Amazônia e A Ditadura - E-Book
Amazônia e A Ditadura - E-Book
A Amazônia
ea ditadura militar
no Brasil
2
EDILZA JOANA OLIVEIRA FONTES
THIAGO BRONI DE MESQUITA (ORGS.)
A Amazônia
ea ditadura militar
no Brasil
Copyright © by Organizadores
Copyright © 2024 Editora Cabana
Copyright do texto © 2024 Os autores
Autores: Edilza Joana Oliveira Fontes, Davison Hugo Rocha Alves, Adriane dos
A489 Prazeres Silva, Elias Diniz Sacramento, Iane Maria da Silva Batista, Maika Rodri-
gues Amorim, Francinei Almeida da Costa, Renan Nascimento Reis, Paulo Sérgio
da Costa Soares, Raimundo Amilson de Sousa Pinheiro, Davison Hugo Rocha Al-
ves, Thiago Broni de Mesquita, Gabriel da Silva Cunha.
CDD 981.063
Elaborado por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166
[2024]
EDITORA CABANA
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APRESENTAÇÃO
6
O primeiro capítulo da coletânea é assinado por Edilza Joana Oliveira
Fontes e Davison Hugo Rocha Alves e analisa o caso da reforma agrária no Pará e
da perseguição ao líder camponês Benedito Serra, torturado e morto por agentes
da ditadura militar no ano de 1964. Adriane dos Prazeres Silva traz em seu capítulo
os resultados de sua pesquisa sobre a história de uma ditadura que aconteceu na
floresta, na região do Baixo Tocantins, local de resistência, luta e articulações polí-
ticas e surgimento de lideranças que enfrentaram a vigilância e as arbitrariedades
dos militares em um tempo de grande repressão. O capítulo de Elias Diniz Sacra-
mento desvela a atuação do Serviço Nacional de Informação e a vigilância de sin-
dicalistas, padres e bispos na região Guajarina, nordeste paraense. a partir de um
estudo minucioso de fontes, o autor demonstra a capilaridade da ditadura militar
e a violência com a qual exerciam o poder a partir de documentos produzidos por
agentes da espionagem no Pará. A análise da questão fundiária na Amazônia nos
anos finais da ditadura militar é o foco do capítulo de Iane Maria da Silva Batista
e Maika Rodrigues Amorim, que demonstram como o Grupo Executivo de Terras
do Araguaia-Tocantins (GETAT) atuou no sentido de reservar fatias territoriais
estratégicas para os empreendimentos na área de influência do Programa Grande
Carajás. Na mesma linha de investigação, segue o capítulo de Francinei Almeida da
Costa, que se estuda o caso de rodovias rurais abertas durante a ditadura militar e
que atraia trabalhadores para a região, mas que mascarava uma política que com-
binava repressão aos conflitos no campo, corrupção e conivência do governo com
a violência de empreiteiros.
Renan Nascimento Reis analisa em seu capítulo a história da ditadura mi-
litar na UFPA a partir do estudo de documentos produzidos pelo SNI, os quais per-
mitem identificar a presença de mecanismos autoritários e da estrutura de vigilância
dos governos militares nesse período. Paulo Sérgio da Costa Soares, por sua vez, fala
sobre a resistência do movimento estudantil na UFPA em 1968, ano turbulento na
história mundial e momento no qual a juventude brasileira lutava contra a reforma
universitária apresentada pela ditadura militar brasileira. O jornal Resistência e a
perseguição à imprensa no Pará é o tema do capítulo de Raimundo Amilson de Sou-
sa Pinheiro, que apresenta em seu texto um recorte da história do mais importante
jornal alternativo produzido na Amazônia e como ele se conecta à luta pelos direitos
humanos na região, sobretudo na transição para a democracia no Pará.
O Projeto Rondon e a disciplina estudo(s) de problemas brasileiros é o
tema do capítulo de Davison Hugo Rocha Alves, que demonstra como as tentativas
da ditadura militar de aproximar os jovens de ações cívico-nacionalistas foi objeto
7
de disputas no interior do regime e aponta para as tentativas frustradas do governo
de Jair Bolsonaro de retomar políticas educacionais cunhadas nos tempos da dita-
dura. A coletânea encerra com o capítulo de Thiago Broni de Mesquita e Gabriel
da Silva Cunha, que analisam a polêmica implementação do PNLD 2020/20222
e as tentativas do governo de Jair Bolsonaro de institucionalizar o negacionismo
histórico em obras didáticas aprovadas junto ao MEC.
Chico Buarque, em Jorge Maravilha, diz que “Tem nada como um tempo
após um contratempo”. Passados 60 anos do golpe civil-militar de 1964 seguimos
fortes em busca das histórias e das memórias sobre os trágicos 21 anos da ditadura
militar brasileira. Desejamos que a coletânea A Amazônia e a ditadura militar no
Brasil possa inspirar novas pesquisas. Boa leitura e vida longa ao PPHIST/UFPA.
8
Sumário
11
BENEDITO SERRA LÍDER CAMPONÊS ENTRE DUAS DITADURAS NO BRASIL (1937-1964)
Edilza Joana Oliveira Fontes e Davison Hugo Rocha Alves
35
VIGILÂNCIA DENTRO DAS MATAS: A DITADURA MILIATAR
NOS RINCÕES DA AMAZÔNIA (1970-1980)
Adriane dos Prazeres Silva
66
O SERVIÇO NACIONAL DE INFORMAÇÃO (SNI) E A VIGILÂNCIA DOS SINDICALISTAS,
PADRES E BISPO PROGRESSISTAS DA REGIÃO GUAJARINA/PA: 1970 E 1980
Elias Diniz Sacramento
105
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA OU RESERVA DE TERRAS PARA “GRANDES PROJETOS”? A
atuação do GETAT no Pará nos anos finais da ditadura civil-militar (1980-1985)
Iane Maria da Silva Batista e Maika Rodrigues Amorim
119
AS RODOVIAS RURAIS NA AMAZÔNIA: OS DISFARCES DOMINANTES PARA ATRAIR
OS TRABALHADORES E TRABALHADORAS
Francinei Almeida da Costa
149
“Ou se Acomoda ou Luta”: a Reforma Universitária
e os Acordos MEC/USAID
Renan Nascimento Reis
189
RESISTÊNCIA: A HISTÓRIA E A MEMÓRIA DAS LUTAS DO
MOVIMENTO ESTUDANTIL UNIVERSITÁRIO PARAENSE – 1968
Paulo Sérgio da Costa Soares
221
O JORNAL RESISTÊNCIA: IMPRENSA ALTERNATIVA
E DIREITOS HUMANOS NO PARÁ (1977-1985)
Raimundo Amilson de Sousa Pinheiro
251
PROJETO RONDON E A DISCIPLINA ESTUDO(S) DE PROBLEMAS BRASILEIROS:
A TENTATIVA DE APROXIMAR A JUVENTUDE BRASILEIRA DAS AÇÕES
CÍVICO-NACIONALISTAS EM TEMPOS DE DITADURA MILITAR
Davison Hugo Rocha Alves
273
“Não houve ditadura”: negacionismo histórico em torno da ditadura
militar no Brasil, livros didáticos de história e o PNLD 2020/2022
Thiago Broni de Mesquita e Gabriel da Silva Cunha
298
Sobre os autores
Edilza Joana Oliveira Fontes
Davison Hugo Rocha Alves
BENEDITO SERRA
LÍDER CAMPONÊS ENTRE
DUAS DITADURAS NO BRASIL
(1937-1964)
11
Introdução
12
Segundo os autos do processo crime eles são as principais figuras do Par-
tido Comunista do Brasil na cidade de Belém que seria uma célula da Aliança Na-
cional Libertadora (ANL). Os mandatários são as cartas enviadas por Alexandre da
Silva Gomes que tinha o codinome ‘Peres’ escritas a próprio punho, são recomen-
dações do partido para que o movimento subversivo fosse vitorioso com a tomada
em diversas capitais do país. A carta revela o grande apreço que Alexandre da Silva
Gomes possuía pelas ideias da Aliança Nacional Libertadora e que mesmo depois de
preso, juntamente com Benedito Costa continuaram a fazer agitações pela cidade de
Belém do interior do presídio de São José. O documento ressalta ainda que as cartas
que foram encontradas com os integrantes do movimento comunista no Pará foram
encontradas fotocópias nos arquivos de Luiz Carlos Prestes e de Harry Berger.
O processo número 197 condena os integrantes acima citados dentro do
artigo 23 da lei nº 38 de 4 de abril de 1935, a referida lei sancionada pelo presidente
Getúlio Vargas definia os crimes contra a ordem política e social, que nos lembra “a
propaganda de processos violentos para subverter a ordem política é punida com a
pena de um a três anos de reclusão.
A propaganda de processos violentos para subverter a ordem social é pu-
nida com a pena de um a três anos de prisão celular”. Portanto, concluímos que
Benedito Serra já era conhecido dos órgãos repressivos do estado, pois, ele já tinha
sido condenado como subversivo em 1937, estranhamento Miracy não menciona
este processo quando vai solicitar a reparação frente a Comissão Especial de Desa-
parecidos Políticos, há uma referência de que já havia sido preso.
Voltamos a encontrar notícias sobre a atuação de Benedito Serra no Jor-
nal Terra Livre de 1956 quando uma reportagem com fotos inclusive de Benedito
Serra fazendo discurso informa que com destino ao Rio de Janeiro estiveram em
São Paulo, nos últimos dias de setembro três diretores da ULTAP, os senhores Be-
nedito Pereira Serra, Firmiano Reis e Raimundo Nonato de Sousa iriam ao Rio de
Janeiro fazer entrega das conclusões finais aprovadas na segunda conferência de
lavradores e trabalhadores agrícolas deste estado e pretendiam entregar ao presi-
dente Juscelino Kubistchek e ao ministro da agricultura e da guerra as conclusões
da referida conferência.
Uma dessas conclusões defendia a extensão de todos os benefícios da le-
gislação e da previdência social a todos os trabalhadores do campo. Na reporta-
gem há uma foto da segunda conferência dos lavradores e trabalhadores agrícolas
do estado do Pará quando falava o presidente Benedito Serra. O pesquisador Gu-
temberg Guerra (2009) assim nos lembra que Benedito Serra movimentava-se no
13
Estado do Pará, através da ULTAP, quando nos evidencia que durante a criação
dessa associação no Pará o debate sobre a reforma agrária no nível nacional estava
bastante em voga, pois:
A I Conferência dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Es-
tado do Pará foi realizada por convocação da Comissão Paraense
pela Reforma Agrária, em 13 de maio de 1955. Ocorreu em clima
de ampla mobilização, dentro da legalidade e com apoio oficial.
A Prefeitura de Belém forneceu transporte no trem que percorria
o trecho de Bragança até a capital e alimentação no Serviço de
Assistência e Previdência Social (SAPS). Nessa I Conferência, rea-
lizada no centro de Belém, na sede do Sindicato dos Estivadores,
estruturou-se a Comissão para a Fundação da ULTAP, composta
de delegados de Castanhal, Santa Isabel, Igarapé-Açu, Bujaru, Bra-
gança, Capanema e Soure. Ali se podia identificar praticamente
a representação de sindicatos localizados no nordeste paraense,
com exceção daquele de Soure, localizado na Ilha de Marajó. Al-
guns desses representantes cumpririam papel importante nos ru-
mos das organizações e na memória do movimento. Benedito Pe-
reira Serra, representante de Castanhal, foi o primeiro presidente
da entidade (GUERRA, 2009: 119-120).
No início dos anos 1960 se tornou uma demanda social de amplos setores
da sociedade brasileira, acompanhada de lutas pela posse da terra em vários pontos
do país, os diferentes conflitos presentes no mundo rural brasileiro foram se uni-
ficando durante os anos 1950 para construir a pauta das reformas de base sendo
a Reforma Agrária a principal demanda dos trabalhadores do campo, até o início
dos anos 1960 os conflitos fundiários eram atomizados e localizados, na Amazônia
a expansão agrícola com a abertura da Belém-Brasília e a implantação do sistema
rodoviário abriu uma nova fronteira, houve a introdução de novos conflitos, a in-
trodução da pecuária, a introdução de novos cultivos e a luta pela permanência na
terra foi ficando cada vez mais difícil.
O PCB tinha uma proposta de mobilização dos trabalhadores do campo
que entendia que era necessário eliminar o latifúndio da estrutura agrária do país,
para que pudesse realizar a revolução democrática burguesa. Acreditava o PCB que
o campo brasileiro era marcado profundamente por restos feudais que prejudica-
vam o desenvolvimento das forças produtivas.
14
O campo era dividido entre os camponeses, ou seja, a “massa explorada
do campo e latifundiários” que deveriam ser combatidos para o PCB, deveria haver
uma profunda alteração na estrutura fundiária para que se pudesse desenvolver no
Brasil uma indústria nacional. A reforma agrária propunha a divisão destas gran-
des propriedades improdutivas para aqueles que quisessem trabalhar a terra, para
que se pudesse ampliar o desenvolvimento no campo e o crescimento das formas
produtivas apontando condições para uma futura revolução socialista.
Mas esta não era a única proposta que tinha um público certo nos campo-
neses do pré-64 as ligas camponesas ganharam destaque nacional pelas sucessivas
mobilizações que visibilizaram os trabalhadores do campo, que ganhou as ruas
realizando marchas, comícios, congressos, reivindicavam a extinção do cambão,
do barracão e contra o aumento do foro, somados a demandas por reforma agrária.
As ligas camponesas davam um papel fundamental para os trabalhadores rurais
dentro de uma proposta de revolução socialista no país.
A igreja católica também tinha uma proposta que defendia o direito insti-
tuído de propriedade privada no campo, mas que reconhecia a necessidade de uma
reforma agrária que fosse feita com desapropriação de terras com justa indenização.
A igreja católica passou a atuar no campo brasileiro defendendo a criação de sindi-
catos rurais e a demanda de direitos trabalhistas e sociais. (CAMARGO, 1985: 67).
No pré-64 vivia-se uma conjuntura de grandes conflitos fundiários ca-
racterizados pela resistência e a ameaça de expulsão de terra, levada a frente por
posseiros, arrendatários e trabalhadores sem-terra No pré-64 muitos setores da
sociedade brasileira concordavam com a necessidade de uma reforma agrária, mas
não havia consenso como fazê-la. O golpe civil-militar de 1964 deu novas dire-
ções a este debate quando lideranças camponesas foram presas, muitas tiveram
que sair do país e as liberdades foram cerceadas e o debate sobre a reforma agrária
foi cerceado, é neste contexto que viveu Benedito Serra presidente da União dos
Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Estado do Pará (ULTAP).
A discussão sobre o anticomunismo estava presente na sociedade paraen-
se e nos jornais da grande imprensa. Assim, os jornais de Belém aceitaram, em
1964, a tese de que havia um inimigo subversivo da democracia, das tradições,
da ordem e que era necessário combatê-lo. Aceitaram também a assertiva de que
os militares eram o herói do momento (FICO, 2004: 68). Ao analisar o que foi
veiculado, nos três primeiros meses de 1964 nos jornais “A Província do Pará”, “O
Liberal” e a “Folha do Norte”, do estado do Pará, observamos que foram publicados
15
artigos que traziam expressões como o “perigo vermelho”, “cubanização”1, “avanço
comunista” 2. Existia ainda a divulgação da ideia de que por conta da situação “de-
vastadora” que se encontrava o país, era imperiosa a necessidade de substituição
do presidente João Goulart. O que nos remete a ideia de que o golpe de 1964 e o
“perigo vermelho” estava presente na sociedade brasileira, pois, “a brada dormida
do anticomunismo foi atiçada para gerar mais uma campanha antiesquerdista” no
país (MOTTA, 2021: 20).
Pedro Galvão, era presidente da União Acadêmica Paraense (UAP) no
ano de 1964, declara que a luta política foi naqueles dias, marcada por esse medo
do comunismo, da Reforma Agrária e a Reforma Universitária (GALVÃO, 2004:
96). Sabemos que houve uma coalizão que consolidou as aspirações dos golpistas
em março de 1964 (REIS, 2002: 125). Nesta coalizão a imprensa teve um grande
papel. Os jornais no Pará fizeram parte desta coalizão. A chamada “Rede da De-
mocracia”3 (NAPOLITANO, 2014: 41) contou com a presença de “O Liberal”, “A
Província do Pará” e “A Folha do Norte”. Este discurso antirreformista da imprensa
paraense encontrou ecos nos setores da sociedade, vinculados aos latifundiários e
fazendeiros do Marajó, que expressavam temor com as propostas de reforma agrá-
ria do governo Goulart.
O Pará vivia em um ambiente conservador, marcadas por posições oli-
gárquicas, autoritárias e elitistas e as notícias dos jornais, contribuíram para uma
postura anti-jango e de apoio ao golpe civil-militar. As notícias dos jornais de 1964
no Pará destacam o apoio ao golpe civil-militar de 1964. O golpe de Estado con-
tou com o apoio da imprensa, dos políticos ligados ao Partido Democrático Social
(PDS) no Pará4, com o apoio da igreja5, da maçonaria, da intelectualidade, dos
produtores rurais (fazendeiros)6 e dos comerciantes7. Contra o golpe só ficaram os
16
estudantes universitários, os sindicalistas ligados ao Partido Comunista do Brasil
(PCB), os militantes da Ação Popular (AP) e alguns políticos ligados ao Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB).
O clima transcrito nos jornais era de tranquilidade e calma e o posicio-
namento do governo estadual era apenas de expectativa. As lideranças sindicais
no mesmo dia acataram a decisão da Comando Geral dos Trabalhadores (CGT)
de entrar em greve, também fizeram a indicação de um representante para ir ao
Rio de Janeiro saber das decisões tomadas mediante a situação que era de alerta
aos trabalhadores. Havia uma rede de organizações tentando fazer com que as
reformas de base fossem aceitas pela população. O CGT era uma das entidades
sindicais que divulgava os benefícios das reformas de base. O CGT no Pará
era presidido em 196 por Raimundo Jinkings, membro do Partido Comunista
do Brasil, que foi preso, depois do movimento militar e demitido do Banco da
Amazônia (BASA) acusado de subversão. A quebra da normalidade democráti-
ca já tinha dado sinais de esgarçamento quando percebemos o uso da violência
para conter as articulações em defesa das reformas de base8. Exemplo disso é
uma nota do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Extração de Petróleo
nos Estados do Pará, Amazonas e Maranhão se solidarizando com Raimundo
Jinkings pelo atentado sofrido no dia nove de março, em sua residência, quan-
do foi alvo de tiros, feito do meio da rua. Na nota há uma convocação para o
grande comício pelas reformas da base no dia vinte de março em Belém9. A
nota é assinada por Carlos Sá Pereira, militante do PCB e liderança sindical
que será preso após o golpe civil-militar de 1964. Raimundo Jinkings foi preso
em sua residência após 29 dias de busca10, ele visitava a família. Sua prisão foi
feita pela polícia militar do Estado. No mesmo dia anuncia a prisão dentre eles,
do senhor Wilson de Pinho Gonçalves, funcionários dos correios e telégrafos
de Santarém11. Segundo o jornal A Província do Pará, ele tinha “material sub-
versivo para sublevar o povo santareno”12. Foram presos também o senhor Luis
Fernando Costa, Manoel Alquelar de Alcântara, presidente dos sindicatos dos
trabalhadores e calçados e Ubirajara Freitas.
⁸ Segundo Napolitano (2014: 18) o governo João Goulart assumia as Reformas de Base como sua prin-
cipal bandeira, o CPC se dispunha a desenvolver a consciência popular, base da libertação nacional.
⁹ Grande Comício sobre as reformas de base em Belém. Jornal A Província do Pará, 12 de março de 1964.
10No dia 30 de maio o jornal A Província do Pará noticia a prisão de Raimundo Jinkings “Presidente
do ex-CGT e agitador profissional”.
11 Vários elementos subversivos, A Província do Pará, 30 de maio de 1964.
12 Vários elementos subversivos, A Província do Pará, 30 de maio de 1964: 22.
17
Houve uma denúncia para o Departamento de Ordem Política e Social
(DOPS) sobre a existência de agitadores comunistas em Capitão Poço. Foi feito uma
diligência e foi preso Raimundo Waldemar Coelho, João Moura da Costa e Agostinho
Rodrigues, este era escrivão do cartório13. Foram presos Sá Pereira, presidente do sindi-
cato dos petroleiros e Nazaré Dibi, funcionário da Petrobrás, na Avenida 16 de Novem-
bro em frente à casa dos estudantes da Universidade Federal do Pará (UFPA). A polícia
civil continua auxiliando as forças militares nas prisões dos “elementos subversivos” e
mandado todo o material apreendido para as comissões de inquérito. Toda apreensão
foi organizada pelo delegado geral Eynard Pantoja, militar articulado com o coronel
Jarbas Passarinho, ambos coordenadores do golpe civil-militar de 1964 no Pará.
No dia 10 de abril de 1964 foi noticiado as prisões de Benedito Pereira
Serra presidente da União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Pará (UL-
TAP), que o jornal A Província do Pará nomeia como “agente vermelho” e do en-
genheiro João Luís Barreto Araújo, também denominado “elemento perigoso” que
foi a Rússia várias vezes e diz que houve busca na sua residência e que foi achado
material subversivo e comprometedor informando ainda, que o engenheiro está
desaparecido. Na mesma matéria traz a foto da senhora Lei de Brito Araújo, esposa
do engenheiro João Luiz que estava desaparecida. Ela estava sendo procurada pela
polícia e as autoridades a acusavam de professar o comunismo “instruída por meu
marido”. A manchete do jornal era “polícia efetua novas prisões de comunistas e
prossegue a procura dos que escaparam”.
A prisão de Benedito Serra foi feita no município de Castanhal segundo o
jornal quando ele se preparava para fugir. O jornal A Província do Pará o nomeia como
conhecido “agitador comunista” informando que ele foi recolhido a central de polícia,
de onde seria transferido para o quartel da 8ª região militar. A matéria diz também que
o presidente da ULTAP, conduzia regular quantidade de fogos de artifícios e material
subversivo que deveria ser conduzido para sede da ULTAP para festejar a “revolução
comunista” que foi interrompida pelas “forças armadas”. Benedito Serra veio a falecer
no hospital militar do exército em Belém, vítimas de torturas14.Mais de meia centena de
pessoas foram detidas no Pará15 após a revolução do 1º de abril acusadas de corrupção
e subversão, salvo pouco mais de uma dezena permaneceram presas.
13 A polícia civil prendeu líderes comunistas, Jornal Folha do Norte, 2 de abril de 1964: 5.
14Brasil. Comissão Nacional da Verdade. Mortos e desaparecidos políticos / Comissão Nacional da
Verdade. – Brasília: CNV, 2014.1996 p. – (Relatório da Comissão Nacional da Verdade; v. 3: 163.
15O jornal A Província do Pará de 04 de junho publica a manchete “todas as pessoas, presas pode-
rão ser liberadas”. Quem fica preso: Benedito Monteiro, Cléo Bernardes, Raimundo Jinkings, Adelino
Cordeiro, Sandoval Barbosa, Carlos Sá Pereira, Rosely Brasil, Ronaldo Barata, Humberto Lopes, Hélio
Gueiros, Antônio Hozana.
18
Podemos observar que o delegado Eynard Pantoja chefiou pessoal-
mente as diligências em Castanhal e recebeu instruções das autoridades mili-
tares. Demonstrando a articulação entre as forças armada, a polícia militar do
estado e a polícia civil. Foram presos também Luís Fernando dos Santos Alen-
car, José Acurcio Cavaleiro de Macedo e Paulo Nogueira da Costa que segundo
o jornal irão responder a inquérito policial. A matéria informa também que
quando da prisão de Benedito Serra “um outro elemento suspeito”, que o jornal
presume que seja Raimundo Jinkings fazia companhia para Benedito Serra e
conseguiu escapar.
Benedito Serra foi preso na cidade de Castanhal no estado do Pará,
por membros do exército e da Delegacia de Segurança Pública e Política Social
(DOPS). Foi transferido de madrugada para Belém, ele era presidente da ULTAP.
O jornal A Província do Pará traz na matéria a foto de Benedito Pereira Serra,
nomeado pelo jornal como conhecido ‘agente vermelho’ sendo preso e recolhi-
do a uma cela da Central de polícia. Informa também que um outro comunista
estava na companhia de Benedito Serra quando da sua prisão e que ele fugiu, o
jornal informa que ‘presume-se’ que era Raimundo Jinkings. Informa também
que o presidente da ULTAP “conduzia regular quantidades de fogos de artifícios
e material subversivo”16.
16 A polícia civil prendeu líderes comunistas, Jornal Folha do Norte, 2 de abril de 1964: 5.
19
Presume para o jornal que Benedito Serra estava pensando em “festejar
a revolução comunista que foi interrompida pelas forças armadas revolucioná-
rias”17. A prisão de Benedito Serra foi organizada e planejada pessoalmente pelo
secretário de segurança pública que determinou que uma diligência segue até
Castanhal. A diligência foi coordenada pelo delegado Eynard Pantoja. A matéria
jornalística informa também que o preso aguardava transferência para o Quartel
da Oitava Região Militar localizado em Belém. Afirma também que o “agente
vermelho” agia entre os lavradores da estrada de ferro. A forma como é deno-
minado o sindicalista pela província demonstra o posicionamento do jornal no
momento da deflagração do golpe18.
Benedito Serra foi preso em 9 de abril de 1964 em Castanhal. Segundo a
Comissão Nacional da Verdade,
No dia 3 de maio, quase um mês após a prisão de Benedito Pereira
Serra, Miracy recebeu a visita de um policial militar, do 2º Batalhão
de Polícia Militar, que lhe informou que o marido se encontrava
preso naquela unidade. Desde a data daprisão, foi a primeira vez
que voltou a ver o marido. Nas palavras de Miracy, Benedito já se
encontrava bastante debilitado. Nesse encontro, Benedito relatou
as condições e torturas que vinha enfrentando na prisão. Benedito
foi torturado e submetido a condições degradantes durante todo o
período em que esteve preso no 2º Batalhão de Polícia Militar, de 9
de abril a 9 de maio de 1964. De acordo com registro do Hospital
Militar de Belém, no dia 9 de maio Benedito foi transferido a esse
estabelecimento em função de piora significativa em seu quadro
clínico. Cinco dias após dar entrada no hospital, Benedito Pereira
Serra faleceu, (...) em depoimento registrado no 4º Ofício de Notas
de Belém, o médico patologista, doutor Edvaldo Lima Silveira, con-
cluiu que, considerando-se que “os presos políticos daquela época
sofriam as mais variadas espécies de tortura em ambientes prisio-
nais de péssimas condições higiênicas, é possível que a vítima tenha
contraído na prisão hepatite infecciosa viral e que evoluiu rapida-
mente para hepatite aguda fulminante”. (BRASIL, 2014: 163-165)
20
de violência no momento mesmo da prisão de Benedito Serra. Em contato com o
filho de Benedito Serra, Ademar Machado Serra em 12 de janeiro de 2024, ele nos
dá a informação de que a polícia militar prendeu Benedito Pereira Serra, seu pai na
ilha de Cotijuba, e que ele foi muito maltratado.
Posto isso, é importante também investigar quais as atividades de Bene-
dito Serra que o levaram a ser um dos alvos das forças armadas no momento do
golpe de 1964 no Pará. Em junho de 1938 o jornal publica a notícia que o tribu-
nal de segurança absorveu dois ex-deputados potiguares e condenou diversos co-
munistas. O processo número 197 envolvendo militantes comunistas no Pará que
foram condenados a 1 ano e 6 meses de reclusão sendo os militantes: José Maria
Fernandes, Francisco José Borba da Costa, Benedito Pereira da Serra, Alexandre da
Silva Gomes e Benedito Costa.
Na mesma matéria é noticiado um subitem intitulado “mais prisões”19,
o delegado Eynard Pantoja recebendo instruções das autoridades militares junto
com investigadores e agentes secretos prenderam os cidadãos Luís Fernando dos
Santos Alencar, José Acurcio Cavaleiro de Macedo e Paulo Nogueira da Costa, que
posteriormente irão responder a um IPM na 8º QG em Belém. Na mesma matéria
noticia-se que o engenheiro João Luís Barreiro Araújo considerado “elemento peri-
goso e que visitou a Rússia várias vezes”, ele está desaparecido junto com sua esposa
Leide Brito e que estão sendo procurados pela polícia. Houve uma busca de maté-
rias na residência do casal e que o “material subversivo” apreendido na residência
é comprometedor. Contra Leide Brito Araújo há acusação de que ela professava o
comunismo instruída pelo seu marido.
Várias lideranças responderam ao Inquérito Policial Militar (IPM), por
atividades subversivas, que foi concluído em julho de 1964, onde foram enquadra-
dos Benedito Wilfredo Monteiro, Raimundo Antônio da Costa Jinkings e Hum-
berto de Lucena Lopes. Neste IPM foram indiciados também, Emmanuel Arquelau
Alcântara, Antônio Maria Barbosa da Fonseca, Jose Maria de Carvalho Filho, Luiz
dos Reis Gonçalves, João Florêncio do Nascimento Lameira, Mário de Sã Vieitas,
Sebastião Jaocoud, Edgar Furtado, Jose Maria Platilha, Hermes Alves de Oliveira,
Francisco de Assis das Chagas e Waldomiro Vitalino Moura.
Este IPM fugiu à regra dos Inquéritos de rotina, porque nele foi aplicada a
Lei de Segurança Nacional. Instaurado para apurar atividades subversivas no am-
biente dos Sindicatos da orla marítima e na própria área do 49º Distrito Naval. Os
trabalhos foram iniciados no dia 8 de abril de 1964, com a Portaria nº O17/1964
19 Mais prisões. A Província do Pará. 10 de abril de 1934.
21
do Exmº Sr. Comandante do 49º Distrito Naval, posteriormente reconhecido pelo
Mal. Estevan Taurino de Rezende Neto, com a sua delegação de poderes nº 131 de
13 de maio de 1964.
No relatório da Comissão Nacional da Verdade20 que trata de mortos e
desaparecidos políticos Benedito Pereira Serra é identificado como agricultor e
sindicalista rural, afirma também o relatório que ele foi “rotulado como perigoso
elemento subversivo, e como agitador comunista, sofreu forte perseguição política
por parte do Estado em virtude de sua luta pela proteção dos direitos dos trabalha-
dores rurais. Morreu aos 50 anos de idade em decorrência de ação perpetrada por
agentes do Estado”21. Neste relatório ficamos sabendo que a Comissão Especial so-
bre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) reconheceu a responsabilidade do
Estado brasileiro pela morte de Benedito Pereira Serra em 3 de setembro de 2004,
após dois indeferimentos anteriores. Seu nome consta no Dossiê Ditadura: Mortos
e Desaparecidos no Brasil (1964-1985), organizado pela Comissão de Familiares
de Mortos e Desaparecidos Políticos. Benedito Pereira Serra morreu no dia 16 de
maio de 1964, no Hospital Militar de Belém, vítima de hepatite infecciosa viral, a
qual fora contraída e agravada em virtude de graves torturas e péssimas condições
carcerárias a que foi submetido.
Investigando um pouco mais sobre a atuação de Benedito Serra duran-
te o pré-64 no Pará encontramos no jornal Tribuna do Pará notícias publicadas
em 1957 com a manchete “eleições hoje na ULTAP”22 que noticia as eleições que
ocorreram na entidade dos lavradores, neste mesmo jornal dias depois temos uma
matéria que traz a manchete “contra o golpe na ULTAP desmascarar, isolar o re-
negado Benedito Serra pelo caminho unitário dos organizados lavradores nesta
matéria assinado por Mogy Ribeiro, a reportagem afirma que o senhor Benedito
Serra aliado a ala mais reacionária do PTB deu um golpe contra da organização da
ULTAP por ocasião da Assembleia Geral realizado em Belém e com uma minoria
de 14 camponeses esse renegado montou uma farsa mancomunado com elementos
do PTB realizando uma assembleia onde ele foi reeleito com 21 delegados dos 80
que haviam sido eleitos para a conferência e ele impediu que 50 participantes enti-
dades, começando uma relação conflituosa e desgastante com o PCB.
20BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório: mortos e desaparecidos políticos. Comissão Na-
cional da Verdade – Brasília: CNV, 2014.
21BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório: mortos e desaparecidos políticos. Comissão Na-
cional da Verdade – Brasília: CNV, 2014: 163.
22Nascimento, Francisco Ribeiro do. “Eleições hoje na ULTAP”. Páginas de Resistências: 1946 a 158. São
Paulo, editora: Imprensa Oficial, 2005: 176.
22
Voltamos a encontrar Benedito Serra como assinante de um manifesto das
entidades sindicais paraenses condenando a candidatura de Jânio Quadros publica-
do no jornal novo em janeiro de 1960 ainda como presidente da ULTAP. Em 1963
o jornal Novos Rumos23 com sede no Rio de Janeiro em seu número 235 publica
uma matéria com a manchete “3.000 pessoas na praça protestam contra a Carestia”
em Belém do Pará, a matéria fala da Semana Nacional de Protesto contra a Cares-
tia e pelas Reformas de Base, que teve grande repercussão no estado do Pará, es-
pecialmente na cidade de Belém. Participaram deste comício Raimundo Jinkinkgs
pelo CGT do Pará, Benedito Pereira Serra como presidente da ULTAP, Francisco
Nascimento pelos comerciários e Francisco Costa pela União Acadêmica Paraense,
além de representantes políticos como o vereador Vicente de Queiroz. O comício
conclamava a população a sensibilizar com a situação econômica do país e a entrada
de empresas estrangeiras na região norte e nordeste, bem como denunciando a si-
tuação de miséria e de aflição das classes laboriosas das regiões norte e do nordeste.
A Semana Nacional contra a Carestia encerrou-se dia 12 de setembro de 1963 na
casa dos Marceneiros com uma reunião em que estavam todas as entidades do mo-
vimento sindical discutindo a realizando do próximo Congresso dos Trabalhadores
da Bacia Amazônica que fora marcado para os dias 5, 6 e 7 de setembro de 1964.
Prosseguindo nossas pesquisas ainda inconclusas sobre Benedito Serra nos
deparamos com o livro de memória de Alfredo Oliveira A Partir da Ilha publicado,
em 1991, nele o autor relembra e faz depoimentos sobre a conjuntura paraense no
pré-1964 sobre as prisões de membros do PCB em Belém, partido do qual pertencia
e rememora também a sua prisão. Neste livro Alfredo Oliveira nos informa que seu
irmão Ubirajara jovem estudante de engenharia foi preso no contexto do golpe de
1964, os soldados invadiram a residência de seus pais, na avenida São Jerônimo e le-
varam seu irmão segundo ele sem nenhuma explicação. Ubirajara Oliveira não tinha
qualquer atividade política e nem participava do movimento estudantil da época,
não se entendeu o porquê da prisão de Ubirajara Oliveira que foi recolhido a uma
cela do quartel militar na Gaspar Viana onde ficou incomunicável durante um mês, a
acusação da prisão de Ubirajara esclareceu que ele havia proporcionado fuga a uma
colega pelo major Alacid Nunes um dos articuladores do golpe no Pará.
O que ocorreu segundo Ubirajara Oliveira conhecido como biroca havia
dado carona até a porta do jornal O Liberal no carro de seu pai que era um tra-
balhador rural. O estudante tentava fazer publicar no jornal O Liberal uma nota
contra a invasão da União Acadêmica Paraense (UAP). A prisão de Ubirajara foi
23 Jornal Novos Rumos, ano V, Rio de Janeiro 23 a 29 de agosto de 1963, nº 235.
23
feita a mando do major Alacid Nunes que queria saber o endereço do estudante
que havia deixado a nota na redação de O Liberal. Ubirajara ignorava o paradeiro
de seu colega e o major Alacid não se convenceu disso mandando para a prisão, na
esperança de que ele lembrasse o que não sabia. Alfredo Oliveira visitava seu irmão
na prisão e a partir dessas visitas pode nos fornecer importantes informações so-
bre Benedito Serra. Em seu livro já citado, Alfredo Oliveira afirma que junto com
Ubirajara na mesma cela “estava um líder camponês chamado Serra de relações
pouco amistosas com o Partido”, no caso o PCB, segundo o depoimento de Alfre-
do Oliveira Serra nas condições precárias higiênicas da prisão contraíra hepatite
ou leptospirose. Ainda segundo Alfredo Oliveira militar chamado não deu maior
importância ao caso. O prisioneiro Serra veio a piorar dia a dia e sintomas graves
foram surgindo, Ubirajara Oliveira conseguiu passar um bilhete desesperado de-
nunciando o estado do companheiro de cela, no caso Benedito Pereira Serra, que
necessitava urgentemente ser internado. Alfredo Oliveira Declara em seu livro que
pediu que examinasse Benedito Pereira Serra e que não foi permitido. A situação
médica de Benedito agrava-se, de forma dramática, e Alfredo Oliveira conseguiu
que o comando militar permitisse que Benedito Serra fosse visitado por Almir Ga-
briel, que era médico, que em 1983 será prefeito de Belém, posteriormente Senador
e governador do Estado em 1994. Após essa visita Benedito Serra foi transferido
para o Hospital Geral do Exército em Belém onde já chegou em estado bastante
grave. Essas informações foram confirmadas pelo filho de Benedito Serra, Ademar
Machado Serra, em janeiro de 2024.
Este depoimento não foi utilizado nos processos feitos junto a Comissão
de Mortos e Desaparecidos. Não foi mencionado nos depoimentos de Miracy Ser-
ra, na defesa pelos advogados de Benedito Serra e a própria Comissão Nacional da
Verdade não cita este depoimento, apesar de que o livro fora publicado em 1991,
também queremos afirmar que não há nenhum registro sobre os maus tratos que
Benedito Serra passava dentro do quartel, por nenhum militante ou advogado de
presos políticos em 1964.
O depoimento de Alfredo Oliveira é um testemunho de que o exército
manteve preso Benedito Pereira Serra e em precárias condições de saúde e que
não prestou serviço médico quando o preso demonstrou estar em grave situação
de saúde, pelo depoimento o médico do serviço militar não deu atenção para o
enfermo. Assim como tomamos conhecimento que o próprio comando militar sa-
bia que ele estava preso e permitisse que Almir Gabriel fosse consultá-lo depois da
insistência, feita por Alfredo Oliveira.
24
Outra questão que queremos levantar é que Miracy se baseia unicamente
na matéria que saiu no jornal A Província do Pará sobre a prisão de Serra, mas
que esta matéria se torna um documento chave de acusação do processo que exige
reparação frente a Comissão dos desaparecidos. Queremos ressaltar que a matéria
quando foi produzida em 1964 tinha uma finalidade que era justificar a prisão de
comunistas que queriam implantar o comunismo no Brasil. Quase 50 anos depois
esta matéria é usada como prova contra aqueles que prenderam Benedito Serra e
deram o golpe de 1964 no Brasil, ela é prova cabal que condena o estado brasileiro
pela prisão, tortura e desaparecimento político de Benedito Serra. O documento
toma outro sentido24.
KNAUSS, Paulo. Usos do passado e a história do tempo presente: Arquivos de repressão e conheci-
24
mento histórico. In: Varella, Flávia (org.). Tempo Presente e Usos do passado. Editora FGV, 2009.
25 Relatório volume III mortos e desaparecidos políticos de dezembro de 2014.
25
de 1964, documento expedido pela UFPA (faculdade de medicina), que relata o
quadro geral precário de saúde da vítima proveniente do hospital militar de Belém
após prisão do segundo batalhão do exército.
Outro documento é o 4º Ofício de Notas pelo médico patologista, doutor
Edraldo Lima Silveira, de 21 de março de 1996. Este documento estabelece vínculo
entre a causa da morte da vítima e a tortura e condições sanitárias precárias a que
fora submetida Benedito Serra. Há também depoimentos de José Barros de Faria,
amigo da vítima, datado de 22 de abril de 1996, onde relata-se as condições de
saúde que gozavam Benedito Pereira Serra no período anterior à prisão.
O depoimento faz relação com o período que ficou preso e a piora do seu
quadro clínico. Outro documento também constando no Arquivo Nacional é o de-
poimento de Martins Viana amigo da vítima, datado de 22 de abril de 1996, neste
testemunho ele relata as atividades políticas da vítima anteriores à prisão. Obser-
vamos que não há nenhum documento registado no Arquivo Nacional que fale do
período da prisão dele. Ele foi preso no dia 10 de abril de 1964. Ele só dá entrada
no hospital no dia 9 de maio de 1964. Ele ficou neste período sobre a responsabili-
dade do segundo batalhão do exército. Não temos nenhum documento falando do
preso e das condições de prisão. Não há nenhum documento por parte das forças
armadas de plantão, em 1964 fazendo acusações para Benedito Serra diferente de
Benedito Monteiro não encontramos nenhum inquérito policial militar (IPM). Pa-
rece que as forças armadas não investigavam as atividades de Benedito Serra. Sua
prisão estava dentro da lógica dos militares golpistas de prender os comunistas
e os dirigentes sindicais, me parece ilógico teve suas atividades acompanhadas e
Benedito Serra não.
No primeiro momento das prisões em Belém, foram os sindicalistas, os
comunistas e algumas lideranças estudantis os sujeitos atingidos. O silêncio pro-
duzido em relação as atividades do presidente da ULTAP sua participação no con-
gresso de trabalhadores da Amazônia em Belém. Suas atividades em comissões
defendendo a reforma agrária não poderiam passar despercebidas. Sua atuação
na Semana Nacional contra a Carestia e a Luta pelas Reformas de Base. Sua prisão
e tortura demonstram a importância social de suas atividades e o silêncio destes
registros, quebram a lógica dos agentes do SNI. Nos resta pensar em um silêncio
produzido, dada a morte do sindicalista.
Esses documentos, se existiram não estão sobre a guarda do Arquivo Na-
cional. As informações que temos da vida da atividade política de Benedito Pe-
reira Serra advém dos relatos jornalísticos e de testemunhos de companheiros de
26
militância. Até hoje não se sabe as circunstâncias que levaram a sua morte. Não
há qualquer investigação aberta para investigar as violações dos direitos humanos
pela ditadura militar e responsabilizar os agentes envolvidos nesses atos.
As políticas de reparação pensadas pelo governo brasileiro não responde-
ram até hoje a família de Benedito Serra. Somente em 2015 que a certidão de óbito
de Benedito Serra teve uma recomendação feita pela Comissão Nacional da Verda-
de para ser retificada. É necessário continuar a busca por memória, verdade e justi-
ça para esclarecer as responsabilidades por graves violações dos direitos humanos.
Benedito Serra faz parte de uma relação de 434 mortos e desaparecidos políticos
no Brasil e no exterior, no período de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de
1988. Seu perfil é enquadrado como execuções sumárias ou arbitrárias (incluindo
mortes decorrentes de tortura). No depoimento à Comissão Nacional da Verdade
Miracy Serra afirma que não teve contato com ele no período em que esteve preso.
A prisão de Benedito Serra ocorreu em 10 de abril de 1964 sendo noticiada
na imprensa de Belém. Era uma figura pública que teve um tratamento diferenciado
de outros sujeitos que tinham projeção política no Estado do Pará, era trabalhador
rural. Benedito Serra lutou por um projeto de reforma agrária no estado. Defendia
uma proposta de reforma agrária no estado e no Brasil, que foi sufocada com o golpe
civil-militar de 1964. É necessário fazer uma avaliação na documentação disponi-
bilizada no Arquivo Nacional e se é possível estabelecer conexões entre o processo
de prisão, de desaparecimentos e mortos para percebermos a lógica de produção
desses documentos sensíveis. Sabemos que quando os debates sobre uma política
nacional de arquivos que desde a constituição federal de 1988, determinou em seu
artigo 5º, inciso XXXIII, o direito fundamental do cidadão de obter, dos arquivos
do poder público, toda e qualquer informação de seu interesse particular e coletivo.
A Comissão Nacional da Verdade atuou também com os processos de violação de
direitos humanos ocorridos no período de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de
1988. Portanto, desde as ações que ocorreram durante o Estado Novo (1937-1945) e
a busca por justiça, direitos humanos e reparação na sociedade brasileira.
A lei 8.159/91 que tratava sobre a política nacional de arquivo públicos
e privados, estabeleceu que todos os documentos sigilosos independentes de sua
classificação, referentes a segurança do estado estariam restritos por um prazo má-
ximo de 30 anos, a contar da sua produção, sendo prorrogável por igual período
uma única vez. Esta lei sancionada pelo presidente Fernando Collor aboliu o aces-
so a documentos sigilosos produzidos pelos militares e contrariou a constituição
federal de 1988. O estado continuou negando informações a sociedade brasileira.
27
Penso que esses documentos podem não ter sidos produzidos ou já foram destruí-
dos. No caso documentos que informassem a prisão de Benedito Serra, podemos
investigar quem atuava nos seus interrogatórios? Quem era responsável pela sua
permanência nas dependências do exército?
O acesso a documentação possibilitaria o conhecimento e a compreensão
do que aconteceu com Benedito Serra, não havendo razões para o sigilo dada a
lei de anistia vigente no Brasil desde 1979. O estado brasileiro regulamentou vá-
rias vezes a lei 8.159/91 e o decreto nº 4.553/2002 confirma a insistência do estado
brasileiro e manter sigilo de documentos e informações relativos aos períodos dos
governos militares no Brasil e o direito das famílias dos mortos e desaparecidos
políticos terem conhecimento do que aconteceu com seus entes queridos. Sabemos
que a abertura dos acessos sempre foi uma questão sensível. Ana Maria de Almeida
Camargo26 acredita que os documentos dos arquivos são elementos probatórios,
com capacidade de remissão direta a realidade (SANTOS; TELES; TELES, 2009:
77), e podem evidenciar as ligações entre arquivos, memória e história. São arquivos
sensíveis, que Segundo Pierre Nora traz um “drama subjacente” (NORA, 1993: 19).
No caso da prisão, tortura e morte de Benedito Serra o Arquivo Nacional
declara que não tem nenhum documento que retrate o período em que ele ficou à
disposição do exército em Belém do Pará. Seria necessária uma investigação nos
arquivos do exército, nas suas folhas de pessoal, para se levantar quem foram os
militares que estavam “de serviço”, quem era o comandante do exército que rece-
beu o preso no 8º QG? Analisar as ordens de serviço? Os boletins de ocorrência?
Precisaríamos investigar o exército. Todos nós sabemos que as forças armadas ne-
garam por muitos anos o acesso as informações em nome da segurança nacional, e
provavelmente destruíram todos os documentos sigilosos que estavam sobre a sua
guarda. A quem indicavam torturados contidos nas dependências das forças arma-
das. A documentação que restou está hoje no Arquivo Nacional, mas sem dúvida
nenhuma foram produzidos silêncios.
Para os militares sempre foi importante manter os arquivos da repressão
longe dos pesquisadores e da sociedade. Houve uma tática do esquecimento e do
silêncio pensada nesta lógica que produziram lacunas na documentação de presos
políticos que sofrem torturas e vieram a óbito. Essa tática do esquecimento preten-
dida pelos militares foi durante muito tempo implementada. Há muito trabalho
a ser feito, tomar conhecimento dos documentos do SNI, hoje sobre a guarda do
Universidade de São Paulo e Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo.
28
Arquivo Nacional é de fundamental importância para uma história da sociedade
brasileira. Um levantamento detalhado dessa documentação só é possível quando
cada vez mais os historiadores, sociólogos e cientistas políticos estabelecerem proje-
tos interdisciplinares para se ter conhecimento da documentação disponibilizada.
O levantamento destes documentos pode ser importante para se perceber
“os buracos” do documento produzido. A produção da Comissão Nacional da Ver-
dade e a comissão camponesa da verdade usaram testemunhos nos seus trabalhos
e podemos fazer um trabalho de cruzamento de fontes com a documentação do
SNI. Pode chegar a conclusão surpreendente de que uma dada documentação não
foi produzida, por isso, não foi disponibilizada e que cabe a nós, pesquisadores,
historiadores comprometidos com a verdade e a com a justiça indicarmos outras
possibilidades, outras documentações possíveis para compreender os processos
traumáticos ocorridos no Brasil nos governos militares.
Sabemos que a violência política é um elemento sempre presente na his-
tória. No Brasil em 1964 ela foi um componente fundamental nas disputas políticas
que levaram ao fim do governo de João Goulart. Houve a presença das forças arma-
das como sujeitos que assumiram o poder de estado e coordenaram as repressões
aos apoiadores do presidente deposto. Neste artigo procuramos entender as formas
dessas violências políticas assumidas no momento da deflagração do golpe, e como
elas produziram silêncios principalmente em relação aos militantes de esquerda
que propunham as reformas de base.
Cabe-se enviar que a luta da família Serra pela reparação e indenização
do Estado paraense e brasileiro, apresentou diversos cenários. Primeiro a viúva
Miracy Serra passou anos lutando pelo direito de ser pago a indenização completa
pelo assassinato do marido Benedito Serra pelas mãos da ditadura militar bra-
sileira. Posteriormente, os filhos judicializam também a questão da indenização
demonstrando que a reparação não havia sido feito plenamente, eles são conside-
rados órfãos da ditadura, e mostram que existem uma memória oculta em relação
ao pai, Benedito Serra, que precisa ser reconhecida pelo Estado. Por exemplo, em
1986 foi concedida a viúva do Benedito Serra, Miracy Machado Serra, o direito a
receber 4 salários-mínimos através da lei estadual nº 5.346 de 13 de novembro de
1986, no entanto, o governo do Estado O Estado do Pará no final dos anos 1980
não cumpriu com o acordo. No governo Jader Barbalho (1982-1986) reconheceu
o crime violado pelo assassinato de Benedito Serra, no entanto, somente foi pago
a família 1 salário-mínimo. Faz-se necessário a reparação feita com o restante do
valor a ser recebido pelo Estado brasileiro.
29
Posteriormente, os filhos Ademar Machado Serra, Admilson Machado
Serra, Ademir Machado Serra, Iraci Serra Maia, Elizete Socorro Machado Ser-
ra considerados herdeiros legítimos de Miracy Machado Serra, quase todos já
com mais de 60 anos entram com petição para requerer os valores restante não
pagos pelo governo do Estado do Pará em 21 de março de 2022, com isso, os
filhos estavam requerendo os valores retidos da esposa de Benedito Serra, que
segundo a petição implementada em 2022 afirma-se que “ela tem direito e não
foi repassada em vida”27. Segundo a petição os filhos de Benedito Serra estão
agora exigindo do governo do Estado do Pará os valores requeridos que foram
retidos e que somam no total de R$ 2.531.550, 86 (dois milhões, quinhentos e
trinta mil, quinhentos e cinquenta reais, e oitenta e seis centavos). Nesse sen-
tido, segundo a petição implementada a revisão dos valores a serem pagos aos
herdeiros da pensionista falecida, referem-se ao período de 1987 a 2017, estão
requerendo a indenização pecuniária de 30 anos, pois, segundo a petição, “os
valores repassados a ‘de cujus’’ em vida não condizem com o que foi estipulado
pela lei nº 5.346/1986”28.
No dia 6 de outubro de 2023, através de documento emitido pelo Banco
do Estado do Pará, posiciona-se sobre a revisão de pagamento da pensão aos
filhos de Benedito Serra e Miracy Machado assim, assim complementa a petição
implementada que “na oportunidade, considerada a estampada ilegitimidade
passiva dessa instituição financeira em uma ação revisional de pensão especial
instituído pelo Estado do Pará, requer a imediata extinção do processo sem re-
solução de mérito”29. O governo do Estado do Pará tem uma interpretação dife-
rente no que se refere aos valores a serem recebidos pelos filhos de Miracy Ser-
ra, assim, fica estabelecido uma contestação a ação de revisão de aposentadoria
especial, indicando que “não há no ato de concessão de aposentadoria mensal
a 4 salários-mínimos como pretendido pelos autores, e sim um outro valor de
referência, que não o salários-mínimos e sim 4 valores de referência, que não é a
mesma coisa que salário mínimo”30.
27Aposentadoria Especial (art. 57/8), pensão por morte (art. 74/9), RMI – Renda Mensal Inicial. 2ª vara
cível da SJPA, 7 de abril de 2022: 5.
28Aposentadoria Especial (art. 57/8), pensão por morte (art. 74/9), RMI – Renda Mensal Inicial. 2ª vara
cível da SJPA, 7 de abril de 2022: 6.
29Aposentadoria Especial (art. 57/8), pensão por morte (art. 74/9), RMI – Renda Mensal Inicial. 2ª vara
cível da SJPA, 7 de abril de 2022.
30Aposentadoria Especial (art. 57/8), pensão por morte (art. 74/9), RMI – Renda Mensal Inicial. 2ª vara
cível da SJPA, 6 de fevereiro de 2023: 3.
30
Os filhos de Miracy Machado Serra, no entanto, tentaram conciliar e re-
verter a decisão tomada pelo Banco do Estado do Pará, para que o processo de
pensão especial fosse extinto, no entanto, através do despacho nº 99733464, assim,
teve-se no dia 19 de outubro de 2023, a seguinte resposta ao pedido feito:
2) Por outro lado, entende que o Estado do Pará que não necessidade de
produção de provas em audiência, sendo a matéria em discussão unica-
mente de direito, motivo pelo qual requer o julgamento antecipado da lide,
reiterando na oportunidade todos os argumentos e fundamentos da contes-
tação, que evidenciam a total improcedência da presente ação.
31
através do decreto lei 16 de dezembro de 2004, quando ampara-se através dos
artigos 10 e 11, da lei 9.140 de 4 de dezembro de 1996, o direito de receber in-
denizações do Estado brasileiro.
O assassinato feito em 1964 em 2024, onde 60 anos depois, ainda está
uma memória em aberto que gera traumas e ressentimentos nos filhos de Benedito
Serra que buscam por reparação e justiça social, onde até hoje não foi reparado
pelo Estado paraense e brasileiro. O governo Michel Temer (2016-2018) e o gover-
no Jair Bolsonaro (2019-2022) preferiram não tocar nesse tema sensível presente
na sociedade brasileira. Para que assim nunca se esqueça e nunca mais aconteça
violências autoritárias no Brasil é necessário construir políticas de reparação, pois
as famílias sofreram impactos direto das ações promovidas pelos agentes de Es-
tado. Pois, além dos traumas pelas perdas do Benedito Serra, entendemos que os
filhos tiveram uma infância roubada, gerando angústias, perdas, ganhos, traumas,
encontrando estratégias para sobreviver a partir da partida de Benedito Pereira
Serra. Para Janaína Teles (2010), a discussão sobre a violação dos direitos humanos
e a tortura, onde o acerto de contas com o passado autoritário brasileiro está em
aberto, pois, “prevalece a ocultação dos acontecimentos, a negação do direito à
verdade e de acesso à justiça, o que limita a articulação e a transmissão da herança
daqueles anos de violência” (TELES, 2010: 53).
Nessa mesma linha de reflexão a Celso Lafer (2012) destaca que o pes-
quisador do tempo presente ao se debruçar sobre os estudos da justiça de transi-
ção acaba entrelaçando o presente e o passado, com a finalidade de compreender
a influência dos legados autoritários e os modos de combater. O historiador tem
a responsabilidade frente da demanda histórica, aquela dos rastros apagados e
das vozes silenciadas, que acabam emergindo frente ao relato histórico (LAFER,
2012: 16-17).
Por fim, cabe-se ressaltar que a mobilização de mais de 30 anos da família
de Serra fez com que em 2024 - ou seja, 60 anos dos tempos autoritários na socie-
dade brasileira ainda continuam buscando justiça e reparação em virtude da morte
perpetrada pelo Estado. A repressão e a violência fez parte da história do estado
brasileiro, assim, usavam a tortura como método para fazer a pessoa confessar e
entregar companheiros. É inegável que houvesse um terrorismo de estado com o
objetivo de aniquilar o “inimigo vermelho”. Portanto, fica-se a mensagem para que
possamos debater os passados autoritários na sociedade e na sala de aula, pois,
quanto menos se fala dos horrores promovidos pela ditadura militar, mais a gente
está ameaçado pelos horrores de um novo golpe.
32
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KNAUSS, Paulo (2009). Usos do passado e a história do tempo presente: Arquivos de re-
pressão e conhecimento histórico. In: Varella, Flávia (org.). Tempo Presente e Usos do pas-
sado. Editora FGV.
34
Adriane dos Prazeres Silva
35
Ditadura Sob As Copas Das Árvores
As águas do Tocantins / que nunca viveu parada / agora vejo dizer /
que elas vão ser represadas.
Agora chegou a hora / que todo mundo está vendo / será que você
ainda queira / ainda ficar sofrendo (Francisco de Assis- O Chicão).
36
sapropriação, além de impactos ambientais e especulação das terras. O caso dos
Joana Peres e Anilzinho, são exemplos das consequências da especulação e vendas
das terras, ocasionado por um significativo fomento dos denominados grandes
projetos da Amazônia, no caso do baixo Tocantins a construção da barragem de
Tucuruí foi esse marco. Desta feita, a pesquisadora Rosa Marin Acevedo afirma
que em 1964, houve um projeto que visava à modernização econômica da região
com a formulação e a implementação dos vários planos de desenvolvimento e o
conjunto de políticas denominadas de “Operação Amazônica1”, essa implantação
ocorreu, mais precisamente em 1966, momento no qual parte do governo da União
“articulou instituições, visando que possuíam como objetivo o “desenvolvimento
regional”, o cargo chefe dessas instituições seria a Superintendência do Desenvol-
vimento da Amazônia (SUDAM) e do Banco da Amazônia S. A., (BASA) para
administrar a política creditícia2.
A hidrelétrica de Tucuruí foi planejada e construída pela ditadura militar,
na Amazônia. Empreendimento bilionário e que foi questionado pelas populações
que seriam por ela atingidas. Não obstante, ao analisar o relatório da assembleia
do Sindicato de Trabalhadores Rurais em 29 de fevereiro de 1984, que contém os
relatos de estudos sobre a barragem de Tucuruí articulado com a Oposição Sindi-
cal Lavrador em Ação. Esses trabalhadores acreditavam que as consequências que
a barragem de Tucuruí traria as populações “que moravam a jusante da barragem”,
não preocupava somente o povo de Cametá, mas sim todo o baixo Tocantins3.
Foi possível inferir, das análises documentais (presentes nos STR’s de Ca-
metá, Arquivo da Cúria, CPT, CNBB e FASE), que existiram intensos debates tanto
nas comunidades e delegacias sindicais, pois os trabalhadores rurais, segundo o
relatório “sentiram a necessidade de levar esses debates, as discussões do dia 09
de janeiro de 1984” para uma assembleia específica do mesmo ano. Para dar conta
dessas discussões eles montaram o que denominaram de “comissão” para com-
preenderem quais impactos estavam e foi com esse intuito que chamaram para
1 Segundo FONTES (2021) a “Operação Amazônia” fomentou incentivos que eram dados aos indus-
triais e aos empresários em desenvolver projetos na Amazônia. É importante ressaltar que todas as
indústrias que encaminharam e receberam incentivos do governo a partir da SUDAM ou o fizeram
a partir do Banco da Amazônia S.A. (BASA) demonstrando, então, que havia um investimento do
governo nessas indústrias para formar um parque industrial na Amazônia. A Assembleia Legislativa
do Estado do Pará acompanhou esses empreendimentos e votou, autorizando o poder executivo no
caso do estado. Existia, portanto, uma expansão econômica na região, a partir de uma industrialização,
como atividades fundamentais.
2 AZEVEDO (2002).
3 Relatório da assembleia do Sindicato dos Trabalhadores Rurais em 28 de fevereiro de 1984 (Arquivo
Cúria de Cametá).
37
compor essa congregação trabalhadores e trabalhadoras que aceitaram tal desafio,
entre eles estavam: Benedito Coelho, Joaquim Marques, João Evangelista, Natalina
Nunes, Milson Gomes, Domingos Sanches, Francisco de Assis Contente, Manoel
Maria Louzada, Judite Furtado, Argileu Goísa Tavares, Direção do Sindicato e o
convidado Bernardo Krommendijk. Ao analisar o citado documento foi possível
perceber a seguinte assertiva4:
Apesar de a diretoria ter tentado fazer dessa assembleia uma peque-
na reunião com poucos sócios, despachando muitos trabalhadores
rurais, os associados da sede para cobrar dos Órgãos governantes
[...] 83 associados participaram da assembleia. Das entidades, insti-
tuição e órgãos estiveram presente apenas, a Comissão Pastoral da
Terra (CPT) da prelazia, INSA, prefeitura municipal, Partido dos
Trabalhadores, CUT, receberam convites e não compareceram: em-
presários locais, os vereadores, os PDS, o PMDB, os órgãos públi-
cos, que atuam no município, (EMATER, SUCAM, CELPA, SAE,
DER) a intuições de saúde (hospital, fundação SESP, Clínica Muni-
cipal e colégios). A juíza, pastores evangélicos, o delegado de polícia
e rádio Tocantins.
38
(EMATER, SUCAM, CELPA, SAE, DER) a intuições de saúde (hospital, fundação
SESP). Os representantes dos órgãos que não se fizeram presentes, uma das expli-
cações possíveis, é porque que as pautas das discussões não os agradassem a final
estamos diante de uma divergência de classes, e é possível que estejamos diante de
duas visões de mundo distintas perante a um mesmo empreendimento, no caso, os
que apoiavam a construção da hidrelétrica e os que sabiam o quanto do seu mundo
poderiam ser impactados5.
A conjuntura entre as décadas de 1970-1980 foi marcada pelo aumento
exponencial pelos conflitos pela posse da terra no Estado do Pará, parte deles como
já foi apontado, foi azeitado pela especulação agrária, pelo Projeto de Integração
Nacional (PIN6), pela presença dos chamados grandes projetos entre eles a Bar-
ragem de Tucuruí. Durante o mestrado mapeie doze conflitos que marcaram as
memórias dos moradores de algumas cidades do Baixo Tocantins, indiquei o mu-
nicípio, a data, o local, o motivo, envolvidos e resultados7 pela posse da terra eles
foram discutidos, e os trabalhadores rurais buscavam solucioná-los em conjuntos
em ações articuladas engendradas durantes os encontroes Anilzinho é sobre esses
encontrões que vamos discutir a partir de agora.
39
grandes projetos (já citados anteriormente), e os Programas de Integração Nacio-
nal (PIN) e nesse caso a barragem de Tucuruí. Preciso afirmar, ainda que entre as
décadas de 1970-1980, esses embates fervilharam na Amazônia, e que os gover-
nos militares prefiram não interferir, ou mesmo, perdeu o controle desses conflitos
como prova a tese de Thiago Broni de Mesquita.8
Os conflitos do baixo Tocantins poderiam mais um elemento no caldei-
rão da luta pela posse da terra, mas não foram, pois, além de contarem com uma
circularidade de informação em tom de denúncias que reverberaram em periódi-
cos de esquerda tais como: O Resistência, O Movimento, os Boletins das C,c, Boletim
da Comissão Pastoral da Terra9 e também nos Jornais de grande circulação tais
como O Liberal e A Província do Pará, mesmo sob a vigilância da Ditadura Militar.
Também contaram com umas experiências em movimentos coletivos10 que parti-
ram da década de 1930, contudo, as estratégias como veremos adiante mudaram,
contaram ainda com aliados como uma igreja católica progressista que estava em-
balada pelos ideais da Teologia da Libertação e com apoio da FASE11.
