 é indicativa de BRE novo. Nesse caso, 1,513 / 0,570 = 2,65, portanto, um BRE
antigo.
Devido a todas essas considerações dos parágrafos anteriores, tem ocorrido uma progressiva mudança
nas recomendações de diretrizes para o manejo de infarto na presença de um BRE novo ou presumivelmente
novo. Nas diretrizes americana e europeia mais recentes do infarto com supra de ST, de 2013 e 2017, é
reconhecida a incerteza de se diagnosticar um infarto na presença de BRE, e o BRE não é mais
reconhecido como um equivalente de infarto com supradesnivelamento do segmento ST (104,105).
Reconhece-se que a maioria dos casos de BRE não é sabidamente antiga e, como já enfatizamos, um BRE
novo ou presumivelmente novo na apresentação do quadro clínico de infarto ocorre com pouca frequência.
Neeland propôs um algoritmo de diagnóstico para infarto suspeito em situações de BRE (Figura 56). Também
é importante lembrar que um BRD novo ou presumivelmente novo ou um BRD com achados
eletrocardiográficos de isquemia concomitante são mais prevalentes que o BRE nas situações de infarto com
supradesnivelamento do segmento ST (106).
Figura 56 - Algoritmo de condução de casos de suspeita de síndrome coronária aguda em paciente com bloqueio de ramo
esquerdo (106).
Vamos voltar a falar do ramo direito. E o BRD novo? Pois bem. Como já vimos, o BRD novo ocorre em
casos de oclusões agudas de DA, uma artéria responsável por larga irrigação miocárdica. O interessante é
que os guidelines e os livros didáticos não traziam, até pouco tempo atrás, a expressão “BRD novo” em seus
textos. O ramo direito é tão negligenciado que, mesmo apresentando maior mortalidade intra-hospitalar que o
BRE novo (18,8% x 13,2%) (107), seus critérios ainda até pouco tempo atrás eram controversos.
A quarta definição universal de infarto e a diretriz europeia de infarto com supra de ST já consideram que
a presença de um BRD, mesmo sem alterações de segmento ST, acompanhada de dor torácica anginosa
refratária, deve indicar a realização de cateterismo de urgência (25,105), visto que 47% dos pacientes
com BRD e infarto agudo não apresentaram alterações de segmento ST (107). Parece que o jogo virou, não é
mesmo (Figura 57)?
Figura 57 - Oclusão total de artéria descendente anterior. O BRD é tão perigoso (ou mais) que o BRE. O BRD mascara o
segmento ST, portanto, o examinador deve sempre ficar atento e, diante de dor torácica anginosa refratária, suspeitar de
oclusão coronária mesmo na ausência de desnivelamentos do segmento ST.
Condução Intraventricular
Atrasos na condução intraventricular também podem aparecer em casos de síndromes coronárias agudas
e são responsáveis por um pior prognóstico. O bloqueio de lesão acontece quando há duração da deflexão
intrinsecoide ≥ 80 ms (atraso inicial), quando há distorção da porção terminal do QRS que pode ser vista
como uma redução da sua amplitude em duas ou mais derivações contíguas, ou com a emergência do ponto
J estando acima da metade da onda R, ou ainda se a onda S desaparecer em derivações onde ela
habitualmente apareceria, como V2 a V4). Um estudo do InCor, em São Paulo, demonstrou maior mortalidade
desses pacientes (Figuras 58 e 59) (108).
Figura 58 - Bloqueio de lesão em caso de infarto agudo do miocárdio. Observe que o paciente apresenta um BRD,
possivelmente novo, além de emergência do ponto J acima da metade da onda R e desparecimento da S habitual em V2 e
V3. Infarto de descendente anterior proximal ao primeiro septal.
Figura 59 - Bloqueio de lesão em infarto de coronária direita. Observe que o ponto J emerge acima da metade da onda R e
amputou as ondas S de V2 e V3.
O retardo da condução ventricular produzido pela isquemia causa alterações características nos
componentes de alta frequência (50 – 250 Hz) (Figura 60) (109). Rahman et al mostraram que, enquanto as
alterações do segmento ST tem sensibilidade de 18%, os componentes de alta frequência do complexo QRS
possuem sensibilidade de 94% e especificidade de 83% para detecção de isquemia identificada por
cintilografia de perfusão miocárdica com adenosina (110).
Figura 60 - Comportamento dos componentes de alta frequência do complexo QRS durante isquemia ventricular em curso.
Visto que tais parâmetros não são disponíveis de rotina em eletrocardiógrafos da prática médica
(normalmente filtrados < 150Hz), as alterações de QRS secundárias à isquemia acontecem em contexto de
intenso atordoamento miocárdico que resultam na clássica descrição de bloqueios peri-infarto.
Algumas situações, patológicas ou não, podem cursar com supradesnivelamento do segmento ST. A
interpretação do supra deve passar por esse crivo interpretativo do examinador.
Para começar, vou citar um dado: mais de 90% dos homens saudáveis apresentam um supra de ST de
pelo menos 1 mm em alguma derivação de V1 a V4 (111,112). O padrão de supradesnivelamento côncavo do
segmento ST de ≥ 1 mm nessas derivações é chamado “padrão masculino”, e se ≤ 1 mm, é chamado “padrão
feminino”. Atenção: o achado de um supradesnivelamento convexo é quase sempre patológico. Já o achado
de um supradesnivelamento côncavo pode ser variante do normal, mas “variante do normal” é diagnóstico
de exclusão, ou seja, se você encontrar um supradesnivelamento do segmento ST côncavo, antes de falar
que é normal porque “eu consigo desenhar uma carinha sorrindo”, você deve excluir todas as patologias.
Perceba que durante todo o capítulo não foi falado nada a respeito de padrão côncavo ou convexo. Isso não
quer dizer nada. Também é importante lembrar, ainda nesse parágrafo, que o supradesnivelamento
comumente encontrado em homens nessas derivações não deve ser chamado de “repolarização precoce”,
um termo que, hoje em dia, se destina a designar uma canalopatias com risco de evolução para morte súbita
(Capítulo 24). Em homens negros jovens, além desse padrão, pode aparecer uma inversão de onda T nessas
precordiais, talvez por uma persistência do padrão juvenil. O ECG é tão sugestivo de infarto agudo, que ao
atender um paciente com essas características, é importante recordar dessa variante (113).
O supra também pode ser secundário a uma sobrecarga ventricular esquerda e, nesse caso, também é
côncavo, e é tão maior quanto maior for o supradesnivelamento. O strain de uma derivação que contém R é
um infra, o strain de uma derivação que contém S (V2 e V3, por exemplo), é um supra (Figura 61). Partindo
do mesmo princípio, também o BRE gera desnivelamentos importantes do segmento ST, motivo pelo qual é
tão difícil avaliar um paciente com BRE no contexto de uma dor torácica (por isso fizemos uma excelente
revisão do assunto na seção anterior).
a. Os infartos precisam respeitar territórios coronários. Alguém sofreria oclusão de duas coronárias ao
mesmo tempo? Mesmo que sim, esse paciente estaria hemodinamicamente estável?
b. Justamente por respeitar territórios, o ECG de infarto agudo é uma combinação de
supradesnivelamento com imagens em espelho (ou seja, infradesnivelamento), por exemplo, inferior-
anterior média/lateral, septal-lateral, etc. Esse ECG não possui infradesnivelamento? Estranho. Deve
ser pericardite.
Claro, se a pericardite for localizada, essas regras não se aplicam e pode ser mais difícil fazer o
diagnóstico diferencial. Lembrar de achados adicionais que falam a favor de pericardite como:
infradesnivelamento do segmento PR, sinal de Spodick, atrito pericárdico à ausculta, dor que melhora quando
o paciente sentado se inclina para frente (114).
A miocardite, por ser uma inflamação aguda do miocárdio, que sofrerá de maneira similar ao dano
causado por uma oclusão coronária, também pode cursar com supra de ST.
A hipercalemia e o tromboembolismo pulmonar são outras situações em que o supradesnivelamento
de segmento ST pode estar presente e serão discutidas no capítulo 13. Síndrome de Brugada, Síndrome da
Repolarização Precoce e Displasia Arritmogênica do Ventrículo Direito (DAVD) serão discutidas
no capítulo 24.
Tabela 7 - Condições que podem levar ao supradesnivelamento do segmento ST que não estão associadas à oclusão
aguda e persistente de um vaso coronário epicárdico.
Condição Achados
Sobrecarga ventricular esquerda Côncavo, segmento ST discordante do complexo QRS, associado a outros sinais e critérios.
Bloqueio de ramo esquerdo Côncavo, segmento ST discordante do complexo QRS, associado a outros sinais e critérios.
Hipercalemia Complexo QRS alargado, ondas T apiculadas, ondas P de baixa amplitude ou ausentes.
O mecanismo de isquemia miocárdica e sua evolução para geração de ondas Q foi elucidado através de
ressonância magnética cardíaca. Quase imediatamente após a oclusão coronária, há uma perda de força de
contração miocárdica. Somente após 15 minutos, a necrose celular é produzida e sempre se inicia no
subendocárdio, a camada com menor suprimento sanguíneo. Nas próximas horas, essa necrose cresce
camada por camada na direção do subepicárdio, tornando-se transmural (117). Portanto, a necrose por
oclusão coronária nunca é exclusivamente subepicárdica. Infartos confinados à porção subendocárdica são
possíveis e em até 30% dos casos podem produzir ondas Q (118).
Quando analisamos uma atividade elétrica através de cateteres dentro do coração, chamamos o sinal
encontrado de “eletrograma”. Pois bem, saiba que a ativação endocárdica do ventrículo (ou seja, o
eletrograma do ventrículo) apresenta tão somente uma deflexão negativa, devido à velocidade das fibras de
Purkinje. Portanto, a porção inicial do sinal ventricular intracardíaco é uma onda Q. À medida que as outras
porções miocárdicas despolarizam, o eletrodo intracavitário passa a registrar uma onda R progressivamente
maior até que no epicárdio apenas a onda R é vista.
Duas teorias principais se destinam a explicar a gênese das ondas Q de necrose e zona inativa no ECG.
Vamos conhecê-las nos próximos parágrafos: De acordo com a teoria da janela elétrica de Wilson, a área
de infarto transmural atua como uma janela elétrica e o eletrodo de superfície registra o QRS intracavitário no
lado oposto, ou seja, a deflexão negativa característica do endocárdio que descrevi antes, portanto, uma onda
Q (31,119).
A outra é a teoria do vetor de infarto, que postula que a área infartada gera um vetor com a mesma
magnitude, mas oposto ao vetor que existiria se não houvesse infarto. A figura 63 resume essas duas teorias.
A: na teoria da janela de Wilson, postula-se que a área necrosada age como uma janela que permite ver a ativação endocárdica da
parede oposta. Como a ativação endocárdica inicial é uma onda Q, o vetor inicial será uma onda Q. B e C: teoria do vetor de infarto.
Em B, observamos como seriam as forças vetoriais se não houvesse um infarto. Em C, a área infartada transformou o vetor 3 em
seu oposto, o 3’, gerando, portanto, um vetor que foge do eletrodo epicárdico, portanto, uma onda Q.
Para definir uma onda Q como onda de necrose, devemos respeitar os seguintes critérios propostos na
Quarta Definição Universal de Infarto do Miocárdio:
Um critério não está presente na Quarta Definição, mas vale a pena citá-lo: é a onda Q equivale a > 25%
do QRS em D1 e D2 e V6 ou > 50% em aVL (23).
É importante enfatizar é que a onda Q só é produzida se a área necrótica for despolarizada em até 40 ms
após o início da ativação ventricular. Caso contrário, haverá uma modificação no meio ou no final do
complexo QRS, como a produção de fragmentações, notchs ou slurs (Figura 64).
Figura 64 - QRS fragmentado em paciente com infarto inferior antigo. Perceba os padrões RSr’ e Rr’ em D3 e aVF.
Topografia Da Necrose
A topografia da zona inativa obedece às mesmas regras da topografia do supradesnivelamento do
segmento ST, pois aquela é evolução desta (Figuras 65 a 67 e Tabela 4).
Figura 67 - Zona inativa lateral: observe a onda R ampla em V1 e V2, além de Q em V6. As derivações da parede inferior
deixam dúvidas se BDAS ou zona inativa.
Nesse parágrafo, vou tentar resumir a nova topografia de infartos, baseada em ressonância cardíaca: D1 e
aVL só são derivações laterais, se apresentarem onda q isoladamente, mas se houver supra de V3
associado, essa zona inativa deve ser laudada como da parede anterior média. Zona inativa de parede
lateral no ECG é vista como uma onda Q em V7, V8 e V9, e uma onda R ampla, ou seja, R > S em V1 e V2,
acompanhada de onda T positiva.
Outro dogma muito repetido na cardiologia é de que a progressão lenta da onda R nas derivações
precordiais, isto é, quando a onda R não cresce progressivamente de V1 até V4, isso pode ser um sinal de
zona inativa da região anterior, algo que pode ser de imensa repercussão para o paciente – submissão a
exames e terapias desnecessárias.
Até a definição de progressão lenta de onda R nas precordiais é confusa. A maneira mais fácil de se
chegar a esse diagnóstico é de acordo com o sistema de Marquette:
Vale deixar claro que Marquette é uma companhia de eletrônicos, não uma pessoa. O eletrocardiógrafo
dessa empresa lauda progressão lenta de onda R quando encontra esses critérios, que acabaram se
tornando clássicos na literatura sobre o tema, que é pobre.
Estudos demonstraram que não há correlação entre a progressão lenta de onda R e infarto anterior
(120), com um valor preditivo positivo de apenas 7,3% (121). A diretriz brasileira de ECG retirou do seu texto
a “progressão lenta de onda R” na última atualização, em 2016 (Figura 68) (122).
Figura 68 - Exemplo de progressão lenta de onda R pelo sistema Marquette: R V3 < 2 mm com redução da R de V2 para V3.
A progressão lenta não está mais nas diretrizes brasileiras de laudo de ECG, sendo seu laudo, portanto, desencorajado.
A alteração vetorial causada pelos bloqueios de ramo ou seus fascículos pode atrapalhar o encontro de
ondas Q de zona inativa em ECGs. Nos próximos parágrafos, vamos detalhar os possíveis achados de cada
combinação (123). Para que o leitor siga em frente, trago-lhe um resumo dos vetores de ativação do BRE e
do BRD (você pode encontrar mais detalhes no capítulo 4):
BRE: o primeiro vetor é a despolarização do septo ventricular esquerdo a partir do músculo papilar anterior
do ventrículo direito (aponta para frente e para esquerda), o segundo vetor é a ativação transeptal (aponta
para esquerda e posterior), o terceiro e o quarto vetores representam a despolarização da parede livre e das
regiões basais da parede livre e do septo e são cada vez menos posteriores.
BRD: o primeiro vetor representa a despolarização septal praticamente normal (aponta para direita e para
frente), o segundo vetor representa a ativação da maior parte da massa ventricular esquerda (apontando para
esquerda, inferior e posterior), o terceiro vetor representa a ativação transeptal da esquerda para direita e as
últimas células ventriculares esquerdas (aponta para direita e para frente), e o vetor 4 a ativação das últimas
áreas atrasadas do ventrículo direito (para direita, superior e para frente).
A figura 69 resume esses achados vetoriais. Além disso, os sinais de Chapman significam,
principalmente, infarto antigo (Tabela 8) (124). O já citado Sinal de Cabrera também pode significar necrose
em contexto de BRE (Figura 52). A tabela 9 resume os achados a seguir.
Figura 69 - Alças vetoriais em casos de bloqueios de ramo esquerdo (A) e direito (B). Vide texto para identificar direção dos
vetores.
QS de V1 a V3,
BRE + infarto anterior Abolição das forças anteriores
sinal de Cabrera.
Ondas S largas e amplas O vetor 3 (de parede livre) se desloca para longe,
BRE + infarto lateral
(> 30 ms) em V5 e V6. formando uma alça em 8.
qR em V1 e V2 se septo médio,
BRD + infarto septal QS ou QrS em V3 -
e V4 se septo inferior.
O infarto do septo anula o primeiro vetor que deveria apontar para esquerda. Sendo assim, o ápice do
ventrículo direito acaba se tornando dominante. Como o vetor apontará para direita, haverá onda R
significativa em V1 e onda Q em V5 e V6. No vetorcardiograma, os vetores iniciais terão magnitude
significativa e apontarão para direita e para frente, com o restante da alça inscrevendo-se de maneira horária.
Configurado pelo aparecimento de largas e amplas (> 30 ms) ondas S em V5 e V6. No vetorcardiograma,
o vetor 3 (da parede livre) se desloca para longe desse local, gerando uma figura em formato de 8 no plano
horizontal.
Como não modifica as forças iniciais orientadas para frente e para baixo, apresenta morfologias rS em D2,
D3 e aVF. O diagnóstico de certeza é dado pelo vetorcardiograma, em que se observa um deslocamento
superior de toda alça do complexo QRS, habitualmente de rotação horária.
Se septo médio, as forças elétricas do primeiro vetor desaparecerão, gerando uma morfologia qR em V1 e
V2; se septo inferior ou anterosseptal, haverá um padrão QS ou, no máximo, QrS em V3 e V4.
Modifica apenas as porções mais tardias da alça de QRS, gerando um deslocamento posterior e medial. O
ECG apresentará um padrão tipo QS em V5 e V6.
Se o infarto for de parede lateral em sua região mais basal, uma onda R ampla aparecerá em V1 e V2,
com deslocamento anterior da alça do QRS.
Desloca os vetores iniciais (30 a 40 ms) para superior nos planos sagital e frontal. No ECG, aparecerá
uma onda Q patológica em D2, D3 e aVF.
Como ambas as condições desviam o eixo elétrico superiormente e geram ondas negativas em D2 e D3, o
diagnóstico concomitante pode ser difícil. O primeiro vetor do bloqueio divisional anterossuperior costuma
apontar para baixo e para direita, para depois apontar para esquerda e superior, local do atraso, o que gera o
padrão qR em D1 e aVL e rS em D2 e D3. No caso de associação com infarto inferior, o primeiro vetor já
começa diferente: aponta para cima e para direita, mas, devido ao atraso de condução pelo fascículo, o
próximo vetor tenderá a apontar para esquerda e, inicialmente, um pouco inferiormente (mas não chegando a
ficar negativa) para depois assumir o restante da ativação normal. Essa figura, em forma de 8 e com
aparência de “mordida” (sinal da Mordida, capítulo 10), com rotação horária e depois anti-horária no vetor, é
clássica da associação de BDAS + infarto inferior. O eletrocardiograma não ajuda nessa diferenciação.
Como o bloqueio divisional posteroinferior gera ondas q nas derivações inferiores, um infarto antigo
naquela região pode ser suspeitado se, no vetorcardiograma, o vetor inicial que aponta superior e para direita,
tiver uma magnitude aumentada com um padrão QR em D3.
Algumas situações devem fazer parte do arsenal diagnóstico do médico, antes que seja laudado um ECG
como zona inativa, a saber ( Tabela 10):
Pré-excitação ventricular
Miocardiopatia hipertrófica.
Posicionamento alto das derivações precordiais (no 3º EIC) pode gerar padrão QS em V1 e V2. Com o
paciente deitado, também pode haver redução da amplitude da onda r nessas derivações. Troca de eletrodos
dos membros pode gerar onda Q. Por exemplo, troca de braço direito por braço esquerdo gera um complexo
QRS normalmente negativo em D1 (capítulo 5).
Variante do normal: uma onda Q ≥ 30 ms e até mesmo um padrão QS pode ser visto em D3 ou aVL pode
aparecer normalmente.
Sobrecarga ventricular esquerda e BRE também podem cursar com complexos QS em D3.
Pré-excitação ventricular pode gerar ondas deltas negativas, a depender do eixo gerado pelo feixe
acessório (Capítulo 19).
Miocardiopatia hipertrófica (Capítulo 25) apresenta ondas Q de amplitude muito sobressalientes que
duram até 40 ms.
A evolução de todos os processos vistos até aqui pode ser visualizada na Figura 70.
Figura 70 - Gráfico revisa as alterações eletrocardiográficas isquêmicas com o passar do tempo a partir do início da
oclusão coronária.
Inicialmente ocorre a isquemia subendocárdica com aparecimento de onda T primária (grau 1 de Birnbaum-Sclarovsky), depois
ocorre supradesnivelamento do segmento ST (pela teoria da soma de potenciais ou pela teoria do vetor) (Grau 2) seguido de
alterações na porção final do QRS (Grau 3). Se o fluxo não for estabelecido, após horas já teremos zona inativa (onda Q).
Entretanto, é importante considerar cada caso individualmente, pois o melhor ponto de corte parece
divergir numa análise estatística de performance: o ponto de corte ideal para predição de patência arterial em
infartos inferiores é a resolução de 70%, enquanto para infartos anteriores o ponto de corte ideal se
manteve em 50% (126,128). Ademais, pacientes com infarto anterior tendem a ter menos resolução do
supradesnivelamento do segmento ST. Isso parece lógico quando consideramos que (a) a discinesia
segmentar pode atuar como variável de confusão e (b) a maior incidência de discinesia/aneurismas nos
infartos da região anteroapical (que se localizam respeitando a irrigação da artéria descendente anterior: mais
perpendicularmente e mais distal à ancoragem do miocárdio na base ventricular resultando em maior
propensão à discinesia) quando comparados aos infartos inferiores (que se localizam respeitando a irrigação
da artéria coronária direita mais paralelamente e proximal à ancoragem do miocárdio na base ventricular
resultando em menor propensão à discinesia) (126).
Embora sejam medidas que devem ser realizadas o mais breve possível no IAMCSST, nem a infusão do
trombolítico nem a abertura da artéria epicárdica relacionada ao infarto garantem necessariamente o
restabelecimento de fluxo para o miocárdio. O reconhecimento do fenômeno de reperfusão (ou sua falha) é
uma etapa importante no tratamento. Nos casos em que, mesmo após o restabelecimento do fluxo
coronariano epicárdico, persiste a elevação do segmento ST (soma dos segmentos ST maior ou igual a 5
mm), deve-se considerar a hipótese de obstrução da microcirculação coronária. Essa persistência do ST
correlaciona-se também com baixa velocidade de reserva coronária, disfunção ventricular esquerda e grande
área de infarto (129,130).
Morfologia Da Onda T
Figura 72 - Inversão da porção final da onda T em D1, V1-V6 em paciente com lesão obstrutiva de 90% no terço médio da
artéria descendente anterior, além de lesão de 70% na arté- ria circunflexa e oclusão total de artéria coronária direita. A
cineroconariogafia evidenciou um TIMI flow grau 2 pré-intervenção.
Shimada et al evidenciaram que a inversão da porção terminal da onda T era um preditor independente de
pior prognóstico, incluindo eventos cardíacos maiores intra-hospitalares, persistência do supradesnivelamento
do segmento ST e internação prolongada (132). Porém, a população desse estudo tinha o tempo médio de
início dos sintomas até a apresentação de 28h no grupo que apresentava inversão da onda contra 15h no
grupo com onda T positiva. Birnbaum sugere que a onda T esteja mais relacionada com o status de perfusão
do endocárdio, enquanto a resolução do supradesnivelamento ST se relacione com a melhora da isquemia
transmural (126).
Arritmias De Reperfusão
O ritmo idioventricular acelerado (RIVA) é definido como ritmo de complexo QRS largo e regular com
frequência entre 50 a 120 bpm, que habitualmente se inicia após uma longa pausa resultando em longo
período de acoplamento e que frequentemente termina com uma captura ventricular pelo nó sinusal (Figura
73). O RIVA acontece em mais de 50% dos pacientes que têm reperfusão, sendo um parâmetro com boa
especificidade, mas baixa sensibilidade como indicador de reperfusão (17).
Figura 73 - Ritmo idioventricular acelerado. Perceba onda P retrógrada bem visível em V3 (um entalhe logo após o fim do
QRS).
REFERÊNCIAS
1. Benjamin EJ, Muntner P, Alonso A, Bittencourt MS, Callaway CW, Carson AP, et al. Heart Disease
and Stroke Statistics-2019 Update: A Report From the American Heart Association. Circulation.,
2019;139(10):e56–528.
2. Virmani R, Burke AP, Farb A, Kolodgie FD. Pathology of the vulnerable plaque. J Am Coll Cardiol.,
2006;47(8 Suppl):C13-8.
3. Nesto RW, Waxman S, Mittleman MA, Sassower MA, Fitzpatrick PJ, Lewis SM, et al. Angioscopy of
culprit coronary lesions in unstable angina pectoris and correlation of clinical presentation with plaque
morphology. Am J Cardiol., 1998;81(2):225–8.
4. Davies MJ. The contribution of thrombosis to the clinical expression of coronary atherosclerosis.
Thromb Res., 1996;82(1):1–32.
5. Kubo T, Maehara A, Mintz GS, Doi H, Tsujita K, Choi S-Y, et al. The dynamic nature of coronary artery
lesion morphology assessed by serial virtual histology intravascular ultrasound tissue
characterization. J Am Coll Cardiol., 2010;55(15):1590–7.
10. Shimokawa H, Yasuda S. Myocardial ischemia: Current concepts and future perspectives. J Cardiol
[Internet]. 2008;52(2):67–78. sciencedirect.com>.
11. Heyndrickx G, Baig H, Nellens P, Leusen I, Fishbein M, Vatner S. Depression of regional bloof flow
and wall thickening after brief coronary occlusions. Am J Physiol., 1978;1–14.
12. Birnbaum Y, Sclarovsky S. The grades of ischemia on the presenting electrocardiogram of patients
with ST elevation acute myocardial infarction. J Electrocardiol., 2001;34(Suppl):17–26.
13. Bayes de Luna A, Zareba W, Fiol M, Nikus K, Birnbaum Y, Baranowski R, et al. Negative T wave in
ischemic heart disease: a consensus article. Ann Noninvasive Electrocardiol., 2014;19(5):426–41.
14. Kumar A, Green JD, Sykes JM, Ephrat P, Carson JJL, Mitchell AJ, et al. Detection and quantification
of myocardial reperfusion hemorrhage UsingT2 (*)-weighted CMR. JACC: Cardiovascular
Imaging;2011.
15. Wang G, Yang HJ, Kali A, Cokic I, Tang R, Xie G, et al. Influence of Myocardial Hemorrhage on
Staging of Reperfused Myocardial Infarctions With T2 Cardiac Magnetic Resonance Imaging: Insights
Into the Dependence on Infarction Type With Ex Vivo Validation. JACC: Cardiovascular
Imaging.;2018.
16. Migliore F, Zorzi A, Marra MP, Basso C, Corbetti F, De Lazzari M, et al. Myocardial edema underlies
dynamic T-wave inversion (Wellens’ ECG pattern) in patients with reversible left ventricular
dysfunction. Hear Rhythm;2011.
17. Nikus K, Pahlm O, Wagner G, Birnbaum Y, Cinca J, Clemmensen P, et al. Electrocardiographic
classification of acute coronary syndromes: a review by a committee of the International Society for
Holter and Non-Invasive Electrocardiology. Journal of Electrocardiology;2010.
21. Marra MP, Zorzi A, Corbetti F, Lazzari M De, Migliore F, Tona F, et al. Apicobasal gradient of left
ventricular myocardial edema underlies transient T-wave inversion and QT interval prolongation (
Wellens ’ ECG pattern ) in Tako-Tsubo cardiomyopathy. Hear Rhythm., 2013;10(1):70–7.
22. Carmeliet E. Cardiac ionic currents and acute ischemia: from channels to arrhythmias. Physiol Rev.,
1999;79(3):917–1017.
23. Bayes de Luna A. Clinical Electrocardiography: A Textbook. 4. ed. Wiley-Blackwell;2012.
24. Klabunde RE. Cardiac electrophysiology: normal and ischemic ionic currents and the ECG. Adv
Physiol Educ., 2017;41(1):29–37.
25. Thygesen K, Alpert JS, Jaffe AS, Chaitman BR, Morrow DA, Bax JJ, et al. Fourth universal definition
of myocardial infarction (2018). Eur Heart J [Internet]. 2018 Aug 25;40(3):237–69. doi.org
26. Bischof JE, Worrall C, Thompson P, Marti D, Smith SW. ST depression in lead aVL differentiates
inferior ST-elevation myocardial infarction from pericarditis. Am J Emerg Med., 2016;34(2):149–54.
27. Kleber AG. Resting membrane potential, extracellular potassium activity, and intracellular sodium
activity during acute global ischemia in isolated perfused guinea pig hearts. Circ Res.,
1983;52(4):442–50.
28. Pardee HEB. An electrocardiographic sign of coronary artery obstruction. Arch Intern Med [Internet].
1920;26(2):244–57. doi.org
29. Surawicz B, Uhley H, Borun R, Laks M, Crevasse L, Rosen K, et al. Task force I: Standardization of
terminology and interpretation. Am J Cardiol [Internet]. 1978;41(1):130–45. doi.org
30. Goldberger E. Unipolar Lead Electrocardiography and Vectorcardiography. 3rd ed. Philadelphia, PA:
Lea & Febiger;1953.
31. Wilson FN, Johnston FD, Rosenbaum FF, Erlanger H, Kossmann CE, Hecht H, et al. The precordial
electrocardiogram. Am Heart J [Internet]. 1944;27(1):19–85. doi.org
32. Myers GB, Klein HA, Hiratzka T. V. Correlation of electrocardiographic and pathologic findings in
posterior infarction. Am Heart J [Internet]. 1949;38(4):547–92. doi.org
33. Grant RP. The Relationship between the Anatomic Position of the Heart and the Electrocardiogram.
Circulation [Internet]. 1953;7(6):890 LP – 902. circ.ahajournals.org
34. Grant RP, Murray RH. The QRS complex deformity of myocardial infarction in the human subject. Am
J Med [Internet]. 1954;17(5):587–609. doi.org
35. Perloff JK. The Recognition of Strictly Posterior Myocardial Infarction by Conventional Scalar
Electrocardiography. Circulation [Internet]. 1964;30(5):706 LP – 718. circ.ahajournals.org>.
36. Bayes de Luna A, Wagner G, Birnbaum Y, Nikus K, Fiol M, Gorgels A, et al. A new terminology for left
ventricular walls and location of myocardial infarcts that present Q wave based on the standard of
cardiac magnetic resonance imaging: A statement for healthcare professionals from a committee
appointed by the International Soci. Circulation., 2006;114(16):1755–60.
37. Rosenbaum FF, Wilson FN, Johnston FD. The precordial electrocardiogram in high lateral myocardial
infarction. Am Heart J., 1946;32:135–51.
38. Cabrera E. Teoría y Practica de la Electrocardiografía. La Prensa Medica Mexicana;1967. 106 p.
39. Sodi Pallares D, Bisteni A, Medrano G, Ayola C. Electrocardiography and vectorcardiography. New
York: Grune-Straton;1960. 126 p.
40. Dunn WJ, Edwards JE, Pruitt RD. The Electrocardiogram in Infarction of the Lateral Wall of the Left
Ventricle. Circulation [Internet]. 1956;14(4):540–55. doi.org
41. Bayés de Luna A. New Heart Wall Terminology and New Electrocardiographic Classification of Q-
Wave Myocardial Infarction Based on Correlations With Magnetic Resonance Imaging. Rev Española
Cardiol (English Ed [Internet]. 2007;60(07):683–9. revespcardiol.org
42. Durrer D, Van Dam RTH, Freud GE, Janse MJ, Meijler FL, Arzbaecher RC. Total Excitation of the
Isolated Human Heart. Circulation [Internet]. 1970;41(6):899 LP – 912. circ.ahajournals.org
43. Elmaghawry M, Zanatta A, Zampieri F. The discovery of pulmonary circulation: From Imhotep to
William Harvey. Vol. 2014, Global cardiology science & practice;2014. 103–116 p.
44. Imaging: AHAWG on MS and R for C, Cerqueira MD, Weissman NJ, Dilsizian V, Jacobs AK, Kaul S,
et al. Standardized Myocardial Segmentation and Nomenclature for Tomographic Imaging of the
Heart: A Statement for Healthcare Professionals From the Cardiac Imaging Committee of the Council
on Clinical Cardiology of the American Heart Association . Circ [Internet]. 2002;105(4):539–42.
circ.ahajournals.org
45. Anderson RH, Razavi R, Taylor AM. Cardiac anatomy revisited. J Anat., 2004;205(3):159–77.
46. Bayés De Luna A, Cino JM, Pujadas S, Cygankiewicz I, Carreras F, Garcia-Moll X, et al. Concordance
of electrocardiographic patterns and healed myocardial infarction location detected by cardiovascular
magnetic resonance. Am J Cardiol., 2006;97(4):443–51.
47. Cino JM, Pujadas S, Carreras F, Cygankiewicz I, Leta R, Noguero M, et al. Utility of contrast-
enhanced cardiovascular magnetic resonance (CE-CMR) to assess how likely is an infarct to produce
a typical ECG pattern. J Cardiovasc Magn Reson., 2006;8(2):335–44.
48. Selvanayagam JB, Kardos A, Nicolson D, Francis J, Petersen SE, Robson M, et al. Anteroseptal or
apical myocardial infarction: a controversy addressed using delayed enhancement cardiovascular
magnetic resonance imaging. J Cardiovasc Magn Reson., 2004;6(3):653–61.
49. Rovai D, Di Bella G, Rossi G, Lombardi M, Aquaro GD, L’Abbate A, et al. Q-wave prediction of
myocardial infarct location, size and transmural extent at magnetic resonance imaging. Coron Artery
Dis., 2007;18(5):381–9.
50. van der Weg K, Bekkers SCAM, Winkens B, Lemmert ME, Schalla S, Crijns HJGM, et al. Evaluation
of the electrocardiogram in identifying and quantifying lateral involvement in nonanterior wall infarction
using cardiovascular magnetic resonance imaging. J Electrocardiol., 2012;45(5):478–84.
51. Bayes de Luna A, Wagner G, Birnbaum Y, Nikus K, Fiol M, Gorgels A, et al. A new terminology for left
ventricular walls and location of myocardial infarcts that present Q wave based on the standard of
cardiac magnetic resonance imaging: a statement for healthcare professionals from a committee
appointed by the International Soc. Circulation., 2006;114(16):1755–60.
52. Fiol M, Carrillo A, Cygankiewicz I, Velasco J, Riera M, Bayes-Genis A, et al. A new
electrocardiographic algorithm to locate the occlusion in left anterior descending coronary artery. Clin
Cardiol., 2009;32(11):E1-6.
53. Fiol M, Cygankiewicz I, Carrillo A, Bayes-Genis A, Santoyo O, Gomez A, et al. Value of
electrocardiographic algorithm based on “ups and downs” of ST in assessment of a culprit artery in
evolving inferior wall acute myocardial infarction. Am J Cardiol., 2004;94(6):709–14.
54. Erhardt LR, Sjogren A, Wahlberg I. Single right-sided precordial lead in the diagnosis of right
ventricular involvement in inferior myocardial infarction. Am Heart J., 1976;91(5):571–6.
55. Garcia-Niebla J, Goldwasser D, de Luna AB. Proximal right coronary artery occlusion with ST
elevation in all precordial leads. J Electrocardiol., 2009;42(2):119.e1-2.
56. Verani MS, Tortoledo FE, Batty JW, Raizner AE. Effect of coronary artery recanalization on right
ventricular function in patients with acute myocardial infarction. J Am Coll Cardiol., 1985;5(5):1029–
35.
57. Cohn JN, Guiha NH, Broder MI, Limas CJ. Right ventricular infarction. Clinical and hemodynamic
features. Am J Cardiol., 1974;33(2):209–14.
58. Lopez-Sendon J, Coma-Canella I, Alcasena S, Seoane J, Gamallo C. Electrocardiographic findings in
acute right ventricular infarction: sensitivity and specificity of electrocardiographic alterations in right
precordial leads V4R, V3R, V1, V2, and V3. J Am Coll Cardiol., 1985;6(6):1273–9.
59. Andersen HR, Falk E, Nielsen D. Right ventricular infarction: frequency, size and topography in
coronary heart disease: a prospective study comprising 107 consecutive autopsies from a coronary
care unit. J Am Coll Cardiol., 1987;10(6):1223–32.
60. James TN, Burch GE. The atrial coronary arteries in man. Circulation., 1958;17(1):90–8.
61. Kugel MA. Anatomical studies on the coronary arteries and their branches: I. Arteria anastomotica
auricularis magna. Am Heart J [Internet]. 1928;3(3):260–70. sciencedirect.com
62. Boppana VS, Castaño A, Avula UMR, Yamazaki M, Kalifa J. Atrial Coronary Arteries: Anatomy And
Atrial Perfusion Territories. J Atr Fibrillation [Internet]. 2011;4(3):375.
63. Vargas‐Barrón J, Espinola‐Zavaleta N, Romero‐Cardenas A, Simon‐Ruiz S, Keirns C, PEÑA‐DUQUE
M, et al. Clinical‐Echocardiographic Correlation of Myocardial Infarction with Extension to Right
Chambers. Echocardiography., 1998;15(2):171–80.
64. Gardin JM, Singer DH. Atrial infarction. Importance, diagnosis, and localization. Arch Intern Med.,
1981;141(10):1345–8.
66. Liu CK, Greenspan G, Piccirillo RT. Atrial infarction of the heart. Circulation., 1961;23:331–8.
67. Lu MLR, De Venecia T, Patnaik S, Figueredo VM. Atrial myocardial infarction: A tale of the forgotten
chamber. Int J Cardiol [Internet]. 2016;202:904–9. doi.org
68. Pride YB, Tung P, Mohanavelu S, Zorkun C, Wiviott SD, Antman EM, et al. Angiographic and clinical
outcomes among patients with acute coronary syndromes presenting with isolated anterior ST-
segment depression: a TRITON-TIMI 38 (Trial to Assess Improvement in Therapeutic Outcomes by
Optimizing Platelet Inhibition With Prasugrel. JACC Cardiovasc Interv., 2010;3(8):806–11.
69. deWinter RJ,Verouden NJW,Wellens HJJ,Wilde AAM. A New ECG Sign of Proximal LAD Occlusion.
N Engl J Med [Internet]. 2008;359(19):2071–3. doi.org
70. de Zwaan C, Bar FW, Wellens HJ. Characteristic electrocardiographic pattern indicating a critical
stenosis high in left anterior descending coronary artery in patients admitted because of impending
myocardial infarction. Am Heart J., 1982;103(4 Pt 2):730–6.
71. DiDio LJA, Lopes AC, Caetano AC, Prates JC. Variations of the origin of the artery of the sinoatrial
node in normal human hearts. Surg Radiol Anat., 1995;17(1):19–26.
72. Adan V, Crown LA. Diagnosis and treatment of sick sinus syndrome. Am Fam Physician.,
2003;67(8):1725–32.
73. Ariyarajah V, Apiyasawat S, Spodick DH. Association of Duke prognostic treadmill scores with change
in P-wave duration during exercise tolerance tests in patients with interatrial block and coronary heart
disease. Am J Cardiol., 2006;98(6):786–8.
74. Apiyasawat S, Thomas AJ, Spodick DH. Interatrial block during exercise tolerance tests as an
additional parameter for the diagnosis of ischemic heart disease. J Electrocardiol., 2005;38(4
Suppl):150–3.
75. Kennel AJ, Titus JL. The vasculature of the human atrioventricular conduction system. Mayo Clin
Proc., 1972;47(8):562–6.
76. Singh SM, FitzGerald G, Yan AT, Brieger D, Fox KAA, Lopez-Sendon J, et al. High-grade
atrioventricular block in acute coronary syndromes: insights from the Global Registry of Acute
Coronary Events. Eur Heart J., 2015;36(16):976–83.
77. Gang UJO, Hvelplund A, Pedersen S, Iversen A, Jons C, Abildstrom SZ, et al. High-degree
atrioventricular block complicating ST-segment elevation myocardial infarction in the era of primary
percutaneous coronary intervention. Eur Eur pacing, arrhythmias, Card Electrophysiol J Work groups
Card pacing, arrhythmias, Card Cell Electrophysiol Eur Soc Cardiol., 2012;14(11):1639–45.
78. Rosen KM, Loeb HS, Chuquimia R, Sinno MZ, Rahimtoola SH, Gunnar RM. Site of Heart Block in
Acute Myocardial Infarction. Circulation. 1970;42(5):925–34.
79. Hackel DB, Wagner G, Ratliff NB, Cies A, Estes EHJ. Anatomic studies of the cardiac conducting
system in acute myocardial infarction. Am Heart J., 1972;83(1):77–81.
80. Sutton R, Davies M. The conduction system in acute myocardial infarction complicated by heart block.
Circulation., 1968;38(5):987–92.
81. Lenegre J. Etiology and pathology of bilateral bundle branch block in relation to complete heart block.
Prog Cardiovasc Dis [Internet]. 1964;6(5):409–44. doi.org
82. DeHaan RL. Differentiation of the atrioventricular conducting system of the heart. Circulation.,
1961;24:458–70.
83. H. Schiebler T, Stark M, Caesar R. Die Stoffwechselsituation des Reizleitungssystems. Vol. 34,
Journal of Molecular Medicine-jmm;1956. 181–183 p.
84. Udelnov MG. The role of necrosis in the origin of electrocardiographic alterations characteristic of
myocardial infarction. Circulation., 1961;24:110–22.
85. Simons GR, Sgarbossa E, Wagner G, Califf RM, Topol EJ, Natale A. Atrioventricular and
intraventricular conduction disorders in acute myocardial infarction: a reappraisal in the thrombolytic
era. Pacing Clin Electrophysiol., 1998;21(12):2651–63.
86. Jennifer Adgey AA, Geddes JS, Mulholland HC, Keegan DAJ, Pantridge JF. Incidence, significance,
and management of early bradyarrhythmia complicating acute myocardial infarction. Lancet [Internet].
1968;292(7578):1097–101. doi.org
87. Belardinelli L, Fenton RA, West A, Linden J, Althaus JS, Berne RM. Extracellular action of adenosine
and the antagonism by aminophylline on the atrioventricular conduction of isolated perfused guinea
pig and rat hearts. Circ Res [Internet]. 1982;51(5):569–79. circres.ahajournals.org
88. Goodfellow J, Walker P. Reversal of atropine-resistant atrioventricular block with intravenous
aminophylline in the early phase of inferior wall acute myocardial infarction following treatment with
streptokinase. Eur Heart J [Internet]. 1995;16(6):862–5. doi.org
89. Harpaz D, Behar S, Gottlieb S, Boyko V, Kishon Y, Eldar M. Complete atrioventricular block
complicating acute myocardial infarction in the thrombolytic era. J Am Coll Cardiol [Internet].
1999;34(6):1721 LP – 1728. onlinejacc.org
90. Go AS, Barron H V, Rundle AC, Ornato JP, Avins AL. Bundle-branch block and in-hospital mortality in
acute myocardial infarction. National Registry of Myocardial Infarction 2 Investigators. Ann Intern
Med., 1998;129(9):690–7.
91. Godat FJ, Gertsch M. Isolated left posterior fascicular block: a reliable marker for inferior myocardial
infarction and associated severe coronary artery disease. Clin Cardiol., 1993;16(3):220–6.
92. Pérez-Riera AR, Barbosa-Barros R, Daminello-Raimundo R, de Abreu LC, Tonussi Mendes JE, Nikus
K. Left posterior fascicular block, state-of-the-art review: A 2018 update. Indian Pacing Electrophysiol
J [Internet]. 2018;18(6):217–30. ncbi.nlm.nih.gov
93. Scheinman M, Brenman B. Clinical and Anatomic Implications of Intraventricular Conduction Blocks in
Acute Myocardial Infarction. Circulation [Internet]. 1972;46(4):753 LP – 760. circ.ahajournals.org
94. Hindman MC, Wagner GS, JaRo M, Atkins JM, Scheinman MM, DeSanctis RW, et al. The clinical
significance of bundle branch block complicating acute myocardial infarction. 1. Clinical
characteristics, hospital mortality, and one-year follow-up. Circulation., 1978;58(4):679–88.
95. Larson DM, Menssen KM, Sharkey SW, Duval S, Schwartz RS, Harris J, et al. “False-positive” cardiac
catheterization laboratory activation among patients with suspected ST-segment elevation myocardial
infarction. JAMA., 2007;298(23):2754–60.
96. Chang AM, Shofer FS, Tabas JA, Magid DJ, McCusker CM, Hollander JE. Lack of association
between left bundle-branch block and acute myocardial infarction in symptomatic ED patients. Am J
Emerg Med., 2009;27(8):916–21.
97. Lopes RD, Siha H, Fu Y, Mehta RH, Patel MR, Armstrong PW, et al. Diagnosing acute myocardial
infarction in patients with left bundle branch block. Am J Cardiol. 2011 Sep;108(6):782–8.
98. Jain S, Ting HT, Bell M, Bjerke CM, Lennon RJ, Gersh BJ, et al. Utility of left bundle branch block as a
diagnostic criterion for acute myocardial infarction. Am J Cardiol., 2011;107(8):1111–6.
99. Wilner B, de Lemos JA, Neeland I. LBBB in patients with suspected MI: an evolving paradigm
[Internet]. American College of Cardiology. 2017. acc.org
100. Sgarbossa EB, Pinski SL, Barbagelata A, Underwood DA, Gates KB, Topol EJ, et al.
Electrocardiographic Diagnosis of Evolving Acute Myocardial Infarction in the Presence of Left
Bundle-Branch Block. N Engl J Med [Internet]. 1996;334(8):481–7. doi.org
101. Smith SW, Dodd KW, Henry TD, Dvorak DM, Pearce LA. Diagnosis of ST-Elevation Myocardial
Infarction in the Presence of Left Bundle Branch Block With the ST-Elevation to S-Wave Ratio in a
Modified Sgarbossa Rule. Ann Emerg Med [Internet]. 2012;60(6):766–76.
https://doi.org/10.1016/j.annemergmed.2012.07.119>
102. Meyers HP, Limkakeng ATJ, Jaffa EJ, Patel A, Theiling BJ, Rezaie SR, et al. Validation of the modified
Sgarbossa criteria for acute coronary occlusion in the setting of left bundle branch block: A
retrospective case-control study. Am Heart J., 2015;170(6):1255–64.
103. Shvilkin A, Bojovic B, Vajdic B, Gussak I, Ho KK, Zimetbaum P, et al. Vectorcardiographic and
electrocardiographic criteria to distinguish new and old left bundle branch block. Hear Rhythm.,
2010;7(8):1085–92.
104. O’Gara PT, Kushner FG, Ascheim DD, Casey DEJ, Chung MK, de Lemos JA, et al. 2013 ACCF/AHA
guideline for the management of ST-elevation myocardial infarction: executive summary: a report of
the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice
Guidelines. J Am Coll Cardiol., 2013;61(4):485–510.
105. Kastrati A, Caforio ALP, Bucciarelli-Ducci C, Varenhorst C, Prescott E, Crea F, et al. 2017 ESC
Guidelines for the management of acute myocardial infarction in patients presenting with ST-segment
elevation: The Task Force for the management of acute myocardial infarction in patients presenting
with ST-segment elevation of the European Socie. Eur Heart J [Internet]. 2017;39(2):119–77. doi.org
106. Neeland IJ, Kontos MC, de Lemos JA. Evolving considerations in the management of patients with left
bundle branch block and suspected myocardial infarction. J Am Coll Cardiol [Internet]. 2012 Jul
10;60(2):96–105. ncbi.nlm.nih.gov
107. Widimsky P, Rohac F, Stasek J, Kala P, Rokyta R, Kuzmanov B, et al. Primary angioplasty in acute
myocardial infarction with right bundle branch block: should new onset right bundle branch block be
added to future guidelines as an indication for reperfusion therapy? Eur Heart J., 2012;33(1):86–95.
108. Serrano C V, Tarasoutchi F, Jatene FB, MATHIAS W. Cardiologia Baseada Em Relatos de Casos
[Internet]. MANOLE; 2006. books.google.com.br
109. Amit G, Granot Y, Abboud S. Quantifying QRS changes during myocardial ischemia: Insights from
high frequency electrocardiography. J Electrocardiol., 2014;47(4):505–11.
110. Rahman MA, Gedevanishvili A, Birnbaum Y, Sarmiento L, Sattam W, Kulecz WB, et al. High-
frequency QRS electrocardiogram predicts perfusion defects during myocardial perfusion imaging. J
Electrocardiol;2006.
111. Hiss RG, Lamb LE, Allen MF. Electrocardiographic findings in 67,375 asymptomatic subjects. X.
Normal values. Am J Cardiol., 1960;6:200–31.
112. Surawicz B, Parikh SR. Prevalence of male and female patterns of early ventricular repolarization in
the normal ECG of males and females from childhood to old age. J Am Coll Cardiol.,
2002;40(10):1870–6.
113. Goldman MJ. RS-T segment elevation in midand left precordial leads as a normal variant. Am Heart
J., 1953;46(6):817–20.
114. Wang K, Asinger RW, Marriott HJL. ST-segment elevation in conditions other than acute myocardial
infarction. N Engl J Med., 2003;349(22):2128–35.
115. Van Gelder IC, Crijns HJ, Van Der Laarse A, Van Gilst WH, Lie KI. Incidence and clinical significance
of ST segment elevation after electrical cardioversion of atrial fibrillation and atrial flutter. AmHeart J
[Internet]. 1991;121(1, Part 1):51–6. sciencedirect.com
116. Kok LC, Mitchell MA, Haines DE, Mounsey JP, DiMarco JP. Transient ST elevation after transthoracic
cardioversion in patients with hemodynamically unstable ventricular tachyarrhythmia. Am J Cardiol.,
2000;85(7):878–81, A9.
117. Mahrholdt H, Wagner A, Judd RM, Sechtem U, Kim RJ. Delayed enhancement cardiovascular
magnetic resonance assessment of non-ischaemic cardiomyopathies. Eur Heart J.,
2005;26(15):1461–74.
118. Moon JCC, De Arenaza DP, Elkington AG, Taneja AK, John AS, Wang D, et al. The pathologic basis
of Q-wave and non-Q-wave myocardial infarction: a cardiovascular magnetic resonance study. J Am
Coll Cardiol., 2004;44(3):554–60.
119. Wilson FN, Johnston FD, Hill IGW. The form of the electrocardiogram in experimental myocardial
infarction: IV. Additional observations on the later effects produced by ligation of the anterior
descending branch of the left coronary artery. Am Heart J [Internet]. 1935;10(8):1025–41.
sciencedirect.com
120. Gami AS, Holly TA, Rosenthal JE. Electrocardiographic poor R-wave progression: analysis of multiple
criteria reveals little usefulness. Am Heart J., 2004;148(1):80–5.
121. Kim S-H, Kwak MH, Kim HJ, Nam G-B, Choi K-J, Kim Y-H. Prevalence and positive predictive value
of poor R-wave progression and impact of the cardiothoracic ratio. Korean Circ J [Internet].
2009/10/28. 2009;39(10):418–22. ncbi.nlm.nih.gov
122. Pastore C, Pinho J, Pinho C, Samesima N, Pereira-Filho H, Kruse J, et al. III Diretrizes da Sociedade
Brasileira de Cardiologia sobre análise e emissão de laudos eletrocardiográficos. Arq Bras Cardiol
[Internet]. 2016 [cited 2018 Dec 7];106(4):1–23. gnresearch.org
123. Moffa PJ, Sanches P. Tranchesi: Eletrocardiograma Normal e Patológico. ROCA; 2001.
124. Chapman MG, Pearce ML. Electrocardiographic diagnosis of myocardial infarction in the presence of
left bundle-branch block. Circulation., 1957;16(4):558–71.
125. Cannon CP, Sharis PJ, Schweiger MJ, McCabe CH, Diver DJ, Shan PK, et al. Prospective validation
of a composite end point in thrombolytic trials of acute myocardial infarction (TIMI 4 and 5). Am J
Cardiol;1997.
126. Atar S, Barbagelata A, Birnbaum Y. Electrocardiographic Markers of Reperfusion in ST-elevation
Myocardial Infarction. Cardiology Clinics;2006.
127. An International Randomized Trial Comparing Four Thrombolytic Strategies for Acute Myocardial
Infarction. N Engl J Med [Internet]. 1993;329(10):673–82. doi.org
128. de Lemos JA, Antman EM, Giugliano RP, McCabe CH, Murphy SA, Van de Werf F, et al. ST-segment
resolution and infarct-related artery patency and flow after thrombolytic therapy. Thrombolysis in
Myocardial Infarction (TIMI) 14 investigators. Am J Cardiol., 2000;85(3):299–304.
129. Yokoshiki H, Kohya T, Tateda K, Shishido T, Hirasawa K, Kitabatake A. Abrupt augmentation of ST
segment elevation associated with successful reperfusion: A sign of diminished myocardial salvage.
Am Heart J;1995.
130. Feldman LJ, Himbert D, Juliard JM, Karrillon GJ, Benamer H, Aubry P, et al. Reperfusion syndrome:
Relationship of coronary blood flow reserve to left ventricular function and infarct size. J Am Coll
Cardiol;2000.
131. Herz I, Birnbaum Y, Zlotikamien B, Strasberg B, Sclarovsky S, Chetrit A, et al. The prognostic
implications of negative T waves in the leads with ST segment elevation on admission in acute
myocardial infarction. Cardiology;1999.
132. Shimada YJ, Po JRF, Kanei Y, Schweitzer P. Prognostic impact of terminal T wave inversions on
presentation in patients with ST-Elevation myocardial infarction undergoing urgent percutaneous
coronary intervention. J Electrocardiol;2013.
Capítulo 13
ECG Em Clínica Médica E Situações Diversas
Horácio Eduardo Veronesi | André Luigi Botelho
INTRODUÇÃO
O nome que o capítulo recebe nos remete à importância de associar a clínica do paciente ao
eletrocardiograma. Podemos exemplificar isto da seguinte forma: imaginemos um paciente com dispneia,
taquicardia, repouso prolongado recente; logo, devemos pensar na hipótese de um tromboembolismo
pulmonar; em um paciente com diagnóstico de insuficiência renal crônica ou em hemodiálise ineficiente,
devemos ter muita atenção aos distúrbios do potássio. No caso de um paciente com passado de
tireoidectomia, além de transtornos de decorrentes do hormônio tireoidiano, podemos encontrar alterações do
cálcio iônico devido a uma possível lesão nas glândulas paratireoides.
O que queremos demonstrar aqui é que o eletrocardiograma está inserido em um contexto clínico no qual
é importante ter em conta as queixas do paciente, o exame físico, e o raciocínio clínico apurado – todo
cardiologista é antes um clínico.
DOENÇAS HEMATOLÓGICAS
Anemias
Anemia é uma síndrome clínica caracterizada pela redução da oferta de oxigênio para os tecidos,
decorrente da diminuição dos glóbulos vermelhos. Conforme a OMS, valores de corte de hemoglobina
definem anemia de acordo com idade, sexo, e altitude (adultos < 13g/dL em homens e < 12g/ dL em
mulheres). A causa mais comum é por déficit de ferro (1).
No eletrocardiograma pode se apresentar como taquicardia sinusal (Figura 1), sobrecarga ventricular
esquerda (SVE) (Figura 2), evidenciando sinais de disfunção ventricular, ou insuficiência cardíaca devido ao
alto débito (2). Arritmias podem ser uma manifestação da doença ou um achado. Extrassístoles ventriculares
em adultos e taquiarritmias supraventriculares em crianças são descritas (3).
Talvez não lembre que outro sistema presente é o buffer, ou tampão químico (bicarbonato, fosfato,
hemoglobina).
Podemos dividir as alterações em distúrbios do pH em Acidemia (pH < 7,35) e Alcalemia (pH > 7,45); e
por outro lado, se o distúrbio original é decorrente de alteração no bicarbonato (alcalose ou acidose
metabólica) ou do metabolismo do CO2 (acidose ou alcalose respiratória).
Alterações na repolarização como uma retificação ou inversão da onda T podem ser observadas tanto
na alcalose respiratória na fase inicial de uma crise asmática devido à taquipneia, como em homens
saudáveis realizando hipocapnia voluntária como no trabalho de Ruterford e cols (4,5). A explicação para
esse fato é que a hiperventilação causa vasoconstrição coronária, diminuindo a oferta de oxigênio, podendo
induzir vasoespasmo epicárdico em pessoas susceptíveis.
DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS
Hipercalemia
A hipercalemia (K+ > 5.5 mmol/L) relaciona-se ao aumento na velocidade da fase 3 de repolarização
(capítulo 2) que acaba por reduzir a duração do potencial de ação. O excesso desse íon tende a gerar um
pico na Onda T. Sua conformação apiculada e simétrica de base estreita assemelha-se a uma tenda,
dessa forma, diz-se vulgarmente “onda T em tenda” para caracterizar esse achado, que é visto de maneira
mais fidedigna nas derivações precordiais (V2 a V4), assim como em D2 e D3 (7).
Além disso, grandes quantidades de potássio tendem a dificultar e reduzir a velocidade da fase 1:
torna-se desafiador, para a fibra miocárdica, promover um estado de despolarização. Dessa maneira, o tempo
para que esse fenômeno ocorra estará aumentado, traduzindo-se ao ECG como um aumento na duração do
complexo QRS, gerando padrões atípicos de bloqueios de ramos direito e esquerdo, com atrasos globais de
condução (8,9).
Figura 4 - Paciente com hipercalemia leve. Presença de onda T apiculada simétrica “em tenda” em V3-V6. Além disso, há
um supra de ST de V1 a V2 que pode confundir com o padrão de Brugada tipo 2 (fenocópia de Brugada).
Figura 5 - ECG de paciente com hipercalemia grave (K: 9,2 mmol/L). Perceba o padrão sinusoidal que confunde com
taquicardia ventricular.
O mecanismo preciso pelo qual essas alterações ocorrem ou não e quem está mais suscetível são dados
imprevisíveis (10,11). Arritmias graves podem estar presentes com níveis séricos de potássio não tão
elevados, e pacientes com hiperpotassemia graves podem não apresentar arritmias potencialmente fatais.
Entretanto, valores acima de 8 mmol/L tendem causar arritmias fatais, como assistolia ou fibrilação ventricular
(FV), sendo o tratamento uma urgência médica (Tabela 1) (12). A hipercalemia pode levar a uma miríade tão
importante de achados eletrocardiográficos e, além de sua gravidade intrínseca, geralmente está
acompanhada de acidose metabólica, que é um distúrbio grave e geralmente presente em doentes terminais.
A suspeição rápida dessa associação através de um ECG com um ritmo bizarro ou com bloqueios de ramos
inespecíficos pode ser o diferencial entre salvar uma vida ou perdê-la.
Ritmo sinusoidal;
K > 8 mmol/L.
Fibrilação Ventricular.
Entre os fatores desencadeantes da hipercalemia podemos citar: acidose, insuficiência renal aguda e
crônica (causa importante de hipocalcemia associada – ver“distúrbios do cálcio” logo mais); hemólise e
rabdomiólise; uso de diuréticos poupadores de potássio; reposição inadequada de potássio;
hipoaldosteronismo; Diabetes Mellitus.
Hipocalemia
De acordo com a literatura, os achados típicos do ECG diante de uma hipocalemia podem ser
encontrados em 78% dos casos quando o valor sérico do potássio se encontra ≤ 2,8 mmol/L e em 20% dos
casos em que seu valor se encontra entre 3 – 3,5 mmol/L (13). Consideramos “hipopotassemia leve” quando
o valor sérico de potássio está abaixo de 3,5 mmol/L, “moderada” abaixo de 3 mmol/L, e “severa” abaixo de
2,5 mmol/L (14). Lembremos que o potássio é o principal cátion intracelular.
Quando o potássio sérico está em valores baixos, deve-se ter em mente que o processo de repolarização
estará dificultado (pela escassez do substrato principal dessa fase: o potássio). Dessa forma, as alterações
mais evidentes no ECG de pacientes com hipocalemia são: uma onda T achatada e larga (pode até inverter
com níveis mais baixos); o aparecimento/realce da onda U, observada principalmente nas derivações
precordiais (V2-V4); e o alargamento do intervalo QT, frutos da lentificação da fase 3 do potencial de ação
(14,15). Outras alterações comuns da hipocalemia são: infradesnivelamento do segmento ST, aumento da
amplitude e duração da onda P; podendo ser chamada de “pseudo P pulmonale”; devido a sua similaridade
com sobrecarga atrial direita, com amplitudes de até 5 mm nas derivações inferiores não associada a um
aumento real do átrio direito e tendo um componente de transitoriedade, já que a essa alteração é decorrente
do rápido influxo de sódio pela importante diferença elétrica transmembranosa (16); e também um aumento
do intervalo PR. A hipomagnesemia é uma importante causa de perda de potássio a nível renal, por isso,
ante a hipocalemia refratária, deve se estar atento à reposição conjunta deste íon (17) (Figuras 6 e 7).
Figura 7 - Hipocalemia grave (K+ = 1,3 mmol/L). Observe a onda P apiculada, a onda T achatada e o intervalo QT
prolongado.
Pacientes que possuem níveis de potássio sérico extremamente baixos (< 1,5 mmol/L) possuem a fase de
repolarização tão lentificada que o cardiomiócito, por vezes, dá início a uma nova despolarização antes de
completar sua última repolarização (pós-potencias tardios) (6).
Hipocalcemia
A hipocalcemia é diagnosticada quando os níveis séricos de cálcio total estão < 8,5 mg/dL (2,2mmol/L) ou
quando o cálcio iónico está < 4,6 mg/dL (1,12mmol/L). Essa entidade nosológica possui etiologia variada,
sendo importante destacar clinicamente a hipoalbuminemia, que pode ser fruto de cirrose, de desnutrição, de
síndrome nefrótica, etc. (18). Outras causas dignas de nota são: insuficiência renal crônica, deficiência de
vitamina D, hipomagnesemia, hipoparatireoidismo.
A hipocalcemia reduz a atividade da corrente lenta de cálcio e a concentração intracelular na fase de platô
do potencial de ação. Isso acaba por reduzir a corrente “outward”, muito ligada ao íon potássio, o que acaba
por prolongar o potencial de ação. As principais alterações da hipocalcemia ao ECG são: (a) aumento na
duração do segmento ST, que leva ao (b) aumento do intervalo QT e QTc. Clinicamente, pode haver
redução da contratilidade miocárdica e aumento da excitabilidade das células da rede de Purkinje (19,20)
(Figura 8). O aumento do intervalo QT é proporcional à redução dos níveis séricos do cálcio, e este
achado pode culminar em uma taquicardia ventricular polimórfica denominada Torsades de Pointes com alta
taxa de morbimortalidade (Figura 9 e capítulo 21). Além desses efeitos, o achatamento e a inversão de ondas
T também são comumente visualizados.
Hipercalcemia
Seus achados mais comuns ao ECG são: (a) diminuição na duração do segmento ST, que leva à (b)
diminuição do intervalo QT e QTc. Pelo raciocínio que temos neste capítulo, distúrbios opostos causam
alterações eletrocardiográficas opostas (figura 10) (19). A fisiopatologia dessa alteração é a redução da
duração do potencial de ação por redução da ação do trocador Na+/Ca++. Hipercalcemia possui efeito
inotrópico positivo, além de reduzir a excitabilidade dos diferentes tecidos cardíacos. Menos comumente,
podem ser encontrados padrões como elevação do segmento ST, onda T bifásica e onda U proeminente.
Alargamento de QRS;
Onda U;
Hipocalemia Alargamento e redução da amplitude de onda T;
Aumento do intervalo PR;
Alargamento de onda P;
Distúrbios do Magnésio
O segundo íon mais abundante no meio intracelular, perdendo apenas para o potássio. É um cofator
importante em diversas reações enzimáticas, mas seu efeito eletrofsiológico é discreto, parecendo modificar o
potencial de ação apenas na presença de níveis de cálcio extremamente baixos (1/10 do normal) (22).
Magnésio bloqueia os canais de potássio responsáveis por atividades deflagradas (motivo pelo qual é efetivo
em Torsades de Pointes) (23,24), hiperpolariza canais de sódio e modula canais de potássio. Nenhuma
arritmia específica foi associada aos níveis séricos de magnésio (20).
DOENÇAS GASTROINTESTINAIS
Devido à situação toracoabdominal, existe proximidade anatômica dos órgãos do aparelho digestivo ao
coração, logo as mais diversas doenças do esôfago, hérnia de hiato, colecistite, pancreatite, entre inúmeras
outras podem simular infarto agudo do miocárdio devido à presença de infradesnivelamento ou
supradesnivelamento inespecíficos do segmento ST, ou inversão da onda T.
Se lembrarmos, no diagnóstico de dor torácica e elevação do segmento do ST, diversas patologias não
cardíacas fazem parte da avaliação diferencial, dentre elas patologias gastrointestinais (25).
Entre as possíveis causas da alteração eletrocardiográfica, em pacientes com coronárias normais, pode se
destacar, por exemplo, a compressão extrínseca coronariana, , por exemplo, secundária a uma hérnia hiatal
(26). No caso de pancreatite com eletrocardiograma sugestivo de infarto com supra de ST, as possíveis
causas desta alteração podem ser decorrentes de vasoespasmo coronariano, distúrbios hidroeletrolíticos,
estado pró-trombótico ou alteração do sistema autônomo (27).
DOENÇAS ENDOCRINOLÓGICAS
Disfunções da Tireoide
Hipertireodismo
O paciente com hipertireoidismo pode apresentar taquicardia sinusal, vista em 60-65% dos pacientes;
fibrilação atrial numa prevalência de 1015%, aproximadamente (29,30). Flutter atrial e taquicardia atrial
também são observadas, decorrentes da sensibilidade do átrio ao hormônio tireoidiano. É possível, também,
observar o aumento na amplitude de todas as deflexões, (7,31). Não associada à sobrecarga ventricular
esquerda ao ecocardiograma ou alteração na radiografia de tórax (29,32–34).
Pacientes com Doença de Graves (hipertireoidismo de origem autoimune) podem apresentar severas
complicações cardíacas e hidroeletrolíticas como a paralisia hipocalêmica tireotóxica periódica, clinicamente
caracterizada pela paralisia dos membros, tremores, palpitações, flutter ou fibrilação atrial, e hipocalemia
devido ao estimulo beta adrenérgico com aumento da bomba Na/K e fluxo “inward” de potássio (35).
Devido ao metabolismo elevado, pode apresentar-se com elevação do segmento ST por consumo
miocárdico elevado. O estímulo simpático e o vasoepasmo se apresentam como possíveis fatores
desencadeantes (36).
Hipotireoidismo
O eletrocardiograma no paciente com hipotireoidismo pode nos mostrar bradicardia sinusal, intervalo
QT prolongado, baixa voltagem dos complexos QRS em todas as derivações, inversão da onda T de
pequena amplitude (<0,2 mV) ou aplanamento (31). Arritmias ventriculares graves como o Torsade de
Pointes podem se apresentar em pacientes com fator predisponente como QT longo congênito (37). Todas
essas alterações são devidas a essa doença alterar tanto a estrutura cardíaca como o sistema de condução
(figura 11) (38).
Figura 11 - Paciente feminina com diagnóstico de Hipotireoidismo: FC 75bpm, Baixa voltagem planos horizontal - frontal
(TSH 65mUI/L) Imagem gentilmente cedido pelo Dr. Carlos Veronesi (Hospital SAMIC/Eldorado-Argentina).
Nem sempre a baixa voltagem está associada a derrame pericárdico, que é uma condição frequente
nesses pacientes.
Feocromocitoma
O feocromocitoma é um tumor das células cromafins produtoras de catecolaminas. Apresenta uma tríade
caracterizada por cefaleia, sudorese e palpitações. O diagnóstico é baseado na pesquisa de metanefrinas
sanguíneas e urinárias. Sendo o tratamento definitivo a adrenalectomia.
É uma das causas que pode induzir à Síndrome de Takotsubo (ver logo mais) (40,41). Diminuição da
variabilidade da frequência cardíaca, ectopias ventriculares, taquicardia ventricular e “pseudo P-pulmonale”
também são observadas, devido às abundantes catecolaminas circulantes e ao estímulo beta-adrenérgico (6).
DISTÚRBIOS DA TEMPERATURA
Hipotermia
A hipotermia é caracterizada por temperatura interna abaixo de 35° C mensurada por via retal, esofágica
ou timpânica. Temperaturas abaixo de 32° C são consideradas graves (42).
Figura 12 - Ponto J e Onda J ou “onda de Osborn”. Um achado presente na hipotermia, mas também nas canalopatias do
ponto J, isquemia, hipercalcemia e distúrbios neurológicos. A onda J é definida como um notch na porção final do
complexo QRS cujo fim (ponto J) está acima de 1 mm da linha de base.
Figura 13 - ECG de paciente com hipotermia. As setas apontam ondas J em V4 a V6. Perceba o alargamento do intervalo
QT e os artefatos de tremor visíveis principalmente nas derivações do plano frontal.
A onda de Osborn pode estar presente em temperaturas corporais inferiores a 32° C, com amplitude e
duração diretamente relacionadas ao grau de hipotermia (7). Define-se como uma elevação ou deflexão do
ponto J maior que 1 mm em dois batimentos consecutivos, produto da alteração na repolarização. É visível
principalmente nas derivações laterais e inferiores, podendo isto ser uma ajuda importante na diferenciação
com outras síndromes do ponto J, como Brugada e Repolarização
Precoce (7,44–46). O potencial arritmogênico dessa onda é motivo de ampla discussão até hoje.
Dispersão na repolarização endoepicárdio pela existência da corrente Ito no epicárdio e um gatilho secundário
ao rápido influxo de cálcio são algumas das hipóteses (44,47). A hipotermia pode induzir diversas arritmias,
desde supraventriculares (inclusive FA), até taquicardia ou fibrilação ventricular, geralmente associado à
acidose, em pacientes com temperaturas mais baixas que 29º C (7,48).
A elevação do ponto J também está descrita em outras situações clinicas com normotermia e na ausência
de canalopatias genéticas: como hipercalcemia, hemorragia subaracnóidea e angina vaso-espástica (49).
Por fim, como demonstrado no capítulo 5, a hipotermia pode causar artefatos devido ao tremor muscular,
principalmente entre os 32 e 35 graus.
Hipertermia
A hipertermia é definida quando a temperatura corporal é maior que 40°C. Essa situação não apresenta
sinais eletrocardiográficos característicos, ao contrário da hipotermia. Entre as causas podemos citar a febre,
o exercício extremo, drogas anestésicas, síndrome serotoninérgica, hipertermia maligna (46).
A febre, sinal clínico de inúmeras causas, geralmente é caracterizada por taquicardia sinusal (50). É muito
importante lembrar que a síndrome de Brugada pode manifestar-se durante um episódio febril (capitulo 24)
(51–53).
DOENÇAS RESPIRATÓRIAS
Tromboembolismo Pulmonar
O tromboembolismo pulmonar (TEP) é caracterizado pela presença de um trombo que atingiu a anatomia
vascular pulmonar causando oclusão mecânica dessa vasculatura. O TEP é uma emergência médica, e sua
suspeição clínica é de fundamental importância (54–56). Sua mortalidade na primeira hora após o evento é de
aproximadamente 10%, e pode chegar a 15% nos três meses subsequentes (57). É uma doença com
crescente incidência devido ao aumento na expectativa de vida, aumento da sobrevida de pacientes com
neoplasia, e também pelos novos métodos diagnósticos capazes de diagnosticar tromboembolismo com alta
acurácia (58). O diagnóstico definitivo é realizado pela angiotomografia de tórax (Figura 14). O tratamento é a
anticoagulação ou trombólise nos casos mais graves (59,60).
Figura 14 - Paciente com diagnóstico de TEP por trombo em artéria pulmonar direita. Imagem gentilmente cedida por Dr.
Halsted Alarcao Gomes Pereira da Silva / Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.
O padrão S1Q3T3, também chamado de Sinal de McGinn-White (61), merece destaque (Figura 15).
Estima-se que a despeito de ser classicamente descrito, ele esteja presente em 11 a 25% dos casos, porém
elevando essa porcentagem para valores acima de 70% em situações de embolia pulmonar maciça
decorrente do aumento da pressão arterial pulmonar importante (62–64). Esse padrão é definido pela
presença de uma onda S em D1, possivelmente por hipertrofia da parede livre do VD que altera, mesmo que
minimamente, o eixo cardíaco; uma onda Q em D3 e uma onda T invertida também em D3 (Tabela 3). Os
padrões eletrocardiográficos do TEP podem ser explicados pelo aumento súbito da pressão e volume das
câmaras direitas, o que causa alongamento do septo interventricular e, consequentemente a geração de um
bloqueio divisional póstero inferior (6). Entretanto, o fato desse achado traduzir um aumento da pressão da
pós-carga do VD e, em certas ocasiões, também a dilatação desta câmara, reduz a especificidade
eletrocardiográfica na propedêutica do TEP, visto que qualquer causa de cor pulmonale é capaz de gerar
esses padrões, a exemplo do broncoespasmo agudo e do pneumotórax (66). Os autores enfatizam que além
de tudo isso, é preciso ter em mente que a doença de Chagas, prevalente no Brasil, pode cursar com
achados similares.
Strain do ventrículo direito. T negativa em parede inferior (D2, D3 e AVF) e precordiais direitas (V1 - V4).
Supradesnivelamento do segmento ST em
*
aVR.
Constituem padrões eletrocardiográficos de mau prognóstico em paciente com TEP: taquicardia sinusal,
padrão S1Q3T3, bloqueio avançado do ramo direito, inversão das ondas T nas derivações precordiais V1-V4,
elevação do segmento ST em aVR e fibrilação atrial; ainda: elevação do segmento ST em aVR associado a
infradesnivelamento do segmento ST nas derivações V4 a V6; ou elevação do segmento ST em pelo menos
duas derivações de V1 a V3. Por último, há possibilidade de lesão biventricular caracterizada por elevação do
segmento ST em D3 e/ ou V1/V2 associada à infradesnivelamento em V4 a V6. (67,68). A presença de onda
Q em V1 em paciente com TEP teve 100% de especificidade para a presença de disfunção ventricular direita
(65) (Figura 16). A inversão da onda T é considerada ainda fator independente de mortalidade (13) (Figura
17). A resolução das ondas S em D1 e aVL e dos distúrbios de condução do ramo direito são fatores de bom
prognóstico durante o tratamento desses pacientes (69).
Figura 16 - Eletrocardiograma de paciente com TEP. Observe frequência cardíaca de 107 bpm (taquicardia sinusal), padrão
S1Q3T3 (onda S em D1, onda Q em D3 e inversão de T em D3), supradesnivelamento do segmento ST em aVR e onda Q em
V1.
Figura 17 - Eletrocardiograma de paciente com TEP: com padrão S1Q3T3 e inversão de onda T em derivações precordiais.
Deve-se ter grande atenção e senso clínico forte perante um eventual contexto de elevação do segmento
ST, uma vez que este é um achado importante do infarto agudo do miocárdio – mais importante diagnóstico
diferencial diante de um paciente com dor torácica. A minuciosa distinção entre esses dois diagnósticos é
fundamental, visto que o manejo e a terapêutica dessas duas patologias de tão alta mortalidade a curto prazo
são díspares (64). A maneira de diferenciá-las é através da soberana história clínica. No que diz respeito ao
TEP, é comum que se apresente com dispneia súbita e hipoxemia, eventualmente com antecedentes de
trombose venosa profunda.
Além das doze derivações padrões de um ECG, as derivações direitas (V3R-V6R) podem fornecer
informações adicionais, como a inversão da onda T. Esse achado possui maior sensibilidade quando presente
nas derivações direitas do que nas precordiais (64% e 31% respectivamente) (70). Além disso, a elevação do
segmento ST nessas derivações está presente em até 29% dos pacientes, mas pode chegar a até 50% dos
casos de hipotensão ou choque como demonstrado por Kozaci (Figuras 18 e 19).
Figura 18 - Eletrocardiograma de paciente com TEP que simula infarto de ventrículo direito. Padrão S1Q3T3,
supradesnivelamento do segmento ST em parede inferior e V1.
<
Figura 19 - Eletrocardiograma de derivações direitas e posteriores com supradesnivelamento do seguimento ST
secundário a TEP. ECG de TEP simulando IAM de VD.
A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é muito frequente, sendo hoje a 4ª causa de mortalidade,
com projeção de ser a 3ª causa de mortalidade no mundo na próxima década, conforme a literatura (71).
Caracterizada por sintomas respiratórios devido à alteração da arquitetura alveolar e das vias aéreas por
inflamação crônica. Essa alteração leva a progressiva obstrução da árvore brônquica, anormalidades de troca
gasosa e consequente vasoconstricção do leito pulmonar com hipertensão pulmonar e, finalmente, o cor
pumonale. Todas essas alterações podem possuir características ao ECG (72,73). A tríade clínica está
composta por tosse crônica, expectoração e dispneia. O diagnóstico baseia-se na clínica associada à
espirometria.
Como já falamos, o distúrbio alveolar levará a alterações de pressão nas câmaras cardíacas direitas (cor
pulmonale), desviando o eixo cardíaco elétrico para a direita (74). O ventrículo direito (VD) pode se apresentar
com sobrecarga, levando à presença de um R puro em V1, strain de VD, T negativa V1-V3. A sobrecarga
atrial é caracterizada pela onda P pulmonale, apresentando um eixo > 70° (74,75) (Capítulo 6) (Figura 20).
Essas alterações a despeito de baixa sensibilidade apresentam uma especificidade > 95% para essa
patologia (76). Ritmos atriais ectópicos, como taquicardia atrial multifocal são frequentes nestes pacientes
(77). O padrão S1S2S3, já citado nos capítulos 7 e 8 (S > R em D1, D2 e D3, e S de D2 > S de D3), é um
padrão de bloqueio periférico zonal da região subpulmonar anterior que está presente em casos de DPOC
(Figura 21) (78,79). A presença de qR em V1 representa dilatação do ventrículo direito e retificação do septo
interventricular nos pacientes com PH e nos pacientes com hipertensão arterial pulmonar PAH é um achado
de severidade de mau prognóstico (80).
Figura 20 - Paciente com Doença Pulmonar Obstrutiva crônica e Sobrecarga Ventricular Esquerda (Strain). Observa-se em
D2, D3 a P pulmonale. Imagens gentilmente cedidas por: Dr. Halsted Alarcao Gomes Pereira da Silva / Instituto Dante
Pazzanese de Cardiologia.
Figura 21 - Padrão S1S2S3 (S D2 > S D3) de bloqueio periférico zonal subpulmonar anterior em paciente com disfunção
ventricular direita. Está demonstrada também a presença de uma ectopia ventricular de via de saída do ventrículo direito.
Devido à hiperinsuflação, podemos encontrar baixa voltagem no plano frontal e ausência de onda R em V1
e progressão lenta da onda R devido ao aumento da distância entre o eletrodo e o coração (6). Destacamos
que esse aumento da distância entre eletrodo e coração pode ser visto também no edema pulmonar e nas
patologias pleurais (pneumotórax, pleurite, derrame pleural secundário a pneumonia, tuberculose,
radioterapia, quilotórax, etc) (6).
Nesses casos, as alterações eletrocardiográficas podem estar presentes numa prevalência de até 90%.
Arritmias são vistas em 28% e 37% dos casos de acidente vascular isquêmico (AVC) e hemorragia
subaracnoide (HSA), respectivamente. Interessante que as arritmias presentes em pacientes com síndromes
cerebrovasculares isquêmicas são mais frequentes quando a lesão está instalada do lado direito,
provavelmente devido ao córtex insular direito, que exerce predomínio sobre a regulação do sistema
autônomo (81).
Figura 22 - Prolongamento do intervalo QT e ondas T negativas gigantes (“T cerebrais”) em paciente de 45 anos com
colapso súbito. A tomografia de crânio demonstrou hemorragia subaracnoide.
As “ondas T cerebrais” são ondas T negativas profundas, chamadas “gigantes” quando superam 1 mV
de amplitude (10 quadradinhos). São mais comuns na hemorragia cerebral, mas podem acontecer nas outras
patologias cerebrais, decorrentes da disfunção autonômica (40).
Um sinal muito peculiar é o prolongamento exagerado do intervalo QT, como, por exemplo, ser maior que
> 550 ms associado a uma elevação do segmento ST, levando a um sinal recentemente descrito como o
“sinal de capacete pontiagudo” ou “spiked helmet sign” (82,83). É caracterizado por um deslocamento para
cima da linha de base devido ao segmento ST elevado ser exageradamente prolongado que só termina
quando os complexos QRS do próximo batimento já se inscreveram, causando uma cúpula (T do batimento
anterior) com um pico (QRS do próximo batimento), parecendo-se então com um capacete militar alemão
(Figura 23).
Figura 23 - Sinal do capacete pontiagudo ou “spiked helmet sign” em paciente com HSA. A linha lilás demonstra o
segmento ST do complexo QRS apontando em vermelho; assim como evidenciado no pontilhado da linha azul. O intervalo
QT é tão longo que se inscreveu dentro do próximo batimento. Adaptado de Laszlo Littmann (82)
A fisiopatologia dessas alterações está relacionada à importante desregulação autonômica que sucede
esse evento, com hiperatividade do sistema nervoso simpático. A região insular joga um papel importante
nessa regulação simpática, e sua irritação ou lesão pode levar a intensa liberação de catecolaminas com
excessivo estímulo miocárdico, podendo causar necrose e atordoamento das células miocárdicas (81). A HSA
pode se apresentar clinicamente como Síndrome de Takotsubo (veja mais à frente) se pensarmos no
substrato fisiopatológico (84).
