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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

Luana Ewald

“O que é ir no ensino bilíngue?”: políticas linguísticas de educação bilíngue português-


alemão em Pomerode/SC

Florianópolis
2023
Luana Ewald

“O que é ir no ensino bilíngue?”: políticas linguísticas de educação bilíngue português-


alemão em Pomerode/SC

Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em


Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina
para a obtenção do título de Doutora em Linguística.
Orientador: Prof. Gilvan Müller de Oliveira, Dr.

Florianópolis
2023
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração
Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Ewald, Luana
“O que é ir no ensino bilíngue?” : políticas linguísticas de
educação bilíngue português-alemão em Pomerode/SC / Luana
Ewald ; orientador, Gilvan Müller de Oliveira, 2023.
286 p.

Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa


Catarina, Centro de Comunicação e Expressão, Programa de Pós
Graduação em Linguística, Florianópolis, 2023.

Inclui referências.

1. Linguística. 2. Bi/Multi/Plurilinguismo. 3.
Pluriletramentos. 4. Alemão como língua brasileira de
imigração. 5. Sala de aula bilíngue de língua portuguesa. I.
Oliveira, Gilvan Müller de . II. Universidade Federal de
Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Linguística.
III. Título.
Luana Ewald
“O que é ir no ensino bilíngue?”: políticas linguísticas de educação bilíngue português-alemão em
Pomerode/SC

O presente trabalho em nível de doutorado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta
pelos seguintes membros:

Prof.ª Isis Ribeiro Berger, Dra.


Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE)

Prof.ª Maria Inêz Probst Lucena, Dra.


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Prof. Werner Ludger Heidermann, Dr.


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Prof.ª Edilaine Buin Barbosa, Dra.


Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado para
obtenção do título de doutora em Linguística.

________________________________
Prof. Dr. Valter Pereira Romano
Coordenador do Programa

________________________________
Prof. Dr. Gilvan Müller de Oliveira
Orientador

Florianópolis, 2023.
Dedico esta tese às crianças e às professoras que tornaram esta
pesquisa possível. Espero que vocês encontrem o apoio e
incentivo de que precisam no poder público, na escola,
universidade, na sua comunidade, para que continuem
performando seu bilinguismo com liberdade e orgulho.
AGRADECIMENTOS

A realização deste trabalho foi possível com o apoio do Programa de Bolsas Universitárias do
Estado de Santa Catarina (UNIEDU). Por isso, registro esse agradecimento inicial. Ressalto,
também, o apoio das muitas pessoas que me acompanharam durante todo esse processo, para
quem também registro meus agradecimentos:

- Ao Professor Dr. Gilvan Müller de Oliveira, pelas provocações teóricas, pela sabedoria, pela
gentil acolhida ao assumir a orientação deste trabalho de pesquisa. Sou muito grata pela
oportunidade de ter sido sua orientanda nesse percurso e estou certa de que continuarei
aprendendo a partir dessa orientação.

- Às professoras Dra. Isis Ribeiro Berger e Dra. Maria Inêz Probst Lucena, pelas relevantes
considerações feitas já na banca de qualificação da tese, assim como pelo aceite em comporem
a banca de defesa. Suas contribuições deram novos rumos ao projeto de pesquisa e apresentaram
melhorias para a versão final deste texto. Por isso, registro minha gratidão!

- À professora Dra. Edilaine Buin Barbosa e ao professor Dr. Werner Ludger Heidermann, que,
tão prontamente, aceitaram compor a banca de defesa para também compartilharem sua
sabedoria, que, certamente, refletiu em melhorias na versão final deste trabalho.

- A todas as crianças que participaram da pesquisa. Cada uma impactou, à sua maneira, no
desenvolvimento das discussões desta tese, nas compreensões sobre como a linguagem nos
afeta e somos afetados por ela.

- À professora alfabetizadora participante deste estudo, que abriu sua sala de aula em tempos
tão difíceis, oriundos das consequências de uma pandemia. E destaco: abriu sua sala de aula
com uma gentileza, paciência e disposição para explicar a alfabetização para mim, que não
venho desse mesmo lugar de formação inicial. Aprendi, com ela, questões de humanidade que
vão para além de um trabalho acadêmico.

- À diretora da escola campo de pesquisa pela acolhida tão calorosa, que fez com que eu
sentisse, muitas vezes, que fazia parte daquela comunidade escolar. Além disso, agradeço ao
seu trabalho de conversar com os pais que tinham dúvidas sobre o aceite na pesquisa. O seu
apoio foi fundamental para que a pesquisa tivesse andamento.

- À professora de língua alemã que atua com a turma participante da pesquisa, agradeço pelas
trocas de ideias, pelas conversas, pelos momentos de aprendizagem. O tempo que passei na
escola permitiu que eu conhecesse pessoas muito engajadas com o seu trabalho e que procuram
contribuir, de formas variadas, com os seus contextos de atuação.

- Aos demais membros da equipe escolar e à Secretaria de Educação e Formação


Empreendedora de Pomerode, registro meus sinceros agradecimentos. Desde o primeiro
contato com essas pessoas, que não me conheciam, mas depositaram confiança em mim, sempre
senti que fui muito bem recebida.

- Ao meu marido Douglas Gessner, pela compreensão, pelo companheirismo e pelo incentivo
ao início da minha caminhada no Programa de Pós-Graduação em Linguística. A ele, também
sou grata pelo apoio em todas as minhas escolhas acadêmicas, profissionais e pessoais.

- À Dra. Bruna Alexandra Franzen, pela acolhida calorosa em sua casa, pelo companheirismo
nas viagens para a universidade, pelas conversas, superficiais ou teóricas. À amiga Bruna,
registro meu carinho e admiração.

- À M.ª Deise Stolf Krieser, pelas horas de estudos juntas, pelas conversas e incentivos; à Dra.
Thais Schilichting, que também incentivou meu ingresso ao Programa e viajou tantas vezes
comigo para o retorno para casa; e à Dra. Raquel da Silva Yee, pelas orientações destinadas ao
momento da banca, pelos produtivos diálogos que sempre levarei comigo.

- À professora Dra. Cristine Görski Severo e demais professoras e professores, estudantes e


equipe da secretaria do Programa de Pós-Graduação em Linguística. Conheci profissionais
incríveis, com quem tive muitas oportunidades de aprendizagem. Também agradeço pela
atenção e cordialidade com que sempre me atenderam na secretaria.
- À Dra. Maristela Pereira Fritzen, pelo incentivo e amizade sincera, pela leitura do projeto
submetido para concorrer à vaga de ingresso no Programa, pelos conselhos e por ter acreditado
em mim.

- Ao Me. Nestor Alberto Freese, à Dra. Mara Gonzalez Bezerra, à professora Lilia Jonat Stein
e ao Dr. Ismael Tressmann, agradeço pela significativa contribuição nos processos de tradução
do resumo para as língua alemã, pomerana e espanhola.

- Ao Me. Vitor Hochsprung, agradeço pelo auxílio com a arte do Termo de Assentimento Livre
e Esclarecido do Menor.

- Aos meus queridos pais, Rosinei e Sido, e às minhas irmãs, Daiana e Jessica, agradeço pelo
incentivo e compreensão. A família sempre me acompanhou e influenciou na realização das
minhas atividades.

- O caminho de pesquisa para que esta tese fosse possível não foi trilhado sozinho. Amigos,
familiares e colaboradores, nem todos aqui nominados, participaram desta trajetória comigo de
distintas maneiras. Registro, a essas pessoas, meus sinceros agradecimentos.
Se antes era mais fácil ignorar a diversidade que sempre caracterizou o ambiente
educacional no país, hoje, a sua atual amplitude força os pesquisadores e educadores a ter que
admiti-la, a ter que colocar a diversidade em sua agenda. Não é mais possível tentar entender
nossas escolas sem levar em conta as diferenças no seu interior. E no seu interior existem,
inclusive, sujeitos bilíngües, alunos cuja língua materna não é o português: há alunos indígenas,
alunos surdos, alunos oriundos de comunidades de imigrantes, entre outros. Quem são esses
“novos” alunos? Por que pensam e agem do modo como pensam e agem? Como avaliar o seu
desempenho nos usos da linguagem quando a língua da escola não é a sua língua de origem?
(MAHER, 2007, p. 67)
RESUMO

Em resposta às sistemáticas tentativas de invisibilização do plurilinguismo brasileiro,


Pomerode, cidade interiorana de Santa Catarina, tem implementado, nas últimas décadas, novas
políticas linguísticas voltadas às línguas teuto-brasileiras. Dentre elas, é possível citar a
cooficialização municipal das línguas alemã e pomerana e a oferta de educação bilíngue
(português-alemão) na rede pública municipal. Esta tese objetiva compreender a gestão das
línguas na criação e perpetuação de práticas linguísticas, a partir de uma sala de aula bilíngue
de língua portuguesa da rede de escolas municipais de Pomerode, SC. A investigação está
ancorada nos pressupostos metodológicos de um estudo qualitativo-interpretativista de natureza
etnográfica e foi conduzida em uma escola de educação básica municipal, localizada na cidade
de Pomerode, SC, que tem como proposta a educação bilíngue (português-alemão), inserida em
um contexto de língua brasileira de imigração. Dentro desse campo de pesquisa, realizou-se a
observação participante em uma turma de alfabetização bilíngue entre março e dezembro de
2021. As considerações teóricas propostas neste estudo estão amparadas, principalmente, (I) no
campo da política linguística para a discussão sobre questões que envolvem o multilinguismo
brasileiro e a legitimidade de línguas em situação minoritária e, portanto, que envolvem também
as reflexões sobre o status de língua no meio social; (II) e no campo dos estudos em linguística
aplicada, quanto ao contexto sociolinguístico em debate, atrelado a políticas de
pluriletramentos, constituídas em meio a diferentes práticas e valores culturais. Os registros de
pesquisa sinalizam para estratégias pedagógicas que partem de práticas linguísticas fluidas,
dinâmicas, nas quais as aulas de alfabetização em língua portuguesa assumem a translinguagem
para situar as crianças em diferentes expressões culturais dos letramentos. Esse ambiente
educacional se torna espaço para os pluriletramentos, onde são mediadas práticas sociais de
leitura e escrita que levam em conta os repertórios linguísticos completos das crianças. Como
consequência, a escola parece difundir legitimidade a práticas de linguagem que transitam entre
as línguas do seu entorno, ao mesmo tempo em que perpetua dispositivos políticos que
difundem as fronteiras linguísticas “imaginadas”, decorrentes da “invenção” de língua legítima
nacional.

Palavras-chave: Bi/Multi/Plurilinguismo. Pluriletramentos. Alemão como língua brasileira de


imigração. Sala de aula bilíngue de língua portuguesa.
ABSTRACT

In response to systematic attempts to invisibilize Brazilian plurilingualism, Pomerode, an inland


city in Santa Catarina, has implemented, in recent decades, new linguistic policies focused on
German-Brazilian languages. Among them, it is possible to mention the municipal co-
officialization of German and Pomeranian languages, and the provision of bilingual education
(Portuguese-German) in the municipal public network (municipal public education network).
This thesis aims to understand the management of languages in the creation and perpetuation
of linguistic practices, based on a Portuguese-language bilingual classroom within the
municipal educational network of Pomerode, SC. The investigation is based on the
methodological assumptions of a qualitative-interpretative study of an ethnographic nature and
was conducted in a municipal basic education school, located in the city of Pomerode, SC,
which proposes bilingual education (Portuguese-German), inserted in a context of Brazilian
language of immigration. Within this research field, participant observation was carried out in
a bilingual literacy class between March and December 2021. The theoretical considerations
proposed in this study are mainly based on: (I) the field of language policy for the discussion
of issues that involve Brazilian multilingualism and the legitimacy of languages in a minority
situation and, therefore, also involves reflections on the language status in the social context;
(II) and the field of studies in applied linguistics, regarding the sociolinguistic context under
debate, linked to pluriliteracy policies, constituted in the midst of different practices and cultural
values. The research records indicate pedagogical strategies that start from fluid, dynamic
linguistic practices, in which Portuguese literacy classes assume translanguaging to situate
children in different cultural expressions of literacies. This educational environment becomes a
space for pluriliteracies, where social practices of reading and writing, that consider the
complete linguistic repertoires of children, are mediated. Consequently, the school seems to
legitimize language practices that transit between the languages of its surroundings, while
perpetuating political devices that diffuse the “imagined” linguistic borders, resulting from the
“invention” of a legitimate national language.

Keywords: Bilingualism/Multilingualism/Plurilingualism. Pluriliteracies. German as a


Brazilian immigration language. Portuguese bilingual classroom.
ZUSAMMENFASSUNG

Als Reaktion auf die systematischen Versuche der Unsichtbarmachung der brasilianischen
Mehrsprachigkeit hat Pomerode, eine Stadt im brasilianischen Bundesstaat Santa Catarina, in
den letzten Jahrzehnten neue sprachpolitische Maßnahmen für die deutsch-brasilianischen
Sprachen umgesetzt. Dazu gehören die offizielle Anerkennung der deutschen und der
pommerschen Sprache sowie die Bereitstellung von bilingualer Bildung (portugiesisch-
deutsch) im städtischen öffentlichen Schulsystem. Diese Doktorarbeit zielt darauf ab, das
Sprachmanagement bei der Entstehung und Aufrechterhaltung von sprachlichen Praktiken in
einem zweisprachigen Portugiesisch-Klassenzimmer im Netzwerk der städtischen Schulen von
Pomerode, SC, zu verstehen. Die Forschung basiert auf den methodologischen Annahmen einer
ethnografischen qualitativ-interpretativen Studie und wurde in einer städtischen Grundschule
in Pomerode durchgeführt, die bilingualen Unterricht (Portugisisch-Deutsch) in einem
Einwanderungssprachkontext anbietet. Im Rahmen dieser Forschung wurde zwischen März
und Dezember 2021 eine teihnehmende Beobachtung in einer bilingualen
Alphabetisierungsklasse durchgeführt. Die theoretischen Überlegungen dieser Studie basieren
hauptsächlich auf (I) dem Bereich der Sprachpolitik, um Fragen im Zusammenhang mit der
brasilianischen Mehrsprachigkeit und der Legitimität der Minderheitensprachen zu diskutieren,
einschließlich der Reflexion über den Status der Sprache in der sozialen Umgebung; (II) und
dem Bereich der angewandten Linguistik im Zusammenhang mit dem soziolinguistischen
Kontext, der mit Pluriliteralitätspolitiken verbunden ist, die sich inmitten unterschiedlicher
kultureller Praktiken und Werte entwickeln. Die Forschungsdaten zeigen pädagogische
Strategien, die auf fließenden und dynamischen sprachlichen Praktiken beruhen, bei denen der
Portugiesischunterricht zur Alphabetisierung Transsprachlichkeit annimmt, um die Kinder in
verschiedene kulturelle Ausdrucksformen einzubeziehen. Diese Bildungsumgebung wird zu
einem Raum für plurilinguale Praktiken im Bereich des Lesens und Schreibens, die das gesamte
sprachliche Wissen der Kinder berücksichtigen. Als Ergebnis scheint die Schule sprachliche
Praktiken zu legitimieren, die zwischen den Sprachen ihrer Umgebung wechseln, während sie
gleichzeitig politische Mechanismen aufrechterhält, die die „imaginären" sprachlichen Grenzen
verbreiten, die aus der „Erfindung“ einer nationalen legitimen Sprache resultieren.

Schlüsselwörter: Zweisprachigkeit/Vielsprachigkeit/Mehrsprachigkeit. Pluriliterarität.


Deutsch als brasilianische Einwanderungssprache. Bilinguale Schulklasse für
Portugiesischunterricht.
ABSTRAKT | RESUM1

As antwoord up dat systematisch forsuiken taum dai brasiliånisch mërspråkigkët


invisibilisijren, hät Pomerode, ain stad in inland fon Santa Catarina, in dai lätste jårseente nijg
språkpolitik implementijrt, wat sich up dai düütsch-brasiliånisch språke koncentrijre. Dårtau
höört dai municipal kooficialisation fon dai düütsch un dai pomerisch språke in dai stad un dai
anbairung fon ain twaispråkig schaul (Portugijsisch-Düütsch) in dai municipal publik netswerk.
Dës tesis sijlt oiwer dai språkgestion forståen bij dai schafung un upbewårung fon dai
linguistische praktike, bij aine portuguisiche twaispråkige schaul in dai municipal netswerk
fon Pomerode, SC. Dat uunersuiken is forankert in dai metodologische forbijsetunge fon ainem
kwalitativ-interpretativistische studium fon etnografisch natur un wäir in ain komunal
grundschaul in dai stad Pomerode, SC, foirdreewe, wat ain twaispråkig schaul (Portugijsisch-
Düütsch) in ainem brasiliånisch imigrationsspråkkontext as foirslag hät. In dësem
forschungseewend wür ain participijrend observation in ain twaispråkig alfabetisationsklass
tüschen märts un dëcember 2021 uutuiwt. Dai teoretische oiwerleegunge wat in dësem studium
foirslåe ware, stüte sich up (I) dai gëgend fon dai språkpolitik for diskussion fon frågen, wat
dai brasiliånisch mërspråkigkët un dai legitimitët fon dai språke in dai minderhëtesituation
betrefe un dårheer uk oiwerleegunge taum status fon dai språke in social ümgeewung ümfåten;
(II) dai gëgend fon dai taugepasste linguistische studiums, wat dai debatijrte sociolinguistische
kontexte betreft, in forbijnung mit ain politik fon dai pluriletramente, t’hoopgeset mank
uunerschëdlige kulturale praktike un wërde. Dai uunersuikensresultats wijse up pedagogische
strategis wat basijrt sin up flüssend un dynamische linguistische praktike, bij dai
alfabetisationsschaul in dai portugijsisch språk ain translingualitët annimt, taum kiner situijre
in forschijdene kulturale uutdruksforms fon alfabetisation. Dës uutbildungsgëgend wart tau
ainem plats for pluriletramente, woo sociale lees- un srijwpraktike slichte ware, wat dai gesamte
språkrepertoire fon dai kiner mitreeknet ware. Dårdoir schijnt dai schaul dai legitimitët fon
språkpraktike taum formëren, wat sich tüschen dai språke eer ümgeewung beweege, solang as
sai in dai selwig tijd politische instrumente bewårt, wat “imaginijrte” språklige grense forbraire,
wat uut dai “upfijnen” fon ain legitim national språk resultijrt.

Sloitelwöör: Twai/Multi/Plurilingualismus. Pluriletramente. Düütsch as brasiliånisch


imigrationsspråk. Twaispråkig portugijsisch språkschaul.

1
Versão em língua pomerana.
RESUMEN

Como respuesta a las sistemáticas tentativas de invisibilización del plurilingüismo brasileño, la


ciudad de Pomerode, ubicada en el interior de la provincia de Santa Catarina, ha implementado
en las últimas décadas, nuevas políticas lingüísticas en pro de las lenguas teutónica-brasileñas.
Entre ellas, es posible citar la enseñanza cooficial de las lenguas alemana y pomerana por parte
de la municipalidad y la oferta de clases bilingües (portugués - alemán) en la red
publica municipal. Esta tesis tiene por objetivo comprender la gestión de las lenguas en la
creación y perpetuación de prácticas lingüísticas, a partir de un aula bilingüe de lengua
portuguesa en la red de escuelas municipales de Pomerode, SC. La investigación se centra en
los presupuestos metodológicos de un estudio cualitativo e interpretativo con base etnográfica
y fue realizada en una escuela de educación primaria de la red municipal de Pomerode, y que
presenta la propuesta de educación bilingüe (portugués-alemán) por estar inserida em un
contexto de lengua brasileña de inmigración. En este campo de investigación se realizó la
observación en una clase de educación primaria y en proceso de alfabetización bilingüe durante
el período de marzo a diciembre de 2021. Las consideraciones teóricas propuestas para esta
investigación están amparadas, especialmente, (I) en el campo de la política lingüística para la
discusión sobre cuestiones pertinentes al multilingüismo brasileño y la legitimación de lenguas
en situación minoritaria y por lo tanto que involucran también las reflexiones sobre el estatus
de la lengua en el medio social; (II) y en el campo de los estudios en lingüística aplicada
relacionado al contexto sociolingüístico en discusión, atado a políticas de pluriletramentos,
constituidos en medio a las diferentes prácticas y valores culturales. Los registros de la
investigación apuntan para estrategias pedagógicas que parten de prácticas lingüísticas fluidas,
dinámicas, en que las clases de alfabetización en lengua portuguesa asumen el translenguaje
para situar a los niños en diferentes expresiones culturales de los letramentos. Este ambiente
educacional se convierte en un espacio para los pluriletramentos, en que son mediadas prácticas
sociales de lectura y escritura que llevan en cuenta los repertorios lingüísticos completos de los
niños. Como consecuencia, la escuela parece difundir legitimidad a las prácticas de lenguaje
que transitan entre las lenguas de su entorno, al mismo tiempo en que perpetúan dispositivos
políticos que difunden las fronteras lingüísticas “imaginadas”, resultado de la “invención” de
una lengua nacional legítima.

Palabras Clave: Bilingüismo/Multilingüismo/Plurilingüismo. Pluriletramentos. Alemán


como lengua brasileña de inmigración. Clases bilingües de lengua portuguesa (variante
brasileña).
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Mapas para identificação da localização de Pomerode/SC. .................................... 75

Figura 2 – Processo de cooficialização de línguas por municípios .......................................... 92

Figura 3 – Fotografias das salas de aula bilíngues do 1º ano. ................................................ 101

Figura 4 – Gráfico sobre o contato com a língua alemã nas casas das crianças do 1º ano
matutino. ................................................................................................................................. 106

Figura 5 – Fotografia de etiqueta/selo utilizado nos objetos e alimentos produzidos e


comercializados localmente. ................................................................................................... 116

Figura 6 – A prefeitura da cidade mais alemã do Brasil. ....................................................... 119

Figura 7 – Conjunto de fotografias de elementos registrados durante a 14ª edição da Osterfest


(Festa de Páscoa, em alemão). ................................................................................................ 120

Figura 8 – Fotografia da Osterbaum, a maior árvore de Páscoa do mundo. .......................... 123

Figura 9 – Fotografia do maior ovo decorado do mundo. ...................................................... 124

Figura 10 – Folder em português e alemão de restaurante de culinária típica alemã. ............ 125

Figura 11 – Conjunto de fotografias de placas que rotulam os espaços na escola. ................ 156

Figura 12 – Hipóteses de escrita das crianças. ....................................................................... 206


LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Políticas de inclusão da língua alemã no currículo escolar de Pomerode. .......... 128
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Alunos do 1º ano matutino e seu contato com a língua alemã em casa................ 105
Tabela 2 – Aulas ministradas em língua portuguesa no 1º ano .............................................. 143
Tabela 3 – Aulas ministradas em língua alemã no 1º ano ...................................................... 144
Tabela 4 – Aulas ministradas em língua alemã de 2º ao 9º ano ............................................. 144
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ALBI – Alemão como Língua Brasileira de Imigração.


ANA - Avaliação Nacional de Alfabetização
APP - Associação de Pais e Professores
BDTD - Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEPSH - Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
CLP - Critial Language Policy (em português, Política Linguística Crítica)
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Covid-19 - Corona Virus Disease 2019 (em português, Doença de Corona Vírus de 2019)
ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio
FUMDES SC - Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior de
Santa Catarina
FURB - Universidade Regional de Blumenau
HQ - História em Quadrinho
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia
IES - Instituição de Ensino Superior
INDL - Inventário Nacional da Diversidade Linguística
IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IPOL - Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística
LDB - Lei de Diretrizes e Bases
ONU - Organização das Nações Unidas
PISA - Programme for International Student Assessment (em português, Programa
Internacional de Avaliação de Alunos)
PL - Política Linguística
PLANCON-EDU - Plano de Contingência Municipal para a Educação
PLANCON-EDU - Escola - Plano de Contingência Escolar para covid-19
PPP - Projeto Político Pedagógico
SC - Santa Catarina
SECOM - Secretaria de Comunicação Social
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
UFPel - Universidade Federal de Pelotas
UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (em português,
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura)
UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas
UNIEDU - Programa de Bolsas Universitárias do Estado de Santa Catarina
UNIVALI - Universidade do Vale do Itajaí
LISTA DE SÍMBOLOS

As transcrições das cenas de sala de aula presentes nesta tese seguem algumas das
orientações de Marcuschi (2003), tais como:
1. Falas simultâneas: [[
Quando dois falantes iniciam ao mesmo tempo um turno, usam-se colchetes duplos no
início do turno simultâneo:

2. Sobreposição de vozes: [
Quando a concomitância de falas não se dá desde o início do turno mas a partir de um
certo ponto, marca-se, no local, com um colchete simples abrindo.

3. Sobreposições localizadas: [ ]
Quando a sobreposição ocorre num dado ponto do turno e não forma novo turno, usa-
se um colchete abrindo e outro fechando.

4. Dúvidas e suposições: ( )
Quando uma parte da fala é incompreensível, marca-se o local com parênteses, tendo-
se duas opções:
(a) indicá-los com a expressão “incompreensível”;
(b) escrever neles o que se supõe ter ouvido.

5. Truncamentos bruscos: /
Quando um falante corta uma unidade, pode-se marcar o fato com uma barra. Isto
também pode ocorrer quando alguém é bruscamente cortado pelo parceiro:

6. Ênfase ou acento forte: MAIÚSCULA


Quando uma sílaba ou uma palavra é pronunciada com ênfase ou recebe acento mais
forte que o habitual, indica-se o fato escrevendo a realização com maiúsculas.

7. Comentários do analista: ( ( ) )
Para comentar algo que ocorre, usam-se parênteses duplos no local da ocorrência ou
imediatamente antes do segmento a que se refere. Pode-se colocá-los também entre um turno e
outro.
8. Silabação: - - - - -
Quando uma palavra é pronunciada silabadamente, usam-se hífens indicando a
ocorrência.

9. Indicação de transcrição parcial ou de eliminação: /.../


O uso de reticências entre duas barras indica o recorte de algum trecho.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 15
1.1 RESSIGNIFICANDO A LÍNGUA: MINHA RELAÇÃO COM O TEMA DE PESQUISA
............................................................................................................................... 16

1.2 DELIMITAÇÕES QUE GUIAM O ESTUDO: OBJETIVOS, JUSTIFICATIVAS E


PERGUNTA DE PESQUISA .................................................................................................. 21

1.3 ROTEIRO DA TESE.......................................................................................................... 24

2 REFLEXÕES TEÓRICAS: LÍNGUA, POLÍTICA LINGUÍSTICA, LETRAMENTOS


E EDUCAÇÃO BILÍNGUE NO DEBATE SOBRE O PLURILINGUISMO .................. 26
2.1 CONCEITOS RELATIVOS À LÍNGUA E DIALETO: QUESTÕES DE IDEOLOGIA
LINGUÍSTICA ......................................................................................................................... 27

2.1.1 A influência dos Estados-nação para o surgimento das línguas ................................ 32

2.1.2 A oficialização da língua: normas sociais para normas linguísticas ......................... 35

2.1.3 As orientações vinculadas à língua, ao multilinguismo e ao plurilinguismo ............ 39

2.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE POLÍTICA LINGUÍSTICA ................................................ 42

2.2.1 A consolidação da política linguística e seus impactos iniciais como campo acadêmico
e atividade técnico-científica .................................................................................................. 44

2.2.2 “Quem planeja o que, para quem e como?” (COOPER, 2000 [1989], p. 31) ........... 46

2.2.3 Orientações sobre as línguas para a política linguística: língua como problema,
direito e recurso ...................................................................................................................... 49

2.2.4 A política linguística para além da explicitação oficial .............................................. 51

2.3 PLURILETRAMENTOS: UMA ABORDAGEM SOCIAL SOBRE AS PRÁTICAS DE


LINGUAGEM NA EDUCAÇÃO BILÍNGUE ........................................................................ 54

2.3.1 Reflexões sobre os conceitos de alfabetização e letramento e os modelos ideológico e


autônomo de letramentos ....................................................................................................... 55

2.3.2 Cultura da linguagem escrita: questões sobre eventos e práticas letradas .............. 59

2.3.3 Práticas sociais bi/plurilíngues: uma teoria para refletir sobre os pluriletramentos ..
............................................................................................................................... 60

2.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO BILÍNGUE .................................................. 65


2.4.1 Modelos para a constituição de uma educação bilíngue ............................................ 66

2.4.2 Compreensões sobre a abordagem da translinguagem .............................................. 69

3 AMBIENTAÇÃO DA PESQUISA: O CONTEXTO HISTÓRICO, SOCIAL E


POLÍTICO-LINGUÍSTICO .................................................................................................. 75
3.1 A FUNDAÇÃO DA COLÔNIA BLUMENAU ................................................................. 78

3.2 OS LETRAMENTOS ENTRE OS IMIGRANTES ALEMÃES E SEUS PRIMEIROS


DESCENDENTES ................................................................................................................... 81

3.3 AS POLÍTICAS DE NACIONALIZAÇÃO EM SANTA CATARINA ........................... 84

3.4 NOVAS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS E AS LÍNGUAS TEUTO-BRASILEIRAS ....... 88

3.5 A PRÁTICA POLÍTICA E A COOFICIALIZAÇÃO DE LÍNGUAS: LEIS MUNICIPAIS


Nº 2.251/2010 E Nº 2.907/2017 ............................................................................................... 91

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS NO TRABALHO ETNOGRÁFICO ....... 97


4.1 TRABALHO EM CAMPO: DO PLANEJAMENTO À INSERÇÃO NA ESCOLA........ 99

4.2 OS PARTICIPANTES ..................................................................................................... 104

4.3 A GERAÇÃO DE DADOS .............................................................................................. 107

4.3.1 Instrumentos de pesquisa durante o trabalho em campo ........................................ 108

4.3.2 Triangulação, catalogação, transcrição e análise dos registros de pesquisa .......... 111

5 “POMERODE, DEUTSCHESTE STADT BRASILIENS”: AS FUNÇÕES DAS


LÍNGUAS ............................................................................................................................. 114
5.1 RELAÇÕES ENTRE ORGULHO E LUCRO NA COMPOSIÇÃO DO CENÁRIO
SOCIOLINGUISTICAMENTE COMPLEXO DE POMERODE ......................................... 115

5.2 O MOVIMENTO CURRICULAR PARA INCLUSÃO DA LÍNGUA ALEMÃ NA REDE


DE EDUCAÇÃO MUNICIPAL DE POMERODE ............................................................... 128

5.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS LÍNGUAS EM POMERODE E A IMPLEMENTAÇÃO


DO PROJETO SALA BILÍNGUE – LÍNGUA PORTUGUESA/LÍNGUA ALEMÃ........... 134

5.3.1 A demanda pela curricularização da língua alemã para novos modelos econômicos .
............................................................................................................................. 134

5.3.2 Reflexões sobre o “projeto: implantação do ensino bilíngue” de Pomerode.......... 138


5.4 A ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DO “PROJETO: IMPLANTAÇÃO DO ENSINO
BILÍNGUE – LÍNGUA PORTUGUESA/LÍNGUA ALEMÔ E AS RELAÇÕES SOCIAIS
LOCAIS ............................................................................................................................. 143

5.4.1 O currículo escolar e o modelo de educação bilíngue ............................................... 143

5.4.2 Reflexões sobre a formação de professores para atuação na proposta de educação


bilíngue ............................................................................................................................. 147

5.4.3 Considerações sobre o papel da escola diante da promoção do multilinguismo em


Pomerode ............................................................................................................................. 150

6 OS PLURILETRAMENTOS EM UMA SALA DE AULA BILÍNGUE DE LÍNGUA


PORTUGUESA .................................................................................................................... 155
6.1 “O QUE É IR NO ENSINO BILÍNGUE?”: SIGNIFICADOS COMPARTILHADOS NA
SALA DE AULA BILÍNGUE DE LÍNGUA PORTUGUESA ............................................. 157

6.1.1 “É a hora de vocês irem pro BI-língue”: O papel da escola na construção dos
significados sobre o que é o “bilíngue” ............................................................................... 158

6.1.2 “Auf Deutsch?”: Estratégias de resistência à fragmentação das línguas ............... 170

6.1.3 “Antes, eu via o projeto bilíngue até com a intromissão na minha prática de
português”: uma mudança de orientação de língua .......................................................... 180

6.2 “O MEU OPA JÁ ME ENSINOU ISSO”: A LINGUAGEM COMO PRÁTICA SOCIAL


NA SALA DE AULA BILÍNGUE DE LÍNGUA PORTUGUESA....................................... 184

6.2.1 “Mittwoch, isso mesmo”: estratégias pedagógicas para interpretação do calendário


na sala de aula bilíngue de língua portuguesa ................................................................... 185

6.2.2 “A minha Oma faz almoço”: a linguagem como recurso para significar identidades
e modificar letramentos escolares ....................................................................................... 196

6.3 “A SONDAGEM É FEITA SÓ EM PORTUGUÊS”: CONSIDERAÇÕES SOBRE A


AVALIAÇÃO NO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO EM POMERODE .............................. 203

6.3.1 Compreensões sobre o sujeito bilíngue e seus processos de alfabetização ............. 205

6.3.2 Questões de avaliações em escala e os letramentos concebidos na escola: a sondagem


para o primeiro ano de Alfabetização................................................................................. 210

6.3.3 “Mas essa provinha é pra avaliar o rendimento do professor”: considerações sobre
a sondagem e suas implicações na educação bilíngue ....................................................... 219
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 227
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 241

APÊNDICE A – Termo de Assentimento Livre e Esclarecido do Menor (TALE)......... 258

APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) – aos responsáveis


legais pelos estudantes convidados a participar da pesquisa ............................................ 260

APÊNDICE C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) – ao professor


................................................................................................................................................ 262

APÊNDICE D – Transcrições das cenas de sala de aula com acessibilidade para


ferramentas de leitura de PDF ............................................................................................ 266

APÊNDICE E – Levantamento de teses e dissertações pelos portais BDTD e CAPES . 274

ANEXO A – Sequência Didática utilizada para a avaliação de sondagem na turma


participante de pesquisa ....................................................................................................... 276

ANEXO B – Lei Ordinária 2.251 2010 de Pomerode SC, que Institui A Língua Alemã
Como Idioma Complementar e Secundário no Município. .............................................. 282

ANEXO C – Lei Ordinária 2.907 2017 de Pomerode SC, que dispõe sobre a cooficialização
da língua pomerana, à língua portuguesa, no município de Pomerode - SC. ................. 284
15

1 INTRODUÇÃO

O Brasil, a partir da formação de diferentes povos indígenas e como resultado de


políticas de colonização, escravização de africanos no período colonial e de fluxos de
imigrações mais recentes, constitui-se como cenário de diversidade linguística e cultural.
Chamo a atenção, nesta tese, especialmente, para a imigração europeia durante o período
colonial, que resultou, até a década de 1990, na estimativa de cerca de “500.000 falantes de
alemão e quase 12 milhões de cidadãos de descendência alemã no Brasil”2 (HAMEL, 2013a, p.
616, tradução minha).
Apesar do plurilinguismo, a histórica política brasileira parece girar em torno do
apagamento ou invisibilização da diversidade linguística quando associada aos grupos falantes
de línguas em situação minoritária, como as línguas autóctones, as línguas alóctones e as línguas
de comunidades surdas.
Dentre as políticas mais severas aos falantes de línguas alóctones, Altenhofen (2013a)
destaca o Processo de Nacionalização do Ensino, que abrangeu o período pós-independência,
também conhecido como Estado Novo (vide capítulo três). O Processo de Nacionalização do
Ensino tem sido alvo de pesquisas empreendidas por linguistas e historiadores (dentre outros,
STURZA; FIEPKE, 2017; ALTENHOFEN, 2013a; FÁVERI, 2004; KREUTZ, 2003;
SEYFERTH, 2002; LUNA, 2000), que buscam debater histórias orais acerca da repressão
linguística, tensões políticas nacionalistas relacionadas à presença da língua alemã nas
comunidades de origem teuto-brasileira3, a extinção de práticas pedagógicas em língua alemã
na educação formal teuto-brasileira, a propagação de uma identidade nacional unificada e a
assimilação dos imigrantes e seus descendentes, etc.
Seja a partir de medidas políticas mais explícitas ou veladas, sem dúvidas, há outros
processos de silenciamento de comunidades que se distanciam de uma identidade linguística
nacional idealizada. Em contrapartida a essas políticas repressivas às línguas (ou, melhor, a seus
falantes!), segundo Oliveira (2018), a Constituição Federal de 1988 inaugurou uma nova era na
história linguística e cultural brasileira, instaurando mudanças oficiais na forma como o país

2
“For 1990, estimates establish some 500.000 German speakers and almost 12 million citizens of German decent
in Brazil, 300.000 speakers and one millions descendants for Argentina, and 20.000 speaker out of 200.000
descendants for Chile.” (HAMEL, 2013a, p. 616).
3
Teuto-brasileiro é um termo utilizado para designar a identidade de descendentes de imigrantes alemães de
assentamentos do Sul do Brasil (OLIVEIRA, 2018). Essa identidade preservou aspectos culturais alemães e
incorporou aspectos culturais brasileiros, o que pode ser observado, por exemplo, no desenvolvimento de uma
especificidade linguística e cultural própria dentro da nação brasileira (OLIVEIRA, 2018).
16

tem lidado com as línguas. A Constituição passa a reconhecer o direito de povos indígenas às
suas línguas e culturas (CAVALCANTI; MAHER, 2018), consequentemente, também
fortalecendo a implementação de novas políticas para diferentes grupos linguisticamente
invisibilizados, inclusive, teuto-brasileiros.
A documentação das línguas por meio do INDL (Inventário Nacional da Diversidade
Linguística) (cf. FREIRE, 2018), além das políticas, em âmbitos municipais, de cooficialização
de línguas (cf. OLIVEIRA, 2018), e o desenvolvimento de programas de educação bilíngue (cf.
CAVALCANTI; MAHER, 2018), podem ser observados como exemplos dessa nova era na
história linguística nacional. Tais movimentos político-linguísticos repercutem, também, em
um impulsionamento acadêmico quanto à educação intercultural e à política linguística, uma
vez que marcam e despertam interesse pelo multilinguismo e por uma perspectiva mais
moderna de direitos linguísticos (cf. OLIVEIRA; ALTENHOFEN, 2011).
As políticas linguísticas da diversidade, no Brasil, partiram desse amplo movimento
de reconhecimento do multilinguismo, e se alinham às recomendações da UNESCO, embora
não tenham sido desenvolvidas a partir delas. A UNESCO estimula o debate acerca da
diversidade linguística, com pautas voltadas à preocupação da extinção de línguas e sua
documentação, à educação de minorias linguísticas, etc. A presente tese está inserida no eixo
do Multilinguismo e Educação Linguística, que faz parte da Cátedra UNESCO em Políticas
Linguísticas para o Multilinguismo, com sede na Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) (OLIVEIRA, 2017).
A partir dessa contextualização político-linguística da presente investigação, a fim de
adentrar ainda mais ao tema de pesquisa aqui proposto, apresento, na seção seguinte, um breve
relato sobre a relação entre este estudo, que contempla o bi/multilinguismo de Pomerode,
contexto situado em Santa Catarina, com minha trajetória de vida, inclusive educacional. Em
seguida, com a intenção de contribuir com as reflexões acerca de realidades interculturais, como
a dos atores sociais participantes desta pesquisa, descrevo a questão que guia esta investigação,
seus objetivos e justificativas. Por fim, neste capítulo introdutório, percorro a tese expondo um
desenho da estrutura de todo o trabalho.

1.1 RESSIGNIFICANDO A LÍNGUA: MINHA RELAÇÃO COM O TEMA DE PESQUISA


17

Nesta seção, revivo as memórias4 que compõem uma parte da minha história com a
“língua”, considerando minha relação com os estudos no campo da linguística, da educação e
da própria intenção investigativa desta tese.
Considero importante iniciar esse diálogo desde o domínio familiar, onde, apesar de
não ter aprendido a língua alemã, sempre tive contato com ela justamente por ser a língua
materna do meu pai (assim como foi o pomerano). O alemão como língua brasileira5 de
imigração (doravante ALBI), no cenário onde cresci, continua presente numa situação de
bi/multi/plurilinguismo.
Sou natural de uma cidade situada no Sul do Brasil, em Santa Catarina, chamada
Timbó, que faz divisa com a cidade de Pomerode, onde esta pesquisa foi conduzida. Além de
serem próximas, as duas cidades compartilham características de colonização, uma vez que
fizeram parte da Colônia Blumenau (SILVEIRA, 2017; MAAS, 2010).
Nesse contexto, aprendi a falar português (como língua materna), embora o ALBI
sempre esteve presente na minha vida (como a língua do meu pai, avós, tios...). A desigualdade
entre o status desfrutado pelo ALBI e pelo português desencadeou uma série de atitudes
linguísticas depreciativas ao bilinguismo social dentro da minha própria casa, mas também (e
especialmente!) na escola.
Assim como em muitos contextos de língua minoritária, observo que o tratamento
escolar dado às línguas contribuiu para que eu compreendesse, por um longo período, que o
bilinguismo, quando relacionado às línguas de imigração locais6, pudesse ser prejudicial para o
uso “correto” do português. Não raro, meus colegas e eu éramos corrigidos nas práticas de
oralidade em língua portuguesa, devido aos traços linguísticos do contexto bilíngue, como, por
exemplo, a pronúncia do “erre tepe” (como em [ɾ]ato, co[ɾ]eto, e[ɾ]ado) quando o prestígio se
referia a um “erre velar” (como em [x]ato, co[x]eto, e[x]ado), só para citar alguns exemplos).

4
As memórias, aqui compartilhadas, são enunciados de índole inacabável (cf. BAKHTIN, 2011 [1979]), visto que
o passado possui sentidos que são vividos e significados de forma renovada em cada ato de enunciação. Quando
compartilho minhas memórias, que são discursivamente materializadas, formadas e transformadas nas minhas
compreensões construídas acerca das experiências de vida, inclusive na universidade, estou transformando o
passado vivido, isto é, estou realizando uma projeção ideológica, baseada no campo discursivo no qual me situo e
baseada no próprio auditório social da tese.
5
Sob o “guarda-chuva” língua brasileira, estão amparadas as línguas de imigração, línguas indígenas, línguas
afrodescendentes, línguas fronteiriças, línguas de sinais, português como língua oficial ou as suas realizações nos
mais variados grupos sociais. Na categoria língua brasileira de imigração, particularmente, estão situadas “todas
as línguas introduzidas no Brasil durante o período historicamente reconhecido como imigratório, as quais são
faladas por comunidades de imigrantes e de descendentes de imigrantes que, em solo nacional, preservaram seus
costumes, sua cultura e sua língua de origem” (CAMBRUSSI, 2007, p. 58).
6
Em Timbó, essas línguas de imigração são identificadas como alemão, pomerano, além de outras línguas
associadas à cultura imigratória italiana e polonesa, embora não recebam status oficial legislativo.
18

A escola foi uma instituição determinante para modificar minhas práticas linguísticas,
contribuindo para o “apagamento”, de certo modo, das marcas de um “português mestiço”, que
refletiam não só o contato da língua, mas, essencialmente, as “línguas em conflito” (cf.
HAMEL, 1988). Foi o domínio escolar, principalmente, que contribuiu para um distanciamento
evidente nas formas como eu falo em relação aos meus familiares, e que alimentou meu
imaginário de que, na minha família, nem português, nem alemão, se soubesse falar “direito”.
Esse imaginário, certamente, reflete uma forma de invisibilizar/minorizar as línguas
desse contexto. Altenhofen (2004) reconhece que os juízos de valor depreciativos tendem a ser
atribuídos sobre as línguas minoritárias de modo geral. Na descrição que o autor realiza da
situação do Hunsrückisch (uma língua de origem germânica), estão presentes características
como: “vebrochne Deitsch (alemão quebrado)”, “Heckedeitsch (alemão do mato)”, “alemão
errado”, “língua de colono” (ALTENHOFEN, 2004, p. 91). Essas atitudes negativas
problematizadas por Altenhofen (2004) não estão distantes das características que,
frequentemente, eu mesma ouvia com relação à língua alemã falada em Timbó ou Pomerode,
na minha infância. O bilinguismo das pessoas que falam uma “língua marginal, submissa à
língua oficial, o português”, é comumente negado não só na escola, mas pelos próprios falantes,
“como efeito de espelho do que supõem [que] seja a visão das classes dominantes sobre sua
língua” (ALTENHOFEN, 2004, p. 91). É possível dizer que famílias bilíngues, como as que
encontro no meu contexto de vida e pesquisa, sofrem, de certo modo, com um antagonismo
sobre como avaliam a sua língua de imigração.
Falar alemão ou ter “sotaque” dessa língua ao falar português estava (e, em algumas
situações, ainda está) associado ao estereótipo de zona rural onde cresci. A origem rural, nesse
sentido, parece sinônimo do baixo prestígio social desfrutado pelas pessoas, pejorativamente
chamadas de “colonos”.
Sob influência dessas ideologias, passei a participar da propagação de uma equivocada
ideia de ascensão social associada ao acesso a um ideal de língua portuguesa “pura”, que
somente a escola poderia fornecer. Quando me senti em maior “domínio” da língua portuguesa,
passei a também sentir o direito de realizar aos outros as mesmas correções que me foram feitas
no passado, reproduzindo atitudes linguísticas das quais vivenciei, principalmente, nos
primeiros anos escolares. Parece-me que a consciência sobre essas atitudes linguísticas ainda
precise ser desenvolvida nos ambientes educacionais, a fim de favorecer o bilinguismo. Essas
atitudes linguísticas, afinal, estão imbricadas no “modo como o falante se julga ou é julgado
19

pelos seus pares com referência ao seu comportamento linguístico” (MELLO, 2011b, p. 149),
reproduzindo estereótipos resultantes de conflitos sociais.
Entendo que a mim ocorreu uma inversão de um papel social que já ocupara, no qual
eu pudesse exercer o poder sobre o outro (falante da língua minorizada ou em contato com ela)
por meio do “domínio” da língua majoritária. Quando outras crianças de zona rural da cidade
falavam, eu apontava os mesmos “erros” que, na minha fala, costumavam ser apontados,
fazendo correções ou comentários depreciativos. Nessas relações de poder, portanto, ocupei um
papel de “opressora” sobre o “outro”, que, dentro daquelas normas sociais, falava “errado”.
O mito sobre o bilinguismo como um determinante para o fracasso quanto à
aprendizagem da língua portuguesa (cf. ALTENHOFEN, 2004) se fez presente no discurso
pedagógico e familiar durante toda a minha formação básica. Aliás, a própria discussão sobre
bilinguismo e políticas linguísticas nem sempre, ou quase nunca, perpassa os currículos de
licenciaturas de instituições de ensino superior brasileiras, pensando na formação inicial de
professores de língua portuguesa ou alfabetizadores que atuarão na realidade multilíngue.
Afinal, o monolinguismo não é a regra, mas a exceção. Como pontua Berger (2021, p. 119),
não só “o mundo é multilíngue”, como “todos os países [também] são multilíngues”, ainda que
haja, na sua grande maioria, uma vontade política em promover e sustentar uma única língua
oficial. Grosjean (1989) e García e Wei (2014) também sinalizam que a ausência desse
reconhecimento, certamente, é um dos impactos dos tratamentos monolinguísticos dados de
maneira similar a todas as comunidades, seja na educação ou na própria pesquisa linguística.
Somente no ensino superior, quando, em 2008, ingressei no curso de Licenciatura em
Letras Português, Inglês e Respectivas Literaturas, iniciei reflexões sobre a língua com base em
diferentes abordagens, que propõem reinvindicações de justiça social e linguística. A atuação
da pesquisadora em linguística aplicada, Dra. Maristela Pereira Fritzen, na minha formação
acadêmica, desencadeou uma série de momentos para repensar minha conduta com o português
em contato com o ALBI (alemão como língua brasileira de imigração).
A partir da iniciação científica, da participação de grupos de estudos, eventos
acadêmicos, também refleti sobre a importância de ressignificar como estava compreendendo
a língua, questionando o posicionamento que havia construído ao longo de todo o percurso
escolar. Esta não foi tarefa fácil – ou melhor, ainda não o é! Afinal, é preciso observar o que
nos é comum para que, em diálogo com o “outro”, possamos problematizar conceitos já
cristalizados, questionar nossas atitudes linguísticas, e construir novas compreensões sobre a
língua, ou, até mesmo, sobre a própria existência da língua (enquanto uma entidade autônoma,
20

vide capítulo dois). Ao longo desta tese, observando as crianças no cotidiano da vida escolar,
pude, mais uma vez, pensar criticamente sobre as compreensões de língua que, inclusive, na
academia, constituí.
Por ora, menciono a universidade como um lugar onde aprendi a olhar para o
multilinguismo a partir de diferentes perspectivas. Foi durante a iniciação científica e a
condução da pesquisa de mestrado, por exemplo, que realizei as primeiras leituras no campo da
política linguística, quando também conheci trabalhos publicados pelo orientador desta tese,
Dr. Gilvan Müller de Oliveira. Esse período foi importante para eu refletir, além de outras
questões, sobre o bilinguismo de muitos brasileiros, que, apesar de diversas políticas repressivas
na história linguística nacional, em verdadeiros atos de resistência, preservaram suas línguas e,
criativamente, as transformaram diante das suas novas realidades sociais.
Passei a observar com estranhamento a frequente declaração sobre a situação
linguística nacional: a de que “aqui só se fala português porque é Brasil”, ou, como contesta
Garcez (2019, p. 17), de que ensinamos português, na escola, “Porque é a única língua oficial
do País!”, apenas para “o domínio da norma culta da língua”, ou para a aprendizagem de
“formas corretas da língua”.
Hoje, entendo que essas afirmativas, pautadas em uma política linguística nacionalista
unificadora ou em concepções limitadas de língua, tendem a reduzir a complexidade
sociolinguística brasileira, e que a representação de uma língua “pura” é resultado de uma
ideologia linguística fundamentada por normas sociais. Destaco, aqui, a reflexão de Altenhofen
(2004, p. 87) a partir de Oliveira (2000): “A velha tese romântica de “um país com uma única
língua”, que tantos estragos fez em nome da pureza lingüística e da construção dos estados
nacionais, na verdade ainda permanece como uma ideologia forte nas relações sociais dessas
comunidades”.
O presente trabalho de pesquisa se situa em um contexto teuto-brasileiro que já vem
apresentando uma trajetória investigativa e, consequentemente, problematizando questões de
ordem linguística, educacional, cultural e histórica. No levantamento de teses e dissertações
(Apêndice E) desenvolvidas a partir do cenário de Pomerode, SC, localizei discussões sobre a
língua alemã local (EMMEL, 2005), sobre o turismo gastronômico teuto-brasileiro
(SCHREIBER, 2006; BORGES, 2007), sobre os patrimônios materiais (FAES, 2008; COSTA,
2018) e a paisagem cultural de origem alemã (HEIDTMANN JUNIOR, 2013; GEMENTE,
2017). Acerca de questões educativas, mais especificamente, identifiquei temas voltados a
concepções de alfabetização e letramento (SCHIOCHETTI, 2004), interesse de jovens em
21

aprenderem a língua alemã na região (SILVA, 2005), discursos sobre a inserção da disciplina
língua alemã nas escolas municipais (MAAS, 2010), e a proposição de um ensino bilíngue na
rede municipal (SPIESS, 2014).
A pesquisa de Spiess (2014), acerca do ensino bilíngue em Pomerode, SC, influenciou,
mais diretamente, nas reflexões para o desenvolvimento desta tese, uma vez que despertou um
interesse em compreender as práticas de uma escola que, ao invés de negar o contato das
línguas, como ocorre no processo de escolarização de muitas comunidades bilíngues brasileiras,
parece procurar evidenciá-lo a favor do bilinguismo. Essa pesquisa sobre a educação bilíngue
de Pomerode suscitou-me algumas indagações iniciais, tais como: como as línguas são
concebidas na educação bilíngue? São demarcados limites linguísticos, segmentando as línguas
como sistemas autônomos? As “misturas” são tratadas pela escola como constituintes das
línguas faladas pela comunidade bilíngue? De que forma o ensino de língua portuguesa é
encarado em uma sala de aula bilíngue? Qual a diferença entre uma sala de aula de língua
portuguesa para uma sala de aula bilíngue de língua portuguesa? Como a ideologia de língua
nacional repercute no ensino das línguas na educação bilíngue?
Entendo que o olhar para esse cenário escolar possa levantar debates significativos
sobre as línguas, a fim de valorizar diferentes repertórios linguísticos e democratizá-los nos
contextos educacionais brasileiros. Por isso, no Programa de Pós-Graduação em Linguística, da
Universidade Federal de Santa Catarina, com apoio do Programa de Bolsas Universitárias do
Estado de Santa Catarina (UNIEDU), busco dar continuidade aos estudos de políticas
linguísticas em cenário onde se fala o ALBI. Espero que esta pesquisa abra possibilidades para
que os atores sociais verberem sobre suas práticas linguísticas e sociais na escola, em uma
proposta que pense os sujeitos bilíngues antes das normas e ideologias pré-estabelecidas sobre
suas línguas.

