DOI 10.47402/ed.ep.
c202318218684
CAPÍTULO 18
GÊNERO E SEXUALIDADE NA ESCOLA:
RASTROS CULTURAIS QUE DIFICULTAM O DEBATE
Natalya Maria Marinho da Silva
Maria Aparecida Dias
Priscilla Pinto Costa da Silva
RESUMO
A inclusão de debates que envolvam questões sociais, dentre elas as questões de gênero e sexualidade, é uma
necessidade latente dentro da sala de aula, com o fim de haver reflexões que ao serem geradas livrem o ambiente
escolar de preconceitos, da cultura do machismo, da soberania entre corpos e da violência. O presente artigo tem
como objetivo analisar os rastros culturais que dificultam os debates sobre gênero e sexualidade na escola. Para
tal, a metodologia utilizada na pesquisa foi um levantamento bibliográfico e documental em plataformas, revistas,
periódicos, onde foram consultados autores que estudam sobre o assunto, fazendo uma ligação com experiências
pessoais e conectando às questões corporais e culturais da sociedade e de cada indivíduo. O assunto é bastante
delicado e gera constrangimento não só para os alunos, mas para os professores que deveriam estar preparados
para inserir os temas em sala de forma natural, utilizando-se da escola como grande aliada, onde o diálogo é o
meio mais eficaz no combate as desigualdades de gênero e de sexualidade. É necessário criar o hábito de debater
temas tão sensíveis, entretanto deve haver uma preocupação com a formação dos professores para que estes não
despejem suas crenças e questões culturais sobre alunos e os impeçam da possibilidade de criar suas próprias
percepções. Somente desta forma, trabalhando a comunicação com toda a comunidade escolar, fortalecendo a
educação baseada na igualdade e no respeito, é que mudanças significativas poderão ser compartilhadas. A cultura
a ser implantada e difundida é o respeito às diversidades.
PALAVRAS-CHAVE: Identidade de gênero. Sexualidade. Escolas. Cultura.
1. INTRODUÇÃO
As discussões sobre gênero e sexualidade se fazem presente no ambiente escolar mesmo
que este se coloque em uma posição insensível a tais temáticas. Perceber a escola como uma
unidade que faz parte da sociedade e que este espaço é um local de vivências e existências de
uma grande diversidade de alunos, dentre estas diversidades a de gênero e a sexual, impõe a
escola a necessidade de debater / problematizar tais assuntos.
Enquanto recursos metodológicos para esse trabalho concilia-se a pesquisa documental
e bibliográfica, de caráter qualitativo. Para isso, foram realizadas análises, a partir de leituras
minuciosas e críticas sobre os estudos de autores que tem amplo conhecimento sobre a temática
de gênero e sexualidade no campo educacional: Louro (2003), Cerqueira (2011), Arroyo
(2000), Dinis (2011), Moreno (1999), Corsino e Auad (2012), dentre outros.
Requerendo para a pesquisa reflexão e compromisso a partir do conhecimento da
situação e fundamentação dos temas em discussão, considerando o intuito de aprofundar e
contribuir com o conhecimento já difundido sobre o assunto.
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A educação não é uma ação neutra e a escola assim como seus conviventes devem
respeitar a vasta diversidade humana. Infelizmente, o que se encontra na escola é uma
disciplinarização de corpos, ditando normas e comportamentos do que culturalmente foi
imposto, delegando atividades / práticas a determinados gêneros, devido a uma polarização
entre meninas e meninos o que acaba por impedir uma aprendizagem intercultural entre estes.
As práticas estereotipadas existentes na escola acabam por delimitar quem pode e quem não
pode usufruir determinadas vivências, pois no meio social o corpo e o movimento são
completamente ligados a um padrão que é norteado por comportamentos e representações
sociais.
O corpo é a base da identificação como pessoa, faz parte da definição de ser de cada
um, é nele que transparece o que se é e o que se sente. São muitas as possibilidades de
significados do corpo, através dele e das vivências socioculturais é que, “define-se o que é - ou
não - natural; produz-se e transforma-se a natureza e a biologia e, consequentemente, tornam-
se história” (LOURO, 2003, p. 10). Apesar da liberdade teórica que permite desenvolvê-los
livremente, o corpo envolve várias questões significativas envolvendo gênero e sexualidade.