Contudo, a releitura que irei fazer dos conflitos de terra no baixo Tocan-
tins, contam novas matizes, é relembrado uma das máximas do historiador Marc
Bloch “o passado é, por definição, que nada mais modificará. Mas o conhecimen-
to do passado é uma coisa em progresso, que incessantemente se transforma e
aperfeiçoa12”. Ora, é com esta citação, que revelo algumas nuances do meu objeto
de pesquisa, durante o mestrado, escrevi sobre Anilzinho pelos olhos do Traba-
lhadores Rurais com fontes (da fase, Prelazia de Cametá, STR e documentos de
arquivos pessoais cruzando com documentações da SUDAM, ITERPA e ALEPA.
No entanto, a perspectiva utilizada nessa obra, é outra é a visão da ditadura militar,
que paramentou o Estado com os seus órgãos de espionagem, tal como serviço
Nacional de Investigação (SNI) e vigiou por uma peculiar as lutas pela terra e suas
resistências concernente a questão agrária na Amazônia Tocantina.
Nesse sentido, descobri através de minhas pesquisas que a repressão es-
teve no encalço desses trabalhadores e produziu uma vasta documentação de suas
atividades, portanto, a história de Anilzinho, será analisada neste trabalho pelo
8 Tese defendida em 2018, no programa de pós-graduação em História Social Universidade Federal do
Rio de Janeiro intitulada “Uma estrada revela o mundo”: O SNI e os conflitos pela posse da terra no Pará
9 Esses jornais estavam alinhados aos movimentos sociais e algumas de suas publicações eram qualifi-
cadas como subversivas pelos órgãos repressivos da ditadura militar instalado no Brasil de (1964-1985).
10 Iremos desdobrar esse argumento mais adiante nesse subtópico.
11 Iremos discutir a presença dessa Igreja progressista e da FASE, no Item 5.2.
BLOCH, Marc Leopold Benjamin. Apologia da História, ou, O ofício do Historiador Rio de Janeiro:
12
40
ângulo apresentado do que eles consideravam seu inimigo. Assim sendo, a narrati-
va pretende desdobra-se de uma leitura a contrapelo, da documentação: relatório,
parecer, recortes de jornais, análises de encontros que o SNI produziu sobre a Lei
do Posseiro, seus encontrões, seus líderes. O fundo foi essencial para compreender
a circularidade da Lei Anilzinho e as conexões que existiam entre os movimentos
sociais no Estado do Pará e a nível nacional.
Portanto, ao analisar o corpo documental produzido pela repressão, sele-
cionei as fontes que denunciaram os conflitos ocorridos no baixo Tocantins, des-
ta feita, encontrei matérias de jornais da imprensa de oposição do governo, com
relatórios sobre a movimentação de sujeitos sociais que eram identificados como
“agitadores13” ou como “subversivos”14.
Desta feita, era de conhecimento dos órgãos de vigilância da Ditadura mi-
litar os conflitos por terras que ocorriam no Pará e suas motivações um dos exem-
plos são os fundos que arquivaram sobre os Conflitos em Anilzinho, Joana Peres e
a organização do Sindicato livre15 em Oeiras do Pará, em novembro de 197916. Ao
cotejar duas matérias presentes no jornal Resistência intituladas “Baião: Moradores
do Anilzinho ameaçados por Lourenço” e “Pânico em Joana Peres”, foi possível iden-
tificar a relação íntima que existiu entre a construção da hidrelétrica de Tucuruí,
e a “cobiças de latifundiários nacionais e estrangeiros”, como consequência desdo-
brou-se num cenário caracterizado, pelo “crescente desespero e desassossego das
populações do campo”17.
Não obstante, as matérias demonstravam que a proximidade de Joana Peres
e Anilzinho (aproximadamente 60 km de Tucuruí), azeitou ainda mais a cobiça por
13Segundo o Centro de Informação de Segurança da Aeronáutica (Cisa), era atuação escrita ou verbal
junto às grandes massas com a finalidade de inculcar ideias comunistas e lemas no sentido de atraí-las
para seus objetivos políticos e sociais. Fonte do verbete: cisa, BRANBSB VAZ.05.08. ISHAQ, Vivien. A
escrita da Repressão e da Subversão, 1964-1985/Viven Ishaq, Pablo E. Franco, Teresa de Sousa—Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional, 2012.
14O Manual de Segurança e Informações, produzidas pelos órgãos de informação do governo militar
que em 1971, definiu subversão como “a forma de guerra irregular visa minar a estrutura militar, eco-
nômica, social, moral e política de um regime”.
15 Segundo o professor Marcelo Badaró Mattos (2009) o impacto do golpe sobre os sindicatos foi violen-
tíssimo, e foi necessário mais de uma década para retomada mais efetiva das mobilizações de trabalha-
dores e das jornadas grevistas. Entre 1964 e 1967, os sindicatos estiveram completamente amordaçados
e no ano de 1978 inaugurou, com a onda de greves detonada a partir do ABC paulista, uma outra fase
de afirmação das organizações coletivas dos trabalhadores no cenário político e social, iniciando uma
nova etapa nas relações de trabalho. No Baixo Tocantins realizou-se movimentos para retomadas desses
sindicatos alinhados aos movimentos sociais e não a ditadura militar.
16Matéria do Resistência compilado pelo Serviço Nacional de Informação, acervo da Ditadura Militar
que se encontra sob salvaguarda do Arquivo Nacional.
17 Ibid.
41
suas terras, os conflitos acentuaram-se, segundo o então prefeito Francisco Nogueira
Ramos, a partir de 1974, no que ele denominou “novos conflitos”, pois, afinal existi-
ram os confrontos com os Asuriní e os conflitos com os arrendatários. No entanto,
“os novos conflitos” eram bem distintos dos antigos. O então prefeito explicou que
naquele ano a venda de terras foram feitas por Raimundo de Melo e Silva, que ven-
deu cerca de 22 lotes que se centraram entre os rios Joana Peres, Mariano e Jacundá,
foram cedidas ao fazendeiro Lázaro Gonçalves Barbosa, vindo do Estado de Goiás18.
O senhor Barbosa recebeu a alcunha dos moradores de Joana Peres, Anil-
zinho e Ipaú de ser grileiro e Latifundiário, o fato é que sua presença e de outros
sujeitos que vieram do centro oeste e eixo Sul e sudeste do País, inaugurou um
período complexo para os moradores da região, como já explicitei na dissertação,
não foi somente Lázaro Gonçalves Barbosa, mas teve Sebastião Martins Amaral (o
Tião), existiram ainda Gustavo Barreto, Rogério e Mário que até o presente mo-
mento da pesquisa não encontramos seus sobrenomes19. Portanto, eram novos su-
jeitos dentro de uma nova teia de relações sociais.
No entanto, os que estavam nas terras reivindicavam o seu direito de es-
tar ali, citavam “o decreto 369020” que reservava a terra em litígio, para Serven-
tia Pública, da população do município de Baião, apesar disso de acordo com o
jornal, os órgãos públicos tais como ITERPA e INCRA, não se manifestaram. As
denúncias continuaram afirmando que 30 famílias tiveram suas terras griladas por
fazendeiros e que estes eram provindos do Sul e do Centro-Oestes do País e que no
processo de demarcação de terras tentaram de forma ilícita apropriar-se de terras
devolutas, que eram ocupadas e cultivadas por posseiros. Iniciou-se o que os de-
poentes denominaram de processo de grilagem.
Desta feita, os fazendeiros diziam- se autorizados a explorar as terras as
quais já estavam ocupadas intimidando e ameaçando os posseiros com pistoleiros,
proibindo-os de plantar, destruindo suas casas, queimando suas plantações, enve-
nenando os poços de água com a ajuda da própria polícia21. O ITERPA, segundo
o jornal Resistência retirou- se do caso. As famílias por sua vez, desesperaram-se e
18Matéria do Resistência compilado pelo Serviço Nacional de Informação, acervo da Ditadura Militar
que se encontra sob salvaguarda do Arquivo Nacional.
19Eesses nomes foram recorrentes em uma gama variada de documentações, jornais Resistência, O Li-
beral, panfletos, Relatórios de encontros, e na memória da população que vive no território da RESEX,
Ipaú- Anilzinho.
20Aqui provavelmente ocorreu um erro de digitação na escrita do jornal Resistência, na verdade trata-se
do Decreto Nº 3.691, de agosto de 1961.
21SNI, VI Encontro Nacional de Estudantes de administração, origem CIE, Tipo PB no 1142 data 21
novembro de 1979, Ficha de Distribuição e processamento de documentos.
42
começaram a abandonar seus lares, refugiando-se na Ilha Jutaí. Em novembro de
1978, as poucas famílias que ainda permaneciam na área receberam, uma ordem
de comparecimento em Juízo da Magistrada de Baião.
Além das possíveis conivências do poder Judiciário, na figura da juíza, fo-
ram feitas denúncias contra Lázaro Gonçalves Barbosa, ele foi acusado de queimar
o barracão do posseiro Valdemar Campos de Souza, tragédia na qual o trabalhador
perdeu seus pertences materiais, inclusive seus documentos pessoais. Além desses
atos, o senhor Barbosa foi acusado de torturar, coagir e sequestrar o posseiro Valde-
mar Campos de Sousa, que foi levado sob coerção pelos capangas de Lázaro Barbosa,
a cidade de Tucuruí. O referido senhor, segundo o jornal Resistência ameaçou de
morte moradores do Castanhal Grande do Anilzinho e das Adjacências Joana Peres,
ele e os outros “grileiros” foram acusados também de agrediram repetidas vezes os
posseiros com derrubadas de casas, expulsão de extratores de castanha22.
Foi em abril de 1980, que o Padre Tiago Poels, pároco do município de
Baião publicou no jornal Resistência – arquivado no SNI – uma carta destinada
ao coronel Alacid Nunes (então Governador do Estado) e ao deputado Domingos
Juvenil, datada de dezembro de 1979. O padre qualificava com “uma carta deses-
perada e pedia providências, contra o que o pároco denominou de injustiças que
na sua visão foram cometidas por grileiros, contra os lavradores de Joana Peres,
Anilzinho e Ipaú”. Nesse sentido, as denúncias foram feitas e a carta publicada no
jornal Resistência, porque, a população de Baião, do Baixo Tocantins e o Padre
Tiago não obtiveram resposta do então deputado e do governador.
A carta é dividida em cinco eixos centrais o primeiro momento em que
padre Tiago Poels discorre sobre a História de Joana Peres e Anilzinho, o segun-
do que discute a presença dos Asuriní a terceira que denuncia a “perseguição dos
fazendeiros Goianos e Capixabas” e que a perseguição não possuía fundamento,
pois. O castanhal foi reconhecido como Servidão Pública pelo Decreto23, 14 de
agosto de 1961, o quarto que retrata as barbáries sofridas pelos posseiros e suas
famílias, de trinta famílias, o padre revela o depoimento de cinco posseiros Sr.
Valdomiro Ventura, Dalico, Alberto Alves de Souza, o José da Costa e Jerônimo
Pereira da Silva e o último ponto em que o padre denuncia a Juíza de Baião por
coerção contra os posseiros da região e pede ajuda ao governador Alacid Nunes.
22Anexo do ACE Nº 1094/1980 ARE 15 de outubro, Matéria do Resistência compilado pelo Serviço
Nacional de Informação, acervo da Ditadura Militar que se encontra sob salvaguarda do Arquivo Na-
cional.
23Padre Tiago não cita o número do decreto, mas sabemos que ele se refere ao Decreto Nº 3.691, de 14
de gosto de 1961, Diário Oficial, Sexta- feira, 18 agosto de 1961: 3.
43
Nos depoimentos dos posseiros o padre faz questão de destacar a pro-
dução que eles possuíam e lhes foi retirada e mesmo o fato de possuírem cultura
permanente tais como os 2 mil pés de cacau, 4 mil encanteiradas, 700 bananeiras,
mandiocas, coqueiros e jaqueiras e laranjeiras do senhor Alberto Alves ou 50 pés
de cajueiros, plantações de batata, inhame, mamão e cana de Açúcar do senhor
Valdomiro Ventura. Provavelmente essa era uma estratégia para demonstrar que a
população ocupava e lavrava a terra, legitimando desse modo aquelas posses.24
Portanto, foi imerso nesse cenário de conflitos, entre os dias 08 a 09 de
julho de 1980, que os trabalhadores Rurais do Baixo Tocantins construíram a sua
Lei, a lei do posseiro, a sua fórmula de como resistir ao ataque da grilagem, fruto
do Encontro “terra pra quem nela trabalha”. Foram 150 lavradores advindos dos
municípios de Cametá, Oeiras do Pará, Mocajuba, Baião e Marabá. O encontro,
segundo as informações que cotejei das fontes, foi um ato de união, um modo de
“reforçar a resistência” da população de Anilzinho25. A seguir temos a imagem que
saiu no jornal Resistência.
24Anexo do ACE N 1094/80, 15 de outubro de 1980, arquivado pelo SNI, jornal Resistência, Ano III,
17 – Belém-Pa, outubro de 1980.
Para compreender melhor como foi orquestrado o I Encontro Anilzinho ler o terceiro capítulo, da
25
minha dissertação O Vale do Tocantins e a Lei Anilzinho: a Lei dos Posseiros (1961-1981).
44
O humilde barracão da imagem, que é uma foto rara, foi construído em
meio, a árduos conflitos pela terra, foi uma imagem que tanto a ditadura militar
com os seus órgãos de repressão quanto o Jornal Resistência arquivaram, mas de
que um barracão de palha, construído sob a vigilância e o medo, existiu a articula-
ção dos trabalhadores rurais de Marabá, Oeiras do Pará, Baião a Cametá, e juntos
sob o calor e do costume construíram a lei do Posseiro. Dentro da mata, sustenta-
dos pelos frutos da florestas e pelo espécies de sua fauna e flora, arroz e farinha, e
com a certeza de que não queriam mais perder, a faixa que se destaca a esquerda
provavelmente é o lema do Encontro “terra pra quem nela trabalha e os que estão
enfileirados são os participantes do encontro entre eles provavelmente João Borges,
seu tio Lázaro Gonçalves Borges, Dilton Rocha, Nilton Lopes de Farias, Líduina
de Farias, Bernardo Kromondjk, João Evangelista e Raul do Couto, Atanagildo de
Deus entre outros.
A matéria publicada pelo Resistência teve a diagramação dividida em cin-
co sessões o título da matéria analisada é “Anilzinho Baião: como resistir à gri-
lagem traz uma breve explanação 12 pontos de luta contra os grileiros”; a Lei do
posseiro que foi o “resultado mais importante do Encontro, Terra para quem nela
trabalha”no Baixo Tocantins. Após esses destaques existem os subtópicos: “a posse
da terra, conversa fiada, Chumbo grosso e Liberdade”.
Ao analisar o teor do documento, pode inferir lideranças que desconhe-
ci nas pesquisas e na escrita tão como João Borges, sobrinho de Lázaro Borges
filho de Orlando Correa de Melo e Carmita Gonçalves Borges26, João foi uma das
principais lideranças da Luta pela terra entre o final da década de 1970 a 1990
no baixo Tocantins. Quem abriu as discussões, sobre a luta pela posse da terra
foi João Borges “que relatou sobre a luta até aquele momento e os confrontos
que a comunidade sob o comando de Gustavo Barreto, a quem classificavam de
grileiro e do quanto ele havia tentado impedir a construção do barracão, após o
pronunciamento de João, foi a vez de Dilton Rocha da Oposição Sindical.
O primeiro dia de encontro foi pautado aos relatos dos delegados de
cada povoado provenientes das cinco cidades já citadas anteriormente, foi partir
dos relatos das experiências vividas, que em conjunto perceberam que o principal
problema que enfrentavam era o da posse da terra. Todas as comunidades que se
faziam presentes relatavam que estavam sofrendo ataques de grileiros, do que clas-
sificavam como “grandes empreendimentos, incentivados pela SUDAM, como era
o caso da empresa (Indústria e Comércio de Bebidas e Alimentos) INCOBAL e das
26 Informações cedidas por Dionésio Borges Macieira em 02 de junho de 2021.
45
fazendas Jatobá e Araras e dos especuladores de terras que deram como exemplo,
Lázaro Barboza, Lázaro Poletto e Gustavo Barreto entre outros.
Nesse sentido, na secção conversa fiada desdobrou-se os relatos sobre a
via Crúcis, que os trabalhadores que lutavam pela terra passaram enumeravam, os
prefeitos, delegados, juízes, e órgão como ITERPA e também o governo do Estado
“afirmavam que até aquela data foi só dinheiro gasto pra ouvir conversa fiada”, e
durante esse encontro eles enumeram aqueles que não os ajudaram, que na suas
leituras, mas os atrapalharam entre eles citaram o tenente Pinheiro do ITERPA, a
Juíza de Baião Maria de Fátima Monteiro, entre as autoridades citadas estava Ala-
cid Nunes, Jarbas Passarinho, Iris Pedro de Oliveira ex-presidente do instituto de
terras e o deputado Domingos Juvenil que na época pertencia ao PDS. No segundo
dia 09 de julho de 1980, iniciou com a resposta à João Borges que questionou: “se
foi útil a maneira como nós lutamos até agora? Muitos responderam que o fato de
terem sempre procurado as autoridades foi muito útil, pois aprenderam que isso
não resolve. Era preciso apanhar para aprender”.
Nessa assertiva, acima encontramos dois elementos essenciais a primeira
que foi os meios pelos quais essas pessoas haviam tentado solucionar seu grave dile-
ma, a perda do seus lares ancestrais, apelaram às autoridades e legislações anteriores,
aqui faço a inferência de que utilizaram a experiência da década de trinta e apelavam
também ao decreto 3.691/1966, mas, o que eles talvez não sabiam é que a legisla-
ção 3.641/1966, alterou profundamente a legislação Agrária do Estado do Pará e em
consequência as suas vidas também. No entanto, o segundo elemento que destaco a
citação destacado acima, foi que o aprendizado, de que buscar as “autoridades não
resolviam” seus problemas. A conclusão que eles tiveram, que haviam apanhado e
aprendido, portanto, resolveram romper com o que estava imposto, a conciliação
não era mais a solução era preciso algo mais forte, algo que lhes representa-se.
Portanto, depois de seus estudos de caso e de suas resistências foi forjada
no meio da mata e da luta pela terra que, segundo o jornal Resistência, “o docu-
mento final do encontro em forma de um código em 12 pontos apelidados de Lei
Anilzinho, que visava orientar os lavradores da região para os futuros enfrenta-
mentos com os grileiros e o último ponto de divisão na diagramação do jornal e na
matéria citada foi denominado de liberdade, onde relatam o discurso de deputado
de Ademir Andrade do PMDB. No final do encontro foram aprovadas ainda duas
cartas pela assembleia, uma de boas-vindas ao bispo que estava chegando à pre-
lazia de Cametá, Dom José Elias Chaves e uma segunda de solidariedade à então
diretoria eleita no final de 1979, mas que em maio haviam sido presos e torturados.
46
As duas cartas aprovadas no final do encontro, nos revela nuances fun-
damentais da articulação dos Trabalhadores Rurais do Baixo Tocantins, a primei-
ra era afirmação com a parceria da Prelazia de Cametá, assinalada pela carta de
boas-vindas, ao bispo Dom José Elias Chaves e o segundo era a articulação e so-
lidariedade entre os movimentos sociais do Baixo Tocantins e os de Sindicato de
Trabalhadores Rurais de Santarém.
Mas a Lei Anilzinho, a Lei do Posseiro teve uma circulação mais do que
poderia se supor e analisando os arquivos da Ditadura encontrei esses rastros e
posso afirmar com base das análises da sistematização de uma gama variada de
fontes que a Lei do Posseiro foi uma lei baseado no costume, em suas experiências
de usar as terras coletivamente, mas também foi uma lei que poderia ser adaptada
às circunstâncias das lutas pelas terras na Amazônia, mas sem perder sua essência.
A seguir temos a Lei Anilzinho:
1 – Resistir na Terra; 2- A terra é da comunidade; 3- A terra é para
trabalhar nela trabalha: quem vende sai da área; 4- Fazer demarca-
ção nas áreas: não esperar pelo topógrafo: nem esperar pelo gover-
no; 5- Defender a terra com armas se for preciso, machado, terçado,
espingarda e etc, reagir ao ataque da grilagem; 6- Comunicar e de-
nunciar as arbitrariedades às comunidades vizinhas, sindicatos, en-
tidades de apoio à imprensa, que haja solidariedade mútua; 7- Fazer
oposição sindical e política. Que o sindicato seja dos trabalhadores.
Trocar de delegado sindical pelego. Criar delegacia sindical mesmo
com dez trabalhadores. Exigir do sindicato a ação em defesa da clas-
se; 8- Onde tiver delegacia e comunidade, criar comissão da terra;
9- Construir casa comunitária ou capela e exigir postos médicos,
escola, para dar mais segurança na terra; 10 – Organizar comunida-
des com homens, mulheres e jovens, através de mutirão e trabalho
coletivo; 11- Criar um fundo de manutenção dos encontros; 12 Lu-
tar pela reforma agrária radical e imediata27.
Após a lei acima ter sido aprovada ela teve uma circularidade, tanto que
conseguir rastreá-la nos jornais da esquerda tais como, Movimento, no Resistên-
cia, e nos informativos do Jornal Comunidades Cristãs, e encontros da década de
oitenta como a campanha nacional pela Reforma Agrária realizado 4 de outubro
de 1984, em Belém28, Ciclo de debates sobre o uso Agrotóxico na Amazônia, IV
encontro de Estudantes de Administração, nas discussões da constituinte de 1988,
nos encontros da CUT em 1984 e nos encontros dos trabalhadores rurais da região
27Essa lei foi mais bem discutida em minha dissertação, “O Vale do Tocantins e a Lei Anilzinho: a Lei
dos Posseiros (1961-1981)”. Defendida no Programa de Pós- graduação de História UFPA, 2016.
Serviço Nacional de Informações, Agência Belém, campanha Nacional pela Reforma Agrária- Belém/
28
47
Guajarina, no município de Moju29, bem como dos Encontros dos Trabalhadores
Rurais do Baixo Araguaia. Nesse sentido, encontrei a Lei Anilzinho nos autos dos
processos movidos pela repressão para incriminar por subversão e agitação os Pa-
dres Aristides Camio e Fancois Jean Marie Gourou.30
A circularidade poderá ser verificada no jornal Movimento, n. 264, de 21
a 27 de julho de 1980, arquivado pelo SNI, A descrição do material é denominada
a “Análise de propaganda Adversa” que na escrita da repressão é uma qualificação
dada pelos analistas do governo à propaganda de organizações comunistas, reali-
zada31 por meio de panfletos entre outros, no caso pelo jornal. No caso da matéria,
publicada pelo Movimento, considerado um jornal de resistência à ditadura e cuja
sede ficava na cidade de São Paulo, na matéria que analisei intitulada a Lei dos
posseiros, a fim que no Baixo Tocantins no Pará, já tinha sua “própria lei a Lei
Anilzinho, ou lei dos Posseiros”. A matéria explicava que os doze pontos de lutas,
do encontro foram fruto do encontro “terra pra quem nela trabalha”, que ocorreu
no meio da mata dentro da área disputa pelo grileiro Gustavo Barreto32.
Durante as pesquisas pude perceber ainda como a lei Anilzinho, foi ins-
trumentalizada nos dois exemplos que pude rastrear, percebi o seu artigo cinco
foi executado, o primeiro encontrei no exemplar do jornal Resistência de 15 de
outubro de 1980, a matéria intitulada “Lavradores Expulsam o grileiro”, e ela afir-
ma que a Lei começava a ser colocada em prática pelos posseiros do Tocantins,
no lugarejo denominado Varginha, alguém qualificado como pistoleiro, desig-
nado de Ceará foi alvejado no braço, “e estava na companhia do Genro de Lino
Leão e outros empregados e abria um pico que varou no lote do lavrador Lauro
Lopes, mais conhecido como Loca”, segundo o jornal Resistência, a vítima era
empregado do senhor Lino Vicente Leão “, que ameaçou os posseiros da locali-
dade, o teor da ameaça era que desde 25 de agosto de 1980, iria demarcar terras
que julgavam33 ser suas:
29Ler A luta pela terra numa parte da Amazônia: O trágico de 07 de setembro e seus desdobramen-
tos, do professor e pesquisador Elias Diniz Sacramento.
30Pesquisa realizada em setembro de 2017 nos Arquivos da Ditadura Militar, sob salvaguarda do Ar-
quivo Nacional, no Rio de Janeiro.
31A escrita da Repressão e da Subversão, 1964-1985/Viven Ishaq, Pablo E. Franco, Teresa de Sousa—Rio
de Janeiro: Arquivo Nacional, 2012.
32Matéria do jornal Movimento, n. 264, de 21 a 27 de julho de 1980, arquivado pelo SNI, a descrição do
material é denominada, a “Análise de propaganda Adversa”, Pesquisa realizada em setembro de 2017,
nos Arquivos da Ditadura militar, sob Salvaguarda do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro.
33Exemplar do Resistência, ano III, n. 17, Belém - outubro de 1980. Pesquisa realizada em setembro de
2017 nos Arquivos da Ditadura militar, sob salvaguarda do Arquivo Nacional Rio de Janeiro.
48
Lino Mandou dizer que ia passar o pico “e que o que estiver na frente
eu derrubo”. Acontece que os posseiros de Varginha participaram do
encontro de Anilzinho realizado no mês de junho e resolveram colo-
car em prática as decisões tomadas: defender as posses com armas, se
for preciso e pedir ajuda aos companheiros de outros povoados. Não
deu outra coisa. O pistoleiro conhecido por Ceará foi baleado e os ou-
tros pediram de joelhos, pelo amor de Deus, para que não atirassem34.
A frase do início da citação que foi atribuída ao senhor Lino Vicente Leão
demonstra que ele iria demarcar as terras e não importavam as consequências, e
que quem estava na frente seria tombado, provavelmente seria morto. No entan-
to, existia uma mudança na postura dos posseiros de Varginha, eles participaram
segundo o Resistência do encontro Anilzinho que ocorreu em junho de 1980 e
por conta do quinto item da Lei do Posseiro, “que era preciso defender a terra do
ataque da grilagem com armas se fosse preciso, terçado, espingarda..., e deveriam
pedir ajudas a quem eles julgassem que fossem seus aliados”. A matéria concluí-
da demonstrando que esses trabalhadores saíram vencedores desse conflito e que
quem implorou por suas vidas foram os trabalhadores de Lino Vicente35.
O segundo caso, em que encontrei a aplicação do quinto item da Lei do
posseiro foi fato analisado pelo professor pesquisador Elias Diniz Sacramento, no
conflito que ocorreu entre a firma Reasa contra os posseiros da região do Jambua-
çu, quando os trabalhadores perceberam que o Estado não conseguiriam resolver
seus problemas, foi executado o quinto item da Lei Anilzinho I foi executado, ou
seja, eles utilizaram armas para defender as suas terras e no caso foi uma espingar-
da que ceifou a vida do vereador Edmilson Soares que na visão dos trabalhadores
era seu inimigo, pois estava defendendo os interesses da empresa. O tiro partiu de
uma das armas dos quarenta e cinco trabalhadores rurais, que acreditavam na sua
organização e inspirado pela Lei do Posseiro, a Lei Anilzinho defenderam o que
consideravam como seu com armas e para não serem mortos e expulsos da terra
mataram e expulsaram, no que Sacramento denominou de o trágico 7 de setembro
de 1984, em Moju e seus desdobramentos.
Após o primeiro encontro Anilzinho existiram mais nove encontrões e o
segundo e o terceiro estiveram na mira do sistema de repressão da ditadura militar.
Desta feita, encontrei um arquivo confidencial datado do dia 1 dezembro de 1981,
de produção do Serviço Nacional de Informações Agência de Belém36 sob o título
34Exemplar do jornal Resistência, ano III, n. 17, Belém - outubro de 1980. Pesquisa realizada em setem-
bro de 2017 nos Arquivos da Ditadura militar, sob salvaguarda do Arquivo Nacional Rio de Janeiro.
35 Ibid.
36 Informe n. 0852/119/ABE/81, Origem ABE/SNI (PRG N0 002534/81) presidência.
49
“agitação37 no Meio Rural, Município de Baião. O documento é divido em três
partes, a primeira em que destaca os itens que julgam mais importante do segundo
encontro de Anilzinho, a segunda parte o que denominaram Manifesto de Anilzi-
nho que explicam os motivos pelos quais ocorreu o segundo Encontro Anilzinho e
o terceiro que a Lei Anilzinho em si38.
Entre os dias 6 a 8 de novembro de 1981, portanto, mais de um depois do
primeiro Encontro Anilzinho, foi realizado o segundo encontro, qualificado como,
agitação, que na visão da repressão, eram atividades que tinham como finalidades
inserir ideais comunistas e lemas para atrair as grandes massas para desdobrar
os objetivos sociais e políticos39. Desta feita, após uma leitura acurada da docu-
mentação, foi possível abstrair que o segundo encontro, teve a participação de 63
comunidades e 7 municípios diferentes (Baião, Cametá, Oeiras do Pará, Igarapé
Miri, Tucuruí e Limoeiro do Ajurú.), na então localidade de Baião, dessa vez não
tiveram representantes de Marabá, mas ocorreu a ampliação do encontro, com um
maior número de participantes.
Desta feita, segundo os agentes do SNI, o objetivo do encontro “era traçar
objetivos para o desencadeamento de lutas, visando resolver o problema de terras”
do Baixo Tocantins, mas com a força dos próprios trabalhadores. Um dos objetivos
maiores do encontro foi a aprovação de um documento intitulado Lei Anilzinho
II, que para o SNI, Foi a reformulação de um manifesto anterior denominado, Lei
Anilzinho I. na visão da ditadura os itens que se sobressaiam da lei Anilzinho II
era o Item 01. Resistir na terra e seus respectivos sub-item e item 05 que tratava da
organização, abaixo temos a Lei Anilzinho II, a reformulação da lei Anilzinho I40.
1- Resistir na terra; 1.1- De maneira imediata se for preciso com ar-
mas, machados, terçado, resistir à grilagem – Comunicar e denun-
ciar às arbitrariedades as comunidades vizinhas, sindicatos, CPT e
demais entidades de apoio, imprensa, que haja solidariedade mútua;
1.2- De maneira permanente: plantar culturas permanentes e sub-
sistência, morar na terra.
37Segundo o CISA, agitação era atuação escrita ou verbal junto as grandes massas, com a finalidade de
inculcar as ideias comunistas e lemas no sentido de atraí-las para seus objetivos políticos e sociais. A
escrita da Repressão e da Subversão, 1964-1985/Viven Ishaq, Pablo E. Franco, Teresa de Sousa—Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional, 2012.
38Agitação no meio rural, Lei Anilzinho II, datado de 1 de dezembro de 1981, pesquisa realizada em se-
tembro de 2017 nos Arquivos da Ditadura militar, sob salvaguarda do Arquivo Nacional Rio de Janeiro.
39A escrita da Repressão e da Subversão, 1964- 1985/ Viven Ishaq, Pablo E. Franco, Teresa de Sousa—
Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2012.
40Faço análises mais acuradas das Lei Anilzinho I e II em minha dissertação de mestrado, capítulo 3. Intitu-
lada o Vale do Tocantins e a Lei dos posseiros: a lei Anilzinho (1961-1981), defendida em 2016 no PPHIST.
50
2- Propriedade da Terra; 2.1 - A terra é da comunidade; 2.2- Cabe as
comunidades com ou sem topógrafo, demarcar e dividir a área entre
os seus membros; 2.3- Os membros assinam um documento prepara-
do reconhecendo que a terra que eles trabalham ou irão trabalhar é da
comunidade reconhecendo que a terra que eles trabalham ou irão é
da comunidade; 2.4- No caso do posseiro deixar a terra só terá direito
à indenização da benfeitoria, pois a terra pertencem a comunidade.
3- Uso da terra; 3.1- A terra é para trabalhar nela; 3.2- Dar priorida-
de a cultura permanente; 3.3- Manter cultura de subsistência para a
família e a comunidade. 3.4-Não se comprometer com banco.
51
Os três principais eixos norteadores do encontro foram os problemas de
terra, a política de terras agrícolas dos Bancos e as condições de vida da população
do Baixo Tocantins. Nesse sentido quanto ao primeiro item do encontro, ele lança
luz sobre as condições em que ocorreram os conflitos pela posse da terra, que a
“chegada do grileiro era na maioria “mansa”, ou seja, sem atritos e depois violente,
portanto, baseado no conflito, nos revela ainda de onde partiam essas ameaças, que
era da implantação do que denominavam grandes projetos tais como: Pró-Várzea,
seringalistas, as madeireiras, e o incentivo aos agropecuaristas, que em no entendi-
mento desses trabalhadores ameaçavam e deixavam em condições de insegurança
os posseiros do baixo Tocantins41.
O segundo eixo norteador do encontro foi a discussão sobre a política dos
bancos, especialmente a referente a lavoura branca42, traria endividamento no ban-
co, que no seu entender era preocupante. O último ponto foi condições de vida no
campo, que no seu entender era motivada “pela falta assistência técnica, médica,
odontológica e educacional, somada a desvalorização dos seus produtos, agrava-
dos pelo comércio intermediário. Portanto, foi diante da conjuntura desfavorável
que esses trabalhadores resolveram a solução para os seus problemas seriam resol-
vidos com suas “próprias forças”43.
Os caminhos escolhidos seriam a organização em comunidades de “base,
no sindicato e nos Partidos políticos que julgavam como sendo de interesse dos
trabalhadores”, o objetivo de suas lutas era uma sociedade menos desigual, uma
sociedade mais justa. Além desta finalidade, possuíam como bandeiras de lutas, A
reforma Agrária Radical e imediata que “fosse sobre o controle dos trabalhadores,
lutariam ainda pela criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), que em
suas opiniões deveria ser formada a partir das bases, também lutariam por um
governo dos Trabalhadores44.
Ao olhar de maneira mais acurada para o segundo encontro Anilzinho per-
cebi que as pautas de lutas foram sendo aprimoradas, permanecia o tom de denúncia,
no entanto, eles já entendiam que isso era insuficiente, percebiam também que de-
veriam possuir uma organização mais articulada, nesse sentido, era necessário con-
quistar os espaços de poder, com sujeitos formados na Base, ou seja, no bojo da luta,
que possuíssem seus ideias e de fato pudessem defender seus direitos, pois, já haviam
41Agitação no meio rural, Lei Anilzinho II, datado de 1 de dezembro de 1981, pesquisa realizada em se-
tembro de 2017, nos Arquivos da Ditadura militar, sob salvaguarda do Arquivo Nacional Rio de Janeiro.
42 Que não é perene, precisa ser plantada todos os anos. Exemplo: milho, algodão, arroz, mandioca,
43 Ibid.
44 Ibid.
52
compreendiam que deveriam estar na oposição, ao governo militar, mas, que preci-
sariam, mais do que isso, era necessário, construir a CUT, e também os Sindicatos de
Trabalhadores rurais, que tivessem alinhados às suas pautas, assim como mandatos
no legislativo e no Executivo, não obstante, acreditavam que poderiam alcançar, ou
pelo, ao menos imediatamente por sua reforma Agrária Radical e imediata, que de-
veria ser feita pelas mãos de quem trabalhava na terra, ou seja, do trabalhador.
A Lei Anilzinho, que é o terceiro item do documento e já foi citada anterior-
mente, também teve uma circularidade, e ela foi bastante singular. Em minhas pes-
quisas no Arquivo da ditadura militar a encontrei nos autos do processo dos padres
Aristides Camio e François Jean Marie Gouriou, que foram presos no Araguaia em
1982 “no anexo 9; letra- H- Xerox do Boletim Informativo “Boa União”, contendo a
“Lei Anilzinho”. Os redatores, responsáveis pela edição das compilações feitas pelo
SNI, no acervo dos Padres, colocaram entre aspas, o nome do Informativo e o nome
da lei do Posseiro, provavelmente para destacar a origem e do que se tratava, sendo
qualificado como elementos subversivos, que deveriam ser tratados com atenção45.
A agência Central do Serviço Nacional de Informação, em documentação
datada de 16 de outubro de 1981, afirmava que os padres Aristides Camio e Fran-
çois Jean Marie Gouriou, mais conhecido como padre Chico, faziam parte dos reli-
giosos das missões estrangeiras de Paris, mas estavam atuando no norte de Goiás e
Sul do Pará. O SNI, destacou na apreensão dos materiais tais como 2 mimeógrafos
e 3 máquinas datilográficas, e uma quantidade significativa de panfletos. Entre as
documentações apreendidas, destacava-se o referente ao 3º congresso dos Traba-
lhadores Rurais que teria acusado o governo de favorecer o latifúndio nacional e
internacional e em linhas gerais defendia uma reforma Agrária radical e imediata
com o domínio dos trabalhadores. Segundo o SNI, as análises de livros, livretos,
panfletos e apreendidos nas residências dos padres François Jean Marie Gouriou
e Aristides Camio, demonstrariam que suas pastorais estavam fundamentadas em
princípios marxistas- leninistas46. O SNI, destacou que a comprovação que os pa-
dres desenvolviam atividades subversivas em São João do Araguaia, porque, eles
faziam parte de um conjunto de ações devidamente programadas pelo clero pro-
gressista, pelo Partido comunista do Brasil, e pela oposição sindical rural.
45Anexo 9; letra- H- Xerox do Boletim Informativo “Boa União”, contendo a “Lei Anilzinho”, pesquisa
realizada em setembro de 2017 nos Arquivos da Ditadura militar, sob Salvaguarda do Arquivo Nacional
Rio de Janeiro.
46Segundo a escrita da repressão e da subversão, é definida um sistema político e doutrinário aplicado
por Vladmir Lenin (1870-1924) na Rússia, após a Revolução de outubro de 1917. Tendo como base, as
teorias de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), adaptou-se as condições históricas
da Rússia.
53
Prova disso é segundo SNI, era a presença da denominada lei Anilzinho,
que foi aprovada, segundo lhe constava, por ocasião do I Congresso Nacional em
Defesa da Amazônia, realizado no período de 09 a 12 de outubro de 1980. A cita-
da Lei era Constituída de 12 artigos, foi considerada lei é considerada “a lei dos
posseiros do baixo Araguaia que era área de atuação do baixo do padres; eles res-
saltaram os artigos 1º, 4º , 5º , 7º e 12º da Lei Anilzinho que destacava, portanto,
a resistência na terra, a oposição dos trabalhadores rurais, sua organização e suas
exigências de uma reforma Agrária Radical e imediata pelas, mãos dos trabalhado-
res eram os elementos que mais chamavam atenção dos aparelhos de repressão e
vigilância da ditadura militar na Amazônia47.
Ao analisar a lei Anilzinho em seu último item, ou seja, o “12 Reforma
Agrária Radical e imediata”, não temos como deixar de perceber que ela se reme-
te ao lema do encontro dos lavradores promovido pela ULTAB, em 1962. Esse
encontro de acordo com Mário Grynszpan (2017) era entre outras coisas um ato
de reivindicação pautada numa reforma Agrária Radical e imediata “na lei ou na
Marra”. Após dezoito anos, ou seja, 1980, período de redemocratização, mas ainda
de muita repressão, os camponeses, posseiros, lavradores, trabalhadores rurais do
Baixo Tocantins construíram a sua Lei, A Lei Anilzinho: A lei do posseiro, reivin-
dicando uma reforma Agrária radical e imediata, sua lei era pautada no costume de
viver nos castanhais, nas terras de maneira comunitária, a terra era da comunidade
e não de um único dono. O castanhal era do povo do Baixo Tocantins.
Evoco mais uma vez as concepções de Edward Palmer Thompson (1987)
ao afirmar que a “consciência de classe surge da mesma forma em tempos e lugares
diferentes, mas nunca exatamente da mesma forma”. Nesse sentido, ao construir a
Lei dos Posseiros, ao construírem os encontrões de mesmo nome, assim como ou-
tras ações que visavam aglutinar os trabalhadores do baixo Tocantins, compreendi
que estamos diante de sujeitos que entenderam o momento que estavam vivendo
articularam sua identidade, forjaram-se numa conjuntura de lutas e formularam
suas ações culturais, de lutas e políticas e se contrapuseram as ações engendradas
pelo estado autoritário.
A legislação do Estado Nação, voltada para questão agrária estava alinha-
da, em grande medida a um estado ditatorial que engendrava ações de maneira
vertical, ou seja, as decisões eram tomadas no alto escalão de poder e enviada para
as esferas inferiores, essas medidas são executadas através das letras duras das leis
47Serviço Nacional de Informação, Agência Central, informação Nº 0358/19/AC/81; Assunto Aristide
Camio e François Jean Marie Gouriou. Pesquisa realizada nos arquivos da ditadura militar, sob salva-
guarda do Arquivo Nacional.
54
ou de projetos. Eles podem até se impor, mas não sem antes enfrentarem resistên-
cias e lutas. A criação da lei dos posseiros pelos posseiros, homens e mulheres do
campo, de dentro das matas é uma ruptura nesse paradigma, eles e elas buscaram
a via que mais lhes interessava.
Ainda de acordo com SNI, o suporte financeiro da campanha sistematizada
pelos padres veio do exterior e consistia na soma de um milhão e oitocentos mil fran-
cos franceses. Não obstante, encontrei nos arquivos compilados pelo SNI, o primeiro
encontro nacional em defesa da Amazônia, que ocorreu em Urucará, município do
interior do estado do Amazonas, quase na fronteira com Santarém, entre os dias 9 a
12 de outubro de 1980, foram reunidos 15 colônias para resolver os problemas de títu-
los agrários definitivos, enfrentavam mil dificuldades, não possuíam a infraestruturas
foi aprovado que a Lei Anilzinho dos trabalhadores rurais do baixo Araguaia. A lei,
segundo esses trabalhadores, a partir daquele momento era considerado uma das leis
em defesa da Amazônia por aqueles que se consideravam como aqueles que lutavam
“contra a exploração do homem pelo mais forte e contra a destruição da Amazônia48”.
Baião, Barcarena, Cametá, Igarapé-Miri, Limoeiro do Ajurú, Mocajuba, Moju, Oeiras do Pará e Tucuruí
55
damental importância para que os projetos agrícolas e o direito dos trabalhadores
rurais fossem mais bem definidos, “uma vez que segundo esses sujeitos sociais o
sindicato não estava defendendo como deveria o direito da categoria”51.
As mulheres e os homens que compunham, esse multifacetado mosaico
de trabalhadores possuíam em 1984, uma média de idade que variavam de 30 a
60 anos, filhos de homens e mulheres que estiveram no interior da floresta, ou
seja, trabalhadores e trabalhadoras das matas, habitavam lugarejos tais como Joana
Coelhi, Paquetá, João Garopé, Cotalão distrito de Moiraba, ou seja, dos rincões da
Amazônia, que estavam conectados e buscavam melhores condições de vida, aqui
citamos alguns desses mais de quase 700, nomes: Maria dos Prazeres Wanzeler,
Tila Monteiro, Isabel, Alves Tavares, Antônia Valente de Moraes, Maria Dulcineia
Batista da Cruz, Terezinha Perira da Silva, Raimundo Candido Cardoso, Antônio
Furtado Louzada, Agenor Alves Furtado, Benedito Pinto trindade, Zebino Pinto
de Almeida, Domingos Coelho Solto, Firmino da Silva, Clementino Sousa dos
Santos, Orivaldo da Cruz, Manoel Nazaré Batista, Domingos de Souza Mindelo.52
Eles e elas lutaram também pela manutenção da posse de suas terras.
Desta feita, a possível resolução dos conflitos pela posse da terra na Prelazia
de Cametá e também do baixo Tocantins, passava, na visão de um número signifi-
cativo de associados passava pela tomada dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais
STR’s, pela oposição sindical, pois, segundo, estes sujeitos sociais analisados, a dire-
toria de meados de 1970- 1980, “não estava atendendo as necessidades da categoria
como pode ser detectado”, esses argumentos, podem ser detectado na documentação
presente na prelazia de Cametá, entre eles cito; os relatórios dos encontros Anilzinho,
Informativos das C.cs, atas de encontros de Animadores entre outros.
Segundo a documentação arrolada “o descaso com a defesa da categoria”
era percepção em questões como a posse da terra, e desta feita eles dispararam
uma campanha, apoiado também pela Igreja progressista de Cametá, em favor da
tomada dos Sindicatos e houve, ainda, a escolha do Partido dos Trabalhadores PT
como mais um representante da categoria, uma vez que essa tinha de fato proposta
que atendiam em parte os ideais de uma sociedade mais justa e igualitária53.
Um dos informativos mensais da Prelazia traz como matéria de destaque,
o tema, “Terra Nossa”, onde argumentava sobre o pouco interesse do governo esta-
56
dual pela defesa dos trabalhadores e fazia um apelo urgente, várias vezes repetidas
nos jornaizinhos da década de 1970, para que cada lavrador tratasse “de arranjar
documentos pessoais e referentes à posse da Terra, uma vez que estes eram essen-
ciais para conquistar direitos sobre a terra onde trabalhavam”54.
Podemos verificar que ocorreram campanhas dos trabalhadores rurais
em parceria com a Igreja progressista, no intuito de alertar e conscientizar os seus
companheiros para a necessidade de obtenção do título de terra definitivo, pois
afinal de contas era um dos poucos instrumentos que os trabalhadores rurais pos-
suíam para defender seus direitos contra os latifundiários. Algo que não fazia mui-
to sentido para a maioria dos lavradores antes de 1970, ainda, segundo o relatório
de animadores de 1981, “que eles encontraram grandes dificuldades para que um
lavrador que trabalhava 30 anos numa terra obtivesse seus documentos de posse”.
Afinal a lógica de ocupação de terras na Amazônia, visava, o morar, trabalhar e
fazer o extrativismo na terra, era suficiente, no entanto, como sabemos essa lógica
mudou com a presença dos militares na Amazônia.
Era dever dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, segundo os argumen-
tos da então oposição sindical “deveria ser da natureza do STR, proteger e defender
o pequeno contra o grande”. Para oposição sindical muitos dos STR,s do baixo
Tocantins, “as vezes fugiam desta obrigação”.
Essas pautas de debates, foram levadas para encontros de religiosos, entre
eles cito o encontro dos bispos do Brasil em Itaici, ainda em 1979, resultou num
documento do qual uma das prerrogativas foi destacar a força do sindicato livre e
a importância da conquista destes pelos trabalhadores55. Segundo esta visão não
haveria verdadeiro desenvolvimento rural, sem participação livre, consciente e res-
ponsável dos agricultores. Portanto, prevalecia uma visão que o “sindicalismo de-
veria ser incentivado e fortalecido, com suas autênticas lideranças e atendidas suas
justas reivindicações, não só quanto à reforma agrária, legislação rural trabalhista
e previdenciária, mas também quanto ao próprio enquadramento estruturação do
sindicalismo rural”56.
A partir de tal documento elaborado pelos bispos do Brasil em Itaici no-
tou-se a Prelazia de Cametá, junto com a oposição fizeram intensas campanhas
para tomada dos sindicatos, que eles avaliaram “estar nas mãos de pelegos”. Essas
articulações das oposições sindicais do baixo Tocantins, poderão ser notadas nos
57
momentos de visitações na comunidade de Pirarucú, pertencente à paróquia de
Oeiras, por exemplo. Nesta visitação foi exposto que a comunidade local acreditava
na importância de “um sindicato livre” que para eles representaria a força dos tra-
balhadores. Portanto, era preciso, união com outras comunidades com a finalidade
de conseguir os objetivos que eram comuns das classes trabalhadoras, desta feita,
nas cidades que compõem a prelazia de Cametá a partir de finais de 1970, ocorreu
de forma mais intensa as campanhas para a conquista dos STR’s57.
No relatório de dois cursos de lideranças comunitárias, acompanhados
por animadores na casa comunitária do baixo Paruru (região de ilhas) no muni-
cípio de Cametá, ocorrido do dia 22 a 25 de maio de 1980, um dos assuntos mais
debatidos foi a importância da conquista dos sindicatos58. Desta feita, diante das
aferições feitas após o cotejamento da documentação é possível argumentar que
nas principais cidades da Prelazia de Cametá era de extrema importância a con-
quista dos sindicatos, pois para esses trabalhadores, para poder ocorrer as suas
libertações, no encontro Anilzinho III na CC de Nova América 28 a 31 de outubro
de 1982 a questão sindical voltou novamente à pauta59.
De acordo com o relatório do III encontro Anilzinho, as diretorias dos
sindicatos da região estavam atreladas à política partidária do (PDS e PMDB) e a
comerciantes, que por sua vez estavam presos aos poderosos, e que segundo a visão
dos membros da assembleia “eram manipulados e usavam o sindicato para fazer
campanha política partidária”, por sua vez de acordo com as suas avaliações “os
partido do governo eram pelegos e estavam se opondo aos interesses dos trabalha-
dores, ainda havia a reclamação de que os associados não possuíam participação
direta e a única coisa que possuíam eram as políticas assistencialistas”.
Os agricultores reunidos chegaram à conclusão de que deveriam montar
um sindicato combativo, que defendesse o interesse da classe, as assembleias “ge-
rais deixariam de ser legalista, nesta existiria uma diretoria voltada para os interes-
ses da classe, a diretoria promoveu treinamentos, reuniões, prestação de contas, o
dinheiro dos associados deveria ser usado para a assistência jurídica”60.
No terceiro encontro Anilzinho, descreveu os passos para se chegar a um
sindicato combativo, de acordo com essa estratégia, primeiro se fazia necessário
criar uma “oposição Sindical, procurar se associar e convidar os companheiros de
57 Ibid.
58 Relatório do Encontro dos animadores 2 a 25 de maio de 1980.
59 Relatório do III Encontro Anilzinho Comunidade Cristão de Nova América, 28 a 31 de outubro de 1982.
60 Relatório do III Encontro Anilzinho Comunidade Cristão de Nova América, 28 a 31 de outubro de 1982.
58
luta para o mesmo fim, e por isso se fazia necessário retirar as diretorias pelegas, fa-
zer conscientização sindical, criar comissões e delegacias sindicais, mini delegacias
sindicais”, nesse sentido, “os companheiros deveriam pagar em dia as suas mensali-
dades e por último não menos importante, era necessário os pequenos agricultores
se unissem para tornar aquele sonho em realidade”61.
É possível afirmar que desde 1970 em especial em 1979 os trabalhadores
rurais e a Prelazia promoveram encontros com intuito de formar lideranças para
também ganhar os sindicatos das cidades vizinhas (Mocajuba, Oeiras, Baião e Ca-
metá entre outros), “mas com uma grande preocupação de que os movimentos
sociais não se tornassem apenas partidários esquecendo-se dos ideais cristãos”62.
No encontro, IV Anilzinho que ocorreu em Nova América entre os dias 20 a
24 de outubro de 1984, foi destacado na avaliação das intersindicais: a importância, for-
ça e “o entrosamento de todos os sindicatos de oposições sindicais da região do baixo
Tocantins”. Deste modo, é possível verificar a rede de articulações que foi formando-se
lenta e gradualmente, e o quanto essa estratégia foi importante a longo prazo 63.
O encontro dos animadores que ocorreu nos dias 22 – 24 de abril de 1985
trouxeram à tona a seguinte avaliação de conjuntura, de acordo com as perspec-
tivas dos Animadores de comunidade, o movimento sindical de oposição estava
se solidificando, pois, ocorreu o aumento do número de sindicalizados nos dois
municípios que a oposição venceu, ou seja, nos STR,S de Limoeiro e de Oeiras-
-do-Pará e paralelamente no baixo Tocantins, estavam organizando o Partido dos
Trabalhadores PT no município de Cametá e de Oeiras do Pará64.
Ainda na trilha do desdobramento, da articulação sindical, encontrei no
informativo de abril de 1985 de número 115, traz a discussão da situação sindical
na prelazia de Cametá; que de acordo com a perspectiva desses trabalhadores “a
organização estava crescendo e era como um semeador que saiu para semear”. Na-
quele ano o encontrão de Animadores estava completando 8 anos, e na avaliação
desse grupo isto significava que eram oito anos dos trabalhadores completavam
encontrando- se e discutindo os problemas e a organização dos sindicatos65. Por-
tanto, os encontroes de Anilzinho e de Animadores de comunidade, bem como, a
aliança entre trabalhadores rurais e a prelazia foram intrínsecas e essenciais para
uma cultura política na região do baixo Tocantins, no que, alguns movimentos
61 Ibid.
62 Ibid.
63 Relatório dos Encontros Década de 70-80.
64 Encontro Anilzinho Nova América, 20-24 de outubro de 1989.
65 Relatório do Encontro de Animadores, 22 a 24 de abril de 1985.
59
sociais denominam de cinturão vermelho do Baixo Tocantins, entendo por cultura
política, assertiva construída pelo professor Rodrigo Patto Sá Motta (2014: 21):
“um conjunto de valores, tradições, práticas e representações políticas partilha-
dos por determinados grupos humanos, que expressa uma identidade coletiva e
fornece leituras comuns do passado, bem como fornece inspiração para projetos
políticos direcionados ao futuro”.
De acordo com as minhas análises apoiada em farta documentação os
trabalhadores rurais a partir desses encontros de Animadores de comunidade,
Anilzinho, de reforma Agrária, agriculturas familiar e mesmo os de cunho de saú-
de foi forjado uma percepção entre esses grupos que havia “crescido em toda a
região do baixo Tocantins, uma consciência de organização e dessa consciência
surgiu à base para as oposições sindicais, que em suas perspectiva combateram o
peleguismo e a legislação sindical da década de 1870-198066.
Nos oito anos de encontros de Animadores e dos cinco anos de encon-
trões Anilzinho, aquelas experiências, em suas opiniões “havia espalhado aquela
necessidade de se organizarem. No mês de fevereiro de 1985, por exemplo, nas
eleições sindicais em Bagre, “os pequenos lavradores” conseguiram eleger os seus
candidatos sindicais. Em março foi realizado um encontro de lavradores na CC
de Tachi, rio Parnaúba, em que houve uma discussão sobre os conflitos da terra e
sobre os rumos do sindicato67.
Esses sujeitos sociais a organização estava dando seus frutos, naquele ano
de 1985, as oposições contavam com 4 eleições sindicais: Em Oeiras (9 de julho),
Igarapé-Miri (23 de junho), Cametá (28 de julho) e Limoeiro do Ajurú (novem-
bro). Todos esses municípios estavam com uma oposição sindical com chapa e
programa discutido com os trabalhadores. No encontrão dos lavradores ocorridos
do dia 24-28 de abril de 1985, no seminário menor São Vicente de Paulo, na Aldeia
dentro da sede do município de Cametá, mais uma vez foi discutido como andava
a atuação sindical dos animadores, o rumo que o sindicalismo deveria tomar e por
último a conjuntura política dos partidos políticos não legalizados68.
O primeiro Sindicato dos Trabalhadores Rurais conquistado no Baixo To-
cantins, foi em Oeiras do Pará, a posse desse sindicato ocorreu em 29 de julho de
197969, com apoio da igreja católica do baixo Tocantins. No entanto, ocorreu um
66 Revista da Prelazia de abril de 1985, número 115.
67 Revistas da Prelazia 1982-1985.
68 Revista 101 da Prelazia 1985.
69Relatório da festa do Dia do Trabalhador Rural e a posse da nova diretoria do Sindicato dos Trabalha-
dores Rurais de Oeiras do Pa, 29 de julho de 1979, arquivos da FASE, sede Belém.
60
rompimento entre a prelazia e a FASE, em outubro de 1980, fruto de um embate
entre os comunistas e os membros da igreja Católica progressista. Este fato nos
demonstra que esses movimentos não foram homogêneos, eles tiveram disputas
por poder e esgarçamentos. O grupo que Atanagildo de Deus com Gabriel Oliveira
da Silva passou a ser encarado, não mais como aliados. Podemos verificar o des-
dobramento destes fatos nos informativos presentes na C’c. O sindicato de Baião
foi conquistado em dezembro de 1982 pela oposição sindical, tendo como diretor
Manuel Pinto Dilton da Rocha70.
De acordo com essa documentação, a primeira eleição disputada foi à
de Oeiras, que teve sua primeira convocação no dia 09 de junho de 1985. Nesta
eleição disputaram duas chapas, a chapa 1 composta por um vereador do PMDB, o
Sr. Gabriel Oliveira da Silva Dias e também Atanagildo de Deus Mattos, o gatão e a
chapa 2. Atanagildo de Deus foi tratado de maneira pejorativa, nas folhas do relató-
rio, e percebemos, algumas informações imprecisas, tais como a diretoria do STR,s
de Oeiras do Pará a dez anos a direção do sindicato, quando estava fazendo cinco
anos. O relatório desse encontro tem um de recalque, ao afirmar que no início, ou
seja, em 1979 o STR de Oeiras do Pará contava com apoio da prelazia de Cametá.
Nesses relatórios a prelazia de Cametá e alguns trabalhadores rurais sen-
tiram-se “traídos”, e o STR de Oeiras fez alianças com outras organizações sem
discutir com os agricultores. A posse da diretoria de Oeiras do Pará, em 1979,
foi comovente71 . No entanto, naquele anos de 1985, estavam sendo acusados de
apoio do PMDB de Oeiras, como ex-prefeito Oséias e também alguns membros da
diretoria, eram associados ao PRC (partido revolucionário comunista), portanto,
diante dessa complexa configuração a chapa 1 que concorria às reeleições e que no
período curto, fazia parte daquele mesmo grupo, confrontava a chapa 2 composta
de lavradores das Comunidades Cristãs e naquela data contava apoio dos profes-
sores e do diretório do Partido dos Trabalhadores de Oeiras do Pará72
Um dos pontos de catalização das articulações desses trabalhadores ru-
rais foi a organização da vinda do líder sindical, Luís Inácio Lula da Silva, o Lula,
demonstrando as atividades e articulação políticas que envolviam esses trabalha-
dores e membros da prelazia de Cametá73 . De acordo com as memórias de Nilton
Para entender melhor a conquista desse sindicato ler o trabalho de TCC de Francinei da Rocha Correa,
70
Memória dos Lavradores Rurais sobre as lutas sociais dos sindicatos dos trabalhadores Rurais de Baião.
71 Ler minha dissertação de mestrado.
72 Relatório do Encontro de Lavradores ocorrido no seminário de Cametá 24-28 de abril de 1985.
73Revista Número 118 de novembro1985 “A organização dos trabalhadores avança, eleições em Limo-
eiro do Ajurú, mudança no sindicato de Mocajuba”.
61
Lopes de Farias (Saci) e Raul do Couto, os trabalhadores rurais estava fundado o
PT, na região. Essa empreitada teve como um de seus pontos altos a vinda do Luís
Inácio Lula da Silva na região. Saci, qualificou a viagem de Lula como histórica,
uma viagem importante, fruto dos seus esforços coletivos eles fizeram coleta para
pagar uma passagem de monomotor que ele chegou em Belém, seguiu de carro
até Abaetetuba, de onde foi fretado barquinho um barquinho conhecido “como
popô” na Amazonia por ser barulhento e lento, tratava-se de um yamma de 18,
que nas lembranças de Raul do Couto, era um barco geleira, eles navegaram até
chegar em Cametá.
Em Cametá foi feita a primeira parada, as pessoas estavam esperando,
esperavam o Lula num grande navio, e eles chegaram num barquinho popô, àque-
la altura o aparato armado pelo prefeito de Cametá havia se desfeito, pelo atraso,
então ele chegou pacificamente, nesse primeiro ato, que segundo o senhor Bernar-
do Kromondjk ocorreu no sol de meio dia da Amazõnia, na praça das Mercês, o
discurso foi feito em cima de um caminhão, e uma parte significativa do discurso
do Lula, foi gravado pelo senhor Bernardo. Nas memórias Nilton de Farias (Saci).
O povo esperava, principalmente os integrantes das comunidades cris-
tãs, em especial os liderados por Francisco de Assis Contente, o popular Chicão,
que tornou-se liderança na região, e era visto também como um poeta popular
líder de comunidades. As pessoas naquela praça desejavam ver Lula - ele havia
saído da prisão, após a segunda greve do ABC paulista, -. Segundo Nilton Lopes
Farias depois do discurso em cima do caminhão. O Lula e mais um grupo segui-
ram até a Catedral de São João Batista, lá ele fez mais uma fala num megafone
para os presentes, em seguida partiram para o único restaurante que existia em
Cametá, naquele 31 de maio de 1980, o do senhor conhecido como Pucuru. De-
pois partiram para Baião onde ele passou mais um dia. Segundo as memórias
de Farias eles andavam pelo centro gritando palavras de ordem num megafone
“abaixo a carestia, a panela está vazia” [...] ele discursou na frente do colégio
Imaculada Conceição, que em 1981 era denominado colégio Jarbas Passarinho,
em Baião estava tendo a festividade de Santo, e o grupo de Nilton De Farias (Saci)
contratou o único fotógrafo da cidade para cobrir o evento, no entanto, o então
prefeito o recontratou para sabotar as fotos e deste resultou uma única foto que
registrou a passagem Lula em Baião74.
74A descrição da vinda de Lula ao baixo Tocantins é fruto do cruzamento das memórias presentes em
três entrevistas a primeira realizada em setembro de 2015, em Cametá com Bernardo Krommondjk; a
segundo realizada em outubro de 2015, em Belém do Pará, com Raul do Couto e a terceira realizada em
setembro de 2018, em Baião com Nilton Lopes de Farias Saci.
62
Antes do senhor Bernardo Krommendjk, voltar para a Holanda em 2017,
ele me cedeu, as imagens do seu precioso acervo digital, adiante temos o painel que
mostra o então sindicalistas, Luiz Inácio Lula da Silva, discursando em Cametá,
na praça das Mercês em 31 de Maio de 1931, ele já era reconhecido como uma
forte liderança sindical, temos a presença de membro da CUT, de Raul do Couto
e Francisco Assis Contente o Chicão discursando na praça das Mercês em Cametá
em 1981. O evento foi marcado pela presença de lavradores e lavradoras. Essas
imagens, ajudam a demonstrar um pouco, quais moldes, as práticas e mesmo a
representação política desses sujeitos sociais.
63
Dentro da organização desses trabalhadores ocorreram conflitos e não
podemos vê-los como um grupo homogêneo, uma das inflexões está pautada na
trajetória política de dois trabalhadores rurais, Atanagildo de Deus (O Gatão) e Pe-
tronilo Progênio Alves (Petroca). Ambos foram perseguidos pelo governo militar
nas décadas de 1970 e 1980, por articularem os movimentos agrários de resistência
na terra, junto com outros trabalhadores rurais da Amazônia, mais especificamen-
te do Baixo-Tocantins, resistiram ao processo de grilagens de terras, feitas por em-
presas e grandes projetos, que por sua vez foram incentivadas pelos governos mili-
tares. Os trabalhadores instrumentalizaram suas experiências políticas para ajudar
a articular outros movimentos sociais no Pará. Ao analisar esses sujeitos percebi as
estruturas sociais em que estavam inseridos, entre elas a prelazia de Cametá com
seus clérigos progressistas e a FASE.
Considerações Finais
64
Referências
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nato, direitos e conflitos. Ano de obtenção: 2008. Universidade Federal Fluminense, UFF,
Brasil. Tese de doutorado.
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Carolina de Abreu; ALVES, Davison Hugo Rocha; NETO, Raimundo Moreira das Neves.