1.2 DELIMITAÇÕES QUE GUIAM O ESTUDO: OBJETIVOS, JUSTIFICATIVAS E


PERGUNTA DE PESQUISA

O presente estudo propõe a seguinte pergunta de pesquisa: Como a gestão das


línguas, dentro de uma sala de aula bilíngue de língua portuguesa7, inserida em cenário teuto-
brasileiro, cria e perpetua práticas linguísticas?

7
Utilizo o termo “sala de aula bilíngue de língua portuguesa” como uma referência à organização escolar. Os
alunos, cotidianamente, frequentam a sala de aula bilíngue de língua portuguesa e a sala de aula bilíngue de língua
22

A tese tem como objetivo geral compreender a gestão das línguas na criação e
perpetuação de práticas linguísticas, a partir de uma sala de aula bilíngue de língua portuguesa
da rede de escolas municipais de Pomerode, SC. Os seguintes objetivos específicos também
orientam a pesquisa: (I) descrever práticas de letramentos nas línguas que circulam na sala de
aula bilíngue de língua portuguesa; (II) compreender orientações relacionadas às línguas
utilizadas pela comunidade escolar em estudo; (III) discutir conflitos linguísticos que emergem
nas relações interacionais em contexto educacional; (IV) analisar a situação de contato
linguístico nas dinâmicas políticas e educativas.
O lócus da pesquisa é uma escola de educação básica bilíngue municipal, localizada
na cidade de Pomerode, SC, que tem como proposta a educação bilíngue (português-alemão),
inserida em um contexto teuto-brasileiro. Aqui, convém destacar que a “língua alemã” costuma
ser um termo utilizado para o grupo linguístico que fundamenta as línguas faladas pelas
comunidades teuto-brasileiras, como hunsriqueano, pomerano, alemão (Hochdeutsch8), entre
outras, embora cada uma dessas línguas possua status acadêmico e legislativo (nas políticas de
cooficialização municipais) de línguas. Conforme apresento no capítulo três, o alemão
(Hochdeutsch) e o pomerano são as duas línguas brasileiras de imigração faladas pelas
comunidades teuto-brasileiras de Pomerode, SC.
O período em que estive a campo para a geração dos registros da investigação, ao
longo do ano letivo de 2021, compreendeu um momento atípico na vida escolar, em virtude das
restrições impostas pela covid-199 . Nesses termos, as próprias interações foram modificadas,
seja pelos distanciamentos físicos adotados para evitar contágios do vírus em maior escala, pelo
uso de máscaras, seja por sistemas de revezamento entre atividades remotas e presenciais para
as crianças, etc.

alemã para desenvolverem atividades didático-pedagógicas em ambas as línguas. Nas próprias análises da tese,
aprofundo a discussão sobre essa nomenclatura e organização escolar.
8
De acordo com o Manual de Comunicação da Secom, divulgado no portal do Senado Federal
(https://www12.senado.leg.br/manualdecomunicacao), as palavras consideradas estrangeiras que não estiverem
incorporadas ao português, na sua forma original, devem ser grafadas em itálico. Entretanto, a partir de um
posicionamento político-linguístico, escolho, nesta tese, evitar o destaque em itálico para esse contexto linguístico,
como no termo Hochdeutsch, por exemplo. Esse posicionamento é intencionado numa forma de, inclusive,
confrontar as noções dicotômicas entre língua nacional e estrangeira. Prefiro utilizar o itálico como uma estratégia
de destaque, no corpo de texto da tese, às citações das falas de participantes deste estudo, e não como uma forma
de grafar divisões linguísticas.
9
Covid-19, segundo o glossário da Rede Genômica Fiocruz, é o “nome dado à doença causada pelo
novo coronavírus (denominado SARS-CoV-2). Do inglês, COrona VIrus Disease 19 (por conta do ano de início
da pandemia, 2019). A COVID-19 é caracterizada por alta transmissibilidade [...]” (BRASIL, on-line, destaques
no original). Até o ano de realização da pesquisa em campo (2021), a região pesquisada seguia por meses com
risco potencial gravíssimo para transmissão da covid-19, segundo dados divulgados pelo governo de Santa
Catarina (2021).
23

Destaco que as discussões acadêmicas e políticas dentro do contexto regional onde


está situada Pomerode, sobre a diversidade linguística, têm contribuído para a realização de
ações pedagógicas e políticas voltadas ao ensino de línguas, como a própria implementação da
educação bilíngue em Pomerode, SC (cf. MAAS, 2010; SPIESS, 2014), a oferta da língua
italiana no currículo escolar de Rodeio, SC (cf. LORENZI, 2014), e da língua alemã em
Blumenau, SC (cf. MAILER, 2003; FRITZEN, 2007), só para citar alguns exemplos.
Nesses termos, considero importante ampliar a discussão sobre a forma como os
falantes e suas línguas são considerados no currículo escolar cotidianamente, a fim de contribuir
para a reflexão sobre as práticas concretas nas línguas da comunidade e a intervenção política
sobre elas. Além disso, é importante debater como as aulas de língua portuguesa são pensadas
para o plurilinguismo nesses contextos, uma vez que há uma tradição escolar em representá-la
a partir de usos “bons” e “ruins”, “certos” e “errados”, nos quais as características do contato
linguístico tendem a sofrer estigma.
A partir do estudo em um cenário de multilinguismo, como o aqui proposto, destaco a
possibilidade de reflexões sobre práticas e representações linguísticas dentro do contexto da
educação, a fim de (re)pensarmos posicionamentos político-linguísticos na escola, no poder
público e na própria academia.
O olhar situado para o cotidiano escolar proposto pode contribuir com a reflexão, no
âmbito da política linguística, acerca das práticas de linguagem. Na concepção política de
ensino de língua portuguesa, a partir de uma abordagem plurilíngue, procuro considerar as
percepções constituídas pelos participantes dessas práticas. Dessa forma, como defendem
Garcez e Schulz (2015, p. 26) ao tratarem da formação de professores, podemos “partir de um
posicionamento [...] de quem aprendeu com as pessoas que fazem escola e vivem
cotidianamente a sala de aula da educação básica hoje”, para assim discutirmos experiências
educacionais que possam ser relevantes também para outros contextos interculturais (que não
somente o teuto-brasileiro).
A inserção na escola para o desenvolvimento da investigação é, assim, importante para
a análise de políticas linguísticas adotadas nesse contexto educacional, do ponto de vista da sua
gestão e prática, o que pode ser observado em contato contínuo entre pesquisadora e contexto
de estudo. Por fim, a partir de uma experiência de natureza etnográfica de pesquisa, espero que
esta investigação possa favorecer a reflexão sobre a legitimação de práticas de linguagem locais,
nas línguas faladas pela comunidade, e seu lugar na escola.
24

1.3 ROTEIRO DA TESE

Considerando os objetivos da presente investigação, o trabalho está organizado em


sete capítulos. Neste capítulo inicial, apresentei as questões introdutórias da investigação,
relatando também minha relação com o tema de pesquisa como um fator de motivação para
realizá-la, seguido pela pergunta de partida, objetivos e justificativas.
O capítulo dois reúne as orientações teóricas acerca da compreensão de língua e
conceitos correlatos. Nesse capítulo, percorro a abordagem social dos estudos linguísticos no
campo da política linguística quanto à situação de bilinguismo, e da linguística aplicada, a
respeito dos estudos dos letramentos.
A ambientação da pesquisa é realizada no capítulo três, no qual descrevo o contexto
em estudo, partindo de questões relacionadas à imigração alemã, resultantes da fundação da
Colônia Blumenau da qual o município de Pomerode fez parte, assim como algumas
considerações acerca da formação de práticas letradas desse cenário.
Os procedimentos metodológicos, no que se referem à abordagem qualitativa,
interpretativista e de natureza etnográfica da pesquisa, são apresentados no capítulo quatro.
No capítulo cinco, inicio as análises da pesquisa partindo do panorama geral do cenário
educacional concernente aos movimentos de entrada e retirada da língua alemã do currículo
escolar, até a formação de um modelo de educação bilíngue pública na cidade.
No capítulo seis, procuro trazer, à discussão, a relação dos eventos de letramentos
observados em um primeiro ano do ensino fundamental da escola pública bilíngue de
Pomerode, onde realizei as observações de pesquisa, refletindo acerca das políticas linguísticas
implícitas e explícitas sobre as práticas de linguagem da comunidade.
Apresento, no capítulo sete, as considerações finais deste trabalho a partir da retomada
de alguns itens que respondem os objetivos da tese, a fim de ampliar um diálogo com
investigações realizadas no âmbito da educação bilíngue e intercultural. Abordo a importância
de discutirmos conflitos linguísticos que emergem nas relações interacionais em contexto
educacional e de considerar as práticas de letramentos locais na escola como uma política
linguística democrática para as comunidades de línguas brasileiras em situação minoritária.
Nesses termos, entendo a possibilidade de considerarmos a situação de contato linguístico nas
dinâmicas políticas e educativas em cenários multilíngues, bem como de tratarmos desse tema
tão caro à linguística nas formações de professores que atuam/atuarão em contextos
sociolinguisticamente complexos.
25
26

2 REFLEXÕES TEÓRICAS: LÍNGUA, POLÍTICA LINGUÍSTICA, LETRAMENTOS


E EDUCAÇÃO BILÍNGUE NO DEBATE SOBRE O PLURILINGUISMO

A ideologia monolinguística brasileira, como resultado de políticas pautadas na


unidade da língua oficial nacional (cf. LAGARES, 2018), frequentemente, resulta no
imaginário da identidade de brasileiro como aquele indivíduo que só fala português como língua
da esfera familiar. Este é o “mito de nação monolíngue”, como alguns linguistas (cf. CÉSAR;
CAVALCANTI, 2007; DORNELLES, 2011; entre outros) convencionaram chamar, que
invisibiliza o “bidialetalismo” e também o “bi/multilinguismo” do país (CAVALCANTI,
1999), proveniente das práticas sociais de falantes brasileiros nas línguas de comunidades de
descendentes de imigrantes, dentre outros grupos em situação minoritária.
Como venho utilizando a expressão “língua em situação minoritária” ou “língua
minorizada”, abro parênteses, aqui, para explicar que essa escolha evidencia “uma condição
imposta e não intrínseca” a línguas que tendem a ser marginalizadas socialmente (MELLO,
2011a, p. 10). Desse modo, evito utilizar o termo “minoritária” para não confundir com
“projeções demográficas imprecisas acerca de determinadas realidades” (MELLO, 2011a, p.
10), mesmo que, para muitos pesquisadores, a relação entre “minoria x maioria” tenha maior
conotação de poder que numérica (CAVALCANTI, 1999). Tenho preferência estilística pelas
expressões “em situação minoritária” ou “minorizada” para fazer referência às línguas que se
encontram “à margem das estruturas de poder” (LAGARES, 2018, p. 121), por questões
políticas.
Para discutir essas questões políticas que envolvem o multilinguismo brasileiro e,
inclusive, as tentativas de seu apagamento, favoráveis à “unificação” de uma “identidade
nacional” homogênea (cf. LAGARES, 2018), linguistas, frequentemente, têm se confrontado
com os conceitos de: “língua”, “dialeto” e “nação” (cf. CAVALCANTI, 1999; RASO;
MELLO; ALTENHOFEN, 2011; ALTENHOFEN, 2013b; LAGARES, 2018; entre outros). A
esses conceitos, estão ligadas as reflexões acerca da legitimidade de línguas minorizadas (como
é o caso do ALBI) e, por conseguinte, as reflexões sobre o status de língua no meio social. A
própria noção de política linguística também se torna pauta de debate, uma vez que o
reconhecimento, como língua ou dialeto, da variedade falada dentro de uma comunidade,
resulta das/em políticas linguísticas implementadas entre seus falantes. Além disso, o status das
línguas influencia nas/as políticas de letramentos, que podem favorecer ou negar o
27

plurilinguismo, constituído em meio a diferentes práticas e valores culturais e que representa


diferentes identidades sociais.
Diante disso, também reconheço que a gestão de línguas não se restringe às decisões
da administração pública, como nas proposições de leis e decretos (cf. BERGER, 2015). Atores
sociais, que não estão necessariamente envolvidos com o poder legislativo ou público oficial,
exercem “formas de autoridade (poder)” e intervêm “sobre os usos das línguas em espaços
menores, porém não menos importantes, como uma sala de aula” (BERGER, 2015, p. 34).
Quando falo em política linguística, nesta tese, logo, faço referência à gestão das línguas que
pode se dar nesses diferentes níveis, desde as práticas linguísticas da sala de aula bilíngue de
língua portuguesa até os documentos oficiais que orientam o ensino das línguas na escola e seus
usos no município de Pomerode, SC.
Diante das considerações ora levantadas, com base em pressupostos do campo da
política linguística e da linguística aplicada, em quatro seções, neste capítulo, (I) discuto os
conceitos de língua e dialeto e sua relação com o status do ALBI, (II) teço considerações sobre
o campo acadêmico e atividade técnico-científica da política linguística, (III) apresento
conceitos atrelados a políticas de pluriletramentos, e (IV) explico alguns modelos de educação
bilíngue.

2.1 CONCEITOS RELATIVOS À LÍNGUA E DIALETO: QUESTÕES DE IDEOLOGIA


LINGUÍSTICA

Haugen (2011 [1966]) identifica certa ambiguidade a respeito da compreensão sobre


“língua” e “dialeto”. De um ponto de vista político-linguístico, o dialeto é uma língua que não
desfruta do mesmo prestígio para ser reconhecido como tal.
No Brasil, mais precisamente, línguas de imigração e outras línguas em situação
minoritária têm pouca visibilidade e força para entrarem efetivamente na agenda política e,
inclusive, educacional do país, o que acaba legitimando o mito do monolinguismo nacional.
Essas línguas, convencionalmente, tendem a ser chamadas de dialetos, enquanto o português,
em uma variedade prestigiada ou na própria forma padrão, é o idioma legítimo, denominado
língua. Lagares (2018, p. 53) considera que, “quando o processo de invenção da língua nacional
alcança sucesso, como o português para o Brasil, todas as realidades linguísticas que não se
identificam com ela, como efeito colateral, passam a ser consideradas dialetos” (LAGARES,
2018, p. 57, itálico no original), reforçando o “mito de nação monolíngue”.
28

Diante dessas e outras questões, nas pesquisas sociolinguísticas, segundo Haugen


(2011 [1966]), o termo “dialeto” demanda algumas considerações, destarte o problema que
envolve as diferenças de compreendê-lo do ponto de vista científico e popular. Nesse âmbito,
inclusive, destaco as políticas de cooficialização municipal de línguas, que têm contribuído para
o reconhecimento de línguas indígenas e de imigração no Brasil, atribuindo-lhes o devido
estatuto político.
A sociolinguística esclarece que “dialeto” corresponde a qualquer variedade
linguística (HAUGEN, 2011 [1966]) e, portanto, é o que as pessoas de fato utilizam nas práticas
comunicativas. Podemos observar, então, que “[...] todo dialeto é uma língua, mas nem toda
língua é um dialeto” (HAUGEN, 2011 [1966], p. 98), uma vez que a norma-padrão da língua
portuguesa, por exemplo, é língua, e não uma variedade linguística de pertencimento de algum
grupo social.
Vale considerar, ainda, que o termo “dialeto”, no seu sentido mais popular, apresenta
uma carga semântica negativa (HAUGEN, 2011 [1966]) e, por isso, tem sido evitado em alguns
trabalhos acadêmicos no campo da linguística aplicada, política linguística e sociolinguística.
O linguista francês Louis-Jean Calvet (2002) contesta certos estereótipos frequentemente
formados sobre esse tema, tais como o de que língua corresponderia àquilo que pessoas
“civilizadas” falam e escrevem. O entendimento sobre o dialeto, como norma social, nesses
termos, resultaria do desprezo a determinadas formas de língua, distantes do ideal padrão; “é
uma forma excluída da sociedade polida” (HAUGEN, 2011 [1966], p. 99). Nesse sentido, o
dialeto, como, no Brasil, o “dialeto caipira”, o “dialeto alemão” (para a língua brasileira de
imigração), só para citar dois exemplos, configuram alusão às variedades linguísticas faladas,
convencionalmente, pelos grupos de agricultores, residentes de regiões interioranas,
pertencentes a classes social e/ou economicamente desfavorecidas.
A discussão de classes para compreender as definições de língua tem tomado um
espaço significativo de reflexão na política linguística. Nesse sentido, vale esclarecer que o
próprio capitalismo, nas sociedades contemporâneas, desencadeia desigualdades com relação
às línguas e suas conceituações. A contradição entre a “igualdade de oportunidades” e a
“divisão do trabalho” restringe o modelo de língua “legítima” a “habilidades técnicas”, que, de
certa forma, requerem investimento de capital financeiro do qual nem todos dispõem acesso
(HELLER; DUCHÊNE, 2012).
29

O julgamento das práticas linguísticas marginalizadas, com relação à linguagem


praticada pelas elites, como, por exemplo, o português “culto” 10, o alemão standard associado
à Europa, etc., resulta da desigualdade social, associada à desigualdade linguística. A
estandardização da língua nacional, ou seu processo de normatização, ligado ao “orgulho” da
nação e “lucro”/desenvolvimento econômico nacional (HELLER; DUCHÊNE, 2012),
desencadeia, pois, uma série de atitudes linguísticas voltadas à imposição da “língua única” (cf.
OLIVEIRA; ALTENHOFEN, 2011).
Diante disso, a eleição de uma norma linguística como a “língua legítima”
(BOURDIEU, 2008 [1982]) para representação de uma nação moderna é reflexo das normas
sociais de seus falantes, determinadas pelas relações de poder existentes entre os grupos de
pessoas, consequentes de uma história de desenvolvimento do Estado baseado em um modelo
político-econômico específico. “Língua legítima”, segundo o sociólogo francês Pierre Bourdieu
(2008 [1982]), é uma “língua semiartificial”, moldada aos interesses específicos de grupos
dominantes, que depende, na sua perpetuação, de imposições gramaticais, educacionais,
midiáticas, etc.
Essa imposição resulta, dentre outros apagamentos, na exclusão do ALBI como
constituinte do repertório linguístico nacional brasileiro. O grande desafio para a gestão do
multi/plurilinguismo se constitui a partir dos “mecanismos que conferem um efeito de
inexistência das demais línguas [para além do português] existentes no território nacional”
(BERGER, 2015, p. 153). Em alguns poucos contextos, o ALBI até pode ser reconhecido entre
os falantes brasileiros, mas, comumente, passa a ter uma conotação pejorativa, restrita ao dialeto
numa comparação ao padrão alemão europeu, encontrado nos currículos escolares ou em cursos
de idiomas, que tende a receber o status de língua. Convém reiterar que os processos de
apagamentos, na história linguística brasileira, negam a existência da diversidade de línguas,
invisibilizando, até mesmo, o que poderiam ser dialetos na perspectiva aqui problematizada.
Além disso, a língua portuguesa, quando em situação de contato linguístico em comunidades
brasileiras bilíngues (raramente reconhecidas como tal), também parece passar pelo julgamento
de usos “ruins”, sendo desqualificada como língua.

10
Utilizo as aspas no adjetivo culto como recurso gráfico para chamar a atenção do leitor ao termo amplamente (e
equivocadamente) utilizado em materiais didáticos de ensino de língua portuguesa, quando baseados no tratamento
normativo dado à língua como uma estrutura pronta e pré-estabelecida. Faraco (2008) problematiza essa
compreensão de língua e, em um jogo de palavras, contrapõe, à expressão “norma culta”, a “norma curta” da
língua, criticando o ensino de língua que prescreve, normatiza regras do “bom” uso do português sob um olhar
purista.
30

Essa desigualdade linguística, seguida do nacionalismo, é reflexo não só da ideologia


monolíngue associada ao “orgulho” em pertencer à comunidade nação, mas também das
regulações do “lucro” (HELLER; DUCHÊNE, 2012). Tais regulações, no século XXI, são
advindas de um novo modelo econômico assumido pelos Estados-nação modernos e partilhado
em novas plataformas midiáticas e digitais. À medida em que o Estado-nação apresenta
facilidade de se “desenvolver” economicamente, o discurso do “lucro” assume o papel de
legitimidade da língua, formando uma “indústria linguística” que torna a língua um processo e
um produto do trabalho (a título de exemplo, observamos trabalhos de “tradução, ensino de
línguas, reconhecimento de voz”, etc.) (HELLER; DUCHÊNE, 2012, p. 13, tradução minha).
As atividades econômicas modernas refletem formas de padronizar as técnicas de
regulação linguística, “inventando” uma concepção de língua restrita a uma habilidade técnica
(a qual nem todos têm acesso, como pontuei anteriormente) e oposta ao “dialeto”, falado por
grupos marginalizados de algum modo (cf. HELLER; DUCHÊNE, 2012). Destaco que faço
uso do verbo “inventar” no sentido de “invenção da língua” empregado por Makoni e
Pennycook (2015), como explico mais adiante, ainda neste capítulo.
Esse fenômeno cria um cenário propício de novas definições sobre proficiência e
legitimidade linguística como formas de investimento material e simbólico, impondo,
consequentemente, as desigualdades entre o que conta como língua e como falante ideal. Há
décadas, os dicionários e gramáticas de referência se tornam mecanismos para também
determinar o que é língua (ALÉONG, 2011 [1983]) e, por conseguinte, o que não é (ou o que é
dialeto). Na modernidade recente, novas ferramentas têm assumido esse papel de alguma forma,
através da produção de conteúdos midiáticos em plataformas digitais, redes sociais, a
“filtragem” de respostas em buscadores on-line, interação promovida por inteligência artificial,
etc.
Os processos de normatização linguística, certamente, caracterizam diversos conflitos
nas situações de línguas em contato, que emanam julgamentos acerca das práticas linguísticas,
ideologicamente construídas e representadas pelas “divisões sociais e geográficas entre as
pessoas. Essas diferenças, por sua vez, refletem o poder político e econômico que se estabelece
entre os grupos, impondo às línguas conotações diversas” (MELLO, 2011a, p. 9). As
diferenciações sociais e linguísticas, portanto, estão imbricadas em processos ideológicos,
políticos, econômicos e identitários, que, sem dúvidas, devem ser levados em conta nos estudos
sobre a linguagem para a compreensão das atitudes linguísticas.
31

Mello (2011b, p. 151) conceitua “atitudes linguísticas” a partir de comportamentos e


ações sobre as línguas e seus falantes. Essas atitudes, portanto, são constituídas em aspectos
sociais, que acabam por influenciar nas escolhas das pessoas em aprenderem línguas (seja a
língua “legítima” nacional, a língua em situação minoritária, uma “segunda língua de prestígio”,
etc.). Nesse conceito, a autora problematiza o fato de a escola vir a apresentar atitudes
linguísticas desfavoráveis ao multilinguismo, justamente porque as ideologias do
monolinguismo influenciam a atividade pedagógica, perpetuando políticas para o uso de um
ideal de língua como emblema de uma identidade também idealizada, excludente às práticas
situadas no contato linguístico.
A política de unificação das identidades em uma nacionalidade promove um
apagamento de condicionantes sócio-históricos e das múltiplas comunidades que coabitam um
país. Hall (2005) problematiza a configuração da “identidade nacional” a partir de um conjunto
de significados, culturas e símbolos em torno do nacionalismo, sendo capaz de influenciar as
representações que as pessoas criam para si em “nome da pátria”. Nesse processo de construção
de identidades nacionais, a invenção da língua desempenha o papel de unificar, tornar as
identidades uma unidade coesa para formação de uma “comunidade nação imaginada”
(ANDERSON, 2008 [1991]).
As tensões geradas diante das atitudes às línguas e seus falantes, portanto, são práticas
constituídas nas ideologias linguísticas. Garcez (2018, p. 734), alinhado ao trabalho de Irvine e
Gal (2000), discute as “ideologias linguísticas” a partir dos entendimentos que as pessoas
constroem sobre a realidade linguística na qual se situam, desencadeando em formas como
representam e pressupõem as práticas de linguagem.
Quando Irvine e Gal (2000) associam as “ideologias linguísticas” às práticas
comunicativas e às concepções de língua, remontam a três “processos semióticos” nos quais as
pessoas constroem suas representações ideológicas das diferenças linguísticas e que, por
consequência, repercutem em atitudes diante das línguas e das pessoas que as falam: (I)
“iconização” como um processo ideológico que cria um elo entre traços linguísticos a
representações sobre seus falantes (nesse caso, por exemplo, línguas têm se tornado ícones de
identidades nacionais em seus processos de estandardização); (II) “recursividade fractal”,
relacionada ao processo ideológico de oposições, quase que dicotômicas, que conduzem às
identidades (como, por exemplo, a oposição entre identidade nacional e estrangeira); (III)
“apagamento”, que invisibiliza grupos ou fenômenos sociolinguísticos (como ocorre com a
32

“construção” da nação monolíngue, “apagando” uma diversidade de línguas faladas por


diferentes grupos sociolinguísticos de um mesmo país).
Esses três “processos semióticos da ideologia” (IRVINE; GAL, 2000), constituídos
nas relações econômicas, educacionais e identitárias, contribuem, significativamente, para a
perpetuação de políticas linguísticas, que repercutem em novas ideologias sobre o que é aceito
como língua e sobre a norma linguística em si. A própria normatização da língua, a consagração
de certas formas linguísticas e a exclusão de outras retratam a ideologia linguística como “um
conjunto de julgamento de valores amplamente difundidos” (ALÉONG, 2011 [1983], p. 141) e
traduzidos em atitudes linguísticas, que integram o sistema de crenças e representações da
sociedade sobre o que é “certo”, “errado”, “bom”, “ruim”, etc. (MELLO, 2011a).
A partir das considerações até aqui abordadas, procuro refletir, em três novas
subseções, sobre os conceitos de língua e dialeto aliados às crenças acerca das línguas em
contextos de multilinguismo. Para isso, apresento, a seguir, o surgimento das línguas (ou o
imaginário de língua) motivado pelo surgimento dos Estados-nação modernos.

2.1.1 A influência dos Estados-nação para o surgimento das línguas

A nação moderna, como define Benedict Anderson (2008 [1991]), é produto da


constituição de uma “comunidade imaginada” limitada e soberana, a qual depende do
sentimento partilhado de identificação entre os seus membros como comunidade, mesmo que
não tenham qualquer contato direto com a maioria de seus companheiros. Essa “comunidade
nação” é imaginada como sendo limitada, considerando que “possui fronteiras finitas, ainda
que elásticas, para além das quais existem outras nações” (ANDERSON, 2008 [1991], p. 33);
e é imaginada como sendo soberana devido ao período Iluminista e de Revolução quando surge
o conceito de nação, desafiador à “legitimidade do reino dinástico hierárquico de ordem divina”
(para libertar-se da dominação divina, o Estado deve ser soberano) (ANDERSON, 2008 [1991],
p. 34).
De modo geral, a formação de Estados-nação modernos fez das línguas um símbolo
de identidade nacional, por meio do qual decorre a seleção de “uma variedade linguística
específica para servir como língua oficial” (LAGARES, 2018, p. 69, itálico no original). Essa
língua, em decorrência do mercado impresso, passa por um processo de padronização para
representar a nação; é o que Haugen (2011 [1966]) chama de “desenvolvimento da língua”.
Considerada um artefato cultural do nacionalismo entre “certos ideólogos nacionalistas”, a
33

língua passa a ser tratada, estrategicamente, como “emblema da condição nacional, como
bandeiras, trajes típicos, danças folclóricas e similares. Basicamente, a coisa mais importante
quanto à língua é sua capacidade de gerar comunidades imaginadas, efetivamente construindo
solidariedades particulares” (ANDERSON, 2008 [1991], p. 189, itálico no original).
Esses aspectos, que vão desde uma ordem social a uma ordem linguística, implicam o
favorecimento de um grupo de falantes, uma vez que a fixação de um modelo linguístico
nacional, como língua oficial, é promovido com base na língua da elite. Nas palavras do
linguista Stanley Aléong (2011 [1983]), que se propõe a discutir as normas linguísticas e
normas sociais, “[...] os usos normativos [de uma língua] jamais se distanciam dos das camadas
ou classes sociais dominantes” (ALÉONG, 2011 [1983], p. 162).
A padronização de uma língua, como consequência da “invenção” – ou “imaginação”,
para fazer referência a Anderson (2008 [1991]), da nação – consolida a relação entre Estado,
identidade nacional e língua, dando “origem” também à “invenção” do monolinguismo nacional
(LAGARES, 2018).
Entendo que as línguas legítimas das nações modernas sejam “invenções” (MAKONI;
PENNYCOOK, 2015), assim como seus conceitos correlatos (de dialeto, multilinguismo,
mudança de código...), cuja noção se assemelha à “discussão feita por Homi Bhabha (1994) a
respeito da “narração da nação”, e de Benedict Anderson (1983) sobre as “comunidades
imaginadas”” (MAKONI; PENNYCOOK, 2015, p. 14). O entendimento de que língua é uma
invenção, portanto, incide em uma narrativa construída socialmente sobre a língua e subjaz às
crenças conceituais específicas, como a de subordinação do dialeto, por exemplo.
A distinção entre língua e dialeto, sob esse aspecto, não depende de critérios
linguísticos11, e, sim, do jogo das normas sociais, que implica desigualdades, uma vez que
organizam grupos de pessoas em diferentes classes hierarquizadas. A ideologia linguística,
fundamentada no elo entre “orgulho” e “lucro”, perpetua concepções sobre a relação entre falar
“corretamente” a língua da nação com o desempenho, capacidade exigida para isso: as pessoas
precisam “se provar constantemente” pelos órgãos do Estado (“escolas”, “burocracias”,
“mídia”, etc.) para prosperar e prevalecer diante das “imposições de grupos dominantes”,

11
No campo da dialetologia, há, também, critérios linguísticos para distinguir e estudar dialetos. Coseriu (2017)
explica que o reconhecimento de um sistema linguístico como língua ou dialeto é “uma questão relacionada ao seu
status histórico”, na sua relação “com uma língua histórica” (COSERIU, 2017, p. 11, itálico no original). Nesses
termos, sob um olhar da dialetologia, poderíamos chamar de dialeto o português, o espanhol, etc., na sua relação
parental com o latim, assim como o “manezês” (variedade linguística falada em Florianópolis, SC), de igual forma,
seria um dialeto da língua portuguesa.
34

estando sempre em relações desiguais (HELLER; DUCHÊNE, 2012, p. 5, tradução minha).


Nesses termos, se as pessoas não tiverem essa “capacidade” linguística, não podem reivindicar
seu lugar numa posição de poder político e econômico. Como criticam Heller e Duchêne (2012,
p. 5, tradução minha), propaga-se a crença de que “Se você não aprendeu, é porque não tem
competência para fazê-lo, seja por motivos morais ou físicos (cérebros subdesenvolvidos,
fraqueza, emotividade, incapacidade de concentração ou estupidez)”12.
O sistema escolar, sem dúvidas, atua como um órgão legitimador do Estado nessa
crença, embora, como sustenta Bourdieu (2008 [1982]), o domínio familiar também tem
desempenhado um papel significativo para reproduzir o “capital linguístico” e ideologias a ele
atreladas. A família, pois, ensina às crianças o valor, no mercado de trabalho, que a competência
da língua legítima pode representar. Por isso, a família é um dos domínios que contribui para
conservar a legitimidade linguística já imbricada no jogo social, baseado na “economia da
língua” como um “processo” e “produto do trabalho” (BOURDIEU, 2008 [1982]).
A concepção de língua criada na política dos Estados-nação modernos gera coerções
que, como preconiza Aléong (2011 [1983]), não só evidenciam o caráter relativo de todo juízo
de valor sobre a língua, mas também invisibilizam a existência de várias normas que coexistem
(em desigualdade) na sociedade. Uma norma linguística, portanto:

se impõe e é imposta por todo um aparelho prescritivo como a língua de referência


pela qual deve-se medir todos os comportamentos. É a língua correta [...] que, por
definição, classifica todas as outras formas possíveis no domínio dos erros e
incorreções ou, para empregar um termo mais recente, do não padrão. Trata-se,
portanto, de um código normalizado de regras imperativas que definem o certo e o
errado em matéria de pronúncia, de gramática, de ortografia e de estilo (ALÉONG,
2011 [1983], p. 148).

Isto posto, Aléong (2011 [1983]) entende que os julgamentos, pautados em um ideal
normativo, com o apoio de determinadas instituições e grupos de maior prestígio social, podem
desqualificar as formas linguísticas que se afastam do padrão de uma língua, ainda que sejam,
frequentemente, usadas por seus falantes em diferentes situações de interação social. Nessa
condição, o “capital linguístico”, ainda que “ameaçado” pelo multilinguismo, se mantém a
partir da determinação do “valor” que a competência da “língua legítima” representa no

12
“If you don’t speak the language of the nation, and speak it properly, you show that you lack the ability to reason
and the strength to prevail that citizenship requires; you therefore can’t claim access to political and economic
power. If you haven’t learned it, it is because you lack the competence to do so, for either moral or physical reasons
(underdeveloped brains, weakness, emotionality, inability to concentrate, or stupidity).” (HELLER; DUCHÊNE,
2012, p. 5).
35

“mercado” (BOURDIEU, 2008 [1982]). O sistema de ensino, então, atua na perpetuação de um


“monopólio” de condições políticas e sociais para a reprodução do “capital linguístico” (desse
valor social da competência de uso da língua legítima) (BOURDIEU, 2008 [1982]).
Em termos históricos, Lagares (2018, p. 83) explica que a situação do monolinguismo
é recente, “como consequência das mudanças produzidas pela modernidade” e, de acordo com
Anderson (2008 [1991]), influenciadas, no surgimento das nações, pelo capitalismo,
especialmente o tipográfico, que é aquele que inaugura o “mercado linguístico” (BOURDIEU,
2008 [1982]). Decorre daí uma política de unidade e coesão linguística em favor de um ideal
nacional (HAUGEN, 2011 [1966]; LAGARES, 2018), elegendo um código linguístico como
norma-padrão da língua oficial. Esse “mercado linguístico”, entretanto, vem sofrendo
mudanças significativas nos embates políticos advindos com a era da informação, na qual as
tecnologias modificam e criam novos contextos de interação.

2.1.2 A oficialização da língua: normas sociais para normas linguísticas

A reflexão sobre o processo de oficialização das línguas implica considerarmos a


normatização como “produto de forças sociais e políticas que de fato não passam das
manifestações das normas sociais” (ALÉONG, 2011 [1983], p. 167). Diante disso, compreendo
que a história do “desenvolvimento” das línguas (HAUGEN, 2011 [1966]) está intimamente
relacionada à história das nações; e que é na identificação com a nação que as pessoas tendem
a determinar, nas suas relações sociais, o que é língua e o que é dialeto, possivelmente
influenciadas pela concepção de um monolinguismo nacional.
Nesse contexto, é necessário reiterar que a língua nacional só se torna oficial por conta
de uma “imposição” ou “imperialismo linguístico” aos falantes (MAKONI; PENNYCOOK,
2015), como o modelo para a identificação com o Estado-nação: “Não é que a língua nacional
tenha se tornado oficial porque já era previamente comum aos cidadãos; ela se torna
efetivamente comum, em situações mais ou menos aceitáveis de diglossia, quando o Estado age
com eficácia na imposição da língua oficial” (LAGARES, 2018, p. 57, itálico no original).
A “imposição linguística” ou o “imperialismo linguístico”, portanto, consiste nos
próprios aspectos em como um vernáculo se “desenvolve” (HAUGEN, 2011 [1966]) como
língua, “e na maneira como definições particulares daquilo que conta como língua são
construídas e impostas” (MAKONI; PENNYCOOK, 2015, p. 16).
36

Considero, nesta tese, que a “língua legítima” corresponde, então, a uma invenção (a
“invenção da língua”, para fazer referência a Makoni e Pennycook (2015)), cuja manutenção
depende de algumas instituições sociais, dentre as quais está o sistema escolar, midiático,
editorial, o Estado e as tecnologias de informação.
A eficácia do monolinguismo, portanto, não é reflexo exclusivo das coerções
legislativas. Essas coerções, é claro, impuseram a aquisição do português ao cidadão brasileiro,
mas não garantiram, sozinhas, que um certo modelo de língua fosse utilizado ou perpetuado
como legítimo. É necessário considerar, ainda, o papel desempenhado pela educação e pelo
capitalismo para essa legitimidade, assegurando uma “estabilidade” das desigualdades sociais
e linguísticas (HELLER; DUCHÊNE, 2012).
Quanto ao papel desempenhado pelo capitalismo para a propagação de ideologias
linguísticas, reitero o elo entre “orgulho” e “lucro” nos “conjuntos culturais dinâmicos do
mundo atual” (HELLER; DUCHÊNE, 2012, p. 4, tradução minha). O sentimento de orgulho,
em particular, é essencial para o Estado-nação moderno no sentido de construir discursos que
o sustente, de inventar uma língua que o represente e de manter o modelo político-econômico
do país (HELLER; DUCHÊNE, 2012). Afinal, à medida em que a produção do lucro e sua
distribuição desigual são legitimadas nas formas de acessar e negar direitos pela língua, as
pessoas que habitam a nação passam a empreender uma busca pelo conhecimento linguístico
ideal, sob a promessa de ascensão ao poder (HELLER; DUCHÊNE, 2012). Por causa do
sentimento do “orgulho”, segundo Heller e Duchêne (2012, p. 3; p. 10; p. 12; p. 13), a
“mercantilização” da língua, já no “capitalismo tardio”, continua incitando os valores
simbólicos do Estado-nação, para alimentar o “lucro” de um mercado baseado em bens e
serviços linguísticos (como tradução, ensino de habilidades técnicas relacionadas às línguas,
revisão, serviços de redação, materiais didático-instrucionais, etc.).
Os sentimentos de orgulho e pertencimento à nação, evocados em conjunto com seus
símbolos (bandeira, língua, literatura, mapa), são dimensões essenciais de “habitar versões de
Estado-nação”, que conduzem as pessoas a terem “acesso à escola, a votar, entrar no exército e
pagar seus impostos” (HELLER; DUCHÊNE, 2012, p. 5, tradução minha). Novas dessas
versões continuam sendo inventadas, conforme as interações virtuais avançam, embora sejam
misturadas aos símbolos pré-existentes, como o próprio ícone da bandeira para a seleção de
uma versão linguística dentro de dada plataforma digital.
Jung e Silva (2021), com base em Heller (2010), também explicam que, para ter
acessos como cidadão de uma nação, é preciso partilhar dessa ideologia da língua nacional,
37

apresentada como habilidade técnica, que requer investimento de capital, especialmente em


educação. É pela língua, portanto, que é possível exercer a cidadania, assim como negar acessos
ao cidadão. Por isso que, como já destaquei em outro momento deste texto, o elo “orgulho” e
“lucro”, no sentimento criado na comunidade nação, determina o que conta como “língua ideal”
ou o que conta como “falante ideal”.
Embora “as condições da constituição de um mercado lingüístico unificado e
dominado pela língua oficial” tenham sido criadas pelo Estado, capaz de instituir essa língua
como a única legítima nos espaços escolares, legislativos, públicos, etc. (BOURDIEU, 2008
[1982], p. 32), novos instrumentos de poder político, numa modernidade recente, passam a
influenciar diretamente nas práticas de linguagem. A legitimidade da norma linguística oficial,
portanto, depende do trabalho de fixação e codificação realizado pelos gramáticos e professores,
depende do Estado, que alinhará a língua aos interesses político-econômicos específicos, e
depende dos modos de vida digitais e globais que, de certa forma, certificam as línguas e
prestam serviços linguísticos aos seus falantes.
Ademais, pensar a invenção de língua, o capital linguístico e os processos ideológicos
imbricados nas compreensões sobre a relação língua, nação e dialeto, é essencial para o
posicionamento pedagógico crítico na educação linguística mais voltada à inclusão que a
coerções. Nesse âmbito, a própria escola é um domínio que ampara o uso “correto” da língua,
ao mesmo tempo em que tem potencial para estabelecer rupturas de uma série de atitudes
linguísticas negativas construídas socialmente ao plurilinguismo.
Pennycook (2006b, p. 79), em referência ao debate iniciado por Bourdieu (2008
[1982]), também argumenta que o “capital linguístico” pode nos auxiliar a compreender os
valores socialmente construídos e perpetuados sobre as línguas, embora seja necessário
evitarmos o “determinismo” sobre como ocorre a reprodução da desigualdade social e
linguística (PENNYCOOK, 2006b).

O que é necessário, então, é uma maneira de entender a resistência e a mudança, uma


melhor compreensão do que realmente acontece nas salas de aula e uma sensação de
que nós, como educadores, podemos fazer alguma coisa. Precisamos escapar de
análises críticas superdeterministas e supertotalizantes para mostrar como a educação
pode fazer a diferença.13 (PENNYCOOK, 2000, p. 96, tradução minha).

13
“What is needed, then, is a way of understanding resistance and change, a better understanding of what actually
goes on in classrooms, and a sense that we, as educators, can do something. We need to escape over-deterministic,
overtotalizing critical analyses to show how education may make a difference.” (PENNYCOOK, 2000, p. 96).
38

Diante disso, ainda que o professor seja um agente da escola, enquanto “aparelho
ideológico de Estado” (ALTHUSSER, 1987), sujeito aos ditames do currículo e dos planos de
ensino, também é agente de outras políticas que atuam na agenda oculta das salas de aula. A
“agenda oculta” de uma política linguística se refere, segundo Shohamy (2006), aos efeitos
causados por mecanismos, “desconhecidos” pelo “público”, que compõem e criam “práticas
linguísticas”. Existem ações provenientes de figuras de autoridade que, implicitamente,
regulam as línguas, como, por exemplo, um “teste de idioma escolar”, capaz de determinar o
que conta como língua em espaços privilegiados sem qualquer declaração oficial (SHOHAMY,
2006). Conforme Shohamy (2006, p. 138):

[...] os mecanismos podem, frequentemente, servir como ferramentas para criar


políticas encobertas e ocultas. Isso porque as políticas de facto, por meio dos
mecanismos, são, na maioria das vezes, iniciadas por autoridades centrais em
contradição frequente com as políticas declaradas/explícitas e, assim, contornam e
criam novas políticas oficiais.14 (SHOHAMY, 2006, p. 138, tradução minha).

O professor, como uma figura de autoridade na sala de aula, também cria novas
políticas linguísticas, cujas agendas ocultas podem entrar em contradição com políticas oficiais,
a partir das suas redes sociais, das suas crenças linguísticas, das interpretações que realiza, etc.
Spolsky (2016) explica que a gestão linguística, as “crenças” e as “práticas linguísticas” são
derivadas de “forças internas” dos domínios da vida social, embora também haja “forças
externas” a cada domínio. Os diversos papeis sociais que uma mesma pessoa assume
(professora, mãe, membro da comunidade, vizinha...) implicam lançar mão de práticas e crenças
linguísticas relacionadas a cada um desses papeis. Como consequência, na realidade de uma
profissional da educação, valores de outros domínios podem ser favorecidos quando se está
dentro de uma sala de aula, onde mitos, ressentimentos e ideologias relacionadas às línguas
podem entrar em conflito com dada proposta educacional, seja na forma de interpretar os
currículos e diretrizes educacionais, seja no posicionamento pedagógico diante desses
documentos, de alunos e outros membros da comunidade escolar.
Vale destacar que, em decorrência da regulação social de estratificação dos grupos de
pessoas, as línguas, as formas linguísticas e os próprios conceitos relacionados (como de
dialeto) também sofrem hierarquias sociais. Essa estratificação resulta, ainda, em atitudes
linguísticas (positivas ou negativas) aos falantes que, em suas práticas de linguagem, ecoam

14
“[…] the mechanisms can often serve as tools for creating covert and hidden policies. This is because the de
facto policies, via the mechanisms, are most often initiated by central authorities, often in contradiction to the
declared policies and thus circumvent official policies and create new ones” (SHOHAMY, 2006, p. 138).
39

posições sociais, podendo, como mencionei, adentrar as salas de aula. Nessa condição, venho
argumentando que a metalinguagem institucionalizada sobre a língua reflete também as
próprias desigualdades sociais, associadas à classe, ao gênero, às origens étnicas, às origens
geográficas, etc. Tais desigualdades, como efeito, estruturam os letramentos, em gêneros
textuais/discursivos, em estilos linguísticos legítimos, em discursos destinados a se tornarem
exemplos de “uso correto”, que também estão, hierarquicamente, situados em instituições,
como a escola, a igreja, o sistema jurídico, etc. (BARTON; HAMILTON, 2004; BOURDIEU,
2008 [1982]).
Tradicionalmente, tais instituições, onde se engendra a “arena de lutas”
sociolinguísticas, retratam todo um sistema de condições desiguais do “capital linguístico”,
determinado por “instrumentos de expressão” (BOURDIEU, 2008 [1982]) pelos quais se opera
o uso da língua legítima. As gramáticas e dicionários, como discute Aléong (2011 [1983]), e os
textos de escritores consagrados pela própria cultura escolar, como exemplifica Bourdieu (2008
[1982]), já ocuparam esse lugar de instrumentos de poder, compartilhado e modificado, no
século XXI, com o letramento midiático-informacional, de múltiplas autorias no mundo digital.
O discurso escrito, “digno de ser publicado (quer dizer, oficializado)” (BOURDIEU, 2008
[1982], p. 45), adquire novas nuances, embora ainda seja submetido a determinadas regras
sociais, que operam a condição necessária para a “competência linguística”. A escola, agora ao
lado de novas plataformas midiáticas e digitais, cria uma relativa “estabilidade” do “mercado
linguístico” (BOURDIEU, 2008 [1982]), ideologicamente construído desde o Estado-nação
moderno, mas modificado pelo capitalismo, pela “comunidade global” e disputas de poder.