Mesmo com os avanços nas discussões de gênero nos círculos educacionais, com o
aperfeiçoamento metodológico oriundo da inclusão das categorias Gênero, Corpo e
Sexualidade nos Temas Transversais (BRASIL, 1997), a prática precisa acompanhar a teoria,
pois a realidade que a escola detém não é acolhedora para a maioria das pessoas que se
encontram fora dos padrões impostos pela cultura dominante.
A escola, não é diferente de muitos outros locais da sociedade, e acaba por impor aos
sujeitos a difícil tarefa de se enquadrarem dentro de um determinado padrão, o qual se não for
respeitado é notadamente isolado. As práticas corporais são introduzidas desde criança por
professores e podem, dependendo de como estes agem, privar as crianças da liberdade de
escolha, ou mesmo de um desenvolvimento mais amplo. O papel do educador, independente da
disciplina, é permitir a evolução de seus educandos através de ações pedagógicas que
contribuam para que garotos e garotas sejam vistos e tratados de forma igualitária construindo
suas práticas corporais indiscriminadamente. A realidade percebida ainda hoje, deve ser
desconstruída a começar pelas práticas pedagógicas dos próprios docentes.
Diariamente no ambiente escolar facilmente presencia-se atos preconceituosos de
gêneros, orientações sexuais e raças, entre estudantes e até mesmo entre docentes, seja por
piadas, insinuações, ou até mesmo limitações de espaços de meninas e meninos,
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comportamentos naturalizados que só reforçam o preconceito normalizando tais atitudes. Faz-
se necessário a partir disso, uma dedicação partindo da gestão escolar para com seus docentes
e discentes, de ações voltadas para tais temáticas na tentativa da desnaturalização de tais
comportamentos, não apenas esperar por políticas públicas externas à escola.
Existem nos Projetos Políticos Pedagógicos Escolares ações voltadas para o combate à
discriminação, à violência, pautas sobre diversidade de gênero e sexual, mas no dia a dia escolar
ainda se vê a quadra como um espaço predominantemente masculino. Muitas vezes, alunos que
desejam participar de eventos de dança sendo discriminados pelos colegas, pois na visão destes
a dança é “coisa de menina”, ou meninas por muitas vezes, sendo impedidas de jogar futebol
por alguns alunos pois na visão destes elas não têm habilidades suficientes e não jogam “como
meninos”, alunos (as) homossexuais sendo motivos de piadas e “olhares atravessados” por parte
dos colegas e até mesmo de alguns professores, sofrendo violências e se excluindo cada vez
mais, dentre outras inúmeras situações do tipo.
O que se encontra no universo escolar hoje é um espaço em que tais assuntos são vistos
como tabus. A gestão escolar com um olhar sensível para tudo isso, questionando e
problematizando tais situações / comportamentos, trazendo debates e reflexões voltadas às
temáticas englobando todos seus membros, pode ter mais êxito para tentar conscientizar toda a
comunidade escolar na tentativa de, pelo menos, minimizar essa realidade que culturalmente
impôs e normalizou tais atitudes. A partir desse pensamento, tem-se como objetivo deste estudo
analisar os rastros culturais que dificultam os debates sobre gênero e sexualidade na escola.
2. A NECESSIDADE DOS DEBATES SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE NA
ESCOLA
2.1 O silêncio que violenta
Alguns professores não se sentem preparados para tratar de assuntos relacionados a
gênero e sexualidade e muitos ainda acreditam que estes são temas quem competem aos
familiares. Quando um (a) professor (a) se isenta do debate sobre gênero e sexualidade em
determinadas situações ou não o faz de maneira apropriada, este (a) contribuirá para a
perpetuação da cultura do preconceito entre os estudantes. Pensando assim, Cerqueira (2011)
aponta que “não podem pais ou professores fugir a função de educadores. Educa-se em outros
setores, se lecionam outros assuntos e matérias, não podem fugir do imperativo de transmitir
conhecimentos de ordem sexual” (CERQUEIRA, 2011, p. 261).
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Discutir sobre sexualidade e gênero causa resistência ou constrangimento em grande
parte das pessoas, mas os (as) professores (as)/ a escola não devem se esquivar de tais assuntos,
pois seu papel é elucidar os assuntos desconstruindo preconceitos e tabus, respondendo às
perguntas de forma simples, de acordo com a faixa etária dos estudantes, com a didática
adequada, incluída cautelosamente no contexto escolar respeitando a todas as subjetividades
inerentes a cada aluno (a), sem imposição de posições particulares.