(Org.). Perspectivas de pesquisa em História da Amazônia: Natureza, diversidade, ensino
e direitos humanos. 1. ed. v. 1. Belém: Açaí, 2017, p. 147-171.
MESQUITA, Thiago Broni (2018). “Uma estrada revela o mundo”: O SNI e os conflitos pela
posse da terra no Pará. Tese de doutorado defendida em 2018, no programa de pós-gradua-
ção em História Social Universidade Federal do Rio de Janeiro.
SILVA, Adriane dos Prazeres (2021). As terras de uso comum e os castanhais do vale Ama-
zônico. Tese de doutorado; luta, resistência e a lei dos posseiros de (1930-1991) Programa
de Pós-Graduação de História Social da Amazônia, Universidade Federal do Pará, Belém.
SILVA, Adriane dos Prazeres (2016). O Vale do Tocantins e a Lei Anilzinho: (1961-1981).
Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia) – Programa de Pós-Graduação de
História Social da Amazônia, Universidade Federal do Pará, Belém, 2016. http://repositorio.
ufpa.br/jspui/bitstream/2011/8265/1/Dissertacao_ValeTocantinsLei.pdf
VIEIRA, Jaci Guilherme (2015). Um novo projeto de igreja e de missão entre os índios de
Roraima: A ordem da Consolata: 1969 a 1997. Texto de Pós-doutorado apresentado no
PPHIST, dez.
65
Elias Diniz Sacramento
O SERVIÇO NACIONAL
DE INFORMAÇÃO (SNI)
E A VIGILÂNCIA DOS
SINDICALISTAS, PADRES E
BISPO PROGRESSISTAS DA
REGIÃO GUAJARINA/PA:
1970 E 1980
Introdução
1 ANJOS, Anjelina. Comissão Estadual da Verdade do Pará. – Belém, PÁ: Editora Pública Dalcídio
Jurandir: imprensa Oficial do Estado do Pará – IOEPA, 2022.
67
mentos, como do ex-governador do Estado do Pará Aurélio do Carmo que esta
comissão ainda havia conseguido entrevistar bem como tantos outros personagens
que viveram o golpe de 1964, foram catalogados e apresentados. Políticos como o
ex-governador, vice-governador, prefeitos, parlamentares das mais diversas esferas
que tiveram seus direitos cassados, profissionais liberais, professores e estudantes
da Universidade Federal do Pará e de outras instituições, fizeram parte deste im-
portante documento.
Outra parte importante do relatório foi a apresentação sobre a violação
dos Direitos Humanos dos Camponeses, entre eles, os relacionados as organiza-
ções vigente na época, como Liga Camponesa, mais também daquilo que se con-
vencionou chamar da Guerrilha do Araguaia, quando os militares iniciaram a per-
seguição aos chamados ‘Comunistas’ no Sul do Pará, mais também aos moradores
da região, não poupando torturas e outras formas de violências. Na transição da
década de 1970 para 1980, já com os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais em ativi-
dades, aqueles que já possuíam uma direção comprometida com a classe trabalha-
dora do campo, também viveram as ‘espionagens’ com o processo de observação.
Algo que me deixou feliz com o resultado da apresentação do Relatório
da Comissão Estadual da Verdade do Pará, foi a presença de vários artigos utili-
zados para dar embasamento. Sem conhecimento prévio, foi publicado um artigo
meu, que faz parte publicação da revista Moara, do Programa de Pós-graduação
em Letras da Universidade Federal do Pará, e saiu na edição nº 44 de julho a
dezembro de 2015.
Sob o título “Processos de resistência na Amazônia nos tempos da Dita-
dura Civil-Militar: entre a memória e a história” (2022)2. Neste trabalho apresento
um balanço de alguns casos de processos de lutas e resistência que se deram na
Amazônia, sobretudo, nos períodos em que o regime militar ainda estava vigo-
rando. Procurei enfatizar algumas publicações que já haviam dado conta de terem
problematizado os caso apresentados. E no final do artigo, procurei dar ênfase para
o caso do município de Moju, onde na transição do regime ditatorial brasileiro,
diversos projetos agroindustriais se instalaram ali, causando grandes distúrbios,
levando a situações de conflitos, culminando com despejo de famílias, prisões,
mortes de políticos e assassinatos de trabalhadores rurais e lideranças sindicais,
além de tentativas de homicídios contra membros do clero progressista.
2 SACRAMENTO, Elias Diniz. Processos de resistência na Amazônia nos tempos da Ditadura Civil-
-Militar: entre a memória e a história. In: ANJOS, Anjelina. Comissão Estadual da Verdade do Pará.
– Belém, PÁ: Editora Pública Dalcídio Jurandir: imprensa Oficial do Estado do Pará – IOEPA, 2022.
68
Sobre o município de Moju, já descrevi em vários trabalhos, artigos, li-
vros, capítulos de livros e trabalhos apresentados em eventos. No entanto, procurar
mostrar como a Ditadura Civil-Militar vigiou estes membros destas instituições,
ainda não tinha feito. É isto que pretendo apresentar aqui, como base principal
desta produção: como os militares vigiaram o chamado clero progressista, sobre-
tudo da chamada região Guajarina, onde faziam parte os seguintes municípios,
Abaetetuba, Moju, Barcarena, Acará, Concórdia do Pará, Bujaru e Tomé-Açu.
O clero ‘progressista’ desta região era composto pelo então bispo da Dio-
cese de Abaetetuba, Dom Ângelo Frosi e alguns padres da ordem dos Xaverianos,
como os que se deslocaram para o município mojuense, Sérgio Tonetto e Ângelo
Paganeli. Estes dois se somariam a figura de Virgílio Serrão Sacramento, líder sin-
dical e que junto aos dois travariam grandes batalhas contra latifundiários, grilei-
ros, mas seriam vigiados pelo Serviço de Inteligência das Forças Armadas, bem
como o já mencionado bispo.
Além destes, outra figura importante na região Guajarina, seria de Bene-
dito Alves Bandeira, o Benezinho, liderança sindical que despontaria no município
de Tomé-Açu e se tornaria ali presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais,
bem como Virgílio Serrão Sacramento, em Moju. Em Tomé-Açu, Benezinho tam-
bém passaria a ser vigiado.
É este o propósito do artigo, procurar mostrar através dos documentos
encontrados nos arquivos, como se deu esse processo de monitoramento destas
pessoas, líderes religiosos do Clero progressista, o bispo Dom Ângelo Frosi e os
padres Sérgio Tonetto e Ângelo Paganeli e as lideranças sindicais, aqui, o caso de
Tomé-Açu com o líder sindical Benedito Alves Bandeira e de Moju, com a lideran-
ça de Virgílio Serrão Sacramento. O intuito é procurar deixar claro, que além da
vigilância nos espaços urbanos, O Serviço Nacional de Inteligência também esteve
presente no campo, sobretudo na região amazônica e no Estado do Pará.
69
A União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB),
entidade criada em 1954, tinha por finalidade dar o suporte que a classe campo-
nesa necessitava, uma vez que faltava uma entidade representativa. A ULTAB foi
fundada pelos trabalhadores agrícolas e tinha como o objetivo a luta pela melhoria
da condição de vida do trabalho nas áreas rurais. Era ligada ao Partido Comunis-
ta brasileiro. Depois do golpe militar de 1964, acabou desaparecendo. De acordo
como Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil e
a Fundação Getúlio Vargas,
A União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (UL-
TAB) foi fundada em 1954, tendo à frente Lindolfo Silva, militante
do PCB. Ele foi responsável pela criação de associações de lavrado-
res que buscavam organizar os camponeses em suas lutas. A partir
do início dos de 1960, as associações foram sendo transformadas
em sindicatos. A ULTAB não só desempenhou papel fundamen-
tal nesse processo de sindicalização que culminou na criação, em
1963, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(CONTAG), como também se constituiu na principal força em ação
da nova entidade. (CPDOC/FGV)3
Gutemberg Armando Diniz Guerra (2009)4 nos fala que da União dos La-
vradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB), surgiu a União dos Lavra-
dores e Trabalhadores Agrícolas do Pará (ULTAP), que para sua efetivação contou
com as associações de lavradores já existentes desde os anos de 1950 e que estavam
muito mais concentradas na zona bragantina, na região nordeste paraense. No es-
tado do Pará, o Partido Comunista do Brasil (PCB) também mantinha influência
na organização social junto aos camponeses. Nesse período da metade do século
XX a questão agrária era tema de grandes debates, como veremos a seguir,
No momento em que surgiu a ULTAP, a reforma agrária ocupava
espaço importante no debate nacional. A I Conferência dos Lavra-
dores e Trabalhadores Agrícolas do Estado do Pará foi realizada por
convocação da Comissão Paraense pela Reforma Agrária, em 13
de maio de 1955. Ocorreu em clima de ampla mobilização, dentro
da legalidade e com o apoio oficial. A prefeitura de Belém forne-
ceu transporte no trem que percorria o trecho de Bragança até a
capital e alimentação no Serviço de Assistência à Previdência So-
cial (SAPS). Nessa Conferência, realizada no centro de Belém, na
sede do Sindicato dos Estivadores, estruturou-se a Comissão para
70
a Fundação da ULTAP, composta de delegados de Castanhal, San-
ta Isabel, Igarapé-Açú, Bujaru, Bragança, Capanema e Soure. Ali se
podia identificar a representação de sindicatos localizados no nor-
deste paraense, com exceção daquele de Soure, localizado na ilha de
Marajó. Alguns desses representantes cumpririam papel importante
nos rumos das organizações e na memória do movimento. Benedito
Pereira Serra, representante de Castanhal, foi o primeiro presidente
da entidade e morreu em decorrência dos maus-tratos recebidos na
prisão após o golpe de 64. (GUERRA, 2009: 120-121).
71
vindo Moraes Serra e Teresa Joana Pereira de Moraes e foi morto em 16 de maio de
1964. Era líder sindical rural e presidente da União dos Lavradores e Trabalhadores
Agrários do Pará, trabalhava como ambulante e sua acusação era de subversão e
comunismo, tendo sido preso no dia 9 de abril de 1964. Apresentando o dossiê,
duas matérias de jornais da época, sendo o primeiro da Folha Vespertina do dia
9 de abril, que trazia como manchete “Capturado Benedito Serra em Castanhal
quando seguia rumo à Bragança”, informava o seguinte,
[...] Procurado pelas autoridades de nossa capital, que de fato deram
conhecimento às demais autoridades de todo interior do Estado, foi
preso em Castanhal e posteriormente enviado para Belém, onde já
se encontra, o agente subversivo Benedito Pereira Serra, presidente
da ULTAP. Sua prisão foi possível graças à constante vigilância do
delegado de polícia daquele município, cel. Jurandir Lima. Benedito
viajava em uma “Kombi” que faz linha regular com aquele municí-
pio e pretendia chegar à Bragança. [...] Hoje pela manhã, foi Bene-
dito novamente fichado (seu antigo prontuário tem número 195),
devendo posteriormente ser entregue às autoridades militares [...]
(Dossiê, 2009: 82)
Como podemos ver nas matérias dos jornais paraenses utilizadas pelo Dos-
siê, da prisão do líder da União dos Lavradores ocorrida no dia 09 de abril, bem no
início do golpe efetuado pelos militares até sua morte no dia 16 de maio, haviam
se passado pouco mais de um mês e dez dias aproximadamente. Sendo taxado de
comunista e subversivo, sofreu espancamentos desde o início de sua prisão, tendo
inclusive sido omitido seu paradeiro a seus familiares. Como relatou sua esposa Mi-
racy Machado Serra, que só conseguiu localizar o endereço de sua prisão no dia 03
de maio, quando foi informada que este estava no 2º Batalhão de Polícia Militar.
Segundo seu testemunho, de uma de suas últimas visitas a ele no dia 09
de maio, seu marido havia sido espancado muito, davam-lhe banho de água ge-
lada e a água que que lhe davam para beber era de péssima qualidade bem como
72
a comida e a cela era úmida cheia de insetos. Não permitiam que ela levasse co-
mida e roupas para este trocar na cadeia. Já nesse período ele se sentia com febre
e tremia muito e não tinha assistência médica onde estava preso e já estava com
o corpo cheio de hematomas.
No dia 19 de maio, o jornal A Província do Pará deu a seguinte informa-
ção: “Faleceu o comunista que estava preso, vítima de forte hepatite aguda”. De fato,
Benedito Pereira Serra havia sido morto pela que apontava o laudo da necropsia
feito pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Pará, assinado pelo
patologistas José Monteiro Leite onde informava que este havia falecido no hospi-
tal Militar em Belém em 16 de maio de 1964, às 19 horas.
Benedito Pereira Serra é considerado o primeiro morto pelos militares no
Pará. Sua morte, como observado, se deveu ao fato de ser considerado um subversivo e
manter elo com os comunistas, entre outras palavras, fazer parte do Partido Comunista
do Brasil. Sua morte está relacionada ao início de extrema vigilância aos contrários ao
modelo que se iniciava no Brasil, o das forças armadas no controle da nação.
A morte do líder da ULTAP é considerada mais política do que por ques-
tões envolvendo disputa por terra como ocorreu no município de Moju no ano
de 1965, quando se deu o assassinato de Pedro Gomes da Silva, um lavrador da
comunidade de Junirateua. A história desse lavrador está no relatório da “Comis-
são Camponesa da Verdade” (2014)6. Um homem conhecido por “Miguel” tentou
se apossar das terras do senhor Pedro Gomes. O lavrador compareceu a um local
onde estava um agrimensor conhecido por Hoyos Bentes, a polícia e o próprio
Miguel, quando na posse de documentos, mostrou para o agrimensor. Este fez um
sinal com as mãos para os que estavam a sua proximidade, de onde se ouviu um
disparo e o pobre lavrador foi atingido a altura das costas no lado esquerdo.
Já no relatório “Assassinatos no campo: 1964-1985” há o seguinte relato,
Pedro procurou ajuda, mesmo ferido, junto ao delegado de Moju,
quando foi jogado ao solo e morto por um fuzil empunhado pelo sol-
dado Antônio Francisco de Oliveira. Após a morte do lavrador, tra-
vou-se combate entre os filhos deste (Abílio, Clemente e Sebastião)
ajudados por Oscar, Sandoval, Roberto e outros com os assassinos
de Pedro. No final, o delegado José Francisco dos Santos foi morto.
(Movimento Dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, 1987: p. 31).
6 VERDADE, Comissão Camponesa da. Relatório Final: Violações de Direitos No Campo 1946 a 1988
Brasília, dezembro de 2014.Brasilia, dezembro de 2014.
73
po paraense viveria dias terríveis de conflitos no campo, envolvendo então outros
agentes que começariam a se fazer presentes, principalmente a categoria dos pis-
toleiros, homens que praticavam seus serviços para fazendeiros com a missão de
“limpar as áreas”, como de certa forma aconteceu em Moju, embora ali, tenha sido
a força estatal ainda servindo aos ditames de pessoas interessadas em se apropriar
das terras de simples colonos.
No entanto, duas mortes chamaram a atenção já no período governado
pelos militares. Embora não tivessem relação com as questões da terra propria-
mente ditas, não deixaram de passar em branco, principalmente a primeira, do
jovem e estudante Edson Luís de Lima Souto. Nascido em Belém, no dia 24 de
fevereiro de 1950, era filho de João dos Santos e Maria de Belém Lima Souto. Sua
família era de origem pobre e em busca de uma vida melhor, foi para o Rio de Ja-
neiro onde ao chegar, se matriculou no Instituto Cooperativo de Ensino que ficava
no lugar conhecido como Calabouço.
A morte de Edson Luís se deu no ano de 1968 quando a situação era tida
como caótica, onde os militares ‘endureciam’ cada vez mais o regime. A situação
do espaço como um todo onde funcionava o instituto, e onde estava o restaurante
Calabouço, funcionando em precárias condições, fez com que nos dias que ante-
cederam sua morte, existissem ali diversos protestos. No dia 28 de março desse
ano, mais um protesto estava programado para acontecer com uma passeata que
iria percorrer várias ruas da capital carioca. No entanto, os policiais militares in-
vadiram o local e começaram a atirar nos estudantes que apenas estavam armados
de paus e pedras. Edson, que nem militante era, estava ali apenas segurando uma
bandeja quando se iniciou uma correria e o paraense foi atingido então por um tiro
no peito. A bala atravessou o coração e alojou-se na espinha, provocando morte
imediata. O nome do policial era Aloisio Raposo, um aspirante da polícia militar.
Ainda de acordo com o “Dossiê Ditadura: mortos e desaparecidos políticos
no Brasil (1964-1985), depois dos tiros e da morte do estudante, seus colegas não
permitiram que o corpo fosse levado ao instituto Médico Legal. Preferiram conduzir
seu corpo para Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, onde ali foi necropsiado.
Também ali se iniciou seu velório, tendo a presença de muitos artistas e se criado
filas para a população se despedir do nortista. No dia seguinte, já na parte da tarde, o
cortejo saiu as ruas ao som Valsa do Adeus, como podemos ver no trecho a baixo,
No dia seguinte à tarde, o corpo de Edson Luís foi acompanhado
por 50 mil pessoas em passeata até o Cemitério São João Batista.
Durante mais de duas horas, o cortejo percorreu as ruas do centro
74
da cidade até o cemitério. Foi sepultado à luz de velas e de archotes
improvisado ao som do Hino Nacional. A emoção tomou conta das
pessoas que, na saída, entoaram a “Valsa do Adeus”. As manifesta-
ções estudantis alastraram-se por quase todo o país e foram vio-
lentamente reprimidas. Assim mesmo, realizou-se a missa de séti-
mo dia, em 04 de abril de 1968, na igreja da Candelária, mandada
celebrar pela Assembleia Legislativa. Na saída, os presentes foram
reprimidos pela PM, pelo Corpo de Fuzileiros Navais e pelo DOPS.
À tarde, após a celebração de outra missa em sua homenagem, mui-
tos foram poupados com a ajuda dos padres, mas novamente houve
violência. (DOSSIÊ DITADURA: MORTOS E DESAPARECIDOS
POLÍTICOS NO BRASIL/1964-1985, 2009: 114).
75
em 1947 para a Câmara Federal, onde estava no partido da sigla Partido Social
Progressista (PSP). Quando terminou o mandato, os comunistas não podiam se
candidatar novamente.
Com o golpe de 1964, Pedro Pomar, já era um dirigente de grande ex-
pressão e por isso teve sua prisão preventiva decretada, tendo este que buscar um
esconderijo porque sua casa em São Paulo foi invadida e depredada. Nesse início
do governo ditatorial, na clandestinidade, fez várias viagens pelo Brasil para aju-
dar na organização de militantes nas áreas rurais, como Goiás, Maranhão e o sul
do Pará. Nessas viagens, se passava por vendedor de medicamentos. A morte de
Pedro Pomar o correu na famosa Chacina da Lapa, no dia 16 de dezembro de 1976
quando os militares invadiram a casa e mataram os que estavam ali, já dirigentes
do PCdoB, entre eles, os dois principais dirigentes, Pedro Ângelo Arroyo, além de
outros homens que faziam parte da direção. Segundo o “Dossiê Ditadura: mortos
e desaparecidos políticos no Brasil (1964-1985),”, temos a seguinte informação,
Pomar não deveria estar presente à reunião no bairro da Lapa, em
São Paulo naquele dezembro de 1976. Mas sua mulher estava doente
e desenganada pelos médicos, o que o levou a desistir de uma via-
gem à Albânia. E, por uma dessas ironias da vida, vários membros
da família se reuniram para despedir-se de Pedro. Pomar foi enter-
rado com nome falso no Cemitério de Perus e, em 1980, sua família
fez o translado de seus restos mortais para Belém do Pará. (DOSSIÊ
DITADURA: MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS NO
BRASIL/1964-1985, 2009: 673).
76
do estado e das forças militares para conterem qualquer forma de contestação de
seus governos, entre esses casos, estava obviamente, o controle do campo, como foi
o caso do aniquilamento da Guerrilha do Araguaia.
Os autores Charles Wood e Marianne Schmink no livro “Conflitos sociais
e a formação da Amazônia (2012)7, um trabalho resultado de uma pesquisa na
região amazônica desde 1976 quando adentraram a região do sul do Pará, nos mu-
nicípios de Marabá, Conceição do Araguaia, São Félix do Xingu, Xinguara, no mo-
mento que esse espaço experimentava grandes transformações advindas principal-
mente pela abertura de várias estradas e onde se iniciavam grandes conflitos pela
posse da terra, ocasionada sobretudo pela implantação dos projetos dos militares.
O primeiro lançamento do livro se deu em 1992 e foi publicado em inglês. Uma das
abordagens que fizeram pelo sul do Pará foi sobre a guerrilha do Araguaia.
Para os autores, a vinda de 69 membros do Partido Comunista do Brasil
(PC do B) se deu com a chegada de outros migrantes que também haviam partido
para esse espaço. A maioria dos jovens que foram chamados de guerrilheiros eram
em sua maioria profissionais urbanos que estavam naquele momento fugindo da
repressão que ocorria principalmente no sul e sudeste do Brasil. Tornaram-se bem
quistos, pois ajudavam nas então comunidades de São Geraldo do Araguaia, Itai-
pavas, São João do Araguaia, Palestina, Xambioá entre outras com os serviços de
médicos e aulas de alfabetização.
Para os autores, em sua análise, a operação da guerrilha não era uma
ameaça para o estado brasileiro. Porém, a reação dos militares foi rápida e já em
1972 o governo editou um decreto que permitia ao Conselho de Segurança Nacio-
nal que se envolvesse sobre as atividades industriais e de colonização na Amazônia,
onde mobilizou milhares de recrutas de bases mais próximas. Logo no início da
primeira operação, o exército usou táticas militares comuns e foram obviamente
derrotados. Só lograriam êxito com a chegada na região do então comandante Se-
bastião Rodrigues de Moura, o major Curió, que na metade de 1974, com técnicas
e táticas de guerra, como as usada no Vietnã pelos norte-americanos, e ainda com
ajuda dos chamados “bate-paus” derrotaram os guerrilheiros.
Diversos pesquisadores se dedicaram aos estudos sobre o que aconte-
ceu na região do Araguaia. Trabalhos acadêmicos dos mais diversos graus como
monografias, dissertações, teses e romances já foram produzidos no campo da
investigação por parte de pesquisadores. Um desses trabalhos, uma monografia
7 SCHMINK, Marianne & WOOD, Charles. Conflitos sociais e a formação da Amazônia; [Tradução de
Noemi Miyasaka Porro e Raimundo Moura] Belém: ed. Ufpa, 2012.
77
apresentada na Faculdade de História da Universidade Federal do Pará em 2003,
de Marylia Lima Nina de Azevedo8, intitulado “Discursos acerca da guerrilha do
Araguaia”, procurou mostrar algumas heranças sobre o movimento. Para esta pes-
quisadora em seu trabalho inicial, a guerrilha foi resultado do PC do B, que havia
rompido com o PCB, porque acreditavam que este partido era de pacificação e os
membros do novo partido acreditavam que por essa via, o regime não chegaria ao
fim, então a proposta de organização de um movimento revolucionário prevaleceu.
Os irmãos Pedro Fonteles e Paulo Fonteles Filho, filhos do deputado Pau-
lo Fonteles, que muito andou por essa região, também se aventuraram em escre-
ver trabalhos que se tonaram publicações acerca do tema. Pedro Fonteles junto
com Laércio Braga no trabalho de conclusão, que depois virou um livro chama-
do “Guerrilha do Araguaia: luta e apropriação da massa campesina (1972-1975)”9
mostram que a população da região do Araguaia viveu e apoiou em grande medida
o movimento guerrilheiro, tanto, que pelos dados anotados por eles, mais de “300
colonos da região foram torturados e muitos outros foram mortos”.
Já Paulo Fonteles Filho10 nos mostra em seu livro intitulado “Araguaia-
nas: as histórias que não podem ser esquecidas” (2013), relatos memoriais sobre
alguns dos acontecimentos da região do Araguaia onde se deu a guerrilha. Dentre
diversos fatos, nos traz a memória da luta camponesa nesse espaço, decorrente
do período em que os ‘paulistas’ viveram nas matas e fizeram ‘amizades’ com os
colonos. Falando sobre ‘A primeira caravana do Araguaia’ ocorrida em 1980, onde
estava à frente o advogado Paulo Fonteles, que foi um dos que ajudou na organiza-
ção da comitiva para que fosse até os camponeses que tinham vivido, participado,
torturados e desaparecidos pelos militares.
A missão da caravana era ouvir as vítimas que haviam ficado ali depois do
fim da guerrilha. Paulo Fonteles, o advogado que já conhecia a região desde 1978
por conta do trabalho junto à Comissão Pastoral da Terra vivendo na cidade de
Conceição de Araguaia, mas atuando em toda a região como São Geraldo do Ara-
guaia, pois nesse tempo, essas localidades como Xinguara, Rio Maria e o próprio
São Geraldo do Araguaia eram vilarejos, mais pertenciam ao município de Con-
ceição do Araguaia. Então Paulo Fonteles já tinha um bom conhecimento sobre os
8 AZEVEDO, Marylia Lima Nina de. Discursos acerca da guerrilha do Araguaia. Centro de Filosofia e
Ciências Humanas/Universidade Federal do Pará: Belém, 2003.
9 BRAGA, Laércio & FONTELES, Pedro. Guerrilha do Araguaia: luta e apropriação da massa campesi-
na (1972-1975). Belém, Cromos: 2011.
FILHO, Paulo Fonteles. Araguaianas: as histórias que não podem ser esquecidas. São Paulo: Anita
10
Garibaldi, 2013.
78
acontecimentos que ali ocorreram. Chamado de ‘advogado do mato’, por alcunha
de percorrer os sertões da Amazônia, Paulo Fonteles Filho assim o descreve,
Advogado maduro com atuação no âmbito da Comissão Pastoral da
Terra (CPT) e já com certa experiência entre os moradores do sul
do Pará, Paulo Fonteles é designado em 24 de outubro pelo Conse-
lho Seccional da OAB-PA, para acompanhar os caravaneiros que
chegavam de diversos pontos do país. Aquele ano de 1980 foi par-
ticularmente duro para o ‘advogado-do-mato”, como era conhecido
Fonteles entre as massas campesinas dos sertões do Araguaia (FON-
TELLES, 2013: 29).
79
foi de lavradores que conheceram os insurgentes do Araguaia e por
conta da luta pela posse da terra promoveram a “Guerra dos Perdi-
dos” em 1976. Tal geração de camponeses resistiu à instalação de
diversos grupos financeiros que ocupavam vastas áreas, tais como
Sul América, Atlântica, Boa Vista, Peixoto de Castro, Bradesco e
Bamerindus; os alemães Atlas e Volkswagen; os norte-americanos
King’s Ranch, United Steel Corp, e John Davis. No caso de John Da-
vis, coronel aposentado do Exército dos Estados Unidos, dezenas
de posseiros realizaram ação coletiva armada, na PA-70, próximo à
região do Araguaia, depois das provocações do militar ianque que,
pela força, tentava desalojar os lavradores de suas posses. Do cho-
que resultou a morte do norte americano bem como de seus dois
filhos. (FONTELES, 2013: 32).
11PETIT, Pere. O golpe civil-militar, a ditadura e as disputas políticas no estado do Pará: 1964-1985.
Revista de Estudios Brasileños, I Primer Semestre 2016, I Volumen 3 - Número 4.
80
vadoras da igreja católica apoiaram diretamente o regime. Nesse sentido, o autor é
enfático nessa afirmação, mesmo não desprezando os debates já travados sobre o
tema, em que outros autores afirmam que o golpe foi militar.
Para Petit, em Belém, o movimento contou com a grande articulação do
então tenente-coronel Jarbas Passarinho, eu durante os anos seguintes viria a ser
um dos maiores mentores intelectuais do regime militar, como da instituição do
AI-5 quando do debate entre a cúpula se deveriam usar ou não a força máxima
para tomarem o controle definitivo dos poderes com o fechamento do Congresso
Nacional, Supremo Tribunal Federal, entre outros, usou a expressão “as favas com
os escrúpulos da nação!” numa fala que permitia tudo.
Assim, continua Petit, para que o golpe se consumasse nas terras da parte
norte do Brasil, era necessário que houvesse uma ligação, e essa se fez com a figura
de Jarbas Passarinho, que no momento de tirarem o presidente João Goulart, daqui
se alinhava as posições tomadas com os militares de minas Gerais, onde o ‘levante’
se iniciava. O autor nos fala ainda que ocorreria o “I Seminário Latino Americano
de Reforma e Democratização do Ensino Superior (Slardes) que iria acontecer na
Faculdade de Odontologia em Belém e os responsáveis por esta organização era
a União Internacional dos Estudantes, a União Nacional do Estudantes (UNE) e
a União Acadêmica de Estudantes do Pará (UEAP). Para dar ênfase ao golpe, o
evento deveria ser invadido pelas forças militares e pela polícia militar que deve-
riam espancar e prender jovens que não estivessem um lenço branco amarrado no
pescoço, como nos mostra a seguir,
A invasão do local deveria ter acontecido em sincronia com a ação
da Polícia Militar (PM), cuja incumbência seria agredir e prender
aqueles que não tivessem lenços brancos amarrados no pescoço. Por
alguma feliz razão, as pessoas com lenços brancos invadiram o au-
ditório antes do combinado com oficiais da PM. Para participar do
Slardes chegaram a Belém, além de estudantes paraenses e de outros
estados do país, estudantes argentinos, bolivianos, colombianos,
guianenses, venezuelanos e peruanos. (PETIT, 2016: 27)
Como se pode observar, o clima era de consolidação com golpe dado pelos
militares e apoiados pelos civis. Não restando alternativa as autoridades locais senão
a adesão por parte dos governantes como do governador Aurélio do Carmo e seu
vice Newton Miranda, além do prefeito de Belém Moura Carvalho que ficaram nas
gestões até a metade de junho de 1964, quando foram destituídos totalmente de
seus respectivos cargos. Ainda no processo da consolidação do golpe, a caçada aos
contrários ao movimento foi grandiosa, como nos mostra mais uma vez Petit,
81
Cerca de 300 pessoas foram presas no Pará nos meses de abril a
junho de 1964. A maioria eram lideranças sindicais, militantes do
PCB e da Ação Popular (AP) e estudantes universitários. No dia 14
de abril foi detido Henrique Felipe Santiago, ex-deputado estadual
do PCB que teve seu mandato cassado em 1948. (...) O deputado
estadual Benedicto Monteiro foi detido, no município de Alenquer,
no dia 15 de abril. Um dia antes, o seu mandato foi cassado pela As-
sembleia Legislativa “por unanimidade de trinta e quatro votos, em
uma reunião especialmente convocada para esse fim”. Raimundo
Jinkings, presidente do Sindicato dos Bancários do Pará e Amapá e
presidente regional do CGT, foi preso, em Belém, no dia 29 de abril.
(PETIT, 2016: 28-29)
12FONTES, Edilza Joana Oliveira ; ALVES, Davison Rocha. A UFPA e os anos de chumbo: A adminis-
tração do reitor Silveira Neto em tempo de ditadura (1960-1969). Revista Tempo e Argumento, Floria-
nópolis, v. 5, n. 10, jul./dez. 2013.
82
um clima tenso no ar. Foi o momento de endurecimento da reitoria para com pro-
fessores considerados subversivos como dos casos de ‘Aurélio Leal Alves, Inocên-
cio Mártires Coelho, Pedro Galvão, Isidoro Alves Raimundo Heraldo Maués, João
de Paes Loureiro, entre outros’ (Fontes, 2103: 290).
Em 2014, Edilza Fontes também organizou a série chamada “Anos de
chumbo e a UFPA”13 que foi produzido através de mais de 87 depoimentos conce-
didos por professores, técnicos administrativos e ex-alunos da Universidade Fede-
ral do Pará. Esses depoimentos foram resultados do projeto denominado “A UFPA
e os anos de chumbo: memórias, traumas, silêncios e cultura educacional (1964-
1985)”, onde a partir dos depoimentos a autora organizou diversos eixos temáticos
onde foram produzidos cinco programas em que os sentimentos, as lembranças, os
traumas , as experiências do período ditatorial no Pará e no Brasil são relatados e
registrados. Resultado desse trabalho, foram criados ‘curtas’ com pequenos trechos
dessas memórias, como podemos ver a seguir,
Em 64 eu estava em Boa Vista quando teve o golpe... e a gente era
tão distante de tudo que só quase dois meses depois é que os milita-
res chegaram lá e não tinham muitas coisas pra fazer. Aí eles resol-
veram prender todas as bicicletas...(Margaret Moura Refkalefsky).
Na universidade como Belém a gente encontrava de tudo, desde
apoio, desde solidariedade até traição, a covardia...(Pedro Cruz Gal-
vão de Lima).
Eu encontrei uma universidade em alvoroço, uma universidade que
falava de tudo, que movimentava. O diretório era muito represen-
tativo na congregação apesar de termos só três professores que na
verdade tinham consciência da situração, os outros fingiam que não
tinham... (Layse Duarte de Salless)
Houve inclusive defecções, inclusive houve gente que no mesmo dia
ou no dia seguinte mudou de lado, se passou debaixo das asas verde-
-oliva das asas militares, foi pra Brasília (Aloizio Lins Leal)
Existia muita gente revoltada com o golpe, o fato de os militares esta-
rem no país, um silêncio, uma inversão da ordem. Havia uma tradi-
ção de uma participação estudantil na política, não apenas nas agre-
miações clandestinas, mas através da participação do movimento que
tinha como ideia redemocratizar o país...(Humberto Cunha)
Nós estávamos reunidos na CAJU no dia do golpe. Haveria na UAP,
que ficava em frente da CAJU ali na São Jerônimo e ia haver uma
palestra do Benedito Monteiro sobre Reforma Agrária. Nós estáva-
mos em peso, cheia a UAP. Nós estávamos lá na frente, aí chegou o
caminhão do exército e fechou as duas ruas, uma era na Benjamim
e a Ruy Barbosa e descarregou os militares lá com todo aquele apa-
rato lá. Aí foi gente correndo pra trás, pulando muro, cerca por lá...
(Alberto Ferreira Puty).
13FONTES, Joana Edilza Oliveira. A UFPA e os anos de chumbo. Disponível em www.multimidia.
ufpa.br
83
Como podemos observar nos trechos acima dos depoimentos concedidos
à historiadora, são várias as memórias sobre o golpe militar de professores, servi-
dores e ex-alunos nos dando um entendimento hoje que a situação vivenciada por
essas pessoas foi muito difícil, mas também e em alguns momentos cômica, como
no caso do militares quando chegaram em Boa Vista e sem terem muito o que
fazer, prenderam as bicicletas. Outras nos instigam mais a pensarmos o momento
de tensão vivenciado pelos jovens que iriam ouvir a palestra de Benedito Monteiro,
grande defensor da reforma agrária e que no dia programado, 31 de março de 1964,
foram surpreendidos pelos soldados do exército.
No livro intitulado Dom Alberto Ramos mandou prender seus padres
(2003) , Osvaldo Coimbra nos mostra o papel da igreja Católica no momento do
14
golpe. Segundo o autor, a instituição religiosa não ficou de fora no apoio junto ao
seu maior líder do período, o arcebispo Dom Alberto Ramos, a quem era visto des-
de nos anos de 1960 como alguém que gostava muito de estar ligado à elite local,
participando de programas televisivos e falando nos palanques.
Foi essa ligação, segundo Osvaldo Coimbra que fez com que o então ar-
cebispo ficasse do lado dos militares no momento que ocorreu o golpe ‘delatando’
padres considerados subversivos e comunistas além de membros da então Juventu-
de Católica Cristã (JUC) que procuravam trabalhar uma consciência cristã-social e
não foram aceitos pela igreja conservadora.
Assim, podemos ver e ter uma compreensão de que o golpe militar ou
civil-militar que se instalou no Brasil a partir de primeiro de abril de 1964, não só
causou mudanças bruscas em outras regiões do país, principalmente no sudeste,
mas também alcanço espaços mais distantes, principalmente na caça aos comunis-
tas, como foi o caso do Pará, com vigilância no campo e na cidade e não diferente,
dentro do próprio seio da igreja católica. Nesse sentido, o estado paraense com
sua capital Belém, sentiram de perto os dias e os anos que se seguiram com temor
e preocupação, mais também com lutas dos contrários ao regime instalado, que
como já vimos, só viria finalizar com o mandato do último presidente militar, João
Batista Figueiredo em 1985, mas que heranças ficaram e permanecem ainda hoje,
não só na memória, mas práticas cometidas, muito no campo quando são obser-
vadas uma série de violações dos direitos humanos, principalmente pelas forças do
estado como das polícias civil, militar e em alguns casos da polícia federal.
14COIMBRA, Osvaldo. Dom Alberto Ramos mandou prender seus padres: a denúncia de Frei Betto
contra o arcebispo do Pará, em 1964.- Belém: Paka-Tatu, 2003.
84
Clero Progressista E Os Strs: A Vigilância
85
turas, como se viu com a empresa Sococo, Agropalma, Agromendes, Reasa, entre
outras que ali se instalaram. No município de Acará, não seria diferente e muito
menos em Tomé-Açu, com a chegada de pessoas de outros estados para se apossar
de terras para algum tipo de negócio.
Frente a isso tudo, estes municípios viviam uma ‘penúria’, pois muitos
colonos, lavradores, não sabiam a quem recorrer. Onde já existia os Sindicatos
dos Trabalhadores Rurais, os presidentes eram considerados ‘pelegos’, faziam vista
grossa. O lema da 1ª Assembleia Diocesana animou muitos dos que participaram,
uma vez que ali estava os dizeres “Nós igreja, apostamos nos pequenos”, aparente-
mente onde estes sujeitos teriam uma ‘esperança’ em uma voz para ajuda-los.
No documento dos militares considerado secreto, datado de 14 de março
de 1978, podemos ver uma das primeiras ‘observações’ sobre Dom Ângelo Frosi.
Intitulado “Antecedentes de D. Ângelo Frosi – Bispo Prelado de Abaetetuba/PA”,
temos as primeiras descrições sobre o religioso, como veremos a seguir,
D. Ângelo Frosi – Xaveriano – DLN – 31 Jan 21 – S. Bassano, Cre-
mona/Itália – Ordenado padre em 06 de maio de 48 – Nomeado
Administrador Apostólico “ad-nutum” da Prelazia de Abaeté do To-
cantins, em Dez 67 – Eleito bispo titular de Magneto e Prelado do
Tocantins, em 09 Fev 70 – Participou de um encontro realizado no
“S. Pio X” no período de 03 de Mar 70, ao qual estiveram presen-
tes 12 bispos pertencentes a Regional Norte 2, da CNBB. Ao final
do encontro, foi aprovada a “Declaração dos Bispos da Amazônia”
que foi assinada por todos os participantes do conclave. Consoante
o conteúdo da “Declaração”, no Seminário foram tratados assuntos
exclusivamente pertinentes à realidade católica, em particular aos
ligados à Educação, Saúde e formação religiosa na Amazônia – em
20 de Jul, o jornal “A Província do Pará”, noticiou que, com o “im-
primatur” de D. Ângelo Frosi, bispo prelado de Abaetetuba/PA e
Presidente da Comissão Episcopal Regional Norte 2, estava à venda,
em publicação da editora “Vozes Ltda”, o livro “Cristão no meio ru-
ral” de autoria do frei Bernadino Leers, OFM – Até Fev de 74 o no-
mindado D. Ângelo era considerado “Conservador” – em Mar 77,
D. Ângelo Frosi assinou, justamente com D. Alano Maria Pena e o
padre Joaquim Farinha, em nome da Comissão Episcopal Regional
2, uma nota de “solidariedade aos bispos acusados de comunistas”,
no caso D. Tomás Balduino e D. Pedro Casaldáliga, que na época,
foram denunciados pelo bispo de Diamantina/MG, D. Geraldo Si-
gaud, como professantes do credo comunista. Em sua manifesta-
ção de solidariedade, ressaltaram os signatários: “a marginalização
em que vive a imensa maioria do nosso povo e a impossibilidade
prática de participarem das decisões que dizem respeito à vida da
comunidade, são certamente, um dos frutos do capitalismo”. – D.
Ângelo Frosi, ao que parece, passou a adotar a linha “Progressista”
da Igreja, tanto que em sua prelazia têm sido realizados cursos a tra-
86
balhadores rurais, com cunho contestatório ao governo. Jovens da
Prelazia de Abaetetuba, apoiados por religiosos passaram a impri-
mir e distribuir naquela cidade, o jornalzinho denominado “O Des-
pertador”, que se revelou como um órgão de contestação ao regime,
com tendências esquerdistas. – no dia 21 Jan 78, D. Ângelo Frosi,
Bispo Prelado de Abaetetuba/PA e Presidente da Regional Norte II
da CNBB, concedeu entrevista a jornalistas de Belém/, na qual fez
severas críticas ao Governo pela maneira como foi feita a indicação
do candidato oficial à Presidência da República. D. Ângelo disse que
a Igreja não pode concordar com o processo adotado, que alija a
participação do povo, deixando a escolha nas mãos de uma única
pessoas ou de um pequeno grupo. (ACE: 109941/78)16
E continua o documento,
Ainda em 81, prefaciado por D. Ângelo Frosi, foi lançado em Abae-
16 Arquivo Nacional, SNI. BR_DFABSB_V8-MIC_GNC.AAA.78109941. 14 de março de 1978.
17 Arquivo Nacional, SNI. BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_78109941. 14 de março de 1982.
87
tetuba o livro de cantos intitulado “Caminhando e Cantando”, para
uso das Comunidades Eclesiais de Base do município. São 419 letras
de cânticos, quase todas enfocando questões de terras e clamando
pela liberdade dos “pobres lavradores e trabalhadores, espoliados
pelos poderosos”. Algumas dessas letras, foram adaptadas às mú-
sicas de canções populares, tais como: “Peguei um Ita no Norte”,
“Boiadeiro”, “Lá no meu pé de serra”, “Asa Branca”, “Mulher Ren-
deira”, etc. dentre tais cânticos, destacam-se, todavia, os intitulados
“Povo unido jamais será vencido”, “Vamos companheiro” e “Agora
nós vamos pra luta”, dado os seus teores incitativos à desobediência
e à desordem. (ACE: 1917/82)18
18 Idem.
19 Idem.
88
Foi o que aconteceu em Acará, Tomé-Açu e Moju, por exemplo, municí-
pios que eram ligados a Diocese de Abaetetuba, e que faziam parte da denominação
chamada ‘região Guajarina’. Ali, no limiar da década de 1980, grupo de lavradores,
vivendo a experiência das CEBs e com as chamadas Delegacias Sindicais, apoiados
pelos discursos do bispo de Abaetetuba e de padres considerados progressistas,
utilizando a ‘cartilha’ da Teologia da Libertação, incentivaram e ajudaram na cons-
cientização para que estes pudessem fazer uma luta de enfrentamento para que
pudessem conquistar os STRs.
Um desses religiosos, padre Sérgio Tonetto, atuando em Moju desde
1977, foi importante personagem para que as mudanças ocorressem neste municí-
pio. Crítico contundente do regime militar, também foi vigiado e num documento
sigiloso, teve sua identidade apresentada pelo militares, como poderá ver a seguir,
Sérgio Tonetto – DLN: 18 Fev 45 – Iesolo/Itália – Filiação: Ermí-
nio Tonetto e Emma Sgorlon. – sacerdote Católico. Trabalha na
Paróquia da cidade de Moju/PA, onde desenvolve um trabalho de
contestação ao Governo e ao regime, dando integral apoio ao PT.
– infiltração nos estabelecimentos de ensino. (ACE Nº 3157/83).20
Como podemos verificar, padre Sérgio Tonetto, também estava sob a vi-
gilância dos militares. Bastava fazer alguma crítica ao regime ou ao governo que
as atenções se voltavam para esta ou aquela pessoa e já era considerada suspeita,
subversiva, comunista. Em 1984, outro documento contendo mais detalhes sobre o
padre Sérgio Tonetto e também com do recém chegado padre Ângelo Paganeli em
Moju, outro Xaveriano, vindo da Itália é apresentado em um novo relatório intitu-
lado “Atuação do clero no município de Moju/PA”, como será mostrado a seguir,
Os padres Sérgio Tonetto e Ângelo, ambos de nacionalidade italia-
na, estão aproximadamente há três anos atuando no município de
Moju/PA. Durante a semana, viajam pelo interior do município, ca-
tequisando os moradores. Os padres, quando sabem que políticos
vão visitar qualquer região, antecipam-se dizendo aos moradores
que “os enganadores” estão chegando para visitá-los, que não é para
acreditar no que eles dizem, sob pena de perderem suas confianças.
Durante a celebração da missa aos domingos, procuram denegri a
imagem dos Governo Federal e Estadual, dizendo que os mesmos
são “ladrões e corruptos”. Em 21 Out 84, padre Ângelo, durante a
missa, disse que “o Governo Federal é o grande culpado pela morte
das crianças no Nordeste; pela inflação galopante; pela permanência
do incompetente Delfim Neto no Ministério do Planejamento; pela
candidatura de Paulo Maluf, para permanecer o continuísmo da di-
tadura militar, pelos escândalo financeiros havidos e sem providen-
20 Arquivo Nacional, SNI. BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_KKK_83003157. 04 de maio de 1983.
89
cia nenhuma no Brasil; pela perseguição dos pobres e oprimidos;
pela falta de terra para os colonos trabalhadores e pela miséria em
que vivem milhões de brasileiros”. (ACE 5039/84).21
90
des esquerdistas vêm desenvolvendo intenso trabalho de base, no
campo, junto aos trabalhadores rurais, aos pequenos agricultores,
posseiros, com o objetivo de formar uma consciência política que
reúna os trabalhadores rurais e para tanto, o primeiro passo é toma-
da do controle dos sindicatos rurais. (ACE 3045/83).23
91
O relatório apresentado pelo agentes de segurança do Serviço Nacional
de Informação (SNI) era bem preciso falando sobre a veracidade dos fatos uma
vez que continha detalhes dos atos organizados pelos sujeitos que que haviam se
proposto a participar do pleito realizado pelo STR de Moju, bem como dos que se
prontificaram ajudar na vitória da chapa 2, como a FASE, CPT, Clero local, Partido
dos Trabalhadores, Partido Comunista do Brasil, entre outros.
Fundado em 1971, o STR de Moju contabilizava mais de uma década sob
a direção de lideranças ligadas aos militares. E frente ao avanço do agronegócio
que investia nas terras mojuense, a direção nada fazia para ajudar as famílias de
lavradores que procuravam ajuda. Foi este sentimento que levou o grupo, chamado
de oposição a se posicionar e fazer o enfrentamento dentro da entidade, primeiro
buscando conquistar a vitória, que como vimos no relatório acima, foi travado
uma ‘batalha’ para que a vitória ocorresse.
E neste sentido, com o apoio de padre Sérgio Tonetto que já se encontrava
em Moju, bem como de outros representantes de partidos, movimentos sociais,
Virgílio Serrão Sacramento, é aclamado presidente desta instituição.
Em 1985, Virgílio aparece em outros documentos do Serviço Nacional
de Informação (SNI). O primeiro mencionando a figura do líder sindical como
‘questionador’ pelos problemas relacionados as aposentadorias onde começavam a
aparecer casos de ‘fraudes’ neste benefícios, como está posto a seguir,
Fraude nas aposentadorias – Nos primeiros dias da segunda quin-
zena de Jan 85, os jornais da cidade ocuparam-se na divulgação da
notícia de que, nos municípios de Capitão Poço e Moju, ambos nes-
te Estado, o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) estava
sustando a entrega dos carnês de aposentadorias de trabalhadores
rurais, sob alegação da prática de fraude nas Certidões de Nasci-
mento. Em contato mantido, nesta data, com a Superintendência
Regional do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), atra-
vés de seu titular, Dr. Ajax Carvalho de Oliveira, a B7B, não só ob-
teve a confirmação dos fatos narrados através da imprensa, como
também tomou ciência das medidas adotadas. (ACE 5151/85)26
E prossegue o documento,
Segundo aquele dirigente, o INPS/PA, vinha, há algum tempo, rece-
bendo denúncias de fraudes no processo de obtenção de aposenta-
dorias, principalmente no interior do Estado. Em vista disso, sendo
os meses de Jan/Jun de cada ano a época mais adequada para de-
tectar tais irregularidades, face ser o período em que são distribuí-
dos os carnês de pagamento, foram mandadas aquelas localidades
92
equipes de fiscais do órgão, com a missão de efetuar levantamentos
dos processos de aposentadoria concedidas. Nessa ocasião, foram
comprovadas inúmeras irregularidades. Casos idênticos, verifica-
dos em outras diligências, já tiveram seus processos encaminhados
a Superintendência Regional de Polícia Federal. (ACE 5151/85).27
27 Idem.
28 Idem.
93
No município de Moju/PA, o Clero Progressista, através dos estran-
geiros Padres Sérgio Tonetto e Ângelo e do Sindicato dos Trabalha-
dores Rurais vêm desenvolvendo um trabalho de massa, de forma a
conscientizar os trabalhadores rurais a empregar a violência como
forma adequada de ter acesso a posse e uso da terra. De certa for-
ma, esse trabalho vem surtindo efeito, ocasionando a omissão das
autoridades policiais nas providencias relativas aos conflitos pela
disputa da terra, culminando com a morte, no dia 07 SET 84, do ve-
reador Edmilson Ribeiro Soares (PDS/PA), empregado da empresa
Reasa, por cerca de 40 posseiros, quando na condição de emprega-
do orientava os trabalhos de demarcação dos limites de uma gleba
daquela empresa. Consumado o crime, a polícia prendeu todos os
suspeitos. removendo-os para a cadeia da cidade de Abaetetuba/
PA, próximo à Moju, face as ameaças de invasão e de retirada dos
presos da cadeia de Moju/PA para colocá-los em liberdade. Apesar
dessa previdência, por ingerência de autoridades estaduais, ligadas
a Comissão Pastoral da Terra, a prisão em flagrante foi relaxada e
os presos soltos, para serem submetidos a inquérito em liberdade.
Após esse episódio, a tensão social no município recrudesceu. pois
os Padres Sérgio e Ângelo, através dos seus sermões na Igreja, du-
rante as missas, insuflam a população contra as autoridades e contra
os proprietários rurais. (ACE 4980/84).29
94
Segundo o Promotor, seu nome é o sexto de uma lista de pessoas
marcadas para serem mortas. Atribui tal anomalia somente á con-
duta que tem em todos processos, quando procura cumprir com
rigor o prescrito na lei processual. (ACE 4980/84).30
Na metade da década de 1980, a luta pela terra em Moju era uma realida-
de. De certa forma, uma grande ‘confusão’ estava estabelecida. A abertura da ro-
dovia PA-150 que ligaria a região Nordeste paraense, havia atraído muitos homens
de outras regiões do país, e que a todo custo intencionavam por adquirirem mais
terras. O município mojuense parecia um ‘barril de pólvora’. E em certa medida, já
pegava ‘fogo’, como vimos, com a morte do vereador Edmilson Soares.
O clero progressista e o STR mojuense, na pessoa de seu presidente Virgílio
Serrão Sacramento, procuravam dar atenção aos lavradores, aos moradores das co-
munidades, sendo o ‘reforço’ na luta em suas defesas, sendo incentivadores para que
não vendessem suas terras e resistissem as intimidações e tentativas de expulsões.
Virgílio, como presidente do STR, ganhava destaque nesta luta, e por con-
ta de sua atuação, participava da fundação e organização de outras entidades de
defesas dos trabalhadores rurais, como foi a caso da criação da Central Única dos
Trabalhadores (CUT) no Pará, como assim mostrou em um novo relatório fei-
to pelo serviço secreto dos militares. Intitulado “I Congresso Estadual da Central
Única dos Trabalhadores” (I CECUT/PA), vamos conferir,
Realizou-se, no período de 22 SET 85, no Ginásio de Esportes da Uni-
versidade Federal Do Pará (UFPa), em Belém/PA, o I Congresso Esta-
dual da Central Única dos Trabalhadores (CUT) — I CECUT —, que
teve por objetivo: a discussão do desempenho da entidade; a Consti-
tuinte; a Reforma Agrária; e o Governo da Nova República, além da
eleição da nova diretoria da Central Única dos Trabalhadores no Es-
tado do Pará (CUT/PA). No primeiro dia do Congresso, foi efetuada
a sessão de abertura, que contou com e presença de aproximadamente
600 pessoas, em sua maioria, militantes do Partido Revolucionário
Comunista (PRC) e Convergência Socialista (CS), destacando-se en-
tre elas, as seguintes: Jair Antônio Meneguelli (B1399561), Secretário
Geral da CUT; Paulo Roberto Galvão da Rocha (8001’0340), Geraldo
Irineu Pastana de Oliveira. (80620488) e Humberto Rocha Cunha,
militante do PRC; Raimundo Antonio da Costa Jinkings (`0005710),
militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e Orlando Borda-
lo Júnior, Presidente do Diretório Regional do Partido Democrático
Trabalhista (PDT). Entre os congressistas, também, foram notadas as
presenças dos elementos abaixo relacionados: Raimundo Reinaldo
Carvalho Da Silva (PCB); Rejane Maria Sobral Pimentel (B2051862)
(PRC); Edir Veiga Siqueira (B1865330 — Z7 : “B”) (PRC); Matheus
Henriquos Antonius Otterloo (B0009465) (PRC); Durbiratan de
30 Idem.
95
Almeida Barbosa (80078050) (MEP); Lucivaldo Da Silva Ribeiro
(Branco) (B1962486); Virgílio Serrão Sacramento; — Pedro Paulo
Souza e Silva (PRC) — Edmilson Brito Rodrigues (Z7 : “C”) (PRC);
Carlos Vinicius Teles da Costa (B1138390) (CS); Elizabeth de Fáti-
ma Dias Faria (B1138388) (CS); Bernadete de Lourdes Rodrigues
de Menezes (61137141) (CS); Aida Maria da Silva; João Batista de
Oliveira Araújo (31208275) (CS); Izabel Marques Tavares Da Cunha
(60084785) (PRC); Jose Maria de Castro Pedroso (Piteira) (PRC) —
Everardo de Aguiar Lopes (CS) — Valmir Carlos Bispo dos Santos
(61864518) (PRC); Ermelinda de Melo Garcia (80192636); Conceição
Rodrigues de Menezes (Concha) (B1137153) (CS); Ana Elizabeth da
Costa Petrucelli (B2186378); Hecilda Mary Veiga Fonteles de Lima
(60009489) (PRC); Atanagildo de Deus Matos (60380866) (PRC).
(ACE: 5583/85). 31
96
E prossegue o informativo dos militares,
No domingo, 22 SET, foram debatidos os seguintes temas: “Avaliação
e Implantação da CUT No Para”; e “Sindicalismo: Conjuntura Políti-
co-econômica”. Referidos debates não foram acompanhados devido
terem sido realizados em grupos, com acesso, somente, a pessoas
credenciadas. Entre as propostas aprovadas pela Plenária da CUT,
em relação ao tema “Reforma Agraria”, destacam-se as seguintes: Ex-
tinção imediata do Grupo Executivo de Terras do Araguaia e Tocan-
tins (GETAT); do Grupo Executivo do Baixo Amazonas (GEBAM); e
do Instituto Nacional De Colonização E Reforma Agraria (INCRA);
— Legalização imediata de todas as terras ocupa das por trabalha-
dores rurais; Estabelecimento de uma área máxima para as proprie-
dades; Desapropriação de todos os latifúndios; e fim dos incentivos
fiscais para as empresas pecuárias e outras do tipo. No que tange a
conjuntura nacional, ficou definido que a CUT deve empenhar-se
na organização e apoio à luta de todos os trabalhadores e na defesa
dos seguintes pontos: Rompimento com o FMI e não pagamento da
dívida externa; Reajuste trimestral de salários, com semana de 40 hs,
sem redução de salário; Estabilidade no emprego e salário-desem-
prego; Liberdade e autonomia sindical; Irrestrito direito de greve;
Completa liberdade de organização partidária, assegurando o livre
acesso aos veículos de comunicação de massa, inclusive aos partidos
clandestinos; Fim da Lei de Segurança Nacional, Lei de Imprensa e
Lei de Greve, com o desmantelamento dos “aparelhos repressivos”;
Julgamento e punição dos envolvidos nos crimes de tortura, assas-
sinato político e corrupção; Reforma Agrária Radical aos trabalha-
dores rurais; Transformação das grandes fazendas agropecuárias em
fazendas-modelos de propriedade estatal, gerenciadas pelos traba-
lhadores; Convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte,
independente do Executivo e do atual Congresso; e Congelamento
dos preços de géneros alimentícios de primeira necessidade e dos
serviços básicos. Quanto a questão sindical, foi aprovada a proposta
de extinção gradual do imposto sindical e sua substituição por outras
formas de contribuição e, ainda, instituição de sindicato ou federa-
ção regional por ramos de atividades. (ACE: 5583/85). 33
33 Idem.
97
da Região Guajarina: Virgílio Serrão Sacramento; Representante da
Região do Tocantins “Bragança”; Representante do Baixo Amazo-
nas: Jose Ferreira de Araújo; Representante da Região Bragantina:
Jose Galvão De Lima; Representante do Sul do Pará: Atanagildo De
Deus Matos (Gatão). Data da Eleição : 22 Set 85 Prazo de Mandato:
01 Ano. (ACE: 5583/85). 34
34 Idem.
98
noel da Costa Ferreira e Raimundo Jose da Silva Monteiro. Delega-
dos Representantes: Avelino Ganzer e Zacarias Rodrigues Botelho.
Suplentes: Narciso Vieira Ramos e Manoel Monteiro Dos Santos.
Tendo à frente José Dias de Andrade Valente Moreira, Secretario
Rural da Central Única dos Trabalhadores no Estado do Pará (CUT/
PA) e coordenador do Movimento dos Sem-terra no Pará, a chapa
vitoriosa recebeu apoio de militantes da Comissão Pastoral da Ter-
ra Norte II ‘(CPT/Norte II), do Dep Fed Ademir Galvão Andrade,
do Partido do Movimento Democrático Brasileiro do Pará (PMDB/
PA), Do Dep Est Valdir Ganzer, do Partido dos Trabalhadores do
Pará (PT/PA), além de militantes da CUT/PA. (6028/87).35
Como mostrado acima, mais uma vez o nome de Virgílio Serrão Sacramento
aparecia nos relatórios confidenciais dos militares. Desta vez, na tão sonhada conquis-
ta da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará (FETAGRI/PA).
Virgílio era eleito membro do Conselho Fiscal, para um mandato que seria de três anos.
Mais uma vez o líder sindical tinha seu nome anotado pelo serviço de inteligência.
Seria a última vez que o líder sindical apareceria nos relatórios dos agen-
tes de segurança. Menos de dois meses depois da eleição da Fetagri/PA, este seria
morto em Moju, no dia 05 de abril de 1987, um domingo à tarde, quando retor-
nava para sua casa que ficava aproximadamente oito quilômetros da cidade, um
caminhão com placa PT – 1189 do município de Paragominas, mais que prestava
serviços para uma empresa de serraria do município de Tailândia, o ‘apanhou’ por
trás, colidindo com sua motocicleta, o arremessando a mais de trinta metros de
distância, morrendo instantaneamente. Sobre o assassinato, o Serviço Nacional de
Informação (SNI), silenciou.
Concluindo...
99
Estive presente no evento, afinal de contas, meu pai Virgílio Serrão Sacra-
mento havia sido um dos fundadores desta entidade representante dos trabalhado-
res e inclusive foi um dos que questionou o chamado grupo dos sindicatos urbanos
que rejeitavam a possibilidade desta Central agregar os trabalhadores do campo, e
o líder sindical era um intransigente defensor da inclusão da categoria camponesa.
Presente no auditório da sessão a alusão aos 40 anos da CUT, fizeram
uma homenagem para a professora aposentada da Universidade do Estado do Pará
(UEPA) por sua significativa contribuição como mulher no processo da entidade
cutista. Porém, os demais da mesa não lembraram de meu pai. Não lembraram,
é verdade da maioria, apenas do líder sindical Avelino Ganzer, que teria sido im-
portante para a criação e organização desta entidade, tanto que no ano de 1985 foi
eleito vice-presidente da CUT Nacional. Avelino era líder sindical de Santarém e lá,
no início dos anos de 1980 foram um dos primeiros a conquistar o STR.
A falta de lembrança de pessoas que em algum momento da história fo-
ram personagens importantes para os movimentos sociais é uma realidade. Há
uma dificuldade em se rememorar esse passado, buscar fazer com que não caiam
no esquecimento. Em 1987, quando Virgílio Serrão Sacramento se destacava como
liderança, do STR de Moju, PT/Pará, CUT e FETAGRI paraense, não era à toa.
Seu destaque se dava pela luta em defesa dos trabalhadores rurais do município
mojuense e de outros cantos da região Guajarina.
Sua morte no dia 05 de abril de 1987, resultado de um ‘atropelamento’
sempre deixou questionamentos no ar. Como as investigações foram precárias,
não tendo interesse a justiça de se fazer um melhor levantamento dos fatos,
logo o único responsável tornou-se o motorista do caminhão, Osvaldo Camar-
go, preso no município de Tailândia, sendo solto mediante pagamento de fian-
ças. Tendo sido julgado em circunstâncias que nem a família soube de Virgílio,
pegou uma pena de dois anos de prisão com direito a pagar em liberdade. Um
prêmio para a impunidade.
No entanto, em fins dezembro de 2022, a filha caçula de Virgílio Serrão
Sacramento, Noemi, que quando de sua morte em 1987, estava com seis meses e
não conheceu o pai, pelas festas de final de ano, com seus 36 anos de vida, conhe-
ceu um senhor, importante empresário, dono de fazendas, que depois de uma con-
fraternização na cidade mojuense, a chamou em particular e lhe fez uma confissão,
junto com um pedido de desculpas, onde nas palavras de Noemi, a 11ª filha, assim
narrou o que esta pessoa lhe falou. Na ocasião do 36º aniversário da morte de seu
pai, assim, esta escreveu em uma rede social, vejamos,
100
Hoje, 05/04/2023, completam 36 anos do assassinato de meu pai, Vir-
gílio. É uma lacuna que não se fechou, é diferente de ter um parente
morto por doença, por uma fatalidade, ele teve a morte planejada por
um grupo de pessoas, e isso é algo difícil de compreender. Em dezem-
bro, durante uma conversa com um conhecido, após uma confrater-
nização em minha cidade natal, escutei um pedido de desculpas. A
pessoa me disse que foi convidado para as reuniões que tratavam sobre
o assassinato do meu pai, mas nunca participou, por não concordar
com essa “estratégia “. Foi um choque tão grande escutar aquilo, que
me desestabilizei emocionalmente. Confesso que o trauma de não ter
convivido com meu pai ainda existe, as vezes eu tenho vontade de es-
quecer tudo isso, às vezes tenho vontade de gritar, de clamar por uma
justiça que nunca ocorreu, mas que de fato se concretiza pela memória
que persiste no imaginário de sua família, amigos, companheiros de
luta. Tenho 36 anos, e hoje completa 36 anos de sua Páscoa, meu pai,
que “coincidência “ , heim…Para sempre em meu coração! Virgílio
vive, sempre, sempre, sempre! (Noemi Sacramento: 05/04/2023)36
101
do livro chamado “Governos Militares na Amazônia: política educacional, confli-
tos e legislação agrária, a operação Amazônia, cultura histórica e os direitos huma-
nos de autoria de Edilza Fontes Davison Rocha. Ali procuro mostrar como ficaram
os sete filhos que tiveram que continuar a vida sem o pai, com depoimentos e
lembranças dolorosas.