Alterações no ritmo como bradicardia (reflexo de Cushing) ou taquicardia, assim como ectopias juncionais
podem ser vistas (81).
Crises Convulsivas
Sabemos que as doenças neurológicas podem levar à crise convulsiva. Em alguns casos, as crises tônico-
clônicas podem ser decorrentes de patologias cardíacas arritmogênicas como Síndrome de Brugada,
Síndrome do QT longo, Displasia arritmogênica do ventrículo direito, etc. (Capítulos 24 e 25). Nessas
patologias, os eventos tônico-clônicos são secundários ao baixo débito cerebral durante eventos arrítmicos
paroxísticos (6,85–88). Por isso, é recomendado que na propedêutica do doente que convulsiona,
principalmente no primeiro episódio, a solicitação do eletrocardiograma seja lembrada (89).
TAKOTSUBO
Figura 24 - Síndrome de Takotsubo. Apresentação clínica é de dor torácica súbita e dispneia intensa com
eletrocardiograma que mimetiza uma síndrome coronária aguda ao ECG (supradesnivelamento de ST em derivações
precordiais). Em A, temos a imagem radiográfica contrastada do ventrículo esquerdo e em B, temos a armadilha para
capturar polvos.
No ano 2018 foi publicado um Consenso estabelecendo critérios diagnósticos International Takotsubo
Diagnostic Criteria (InterTAK Diagnostic Criteria), em que o eletrocardiograma tem seu papel (92,94).
PERICARDITE
A pericardite aguda é uma doença causada pela inflamação do pericárdio. É caracterizada por dor
pleurítica que se alivia ao sentar inclinado para frente (posição da "prece maometana"), febre, atrito
pericárdico à ausculta cardíaca e alterações eletrocardiográficas interessantes, descritas a seguir. Pode existir
derrame pericárdico ou não (95).
Existem diversas causas: idiopática (provável etiologia viral); infecciosas: viral, bacteriana (tuberculose),
fúngica; autoimune: lúpus eritematoso sistémico, artrite reumatoide, sarcoidose; uremia; hipotireoidismo;
drogas (hidralazina); câncer; pericardite pós-infarto (Síndrome de Dressler ou pericardite epistenocárdica)
(96).
No estágio 1, é possível observar o sinal de Spodick (Figura 27), caracterizado pela ausência de linha
isoelétrica do segmento TP, havendo um final de onda T supradesnivelado em relação à próxima onda P,
dando impressão de que há uma "ladeira" na linha de base do ECG. Esse sinal é melhor visualizado na
derivação D2 e na parede lateral e possui uma sensibilidade de 80% (Figuras 28 a 30) (99,100).
Figura 27 - Sinal de Spodick. A seta representa o desnivelamento entre o final da onda T e a próxima onda P, levando à
semelhança de uma “ladeira” na linha de base do ECG.
Figura 28 - Paciente com pericardite. Sinal de Spodick em D2, D3, V4-V6.
Figura 29 - Clássico ECG de pericardite: infradesnivelamento do segmento PR, supradesnivelamento difuso do segmento
ST, sinal de Spodick.
Figura 30 - Paciente de 60 anos. ECG de pericardite com supradesnivelamento exagerado do segmento ST em diversas
derivações. Os sinais de pericardite de infradesnivelamento do segmento PR e Spodick estão presentes. A presença de
ondas q em paciente com alto risco coronariano levou a equipe de assistentes a realizar coronariografia, que foi negativa.
Como comentado anteriormente, a elevação difusa do segmento ST fala contra uma síndrome
coronariana, um dos diagnósticos diferenciais, devido a não haver uma clara correlação com a anatomia
coronária. Além disso, a ausência de progressão de ondas q também fala contra a hipótese de síndrome
coronária aguda. O achado de infradesnivelamento em derivações outras que não aVR e V1 também chama
atenção para a possibilidade de uma síndrome coronária aguda, pela eventual participação de
desnivelamentos em espelho (capítulo 12).
Outro diagnóstico diferencial é com Síndrome da Repolarização Precoce (capitulo 24). Um cálculo que
pode ser realizado para diferenciar essas patologias é a relação ST/T em V6 tomando como base o segmento
PR. Uma elevação > 0,25 fala a favor de miopericardite (Figura 31) (97).
Figura 31 - Cálculo para diferenciação entre miopericardite e padrão de repolarização precoce ao ECG. A relação entre o
segmento ST (0,8 mV) e a onda T (3,8 mV) é de 0,21. Menor que 0,25 fala a favor do padrão de repolarização precoce. A
ausência de infradesnivelamento do segmento PR e do sinal de Spodick também ajuda a tomar essa decisão a favor de
repolarização precoce.
DERRAME PERICÁRDICO
As mesmas causas da pericardite podem causar derrame pericárdico (101) Essa situação é caracterizada
pelo aumento da quantidade do líquido no espaço pericárdico. Nos casos mais graves; o tamponamento
cardíaco pode ocorrer e o paciente pode apresentar a Tríade de Beck, em que encontraremos bulhas
hipofonéticas, hipotensão arterial e turgência jugular. Pode estar presente o pulso paradoxal (diminuição da
pressão arterial sistólica > 10 mmHg durante a inspiração). O tamponamento é uma emergência médica com
risco de morte. O tratamento consiste na drenagem pericárdica. O eletrocardiograma é uma ferramenta útil no
diagnóstico, rápida e de baixo custo (102).
Argula e cols, em um estudo de pacientes com tamponamento de etiologia maligna, encontraram uma
especificidade diagnóstica de 100% na presença conjunta de taquicardia sinusal (FC > 100 bpm); baixa
voltagem (QRS < 5 mm nas derivações horizontais, e < 8 mm nas precordiais), e alternância elétrica
(amplitudes diferentes das ondas P, T, complexo QRS, segmento ST e qualquer combinação destas, não
relacionadas à respiração) (Figura 32). Os autores afirmam que a ausência da combinação das três
alterações não afasta o diagnóstico de tamponamento (103).
Figura 32 - Acima: ecocardiograma de derrame pericárdico com repercussão hemodinâmica. Abaixo: ECG demonstrando
taquicardia sinusal, baixa amplitude de complexos QRS e alternância elétrica.
VALVOPATIAS
Na estenose mitral, secundário à obstrução do fluxo sanguíneo do átrio para o ventrículo, teremos o
aumento do volume do átrio esquerdo resultando em sinais de sobrecarga atrial esquerda (capítulo 6). À
medida que progride o aumento da pressão intracavitária, haverá comprometimento retrógrado, finalizando
em hipertensão pulmonar, com sinais de sobrecarga do ventrículo direito. Presença de arritmias como
extrassístoles atriais, taquicardia atrial paroxística assim como fibrilação atrial também podem estar presentes
com importante repercussão clínica (104).
A insuficiência mitral crônica acomete o átrio esquerdo com alterações semelhantes às descritas na
estenose. Mas, associado a isso, há também sinais de sobrecarga ventricular esquerda (capítulo 7), devido
ao aumento de fluxo intracavitário das câmaras esquerdas, pela valva mitral incompetente. Na evolução da
cardiopatia, teremos sobrecarga pressórica caraterizada pelo aumento da amplitude das ondas R nas
precordiais esquerdas, acompanhada de desnivelamento do segmento ST e onda T negativa nas mesmas
derivações (padrão de strain) (104). As arritmias presentes são variadas, desde extrassístoles
supraventriculares, ventriculares, fibrilação atrial, até taquicardia ventricular sustentada decorrente da
disfunção ventricular (106).
Estenose aórtica apresentará sinais evidentes de sobrecarga ventricular esquerda devido à dificuldade
da passagem do fluxo sanguíneo para aorta, com aumento da pressão intracavitária e tensão parietal. A
progressão das alterações do segmento ST e onda T, ou seja, desde a retificação do segmento para
infradesnivelamento do segmento ST, e mudança de polaridade da onda T para negativa indicará maior
hipertrofia do ventrículo esquerdo decorrente da evolução da estenose, demonstrando o componente sistólico
da obstrução.
Quando o infradesnivelamento do segmento ST for maior que 0,3 mV, associado à progressão lenta da
onda r em derivações precordiais, simulando zona inativa anterosseptal, podemos estar diante de uma
obstrução valvar grave. Podem existir bloqueios divisionais ou do ramo esquerdo. As consequências desse
processo são as arritmias ventriculares, como extrassístoles e taquicardia ventricular. Poderemos observar
sobrecarga atrial.
As lesões da valva tricúspide, insuficiência ou estenose, causarão sinais de sobrecarga atrial direita (105).
As lesões por insuficiência apresentarão ademais sinais de sobrecarga ventricular direita. A lesão valvar
pulmonar evidenciará aumento da pressão no ventrículo direito, resultando em sinais de sobrecarga
ventricular direita.
Nessa patologia, caracterizada por mobilização excessiva da valva mitral secundária a alterações
degenerativas causando insuficiência desta valva. É uma entidade com espectro amplo, desde deficiência
fibroelástica, dano focal no segmento P2 da valva até a Síndrome de Barlow, com dano difuso valvar. No
ECG, podemos observar inversão da onda T, principalmente nas derivações inferiores (D2, D3 e AVF),
mimetizando patologia isquêmica (6,107).
Recentemente, vem sendo estudada a associação do prolapso da valva mitral (PVM) com morte súbita
cardíaca (MSC), bem como a presença de complexos ventriculares ectópicos, expressados como
extrassístoles pareadas ou taquicardia ventricular não sustentada (TVNS) com foco na via de saída do
ventrículo esquerdo ou na região do músculo papilar, em que a rede de Purkinje foi identificado como gatilho
de fibrilação ventricular nos casos de ablação do grupo de Syed et cols (108,109).
As alterações descritas anteriormente por si só não caracterizam o paciente como de alto risco, mas
devem orientar ao clinico a realizar investigação adicional.
Padrão de repolarização precoce pode também ser observado nos pacientes com prolapso valvar mitral,
especialmente nos jovens (110).
Endocardite Infecciosa
VARIANTES CORPORAIS
Gravidez
O eletrocardiograma na gravidez, na maioria das vezes é inalterado, a despeito das mudanças hormonais
e hemodinâmicas que acontecem durante esse período (aumento do volume sanguíneo circulante e do débito
cardíaco).
Pode existir desvio do eixo elétrico para esquerda devido ao aumento uterino ou à direita se há predomínio
na elevação do hemidiafragma esquerdo (6).
Com o decorrer da gravidez, existe uma elevação da frequência cardíaca (taquicardia sinusal),
diminuição do intervalo R-R, e da variabilidade da frequência, as quais são decorrentes das mudanças no
equilíbrio simpático-parassimpático; podendo haver inclusive remodelamento nos canais iônicos do
pacemaker. Vale lembrar que estas são consideradas as alterações mais comuns, obviamente inespecíficas.
O valor absoluto do intervalo QT é menor nas mulheres grávidas. Porém, como sabemos, esse intervalo é
dependente da frequência cardíaca; logo, na avaliação do QT corrigido (QTc), este é maior, sempre dentro
dos valores normais. No entanto, esse prolongamento do QTc não é fator desencadeador de arritmias graves
como em outras patologias (112,113).
Existem variações secundárias ao biotipo, sexo, e idade do paciente, fato importante na hora de definir
patologias. O capítulo 4 já os listou. Relembramos aqui os mais importantes.
Em relação ao sexo, por exemplo, devemos ter em mente que o diagnóstico de sobrecarga ventricular
esquerda possui valores diferentes para homens e mulheres pelo Critério de Cornell (capítulo 7) (6). Outro
parâmetro que merece atenção é que o intervalo QTc também possui valores de referência diferentes entre os
diferentes sexos. O QTc pode apresentar-se com maior duração em mulheres (114). Na mulher, a presença
de tecido mamário pode provocar alteração na amplitude dos vetores devido a reposicionamento dos
eletrodos. Em mulheres, pode haver inversão de onda T de V1 até V3 mesmo na idade adulta. O intervalo PR
e o complexo QRS tendem a ser levemente mais curtos.
Em relação à idade, existem inúmeras diferenças. No caso das crianças, tem peculiaridades devido ao
nascimento, primeira infância que serão discutidos em outro capítulo (capitulo 28). No caso dos idosos,
devido ao processo evolutivo decorrente do envelhecimento, ao aumento da prevalência de doença coronária,
hipertensão arterial, doenças valvares degenerativas, poderemos encontrar fibrilação atrial e outras arritmias,
doença do nó sinusal, área inativa representada por onda q decorrente de isquemia, etc. Normalmente,
devido exatamente ao processo degenerativo, o intervalo PR do idoso é maior que quando era adulto.
Em relação ao biótipo, a obesidade, por exemplo, pode apresentar baixa voltagem, devido ao aumento da
distância do eletrodo com o coração, tal qual já fora relatado em pacientes com DPOC, derrames pleurais,
ascite ou pneumotórax. Ainda podem apesentar desvio do eixo elétrico para esquerda ou área inativa inferior
devido à elevação do diafragma (6).
Esses pacientes podem apresentar ainda a síndrome da apneia obstrutiva do sono (roncos, sonolência
diurna e apneia durante o sono). Essa doença tem muita correlação com doenças cardiovasculares, assim
como sua presença está associada à morte súbita (115,116). Poderemos observar, ao eletrocardiograma,
aumento dos intervalos PR, QT, QRS. Na fibrilação atrial, a SAOS é fator predisponente, sendo comum essa
associação (117).
ECG DE ATLETA
Os atletas possuem um aumento do tônus vagal, demonstrando bradicardia sinusal (geralmente > 30
bpm) e também escapes juncionais ou ectópicos atriais, bloqueio atrioventricular de primeiro grau e até
mesmo fenômeno de Wenckebach (capítulo 23).
É comum encontrarmos sobrecarga ventricular esquerda (em até 45% dos atletas treinados) (118). É
importante enfatizar que isso não se correlaciona com doença, mas, quando associado a outros critérios,
como, por exemplo, inversão de onda T ou a presença de ondas q patológicas, pode trazer um sinal da
presença de patologia grave.
Outros achados benignos encontrados nessa população: sobrecarga do ventrículo direito, bloqueio de
ramo direito de primeiro grau (119), padrão de repolarização precoce (120), supradesnivelamento do
segmento ST seguida de T invertida em precordiais (“padrão do atleta negro”, figura 33), ou inversão de T
isolada em precordiais de atletas adolescentes ou mulheres.
Bloqueio de ramo direito, sobrecarga atrial esquerda ou direita e desvio do eixo elétrico para esquerda ou
direita são critérios ditos como “borderline”.
Os achados que são definitivamente anormais são: inversão de T anormal, depressão do segmento ST
(≥ 0,5 mm em duas derivações contíguas), ondas q patológicas (Q/R ≥ 0,25 ou q ≥ 40 ms exceto em D3 e
aVR), bloqueio de ramo esquerdo ou atraso profundo não específico da condução, pré-excitação ventricular,
intervalo QT longo ou curto, padrão de Brugada tipo 1, bradicardia sinusal profunda (< 30 bpm), BAV de
primeiro grau exagerado (PR ≥ 400 ms), bloqueios AV de segundo grau Mobitz 2, avançados ou totais e
ectopias ventriculares.
A inversão da onda T é considerada anormal quando ≥ 1 mm em duas derivações contíguas (exceto D3,
aVR e V1) e, caso seja bifásica, se a porção negativa for ≥ 1 mm em 2 ou mais derivações contiguas.
A onda T invertida em precordiais pode ser encontrada em displasia arritmogênica do ventrículo direito e
na cardiomiopatia hipertrófica. Nesse caso, podemos observar o ponto J, que se eleva caracteristicamente
nos atletas. Se for ≥ 1 mm até V4 em atletas, a possibilidade destas doenças é bem menor (121,122).
Os critérios de Seattle foram propostos e revisados em 2017 para definir o seguimento dos atletas e estão
dispostos na Figura 34 (123).
DROGAS
Antiarrítmicos
Em 2018, foi publicada a diretriz europeia sobre uso de antiarrítmicos. Na tabela 4, serão exemplificados,
conforme a classificação de Vaughan-Williams, com a sugestão de Lei de aumentar para os tipos de drogas
antiarrítmicas (124,125). A quinidina, representante dos bloqueadores de canais de sódio da classe Ia, cursa
com alargamento do complexo QRS, sinal importante para acompanhar sua concentração sérica. Por
também bloquear a saída de potássio, determina o prolongamento do intervalo QTc. Possui ações
antimuscarínicas complementares. A taquicardia ventricular polimórfica (Torsades de Pointes) é seu principal
efeito adverso (126).
Aumento do intervalo QT e do
Bloqueio
IA quinidina procainamida Ajmalina. complexo QRS - risco de
moderado
Torsades de Pointes.
Bloqueador Bloqueio
IB lidocaína fenitoina. Redução do intervalo QT.
I leve
Canal de Sódio
ID ranolazina. Antianginoso.
II Betabloqueador Atenolol Carvedilol Esmolol Adenosina (receptor de Bradicardia sinusal. Aumentam
– Outros adenosina) Atropina (Receptor Muscarínico) Digoxina o intervalo PR. Diminuem o
(Receptor Muscarínico). Intervalo QT.
A lidocaína, bloqueador do canal de sódio (Ib), é usada no tratamento das taquiarritmias ventriculares. Os
bloqueadores de canais de sódio da classe Ib encurtam o intervalo QTc.
A propafenona, bloqueador dos canais de sódio (Ic), impede também a saída de potássio (III), dos canais
de cálcio (IV) e possui efeito betabloqueador (II), aumentando os intervalos PR e QRS. É importante no
tratamento das arritmias supraventriculares (126). Os bloqueadores de canais de sódio da classe Ic
prolongam muito timidamente o intervalo QTc. O sotalol pertencente ao grupo III (bloqueador dos canais de
potássio), e possui também efeito betabloqueador (II). É útil no tratamento de arritmias supraventriculares
(reentrada, flutter e fibrilação atrial). Pode ser utilizado no contexto de FA paroxística em pacientes com
doença coronariana e fração ejeção preservada, assim como na presença de hipertrofia ventricular esquerda
leve. O prolongamento do intervalo QT é o principal efeito adverso, podendo causar Torsade de Pointes.
Amiodarona, bloqueadora de canal de potássio (III), possui efeito antiarrítmico também devido aos
bloqueios dos canais de sódio (I), cálcio (IV), e betabloqueador (II). Possui também efeitos antianginosos e
vasodilatadores. É importante enfatizar que, a despeito da amiodarona levar ao aumento do intervalo QT,
essa droga não possui alto poder arritmogênico devido à homogeneidade do efeito na repolarização entre as
diferentes camadas do miocárdio (127).
A impregnação digitálica pode ser visível no eletrocardiograma pela conhecida “colher de pedreiro”
(Figuras 35 e 36) por infradesnivelamento do segmento ST e T diminuída. Pode apresentar diversas arritmias
como taquiarrtimia juncional e ectopias atriais. A arritmia supraventricular clássica é a taquicardia atrial com
bloqueio AV variável e a arritmia ventricular clássica é pleomórfica bidirecional (Figura 37). A intoxicação
digitálica é um diagnóstico laboratorial. Aqui é importante destacar que distúrbios como hipomagnesemia e
hipocalemia podem favorecer o acontecimento da intoxicação digitálica.
Figura 35 - Padrão de colher de pedreiro na impregnação digitálica. Perceba que há um infradesnivelamento seguido de
uma T invertida de baixa amplitude que não tem porção final positiva.
Figura 36 - ECG de paciente com intoxicação digitálica.
1. Picon PD, Gadelha MIP, Alexandre RF. Anemia por deficiência de ferro. Protoc Clin e Diretrizes Ter.,
2014;27–46.
2. Hegde N, Rich MW, Gayomali C. The cardiomyopathy of iron deficiency. Tex Heart Inst J.,
2006;33(3):340–4.
3. Corwin DJ, Scarfone RJ. Supraventricular Tachycardia Associated with Severe Anemia. Pediatr
Emerg Care., 2018;34(4):e75–8.
4. Rutherford JJ, Parkes MJ. Hypocapnia reduces the T wave of the electrocardiogram in normal human
subjects. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol., 2005;289:148–55.
5. Efthimiou J, Hassan AB, Ormerod O, Benson MK. Reversible T-wave abnormality in severe acute
asthma: an electrocardiographic sign of severity. Respir Med., 1991;85(3):195–202.
6. Macfarlane PW, Van Oosterom A, Palhm O, Kligfield P, Janse M. Comprehensive electrocardiography.
Second Edi. Macfarlane PW, Van Oosterom A, Palhm O, Kligfield P, Janse M, editors. Springer;2011.
863–968 p.
7. Barcellos GA, Barcellos PT. Manifestações Eletrocardiográficas de doenças não cardiacas. Revista
da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio Grande do Sul. 2011;(2):1–7.
8. Panneerselvam A. ECG in hyperkalaemia. Postgrad Med J., 2018;94(1115):537.
9. Weiss JN, Qu Z, Shivkumar K. Electrophysiology of Hypokalemia and Hyperkalemia. Circ Arrhythm
Electrophysiol [Internet]. 2017;10(3):e004667. ncbi.nlm.nih.gov
10. Tatli E, Buyuklu M, Onal B. Electrocardiographic abnormality: hyperkalaemia mimicking isolated acute
inferior myocardial infarction. J Cardiovasc Med (Hagerstown)., 2008;9(2):210.
11. Littmann L, Gibbs MA. Electrocardiographic manifestations of severe hyperkalemia. J Electrocardiol.,
2018;51(5):814–7.
12. Kotera A, Irie H, Iwashita S, Taniguchi J, Kasaoka S, Sagishima K, et al. Electrocardiogram findings of
patients with serum potassium levels of nearly 10.0 mmol/L: a report of two cases. Acute Med Surg.,
2014;1(4):234–7.
13. Surawicz B. Electrolytes and the electrocardiogram. Am J Cardiol., 1963;12(5):656–62.
14. Wang X, Han D, Li G. Electrocardiographic manifestations in severe hypokalemia. J Int Med
Res;2018.
15. Schulman M, Narins RG. Hypokalemiaandcardiovasculardisease. Am JCardiol., 1990;65(10):4E9E.
16. Kishimoto C, Tamaru K, Kuwahara H. Tall P waves associated with severe hypokalemia and
combined electrolyte depletion. J Electrocardiol [Internet]. 2014 Jan 1;47(1):93–4.
https://doi.org/10.1016/j.jelectrocard;2013.
17. Daskalakis G, Marinopoulos S, Mousiolis A, Mesogitis S, Papantoniou N, Antsaklis A. Gitelman
syndrome-associated severe hypokalemia and hypomagnesemia: case report and review of the
literature. J Matern Fetal Neonatal Med., 2010;23(11):1301–4.
18. Fong J, Khan A. Hypocalcemia: updates in diagnosis and management for primary care. Can Fam
Physician. 2012 Feb;58(2):158–62.
19. Gardner JD, Calkins JB, Garrison GE. ECG Diagnosis : The Effect of Ionized Serum Calcium Levels
on Electrocardiogram. Clin Med (Northfield Il). 2014;18(1):119–20.
20. El-Sherif N, Turitto G. Electrolyte disorders and arrhythmogenesis. Cardiol J., 2011;18(3):233– 45.
21. Body J-J, Niepel D, Tonini G. Hypercalcaemia and hypocalcaemia: finding the balance. Support care
cancer Off J Multinatl Assoc Support Care Cancer., 2017;25(5):1639–49.
22. Hoffman B, Suckling E. Effect of several cations on transmembrane potentials of cardiac muscle. Am
J Physiol., 1956;186(2):317–24.
23. Takanaka, Ogunyankin, Sarma, Singh. Antiarrhythmic and Arrhythmogenic Actions of Varying Levels
of Extracellular Magnesium: Possible Cellular Basis for the Differences in the Efficacy of magnesium
and Lidocaine in Torsade de Pointes. J Cardiovasc Pharmacol Ther., 1997;2(2):125–34.
24. Tzivoni D, Banai S, Schuger C, Benhorin J, Keren A, Gottlieb S, et al. Treatment of torsade de pointes
with magnesium sulfate. Circulation., 1988;77(2):392–7.
25. Kim YJ, Shin EJ, Kim NSY, Lee YH, Nam EW. The Importance of Esophageal and Gastric Diseases
as Causes of Chest Pain. Pediatr Gastroenterol Hepatol Nutr., 2015;18(4):261–7.
26. Narala K, Banga S, Hsu M, Mungee S. Hiatal Hernia Mimicking ST Elevation Myocardial Infarction.
Cardiology., 2014;258–61.
27. El-Khabiry E, Omar HR, Camporesi EM. Transient ST-segment elevation during acute pancreatitis.
Eur J Intern Med., 2016;32:e7–8.
28. Khalid-de Bakker CA, Jonkers DM, Hameeteman W, de Ridder RJ, Masclee AA, Stockbrugger RW.
Cardiopulmonary events during primary colonoscopy screening in an average risk population. Neth J
Med., 2011;69(4):186–91.
29. Gürdoğan M, Arı H, Tenekecioğlu E, Arı S, Bozat T, Koca V, et al. Predictors of Atrial Fibrillation
Recurrence in Hyperthyroid and Euthyroid Patients. Arq Bras Cardiol., 2016;84–91.
30. Martinez-Diaz GJ, Formaker C, Hsia R. Atrial Fibrillation from Thyroid Storm. J Emerg Med.,
2012;42(1):e7–9.
31. Slovis C, Jenkins R. Conditions not primarily affecting the heart Hyperkalaemia Hypokalaemia.,
2002;324(June).
32. Baladi IH, Rai AA, Ahmed AA. ECG changes in patients with primary hyperthyroidism. Panafrican
Med J., 2018;8688:1–5.
33. Anjo D, Maia J, Carvalho AC, Castro H, Aragão I, Vieira AP, et al. Thyroid storm and arrhythmic storm
: a potentially fatal combination. Am J Emerg Med. 2013;31(9):1418.e3-1418.e5.
34. Wong TC, Barzilai DC, Smith RE, McConahey WM. Electrocardiographic voltage changes during
hyperthyroidism. Mayo Clin Proc., 1979;54(12):763–8.
35. Abbasi AA, Chandar P, Shankar S, Gupta SS, Kupfer Y. Thyrotoxic Periodic Paralysis and
Cardiomyopathy in a Patient with Graves’ Disease. Cureus., 2018;10(6):e2837.
36. Marchena IR De, Gutman A, Zaidan J, Yacoub H, Hoyek W. Thyrotoxicosis Mimicking ST Elevation
Myocardial Infarction. Cureus., 2017;9(6).
37. Elsheshtawy M, Yang F, Khanna A. Hypothyroidism and congenital long QT: Additive effect causing
torsades? Europace., 2018;20(4):635.
38. Araque KA, Smith MJ, Walsh BM. T-wave inversions on ECG as primary manifestation of Hashimoto’s
disease. BMJ Case Rep., 2016;2016:1–3.
39. Imam T, Finny P, Choo-kang A, Khan R. Phaeochromocytoma presenting as an acute coronary
syndrome. BMJ Case Rep., 2016;3–6.
40. Oliveira CAR de, Friedmann AA, Grindler J, Fonseca AJ. Alteração peculiar da repolarização
ventricular em caso de feocromocitoma. Diagnostico Trat., 2007;12(4):185–6.
41. Contadini D, Malagoli A, Binno SM, Villani GQ. A pheochromocytoma-induced Takotsubo syndrome :
the importance of multimodality imaging approach. Eur Hear J Cardiovasc Imaging., 2017;2017.
42. Souza D, Riera ARP, Bombig MT, Francisco YA, Brollo L, Filho BL, et al. Electrocardiographic
changes by accidental hypothermia in an urban and a tropical region. J Electrocardiol.,
2007;40(1):47–52.
43. Osborn J. Experimental hypothermia; respiratory and blood pH changes in relation to cardiac function.
Am J Physiol., 1953;175(3):389–98.
44. Maruyama M, Kobayashi Y, Kodani E, Hirayama Y. Osborn Waves : History and Significance
Historical Review. Indian Pacing Electrophysiol J., 2004;4(1):33–9.
45. Mililis P, Bazoukis G, Bakalakos A, Letsas KP. The J-waves of hypothermia. Vol. 10, Journal of
thoracic disease. China;2018. p. 529–30.
46. Doshi HH, Giudici MC. The EKG in hypothermia and hyperthermia. J Electrocardiol. 2015;48(2):203–
9.
47. Litovsky SH, Antzelevitch C. Transient outward current prominent in canine ventricular epicardium but
not endocardium. Circ Res., 1988;62(1):116–26.
48. Kim CY, Bae MH, Kim NK, Yang YA, Kim KY, Lee JH, et al. Case of recurrent ventricular fibrillations
with osborn wave developed during therapeutic hypothermia. Korean Circ J., 2015;45(1):81–4.
49. Kampouri E, Vaucher J. Electrocardiographic Changes in Hypothermia. N Engl J Med.,
2018;378(5):460.
50. Cunha BA, Lortholary O, Cunha CB. Fever of Unknown Origin : A Clinical Approach. Am J Med.,
2015;128(10):1138.e1-1138.e15.
51. Pfirman KS, White CA, Kelil A, Modi HC. Brugada Syndrome Manifesting Only During Fever in Patient
with Septic Shock Secondary to Post-Obstructive Pneumonia. Am J Case Rep., 2018;19:1311–6.
52. Cader A, Singh SM, Zia MI. Brugada syndrome unmasked by malaria-induced fever. J Cardiol Cases.,
2018;18(4):136–7.
53. Unlu M, Bengi F, Amasyali B, Kose S. Brugada-like electrocardiographic changes induced by fever.
Emerg Med J., 2007;(24):3–4.
54. Boey E, Teo S, Poh K. Electrocardiographic findings in pulmonary embolism. Singapore Med J.
2015;56(10):1–6.
55. Mercer M, Patel K. Electrocardiographic Findings in Pulmonary Emboli. Curr Emerg Hosp Med Rep.
2015;109–12.
56. Mohsen A, El-kersh K. Case report: Variable ECG findings associated with pulmonary. BMJ Case
Rep., 2013;1–8.
57. Lopes AC. Tratado de Clínica Médica. 3. ed. Roca, editor; 2016. 4340 p.
58. Gulati V, Brazg J. Central Venous Catheter-directed Tissue Plasminogen Activator in Massive
Pulmonary Embolism. Clin Pract Cases Emerg Med., 2018;2(1):67–70.
59. Noschang J, Cristina J, Braga D, Rydz P, Santana P, Marchiori E. Novas técnicas no diagnóstico por
imagem do tromboembolismo pulmonar. Radiol Bras., 2018;51(3):178–86.
60. Torbicki A, Linhart A, Spyropoulos AC, Vonk Noordegraaf A, Perrier A, Hoes A, et al. 2014 ESC
Guidelines on the diagnosis and management of acute pulmonary embolism: The Task Force for the
Diagnosis and Management of Acute Pulmonary Embolism of the European Society of Cardiology
(ESC)Endorsed by the European Respiratory Society (ERS). Eur Heart J., 2014;35(43):3033-3069k.
61. McGinn S, White PD. Acute cor pulmonale resulting from pulomary embolism: its clinical recognition.
J Am Med Assoc., 1935;104(17):1473–80.
62. Alvares F, Pádua AI, Terra Filho J. Tromboembolismo pulmonar : diagnóstico e tratamento. Med
Riberião Preto., 2003;36(5):214–40.
63. Yoshinaga T, Ikeda S, Shikuwa M, Miyahara Y, Kohno S. Relationship between ECG findings and
pulmonary artery pressure in patients with acute massive pulmonary thromboembolism. Circ J.,
2003;67(3):229–32.
64. Grant-Orser A, Ballantyne B, Haddara W. Unique ECG Findings in Acute Pulmonary Embolism: STE
with Reciprocal Changes and Pathologic Q Wave. Case Reports Crit Care., 2018;2018:1–3.
65. Kucher N, Walpoth N, Wustmann K, Noveanu M. QR in V1 – an ECG sign associated with right
ventricular strain and adverse clinical outcome in pulmonary embolism. Eur Hear J., 2003;1113–9.
66. Sukhija R, Aronow WS, Ahn C, Kakar P. Electrocardiographic abnormalities in patients with right
ventricular dilation due to acute pulmonary embolism. Cardiology., 2006;105(1):57–60.
67. Shopp JD, Stewart LK, Emmett TW, Kline JA. Findings From 12-lead Electrocardiography That
Predict Circulatory Shock From Pulmonary Embolism: Systematic Review and Meta-analysis. Acad
Emerg Med., 2015;22(10):1127–37.
68. Qaddoura A, Digby GC, Kabali C, Kukla P, Zhan Z-Q, Baranchuk AM. The value of
electrocardiography in prognosticating clinical deterioration and mortality in acute pulmonary
embolism: A systematic review and meta-analysis. Clin Cardiol., 2017;40(10):814–24.
69. Novicic N, Dzudovic B, Subotic B, Shalinger-Martinovic S, Obradovic S. Electrocardiography changes
and their significance during treatment of patients with intermediate-high and high-risk pulmonary
embolism. Eur Hear J Acute Cardiovasc Care [Internet]. 2019;2048872618823441. doi.org
70. Kozaci N, Ay MO, Beydilli I, Kartal ZA, Celik A, Sasmaz I, et al. Right-sided electrocardiogram usage
in acute pulmonary embolism. Am J Emerg Med., 2016;34(8):1437–41.
71. McGarvey LP, John M, Anderson JA, Zvarich M, Wise RA. Ascertainment of cause-specific mortality
in COPD: operations of the TORCH Clinical Endpoint Committee. Thorax., 2007;62(5):411 LP – 415.
72. Mirza S, Clay RD, Koslow MA, Scanlon PD. COPD Guidelines : A Review of the 2018. Mayo Clin
Proc., 2018;93(10):1488–502.
73. Global Initiative for Asthma. Global Strategy for Asthma Management and Prevention 2018. 2018;
ginasthma.org
74. Rodman DM, Lowenstein SR, Rodman T. The electrocardiogram in chronic obstructive pulmonary
disease. J Emerg Med., 1990;8(5):607–15.
75. Lazovic B, Svenda MZ, Mazic S, Stajic Z, Delic M. Analysis of electrocardiogram in chronic
obstructive pulmonary disease patients. Med Pregl., 2013;66(3–4):126–9.
76. Agarwal RL, Kumar D, Gurpreet, Agarwal DK, Chabra GS. Diagnostic Values of Electrocardiogram in
Chronic Obstructive Pulmonary Disease (COPD). Lung India., 2008;25(2):78–81.
77. Shafuddin E, Chang CL, Cooray M, McAnulty KA, Karalus NC, Lee MHS, et al. Cardiac dysfunction in
exacerbations of chronic obstructive pulmonary disease is often not detected by electrocardiogram
and chest radiographs. Intern Med J., 2018.
78. Pryor R.The S1, S2, S3 Syndromein Chronic Pulmonary Disease. Chest[Internet]. 1964;46(2):226.
doi.org
79. Incalzi RA, Fuso L, De Rosa M, Di Napoli A, Basso S, Pagliari G, et al. Electrocardiographic signs of
chronic cor pulmonale: A negative prognostic finding in chronic obstructive pulmonary disease.
Circulation., 1999;99(12):1600–5.
80. Waligora M, Kopec G, Jonas K, Tyrka A, Sarnecka A, Miszalski-Jamka T, et al. Mechanism and
prognostic role of qR in V1 in patients with pulmonary arterial hypertension. J Electrocardiol.,
2017;50(4):476–83.
87. Fitzgerald DP, Das S, Malone MP, Holland BS, Schexnayder SM. Seizures, Meds, and Vtach: A
Journey to a Brugada Diagnosis. Pediatr Emerg Care. 2018.
88. Baum B, Ingaramo O, Chao D. Adolescent Seizure in the Emergency Department Due to
Concomitant Brugada Syndrome. Pediatr Emerg Care., 2018;34(8):e144–6.
89. Seneviratne U. Management of the first seizure: an evidence based approach. Postgrad Med J.,
2009;85(1010):667–73.
90. Kato K, Lyon AR, Ghadri J-R, Templin C. Takotsubo syndrome: aetiology, presentation and treatment.
Heart., 2017;103(18):1461–9.
91. Peters MN, George P, Irimpen AM. The broken heart syndrome: Takotsubo cardiomyopathy. Trends
Cardiovasc Med., 2015;25(4):351–7.
92. Ruschitzka F, Ghadri J-R, Cammann VL, Templin C, Yoshida T, Manfredini R, et al. International
Expert Consensus Document on Takotsubo Syndrome (Part I): Clinical Characteristics, Diagnostic
Criteria, and Pathophysiology. Eur Heart J., 2018;39(22):2032–46.
93. Andrade AA, Stainback RF. Takotsubo cardiomyopathy. Texas Hear Inst J., 2014;41(3):299–303.
94. Ruschitzka F, Ghadri J-R, Cammann VL, Templin C, Yoshida T, Manfredini R, et al. International
Expert Consensus Document on Takotsubo Syndrome (Part II): Diagnostic Workup, Outcome, and
Management. Eur Heart J., 2018;39(22):2047–62.
95. Marinella M. Electrocardiographic manifestations and differential diagnosis of acute pericarditis. Am
Fam Physician., 1998;57(4):699–704.
96. Mann D, Zipes DP, Libby P, Bonow RO, Braunwald E. Braunwald’s Heart Disease. 10th ed.
Philadelphia, PA: Elsevier Saunders;2015.
97. Chan TC, Brady WJ. Electrocardiographic manifestations: acute myopericarditis. J Emerg Med.,
1999;17(5):865–72.
98. Porela P, Kyto V, Nikus K, Eskola M, Airaksinen KEJ. PR depression is useful in the differential
diagnosis of myopericarditis and ST elevation myocardial infarction. Ann Noninvasive Electrocardiol.,
2012;17(2):141–5.
99. Chaubey VK, Chhabra L. Spodick’s sign: a helpful electrocardiographic clue to the diagnosis of acute
pericarditis. Vol. 18, The Permanente journal. United States;2014. p. e122.
100. Masek KP, Levis JT. ECG diagnosis: acute pericarditis. Perm J., 2013;17(4):e146.
107. Bhutto ZR, Barron JT, Liebson PR, Uretz EF, Parrillo JE. Electrocardiographic abnormalities in mitral
valve prolapse. Am J Cardiol., 1992;70(2):265–6.
108. Syed FF, Ackerman MJ, McLeod CJ, Kapa S, Mulpuru SK, Sriram CS, et al. Sites of Successful
Ventricular Fibrillation Ablation in Bileaflet Mitral Valve Prolapse Syndrome. Circ Arrhythm
Electrophysiol., 2016;9(5).
109. Miller MA, Dukkipati SR, Turagam M, Liao SL, Adams DH, Reddy VY. Arrhythmic Mitral Valve
Prolapse. J Am Coll Cardiol., 2018;72(23):2904–14.
110. Peighambari MM, Alizadehasl A, Totonchi Z. Electrocardiographic changes in mitral valve prolapse
syndrome. J Cardiovasc Thorac Res. 2014/03/21. 2014;6(1):21–3.
111. Habib G, France C, Grazia M, France JC, Del F, El G, et al. 2015 ESC Guidelines for the
management of infective endocarditis The Task Force for the Management of Infective Endocarditis of
the European Society of Cardiology ( ESC ) Endorsed by : European Association for Cardio-Thoracic
Surgery. Europace;2015.
113. Bett GCL. Hormones and sex differences: changes in cardiac electrophysiology with pregnancy. Clin
Sci., 2016;130(10):747 LP – 759.
114. van der Ende MY, Siland JE, Snieder H, van der Harst P, Rienstra M. Population-based values and
abnormalities of the electrocardiogram in the general Dutch population: The LifeLines Cohort Study.
Clin Cardiol., 2017;40(10):865–72.
115. Zeng L, Liang J, Liao Y, Zhou G, Zhang X, Luo Y. Variation of Electrocardiogram Features Across
Sleep Stages in Healthy Controls and in Patients with Sleep Apnea Hypopnea Syndrome. Int Heart J.,
2019;60(1):121–8.
116. Smith JH, Baumert M, Nalivaiko E, McEvoy RD, Catcheside PG. Arousal in obstructive sleep apnoea
patients is associated with ECG RR and QT interval shortening and PR interval lengthening. J Sleep
Res., 2009;18(2):188–95.
117. Abumuamar AM, Dorian P, Newman D, Shapiro CM. The prevalence of obstructive sleep apnea in
patients with atrial fibrillation. Clin Cardiol., 2018;41(5):601–7.
118. Sharma S, Whyte G, Elliott P, Padula M, Kaushal R, Mahon N, et al. Electrocardiographic changes in
1000 highly trained junior elite athletes. Br J Sports Med [Internet]. 1999;33(5):319–24.
ncbi.nlm.nih.gov
119. Kim JH, Noseworthy PA, McCarty D, Yared K, Weiner R, Wang F, et al. Significance of
electrocardiographic right bundle branch block in trained athletes. Am J Cardiol., 2011;107(7):1083–9.
120. Quattrini FM, Pelliccia A, Assorgi R, DiPaolo FM, Squeo MR, Culasso F, et al. Benign clinical
significance of J-wave pattern (early repolarization) in highly trained athletes. Hear Rhythm.,
2014;11(11):1974–82.
121. Zaidi A, Malhotra A, Ensam B, Miles CJ, Papatheodorou E, Behr ER, et al. Electrocardiographic
differentiation between ‘benign T-wave inversion’ and arrhythmogenic right ventricular
cardiomyopathy. EP Eur., 2018;21(2):332–8.
122. Nese A, Zorzi A, Calore C, Facci M, Corrado D, Zaidi A, et al. Electrocardiographic anterior T-wave
inversion in athletes of different ethnicities: differential diagnosis between athlete’s heart and
cardiomyopathy. Eur Heart J., 2015;37(32):2515–27.
123. Sharma S, Drezner JA, Baggish A, Papadakis M, Wilson MG, Prutkin JM, et al. International
Recommendations for Electrocardiographic Interpretation in Athletes. J Am Coll Cardiol.,
2017;69(8):1057–75.
124. Dan G-A, Savelieva I, Kaski JC, Saba M, Kjeldsen K, Lip GYH, et al. Antiarrhythmic drugs–clinical use
and clinical decision making: a consensus document from the European Heart Rhythm Association
(EHRA) and European Society of Cardiology (ESC) Working Group on Cardiovascular Pharmacology,
endorsed by the Heart Rhythm Society (HRS), Asia-Pacific Heart Rhythm Society (APHRS) and
International Society of Cardiovascular Pharmacotherapy (ISCP). EP Eur., 2018;20(5):731-732an.
125. Lei M, Wu L, Terrar DA, Huang CL-H. Modernized Classification of Cardiac Antiarrhythmic Drugs.
Circulation., 2018;138(17):1879–96.
126. Valenzuela C, Tamargo J. Farmacos Antiarritmicos. In: Masson, editor. Farmacologia Humana. 3. ed.
1997. p. 649–69.
Capítulo 19. Vias acessórias típicas, atípicas e Taquicardia por reentrada atrioventricular
INTRODUÇÃO
Para o primeiro capítulo da seção de arritmias, escolhemos falar sobre as ectopias ou extrassístoles. As
ectopias são despolarizações prematuras que podem ocorrer em corações normais ou estruturalmente
doentes. Essa despolarização pode se dar no átrio, no nó AV, em um dos ramos do feixe de His, nas fibras de
Purkinje ou mesmo em uma célula ventricular miocárdica. As ectopias podem vir isoladas ou temporalizadas,
por exemplo, a cada dois batimentos, um é extrassistólico (bigeminismo), a cada três batimentos, um é
extrassistólico (trigeminismo), ou a cada quatro (quadrigeminismo). Elas podem também vir em pares
(pareadas).
Como nem sempre a ectopia é facilmente percebida e também pode haver condução oculta por ectopias,
este capítulo vai se destinar exclusivamente a falar desse tema muitas vezes negligenciado. Neste capítulo,
usaremos o diagrama de Lewis, uma ferramenta proposta há mais de 100 anos para o melhor entendimento
de arritmias (1).
ECTOPIA ATRIAL
Quando uma célula atrial não sinusal se despolariza antes do nó sinusal, temos uma ectopia atrial. As
características da ectopia atrial estão dispostas na tabela 1. Essa onda P será tão diferente da P sinusal
quanto mais distante for do nó sinusal. A morfologia da onda P pode ajudar a encontrar o possível foco, como
veremos no capítulo 16. O intervalo PR pode ser menor caso o foco esteja próximo ao nó AV e o complexo
QRS será normal. Após um batimento ectópico, haverá uma pausa compensatória. A pausa compensatória
ocorre se há condução retrógrada pela ectopia. O que significa isso? Se a ectopia consegue despolarizar
tecidos hierarquicamente superiores, ela acaba acidentalmente iniciando um período refratário naquele local e
não deixando aquele tecido despolarizar na hora esperada.
Vamos imaginar o que ocorre em uma ectopia atrial que consegue conduzir o estímulo até o nó sinusal. Ao
chegar no nó sinusal e despolarizá-lo, esse tecido fica refratário e acaba não mandando o estímulo na hora
que deveria. Sendo assim, um novo“timer”começa a rodar e, após o fim desse timer, o nó sinusal consegue
se despolarizar. É por isso que ocorrem as pausas compensatórias. Veja a figura 1 para entender e visualizar
um bigeminismo atrial. A figura 2 dá um zoom nessa tal onda P escondida dentro da T que pode ser de difícil
visualização para alguns.
Figura 1 - O primeiro batimento é proveniente do nó sinusal (NS). Perceba que logo após acontece um batimento ectópico
atrial (2º) que se insere dentro da onda T do batimento anterior (compare a onda T do primeiro e segundo batimentos e
perceberá que são sutilmente diferentes porque a T do primeiro batimento recebeu uma P ectópica de presente). Esse 2º
batimento nasce no átrio gerando uma onda P de morfologia quase sempre diferente (porém, de difícil visualização nesse
exemplo) e despolariza retrogradamente o nó sinusal (seta). Como após a despolarização retrógrada e acidental, o nó
sinusal entra em período refratário, ele acaba não se despolarizando na hora que deveria (na figura representado pelo
ponto vazio em NS). Sendo assim, após o ponto vazio (isto é, a hora que o nó sinusal deveria se despolarizar), um novo
“timer” se inicia e o nó sinusal acaba mandando o estímulo na hora correta para o próximo batimento (3º). O quarto
batimento é uma nova ectopia. Está acontecendo um bigeminismo atrial ectópico com a P inserida dentro da T anterior.
Está explicado porque ocorre pausa compensatória em alguns casos de extrassístoles.
Figura 2 - Mesmo exemplo da Figura 1. Aqui, apenas demonstramos com mais detalhes a onda P ectópica quase invisível
dentro da onda T do batimento anterior. Perceba que na próxima onda T não tem P ectópica inserida.
Em algumas situações, o complexo QRS pode ser anormal. Isso ocorre caso a ectopia seja muito precoce
e encontre algum ramo (esquerdo ou direito, mas geralmente o direito) em período refratário: assim, haverá P
diferente da sinusal, intervalo PR igual ou diferente, QRS largo com padrão de bloqueio de ramo, podendo ou
não haver pausa compensatória.
ECTOPIA JUNCIONAL
Ocorre quando o nó AV se despolariza antes do nó sinusal. Nesse caso, o estímulo elétrico ganha o
ventrículo (anterógrado) na mesma velocidade em que ganha o átrio (retrógrado), então a P retrógrada estará
inscrita dentro do QRS e pode ser invisível. Pode também não ocorrer, caso haja um bloqueio retrógrado
dessa P. Já voltarei a falar da onda P. Primeiro, vamos falar do QRS dessa ectopia.
O estímulo que nasceu no nó AV vai ganhar os ramos esquerdo e direito e despolarizar os ventrículos da
mesma forma como se esse estímulo tivesse vindo do nó sinusal ou do átrio. Então, o complexo QRS será
igual (Figura 3).
Figura 3 - Extrassístole juncional (2º e 5º batimentos).
Começando pelo mais básico, perceba a ausência da onda P precedendo as ectopias e observe que o QRS é similar ou igual ao
batimento normal. Esteja atento ainda ao fato de que nesse caso houve condução retrógrada para o átrio e também para o nó
sinusal nas duas extrassístoles. O ponto vazio representa o momento em que o nó sinusal deveria despolarizar, mas estava
refratário, pois foi atingido pela despolarização retrógrada e acidental da primeira extrassístole (2º batimento). A onda P retrógrada e
negativa na parede inferior não apareceu por estar “escondida” dentro do QRS.
Agora sobre a P. Em primeiro lugar, é importante enfatizar que o nó AV é uma estrutura de localização
relativamente inferior no coração. Portanto, se a despolarização do átrio começa no nó AV, ela ganhará
células subindo pelo átrio. Todo vetor que sobe no coração será negativo nas derivações inferiores. Por isso,
a P retrógrada da ectopia juncional é negativa nas derivações inferiores. Em segundo lugar, ela pode não
ocorrer. Como assim? Bem. Imagine que o estímulo nasceu no nó AV e agora vai pegar dois caminhos ao
mesmo tempo: ir para os ventrículos e subir pelo átrio. Ok. Mas e se a junção entre células atriais e nodais
estiver refratária? O estímulo não “subirá”, apenas irá para os ventrículos. E se, além disso, os ramos direito e
esquerdo estiverem refratários também? Bem, aí o estímulo nem tomará um caminho nem outro. Nada
aparecerá no ECG. Apenas o próximo batimento pode dar uma pista. Isso será discutido no tópico “condução
oculta”.
ECTOPIA VENTRICULAR
Essa é a mais fácil de ser visualizada. A ectopia ventricular nasce nos ramos esquerdo ou direito, nas
fibras de Purkinje ou mesmo nas células miocárdicas ventriculares. O complexo QRS será largo: se nascer no
ramo direito, terá padrão de bloqueio de ramo esquerdo e vice-versa. Se nascer em Purkinje ou no miocárdio,
vai apresentar a morfologia da ativação centrífuga daquele local e terá uma repolarização completamente
alterada.
As mesmas leis de condução retrógrada existem aqui. Portanto, se o estímulo retrogradamente fizer todo
o caminho até chegar ao nó sinusal, ele pode determinar o aparecimento de uma pausa compensatória
(Figura 4).
Figura 4 - Extrassístole ventricular bigeminada. Perceba o batimento bizarramente alargado, assim como o seu segmento
ST-T. Nesse caso, o estímulo acabou viajando até chegar ao nó sinusal, determinando pausa compensatória.
Se a extrassístole ventricular tem o intervalo de acoplamento muito longo, ou seja, ocorre muito próximo
do batimento que está por vir, pode ocorrer uma fusão das duas ondas de despolarização. O batimento de
fusão é também chamado “batimento de Dressler” (Figura 5).
Figura 5 - Fusão (batimento de Dressler) entre um batimento sinusal e um extrassistólico ventricular. No diagrama de
Lewis, o ventrículo foi ativado por duas frentes de onda. Como há bloqueio retrógrado da ectopia (ocorreu, nesse exemplo,
a nível de ventrículo), não há pausa compensatória: o nó sinusal não percebeu que houve uma extrassístole.
Se ocorrer bloqueio retrógrado da condução de uma extrassístole, teremos como principal consequência
um nó sinusal inadvertido que ocorreu uma extrassístole. Portanto, ele seguirá seu “timer” natural. Não haverá
pausa compensatória. A extrassístole será chamada de interpolada (Figura 6).
PARASSÍSTOLE
Para entender a parassístole, vou lhes propor um exercício de imaginação. Não feche os olhos agora, pois
precisa terminar de ler o parágrafo. Imagine que você está no trânsito parado em um farol (sinal ou sinaleira,
a depender do estado da União em que você mora). Você e o motorista do carro à sua frente estão
aguardando o farol ficar verde para virar à direita. Então, os dois “deram seta” para direita. Os seus carros são
de marcas diferentes, a seta “pisca” em frequências diferentes. Mesmo assim, e isso você pode perceber na
próxima vez em que for dirigir, por alguns instantes, as luzes dos dois carros piscarão em momentos muito
semelhantes, para depois afastarem-se novamente.
A parassístole, descrita em 1917 (2), é um fenômeno em que ocorre um bloqueio de “comunicação” entre
dois focos no coração. Para exemplificar, o nó sinusal recebe o estímulo proveniente da extrassístole, mas o
foco ectópico não recebe o estímulo do nó sinusal (porque há um bloqueio de entrada – as células próximas
ao foco estão sempre bloqueadas, não permitindo que o estímulo sinusal “entre” naquela célula – o seu carro
não se comunica com o carro que está à frente). O ECG será assim: ritmo sinusal (seu carro) despolarizando
constantemente a uma frequência X, ritmo ectópico (carro à frente) constante a uma frequência X ≠ Y. Isso
acarretará em intervalos de acoplamento variáveis e por vezes fusão entre os complexos – o momento em
que as luzes piscarão iguais (3). Como as luzes dos dois carros piscam em ritmos próprios, haverá intervalos
sempre diferentes entre as batidas dos dois. A parassístole pode ter intervalos de acoplamento fixos, mas
apenas em casos de muita casualidade e coincidência dos ritmos (Figura 7).
Figura 7 - Exemplo de parassístole ventricular com fusão de complexos. Perceba que o intervalo entre os batimentos
extrassistólicos é igual. A diferença disso para extrassístoles bigeminadas é que aqui o intervalo de acoplamento muda.
CONDUÇÃO OCULTA
Condução oculta é quando um impulso sofre um bloqueio em alguma parte do seu caminho e não
consegue chegar a seu destino final. A manifestação eletrocardiográfica pode ser uma simples onda P
bloqueada (o impulso nasceu no nó sinusal, ganhou o átrio, mas foi bloqueado no nó AV), ou um evento mais
complexo.
Um evento de condução oculta anterógrada é o simples desaparecimento ou atraso do que estava por vir
pela frente. Geralmente, ocorre a nível de nó AV (4). Imaginemos o que ocorre quando há um
desaparecimento do que estava por vir: uma onda P surge e depois dela, mais nada. Esse é um bloqueio fácil
de ver. Agora, imaginemos o que ocorre quando há um atraso do que estava por vir: uma onda P surge e
encontra a via rápida do nó AV em período refratário, descendo então pela via lenta, gerando um aumento do
intervalo PR (Figura 8).
O estímulo ventricular gerado foi bloqueado na via rápida de um nó AV. O próximo estímulo sinusal se seguiu no momento
esperado, mas, ao chegar ao nó AV, encontrou apenas a via lenta disponível. Essa “descida” pela via lenta gerou um intervalo PR
prolongado após a ectopia, dando sinais de uma condução oculta anterógrada secundária ao problema do batimento anterior (6).
Este sim mais desafiador. Quando ocorre condução oculta retrógrada, é quando ocorre um bloqueio na
condução do impulso da extrassístole (atrial, juncional ou ventricular). Ou seja, sem novidades até aqui.
Sabemos que quando isso acontece, gera uma extrassístole interpolada, visto que o nó sinusal não será
advertido que ocorreu uma extrassístole.
Vamos dar como exemplo uma extrassístole juncional com condução oculta retrógrada (ou seja, bloqueio
retrógrado). O que teremos como manifestação eletrocardiográfica? Isso mesmo: teremos uma ausência de P
retrógrada (mas no caso da ectopia juncional já era difícil mesmo visualizá-la) e, mais importante que isso,
teremos uma ectopia interpolada (observe a Figura 6 de novo). É aí que está a beleza da condução oculta
retrógrada. Você só mata a charada observando atentamente o ECG como um todo (5). Agora, em outro
exemplo mais complexo, temos ectopia ventricular com condução oculta retrógrada no nó AV. O que pode
ocorrer no próximo batimento? Pense bem: o nó sinusal vai despolarizar na hora “certa”, pois não foi
advertido da ectopia. O estímulo gerado chegará ao nó AV que, este sim, teve sua via rápida despolarizada
pela ectopia. O impulso sinusal passará pela via lenta e gerará um intervalo PR mais longo (Figura 9) (6).
Figura 9 - Uma extrassístole gerada no nó AV teve condução oculta bidirecional e não gerou nenhuma manifestação no
ECG de superfície. O próximo batimento encontrou uma via rápida refratária e desceu pela via lenta, gerando um intervalo
PR prolongado (6).
Agora, imagine que uma extrassístole juncional tem condução oculta bidirecional. Ela é gerada e não leva
seu impulso nem para o átrio e nem para o ventrículo. Entretanto, o nó AV fica refratário (afinal, acabou de
despolarizar). O que pode ocorrer no próximo batimento sinusal que ocorrerá na hora certa? (a) nada (caso o
período refratário termine), (b) pode ocorrer um bloqueio total e aí teríamos uma P bloqueada, (c) pode
ocorrer um bloqueio apenas na via rápida, e teríamos um PR prolongado. Destas, a opção c está
exemplificada na Figura 9. Perceba: se você não sabe o que está ocorrendo e o exemplo (b) acontecer, você
pode achar que uma onda P bloqueou “do nada” e isso configuraria um bloqueio sinoatrial (SA) de 2º grau
(como será visto no capítulo 22).
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
As taquicardias supraventriculares (TSV) são arritmias que, por definição, necessitam de, pelo menos,
uma estrutura acima ou no feixe de His. São essas: átrios, nó sinusal, nó atrioventricular, feixe de His, seio
coronário, veias pulmonares, veia cava superior e ligamento de Marshall. Alguns autores não consideram a
fibrilação atrial como uma taquicardia supraventricular, entretanto não entraremos nesse mérito, e incluiremos
para fins didáticos (1,2).
Apresentam QRS estreito (< 120 ms) devido uma ativação rápida do complexo His-Purkinje. Entretanto,
muitos casos de taquicardia supraventricular podem ter QRS largo devido bloqueio de fase 3 no sistema His-
Purkinje ou pela ativação ventricular através de uma via acessória com condução anterógrada. Este capítulo
abordará as taquicardias de QRS estreito (3,4). Quanto à taquicardia de QRS largo, a diferenciação
diagnóstica com taquicardia ventricular deve ser realizada. As formas de fazer isso estão expostas no capítulo
20.
A ativação do miocárdio atrial é a principal variável procurada nesse tipo de arritmia (fica com a gente e
você vai entender o porquê) pode ser detectada por três tipos de complexos: onda P da ativação atrial, ondas
f da fibrilação atrial ou ondas F do flutter atrial. Em alguns casos, a ativação atrial estará “escondida” dentro
do complexo QRS, não sendo facilmente reconhecida. Podem ser regulares, irregulares e ter qualquer
relação átrio/ventrículo (A/V) (1,2,5).
O objetivo desse capítulo é levar o leitor a ser capaz de inferir o diagnóstico específico da taquicardia
supraventricular pelo ECG, diante dos diversos mecanismos e variáveis envolvidos. Para isso,
apresentaremos as variáveis que podem nos ajudar nessa tarefa. Uma descrição mais detalhada de cada
arritmia será encontrada no seu devido capítulo, citado ao fim dessa leitura.
Tabela 1 - Taquicardias supraventriculares com respectivos possíveis mecanismos eletrofisiológicos. *A fibrilação atrial
tem fisiopatologia complexa e envolve diversos mecanismos no seu início e perpetuação.
Reentrada Atividade deflagrada Hiperautomatismo
Taquicardia atrial X X X
Flutter atrial X
Fibrilação atrial* X X X
Taquicardia juncional X X
(a) Reentrada: principal mecanismo das taquicardias supraventriculares. Uma taquicardia reentrante
ocorre quando há uma propagação repetitiva em um caminho “circular”, retornando ao início para nova
ativação. Se a reentrada é restrita a tecidos atriais, como, por exemplo, a taquicardia atrial (TA), a ativação
será em série, com átrio ativado primeiro e o ventrículo logo após. Se a reentrada envolver tecidos atriais e
ventriculares, teremos uma taquicardia por reentrada atrioventricular (TRAV) com ativação também em
série. Se a reentrada, por sua vez, envolver o nó atrioventricular (AV), a ativação do átrio e do ventrículo será
em paralelo, ou seja, ocorrendo ao mesmo tempo e de forma não dependente, como ocorre, por exemplo, na
taquicardia por reentrada nodal (TRN) (Figura 1).
Figura 1 - A e B: ativação em paralelo de átrios e ventrículos, sendo A um exemplo de taquicardia reentrante pelo nó AV
(TRN) e B um exemplo de taquicardia automática ou deflagrada do nó (ou junção AV) (TJ); C e D: ativação em série de
átrios e ventrículos, sendo C um exemplo de TA e D um exemplo de TRAV.
(b) Hiperautomaticidade: é a capacidade exagerada que algumas células podem apresentar de atingir o
limiar de despolarização espontaneamente, ativando o potencial de ação, na ausência de estímulo externo.
Pode ocorrer em qualquer estrutura atrial e também no nó (ou junção) AV, gerando TA e taquicardia
juncional (TJ), respectivamente. No caso das taquicardias atriais, a ativação AV é em série, ou seja, o átrio
primeiro e depois o ventrículo; nas TJ, o átrio e ventrículo são ativados ao mesmo tempo, visto que o impulso
se origina na junção AV e “sobe” para o átrio mais ou menos na mesma velocidade em que “desce” para o
ventrículo.
(c) Atividade deflagrada: são oscilações no potencial de membrana no final ou após a repolarização que,
quando suficientes para atingir o limiar de despolarização, geram um novo potencial de ação. Algumas TA e
TJ funcionam por esse mecanismo (6–9).
REGULARIDADE DO QRS
É a primeira característica que chama atenção quando “batemos o olho” no ECG. O leitor pode, com a
ajuda de um compasso ou régua, fixar a distância entre um complexo QRS e outro (chamamos isso de
intervalo RR) e observar se os outros intervalos RR têm a mesma distância. Se as distâncias mudarem,
teremos uma arritmia irregular.
A TRN e a TRAV são, de maneira geral, mas nem sempre, regulares (Figura 2). Quando a TRN pode
ser irregular? Na presença de bloqueio variável da condução para o ventrículo (o RR é irregularmente
irregular) ou se houver tripla fisiologia nodal (duas vias nodais anterógradas alternantes com uma via nodal
retrógrada única) no circuito. E a TRAV, quando pode ser irregular? Quando há condução alternante entre
duas vias acessórias retrógradas (RR alternante) ou quando a condução anterógrada pelo nó AV intercalar
entre as vias rápida e lenta (TRAV + dupla fisiologia nodal), gerando, nesse caso, um intervalo RR alternante.
Essas situações são exceções de interesse para o eletrofisiologista e na prática clínica devem-se considerar
os diagnósticos de TRN e TRAV quando os ritmos forem regulares (Figura 3 e 4) (10–13).
Figura 2 - TRAV ortodrômica. RR regular. Presença de RP = 100 ms (RP < PR, mas ≥ 70 ms) medido do início do complexo
QRS até o início da P retrógrada, melhor observado em V1 e D3. A Relação A/V é igual a 1, que é obrigatória na TRAV.
Observa-se nesse ECG também fenômeno de alternância elétrica em V4 e V5, mais comum na TRAV.
Figura 3 - TRN irregular devido a episódios de bloqueio infra-His. Em alguns momentos, há condução AV 1:1 (P dentro do
QRS) e em outros há condução 2:1 (P bem visualizada) devido ao bloqueio no nó AV. Observe ondas P bloqueadas
positivas em V1 e negativas em D2, D3 e aVF. OBS: Lembrar que é diagnóstico de exceção, não sendo comum sua
ocorrência.
Figura 4 - TRAV intercalando condução anterógrada entre via nodal rápida e lenta. Observe ciclo alternante.
Intervalos RR irregularmente irregulares são a regra na presença de fibrilação atrial (FA). A
taquicardia atrial multifocal, devido a uma multiplicidade de focos em que o impulso pode se originar também
conduz do átrio para o ventrículo com um ritmo irregularmente irregular (14–16).
O flutter atrial (FLA) pode se apresentar com ritmos regulares ou irregulares. Uma frequência
ventricular regular de 150 deve levantar a hipótese de flutter 2:1, visto a que frequência da atividade atrial do
FLA fica em torno de 300 na maioria dos casos e o nó AV, por sorte, protege o indivíduo de 1 a cada 2
estímulos. Entretanto, bloqueios variáveis podem estar presentes, gerando ritmos irregulares (Figura 5).
Figura 5 - FLA típico anti-horário. Observe que no início do traçado há um RR alternante porque a condução pelo nó AV
está variando entre 2:1 e 3:1. No final do traçado, o RR se regulariza mantendo apenas condução 2:1. Exemplo de que um
flutter pode ter ritmos irregulares ou regulares a depender da condução. Relação A/V > 1.
A TA unifocal também pode se apresentar com ritmos regulares ou irregulares. Quando o intervalo
RR for irregular, deve haver um bloqueio variável no nó AV ou simplesmente se trata do fenômeno de warm-
up/cool down, que será exposto logo mais. Pode ser observado, em muitos casos, um padrão de
“irregularidade regular”, clássica do fenômeno de Wenckebach (Capítulo 23), que é quando o nó AV começa a
entrar em seu período refratário relativo (Figura 6) (2,17).
Figura 6 - Taquicardia atrial com RR irregular devido fenômeno de Wenckebach. O PR apresenta prolongamento até
bloqueios (setas). O segundo bloqueio ocorre com um Wenckebach extremo. O PP mantém-se regular. Relação AV > 1.
A TJ pode ser tanto regular como irregular: regular ocorre mais na forma incessante, e irregular na
forma paroxística. Quando a forma irregular não demonstra ondas P muito visíveis pode ser confundida com
fibrilação atrial (18).
Relação Atrioventricular
Relação A/V > 1:1 (ou seja, uma arritmia na qual os átrios se ativam mais vezes que os ventrículos):
podem ocorrem em taquicardias que não envolvem o ventrículo como circuito, e quando há bloqueio no
sistema de condução. Exemplos: taquicardia atrial, flutter atrial, fibrilação atrial, TJ com bloqueio AV, TRN com
bloqueio 2:1 intra ou infra-His (raro) (Figuras 4 – 6) (19,20).
Relação A/V = 1:1 (ou seja, os átrios e os ventrículos se ativam no mesmo número de vezes): ocorrem
em diversas taquicardias, como TRN, TRAV, TA, flutter 1:1, TJ, taquicardia sinusal. É obrigatória em uma
TRAV, pois o átrio e o ventrículo são peças chaves do circuito (Figura 3) (6).
Relação A/V < 1:1 (ou seja, os átrios são ativados menos vezes que os ventrículos): é um fenômeno raro
que pode ocorrer se houver qualquer ritmo que conduza simultaneamente na via rápida e via lenta de um nó
AV (double fire tachycardia), taquicardia por reentrada nodofascicular/nodoventricular ortodrômica com
bloqueio para átrio, TJ com bloqueio para átrio ou TRN com bloqueio para átrio. Nesses últimos três casos, a
taquicardia não depende do átrio, portanto bloqueios podem ocorrer, inclusive com dissociação AV (Figura 7)
(6,18,21,22). Vou repetir com outras palavras pra que fique bem claro o que você acabou de ler aqui: é
possível, porém raro, que uma taquicardia supraventricular tenha dissociação AV.
Figura 7 - Taquicardia juncional com dissociação AV. RR regular com ciclo de 400 ms (frequência de 150 bpm). A junção AV
não consegue conduzir retrogradamente nesse caso. As ondas P que aparecem dissociadas vêm do nó sinusal que sofre
uma condução oculta retrógrada (Capítulo 14). Observe os traçados pretos, com ciclo de 660 ms (frequência atrial 90 bpm).
Relação A/V < 1. As ondas P são de difícil visualização, apresentam-se como alterações de amplitude em outros
segmentos do ECG.
RELAÇÃO DA P COM ONDA R: A RELAÇÃO RP/PR E O
RP < OU > 70 MS
Clássico. As ondas P podem se encontrar em qualquer local do traçado durante uma taquicardia
supraventricular, mas uma coisa é certa: elas sempre estarão lá. E aqui vamos introduzir o termo RP, que é o
intervalo entre o início do QRS e a onda P. Dividimos as TSV em dois grupos: as taquicardias com RP < PR
(RP curto), e as taquicardias com o RP > PR (RP longo).
O que significa essa relação? Vamos dividir o intervalo RR na metade. Se o início da ativação atrial estiver
na primeira metade, então temos uma taquicardia com RP < PR, ou seja, uma taquicardia com RP curto. Se o
início da ativação estiver na segunda metade, então se trata de uma taquicardia com RP > PR, ou seja, uma
taquicardia com RP longo. Essa análise deve ser realizada apenas nas taquicardias com relação A/V 1:1
(Figura 8).
Figura 8 - Esquerda: TRN típica, evidenciando onda P retrógrada como pseudo-r em V1 (seta) e pseudo-S em D3; como
incide na primeira metade do RR, é uma taquicardia de RP curto. Direita: TRN atípica, com onda P incidindo na segunda
metade do RR, ou seja, uma taquicardia de RP longo.
Vamos falar primeiro das taquicardias com RP curto. Nós ainda subdividimos essa classe entre as que
possuem o intervalo RP < 70 ms e as que possuem um RP ≥ 70 ms (mas ainda menor que o PR, afinal, o RP
é curto). Dados mais recentes afirmam que o valor de corte de 70 ms foi baseado em eletrogramas de
estudos eletrofisiológicos, e o valor de 90 ms seria mais adequado para o ECG de superfície, mas os estudos
ainda são escassos sobre o assunto.
(a) As taquicardias com RP < 70 ms (ou < 90 ms) incluem a TRN típica, a TJ e a TA com bloqueio
atrioventricular de 1º grau. Em muitos desses casos, a onda P não é visível (mas está lá, eu garanto) por se
encontrar dentro do complexo QRS. A TRN típica e a TJ, como já citamos, possuem ativação do átrio e do
ventrículo em paralelo, portanto, a onda P ocorre simultaneamente ao QRS, se escondendo dentro dele; já na
TA com BAV de 1º grau, o que ocorre é que há um grande atraso do intervalo PR e este acaba ficando menor
que o RP e, além disso, caprichosamente, a P cai dentro do QRS anterior.
(b) As arritmias que possuem RP ≥ 70 ms (ou ≥ 90 ms) são a TRAV, a TA com BAV de 1º grau e a TRN
atípica (variante slow-slow). No caso da TRAV, a ativação do átrio e do ventrículo se dá em série, ou seja, o
impulso inicialmente tem que ativar o ventrículo para depois ativar o átrio e assim sucessivamente. A TA que
ocorre aqui tem um BAV de 1º grau, mas não tão caprichoso, de modo que a P não cai dentro do complexo
QRS anterior (Figuras 2 e 8) (2,6,23).
As taquicardias com RP longo compreendem a taquicardia sinusal (TS), TA sem BAV de 1º grau,
taquicardia por reentrada sinoatrial, TRN atípica e taquicardia de Coumel. No caso da TRN atípica e da
Taquicardia de Coumel, o estímulo retorna ao átrio com condução muito lenta, dessa forma, explicando o RP
longo (20,23).
A análise perfeita da onda P nem sempre é possível durante uma TSV, pois, como já vimos, ela pode estar
obscurecida pelo QRS e também pela onda T. É mais fácil identificar a P em taquicardias de RP longo em que
a ativação atrial ocorre no fim ou depois da onda T. Para a análise da morfologia da P em taquicardia, o leitor
deve lembrar os conceitos do capítulo 4, em que vimos, em ECG, o local onde o impulso “sai” e terá uma
inscrição negativa, ao passo que o local para onde o impulso “vai” se inscreve positivo. Comparar o ECG
sinusal e o ECG em taquicardia pode ajudar na análise das morfologias apresentadas.
A TRN típica é a taquicardia em que mais caracteristicamente não conseguimos enxergar a ativação atrial,
por ser uma arritmia de ativação atrial e ventricular em paralelo em que a P comumente se encontra dentro do
complexo QRS. A sorte é que muitas vezes essa taquicardia apresenta uma pseudo-r em V1 (isto é, uma
onda r no final do complexo QRS de V1 que não está lá durante o ritmo sinusal) e pseudo-s em derivações
inferiores (isto é, uma onda S em derivações inferiores que não está lá durante o ritmo sinusal). A razão pela
qual essas falsas ondas aparecem no ECG é justamente o que já temos falado de ativação em paralelo da
TRN, em que o átrio direito se ativa retrogradamente, o que significa que a despolarização do átrio gera
forças que vão de trás para frente e de cima para baixo no ECG (o leitor deve lembrar que o nó AV é uma
estrutura posterior e inferior no átrio direito). Ou seja, a pseudo-r e pseudo-s são, na verdade, a
representação de uma onda P retrógrada que aparece no fim do complexo QRS (Figura 8) (5,24).
A FA pode ter ondas f finas (< 0.1 mV) ou grosseiras (≥ 0.1 mV), avaliadas principalmente em V1; esta
última pode dar o falso aspecto de onda F (de Flutter atrial). A TA multifocal cursa com três ou mais
morfologias de ondas P com variação de PR entre cada uma delas. O FLA típico apresenta padrão
característico de ativação atrial, com ondas F dando padrão clássico de “serra”. Não apresenta linha de base
isoelétrica em D2, D3 e aVF, mas caracteristicamente apresenta linha de base isoelétrica nas derivações
precordiais (Figuras 5 e 9) (2,25,26)
Figura 9 - Esquerda: FA grosseira, com amplitude aumentada de ondas f em V1; pode dar falso aspecto de ondas de flutter.
Direita: FA fina.
Ondas P similares ou idênticas ao ritmo sinusal podem ocorrer devido a uma taquicardia sinusal,
taquicardia por reentrada sinoatrial ou taquicardia atrial com foco muito próximo do nó sinusal. Durante a TS,
ocorrem diferenças discretas na onda P do paciente em relação à FC normal, adquirindo uma morfologia um
pouco mais apiculada em derivações inferiores e com PR mais curto; entretanto, não há mudança de eixo
elétrico. Um intervalo PR igual ou maior do que o sinusal com FC normal e/ou mudança em eixo elétrico
apontam para outras causas (Figura 10) (23,27,28).
Figura 10 - Diferença de morfologia de ondas P num caso de taquicardia sinusal. Observe que em derivações inferiores
ocorre um apiculamento e um discreto aumento de sua amplitude.
A morfologia das ondas P retrógradas da TRAV é variável, de acordo com a posição da via acessória no
anel valvar e será discutida em capítulo 19. O intervalo RP é curto nas vias acessórias típicas (mas ≥ 70 ms)
e longo nas vias acessórias decrementais (taquicardia de Coumel).
As taquicardias com mecanismo de reentrada (TRN, TRAV, FLA, algumas TA, taquicardia por reentrada
sinoatrial, etc.) se iniciam mais frequentemente com uma ectopia atrial. A taquicardia por reentrada sinoatrial
é um tipo de arritmia atrial que usa parte do nó sinusal como circuito e se diferencia da taquicardia sinusal por
seu início abrupto após uma extrassístole. No caso específico da TRN, essa ectopia deflagradora produz um
prolongamento súbito do intervalo PR, devido ao impulso “saltar” de uma via nodal rápida para uma via nodal
lenta, iniciando a taquicardia. O “salto de onda” é característico da TRN (Figura 11) (20,30).
Figura 11 - Presença de ectopia atrial (causando distorção em onda T de batimento anterior) produzindo prolongamento do
PR e início de TRN.
O prolongamento se explica pelo fato da ectopia encontrar a via rápida em período refratário, com a condução sendo subitamente
saltada para via lenta (saltando de 140 ms para 260 ms). É o famoso “salto de onda” que caracteriza o início de uma TRN.
As TA com mecanismo de automatismo se iniciam com aceleração gradual (fenômeno de warm-up) e
terminam com desaceleração (fenômeno de cool-down) (6,18).
Quanto ao término de uma taquicardia com relação AV = 1, quando o último complexo é uma onda P,
praticamente excluímos a TA e o FLA como possíveis mecanismos, pois seria muita casualidade e capricho
se a taquicardia terminasse (não aparece mais nenhuma P ou F) exatamente ao mesmo tempo em que o nó
AV sofre um súbito bloqueio (não aparece nenhum QRS). Em outras palavras, se um impulso atrial anormal
está sempre despolarizando o nó AV, não há razões para acreditar que logo o último impulso vai sofrer um
bloqueio. Se a TA ou FLA possuem uma relação AV > 1 (ou seja, está sendo conduzida com bloqueio do nó
AV), aí sim pode ser que a última P seja bloqueada. Numa arritmia com dois átrios para um ventrículo,
existem 50% de chance de a última P ser bloqueada (Figura 12) (31).
Figura 12 - A) Quebra em átrio (seta); quando uma taquicardia com relação AV=1 termina em átrio, praticamente podemos
excluir TA/Flutter dos diagnósticos diferenciais. B) Quebra em ventrículo: quando qualquer TSV com relação 1:1 terminar
em ventrículo, nada pode ser inferido; C) Quebra em primeiro átrio em taquicardia 2:1. Nesse caso, nada poderia ser
inferido, visto que a primeira onda de ativação atrial que ocorre após o QRS já era sempre bloqueada antes no nó AV
refratário. Nesse caso, se for uma TA, há 50% de chance de ela terminar em átrio.
Figura 13 - Efeitos da adenosina em taquicardias supraventriculares. BAV: Bloqueio atrioventricular; VA: Ventrículo-atrial.
Na maioria dos casos de TRN (típica ou atípica) e TRAV (incluindo taquicardia de Coumel) ocorre quebra
da taquicardia quando ocorre infusão efetiva de adenosina (Figura 14). O principal mecanismo é o bloqueio
no nó AV, uma estrutura participante do circuito de todas essas arritmias citadas. Pode ocorrer oscilação no
ciclo da taquicardia antes da quebra (32).
Figura 14 - TRN típica. Acima: ECG de 12 derivações. Abaixo: Infusão de adenosina com término de taquicardia.
O FLA não termina com o uso de adenosina, mas sua infusão pode ser útil em casos em que há duvida
diagnóstica, pois aumenta o grau de bloqueio do nó AV e pode permitir ao médico que evidencie as ondas F
antes difíceis de ver (Figura 15) (6).
Figura 15 - Flutter atrial. Acima: ECG do paciente em repouso; Abaixo: durante infusão de adenosina em D2 longo, inicia-se
alto grau de bloqueio no nó atrioventricular, evidenciando bem as ondas F. Não há término da taquicardia.
A taquicardia por reentrada sinoatrial responde à adenosina com término da taquicardia, e se diferencia da
taquicardia sinusal inapropriada, em que há diminuição transitória da frequência cardíaca (32,35).
A TJ pode apresentar término quando o mecanismo é a atividade deflagrada. Nos casos de TJ por
hiperautomatismo em que a condução AV é 1:1, pode haver bloqueio para o átrio, ou seja, ocorre uma
dissociação AV transitória; a frequência ventricular pode diminuir transitoriamente ou manter-se a mesma (36–
39).
A taquicardia reentrante nodofascicular/nodoventricular ortodrômica é um tipo de TRAV em que o estímulo
retorna de uma via acessória atípica para o nó atrioventricular. Como a adenosina apresenta atividade no nó
AV, essa taquicardia pode apresentar término com a infusão (40).
Quando ocorrer bloqueio AV sem supressão da atividade atrial, pode-se excluir a TRN e a TRAV dos
diagnósticos diferenciais (32).
Devido à diminuição no período refratário atrial, algumas vezes as infusões de adenosina podem
desencadear FA (41).
Em torno de 2-5% das Taquicardias ventriculares podem simular uma taquicardia supraventricular devido
ao seu QRS estreito. Ocorrem nas TVs com penetração precoce no sistema His-Purkinje, como TV fascicular
e TVs que se originam no septo ventricular. A maioria das TVs com QRS estreito apresenta diferenças do
QRS normal, com desenvolvimento de padrões de distúrbio de condução ou mudança do eixo elétrico.
Dissociação AV quando presente e critérios morfológicos podem auxiliar no diagnóstico, entretanto em alguns
casos apenas com estudo eletrofisiológico essa diferenciação pode ser realizada (42–44).
CONCLUSÃO
A figura 16 resume os achados descritos no capítulo. A figura 17 é um algoritmo mais simplificado, similar
ao que podemos encontrar em qualquer manual básico de ECG. A taquicardia atrial será discutida em
pormenores no capítulo 16, a fibrilação atrial e o flutter no capítulo 17, a TRN típica e atípica e a TJ
no capítulo 18, a TRAV no capítulo 19.
Figura 16 - Algoritmo proposto para auxílio diagnóstico. *Alguns autores propõem o ponto de corte de 90 ms para separar
as taquicardias de RP curto no ECG de superfície. OBS: a taquicardia sinusal e a taquicardia por reentrada sinoatrial
podem substituir a TA em qualquer local desse algoritmo.