Segundo Merleau-Ponty (2006, p. 216): “[...] um corpo não é percebido apenas como
um objeto qualquer, essa percepção objetiva é habitada por uma percepção mais secreta: o corpo
visual é subentendido por um esquema sexual, estritamente individual”. Em conformidade com
o referido autor, as pessoas possuem um corpo estesiológico, um corpo vivo e sensível, o que
permite reconhecer outros corpos, outras histórias, outras culturas, ultrapassando uma visão de
um corpo utilitário para uma visão de um corpo que sente, que tem desejos, especificidades e
percepções para novas atuações no mundo. Essa percepção não é uma consciência que “surge”
no corpo, mas o corpo que permite sentir, vendo, vivendo e existindo.
Miguel Arroyo (2000), fala em seus estudos sobre a recuperação da corporeidade como
aspecto da construção humana:
A educação dos corpos – não o seu adestramento e controle – merece maior atenção
nos processos escolares. É uma das lacunas mais lamentáveis em nossa pedagogia.
Recolocar o corpo na centralidade que ele tem na construção de nossa identidade e da
totalidade da nossa cultura exige criatividade profissional de todos (ARROYO, 2000,
p. 72).
O corpo que tem sentidos é também um corpo que possui desejos, subjetividades e que
embora seja diferente dos demais em algum aspecto, este deve e precisa ser respeitado.
O olhar reducionista de alguns professores de que a sexualidade é um assunto privativo
de cada um ou da família e que não deve ser falado em sala de aula, tem corroborado para
inúmeras práticas homofóbicas na escola e fora dela, findando no abandono escolar de muitos
destes alunos que acreditam de fato estarem fugindo do que é dito e concebido como “normal”
e como único padrão a ser seguido e respeitado: a heteronormatividade.
Segundo Dinis (2011), as adolescentes travestis e as (os) adolescentes transexuais são
as principais vítimas da evasão escolar, pois muito dificilmente conseguem concluir os estudos,
estes (as) são forçados (as) a deixar a escola, já que possuem mais dificuldades em ocultar suas
diferenças estando mais expostos à violência escolar, diferente dos (as) adolescentes gays e
lésbicas. Juntamente a isso, a presente subjugação da sexualidade feminina em relação à
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masculina nessa hierarquização de gêneros, acaba por reafirmar a conservação da mulher como
“segundo sexo” em subordinação ao sexo masculino, como aponta Simone de Beauvoir (1980).
Existe uma dificuldade em trabalhar as questões voltadas à sexualidade relacionada à
própria construção histórica de liberdade sexual para todos, onde ficou estabelecido
culturalmente que desde os familiares até a escola não poderiam tratar tal assunto com a
desenvoltura que merece, ficando regido por basilares impostos por sociedades essencialmente
patriarcais, entretanto a escola precisa abraçar seu papel de conceber um espaço acolhedor das
diferenças e difusor de debates e questionamentos.
Montserrat Moreno aponta que:
A escola tem marcada uma dupla função: a formação intelectual e a formação social
dos indivíduos, ou seja, seu adestramento nos próprios modelos culturais. Porém, caso
se limite a isto terá feito um pequeno favor a sociedade. Não será mais que um
aparelho reprodutor de vícios e virtudes, de sabedorias e mediocridades. Sua missão
pode ser diferente. Em lugar de ensinar o que os outros pensaram, pode ensinar a
pensar; em lugar de ensinar a obedecer, pode ensinar a questionar, a buscar os porquês
de cada coisa, iniciar novos caminhos, novas formas de interpretar o mundo e
organizá-lo (MORENO, 1999, p. 17).
Comportamentos preconceituosos advindos de professores que já fazem parte das
gerações menos arcaica e conservadora, são educadores com fácil acesso a inúmeras leituras
sobre a temática de diversidade sexual, mas que em alguns momentos estão ajudando na
formação de futuros cidadãos carregados de preconceitos e posturas ultrapassadas.
Demonstrando dessa forma, que é preciso haver uma a implantação de mudanças neste universo
formador dos professores.