Entre diversos trabalhos que já escrevi sobre meu pai, destaco o artigo
que se chama “Luta pela terra na Amazônia, assassinatos: homenagens, músicas e
poesia na história de Virgílio Serrão Sacramento”, (2022)38. da obra de Francivaldo
Alves Nunes, Márcia Milena Galdez Ferreira e Cristiana Costa da Rocha, que tem
como título “O rural entre posses, domínios e conflitos” onde procuro mostrar
como este líder sindical foi homenageado depois de seu assassinato, principalmen-
te com as canções escritas e poemas, de amigos e familiares.
Assim, é possível afirmar quanta culpa tiveram os militares nos processos
de violação dos direitos humanos na Amazônia, no estado do Pará, região Guaja-
rina, como foi o caso da vigilância do bispo Dom Ângelo Frosi, dos padres Ângelo
Paganelli e Sérgio Tonetto, além da liderança sindical de Virgílio Serrão Sacra-
mento, que de fato foi o único que teve sua vida ceifada. Inclusive o padre Sérgio
Tonetto foi transferido de paróquia imediatamente em virtude das ameaças que
continuaram em Moju. Dom Ângelo Frosi, que de fato, nunca havia manifestado
ser um progressista convicto ou ‘comunista’, continuou os trabalhos a frente da
diocese de Abaetetuba voltando-se muito mais para os trabalhos pastorais até seu
falecimento no ano de 2004.
Inegável a participação deste bispo na região Guajarina, sobretudo pelo
apoio junto aos movimentos sociais nos fins da década de 1970 e início da década
de 1980. E mais ainda, dos padres Ângelo Paganelli e principalmente de Sérgio
Tonetto, grande apoiador e incentivados da organização da classe trabalhadora do
campo. Não à toa, tiveram suas vidas em alguns momentos sob o olhar atento dos
militares, a quem de alguma forma, incomodaram. A alguns filhos destas pessoas,
como de Virgílio Serrão Sacramento, meu pai, cabe a responsabilidade de não dei-
xar a história cair no esquecimento.
38SACRAMENTO, Elias Diniz. Luta pela terra na Amazônia, assassinatos: homenagens, músicas e po-
esia na história de Virgílio Serrão Sacramento. In: NUNES, Francivaldo Alves; FERREIRA, Márcia
Milena Galdez & ROCHA, Cristiana Costa da: O rural entre posses, domínios e conflitos. – 1. ed. São
Paulo: Livraria da Física, 2022.
102
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zônia; Tradução de Noemi Miyasaka Porro e Raimundo Moura Belém: ed. Ufpa.
104
Iane Maria da Silva Batista
Maika Rodrigues Amorim
REGULARIZAÇÃO
FUNDIÁRIA OU RESERVA DE
TERRAS PARA “GRANDES
PROJETOS”? A atuação do
GETAT no Pará nos anos
finais da ditadura civil-
militar (1980-1985)
105
Considerações Iniciais
O Contexto: O Planejamento Do
Desenvolvimento Da Amazônia Nos Anos 1980
106
ração dos minérios do subsolo, especialmente as jazidas concentradas no sudeste
do Estado do Pará, culminando na criação do Programa Grande Carajás (PGC)
(ALMEIDA JÚNIOR, 1986); (VALVERDE, 1980); (HALL, 1991); (PINTO, 1988);
(AB’SÁBER, 2004); (KOHLHEPP, 1987); (FERREIRA, 1982).
O PGC constituiu, um instrumento estatal estratégico no que tange ao
aprofundamento do padrão de ocupação econômica baseado na atividade mineral
que já se encontrava em curso na Amazônia. No período de execução do III PDA,
o Estado nacional impulsionou, pois, a ocupação econômica da região através do
ramo minerador, valendo-se das “vantagens competitivas” de Carajás, a saber:
existência de matéria prima em escala, sobretudo o minério de ferro, com amplas
reservas de elevado teor metálico, possibilidade de energia abundante e barata, a
ser produzida pelo represamento do rio Tocantins; facilidade de acesso aos merca-
dos, por meio das estradas de penetração abertas nas décadas anteriores, além da
disponibilidade de mão de obra.
O PGC foi instituído por meio do Decreto-Lei nº 1.813, de 24 de novem-
bro de 1980. Por meio deste dispositivo legal, o governo criou um regime especial
de incentivos tributários e financeiros para os empreendimentos desenvolvidos no
âmbito do Programa, definiu o seu contorno territorial bem como sua estrutura
administrativa, com base em um conselho interministerial1 (TRINDADE, 2014).
De acordo com o Artigo 2º do Decreto, os empreendimentos integrantes do Pro-
grama compreendiam: serviços de infraestrutura, com prioridade para o projeto
da ferrovia ligando a mina de Carajás ao porto da Ponta da Madeira, no litoral
maranhense, com 870 quilômetros de extensão; a instalação e ampliação do sis-
tema portuário regional, com destaque para Itaqui, no Maranhão e Vila do Con-
de, no município paraense de Barcarena; aproveitamento hidrelétrico das bacias
hidrográficas; projetos voltados às atividades de pesquisa, prospecção, extração,
beneficiamento, elaboração primária ou industrialização de minerais, agricultura,
pecuária, pesca e agroindústria, bem como florestamento, reflorestamento, bene-
ficiamento e industrialização de madeira; aproveitamento de fontes energéticas e;
outras atividades econômicas consideradas de importância para o desenvolvimen-
to da região (BRASIL, 1980). Uma representação espacial da área de planejamento
1 Esse Conselho foi formado por representantes da Secretaria de Planejamento da Presidência da Re-
pública, Ministério das Minas e Energia (MME), Transportes, Indústria e Comércio, Fazenda, Interior,
Agricultura, Trabalho, Ciência e Tecnologia e Reforma e Desenvolvimento Agrário, além da Secretaria
Geral do então Conselho de Segurança Nacional. A presidência do Conselho coube ao ministro chefe
da SEPLAN, vinculado à Presidência da República. Ao órgão competia conceder incentivos, coordenar,
promover e executar as medidas necessárias à operacionalização do PGC. Note-se a ausência da SU-
DAM nesta instância decisória.
107
do PGC, a distribuição de seus empreendimentos, bem como sua incidência sobre
terras indígenas, pode ser visualizada no mapa 01, a seguir.
108
O caráter estratégico atribuído pela planificação estatal ao PGC viabili-
zou um conjunto diversificado de operações concernentes à sua operacionalização
tendo em vista o aproveitamento global da estrutura criada em sua área de abran-
gência. Nesse contexto, o Estado brasileiro atuou no sentido de disponibilizar, por
meio da formalização jurídica, novas extensões territoriais ao mercado de terras,
atendendo, desse modo, aos desígnios de empresários e grupos financeiros já insta-
lados ou interessados em se instalar na vasta circunscrição territorial do PGC. Esse
processo evidenciou distintas concepções de uso e ocupação da terra, opondo mo-
dalidades de apropriação baseadas no usufruto comunal de determinados recursos
como fontes d’água, reservas de matas, igarapés e cocais, praticadas pelas frentes
camponesas estabelecidas na região, e uma perspectiva fundiária governamental,
fundamentada estritamente na propriedade privada (ALMEIDA, 1986).
As transformações nas formas de apropriação e uso da terra previstas
pelo funcionamento global do Programa Grande Carajás eram incompatíveis com
a existência de sistemas de apossamento preexistentes, que contrariavam as deter-
minações governamentais de ocupação das terras, como os praticados por serin-
gueiros, castanheiros e posseiros, ou pelos povos indígenas que viviam na região.
Um aspecto fundamental da intervenção governamental na Amazônia
naquele contexto foi a criação de instrumentos vinculados ao Conselho de Se-
gurança Nacional, instituídos com o propósito oficial de efetuar a “regularização
fundiária” em suas áreas de atuação. Desse modo, em fevereiro de 1980, o gover-
no do presidente Figueiredo criou o Grupo Executivo de Terras do Araguaia-To-
cantins (GETAT), através do Decreto-Lei nº 1.767 (BRASIL, 1980a) e o Grupo
Executivo para a região do Baixo Amazonas (GEBAM), por meio do Decreto
84.516 (BRASIL, 1980b). A criação destes órgãos refletia uma concepção gover-
namental que considerava a problemática fundiária na Amazônia como questão
de segurança nacional, engendrando uma “militarização” da questão agrária na
região (MARTINS, 1984).
Com efeito, os números referentes aos conflitos de terra no início da déca-
da demonstravam que a Amazônia se tornara um território em disputa. Entre 1980
e 1981, de acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Confede-
ração Nacional dos Trabalhadores em Agricultura (CONTAG), dos conflitos pela
terra registrados no país, 35% ocorreram na Amazônia, diante de 47% no Nordeste
e 18% no Sul e Sudeste.
Portanto, a região, que segundo a lógica dos militares no poder no iní-
cio dos anos 1970, deveria constituir uma válvula de escape aos problemas sociais
109
provocados pela estrutura fundiária em outras regiões, especialmente o Nordeste,
convertera-se, ela própria, numa área de agudos conflitos que revelavam a tensão
sob a qual vinha se desenvolvendo a sua ocupação (COSTA, 1992).
110
Pesquisas documentais e de campo realizadas pelo antropólogo Alfredo
Wagner Berno de Almeida e pelo sociólogo José de Souza Martins na região afeta-
da pelo PGC evidenciaram uma “lógica camponesa” de incorporação da terra ao
processo produtivo mediante o trabalho familiar (ALMEIDA, 1986); (MARTINS,
1981: 103-124). Nesse sentido, o movimento espontâneo de ocupação, característi-
co dos posseiros, seguia um conjunto de normas, mediante um patrimônio cultu-
ral determinado, que estabelecia áreas de apropriação comum e definia os critérios
de admissão de novos grupos domésticos. De acordo com essa perspectiva, a terra
não era considerada, necessariamente, passível de atos de compra e venda, vincu-
lando-se o caráter de mercadoria, em geral, às benfeitorias resultantes do trabalho
familiar (ALMEIDA, 1986). 3
Tal postura, por certo, contrariava as premissas da “ocupação produti-
va” das terras, preconizada pelo planejamento governamental. Naquele contexto,
a formalização jurídica efetuada pelo GETAT, consistia, portanto, em uma forma
de assegurar os direitos individuais sobre a terra, incorporando-as legalmente aos
mercados, assim como antecipar-se à expansão camponesa em determinados espa-
ços pretendidos por empresas privadas.
O processo de concentração das terras, especialmente as mais férteis – já
identificadas na década de 1970 no âmbito do Projeto Radares da Amazônia (RA-
DAM) por parte das grandes empresas mostrava-se vulnerável aos impasses no
domínio jurídico-formal referentes à emissão de títulos definitivos das imensas ex-
tensões pretendidas. Superposição de títulos, fraudes cartoriais e a presença efetiva
de coletores de castanha, seringueiros, garimpeiros, pequenos produtores agrícolas
e grupos indígenas em áreas consideradas “vazias” constituíam os principais “entra-
ves” à regularização das terras almejadas por empresas agropecuárias, madeireiras e
mineradoras, tanto públicas como privadas (ALMEIDA, 1984a: 31-58).
3 Segundo Almeida (1986: 268), diferentemente das áreas de colonização antiga, onde predominam
famílias camponesas dispostas de maneira duradoura num pedaço de terra transmitido de geração a ge-
ração, nas regiões de fronteira não se registra um patrimônio constante em terras e benfeitorias sujeito à
ampliação e/ou fracionamento. Isto porque a ocupação de tais áreas geralmente é efetuada por gerações
de um campesinato expropriado, que já procederam a contínuos ou intermitentes deslocamentos, do
Nordeste até essa região de terras disponíveis, designadas por eles como “terra liberta” ou “terra sem
dono”. Nesse sentido, a abundância do recurso básico, as próprias condições determinantes do acesso e
os frequentes conflitos, diante da insegurança da posse, impossibilitavam, de modo geral, uma repro-
dução do regime de posse e uso da terra vigente nas regiões de colonização antiga. Saliente-se que a
concepção de “terra livre” fez parte do direito que vigorou até a promulgação da Lei de Terras em 1850.
Segundo José de Souza Martins, ele era o pressuposto da expansão agrícola “do pequeno e do grande”,
e se baseava na precedência dos direitos do rei, que possuía a propriedade eminente de todas as terras,
tendo a prerrogativa de arrecadar de volta as que não fossem ocupadas em curto prazo, redistribuin-
do-as a outros interessados. Trata-se, pois, de um direito que, embora revogado em 1850, permaneceu
inscrito nas concepções e nas experiências de muitos trabalhadores (MARTINS, 1991: 20).
111
Desse modo, a ação fundiária na região consistia fundamentalmente em
engendrar “[...] uma medida legal capaz de definir os direitos de propriedade da
terra, os direitos de lavra e aqueles de extração madeireira”, assim como agilizar
uma definição dominial que permitisse às empresas de colonização particular
realizar transações com dezenas de milhares de hectares, legalmente dispostos no
mercado (ALMEIDA, 1986: 279).
Um dos principais instrumentos de atuação do GETAT foi a arrecadação
de áreas rurais como terras devolutas. Orientado pela Lei n. 6.383, de 7 de dezem-
bro de 1976 (Brasil, 1976), esse mecanismo baseava-se na realização de levanta-
mentos junto a cartórios e institutos fundiários como o Instituto de Terras do Pará
(ITERPA), Instituto de Desenvolvimento Agrário de Goiás (IDAGO) e Instituto
de Colonização e Terras do Maranhão (ITERMA), visando atestar, por meio de
certidões, a inexistência de domínio particular sobre as áreas arroladas, bem como
a não ocorrência de contestações ou reclamações administrativas promovidas por
terceiros, quanto ao seu domínio ou posse (ALMEIDA, 1986). Tal procedimento
tinha o objetivo de garantir a lisura das operações de arrecadação.
Materiais cartográficos, como plantas de medição e demarcação, elabo-
radas em diferentes anos pelo IDAGO, cartas planimétricas do Projeto RADAM,
mapas das Unidades Executivas do GETAT, 4 de empresas especializadas em levan-
tamentos topográficos e plantas cadastrais de algumas áreas urbanas em expansão,
como Açailândia e Itinga, no Maranhão e Aragominas, Araguanã e Muricilândia,
em Goiás, orientavam a localização geográfica das áreas arrecadadas. Apresentadas
as certidões e devidamente localizadas as áreas, o GETAT, por meio de portarias,
determinava que suas unidades executivas adotassem as medidas para fins de ma-
trícula das respectivas áreas em nome da União junto aos cartórios de registro de
imóveis das comarcas correspondentes (ALMEIDA, 1984a).
Considerando o histórico de fraudes e irregularidades abrangendo cartó-
rios e agências fundiárias, envolvidos em diversas ações de grilagem no processo
de apropriação de terras na Amazônia, a iniciativa do GETAT acabava por endos-
sar e/ou legalizar indiretamente tais procedimentos (PINTO, 1980: 149); (ASSE-
LIM, 1982).5 Do mesmo modo, ao se orientar pela premissa da ausência de con-
4 As Unidades Executivas do GETAT eram sediadas em Tucuruí, Conceição do Araguaia e São Geraldo,
no Pará, Araguaína, em Goiás e Açailândia e Imperatriz, no Maranhão.
5 Conforme amplamente documentado pelo jornalista Lúcio Flávio Pinto, a grande maioria dos car-
tórios da região apresentavam irregularidades nos livros de registros de imóveis. Tal situação inclusive
motivou por parte do Ministério da Justiça ao corregedor-geral do Pará o pedido de correição, em pelo
menos duas ocasiões ao longo da década de 1970, em cinco cartórios do interior do Estado, a saber:
São Domingos do Capim, Conceição do Araguaia, São Miguel do Guamá, Santana do Araguaia e Al-
112
testação sobre a propriedade de terras na esfera cartorial, restringindo-se apenas
ao domínio jurídico, desconsiderava possíveis conflitos de terras circunscritos à
esfera da atuação de órgãos policiais e de entidades de representação, ainda não
encaminhados aos órgãos judiciais (ALMEIDa, 1984). A existência de concepções
de propriedade e usos da terra entre grupos camponeses na região não previstas
nos dispositivos legais e a dificuldade de acesso aos serviços de cartórios por tais
segmentos também não era ponderada. Por conseguinte, os atos de arrecadação
poderiam eventualmente abranger áreas efetivamente ocupadas, especialmente
por posseiros, atribuindo a estes, diante da titulação das terras, a classificação de
invasores e sujeitando-os a ações repressivas de “desocupação”.
Até meados de 1984 foram arrecadados 7 milhões e 926 mil hectares,
abrangendo aproximadamente 18% da área total sob jurisdição do GETAT (AL-
MEIDA, 1984). A concentração da atuação deste órgão em determinados locais é
bastante reveladora dos propósitos governamentais em relação aos usos da terra. A
maior parte das arrecadações ocorreu em São Félix do Xingu. O município havia
sido escolhido para ser um dos sete polos de desenvolvimento do plano agrícola do
PGC. Essa escolha implicava em destinar “extensões agriculturáveis e/ou de mata
para a geração de produtos exportáveis”, como soja, milho, feijão, carnes especiais
e produtos florestais (BRASIL, 1983).
Por certo, não foi por aleatório o enfoque atribuído ao município xingua-
no. Em seu território, os técnicos do projeto RADAM detectaram grandes man-
chas de solo de alta fertilidade, ocorrências minerais (ouro, cassiterita, tungstênio)
e madeiras nobres. Esta conjugação de recursos naturais, em uma área ainda pouco
afetada pela expansão camponesa (IBGE, 1981) 6 , certamente acelerou a definição
do estatuto jurídico das terras do município por parte do GETAT, reservando-as,
preferencialmente, para grandes empresas agropecuárias, de extração mineral e de
colonização particular (ALMEIDA, 1984). Além de concentrar o maior número
de imóveis com área igual ou superior a vinte mil hectares, no contexto do início
dos anos 80, o município sofria a afluência de um número crescente de empresas
pretendendo as terras agriculturáveis dos igarapés São Sebastião e Preto e dos rios
Fresco e Liberdade (ALMEIDA, 1984).
tamira. Um caso que ficou especialmente conhecido foi a fraude da Fazenda Pindaré, no Maranhão,
considerada na ocasião a maior fraude cartorial do país, envolvendo a grilagem de 1,173 milhão de
hectares. A área grilada atingiu os municípios de Imperatriz, João Lisboa, Santa Luzia, Pindaré-Mirim e
Amarante do Maranhão, todos localizados na área sob jurisdição do GETAT, sendo três deles cortados
pela ferrovia Carajás-Itaqui.
6 Conforme a Sinopse Preliminar do Censo Demográfico do Estado do Pará de 1981, a taxa de densida-
de demográfica de São Félix do Xingu era de 0,04 habitante por quilômetro quadrado.
113
A possibilidade de expansão da fronteira agrícola para o Xingu, com pers-
pectivas de reprodução semelhantes às observadas em outras regiões da Amazô-
nia, era uma alternativa que decididamente não aprazia aos órgãos fundiários e aos
pretendentes àquelas áreas, que careciam de definição legal, conforme salientado
por Almeida (1986: 283):
Eles conseguem tolerar os garimpeiros, cuja ocupação reconhecem
temporária; os grupos indígenas, cujas terras têm conseguido sub-
trair; e, em certa medida, os seringueiros e coletores de castanha,
cuja atividade de extração sabem não conduzir, necessariamente,
a uma ocupação significativa; mas não admitem os denominados
posseiros, que desenvolvem uma atividade agrícola regular e têm
moradia habitual, ocupando de maneira definitiva a terra. Recu-
sam-se mesmo, em muitas situações, a reconhecer como posses
legítimas as daqueles já assentados há décadas nas áreas que agora
pretendem. Classificam-nos de “invasores”.
114
mento jurídico proposto atendia, pois, aos interesses de segmentos sociais orien-
tados exclusivamente pela lógica do lucro. Nesse sentido, a obtenção do título
definitivo impunha-se como um fator essencial à maior valorização das terras, ha-
bilitando-as às transações comerciais consideradas legítimas como atos de compra
e venda e hipoteca em operações bancárias, permitindo, do ponto de vista formal,
o ingresso dessas áreas no mercado de terras (ALMEIDA, 1984a). O “reconheci-
mento” formal das especificidades socioculturais das populações amazônicas, ex-
presso no texto do III PDA, restringia-se, assim, ao campo das “boas intenções”.
Considerações Finais
115
Atualmente, naquela região, especialmente no município de Marabá,
concentra-se um número expressivo de assentamentos da reforma agrária, resul-
tante de intensas mobilizações de trabalhadores rurais e suas organizações. Esse
processo traz à tona novos atores sociais ao mesmo tempo em que suscita novos
antagonismos, expressos nos dados quantitativos sistematizados pela Comissão
Pastoral da Terra (CPT) em sua publicação anual “Caderno de Conflitos no cam-
po”, que aponta ano a ano a persistência de conflitos envolvendo o acesso, a posse e
a permanência na terra naquele locus.
O GETAT foi extinto pelo Decreto-lei nº. 2.328, de 5 de maio de 1987,
através do qual seus direitos e obrigações passaram à alçada do Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Contudo, como este artigo procu-
rou demonstrar, sua atuação nos anos finais da ditadura civil-militar marcada pelo
signo do autoritarismo estatal e por uma perspectiva reducionista em relação a
ocupação da terra na Amazônia, deixou marcas impressas até hoje na região, em
especial no sudeste paraense.
Referências
FONTES
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116
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cial de incentivos para os empreendimentos integrantes do Programa Grande Carajás. Dis-
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118
Francinei Almeida da Costa
AS RODOVIAS RURAIS NA
AMAZÔNIA: OS DISFARCES
DOMINANTES PARA ATRAIR
OS TRABALHADORES E
TRABALHADORAS
Introdução
1 BR 156: A vovó das rodovias federais em construção no Brasil fica no Amapá. Diário do Amapá,
23/04/2018: 1.
120
direitos trabalhistas. A produção da literatura do monopólio das firmas ganhou desta-
que nas investigações do historiador Pedro Campos (2012) através da obra, a ditadura
dos empreiteiros2, que destacou a ampla conexão estatal baseada no poder (Atos do
Poder Executivo) e no pacto político com grandes empreiteiras no que se refere ao uso
da força de trabalho de milhares de homens e mulheres que inclusive foram ameaça-
dos com a expansão do empreendimento da abertura de estradas e rodovias.
Esses atos do poder executivo eram muito presentes nesse marco tem-
poral, entre 1970 e 1990, principalmente através dos contratos/convênios entre o
Governo do Território Federal do Amapá-GTF/AP, o governo pós ditadura e os
empreiteiros, ao passo que o projeto de aberturas de trilhas apresentava desen-
volvimento para a Amazônia. No entanto, os trabalhadores de rodovias foram re-
crutados para as construções de pontes, terraplenagem, abertura de florestas, der-
rubadas de árvores, tendo que trabalhar e morar no meio da floresta. Essa classe
trabalhadora, que se ocupava da atividade na Amazônia Setentrional Amapaen-
se-ASA, era uma das mais vulneráveis no que diz respeito aos direitos trabalhis-
tas, saúde e segurança no cotidiano dos canteiros de obras. A relação trabalhista
promoveu, nesses locais, trocas de experiências, resultando no dinamismo para a
formação de classe no campo.
Uma das publicações mais recentes que versa sobre a luta dos trabalha-
dores de rodovias sob a perspectiva da História Social é a tese de doutorado inti-
tulada: Construtores do Brasil Grande: Trabalho e trabalhadores na rodovia Tran-
samazônica (1970-1974), de Magno Michell Marçal Braga, defendida em 2021. Ela
apresentou uma linha de investigação que discute sobre os direitos trabalhistas de
homens e mulheres envolvidos nas construções de rodovias. O autor destaca as
experiências da classe trabalhadora mobilizada em torno da construção da rodo-
via Transamazônica como o principal objeto de estudo. A Transamazônica nasceu
filiada ao PIN no auge da ditadura militar, em 1970, e teve a incorporação do ter-
ritório amazônico à lógica do capital nacional como pano de fundo da estratégia
do Estado, que contava com o Nordeste como área de repulsão de um exército de
mão de obra numa discussão que aborda as experiências individuais e coletivas dos
trabalhadores das rodovias.
2 A relação entre empresários da construção civil e o Estado, durante a ditadura civil-militar, afirma que
o modus operandi das partes envolvidas guarda estreita relação com o período JK e as grandes obras
de infraestrutura. As empreiteiras, na metade do século XX, tornaram-se pontes do avanço capitalista
no campo. Cf. CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. A ditadura dos Empreiteiros: as empresas nacio-
nais de construção pesada, suas formas associativas e o Estado ditatorial brasileiro, 1964-1985. Tese
de doutorado apresentada ao programa de Pós-graduação em História Social na Universidade Federal
Fluminense. Rio de Janeiro, 2012.
121
A construção da Br-1563 marcou profundamente a população da região
da ASA durante o século XX. Desde as formas de estratégias de sobrevivência, das
lutas pelas melhorias pela moradia e trabalho no campo. Todavia, talvez uma das
marcas mais profundas deixadas pelas construtoras durante a abertura e terraple-
nagem dessa rodovia foram as sequelas sociais: violência no campo, violação aos
direitos trabalhistas, ameaças as reservas pelas empresas e grileiros, assédios aos
moradores locais, famílias, exploração e acidentes de trabalho e/ou doenças daque-
les que viveram e labutavam em diversos trechos de construção.
O Jornal Brasil do dia vinte e sete de julho de 1991, destaca em sua matéria
que a construção da Br-156 ameaça as reservas naturais e as comunidades tradicionais.
A denúncia foi apresentada pelo Conselho Nacional de Seringueiro-CNS e do Insti-
tuto de Estudos Amazônico-IEA. As entidades afirmam que, com as obras da Br-156,
chegam grileiros e empreiteiras. Eles estariam se instalados em áreas de proteção de
reserva e de camponeses, provocando conflitos, desmatamentos e abrindo “estradas”
clandestinas. O periódico destaca ainda que, no ano de 1979, Aníbal Barcellos quando
exercia o primeiro mandado no governo do Amapá, nomeado pelo presidente João
Figueiredo, muitos trabalhadores foram contratados para executarem as atividades de
construção civil nesses trechos de “estradas”. Um dos proprietários da empreiteira CR
Almeida, o senador Henrique Almeida, do PFL, afirmou que, nenhum momento hou-
ve problemas com as comunidades que residem próximo dos trechos da rodovia4.
A leitura desse artigo conduz refletir sobre as questões relacionadas a zona
rural amapaense, no processo de ocupação e de circulação de moradores, traba-
lhadores e migrantes que se faz em grande parte pela busca de trabalho. Esse mo-
vimento se intensificara desde a abertura de floresta por via de estradas, como foi a
construção de ruas e avenidas de Macapá, no final de 1950, e que levou à dinamiza-
ção de pessoas e mercadorias. Mas, as ocupações das/ trabalhadoras/es na busca de
trabalho, resultaram em áreas expropriadas de várias famílias no trecho rodoviário,
motivado pelo avanço das empreiteiras. Segundo o Relatório de Impacto Ambien-
3 A rodovia Br-156 dá acesso à fronteira com a Guiana Francesa, e possui dois trechos pavimentados
totalizando 384,2 km. O principal eixo pavimentado compreende a área entre a cidade de Macapá até
Calçoene, o que representa uma extensão 330 km. A BR-156 sobrepõe-se à BR-210 entre os quilôme-
tros 20 e 100, ou seja, das proximidades de Macapá até o município de Porto Grande. Somente após o
trevo da cidade de Porto Grande (quilômetro 100) a BR-210 segue de forma mais contundente para o
sentido oeste, enquanto a BR-156 segue em seu traçado rumo ao norte. O segundo trecho pavimentado
compreende uma distância de aproximadamente 50 km e liga o município de Oiapoque à ponte inter-
nacional Franco-brasileira. A respeito da relevância da construção da Br-156, ver: SANTOS, Emma-
nuel Raimundo Costa. Eixos de circulação e infraestrutura na Amazônia Setentrional Amapaense (ASA).
Anais-Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Regional, 2015.
4 Construção da BR 156 é ameaça as reservas. Jornal Brasil, 22/07/1991. Classe 03, pp.02.
122
tal-RIMA, a construção da Br-156, abriu o espaço para exploração dos recursos
naturais e dos trabalhadores. Para, o secretário de obras do Amapá, Ricardo Otero
Amoedo Sênier, “ a estrada é fundamental para o desenvolvimento da região, dos
seus moradores e trabalhadores que dependem do emprego dessa obra”.
5 BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectivas, 1987.
6 ALBERTI, Verena. Histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes históricas.
123
Os trabalhadores e trabalhadoras da construção civil da rodovia Br-156
registram seus movimentos na Justiça de Trabalho por meio da impetração de pro-
cessos trabalhistas contra as empreiteiras e subempreiteiras. Essas ações judiciais
das relações de trabalho serão pensadas a partir dos processos de regulamentação
do trabalho e dos registros dos movimentos de operários (as) e das suas represen-
tações na ASA, nas margens da rodovia da Br-156. Os documentos judiciais com-
põem peças de processos trabalhistas do Tribunal Regional do Trabalho-TRT PA/
AP da 8ª Região da 1ª e da 2ª Vara de Trabalho produzidas no contexto de conflitos
jurídicos que ocorreram contra as firmas contratadas para executarem serviços nos
trechos de Porto Grande até o Amapá.
A pesquisa realizada possui uma clara influência nas convenções estabe-
lecidas pela historiografia britânica contemporânea, representada particularmente
pelos historiadores Edward Thompson e Eric Hobsbawm, e também nos historia-
dores da Amazônia, cujos estudos em história social do trabalho partem de uma
tentativa em reavaliar algumas interpretações e análises sólidas na historiografia
da Amazônia, tais como, Sidney Lobato, Adalberto Paz, Paulo Cambraia, e Edilza
Fontes, entre outros, e também da história da justiça do trabalho, tais como Angela
de Castro Gomes e Fernando Teixeira da Silva, ambos desenvolvendo pesquisas
sobre a legislação trabalhista no Brasil, além de intelectuais na área de sociologia
como José de Souza Martins.
Dos historiadores da Amazônia mencionados, suas pesquisas apresentam
a necessidade de contextualizações que envolvam uma interdisciplinaridade, entre
história, geografia agrária, sociologia do trabalho, política e antropologia, cuja a
finalidade seria reconstruir as experiências e as estratégias dos trabalhadores do
século XX, que fujam das percepções estruturalistas que envolve o trabalhador e
classe operária, e sim, de uma discussão sobre os direitos, costumes, lazer, religio-
sidade, cultura e da história dos trabalhadores e trabalhadoras da Amazônia no
século XX.
124
um processo ocupação e a construção de caminhos por onde se
pudesse realizar o escoamento da produção interna para os portos
marítimos e para as cidades litorâneas.7
125
regiões do país. Com a queda do comércio da borracha, o rio deixou de ser o prin-
cipal pilar para atender os interesses nacionais e internacionais. Na concepção
dessas tendências, as construções de rodovias estavam associadas, para alguns
pesquisadores, à ideia de “civilização de estrada”. Isso se deu também no campo
ideológico, nos discursos de alguns políticos, jornalistas, literários que defendiam e
atribuíam “desvantagens” em manter o sistema ferroviário e fluvial para os projetos
de empreendimentos na Amazônia.
Evidenciou-se um dualismo tanto no campo social quanto na pró-
pria produção científica sobre os transportes terrestres, em que
agentes apaixonados defendiam posições em torno de construções
ferroviárias ou rodoviárias. Não é possível afirmar que essa política
fosse fruto de uma administração calculada e eficiente. Ao contrá-
rio, os rumos da política de transportes foram, em grande parte,
definidos pelos grupos de pressão: interesses das montadoras, das
multinacionais do petróleo e da borracha, aliados aos interesses das
empreiteiras nacionais.11
126
Foi dentro dessa conjectura política da construção de rodovias que houve
a chegada de trabalhadores nordestinos, paraenses, amapaenses e de moradores
locais para executarem diversas atividades nos canteiros de obras de estradas e
ramais ocorridos entre 1970-1990 nas margens da Br-156, em direção ao trecho da
rodovia localizado nos limites entre os Municípios de Macapá até o Amapá. Esse
evento promoveria o avanço do capital no campo e consequentemente a “contrata-
ção” de mão de obra em atividades em meio a floresta amazônica, em contramão,
trabalhadores seriam acometidos por doenças atribuídas ao labor da construção
civil e viveriam sem a proteção administrativa, uma vez que a renda monetária era
insuficiente para a sobrevivência.
O foco da discussão neste artigo é a implantação do projeto de ‘’rodo-
viarismo’’ na Amazônia, sobretudo, da rodovia Br-156, tal como as relações entre
trabalhadores e grupos empresariais que marcaram a construção histórica dessa
região em dois tempos: o da “intervenção militar na Amazônia”, nas décadas de 70
e 80, e o do “pós-ditadura”, sendo eles geradores dos mais dolorosos atos de explo-
ração trabalhistas de atividades temporárias nas margens das rodovias.
Somente em 1970, General Ivanhoé Gonçalves Martins, governador do
TFA, executou seu plano político e econômico que contava com abertura de editais
e constantes reuniões para as licitações de preços para a execução de serviços na
rodovia Br-156, trecho Macapá/Clevelândia. Os trabalhadores expressavam muita
ansiedade na busca pela primeira contratação e, consequentemente, terem carteira
de trabalho assinada. No entanto, as contratações, pagamentos e indenizações es-
tavam sob responsabilidade da Firma vencedora, isto é, a Construtora Comercial
Carmo LTDA, denominada empreiteira, que apenas em quatro meses mobilizou o
recrutamento de trabalhadores rurais e migrantes.14
Observamos que no próprio documento oficial de 1985, fica claro o con-
tingente de operários nesses trechos de obras e que eles não podiam contestar e
nem reclamar os seus direitos ao GFAP. Por outro lado, qualquer reclamação tra-
balhista ou conflitos de trabalho que se instalavam nos canteiros de obras era de
responsabilidade da firma contratada. Ao chegar em Ferreira Gomes, Paulo Sérgio
Quaresma de Oliveira foi procurar o encarregado de obras, que estava hospedado
127
em uma casa de um fazendeiro local, aquele era considerado uma liderança polí-
tica da região do Araguari. Depois de 15 dias na busca por trabalho, foi “fichado”
como carpinteiro na Empresa Montec Engenharia S/C Ltda. Após a conclusão das
obras, ele afirmou na Justiça do Trabalho de Macapá que não houve pagamento do
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço-FGTS e que a firma teria alegado que o
GFAP não tinha repassado o restante do dinheiro.15
Paulo Sérgio Quaresma de Oliveira labutava na construção de pontes de
alto risco de vida como carpinteiro. O salário que recebia o reclamante era, segun-
do CCT em anexo, de servente. Após seu desligamento da empreiteira, ele afirmou
que não houve pagamento do FGTS e que, no período de atividades no canteiro
de obras, não havia as atualizações de valores de pagamentos de horas-extras. O
reclamante alegou ainda que várias vezes tinha que entrar na mata para o corte
de madeiras de lei para serem utilizadas nas construções das pontes em horário
noturno. Essa tarefa era dos braçais, ou seja, a atividade feita configurava desvio
de função, o que consequentemente provocava discussões ou, até mesmo, assédio
psicológico no canteiro de obras. As pontes em obras rodoviárias eram monito-
radas pelos encarregados, os quais, muitas vezes, não compreendiam o cotidiano
trabalhista da construção civil. Ao ser demitido, Paulo não recebeu as guias de
Seguro Desemprego que garantiriam ao Reclamante o recebimento de 03 cotas no
valor Cz$ 136,00 cada, como requer. O fundamento do pedido encontra amparo
nos artigos 159 e 156 da Lei Substantiva Civil, no art. 8º da CLT, haja vista que a
não entrega das referidas Guias gerou prejuízo de ordem patrimonial a ele, isto
é, o FGTS e as diferenças salariais de horas extras. No dia onze de abril de 1986,
reuniu-se a primeira vara do trabalho de Macapá para a apreciação das parcelas
trabalhistas acima epigrafadas.16
128
Embora os processos trabalhistas não tivessem um enorme peso numérico
no TRT de Macapá, podemos observar que alguns reclamantes (peões e braçais), que
labutam nos canteiros de obras exigiam as contribuições dos direitos assegurados
aos trabalhadores, sobretudo, relatavam os grandes problemas enfrentados nas áreas
alagadas, alegando que não havia equipamentos suficientes para retirarem trabalha-
dores, tratores e caminhões dos atoleiros constantes no trecho de abertura de rodo-
vias. As construções das rodovias apontam que, apesar de sua relevância no processo
de interligação entres as regiões do país, as atividades laborais apresentaram muitas
tensões e diversas dificuldades. A respeito do setor ambiental, o desmatamento au-
mentou nos primeiros anos de 1970. Os trabalhadores rurais e migrantes, atraídos
para a floresta tropical com a promessa de terras e um futuro melhor, começaram a
derrubar árvores como jatobá, itaúba, marupá e cedro para instalar suas plantações.
Através do levantamento bibliográfico de autores que trataram do pionei-
rismo das rodovias na Amazônia, será possível deduzir como se deu a relação de em-
preiteiros e os trabalhadores rurais. A partir de 1960, com o apoio do estado, ressur-
giu a imobilização da força trabalho, na qual as firmas e empresas da construção civil
extorquiam dos operários os seus direitos e o baixo custo da mão de obra para obter
lucros, apropriando-se das terras próximas às malhas viárias e aos trechos da Br-156.
Considera-se importante na discussão dessa subseção os programas de ocupação da
ASA que tinham como objetivo integrar a Amazônia ao Brasil e evidenciar quais as
contribuições e condições desses planos para os trabalhadores e trabalhadoras.
As iniciativas mais efetivas para a construção pioneira do rodoviarismo na
Amazônia nasceram com a construção da Belém-Brasília, que ligava a região Norte
ao Centro-Oeste. Rodovia Belém-Brasília, Transbrasiliana, Rodovia Bernardo Sayão,
Br-010, Br-14, Rodovia da Unidade Nacional, são vários os nomes atribuídos à rodovia
construída que ligava a cidade de Anápolis, em Goiás, à Belém, capital do Pará. Os no-
mes atribuídos têm suas particularidades, de acordo com as representações políticas de
unidade de federação. Os acordos regionais e nacionais que favoreciam inteiramente as
empresas e empreiteiras para os fins de construção civil, assim como para a abertura de
estradas e ramais faziam parte da política de desenvolvimento da Amazônia.17
129
Com a viabilidade da construção desse grande empreendimento, além
da relevância econômica, os grandes proprietários de terras e empreiteiras visa-
vam aumentar as suas expansões de obras em vários trechos das rodovias e con-
tavam com acordos firmados com políticos regionais e locais, formando, assim,
uma conexão valiosa para a exploração dos recursos e do controle dos trabalha-
dores nas atividades desenvolvidas na floresta. Essa construção só seria possível
com a captação de recursos por meio de impostos e também de proprietários
rurais da Amazônia.18
Mais precisamente, a literatura e a historiografia da Amazônia de-
monstram que, durante o governo militar, houve favorecimento às empreiteiras
e aos grupos econômicos. Para o geógrafo José Willian Vesentini, os planos de
construção de rodovias em solo amazônico só foram possíveis por causa das
pressões políticas particularmente do Estado do Amazonas e do Pará, com a
criação de uma superintendência focada na formulação de planos para o de-
senvolvimento da Amazônia. A criação da Superintendência do Plano de Va-
lorização Econômica da Amazônia (SPVEA), em 1953, teve como objetivo de-
senvolver economicamente a região mediante ações que integrassem a região
com o restante do país. Dentre as propostas do Órgão, destaca-se a integração
de vias de transportes e comunicações. Posto isso, vejamos o que fala Artigo 7º
do referido documento legal:
Realizar um plano de viação da Amazônia, que compreenda todo
o sistema de transportes e comunicações, tendo em vista principal-
mente as peculiaridades do complexo hidrográfico, sua extensão e
importância na economia regional, e as bases econômicas e técnicas
de sua gradual execução.19
130
tanto, embora fosse essa preocupação da tal instituição, na prática do propósito,
pouca coisa aconteceu, em face às contradições existentes dos próprios governan-
tes do país e da sociedade21.
Problematizando a SPVEA, Alberto Tamer22, no livro “Transamazônica”:
solução para o ano 2001, diz que, as contradições acima expostas extrapolaram o
contexto tornando-se maiores e que, na prática, o projeto não beneficiou os nortis-
tas. Primeiramente, o governo federal nunca cumpriu integralmente o repasse de
verbas das que SPVEA tinha direito. A falta de pagamento era constante e os atra-
sos e descontos se sucediam. Além dos atrasos, os cortes no orçamento do governo
federal também atingiam em cheio esse órgão. Problemas nos empreendimentos
tornaram-se presentes em diversas partes da Amazônia, como tensões no campo e
violências23. Além das chuvas, ramais alagados, rios de tráfego sazonal, problema
dos solos, muitos trabalhadores eram alvos da exploração de trabalho, ao passo que
as empreiteiras que “venciam” o processo licitatório de construção e abertura de
estradas e ramais.
As empreiteiras já eram bastante poderosas econômica e politicamente,
às vésperas do golpe de 1964, tendo elas significativa participação nesse episódio24.
O regime proporcionaria um cenário ainda mais alentador para as atividades e lu-
cros dessas empresas ao garantir baixos salários para os trabalhadores, ausência de
greves e de sindicatos combativos, além de um orçamento extremamente favorável
às construtoras, com grandes e crescentes dotações de recursos públicos para a
realização de investimentos, expressos na forma de obras de infraestrutura.25
No caso da abertura e construção da Br-156, o recrutamento de operários,
os fluxos de pessoas provenientes das margens dos ramais e dos rios ilustraram
a dinâmica espacial e social com padrões de vida diferentes, na qual de um lado
tinham-se os trabalhadores rurais que buscavam terra e trabalho e, do outro, ti-
131
nha-se o avanço de empresas de extração de recursos, fazendas e principalmente
empreiteiras na construção de rodovias, de prédios públicos e estabelecimento pri-
vados, transformando o modo de viver, tal qual determinando, por meio de “oferta
de trabalho”, as condições de vida e de força trabalho.
Na década de 1980, a “economia do garimpo”26 mobilizou pessoas e esti-
mulou a circulação monetária no eixo da rodovia, contudo, esse cenário tornou-se
contraditório, uma vez que o ciclo de ouro nos perímetros de Tartarugalzinho e
Amapá não beneficiava garimpeiros e a população local. Muitos viviam em situa-
ção precária e buscavam outras atividades trabalhistas27. Exemplo disso foi o fecha-
mento de um abatedouro de búfalo no Distrito de Aporema, motivado pela falta
de higiene e maus tratos aos trabalhadores28. Esses fatores contribuíram para que
as empreiteiras revertessem o modelo de recrutamento, isto é, devido à condição
geográfica da distância para Macapá, seria mais viável contratar trabalhadores que
residissem nos lugares mais próximos do trecho de execução das obras, nesse caso,
essa estratégia de contração beneficiaria a firma em termos contratuais e aumenta-
ria a força trabalho de produção.29
Desse modo, podemos afirmar que as empreiteiras não seguiram os erros
cometidos na construção das primeiras rodovias da Amazônia, na década de 1950,
no que diz respeito em não fazer um levantamento e programa de ação exato dos
gastos com materiais e humanos. Dessa forma, para a abrir as terras inexploradas,
florestas naturais e áreas rochosas da ASA seria necessária maior força de trabalho
envolvida na empreitada, quanto maior seria a jornada de trabalho, maior seria
a redução nos valores dos salários pagos aos trabalhadores. Os empreiteiros, em
relação à construção da rodovia, apostavam na política de recrutamento de traba-
lhadores baseada na produção capitalista.
Em relação ao Amapá, a história da abertura da estrada, conectada com
a expropriação de camponeses, teve início em 1946, quando Augusto Trajano de
Azevedo Antunes se juntou à empresa norte-americana Bethlehem Steel30 para for-
26 O fenômeno problemático são os garimpos ilegais que envolvem migrantes, trânsito comercial diverso e pros-
tituição, fenômenos observáveis e definidos aqui como “economia do garimpo”. Cf: ALMEIDA, Carina Santos de;
RAUBER, Alexandre Luiz. Oiapoque, aqui começa o Brasil: a fronteira em construção e os desafios do Desenvol-
vimento Regional. Redes - Santa Cruz do Sul: Universidade de Santa Cruz do Sul, v. 22, n. 1, janeiro-abril, 2017.
27 ALMEIDA, Carina Santos de; RAUBER, Alexandre Luiz. Idem., 2017, p.08.
28 VILHENA, Júlio da Silva. A História e o perfil de Tartarugalzinho. 1º Edição. Tartarugalzinho-AP, 2010.
29PINTO, Gratuliano de Morais, Chefe da Seção de Obras, incumbida o recebimento e julgamento
propostas para a execução dos serviços nos canteiros de obras.
30 A associação com a empresa norte americana Bethlem Steel fazia com que 49% dos lucros fluíssem
para os EUA. E, ainda, os 51% que pertenciam ao capital nacional eram remetidos para o Sudeste brasi-
leiro, algo que ficaria mais evidente quando lembrarmos que a sede da Icomi estava em Belo Horizonte,
132
mar a Indústria e Comércio de Minérios S.A. (ICOMI), que se instalou na região
na década de 50 do século XX. A atividade suscitou questionamentos acerca da sua
capacidade de impulsionar processos de desenvolvimento regional, tendo sido alvo
de críticas de diversas ordens.
No início da década de 50, havia uma única e precária estrada de
terra trafegável por automóveis, partindo de Macapá até Porto Pla-
ton. Era a BR 156, transitável apenas nos intervalos das chuvas. A
partir deste ponto, o acesso para Serra do Navio era através de um
quase intransitável caminho de terra ou subindo a correnteza do rio
Amaparí, muitas vezes enfrentando perigosas corredeiras formadas
próximo a Cupixi. Demorava-se semanas para transportar uma car-
ga entre Macapá e Serra do Navio.31
133
ou identificavam a diferença entre os tipos de terrenos que estrada apresentava em
suas aberturas, tais como: terreno arenoso e argiloso. Esses avaliações eram rele-
vantes para analisar a postura e o comprometimento do trabalhador com a firma33.
Porém, o historiador Cambraia enfatiza que as ligações entre os interesses políticos
e as outras forças sociais da época, as empreiteiras e o Estado, não se preocupavam
com o “progresso” da construção da Br-156. Em sua pesquisa, ele deixa claro que
os discursos ideológicos são favoráveis apenas à política de militarização de mos-
trar para a população camponesa, ribeirinha e, até mesmo da capital, que a aber-
tura e a pavimentação da Br-156 até o município de Oiapoque trariam progresso e
melhoria na comunicação e promoveriam a integração entre o campo e a cidade.
O pesquisador abordou quase todos os aspectos em sua pesquisa, enfati-
zando que a abertura da rodovia, juntamente com as redes hidroviárias, é relevante
para o desenvolvimento da Amazônia quanto ao aspecto das melhorias de onde
vivem milhares de moradores, inclusive em áreas de difícil acesso e distantes da
Br-156. No entanto, criticou as estratégias e as políticas intervencionistas adotadas
no processo de abertura de rodovias no Amapá, apontando que ocorreram diver-
sos erros não admitidos pelos programas e projetos do governo federal. Empresas
construtoras, na maioria das vezes, não previam, em seus planos, as diversidades
geográficas e sociais para a abertura e pavimentação da Br-156.34
Os contratos de empresas nacionais e internacionais na região amazônica
eram de exclusividade daquelas que poderiam garantir prerrogativas e direitos e que
estabeleciam acordos contratuais com os representantes políticos. Era essa política
de conexão burguesia-militar que reunia interesses na época para o desenvolvimen-
to da Amazônia. Essa política coordenada pela administração militar ganhou novos
contornos com a criação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia-
-SUDAM. A partir da criação da SUDAM, embora a população tivesse esperança
134
para o desenvolvimento e para a melhoria da economia, na prática, a aliança privi-
legiou os patrões das rodovias (as empreiteiras e o capital internacional).
A historiografia de referência sobre o tema da ocupação da Amazônia,
a partir de 1970, afirma que o processo de rodoviarismo, sob controle das ins-
tituições e órgãos militares, com apoio dos proprietários rurais, investidores es-
trangeiros, consistiu na despolitização das questões relacionadas aos moradores e
trabalhadores da zona rural. Na verdade, esses órgãos nunca chegaram à comuni-
dade camponesa com grandes investimentos, pois a democratização do acesso ao
trabalho e à terra não estavam na política que o governo implantava para o desen-
volvimento da Amazônia.
135
para estudos sobre a história social principalmente envolvendo questões de movi-
mentos sociais, trabalhistas, de colonização, amplamente sustentada e apoiada por
uma política de concessão de incentivos fiscais regionais, com argumentos carac-
terizados de uma “Amazônia pouco povoada”, baixa demografia e uma área isolada
do restante do país.37
A construção do espaço amazônico, ao longo de sua história, foi se pro-
cessando através de um conjunto de mecanismos políticos-jurídicos, coordenados
pelo governo federal, como parte de uma política territorial com visita e garantia
de seus espaços internos. Desta forma, os planos foram implantados e conjugado a
partir de uma estratégia intervencionista, tanto no nível da estrutura de seu territó-
rio, quanto à gestação dos instrumentos necessários à viabilização dessa política.38
A literatura sobre os locais de destinos dos trabalhadores da Amazônia é
abordada pela Geógrafa Becker que afirma que a ocupação da Amazônia se tor-
na prioridade máxima após o golpe de 1964, quando, fundamentado na doutrina
da segurança nacional, o objetivo básico do governo militar torna-se a criação de
um projeto de modernização nacional, acelerando uma radical reestruturação do
país.39Nesta direção, o que estaria por detrás de bordões como: “Prospere com a
Amazônia” e “Integrar para não Entregar”?
Nesse sentido, segundo Gerd Kohlhep, o Plano de Integração Nacional,
sob o bordão “Integrar para não Entregar”, foi baseado na implementação de
estradas como a Transamazônica, Cuiabá-Santarém, Belém-Brasília, Perimetral
Norte, Br-156 entre outras, com a finalidade de transformar essas estradas e
rodovias em corredores do desenvolvimento amazônico e em roteiro de migra-
ção e colonização da Amazônia, mudando a visão de desenvolvimento regional,
tendo, assim, um olhar voltado para as questões da região amazônica, trazendo
uma nova concepção de desenvolvimento inter-regional, ligando as principais
regiões produtivas.
Convém lembrar que o planejamento estatal não se resume apenas à
construção de estradas e rodovias. Ignorando as peculiaridades de moradores
e trabalhadores que viviam na floresta amazônica e ribeirinhas, desde 1967, o
37LOUREIRO, Violete Refkalefsky. Amazônia: estado, homem. Natureza. 2. ed. – Belém: CEJUP 2004.
(Coleção Amazoniana, 1). HALL, Antonhy. “O desenvolvimento da Amazônia brasileira”. In: Amazônia
desenvolvimento para quem? Desmatamento e conflito social no Projeto Grande Carajá. Rio de Janeiro:
Zahar, 1991.
38RIBEIRO, Hidelberto de Sousa. Políticas territoriais e colonização numa área da Amazônia Oriental.
Jundiaí, Paco Editorial, 2016.
39BECKER, B. K.; MIRANDA, M.; MACHADO. L. O. Fronteira Amazônica: Questões sobre a gestão do
território. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1990, p 219.
136
governo militar criou órgãos e empresas para colocar em prática suas Estratégias
para a região.40De certa maneira, a criação da SUDAM, do Banco da Amazônia
(BASA) e da Zona Franca de Manaus, região privilegiada com incentivos fiscais,
e o organismo destinado a supervisioná-la, a Superintendência da Zona Franca
de Manaus-SUFRAMA, podem ser vistas como uma concepção de natureza geo-
política que visa à exploração de recursos minerais, vegetais e da força trabalho
de milhares de trabalhadores.41
Para Ribeiro, como fundamento para tal concepção, a história de tenta-
tivas de ocupação da Amazônia sempre combinava em dois objetivos. O primei-
ro, o da geopolítica, que vê no conhecimento geográfico da região um importante
fator para a intervenção, sendo necessária para a criação de uma infraestrutura,
visando à exploração de seus recursos naturais, fundamentais para o desenvolvi-
mento proposto ao país e, consequentemente, da região. O segundo, que observa
o papel desempenhado pelo povoamento através da colonização, pois, a criação
de lócus populacionais fomentaria não só o crescimento demográfico na região
como também garantiria a posse efetiva da Amazônia e a expansão de sua fron-
teira econômica.42
Nesta perspectiva, o que interessa nesse discurso é o contexto das políti-
cas territoriais, estas que estão diretamente relacionadas à questão da integração
e da unidade nacional. Mudanças surgiram com a criação do Plano de Integração
Nacional-PIN43, projeto esse embasado em uma visão nacionalista, responsável
pela construção da Perimetral Norte - Br-210 e a Transamazônica – Br-230, condi-
cionado numa gama de mecanismos fundamentais à efetivação do fortalecimento
do capitalismo no campo.44
De um ponto de vista crítico, seguindo o raciocínio de Ribeiro e Feitoza,
pode-se afirmar que o avanço da fronteira na Amazônia foi apoiado nas propagan-
das ideológicas construídas durante a década de 70. É nesse sentido que Oliveira,
Sales e Lacerda nos remetem que a ocupação da região amazônica, viabilizada pe-
40 FILHO, João Meirelles. O Livro de Ouro da Amazônia. Editora Ediouro, 2004. p.135.
41CHAVES, Valena Jacob. A utilização de mão de obra escrava na colonização e ocupação da Amazônia. Os
reflexos da ocupação das distintas regiões da Amazônia nas relações de trabalho que se formaram nestas lo-
calidades. In: VELLOSO, Gabriel; MARANHÃO, Ney (Coordenador). Contemporaneidade e Trabalho – As-
pectos materiais e processuais. Estudos em homenagem aos 30 anos da AMATRA 8. São Paulo: Letra. 2011.
42 RIBEIRO, Op. cit., 2016.
43 Ibidem, p.36.
44FEITOZA, S. K. A. A rodovia perimetral norte: objetivos e impactos da sua construção no território
federal de Roraima (1970-1982). 2016. 65 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em História)
– Centro de Ciências Humanas – CCH, Universidade Federal de Roraima, Boa Vista, 2016.
137
las políticas nacionalistas ocasionou uma série de projetos rodoviários, proporcio-
nando um fluxo migratório de trabalhadores, inseridos na engrenagem de abertu-
ras de estradas e rodovias.
Algumas rodovias não tiveram nem a metade daquilo que estava
proposto no projeto de construção. É o caso da Br-230 (Transama-
zônica), e da Br-210 (Perimetral Norte). Com relação a essas gran-
des estruturas de rodagem, [...] no contexto das rodovias no estado
de Roraima, pontuando sucintamente a Br-174, esta que representa
o eixo central, sendo a responsável por interligar a capital Boa Vista
a Manaus. E em especial a Perimetral Norte (Br-210), novamente
evidenciando que esta rodovia proporcionou o povoamento na re-
gião Sudeste do estado, além de atualmente ser uma das principais
vias de escoamento de toda a produção agrícola gerada nos municí-
pios de Caroebe, São Luiz e São João da Baliza.45
138
Ademais, com a abertura de rodovias e novas estradas, o capitalismo
avançou no campo e fez aumentar a acumulação e a concentração de riquezas na
exploração da força trabalho de camponeses e de migrantes.48Esse processo trans-
formou o meio rural com a mecanização, a industrialização e a modernização tec-
nológica de alguns setores da agricultura, assim como expropriou e expulsou da
terra os trabalhadores rurais, causando o crescimento do trabalho assalariado. Pela
primeira vez, ligando os centros nacionais de população e a capital com o coração
da floresta, descobriu-se que a Amazônia não era o vazio demográfico que os go-
vernantes da época pensavam.49
Arthur Reis traça algumas diretrizes de produções de temas sobre a Ama-
zônia. Já na década de 1950, abordou em seus estudos os termos utilizados por al-
guns autores, pesquisadores e literários na visão estereotipada das primeiras déca-
das do século XX. Esses estereótipos eram comuns nas propagandas varguistas na
época da ditadura militar. Para o historiador, na política de ocupação, era ratificada
a ideia de uma natureza que se sobrepõe à atividade humana, isto é, uma região
sem cultura, grande vazio demográfico e sem civilização. E não seria possível defi-
nir essa área como toda homogênea, e sim heterogênea.50
É possível lançar dois questionamentos relevantes na abertura de estradas
na Amazônia. O primeiro se refere à articulação dos padrões produtivos entre o
governo militar e as empresas capitalistas, estabelecendo uma crescente exploração
de recursos e das pessoas. O segundo argumento afirma que essa aproximação ori-
ginou vários problemas no sistema agrário amazônico, isto é, na expropriação de
camponeses, exploração da mão-de obra, violência e outros. Trata-se justamente
da introdução de uma nova divisão social do trabalho que gerou o abandono da
população interiorana no seu laissez faire de subsistência econômica.
Foi também durante a década de 1970 que a introdução das máquinas,
tratores, caçambas e a chegada de trabalhadores provocou a circulação de novos
sujeitos. O processo de indução migratória, mineração, acirramento entre emprei-
teiros e trabalhadores foram presentes no eixo da abertura e construção da rodovia,
o que direcionou para a criação de vilas, agrovilas, assentamentos agrários e muni-
139
cípios. Essa rodovia foi o primeiro corredor de conexão e dinâmica territoriais. As
primeiras casas aos redores da Br-156 foram contidas nas narrações dos moradores.
As dinâmicas sociais dos caboclos da Amazônia de migrações da ocupação do terri-
tório entre o Rio Araguari e Rio Grande Amapá constituem parte da análise iniciais
como contexto para compreendermos as labutas de homens e mulheres.51
Em termos de uma concepção historiográfica, os perímetros nos cantei-
ros de obras foram marcados por esse rearranjo do espaço, que também implicou
nas perspectivas da colonização e das relações de trabalho, o que gerou um exce-
dente de mão de obra no capital monopolista presente no eixo de Ferreira Gomes
até o Amapá. Decorrente disso, as empreiteiras de construção civil foram vistas, ao
mesmo tempo, como uma nova forma dos antigos moradores captarem recursos
para garantirem suas sobrevivências, por outro lado, essa configuração modificou
os espaços dos moradores, produtores rurais e dos trabalhadores que prestavam
serviços públicos privados nas condições de explorados nos diversos empreendi-
mentos na área do extrativismo, mineração, agricultura e pecuária.
Para essas construtoras e empreiteiras instaladas nos trechos da Br-156,
o prazo de entrega da obra era essencial para manter novas licitações com os po-
líticos amapaenses; e para os trabalhadores, as jornadas de trabalho aumentavam,
com culturas rígidas no canteiro de obras, e seguiam as normas e legislação da
segunda, que, na maioria das vezes, eram fiscalizados pelos engenheiros da Cons-
trutora Comercial Carmo Ltda e pelos técnicos que representavam o governador
Ivanhoé. Uma reflexão importante é que nem todos trabalhadores se adequaram
ao modelo de atividades executadas em plena floresta da ASA, onde predomina-
vam os trabalhos agrícolas e onde os operários buscavam melhorias de vida.
O sistema de trabalho por empreitada era garantir a rápida execução das
obras, no entanto, problemas da região da ASA como chuvas constantes entre os
meses de janeiro a junho, além do difícil acesso à mata, locais de atoleiros de veí-
culos, a demora de abastecimentos de alimentos e os salários baixíssimos, que não
seguiam as normas da tabela salarial da construção civil, de acordo com a lei em
vigor do GTF-AP, eram alguns dos fatores que causavam atraso na entrega da obra.
Conforme constatamos na tabela 1, os operários contratados estavam assegurados
pelo decreto federal que obrigava a empreiteira a pagar o salário e mais o auxílio
alimentação, mas que os representantes da firma alegavam que não havia orçamen-
to para assegurar os direitos dos trabalhadores. Muitas empreiteiras recorriam aos
140
mais variados métodos de dominação para assegurar a produtividade da força de
trabalho, que variavam da produção à subordinação nos canteiros de obras, como
afirma abaixo o entrevistado, apontando uma direção de exploração do trabalho
que garantia os lucros dos patrões das rodovias:
No canteiro de obras, os salários variavam de acordo com as funções
trabalhistas, o nível salarial dos trabalhadores braçais, cozinheiro,
ajudante de pedreiro e carpinteiro não especializados eram (de
duzentos e doze cruzeiros novos) NCr$212,00, já os carpinteiros,
pedreiros, ferreiros recebiam (de duzentos e noventa e seis cruzei-
ros novos, e trinta centavos) NCr$296,30; enquanto o salário dos
caçambeiros, tratoristas recebiam de duzentos e sessenta e seis cru-
zeiros novos, e trinta centavos) NCr$266,30 e de (duzentos e noven-
ta e seis cruzeiros novos, e trinta centavos) NCr$296,30. O que me
deixava muito brabo, é que a gente trabalhava o dia todo, e ainda
desqualificavam nosso trabalho, tinha dias que faltava a farinha, na
comida, mas, que não faltava era trabalho, pois para o patrão a pro-
dução era o que valia que as vezes ultrapassava o horário de saída
da obra, enquanto o salário continuava pouquíssimo para manter a
sobrevivência da família.52
141
Nessas condições, concordamos com Tamer, em um artigo publicado em
o Estado de São Paulo, que faz uma brilhante análise esclarecendo os riscos da
presença das empresas capitalistas, empreiteiras e o avanço dos latifundiários no
campo. O autor apresentou uma lista de medidas selecionadas que garantiriam os
direitos e as sobrevivência de milhares de trabalhadores, posseiros e antigos mora-
dores, o que ele denominou de Decálogo de sobrevivência:
O que será preciso para enfrentar-se o desafio de uma zona de selva
desconhecida e insalubre? Perguntamos a um técnico habituado a
experiências desta ordem. Sua resposta mostra o vulto do empreen-
dimento necessário: 1-A instalação imediata de um pequeno hospital
com aparelhamento para análise de sangue. Produção de gelo. 2-Pro-
filaxia de todo homem que entre na área para trabalhar, afim de que
não seja ainda mais ampla a contaminação, pois ele já traz consiga
inúmeras doenças. 3-Perfuração de poços para obtenção de água po-
tável e não contaminada. Educação do operário – ou do migrante - a
fim de que ele adquiria os hábitos de higiene indispensáveis ao sanea-
mento geral. Esse trabalhador, precisará ser, acima de tudo, examina-
do clinicamente e, depois, preparado para obedecer a um regulamen-
to rígido, uma espécie de “decálogo de sobrevivência na selva”. Sem
isso, acrescente-se, todo o trabalho de saneamento estará perdido.54
54 TAMER, Alberto. Primeiro será preciso sobreviver. O Estado de São Paulo, 29 de julho de 1970.
55 THOMPSON, E. P. Costumes em Comum, Op. cit.; 1998, p.272.
142
atrelado ao ganho de dinheiro, com a produção e a presença disciplinar, marcado
também pelos padrões adotados pelos patrões de rodovias para aumentar suas rique-
zas por meio da força trabalho. A existência de uma força de trabalho foi capaz de
acelerar e concluir os serviços nos eixos rodoviários no menor tempo possível. Isso
garantia um grande fortalecimento da política intervencionista e dos acordos entre
a elite amapaense. Os contratos eram de menor tempo possível e, evidentemente,
buscavam bons lucros aos investidores, liberando-os para acordar novos contratos.