AV: Atrioventricular; VA: Ventrículo-atrial; TRN: Taquicardia por reentrada nodal; TJ: Taquicardia juncional; TNF/TNV: Taquicardia por
reentrada nodofascicular/nodoventricular; TA: Taquicardia atrial; TRAV: Taquicardia por reentrada atrioventricular; BAV: Bloqueio
atrioventricular; FA: Fibrilação atrial.
Figura 17 - Algoritmo simplificado para diagnóstico das taquicardias supraventriculares. TRN = taquicardia por reentrada
nodal; TRAV = taquicardia por reentrada atrioventricular.
REFERÊNCIAS
1. Lau EW. Infraatrial Supraventricular Tachycardias: Mechanisms, Diagnosis, and Management. Pacing
Clin Electrophysiol. John Wiley & Sons, Ltd (10.1111)., 2008;31(4):490–8.
2. Page RL, Joglar JA, Caldwell MA, Calkins H, Conti JB, Deal BJ, et al. 2015 ACC/AHA/HRS Guideline
for the Management of Adult Patients With Supraventricular Tachycardia. Circulation [Internet]. 2015
Sep 23; circ.ahajournals.org
3. Fisher JD, Aronson RS. Rate-dependent bundle branch block: Occurrence, causes and clinical
correlations. J Am Coll Cardiol., 1990;16(1):240LP-243.
4. Brembilla-Perrot B, Pauriah M, Sellal J-M, Zinzius PY, Schwartz J, de Chillou C, et al. Incidence and
prognostic significance of spontaneous and inducible antidromic tachycardia. EP Eur.,
2013;15(6):871–6.
5. Obel OA, Camm AJ. Supraventricular tachycardiaECG diagnosis and anatomy. Eur Heart J.,
1997;18(suppl_C):2–11.
6. Issa Z, Miller JM, Zipes DP. Clinical Arrhythmology and Electrophysiology: A Companion to
Braunwald’s Heart Disease. Elsevier Health Sciences;2018.
7. Gaztañaga L, Marchlinski FE, Betensky BP. Mechanisms of Cardiac Arrhythmias. Rev Española
Cardiol (English Ed)., 2012;65(02):174–85.
12. Wu D, Yeh S-J, Wang C-C, Wen M-S, Lin F-C. Double loop figure-of-8 reentry as the mechanism of
multiple atrioventricular node reentry tachycardias. Am Heart J., 1994; 127(1): 83–95.
13. Otomo K, Nagata Y, Uno K, Fujiwara H, Iesaka Y. Irregular atypical atrioventricular nodal reentrant
tachycardia: Incidence, electrophysiological characteristics, and effects of slow pathway ablation.
Hear Rhythm. Elsevier., 2007; 4(12): 1507–22.
14. Shine KI, Kastor JA, Yurchak PM. Multifocal Atrial Tachycardia. N Engl J Med. Massachusetts Medical
Society., 1968; 279(7): 344–9.
15. Kastor JA. Multifocal Atrial Tachycardia. N Engl J Med. Massachusetts Medical Society., 1990;
322(24): 1713–7.
16. Kirchhof P, Benussi S, Kotecha D, Ahlsson A, Atar D, Casadei B, et al. 2016 ESC Guidelines for the
management of atrial fibrillation developed in collaboration with EACTS. Eur Heart J.,
2016;37(38):2893–962.
17. Lee KW, Badhwar N, Scheinman MM. Supraventricular Tachycardia—Part II: History, Presentation,
Mechanism, and Treatment. Curr Probl Cardiol., 2008;33(10):557–622.
18. Zipes DP, Jalife J, Stevenson WG. Cardiac Electrophysiology: From Cell to Bedside. Elsevier;2017.
19. Schmitt C, Miller JM, Josephson ME. Atrioventricular Nodal Supraventricular Tachycardia with 2:1
Block above the Bundle of His. Pacing Clin Electrophysiol. John Wiley & Sons, Ltd (10.1111).,
1988;11(7):1018–23.
20. Josephson ME. Josephson’s Clinical Cardiac Electrophysiology. Wolters Kluwer Health;2015.
25. H PR, Morris JM, McIntosh H. Relationship of Fibrillatory Waves and P Waves in the
Electrocardiogram. Circulation. American Heart Association., 1966;33(4):599–606.
26. Zhao TX, Martin CA, Cooper JP, Gajendragadkar PR. Coarse fibrillatory waves in atrial fibrillation
predict success of electrical cardioversion. Ann Noninvasive Electrocardiol. John Wiley & Sons, Ltd
(10.1111)., 2018;23(4):e12528.
27. Field ME, Donateo P, Bottoni N, Iori M, Brignole M, T. KR, et al. P‐Wave Amplitude and PR Changes
in Patients With Inappropriate Sinus Tachycardia: Findings Supportive of a Central Mechanism. J Am
Heart Assoc. American Heart Association., 2019;7(9):e008528.
28. Bayés de Luna A, Baranchuk A. Clinical arrhythmology. John Wiley & Sons;2017.
29. Kistler PM, Roberts-Thomson KC, Haqqani HM, Fynn SP, Singarayar S, Vohra JK, et al. P-Wave
Morphology in Focal Atrial Tachycardia: Development of an Algorithm to Predict the Anatomic Site of
Origin. J Am Coll Cardiol., 2006;48(5):1010–7.
30. Simmers TA, Sreeram N. Sinoatrial reentry tachycardia: a review. Indian Pacing Electrophysiol J.
Indian Pacing and Electrophysiology Group., 2003;3(3):109–16.
31. Knight BP, Ebinger M, Oral H, Kim MH, Sticherling C, Pelosi F, et al. Diagnostic value of tachycardia
features and pacing maneuvers during paroxysmal supraventricular tachycardia. J Am Coll Cardiol.,
2000;36(2):574–82.
32. Glatter KA, Cheng J, Dorostkar P, Modin G, Talwar S, Al-Nimri M, et al. Electrophysiologic Effects of
Adenosine in Patients With Supraventricular Tachycardia. Circulation. American Heart Association.,
1999;99(8):1034–40.
33. Liu CF, Cheung JF, James E, Thomas G, Yang H, Sandeep S, et al. Unifying Algorithm for
Mechanistic Diagnosis of Atrial Tachycardia. Circ Arrhythmia Electrophysiol. American Heart
Association., 2016;9(8):e004028.
34. Josephson ME, Wellens HJJ. Electrophysiologic evaluation of supraventricular tachycardia. Cardiol
Clin., 1997;15(4):567–86.
35. Sperry RE, Ellenbogen KA, Wood MA, Belz MK, Stambler BS. Radiofrequency Catheter Ablation of
Sinus Node Reentrant Tachycardia. Pacing Clin Electrophysiol. John Wiley & Sons, Ltd (10.1111).,
1993;16(11):2202–9.
36. Liu CF, Ip JE, Lin AC, Lerman BB. Mechanistic Heterogeneity of Junctional Ectopic Tachycardia in
Adults. Pacing Clin Electrophysiol. John Wiley & Sons, Ltd (10.1111)., 2013;36(1):e7–10.
37. Rossi AF, Kipel G, Golinko RJ, Griepp RB. Use of adenosine in postoperative junctional ectopic
tachycardia with 1:1 retrograde atrial conduction. Am Heart J., 1991;121(4, Part 1):1237–9.
38. Cools E, Missant C. Junctional ectopic tachycardia after congenital heart surgery. Acta Anaesthesiol
Belg., 2014;65(1):1–8.
39. Scheinman MM, Gonzalez RP, Cooper MW, Lesh MD, Lee RJ, Epstein LM. Clinical and
electrophysiologic features and role of catheter ablation techniques in adult patients with automatic
atrioventricular junctional tachycardia. Am J Cardiol. Elsevier., 1994;74(6):565–72.
40. Quinn FR, Mitchell LB, Mardell AP, Dal Disler RN, Veenhuyzen GD. Entrainment Mapping of a
Concealed Nodoventricular Accessory Pathway in a Man with Complete Heart Block and Tachycardia‐
Induced Cardiomyopathy. J Cardiovasc Electrophysiol. Wiley Online Library., 2008;19(1):90–4.
41. Kabell G, Buchanan L V, Gibson JK, Belardinelli L. Effects of adenosine on atrial refractoriness and
arrhythmias. Cardiovasc Res., 1994;28(9):1385–9.
42. Vereckei A. Current Algorithms for the Diagnosis of wide QRS Complex Tachycardias. Curr Cardiol
Rev [Internet]. Bentham Science Publishers., 2014;10(3):262–76. ncbi.nlm.nih.gov
43. Roberts-Thomson KC, Lau DH, Sanders P. The diagnosis and management of ventricular
arrhythmias. Nat Rev Cardiol. Nature Publishing Group, a division of Macmillan Publishers Limited. All
Rights Reserved., 2011;8:311.
44. Hayes J, Stewart R, Green H, Bardy G. Narrow QRS ventricular tachycardia. Ann Intern Med.,
1991;114(6):460–3.
Capítulo 16
Taquicardias Atriais Focais E Taquicardia Atrial
Multifocal
Frederico Scuotto
INTRODUÇÃO
As taquicardias atriais (TA) são um grupo heterogêneo de taquiarritmias de origem supraventricular que se
originam no miocárdio atrial e não requerem o sistema especializado de condução cardíaca para sua
manutenção (1). As TA focais fazem parte do diagnóstico diferencial das taquicardias paroxísticas
supraventriculares (TPSV) resumidas no capítulo 15, embora sejam a causa menos frequente dentre os
principais representantes desse grupo, como veremos a seguir. Na literatura, os estudos que se propuseram a
realizar avaliação dos métodos diagnósticos desse grupo de arritmias apresentam vieses significativos, como
heterogeneidade populacional, caráter inconstante da arritmia, e dificuldade na definição precisa de
determinados representantes dessas arritmias (1).
As taquicardias atriais multifocais (TAM) são ainda mais incomuns, estando relacionadas, geralmente, com
a presença doença pulmonar ou cardíaca associada, conforme veremos a seguir.
Nas próximas páginas, você aprenderá a reconhecer uma taquicardia atrial. Também falaremos sobre o
racional do encontro do vetor da onda P para predizer sua localização, algo que é importante na prática do
eletrofisiologista intervencionista.
DEFINIÇÕES
TA são arritmias supraventriculares. Assim, por serem conduzidas aos ventrículos pelo sistema
especializado de condução cardíaco, elas se apresentam como taquicardias de QRS estreito (< 120 ms).
Geralmente são regulares, mas irregularidades no ciclo podem favorecer a identificação das ondas P e seu
diagnóstico (2). As taquicardias atriais podem ser caracterizadas conforme seu circuito, que pode ser focal,
micro ou macrorreentrante. Pode ainda haver múltiplos focos arrítmicos no tecido atrial: é a taquicardia atrial
multifocal (TAM).
TA focais são aquelas que possuem um início rítmico de atividade elétrica em uma pequena área dos
átrios e apresentam uma propagação centrífuga pelo miocárdio atrial. A TA microrreentrante é também “focal”,
no sentido de “pequeno”, mas seu mecanismo é uma reentrada no tecido atrial (3). Já na TA
macrorreentrante, a atividade atrial arrítmica ocorre ao redor de um obstáculo central, geralmente com alguns
centímetros de diâmetro. Esse obstáculo central pode ser uma estrutura anatômica (por exemplo, valva
tricúspide e crista terminalis no flutter típico) ou alguma estrutura cardíaca anormal, como uma cicatriz atrial
decorrente de cirurgia cardíaca prévia. Ao contrário da TA focal, a atividade atrial pode ser observada durante
a maior parte do ciclo da taquicardia. Seus principais exemplos são o flutter atrial típico, flutter atrial típico
reverso, o flutter tipo lower loop, dual loop, taquicardias macrorreentrantes do átrio esquerdo e taquicardias
macrorreentrantes incisionais ou cicatriciais (1,3). As TAM são arritmias que se originam em mais de um foco
no miocárdio atrial, geralmente associadas à doença cardíaca estrutural ou doença pulmonar (1,3).
TA não sustentada é achado comum em Holters, especialmente na população idosa, e raramente está
associada com sintomas (1,3). Você pode observar um exemplo de TA não sustentada na figura 2.
TA focal, cujo mecanismo é automatismo anormal, tende a ser mais frequente em pacientes mais jovens,
enquanto que nos idosos predomina o mecanismo da microrreentrada. Idosos tendem ainda a apresentar TA
de átrio direito e TA multifocal com maior frequência.
Quanto ao sexo, embora apresente algumas variações conforme a população estudada, parece acometer
igualmente homens e mulheres (1,4).
MECANISMOS
A segunda maneira de caracterizar uma taquicardia atrial (se você não lembra, a primeira era em focal,
micro e macrorreentrante) é conforme seu mecanismo. Os mecanismos em que uma TA pode ocorrer são:
automaticidade anormal, atividade deflagrada e microrreentrada. Como veremos nos próximos
parágrafos, o mecanismo da TA focal pode ser estimado (1).
Figura 3 - Exemplos de warm-up (A) e cool-down (B) característicos da TA focal automática. Observe que a frequência
cardíaca cresce e reduz gradualmente.
Figura 4 - Alentecimento da condução nodal após massagem do seio carotídeo evidenciando ondas P anormais e
taquicárdicas, permitindo o diagnóstico de taquicardia atrial. Observe que mesmo antes de “separar os QRS”, já podíamos
observar um entalhe e dar esse diagnóstico.
DIAGNÓSTICO ELETROCARDIOGRÁFICO
Figura 5 - Taquicardia atrial pré-excitada por condução do impulso através de uma via acessória.
Pelo fato de que há apenas um pequeno foco despolarizando os átrios de maneira centrífuga, a TA focal é
marcada pela presença de ondas P que podem ou não ser visíveis (lembre-se: a P pode estar dentro da onda
T, do complexo QRS, ser isodifásica ou mesmo ter uma baixa amplitude). A faixa de frequência dessas
taquicardias se dá entre 130 a 240 bpm, podendo variar entre 100 bpm e 300 bpm. Drogas antiarrítmicas
podem diminuir a frequência da TA sem abolir a arritmia, seja por ação direta no foco atrial, seja pelo
alentecimento da condução do impulso pelo nó atrioventricular. A frequência atrial no período do sono pode
ser até 40 bpm mais lenta do que na vigília (8–10).
Atenção para um detalhe importante: classicamente existem linhas isoelétricas entre as ondas P em
todas as derivações. No entanto, na presença de ritmo atrial muito rápido, distúrbios da condução intra-
atrial, ou ambos, as ondas P podem ser mais largas, não havendo linha isoelétrica entre elas. Nesses casos,
o ECG demonstrará padrão de TA macrorreentrante (10). Veremos no capítulo 17 que as TA
macrorreentrantes também podem apresentar linhas isoelétricas em algumas derivações, por isso é
importante observar o ECG como um todo.
A regularidade dos intervalos RR é também um critério que auxilia no diagnóstico diferencial das TPSV.
Regularidade é definida como uma variação inferior a 10% entre os intervalos RR. As principais taquicardias
com intervalo RR regular são a TRN e a TRAV ortodrômica. As TA podem apresentar uma variação do
ciclo R-R superior a 10% (8–10). Outro critério que auxilia no seu diagnóstico diferencial é que,
normalmente, as TA focais apresentam intervalo R-P longo, ou seja, acima de 50% do ciclo RR. A
presença de intervalo RP longo é típica, mas nem de longe patognomônica, da TA focal. Quando se
apresenta assim, a TA faz diagnóstico diferencial com a TRN atípica (capítulo 18) e com a taquicardia por
reentrada atrioventricular por via retrógrada com condução decremental, ou seja, taquicardia de Coumel (10).
No entanto, a depender da condução atrioventricular, o intervalo atrioventricular pode ser maior, tão maior que
a onda P “cai” em cima ou até um pouco antes do complexo QRS gerado pelo batimento anterior, propiciando
a ocorrência de um intervalo RP curto (é quando ocorre a TA com bloqueio atrioventricular de 1o grau).
Isto acontece em frequências mais rápidas da TA, gerando maior decremento da condução pelo NAV. O
intervalo PR cresce tanto que fica maior que o ciclo da taquicardia. Nesse caso, a onda P se insere no final da
onda T precedente (8–10).
Algumas outras características que diferenciam no ECG as TA focais das outras formas de TPSV são:
Variação dos intervalos RP, denotando ausência de conexão do ciclo atrial com o ciclo ventricular
(ausência de linking ventriculoatrial).
Eixo da onda P com orientação inferior, ou seja, positiva em D2, D3 e aVF. A TRAV também pode
se apresentar dessa maneira caso estejamos diante de uma via acessória de posição superior nos
anéis mitral ou tricúspide. A TRN está praticamente excluída caso a onda P seja positiva nessas
derivações.
No caso da TA automática, como já descrito, a presença dos fenômenos de cool down e warm up.
Término da taquicardia tendo como complexo final o QRS gerado pelo foco atrial. Tanto TRN
típica (slow-fast) quanto TRAV ortodrômica normalmente apresentam seus términos relacionados ao
bloqueio do nó atrioventricular (NAV) apresentam a onda P retrógrada como último complexo, não
conduzido, naquele batimento, do átrio para o ventrículo através do NAV, que está refratário à
condução anterógrada. Nesse caso, tanto as TA focais quanto a TRN atípica (fast-slow)
apresentam como último complexo da taquicardia o QRS. No caso da TA focal, isso acontece
pelo foco ectópico atrial que gera, na ausência de bloqueio atrioventricular, obrigatoriamente o último
complexo QRS. No caso da TRN atípica, como o término se dá pelo bloqueio da via lenta retrógrada,
o último complexo é o QRS gerado pela via rápida com condução anterógrada (3,11). É interessante
enfatizar que no caso de uma taquicardia atrial com BAV 2:1, há cinquenta por cento de chance de a
taquicardia terminar em onda P, pois a última despolarização anormal gerada pelo foco pode ser
transmitida em 50% das vezes para o ventrículo.
As principais características das TA focais em comparação com as TPSV estão resumidas na tabela 1.
Sepse,
hipovolemia, tep,
insuficiência
Taquicardia cardíaca, 220 - P de morfologia igual à
Regular Gradual P antes do QRS
sinusal isquemia idade P sinusal
miocárdica,
dor, exercício,
ansiedade.
• Morfologia da onda P
Regular Súbito Warm- P antes de cada
130 - reflete local de origem
Cardiopatia, (irregular se up e cool QRS (ou condução
Taquicardia atrial 230 da taquicardia.
Pneumopatia. condução AV down na TA AV variável – 2:1,
bpm • Taquicardia de RP
variável) automática 3:1, etc)
longo.
Presença de entalhes
• Ausência de no QRS denotando
150-
Taquicardia por >onda P visível ou onda P retrógrada:
Ausentes 250 Regular Súbito
reentrada nodal • Intervalo RP < 70 • Pseudo r’em V1.
bpm
ms. • Pseudo S em DII, DIII
e aVF.
Início e Atividade atrial e Outras características
TSV Causas FC Regularidade
término relação P/QRS eletrocardiográficas
• Onda P retrógrada
negativa em DI: sugere
Taquicardia por Ausentes Onda P retrógrada via esquerda (sinal de
150-
reentrada AV (raramente no segmento ST : Puech).
250 Regular Súbito
ortodrômica da doença de intervalo RP > 70 • Onda P retrógrada
bpm
SWPW Ebstein) ms. negativa na parede
inferior: sugere via
posterosseptal.
DPOC,
hipoxemia, 120- ≥3 morfologias da
Taquicardia atrial • Intervalos P-P, R-R- e
acidose, 180 Irregular Gradual onda P na mesma
multifocal P-R variáveis.
catecolaminas bpm derivação
circulantes.
Características clínicas e Eletrocardiográficas das principais TPSV. bpm = batimentos por minuto; ms = milissegundos.
A origem da TA focal determina a morfologia da onda P observada ao ECG. Convém ressaltar que os
estudos realizados em pacientes para determinação da origem da TA focal, e consequentemente a avaliação
da morfologia da onda P, foram realizados em indivíduos com o coração estruturalmente normal. As mesmas
características não se aplicam para aqueles com anatomia atrial anormal (12).
As ondas P na TA focal estão frequentemente obscurecidas pela onda T do complexo QRS precedente.
Além disso, para usar os algoritmos que iremos mostrar nesta seção é preciso ter uma ideia clara de onde,
exatamente, se inicia a onda P, pois o vetor inicial é de suma importância na determinação da morfologia da
onda P. Quando necessária, a onda P pode ser separada, através de artifícios médicos, do complexo QRS e
da onda T precedentes através de manobras vagais ou adenosina (1,12,13).
No átrio direito (AD), os locais mais frequentes de origem da TA focal são a crista terminalis (CT), seio
coronariano (SC), região para-hissiana, ânulo tricúspide e apêndice atrial direito. No átrio esquerdo (AE), os
principais locais são as veias pulmonares, o apêndice atrial esquerdo, o ânulo mitral e a continuidade
mitroaórtica (11–13). A distribuição das taquicardias pelas estruturas atriais encontra-se na figura 6. Os
algoritmos de Ellenbogen e Kistler estão presentes nas figuras 7 e 8.
Figura 8 - Algoritmo de Kistler para localização de taquicardias atriais através do eixo da onda P.
De um modo geral, para a avaliação da origem, utilizamos basicamente a derivação V1. Estudos utilizando
técnicas de mapeamento intracardíaco durante EEF demonstram que a presença de onda P positiva em V1
sugere foco no átrio esquerdo com sensibilidade de 93% e especificidade de 88% (14). Outro estudo
demonstrou que onda P positiva ou bifásica do tipo minus-plus em V1 apresenta sensibilidade de 100% para
origem no átrio esquerdo (12). Lembre-se: a onda P normal é negativa ou plus-minus em V1.
Aqui, uma onda P “plus” ou “minus-plus” sugere taquicardia atrial esquerda. Isto ocorre devido à
posição mais posterior do átrio esquerdo em relação ao átrio direito, fazendo com que, se uma taquicardia
atrial “nasce” no átrio esquerdo, tem que percorrer um caminho que vai em direção a V1, positivando esta
derivação (15). Já a onda P negativa ou bifásica do tipo plus-minus em V1 apresenta 100% de especificidade
para origem no átrio direito, destacando-se que este critério perde acurácia para arritmias originadas na
região do septo interatrial. (12).
TAQUICARDIAS FOCAIS DE AD
Taquicardia Sinusal
Sim, o nó sinusal é uma estrutura atrial, por isso está neste capítulo. Em indivíduos normais, os estímulos
provenientes do nó sinusal são liberados nos dois terços superiores da sua estrutura, com rápida ativação
atrial para as regiões septal e anterior (1).
A onda P sinusal apresenta morfologia piramidal, não ultrapassando 2,5 mm de amplitude e 110 ms de
duração. Apresenta eixo entre +40o e + 60o, podendo variar entre 0o e 70o. É positiva em D1, D2, D3, aVL e
aVF, negativa em aVR, e bifásica com início positivo e término negativo na derivação V1 (1).
A taquicardia sinusal é um importante diagnóstico diferencial das TPSV, sendo geralmente secundária a
outros processos patológicos e condições clínicas comumente associadas (febre, anemia ou
hipertireoidismo, por exemplo). A taquicardia sinusal inapropriada, não relacionada a causas secundárias,
será abordada ao final deste capítulo.
Por sua característica de fisiologia automática, o comportamento warm-up e cool-down estão presentes
aqui. Ainda, por definição, cada onda P antecede o complexo QRS.
Seus diagnósticos diferenciais principais são a taquicardia por reentrada sinoatrial e a taquicardia atrial
perissinusal que se origina na porção superior da crista terminalis. Início e término súbitos favorecem
taquicardia por reentrada sinoatrial, enquanto que fenômenos de warm-up e cool-down favorecem a TA
sinusal ou perissinusal (1).
TA de Crista Terminalis
Cerca de metade a dois terços das taquicardias atriais direitas se origina na crista terminalis, devido
a uma anisotropia significativa presente na região desta estrutura. A crista terminalis estende-se desde sua
porção superior, em continuidade com o nó sinusal, até a veia cava inferior em sua porção mais inferior (16).
Figura 9 - TA de crista terminalis porção superior em direção ao septo interatrial. Observe a onda P de conformação
negativa em aVR e positiva em D3. Além disso, V1 evidencia padrão isodifásico ou plus-minus.
Figura 10 - Taquicardia atrial em jovem grávida. Localização por estudo eletrofisiológico sem fluoroscopia (mapeamento
eletroanatômico) evidenciou localização inferolateral na crista terminal. Observe que a onda P em aVR e aVF é negativa.
É um local raro de origem de TA focais, totalizando cerca de 7% dos casos de TA dentro do EEF. Em 62%
dos casos, seu mecanismo é microrreentrada ou atividade deflagrada. A região do seio coronário apresenta
condução anisotrópica pela mudança abrupta na orientação das fibras miocárdicas, sendo local potencial para
a ocorrência de reentrada (17).
Localizações mais interiores no “corpo” do seio coronário podem produzir ondas P mais positivas tanto em
V1 quanto nas demais derivações precordiais. Um exemplo de taquicardia atrial de óstio de seio coronário se
encontra na figura 11.
TA Septal Direita
A origem dessa arritmia, geralmente encontra-se próxima à região do NAV. Por sua proximidade com o
sistema de condução cardíaco, apresenta onda P mais estreita do que a onda P sinusal, apresentando
geralmente, mas nem sempre, morfologias muito similares (12,18).
A onda P é isoelétrica ou bifásica em V1, com componente isoelétrico seguido por um componente
positivo nessa derivação. Aquelas com origem anterosseptal apresentam onda P positivas nas derivações
inferiores, enquanto que aquelas com origem médio-septal tendem a apresentar ondas P negativas nessas
derivações (12,18).
Aquelas TA com origem no septo atrial esquerdo são raras, com onda P positiva em V1, e variação da
morfologia dependendo da origem nas outras derivações (1,12).
As TA focais de ânulo tricúspide correspondem a cerca de 13% das TA de AD, originando-se geralmente
da porção inferior e anterior do anel tricúspide (1,12).
No ECG, além da apresentação clássica das TA de átrio direito (positivas em aVL e negativas em V1), as
ondas P apresentam-se positivas em aVR e negativas nas derivações precordiais V2-V6, denotando sua
origem anterior. Como já dito, apresentam negatividade significativa em V1 por sua origem anterior, e
positividade marcada em aVL (1,12,18).
A altura da origem do foco no ânulo tricúspide determina a morfologia nas derivações inferiores: focos
inferiores tendem a apresentar ondas P negativas nestas derivações, enquanto que focos mais superiores
tendem a apresentar ondas P isoelétricas ou positivas nestas derivações. TA de apêndice atrial direito
tendem a apresentar morfologia semelhante à TA de ânulo tricúspide com origem superior (12,18,19).
A figura 12 traz um exemplo de uma taquicardia atrial de ânulo tricúspide.
TA de Veias Pulmonares
As veias pulmonares apresentam papel bem definido na fisiopatologia da fibrilação atrial (20). Podem
ainda, mais raramente, ser as estruturas responsáveis pela origem de TA focais. Cerca de 78% dos casos se
originam das veias pulmonares superiores (21).
A morfologia da onda P é positiva nas derivações precordiais. Origem nas veias pulmonares esquerdas
gera ondas P positivas e largas em V1, geralmente entalhadas, e negativas em D1. Origem nas veias
pulmonares direitas é demonstrada por D1 positivo. A morfologia em aVL pode variar e a duração da onda P
pode ser um marcador importante na diferenciação entre veias pulmonares esquerda e direita. Ondas P com
duração superior a 80 ms sugerem origem nas veias pulmonares esquerdas (18). Ainda, a taquicardia
de veia pulmonar superior direita pode se diferenciar da onda P sinusal pela positividade da onda P em
V1, enquanto que em ritmo sinusal, a onda P é bifásica nessa derivação (12,18,21).
TA de Ânulo Mitral
É o segundo local mais frequente de origem de taquicardia atrial esquerda. Tanto reminiscências
embrionárias na região do trígono fibroso esquerdo quanto continuidade de fibras musculares miocárdicas
sobre o anel mitral podem ser responsáveis pela ocorrência de TA nessa região, com os mecanismos
igualmente distribuídos entre microrreentrada e automatismo anormal (22).
Na região superior, região da continuidade mitro-aórtica, as ondas P apresentam-se bifásicas em V1, com
deflexão negativa logo seguida por positiva. As derivações bipolares apresentam baixa amplitude das ondas
P quando a origem é nesta região, sendo positivas nas derivações inferiores e negativas em aVL (22).
De localização rara, corresponde a 7% das TA de AE. Apresenta onda P positiva ou bifásica em V1,
podendo em raros casos ser negativa, em contraste com as demais TA de AE (23). Apresenta ainda
positividade nas demais derivações inferiores e precordiais (18). Eletrocardiograma característico encontra-se
representado na figura 13.
TSI é definida como taquicardia sinusal inexplicada pela demanda fisiológica em repouso, com mínimo
exercício, ou na fase de recuperação do exercício. É fundamental para o seu diagnóstico a presença de
sintomas como tontura, fadiga, e sensação de desconforto torácico do tipo “aceleração cardíaca” (8). A causa
é desconhecida, e mecanismos relacionados à disautonomia, perda da regulação neuro-hormonal, e
hiperatividade intrínseca do NAV têm sido propostas (8).
Pacientes com TSI geralmente apresentam FC em repouso superior a 100 bpm, e superior a 90 bpm na
média de 24 horas.
É importante que haja distinção entre TSI e causas secundárias de taquicardia, como hipertireoidismo,
anemia, desidratação, dor, uso de substâncias exógenas, e drogas de abuso. A ansiedade é um gatilho
importante nesses pacientes. A presença de doença cardíaca estrutural deve ser excluída, e o
desenvolvimento de taquicardiomiopatia por TSI é extremamente raro (8,24).
TSI também deve ser distinguida de outras formas de taquicardia, incluindo TA de crista terminalis superior
e taquicardia por reentrada sinoatrial. Também é importante distinguir TSI da Síndrome da Taquicardia
Postural Ortostática (POTS). Pacientes com POTS tem sintomas relacionados a alterações posturais e o
tratamento para alentecer a FC sinusal pode levar a hipotensão ortostática severa. Portanto, TSI é um
diagnóstico de exclusão (8).
O ECG demonstra taquicardia sinusal inequívoca, com todos os componentes da onda P sinusal
presentes, sem demais alterações significativas.
Pode ser induzida e terminada com estimulação atrial programada e apresenta ciclo em torno de 350-550
ms. Entretanto, o diagnóstico de taquicardia por reentrada sinoatrial é geralmente de exclusão, uma vez que
taquicardias automáticas de CT superior podem apresentar as mesmas manifestações clínicas e
características eletrocardiográficas (25).
Apesar de nunca ter sido histologicamente demonstrada, entende-se que a taquicardia por reentrada
sinoatrial decorre de reentrada entre a região do nó sinusal e a região perissinusal. Como característico às
taquicardias reentrantes, apresenta início e término súbito (1,8).
A morfologia e o eixo elétrico da onda P são idênticos aos da onda P sinusal. Convém salientar, no
entanto, que o nó sinusal tem sua continuidade na crista terminalis, o que pode promover a mudança de
morfologia da onda P sinusal na dependência da localização do foco da TA (25).
TAM é uma taquiarritmia que deriva da presença de mais de um foco atrial, ou um único foco com
diferentes saídas do estímulo atrial.
TAM geralmente está associada à patologia de base, seja ela pulmonar, cardíaca ou metabólica, bem
como ao uso de algumas medicações. Dentre as condições mais comuns estão a doença pulmonar obstrutiva
crônica, hipertensão pulmonar, doença arterial coronariana, doenças valvares, hipomagnesemia, acidose,
níveis elevados de catecolaminas, e uso de teofilina (1,8).
Figura 14 - Taquicardia atrial multifocal. Observe que há pelo menos três morfologias diferentes de onda P no traçado.
REFERÊNCIAS
1. Roberts-Thomson KC, Kistler PM, Kalman JM. Atrial tachycardia: mechanisms, diagnosis, and
management. Curr Probl Cardiol., 2005;30(10):529–73.
2. Link MS. Clinical practice. Evaluation and initial treatment of supraventricular tachycardia. N Engl J
Med., 2012;367(15):1438–48.
3. Zipes DP, Jalife J, Stevenson WG. Cardiac Electrophysiology: From Cell to Bedside. Elsevier;2017.
4. Poutiainen AM, Koistinen MJ, Airaksinen KE, Hartikainen EK, Kettunen R V, Karjalainen JE, et al.
Prevalence and natural course of ectopic atrial tachycardia. Eur Heart J., 1999;20(9):694–700.
5. Chen SA, Chiang CE, Yang CJ, Cheng CC, Wu TJ, Wang SP, et al. Sustained atrial tachycardia in
adult patients. Electrophysiological characteristics, pharmacological response, possible mechanisms,
and effects of radiofrequency ablation. Circulation., 1994;90(3):1262–78.
6. Markowitz SM, Stein KM, Mittal S, Slotwiner DJ, Lerman BB. Differential effects of adenosine on focal
and macroreentrant atrial tachycardia. J Cardiovasc Electrophysiol., 1999;10(4):489–502.
7. Porter MJ, Morton JB, Denman R, Lin AC, Tierney S, Santucci PA, et al. Influence of age and gender
on the mechanism of supraventricular tachycardia. Hear Rhythm., 2004;1(4):393–6.
8. Page RL, Joglar JA, Caldwell MA, Calkins H, Conti JB, Deal BJ, et al. 2015 ACC/AHA/HRS guideline
for the management of adult patients with supraventricular tachycardia: A report of the American
College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines and the
Heart Rhythm Society., 2016;133:506–574.
9. Link MS, Berkow LC, Kudenchuk PJ, Halperin HR, Hess EP, Moitra VK, et al. Part 7: Adult Advanced
Cardiovascular Life Support: 2015 American Heart Association Guidelines Update for
Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Circulation., 2015;132(18 Suppl
2):S444-64.
10. Saoudi N, Cosio F, Waldo A, Chen SA, Iesaka Y, Lesh M, et al. A classification of atrial flutter and
regular atrial tachycardia according to electrophysiological mechanisms and anatomical bases; a
Statement from a Joint Expert Group from The Working Group of Arrhythmias of the European
Society of Cardiology and the North American Society of Pacing and Electrophysiology. Eur Heart J.,
2001;22(14):1162–82.
11. Zipes DP JJ. Cardiac Electrophysiology – From Cell to Bedside. 5th ed. Philadelphia: Saunders-
Elsevier;2009. 589–603 p.
12. Kistler PM, Roberts-Thomson KC, Haqqani HM, Fynn SP, Singarayar S, Vohra JK, et al. P-Wave
Morphology in Focal Atrial Tachycardia: Development of an Algorithm to Predict the Anatomic Site of
Origin. J Am Coll Cardiol., 2006;48(5):1010–7.
13. Issa Z, Miller JM, Zipes DP. Clinical Arrhythmology and Electrophysiology: A Companion to
Braunwald’s Heart Disease. Elsevier Health Sciences; 2018. (Companion to Braunwald’s Heart
Disease).
14. Roberts-Thomson KC, Kistler PM, Kalman JM. Focal atrial tachycardia II: management. Pacing Clin
Electrophysiol., 2006;29(7):769–78.
15. Tang CW, Scheinman MM, Van Hare GF, Epstein LM, Fitzpatrick AP, Lee RJ, et al. Use of P wave
configuration during atrial tachycardia to predict site of origin. J Am Coll Cardiol., 1995;26(5):1315–24.
16. Kalman JM, Olgin JE, Karch MR, Hamdan M, Lee RJ, Lesh MD. “Cristal tachycardias”: origin of right
atrial tachycardias from the crista terminalis identified by intracardiac echocardiography. J Am Coll
Cardiol., 1998;31(2):451–9.
17. Kistler PM, Fynn SP, Haqqani H, Stevenson IH, Vohra JK, Morton JB et al. Focal atrial tachycardia
from the ostium of the coronary sinus: electrocardiographic and electrophysiological characterization
and radiofrequency ablation. J Am Coll Cardiol., 2005;45(9):1488–93.
18. Ellenbogen KA WM. Atrial Tachycardia. In : Cardiac Electrophysiology – From Cell to Bedside. 4th ed.
Zipes DP JJ, editor. Philadelphia: Saunders-Elsevier;2004. 500–512 p.
19. McGuire MA, de Bakker JM, Vermeulen JT, Moorman AF, Loh P, Thibault B, et al. Atrioventricular
junctional tissue. Discrepancy between histological and electrophysiological characteristics.
Circulation., 1996;94(3):571–7.
20. Haïssaguerre M, Jaïs P, Shah DC, Takahashi A, Hocini M, Quiniou G, et al. Spontaneous Initiation of
Atrial Fibrillation by Ectopic Beats Originating in the Pulmonary Veins. N Engl J Med [Internet]. 1998
Sep 3;339(10):659–66. doi.org
21. Kistler PM, Sanders P, Fynn SP, Stevenson IH, Hussin A, Vohra JK, et al. Electrophysiological and
electrocardiographic characteristics of focal atrial tachycardia originating from the pulmonary veins:
acute and long-term outcomes of radiofrequency ablation. Circulation., 2003;108(16):1968–75.
22. Kistler PM, Sanders P, Hussin A, Morton JB, Vohra JK, Sparks PB, et al. Focal atrial tachycardia
arising from the mitral annulus: electrocardiographic and electrophysiologic characterization. J Am
Coll Cardiol., 2003;41(12):2212–9.
23. Hachiya H, Ernst S, Ouyang F, Mavrakis H, Chun J, Bansch D, et al. Topographic distribution of focal
left atrial tachycardias defined by electrocardiographic and electrophysiological data. Circ J.,
2005;69(2):205–10.
24. Medi C, Kalman JM, Haqqani H, Vohra JK, Morton JB, Sparks PB, et al. Tachycardia-mediated
cardiomyopathy secondary to focal atrial tachycardia: long-term outcome after catheter ablation. J Am
Coll Cardiol., 2009;53(19):1791–7.
25. Simmers TA, Sreeram N. Sinoatrial reentry tachycardia: a review. Indian Pacing Electrophysiol J.,
2003;3(3):109–16.
Capítulo 17
Fibrilação Atrial E Flutter Atrial Típico E Atípico
Saulo Rodrigo Ramalho de Moraes | José Nunes de Alencar Neto
INTRODUÇÃO
A fibrilação atrial (FA) e o flutter atrial (FLA) são arritmias que apresentam uma grande importância na
prática clínica, pela sua elevada prevalência e pela alta morbimortalidade que carregam. Serão tratadas no
mesmo capítulo, pois são espectros de uma síndrome maior, a cardiomiopatia atrial. Esse termo foi usado
pela primeira vez em 1997 por Douglas Zipes (1) e, mais recentemente, fundamentado com um Guideline
específico sobre o tema em um consenso de várias sociedades de arritmologia publicado na Heart Rhythm
Journal (2). A cardiomiopatia atrial, de acordo com esse consenso, é definida por alterações complexas
estruturais, arquitetônicas, contráteis e eletrofisiológicas que afetam os átrios com potencial de causar
manifestações relevantes, entre as quais FA e FLA. O que se discute atualmente é se a cardiomiopatia atrial
pode, por si só, levar a eventos embólicos, sem necessariamente passar pela arritmia atrial (3).
FIBRILAÇÃO ATRIAL
A FA é a arritmia mais comum na prática clínica. Estima-se que 0,5 a 1% da população mundial tenha
esse diagnóstico (4,5), chegando a 2,9% em países com média de idade maior, como a Suécia (6).
A FA é caracterizada por uma atividade elétrica desorganizada nos átrios, provenientes, principalmente,
das veias pulmonares (7). Na FA, ocorrem múltiplos circuitos microrreentrantes e ativações focais, traduzidos
no eletrocardiograma como:
a. Ausência de ondas P;
b. Intervalos RR irregulares;
O complexo QRS é, em geral, estreito, a menos que haja alargamento prévio ou aberrância de condução
(ver “fenômeno de Ashman”, adiante).
Com essa atividade caótica atrial, os átrios podem chegar a uma frequência que varia entre 350 a 700
ciclos por minuto (frequência de ondas “f”, quando aparecem), porém, por sorte, nem todos esses impulsos
são conduzidos para os ventrículos (frequência dos QRS) (8). O grande modulador de resposta ventricular é o
nó atrioventricular (NAV) e essa modulação de frequência depende de fatores como características
eletrofisiológicas intrínsecas do NAV, atividade autonômica do paciente e influências farmacológicas. Sendo
assim, a FA pode ser de alta resposta ventricular (FC > 100 bpm) ou baixa resposta (FC < 60 bpm) (Figura 1).
Figura 1 - Fibrilação atrial. Perceba os critérios: ritmo irregular e ausência de onda P visível. As ondas f não são visíveis
nesse traçado, mas esse não é um critério obrigatório.
Vimos que, por definição, a FA apresenta intervalos RR irregulares, porém isso nem sempre é verdade. Se
um paciente apresenta um BAVT com os átrios em FA podemos ter regularidade RR com resposta ventricular
baixa (entre 40 e 50 bpm) (Figura 2).
Figura 2 - Exemplo de traçado de FA com bloqueio atrioventricular total. A ausência de ondas P, característica da FA, vem,
nesse caso, acompanhada de um ritmo de escape regular muito bradicárdico. O examinador deve atentar também para a
possibilidade de ritmo juncional bradicárdico.
Um paciente que possui pré-excitação ventricular por via acessória com condução anterógrada pode ter
um risco aumentado de morte súbita caso se inicie uma FA. Nesse caso, o paciente perde a proteção do NAV,
já que a via acessória conduz sem pausa. O paciente terá um ritmo irregular com complexos de morfologia
variáveis entre maior e menor condução pela via acessória, a chamada FA pré-excitada (Figura 3).
Figura 3 - FA pré-excitada. Perceba a irregularidade do ritmo e as diferentes morfologias do complexo QRS, pela
alternância de maior e menor pré-excitação ventricular pela via acessória.
Ondas “f”
As ondas f podem ter várias conformações desde a forma grosseira (FA coarse ou FA de “onda
grossa”), alternando várias vezes a sua morfologia, até a forma de FA com “onda fina”, que pode traduzir a
presença de um átrio doente com dilatação, fibrose e uso de digoxina. Lembrar que, embora a arritmia possa
ocorrer em átrios normais, a doença geralmente é progressiva, inicialmente alternando entre ritmo sinusal e
FA e, com o passar dos anos, tende a assumir o ritmo permanente de FA.
A FA de“onda grossa” pode confundir alguns leitores com o flutter atrial. Aqui estão os critérios que
diferenciam entre as duas entidades: (a) a variação de morfologia e de frequência das“f” é característica da
atividade desorganizada da FA e é raramente vista no FLA; a frequência das F acima de 350 por minuto fala a
favor de FA; (c) o ritmo dos complexos QRS não ajuda a diferenciar FA de FLA, pois ambos podem ser
irregulares (Figura 4).
Figura 4 - FA de “ondas grossas” ou coarse. Perceba a variação da morfologia e frequência das ondas “f” em V1 e D2.
Figura 5 - FA de “ondas finas”. Perceba que, em algumas derivações, é possível verificar a presença de ondas “f” de baixa
amplitude, com morfologias e frequência variáveis.
Diagnóstico E Classificação
O diagnóstico de FA pode ser dado de algumas maneiras, atualizado em recente diretriz: (a) se houver
registro eletrocardiográfico da arritmia por um tempo superior a 30 segundos em um traçado de Holter (9), (b)
através de um traçado de ECG de 12 derivações; (c) nos pacientes usuários de dispositivos cardíacos
implantáveis, a presença de atividade atrial irregular por mais de 5 minutos.
A FA pode estar envolvida com uma síndrome chamada taquicardia-bradicardia, ou, para os mais íntimos,
síndrome taqui-bradi, inclusa no espectro das disfunções do nó sinusal, na qual ritmos atriais rápidos como a
FA se alternam com períodos prolongados de ritmos bradicárdicos (capítulo 22) (12).
Diagnósticos Diferenciais
Os principais diagnósticos diferenciais da FA são: o FLA com resposta ventricular variável (figura 5) e a
taquicardia atrial multifocal (TAMF), sendo esta última mais frequente nos pacientes com doença pulmonar
obstrutiva crônica (capítulo 16).
Fibriloflutter
Figura 6 - Fibriloflutter.
Cateter duodecapolar Halo® (Biosense Webster) localizado no átrio direito demonstrando atividade atrial organizada em ritmo de
flutter (setas), enquanto cateter decapolar situado no seio coronariano, sulco atrioventricular esquerdo, demonstra atividade
desorganizada fibrilatória no átrio esquerdo (estrelas). Esse diagnóstico só é factível através de estudo eletrofisiológico invasivo e
seu laudo em eletrocardiograma deve ser evitado.
No caso de FA de “ondas grossas”, o laudo, obviamente, será de FA; e no caso de FA alternando com
FLA, o laudo será a descrição dessa alternância.
O uso de drogas como a digoxina leva a uma redução do período refratário dos tecidos atriais e um
aumento no período refratário dos tecidos condutores, favorecendo a mudança de FLA para FA e permitir que
menos impulsos atriais atinjam o feixe de His. Quando a FA passa para FLA, dizemos que “organizou” e
quando o inverso ocorre, dizemos que “degenerou”.
Fenômeno DE Ashman
Também discutido no capítulo 8, trata-se de uma condução aberrante pelo ramo direito (mais
frequentemente) ou esquerdo, que ocorre após um intervalo RR longo, seguido de um intervalo RR curto (14)
– sequência de ciclos curto-longo-curto. O impulso sofre um bloqueio em um dos ramos devido a variações
bruscas no seu período refratário, causadas pelas mudanças bruscas de ciclo. O reconhecimento do
fenômeno de Ashman é importante, pois, por tratar-se de um complexo QRS alargado, pode ser confundido
com uma extrassístole ventricular (EV) isolada ou uma taquicardia ventricular não sustentada (Figura 7).
Figura 7 - Fenômeno de Ashman. Observe que os ciclos precedendo o complexo QRS são curto-longo-curto. O batimento
tem configuração de BRD tipo Cabrera.
FLUTTER ATRIAL
Descrito pela primeira vez em 1911 (16), o flutter atrial (FLA) é uma arritmia atrial macrorreentrante, com
frequência atrial variando entre 240 e 330 ciclos por minuto. Essa variação ocorre de acordo com o tamanho
do circuito percorrido pelo impulso reentrante e também pelo uso de drogas antiarrítmicas.
Cada ciclo corresponde a uma contração atrial, porém assim como na FA, aqui o NAV é atuante e bloqueia
alguns estímulos que tentam passar para o ventrículo. Essa é a chamada resposta ventricular, que será
melhor discutida em breve.
A presença do FLA denota a presença de doença estrutural atrial e da mesma forma como ocorre na FA,
está associada a um maior risco de formação de coágulos no apêndice atrial esquerdo (AAE) e maior risco de
tromboembolismo (17).
Assim como as outras taquicardias paroxísticas supraventriculares, o FLA também é iniciado a partir de
uma extrassístole atrial que cai caprichosamente em uma zona onde há um bloqueio unidirecional, iniciando o
circuito de reentrada (8).
O FLA típico é a variante mais comum, presente somente no átrio direito (AD), e é definido como o FLA
que depende do istmocavotricuspideo (ICT) – uma região situada entre a veia cava inferior (face posterior)
e o anel tricúspide (face anterior), por onde a frente de onda da arritmia trafega de forma um pouco mais lenta
que no restante do átrio, possibilitando que esse impulso encontre, mais à frente, tecido já repolarizado e
perpetue seu circuito reentrante. Esse impulso pode contornar o anel tricúspide nos sentidos horário ou anti-
horário (Figura 8).
Figura 8 - FLA típico, dependente do istmo cavotricuspídeo. A: anti-horário; B: horário; C: lower loop; D: intra-istmo.
O achado clássico do FLA são as ondas F em formato de “dente de serra”, isto é, um início lento e
gradual seguido de uma parte média mais rápida e “pontiaguda”, além de uma porção final invertida ao
restante da onda F. Também se diz por aí que o “FLA não possui linha isoelétrica” e que isso ajudaria no
diagnóstico diferencial com taquicardias atriais. No entanto, este é um erro conceitual. O FLA típico
geralmente não possui linhas isoelétricas em D2, D3 e aVF, mas caracteristicamente possui linha de
base isoelétrica nas derivações precordiais, de modo que, nessas derivações, a onda F possui aparência
similar a uma onda P.
Outra máxima que sempre se encontra na literatura sobre o FLA é que deve se suspeitar dessa arritmia
caso a frequência cardíaca esteja em torno de 150 bpm. Por que ocorre isso? Como já falamos, a frequência
de ondas F no FLA está em torno de 300 bpm. O nosso nó AV, assim como faz na FA, não permite passagem
tão rápida de estímulo para o ventrículo, bloqueando 1 a cada 2 impulsos atriais (o chamado FLA 2:1). Com o
uso de drogas antiarrítmicas ou pela idade, o nó AV pode ficar ainda mais refratário: aceitar apenas 1 a cada
3, tendo uma frequência cardíaca de 100 bpm (o chamado FLA 3:1).
O último mito sobre o FLA é que “ela é uma arritmia regular e, se apresentar irregularidade, o diagnóstico
seria FA”. O FLA pode ser uma arritmia de complexos QRS irregulares, dependendo da condução pelo nó
AV. Esse critério não ajuda a diferenciá-los. Para suspeitar de um FLA típico, uma regra fácil pode ser
observada: a onda F deve ser discordante de D2, D3 e aVF para V1 e novamente discordante para V6. Se for
negativa em D2, D3 e aVF, será positiva em V1 e negativa em V6. Se for positiva em D2, D3 e aVF, será
negativa em V1 e positiva em V6 (18). Grife essa regra.
A forma mais comum (90% dos casos) é o circuito típico anti-horário. O impulso “sobe” pelo septo
interatrial e “desce” pela parede lateral do átrio direito. O ECG do FLA típico anti-horário demonstra ondas F
tipo “dentes de serra”, predominantemente negativas nas derivações inferiores (D2, D3 e aVF) e em V6 e
positivo em V1 (Figuras 9 e 10) (19).
Figura 9 - Flutter típico anti-horário. Observe as ondas F negativas em D2, D3 e aVF, uma onda F positiva com morfologia
semelhante a uma onda P em V1 (com linha de base isoelétrica) e onda F negativa em V6.
Figura 10 - Flutter típico anti-horário. Observe as ondas F negativas em D2, D3 e aVF, uma onda F positiva com morfologia
semelhante a uma onda P em V1 (com linha de base isoelétrica) e onda F negativa em V6.
O FLA típico horário, em que o impulso “sobe” pela parede lateral do átrio direito e “desce” pelo septo
interatrial, também pode ser chamado de FLA reverso. O ECG neste caso demonstra polaridade das ondas F
predominantemente positiva nas derivações inferiores e V6 e negativa ou em formato de W em V1 (Figura 11)
(19–21). As derivações precordiais caracteristicamente também possuem linhas de base isoelétricas. A tabela
1 resume os achados dos FLA típicos anti-horário e horário.
Figura 11 - Flutter típico horário. Ondas F positivas em D2, D3 e aVF, isoelétricas em V1 e positivas em V6 – observe entre
os últimos dois complexos QRS do traçado, que é onde há um bloqueio atrioventricular mais avançado, e onde se pode
visualizar a F em todas as derivações sem interferência de onda T ou complexo QRS.
Tabela 1 - Achados comumente encontrados em FLA típicos e atípicos.
Tipo de FLA D2, D3 e aVF V1 V6
Negativo sem linha de base Positivo com linha de base Negativo com linha de base
Típico anti-horário
isoelétrica. isoelétrica. isoelétrica.
Positivo sem linha de base Negativo com linha de base Positivo com linha de base
Típico horário
isoelétrica. isoelétrica. isoelétrica.
Atípico de átrio Isoelétrica ou com F de baixa Larga e positiva, semelhante a Isoelétrica ou com F de baixa
esquerdo amplitude. uma onda F. amplitude.
Existem ainda duas outras formas típicas mais raras: a forma“lower loop”, em que o circuito contorna a
veia cava inferior; e a forma chamada “reentrada intra-istmo”, ambas dependentes do ICT (22–24). O ECG
da forma “lower loop” é extremamente variável, pois depende da ativação do restante do átrio, mas seu
achado mais característico é a perda da porção final positiva da onda F em D2, D3 e aVF (25). O tipo “dual-
loop” é definido pela existência de dois circuitos macrorreentrantes, sendo que um deles pode ser
dependente do ICT. Seu ECG, assim como o da reentrada intra-istmo, é variável e impossível de predizer
(Figura 12) (26). Voltando para o ECG do FLA típico, é importante dizer que ele pode se mostrar bastante
desafiador em alguns casos. Por exemplo, quando não conseguimos ver aquele padrão clássico de “dente de
serra em D2, D3 e aVF, ao contrário, pensamos que as deflexões negativas do traçado, que perdem o padrão
de dente de serra, podem ser ondas T e P. Aqui, até o examinador mais experiente pode se confundir com
taquicardia sinusal, atrial ou outra arritmia supraventricular. Tenho três dicas para que o leitor evite cair nessa
armadilha:
Dica 1: ausência de linha de base isoelétrica ou uma linha de base ondulante em D2, D3 e aVF sempre
deve fazer o examinador atentar para existência de FLA, mesmo que não haja a aparência típica de “dente de
serra”.
Dica 2: caso o achado da dica 1 esteja presente, procure, em alguma derivação, atividade atrial que possa
significar macrorreentrada atrial, ou seja, FLA. Na minha experiência, elas são mais fáceis de encontrar nas
derivações precordiais, onde possuem morfologia semelhante a uma onda P normal. Observe se essa
atividade é regular.
Dica 3: não ligue para a linha de base isoelétrica nas derivações precordiais. Isso é normal e esperado no
FLA típico.
Dica 4: se você tem certeza que está diante de uma atividade atrial (viu alguma deflexão que lhe parece
definitivamente uma onda F), observe se, na metade do tempo entre essa deflexão e outra, há alguma
atividade escondida no ECG.
Figura 12 - Flutter tipo dual loop diagnosticado por estudo eletrofisiológico. Perceba que a ativação é positiva por D2, D3 e
aVF, concorda com V1 (positiva) e que, por sua vez, concorda com V6 (positiva também). Isso é sinal de que o FLA não é
típico.
Figura 13 - FLA típico de difícil visualização, confundido com ritmo sinusal normal.
O que gerou a dificuldade nesse caso foi a pequena amplitude da onda F em D2, D3 e aVF e a perda do seu formato em “dente de
serra”, fazendo os residentes confundirem com um segmento ST-T. Em V1, sob olhar menos atento, pode-se pensar que existe
apenas uma onda P para cada QRS. No entanto, como demonstrado no aumento, outra onda P está “escondida” dentro com
complexo QRS, demonstrando, então, haver duas atividades atriais para cada complexo QRS.
Figura 14 - Outro exemplo de FLA típico de difícil visualização.
Aqui, a gênese do problema para os residentes foi pensar que o QRS era largo em D2, D3 e aVF, não identificando a onda F
negativa ao fim do complexo. Ora, em primeiro lugar, por que o complexo seria largo apenas em D2, D3 e aVF? E, passando para
as dicas propostas no texto, observamos ausência de linha de base isoelétrica nas derivações inferiores e, ao procurar alguma
atividade atrial nas derivações precordiais, encontramos aquele fenômeno que se repete a cada 200 ms, ou seja, está numa
frequência de 300 por minuto. Se fixarmos essa atividade num compasso, veremos que ela é regular. Está ali a onda F de FLA.
FLA Atípico
O FLA atípico é mais raro, sendo caracterizada pela presença de um circuito de macrorreentrada atrial
não dependente do ICT. Essa forma utiliza uma cicatriz como substrato para o circuito, que pode estar
presente no AD ou no AE, geralmente secundário a cirurgias ou desenvolvidas após ablação por
radiofrequência, especialmente pós-ablação de FA (27). Um resumo dos diferentes tipos de FLA típicos e
atípicos pode ser visto na Tabela 2.
São poucos e inconsistentes os estudos com critérios bem definidos para o diagnóstico de Flutter atípico,
tendo em vista que a maioria é dependente de cicatriz e modificações cirúrgica dos átrios, o que torna o
padrão eletrocardiográfico errático, fazendo com que haja muita dificuldade na interpretação do ECG.
Talvez o flutter atípico de melhor correlação eletrocardiográfica seja o do tipo “upper loop reentry”, em
que a reentrada ocorre ao redor da veia cava superior. O seu diagnóstico diferencial se faz com o FLA típico
horário. Um estudo demonstrou critérios eletrocardiográficos capazes de diferenciá-los utilizando a polaridade
da onda F na derivação D1 (19). Nesse estudo, foi demonstrado que a presença de ondas F em D1 planas ou
com voltagem ≤ 0.07mV falam a favor de reentrada ao redor da veia cava superior (sensibilidade 89.3% e
especificidade de 95%) (28).
Além disso, é de interesse eletrocardiográfico e eletrofisiológico tentar reconhecer FLA atípicos do átrio
esquerdo. Bem, como vimos, a onda F no FLA típico tem formato de “dente de serra” em D2, D3 e aVF e
formato de onda P normal em V1. O FLA de átrio esquerdo se caracteriza por possuir uma onda F larga e
positiva em V1, deixando de se parecer com P e passando a se parecer com F. Às vezes, a onda F pode
aparecer somente em V1 (18). Costumo falar para meus residentes: “se parece flutter em D2, D3 e aVF, é
flutter típico; se parece flutter em V1 é flutter atípico esquerdo”. Além disso, por estar mais associado a átrios
doentes e conduções lentas, as ondas F são largas (Figura 15) (29). Na tabela 1, também estão contidos os
achados do FLA atípico de átrio esquerdo.
Figura 15 - Flutter atípico de átrio esquerdo. Perceba as ondas F positivas e largas em V1, com baixas amplitudes nas
demais derivações.
Como vimos, a resposta ventricular pode ser variável e depende do NAV. Sem o tratamento para controle
da frequência cardíaca, a resposta ventricular pode ser 2:1, porém menores respostas ventriculares podem
ser vistas se houver doença no NAV, estímulos vagais ou tratamento adequado, podendo ser 3:1, 4:1, ou
qualquer outro grau de resposta, inclusive de forma irregular quando associado ao bloqueio atrioventricular
(BAV) do segundo grau tipo Wenckebach ou bloqueio variável pelo nó AV (Figura 16). E respostas
ventriculares maiores também podem ocorrer.
Figura 16 - FLA com BAV variável. Perceba que, em alguns momentos, temos uma relação de dois átrios para um
ventrículo, e em outros momentos três átrios para um ventrículo.
Existe um paradoxo no tratamento do FLA. Se alguma droga antiarrítmica reduz a velocidade do impulso
reentrante, por exemplo, de 300 para 210 bpm, isso pode fazer com que o impulso chegue ao NAV após o fim
do período refratário e consiga transmitir para o ventrículo a uma frequência 1:1. Ou seja, reduzir a velocidade
do FLA pode aumentar a velocidade para o ventrículo. Outras condições podem levar à condução 1:1 do átrio
para o ventrículo, como os estados catecolaminérgicos (infecções, tireotoxicose, exercícios de alta
intensidade etc.), e o uso de propafenona, um antiarrítmico da classe IC que acelera a condução pelo nó AV
(30,31). Além disso, os pacientes portadores de via acessória de baixo período refratário anterógrado estão
sempre em risco de desenvolver uma arritmia atrial conduzida 1:1 para o ventrículo (32).
Nos casos de condução 1:1 para o ventrículo através do nó AV, muito provavelmente haverá bloqueio
funcional de um dos ramos do sistema de His-Purkinje, gerando uma arritmia de complexo QRS largo
semelhante à taquicardia ventricular (Figura 17). Nos casos de condução 1:1 para o ventrículo através de
uma via acessória, o complexo QRS será marcadamente largo e a diferenciação com taquicardia ventricular é
ainda mais difícil (Figura 18).
Perceba que sua frequência cardíaca está em torno de 210 bpm e, por haver bloqueio funcional do ramo esquerdo, há um
alargamento do complexo QRS que confunde com taquicardia ventricular. Como só há uma onda F para cada complexo QRS,
encontrá-la pode ser extremamente difícil. O diagnóstico só será feito após reversão da arritmia ou por estudo eletrofisiológico.
Figura 18 - FLA 1:1 por condução através de uma via acessória (32).
Na outra extremidade, nos ritmos bradicárdicos, podemos ver bloqueios de altos graus ou BAV total com
escape na junção AV ou ventricular, principalmente nos pacientes com doenças no nó atrioventricular (AV),
vagotonia ou naqueles em uso de medicamento bloqueadores do nó AV como digoxina, beta bloqueadores e
bloqueadores dos canais de cálcio (Figura 19).
REFERÊNCIAS
10. Kirchhof P, Benussi S, Kotecha D, Ahlsson A, Atar D, Casadei B, et al. 2016 ESC Guidelines for the
management of atrial fibrillation developed in collaboration with EACTS. Eur Heart J.,
2016;37(38):2893–962.
11. Wyse DG, Van Gelder IC, Ellinor PT, Go AS, Kalman JM, Narayan SM, et al. Lone atrial fibrillation:
does it exist? J Am Coll Cardiol [Internet]. 2014/02/12., 2014;63(17):1715–23. ncbi.nlm.nih.gov
12. Jackson LR 2nd, Rathakrishnan B, Campbell K, Thomas KL, Piccini JP, Bahnson T, et al. Sinus Node
Dysfunction and Atrial Fibrillation: A Reversible Phenomenon? Pacing Clin Electrophysiol. United
States., 2017;40(4):442–50.
13. Horvath G, Goldberger JJ, Kadish AH. Simultaneous Occurrence of Atrial Fibrillation and Atrial Flutter.
J Cardiovasc Electrophysiol [Internet]. John Wiley & Sons, Ltd (10.1111); 2000 Aug 1;11(8):849–58.
doi.org
14. Gouaux JL, Ashman R. Auricular fibrillation with aberration simulating ventricular paroxysmal
tachycardia. Am Heart J. United States., 1947;34(3):366–73.
15. Fisch C. Electrocardiography of arrhythmias: from deductive analysis to laboratory confirmation--
twenty-five years of progress. J Am Coll Cardiol. United States., 1983;1(1):306–16.
16. Jolly WA, Ritchie WT. Auricular flutter and fibrillation. 1911. Heart. United States., 1911;2:177–86.
17. Cosío FG, Pastor A, Núñez A, Magalhaes AP, Awamleh P. Atrial Flutter: an Update. Rev Española
Cardiol (English Ed [Internet]. 2006;59(08):816–31. revespcardiol.org
18. Medi C, Kalman JM. Prediction of the atrial flutter circuit location from the surface electrocardiogram.
EP Eur [Internet]. 2008;10(7):786–96. doi.org
19. Saoudi N, Cosio F, Waldo A, Chen SA, Iesaka Y, Lesh M, et al. A classification of atrial flutter and
regular atrial tachycardia according to electrophysiological mechanisms and anatomical bases; a
Statement from a Joint Expert Group from The Working Group of Arrhythmias of the European
Society of Cardiology and the North American Society of Pacing and Electrophysiology. Eur Heart J.
England., 2001;22(14):1162–82.
20. Tai CT, Chen SA, Chiang CE, Lee SH, Ueng KC, Wen ZC, et al. Electrophysiologic characteristics and
radiofrequency catheter ablation in patients with clockwise atrial flutter. J Cardiovasc Electrophysiol.
United States., 1997;8(1):24–34.
21. Milliez P, Richardson AW, Obioha-Ngwu O, Zimetbaum PJ, Papageorgiou P, Josephson ME. Variable
electrocardiographic characteristics of isthmus-dependent atrial flutter. J Am Coll Cardiol. United
States., 2002;40(6):1125–32.
22. Cheng J, Cabeen WRJ, Scheinman MM. Right atrial flutter due to lower loop reentry: mechanism and
anatomic substrates. Circulation. United States., 1999;99(13):1700–5.
23. Zhang S, Younis G, Hariharan R, Ho J, Yang Y, Ip J, et al. Lower loop reentry as a mechanism of
clockwise right atrial flutter. Circulation. United States., 2004;109(13):1630–5.
24. Saoudi N, Latcu DG. Intra-isthmus reentry: another form of typical atrial flutter? Journal of
cardiovascular electrophysiology. United States;2010. p. 1107–8.
25. Yang Y, Cheng J, Bochoeyer A, Hamdan MH, Kowal RC, Page R, et al. Atypical right atrial flutter
patterns. Circulation. United States., 2001;103(25):3092–8.
26. Shah D, Jais P, Takahashi A, Hocini M, Peng JT, Clementy J, et al. Dual-loop intra-atrial reentry in
humans. Circulation. United States., 2000;101(6):631–9.
27. Garan H. Atypical atrial flutter. Hear Rhythm [Internet]. Elsevier;2008;5(4):618–21. doi.org
28. Yuniadi Y, Tai C-T, Lee K-T, Huang B-H, Lin Y-J, Higa S, et al. A new electrocardiographic algorithm to
differentiate upper loop re-entry from reverse typical atrial flutter. J Am Coll Cardiol. United States.,
2005;46(3):524–8.
29. Bochoeyer A, Yang Y, Cheng J, Lee RJ, Keung EC, Marrouche NF, et al. Surface electrocardiographic
characteristics of right and left atrial flutter. Circulation. United States., 2003;108(1):60–6.
30. el-Harari MB, Adams PC. Atrial flutter with 1:1 atrioventricular conduction caused by propafenone.
Pacing Clin Electrophysiol. United States., 1998;21(10):1999–2001.
31. Femenia F, Palazzolo J, Arce M, Arrieta M. Proarrhythmia Induced by Propafenone: What is the
Mechanism? Indian Pacing Electrophysiol J [Internet]. Indian Heart Rhythm Society., 2010;10(6):278–
80. ncbi.nlm.nih.gov
32. Nelson JG, Zhu DW. Atrial flutter with 1:1 conduction in undiagnosed Wolff-Parkinson-White
syndrome. J Emerg Med. United States., 2014;46(5):e135-40.
Capítulo 18
Taquicardias Relacionadas Ao Nó
Atrioventricular
Marcel Henrique Sakai | Helbert Pereira Tomé
O nó atrioventricular (NAV) é o único meio fisiológico de condução entre átrios e ventrículos. Tem como
principal função obrigar que haja um “atraso na condução” do estímulo elétrico para que o ventrículo possa ter
um enchimento sanguíneo adequado na diástole. Esse comportamento é chamado de “propriedade
decremental do NAV” (1).
O NAV compacto é localizado no ápice do triângulo de Koch e nele se encontra a maior velocidade de
condução, a chamada via rápida do NAV (via beta que possui um período refratário longo). Outros locais com
condução mais lenta são chamados de via lenta do NAV (via alfa que possui um período refratário curto). A
principal via lenta é a extensão direita inferior do NAV (95%), localizada entre o óstio do seio coronário e o
folheto septal do ânulo tricúspide. A segunda é a extensão esquerda inferior do nó AV (5%), localizada entre a
parte proximal do seio coronário e o septo esquerdo inferior. Outras vias lentas podem ser encontradas, mas
sua utilização como parte do circuito arrítmico é mais rara (2,3).
Agora que o leitor compreende a existência de vias de condução pelo nó AV, podemos introduzir o
conceito de dupla (ou múltipla) fisiologia nodal. É uma característica marcante do NAV. As diferentes vias
nodais têm velocidades de condução e períodos refratários diferentes, e podem transmitir impulsos de forma
anterógrada e retrógrada. Em condições normais, o impulso é conduzido anterogradamente por todas as vias,
entretanto a via rápida é a que chega primeiro no feixe de His, e a condução pelas vias lentas acaba sendo
bloqueada. Quando um paciente apresenta, além da via rápida, apenas uma via lenta, dizemos que há uma
dupla fisiologia nodal; e quando há mais de uma via lenta, além da rápida, esse paciente possui múltipla
fisiologia nodal (3).
Agora imagine que uma extrassístole atrial encontre a via rápida em período refratário; pode ocorrer de o
estímulo “descer” para os ventrículos por uma via lenta e retornar para os átrios pela via rápida (agora já
recuperada da refratariedade), e “descer” novamente pela lenta, dessa forma iniciando uma reentrada. Esse é
o mecanismo básico da taquicardia por reentrada nodal (TRN) típica (slow-fast) (4). A Figura 1 é crucial
para que o leitor entenda como acontece uma TRN e porque o ECG dela é como é. Leia a legenda com
atenção e paciência.
A) Condução normal: o impulso é transmitido simultaneamente pelas vias lenta (alfa) e rápida (beta), mas a condução pela via lenta
é bloqueada por encontrar o restante do sistema de condução em período refratário (o impulso da via rápida acabou de passar por
lá). O ECG demonstra um intervalo PR normal. B) Uma ectopia atrial precoce incide no período refratário da via rápida, sendo
conduzido, então, pela via lenta. No exemplo, a condução retrógrada foi bloqueada pela via rápida ainda refratária. No ECG,
observamos uma condução com intervalo PR aumentado. C) Uma ectopia atrial incide novamente no período refratário da via
rápida, sendo conduzida pela via lenta cujo período refratário já terminou. Ao contrário do que ocorreu em B, aqui, caprichosamente,
a condução retrógrada foi realizada pela via rápida já fora do período refratário – entenda: o estímulo não conseguiu entrar, mas
conseguiu retornar, gerando uma despolarização atrial – sim, o átrio bateu (eco atrial). Entretanto, nesse exemplo, o impulso que
“desceria” de novo para os ventrículos foi bloqueado pela via lenta. O ECG demonstra um PR aumentado (desceu pela lenta) e um
eco atrial tão próximo do batimento ventricular (afinal, “subiu” para o átrio pela rápida), que pareceu ser uma continuidade do
complexo QRS (neste caso um pseudo-S), mas na verdade se trata de uma P retrógrada. D) Uma ectopia atrial incide no período
refratário da via rápida, sendo, então, conduzida pela via lenta (intervalo PR aumentado). A condução retrógrada é realizada pela
via rápida já fora do período refratário (pseudo S). O próximo batimento é conduzido anterogradamente pela via lenta e
retrogradamente pela via rápida, perpetuando o circuito e desencadeando uma TRN.
E as taquicardias por reentrada nodal atípicas? Você deve estar imaginando que o contrário pode
ocorrer, que o estímulo pode descer pela rápida e subir pela via lenta, desta forma criando um circuito, certo?
Antigamente pensava-se que esse era o mecanismo de muitas TRNs atípicas (que eram tradicionalmente
chamadas de fast/slow, pois o impulso “descia” pela via rápida e “subia” pela via lenta), entretanto,
atualmente, as evidências apontam que as TRN atípicas ocorrem devido a uma reentrada entre duas vias
lentas, e em alguns casos, a via rápida atua simplesmente como um bystander, transmitindo o impulso dessa
reentrada para o feixe de His. Demosthenes Katrisis, uma das maiores autoridades em TRN, sugere abolir a
terminologia slow/fast, fast/slow e slow/slow devido a esses achados, e subdividir apenas entre TRN típica e
TRN atípica (5), e é assim que vamos fazê-lo neste capítulo.
Entretanto, cuidado para não criar confusão! Uma grande parte das pessoas apresenta dupla (ou múltipla)
fisiologia nodal demonstrada em estudo eletrofisiológico. Nem todas apresentam as condições necessárias
para o desencadeamento de uma TRN. É preciso que as velocidades de condução das vias e os períodos
refratários coincidam de maneira caprichosa para que uma reentrada se perpetue (6,7).
As arritmias vistas neste capítulo são aquelas que dependem do NAV para seu início ou perpetuação. Elas
entram no diagnóstico diferencial das TPSV (Capítulo 15) por apresentarem, normalmente, um complexo
QRS estreito (já que são conduzidas para os ventrículos pelo sistema normal de condução) e um ritmo
regular.
É a mais comum arritmia regular no ser humano. Ocorre com predominância nos sexo feminino (73%) e
com idade média de 47 anos (7).
A via rápida (β) apresenta maior velocidade de condução e período refratário mais longo. No momento em
que um estímulo atrial incide no período refratário da via rápida, este é transmitido para os ventrículos apenas
pela via lenta (α). Ocorre, caprichosamente, o retorno do estímulo para os átrios pela via rápida (que já não é
mais refratária), iniciando o circuito da TRN típica. Após o retorno pela via rápida, ocorre a ativação atrial, o
que chamamos de eco nodal (echo beat). Em alguns casos, a ectopia atrial é transmitida para os ventrículos
pela via lenta, entretanto o circuito da taquicardia não se forma, pois é limitado por períodos refratários (4)
(Figura 1).
No ECG de superfície, pode-se observar que quando o primeiro estímulo atrial desce pela via lenta, ocorre
um prolongamento do intervalo PR antes do início da taquicardia, é o chamado “salto de condução”,
característico das TRNs e que pode ser observado em Holters ou outro método que flagre o início da
taquicardia (Figura 2).
Figura 2 - Presença de “salto e eco” nodais prévias à indução de arritmia, um achado altamente específico para o
diagnóstico de taquicardia por reentrada nodal.
Como o impulso retorna para o átrio pela via rápida, a despolarização atrial acaba ocorrendo quase
simultaneamente à condução para os ventrículos, dessa forma, temos uma taquicardia com intervalo RP
curto e caracteristicamente < 70 ms. Muitas vezes, a onda P nem é identificada, pois está inscrita dentro do
complexo QRS. Quando esta é vista, tende a se apresentar com o clássico padrão de pseudo-r em V1 e
pseudo-s em D2, D3 e aVF. A pseudo-R representa uma onda P positiva em V1 e a pseudo-S é uma onda P
negativa em D2, D3 e aVF. Outros dados do ECG que podem auxiliar no diagnóstico são notch em aVL ou
D1, pseudo-r em aVR (Figura 3) (10–12).
Figura 3 - TRN com término no 8º batimento. Pseudo-R em V1 e pseudo-S em D2, D3 e aVF (setas). Observe que quando a
arritmia cessa, essas ondas não existem, portanto, são “pseudo ondas”. No caso do encontro de pseudo-R em V1 e
pseudo-S em D2, D3 ou aVF, o diagnóstico de TRN é provável.
Na ausência de P identificada no ECG de uma taquicardia com QRS estreito e regular, a maior
possibilidade é que a onda P esteja “escondida” dentro do QRS, ou seja, com RP < 70 ms; os possíveis
diagnósticos são TRN, taquicardia atrial (TA) ou taquicardia juncional (TJ); como a prevalência da TRN nesse
caso é muito maior, se tiver que “chutar” um diagnóstico, arrisque em TRN.
É uma arritmia que, na maioria das vezes, possui condução 1:1, ou seja, um átrio para um ventrículo, com
RR regular. Entretanto, em casos raros pode haver bloqueio na condução para átrios ou ventrículos. Se
bloqueio for para ventrículos e variável, a TRN será irregular (Figura 4) (13–15).
Figura 4 - A) TRN 2:1 – ocorre bloqueio periódico no feixe de His; a onda P fora do QRS é facilmente visível negativa em
derivações inferiores e positiva em V1 (setas); a onda P dentro do QRS, nesse caso, não é visualizada. B) TRN irregular -
bloqueio variável em feixe de His.
O exato circuito eletroanatômico das TRN atípicas ainda não está definido, apesar de vários mecanismos
postulados (16,17).
Figura 5 - Exemplos de TRN típica (slow-fast) e TRN atípica dos tipos slow-slow e fast-slow. Setas indicam a posição da
onda P. Reparem nas diferenças dos intervalos RP’ e PR dos três tipos de taquicardia.
Devido ao intervalo RP longo, essas formas incomuns não são passíveis de adequado diagnóstico pelo
eletrocardiograma. O registro eletrocardiográfico comumente é indistinguível de uma taquicardia por reentrada
atrioventricular com inserção atrial posterior/ inferior, ou de uma taquicardia atrial de região inferior com
condução atrioventricular prolongada. Nesses casos, só conseguiremos o correto diagnóstico através do
estudo eletrofisiológico.
Importante destacar que na taquicardia por reentrada nodal, seja ela típica ou atípica, a polaridade da
onda P após o QRS, sempre é negativa nas derivações que enxergam a parede inferior (D2, D3 e aVF),
enquanto que na taquicardia por reentrada atrioventricular e na taquicardia atrial podemos ter uma onda P
positiva ou negativa em D2, D3 e aVF, a depender da inserção atrial da via anômala (mais anterior/superior ou
mais posterior/inferior) ou da origem do foco atrial, respectivamente. Então, frente a um eletrocardiograma de
uma taquicardia paroxística supraventricular com RP’ longo e onda P positiva em D2, D3 e aVF, o diagnóstico
de TRN típica ou atípica já pode ser excluído.
Nunca é demais frisar que o uso das terminologias onda p anterógrada e onda p retrógrada (a depender
da proximidade do intervalo QRS), apesar de comumente utilizadas, devem ser desaconselhadas, pois
podemos observar ondas P logo após o intervalo QRS, que são anterógradas, assim como ondas P
precedendo o QRS, mas que são retrógradas. Para evitar incorrer nesse erro, sempre devemos nos ater a
localização da onda P em relação ao QRS, dizendo se antes ou após o QRS.
As figuras 6 e 7 são dois exemplos de taquicardia por reentrada nodal atípica (21).
Figura 6 - Taquicardia por reentrada nodal atípica. Frequência cardíaca de cerca de 120 bpm. Ondas P visíveis após os
complexos QRS (mais evidentes em V2 e V3). Intervalo RP’ de cerca de 90 ms.
Figura 7 - Taquicardia por reentrada nodal atípica. Frequência cardíaca de cerca de 125 bpm. Ondas P visíveis após os
complexos QRS (negativa em D2, D3 e aVF; positiva em V1-V2). Intervalo RP’ de cerca de 100 ms. (21)
TAQUICARDIA JUNCIONAL
Ritmos focais da junção AV podem apresentar marca-passo de velocidade aumentada pelos mecanismos
de hiperautomaticidade (mais frequentemente) e atividade deflagrada (22).
A TJ congênita pode ocorrer até o 6º mês de vida. Geralmente, ocorre na forma incessante e existe alta
mortalidade por insuficiência cardíaca ou bloqueio atrioventricular. Uma história familiar de TJ é positiva em
50% dos casos. Nesses pacientes o bloqueio atrioventricular ocorre devido a um processo patológico
degenerativo no nó atrioventricular (23,26).
A TJ espontânea ocorre mais frequentemente em crianças após os 6 meses de idade, com a ocorrência
em adultos sendo mais rara. Tem como caráter paroxístico a sua principal apresentação. A evolução clínica
desses pacientes é geralmente benigna (6,27).
As TJs secundárias à intoxicação digitálica, IAM e febre reumática são melhor denominadas como
Ritmo Juncional acelerado devido às frequências cardíacas relativamente mais baixas apresentadas aqui
que nos outros tipos de TJ. Geralmente, ocorrem em frequências cardíacas entre 70 a 130 bpm, associadas
com dissociação AV. Representam condições patológicas agudas no nó atrioventricular (25).
Figura 9 - Presença de TJ irregular com dissociação VA. Apresenta bloqueio de fase 3 no ramo esquerdo em alguns
batimentos. Apresenta ondas P com eixo inferior. O complexo QRS depois da onda P pode ter sido conduzido pela mesma
ou pode ser um juncional que coincidentemente ocorreu após a P.
Os principais diagnósticos diferenciais nos casos de TJ regular são a TRN e a TA; no caso das irregulares,
apresentam um desafio diagnóstico, visto ser muito difícil distinguir de fibrilação atrial. Nos casos em que há
bloqueio de fase 4, em alguns dos ramos, o diagnóstico diferencial deve ser realizado com taquicardia
ventricular ou FA pré-excitada (Figura 10).
Lembra de quando falamos que a condução normal pelo nó AV ocorre simultaneamente em via rápida e
lenta? O que ocorre normalmente é que o impulso da lenta acaba bloqueado pelo período refratário do nó AV
distal ou do feixe de His, e um impulso atrial conduz um impulso ventrículo. Este é o normal. Em alguns
pacientes, pode ocorrer o raro fenômeno de uma onda P gerar duas despolarizações ventriculares por
condução simultânea por via rápida e via lenta, gerando a chamada taquicardia por duplo passo nodal,
conhecida em inglês como “Double Fire Tachycardia” (Figura 11).
Figura 11 - A) Exemplo de Taquicardia por duplo passo nodal (com condução 1:2 não sustentada). Observe que o intervalo
PR (de via rápida e via lenta) vai aumentando até bloqueio, mostrando periodicidade de Wenckebach. Após bloqueio, o
primeiro batimento é conduzido apenas pela via rápida, e a partir daí se inicia novamente o duplo passo. Asterisco: Ondas
P. Linhas contínuas: condução pela via rápida. Retângulos brancos com borda contínua: período refratário via rápida.
Linhas pontilhadas: condução via lenta; Retângulos brancos com borda pontilhada: período refratário da via lenta.