2.1.3 As orientações vinculadas à língua, ao multilinguismo e ao plurilinguismo

A imposição de uma única língua legítima nacional atua na propagação de atitudes


negativas ao multilinguismo, conforme discussões até o momento apresentadas. O “cidadão do
mundo” (HELLER; DUCHÊNE, 2012) começa a “contestar” a frequente educação
monolíngue, como uma forma de reivindicar sua participação na globalização, ao mesmo tempo
em que suas práticas de linguagem são influenciadas pela formação de novas relações de poder.
Mídias virtuais, distribuídas em aplicativos on-line de interação, e até mesmo as Big Techs,
competem pelo controle sobre a “norma” linguística e social, embora o Estado e a escola
continuem servindo às políticas explícitas que também impactam, de longa data, nas atitudes
sobre as línguas. Tradutores eletrônicos, como Google Translator, as formas de inteligência
40

artificial, como ChatGPT, são exemplos de novos “instrumentos” de poder sobre as línguas.
Através dos serviços de tradução, revisão, redação, etc., pautados numa prática de corpus
linguístico, essas ferramentas da nova era digital também são capazes de manipular as práticas
de linguagem da massa e, acrescento, numa proporção tão impactante quanto a própria
escolarização (ou, em muitas situações, de forma ainda mais influente). Como consequência,
essas ferramentas fazem surgir atitudes positivas ou negativas sobre práticas de linguagem,
determinando padrões que se materializam nos serviços textuais entregues aos usuários dessas
tecnologias, que observam escolhas linguísticas como “melhores”, mais “recomendadas”, mais
“frequentes”.
As ideologias de regulação linguística das novas mídias na era digital, do mercado
econômico, da escola, etc., se constituem em “mecanismos”, ou “dispositivos de políticas
linguísticas” (cf. SHOHAMY, 2006). Os “mecanismos políticos”, sejam eles implícitos
(ocultos) ou explícitos, afetam, “criam e perpetuam a política linguística de facto” (as práticas
de linguagem) (SHOHAMY, 2006, p. XV, tradução minha), manifestando-se em diferentes
domínios sociais e reproduzindo interesses de grupos que exercem alguma “autoridade” em tais
domínios, como na própria sala de aula.
Entendo que essa discussão precise perpassar pelas diferentes áreas de estudos
linguísticos, levando em conta os dispositivos políticos relacionados ao status da língua entre
os falantes e as decisões tomadas com base nesse status. Diante disso, evidencio os conceitos
correlatos à língua (como dialeto, variedade, multilinguismo, plurilinguismo, etc.) como uma
estratégia político-linguística para a “desinvenção” das línguas (MAKONI; PENNYCOOK,
2015), no sentido de problematização de definições pré-estabelecidas e hegemonicamente
difundidas.
Espero que a academia, assim, seja um lócus de legitimação das práticas linguísticas
socialmente minorizadas, trabalhando a favor dos falantes dessas línguas, e não das
normatizações da ideologia linguística dominante. Por conseguinte, entendo a importância de
adotarmos, nas nossas pesquisas, uma perspectiva que se proponha a vencer a dicotomia “língua
e dialeto”, como almejam César e Cavalcanti (2007), para reconhecermos que as línguas em
situação minoritária, como as línguas de imigração, ainda faladas hoje no Brasil, são tão
legítimas como o português padrão ou a língua europeia retratada como língua nacional em seu
país de origem.
A invenção da língua na abordagem debatida neste capítulo, além de favorecer a
difusão do monolinguismo, também favorece uma consequente percepção superficial do
41

conceito de multilinguismo. Segundo Hamel (2013a), a orientação do multilinguismo desafia,


desde o início do século XX, a ideologia do monoculturalismo e do monolinguismo, reforçada
pelo Estado nacional, embora o autor proponha repensarmo-la criticamente a partir do
plurilinguismo:

Essas orientações [de multiculturalismo e multilinguismo] reconhecem a existência


de minorias étnicas, mas definem a diversidade negativamente como um problema (“o
problema indígena”). As expressões culturais e linguísticas dos indígenas e outras
minorias [como de falantes de línguas de imigração] são reconhecidas como um
problema e como um direito, e sua existência é vista como uma barreira para a
Unidade nacional (ver Ruiz 1984 para uma conceituação diferente). O
pluriculturalismo e o plurilinguismo representam uma terceira orientação baseada na
perspectiva do enriquecimento. Essa visão compartilha com o multiculturalismo um
reconhecimento semelhante da diversidade factual, mas difere em sua avaliação. A
diversidade é considerada em uma teoria de base cultural estabelecida nos
fundamentos teóricos da educação intercultural (Monsonyi & Rengifo 1983)15
(HAMEL, 2013a, p. 611, tradução minha).

Essas três orientações – (1) monoculturalismo e monolinguismo, (2) multiculturalismo


e multilinguismo, (3) pluriculturalismo e plurilinguismo – segundo Hamel (2013a), seguem
presentes e em disputa na sociedade contemporânea. De acordo com o autor, a questão
fundamental, hoje, no amplo contexto de transformações sociais da América Latina, “é como
passar de uma orientação multilíngue e multicultural que reconhece a diversidade, mas a
considera um problema, para uma perspectiva de enriquecimento plurilíngue e pluricultural”16
(HAMEL, 2013a, p. 611, tradução minha). Destaco, no entanto, que, nesta tese, o uso dos
termos multilinguismo e plurilinguismo não objetiva competir espaços de abordagem teórica.

Como May (2014: 9) apontou, adotar essa noção antiessencialista de linguagem


significa ver o multilinguismo, consideravelmente, como um “fenômeno complexo,
dinâmico e poroso”, envolvendo “múltiplas práticas discursivas”, em diferentes
modalidades. Nessa perspectiva, o multilinguismo não pode mais ser entendido como
a simples coexistência de um conjunto de línguas, em um lócus estático, harmonioso
e homogêneo. Em vez disso, como Heller (2012: 32) colocou, o multilinguismo é “um
conjunto de recursos comunicativos ideologicamente carregados, sempre
desigualmente distribuídos, em um campo de jogo sempre desigual”. Isso significa
que é potencialmente um local de turbulência e identidades conflitantes. Como

15
These orientations acknowledge the existence of ethnic minorities but define diversity negatively as a problem
(“the Indian problem”). The cultural and linguistic expressions of indigenous and other minorities are recognize
both as a problem and as a right, and their existence is seen as a barrier to national Unity (see Ruiz 1984 for a
different conceptualization). Pluriculturalism and plurilingualism represent a third orientations based on an
enrichment perspective. This vision shares with multiculturalism a similar recognition of factual diversity but
differs in its valuation. Diversity is considered in a cultural base theory as laid down in the theorical foundations
of intercultural education (Monsonyi & Rengifo 1983) (HAMEL, 2013a, p. 611).
16
“The fundamental question today is how to move from a multilingual and multicultural orientations that
recognizes diversity but regards it as a problem to a plurilingual and pluricultural enrichment perspective”
(HAMEL, 2013a, p. 611).
42

Blackledge et al. (2014: 191) observaram, os conceitos centrais no estudo da


linguagem na vida social devem ser “mobilidade, mistura, dinâmica política e inserção
histórica”. (CAVALCANTI; MAHER, 2018, p. 1, tradução minha)17.

Como venho discutindo, os conceitos correlatos à língua são construções sociais e,


aqui, prefiro constituir, em acordo com a abordagem teórica crítica assumida por Cavalcanti e
Maher (2018), dentre outros, um tratamento ao multilinguismo dentro de uma orientação que
possa ser equivalente à abordagem plurilíngue proposta por Hamel (2013a), associada a um
olhar intercultural e transcultural.
Lanço um olhar “intercultural” no sentido de reconhecer a prática linguística entre
diferentes grupos socioculturais de forma democrática, a favor da promoção de políticas que
deem visibilidade a esses grupos e suas línguas (cf. LÓPEZ, 2013). Assumo, ao mesmo tempo,
uma postura relacionada à noção de “transculturalidade”, que traduz processos culturais
contemporâneos, nos quais se evidenciam as realidades “mescladas” e “transitórias”,
“contaminadas”, “interpenetradas”, “mestiças”, “desterritorializadas”, “indefinidas”, etc.
(COX; ASSIS-PETERSON, 2007), para além da fragmentação de línguas e culturas.
Por fim, reitero, nesta seção, que os fenômenos linguísticos originados nesses
encontros entre culturas linguísticas, que geram a “mistura”, conduzem a um olhar sensível às
práticas de linguagem reconhecidas como alemão e português no contexto investigado,
atribuindo-lhes o devido status político de línguas (e não dialetos “subalternizados”).

2.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE POLÍTICA LINGUÍSTICA

A política linguística, desde seus primórdios, esteve diretamente ligada à intervenção


humana sobre as línguas. Embora seja um campo teórico relativamente recente nos estudos
linguísticos, as intervenções sobre as línguas não são novidade na vida social: “[...] sempre
houve indivíduos tentando legislar, ditar o uso correto ou intervir na forma da língua. De igual
modo, o poder político sempre privilegiou essa ou aquela língua, escolhendo governar o Estado
numa língua ou mesmo impor à maioria a língua de uma minoria” (CALVET, 2007, p. 11).

17
As May (2014:9) has pointed out, adopting this anti-essentialist notion of language means viewing
multilingualism as a significantly “complex, dynamic and porous phenomenon”, involving “multiple discursive
practices”, in different modalities. From this perspective, multilingualism can no longer be construed as the simple
coexistence of a set of languages, in a static, harmonious and homogeneous locus. Instead, as Heller (2012:32) has
put it, multilingualism is “a set of ideologically-loaded communicative resources, always unequally distributed,
on an always uneven playing field”. This means that it is potentially a site of turbulence and conflicting identities.
As Blackledge et al. (2014:191) have noted, the core concepts in the study of language in social life should be
“mobility, mixing, political dynamics, and historical embedding”. (CAVALCANTI; MAHER, 2018, p. 1).
43

Justamente por ser um campo de pesquisa recente e interdisciplinar, a política


linguística “não possui um quadro conceitual e terminológico fechado” (BERGER, 2021, p.
120). Segundo Cooper (2000 [1989], p. 29), a política linguística, às vezes, “aparece como
sinônimo de “language planning””, traduzido para o português como planejamento linguístico.
Ao questionar se a política é um resultado do planejamento ou se é o planejamento que
inclui a política, Hornberger (2006, p. 25, tradução minha) reflete acerca da compreensão e do
desacordo sobre “a exata natureza da relação desses termos”. Citando Fettes (1997) e Grabe
(1994), Hornberger (2006, p. 25, tradução minha) explica que as políticas linguísticas podem
ser formuladas aleatoriamente, distanciando-se da idealização de um planejamento linguístico,
o que resulta na proposição de uma “rubrica conceitual unificada”, que não exija a preexistência
da política sobre o planejamento e vice-versa.
A partir de variados contextos de pesquisas (locais, regionais e globais) e de diferentes
domínios (familiar, educacional, legislativo, dentre outros) (BERGER, 2021), uma
metalinguagem diversificada vem sendo empregada: (I) “planejamento linguístico” e “política
linguística” de forma distinta; (II) “planejamento e política linguística” de forma conjunta; (III)
“engenharia linguística” e/ou “tratamento linguístico”; (IV) “política linguística”; (V)
“glotopolítica linguística”; (VI) “desenvolvimento linguístico”; (VII) “regulamentação
linguística” (cf. COOPER, 2000 [1989]; SILVA, 2013), etc. Destaco que, nesta tese, apesar de
propor diálogos com textos que apresentam terminologias distintas, utilizo “política linguística”
para designá-la na sua totalidade (cf. HORNBERGER, 2006), chamando a atenção para a
educação bilíngue em Pomerode como uma política linguística que, ao mesmo tempo em que
promove a manutenção da língua alemã, também promove sua revitalização18 com a aquisição
dessa língua na escola. Além disso, a política oficial de educação bilíngue, em Pomerode,
também gera novas políticas linguísticas, implícitas nas práticas pedagógicas das professoras,
que lidam, cotidianamente, com a complexidade sociolinguística desse contexto em estudo.
Temas como funções das línguas em situação de diglossia, o status, a aquisição das
línguas, as iniciativas de revitalização, etc., também começaram a fazer parte do debate da PL
no diálogo entre a sociolinguística e a linguística aplicada, disciplinas parentais que reivindicam

18
Destaco que, quando falo em “revitalização” e “manutenção” da língua, não me refiro a uma visão estática de
língua convencionalmente associada ao “resgate” de uma “cultura tradicional” (CAVALCANTI, 2006, p. 248-9).
Pelo contrário, refiro-me a uma política que, a partir da inclusão da língua na escola, perpetua o bilinguismo de
crianças que falam alemão desde o domínio familiar e, ao mesmo tempo, revitaliza esse bilinguismo, no sentido
de lhe dar uma nova vida com práticas de linguagem que inovam os letramentos escolares, modificando-os. Essa
perspectiva requer admitir, portanto, que “a competência comunicativa de um falante multilíngue é algo em estado
permanente de mutação” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 69-70).
44

a PL como seu subcampo (cf. COOPER, 2000 [1989]). Como consequência, linguistas passam
a usufruir de desenvolvimentos teóricos críticos e pós-modernos das ciências sociais para
infundir uma nova perspectiva e ênfase, que pudesse levantar críticas à abordagem mais
inaugural (HORNBERGER, 2006).
Essa base crítica na PL requer partir do princípio democrático e político “de que as
pessoas que vivenciam as consequências da política linguística devem ter um papel importante
na tomada de decisões políticas” (TOLLEFSON, 2006, p. 45, tradução minha)19. Nesses termos,
Tollefson (2006) apresenta como conceitos-chave da política linguística crítica: o poder, a luta,
a colonização, a hegemonia e a ideologia, e a resistência. Situo o presente estudo, sobre PL em
uma sala de aula bilíngue de língua portuguesa, considerando uma abordagem crítica quanto
aos postulados acerca da democracia linguística e cultural, num contexto de contatos e conflitos
linguísticos.
Para propor uma abordagem de PL ao contexto desta tese, procurei compreender,
inicialmente, a consolidação dos conceitos e modelos que foram desenvolvidos nas primeiras
décadas desse campo de estudos e as críticas a eles levantadas. Nesta seção sobre PL, então,
pretendo, ainda, (I) descrever alguns caminhos percorridos por esse campo acadêmico e
atividade técnico-científica; (II) apresentar o debate sobre as instituições reconhecidas para o
planejamento linguístico e como planejam, sobre os objetivos do planejamento e as
comunidades afetadas por ele; (III) tratar das diferentes orientações de língua que guiam as
políticas linguísticas; e, por fim, (IV) refletir sobre sua orientação crítica.

2.2.1 A consolidação da política linguística e seus impactos iniciais como campo


acadêmico e atividade técnico-científica

Nesta seção inicial acerca da PL, apresento uma abordagem inaugural sobre o campo,
que coincide, inclusive, com as atitudes colonizatórias envolvendo a relação com países em
“desenvolvimento” e com o avanço científico da linguística. Ademais, compreender essa
abordagem requer uma reflexão sociológica para reconhecer de onde ela parte, como é
“posicionada” (cf. IRVINE; GAL, 2000). Esse posicionamento é construído ideologicamente
dentro de um tempo e espaço do qual a própria linguística está situada.

19
Most CLP researchers accept the political principle that people who experience the consequences of language
policy should have a major role in making policy decisions (e.g., Williams & Morris, 2000). (TOLLEFSON, 2006,
p. 45).
45

Na sua fase mais inicial, a atividade política, em relação às línguas, consistiu em


resolver “problemas linguísticos” por meio do planejamento, a fim de “solucionar” o
“obstáculo” da diversidade de nações novas, em desenvolvimento e pós-coloniais (CALVET,
2007; SILVA, 2013).
Silva (2013), então, situa o surgimento da PL com o processo de descolonização de
partes da África e da Ásia a partir dos anos 1950, cuja diversidade linguística se mostrava como
uma “barreira” para o “desenvolvimento” das nações baseadas no modelo de Estado-nação
monolíngue e monocultural dominante na Europa.
Makoni e Meinhof (2006, p. 192) descrevem, criticamente, que, “até recentemente, o
“problema da língua” na África vinha sendo explicado com base na existência de línguas
demais”, cuja solução seria a intervenção por meio de um planejamento linguístico voltado ao
“uso de uma única língua “europeia” como língua nacional”. A preocupação com a diversidade
linguística em países africanos resultou, muitas vezes, em trabalhos de categorização e
enumeramento das línguas por meio de censos, que condizem ao colonialismo na África ainda
hoje, uma vez que se utilizam fortemente de nomes e descrições das línguas a partir dos modelos
europeus. Dessa forma, há uma imposição a esses povos que vejam suas línguas “através das
lentes coloniais” (MAKONI, 2019, p. 390). A partir da abordagem da ““linguística humana”
(YNGVE, 1996) sobre o planejamento linguístico na África”, Makoni (2019, p. 379) propõe
pensar os indivíduos antes de suas línguas e a pensar a própria “desinvenção” das línguas
africanas no nível discursivo, essencialmente, a partir da “desinvenção” do conceito europeu de
língua imposto à África.
Esse contexto colonial de PL não se restringe aos países africanos. Para que o Brasil
avance com suas próprias pautas sobre as línguas, também se torna necessário questionar a
abordagem impositiva das línguas sobre os indivíduos, como se fossem subalternos a elas. Mais
do que impor a língua como uma entidade “inventada” (MAKONI, 2019) para unificar
identidades em prol de uma “comunidade nação imaginada” (ANDERSON, 2008 [1991]),
deveríamos contestar a sua “existência” (MAKONI, 2019).
A língua foi/é importante ferramenta no processo de colonização, ressoando ainda hoje
na forma como vemos e entendemos o que conta como língua no Brasil e o que conta como
língua brasileira. Por isso, entendo que a “ideologia monolíngue”, que ganha forças “desde os
tempos coloniais, tem camuflado a realidade plurilíngüe do país”, limitando, dentro da própria
linguística, além de instituições governamentais, o debate acerca de “questões empíricas e
46

teóricas levantadas pelos estudiosos das políticas linguísticas” numa abordagem crítica
(OLIVEIRA, 2007, p. 8).
As regulamentações das línguas faladas por comunidades brasileiras em situação
minoritária, ainda que necessitem avançar em prol de seus falantes, entram em pauta na
universidade, a partir da “virada político-linguística”, que, segundo Oliveira (2007, p. 9),
corresponde ao:

[...] movimento pelo qual os linguistas (mais que a linguística) passam a trabalhar
junto com os falantes das línguas, apoiando tecnicamente suas demandas políticas e
culturais. Deixam de atuar no campo da ‘colonização de saberes’ para atuar no campo
que Boaventura Santos chama de ‘comunidade de saberes’, e passam do campo
universitário ao campo dos conhecimentos pluriversitários, o que prioriza a pesquisa-
ação sobre uma visão de pesquisa que tem tratado os falantes das línguas como meros
informantes descartáveis, uma vez que o gravador capture o ‘dado’ linguístico
(OLIVEIRA, 2007, p. 9).

No Brasil, a “virada político-linguística” (OLIVEIRA, 2007) pode ser encarada como


um importante marco para os avanços das pautas das próprias comunidades de descendentes de
imigrantes, incluindo movimentos de cooficialização de suas línguas, além da cooficialização
de línguas indígenas, políticas de tradução e interpretação de Libras, políticas de educação
intercultural e bilíngue, etc.

2.2.2 “Quem planeja o que, para quem e como?” (COOPER, 2000 [1989], p. 31)

Cooper (2000 [1989], p. 30-31) apresenta 12 conceitos que foram constituindo a


literatura especializada sobre a política linguística, desde a publicação inaugural de Haugen no
final da década de 1950 até o contexto de produção do seu livro, em 1989. Conjuntamente a
outros linguistas que marcaram as décadas de 1980 e 1990, no que se refere à PL, as postulações
de Cooper (2000 [1989]), certamente, contribuíram com a formulação de críticas às abordagens
iniciais desse campo, cuja legitimidade científica estava, até então, sendo atribuída, mais
fortemente, à ideologia do monolinguismo: “Os críticos argumentavam que a diversidade
linguística não pode e não deve ser definida como um “problema” na medida em que as
comunidades minoritárias devem ter o direito de utilizar e cultivar suas línguas maternas sem
sofrer nenhum tipo de constrangimento” (SILVA, 2013, p. 297).
As definições acerca da PL, discutidas por Cooper (2000 [1989]), foram cunhadas por
diferentes linguistas sob diferentes olhares, embora o autor tenha identificado, nelas, uma
47

questão comum ao seu tratamento: “Quem planeja o que para quem e como?” (COOPER, 2000
[1989], p. 31, grifos no original, tradução minha).
Predominantemente, a resposta para o item “quem” aparece, nos conceitos elencados
por Cooper (2000 [1989]), como “governos”, “agências autorizadas pelo governo” ou outros
órgãos competentes para regulamentação linguística. Nesse aspecto, Calvet (2007, p. 20-21)
pontua que “qualquer grupo pode elaborar uma política linguística [...]. Mas apenas o Estado
tem o poder e os meios de passar ao estágio do planejamento, de pôr em prática suas escolhas
políticas”. Com base em Shohamy (2006) e Berger (2015), por outro lado, entendo que as
pessoas exercem diferentes níveis de “autoridade” nos meios sociais em que circulam,
influenciando sobre os comportamentos linguísticos e, com efeito, moldando “práticas
linguísticas”. Por isso, a prática da política linguística pode se dar pelo Estado, mas também
pelas pessoas na sua vida social. A resposta a “quem planeja?”, logo, necessita de um olhar
contextualizado para compreender os “mecanismos” da política linguística (SHOHAMY,
2006).
Nos estudos apresentados por Cavet (2007 [1966]), é possível também refletir sobre
“quem planeja” a partir de dois conceitos: o de “gestão in vivo” e o de “gestão in vitro”. Esses
dois conceitos, bastante difundidos nas discussões acadêmicas, são apresentados como as
diferentes formas de fazer a gestão das situações linguísticas. Segundo Calvet (2007), “a gestão
in vivo” independe de decretos ou leis oficiais, pois caracteriza as ações praticadas pelas pessoas
com relação às línguas em seu entorno. A “gestão in vitro”, por outro lado, é aquela centrada
nas instâncias oficiais (CALVET, 2007) e, por isso, cujas políticas linguísticas se tornam mais
explícitas para a sociedade, como os dispositivos legislativos.
“O que é planejado” pode ser identificado, convencionalmente, por meio de tipos de
intervenções linguísticas. Tais intervenções, na obra de Cooper (2000 [1989]), são observadas
como “planejamento de corpus” (se refere à ação sobre as formas linguísticas, como criação de
dicionários, gramáticas, etc.), “planejamento de status” (se refere às intervenções sobre a
promoção das línguas), e o “planejamento de aquisição” (se refere a políticas de ensino das
línguas). Além desses três tipos de intervenções sobre as línguas, conforme sinaliza Severo
(2013) a partir de uma revisão mais contemporânea da literatura, outros três planejamentos
também podem ser elencados: “planejamento de usos” (políticas de divulgação e uso das
línguas), “planejamento de prestígio” (avaliação dos usos linguísticos pelo falante ou
pesquisador), “planejamento discursivo” (reflete o caráter ideológico dos discursos acerca das
línguas).
48

Quando Cooper (2000 [1989]) se propõe a responder “para quem é o planejamento


linguístico?”, pensa nos grupos de minorias, como grupos étnicos, religiosos, dentre outros,
para além da população identificada como majoritária e associada à identidade nacional. Cooper
(2000 [1989]) também explica que a questão voltada a “como a política linguística é planejada”
se refere aos procedimentos adotados dentro dessa política, ou seja, é a formulação de sua
implementação.
Como, neste estudo, proponho-me a refletir sobre a política de educação bilíngue
(português-alemão) de Pomerode, SC, e, mais especificamente, à gestão linguística na sala de
aula bilíngue de língua portuguesa, levo em consideração políticas oficiais e não-oficiais, desde
os documentos da administração pública sobre o bilinguismo até as políticas familiares de se
falar, em casa, a língua alemã, as políticas pedagógicas que desafiam e transgridem um
currículo, etc. Para Spolsky (2016), afinal, todo falante faz a gestão da língua que fala:
“Qualquer pessoa que usa a língua se depara regularmente com escolhas” (SPOLSKY, 2016,
p. 32-33), que se traduzem em uma forma de política. Por isso, responder a questão proposta
por Cooper (2000 [1989]) sobre “Quem planeja o que para quem e como?” é uma atividade de
pesquisa mais complexa do que possa parecer à primeira vista.
Nas práticas plurilíngues de Pomerode, por exemplo, as famílias fazem diferentes
escolhas sobre as suas línguas, seja perpetuando ou não o uso do ALBI entre as gerações mais
novas, matriculando a criança ou não na educação bilíngue, seja nas ações pedagógicas com as
línguas, etc.
Diante do exposto, procuro evitar, nesta tese, reproduzir, generalizadamente,
pressupostos presentes nos documentos oficiais da política linguística de educação bilíngue de
Pomerode, SC. Busco, por outro lado, compreender as orientações desses documentos aliadas
às formas como membros da equipe pedagógica e estudantes respondem a eles. Assim, entendo
que será possível debater a gestão das línguas nas práticas pedagógicas cotidianas, que se ecoam
nas escolhas sobre as línguas de interação, nas intervenções pedagógicas diante de conflitos
linguísticos, etc. Concordo com Berger (2015, p. 38) quando explica a importância de
“compreender de que forma diferentes políticas são interpretadas/negociadas” pelos atores
sociais que fazem parte da realidade da sala de aula. Nesse ponto de vista, a política linguística,
na escola, é constituída a partir dos embates das determinações da administração pública com
as crenças pessoais, experiência e conhecimento dos atores sociais que fazem a gestão das
línguas cotidianamente na sala de aula, pelas condições sociais de trabalho, pela comunidade
49

onde a escola se insere e alunos com quem o professor trabalha (cf. GARCÍA; MENKEN,
2010).

2.2.3 Orientações sobre as línguas para a política linguística: língua como problema,
direito e recurso

O planejamento linguístico tem seus propósitos firmados de acordo com as orientações


que os planejadores possuem acerca das línguas, sejam elas para solucionar um “problema”
linguístico, para garantir o “direito” à língua de seus falantes, sejam elas para promover a língua
como um “recurso” social (RUÍZ, 1984). Em 1984, Richard Ruíz publicou o artigo
“Orientations in language planning”, destacando três orientações em relação à língua e seu
papel na sociedade para tratar do planejamento linguístico: “língua-como-problema”, “língua-
como-direito” e “língua-como-recurso”.
A “língua-como-problema” (RUÍZ, 1984) reflete as orientações que guiaram,
predominantemente, as atividades de planejamento linguístico do início da formação do campo
de atuação da PL. Essas atividades, como já apresentei neste capítulo, têm relação com o
contexto do desenvolvimento nacional baseado na ideologia monolíngue ocidental, na qual “a
língua é apenas mais um dos problemas de modernização”20 (RUÍZ, 1984, p. 18, tradução
minha).
A orientação de “língua-como-direito”, por sua vez, está ligada à preocupação com os
direitos em um nível “transnacional” (RUÍZ, 1984). Essa noção pode ser recuperada nos
estatutos da Liga das Nações (e, mais tarde, das Nações Unidas), que “incluíam a primeira
proteção significativa de grupos minoritários na comunidade transnacional”, além da
Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Ata Final de Helsinque, que “contêm
declarações importantes sobre a discriminação com base na língua” 21 (RUÍZ, 1984, p. 23,
tradução minha). Nesse âmbito, Calvet (2007) também menciona a Declaração sobre os direitos
das pessoas pertencentes a minorias nacionais ou étnicas, religiosas e linguística, e as entidades
internacionais concernentes às línguas (ONU, UNESCO, Corte Internacional de Justiça etc.).

20
“[...] code selection, standardization, literacy, orthography, language stratification” (NEUSTUPNY, 1970 apud
RUÍZ, 1984, p. 18).
21
“The charters of the League of Nations and, later, the United Nations, included the first significant protection of
minority groups in the trans-national community; other internationally-recognized documents like the Universal
Declaration of the Rights of Man and the Helsinki Final Act contain important statements on language-based
discrimination” (RUÍZ, 1984, p. 23).
50

Há, ainda, entidades nacionais que poderiam ser citadas, como, por exemplo, o IPHAN, por
meio do INDL, o IPOL e os domínios de legislações municipais (com destaque às
cooficializações).
A partir desse cenário, a orientação que defende a língua como um “direito humano
básico” e “educacional” ganha espaço e se contrapõe a preceitos da “língua-como-problema”
(RUÍZ, 1984), favorecendo falantes de línguas em situação minoritária. Em outros termos,
podemos dizer que, além do direito à língua do Estado, entende-se, a partir dessa segunda
orientação, que todo cidadão tem direito à sua própria língua. Nas palavras de Calvet (2007, p.
85): “todo cidadão tem direito à língua do Estado, isto é, [...] ele tem direito à educação, à
alfabetização etc. Mas o princípio de defesa das minorias linguísticas faz com que,
paralelamente, todo cidadão tenha direto a sua língua” (CALVET, 2007, 85, itálico no
original). O direito à língua corresponde, para Calvet (2007), à intervenção da lei sobre a defesa
das línguas, o que cria, de certo modo, um paradigma à lei sobre “a forma” e “o uso” da língua.
Por isso, o autor cita a política e o planejamento linguísticos como uma “arte” que “está nessa
complementaridade necessária entre os cientistas e os decisores, nesse equilíbrio instável entre
as técnicas de intervenção e as escolhas da sociedade” (CALVET, 2007, 86).
Esse conflito entre o direito à língua do Estado e da comunidade, no entanto, subjaz à
narrativa de Estado-nação, desde a imposição de uma língua oficial que represente uma
identidade nacional unificada. Nesses termos, o verdadeiro desafio, segundo Pennycook
(2006a, p. 69, tradução minha), “é se afastar dessa dicotomia entre imperialismo linguístico e
direitos de língua e tentar entender de maneiras mais móveis, fluidas e contextuais como os
recursos linguísticos são mobilizados para diferentes fins”22.
Além da “língua-como-direito” e “língua-como-problema”, Ruíz (1984) indica essa
terceira orientação de língua para o planejamento linguístico: a “língua-como-recurso”.
Segundo o autor, essa terceira orientação surgiu como um redirecionamento potencialmente
importante para o planejamento linguístico, uma vez que faltava, nas duas orientações
anteriores, uma preocupação com os “recursos existentes”, que são “apagados” por má gestão
e repressão (RUÍZ, 1984, p. 26, tradução minha), mesmo quando a diversidade linguística é
reconhecida como patrimônio cultural.

22
The challenge is to move away from this dichotomy between linguistic imperialism and language rights and to
try to understand in more mobile, fluid, and contextual ways how language resources are mobilized for different
ends. (PENNYCOOK, 2006a, p. 69).
51

A língua passa a ser entendida como um “recurso” a partir das considerações sobre os
“benefícios das habilidades linguísticas” para questões transnacionais e “diplomáticas”, além
dos próprios benefícios da competência linguística, como a capacidade de “pensar e viver” em
diferentes línguas (RUÍZ, 1984, p. 27-28, tradução minha). Acrescento, ainda, a capacidade de
viver transitando entre diferentes recursos linguísticos que atendam às mobilidades sociais das
pessoas que vivem o multilinguismo local ou globalmente.
Diante disso, a PL que visa à promoção das línguas, dos valores culturais e identitários
de seus falantes, importantes para o exercício pleno da cidadania, não se limita tão somente ao
reconhecimento dos direitos linguísticos (BERGER, 2015). A PL deve ultrapassar esse
reconhecimento a fim de promover o multilinguismo para atender a um mundo globalizado e
democrático.

2.2.4 A política linguística para além da explicitação oficial

A partir das décadas de 1980 e 1990, repercute, à PL, a tendência crítica da qual a
linguística, a sociolinguística, e a linguística aplicada fizeram parte (JOHNSON; RICENTO,
2013). Propostas para repensar o campo o direcionam, então, a uma outra epistemologia. Nesses
termos, surgem noções como de política linguística explícita e implícita, noções sobre políticas
linguísticas oficiais e não oficiais, noções sobre a relação entre as crenças, ideologias e práticas
de linguagem em PL.
Johnson e Ricento (2013) acrescentam que, nessas diferentes fases da PL, (I) os órgãos
governamentais deixaram de ser inteiramente o foco nas pesquisas para se pensar de forma mais
ampla esse campo de atividade; (II) as escolas passam a entrar em pauta, especialmente a partir
da contribuição de Cooper (2000 [1989]) acerca do “planejamento de aquisição”; e (III) as
pesquisas passam a prestar mais atenção à natureza sociopolítica e ideológica da PL. Nessa
abordagem, a noção de políticas linguísticas passa a ser entendida como mecanismos de poder,
centrados na ideologia política (JOHNSON; RICENTO, 2013). Sobre tais mecanismos,
Tollefson (2006, p. 43) afirma que:

A teoria crítica inclui uma ampla gama de trabalhos que examinam os processos pelos
quais os sistemas de desigualdade social são criados e sustentados. De particular
interesse é a desigualdade que é amplamente invisível, devido a processos ideológicos
que fazem a desigualdade parecer a condição natural dos sistemas sociais humanos.
A teoria crítica destaca o conceito de poder, particularmente em instituições, como
52

escolas, envolvidas na reprodução da desigualdade. (TOLLEFSON, 2006, p. 43,


tradução minha)23.

A abordagem crítica tem contribuído, assim, com o desenvolvimento da PL como um


dos processos sociopolíticos que também podem perpetuar a desigualdade social. Os interesses
da política linguística crítica se contrapõem, essencialmente: (I) às tentativas de unificação
linguística sob o pretexto da “modernização” da nação; (II) à mensuração das línguas como
recursos de “valor”, passíveis, assim, de planejamento; (III) à concepção de que o planejamento
de corpus e status são neutros; (IV) à abstração das línguas de seus contextos sócio-históricos
e ecológicos (JOHNSON; RICENTO, 2013).
As contribuições de Spolsky (2004) e Shohamy (2006), na política linguística crítica,
passam a ganhar certo destaque. Seus trabalhos, pois, direcionaram o campo para uma
concepção mais ampliada de PL. Os autores partem do princípio de que, para a compreensão
da PL, nas sociedades democráticas da atualidade, a legislação oficial perde foco para as
práticas e representações linguísticas. Nesses termos, o olhar para políticas implícitas e
explícitas constitui pesquisas em PL justamente para evitar limitações às políticas promovidas
exclusivamente pelo Estado. Segundo Berger (2021), esse olhar, em políticas linguístico-
educacionais, contribui, mais precisamente, para o reconhecimento de elementos que estão
imbricados em torno das decisões acerca das línguas para os currículos, a carga horária para
ensino, modelos e metodologias de ensino, critérios e formas de avaliação, etc.
A partir de Spolsky (2004; 2016), destaco os três componentes inter-relacionados da
PL numa abordagem crítica: (I) as crenças (relacionadas às ideologias e representações
linguísticas), (II) as práticas linguísticas (que repercutem nas escolhas realizadas pelos
falantes), e (III) a gestão linguística (que são ações tomadas sobre práticas linguísticas a partir
de crenças). Esses componentes constituem uma política linguística que não é necessariamente
explícita, implementada por leis ou normas oficiais. Pelo contrário, a PL é constituída pelos
falantes através de seus próprios mecanismos de implementação, como, por exemplo,
atividades pedagógicas pensadas pelos professores no cotidiano escolar (vide capítulo seis), a
elaboração de artesanato que privilegie a realidade bilíngue (português-alemão, vide capítulo

23
Critical theory includes a broad range of work examining the processes by which systems of social inequality
are created and sustained. Of particular interest is inequality that is largely invisible, due to ideological processes
that make inequality seem to be the natural condition of human social systems. Critical theory highlights the
concept of power, particularly in institutions, such as schools, involved in reproducing inequality. (TOLLEFSON,
2006, p. 43).
53

cinco), a escolha das famílias na matrícula das crianças na educação bilíngue (vide capítulo
cinco), etc.
Diante das novas questões que fomentam a PL, na atualidade, destaco também as
contribuições que Pennycook (2006a) propõe como desafios pós-modernos quanto à
compreensão de língua, discurso, ideologia e cultura. Os “pressupostos da modernidade, o
chamado Iluminismo, a hegemonia do pensamento ocidental no mundo, e as ferramentas e
conceitos que foram usados para entender o mundo”24 reúnem, em uma perspectiva da
linguística aplicada ou da PL, questionamentos diversos sobre o que entendemos por língua,
política, direitos linguísticos e assim por diante (PENNYCOOK, 2006a, p. 62, tradução minha).
Associar os estudos críticos e pós-modernos ao debate acerca da PL é importante para
compreendermos sua relação com as “ideologias de poder”, com a “ecologia das línguas”, com
os “pluriletramentos”, que se refletem, conforme Hornberger (2006, p. 35), em “demandas do
mundo real” quanto à prática da política linguística e “que fazem o trabalho teórico valer a
pena”. Para isso, lanço esforços para considerar a língua, como propõe Shohamy (2006, p.
XVIII, tradução minha), em sua “natureza aberta, dinâmica e fluida”. Falo em “esforços”
intencionalmente, uma vez que tenho consciência de que, no meu percurso formativo
(considerando a educação familiar, escolar e, mais amplamente, social), também aprendi a
considerar a língua como um “sistema fechado, correto, padronizado e puro” (SHOHAMY,
2006 p. XVIII, tradução minha). Entendo que há um esforço constante de “desinventar” a língua
nessa abordagem, para que nos desvencilhemos “do mito pernicioso de que as línguas existem”
(PENNYCOOK, 2006a, p. 67).
Essa abordagem de PL contesta a agenda de pesquisa das línguas, impactando como
as pensamos em relação ao plurilinguismo. É importante que esta e outras mudanças
epistemológicas repercutam em diferentes instituições, para que possamos rever os impactos
sociais da teoria da língua como entidade “abstrata”, composta de “estrutura fixa”, “pronta” e
“acabada”, ainda tão presente na educação linguística brasileira. A pesquisa acerca dos
letramentos e políticas linguísticas, na linguística aplicada, tem proposto a discussão sobre a
língua associada aos estudos culturais, aos aspectos identitários, às representações sobre as
línguas, para uma teoria linguística que vai muito além da estrutura interna da língua, fechada
em si mesma, conforme apresento na próxima seção deste capítulo.

24
“[…] assumptions of modernity, the so-called Enlightenment, the hegemony of Western thought in the world,
and the tools and concepts that have been used to understand the world (PENNYCOOK, 2006a, p. 62).
54

2.3 PLURILETRAMENTOS: UMA ABORDAGEM SOCIAL SOBRE AS PRÁTICAS DE


LINGUAGEM NA EDUCAÇÃO BILÍNGUE

Políticas linguísticas para o multilinguismo demandam legitimidade às identidades e


línguas em situação minoritária. Os conceitos relacionados às identidades, originalmente
cunhados nos campos da antropologia, sociologia e estudos culturais (cf. CAVALCANTI,
2006), amparam pesquisas no âmbito da linguagem na medida em que permitem-nos refletir
como as identidades são performadas em atos de linguagem (cf. PENNYCOOK, 2006b). Por
conseguinte, passamos a pensar de que modo práticas linguísticas se modificam nas relações
sociais, possibilitando que as pessoas criem formas inovadoras em relação à escrita e oralidade
a partir do que chamo, ao longo desta tese, de pluriletramentos e translinguagens (conceitos que
apresento adiante, neste capítulo).
Procuro refletir sobre questões de pluriletramentos situados nos contextos de vida da
comunidade pesquisada, mais especificamente, na sala de aula bilíngue de língua portuguesa,
inserida no projeto de ensino bilíngue (português-alemão) de Pomerode, SC. Para isso, esta
seção teórica tem o objetivo de abordar questões sobre os estudos do letramento, que se
projetam na própria formação social, cultural, histórica e ideológica acerca dos usos
linguísticos.
Os letramentos, mais frequentemente, têm sido concernentes para políticas voltadas ao
“sucesso acadêmico”, refletidas em campanhas de alfabetização e promoção de leitura (cf.
STREET, 2014 [1995]), mas também concernem políticas linguísticas críticas voltadas à
“emancipação” de comunidades marginalizadas e à promoção de “consciência crítica” sobre as
diferentes possibilidades de letramentos (cf. BAKER, 2003; STREET, 2014 [1995]). A partir
dos estudos empreendidos por Street (2014 [1995]), entendo a importância de direcionar o foco
da pesquisa em campo para como as crianças, dentro da escola, adquirem subsídios para “se
apoderarem” de práticas letradas em um contexto de diversidade linguística.
Considerando os objetivos desta tese, entro em uma turma de alfabetização e observo
os esforços cotidianos das crianças para se apropriarem de aspectos da linguagem escrita, a fim
de entender esses momentos como eventos de letramento nos quais o uso da escrita é uma das
formas culturais das práticas de letramento. O debate aqui proposto focaliza no letramento a
partir de práticas sociais e culturais de leitura e escrita que se dão em um contexto multilíngue.
Por isso, o foco da discussão não opera, diretamente, as teorias sobre a cognição ou a aquisição
55

da linguagem escrita, como fazem estudos psicolinguísticos, embora reconheça sua


contribuição para o espaço pedagógico quanto ao ensino da linguagem escrita.
A partir dos pressupostos dos (novos) estudos do letramento, entendo sua importância
articulada à PL para a formação do professor e das próprias pessoas que ocupam cargos de
gestão pública quanto ao planejamento de currículos educacionais em contextos multilíngues,
como em Pomerode, SC. Nesta seção teórica, dividida em três partes, realizo uma breve
introdução sobre as questões alusivas aos estudos do letramento, a relação entre alfabetização
e letramento, a constituição de uma cultura baseada na linguagem escrita e a abordagem de uma
teoria para os pluriletramentos.

2.3.1 Reflexões sobre os conceitos de alfabetização e letramento e os modelos ideológico e


autônomo de letramentos

O contexto acadêmico brasileiro, particularmente na linguística aplicada, começou a


empregar o termo “letramento” “como tentativa de separar os estudos sobre o “impacto social
da escrita”” do conceito de “alfabetização”, centrado nas “competências individuais no uso e
na prática da escrita” (KLEIMAN, 2008a [1995], p. 15-16). De acordo com Bunzen (2014, p.
8), a introdução do termo letramento marca um desafio à pesquisa linguística brasileira:
“compreender a escrita não apenas do ponto de vista (psico)linguístico, mas também histórico,
antropológico e cultural, levando em consideração as relações de poder”.
As práticas e significados de letramento vão muito além dos usos exclusivos da escola,
ainda que, mais tradicionalmente, seja possível identificar estudos que associem os letramentos
às atividades educacionais de ensino e aprendizagem (cf. entre outros, COX; ASSIS-
PETERSON, 2003; BUNZEN, 2010). Letramento, portanto, como destaco ao longo desta
subseção, não é sinônimo de processos de ensinar e aprender a linguagem escrita. A esse
respeito, inclusive, Garcez (2019) sugere que questionemos criticamente algumas das
suposições que passaram a ser criadas a partir da inserção do termo “letramento” às orientações
pedagógicas brasileiras, como de que o professor age para “letrar” e o aluno, passivamente,
torna-se “letrado”. Segundo Kleiman (2008a [1995], p. 18-19, itálico no original), o letramento,
na verdade, corresponde a um:

[...] conjunto de práticas sociais que usam a escrita, como sistema simbólico e como
tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos (conferir Scribner e
Cole 1981). As práticas específicas da escola, que forneciam o parâmetro da prática
56

social segundo a qual o letramento era definido, e segundo a qual os sujeitos eram
classificados ao longo da dicotomia alfabetizado ou não-alfabetizado, passam a ser,
em função dessa definição, apenas um tipo de prática – de fato, dominante – que
desenvolve alguns tipos de habilidades mas não outros, e que determina uma forma
de utilizar o conhecimento sobre a escrita.

As habilidades técnicas desenvolvidas no âmbito da alfabetização, portanto, podem


ser encaradas como algumas das práticas inseridas nos letramentos, mas não são o letramento
em si. Como destaca Soares (1998), alfabetização e letramento são conceitos diferentes e
também complementares, especialmente quando pensamos a alfabetização como o
desenvolvimento infantil do sistema convencional da leitura e escrita, inserido em práticas de
linguagem socialmente complexas (letramento).
Podemos sugerir “alfabetização” como um conceito atrelado à capacidade do sujeito
em estabelecer a relação entre símbolos gráficos (letras do alfabeto) com elementos sonoros
distintivos de sua língua (fonemas) a partir de processos cognitivos multifacetados (ALVES;
FINGER, 2023).
Diante dos conceitos de alfabetização e de letramento, também têm surgido expressões
como “alfabetizar letrando”, no sentido de se levar em conta que “as crianças convivem com
práticas reais e diversas de leitura e escrita, em maior ou menor proporção a depender do círculo
ou ambiente social em que estão inseridas ou por onde transitam.” (BUIN; RAMOS; SILVA,
2021, p. 43).
A escola, nesse cenário, desempenha o papel de oferecer oportunidades de letramento,
pensando nas situações autênticas de práticas de linguagem nas propostas pedagógicas
socialmente relevantes aos contextos de vida de crianças que estão aprendendo a ler e escrever,
sem abrir mão da compreensão de que esse processo também é cognitivo (cf. SOARES, 1998;
BUIN; RAMOS; SILVA, 2021; ALVES; FINGER, 2023). Por isso, segundo Alves e Finger
(2023), em trabalhos que se fundamentam no aspecto mais cognitivo da aprendizagem da
escrita, o conceito de “literacia” também tem sido utilizado. Mesmo assim, o enfoque desta tese
está ancorado, mais fortemente, aos estudos de letramento, uma vez que tenho por base, nas
discussões que proponho, a noção de prática social.
Acerca da alfabetização, destaco, ainda, a crítica de Ferreiro (1988 [1985]) sobre
formas de encarar a modalidade escrita da língua como mera codificação ou transcrição
linguística. A autora contesta essa noção por reconhecer a linguagem escrita como um processo
histórico de construção de um sistema de representação. A esse respeito, Buin, Ramos e Silva
(2021) também esclarecem que:
57

alfabetizar é possibilitar o aprendizado da escrita pelas crianças, configurada como


uma tecnologia, pois se trata de uma invenção humana e seu aprendizado não ocorre
de maneira espontânea ou natural. O processo de alfabetização demanda desses
pequenos aprendizes a compreensão do maior número possível de propriedades do
sistema de escrita, a exemplo das convenções da disposição dos textos verbais em seus
suportes (escreve-se da esquerda para direita e de cima para baixo, com exceções
deliberadas), do reconhecimento das letras, dos sons correspondentes e das
regularidades morfológicas, do domínio dos traçados das letras com uso de lápis e
papel ou de outras tecnologias, conforme convenções da escrita digital etc. (BUIN;
RAMOS; SILVA, 2021, p. 23).

Portanto, a escrita é constituída como uma invenção social que, para ser aprendida
pelas crianças (como novos usuários dessa representação), precisa ser “reinventada” (ou
praticada), como uma nova forma de conhecimento e como uma nova forma de estar no mundo
(FERREIRO, 1988 [1985]). A “reinvenção” ou “prática” da criança acontece na própria
interação com a escrita, quando vai criando “hipóteses de como esse sistema de representação
funciona”, confirmando ou reconstruindo conhecimentos (DIAS, 2020, p. 97), diante de
mediações pedagógicas. Consequentemente, não podemos olhar para as tentativas de
representar a linguagem escrita como meros rabiscos, uma vez que as crianças já estão
participando do processo da alfabetização dentro de algum nível conceptual (cf. FERREIRO;
TEBEROSKY, 1988 [1981]).
Buin, Ramos e Silva (2021) descrevem que a criança atinge uma maturidade cognitiva
que a possibilita, gradativamente, desenvolver uma consciência acerca das estruturas
linguísticas, em variados níveis: fonológico, morfológico, sintático, textual etc. (SCLIAR-
CABRAL, 1995 apud BUIN; RAMOS; SILVA, 2021). O processo de alfabetização envolve
esses diversos níveis durante a formação das hipóteses das crianças em relação à escrita e à
leitura, quando participam de práticas de letramento nas quais elas mesmas são demandadas ao
esforço cognitivo de refletir e manipular as relações “grafofonológicas”, num “exercício
psicolinguístico de grande complexidade” (ALVES; FINGER, 2023, s.p.).
As hipóteses das crianças acerca da representação escrita sinalizam como estão
participando do letramento e como buscam formas de compreender o funcionamento desse
sistema escrito, situado nas práticas letradas da sua comunidade (como aquelas da esfera
escolar, religiosa, outras da sua própria casa, outras de atividades da rua, etc.). É nesse aspecto
que recorro ao “modelo ideológico” do letramento proposto por Street (2014 [1995]), como
uma contraposição ao “modelo autônomo”.
58

O “modelo ideológico” do letramento contribui para olhar para a língua, para as


pessoas e suas práticas sociais de leitura, oralidade e escrita, mesmo que dentro da escola,
considerando a diversidade linguística também fora dela, considerando os usos e significados
atribuídos às práticas letradas a partir desse contexto de diversidade ideologicamente situado.
Reitero que isso não significa negar o lugar dos aspectos cognitivos relacionados aos processos
de aquisição da linguagem escrita. No entanto, a abordagem teórica de letramento aqui
assumida sustenta que esses aspectos estão constituídos em determinadas práticas sociais: “[…]
o modelo ideológico subsume, mais do que exclui, o trabalho empreendido dentro do modelo
autônomo” (STREET, 2014 [1995], p. 172).
A “falsa” neutralidade assumida em um “modelo autônomo de letramento”,
tendenciosamente, pressupõe habilidades de leitura e escrita baseadas em uma cultura
específica de exercer a cidadania, que se inclina ao “monolinguismo”. Como efeito, as práticas
sociais letradas de culturas divergentes àquelas normalmente idealizadas por programas de
alfabetização, por exames de larga escala, etc., passam a ser invisibilizadas. Segundo Street
(2014 [1995], p. 161), “[…] só na superfície os modelos chamados “autônomos” parecem ser
neutros e imparciais”, visto que toda prática de leitura e escrita é uma prática social, que
depende de escolhas situadas histórica, cultural e ideologicamente, em estruturas de poder. Em
contrapartida, entendo que os (novos) estudos do letramento25, dentro do “modelo ideológico”,
sustentam que as práticas de leitura e escrita, de modo algum, poderão ser encaradas num
“modelo autônomo”, uma vez que o “texto não possui significados autônomos independentes
de seu contexto de uso social, tampouco possui um conjunto de funções independentes dos
significados sociais que o impregnam” (BARTON; HAMILTON, 2004, p. 119, tradução
minha)26.
Os estudos ideológicos do letramento incitaram novas discussões epistemológicas e
metodológicas sobre práticas de linguagem orais e escritas, sobre questões escolares
envolvendo os letramentos, sobre as práticas de letramento de pessoas “alfabetizadas” e “não-
alfabetizadas”, etc. (STREET, 2014 [1995]). Nesses termos, entender as práticas envolvendo a

25
Para distinguir as orientações entre o “modelo autônomo” e o “modelo ideológico” de letramento, no lugar de
“estudos do letramento”, Street (2014 [1995]) sugere, então, o uso da expressão “novos estudos do letramento”.
Destaco que, no Brasil, o termo “letramento” é relativamente recente, sendo introduzido no meio acadêmico a
partir do contato com trabalhos publicados em inglês, de maior tradição estadunidense, nos quais a palavra
“literacy” pode equivaler tanto para “alfabetização” quanto para “letramento” (BUNZEN, 2014). Como a
expressão “estudos de letramento” já foi introduzida na linguística aplicada brasileira sob uma orientação
ideológica, pesquisadores têm dispensado, por conseguinte, o uso do adjetivo “novos” (cf. KLEIMAN, 2008b).
26
De la misma manera que un texto no tiene significados autónomos independientes de su contexto de uso social,
tampoco tiene un conjunto de funciones independientes de los significados sociales que lo imbuyen (BARTON;
HAMILTON, 2004, p. 119).
59

linguagem a partir dos estudos do letramento, no debate e proposição das políticas linguísticas
educacionais, parece-me ser mais coerente com a própria noção de língua como fluida,
dinâmica, constituída nas ações sociais de seus falantes.
A discussão sobre o letramento se move, então, para a direção de como podemos
pensar nas práticas sociais permeadas pela linguagem escrita de maneira mais concreta, em
contextos sociais reais (STREET, 2014 [1995]), nos quais o plurilinguismo transforma as
práticas e significados das línguas.
Essa perspectiva ideológica do letramento ampara “a compreensão de como a noção
de práticas letradas está situada dentro de práticas sociais mais gerais e processos de mudança
social, como estes são constituídos em instituições sociais específicas” 27 e, portanto, como
interpelam as identidades das pessoas que participam de tais práticas (BARTON; HAMILTON,
2004, p. 128, tradução minha). A partir dos subsídios aqui apresentados, espero que esta
investigação possa contribuir com o debate sobre a forma como a vida social, em Pomerode, é
construída por meio da linguagem, e como as crianças de uma sala de aula de alfabetização
bilíngue performam significados sociais a partir das ações linguísticas das quais se engajam
rotineiramente.