É de grande importância que se venha refletir sobre o prejuízo que se pode causar a um
aluno, que mesmo sem agressão física, sofra algum tipo de preconceito, ou por ser homossexual,
ou por ser mulher, por exemplo, que se toma uma posição de não defender ou de não debater o
assunto, é estar sendo conivente com tal preconceito, compactuando com uma eventual revolta
e baixa autoestima deste estudante.
A escola como um espaço de formação humana pode além de formar, também deformar
os sujeitos a partir do momento que não permite que seus alunos não sejam aquilo que aponte
suas identidades. Por ser um espaço de convívio social a escola é um ambiente altamente
propício para a desconstrução de preconceitos e estigmas que já estão tão consolidados.
A abertura para debates relacionados a gênero e sexualidade pode contribuir
minimizando essa cultura de preconceito, visto que esta pode ser entendida como uma
permanente construção histórica da relação entre o ser humano e seu entorno, na qual abrangem
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diversas manifestações relacionadas a vários fatores como educação, crenças, artes,
organizações sociais, comportamentos etc. A cultura, todavia, pode ser produzida, reproduzida
e transformada com o passar dos tempos. Faz-se necessário essa transformação para uma cultura
de tolerância, respeito e tratamento igualitário para todos.
Nas aulas de Educação Física, a presença do tratamento diferenciado entre meninas e
meninos é muito latente. Algumas meninas, mesmo tendo habilidades suficientes para a prática
de maneira igualitária com os meninos, são sempre vistas por eles como inferiores, o que por
muitas vezes são intimidadas pelo simples fato de serem meninas: “Os/as alunos/as aceitam
pessoas de outro sexo nas atividades, mas, ainda assim, ao perceberem algum erro por parte das
meninas, referem-se a elas com palavras que representam as hierarquias de gênero estruturadas
em nossa sociedade” (CORSINO; AUAD, 2012, p. 82-83).
Essa expectativa criada por parte dos meninos ao compartilharem do mesmo espaço
com as meninas em práticas esportivas acarreta sentimentos de desânimo e receio por parte de
alunas em participarem de determinadas atividades por medo de uma possível hostilidade por
parte dos meninos. Por situações como essa que é de extrema necessidade a problematização
por parte dos docentes em momentos como esse, pois o professor ao silenciar diante de tal
problema apenas legitimará e compactuará com tal desigualdade contribuindo para a
perpetuação da exclusão das alunas nas aulas.
Os diálogos em espaços formativos como as escolas não podem ser negligenciados, isto
porque, devem ser considerados essenciais para a formação de uma sociedade com igualdade
de gênero e acima de tudo que conserve o respeito mútuo entre todos.
2.2 Os tabus enraizados em salas de aula
Os professores muitas vezes podem repassar valores encontrados e enraizados na
sociedade através de sua prática pedagógica. A ausência de conhecimento aprofundado ou de
uma formação continuada por parte dos docentes acarreta por muitas vezes esses professores
silenciarem tais assuntos ou por possuir uma postura também preconceituosa (mesmo que não
intencionalmente, como, por exemplo, nas aulas de Educação Física separar meninos de
meninas), ou ainda, por achar que são temas irrelevantes naturalizando tais comportamentos
por parte dos alunos.
Existem lacunas nos cursos de formação de professores em relação às questões de
gênero e sexualidade. Seria de grande relevância diante do atual cenário escolar, arraigado de
preconceito e discriminação tanto por parte dos alunos como de professores, disciplinas
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obrigatórias que contemplassem tais assuntos. É preciso que professores superem a resistência
em tratar das temáticas, assim como das desigualdades existentes no ambiente escolar que
ocasionam violência não só física como psicológica dentro da escola e fora dela.
Culturalmente , por influências religiosas e das ciências naturais, a sexualidade era
percebida como algo concebido naturalmente e que existiam padrões do que “seria normal” ou
não, nesse contexto a heterossexualidade era dita como normal e quem não se encaixasse nesse
padrão era visto como desvio de comportamento / anormalidade. Essa cultura, mesmo com o
grande avanço dos debates acerca do assunto, ainda se faz presente em espaços escolares, e
ainda mais grave, pensamentos estes ainda são reproduzidos por professores.