Retângulos pretos: período refratário infra-His. B) Ritmo durante monitorização por Holter de mesmo paciente. Apresenta
condução 1:2 sustentada, com ciclo cardíaco alternante. Observe que o QRS conduzido por via lenta apresenta aberrância
de condução
Retirado deVereckei A, Gellér L. Repetitive narrow QRS tachycardia in a 61-year-old female patient with recent palpitations. (Journal
of geriatric cardiology: JGC., 2018;15(2):193). Uso de imagem com permissão.
Quatro variáveis devem ocorrer ao mesmo tempo para que este fenômeno ocorra, o que explica sua
raridade:
Tal fenômeno pode estar presente com condução não sustentada ou sustentada de caráter 1:2 no
eletrocardiograma. A forma não sustentada pode gerar diversos padrões de eletrocardiograma. Se ocorrer de
forma sustentada, teremos um ritmo com ciclo alternante. A característica marcante dessa arritmia é que o
número de QRS é maior que o de ondas P (Figura 7).
O principal diagnóstico quando temos uma condução sustentada 1:2 é o bigeminismo juncional e o
bigeminismo atrial. No bigeminismo atrial, deveríamos ver uma onda P distorcendo a onda T precedente. No
bigeminismo juncional, ondas P retrógradas em muitos casos podem ser visualizadas e é improvável que haja
uma arritmia sustentada (30).
REFERÊNCIAS
1. Mani BC, Pavri BB. Dual atrioventricular nodal pathways physiology: a review of relevant anatomy,
electrophysiology, and electrocardiographic manifestations. Indian Pacing Electrophysiol J.,
2014;14(1):12–25.
2. Katritsis DG, Becker AE, Ellenbogen KA, Karabinos I, Giazitzoglou E, Korovesis S, et al. Right and
left inferior extensions of the atrioventricular node may represent the anatomic substrate of the slow
pathway in humans. Hear Rhythm., 2004;1(5):582–6.
3. Issa Z, Miller JM, Zipes DP. Clinical Arrhythmology and Electrophysiology: A Companion to
Braunwald’s Heart Disease. Elsevier Health Sciences; 2018 (Companion to Braunwald’s Heart
Disease).
4. Josephson ME. Josephson’s Clinical Cardiac Electrophysiology. Wolters Kluwer Health;2015.
5. Katritsis DG, Josephson ME. Classification, Electrophysiological Features and Therapy of
Atrioventricular Nodal Reentrant Tachycardia. Arrhythmia Electrophysiol Rev., 2016;5(2):130–5.
6. Zipes DP, Jalife J, Stevenson WG. Cardiac Electrophysiology: From Cell to Bedside. Elsevier;2017.
7. Huang SKS, Wood MA. Catheter ablation of cardiac arrhythmias. Elsevier Health Sciences;2014.
8. Rosen KM. Junctional tachycardia: mechanisms, diagnosis, differential diagnosis, and management.
Circulation., 1973;47(3):654–64.
9. Irene M. The Sick Sinus Syndrome in Atrial Disease. JAMA., 1968;206(3):645–6.
10. Filgueiras Medeiros J, Nardo-Botelho FM, Felix-Bernardes LC, Hollanda-Oliveira L, Bassolli de
Oliveira-Alves L, Lúcia-Coutinho Ê, et al. Diagnostic Accuracy of Several Electrocardiographic Criteria
for the Prediction of Atrioventricular Nodal Reentrant Tachycardia. Arch Med Res., 2016;47(5):394–
400.
11. Wu D, Denes P, Amat-Y-Leon F, Dhingra R, Wyndham CRC, Bauernfeind R, et al. Clinical,
electrocardiographic and electrophysiologic observations in patients with paroxysmal supraventricular
tachycardia. Am J Cardiol., 1978;41(6):1045–51.
12. Erdinler I, Okmen E, Oguz E, Akyol A, Gurkan K, Ulufer T. Differentiation of Narrow QRS Complex
Tachycardia Types Using the 12-Lead Electrocardiogram. Ann Noninvasive Electrocardiol.,
2002;7(2):120–6.
13. Schmitt C, Miller JM, Josephson ME. Atrioventricular Nodal Supraventricular Tachycardia with 2:1
Block above the Bundle of His. Pacing Clin Electrophysiol., 1988;11(7):1018–23.
14. Man KC, Brinkman K, Bogun F, Knight B, Bahu M, Weiss R, et al. 2:1 atrioventricular block during
atrioventricular node reentrant tachycardia. J Am Coll Cardiol., 1996;28(7):1770–4.
15. Morisha K, Yamabe H, Uemura T, Tanaka Y, Enomoto K, KAWANO H, et al. Analysis of
Atrioventricular Nodal Reentrant Tachycardia with Variable Ventriculoatrial Block: Characteristics of
the Upper Common Pathway. Pacing Clin Electrophysiol., 2009;32(4):484–93.
16. Macfarlane PW, Oosterom A van, Pahlm O, Kligfield P, Janse M, Camm J. Comprehensive
Electrocardiology;2010. 2291 p.
17. Wit AL. Foundations of cardiac arrhthmyas: A Bridge Between Basic Mechanisms and Clinical
Electrophysiology. Cardiotext Publishing.
18. Issa Z, Miller J, Zipes D. Clinical Arrhythmology and Electrophysiology: A Companion to Braunwald’s
Heart Disease: Third Edition. Elsevier Inc; 2019. 1120 p.
19. Ko J. Atrioventricular Nodal Reentrant Tachycardia (AVNRT). Int J Arrhythmia. 2017;18(1):33–7.
20. Katritsis DG, Becker A. The atrioventricular nodal reentrant tachycardia circuit: A proposal. Hear
Rhythm., 2007;4(10):1354–60.
21. Burns E. Supraventricular Tachycardia (SVT); 2019.
22. Liu CF, Ip JE, Lin AC, Lerman BB. Mechanistic Heterogeneity of Junctional Ectopic Tachycardia in
Adults. Pacing Clin Electrophysiol., 2013;36(1):e7–10.
23. Dubin AM, Cuneo BF, Strasburger JF, Wakai RT, Van Hare GF, Rosenthal DN. Congenital junctional
ectopic tachycardia and congenital complete atrioventricular block: A shared etiology? Hear Rhythm.,
2005;2(3):313–5.
24. Cools E, Missant C. Junctional ectopic tachycardia after congenital heart surgery. Acta Anaesthesiol
Belg., 2014;65(1):1–8.
25. Pick A, Dominguez P. Nonparoxysmal AV nodal tachycardia. Circulation., 1957;16(6):1022–32.
26. Sarubbi B, Musto B, Ducceschi V, D‘Onofrio A, Cavallaro C, Vecchione F, et al. Congenital junctional
ectopic tachycardia in children and adolescents: a 20 year experience based study. Heart.,
2002;88(2):188 LP – 190.
27. Collins KK, Van Hare GF, Kertesz NJ, Law IH, Bar-Cohen Y, Dubin AM, et al. Pediatric nonpost-
operative junctional ectopic tachycardia: medical management and interventional therapies. J Am Coll
Cardiol., 2009;53(8):690–7.
28. Mildh L, Hiippala A, Rautiainen P, Pettilä V, Sairanen H, Happonen J-M. Junctional ectopic
tachycardia after surgery for congenital heart disease: incidence, risk factors and outcome. Eur J
Cardio-Thoracic Surg., 2011;39(1):75–80.
29. Vereckei A, Gellér L. Repetitive narrow QRS tachycardia in a 61-year-old female patient with recent
palpitations. J Geriatr Cardiol JGC., 2018;15(2):193.
30. Burri H, Hoffmann J, Zimmermann M. Double fire tachycardia. Heart [Internet]. 2012 Jun
15;98(12):958 LP – 958. heart.bmj.com
Capítulo 19
Vias Acessórias Típicas, Atípicas E Taquicardia
Por Reentrada Atrioventricular
Marcel Henrique Sakai | José Nunes de Alencar Neto Eduardo Back Sternick
INTRODUÇÃO
A pré-excitação ventricular é definida como uma condição na qual, após o nascimento do impulso no átrio,
os ventrículos são ativados mais cedo do que o esperado. Essa ativação precoce é possível através de um
feixe anômalo chamado de via acessória, que transmite o impulso diretamente a um sítio ventricular ectópico.
Durante a vida fetal, feixes musculares que conectam o átrio e o ventrículo estão presentes, mas
desaparecem até o nascimento; a persistência desses é o substrato anatômico da via acessória típica (1–3).
As vias acessórias típicas apresentam conexão atrioventricular e conduzem o estímulo elétrico com a
mesma velocidade de condução de fibras miocárdicas ordinárias, independente da frequência cardíaca. As
vias acessórias atípicas, que serão discutidas adiante, podem ter propriedade decremental (4).
As síndromes de pré-excitação têm relevância clínica, pois podem participar de circuitos arrítmicos de
duas formas:
A) Circuito reentrante ocorre com participação de via acessória com condução retrógrada ou anterógrada.
São os casos de taquicardia atrioventricular ortodrômica e antidrômica, respectivamente (5).
B) Condução passiva de arritmias atriais para o ventrículo através de via acessória. Por exemplo, a
fibrilação atrial, o flutter atrial e as taquicardias atriais. Quando ocorrem, dizemos que a arritmia é “pré-
excitada” (6).
PRÉ-EXCITAÇÃO TÍPICA
Wolff, Parkinson e White relataram, em 1930, 11 casos de pacientes com intervalo PR curto, bloqueio de
ramo e taquicardia supraventricular ou fibrilação atrial. Anos depois se descobriu que tais achados se deviam
à condução atrioventricular através de uma via acessória (7,8). Como curiosidade histórica, a primeira
publicação mostrando um ECG com pré-excitação ocorreu 21 anos antes da descrição do trio WPW, por A.
Hoffmann, em 1909 (9,10) (Figura 1).
Figura 1 - Primeira documentação de pré-excitação ventricular publicada por Hoffmann na Muenchener Med Wochenschr,
em 1909, 21 anos antes da publicação de Wolff, Parkinson e White.
O eletrocardiograma de repouso característico da síndrome de WPW tem um intervalo PR (ou P-delta) <
120 ms e um empastamento inicial do complexo QRS, denominado de onda delta, pela semelhança com a
letra grega (Δ). O intervalo PR curto se explica pela ativação ventricular precoce graças à condução do
estímulo elétrico por uma via acessória. Como esse impulso passa célula a célula, o início do complexo QRS
é empastado e tem esse formato característico. O complexo QRS é uma fusão entre a ativação pela via
acessória e pela via normal de condução. Quanto mais miocárdio for despolarizado pela condução anômala
pela via acessória mais aberrante e alargado será o complexo QRS, e vice-versa. (Figura 2) (2,13).
Figura 2 - O grau de pré-excitação ventricular é um “constante duelo” entre a velocidade de condução do nó
atrioventricular e da via acessória.
Observe o PR curto e o empastamento inicial do QRS correspondente à onda delta. À esquerda, observa-se maior condução pelo
nó atrioventricular durante infusão de isoproterenol (um medicamento análogo da epinefrina que tem como uma de suas
propriedades aumentar a velocidade de condução pelo nó atrioventricular). Como o nó AV está conduzindo rapidamente, uma maior
massa ventricular é despolarizada pelos feixes especializados do sistema His-Purkinje, por isso o QRS não é tão largo. À direita,
quando realizado metoprolol (medicamento que, ao contrário do isoproterenol, diminui a velocidade de condução pelo nó
atrioventricular). Como uma maior massa ventricular será ativada pela via acessória, ocorre aumento do grau de pré-excitação com
aumento da duração da onda delta e alargamento do QRS. Durante o maior grau de pré-excitação, o ECG apresenta anormalidade
de repolarização evidente.
O grau de pré-excitação (proeminência da onda delta) pode aumentar ou diminuir, a depender de três
fatores:
c) Velocidade de condução através do feixe acessório: característica inata do feixe acessório. Depende de
sua espessura, comprimento, geometria espacial entre átrios e ventrículos e da qualidade da transmissão do
impulso (19). Há, contudo, exemplos de vias acessórias que só se manifestam após stress farmacológico
(20). Outras podem se manifestar após adenosina (21). Algumas vias acessórias possuem condução
retrógrada exclusiva. Elas podem ser utilizadas num macrocircuito reentrante, utilizado como braço de
condução ventrículo-atrial, sendo que a ligação atrioventricular realizada pelo sistema normal de condução.
São denominadas de“via acessória oculta”.
Figura 4 - Anéis atrioventriculares na incidência oblíqua anterior esquerda (OAE 40º), com locais possíveis de
aparecimento de vias acessórias; Feixe de His localizado perto de via acessória anterosseptal.
AD: anterior direito; AE: anterior esquerdo; ALD: anterolateral direito; ALE: anterolateral esquerdo; AS: anterosseptal; LD: lateral
direito; LE: lateral esquerdo; MS: mediosseptal; PD: posterior direito; PE: posterior esquerdo; PLD: posterolateral direito; PLE:
posterolateral esquerdo; PSD: posterosseptal direito; PSE: posterosseptal esquerdo. Observe que a localização anterosseptal
esquerda não está disposta no gráfico. Isso ocorre porque essa região raramente apresenta vias acessórias.
Figura 5 - Algoritmo de Arruda. Utilizar os 20 ms iniciais da onda delta neste algoritmo em V1, D1, D2 e aVF, e relação R ≥ S
em V1 e D3.
Existe uma tendência atual a redefinir a localização de estruturas cardíacas levando-se em consideração a
real posição do coração no tórax “in vivo”, ao que se chama definição atitudinalmente correta (22). Dessa
forma, ao definir segmentos dos ânulos AV, utilizaríamos os termos “superior”, “inferior”, “septal” e “lateral”. No
entanto, utilizaremos nesse texto as definições mais conhecidas anterior, posterior, septal e lateral.
Polaridade da onda delta em D1 e aVL: quando negativa, indica que o impulso vem da esquerda para a
direita. Ou seja, a via acessória deve estar inserida nas porções mais laterais do anel mitral (valva
atrioventricular esquerdo); Polaridade da onda delta em D2, D3 e aVF: quanto mais positivas, maior
possibilidade de o impulso estar se originando na parte anterior do anel atrioventricular, que é mais superior;
quanto mais negativas, maior a chance de o impulso se originar na parte posterior do anel atrioventricular, que
é mais inferior. Quando D2 é negativo numa situação de uma via acessória direita, a via acessória pode estar
em contiguidade com o sistema venoso coronariano, incluindo anormalidades do seio coronário, como
divertículos, ou ainda estar localizada na veia cardíaca média (16,23).
Polaridade da onda delta em V1: vias laterais esquerdas possuem ondas deltas positivas amplas, e
laterais direitas possuem ondas deltas também positivas, vias septais direitas possuem ondas delta negativas
ou isoelétricas; vias septais esquerdas são isoelétricas ou positivas. (24–26)
Transição do R/S no plano horizontal: define-se “transição” como sendo a derivação precordial na qual
a onda R se tornou maior que a onda S. Quando isso ocorre em V1: via esquerda; em V2: pode ser direita ou
septal esquerda; em V3: possivelmente via septal direita; em V4: pode ser tanto septal direita como lateral
direita; depois de V4: lateral direita. Numa via lateral esquerda, o estímulo vai em direção a V1, fazendo um
R/S maior que 1. Quando é lateral direita, ocorre o inverso, com o vetor de ativação indo para a esquerda.
Nas septais, ocorreria um “meio termo” entre as duas (26,27).
Múltiplas vias acessórias ocorrem em até 13% das séries. Devem ser suspeitadas quando há variações na
polaridade de ondas delta e complexos QRS (28,29), ou discrepâncias entre a localização da via acessória
em ritmo sinusal comparada com a polaridade da onda P durante taquicardia ortodrômica.
Os algoritmos apresentam boa acurácia, mas aconselhamos que sejam usados como ferramenta de
auxílio, não substituindo a avaliação criteriosa isolada de diversos achados no eletrocardiograma (30).
Modalidade mais frequente de taquiarritmia em portadores de vias acessórias (90% dos casos). A via
acessória é utilizada como componente retrógrado do circuito (ventrículo-atrial). O circuito usa o sistema
normal de condução para condução anterógrada, e retorna pela via acessória. Por esse motivo, é uma
taquicardia que habitualmente cursa com QRS estreito (embora possa ocorrer bloqueio de ramo funcional e
taquicardia com QRS alargado). Dessa forma, o ECG apresenta, durante ritmo sinusal, características de pré-
excitação e, quando a arritmia se inicia, o ECG perde essa característica: a onda delta desaparece e o QRS
se estreita.
O requisito para gerar tal taquicardia é uma via acessória que tenha condução retrógrada. Observe na
figura 9, paciente em ritmo sinusal com pré-excitação ventricular (condução em sentido anterógrado) e, no
momento que inicia a taquicardia por reentrada atrioventricular (TRAV), o QRS tem sua duração normalizada
pelo fato de que a via acessória passa a ser utilizada como condução retrógrada (31–33). Quando o impulso
elétrico, proveniente do sistema normal de condução, finalmente alcança às últimas porções dos ventrículos,
justamente as regiões basais próximas às valvas e onde estão as vias acessórias (ou seja, já produziu quase
todo o complexo QRS), o impulso retorna rapidamente através destas para os átrios, produzindo a onda P
retrógrada (chamamos de retrógrada porque o átrio está sendo ativado após impulso ventricular) mais
próxima da onda R prévia, por isso o intervalo RP (ou seja, da R até a P) é menor que o intervalo PR. Em
contraste com a taquicardia por reentrada nodal (TRN), na TRAV o impulso tem que viajar por todo o
ventrículo para chegar à via acessória, assim, esse intervalo, apesar de curto, nunca é menor que 70 ms.
Figura 9 - Início de TRAV ortodrômica em paciente com via acessória de veia cardíaca média.
Observe nos dois primeiros batimentos, uma onda delta negativa em D2, D3 e aVF e isodifásica em V1. Apresentou uma ectopia
atrial, melhor visualizada em AVF (seta) que incidiu no período refratário de via acessória, sendo, então, totalmente conduzida pelo
sistema normal de condução. A partir disso, há início da TRAV e estreitamento do QRS. Durante a taquicardia, apresenta
infradesnivelamento do segmento ST > 2 mm.
Resumindo, as características eletrocardiográficas da TRAV: (a) taquicardia de QRS estreito (pode ser
alargado por bloqueio de ramo funcional), frequência cardíaca entre 140 – 250 bpm, intervalo RP< intervalo
PR e intervalo RP> 70 ms (34,35) (Figura 10).
Figura 10 - Esquerda: TRAV ortodrômica em paciente com via lateral esquerda. A imagem da esquerda mostra um quadro
típico, com QRS estreito, RP > 70 ou 90 ms (120 ms) com onda P retrógrada sendo melhor visualizada em V1 e um ciclo de
300 ms (frequência cardíaca de 200 bpm); Direita: desenvolvimento de bloqueio de ramo esquerdo com prolongamento do
CL para 340 ms e do RP para 180 ms (60 ms de aumento), com P retrógrada sendo melhor visualizada em V6 e aVR. O
aumento do CL não acompanha completamente o aumento do RP, devido decremento pelo nó atrioventricular. Esse
aumento do ciclo e do intervalo RP é específico de TRAV (Lei de Coumel).
Quando o bloqueio de ramo funcional for do mesmo lado de uma via acessória de parede livre (exemplo:
um bloqueio de ramo esquerdo com via lateral esquerda), ocorrerá um aumento do intervalo RP, visto que o
estímulo demorará mais (por conta do bloqueio de ramo) para alcançar aquela via acessória (Figura 10). Esse
aumento do RP pode vir acompanhado de aumento no ciclo da taquicardia (Lei de Coumel), o que pode não
ocorrer em decorrência de uma redução no tempo de condução pelo nó AV (redução do intervalo AH). Nas
vias septais, o aumento do intervalo RP é mais discreto, sendo difícil a sua visualização no ECG (36,37).
A TRAV, incorporando vias acessórias convencionais, sempre terá uma relação AV 1:1, a dissociação
atrioventricular ou a condução 2:1, 3:1 nunca serão encontradas (38).
A análise da P retrógrada pode ajudar na localização da via acessória, entretanto, isso demanda um ECG
com derivações simultâneas, o que nem sempre é possível. Onda P positiva em V1 e negativa em D1: parede
livre esquerda; onda P positiva em V1 e bifásica em D1: póstero-septais; onda P bifásica em V1:
anterosseptal ou médio-septal; onda P negativa em V1: parede livre direita; onda P positiva em D2, D3 e aVF:
anterior no anel atrioventricular; onda P negativa em D2, D3 e aVF: posterior (39).
Depressão do segmento ST ≥ 2 mm pode ocorrer por fusão P retrógrada com o segmento ST. A
localização da depressão do ST pode ajudar a localizar a via acessória, pois pode ser considerada uma onda
P negativa. A depressão do ST ocorre em 57% dos casos de TRAV, entretanto, pode ocorrer na TRN em 25%
dos casos. A elevação do segmento ST em aVR ≥ 1 mm também é observada em 71% dos casos de TRAV
em comparação com 31% dos casos de TRN e 16% dos casos de TA (40–42).
QRS alternans é definido como oscilação da amplitude do QRS a cada batimento e ocorre com mais
frequência em frequências cardíacas mais altas. Por esse motivo, é mais comum na TRAV, que tem, em
geral, uma FC mais alta do que TRN e taquicardia atrial (TA). Tem como explicação fisiopatológica a oscilação
no potencial de ação e no período refratário relativo do sistema His-Purkinje quando há abrupto aumento da
frequência cardíaca (43,44). Em alguns casos observa-se também alternância de onda T.
Na TRAV antidrômica, o impulso elétrico é conduzido exclusivamente pela via acessória de forma
anterógrada, e retorna para o átrio pelo sistema normal de condução. Na presença de múltiplas vias
acessórias, as possibilidades de circuitos são maiores e a condução retrógrada pode ocorrer por outra via. O
ECG durante taquicardia com antidrômica, com pré-excitação máxima, facilita a avaliação da polaridade da
onda delta, mas as ondas P retrógradas são de difícil visualização devido o alargamento do QRS (Figura 2c)
(5,33).
Um dos diagnósticos diferenciais da TRAV antidrômica é a TRN com via acessória “bystander”, onde a via
acessória é utilizada sem efetivamente participar do circuito. Esse diagnóstico demanda a realização de um
estudo eletrofisiológico. A reentrada ocorre no nó atrioventricular (vide capítulo 18), entretanto a condução
para o ventrículo ocorre de forma passiva pela via acessória (45,46).
O flutter atrial e a TA são outros exemplos, podendo realizar condução 1:1 do átrio para o ventrículo
através da via acessória a frequências tão altas quanto a velocidade atrial e o período refratário anterógrado
da via acessória permitirem. Durante fibrilação atrial, nem todos batimentos terão o mesmo grau de pré-
excitação. Graus variados de fusão ocorrerão dependendo do intervalo RR e da refratariedade da via
acessória e do nó atrioventricular. A análise do intervalo RR é o melhor indicador de risco de morte súbita no
WPW. Quando esse intervalo for < 250 ms, o paciente apresenta maior risco de evolução da fibrilação atrial
para fibrilação ventricular (Figura 11) (47).
Imagem da esquerda: fibrilação atrial pré-excitada com menor intervalo RR de 220 ms. Imagem da direita: flutter atrial pré-excitado
com condução 2:1; observe a frequência ventricular típica de flutter. Nesse caso, o flutter não conduziu 1:1, visto que o ciclo atrial do
flutter era 200ms (visualizada apenas por estudo eletrofisiológico invasivo), sendo menor que período refratário de via acessória.
Ainda bem, porque seria um desastre ter o ventrículo batendo 300 vezes por minuto através de um foco diferente do normal.
É um tipo raro de taquicardia por reentrada atrioventricular ortodrômica, causada por uma via acessória
com propriedades decrementais e condução retrógrada exclusiva. Habitualmente, se localizam em região
posterosseptal direita, mas já foram relatados casos em outras regiões inclusive no anel mitral, na
continuidade mitro-aórtica e na veia cava superior (48). O quadro clínico clássico é de uma taquicardia
incessante, muitas vezes cursando com taquicardiomiopatia; entretanto, também pode ser paroxística
repetitiva. É de maior prevalência em crianças e adultos jovens. O ECG apresenta RP longo (RP > PR); na
localização clássica posterosseptal, as ondas P são negativas em D2, D3 e aVF; a frequência cardíaca é
habitualmente mais baixa que as TRAV paroxísticas, embora uma característica dessa entidade é uma
variação do ciclo com influência autonômica. Tem como principais diagnósticos diferenciais a taquicardia atrial
e a taquicardia por reentrada nodal atípica, devido RP longo (49–51) (Figura 12).
Figura 12 - Taquicardia de Coumel. As setas apontam a onda P retrógrada negativa nas derivações inferiores e positiva em
V1 com intervalo RP longo. Após término da arritmia, essa onda, que poderia ser confundida com uma onda T, não é mais
visível.
Mahaim e Benatt (52) descreveram a existência de fibras parasseptais que conectavam o sistema de
condução AV nodal com a musculatura ventricular, o que veio a ser denominado posteriormente de feixes
nodo-ventriculares e nodofasciculares. No entanto, eles não associaram essas estruturas, que ficaram
conhecidas como fibras de Mahaim, a arritmias cardíacas.
Com o desenvolvimento das técnicas eletrofisiológicas nos anos 70, alguns autores descrevem uma
modalidade de taquicardia antidrômica utilizando uma via acessória com propriedade decremental, em outras
palavras, com redução na velocidade de condução associada à redução do ciclo cardíaco, à semelhança do
que ocorre no nó A-V. Como não se sabia o substrato anatômico responsável por essa entidade, inicialmente
associaram-no às fibras de Mahaim (nodo-ventriculares). A partir dos anos 80, o grupo de London, Canadá
identifica que o verdadeiro substrato dessa arritmia era uma estrutura semelhante ao nó AV localizada na
região lateral do anel tricúspide. Esse verdadeiro nó A-V acessório veio a ser denominado de feixe
atriofascicular, pois sua inserção distal era próxima ao ramo direito do Feixe de His, ao nível da banda
moderadora (53) O reconhecimento eletrocardiográfico dessas estruturas é difícil durante o ritmo sinusal,
pois, ao contrário do que ocorre na síndrome de WPW, ou o ECG é normal (40%) ou apresenta uma pré-
excitação mínima (60%) devido à menor fusão ventricular que ocorre pela condução lenta pelo feixe
atriofascicular (54) porque essa estrutura possui condução decremental. Nos próximos parágrafos, interprete
as vias acessórias atípicas como “nós AV acessórios”. Como descrevemos acima, “Fibras de Mahaim” é
um epônimo usado desde a descrição original nos final dos anos 30 até hoje para descrever esses feixes (55–
58). Entretanto, a tendência atual é uma nomenclatura descritiva que leva em consideração as relações
anatômicas das variantes de pré-excitação (59).
O ECG
Para entender o ECG em pacientes com feixes atípicos, é importante enfatizar que a ativação ventricular
desses pacientes acontece em maior ou menor grau pelos dois nós AV (o normal e o acessório). Se em
algum momento, o impulso elétrico for conduzido pelo nó AV com menor velocidade, o ECG ficará mais pré-
excitado. Alternativamente, quando a condução pela via acessória atípica alentecer, o ECG ficará menos pré-
excitado. Outra característica importante é que, assim como existe o automatismo do nó AV (ritmo juncional),
também existe automatismo de via atípica, quando o ECG fica pré-excitado sem uma onda P precedendo
cada complexo QRS. Toda essa variabilidade circadiana pode ser observada em Holter (60) ou até mesmo
ocorrer e ser causa de sintomas (61).
O padrão típico de vias acessórias atípicas é: intervalo PR normal ou sutilmente curto, a perda do
primeiro vetor septal em D1, aVL, V5 e V6, e um complexo do tipo rS em D3 (14,62).
Os tipos existentes de fibras atípicas estão dispostos na figura 13 (63). Vamos revisar cada um deles. A
tabela 1 resume todos os achados (64).
Figura 13 - Tipos específicos de vias acessórias atípicas. O nome de cada uma se refere às estruturas anatômicas
conectadas. Cedido e adaptado de Sternick e Wellens (63).
Tabela 1 - Resumo dos achados eletrocardiográficos das vias acessórias atípicas. Adaptado de José Alencar e Sternick
(64).
Vias atípicas Achados eletrocardiográficos Diagnóstico diferencial
1. Usualmente pré-excitado.
2. Intervalo PR normal ou curto.
3. Duração do QRS < 130 ms
4. Delta isoelétrica ou negativa em V1. Via acessória típica. Anterosseptal.
5. Pré-excitação mínima. Via acessória típica médio-septal.
Fasciculoventricular
6. Onda S em V1 < 20 mm. Via acessória atípica nodoventricular.
7. Notch na porção descendente Síndrome do PRKAG2.
da onda S em V1.
8. Eixo do QRS normal.
9. Adenosina prolonga o intervalo
PR e não modifica o QRS/delta.
1. Usualmente pré-excitada.
Via curta de
1. Usualmente pré-excitado.
condução Vias acessórias típicas direitas.
2. Intervalo PR normal ou curto.
decremental
Vias Atriofasciculares
O tipo mais comum de vias atípicas. Os feixes atriofasciculares são estruturas longas presentes na parede
lateral do ânulo tricúspide e conectam o átrio ao ramo direito na sua porção distal na banda moderadora (65).
Quando o impulso de condução lenta, que vem através da fibra atriofascicular, atinge o VD mais cedo do que
a que vem do nó AV, uma discreta porção da parede livre do VD é despolarizada, resultando em um padrão
de pré-excitação com um intervalo PR normal e um complexo similar a um bloqueio de ramo esquerdo. Como
o ECG desses pacientes é uma briga para ver quem conduz mais rápido, normalmente se encontra o padrão
rS em D3 (em até 60% dos pacientes) (54). Outro sinal que pode estar presente: “notching” ou “slurring” no
final do complexo QRS que desaparece após ablação (Figuras 14 e 15) (66).
Figura 14 - ECG de paciente com via acessória atípica atriofascicular. Perceba a ausência de onda q septal em I, aVL, V5 e
V6, além do padrão rS nos três primeiros complexos de D3. Adaptado de Sternick et al (54).
Figura 15 - A: ECG pré-ablação de um paciente com via acessória atípica atriofascicular contendo “slurring“ ao final do
QRS em D2, D3, aVF e V6. B: ECG pós-ablação sem “slurring”. Adaptado de Liao (66).
Vias Longas de Condução Decremental
Similares às atriofasciculares, mas se conectam ao miocárdio do ventrículo, não ao ramo direito. Em ritmo
sinusal, o ECG obedece às mesmas regras do já citado para atriofascicular, com rS em D3, e o complexo
QRS é via de regra mais alargado durante estimulação atrial ou taquicardia antidrômica (67).
Feixes Fasciculoventriculares
São uma das variedades de fibras descritas originalmente por Mahaim e Benatt na década de 30.
Conectam o feixe de His ou o ramo direito ao miocárdio do ventrículo em uma localização anterosseptal.
Caracteristicamente, essas fibras não participam de circuitos de taquicardia (59). As características que
diferem essa via atípica de uma via acessória atrioventricular comum nessa mesma região são: 1) um QRS
mais curto (120 ms vs. 140 ms) ; 2) um intervalo PR não tão curto (110 – 120 ms vs 83 ms); 3) uma delta
isoelétrica ou negativa em V1; 4) uma delta estreita em V2; amplitude da onda S menor que 20 mm em V1
(12,4 mm vs. 26 mm); “notch” na porção descendente da onda S em V1 (68,69); 7) prolongamento do
intervalo PR sem mudanças na onda delta durante a infusão de adenosina (70).
Síndrome do PRKAG2: uma síndrome genética em que ocorre um acúmulo intracelular de glicogênio
(não lisossomal), associado à hipertrofia miocárdica, pré-excitação ventricular, taquiarritmias atriais, distúrbios
da condução atrioventricular. A ocorrência de morte súbita cardíaca chega a 8,7% dos pacientes (71,72).
Deve ser suspeitada em casos de síndrome de pré-excitação ventricular associada à hipertrofia ventricular. A
maioria dos feixes dos pacientes dessa síndrome é do tipo fasciculoventricular ou nodoventricular. O ECG
dessa síndrome apresenta, em comparação com os feixes fasciculoventriculares esporádicos: 1) frequência
cardíaca de repouso mais baixa (56 ± 7 vs. 75 ± 10 batimentos por minuto); 2) um QRS mais largo (150 ms vs
110 ms); 3) morfologia de bloqueio de ramo direito ou bloqueio de ramo esquerdo (Figura 16) (73,74).
Figura 16 - A: ECG de um paciente com via fasciculoventricular e síndrome do PRKAG2. Observe o padrão de BRD e
complexos amplos que podem denotar sobrecarga ventricular. B: ECG de um paciente com via fasciculoventricular
esporádica. Adaptado de Sternick et al (73).
Vias Átrio-Hisianas
Chamadas de fibras de James (75), são consideradas uma rara causa de condução acelerada pelo nó
AV (76,77). Esse tipo de feixe se origina na porção inferior do átrio direito e “pula” quase todo o nó AV,
fazendo com que o estímulo não tenha que passar pela sua famosa e já descrita pausa (75,78). Foram
responsabilizadas pela Síndrome de Lown-Ganong-Levine, que define pacientes com intervalo PR curto
sem delta e crises de taquicardia supraventricular. Esse termo está em desuso e é desencorajado pelos
autores desse capítulo devido à falta de correlação clínica com os achados eletrofisiológicos (79). O ECG de
pacientes com esse tipo de feixe atípico é marcado pela redução do intervalo PR sem onda delta. Entretanto,
é importante enfatizar que esse é um diagnóstico raro de estudo eletrofisiológico. As principais causas para
intervalo PR curto e ausência de onda delta são: nó AV rápido, hipoplásico ou pequeno (80,81). Há sugestão
na literatura de que feixes átrio-Hisianos podem ter condução retrógrada e dar origem a uma taquicardia
muito similar à taquicardia por reentrada nodal típica (82).
Conectam o nó AV (na sua porção transicional ou compacta) ao ramo direito ou ao miocárdio. A ativação
ventricular resultará da fusão do impulso que vem da via atípica e do sistema normal de condução.
O ECG da via nodofascicular é semelhante ao discutido na atriofascicular, pela ativação similar. O ECG da
via nodoventricular demonstra um intervalo PR curto ou normal, raramente uma onda delta e, se pré-excitado,
tem um padrão de BRE (83,84). Apesar de raros, a maioria dos casos com comprovação eletrofisiológica
apresenta uma taquicardia com QRS estreito, ortodrômica, com algum grau, por vezes intermitente, de
dissociação VA. Podem ainda ser utilizados retrogradamente como“bystander” em pacientes com taquicardia
por reentrada nodal (85).
Inserem-se no ânulo tricúspide ou mitral, como uma via acessória típica, mas têm propriedades
decrementais. O intervalo PR é curto e o QRS pré-excitado na maioria dos casos (86,87).
Essas vias podem ocorrer após tentativa de ablação de vias acessórias convencionais, uma
“metamorfose” de vias acessórias típicas em vias atípicas de condução decremental após o procedimento de
ablação do foco em estudo eletrofisiológico, fenômeno observado principalmente em vias posterosseptais.
(88).
TESTE DE ADENOSINA
A adenosina alentece e bloqueia a condução pelo sistema normal de condução, mas também pelas vias
decrementais. O esperado aqui é que o intervalo PR prolongue gradativamente por bloqueio progressivo do
nó AV, o QRS se torne mais pré-excitado por maior participação da via atípica e, depois, quando a via normal
e a atípica forem totalmente bloqueadas, haja bloqueio AV total (Figura 17) (89). A exceção se dá nas vias
fasciculoventriculares. Como o feixe acessório se encontra depois no nó AV, o bloqueio AV não influencia em
nada na condução. Se o ritmo de escape for juncional, ele será igualmente pré-excitado (Figura 18) (70,90). A
figura 19 traz um resumo das respostas possíveis à adenosina em vias típicas e atípicas.
Figura 17 - Teste de adenosina após ablação de uma via acessória típica. Observe que o intervalo PR se prolonga e a pré-
excitação aumenta gradativamente até o bloqueio AV total. Este é um caso de via acessória decremental curta pós-ablação
de via acessória típica. Adaptado de Sternick et al (ref).
Figura 18 - Teste de adenosina de uma via acessória atípica fasciculoventricular. Observe que o intervalo PR se prolonga e
o grau de pré-excitação se mantém igual até o bloqueio AV total sem escape. Adaptado de Ali et al (90).
Figura 19 - Algoritmo diagnóstico do uso de adenosina em vias típicas e atípicas.
A adenosina atrasa o sistema normal de condução e também as vias decrementais. Não atrasa a condução por vias típicas. Sendo
assim, em vias típicas, quando o bloqueio AV secundário à adenosina progride, o intervalo PR se mantém constante ou diminui e a
pré-excitação aumenta até pré-excitação máxima (quando o bloqueio AV total ocorre, o impulso proveniente do átrio passa
inteiramente pela via acessória típica). Em vias atípicas, como a adenosina atrasa tanto o sistema de condução normal como
também a via atípica, o intervalo P-delta aumenta, e a pré-excitação aumenta sutilmente e gradativamente até o bloqueio total dos
dois feixes (normal e atípico). A via fasciculoventricular, distal ao nó AV, mantém sua pré-excitação fixa a despeito do grau de
bloqueio AV. Se o bloqueio AV for total, ela também não receberá impulso e bloqueará. Adaptado de Ali et al (90).
REFERÊNCIAS
6. Jastrzębski M, Moskal P, Kukla P, Fijorek K, Kisiel R, Czarnecka D. Specificity of wide QRS complex
tachycardia criteria and algorithms in patients with ventricular preexcitation. Ann Noninvasive
Electrocardiol, 2018;23(2):e12493.
7. Wolff L, Parkinson J, White PD. Bundle-branch block with short P-R interval in healthy young people
prone to paroxysmal tachycardia. Am Heart J [Internet]. 1930;5(6):685–704. doi.org
8. Scheinman MM. The history of the wolff-Parkinson-white syndrome. Rambam Maimonides Med J.,
2012;3(3):e0019–e0019.
10. Von Knorre GH. The earliest published electrocardiogram showing ventricular preexcitation. Pacing
Clin Electrophysiol., 2005;28(3):228–30.
11. Pritchett ELC, Gallagher JJ, Sealy WC, Anderson R, Campbell RWF, Sellers Jr. TD, et al.
Supraventricular tachycardia dependent upon accessory pathways in the absence of ventricular
preexcitation. Am J Med., 1978;64(2):214–20.
12. Neuss H, Schlepper M, Thormann J. Analysis of re-entry mechanisms in the three patients with
concealed Wolff-Parkinson-White syndrome. Circulation., 1975;51(1):75–81.
13. Hurst JW. Naming of the Waves in the ECG, With a Brief Account of Their Genesis. Circulation
[Internet]. 1998;98(18):1937–42. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pub-
med/9799216%5Cn circ.ahajournals.org
14. Bogun F, Kalusche D, Li YG, Auth-Eisernitz S, Gronefeld G, Hohnloser SH. Septal Q waves in surface
electrocardiographic lead V6 exclude minimal ventricular preexcitation. Am J Cardiol.,
1999;84(1):101–4, A9.
15. Eisenberger M, Davidson NC, Todd DM, Garratt CJ, Fitzpatrick AP. A new approach to confirming or
excluding ventricular pre-excitation on a 12-lead ECG. EP Eur., 2010;12(1):119–23.
16. Issa Z, Miller JM, Zipes DP. Clinical Arrhythmology and Electrophysiology: A Companion to
Braunwald’s Heart Disease. Elsevier Health Sciences; 2018 (Companion to Braunwald’s Heart
Disease).
17. Cohen MI, Triedman JK, Cannon BC, Davis AM, Drago F, Janousek J, et al. PACES/HRS expert
consensus statement on the management of the asymptomatic young patient with a Wolff-Parkinson-
White (WPW, ventricular preexcitation) electrocardiographic pattern: developed in partnership
between the Pediatric and Congenital Electrophys. Hear Rhythm., 2012;9(6):1006–24.
18. Singla V, Singh B, Singh Y, Ravindranath KS. Concertina effect: a subtle but specific marker. BMJ
Case Rep., 2013;2013:bcr2013009328.
19. Josephson ME. Josephson’s Clinical Cardiac Electrophysiology. Wolters Kluwer Health;2015.
20. Ahn YK, Cho JG, Kim SH, Kim JW, Cho JH, Bae Y, et al. A case of AV reentrant tachycardia due to a
concealed accessory pathway with retrograde conduction manifested by isoproterenol. Jpn Circ J.,
1998;62(12):943–6.
21. Tint D, Kun C, Beke I, Csanadi Z. Adenosine-dependent concealed accessory pathway. Pacing Clin
Electrophysiol., 2012;35(4):e91-3.
22. De Almeida MC, Spicer DE, Anderson RH. Why do we break one of the first rules of anatomy when
describing the components of the heart? Clin Anat., 2019;32(4):585–96.
23. Sun Y, Arruda M, Otomo K, Beckman K, Nakagawa H, Calame J, et al. Coronary sinus-ventricular
accessory connections producing posteroseptal and left posterior accessory pathways: Incidence and
electrophysiological identification. Circulation. 2002;106(11):1362–7.
24. Arruda MS, McClelland JH, Wang X, Beckman KJ, Widman LE, Gonzalz MD, et al. Development and
Validation of an ECG Algorithm for Identifying Accessory Pathway Ablation Site in Wolff-Parkinson-
White Syndrome. J Cardiovasc Electrophysiol [Internet]. 1998;9(1):2–12. doi.wiley.com/
25. Iturralde-Torres P, MÃ!`rquez MF. Contributions of the Instituto Nacional de CardiologÃ\-a in the
diagnosis and treatment of the Wolff-Parkinson-White syndrome. Arch Cardiol MÃ\copyrightxico.,
2010;80:329–37.
26. Chiang CE, Chen SA, Teo WS, Tsai DS, Wu TJ, Cheng CC, et al. An accurate stepwise
electrocardiographic algorithm for localization of accessory pathways in patients with Wolff-Parkinson-
White syndrome from a comprehensive analysis of delta waves and R/S ratio during sinus rhythm. Am
J Cardiol., 1995;76(1):40–6.
27. Fitzpatrick AP, Gonzales RP, Lesh MD, odin GW, Lee RJ, Scheinman MM. New algorithm for the
localization of accessory atrioventricular connections using a baseline electrocardiogram. J Am Coll
Cardiol., 1994;23(1):107–16.
28. Fananapazir L, German LD, Gallagher JJ, Lowe JE, Prystowsky EN. Importance of preexcited QRS
morphology during induced atrial fibrillation to the diagnosis and localization of multiple accessory
pathways. Circulation., 1990;81(2):578–85.
29. Zachariah JP, Walsh EP, Triedman JK, Berul CI, Cecchin F, Alexander ME, et al. Multiple accessory
pathways in the young: the impact of structural heart disease. Am Heart J. 2012/11/20.
2013;165(1):87–92.
30. Teixeira CM, Pereira TA, Lebreiro AM, Carvalho SA. Accuracy of the Electrocardiogram in Localizing
the Accessory Pathway in Patients with Wolff-Parkinson-White Pattern. Arq Bras Cardiol.,
2016;107(4):331–8.
31. Lee KW, Badhwar N, Scheinman MM. Supraventricular Tachycardia—Part I. Curr Probl Cardiol.,
2008;33(9):467–546.
32. Lee KW, Badhwar N, Scheinman MM. Supraventricular Tachycardia—Part II: History, Presentation,
Mechanism, and Treatment. Curr Probl Cardiol., 2008;33(10):557–622.
33. Josephson ME, Wellens HJJ. Electrophysiologic evaluation of supraventricular tachycardia. Cardiol
Clin., 1997;15(4):567–86.
34. Bottoni N, Tomasi C, Donateo P, Lolli G, Muià N, Croci F, et al. Clinical and electrophysiological
characteristics in patients with atrioventricular reentrant and atrioventricular nodal reentrant
tachycardia. EP Eur., 2003;5(3):225–9.
35. Keating L, Morris FP, Brady WJ. Electrocardiographic features of Wolff-Parkinson-White syndrome.
Emerg Med J., 2003;20(5):491 LP – 493.
36. Kerr CR, Gallagher JJ, German LD. Changes in ventriculoatrial intervals with bundle branch block
aberration during reciprocating tachycardia in patients with accessory atrioventricular pathways.
Circulation., 1982;66(1):196–201.
37. Pritchett EL, Tonkin AM, Dugan FA, Wallace AG, Gallagher JJ. Ventriculo-atrial conduction time
during reciprocating tachycardia with intermittent bundle-branch block in Wolff-Parkinson-White
syndrome. Heart., 1976;38(10):1058–64.
38. Cheng H-S, Chen W-T, Huang J-H, Hsieh M-H. Occurrence of atrioventricular block during
supraventricular tachycardia: What is its possible mechanism? J Chinese Med Assoc.,
2014;77(2):108–11.
39. Tai C-T, Chen S-A, Chiang C-E, Lee S-H, Wen Z-C, Chiou C-W, et al. A New Electrocardiographic
Algorithm Using Retrograde P Waves for Differentiating Atrioventricular Node Reentrant Tachycardia
From Atrioventricular Reciprocating Tachycardia Mediated by Concealed Accessory Pathway. J Am
Coll Cardiol., 1997;29(2):394–402.
40. Rivera S, Paz Ricapito MDELA, Conde D, Verdu MB, Roux JF, Paredes FA. The Retrograde P-Wave
Theory: Explaining ST Segment Depression in Supraventricular Tachycardia by Retrograde AV Node
Conduction. Pacing Clin Electrophysiol., 2014;37(9):1100–5.
41. Ho Y-L, Lin L-Y, Lin J-L, Chen M-F, Chen W-J, Lee Y-T. Usefulness of ST-segment elevation in lead
aVR during tachycardia for determining the mechanism of narrow QRS complex tachycardia. Am J
Cardiol., 2003;92(12):1424–8.
42. Riva SI, Bella P Della, Fassini G, Carbucicchio C, Tondo C. Value of analysis of ST segment changes
during tachycardia in determining type of narrow QRS complex tachycardia. J Am Coll Cardiol.,
1996;27(6):1480 LP – 1485.
43. Tchou PJ, Lehmann MH, Dongas J, Mahmud R, Denker ST, Akhtar M. Effect of sudden rate
acceleration on the human His-Purkinje system: adaptation of refractoriness in a dampened
oscillatory pattern. Circulation., 1986;73(5):920–9.
44. Morady F. Significance of QRS Alternans During Narrow QRS Tachycardias. Pacing Clin
Electrophysiol., 1991;14(12):2193–8.
45. Smith WM, Broughton A, Reiter MJ, Benson Jr. DW, Grant AO, GALLAGHER JJ. Bystander
Accessory Pathway During AV Node Re-entrant Tachycardia. Pacing Clin Electrophysiol.,
1983;6(3):537–47.
46. Obel OA, Camm AJ. Supraventricular tachycardiaECG diagnosis and anatomy. Eur Heart J.,
1997;18(suppl_C):2–11.
47. Page RL, Joglar JA, Caldwell MA, Calkins H, Conti JB, Deal BJ, et al. 2015 ACC/AHA/HRS Guideline
for the Management of Adult Patients With Supraventricular Tachycardia. Circulation [Internet]. 2015
Sep 23; circ.ahajournals.org
48. Sternick EB, Lokhandwala Y, Anderson RH, Wellens HJJ. A tachycardia using a decrementally
conducting concealed accessory pathway between the superior caval vein-right atrial junction and the
right ventricle. Hear Rhythm., 2015;12(3):639–43.
49. Coumel P. Junctional reciprocating tachycardias. The permanent and paroxysmal forms of A-V nodal
reciprocating tachycardias. J Electrocardiol., 1975;8(1):79–90.
50. Meiltz A, Weber R, Halimi F, Defaye P, Boveda S, Tavernier R, et al. Permanent form of junctional
reciprocating tachycardia in adults: peculiar features and results of radiofrequency catheter ablation.
EP Eur., 2006;8(1):21–8.
51. Kang KT, Potts JE, Radbill AE, La Page MJ, Papagiannis J, Garnreiter JM, et al. Permanent junctional
reciprocating tachycardia in children: A multicenter experience. Hear Rhythm., 2014;11(8):1426–32.
52. Mahaim I, Benatt A. Nouvelles recherches sur les connexions supérieures de la branche gauche du
faisceau de His-Tawara avec la cloison interventriculaire. Cardiology [Internet]. 1937;1(2):61–73.
karger.com
53. Gandhavadi M, Sternick EB, Jackman WM, Wellens HJJ, Josephson ME. Characterization of the
distal insertion of atriofascicular accessory pathways and mechanisms of QRS patterns in
atriofascicular antidromic tachycardia. Hear Rhythm., 2013;10(9):1385–92.
54. Sternick EB, Timmermans C, Sosa E, Cruz FES, Rodriguez L-M, Fagundes MA, et al. The
electrocardiogram during sinus rhythm and tachycardia in patients with Mahaim fibers: the importance
of an “rS” pattern in lead III. J Am Coll Cardiol., 2004;44(8):1626–35.
55. Becker AE, Anderson RH, Durrer D, Wellens HJ. The anatomical substrates of wolff-parkinson-white
syndrome. A clinicopathologic correlation in seven patients. Circulation., 1978;57(5):870–9.
58. Sternick EB, Timmermans C, Rodriguez LM, Wellens HJJ. Mahaim fiber: an atriofascicular or a long
atrioventricular pathway? Hear Rhythm., 2004;1(6):724–7.
59. Issa ZF, Miller JM, Zipes DP. Clinical arrhythmology and electrophysiology. 2nd ed. Philadelphia, PA:
Elsevier;2012.
60. Sternick EB, Sosa EA, Timmermans C, Cruz Filho FE, Rodriguez L-M, Gerken LM, et al. Automaticity
in Mahaim fibers. J Cardiovasc Electrophysiol., 2004;15(7):738–44.
61. Sternick EB, Lokhandwala Y, Wellens HJJ. An unusual ectopic ventricular rhythm in a young woman.
J Cardiovasc Electrophysiol. 2019.
62. Sternick EB. ECG during sinus rhythm in patients with atriofascicular Mahaim fibers: importance of an
rS pattern in lead III. Vol. 2, Heart rhythm. United States;2005. p. 220; author reply 221.
63. Sternick EB, Wellens HJJ. Variants of ventricular preexcitation. 1st ed. Blackwell Futura;2006.
64. Alencar Neto JN de, Ramalho de Moraes SR, Back Sternick E, Wellens HJJ. Atypical bypass tracts:
can they be recognized during sinus rhythm? EP Eur [Internet]. 2018 May 16;euy079– euy079.
doi.org
65. Guiraudon C, Guiraudon GM, Klein GJ. Histologic evidence for an accessory atrioventricular pathway
with AV-node-like morphology. Circulation., 1988;11:1035.
66. Liao Z, Ma J, Hu J, Yang Q, Zhang S. New Observation of Electrocardiogram During Sinus Rhythm
on the Atriofascicular and Decremental Atrioventricular Pathways. Circ Arrhythmia Electrophysiol.,
2011;4(6):897 LP – 901.
67. Sternick EB, Gerken LM. The 12-lead ECG in patients with Mahaim fibers. Ann Noninvasive
Electrocardiol., 2006;11(1):63–83.
68. Oh S, Choi Y-S, Choi E-K, Kim H-S, Sohn D-W, Oh B-H, et al. Electrocardiographic characteristics of
fasciculoventricular pathways. Pacing Clin Electrophysiol., 2005;28(1):25–8.
69. Sternick EB, Rodriguez L-M, Gerken LM, Wellens HJJ. Electrocardiogram in patients with
fasciculoventricular pathways: a comparative study with anteroseptal and midseptal accessory
pathways. Hear Rhythm., 2005;2(1):1–6.
70. Sternick EB, Gerken LM, Vrandecic MO, Wellens HJJ. Fasciculoventricular pathways: clinical and
electrophysiologic characteristics of a variant of preexcitation. J Cardiovasc Electrophysiol.,
2003;14(10):1057–63.
71. Porto AG, Brun F, Severini GM, Losurdo P, Fabris E, Taylor MRG, et al. Clinical Spectrum of PRKAG2
Syndrome. Circ Arrhythm Electrophysiol [Internet]. 2016 Jan;9(1):1–8. ncbi.nlm.nih.gov
72. Murphy RT, Mogensen J, McGarry K, Bahl A, Evans A, Osman E, et al. Adenosine monophosphate-
activated protein kinase disease mimicks hypertrophic cardiomyopathy and Wolff-Parkinson-White
syndrome: natural history. J Am Coll Cardiol., 2005;45(6):922–30.
73. Sternick EB, Oliva A, Gerken LM, Magalhaes L, Scarpelli R, Correia FS, et al. Clinical,
electrocardiographic, and electrophysiologic characteristics of patients with a fasciculoventricular
pathway: the role of PRKAG2 mutation. Hear Rhythm., 2011;8(1):58–64.
74. Ali H, Sorgente A, Lupo P, Foresti S, De Ambroggi G, Balla C, et al. Nodoand fasciculoventricular
pathways: Electrophysiological features and a proposed diagnostic algorithm for preexcitation
variants. Hear Rhythm [Internet]. 2017;12(7):1677–82. doi.org
75. James T. Morphology of the human atrioventricular node, with remarks pertinent to its
electrophysiology. Am Heart J., 1961;62:756–71.
76. Caracta AR, Damato AN, Gallagher JJ, Josephson ME, Varghese PJ, Lau SH, et al.
Electrophysiologic studies in the syndrome of short P-R interval, normal QRS complex. Am J Cardiol.,
1973;31(2):245–53.
81. Benditt DG, Pritchett LC, Smith WM, Wallace AG, Gallagher JJ. Characteristics of atrioventricular
conduction and the spectrum of arrhythmias in lown-ganong-levine syndrome. Circulation.,
1978;57(3):454 LP – 465.
82. Otomo K, Suyama K, Okamura H, Noda T, Satomi K, Shimizu W, et al. Participation of a concealed
atriohisian tract in the reentrant circuit of the slow-fast type of atrioventricular nodal reentrant
tachycardia. Hear Rhythm., 2007;4(6):703–10.
83. Gallagher JJ, Smith WM, Kasell JH, Benson DW, Sterba R, Grant AO. Role of Mahaim fibers in
cardiac arrhythmias in man. Circulation [Internet]. 1981;64(1):176 LP – 189. circ.ahajournals.org
84. Ellenbogen KA, Ramirez NM, Packer DL, O’Callaghan WG, Greer GS, Sintetos AL, et al. Accessory
nodoventricular (Mahaim) fibers: a clinical review. Pacing Clin Electrophysiol., 1986;9(6 Pt 1):868–84.
85. Ho RT, Kenia AS, Chhabra SK. Resetting and termination of a short RP tachycardia: what is the
mechanism? Hear Rhythm., 2013;10(12):1927–9.
86. Sternick EB, Fagundes ML, Cruz FES, Timmermans C, Sosa EA, Rodriguez L-M, et al. Short
atrioventricular Mahaim fibers: observations on their clinical, electrocardiographic, and
electrophysiologic profile. J Cardiovasc Electrophysiol., 2005;16(2):127–34.
87. Heald SC, Davies DW, Ward DE, Garratt CJ, Rowland E. Radiofrequency catheter ablation of Mahaim
tachycardia by targeting Mahaim potentials at the tricuspid annulus. Br Heart J., 1995;73(3):250–7.
88. Sternick EB, Correa FS, Rego S, Santos DM, Damascena F, Scarpelli R, et al. Postablation-acquired
short atrioventricular Mahaim-type fibers: observations on their clinical, electrocardiographic, and
electrophysiologic profile. Hear Rhythm., 2012;9(6):850–8.
91. Taguchi N, Yoshida N, Inden Y, Yamamoto T, Miyata S, Fujita M, et al. A simple algorithm for localizing
accessory pathways in patients with Wolff-Parkinson-White syndrome using only the R/S ratio. J
Arrhythmia [Internet]. 2014; 30(6): 439–43. doi.org
Capítulo 20
Taquicardia Ventricular: Diagnóstico Diferencial
Com As Taquicardias Supraventriculares
Rogério Gomes de Almeida Neto | Adail Paixão Almeida | José Nunes de Alencar Neto
INTRODUÇÃO
Bem-vindos a mais um capítulo de critérios. Esse tem um gostinho especial, pois sabemos que mete medo
em muitos que possuem pouca experiência com ECG. Decorar critérios não é legal, sabemos disso. Portanto,
nosso intuito para este capítulo é apresentar ao leitor o racional desses critérios, a fim de que, ao final da
leitura, ele seja capaz de analisar sozinho, mesmo sem lembrar dos critérios, um ECG de taquicardia de
complexo QRS largo.
Na prática clínica, é usual e importante fazer uma avaliação de uma taquicardia com complexo QRS largo
(TCL), ou seja, aquelas que possuem um complexo QRS ≥ 120 ms, pois os tipos, tratamentos e prognósticos
são variáveis, além da possibilidade de danos irreparáveis se essas arritmias forem abordadas
inadequadamente. Há várias causas de TCL, mas a maioria delas (até 80%) ocorre por taquicardia ventricular
(TV), uma arritmia grave que pode levar à parada cardiorrespiratória (1). A grande questão está aí: e os
outros 20%? Bem, os outros 20% podem ocorrer por taquicardias supraventriculares (TSV) com condução
aberrante (15% dos casos) pelo retardo ou bloqueio no Sistema His-Purkinje (SHP), por bloqueios prévios ou
por condução através de uma via acessória típica ou atípica (a Figura 1 explica brevemente esses
mecanismos – não deixe de ler!). Em certas ocasiões de doenças cardíacas estruturais, como sobrecarga
ventricular esquerda, o atraso não se dá no SHP e sim nos miócitos, devido à desaceleração na condução
patológica. Causas mais raras de TCL são taquicardia associada a distúrbios hidroeletrolíticos ou uso de
drogas (antiarrítmicos das classes IA ou IC) (Tabela 1) (2–6).
As TSV não reentrante e reentrante com bloqueio de ramo possuem razão óbvia para o alargamento do complexo QRS. As TSV
(reentrantes ou não) com condução no sentido do átrio para o ventrículo ocorrendo exclusivamente pelas vias acessórias possuem
complexo QRS largo porque, ao ativar o ventrículo, o impulso encontrará células não especializadas em condução elétrica
(miócitos), atrasando a passagem intraventricular do impulso. A TSV reentrante conduzida por via acessória atípica gera QRS largo
porque possuem, na maioria dos casos, condução no sentido átrio-fascículo ou átrio-ventrículo, gerando, no primeiro caso, um QRS
largo por bloqueio funcional de ramo (o impulso entrou em um ramo ou fascículo específico, bloqueando os demais) ou, no segundo
caso, por condução intraventricular lenta por miócitos não especializados. Finalmente, a taquicardia ventricular gera complexo QRS
largo porque já se inicia em células não especializadas em condução, transmitindo seu impulso, lentamente, célula a célula.
Tabela 1 - Causas de taquicardias com complexo QRS largo
Causa Exemplo
Marca-passo ventricular.
Um paciente com TCL é sempre um cenário clínico difícil e desafiador. O médico que se encontra uma
situação como essa deve saber que esclarecimento do eletrocardiograma (ECG) não é tão importante
assim para o tratamento e prognóstico do paciente. Diante desse cenário a elucidação do traçado não deve
comprometer o tratamento, principalmente nos casos em que há instabilidade hemodinâmica. Porém, diante
da possibilidade, o diagnóstico preciso da causa da TCL (particularmente a distinção entre TV e TSV) exige
informações obtidas a partir da história clínica, exame físico, resposta a manobra vagal, e por fim, uma
inspeção minuciosa das características do eletrocardiograma, durante a taquicardia e se possível a
comparação com um ECG em ritmo sinusal (RS) (2). Tudo isso deve ser feito quando o paciente já estiver
estabilizado, com a vida salva. Para isso, recomendamos fortemente a leitura de Guidelines específicos sobre
o tema (7).
Idade
As TCL em pacientes com mais de 35 anos são, provavelmente, TV (valor preditivo positivo de até 85% e
sensibilidade de 92%). TSV é mais frequente em menores de 35 anos (valor preditivo positivo de 70%) (8).
Sintomas
A gravidade dos sintomas durante uma TCL está relacionada com a frequência cardíaca atingida, o foco
da arritmia e a presença de doença cardíaca estrutural, não sendo útil para determinar a causa da TCL. O
diagnóstico de TV ou TSV com base no quadro clínico pode levar a tratamento desastroso (9,10).
A presença de doença cardíaca estrutural, como a coronariopatia, especialmente com infarto prévio,
sugere fortemente TV como a causa do TCL com valor preditivo maior que 95% (6,11). Entretanto, é digno de
nota que em 10% das TV não há doença cardíaca subjacente (12,13). A estabilidade hemodinâmica não deve
ser um critério usado para diferenciação, pois uma proporção significante de pacientes com TV pode
apresentar estabilidade no momento da admissão seguida de degeneração do estado hemodinâmico.
Uso de Medicamentos
A TCL induzida por drogas mais comum é a Torsades de Pointes (TDP), e as principais drogas envolvidas
são o sotalol (classe III) e quinidina (classe IA) (15,16). Outras classes de drogas implicadas na TDP são:
antibioticos, psicotropicos e anti-histamínicos (17).
Exame Físico
O exame físico, incluindo a pressão arterial, nível de consciência, ausculta pulmonar e frequência
cardíaca, é importante para determinar a gravidade da instabilidade hemodinâmica do paciente (9). E, como
já enfatizado antes, em pacientes com comprometimento hemodinâmico significativo, a diferenciação entre
TV e TSV deve ser adiada, priorizando a intervenção terapêutica urgente.
A dissociação atrioventricular (AV) pode ser detectada como ondas “A em canhão”, consistindo de forte
pulsação jugular, refletindo a contração simultânea atrial e ventricular: a contração do átrio direito (AD) contra
a válvula tricúspide fechada produz, retrogradamente, um aumento transitório da pressão venosa jugular. A
presença de dissociação (AV) sugere fortemente TV, apesar de presente em apenas 30% dos pacientes com
TV. Teoricamente, no caso da TV, se há uma dissociação AV, o átrio estará, provavelmente, despolarizando a
uma frequência menor que o ventrículo. Sendo assim, as ondas P dissociadas (contração do átrio)
encontrarão o complexo QRS (contração do ventrículo) apenas às vezes, em alguns batimentos. O achado de
“ondas A em canhão” não deve ser encarado como definitivo de dissociação AV, já que (a) a dissociação em
si é incomum (30% dos casos), (b) o achado semiológico é incomum, de difícil visualização e alternante, (c)
as “ondas A em canhão” são ainda mais encontradas na taquicardia por reentrada nodal (TRN – uma
taquicardia supraventricular melhor descrita no capítulo 18) que se chama “sinal de frog” (18). Resumindo a
ópera, dissociação AV é um diagnóstico eletrocardiográfico, não semiológico. A variabilidade das bulhas
cardíacas, principalmente a 1ª bulha, é outro sinal sugestivo de TV (19).
O término da taquicardia após manobras vagais (Valsalva, Valsalva modificada ou compressão do seio
carotídeo) sugere fortemente TSV cujo mecanismo de reentrada depende do nó AV (capítulo 15). Em outras
situações, a diminuição da frequência cardíaca devido ao bloqueio do nó atrioventricular (NAV) pode revelar o
diagnóstico de taquicardia atrial (TA), fibrilação atrial (FA) e Flutter atrial (FLA), porque ao reduzir
momentaneamente a frequência, permite ao médico que evidencie alguma atividade atrial no ECG, como
ondas P, oscilação fina ou grosseira da linha de base e ondas F (6).
Manobras vagais, em geral, não afetam TV. Entretanto, TV com mecanismo de atividade deflagrada, como
a TV de via de saída, podem ser terminadas com essa manobra (20).
> 160 ms com padrão de BRE em V1 ou > 140 ms com padrão de BRD em V1 sugere TV.
Complexo QRS durante taquicardia que é mais estreito que durante o ritmo sinusal sugere TV.
Eixo “noroeste” (ou “terra de ninguém”, de – 90 a ± 180 graus) sugere fortemente TV.
Padrão de BRE com desvio de eixo para direita (para além de + 90 graus) sugere TV.
Um eixo que muda > 40º entre sinusal e taquicardia sugere TV.
Derivação V1 Derivação V6
Rs, Rr’ ou R larga (≥ 40 ms) sugere TV. R<S, QS ou QR ou R puro sugere TV.
Derivações V1 e V2 Derivação V6
Início do QRS até o nadir da onda S ≥ 70 ms sugere TV. Ausência de onda Q pode significar TSV.
Ondas P dissociadas.
Relação AV < 1.
Relação VA > 1.
Batimentos de fusão.
Batimentos de captura.
Antes de iniciarmos a nossa pequena viagem pelas nuances eletrofisiológicas das arritmias, o leitor deve
saber uma coisa: a maneira mais didática como dividimos as TCL a fim de analisá-la e diferenciá-la em dois
padrões: o padrão de bloqueio de ramo direito (BRD) e o padrão de bloqueio de ramo esquerdo (BRE). Isso
não significa que estamos afirmando que o doente tem um ou outro bloqueio de ramo. Significa que o
paciente possui em V1/V2 um padrão que lembra um ou outro bloqueio de ramo. Um padrão similar ao BRD
terá um complexo QRS com polaridade predominantemente positiva em V1; um padrão similar ao BRE terá
um complexo com polaridade predominantemente negativa em V1.
A determinação do padrão de bloqueio deve ser feita logo “de cara” porque auxilia na avaliação dos vários
componentes do ECG: duração, eixo e morfologia do QRS e sua concordância em precordiais.
Frequência Cardíaca
Não tem valor em distinguir TV de TSV. Ambas podem ser rápidas ou lentas, dependendo da etiologia.
Porém, quando a frequência é cerca de 150 batimentos por minuto, FLA com condução 2:1 deve ser
considerada (Capítulo 17).
Regularidade
A regularidade do ritmo da TCL não é útil para distinguir TV da TSV porque ambos são, na maioria dos
casos, regulares. Irregularidade acentuada sugere fortemente fibrilação atrial (FA), mas alguns casos de TV
podem ser irregulares devido a um possível mecanismo da existência de dois circuitos alternativos com istmo
comum (22).
A Duração do QRS
A velocidade de condução pelo SHP é maior que pelo músculo cardíaco. Dessa forma o início, o término e
a duração do complexo QRS são meios de avaliar a natureza da condução: sistema normal ou célula a
célula? Durante uma TSV que se apresenta como TCL, a condução inicial é realizada pelo SHP e é rápida
quando comparada à condução inicial feita pelo músculo cardíaco. A condução média e terminal é lenta em
virtude de bloqueio, atraso de ramo ou dos fascículos. Diferentemente, a TV tem a ativação inicial retardada
por se realizar miócito a miócito. Vou repetir com outras palavras: um atraso inicial sugere TV, um atraso
médio-final ou final sugere TSV com aberrância. Portanto, um intervalo do início do R (início do QRS) até o
nadir do S (metade do QRS) > 100 ms nas precordiais indica TV. (Figura 2)
Figura 2 - Numa taquicardia de complexo largo, a medida do intervalo entre o início da onda r até o nadir da onda S em
qualquer derivação precordial acima de 100 ms fala a favor do diagnóstico de taquicardia ventricular.
A duração desde o início do QRS até a primeira mudança da polaridade do complexo QRS em D2,
independente da deflexão se é positiva ou negativa, também ajuda na distinção. Um valor de corte de 50
milissegundos ou mais favorece TV, no índice que chamamos “Critério de Pava” ou “R wave peak time
criteria”, que obteve uma sensibilidade de 93,2% e uma especificidade de 99.3% (23). Se a avaliação do ECG
em ritmo sinusal (RS) prévio mostrar padrão de bloqueio de ramo idêntico ou semelhante ao da TCL,
provavelmente estamos diante de uma TSV.
Configuração de BRD com duração do QRS mais de 140 milissegundos e BRE com duração do QRS mais
de 160 milissegundos sugerem TV (24). Ou seja, a duração do QRS mais de 160 milissegundos é um forte
preditor de TV. De nota, um complexo QRS que é mais estreito na TCL do que no ritmo sinusal (RS)
sugere TV (25). No entanto, esse fato é raro, ocorrendo em menos de 1% das TV.
Raramente (4%), a TV pode se apresentar com um complexo QRS relativamente estreito, com duração
entre 120 e 140 milissegundos. Isto pode ser observado nas TVs com participação do SHP, como a TV
fascicular sensível ao verapamil apresentando-se com padrão de BRD e bloqueio divisional anterossuperior
(BDAS) – o leitor pode encontrar mais detalhes sobre essa arritmia no capítulo 21.
Eixo
O eixo durante uma taquicardia ventricular geralmente muda consideravelmente em relação ao eixo em
ritmo sinusal. Uma mudança maior que 40 graus é sugestiva de TV. A ativação septal inicial durante uma TSV
e posteriormente aberrada fogem do eixo a noroeste, então uma TCL com eixo entre -90º a ± 180º
provavelmente é TV (valor preditivo positivo > 95%) (19). Um clássico estudo do holandês Hein Wellens
demonstrou que se a TCL de um paciente tem padrão de BRD com eixo de QRS para a esquerda e acima de
-30º ou padrão de BRE e um eixo para a direita > +90º, provavelmente trata-se de uma TV (Figura 3) (26).
Cuidado deve ser tomado na associação de BRD e desvio de eixo para esquerda, visto que, diferente da
população holandesa, na população brasileira, a doença de Chagas ainda é vergonhosamente prevalente, a
associação de BRD e BDAS é comumente encontrada, não devendo ser utilizado na prática como critério
discriminador.
Figura 3 - Taquicardia ventricular em paciente que está em vigência de síndrome coronariana aguda. Observe que o seu
eixo está desviado para a “extrema-direita”: QRS em D1 e aVF negativos. Após a cardioversão elétrica, pôde ser observado
supradesnivelamento do segmento ST em derivações apicais.
Concordância precordial é quando os complexos QRS são todos positivos ou todos negativos nas seis
derivações precordiais (V1 a V6). A ativação pelo sistema normal de condução em ritmo sinusal ou TSV
apresenta os complexos QRS inicialmente negativos e progressivamente positivos nas derivações
precordiais. A presença de concordância sugere que a taquicardia tem origem ventricular e aponta o local de
origem: concordância positiva sugere ativação no sentido base-ápice no ventrículo esquerdo, com a onda
progredindo no sentido anterior do tórax do paciente, gerando complexos QRS positivos; enquanto a
concordância negativa indica direção ápice-base de VE. Concordância positiva é geralmente TV, mas esse
padrão pode ser observado TSV por taquicardia por reentrada atrioventricular (TRAV) antidrômica utilizando
via acessória localizada no anel mitral. Tem boa especificidade (>90%), porém baixa sensibilidade, pois
menos de 20% das TV possuem concordância precordial (Figuras 4 e 5) (25).
Figura 4 - Concordância elétrica negativa nas derivações precordiais com complexo QS puro de V1 a V6.
Figura 5 - Concordância elétrica positiva nas derivações precordiais com complexo R puro de V1 a V6.
Dissociação Atrioventricular
Batimento de fusão: ocorre quando um batimento sinusal conduzido pelo SHP e um batimento
ventricular, proveniente da taquicardia, ativam simultaneamente o ventrículo por duas frentes de onda
diferentes. O resultado é um complexo QRS com morfologia intermediária entre o batimento normal e o da
taquicardia. Deve-se atentar para a possibilidade de ectopias ventriculares durante uma TSV com aberrância
reproduzirem batimentos com complexo QRS distintos aos da taquicardia e confundir com batimento de fusão
(6).
Batimento de captura: em presença de TV lenta, uma frente de onda proveniente do átrio pode causar
despolarização ventricular através do sistema de condução normal, originando um complexo QRS idêntico ao
complexo QRS sinusal (28).
Fusão e capturas são mais comumente vistos quando a frequência da taquicardia é mais lenta, pois o
ventrículo e o sistema de condução não estão em período refratário. Esses batimentos não alteram a
frequência da TV, apesar de alterar os intervalos RR precedentes e subsequentes (Figuras 6 e 7).
Figura 6 - Uma TV com batimento de captura flagrado em V1 a V3. Observe um complexo QRS normal precoce no ECG.
Morfologia do QRS
No paciente com TCL e QRS com padrão de BRD ou duração ampla do R (> 40 ms) em V1 favorece TV.
Já um complexo trifásico (RSR’, rSr’, ou rSR’) em V1, favorece TSV, pois r pequeno indica despolarização
septal e R indica ativação posterior do ventrículo.
Entretanto, uma onda R de duplo pico em V1 favorece TV se o primeiro pico é mais amplo que o segundo
(Rsr’, sinal de orelha de coelho ou “rabbit ear sign” – Figura 8) (11,29). Na literatura, o achado de um R
monofásico em V1 também aponta para TV, mas esse é mais um padrão comumente visto em ritmo sinusal
de pacientes chagásicos, perdendo a especificidade na população brasileira.
Figura 8 - Rabbit ear sign: acima, observamos um padrão de QRS em taquicardia do tipo rsR’ (ou rR’) semelhante ao
encontrado normalmente no bloqueio de ramo direito. Abaixo, observe que a primeira onda é mais alta que a primeira (Rsr’
ou Rr’), padrão não encontrado em bloqueio de ramo direito. Essa conformação de complexo QRS fala mais a favor de TV.
Na ativação normal de um BRD em V6 há um vetor de pequena voltagem da ativação do VD que origina
onda S. Na TCL por TSV esse vetor é retardado alargando a onda s, originando padrão Rs com razão R/S >1.
Na TV, os vetores de ativação do VD e parte do VE tem direção contrária a V6 levando a uma onda S > R
com padrões rS e QS (26).
No paciente com TCL e QRS, com padrão de BRE, uma onda R inicial maior que 40 ms, uma descida
lenta (intervalo de RS medido do início do complexo QRS até o ponto mais baixo da onda S de mais de 70
milissegundos), entalhe na onda S em V1 ou V2 favorece TV. Em V6, a presença de qualquer Q ou onda QS
favorece TV, ao passo que a ausência de onda Q em V6 favorece TSV (19,30) (Figura 9).
Agora que conhecemos e demonstramos o racional dos achados eletrocardiográficos que sugerem TV ou
TSV, apresentaremos os critérios que mais usamos na prática clínica: Brugada, Vereckei, Pava e Santos. A
tabela 3 resume seus perfis de acurácia diagnóstica (31).
Tabela 3 - Perfil de acurácia dos principais critérios de diferenciação entre TV e TSV (31).
Algoritmo Acurácia
Brugada 77,5%
Vereckei 71,9%
Pava 68,8%
Santos 73,8%
Em 1991, Brugada e cols. publicaram um algoritmo que consiste em quatro passos. Em primeiro lugar,
partindo do princípio de que as concordâncias positiva e negativa nas precordiais são sinais de TV, as
inspecionamos para detectar a presença ou ausência de um complexo de RS. Na ausência de complexo RS
em todas as precordiais, o diagnóstico de TV pode ser feito já que isso significa concordância (apenas
complexos R puros ou S puros servem para diagnóstico; complexos RS, rS, Rs, QRS, RsR´. rsR´ não
devem ser buscados). Em segundo lugar, se um complexo RS é identificado (ou seja, não há concordância), o
intervalo entre o início da onda R e o ponto mais baixo da onda S (que chamamos de “nadir”) é medido
(intervalo “R ao nadir da S”). Se o mais longo intervalo de RS é ≥ 100 ms, isso fala a favor de atraso inicial da
condução, característico da TV. Em terceiro lugar, se o maior intervalo RS for < que 100 ms, a presença de
dissociação AV deve ser investigada. A evidência de dissociação AV é quase patognomônica de TV (atenção:
quase), mas essa descoberta tem uma baixa sensibilidade. No quarto passo, não demostrando dissociação
AV, os critérios morfológicos são realizados. Nos critérios morfológicos, observamos se a arritmia tem um
padrão de BRE ou BRD em V1 e analisamos os dados já citados na seção “Morfologia do QRS” desse
mesmo capítulo (Figura 10).
Pava et al (23) publicaram um estudo utilizando o tempo medido na derivação D2 que vai do intervalo
entre o início do QRS e o pico ou nadir (pico para baixo) da onda inicial. Quando ≥ 50 ms, indica forte
possibilidade de TV e quando < 50 ms sugere o diagnóstico de TSV. Os autores relataram uma alta
sensibilidade (93,2%) e especificidade (99,3%), com VPP de 98,2%. (Figura 12)
Figura 12 - Taquicardia ventricular por critério de Pava. Quando o tempo do início até o pico da onda R em D2 é ≥ 50 ms, há
grande especificidade para o diagnóstico de taquicardia ventricular.
Observando apenas a polaridade do complexo QRS nas derivações D1, D2, V1 e V6, Santos pergunta
quantas delas possuem complexos predominantemente negativos. Se três ou quatro das quatro derivações
apresentam complexos negativos, deve tratar-se de TV. Se duas das quatro (contanto que D1 ou V6 estejam
incluídas) forem predominantemente negativas, deve ser TV (Figura 13).
Figura 13 - Taquicardia ventricular por critério de Santos. Observando as derivações D1, D2, V1 e V6, três delas são
predominantemente negativas: D1, D2 e V6.
Diferenciar TV e TSV por taquicardia por reentrada atrioventricular antidrômica ou TSV conduzida
exclusivamente por via uma via acessória, ou seja, das TSV pré-excitadas, é uma tarefa difícil porque a
ativação ventricular em ambas taquicardias acontece fora do sistema do normal de condução, gerando
atrasos iniciais e não finais, gerando complexos bizarros e não previsíveis (Figura 12). Como resultado,
algoritmos para TCL tendem a classificar erroneamente TSV com pré-excitação como TV. No entanto, pré-
excitação é uma causa rara de TCL (1 a 6%). Deve ser suspeitada em pacientes com via acessória já
conhecida ou paciente sem doença cardíaca estrutural que se apresenta com uma TCL. Um algoritmo foi
desenvolvido por Brugada e colegas (35) e consiste em três etapas. Em primeiro lugar, a polaridade dos
complexos QRS em V4 a V6 é definida como positiva ou negativa. Se negativa, o diagnóstico de TV pode ser
feito com 100% de especificidade, pois indicam origem anterior ou apical onde não inserem vias acessórias.
Em segundo lugar, se a polaridade do complexo QRS é positiva de V4 a V6 o ECG deve ser examinado
quanto à presença de um ou mais complexo qR nas precordiais de V2 a V6. Se um complexo qR for
identificado, TV pode ser diagnosticada com uma especificidade de 100%. Esse segundo critério se baseia
que a presença de complexo qR prediz doença estrutural. Terceiro, se o complexo qR estiver ausente,
procura-se dissociação AV. Se há mais complexos QRS do que as ondas P, a TV pode ser diagnosticada com
uma especificidade de 100%.
Se o ECG da TCL não apresentar quaisquer dessas características, o diagnóstico de TSV pré-excitada
deve ser considerado. Embora esse algoritmo tenha uma especificidade de 100% para TV, tem uma
sensibilidade de apenas 75% para diagnóstico da TSV pré-excitada quando as três etapas são respondidas
negativamente, isto é, 25% dos casos em que o teste dá negativo para TV, são, na verdade, TV (Figuras 14 e
15).
Figura 14 - Taquicardia por reentrada atrioventricular (TRAV) antidrômica por via acessória posterior esquerda
mimetizando uma TV.
REFERÊNCIAS
1. Koplan BA, Stevenson WG. Ventricular tachycardia and sudden cardiac death. Mayo Clin Proc
[Internet]. 2009 Mar;84(3):289–97. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/ pubmed/19252119
2. Miller JM DM. Differential diagnosis for wide QRS complex tachycardia. In: Zipes DP JJS, editor.
Cardiac electrophysiology From cell to bedside. 5th ed. Elsevier;2009. p. 823–30.
3. Issa Z, Miller JM, Zipes DP. Clinical Arrhythmology and Electrophysiology: A Companion to
Braunwald’s Heart Disease. Elsevier Health Sciences;2018. (Companion to Braunwald’s Heart
Disease).
4. Miller JM, Bhakta D, Scherschel JA YA. Approach to the patient with wide complex tachycardia. In:
Wolters Kluwer LW and W, editor. Electrophysiology The basics A companion guide for the cardiology
fellow during the EP rotation. Philadelphia, Baltimore, New York, London, Buenos Aires, Hong
Kong,Sidney, Tokyo;2010. p. 186–94.
5. Strauss DG. Differentiation between left bundle branch block and left ventricular hypertrophy:
implications for cardiac resynchronization therapy. J Electrocardiol., 2012;45(6):635–9.
6. Pellegrini CN, Scheinman MM. Clinical management of ventricular tachycardia. Curr Probl Cardiol.,
2010;35(9):453–504.