2.3.2 Cultura da linguagem escrita: questões sobre eventos e práticas letradas

A partir de uma noção social de “eventos de letramento”, o estudo etnográfico


comparativo de Heath (2010 [1982]), em três comunidades distintas dos Estados Unidos, abriu
possibilidades para a compreensão da participação de crianças em práticas de leitura mesmo
antes de aprenderem a representação escrita de sua língua. Heath (2010 [1982]) observou
“eventos de letramentos” com crianças ainda não-alfabetizadas dentro de suas próprias famílias,
entendendo esses eventos como ocasiões de interações sociais centradas pela linguagem escrita.
Barton e Hamilton (2004, p. 114) acrescentam que os “eventos de letramentos” são:

[...] episódios observáveis que emergem e são moldados por práticas. A noção de
eventos enfatiza a natureza “situacional” do letramento, pois ele sempre existe em um
contexto social. Essa noção é paralela a certas ideias desenvolvidas na sociolinguística
e também, como Jay Lemke observou, a afirmação de Bahktin de que o ponto de
partida para a análise da linguagem falada deve ser “o evento social da interação

27
“La contribución que pueden brindar estas perspectivas a los estudios de la literacidad es una comprensión de
cómo se sitúa la noción de prácticas letradas dentro de prácticas sociales más generales y de procesos de cambio
social, de cómo estas se constituyen en instituciones sociales específicas y, a la vez, de cómo el sentido que la
gente tiene de su identidad personal es moldeado por ellas.” (BARTON; HAMILTON, 2004, p. 128).
60

verbal”, ao invés das propriedades linguísticas formais de textos isolados (Lemke


1995). (BARTON; HAMILTON, 2004, p. 114, tradução minha)28

Street (2014 [1995], p. 18) parte do conceito de eventos de letramento para dizer que
as ““práticas de letramento” se coloca[m] num nível mais alto de abstração e se refere[m]
igualmente ao comportamento e às conceitualizações sociais e culturais que conferem sentido
aos usos da leitura e/ou escrita”. Os “eventos de letramento” são, logo, as ocasiões nas quais as
pessoas “praticam” o “letramento” (no sentido da ação com a linguagem). É justamente por isso
que os “eventos de letramento” são moldados pelas “práticas”: as pessoas participam dos
eventos de letramento a partir de ações socialmente engajadas, produzindo sentidos enquanto
agem com a linguagem (GARCEZ, 2019).
Os eventos de letramentos, como nas aulas de alfabetização, na leitura de um livro, na
produção escrita de um texto, etc., são observados de uma forma mais direta, como se fosse
possível “fotografar” essas ocasiões. As práticas de letramento, por outro lado, por estarem
numa dimensão mais abstrata das estruturas socioculturais, não podem ser observadas de forma
tão direta: “As práticas letradas incorporam não só os “eventos de letramento”, como ocasiões
empíricas de que o letramento é parte integrante, mas também “modelos populares” desses
eventos e preconcepções ideológicas que os sustentam” (STREET, 2014 [1995], p. 174).
Ao considerar os letramentos como práticas sociais, entendo que a presente pesquisa
deva ser orientada pelos usos e significados que afetam o letramento escolar dentro desse
contexto multilíngue estudado, e que evidenciam a posição das diferentes práticas de linguagem
nas relações de poder socialmente constituídas. A abordagem de letramento, discutida nesta
investigação, exige, das políticas linguísticas, levar em consideração as pessoas, suas
habilidades linguísticas e suas próprias percepções sobre as práticas de linguagem.

2.3.3 Práticas sociais bi/plurilíngues: uma teoria para refletir sobre os pluriletramentos

A política linguística crítica tem nos mostrado que a ideologia de identidade baseada
em uma só língua nacional é excludente, e, por isso, evidencia o multilinguismo e o
multiculturalismo como recursos para a construção da nação heterogênea, favorecendo

28
Los eventos son episodios observables que surgen de las prácticas y son formados por estas. La noción de
eventos acentúa la naturaleza «situacional» de la literacidad con respecto a que esta siempre existe en un contexto
social. Esta noción es paralela a ciertas ideas desarrolladas en sociolingüística y también, como lo ha anotado Jay
Lemke, a la afirmación de Bahktin en cuanto a que el punto de partida para el análisis de la lengua hablada debería
ser «el evento social de la interacción verbal», antes que las propiedades lingüísticas formales de los textos aislados
(Lemke 1995) (BARTON; HAMILTON, 2004, p. 114).
61

comunidades linguisticamente oprimidas (HORNBERGER, 2003b). A educação intercultural


bilíngue de povos indígenas, de surdos, comunidades de fronteiras e de descendentes de
imigrantes, pode ser considerada como um avanço dessa pauta, que direciona para uma nova
preocupação: o biletramento. Segundo o modelo teórico proposto por Hornberger (1990, p. 213
apud HORNBERGER, 2003b, p. 323, tradução minha), o “biletramento” corresponde a “toda
e qualquer instância em que a comunicação ocorre em duas (ou mais) línguas em torno da ou
na escrita”29.
Considerar o bilinguismo em uma abordagem teórica do biletramento implica
legitimar as práticas linguísticas de seus falantes, entendendo-as a partir das suas próprias
especificidades. Em outras palavras, para reconhecermos o bilinguismo, é necessário
rompermos com a perspectiva que tende a isolar as competências linguísticas de cada língua de
conhecimento do sujeito bilíngue, como se ele fosse dois monolíngues perfeitos em uma só
pessoa (cf. GROSJEAN, 2010 [1985]; MAHER, 2007).
Grosjean (2010 [1985], p. 20), em seu texto “The bilingual as a competent but specific
speaker-hearer”, publicado originalmente em 1985, já definia o bilinguismo como o uso regular
de duas ou mais línguas; e o bilíngue, por conseguinte, como aquele que precisa e usa duas ou
mais línguas na vida cotidiana. Essa percepção do bilinguismo tem sido compartilhada entre
pesquisadores no âmbito da PL em conformidade com o avanço gradativo de movimentos de
reconhecimento das línguas faladas por comunidades em situação minoritária. Se o bilinguismo
não é a somatória de monolinguismos, assim também não será o biletramento (cf. DWORIN,
2003).
Entendo, com base em Grosjean (2010 [1985]), que o sujeito bilíngue desenvolve
determinadas competências sobre as línguas que fala, de acordo com as necessidades do
ambiente e de seus interlocutores. Sob um olhar social, portanto, é possível afirmar que as
comunidades bilíngues transitam “de uma língua para outra” (MAHER, 2007, p. 75),
constituindo repertórios que são bi, multi ou plurilíngues.
Essa compreensão sobre os letramentos associados ao bilinguismo, certamente,
contribui para problematizarmos algumas crenças acerca do processo de alfabetização na
educação bilíngue, comumente ancoradas a perspectivas monolíngues. Dentre elas, estão as
equivocadas convicções (I) sobre um possível “risco ou prejuízo para a criança que desenvolve

29
The continua of biliteracy model defines biliteracy as ‘any and all instances in which communication occurs in
two (or more) languages in or around writing’ (HORNBERGER, 1990, p. 213 apud HORNBERGER, 2003b, p.
323).
62

habilidades de escrita e leitura”, simultaneamente, em mais de uma língua, e (II) de que seria
mais fácil ou mais eficaz para a criança “ser alfabetizada em sua língua materna e só depois ter
contato com a escrita e com a leitura na outra língua” (MEGALE, 2017, p. 2).
A respeito dessas questões, Megale (2017) procura problematizar, inicialmente, a
forma de encarar a alfabetização numa perspectiva monolíngue, mesmo quando inserida na
educação bilíngue. A autora sugere, a partir de García (2009), Grosjean (1982), dentre outros
pesquisadores, considerar o processo de sistematização da leitura e da escrita a partir da noção
de “repertório linguístico”. O termo “repertórios” tem sido empregado, na linguística aplicada,
para fazer referência às práticas linguísticas de sujeitos bilíngues no sentido de reconhecimento
de suas competências sociais com as línguas que fala. Canagarajah (2018, p. 37, tradução
minha) entende os “repertórios” como “uma alternativa à gramática na análise da construção
de significado e do sucesso comunicativo”30, uma vez que são formados pelas práticas
linguísticas que se constituem nas trajetórias de vida, pelas redes sociais, incluindo todos os
recursos semiotizados possíveis (CANAGARAJAH, 2018).
Diante desses aspectos das práticas de linguagem, é necessário considerar, nas ações
pedagógicas, que as interações plurilíngues das quais a criança participa, dentro ou fora da
escola, produzem um sistema linguístico completo (seu repertório linguístico). Como sugere
García (2009), a criança, então, linguaja usando uma ou outra língua ou, inclusive, ambas as
línguas, concomitantemente, como recursos desse sistema (MEGALE, 2017).

[...] enfatizo que não há risco para as crianças em vivenciarem o processo de


sistematização da escrita e da leitura simultaneamente em duas línguas no ambiente
escolar, assim como não há risco em vivenciarem o processo de sistematização da
escrita e da leitura de forma sequencial31. É importante frisar que essas modalidades
organizativas de biletramento ocorrem apenas institucionalmente. A criança não
passa, como venho enfatizando, por processos separados em cada uma de suas línguas.
Pelo contrário, a criança bilíngue constrói conhecimentos e desenvolve habilidades
utilizando todo seu repertório linguístico. Desse modo, a criança bilíngue que
desenvolve habilidades de escrita e leitura aprenderá também quais elementos são
transferíveis de uma língua para outra e quais não o são. Um trabalho pedagógico
adequado e intervenções apropriadas dos professores fazem com que esse processo
ocorra sem criar demandas cognitivas ou emocionais que a criança tenha dificuldade
em lidar. (MEGALE, 2017, p. 13).

30
“Spatial repertoires are an alternative to grammar in analyzing meaning making and communicative success”
(CANAGARAJAH, 2018, p. 37).
31
Megale (2017, p. 9), com base nos estudos de García (2009), explica que o biletramento sequencial é aquele no
qual o aluno passa pelo processo de alfabetização inicialmente em uma língua e, na sequência, “transfere
conhecimentos e habilidades adquiridos por meio dessa experiência para escrever e ler em uma segunda língua”.
Quando a escola opta pelo biletramento simultâneo, por outro lado, procura “proporcionar para a criança a
sistematização da escrita e da leitura nas duas línguas simultaneamente” (MEGALE, 2017, p. 3).
63

O número de pesquisas sobre a alfabetização bilíngue ainda é incipiente, mas destaco


que já existe uma literatura, tanto do ponto de vista cognitivo (cf. ALVES; FINGER, 2023)
quanto social (cf. MEGALE, 2017; DIAS, 2020; HORNBERGER, 2003a; 2003b; 2006; 2018),
que pode sugerir benefícios quanto às práticas de pluriletramentos durante a alfabetização. Do
ponto de vista cognitivo, por exemplo, Alves e Finger (2023) ressaltam que o conhecimento da
relação entre grafemas e fonemas de uma língua, potencialmente, contribui para o
desenvolvimento da alfabetização na outra. Ademais, o uso partilhado das habilidades
metafonológicas nas duas (ou mais) línguas, possibilita à criança ativar a consciência necessária
para o desenvolvimento da leitura em ambas as línguas, compreendendo seus padrões distintos
e semelhantes, numa contribuição mútua para seu desempenho (ALVES; FINGER, 2023).
Alves e Finger (2023) alertam que a alfabetização bilíngue só pode ser entendida como
tal quando promove o contato com a modalidade escrita da língua a partir do repertório
linguístico completo da criança, que vai muito além da restrição à “língua da escolarização”.
Se, antes, a alfabetização monolíngue era a única forma concebida, academicamente, para
entender as formas de a criança poder entrar e participar do mundo da linguagem escrita, hoje,
os estudos dos bi/pluriletramentos32 e dos processos de alfabetização bilíngue contribuem para
novas concepções. Dentre elas, podemos buscar formas de entender como as crianças bilíngues
são capazes “de transferir as habilidades adquiridas para ler em um idioma e ler no outro”
(BIALYSTOK et al., 2005, p. 44 apud FINGER; BRENTANO; RUSCHEL, 2019, p. 189), e
como as modalidades oral e escrita nas práticas de pluriletramentos permitem às crianças
desenvolverem “uma gama maior de recursos para dar conta das demandas cognitivas e sociais
em todos os contextos em que estão inseridas” (FINGER; BRENTANO; RUSCHEL, 2019, p.
190). Alves e Finger (2023) argumentam que a alfabetização bilíngue faz sentido, nesses
termos, devido ao compartilhamento da base neurobiológica e cognitiva da criança dentro do
seu repertório bilíngue, capacitando-a a processar a linguagem escrita em mais de uma língua
(ALVES; FINGER, 2023). Segundo Alves e Finger (2023), a experiência de lidar com as
línguas desde a alfabetização tende a propiciar às crianças a criarem hipóteses sobre aspectos

32
A opção pelo termo pluriletramentos (em inglês, pluriliteracy practices, como sugerem García, Bartlett e
Kleifgen (2007)), e não multiletramentos, se deve à tradição de pesquisa na linguística aplicada acerca dos
multiletramentos, cuja ênfase recai sobre a multimodalidade dos textos como reflexo da multiculturalidade (cf.
ROJO; MOURA, 2012), partindo, muitas vezes, de tecnologias digitais. Como procuro manifestar um debate sobre
a diversidade de línguas e os letramentos na escola, sob um olhar político, considerei mais apropriado, para esta
pesquisa, o termo pluriletramentos em comparação com multiletramentos ou até biletramentos, ainda que seus
conceitos se entrelacem.
64

fonológicos das suas línguas, permitindo-lhes construir a consciência grafofonológica para todo
o seu repertório linguístico (ALVES; FINGER, 2023).
Os estudos de Hornberger (2003b, p. 326, tradução minha) sobre o “bi/pluriletramento
pressupõe[m] que uma língua e o letramento estão se desenvolvendo em relação a uma ou mais
línguas e letramentos”33, englobando repertórios linguísticos dos falantes sem que tenham de
fragmentá-los em línguas autônomas nas suas atividades sociais com relação à linguagem
escrita (e sem que tenham que fragmentar suas línguas como compartimentos separados em
seus cérebros). Portanto, as práticas sociais permeadas pela linguagem escrita, indexadas por
seu uso em contextos sociais e institucionais específicos, valem-se de recursos comunicativos
que são multi/plurilíngues e multi/pluriculturais. O biletramentro, nesses termos, desencadeia
atos comunicativos em múltiplas línguas/linguagens em torno da escrita, resultando em usos da
língua e do letramento de modo altamente fluido e dinâmico (HORNBERGER, 2018).
A abordagem do pluriletramento apresentada por Hornberger (2003a; 2003b; 2018)
incorpora a concepção de que a escola, ao mediar práticas sociais de leitura e escrita, leva em
consideração os repertórios linguísticos dos estudantes, os usos flexíveis da linguagem, ao invés
de incorporar as políticas de penalidade pelos “maus” usos da língua, de privilegiar,
exclusivamente, a língua escrita e o desenvolvimento da metalinguagem para a terminologia
gramatical. Como pontua Street (2014 [1995], p. 144), afinal, esses aspectos restritivos da
escolarização fazem parte de processos sociais que favorecem a formação “de um tipo particular
de cidadão, um tipo particular de identidade e um conceito particular de nação”. Essa
escolarização, criticada por Street (2014 [1995]), está na contramão de políticas que visam ao
multi/plurilinguismo justamente por marginalizar as línguas em situação minoritária e seus
falantes.
O modelo de bi/pluriletramento apresentado por Hornberger (2003a; 2003b; 2006;
2018) possibilita elucidar questões sobre os letramentos da comunidade alvo desta pesquisa,
considerando um olhar social, histórico, político e, consequentemente, ideológico sobre as
práticas de linguagem. A partir do capítulo cinco desta tese, mais especificamente, proponho
um debate, apoiada nessa abordagem teórica, sobre as considerações do letramento e a
elaboração do projeto de ensino bilíngue da cidade de Pomerode, SC. No capítulo seis, retomo
essa orientação teórica para refletir acerca dos letramentos no cotidiano da sala de aula em si,
onde os pluriletramentos são assumidos pela professora alfabetizadora em língua portuguesa a

33
The very notion of bi-(or multi-)literacy assumes that one language and literacy is developing in relation to one
or more other languages and literacies […] (HORNBERGER, 2003b, p. 326).
65

partir de estratégias pedagógicas translíngues para envolver as crianças nos eventos propostos.
Na próxima seção, busco situar, teoricamente, o conceito de translinguagem a partir de
considerações sobre educação bilíngue no âmbito da PL e linguística aplicada.

2.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO BILÍNGUE

A partir das ideologias relativas à construção do Estado-nação, no início deste capítulo


teórico, tratei do impacto sobre as línguas divergentes do português, inventado como símbolo
de um nacionalismo brasileiro. A escola, não raro, pautada em políticas constituídas por tais
ideologias nacionalistas, opera como espaço de legitimação do monolinguismo e
monoculturalismo brasileiro, cujas ações contribuem para transformar essa situação “anômala”,
que é a homogeneidade baseada em uma só língua, em “normal” (cf. LÓPEZ, 2013). Como
consequência, a escolarização na língua do Estado-nação tem atuado como um instrumento de
exclusão. Ao longo de diferentes fases históricas da educação brasileira, inclusive, podemos
observar práticas mais acentuadas de castigo e punição a estudantes cuja fala ou escrita ecoe
usos de uma língua que se distancie do ideal nacional (vide capítulo três).
Convém o destaque para o fato de que a ideologia linguística manifestada pelo
sentimento de “homogeneidade nacional” não é mera lembrança histórica. Há marcas de
políticas linguísticas repressivas nas pessoas (cf. EWALD, 2014; FRITZEN; EWALD, 2016;
EWALD, 2020) e nas práticas educativas que também constituem as escolas de hoje,
predominantemente monolíngues. Mesmo quando nos deparamos com sistemas de educação
bilíngue, como explicam García e Wei (2014), é comum, de modo geral, que suas práticas
também sejam pautadas numa visão monolinguística, separando, segmentando as línguas para
que não se “misturem” na sala de aula, evitando usos linguísticos também considerados
“errados”.
Em contrapartida, no Brasil, outros movimentos político-linguísticos, que avançaram
desde a pauta do multi/plurilinguismo, fizeram surgir novos programas educacionais,
especialmente em contextos onde línguas em contato chegam a receber alguma visibilidade
(ainda que com certa fragilidade), como em fronteiras, comunidades surdas, indígenas e de
descendência de imigração. À medida em que se estruturaram programas de educação bilíngue,
postulações teóricas sobre seus modelos, sobre educação intercultural e sobre a própria
concepção de bilinguismo, passaram a ganhar algum espaço nas proposições acadêmicas e,
ainda, político-linguísticas.
66

Segundo García e Wei (2014, p. 48, tradução minha), “a educação bilíngue se distingue
de outras formas de educação linguística na medida em que o conteúdo e a aprendizagem da
língua são integrados; ou seja, duas ou mais “línguas” são usadas como meio de instrução
(Baker, 2011; Cenoz, 2009; García, 2009a)”34. As escolhas sobre o tempo e espaço dessas
línguas nos currículos, sobre os objetivos a serem atingidos acerca de usos linguísticos, sobre
as estratégias pedagógicas, sobre a maneira como o programa educacional opera no contexto
em que se insere, se traduzem, então, em modelos particulares de educação bilíngue.
Considerando a relevância desse debate para a presente tese, teço, nesta seção teórica, (I)
considerações sobre modelos de educação bilíngue e (II) práticas de translinguagem.

2.4.1 Modelos para a constituição de uma educação bilíngue

Embora esta pesquisa esteja situada em uma escola pública bilíngue, é importante
reiterar que essa realidade educacional é um fenômeno ainda recente. Como efeito, nossas
visões sobre os modelos de bilinguismo nas salas de aula brasileiras são, muitas vezes, turvas,
confusas. É difícil, de modo geral, para os agentes educacionais pensarem suas ações voltadas
para um modelo de educação bilíngue quando toda sua experiência profissional e acadêmica
(desde o nível básico ao superior), predominantemente, foi constituída para o monolinguismo.
Nesses termos, mesmo quando a intenção é a inclusão das línguas, algumas atitudes
desencadeiam exclusões.
Algumas dessas atitudes podem, inclusive, se associarem às diferentes concepções que
formaram os modelos de educação bilíngue. García (2009) discorre sobre quatro deles: (I) o
modelo de bilinguismo subtrativo; (II) o modelo de bilinguismo aditivo; (III) o modelo de
bilinguismo recursivo; e (IV) o modelo de bilinguismo dinâmico. Os dois primeiros modelos
(bilinguismo subtrativo e bilinguismo aditivo) foram, originalmente, discutidos por Lambert
(1975 apud GARCÍA, 2009) e dominaram a literatura acadêmica, embora ambos, segundo
García (2009), negligenciem a complexidade linguística do século XXI.
Para o modelo subtrativo, a educação bilíngue propõe a subtração da primeira língua
(L1) à medida em que a segunda língua (L2) é adicionada (L1 + L2 – L1 = L2) (LAMBERT,
1975 apud GARCÍA, 2009), enquanto que, para o bilinguismo aditivo, “uma segunda língua é

34
“Bilingual education distinguishes itself from other forms of language education in that content and language
learning are integrated; that is, two or more ‘languages’ are used as a medium of instruction (Baker, 2011; Cenoz,
2009; García, 2009a)” (GARCÍA; WEI, 2014, p. 48).
67

adicionada sem qualquer perda da primeira língua (L1 + L2 = L1 + L2) 35” (LAMBERT, 1975
apud GARCÍA, 2009, p. 142, tradução minha). Ainda que o bilinguismo aditivo aparente uma
vontade de inclusão do multilinguismo, é um modelo de educação que “resulta em duplo
monolinguismo [...].”36 (GARCÍA, 2009, p. 142, tradução minha). Em outras palavras, no
modelo aditivo, existe a pressuposição de que, para formar um sujeito bilíngue, é necessário
adicionar ao sujeito monolíngue uma segunda língua inteiramente separada da primeira, e esses
dois sistemas linguísticos ocuparão espaços separados na mente e na vida social desse sujeito
como língua primeira e língua segunda.
Essas concepções de modelos de educação bilíngue, certamente, são consequentes das
ideologias que imperam nas suas formulações. Elas podem, de forma intencional ou não,
fortalecer práticas monolíngues como dominantes. É diante desse panorama que García (2009)
problematiza a dicotomização da primeira e segunda línguas e sugere os modelos de
bilinguismo recursivo e dinâmico:

[...] na complexidade comunicativa do século XXI, estimulada pelo movimento de


pessoas, informações, bens e serviços que são fruto da globalização e da tecnologia
mais rica, o conceito de uma primeira e uma segunda língua também começou a se
desfazer. Em vez disso, a comunicação inclui práticas discursivas complexas com
diferentes modalidades – sistemas semióticos visuais, sonoros e espaciais, além de
modos de significação linguístico-escrito (Cope & Kalantzis, 2000; Kress, 2003; New
London Group, 1996) – e seu uso de forma integrada. Quando o bilinguismo e a
linguasagem bilíngue são tomados como o modo normal de comunicação, é difícil
identificar uma primeira ou uma segunda língua, pois o bilinguismo se torna o cerne
da questão.37 (GARCÍA, 2009, p. 143, tradução minha).

García (2009, p. 143) propõe que pensemos na linguagem enquanto verbo, ação das
pessoas (“a linguasagem”), para as práticas que vêm a desencadear a partir de seus repertórios
linguísticos. Dessa forma, a “liguasagem bilíngue”, ou a “translinguagem”, como pretendo

35
“In contrast, in additive bilingualism, a second language is added without any loss of the first language (L1 +
L2 = L1 + L2)” (LAMBERT, 1975 apud GARCÍA, 2009, p. 142).
36
“[…] the additive model insists on developing a second full language that could be accessed entirely on its own,
that is, results in double monolingualism, naming on language as clearly the first, and the additional one as the
second” (GARCÍA, 2009, p. 142).
37
“But in the communicative complexity of the 21st century, stimulated by the movement of people, information,
goods and services that are the result of globalization and richer technology, the concept of a first and a second
language has also begun to unravel. Instead, communication includes complex discursive practices with different
modalities – visual, audio and spatial semiotic systems, besides written-linguistic modes of meaning (Cope &
Kalantzis, 2000; Kress, 2003;New London Group, 1996) – and their use in integrated fashion. When bilingualism
and languaging bilingually are taken as the normal mode of communication, it is difficult to identify a first or a
second language, as bilingualism becomes the heart of the matter.” (GARCÍA, 2009, p. 143).
68

discutir adiante, constitui as práticas linguísticas numa situação de bilinguismo (GARCÍA,


2009).
Ao propor os modelos de “bilinguismo dinâmico” e “recursivo”, García (2009) assume
que, dentro de comunidades bilíngues, encontraremos falantes que já sofreram mais “perdas
linguísticas” do que outros e que as línguas passaram por transformações substanciais
(GARCÍA; WEI, 2014). Nesse contexto, o “bilinguismo recursivo” está relacionado às práticas
linguísticas dos antepassados de dado grupo, renovadas em diferentes funções sociais das novas
gerações (GARCÍA, 2009). Esse modelo, portanto, assume as práticas linguísticas a partir das
demandas sociais vivenciadas pelos falantes, reconhecendo os usos da língua majoritária e da
língua familiar, em situação minoritária, que continua fazendo parte das interações em
diferentes “graus” (GARCÍA; WEI, 2014). As línguas, portanto, não são compartimentalizadas,
mas pensadas numa vida socialmente bilíngue.
García e Wei (2014) explicam, ainda, que o “bilinguismo dinâmico” também refuta a
ideia de compartimentalização das línguas e assume a concepção de que, para se comunicarem,
as pessoas lançam mão de um “sistema linguístico” complexo e completo, constituído por
recursos linguísticos heterogêneos (GARCÍA, 2009; GARCÍA; WEI, 2014). Essa compreensão,
conforme debato na próxima seção, assume a concepção da “translinguagem” em referência às
novas práticas linguísticas do “século XXI” (GARCÍA, 2009).

O bilinguismo dinâmico, como dissemos antes, refere-se às múltiplas interações


linguísticas e outras inter-relações linguísticas que ocorrem em diferentes escalas e
espaços entre falantes multilíngues. Hoje, a maioria dos programas de educação
bilíngue inclui crianças que têm várias práticas linguísticas e que são de muitos grupos
dominantes e não dominantes.38 (GARCÍA; WEI, 2014, p. 51, tradução minha).

Muito embora os estudantes das salas de aula bilíngues façam usos de recursos que
são linguisticamente heterogêneos, e não homogeneamente compartimentalizados, as políticas
voltadas ao ensino bilíngue parecem insistir no “modelo aditivo”, numa compreensão de que as
línguas são “sistemas autônomos” que precisam ser separados (GARCÍA; WEI, 2014). Esse
modelo de bilinguismo, certamente, se reflete no Brasil, onde, convencionalmente, assume-se
uma educação monolíngue em duas (ou mais) línguas. Parece-me que a diversidade linguística
brasileira é “aceita” sob a condição de não “contaminar” a língua nacional, em propostas que,

38
“Dynamic bilingualism, as we said before, refers to the multiple language interactions and other linguistic
interrelationships that take place on different scales and spaces among multilingual speakers. Today most bilingual
education programs include children who have various language practices and who are from many dominant and
non-dominant groups.” (GARCÍA; WEI, 2014, p. 51).
69

possivelmente, excluam o contato linguístico, a “mistura”, a “translinguagem” comum às


práticas efetivamente bilíngues.
A estruturação de programas de educação bilíngue que levem em conta a dinamicidade
linguística, requer, cada vez mais, políticas linguísticas engajadas à vida socialmente
heteroglóssica. Nesses termos, propor uma educação bilíngue inserida em um contexto teuto-
brasileiro, como o investigado nesta tese, requer planejar o currículo escolar, planejar a
formação dos profissionais que atuarão nessa realidade sociolinguisticamente complexa,
planejar como serão elaborados ou adquiridos os materiais didáticos, como será a estrutura
física da escola que atenderá a proposta de educação bilíngue, em qual ou quais modelo(s) de
educação bilíngue essa proposta se pautará.

2.4.2 Compreensões sobre a abordagem da translinguagem

A noção de que as línguas são um conjunto de recursos linguísticos dos quais fazemos
uso para construir sentidos, sob condições sociais específicas, desafia os limites impostos pelas
ideologias de Estado-nação. Por isso, venho defendendo a importância de avançarmos com
nossas propostas políticas de educação bilíngue e “desinventar” (cf. MAKONI; PENNYCOOK,
2015; MAKONI, 2019) a língua enquanto símbolo de um Estado monolíngue. Esta é, na
verdade, uma demanda da modernidade recente, que transformou, pelos processos de
globalização geocultural, as sociedades e as formas que nos relacionamos e comunicamos,
alterando os limites de tempo e espaço, e “potencializando fluxos e contatos de pessoas,
mensagens, tecnologias e recursos comunicativos” (LUCENA; NASCIMENTO, 2016, p. 47).
Como consequência, as práticas linguísticas sofreram transformações, desvelando novas
complexidades, criatividades e diferenças culturais, desafiando-nos, “especialmente na
educação de línguas, a dar conta de modos de comunicação que desestabilizam entendimentos
dominantes” (LUCENA, 2021, p. 28). A educação multilíngue no século XXI, pois, não se
resume a apenas adicionar mais línguas nos seus currículos (GARCÍA, 2009). Acima disso, é
preciso reconhecer e integrar, especialmente na escolarização das crianças que vivem o
multilinguismo, as múltiplas práticas linguísticas das populações heterogêneas (GARCÍA,
2009).
Destaco, neste momento, que a noção de criatividade linguística, aqui abordada, está
associada à língua como “prática local”, a partir da qual as pessoas performam suas ações
sociais (PENNYCOOK, 2010). A prática de linguagem, nesse aspecto, não está restrita a “um
70

mero fazer das coisas”, mas se expande na relação entre a ação social e os significados a ela
imbricados (PENNYCOOK, 2010, p. 21, tradução minha).
Shohamy (2006, p. XVI, tradução minha)39, em vista disso, argumenta que, para uma
visão ampliada da linguagem, é preciso entendermos que ela é “pessoal, aberta, livre, dinâmica,
criativa, mutável”, “manifestada” por diferentes “formas linguísticas” e por diferentes
“representações multimodais”. Por isso, a autora discute que precisamos quebrar as fronteiras
impostas entre as línguas “x” ou “y” para encararmos as práticas linguísticas reais. Ao
relacionar a criatividade do falante sobre a linguagem com as práticas sociais, Pennycook
(2010) também explica que a língua está sempre em movimento no tempo e no lugar
(PENNYCOOK, 2010), o que requer reconhecermos que as “fronteiras linguísticas”40 são
invenções sociais que inexistem na prática.
A abordagem teórica da “translinguagem” (GARCÍA, 2009) é uma possibilidade para
tratarmos dessa complexidade e mobilidade linguística com a qual as sociedades
contemporâneas se deparam, fazendo jus às práticas heterogêneas de linguagem comuns ao
bi/multi/plurilinguismo. É necessária, justamente, uma teoria que nos permita compreender que
a linguagem desafia estruturas sociais quando concebida “livre de autoritarismos”, tornando-se
“uma promessa de diálogos mais democráticos” (LUCENA, 2021, p. 29).
García (2009) propõe o conceito de “translinguagem” como uma abordagem do
bilinguismo, que contesta a invenção de uma língua legítima, construída pelo Estado-nação e
propagada por sistemas educacionais tradicionais, midiáticos, de imprensa, por gramáticos. A
translinguagem entra no debate acadêmico na medida em que assumimos os usos reais da
linguagem, a partir de práticas discursivas. A definição que García (2009, p. 140, tradução
minha) propõe à translinguagem corresponde à ação que bilíngues realizam ao acessarem

39
“This book begins with an expanded view of language, arguing that it is personal, open, free, dynamic, creative
and constantly evolving. This concept of language does not have the boundaries of language x or language y, since
it spreads beyond words and is manifested through a variety of multi-modal representations and different forms of
“languaging”.” (SHOHAMY, 2006, p. XVI).
40
O conceito de “fronteira” representa a demarcação de algum limite, como ocorre em âmbito administrativo e
político entre as nações que se “encontram”, mas se “separam”. Quando faço emprego da expressão “fronteiras
linguísticas”, nesta tese, pretendo problematizar o fato de que as línguas, que constituem a vida social das pessoas,
não podem sofrer as mesmas demarcações políticas e administrativas que, tradicionalmente, são impostas às
nações. Em seu texto “Por uma teoria da desregulamentação lingüística”, Signorini (2002, p. 93) critica a
construção de uma “divisão” ou “fronteira” aos usos da língua no jogo “político e ideológico das relações sociais”
e destaca a sua “configuração sempre transitória”. A noção de “fronteiras” aplicada às línguas, segundo Signorini
(2002), resulta em conceitos de bilinguismo paralelos ao monolinguismo em duas línguas, à separação dos
domínios sociais para a interação linguística, e ao reconhecimento da “língua legítima” como um “padrão
nacional”. Em uma discussão ecolinguística, Couto (2002, p. 5) também argumenta que as “línguas não teriam
fronteiras claramente delimitadas” e, se criamos limites políticos entre elas, tais limites são fortemente
“permeáveis”.
71

“diferentes recursos linguísticos ou vários modos do que são descritas como línguas autônomas,
a fim de maximizar o potencial comunicativo” 41. Nesses termos, o prefixo “trans”, que modifica
a palavra linguagem, é empregado no sentido de considerar as práticas linguísticas “mais
móveis, expansivas, situadas e holísticas” 42 e “transcendentes” das línguas autônomas
(CANAGARAJAH, 2018, p. 32, tradução minha).
Quando concebidos a partir da abordagem da translinguagem, programas de educação
bilíngue são transformados e ampliados, admitindo as salas de aula como espaços de inclusão
de múltiplas práticas linguísticas para a “justiça social” (GARCÍA; WEI, 2014; YIP; GARCÍA,
2017). O multilinguismo, segundo Yip e García (2017), logo, nos desafia a assumir
responsabilidades quanto aos recursos de linguagem dos falantes de minorias linguísticas que
adentram os espaços escolares, articulando uma perspectiva que seja mais justa para esses
estudantes.
Essa abordagem, é claro, não nega a existência da língua portuguesa, da língua alemã,
da língua pomerana, etc., mas as explica pela “indexicalidade” a identidades nacionais, apesar
do seu caráter móvel, temporal, social, etc. (CANAGARAJAH, 2018).

Em uma escala limitada de consideração, certas palavras indexam certos lugares e


comunidades e desenvolvem identidades como linguagens distintamente rotuladas ou
territorializadas. Os indexicais sedimentam ao longo do tempo para ganhar uma
identidade como pertencente a uma língua ou a outra, com um status gramatical
específico nessa língua. As ideologias linguísticas conferem ainda identidade a uma
coleção de palavras como pertencentes ao coreano ou ao inglês [ao alemão ou ao
português]. No entanto, tais estruturas ou rótulos não impedem as pessoas de disporem
de todos eles para realizar suas atividades na prática, dando novos significados e
identidades a essas palavras, como teorizam os estudiosos da translinguagem.43
(CANAGARAJAH, 2018, p. 37, tradução minha).

Reitero que, a partir da abordagem da “translinguagem” (GARCÍA, 2009), na qual


observamos as práticas de linguagem como móveis, “derrubando” as compartimentalizações
linguísticas, a ideia de línguas como “ícones nacionais” (IRVINE; GAL, 2000) também passa

41
“Translanguaging is the act performed by bilinguals of accessing different linguistic features or various modes
of what are described as autonomous languages, in order to maximize communicative potential” (GARCÍA, 2009,
p. 140).
42
“The meanings of ‘trans’ that I have reviewed above call for a shift from the above assumptions to consider
more mobile, expansive, situated, and holistic practices” (CANAGARAJAH, 2018, p. 32).
43
At a limited scale of consideration, certain words index certain places and communities, and develop identities
as distinctly labeled or territorialized languages. Indexicals sediment over time to gain an identity as belonging to
one language or the other, with a specific grammatical status in that language. Language ideologies further give
identity to a collection of words as belonging to Korean or English. However, such structures or labels do not
constrain people from drawing from all of them to accomplish their activities in practice, giving new meanings
and identities to these words, as translingual scholars theorize. (CANAGARAJAH, 2018, p. 37).
72

a ser desafiada. Proponho, nesta tese, olhar para o uso das línguas alemã e portuguesa, na escola,
para a hibridização que esse uso implica, a partir da translinguagem, reconhecendo as inovações
linguísticas como recursos para interações sociais em um contexto bilíngue, e não como
problema para o bilinguismo ou para a preservação do imaginário de línguas nacionais. Afinal,
como sustenta Rajagopalan (2003, p. 91), “O desejo de manter a língua pura se traduz no medo
mórbido de “contaminação” com as demais línguas e na desconfiança em relação a qualquer
tipo de contato com elas.”.
Entendo que, em toda comunidade bilíngue, a translinguagem se faz presente nas
práticas de linguagem, uma vez que as pessoas acessam os diferentes signos dos sistemas
linguísticos dos quais dispõem para se comunicarem plenamente. Esse reconhecimento, ainda,
provoca um debate acerca da proximidade e distanciamento das abordagens de
“translinguagem” e de “code-switching” (mudança de código). García (2009) alerta não se
tratarem de conceitos sobreponíveis para a compreensão das ações linguísticas desencadeadas
por bilíngues:

A translinguagem, portanto, vai além do que foi denominado code-switching, embora


o inclua. Para mim, o conceito estende o que Gutiérrez e colegas chamaram de 'uso
da linguagem híbrida', ou seja, um 'processo sistemático, estratégico, afiliativo e de
criação de sentido...' (Gutiérrez, Baquedano-López e Álvarez, 2001: 128), o que é
importante para todos os bilíngues em contextos multilíngues. 44 (GARCÍA, 2009, p.
140, tradução minha).

É claro que existem variações na compreensão do conceito de code-switching, embora,


predominantemente, o termo, também produtivo às reflexões sobre o bilinguismo, tenha sido
destinado ao debate do comportamento bilíngue a partir de interseções de códigos (cf.
HELLER, 2007). Nesse sentido, a abordagem de code-switching, até agora, parece entender
duas estruturas linguísticas separadas que, no ato de comunicação, transpõem-se umas às outras
(o foco continua nas línguas como sistemas linguísticos autônomos e limitados). A imposição
de limites de uma língua para outra se torna propícia para a condução da discussão sobre
bilinguismo ainda sob a ótica do monolinguismo, tornando-se também uma prática difícil,
difusa, quando confrontada com os usos reais das línguas em situação de contato. Nesses
termos, a hibridização tende a ser encarada como resultante de “desatenção”, “descuidos”,

44
“Translanguaging therefore goes beyond what has been termed codeswitching, although it includes it. For me,
the concept extends what Gutiérrez and colleagues have called ‘hybrid language use’, that is, a ‘systematic,
strategic, affiliative, and sense-making process…’ (Gutiérrez, Baquedano-López and Álvarez, 2001: 128), which
is importante for all bilinguals in multilingual contexts.” (GARCÍA, 2009, p. 140).
73

conhecimento linguístico “deficitário”, ao invés de ser reconhecida como recurso importante


para as interações sociais em cenários de multilinguismo (CANAGARAJAH, 2018).
A abordagem da translinguagem não invalida o conceito de code-switching, mas vai
além ao olhar para a prática comunicativa como um todo (LUCENA; NASCIMENTO, 2016) e
para o sujeito bilíngue como um falante que possui um “sistema linguístico único, heterogêneo
e complexo” (LUCENA, 2021, p. 30). Uma educação plural, nesse sentido, cria espaços
flexíveis para que as práticas de bilíngues façam sentido e melhorem a comunicação entre as
pessoas com repertórios diferentes, possibilitando que participem de forma mais igualitária nas
práticas comunicativas (GARCÍA, 2009).
No tocante à educação bilíngue, a translinguagem reflete a vida social de fora para
dentro da sala de aula e, por isso, cria possibilidades para que as crianças, desde o início da
escolarização, explorem seu próprio potencial linguístico como alicerce de todo o bilinguismo
(GARCÍA, 2009). Guimarães, Buin, Garcia e Ribeiro (2020), a esse respeito, apresentam dados
provenientes das ações promovidas pelo Grupo de Estudos em Linguagem e Transculturalidade
(GELT-CNPq) e pelo Programa de Educação Tutorial (PET-Letras-UFGD) para o acolhimento
de crianças venezuelanas que se encontram em situação de migração forçada no Brasil. Os
registros gerados pelas autoras sugerem que a inserção da translinguagem como prática
regulamentada nas escolas, embora não seja fácil, “parece ser o único caminho para que se
atinja seus próprios objetivos educacionais e éticos, em que todos ensinam e aprendem ao
mesmo tempo.” (GUIMARÃES; BUIN; GARCIA; RIBEIRO, 2020, p. 93). O espaço
educacional, no fim das contas, é (ou melhor, deveria ser!) lugar de (re)afirmação de identidades
(e não suas exclusões), considerando todos os atores sociais inseridos nele. Por isso, a
translinguagem pode ser estratégia de inclusão, no sentido de todos terem voz nos seus
processos de ensinar e aprender.
Entendo que o reconhecimento da translinguagem em programas de educação bilíngue
não seja uma tarefa livre de conflitos ideológicos sobre a tradição escolar e linguística. No
entanto, parece ser um caminho viável à própria construção de uma educação intercultural, que
acolha, nas práticas de linguagem, a cultura dos grupos sócio-históricos dos quais pertencem os
estudantes e professores, seus valores e formas de entender o mundo, num trabalho alinhado à
justiça social. Afinal, como López (2013) pontua sobre a educação intercultural, os conflitos
fazem parte dos nossos sistemas de vida e, na escola, os estudantes também podem aprender a
lidar com esses conflitos de maneira reflexiva e crítica. O que proponho, aqui, portanto, não é
uma “celebração” ou “romantização” da translinguagem (LUCENA, 2021), mas uma
74

possibilidade de assumirmos a educação linguística para o bilinguismo, desenvolvendo uma


consciência linguística crítica (YIP; GARCÍA, 2017) aos conflitos gerados pelos falantes em
situação de contatos linguísticos. Para isso, sem dúvidas, é urgente que, na própria linguística,
além das políticas educacionais, passemos a “encarar a dimensão política da linguagem”
(RAJAGOPALAN, 2003, p. 104), reconhecendo os processos ideológicos determinantes para
a forma com que lidamos com a existência das línguas.
75

3 AMBIENTAÇÃO DA PESQUISA: O CONTEXTO HISTÓRICO, SOCIAL E


POLÍTICO-LINGUÍSTICO

Em 1960, o IBGE realizou o primeiro recenseamento de Pomerode, estimando uma


população de 10.606 habitantes, e de 14.371 habitantes até a década de 1980 (SILVA, 2004).
Segundo dados divulgados por Silva (2004), a partir desse período, o crescimento do município
é acelerado, passando para 2,47% ao ano, até 1991. O censo de 2021 do IBGE estima uma
população de 34.561 habitantes em Pomerode.

Figura 1 – Mapas para identificação da localização de Pomerode/SC.

FONTE: Mapa da esquerda disponível em:


https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/40/Regions_of_Santa_Catarina_%28pt%29.png. Acesso em:
12 ago. 21. Mapa da direita disponível em:
https://slideplayer.com.br/slide/42601/1/images/5/Ascurra+Benedito+Novo+Blumenau+Indaial+Jaragu%C3%A
1+do+Sul+Pomerode+Rio+dos+Cedros+Rodeio+Timb%C3%B3+Api%C3%BAna+Doutor+Pedrinho.jpg.
Acesso em 12 ago. 21.
Descrição da imagem para cegos: A figura é composta por dois mapas. No lado esquerdo, é possível visualizar o
mapa do estado brasileiro de Santa Catarina e suas divisas com Rio Grande do Sul e Parará. Em Santa Catarina,
há as grandes divisões do Norte, Oeste e Sul do Estado, além das regiões Serrana, Grande Florianópolis e Vale
do Itajaí. Há uma seta saindo do Vale do Itajaí, onde fica localizada a região da cidade de Blumenau, em direção
ao mapa do lado direito, onde está a cidade de Pomerode. No lado direito da figura, então, é possível visualizar
um novo mapa contendo o recorte do Vale do Itajaí com as cidades de: Ascurra, Benedito Novo, Blumenau,
Indaial, Jaraguá do Sul, Pomerode, Rio dos Cedros, Rodeio, Timbó, Apiúna, Doutor Pedrinho. Há uma linha
circulando Pomerode para dar destaque; também é possível visualizar as divisas de Pomerode com Jaraguá do
Sul, Rio dos Cedros, Timbó e Blumenau.

Conforme apresento na Figura 1, o município de Pomerode está situado na


microrregião de Blumenau, no estado de Santa Catarina, e faz divisa com os municípios de
Jaraguá do Sul, Rio dos Cedros, Timbó e Blumenau. Nos dados divulgados pela prefeitura, no
76

seu site oficial, a “ocupação de mão-de-obra por setor” corresponde a: “Agricultura (10%),
Indústria (72%), Comércio (15%), Serviços (3%)” (POMERODE, on-line). Convém mencionar
que, nos anos iniciais do século XX, as primeiras atividades de trabalho dos habitantes de
Pomerode foram a agricultura e pecuária de subsistência, além do desenvolvimento de
“pequenos pontos comerciais nas áreas centrais da colônia. Mais tarde, pequenas empresas
familiares de laticínios, frios, móveis e cerâmica deram início à industrialização do município”
(MAAS, 2010, p. 35).
O impulso industrial, entre as décadas de 1980 e 1990, também tem relação com “a
progressiva saturação de Blumenau, onde o solo urbano e a mão de obra se tornaram
excessivamente caros, aliada ao alto risco de enchentes naquela cidade” (SILVA, 2004, s.p.,
on-line). Segundo dados divulgados pelo site oficial da prefeitura, na economia de Pomerode,
estão presentes as indústrias do vestuário, metal mecânica, de plásticos, de porcelana, de
produção de cimento, entre outros setores. Dentre eles, se instalaram algumas empresas alemãs,
com sede em Pomerode, como, por exemplo, a Netzsch, a Bosch e a Weiku.
Considerando que os imigrantes alemães (dentre os quais também estavam os
pomeranos)45 se deslocaram de regiões muito próximas do cenário europeu com destino à
Colônia Blumenau, aspectos geográficos e culturais parecem influenciar no fenômeno do
alemão (Hochdeutsch) se tornar língua da comunidade pesquisada. A Colônia Blumenau
constituiu uma característica particular com seu sistema próprio literário, científico,
jornalístico, religioso e escolar, no qual a linguagem escrita decorreu no alemão padrão,
contribuindo para a formação de uma ideologia linguística que perpetua diferentes status às
línguas teuto-brasileiras.
Isto posto, considero pertinente enfatizar que pomerano e alemão são línguas
reconhecidas distintamente, isto é, falar pomerano não significa o mesmo que falar alemão (e
vice-versa): no contexto europeu, enquanto que “a língua pomerana deriva da família
Germânica Ocidental e da subfamília Baixo-Saxão” (TRESSMANN, 1998; 2005 apud
BREMENKAMP, 2014, p. 184), o Hochdeutsch teve origem entre os falantes das regiões altas
da Alemanha e foi estandardizado sob a influência da religião protestante, que o inseriu nas
escolas alemãs. Por isso, além do pomerano, a língua alemã, em particular, passou a ser uma

45
“Geograficamente, a Pomerânia situava-se à costa do Mar Báltico, ao norte; a leste, estava a Prússia Ocidental,
ou Polônia, posteriormente; ao sul, Brandemburgo; e a oeste, Mecklemburgo” (BREMENKAMP, 2014, p. 50-1).
Atualmente, essa região cultural e histórica abrange partes da Alemanha e Polônia.
77

língua materna entre pessoas que vivem em Pomerode e outras cidades que pertenceram à
Colônia Blumenau.
Apesar disso, o cenário pesquisado é diferenciado de outros contextos brasileiros de
descendência pomerana, como o de Santa Maria de Jetibá, ES, descrito por Bremenkamp
(2014), onde a língua pomerana prevaleceu sobre a alemã. Segundo Bremenkamp (2014), a
comunidade falante do pomerano, em Santa Maria de Jetibá, ES, mantém sua língua até os dias
atuais, sendo ensinada na família, escola, utilizada no trabalho, etc. Essa manutenção, como
pontua a autora, é reflexo da própria constituição imigratória, que, de certo modo, foi mais
“homogênea” quanto ao pomerano. Em Pomerode, SC, por outro lado, apesar de a língua
pomerana ser preservada entre famílias do município, adquiriu um status de menor prestígio
em comparação com o alemão, talvez pelo estigma atribuído pelos próprios imigrantes alemães.

Devemos ressaltar aqui que o pomerano era discriminado e estigmatizado como


“língua inferior”, ou seja, “incorreta” e “impura” pelos próprios “alemães”, portanto,
por membros de dentro do próprio grupo étnico. Isso pode ter levado o descendente
de alemães a preferir o alemão em detrimento do pomerano. (MALTZAHN, 2018, p.
129).