Os debates sobre a equivocada expressão “ideologia de gênero” vêm ganhando força
nos últimos tempos, mas tiveram seu início através de correntes religiosas nos anos 90 e
possuem a intenção de deslegitimar discussões acerca de gênero e sexualidade, principalmente
no âmbito escolar. Por que o termo “ideologia de gênero” é equivocado? Porque a palavra
ideologia representa um conjunto de valores políticos para nortear comportamentos. Quando se
fala “questões de gênero” se explicita sobre práticas que culturalmente foram impostas ao sexo
feminino (atividades domésticas como zelar pela limpeza da casa, o cuidado com os filhos) e
ao sexo masculino (ser o responsável pelo trabalho do sustento da casa). Através de estudos
constata-se que essas concepções foram formadas em cima de condutas que foram se
“normalizando” com o passar dos tempos, mas não por incapacidade biológica de homem ou
mulheres. Sabe-se que um homem, corporalmente falando, é plenamente capaz de varrer uma
casa e lavar roupas, assim como também qualquer mulher é capaz de trabalhar fora de casa para
garantir o sustento da sua casa.
Os grupos mais conservadores utilizam erroneamente o termo “ideologia de gênero”,
para tentar intervir contra assuntos que debatam sobre gênero e sexualidade no campo
educacional, pois acreditam que tais temáticas podem destruir a moral e os bons costumes da
família. Um dos fatores que também causa receio nestas pessoas ao se falar de gênero e
sexualidade na escola, é a possibilidade de “estimular” os estudantes à homossexualidade, pois
veem a heterossexualidade como maneira e forma única de ser. Entretanto, as questões de
gênero e de sexualidade são particulares de cada ser humano e não estão ligados somente à
homossexualidade.
Na escola o que é discutido de maneira rasa são assuntos que abordam: racismo,
homofobia, machismo, por exemplo, e esses assuntos foram vistos como tabus durante muitos
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anos dentro da sociedade brasileira, hoje, mesmo observando todas as conquistas legais e
sociais, vê-se ainda que muito desta luta diária é visto como “vitimismo”, termo mais atual para
esconder o preconceito e a falta de compreensão com a vivência alheia.
Certa vez, eu estava em sala de aula, em uma turma de 6º ano explicando o conteúdo de
jogos populares e uma assistente de sala estava presente auxiliando um aluno com deficiência.
Ao questionar os alunos sobre o que seriam os jogos populares, um deles exemplificou com um
jogo conhecido entre os estudantes, e a assistente o interrompeu dizendo que aquele não era um
jogo que os alunos deveriam ter acesso e me questionou perguntando se eu conhecia e se eu já
teria visto “as cores” do jogo, que representavam as cores da bandeira LGBTQIA+ (movimento
político e social que defende a diversidade e busca mais representatividade e direitos para essa
população, esse movimento é representado pelas cores do arco-íris) e reafirmando em alto e
bom som que o movimento LGBTQIA+ estava querendo “destruir” as famílias. Posteriormente
ela me enviou, em um aplicativo de celular, um vídeo religioso condenando o uso do brinquedo
pelas crianças, pois não era algo “normal” e que os homossexuais estavam “invadindo” os lares
das famílias através das crianças. Ao expor o seu pensamento completamente preconceituoso,
percebi a troca de olhares entre alguns alunos e um silêncio extremamente constrangedor tomou
conta da sala, pois inúmeros alunos (as) presentes tinham o jogo ali, em suas mochilas.
Nesse contexto, vê-se que temáticas como gênero e sexualidade devem ser pauta no
ambiente escolar, pois diariamente nas práticas pedagógicas, são vividos momentos repletos de
convicções pautadas em fundamentações religiosas, que estabelecem espaços e
comportamentos identitários. Essa delimitação de direitos e espaços inicialmente é disputada
entre os que seguem o padrão considerado “normal”, e aqueles espaços restantes dessa disputa,
até então desigual, é o que se destina aos que fogem do padrão.
É necessário repensar as práticas e os grupos sociais que são considerados norteadores
do que se julga correto e padrão a ser seguido, que por estarem em uma posição privilegiada
acabam por segregar os considerados “diferentes”. Estabelece-se uma supremacia do homem
branco, heterossexual, cristão, enquanto a mulher é vista como subjugada ao homem e os
homossexuais como seres “desviados”.