Conclusão
143
realidade nos permite verificar que muitos peões foram responsáveis pela crescente
articulação e construção de obras públicas e privadas e que essa contribuição da
força trabalho em solo amapaense teve início muito antes do período estudado.
No governo janarista, por exemplo, os operários tinham seus direitos trabalhistas
burlados, resultando em divergências nos canteiros de obras. Era comum nessa
região os trabalhadores braçais exercerem outras funções. Historicamente, no tre-
cho pesquisado, encontravam-se outros sujeitos sociais que já ocupavam essa área
como alguns grupos de indígenas, caçadores, fazendeiros, castanheiros, seringuei-
ros, camponeses e pescadores que resolveram substituir as atividades tradicionais
pelo trabalho sazonal na abertura de estrada ou em outras atividades econômicas.
Podemos perceber, na presente pesquisa, que a grande maioria dos traba-
lhadores/as da rodovia possui uma trajetória de migrações, seja dentro da mesma
cidade, no mesmo munícipio, ora morando na cidade, ora no campo ou mudan-
do-se de um munícipio para o outro, de outros estados para Amapá e o Pará e/ou
mesmo do Maranhão e Pará para o Amapá. Dessa forma, essa condição de movi-
mentação forçada é constante na trajetória dos peões de estradas, peões cabaços e
braçais que buscavam trabalho em mineração, empresas extrativistas e na cons-
trução civil. Também podemos perceber em entrevistas com ex-trabalhadores/as
e trabalhadores/as da Br-156 que o histórico de inserções profissionais no canteiro
de obras, ao longo da trajetória, geralmente se deu de maneira precária.
Referências
FONTES DOCUMENTAIS
JORNAIS:
JORNAL Diário do Amapá. BR 156: A vovó das rodovias federais em construção no Brasil
fica no Amapá. Publicado no dia 23/04/2018.
JORNAL Diário do Amapá, artigo publicado no dia 06 de outubro de 2018, pelo colunista e
historiador Nilson Montoril, destaca em seu texto que outro lugar condigno fosse preparado
para abrigar o gabinete do governador, Janary Nunes e seus primeiros assessores dividiram
os espaços da Prefeitura de Macapá com a equipe de Jacy Jucá.
144
JORNAL Diário do Amapá. As estradas incipientes da rodovia Macapá- Clevelândia nos
tempos de Janary, Publicado no dia 15/10/2000.
PROCESSOS TRABALHISTAS:
BIBLIOGRAFIA:
ALBERTI, Verena (2010). Histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi
(Org.). Fontes históricas. São Paulo: Editora Contexto, 2010.
BOURDIEU, Pierre (1987). A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectivas,
1987.
BRAGA, Magno Michell Marçal (2015). Rota Transamazônica: Nordestinos e o Plano Na-
cional de Integração. Curitiba: Editora Prismas.
145
CHAVES, Valena Jacob (2011). A utilização de mão de obra escrava na colonização e ocupa-
ção da Amazônia. Os reflexos da ocupação das distintas regiões da Amazônia nas relações
de trabalho que se formaram nestas localidades. In: VELLOSO, Gabriel; MARANHÃO, Ney
(Coordenador). Contemporaneidade e Trabalho – Aspectos materiais e processuais. Estu-
dos em homenagem aos 30 anos da AMATRA 8. São Paulo: LTr.
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148
Renan Nascimento Reis
“OU SE ACOMODA
OU LUTA”: A REFORMA
UNIVERSITÁRIA E OS
ACORDOS MEC/USAID
Introdução
150
Havia um conflito discursivo a respeito da Reforma Universitária que ul-
trapassou o espaço da UFPA antes mesmo do golpe de 1964. A União Brasileira de
Estudantes Secundários (UBES) promoveu, em janeiro de 1962 em Belém do Pará,
o I Encontro Regional de Reforma Educacional das Regiões Norte e Nordeste do
Brasil. Ao ato público que encerrou a reunião e fez parte de uma série de medidas
da UBES para descentralizar o movimento secundarista, compareceram estudan-
tes, operários e camponeses, que se locomoveram de grandes distâncias para pres-
tigiar a “manifestação concreta da aliança operário-estudantil-camponesa”.
A vice-presidência de Intercâmbio Internacional da UNB promoveu, en-
tre 28 de outubro e 2 de novembro de 1963, em Belém, o Seminário Latino-Ameri-
cano de Reforma Universitária. O seminário teve como objetivo principal discutir
as posições dos alunos latino-americanos sobre a luta pela reforma e estabelecer
uma diretriz única para o movimento. “Ressalvada, evidentemente, as peculiarida-
des internas de cada país”.
Isso significa dizer que já havia uma discussão no âmbito estudantil, antes
do golpe de 1964, a respeito da necessária reestruturação das universidades públicas.
Com a ditadura militar e as novas legislações autoritárias que buscavam enfraquecer
o ME, o tema se tornou uma das bandeiras para construir uma oposição ao regime.
Embora reconheçamos o mérito da pesquisa de Dreifuss, principalmente
por detalhar com minúcia o contexto que envolveu os movimentos políticos antes
do golpe, não podemos deixar de alertar para o fato de que o pesquisador incidiu
em generalizações ao tratar dos estudantes, engessando-os em dois grupos (“es-
querda” e direita”), sem observar os territórios de conflitos que ali existiam e sem
levar em consideração as especificidades dos mais variados grupos de militância
estudantil que atuavam em vários meios acadêmicos.
Na UFPA, por exemplo, existia uma divisão política entre os estudantes
naquele contexto de crise que desembocou no movimento de deposição de João
Goulart. Se, de um lado, existiam os que aprovavam as reformas de base propostas
pelo governo Goulart, por outro, havia quem resistisse a essas mudanças, indo ao
encontro dos que eles chamavam de “comunas”.
Isso significa dizer que não existia um movimento estudantil unificado,
ou totalmente alinhado às ideias de esquerda, mas havia também grupos de estu-
dantes de direita, o que suscitou um clima de conflito interno, desembocando em
violência física algumas vezes. Segundo depôs João de Jesus Paes Loureiro, aluno
da Faculdade de Direito em 1964, existiam alunos “reacionários” como aqueles
ligados ao grupo conhecido na época pelo nome de “Lenços Brancos”.
151
Em Belém, no ano de 1975, ainda era possível que um estudante fosse
arregimentado pela Tradição, Família e Propriedade (TFP) local. Antônio Sérgio
da Costa, estudante do terceiro científico do Colégio Salesiano do Carmo, relatou,
em reportagem publicada pela revista paraense Bandeira 3, o que chamou de “la-
vagem cerebral” recebida durante uma semana em que esteve na XXIII Semana de
Formação Anticomunista (SEFAC) em Itaquera, São Paulo.
O estudante conheceu a TFP por acaso “quando via os rapazes de cabelo
escovinha passarem próximo ao local de estudo”, época em que tinha apenas de-
zesseis anos. Um membro da entidade entrou, certa vez, na farmácia pertencente
ao seu pai para comprar um remédio quando o jovem indagou se esse pertencia
a alguma ordem religiosa. Foi nesse dia que recebeu o convite para conhecer o
Núcleo dos Militantes da TFP situado em uma rua estreita no bairro Cidade Velha.
“Na primeira reunião, mostraram-lhe um imenso mapa do mundo no qual alguns
países estavam assinalados como dominados pelo comunismo”.
152
Duas semanas depois, ele começou a usar paletó e a cortar o cabelo “à
moda dos tefepistas”. O estudante foi orientado a estudar o livro básico da organi-
zação, “Revolução e Contrarrevolução”, além de resumos dos acontecimentos do
mundo feitos pelos próprios membros da organização. Em seu retorno a Belém,
passou a aliciar jovens a ingressarem na entidade. Entre os principais financiadores
da TFP da capital paraense (Figura 4), estava o comerciante português Antônio
Pinto Soares, dono da “Casa Albano”, uma grande mercearia local, e revendedor
autorizado das bebidas CERPA S.A..
A publicação causou aborrecimento no SNI, que afirmou se tratar de
tentativa de desprestigiar a TFP “através de inverdades, insinuações, reticências,
analogias com outras organizações, omissões e outras táticas, úteis aos propósi-
tos de difamar uma entidade, genuinamente anticomunista e defensora dos pos-
tulados e ideais cristãos”.
Amiúde, diante da presença de pautas reformistas e revolucionárias,
notamos, a partir da análise da documentação, que os estudantes da UFPA lu-
tavam por questões pontuais e objetivas, resultantes de sua experiência nessa
universidade. Não podemos incorrer no erro de atribuir uma identidade única
ao Movimento Estudantil (ME), nem mesmo deixar de considerar as mudanças
pelas quais passou depois do golpe. Além disso, a militância estudantil da UFPA
levantou pautas específicas da região amazônica, as quais não surgiram como
bandeiras em outros espaços.
Não podemos, igualmente, afirmar que o movimento estudantil, como
um todo, trazia consigo o espírito reformista dos anos 1950, ou mesmo, que
essa ou aquela geração (de “1964”, “1968” ou de “1978”) deu o norte para a
formação de resistência contra o regime, uma vez que as demandas mudaram,
conforme a ditadura ia se (re)fazendo e enquanto grupos estudantis entravam
e saíam de cena. As observações de Eder Sader são mais lúcidas nesse sentido
ao destacar a pluralidade e a mutabilidade dos movimentos e as alterações na
forma de manifestações, demonstrando ser inviável sedimentar as identidades
estudantis.
Daniel Aarão Reis Filho sinalizou também nesse sentido, sobretudo, ao cha-
mar atenção para as “fraturas e contradições internas” do Movimento Estudantil, o
qual teve de lidar com divisões políticas e estabelecer sua autonomia frente à interfe-
rência dos partidos revolucionários. Concordamos com esse ponto de vista, ao passo
que a análise das fontes documentais, que serão expostas, dá conta de que reduzir a
ação dos estudantes durante a ditadura militar, por exemplo, aos ditames dos partidos
153
clandestinos, significa negligenciar as experiências vividas no cotidiano universitário
e como elas construíram uma forma específica de luta contra a ditadura.
É também reforçar o argumento, muitas vezes levantado, de que a vio-
lência promovida pelo Estado contra opositores do regime se constituiu como
uma reação às ações celeradas promovidas por grupos armados. Muitas dessas
ações eram, de fato, promovidas por militantes arregimentados nos meios uni-
versitários, mas, ao lado destas, foram promovidos modos de oposição dentro
do campo “legal”, os quais sofreram igual retaliação.
Portanto, são imprecisas as insinuações de Elio Gaspari sobre o movi-
mento estudantil durante o regime militar. Não poucas vezes o jornalista associa
os estudantes a categorias generalistas (e até preconceituosas), isto é, ao que ele
chama de “radicalismo brizolista”, aos partidos comunistas, à luta armada, afir-
mando que o movimento estudantil “tinha um pé na esquerda e outro na elite”.
Segundo Gaspari, o ME “não cabia na clandestinidade simplesmente
porque era uma espécie de espoleta histórica do intrincado processo de meta-
morfoses ideológicas da plutocracia nacional”. Tanto a documentação da re-
pressão quanto os testemunhos de ex-militantes sinalizam uma realidade mui-
ta mais complexa do que a descrita por esse autor.
Os protestos de estudantes documentados pelo SNI, presentes nas me-
mórias dos sujeitos que atuaram nessas manifestações e nas notícias de jornais da
época, eram o “contrateatro” em que os estudantes atacavam o regime. Essas mani-
festações – mais recorrentes antes do AI-5, explodiram em 1968, sendo reelabora-
das sob a vigência daquele novo dispositivo, e ganharam novo gás com o processo
de abertura política iniciado em 1974 – mostram que os estudantes compreendiam
“sua capacidade de ação e a sua própria arte do possível”.
Isso quer dizer que modelos generalistas sobre o movimento estu-
dantil, além de desconhecer as particularidades de cada grupo estudantil
que lutou contra os militares, ignoram, no sentido mais amplo, as tempora-
lidades e os espaços pertinentes às mais diversas ações políticas de embate
contra o regime.
O notório engajamento militante de grupos de estudantes, nos anos 1960,
reflete o clima político que tomou conta do País durante esse período. Em Belém
do Pará, posterior à tomada do poder pelos militares, os jornais veicularam que
existia um inimigo subversivo da democracia, das tradições e da ordem, o qual de-
veria ser combatido pelos “heróis” de botas, sugerindo que, antes de 1º de abril de
1964, não havia uma democracia no Brasil. Os três principais periódicos daquele
154
momento, A Província do Pará, O Liberal e Folha do Norte, publicaram artigos
sobre o “perigo vermelho”, a “cubanização” e o “avanço comunista”, o que tornaria
imperiosa a substituição do então presidente João Goulart, o qual pretendia, se-
gundo essa narrativa, implantar uma ditadura comunista.
Havia, naquela época, notória divisão política da sociedade: entre aqueles
que viam nas reformas de base, propostas pelo presidente, um caminho para as
mudanças necessárias ao País e aqueles que reagiam ao reformismo, através de um
discurso anticomunista, e tentavam mobilizar a sociedade civil contra as forças
progressistas.
Alacid Nunes e Jarbas Passarinho, indicados pelo regime para liderarem a
“Revolução” no Estado do Pará, não tardaram a aderir também a “caça às bruxas”,
que se espalhou como uma “onda” por todo País com o objetivo eliminar do ser-
viço público os elementos subversivos (Figura 2). No Pará, o governador Passari-
nho aposentou e exonerou, pelo menos, doze funcionários da Prefeitura de Belém.
Esses processos eram transvestidos de supostas apurações de irregularidades em
gestões anteriores. Traduzindo: expurgar comunistas da gestão pública. Por ato do
prefeito Alacid Nunes, foi criada a Comissão Municipal de Investigações, presidida
por Silvio Meira, consultor-geral da Prefeitura.
Nota: segundo a Agência Nacional, foi uma das maiores de que se teve notícia, contando com a par-
ticipação de 100 mil pessoas. De acordo com a legenda originalmente publicada, a passeata não tinha
“caráter político-partidário” e o “povo veio às ruas saudar a vitória democrática”.
155
Uma Comissão de Inquérito (CI) também foi instituída pelo governador
Jarbas Passarinho para investigar irregularidades que “teriam ocorrido nas dife-
rentes repartições do Estado, em administrações anteriores”. Citar esses dados é
importante para perceber como essa “onda” foi se aproximando do campus.
No dia 1º de abril de 1964, a sede da União Acadêmica Paraense (UAP)
foi invadida por tropas do exército e tudo foi quebrado, incluindo o Teatro de
Arte Popular. Os estudantes fugiram pulando os muros das casas vizinhas, en-
quanto soldados apontavam suas metralhadoras em direção ao prédio. Pedro
Galvão, presidente da entidade naquele momento, foi preso por cinquenta dias,
sendo indiciado em Inquérito Policial Militar (IPM) por subversão, o mesmo
ocorreu com outros estudantes, militantes políticos, lideranças sindicais e mem-
bros do PSD no Pará.
No momento da invasão da UAP pelos militares no dia 1º de abril de
1964, mesmo dia em que acontecia, em Belém, o Congresso pela Reforma Uni-
versitária na América Latina, João de Jesus Paes Loureiro, aluno do curso de Di-
reito, tirava cópias do jornalzinho da UNE em outro local. Quando retornou, viu
a sede completamente tomada e os agentes da repressão carregando uma “carra-
da” de materiais, dentre os quais, a edição do seu livro, “Tarefa”, patrocinada pelo
CPC da UNE, com conteúdo considerado subversivo. Dessa feita, ele passou a ser
considerado, pelos olhos do regime, como elemento subversivo, o qual deveria
ser vigiado de perto.
Naquela noite de 31 de março, além de Paes Loureiro, Leonídio Macedo e
Heitor Dourado rondaram a cidade em uma Kombi, avisando aos demais colegas
o que havia acontecido na UAP e para que tivessem cuidado. A situação era tensa
e, até mesmo, o motorista do veículo, cedido pela Universidade Rural, foi identifi-
cado como espião. Loureiro escondeu-se nas ilhas de Abaetetuba, sua terra natal,
onde seria “caçado” pela corveta da Marinha: “foi duas vezes lá e pressionou a mi-
nha família, pressionou pessoas da cidade, mas não conseguiram me localizar”.
Voltando a Belém, passou um tempo em clandestinidade e evitou mais
confusões, ocupando seu tempo com a Faculdade e sessões no Cineart, na Pra-
ça Brasil, mas demorou pouco tempo para que as autoridades o localizassem.
A testemunha ficou detida na 5ª Companhia, local chamado hoje de “Casa das
Onze Janelas”, até ser encaminhado para o Rio de Janeiro. O interrogatório
de Paes Loureiro ocorreu no dia 11 de abril de 1964, no Quartel-General do
Comando Militar da Amazônia, na presença do então major Alacid Nunes,
encarregado do IPM.
156
O ex-aluno não foi o único alvo da “Revolução”. Conforme noticiado
pela imprensa, as Forças Armadas “caçaram” “agitadores” e apreenderam armas no
Norte do País. Tropas do Exército, que realizaram essas prisões, encontraram, na
sede da UAP, “grande quantidade de material subversivo”.
De 22 a 25 de maio de 1964, uma devassa, eufemicamente chamada de
“Comissão de Investigação Sumária do Estado do Pará”, foi liderada pelo general de
divisão Ernesto Bandeira Coelho com o objetivo de apontar “irregularidades” na
gestão pública local. A “missão” atribuída pelo marechal Castello Branco envolvia
pesquisar, de maneira “aprofundada”, as “inapagáveis manchas da corrupção”, as
quais, segundo o relatório escrito pelo general encarregado, estavam “mescladas”
às “manifestações subversivas”.
Havia a crença de que a corrupção e o esquerdismo eram elementos atre-
lados e infundidos no aparelho estatal, portanto, o combate a um deles teria efeito
automático no outro. O relatório escrito a partir da investigação, que durou apenas
(inacreditáveis) quatro dias para levantar dados sobre as três esferas de poder no
Pará, atestou a presença de corrupção nos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo.
Walter Nunes de Figueiredo (juiz de direito de Belém), vários políticos
ligados ao Partido Social Democrático (PSD), como o deputado Hélio Gueiros,
Aurélio Corrêa do Carmo (governador do Estado do Pará), Francisco Gomes de
Andrade Lima (superintendente do Plano de Valorização Econômica da Amazô-
nia) e Issac Soares (vice-prefeito de Belém) estavam todos, segundo a Comissão,
envolvidos em esquemas de corrupção.
O trabalho de levantamento também afirmou que cabia ao secretário es-
tadual de Educação e Cultura, Benedito Celso de Pádua Costa, a “responsabilidade
de ter permitido, por omissão, a infiltração comunista” na UECSP, onde trinta,
entre os trinta e oito “diretórios estudantis secundários”, apresentavam “sinais de
infiltração esquerdista”. No legislativo, apenas um deputado, Benedito Monteiro,
era comunista, cujo mandato fora cassado (Figura 3).
No executivo, o governador do Estado teria aceito “apoio comunista para
sua campanha eleitoral” e deixado de “fazer qualquer restrição de ordem ideoló-
gica aos líderes do comunismo local”. Luiz Geolás de Moura Carvalho, prefeito de
Belém, também foi identificado como figura próxima ao Partido Comunista. Já no
Poder Judiciário, o juiz de direito Levy Hall de Moura, segundo o material, profes-
sava ideias comunistas e havia tomado “parte nas agitações antecedentes à Revolu-
ção de 31 de março, comparecendo a comícios e reuniões do Comando Geral dos
Trabalhadores e Sindicatos de orientação comunista”.
157
Figura 3 - Prontuário do ex-deputado estadual cassado, Benedito Monteiro,
mantido no Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica
158
tência”, quando os corpos docentes e discentes passariam a ser alvo de um con-
trole político estatal cada vez mais frequente, seguindo uma lógica “biopolítica”,
para citar Giorgio Agamben, em que a soberania do regime se faz presente na
“vida nua” de cada indivíduo.
A instalação do aparelho repressivo na UFPA, através do SNI e da Asses-
soria Especial de Segurança e Informações, seguiu a necessidade de exercer vigi-
lância direcionada a cada membro desse “corpo”, em cada detalhe, enraizando-se
naquele espaço, rotinizada de tal maneira que sua existência e atuação sobrevive-
ram ao “fim” da ditadura em 1985.
Acontece que, de um lado, após o golpe civil-militar de 1964, o governo
militar voltou sua atenção para uma demanda que há muito vinha sendo levantada
no Brasil: a necessária modernização do País em vários de seus segmentos, entre
eles, o universitário. De tal modo que o aumento do número de vagas universitá-
rias tornou o problema ainda mais sensível.
Parte da imprensa paraense viu com entusiasmo a importação de um
novo modelo de gestão do ensino superior. Ao tratar da construção do Núcleo
Universitário, em matéria divulgada em setembro de 1966, salientou que havia,
no projeto, apresentado pelo reitor Silveira Neto ao governador Alacid Nunes e
ao empresário Rômulo Maiorana, proprietário do jornal O Liberal, a previsão de
construção de um restaurante no campus que serviria as refeições “à moda das
confeitarias americanas, pagando o estudante aquilo que foi servido”.
Eram os contornos da privatização do ensino superior, que estava prevista
na proposta de Reforma Universitária do regime militar, no entanto, foi um item
que não ganhou fôlego suficiente para vingar. Jarbas Passarinho nutria entusiasmo
pela ideia e chegou a propor projeto de lei sobre o tema. Na UFPA, a privatização
do ensino também tinha seus simpatizantes. Durante seu discurso de posse como
vice-diretor da UFPA (Figura 4), na gestão do reitor Clóvis Malcher, Alcyr Meira,
defendeu o modelo empresarial de Universidade, a qual não dependeria, exclusi-
vamente, dos recursos da União, cujo encargo de mantê-la deveria ser aliviado. De
todo modo, o tema se tornou corriqueiro nos debates públicos e era noticiado pela
imprensa em Belém.
159
Figura 4 - Posse de Alcyr Meira (à esquerda) como vice-diretor da UFPA
160
Portanto, urge ressaltar a existência de um clima de insatisfação dentro
das universidades que explodiu em “68”, que vinha se intensificando nos anos ante-
riores. Em 1966, o Diretório do curso de Engenharia declarou movimento paredis-
ta até que o diretor da faculdade, Josué Freire, fosse exonerado. A greve tendia a se
espalhar, segundo apurou o jornal O Liberal, pois era “grande a atividade acadêmi-
ca” e os alunos do curso de Medicina, Direito, Odontologia e Filosofia atenderiam
ao pedido dos colegas de Engenharia para deflagração de greve geral.
A paralisação dos discentes foi motivada por conta da insatisfação dos
alunos do terceiro ano da Escola com o alto índice de notas baixas em prova apli-
cada pelo professor Alberto Gatasse Kalume, ocupante da cadeira da disciplina de
“Resistência” no mês de agosto. Ações como essas fazem parte do triênio 1966-
1968 e devem ser levadas em consideração quanto à formação de programas de
reforma do ensino superior.
Ainda assim, o regime anunciou que os jovens estudantes se aplicariam
em ensinar tudo aquilo que aprenderam, o que permitiria “uma sensível elevação
cultural das populações visitadas”. O Exército participou do empreendimento, pro-
porcionando acomodação e alimentação aos participantes através das organiza-
ções militares relacionadas para apoiá-los.
Em torno dessa afabilidade estatal, que oferecia bolsas a alunos enviados
para a Amazônia, existiu um propagandismo que deixava escapar as reais motiva-
ções do Projeto. O Globo publicou, em junho de 1968, um artigo no qual tratava do
assunto. Segundo o jornal, alguns “intelectuais idosos” estavam sendo convertidos em
“profetas dos jovens”, ensinando-lhes que a experiência nada valia, a tradição nada
representava e uma “ditadura da juventude poderia consertar este mundo absurdo”.
“Os nossos jovens escolhem outros caminhos”, exclamou O Globo, lan-
çando-se “com fervor a esforços construtivos”, fechando “os ouvidos às pregações
niilistas” e entregando-se “a trabalhos significativos”. A prova disso estaria no “in-
teresse redobrado” visto naquele ano pelo Projeto Rondon, “brilhante e profícua
iniciativa, pela qual moços universitários” entravam em contato direto com a rea-
lidade do interior brasileiro, tendo as inscrições feitas para a execução das várias
operações programadas para as férias de julho superadas em número “as expecta-
tivas mais otimistas”.
Na primeira fase do “benemérito projeto”, já haviam sido realizados, se-
gundo o seu coordenador, quase 177 mil atendimentos às populações visitadas
pelos estudantes. A cifra englobava prestação de serviços médicos e dentários, va-
cinação e serviço social. Ressaltou o artigo de jornal: “Estar aí, no Projeto Rondon
161
[…], o verdadeiro poder jovem, o poder criador da juventude brasileira, o poder
do entusiasmo construtivo dos moços, a resposta de nossa mocidade aos que pro-
curam atraí-la para as hostes do desespero e da autodestruição”.
O mesmo periódico publicou, em novembro de 1968, exaltações ao Pro-
jeto Rondon feitas pelo coronel Otávio Costa. Este, para quem a educação deveria
ser “principalmente cívica, preparando para a formação da cidadania”, afirmou que
um estudante, regressando de uma das fases do Projeto Rondon, “escreveu alguns
artigos nos jornais, afirmando que ele tendia para a politização ou militarização, o
que seria, segundo esse estudante, dois autênticos descaminhos”.
Disse Otávio Costa que o estudante informou que “todos eram obrigados
a se levantarem cedo, como os militares, e a prestar culto à bandeira, no horário
de seu hasteamento”, mas a maioria dos estudantes se “rebelou” e não quis aceitar
a cerimônia, negando-se a assistir a ela. “Aí está a prova de falta de civismo”, acres-
centou o milico. O Projeto Rondon, acentuou, era “o maior exemplo de civismo
que podemos ver na atualidade brasileira” e levava os jovens a lugares subdesen-
volvidos, “ajudando a plantar o Brasil” e a conhecer a realidade nacional. Era “o
civismo autêntico no seu sentido mais completo e mais dinâmico”.
O Projeto Rondon não leva a indagar sobre qual é a especificidade da
UFPA dentro desse cenário que envolveu a Reforma Universitária. Essa questão
só pode ser razoavelmente respondida quando compreendemos que a Amazônia
se tornou um território particular de preocupação do regime militar e estratégico
para as políticas de segurança nacional. A documentação produzida pela “Comu-
nidade” sobre a UFPA e os relatos dos ex-alunos tratam com frequência a respeito
dos “problemas amazônicos”.
Por exemplo, o SNI via com inquietação o contato mantido entre alunos e
professores da Universidade com membros envolvidos em lutas pela posse da terra
na região ou na organização armada na região do Araguaia. Esse fato se torna ain-
da mais sintomático quando lembramos que, em 1969, em toda a região, só exis-
tiam duas universidades, a UFPA e a UFAM. Bem menos do que no Nordeste (11),
do que no Sudeste (15) e do que no Sul (13). O olhar do regime estava realmente
direcionado ao que acontecia no campus de Belém.
O discurso construído pelo regime traz alguns indícios sobre essa ques-
tão. O reitor José Rodrigues da Silveira Neto declarou ao jornal O Globo, em outu-
bro de 1964, que se encontrava em plena evolução material e cultural a Universi-
dade do Pará, como era chamada na época. A administração estava empenhada na
reestruturação da instituição, de modo que atendesse plenamente “às necessidades
162
brasileiras e, sobretudo, às da área amazônica”. Segundo o reitor, preocupavam-se
com os seus dirigentes, sobretudo, com a renovação e aperfeiçoamento dos qua-
dros docentes, com a ampliação do número de discentes e com a aquisição dos
equipamentos e com a pesquisa.
Para tanto, dadas as condições das instalações da Universidade do Pará
naquele momento, preferiram os gestores adquirir área suficiente à instalação do
campus, somada a 200 hectares já transferidos pelo Instituto de Pesquisas e Expe-
rimentação Agropecuária do Norte (IPEAN). Ao todo, era uma área total de 600
hectares à margem do rio Guamá e dentro da cidade de Belém: “Marcha, assim, a
Universidade do Pará para altos destinos, procurando dar à região Amazônica os
técnicos de que tanto necessita”, exclamou Silveira Neto.
Do outro lado, os alunos e os professores, céticos em relação ao interven-
cionismo militar na região, criticavam projetos desenvolvimentistas e traziam para
o seu repertório discursivo contra a ditadura as insinuações norte-americanas de
se fazer presente na região. Tudo era notado pelo SNI e repassado para o alto esca-
lão do governo.
Com isso, queremos dizer que, na UFPA, não se reproduziu, simplesmen-
te, o que ocorreu nas demais universidades do País durante o regime militar, pois
aquela instituição (Figura 5) estava incrustada em um espaço de todo especial aos
olhos dos militares, ou, como definiu reportagem da revista Manchete ao se referir
à Universidade, em 1970, “situado num contexto socioeconômico especialíssimo”.
163
Possivelmente em razão disso, através da Superintendência do Desenvol-
vimento da Amazônia (SUDAM), a UFPA obteve verba para a construção, como
definiu Aloysio Chaves, de um “moderníssimo laboratório de Geologia”, destinado
à pesquisa e à pós-graduação, cuja construção e compra de equipamentos alcança-
ram a cifra de 1,5 milhão de cruzeiros.
Não podemos deixar de notar também, por exemplo, que a UFPA foi sele-
cionada entre as universidades federais, que foram objeto de estudo pela Equipe de
Assessoria ao Planejamento do Ensino Superior (EAPES), entidade vinculada ao
MEC, para promover a aplicação dos acordos MEC / United States Agency for In-
ternational Development (USAID) no Brasil. Nota-se que apenas dez instituições
de ensino superior federal de todo o País participaram do processo.
No empréstimo externo de 50 milhões de dólares, anunciado pelo minis-
tro da Educação e Cultura, Jarbas Passarinho, em setembro de 1973, para a cons-
trução e o reequipamento dos campi universitários, a UFPA foi uma das institui-
ções contempladas, ficando em quarto lugar em termos de montante de recursos
recebidos (4,7 milhões de dólares, o que equivalia a cerca de 7 milhões de cru-
zeiros). A verba foi utilizada para a construção de três laboratórios, do prédio do
Núcleo de Geociências e de sessenta salas de aula no Ciclo Profissional. Em 1978,
a UFPA tinha o melhor Centro de Geociências do País (Figura 6).
164
Somente em 1973, a UFPA formou 1.144 profissionais, dando conta dos
investimentos alocados na Universidade, a qual se encontrava em plena expansão.
Em agosto, foi inaugurado um moderno laboratório de Física no Núcleo Pioneiro
do Guamá, que custou 1 milhão de cruzeiros, dos quais a Universidade arcou com
uma diminuta quantia, visto que o investimento foi “uma pequena contribuição”,
como definiu o cônsul alemão Peter Bensch, do Departamento de Pesquisa Nu-
clear de Jülich, da Alemanha Ocidental. No Brasil, um laboratório similar só existia
na Universidade de Santa Catarina, também beneficiado pelo mesmo convênio.
Nos anos seguintes, a UFPA permaneceu no campo de predileção para
receber ajuda financeira. Em 1977, fora contemplada pelo convênio firmado entre
o MEC e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para concluir a cons-
trução do campus localizado às margens do rio Guamá em uma área de 85.116,70
metros quadrados. O Núcleo de Ciências Geofísicas e Geológicas (NCGG) da
UFPA recebia suporte financeiro da SUDAM, do Conselho Nacional de Desenvol-
vimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES), enquanto o Núcleo de Altos Estudos Ama-
zônicos (NAEA) recebia recursos de vários órgãos do Governo Federal, inclusive,
do Ministério das Relações Exteriores.
165
Em 1978, o então reitor Aracy Barreto comemorou, apesar dos problemas
difíceis enfrentados pelas universidades do País, que a UFPA foi incluída no cré-
dito oriundo do Programa PREMESU IV, convênio assinado junto ao MEC para
transferência de recursos financeiros levantados por meio dos empréstimos toma-
dos do BID.
O dinheiro seria usado para a construção de dezenove prédios, compra
de equipamentos, materiais e móveis e para a expansão e capacitação dos docentes.
A imprensa noticiou que o ministro da Educação, Ney Braga, caminhou ao lado
do reitor Aracy Barreto pelos canteiros de obras do Núcleo Pioneiro do Guamá. O
ministro se mostrou simpático à UFPA nas suas reivindicações e nos seus anseios.
166
de Medicina para debater o uso clandestino de anticoncepcionais na Amazônia.
O emprego da “serpentina” foi condenado no encontro por advogados, médicos,
jornalistas e estudantes. O advogado Aldebaro Klautau sustentou a tese de que a
atividade denunciava a articulação de grupos estrangeiros empenhados em apode-
rar-se da região.
167
que tal fato voltasse a ocorrer. A USIS também foi alvo de ato hostil em 1969,
classificado como “terrorista”, planejado por elementos vindos de Pernambuco e
interceptado pelas forças de segurança que atuavam em Belém.
168
Segundo a polícia militar (PM), 150 pessoas participaram do ato. Um dos temas
da reunião clandestina, promovida pela UAP no bairro do Coqueiro, foi a “In-
ternacionalização da Amazônia”, demonstrando haver um debate sobre o assunto
dentro do movimento estudantil.
Esse foi o contexto de implantação de Reforma Universitária na Amazô-
nia e recebido pelos discentes que testemunharam esse processo como um reflexo
do autoritarismo do regime. No entanto, malgrado seu caráter autoritário, não se
pode afirmar que a reforma tenha sido simplesmente imposta pelo regime sem que
tivesse havido negociações e flexibilizações, ou seja, não se pode falar em “domínio
da lei” para usar um conceito de Edward Thompson quando analisamos a Reforma
Universitária e o conjunto de dispositivos legais oriundos dela.
A lei deve “ser vista instrumentalmente como mediação e reforço das re-
lações de classe existentes e, ideologicamente, como sua legitimadora”, enquanto os
debates em torno do tema, sobretudo em 1968, dão conta do “campo de conflito”
existente entre Estado, estudantes, professores, intelectuais e líderes políticos, os
quais se “enfrentavam” dentro de estruturas legais, “visíveis e invisíveis” que ultra-
passavam a própria legislação.
Por exemplo, no dia a dia do campus da UFPA, entre 1964 e 1968, a re-
pressão não necessitou da lei, indispensavelmente, para violar direitos e coagir com
violência professores e alunos, e estes, mesmo sob a vigência do “Decreto 477”,
dispositivo símbolo da repressão contra estudantes e docentes, lançaram mão de
diversas ferramentas para resistir ao regime.
Mais um destaque: não podemos, por outro lado, definir esse processo
de negociação, longo caminho que perdurou por quase quatro anos, em que os
militares cederam em alguns pontos às pressões estudantis, como sintomas de
“afrouxamento do regime”. Basta lembrar que poucos meses depois da promul-
gação da Lei nº 5.540, o “AI-5 das Universidades”, foi instituída, no País, a raiz
autoritária, repressora e conservadora da modernização das universidades pú-
blicas, que surgiu de maneira mais nítida, facilitando ainda mais essas mudan-
ças, pois ajudaram a ceifar os obstáculos impostos pelo movimento estudantil
nos anos anteriores.
Tratava-se de um jogo de “aperto” e “afrouxamento” por parte dos mili-
tares. Citemos, por exemplo, a questão dos excedentes. Há muito tempo era uma
questão delicada, pois atingia, diretamente, o interesse dos alunos. Após o turbu-
lento ano de 1968, quando houve várias invasões em universidades em todo País,
as instituições de ensino foram “obrigadas” a receber essa grande quantidade de
169
estudantes. Trata-se de um período em que os alunos ainda puderam, mais dire-
tamente, pressionar o regime e exigir mudanças nas estruturas das universidades
públicas através de manifestações públicas, passeatas e ocupações.
O governo viu-se impelido a atender a certas pautas incorporando-as ao
processo de modernização das instituições. Falando de outra forma, “o grupo do-
minante coordena-se concretamente com os interesses gerais dos grupos subor-
dinados, e a vida estatal é concebida como uma contínua formação e superação
de equilíbrios instáveis”. Há, dessa forma, equilíbrio “entre os interesses do grupo
fundamental e os interesses dos grupos subordinados”, e os interesses do grupo
dominante prevalecem até um determinado ponto.
O Decreto nº 60.516/67, baixado pelo presidente Costa e Silva, determi-
nando que as faculdades matriculassem os excedentes, é um exemplo de como
funcionou esse campo de luta entre estudantes e militares. O que, para os alunos,
foi uma grande vitória, para a memória daqueles que faziam parte da gestão da
universidade, foi algo “terrível”:
Mas eu acho que até tão grave quanto à invasão e ocupação das es-
colas, das faculdades, foi uma coisa que aconteceu, que eu acho que
foi terrível para as universidades brasileiras, a questão dos exceden-
tes […]. Isso, dentro dessa pressão que houve das invasões, fez com
que nós tivéssemos no Brasil inteiro e aqui no Pará, então foi terrí-
vel, [ter] que construir salas e salas de aula para poder dar ingresso.
170
A “doutrina marxista”, de acordo com a apostila do treinamento promo-
vido pelo DSI/MEC, tinha “um único objetivo final: a destruição da democracia e
a implantação da ditadura comunista”. O material alertava para a presença de “For-
ças de Vanguarda” e de uma “burguesia progressista” no cenário mundial, atuando
em linhas de ação “tipicamente de esquerda” – como o Partido Comunista (PC), as
Frentes Internacionais, ou como adidos das potências comunistas, China e União
Soviética –, através de quatro espécies de colaboradores – “companheiros de via-
gem”, “simpatizantes”, “oportunistas” e “bobos”.
A apostila distribuída aos alunos mais parecia um “tratado de demonologia”
e apresentava detalhes de como identificar um comunista e explicações pormenoriza-
das sobre a infiltração nos movimentos de massa, as frações do partido e os grupos de
apoio. “A penetração sub-reptícia em todas as camadas e em todos os setores de uma
sociedade é a maior e mais temível arma do Comunismo Internacional”, aludiram os
instrutores em determinado trecho. Aos Serviços de Informações, caberia a árdua e
permanente missão de “identificar, acompanhar e prever as manobras solertes da mais
bem montada máquina política que o mundo jamais conheceu”. O Movimento Co-
munista Internacional, continuava o documento, “assemelha-se a um ‘iceberg’, do qual
apenas a oitava parte emerge à superfície das águas, enquanto o restante permanece
oculta”. O problema estaria na parte submersa, da qual só se sentiria a presença depois
do “choque”, se não se precavessem e os Serviços de Informações fossem falhos.
Nesse momento, costuma-se indagar se toda essa semântica fazia parte
de uma preocupação verdadeira do regime quanto à ameaça de uma revolução
comunista no Brasil, ou se não passava de uma instrumentalização para justificar
mecanismos de controle e violência contra elementos opositores.
Acreditamos que as duas realidades coexistiram e alimentaram-se ao lon-
go da ditadura, visto que a retórica produzida pelos documentos do SNI aponta
para uma genuína preocupação por parte dos Serviços de Informações em tentar
neutralizar possíveis agentes esquerdistas infiltrados. Isso não quer dizer também
que os agentes, muitas vezes, não utilizaram essa “desculpa” para lançar tal pecha
sobre inimigos do regime que não mantinham, efetivamente, ligação com grupos
clandestinos, armados ou não.
Estamos diante de um território de todo específico quando tomamos por
objeto de estudo: as políticas militares para a UFPA após 1964. Era um espaço
localizado na Amazônia, espaço estratégico para os militares e seus aliados norte-
-americanos, onde se presumiam atuar células comunistas, inimigas precípuas do
regime militar brasileiro e da política externa ianque.
171
No caso da UFPA, o interesse estadunidense já se fazia presente há algum
tempo. No início da sua gestão como reitor, José da Silveira Neto (1960-1969) rece-
beu a visita de professores norte-americanos, que lhe apresentaram um projeto de
construção do campus universitário. Os professores estiveram no local onde seria
instalada a Cidade Universitária.
Os Acordos MEC-USAID foram também resposta do regime à longa pe-
leja por uma Reforma Universitária, pela qual os estudantes há muito lutavam an-
tes mesmo do golpe de 1964. No entanto, ao tentar introduzir o modelo educacio-
nal norte-americano no Brasil, as autoridades acabaram estimulando a relutância
dentro do ME, o qual via, nessa iniciativa, uma ingerência imperialista atrelada a
uma submissão ideológica e intelectual aos Estados Unidos. Como resultado, as
campanhas contra os acordos logo fizeram parte das pautas de reivindicações em
várias universidades do País, inclusive, na UFPA.
A aversão ao americanismo já existia desde a “geração de 64”, e, na me-
mória estudantil, a luta contra esses convênios aparece atrelada à luta contra o
imperialismo econômico e cultural norte-americano. Essa antipatia parece ter
sido transmitida às gerações seguintes. Conforme Maria Celeste Miranda Me-
deiros, partícipe da “geração de 68” na UFPA, recorda, os acordos MEC/USAID
eram compreendidos entre os alunos como parte de um projeto de interferência
dos Estados Unidos no Brasil através de uma reforma que seguia o modelo edu-
cacional americano.
Existia, de fato, uma disputa discursiva entre quem defendia e quem cri-
ticava a importação do modelo educacional norte-americano. Depois de passar
seis semanas nos Estados Unidos, Silveira Neto relatou suas “principais observa-
ções feitas sobre a grande nação norte-americana”, onde visitou centros universi-
tários. O reitor, conforme destacou O Liberal, “retornou cada vez mais certo de
que suas ideias de fazer uma reforma de base no conceito de universidade” devia
ser levada adiante. Por outro lado, os alunos buscavam se contrapor a esses dis-
cursos por meio da via do protesto, que também poderia encontrar na imprensa
alguma repercussão.
No final das contas, os projetos de Reforma Universitária, sugeridos pelo
regime autoritário de 1964, não foram bem recepcionados pelos alunos da UFPA,
e o movimento estudantil tratou logo de fazer oposição a essas propostas. Alguns
testemunhos nos dão pistas desse sentimento e podemos citar, como exemplo, as
memórias de Alberto Ferreira Puty. O ex-aluno lembra que, em 1968, havia uma
discussão dentro das faculdades que compunham a UFPA a respeito da Reforma
172
Universitária quando foram realizadas várias assembleias gerais e mesas-redondas
para tratar do tema: “isso acontecia não somente em Engenharia, mas também
em Filosofia, Medicina, em todos os lugares estava sendo discutida a questão da
Reforma Universitária. Nós éramos contra a Lei Suplicy de Lacerda”, recorda.
Na prática, os alunos conseguiram driblar as proibições da Lei. Conforme
noticiado pela imprensa em Belém, a UAP pretendia realizar, em novembro de
1966, no Largo da Memória, a sessão de abertura do I Congresso Livre Estadual
de Estudantes, apesar de o Comando Militar da Amazônia ter se manifestado con-
tra a realização do evento, “proibindo qualquer manifestação pública de entidades
extintas pela Lei Suplicy de Lacerda, que regulamentou as atividades estudantis
no meio universitário”. A notícia destacou que a UAP, “embora clandestinamente”,
vinha persistindo em atuar entre os universitários e congregando em torno de si
vários diretórios acadêmicos, também considerados ilegais pelas autoridades. O
jornal criticou a permanência por quase dois anos da diretoria da UAP e denun-
ciou que os diretórios acadêmicos de diversas faculdades já haviam credenciado os
participantes do congresso estadual.
O jornal continuou sua denúncia e reportou, nos dias seguintes, mais de-
talhes sobre o Congresso proibido pelo Departamento de Ordem Política e Social
(DOPS) e vazou a informação de que os organizadores mudaram o local do encon-
tro para algum bairro do centro comercial de Belém. A medida foi tomada para
precaver os presentes do choque policial, mas foi criticada pelo jornal por suposta-
mente expor os transeuntes.
Apesar de toda a exposição promovida pelo jornal, o Congresso ocorreu
no dia 6 de novembro de 1966, contando com a participação de cerca de cinquen-
ta universitários. Somente a partir das seis horas da manhã daquele domingo, os
estudantes credenciados começaram a ter notícia de que o novo local escolhido
seria o bairro do Coqueiro, aproveitando o movimento de veículos que saíam da
capital rumo ao local, comumente procurado para o lazer dominical. Os policiais
não desconfiaram. No sábado, a peça “Show da Verdade, com Cantoria e Razão”,
organizada pelos alunos do curso de Economia, também foi encenada, apesar da
proibição do DOPS. O evento ocorreu no teatrinho da UAP, que ficou lotado. Ini-
cialmente, o evento havia sido programado para ocorrer no Teatro São Cristóvão,
mas, usando tática semelhante, o local foi alterado momentos antes do início, dri-
blando novamente a polícia.
Os alunos poderiam também manifestar seu desapreço à Lei Suplicy de
Lacerda boicotando os eventos promovidos pelo DNE, órgão “marionete” de re-
173
presentação estudantil universitária autorizado a funcionar pelo regime, sediado
em Brasília (DF) e por ele controlado. Um encontro promovido pela entidade, em
junho de 1966 em Belém, por exemplo, não recebeu delegações de outros Estados,
e os alunos dos cursos de ensino superior da capital não prestigiaram a iniciativa e
ausentaram-se das sessões. “Foi um autêntico desencontro!”, como definiu matéria
de jornal publicada na época.
Segundo um ex-estudante, a Reforma foi um meio também encontrado
pelo governo militar para dificultar a ação do movimento estudantil dentro das
universidades:
Era a lei que acabava, eles tentaram acabar com o movimento es-
tudantil. Tentaram acabar, eles criaram outras organizações, eles
criaram uma série de travas para evitar o movimento universitário.
E ali vinha a Reforma, no bojo disso, vinha todo um processo de
Reforma. Reforma para transformar a universidade pública em uma
universidade fundação, e cobrando. Então, na realidade, era mais ou
menos isso. Antes era seriado, tirou o seriado, a pessoa lá adiante
passou isso, fazia matéria com um e com outro e não tinha como
formar grupos, digamos assim, que se juntasse. Então eu não sei se
hoje continua assim.
174
greve geral por tempo indeterminado, como forma de protesto na sequência do
assassinato do estudante paraense Edson Luís no Rio de Janeiro (RJ). Universitá-
rios e secundaristas saíram em passeata pelas ruas da cidade até alcançar a sede da
Assembleia Legislativa provocando ali alguma agitação. Nos meses seguintes, as
mobilizações do movimento estudantil continuaram e, entre julho e agosto, várias
greves foram deflagradas em alguns cursos, a exemplo dos estudantes do curso
de Química, que paralisaram as atividades acadêmicas em 26 de julho, ocupando,
em seguida, o prédio dessa Escola. Eles receberam apoio de alunos dos cursos de
Agronomia, Serviço Social, Direito, Filosofia, Engenharia, Geologia, Economia e
da UAP. No mês subsequente, alunos de Arquitetura e Medicina fizeram o mesmo:
interromperam as atividades e ocuparam os prédios nos quais funcionavam seus
cursos em 9 e 13 de agosto, respectivamente. Os alunos de Engenharia também
ocuparam a sede de sua Escola no dia 22 de agosto, tendo suas reivindicações ime-
diatas atendidas, entre elas, a nomeação do novo diretor e a cessão de uma sala para
o funcionamento do Diretório.
No curso de Medicina, também havia um movimento estudantil bastante
ativo. William Mota de Siqueira descreveu, em seu depoimento, que a Faculdade
de Medicina, com algumas deficiências de infraestruturas (falta de equipamentos
adequados), teve seus problemas sanados graças à atuação forte do Diretório Aca-
dêmico junto à direção da Faculdade, à época, comandada pelo professor Afonso
Rodrigues Filho. A Faculdade de Medicina era a única que possuía uma sede do
Diretório, uma casa construída pela Reitoria e disponibilizada para esse fim:
E, então, o Diretório tinha um poder de evitar conflitos dos profes-
sores e ao mesmo tempo em que conflitava. Um paradoxo aí. Me-
diava e conflitava. Então, os alunos tinham uma… E depois todo
mundo junto. Isso é muito importante, que acaba com a Reforma
Universitária, acaba com o Ato Institucional nº 5. A união, você
para todo mundo, você ia à sala de aula: “Para todo mundo. Vamos
para uma reunião, uma assembleia e tal”. E o Diretório tinha essa
autoridade.
175
de modo que o sistema seriado iria ser trocado pelo curricular, em que o próprio
aluno decidia quais disciplinas cursar, e não mais por blocos, como funcionava até
então. Esse foi o estopim para que os alunos de Medicina começassem a se mobi-
lizar contra o projeto de modernização centralizada que estava sendo proposto.
Como desenlace, essa Faculdade foi também ocupada em 1968.
A Reforma Universitária, sob a denominação de Plano de Reestrutura-
ção da UFPA, foi criticada pelos alunos. Como forma de tentar resistir a algumas
mudanças que consideravam negativas, os estudantes da Escola de Química ten-
taram impedir a criação do “Instituto de Química”, pois temiam significar a extin-
ção dos cursos de Química e de Química Industrial. Os discentes ocuparam, em
1968, o prédio da Escola, à época localizado no Museu Comercial da Associação
Comercial do Pará, próximo à Praça da República. Apesar desses movimentos de
resistência, a “modernização” foi continuada na gestão do reitor Aloysio Chaves,
o qual teve de lidar também com problemas financeiros e infraestruturais, como a
dispersão dos cursos em várias localidades da cidade.
O Plano de Reestruturação foi explicado por Aloysio Chaves em entrevis-
ta concedida à revista Manchete em 1970. O texto da Reforma, submetido no dia
25 de setembro de 1969 ao Conselho Federal de Educação, foi elaborado por uma
comissão presidida pelo reitor e formada pelos professores Agenor Porto Penna de
Carvalho, Armando Dias Mendes, Maria Annunciada Ramos Chaves, José Mon-
teiro Leite, Clóvis da Cunha Malcher, Renato Pinheiro Conduru e Nelson Figuei-
redo Ribeiro. O reitor classificou a reestruturação como ousada, em harmonia com
a nova legislação editada pelo governo e promotora de uma “renovação total” na
UFPA, extinguindo faculdades e escolas no tempo em que fora institucionalizada
na base de departamentos e dividida nos Centros de Ensino Básico e nos Centros
de Formação Profissional. Destacou, ainda, a criação do Núcleo de Altos Estudos
Amazônicos (NAEA), “fator revolucionário e destinado a levar a Amazônia à con-
quista de etapas insuspeitas”.
Já a memória em torno da Reforma Universitária traz também a visão
dos professores a respeito desse período turbulento e de grande agitação política
na UFPA. Durante o regime militar, Júlio Ribeiro foi contratado como professor
de Tecnologias das Fermentações, momento em que se levantaram as divergências
com a administração da Universidade e suas propostas de reforma. A incorpora-
ção gerou polêmica logo de início, porque era intenção do reitor Silveira Neto que
a Escola de Química fosse assimilada com status de Instituto, e não como escola
ou faculdade, como era o caso dos cursos de Medicina, Direito e Farmácia. Essa
176
manobra foi vista por alguns como tentativa de exercício de maior controle por
parte da Reitoria, dado que os diretores dos institutos eram indicados pelo próprio
reitor, que, à vista disso, detinha controle sobre a indicação dos professores. A Re-
forma Universitária era vista, pois, sob esse outro ângulo como ocasião de perda
de autonomia por parte das instituições de ensino, que já existiam antes mesmo da
criação da UFPA e eram geridas com independência, no caso da Escola de Quími-
ca, pela congregação de professores.
A peleja começou a partir dessa divergência, que envolvia uma luta
pelo poder local, alcançava figuras importantes no MEC, na época chefiado
por Tarso Dutra e seu secretário-geral, Edson Franco. Ao final, terminou com
uma vitória dos professores e a incorporação foi feita com a manutenção da
categoria de Escola.
Essas discussões em torno da Reforma foram acompanhadas pela vigilân-
cia, ao passo que alguns desses dados foram mantidos em seu arquivo. Em sigilo,
a Divisão de Informações de Segurança da Aeronáutica informou à agência do
SNI de Belém a respeito da participação do professor da Faculdade de Medicina,
Ronaldo de Araújo, em conferência sobre o tema em junho de 1968, na UFPA,
quando “teria enaltecido o valor da liderança da juventude, cujos movimentos, no
seu entender, sofreram esvaziamento pelas forças conservadoras”.
O jornal A Província do Pará noticiou o ocorrido no dia 24 de julho de
1968 (Figura 11), destacando, no texto da matéria, ao lado da foto do orador, que
Ronaldo classificou a Reforma como uma imposição estrangeira, além de denun-
ciar seu caráter conservador e a escassez de recursos destinados à educação por
parte dos militares. Depois disso, conclamou: “para a juventude, só existem duas
opções: ou se acomoda ou luta. De qualquer maneira é responsável”.
Reuniões como essas parecem ter sido comuns na UFPA durante 1968.
Conforme recorda José Miguel Martins Veloso, “foi um ano de muita comoção. Es-
tava se discutindo a Reforma Universitária, fez-se um movimento em assembleias
muito grandes sobre isso”.
Durante esse período de Reforma Universitária, pré-AI-5, predominou
uma conjuntura em que “essas mobilizações se constituíram no espaço privilegia-
do de contestação do regime”, contrastando com o que se viu nos anos seguintes,
quando a repressão e a euforia do “milagre econômico” permitiram uma “legitima-
ção” do regime, de tal modo, que a reforma seguinte, a da educação básica, através
da Lei nº 5.692/71, foi recepcionada com maior “entusiasmo” pela sociedade.
177
Figura 11 - O professor Ronaldo Araújo no Auditório da Faculdade de Medicina
178
Em outro artigo, agora assinado por Benedito Monteiro, à Reforma foi
atribuída a culpa pela desorganização do ensino profissional e pela desarticulação
da juventude: “tanto o sistema de turmas e horários de aulas como a própria ar-
quitetura dos campi universitários impossibilitavam qualquer tipo de movimento
estudantil”. Já o Diário do Pará publicou matéria em que o senador Hélio Gueiros
desferiu ataques contra o então ministro do Trabalho Jarbas Passarinho, ironizan-
do que seu destaque à frente do MEC foi “a aplicação do 477 e da caótica Re-
forma Universitária”. O jornal Resistência denunciou que Passarinho foi “ministro
da Educação para executar a drástica Reforma Universitária, que desmobilizava o
movimento estudantil para melhor aplicar os monstruosos decretos 228 e 477”.
Diante de tudo o que foi dito, queremos reforçar que a “Reforma” foi,
na verdade, uma maneira de repressão e cerceamento de liberdades, transvesti-
da de uma “modernização” do ensino, em que o regime militar se apropriou das
constantes demandas em favor do desenvolvimento do ensino superior no Brasil,
cobradas pelos estudantes no final dos anos 1950, e reelaborou-as conforme o au-
toritarismo político implantado em 1964 e através dos acordos MEC-USAID e do
Projeto Rondon. Isto é, o regime “roubou” as demandas do movimento estudantil,
reconstruiu-as e apresentou de forma diferente da pauta original.
179
que dificultariam a ação subversiva: a constituição de núcleos de resistência demo-
crática dentro das universidades e faculdades, que vinham se opondo às lideran-
ças esquerdistas (a exemplo do MUDES e dos Grupos e Diretórios Acadêmicos);
a Operação Rondon; a Operação Nordeste (miniatura da Operação Rondon no
âmbito da Sudene); o memorial de presidentes de Diretórios Acadêmicos Demo-
cráticos, que já contava com mais de cento e cinquenta assinaturas, procurando
empolgar a bandeira das reformas do ensino no Brasil; e o Grupo de Trabalho
nomeado pelo governo para executar a Reforma Universitária (Figuras 12, 13 e 14).
180
repressão às lideranças estudantis extremistas; a ausência de orientação moral e
cívica da juventude; facilidade em meios de divulgação e cobertura da imprensa
aos líderes esquerdistas; despreparo das polícias civis e militares para enfrentarem
ações de “Guerra Revolucionária”, embora, conforme arguiu o general de brigada,
essa fosse uma das missões que lhes estavam afeitas.
181
Empolgados com os cinco mil alunos inscritos no programa em julho
de 1968, os apoiadores do programa concordavam se tratar das “características de
uma verdadeira avalancha”, impossível de deter e que acabaria muito em breve por
integrar as universidades ao papel que lhes incumbiu a nação, ou seja, “de orga-
nismos orientadores e modeladores do espírito e do caráter da juventude”. Eram
esses os estudantes que o regime considerava fazerem parte da “sadia juventude
brasileira”, contrastando com o “dispêndio negativo de imensas reservas de ener-
gia”, que vinham desperdiçando aqueles “outros estudantes induzidos a impedir a
circulação em certas ruas das capitais e as aulas em várias faculdades”.
Essas foram as estratégias de conhecimento público executadas pelos mi-
litares para desestruturar os grupos estudantis contrários à ditadura e promover
alguma mudança de mentalidade entre eles, suscitando “valores” cívicos. Embora
houvesse ações sub-reptícias promovidas contra a comunidade acadêmica que, por
muitas décadas, permaneceram desconhecidas.
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REITOR mostra ao Governador e à Imprensa como vai ser futuro Núcleo Universitário. O
Liberal, Belém, 9 set. 1966.
184
PRINCÍPIOS e normas da Reforma Universitária. O Liberal, Belém, 24 nov. 1966.
EXALTADO o Projeto Rondon como exemplo de civismo. O Globo, Rio de Janeiro, 22 nov.
1968.
FALAM os Reitores sobre as suas Universidades. O Globo, Rio de Janeiro, 13 out. 1964.
RUMOS certos para o ensino. Manchete, Rio de Janeiro, ano 17, ed. 927, p. 138-139, 24 jan.
1970.
RUMOS certos para o ensino. Manchete, Rio de Janeiro, ano 17, ed. 927, p. 138-139, 24 jan.
1970.
MILHÕES de dólares para equipar a UFPA. A Província do Pará, Belém, 12 set. 1973.
UFPA: duas décadas a serviço da Amazônia. Manchete, Rio de Janeiro, ano 25, ed. 1314, p.
132, 25 jun. 1977.
UFP forma 1.144 profissionais este ano. A Província do Pará, Belém, 1 nov. 1973. 1º Ca-
derno, p. 2.
UFPA: duas décadas a serviço da Amazônia. Manchete, Rio de Janeiro, ano 25, ed. 1314, p.
132-133, 25 jun. 1977.
TEORIA e prática a serviço da integração. Manchete, Rio de Janeiro, ed. Especial “Brasil
73”, p. 310, 1 jan. 1973.
ALACID Nunes: a arrancada para a nova década. Manchete, Rio de Janeiro, ano 17, ed. 927,
p. 142, 24 jan. 1970.
185
SISTEMA universitário dos EUA animou Reitor. O Liberal, Belém, p. 2, 14 jun. 1966.
UNIVERSITÁRIOS paraenses querem fazer o congresso proibido. O Liberal, Belém, 3 nov. 1966.
RUMOS certos para o ensino. Manchete, Rio de Janeiro, ano 17, ed. 927, p. 138-139, 24 jan. 1970.
ESTUDANTE lotou auditório para ouvir professor falar de reforma. Província do Pará,
Belém, 24 jul. 1968.
GUEIROS acha que JP não engana a 3ª vez. Diário do Pará, Belém, 5 maio 1984. Política, p. 3.
A VELHA bandeira do anticomunismo. Resistência, Belém, ano III, n. 18, p. 11, 1 nov. 1980.
UFPA: duas décadas a serviço da Amazônia. Manchete, Rio de Janeiro, ano 25, ed. 1314, p.
132, 25 jun. 1977.
ENTREVISTAS
186
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Assessoria de Educação à Distância. Faculda-
de de História. A UFPA e os Anos de Chumbo: memórias, traumas, silêncios e cultura
educacional (1964-1985) – Entrevista com João Januário Furtado Guedes. Belém: UFPA,
2014. 1 vídeo (52 min 50 seg). Disponível em: http://www.multimidia.ufpa.br/jspui/hand-
le/321654/1281. Acesso em: 17 jan. 2020.
LEGISLAÇÃO
187
BRASIL. Decreto-Lei nº 477, de 26 de fevereiro de 1969. Define infrações disciplinares pra-
ticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino
público ou particulares, e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília,
DF, ano 148, v. 1, p. 77, 26 fev. 1969.
188
Paulo Sérgio da Costa Soares
RESISTÊNCIA: A HISTÓRIA
E A MEMÓRIA DAS LUTAS
DO MOVIMENTO
ESTUDANTIL UNIVERSITÁRIO
PARAENSE – 1968
A Universidade Como Palco de “Subversivos”: o processo de
ocupação da UFPA pelo movimento estudantil universitário de 1968
190
com objetivos diferentes. Os conselheiros estavam dispostos a aprovar o projeto de
reforma apresentado ao Conselho Federal de Educação (CFE) e pelo reitor Silveira
Netto. No entanto, os discentes buscavam sua participação e uma reelaboração des-
se projeto. Em busca deste objetivo, o movimento estudantil universitário paraense
promoveu assembleias e mesas-redondas para discutirem as questões educacionais
e a governabilidade do país, nos debates estava presente a questão da violência que o
governo estabeleceu com o movimento estudantil nacional2, a ocupação da Amazô-
nia, do arrocho salarial, os debates também eram em torno das pautas especificas do
movimento estudantil paraense, dentre elas a reforma universitária.
O reitor Silveira Netto acreditou ter chegado à fase final do plano de re-
forma universitária da UFPA, para concluí-la reuniu os conselheiros no dia 2 de
julho de 1968, em uma sessão extraordinária. Esta tinha por objetivo comunicar
aos presentes que o plano de reestruturação da Universidade necessitava ajustar
parte do texto, as quais estavam inconsistentes com as diretrizes de base do Mi-
nistério da Educação e Cultura (MEC), no entanto já havia obtido aprovação, com
algumas restrições que deveriam ser eliminadas. O parecer enviado pelo CFE de-
monstrou pontos a serem corrigidos como, a existência de “duas unidades na área
de Química, a Universidade estava equivocada do plano que ratificou os cursos
de Engenharia Mecânica, Elétrica Química, Arquitetura, insistência em manter o
Centro Pedagógico como única unidade”3.
Esses pontos que deveriam ser modificados no plano de reestruturação e
encaminhado novamente ao CFE para análises. Assim, vê-se como foi complexa a
questão da reforma universitária da UFPA até 1968, uma vez que esta teve de ser ela-
borada e reelaborada continuamente, desde 1967 até sua efêmera aprovação durante
a administração de Silveira Netto. Neste estudo é são valiosas as memórias existentes
sobre a reforma universitária, as inúmeras interpretações dos conselheiros, do reitor,
dos estudantes, dos deputados estaduais. Essas memórias estão presentes nas atas do
conselho e também na Assembleia Legislativa do Pará, nos jornais analisados, assim
como nas memórias dos sujeitos sociais presentes neste período.