7. Al-Khatib SM, Stevenson WG, Ackerman MJ, Bryant WJ, Callans DJ, Curtis AB, et al. 2017 AHA/
ACC/HRS Guideline for Management of Patients With Ventricular Arrhythmias and the Prevention of
Sudden Cardiac Death. J Am Coll Cardiol., 2018;72(14):e91–220.
8. Baerman JM, Morady F, DiCarlo LAJ, de Buitleir M. Differentiation of ventricular tachycardia from
supraventricular tachycardia with aberration: value of the clinical history. Ann Emerg Med.,
1987;16(1):40–3.
9. Roberts-Thomson KC, Lau DH, Sanders P. The diagnosis and management of ventricular
arrhythmias. Nat Rev Cardiol., 2011;8:311.
10. Morady F, Baerman JM, DiCarlo LAJ, DeBuitleir M, Krol RB, Wahr DW. A prevalent misconception
regarding wide-complex tachycardias. JAMA., 1985;254(19):2790–2.
11. Alzand BSN, Crijns HJGM. Diagnostic criteria of broad QRS complex tachycardia: decades of
evolution. Eur Eur pacing, arrhythmias, Card Electrophysiol J Work groups Card pacing, arrhythmias,
Card Cell Electrophysiol Eur Soc Cardiol., 2011;13(4):465–72.
12. Wilber DJ JS. Ablation of idiopathic right ventricular tachycardia. In: Wilber DJ, Packer DL SW, editor.
Catheter ablation of cardiac arrhythmias. 3rd Editio; 2008. p. 279-97.
13. Zipes DP, Jalife J, Stevenson WG. Cardiac Electrophysiology: From Cell to Bedside. Elsevier;2017.
14. Valent S, Kelly P. Digoxin-Induced Bidirectional Ventricular Tachycardia. N Engl J Med [Internet].
1997;336(8):550. doi.org
15. Raehl CL, Patel AK, LeRoy M. Drug-induced torsade de pointes. Clin Pharm., 1985;4(6):675–90.
16. Arstall MA, Hii JT, Lehman RG, Horowitz JD. Sotalol-induced torsade de pointes: management with
magnesium infusion. Postgrad Med J [Internet]. 1992;68(798):289–90. ncbi.nlm.nih.gov
17. Yap YG, Camm AJ. Drug induced QT prolongation and torsades de pointes. Heart [Internet].
2003;89(11):1363 LP – 1372. heart.bmj.com
18. Contreras-Valdes FM, Josephson ME. “Frog Sign” in Atrioventricular Nodal Reentrant Tachycardia. N
Engl J Med [Internet]. 2016;374(15):e17. doi.org
19. Issa F, Miller JM ZD. Approach to wide QRS complex tachycardias. In: Issa F, Miller JM ZD, editor.
Clinical arrhythmology and electrophysiology. 2. ed. 2012. p. 499–511.
20. Yamawake N, Nishizaki M, Hayashi T, Niki S, Maeda S, Tanaka Y, et al. Autonomic and
pharmacological responses of idiopathic ventricular tachycardia arising from the left ventricular
outflow tract. J Cardiovasc Electrophysiol, 2007;18(11):1161–6.
21. Vereckei A. Current Algorithms for the Diagnosis of wide QRS Complex Tachycardias. Curr Cardiol
Rev [Internet]. 2014;10(3):262–76. ncbi.nlm.nih.gov
22. Oreto G, Satullo G, Luzza F, Donato A, Scimone IM, Cavalli A. Irregular ventricular tachycardia: a
possible manifestation of longitudinal dissociation within the reentry pathway. Am Heart J.,
1992;124(6):1506–11.
23. Pava LF, Perafan P, Badiel M, Arango JJ, Mont L, Morillo CA, et al. R-wave peak time at DII: a new
criterion for differentiating between wide complex QRS tachycardias. Hear Rhythm., 2010;7(7):922–6.
24. Akhtar M, Shenasa M, Jazayeri M, Caceres J, Tchou PJ. Wide QRS complex tachycardia.
Reappraisal of a common clinical problem. Ann Intern Med., 1988;109(11):905–12.
25. Wellens HJ. Electrophysiology: Ventricular tachycardia: diagnosis of broad QRS complex tachycardia.
Heart., 2001;86(5):579–85.
26. Wellens HJ, Bar FW, Lie KI. The value of the electrocardiogram in the differential diagnosis of a
tachycardia with a widened QRS complex. Am J Med., 1978;64(1):27–33.
27. Bakker ALM, Nijkerk G, Groenemeijer BE, Waalewijn RA, Koomen EM, Braam RL, et al. The Lewis
lead: making recognition of P waves easy during wide QRS complex tachycardia. Circulation.,
2009;119(24):e592-3.
28. Benito B, Josephson ME. Ventricular tachycardia in coronary artery disease. Rev Esp Cardiol (Engl
Ed)., 2012;65(10):939–55.
29. Wilkins W and. Marriott HJL. Practical electrocardiography. 7th Editio. Baltimore/London;1983. 190–
210 p.
30. Swanick EJ, LaCamera FJ, Marriott HJ. Morphologic features of right ventricular ectopic beats. Am J
Cardiol., 1972;30(8):888–91.
31. Jastrzebski M, Kukla P, Czarnecka D, Kawecka-Jaszcz K. Comparison of five electrocardiographic
methods for differentiation of wide QRS-complex tachycardias. Eur Eur pacing, arrhythmias, Card
Electrophysiol J Work groups Card pacing, arrhythmias, Card Cell Electrophysiol Eur Soc Cardiol.,
2012;14(8):1165–71.
32. Brugada P, Brugada J, Mont L, Smeets J, Andries EW. A new approach to the differential diagnosis of
a regular tachycardia with a wide QRS complex. Circulation [Internet]. 1991;83(5):1649 LP – 1659.
circ.ahajournals.org
33. Vereckei A, Duray G, Szenasi G, Altemose GT, Miller JM. New algorithm using only lead aVR for
differential diagnosis of wide QRS complex tachycardia. Hear Rhythm., 2008;5(1):89–98.
34. Santos Neto F. Análise de um novo critério de interpretação no diagnóstico diferencial das
taquicardias de complexo QRS largo. Universidade de São Paulo;2015.
35. Antunes E, Brugada J, Steurer G, Andries E, Brugada P. The differential diagnosis of a regular
tachycardia with a wide QRS complex on the 12-lead ECG: ventricular tachycardia, supraventricular
tachycardia with aberrant intraventricular conduction, and supraventricular tachycardia with
anterograde conduction over an accessory pathway. Pacing Clin Electrophysiol., 1994;17(9):1515–24.
Capítulo 21
Arritmias Ventriculares
José Nunes de Alencar Neto | Helbert Pereira Tomé
INTRODUÇÃO
No capítulo anterior, você aprendeu diversas maneiras pra tentar diferenciar uma taquicardia de complexo
QRS largo em sendo ventricular ou supraventricular com aberrância/bloqueio de ramo. Neste capítulo, vamos
partir do pressuposto que a arritmia de complexo largo é uma taquicardia ventricular (TV). E, baseado nos
achados eletrocardiográficos da taquicardia, do ritmo sinusal, ou da história clínica do doente, vamos tentar
decifrar exatamente qual TV esse paciente possui.
Vamos falar da TV estrutural, reentrante, que acomete pacientes com fibrose ventricular, e a TV ramo a
ramo que acomete pacientes com cardiomiopatia dilatada e bloqueio de ramo prévio; e das TVs do coração
normal: TV fascicular e de músculo papilar; TV de via de saída.
Sendo assim, o primeiro dado diagnóstico na diferenciação do tipo específico de TV é: o paciente possui
coração estruturalmente normal ou doente?
TVS ESTRUTURAIS
Vamos chamar de TV estrutural aquela relacionada a doenças do miocárdio com substituição de miócitos
por fibrose. O tecido fibrótico está presente em paciente pós-infarto agudo do miocárdio (IAM), doença de
Chagas, displasia arritmogênica do ventrículo direito (DAVD), sarcoidose, cardiomiopatia hipertrófica (CMP-h),
pós-operatórios de doenças congênitas ventriculares, ou miocardites no geral. Como isso acontece? Tecido
denso de fibrose cria áreas de bloqueio de condução e, dentro desse tecido, pode haver áreas de condução
lenta. Quando o impulso elétrico chega àquela zona, ela, então, ganha esse “atalho” lento de condução e, ao
sair dele, encontra o ventrículo já repolarizado (Figura 1).
Figura 1 - Fisiopatologia da taquicardia ventricular monomórfica sustentada (TVMS) reentrante em casos de doença
estrutural com fibrose (no exemplo acima, por infarto prévio)
Perceba que na zona de borda da fibrose densa existe tecido fibrótico heterogêneo entremeado por tecido sadio de condução lenta.
O impulso que chega a essa região (1) começa a ser conduzido lentamente através desses “atalhos” (3 e 4) chegando até 6, onde
houve colisão com a onda 2. Nesse ponto, como houve colisão de impulsos, elas se neutralizaram e uma TVMS não se iniciou. No
entanto, em 5, o estímulo conseguiu deixar a área doente e ganhar o ventrículo. Se os miócitos sadios já estiverem repolarizados a
esse ponto, esse novo impulso (5) vai se transformar no impulso 1 e começar novamente todo o processo, finalizando em 5
novamente. Uma TVMS se iniciou.
Ó
PÓS-IAM
Responsável por até 80% dos casos de taquicardia ventricular monomórfica sustentada (TVMS) (1). O seu
mecanismo já foi explicado na Figura 1.
É importante lembrar que a isquemia aguda que ocorre em casos de insuficiência coronária ou oclusão
aguda gera taquicardia ventricular polimórfica sustentada (TVPS). Uma TVMS não acompanhada de outros
comemorativos de infarto agudo, portanto, não deve ter a isquemia como parte do leque diagnóstico (2–5).
O mecanismo pelo qual isso acontece será descrito a seguir: a isquemia aguda abre canais IKATP e
causa acidose e hipóxia tecidual. Esse aumento no pool de potássio celular aumenta a excitabilidade de
tecidos de Purkinke. Anormalidades da homeostase do cálcio intracelular ocorrem já nos primeiros minutos
que se seguem ao início da isquemia. Essas alterações são diversas em diferentes tecidos cardíacos: o
epicárdio sofre antes do endocárdio, resultando em dispersão de repolarização, o ambiente perfeito para um
circuito de reentrada funcional (6).
ECG
As TVMS de um paciente pós-infarto podem ter diversas morfologias diferentes, dependendo da região de
saída do impulso da área de fibrose heterogênea. Na Figura 1, por exemplo, o impulso saiu por uma região
mais inferior do VE (portanto, o eixo da taquicardia deve ser superior, ou seja, negativa em D2, D3 e aVF). No
entanto, no mesmo paciente, esse impulso poderia, ao invés disso, tomar um caminho diferente e sair pela
região mais superior daquela zona heterogênea e teria (e teria, portanto, uma taquicardia de eixo
provavelmente inferior, ou seja, positiva em D2, D3 e aVF). Mesmo assim, o ECG é capaz de regionalizar o
ECG em áreas de 15 a 20 cm quadrados.
O ECG de uma TVMS em situações pós-IAM é um marcador da zona em que o impulso sai da área de
fibrose. Os princípios gerais para a localização dessa área são os seguintes:
Padrão do QRS em V1. Se o padrão lembrar um bloqueio de ramo direito (BRD), então temos uma
taquicardia originária do ventrículo esquerdo (VE), seja septo, seja parede livre. Se lembrar um bloqueio de
ramo esquerdo (BRE), então ela é proveniente do septo (maioria das vezes) ou do ventrículo direito (VD)
(quase nunca presente em doença arterial coronária, mas sim em casos de DAVD).
Duração do complexo QRS. TVs originadas do septo tendem a possuir um complexo QRS mais curto,
pois conseguem despolarizar os dois ventrículos mais rapidamente.
Eixo do QRS. Um eixo superior direito sugere uma TV apical, seja em septo, seja parede livre. Um eixo
inferior esquerdo sugere porções mais basais do septo ou da parede livre.
Concordância do QRS. TVs com concordância elétrica positiva em todas as derivações precordiais (ou
seja, R puro de V1 a V6) só podem vir da porção mais basal do ventrículo (via de saída, próximos aos ânulos
mitral ou aórtico ou no septo basal). TVs com concordância negativa surgem no ápice.
Presença de complexos QS. O padrão QS sugere que o vetor está fugindo daquela área. Portanto, um
complexo QRS do tipo QS em V2 a V4 sugere parede anterior, V4 a V5 sugere localização apical, etc.
O algoritmo mais utilizado até hoje nesse sentido é o algoritmo de Miller, correto em 93% de 110 TVs, e
está disposto na Figura 2 (7). Os padrões de progressão aos quais o algoritmo se refere estão dispostos na
figura 3 (7). O algoritmo de Kuchar foi desenvolvido através de marca-passamento do VE e testado em
seguida em 44 TVs, sendo correto em 75% dos casos (Figura 4) (8,9).
Figura 5 - TVMS em mulher de 72 anos com histórico de infarto prévio em região anterior. Pelo algoritmo de Kuchar está
localizado em região anterosseptal basal.
Figura 6 - TVMS em mulher de 51 anos com histórico de infarto prévio em região anterior.
Figura 7 - TVMS em homem de 69 anos com histórico de infarto prévio em região anterior.
CMP-H, Displasia, Sarcoidose E Chagas
Começando pela Cardiomiopatia Hipertrófica (CMP-H), é bom lembrar que essa patologia é a maior
causadora de morte súbita em jovens (< 35 anos), incluindo atletas competitivos (10). TVMS é rara, mas pode
ocorrer em pacientes com obstrução ou aneurismas apicais (11). O mais comum é a ocorrência de
taquicardias ventriculares polimórficas (12,13).
A arritmia ventricular da displasia arritmogênica do ventrículo direito (DAVD) será discutida no capítulo
25, mas adiantamos aqui que ela é usualmente monomórfica e pode se originar da base ou da via de saída
do VD, tendo um padrão de BRE associado a eixo inferior no plano frontal (caso se origine da via de saída) ou
eixo superior no plano frontal (caso se origine na base). Quando a TV se origina na via de saída, o ECG pode
lembrar bastante aquele da TV idiopática de via de saída do ventrículo direito (TV-VSVD), que é uma
arritmia ventricular de caráter benigno e será discutida logo mais. O diagnóstico diferencial é imperativo. Os
Critérios de Hoffmayer são uma ferramenta diagnóstica útil na diferenciação entre elas (Tabela 1 e Figura 8)
(14–16).
Tabela 1 - Critérios de Hoffmayer para diferenciação de TV idiopática de via de saída do VD e DAVD. Usar quando o
paciente apresentar taquicardia ventricular com padrão de BRE em V1 e eixo inferior. Uma pontuação ≥ 5 tem 83.3% de
sensibilidade e 100% de especificidade para o diagnóstico de DAVD. Adaptado de Hoffmayer (15).
Característica ECG Pontos
Sinusal
Taquicardia
Figura 8 - ECG de taquicardia com padrão de BRE em V1 e eixo superior (negativa em D2, D3 e aVF). Adaptado de José
Alencar (16).
A sarcoidose é um diagnóstico diferencial da DAVD e costuma acometer o VD, apresentando TVs com
diversos padrões em um mesmo paciente (17,18). Uma idade mais avançada na época de início de sintomas,
um padrão não familiar, doença concomitante do tecido de condução, disfunção do VE e acometimento do
septo são critérios clínicos que levam à suspeição dessa doença (19).
No caso da Doença de Chagas, a arritmia ventricular também ocorre devido à fibrose difusa, mas
especialmente epicárdica (70% dos casos) (20). Alguns critérios já foram propostos para diferenciar TV
epicárdica de TV endocárdica (9,21–24) (Tabela 2 e Figuras 9 e 10).
“Pseudo” onda delta ≥ 34 ms (medido do começo do complexo QRS até o início da deflexão rápida na mesma derivação) em
qualquer derivação.
Índice de deflexão máxima (MDI) ≥ 0,55 (medido do início do QRS até o pico da onda R mais precoce dividido pela duração do
maior QRS) em qualquer precordial.
Figura 9 - TVMS em mulher de 56 anos portadora de Doença de Chagas. A presença de padrão qR em D1 e o histórico
prévio fazem aventar a hipótese de TV epicárdica.
Figura 10 - Aplicação de critérios para TV epicárdica presentes na Tabela 2. Adaptado de Miller (9).
TV Ramo-a-ramo
A taquicardia por reentrada ramo a ramo (bundle-branch reentrant tachycardia) é um tipo específico de
taquicardia ventricular que ocorre por um circuito macrorreentrante que incorpora os ramos direito e esquerdo
como braços obrigatórios do circuito, conectando o tronco do feixe de His (proximal) ao miocárdio ventricular
(distal) (25).
Essa arritmia acomete principalmente os pacientes portadores de cardiomiopatia dilatada (em especial, os
de etiologia valvar e de etiologia indeterminada) com importante acometimento do sistema elétrico infra-
hissiano concomitante (lembrar que podemos ter o acometimento supra-hissiano ou do nó atrioventricular,
intra-hissiano e infra-hissiano). A manifestação eletrocardiográfica desse distúrbio de condução
intraventricular, comumente é a de um BRE avançado (3º grau) típico (com todos os critérios presentes
no capítulo 9). É importante salientar que quanto maior o grau de alentecimento da condução, ou seja, quanto
maior for a duração do complexo QRS, maior será a probabilidade de desenvolvimento desta taquiarritmia
(26).
Agora que já sabemos o perfil principal do paciente em que essa taquiarritmia pode se manifestar, também
é importante sabermos que podemos ter dois tipos de reentrada ramo a ramo, o tipo comum (encontrado na
grande maioria dos casos) e o tipo incomum, com apresentações eletrocardiográficas distintas.
No tipo comum, a ativação ventricular é feita pelo ramo direito (braço anterógrado do circuito reentrante)
e retorna pelo ramo esquerdo (braço retrógrado). Como resultado, observaremos uma taquicardia com padrão
de BRE (polaridade do QRS negativa em V1 e V2), pois a onda de ativação ventricular vai do ventrículo mais
anterior (direito) para o ventrículo mais posterior (esquerdo). Atenção: o padrão será de BRE avançado
porque o estímulo passará para o ventrículo exclusivamente pelo ramo direito, exatamente o que ocorre no
BRE de 3º grau. No tipo incomum, o circuito é exatamente o oposto, com a ativação ventricular sendo feita
pelo ramo esquerdo e o retorno ao sistema His-Purkinje pelo ramo direito (Figura 11) (26). Como você já deve
esperar, a resultante eletrocardiográfica será uma arritmia com padrão de BRD (polaridade do QRS positiva
em V1 e V2).
Figura 11 - Circuito macrorreentrante dos tipos comum e incomum (26). Reentrada Ramo a Ramo.
Seja qual for o tipo de apresentação, teremos algumas características sempre presentes e que elevarão
nosso grau de suspeição desta entidade:
(a) A ativação ventricular inicial sempre é rápida, pois diferente das taquicardias originadas no
miocárdio ventricular, longe do sistema especializado de condução, aqui o início da ativação é feito por um
dos ramos do sistema His-Purkinje. Isso quer dizer que alguns critérios presentes no capítulo 20 terão
acurácia limitada nessa arritmia.
(b) Como já foi dito, o BRE ou BRD dessa taquicardia costuma seguir os padrões típicos presentes nos
capítulos 8 e 9, pois a ativação é feita exclusivamente por um ou outro ramo, excluindo totalmente a ação do
ramo contralateral.
(c) A taquicardia por reentrada ramo a ramo tem por característica ser muito rápida, e frequentemente
culminar na deterioração clínica-hemodinâmica do paciente. A frequência cardíaca costuma estar na faixa
entre 200 e 300 bpm. Isso também ocorre pela velocidade de condução pelo sistema elétrico especializado.
Nas Figuras 12 e 13, trouxemos dois exemplos de taquicardia por reentrada ramo a ramo, do tipo comum,
responsável pela maioria dos casos, e onde queremos que seja focado sua atenção quanto a suspeita
eletrocardiográfica desta arritmia (27,28).
Figura 12 - Taquicardia por reentrada ramo a ramo, tipo comum – Taquicardia ventricular rápida (FC: 230bpm), padrão
típico de BRE, ativação inicial rápida, eixo de ativação ventricular preservado (27).
Figura 13 - A) Ritmo sinusal, com importante BAV de 1º grau e BRE. B) Taquicardia por reentrada ramo a ramo, tipo comum
- rápida taquicardia ventricular (FC: 200bpm), padrão de BRE, ativação inicial rápida e eixo de ativação preservado.
Adaptado de (28).
Nesse momento, você já deve ter entendido quando iremos pensar nessa entidade e quais as
características principais dela, mas você pode estar se perguntando qual a real importância desse
reconhecimento? Identificar a possibilidade de taquicardia por reentrada ramo a ramo pode resultar em uma
mudança de conduta desse paciente? A resposta é SIM!
A taquicardia por reentrada ramo a ramo é uma taquicardia potencialmente curável através da ablação.
Então, se tivermos a suspeita eletrocardiográfica dessa entidade, podemos encaminhar esse paciente para a
realização do estudo eletrofisiológico, exame confirmatório dessa arritmia. Assim, podemos oferecer o
tratamento de primeira linha para esses casos, através da ablação de um dos ramos, frequentemente o ramo
direito (29–31).
TV DE CORAÇÃO NORMAL
Até 10% das TVs ocorrem em pacientes com coração estruturalmente normal aos exames de imagem
(ecocardiograma e cateterismo cardíaco). Isso, no entanto, não quer dizer que o paciente não tenha doença
cardíaca. As canalopatias, que serão abordadas e revisadas no capítulo 24, são doenças que não afetam o
músculo cardíaco e possuem alterações primariamente eletrocardiográficas (32,33). As TVs que ocorrem em
corações estruturalmente normal são: TV fascicular, TV de músculo papilar e TV de via de saída ventricular.
As canalopatias do capítulo 24 (síndrome do QT longo e curto, Síndrome de Brugada, Síndrome da
Repolarização Precoce e a Taquicardia Ventricular Polimórfica Catecolaminérgica) cursam com arritmias
ventriculares polimórficas, que terão uma seção específica ao fim deste capítulo.
TV FASCICULAR
Descrita pela primeira vez por Zipes, em 1979, com características de ser uma arritmia com padrão de
BRD em V1 e desvio do eixo para esquerda (34). Belhassen demonstrou, em 1981, que essa mesma arritmia
poderia ser terminada com Verapamil (35). Desde então, o termo “taquicardia verapamil-sensível” tem sido
usado como sinônimo dessa arritmia. É uma arritmia de pacientes com coração normal que costuma ocorrer
em homens (60 – 70%) nas idades entre 15 – 40 anos (36,37).
Apesar de controversa, as melhores evidências sobre a fisiopatologia dessa arritmia apontam um circuito
de reentrada anatômica entre o sistema de Purkinje e uma área próxima de condução lenta. O impulso
elétrico passa anterogradamente por uma área de condução lenta dependente da corrente ICaL e ganha um
fascículo posteroinferior que possui dissociação longitudinal de fibras ou mesmo falsos tendões como alça
retrógrada (38). Hoje sabemos que a reentrada pode também ocorrer próximo ao fascículo anterossuperior.
Como o impulso ganha os miócitos ventriculares na região próxima a um ou outro fascículo, a arritmia ganha
um padrão eletrocardiográfico de bloqueio dos demais fascículos: ou terá padrão de BRD + bloqueio da
divisão anterossuperior (BDAS) em casos de arritmia em região próxima ao fascículo posteroinferior (mais
clássico); ou padrão de BRD + bloqueio da divisão posteroinferior (BDPI) em casos de arritmia em região
próxima ao fascículo anterossuperior (39) (Figura 14).
A: o braço anterógrado são células de Purkinje de condução lenta dependente da corrente ICaL em uma região próxima ao
fascículo posteroinferior e o braço retrógrado é o fascículo posteroinferior. Como a área ventricular ativada será muito similar à
ativação exclusiva do fascículo posteroinferior, o ECG terá uma característica de bloqueio dos demais fascículos: ramo direito e
fascículo anterossuperior do ramo esquerdo: ECG então terá um padrão de BRD + BDAS. B: o braço anterógrado são células de
Purkinje de condução lenta dependente da corrente ICaL em uma região próxima ao fascículo anterossuperior e o braço retrógrado
é o fascículo anterossuperior. Como a área ventricular ativada será muito similar à ativação exclusiva do fascículo anterossuperior, o
ECG terá uma característica de bloqueio dos demais fascículos: ramo direito e fascículo posteroinferior do ramo esquerdo: ECG
então terá um padrão de BRD + BDPI. FAS = fascículo anterossuperior; FPI = fascículo posteroinferior. Adaptada de Zipes (39).
ECG
Tem um padrão de BRD em V1 + BDAS (ou seja, positivo em V1 com desvio de eixo para esquerda no
plano frontal) ou BRD + BDPI (desvio de eixo para direita). A duração do QRS costuma ser de 140 – 150 ms
(Figura 15). Essa arritmia muitas vezes é confundida com taquicardia supraventricular com aberrância,
demonstrando altas taxas de erros nos critérios que você aprendeu no capítulo 20.
Figura 15 - TV Fascicular em jovem de 15 anos de idade sem doença cardíaca estrutural. Observe o padrão de BRD
clássico (rsR’) com desvio de eixo para esquerda e duração do complexo QRS < 150 ms.
TV De Músculo Papilar
É uma arritmia de corações normais que tem sua zona de saída no músculo papilar posterior e, pela
proximidade com o fascículo posteroinferior, tem um ECG similar ao da TV fascicular, sendo um dos seus
diagnósticos diferenciais. Um QRS que dura > 150 ms (S: 73%, E: 100%, VPP 100%, VPN 92%) e um padrão
qR em V1 (S: 60%, E: 83%, VPP 75%, VPN 71%) falam mais a favor de TV de músculo papilar em detrimento
de TV fascicular (40) (Figura 16). A tabela 3 demonstra o diagnóstico diferencial entre TV fascicular e TV de
músculo papilar.
Figura 16 - TV de Músculo Papilar. Observe que o padrão de BRD em V1 com desvio de eixo para esquerda. Em V1, temos
um padrão qR e os complexos QRS chegam a 155 ms. Esse paciente passou por estudo eletrofisiológico, que confirmou a
localização do foco.
Tabela 3 - Similaridades e diferenças entre TV fascicular com saída em região próxima ao fascículo posteroinferior e a TV
de músculo papilar posterior.
TV Fascicular posteroinferior TV de músculo papilar posterior
Duração do QRS entre 140 – 150 ms. Duração do QRS > 150 ms.
TV De Via De Saída
Essa arritmia costuma se apresentar mais como uma extrassistolia do que propriamente como uma TVMS
(quando se sustenta, pode se chamar taquicardia de Gallavardin) e tem um curso benigno (41). O
ecocardiograma desses pacientes é normal, e apenas a ressonância consegue demonstrar alterações focais
e sutis, como afinamento miocárdico (42). É importante lembrar que essa arritmia faz diagnóstico diferencial
com a DAVD cuja arritmia vem da via de saída e cujas alterações à ressonância têm um padrão mais difuso
de substituição fibrogordurosa (Capítulo 25). Reveja a Tabela 1 em que estão dispostos os critérios de
Hoffmayer para identificar a arritmia da DAVD em detrimento da TV idiopática de via de saída.
O mecanismo dessa arritmia é a sobrecarga de cálcio intracelular que aumenta a atividade da bomba
trocadora Na+/Ca2+ e leva ao aparecimento de pós-potenciais tardios. Isso ocorre secundário a um aumento
na ação do AMP cíclico (AMPc), que é um dos reguladores dos níveis intracelulares de cálcio. Como a
adenosina atua na proteína G inibidora e reduz a atividade do AMPc, essa arritmia, apesar de ventricular,
pode ser terminada por esse fármaco. É por essa razão que a TV de via de saída é também conhecida como
“taquicardia adenosina-sensível” (43).
A anatomia da via de saída ventricular é complexa e isso influencia diretamente no ECG dessa arritmia. A
TV de via de saída pode ser direita (TV-VSVD) ou esquerda (TV-VSVE). Vamos revisar os padrões de cada
uma e aprofundar em regiões anatômicas específicas que possuem padrões reconhecíveis.
ECG
O ECG da TV de via de saída é caracterizado classicamente como tendo um padrão de BRE + eixo
inferior. Realmente, as TV-VSVD se comportam dessa maneira. Entretanto, o que precisamos saber é que a
maioria das TV-VSVE também pode apresentar um ECG com padrão de BRE + eixo inferior. O achado
de um padrão de BRD + eixo inferior também pode significar TV de via de saída, só que nesse caso, será
com quase 100% de certeza uma TV-VSVE. Para diferenciar entre as vias de saída dos dois ventrículos e
para encontrar a localização exata da arritmia, vamos falar de alguns princípios gerais do ECG nessa região:
Padrão do QRS em V1. Como já foi citado no parágrafo anterior, um padrão de BRE pode denotar tanto
um foco direito como esquerdo. Já um padrão de BRD denota um foco esquerdo. A disposição das vias de
saída é: quanto mais posterior (ou seja, quanto mais longe de V1), mais esquerdo (Figura 17) (44).
Figura 18 - ECG demonstrando ectopia de via de saída. Perceba que a transição de R se dá em V3. Quando a transição
ocorre nessa derivação, não podemos afirmar se o foco é da via de saída direita ou esquerda. Mais cálculos e avaliações
serão necessários.
Figura 19 - Ectopia de via de saída. A transição de R só acontece em V4, o que fala muito a favor de localização direita.
Como temos notchs em várias derivações (D2, D3, aVR, aVL, aVF) e um QRS muito largo, a principal hipótese é que o foco
esteja localizado na parede livre da via de saída do VD.
Duração do QRS. Um complexo QRS mais largo e que contém notchs fala a favor de uma localização em
parede livre. Um QRS mais estreito fala a favor de localização septal (90% dos casos) (Figura 20).
Figura 21 - TV de via de saída. Perceba que em V1 temos os sinais de Ouyang: R > 30% da amplitude do QRS e R que dura
> 50% do QRS. TV de via de saída esquerda. A origem provável dessa ectopia é a cúspide coronária esquerda (vide texto
adiante).
Figura 22 - Extrassístole monomórfica isolada em mulher de 37 anos. Transição de R da ectopia em V3 (portanto, pode ser
direita ou esquerda). Sinais de Ouyang ausentes. Índice de Yoshida presente: SV2/RV3 = 0,44 (≤ 1,5 sugere foco à
esquerda). A origem provável dessa ectopia é cúspide coronária direita (vide adiante no texto).
Figura 23 - Algoritmo de Cheng usa V3R e V7 para definir se a taquicardia é proveniente da via de saída direita ou
esquerda.
Tabela 4 - Critérios que falam a favor de TV VSVE. Usar quando arritmia tiver padrão de BRE em V1 e eixo inferior em
paciente com coração normal.
Critérios
Caso a ectopia tenha R prevalente em uma derivação antes da transição do ritmo sinusal, índice (R/RS ectopia V2)/(R/RS sinusal
V2) ≥ 0,6.
Sinais de Ouyang: R > 30% da amplitude do QRS ou R que dura > 50% do QRS em V1.
Todas as vias de saída do VD têm padrão de BRE em V1 (rS ou QS). Para localização exata, devem-se
fazer duas perguntas: é anterior ou posterior? É septal ou lateral?
Para responder à primeira pergunta, o examinador deve observar a polaridade do complexo QRS em
D1. Como a via de saída do VD é mais esquerda que a via de saída do VE e está perpendicular ao plano
frontal, a porção mais anterior será negativa em D1, ao passo que a mais posterior será positiva em D1.
Para responder à segunda pergunta, o examinador deve lembrar da regra básica já citada: lateral tem um
QRS mais largo com notchs. Septal é muito mais comum (90%) (50).
A porção posterior da via de saída do VD tem importante relação anatômica com o feixe de His. Então, um
QRS positivo em D1 e positivo (ou em formato de W) em aVL pode denotar localização para-hissiana, um
marcador de insucesso em tentativas de ablação desse foco (51) (Figura 24).
Figura 24 - Localizações específicas das ectopias de VSVE e VSVD. Epi = epicárdio. CAM = continuidade aortomitral.
Jn.Cusp = junção das cúspides. CCE = cúspide coronária esquerda. CCD = cúspide coronária direita. AS = anterosseptal.
MS = mediosseptal. PS = posterosseptal. Livre = parede livre. His = feixe de His. Adaptado de Zipes (39).
A maioria das vias de saída do VE tem padrão de BRE em V1 (rS). Mas se é BRD, está confirmado: é
esquerdo e deve vir da continuidade aortomitral (que tem como característica mais específica um padrão qR
em V1) ou do ânulo mitral superior (52). Caso seja BRE, então, as opções são: cúspide coronária esquerda,
cúspide coronária direita, junção das cúspides coronárias e ainda epicárdica. Um padrão rS em D1 e um
padrão de M ou W em V1 falam mais a favor de cúspide coronária esquerda que direita, enquanto um Rs
com notchs em D1 fala a favor de cúspide coronária direita. A junção das cúspides apresenta um notch
inicial ou um padrão qrS em V1 ou V2 (53–55). A região epicárdica é marcada pela presença de um D1 com
padrão QS e um MDI (maximal deflection index) ≥ 0,55. O MDI se calcula dividindo o tempo até o pico da R
de qualquer precordial pela duração do QRS (56). Um padrão interessante é digno de nota é o chamado
“pattern break”, que significa redução da onda R da ectopia de V1 para V2 seguida por aumento da
amplitude da R em V3 e está associada a ectopias da região do Summit ventricular, uma região que fica no
topo do septo interventricular adjacente às coronárias descendente anterior e circunflexa. Esse local responde
por até 12% das TV-VSVE (Figura 24). A Tabela 5 resume os achados dos diferentes locais de via de saída. A
Figura 25 traz um fluxograma proposto para localização.
Direita
Parede livre BRE (QS ou rS) com complexo mais alargado e com notchs.
Esquerda
MDI ≥ 0,55 (tempo até pico da R/duração total do QRS em qualquer precordial).
Epicárdio Se Summit, “Pattern break” (R que reduz de tamanho de V1 e V2 e volta a crescer para
V3).
A TV polimórfica pode aparecer em pacientes com corações normais (síndrome do QT longo, uso de
drogas que alargam o QT, distúrbios hidroeletrolíticos, eventos cerebrais que produzem ondas T profundas
gigantes (58), etc.) ou estruturalmente afetados (Síndrome de Brugada, cardiomiopatia hipertrófica, isquemia
aguda, etc.). É definida como aquela que muda sua morfologia gradualmente a cada batimento (o protótipo
dessa arritmia é a Torsades de Pointes – TdP) (59). Descrita pela primeira vez em 1966 por Dessertenne
(Figura 26) (60), essa arritmia está muito presente nos pacientes com síndrome do QT longo e bradicardia
importante (bloqueios atrioventriculares). A TdP tem ciclos de polaridade gradualmente alternantes, de modo
que os picos dos complexos QRS dessa arritmia aparentam estar se “contorcendo” ao redor da linha de base
do ECG. O mecanismo clássico de iniciação dessa arritmia é através de uma sequência de ciclos cardíacos
do tipo curto – longo – curto (61). Isso ocorre porque o período refratário do miocárdio é dependente dos
ciclos que o precedem, principalmente o último. Devido a um ciclo longo, o período refratário miocárdico
aumenta, e ocorre um ciclo curto, que dá origem ao fenômeno R sobre T e inicia a TdP (Figura 27) (62).
Figura 26 - Imagem original da primeira descrição de um Torsades de Pointes publicada por Dessertenne em 1966 em uma
mulher de 80 anos com bloqueio atrioventricular total intermitente (60).
Figura 27 - Torsades de Pointes. Observe que antes da arritmia se iniciar, temos uma sequência de ciclos do tipo curto –
longo – curto, sendo que este último gera um fenômeno R sobre T. A arritmia então se inicia e gradativamente seu pico vai
mudando de polaridade, se contorcendo ao redor da linha de base do ECG.
TV pleomórfica é aquela em que o batimento é idêntico por vários batimentos e, de repente, muda sua
morfologia, permanecendo assim por vários batimentos, até retornar para a primeira, e assim
sucessivamente. A TV bidirecional dos casos de TV polimórfica catecolaminérgica (TVPC, Capítulo 24) e da
intoxicação digitálica são exemplos de TVs pleomórficas (Figura 28).
A fibrilação ventricular (FV) é um ritmo caótico de parada cardiorrespiratória e deve ser desfibrilado
imediatamente (Figuras 29 e 30). Tem uma frequência maior que 300/min e possui complexos QRS de
morfologias, durações e ciclos variáveis. Pode ocorrer em pacientes com coração estruturalmente normal
devido a uma canalopatias ou por FV idiopática, e, mais comumente, em pacientes de coração doente. O
flutter ventricular é uma arritmia ventricular monomórfica com complexos de mesma voltagem a uma
frequência entre 250 – 300 bpm (Figura 31). Muitas vezes degenera FV.
Figura 29 - Um ECG de 12 derivações que não deveria existir. Diante da atividade ventricular caótica, o médico precisa
desfibrilar o paciente imediatamente para em seguida iniciar manobras de compressão torácica. O tempo perdido na
gravação desse ECG é crucial para a sobrevida desse paciente.
Figura 30 - Mais um caso de um ECG que não deveria existir. Fibrilação ventricular em jovem de 14 anos.
REFERÊNCIAS
1. Issa ZF, Miller JM, Zipes DP. Clinical arrhythmology and electrophysiology. 2nd ed. Philadelphia, PA:
Elsevier;2012.
4. Gupta A, Harrington M, Albert CM, Bajaj NS, Hainer J, Morgan V, et al. Myocardial Scar But Not
Ischemia Is Associated With Defibrillator Shocks and Sudden Cardiac Death in Stable Patients With
Reduced Left Ventricular Ejection Fraction. JACC Clin Electrophysiol. United States., 2018;4(9):1200–
10.
5. Adgey AA, Devlin JE, Webb SW, Mulholland HC. Initiation of ventricular fibrillation outside hospital in
patients with acute ischaemic heart disease. Br Heart J [Internet]. 1982;47(1):55–61. ncbi.nlm.nih.gov
6. Luqman N, Sung RJ, Wang C-L, Kuo C-T. Myocardial ischemia and ventricular fibrillation:
pathophysiology and clinical implications. Int J Cardiol. Netherlands., 2007;119(3):283–90.
7. Miller JM, Marchlinski FE, Buxton AE, Josephson ME. Relationship between the 12-lead
electrocardiogram during ventricular tachycardia and endocardial site of origin in patients with
coronary artery disease. Circulation. United States., 1988;77(4):759–66.
8. Kuchar DL, Ruskin JN, Garan H. Electrocardiographic localization of the site of origin of ventricular
tachycardia in patients with prior myocardial infarction. J Am Coll Cardiol [Internet]. 1989;13(4):893–
900. sciencedirect.com
9. Miller JM, Jain R, Dandamudi G, Kambur TR. Electrocardiographic Localization of Ventricular
Tachycardia in Patients with Structural Heart Disease. Card Electrophysiol Clin [Internet]. Elsevier;
2017;9(1):1–10. doi.org
10. Maron BJ. Clinical Course and Management of Hypertrophic Cardiomyopathy. N Engl J Med
[Internet]. Massachusetts Medical Society., 2018;379(7):655–68. doi.org
11. Furushima H, Chinushi M, Iijima K, Sanada A, Izumi D, Hosaka Y, et al. Ventricular tachyarrhythmia
associated with hypertrophic cardiomyopathy: incidence, prognosis, and relation to type of
hypertrophy. J Cardiovasc Electrophysiol. United States., 2010;21(9):991–9.
12. Maron BJ, Shen WK, Link MS, Epstein AE, Almquist AK, Daubert JP, et al. Efficacy of implantable
cardioverter-defibrillators for the prevention of sudden death in patients with hypertrophic
cardiomyopathy. N Engl J Med. United States., 2000;342(6):365–73.
13. Maron BJ, Spirito P, Shen W-K, Haas TS, Formisano F, Link MS, et al. Implantable cardioverter-
defibrillators and prevention of sudden cardiac death in hypertrophic cardiomyopathy. JAMA. United
States., 2007;298(4):405–12.
14. Hoffmayer KS, MacHado ON, Marcus GM, Yang Y, Johnson CJ, Ermakov S, et al.
Electrocardiographic comparison of ventricular arrhythmias in patients with arrhythmogenic right
ventricular cardiomyopathy and right ventricular outflow tract tachycardia. J Am Coll Cardiol [Internet].
Elsevier Inc.; 2011;58(8):831–8. doi.org
15. Hoffmayer KS, Bhave PD, Marcus GM, James CA, Tichnell C, Chopra N, et al. An
electrocardiographic scoring system for distinguishing right ventricular outflow tract arrhythmias in
patients with arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy from idiopathic ventricular tachycardia.
Hear Rhythm [Internet]. Elsevier; 2013;10(4):477–82. doi.org
16. Alencar Neto JN de, Baranchuk A, Bayes-Genis A, Bayes de Luna A. Arrhythmogenic right ventricular
dysplasia/cardiomyopathy: an electrocardiogram-based review. Europace. England., 2018;20(FI1):f3–
12.
17. Furushima H, Chinushi M, Sugiura H, Kasai H, Washizuka T, Aizawa Y. Ventricular tachyarrhythmia
associated with cardiac sarcoidosis: its mechanisms and outcome. Clin Cardiol. United States.,
2004;27(4):217–22.
18. Koplan BA, Soejima K, Baughman K, Epstein LM, Stevenson WG. Refractory ventricular tachycardia
secondary to cardiac sarcoid: Electrophysiologic characteristics, mapping, and ablation. Hear Rhythm
[Internet]. 2006;3(8):924–9. sciencedirect.com
19. Philips B, Madhavan S, Cynthia A, te Riele A, Murray B, Tichnell C, et al. Arrhythmogenic Right
Ventricular Dysplasia/Cardiomyopathy and Cardiac Sarcoidosis. Circ Arrhythmia Electrophysiol
[Internet]. American Heart Association; 2014;7(2):230–6. doi.org
20. Rassi AJ, Rassi A, Marin-Neto JA. Chagas disease. Lancet (London, England). England.,
2010;375(9723):1388–402.
24. Bazan V, Bala R, Garcia FC, Sussman JS, Gerstenfeld EP, Dixit S, et al. Twelve-lead ECG features to
identify ventricular tachycardia arising from the epicardial right ventricle. Hear Rhythm [Internet].
2006;3(10):1132–9. sciencedirect.com
25. Issa Z, Miller J, Zipes D. Clinical Arrhythmology and Electrophysiology: A Companion to Braunwald’s
Heart Disease: Third Edition. Elsevier Inc. 2019. 1120 p.
26. Tomé H. Taquicardia por reentrada ramo a ramo. Rev Latino-Americana Arritm e Estimul cardíaca.,
2018;31(2):62–6.
27. Füller M, Reithmann C, Becker A, Remp T, Kment A, Steinbeck G. Bundle branch reentrant
tachycardia in a patient with a calcified bicuspid aortic valve and normal ventricular function. Clin Res
Cardiol., 2006;95(3):168–73.
28. Singh G, Lahiri MK, Khan A, Schuger CD. Bundle branch reentrant ventricular tachycardia after
transcatheter aortic valve replacement. Hear Case Reports. Elsevier Inc., 2017;3(3):177–85.
29. Al-Khatib SM, Stevenson WG, Ackerman MJ, Bryant WJ, Callans DJ, Curtis AB, et al. 2017 AHA/
ACC/HRS Guideline for Management of Patients With Ventricular Arrhythmias and the Prevention of
Sudden Cardiac Death. J Am Coll Cardiol., 2018;72(14):e91–220.
30. Kusumoto FM, Calkins H, Boehmer J, Buxton AE, Chung MK, Gold MR, et al. HRS/ACC/AHA expert
consensus statement on the use of implantable cardioverter-defibrillator therapy in patients who are
not included or not well represented in clinical trials. J Am Coll Cardiol., 2014;64(11):1143–77.
31. Priori SG, Blomström-Lundqvist C, Mazzanti A, Blom N, Borggrefe M, Camm J, et al. 2015 ESC
Guidelines for the management of patients with ventricular arrhythmias and the prevention of sudden
cardiac deathThe Task Force for the Management of Patients with Ventricular Arrhythmias and the
Prevention of Sudden Cardiac Death of the European. Eur Heart J [Internet]. 2015;36(41):2793–867.
doi.org
32. Klein LS, Shih HT, Hackett FK, Zipes DP, Miles WM. Radiofrequency catheter ablation of ventricular
tachycardia in patients without structural heart disease. Circulation. United States., 1992;85(5):1666–
74.
33. Miles WM. Idiopathic ventricular outflow tract tachycardia: where does it originate? Journal of
cardiovascular electrophysiology. United States;2001. p. 536–7.
34. Zipes DP, Foster PR, Troup PJ, Pedersen DH. Atrial induction of ventricular tachycardia: reentry
versus triggered automaticity. Am J Cardiol. United States., 1979;44(1):1–8.
35. Belhassen B, Rotmensch HH, Laniado S. Response of recurrent sustained ventricular tachycardia to
verapamil. Br Heart J. England., 1981;46(6):679–82.
36. Ward DE, Nathan AW, Camm AJ. Fascicular tachycardia sensitive to calcium antagonists. Eur Heart
J. England., 1984;5(11):896–905.
37. Ohe T, Aihara N, Kamakura S, Kurita T, Shimizu W, Shimomura K. Long-term outcome of verapamil-
sensitive sustained left ventricular tachycardia in patients without structural heart disease. J Am Coll
Cardiol. United States., 1995;25(1):54–8.
38. Nogami A, Naito S, Tada H, Taniguchi K, Okamoto Y, Nishimura S, et al. Demonstration of diastolic
and presystolic Purkinje potentials as critical potentials in a macroreentry circuit of verapamil-sensitive
idiopathic left ventricular tachycardia. J Am Coll Cardiol. United States., 2000;36(3):811–23.
39. Zipes DP, Jalife J, StevensonWG. Cardiac electrophysiology: from cell to bedside. 7th ed.
Elsevier;2013.
40. Kawamura M, Hsu JC, Vedantham V, Marcus GM, Hsia HH, Gerstenfeld EP, et al. Clinical and
electrocardiographic characteristics of idiopathic ventricular arrhythmias with right bundle branch
block and superior axis: Comparison of apical crux area and posterior septal left ventricle. Hear
Rhythm. United States., 2015;12(6):1137–44.
41. Gallavardin L. Extrasystolie ventriculaire a paroxysmes tachycardiques prolonges. Arch Mal Coeur.,
1922;15:298–306.
42. Carlson MD, White RD, Trohman RG, Adler LP, Biblo LA, Merkatz KA, et al. Right ventricular outflow
tract ventricular tachycardia: detection of previously unrecognized anatomic abnormalities using cine
magnetic resonance imaging. J Am Coll Cardiol. United States., 1994;24(3):720–7.
43. Lerman BB, Belardinelli L, West GA, Berne RM, DiMarco JP. Adenosine-sensitive ventricular
tachycardia: evidence suggesting cyclic AMP-mediated triggered activity. Circulation. United States.,
1986;74(2):270–80.
44. Prystowsky EN, Padanilam BJ, Joshi S, Fogel RI. Ventricular arrhythmias in the absence of structural
heart disease. J Am Coll Cardiol. United States., 2012;59(20):1733–44.
45. Tanner H, Hindricks G, Schirdewahn P, Kobza R, Dorszewski A, Piorkowski C, et al. Outflow tract
tachycardia with R/S transition in lead V3: six different anatomic approaches for successful ablation. J
Am Coll Cardiol. United States., 2005;45(3):418–23.
46. Betensky BP, Park RE, Marchlinski FE, Hutchinson MD, Garcia FC, Dixit S, et al. The V(2) transition
ratio: a new electrocardiographic criterion for distinguishing left from right ventricular outflow tract
tachycardia origin. J Am Coll Cardiol. United States., 2011;57(22):2255–62.
47. Ouyang F, Fotuhi P, Ho SY, Hebe J, Volkmer M, Goya M, et al. Repetitive monomorphic ventricular
tachycardia originating from the aortic sinus cusp: electrocardiographic characterization for guiding
catheter ablation. J Am Coll Cardiol. United States., 2002;39(3):500–8.
48. Yoshida N, Yamada T, McElderry HT, Inden Y, Shimano M, Murohara T, et al. A novel
electrocardiographic criterion for differentiating a left from right ventricular outflow tract tachycardia
origin: the V2S/V3R index. J Cardiovasc Electrophysiol. United States., 2014;25(7):747–53.
49. Cheng D, Ju W, Zhu L, Chen K, Zhang F, Chen H, et al. V3R/V7 Index. Circ Arrhythmia Electrophysiol
[Internet]. American Heart Association., 2018;11(11):e006243. doi.org
50. Dixit S, Gerstenfeld EP, Callans DJ, Marchlinski FE. Electrocardiographic patterns of superior right
ventricular outflow tract tachycardias: distinguishing septal and free-wall sites of origin. J Cardiovasc
Electrophysiol. United States., 2003;14(1):1–7.
51. Yamauchi Y, Aonuma K, Takahashi A, Sekiguchi Y, Hachiya H, Yokoyama Y, et al.
Electrocardiographic characteristics of repetitive monomorphic right ventricular tachycardia originating
near the His-bundle. J Cardiovasc Electrophysiol. United States., 2005;16(10):1041–8.
52. Shimoike E, Ohba Y, Yanagi N, Hiramatsu SI, Ueda N, Maruyama T, et al. Radiofrequency catheter
ablation of left ventricular outflow tract tachycardia: report of two cases. J Cardiovasc Electrophysiol.
United States., 1998;9(2):196–202.
53. Lin D, Ilkhanoff L, Gerstenfeld E, Dixit S, Beldner S, Bala R, et al. Twelve-lead electrocardiographic
characteristics of the aortic cusp region guided by intracardiac echocardiography and electroanatomic
mapping. Hear Rhythm. United States., 2008;5(5):663–9.
54. Yamada T, Yoshida N, Murakami Y, Okada T, Muto M, Murohara T, et al. Electrocardiographic
characteristics of ventricular arrhythmias originating from the junction of the left and right coronary
sinuses of Valsalva in the aorta: the activation pattern as a rationale for the electrocardiographic
characteristics. Hear Rhythm. United States., 2008;5(2):184–92.
55. Bala R, Garcia FC, Hutchinson MD, Gerstenfeld EP, Dhruvakumar S, Dixit S, et al.
Electrocardiographic and electrophysiologic features of ventricular arrhythmias originating from the
right/ left coronary cusp commissure. Hear Rhythm. United States., 2010;7(3):312–22.
56. Valles E, Bazan V, Marchlinski FE. ECG criteria to identify epicardial ventricular tachycardia in
nonischemic cardiomyopathy. Circ Arrhythm Electrophysiol. United States., 2010;3(1):63–71.
57. Hayashi T, Santangeli P, Pathak RK, Muser D, Liang JJ, Castro SA, et al. Outcomes of Catheter
Ablation of Idiopathic Outflow Tract Ventricular Arrhythmias With an R Wave Pattern Break in Lead
V2: A Distinct Clinical Entity. J Cardiovasc Electrophysiol. United States., 2017;28(5):504– 14.
58. Danenberg HD, Hasin Y. Polymorphic ventricular tachycardia and repolarization abnormalities
accompanying intracerebral hemorrhage. Circulation. United States., 2000;101(6):E81.
59. Choudhuri I, Pinninti M, Marwali MR, Sra J, Akhtar M. Polymorphic ventricular tachycardia-part I:
structural heart disease and acquired causes. Curr Probl Cardiol. United States., 2013;38(11):463–96.
60. Dessertenne F. Ventricular tachycardia with 2 variable opposing foci. Arch Mal Coeur Vaiss. France.,
1966;59(2):263–72.
61. Kay GN, Plumb VJ, Arciniegas JG, Henthorn RW, Waldo AL. Torsade de pointes: the long-short
initiating sequence and other clinical features: observations in 32 patients. J Am Coll Cardiol. United
States., 1983;2(5):806–17.
62. El-Sherif N, Caref EB, Chinushi M, Restivo M. Mechanism of arrhythmogenicity of the short– long
cardiac sequence that precedes ventricular tachyarrhythmias in the long QT syndrome. J Am Coll
Cardiol [Internet]. 1999;33(5):1415–23. sciencedirect.com
Capítulo 22
Arritmias Passivas I: Doenças Do Nó Sinusal
Saulo Rodrigo Ramalho de Moraes | José Nunes de Alencar Neto
INTRODUÇÃO
As arritmias passivas são aquelas em que, independente da frequência cardíaca, há alguma anormalidade
no automatismo ou bloqueio a nível do nó sinusal (NS) ou nó atrioventricular (AV) (1). Neste e no próximo
capítulo discutiremos as bradicardias relacionadas a patologias do NS. No próximo capítulo trataremos das
doenças do nó AV.
Identificado por Keith e Flack em 1907 (2), o nó sinusal é uma estrutura em formato de crescente situada
no epicárdio, na região entre a veia cava superior e o átrio direito. Ao contrário das clássicas descrições que
delimitam o nó sinusal como uma estrutura pequena, estudos eletrofisiológicos com mapeamento
eletroanatômico demonstram que o NS pode ser tão grande a ponto de se estender desde a veia cava
superior até a veia cava inferior (Figura 1) (3–5).
Figura 1 - O nó sinusal é uma estrutura presente no átrio direito, próximo à veia cava superior mas com terminações que
podem ser tão inferiores que chegam até as proximidades com a veia cava inferior. Esta é a estrutura responsável pela
formação dos estímulos cardíacos.
A doença do nó sinusal pode ocorrer por idade avançada do NS, em que há substituição do seu tecido por
tecido fibroso. Essa deposição de tecido fibroso pode ocorrer nas células circunvizinhas ao NS (na porção
atrial), quando também comumente se encontra coexistência de doença de condução AV – aliás, em até 50%
dos pacientes com doença do NS, há afecção concomitante do nó AV (7,8). Afecções agudas como
pericardite ou infarto do miocárdio na região do nó sinusal podem levar a quadros de doença do nó sinusal.
Outras causas comumente encontradas n afecção do impulso sinusal são: a forte influência autonômica
sofrida por essa região e o uso de drogas cardioinibidoras (Tabela 1) (9–12).
Bloqueio sinoatrial.
Incompetência cronotrópica.
Síndrome taquicardia-bradicardia.
Dissociação isorrítmica.
DOENÇA DO NÓ SINUSAL
A doença do nó sinusal (DNS), uma tradução da nomenclatura em inglês “sick sinus syndrome”, foi
descrita pela primeira vez por Lown e Ferrer em dois estudos independentes na década de 60 (13,14), e
descreve pacientes com disfunção crônica do NS. A síndrome engloba um espectro de diversas arritmias:
bradicardia sinusal inapropriada, pausa sinusal, bloqueio sinoatrial, síndrome taquicardia-bradicardia (Tabela
2) (15,16).
O principal responsável pela modulação da FC é o sistema nervoso autônomo que controla o ritmo dos
nossos batimentos de forma involuntária. A principal inervação do coração (em particular o nó sinusal e o nó
AV) provém de fibras com efeitos antagônicos: simpáticos e parassimpáticos. A estimulação simpática é
mediada pela secreção de catecolaminas (especialmente norepinefrina e epinefrina), levando ao aumento da
FC; já a estimulação parassimpática (cujo responsável é o nervo vago), leva a redução da FC (17). Portanto,
redução do tono simpático (causado por drogas como os beta-bloqueadores) ou o aumento do tônus vagal
(como o uso de digoxina) são exemplos de como o sistema nervoso autônomo pode ser responsável pela
bradicardia sinusal (Figura 2).
Condições que cursam bom bradicardia, sem alteração do nó sinusal: SAOS, hipotireoidismo, distúrbios eletrolíticos como
hipercalemia ou hipermagnesemia.
Drogas: digoxina, beta-bloqueadores, amiodarona, bloqueadores dos canais de cálcio, ivabradina, carbonato de lítio, entre
outros.
Síndromes de hipervagotonia: reações vagais, hipersensibilidade do seio carotídeo, bradicardia ictal (pós-crise epiléptica),
hipertensão intracraniana, reflexo de Bezold Jarisch e respiração de Cheyne Stokes na fase apneica.
Causas patológicas com disfunção do nó sinusal: infarto do miocárdio com isquemia do nó sinusal, degeneração do nó sinusal
pela idade, cardiopatias congênitas, doenças infiltrativas, processos inflamatórios e cirúrgicos.
O bigeminismo atrial oculto é um diagnostico diferencial importante de bradicardia sinusal (23). Neste
caso, as ondas P ectópicas se escondem dentro da onda T sendo que, eventualmente, podemos vê-las como
perturbações na onda T ou confundi-las com a onda U.
Pausa Sinusal
Definida como ausência transitória de onda P sinusal no ECG que pode durar desde segundos a minutos.
Chamamos de pausa quando temos um tempo maior que 3 segundos, na presença de ritmo sinusal. É uma
alteração eventualmente vista em Holter de 24h, especialmente durante o sono, não indicando
especificamente uma doença (24), podendo ser encontrada em jovens e atletas; além de idosos e pacientes
com Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) (25). A pausa sinusal pode levar ao aparecimento de
batimentos ou ritmos de escape descritos em uma futura seção desse mesmo capítulo. Também pode ocorrer
uma ausência completa de despolarização atrial (“silêncio atrial”), uma situação que leva a alto risco
tromboembólico (26).
Bloqueio Sinoatrial
Aqui, o achado eletrocardiográfico será relacionado à ausência de formação de ondas P. Não deve ser
confundido com o bloqueio atrioventricular (capítulo 23), onde ocorre ausência de passagem de condução
pelo nó AV, ou seja, onde há ondas P que não conduzem para o ventrículo.
O bloqueio sinoatrial (BSA) pode ser causado por defeito de automaticidade, condução do impulso ou
ambos (27). A distinção entre esses mecanismos só é possível em estudo eletrofisiológico invasivo. Os
achados eletrocardiográficos dos seus diferentes graus podem ser encontrados na Tabela 4.
Desde o nascimento do impulso sinusal até a geração da onda P, leva-se, de 45 a 125 ms (28,29). Este é
o tempo de condução sinoatrial (TCSA) normal dos seres humanos. No BSA de primeiro grau, o estímulo
sinusal atinge o átrio, porém com um atraso no TCSA. Essa alteração não pode ser observada pelo ECG
de superfície e tem pouca importância na prática clínica.
O BSA de 2º pode ser do tipo 1 (Wenckebach) ou tipo 2, mais comum (isto contrasta com o bloqueio
atrioventricular, em que o do tipo 1 é mais comum).
No BSA do 2º grau tipo Wenckebach, o ciclo gerado pelo nó sinusal é constante e o tempo de condução
sinoatrial (TCSA) aumenta progressivamente até ocorrer um bloqueio. No momento em que ocorre o
bloqueio, o estímulo não chega ao átrio e a onda P não é gerada no ECG. Os incrementos no TCSA são
progressivamente mais curtos, explicando o encurtamento progressivo dos intervalos PP e RR logo antes de
ocorrer a pausa. Por este motivo, PP pré-pausa deve ser menor que o PP pós-pausa (30). A pausa gerada
deve ser menor que o dobro do ciclo PP que a precede (Figura 3). O intervalo PR está inalterado, já que o
nó AV se encontra íntegro.
Figura 3 - CS: ciclo sinusal; CSA: condução sinoatrial. Bloqueio sinoatrial de 2º grau tipo 1 (Wenckebach) com
periodicidade 5:4. O TCSA aumenta progressivamente. Perceba ainda os que os incrementos no TCSA vão
progressivamente reduzindo (80, 120, 140 e 150ms, explicando o encurtamento progressivo do PP e RR), até ocorrer um
bloqueio. O intervalo PR é constante.
O BSA tipo Wenckebach tem uma periodicidade de 3:2, 4:3, 5:4 etc. É importante mencionar que o grande
diagnóstico diferencial de BSA 3:2 é o bigeminismo atrial. A diferenciação pode ser bastante difícil, porém
algumas dicas ajudam a nos fazer pensar em bigeminismo atrial: O encurtamento progressivo do ciclo RR nos
faz pensar em BSA, enquanto o intervalo RR pós-pausa semelhante ao intervalo da pausa favorece o
diagnóstico de bigeminismo. A ocorrência de ondas P’ diferente do sinusal e a presença de aberrância de
condução (QRS diferente do sinusal, sendo a forma mais comum é a de BRD), indicam a presença de
bigeminismo atrial. Quando o bigeminismo é proveniente da região parasinusal, a dificuldade de diferenciação
se torna ainda maior, tendo em vista a semelhança com a onda P sinusal.
No BSA do 2º grau tipo 2, não há alteração no ciclo PP antes ou após a pausa, que por sua vez é
múltipla do PP ou RR (Figura 4). Há bloqueio súbito e intermitente na junção sinoatrial, porém pode ser
múltiplo do pulso sinusal presumido 2:1, 3:1, 4:1.
Figura 4 - Bloqueio sinoatrial de 2º grau tipo 2. O ciclo PP antes e após a pausa é semelhante, e a pausa é múltipla do
intervalo PP.
Nesse caso, ocorre bloqueio completo na junção sinoatrial com ausência total de formação de ondas P,
ou seja, uma pausa sinusal. O estímulo é formado, porém não sai do nó sinusal. Com isso, pode haver um
ritmo de escape de outro foco hierarquicamente inferior ou um silêncio atrial.
Incompetência Cronotrópica
É a incapacidade de elevar a frequência cardíaca durante o esforço físico em relação ao esperado para a
idade, que é inadequada para atender à demanda metabólica, podendo causar sintomas como fadiga e falta
de ar. A definição mais utilizada na literatura é a falência em se atingir 85% da reserva de FC esperada,
calculada pela diferença entre a FC máxima prevista pela idade (220 – idade) (31) e a FC de repouso. O
percentual da reserva de FC esperada é obtido pela razão entre a FC demonstrada no esforço físico e a
predita pela idade. Embora seja uma definição controversa, há ainda outras formas de se calcular a FC
esperada, porém nenhuma delas é considerada como “ideal”, sendo o mais importante a avaliação clínica
individualizada e não somente a forma como obtemos FC esperada (32).
Síndrome Taquicardia-bradicardia
Observada em até 76% dos pacientes com DNS (33), é uma síndrome representada no ECG por
bradicardia sinusal, escape atrial ectópico bradicárdico ou pausa sinusal que ocorre após períodos de
taquicardia atrial, fibrilação atrial ou flutter atrial, havendo intermitência entre esses ritmos (34).
Ocorre provavelmente por fibrose sinusal, atrial e juncional avançadas. A taquicardia inibe
temporariamente a automaticidade do NS e, após o término da taquicardia, pausas sinusais de variadas
durações podem ocorrer. Essa inibição ocorre por esgotamento (“overdrive supression”) que pode resultar em
uma pausa prolongada pós-conversão, quando a arritmia atrial termina. Essas pausas ou ritmos bradicárdicos
são uma causa importante causa de síncope, podendo ser exacerbadas com o uso de drogas antiarrítmicas.
Definida como despolarização atrial (proveniente do nó sinusal ou atrial ectópico) mais lenta que a
despolarização ventricular (proveniente do nó AV, His ou algum sítio ventricular), de modo que a onda P caia,
caprichosamente, dentro do complexo QRS. Para que isso ocorra, deve haver condução ausência de
condução ventrículo-atrial (Figura 5).
Os primeiros três batimentos são provenientes de um escape juncional com QRS alargado devido a um bloqueio de ramo direito de
base. A onda P está isorrítmica ao complexo QRS, caindo em sua porção final e levando ao aparecimento de uma onda R’ ampla
em V3 e ao desaparecimento de uma onda S em V4 (lembre-se que a P sinusal é positiva nessas derivações, portanto dá deflexões
positivas quando inscrita caprichosamente dentro do complexo QRS). Na sequência, o ritmo sinusal volta a assumir (ver a presença
da onda P), reduzindo-se a amplitude dessa onda R’ em V3 e surgindo uma onda S em V4.
Reflexo De Bezold-jarisch
Inicialmente descrita em 1867 por Bezold e Hirt (36), posteriormente confirmada por Jarisch (37). É um
epônimo para uma tríade de respostas (apneia, bradicardia e hipotensão). Consiste em estimulação
farmacológica ou química de receptores cardiopulmonares. O reflexo se dá a partir de quimiorreceptores que
têm como vias aferente e eferente o nervo vago, produzindo bradicardia sinusal e hipotensão, podendo
ocorrer sialorreia e broncoespasmo. É um reflexo comumente descrito no infarto inferior, ocorrendo em até um
terço dos casos.
Arritmia Sinusal
De forma hierárquica, o NS é o nosso marca-passo natural. Quando há falência (DNS), algum outro
marca-passo de menor patente deve assumir o ritmo cardíaco com um batimento ou como um ritmo de
escape sustentado (principalmente quando há parada sinusal). Os ritmos de escape podem ter origem a partir
de células atriais (~ 60 – 80 bpm), células do nó AV (~ 35 – 60 bpm), células do sistema His-Purkinje (~ 25 –
35 bpm) e miócitos ventriculares (≤ 25 – 35 bpm).
Os ritmos de escape atrial são caracterizados pela presença de ondas P não sinusais (chamados de ritmo
atrial ectópico). Podem estar localizados em qualquer parte dos átrios. A morfologia da onda P nas diferentes
derivações pode ajudar o médico a estimar o local de origem desse foco de acordo com os critérios discutidos
no capítulo 16.
Já no escape juncional (ou nodal), átrios e ventrículos são comumente ativados quase que
simultaneamente, levando a relações entre ondas P e QRS que podem variar desde um intervalo PR curto,
uma onda P oculta dentro do complexo QRS ou uma P que vem logo após o complexo QRS, da mesma
forma como ocorre na taquicardia por reentrada nodal (ver capítulo 18). No escape juncional, os átrios são
ativados de retrogradamente, de baixo para cima, apresentando polaridade da onda P negativa em D2, D3 e
aVF e positiva em aVR, com complexo QRS que pode ser estreito (em caso de não haver bloqueio de ramo
de base) ou alargado (se houver bloqueio de ramo de base) (a Figura 5 também é um exemplo disso).
No batimento ou ritmo de escape fascicular ou idioventricular, o complexo QRS estará alargado (Figura 7),
sendo mais instável que os demais demonstrados anteriormente, podendo evoluir para assistolia ou atividade
elétrica sem pulso. Algumas causas podem justificar esse ritmo, sendo as principais: intoxicação por digoxina
ou opioides e hipercalemia.
Figura 7 - Batimento de escape ventricular após uma pausa. Na sequência, o ritmo sinusal reassume o comando.
REFERÊNCIAS
31. Tanaka H, Monahan K, Seals D. Age-predicted maximal heart rate revisited. J Am Coll Cardiol.,
2001;37(1):153–6.
32. Brubaker PH, Kitzman DW. Chronotropic incompetence: causes, consequences, and management.
Circulation. United States., 2011;123(9):1010–20.
33. Pasic M, Musci M, Siniawski H, Edelmann B, Tedoriya T, Hetzer R. Transient sinus node dysfunction
after the Cox-maze III procedure in patients with organic heart disease and chronic fixed atrial
fibrillation. J Am Coll Cardiol. United States., 1998;32(4):1040–7.
34. Page RL, Joglar JA, Caldwell MA, Calkins H, Conti JB, Deal BJ, et al. 2015 ACC/AHA/HRS guideline
for the management of adult patients with supraventricular tachycardia: A report of the American
College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines and the
Heart Rhythm Society. Circulation., 2016:506-574.
35. Aravindakshan V, Surawicz B, Daoud FS. Depression of escape pacemakers associated with rapid
supraventricular rate in patients with atrioventricular block. Circulation. United States.,
1974;50(2):255–9.
36. Bezold A, Hirt L. Uber die physiologischen Wirkungen des essigsauren Veratrine. Unters. Physiol.
Lab. Wurzburg. Unters physiol lab., 1867;1:73–122.
37. Jarisch A. Vom Herzen ausgehende Kreislaufreflexe. Arch Kreislaufforsch., 1940;7:260–274.
Capítulo 23
Arritmias Passivas II: Bloqueios
Atrioventriculares
Saulo Rodrigo Ramalho de Moraes
INTRODUÇÃO
O nó atrioventricular (NAV) é uma estrutura que possui um mecanismo peculiar na condução dos impulsos
dos átrios para os ventrículos. Essa diferença se dá devido à presença de células que possuem uma
característica eletrofisiológica denominada “condução decremental” que é a capacidade de alentecer a
condução do estímulo gerado pelo nó sinusal que posteriormente vai atingir o NAV para, assim, fazer seu
caminho do átrio para os ventrículos – gerando o intervalo PR no ECG.
Distúrbios de condução no NAV são capazes de alentecer ainda mais a condução, causar bloqueio de
alguns impulsos gerados e, ainda, bloquear de forma completa a passagem dos impulsos.
ANATOMIA E FISIOLOGIA DO NÓ AV
Descrito em 1906 por Sunao Tawara em seu trabalho Das Reizleitungssystem des Saugetierherzens como
uma estrutura em forma de “nó” que se localiza no triângulo de Koch (1), uma região localizada na base do
átrio direito cujas bordas são: o óstio do seio coronário, o tendão de Todaro e a cúspide septal da valva
tricúspide.
BLOQUEIOS ATRIOVENTRICULARES
A etiologia dos bloqueios no NAV está listada nas tabelas 1 e 2. O local anatômico do bloqueio pode ser
determinado com exatidão através de um estudo eletrofisiológico, porém isso nem sempre é necessário. O
bloqueio pode ser no próprio NAV (nodal), no His (intra-His ou Hissiano) ou posterior ao His (pós-Hisiano ou
infra-His). Algumas características ao ECG podem ajudar a localizar o local de bloqueio (veja a tabela 3).
Intra-His: estreito
Complexo QRS Estreito (< 120 ms).
Infra-His: largo
Bloqueios associados BAV 2º grau tipo Wenckebach. BAV 2º grau tipo 2, avançado ou total.
Como demonstrado no capítulo 22, um dos mecanismos das arritmias passivas é a depressão da
condução, que pode explicar os BAV, a aberrância de condução e a condução oculta.
Quando se fala em bloqueio de um estímulo, geralmente estamos falando de bloqueio anterógrado, porém
este pode ser unidirecional (anterógrado ou retrógrado) ou bidirecional.
O intervalo PR é o intervalo entre o início da onda P e o início do QRS. Sendo assim, sua denominação
mais exata é intervalo PQ em algumas derivações de alguns pacientes. Seu valor normal depende da idade
do paciente, porém em geral consideramos o intervalo normal entre 120 e 200 ms (3) (Figura 1). O BAV de
primeiro grau ocorre nos casos em que o intervalo PR é maior que 180 ms em crianças e 200 ms em adultos.
Algumas fontes julgam que um intervalo AV de 220 ms pode ser considerado normal em idosos. Como vimos
no capítulo 13, em atletas, a presença de BAV do 1º grau é considerada normal (4), justificado pelo aumento
no tono vagal.
Figura 1 - BAV do primeiro grau com intervalo PR de 260 ms. Lembrar que no adulto, o valor de corte é 200 ms. Os
intervalos PR são fixos e não há nenhuma onda P bloqueada.
Em 1924, Mobitz (5) classificou o BAV do 2º grau em tipos (Mobitz) 1 e 2 (Tabela 4). São bradicardias
irregulares por definição, já que ocorre uma pausa da condução dos átrios para os ventrículos de tempos em
tempos (tanto o tipo 1 como o tipo 2 podem apresentar comportamentos de bloqueios dos tipos 2:1, 3:2, 4:3,
5:4, etc., o que, no último exemplo significa que a cada cinco ondas P geradas, quatro conseguem conduzir
para o ventrículo normalmente. A condução 2:1 é uma situação peculiar que será descrita com detalhes mais
adiante).
Figura 2 - BAV do 2º grau Mobitz I (Wenckebach). Notar aumento progressivo do intervalo PR até o aparecimento de uma
onda P bloqueada. Repare que o PR após o bloqueio é menor que o PR antes do bloqueio.
Figura 3 - BAV do 2º grau Mobitz I (Wenckebach). Observe que o intervalo PR prolonga progressivamente, batimento a
batimento, até que há uma onda P que não gera um QRS.
Os principais diagnósticos diferenciais de BAV do 2º grau tipo Wenckebach são as ectopias atriais
bloqueadas, taquicardia atrial com Wenckebach e o BAVT congênito.
Nas ectopias atriais bloqueadas, o intervalo PP não é fixo devido a uma onda P mais precoce. Essa onda
P pode vir em um período onde o NAV está refratário e não ser conduzida por ele, causando um bloqueio.
Este não está associado à doença intrínseca no NAV e sim a um fenômeno fisiológico. Em uma abordagem
inicial a um caso com bloqueio atrioventricular, é necessário primeiramente sabermos se estamos diante de
uma bradicardia ou taquicardia. Sim. Parece estranho, mas se não estivermos com atenção podemos
confundir uma taquicardia atrial com Wenckebach (Figura 4) com um bloqueio AV do segundo grau. Nesse
caso, o nó AV não apresenta doença alguma e as ondas P são bloqueadas devido a um bloqueio funcional
(ver adiante).
Figura 4 - Taquicardia atrial com Wenckebach. Repare que a frequência atrial está acima de 100 bpm, além do fato de as
ondas P serem bastante apiculadas e aumentadas.
No BAVT congênito com taquicardia sinusal (discutido mais detalhadamente a seguir), o nó sinusal
funciona perfeitamente e, em condições fisiológicas, pode estar acelerado (taquicardia sinusal). Como o ritmo
de escape nada tem a ver com o nó sinusal, podemos ver um pseudointervalo “P e R” que se prolonga
progressivamente até ocorrer um bloqueio.
Wenckebach reverso
Uma situação raramente descrita na literatura. Veja a figura 5 para entender (6).
Observe que parece que o intervalo PR encurta até bloquear, o que é o oposto do fenômeno de Wenckebach clássico. Entenda
agora. O paciente apresenta um BAV 3:1. As setas apontam para ondas P. A primeira onda P (seta 1) é bloqueada. O QRS que vem
em seguida é um escape com bloqueio de fase 4 (bradicardia-dependente). A seta 2 aponta para uma P que conduziu para o
ventrículo com QRS normal. A seta 3 aponta para mais uma onda P bloqueada.
Wenckebach atípico
Quando temos aumentos progressivos do PR, porém ao invés do incremento ir reduzindo, passar a
aumentar, chamamos de Wenckebach atípico. Isso ocorre devido à condução retrógrada oculta gerada pelo
complexo anterior na junção AV (Figura 6).
Figura 6 - Wenckebach atípico. O PR aumenta progressivamente, assim como o BAV do 2º grau tipo Wenckebach. A
diferença a ser percebida são os incrementos anormais a cada batimento que no caso ilustrado, são progressivamente
maiores, ao contrário do que estamos habituados.
Diferentemente do BAV do 2º grau tipo 1, aqui temos duas características marcantes: a presença de um
intervalo PR fixo (ausência de fenômeno de Wenckebach), intervalos PP fixos e a presença de uma onda P
bloqueada de forma súbita, retornando a condução logo em seguida (7,8) (Figura 7). A pausa causada pelo
bloqueio tem que ser exatamente o dobro do ciclo PP (9). A frequência desses bloqueios é variável, podendo
ser de 5:4, 4:3, 3:2 e 2:1.
Figura 7 - BAV do 2º grau Mobitz II. Notar intervalo PR e PP fixos e a presença de uma onda P bloqueada de forma súbita,
retornando à condução normal. A pausa causada pelo bloqueio tem que ser igual a 2x o ciclo PP.
BAV 2:1
Inicialmente descrita como uma entidade que fazia parte dos BAV do 2º grau por Mobitz (5), atualmente é
considerada categoria à parte dos BAV do 2º grau tipos 1 ou 2. No BAV 2:1, a cada duas ondas P, uma é
bloqueada (Figura 8). O intervalo PR não é variável. O termo BAV do 2º grau 2:1 é desaconselhado, devendo
ser chamado somente de BAV 2:1(10). Esse tipo de bloqueio pode ser a nível nodal ou no sistema His.
Algumas características falam a favor de bloqueio infranodal: QRS largo, intervalo PR não tão longo (não
maior que 300 ms), piora da condução atrioventricular à infusão de atropina ou ao exercício físico. Sugere
bloqueio intra-His: QRS estreito, PR não tão curto (entre 120 e 160 ms).
Figura 8 - BAV 2:1. A cada duas ondas P, uma é bloqueada, com intervalo PR fixo entre os batimentos em que há condução
AV.
Definido pela existência de ≥ 3 ondas P bloqueadas (7,8), ou seja, há proporção entre ondas P e QRS é
de 3:1, 4:1 ou maior. Nos ciclos em que há condução atrioventricular, o intervalo PR é sempre constante. A
maior parte desses bloqueios está localizada na região intra ou infra-Hisiana. A figura 9 demonstra um
bloqueio BAV de grau induzido por droga (adenosina).
Figura 9 - BAV avançado induzido por adenosina. Notar a presença de 10 ondas P bloqueadas.
De grande importância clínica, bastante visto nas emergências, temos o bloqueio atrioventricular total
(BAVT). Aqui, nenhum estímulo atrial passa através do NAV. Dessa forma, teremos ondas P totalmente
dissociadas dos complexos QRS (Figuras 10 e 11). Lembrar que estímulos gerados no nó sinusal são mais
rápidos que os outros locais com capacidade de automatismo, portanto as ondas P geralmente são, de
maneira geral, mais frequentes que os complexos QRS. Teremos uma situação em que as ondas P serão
regulares entre si, e os complexos QRS, menos frequentes, também serão regulares entre si. No entanto,
um é dissociado do outro. Os batimentos cardíacos do BAVT são regulares. A tabela 4 resume os graus
mais importantes de bloqueio AV.
Figura 10 - BAVT. Observe que as ondas P são regulares entre si a uma frequência de 78 impulsos sinusais por minuto. Os
complexos QRS também são regulares entre si a uma frequência de 44 batimentos por minuto.
Figura 11 - Bloqueio AV total congênito.
O maior achado de que se trata de um BAVT é a presença de onda P sem relação com o QRS. O primeiro complexo QRS
apresenta uma onda P logo após o seu término, enquanto que o quarto complexo apresenta uma onda P exatamente antes do
QRS. Pelo fato de termos um escape com complexos QRS estreitos, devemos pensar em BAVT congênito.
O ritmo de escape pode ser juncional (nos bloqueios nodais ou intra-Hisianos) ou idioventricular (bloqueio
infra-Hisiano) – mas essa não é uma regra fixa. A frequência de escape geralmente é menor que 45 bpm,
exceto nos casos de BAVT congênito. O BAVT pode ocorrer de forma intermitente ou permanente. Quando
ocorre intermitentemente, ele pode alternar com outros graus de bloqueio, por exemplo, o de segundo grau
tipos 1 ou 2. Como reconhecer? No momento que ele passar de irregular para regular, é porque alternou para
BAVT.
Há uma situação em que as ondas P sinusais ganham certa irregularidade num BAVT (porém os QRS se
mantêm regulares): é o fenômeno ventrículo-fásico. Ocorre o seguinte: as ondas P que cercam um QRS (a
que vem logo antes e a que vem logo após – lembre-se que no BAVT o mais comum é encontrarmos várias
ondas P bloqueadas) são irregulares. O complexo QRS, mesmo dissociado eletronicamente, “puxa” a próxima
onda P para mais precoce do que deveria ser. O mecanismo é incerto, mas o fenômeno sugerido é mecânico:
a contração ventricular parece estimular o nó sinusal devido a um maior fluxo momentâneo pela artéria do nó
sinusal (Figura 12) (11).
Figura 12 - Fenômeno ventrículo-fásico em um BAVT. Observe que os intervalos entre as ondas P são menores quando há
um QRS entre elas.
Ainda sobre o comportamento regular do BAVT, é importante usar um parágrafo para falar de um
diagnóstico diferencial importante: o BAV 2:1, que também é regular. Como diferenciá-los? Pois bem. No BAV
2:1, por definição, as ondas P terão o dobro da frequência dos complexos QRS (80 impulsos sinusais por
minuto e 40 bpm, por exemplo). No BAVT, isso não é uma obrigação, mas, caprichosamente, pode ser
próximo a isso (80 impulsos sinusais por minuto e 37 bpm, por exemplo). Nesse exemplo (80 vs. 37), em uma
primeira vista pode-se pensar que se trata de um BAV 2:1, mas, se observarmos por um tempo mais
prolongado, vamos perceber que, na verdade, elas estão dissociadas. A própria Figura 12 demonstra isso.
Observe que, ao final do traçado, vemos que o intervalo PR está progressivamente reduzindo. Se esse
traçado fosse mais longo, provavelmente veríamos aquela onda P entrar no QRS, para depois ficar posterior
a ele. Ou seja, estão totalmente dissociados – é um BAVT.