As práticas pedagógicas podem e devem ser desenvolvidas para trabalhar os temas mais
diversificados dentro das salas de aula, temas estes como os apresentados neste estudo. Podem
ser utilizados vários meios didáticos para tal fim, como apresentação de filmes, conexões com
histórias e vivências pessoais dos próprios alunos, inclusão de palestras, oficinas, exposições e
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outras práticas adequando cada prática a faixa etária dos (as) alunos (as) com o objetivo de
conscientizar os mesmos e alguns professores, aqueles que carregam consigo preconceitos que
foram construídos no decorrer de suas trajetórias.
Trabalhar estas questões, incluindo-as no ambiente escolar e tratando-as como dentro
da normalidade atual, trará mudanças significativas no combate a estes tabus, além de
desenvolverem competências e habilidades de comunicação e convivência entre os estudantes.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Debater sobre questões de gênero e sexualidade na escola é uma necessidade e o
caminho mais rápido para quem sabe erradicar os preconceitos e evitar as desigualdades vistas
nestes ambientes educacionais. Nesta pesquisa buscou-se analisar os rastros culturais que
dificultam os debates na escola, que é um espaço marcado por aspectos culturais reguladores
de comportamentos, pautados em preconceitos que foram construídos historicamente. Esse
controle de corpos que infelizmente se faz presente, ora explicitamente, ora implicitamente, já
vem sendo discutido em várias esferas sociais e se faz necessário discuti-lo ainda com mais
vigor, pois, o respeito às diferenças e subjetividades de cada ser, é hoje uma ação de caráter
emergencial diante de tantos crimes de violência contra a mulher e contra as pessoas que não
se veem na heterossexualidade.
É preciso um olhar mais sensível na formação inicial de professores que os informem,
instruam e os preparem com as habilidades adequadas para tratar tais assuntos, já que muitos
não se sentem preparados ou carregam consigo marcas culturais preconceituosas, os
bloqueando para um olhar mais plural ao lidar com tais questões.
As mudanças devem se iniciar com melhores condições de formação dos professores
para a desconstrução de possíveis limites culturais que possam ocorrer, sabe-se que somente a
informação pode trazer novas perspectivas para deslegitimar preconceitos enraizados. Além
disso, os docentes devem ser preparados para preencher as lacunas que as desigualdades
provocam no dia a dia escolar. Com uma formação mais completa neste contexto, as maneiras
de manifestar ações de inclusão irão se espalhar nas práticas pedagógicas e estarão presentes
nos diversos espaços escolares com possibilidades de debates abertos.
Sabe-se que a evasão escolar está presente na realidade das escolas públicas brasileiras,
e muitos abandonam seus estudos por não sentirem que a escola é um local que se sintam bem.
O ambiente escolar é um espaço de construção de pensamentos, ideias, identidades e por ser
um dos primeiros lugares que as crianças e adolescentes criam laços, é muito importante o
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desenvolvimento de práticas pautadas pelo bem-estar destes. Com um ambiente hostil às suas
identidades individuais, aqueles que puderem, irão se afastar da escola e como já é sabido, as
consequências da evasão escolar são extremamente devastadoras aos próprios alunos e à
sociedade.
O papel social da escola e dos professores é difundir a igualdade dentre seus alunos,
discutindo abertamente quaisquer situações que possam aparecer. Não há espaço para barrar o
debate de assuntos que ferem a identidade individual de alguns alunos por questões culturais
ou preconceituosas. O caminho é sensibilizar os alunos para serem tolerantes e respeitosos
independente das escolhas ligadas à individualidade do outro ser humano. Sabe-se que devido
às vivências de todos, e o antigo entendimento sobre o masculino e feminino ao longo da vida
dos (as) professores (as), é difícil alterar estes padrões, tornando complexas tais mudanças,
porém a construção de discursos e ações contra o machismo, a homofobia, e qualquer forma de
discriminação e preconceito, deve ser respaldada pelo diálogo.
A perspectiva das discussões de gênero e sexualidade é um aspecto importante que deve
ser considerado como essencial para a construção de vida dos alunos e este deve ser pautado
também na formação da carreira do próprio docente.
Para finalizar, infere-se que há uma urgente necessidade de busca por novas práticas de
incentivo à inclusão de debates voltados aos temas de gênero e sexualidade no ambiente escolar,
utilizando-se de ferramentas diversas para tentar minimizar os efeitos negativos infelizmente
enraizados, que são trazidos com os tabus ainda tão presentes na escola e em outros espaços
sociais.
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