Além disso, historicamente, nessa região, se constituiu o uso predominante do alemão


nos meios de imprensa, literatura, escola, religião, antes das campanhas de nacionalização (vide
seção três deste capítulo). A própria cooficialização do pomerano ocorreu sete anos depois da
cooficialização do alemão em Pomerode (vide seção cinco deste capítulo).
A língua pomerana, fica, em determinados momentos, invisível em comparação com
as funções desempenhadas a partir dessas outras línguas (português e alemão) em Pomerode.
Ao apresentar um panorama das línguas faladas em Pomerode, Maltzahn (2018, p. 129) explica
que o pomerano é falado “principalmente nas localidades de Testo Alto e Testo Alto Fundos”,
enquanto o alemão chega a praticamente toda a extensão municipal (o que não significa dizer
que seja falado por todos os moradores da cidade).
Diante disso, é preciso entender que não há escolha igualitária entre falar alemão,
pomerano e português em Pomerode. Falar alemão tem um peso diferente que falar pomerano
em determinados ambientes de descendência de imigração, como na própria esfera religiosa (o
culto é, mais frequentemente, celebrado em alemão que em pomerano), e falar português ou
uma das línguas de imigração também tem valor diferente para os ambientes jurídicos e
legislativos no município de Pomerode (só para citar alguns exemplos das relações de poder
sobre as línguas). Como consequência a essas relações de poder, as escolhas políticas sobre
78

quais línguas compõem os currículos educacionais de Pomerode também refletem uma “arena
de lutas”.
Certamente, a língua alemã (Hochdeutsch), que hoje ainda é falada em Pomerode, em
contato com a portuguesa, se diferencia da realidade linguística da Alemanha. Para os
propósitos desta tese, não realizo a discussão das diferenças linguísticas entre esses dois países
(Brasil e Alemanha), tampouco pretendo especificar as diferenças entre a língua pomerana e a
alemã faladas em Pomerode. Aqui, para além de limitar as línguas à iconização nacional,
proponho uma reflexão acerca de educação linguística em contexto de multilinguismo, de
língua e da política linguística local quanto à implementação da sala de aula bilíngue. Nessa
reflexão, faço uso dos termos língua alemã, alemão ou Hochdeutsch como referência ao alemão
ensinado na escola alvo de pesquisa e também falado predominantemente no município.
Reconheço, entretanto, que existem diferenças linguísticas entre a língua da escola e da casa, e
entendo que haja funções específicas para essas diferenças na sociedade.
Neste capítulo, mais diretamente, pretendo apresentar, com base em pesquisas da
história, antropologia, educação, linguística e linguística aplicada, aspectos da imigração alemã,
das práticas de letramentos dos imigrantes e seus descendentes, e das políticas linguísticas em
Santa Catarina, mais especificamente, da região onde se formou a Colônia Blumenau, da qual
o município de Pomerode (emancipado desde 1958) fez parte. Os letramentos, como qualquer
fenômeno cultural, “têm suas raízes no passado” (BARTON; HAMILTON, 2004, p. 120). Para
compreender os pluriletramentos na escola, entendo a necessidade de situá-los na história da
região de Pomerode, estabelecendo relações com a ideologia, cultura e tradições nas quais as
práticas de linguagem se baseiam. Por isso, discorro sobre a imigração alemã da região onde se
situa a escola pesquisada, os letramentos que se constituíram, as políticas de silenciamentos
linguísticos e as políticas de cooficialização das línguas de imigração.

3.1 A FUNDAÇÃO DA COLÔNIA BLUMENAU

No Brasil, a presença de falantes de línguas de imigrantes alemães e seus descendentes


é resultado do movimento imigratório (que avançou a partir da década de 1840) na formação
de colônias para a “ocupação de terras públicas encaradas como “vazias” – sem qualquer
consideração pela população nativa, classificada como nômade e incivilizada” (SEYFERTH,
2002, p. 119).
A antropóloga Giralda Seyferth (2002) explica que os imigrantes alemães foram
escolhidos para a ocupação de terras “devolutas” (especialmente em áreas de floresta no Sul do
79

Brasil), com base em uma imagem do agricultor eficiente, cultivada por uma parte da elite
imigrantista, bem como pela “questão racial dimensionada na definição “branca” do colono
ideal” (SEYFERTH, 2002, p. 121). Dentro das concepções racistas da política imigratória, a
ideologia do branqueamento sustentou a ideia de miscigenação para a purificação das raças,
objetivando, então, por meio da imigração “ariana”, diminuir a população negra do país (cf.
SEYFERTH, 1986; SEYFERTH, 2011).
Embora o racismo não constitua foco de debate na presente tese, vale destacar “que
não só alemães, italianos e japoneses eram influenciados por essa ideologia, mas também
portugueses, espanhóis, franceses, ou seja, todo o continente europeu” e, por conta da
intervenção colonial, também o Brasil (MAILER, 2003, p. 15).
Entre 1845 e 1870, a colonização no Sul do Brasil ocorreu concomitantemente com a
proibição da escravidão nas colônias e foi baseada no agenciamento de europeus 46
(SEYFERTH, 2002).

A partir de 1846 e, sobretudo, após a promulgação da Lei de Terras, surgiram no Rio


Grande do Sul e Santa Catarina inúmeras “colônias alemãs”, fundadas por empresas
particulares, pelos governos provinciais ou pelo governo imperial – etnicamente
homogêneas, pelo menos nos seus primórdios. Existem referências a pequenos
contingentes poloneses, noruegueses, suecos, suíços, irlandeses e franceses
encaminhados para algumas dessas regiões (especialmente em Santa Catarina). A
intensificação do processo ocorreu na década de 1870, quando começou a imigração
italiana na Serra Gaúcha, e no sul de Santa Catarina (além de localização junto às
colônias alemãs no Vale do Itajaí) (SEYFERTH, 2002, p. 121).

Segundo Seyferth (2011), a fundação da Colônia Blumenau, em torno de 1850, pelo


empresário colonizador Hermann Bruno Otto Blumenau (um farmacêutico alemão que ficou
conhecido como Dr. Blumenau), marca mais profundamente a germanidade da região do Vale
do Itajaí, em Santa Catarina.

A notoriedade do Vale do Itajaí como lugar de “colonização alemã” deve-se, em


grande parte, à atuação de Hermann Blumenau e aos viajantes e outros personagens –
aí incluídos os imigrantes “temporários” que retornaram, caso dos Stutzer – que
ajudaram a criar a imagem de um lugar balizado pelos valores da germanidade
(Deutschtum). (SEYFERTH, 2011, p. 50).

O Vale do Rio do Testo (antiga denominação da cidade de Pomerode), que fazia parte
da Colônia Blumenau, é marcado pela imigração vinda da Pomerânia (Pommernland), norte da

46
“Até o início da década de 1880, o governo imperial contratou, por decreto, a vinda de imigrantes através de
agenciadores, que recebiam pagamento per capita. Nesses decretos estão indicados os países (ou as nacionalidades)
preferenciais de emigração – sempre europeus” (SEYFERTH, 2002, p. 120).
80

Alemanha, e liderada, a partir de 1861, pelo sócio de Hermann Blumenau em empresa particular
agrícola e industrial, o colonizador Ferdinand Hackrath (MAAS, 2010).
Segundo Bremenkamp (2014), com base em Rölke (1996), a industrialização e a
religião são dois fatores que destacam o impulso emigratório da Pomerânia. Devido às
mudanças socioeconômicas de todo o continente europeu a partir de 1807, advindas com “a
crescente industrialização, inclusive no ramo agrícola”, o desemprego e a fome afligiram a
população pomerana (BREMENKAMP, 2014, p. 23), contribuindo para o vislumbre de novas
oportunidades nas colônias brasileiras. A religião também marca a emigração a partir de 1817,
quando o Rei Frederico Guilherme III propôs unir a Igreja Luterana à Igreja Reformada
(BREMENKAMP, 2014). Considerando que, predominantemente, as famílias pomeranas
expressavam devotamente a fé luterana, essa proposta causou certa instabilidade nos ânimos
religiosos, que constituíam a vida social e política dessas pessoas (BREMENKAMP, 2014). A
Colônia Blumenau foi, mais tarde, um dos destinos de pomeranos, juntamente com outros
alemães.
Hermann Blumenau propôs o projeto de colonização ao governo brasileiro, requerendo
terras “devolutas” (SEYFERTH, 2011), apesar dos entraves para a imigração, como o elevado
custo da viagem dos alemães para a América do Sul, os riscos da longa travessia marítima na
época, as condições precárias da viagem nos navios, a resistência de parte significativa da
população alemã com relação ao processo migratório para o Brasil. Após quatro anos de
negociação com o governo brasileiro, o colonizador Blumenau adquiriu pequenas áreas para
ocupação de terras do Vale do Itajaí.
A Colônia Blumenau recebeu imigrantes alemães que se diferenciavam de outras
colônias, especialmente “pelas atividades profissionais que exerciam: eram intelectuais,
artesãos ou operários [...]”, o que contribuiu para que a região ficasse conhecida como um dos
“centros culturais e da intelectualidade, [onde alguns habitantes se tornaram] formadores de
opinião da população de origem alemã na época” (MAILER, 2003, p. 12). O convívio dos
imigrantes e seus descendentes com o restante da sociedade nacional, nas primeiras décadas da
colônia, foi restrito, praticamente inexistente, influenciando na formação comunitária étnica
para “territorializar a nova Heimat (na sua associação com o lar)” (SEYFERTH, 2011, p. 51).
Convém a menção de que a Colônia Blumenau, na primeira década, enfrentou sérias
dificuldades econômicas por não ter conseguido atrair um número satisfatório de compatriotas
“para cobrir os gastos da demarcação, abertura de caminhos, construção de prédios públicos
(inclusive escolas) e outros encargos assumidos pela empresa, através da venda dos lotes aos
81

colonos” (SEYFERTH, 2011, p. 50). Em 1860, então, o governo imperial, no Brasil, assumiu
a colonização, embora Hermann Blumenau tenha permanecido na direção da colônia até o início
da década de 1880, quando ocorreu a emancipação política, como município, que ficou
denominado Blumenau (SEYFERTH, 2011). Pomerode, como mencionei anteriormente, só foi
emancipada de Blumenau em 1958.
A história imigratória da região de Blumenau, sem dúvidas, criou traços linguísticos
significativos entre a população do contexto que pertenceu à colônia. Numa realidade mais
recente, não só a língua, mas aspectos das tradições culturais também marcam as identidades
teuto-brasileiras do contexto de estudos. Na cidade de Pomerode, por exemplo, é possível
identificar as tradições de produção de chope, as festas típicas, como Festa Pomerana ou festas
do tiro (Schützenfest), festa da colheita, festa de rei e rainha nos clubes de caça e tiro, o uso de
trajes típicos, etc. A partir desse cenário incialmente apresentado, passo a descrever, na seção
seguinte, aspectos da formação dos letramentos teuto-brasileiros na região, que perpassam por
diferentes agências: escolas, imprensa, clubes de caça e tiro e a Igreja Evangélica de Confissão
Luterana do Brasil47.

3.2 OS LETRAMENTOS ENTRE OS IMIGRANTES ALEMÃES E SEUS PRIMEIROS


DESCENDENTES

Para tratar dos letramentos da antiga zona de imigração em questão, nesta tese, é
imprescindível levar em conta a diversidade de recursos linguísticos que compõem os
repertórios das pessoas que vivem esse cenário. Para isso, um olhar circunstanciado do local,
considerando sua composição histórica e social, inclui não só diferentes línguas e variedades
linguísticas, mas gêneros textuais, tipos discursivos, domínios sociais onde esses gêneros são
indexados, etc.
Quando Jung e Semechechem (2018) apresentam o cenário ucraniano de
Prudentópolis, no Paraná, observam que há diferentes recursos para os letramentos em
diferentes domínios da vida social, como a igreja, as mídias on-line, a escola, etc. Em cada um
desses domínios, as pessoas desenvolvem particularidades linguísticas que constituem práticas
de linguagem e letramento, performando também diferentes identidades a partir da língua
(JUNG; SEMECHECHEM, 2018). Nesta seção, em particular, procuro descrever, sob um

47
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil corresponde à igreja fundada por Martinho Lutero na
Alemanha e é caracterizada como a religião de cerca de “98% dos imigrantes que chegaram em Blumenau”
(MAILER, 2003, p. 23) durante a formação da colônia da qual Pomerode fez parte.
82

ponto de vista também histórico, como as pessoas se engajam socialmente pela linguagem nos
diferentes domínios sociais constituídos a partir da Colônia Blumenau, de onde Pomerode fez
parte.
A Colônia Blumenau e, mais tarde, a região do município de Blumenau, organizou-se
como um centro de publicação e de divulgação de uma diversidade de materiais escritos em
língua alemã, como calendários, jornais, textos literários, materiais didáticos, etc.
A antiga colônia recebeu diferentes escritores literários alemães e teuto-brasileiros;
contou com a publicação e distribuição de materiais didáticos, materiais científicos, jornais,
folhetos religiosos, informativos aos colonos, almanaques, todos em língua alemã (MAILER,
2003). Além do mais, as práticas de letramentos perpassaram campos sociais próprios da
imigração, como a Igreja Evangélica de Confissão Luterana, “os clubes de Caça e Tiro, as
sociedades de ginástica, sociedades de canto, sociedades de dança, conservatório de música e
as Musikkapellen (bandas de música), vários corais” e espaços para a prática de esportes, como
bolão, remo e jogos de cartas (MAILER, 2003, p. 23). A Igreja Evangélica de Confissão
Luterana, nesse cenário, destacou-se como importante marca de identidade étnica teuto-
brasileira (MALTZAHN, 2018), uma vez que viabilizou o uso do alemão (Hochdeutsch)
durante os cultos e através de distribuição de materiais escritos religiosos.
Muitos dos campos sociais citados acima ainda se fazem presentes na vida cotidiana
do cenário em estudo, constituindo-se, de certa forma, como agências para o letramento em
língua alemã (cf. EWALD, 2014). Pomerode, por exemplo, conta com um total de 15 clubes de
caça e tiro (segundo dados divulgados pelo site oficial da prefeitura). O primeiro deles foi o
Schützenverein Ehr und Wehr (Clube de Atiradores Honra e Defesa), fundado em 1890.
No Sul do Brasil, os imigrantes alemães e seus descendentes também construíram um
próprio sistema de ensino teuto-brasileiro, mantido com o apoio das lideranças religiosas
luterana (em maior número) e católica (KREUTZ, 2003). Apesar do incentivo à imigração
europeia, convém lembrar que não houve um investimento do governo brasileiro para a
construção de um sistema escolar. Nesse período imigratório, havia poucas escolas públicas
funcionando em todo o território nacional.
A Reforma Protestante (1517 – 1648), que trouxe profundas implicações para o
sistema de ensino alemão, é bastante precedente à fundação da Colônia Blumenau (1850), e
influenciou na formação de uma cultura de escolarização e alfabetização entre os imigrantes
desde o país de origem (BEZERRA, 2007). A despeito disso, até o final do Império, o governo
brasileiro estimulou as práticas escolares realizadas pelos imigrantes europeus (LUNA, 2000).
83

Conforme Luna (2000, p. 31), “a cultura germânica, ciência e educação em especial eram
frequentemente consideradas não só nos países novos, mas também nos europeus, como
referência de qualidade”.
Com um sistema escolar público brasileiro deficitário, os imigrantes alemães passaram
a fundar escolas privadas (comunitárias e religiosas) (LUNA, 2000). As escolas comunitárias,
no contexto da Colônia Blumenau, criadas a partir da colaboração dos pais de alunos para sua
manutenção, seja com serviços pessoais, como pintura e consertos, seja com o custeio do salário
dos professores, ficaram conhecidas como Sistema Teuto-brasileiro de Ensino (MAILER,
2003).

Na falta de um professor formado contratava-se alguém que pudesse, de certa forma,


exercer esta função, como um pastor ou um imigrante com mais instrução. O que não
se admitia entre os colonos era que as crianças ficassem sem escola. Uma das
reivindicações dos colonos ao governo imperial era a construção de escolas públicas
que abrangessem as regiões mais distantes da colônia, na zona rural. O não
atendimento, por parte do governo, a essas reivindicações obrigou os imigrantes a
criarem o sistema das Comunidades Escolares. Entre os primeiros professores da
colônia, estavam Fernando Ostermann, professor formado na Alemanha, e o Pastor
Oswaldo Hesse (MAILER, 2003, p. 37-38).

No início do século XX, 40% das escolas de todo o estado de Santa Catarina eram
privadas (comunitárias e religiosas) (LUNA, 2000). Destas, 80% correspondiam a escolas
teuto-brasileiras e 20% eram escolas das comunidades de imigrantes italianos, poloneses e seus
descendentes (LUNA, 2000). “Em Blumenau especificamente havia, na mesma época, 10
escolas estaduais e 113 escolas privadas, com respectivamente 520 e 5.011 alunos
matriculados.” (LUNA, 2000, p. 20).
Nas escolas teuto-brasileiras, definiu-se o alemão como língua de instrução e de ensino
em virtude do desejo dos imigrantes alemães em manter sua germanidade (Deutschtum) na
formação de uma nova pátria (Heimat) no Brasil (KREUTZ, 2003). Ao mesmo tempo, parecia
existir interesse na aprendizagem da língua portuguesa, uma vez que estudos (cf. LUNA, 2000)
evidenciam materiais pedagógicos produzidos, especialmente pela Associação de Professores
Teuto-Brasileiros de Santa Catarina, para a integração com a sociedade brasileira. As tentativas
de ensinar português entre os imigrantes e seus descendentes enfrentaram obstáculos, como a
própria escassez “de professor que tivesse domínio do português” (FRITZEN, 2007, p. 20).
Com o término do Período Imperial e, por conseguinte, com o surgimento de uma
identidade nacional concomitante ao advento da República, a sociedade brasileira denuncia o
Sistema de Ensino Teuto-Brasileiro como uma ruptura ao nacionalismo (cf. EWALD, 2014).
84

Nesse período, como assinala Kreutz (2003), o ensino da língua portuguesa no currículo das
escolas teuto-brasileiras no Sul do Brasil foi considerado pelo governo como insatisfatório,
desencadeando em diferentes políticas nacionalistas. A partir de duas campanhas de
nacionalização do ensino em Santa Catarina, mais especificamente, a escola teuto-brasileira
ficou desestruturada, conforme discussão que apresento na próxima seção.

3.3 AS POLÍTICAS DE NACIONALIZAÇÃO EM SANTA CATARINA

Santa Catarina, como apresentei nas seções anteriores deste capítulo, ao mesmo tempo
em que se constitui como um cenário de diferentes línguas de imigração, dentre as quais a língua
alemã ganha destaque pela quantidade de falantes, também é marcada por silenciamentos
linguísticos por meio de diferentes movimentos políticos que vigoraram com as conflituosas
concepções de nacionalismo alemão e brasileiro eclodidas nas duas guerras mundiais
(MAILER, 2003). Nesta seção, apresento, mais especificamente, considerações sobre as duas
campanhas de nacionalização implementadas no estado de Santa Catarina, que contribuíram
com o processo ideológico de apagamento linguístico no que se refere ao uso de línguas de
imigração no contexto em estudo. Como explica Shohamy (2006, p. 22, tradução minha), a
“língua se tornou uma ferramenta para a manipulação de pessoas e seus comportamentos, pois
é usada para uma variedade de agendas políticas na batalha de poder, representação e voz.”48.
A língua funciona, portanto, como um instrumento político simbólico, capaz de construir
identidades, de incluir e excluir pessoas, de determinar lealdade (SHOHAMY, 2006). Usada
como um ícone nacional, a língua desencadeia tensões.
Em antigas zonas de imigração, é preciso levar em conta que as tensões entre a
comunidade de imigrantes alemães e os luso-brasileiros existem ainda antes das duas
campanhas de nacionalização, mas, com elas, essas tensões se intensificaram.

[...] na época das guerras mundiais, [...] “falar português” era cobrado como “condição
para ser brasileiro”. Por este viés, o ensino de português por muito tempo assumiu
uma espécie de papel cívico de abrasileiramento dos diversos falantes de línguas de
imigrantes, fato que pode ser observado nos manuais de ensino da época.
(ALTENHOFEN, 2004, p. 88).

A primeira campanha de nacionalização do ensino, cujos registros aparecem a partir


de 1911, desvela uma tensão ideológica entre grupos de imigrantes alemães e o governo

48
“[…] language has become a tool for the manipulation of people and their behaviors, as it is used for a variety
of political agendas in the battle of power, representation and voice.” (SHOHAMY, 2006, p. 22).
85

estadual por meio de um planejamento linguístico, político e educacional (EWALD, 2014).


Essa primeira campanha é desencadeada no governo de Vidal Ramos, “sob o comando do
professor paulista Orestes Guimarães” (MAILER, 2003, p. 39), que já havia iniciado sua
atuação no estado de Santa Catarina em 1907, com o apoio do governo e da sociedade para as
ações nacionalistas no setor da educação (LUNA, 2000). Essa primeira campanha atingiu o
sistema de ensino de todo o estado catarinense através da tentativa de assimilar as diferentes
identidades, culturas e línguas nas regiões de origem colonial com a criação de grupos escolares
e escolas complementares, além da imposição da língua portuguesa nas escolas de imigrantes
(LUNA, 2000). A escola passou a ser instrumento de “abrasileiramento” dos teuto-brasileiros,
que, mais tarde, seriam vistos como “ameaça à integridade nacional”, associados ao nazismo
(MAILER, 2003, p. 9).
As medidas da primeira campanha de nacionalização do ensino geraram diversos
conflitos entre a comunidade teuto-brasileira. Dentre esses conflitos, estavam os
questionamentos sobre a qualidade de ensino da escola pública, especialmente no que se refere
à aprendizagem da língua portuguesa (LUNA, 2000). Como o alemão era a língua da esfera
familiar da maioria dos estudantes, a exclusão dessa língua na escola, de forma integral e
repentina, resultou na falta de intercompreensão nas atividades educacionais, o que contribuiu
para descredibilizar a escola “brasileira” entre a comunidade de descendentes de imigrantes
alemães. A partir de então, durante a primeira campanha de nacionalização do ensino,
Guimarães incluiu a língua alemã no currículo das escolas de Santa Catarina como disciplina
obrigatória, “numa estratégia de assimilação progressiva” (LUNA, 2000, p. 44) para a subtração
do bilinguismo da comunidade.
Muitas das escolas particulares do sistema de ensino teuto-brasileiro (que já eram 113
na região de Blumenau), foram fechadas por não conseguirem cumprir com as normatizações
dessa campanha (MAILER, 2003). Por conseguinte, crianças ficaram sem instrução formal,
uma vez que o número de escolas públicas continuava insuficiente para atender a região. Nesse
período, também foram interrompidas as atividades das “Sociedades Escolares” e “Associação
de Professores Particulares”, além da interrupção do jornal da Associação de Professores e
Sociedades Escolares de Blumenau (Mitteilungen des Deutschen Schulvereins für Santa
Catarina) (MAILER, 2003).
As medidas educacionais a favor da assimilação linguística e cultural progressiva
foram intensificadas por meio de leis e decretos, como a Lei Estadual 1.187 e o Decreto 1.063
de 1917 (LUNA, 2000). Essas medidas oficiais incluíram Linguagem, História e Geografia do
86

Brasil, Cantos e Hinos Patrióticos como disciplinas obrigatórias nos currículos escolares em
língua portuguesa, e determinaram a obrigatoriedade de material didático publicado em
português, além de outras medidas nacionalistas (LUNA, 2000).

A partir daí, começaram a surgir medidas legais para promover o ensino em português
nas escolas particulares, que, para sua reabertura, tiveram que se adequar às exigências
do governo do estado, muitas vezes impossíveis de cumprir, como por exemplo que o
professor falasse “corretamente” o vernáculo. Muitos desses professores eram
imigrantes, não naturalizados, nascidos na Alemanha, e o inspetor geral de ensino
dificilmente permitiria que um estrangeiro ensinasse nas escolas, por representar uma
ameaça. Mesmo assim, as escolas foram reabrindo uma a uma e, em 1918, contavam-
se 30; em 1920, eram 40; em 1925, já eram 109, com 5.745 alunos e, em 1937,
chegaram a 173 (FERREIRA DA SILVA, 1988 apud MAILER, 2003, p. 40).

Escolas particulares que ensinassem português receberiam subsídios dos governos


estadual e federal. Mais tarde, muitas delas foram transformadas em escolas públicas a partir
de um “acordo firmado entre município e sociedades escolares” (MAILER, 2003, p. 41).
Enquanto a primeira campanha de nacionalização do ensino havia sido de âmbito
estadual, a segunda foi de âmbito nacional, implementada durante o Estado Novo, no período
de exercício de Getúlio Vargas (1937 – 1945) como presidente da República. Essa segunda
campanha de nacionalização foi intensificada em 1942, quando o Brasil iniciou sua participação
na Segunda Guerra Mundial, como consequência, “transformando” imigrantes e descendentes
em potenciais “inimigos da pátria” (SEYFERTH, 1997). Segundo Oliveira (2018, p. 61, itálico
no original, tradução minha), a política de “Nacionalização do Ensino foi introduzida e
sustentada pelo conceito jurídico de crime idiomático”49.
As determinações da segunda campanha normatizaram “a intervenção nas escolas,
associações e outras instituições demarcadoras de pertencimento étnico” (SEYFERTH, 1997,
p. 97). Como as normatizações se estendiam a todas as línguas de imigração que, por razões
políticas, foram tratadas como línguas estrangeiras, essa campanha, em Santa Catarina,
provocou conflitos nas populações especialmente de origens alemã e italiana (FRITZEN;
EWALD, 2016; EWALD; 2020).
A partir de janeiro de 1942, as preocupações com relação ao “perigo à nação” dentro
do Estado brasileiro se intensificaram: “É nesse momento de “caça às bruxas” que a ideia de
conspiração se acirrou e as perseguições policiais passaram a ter lugar assegurado e
legitimado.” (FÁVERI, 2004, p. 42).

49
A policy process known as Nacionalização do Ensino was introduced and underpinned by the juridical concept
of crime idiomático. (OLIVEIRA, 2018, p. 61).
87

O caráter repressivo da segunda campanha de nacionalização, que ficou conhecida


como Processo de Nacionalização do Ensino, foi ainda maior que da primeira justamente pela
intervenção militar, que se fez presente de forma ditatorial na vida cotidiana dos imigrantes e
seus descendentes. Há diversos depoimentos de pessoas que temiam falar por não saberem se
estavam perto de “espiões”, que eram, “se não um policial, [...] um vizinho, um Inspetor de
Quarteirão, um militar de plantão.” (FÁVERI, 2004, p. 115). A censura à língua também é
manifestada em relatos sobre torturas físicas, como engolir “óleo”, além da condução a prisões
ou campos de concentração (FÁVERI, 2004). As punições se estendiam, também, às salas de
aula. As escolas estaduais continuaram sendo porta-voz dessa política nacionalista, ainda que o
Processo de Nacionalização do Ensino também tenha alcançado outros campos sociais. As
instituições de ensino que não conseguissem cumprir com as determinações nacionalistas,
especialmente com relação ao ensino da língua portuguesa, tiveram de fechar suas portas
permanentemente.
A criação da Liga Pró-Língua Nacional “garantiu” que as determinações legais fossem
seguidas (FÁVERI, 2004). No entanto, há relatos de pessoas que, durante esse período, ainda
quando crianças, tiveram aulas em língua alemã e participaram de atividades religiosas, de
canto, de esportes, dentre outras, clandestinamente, desvelando movimentos de resistência à
ideologia nacionalista monolíngue (EWALD, 2014).
Para o reconhecimento ideológico de nacionalidade brasileira, esperava-se da
comunidade teuto-brasileira “um abandono total e irrestrito dos valores que, para eles
[descendentes de alemães], constituíam sua identidade: a língua, a cultura, aos valores de
etnicidade como prova de seu amor ao Brasil” (MAILER, 2003, p. 20). Essas medidas,
consequentemente, almejavam que as pessoas abdicassem de uma parte de quem elas eram em
nome dessa “comunidade imaginada” (ANDERSON, 2008 [1991]) chamada nação, em nome
da imposição de uma forma “fixa” de identificação nacional, unificada e homogênea. Falo em
abdicar porque a identidade “se constrói na língua e através dela”, nenhuma pessoa “tem uma
identidade fixa anterior e fora da língua” (RAJAGOPALAN, 1998, p. 41). No caso dos
descendentes de alemães, essa língua era, então, germânica, proibida sob pena de prisão, tortura,
“castigos” (cf. FÁVERI, 2004).
Nesse cenário, as políticas homogeneizadoras negaram direitos linguísticos e culturais
de diferentes grupos sociais que constituem o país (e, não raro, ainda violam esses direitos), em
nome da “nação”. As consequências da proibição do alemão e a violência linguística (e física)
sofrida durante o Processo de Nacionalização do Ensino repercutem ainda hoje em discursos
88

locais sobre a vergonha do português “contaminado” pelo alemão, sobre o “dialeto” alemão de
colono, sobre entendimentos de que aqui só se fala português porque é Brasil. Entretanto,
também ressurge um orgulho da identidade teuto-brasileira a partir de novas políticas
linguísticas que constituem a dinâmica da vida social de Pomerode, SC, conforme debate
proposto no capítulo cinco.

3.4 NOVAS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS E AS LÍNGUAS TEUTO-BRASILEIRAS

De modo geral, em âmbito global, García e Wei (2014) explicam que as escolas de
hoje não se pautam em punição corporal (como marcam as medidas do Processo de
Nacionalização do Ensino), mas ainda garantem certas “punições” ao basearem seus métodos
avaliativos e instrucionais em padrões monolinguísticos, “garantindo” o insucesso escolar das
crianças bilíngues. Meu objetivo, aqui, de modo algum, é comparar as coerções sofridas por
diferentes grupos linguísticos em diferentes períodos de tempo, uma vez há violências físicas e
simbólicas que impossibilitam traçar tal comparativo. No entanto, quero destacar que os novos
tipos de “punições”, entre as comunidades multilíngues brasileiras, ainda resultam, em muitos
casos, na vergonha da língua em situação minoritária, distante da ideologia nacional. Quando o
monolinguismo, como a condição ideal, parece ser um privilégio da sociedade dominante (cf.
LÓPEZ, 2013), o bilinguismo social passa, com certa frequência, a ser escondido “como um
mecanismo de autodefesa” (LÓPEZ, 2013, p. 140).
O bilinguismo na comunidade alvo desta pesquisa é, portanto, mais complexo do que
possa parecer à primeira vista. Há, certamente, sentimentos ambivalentes nas identidades locais,
especialmente sobre ser falante de uma língua de imigração.
É evidente, no município, que apesar de a língua alemã estar presente em atividades
sociais ainda hoje, a língua portuguesa passou a assumir funções privilegiadas, uma vez que é
a língua predominante no judiciário, no poder público, na escola em geral. As mudanças das
funções das línguas ao longo da história e, especialmente, as repressões do Estado Novo,
impactaram para manifestações cada vez mais “escondidas” ou menos frequentes da língua
alemã, embora, mais recentemente, novas ações sejam implementadas para promoção do
plurilinguismo, assim como ressurge, gradativamente, um “orgulho” de falar alemão.
Ainda assim, a perda linguística (cf. SILVA, 2004; SPIESS, 2014; MALTZAHN,
2018) tem sido tema de debate entre alguns pesquisadores para a problematização do
apagamento da língua alemã entre as novas gerações em Pomerode. Essa discussão pode ser
89

relacionada também às políticas do monolinguismo, que costumam se fazer presentes na


educação formal. Afinal, tais políticas perpetuam a “invenção” da língua portuguesa enquanto
entidade abstrata, símbolo nacional, cujos processos ideológicos buscam “apagar” qualquer
traço do contato linguístico proveniente das línguas em situação minoritária. A “perda”
linguística geracional da língua alemã atende, então, a propósitos escolares e até mesmo
legislativos no país. As consequências, em Pomerode, têm sido observadas especialmente no
grupo de crianças e jovens, filhos de falantes do ALBI, quando se negam “a aprender a língua
por medo de serem vítimas de deboche ou das memórias do medo e da repressão”, ou quando
restringem a língua alemã a usos privados, para não serem identificados como falantes do
alemão, mesmo quando o são (MAAS, 2010, p. 41).
Esse debate tem fortalecido estratégias que favoreçam politicamente as famílias que
resistiram e seguiram com o bilinguismo entre as novas gerações. Além disso, também tem
favorecido políticas de aquisição da língua entre pessoas de fora da comunidade teuto-
brasileira, e de revitalização linguística para aquelas famílias teuto-brasileiras que foram
deixando de utilizar a língua em situação minoritária a partir das novas gerações, em virtude,
dentre outras razões, do baixo prestígio sociolinguístico.
Silva (2004), em um levantamento sociolinguístico de Pomerode, divulgado pelo
IPOL, realizou 78 entrevistas e 212 questionários em cinco escolas municipais (com alunos de
1ª a 4ª série) e uma escola particular (com alunos de 2ª, 4ª, 6ª e 8ª séries). Essa pesquisa auxilia
na compreensão do baixo status sociolinguístico desfrutado pela comunidade teuto-brasileira
na época em que Silva (2004) gerou os registos do seu estudo. As atitudes e crenças linguísticas
diante do alemão falado em Pomerode emergiram nos discursos dos alunos de uma escola
particular de área central ao associarem essa língua:

[...] aos agricultores da zona rural do município, é lá que se concentra o maior número
de falantes do platt, segundo informações dos entrevistados. Esses jovens não
gostariam de aprender esse alemão porque “ELE DEIXA O PORTUGUÊS COM UM
SOTAQUE DE QUEM MORA NO SÍTIO E NÃO FREQÜENTA A ESCOLA”. Eles
não gostam da fonética do português falado pelos “colonos” porque responsabilizam
o alemão falado em Pomerode pela troca dos ‘rr’ pelo ‘r’ do ‘ão’ pelo ‘on’ - ‘caroça,
caro, caminhon, alemon’. (SILVA, 2004, on-line).

É preciso considerar que esse estigma ao sujeito que socialmente se torna bilíngue
também resulta de políticas linguísticas implícitas na vida escolar de muitos estudantes ao redor
do globo. Resultados de um estudo desenvolvido por Garcez (2018), por exemplo, sugerem a
possibilidade de que o bilinguismo social, associado a grupos étnicos e de classes sociais
90

também estigmatizadas, tende a ser visto como um obstáculo para o alcance de melhores
oportunidades acadêmicas. Embora o autor parta de um contexto de estudantes luso-brasileiros
que vivem no Canadá, sua discussão faz pensar como a esfera escolar, de um ponto de vista
global, encara o plurilinguismo, e como o “abandono” da língua familiar, para muitas crianças
e jovens, se torna uma estratégia para acessar as “vantagens” associadas aos falantes idealizados
da língua dominante.
Diante dessa complexidade de encarar o bilinguismo, Altenhofen (2013a) propõe a PL
de uma “minoria” para uma “maioria”. Em outras palavras, é necessário levar em conta questões
para uma educação linguística e intercultural que chegue até o grupo dominante em termos de
ideologia e atitudes sobre as línguas, uma vez que esse grupo é capaz de influenciar, de forma
“direta ou indireta, sobre o destino, reconhecimento e status sócio-político das línguas
minoritárias” (ALTENHOFEN, 2013a, p. 99). Altenhofen (2013a, p. 102) sugere que a
educação linguística seja pensada para a cultura minorizada e majoritária,

no sentido de desenvolver uma competência plurilíngue e plurivarietal, para incluir e


se incluir no mundo e, com isso, “dar ouvidos” à diversidade linguística e cultural de
seu entorno. Nessa perspectiva, tão importante quanto defender o valor e os direitos
das populações bilíngues, é promover entre a população monolíngue uma consciência
plurilíngue e pluralista, condizente com as expectativas e competências plurais
exigidas pelo mundo globalizado. [...] Na minha experiência como falante de uma
língua minoritária, tenho frequentemente me confrontado com perguntas do tipo “o
que tu qué com [essa língua]?”, ou ainda frases do tipo “eu não sei falar [essa língua]”,
expressas com tal regozijo, que imaginava como soariam em uma cultura linguística
em que se omite ou lamenta tal tipo de constatação. Evidentemente, vivemos em um
mundo em que impera felizmente a liberdade de escolha e de expressão. Mas daí a
discriminar cidadãos porque “falam mais de uma língua”, ou “falam determinada
língua minoritária”, é no mínimo equivocado e contraditório. (ALTENHOFEN,
2013a, p. 102, itálico no original).

Em Pomerode, se, por um lado, a vergonha da língua existe, também é comum ouvir
sobre o “orgulho” da origem. Esse “orgulho” é assumido em expressões simbólicas pela cidade,
como em estátuas, preservação dos moinhos usados no trabalho dos primeiros imigrantes,
preservação das casas construídas em estilo enxaimel, uso da bandeira da Alemanha ao lado da
bandeira do Brasil, mensagens escritas em alemão, composição de grupos de dança folclórica,
etc.
Algumas vezes, esse “orgulho” também pode vir combinado ao racismo, quando
descendentes de imigrantes se chamam de alemães em contraposição à concepção pejorativa de
identidade de brasileiro como “caboclo”, “negro”, etc. (MAILER, 2003). Nesses casos, é
importante retomar concepções sobre ideologias da “superioridade” “ariana” perpetuadas desde
91

o processo de colonização, baseadas na imagem do imigrante “branco” e “europeu” como um


“trabalhador ideal” (cf. SEYFERTH, 2002). Nesse sentido, as características da imigração
alemã, ancoradas na etnicidade, ainda aparecem no “contraste daquilo que estabelece uma
relação de pertença a um determinado grupo e exclui outro” (MAILER, 2003, p. 10).
A promoção de uma educação bilíngue e intercultural, hoje, possivelmente,
representaria um caminho possível para democratizar as línguas e culturas brasileiras na escola,
evidenciando as complexas questões que têm alimentado conflitos entre os diferentes grupos
sociais ao longo da história brasileira. No capítulo cinco, quando ambiento mais
especificamente a cidade de Pomerode e o retorno da língua alemã no seu currículo educacional
dentro das políticas do município, proponho refletir sobre essa relação entre políticas
linguísticas educacionais e as identidades locais.

3.5 A PRÁTICA POLÍTICA E A COOFICIALIZAÇÃO DE LÍNGUAS: LEIS MUNICIPAIS


Nº 2.251/2010 E Nº 2.907/2017

Com o objetivo de minimizar o impacto dos apagamentos linguísticos, a Prefeitura de


Pomerode tem buscado, por décadas, realizar diferentes iniciativas de inclusão da língua e
cultura de descendentes de imigrantes alemães nas atividades municipais. Essas iniciativas
também são influenciadas pelas demandas das indústrias alemãs que se instalaram na cidade,
levando a administração pública municipal a inserir novamente a língua alemã no currículo das
escolas (MAAS, 2010) e, mais recentemente, a cooficializar, em 2010, o alemão e, em 2017, o
pomerano.
92

Figura 2 – Processo de cooficialização de línguas por municípios

FONTE: IPOL (2021, grifos meus). Disponível em: http://ipol.org.br/wp-content/uploads/2017/12/Tabela-


Linguas-Cooficiais_page-0001.jpg. Acesso em: 13 ago. 21.
Descrição da imagem para cegos: A figura apresenta uma relação das línguas cooficializadas por municípios no
Brasil, sendo dividida entre um total de 11 línguas indígenas em nove municípios e seis línguas de imigração em
29 municípios. Dentre as línguas indígenas, estão: Tukano (cooficializado em novembro de 2002 em São Gabriel
da Cachoeira/AM), Neengatu (cooficializado em novembro de 2002 em São Gabriel da Cachoeira/AM), Baniwa
(cooficializado em novembro de 2002 em São Gabriel da Cachoeira/AM), Guarani (cooficializado em maio de
2010 em Tacuru/MS), Akwê Xerente (cooficializado em 2012 em Tocantínea/TO), Macuxi (cooficializado em
2014 em Bonfim/RR e Cantá/RR), Wapichana (cooficializado em 2014 em Bonfim/RR e em Cantá/RR; e em
2020 em Santo Antônio do Iça/AM). As línguas indígenas Ingaricó (de Uiramutã/RR), Santerê Mauê (de
Mauês/AM) e Mebêngôkre (kayapó) (de São Félix do Xingu/PA) tiveram o projeto de lei aprovado para
cooficialiação e estão aguardando o executivo. As línguas alóctones (processos de imigração) cooficializadas
93

são: Pomerano (cooficializado em julho de 2009 em S.M. de Jetibá/ES e em Pancas; em outubro de 2011 em
Domingos Martins/ES; em junho de 2008 em Laranja da Terra/ES; em novembro de 2009 em Vila Pavão/ES; em
Itarana/ES; em junho de 2010 em Canguruçu/RS; São Lourenço do Sul/RS; em maio de 2017 em Pomerode/SC;
em Espigão do Oeste/RO está em tramitação); Talian (cooficializado em novembro de 2009 em Serafina
Corrêa/RS; abril de 2015 em Flores da Cunha/RS; junho de 2016 em Bento Gonçalves/RS; em 2016 Paraí/RS;
em outubro de 2015 em Nova Roma do Sul/RS; junho de 2016 em Fagundes Varela/RS; outubro de 2017 em
Caxias do Sul/RS; 23 de março de 2018 em Ivorá/RS; Antônio Prado/RS; Camargo/RS; Nova Pádua/RS;
Guabiju/RS; agosto de 2015 em Nova Erechim/SC; 2020 em Ipumirim/SC); Hunsrückisch ou hunriqueano
(cooficializado em setembro de 2010 em Antônio Carlos/SC; dezembro de 2010 em Santa Maria do Herval/RS;
em 2020 em Ipumirim/SC); Plattdüütsch (cooficializado pela Lei 1302, 16/03/2016 em Westfália/RS); Alemão
(cooficializado em setembro de 2010 em Pomerode/SC); Dialeto Tentino (cooficializado em 2020 em
Rodeio/SC). Na imagem, realizo dois grifos: um em Pomerode/SC para a cooficialização da língua pomerana e
outro em Pomerode/SC para a cooficialização do alemão.

A cooficialização das línguas dos descendentes de alemães, no Brasil, se torna uma


política de reinvindicação de status de língua aos “dialetos europeus” e uma reinvindicação do
processo histórico das comunidades teuto-brasileiras em se reconhecerem como cidadãos
brasileiros sem que tenham de renunciar suas línguas (OLIVEIRA, 2018). Entretanto, vale
mencionar que os dados de línguas brasileiras cooficializadas também sinalizam para uma outra
questão importante: a desigualdade linguística pela consequente desigualdade social, étnica ou
racial.
No Sul do Brasil, contexto fortemente associado às línguas de imigração, o
multilinguismo também é constituído pelas línguas dos povos originários, embora careçam de
espaço de debate na administração pública desses estados. Tendo isso em vista, a partir da
Figura 2, identifico que, diferentemente de línguas indígenas, as línguas de imigração, no Sul,
têm conseguido avançar, de algum modo, com as pautas de cooficialização, motivadas pelo
fato, talvez, de cargos públicos serem ocupados, muitas vezes, por descendentes de europeus.
Nesses casos, mesmo que haja lutas pelo reconhecimento linguístico, os falantes de línguas de
imigração parecem poder desfrutar, por vezes, de um “privilégio europeu”. Ainda que essa
discussão não seja foco de debate da tese, menciono, aqui, que a idealização acerca do
estereótipo racial do “europeu” resulta no “privilégio branco” nascido nos princípios da
colonização, que compõem, na história brasileira, uma noção “hierárquica de civilização”
(SEYFERTH, 2002). A ideologia de superioridade ao imigrante europeu e seu descendente
perpetua mecanismos que regulam as práticas políticas do Estado, evidenciando, inclusive, a
relação de poder exercida entre os grupos sociais falantes de línguas brasileiras de imigração,
indígenas, afrodescendentes.
Diante disso, destaco a crítica de Shohamy (2006) sobre a “oficialidade” das línguas,
mesmo quando a intenção política claramente seja inclusiva e voltada ao multilinguismo. A
94

autora esclarece que uma política de oficialidade (ou cooficialidade, neste caso, em discussão)
tem a tendência de realizar omissões às línguas que não adquiriram o mesmo status, não
conseguindo representar toda a população.
Nesse ponto, como Shohamy (2006) assinala, a paisagem linguística, formada pelo uso
de diferentes línguas em um dado espaço público, transforma-o em uma “arena”, onde ocorrem
as “batalhas linguísticas”. Por isso, apesar da presença de falantes de diferentes línguas no
estado de Santa Catarina, são as línguas de imigração que têm recebido alguma visibilidade
nessa “arena de lutas”, mesmo que não possamos considerar uma igualdade com relação à
língua majoritária do país. Destaco a relevância do reconhecimento das línguas de imigração
para as políticas linguísticas do Estado, embora compartilhe de um anseio para visibilidade
também de outros grupos sociolinguísticos que, historicamente, têm sido marginalizados, como
os próprios povos originários. Ademais, saliento que a política linguística não se encerra na
cooficialização.
Como problematiza Altenhofen (2013a, p. 112), a questão, obviamente, não é “negar
a importância das leis linguísticas como instrumentos de salvaguarda”, mas de levar em conta
suas implicações sociais e reconhecer que não “funcionam como uma fórmula mágica que por
si só já garante a manutenção ou sobrevivência de uma língua”. Se a intenção política é agir em
favor dos falantes das línguas em situação minoritária, a cooficialização, pois, não pode se
restringir a um “pedaço de papel”:

Sem ações concretas para fazer valer as leis, estas são apenas um texto. Mesmo a
indiferença ou o desconhecimento da diversidade parecem conseguir mais efeitos
maléficos do que uma lei, restrita a sua redação no papel, consegue de efeitos
benéficos, se não acompanhada de ações. (ALTENHOFEN, 2013a, p. 112).

Por isso, Shohamy (2006) fala em política e prática, destacando a atenção necessária
à implementação da política na prática. Quando tratamos do que as pessoas fazem com as
línguas, a prática pode ser observada a partir dos mecanismos, ou dispositivos de política
(SHOHAMY, 2006; SPOLSKY, 2004), inseridos nas “crenças, prática e gestão” das línguas
(SPOLSKY, 2004; 2016).
No que se referem às práticas linguísticas locais, conforme debate proposto no capítulo
cinco, observo, especialmente, as formas como as pessoas agem com as línguas no mercado
linguístico, no comércio de “bens culturais”, em produção de folders, etiquetas, eventos
festivos, educação bilíngue etc. Vale mencionar, também, que a escrita de placas informativas,
a nomeação de ruas, praças, pontos turísticos em homenagem a imigrantes e descendentes,
95

nomeação de edifícios, mercados e demais comércios com sobrenomes de origem alemã, ou


com léxico próprio das línguas de imigração, são práticas de linguagem que funcionam também
como dispositivos políticos para o plurilinguismo em Pomerode. A paisagem linguística é
destacada por Shohamy (2006) como um dos principais mecanismos de manipulação da língua,
podendo “passar” uma “mensagem ideológica” de qual ou quais línguas estão no “comando”,
a partir de um sistema de crenças que imbricam nas relações sociais.
Quando se trata do poder público, a implementação da política na prática é realizada a
partir de “sanções, penalidades e recompensas, incluindo fontes financeiras” 50 ou regras para
políticas de educação linguística e para provas de línguas, etc. (SHOHAMY, 2006, p. 54,
tradução minha).

Os métodos de criação de política linguística por meio dos diferentes mecanismos


podem ser vistos como parte do processo de tomada de decisão em sociedades
democráticas. De fato, como já observado, todos os grupos, não apenas aqueles que
têm autoridade, usam esses mecanismos para influenciar o comportamento linguístico
e garantir que suas próprias ideologias se transformem em prática. No entanto, muitas
vezes, são as autoridades, agências governamentais e grandes corporações que são
mais influentes, pois são mais poderosas. Afinal, elas têm acesso a fontes de poder,
como sistemas judiciários, parlamentos, autoridades educacionais, organizações de
testes, propaganda e sanções, e podem, portanto, fazer valer e promover suas
ideologias com mais facilidade e ser mais influentes em afetar as políticas linguísticas
de facto.51 (SHOHAMY, 2006, p. 137, tradução minha).

Considerando que as políticas linguísticas também acontecem na gestão que as pessoas


fazem das línguas no dia a dia, suponho a importância de as “ações concretas para fazer valer
as leis” (ALTENHOFEN, 2013a, p. 112) abrangerem atividades da comunidade. Nesse caso,
podem envolver as associações (como de artesãos e de clubes de caça e tiro, mencionadas
anteriormente), representantes da comunidade, as escolas, para atingir as configurações sociais
e, consequentemente, a forma como cada pessoa age sobre as línguas e com elas, a partir de
práticas que sejam cada vez mais favoráveis ao plurilinguismo.