O diagnóstico de BAVT com fibrilação atrial (FA) ou Flutter Atrial (FLA) é possível quando se observar a
ausência de ondas P associada a frequências ventriculares baixas (< 50 bpm) e, mais importante de tudo:
regulares. Vou repetir para ficar mais didático: na ausência de onda P, o diagnóstico costuma ser FA, certo?
Por que essa FA está regular então? Provavelmente estamos diante de uma associação de FA + BAVT. O
diagnóstico diferencial se faz com ritmo juncional (se QRS estreito) ou idioventricular (se QRS largo) e é
impossível de ser realizado, a não ser em um estudo eletrofisiológico. Já o FLA é visto na presença de ondas
“F” em paciente com ritmo cardíaco muito bradicárdico e, como sempre, regular (Figura 13).
Figura 13 - FA com BAVT. Nesse caso, as ondas P são inexistentes e as ondas “f” são quase que invisíveis. Notar um
escape juncional com QRS estreito, além de um RR regular.
Assim como no BAVT descrito anteriormente, no BAVT congênito, também há dissociação AV, porém, o
escape pode ser mais alto e os QRS mais estreitos (Figura 11), levando a ritmos mais rápidos e com maior
resposta às atividades físicas. Devido a esse fator, poderemos ver pacientes com 20 – 30 anos com BAVT
completamente assintomáticos.
Em metade dos casos, o BAVT congênito pode ocorrer por malformação do sistema de condução, se
associando a doenças estruturais. Os mais frequentes são o isomerismo atrial esquerdo e a transposição
corrigida de grandes artérias. Nesta última, o nó AV compacto se desenvolve fora do triângulo de Koch, se
localizando mais anteriormente, próximo à base do apêndice atrial direito, se tornando mais frágil e
deteriorando com o tempo.
Conhecido da clínica médica, o BAVT autoimune, está relacionado a lesões no sistema de condução a
partir da passagem transplacentária de anticorpos maternos anti-Ro e anti-La.
Pseudobloqueio AV
O Pseudobloqueio AV pode simular qualquer tipo de bloqueio AV, desde BAV do 1º grau, até um BAV do
2º grau Mobitz II (figuras 15, 16 e 17).
Figura 15 - Pseudo-Wenckebach.
REFERÊNCIAS
9. Lange HW, Ameisen O, Mack R, Moses JW KP. Prevalence and clinical correlates of non-
Wenckebach narrow-complex second-degree atrioventricular block detected by ambulatory ECG. Am
Hear J., 1988;15(1, pt 1):114–20.
10. Guidelines for clinical intracardiac electrophysiologic studies: a report of the American College of
Cardiology/American Heart Association Task Force on assessment of diagnostic and therapeutic
cardiovascular procedures (Subcommittee to Assess Clinical In. J Am Coll Cardiol., 1989;14:1827–42.
11. Issa Z, Miller J, Zipes D. Clinical Arrhythmology and Electrophysiology: A Companion to Braunwald’s
Heart Disease: Third Edition. Elsevier Inc;2019. 1120p.
Capítulo 24
Canalopatias
José Nunes de Alencar Neto
INTRODUÇÃO
Neste capítulo vamos discutir as alterações eletrocardiográficas das canalopatias, que são doenças de
canais iônicos de membrana de células cardíacas: QT longo, QT curto, Síndrome de Brugada, Síndrome da
Repolarização Precoce, e Taquicardia Ventricular Polimórfica Catecolaminérgica (TVPC). Essas síndromes
levam à morte súbita cardíaca e possuem achados eletrocardiográficos característicos que precisam ser
conhecidos para que a hipótese seja feita e a morte evitada!
Caracterizado adivinha pelo quê? Isso mesmo, pelo intervalo QT prolongado ao eletrocardiograma (ECG)
(Figuras 1 e 2). Mas cuidado: seus achados são paroxísticos, ou seja, nem sempre um paciente com QT
longo congênito terá intervalo QT prolongado. Então, como desconfiar de QT longo ou como diagnosticar?
Fique atento aos próximos parágrafos.
Figura 1 - QT longo. Usando a fórmula de Bazett de correção do intervalo QT, obtemos um intervalo corrigido de 520 ms.
Foi descrita pela primeira vez, em 1957, por Jervell e Lange Nielsen em uma família em que três das seis
crianças morreram subitamente e tinham um intervalo QT prolongado, uma alteração genética autossômica
recessiva associada com surdez congênita – definindo a Síndrome de Jervell Lange Nielsen (1). Em 1964,
Romano e Ward reportaram em estudos independentes de uma síndrome autossômica dominante não
associada a surdez congênita e com graus variáveis de severidade do alongamento do intervalo QT, definindo
a Síndrome de Romano-Ward (2). Em 1995, foram descobertos os principais genes associados a essa
síndrome: KCNQ1 (codifica proteínas dos canais Ks), KCNH2/HERG (codifica proteínas dos canais Kr) e
SCN5a (codifica proteínas dos canais de sódio) esses são os genes e proteínas das SQTL tipos 1, 2 e 3,
respectivamente. Além das síndromes de Jervell Lange Nielsen e Romano Ward, também falaremos das
Síndromes de Andersen-Tawil (AT) (SQTL 7) e a Síndrome de Timothy (ST) (SQTL 8) (Tabela 1) (3,4). O
grande problema de quem tem essa síndrome é a predisposição ao desenvolvimento de arritmias
ventriculares malignas, particularmente o Torsades de Pointes (TdP) e morte súbita cardíaca.
Perceba que os QTs longos dos tipos 1 e 5 podem ser autossômicas dominantes sem associação com surdez (RW - Romano Ward)
ou autossômicas recessivas associadas a surdez congênita (JLN – Jervell Lange Nielsen). O QT longo do tipo 7 é a síndrome de
Andersen-Tawil (AT) e o QT longo do tipo 8 é a Síndrome de Timothy (ST). O QT longo tipo 17 é conhecido como Triadin Knockout
Syndrome (TKS). Adaptado de Zipes.
Vimos no capítulo 4 que para o diagnóstico de um intervalo QT prolongado, podemos usar algumas
fórmulas, como Bazett, Framingham e Hodges. Para o diagnóstico dessa síndrome, no entanto, a fórmula de
Bazett ainda é recomendada qualquer que seja a frequência cardíaca (5). A derivação a ser escolhida para
medida também importa: se sugere medir em D2 ou V5 (6). Um intervalo QT acima de 440 ms para homens e
460 ms para mulheres define como “QT prolongado”, mas isso não é suficiente para o diagnóstico – como
veremos à frente. Apesar de parecer simples, a medida do intervalo QT confunde muita gente: em um estudo,
menos de 50% dos cardiologistas souberam medir esse intervalo corretamente, enquanto mais de 80% dos
arritmologistas /eletrofisiologistas fizeram a medida corretamente (7) – para revisar a maneira correta de
medição, retorne ao capítulo 4.
Para relembrar o mecanismo pelo qual o QT longo causa arritmias ventriculares malignas, precisamos
primeiro enfatizar que o ECG de superfície (o que fazemos em nossa rotina) é uma representação gráfica do
que ocorre nos potenciais de ação das células cardíacas a cada batimento. A somatória desses potenciais é
capturada pelo ECG. O aumento do tempo de repolarização dos potenciais de ação é heterogêneo entre as
diferentes camadas do miocárdio ventricular, de modo que um circuito virtual entre tecidos não repolarizados
e já repolarizados pode ser criado (Figura 3). Em alguma dessas camadas, um canal de cálcio tipo L pode
reabrir enquanto o potencial de ação ainda existe (é o chamado pós-potencial precoce ou atividade
deflagrada precoce). Quando esse canal abre, a entrada de cálcio na célula pode deflagrar um potencial de
ação e uma onda de estímulo elétrico que agora entrar nesse circuito virtual criado pelas diferenças regionais
de repolarização. Apesar da longa duração do potencial de ação, esse circuito virtual que citei anteriormente é
pequeno e possui nas células M (mid-myocardial) um local de bloqueio unidirecional. Essas características
juntas criam o Torsades de Pointes (8–11) (Figura 4).
Figura 3 - O ECG de superfície é uma representação gráfica da somatória dos potenciais de ação das diferentes camadas
miocárdicas. Quando há um prolongamento dos potenciais de ação, por exemplo, pela SQTL, o intervalo QT do ECG será
prolongado. Esse aumento dos potenciais de ação é heterogêneo. Na figura 1, a coluna A demonstra um potencial de ação
normal. Já na coluna B, tivemos um aumento desses potenciais de maneira mais pronunciada no endocárdio e nas células
M que no epicárdio. Adaptado de Antzelevich.
Figura 4 - Em A, temos um intervalo QT prolongado (500 ms). Em B, um pós-potencial precoce (azul) aparece, gerando uma
despolarização capaz de estimular o coração e ganhar um circuito virtual de reentrada que se perpetua. Em C, o pós-
potencial é tardio, não capaz de gerar perpetuação. Em D, o pós-potencial precoce que aparece em B gera uma arritmia de
reentrada virtual chamada Torsades de Pointes vista no ECG de superfície.
Discutiremos agora o ECG dos QTs longos dos tipos 1, 2 e 3, os mais prevalentes na prática clínica e
também das síndromes de Andersen-Tawil e Timothy. Repito: por causa da baixa penetrância fenotípica
dessa doença, o achado de um intervalo QT normal não exclui o diagnóstico de SQTL.
QT Longo Tipo 1
Os pacientes com QT longo tipo 1 são acometidos pela perda da função da corrente de potássio tipo
“slow” (IKs), que, como visto no capítulo 2, regula a repolarização principalmente a frequências mais altas. Em
situações normais, nosso intervalo QT reduz com o aumento da frequência cardíaca – que bom, ninguém
quer que o coração comece uma nova despolarização sem ter finalizado ainda a repolarização.
Pois bem, sendo assim, os portadores de QT longo tipo 1 costumam apresentar seus sintomas (arritmia
ventricular maligna, síncope e morte súbita) ao esforço, particularmente durante a natação (12,13). A análise
da onda T não é específica para o diagnóstico específico de um genótipo, mas é descrito que aqui a onda T é
larga (Tabela 2).
Tabela 2 - Informações sobre os principais tipos de QT longo. A aparência do intervalo QT, do segmento ST e da onda T
não necessariamente diagnosticam um tipo específico de SQTL – o estudo genético é a principal arma nesse sentido.
Frequência Penetrância entre os
Tipo entre os ECG Eventos deflagradores carreadores de
SQTL mutação
Estresse emocional
SQTL2 25-30% 75%
(49%)
QT Longo Tipo 2
Esses pacientes têm seu canal de potássio tipo “rapid” (IKr) acometido com perda de função. Costumam
apresentar seus sintomas (mais uma vez: arritmia ventricular maligna, síncope e morte súbita) quando
submetidos a um estresse emocional, um estímulo sonoro súbito (susto, despertador...) ou dormindo (12). A
onda T é usualmente larga, bífida e de baixa amplitude. Possui notchs (14) (Tabela 2).
QT Longo Tipo 3
Têm maior risco de apresentar sintomas durante o sono, enquanto estão bradicárdicos. Isso ocorre porque
possuem ganho de função do canal de sódio (INa) – quanto mais bradicárdico o paciente, maior a chance de
apresentar pós-potenciais que levarão ao aparecimento dos sintomas já descritos. Os pacientes podem
apresentar um segmento ST prolongado, e uma onda T de curta duração e pontiaguda (Tabela 2).
Descrita pela primeira vez por Andersen, em 1971, e posteriormente revisitada por Tawil (15,16), é uma
síndrome autossômica dominante associada a paralisia periódica, alterações no desenvolvimento esquelético,
arritmias ventriculares e suscetibilidade a síncopes e morte súbita. As dismorfias presentes podem ser baixa
estatura, escoliose, clinodactilia, hipertelorismo, baixa implantação da orelha, micrognatia. Você não sabe o
que é clinodactilia, né? Tudo bem. A gente explica: é uma curvatura exagerada dos dedos. Essa síndrome
não costuma apresentar intervalos QT muito prolongados, mas sim uma onda U proeminente, gerando falsos
QT longos.
Diagnóstico da SQTL
Para o diagnóstico da SQTL, não basta ter o intervalo QT prolongado. Bem como, é possível que
pacientes com QT dentro da faixa de normalidade tenham o diagnóstico firmado. Diante da penetrância
variada dos diferentes tipos de SQTL, foi criado o Escore de Schwartz em 1985 e revisados pela última vez
em 2011. Uma pontuação ≥ 3,5 confere uma alta probabilidade diagnóstica da síndrome (19) (Tabela 3).
Tabela 3 - Escore de Schwartz para diagnóstico da SQTL. Pontuação ≤ 1: baixa probabilidade; entre 1,5 e 3 pontos:
probabilidade intermediária; ≥ 3,5 pontos: alta probabilidade. Observações: usar fórmula de Bazett; na história familiar, o
mesmo membro da família não pode ser contado em A e B (19).
Achados eletrocardiográficos
D Alternância de onda T 1 pt
História clínica
História familiar
B Morte súbita não explicada em parentes de primeiro grau com idade < 30 anos 0,5 pt
Algumas manobras podem ser usadas para “desmascarar” uma SQTL. A primeira que vamos citar é
observar o comportamento dos pacientes durante um teste ergométrico. Em primeiro lugar, os pacientes
com SQTL costumam ter dificuldades em atingir a frequência cardíaca (FC) preconizada para a idade. Em
segundo lugar, e mais importante, a resposta do intervalo QT ao exercício. Já falamos aqui que a alteração
dos pacientes com SQTL1 está na corrente IKr, que deveria fazer reduzir o intervalo QT a FC maiores. A
alteração do SQTL2 está na corrente IKs. Já a alteração do SQTL3 está na corrente INa. Sendo assim,
pacientes com SQTL1 vão ter uma resposta paradoxal: o aumento importante do intervalo QT ao exercício,
enquanto os pacientes com SQTL2 terão um modesto aumento (mas que não deixa de ser um paradoxo). Já
os pacientes com SQTL3 terão uma resposta normal do intervalo QT ao exercício (Figura 5) (20–22). Isso
demonstra bem a questão dos gatilhos de crises de pacientes com SQTL (vide Tabela 2): pacientes com
SQTL1 (aqueles que têm resposta paradoxal ao ergométrico) morrem justamente ao exercício, enquanto
pacientes com SQTL3 (aqueles que têm respostas normais ao ergométrico) morrem em repouso.
Baseado no mesmo raciocínio está o teste com adrenalina (0,025 – 0,2 ug/Kg/min). Pacientes com
SQTL1 terão aumento paradoxal do intervalo QT secundário ao aumento da FC gerado pela infusão da droga
(sensibilidade de 92,5% e especificidade de 86%) (23,24) (Figura 6).
Figura 6 - Protocolo da Mayo Clinic para desmascarar SQTL 1 em teste de Epinefrina. Subtrai-se o QTc no momento de
maior taquicardia pelo QTc no repouso (24).
Ainda nessa linha, Sami Viskin testou o intervalo QT de pacientes imediatamente após assumirem o
decúbito ortostático, ou seja, ficar de pé: Quick Standing Test ou Teste de Viskin (Figura 7). Os pacientes
com SQTL1 e SQTL2 apresentaram um aumento do QTc ao aumento da FC imposto pelo ato de levantar-se
maior que os pacientes do grupo controle (quase não havia pacientes com SQTL3 no estudo): 50 ± 30 ms vs
89 ± 47 ms (p < 0,001) e esse aumento foi mais significativo em pacientes com SQTL2 do que SQTL1: 67 ±
41 ms vs 114 ± 42 ms (p < 0,001) (25).
Figura 7 - Protocolo do Teste de Viskin para desmascarar SQTL. Durante o decúbito ortostático, o eletrocardiograma deve
ser gravado continuamente e registrado o QTc no momento de maior taquicardia. Após isso, subtrai-se esse valor do QTc
de repouso (25).
QT LONGO MEDICAMENTOSO
Inúmeras drogas podem alterar o intervalo QT e predispor a fenômenos arrítmicos ventriculares graves
(26). O site https://crediblemeds.org e o aplicativo de mesmo nome para Smartphones é uma base de dados
confiável sobre a segurança das drogas em relação ao prolongamento do intervalo QT.
Os fatores de risco para um prolongamento mais acentuado do intervalo QT em uso dessas tais drogas
são: sexo feminino, bradicardia, hipocalemia, hipocalcemia e hipomagnesemia, intervalo QT basal já
aumentado, SQTL subclínica presente e não diagnosticada (27).
Antiarrítmicos
Diuréticos Indapamida
Inotrópicos Milrinona
Descrita no ano 2000 por Gussak e Brugada (28), pouco mais de 80 casos foram relatados até o
momento. A SQTC é altamente letal, apresentando parada cardíaca em 4% dos indivíduos já no primeiro ano
de vida. Aos 40 anos de idade, 41% dos pacientes já terão apresentado morte súbita (29).
A SQTC também tem seus tipos, que estão descritos na Tabela 5. Sua fisiopatologia é o ganho de função
dos canais de potássio ou perda de função dos canais de cálcio.
O corte usado para o valor de QT curto é baseado em registros populacionais. Poucos pacientes na
população geral têm um intervalo QTc < 360 ms (homens) e < 370 ms (mulheres). Um QTc < 330 ms é
extremamente raro (30–32). Baseado nisso, os critérios diagnósticos para SQTC são: QTc ≤ 330 ms; ou um
QTc ≤ 360 ms associado a pelo menos um desses eventos: história de parada cardíaca ou síncope, histórico
familiar de morte súbita em familiares com menos de 40 anos de idade ou histórico familiar de SQTC (Figura
8) (4).
SÍNDROME DE BRUGADA
Descrita em oito pacientes, no ano de 1992, pelos irmãos Brugada (35), a síndrome, como todas as outras
descritas nesse capítulo, impõe um risco elevado de arritmias ventriculares malignas e morte súbita.
A corrente mais frequentemente alterada na Síndrome de Brugada (SB) é a INa, acometida por mutação
no gene SCN5a (o mesmo da SQTL3). Existem teorias sobre a fisiopatologia da SB que vamos descrever
brevemente a partir de agora. Não durma. É interessante.
A primeira teoria que descreveremos é a “Teoria da Repolarização” (36). Essa teoria está baseada em
modelos animais e humanos. Ocorreria, no coração dos indivíduos afetados, um desbalanço entre os
potenciais de ação de diferentes camadas do miocárdio. Para ser mais específico, esse desbalanço ocorreria
na fase 1 e em células epicárdicas do trato de saída do ventrículo direito. Nesse local específico, por conta
dessa alteração, o ECG da SB teria a conformação que revisaremos em instantes. Essa alteração regional e
heterogênea da repolarização facilitaria o desenvolvimento de arritmias ventriculares (Figura 9) (37).
Figura 9 - “Teoria da Repolarização” na fisiopatologia da Síndrome de Brugada. De acordo com essa teoria, o potencial de
ação epicárdico perde a sua conformação de “spike and dome” ou “pico e domo”. Essa mudança que ocorre
especificamente na via de saída do ventrículo direito leva ao padrão eletrocardiográfico da Síndrome de Brugada (37).
A segunda teoria é a “Teoria da Despolarização”. Os que a advogam afirmam que há, nos pacientes
com SB, desordens de condução: prolongamento do intervalo PR, bloqueio do ramo direito, prolongamento do
intervalo HV ao estudo eletrofisiológico e mais: alterações estruturais com aparecimento de pós-potenciais por
fibrose principalmente a nível de via de saída do ventrículo direito (38–40). De acordo com essa teoria, a via
de saída do ventrículo direito terá uma despolarização e uma repolarização atrasada em relação ao restante
do ventrículo direito, o que levaria ao padrão de Brugada tipo 1 no ECG de superfície (41,42) (Figura 10).
Figura 10 - Em B, observamos que o potencial de ação da via de saída do ventrículo direito (VSVD) é atrasado em relação
ao potencial de ação do restante do ventrículo direito (VD). Em D e F, está demonstrado que a união desses dois potenciais
que ocorrem separadamente pode levar ao aparecimento do padrão de Brugada em V2 posicionado no 3º espaço
intercostal. Adaptado de Wilde e Postema (42).
Ainda revisaremos uma terceira teoria: a “Teoria da Crista Neural” proposta por Elizari em 2007 (43).
Uma população de células da crista neural migra para o polo arterial do coração na fase embrionária. Essas
células terão papéis importantes no desenvolvimento da via de saída do ventrículo direito e da aorta. Uma
alteração na migração ou no desenvolvimento dessas células poderia ser o fator causador das alterações de
repolarização e despolarização da SB (Figura 11).
Figura 11 - “Teoria da Crista Neural” de Elizari, que busca explicar as alterações de repolarização e despolarização pelo
fato de que no coração embrionário, a migração de células da crista neural desempenha um importante papel na formação
da via de saída do ventrículo direito, local onde a Síndrome de Brugada acontece. Adaptado de Elizari (43).
ECG de Síndrome de Brugada
Agora que já sabemos a teoria, vamos à prática. O que todos querem saber: e o ECG da SB? Bom, em
primeiro lugar, vamos aqui enfatizar que o ECG da SB, assim como o da SQTL, é paroxístico, ou seja, pode
ou não estar presente no dia da realização do ECG. Em segundo lugar, o padrão de Brugada no ECG
depende da configuração de filtragem do aparelho de ECG (o High Pass Filter precisa estar configurado em
0,05 Hz) (44) (Figura 12) e do posicionamento dos eletrodos V1 e V2 no precórdio. Como assim? Pois bem,
sabemos (ou a essa altura deveríamos saber) que os eletrodos V1 e V2 no precórdio devem ser posicionados
no 4º espaço intercostal (EIC). Só que a via de saída do ventrículo direito, local onde a SB acontece, fica na
maior parte dos pacientes no 3º EIC e em alguns no 2º EIC (45). Então, nessa síndrome, está finalmente
permitido “errar” e gravar o ECG com derivações mais altas (46) (Figura 13)!
Figura 12 - Eletrocardiograma de paciente de 55 anos assintomática. Em A, o filtro de passas altas (High pass) está
configurado no modo padrão 0,05 Hz. Em B, está configurando em 0,5 Hz. Em C, vemos a diferença na repolarização
causada exclusivamente por essa mudança de configuração do aparelho. O padrão de B poderia confundir o examinador
mais experiente com padrão de Brugada tipo 2 (44).
Figura 13 - Posicionamento de eletrodos no precórdio para desmascarar a Síndrome de Brugada. Elevar os eletrodos para
2º e 3º EIC pode aumentar a sensibilidade do teste. Posicionando os eletrodos de V1 a V6 na posição demonstrada na
figura é o protocolo a ser seguido: eletrodos de V1 e V2 no 2º EIC paraesternal direito e esquerdo, V3 e V4 no 3º EIC
paraesternal direito e esquerdo, V5 e V6 no 4º EIC, paraesternal direito e esquerdo (onde deveriam estar V1 e V2). Adaptado
de Lim (46).
Sobre o ECG especificamente, a primeira coisa que o leitor desse manual tem que ter em mente é que
desde o consenso eletrocardiográfico de SB publicado em 2012, o padrão eletrocardiográfico de Brugada
tipo 3 não existe mais, pois foi combinado com padrão tipo 2.
O padrão de Brugada tipo 1 é também chamado “padrão covado” ou “coved pattern”. Apresenta uma
elevação do ponto J de ≥ 2 mm em V1 seguida de um segmento ST descendente e uma onda T negativa e
simétrica. O QRS é mais longo em V1 e V2 que nas demais derivações. A 40 ms do pico do ponto J, a
redução da amplitude é muito pequena (≤ 40 ms) se comparado com bloqueio de ramo direito (Figura 14)
(47).
Figura 14 - Padrão eletrocardiográfico de Brugada tipo 1 (coved type): ponto J elevado ≥ 2 mm seguido de um segmento ST
descendente de uma T negativa e simétrica.
O padrão de Brugada tipo 2 é também chamado “saddle-back pattern” ou “padrão em sela de montaria”
se apresenta com um ponto J elevado ≥ 2 mm seguido de uma pequena diminuição de amplitude que logo é
sucedida por uma onda T elevada. O segmento ST deve ser maior que ≥ 0,5 mm em comparação com a linha
de base. O QRS deve ser maior em V1 e V2 que nas demais derivações. E o cálculo do ângulo ß ou Ângulo
de Chevallier, entre a descendente da onda r’ e a porção ascendente da onda s em si é imprescindível.
Como se calcula o ângulo de Chevallier para achado de padrão eletrocardiográfico de Brugada tipo 2? O
jeito mais fácil é usando um transferidor e ver se esse ângulo é ≥ 37º (48). Como nem sempre este está na
bolsa do cardiologista/eletrocardiografista, podemos também medir os lados do triângulo formado para assim
saber se o ângulo é ou não maior que o esperado (49). Em V1 ou V2, o examinador deve encontrar o pico do
ponto J e encontrar um ponto localizado a exatos 5 mm dele. Nesse ponto, ele deve traçar uma linha
horizontal entre a porção ascendente da onda S até o ponto em que essa linha se cruza com outra linha que
vem da tangente imaginária da porção descendente do segmento ST. Ficou difícil? Veja a figura e você vai
entender (Figura 15). Eu garanto.
Figura 15 - Brugada tipo 2. A: ângulo ß ou ângulo de Chevallier. B: medida indireta do ângulo: contar 5 mm desde o pico do
ponto J. Medir o intervalo entre a porção ascendente da onda S até a tangente imaginária criada pela porção descendente
inicial do segmento ST. Será desenhado um triângulo imaginário. Se a base desse triângulo tiver ≥ 4 quadradinhos de
tamanho, está dado o laudo de padrão de Brugada tipo 2 (49).
Perceba que em V1 há uma elevação do ponto J ≥ 2 mm, seguida de um segmento ST descendente uma onda T assimétrica. O “x
da questão” aqui é perceber que a descendência do segmento ST ocorre muito rapidamente (compare com a figura 16). Isso não é
encontrado no Brugada. No Brugada, após 40 ms do pico do ponto J é esperado que o segmento ST só tenha descendido um
máximo de 4 mm. Aqui descendeu quase 6 mm. Além disso, o QRS é largo em várias derivações além de V1 e V2 (por exemplo,
aVR).
Figura 18 - Brugada tipo 2. A medição do ângulo de Chevallier é ≥ 37º e a base do triângulo imaginário ensinado no texto é
≥ 4 quadradinhos.
Para o diagnóstico da Síndrome de Brugada, precisamos lançar mão do Escore de Shanghai (Tabela 6)
(50). O leitor deve sempre lembrar que o padrão eletrocardiográfico é paroxístico e pode ser induzido por
febre ou alterações parassimpáticas (51). Quando um padrão de Brugada tipo 2 for encontrado, o médico
deverá proceder com o teste provocativo de Brugada (52) (Tabela 7).
Tabela 6 - Escore de Shanghai para diagnóstico de Síndrome de Brugada (50). Uma pontuação ≥ 3,5 dá diagnóstico
provável ou definitivo da síndrome, uma pontuação entre 2-3 dá diagnóstico possível e uma pontuação < 2 é não
diagnóstica. Observação: o escore ainda prevê a existência do padrão de Brugada tipo 3.
Achados Pontos
Achados Pontos
C. Padrão de Brugada tipos 2 ou 3 que converte para tipo 1 com teste provocativo. 2
História clínica
História familiar
B. Morte súbita suspeita (febre, noturna, em uso de drogas agravantes de Brugada) em um parente de primeiro ou
1
segundo grau.
C. Morte súbita não explicada em parente de primeiro ou segundo grau com < 45 anos. 0,5
Teste genético
Tabela 7 - Protocolos de testes provocativos para desmascarar padrões de Brugada tipo 2. Atenção: deve ser realizado por
eletrofisiologista em ambiente controlado (52).
Droga Dose
Alguns outros achados podem estar presentes em Síndrome de Brugada: sinal de aVR, quando aVR ≥ 3
mm de amplitude (53); alternância elétrica de onda T (54), padrão de repolarização precoce em derivações
inferiores e laterais (55), fragmentação do complexo QRS (Figura 19) (56) e onda S ampla em D1 (Figura 20)
(57) são sinais de pior prognóstico. Pacientes com alterações no gene SCN5a têm também alterações do
intervalo PR (eletrocardiográfico) e HV (eletrofisiológico) (58).
Figura 19 - Fragmentação do complexo QRS em V1 e V2, um sinal de pior prognóstico. Aproveite para perceber as
diferenças entre diferentes filtros de ECG e diferentes posições dos eletrodos no precórdio (56).
Figura 20 - Onda S proeminente em D1, um sinal de pior prognóstico em Síndrome de Brugada (57).
Fenocópias de Brugada
As fenocópias são situações que podem falsear o diagnóstico de Brugada. Para o diagnóstico (que deve
ser de exclusão de uma fenocópia de Brugada), deve-se: ter um padrão eletrocardiográfico de Brugada na
presença de um fator falseador identificável, padrão esse que se resolve após a retirada desse fator. O
paciente não pode ter histórico familiar, sinais e sintomas como respiração agônica e o teste provocativo deve
ser negativo (50,59,60). A Tabela 8 resume algumas das possíveis fenocópias e alguns diagnósticos
diferenciais.
Isquemia ou infarto agudo (especialmente ventrículo direito, mas Drogas da classe IC (propafenona) e IA (ajmalina,
também septo) procainamida)
ECG pós-desfibrilação
“Ocasionalmente, o vetor S-T devido a repolarização precoce (RP) normal acaba sendo difícil de distinguir
da pericardite agida”. No texto de 1951, Grant criou o termo “Repolarização precoce”(61), que foi durante
meio século sinônimo de bom prognóstico. Eis que relatos de morte súbita em jovens com repolarização
precoce começaram a surgir. Em 1996, Yan e Antzelevitch descreveram as bases celulares da onda J, e seu
modelo ligava a RP à Síndrome de Brugada, como duas “síndromes do ponto J” (62). Em 2008, Haïssaguerre
(63), Nam/Antzelevitch e Rosso/Viskin (65) publicaram séries de casos com clara associação do padrão de
RP à morte súbita por fibrilação ventricular.
Sete tipos de alterações genéticas já foram descritas até então, sendo as principais nos genes CACN2b,
CACNA1C, CACNA2D1 (66). O risco de fibrilação ventricular em casos de pacientes com onda J e elevação
horizontal ou descendente do segmento ST chega a ser quase 14 x maior que na população geral. Mesmo
com esse aumento de risco importante nessa população, o desenvolvimento de um evento arrítmico maligno
ainda é raríssimo: 1 em 3000, o que dificulta sobremaneira seu tratamento (67).
Antes de falarmos do ECG da Síndrome da Repolarização Precoce (SRP), vamos explicar a fisiologia do
ponto J e sua relação com segmento ST.
A letra J vem de “junction point”, o ponto específico em que terminaria a despolarização e se iniciaria a
repolarização do potencial de ação das células cardíacas. O interessante é que essa passagem não se dá
instantaneamente, mas dura em torno de 10 ms e é particularmente influenciada pela ação da corrente Ito
(transiente de potássio) (66). A corrente Ito é responsável pela conformação “spike and dome” que o potencial
de ação epicárdico (mas não endocárdico) possui. Quando essa corrente é alterada, o seu nadir ganha uma
conformação mais negativa e profunda e isso faz com que o epicárdio fique sensível às correntes de
repolarização. Isso vai levar a uma repolarização ainda mais rápida do epicárdio em relação ao endocárdio
(lembre-se: o epicárdio repolariza antes mesmo, mas aqui é exageradamente antes). Não sei se você
percebeu, mas eu acabei de descrever uma repolarização precoce do endocárdio. Sendo assim, não só o
ponto J vai aparecer, como vai haver também um supradesnivelamento do segmento ST (Figura 21).
ECG da SRP
Para início de conversa, vamos definir o que é uma onda J. De acordo com um consenso de especialistas,
a onda J é qualquer “notch” ou “slur” que aparecer nos últimos 50% da porção descendente de uma onda R.
Se a onda J for um “notch”, deve ter um ponto Jo (onset), Jp (peak) e Jt (termination); se for um “slur”, apenas
Jp e Jt (69). Veja a figura 22 para entender.
Figura 22 - Padrões de onda J. A: notch com os pontos Jo (onset), Jp (peak) e Jt (termination). B: slur com os pontos Jp e
Jt. Atenção: tanto o notch como o slur devem aparecer nos últimos 50% da fase descendente da onda R para serem
considerados como uma onda J (69).
Atenção: vou repetir para ficar bem claro. O padrão da SRP precisa ser necessariamente um “notch” ou
“slur” associado a um supradesnivelamento do segmento ST, sendo que os padrões descendente e horizontal
são associados a um pior prognóstico.
E também para ficar claro, a elevação do segmento ST sem a presença de “notch” ou“slur” não deve ser
laudada como repolarização precoce. Laudo como então? Que tal “supradesnivelamento inespecífico do
segmento ST”? Agora, uma boa hora para fazer uma observação importante. Pra variar, uma configuração
inadequada do aparelho de ECG pode fazer com que você “perca” ondas J. Uma filtragem a 25 ou 40 Hz
deve ser evitada.
Figura 23 - Efeito das mudanças do low pass filter para avaliação de ondas J: o que era notch a 150 Hz (recomendado) vira
slur a 25 Hz. O que era slur a 150 Hz pode acabar virando ausência de onda J a 25 Hz, etc (73)
Diagnóstico da SRP
Para o diagnóstico da SRP, também temos o Escore de Shanghai (Tabela 9) (50). O diagnóstico
diferencial se faz com uma série de situações que podem elevar o ponto J ou mesmo criar ondas J (Figura
24) (74).
Tabela 9 - Escore de Shanghai para Síndrome da Repolarização Precoce. Pontuação: ≥ 5 pontos (SRP provável ou
definida); entre 3 – 4,5 pontos (SRP possível); < 3 pontos (não diagnóstico).
Achados Pontos
1. História clínica
2. ECG de 12 derivações
B. Mudanças dinâmicas na elevação do ponto J (≥ 0,1 mV) em ≥ 2 derivações inferiores ou laterais. 1,5
3. Holter
4. História familiar
D. Morte súbita não explicada em familiar de primeiro ou segundo grau < 45 anos. 0,5
5. Teste genético
As Figuras 25 e 26 demonstram casos de SRP. A Figura 27 demonstra um ECG que antigamente seria
laudado como RP, mas o leitor atento deste livro não cometerá esse erro!
Figura 25 - Padrão de Repolarização Precoce. Observe o notch com Jp ≥ 0,1 mV ao final do QRS em D2, D3 e aVF sucedido
por um supradesnivelamento do segmento ST do tipo ascendente (melhor prognóstico) nessas mesmas derivações.
Figura 26 - Padrão de Repolarização Precoce. Observe os notchs com Jp ≥ 0,1 mV em D1, aVL, V5 e V6 seguidas por um
supradesnivelamento do segmento ST nas mesmas derivações.
Figura 27 - Supradesnivelamento inespecífico em parede anterior. Padrão que não deve ser laudado como Repolarização
Precoce.
A primeira descrição da Taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica (TVPC) foi em três irmãs
com eventos arrítmicos ventriculares polimórficos em 1960 por Berg (75). Em 2001, se descobriu a genética
da síndrome. Principalmente dois genes culpados: gene da rianodina (RYR2) e calsequestrina (CASQ2)
(76,77).
A TVPC se manifesta como síncope ou parada cardíaca durante o exercício, normalmente em crianças ou
adolescentes. Natação parece ser um esporte de maior risco (78).
ECG da TVPC
O ECG de repouso da TVPC é usualmente normal. O melhor método diagnóstico é o teste ergométrico.
No ergométrico, ectopias ventriculares isoladas costumam aparecer quando um indivíduo chega a uma FC de
110 – 130 bpm. Depois, elas ficam mais frequentes, até bigeminarem e ficarem pareadas. Até que chega um
ponto que a taquicardia se sustenta e adquire o padrão clássico de bidirecional (girando 180º a cada
batimento) (Figura 28).
Figura 28 - ECG de Taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica durante um teste ergométrico. Observe a
taquicardia sustentada e bidirecional (mudam de eixo a cada batimento).
REFERÊNCIAS
1. Jervell A, Lange-Nielsen F. Congenital deaf-mutism, functional heart disease with prolongation of the
Q-T interval and sudden death. Am Heart J. United States., 1957;54(1):59–68.
2. Romano C, Gemme G, Pongiglione R. Rare cardiac arrhythmias of the pediatric age I. Repetitive
Paroxysmal Tachycardia. Minerva Pediatr. Italy., 1963;15:1155–64.
3. Medeiros-Domingo A, Iturralde-Torres P, Ackerman MJ. Clinical and Genetic Characteristics of Long
QT Syndrome. Rev Española Cardiol (English Ed [Internet]. Elsevier; 2007 [cited 2018 Dec
21];60(7):739–52. elsevier.com
4. Zipes DP, Jalife J, StevensonWG. Cardiac electrophysiology: from cell to bedside. 7th ed.
Elsevier;2013.
5. Brouwer J, Van Den Berg MP, Grobbee DE, Haaksma J, Wilde AAM. Diagnostic performance of
various QTc interval formulas in a large family with long QT syndrome type 3: Bazett’s formula not so
bad after all... Ann Noninvasive Electrocardiol. United States., 2003;8(4):269–74.
6. Cowan JC, Yusoff K, Moore M, Amos PA, Gold AE, Bourke JP, et al. Importance of lead selection in
QT interval measurement. Am J Cardiol. United States., 1988;61(1):83–7.
7. Viskin S, Rosovski U, Sands AJ, Chen E, Kistler PM, Kalman JM, et al. Inaccurate
electrocardiographic interpretation of long QT: the majority of physicians cannot recognize a long QT
when they see one. Hear Rhythm. United States., 2005;2(6):569–74.
8. Antzelevitch C. Arrhythmogenic mechanisms of QT prolonging drugs: is QT prolongation really the
problem? J Electrocardiol. United States., 2004;37 Suppl:15–24.
9. Antzelevitch C, Shimizu W. Cellular mechanisms underlying the long QT syndrome. Curr Opin
Cardiol. United States., 2002;17(1):43–51.
10. El-Sherif N, Turrito G. The Long QT Syndrome and Torsade De Pointes. Pacing Clin Electrophysiol
[Internet]. Blackwell Publishing Ltd., 1999;22(1):91–110. doi.org
11. Antoniou C-K, Dilaveris P, Manolakou P, Galanakos S, Magkas N, Gatzoulis K, et al. QT Prolongation
and Malignant Arrhythmia: How Serious a Problem? Eur Cardiol Rev [Internet]. 2017 [cited 2018 Dec
23];12(2):112. ecrjournal.com
12. Schwartz PJ, Priori SG, Spazzolini C, Moss AJ, Vincent GM, Napolitano C, et al. Genotype-phenotype
correlation in the long-QT syndrome: gene-specific triggers for life-threatening arrhythmias.
Circulation. United States., 2001;103(1):89–95.
13. Ackerman MJ, Tester DJ, Porter CJ. Swimming, a gene-specific arrhythmogenic trigger for inherited
long QT syndrome. Mayo Clin Proc. England., 1999;74(11):1088–94.
14. Zhang L, Timothy KW, Vincent GM, Lehmann MH, Fox J, Giuli LC, et al. Spectrum of ST-T-wave
patterns and repolarization parameters in congenital long-QT syndrome: ECG findings identify
genotypes. Circulation. United States., 2000;102(23):2849–55.
15. Andersen ED, Krasilnikoff PA, Overvad H. Intermittent muscular weakness, extrasystoles, and
multiple developmental anomalies. A new syndrome? Acta Paediatr Scand. Sweden; 1971
Sep;60(5):559–64.
16. Tawil R, Ptacek LJ, Pavlakis SG, DeVivo DC, Penn AS, Ozdemir C, et al. Andersen’s syndrome:
potassium-sensitive periodic paralysis, ventricular ectopy, and dysmorphic features. Ann Neurol.
United States., 1994;35(3):326–30.
17. Splawski I, Timothy KW, Sharpe LM, Decher N, Kumar P, Bloise R, et al. Ca(V)1.2 calcium channel
dysfunction causes a multisystem disorder including arrhythmia and autism. Cell. United States.,
2004;119(1):19–31.
18. Splawski I, Timothy KW, Decher N, Kumar P, Sachse FB, Beggs AH, et al. Severe arrhythmia disorder
caused by cardiac L-type calcium channel mutations. Proc Natl Acad Sci U S A. United States.,
2005;102(23):8088–9.
19. Schwartz PJ, Crotti L. QTc behavior during exercise and genetic testing for the long-QT syndrome.
Circulation. United States;2011. p. 2181–4.
20. Vincent GM, Jaiswal D, Timothy KW. Effects of exercise on heart rate, QT, QTc and QT/QS2 in the
Romano-Ward inherited long QT syndrome. Am J Cardiol. United States., 1991;68(5):498–503.
21. Schwartz PJ, Priori SG, Locati EH, Napolitano C, Cantu F, Towbin JA, et al. Long QT syndrome
patients with mutations of the SCN5A and HERG genes have differential responses to Na+ channel
blockade and to increases in heart rate. Implications for gene-specific therapy. Circulation. United
States., 1995;92(12):3381–6.
22. Horner JM, Horner MM, Ackerman MJ.The diagnostic utility of recovery phase QTc during treadmill
exercise stress testing in the evaluation of long QT syndrome. Hear Rhythm [Internet]. Elsevier.,
2011;8(11):1698–704. doi.org
23. Ackerman MJ, Khositseth A, Tester DJ, Hejlik JB, Shen W-K, Porter CJ. Epinephrine-induced QT
interval prolongation: a gene-specific paradoxical response in congenital long QT syndrome. Mayo
Clin Proc. England., 2002;77(5):413–21.
24. Vyas H, Hejlik J, Ackerman MJ. Epinephrine QT stress testing in the evaluation of congenital long-QT
syndrome: diagnostic accuracy of the paradoxical QT response. Circulation. United States.,
2006;113(11):1385–92.
25. Viskin S, Postema PG, Bhuiyan ZA, Rosso R, Kalman JM, Vohra JK, et al. The response of the QT
interval to the brief tachycardia provoked by standing: a bedside test for diagnosing long QT
syndrome. J Am Coll Cardiol. United States., 2010;55(18):1955–61.
26. Roden DM. Drug-induced prolongation of the QT interval. N Engl J Med. United States.,
2004;350(10):1013–22.
27. Antzelevitch C. Heterogeneity and Cardiac Arrhythmias: An Overview. Heart Rhythm [Internet].
2007;4(7):964–72. ncbi.nlm.nih.gov
28. Gussak I, Brugada P, Brugada J, Wright RS, Kopecky SL, Chaitman BR, et al. Idiopathic short QT
interval: a new clinical syndrome? Cardiology. Switzerland., 2000;94(2):99–102.
29. Mazzanti A, Kanthan A, Monteforte N, Memmi M, Bloise R, Novelli V, et al. Novel insight into the
natural history of short QT syndrome. J Am Coll Cardiol. United States., 2014;63(13):1300–8.
30. Anttonen O, Junttila MJ, Rissanen H, Reunanen A, Viitasalo M, Huikuri H V. Prevalence and
prognostic significance of short QT interval in a middle-aged Finnish population. Circulation. United
States., 2007;116(7):714–20.
31. Funada A, Hayashi K, Ino H, Fujino N, Uchiyama K, Sakata K, et al. Assessment of QT intervals and
prevalence of short QT syndrome in Japan. Clin Cardiol. United States., 2008;31(6):270–4.
32. Kobza R, Roos M, Niggli B, Abacherli R, Lupi GA, Frey F, et al. Prevalence of long and short QT in a
young population of 41,767 predominantly male Swiss conscripts. Hear Rhythm. United States.,
2009;6(5):652–7.
33. Rudic B, Schimpf R, Borggrefe M. Short QT Syndrome – Review of Diagnosis and Treatment.
Arrhythmia Electrophysiol Rev [Internet]. 2014/08/30. Radcliffe Cardiology., 2014;3(2):76–9.
ncbi.nlm.nih.gov
34. Bjerregaard P, Gussak I. Short QT syndrome: mechanisms, diagnosis and treatment. Nat Clin Pract
Cardiovasc Med [Internet]. Nature Publishing Group., 2005;2:84. doi.org
35. Brugada P, Brugada J. Right bundle branch block, persistent ST segment elevation and sudden
cardiac death: a distinct clinical and electrocardiographic syndrome. A multicenter report. J Am Coll
Cardiol. United States., 1992;20(6):1391–6.
36. Antzelevitch C. The Brugada syndrome: ionic basis and arrhythmia mechanisms. J Cardiovasc
Electrophysiol. United States., 2001;12(2):268–72.
37. Liu M, Yang K-C, Dudley SC. Chapter Sixteen – Cardiac Sodium Channel Mutations: Why so Many
Phenotypes? In: French RJ, Noskov SYBT-CT in M, editors. Na Channels from Phyla to Function
[Internet]. Academic Press; 2016. p. 513–59. sciencedirect.com
38. Shimizu W, Matsuo K, Takagi M, Tanabe Y, Aiba T, Taguchi A, et al. Body surface distribution and
response to drugs of ST segment elevation in Brugada syndrome: clinical implication of eighty-seven-
lead body surface potential mapping and its application to twelve-lead electrocardiograms. J
Cardiovasc Electrophysiol. United States., 2000;11(4):396–404.
39. Coronel R, Casini S, Koopmann TT, Wilms-Schopman FJG, Verkerk AO, de Groot JR, et al. Right
ventricular fibrosis and conduction delay in a patient with clinical signs of Brugada syndrome: a
combined electrophysiological, genetic, histopathologic, and computational study. Circulation. United
States., 2005;112(18):2769–77.
40. Frustaci A, Priori SG, Pieroni M, Chimenti C, Napolitano C, Rivolta I, et al. Cardiac histological
substrate in patients with clinical phenotype of Brugada syndrome. Circulation. United States.,
2005;112(24):3680–7.
41. Postema PG, van Dessel PFHM, Kors JA, Linnenbank AC, van Herpen G, Ritsema van Eck HJ, et al.
Local depolarization abnormalities are the dominant pathophysiologic mechanism for type 1
electrocardiogram in brugada syndrome a study of electrocardiograms, vectorcardiograms, and body
surface potential maps during ajmaline provocation. J Am Coll Cardiol. United States.,
2010;55(8):789–97.
42. Wilde AAM, Postema PG, Di Diego JM, Viskin S, Morita H, Fish JM, et al. The pathophysiological
mechanism underlying Brugada syndrome: depolarization versus repolarization. J Mol Cell Cardiol
[Internet]. 2010/07/24. 2010;49(4):543–53. ncbi.nlm.nih.gov
43. Elizari MV, Levi R, Acunzo RS, Chiale PA, Civetta MM, Ferreiro M, et al. Abnormal expression of
cardiac neural crest cells in heart development: A different hypothesis for the etiopathogenesis of
Brugada syndrome. Hear Rhythm [Internet]. Elsevier., 2007;4(3):359–65. doi.org
44. Garcia-Niebla J, Serra-Autonell G, Bayes de Luna A. Brugada syndrome electrocardiographic pattern
as a result of improper application of a high pass filter. The American journal of cardiology. United
States;2012. p. 318–20.
45. Veltmann C, Papavassiliu T, Konrad T, Doesch C, Kuschyk J, Streitner F, et al. Insights into the
location of type I ECG in patients with Brugada syndrome: correlation of ECG and cardiovascular
magnetic resonance imaging. Hear Rhythm. United States., 2012;9(3):414–21.
46. Sern Lim H, Subbiah R, Leong-Sit P, J Gula L, C Skanes A, Yee R, et al. How to diagnose the cause
of sudden cardiac arrest. Cardiology journal;2011. 210-216 p.
47. Bayés de Luna A, Brugada J, Baranchuk A, Borggrefe M, Breithardt G, Goldwasser D, et al. Current
electrocardiographic criteria for diagnosis of Brugada pattern: a consensus report. J Electrocardiol
[Internet]. Elsevier., 2012;45(5):433–42. doi.org
48. Chevallier S, Forclaz A, Tenkorang J, Ahmad Y, Faouzi M, Graf D, et al. New electrocardiographic
criteria for discriminating between Brugada types 2 and 3 patterns and incomplete right bundle branch
block. J Am Coll Cardiol. United States., 2011;58(22):2290–8.
52. Benito B, Brugada J, Brugada R, Brugada P. Brugada Syndrome. Rev Española Cardiol (English Ed
[Internet]. Elsevier; 2009 Nov 1 [cited 2018 Dec 23];62(11):1297–315. elsevier.com
53. Babai Bigi MA, Aslani A, Shahrzad S. aVR sign as a risk factor for life-threatening arrhythmic events
in patients with Brugada syndrome. Hear Rhythm. United States., 2007;4(8):1009–12.
54. Fish JM, Antzelevitch C. Cellular mechanism and arrhythmogenic potential of T-wave alternans in the
Brugada syndrome. J Cardiovasc Electrophysiol. United States., 2008;19(3):301–8.
55. Sarkozy A, Chierchia G-B, Paparella G, Boussy T, De Asmundis C, Roos M, et al. Inferior and lateral
electrocardiographic repolarization abnormalities in Brugada syndrome. Circ Arrhythm Electrophysiol.
United States., 2009;2(2):154–61.
56. Morita H, Kusano KF, Miura D, Nagase S, Nakamura K, Morita ST, et al. Fragmented QRS as a
marker of conduction abnormality and a predictor of prognosis of Brugada syndrome. Circulation.
United States., 2008;118(17):1697–704.
57. Calo L, Giustetto C, Martino A, Sciarra L, Cerrato N, Marziali M, et al. A New Electrocardiographic
Marker of Sudden Death in Brugada Syndrome: The S-Wave in Lead I. J Am Coll Cardiol. United
States., 2016;67(12):1427–40.
58. Junttila MJ, Brugada P, Hong K, Lizotte E, DE Zutter M, Sarkozy A, et al. Differences in 12-lead
electrocardiogram between symptomatic and asymptomatic Brugada syndrome patients. J
Cardiovasc Electrophysiol. United States., 2008;19(4):380–3.
59. Anselm DD, Gottschalk BH, Baranchuk A. Brugada Phenocopies: Consideration of Morphologic
Criteria and Early Findings From an International Registry. Can J Cardiol [Internet]. Elsevier;
2014;30(12):1511–5. https://doi.org/10.1016/j.cjca.2014.09.023
60. Anselm DD, Evans JM, Baranchuk A. Brugada phenocopy: A new electrocardiogram phenomenon.
World J Cardiol [Internet]. 2014/03/26. Baishideng Publishing Group Co., Limited; 2014;6(3):81–6.
ncbi.nlm.nih.gov
61. Grant RP, Estes EHJ, Doyle JT. Spatial vector electrocardiography; the clinical characteristics of S-T
and T vectors. Circulation. United States., 1951;3(2):182–97.
62. Yan GX, Antzelevitch C. Cellular basis for the electrocardiographic J wave. Circulation. United States.,
1996;93(2):372–9.
63. Haïssaguerre M, Derval N, Sacher F, Jesel L, Deisenhofer I, de Roy L, et al. Sudden Cardiac Arrest
Associated with Early Repolarization. N Engl J Med [Internet]. Massachusetts Medical Society.,
2008;358(19):2016–23. doi.org
64. Nam G-B, Kim Y-H, Antzelevitch C. Augmentation of J Waves and Electrical Storms in Patients with
Early Repolarization. N Engl J Med [Internet]. Massachusetts Medical Society., 2008;358(19):2078–9.
doi.org
65. Rosso R, Kogan E, Belhassen B, Rozovski U, Scheinman MM, Zeltser D, et al. J-point elevation in
survivors of primary ventricular fibrillation and matched control subjects: incidence and clinical
significance. J Am Coll Cardiol. United States., 2008;52(15):1231–8.
66. Antzelevitch C, Yan G-X. J wave syndromes : Brugada and early repolarization syndromes. 1st ed.
Springer;2016. 327 p.
67. Rosso R, Glikson E, Belhassen B, Katz A, Halkin A, Steinvil A, et al. Distinguishing “benign” from
“malignant early repolarization”: the value of the ST-segment morphology. Hear Rhythm. United
States., 2012;9(2):225–9.
68. Gussak I, Bjerregaard P, Egan TM, Chaitman BR. ECG phenomenon called the J wave: History,
pathophysiology, and clinical significance. J Electrocardiol [Internet]. 1995;28(1):49–58.
sciencedirect.com
69. Macfarlane PW, Antzelevitch C, Haissaguerre M, Huikuri H V, Potse M, Rosso R, et al. The Early
Repolarization Pattern: A Consensus Paper. J Am Coll Cardiol. United States., 2015;66(4):470–7.
70. Adler A, Rosso R, Viskin D, Halkin A, Viskin S. What do we know about the “malignant form” of early
repolarization? J Am Coll Cardiol. United States., 2013;62(10):863–8.
71. Tikkanen JT, Anttonen O, Junttila MJ, Aro AL, Kerola T, Rissanen HA, et al. Long-Term Outcome
Associated with Early Repolarization on Electrocardiography. N Engl J Med [Internet]. Massachusetts
Medical Society., 2009;361(26):2529–37. doi.org
72. Antzelevitch C, Yan G-X. J wave syndromes. Hear Rhythm. United States; 2010 Apr;7(4):549–58.
73. Nakagawa M, Tsunemitsu C, Katoh S, Kamiyama Y, Sano N, Ezaki K, et al. Effect of ECG filter
settings on J-waves. J Electrocardiol. United States., 2014;47(1):7–11.
74. Shenasa M, Josephson ME, Estes III M. The ECG Handbook of Contemporary Challenges [Internet].
1st ed. Cardiotext Publishing; 2015. books.google.com.br
75. Berg KJ. Multifocal ventricular extrasytoles with Adams-Stokes syndrome in siblings. Am Heart J
[Internet]. 1960;60(6):965–70. sciencedirect.com
76. Priori SG, Napolitano C, Tiso N, Memmi M, Vignati G, Bloise R, et al. Mutations in the Cardiac
Ryanodine Receptor Gene (hRyR2) Underlie Catecholaminergic Polymorphic Ventricular Tachycardia.
Circulation [Internet]. 2001;103(2):196 LP-200. circ.ahajournals.org
77. Lahat H, Pras E, Olender T, Avidan N, Ben-Asher E, Man O, et al. A missense mutation in a highly
conserved region of CASQ2 is associated with autosomal recessive catecholamine-induced
polymorphic ventricular tachycardia in Bedouin families from Israel. Am J Hum Genet. United States.,
2001;69(6):1378–84.
78. Tester DJ, Medeiros-Domingo A, Will ML, Ackerman MJ. Unexplained drownings and the cardiac
channelopathies: a molecular autopsy series. Mayo Clin Proc. England., 2011;86(10):941–7.
Capítulo 25
Cardiomiopatias Arritmogênicas
José Nunes de Alencar Neto | Horácio Eduardo Veronesi
INTRODUÇÃO
Algumas cardiomiopatias cursam com achados eletrocardiográficos que podem ajudar no screening e
diagnóstico diferencial. Neste capítulo, revisaremos as mais importantes evidências sobre eletrocardiograma
na displasia arritmogênica do ventrículo direito, na doença de Chagas, na cardiomiopatia hipertrófica, na
amiloidose e na sarcoidose.
Displasia (ou cardiomiopatia) Arritmogênica do Ventrículo Direito (DAVD / CAVD) é uma doença genética
caracterizada por substituição patológica de miócitos do ventrículo direito (VD) por tecido fibrogorduroso (1–
3). Essa composição lipomatosa ou lipofibromatosa é responsável pelo atraso na despolarização e pelo
desenvolvimento de arritmias ventriculares malignas e morte súbita cardíaca. É uma doença genética
autossômica dominante, mas com uma forma recessiva com manifestações cutâneas associadas –
ceratodermia palmoplantar e cabelo lanoso (Síndrome de Carvajal-Naxos) (4–6). Os genes associados à
doença são desmossomais: placofilina 2, desmoplaquina, desmogleína 2, desmocolina, entre outros (7). A
expressão desse atraso na despolarização de células do ventrículo direito foi descrita pela primeira vez em
1978, quando Fontaine denominou esses minúsculos sinais localizados logo após os complexos QRS (V1-
V3), como “ondas épsilon” (8). Os diagnósticos diferenciais de DAVD incluem sarcoidose cardíaca,
taquicardias idiopáticas da via de saída, algumas cardiopatias congênitas com sobrecarga de volume do
ventrículo direito; e, no caso de envolvimento do VE, qualquer tipo de cardiomiopatia dilatada não isquêmica
idiopática (9).
É preciso enfatizar aqui que em até 12% dos casos, o ECG da DAVD pode ser normal (10). As alterações
eletrocardiográficas da DAVD podem ser divididas didaticamente em alterações de despolarização e de
repolarização.
A onda épsilon está presente em cerca de 10 a 35% dos pacientes com DAVD. É melhor visualizada nas
derivações precordiais à direita, possui baixa amplitude e é localizada entre o final do QRS e o início da
onda T (11). Fontaine nomeou essas ondas de “épsilon”, pois considerou esses “pequenos tremores”,
resultados da ativação tardia de alguma parte do VD, como uma onda pós-excitação. No alfabeto grego,
“epsilon” vem após “delta”, e como delta representa “fenômeno de pré-excitação”, para Fontaine pareceu
lógico que “ondas épsilon” (ε) representariam uma “onda de pós-excitação” (12). É justamente isso que
significa a delta: uma pós-excitação de células doentes na região subtricuspídea do VD (13).
O problema da onda épsilon é que é difícil vê-la: existe uma grande variabilidade na sua avaliação (14) e,
portanto, para alguns autores, acrescenta pouco valor diagnóstico. Além disso, a onda épsilon guarda relação
com a gravidade da doença: esperar a épsilon aparecer pode significar dar um diagnóstico muito tardio (15)
(Figura 1).
Figura 1 - ECG de DAVD. Onda épsilon: pequeno sinal após o fim do complexo QRS e antes da onda T. Inversão de T de V1
a V3.
No ECG, a épsilon é uma pequena deflexão pontiaguda ou ondulante que ocupa o segmento ST logo
após o complexo QRS (16). Em casos de distúrbios de condução do ramo direito, o examinador deve estar
ainda mais atento para não perder a onda épsilon de vista. Se o paciente apresentar um bloqueio de ramo
direito (BRD) de 1º grau, a épsilon aparecerá logo que o complexo QRS terminar. Se o paciente tiver um BRD
de 3º grau, a épsilon tende a estar dentro do QRS e mais: o achado de uma onda r’ < s em V1 é indicador
da doença com 88% de especificidade, mas o diagnóstico mesmo só será firmado com o uso do Task Force
Criteria (TFC), que será visto mais à frente (Figuras 2 e 3) (17).
Figura 2 - Tempo de aparecimento da onda épsilon.
A: no paciente que não apresenta distúrbio de condução, a épsilon se encontra após o fim do QRS, antes da onda T. B: em paciente
com algum atraso de condução, a épsilon se encontra logo após o fim do complexo QRS, às vezes sendo coincidente. C: em caso
de atraso de condução importante (bloqueio de ramo ou focal com QRS ≥ 120 ms), a épsilon se encontra dentro do complexo QRS.
Figura 3 - Algoritmo de suspeição de DAVD quando há bloqueio de ramo direito de 1º e 3º graus. Adaptado de Jain (17).
O uso das derivações de Fontaine (capítulo 3) pode melhorar a sensibilidade do ECG em encontrar
ondas épsilon (Figura 4 e 5) (18,19).
Figura 4 - Derivações de Fontaine para detecção de ondas épsilon da Displasia Arritmogênica do Ventrículo Direito.
Os eletrodos são posicionados no manúbrio esternal (braço direito), no apêndice xifoide (braço esquerdo) e no lugar de V4 (perna
esquerda) com o eletrodo de perna direita posicionado em qualquer lugar. As derivações D1, D2 e D3 devem ser gravadas e
substituídas pela nomenclatura F1, F2 e F3.
Figura 5 - ECG com derivações de Fontaine desmascarando ondas épsilon em F1, F2 e F3.
Atenção: a configuração do filtro de passas-baixas em 40 Hz pode ocultar ondas épsilon (Figura 6) (20).
Apesar de específica de DAVD, a onda épsilon não é patognomônica e pode ser visualizada em sarcoidose
(21), infarto do miocárdio de VD ou lateral (22,23) e Síndrome de Brugada (24), miocardite de células gigantes
(25) e pós-reparo de Tetralogia de Fallot (26), O atraso da ativação terminal (terminal activation delay –
TAD) está presente em 5 – 20% dos casos e é definido como o tempo do nadir da onda S até o final do
complexo QRS em V1 – V3 ≥ 55 ms (27,28). A Figura 7 compara o TAD em V1 com outras situações práticas.
Outro achado que possui o mesmo racional desse critério (mas não faz parte do TFC) é a duração somada
dos complexos QRS de V1 – V3 dividida pela duração somada dos QRS de V4 – V6 > 1,2. Esse achado,
nomeado aqui de Índice de Nasir, possui 91% de sensibilidade e 90% de especificidade (27).
Figura 6 - Desaparecimento progressivo das ondas épsilon quanto mais se filtra um ECG. A: passa-baixa a 150 Hz (padrão);
B: filtragem a 100 Hz (filtragem média); C: a 40 Hz (filtragem importante do traçado) não se vê mais onda épsilon. Adaptado
de García-Niebla (20).
Figura 7 - Comparativo de situações diagnósticas diversas em V1. Perceba em letra B, o terminal activation delay e sua
diferença para a letra C, o bloqueio de ramo direito de 1º grau. A primeira não possui onda r’, já a segunda possui.
A fragmentação do QRS é outro achado relativamente comum na DAVD. É definido como a presença de
quatro ou mais deflexões no complexo QRS (29). Tem baixa especificidade para essa doença, já que é vista
em diversas outras situações da prática clínica que envolvem a presença de tecido fibrótico: cardiomiopatia
isquêmica ou dilatada. É preciso ter cuidado, pois, em alguns casos, a onda épsilon pode confundir com a
fragmentação do QRS (Figura 8). O achado de um QRS fragmentado é um preditor independente de
mortalidade em qualquer que seja a patologia (30).
Despolarização
Onda épsilon (TFC – critério maior) Pequena e rápida deflexão no segmento ST. 30%
Achado Significado Prevalência
Terminal activation delay (TAD) ≥ 55 ms (TFC – Tempo do nadir da onda S até o final do complexo QRS (na
5 – 20%
critério menor) ausência de onda r’).
Fragmentação do QRS (não – TFC) Complexo QRS com 4 ou mais deflexões. 65%
Repolarização
Presente em até 83% dos pacientes, a inversão da onda T é um critério maior do TFC para diagnóstico
de DAVD (31) (Figura 1). Deve ser considerada um achado apenas quando encontrada em pacientes com
mais de 14 anos. Uma onda T invertida e profunda em V1 (≥ 3 mm) possui 97% de especificidade e 21% de
sensibilidade (32). Alterações inespecíficas do segmento ST (infra ou supradesnivelamento) também podem
ser encontradas (33).
ECG – Arritmias
Figura 9 - Taquicardia ventricular com padrão de bloqueio de ramo esquerdo em V1 e eixo inferior (positiva em D2, D3 e
aVF). Esse ECG é clássico de taquicardia idiopática da via de saída do ventrículo direito. O ECG feito após reversão para
ritmo sinusal, no entanto, demonstrava ondas épsilon e inversão de T de V1 – V3. Avaliação posterior diagnosticou DAVD.
Figura 10 - Acima: ECG de paciente em ritmo sinusal com ectopias ventriculares monomórficas. Observe a ausência de
onda épsilon, mas a presença de inversão de T em V1 e V2. Abaixo: ECG de taquicardia com padrão de BRE em V1 e eixo
superior (negativa em D2, D3 e aVF). Adaptado de José Alencar (11).
Quando a TV possui eixo inferior associada a padrão de BRE, o médico deve suspeitar de taquicardia da
via de saída do VD (Capítulo 21). Para diferenciar essa arritmia (benigna) da arritmia ventricular da DAVD
com eixo inferior, existem os Critérios de Hoffmayer (Tabela 2) (34,35). A Figura 11 traz um exemplo da
presença de notchs no complexo QRS da taquicardia, um dos critérios de Hoffmayer.
Figura 11 - Sinal da seta apontando para notchs no complexo QRS da taquicardia. Esse é um sinal presente nos Critérios
de Hoffmayer (34).
Tabela 2 - Critérios de Hoffmayer para diferenciação de TV idiopática de via de saída do VD e DAVD. Usar quando o
paciente apresentar taquicardia ventricular com padrão de BRE em V1 e eixo inferior. Uma pontuação ≥ 5 tem 83.3% de
sensibilidade e 100% de especificidade para o diagnóstico de DAVD. Adaptado de Hoffmayer (35).
Característica ECG Pontos
Sinusal
Taquicardia
Quando a TV possui eixo superior associada ao padrão de BRE, então, a principal suspeita é mesmo
DAVD e esse é um critério maior do TFC para diagnóstico. Ainda se deve suspeitar de taquicardia por
reentrada ramo a ramo (Capítulo 21) e taquicardia supraventricular com aberrância pelo ramo esquerdo
(Capítulo 20).
Arritmias atriais são mais prevalentes em pacientes com DAVD que na população geral (14 a 42% dos
pacientes) (36).
Em até 68% das autópsias de pacientes com DAVD foi encontrada infiltração de tecido fibrogorduroso no
sistema de condução (37). No entanto, apenas alguns relatos de bloqueio sinoatrial e bloqueio atrioventricular
estão presentes na literatura (38).
O ECG de alta resolução (ECG-AR) (Capítulo 30) detecta sinais de ativação ventricular tardia
denominados pós-potenciais, um substrato para taquiarritmias reentrantes (39). Os parâmetros que
encontram pós-potenciais no ECG-AR são úteis no diagnóstico da DAVD (Tabela 3). Esse exame está
presente como critério menor no TFC (Figura 12).
Tabela 3 - Sinais preditores da existência de pós-potenciais em um ECG-AR. Observação: usar em pacientes com um
complexo QRS que dure ≤ 110 ms.
Critério Valor
Figura 12 - Exemplo de ECG de alta resolução de um paciente com suspeita de DAVD. Seu QRS filtrado é de 110 ms, a
duração de sinais tardios com amplitude < 40 microvolts prolongados (LAS – Terminal QRS) é 42,5 (valor alterado: ≥ 38
ms). Raiz quadrada da voltagem dos últimos 40 ms do complexo QRS (RMS – Terminal QRS) é 15,71 (valor alterado: ≤ 20
microvolts). ECG-AR, portanto, considerado como alterado.
ECG no Exercício
A morte súbita cardíaca desses pacientes pode ocorrer no exercício (40,41). O exercício pode, inclusive,
desmascarar ondas épsilon e TAD (Figura 13) (42).
Diagnóstico
Para o diagnóstico da DAVD, foi proposto o Task Force Criteria (TFC), em 1994 (43), e revisado em 2010
(44), aumentando a sensibilidade de 57% para 71% (45), em parte por conta dos avanços das modalidades
de imagem como ressonância cardíaca e melhorias nos critérios ecocardiográficos. No TFC 2010, o ECG
ainda possui papel importante, com dois critérios maiores e dois critérios menores. Para diagnóstico definitivo
da DAVD, o paciente precisa preencher dois critérios maiores, 1 maior + 2 menores ou 4 menores.
Diagnóstico borderline é dado quando há 1 maior + 1 menor ou 3 menores. Diagnóstico possível quando há 1
maior ou 2 menores (Tabela 4).
Tabela 4 - Task Force Criteria para diagnóstico da DAVD. Diagnóstico definitivo: 2 maiores, 1 maior + 2 menores ou 4
menores. Diagnóstico borderline: 1 maior + 1 menor ou 3 menores. Diagnóstico possível: 1 maior ou 2 menores
Disfunção global ou regional e alterações estruturais
Disfunção global ou regional e alterações estruturais
Maiores:
Ecocardiograma bidimensional:
Ressonância cardíaca:
Volume telediastólico do VD/área de superfície corporal ≥ 110 mL/m2 (homem) e ≥ 100 mL/m2 (mulher)
ou fração de ejeção do VD ≤ 40%.
Angiografia do VD
Menores:
Ecocardiograma bidimensional:
VSVD no paraesternal eixo longo ≥ 29 to < 32 mm (corrigido pela superfície corporal 16 a 19 mm/m2)
Ressonância cardíaca:
Volume telediastólico do VD/área de superfície corporal ≥ 100 e < 110 mL/m2 (homens) or ≥ 90 e < 100
mL/m2 (mulheres).
ou fração de ejeção do VD > 40% to ≤ 45%.
Caracterização tecidual
Maior:
Substituição do miocárdio do VD por fibroblastos (< 60% de miócitos residuais numa amostra) com ou sem substituição
por tecido adiposo.
Menor:
Substituição do miocárdio do VD por fibroblastos (60 – 75% de miócitos residuais em mais de uma amostra) com ou
sem substituição por tecido adiposo.
Disfunção global ou regional e alterações estruturais
Alterações de repolarização
Maior:
Ondas T invertidas em V1 – V3 ou além em pacientes com > 14 anos (na ausência de bloqueio de ramo direito de 3º
grau e QRS ≥ 120 ms).
Menores:
Ondas T invertidas em V1 e V2 (ou V4 – V6) em pacientes com > 14 anos (na ausência de bloqueio de ramo direito de
3º grau e QRS ≥ 120 ms).
Ondas T invertidas em V1 – V4 em pacientes com > 14 anos (na presença de bloqueio de ramo direito de 3º grau e
QRS ≥ 120 ms).
Anormalidades da despolarização
Maior:
Onda epsilon (sinal reprodutível de baixa amplitude entre o fim do QRS e o começo da onda T) em derivações
precordiais direitas (V1 a V3).
Menor:
Pós-potenciais no ECG-AR pela presença de pelo menos um dos três parâmetros seguintes (na ausência de QRS que
dura ≥ 110 ms no ECG padrão):
Arritmias
Maior:
Taquicardia ventricular sustentada ou não sustentada com morfologia de bloqueio de ramo esquerdo e eixo superior
(QRS negativo ou indeterminada em D2, D3 e aVF e positiva em aVL).
Menor:
Ventricular sustentada ou não sustentada com configuração de via de saída do VD: morfologia de bloqueio de ramo
esquerdo com eixo inferior (QRS positivo em D2, D3 e aVF e negativo em aVL) ou com eixo indeterminado.
> 500 extrassístoles ventriculares em 24 horas (Holter).
História familiar
Maior:
Menor:
Disfunção global ou regional e alterações estruturais
História de DAVD em parente de 1º grau em que não foi possível ou prático determinar se esse familiar preenche ou
não critérios do Task Force.
Morte súbita prematura (< 35 anos) devido à suspeita de DAVD em parente de primeiro grau.
DAVD confirmada por biópsia ou por TFC em parente de segundo grau.
DOENÇA DE CHAGAS
A doença de Chagas é muito prevalente na América Latina e, nos últimos anos, tem-se notado um
aumento da sua repercussão mundial: são relatados casos em países não endêmicos da Europa e América
do Norte devido aos processos de migração (46,47). É causada classicamente pelo contato com o parasita
Trypanosoma cruzi, presente nas fezes de um vetor (barbeiro, kissing bug). Nos últimos anos, no entanto,
esse perfil mudou, quando percebeu-se uma progressiva importância da via de transmissão oral, em que o
consumo de açaí parece constituir-se como principal vilão: atualmente, 68,9% dos novos casos são
transmitidos por via oral (48–50). Além das vias vetorial e oral, a doença de Chagas pode também ser
transmitida por via vertical, acidental, por transfusão sanguínea ou transplante. O primeiro caso foi descrito
pelo médico brasileiro Carlos Chagas, em 1909, em uma paciente de 2 anos de idade chamada Berenice, que
tinha febre de 39,4º C, edema facial e periorbitário, linfonodomegalia e hepatoesplenomegalia. O T. cruzi foi
encontrado em uma amostra de sangue periférico dessa paciente (51–53).
O diagnóstico, seja na fase aguda ou na crônica, é realizado mediante a soma de dados epidemiológicos,
da história clínica e dos exames complementares, em que o ECG é crucial (54). A doença, que atualmente
atinge entre 1,9 e 4,6 milhões de pessoas no Brasil (1 a 2,4% da população) (55), tem cursos clínicos
variados. Por sorte, aproximadamente 70 a 80% dos indivíduos com a forma crônica da infecção por T. cruzi
permanecem assintomáticos, sendo enquadrados na chamada “forma indeterminada”, enquanto 20 a 30%
desenvolvem a forma“determinada” cardíaca, e 10% desenvolvem a forma neurológica ou gastrointestinal
(56–58).
A cardiopatia chagásica é um processo de dilatação ventricular causado por inflamação crônica de baixa
intensidade, mas incessante, necrose celular e fibrose, ocasionando em graus avançados cardiomiopatia
dilatada, disfunção ventricular e aneurisma. Após a intensa miocardite da fase aguda, a inflamação regride e
persiste focalmente com baixa intensidade, enquanto se mantém a já citada forma indeterminada crônica da
doença. Esse processo inflamatório fibrosante atinge diversas regiões do sistema de condução cardíaco: nó
sinusal, nó atrioventricular e feixe de His, fascículo anterossuperior e ramo direito. Além disso, células
miocárdicas ventriculares esquerdas em sua porção inferolateral e epicárdicas são substituídas por tecido
fibrótico, dando origem a mecanismos arrítmicos reentrantes (59). Por conseguinte, bradicardia, bloqueios
atrioventriculares, bloqueios de ramo, fibrilação atrial, ectopias e arritmias ventriculares sustentadas, além da
disfunção biventricular são os marcos da cardiomiopatia chagásica (57,58,60).
O eletrocardiograma é uma ferramenta útil como screening na fase aguda da doença. O período agudo é,
geralmente, autolimitado. Os sintomas são inespecíficos: febre, mal-estar, linfadenopatia; pode haver sinais
clássicos como o de Romaña (complexo oftalmo-ganglionar). Os casos mais graves (1-5%) podem se
apresentar como miocardite, evidenciada ao eletrocardiograma como taquicardia sinusal, baixa voltagem dos
complexos QRS, prolongamento dos intervalos PR e QT, alterações de repolarização ventricular, fibrilação
atrial, ectopias ventriculares, bloqueio de ramo direito (61).
Conforme diferentes séries, o ECG pode ser normal entre 30 - 60% dos pacientes em fase aguda,
aumentando essa proporção no acompanhamento dos pacientes durante os anos seguintes. O ECG normal
nos primeiros 5-10 anos representa um bom prognóstico, fazendo desse método uma ferramenta fundamental
de acompanhamento a longo prazo (62).
As alterações eletrocardiográficas mais comuns são: bloqueio de ramo direito (BRD), associação do
BRD com bloqueio divisional anterossuperior (BDAS) presente em mais de 50% dos pacientes,
alterações de repolarização ventricular e extrassístoles ventriculares. Migliore e cols observaram que o
BDAS está mais associado à disfunção sistólica e diastólica e às alterações na contratilidade segmentar que
o BRD isoladamente. A presença desse duplo bloqueio (BRD + BDAS) é altamente específica para
doença de Chagas quando comparado as outras cardiomiopatias (63–66) (Figura 14).
Figura 14 - Paciente com cardiomiopatia chagásica apresentando bloqueio do ramo direito e bloqueio divisional
anterossuperior. Imagem gentilmente cedida pelo Centro de Telessaúde do Hospital de Clínicas/UFMG.
A presença de bloqueio de ramo esquerdo (BRE) é muito incomum na doença de Chagas (uma
prevalência em torno de 3%, variando entre 0,5% e 7,1%) (Tabela 5) (67–73), sendo, inclusive, associado a
uma improbabilidade diagnóstica (OR: 0,35; 0,14 – 0,88; p = 0,02) (64). Quando houver BRE, Chagas
passa a ser diagnóstico de exclusão. Quando presente em paciente comprovadamente portador de
sorologia para Chagas, há uma associação com pior prognóstico (70).
Tabela 5 - Achados eletrocardiográficos de bloqueios de ramo e divisionais em pacientes com doença de Chagas (67–73).
Autor (ano) Amostra BRD BRD + BDAS BRE
Flutter e fibrilação atrial são costumeiramente tardios e costumam aparecer quando graus mais graves de
cardiomiopatia já estão instalados (64).
CARDIOMIOPATIA HIPERTRÓFICA
A cardiomiopatia hipertrófica (CM-P-H) é uma doença genética; a mais comum entre as doenças
cardíacas; com uma prevalência de 1/500 na população, é transmitida de forma autossômica dominante. É
caracterizada por uma hipertrofia geralmente assimétrica do ventrículo esquerdo, sem dilatação das
cavidades, não sendo explicada por doenças clínicas sistêmicas como hipertensão ou cardíacas como
isquemia miocárdica ou valvopatias, que possam justificar essa condição (79–81).
A importância do conhecimento dessa doença baseia-se no fato de ser a causa de morte súbita mais
comum em jovens, incluindo atletas competitivos (79,82). São descritas mais de 1400 mutações em 12
genes responsáveis por codificar proteínas sarcoméricas associados à doença. Podemos citar algumas
proteínas e genes: proteína C de ligação à miosina (MYBPC3), cadeia pesada da beta-miosina (MYH7), e
troponina T (TNNT2). Existem ainda outras causas de fenótipo de cardiomiopatia hipertrófica, dentre as quais:
(a) genéticas associadas a erros do metabolismo, (b) doenças neuromusculares como ataxia de Friederich,
(c) mitocondriais, (d) a amiloidose; (e) secundária ao uso de drogas como tacrolimus, corticoides. Isso
demonstra a grande variabilidade genética e fenotípica da doença (83). O espectro clínico é amplamente
variável: desde assintomático por toda a vida, podendo apresentar sintomatologia inespecífica como dor
torácica até a morte súbita (84,85).
Didaticamente podemos dividir os padrões de hipertrofia muscular em: septal assimétrica (mais comum);
concêntrica; apical (síndrome de Yamaguchi); e menos frequentemente lateral e medioventricular (Figura
15) (89). Em termos funcionais, a CMP-H pode ser dividida em: obstrutiva; obstrutiva latente; e não obstrutiva.
A definição de obstrução do ventrículo esquerdo é a presença de um gradiente intraventricular > 30 mmHg.
Figura 15 - Diferentes padrões de acometimento muscular da cardiomiopatia hipertrófica. A: normal; B: septal assimétrico;
C: concêntrico; D: apical; E: lateral; F: medioventricular.
Crianças
Eletrocardiograma
Figura 16 - Padrão de cardiomiopatia hipertrófica. Observe as ondas q rápidas e profundas em D1, aVL, V4 a V6; e a onda R
alta em V1 e V2. Critérios de SVE estão presentes.
Figura 17 - Paciente com cardiomiopatia hipertrófica e padrão de repolarização precoce. A elevação do ponto J em duas
derivações contíguas marca um aumento de até quatro vezes no risco de morte súbita. Imagem gentilmente cedida pela
Dra. Gabriela Miana de Mattos Paixão/ Hospital de Clinicas da UFMG.
Nesse tipo de acometimento, observamos ondas R amplas em V1 e V2 (93). Além disso, Jalanko
demonstrou um bom perfil de sensibilidade e especificidade para o padrão de amplitude da onda R em V1 a
V3: RV1<RV2>RV3 no intuito de diferenciar pacientes com CMP-H sem hipertrofia ventricular de pacientes
com CMP-H e hipertrofia estabelecida, podendo ser um importante sinal no screening de portadores da
doença (Figura 18).
Figura 18 - ECG de uma paciente de 18 anos portadora de gene de cardiomiopatia hipertrófica, mas sem expressão
fenotípica de hipertrofia ventricular. Observe que a onda R em V2 é maior que em V1 e V3, o sinal de Jalanko.
Um achado encontrado pelo nosso grupo foi a correlação entre uma maior amplitude da onda R em D1 e
o padrão de hipertrofia concêntrica (tipo que apresentou, em nossa amostra, uma maior quantidade de
fibrose) (86). A inversão da onda T em derivações inferolaterais (≥ 3 mm em V3 a V6, D1 e aVL e ≥ 5 mm
em D2, D3 e AVF) é muito característica dessa doença e quando se fazem presentes T negativas gigantes (>
10 mm) devemos pensar no padrão apical ou “Síndrome de Yamaguchi” (94) (Figura 19).
Figura 19 - Cardiomiopatia hipertrófica do tipo apical ou Síndrome de Yamaguchi. Observe a inversão de onda T com
grande amplitude (> 10 mm em V4).
Mais um achado de relativa prevalência é a pré-excitação ventricular presente nos pacientes com doenças
mitocondriais (como MELAS, MERFF) e de depósito, como Pompe, Danon, e a síndrome do PRKAG2, que
cursa com vias acessórias atípicas do tipo fascículo-ventricular (Capítulo 19) (Figura 20) (95).