A reforma universitária da UFPA, em 1968, foi um processo conflituoso,
uma vez que esta não se consolidou neste ano, ficando para uma próxima admi-
nistração. Este conflito se iniciou com a primeira sugestão da impugnação de duas
2 Sobre a violência do governo militar com os estudantes durante a ditadura militar, veja os estudos das
historiadoras, Maria Ribeiro do Vale: 1968, O DIÁLOGO É A VIOLÊNCIA: Movimento Estudantil e
Ditadura Militar no Brasil; Angélica Müller: 1968 em Movimento.
3 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Ata da 6ª Sessão do Conselho Universitário. Belém:
UFPA, 1968. Sessão extraordinária, de 2 jul. 1968, p. 2-4.
191
unidades para os estudos químicos, onde a instituição deveria acatar a determina-
ção de manter apenas uma unidade de Química, a qual ficava responsável por todo
o sistema de ensino e pesquisa.
Uma vez que o reitor Silveira Netto propôs a predicação ao Instituto em
vez da Escola, proposta que teve a aprovação unânime dos conselheiros, porém o
resultado não agradou o colegiado e os discentes da Escola de Química, o diretor
Júlio Ribeiro solicitou aos aos conselheiros a permanência das duas unidades de
ensino de Química, o Instituto e a Escola, caso contrário “recorreria da decisão
da Câmara de Ensino Superior ao Conselho Federal de Educação”4. Porém a Uni-
versidade tinha que cumprir as determinações do Conselho de Educação, caso
contrário teria a reprovação do Plano de Reestruturação.
Diante dessa questão o Conselho Universitário acatou as ressalvas indica-
das pelos relatores, escolhendo entre as duas unidades do curso de Química o Ins-
tituto, em detrimento da Escola. Nesta conjuntura, o diretor Júlio Ribeiro procurou
apoio entre os discentes e docentes do curso de Química, com o argumento de que
a Escola de Química deixaria de existir na UFPA. Foi graças a essa solidariedade
que o diretor derrotou a proposta do reitor de afastá-lo do cargo administrativo. A
consequência desta compreensão foi o início das ocupações das Escolas e Faculda-
des da Universidade Federal do Pará no ano de 1968.
192
No decorrer da reunião, o reitor Silveira Netto solicitou que os direto-
res das Faculdades falassem sobre os últimos acontecimentos ocorridos em cada
unidade. Na ocasião estavam presentes os diretores das seguintes unidades: Fa-
culdades de Direito, Faculdade de Medicina, Escola de Serviço Social, Faculdade
de Filosofia Ciências e Letras, Faculdade de Odontologia, Escola de Engenharia,
Faculdade de Ciências Econômicas e Contábeis, Faculdade de Farmácia, Escola de
Química, Instituto de Higiene e Medicina Preventiva6.
Nas declarações, os respectivos conselheiros afirmaram que as unidades de
ensino pela qual eram responsáveis foram ocupadas pelos estudantes. Em algumas
ainda houve atividades normais, em outras as atividades acadêmicas foram suspen-
sas pelos discentes, dando lugar a confecção de faixas e cartazes que seriam coloca-
dos nas paredes e na fachada principal das Escolas e Faculdades, assim como a ela-
boração de pautas reivindicatórias para apresentação em assembleias gerais, também
salientaram haver a preocupação de evitar perdas dos bens materiais das unidades.
Sobre as ocupações, o conselheiro Sílvio Augusto de Bastos Meira ressal-
tou que os acontecimentos seriam esperados, pois esses ocorreram nas regiões sul
e nordeste do país. As notícias chegaram até aqui, influenciando o jovem paraense.
Em seu discurso, fala da empolgação da juventude, outros almeja a perturbação
da ordem, sem objetivo concreto; além do que poderia ser massa de manobra de
supostos líderes, agitadores profissionais. No entanto, solicitou prudência ao dialo-
garem com os discentes, afirmando que “ninguém se iluda, a juventude nunca foi
derrotada: a história bem demonstra que a juventude nunca foi derrotada”7.
Nesta sessão, o reitor Silveira Netto acusou o conselheiro Júlio Ribeiro de
ser o responsável pelo processo de ocupação, questionando-o se havia normalida-
de na permanência dos alunos nas dependências das unidades por vinte e quatro
horas? Júlio Ribeiro argumentou que “não existe propriamente uma ocupação, se
é este o termo, a não ser que seja considerada assim a permanência constante dos
alunos na escola”8.
No decorrer da discussão, o reitor questionou se a ocupação foi consen-
tida pela diretoria da Escola ou violada? Pois havia uma portaria de nº 41/68, que
autorizou a permanência dos estudantes dentro da unidade. Júlio Ribeiro mencio-
nou que os alunos tomaram a decisão de ocupar por contra própria, em relação à
portaria frisou que a mesma autorizava somente a utilização da sala do Diretório
6 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Ata da 9ª Sessão do Conselho Universitário. Belém:
UFPA,1968. Sessão extraordinária, 2 ago. 1968, p. 3.
7 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Ata da 9ª Sessão do Conselho Universitário, op. cit. p. 3
8 Ibid. p.3.
193
Acadêmico durante o período noturno, fator que não autorizava propriamente a
ocupação. É importante salientar que as divergências entre Silveira Netto e Júlio do
Ribeiro vinham de outras sessões anteriores, desta forma o reitor propôs a alterna-
tiva de afastá-lo do cargo administrativo, indicando um novo diretor, o professor
Artur Mello. Esta proposta foi embargada pela congregação e discentes de Quími-
ca que a rejeitaram.
É importante salientar que, paralelamente, o debate da reformulação da
Universidade fazia parte das assembleias realizadas nos diretórios acadêmicos
das Faculdades de Medicina, Engenharia, Direito, Química e Filosofia Ciências
e Letras. Os estudantes foram extremamente atuantes em prol de mudanças edu-
cacionais e políticas sociais. Apesar de haver divergências ideológicas, houve um
consenso para o processo de ocupação das Escolas e Faculdades, ou seja, permane-
ceram unidos para a conquista de suas reivindicações.
Os periódicos de Belém anunciavam que durante o mês de julho e agosto
de 1968 ocorreram a realização de várias assembleias, mesas-redondas e reuniões,
grupos de jovens oriundos de várias Escolas e Faculdades e os representantes de
Medicina, Engenharia, Direito, Arquitetura, Química, Serviço Social, Filosofia,
Geologia se reuniram no conselho deliberativo, na sede do Diretório Central dos
Estudantes (DCE)9. Dentro das propostas em voga estava a questão da mobiliza-
ção dos estudantes locais em face o movimento universitário que ora agitava o
país, assim como, incentivavam os discentes a entrarem na vida política do Brasil,
as análises sobre a reforma universitária10 e os problemas específicos da região e
de cada Faculdade11. Alberto Ferreira Puty12 diz que nestas assembleias existiram
várias discussões sobre a reforma universitária que pretendia transformar as uni-
versidades brasileiras em fundações particulares com cobrança de mensalidades.
Nas assembleias gerais houve um processo intenso de conscientização por
meio de mesas-redondas para os universitários. Buscava-se debater as principais
9 Universitários Estudam a Crise e Adotam Alerta. A Província do Pará, Belém, 5 jul. 1968. 1º cad., p. 8
10O estudo de José Dirceu (1998, p. 119) sobre a dinâmica de reforma universitária salientou que o
movimento estudantil de 68 bem mais que a luta contra a ditadura e uma revolução de comportamento,
foi também uma revolução educacional que poderia ter dado ao Brasil outra Universidade. Na época
houve um debate sobre a Universidade Crítica, uma ideia vinda da França, trazida pela Polop (...). A
proposta de uma Universidade Crítica era bastante conceitual e de maior relevância, porque trazia em-
butida a ideia de transformar a Universidade – algo que acredito até hoje – renovando sua importância
como espaço cultural e político e subvertendo as estruturas tradicionais.
11 Universitários Estudam a Crise e Adotam Alerta. op. cit, p. 8
12PUTY, Alberto Ferreira. A UFPA e os Anos de Chumbo: memórias, traumas, silêncios e cultura
educacional (1964-1985). [Entrevista concedida a] Edilza Fontes. UFPA Multimídia, Belém, 2014. Dis-
ponível em: http://www.multimidia.ufpa.br. Acesso em: 22 set. 2023.
194
reivindicações estudantis, entre os temas analisados estavam os acordos MEC-U-
said e suas consequências à educação brasileira, assim como, as necessidades espe-
cíficas de cada unidade de ensino da UFPA para serem debatidas e colocadas como
pauta de contestação à reforma dos prédios das Faculdades e Escolas. Neste perío-
do existia sala de aula improvisada em galpões sem condições de funcionamento;
a questão da mudança para o Campus Pioneiro do Guamá era vista com cautela
e medo, uma vez que acreditavam que a concentração dos estudantes no mesmo
local daria maior controle do regime vigente sobre as atividades estudantis; discu-
tiam-se as pautas gerais do movimento estudantil nacional, como a derrubada da
ditadura militar, a violência com que trataram os jovens em outros estados; nesses
debates participavam membros da igreja, professores, políticos, os quais eram fa-
voráveis às lutas dos universitários.
Em relação aos Acordos MEC-Usaid, a massa estudantil alegava que não
tinha conhecimento do que seriam tais acordos, este conhecimento estava mui-
to restrito aos líderes estudantis que mantinham uma relação política com outras
unidades políticas, como a União Nacional dos Estudantes (UNE). É importante
salientar que os acordos MEC-Usaid tinham um “caráter sigiloso”13 que feria a so-
berania da política educacional do país. Também lutavam contra as limitações de
verbas, precariedade de material, má remuneração dos professores, falta de paga-
mento das bolsas de estudo, a existência de certas cátedras consideradas ultrapas-
sadas, uma ampla campanha pela manutenção da Escola de Química. Assim como
almejam contribuir no desenvolvimento do ensino através da participação junto
ao conselho universitário, tomando parte das decisões universitárias14.
O jornal A Folha do Norte, do dia 28 de julho, notificou que as ocupações
iniciaram através da Escola Superior de Química, sendo deliberada após uma as-
sembleia entre os professores e alunos que se reuniram para debaterem a ameaça
195
de extinção que se fazia presente no plano de reestruturação da Universidade Fede-
ral do Pará, destacando que a ameaça era uma vontade antiga do reitor, e um des-
cumprimento do Decreto de Lei 53, artigo segundo, que determinava a formação
de instituto básico e unidades de formação profissional desta unidade de ensino.
O jornal A Província do Pará do dia 2 de agosto trouxe informação sobre a
Faculdade de Engenharia ter aderido à luta em solidariedade a Escola de Química,
mas também apresenta seus descontentamentos, exigindo soluções para “o afasta-
mento do diretor da Escola, o qual tinha atingido a compulsória, melhores con-
dições de ensino, melhores salários aos professores, reforma total da estrutura da
Escola”. Destaca também que o Governador do Estado interfere na crise estudantil
paraense ao se solidarizar aos estudantes de Química, prometendo uma solução jun-
to ao reitor Silveira Netto para o problema criado com a ameaça de transformação
da Escola de Química em Instituto, mostrando-se compreender as causas das reivin-
dicações.O jornal O Liberal publicou sobre a ocupação de mais Faculdades e que os
estudantes secundaristas estavam aderindo à causa dos universitários, dentre essas a
tomada das Faculdades de Direito, Medicina e Filosofia, repetindo atitude dos aca-
dêmicos de Engenharia e Química Industrial, com um possível alastramento da crise
com adesão da Faculdade de Odontologia e a Escola de Arquitetura.
Para sabermos mais sobre o cotidiano do movimento estudantil nesse
processo histórico é importante elencar as memórias de ex-alunos que participa-
ram da ocupação em 1968. Neste sentido, aluna da Faculdade de Filosofia em 1968,
a professora Maria de Nazaré Sarges, relata que o clima era de tensão na Univer-
sidade durante os primeiros quatro anos de ditadura militar, ela ressalta a tomada
da universidade pelos estudantes, que alguns permaneciam nos prédios, outros fa-
ziam pedágios, também relata o clima de insatisfação dos estudantes e eles queriam
enfrentar o governo militar15.
A presidente do centro acadêmico de Filosofia em 1968, Layse Salles, lem-
bra que, todas as Faculdades ocupadas, umas em maior grau e outras em menor.
Mas o “grupo revolucionário das Faculdades ficava presente”. Os alunos vinham,
saíam, iam para casa, voltavam durante o dia. Nós proibimos a entrada de pro-
fessores reacionários, somente entraram professores que contribuíram conosco16.
15SARGES, Maria de Nazaré dos Santos. 25 anos de ensino superior regionalizado no Pará. [Entrevista
concedida a] Edilza Fontes. UFPA Multimídia, Belém, 2012. Disponível em: http://www.multimidia.
ufpa.br. Acesso em: 22 set. 2023.
16SALLES, Layse Duarte. A UFPA e os Anos de Chumbo: memórias, traumas, silêncios e cultura edu-
cacional (1964-1985). [Entrevista concedida a] Edilza Fontes. UFPA Multimídia, Belém, 2014. Dispo-
nível em: http://www.multimidia.ufpa.br. Acesso em: 22 set. 2023.
196
Aluno da Faculdade de Economia em 1968, Roberto Ribeiro Corrêa, relembra so-
bre a ocupação afirmando que houve um movimento que começou na Faculdade
de Química, em que eles reclamavam que não tinha laboratório, como ensinar os
estudos de química sem a infraestrutura técnica-científica necessária? “Nós vamos
fazer aqui a mesma coisa”17. Aluna da Faculdade de Filosofia em 1968, Maria Ce-
leste Medeiros elenca que, “nós ficamos, acho que 22 dias, dia e noite, 24 horas por
dia ocupando. Às vezes um saía, mas outros ficavam. A participação, no começo,
foi mais intensa, mas depois foi arrefecendo, porque o pessoal se cansava e muitos
não eram militantes”18.
O intuito de elencar essas memórias é ressaltar que há um enquadra-
mento de uma experiência social humana construída entre esses sujeitos sociais
que vivenciaram o cotidiano das reivindicações estudantis na cidade de Belém,
mas precisamente no episódio das ocupações das Faculdades da UFPA, para
demonstrar uma coerência, unidade, continuidade, pautado em um “estilo cro-
nológico”19, pois os relatos mencionados pelos entrevistados puderam destacar
o cotidiano social e político dessas ocupações. Para estes sujeitos que partici-
param das lutas reivindicatórias, verifica-se que “o passado ainda não passou”,
haja vista que traços fortes daquela realidade permanecem no presente como
um marco em suas vidas.
A Escola Superior de Química foi a primeira a ser tomada, a partir de
uma reunião entre o colegiado e os alunos. Os discentes de química, através do
diretório acadêmico, passaram a fazer campanhas de conscientização dos de-
mais estudantes universitários sobre sua possível extinção, assim percorreram
as unidades de ensino da UFPA, onde existiam assembleias e mesas redondas,
utilizando o slogan “o Brasil precisa de Químicos e a Amazônia de Indústrias”20,
com o objetivo de ganhar apoio dos demais estudantes, deste modo começou o
processo de ocupação. O jornal A Folha do Norte21 publicou que este processo foi
desencadeado a partir de luta em defesa de seus direitos, os docentes e discentes
17CORRÊA, Roberto Ribeiro. A UFPA e os Anos de Chumbo: memórias, traumas, silêncios e cultura
educacional (1964-1985). [Entrevista concedida a] Edilza Fontes. UFPA Multimídia, Belém, 2014. Dis-
ponível em: http://www.multimidia.ufpa.br. Acesso em: 22 set. 2023.
18MEDEIROS, Maria Celeste Miranda. A UFPA e os Anos de Chumbo: memórias, traumas, silêncios
e cultura educacional (1964-1985). [Entrevista concedida a] Edilza Fontes. UFPA Multimídia, Belém,
2014. Disponível em: http://www.multimidia.ufpa.br. Acesso em: set.ro de 2023.
19POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 5, n. 10,
1992, p. 206.
20 ESTUDANTES em Novos Debates. A Folha do Norte, 19 jul. 1968. 1º cad., p 3.
21 QUÍMICA Debate A Sua Extinção. A Folha do Norte, 28 jul. 1968. 2º cad., p 20.
197
compreenderam que o plano de reestruturação da Universidade Federal do Pará
ameaçava de extinção ao querer transformá-la em departamento do Instituto Bá-
sico de ensino químico.
O movimento estudantil universitário paraense tinha como uma ação
política ir até as redações dos jornais, com o intuito de conceder entrevistas aos
repórteres para publicarem suas mensagens. Naquele momento, conduziu-se até a
sede dos jornais O Liberal e A Folha do Norte, os quais publicaram a interpretação
dos discentes através das seguintes manchetes: “Química Quer Manter a Escola”22,
“Escola de Química Pode ser Extinta”23, “Química Debate a sua Extinção”24, “Alu-
nos de Química em Campanha pela Manutenção da Escola”25, “Reunião da UP
Esclarecerá Situação da Escola de Química”26.
As notícias veiculadas neste meio de comunicação afirmam os relatos
dos futuros químicos sobre a ameaça de aniquilação da profissão na Amazônia,
momento de apresentação de conclusão do plano de reestruturação da UFPA,
deixando estes em pânico e apreensivos. As frases dos vespertinos sintetizam um
sentimento que passou a assolar os estudantes de química, os demais universitá-
rios, as autoridades políticas – deputados estaduais – a partir do dia 2 de julho de
1968, com a chegada do parecer do conselheiro Newton Sucupira, determinando
que houvesse uma escolha entre a Escola Superior e o Instituto de Química, mas
em sua opinião deveria permanecer o Instituto, os estudantes de Química conde-
naram o parecer nomeando-o de “ato criminoso” a transformação daquela Escola
em Instituto Básico. Os alunos da Escola Superior de Química, após concluírem
a campanha de conscientização referente à pretensa transformação de sua Escola
em Instituto Básico, declararam estar em greve permanente ocupando a escola.
Na defesa desta unidade de ensino, o governador Alacid Nunes colocou-se como
mediador entre os alunos e o reitor, convocando reuniões com os dois lados para a
resolução dos problemas existentes. Os estudantes da Escola Superior de Química,
em defesa desta unidade, fizeram um pronunciamento na Assembleia Legislativa
do Estado do Pará, através do deputado estadual Júlio Costa Viveiros (MDB), onde
o deputado leu o pronunciamento dos estudantes intitulado:
22 Química Quer Manter a Escola. A Folha do Norte, Belém, 14 jul. 1968. 1º cad. p. 5.
23 Escola de Química Pode Ser Extinta. A Folha do Norte, Belém, 24 jul. 1968. 1º cad., p. 2.
24 Química Debate Sua Extinção, 28 jul. 1968, p. 20.
25Alunos de Química em Campanha pela Manutenção da Escola. O Liberal, Belém, 17 jul. 1968. 1º
cad., p. 2.
26 Reunião da UP Esclarecerá Situação da Escola de Química. O Liberal, Belém, 22 jul. 1968. 1º cad., p. 3
198
DOIS PESOS DUAS MEDIDAS
27 Assembleia Legislativa do Estado do Pará. ATA da 74ª Sessão Ordinária, Belém: ALEPA, 4 set. 1968, p. 110.
28O estudo de Edilza Fontes (FONTES, 2007, p 78) aponta que os estudantes da Escola de Química
queriam barrar a proposta contida no Plano de Reestruturação que previa a criação de um Instituto
de Química, em substituição da Escola de Química e do Curso de Química Industrial, acreditando
que essa transformação significaria a “extinção” de ambos. A ocupação do prédio dessa Escola, então
localizado no Museu Comercial da Associação Comercial do Pará, na Praça da República – hoje, núcleo
de artes da UFPA, foi um dos mais tensos episódios do período e colocou em evidência um debate que
se estendia desde 1963.
199
aceitação do projeto de reforma universitária da UFPA apresentado ao Conselho
Federal de Educação. As ocupações eram um instrumento “político e de negocia-
ção”29, sendo este complexo e heterogêneo, assim como estão presentes práticas de
alianças e resistências. Este tipo de mobilização é uma superação às greves, uma
vez que se torna uma mobilização permanente e que agrega participantes em suas
assembleias e ações políticas. É importante salientar a existência dessa proposta de
contestação que já estava presente nos debates das assembleias estudantis realiza-
das durante o episódio da morte do estudante paraense Edson Luís30, mas encon-
trou resistência dos discentes das Faculdades de odontologia e farmácia, os quais
buscavam caminhos condizentes com as políticas apresentadas pelo o governo mi-
litar e o reitor Silveira Netto.
O jornal O Liberal publicou uma nota afirmando que o reitor Silveira
Netto marcou uma reunião com os alunos de química, sendo esta articulada en-
tre o Diretório Central dos Estudantes e o secretário Otávio Bandeira Cascaes.
O encontro tinha a finalidade de abordar a provável transformação da Escola de
Química em Instituto Básico de ensino 31. Deste encontro não houve um possível
acordo, pois as mobilizações continuaram. Uma vez que o diálogo era difícil, re-
queria uma série de protocolos, o reitor só concedia reunião com alunos vestidos
adequadamente, os de sexo masculino deveriam se apresentar com terno e gravata.
Sobre os encontros com Silveira Netto, Layse Salles revela que ele era conservador,
suas atitudes prejudicam os interesses do movimento estudantil ignorando suas
demandas, um Reitor que não estabelecia um diálogo, impondo várias regras re-
cebe os estudantes, estes deveriam ser apresentar de terno e gravata para poder ser
recebido na reitoria32.
As memórias de Layse Salles mencionam que o reitor era um homem con-
servador de difícil conversa. Suas decisões eram desfavoráveis às propostas vindas
dos educandos, na maioria das vezes as prejudicava como podia. As memórias dos
alunos presentes na UFPA no ano de 1968, referentes ao posicionamento políti-
co-administrativo do reitor Silveira Netto, nos revelam que este possuía uma forte
oposição à frente de seus trabalhos. Alberto Ferreira Puty33 cursou a Faculdade de
29ALMEIDA, Pablo E. R. Resistência, Ocupação e Criminalização: o movimento estudantil nas gre-
ves das universidades paulistas em 2007. 2009. (Dissertação em Sociologia) – Faculdade de Economia,
Universidade de Coimbra, Coimbra, 2009. Disponível: wwwestudosdotrabalho.org. Acesso em:19 set.
2023.
30 SALLES, Layse Duarte, 2014.
31 REUNIÃO da UP Esclarecerá Situação da Escola de Química, 22 jul. 1968.
32 SALLES, Layse Duarte, 2014.
33 PUTY, Alberto Ferreira, 2014.
200
Engenharia no período de 1964 a 1968 e faz as seguintes afirmações: “o reitor não era
bom”; “reitor atrasado”, “devolvia verbas”, “a luta também era contra o reitor”. Para o
estudante Roberto Ribeiro Corrêa, que ingressou na Escola de Economia no ano de
1967, havia um grupo de discentes que “condenava as atitudes do reitor aqui”34.
Retornando às ocupações, a segunda Escola a ser tomada foi a de En-
genharia, a partir da organização de uma mesa-redonda, reunindo professores e
alunos com objetivo de analisar o plano de reestruturação e discutir os problemas
que assolavam a Escola de Engenharia. Os coordenadores da mesa disponibiliza-
ram um tempo de vinte minutos para cada palestrante, na ocasião o Diretor Josué
Freire mandou um representante, este ignorou as pautas colocadas e passou a de-
fender o diretor, relatando a sua importância a frente daquela unidade desde sua
fundação. A oposição dos graduandos de engenharia contribuiu para a renúncia de
Josué Freire ao cargo de diretor, após 5 dias da greve.
Durante as falas dos membros que estavam compondo a mesa, os aluna-
dos de Engenharia presentes iniciaram uma comunicação paralela entre eles, atra-
vés de bilhetes, direcionando-os à ocupação da unidade, até que um estudante, Ar-
naldo Barreto, subiu na mesa gritando “Vamos ocupar essa escola”, assim convidou
os demais alunos para permanecerem no unidade de ensino, a sugestão de Arnaldo
Barreto foi aderida pela maioria presente. Ao ocuparem o prédio colocaram fai-
xas em sua fachada com as seguintes frases: “SÓ ENTREGAREMOS NOSSA ES-
COLA AO NOVO DIRETOR”, “APOIO INTEGRAL À ESCOLA DE QUÍMICA”,
“ABAIXO REESTRUTURAÇÃO: IMPOSTA”35, nessas frases foram demonstrados
os apoios à contestação da Escola de Química, assim como afirmaram a negação
do plano de reestruturação da UFPA, pois compreenderam ser uma imposição
do Conselho Universitário apresentado pelo reitor Silveira Netto. Já em relação à
especificidade, observa-se nas frases a preocupação dos discentes em relação ao
afastamento do Diretor Josué Freire por ter atingindo o tempo de compulsória a
14 anos, do mesmo modo que confirmaram a ocupação do prédio e ressaltaram
as condições para um possível acordo de desocupação. Contudo existiam outras
requisições, como “melhores condições de ensino, maiores salários para os profes-
sores e reforma total da estrutura da escola”36.
O movimento estudantil universitário paraense, não obstante sua renova-
da vitalidade em 1968 proclamou os estudantes a participar da luta. Neste sentido,
201
partiram de contestações específicas de cada unidade de ensino da UFPA, assim
foi apresentada uma demanda acadêmica. As diversas Faculdades e Escolas acre-
ditavam que um novo plano de reforma poderia ser elaborado com a participação
estudantil, assim como, os universitários ligados a organizações partidárias com-
partilhavam da ideia que o movimento estudantil deveria ser um “apoio às forças
revolucionárias, às lutas campesinas e operárias”37.
O diretório acadêmico de Direito buscou se solidarizar com o movimento
de ocupação, organizando assembleia geral na Faculdade de Direito no Largo da
Trindade, nesta reunião houve a participação de alunos de química e economia e
as demais unidades. Para realizarem os debates estavam os docentes do curso de
Direito para analisarem a situação da Escola de Química, ao fim desta assembleia
ficou determinado realizar uma passeata com saída do Largo da Trindade até a
Praça da República, onde estava localizada a Escola de Química. Também hou-
ve a elaboração e distribuição de panfletos com críticas aos acordos MEC-Usaid,
ressaltando que estavam estabelecidos 30 acordos e somente 1 tinha sido revisto
pelo governo federal, assim como solicitava que as manifestações deveriam ocorrer
dentro de uma “ordem com liberdade”38 e também conclamavam os universitários
à luta: “tomamos agora, urgentemente, uma posição”39.
A ocupação da Faculdade de Filosofia partiu também de uma assembleia
geral, onde foi colocada a proposta de ficarem no recinto os que pudessem, haven-
do um revezamento entre os estudantes, mas o grupo de maior cunho revolucio-
nário permaneceu por 24 horas. Muitos alunos vinham para a Faculdade permane-
cendo por determinado tempo e depois seguiam para suas residências, retornando
no próximo dia. Em relação à organização dos estudantes de Filosofia, mostrou-se
um movimento político estruturado, o qual dialogava com os centros acadêmicos
de outras Faculdades.
Buscaram elencar suas propostas através de assembleias, passeatas. Nelas
estavam presentes faixas e cartazes nas paredes, assim como tiveram a preocupa-
ção de uma possível invasão dos militares, assim como buscaram ter o cuidado
com os bens materiais, evitando a destruição deles, para isso houve a restrição de
determinados locais, como da diretoria e do laboratório. Fizeram o inventário dos
bens existentes, lacraram as salas, prepararam um documento com todos os dados,
assinado por ambas as partes.
37CARNEIRO, José. Memórias políticas contra a ditadura militar no Pará. Belém: NAEA/UFPA,
2017. p. 63.
38 QUÍMICA É TEMA NA F. DE DIREITO. A Folha do Norte, Belém, 1 ago. 1968. 1º cad., p. 1.
39 Ibid. p. 1.
202
As pautas reivindicatórias dos estudantes de Filosofia eram referentes a
necessidades acadêmicas, estruturais e de cunho político, como da reforma uni-
versitária, mudança no currículo, como inserir o curso de bacharelado, áreas para
o lazer, uma mesa de pingue- pongue, norma de comportamento dentro da sala de
aula, participação na congregação paritária da Faculdade, assim como a reformu-
lação do currículo escolar.
A Faculdade de Filosofia encontrava-se em um estado degradante de infraes-
trutura, nela outros cursos eram ministrados como, História, Pedagogia, e Geografia.
Na fachada do prédio um aviso de greve dos estudantes, durante a tomada a ocupação
somente professores simpatizantes ao movimento entraram no recinto, com a permis-
são dos estudantes, como a professora Anunciada Chaves, o professor Paulo Mendes,
o professor Roberto Santos, uma vez que os estudantes acreditavam que os professores
citados contribuíram com informações políticas e sobre as questões de reformas so-
ciais. Sendo assim, era concedida a permissão de pessoas apoiadoras do movimento,
porém foi recusada a entrada de professores considerados reacionários.
O professor Orlando Sampaio Silva40, em 1968, exercia a função de Dire-
tor da Faculdade de Filosofia. Segundo ele, corrobora com o movimento estudantil
universitário paraense, pois simpatizava com as pautas políticas defendidas, prin-
cipalmente a proposta de reforma universitária. Durante o processo de ocupação
da Faculdade de Filosofia, os alunos contaram com total apoio de sua administra-
ção, chegando a designar a professora Anunciada Chaves para ser uma porta-voz
da diretoria e dos estudantes. Durante as assembleias promovidas dentro desta
unidade, o diretor da Faculdade de Filosofia chegou a discordar do processo de
ocupação, pois em seu entendimento os estudantes desta unidade tinham ampla
liberdade para promoverem reuniões.
Após inúmeros debates sobre os problemas que afligiam a universidade e
com o apoio de algumas instituições civis que acreditavam que a luta da classe era
justa, como uma parte da igreja que incentiva os estudantes a caminhar em frente,
buscando democratização do ensino e do país:
A Assembleia Geral dos universitários paraenses, promovida pelo
Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia, teve início às 16
horas de ontem, com uma rápida palestra do padre Silvério, que
conclamou os estudantes a se empenharem na busca de soluções
para os problemas. Invocando a letra da música de Billy Blanco,
recentemente premiada da I Bienal do Samba, o sacerdote disse, a
40SILVA, Orlando Sampaio. A UFPA e os Anos de Chumbo: memórias, traumas, silêncios e cultura
educacional (1964-1985). [Entrevista concedida a] Edilza Fontes. UFPA Multimídia, Belém, 2014. Dis-
ponível em: http://www.multimidia.ufpa.br. Acesso em: 23 set. 2023.
203
certa altura: “ou encaramos os problemas de frente ou ficará tudo
em conversa e o canto será sempre chorado”.41
204
volucionários em diferentes Faculdades, a partir de um problema específico, no
caso dessa mobilização, foi a exclusão dos estudantes universitários na elaboração
do projeto de reforma universitária da UFPA. Com este caráter legalista, os dire-
tórios acadêmicos, juntamente com a União Acadêmica Paraense, Ação Popular
e do Partido Comunista Brasileiro, conseguiram reagrupar membros de diversos
cursos, capazes de permanecer 24 horas nos prédios das Faculdades e Escolas, ou
mesmo de contribuir na busca de recursos financeiros para garantir a alimentação
de quem se propôs a ficar nas Unidades.
Por trás dos discursos legalistas estavam inseridos outros projetos que
buscavam a modificação da base da sociedade brasileira nos aspectos econômicos,
políticos, sociais, regionais e nacionais. Por esses motivos declararam guerra a toda
política do governo militar discordante dos seus propósitos. Em âmbito nacional,
pregavam a libertação da nação em relação à ditadura militar e seu sistema de ma-
nipulação; na questão regional, defenderam a Amazônia da intervenção estrangei-
ra; no que se diz respeito à economia, criticaram o projeto modernizador do país
voltado para um mercado externo, em detrimento da população.
No entanto, para um plano mais imediato reivindicavam uma reforma
no ensino superior do Brasil, exigindo a eliminação de “estruturas autoritárias
e arcaicas”, as quais não seriam modificadas com a proposta de reforma univer-
sitária apresentada pelo MEC. Além de consistir na continuação do sistema de
ensino voltado aos interesses dos grandes monopólios econômicos, a reforma
universitária apresentada pelo MEC teve a compreensão de ser uma política
educacional imperialista, devido aos acordos firmados com entidades de go-
verno estrangeiro, permitindo assim a quebra do monopólio educacional do
Brasil. Além do que o projeto desvincular-se de uma educação voltada para o
bem estar dos cidadãos, onde houvesse uma “Universidade Crítica e Democrá-
tica” que estivesse comprometida com o desenvolvimento da nação, desvincu-
lada do sistema de mercado especializado, voltado para o desenvolvimento dos
grandes capitais.
Sobre as ocupações da Faculdade de Medicina, está também obteve apoio
de professores e professoras, como a professora Bettina Ferro e os professores Ro-
naldo Araújo e Monteiro Leite. Os acadêmicos de Medicina recorreram à Assem-
bleia Legislativa do Estado, buscando apoio dos deputados estaduais. Neste intuito,
foram até a ALEPA e entregaram um manifesto explicando à sociedade os motivos
que levaram a tal mobilização:
205
Povo do Pará
Os Acadêmicos de Medicina45
45Assembleia Legislativa do Estado do Pará. ATA da 64ª Sessão Ordinária, Belém: ALEPA, 21 ago.
1968, p. 141.
46O estudo de Marcelo Ridenti (2002, p 151) ressalta que 1968 iniciou no Brasil com manifestações de
estudantes. Por um lado, eles reivindicavam ensino público e gratuito para todos, a proposta de reforma
universitária deveria está para a democratização do ensino superior, oferecendo melhores qualidade
de ensino e pesquisa, com maior participação estudantil nas decisões do conselho universitário, mais
206
pois havia o temor entre a juventude universidade de que o governo autoritário
privatizasse o ensino superior pautado nos acordos Mec-Atcon-Ussaid, como pode
ser observado na publicação do jornal O Papagaio, onde os discentes do curso de
economia publicaram que “o universitário brasileiro depara-se hoje com quadro
desanimador e dissolução bastante difícil se somente alguns poucos tomaram a si
o encargo de impedir a privatização da universidade brasileira”47. É evidente que
o movimento estudantil universitário paraense acreditava que haveria a venda das
instituições de ensino superior e caberia a classe estudantil impedir esse propósito
o qual era debatido em assembleias estudantis.
É importante elencar que as assembleias estudantis foram fundamentais
para manterem a unidade dos acadêmicos, uma vez que todos poderiam pronun-
ciar-se sobre os problemas que os afligiam, assim como, proporcionaram aos de-
mais estudantes conhecerem as diretrizes políticas defendidas pelo movimento
estudantil universitário paraense, fato que contribuiu para buscar o apoio social,
pautado em argumentos convincentes e que a luta era justa.
Durante o processo de ocupação da UFPA, o movimento estudantil uni-
versitário paraense, para manter os alunos 24 horas nas Faculdades e Escolas
montou várias equipes responsáveis por uma determinada função, como a de
limpeza, alimentação, arrecadação de dinheiro através de pedágios nos semáfo-
ros das ruas e avenidas, outros ficavam com os aspectos culturais, os quais elabo-
ram festas temáticas e apresentação de teatro. A violência física era inexistência,
mas havia o terror psicológico foi eminente com o policiamento nas proximida-
des, sendo esta uma forma de ameaça constante dos militares, de modo que o co-
mando da ocupação montou uma equipe de vigilância permamente para anun-
ciar uma possível invasão militar na Universidade e ter um controle das pessoas
que circulavam pelas Faculdades, exigindo uma identificação de estudantes, para
os demais era necessária uma autorização do comando da ocupação para entrar
no recinto. Vigiavam constantemente todo material que chegava às unidades,
evitando surpresas. A vigilância estava presente principalmente à noite, onde um
grupo de jovens ficavam sentados na frente da Faculdade do curso de Medicina.
verbas para pesquisa – voltada para resolver os problemas econômicos e sociais do Brasil. Por outro
lado, os estudantes contestavam a ditadura e o cerceamento às liberdades democráticas. Naquela época,
a maioria dos universitários estudava em escolas públicas e o acesso ao ensino superior era bem mais
restrito que nos dias de hoje, havendo uma demanda muito maior que a oferta de vagas.
47 [Publicação]. O Papagaio, Belém, n. 19, p. 1, 2 ago. 1968.
207
Da Amazônia Para O Brasil: a instalação do governo itinerante
do presidente General Artur Costa e Silva em Belém do Pará
208
assim como construíram várias críticas ao reitor Silveira Netto, inclusive pedi-
ram o afastamento deste administrador e “anulação pura e simples do plano de
reestruturação da Universidade”49.
Os jovens conseguiram impressionar o ministro na maneira como sou-
beram conduzir o debate através da demonstração da firmeza e conhecimento
das circunstâncias em relação às questões referentes à Universidade, sendo que
Tarso Dutra “elogiou o equilíbrio dos universitários paraenses e os termos eleva-
dos das discussões, prontificando-se a atender dentro das possibilidades a todas
as reivindicações”50. Os estudantes, na ocasião falaram, ao ministro que o reitor
Silveira Netto era o responsável pelos acontecimentos que estavam ocorrendo na
UFPA51, inclusive pelas ocupações das Faculdades, que somente ocorreram devido
ao descumprimento às determinações dos decretos-leis das diretrizes de bases. Em
relação ao Plano de Reestruturação, alegaram não serem ouvidos, assim como os
professores desconheciam o autor ou autores desta reformulação52. Para o encon-
tro, os estudantes levaram como pauta reivindicatória as seguintes questões:
Reabertura pelo Conselho Federal de Educação do prazo legal de
180 dias para a elaboração de um novo plano de reestruturação da
Universidade do Pará, mediante participação de professores e alu-
nos [...]; investigação dos pontos ventilados quanta à atividade da
reitoria; Federalização e integração à UFPA da escola de enferma-
gem Magalhães Barata; restabelecimento do regime de dependência
até duas disciplinas; manutenção da Escola Superior de Química
juntamente com o Instituto de Química, Criação do restaurante
universitário; abolição do sistema de bolsas para o financiamento e
incrementação de bolsas de estudo inteiramente grátis; abolição das
taxas de expediente que a Universidade cobra; aumento de verbas
no orçamento da União para a Educação em termos de aumento
percentual53.
49 ESTUDANTES: Impressionaram o Ministro e Levaram Hoje Memorial ao Presidente. 1968, op. cit. p. 9.
50 Ibid. p. 9.
51 Cabe aqui salientar o estudo de Márcio Alves (1993, p. 115) o qual o movimento estudantil só exis-
tiu no Brasil devido à imprudência do Ministério da Educação. “Quem criou o movimento estudantil
revolucionário no Brasil foram o Ministério da Educação, incapaz de responder com ofertas de ensino
à demanda dos jovens, e a polícia, que baixou o cassetete na cabeça de quem reivindicava a chance de
arrumar um emprego melhor quando entrasse no mercado de trabalho. Os depoimentos dos mais jo-
vens, rapazes e moças saídos das escolas secundárias, são claros e coincidem nesse sentido. A repressão
policial criava a indignação, que, por sua vez, motivava os estudantes a se organizar melhor e a encon-
trar justificativas políticas para o engajamento”.
52 ESTUDANTES: Impressionaram o Ministro e Levaram Hoje Memorial ao Presidente, op. cit. p. 9.
53ESTUDANTES: opinam sobre o debate na TV com o ministro. A Folha do Norte, Belém, 13 ago.
1968. 2º cad., p. 10.
209
O movimento estudantil universitário paraense se organizou e conseguiu
dialogar de forma saudável com o governo militar de Costa e Silva, este por sua vez
permitiu fazer diferente dos demais encontros com o movimento estudantil. Em
Belém, em vez de cacetes, cavalaria, policiais armados, houve uma abertura para
uma conversa. Mas é importante destacar que a juventude paraense, na presença
da comitiva governamental, buscou contestar a ditadura através de lutas específicas
da educação, pois as pautas apresentadas ao governo de Costa e Silva menciona-
vam a reelaboração do plano de reforma universitária da UFPA, a manutenção das
duas unidades de química e aumento de verbas para a educação do estado do Pará.
O discurso legalista conseguiu impressionar o presidente militar, o qual em seu
pronunciamento de saída de Belém ressaltou que os universitários do Pará repre-
sentavam o “verdadeiro estudante brasileiro”.
O ministro Tarso Dutra se pronunciou a estas contestações, salientando
que em relação às ocupações das Faculdades, o prejuízo somente seria dos estudan-
tes, haja vista que estes deveriam cumprir a carga horária mínima exigida por lei;
discordou totalmente sobre o prazo de 180 dias pedido para reexame do projeto de
reforma da Universidade Federal do Pará, contudo se comprometeu que pessoal-
mente iria solicitar ao Conselho Federal de Educação para retornar o plano para
ser realizado um novo parecer pelos estudantes e professores; considerou que os
estudantes estavam com um argumento muito forte, pois houve uma falha na reela-
boração, uma vez que negaram a palavra aos docentes e discentes da Universidade.
Em relação à questão da Escola Superior de Química, o ministro da edu-
cação afirmou que a petição dos alunos era justa e tinha o apoio para sua manuten-
ção, à permanência das duas unidades não acarretaria prejuízo, a questão deixava
de ser interesse regional, tornando-se uma questão nacional devido à necessida-
de de técnicos para Amazônia, a qual estava sendo cobiçada por pesquisadores
estrangeiros; reconheceu que a UFPA passava por uma crise estrutural devido à
demanda de alunos matriculados, no entanto a Universidade estava passando por
um processo de revitalização através das verbas do governo federal.
É importante mencionar as visões dos estudantes participantes do deba-
te na TV, o universitário Pedro Pinho ressaltou, em entrevista ao jornal Folha do
Norte, que houve um comprometimento do ministro para solucionar os problemas
gerais que os afligiam, assim compreendeu haver saldos positivos. Já na visão do
estudante Alex Turenko Júnior, as declarações do ministro Tarso Dutra em relação
às colocações não chegavam a lugar nenhum, uma vez que “ele não prometeu, não
210
se comprometeu e nem se propôs a resolver coisa alguma”54 Para Fernando Fiúza
de Melo, o debate não se consolidou em uma proposta definitiva, ficando tudo
em promessas, contudo o debate serviu ao movimento estudantil paraense para
divulgar as contestações. Assim, os estudantes participantes do debate na TV, em
maioria, ficaram desacreditados nas colocações do ministro Tarso Dutra, alegando
que as propostas ficaram nas promessas e assim a comissão de ocupação resolveu
dar continuidade à mobilização permanente até que fossem apresentadas soluções.
Cabe salientar que os estudantes participantes deste debate com o Mi-
nistro da Educação Tarso Dutra conseguiram impressionar a sociedade com a
maneira de conduzir os debates, pois o desempenho foi elogiado na ALEPA pelo
deputado Laércio Barbalho55, o qual mencionou que os estudantes tiveram matu-
ridade para mostrar os direitos que possuíam, neste sentido pôs-se complacente
ao movimento estudantil universitário paraense, oferecendo assim o total apoio da
Câmara às reivindicações estudantis.
É relevante mencionar que os centros acadêmicos das Faculdades, bem
como os diálogos construídos entre os estudantes, representavam a organização do
movimento estudantil. Mostra-se de forma contundente a participação dos jovens
enquadrados em um modelo institucionalizado arcaico, que ocasionou fortes de-
bates políticos entre a juventude, com o intuito de encontrar soluções possíveis so-
bre as questões relacionadas à educação superior. As temáticas estabelecidas den-
tro do movimento estudantil universitário paraense foram as mais variadas, apesar
disso, obteve apoio da maior parte dos estudantes nas ocupações, nas assembleias e
nas passeatas, fatos que vieram se consolidando desde o episódio da morte de Ed-
son Luiz, que representou, nesse ínterim, uma unificação do movimento, gerando
uma mobilização coletiva em prol de um objetivo comum, a “verdadeira reforma”
no ensino superior.
A coletividade da juventude universitária em Belém se consolidou com as
ocupações das Faculdades, que foi o maior evento político estudantil ocorrido no
Pará durante a ditadura militar em 1968, o qual teve maior clima de tensão com
a chegada do presidente Costa e Silva e a comitiva ministerial. Neste momento, o
presidente governou o país a partir da Capital paraense, um dos seus objetivos no
estado seria levar o desenvolvimento tecnológico e econômico para a Amazônia,
na ocasião do estabelecimento do governo itinerante em Belém ocorreu oficial-
211
mente a inauguração de parte da Cidade Universitária da Universidade Federal
do Pará. Retornando ao clima de tensão dos estudantes, durante o processo de
permanência dos estudantes nas Faculdades, com a chegada do governo federal,
pois não havia conhecimento das proporções que poderiam ocorrer naquele mo-
mento, quando o presidente conhecesse os protestos dos estudantes. Entretanto,
Costa e Silva, pautado em uma ideologia conciliatória, permitiu o diálogo com o
movimento estudantil.
O impasse entre o reitor e o diretor tornou-se grandioso e com dificulda-
des para ser resolvido no âmbito do conselho universitário da UFPA, que precisou
ser apaziguado pelo o governador do estado do Pará Alacid Nunes e pelos depu-
tados estaduais. O governador abriu diálogo com ambos, no intuito de solucionar
a crise estudantil em Belém, uma vez que estava esperando o governo itinerante
do presidente militar Costa e Silva com a comitiva presidencial. Queria solucionar
o problema, a fim de evitar maiores transtornos e passar boa impressão de seu
mandato governamental. Neste sentido, o governador se reuniu com o reitor Sil-
veira Netto e com Júlio Ribeiro no Hospital dos Servidores do Estado56, após uma
exposição dos debates e resultados do conselho universitário, chegaram ao acordo
de solicitar ao Conselho Federal de Educação o retorno do plano de reestruturação
da Universidade, através de pedido do governador Alacid Nunes, o excelentíssimo
encaminhou um ofício ao Presidente do Conselho Federal de Educação Deolino
Couto o retorno do projeto57, com o provável intuito de ser revisto os pontos que
ocasionaram o conflito estabelecido.
O debate sobre a reforma universitária da UFPA chega à Assembleia Le-
gislativa do Pará pelas mãos dos estudantes. O primeiro que propôs analisar o as-
sunto foi o deputado estadual Maravalho Belo (ARENA), que considerou de mais
alta importância o assunto. Na ocasião afirmou estar ao lado dos estudantes, pois
estes tinham um movimento legítimo, com objetivo definido. Em sua opinião, o
governo estava tomando atitudes contraditórias, uma vez que se negava a solucio-
nar os problemas, enquanto os estudantes paraenses sabiam fazer seus protestos,
“sem depredações, sem ofensa moral, sem atentar contra as instituições”58.
O deputado Antônio Mergulhão, o qual tinha um filho acadêmico de me-
dicina, salientou sua indignação com a falta de diálogo entre o reitor Silveira Netto,
212
assim como dos professores diretores das Faculdades e Escolas, afirmando que o
diretor da Faculdade de Medicina seria um instrumento de manobra do reitor. Em
sua interpretação, a postura de Silveira Netto seria autoritária, mostrando que ele
era um “verdadeiro ditador’, já que nem mesmo na ‘caserna é negado ao subordi-
nado o direito de falar ao seu Comandante”59.
O deputado Massud Ruffeil também concordou com a visão de ditador
de Silveira Netto, a qual tinha sido iniciada durante a administração do curso de
medicina, deste modo seria impossível o universitário ficar sem manifestação con-
trária à reitoria. Cabe mencionar que os deputados estaduais afirmavam que o es-
tado do Pará seria a representação da democracia brasileira. Em suas concepções
o país estava em plena democracia, a qual seria intolerável com a postura do reitor
Silveira Netto agir de forma autoritária, tomando decisões sem consultar o conse-
lho universitário e os estudantes e, ainda, negando-se a atender as reivindicações
da mobilização estudantil. Diante da postura administrativa do reitor, o deputado
estadual Alfredo Gantuss se pronunciou: -“É lamentável que o magnífico reitor
não tenha a mínima sensibilidade. Só um caminho ele poderia seguir, a renúncia
definitiva da reitoria”60.
Essa concepção de ditadura presente na Universidade Federal do Pará,
que foi denominada de “Silverismo” por seus opositores, chega a ser contraditória,
conforme diziam os deputados da ARENA, que colocaram o apoio à reivindicação
do movimento estudantil universitário paraense, pois a mesma compreensão não
persistia ao governo federal, ao contrário, eles viam que o movimento militar de
1964 teria sido uma revolução, esta visão foi ressaltada constantemente nos pro-
nunciamentos dos senhores deputados, já a oposição existente limitava-se a deno-
minar a existência de uma democracia capenga no Brasil.
Retornando sobre o debate da reforma universitária na Assembleia Le-
gislativa do Pará, este foi intenso, acompanhado pelos universitários, os quais
recorreram a Casa Legislativa para ser sua intercessora com a reitoria. Os repre-
sentantes civis do Poder Legislativo aceitaram o papel de “advogados” da causa
estudantil, por entenderem que o movimento seria “coerente e patriótico”, de
maior responsabilidade, e voltava-se contra o autoritarismo do reitor, nas pala-
vras dos deputados. Diante do apoio concedido ao movimento estudantil uni-
versitário, o comando de ocupação da Faculdade enviou um parecer de agrade-
59 Assembleia Legislativa do Estado do Pará. ATA da 63ª Sessão Ordinária, 20 ago. 1968, p. 78.
60Assembleia Legislativa do Estado do Pará. ATA da 63ª Sessão Ordinária, Belém: ALEPA, 21 ago.
1968, p. 162.
213
cimento e de aviso, ressaltando que a luta se fazia contínua, e esta solidariedade
deveria ser da mesma forma, pois a mobilização era em benefício da sociedade,
da qual os deputados são os representantes:
Agradecemos todo apoio que nos puderam dar, mas lembramos que
o apoio deve ser dado continuamente, já que continua tem sido a
nossa luta. Que essas manifestações de apoio dos senhores Depu-
tados - especialmente dos deputados oposicionistas, a quem cabe
maior responsabilidade face à política do governo - não fique res-
trita a alguns instantes de maiores manifestações estudantis -, mas
que seja prolongado a todo o ano em todo ano. Não será somente
por nós que assumimos esta luta, mas sim em benefício do povo a
quem dizeis representar. Nós estamos cumprindo a nossa tarefa no
sentido de contestá-lo. Esperamos que cumprais a vossa.
sentes nas atas do Conselho Universitário, as quais já foram citadas neste estudo. Os
deputados chegaram às seguintes conclusões: má elaboração do projeto de reforma,
pois foram solicitadas modificações em vários pontos mais de uma vez; foi apresen-
tada uma versão que tinha sido aprovada pelo Conselho de Educação Federal, o que
para eles era inaceitável, já que havia um desconhecimento de quem seria a autoria,
sendo este imposto pelo reitor Silveira Netto para o conselho aprovar, sem tempo
para a devida análise, motivo de questionamentos por parte de professores e alunos.
Assim, foi ressaltado que “a reitoria está pecando mortalmente contra o direito que
todos têm de opinar no meio em que vivem, no meio em que trabalham, no meio em
que estudam”63. E também concluíram que, conforme o plano, a Escola Superior de
Química seria extinta, fato que consideraram um absurdo, irracional, haja vista que
os estudos químicos representavam “um dos alicerces fundamentais do que todos os
programas de desenvolvimento pensados para a Amazônia”64.
61 Assembleia Legislativa do Estado do Pará. ATA da 63ª Sessão Ordinária, 20 ago. 1968, p. 144.
62O estudo de Edilza Fontes (2007, p 81), afirmou que “O Plano de Reestruturação da Universidade Federal
do Pará, embora tivesse sido encaminhado à apreciação do Conselho Federal de Educação (CFE), em agosto
de 1967, nunca foi definitivamente aprovado por esse órgão deliberativo, retornando amiúde para a realiza-
ção de novas diligências indicadas como necessária pelos pareceristas, a fim de se atender à legislação vigente.
Somente em dezembro de 1969, foi aprovado, em tempo recorde – 48 horas –, um novo Plano de Reestru-
turação, por meio do Decreto nº 65.880, adequado a determinações da Lei nº 5.540, de 28 de novembro de
1968, que instituiu a Reforma Universitária. Iniciava-se, dessa forma, um novo ciclo de vida institucional
para a Universidade Federal do Pará, caracterizado pelo processo de instalação e consolidação da Reforma”.
63 Assembleia Legislativa do Estado do Pará. ATA da 63ª Sessão Ordinária, 20 ago. 1968, p. 124.
64 Assembleia Legislativa do Estado do Pará. ATA da 63ª Sessão Ordinária, 20 ago. 1968, p. 143.
214
Dentro da perspectiva de defensores da causa do movimento estudantil uni-
versitário paraense, os deputados formaram uma comissão para dialogar junto ao rei-
tor Silveira Netto, formada por partidários da ARENA e MDB: Arnaldo Prado, Arnal-
do Morais Filho, João Augusto de Oliveira, Jorge Arbage, Laércio Barbalho, Osvaldo
Brabo de Carvalho e Santino Correia, contendo as reivindicações dos estudantes:
1) Oficialização das comissões partidárias para estudo do Plano de
Reestruturação da Universidade Federal do Pará; 2) Concessão de
uma área livre nas unidades da Universidade Federal do Pará, na
qual professores e alunos estudam e debatem o Plano de Reestrutu-
ração e que se destinem ainda, a outros fins, tal como a realização
de reuniões de congraçamento e do sentido técnico científico, tudo
na busca do verdadeiro Universitário; 3) Abonadas faltas ocorridas
pela suspensão das aulas em decorrência do atual impasse, ou a
prorrogação do ano letivo, se for o caso.65
65Assembleia Legislativa do Estado do Pará. ATA da 64ª Sessão Ordinária, Belém: ALEPA21 ago.
1968, p. 175.
66Assembleia Legislativa do Estado do Pará. ATA da 66ª Sessão Ordinária, Belém: ALEPA, 23 ago.
1968, p. 75.
215
O reitor Silveira Netto mostrou que já estavam em andamento as resoluções
dos problemas da Universidade, porém suas palavras não transmitiram confiança nem
para os deputados, muito menos para os estudantes que o acusavam de se negar a aten-
der as resoluções propostas pelo movimento estudantil universitário paraense. Diante
de tanta pressão, Silveira Netto teve que atender algumas reivindicações específicas,
como as comissões paritárias, a suspensão do Plano de Reestruturação e o abono das
faltas, para que a Universidade prosseguisse com seu calendário do corrente ano.
Os vários departamentos estão funcionando a todo vapor. A turma
está tinindo e procurando participar de todas as decisões. Agora
sim, estamos sentidos aquele entrosamento desejado entre alunos
professores e já podemos nitidamente perceber o aprimoramento
que está ganhando o funcionamento de todo.
Convenções Paritárias
216
Novamente a grande massa de estudante se permitiu agir de acordo com
“as conveniências individuais, o conformismo cego, acima de todos os ideais da
coletividade”68. Não havendo o despertar para uma cruzada cívica, onde o temor,
ódio, o misticismo, daria lugar à realidade, à luta, à coletividade e ao patriotismo.
Neste sentido, os universitários que correspondiam a essas ideologias, com a apro-
ximação das comemorações de 07 de setembro, salientaram que a massa estudantil
deveria se espelhar nos mártires da nação, os quais se sacrificaram.
Os estudantes universitários acreditavam no poder do jovem com a ca-
pacidade de modificar as estruturas políticas e sociais presentes no estado, uma
vez que faziam parte de uma elite intelectual, ao conseguiram ter acesso ao ensino
superior, em um país com grande número de analfabetos, após terem passado por
um rigoroso processo seletivo. A Universidade representava uma instituição social,
propulsora do campo do saber político, científico e das questões gerais, onde ha-
via trocas de experiências advindas de um exame crítico da realidade. Com o fim
da mobilização permanente os estudantes universitários resolveram radicalizar de
forma drástica seus protestos, retornando às ruas com todo vigor como opositor da
ditadura militar, organizaram passeatas e foram com ao embate com a força de re-
pressão do estado nas vias públicas, quando essa opção não apresentou resultados
contudentes parte desses estudantes optaram pela luta armada.
REFERÊNCIAS
FONTES
217
FONTES ORAIS / AUDIOVISUAIS
Entrevistas: Aluízio Lins Leal, Alberto Ferreira Puty, , Edna Maria Ramos Castro, Hecilda
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220
Raimundo Amilson de Sousa Pinheiro
O JORNAL RESISTÊNCIA:
IMPRENSA ALTERNATIVA
E DIREITOS HUMANOS NO
PARÁ (1977-1985)
Introdução
1 Para Chartie, “as lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para com-
preender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo
social, os valores que são os seus, e o seu domínio”. CHARTIER, Roger. História Cultural: Entre Práticas
e Representações. Rio de Janeiro: DIFEL, 1990: 17.
222
representação enquanto um dos principais jornais da imprensa alternativa durante
a ditadura o regime militar no Pará, que se contrapôs ao domínio dos meios de
comunicação da grande imprensa na região e que de certa forma modelou práti-
cas culturais e políticas de resistência e colocou outras perspectivas de leitura dos
acontecimentos e das transformações em curso pelos agentes envolvidos. Pretendo
entender os valores, expectativas e regras implícitas que expressaram e moldaram
as intenções e ações coletivas (HUNT, 2007: 31), compartilhadas por homens e
mulheres, naquilo que Lynn Hunt chamou de cultura política, nos anos finais da
década de 1970 e a primeira metade dos anos oitenta do século vinte no Estado
do Pará, buscando entender o significado político da cultura de resistência, en-
tendendo o jornal como uma forma cultural e que os processos culturais estão
intimamente vinculados com as relações sociais, especialmente com as relações e
as formações de classes.
Como disse o historiador Carlos Fico, nunca houve em tempo algum uma
liberdade total de criação na imprensa e nas atividades artístico-culturais em re-
lação aos governos brasileiros, que sempre trataram de atuar como reguladores e
disciplinadores, estabelecendo formas e modos de censura, tais como leis de im-
prensa, classificações etárias e proibições de atentado à moral e aos bons costumes,
que se modificam muito de acordo com o modelo de mandatários do momento,
que em muitos casos contam até mesmo com a própria legitimação de amplos
setores da sociedade (NEVES, 2013: 188). No caso do regime autoritário brasileiro
implantado a partir de 1964, as relações entre o governo militar e a imprensa nes-
se período foram marcadas por complacências, cumplicidades, omissões e muitas
tensões. Imprensa, jornalistas e governo não foram os mesmos durante esses vinte
e um anos de ditadura militar no Brasil. Essas descontinuidades marcaram cami-
nhos que foram importantes tanto para o regime autoritário como para as oposi-
ções democráticas das mais diversas matizes ideológicas, que se apresentavam a
partir de seus textos, impressos e discursos não para uma massa homogênea, mas
para um mundo da história, que como diz Robert Darnton é “um amontoado he-
terogêneo” (DARNTON, 1990: 70).
Pensando dessa forma, de uma maneira geral, é possível perceber um es-
treitamento maior nas liberdades da imprensa durante a ditadura militar no Brasil
223
(1964-1985),2 sobretudo, a partir de 1968, que passou a ser um marco de uma cen-
sura política lentamente institucionalizada, estabelecida a partir de 13 de dezembro
de 1968, com a promulgação do Ato Institucional 5 (AI-5) (AQUINO, 1999: 206).
Esse Ato Institucional não tinha no seu corpo linhas diretamente relacionadas a
imprensa, mas criou condições para interpretações, juntamente com a Doutrina
de Segurança Nacional3 em curso, permitiu uma prática de censura mais sistemá-
tica a partir de então no Brasil, aspecto que de imediato impactou as atividades da
imprensa. Diante de um processo de mais incertezas, as escolhas e interesses dos
agentes sociais que vivenciavam esses momentos não pode ser compreendida a
luz da pura racionalidade que podemos tentar satisfazer hoje nossas tentativas de
compreensão da ação daquelas pessoas, como a escolha dos mais diversos sujei-
tos históricos. A atuação no mundo e suas escolhas eram também motivadas por
ideologias, valores, expectativas e motivações simbólicas e culturais, que acabavam
consentindo, assimilando e aceitando normas estabelecidas pelo regime militar ou
usando de negociações e estratégias de resistência a dominação dos grupos da so-
ciedade política.
Nos últimos anos da década de 1960 e na primeira metade da década de
1970, a censura política na imprensa brasileira foi bem notória e para que o regime
militar tivesse o controle do estado e pudesse proteger seus interesses, interferiu
substancialmente de forma direta, através da censura prévia,4 e de forma colabora-
tiva, pela autocensura,5 na divulgação ou não do que poderia ser publicado. Enten-
de-se que os governos militares davam uma enorme importância para as informa-
ções, pois seriam importantes instrumentos para uma forma de moldar modos de
vida e compreensão e percepção do mundo social pelas pessoas. Dessa forma, as-
sim como grande parte da imprensa brasileira aderiu, de forma espontânea ou não,
as práticas impostas pelo regime autoritário, pois nos primeiros anos da década de
2 As balizas temporárias, sobretudo em relação ao fim da ditadura militar no Brasil, é discussão aberta
ainda na historiografia. Sobre esse debate, ver: REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no
Brasil: do golpe de 1964 à constituição de 1988. Rio de Janeiro: Zahar, 2014 & VILLA, Marco Antonio. Di-
tadura à brasileira (1964-1985). A democracia golpeada à direita e à esquerda. São Paulo: Ed. LeYa, 2014.
3 Sobre a Doutrina de Segurança Nacional ver: ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no
Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984.
4 A censura prévia ocorria através de telefonemas, anônimos ou não, de ordens escritas, apócrifas ou
não, encaminhados às redações dos jornais, diretamente através da presença de um censor nas redações
ou através de acordos fechados com os proprietários de grandes órgãos de divulgação, que tinham a
finalidade de decidir sobre o que deveria ou não ser publicado.
5 A autocensura representaria uma capitulação, uma vez que o papel censório é transferido do Estado
para a direção do órgão de divulgação, que assume a função de comunicar a seus repórteres o que po-
dem ou não escrever. Sobre essas questões, ver: AQUINO, Maria Aparecida. Idem.
224
setenta foram cometidos inúmeros crimes de violação aos direitos humanos6 e que
a imprensa, digo a grande imprensa comercial, de uma maneira geral, se silenciou.
Por outro lado, do momento do golpe de Estado em 1964, até aproximadamente
1980, se fortaleceram importantes canais de questionamentos a ordem estabeleci-
da pelo Estado. Segundo os Cadernos da Comunicação, publicação da Secretaria
de Comunicação do Rio de Janeiro, nesse período “nasceram e morreram no Brasil
cerca de 150 periódicos, que ficaram conhecidos como Imprensa Alternativa (tam-
bém chamada de nanica, independente, entre outros termos).7 Mas é de se destacar
o ano de 1974 e de 1975 como marcos importantes num processo de modificação
de muitos aspectos em relação a atuação da imprensa. Com o início do governo de
Ernesto Geisel, devido a pressões internas e internacionais (TEIXEIRA DA SILVA,
2013: 101) o processo de democratização institucional e político do Estado bra-
sileiro volta a ordem do dia como prioridade, e a imprensa passa a ser entendida
como um espaço importante de articulação para os militares da linha moderada
castelista implementarem esse plano de abertura, com o máximo controle, sobre-
tudo em relação às oposições e aos democratas. Então, para o general-presidente
Geisel, o abrandamento da censura era visto como o primeiro passo da política de
abertura. Como disse o jornalista e professor Kucinski, tratava-se de “envolver os
editores como co-autores de uma proposta de abertura cujos contornos e alcance
eram determinados pela cúpula militar. E de erguer, ao fim, toda uma nova estru-
tura de dominação”(KUCINSKY, 1991: 48).8 Nesse sentido, mesmo com o abran-
damento e fim da censura nos anos seguintes, isso não significava que se tinha total
liberdade, mas sim tratava-se de um modelo direcionado pelos militares de uma
“modernização conservadora” (ARTURI, 2001: 17).