50
Yet, it is those in authority who can use the mechanisms more powerfully, as they have better access to sanctions,
penalties and rewards, including financial sources. (SHOHAMY, 2006, p. 54).
51
The methods of creating LP via the different mechanisms may be viewed as part of the process of decision
making in democratic societies. In fact, as already noted, all groups, not just those in authority, use these
mechanisms to influence language behavior and to ensure that their own ideologies turn into practice. Yet, it is
often those in authority, government agencies and big corporations that are more influential as they are more
powerful. After all, they have access to sources of power, such as judiciary systems, parliaments, education
authorities, testing organizations, propaganda and sanctions, and can therefore enforce and promote their
ideologies more easily and be more influential in affecting de facto language policies. (SHOHAMY, 2006, p.
137).
96

Também entendo que a cooficialização das línguas, acompanhada das ações práticas,
inegavelmente, tem representado os membros das comunidades de antigas zonas de imigração,
no sentido de poderem dizer “que são brasileiros em suas próprias línguas” (OLIVEIRA, 2018,
p. 66, tradução minha), vislumbrando, talvez, um futuro que desacelere o apagamento
linguístico a partir do reconhecimento do plurilinguismo brasileiro.
Cooficializar as línguas alemã e pomerana, portanto, foi um dispositivo usado, em
Pomerode, por meio de leis, para determinar um valor sobre essas línguas, bem como
estabelecer regras sobre elas (como o ensino do alemão na educação pública, atendimentos
públicos em pomerano e alemão, etc.).
A lei municipal nº 2.251, de 1º de setembro de 2010, no seu Art. 1º, institui “a língua
alemã como idioma complementar e secundário no Município de Pomerode, inteiramente
respeitada a língua portuguesa, como a língua oficial do Brasil”. Nessa mesma lei, no Art. 2º, a
administração municipal se compromete a promover a língua alemã na educação pública, nas
vias públicas e no atendimento público. Nos artigos 3º e 4º, fica esclarecido o fato de que a lei
pretende evitar discriminação linguística, “tendo por finalidade única, preservar a cultura e a
tradição alemã, herdada dos colonizadores alemães”, bem como garantir às pessoas jurídicas a
liberdade de uso da língua alemã “para atendimento a seus clientes, inclusive em materiais
publicitários”.
A lei municipal nº 2.907, de 23 de maio de 2017, dispõe sobre a cooficialização da
língua pomerana no município de Pomerode, também acatando, no Art. 1º, a língua portuguesa
como “idioma oficial da República Federativa do Brasil”. No Art. 2º, a lei esclarece que o status
de língua cooficial concebido ao pomerano trabalha a favor da valorização e promoção
linguística e identitária.
De modo geral, pelas duas leis citadas, entendo que a administração pública de
Pomerode legislou, como principais práticas da política linguística de cooficialização, o uso das
línguas alemã e pomerana no atendimento ao público quando requeridas, a aprendizagem (neste
caso, da língua alemã e não da pomerana) na educação municipal e os registros das diferentes
línguas em placas. A promoção da língua pomerana, escrita e falada, não está diretamente ligada
à rede de ensino de Pomerode, mas está nas ações vinculadas à cultura e ao turismo.
97

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS NO TRABALHO ETNOGRÁFICO

A presente tese, orientada pelos construtos teóricos voltados à política linguística, pode
ser entendida como um estudo qualitativo-interpretativista (MASON, 2001; MOITA LOPES,
1994). Neste estudo, faço uso de pressupostos metodológicos de natureza etnográfica
(ERICKSON, 2001; CAVALCANTI, 2006; BLOMMAERT; DONG, 2010; ERICKSON;
SCHULTZ, 2013 [1981]) para documentar minha trajetória durante o processo investigativo,
privilegiando os significados sociais construídos no contexto da educação linguística e escolar
em uma comunidade teuto-brasileira.
Os métodos etnográficos de pesquisa surgiram, inicialmente, na antropologia, embora
outras áreas de estudos, como a própria linguística, têm os utilizado e ressignificado para seus
propósitos científicos (HYMES, 2001 [1974]). No entanto, há antropólogos que consideram a
etnografia “um método específico (e exclusivo?) da pesquisa antropológica”, apresentando
certa relutância na aceitação de que variadas áreas de pesquisa se apropriaram dessa orientação
metodológica, conforme salientam Garcez e Schulz (2015, p. 21).
O emprego antropológico clássico do termo etnografia tem a caracterizado como uma
atividade de pesquisa que requer o convívio, por vários anos, do pesquisador na comunidade
alvo de pesquisa, “aprendendo a língua e aplicando método e teoria rigorosos à coleta de dados”
(STREET, 2014 [1995], p. 65). Linguistas e linguistas aplicados, nesse sentido, podem se
mostrar cautelosos com relação à afirmação de realizarem etnografia. No entanto, há uma via
de mão-dupla, na qual a etnografia e a linguística se beneficiam mutuamente, e que valida a
abordagem etnográfica na pesquisa linguística, partindo da relação entre fenômenos sociais à
linguagem e fenômenos da linguagem ao contexto social. Além disso, como alertam Garcez e
Schulz (2015):

Apreciamos o legado e a prática antropológica, mas não somos antropólogos.


Tampouco encontramos muito nossos colegas antropólogos no Brasil que tenham
interesse ou mesmo apreciação pelos “detalhes da comunicação”, mas temos a
convicção de que a etnografia que fizemos nos fundamenta e qualifica para a
interlocução com os profissionais com quem interagimos, no nosso caso professores
e outros agentes educacionais na escola, na administração escolar, em organizações e
na academia (GARCEZ; SCHULZ, 2015, p. p. 24).

Faço uso de princípios da etnografia para a geração dos registros de pesquisa e para o
olhar atento ao contexto pesquisado, mas destaco que a etnografia, nesta tese, não contempla a
análise “completa” da vida das pessoas (cf. BARTON; HAMILTON, 2004). Delimito a
98

investigação aos eventos de letramentos da sala de aula, e reconheço sua relação ao contexto
social de vida dos alunos e professora. Como observa Street (2014 [1995], p. 65), a etnografia,
em pesquisas voltadas à educação e a questões sociolinguísticas, é adotada como uma
orientação metodológica e de conduta com relação ao tratamento dos registros de pesquisa
gerados para a “observação atenta e detalhada das interações em sala de aula” e, às vezes, fora
dela.
O olhar circunstanciado ao contexto pesquisado, do ponto de vista epistemológico e
metodológico, tem se revelado como uma possibilidade de privilegiarmos, na condução das
nossas investigações, os significados sociais intrínsecos nos usos da língua (BLOMMAERT;
DONG, 2010). Essa postura implica rejeitar a conduta de pesquisa que “determina” como os
padrões sobre a língua e suas práticas letradas “devem ser” para, então, admitir um olhar
sensível sobre como as línguas e os letramentos realmente são praticados em dado grupo social.
Desse modo, com base em Canagarajah (2006), afirmo que os métodos de pesquisa da
etnografia reúnem consideráveis avanços para o debate político sobre as línguas e seus falantes,
contestando a tradição positivista de estudos linguísticos.
No campo da PL, então, as contribuições dessa orientação metodológica são
significativas para o desenvolvimento de trabalhos preocupados em compreender os contextos,
agentes sociais e processos da política linguística, como sua criação, interpretação e
apropriação, além das políticas oficiais e não-oficiais, a relação entre a política e a prática
(JOHNSON; RICENTO, 2013). Os trabalhos em política linguística, assim, adotam uma
orientação sensível ao campo social para reconhecerem que questões sobre língua, identidade
e atitudes linguísticas são de caráter ideológico e resultam em políticas variadas, difíceis de
prever (CANAGARAJAH, 2006).
O trabalho etnográfico, de acordo com Erickson (2001, p. 12), “envolve a observação
e participação de longo prazo no cenário que está sendo estudado com a finalidade de propiciar
familiarização com as questões rotineiras da ação e interpretação que constituem o mundo
cotidiano local dos participantes”. Essa abordagem, portanto, favorece o processo de pesquisa
quanto à observação de múltiplos significados atribuídos às experiências cotidianas pelos
próprios participantes do estudo, possibilitando a descrição e o entendimento da natureza
complexa e contextualizada dos eventos sociais dessas experiências (ANDRÉ, 2012).
Dentro do contexto em estudo desta tese, a abordagem etnográfica conduza, mais
diretamente, a reflexão sobre: (I) a cultura de letramento escolar, observando as práticas de
linguagem e suas relações com as identidades; (II) as tensões entre políticas municipais e
99

práticas escolares; (III) as interpretações das políticas linguísticas municipais concretizadas nas
ações corriqueiras na sala de aula; e (IV) as práticas de letramentos locais e dominantes nas
línguas que circulam na escola.
Espero que a etnografia, neste processo de pesquisa, possa também favorecer reflexões
sobre as tensões e consequências que a educação bilíngue (português-alemão) e seu currículo
pode gerar na política linguística municipal. Como uma das consequências, menciono, por ora,
a própria implementação de uma sala de aula bilíngue de língua portuguesa: (I) se, por um lado,
a sua nomenclatura direciona para o entendimento de que o ensino de língua portuguesa se dá
para o bilinguismo (tanto quanto o ensino de alemão), favorecendo, eventualmente, o
reconhecimento da translinguagem e, portanto, dos plurilentramentos, (II) por outro lado , a
separação das línguas pelo currículo e espaço físico-temporal, talvez, estabeleça fronteiras
imaginadas para os usos dessas línguas e, numa possível concepção de modelo de bilinguismo
adicional, atuaria contrariamente à translinguagem.

4.1 TRABALHO EM CAMPO: DO PLANEJAMENTO À INSERÇÃO NA ESCOLA

No início deste capítulo, apresentei o alinhamento teórico e metodológico de pesquisa


com base na abordagem etnográfica, com a qual entendo ser possível refletir sobre a realidade
social do uso das línguas portuguesa e alemã em contexto de educação bilíngue de uma
comunidade teuto-brasileira. Nesses termos, procuro compreender os pluriletramentos na
escola a partir de como são praticados pelas crianças e professora alfabetizadora nesse cenário.
Considerando a abordagem ora apresentada, o lugar onde a pesquisa foi realizada é
uma turma de primeiro ano situada na sala de aula bilíngue de língua portuguesa de uma escola
municipal, localizada em Pomerode, SC, que tem como proposta a educação bilíngue
(português-alemão), inserida em um contexto de língua de imigração alemã.
Em 2020, em um contato inicial com a professora alfabetizadora que me acolheu em
sua sala de aula, assim como com a diretora da escola, apresentei a proposta desta pesquisa, a
fim de que elas pudessem analisá-la para a opção ou não da minha presença na instituição para
o desenvolvimento da tese. Ainda em 2020, também realizei a solicitação formal para a inserção
a campo com a Secretaria de Educação e Formação Empreendedora de Pomerode. A partir da
resposta afirmativa do parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
da Universidade Federal de Santa Catarina (CEPSH-UFSC), em 2021, iniciei, com a equipe
100

pedagógica, o planejamento da observação de uma turma de primeiro ano matutino do ensino


fundamental.
O período de trabalho a campo, na escola, aconteceu entre março e dezembro de 2021,
respeitando o consentimento da equipe da escola, dos alunos e seus responsáveis legais. Em
virtude do PLANCON-EDU (Plano de Contingência Municipal para a Educação) e
PLANCON-EDU Escola (Plano de Contingência Escolar para covid-19), até setembro de 2021,
durante as medidas de prevenção da covid-19, a organização escolar ficou dividida em grupos
A e B (POMERODE, 2021). O objetivo da divisão de alunos entre grupo A e grupo B era poder
alterná-los nas aulas presenciais em sistema de rodízio – em cada semana, apenas um grupo
frequentava a escola, enquanto o outro realizava as atividades pedagógicas em casa. Na semana
subsequente, ocorria a inversão de grupo na escola, caracterizando um ensino híbrido
(presencial e a distância).
Essa divisão em dois grupos, aliada ao planejamento de ensino bilíngue, na turma de
primeiro ano dentro do contexto pesquisado, resultou na formação, na verdade, de quatro
grupos. Isso porque os alunos que estão na escola, durante o período de aula, são novamente
divididos, a fim de que uma parte desses alunos vá para a sala de aula do alemão e a outra
permaneça na sala de aula do português (os espaços para as línguas, conforme problematizo no
capítulo cinco, são divididos fisicamente, ainda que as práticas concretas rompam essas divisões
cotidianamente).
Em suma, descrevo que, durante a divisão dos alunos em grupos A e B, o primeiro
ambiente para o qual as crianças se dirigiam quando chegavam à escola era a sala de aula
bilíngue de língua portuguesa. Nas quartas-feiras matutinas, dia e período quando eu estava
presente na escola, percebi a rotina da seguinte forma: no início da aula, a professora regente
(de alfabetização em língua portuguesa) e a professora do ensino em língua alemã
recepcionavam o grupo A ou o grupo B de crianças na sala de aula bilíngue de língua
portuguesa. Nesse espaço, então, as crianças eram divididas em dois subgrupos: um permanecia
na sala de aula bilíngue de língua portuguesa e o outro acompanhava a professora de ensino em
língua alemã até a outra sala, chamada de sala de aula bilíngue de língua alemã.
101

Figura 3 – Fotografias das salas de aula bilíngues do 1º ano.

Fonte: Fotografia tirada por mim na escola campo de pesquisa.


Descrição da imagem: A imagem é composta por duas fotografias, uma ao lado da outra. Do lado esquerdo, é
possível observar, sobre uma porta, a placa de identificação da sala de número 15, com a escrita em caixa alta em
língua portuguesa “1º ano A-B bilíngue português” e em língua alemã “1. Klasse A-B bilingual Portugiesisch.
Do lado direito, é possível observar, sobre uma porta, a placa de identificação da sala de número 13, com a
escrita em caixa alta em língua portuguesa “1º ano A-B bilíngue alemão” e em língua alemã “1. Klasse A-B
bilingual Deutsch. Em ambas as placas, logo abaixo do número de identificação da sala, há um círculo cinza
inserido intencionalmente por mim para omitir a logo da escola, preservando a identidade dos participantes da
investigação.

Depois do horário do lanche, as duas professoras costumavam desenvolver uma


atividade reunindo os dois grupos, seja no parque ou na sala de informática. Por fim, realizavam
a troca dos grupos para que todos os alunos do primeiro ano passassem pelo ensino em língua
portuguesa e em língua alemã num período completo de aula.
A partir do mês de setembro de 2021, o sistema de rodízio de grupos A e B é extinto
para o retorno de 100% das atividades presenciais na escola. Nesse período, os alunos já
estavam identificando os seus próprios nomes na porta da sala de aula para a qual deveriam
entrar no início da manhã (sala de aula bilíngue de língua portuguesa ou sala de aula bilíngue
de língua alemã). Isso lhes deu autonomia para se organizarem sozinhos entre cada sala de aula
bilíngue antes mesmo de as professoras chegarem. Nesse sistema, depois do horário do lanche,
as duas professoras não realizavam mais as atividades conjuntamente na sala de informática
102

porque o número de alunos excedia ao número de computadores disponíveis. No entanto,


quando possível, ainda reuniam os alunos para uma atividade no parque, assim como seguiram
com a dinâmica de trocar de grupos para que todos os alunos passassem pelo ensino em língua
portuguesa e em língua alemã ao longo do período de aula.
A organização apresentada pelo PLANCON-EDU durante a pandemia da covid-19,
importante para evitar aglomerações na escola (evitando contágios em maior escala), assim
como para apresentar medidas sanitárias nesse ambiente, também levantou obstáculos para o
desenvolvimento desta pesquisa em campo, uma vez que modificou completamente a vida
escolar. As crianças não puderam brincar umas com as outras estabelecendo contatos mais
próximos, não conversavam tanto entre si devido ao distanciamento físico, as atividades
pedagógicas ficaram restritas à ausência de contato e compartilhamento de materiais, como o
empréstimo de livros, por exemplo. Também não ocorreram eventos tradicionais da escola e
comunidade, como a típica feijoada da escola no clube de caça e tiro das redondezas. Foi
necessário evitar contatos presenciais fora das aulas, pois a sala de aula era reconhecida como
espaço de controle e cuidados, com poucas pessoas circulando justamente devido ao sistema de
rodízio e de todos os protocolos de cuidados com a saúde implantados. Por isso, entendo que,
como consequência da necessidade de cuidados com a saúde da comunidade escolar, algumas
barreiras se colocaram diante da vivência cotidiana real. No entanto, também entendo que o
cenário pesquisado ainda pode contribuir para a reflexão, de forma ampliada, da educação
linguística dessa comunidade ou de outros grupos em situação minoritária, construindo
conhecimentos, conforme Garcez e Schulz (2015, p. 27), a partir de ações de pesquisa
etnográfica que permitam “Ver, sentir e pensar escola e sala de aula com quem sabe fazer e faz
isso tão bem quanto é possível fazer”.
Apesar da realização de um planejamento de pesquisa baseado nessas orientações, é
impossível saber, com antecedência, exatamente o que poderia ser encontrado no dia a dia
escolar, o que exatamente seria observado na sala de aula. Por isso, “[...] o trabalho de campo
não deve ser reduzido apenas à coleta de dados” daquilo que previamente havia sido planejado,
uma vez que “[...] é essencialmente um processo de aprendizado” 52 (BLOMMAERT; DONG,
2010, p. 27, tradução minha).
O planejamento da pesquisa, nesses termos, contribui para delimitações iniciais, mas,
apenas com as observações dos eventos sociais situados, é possível realizar, de fato, as

52
“[...] fieldwork should not just be reduced to data collection, because essentially it is a learning process”
(BLOMMAERT; DONG, 2010, p. 27).
103

construções teóricas da pesquisa (BLOMMAERT; DONG, 2010). Afinal, enquanto


pesquisadora, sou um ator social que veio de fora para, gradualmente, aprender sobre a cultura
local, sobre as pessoas, as relações hierárquicas e ideológicas acerca das línguas, etc.
Destaco, ainda, que o pesquisador, na escola, na sala de aula, gera uma mudança de
comportamento como efeito da presença de alguém que não “pertence “naturalmente” ou
“normalmente” ao campo que investiga”53 (BLOMMAERT; DONG, 2010, p. 28, tradução
minha). O pesquisador, pois, jamais observará um evento como se não estivesse lá; sua presença
certamente se reflete no evento social, o que deve ser sempre levado em conta nos
procedimentos de análise da investigação.
Diante dessa questão, ao longo do trabalho em campo, ocorre um processo de
aprendizado mútuo, no qual os participantes aprendem sobre as intenções do estudo do
pesquisador e o pesquisador aprende sobre os eventos sociais do contexto (BLOMMAERT;
DONG, 2010). A partir desse momento de aprendizagem, os dados gerados nesta tese ganham
maior relevância, baseados nas anotações das observações em campo, nas transcrições das
gravações de aulas e entrevista, das conversas com as crianças e equipe escolar.
Em concordância com Canagarajah (2006), entendo, ainda, que a pesquisa etnográfica,
de maneira geral, possa contribuir para uma política linguística local quanto à discussão sobre
como ela chega na escola e, mais especificamente, na sala de aula. Por isso, a etnografia,
certamente, favorece o desenvolvimento de um estudo em PL, de modo a levantar preocupações
sociopolíticas “ao descobrir e representar perspectivas internas e fundamentadas sobre as
necessidades e aspirações linguísticas”54 (CANAGARAJAH, 2006, p. 164, tradução minha),
ajudando, inclusive, na sua avaliação entre a comunidade envolvida.
Destaco, também, o movimento ético de retorno ao campo de pesquisa para diálogo
com as professoras e crianças participantes do estudo, que se propuseram a compartilhar sua
vida escolar para finalidade científica, especialmente em tempos tão difíceis como em 2021
(ano de muitas perdas e dificuldades em virtude da covid-19). A abertura que as professoras e
estudantes da educação básica realizam para a universidade contribui significativamente para
criarmos propostas para a realidade escolar com quem vive a sala de aula e o plurilinguismo
cotidianamente.

53
“[...] you never belong ‘naturally’ or ‘normally’ to the field you investigate” (BLOMMAERT; DONG, 2010, p.
28).
54
“[…] by discovering and representing grounded, insider perspectives on linguistic needs and aspirations.”
(CANAGARAJAH, 2006, p. 164).
104

4.2 OS PARTICIPANTES

A escola alvo desta pesquisa, fundada por imigrantes alemães como escola
comunitária, foi construída em estilo enxaimel55 ao lado da Igreja Evangélica de Confissão
Luterana. Com a emancipação de Pomerode, tornou-se pública, passando a pertencer ao
município, bem como recebeu um novo nome. A construção enxaimel foi demolida anos mais
tarde, dando lugar a uma nova construção, também mudando de endereço.
Dentro dessa escola, realizo a observação participante entre março e dezembro de 2021
em uma turma de primeiro ano bilíngue (português-alemão) do ensino fundamental, na qual as
crianças possuem idade, em média, de seis anos. Os participantes do estudo, mais diretamente,
são os alunos matriculados (em 2021) nesse primeiro ano matutino, ensino bilíngue, e,
especialmente, a professora alfabetizadora em língua portuguesa (cujo pseudônimo aqui
utilizado será Sabrina), embora a professora da sala de aula bilíngue do alemão (pseudônimo:
Vanessa) também contribua com a geração de registros da pesquisa a partir do convívio
rotineiro e compartilhamento de ações pedagógicas.
Destaco que todos os alunos desse primeiro ano concordaram em participar da
pesquisa, assinando o termo de assentimento do menor (Apêndice A) e seus pais consentiram
assinando o termo de consentimento livre e esclarecido (Apêndice B). A professora
alfabetizadora também concordou com a pesquisa assinando o termo de consentimento livre e
esclarecido (Apêndice C).
Na tabela 1, apresento algumas informações sobre o contato das crianças com a língua
alemã na família, a fim de traçar um perfil sociolinguístico, ainda que superficial, dessa turma.
Esse perfil é levantado a partir do Projeto Pedagógico de língua alemã elaborado pela professora
Vanessa. No início do ano letivo, ela aplica um breve questionário com as famílias das crianças
do primeiro ano para identificar o conhecimento prévio de seus alunos com relação à língua
com a qual trabalhará em sala de aula. A partir dos dados que a professora Vanessa levanta,
escreve seu Projeto Pedagógico para o ano letivo considerando o perfil sociolinguístico da
turma. Esse documento é, então, analisado e aprovado pela coordenação pedagógica da escola.
Para elaborar a tabela que segue, realizei a leitura do Projeto Pedagógico de língua alemã e
organizei os dados descritos pela professora em colunas, contendo os mesmos descritivos

55
Na arquitetura de Pomerode, ainda hoje, é possível encontrar as construções em estilo enxaimel, cuja técnica
consiste na construção a partir de vigas de madeira encaixadas, sem a utilização de pregos
105

utilizados em seu questionário: a criança fala alemão em casa; a criança não fala alemão, mas
tem contato em casa; a criança não fala alemão e não tem contato em casa.
Os dados apresentados a seguir não refletem um “mapeamento linguístico escolar” (cf.
BROCH, 2014), uma vez que não ecoam informações aprofundadas sobre o repertório
linguístico da comunidade. Ainda assim, constituem uma informação interessante para entender
a relação desses estudantes com o bilinguismo desde a esfera familiar, bem como as
particularidades de, em alguns casos pontuais, as famílias negarem o uso da língua alemã em
casa, mesmo quando os registros gerados pelas gravações parecem desvelar marcas do contato
linguístico. Nesse aspecto, inclusive, retomo a discussão proposta por Spiess (2014) que, ao
realizar um perfil sociolinguístico das famílias que optaram pela matrícula de suas crianças na
educação bilíngue de uma das escolas municipais de Pomerode, ponderou: “algumas famílias
não reconhecem a língua que falam como língua, ela adquire esse status somente na/por meio
da escola. A pesquisa contribuiu para maior conscientização entre as famílias acerca das línguas
que utilizam no seu cotidiano” (SPIESS, 2014, p. 119). Entendo que esse processo de
conscientização seja contínuo e deva também ser um objetivo da própria política linguística de
educação bilíngue das escolas municipais.

Tabela 1 – Alunos do 1º ano matutino e seu contato com a língua alemã em casa
Pseudônimo da Fala alemão em Não fala alemão, Não fala alemão e
criança casa mas tem contato em não tem contato em
casa casa
Adam X
Bella X
Benício X
Estevão X
Gael X
Gregório X
Galdino X
Joana X
Jaqueline X
Larissa X
Lana X
Liam X
Levi X
Maila X
Maitê X
Mariana X
Nádia X
Natacha X
106

Patrique X
Piter X
Saulo X
Sara X
Vinícius X
Fonte: Tabela elaborada por mim a partir dos dados levantados pela professora em língua alemã para seu Projeto
Pedagógico de língua alemã.
Descrição da tabela para cegos: A tabela apresenta quatro colunas: pseudônimo da criança; fala alemão
em casa; não fala alemão, mas tem contato em casa; não fala alemão e não tem contato em casa. Os dados
apresentados divulgam cinco crianças que falam alemão em casa (Benício, Levi, Patrique, Saulo, Sara), seis
crianças que não falam alemão em casa, mas têm contato com a língua (Adam, Gael, Galdino, Larissa, Maila,
Maitê), e 12 crianças que não falam alemão e não têm contato com a língua em casa (Bella, Estevão, Gregório,
Joana, Jaqueline, Lana, Liam, Mariana, Nádia, Natacha, Piter, Vinícius).

Figura 4 – Gráfico sobre o contato com a língua alemã nas casas das crianças do 1º
ano matutino.
14

12

10

0
Fala alemão em casa Não fala alemão, mas tem Não fala alemão e não tem
contato em casa contato em casa

Fonte: Gráfico elaborado por mim a partir da Tabela 1.


Descrição da imagem para cegos: A imagem apresenta um gráfico de barras que evidencia que, de um total de 23
crianças, cinco falam alemão em casa, seis não falam alemão, mas têm contato com a língua em casa, e 12 não
falam alemão nem têm contato com a língua em casa.

O levantamento do perfil sociolinguístico da turma, realizado no início do ano letivo,


sinaliza que metade da turma já não tem mais contato com a língua alemã em casa. Entendo
que esse fator esteja relacionado para além da perda linguística, uma vez que algumas dessas
crianças são migrantes de outros estados brasileiros, e algumas, embora os pais aleguem que a
criança não tenha contato com o ALBI em suas casas, na sala de aula, sinalizam usos da língua
na casa de suas Omas e Opas (é assim que chamam as avós e os avôs).
Com relação à professora regente da sala de aula bilíngue em língua portuguesa,
observo que ela fala a língua alemã, juntamente com a língua portuguesa, no seu cotidiano, ao
107

interagir com colegas da equipe pedagógica, de manutenção e da cozinha. O bilinguismo, para


ela, é anterior ao projeto sala bilíngue – língua portuguesa/língua alemã, mas o projeto parece
contribuir para a autonomia sobre seu bilinguismo na escola, apoiando uma liberdade para suas
práticas de linguagem.
A professora regente dessa turma de primeiro ano acompanhou a implementação do
projeto ensino bilíngue – língua portuguesa/língua alemã desde 2009 até os dias atuais (2021).
De 2009 a 2012, atuou como professora alfabetizadora de língua portuguesa no projeto sala
bilíngue – língua portuguesa/língua alemã; no ano de 2012, atuou na Secretaria de Educação e
Formação Empreendedora de Pomerode; em 2013, retornou ao projeto ensino bilíngue – língua
portuguesa/língua alemã como professora, permanecendo como alfabetizadora até o momento
de realização deste estudo. A formação da professora no campo educacional se estende da
graduação ao mestrado, e, além de ser alfabetizadora na escola bilíngue, também desempenhou
papel na descrição do trajeto de implementação da sala bilíngue – língua portuguesa/língua
alemã.

4.3 A GERAÇÃO DE DADOS

A pesquisa etnográfica é constituída por eventos sociais e pelas significações desses


eventos, intrínsecas nos usos da língua. A partir da situação social, cabe ao pesquisador, como
já mencionado, interpretar padrões de análise para que os registros da investigação sejam
gerados.
O termo gerar registros é empregado, na pesquisa etnográfica, a respeito da construção
de conhecimento realizada por meio dos “métodos qualitativos” (MASON, 2001). Nesses
termos, Mason (2001) esclarece que, na pesquisa qualitativa e interpretativista, ao invés de
“coletar” informações prontas sobre o mundo social, é necessário um processo para gerá-las
sob o olhar dos atores sociais envolvidos.
De acordo com Erickson (2001, p. 13), “o etnógrafo usa dois meios primários” para
gerar registros de pesquisa: (I) o primeiro é observar o “que as ações das pessoas significam
para elas”; (II) e o segundo é perguntar, “por meio de entrevistas formais e informais”, questões
voltadas a esses sentidos observados.

Observar e perguntar podem gerar diferentes fontes e tipos de dados: notas de campo
escritas pelo observador, comentários das entrevistas, gravações que se tornam a base
para transcrições de comportamentos verbais e não verbais e documentos locais,
108

incluindo material demográfico e histórico, cada qual tendo status epistemológico


diferente como evidência. (ERICKSON, 2001, p. 13).

A geração dos registros desta tese se baseia em investigação realizada in loco, na qual
os dados etnográficos do trabalho de campo são diversificados, variando entre anotações de
campo, análise de documentos relacionados à educação bilíngue e línguas de imigração de
Pomerode, gravações audiovisuais de aulas (posteriormente transcritas), entrevistas (registradas
em anotações de campo e em gravação em áudio, posteriormente transcrita), além de
fotografias. São esses registros que possibilitam criar um arquivo do próprio processo de
aprendizado na pesquisa.
Para o registro, durante as observações na escola, as tomadas de notas em campo,
gravações em vídeo das aulas da turma em fase de alfabetização, entrevista (também gravada
em áudio) e conversas (não gravadas) com a equipe escolar ocorreram de forma alternada e
complementar. Esses registros contribuem para reconstruir meu itinerário na escola, como uma
pesquisadora que veio de fora da comunidade para alguém que passou a fazer parte do ano
escolar daquele contexto. Como o trabalho de campo ocorreu em uma escola, os dados da
pesquisa também refletem um ponto de vista institucional, em diálogo com documentos de
políticas linguísticas locais (como o “projeto: implantação do ensino bilíngue – língua
portuguesa/língua alemã”).

4.3.1 Instrumentos de pesquisa durante o trabalho em campo

Como venho apresentando, o trabalho em campo, na pesquisa etnográfica, requer


“observação”. A gravação de vídeo, portanto, é uma parte importante do processo de
observação, combinada a outros recursos, como as próprias anotações de campo e fotografias.
As gravações em vídeo, em especial, têm a finalidade de fornecer registros substanciais para
análises como “evidências” que podem ser vistas e revistas após o trabalho de campo
(BLOMMAERT; DONG, 2010).
Por questões éticas, todas as gravações são oficialmente autorizadas por meio do termo
de consentimento livre e esclarecido assinado pela professora e pelo responsável legal de cada
criança participante do estudo (APÊNDICES B e C), bem como do termo de assentimento do
menor (APÊNDICE A), assinado pelas crianças participantes. Pensando na realidade social de
uma criança de 6 anos (idade, em média, das crianças da turma), esse documento foi redigido a
partir do hibridismo com o gênero discursivo história em quadrinho (HQ), a fim de que seu
109

conteúdo pudesse ser mais acessível para esses estudantes, além de explicado, na oralidade, por
mim, enquanto pesquisadora. Esses documentos visaram esclarecer que as gravações teriam
fins exclusivamente acadêmicos e que são essenciais para o desenvolvimento desta tese, bem
como, que a integridade e identidade de cada participante gravado seria protegida. Nessas
condições, todos os nomes apresentados ao longo da tese correspondem a pseudônimos ou a
nomes equivalentes à posição social dentro de dado evento (como professora e aluno, por
exemplo).
O consentimento dos participantes da pesquisa foi respeitado e as gravações só
tomaram início a partir do momento em que havia concordância para isto. Por isso, além das
gravações, a anotação de campo foi essencial quando os participantes apresentavam, ainda,
maior desconforto com a câmera. Além disso, as anotações criaram um registro secundário
durante as gravações, contribuindo na identificação e compreensão de determinados eventos.
De acordo com Blommaert e Dong (2010), as notas de campo possibilitam reconstituir um
processo epistêmico, um arquivo da pesquisa, correspondendo às formas pelas quais cada
pesquisador busca construir e compreender novas informações, sejam com descrições
particulares, com a produção de quadros, conceitos e categorias. À medida em que novas
conexões entre eventos anteriores e atuais são estabelecidas, gradualmente, esses quadros,
conceitos e categorias vão se transformando em novas notas de pesquisa.
A escolha pela alternância entre os diferentes instrumentos de pesquisa também
ocorreu para que os participantes do estudo pudessem se familiarizar, gradativamente, comigo
desempenhando papel de pesquisadora na escola e com meu equipamento de pesquisa. Nesse
sentido, inicialmente, documentei as observações apenas com anotações em campo para,
posteriormente, iniciar as gravações em vídeo (sempre acompanhadas das anotações).
A gravação de vídeo se torna o principal instrumento de pesquisa porque revela “o
contexto, as pessoas em interação verbal e elementos não verbais, como [...] gestos, expressões
faciais [...], atividade e agitação ou silêncio relativo”56 (ELY; ANZUL; FRIEDMAN;
GARNER; STEINMETZ, 1991, p. 82, tradução minha).
Para o registro das interações na sala de aula dos participantes do estudo, realizei
gravações contínuas e semanais (toda quarta-feira, no período matutino), seguindo as
orientações metodológicas de Erickson e Shultz (2013 [1981]). Posicionei a câmera filmadora

56
“Videotapes show context, people in verbal interaction and such non-verbal elements as the sounds of voices,
gestures, facial expressions, light, color, activity, and relative bustle or quiet” (ELY; ANZUL; FRIEDMAN;
GARNER; STEINMETZ, 1991, p. 82).
110

no fundo da sala de aula, de forma fixa (sem movimentos durante a filmagem), mantendo os
estudantes e professora dentro do campo de visão da câmera a maior parte do tempo possível.
Nas anotações de campo, realizei registros do meu contato com as crianças e equipe
escolar, isto é, com os atores sociais envolvidos na educação bilíngue da sala de aula
investigada. Esses registros, posteriormente, são expandidos por meio de acréscimos de
comentários e insights, em forma de “memorandos/anotações analíticos/as” (ELY; ANZUL;
FRIEDMAN; GARNER; STEINMETZ, 1991).

Memorandos/anotações analíticos/as podem ser pensados/as como conversas [do


pesquisador consigo mesmo] sobre o que ocorreu no processo de pesquisa, o que foi
aprendido, os insights que fornecem e as orientações que sugerem para ações futuras.
Esses/as memorandos/anotações são escritos/as em entradas no registro [de campo] e
se tornam parte dele. 57 (ELY; ANZUL; FRIEDMAN; GARNER; STEINMETZ,
1991, p. 80, tradução da minha)

De maneira geral, como sinalizam os autores, os/as “memorandos/anotações


analíticos/as” permitem revisitar registros de campo para observação das suposições iniciais,
análises e estrutura conceitual, a fim de que o pesquisador possa “olhar para frente”, isto é, criar
uma direção para o desenvolvimento do trabalho (ELY; ANZUL; FRIEDMAN; GARNER;
STEINMETZ, 1991, p. 82, tradução minha). Segundo as orientações de Blommaert e Dong
(2010), o hábito de reler as próprias anotações é imprescindível para que se tornem uma fonte
de “dados” a serem agrupados e catalogados, além de convertidos em análises preliminares.
As fotografias, que vão sendo inseridas às anotações de campo, contribuem na criação
desse arquivo da pesquisa, combinadas às observações, gravações de aulas, uma entrevista
semiestruturada e conversas informais durante as idas à campo. Nas transcrições (da entrevista
e eventos da sala de aula), realizo algumas marcações que representam não só o conteúdo dito,
mas como é dito, a partir de pontos de silêncios maiores, mudanças de tonalidade, gestos, etc.
Esses elementos discursivos são levados em consideração para a análise porque representam “a
maneira pela qual as pessoas realizam construções argumentativas a partir de suas experiências

57
Analytic memos can be thought of as conversations with oneself about what has occurred in the research process,
what has been learned, the insights this provides, and the leads these suggest for future action. These memos are
written about entries in the log, and they themselves become part of the log. They may be expansions of the
spontaneous ‘observer comments’ (see Harriet’s log, pp. 76–77) that are often woven into the entries (ELY;
ANZUL; FRIEDMAN; GARNER; STEINMETZ, 1991, p. 80).
111

social e culturalmente condicionadas e como esses argumentos as ajudam a entender o


mundo”58 (BLOMMAERT; DONG, 2010, p. 58, tradução minha).
Durante o período de observação na escola, além dos registros das aulas, também
participei (como ouvinte) de três conselhos de classe e uma reunião de APP (Associação de
Pais e Professores). Os materiais audiovisuais, conforme apresento na próxima subseção, são
triangulados juntamente com todo o material obtido em campo para que eu pudesse dar início
ao processo de catalogação, segmentação, transcrição seletiva e análise dos registros gerados
em campo.

4.3.2 Triangulação, catalogação, transcrição e análise dos registros de pesquisa

A triangulação metodológica (ERICKSON, 2001) é necessária para o


desenvolvimento da presente tese, considerando que as transcrições das gravações, combinadas
às impressões registradas, fornecem uma visão mais ampla da realidade sociolinguística em
debate. Em decorrência da opção metodológica de natureza etnográfica de pesquisa, portanto,
utilizo diferentes fontes de registros para a análise e reflexão da realidade bilíngue em estudo:
anotações de campo, conversas e entrevista, gravações das interações em sala de aula.
Em combinação a esses registros, são também geradas impressões e análises das
diretrizes presentes nos documentos relacionados à educação bilíngue em Pomerode. A partir
dessas fontes, a intenção é compreender a gestão das línguas na criação e perpetuação de
práticas linguísticas, a partir de uma sala de aula bilíngue de língua portuguesa da rede de
escolas municipais de Pomerode, SC.
Considerando as diferentes fontes de dados sendo gerados por um período de tempo
de pesquisa, a catalogação (antecedente à transcrição) é uma atividade imprescindível para que
as informações não se percam no curso da investigação. Para cada gravação realizada, atribuo
uma “identificação”, que contém a data, hora, local da gravação, os participantes e uma breve
descrição do seu conteúdo. Esse processo de catalogação é feito imediatamente após a gravação,
com base no conteúdo observado na sessão de gravação e anotações de campo.
Para a transcrição e posterior análise do material filmado durante o desenvolvimento
da pesquisa na escola campo de estudo, adoto e adapto a abordagem teórica e procedimental

58
“[...] the way in which people build argumentative constructs out of their socially and culturally conditioned
experiences, and how such arguments help them to make sense of their world” (BLOMMAERT; DONG, 2010, p.
58).
112

sugerida por Erickson e Shultz (2013 [1981]), na qual apresentam um guia para o tratamento
dos registros de filmagem, que enumero nos seis estágios a seguir.
Estágio 1: Atividade de assistir e ouvir as aulas gravadas repetidas vezes, sem
interrupção, para segmentar os momentos das aulas observadas e nomeá-los. Nesse
estágio, tomo notas enquanto a gravação passa continuamente para construir um “índice de
todas as principais ocasiões na fita [ou melhor, material audiovisual], mostrando (pelos números
do contador) a localização aproximada das ocasiões e das transições entre as ocasiões”
(ERICKSON; SHULTZ, 2013 [1981], p. 226).
Estágio 2: Categorização dos dados por meio da verificação de regularidades de
análise entre os momentos de aula registrados em vídeo, áudio e diário de campo,
considerando as atividades típicas e a estrutura interacional registradas. No estágio dois,
estabeleço relações entre diferentes sessões de gravações com base em um critério de análise
em comum para selecionar os exemplares para posterior análise mais detalhada.
Estágio 3: Descrição detalhada das gravações a partir de repetidas reproduções
do mesmo fragmento de vídeo. No terceiro estágio, assisto, repetidas vezes, aos eventos
selecionados no segundo estágio, num recorte um pouco anterior e posterior do fragmento
selecionado, anotando elementos discursivos verbais e não verbais (como determinados
silêncios, posturas, gestos) e localização temporal dos fenômenos selecionados para descrição
(cf. ERICKSON; SHULTZ, 2013 [1981]).
Estágio 4: Levantamento de hipóteses a partir dos registros gerados e
continuidade com a descrição deles. A transcrição de todas as gravações ao longo de uma
pesquisa etnográfica corresponderia a um empreendimento de tempo exaustivo. Por isso,
inicialmente, levanto hipóteses a partir dos fragmentos audiovisuais selecionados, considerando
os objetivos de análise construídos na tese. Nesses fragmentos, busco identificar,
especialmente, evidências dos pluriletramentos na sala de aula bilíngue de língua portuguesa,
para poder encontrar as funções de uso dos recursos linguísticos e analisar os letramentos locais
e dominantes na escola.
Estágio 5: Transcrições grossas dos fragmentos audiovisuais selecionados. Realizo
um levantamento dos fragmentos a serem analisados e transcritos (estágios 3 e 4). A partir de
uma “prévia” das gravações, constituída das anotações detalhadas e descrições que merecem
atenção para análise, passo, no estágio cinco, para a transcrição “grossa”.
Estágio 6: Transcrição “fina” dos fragmentos audiovisuais. Por fim, no sexto
estágio, considerando os segmentos de vídeos transcritos mais grosseiramente, passo para as
113

transcrições finas, atentando-me à inclusão de maior detalhamento interacional na


representação textual das gravações. É a transcrição fina, pois, que possui maior
representatividade para os objetivos da pesquisa.
Convém destacar, aqui, que, quando o discurso oral é transpassado para o escrito,
perdem-se alguns elementos interacionais. A transcrição jamais será uma cópia fiel das
gravações realizadas em campo, ainda que haja rigor metodológico para essa atividade. Nesta
tese, por exemplo, na transcrição de fala, utilizo algumas convenções da ortografia padrão, na
qual características particulares de fala não são visíveis, especialmente em termos de variação
no nível fonético-fonológico. Considerando que esta investigação está situada na discussão da
política linguística (e não da dialetologia ou sociolinguística variacionista, por exemplo), os
objetivos aqui não buscam refletir sobre tais elementos do vernáculo, o que torna dispensável,
para o presente debate, evidenciá-los com a transcrição.
114

5 “POMERODE, DEUTSCHESTE STADT BRASILIENS” 59: AS FUNÇÕES DAS


LÍNGUAS

As questões históricas apresentadas ao longo do capítulo três evidenciam que a língua


alemã esteve presente em diversas práticas sociais de status em Santa Catarina. Mais
especificamente, tratei de aspectos onde se formou a Colônia Blumenau, da qual o município
de Pomerode fez parte. Nesse cenário, as desigualdades entre a línguas faladas pela comunidade
foram acentuadas com as políticas de silenciamento linguístico de duas campanhas de
nacionalização no estado de Santa Catarina. Com as mudanças sociais que decorreram, as
práticas de linguagem locais também passaram a assumir funções sociais distintas.
Maltzahn (2018) ressalta que o ALBI é mais evidente entre a população rural de
descendentes de imigrantes alemães. Os falantes dessa língua, no entanto, ao deslocarem-se
para os diferentes espaços socais de Pomerode, não se limitam a falar alemão apenas no meio
rural (cf. MALTZAHN, 2018). Esse indicativo parece desvelar que as políticas públicas, aos
poucos, têm contribuído para a ampliação da prática linguística da comunidade teuto-brasileira
na cidade. Destaco, ainda, que os diferentes espaços tradicionalmente entendidos como rurais
e urbanos, hoje, se entrelaçam em virtude das transformações que decorrem de aspectos da
própria globalização, modificando, inclusive, a forma como observamos questões de orgulho
das identidades étnico-linguísticas e o valor econômico (lucro) que a língua alemã assume nos
desdobramentos dessas novas relações sociais que se formam.
Assim como o centro da cidade, os bairros se adaptaram à economia baseada na
indústria e no turismo, para além da agricultura, e seus habitantes desempenham funções sociais
diversificadas no município. Assim, onde encontro a agricultura familiar, por exemplo, observo
a produção e comercialização da Schmier ou do Mus (duas variantes para geleia caseira), onde
há sítios, também há pousadas, etc. Por essas e outras razões, os meios rural e urbano não
podem, tão facilmente, ser demarcados, uma vez que as pessoas transitam nos diferentes
espaços, com diferentes ocupações, funções sociais, e levam consigo suas práticas linguísticas,
também modificando-as.

59
O slogan “Pomerode, a cidade mais alemã do Brasil”, utilizado pela Prefeitura Municipal (Disponível em
https://www.pomerode.sc.gov.br/ . Acesso em: 21 abr. 2020), tem atraído, por mais de uma década, um movimento
turístico capaz de movimentar uma nova economia local, além de incentivar o desenvolvimento de tradições
diversificadas, inclusive “inventadas”, como é o caso da Festa Pomerana. Em folders, pela cidade, também é
possível encontrar esse slogan reproduzido em língua alemã: Pomerode, Deutscheste Stadt Brasiliens.
115

As mudanças na composição do município, que transformaram os modos de vida das


pessoas, precisam ser levadas em conta para evitarmos a tendência de impor estereótipos para
o rural e urbano, como modos de vestir, falar, as atividades desempenhadas, etc. As línguas,
portanto, que também costumavam ser tratadas como ícones de identidades atreladas a essas
“zonas”, têm seus antigos limites (socialmente imaginados) derrubados pelas pessoas que
interagem e se movimentam de forma fluida, dinâmica, mas também em conflitos.
Como consequência do movimento de pessoas, o orgulho sobre a identidade teuto-
brasileira, originada na trajetória do “colono alemão”, também se “movimenta” pela cidade e
passa a “habitar” seus diferentes contextos e meios de vida. Na pesquisa de Maltzahn (2018),
são apresentados dados sobre uma aparente mudança de status em curso das línguas teuto-
brasileiras do município, considerando os relatos dos entrevistados sobre um sentimento de
prestígio em saberem falar as línguas pomerana e alemã. Esse orgulho pode estar associado à
convergência entre autenticação e mercantilização da língua alemã nas políticas linguísticas
locais, que reposicionam a imagem do “colono alemão” como valor simbólico de produtos
produzidos e vendidos localmente como genuínos da “cidade mais alemã do Brasil” (slogan
promovido pela prefeitura de Pomerode que, hoje, numa relação de “germanismo difuso”
vinculado a uma “Alemanha prestigiosa”, apresenta questões semelhantes ao debate proposto
por Jung e Silva (2021)). Ademais, esse orgulho é reforçado pelas políticas de cooficialização
e educação linguística.
Este capítulo cinco tem a finalidade de apresentar, então, como está organizada a
cidade de Pomerode e de que forma a história apresentada se reflete nas práticas sociais desse
município, estruturando novas políticas linguísticas para o plurilinguismo. Para tanto, a partir
de registros fotográficos e materiais publicitários de eventos realizados em Pomerode, de
registros em diário de campo, transcrições de entrevista, bem como de documentos que giram
em torno das políticas linguísticas e educacionais do município, procuro compreender
significados construídos em torno das práticas de linguagem da comunidade e analisar a
situação de contato linguístico nas dinâmicas políticas e educativas.

5.1 RELAÇÕES ENTRE ORGULHO E LUCRO NA COMPOSIÇÃO DO CENÁRIO


SOCIOLINGUISTICAMENTE COMPLEXO DE POMERODE
116

Dentro desse contexto pesquisado, destaco a formação de um cenário linguístico,


arquitetônico, gráfico, gastronômico, etc., que gira em torno de uma identidade teuto-brasileira
pomerodense, retratada a partir de diferentes estratégias políticas no município.
Dentre algumas das ações sobre/com as línguas de Pomerode, que regulam, de certa
forma, as interações sociais, destaco, neste momento, três políticas linguísticas que ecoam
valores simbólicos sobre um “germanismo difuso”, numa relação de mercantilização com o
turismo, e que parecem despertar o “orgulho” de ser do local: (I) a nomeação das festas, como
a própria Osterfest, Weihnachtsfest, Pommerlamm Fest, etc., lançando mão de um recurso
linguístico que nasce na origem imigratória da cidade; (II) as práticas de traduções e
translinguagens, que se revertem em escolhas das associações sobre o que mostrar sobre suas
línguas nos eventos festivos ou produtos e experiências comercializados; e (III) a divulgação
oficial de cada evento, realizada com recursos linguísticos que remetem a uma identidade teuto-
brasileira, ainda quando o texto seja escrito em língua portuguesa. Essa divulgação ocorre a
partir de vocábulos da língua alemã que atravessam o texto escrito em português e por meio de
outros símbolos gráficos, como o uso das imagens de personagens trajados tipicamente, a
associação entre cultura alemã com chope, etc.
Ademais, ao longo do ano de pesquisa a campo em Pomerode, frequentei comércios,
feiras e mercados locais, observando a atuação de artesãos no entorno da comunidade escolar.
Nesse contexto, notei a organização dos produtores, artesãos e outros empreendedores locais
quanto ao uso do selo “Hergestellt in Pomerode / Feito em Pomerode”, que marca, política e
publicamente, as práticas plurilíngues da cidade. A etiqueta/selo (Figura 5) contém uma
logomarca criada no município com a finalidade de agregar valor àquilo que é produzido
localmente e informar ao consumidor que o produto tem origem em Pomerode.

Figura 5 – Fotografia de etiqueta/selo utilizado nos objetos e alimentos produzidos e


comercializados localmente.

FONTE: Acervo próprio


117

Descrição da imagem para cegos: Fotografia de um adesivo redondo branco. No meio do adesivo, há um coração
com linhas vermelhas que, no centro, imitam as vigas de madeira de construções enxaimel. Formando o círculo
por fora do coração, está escrito em cor preta: “Hergestellt in Pomerode / Feito em Pomerode”.

A marca Nossa Pequena Alemanha


Buscando preservar e resgatar alguns traços culturais, a Associação Empresarial de
Pomerode (ACIP), a Associação Visite Pomerode (AVIP) e a Prefeitura iniciaram um
novo projeto com o objetivo construir uma marca visando valorizar a identidade do
município, das suas pessoas, da sua história e cultura e do seu futuro. O objetivo foi
estreitar laços com a população, resgatando seu orgulho da cidade, além de incentivar
o turismo e a economia sustentável. O objetivo da marca oficial da cidade, é reforçar
a identidade e personalidade de Pomerode. Também a criação de produtos com a
marca, desenvolvimento dos materiais turísticos, sinalização da cidade, certificação
de produtos locais, entre outras ações. Também foi criada a versão que identifica
os produtos feitos em Pomerode (Feito em Pomerode / Hergestellt in Pomerode),
diferenciando e valorizando os produtos locais. (POMERODE, 2016, on-line,
grifos meus).