Figura 20 - ECG de um paciente com síndrome do PRKAG2. Em A, observe o intervalo PR curto com onda delta presente
em D1, D3 e aVF. Além disso, há onda Q ≤ 35 ms e ampla em aVL, achado inconsistente com pré-excitação ventricular
típica, já que o início da ativação ventricular desses pacientes é lenta. O paciente em questão possuía uma via acessória
atípica fascículo-ventricular. B e C são os exames de imagem que confirmaram o fenótipo de CMP-H.
Podemos citar ainda: onda P mitrale, desvio de eixo elétrico para a esquerda, infradesnivelamento do
segmento ST e distúrbios na condução (96,97).
Tabela 7 - Alterações eletrocardiográficas que podem sugerir anormalidades morfológicas ou etiologias específicas de
CMP-H.
Doenças de depósito (Pompe, PRKAG2 e Danon) e desordens
PR curto – Pré-excitação mitocondriais (MELAS, MERFF)- PR curto sem pré-excitação: Anderson-
Fabry.
SVE (Sokolow ≥ 50 mm) Pompe, Danon; pode ser causado por pré-excitação
Baixa voltagem (ou voltagem normal a despeito do É visto em até 50% dos pacientes com Amilodose AL e 20% dos pacientes
aumento da massa ventricular) com amiloidose ATTR.
Desvio do eixo elétrico para extrema direita Noonan com hipertrofia severa da via de saída do ventrículo direito.
T negativas gigantes (> 10 mm) Em derivações precordiais ou inferolaterais: CMP-H apical
Elevação do ST côncava em parede lateral Em pacientes com CMP-H apical e presença de aneurisma.
Um diagnóstico diferencial importante que se faz aqui é com o “coração de atleta”. O leitor deve ficar
ciente que o exercício físico intenso leva a uma hipertrofia miocárdica que, às vezes, pode chegar a valores
de até 13 a 14 mm. Como a cardiomiopatia hipertrófica é uma causa importante de morte súbita nessa
população, a correta diferenciação entre CMP-H e o “coração de atleta” é crucial. A Tabela 8 resume as
diferenças entre o “coração do atleta” e a CMP-H (98).
Tabela 8 - Diferenças entre o coração do atleta e a cardiomiopatia hipertrófica, particularmente importante quando houver
pelo menos um seguimento miocárdico ventricular com espessura entre 13 e 14 mm.
Cardiomiopatia hipertrófica Atletas
+ Sintomas -
+ História familiar -
+ Sexo feminino -
+ Eletrocardiograma alterado -
+ DDVE < 52 mm -
+ Septo > 15 mm -
Um estudo demonstrou que atletas com ECG normal não apresentaram diagnóstico de CMP-H em nove
anos de seguimento, ao passo que aqueles com ECG alterado tiveram diagnóstico de cardiomiopatia dilatada
ou hipertrófica (99).
Arritmias
Nesses pacientes existe prevalência importante de arritmias supraventriculares (40%) (100). A fibrilação
atrial está presente em até 25% dos pacientes com esse diagnóstico (101).
O bloqueio atrioventricular é raro e deve fazer o médico assistente suspeitar de subtipos genéticos mais
raros ou doença de Fabry. Pode também aparecer durante o curso da doença, manifestando-se clinicamente
como insuficiência cardíaca ou síncope (102).
As arritmias ventriculares são frequentes nessa população: taquicardia ventricular não sustentada foi
encontrada em até 25% dos doentes e se associa a um risco mais de quatro vezes maior de morte súbita
(103). A taquicardia ventricular sustentada por mecanismo reentrante em áreas perifibróticas, tal qual ocorre
na cardiomiopatia isquêmica, no Chagas e na displasia arritmogênica do VD, é uma das causas de morte
súbita nessa população (104).
AMILOIDOSE
Figura 21 - ECG de uma mulher de 71 anos com mieloma e amiloidose cardíaca. ECG demonstra baixa amplitude de
complexos no plano frontal.
Figura 22. ECG de um idoso com passado de hipertensão e clínica recente de insuficiência cardíaca. Ecocardiograma
demonstra hipertrofia miocárdica, mas o ECG traz complexos de amplitudes normais. Isso deve chamar atenção para um
possível diagnóstico de amiloidose, que foi confirmado nesse caso.
Figura 23 - Paciente em investigação por Amiloidose (ATTRwt). ECG demonstra amplitude reduzida dos complexos no
plano frontal. Imagem gentilmente cedida pela Dra. Daniela Perotti/Rosario/Argentina.
Tabela 10 - Comparação de achados eletrocardiográficos em Amiloidose e cardiomiopatia hipertrófica.
Achados Amiloidose CMP-H
SARCOIDOSE
É uma doença granulomatosa sistêmica de etiologia não esclarecida que se caracteriza pela presença de
granulomas não caseosos nos tecidos. A prevalência varia de 5-60/100.000. O comprometimento cardíaco
pode ser restrito ou estar associado a acometimento sistêmico. Pode acometer os ventrículos isoladamente
ou ser biventricular. O diagnóstico padrão ouro é a biopsia, embora os métodos de imagem como o
ecocardiograma ou ressonância acrescentem pistas diagnósticas (111).
O diagnóstico dessa patologia é fundamental devido à elevada taxa de morte súbita (50%
aproximadamente). Um diagnóstico diferencial importante se faz com a DAVD, já que a infiltração tecidual por
granulomas simula o eletrocardiograma de displasia, inclusive com possível aparecimento de ondas épsilon
e inversão de ondas T de V1 a V3 (Figura 24) (113,114). O achado de bloqueios atrioventriculares de
qualquer grau, alargamento do complexo QRS, uma idade mais avançada de início dos sintomas (45 x 20
anos) e o acometimento septal falam mais a favor do diagnóstico de sarcoidose que DAVD (115).
REFERÊNCIAS
1. Marcus FI, Fontaine GH, Guiraudon G, Frank R, Laurenceau JL, Malergue C, et al. Right ventricular
dysplasia: a report of 24 adult cases. Circulation., 1982;65(2).
2. Corrado D, Basso C, Thiene G, McKenna WJ, Davies MJ, Fontaliran F, et al. Spectrum of
clinicopathologic manifestations of arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy/dysplasia: A
multicenter study. J Am Coll Cardiol., 1997;30(6):1512–20.
3. Thiene G, Nava A, Corrado D, Rossi L, Pennelli N. Right Ventricular Cardiomyopathy and Sudden
Death in Young People. N Engl J Med [Internet]. 1988 Jan 21 [cited 2017 Jan 2];318(3):129–33.
nejm.org
4. Carvajal-Huerta L. Epidermolytic palmoplantar keratoderma with woolly hair and dilated
cardiomyopathy. J Am Acad Dermatol., 1998 Sep;39(3):418–21.
10. Te Riele ASJM, James CA, Bhonsale A, Groeneweg JA, Camm CF, Murray B, et al. Malignant
Arrhythmogenic Right Ventricular Dysplasia/Cardiomyopathy with a normal 12-lead
electrocardiogram: A rare but underrecognized clinical entity. Hear Rhythm [Internet].
2013;10(10):1484–91. doi.org
11. Alencar Neto JN de, Baranchuk A, Bayes-Genis A, Bayes de Luna A. Arrhythmogenic right ventricular
dysplasia/cardiomyopathy: an electrocardiogram-based review. Europace., 2018;20(FI1):f3–12.
12. Hurst JW. Naming of the Waves in the ECG, With a Brief Account of Their Genesis. Circulation
[Internet]. 1998;98(18):1937–42. ncbi.nlm.nih.gov circ.ahajournals.org
13. Tanawuttiwat T, Te Riele ASJM, Philips B, James CA, Murray B, Tichnell C, et al. Electroanatomic
correlates of depolarization abnormalities in arrhythmogenic right ventricular
dysplasia/cardiomyopathy. J Cardiovasc Electrophysiol., 2016;27(4):443–52.
14. Platonov PG, Calkins H, Hauer RN, Corrado D, Svendsen JH, Wichter T, et al. High interobserver
variability in the assessment of epsilon waves: Implications for diagnosis of arrhythmogenic right
ventricular cardiomyopathy/dysplasia. Hear Rhythm [Internet]. 2016;13(1):208–16. doi.org
15. Abrams DJ, Kirkby C, Page SP, Earley MJ, Nitiou D, Kelsell DP, et al. Evolution of
electrocardiographic and structural features over 3 decades in arrhythmogenic cardiomyopathy.
Circulation., 2015;131(25):2233–5.
16. Wang J, Yang B, Chen H, Ju W, Chen K, Zhang F, et al. Epsilon waves detected by various
electrocardiographic recording methods: in patients with arrhythmogenic right ventricular
cardiomyopathy. Texas Hear Inst J [Internet]. 2010;37(4):405–11. ncbi.nlm.nih.gov
17. Jain R, Dalal D, Daly A, Tichnell C, James C, Evenson A, et al. Electrocardiographic Features of
Arrhythmogenic Right Ventricular Dysplasia. Circulation [Internet]. 2009;120(6):477. ncbi.nlm.nih.gov
19. Gottschalk B, Gysel M, Barbosa-Barros R, De Sousa Rocha RP, Pérez-Riera AR, Zhang L, et al. The
Use of Fontaine Leads in the Diagnosis of Arrhythmogenic Right Ventricular Dysplasia. Ann
Noninvasive Electrocardiol [Internet]. 2014;19(3):279–84. doi.org
20. García-Niebla J, Baranchuk A, Bayés de Luna A. Epsilon Wave in the 12-Lead Electrocardiogram: Is
Its Frequency Underestimated? Rev Española Cardiol (English Ed [Internet]. 2016;69(4):438.
elsevier.com
21. Ott P, Marcus FI, Sobonya RE, Morady F, Knight BP, Fuenzalida CE. Cardiac sarcoidosis
masquerading as right ventricular dysplasia. Pacing Clin Electrophysiol [Internet]. 2003;26(7 Pt
1):1498–503. ncbi.nlm.nih.gov
22. Zorio E, Arnau MA, Rueda IN, Almenar L, Osa ANA, Inez-dolz LM, et al.The Presence of Epsilon
Waves in a Patient with Acute Right Ventricular Infarction. Arch Mal Coeur Vaiss.
2005;28(March):245–7.
23. Andreou AY. Epsilon waves in right ventricular myocardial infarction. Texas Hear Inst J [Internet].
2012;39(2):306. ncbi.nlm.nih.gov
24. Letsas KP, Efremidis M, Weber R, Korantzopoulos P, Protonotarios N, Prappa E, et al. Epsilon-like
waves and ventricular conduction abnormalities in subjects with type 1 ECG pattern of Brugada
syndrome. Hear Rhythm [Internet]. 2011;8(6):874–8. doi.org
25. Vollmann D, Goette A, Kandolf R, Hasenfuss G. Epsilon waves in giant-cell myocarditis. Eur Heart J.,
2014;35(1):9.
26. George BA, Ko JM, Lensing FD, Kuiper JJ, Roberts WC. “Repaired” tetralogy of fallot mimicking
arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy (Another Phenocopy). Am J Cardiol.,
2011;108(2):326–9.
27. Nasir K, Bomma C, Tandri H, Roguin A, Dalal D, Prakasa K, et al. Electrocardiographic features of
arrhythmogenic right ventricular dysplasia/cardiomyopathy according to disease severity: A need to
broaden diagnostic criteria. Circulation., 2004;110(12):1527–34.
28. Fontaine G, Umemura J, Di Donna P, Tsezana R, Cannat JJ, Frank R. Duration of QRS complexes in
arrhythmogenic right ventricular dysplasia. A new non-invasive diagnostic marker. Ann Cardiol
Angeiol (Paris)., 1993;42(8):399–405.
29. Zhang L, Liu L, Kowey PR, Fontaine GH. The electrocardiographic manifestations of arrhythmogenic
right ventricular dysplasia. Curr Cardiol Rev [Internet]. 2014;10(3):237–45. pubmedcentral.nih.gov
30. Das MK, Suradi H, Maskoun W, Michael MA, Shen C, Peng J, et al. Fragmented wide QRS on a 12-
lead ECG: a sign of myocardial scar and poor prognosis. Circ Arrhythm Electrophysiol.,
2008;1(4):258–68.
34. Hoffmayer KS, MacHado ON, Marcus GM, Yang Y, Johnson CJ, Ermakov S, et al.
Electrocardiographic comparison of ventricular arrhythmias in patients with arrhythmogenic right
ventricular cardiomyopathy and right ventricular outflow tract tachycardia. J Am Coll Cardiol [Internet].
2011;58(8):831–8. doi.org
35. Hoffmayer KS, Bhave PD, Marcus GM, James CA, Tichnell C, Chopra N, et al. An
electrocardiographic scoring system for distinguishing right ventricular outflow tract arrhythmias in
patients with arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy from idiopathic ventricular tachycardia.
Hear Rhythm [Internet]. 2013;10(4):477–82. doi.org
36. Chu AF, Zado E, Marchlinski FE. Atrial arrhythmias in patients with arrhythmogenic right ventricular
cardiomyopathy/dysplasia and ventricular tachycardia. Am J Cardiol [Internet]. 2010;106(5):720–2.
sciencedirect.com
37. Peters S. Conduction abnormalities in arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy. Int J Cardiol
[Internet]. 2013 Jan 4;168(5):4920–1. doi.org
38. Bruña V, Díez-Villanueva P, Martínez-Sellés M, Datino T, Fernández-Avilés F. Atrioventricular
Conduction Disorder as a First Manifestation of Arrhythmogenic Right Ventricular Dysplasia. Rev Esp
Cardiol (Engl Ed) [Internet]. 2016;(x):3–5. ncbi.nlm.nih.gov
39. Breithardt G, Borggrefe M. Pathophysiological mechanisms and clinical significance of ventricular late
potentials. Eur Hear J., 1986;7:364–85.
40. Dalal D, Nasir K, Bomma C, Prakasa K, Tandri H, Piccini J, et al. Arrhythmogenic right ventricular
dysplasia: A United States experience. Circulation., 2005;112(25):3823–32.
41. Tabib A, Loire R, Chalabreysse L, Meyronnet D, Miras A, Malicier D, et al. Circumstances of Death
and Gross and Microscopic Observations in a Series of 200 Cases of Sudden Death Associated With
Arrhythmogenic Right Ventricular Cardiomyopathy and/or Dysplasia. Circulation [Internet]. 2003 Dec
15;108(24):3000 LP – 3005. circ.ahajournals.org>.
42. Adler A, Perrin MJ, Spears D, Gollob MH. Epsilon Wave Uncovered by Exercise Test in a Patient With
Desmoplakin-Positive Arrhythmogenic Right Ventricular Cardiomyopathy. Can J Cardiol [Internet].
2015;31(6):819.e1-819.e2. doi.org
43. McKenna WJ, Thiene G, Nava A, Fontaliran F, Blomstrom-Lundqvist C, Fontaine G, et al. Diagnosis
of arrhythmogenic right ventricular dysplasia/cardiomyopathy. Task Force of the Working Group
Myocardial and Pericardial Disease of the European Society of Cardiology and of the Scientific
Council on Cardiomyopathies of the International Society. Br Heart J., 1994 Mar;71(3):215–8.
44. Marcus FI, McKenna WJ, Sherrill D, Basso C, Bauce B, Bluemke DA, et al. Diagnosis of
arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy/Dysplasia: Proposed modification of the task force
criteria. Circulation., 2010;121(13):1533–41.
47. Traina MI, Hernandez S, Sanchez DR, Dufani J, Salih M, Abuhamidah AM, et al. Prevalence of
Chagas Disease in a U.S. Population of Latin American Immigrants with Conduction Abnormalities on
Electrocardiogram. PLoS Negl Trop Dis., 2017;11(1):1–8.
48. Marques J, Mendoza I, Noya B, Acquatella H, Palacios I, Marques-mejias M. Original Article ECG
Manifestations of the Biggest Outbreak of Chagas Disease due to Oral Infection in Latin-America. Arq
Bras Cardiol., 2013;101(3):249–54.
49. Santos VRC Dos, Meis J de, Savino W, Andrade JAA, Vieira JRDS, Coura JR, et al. Acute Chagas
disease in the state of Para, Amazon Region: is it increasing? Mem Inst Oswaldo Cruz.,
2018;113(5):e170298.
50. Ministério da Saúde (BR). Doença de Chagas aguda no Brasil: série histórica de 2000 a 2013. Bol
Epidemiol., 2015;46(21):1–9.
51. Lewinsohn R. Carlos Chagas and the discovery of Chagas’ disease (American trypanosomiasis). J R
Soc Med., 1981;74(6):451–5.
52. Chagas C. Über eine neve Trypanosomiasis des Menschen. Arch Für Schiffs-und Tropen-
Hygiene;1909.
53. Coura JR. The discovery of Chagas disease (1908-1909): great successes and certain
misunderstandings and challenges . Vol. 46, Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical .
scielo;2013. p. 389–90.
54. Dias JC, Ramos AN, Gontijo ED, Luquetti A, Shikanai-Yasuda MA, Coura JR, et al. II Consenso
Brasileiro em Doença de Chagas, 2015. Epidemiol e Serviços Saúde., 2016;25(21):1–10.
55. Martins-Melo FR, Ramos ANJ, Alencar CH, Heukelbach J. Prevalence of Chagas disease in Brazil: a
systematic review and meta-analysis. Acta Trop., 2014;130:167–74.
56. Oliveira MT de, Batista DV, Chaves DM, Reis PFF dos, Maia CHG, Dias Neto V, et al.
Recomendações para Análise Multimodalidade de Imagem Cardíaca em Pacientes com Doença de
Chagas: Relatório da American Society of Echocardiography, com Colaboração da Asociación de
Ecocardiografía e Imagen Cardiovascular de la Sociedad Interamericana de C. Arq Bras Cardiol
Imagem Cardiovasc., 2018;31(4):225–51.
57. Bocchi EA, Bestetti RB, Scanavacca MI, Cunha Neto E, Issa VS. Chronic Chagas Heart Disease
Management: From Etiology to Cardiomyopathy Treatment. J Am Coll Cardiol., 2017;70(12):1510–24.
58. Velasco A, Morillo CA. Chagas heart disease : A contemporary review. J Nucl Cardiol. 2018;
59. Scanavacca M. Epicardial ablation for ventricular tachycardia in chronic Chagas heart disease. Arq
Bras Cardiol [Internet]. 2014 Jun;102(6):524–8. ncbi.nlm.nih.gov
60. Tinker A. The mechanisms of ventricular arrhythmia in Chagas disease. Int J Cardiol., 2017;240:372–
3.
61. Prata A. Clinical and epidemiological aspects of Chagas disease. Lancet Infect Dis., 2001;1(2):92–
100.
62. Pedrosa RC, Cançado JR. Estudo longitudinal do eletrocardiograma na doença de Chagas desde a
fase aguda. Rev Soc Bras Med Trop., 1993;26(3):163–74.
63. Ribeiro ALP, Marcolino MS, Prineas RJ, Lima-Costa MF. Electrocardiographic abnormalities in elderly
Chagas disease patients: 10-year follow-up of the Bambui Cohort Study of Aging. J Am Heart Assoc.,
2014;3(1):1–12.
64. Cardoso R, Garcia D, Fernandes G, He L, Lichtenberger P, Viles-Gonzalez J, et al. The Prevalence of
Atrial Fibrillation and Conduction Abnormalities in Chagas’ Disease: A Meta-Analysis. J Cardiovasc
Electrophysiol., 2016;27(2):161–9.
65. Marcolino MS, Palhares DM, Ferreira LR, Ribeiro AL. Electrocardiogram and Chagas Disease A
Large Population Database of Primary Care Patients. Glob Heart., 2015;10(3):167–72.
73. Gonçalves JGF, Prata A, Dias JCP, Macêdo V. O inquérito eletrocardiográfico . Vol. 44, Revista da
Sociedade Brasileira de Medicina Tropical . scielo; 2011. p. 40–6.
74. Friedmann AA. Eletrocardiograma no prognóstico da doença de Chagas. Diagn Trat. 2017;22(4):166–
8.
77. Elizari M V, Chiale PA. Cardiac arrhythmias in Chagas’ heart disease. J Cardiovasc Electrophysiol.,
1993;4(5):596–608.
78. Barbosa MPT, do Carmo AAL, Rocha MOC, Ribeiro ALP. Ventricular arrhythmias in Chagas disease.
Rev Soc Bras Med Trop., 2015;48(1):4–10.
79. Rowin EJ, Maron MS. The Role of Cardiac MRI in the Diagnosis and Risk Stratification of
Hypertrophic Cardiomyopathy. Arrhythmia Electrophysiol Rev., 2016;5(3):197–202.
80. Maron BJ, Towbin JA, Thiene G, Antzelevitch C, Corrado D, Arnett D, et al. Contemporary definitions
and classification of the cardiomyopathies: an American Heart Association Scientific Statement from
the Council on Clinical Cardiology, Heart Failure and Transplantation Committee; Quality of Care and
Outcomes Research and Functi. Circulation., 2006;113(14):1807–16.
81. Maron BJ. Clinical Course and Management of Hypertrophic Cardiomyopathy. N Engl J Med
[Internet]. 2018;379(7):655–68. doi.org
82. Maron BJ, Olivotto I, Maron MS. The dilemma of left ventricular outflow tract obstruction and sudden
death in hypertrophic cardiomyopathy: do patients with gradients really deserve prophylactic
defibrillators? Vol. 27, European heart journal. England;2006. p. 1895–7.
83. Elliott PM, Anastasakis A, Borger MA, Borggrefe M, Cecchi F, Charron P, et al. 2014 ESC Guidelines
on diagnosis and management of hypertrophic cardiomyopathy. Eur Hear J., 2014;35(39):2733–79.
84. Morales J, Giraldo M. Case report: Apical variant hypertrophic cardiomyopathy simulating an acute
inferior myocardial infarction. J Electrocardiol., 2018;52:35–7.
85. Mattos BP, Antonio M, Torres R, Freitas VC De. Avaliação Diagnóstica da Cardiomiopatia Hipertrófica
em Fase pré-clínica. Arq Bras Cardiol., 2008;91(1):55–62.
86. Paixão GM de M, Veronesi HE, Silva HAGP da, Alencar Neto JN de, Maldi C de P, Aguiar Filho L de
F, et al. Correlation of Electrocardiographic Changes with Cardiac Magnetic Resonance Findings in
Patients with Hypertrophic Cardiomyopathy . Vol. 110, Arquivos Brasileiros de Cardiologia .
scielo;2018. p. 52–9.
87. MacFarlane P, van Oosterom A, Pahlm O, Kligfield P, Janse M, Camm J, editors. Comprehensive
Electrocardiology. 2nd ed. London: Springer;2011.
88. McLeod CJ, Ackerman MJ, Nishimura RA, Tajik AJ, Gersh BJ, Ommen SR. Outcome of patients with
hypertrophic cardiomyopathy and a normal electrocardiogram. J Am Coll Cardiol., 2009;54(3):229–33.
89. Albanesi FM. Cardiomiopatia Hipertrófica . Conceito e Classificação. Arq Bras Cardiol.
1996;66(2):103–5.
90. Elliott PM, Anastasakis A, Borger MA, Borggrefe M, Cecchi F, Charron P, et al. 2014 ESC Guidelines
on diagnosis and management of hypertrophic cardiomyopathy. Constantinos, Zamorano, Jose Luis
Achenbach, Stephan Baumgartner, Helmut Bax, Jeroen J. Bueno, Héctor Dean, Veronica Deaton,
Christi Erol, Çetin Fagard, Robert Ferrari, Roberto Hasdai, David Hoes, Arno W. Kirchhof, Paulus
Knuuti, Juhani Kolh, Philippe La O, editor. Eur Heart J [Internet]. 2014 Aug 30; oxfordjournals.org
91. Kelly BS, Mattu A, Brady WJ. Hypertrophic cardiomyopathy: electrocardiographic manifestations and
other important considerations for the emergency physician. Am J Emerg Med., 2007;25(1):72–9.
92. Tsuda T, Hayashi K, Konno T, Sakata K, Fujita T, Hodatsu A, et al. J Waves for Predicting Cardiac
Events in Hypertrophic Cardiomyopathy. JACC Clin Electrophysiol., 2017;3(10):1136–42.
99. Pelliccia A, Di Paolo FM, Quattrini FM, Basso C, Culasso F, Popoli G, et al. Outcomes in Athletes with
Marked ECG Repolarization Abnormalities. N Engl J Med [Internet]. 2008;358(2):152–61. doi.org
100. Adabag AS, Casey SA, Kuskowski MA, Zenovich AG, Maron BJ. Spectrum and prognostic
significance of arrhythmias on ambulatory Holter electrocardiogram in hypertrophic cardiomyopathy. J
Am Coll Cardiol., 2005;45(5):697–704.
101. Guttmann OP, Rahman MS, O’Mahony C, Anastasakis A, Elliott PM. Atrial fibrillation and
thromboembolism in patients with hypertrophic cardiomyopathy: systematic review. Heart.,
2014;100(6):465–72.
102. Rosen KL, Cameron RW, Bigham PJ, Neish SR. Hypertrophic cardiomyopathy presenting with 3rd-
degree atrioventricular block. Texas Hear Inst J., 1997;24(4):372–5.
103. Monserrat L, Elliott PM, Gimeno JR, Sharma S, Penas-Lado M, McKenna WJ. Non-sustained
ventricular tachycardia in hypertrophic cardiomyopathy: an independent marker of sudden death risk
in young patients. J Am Coll Cardiol., 2003;42(5):873–9.
104. McKenna WJ, England D, Doi YL, Deanfield JE, Oakley C, Goodwin JF. Arrhythmia in hypertrophic
cardiomyopathy. I: Influence on prognosis. Br Heart J [Internet]. 1981;46(2):168 LP – 172.
heart.bmj.com
105. Martinez-Naharro A, Hawkins PN, Fontana M. Cardiac amyloidosis. Clin Med., 2018;18(Suppl 2):s30–
5.
106. Bhogal S, Ladia V, Sitwala P, Cook E, Bajaj K, Ramu V, et al. Cardiac Amyloidosis: An Updated
Review With Emphasis on Diagnosis and Future Directions. Curr Probl Cardiol., 2018;43(1):10–34.
107. Sperry BW, Vranian MN, Hachamovitch R, Joshi H, McCarthy M, Ikram A, et al. Are classic predictors
of voltage valid in cardiac amyloidosis? A contemporary analysis of electrocardiographic findings. Int J
Cardiol., 2016;214:477–81.
110. Barbhaiya CR, Kumar S, Baldinger SH, Michaud GF, Stevenson WG, Falk R, et al. Electrophysiologic
assessment of conduction abnormalities and atrial arrhythmias associated with amyloid
cardiomyopathy. Hear Rhythm., 2016;13(2):383–90.
111. Birnie DH, Kandolin R, Nery PB, Kupari M. Cardiac manifestations of sarcoidosis: diagnosis and
management. Eur Heart J., 2017;38(35):2663–70.
112. Perez IE, Garcia MJ, Taub CC. Multimodality Imaging in Cardiac Sarcoidosis : Is There a Winner ?
Curr Cardiol Rev., 2016;3–11.
113. Waki H, Eguchi K, Toriumi S, Ikemoto T, Suzuki T, Fukushima N, et al. Isolated Cardiac Sarcoidosis
Mimicking Arrhythmogenic Right Ventricular Cardiomyopathy. Intern Med [Internet]. 2017/12/08.
2018;57(6):835–9. ncbi.nlm.nih.gov
114. Biggs R, Patel B, Martinez MW, McCambridge M, Kim S, Marcus N. Cardiac sarcoidosis mimicking
arrhythmogenic right ventricular dysplasia in a patient presenting with monomorphic ventricular
tachycardia. Hear case reports [Internet]. 2017;3(9):418–21.
115. Philips B, Madhavan S, James CA, te Riele ASJM, Murray B, Tichnell C, et al. Arrhythmogenic right
ventricular dysplasia/cardiomyopathy and cardiac sarcoidosis: distinguishing features when the
diagnosis is unclear. Circ Arrhythm Electrophysiol., 2014;7(2):230–6.
Seção 3
Avançado
Capítulo 26. ECG em Ergometria
INTRODUÇÃO
O teste ergométrico é um exame não invasivo com baixo custo que tem como objetivo fornecer
informações sobre as respostas clínicas, eletrocardiográficas, hemodinâmicas e metabólicas induzidas pelo
exercício físico programado. É um exame que acompanha o paciente nas fases de repouso, esforço e
recuperação, possibilitando, assim, detectar isquemia miocárdica induzida por esforço, arritmias, estimar a
capacidade funcional, prescrever exercícios e estabelecer prognóstico cardiovascular nas mais diversas
doenças cardiovasculares (Tabela 1).
Angina.
Isquemia miocárdica
Desvio segmento ST.
Débito cardíaco.
Função Ventricular VE
Respostas pressão arterial.
Arritmias Eletrocardiograma.
A sensibilidade média do teste é de 67% e a especificidade é de 71% para detecção de isquemia (1–4),
valores pobres. Entretanto, a própria diretriz brasileira faz a ressalva de que esses valores foram encontrados
em testes que levavam em consideração o achado de oclusão anatômica coronariana.
O teste ergométrico encontra isquemia miocárdica, não necessariamente ligada à presença de lesões
coronarianas oclusivas (5). A acurácia do método depende da prevalência de doença coronariana da
população estudada, ou seja, da probabilidade pré-teste. Sintomas, sexo, idade, fatores como diabetes e
tabagismo influenciam a probabilidade pré-teste de uma pessoa da na população estudada (6,7). A
sensibilidade e a especificidade também variam com o número de vasos acometidos, sendo maior no
paciente multivascular e em lesões da descendente anterior e menor em lesões da artéria circunflexa (5).
O teste pode ser associado à cintilografia de miocárdio ou ao ecocardiograma para uma avalição mais
acurada na pesquisa de doença isquêmica. Nos casos de atletas, se recomenda a realização do teste
cardiopulmonar para avaliação objetiva e direta de gases expirados e o consumo de O2.
Existem diversos protocolos de exercício estabelecidos na literatura e o médico precisa escolher aquele
que seja mais indicado conforme as características do paciente e com o objetivo do exame. A Figura 1 traz os
protocolos de Bruce (8) e Ellestad (9,10), os mais usados na prática clínica brasileira.
Figura 2 - Posicionamento de eletrodos pelo sistema Mason-Likar a ser usado em testes ergométricos. O braço direito (RA)
é posicionado na fossa infraclavicular, 2 cm abaixo da borda inferior da clavícula, medial à borda do músculo deltoide. O
braço esquerdo (LA) é posicionado em região análoga à esquerda. A perna esquerda (LL) é posicionada na linha axilar
anterior, ponto médio entre o rebordo costal e a crista ilíaca.
O registro eletrocardiográfico deve constar de avaliação no repouso, de hiperventilação (cujo uso é
criticado nas últimas diretrizes por reduzir a especificidade do teste)(13), cada mudança de estágios do
protocolo e a cada 1 ou 2 minutos na fase de recuperação. Além disso, também costumamos gravar o
eletrocardiograma ante a presença de arritmias, sintomas, sinais de isquemia ou na presença de outras
alterações relevantes no eletrocardiograma.
O exame pode se prolongar até o início de sintomas (angina moderada a severa, sintomas neurológicos
ou fadiga intensa pela escala de Borg – Figura 3) (14,15), eventos eletrocardiográficos de alto risco
(supradesnivelamento do segmento ST ou arritmias sustentadas) ou eventos clínicos de alto risco (queda da
pressão arterial a despeito do aumento das cargas de esforço, hipertensão arterial > 250 x 115 mmHg, sinais
de má perfusão, etc.). Terminar o exercício ao se atingir 85% da frequência cardíaca máxima (ou seja, ao
atingir a frequência submáxima) é uma falácia. Primeiro, porque o intervalo de confiança de 95% desses
valores é de 20 batimentos para mais e para menos, o que se traduz em valores percentuais altos, segundo
porque alguns pacientes podem se esforçar além do seu limite enquanto outros podem interromper o esforço
antes da sua verdadeira capacidade (16). A propósito, se alguém perguntar como se calcula a FC máxima,
responda que esse valor não deveria guiar testes ergométricos, mas que se calcula pela fórmula: 220 – idade.
A FC submáxima é 85% desse valor.
Figura 3 - Escala de Borg modificada para quantificar dor torácica e esforço físico.
A indicação mais comum para realização do teste ergométrico é a pesquisa de isquemia, principalmente
na população de risco intermediário. No entanto, visto que o teste ergométrico fornece diversas
informações diagnósticas e prognósticas, existe ainda uma série de indicações de acordo com a população
estudada (assintomáticos, pacientes com valvopatias, arritmias, diagnóstico de dor torácica na emergência,
etc.) cada uma com seu grau de recomendação (Tabela 2). As contraindicações absolutas à realização do
teste ergométrico são: infarto do miocárdio nas últimas 48 horas, arritmias com instabilidade hemodinâmica,
doenças com obstrução ao fluxo sanguíneo pela via de saída esquerda ou direita, insuficiência cardíaca ou
qualquer doença clínica descompensada, incapacidade física ou mental que não permita o uso da esteira
(5,13).
Pacientes com alta probabilidade de DAC baseada em idade, sexo e sintomas (B);
Pacientes com baixa probabilidade de DAC baseada em idade, sexo e sintomas (B);
Pacientes com critérios eletrocardiográficos para hipertrofia ventricular esquerda com
depressão do segmento ST < 1 mm (B);
Avaliação prognóstica após intervenção coronária percutânea e após cirurgia de
revascularização miocárdica (B);
Classe IIb Avaliação prognóstica e evolutiva de DAC, anual, de acordo com a condição clínica
(B);
Investigação de alterações de repolarização ventricular no ECG de repouso (C);
Diagnóstico da
Complementação de outros métodos que tenham evidenciado suspeita de DAC (B);
doença arterial
Avaliação de risco em cirurgia não cardíaca, em pacientes com baixo risco
coronária
cardiovascular (C);
obstrutiva pelo TE
Perícia médica (C).
O exame pode ser realizado, mas não para pesquisar isquemia, quando a repolarização do paciente for
alterada no ECG de repouso. Os pacientes que possuem repolarização alterada classicamente são:
portadores de bloqueio de ramo esquerdo, pré-excitação ventricular manifesta, ritmo de marca-passo,
sobrecarga ventricular com padrão de strain e infradesnivelamento > 1 mm no segmento ST (5). Nesses
casos, o laudo deve ser “inconclusivo” para pesquisa de isquemia.
ELETROCARDIOGRAMA EM ERGOMETRIA
Achados Normais
A onda P aumenta sua amplitude nas derivações inferiores (17). O intervalo PR tem sua duração
reduzida e pode apresentar uma pequena depressão em sua porção final devido ao aparecimento da
repolarização atrial (onda Ta), invisível no ECG de repouso (18). O complexo QRS tem sua duração um
pouco reduzida durante o exercício e as ondas R tendem a reduzir de amplitude nas derivações inferiores
(19,20).
O ponto J, ponto que marca o fim do complexo QRS e início do segmento ST, um dos principais
parâmetros em ergometria, pode ficar infradesnivelado em padrão ascendente em até 20% dos indivíduos
normais (21,22). Em indivíduos com supradesnivelamento inespecífico do segmento ST (antigamente
chamado “repolarização precoce”, reveja no capítulo 24), o normal é que o ponto J se normalize. Esse achado
não deve ser considerado análogo ao infradesnivelamento do segmento ST (13).
A onda T reduz sua amplitude no início do esforço, mas recupera sua amplitude ou até mesmo tem um
aumento em exercícios mais extenuantes (20). Não há alterações significativas na onda U durante o
exercício. O intervalo QT reduz com o exercício e respostas diferentes dessa podem ser indicativos da
síndrome do QT longo congênito (Capítulo 24).
Complexo QRS Reduz de duração e pode reduzir de amplitude nas derivações inferiores.
Onda J Pode sofrer infradesnivelamento de padrão ascendente rápido em até 20% das pessoas.
Achados Anormais
Desnivelamentos do segmento ST
O ponto J, início do segmento ST, deve ser comparado ao segmento PR (linha de base). Três ou mais
batimentos com linha de base estável devem ser procurados naquela derivação de interesse e aí sim, o
examinador deve calcular o desnivelamento. O ponto Y é de uso apenas em ergometria e deve ser medido
80 ms (dois quadradinhos) após o ponto J (Figura 4).
Figura 4 - Ponto J, Ponto J60 (usado em algumas diretrizes no lugar do ponto Y, fica a 60 ms do ponto J) e o ponto Y (a 80
ms, dois quadradinhos, do ponto J).
O infradesnivelamento do segmento ST tem tipos de diferentes características e implicações clínicas,
por isso devem ser conhecidos. Os tipos são o ascendente, horizontal e descendente e são caracterizados
de acordo com a relação entre o ponto J e o ponto Y. Se o ponto Y está acima do ponto J, então chamamos
ascendente. Se está ao mesmo nível, horizontal. Se está abaixo, descendente (Figura 5).
No padrão horizontal, o ponto J60 e o ponto Y (bolas amarela e vermelha, respectivamente) estão ao mesmo nível do ponto J (bola
azul). No padrão descendente, o ponto J60 e ponto Y estão abaixo do ponto J. No padrão ascendente rápido, o ponto J60 e o ponto
Y já estão acima da linha de base enquanto o ponto J está infradesnivelado. No padrão ascendente lento, o ponto J60 e o ponto Y
estão acima do nível do ponto J, mas ainda abaixo da linha de base.
Os padrões horizontal e descendente são considerados sinais positivos para isquemia miocárdica
quando o ponto Y está 1 mm abaixo da linha de base.
O padrão ascendente é visto em até 20% da população normal. A diretriz americana de ergometria só
considera esse achado como anormal quando o padrão for ascendente lento e o ponto Y estiver 2 mm
abaixo da linha de base. Esses critérios podem identificar doença arterial coronária em pacientes de muito
alto risco e muito sintomáticos. Mesmo nesses casos, devido à redução na especificidade do teste, a diretriz
americana sugere o laudo como “achados equívocos de isquemia” (13).
Já a diretriz brasileira considera o padrão ascendente lento com o ponto Y estando 1,5 mm abaixo da
linha de base em indivíduos de risco intermediário e alto e além de 2 mm abaixo da linha de base em
indivíduos de baixo risco (5).
Alguns fatos que aumentam o risco de doença grave são o início precoce do infradesnivelamento, a
persistência da alteração eletrocardiográfica durante mais que 3 minutos da fase de repouso e quando o
infradesnivelamento for maior que 0,2 mV (2 mm).
As figuras 6 a 8 demonstram diferentes tipos de desnivelamentos do segmento ST durante testes
ergométricos. Um resumo dos achados anormais relacionados ao segmento ST pode ser encontrado na
Tabela 4.
Figura 6 - ECG de exercício (Estágio 2 do protocolo de Bruce, 7 MET) de uma mulher de 64 anos com angina atípica.
Observe o infradesnivelamento do segmento ST do tipo horizontal com ponto Y além de 1 mm em D2, D3 e aVF, V4 a V6.
Figura 7 - ECG de exercício (estágio 4 do protocolo de Bruce) de um homem de 51 anos. Observe que em D3 há
instabilidade da linha de base e do padrão do segmento ST. Os três complexos em destaque parecem ser os mais estáveis,
por isso foram escolhidos para análise. Há infradesnivelamento do tipo horizontal ou ascendente lento em D2, D3 e aVF, V4
a V6 com ponto Y a 2 mm da linha de base.
Figura 8 -. ECG de exercício (estágio 3 do protocolo de Bruce) de um homem de 61 anos com relato de angina há 1 semana.
O ECG demonstra supradesnivelamento do segmento ST em D2, D3, aVF e V1 (derivações que não possuem onda q
patológica) associado a infradesnivelamento de espelho na parede lateral. O exame foi interrompido e o paciente foi
submetido à coronariografia urgente que demonstrou oclusão aguda da artéria coronária direita.
Supradesnivelamento
Pode significar isquemia de área peri-infarto, mas também
em derivações onde há q –
discinesia / acinesia ou aneurisma.
patológica
Supradesnivelamento
em derivações onde não – Corrente de lesão transmural.
há q patológicas
Além do segmento ST
Outros achados eletrocardiográficos podem indicar anormalidade no teste ergométrico. Vamos conhecê-
los. Um aumento da duração da onda P tem sido atribuída a isquemia, por, em teoria, poder significar
sobrecarga atrial (17). Um aumento na amplitude do QRS também pode denotar isquemia (25). Uma inversão
da onda U pode ser um marcador de isquemia de tronco de coronária esquerda ou lesão proximal da artéria
descendente anterior (26) (Figura 9).
Figura 9 - ECG de exercício (estágio 4 do protocolo de Bruce) em homem de 65 anos com angina recente. Observe no
destaque a inversão de onda U em derivações V2 e V3.
Taquiarritmias
A presença de arritmias não é rara e são geradas pelo aumento da atividade simpática associada à
diminuição do estímulo vagal, além do aumento da demanda miocárdica. O período imediatamente posterior
ao exercício é particularmente perigoso devido ao alto nível de catecolaminas circulantes, a vasodilatação
exagerada e os níveis de potássio séricos elevados.
Ao mesmo tempo, o exercício pode suprimir arritmias presentes no repouso pelo fenômeno de “overdrive
supression”. Taquicardia sinusal e ectopias atriais são comuns no início do exercício. Fibrilação ou flutter atrial
ocorre em menos de 1% dos testes ergométricos (27).
As extrassístoles ventriculares apresentam uma gama importante de causas como isquemia miocárdica,
hiperatividade simpática, cardiomiopatia ou canalopatias, distúrbio hidroeletrolíticos (K+, Mg++), uso de
digitálicos, síndrome do QT longo, tireotoxicose, hipóxia, prolapso mitral, uso de estimulantes como cafeína,
entre outros.
Baseado nessa lista enorme de fatores que podem levar à presença de extrassístoles, o leitor deve ter em
mente que quando as extrassístoles forem raras (≤ 6/min) ou mesmo a presença de uma taquicardia
ventricular não sustentada não devem ser valorizadas. São associados a um pior prognóstico, principalmente
se surgirem durante a fase de recuperação: extrassístoles ventriculares polimórficas, frequentes (>7/min) e
taquicardia ventricular sustentada (Figura 10). Vale para pacientes saudáveis e também para aqueles com
doença cardíaca pregressa (28–33).
Bloqueios atrioventriculares
O BAV de segundo grau Mobitz 2 induzido pelo exercício está relacionado à degeneração do sistema de
condução, doença arterial coronária ou estenose da válvula aórtica. O aparecimento desse tipo de bloqueio é
indicação para suspensão do exame (13).
Bloqueios de ramo
Bloqueio de ramo esquerdo (BRE) ou direito (BRD) pode ocorrer durante o teste ergométrico por bloqueios
de fase 3. Geralmente, não associado à doença coronária em pessoas saudáveis (34,35). Um paradoxo está
presente na literatura: o BRE é de mais comum ocorrência que o BRD em pacientes com doença estrutural
concomitante. No entanto, o BRD parece estar mais associado à doença arterial coronariana que o BRE. Isso
provavelmente tem origem fisiopatológica na já descrita irrigação múltipla do ramo esquerdo que a protege de
lesões devido à insuficiência coronariana (Capítulos 2 e 12) (36). Um registro brasileiro evidenciou o
desenvolvimento de BRE em 38 de 8410 indivíduos, uma prevalência de 0,38% (34). Outro estudo com 16500
testes ergométricos evidenciou o desenvolvimento de 7 BRD e 25 BRE durante os exames, demostrando uma
maior prevalência de BRE induzido por exercício em relação ao BRD mesmo em pacientes sem
doença estrutural (37).
Em 1976, Vieweg descreveu um caso de BRE induzido pelo exercício associado à angina pectoris em um
paciente com angiografia coronariana normal, o que hoje se denomina “Síndrome do BRE doloroso”
(Figura 11). Os mecanismos da síndrome do BRE doloroso não estão perfeitamente elucidados. Isquemia por
demanda devido a lesões ou espasmos coronarianos foi inicialmente considerada como uma possível causa
para essa síndrome, mas o caráter de início e término súbitos da dor acaba se mostrando incompatível com
isquemia miocárdica. A nitroglicerina mostrou-se ineficaz no controle da dor e chegou a induzir o BRE devido
à taquicardia. A melhor teoria até agora foi proposta por Virtanen, que especulou, através de ventriculografias,
que a dor poderia ser induzida pelo movimento sistólico anormal do septo (38). Um eixo inferior apresentado
uniformemente em uma série de casos fez com que Shvilkin e Josephson levantassem a hipótese de que isso
pode refletir um padrão específico de contratilidade que em teoria cursaria com dor torácica (39). Os autores
propuseram critérios para o diagnóstico de síndrome de BRE dolorosa, presentes na Tabela 5.
Figura 11 - Paciente do sexo feminino de 41 anos com síndrome do BRE doloroso. O desenvolvimento do BRE é
imediatamente referido pela paciente como sintomatologia de angina típica. As coronárias são normais.
Tabela 5 - Critérios propostos para o diagnóstico da Síndrome do Bloqueio de ramo esquerdo Doloroso.
Critérios diagnósticos da Síndrome do BRE doloroso
Função ventricular esquerda normal e ausência de outras condições que possam explicar os sintomas.
Em resumo, o bloqueio de ramo direito induzido por exercício parece estar mais associado à doença
arterial coronária que o bloqueio de ramo esquerdo induzido por exercício. O desenvolvimento de dor
imediato à indução de um BRE deve chamar atenção para síndrome do BRE doloroso.
REFERÊNCIAS
9. Ellestad MH, Thomas GS, Wann LS. Ellestad’s Stress Testing: Principles and Practice [Internet].
OXFORD University Press; 1975. books.google.pt
10. Meneghelo RS. O verdadeiro protocolo de Ellestad. Rev DERC., 2011;17(3):74.
11. Mason RE, Likar I. A new system of multiple-lead exercise electrocardiography. Am Heart J.,
1966;71(2):196–205.
12. Papouchado M, Walker PR, James MA, Clarke LM. Fundamental differences between the standard
12-lead electrocardiograph and the modified (Mason-Likar) exercise lead system. Eur Heart J.,
1987;8(7):725–33.
13. Fletcher GF, Ades PA, Kligfield P, Arena R, Balady GJ, Bittner VA, et al. Exercise standards for testing
and training: a scientific statement from the American Heart Association. Circulation.,
2013;128(8):873–934.
14. Borg G, Holmgren A, Lindblad I. Quantitative evaluation of chest pain. Acta Med Scand Suppl.
1981;644:43–5.
15. Borg GA. Psychophysical bases of perceived exertion. Med Sci Sports Exerc., 1982;14(5):377– 81.
16. MacFarlane P, van Oosterom A, Pahlm O, Kligfield P, Janse M, Camm J, editors. Comprehensive
Electrocardiology. 2nd ed. London: Springer;2011.
17. Myrianthefs MM, Ellestad MH, Startt-Selvester RH, Crump R. Significance of signal-averaged P-wave
changes during exercise in patients with coronary artery disease and correlation with angiographic
findings. Am J Cardiol., 1991;68(17):1619–24.
18. Sapin PM, Koch G, Blauwet MB, McCarthy JJ, Hinds SW, Gettes LS. Identification of false positive
exercise tests with use of electrocardiographic criteria: a possible role for atrial repolarization waves. J
Am Coll Cardiol., 1991;18(1):127–35.
19. Bhargava V, Goldberger AL. Effect of exercise in healthy men on QRS power spectrum. Am J
Physiol., 1982;243(6):H964-9.
20. Wolthuis RA, Fischer JR, Keiser N. Normal Electrocardiographic Waveform Characteristics During
Treadmill Exercise Testing.:1028–35.
21. Kligfield P, Ameisen O, Okin PM. Heart rate adjustment of ST segment depression for improved
detection of coronary artery disease. Circulation., 1989;79(2):245–55.
22. Goldschlager N, Selzer A, Cohn K. Treadmill stress tests as indicators of presence and severity of
coronary artery disease. Ann Intern Med., 1976;85(3):277–86.
23. Sullivan ID, Davies DW, Sowton E. Submaximal exercise testing early after myocardial infarction.
Difficulty of predicting coronary anatomy and left ventricular performance. Br Heart J.,
1985;53(2):180–5.
25. Hopkirk JA, Leader S, Uhl GS, Hickman JRJ, Fischer J. Limitation of exercise-induced R wave
amplitude changes in detecting coronary artery disease in asymptomatic men. J Am Coll Cardiol.,
1984;3(3):821–6.
26. Gerson MC, Phillips JF, Morris SN, McHenry PL. Exercise-induced U-wave inversion as a marker of
stenosis of the left anterior descending coronary artery. Circulation., 1979;60(5):1014–20.
27. Atwood JE, Myers J, Sullivan M, Forbes S, Friis R, Pewen W, et al. Maximal exercise testing and gas
exchange in patients with chronic atrial fibrillation. J Am Coll Cardiol., 1988;11(3):508–13.
28. Schweikert RA, Pashkow FJ, Snader CE, Marwick TH, Lauer MS. Association of exercise-induced
ventricular ectopic activity with thallium myocardial perfusion and angiographic coronary artery
disease in stable, low-risk populations. Am J Cardiol., 1999;83(4):530–4.
29. Gill JS, Baszko A, Xia R, Ward DE, Camm AJ. Dynamics of the QT interval in patients with exercise-
induced ventricular tachycardia in normal and abnormal hearts. Am Heart J., 1993;126(6):1357–63.
30. Gammenthaler SA. Ventricular ectopy after exercise as a predictor of death. Vol. 348, The New
England journal of medicine. United States;2003. p. 2357–9.
31. O’Neill JO, Young JB, Pothier CE, Lauer MS. Severe frequent ventricular ectopy after exercise as a
predictor of death in patients with heart failure. J Am Coll Cardiol., 2004;44(4):820–6.
32. Frolkis JP, Pothier CE, Blackstone EH, Lauer MS. Frequent ventricular ectopy after exercise as a
predictor of death. N Engl J Med., 2003;348(9):781–90.
38. Virtanen KS, Heikkila J, Kala R, Siltanen P. Chest pain and rate-dependent left bundle branch block in
patients with normal coronary arteriograms. Chest., 1982;81(3):326–31.
39. Shvilkin A, Ellis ER, Gervino E V, Litvak AD, Buxton AE, Josephson ME. Painful left bundle branch
block syndrome: Clinical and electrocardiographic features and further directions for evaluation and
treatment. Hear Rhythm [Internet]. 2016;13(1):226–32. euro-pepmc.org
Capítulo 27
ECG Em Marca-Passo
Helbert Pereira Tomé | José Nunes de Alencar Neto
INTRODUÇÃO
Os dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (DCEI) tornam-se cada vez mais frequentes em nosso
meio à medida que convivemos com o envelhecimento populacional e identificamos novas indicações e
funções que propiciam uma melhoria dos níveis de morbimortalidade dos seus portadores. Os marca-passos
definitivos (MP) foram os primeiros dispositivos a chegar ao mercado e têm seu papel nos distúrbios de
condução ou de formação do impulso elétrico. Os cardiodesfibriladores implantáveis (CDI) vieram em
seguida, com a capacidade de atuar em taquiarritmias com potencial risco de morte, atuando nas prevenções
secundária e primária de morte súbita cardíaca. Mais recentemente, o advento da terapia de ressincronização
cardíaca (TRC) possibilitou a melhoria na qualidade e expectativa de vida dos pacientes portadores de
insuficiência cardíaca e alteração do sincronismo e condução ventricular.
Um MP é um temporizador. O que significa isso? Que ele conta um determinado período de tempo e
repetidamente envia seus impulsos. Ele pode ser configurado para emitir impulsos repetidos ao sentir algum
evento (por exemplo: o átrio despolarizou, então agora é hora de enviar o impulso para o ventrículo) ou parar
de emitir impulsos se tiver algum sense (por exemplo: o ventrículo despolarizou, então eu não preciso enviar
outro impulso para o ventrículo). Nesses exemplos, ao enviar o impulso ou ao sentir a despolarização própria
do ventrículo, o marca-passo zera seu cronômetro e espera nova contagem até enviar novamente ou até
acontecer algum evento que o iniba ou o engatilhe antes do tempo.
Vamos, ao longo deste capítulo, revisar os princípios básicos da interpretação do ECG em portadores de
MP e sua correta análise.
Os sítios de estimulação cardíaca classicamente utilizados pelo MP são o átrio direito (AD) e o ventrículo
direito (VD). Podemos ter também, nos casos de ressincronizador cardíaco, a estimulação do ventrículo
esquerdo (VE), realizada através da estimulação do seio coronário ou, menos comumente, do epicárdio
(Figura 1) (1).
Figura 1 - Terapia de ressincronização cardíaca endocárdica (eletrodos em AD, VD e VE através do seio coronário).Figura
adaptada de (1).
Existem dois modos de estimulação quanto à polaridade: uni e bipolar. Na estimulação unipolar, apenas
um polo está dentro do coração (cátodo), o outro polo (ânodo) é o gerador, localizado na fossa subclávia do
paciente. Essa estimulação gera um grande dipolo e, consequentemente, um grande artefato de estimulação
(espícula) visível. Já na estimulação bipolar, os dois polos estão dentro do coração: o polo negativo
(cátodo) fica na ponta do eletrodo e o polo positivo (ânodo) fica no anel do eletrodo, separados por uma
distância de apenas poucos milímetros. Esse tipo de estimulação gera um artefato de estimulação (espícula)
pequeno, que por muitas vezes só pode ser percebido através de análise detalhada das doze derivações
(Figuras 2 e 3) e em alguns casos pode até mesmo não ser visível no ECG, o que pode dificultar a sua
interpretação. A estimulação bipolar é a estimulação padrão dos CDI, mas não exclusiva destes. Vale
ressaltar que uma causa frequente de desaparecimento da espícula em um registro de ECG, assim como o
achado de variações no tamanho ou polaridade das espículas, decorre da filtragem inadequada do
eletrocardiograma, especialmente nos ECGs de aquisição digital (2)(3).
Figura 3 - Artefatos de estimulação (espículas) unipolar x bipolar no eletrocardiograma. Figura adaptada de (5).
A estimulação clássica, apical do ventrículo direito (VD) gera um padrão de bloqueio de ramo esquerdo
(BRE), ou seja, um QRS de polaridade predominantemente negativa na derivação V1, já que a onda de
ativação ventricular se propaga do ventrículo mais anterior (VD) para o ventrículo mais posterior (VE), fugindo
assim dessa derivação (Figura 4) (1).
Figura 4 - MP DDD com estimulação unipolar (observamos espículas gerando átrio e ventrículo). Eletrodo de VD
posicionado em região apical de VD (note o padrão de BRE em V1 com desvio do eixo elétrico para a esquerda) (1).
No ano de 2002, foi padronizado um código universal de letras visando a aquisição rápida de informações
a respeito do modo de programação básico da função marca-passo. Esse código de letras é composto de
cinco letras (4). Atualmente, utilizamos as quatro primeiras letras para descrição do modo de programação
básico de MP (Tabela 1).
Tabela 1
1ª letra: câmara estimulada
T: trigger ou
O: nenhuma I: inibição D: ambas
engatilhamento
Vamos exemplificar e falar um pouco sobre alguns modos de programação para facilitar o entendimento:
Modo de programação VVI 60 – estimula o ventrículo, sente a cavidade ventricular e se inibe frente uma
ativação ventricular própria. Nesse modo, basicamente há uma contagem de tempo pelo temporizador que
fará a estimulação em dado intervalo de tempo (intervalo básico). Nesse caso, a estimulação ocorrerá a cada
1000 ms (60 bpm). Se o MP sentir a ativação ventricular intrínseca do paciente, ele vai se inibir e iniciar
novamente o contador de tempo até novo impulso ou até novo evento sentido (sense).
Alguns algoritmos podem ser utilizados para que seja evitada a estimulação artificial desnecessária. Talvez
o algoritmo mais conhecido seja o da histerese de frequência, que é o prolongamento do intervalo de
escape após um evento ventricular espontâneo sentido. Ou seja, podemos programar para que um MP em
modo VVI 60, ao sentir o ritmo ventricular próprio do paciente, prolongue o intervalo de escape para 1200 ms,
trabalhando assim em um modo VVI 50 momentaneamente. Sem a histerese de frequência, os intervalos
básicos e de escape serão iguais (figura 5). (5)
Figura 5 - Histerese de Frequência (mudança do modo VVI 60 para VVI 50 após ritmo intrínseco ventricular) na tentativa de
fazer com o que o paciente fique mais tempo em ritmo próprio.
Após um QRS próprio do paciente, o marca-passo aumenta seu intervalo de escape na frequência programada pelo médico (no
caso da figura, houve um aumento de 1000 para 1200 ms). Se um novo QRS próprio aparece nesse intervalo, um novo intervalo de
Histerese se inicia. Se em 1200 ms, o QRS próprio não aparecer, uma espícula é enviada e o intervalo retorna a 1000 ms. O
reconhecimento desse evento pelo ECG se dá quando o examinador observa um intervalo de tempo maior até o aparecimento de
uma espícula após QRS próprio.
Em um modo VVI 60, se a frequência cardíaca do paciente for menor que 60 bpm, o marca-passo fará a
estimulação ventricular artificial em 100% do tempo, enquanto que se a frequência cardíaca própria do
paciente for maior que 60 bpm, o ritmo próprio do paciente inibirá o marca-passo que atuará apenas em
modo de demanda, ou seja, será acionado apenas caso seja necessário (Figura 6). Como o aparelho está
configurado a estimular o coração a uma frequência de 60 bpm, a frequência estimulada só poderá ser maior
que esse valor se o paciente estiver com o sensor de movimento ativado (R) (6).
Figura 6 - Paciente portador de fibrilação atrial crônica e MP unicameral em modo VVI 75. Podemos visualizar a
estimulação ventricular pelo marca-passo se alternando com o ritmo intrínseco do paciente (8).
Figura 7 - Marca-passo programado em modo DDD (quatro padrões possíveis de resposta). Adaptada de (1).
Note os dois primeiros complexos com atividade atrial seguida de ventricular espontânea (MP em demanda). Do 3º ao 5º complexo,
observamos uma estimulação atrial conduzida aos ventrículos pelo sistema elétrico normal (modo AAI). Do 6º ao 8º complexo,
observamos uma atividade atrial intrínseca, porém o estímulo não é conduzido aos ventrículos durante o intervalo atrioventricular
programado, então acontece a estimulação ventricular (modo VAT). Por fim, no último complexo, ocorrem as estimulações atrial e
ventricular pelo marca-passo (modo DDD) (8).
Em resumo, um MP programado pelo médico em modo DDD, modo mais frequente de programação, pode
se manifestar eletrocardiograficamente de quatro diferentes formas. Lembre-se que o DDD pode “se
transformar” em outros tipos de programação de acordo com a fisiologia do paciente (Figura 8):
Onda P própria não precedida de espícula e QRS próprio não precedido de espícula – o MP está
funcionando em modo de demanda. As frequências atrial e ventricular estão maiores do que a
frequência base programada.
Espícula produzindo onda P e QRS próprio não precedido de espícula – o MP está funcionando em
modo AAI. A FC atrial do paciente é menor que a FC base programada, porém há boa condução
atrioventricular e o intervalo PR é menor que o intervalo AV.
Onda P própria não precedida de espícula e espícula produzindo QRS – o MP está funcionando em
modo VAT. A FC atrial do paciente está maior que a FC base programada, porém não há boa
condução atrioventricular e o intervalo PR é maior que o intervalo AV ou há bloqueio total.
Espícula produzindo onda P e espícula produzindo QRS – o MP está comandando em modo DDD. A
frequência atrial do paciente é menor que a FC base programada e não há boa condução
atrioventricular.
Alguns outros modos de programação estão ilustrados abaixo (Figura 9) (2). A Figura 10 traz um algoritmo
para rápido reconhecimento do modo de estimulação do marca-passo.
Modo VVI (estimula ventrículo, sente ventrículo e se inibe com esse sense): perceba que há uma espícula gerando QRS largo e
tanto o ritmo próprio, como a extrassístole atrial inibem o envio de espículas; Modo DOO (estimula átrio e ventrículo, não sente
nenhuma câmara e por isso não responde a nenhum sense): perceba que as espículas são assíncronas (como o marca-passo não
sente nenhuma câmara, as espículas serão enviadas independentemente de qualquer evento) a uma frequência de 100 pulsos por
minuto, o que gera situações em que a espícula atrial cai dentro da onda P normal do paciente ou que a espícula ventricular cai
dentro do complexo QRS normal. Este é um modo não recomendado de estimulação pelo risco de fenômeno R sobre T, quando a
espícula cai na onda T (2º batimento). É o modo de estimulação magnético, quando se coloca um ímã sobre o marca-passo. Modo
DDI (estimula átrio e ventrículo, sente átrio e ventrículo, inibe-se ao sense): similar ao modo DDD, mas, num paciente com bloqueio
atrioventricular total, não se espera que a despolarização atrial normal em algum momento desencadeie uma despolarização
ventricular normal. Por isso, configuramos o aparelho para que ele apenas iniba-se caso haja uma extrassístole. Retirado de (2).
Figura 10 - Algoritmo simples para reconhecimento de ritmo de marca-passo. O padrão de BRD em V1 deve chamar a
atenção para um possível marca-passamento do ventrículo esquerdo, o que é normal caso o dispositivo seja um
ressincronizador cardíaco, mas anormal caso o dispositivo seja um marca-passo que deveria estar implantado em
ventrículo direito. O médico deverá se perguntar, nesse momento, se o cabo ventricular por acaso perfurou o septo e está
inadvertidamente no ventrículo esquerdo.
Figura 11 - Intervalo AV dinâmico/adaptativo – ocorre o encurtamento do IAV de acordo com a elevação da FC. Note no
exemplo, o IAV programado de 175 ms com FC de 60 bpm e IAV de 100 ms com FC de 120 bpm. Uma maneira de simular
uma estimulação mais fisiológica, visto que em pacientes não marca-passados, o encurtamento do intervalo PR é visto
com o aumento da FC (9).
Figura 12 - Intervalo V-A ou intervalo de escape atrial. Retirado de (2,9).
Figura 14 - Ativação do algoritmo de AMS (mudança de modo automática) - acima, o canal de eletrogramas atriais
evidencia ritmo de fibrilação atrial (ativação atrial rápida e irregular). No centro, o canal de eletrogramas ventricular
demonstrando frequência ventricular fixa a despeito da frequência ventricular. Abaixo, o canal de marcas demonstra o
AMS ligado e várias ondas atriais que não são levadas em consideração pelo aparelho. A dica eletrocardiográfica é
observar que o paciente está com arritmia atrial, mas com o ventrículo marca-passado constantemente a uma frequência
fixa. Adaptado de (14).
As pseudofalhas ocorrem quando, na análise de um eletrocardiograma, um achado pode sugerir uma falha
do marca-passo, porém não há nenhuma falha de eletrodos ou gerador. São apenas alterações decorrentes
da programação do marca-passo.
O algoritmo de mudança de modo automático (AMS – Automatic Mode Switching) e o algoritmo do VSP
(Ventricular Safety Pacing), proteção contra o fenômeno de Crosstalk (em que a própria estimulação atrial
pode inibir a estimulação ventricular) e proteção contra possíveis interferências eletromagnéticas que possam
causar algum defeito de estimulação. Para facilitar o entendimento desses conceitos mais específicos e
possivelmente novos para uma grande parte dos leitores, vamos tentar demonstrar através de figuras e
diagramações (Figuras 11-14) (8–11).
Ainda sobre o modo de programação DDD, é importante saber que podemos ainda ter períodos de
condução 1:1 acima do valor da frequência máxima programada, porém à custa de um aparente aumento do
intervalo atrioventricular, o que é chamado de “Wenckebach eletrônico” ou “pseudo-Wenckebach”. Se a
frequência atrial continuar a aumentar (até atingir o valor máximo limitado pelo TARP), poderá acontecer um
fenômeno de condução 2:1, caso não haja uma adequada programação do dispositivo. O algoritmo AMS
(Automatic Mode Switching) já citado, quando adequadamente programado, pode impedir que isto ocorra.
Nesse algoritmo, quando há a detecção uma frequência atrial acima dos valores programados, ocorre uma
mudança de modo de programação para um modo com frequência ventricular limitada e trigger atrial
desligado (Ex: Mudança de modo DDD 60/130 para DDIR 90). Esse algoritmo também confere uma proteção
ventricular nos casos de taquiarritmias supraventriculares com elevada frequência atrial, ao limitar a
frequência ventricular estimulada (Figuras 15 e 16). Por outro lado, em um paciente sem condução AV própria
que queira se exercitar, seu ritmo sinusal pode se elevar progressivamente (acompanhada pelo marca-passo)
até certo ponto, para depois, começar a apresentar Wenckebach e, por fim, subitamente, bloquear 2:1, o que
pode levar o paciente à síncope durante o seu exercício (2).
Figura 15 - Comportamento da FC no modo DDD em um paciente que apresente alteração da condução atrioventricular.
Entre as frequências mínima e máxima programadas (Ex: DDD 60/130 bpm), ocorrerá sempre condução 1:1, ou seja,
estimulação ventricular após a atividade atrial do paciente.
A: se o sense atrial cair precocemente o bastante, isso desencadeará um intervalo AV. Mas a próxima espícula ventricular
obrigatoriamente será lançada após o limite máximo de frequência (max tracking rate), ocorrendo, portanto, um alargamento do
intervalo PR (gerado pelo aumento produzido por W na figura) e por vezes até uma perda da condução 1:1 com alguns batimentos
sendo bloqueados. O registro desse fenômeno é semelhante ao visto no bloqueio atrioventricular de 2º grau tipo I, ou de
Wenckebach, daí a terminologia. B: se o sense atrial se der dentro do TARP, ocorrerá um fenômeno de bloqueio 2:1, pois esse
fenômeno não será sentido pelo marca-passo e não será desencadeado um ventrículo. Importante reforçar que esses fenômenos
são exclusivos dos pacientes com distúrbio da condução atrioventricular, e não ocorrem nos pacientes portadores de MP DDD com
condução atrioventricular preservada (2).
Figura 16 - Wenckebach eletrônico e bloqueio 2:1.
No canal de marcas, as letras AS evidenciam as ondas P sentidas e as letras AR evidenciam as ondas P que caíram dentro do
período refratário atrial. Acima, o ventrículo precisa seguir despolarizando na FC máxima dele, mesmo que a P esteja mais rápida
que isso, por isso o pseudo-Wneckebach. Abaixo, a cada duas ondas P, uma delas cai no período refratário total do átrio (TARP) e
não desencadeia um ventrículo. Esses fenômenos são considerados pseudofalhas do marca-passo, e podem ser corrigidos através
da sua adequada programação. Adaptada de (9).
O Ventricular Safety Pacing (VSP) existe para prevenir o crosstalk, que é um evento que pode ser
trágico em pacientes sem ritmo de escape (sem o MP, eles seriam assistólicos). Imagine que uma espícula
atrial gera uma despolarização atrial que, por defeito de programação ou de implante do cabo ventricular,
acaba sendo sentido como se fosse um evento ventricular (daí o nome crosstalk) (Figura 17). O que
aconteceria nesse paciente assistólico? Simplesmente, o marca-passo não enviaria complexos QRS, porque,
na interpretação dele, a onda P é um QRS (o ECG de crosstalk é uma espícula atrial gerando uma onda P
seguida de silêncio elétrico; atenção: se o evento for exatamente o mesmo, mas gerado por uma P própria do
paciente, não marca-passada, não se pode chamar crosstalk, e sim oversense ventricular). Pois bem, se o
cabo ventricular sentir algum evento por algum período após o envio da espícula atrial, então o VSP será
acionado: uma espícula ventricular de segurança será enviada com apenas 100 ms de IAV. É uma
programação muito inteligente porque, caso tenha realmente havido crosstalk e a P foi sentida como QRS,
então o indivíduo terá um QRS estimulado; e caso seja de verdade um QRS próprio do paciente ou uma
extrassístole, essa espícula cairá dentro do complexo QRS (ou seja, no período refratário fisiológico do
ventrículo) e não trará nenhuma consequência (Figuras 18 e 19).
Figura 17 - Evento de Crosstalk. Na parte superior, vemos o ECG de superfície, na parte inferior, o aparelho de telemetria
do MP nos dá as informações sobre os canais de marcas atrial e ventricular. Perceba, no círculo, que o evento atrial
desencadeou um sense ventricular (o cabo interpretou a P como se fosse um QRS), mas esse sense é falso (não há
nenhum QRS no ECG de superfície). Quando o paciente não tem escape nenhum (assistolia), esse acontecimento pode
levar o indivíduo a eventos trágicos.
Figura 18 - Demonstração do mecanismo de ventricular safety pace. Após a estimulação atrial (AP), o canal ventricular
sentiu um evento elétrico (VS). Como isso ocorreu dentro do período de vigília de crosstalk do marca-passo, uma espícula
de segurança é enviada após 110 ms, intervalo menor do que seria o IAV pós-pace normal programado do aparelho.
Figura 19 - Exemplo do algoritmo de Ventricular Safety Pacing.
O 6º e 7º complexos QRS intrínsecos são sentidos durante o início do intervalo A-V, caindo na janela do VSP. O marca-passo
realiza uma estimulação ventricular de segurança com intervalo A-V curto (100 - 110 ms). No exemplo, esse estímulo falha devido
ao ventrículo já estar em período refratário. Importante diferenciar de uma falha de comando verdadeira ou uma falha de
sensibilidade do eletrodo ventricular. Adaptado de (11).
Outras causas possíveis e relativamente comuns são as causadas por algoritmos de mudança de modo
automático (AMS), algoritmos de busca de condução intrínseca como o Managed Ventricular Pacing (MVP)
da Medtronic® (Figura 20), ou o Search AV da Boston® (Figura 21). Testes automáticos de limiar de comando
como o Autocapture da St. Jude Medical® ou Ventricular Capture da Medtronic® também podem sugerir
uma possível falha momentânea do marca-passo (Figura 22). O interessante aqui é a semelhança com o já
citado Ventricular Safety Pace. Leia a legenda da figura para entender a diferença (2,3,12,13).
Figura 20 - Algoritmo MVP (Medtronic®) para tentativa de redução da estimulação ventricular. Acima: ao detectar a
condução AV preservada, o aparelho muda seu modo de estímulo para AAIR, permitindo haver contrações ventriculares
próprias do paciente. Abaixo: quando ocorre um bloqueio AV, o aparelho muda automaticamente de modo AAI para DDD e
seu primeiro pulso de segurança é um pulso com IAV muito curto (60 – 80 ms)
Figura 21 - Algoritmo de busca de condução intrínseca Search AV (Boston®). Programação periódica de aumento do IAV.
No momento A, apesar do prolongamento do IAV não houve condução atrioventricular. No momento B, a extensão do IAV
propiciou a condução AV e a diminuição da estimulação ventricular. Adaptado de (2).
Essa medida é capaz de reduzir automaticamente a corrente enviada a cada espícula e reduzir, a longo prazo, o consumo de
bateria do dispositivo, aumentando sua vida útil. Ao enviar uma espícula teste (quando está testando o limiar), ele envia, após 110
ms, uma espícula de segurança de alta energia. Caso a espícula teste não funcione, a espícula de segurança funcionará. Após o
teste, o aparelho envia três pulsos de alta energia também para evitar que o paciente fique em assistolia. O achado
eletrocardiográfico será de duas espículas muito próximas uma da outra (110 ms) não precedidas por BAV (excluindo MVP, que,
além disso, apresenta duas espículas separadas por apenas 65 – 80 ms). A diferenciação com o Ventricular Safety Pace pode ser
mais difícil, visto que ambas apresentam duas espículas distantes 100 – 110 ms uma da outra. Se você enxergar a primeira espícula
gerando um átrio, provavelmente será Ventricular Safety Pacing, porque as duas espículas do teste de autocaptura são
ventriculares. A única situação que gera três espículas é o teste de autocaptura (átrio e duas do ventrículo).
Fusão e Pseudofusão
Antes do advento dos sistemas de telemetria, o ímã era usado para demonstração de vida útil de bateria e
para deixar a estimulação assíncrona quando fosse necessário (16). Atualmente, essas características ainda
se mantêm e podem jogar a favor do médico que está avaliando o paciente portador de marca-passo no
pronto-socorro ou mesmo caso precise passar por uma cirurgia de urgência com uso de bisturi elétrico (pela
capacidade de deixar assíncrono). Para essa avaliação, o operador do eletrocardiógrafo deve iniciar a
gravação de um traçado longo (única ou múltiplas derivações), posicionar o ímã (no topo do gerador caso
Medtronic®, Biotronik® e Boston Scientific® ou no centro caso aparelho da St. Jude/Abbott®) e aguardar
alguns segundos para avaliar o início e o fim da sua resposta (17). O ímã deve ter um campo magnético ≥ 10
Gauss (18).
É importante que o leitor saiba que o uso do ímã é seguro e interessante em marca-passos, mas ineficaz
ou inseguro em CDI. Vou explicar: em primeiro lugar, o ímã altera apenas a função antitaquicardia do CDI (ou
seja, ele não vai chocar com o ímã sobre o aparelho), e não é capaz e alterar a função antibradicardia do CDI
(e todo CDI é também um MP), portanto, se você quer colocar um ímã para deixar um CDI assíncrono, não
vai conseguir, mas se quiser evitar choques inapropriados repetitivos ou evitar depleção rápida da bateria em
paciente em ambiente hospitalar, o ímã vai sim muito bem. Em segundo lugar e, mais importante, apesar de o
ímã desativar temporariamente a função antitaquicardia do CDI em quase todos os dispositivos presentes no
mercado, alguns aparelhos da marca Boston Scientific® podem desligar permanentemente a função
antitaquicardia após posicionamento de ímã. Essa função só pode ser novamente ativada caso seja
realizada uma telemetria nesses aparelhos (19).
Quando realizamos o posicionamento do ímã sobre um marca-passo, o dispositivo muda para um modo
assíncrono (“cego”), VOO, AOO ou DOO, em uma frequência de estimulação que costuma ser superior a
programada, conhecida como frequência cardíaca magnética (Figura 23).
Os aparelhos da marca Boston® dão apenas três pulsos assíncronos com intervalo AV de 100 ms (caso
DOO). O terceiro pulso com uma redução de 50% da duração do estímulo. A frequência será de 100 bpm se
bateria em bom estado, 90 se bateria em ERN (elective replacement near), e 85 se ERT (elective replacement
time).
Os aparelhos da marca Medtronic®, em geral, dão três pulsos a 100 bpm, sendo que existe uma redução
de 20% na duração do estímulo do último pulso, e depois se inicia marca-passamento contínuo e assíncrono
a 85 bpm, caso bateria em bom estado (BOL – beggining of life) e 65 bpm caso ERI (elective replacement
indicator). Os aparelhos da marca Medtronic não podem ser configurados a 65 bpm justamente por isso.
Os aparelhos da marca St. Jude/ Abbott® envia 31 espículas assíncronas, sendo os primeiros 16 a 100
bpm, caso bateria em bom estado e a 85 bpm caso ERI, seguido por 15 eventos a 119 bpm com redução
progressiva da voltagem.
Os aparelhos da marca Biotronik® podem ser configurados para responder de modos diferentes aos ímãs,
sendo síncrono, assíncrono ou automático. Caso síncrono, ele enviará pace na frequência mínima de marca-
passamento se a bateria estiver em BOL, e reduzirá essa frequência em 11% caso EOL. Caso assíncrono ou
automático, teremos uma frequência de 90 se BOL ou 80 se ERI.
Os aparelhos das marcas Boston® e St.Jude/Abbott® podem ter sua resposta ao ímã desativada em
telemetria. A ausência de resposta pode significar isso ou depleção total da bateria. A Figura 24 resume os
achados de mudança de frequência em cada uma das marcas de MP.
Figura 24 - Posicionamento de um ímã sobre a loja de um MP atrioventricular. Mudança de modo DDD (MP em demanda)
para modo “cego” DOO 85. Podemos notar períodos de comando artificial do marca-passo e outros não, de acordo com a
refratariedade tecidual (período refratário x período susceptível).
FALHAS DO MARCA-PASSO
Figura 25 - Resumo das mudanças ocorridas ao posicionar o ímã sobre o marca-passo de diferentes marcas. BOL:
beggining of life, ERI: elective replacement indicative; ERN: elective replacement near; ERT: elective replacement time.
EOL: end of life.
Outro tipo de falha não recai sobre a estimulação, e sim sobre a sensibilidade. Podemos ter uma falha
intermitente ou persistente por baixa sensibilidade e não reconhecimento da atividade própria da câmara
cardíaca (undersensing), o que pode levar a uma competição entre os ritmos e o temido fenômeno R sobre
T. Também podemos ter uma falha por sensibilidade demasiada, com reconhecimento errôneo de outras
atividades elétricas ou mecânicas (oversensing) como miopotenciais, onda T, atividade elétrica de outras
câmaras cardíacas ou até de outros sinais eletromagnéticos. No caso de oversensing, a manifestação
eletrocardiográfica principal será a ausência de espícula por inibição (Figuras 26 e 27) (2,11).
Figura 27 - Undersensing atrial. O fenômeno pode até simular uma falha de comando atrial, porém o problema está na
sensibilidade do canal atrial. O estímulo atrial não resulta em uma despolarização atrial devido ao átrio estar em período
refratário funcional (2).
Depleção da bateria.
Falha de pace
Depleção da bateria.
Oversensing.
1. Taquicardia induzida por marca-passo – é a taquicardia que tem origem em uma ação direta do
marca-passo. O exemplo clássico é a indução de fibrilação ventricular devido a um undersensing ventricular e
emissão de espícula no período vulnerável do final da onda T (fenômeno R sobre T) (Figura 28). Outro
exemplo ocorre nos casos de oversensing atrial, em que é deflagrada uma estimulação ventricular em alta
frequência de forma inapropriada.
2. Taquicardia conduzida por marca-passo – acontece nos pacientes com distúrbio da condução
atrioventricular e presença de taquicardia supraventricular, em que o marca-passo sente a atividade atrial e
desencadeia a estimulação ventricular na tentativa de manter a condução 1:1. Exemplo: uma taquicardia atrial
conduzida para o ventrículo com frequência elevada.
3. Taquicardia mediada por marca-passo (PMT) – é uma taquicardia por macrorreentrada eletrônica,
exclusiva dos portadores de marca-passo atrioventricular. Nela, o braço anterógrado da taquicardia é feito
pela estimulação ventricular artificial e o braço retrógrado é feito por uma condução retrógrada ventrículo-atrial
até o eletrodo atrial, que pode acontecer pelo sistema elétrico normal (condução retrógrada pelo nó
atrioventricular) ou por uma via anômala.
A partir do momento que o eletrodo atrial sente o estímulo elétrico nessa câmara, é desencadeado o início
do intervalo atrioventricular (IAV) para emissão da estimulação ventricular artificial. Para que a PMT ocorra, o
tempo de condução retrógrada tem que ser mais longo que o intervalo do PVARP programado. Ela só
ocorrerá se houver os três pré-requisitos (MP atrioventricular, condução retrógrada ventrículo-atrial e tempo
de condução retrógrado mais longo que o PVARP). Os gatilhos frequentemente relacionados são a falha de
captura atrial, undersensing atrial (gerando uma falha de captura atrial funcional) e extrassístoles ventriculares
com condução retrógrada (Figura 29) (2,11).
Figura 29 - Fenômeno de Cross-Talk (inibição da estimulação ventricular pela estimulação artificial atrial sentida
inadequadamento no eletrodo ventricular). Felizmente, raro hoje em dia devido ao avanço dos algoritmos de proteção
como o do VSP (ventricular safety pacing) (11).
O conhecimento e a suspeita da PMT são de importante valia, pois podemos interrompê-la ao colocar o
ímã sobre a loja do MP (ao entrar em modo assíncrono, “cego”, sem a capacidade do sensing atrial), e
também podemos corrigi-la e preveni-la através do prolongamento do intervalo do PVARP na programação do
dispositivo.
Se a estimulação for feita ao mesmo tempo (mais comum), observamos no ECG apenas uma espícula de
estimulação ventricular. Quando os intervalos são mais distantes (variação de 0 a 100 ms), observamos duas
espículas no início do QRS estimulado. O QRS resultante é um complexo híbrido (de fusão) das estimulações
do VD que, como sabemos, gera um padrão de BRE (negativo em V1) e do VE que deve gerar um padrão de
BRD (positivo em V1). Não há uma regra infalível para predizer o QRS gerado, até porque isso depende de
questões técnicas sobre a localização do implante dos eletrodos, mas em geral o somatório das forças
vetoriais, gera uma morfologia positiva em V1, seja pela maior quantidade de miócitos despolarizados no
ventrículo esquerdo, e consequente maior força vetorial, seja porque algumas vezes programamos o início da
despolarização pelo ventrículo esquerdo. Como o eletrodo de seio coronário comumente é posicionado na
região lateral do VE através do seio coronário, também observamos frequentemente o predomínio de
negatividade principalmente no início do complexo QRS nas derivações D1 e aVL, como resultado da
onda de ativação que foge da região lateral do VE, analisada por essas derivações (Figuras 30-32) (1,20).
Figura 30 - Taquicardia induzida pelo marca-passo (indução de fibrilação ventricular após estímulo ventricular artificial em
período vulnerável). Adaptado de (8).