Desse modo, o Pará não estava numa ilha, isolado de uma dinâmica de
acontecimentos políticos, sociais, econômicos e culturais do resto do Brasil. Pelo
contrário, os militares transferiram para a Amazônia um forte aparato de controle
político, militar, administrativo e econômico, que impactou profundamente a vida
das pessoas nas florestas e nas cidades do norte, e em especial no Pará. Como em
situações de certa forma análogas na história do Brasil, nos anos setenta do século
XX a Amazônia passou a desempenhar um papel central para o Estado brasileiro
6 Ver: Brasil Nunca Mais. Prefácio D. Paulo Evaristo Arns. Petrópolis: Vozes, 1985.
7 Imprensa alternativa: apogeu, queda e novos caminhos. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de
Janeiro: Secretaria Especial de Comunicação Social, 2005. 80 p.: — (Cadernos da Comunicação. Série
Memória; v.13)
8 KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. São Pau-
lo:Scritta Editorial, 1991.
225
em uma política de integração e internacionalização do capital. No entanto, di-
ferente do que a política dominante dos governos militares, tanto Federal como
Estadual, poderiam supor, havia uma diversidade de agentes e de pensamentos que
faziam com que a realidade não fosse tão preto-no-branco como se poderia imagi-
nar. Tanto na zona rural do Pará, como na cidade de Belém, havia uma população
numerosa, que crescia vertiginosamente nos anos setenta e oitenta,9 de gente que
sentia as agruras e penúrias do dia-a-dia de um estado autoritário que não con-
seguia dar conta e responder ao aumento das desigualdades, que nas sociedades
capitalistas, segundo Stuart Hall, são desigualdades que se referem não somente
as questões sociais, mas também são lugares da desigualdade em relação a etnia,
sexo, gerações e classes, sendo a cultura o locus central em que são estabelecidas e
contestadas tais distinções. É na esfera cultural que se dá a luta pela significação,
na qual os grupos subordinados procuram fazer frente à imposição de significados
que sustentam os interesses dos grupos mais poderosos. (HALL, 1997)
Parte considerável da população da Região Metropolitana de Belém viveu
um quadro social e econômico dramático, no final da década de 1970 e década de
1980, em relação à qualidade de vida, especialmente a população mais pobre da
cidade, formada pelos moradores das áreas periféricas, trabalhadores e também
a classe média assalariada, que passaram a ter experiências que, como diz E. P.
Thompson foram tratadas em termos culturais em relação às tradições, sistemas
de valores, ideais e formas institucionais (THOMPSON, 1987: 10) e não somente
em função da estrutura econômica. O que de certa forma, não se choca com a
perspectiva de Lynn Hunt em relação aos valores comuns e expectativas compar-
tilhadas, que vão moldar “as intenções e ações coletivas”. Esse é um preâmbulo im-
portante para compreender o nascimento de uma imprensa de resistência no Pará.
Nesse sentido, pode ser entendido o jornal como um artefato cultural, a partir
dos seus textos impressos e discursos, que reorganizaria todo um campo das rela-
ções sócio-culturais hegemonizadas por uma elite econômica e política paraense.
Desse modo, o Jornal Resistência, da SDDH, nasce para ser um espaço de luta por
uma representação do mundo social, em contraposição ao campo sociocultural
de construção de significados da elite através dos seus meios de comunicação, que
eram artefatos culturais importantes para estabelecer significados, em meio a um
processo intenso de transformações, tensões, estratégias, negociações e disputa
pelo poder que foi o período da democratização no Brasil.
9 IBGE, Diretoria Técnica, Departamento de Censo Demográfico. Anuário estatístico do Brasil 1983. Rio
de Janeiro: IBGE, v. 44, 1984 & IBGE, Diretoria de Pesquisas e Inquéritos, Departamento de População,
Anuário estatístico do Brasil 1986. Rio de Janeiro: IBGE, v. 47, 1987.
226
O Jornal Resistência: história
e luta por direitos humanos no Pará (1978-1985)
227
e essas mudanças atingiam a imprensa, que mesmo ainda controlada de forma
indireta e sob certa pressão, gozava a partir de então de uma liberdade não vista
em anos anteriores. Os jornais paraenses, como, por exemplo, “O Liberal” e o “O
Estado do Pará” passaram a publicar matérias sobre política, economia e as ques-
tões trabalhistas, como as greves, após 1978 e 1979 que antes não apareciam, mas
sob aquela perspectiva dita anteriormente.
Fonte: Jornal Resistência, Número Zero. Belém, fevereiro de 1978. Disponível no Arquivo do Professor
Manoel Alexandre Cunha, Laboratório de Antropologia, Universidade Federal do Pará.
Agora, quem poderia criar um jornal que, mesmo com muitas limitações
em relação a essa imprensa dita empresarial, poderia se confrontar e criar um dis-
curso sociocultural que representasse um mundo social contra hegemônico com
o que se vinha praticando no jornalismo paraense? Ao citar Michael Mann, Peter
Burke diz que ele acreditava que “as sociedades são constituídas de múltiplas redes
socioespaciais de poder que se imbricam e se cruzam” (BURKE, 2012: 123). Então,
é possível perceber que essa rede de poder está relacionada a uma cultura e uma
tradição política de ocupações de espaços não só geográfico, mas como culturais.
228
Desse modo, atuou a imprensa alternativa,11 em que o Jornal Resistência se colocou
como um grande protagonista, não somente no Pará, como na Amazônia, haja vis-
ta que a imprensa alternativa tinha espaços de atuação também em outros Estados,
como em Rio Branco, no Acre, com o Jornal Varadouro.
Não foi de uma hora para outra que pessoas simplesmente por suas in-
dignações resolveram se contrapor de alguma forma a dura realidade concreta do
mundo em que viviam. Desde o século XIX12, passando pela institucionalização
do pensamento de esquerda no Pará, a partir da Fundação do Partido Comunista
em 1931, o pensamento e uma cultura política de esquerda estarão presentes nos
círculos de intelectuais, de estudantes, nas discussões clandestinas, passando aos
movimentos sociais de ruas por moradia, contra a carestia e de direitos humanos ao
longo do século XX. É importante perceber que mesmo diante dos atos de violên-
cia imputados pelos movimentos sociais ao Estado e o clima de medo que se criou
durante os vinte e um anos da ditadura militar, a esquerda paraense sempre esteve
atuando, algumas vezes de forma mais aberta, em outra mais velada e na clandes-
tinidade. Havia sim uma experiência histórica de ideias de esquerda que passaram,
por sua vez, a constituir uma tradição tratada em termos culturais na consciência
com o passar dos anos entre militantes e as pessoas que estavam próximas a esses
movimentos. Ao mesmo tempo, essas ideias passaram a associar a indignação e
a busca de justiça social, em muitos casos, às ideias socialistas e comunistas das
esquerdas que se fizeram, mesmo em muitos casos por caminhos diversos, e so-
breviveram na consciência de muitas pessoas (PINHEIRO, 2015: 83). Apesar do
enfrentamento político e cultural sistemático contra as organizações de esquerdas
e comunistas, as universidades, alguns setores da igreja progressista e movimentos
estudantis de Belém acabaram sendo um celeiro para os debates dessas esquerdas
ao longo da década de 70 e 80 do século XX, mesmo sendo uma discussão que em
muitos casos ficava velada, e não muito perceptível pelo conjunto dos participantes.
Parte desses agentes que se intitulavam ser da esquerda passaram também a militar,
direta ou indiretamente, em alguns partidos, legalizados através do MDB, ou clan-
11“A palavra “alternativo” já era usada nos Estados Unidos e na Inglaterra para designar arte e cultura
não convencionais. Significa também optar entre duas coisas que se excluem reciprocamente, a única
saída para uma situação difícil. O Aurélio consagra a expressão “imprensa alternativa” como “órgão de
imprensa que se caracteriza por uma posição editorial renovadora, independente e polêmica”. Os jor-
nais alternativos das décadas de 60 e 70 eram tudo isso. Em contraste com a complacência da maioria da
grande imprensa da época, denunciavam violações dos direitos humanos e faziam a crítica sistemática
do modelo econômico”. Cf. Imprensa alternativa: apogeu, queda e novos caminhos. Rio de Janeiro:
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro: Secretaria Especial de Comunicação Social, 2005. 80 p.: — (Ca-
dernos da Comunicação. Série Memória; v.13, sem página.
12 Ver SALES, Vicente. Marxismo, Socialismo e os Militantes Excluídos. Belém: Paka-Tatu, 2001.
229
destinos, como os partidos comunistas, que ainda estavam na ilegalidade, mas cada
vez mais deixavam a clandestinidade, sobretudo, através de instituições e organiza-
ções que mantinham atividades legais nesse momento, como a SDDH,13 que por ser
uma entidade que defendia os direitos humanos, acabava agregando muitas pessoas
que lutavam por cidadania e democracia no Pará, de diversas orientações políticas,
como pessoas ligadas ao PCdoB, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a FASE,14
CBB15, e também pessoas ligadas a partidos considerados de direita.
Havia não só uma participação direta, em muitos casos, como também
uma aproximação e solidariedade dessas entidades com os movimentos e mili-
tantes de esquerdas. É dessas esquerdas e de pessoas tidas como progressistas, de
homens e mulheres, que vão emergir as vozes do Jornal Resistência, atuando como
um agregador, ou, como se costumava chamar, uma frente, reunindo diversas for-
ças políticas que se denominavam de oposição e democratas, na segunda metade
da década de 1970.16
O Jornal Resistência caminhava e era resultado da aglutinação de vários
setores da oposição, partidos políticos, movimentos sociais, sindicatos e segmentos
da Igreja Católica inspirados na Teologia da Libertação, que mantinham algum tipo
de atividade de resistência ao regime militar no Pará ao longo da década de 1970,
acima de tudo, empreendidas pelos sujeitos que fundaram legalmente, com registro
em cartório, a primeira entidade da sociedade civil de defesa dos direitos humanos
do Brasil, a SDDH (Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos).
Quando a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos foi fun-
dada, em agosto de 1977, além da estrutura de sua direção, foram criados seis nú-
cleos, entre eles o de “Informações e Relações Públicas”, que ficou sob a coordena-
ção de Luiz Maklouf Carvalho, na época jornalista do Jornal “O Estado do Pará”,
onde escrevia a coluna “Opinião”, e também estudante de Direito da Universidade
Federal do Pará. Esse núcleo tinha a função de comunicação da SDDH com a so-
ciedade em geral, e assim atuou nos meses seguintes a fundação da entidade de di-
reitos humanos, através de comunicações e informes em gerais sobre alguns movi-
mentos sociais em Belém e no campo paraense. Mas o alcance dessas informações
13Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos. Ver: PINHEIRO, Raimundo Amilson de Sousa
Pinheiro. Em nome dos direitos humanos: história, movimentos sociais e democratizaUniversidade
Federal do Pará. Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia, Belém, 2019.
14 Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional.
15Comissão dos Bairros de Belém. Sobre a história da CBB, ver: ALVES, Edivania Santos. Marchas e
contramarchas na luta pela moradia na Terra Firme (1979-1996). Universidade Federal do Pará. Progra-
ma de Pós-Graduação em História Social da Amazônia, Belém, 2010.
16 Entrevista de Humberto Cunha, presidente da SDDH. Jornal Resistência, Belém. Agosto de 1980, p. 3
230
acabava sendo limitado aos sócios e as assembleias, não tendo grande densidade e
propagação. Para a entidade, a contra-informação era muito importante naquele
contexto de disputas sociais, políticas no campo de uma cultura política. A partir
daí começa um amplo processo de discussões internas aos sócios e participantes
da SDDH, no qual a questão central era se a entidade deveria ou não ter um jornal,
como muitas outras organizações e entidades tinham naquele momento no Brasil.
Esses debates eram abertos nas assembleias, mas muito bem acompanhados inter-
namente pelos militantes das organizações de esquerda, sobretudo, os do PCdoB,
que viam um jornal como um excelente instrumento para seus projetos políticos,
haja vista que um jornal servia para ampliar o grau de penetração, de influência,
de discurso ideológico e das formas de organização e administração do grupo. En-
tão passa a ser cada vez mais forte nas assembleias dos últimos meses de 1977 a
ideia da SDDH, como uma grande frente política que passou a ser, para “espelhar
através de um jornal essa pluralidade e essa capacidade de resistência ao sistema,
cujo nome seria exatamente por causa disso, movimentos populares de bairros,
sindicatos, camponeses, estudantes, qualquer movimento, fortalecendo as oposi-
ções”.17 Nesse processo de debates em relação a ter ou não um jornal, o vereador e
jornalista na época, João Marques, teve uma importante contribuição, segundo as
memórias de entrevistados. Foi dele que partiu a ideia e autoria do nome e lema do
jornal, que era “Resistir é o primeiro passo”.18 Isso demonstra como era conduzido
o debate, e que mesmo que o PCdoB e PCB tivessem hegemonizado os principais
cargos da entidade de Direitos Humanos, outras representações e a sociedade civil
como um todo tinham um papel que ia muito além da simples concordância a con-
dução dos líderes “comunistas”. João Marques era de um grupo do MDB, chamado
Autênticos, e tornou-se um protagonista nesse momento de encaminhamento das
discussões e decisões sobre elas.
Decidido pelo jornal, a grande questão que se impôs e que vai acompa-
nhar durante toda a existência do Jornal Resistência foi seu financiamento. Os seus
primeiros números sempre contaram com a ajuda e voluntarismo de muitas pes-
soas que circulavam em torno da SDDH. A arrecadação de fundos para colocar o
jornal em circulação era fundamental, pois a proposta da qual o Resistência nasceu
era exatamente da possibilidade de se constituir um porta voz dos movimentos
sociais organizados, para divulgar suas lutas, suas agendas, as suas necessidades, e
para isso precisava de uma estrutura que pudesse minimante incomodar o pode-
231
rio de informação da grande imprensa. Não tinha como mostrar o “outro lado da
moeda” em relação à informação com uma tiragem insignificante perto das deze-
nas de milhares de jornais por edição da grande imprensa paraense. Para colocar
alguns milhares de exemplares nas ruas (e o Jornal Resistência nunca passou dos
sete mil exemplares), ao longo dos anos, era necessária uma ampla campanha de
arrecadação de fundos para isso. A colaboração financeira e de trabalho de sócios,
simpatizantes e de entidades ligadas aos movimentos sociais no Pará foi essencial
para conseguirem colocar nas ruas os primeiros números do jornal.
Como a SDDH era uma entidade que agregava uma diversidade de pen-
samento dos vários grupos da sociedade, o primeiro desafio e conflito se deu pela
disputa interna de quem seria o editor do jornal, posição importante para definir a
linha de atuação e posição do jornal. O primeiro coordenador do Núcleo de Infor-
mação e Relações Públicas da SDDH foi o jornalista Luiz Maklouf. Ele era um mili-
tante do PCdoB e jornalista da grande imprensa, que por isso saiu naturalmente na
frente para ser o editor do Jornal. Porém, a proposta de se ter um jornal a serviço
dos interesses dos movimentos sociais, que levantasse a bandeira das lutas demo-
cráticas e da oposição seduzia e interessava outros militantes que acompanhavam
a SDDH. Em uma das assembleias antes do lançamento do Jornal Resistência, foi
pautada a discussão para a escolha de seu editor, e no meio dos participantes da
SDDH comentava-se que um nome forte era o do jornalista Raimundo José Pinto,
irmão de Lúcio Flávio Pinto, que tinha editado alguns anos antes o “Jornal Ban-
deira 3”. Mas, segundo Luiz Maklouf Carvalho, a direção do PCdoB “inchou a
assembleia com dezenas de estudantes simpáticos ao partido, que nunca tinham
participado antes”,19 e assim elegeram para editor do Jornal Resistência, o próprio
Luiz Maklouf Carvalho, que era jornalista da grande imprensa convencional e par-
ticipante do PCdoB181, versão também apontada pelo jornalista Bernardo Kucinski
em seu livro a partir de entrevista também com o jornalista Maklouf. No entanto, é
preciso esclarecer e entender melhor essa questão, para que a memória nesse caso
não se sobreponha à história. Tanto Raimundo Pinto, como Luiz Maklouf eram
jornalistas, mas vinham de experiências diferentes. No mundo dos jornalistas, Rai-
mundo Pinto já era uma figura mais conhecida e com nome mais consolidado, por
outro lado, Maklouf, apesar de colunista no Jornal “O Estado do Pará”, era ainda
um jornalista em ascensão e considerado por alguns membros um tanto quanto
“sensacionalista”, mas que tinha uma grande capacidade de trabalho.20 Por outro
232
lado, em relação à atuação política dos dois, sobretudo, nos movimentos sociais,
muitos no interior da SDDH, Luiz Maklouf era muito mais conhecido do que Rai-
mundo Pinto, que, apesar de ser um progressista paraense histórico, não milita-
va diretamente em nenhuma organização, como era o caso de Maklouf. Ao ser
escolhido coordenador do primeiro núcleo de comunicação da SDDH, Maklouf
já mostrava que tinha uma densidade maior de penetração nesses movimentos.
Claro que interessava ao PCdoB escolher um militante seu para editar o Jornal
Resistência, mas é preciso compreender a trajetória dos dois dentro da SDDH para
não cair num reducionismo imediatista que explique a eleição de Maklouf. Nessa
mesma linha é o depoimento do Jornalista Paulo Roberto Ferreira, que participou
e inclusive conviveu com os dois jornalistas:
Eu acho que é uma visão equivocada pelo seguinte: o Raymundo
Pinto, embora um cara progressista, ele tinha uma atuação mais no
jornalismo. O Maklouf, como te falei, tinha vindo do movimento es-
tudantil, e tinha uma atuação no jornalismo e por conta da entidade
tinha uma relação com as entidades, com as pessoas, que estavam
em torno da sociedade. Então quando vai definir, evidentemente que
o Maklouf tinha muito mais respaldo por esta dentro da sociedade
no dia a dia, na construção, dessas entidades todas que o próprio
Raymundo. O Raymundo era competentíssimo. Eu acho que foi uma
questão de momento onde se lança um candidato numa assembléia
onde está majoritariamente pessoas que vinham do movimento estu-
dantil, ou que tava ainda no movimento estudantil, que estavam os
movimentos sociais, que conheciam muito mais o Maklouf, pois o
Raymundo não era um cara conhecido no meio desses movimentos.21
233
Direitos Humanos, na Igreja da Aparecida, na Avenida Pedro Miranda, onde ficava
também a sede da SDDH. Segundo a descrição dos agentes do SNI em seus rela-
tórios e que possivelmente, pela riqueza dos detalhes, tinham pessoas infiltradas
na reunião, aproximadamente cinquenta pessoas participaram desse lançamento,
lideranças e simpatizantes dos movimentos sociais de Belém e pessoas ligadas à
SDDH. Os agentes do SNI destacaram a presença das seguintes pessoas: Mário
Nazareno Farias de Souza Noronha, Paulo Cesar Fonteles de Lima, Dr. Levy Hall
de Moura, o filho do Dr. Levy, vereador e jornalista João Marques, Ubiratan Mo-
raes Diniz, Jacy Britto Ribeiro, Hecilda Mary Veiga Fonteles de Lima, Nize Maria
Jinkings, José Otávio Magno Pires, Amilcar Ximenes Pontes, Luiz Maklouf Carva-
lho, Sidney Dourado, e representantes do bairro da Sacramenta e Marco, além dos
membros da FASE.22 A Edição chamada de número zero foi distribuída gratuita-
mente entre os presentes, que, em seguida, passaram a discutir a viabilidade ou não
de distribuir o Jornal nas bancas de Revistas da cidade de Belém. Nessa primeira
reunião de lançamento do Jornal Resistência, já se discutiu a possibilidade de o
jornal ser apreendido pela Polícia Federal, como aconteceu com o “Tribuna Estu-
dantil”, entre outros jornais políticos. A assembleia se encerrou com a discussão a
respeito de como se levantaria fundos financeiros para manter o jornal a partir de
então. Desse modo, estava oficialmente apresentado, em uma das Assembleias da
SDDH, o que se tornaria o principal jornal da imprensa alternativa na Amazônia: o
Resistência. Como instrumento de informação que tinha como principio editorial
apresentar uma agenda política com certas questões e reivindicações que quebra-
vam o formato apresentado pelos outros jornais do Estado e traziam discursos e
vozes que antes não conseguiam ecoar através da grande imprensa, praticando “um
jornalismo mais livre”.23 Esse primeiro Jornal Resistência fora publicado com dez
páginas, todas em preto e branco, sem editorial e expediente do jornal, o que só
irão aparecer pela primeira vez na Edição Número 2.
A partir de então, muitos jornalistas e ativistas dos movimentos sociais
passaram a contribuir com a produção e distribuição/circulação do Jornal Resis-
tência, entre eles o próprio Luiz Maklouf Carvalho, como também Paulo Rober-
to Ferreira, Rosaly Brito, Regina Lima, Ana Petrucelli, Rosa Leal, Pedro Estevão
da Rocha Pomar, Januário Guedes, Sérgio Bastos, Paulo Santos, Miguel Chikaoka
(fotógrafo), Carlos Boução, João Marques, que foi presidente do Sindicato dos
234
Jornalistas do Estado do Pará, Nélio Palheta, Sérgio Palmquist, João Vital, Age-
nor Garcia, Ana Célia Pinheiro, José Rangel e Sérgio Bastos, entre outros atores e
colaboradores diretos do Jornal Resistência, como Raimundo Jinkings, Humberto
Cunha, Hecilda Cunha, Daniel Veiga e Paulo Fonteles. Dos jornalistas que escre-
viam ou cediam suas matérias para serem publicadas pelo Jornal Resistência, sendo
que muitas vezes até pediam para não serem identificados, parte considerável, eu
diria que quase todos, com raras exceções dos que tinham alguma ajuda de custo
ou atividade remunerada pelo Jornal, atuavam e trabalhavam em outros jornais,
como O Liberal, O Estado do Pará e a Província do Pará. Isso é importante frisar,
pois na história, muitas vezes, cometemos o erro de moldar e encaixar os agentes
sociais num único formato para satisfazer nossos esquemas explicativos, esquecen-
do que na dialética da experiência histórica podemos ser muitas coisas ao mesmo
tempo. O fato de estar relacionado e atuando em jornais que giravam em torno da
estrutura do poder vigente não significava uma total anulação de concepções do
mundo diferentes do modelo dominante; ao contrário, a contribuição ao Jornal Re-
sistência, tanto através da escrita dos textos como do fornecimento de informações,
era dos mais diversos jornalistas que faziam a imprensa dita tradicional da capital
paraense. Ou seja, os jornalistas, assim como todos os sujeitos históricos, têm iden-
tidades plásticas e pautadas por vários marcadores sociais, não somos um só todo
tempo. Jornalistas e cartunistas da Província, O Liberal, Estado do Pará, circulavam
e conviviam nas ruas, nos bares e às vezes nas redações dos mesmos jornalistas e
militantes do Jornal Resistência, o que fazia com que os universos culturais desses
sujeitos se aproximassem também. Daí surgia toda uma rede de solidariedade e
de compreensão da importância para aquele momento do Jornal Resistência, que
passava a servir como uma válvula de escape para muitos que se sentiam de certa
forma limitados no exercício de sua profissão e liberdade.
Algumas pessoas colaboravam com o Resistência, umas explicita-
mente, como os cartunistas que tinham um pouco menos de pres-
são em cima deles, e eles colaboravam, como o Ubiratan Porto, tra-
balhava na Província, o Sérgio Bastos, que trabalhava no Liberal.
Colaborava com a gente e trabalhava. A gente tinha algumas pes-
soas que topavam colocar seu nome, como a Ana Célia Pinheiro, do
Blog da Perereca, primeiro explicitamente depois usou uma espécie
de pseudônimo. Mas ela assinou matéria. Um cara como Agenor
Garcia, ele cedeu matéria, como o nome dele, mas depois passava
o material, mas pedia para não colocar o nome dele. O Maklouf
tinha algumas pessoas da relação pessoal dele, pois ele trabalhou no
antigo Estado do Pará, um jornal que antecedeu o Diário do Pará e
ele tinha algumas pessoas que passavam matérias pra ele. Eu ia ao
235
Liberal e tinha alguns companheiros e eu fazia a ponte com matérias
que eram censuradas e perguntavam se eu não queria levar para o
Resistência. Às vezes eu nem tava sabendo e o cara vinha me falava
sobre a matéria dele e eu achava interessante e dizia se podíamos dar
uma adaptada ou as vezes o material estava bem escrito e a gente
publicava. Não era a maioria, mas também tinham pessoas que se
sentiam sufocadas pelo controle que existia dentro das redações. A
autocensura que existia ali e a pressão. Tinha editor que era mais
autoritário que um rei. Mas tinham outros que tinham cumplicida-
de com o repórter. Tinham repórter que queriam arriscar mais, mas
tinham os que não queriam ser incomodados pelo editor chefe.24
236
diante”.25 Nesse sentido, o Resistência buscava rearticular todo o campo nas rela-
ções socioculturais em decorrência do impacto de suas notícias, procurando criar
fissura no campo de forças do poder cultural de uma elite tradicional detentora dos
maiores jornais no Estado.
Durante aproximadamente sete anos (1978-1985), o Jornal circulou no
Estado do Pará de forma ininterrupta, oscilando apenas em relação a periodi-
cidade, pois em alguns momentos chegou a não ter uma periodicidade fixa, já
que alternou sua circulação de forma quinzenal, mensal ou circulou com apenas
edições extras. De uma maneira mais geral, pode-se classificar sua história ao
longo da ditadura militar em quatro fases: a) A fase que remete aos primeiros
números do jornal e que tem como marco a apreensão da edição número 5; b)
fase que o jornal circulou somente com edições extras; c) a fase que funcionou
com uma gráfica própria e que teve como direção a SDDH até 1983 e d) a fase
após de 1983 até 1985.
A primeira fase do Jornal Resistência, cujo fato mais marcante para a sua
história foi a apreensão da edição de número 5 pela Polícia Federal, teve como
característica a ausência quase completa de infra-estrutura. O trabalho era prati-
camente voluntário, onde não havia uma política organizacional sistemática, mas
o jornal saia e tinha uma repercussão social e influência em muitos movimentos
populares. Nessa fase, durante o ano de 1978, começou com dois mil exemplares
e chegou até cinco mil exemplares, no entanto, o retorno dessas vendas era muito
limitado. Mesmo depois da apreensão da quinta edição, que causou um impacto
financeiro negativo imensurável para a SDDH, ainda seguiu com a periodicidade
nos próximos números, mas já com uma redução no número de páginas e da pró-
pria qualidade gráfica do jornal, o que vai culminar com a edição de número 10,
pois se passou a discutir abertamente na SDDH e no Núcleo de Imprensa a possi-
bilidade do fim da publicação do jornal - isso no primeiro semestre de 1979 -, haja
vista que consideravam “o Resistência está falido, aí nós... Bem havia uma decisão
quase que unânime de fecharem, acabarem o resistência lá na SDDH porque não
dava para continuar mantendo e eu fiz uma proposta assim: Por que nós não fica-
mos fazendo números especiais”?26 Diante desse impasse de encerrar ou não o Jor-
nal Resistência, optou-se pelo caminho das Edições Extras, segunda fase da história
do jornal, financiada pelos movimentos democráticos e populares de então, que
diante de matérias de seu interesse de área de atuação, financiavam aquela edição.
237
Foi garantida a sobrevivência do Jornal, enquanto se partia para um plano mais
organizado para se ter uma infra-estrutura melhor para o jornal, representada pela
campanha de criação de “capital de giro”, que chegou a levantar nesse período 600
mil cruzeiros.27 Enquanto circulavam esporadicamente as edições extras, discutia-
-se a volta da periodicidade do jornal e a reestruturação do núcleo de imprensa da
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos.
Passado esse momento, na terceira fase volta-se a publicação do jornal
de forma mensal, a partir de abril de 1980. Com poucas exceções de atrasos de-
vido às questões técnicas, manteve-se nesse momento a saída mensal do jornal,
sempre no início de cada mês. Nessa fase, a tiragem do jornal foi em média de
cinco mil exemplares, mas chegando há alguns momentos a sete mil exemplares,
sendo que na verdade, a média real de vendas sempre foi em torno dos quatro
mil exemplares nesse período. Essa fase foi marcada fortemente por se ter uma
Gráfica própria para o Jornal.
A quarta fase desse período do jornal até o fim da ditadura militar acon-
teceu após mudanças políticas profundas na organização política da SDDH, de-
pois do segundo semestre de 1983, quando sai uma grande parte dos jornalistas
e pessoas que compuseram o Núcleo de Imprensa até então, como Paulo Roberto
Ferreira e Luiz Maklouf. O jornal ganhou novas características e abordagens,
focando nos movimentos do dia-a-dia e sociais, mas perdendo o lado cultural
que a terceira fase havia imprimido: “voltou aquela fase mais artesanal, como nas
ilustrações, perdeu um pouco daquele salto que tínhamos dado em qualidade,
mas tinha muito material bom”.28
O Jornal Resistência sempre foi dirigido pelo Núcleo de Imprensa da
SDDH. Esse Núcleo tinha pessoas fixas nele e muitos voluntários, como estudantes
universitários, que se avolumavam mais nos períodos de férias. Além do Editor,
o Núcleo de Imprensa tinha uma secretária, uma tesouraria, um responsável pela
agitação e propaganda, que garantia, por exemplo, a saída do jornal e as pichações
na cidade. Durante uma boa parte da história do jornal, até a terceira fase comen-
tada acima, o Núcleo de Imprensa tivera algumas pessoas fixas, como falado antes:
Luiz Maklouf, Paulo Roberto Ferreira, Carlinhos (Carlos Boução), Assis, Marga-
reth Sá, Daniel Veiga, Waldemar e Euniciana.29 Destes, apenas Luiz Maklouf , Paulo
27Informe do Núcleo de Imprensa da SDDH. Arquivo do Professor Manoel Alexandre Cunha, Labora-
tório de Antropologia da Universidade Federal do Pará.
28 Paulo Roberto Ferreira, entrevista em 19 de janeiro de 2017.
29Informe do Núcleo de Imprensa da SDDH. Arquivo do Professor Manoel Alexandre Cunha, Labora-
tório de Antropologia da Universidade Federal do Pará.
238
Roberto Ferreira e Carlos Boução eram remunerados, sendo que o primeiro e o
terceiro disponibilizavam-se integralmente para o jornal e o segundo com meio
expediente. Os demais eventualmente de acordo com suas possibilidades.
Fonte: quadro construído a partir das entrevistas e dos documentos da SDDH, disponíveis no Arquivo
do professor Manoel Alexandre Cunha, Laboratório de Antropologia da Universidade Federal do Pará.
239
De uma maneira geral, ao longo dos últimos anos da década de 1970 e
primeiros da década de 1980, a edição do Jornal funcionou da seguinte forma:
No início de cada mês havia a reunião de pauta; após a definição da pauta, se en-
caminhavam a preparação das matérias e das colaborações. Em seguida, o editor
Maklouf centralizava o fechamento, acompanhado pelo Núcleo de Imprensa. Após
esse momento, começava o processo gráfico para o jornal sair, seguido do processo
da distribuição, assinaturas, mutirões, o trabalho de propaganda e venda.
Ao longo da história do Jornal Resistência, sempre uma questão esteve
presente no cotidiano dos que faziam o jornal: a questão financeira para custear o
jornal. A Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos era uma entidade
sem fins lucrativos e vivia basicamente das contribuições dos seus sócios, das enti-
dades e das campanhas de arrecadação. Manter a entidade para dar voz aos movi-
mentos do campo e da cidade tinha um custo financeiro. E o Jornal Resistência veio
ampliar enormemente essa conta que quase sempre tinha dificuldade para fechar.
A edição número 28 do Jornal Resistência, por exemplo, com a chamada principal
em sua capa “Escândalo na Caixa Econômica”, teve como custo para ser colocada
em circulação pela SDDH e o Núcleo de Imprensa o seguinte gasto entre custos in-
dustriais (tinta, papel, chapas, fotolitos, paginação e composição), custo de pessoal
e outros custos (transporte e fretes), um total de Cr$ 151.500,00 mil cruzeiros.30 E
a arrecadação entre assinaturas, que era maior parte, e vendas, chegava próximo
dos Cr$ 154.248,00. Uma margem financeira muito apertada, isso já no melhor ce-
nário das fases do Jornal Resistência, em pleno funcionamento da Gráfica própria.
Mas, na maior parte das vezes, sobretudo, nos primeiros anos, o cenário sempre foi
muito difícil e deficitário, tanto que as campanhas de arrecadação de fundos para o
Jornal foram constantes.
Nem sempre um sócio da SDDH era assinante do Jornal Resistência, as-
sim como um assinante do Resistência não necessariamente era sócio da SDDH.
Mas eram nessas assinaturas para um público já definido, tanto em relação a enti-
dades quanto a pessoas físicas, que ia grande parte do número de jornais de cada
edição. Dos Cr$ 154.248.00 arrecadados da edição número 28, Cr$ 128.248.00 fo-
ram de assinaturas e somente Cr$ 26.000.00 de vendas. Para o segundo Presidente
da SDDH, o jornal sempre sobreviveu graças a três formas principais: da venda,
das assinaturas e das campanhas de arrecadação de fundos.31
30Informe dos custos do Resistência Nº 28. Arquivo Professor Manoel Alexandre Cunha, Laboratório
de Antropologia da Universidade Federal do Pará.
31 Humberto Cunha, entrevista em 28 de outubro de 2015.
240
Quem organizava e cuidava dessa arrecadação de fundos para o Jornal era o
próprio Núcleo de Imprensa, que tinha muita autonomia em relação à própria SDDH,
independência que fazia com que esse Núcleo tivesse toda uma estrutura organizativa
e de autonomia, chegando a ser como “uma entidade dentro de outra entidade”.
O Jornal Resistência tinha uma característica que o diferenciava de muitos
outros jornais alternativos do período, como, por exemplo, o Jornal Varadouro
do Acre, que era o fato de no Jornal aparecerem pouquíssimas propagandas ou
anúncios comerciais, com algumas exceções de escritórios ou comércios ligados a
algum sócio ou pessoa que acompanhava o movimento, e da própria chamada que
era feita em todas as edições para a possibilidade de os leitores assinarem o jornal:
“Faça logo sua assinatura”; e ainda a chamada para alguns outros jornais alterna-
tivos menores, como o Jornal Nanico, mas para a qual certamente não haveria
nenhum tipo de compensação financeira. Essa questão do anúncio comercial nas
páginas do jornal, ao contrário do que a primeira vista pode se deduzir, não era
em função de escolhas e filtros ideológicos daqueles que dirigiam o movimento
da SDDH e o Núcleo de Imprensa do Jornal, mas sim um distanciamento e temor
dos empresários e de qualquer anunciante de associar seu nome ou de sua empresa
ao Jornal Resistência, que era tido pelas autoridades e o sistema de informação
como “coisa de comunista”: “estávamos abertos a fazer publicidade, mas era difí-
cil, normalmente conseguíamos quem tinha o mínimo de esclarecimento político
ou de militância política e que tava numa situação mais propicia e que pudesse
contribuir com essa luta por que era um processo árduo”.32 Além do custo natural
da produção do Jornal, havia demandas diárias por acompanhamento de lutas e a
necessidade de se fazer reportagens em outros municípios paraenses.
Era assim com pouca finança que a gente tinha que fazer as coisas,
com a ajuda de alguma entidade que bancava uma passagem. A gen-
te viajava muito de ônibus ou de barco, era muito no que se viajava,
na época não se viajava muito de avião não. Era assim: ficava hospe-
dado na igreja, na casa de algum companheiro. Se viajava tanto pelo
Resistência, como pelo núcleo jurídico.33
241
dos colaboradores voluntários, da participação do movimento democrático popu-
lar e do apoio dos setores da Igreja progressista para a produção e distribuição.
Durante algum tempo, o Jornal Resistência utilizou várias gráficas para
imprimir o jornal, sendo a primeira a Gráfica Salesiana, que tinha como gráfico
responsável Paulo Rocha e que havia sido Presidente do Sindicato dos Gráficos.
Mas devido às pressões da repressão aos responsáveis por várias gráficas em Belém,
o jornal sempre teve muita dificuldade em rodar seu material, tanto que algumas
edições inclusive foram impressas em gráficas fora do Estado do Pará, como em
São Luiz e São Paulo. A SDDH mantinha contato com muitas organizações in-
ternacionais, como a imprensa estrangeira e também Organizações de ajuda ao
“Terceiro Mundo”. E foi num desses contatos, que a Entidade de Direitos Humanos
conseguiu aprovar um projeto que montaria um parque gráfico para o Núcleo de
Imprensa da SDDH, através da Brot Fur Die Welt (Pão Para o Mundo).34 Após isso,
uma série de dificuldades se apresentou para instalar essa gráfica, principalmente
porque a SDDH era uma entidade sem fins lucrativos e não era comercial. Essa
entidade de ajuda humanitária ao invés de mandar os equipamentos, passou sua
ajuda através de recursos financeiros, que acabaram ficando defasados e não dan-
do para comprar os equipamentos novos. Inicialmente, na transição de 1979 para
1980, a gráfica foi coordenada por um profissional da área, conhecido dos sócios
da SDDH, mas que não acompanhava o ritmo político da função. Foi quando a
SDDH resolveu fazer uma concorrência entre os sócios para ver quem poderia as-
sumir. Foi quando Paulo Roberto, Daniel Veiga e Humberto Cunha disponibiliza-
ram seus nomes e um capital pessoal deles e criaram a Gráfica Suyá, que a partir de
1981 passou a imprimir o Jornal Resistência e ter como gerente o jornalista Paulo
Roberto Ferreira. A gráfica Suyá não somente ficou responsável pela impressão do
Jornal Resistência, como também pela demanda dos movimentos sociais e popula-
res de panfletos, cartazes e seus folhetins.
Durante os anos em que o jornal atuou de forma quase ininterrupta, a
tiragem do jornal ficou sempre numa média de 2 mil a 7 mil exemplares, mas os-
cilando muito o número da vendagem.35 Apesar de esse número ficar bem abaixo
de outros jornais alternativos que circularam no Brasil nesse período, o alcance
das notícias do Resistência eram bem impressionantes, chegando a lugares que a
grande imprensa tinha dificuldades: nas periferias de Belém, na Transamazônica,
sudeste do Pará e Marabá, por exemplo. Num universo cultural moldado por um
242
formato já dominante de determinado tipo de informações, as notícias e outras
perspectivas de ler e compreender aqueles processos em curso na Amazônia, de
grilagem de terra, violência no campo, violação dos direitos humanos, de grande
desigualdade social, entre outras questões levantadas pelo jornal, vão oportunizar
a organização de movimentos sociais, na cidade e no campo, que irão engendrar
discursos contra-hegemônicos ao estado de coisas, o que vai ser de imediato reba-
tido pelas elites políticas através de seus aparelhos de dominação, instaurando um
campo de tensões que se apresentava nas arenas culturais. Na fotografia abaixo, é
possível perceber um tipo de dinâmica de organização para a distribuição do Jor-
nal Resistência: Reunia um grupo de aproximadamente vinte pessoas, que saiam
pelas ruas do centro da cidade, e também pelas periferias, entoando discursos en-
quanto se promovia e se distribuía a venda do jornal.
243
entre outros profissionais, constituíam uma classe média que precisava ter contato
com o Jornal. Daí os famosos mutirões nas ruas e as pichações nos rumos para dizer
que existia um movimento de oposição ao regime militar. Portanto, fazer os muti-
rões e colocar o Jornal nas bancas de revistas, mesmo que não tivesse uma venda
considerável, era importante para marcar a posição de oposição. A distribuição do
Jornal geralmente ficava organizada da seguinte forma. Em Belém, ficava responsá-
vel Carlos Boução e para o interior do Estado e outras localidades Daniel Veiga.
Os municípios e locais do Pará em que mais tinham a venda do Jornal Re-
sistência eram Marabá, PA-70, Conceição do Araguaia e Cametá, devido a um dos
principais articuladores e que viria a ser o segundo Presidente da SDDH, Hum-
berto Cunha, trabalhar para a FASE nessa região. Eram regiões do Estado em que
constantemente havia conflitos fundiários e que os interlocutores e militantes da
SDDH ocupavam espaços nesses conflitos. Conforme o documento acima, havia
a distribuição do jornal para outros Estados, mas não na relação de venda, e sim
na distribuição para as entidades democráticas e outros movimentos de oposição,
que passariam também a acompanhar a luta pelos direitos humanos na Amazônia
e que assim conheciam o Jornal Resistência. Para muitos lugares, acontecia o envio
e a distribuição do jornal, mas como não havia pessoas como referência e identifi-
cação com o movimento, acabava-se não tendo um real controle da penetração do
jornal na região ou município.
Dois aspectos merecem destaque em relação às distribuição e venda do
jornal: Quanto ao número de assinantes em relação à proporção entre Belém e os
municípios do interior do Estado e o perfil de gênero dos assinantes. Como a sede
e o lugar de reuniões da SDDH e do Núcleo de Imprensa eram sediados em Belém
e os esforços maiores ocorriam na Capital, era maior o número de assinantes do
Jornal Resistência em Belém do que em outros municípios, e embora a diferença
não fosse grande, mas era significativa pela concentração de esforços dos partici-
pantes da SDDH na capital. Quanto ao gênero dos assinantes do Jornal Resistência,
no fim da década de 1970 e início da década de 1980, tanto em Belém como no
interior e em outros Estados, o número maior de assinantes e possíveis leitores do
Jornal Resistência sempre foram constituídos por homens. Essa diferença entre
os assinantes homens e as mulheres no interior do Estado do Pará se destaca, por
exemplo, na proporção de 108 (cento e oito) assinaturas de homens para apenas 7
(sete) assinaturas de mulheres, em determinados locais - uma diferença de gênero
no interior cujos motivos precisam ser melhores compreendidos, mas que não é a
preocupação central desse artigo.
244
A distribuição para os assinantes exigia um esforço organizativo grande,
porque muito vezes o Jornal não ia por qualquer tipo de empresa de transporte ou
envio, mas por terceiros ou mensageiros que tinham essa função. Porém, a gran-
de questão na distribuição do Jornal estava relacionada ao tentar colocá-lo nas
bancas de revistas, não só para vender, embora fosse importante , mas para dar
visibilidade para a marca “Jornal Resistência”. Colocar o jornal nas bancas era um
processo de convencimento. Primeiro pelo caráter do Jornal, que era de oposição
e identificado como um jornal “comunista” pelas autoridades e por uma parte da
população, o que causava medo por parte do dono da banca de revista ou pelo
menos constrangimento. No início dos anos de 1980, com o Comando de Caça
a Comunista (CCC) na ofensiva, apoiados por setores conservadores das forças
armadas e por reacionários da sociedade civil que, de alguma forma, lutavam para
frear o avanço das políticas de abertura, ficava ainda mais perigoso ter esses jornais
em suas bancas de revistas. Outra questão era a comercial e dizia respeito aos lu-
cros dos envolvidos. Cada banca tinha um processo de negociação e o percentual
de lucro era estabelecido pelo mercado, variando de 10 a 20%. Era um processo
extremamente difícil fazer o jornal chegar aos interessados e dar uma representa-
tividade pra ele na cidade e no campo paraense, diante das lutas pela informação e
das arenas culturais pelo seu significado e sua ressignificação.
Pela sua posição política firme de denúncia, de oposição e de descons-
trução ao que o regime militar defendia, o Jornal Resistência acabou sendo vítima
daquilo que ele sempre denunciava: A violação de direitos. O Jornal Resistência
foi vítima ao longo de sua história do que era sua matéria prima - a liberdade de
imprensa e de liberdade. Não tardou para que o jornal despertasse a atenção e
provocasse as mais instintivas sanhas de tentar amordaçá-lo. Como dito acima, a
linha editorial era frontal ao regime militar, o que provocou perseguições e a ira
dos agentes da repressão local, que sempre estavam em sintonia com a Agência
Nacional do Serviço Nacional de Informações (SNI). Durante o período do recorte
temporal abordado por esse artigo, o Jornal Resistência sofreu dois momentos que
demonstram que mesmo diante do projeto de abertura política, os aparelhos de
repressão e a comunidade de informações ainda atuavam de forma bem incisiva
nos finais da década de 1970 e início da década de 1980.
A Edição número 5 do Jornal Resistência, de agosto de 1978, foi uma das
mais polêmicas entre as muitas do Jornal. Essa edição era comemorativa pelo pri-
meiro ano de fundação da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos.
A matéria principal da capa dizia: “Fomos torturados no Ministério do Exército”
245
e girava em torno dos depoimentos de quatro ex-presos políticos: Paulo Fonteles,
Hecilda Veiga, Humberto Cunha e Iza Cunha, torturados, inclusive, nas depen-
dências do Exército, e traziam publicamente fatos que ainda não eram públicos
para a maior parte do povo paraense. O Jornal denunciava torturas e outros atos de
abuso de poder por parte dos oficiais militares ligados ao DOI/CODI, contra pre-
sos políticos. Esses fatos denunciados tinham ocorrido nos anos de 1971 e 1972. O
número do Jornal com esses depoimentos e denúncias criou uma grande agitação
entre os militares, que chegaram a classificar essa edição como uma “verdadeira
profissão de fé comunista dos integrantes da SPDDH, com a transcrição de pen-
samentos de Lênin, Trotsky e Mao-Tse-Tung, na página 30”,36 E isso gerou uma
resposta imediata do aparelho repressivo estruturado e organizado em Belém.
No dia 25 de agosto de 1978, essa Edição especial comemorativa Número
5 do Jornal Resistência foi apreendida pela Polícia Federal por ordem do Ministério
da Justiça, que determinou a instauração de Inquérito Policial, com base na Lei
de Segurança Nacional. A apreensão aconteceu nas oficinas da Gráfica da Escola
Salesiana do Trabalho.
A polícia chegou e cercou o quarteirão da gráfica, recolheu todos os
exemplares, a chapa e leva o Paulo Rocha que era o gerente da gráfica
e instrutor dos alunos lá. Vai preso. Passa lá doze horas e depois eles
liberam. Todo mundo que tava no expediente daquela edição vai ser
chamado para depor na Polícia Federal e vai ser aberto um inquérito.37
Havia antes certo temor por parte dos membros da SDDH que poderia
ter algum tipo de reação por parte da repressão, mas somente depois que o Jornal
estivesse à venda nas bancas e nas ruas. Mas como a edição era comemorativa pelo
primeiro aniversário da SDDH, foram disponibilizados na reunião cerca de 300 a
500 exemplares antecipadamente para os sócios, pela programação de 1º aniversário
da SDDH (18, 19 e 20 de agosto de 1978). Devido à infiltração dos agentes do SNI
nas atividades da SDDH, isso foi suficiente para que a polícia desse uma “batida” de
surpresa na Gráfica que estava rodando o material. Além da apreensão, foi instau-
rado um Inquérito Policial-Militar (IPM) contra os denunciados, nº 78/78 que foi
presidido inicialmente pelo delegado Regional da Polícia Federal, Sadoc Thales Bar-
reto Reis; com a sua promoção a Superintendência da Polícia Federal no Acre, o co-
mando do Inquérito passou para o delegado Walter Soares. Foram 14 (quatorze) os
246
militantes e jornalistas inquiridos pela Polícia Federal, sendo que 7 (sete) acabaram
indiciados e fichados criminalmente. Segundo o inquérito policial, de modo geral,
os inquiridos disseram não ter lido o número 5 do Jornal Resistência, com a exceção
do Diretor e do Editor do jornal. A fala dos indiciados era de que em hipótese algu-
ma quiseram injuriar as Forças Armadas, mas apenas ajudar para que aqueles que
praticaram torturas pudessem ser expulsos das suas fileiras.38 Reafirmaram em seus
depoimentos que o jornal deveria continuar saindo e denunciando todos os casos
de violação dos direitos humanos que tomassem conhecimento. Os sete indiciados
e fichados foram: Paulo Cesar Fonteles de Lima, Hecilda Mary Veiga, Humberto
Rocha Cunha, Izabel Marques Tavares da Cunha, Luiz Maklouf Carvalho, José Ma-
ria Costa de Souza e Paulo Roberto Ferreira,39 e tiveram a assistência dos advogados
João Marques, Ruy Barata e a assistente Vera Tavares.
Logo em seguida a apreensão, a SDDH e o Jornal Resistência articularam
manifestações públicas de protesto. Divulgaram nota à imprensa, Igrejas e público
em geral e contaram com a solidariedade de várias entidades, como o Sindicato
dos Jornalistas Profissionais do Pará, Regional Norte II da CNBB, Comissão Pas-
toral da Terra, Instituto Pastoral Regional, Federação de Órgãos para a Assistência
Social e Educacional (FASE), Diretório Central de Estudantes da Universidade Fe-
deral do Para (UFPA), e demais Diretórios Acadêmicos. Isso demonstrava o grau
de mobilização e articulação que já tinha sido alcançado pela SDDH junto a essas
entidades. A manifestação e notas dessas entidades foram emitidas no sentido de
lamentar tal decisão que tinha sido tomada num momento em que toda a socie-
dade civil cobrava do Estado a restituição dos direitos e garantias individuais, a
plenitude institucional, a normalidade política e as liberdades fundamentais. Todas
essas notas foram publicadas na edição de nº 6 do Jornal Resistência, fazendo duras
críticas ao fato da apreensão e trazendo no seu expediente uma grande tarja preta
no lugar dos nomes das pessoas que faziam o Resistência, a exceção foi o nome do
Editor Luiz Maklouf que permaneceu no expediente do jornal.
Para a abertura desse Inquérito Policial contra o Jornal e seus principais
articuladores, a Polícia Federal utilizou-se da Lei de Segurança Nacional, artigo 16,
parágrafo 2º. A partir daí, o jornal passou a sofrer uma campanha de intimidação e
vigilância constante, o que levou a uma peregrinação a várias gráficas para impri-
mir o jornal, como dissemos anteriormente. Nenhuma gráfica queira imprimir o
38ABE_ACE_3267/83. Arquivo Nacional, Agência de Belém, Serviço Nacional de Informações. Rio de
Janeiro.
39Informe IPM 78/78. Arquivo do Professor Manoel Alexandre Cunha, Laboratório de Antropologia
da Universidade Federal do Pará.
247
Jornal Resistência. Mas o veneno acabou se transformando em remédio, pois com
a ajuda de organismos internacionais, foi possível ao Jornal, que tinha suas finan-
ças sempre limitadas, constituir uma gráfica própria para rodar o Jornal.
Foi nessa Gráfica, a Suyá, que ocorreu mais um evento de ataque da re-
pressão política no Estado do Pará sobre o Jornal Resistência ao longo do período
da democratização: A invasão da Gráfica Suyá, em 08 de outubro de 1982. Nesse
ano, houve uma grande agitação dos movimentos que estavam ligados às lutas so-
ciais e à defesa dos direitos humanos devido a prisão, considerada sem fundamen-
to e arbitrária, de 13 (treze posseiros) e 2 (dois) padres franceses, Aristides Camio
e François Gouriou, presos em São Geraldo do Araguaia, no Pará,40 questão abor-
dada no Capítulo 3 desta tese. Em função disso, se constituiu um comitê em Be-
lém, chamado de Movimento Pela Libertação dos Presos do Araguaia (MLPA), que
passou a atuar no Estado denunciando as arbitrariedades na condução do processo
dos padres e dos posseiros, e acabou aglutinando outros setores das esquerdas do
Pará, como a aproximação com militantes ligados ao PCdoB e por tabela ligados
ao Jornal Resistência e a SDDH.
O material utilizado pelo MLPA, que pedia a libertação dos presos e dos
padres, tinha também uma forte conotação política, e utilizava até alguns textos
bíblicos, principalmente contra o presidente Figueiredo. A Polícia Federal apreen-
deu esses materiais e logo associou a sua produção à gráfica do Jornal Resistência.
Então foi dada uma “batida”, sem mandato judicial, na Gráfica Suyá e na Comissão
Pastoral da Terra. Mas ao chegar lá, segundo o Jornal Resistência, os policias teriam
mudado o objetivo e passaram a procurar documentos que pudessem ligar o Jornal
e a Gráfica as atividades do PCdoB, que, na época, era ilegal. Acabaram encontran-
do um documento da conferência extraordinária do PCdoB do Pará, o que levou a
polícia, ainda segundo o Jornal, a agir com extrema violência contra as pessoas que
estavam no momento da invasão na gráfica.
Esses atos de violência e arbitrariedade cometidos pelos aparados do Go-
verno Militar no Pará e seus agentes foram bastante explorados nos meses seguintes
pelo Jornal Resistência, como uma forma de posição diferente da versão oficial pro-
palada nos grandes meios de comunicação da imprensa paraense, que se tratava de
ação que foi apurar uma denúncia, mas que ao chegar ao local, os Policiais Federais
foram “atacados” e agredidos, por isso tiveram que reagir. Como se percebe, as pala-
vras têm história e produzem sentidos, ao mesmo tempo em que vão incorporando
Pastora Rosa Marga Rothe, depoimento. In: AZEVEDO, Dermi. Travessias Torturadas: direitos hu-
40
248
nuanças, flexionadas nas arenas políticas em que o significado é negociado e rene-
gociado, permanentemente, em lutas que se travavam no campo do simbólico e do
discursivo, por isso que o espaço ocupado pelo Jornal Resistência, mesmo que limita-
do em termos de alcance diante da grande imprensa, encontrou fissuras na tessitura
social paraense que subverteu a regra e a ordem do discurso dominante.
Foram abertos dois inquéritos: um contra o MLPA e outro contra a Gráfica
Suyá. O do MLPA acabou sendo arquivado, tendo sido concluído que o material por
ele produzido não tinha caráter subversivo. Mas o da Suyá, inquérito nº 158/82, que
fez a impressão do material, não só prosseguiu como também tomou outro rumo.
Tentando dar lógica ao inquérito, a Polícia Federal ligou-a a um suposto documento
do PC do B (esquerda) que o agente José Roberto Prado e o delegado Moisés da Silva
afirmaram ter encontrado na Gráfica. Ocorreu, porém, que o agente e o delegado se
contradisseram quanto ao local em que teria sido achado o documento, que também
não constava da relação de material apreendido, assinado pelo gerente administrativo
da empresa/ gráfica, Paulo Roberto Ferreira. O procurador da Justiça Militar, Benedi-
to Felipe Rauen, pediu o enquadramento na Lei 6.620/78 (Lei de Segurança Nacional
- LSN), do, na época vereador, Humberto Cunha, de Paulo Roberto Ferreira e de Da-
niel Veiga. O enquadramento de um parlamentar, em 1983, teve um grande impacto
social e na imprensa.41 Mas as mudanças conjunturais e as agitações democráticas do
período, ajudaram no arquivamento do processo, posteriormente.
Considerações finais
249
Referências
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Mais arroz e mais feijão, abaixo a repressão”: quando professores entraram em cena em
Belém (1979-1986). Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Pará.
250
Davison Hugo Rocha Alves
PROJETO RONDON E A
DISCIPLINA ESTUDO(S) DE
PROBLEMAS BRASILEIROS: A
TENTATIVA DE APROXIMAR
A JUVENTUDE BRASILEIRA
DAS AÇÕES CÍVICO-
NACIONALISTAS EM TEMPOS
DE DITADURA MILITAR
Introdução
1Ricardo Vélez Rodríguez (1943 - ...) é formado em Filosofia (licenciatura, mestrado e doutorado), pes-
quisa a história das ideias filosóficas e políticas no Brasil e na América Latina. RODRIGUEZ, Ricardo
Velez. Blog – Ricardo Vélez Rodríguez. [S. l.], c2021. Disponível em: https://tinyurl.com/pxuarnsw.
Acesso em: 15 mai. 2021.
252
foram esquecidas pelo mercado e que precisam ser incorporadas à vida nacional”.2
A discussão do currículo controlado e vigiado sempre está presente no interior dos
governos, o caso do governo Bolsonaro não é diferente, o mesmo ocorria durante
a ditadura militar quando o regime tentou controlar a juventude brasileira após o
ano de 1968.
O ministro também queria “impulsionar” a volta da disciplina moral e
civismo em todos os níveis de ensino,3 partindo da perspectiva que “em nossas
antigas escolas primárias e secundárias, existia a disciplina Educação Moral e Cí-
vica. Depois, quando chegava ao ensino universitário, o aluno tinha [a disciplina]
de Estudo dos Problemas Brasileiros. Isso foi esquecido”.4 A discussão sobre o tipo
de história ensinar sempre está presente no debate público e na arena política. Na
atual conjuntura brasileira não é diferente, o Estado é o responsável por conformar
determinada narrativa didática a ser ensinada e veiculada nos espaços escolares
e universitários. Observando os espectros da ditadura durante o período recente
brasileiro, podemos compreender que algumas estruturas de poder ainda persis-
tem na sociedade brasileira, por exemplo, como mencionado acima a partir da
eleição do presidente Jair Bolsonaro (2019-2022) e a atuação por dentro do Minis-
tério da Educação (MEC) durante a gestão de Ricardo Veléz, podemos inferir que,
O Brasil vive em permanente atraso com o acerto de contas em re-
lação às graves práticas violentas que marcam sua história. Etnocí-
dio de populações indígenas, escravização e genocídio de pessoas
negras, naturalização da violência contra as mulheres e LGBTs, e
autoritarismo de Estado persistentes são algumas das estruturas que
dão forma e conteúdo em nosso país. A relação com esse passado
de barbárie é de negação e silenciamento. Com esses expedientes,
busca-se dissipar qualquer rastro de culpa ou de responsabilidade
por tais estruturas de violência. Uma sociedade capaz de reconhecer
as fraturas que as constituíram só poderia assumir a forma política
de um Estado que não repara, não lembra e não julga as violações de
direitos (TELES; QUINALHA, 2019: 9).
2 Ministro da Educação quer retomar educação moral e cívica. Estadão Conteúdo, 5 fev. 2019. Disponí-
vel em: https://tinyurl.com/5aeavpw6. Acesso em: 15 mai. 2021.
3 A descaracterização das humanidades está presente desde o golpe de 2016 e no governo atual, diante
das investidas em torno da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), como é o caso da implemen-
tação da disciplina “Trabalho e Projeto de Vida” de acordo com o Novo Ensino Médio, por exemplo,
como demanda neoliberal do Governo Michel Temer e a ser implementado no ano de 2022 pelo MEC
no governo Jair Bolsonaro.
4 Ministro da Educação quer retomar educação moral e cívica, 2019.
253
leira, pois, mobilizou constantemente na arena política e na sociedade a discussão
da ditadura militar. As investidas do então ministro Ricardo Veléz vem na direção
de retornar ao Brasil idealizado pelos militares a 40 ou 50 anos atrás5, ou seja, um
Brasil antes da constituinte de 1988, quando as estruturas de poder estavam sendo
sustentadas pelos militares que assumiram o comando do país em março de 1964.
A problemática que iremos responder ao longo deste artigo é a seguinte:
quais são as estratégias e táticas usadas pelos estudantes universitários e agentes
de Estado para costurar no cotidiano do ambiente universitário a “proposta” de
Brasil potência? Nesse sentido, cabe-se uma reflexão sobre o conceito de ditadura
que estamos abordando neste artigo. Durante as reflexões de rememoração dos 50
anos do golpe que posteriormente implantou uma ditadura militar no Brasil, surgi-
ram diversas interpretações no campo dos historiadores. Os conceitos de “ditadura
militar” e de “golpe civil-militar” que abordaremos neste trabalho está baseado nas
interpretações apresentadas por Daniel Reis (2014) e Rodrigo Motta (2014) para
construir uma nova perspectiva historiográfica nos estudos dos governos militares,
quando os historiadores admitem nas rememorações dos 50 anos do golpe civil-
-militar de 1964, ocorridas no ano de 2014, que o regime político instaurado pelos
militares só foi possível com a participação de civis dentro do processo histórico.
A utilização de jornais permite construir as intencionalidades concebi-
das por veículos de informação. Compreendemos que através do periódico foram
expressas as formas educativas consideradas necessárias para a juventude brasi-
leira, no contexto histórico pesquisado, pensando que os discursos apresentados
acabaram idealizando um modelo de sociedade para se atingir o projeto de nação
planejado em tempos de autoritarismos.
A escolha de um jornal como objeto de estudo justifica-se por en-
tender-se a imprensa fundamentalmente como instrumento de
manipulação de interesses e de intervenção na vida social; nega-se,
pois aqui, aquelas perspectivas que a tomam como mero veículo
de informações, transmissor imparcial e neutro dos acontecimen-
tos, nível isolado da realidade político-social na qual se insere (DE
LUCA, 2005: 115).
5 O objetivo é fazer um Brasil semelhante ao que ‘era há 40, 50 anos’, diz Bolsonaro. Folha de São Paulo.
Disponível em: https://tinyurl.com/3spmeht4. Acesso em: 15 mai. 2021.
254
timas décadas, evidenciam novos procedimentos para a escrita da História, estão
na busca permanente de descobrir os chamados “protocolos de verdade” conforme
aponta Francisco Falcon (2002: 52), afastando-se de esquemas explicativos, das
certezas e racionalidades que predominaram a historiografia do final do século
XIX e início do século XX (VEIGA, 2008: 13). O papel da pesquisa histórica per-
mite compreender que não existe verdade única no processo de narrar o passado,
mas a busca de uma verdade provável (GADIVA, PUENTES, 2007: 302). A partir
da perspectiva teórico-metodológica da denominada “nova história política” a tese
busca compreender a educação como objeto histórico. Queremos, particularmen-
te, entender a universidade como um problema para o campo político. Faremos
o diálogo com as reformulações teórico-conceituais da história política, precisa-
mente o lugar do político e da política no momento de consolidação da ditadura
militar brasileira, ocorrido após o ano de 1968, em particular, no final do ano 1969
com a discussão de moral e civismo para todos os níveis de ensino. Portanto, as
concepções de René Remond sobre o político articulam-se a necessidade de “com-
preender a formação e a evolução das racionalidades políticas, isto é, dos sistemas
de representações que comandam a maneira como uma época, um país ou grupos
sociais conduzem sua ação e encaram seu futuro” (REMOND, 2007: 33).
Utilizaremos como fonte histórica os jornais do período de 1969-1979, os
documentos do Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN), as produ-
ções do Ministério do Interior (MINTER) sobre o PRo, as matérias publicadas pela
Revista VEJA, usaremos o discurso proferido pelo ministro da Educação Jarbas
Passarinho, as peças publicitárias da agência nacional sobre o PRo e o Decreto-Lei
nº 68.065, de 1971.