A prática de linguagem, nesse selo/etiqueta (Figura 5), é performada pela


multimodalidade, a partir de um conjunto de elementos mobilizados pelas línguas portuguesa e
alemã, combinadas a outras linguagens, que evocam uma identidade “local” (PENNYCOOK,
2010) como marca de diferenciação. Quando Irvine e Gal (2000) se propõem a focalizar as
diferenças linguísticas, pretendem “chamar a atenção para algumas propriedades semióticas
desses processos de formação de identidade que dependem da definição do eu em oposição a
um “Outro” imaginado.” (IRVINE; GAL, 2000, p. 39). Esse imaginário inclui, segundo as
autoras, imagens linguísticas, representações sobre suas próprias línguas e sobre si, que alteram
e influenciam constantemente em mudanças, avaliações e atitudes linguísticas. As atitudes e
avaliações, em particular, podem se refletir no orgulho sobre uma identidade linguística, usada
para fins econômicos, mas também podem incorrer em condutas negativas ao contato
linguístico, influenciadas pelas ideologias que encaram as línguas como habilidades técnicas
do “bem falar”, como símbolos das nações, e que não possam se atravessar umas as outras.
Convém explicar que a identidade é formada por um conjunto de características pelas
quais o grupo se define em oposição ao “outro”, que “determina” sua diferença (SILVA, 2012;
RAJAGOPALAN, 2003). Destaco que essa definição da identidade “em oposição a outras
identidades em jogo” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 71), de modo algum, anula a flexibilidade,
mobilidade, transitividade das identidades. Como sustenta Rajagopalan (2003, p. 71), “[...] as
identidades estão, todas elas, em permanente estado de transformação, de ebulição”.
Em Pomerode, por vezes, as identidades são performadas na construção de uma
imagem “exótica” de um grupo de pessoas que tem uma língua, cultura e costumes diferentes
da imagem desse “outro”, que, majoritariamente, é construído com base na língua portuguesa.
118

A prática linguística identificada no selo da Figura 5 resulta em uma “propaganda” da “cidade


mais alemã do Brasil” (slogan promovido pela própria Prefeitura de Pomerode). Como efeito,
fortalece o sentimento de orgulho partilhado pela comunidade sobre aspectos culturais e
linguísticos envolvendo não só a produção de “bens” culturais e de consumo, mas também a
identidade de quem os produz e vende, de quem “lucra” com eles.
As definições das identidades atravessam processos semióticos nos quais as pessoas
constroem representações ideológicas das diferenças linguísticas (IRVINE; GAL, 2000).
Assim, as práticas de pluriletramentos se tornam um recurso importante nos processos da
diferenciação, especialmente, através de: (I) ícones culturais – como os desenhos que lembram
a técnica enxaimel da Figura 5 e o uso das línguas alemã e portuguesa, retratando o grupo teuto-
brasileiro de Pomerode –; (II) processos de recursividade fractal – nos quais os ícones em
questão se tornam recursos de oposição a outras identidades em jogo, evidenciando a diferença,
inclusive, como um recurso para o lucro. Em suma, os desenhos de vigas que retratam a técnica
enxaimel dentro de um coração e a representação gráfica das línguas portuguesa e alemã,
presentes no selo “Feito em Pomerode / Hergestellt in Pomerode”, são recursos visuais
utilizados justamente para evidenciar, como ícones culturais, essa origem de imigração alemã
da cidade, que se diferencia de outros cenários brasileiros.
Dessa forma, a etiqueta da Figura 5 corresponde a uma das estratégias adotadas no
município de Pomerode para agregar um valor simbólico no comércio de produtos locais. As
línguas são promovidas, portanto, como “instrumentos” da “autenticidade” da origem alemã,
em uma política de incentivo à economia do município. Jung e Silva (2021, p. 375) explicam
que essa instrumentalização da língua costuma estar aliada à “autenticidade” de um mercado
turístico, como no próprio “consumo das viagens”, na participação de eventos festivos, etc. Por
isso, os slogans “Nossa pequena Alemanha” ou “Cidade mais Alemã do Brasil”, de modo
semelhante, costumam estar vinculados às práticas envolvendo o comércio turístico em
Pomerode.
119

Figura 6 – A prefeitura da cidade mais alemã do Brasil.

FONTE: Disponível em: https://www.pomerode.sc.gov.br/search . Acesso em: 10 jun. 22.


Descrição da imagem para cegos: A imagem contém o cabeçalho do site da prefeitura de Pomerode, em tom
verde de fundo e escritas em branco, contendo, também, à esquerda, os símbolos do Facebook, Instagram e
Youtube. Logo abaixo, está o telefone para contato: 47 3387 7200. Com uma faixa em tom mais escuro de verde,
há destaque para a frase: Bem-vindo à Prefeitura Municipal de Pomerode. Nessa mesma faixa, com letras
maiores, está escrito: A Prefeitura da Cidade mais Alemã do Brasil; utilizei um sublinhado vermelho para
chamar a atenção do leitor a essa frase. Do lado esquerdo, está o brasão da cidade composto por alguns símbolos,
como coroa, ferramentas típicas dos colonos, parte da roda utilizada pelas primeiras indústrias locais, etc.

Assim como a etiqueta da Figura 5, o slogan da prefeitura (“cidade mais Alemã do


Brasil”) também recorre a um resgate da cultura advinda da imigração. Isso resulta, em
Pomerode, na contestação das típicas representações de identidades vinculadas ao Brasil ou à
Alemanha (como nacional ou estrangeira), para formação de uma nova imagem teuto-brasileira,
que se orgulha das origens ao mesmo tempo em que modifica tradições em razão de seus novos
modos de vida.
Observo um resultado das políticas linguísticas da nova economia, em Pomerode, de
forma semelhante ao exposto por Jung e Silva (2021) acerca da Deutsches Fest no estado do
Paraná. No contexto pesquisado pelas autoras, elas observam “um caminho complementar, em
parte inverso ao tematizado por Heller (2003; 2010) e Heller e Duchêne (2012; 2016), de lucro
para orgulho” (JUNG; SILVA, 2021, p. 375). Assim como Jung e Silva (2021), entendo que as
práticas linguísticas relacionadas ao comércio turístico, que conduzem ao “lucro”, podem se
reverter no sentimento de “orgulho” da identidade étnico-linguística, constituindo uma política
de “língua-como-recurso” (RUÍZ, 1984). À vista disso, não é uma via de regra que o sentimento
de orgulho seja usado para se obter lucro, uma vez que o lucro também gera orgulho entre a
comunidade.
Como destacam Jung e Silva (2021, p. 375), “Onde não havia orgulho local da herança
de colono, os movimentos contemporâneos de mercantilização e a globalização propiciaram
uma (re)invenção de um germanismo histórico difuso em associação com a ideia de uma
Alemanha prestigiosa”. A “cidade mais alemã do Brasil”, sem dúvidas, também recorre a essa
associação, embora trace caminhos diversificados no elo entre “orgulho” e “lucro”.
120

Assim como argumentam Jung e Silva (2021, p. 365) em seu contexto de pesquisa,
aqui, também observo uma “reversão da vergonha de ser “colono alemão” para orgulho dessa
identidade”, que é favorecida pelos “movimentos contemporâneos de mercantilização e
globalização” na associação da imagem local criada entre Brasil e Alemanha. No entanto, o
movimento industrial, no município de Pomerode, igualmente desempenha um papel
importante na “ativação” de um “orgulho” da língua alemã, a partir de elos diretos entre Brasil-
Alemanha que divergem daqueles tematizados pela “tradição do colono” (JUNG; SILVA,
2021).
Ademais, em eventos comemorativos em Pomerode (como a Pomerlamm Fest, o
Festival Gastronômico e a Osterfest, só para citar alguns exemplos), a administração pública e
a população de Pomerode parecem perceber uma oportunidade ainda maior para evidenciar o
registro gráfico do plurilinguismo e suas demonstrações culturais quanto às tradições teuto-
brasileiras. Os superlativos, comumente encontrados em folders, publicidades, placas, etc.,
como “cidade mais alemã do Brasil”, “o maior ovo decorado”, “a maior árvore de casquinhas”,
etc., são estratégias político-comerciais que tendem a “legitimar” uma origem tipicamente
germânica dos eventos pomerodenses.

Figura 7 – Conjunto de fotografias de elementos registrados durante a 14ª edição da


Osterfest (Festa de Páscoa, em alemão).

FONTE: Acervo próprio


Descrição da imagem para cegos: A figura é composta por recortes de cinco fotografias tiradas na 14ª edição da
Osterfest. No canto superior esquerdo, há a foto de uma placa com fundo branco e escrita na cor amarela
queimado, em letra imprensa, caixa alta: Sala da Banda Municipal Die Originalen Rega Bäser. A escrita está
dividida em duas partes: a primeira, na parte de cima da placa, diz “Sala da Banda Municipal”, com tamanho
maior das letras, e a segunda, na parte de baixo, em tamanho menor, diz “Die Originalen Rega Bäser”. A
121

segunda fotografia que compõe a Figura 6, localizada na parte esquerda inferior, é de uma placa com fundo azul
e escrita na cor laranja e branca, em letra imprensa, caixa alta: Ostermarkt Feira de Artesanato. A escrita está
dividida em duas partes: a primeira, na parte de cima da placa, em cor laranja e tamanho maior, diz
“Ostermarkt”, e a segunda, na parte de baixo, em tamanho menor e cor branca, diz “Feira de Artesanato”. A
terceira fotografia que compõe a Figura 6, localizada na parte direita superior, é de uma placa quadrada em
madeira, elaborada por artesãos como enfeite de mesa. A madeira é clara e nela está escrito, com letras imprensa
grandes, na cor preta: Spätzle, Sauerkraut, Hackepeter, Apfelstrudel, Rollmops, Eisbein. A quarta fotografia que
compõe a Figura 6, localizada na parte direita inferior, é de uma placa em forma de ovo, em madeira, elaborada
por artesãos como enfeite de mesa. A madeira é clara e nela há um coelho todo preto (como efeito de sombra)
acompanhado de dois ramos na mesma cor. Na parte superior do enfeite, está escrito, em letra cursiva, também
na cor preta: Fohe Ostern. A quinta fotografia que compõe a Figura 6, localizada no centro na imagem, é de uma
placa do estande da associação de clubes de caça e tiro de Pomerode. A placa é azul, retangular, com a escrita
em branco, cuja fonte lembra o alemão gótico, mas escrita em português: Tiro ao Alvo. A escrita é na vertical,
mas, em letras menores, na parte inferior, na horizontal, está escrito: Scheibenschießen.

No ano de 2022, ocorreu a 14º edição da Osterfest em Pomerode, consagrada como a


maior festa de Páscoa da América Latina60. Com a Figura 7, em particular, identifico que, no
artesanato local, o registro gráfico da gastronomia de origem alemã (Spätzle, Sauerkraut,
Hackepeter, Apfelstrudel, Rollmops, Eisbein), das felicitações à Páscoa (Frohe Ostern), das
atividades de tiro ao alvo que os clubes de caça e tiro promovem (Scheibenschießen) e da Feira
de Artesanato organizada pela Associação de Artesãos (Ostermarkt). A partir desses registros,
evidencio algumas das práticas linguísticas da comunidade na Osterfest: (I) ambientes oficiais
do Centro Cultural manifestam pluriletramentos em placas (como naquela que informa: “Sala
da Banda Municipal Die Originalen Rega Bläser”), (II) a Associação de Artesãos também
utiliza placas para manifestar uma prática pluriletrada ao registrar a venda dos artesanatos
temáticos da Páscoa (“Ostermarkt”, em letras grandes e cor de destaque, seguido da explicação,
em português, em letras menores: “Feira de Artesanato”), (III) O clube de caça e tiro,
representando a sua associação, manifesta uma política de tradução, como na placa do estande
de tiro, cujas letras grandes, de atração, estão registrando “Tiro ao Alvo”, e, em letras miúdas,
abaixo, “Scheibenschießen”. Essas práticas são formas de gestão das línguas que refletem as
regulações sociais sobre os usos, funções e seus status.
A política linguística, para além das decisões oficiais, engloba decisões dos próprios
cidadãos (cf. SHOHAMY, 2006; SPOLSKY, 2016, entre outros), como a escolha de qual língua
destacar graficamente, quais línguas fazem parte de um evento social, quais línguas falar na rua
ou em casa, que traços culturais desvelar nas atividades internas da comunidade (como eventos
religiosos, eventos festivos, nos clubes, etc.) e externas à comunidade (que atraem o turismo,

60
Segundo a divulgação realizada pela prefeitura municipal, disponível em:
https://www.pomerode.sc.gov.br/noticia/13221/14-osterfest-comeca-nesta-quinta-feira-17-02-em-pomerode-
tudo-sobre-o-evento . Acesso: 25 maio 22.
122

como a própria Osterfest). Essas políticas linguísticas envolvem, inclusive, suas entidades
representantes, como as associações de artesãos e de clubes de caça e tiro. Os artefatos culturais
que compõem a paisagem linguística são, portanto, mecanismos de política linguística para a
gestão de como, quando e por quem as línguas são usadas/praticadas.
Dentro das associações, as práticas de linguagem são plurilíngues. Estrategicamente,
a administração pública procura levar essas associações para os eventos festivos como uma
forma de valorizar esse plurilinguismo, e, sobretudo, de expressar, como já destacado, a
autenticidade teuto-brasileira da “cidade mais alemã do Brasil”, estreitando a relação entre
“orgulho” de uma identidade étnico-linguística ao “lucro” proveniente dos valores simbólicos
dessa identidade, associados aos bens de consumo. Nas imagens fotográficas da Osterfest, em
particular, identifiquei uma combinação de registros (apresentados no parágrafo anterior) que,
possivelmente, refletem políticas linguísticas do dia a dia, a partir das quais as pessoas acessam
seu repertório em língua alemã e portuguesa em translinguagens ou traduções,
independentemente do destaque gráfico dado a uma língua ou a outra. Por isso, também
refletem as formas como as pessoas agem com as línguas dentro e fora do evento, seja nas suas
interações corriqueiras, seja na construção de uma imagem específica ao visitante temporário.
Dentro dessa imagem, a Osterfest conta, ainda, com algumas atividades culturais
inventadas que se hibridizam àquelas advindas da imigração, e que têm atraído a curiosidade
de visitantes de diferentes regiões brasileiras. Dentre os elementos de destaque do evento, estão
a Eier-Parede (Desfile dos Ovos, em alemão), na qual ovos de tamanhos grandes, pintados por
artistas da região, são distribuídos em diferentes pontos da cidade, além do maior ovo decorado
do mundo (a partir da técnica Bauernmalerei, ou “Pintura Camponesa”) e a maior árvore de
casquinhas naturais do mundo (a Osterbaum). A Osterbaum, em particular, reflete uma tradição
de grande parte das famílias que, durante o período de Páscoa, enfeitam galhos secos de árvores
com cascas de ovos de diferentes espécies de aves (como galinha, marreca, codorna, pata).
123

Figura 8 – Fotografia da Osterbaum, a maior árvore de Páscoa do mundo.

FONTE: Acervo próprio


Descrição da imagem para cegos: A figura é comporta por duas fotografias. Na parte superior, é possível
observar a Osterbaum, uma árvore com galhos secos repleta, de cima a baixo, de ovos de galinha pintados nas
cores lilás, crua, azul, amarela e rosa. Na parte inferior da figura, está a fotografia da placa que contém a seguinte
explicação: “Osterbaum. A maior árvore de Páscoa do mundo é decorada por cerca de 100 mil casquinhas de
ovos de galinha coloridas. Ao longo do ano, a comunidade de Pomerode se envolve na coleta das casquinhas,
mantendo viva uma tradição trazida pelos imigrantes. Em 2017, a Osterbaum entrou para o Guinness World
Records como maior árvore de Páscoa do mundo, à época com 82 mil casquinhas. A montagem da atração é
coordenada por Valdenir Schaffer”.
124

Figura 9 – Fotografia do maior ovo decorado do mundo.

FONTE: Acervo próprio


Descrição da imagem para cegos: A figura é comporta por duas fotografias. Na parte superior, é possível
observar a estrutura elaborada para o maior ovo decorado do mundo, colorido com flores, ramos, pássaros e
corações. Na parte inferior da figura, está a fotografia da placa que contém a seguinte explicação: “Maior ovo
decorado do mundo. A técnica Bauernmalerei, ou “Pintura Camponesa” em alemão, é famosa por seus temas da
natureza, foi trazido e cultivado pelos imigrantes alemães, retratando a natureza mais fortemente as flores e
plantas europeias, além de pássaros e outros elementos do cotidiano, sendo uma manifestação cultural nascida no
século XVII. Para valorizar e preservar nossas tradições e o artesanato local a AVIP convidou para assinar a arte
do Ovo Gigante da 14ª Osterfest os artesãos Rafaela Trapp, Zelia Klöpplel Rengel e Davi Gomes. E a ampliação
e montagem foi feita pelo artista João Siqueira”.
125

Diante do exposto, a administração pública de Pomerode tem promovido políticas


linguísticas que se manifestam para além do meio legislativo ou educacional. Em momentos
festivos, como observo, a prefeitura busca promover o ALBI como ícone de identidade da
“cidade mais alemã do Brasil”. Para isso, então, as práticas que aconteceriam, originalmente,
em eventos promovidos pelos habitantes locais, são “relocalizadas” (PENNYCOOK, 2010) em
eventos municipais. As manifestações linguísticas e culturais, associadas à identidade teuto-
brasileira pomerodense, se tornam “bens de consumo” (cf. JUNG; SILVA, 2021) nessas festas
que recebem turistas. Por isso, estratégias são adotadas para agregar um valor simbólico aos
próprios eventos, além dos produtos comprados e consumidos pelos visitantes, promovendo
uma experiência “genuinamente” teuto-brasileira.
A partir disso, as pessoas têm percebido, cada vez mais, a língua alemã como um
recurso econômico para o mercado turístico mesmo fora dos eventos festivos promovidos pela
administração municipal. A Figura 10 sinaliza o uso das línguas portuguesa e alemã juntas,
além de outros elementos que iconizam a cultura do descendente de imigrantes alemães em
Pomerode:

Figura 10 – Folder em português e alemão de restaurante de culinária típica alemã.


126

FONTE: Folder do Restaurante Típico Siedlertal recolhido e digitalizado por mim em 2021.
Descrição da imagem para cegos: Folder aberto do Restaurante Típico Siedlertal. Na parte de fora do folder, no
canto superior direito, há a identificação do restaurante, escrita com fonte gótica tipicamente utilizada em
documentos antigos de origem alemã. A logomarca do restaurante é um escudo azul de fundo com um desenho
de um homem vestido com trajes bávaros típicos, sentado em um barril de chopp, segurando uma caneca de
chopp e um prato de marreco. Nessa parte do folder, também há a fotografia de metade do rosto de uma mulher,
até chegar ao seu ombro, aparentemente vestida com um traje típico bávaro. Na apresentação do endereço e
contatos com o restaurante, as bandeiras do Brasil e Alemanha se entrecruzam. Também há fotografias de pratos
servidos no local, informações sobre entretenimento e horários e dias de funcionamento. Na parte de dentro do
folder, além das imagens dos pratos típicos, logomarca, mapa do local, o texto sobre o restaurante e a cidade é
composto por uma parte em português e a outra em alemão: “Plantada no coração do Médio Vale do Itajaí, está
situada a cidade conhecida como a mais alemã do Brasil: Pomerode. Com uma média de 30.000 habitantes,
Pomerode destaca-se pela cultura e arquitetura germânica, que é herança dos ancestrais europeus, oriundos do
norte da Alemanha. Estes, em meados de 1861, começaram aqui a construir a base da história de uma cidade que
é, na verdade, um pedaço do velho mundo. A comida típica alemã também é uma tradição que atravessa
gerações e Pomerode possui um lugar onde são preservadas ao máximo essas especiarias: Restaurante Siedlertal.
Um lugar típico alemão e muito aconchegante onde são servidos desde pratos tradicionais até os mais exóticos
da cozinha alemã. A palavra Siedlertal significa: Vale do Colono Imigrante. Este nome foi dado pelo fato de
Pomerode estar situada em um vale e, como já vimos, colonizada por imigrantes alemães. Hoje, é um dos lugares
mais visitados pelos turistas que chegam a Pomerode, atraídos pela riqueza da cultura local e pela magia das
casas enxaimel que embelezam a cidade. Venha para Pomerode e prove da melhor comida típica alemã que só o
Restaurante Siedlertal oferece para você. Pomerode, Detscheste Stadt Brasilien. “Du liebenswerte kleine Stadt”
im Herzen des Itajaí – Talesca. 23.000 Einw., Stand 1999. Pomerode, touristischer Anziehungspunkt (Tiergarten,
Museen, Bademöglichkeiten), zeichnet sich aus durch das Erbe der europäischen norddeutschen Vorfahren durch
deutsche Kultur, Tradition, Mundart, Architektur (Fachwerk). Den ersten Kern der konsequenten und
vielseitigen kulturellen, wirtschaftlichen, industriellen Entwicklung legten diese Siedler im Jahre 1861mit Mut
und Energie unter beschwerlichsten Urwald-Bedingungen. Werter Besucher! Öffne Dein Herz für die Schönheit
unsrer Natur und ihrer Geheimnisse, fühle Dich hier wohl und sei recht Herzlich Willkommen. Restaurant
Siedlertal. Der Name Siedlertal ist typisch für die ergreifende Geschichte der deutschen Einwanderer im
lieblichen Flusstal “Rio Testo” im Jahre 1861. Das Restaurant Siedlertal ehrt die ererbte deutsche Esskultur, das
Generationen durchdringt. Das Geheimnis der täglichen guten Küche liegt in Spitzenqualität, Ein Garant für
Wohlgeschmack und Gaumenfreude. “Der Tisch und die Gemeinsamkeit des Essens, das führt die Leute
zueinander”. Auf Ihre Gesundheit und Guten Appetit”.
127

Na Figura 10, a prática pluriletrada evidencia que as pessoas agem com as línguas em
favor de benefícios socioeconômicos, participando desse novo mercado linguístico de
Pomerode. Instrumentalizar esse bilinguismo, no texto escrito, como um marcador de
identidade teuto-brasileira e como um recurso econômico é, também, uma política linguística
mobilizada pelos próprios falantes das línguas alemã e portuguesa. Como as pessoas adaptam
suas práticas linguísticas às condições sociais e econômicas que vão surgindo em suas
realidades de vida (PENNYCOOK, 2010), é natural construírem novas formas de produzir os
gêneros discursivos. Na Figura 10, isso ocorre na multimodalidade, associando a língua à
manifestação de outros símbolos, como bandeiras da Alemanha e do Brasil juntas, a culinária
local, o chopp e cerveja artesanais, a música e vestimentas festivas.
Destaco que esses símbolos, mesmo que transformados em ícones identitários, expõem
apenas superficialmente uma cultura, na sua relação com o comportamento “exótico”,
“diferente” (PENNYCOOK, 2000). As culturas se vinculam a domínios políticos e, por isso,
fazem parte de um mundo socialmente mais complexo (PENNYCOOK, 2000), capaz de regular
as ações e comportamentos sobre as línguas. Nesse sentido, as práticas de linguagem se
transformam ininterruptamente, implicando nas interações plurilíngues, na construção de textos
orais e escritos a partir de pluriletramentos, de formas mais dinâmicas e profundas que o ícone
das bandeiras, comida ou bebida poderiam representar diretamente.
Os pluriletramentos fazem parte, então, de processos semióticos da ideologia
linguística nos quais também se opera o mercado econômico. Essa experiência com a língua,
como já mencionado, é usada como um símbolo para construir identidades e novas realidades
sociais, nas quais o “orgulho” do ALBI pode gerar “lucro” ou, ainda, o “lucro” pode gerar um
“orgulho”.
Esse orgulho é resultado de diferentes movimentos políticos, dentre os quais discorri,
até o momento, sobre a promoção de eventos festivos, as práticas das associações e a economia
voltada ao turismo. Ao olhar para Pomerode, juntamente com as pesquisas desenvolvidas nesse
cenário, em diferentes recortes temporais, percebo que outras políticas linguísticas e
educacionais voltadas à língua alemã também parecem contribuir para dar esse novo rumo às
atitudes linguísticas. Os resultados da pesquisa de Maltzahn (2018), por exemplo, já sinalizam
para esse novo “orgulho” com relação ao plurilinguismo, que era avaliado de forma negativa
pelas crianças da escola particular na pesquisa de Silva (2004), numa relação com o desprestígio
do alemão e do português “feio” falados pelo agricultor descendente de alemães. Segundo
128

Maltzahn (2018), “hoje, a língua e o sotaque alemães estão menos associados a sentimentos e
valores negativos como num passado recente [...]” (MALTZAHN, 2018, p. 124).
Nesses termos, concordo com Bremenkamp (2014, p. 96), ao citar Grosjean (2001),
quanto à afirmação de que as atitudes linguísticas podem, realmente, mudar, “e que uma língua
antes estigmatizada pode tornar-se aceita e respeitada”. Essa mudança parte de estratégias
políticas que levam em conta os “mecanismos”, nos quais uma política linguística “de facto” é
perpetuada (SHOHAMY, 2006). Entretanto, como debato ao longo da tese, o orgulho de ser de
descendência alemã, de falar a língua de imigração, de ser de Pomerode, não elimina as tensões
causadas pelas ideologias pautadas no monolinguismo, que refletem sentimentos também
controversos sobre o “falar local”.
Diante do debate ora levantado, reitero que as línguas, em Pomerode, inauguram um
novo mercado plurilinguístico, possibilitando benefícios socioeconômicos através da
comercialização de experiências culturais. Vale mencionar que as novas práticas de linguagem
que vêm se manifestando na cidade passam a ser encorajadas por políticas linguísticas explícitas
do município, tais como a cooficialização do alemão (tratada no capítulo 3) e a implementação
da educação bilíngue na rede pública municipal, o que busco apresentar nas próximas seções.

5.2 O MOVIMENTO CURRICULAR PARA INCLUSÃO DA LÍNGUA ALEMÃ NA REDE


DE EDUCAÇÃO MUNICIPAL DE POMERODE

A língua alemã, desde o final da década de 1980, retorna como pauta de curricularização
no espaço educacional de Pomerode, conforme quadro a seguir:

Quadro 11 – Políticas de inclusão da língua alemã no currículo escolar de Pomerode.


Ano Política linguística voltada à língua alemã na escola
1987- A Secretaria da Educação de Pomerode havia submetido ao Conselho Estadual
1989 de Educação de Santa Catarina uma proposta de alteração da matriz curricular
para três escolas municipais, visando a inclusão de três aulas de língua alemã de
5ª à 8ª série do ensino fundamental. Em 1989, o Conselho Estadual de Educação
de Santa Catarina emitiu um parecer favorável à proposta de alteração
curricular.
1998 Dentro do horário escolar regular, a língua alemã passou a ser ministrada em
duas aulas semanais, e, no contraturno, a língua alemã passou a ser ministrada
em uma aula semanal, totalizando em três aulas semanais nas escolas
municipais.
129

1999 Extinguiu-se a aula de alemão no contraturno nas escolas municipais. Nas séries
finais do ensino fundamental (de 5ª a 8ª série), permaneceram duas aulas
semanais de língua alemã como disciplina obrigatória.
2005/2006 Ao estabelecer a matriz curricular para as escolas municipais, o Conselho
Municipal de Educação de Pomerode acrescentou uma aula de língua alemã a
partir do 1º ano do ensino fundamental (agora contemplando as séries iniciais
que, a partir do ensino de 9 anos, passou a ser de 1º ao 5º ano). Do 6º ao 9º ano,
permaneceram as duas aulas de alemão que já existiam.
2008 Ampliação da inclusão da língua alemã no contexto escolar por meio do
“projeto: implantação do ensino bilíngue – língua portuguesa/língua alemã” no
ensino fundamental (de 1º ao 9º ano, gradativamente), em uma das doze escolas
do município. Havia sido pensado um critério inicial do projeto para matrícula
na sala bilíngue: pelo menos um dos pais ou pessoas que moram com a criança
deveriam falar a língua alemã e deveriam se propor a interagir através dessa
língua em casa com a criança. Esse critério foi desmantelado em virtude do
interesse da comunidade, em termos gerais, por uma educação bilíngue. Por
isso, há crianças que passam a ter contato com a língua alemã inicialmente na
escola e outras que já falam a língua desde o contexto familiar.
2009 Implantação da sala bilíngue – língua portuguesa/língua alemã no ensino
fundamental em uma segunda escola de forma gradativa por ano escolar.
2017 Implantação da sala bilíngue – língua portuguesa/língua alemã no ensino
fundamental, em uma terceira escola de forma gradativa por ano escolar.
FONTE: Quadro elaborado a partir do Projeto: implantação do ensino bilíngue-língua portuguesa/língua alemã
(POMERODE, 2009), das pesquisas desenvolvidas por Maas (2010) e Spiess (2014) e de notícia do Jornal de
Pomerode (08/03/2019).
Descrição do quadro para cegos: O quadro é composto por duas colunas: ano; política linguística voltada à
língua alemã na escola. Os dados do quadro divulgam que em 1987, a língua alemã retornou ao currículo escolar
como disciplina no município de Pomerode para os alunos das séries finais do Ensino Fundamental, com duas
aulas semanais em três escolas municipais. Em 1989, a Secretaria da Educação de Pomerode havia submetido ao
Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina uma proposta de alteração da matriz curricular para as três
escolas municipais (mencionadas acima neste quadro), visando a inclusão de três aulas de língua alemã de 5ª à 8ª
série do Ensino Fundamental. Em 1989, o Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina emitiu um parecer
favorável à proposta de alteração curricular. No ano de 1998, dentro do horário escolar regular, a língua alemã
foi ministrada em duas aulas semanais, e, no contraturno, a língua alemã foi ofertada em uma aula semanal,
totalizando em três aulas semanais nas escolas municipais. Em 1999, extinguiu-se a aula de alemão no
contraturno nas escolas municipais. Nas séries finais do Ensino Fundamental (de 5ª a 8ª série), permaneceram
duas aulas semanais de língua alemã como disciplina obrigatória. Em 2005/2006, ao estabelecer a matriz
curricular para as escolas municipais, o Conselho Municipal de Educação de Pomerode acrescentou uma aula de
língua alemã a partir do 1º ano do Ensino Fundamental (agora contemplando as séries iniciais que, a partir do
ensino de 9 anos, passou a ser de 1º a 5º ano). Do 6º ao 9º ano, permaneceram as duas aulas de alemão que já
existiam. Em 2008, houve a ampliação da inclusão da língua alemã no contexto escolar por meio da implantação
do projeto Sala bilíngue – língua portuguesa/língua alemã no Ensino Fundamental (de 1º a 9º ano), em uma das
doze escolas do município, a escola localizada na região sul. O critério inicial do projeto para matrícula na sala
bilíngue – de que pelo menos um dos pais ou pessoas que moram com a criança falem a língua alemã e se
proponham a interagir através dessa língua em casa com a criança – foi desmantelado em virtude do interesse da
comunidade por uma educação bilíngue. Por isso, há crianças que passam a ter contato com a língua alemã
inicialmente na escola e outras que já falam a língua desde o contexto familiar. Em 2009, houve a implantação
da sala bilíngue – língua portuguesa/língua alemã no Ensino Fundamental, em outra escola, onde ainda se
mantém laços mais estreitos com a língua alemã. Em 2017, houve a implantação da sala bilíngue – língua
portuguesa/língua alemã no ensino fundamental, em uma terceira escola, de forma gradativa por ano escolar.
130

Os diferentes movimentos político-educacionais do município implicam inclusões e


exclusões linguísticas. Mais recentemente (2008, 2009 e 2017), podemos observar que ocorre,
por meio de uma iniciativa da Secretaria de Educação e Formação Empreendedora, a
implementação do “ensino bilíngue – língua portuguesa/língua alemã” na educação básica
municipal (de 1º ao 9º ano, gradativamente).
O documento oficial do projeto descreve que a rede pública municipal de ensino
passou a contar com a educação bilíngue, buscando oferecer “aos alunos dos anos iniciais do
Ensino Fundamental [...] a possibilidade de se alfabetizarem na Língua Portuguesa e na Língua
Alemã, tornando-se usuários proficientes das mesmas.” (POMERODE, 2009, p. 3). Observo
que a abstração da língua limita, de certa forma, o objetivo do projeto ao restringir a educação
linguística dos estudantes à alfabetização, vislumbrando apenas as séries iniciais. Nesse
objetivo, embora haja um avanço significativo para a inclusão da língua de imigração na escola,
ainda há incorrência de utilizá-la como ferramenta simbólica para a sua manipulação enquanto
um sistema relacionado restritamente à aquisição do código escrito das línguas. Essa agenda da
política de educação bilíngue é contestada nas atividades escolares cotidianas, que direcionam
para a formação de todo o ensino fundamental (para além do período de alfabetização). Essa
formação engloba o que as pessoas fazem com as linguagens escrita e oral nas ações sociais das
quais se engajam.
A Proposta Curricular para o Ensino Fundamental de Pomerode possui uma orientação
mais ampliada sobre a educação linguística dos estudantes, abrangendo toda a sua formação
com a língua portuguesa e alemã.

Ao longo do Ensino Fundamental, a disciplina de Língua Portuguesa deverá


possibilitar ao educando a valorização e a utilização da linguagem para a
compreensão, interpretação, construção e reconstrução do mundo, tendo em vista uma
atitude crítica, reflexiva e também respeitosa em relação ao seu interlocutor e, assim,
ampliar as suas possibilidades de participação social no exercício pleno da cidadania.
(POMERODE, 2004, p. 108)

A Proposta Curricular é antecedente à implementação da sala bilíngue, mas possui


orientações pertinentes às línguas portuguesa e alemã em virtude da oferta da disciplina de
língua alemã que já existia no município. Nessa Proposta, a disciplina de língua alemã tem o
objetivo de possibilitar aos estudantes desenvolverem habilidades linguísticas para refletirem,
agirem e interagirem “em seu próprio meio” (POMERODE, 2004, p. 89). Ademais, também
objetiva que os estudantes possam relacionar e comparar os conhecimentos adquiridos em uma
língua para as atividades que vêm a desenvolver na outra, “a partir da organização dos
131

conhecimentos sistêmicos, de mundo e da organização textual. Vivenciar e valorizar estas


habilidades preparam o aluno para a competência comunicativa e o engajamento discursivo,
conscientizando-o de seu papel de cidadão crítico e responsável” (POMERODE, 2004, p. 89).
Como mencionei no segundo capítulo desta tese, a PL precisa ser pensada de forma
ampla, para além de declarações documentadas em registros oficiais sobre a política, como
aquelas descritas em um decreto, lei, por uma proposta curricular ou um projeto. Tendo isso em
vista, busco compreender a gestão das línguas na criação e perpetuação de práticas linguísticas,
a partir de uma sala de aula bilíngue de língua portuguesa da rede de escolas municipais de
Pomerode, SC. Por isso, levo em conta diferentes mecanismos que criam e perpetuam as
práticas linguísticas que, nem sempre, são explicitados pelo “projeto: implantação do ensino
bilíngue – língua portuguesa/língua alemã”. Afinal, esse projeto, publicado em 2009, apresenta
apenas as reflexões iniciais realizadas na Secretaria de Educação e Formação Empreendedora
com os professores atuantes na época da sua redação. Reconheço que houve um
amadurecimento sobre essa política linguística e educacional ao longo desses mais de dez anos,
o que me leva a considerar a sala de aula um campo fértil para compreender os modos como os
atores sociais envolvidos com a escola lidam com a PL, para além do objetivo de alfabetizar
em duas línguas.
É no capítulo seis, mais especificamente, que apresento que as práticas pedagógicas
não se restringem à alfabetização exclusivamente, uma vez que atendem a realidades mais
amplas, cujas ações docentes, muitas vezes, visam aos pluriletramentos.
Diante do exposto, entendo que a atuação pedagógica possa servir de um importante
dispositivo dessa política linguística, na atualização constante do documento que “projetou” a
educação bilíngue em Pomerode. A gestão das línguas dentro da escola possibilita compreender
e fundamentar as políticas também constituídas nas práticas de professores que vivem a sala de
aula bilíngue como agentes da PL. Como defende Shohamy (2006), é essencial que os
professores sejam constantemente consultados sobre o andamento da política linguística
educacional, uma vez que não são burocratas que executam as políticas governamentais. Eles
exercem influência na sua execução e, por isso, devem participar da sua formulação e
reformulação (SHOHAMY, 2006). Destaco que Pomerode já apresenta tentativas de propor
diálogos abertos entre professores e administração pública, como podemos observar na redação
colaborativa da Proposta Curricular do município e na proposta inicial do projeto bilíngue.
Contudo, reitero a importância de se manter esse diálogo na reestruturação desses documentos
na medida em que passam a conflituar com as demandas das salas de aula.
132

Compartilho, a seguir, o registro de diário de campo sobre a política de educação


bilíngue e seus propositores justamente para tornar mais visível a necessidade de um diálogo
aberto e constante entre a escola e a administração pública, e a necessidade de os documentos
oficiais ecoarem esse diálogo, com vistas a uma educação linguística cada vez mais
democrática.

Diário de Campo, 04 ago. 21, sobre a política linguística e seus propositores


Após o período destinado ao recreio das crianças, as professoras planejaram levá-las
ao parque da escola. Nesse momento, pude sentar com a professora alfabetizadora e
conversar livremente sobre alguns temas voltados à educação bilíngue em Pomerode.
Nessa conversa, tive o sentimento de haver, por vezes, alguns desencontros entre a
realidade escolar com relação às propostas políticas à sala de aula bilíngue. Esse
sentimento resultou de afirmações da professora Sabrina quanto a algumas diferenças
de realidade prática entre as escolas bilíngues e as demais escolas do município,
embora sofram as mesmas cobranças em termos de testes, avaliações e índices de
alfabetização. Por vezes, algumas cobranças à escola bilíngue podem estar associadas
a certos mitos locais, como o de que o número reduzido de alunos na sala de aula
bilíngue desencadeia num trabalho mais rápido de alfabetização ou mais fácil para a
alfabetizadora, sem que se leve em conta os desafios que essa alfabetizadora (inserida
na sala de aula bilíngue) enfrenta ao lidar com demandas pautadas na ideologia
monolíngue.

Todos os atores sociais envolvidos com a política linguística, não só professores, têm
formas de interpretá-la nos processos educativos, de construir percepções sobre as práticas de
linguagem que ocorrem na sala de aula e fora dela. É por isso que considero pertinente um
processo contínuo de revisitar, renegociar e, inclusive, reescrever os documentos que guiam a
política de educação bilíngue, num processo aberto e dialogado sobre conceitos e concepções
acerca das línguas. Por exemplo, na pesquisa realizada sobre a educação bilíngue de Pomerode,
Spiess (2014) já destacava que “A relação entre língua materna, língua de imigração e língua
estrangeira ainda não parece devidamente descrita e problematizada na proposta que
implementa o projeto bilíngue na escola” (SPIESS, 2014, p. 119). Essa lacuna, dentre outras,
talvez, esteja gerando, até hoje, formas diferentes de entender o alemão nas práticas
pedagógicas das salas de aula (como língua estrangeira, brasileira, local, adicional, etc.), além
de formas diferentes de entender o contato com a língua portuguesa e as avalições sociais e
acadêmicas nas quais as línguas desse contato são submetidas.
Faço um destaque, nesse momento, às palavras de Rajagopalan (2003, p. 27) ao que
se refere às formas categóricas como os falantes tendem a ser conceituados com relação à
língua: eles são classificados como “nativos” e “não-nativos em relação a qualquer língua
133

específica (a qual, por sua vez, passa a ser ou “materna” ou, se não, forçosamente “estrangeira”
com respeito a cada um daqueles falantes), não permitindo, dessa forma, qualquer possibilidade
de categorias mistas.” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 27). Debater essas percepções entre os
agentes da política linguística e registrá-las em documentos referentes à educação linguística
de Pomerode pode constituir uma diretriz importante nas ações que se consolidam na escola.
A conciliação dos conceitos sobre línguas com as realidades práticas do trabalho
pedagógico é importante para combater “desencontros entre a realidade escolar com relação
às propostas políticas à sala de aula bilíngue”. Essa conciliação também contribui para
combater a noção de homogeneidade sobre os processos de alfabetização entre as escolas da
rede (independentemente de pertencerem ao projeto bilíngue), que resulta em cobranças de
resultados equivalentes a partir de alegações sobre o trabalho facilitado do professor pelo
“número reduzido de alunos na sala de aula bilíngue”.
Ademais, levantar reflexões sobre a situação linguística de Pomerode pode orientar
agentes educativos na promoção de ações mais inclusivas ao plurilinguismo, numa educação
crítica aos estereótipos negativos relacionados aos sujeitos em situação de bilinguismo social.
As atitudes e ideologias perpetuadas diante de falantes do pomerano e do alemão como línguas
brasileiras de imigração, dentro das comunidades de Pomerode e suas respectivas escolas,
tendem a ser projetadas para as salas de aula e, por isso, precisam de espaço de reflexão entre
os professores. A escola, afinal, é um aparelho de difusão acerca do status das línguas, e tem
uma responsabilidade social quanto à realidade linguística local para atender às demandas da
sua comunidade.
Nesse aspecto, o movimento curricular, introduzido na presente seção, faz parte das
políticas linguísticas de Pomerode, a partir de uma variedade de mecanismos que expressam
diferentes intenções com relação à língua alemã. Quanto ao projeto de educação bilíngue, mais
especificamente, destaco a proposta política voltada à alfabetização em duas línguas como um
avanço à educação linguística no município, mas que carece, no documento inicial (projeto:
implantação do ensino bilíngue – língua portuguesa/língua alemã), de uma abordagem ampliada
sobre os pluriletramentos ao longo de toda a formação do estudante. Por isso, nas próximas
seções, teço, ainda, algumas considerações acerca do amadurecimento dessa política linguística
e educacional na prática pedagógica e a relação com o cenário sociolinguisticamente complexo
de Pomerode.
134

5.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS LÍNGUAS EM POMERODE E A IMPLEMENTAÇÃO


DO PROJETO SALA BILÍNGUE – LÍNGUA PORTUGUESA/LÍNGUA ALEMÃ

A fim de introduzir aspectos da implementação do projeto de educação bilíngue de


Pomerode, divido esta seção em duas partes: (I) na primeira, apresento a constituição de um
modelo de educação bilíngue municipal; (II) e na segunda, reflito sobre o projeto sala bilíngue
de Pomerode, tratando de como as orientações sobre a língua podem impactar nas políticas
linguísticas de facto.

5.3.1 A demanda pela curricularização da língua alemã para novos modelos econômicos

As políticas linguísticas voltadas ao uso da língua alemã, na cidade de Pomerode, têm


sido foco de estudos para diferentes pesquisadores, tais como: Silva (2004), Maas (2010),
Silveira (2017), Spiess (2014), Maltzahn (2018), entre outros. Dentre esses estudos, há
reflexões desde características identitárias vinculadas às línguas, problematizações sobre
processos de apagamento do alemão falado localmente, até políticas linguísticas que visem à
inclusão do plurilinguismo no cenário educacional. Spiess (2014) explica que, em meio a essas
políticas linguísticas, está a educação bilíngue, que iniciou em 2008 na forma de um projeto,
em uma escola da rede pública municipal, a qual descrevo, hoje, como uma política já
implementada. A educação bilíngue, em Pomerode, é baseada na oferta de disciplinas em língua
portuguesa e em língua alemã. Até o primeiro ano do ensino fundamental, as crianças
frequentam a escola em um só turno e possuem uma divisão, na matriz curricular, entre o
português e o alemão, conforme apresento na próxima seção. A partir do segundo ano, as
crianças matriculadas na educação bilíngue passam a frequentar o contraturno para as aulas de
alemão e em alemão.
Segundo Spiess (2014), durante as reuniões da formação continuada da rede
municipal, em 2008, o projeto de ensino bilíngue passou a ser estruturado de forma
compartilhada com toda a rede de ensino. Deliberou-se que o projeto iniciaria em uma escola
com duas turmas de primeiro ano, nas quais os pais poderiam optar pela turma que seria bilíngue
ou pela turma regular (sem aderir ao projeto bilíngue) (SPIESS, 2014). A inclusão dos demais
anos escolares na sala bilíngue sucedeu gradativamente (POMERODE, 2009). Esta tese foi
conduzida na segunda escola municipal que aderiu ao projeto bilíngue em Pomerode, onde são
atendidos estudantes do primeiro ao nono ano do ensino fundamental, além de educação
135

infantil. Hoje, o aluno que é matriculado no primeiro ano do ensino fundamental,


automaticamente, já está matriculado no ensino bilíngue, e a sua permanência passa a ser uma
escolha realizada pelas famílias apenas quando exigir presença do aluno no contraturno, a partir
do segundo ano.
A Secretaria Municipal de Educação e Formação Empreendedora se propõe a
implementar o “ensino bilíngue – língua portuguesa/língua alemã”, na rede municipal de ensino
de Pomerode, considerando questões relacionadas à “perda linguística” no município
(POMERODE, 2009), mas não menciona, explicitamente, o panorama econômico (o qual
introduzi no início deste capítulo) como um incentivador do projeto. Entendo, portanto, que a
influência socioeconômica se torna uma política implícita para a aquisição da língua alemã na
educação básica de Pomerode, manifestada, por vezes, nos diferentes investimentos realizados
pelas indústrias nas escolas, em eventos pontuais, e em discursos da comunidade. Só para citar
um exemplo que desencadeia esse projeto, recupero o Encontro Brasil/Alemanha, evento que
ocorreu em Blumenau, em 2007, promovido por empresários da região, no qual a secretária de
educação de Pomerode teve contato com uma professora de uma escola bilíngue de Berlim,
abrindo um diálogo sobre as possibilidades de uma educação bilíngue pomerodense (SPIESS,
2014). Conforme apresenta Spiess (2014), desde o início do projeto bilíngue, há uma relação
entre os aspectos ligados às questões histórico-linguísticas de Pomerode e o olhar econômico
sobre o cenário local, composto também por indústrias vinculadas à Alemanha.
Nesse cenário, propaga-se um discurso de que a língua alemã é exigida no mercado de
trabalho local, o que, segundo Maltzahn (2018), resulta em uma nova função provavelmente
instrumental dessa língua. Os registros da pesquisa de Maas (2010) sinalizam que não só os
estudantes da educação básica, como também os elaboradores da proposta curricular do
município percebem o ensino da língua alemã, na escola, como uma oportunidade ou condição
para inserção no mercado de trabalho: “na visão deles, o alemão continua sendo a língua de
interação, seu ensino é importante porque abre novas possibilidades, especialmente no que
tange ao emprego e à ascensão na carreira” (MAAS, 2010, p. 87).
O domínio da escola, na mercantilização das línguas, contribui, de certa forma, para a
formação de novas tensões entre as línguas teuto-brasileiras faladas localmente e o alemão
standard associado à Europa, que, quando visto sob uma “ideologia de língua padrão”, propaga
a concepção da sua essencialidade “para a escrita” (JUNG; SILVA, 2021, p. 369). A
instrumentalização da língua alemã, portanto, causa um novo conflito de valores, que não rompe
com as ideologias linguísticas associadas ao “desenvolvimento” dos Estados-nação modernos,
136

mas que se apropria dessa ideologia e a estende sob novas condições (JUNG; SILVA, 2021),
vinculando a língua alemã ao meio de produção, distribuição e consumo de bens
culturais/materiais de Pomerode.
O ensino formal do alemão, portanto, pode ser reconhecido, entre a comunidade, como
um recurso para a economia local e global, baseada no turismo (que explora o constante vínculo
com a Alemanha), comércios que dependem desse turismo, empresas cujas matrizes estão na
Alemanha, dentre outros. Ademais, em uma conversa, gravada em áudio com a professora
alfabetizadora em língua portuguesa, o valor econômico é sinalizado como uma força
legitimadora da língua alemã em Pomerode:

Professora Sabrina (língua portuguesa): /.../ muitos comércios, eles pedem que a
atendente saiba falar alemão. As próprias empresas /.../ pedem que preferencialmente
saiba falar alemão. Porque as mesmas indústrias elas têm suas matrizes na Alemanha.
/.../

A demanda pelo “lucro” acentua um discurso sobre a importância de falar alemão em


Pomerode: é uma língua relevante para o mercado de trabalho, em geral, e, também, para
oportunidades almejadas na Alemanha, como um cenário possível para a atuação acadêmica e
profissional. É nesse âmbito que os repertórios linguísticos são tratados tanto no sentido de
“lucro” quanto de “orgulho”, abrindo possibilidades de demandar direitos associados a
identidades linguísticas. O direito à aprendizagem do alemão na escola pública de Pomerode,
portanto, se traduz numa reivindicação ligada à trajetória de imigração alemã e à economia
local, que reflete, de certa forma, uma nova relação com a Alemanha (como para emigração).
A realidade industrial, bem como a realidade turística (que propulsiona o setor
comercial) demandam, segundo o que enuncia a professora, o uso da língua alemã. O cenário
econômico relatado, possivelmente, é reflexo de uma das razões para a condição de acesso ao
alemão na escola, à sua instrumentalização para a escrita. Pomerode, assim, parece
compartilhar, no sistema de ensino, do modelo standard de língua alemã internacionalmente
difundido, possivelmente, por influência dos discursos de empregabilidade que circulam
localmente (cf. MAAS, 2010). A aprendizagem do padrão europeu, que tende a ser valorizada
na indústria, talvez, seja um fator de influência econômica que gere um novo sentimento de
“lealdade linguística” (cf. LAGARES, 2018) entre um município brasileiro com o país de
origem imigratória, a Alemanha. Como consequência, o mercado linguístico europeu é, por
vezes, favorecido e reforçado nas estruturas de poder entre os dois países (Alemanha e Brasil),
137

possibilitando, talvez, um prestígio a uma realidade linguística específica ou a um bilinguismo


idealizado pela tradição escolar quando comparado ao bilinguismo social.
Nesse contexto, reconheço que, essencialmente, é o mercado econômico que
desempenha o papel de revitalizar a língua alemã entre os habitantes mais jovens de Pomerode,
no desejo por acessos às novas práticas de linguagem que surgem na relação “orgulho” e
“lucro”. Por isso, é importante retomar a ambivalência discutida por Jung e Silva (2021) acerca
da mercantilização da língua, numa busca por autenticidade linguística ao mesmo tempo em
que novas práticas de linguagem surgem sob a ideologia de língua padrão. Em Pomerode, como
venho debatendo, essa ambivalência também existe, imbricada na formação de uma política de
educação bilíngue que instrumentaliza a língua (para atender ao mercado econômico) ao mesmo
tempo em que busca recuperar e preservar aspectos da história e da cultura alemã que formaram
o contexto de descendência de imigração local.
Como apresentei no início deste capítulo, a mercantilização da língua alemã, em
Pomerode, se desencadeia em novas práticas plurilíngues (como escrita de folders, de etiquetas,
produção de artesanatos, promoção de festas, promoção de educação bilíngue, tradução,
empregabilidade em indústrias multinacionais etc.). Essas novas práticas, imbricadas na vida
política e econômica do município, consequentemente, demandam formas de acessar um
pertencimento divergente daquele definido pela “comunidade nação” (ANDERSON, 2008
[1991]), numa redefinição do “cidadão do mundo” (HELLER; DUCHÊNE, 2012).
Reitero que existem tensões linguísticas entre a memória dos antepassados (imigrantes
alemães) com a constituição de novas práticas de linguagem, moldadas às mobilidades sociais
advindas da globalização. Como efeito, as pessoas passam a atribuir valores distintos às suas
práticas de linguagem, que: refletem a busca pela autenticidade de “cidade mais alemã do
Brasil” e idealizam o bilinguismo a partir de habilidades técnicas do “falar corretamente”. É
preciso considerar, pois, que os repertórios linguísticos também se tornaram uma mercadoria
nesse contexto, sendo regulados e organizados por ideologias linguísticas. Por isso, a busca pela
“proficiência” linguística tende a ser acentuada nas tentativas de atender as relações Brasil-
Alemanha (cf. JUNG; SILVA, 2021), exigidas ao “cidadão do mundo”.
Nesse sentido, enquanto as famílias compartilham cada vez mais do orgulho de
falarem uma língua de imigração por gerações, cresce, paralelamente, a procura pela
aprendizagem da língua alemã em contextos formais de educação, assim como também são
gerados novos conflitos pelo contato linguístico das pessoas que transitam entre essas línguas.
A busca por formas de participação da globalização, pela língua, conduz em um imaginário de
138

falantes ideais, que precisam adquirir as habilidades “suficientes” ou “proficientes” que o novo
mercado “deseja”, ao mesmo tempo em que também se criam novos contextos de comunicação
(que expandem as noções do “falante ideal”).
A escola, como consequência, passa a desempenhar o papel de fornecer o espaço de
aprendizagem necessário a esses repertórios linguísticos “desejados” pelo modelo econômico
local e praticados pelos falantes reais. Como vim apresentando, a estratégia de Pomerode, para
tanto, se manifesta na implementação do ensino de língua alemã como disciplina em toda a rede
pública municipal e da educação bilíngue em algumas das escolas da rede.