Figura 31 - Indução de PMT após uma extrassístole ventricular com condução retrógrada ventrículo-atrial. Adaptado de
ECG em 7 aulas. (11).
Figura 32 - A) ECG de base com padrão de BRE e QRS de 160 ms. B) Estimulação artificial de VD com morfologia de BRE e
QRS de 182 ms. C) Estimulação biventricular com QRS de 136ms. Notem a proeminente onda Q nas derivações D1 e aVL, e
a onda R de V1 e V2 (1).
Devemos estar atentos a mudanças de QRS em um portador de TRC, pois pode ser um indicativo de
perda de captura de um dos eletrodos, comumente o do ventrículo esquerdo, pois este costuma precisar de
maiores limiares de comando para adequada captura do ventrículo esquerdo (Figura 33) (21).
Figura 33 - Notem o encurtamento do QRS conseguido através da estimulação biventricular e o padrão de BRD em V1 (1).
A Tabela 3 traz possíveis causas de perda de uma onda R dominante em V1 caso o paciente seja portador
de ressincronizador cardíaco (22).
Tabela 3 - Causas de perda de onda R dominante em V1 em casos de pacientes usuários de ressincronizador cardíaco.
Situação normal
O eletrocardiograma do pace do feixe de His pode ser seletivo ou não seletivo. No pace seletivo do feixe
de His, o cateter é posicionado num local onde não há captura de miocárdio, apenas de células de condução.
Nesse caso, haverá um intervalo isoelétrico entre a espícula e o complexo QRS que corresponde ao intervalo
HV (um intervalo encontrado em estudos eletrofisiológicos invasivos que denota o tempo de condução desde
o feixe de His até as primeiras células miocárdicas). No pace não seletivo do feixe de His, o cateter está
posicionado em um local onde ocorre captura simultânea do feixe e também de células miocárdicas próximas.
Nesse caso, haverá um início de ativação lento (correspondente a essas células miocárdicas ativadas célula a
célula) seguida de um restante de QRS estreito. O eletrocardiograma nesse caso fica muito semelhante ao
ECG de uma pré-excitação ventricular, com onda delta e tudo (26,27). A Figura 34 traz uma ilustração dos
paces seletivo e não seletivo do feixe de His (28). As Figuras 35 e 36 ilustram os diferentes tipos de marca-
passamento do feixe de His (29).
Figura 34 - Mudanças eletrocardiográficas do QRS dependendo do ajuste dos intervalos de estimulação entre os
ventrículos.
Figura 37 - Pace seletivo do feixe de His. Perceba a linha isoelétrica entre a espícula e o QRS estreito (29).
Figura 38 - Pace não seletivo do feixe de His. Perceba o início lento do complexo QRS, semelhante a uma onda delta,
seguido do encurtamento devido ao fim do intervalo HV e transmissão rápida do impulso por células especializadas (29).
REFERÊNCIAS
6. Rott MA, Friedman PA, Wokhlu A, Asirvatham SJ, Hayes DL. A Case-Based Approach to
Pacemakers, ICDs, and Cardiac Resynchronization: Questions for Examination Review and Clinical
Practice [Volume 1]. 2013. 232 p.
7. Dell’Orto S, Valli P, Greco EM. Sensors for rate responsive pacing. Indian Pacing Electrophysiol J
[Internet]. Indian Pacing and Electrophysiology Group., 2004;4(3):137–45. ncbi.nlm.nih.gov
8. K.Wang. Atlas of Electrocardiography. Harrison’s Cardiovascular Medicine. 2013. 306 p.
14. Kenneth A. Ellenbogen M, Bruce L. Wilkoff M, G. Neal Kay M, Lau, Chu Pak M, Angelo Auricchio M.
Clinical Cardiac Pacing, Defibrillation and Resynchronization Therapy;2017. 1248 p.
15. Levine PA, Seltzer JP. Fusion, Pseudofusion, Pseudo-Pseudofusion and Confusion: Normal Rhythms
Associated with Atrioventricular Sequential “DVI” Pacing. Clin Prog Pacing Electrophysiol [Internet].
John Wiley & Sons, Ltd (10.1111)., 1983;1(1):70–80. doi.org
16. Jongnarangsin K, Thaker JP, Thakur RK. Pacemakers and magnets: an arranged marriage. Hear
Rhythm. United States; 2009 Oct;6(10):1437–8.
17. Joshi GP. Perioperative management of outpatients with implantable cardioverter defibrillators. Curr
Opin Anaesthesiol. United States; 2009 Dec;22(6):701–4.
18. Trohman RG, Kim MH, Pinski SL. Cardiac pacing: the state of the art. Lancet (London, England).
England., 2004;364(9446):1701–19.
19. Jacob S, Panaich SS, Maheshwari R, Haddad JW, Padanilam BJ, John SK. Clinical applications of
magnets on cardiac rhythm management devices. Eur Eur pacing, arrhythmias, Card Electrophysiol J
Work groups Card pacing, arrhythmias, Card Cell Electrophysiol Eur Soc Cardiol. England.,
2011;13(9):1222–30.
20. Locati ET, Bagliani G, Testoni A, Lunati M, Padeletti L. Role of Surface Electrocardiograms in Patients
with Cardiac Implantable Electronic Devices. Card Electrophysiol Clin. Elsevier Inc., 2018;10(2):233–
55.
24. Narula OS, Scherlag BJ, Samet P. Pervenous pacing of the specialized conducting system in man.
His bundle and A-V nodal stimulation. Circulation. United States., 1970;41(1):77–87.
25. Deshmukh P, Casavant DA, Romanyshyn M, Anderson K. Permanent, direct His-bundle pacing: a
novel approach to cardiac pacing in patients with normal His-Purkinje activation. Circulation. United
States., 2000;101(8):869–77.
26. Upadhyay GA, Tung R. Selective versus non-selective his bundle pacing for cardiac
resynchronization therapy. J Electrocardiol [Internet]. 2017;50(2):191–4. sciencedirect.com
27. Ali N, Keene D, Arnold A, Shun-Shin M, Whinnett ZI, Afzal Sohaib SM. His Bundle Pacing: A New
Frontier in the Treatment of Heart Failure. Arrhythmia Electrophysiol Rev [Internet]. Radcliffe
Cardiology., 2018;7(2):103–10. ncbi.nlm.nih.gov
28. Teng AE, Lustgarten DL, Vijayaraman P, Tung R, Shivkumar K, Wagner GS, et al. Usefulness of His
Bundle Pacing to Achieve Electrical Resynchronization in Patients With Complete Left Bundle Branch
Block and the Relation Between Native QRS Axis, Duration, and Normalization. Am J Cardiol
[Internet]. 2016;118(4):527–34. sciencedirect.com
29. Vijayaraman P, Naperkowski A, Ellenbogen KA, Dandamudi G. Electrophysiologic Insights Into Site of
Atrioventricular Block. JACC Clin Electrophysiol [Internet]. 2015;1(6):571 LP-581.
electrophysiology.onlinejacc.org
Capítulo 28
ECG Em Pediatria E Cardiopatias Congênitas
José Nunes de Alencar Neto
INTRODUÇÃO
Mas, não é porque você não consegue trocar uma ideia com aquele ser em formação, que você não vai
avaliar o eletrocardiograma (ECG) dele. Só que para avaliar o ECG de uma criança, um dado é fundamental:
qual a idade exata dela? Isso porque a fisiologia da criança muda muito rapidamente, assim como seus
achados e parâmetros. Bem-vindos ao mundo dos percentis!!
O PADRÃO FETAL
O coração começa a bater na 3ª semana, em um formato simples de tubo. Até a 7ª semana, está formado
com as quatro câmaras que conhecemos.
Na 31ª semana de gestação, o ventrículo direito (VD) do feto desenvolve massa miocárdica para vencer a
resistência imposta pela musculatura das artérias pulmonares. O ventrículo esquerdo (VE), por outro lado,
tem tarefa mais fácil: bombear contra os vasos de grande calibre e baixa resistência da placenta. Uma válvula
de escape se forma para permitir a saída de sangue do VD: o canal arterial, uma ligação entre a artéria
pulmonar e a aorta. Como a aorta trabalha com pressões mais baixas, por gradiente, o sangue ganha a
circulação sistêmica. Além disso, ainda há nível atrial, um terço do sangue que chega pela veia cava inferior
(VCI) ao átrio direito (AD), ganha o átrio esquerdo (AE) através do forame oval (FO) (Figura 1).
Figura 1 - Representação ilustrativa da circulação fetal. O importante aqui é saber que os vasos dos pulmões dos fetos são
muito resistentes e, por isso, o ventrículo direito cresce. Para vencer essa resistência, o crescimento apenas não é
suficiente. Então, uma válvula de escape se forma: o canal arterial que liga a artéria pulmonar (proximal à grande
resistência) à aorta. Além disso, parte o sangue proveniente da veia cava inferior e entra no átrio direito ganha o átrio
esquerdo através do forame oval.
Nessa fase, a obtenção de ECG é bastante dificultada pelos sinais de muito baixa frequência que
precisam ser filtrados do ECG da mãe (Figura 2), além da presença da vernix caseosa, que aparece entre a
28ª e a 32ª semana e cria um escudo que protege o feto de eletricidade. A vernix caseosa se dissolve
progressivamente até a 37ª semana. Além disso, o estudo do ECG nessa idade é escasso e nós não
sabemos quais achados podem ser considerados fisiológicos ou patológicos (1,2).
Figura 2 - Obtenção do ECG abdominal da mãe para análise do ECG fetal. O aparelho tem a difícil tarefa de filtrar o QRS
materno e deixar apenas o fetal sendo registrado. Perceba que no exemplo, não foi possível. O ECG abdominal é uma
soma das duas atividades cardíacas.
Talvez, a grande avaliação eletrocardiográfica do feto seja com relação às arritmias. E aí vem o grande
balde de água fria: essa avaliação é feita pelo ecocardiografista e não por nós apaixonados pelo ECG (Figura
3) (3).
Figura 3 - Algoritmo diagnóstico das arritmias fetais pelo ecocardiograma. A única ferramenta disponível para avaliação é a
relação entre o batimento dos átrios e ventrículos. FA = fibrilação atrial; TA = taquicardia atrial; TAMF = taquicardia atrial
multifocal; TJ = taquicardia juncional; TRAV = taquicardia por reentrada atrioventricular.
O PADRÃO NEONATAL
Quando a criança nasce e dá seu primeiro choro, os pulmões se insuflam, e a resistência dos vasos
pulmonares reduz drasticamente. Ao mesmo tempo, a placenta é removida, e a resistência dos vasos
sistêmicos aumenta drasticamente. Ou seja, há uma súbita transferência de pressão do sistema pulmonar
para o sistema aórtico. Como as câmaras esquerdas agora precisam lidar com o problema de grande
pressão, o sangue que passava do AD para o AE através do forame oval (e o fazia por gradiente de pressão),
não passa mais: o forame oval se fecha progressivamente durante as primeiras semanas de vida (4). O canal
arterial, aquele que levava sangue da artéria pulmonar até a aorta, se fecha ainda mais rapidamente: em
torno de 15 horas por constrição da musculatura (seu fechamento anatômico se dá na 2ª-3ª semana de vida)
(5).
Na fase neonatal o VD é dominante. Se forcarmos em V1 (derivação que visualiza bem o lado direito) e
V6 (derivação que visualiza bem o lado esquerdo), já podemos ter uma boa análise eletrocardiográfica dessa
fase da vida.
No período neonatal, V1 tem R>S (lembre-se: o VD é dominante) e V6 tem R<S. Se houver onda R e S
em V1, A R não pode ultrapassar 25 mm e a S não pode ultrapassar 20 mm. Se a R em V1 for pura, mas não
deve ultrapassar 13 mm (1,3 mV) na primeira semana e 10 mm após a primeira semana (Tabela 1). Com
relação à repolarização, a análise de V1 e V6 também dá importantes informações. Nas primeiras 48 horas de
vida, a onda T de V1 na primeira semana é geralmente positiva, mas não é anormal que seja negativa. A
onda T de V6 também pode ser positiva ou negativa. No entanto, após 48 horas, a onda T de V1 e V2 deve
ser negativa e a de V6 positiva.
Em V1, R > S
S < 10 mm.
Em V1, R > S
R < 20 mm.
R < 25 mm.
Em V1, R < S
S < 25 mm.
V1 – V3 negativa (até a adolescência).
Em V6, R > S
Padrão adulto (3 até 8 Pode ocorrer de apenas V1 ser
anos) R < 25 mm. negativa.
S < 5 mm.
V6: positiva.
Ondas Q em D2, D3, aVF e V6 podem até dobrar
de amplitude.
Uma onda T positiva em V1 após 48 horas indica a possibilidade de sobrecarga de ventrículo direito por
alguma cardiopatia congênita (6).
Figura 4 - ECG de neonato com 12 horas de vida (padrão neonatal < 48 horas). Olhe apenas para V1 e V6. V1 tem R > S, mas
a R não ultrapassa 25 mm. A onda T ainda é positiva em V1. Em V6, temos uma R < S (denotando forças direitas normais
nesse período da vida), mas a S não ultrapassa 10 mm.
Figura 5 - ECG de bebê com 5 dias de vida (padrão neonatal > 48 horas). Observe uma R pura em V1 que não ultrapassa 13
mm. A onda T de V1 já negativou (ela o faz nas primeiras 48 horas a 1 semana de vida). Em V6, a R < S, e a S tem um pouco
mais de 10 mm, mas ainda não fecha para sobrecarga de ventrículo esquerdo (vide texto mais adiante).
O PADRÃO INFANTIL
Do nascimento ao primeiro mês de vida, o VD perde massa e força elétrica pela redução gradual das
pressões pulmonares. Ao mesmo tempo, o VE passa a ganhar a dominância que terá na vida. Após o
primeiro mês de vida e até os dois ou três anos de idade, o padrão eletrocardiográfico vai refletir exatamente
esse balanço entre VD e VE.
Mais uma vez, focando em V1 e V6 (as derivações mais importantes dessa faixa etária), temos: V1 ainda
com R > S, mas com R < 20 mm. A R pode até ser pura, mas não pode ultrapassar 10 mm e isso só é normal
no primeiro ano de vida. Em V6, a R será > S e menor que 25 mm. Uma característica importante dessa idade
(e que confunde muita gente) é o possível aparecimento de uma onda Q rápida de até 10 mm em D2, D3,
aVF e V6.
Com relação à onda T, ela é negativa de V1 a V3 até os 8 – 10 anos de idade e positiva em V6 (Tabela 1).
Figura 6 - ECG de bebê de 35 dias de vida (padrão infantil). Observe a R > S em V1 com T negativa. Em V6, a R não
ultrapassa 25 mm. Em D2, D3, aVF, V5 e V6 podemos observar uma onda Q rápida que é normal nessa faixa etária.
Figura 7 - ECG de criança de 7 meses de vida (padrão infantil). Observe R > S em V1 com T negativa. Em V6, a R > S sem
ultrapassar 25 mm. Em D2, D3 e aVF, V5 e V6 também observamos a onda Q rápida e ampla.
O PADRÃO ADULTO
Caracterizado pela importância do VE após o terceiro ano de vida. Em V1, R < S com uma S < 25 mm. Em
V6, R > S e também será menor que 25 mm. A onda T será negativa de V1 – V3 até a adolescência (no sexo
feminino pode persistir até a vida adulta), mas pode ser negativa apenas em V1.
Figura 8 - ECG de criança de 6 anos de idade (padrão adulto). Observe em V1 a R < S, e em V6 a R > S. A onda T é negativa
em V1 e V2. Ainda há ondas Q em D2, D3, aVF, V5 e V6.
Figura 9 - ECG de criança de 4 anos de idade (padrão adulto). Observe em V1 a R < S. E em V6 a R > S. A onda T é negativa
de V1 a V3. Não há ondas Q em D2,D3 e aVF.
FC (bat/min): 94 155 91 158 90 166 106 182 120 179 105 185
PRDII 0,08 0,20 0,08 0,14 0,07 0,15 0,07 0,14 0,07 0,13 0,07 0,15
QRSV5 (mseg): 0,02 0,10 0,02 0,07 0,02 0,07 0,02 0,08 0,02 0,08 0,02 0,08
P DII (mV) 0,01 0,28 0,03 0,28 0,07 0,29 0,07 0,30 0,07 0,26 0,04 0,27
QavF (mV) 0,01 0,34 0,01 0,33 0,01 0,35 0,01 0,35 0,01 0,34 0,00 0,32
QV1 (mV) 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
Q V6 (mV) 0,00 0,17 0,00 0,22 0,00 0,28 0,00 0,28 0,00 0,26 0,00 0,26
R VI (mV) 0,50 2,60 0,50 2,70 0,30 2,50 0,30 1,20 0,30 1,90 0,30 2,00
RV6 (mV) 0,00 1,20 0,00 1,20 0,10 1,20 0,03 1,60 0,50 2,10 0,60 2,20
S VI (mV) 0,10 2,30 0,10 2,00 0,10 1,70 0,00 1,10 0,00 1,30 0,00 1,70
S V6 (mV) 0,00 1,00 0,00 0,90 0,00 1,00 0,00 1,00 0,00 0,70 0,00 1,00
TV1 (mV) -0,30 0,40 -0,40 0,40 -0,50 0,30 -0,50 -0,10 -0,60 -0,10 -0,60 -0,10
TV6 (mV) -0,05 0,35 0,00 0,35 0,00 0,40 0,10 0,50 0,10 0,50 0,10 0,60
R7S VI 0,10 9,90 0,10 6,00 0,10 9,80 1,00 7,00 0,30 7,40 0,10 6,00
R/S V6 0,10 9,00 0,10 12,00 0,10 10,00 0,10 12,00 0,20 14,00 0,20 18,00
PRDII 0,07 0,16 0,08 0,15 0,08 0,16 0,09 0,16 0,09 0,17 0,09 0,18
QRSV5 (mseg): 0,03 0,08 0,03 0,08 0,03 0,07 0,03 0,08 0,04 0,09 0,04 0,09
P DII (mV) 0,06 0,25 0,07 0,25 0,03 0,25 0,04 0,25 0,03 0,25 0,03 0,25
QavF (mV) 0,00 0,33 0,00 0,32 0,00 0,29 0,00 0,25 0,03 0,27 0,00 0,24
QV1 (mV) 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
Q V6 (mV) 0,00 0,30 0,00 0,28 0,01 0,33 0,01 0,46 0,01 0,28 0,00 0,29
R VI (mV) 0,20 2,00 0,20 1,80 0,10 1,80 0,10 1,40 0,10 1,20 0,10 1,00
RV6 (mV) 0,60 2,30 0,60 2,30 0,80 2,50 0,80 2,60 0,90 2,50 0,70 2,30
S VI (mV) 0,10 1,80 0,10 2,10 0,20 2,20 0,30 2,30 0,30 2,50 0,30 2,20
S V6 (mV) 0,00 0,80 0,00 0,70 0,00 0,60 0,00 0,40 0,00 0,40 0,30 0,40
TV1 (mV) -0,06 -0,20 -0,60 -0,10 -0,60 0,00 -0,50 0,20 -0,40 0,30 -0,40 0,30
6 - 12 meses 1 - 3 anos 3 - 5 anos 5 - 8 anos 8 - 12 anos 12 - 16 anos
TV6 (mV) 0,10 0,55 0,10 0,60 0,15 0,70 0,20 0,75 0,20 0,70 0,10 0,70
R7S VI 0,10 4.00 0,10 4,30 0,03 2,70 0,02 2,00 0,02 1,90 0,02 1,80
R/S V6 0,20 22,00 0,30 27,00 0,60 30,00 0,90 30,00 1,50 33,00 1,40 39,00
Tabela 3 - Tabela de Rijnbeek. Linha superior: sexo masculino, linha inferior: sexo feminino. Valores: médio (2º percentil,
98º percentil) (9).
0-1 meses 1-3 meses 3-6 meses 6-12 meses
160 (129, 192) 152 (126, 187) 134 (112, 165) 128 (106, 194)
Frequência cardíaca (bpm)
155 (136,216) 154 (126, 200) 139 (122, 191) 134 (106, 187)
99 (77, 120) 98 (85, 120) 106 (87, 134) 114 (82, 141)
Intervalo PR (ms)
101 (91, 121) 99 (78, 133) 106 (84, 127) 109 (88, 133)
413 (378, 448) 419 (396, 458) 422 (391, 453) 411 (379, 449)
Intervalo QTc (ms)
420 (379,462) 424 (381, 454) 418 (386, 448) 414 (381,446)
Frequência cardíaca 119 (97, 155) 98 (73, 123) 88 (62, 113) 78 (55, 101) 73 (48, 99)
(bpm)
128 (95, 178) 101 (78, 124) 89 (68, 115) 80 (58, 110) 76 (54, 107)
48 (-12, 78) 43 (-13, 69) 41 (-54, 72) 39 ( — 17, 76) 40 (- 24, 76)
Eixo da onda P (º)
47 (1, 90) 44 (-6, 90) 42 (-13, 77) 42 ( — 15, 82) 45 (- 18, 77)
80 (63, 113) 87 (67, 102) 92 (73, 108) 98 (78, 117) 100 (82, 118)
Duração da onda P (ms)
83 (62, 104) 84 (66, 101) 89 (71, 107) 94 (75, 114) 98 (78, 122)
118 (86, 151) 121 (98, 152) 129 (99, 160) 134 (105, 174) 139 (107, 178)
Intervalo PR (ms)
113 (78, 147) 123 (99, 153) 124 (92, 156) 129 (103, 163) 135 (106, 176)
64 (-4, 118) 70 (7, 112) 70 (-10, 112) 70 (-21, 114) 65 (-9, 112)
Eixo QRS (°)
69 (2, 121) 69 (3, 106) 74 (27, 117) 66 (5, 117) 66 (5, 101)
71 (54, 88) 75 (58, 92) 80 (63, 98) 85 (67, 103) 91 (78, 111)
Duração do QRS (ms)
68 (54, 85) 71 (58, 88) 77 (59, 95) 82 (66, 99) 87 (72, 106)
412 (383, 455) 412 (377, 448) 411 (371,443) 411 (373,440) 407 (362, 449)
Intervalo QTc (ms)
417(381,447) 415 (388, 442) 409 (375, 449) 410 (365,447) 414 (370, 457)
A onda P não muda significativamente com o passar dos anos. O intervalo PR vai de 80 – 120 ms no
neonato a 110 – 180 ms na adolescência.
Como vimos, uma onda Q pode aparecer em D2, D3, aVF e V6 nos primeiros meses de vida chegando a
um máximo aos 3 – 5 anos de idade.
O eixo do QRS na primeira semana é desviado para a direita (120º, podendo chegar até 210º), mas após
a primeira semana já se modifica a ponto de ganhar o quadrante da normalidade, em 75º (60º – 110º), No
decorrer do primeiro ano de vida, há uma mudança de eixo ainda mais para a esquerda (65º (0 – 100º). A
duração do QRS vai e 70 – 85 ms em neonatos (podendo chegar a ser tão rápido quanto 30 ms) até 90 – 110
ms em adolescentes.
Com relação ao ritmo cardíaco, é sabido que a arritmia sinusal é achado normal na pediatria (50% dos
neonatos, 16% dos adolescentes). Pausas sinusais, bloqueio atrioventricular de primeiro grau ou até de
segundo grau Mobitz I são também achados comuns e sem significado prognóstico (10).
PADRÕES PATOLÓGICOS
Não existem padrões patológicos específicos para cada doença congênita. O eletrocardiografista deve
avaliar o exame e determinar se há sobrecarga de alguma câmera, unir esses achados ao tempo de
aparecimento dos sintomas e a dados clínicos do paciente.
Uma doença congênita manifesta nas primeiras 2 – 3 semanas de vida são tipicamente as lesões
dependentes do canal arterial. São situações em que há uma obstrução da passagem de sangue pela via de
saída de um dos ventrículos. Quando este fecha por volta da 2ª – 3ª semana, os bebês começam a ficar
cianóticos e com colapso hemodinâmico. As patologias são: tetralogia de Fallot (T4F), atresia tricúspide (AT),
coarctação da aorta (CoAo) ou hipoplasia do VE.
A outra classe de doenças que se manifesta ainda no primeiro mês são os shunts esquerda-direita, como
no caso dos defeitos do septo atrial, ventricular ou atrioventricular. Apresentam-se basicamente com sinais de
insuficiência cardíaca congestiva.
Tabela 4 - Relação das doenças congênitas com o início dos sintomas e as anormalidades eletrocardiográficas possíveis.
T4F = tetralogia de Fallot.
Doença congênita Início dos sintomas SVD SVE BRD
+ (crianças mais
Persistência do canal arterial 2ª – 3ª semanas - -
velhas)
+ + (crianças mais
Coarctação da aorta 1ª semana -
(neonato) velhas)
+ (após
T4F 1ª – 12ª semanas + -
reparo)
Transposição de grandes
1ª semana + - -
vasos
Hipoplasia do VE 1ª semana + - -
Defeitos do septo
2ª – 3ª semanas + + +
atrioventricular
Essa situação hemodinâmica se apresenta defeitos congênitos que cursam com (a) obstruções da via de
saída do ventrículo direito, como em estenose de valva pulmonar, atresia pulmonar (AP) e T4F; (b)
hipertensão pulmonar por alto fluxo sanguíneo no VD, como comunicação interventricular (CIV), comunicação
interatrial (CIA), drenagem anômala de veias pulmonares (DAVP); (c) hipertensão pulmonar por
anormalidades no leito vascular pulmonar, como por doença pulmonar obstrutiva (12).
O ECG demonstrará a predominância elétrica do ventrículo direito sobrecarregado. Em V1, teremos uma
onda R > S com amplitude > 20 mm ou uma R pura > 10 mm. O aspecto qR visto no capítulo de adultos
também pode estar presente. Em V6, teremos um R < S. A onda T positiva em V1 após as primeiras 48 horas
de vida é um achado patológico. A Tabela 5 resume esses achados (13).
V1 com R > S
R > 20 mm.
Direito
V1 com R puro > 10 mm ou padrão qR.
V6 com R < S ou uma onda S > 10 mm.
Onda T positiva após 48 horas de vida.
V1 com R < S
S > 20 mm.
Esquerdo
Em V4 – V6: R > 25 mm.
Desvio de eixo para a esquerda.
Figura 10 - ECG de criança de 2 meses com padrão de sobrecarga ventricular direita. Observe que em V1 a R é pura e
ultrapassa 10 mm. A T é positiva em V1, sendo considerada patológica. Em V6, a onda S ultrapassa 10 mm. Devido à
constelação de anormalidades, esse é um ECG anormal em pediatria. O paciente sofria de defeito do septo atrioventricular
e estenose pulmonar valvar.
Figura 11 - ECG de criança de 2 meses de vida com padrão de sobrecarga ventricular direita. Observe que em V1, há R pura
e ela ultrapassa 10 mm. Mas em V6, a R > S e a S não ultrapassa 10 mm. Temos um dado a favor e um contra a SVD. O que
vai definir o quadro é justamente a onda T. Perceba a T positiva em V1, sinal patológico após 48 horas de vida.
Outro padrão de sobrecarga ventricular direita pode aparecer em crianças: o padrão de sobrecarga
diastólica que ocorre em condições de shunts esquerda-direita pré-tricuspídeos (defeitos do septo AV e
drenagem anômala de veias pulmonares). O padrão eletrocardiográfico lembra bastante os critérios de
bloqueio de ramo direito no adulto: rSR’ com R’ > r, associado a um desvio de eixo para direita (> + 120º). O
padrão Rsr’ com R > r’ é uma condição comum e não patológica em pediatria (Figura 12) (13).
Figura 12 - ECG de criança de 3 anos com sobrecarga diastólica de ventrículo direito. Observe o padrão rsR’ com R’ > r em
V1. A onda T de V1 é negativa, o que é normal para essa idade. Em V6, R > S, também normal. O único achado anormal
nesse caso é o padrão que lembra o bloqueio de ramo direito. Nesse caso, a criança sofria de comunicação interatrial tipo
seio venoso.
Pode estar presente em situações como (a) obstrução da via de saída do VE: estenose e coarctação da
aorta; (b) situações com ventrículo direito hipoplásico ou hipofuncionante: atresia tricúspide e pulmonar com
septo ventricular intacto; (c) CIV, CIA e persistência do canal arterial (12).
O ECG demonstrará predominância elétrica do ventrículo esquerdo sobrecarregado. Em V1, a onda S > R
e terá amplitude maior que 20 mm. V4 – V6 terão ondas R > 25 mm. A Tabela 5 também contém esses
achados (13).
Figura 13 - ECG de criança de 2 meses de vida com padrão de sobrecarga ventricular esquerda. Observe que em V1 a R > S
e a T é negativa. Mas em V6 (e também V4 e V5) há uma onda R > 25 mm. Em V4 – V6, a onda T é negativa, o que também é
patológico. Outro sinal de SVE presente é o desvio de eixo para esquerda. Essa criança sofria de defeito do septo
interventricular.
Figura 14 - ECG de criança de 8 meses de vida com padrão de sobrecarga ventricular esquerda. O único achado patológico
aqui é a R de V6 (e também em V4 e V5) que ultrapassa 25 mm. A criança sofria de persistência do canal arterial.
REFERÊNCIAS
1. Sameni R, Clifford GD. A Review of Fetal ECG Signal Processing; Issues and Promising Directions.
Open Pacing Electrophysiol Ther J [Internet]. 2010;3:4–20. ncbi.nlm.nih.gov
2. Clifford GD, Silva I, Behar J, Moody GB. Non-invasive fetal ECG analysis. Physiol Meas [Internet].
2014/07/29. 2014;35(8):1521–36. ncbi.nlm.nih.gov
3. Srinivasan S, Strasburger J. Overview of fetal arrhythmias. Curr Opin Pediatr [Internet].
2008;20(5):522–31. ncbi.nlm.nih.gov
4. Cole-Jeffrey CT, Terada R, Neth MR, Wessels A, Kasahara H. Progressive anatomical closure of
foramen ovale in normal neonatal mouse hearts. Anat Rec (Hoboken) [Internet]. 2012/02/21.
2012;295(5):764–8. ncbi.nlm.nih.gov
9. Rijnbeek PR, Witsenburg M, Schrama E, Hess J, Kors JA. New normal limits for the paediatric
electrocardiogram. Eur Heart J. England., 2001;22(8):702–11.
10. Dickinson DF. The normal ECG in childhood and adolescence. Heart [Internet]. Copyright 2005 by
Heart; 2005 Dec;91(12):1626–30. ncbi.nlm.nih.gov
11. Sharieff GQ, Rao SO. The pediatric ECG. Emerg Med Clin North Am. United States., 2006;24(1):195–
208, vii–viii.
12. O’Connor M, McDaniel N, Brady WJ. The pediatric electrocardiogram part III: Congenital heart
disease and other cardiac syndromes. Am J Emerg Med. United States., 2008;26(4):497–503.
13. Galli MA, Danzi GB. A Guide to Neonatal and Pediatric ECGs [Internet]. 1st ed. Milano: Springer;
2013. springer.com
Capítulo 29
Eletrocardiograma De Alta Resolução E
Variabilidade De Frequência Cardíaca
José Nunes de Alencar Neto | Rafael Thiesen Magliari
Introdução
Já sabemos que o eletrocardiograma (ECG) é uma representação gráfica de potenciais gerados pelo
coração, gravados por eletrodos posicionados na superfície do tórax. Baseada na resolução da gravação, o
ECG pode ser categorizado em dois tipos: (a) ECG de baixa resolução (ou padrão) e (b) ECG de alta
resolução (ECG-AR). Os ECG-AR registram potências de muito baixa magnitude e alta frequência chamados
“Potenciais Ventriculares Tardios” (PVTs) que estão presentes em certas anormalidades cardíacas e que
representam áreas de condução elétrica lenta e fracionada. Esses potenciais não são detectados em um ECG
padrão e, quando presentes, são indicativos de risco aumentado de eventos arrítmicos, principalmente
arritmias ventriculares sustentadas em pacientes pós-infarto do miocárdio e na Displasia Arritmogênica do
Ventrículo Direito. A técnica de obtenção do ECG-AR consiste na amplificação e filtragem de alguns sinais
cardíacos inaparentes no ECG convencional. O objetivo deste capítulo é descrever de forma clara e simples
os princípios que envolvem o ECG-AR e explicar ao leitor o que são esses tais sinais de baixa amplitude que
esse método procura.
O Método
O ECG-AR é baseado no princípio de amplificação de sinais elétricos de baixa amplitude e alta frequência
que ocorrem em determinadas áreas do coração de forma contínua aos complexos QRS e que persistem por
alguns milissegundos dentro do segmento ST. Tais sinais não são visíveis no ECG convencional. Para isso, é
importante que se reduza o nível de ruído que contamina o sinal repetitivo do ECG. Isso ocorre medindo a
voltagem do ECG num amplificador de ganho de 1000 x com filtros de 0,05 e 300 Hz. O sinal analógico é
convertido em digital a uma taxa de 1000 Hz ou mais (1–3). Quando os batimentos forem gravados e
alinhados em tempo, a média é computada. Os ruídos que podem atrapalhar a procura de PVTs são:
musculares (5 – 20 microvolts num paciente totalmente relaxado), e as interferências elétrica (50 – 60 Hz) e
eletromagnética. Outra fonte importante de ruído é a presença de batimentos ectópicos, que devem ser
excluídos da análise (4,5).
Pelo parágrafo anterior, você deve ter percebido que a preparação do paciente para a realização do
exame e o uso de eletrodos adequados são fatores de grande importância, pois são geradores de
interferência indesejada comprometendo a qualidade do exame.
As derivações utilizadas na maioria dos casos são as ortogonais bipolares X, Y e Z que devem ser
posicionadas da seguinte maneira: (a) X no 4º espaço intercostal (EIC) nas linhas axilares médias esquerda
(positivo) e direita, (b) Y no manúbrio esternal (negativo) e na perna ou crista ilíaca esquerda (positivo); (c) Z
positivo no 4º EIC paraesternal esquerdo (local onde habitualmente se posiciona V2) e negativo no dorso, do
lado esquerdo da coluna vertebral. Um eletrodo terra deve ser posicionado em qualquer lugar do tórax (Figura
1) (6). A pele deve estar completamente limpa com álcool para reduzir a impedância geradora de ruído.
Devem ser registrados uma média de 200 a 400 complexos QRS em 15 minutos de exame (em média). O
examinador deve eliminar os batimentos aberrantes, prematuros ou as interferências grosseiras na linha de
base.
Figura 1 - Correto posicionamento das derivações ortogonais para aquisição de um ECG-AR. O eletrodo G é o eletrodo
terra (Ground).
Os amplificadores são usados para obter os sinais eletrocardiográficos com alta precisão. Esse circuito
eletrônico é uma parte fundamental do sistema, uma vez que o ruído é um grande obstáculo para a aquisição
do sinal de alta resolução.
A maior parte dos sinais de ECG está concentrada na largura de banda entre 1Hz – 80Hz. Essa largura de
banda de base é típica dos eletrocardiógrafos disponíveis no mercado. No entanto, para a aquisição de sinal
do ECG-AR, uma largura de banda entre 0.05Hz - 300Hz é necessária, a fim de adquirir tantas frequências de
sinal quanto possível. O filtro de passagem de banda é o responsável por essa tarefa.
Um conversor analógico-digital permite a digitalização de um sinal analógico. Estes dados digitais são
armazenados na memória como bits binários. Uma vez convertida, a representação do sinal é transformada
do domínio analógico para o domínio digital.
Para que um ECG-AR no domínio do tempo (mais comumente utilizado na prática clínica) seja realizado,
é importante introduzir o filtro bidirecional, em que se implementa um filtro passas-altas de 40 Hz (8). Esses
filtros, quando usados de maneira isolada, causam o artefato de anel, já descrito no capítulo 5, que ocorre
exatamente no segmento ST. O filtro bidirecional (40 Hz durando 40 ms desde o início do QRS e nos últimos
40 ms do QRS), portanto, serve para jogar o artefato de anel para dentro do complexo QRS e retirá-lo do local
de interesse (fim do complexo QRS e início do segmento ST) (Figura 2). Para isso, o examinador deve
posicionar manualmente um caliper no início e no fim do complexo QRS das três derivações.
Figura 2 - A. Filtro bidirecional desativado – o filtro de passa-alta (> 25 Hz) se inicia no começo do QRS e progride. Perceba
que ao final do complexo QRS há potenciais tardios na leitura de alta resolução (abaixo) por artefato de anel. B. Com o
filtro bidirecional ativado – filtro de 25 Hz ligado do início do QRS a 40 ms depois e do fim do QRS a 40 ms antes - o
artefato de anel fica restrito ao complexo QRS (abaixo) (4).
Para que o ECG-AR em domínio de tempo seja tido como anormal, pelo menos dois dos seguintes
parâmetros devem ser encontrados quando se utiliza o filtro de 40 Hz: (a) duração total do QRS filtrado
superior a 114 ms. (b) voltagem terminal do complexo QRS (RMS) abaixo de 20 µV nos últimos 40 ms. (c)
duração do potencial tardio (< 40 µV) maior que 38 ms (Tabela 1) (3).
Outra forma de analisar o ECG-AR é em seu domínio de frequência, em que dois eletrodos
independentes posicionados muito próximos e se faz uma análise batimento a batimento. Essa variação do
método tem a vantagem de reduzir as variações pela frequência cardíaca e em encontrar sinais de variação
dinâmica (9,10). Como o pós-potencial é facilmente visto no domínio do tempo, nos deteremos mais nessa
análise.
Os PVTs são sinais de baixa amplitude (microvolts) causados pela passagem do impulso por áreas de
condução lenta no miocárdio ventricular e se encontram na porção terminal do QRS e persistem até o início
do segmento ST. Sob certas condições anormais, podem existir áreas de tecido doente ou isquêmico que
geram uma condução lenta, resultando em prolongamento da despolarização local e com isso uma “re-
excitação” do tecido sadio que circunda essa área (11,12). Essa “re-excitação” das áreas sadias ao redor é a
base do mecanismo arritmogênico de reentrada e a gênese de arritmias ventriculares graves (Figuras 3 e 4)
(13).
Figura 3 - Essa figura também está presente no capítulo 21, onde discutimos os diferentes tipos de arritmias ventriculares.
Demonstra uma área de condução que permeia a fibrose gerada por um infarto. A passagem do estímulo elétrico por esses
tortuosos caminhos gera potenciais lentos de baixa amplitude e alta frequência na porção terminal do complexo QRS e
segmento ST, pois enquanto o impulso passeia por ali, o restante do ventrículo já terminou seu período de despolarização.
O pós-potencial é importante porque denota presença de tecido peri-fibrótico de condução lenta capaz de gerar arritmias
reentrantes: se o estímulo sai dessa zona em (5), pode encontrar um ventrículo já repolarizado e adentrar novamente na
área peri-fibrótica, perpetuando uma arritmia reentrante.
Figura 4 - No traçado superior observa-se a presença dos potenciais tardios, enquanto no traçado inferior estes estão
ausentes.
Encontrar PVTs nem sempre é fácil. Por exemplo, se o paciente possui um bloqueio de ramo, ou se a área
de condução lenta se encontra em áreas que usualmente se ativam precocemente na sequência de
despolarização ventricular (por exemplo, áreas septais anteriores e posteriores), esses pós-potenciais podem
ficar escondidos dentro do complexo QRS. Esse achado pode explicar a maior incidência de PVTs em
pacientes com infartos de coronária direita (CD) que da descendente anterior (DA) (14–16). Deve-se evitar
realizar esse exame em pacientes com bloqueios de ramo e QRS ≥ 120 ms (17).
Indicações Clínicas
Os PVTs podem estar presentes em 20 – 52% dos pacientes que sobreviveram a um infarto do miocárdio
não revascularizado (18,19), chegando a cifras de até 90% dos pacientes que apresentam arritmias
ventriculares sustentadas comparados com 26 – 34% naqueles que não apresentaram essas arritmias (20–
22). Os PVTs podem ser evidentes tão cedo quanto após apenas 3 horas de infarto. Por ser um exame de
fácil e rápida execução, alguns centros utilizam o ECG-AR como ferramenta de triagem de pacientes para a
realização de estudo eletrofisiológico invasivo uma vez que apresenta uma sensibilidade superior a 50% e
uma especificidade entre 62% e 81%, com alto valor preditivo negativo (99%) (14,19,20,23). A presença dos
potenciais tardios está mais relacionada a episódios de taquicardia ventricular (TV) do que fibrilação
ventricular (FV).
Na síncope não explicada, Kuchar encontrou um valor preditivo negativo de 94% para eventos arrítmicos
ventriculares (24).
Introdução
A frequência cardíaca (FC) demonstra variações relacionadas, entre outros fatores, à respiração, ao ritmo
circadiano e ao exercício. A atividade do nó sinusal (NS) é influenciada pelas duas divisões do sistema
nervoso autônomo (SNA): simpático e parassimpático. As terminações nervosas simpáticas atuam em todo o
miocárdio e as parassimpáticas no NS, no miocárdio atrial e no nódulo atrioventricular (AV). A variabilidade da
frequência cardíaca (VFC) reflete as mudanças nos intervalos RR batimento a batimento, que estão
relacionados com a ação do SNA sobre o comportamento da FC (28).
A via simpática e a via parassimpática atuam de forma antagônica no coração (29). O parassimpático, com
sua ação mediada pelo vago, diante da liberação de acetilcolina, promove a redução da FC e o aumento da
VFC. O sistema parassimpático tem uma característica interessante: uma alta velocidade de ação e um baixo
período de latência, o que lhe confere a possibilidade de alterar a função cardíaca a cada batimento. A ação
simpática, por sua vez, relacionada à liberação de noradrenalina, promove o aumento da FC com
consequente diminuição da VFC. A noradrenalina é uma substância de lenta metabolização, o que confere ao
SNA simpático um poder mais lento de alteração das funções cardíacas.
Esse fato explica porque as duas divisões do SNA tendem a operar em frequências distintas (30).
Para análise da VFC, índices obtidos por meio de métodos lineares, no domínio do tempo e da frequência,
e métodos não lineares podem ser utilizados (28).
A análise da VFC no domínio do tempo é expressa em milissegundos. Mede-se cada intervalo NN durante
determinado intervalo de tempo e, a partir daí, com base em métodos estatísticos ou geométricos, calculam-
se os índices que refletem a VFC. Os estatísticos são os seguintes (Tabela 2):
Desvio padrão das médias dos intervalos N-N em vários períodos de 5 minutos no decorrer da
SDANN ms
gravação.
Média dos desvios padrões dos intervalos N-N em vários períodos de 5 minutos no decorrer da
SDNNi ms
gravação.
rMSSD Raiz quadrada da média do quadrado das diferenças entre intervalos RR normais adjacentes. ms
pNN50 Porcentagem dos intervalos RR adjacentes com diferença de duração maior que 50 ms. %
Os índices SDNN, SDANN e SDNNi permitem avaliar as alterações da VFC devidas a alterações do tônus
simpático e do tônus vagal. Já os índices rMSSD e pNN50, que avaliam intervalos RR adjacentes, ou seja, de
alterações rápidas, representam a atividade parassimpática e são obtidos em registros de curta duração, pois
estão relacionados ao NN próximo (39).
O método geométrico mais usado é o Lorenz plot (também chamado de Poincaré), que é um gráfico de
cada intervalo R-R (na abcissa) comparado com o próximo intervalo R-R (ordenada). A avaliação desse
gráfico é qualitativa, tendo formas em torpedo/cometa sido consideradas como normais e formatos como
hélices de um ventilador ou mais complexos como preditores de doenças cardiovasculares ou disautonômicas
(Figura 5). O comprimento do“torpedo”é influenciado por valores extremos dos intervalos R-R e tem boa
correlação com variabilidade global do SNA simpático e parassimpático. Já a largura do torpedo é
influenciada por alterações batimento a batimento, e isso traz mais informações de índices parassimpáticos.
Figura 5 - Diferentes padrões de Lorenz plots. A: normal, em formato de cometa. B: normal, em formato de torpedo. C:
anormal, em formato de hélices de um ventilador.
Quando analisamos o domínio da frequência, buscamos observar as oscilações de sinais biológicos do ser
humano. Essa representação de diferentes amplitudes de diferentes frequências em que esses sinais
biológicos oscilam em um gráfico é chamada análise espectral.
As faixas ou bandas de frequência são: (a) alta frequência (high frequency – HF): 0,15 – 0,4 Hz (ciclo: 2,5
– 6 segundos); (b) baixa frequência (low frequency – LF): 0,04 – 0,15 Hz (ciclo: 6 – 25 segundos); (c):
frequência muito baixa (very low frequency – VLF): 0,003 – 0,04 Hz (25 segundos – 6 minutos); (d) frequência
ultrabaixa (ultra low frequency – ULF): < 0,003 Hz (podendo atingir ciclos maiores de 5 horas). O componente
HF é um marcador de vagotonia, enquanto o componente LF é motivo de controvérsia, mas considerado por
alguns como marcador de tônus simpático (Tabela 3 e Figura 6). Relacionando os domínios de frequência e
de tempo, temos o SDNN relacionado à potência total do SNA, e os índices rMSSD e pNN50 relacionados
aos potenciais das bandas HF, ou seja, parassimpático (Tabela 4). É importante enfatizar que a duração da
gravação deve ser pelo menos dez vezes maior que a menor faixa de frequência estudada. A avaliação das
bandas VLF e ULF é impossível em gravações de 5 minutos (40).
Tabela 3 - Bandas de frequência das oscilações biológicas provocadas pelo sistema nervoso autônomo.
Banda de frequência Hz Duração do ciclo
Figura 6 - Análise da frequência cardíaca no domínio da frequência. VLF: very low frequency, LF: low frequency, HF: high
frequency. SNAS: sistema nervoso autônomo simpático. SNAP: sistema nervoso autônomo parassimpático.
Tabela 4 - Correlação entre os índices do domínio do tempo e as bandas de frequência espectrais da variabilidade de
frequência cardíaca. ULF: ultra low frequency. HF: high frequency.
Variável do domínio do tempo Banda de frequência correlacionada
SDNN Potência total
SDANN ULF
rMSSD HF – parassimpático
pNN50 HF - parassimpático
A medida dos valores dos componentes espectrais se dá em ms2 ou unidades normalizadas (nu), que é
um cálculo da relação desse componente com o total excetuando-se o componente da VLF. Outra medida
utilizada é a LF/HF que pode dar informações sobre o balanço do SNA simpático e parassimpático (41). A
figura 7 mostra um exemplo de gráfico de domínio de frequência de VFC pelo tempo.
Figura 7 - Gráfico de domínio de frequência da VFC pelo tempo. Observe o aumento da atividade HF durante o sono do
paciente, na madrugada.
A análise da VCF se mostrou, ao longo das últimas décadas, ser um método simples e reprodutível de
análise do SNA de forma não invasiva. Diversas doenças cardíacas e não cardíacas estão envolvidas com
alterações no SNA e, nesse contexto, a VFC torna-se uma ferramenta bastante interessante na demonstração
dessas alterações (45). A diminuição da variabilidade da FC está associada ao maior risco de morte no
período pós-infarto e também tem sido apontada como um forte preditor de risco relacionado a eventos
adversos em indivíduos normais e em pacientes com um grande número de doenças, refletindo o papel vital
que o SNA desempenha na manutenção da saúde (46).
O SDNN é o desvio padrão mais utilizado na prática clínica. No estudo ATRAMI, que selecionou pacientes
com infarto recente, o valor de um SDNN < 70 ms foi associado a um risco de morte 3,2 vezes maior em um
follow-up de dois anos (47). Em um grande registro de Kleiger com 808 pacientes na era pré-reperfusão de
infartos do miocárdio, um SDNN < 50 ms foi associado a um risco 5,3 vezes maior de morte que pacientes
com SDNN > 100 ms (Figura 8) (48).
Figura 8 - Curva de sobrevida de pacientes pós-infarto do estudo de Kleiger demonstrando correlação estatística entre o
valor de SDNN < 50 e menor sobrevida em 4 anos (48).
Os valores normais no domínio da frequência são motivo de grande controvérsia, com vários estudos
demonstrando variações importantes mesmo em indivíduos normais (49). Embora esteja presente em
softwares nacionais de eletrocardiógrafos, o Task Force sobre o assunto não cita nenhum valor de
normalidade (40).
REFERÊNCIAS
1. Simson MB. Use of signals in the terminal QRS complex to identify patients with ventricular
tachycardia after myocardial infarction. Circulation. United States., 1981;64(2):235–42.
2. Simson MB, Untereker WJ, Spielman SR, Horowitz LN, Marcus NH, Falcone RA, et al. Relation
between late potentials on the body surface and directly recorded fragmented electrograms in patients
with ventricular tachycardia. Am J Cardiol. United States., 1983;51(1):105–12.
3. Breithardt MG. ACC POLICY STATEMENT Standards for Analysis of Ventricular Late Potentials
Using High-Resolution or Signal-Averaged Electrocardiography : A Statement by a Task Force
Committee of the European Society of Cardiology , the American Heart Association , and th.,
1991;17(5):999–1006.
4. MacFarlane P, van Oosterom A, Pahlm O, Kligfield P, Janse M, Camm J, editors. Comprehensive
Electrocardiology. 2nd ed. London: Springer;2011.
5. Laciar E, Jane R, Brooks DH. Improved alignment method for noisy high-resolution ECG and Holter
records using multiscale cross-correlation. IEEE Trans Biomed Eng. United States., 2003;50(3):344–
53.
6. Berbari EJ, Scherlag BJ, Hope RR, Lazzara R. Recording from the body surface of arrhythmogenic
ventricular activity during the S-T segment. Am J Cardiol. United States., 1978 Apr;41(4):697–702.
7. Narayanaswamy S. High resolution electrocardiography. Indian Pacing Electrophysiol J. Netherlands.,
2002;2(2):50–6.
8. Caref EB, Turitto G, Ibrahim BB, Henkin R, el-Sherif N. Role of bandpass filters in optimizing the value
of the signal-averaged electrocardiogram as a predictor of the results of programmed stimulation. Am
J Cardiol. United States., 1989;64(1):16–26.
9. Flowers NC, Shvartsman V, Kennelly BM, Sohi GS, Horan LG. Surface recording of His-Purkinje
activity on an every-beat basis without digital averaging. Circulation. United States., 1981;63(4):948–
52.
10. El-Sherif N, Mehra R, Gomes JA, Kelen G. Appraisal of a Low Noise Electrocardiogram. J Am Coll
Cardiol. United States; 1983 Feb;1(2 Pt 1):456–67.
11. McGuire M, Kuchar D, Ganis J, Sammel N, Thorburn C. Natural history of late potentials in the first
ten days after acute myocardial infarction and relation to early ventricular arrhythmias. Am J Cardiol.
United States., 1988;61(15):1187–90.
12. Mehta D, McKenna WJ, Ward DE, Davies MJ, Camm AJ. Significance of signal-averaged
electrocardiography in relation to endomyocardial biopsy and ventricular stimulation studies in
patients with ventricular tachycardia without clinically apparent heart disease. J Am Coll Cardiol.
United States., 1989;14(2):371–2.
13. Sobral DC, Ândrea F. O Eletrocardiograma de Alta Resolução e suas Aplicações Clínicas.,
2000;13(2):86–96.
14. Kuchar DL, Thorburn CW, Sammel NL. Late potentials detected after myocardial infarction: natural
history and prognostic significance. Circulation. United States., 1986;74(6):1280–9.
15. Lange RA, Cigarroa RG, Wells PJ, Kremers MS, Hills LD. Influence of anterograde flow in the infarct
artery on the incidence of late potentials after acute myocardial infarction. Am J Cardiol. United
States., 1990;65(9):554–8.
16. Benchimol-Barbosa PR, Sousa MO de, Barbosa EC, Bomfim A de S, Ginefra P, Nadal J. Analysis of
the Prevalence of Ventricular Late Potentials in the Late Phase of Myocardial Infarction Based on the
Site of Infarction. Arq Bras Cardiol [Internet]. scielo; 2002;78:358–63. scielo.br
17. Gizzi J. Eletrocardiografia de alta resolução: técnica, indicações, resultados e significado prognóstico.
Relampa [Internet]. 1993 [cited 2019 Jan 22];6(3):123–36. relampa.org.br
18. Breithardt G, Schwarzmaier J, Borggrefe M, Haerten K, Seipel L. Prognostic significance of late
ventricular potentials after acute myocardial infarction. Eur Heart J. England., 1983;4(7):487– 95.
19. Cripps T, Bennett ED, Camm AJ, Ward DE. High gain signal averaged electrocardiogram combined
with 24 hour monitoring in patients early after myocardial infarction for bedside prediction of
arrhythmic events. Br Heart J. England., 1988;60(3):181–7.
20. Kuchar DL, Ruskin JN, Garan H. Electrocardiographic localization of the site of origin of ventricular
tachycardia in patients with prior myocardial infarction. J Am Coll Cardiol [Internet]. 1989;13(4):893–
900. sciencedirect.com
21. Breithardt G, Borggrefe M, Karbenn U, Abendroth R-R, yeh H-L, Seipel L. Prevalence of late
potentials in patients with and without ventricular tachycardia: Correlation with angiographic findings.
Am J Cardiol [Internet]. Elsevier; 1982;49(8):1932–7. doi.org
22. Kanovsky MS, Falcone RA, Dresden CA, Josephson ME, Simson MB. Identification of patients with
ventricular tachycardia after myocardial infarction: signal-averaged electrocardiogram, Holter
monitoring, and cardiac catheterization. Circulation. United States., 1984;70(2):264–70.
23. Turitto G, Fontaine JM, Ursell SN. Value of the Signal-Averaged Electrocardiogram as a Predictor of
the Results of Programmed Stimulation in Nonsustained Ventricular Tachycardia (2).
24. Kuchar DL, Thorburn CW, Sammel NL. Signal-averaged electrocardiogram for evaluation of recurrent
syncope. Am J Cardiol [Internet]. Elsevier; 1986;58(10):949–53. doi.org
25. Marcus FI, McKenna WJ, Sherrill D, Basso C, Bauce B, Bluemke DA, et al. Diagnosis of
arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy/Dysplasia: Proposed modification of the task force
criteria. Circulation., 2010;121(13):1533–41.
26. Alencar Neto JN de, Baranchuk A, Bayes-Genis A, Bayes de Luna A. Arrhythmogenic right ventricular
dysplasia/cardiomyopathy: an electrocardiogram-based review. Europace. England., 2018;20(FI1):f3–
12.
27. Kamath GS, Zareba W, Delaney J, Koneru JN, McKenna W, Gear K, et al. Value of the signal-
averaged electrocardiogram in arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy/dysplasia. Hear
Rhythm. United States., 2011;8(2):256–62.
28. Aubert E, Seps B, Beckers F. Heart Rate Variability in Athletes., 2003;33(12):889–919.
29. Alencar Neto JN, de Luna A. Muerte Súbita y Sistema Nervioso Autónomo. In: Gelpi R, Buchholz B,
editors. Neurocardiología: Aspectos Fisiopatológicos e Implicancias Clínicas. Elsevier;2018. p. 978–
984 (En prensa).
30. Freeman R. Assessment of cardiovascular autonomic function. Clin Neurophysiol. Netherlands.,
2006;117(4):716–30.
31. Pagani M, Lombardi F, Guzzetti S, Rimoldi O, Furlan R, Pizzinelli P, et al. Power spectral analysis of
heart rate and arterial pressure variabilities as a marker of sympatho-vagal interaction in man and
conscious dog. Circ Res. United States., 1986;59(2):178–93.
32. Sleight P, La Rovere MT, Mortara A, Pinna G, Maestri R, Leuzzi S, et al. Physiology and
pathophysiology of heart rate and blood pressure variability in humans: is power spectral analysis
largely an index of baroreflex gain? Clin Sci (Lond). England., 1995;88(1):103–9.
33. Fleisher LA, Frank SM, Sessler DI, Cheng C, Matsukawa T, Vannier CA. Thermoregulation and heart
rate variability. Clin Sci (Lond). England., 1996;90(2):97–103.
34. Ponikowski P, Chua TP, Piepoli M, Amadi AA, Harrington D, Webb-Peploe K, et al. Chemoreceptor
dependence of very low frequency rhythms in advanced chronic heart failure. Am J Physiol. United
States., 1997;272(1 Pt 2):H438-47.
35. Francis DP, Davies LC, Willson K, Ponikowski P, Coats AJ, Piepoli M. Very-low-frequency oscillations
in heart rate and blood pressure in periodic breathing: role of the cardiovascular limb of the hypoxic
chemoreflex. Clin Sci (Lond). England., 2000;99(2):125–32.
36. Duprez D, De Buyzere M, Rietzschel E, Rimbout S, Kaufman JM, Van Hoecke MJ, et al. Renin-
angiotensin-aldosterone system, RR-interval and blood pressure variability during postural changes
after myocardial infarction. Eur Heart J. England., 1995;16(8):1050–6.
37. Taylor JA, Carr DL, Myers CW, Eckberg DL. Mechanisms underlying very-low-frequency RR-interval
oscillations in humans. Circulation. United States., 1998;98(6):547–55.
38. Thuraisingham RA. Preprocessing RR interval time series for heart rate variability analysis and
estimates of standard deviation of RR intervals. Comput Methods Programs Biomed. Ireland.,
2006;83(1):78–82.
39. Bigger JTJ, Kleiger RE, Fleiss JL, Rolnitzky LM, Steinman RC, Miller JP. Components of heart rate
variability measured during healing of acute myocardial infarction. Am J Cardiol. United States.,
1988;61(4):208–15.
40. Heart rate variability: standards of measurement, physiological interpretation and clinical use. Task
Force of the European Society of Cardiology and the North American Society of Pacing and
Electrophysiology. Circulation. United States., 1996;93(5):1043–65.
HISTÓRICO
O nome “vetorcardiograma” foi primeiramente mencionado por Wilson e Johnston (1) em 1938, enquanto
que anteriormente Schellong (2) e Mann (3) introduziram, respectivamente, a palavra “vetorcardiograma” e o
primeiro loop vetorial “monocardiograma”. O vetorcardiograma (VCG), assim como o eletrocardiograma
(ECG), representa a atividade elétrica do coração. O VCG pode ser construído por várias combinações de
eletrodos, mas o mais popular é o posicionamento de sete eletrodos por Frank (4). Combinando esses sete
eletrodos, construiremos as derivações ortonormais X, Y e Z (direção ortogonal e derivações normalizadas),
que resumem a atividade elétrica do coração (movimentos do vetor do coração; tamanho e direção da
atividade cardíaca em um dado momento) (5). Ao combinar as amplitudes dessas derivações, as alças
vetoriais podem ser construídas considerando um padrão tridimensional da atividade cardíaca, veja a Figura
1.
Figura 1 - Representações escalares e de Lissajous do vectorcardiograma (VCG); Figura 5 de Man et al. (5), com permissão.
Painéis esquerdos, de cima para baixo: representações escalares das derivações X, Y e Z e da magnitude do vetor (MV). Painéis
superior e médio à direita: alças vetoriais 2D nos planos frontal, transversal e sagital. Painel inferior ao meio: loop de vetor 3D.
Calibração: 0,5 mV / divisão. As cores marcam os intervalos entre os instantes de tempo característicos no ECG. Vermelho claro:
início QRS - instante do vetor QRS máximo; vermelho escuro: instante do vetor QRS máximo - final do QRS; verde claro: fim do
QRS - instante do vetor T máximo; verde escuro: instante do vetor T máximo - fim de T; azul: sinal de ECG fora do complexo QRS-T.
A seta amarela no loop do vetor 3D indica o vetor QRS máximo. A magnitude do vetor QRS máximo é indicada nas representações
2D como uma linha amarela horizontal. As linhas azuis pontilhadas nos loops vetoriais 2D marcam a máxima dependente de
derivações. O VCG tem, assim, valor adicional ao ECG. Na história, tanto o VCG como o ECG eram ferramentas usadas para fins
de diagnóstico, no entanto, o ECG permaneceu mais popular devido à sua introdução anterior (meio século antes) como uma
ferramenta de diagnóstico clínico.
Normalmente, a maior atividade ventricular do coração não pode ser medida nas derivações escalares X,
Y e Z (também não no ECG padrão de doze derivações) porque no momento da maior atividade ventricular
(mostrada na seta amarela da Figura 1; vetor QRS máximo) a direção dessa atividade não é paralela àquelas
derivações (ver linha amarela que indica a amplitude máxima do vetor QRS no painel esquerdo da Figura 1).
A solução é calcular uma grandeza vetorial a partir das derivações X, Y e Z usando o teorema de Pitágoras
para definir a amplitude máxima “real” dos QRS (ver linha amarela no sinal MV – magnitude do vetor – no
painel esquerdo da Figura 1), enquanto esse cálculo não pode ser feito usando as doze derivações padrão
(D1, D2, D3, aVR, aVL, aVF e V1- V6), porque a direção desses vetores principais não são perpendiculares
entre si (ver Figura 2).
Figura 2 - Vetores no ECG de 12 derivações; Figura 4 de Man et al. (5), com permissão.
Os componentes dos vetores das derivações das extremidades D1, D2, D3, aVR, aVL e aVF que geralmente são considerados no
plano frontal estão, na verdade, também nos planos transverso e sagital. Os componentes dos vetores das derivações precordiais
V1-V6 que geralmente se supõe estarem no plano transverso estão, na verdade, também nos planos frontal e sagital. Além disso,
diferenças marcantes nos vetores das derivações são vistas. Além disso, as direções dos vetores de chumbo diferem, às vezes,
drasticamente das direções idealizadas, como geralmente representadas em livros de texto (no plano frontal aVL, D1, D2, aVF, D3 e
aVR estão a 2, 3, 5, 6, 7 e 10 no relógio, e no plano transversal V6-V1 em 2-7 horas, respectivamente).
PRESENTE
Hoje em dia, os VCGs quase não são mais registrados, porque os cardiologistas não estão familiarizados
com a leitura de VCGs ou loops vetoriais e nem todos os eletrocardiógrafos gravam VCG. Entretanto, o
interesse de usar variáveis vetorcardiográficas para fins diagnósticos/prognósticos não foi esquecido. No final
dos anos noventa, após publicações de síntese matemática de um VCG de Frank obtido de um registro de
ECG de doze derivações por Levkov (6), Edenbrandt e Pahlm (a “matriz inversa do Dower”) (7), e por Kors et
al (8) possibilitaram que os pesquisadores realizassem novamente o uso VCG usando as doze derivações do
ECG. Desde a introdução desses métodos, centenas de estudos são feitos usando variáveis
vetorcardiográficas (por exemplo, o ângulo QRS-T espacial, gradiente ventricular, vetor de lesão e vetores
máximo de QRS e T), além de variáveis do ECG para fins diagnósticos ou prognósticos em pacientes com
diferentes condições. Por exemplo, a previsão da terapia com CDI em pacientes com insuficiência cardíaca
utilizando o ângulo QRS-T espacial (9) aumentou a detecção de isquemia aguda usando o vetor de lesão
(10,11), reforçando os critérios de hipertrofia ventricular esquerda (12) e cardiomiopatia hipertrófica (13)
utilizando o ângulo QRS-T espacial, detectando hipertensão pulmonar utilizando gradiente ventricular (14,15).
Além disso, alguns estudos metodológicos são realizados para facilitar o uso de variáveis vetorcardiográficas
como um aprimoramento dos critérios do ECG, como valores normais (16,17) e desempenhos da conversão
matemática do ECG em VCG (Figuras 3 e 4) (18–20).
Figura 3 - Ilustração do ângulo QRS-T espacial, indivíduo normal (feminino, 20 anos); Figura 10 de Man et al. (5), com
permissão.
A figura mostra os loops QRS e T (vermelho e verde, respectivamente; o loop T nesse exemplo é relativamente estreito, como é
visto frequentemente em indivíduos normais). Os eixos QRS e T são as orientações espaciais (azimute e elevação) das integrais
QRS e T (adições vetoriais das áreas QRS e T nas derivações X, Y e Z, respectivamente). As três projeções representadas (da
esquerda para a direita: direita-anterolateral, anterior e esquerda-anterolateral) mostram claramente a influência da projeção: o
ângulo “genuíno” QRS-T nesse sujeito, 81°, é melhor visualizado na vista direita-anterolateral, enquanto a vista frontal mostra um
ângulo QRS-T de apenas 43°. Isso demonstra que o ângulo QRS-T deve sempre ser medido no espaço 3D e não no plano frontal.
Figura 4 - Ilustração do cálculo do gradiente ventricular (VG); Figura 11 de Man et al. (5), com permissão.
ECG de um paciente com isquemia aguda como consequência da oclusão do balão em um segmento da artéria coronária durante a
angioplastia coronariana transluminal percutânea eletiva. Painel A: VCG sintetizado (derivações X, Y e Z) e magnitude vetorial.
Marcadores de tempo verticais indicam o início do QRS, o ponto J, J60 ms instantâneos (vermelho) e fim da onda T. Os
componentes x, y e z do vetor VG são computados como as áreas sob a curva do complexo QRS-T; amplitudes positivas (azul)
contribuem positivamente e áreas negativas (roxo) contribuem negativamente para a área. Nesse exemplo, as áreas QRS-T das
derivações X e Y são obviamente positivas, enquanto a área QRS-T da derivação Z é negativa. Este último é devido à depressão
ST e à onda T negativa. Painel B: composição do vetor VG (tamanhos vetoriais em mV ∙ ms). As magnitudes dos componentes x, y
e z, VGx, VG y e VG z, são iguais às áreas de QRS-T, conforme ilustrado no painel A. VGx e VGy são positivos e apontam,
portanto, nas direções positivas dos eixos x e y. VGz é negativo e aponta na direção negativa do eixo z. A soma vetorial de VGx,
VGy e VGz produz o vetor VG resultante.
FUTURO
A integração de variáveis vetorcardiográficas para fins diagnósticos/prognósticos, além do ECG, deve ser
encorajada. Melhoria adicional do desempenho diagnóstico das variáveis eletro e vetorcardiográficas pode ser
conseguida usando inteligência artificial. Algumas pesquisas (21–23) já são realizadas com resultados
promissores.
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Na era do Big data e da inteligência artificial, emerge a cardiologia de precisão (2), a qual passa a não ser
regida por médias e medianas de estudos populacionais e sim por características do indivíduo ou de
subgrupos através de informações obtidas em tempo real a partir da mineração de dados, (data mining) de
múltiplas bases de dados interconectadas em tempo real (internet of medical things) (3).
Nos dias atuais, tecnologias como Tomografia por emissão de pósitrons (PET), a Ressonância Magnética
Cardíaca (RMC) e o High Frame Rate Imaging (HFR), permitem uma nova compreensão in vivo de
fenômenos da anatomia e da fisiologia do coração até então pouco compreendidos.
O realce tardio pela RMC tem uma forte correlação com os padrões eletrocardiográficos de infarto (4). A
fibrose da cardiomiopatia não isquêmica também pode ser inferida pelo eletrocardiograma (5,6).
Apesar de ser um forte preditor de risco cardiovascular, a fibrose miocárdica quantificada pelo realce tardio
não aporta informações sobre a região de miocárdio sem fibrose. Aliás, quanto menor a fibrose do realce
tardio, menos importante ela é como marcador de risco (7).
Assim, um novo enfoque que ganha destaque é a avaliação do espaço intersticial miocárdico aferido pelo
mapa T1 da ressonância magnética. Essa técnica pode oferecer dados como o T1 nativo e o volume
extracelular do miocárdio (sua sigla em inglês é ECV), este último é um parâmetro que mede expansão da
matriz extracelular como resultado de fibrose reativa difusa em cardiopatias como estenose aórtica,
insuficiência aórtica, cardiomiopatia hipertensiva e mesmo da doença isquêmica do coração sem infarto (7).
Maanja et al (8) evidenciaram que além da correlação inversa entre a massa ventricular esquerda
indexada para superfície corpórea (MVE indexada) e a amplitude da voltagem do ECG, o ECV também é uma
variável determinante na amplitude do ECG (independente da MVE). Os autores demonstram uma diferença
estatisticamente significativa na razão da voltagem das doze derivações eletrocardiográficas/MVE indexada
em indivíduos com e sem aumento do ECV (Figura 1). Rodrigues et al (9) evidenciaram aumento do ECV (e
consequente de fibrose intersticial) em hipertensos com padrão eletrocardiográfico de strain em relação aos
pacientes sem padrão de strain.
Figura 1 - A razão da voltagem das doze derivações do ECG/MVE indexada pode ser alterada de acordo com o volume
extracelular.
Diante do corpo crescente de evidências acerca do papel da fibrose miocárdica intersticial nos padrões
eletrocardiográficos, é possível especular que a teoria vigente de remodelamento elétrico exclusivo poderia
ser explicada pela expansão do volume extracelular cardíaco. Obviamente, estudos direcionados para essa
questão se fazem necessários.
DIGITALIZAÇÃO DO ELETROCARDIOGRAMA
O eletrocardiógrafo registra a amplitude atividade elétrica gerada pelo coração em função do tempo. O
sinal analógico é filtrado, amplificado por um ganho de 1000, convertido para sinal digital e submetido ao
processamento computacional (10).
A totalidade da informação do exame que registra a amplitude (mV) em função do tempo (ms) em cada
uma das doze derivações é chamado de raw data. Através de um software Excel comum, é relativamente fácil
ler os raw data de um exame de ECG, o qual mostra, através de linhas e colunas, todos os pontos da
aquisição do sinal. O número total de pontos varia de acordo com a taxa de amostragem (sample rate) do
aparelho. O raw data do ECG não é disponibilizado por muitas empresas, reservando esses dados a “caixa
preta (black box)" das informações inacessíveis àqueles que pagaram pelo hardware/ software. Isto é algo
que deve se ter em conta ao adquirir um eletrocardiógrafo.
Entretanto, a criação de grandes bases de dados pode ser onerosa e requer suporte especializado com
interação de equipes de Tecnologia da Informação e Data Science. No Brasil, medidas efetivas para a
digitalização de todos os traçados eletrocardiográficos são imperativas.
Atualmente, grande parte dos serviços dos Estados Unidos da América conta com recursos de
armazenamento digital do sinal eletrocardiográfico, assim como máquinas automatizadas com softwares, que
possibilitam uma interpretação quase instantânea das diferentes deflexões e intervalos eletrocardiográficos
(11).
Por outro lado, a automação das medidas eletrocardiográficas carece de padronização dentre os
diferentes fabricantes, com considerável variabilidade intersoftware dos algoritmos de análise, resultando em
medidas que podem variar o suficiente a ponto de alterar a interpretação diagnóstica e comprometer a
precisão global do método.
As ferramentas de inteligência artificial (sua sigla em inglês é AI) conseguem manejar uma grande
quantidade de dados e fazer predições acuradas, porém é preciso ter em conta uma etapa crítica do
processo: a qualidade do dado que alimenta o sistema. A célebre frase: “garbage in, garbage out” (“lixo entra,
lixo sai”), é uma alerta constante para a qualidade das medidas que alimentam um sistema de AI.
Wenger et al (12) demonstraram que menos de dois terços dos eletrodos de exames eletivos realizados
por técnicos experientes estavam dentro de um raio de 1,25 polegadas (aproximadamente 3 cm) da posição
preconizada. O posicionamento inadequado dos eletrodos pode levar a exames desnecessários, incremento
de custo, redução da performance diagnóstica e da reprodutibilidade do ECG. Medidas como criação de
órgãos de controle de qualidade do método eletrocardiográfico, educação continuada de toda a equipe e
estímulo de linhas de pesquisa nesta área são potenciais medidas para abordar o problema.
O tratamento do raw data por técnicas avançadas de análise de sinais biológicos podem definitivamente
expandir as possibilidades do ECG (13– 15) e devem ser estimuladas.
Uma vez obtido um conjunto de características, estas servem de entrada (input) para um algoritmo
classificador (black box) e este, por sua vez, gera uma saída (output) que pode ser uma medida, uma
interpretação, um diagnóstico ou uma predição.
Os algoritmos tem melhorado a performance diagnóstica ao longo dos anos. Embora a taxa de acerto
ainda seja inferior ao profissional humano experiente (91% versus 96%), os laudos automatizados podem ser
fundamentais para incremento de performance em profissionais menos familiarizados com ECG (20).
A respeito das técnicas de machine learning, a maioria requer a definição de um vetor principal que
contenha todas as características embutidas no sinal eletrocardiográfico para treinar o classificador.
A Figura 2 ilustra alguns métodos para a classificação de sinais eletrocardiográficos: o Support Vector
Machine (SVM) produz uma classificação binária através de maximização de uma determinada margem m; o
algoritmo de Randon Forest utiliza árvores de decisão; os modelos de Markov utilizam os n estados, uma
matriz de transição alpha e matriz de emissão beta; as redes neurais artificiais que imitam a lógica dos
processos biológicos pela interconexão de neurônios do sistema para aprender a estrutura dos dados a partir
de exemplos (11).
Figura 2 - Resumo esquemático de alguns algoritmos de Machine Learning para classificação dos sinais de ECG.
Attia et al (21) demonstraram um algoritmo de Deep Learning para detecção de indivíduos com redução da
fração de ejeção do ventrículo esquerdo. Costa et al (22) expandiram a análise vetocardiográfica para
múltiplas dimensões através da técnica do espaço de fase nas derivações x, y e z. A leitura desses sinais
através de redes neurais artificiais promoveu boa área sob a curva para a detecção automática de infarto
miocárdico, ainda que a classificação de infartos de parede inferior foi subótima. Sengupta et al (23)
desenvolveram um algoritmo que combinou a transformada wavelet do sinal de ECG classificado por um
algoritmo tipo random forest para identificar indivíduos com alteração no relaxamento do ventrículo esquerdo.
Performance mostrou uma área sob a curva (AUC) de 0,9 (95% CI; 0,86-0,94) (Figura 3).
Figura 3 - Algoritmo desenvolvido por Sengupta et al para predição de alteração do relaxamento do ventrículo esquerdo.
Diante dos recentes avanços, é possível tentarmos algumas prospecções: algoritmos de inteligência
artificial devem superar a performance de especialistas nos próximos anos (21,22,24). A substituição total do
profissional humano por algoritmos é improvável, mas certamente haverá redução do número de operadores
necessários para desempenho das tarefas atuais (24,25).
REFERÊNCIAS
1. Dawes S. The Role of the Intellectual in Liquid Modernity: An Interview with Zygmunt Bauman.
Theory, Cult Soc;2011.
2. Hortegal R, Abensur H. Strain Echocardiography in Patients with Diastolic Dysfunction and Preserved
Ejection Fraction: Are We Ready? ABC Imagem Cardiovasc., 2017;30(4):132–9.
3. Borovska P. Big Data Analytics and Internet of medical Things Make Precision Medicine a Reality. Int
J Internet Things Web Serv., 2018;3(July).
4. Strauss DG, Selvester RH. The QRS complex-a biomarker that “images” the heart: QRS scores to
quantify myocardial scar in the presence of normal and abnormal ventricular conduction. Journal of
Electrocardiology;2009.
5. Rosengarten JA, Scott PA, Chiu OKH, Shambrook JS, Curzen NP, Morgan JM. Can QRS scoring
predict left ventricular scar and clinical outcomes? Europace;2013.
6. Taylor AJ, Salerno M, Dharmakumar R, Jerosch-Herold M. T1 Mapping Basic Techniques and Clinical
Applications. JACC: Cardiovascular Imaging;2016.
7. Puntmann VO, Carr-White G, Jabbour A, Yu CY, Gebker R, Kelle S, et al. Native T1 and ECV of
Noninfarcted Myocardium and Outcome in Patients With Coronary Artery Disease. J Am Coll
Cardiol;2018.
8. Maanja M, Wieslander B, Schlegel TT, Bacharova L, Abu Daya H, Fridman Y, et al. Diffuse Myocardial
Fibrosis Reduces Electrocardiographic Voltage Measures of Left Ventricular Hypertrophy Independent
of Left Ventricular Mass. J Am Heart Assoc., 2017;6(1):1–11.
9. Rodrigues JCL, Amadu AM, Dastidar AG, McIntyre B, Szantho G V., Lyen S, et al. ECG strain pattern
in hypertension is associated with myocardial cellular expansion and diffuse interstitial fibrosis: A
multi-parametric cardiac magnetic resonance study. Eur Heart J Cardiovasc Imaging;2017.
10. Gregg RE, Zhou SH, Lindauer JM, Helfenbein ED, Giuliano KK. What is inside the
electrocardiograph? J Electrocardiol;2008.
11. Lyon A, Mincholé A, Martínez JP, Laguna P, Rodriguez B. Computational techniques for ECG analysis
and interpretation in light of their contribution to medical advances. Journal of the Royal Society
Interface;2018.
12. Wenger W, Kligfield P. Variability of precordial electrode placement during routine electrocardiography.
J Electrocardiol., 1996;29(3):179–84.
13. Maheshwari S, Acharyya A, Schiariti M, Puddu PE. Frank vectorcardiographic system from standard
12 lead ECG: An effort to enhance cardiovascular diagnosis. J Electrocardiol., 2016;49(2):231–42.
14. Waks JW, Tereshchenko LG. Global electrical heterogeneity: A review of the spatial ventricular
gradient. J Electrocardiol;2016.
15. Trägårdh E, Schlegel TT, Carlsson M, Pettersson J, Nilsson K, Pahlm O. High-frequency
electrocardiogram analysis in the ability to predict reversible perfusion defects during adenosine
myocardial perfusion imaging. J Electrocardiol;2007.
16. Mugler DH, Clary S, Wu Y. Discrete Hermite expansion of digital signals: Applications to ECG signals.
In: Proceedings of 2002 IEEE 10th Digital Signal Processing Workshop, DSP 2002 and 2nd Signal
Processing Education Workshop, SPE 2002. 2002.
17. Hsieh JC, Tzeng WC, Yang YC, Shieh SM. Detecting ECG characteristic points by novel hybrid
wavelet transforms: An evaluation of clinical SCP-ECG database. In: Computers in Cardiology;2005.
18. Tsutsumi T, Okamoto Y, Kubota-Takano N, Wakatsuki D, Suzuki H, Sezaki K, et al. Time–frequency
analysis of the QRS complex in patients with ischemic cardiomyopathy and myocardial infarction. IJC
Hear Vessel., 2014;4:177–87.
19. Augustyniak P. Optimal coding of vectorcardiographic sequences using spatial prediction. IEEE Trans
Inf Technol Biomed;2007.
20. Salerno SM, Alguire PC, Waxman HS. Training and Competency Evaluation for Interpretation of 12-
Lead Electrocardiograms: Recommendations from the American College of Physicians. Annals of
Internal Medicine;2003.
21. Attia ZI, Kapa S, Yao X, Lopez-Jimenez F, Mohan TL, Pellikka PA, et al. Prospective validation of a
deep learning electrocardiogram algorithm for the detection of left ventricular systolic dysfunction. J
Cardiovasc Electrophysiol;2019.
22. Costa CM, Silva IS, de Sousa RD, Hortegal RA, Regis CDM. The association between reconstructed
phase space and Artificial Neural Networks for vectorcardiographic recognition of myocardial
infarction. J Electrocardiol., 2018;51(3):443–9.
23. Sengupta PP, Kulkarni H, Narula J. Prediction of Abnormal Myocardial Relaxation From Signal
Processed Surface ECG. J Am Coll Cardiol., 2018;71(15).
24. Salem OAM, Shameer K, Narula S, Abdel Rahman MA, Rifaie O, Narula J et al. Artificial Intelligence-
Based Assessment of Left Ventricular Filling Pressures From 2-Dimensional Cardiac Ultrasound
Images. JACC: Cardiovascular Imaging;2018.
25. Omar AMS, Narula S, Abdel Rahman MA, Pedrizzetti G, Raslan H, Rifaie O, et al. Precision
Phenotyping in Heart Failure and Pattern Clustering of Ultrasound Data for the Assessment of
Diastolic Dysfunction. JACC: Cardiovascular Imaging;2016.
26. Sedaghat G, Ghafoori E, Waks JW, Kabir MM, Shvilkin A, Josephson ME, et al. Quantitative
Assessment of Vectorcardiographic Loop Morphology. J Electrocardiol;2016.
27. Yang F, Teo SK, Lee G, Su Y, Yang X, Zhong L, et al. Multi-dimensional proprio-proximus machine
learning for assessment of myocardial infarction. Comput Med Imaging Graph;2018.
28. Batchvarov VN, Behr ER. Clinical utility of computed electrocardiographic leads. J
Electrocardiol;2014.
29. Sengupta PP, Marwick TH. The Many Dimensions of Diastolic Function A Curse or a Blessing?*.
JACC Cardiovasc Imaging., 2018;11(3):409–10.
Seção 4
ECG Em Uma Página
1. O ECG normal
2. Artefatos
3. Bloqueios
4. Sobrecargas
5. Síndrome coronariana
7. Bradi-arritmias
8. Taqui-arritmias
9. Clínica Médica
10. Cardiomiopatias/Canalopatias
O ECG Normal