A ideia central deste artigo é que a EPB se tornou uma disciplina vigia-
da, uma disciplina de controle dos governos militares para a construção da ideia
de nação a partir dos valores, das intenções, dos objetivos da “revolução de 64” a
serem alcançados ao longo dos anos da ditadura militar. Para isso, era necessário
moldar a juventude universitária. Enfocamos a construção de reafirmar no inte-
rior das universidades que o Brasil vivia em uma democracia. Construiu-se uma
cultura do consenso e pretensão de legitimidade ao longo dos dez primeiros anos
conforme destaca Maria Rezende,
255
Partiu-se do pressuposto de que a pretensão de legitimidade não é
atinente apenas aos regimes democráticos mas todos eles, inclusive
as ditaduras, enfrentam o desafio de encontrar meios de alcançar
reconhecimento entre os diversos segmentos sociais. Portanto, mes-
mo não havendo qualquer traço de legitimidade democrática no re-
gime militar, não se pode afirmar que este não se empenhava em
encontrar meios de aceitabilidade para o seu projeto de sociedade
(REZENDE, 2013: 12)
256
Grande, a pesquisa revela o jogo de ambivalências em torno do projeto de poder mi-
litar instaurado no Brasil, onde rompem-se visões maniqueístas e colocam a socie-
dade diante do espelho (ROLLEMBERG; QUADRAT, 2010:13) em torno das ações
sociais desses sujeitos históricos em tempos de ditadura militar. Nessa direção, a fim
de fugir dos binômios e aproximar-me dessas ambivalências podemos afirmar que,
Diante do espelho, não raro, descobrem-se mesmo como parte de
sua engrenagem, a gestá-lo, alimentá-lo. Em todo caso, as respostas
variaram nesse percurso, que esteve longe de ser retilíneo, esten-
dendo-se ao longo de décadas. Apenas lembrar como as dicotomias
estritas, frequentes a princípio, como colaboracionismo ou resis-
tência, deram lugar a um quadro mais complexo e fino das muitas
relações possíveis das sociedades com os regimes autoritários e di-
tatoriais. (ROLLEMBERG; QUADRAT, 2010: 12)
257
classe para suas ações. No caso específico a ser abordado neste artigo a questão da
disciplina EPB e sua relação com o Projeto Rondon, percebemos que eram consi-
deradas faces da mesma moeda, pois, queriam construir a ideia de Brasil potência
idealizado pela ditadura militar.
258
conscientização de que o trabalho em torno do referido projeto não poderia parar.
A ação universitária deveria estar voltar para o lema Integrar para não Entregar, do
capitão Lauro Bastos Filho, sobre a ação do 5º Batalhão de Engenharia de Constru-
ção (BEC) que voltando da selva amazônica afirmou: “o batalhão está trabalhando
dia e noite para integrar a região amazônica e não a entregar a cobiça, à miséria e
ao pauperismo” (ORIENTA, 2004: 17).
A profa. Edilza Fontes afirma que após o golpe civil-militar de 1964 houve
modificação no planejamento pensado para a região amazônica, onde nesse con-
texto foram implementados planos de desenvolvimento regional partindo do go-
verno federal (FONTES, 2021: 242). A criação da Superintendência de Desenvol-
vimento da Amazônia (Sudam) serviu como instrumento essencial da “Operação
Amazônia” durante a gestão do presidente Castelo Branco (1964-1967). Uma nova
política de incentivos fiscais foi implementada e criou-se o Banco de crédito da
Amazônia (BASA).
A floresta era considerada empecilho para o progresso da região, por isso,
ocorreu o incentivo de exploração dos recursos naturais, a derrubada massiva da
floresta e a expansão do capital no interior da região amazônica servindo como
atrativo para o aumento de migrações internas, implementação de incentivos fis-
cais e o acelerado processo de transformação das terras em mercadoria (FONTES,
2021, p. 244).
Os planos têm uma leitura da região onde a natureza e a sociedade
amazônica estão fora do tempo, estão num tempo passado, estão
num tempo da conquista, da colonização. Os conceitos de vazio de-
mográfico e indolência do homem nativo são o tempo inteiro rea-
firmado para oferecer uma imagem da região onde o progresso e a
civilização precisava chegar (FONTES, 2021: 242).
259
cepções consideradas subversivas dentro daquele contexto, mesmo que não surtis-
se efeito em determinados momentos. Foram recebidos em sua volta para realizar
entrevistas aos jornais, televisão e rádio, e para transmitirem aos alunos de diversas
escolas, o que viram e executaram naquela região amazônica de difícil acessibilida-
de (ORIENTE, 2004: 19-20). O regimento do PRo apresenta os 10 princípios que
deveriam ser seguidos pelos rondonistas:
I. Conhecimento da realidade brasileira;
260
Objetivos Básicos:
- Integração Nacional.
lo aos estudantes brasileiros, pois, a ditadura militar estava dando sinais concretos
de seriedade a sociedade brasileira, assim, ele constrói a ideia de Brasil potência
dizendo durante a cerimônia que
[...] o governo da república sente de seu dever pedir a atenção da
juventude estudiosa para a necessidade de refletir sobre as dificul-
dades da situação nacional, que grupos inconformados procuram
agravar, e, assim, tentar abrir um fosso entre governados e gover-
nantes para o efeito de restaurar, em escala nacional, o estado de coi-
sas abolido em 1964. O governo compreender o ardor e a violência
da expressão das aspirações juvenis e vem dando, dia por dia, provas
concretas de seriedade, tolerância e paciência.8
261
juventude a participar do processo de integração nacional e seu era “integrar para
não entregar”. Um jogo de palavras que dizia muito sobre o sentido ideológico pre-
tendido pelos militares para a juventude no pós-1968, ou seja, havia a necessidade
de “ocupar” o estudante universitário no período de férias para que não ficasse
ocioso e fizesse ações consideradas subversivas pelo regime vigente.
Criado em 11 de julho de 1967, durante o Governo Militar, o Projeto
Rondon tinha como lema “integrar para não entregar”, expressando
um ideário desenvolvimentista para o país, articulado à doutrina
de segurança nacional, característica daquele Governo. Resultado
da união de diferentes povos, carregado de sincretismo cultural, o
Brasil, país com dimensões continentais, apresenta uma diversidade
social e econômica muito grande. O Projeto nasceu com o objetivo
de levar a juventude universitária, por meio de participação volun-
tária, a conhecer a realidade deste país e, principalmente, fazer com
que os jovens contribuíssem para o desenvolvimento sustentável
de comunidades carentes, ampliando o bem-estar da população
(GONÇALVES, 2017: 9).
262
Além disso, o Ministério do Interior, criado pela ditadura militar
em 1967, era o setor governamental mais próximo da expedição e
não poupava esforços para fomentar o culto a Rondon como herói
nacional. Simultaneamente a operação nacional, a operação piloto,
o ministro Albuquerque Lima engaja-se pessoalmente nas prepara-
ções para as comemorações do aniversário de nascimento do ma-
rechal. Em exposição de motivos que apresentou ao presidente da
república, em 27 de julho daquele ano com o objetivo de demandar
pensão especial para os membros da comissão Rondon ainda vivos,
o marechal era lembrado como um “chefe predestinado” e como um
dos mais ilustres “filhos da pátria” brasileira. Rondon e seus auxilia-
res eram tidos como “verdadeiros construtores da nacionalidade”
(AMATO, 2019: 66-67).
263
Odontologia atenderam a 14.283 pessoas, realizando 20.609 extra-
ções, e 625 cirurgias dentárias. Os 17 estudantes de enfermagem
fizeram 815 visitas, atendendo a 2.047 pessoas. Quatro acadêmi-
cos de Farmácia fizeram 768 exames de laboratório, 19 acadêmicos
de Serviço Social fizeram 12.844 atendimentos socioeducacionais
e 311 palestras versando em sua maioria sobre noções de higie-
ne. Os 57 componentes do grupo de Engenharia Florestal fizeram
1.022 consultas, e 124 palestras; recolheram 320 amostras de solo
e visitaram 62 fazendas. Os 42 membros de Veterinária fizeram
538 atendimentos, 10.296 vacinas, 51 palestras e aplicaram 108
testes. Entre os projetos elaborados pelos acadêmicos de Enge-
nharia figuram os de 18 quilômetros de estrada na BR-230 e BR-
226; de 140 casas populares geminadas e isoladas; plantas de um
matadouro municipal; praça de esportes; estudos do problema de
energia elétrica, em Guajará-mirim; locações topográficas para
ampliação de aeroporto de Xapuri, e estudo de possibilidade de
se trazer água de colônia indígena de Guajará-Mirim, por meio de
bombas e motores a óleo ou gasolina.13
264
praça Mauá, no estado da Guanabara (RJ). Estavam presentes personalidades do
governo federal que não são mencionados na peça publicitária, bem como de fa-
miliares dos estudantes.17
Havia uma intensa propaganda, dentro e fora da ditadura militar, em tor-
no do PRo. Por exemplo, o jornal O Globo noticiou que o Projeto Rondon ganhou
destaque na Universidade do Samba Boêmios da Campina (USBC), foi tema da
Escola de Samba do bairro18 localizado na cidade de Belém (PA). O samba-enre-
do é de autoria de Valter Mesquita e César Brasil,19 os mais antigos e prestigiados
sambistas da capital paraense. No ano de 1969 a USBC contou com a participação
de “300 figurantes e suas alegorias representarão os trabalhos desenvolvidos pelos
estudantes universitários na região amazônica durante as férias dentro do progra-
ma do Projeto Rondon”.20
O carro-chefe simbolizará a fachada de uma Universidade, com
a inscrição Universidade Integrada. Nele estarão 14 jovens repre-
sentando os estudantes, uns sentados e outros em pé, carregando
livros. Um outro carro simbolizará os rios da Amazônia, onde os
jovens em canoas representarão os estudantes do projeto Rondon
em seu deslocamento para o interior, quando fazem uso dos mais
diversos tipos de transportes, inclusive dos mais diversos tipos de
embarcações impulsionadas a remo, o que poderá mostrar ainda,
o perigo ainda em que os jovens estão expostos, principalmente
pela falta de prática. Um tapiri (Casa do caboclo amazônida em
palha), com um casal e várias crianças, representarão parte da
missão do Projeto Rondon. No mesmo carro, vários estudantes
do projeto simbolizam o atendimento médico-dentário aos mora-
dores do tapiri, enquanto uma moça faz anotações e conversando
com o “dono da moradia”, como se tratasse de assuntos relaciona-
dos com o levantamento socioeconômico da área. E finalmente,
o último carro terá o mapa do Brasil com o emblema do Projeto
Rondon ao centro. Um jogo de luzes, mostrará os Estados cujos
estudantes tenham participado do Projeto ou estejam integrados
ao projeto Rondon III.21
17PROJETO Rondon (1968). Cinejornal Informativo nº 126 (1968). Produção: Agência Nacional. Pu-
blicação: Arquivo Nacional. Rio de Janeiro: YouTube Vídeo Editor, 1968. 1 vídeo (44seg.). Disponível
em: https://tinyurl.com/y5k5wgh5. Acesso em: 19 set. 2020.
18Segundo o jornal O Globo (1969), foi fundada em 1 de março de 1952, com o nome de Dissidentes de
Campinas, uma vez que resultou da separação do antigo bloco carnavalesco. Seu primeiro êxito acon-
teceu no ano seguinte quando conseguiu a vitória. Foi vice-campeã em 1954 e tricampeã em 1955, 56 e
57. Em 1958 tornou-se vice. Em 1959 a escola de samba tornou-se vice. O segundo tri foi conquistado
em 1965, 66 e 67. A escola nunca conheceu um terceiro lugar.
19 RONDON fez parto em Goiás e traçou cidades no Pará. O Globo, Rio de Janeiro, 10 fev. 1969: 2.
20 RONDON fez parto em Goiás e traçou cidades no Pará, loc. cit.
21 RONDON fez parto em Goiás e traçou cidades no Pará., loc. cit.
265
A letra do samba-enredo da Escola de Samba do bairro da Campina em
Belém destaca as ações do PRo na Amazônia, determinadas pelo governo federal
no sentido de mobilizar a integração nacional, demonstrando que a região era uma
fronteira aberta para o progresso e para o desenvolvimento pretendido pela dita-
dura militar. Existe um chamamento através do Projeto Rondon para a existência
de uma “nova vida” no espaço amazônico. A juventude brasileira serviria para a
construção do projeto de nação desejado. O samba-enredo assim destaca:
Campina, sempre foi tua sina
Escolher o que é bom
Nossa Escola proclama
Tanto Amor, tanta fama do Projeto Rondon,
Coro: Despertar Amazônia querida,
Tu verás nova vida com o Projeto Rondon,
Na campanha de Integração contra o Entreguismo,
Que deixou de ser lirismo,
E hoje é realidade,
Embrenhada do Sertão,
Tornando Alegre a Solidão,
Na jornada do Humanismo,
Vai a juventude estudiosa da cidade,
Coro: Despertar Amazônia querida,
Tu verás nova vida com o Projeto Rondon,
Cantemos em coro no final da exaltação,
Aos caravaneiros do projeto Rondon,
Amazônia é um mundo novo que não pode regredir,
Era a alma do povo que estava a pedir,
Cantemos, o que a vida nos ensina,
Esta é a homenagem dos Boêmios da Campina.22
266
O coronel Jarbas Passarinho assumiu a pasta da Educação e Cultura no
dia 30 de outubro de 1969, durante a gestão do presidente Emílio Garrastazu Mé-
dici (1969-1974). A revista VEJA publicou uma entrevista com o filho do novo
ministro, Jarbas Gonçalves Passarinho Júnior. O jovem universitário possuía 20
anos e era discente do terceiro ano do curso de Medicina da UFPA.
O historiador Carlos Fico afirma que após o AI-5, o Conselho de Seguran-
ça Nacional aprovou o chamado Conceito Estratégico Nacional. No referido docu-
mento foram estabelecidas várias diretrizes governamentais que definiam o cida-
dão como responsável pela segurança nacional (FICO, 2017: 67). No contexto de
guerra ideológica, os regimes militares latino-americanos usando da concepção de
“segurança nacional” afirmavam que era necessário colocá-la em prática, pois, eles
queriam combater o comunismo. O país vivia uma guerra interna e foi instalado a
partir da ESG um debate sobre o inimigo interno durante os anos 1960, e no caso
brasileiro, o inimigo era o brasileiro “subversivo” (FICO, 2017: 67). Dentro das uni-
versidades públicas o combate aos estudantes foi intensificado, muitos estavam in-
fluenciados pela utopia revolucionária desde a revolução Cubana ocorrida em 1959.
O ambiente hostil na cidade de Belém quando fora aprovado para o curso de
Medicina na UFPA demonstrava que o ambiente universitário no campus do Guamá
era considerado bastante apreensivo por parte dos discentes opositores a ditadura mi-
litar, pois, o jovem universitário não era visto como discente, mas o filho do ministro
de um governo que não dialogava com o movimento estudantil. Como forma de pro-
testo foi colocado um cartaz na Faculdade de Medicina com o desenho de um grande
pássaro, carregando no bico um pássaro menor. Fazia referência de que as ideias do pai
ministro também estavam conectadas com o filho estudante universitário.
Durante entrevista à VEJA, Jarbas Júnior defendeu o pai e defendeu as ações
do governo em relação à classe estudantil. O filho do ministro era contra a expulsão de
alunos universitários, exceto “por questões consideradas muito sérias”,24 o que se torna-
va uma questão um tanto contraditória, pois, não deixa explícito na entrevista o que se-
riam essas “questões sérias” para os governos militares. Defendeu que os universitários
tivessem um órgão de representação e que lutassem por mais vagas nas universidades.25
Fez elogio ao PRo e às ações do governo no sentido de atrair a juventude universitária
para o projeto de nação pretendida, afirmando que “é uma maneira de o estudante
participar concretamente, em vez de ficar gritando slogans em praças públicas”.26
267
A imagem do PRo perante os militares que atuavam no governo também
foi destacada na entrevista, pois, este projeto extensionista tornou-se um presente
do governo para os estudantes que participavam no período de férias trabalhan-
do a favor do Brasil. Era exercido o dever cívico dentro das operações nacionais
realizadas em regiões distantes do país. Os estudantes que aceitavam este “presen-
te do governo”, atuavam entusiasmados no projeto, apesar das críticas e ações de
resistência dentro do PRo. Segundo a revista, a finalidade do governo Costa Silva
ao criar o Projeto Rondon27 foi desviar o estudante universitário das preocupações
com as questões políticas nacionais e internacionais.
A integração do projeto com a Educação no pós-1968 foi reafirmada. Ao
assumir a pasta da Educação e Cultura, Jarbas Passarinho convidou para secretário
geral do MEC o primeiro-coordenador do PRo, o tenente-coronel Mauro Costa
Rodrigues,28 no sentido de aproximar a juventude universitária do projeto preten-
dido pelos militares.
O tenente-coronel Mauro da Costa Rodrigues era oficial da arma de ca-
valaria e do Estado-Maior do Exército. Com Jarbas Passarinho assumindo a pasta
da educação o “homem do Rondon” assumiu a função de secretário-geral dentro
do MEC, sendo responsável pelo planejamento e coordenação das atividades do
Ministério. Segundo a revista VEJA, Mauro da Costa Rodrigues viajou pelo país
em 1967, percorreu por 180 dias diversas regiões e, com isso, conheceu o interior
do Brasil. A sua experiência no Projeto Rondon o credenciou para assumir a se-
cretaria geral no MEC.29 Ele afirma: “graças aos meus dois anos no Projeto Rondon
visitei centenas de escolas e universidades”,30 defendia a ideia de que a relação é a
“pedra de base de desenvolvimento e da segurança nacional”.
Para o tenente-coronel Mauro Rodrigues os estudantes deveriam parti-
cipar diretamente das ações administrativas do MEC. Pretendia levar estudantes
universitários para conhecer a rotina administrativa no interior do ministério,
uma forma de aproximação do Governo com a classe estudantil universitária. A
revista VEJA destaca que o ministro da Educação e Cultura Jarbas Passarinho con-
27BRASIL. Decreto nº 62.927, de 28 de junho de 1968. Institui, em caráter permanente, o Grupo de Traba-
lho “Projeto Rondon”, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. 1968. Disponível
em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-62927-28-junho-1968-404732-pu-
blicacaooriginal-1-pe.html#:~:text=Institui%2C%20em%20car%C3%A1ter%20permanente%2C%20
o,%22%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias. Acesso em: 21 set. 2018.
28Nasceu em 1927 na cidade do Rio de Janeiro. Foi Coronel e Secretário da Educação e Cultura do
Estado do Rio Grande do Sul em 1973.
29 O primeiro time de passarinho. VEJA, [s. l.], Educação, 12 nov. 1969: 64.
30 O PRIMEIRO time de passarinho, 1969: 64.
268
vidou o jovem estudante de Direito de 21 anos, Rodrigo Otávio Costa, considerado
o representante dos estudantes no Ministério.31 A revista criticou a escolha devido
o rapaz ser filho do coronel Otávio Costa. O jovem universitário não pensava como
os estudantes que participaram da pesquisa encomendada pela VEJA. Ele conside-
rava-se capacitado para assumir a função administrativa no MEC, pois conhecia
os dois lados (do governo e dos estudantes universitários no país), afirmou para a
revista que os alunos protestavam porque conheciam apenas um lado da história.32
Rodrigo Costa apresentou à revista as concepções sobre o movimento
estudantil universitário e destacou ser contra as greves e passeatas, mostrando-se
a favor do ensino público pago e como argumento afirmou que muitos colegas
de sua turma na Universidade Cândido Mendes possuíam a mesma perspectiva
ideológica. A postura pró-ditadura de Rodrigo Costa evidencia que mesmo depois
da turbulenta relação com o movimento estudantil desde 1968, havia jovens uni-
versitários favoráveis a política educacional implementada para as universidades, o
jovem universitário considera sua nomeação pelo ministro Jarbas Passarinho “uma
promessa de novos dias”.33
O PRo era um fator de integração nacional.34 Com a tentativa de ganhar o
apoio da opinião pública em relação ao projeto, os estudantes relataram suas expe-
riências na televisão. O Jornal noticiou que os estudantes participaram da operação
nos confins da Amazônia, bem como em diversos pontos de nossa fronteira, como
no interior brasileiro que não estava desbravado.35 O papel assumido pelo Exérci-
to nas operações nacionais do PRo também foi destaque. Havia a importância de
aliar o Exército brasileiro ao papel de integração nacional, o que juntamente com a
juventude universitária ajudariam na construção de um Brasil em franca expansão
e desenvolvimento econômico e social. O Exército era considerado a unidade de
espírito cívico e a presença do Brasil em todo o território nacional.
O ministro da educação, Jarbas Passarinho, considerava que o PRo tinha
o papel de levar assistência médica para todas as regiões brasileiras e o governo
reuniria os esforços para apostar suas fichas no projeto. Especialmente na área de
Medicina, por isso, destacou que
Seria muito importante para o país, pois, a situação da Medicina,
por exemplo, mostra que o Rio – Copacabana principalmente, é a
31 Ibid.: 65.
32 Ibid.:65.
33 Ibid.: 65
34 FATOR de integração nacional. O Jornal, 26 mar. 1969. 1º caderno, p. 3.
35 FATOR de integração nacional, loc. cit.
269
região que tem mais médicos no mundo; enquanto a maior parte
do país, não tem nenhuma assistência. A prestação de serviço seria
uma forma de interiorização da assistência: este é o espírito do Pro-
jeto Rondon.36
Considerações Finais
270
problemas brasileiros e fazer críticas ao projeto educacional da ditadura militar
após o ano efervescente de 1968. Com isso, novos temas e questões sociais co-
meçaram a surgir no interior das universidades por dentro da disciplina acadê-
mica estudada neste artigo, assim, propõem-se um olhar mais sociológico para o
denominado campo dos “estudos brasileiros” a fim de elencar outros problemas
nacionais como a fome, a desigualdade, o racismo, a constituinte, a questão da
mulher, o indígena e a questão da reforma agrária, sendo espaço para próximo
debate dentro desta discussão.
Referências
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VEIGA, Cynthia (2008). História e Historiografia da Educação no Brasil. São Paulo: Au-
têntica.
272
Thiago Broni de Mesquita
Gabriel da Silva Cunha
274
Para responder a tais questões, dividimos o artigo em quatro unidades de
diálogo. Na primeira apresentaremos um panorama sobre como grupos ligados ao
então deputado federal Jair Messias Bolsonaro estabeleceram um contraponto em
relação às comemorações dos 50 anos do golpe de 1964 e as ações, do então go-
verno da presidenta Dilma Rousseff, no sentido de oferecer acesso a informações
sobre a história da ditadura militar brasileira com a abertura de documentos, além
da criação da Comissão Nacional da Verdade em 2011, que tinha como finalidade
apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de
1946 e 5 de outubro de 1988.
Num segundo momento, faremos uma abordagem sobre como a internet
se tornou um importante espaço de negação da história, nos últimos anos, a partir
da atuação de grupos que tem como finalidade a divulgação, em especial, de peças
publicitárias baseadas em dados de caráter duvidoso e que atacam a produção de
conhecimento histórico sobre temas amplamente discutidos na academia, como é
o caso da história da ditadura militar brasileira.
Num terceiro momento demonstraremos como esses grupos geram um capital po-
lítico que é utilizado pelos tomadores de decisão para basear seus discursos e dire-
cionar seu poder de agenda, garantindo a amplificação da pressão sobre o mercado
editorial e autores.
Por fim, na quarta unidade, traremos um recorte da pesquisa realizada pelo
projeto “Para que nunca se esqueça, para que nunca mais aconteça: regimes autori-
tários e ditadura militar no Brasil, entre o conhecimento histórico e o conhecimento
histórico escolar”1, o qual mapeou todas as possíveis mudanças ocorridas em obras
didáticas aprovadas para o PNLD 2020, de forma comparada com obras aprovadas
em editais anteriores no que tange a história da ditadura militar brasileira.
1 Projeto de pesquisa desenvolvido entre os anos de 2019-2020 junto a Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-
-graduação da Universidade Federal do Pará.
275
daria conta de responder. Em 2014 o Brasil e a caserna estavam diante uma incomo-
da memória: houve ditadura militar no Brasil entre 1964 e 1985 e esse era o ponto.
Naquele mesmo ano o historiador Carlos Fico, em entrevista ao site El
País, já alertava sobre esse ponto. Para ele, havia uma expectativa de que os milita-
res fossem instados pelos prejuízos que causaram a sociedade durante os 21 anos
de ditadura militar no Brasil, apontando para necessária uma rediscussão sobre a
Lei de Anistia, sobre a afirmou haver uma “questão geracional”. Segundo ele:
A minha geração entende que os militares não passam de funcioná-
rios públicos uniformizados. Essa geração que nos antecede parece
vê-los com alguma cautela. É muito importante que a presidente
Dilma supere isso e determine que os comandantes militares se pro-
nunciem como foi recomendado. É uma questão histórica e política
e depende da presidente (MARREIRO, 2014)2
2 EL PAÍS. FLÁVIA MARREIRO. DITADURA BRASILEIRA. “A sociedade como um todo foi violentada
pela ditadura”. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2014/12/11/politica/1418302801_859838.
html. Acesso em: 05/10/2022.
276
Às vésperas do dia 30 de março de 2014, quando o golpe civil-militar de
1964 completaria seus 50 anos, na sacada da Assembleia Legislativa do Estado do
Rio Janeiro uma faixa exibia a seguinte mensagem “Ditadura nunca mais. Página
infeliz da nossa história”. Em 28 de março de 2014, na página do Twitter do então
deputado federal pelo Partido Progressista, Jair Bolsonaro, uma foto fazia o contra-
ponto a faixa que demonstrava a repulsa da Câmara Municipal do Rio de Janeiro à
ditadura militar brasileira.
Na postagem aparecem ele, à direita, e seus filhos, o deputado federal pelo
Partido Social Cristão, Eduardo Bolsonaro, ao centro, e o vereador do Rio de Janei-
ro pelo Partido Progressista, Carlos Bolsonaro, à esquerda com uma faixa trazendo
a mensagem “Militares: salve 31/mar/64. Não à ditadura cubana”3.
O registro, feito pela família de parlamentares, em frente ao Palácio Pedro
Ernesto, ocorreu após uma das diversas marchas organizadas por partidos políti-
cos e movimentos sociais, que saíram pelas ruas do centro do Rio de Janeiro em
protesto contra a ditadura militar.
É importante lembrar que oito meses antes, protestos de rua tomaram
conta de todo o país contra o aumento do valor dos combustíveis e, às vésperas
da Copa do Mundo, havia um clima de insatisfação sintetizado no movimento
“Não vai ter Copa”, oriundo dos movimentos que acontecem no ano de 2013 e que,
àquela altura, supostamente não eram bem “compreendidos” pela classe política no
poder desde 2002.
Para Céli Regina Jardim Pinto (2017), desde a luta pela redemocratização
do país, nos anos oitenta, se observava as ruas sendo ocupadas por movimentos
cujo alinhamento político estava no espectro de centro-esquerda e de esquerda,
contudo, para ela, nos movimentos de 2013 e 2014 o alinhamento dos manifestan-
tes migrou para posições políticas de centro e de direita. Segundo a autora:
As jornadas de junho de 2013 não tiveram o principal protagonista
das campanhas políticas de rua no Brasil desde a primeira eleição
direta para presidente do país pós-ditadura, em 1989: o militante/
eleitor do PT. Os doze anos de governo petista desgastou o discurso
dos militantes, pelo próprio fato de ser poder, pelas alianças que
foram feitas para governar, pela frustração da ausência de políti-
cas mais à esquerda e, não menos importante, pelos escândalos de
corrupção que vieram a público a partir de 2005, conhecidos como
“mensalão”. (PINTO, 2017: 136)
277
Um capital político estava sendo gestado naquele contexto e compete
lembrar que Pierre Bourdieu (2014), em diversos capítulos de sua sociologia po-
lítica, adverte sobre os modos como atores políticos são reconhecidos e alçados
como sujeitos capazes de agir politicamente. O capital político galgado por tais
atores varia à medida em que são capazes de ocupar espaços, entre eles os meios de
comunicação de massa.
Quando reflete sobre a construção do espaço político e o jogo parlamen-
tar, Bourdieu afirma que o parlamento é um lugar do consenso regulado ou de
dissensos, de modo que pessoas que não sabem conduzir bem as formas de ex-
pressar o dissenso são excluídas da vida política. O que salta os olhos na crítica de
Bourdieu diz respeito ao que ele escreve a seguir, quando trata da televisão no novo
jogo político.
Para ir mais depressa, é possível transpor (essa análise) para a te-
levisão, que se tornou, infelizmente, um dos substitutos do Parla-
mento. Digo assim uma frase (...) em que é mostrado que o espaço
político contemporâneo engloba coisas que não estamos acostu-
mados a levar em conta numa descrição das esferas políticas: a sa-
ber, os institutos de sondagem, a televisão, os programas políticos
etc., que são elementos (agora maiores) do espaço político real.
(BOURDIEU, 2014: 462)
278
residem os excluídos políticos, que malversam suas dissenções no parlamento,
para o centro de uma mídia que se retroalimentava do desgaste político acu-
mulado pelos governos do PT no espectro político que se inicia com as jorna-
das de 2013/2014, o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff
(2015/2016), a atuação da força tarefa da operação Lava Jato (2014/2021) e a
prisão do candidato à presidência da República Luis Inácio Lula da Silva em
abril de 2018.
Em 2016, durante a votação do processo de impeachment contra a pre-
sidenta Dilma Rousseff na Câmara de Deputados, o incomodo da caserna com
as memórias reveladas entre 2011 e 2014 pela Comissão Nacional da Verdade
ganhou voz com o emblemático discurso do deputado federal Jair Bolsonaro. Se
em 2014 a tímida faixa postada nas redes sociais se torna uma “aspas” na tessitura
da escrita de uma história que se fez durante as comemorações dos 50 anos do
golpe civil-militar de 1964, em 2016, o discurso de Jair Bolsonaro atravessaria o
tempo se aproveitando das questões não resolvidas na precária e tardia justiça
de transição brasileira. Curiosamente esse discurso se fez em contraponto, se fez
como negação da história, reposicionou sujeitos como Carlos Ustra e ofereceu a
uma antiga geração de militares a possibilidade de pautar a história e os “pactos”
desfeitos desde 2011.
Nesse dia de glória para o povo brasileiro, tem um nome que entrará
para história nessa data, pela forma como conduziu os trabalhos
nessa casa. Parabéns, presidente Eduardo Cunha! Perderam em
1964. Perderam agora em 2016. Pela família e pela inocência das
crianças em sala de aula que o PT nunca teve. Contra o comunismo!
Pela nossa liberdade! Contra o Foro de São Paulo! Pela memória do
Coronel Carlos Alberto Brilhante Ulstra, o pavor de Dilma Rous-
seff! Pelo Exército de Caxias! Pelas nossas Forças Armadas! Por um
Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é sim!”
(Jair Bolsonaro em 17/04/2016).
279
“Deixa os historiadores pra lá”: a ditadura militar
brasileira narrada a partir de um Brasil paralelo
280
Essa moldura possuía lógica, coerência e sistematicidade, nada
tendo de contraditório ou paradoxal. Ela permitiu que o regime
operasse no sentido de sua utopia autoritária: fazer o “saneamen-
to” das instituições, por meio das punições revolucionárias, e
configurar um Estado forte, bem aparelhado – em termos cons-
titucionais – com mecanismos de segurança capazes de controlar
a “sociedade despreparada” e as “instituições frágeis”. Por isso, a
busca constante por nova constituição que concretizasse tal obje-
tivo – processo que o regime chamava de necessidade de institu-
cionalização. (FICO, 2021: 44-45)
(...)
6 GHEDIN, Rodrigo. Cinco dos dez canais que explodiram no ranking do Youtube durante as eleições
são de extrema direita. Disponível em: https://theintercept.com/2019/08/28/ranking-youtube-extrema-
-direita/. Acesso em: 05/10/2022.
281
No que a fala de Jair Bolsonaro em 2018, o artigo de Carlos Fico em 2021 e
a reportagem de Rodrigo Ghedin em 2019 dialogam? Primeiramente ao atestar ha-
ver uma autoridade compartilhada do passado em espaços públicos de divulgação
e debate; em segundo lugar, no fato de que esses espaços públicos não funcionam
no mesmo tempo dos historiadores, o tempo dos algoritmos é veloz e não pode-
mos esperar dele imparcialidade e refinamento teórico e metodológico.
Na última década historiadores brasileiros passaram a conviver mais in-
tensamente com o que se convencionou chamar de História Pública. Embora seja
uma antiga conhecida de historiadores norte americanos e australianos, no Brasil,
o boom desse método de experimentação histórica é recente e exige do profissional
habilidade e trânsito em espaços públicos ou mesmo privados.
Para Michael Frisch (2016), a história pública não é uma via de mão única
e um ponto fundamental dentro desse debate diz respeito ao fato de que “é ir-
relevante se ‘nós’ nos encontramos utilizando a história para elevar e socializar
as massas ou para subverter as elites e descentrar quadros culturais dominantes”
(FRISCH, 2016: 59).
Nesse ponto, retomamos a questão da autoridade compartilhada do pas-
sado em espaços públicos de debate. Ao que tudo indica, historiadores não querem
ser deixados “pra lá”, mas estariam esses historiadores prontos para ocupar espa-
ços públicos de divulgação do conhecimento histórico? É a história pública uma
possibilidade para os historiadores? Sobre essas questões vale a reflexão de Gerald
Zahavi (2011), quando afirma:
A história pública é uma possibilidade não apenas de conservação
e divulgação da história, mas de construção de um conhecimen-
to pluridisciplinar atento aos processos sociais, às suas mudanças
e tensões. Num esforço colaborativo, ela pode valorizar o passado
para além da academia; pode democratizar a história sem perder
a seriedade ou o poder de análise. Nesse sentido, a história pública
pode ser definida como um ato de “abrir portas e não de construir
muros”, nas palavras de Benjamin Filene (ZAHAVI, 2011: 7)
7 Lalita Kraus (2019) aponta para o fato de que o crescimento de mídias sociais, no contexto político recente do
Brasil transformou completamente a “estratégia e a linguagem da ação social, da mesma forma que transforma
a estratégia política, através, por exemplo, de técnicas próprias da propaganda computacional.”. Para ela “o uso
de boots para divulgar informações, a manipulação algorítmica e a divulgação viral de fake News”, o que aponta
para o fato de que “as mídias sociais têm sido cada vez mais um palco importante para as campanha no mundo”.
8 O Movimento Escola Sem Partido ganhou força no contexto anterior a pandemia de SARS-COV 2
em 2020, quando as escolas foram fechadas devido as políticas de isolamento social. Naquele momento
282
Escola sem Partido e até mesmo professores de história9, passaram a reivindicar
as suas versões sobre o passado.
Um dos movimentos mais emblemáticos de ocupação de espaços públi-
cos para a divulgação do conhecimento histórico, baseado na negação do passado,
foi o lançamento do documentário “1964: O Brasil entre Armas e Livros”, produzi-
do pelo empresa Brasil Paralelo Entretenimento e Educação S/A.
A empresa privada, fundada em 2016, oferece ao público consumidor por
meio de suas plataformas na internet, produtos audiovisuais baseados em discus-
sões históricas polêmicas, tal foi o caso da do documentário sobre a história da
ditadura militar brasileira.
A história contada no documentário pelos ex-alunos da Escola Superior
de Marketing e Propaganda (ESPM) Lucas Ferrugem, Henrique Viana e Filipe
Valerim, tem como pano de fundo uma narrativa baseada na existência de “vi-
lões e mocinhos”.
O produto oferece a seguinte versão: no contexto da Guerra Fria, os Es-
tados Unidos são apresentados como um “grande herói” ao defender valores de
liberdade, cristianismo e democracia, ao passo que a União Soviética emerge como
grande “vilã” do século XX, para isso citam o caso da Revolução Cubana para des-
tacar o fato de que o Brasil vivia o grave perigo de uma revolução comunista.
O documentário afirma que: “é praticamente impossível que alguém que
não tenha vivido a Guerra Fria tenha condições de avaliar as condições pelas quais
foram possíveis os acontecimentos do mês de março de 1964”, nessa perspectiva,
para os publicitários, apenas os relatos de quem viveu aquele período seriam o
suficiente para a criação de uma versão, verdadeira, sobre aquele passado.
Na versão da empresa Brasil Paralelo sobre o Golpe de 1964, a experiência
de João Goulart é reduzida a figura de um presidente que aumentava fortemente
o risco de um “golpe comunista” no Brasil. Quanto ao golpe, a justificativa encon-
trada pelos profissionais de marketing foi a de que esse “golpe parlamentar” foi “a
solução encontrada pelas forças políticas daquele momento” para salvar o Brasil da
tal ameaça comunista que representava o presidente.
se convencionou chamar de “patrulha ideológica” a ação de membros da sociedade civil que queriam
questionar os métodos utilizados por professores. Andréia da Silva Daltoé e Ceila Maria Ferreira (2019)
destacam a importância de retirar o movimento do campo do absurdo e dar a ele a devida importância
política que conquistou dentro do contexto político recente no Brasil.
9 Dentro do contexto que estamos discutindo ao longo desse artigo, o caso mais emblemático é o da pro-
fessora de história do municipio de Chapecó-SC Caroline Campagnolo. A professora ganhou destaque
nas mídias sociais de extrema-direita, se elegeu deputada estadual pelo PSL, chegou a ser cotada para
assumir o cargo de secretária de educação em Santa Catarina, mas seguiu a carreira legislativa onde
passou a incitar alunos a filmar e denunciar professores.
283
Muitas outras questões poderiam ser levantadas sobre o documentário,
entretanto, consideramos importante destacar que ele chegou a ser exibido em sa-
las de cinema da empresa Cinemark no dia 31 de março de 201910, bem como
em escolas, como foi o caso registrado na Região Metropolitana de Belém, onde a
exibição do filme em uma escola particular em Ananindeua levou a instituição a
emitir nota de esclarecimento, após protestos11.
Em março de 2019, Jair Messias Bolsonaro já era presidente do Brasil e o caso
acima descrito é apenas um, de diversos outros, que confirmam a força do negacionismo
histórico atuando como uma das agendas principais do governo no campo da educação,
provocando uma inflexão no cenário político nacional e apontando para mudanças no
modo como temas acessariam o seleto grupo de questões tidas como prioridade.
No Brasil, o arranjo institucional confere ao presidente da República um
grande poder de agenda e de veto, portanto, havia a possibilidade de implementa-
ção, junto ao Ministério da Educação, de uma agenda que “esquecesse os historia-
dores” e com isso queremos dizer com isso que o presidente tem o poder de mudar
as comunidades de produção de políticas junto aos ministérios alinhando, inclusi-
ve, tais comunidades à política ideológica de Estado à qual o governo congrega.
Na fase de transição, entre a eleição e a posse, foram definidos os rumos
que o Ministério da Educação iria tomar no novo governo e foi indicado para as-
sumir a pasta o filosofo colombiano Ricardo Vélez Rodríguez. A tônica do novo
governo abria espaço para a formação de outras possibilidades dentro das arenas
de tomada de decisões, o que é próprio da política, e a primeira prova de força do
governo para a implementação de suas pautas veio com o PNLD 2020/2022, tema
que abordaremos nas próximas seções.
10Conferir: Cinemark admite que exibição de filmes pró-ditadura militar foi um erro. Disponível em:
https://quartaparedepop.com.br/2019/04/03/cinemark-admite-que-exibicao-de-filme-pro-ditadura-
-militar-foi-um-erro/. Acesso em: 06/01/2022
11Conferir: Escola cristã do Pará promove documentário que exalta ditadura militar. Disponível em:
https://pv.org.br/escola-crista-do-para-promove-documentario-que-exalta-ditadura-militar/. Acesso
em: 06/01/2022; Colégio em Ananindeua abre espaço para a discussão de documentário sobre ditadura
militar. Disponível em: https://www.romanews.com.br/cidade/colegio-de-ananindeua-faz-promocao-
-de-documentario-que-exalta-o-golpe/34586/. Acesso em: 06/01/2022
284
sua curta trajetória, durou pouco mais de três meses. Às vésperas de sua exonera-
ção do cargo, em 08 de abril de 2019, o ministro acumulava um desgaste político
relativo, entre outras questões, ao modo como sua gestão conduziu o Edital de
Convocação 01/2018 – CGPLI, que tratava da seleção de livros didáticos para o
PNLD 2020/2022.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico12, em 03 de abril de 2019, o
então ministro relatava que os livros didáticos aprovados no referido edital sofre-
riam mudanças em seus conteúdos e destacava que, na história do Brasil, no que
se referia a história dos 21 anos de ditadura militar “não houve golpe, e o regime
militar não foi uma ditadura”.
A entrevista do ministro logo reverberou na imprensa e veículos de co-
municação replicaram a entrevista. No portal de notícias G1 foi veiculada repor-
tagem com o seguinte título “Ministro da Educação diz que pretende revisar livros
didáticos sobre o golpe de 1964 e a ditadura militar”, nela, a reportagem afirma que
o ministro desejava mudar a forma como é conhecida a história da ditadura militar
no Brasil, cita trechos com falas do ministro, postagens feitas por ele no Twitter13 e
convida especialistas na área para a análise das falas. A seguir citamos três trechos
com declarações do ministro transcritas na reportagem.
O que ocorreu em 31 de março de 1964 não foi um golpe, mas uma
decisão soberana da sociedade brasileira [...]. O regime de 21 anos
que sucedeu não foi uma ditadura, mas um regime democrático de
força, porque era necessário naquele momento.
(...)
(...)
O que disse ao Valor foi que mudanças poderiam ser realizadas pro-
gressivamente, trazendo uma versão mais ampla da História, e só
após passar por uma banca de cientistas da área. Doutrinação como
foi feito pela esquerda, jamais.14
12 MURAKAWA, Fábio; ARAÚJO, Carla. Vélez quer alterar livros didáticos para “resgatar visão” so-
bre golpe. Jornal Valor Econômico. 03/04/2019. Disponível em: https://valor.globo.com/politica/noti-
cia/2019/04/03/velez-quer-alterar-livros-didaticos-para-resgatar-visao-sobre-golpe.ghtml.
13Compete destacar que boa parte da comunicação do governo, no primeiro ano de mandato, se fazia
por via da rede social Twitter, o que era reiterado pela mídia na época e, por conseguinte, nos meios
oficiais de comunicação do governo.
14 G1. Ministro da Educação diz que pretende revisar livros didáticos sobre o golpe de 1964 e a ditadura
285
Com essas declarações a permanência do ministro à frente do ministério
da educação se tornou insustentável e quatro dias após ocorreu a sua demissão. O
imbróglio que culmina com a demissão de Vélez Rodrigues da pasta se inicia em
02 de janeiro de 2019, quando foram anunciadas mudanças no edital para compra
de livros didáticos pelo ministério.
No aviso de alteração publicado naquele dia, itens do edital de convocação do
processo de inscrição e avaliação de obras didáticas para o PNLD 2020 passou a permi-
tir erros de impressão, pautar de forma negativa questões relativas a gênero e raça, além
de permitir o uso de publicidade e a ausência de referências bibliográficas nas obras.
Em nota, o Ministério da Educação disse que apenas publicou nota dei-
xada na gestão anterior, o que foi negado, e nesse contexto o mercado editorial foi
atingido diretamente com aviso de alteração. De acordo com o site Nossa Escola:
As alterações causaram uma correria no mercado editorial. Para as
editoras, o momento de divulgação do aviso aconteceu tarde demais:
os livros para o edital já teriam sido produzidos e encaminhados ao
MEC para serem avaliados de acordo com os critérios anteriores de
seleção. No mercado de materiais didáticos, muitas empresas se ade-
quam aos critérios do MEC para venderem livros ao governo.15
286
As declarações do ministro, em abril de 2019, seguiam as sugestões do
deputado federal Eduardo Bolsonaro que, em rede social, afirmou a necessidade de
uma revisão histórica sobre esse período no Brasil. Segundo ele, “se continuarmos
no nosso marasmo os livros escolares seguirão botando assassinos como heróis e
militares como facínoras”17.
Não tardou até que autores de livros didáticos que concorriam no edi-
tal manifestassem o que estava ocorrendo nos bastidores do processo. A re-
portagem intitulada “Autores se autocensuram sobre ditadura para não perder
espaço no MEC de Bolsonaro”, veiculada pelo El País (Brasil), em 07 de abril
de 2019, três dias após as declarações do ministro da educação sintetizava o
sentimento dos autores.
Na reta final das eleições presidenciais 2018, um movimento atí-
pico tomou conta de ao menos quatro grandes editoras de livros
didáticos do país. Autores de história, muitos conceituados e com
longa carreira na educação, pediam para fazer modificações na úl-
tima versão dos livros de história que iriam disputar a licitação do
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para o ano de 2020,
voltada à compra de obras para os anos finais do ensino fundamen-
tal (6º ao 9º ano). Os pedidos, que incluíam substituir a palavra dita-
dura por regime, e golpe de 64 por movimento — em contraste com
o recomendado pelas próprias diretrizes oficiais que citam ditadura
civil-militar —, surpreenderam até mesmo editores. Os próprios au-
tores, antecipando o posicionamento ideológico do Governo Bolso-
naro prestes a ser eleito, optaram pela autocensura para não perder
espaço potencial num mercado milionário.18
287
Ao tentar impor uma versão sobre o passado baseado na negação da his-
tória e utilizar o poder de agenda da pasta, o sistema de apoios políticos e a pressão
monetária sobre as editoras para provocar a chegada de uma suposta “nova menta-
lidade” nos livros didáticos, o governo deixava de levar em consideração o fato de
que o livro didático é uma conquista da democracia.
A suposta “nova mentalidade” que o governo queria impor às editoras
implicava a imposição de uma revisão de temas, como a ditadura militar, que es-
tava implícita nos discursos políticos do governo e de sua base de apoio, o que nos
leva a uma provocação feita por Jorge Ferreira (2009) quando afirma que os livros
didáticos não se apropriam com velocidade dos temas debatidos na academia em
dissertações e teses e destaca que nem é função deles adotarem tais conclusões.
Imaginar que pairou sobre o PNLD um choque autoritário e ideológico de
tal monta só nos leva a uma discussão proposta por Sônia Regina Miranda e Tânia
Regina de Luca (2004), quando afirmam que a cultura avaliativa do livro didático, em
contexto democrático, levou a criação de poderosos mecanismos de reajustamento e
adaptação do mercado editorial, lógica que o que o governo buscava subverter.
A questão que está posta é, tais mecanismos de reajustamento e adaptação
do mercado editorial permaneceram de pé quando analisamos em conjunto ou
individualmente as 11 coleções21 de livros didáticos de história aprovadas para o
PNLD 2020/2022 naquele ano? Quais tipos de acomodações foram feitos e como
autores abordaram a história da ditadura militar brasileira nesse contexto?
21Para consultar quais obras foram aprovadas consulte o Guia digital PNLD 2020. Disponível em: ht-
tps://pnld.nees.com.br/pnld_2020/codigo_colecoes. Acesso em: 30/09/2019.
288
Iniciamos nossa abordagem relatando nossas observações sobre o caso da
coleção Teláris História. A obra é distribuída pela Editora Ática e nos dois editais
anteriores teve como título Projeto Teláris e era assinada Gislane Azevedo e Reinal-
do Seriacopi. Ambos os autores deixam a editora Ática no edital de 2018 e migram
para a FTD onde passam a assinar o texto da 1ª edição da coleção Inspire História.
Para ocupar o lugar deixado por Gislane Azevedo e Reinaldo Seriacopi
a editora Ática contrata Cláudio Vicentino e José Bruno Vicentino, autores da co-
leção Projeto Mosaico da editora Scipione22 e com a chegada dos novos autores a
coleção Projeto Teláris passa se chamar Teláris História.
São comuns as mudanças de autores no mercado editorial, cabendo des-
tacar que tais mudanças correspondem a ajustes que são próprios desse merca-
do. Para o caso da coleção Teláris História, entretanto, o que mais nos chamou
a atenção, em um primeiro momento, foi a mudança significativa de abordagem
sobre história da ditadura militar brasileira em decorrência da mudança de auto-
res. Inicialmente sustentamos nossa hipótese retomando o texto assinado Gislane
Azevedo e Reinaldo Seriacopi, em 2015, no então Projeto Teláris, estabelecendo
comparações possíveis com o texto apresentado por Cláudio Vicentino e José Bru-
no Vicentino na edição de 2018.
A edição de 2015 inicia oferecendo ao leitor um panorama sobre a Co-
missão Nacional da Verdade de 2011, apontando para o fato de que o tema, naque-
le contexto, era uma demanda do tempo presente, haja vista que a CNV mobilizou
parte da sociedade brasileira sobre o que representou a ditadura militar para aque-
les que sofreram com o regime autoritário dela decorrente.
O texto reforça ainda que a ditadura-militar brasileira representou um
“tempo sombrio”, de grandes perdas para a sociedade e que do ponto de vista po-
lítico esteve baseada em legislações de exceção, repressão política e modernização
autoritária.
No que se refere a parte gráfica é possível afirmar que a edição de 2015
estabelece um importante diálogo entre os textos dos autores e a linha editorial. De
forma constante imagens e fontes históricas dialogam com os textos e possibilitam
a ampliação da percepção do leitor sobre a complexidade do tema. Dessa forma,
documentos atestam questões problemas, imagens destacam o protagonismo da
sociedade na luta contra a ditadura, esquemas, conexões e atividades ajudam na
retomada de temas e no diálogo com as demandas de tempo presente próprias
daquele contexto.
22 As editoras Ática e Scipione são parceiras no mercado editorial.
289
Na edição de 2018 assinada por Cláudio Vicentino e José Bruno Vicen-
tino as mudanças de abordagem iniciam quando a história da ditadura militar
brasileira deixa de integrar um capítulo específico e passa a ser uma subunidade
intitulada “O golpe de 1964” dentro do capítulo “Brasil: da democracia à ditadura”.
Na nova coleção a ditadura militar brasileira, que antes tinha como foco
o diálogo com demandas do tempo presente, passa a ser interpretada de forma
estanque, cronológica e baseada na ação dos presidentes entre 1964 e 1985. Cabe
destacar que os autores não definem, de forma clara, a relação que o texto man-
tém com nomenclaturas e conceitos que fazem parte do repertório de produção
sobre o tema.
Um recorte no texto e edição que atesta essa argumentação pode ser veri-
ficado na obra quando os autores descrevem em formato de linha do tempo o que
eles intitulam como “Os governos civis-militares” (VICENTINO E VICENTINO,
2018, p. 153). Nessa linha do tempo os autores escalonam os presidentes, o tem-
po de mandato e dão para cada um desses períodos a nomenclatura “ditadura de
Castelo Branco”, ou “ditadura de Costa e Silva” reduzindo não somente experiência
do período a ação dos presidentes, mas induzindo o leitor a um tipo de história
política sem problemas.
Do ponto de vista gráfico, a edição de 2018 também apresenta mudanças
significativas, como é o caso da seleção de imagens que integram a subunidade.
É interessante quando a edição quer chamar a atenção para protestos, passeatas e
movimentos de contestação ao regime, as imagens utilizadas são confusas e com
pouca nitidez sobre a dimensão que pretendem expressar. Já quando a edição trata
dos feitos dos presidentes, as imagens selecionadas são ufanistas e trazem retratos
com os presidentes em destaque.
Feita essa comparação inicial chegamos a quase atestar a hipótese de uma
possível acomodação da editora às pressões emanadas pelo governo, entretanto,
quando levamos em consideração o fato de que Cláudio Vicentino e José Bruno
Vicentino são autores recorrentes em editais do PNLD, concluímos que o sistema
de avaliação de obras didáticas se manteve de pé.
Afirmamos isso após comparar o texto e edição da coleção Teláris Histó-
ria (Ática/2018) com o texto e edição da coleção Projeto Mosaico (Scipione/2015)
e concluirmos que poucas foram as alterações feitas tanto nos textos, quanto na
edição, merecendo destaque a inclusão de um texto sobre a resistência indígena à
ditadura militar, o qual foi incluso em todos as obras aprovadas no edital de 2018
devido exigência prescrita na BNCC de história para o 9º ano.
290
Encerramos essa unidade trazendo nossas observações sobre o caso da
coleção Vontade de saber história assinada por Adriana Machado Dias, Keila Grin-
berg e Marco Pelegrini. A obra didática é assinada por professores reconhecidos
no meio acadêmico e, sobretudo, no mercado de livros didáticos de história onde
possuem estabilidade de aprovação da coleção Vontade de saber história desde o
ano de 2011, quando ela é aprovada pela primeira vez.
Durante três edições do PNLD a coleção foi distribuída pela FTD, entre-
tanto, no edital de convocação 01/2018 – CGPLI a obra concorre pela Quinteto
Editorial, grupo pertencente a FTD Educação e que possui uma história centenária
no mercado educacional e editorial de livros didáticos no Brasil associada a atua-
ção dos irmãos maristas.
Em Vontade de Saber História a história da ditadura militar brasileira é
contada no capítulo 11 que, na edição de 2015, tem como título “A ditadura militar
no Brasil” e na edição de 2018 “A ditadura civil-militar no Brasil”, apontando para
uma importante atualização de nomenclaturas que absorve o que foi debatido no
meio acadêmico sobre o tema.
Autores e edição mantem a ideia de aguçar o conhecimento prévio dos
leitores nas primeiras páginas do capítulo, entretanto, uma importante mudança
gráfica indica a possibilidade de que houve acomodação da editora às pressões do
governo, pois na edição de 2015 a imagem de destaque fazia alusão a repressão
militar à manifestantes que protestavam contra a ditadura, no Rio de Janeiro, em
1968, já na edição de 2018 a imagem foi substituída por tanques do Exército em rua
da cidade de São Paulo em abril de 1964.
É possível afirmar que os autores mantem boa parte do texto em ambas
as edições, entretanto, no estudo detalhado do caso da coleção percebemos que
houve: supressão ou alteração de subtítulos, alterações de imagens, supressão de
gráficos e inclusão de textos que sugerem amplas possiblidades de interpretação.
Exemplos de alteração ou supressão de subtítulos estão presentes nas se-
guintes situações: Ao tratar do tema “Militares no poder” a edição de 2015 traz
uma abordagem com subtítulo “A ‘ameaça comunista’”, esse subtítulo é suprimido
na edição de 2018. Em outro momento os autores abordam questões relativas à
atuação de órgãos como o SNI e o DOI-CODI, os quais na edição de 2015 são
abordados com o título “Perseguições, prisões e exílios”, já em 2018 o título é “A
prática da delação”. Quando a discussão gira em torno da repressão e tortura temos
em 2015 o título, “Os ‘porões’ da ditadura”, ao passo que em 2018 a mesma discus-
são vem sob o título “O endurecimento do regime”.
291
As alterações de ordem gráfica são um capítulo à parte no estudo de caso
de Vontade de Saber História, muito embora as substituições de imagens demons-
trem a habilidade dos autores em apresentar um novo produto “adequado” às pres-
sões do contexto autoritário em curso no MEC, mas o que fica evidente é o inco-
modo dos autores com tal situação.
Um exemplo sobre essa hipótese pode ser visto na seção onde os autores
abordam a questão da tortura que, na edição de 2015, vem acompanhado de uma
gravura a qual é substituída em 2018, por uma chocante fotografia de ossada en-
contrada num cemitério clandestino da cidade de São Paulo no ano de 2017.
Dois textos inéditos na edição de 2018 corroboram ao fato de que os
autores apresentavam um produto “adequado”, mas que ao mesmo tempo des-
moraliza o gabinete autoritário instalado no MEC que visava subverter os me-
canismos de avaliação de obras didáticas tendo por base o poder de agenda e
de veto de seu mandatário.
Em “Golpe ou revolução”, presente apenas na edição de 2018, os autores
utilizam trechos de uma entrevista concedida por Ernesto Geisel como fonte his-
tórica a ser analisada dentro do contexto debatido ao longo do capítulo. É possí-
vel afirmar que a intenção dos autores é a de problematizar se o que ocorreu antes
de 31 de março de 1964, se foi um golpe ou revolução e o uso da entrevista com
o presidente foi a forma encontrada por eles para trazer um olhar de dentro do
regime e possibilitar um debate sobre fatos históricos tendo por base a verdade
contida na fonte.
Já em “desenvolvimentismo no regime militar” os autores mais uma vez
lançam mão de textos que possibilitam amplas possiblidades de interpretação. Nos
textos os autores elencam temas que compõem uma agenda positiva dentro da his-
tória da ditadura militar brasileira tais como o PIB do Brasil, a Embraer, a Embra-
pa, Projeto Grande Carajás, Usina Hidrelétrica de Itaipu, ProÁlcool, infraestrutura
aeroportuária, usinas nucleares, construção de metrôs, ampliação da rede rodoviá-
rias, mas finalizam com a questão das desigualdades sociais utilizando, capciosa-
mente, uma fala do presidente Médici que diz “A economia vai bem, mas o povo
vai mal” (2020: 265).
Finalizamos essa unidade convidando o leitor a observar a seguinte
substituição de imagens feita pelo autores e edição na coleção Vontade de
saber história:
292
Imagem 1
Legenda original: Durante o processo de abertura política, ocorreram várias greves de trabalhadores
da região do ABC paulista. Ao lado, Luiz Inácio Lula da Silva discursa para uma multidão de metalúr-
gicos de São Bernardo do Campo (SP), durante uma greve, em 1979.
Fonte: PELEGRINNI, Marco; DIAS, Adriana; GRINBERG, Keila. Vontade de saber história, 9º ano. 3ª.
Ed. São Paulo: FTD, 2015: 288.
Imagem 2
Legenda original: Capa do Jornal da Tarde, de 1977, noticiando as reformas do Pacote de Abril.
Fonte: DIAS, Adriana; GRINBERG, Keila; PELLEGRINI, Marco. Vontade de saber história, 9º ano. 1ª.
Ed. São Paulo: Quinteto Editorial, 2018: 258.
293
As imagens compõem respectivamente as unidades intituladas “O fim da
ditadura militar no Brasil, em 2015, e “O fim da ditadura civil-militar no Brasil”,
em 2018. Como podemos observar a edição de 2015 faz uso de uma imagem de
Luis Inácio Lula da Silva discursando, em 1979, para metalúrgicos em São Bernar-
do do Campo (SP), a fim de destacar o protagonismo dos movimentos sociais nos
momentos finais da ditadura militar no Brasil.
Já na edição de 2018 a imagem é curiosamente substituída por uma
capa do Jornal da Tarde de 1977, onde o presidente Ernesto Geisel aparece
de cabeça baixa à frente de uma tropa de militares, a imagem dialoga com
trecho do texto que trata das reformas apresentadas pelo governo no co-
nhecido Pacote de Abril, o qual previa o fechamento do Congresso Nacio-
nal com a intenção política de conter o crescimento do MDB no legislativo
nos anos finais da ditadura civil-militar brasileira.
Ana Maria Mauad e Marcos Felipe de Brum Lopes (2014), ao analisar a
relação entre história, imagem e ciência, afirmam que as imagens despertam julga-
mentos estéticos de forma articulada com as culturas dos que as produzem, com
o processo histórico que caracterizou o tempo em que foram criadas e no qual
circularam. Para eles, é importante perceber “os meios pelos quais elas circulam
redefinem seus usos, funções e significados” (MAUAD E LOPES, 2014: 283).
Quando comparamos as imagens e refletimos sobre o contexto que levou
a edição e os autores da coleção Vontade de Saber História a substituir uma ima-
gem, que retrata uma greve de trabalhadores liderada por Luis Inácio Lula da Silva,
por outra onde um presidente Geisel é retratado de cabeça baixa diante de mais um
ato autoritário dos governos militares em um texto que discute exatamente o fim
da ditadura civil-militar no Brasil.
Em 1971 a canção “Apesar de você” de Chico Buarque subvertia a ló-
gica da censura da ditadura militar brasileira e em 2019 autores e autoras de
livros didáticos de história colocaram em prática o aprendizado histórico que
acumulamos com as lições sobre a história das ditaduras brasileiras, atravessan-
do a onda conservadora construída ao longo da última década e, mais uma vez,
desmoralizando aqueles que se arvoram do aparelho estatal para o exercício do
poder de forma autoritária e tendo na censura uma das bases para a reprodução
de uma lógica antidemocrática e que desdenha das instituições públicas e de seus
mecanismos de controle e avaliação.
294
Considerações finais
295
O polêmico edital atesta o fato de que mesmo em uma sociedade em rede,
livros didáticos mantem o seu protagonismo e, parafraseando Magda Ricci (2014),
saber que muitos alunos só lerão textos de história com esses materiais faz muita
diferença. Conhecer a história da ditadura militar no Brasil, a história da censura
e alinhar esses saberes ao domínio da escrita da história colocou autores e autoras
um degrau acima da vontade do governo e de seus asseclas. Para um leitor desa-
tento, em algumas obras, chegou a parecer que houve “autocensura”, mas basta um
olhar mais sensível para ver que Clio estava a nos mostrar o caminho para fugir
desse cálice, mais uma vez.
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297
Sobre os autores
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coordenadora do Campus da UFPA nos municípios de Capanema e Ananindeua. Foi
presidente da Associação Nacional dos Professores de História - ANPUH/PA (2002-
2004 e 2014-2018, atualmente professora do referido programa. Participa do Grupo
de Pesquisa do CNPQ História do Tempo Presente na Amazônia/UFPA e do Grupo
de Pesquisa História política, culturas políticas na História/UFMG. Membro do Gru-
po de Trabalho Mundos do Trabalho (ANPUH Nacional) e da Rede INCT/Proprie-
tas. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Estado do Pará - IHGP. Presidente
da Comissão “César Leite” de Memória e Verdade da UFPA. No Governo do Estado
do Pará foi Diretora Geral da Escola de Governo do Estado do Pará e Superintendente
do Planejamento Territorial Participativo do Pará (2007-2009). Exerceu, ainda, a Pre-
sidência do Conselho Estadual de Educação do Pará. Foi Presidente da Fundação Cul-
tural do Município de Belém (janeiro de 1997 e março de 1998). Foi secretária adjunta
(2019-2022) e Secretária de Estado da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Educação
Profissional e Tecnológica do Pará - SECTET/PA, de abril de 2022 à fevereiro de 2023.
Foi gestora do Programa Forma Pará da SECTET e Coordenadora dos Projetos Edu-
cando em Libras e Aplicativo do Círio de Nazaré. Atualmente é secretária adjunta da
Secretaria de Estado Igualdade Racial e Direitos Humanos - SIRDH/PA.Tem ampla
experiência nas áreas de História Social da Amazônia e movimentos sociais, atuan-
do principalmente nos seguintes temas: História e Memórias, História do Trabalho,
História Agrária, História Social, História Cultural, é Produtora Cultural e publicou
vários livros, artigos acadêmicos, além de desenvolver atividades nas áreas de Plane-
jamento Estratégico, Administração e Gestão Pública, Educação e Ensino de História.
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-UNIFAP, desenvolvendo pesquisas sobre a Ditadura Militar na Amazônia sobre
História Social do Trabalho, poder, fronteiras e justiça do trabalho. Desenvolve
pesquisas relacionadas ao Mundo Trabalho na Amazônia no século XX, no Labo-
ratório de Estudos da História Social do Trabalho na Amazônia (Lehstam).
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mação de Professores (PARFOR) da Faculdade de História da Universidade Federal
do Pará e da Faculdade de Pedagogia da Universidade Federal Sul e Sudeste do Pará.
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Formato:
16x23
Tipografia:
Minion Pro
Cotton
[2024]
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