5.3.2 Reflexões sobre o “projeto: implantação do ensino bilíngue” de Pomerode

É interessante observar que as escolas de educação bilíngue envolvendo línguas de


imigração, de modo geral, costumam ter seus currículos estruturados com base nos modelos
que se tornaram atraentes para grupos de elites, envolvendo, na maioria dos casos, acordos com
países europeus. Hamel (2013b) explica que essas escolas, na América Latina, foram se
organizando a partir de diferentes fases históricas e políticas. Hoje, têm a tendência de
compartimentalizar as línguas no currículo e, por consequência, o corpo docente também,
atendendo a um mercado econômico e linguístico que valoriza a adição curricular da língua
europeia para uma certificação nacional e internacional. No caso de Pomerode, em particular,
as disciplinas em língua alemã são adicionadas ao lado das disciplinas em língua portuguesa
(vide próxima seção), e as habilidades linguísticas, no final do ciclo de formação municipal,
são avaliadas separadamente. Dessa forma, o português é avaliado segundo modelos
curriculares convencionais da educação pública brasileira, enquanto também se busca atestar a
proficiência em alemão a partir de exames do Instituto Goethe (Instituto Cultural da República
Federal da Alemanha), provavelmente para comprovações que possam atender ao mercado
global.
Em uma entrevista concedida pela professora alfabetizadora em língua portuguesa, há
menção ao sistema de avaliação à proficiência em língua alemã do estudante que conclui a
educação bilíngue em Pomerode:

Professora Sabrina (língua portuguesa): As provas. Eles ((os alunos)) fazem as


provas de proficiência. Eles ((gestores da política linguística)) têm um contrato com o
GOETHE. E as crianças precisam atingir determinado nível de proficiência. Então,
quando eles saem, a proposta, né, quando eles saem do nono ano, eles já saem com o
139

nível de alemão muito alto. Eu vou ter que agora mentir pra ti se é B1, B2, ou até
mesmo C161. Então, pra eles alcançarem esses níveis, de tanto em tanto tempo, é feito
uma prova. E eles precisam alcançar esses requisitos. Só que pra fazer essa prova, os
professores também precisam ser orientados de como trabalhar pra que eles alcancem
isso. Porque eles têm prova de ouvir, escrever, ler, e não sei te dizer se é interpretar.
Eu sei que é schreiben, hören, lesen, e não sei se é de interpretar. Eu sei que são quatro
linhas. /.../ E por isso essas formações, elas são feitas com os professores pra eles
saberem o que que é, como eles precisam/ Eu não quero usar a preparar, porque o
projeto bilíngue não vem com este foco de preparar o aluno pras provas, que nem tem
nas escolas de idiomas. Não é pra ser! Contudo, dentro dessa maneira de trabalhar, que
nós temos muito mais horas com as crianças do que uma escola de idiomas, mas dentro
desse processo todo, o professor precisa ter em vista que ele, no final, o aluno dele
precisa ser capaz de ouvir, interpretar, ler, escrever. Então nesse sentido vão as
formações. Então, o professor precisa se preparar não bem pra prova, mas o que que é
exigido nessa prova.

Há, em Pomerode, assim como no cenário pesquisado por Jung e Silva (2021),
diferentes ideologias linguísticas coexistentes e que geram tensões “a partir de espaços
conturbados de contradição entre, por exemplo, padronização e variabilidade linguística ‒
subjetividades produzidas em termos de performances e valores identitários locais ‒ e técnicas
de gestão utilizadas para regular e medir o valor das habilidades linguísticas” (JUNG, SILVA,
2021, p. 367). Nesse caso, propositores da política linguística, professores, alunos, vivenciam
as tensões do mercado econômico que rege certas normas sobre as línguas, atestadas por um
instituto “habilitado” para “medir” a “proficiência” linguística. Ao mesmo tempo, esses atores
sociais também possuem suas crenças sobre a educação linguística que trilha um caminho
divergente desse “preparo” a um sistema de avaliação específico. Por isso, o “projeto bilíngue
não vem com este foco de preparar o aluno pras provas, que nem tem nas escolas de idiomas.
Não é pra ser!”, mas pretende possibilitar a certificação da proficiência linguística desse aluno
nos moldes estabelecidos por tais provas, a fim de estarem aptos às exigências do mercado local
ao global.
Apesar das forças que o capitalismo exerce sobre a política linguística, destaco,
novamente, que o “projeto: implantação do ensino bilíngue – língua portuguesa/língua alemã”
não faz uma menção explícita ou associação direta aos recursos que o bilinguismo da
comunidade promove no seu modelo de vida socioeconômico. Em contrapartida, o discurso da

61
O Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas, que classifica o conhecimento linguístico como
básico (A1 e A2), intermediário (B1 e B2) e proficiente (C1 e C2), constitui pauta de formação para os professores
de língua alemã. Como o foco desta pesquisa recai para a gestão das línguas na sala de aula bilíngue de língua
portuguesa (e não alemã), a entrevistada foi realizada com a professora de língua portuguesa, que procura se
envolver com temas relacionados ao bilinguismo educacional.
140

língua como um direito da comunidade, em virtude dos aspectos de colonização da região, se


justifica, na diretriz desse projeto, a partir da contextualização da imigração e das políticas de
repressão varguistas:

Pomerode foi colonizada por imigrantes alemães no século XIX. [...]


A partir de 1930 o governo de Getúlio Vargas adotou a política da Nacionalização e
o ensino na Língua Alemã foi proibido [...].
Apesar da proibição do ensino da Língua Alemã nas escolas seu uso nas relações do
cotidiano sobreviveu às repressões e, no ano de 1987, o município de Pomerode
implantou o ensino da Língua Alemã [...].
Entretanto, o tempo reservado para o ensino da Língua Alemã não garantiu sua efetiva
aprendizagem [...]. (POMERODE, 2009, p. 1).

A gestão das línguas, na escola, então, frequentemente, abrange essas duas orientações,
já discutidas no capítulo dois: “língua-como-direito” e “língua-como-recurso” (cf. RUÍZ,
1984). A orientação de “língua-como-recurso” (cf. RUÍZ, 1984), em particular, apesar de não
estar explicitamente presente nos documentos oficiais da política de educação bilíngue,
constitui discursos de seus propositores a partir da alusão às demandas no mercado econômico,
mencionadas na pesquisa realizada por Maas (2010).
Nesse cenário, o próprio discurso sobre língua como um “direito” (cf. RUÍZ, 1984),
talvez, seja um recurso para atender as ideologias do mercado linguístico. A busca de
reformulação da “comunidade nação” (ANDERSON, 2008 [1991]) é resultado das tentativas
de “garantir” o plurilinguismo como ativo econômico, que vai do local para o global (HELLER;
DUCHÊNE, 2012).
A professora alfabetizadora em língua portuguesa também relata que a justificativa da
Secretaria de Educação e Formação Empreendedora quanto à escolha da escola onde atua para
o projeto bilíngue se deu a partir de uma relação de educação com a cultura em contexto de
descendência de imigração alemã. No excerto a seguir, faço um breve recorte da fala da
professora que parece pontuar para a língua como um espaço simbólico para a constituição da
identidade “local” (PENNYCOOK, 2010), implicando no direito de acesso ao alemão pela
comunidade escolar:

Professora Sabrina (língua portuguesa): É, esse foi um dos aspectos levantados


depois para optar pelo ((menciona o nome da escola alvo da pesquisa)). Como lá tem a
questão da /.../ rota do enxaimel, lá também tem dois clubes de caça e tiro, onde as
questões culturais alemãs são muito presentes, tem ainda a festa do rei, da rainha, festa
do colono, tudo isso ainda é muito presente na comunidade. Aqueles cultos de ação de
graça que acontecem totalmente em alemão, festa da colheita, culto da colheita, tudo em
alemão ainda. /.../ mas nós tivemos um ano, nessa escola, em que uma turma foi bilíngue
141

e a outra não. Nós tivemos, nós vivemos essa realidade na nossa escola, de que os pais
assim, /.../ eles queriam que estivesse /.../ o ensino fundamental regular, sem a
interferência, ou sem as contribuições do bilíngue.

Nesse excerto, identifico a relação entre a cultura linguística local e a implementação


do ensino bilíngue na comunidade. Quando se fala da língua alemã fora do contexto
educacional, na cidade de Pomerode, normalmente, são retomadas as práticas culturais herdadas
pela imigração alemã e que fazem parte ainda hoje da comunidade local. Dentre essas práticas,
como já evidenciei no capítulo três, sobre a ambientação da pesquisa, estão os cultos em língua
alemã da Igreja Evangélica de Confissão Luterana e as atividades recreativas dos clubes de caça
e tiro, cujas tradições festivas ocorrem com músicas e cerimônias em língua alemã.
As identidades dos membros que vivem em torno da comunidade escolar, portanto,
são interpeladas por essas práticas linguísticas em alemão, mesmo que nem sempre as crianças
falem essa língua explicitamente. As identidades, assim, são construídas socialmente pelos
sujeitos “a partir e na circulação por variados âmbitos de convivência, nas posições que podem
ocupar nessas circunstâncias e nos usos e apropriação de bens culturais” (VÓVIO; GRANDE,
2010, p. 55), como os livros, músicas, materiais dos cultos, das festas, do trabalho (industrial,
comercial, agrícola, etc.). Pensar nessa relação identitária com as práticas linguísticas é
importante para adotarmos posicionamentos culturalmente sensíveis com o plurilinguismo no
contexto escolar.
Além do exposto, a professora Sabrina também aponta para a realidade adversa ao
bilinguismo, alegando que um grupo de pais, inicialmente, preferiu optar pelo “ensino
fundamental regular, sem a interferência, ou sem as contribuições do bilíngue” para as crianças
em fase escolar. A recusa pela educação bilíngue talvez estivesse, a princípio, vinculada ao
mito, localmente difundido, de que falar alemão durante os anos escolares iniciais pudesse
prejudicar no processo de alfabetização em língua portuguesa. Esse mito, em contrapartida,
normalmente não se propaga quando o que está em jogo é o bilinguismo de prestígio/de escolha
(MAHER, 2007).
Em discursos hegemônicos sobre as línguas, no Brasil, o bilinguismo tem sido
predominantemente aceito entre falantes de línguas comerciais, como é o inglês, o alemão
standard europeu. As línguas em situação minoritária, passam, muitas vezes, pela orientação de
língua-como-problema: “Afinal, são as línguas de “padrão mundial” que se espera aprender na
escola para enriquecimento pessoal ou compreensão internacional ou serviço estrangeiro, não
142

os vernáculos inferiores falados por grupos étnicos” (RUÍZ, 1984, p. 26-27, tradução minha)62.
Essa postura que inferioriza o bilinguismo social decorre também de um imperialismo
linguístico, que seleciona o que conta como língua e, portanto, que bilinguismo conta para a
educação.
O bilinguismo de prestígio, quase que exclusivo à língua inglesa, está, portanto,
impregnado da supervalorização desencadeada pelo imperialismo linguístico, mas também é
proveniente das demandas do mercado global, que resultam na escolha das pessoas em serem
bilíngues (RAJAGOPALAN, 2013). Cavalcanti (1999) e Maher (2007) problematizam, então,
o bilinguismo de escolha em detrimento do bilinguismo social: enquanto um deles reflete a
educação formal, na qual as escolas (normalmente ensinando a língua inglesa) valorizam as
línguas em contato (embora não as misturem), o outro bilinguismo reflete os usos reais de
comunidades linguísticas que, nas práticas de linguagem cotidianas, misturam as línguas em
usos socialmente estigmatizados.
Nesse sentido, é possível identificarmos diferentes atitudes frente à situação de
bilinguismo no Brasil. Quando estamos diante do bilinguismo de prestígio, no qual os falantes
escolhem aprender outras línguas, de forma institucional, em escolas, a tendência é a de
valorização. Em contrapartida, a visão muda quando o bilinguismo se torna praticamente
obrigatório ao falante (MAHER, 2007), como nos casos de estudantes que vêm do contexto
familiar falando línguas de imigração. Nesses casos, há a tendência de invisibilização, de
atitudes negativas a esse bilinguismo, como se fosse um determinante para o fracasso escolar
quanto à aprendizagem da língua portuguesa. Segundo Altenhofen (2004, p. 91), não raro, a
língua do aluno é culpabilizada pelos problemas de aprendizagem, a partir “de uma atitude
discriminatória”.
O “problema”, então, se coloca pela questão do que é aceito como língua. Línguas de
tradição oral ou, ainda, línguas associadas à aprendizagem dentro dos contextos familiares,
como o ALBI, podem ter baixo prestígio social, convencionalmente estereotipadas como
“dialetos”, já que não correspondem a um ideal de língua nacional.
Essa relação entre imperialismo linguístico, bilinguismo de escolha e bilinguismo
social, possivelmente, se perpetua nas atitudes das famílias frente à implementação do ensino
bilíngue em Pomerode. Por outro lado, destaco que o elo entre “orgulho” e “lucro” relacionado

62
“After all, it is the "world standard" languages which one is expected to learn in school for personal enrichment
or international understanding or foreign service, not the inferior vernaculars spoken by ethnic groups. For them,
the best course would be to forget their "little" language, with the hope that one day they will be able to relearn it
in a more acceptable form in school” (RUÍZ, 1984, p. 26-27).
143

à língua alemã parece favorecer, mais recentemente, o desejo das famílias em manter suas
crianças na sala de aula bilíngue, revertendo a situação inicial de recusa.

5.4 A ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DO “PROJETO: IMPLANTAÇÃO DO ENSINO


BILÍNGUE – LÍNGUA PORTUGUESA/LÍNGUA ALEMÔ E AS RELAÇÕES SOCIAIS
LOCAIS

Na última seção deste capítulo, em três subseções, (I) realizo a discussão sobre a
proposta curricular e modelos de educação bilíngue que perpassam o “projeto: implantação do
ensino bilíngue língua portuguesa/língua alemã”, (II) teço algumas reflexões sobre a formação
de professores para uma educação bilíngue em Pomerode, e (III) apresento considerações sobre
o papel da escola na política municipal de promoção do multilinguismo no município.

5.4.1 O currículo escolar e o modelo de educação bilíngue

O projeto sala bilíngue e a Resolução nº 03/2018 do Conselho Municipal de Educação


de Pomerode preveem que as práticas pedagógicas aconteçam em língua portuguesa e em língua
alemã, em períodos planejados, com divisões disciplinares. Nas duas tabelas a seguir, apresento
a grade curricular que estrutura as aulas do primeiro ano do ensino fundamental (turma
participante desta pesquisa):

Tabela 2 – Aulas ministradas em língua portuguesa no 1º ano


Disciplina Nº de aulas
Língua Portuguesa 3
Matemática 3
Professor pedagogo Ciências 1
História 1
Geografia 1
Professores de área Língua Inglesa 1
específica Artes 1
Ensino Religioso 1
Educação Física 3
Carga Horária Semanal 16
FONTE: Resolução nº 03/2018 do Conselho Municipal de Educação de Pomerode, Art. 2º.
Descrição da tabela para cegos: Os dados da Tabela 2 divulgam que as disciplinas língua portuguesa
(três aulas semanais), matemática (três aulas semanais), ciências (uma aula semanal), história (uma aula
semanal), geografia (uma aula semanal), são ministradas por um professor pedagogo. As disciplinas de
língua inglesa (uma aula semanal), artes (uma aula semanal), educação física (três aulas semanais) e
144

ensino religioso (uma aula semanal) são, cada uma, ministradas por professores de área específica. As
disciplinas totalizam numa carga horária de 16 aulas semanais.

Tabela 3 – Aulas ministradas em língua alemã no 1º ano


DISCIPLINA Nº de aulas
Deutsch (Língua Alemã) 3
Mathematik (Matemática) 3
Sachunterricht (Educação Geral) 2
Kunst (Artes) 1
Carga Horária Semanal 9
FONTE: Resolução nº 03/2018 do Conselho Municipal de Educação de Pomerode, Art. 2º.
Descrição da tabela para cegos: Os dados da Tabela 3 divulgam que as disciplinas Deutsch (língua
alemã) (três aulas semanais), Mathematik (matemática) (três aulas semanais), Sachunterricht (Educação
Geral) (duas aulas semanais), Kunst (Artes) (uma aula semanal) totalizam numa carga horária de 9 aulas
semanais.

Na tabela subsequente, apresento a grade curricular destinada à língua alemã na


educação bilíngue das turmas de segundo ao nono ano do ensino fundamental, apenas como
ilustração de como está prevista a continuidade das disciplinas relacionadas a essa língua na
educação bilíngue:

Tabela 4 – Aulas ministradas em língua alemã de 2º ao 9º ano


DISCIPLINA Nº de aulas
Deutsch (Língua Alemã) 4
Mathematik (Matemática) 3
Sachunterricht (Educação Geral) 2
Kunst (Artes) 1
Carga Horária Semanal 10
FONTE: Resolução nº 03/2018 do Conselho Municipal de Educação de Pomerode, Art. 2º.
Descrição da tabela para cegos: Os dados da Tabela 4 divulgam que as disciplinas Deutsch (língua
alemã) (quatro aulas semanais), Mathematik (matemática) (três aulas semanais), Sachunterricht
(Educação Geral) (duas aulas semanais), Kunst (Artes) (uma aula semanal) totalizam numa carga
horária de 10 aulas semanais.

A Resolução nº 03/2018, proposta pelo Conselho Municipal de Educação de


Pomerode, estabelece a matriz curricular para as escolas e centros de educação infantil da rede
municipal de ensino, alterando a primeira proposição de currículo realizada no “projeto:
implantação do ensino bilíngue – língua portuguesa/língua alemã”. No seu Art. 3º, § 2º, a
Resolução nº 03/2018 também estabelece que “Na pré escola das escolas que oferecem ensino
bilíngue serão ministradas 5 (cinco) horas/aula semanais da disciplina Língua Alemã com
professor da área específica contemplando os campos de experiência para a faixa etária”.
145

No primeiro ano do ensino fundamental, as disciplinas de língua portuguesa,


matemática, ciências, história e geografia são ministradas pela professora regente da turma, cuja
função profissional é reconhecida como de alfabetizadora. Educação física, ensino religioso e
língua inglesa são disciplinas ministradas por professores específicos de área. As disciplinas
que constituem as aulas ministradas em língua alemã são: Deutsch (língua alemã), Mathematik
(matemática), Sachunterricht (educação geral), Kunst (artes). As três primeiras disciplinas são
ministradas por uma professora de ensino em alemão que atua mais conjuntamente com a
professora em português, enquanto que a disciplina Kunst, devido à política de hora-atividade,
é ministrada por uma segunda professora em alemão. Todas as aulas acontecem em um único
turno (no caso específico da turma observada, o turno é matutino).
Diante dessa organização curricular, a professora alfabetizadora em língua portuguesa
do primeiro ano participante desta pesquisa também explica essas atribuições das disciplinas
em língua alemã:

Professora Sabrina (língua portuguesa): Existe uma grade própria. Alemão trabalha
Deutsch ((alemão)), Mathematik ((matemática)), Sachunterricht ((educação geral)),
que seria geografia, história e ciências numa única, e Kunst, que é a questão das artes.
Então assim, alemão tem uma grade própria. /.../
É, na verdade as três disciplinas: Deutsch, Mathematik e Sachunterricht é a mesma
professora, somente Kunst, por causa dessa questão das horas-atividades, né. Aí tem
uma outra docente que também tem que ser formada em alemão pra atuar. Então eles
((os alunos)) têm no mínimo contato com dois profissionais diferentes, que eu digo,
que utilizam a língua alemã no cotidiano.

As ideologias sobre língua, perpetuadas em discursos hegemônicos e em diferentes


programas de educação bilíngues, também se manifestam na proposição da matriz curricular de
Pomerode. Eventualmente, a gestão das línguas, pelo currículo, pode ser realizada a partir da
concepção de se tratarem de dois sistemas linguísticos separados nas práticas de linguagem,
consequentemente, ocupando espaços separados não só em disciplinas, como também na
estrutura física escolar (como sala de aula bilíngue de língua portuguesa e sala de aula bilíngue
de língua alemã). É possível, portanto, que a administração pública tenha chegado a esse
modelo de educação bilíngue por influência de outros programas baseados no bilinguismo de
prestígio/escolha, ainda que vise à valorização da língua local. A separação das línguas, convém
mencionar, é, também, uma prática resultante da ideologia linguística que atrela as línguas a
146

identidades nacionais, uma vez que parte, convencionalmente, do prestígio de adicionar um


currículo de um país “estrangeiro” ao currículo “nacional” (cf. HAMEL, 2013b).
Como alerto no capítulo dois, ao discorrer sobre os modelos e programas de educação
bilíngue, entendo que a política de educação bilíngue em Pomerode verse diferentes abordagens
e dinâmicas. Dentre elas, o planejamento curricular talvez esteja apoiado no modelo de
bilinguismo aditivo, no qual a língua alemã é adicionada, na grade de disciplinas, ao lado da
língua portuguesa. Entretanto, nas práticas pedagógicas em sala de aula, conduzidas pela
professora alfabetizadora em língua portuguesa, esse modelo de bilinguismo, muitas vezes,
passa a ser contestado a partir da promoção da translinguagem como uma possibilidade
educativa estratégica (vide capítulo seis).
García (2009) esclarece que programas de educação bilíngue que seguem o modelo
aditivo de bilinguismo compartimentalizam as línguas porque refletem uma relação diglóssica
(FISHMAN, 1977 apud GARCÍA, 2009), que é socialmente construída. Por outro lado, os
atores pedagógicos, na sala de aula, também promovem suas próprias políticas linguísticas,
cujos modelos se aproximam a objetivos de outros programas de educação bilíngue, como de
desenvolvimento, baseado no bilinguismo recursivo (cf. GARCÍA; WEI, 2014). Quando isso
ocorre, os professores colocam no centro da educação as práticas de linguagem de um sujeito
bilíngue, e não necessariamente as línguas como sistemas separados. Nesse caso, os professores
violam a compartimentação entre as duas línguas, mesmo que usem a língua majoritária
predominantemente (cf. GARCÍA, 2009).
Por isso, penso haver uma hibridização entre as políticas que vêm da secretaria de
educação, em Pomerode, para a gestão que se concretiza na escola. Essa gestão propriamente
escolar das línguas se reflete no cotidiano das professoras e crianças que, embora sejam
conduzidas a atuarem com propostas particulares de cada língua em espaços distintos, derrubam
“fronteiras” linguísticas e buscam unir-se em outros espaços “não demarcados”, como a sala de
informática e o parque. Na pesquisa realizada por Berger (2015, p. 176), há, também, “uma
flexibilização temporária dos espaços demarcados para a coexistência e uso de outras línguas
[não previstas ou não desejáveis] na escola” brasileira, situada na tríplice fronteira (Brasil-
Paraguai-Argentina), a partir do que a autora categorizou como práticas de “concessão”.

Diário de Campo, 24 mar. 21, sobre a sala de informática.


Na sala de informática, as duas professoras trabalharam juntas com as crianças com
um jogo relacionado aos números. As crianças tinham que contar objetos e animais na
tela do computador e identificar a representação numérica. Intencionou-se, aqui, que
147

as crianças falassem em alemão, pois foi uma atividade organizada pela professora de
alemão, ainda que a professora de português esteja orientando os alunos conjuntamente
para o letramento numérico. O reconhecimento do valor numérico é o foco,
independentemente da língua usada pela criança. A translinguagem foi inevitável:
muitas crianças contavam os objetos e animais em tela utilizando o alemão, mas a
representação numérica, somada no final da atividade, era lida, mais frequentemente,
em português. Por exemplo: ao ver três gatos em tela, algumas crianças contavam:
eins, zwei, drei Katzen; no final, para dizer o resultado da quantidade de gatos
contados, selecionando um valor número em tela, liam “três”. Os recursos linguísticos
em ambas as línguas foram reforçados por ambas as professoras, translinguajando,
também, desde os comandos da atividade.

Diário de Campo, 07 abr. 21, sobre a sondagem e a sala de informática.


Hoje, a professora de alemão comentou que iniciou a sondagem. Essa atividade é
obrigatória apenas para o português; a professora de alemão parece assumir uma
parceria significativa desde o planejamento à avaliação das atividades. A professora
esclareceu que a sondagem serve para descrever até que ponto a criança atingiu os
objetivos de aprendizagem quanto ao desenvolvimento de habilidades de escrita e
oralidade. Posso perceber, nas aulas, que as duas professoras atuam conjuntamente,
como na informática e no parque. Na informática, o bilinguismo se evidencia porque
nem sempre a língua, enquanto sistema, é uma questão única no processo de
aprendizagem. Tenho observado o planejamento, na informática, com jogos de
matemática para reconhecer números e jogos para reconhecer o alfabeto (mesmo aqui,
as instruções são dadas pelas professoras nas duas línguas, uma complementando a
outra).

As professoras assumem, a partir de outros ambientes escolares, como a sala de


informática, estratégias de gestão das línguas para a translinguagem, rompendo com o
paradigma de sistemas linguísticos separados em espaços físicos separados. Apesar de a política
curricular ser uma política linguística “top-down” (SHOHAMY, 2006), que vem da
administração pública para a escola, as respostas que a equipe pedagógica dá a essa política
refletem em diferentes formas de conceber as línguas, nem sempre “acatando” esse
planejamento de espaços separados, de sistemas linguísticos separados, e atividades restritas ao
português (como a sondagem). Nesses termos, a forma de gestão das línguas de dentro da sala
de aula, como debato no capítulo seis, pode estar associada ao modelo de educação bilíngue
oficialmente assumido, mas também à própria intuição linguística das professoras quanto ao
reconhecimento das práticas de linguagem socialmente situadas em seu entorno.

5.4.2 Reflexões sobre a formação de professores para atuação na proposta de educação


bilíngue
148

O emprego das diferentes línguas, no cotidiano escolar, revela que a organização


curricular também expande a função da língua alemã exclusivamente como disciplina, sendo
destacada como língua de instrução. A metodologia da seção de matriz curricular do projeto
bilíngue prevê que “os conteúdos/disciplinas serão trabalhados em duas línguas, portanto os
alunos não terão somente aulas de Alemão e de Português, mas sim aulas em Alemão e em
Português” (POMERODE, 2009, p. 5, grifos no original).
Nesse contexto, é essencial levar em conta a formação dos profissionais que atuarão
com as aulas em língua portuguesa e em língua alemã, a fim de evitar a constituição de um
ensino bilíngue monoglóssico. A educação bilíngue trabalha (ou deveria trabalhar) a favor das
quedas de fronteiras linguísticas, que costumam impor segmentações de usos das línguas, assim
como há uma tendência em se segmentar as disciplinas escolares, erguendo, talvez, barreiras à
heterogeneidade linguística e refletindo em usos idealizados de cada língua separadamente. A
educação bilíngue, numa visão global, conforme denuncia Kubota (2016), tem se constituído
pela instrução monoglóssica, na qual a mistura das línguas, comum em situações de contato
linguístico, é desencorajada. A formação adequada aos professores que atuam na educação
bilíngue ou em contextos de línguas em situação minoritária, de modo geral, desempenha um
importante papel para “uma descoberta ou (re)descoberta do multilinguismo como mais do que
a soma de línguas entendidas como entidades monolíngues”63 (HEUGH; STROUD, 2018, p. 2,
tradução minha) para a legitimação das práticas linguísticas reais e locais. Os usos concretos
das línguas, afinal, partem de “tentativas mútuas de fazer sentido a partir de repertórios
comunicativos heterogêneos e complexos que sustentam a dinâmica dos processos de
negociação e mediações interculturais” (LUCENA; NASCIMENTO, 2016, p. 48). Seria
prudente afirmar, então, que a escola bilíngue precisa levar em conta os aspectos histórico-
sociais relacionados às línguas, às práticas de linguagem locais, às ideologias linguísticas
constituídas dentro e fora do sistema escolar. Nesse sentido, não somente o ensino da língua em
situação minoritária, mas as próprias aulas de língua portuguesa e em língua portuguesa
estariam situadas também em práticas plurilíngues.
Sobre a formação inicial dos professores de língua alemã, em especial, Maas (2010)
afirma que desde o início do “projeto: implantação do ensino bilíngue – língua
portuguesa/língua alemã”, a qualificação profissional tem sido apontada como a maior
dificuldade enfrentada pelas escolas (MAAS, 2010). A contratação de professores graduados

63
“[…] an uncovering or (re-) discovering of multilingualism as more than the sum of languages understood as
monolingual entities” (HEUGH; STROUD, 2018, p. 2).
149

em Letras Alemão e, ao mesmo tempo, que tivessem consciência sobre a complexidade


sociolinguística de Pomerode sempre foi uma preocupação (MAAS, 2010).
Nesse cenário, é preciso considerar, inclusive, o papel da Universidade Regional de
Blumenau (FURB) no atendimento à comunidade do Médio Vale do Itajaí, para a qualificação
profissional na formação superior. A partir de 1968, a FURB ofertou a licenciatura em Letras
Alemão/Português, fechando o curso de graduação em 1997, em virtude da baixa procura
(FRITZEN, 2007). Por isso, no início do “projeto: implantação do ensino bilíngue – língua
portuguesa/língua alemã”, os professores de alemão que atendiam Pomerode, comumente
vinham do Rio Grande do Sul, o que foi analisado pela administração pública para propor as
políticas de formação de professores da comunidade local (MAAS, 2010).
No vestibular de inverno de 2009, o curso de Letras Alemão retornou entre os cursos
ofertados pela FURB. No entanto, a procura para matrícula em Letras Alemão continuou baixa,
fechando poucas turmas durante o período curto de andamento do curso. Apesar da demanda
por profissionais formados nesse campo, a procura pela licenciatura em Letras Alemão segue
baixa (praticamente inexistente), talvez, por se tratar de um curso pago (ainda que a
universidade seja pública)64, ou, talvez, por ser uma licenciatura, cujo status profissional, no
Brasil, é baixo, com previsão de remuneração normalmente pouco almejada entre candidatos
para o ensino superior, aliada à incerteza quanto à efetivação em uma escola.
Conheci alguns professores que fizeram a graduação em Letras Alemão na FURB
motivados por certos incentivos, como o transporte gratuito até a cidade de Blumenau,
oferecido pela prefeitura de Pomerode, e também pela gratuidade do curso no período em que
foi ofertado através do FUMDES SC. Considerando a ampliação da educação bilíngue em
Pomerode, hoje, percebo uma demanda para subsídios ao curso de Letras Alemão, seja na
FURB ou na própria UFSC. Como a UFSC, recentemente, também passou a possuir campus
em Blumenau, um planejamento a longo prazo para ampliação de oferta de licenciaturas 65,
potencialmente, se tornaria um importante compromisso social dessa universidade com a
comunidade. A graduação em Letras Alemão, para formação de professores, pode trazer
impactos positivos ao contexto sociolinguístico do Médio Vale do Itajaí, e não somente
Pomerode.

64
A Universidade Regional de Blumenau figura como Instituição de Ensino Superior criada e mantida pela
Fundação Universidade Regional de Blumenau – FURB. Assim como em outras Instituições de Ensino Superior
brasileiras mantidas por fundações municipais, o acesso aos cursos da Universidade Regional de Blumenau não é
gratuito.
65
Atualmente, a UFSC – Blumenau conta apenas com as licenciaturas em química e matemática.
150

Movimentar a universidade, quanto ao multilinguismo, é um passo imprescindível


para a formação de professores que atuam/atuarão não só na educação bilíngue em si, mas nas
escolas de modo geral, que receberão falantes de diferentes línguas como reflexo da
globalização, da própria pluralidade brasileira e dos diferentes fluxos migratórios. Berger
(2015, p. 152) denuncia, inclusive, que “a formação dos educadores para lidar com o
multi/plurilinguismo nos espaços da escola é rara”, já que, historicamente, a escola constitui-se
como lugar de monolinguismo.
A possibilidade de uma escola pública e bilíngue, numa comunidade como a
pesquisada, tem um importante papel na promoção da língua de imigração falada pelas crianças
que ainda a aprendem em casa, visto que a escola se torna uma “agência segura” (MAAS, 2010)
para que continuem com essa língua em uso. No entanto, convém lembrar que, para o currículo,
o valor instrumental e econômico da língua fortalece e, conjuntamente com a história linguística
local, justifica para comunidade e para o poder público a sua presença na escola. Essa relação
também pode gerar novos conflitos, conforme discorrido anteriormente neste capítulo, como a
própria avaliação sobre as práticas de linguagens como “boas” ou “ruins”, especialmente
considerando o contato linguístico vivenciado pelas pessoas cujo bilinguismo vem de casa, e
não da escola.

5.4.3 Considerações sobre o papel da escola diante da promoção do multilinguismo em


Pomerode

A partir do cenário até aqui apresentado, entendo que a escola se situe numa posição
complexa diante das exigências sociais sobre as línguas: se, por um lado, parece haver uma
iniciativa cada vez mais fortalecida para valorização do ALBI em Pomerode, que reverta,
gradativamente, o quadro de atitudes negativas ao bilinguismo social, por outro lado, pode-se
criar a ideia de que a escola é a maior (ou única) responsável pela promoção do bilinguismo.
Presumir que a política de aquisição do alemão, na escola, sozinha, tornará a língua cada vez
mais acessível nos diferentes domínios sociais da cidade é arriscado para uma política
linguística bem-sucedida. Se as diferentes instâncias, para além da escola, se eximirem quanto
ao bilinguismo, celebrando a língua alemã apenas sazonalmente, em eventos públicos ou
privados, incorre o risco dessa língua ficar restrita às casas das famílias (que preservaram esse
bilinguismo) e à escola, nas práticas de ensino-aprendizagem.
151

Uma descoberta de longa data no campo [da PL] é que as escolas sozinhas não são
suficientes para reverter a mudança linguística e, embora as políticas linguísticas
multilíngues ajudem a criar espaços ideológicos para o desenvolvimento de línguas
minoritárias, elas ainda nem sempre são capazes de superar os discursos sociais
dominantes ou as crenças locais e práticas que favorecem línguas particulares
(especialmente coloniais), educação monolíngue ou ensino de línguas prescritivo e
desatualizado (Bekerman 2005; de los Heros 2009; McKay e Chick 2001)66.
(JOHNSON; RICENTO, 2013, p. 13-14, tradução minha).

Pennycook (2010), nesse mesmo caminho, também alerta que as políticas linguísticas
precisam levar em conta a ecologia das práticas de linguagem locais, isto é, precisa reconhecer
as atividades sociais das quais as pessoas se engajam com as línguas. Nesse sentido, entendo
que a própria escola campo de pesquisa tenha se mobilizado para envolver os alunos nas práticas
de linguagem locais, integrando o que as pessoas fazem com as línguas fora da escola para
momentos de aprendizagem. Observo essas ações, por exemplo, quando autoridades locais
(como representantes de associações) são convidadas para desenvolver alguma atividade dentro
da escola. As crianças, assim, participam das práticas de linguagem quando se engajam com as
atividades que esses representantes propõem, como em jogos dos clubes, por exemplo, que
requerem interações específicas desses meios. Ademais, as crianças também fazem passeios
pelo bairro com a escola para conhecerem as atividades de artesãos, de agricultura, a história
local, etc., e práticas pedagógicas para a vida local plurilíngue também são planejadas e
desenvolvidas.
Retomo, aqui, o debate sobre os mecanismos, em Shohamy (2006), justamente porque,
a partir deles, estratégias de gestão linguística podem perpetuar novas regulações quanto à
presença, cada vez mais fortalecida, das línguas de origem teuto-brasileira, em Pomerode, nos
seus diferentes espaços/domínios sociais. Para introduzir esse debate, apresento o relato da
professora alfabetizadora em língua portuguesa, no excerto de entrevista a seguir, a partir do
qual menciona que as informações escritas em língua alemã (por meio de folders), juntamente
com a língua portuguesa, parecem continuar escassas em materiais produzidos pela prefeitura.

66
“The first decade of the 21st century has been a productive period for both theoretical developments in LPP and,
especially, empirical studies of language policy processes around the world. These studies show that macro-level
language policies can be instruments of power that marginalize minority and indigenous languages and language
users (McCarty 2009; Olson 2007; Shohamy 2006); however, they can also open spaces for multilingualism and
multilingual education (Hornberger 2006, 2009). Likewise, while local language policies can open spaces for
multilingual education and minority language development (Freeman 2004; Johnson 2010a; Johnson and Freeman
2010), they also can close such spaces (Baquedano-López 2004; Johnson 2009, 2010b). A long-standing finding
in the field is that schools alone are not enough to reverse language shift, and although multilingual language
policies help create ideological spaces for minority language development, they still are not always able to
overcome either domina societal discourses or local beliefs and practices that favor particular (especially colonial)
languages, monolingual education, or prescriptive and outdated language instruction (Bekerman 2005; de los
Heros 2009; McKay and Chick 2001).” (JOHNSON; RICENTO, 2013, p. 13-14).
152

Professora Sabrina (língua portuguesa): /.../ E o próprio projeto bilíngue ele traz
reflexões. Que nem recentemente ((cita relação de contato com a pessoa, a qual prefiro
manter em sigilo)) veio fazer uma visita, da Alemanha trouxe pra Pomerode, foi no
portal da cidade. /.../ A mocinha soube /.../ A mocinha soube falar em alemão com a
pessoa. /.../ Só que a própria pessoa disse: “mas cadê o material escrito?” Então assim,
a pessoa, o humano estava lá, só que faltou essa outra parte. Onde estão os folders da
cidade nas duas línguas?

Vale lembrar que, pelo Art. 2º da lei municipal nº 2.251/2010, a administração pública
se compromete a “I - oferecer atendimento ao público na língua alemã em especial para as
pessoas que não tiverem o domínio da língua portuguesa”, assim como pela lei nº 2.907/2017,
Art. 2º: “XX - Produzir a documentação pública, as campanhas publicitárias, institucionais, [...]
na língua oficial e co-oficializada [pomerano]”. Seja para atendimento, documentação pública,
campanhas publicitárias, o registro escrito nas línguas cooficiais de Pomerode é um mecanismo
importante para a política linguística, tornando essas línguas cada vez mais visíveis à população
(e refletindo quais línguas estão no “poder”). Nesse sentido, observo um avanço com relação
às sinalizações das placas e à interação imediata (“A mocinha soube falar em alemão com a
pessoa”), embora, no registro escrito informativo, como a própria professora alerta, há
predomínio do português (sem que seja, necessariamente, acompanhado de tradução).
Considerando que o setor público reconhece a língua alemã como uma das línguas
cooficiais de Pomerode desde setembro de 2010, é natural que a professora se posicione
criticamente sobre a ausência de produção de materiais locais nessa língua de imigração (além
de ser uma reflexão que “o próprio projeto bilíngue ele traz”). A disponibilidade de materiais
escritos apenas em português na esfera pública de um município que se reconhece como
multilíngue, como Pomerode, é correlata à própria ideologia “monolíngue” brasileira
(ALTENHOFEN, 2013b). A cultura monolíngue e, também, monoglóssica, conduz à
desigualdade entre as diferentes línguas faladas nacionalmente, validando a presença apenas da
língua portuguesa nos mais diversos setores públicos do país. Por isso, entendo que políticas de
cooficialização e de educação, por si só, não garantem a inclusão de uma língua minorizada
socialmente em diferentes espaços públicos, legislativos, na vida corriqueira da cidade,
especialmente quando consideramos os mecanismos que legitimam a língua portuguesa como
única língua da nação brasileira.
Nesse aspecto, retomo a discussão de Shohamy (2006) para refletir sobre o papel dos
mecanismos interrelacionados que compõem a política linguística “de facto”, ou seja, a política
concretizada nas práticas linguísticas:
153

A política linguística se insere no meio das batalhas que ocorrem atualmente nos
estados-nação entre as demandas dos diferentes grupos por reconhecimento,
autoexpressão e mobilidade e aqueles que estão em posição de autoridade ávidos por
manter ideologias nacionais e homogêneas em relação a línguas locais, nacionais,
regionais e globais. São essas mesmas agendas que são perpetuadas por meio de
políticas linguísticas por uma variedade de mecanismos que afetam direta e
indiretamente o comportamento linguístico.67 (SHOHAMY, 2006, p. 46, tradução
minha).

As ideologias construídas socialmente, as lutas e manipulações linguísticas, pois,


recaem na forma como lidamos com as línguas cotidianamente (SHOHAMY, 2006). Shohamy
(2006) atesta que estes são os mecanismos usados, especialmente (mas não exclusivamente),
pelos grupos dominantes para criar e perpetuar políticas linguísticas “de facto”. Destaco os
mecanismos, de âmbito nacional, que atuam (explícita – com as leis – e implicitamente – como
em atitudes linguísticas) a favor do monolinguismo, criando uma arena de lutas sociais quanto
ao status das línguas.
Os efeitos desses mecanismos, certamente, criam práticas de linguagem que compõem
as “agendas ocultas” das políticas linguísticas (SHOHAMY, 2006), nas quais a educação
monolíngue é tida como via de regra, e a “bilíngue”, a exceção, nas quais a cidadania deve ser
expressa em uma única língua legítima, nas quais documentos públicos são redigidos
exclusivamente em língua portuguesa. Esses mecanismos, portanto, têm efeitos e
consequências nas relações diárias com as línguas, naturalizando, por exemplo, que uma
prefeitura forneça informações escritas em uma única língua, mesmo quando haja tentativas de
promoção do multilinguismo da sua população.
Por outro lado, quando a política linguística compreende esses mecanismos, pode
haver maior engajamento para uma resistência linguística por meio deles, constituindo
negociações para políticas e práticas: “Os mecanismos, então, podem servir como arenas e
ferramentas nesse discurso múltiplo de negociação de políticas linguísticas e promoção da
democracia de inclusão e direitos pessoais por meio da conscientização e do ativismo” 68
(SHOHAMY, 2006, p. XVIII, tradução minha). Nesses termos, entendo que as políticas

67
LP falls in the midst of the battles currently taking place in nation-states between the demands of the different
groups for recognition, self-expression and mobility and those in authority eager to maintain national and
homogenous ideologies in relation to local, national, regional and global languages. It is these very agendas that
are perpetuated through LPs by a variety of mechanisms that directly and indirectly affect language behavior.
(SHOHAMY, 2006, p. 46).
68
“The mechanisms, then, can serve as arenas and tools in this multiple discourse of negotiating language policies
and promoting democracy of inclusion and personal rights through awareness and activism.” (SHOHAMY, 2006,
p. XVIII).
154

educacionais e de cooficialização são necessárias para enfraquecer as crenças de uma nação


monolíngue, mas também entendo que são as ações conjuntas, e não isoladas dentro da escola,
que tendem a contestar com maior força essa ideologia da língua única e, aos poucos,
transformar a vida de uma comunidade.
A escola, como afirmei anteriormente, não pode ser reconhecida como a única agência
responsável a possibilitar, aos sujeitos bilíngues, uma escolha pelo uso linguístico. A escola
encoraja o bilinguismo, mas a “disposição” das línguas na sociedade demanda engajamento
também de outros domínios públicos e privados, para além da instituição de ensino e da família
(por exemplo, televisão, rádio, judiciário, portais de notícia, setores da prefeitura, etc.). Se o
bilinguismo não for uma possibilidade nos diferentes domínios sociais, é questionável dizer que
os falantes têm realmente uma escolha linguística a fazer. Dessa maneira, há uma demanda em
desenvolver a conscientização político-linguística dos cidadãos para o multilinguismo,
superando ideologias de uma só língua e uma identidade nacional. Para aprofundar o debate
acerca da gestão das línguas, no próximo capítulo, adentro a discussão sobre os pluriletramentos
na sala de aula bilíngue de língua portuguesa e os conflitos gerados com o currículo escolar.
155

6 OS PLURILETRAMENTOS EM UMA SALA DE AULA BILÍNGUE DE LÍNGUA


PORTUGUESA

Neste capítulo, em três seções, procuro discutir como os letramentos, na sala de aula
bilíngue de língua portuguesa, são atravessados por práticas plurilíngues, e como são avaliados
pelo sistema educacional. Para isso, inicialmente, ambiento a sala de aula em questão.
Como já mencionado no capítulo metodológico, a presente pesquisa em campo foi
realizada em uma turma de primeiro ano do ensino fundamental de uma das três escolas onde a
Secretaria de Educação e Formação Empreendedora de Pomerode implementou o “ensino
bilíngue – língua portuguesa/língua alemã”.
O bilinguismo, dentro das instalações escolares, é evidenciado pelo suporte escrito, em
placas e materiais didáticos, bem como pelas práticas de oralidade, especialmente em conversas
entre alunos, professores de diferentes disciplinas e séries, bem como pelas conversas com
outros servidores que atuam nesse contexto. Nos conselhos de classe, a língua portuguesa é
sempre a língua oficial de interação e registros, mas o alemão continua presente nas conversas
paralelas entre os professores, nas expressões de sentimentos dos mediadores dessas reuniões,
quando há uma pausa ou momento de descontração. A relações sociais dentro da escola, de
certo modo, refletem o bilinguismo assimétrico de Pomerode, como resultado de dispositivos
políticos acerca das funções das línguas.
Os ambientes da escola, portanto, não são tão somente salas de aula, salas de reunião,
biblioteca, refeitório, etc., são “espaços sociopolíticos”, que imbricam as complexas relações
sociais e culturais com a aprendizagem escolar (PENNYCOOK, 2000). Consequentemente,
incluem as ideologias sobre as línguas e o modo como lidamos com elas (PENNYCOOK,
2000). Ressalto, diante disso, o argumento de Pennycook (2000, p. 93, tradução minha) quanto
ao reconhecimento de que “tudo o que fazemos em sala de aula pode ser entendido social e
politicamente”69; nada do que pensamos, agimos, lidamos quanto ao ensino de línguas está livre
de ideologias, como, por exemplo, escolher misturar línguas numa mesma sala de aula ou
separá-las em espaços e tempos de aprendizagem distintos.
Dentro da escola, letreiros bilíngues apresentam os diferentes espaços físicos,
conforme exemplifica a figura a seguir.

69
“[…] everything we do in the classroom can be understood socially and politically.” (PENNYCOOK, 2000, p.
93).
156

Figura 12 – Conjunto de fotografias de placas que rotulam os espaços na escola.

FONTE: Acervo próprio.


Descrição da imagem para cegos: Montagem com seis fotografias de placas sobre portas. Nessas placas, o
símbolo e nome da escola são omitidos por meio de um borrão cinza. Na primeira placa, na linha de cima, está
escrito “REFEITÓRIO” e, na linha de baixo, “DER ESSRAUM”. Na segunda imagem, há o número 15
identificando a sala e, na linha de cima da placa, está escrito “1º ANO A-B BILÍNGUE PORTUGUÊS” e, na
linha de baixo, “1. KLASSE A-B BILINGUAL PORTUGIESISCH. Na terceira imagem, há o número 13
identificando a sala e, na linha de cima da placa está escrito “1º ANO A-B BILÍNGUE ALEMÃO” e, na linha de
baixo, “1. KLASSE A-B BILINGUAL DEUTSCH”. A quarta imagem contém a placa com a inscrição
“COZINHA / DIE KÜCHE”. A quinta imagem contém a placa com a inscrição “SALA DOS PROFESSORES /
DAS LEHRERZIMMER”. A sexta imagem contém a placa com a inscrição “BANHEIRO FEM. INFANTIL /
DIE MÄDCHENTOILETTE”. Todas as inscrições nas placas são realizadas em fundo branco, letras vermelhas e
em caixa alta.

As crianças, ao adentrarem a sala de aula bilíngue de língua portuguesa do primeiro


ano, começam a se situar num sistema de códigos que transforma sua experiência com as
línguas. Como exemplo desse sistema de códigos, cito os cartazes com gravuras que
simbolizam a inicial de cada letra do alfabeto (figura de macaco na letra M, figura de abelha na
letra A, etc.), bem como outras informações fixadas nas paredes, tais como os nomes das
crianças de cada turma de primeiro ano, as listas de números, as letras do alfabeto, formando
157

sílabas, as cantigas, quadrinhas, etc. O calendário e o relógio ocupam espaços importantes de


observação das crianças, e fazem parte de eventos cotidianos, cujo propósito é situá-las nos
tempos da escola e da cultura letrada dominante, considerando os dias da semana e do mês, os
ponteiros do relógio e a quantidade de sinais tocados para o momento de ir para casa, para o
recreio, para fazer atividades, etc.
Segundo Street (2014 [1995]), a organização do ambiente visual, na escola, conduz a
criança a se situar no mundo escrito, fornecendo-lhe um modelo de língua: “As paredes da sala
de aula se tornam as paredes do mundo”, representadas por um modo particular de letramento
pedagogizado (STREET, 2014 [1995], p. 137). Portanto, a configuração dessa sala de aula
desempenha o papel de introduzir a criança a uma cultura letrada específica. Destaco, apoiada
em Street (2014 [1995]), a importância de se levar em conta, para essa configuração, o
letramento como prática social, no qual as questões históricas, culturais e linguísticas se
entrelaçam em práticas de linguagem.
Na Figura 11 apresentada há pouco, também ilustro como a prática escrita das línguas
portuguesa e alemã, lado a lado, atuam para que ambas as línguas estejam na disposição visual
dos estudantes, professores e demais agentes educacionais. Essa prática é um mecanismo
pertinente à política linguística para o bilinguismo, uma vez promove as línguas em espaços
visualmente privilegiados, em tentativas de uma democracia linguística.
Mencionei, no capítulo anterior, que as crianças participantes da pesquisa são
ambientadas em dois espaços separados como os principais lugares de aprendizagem na escola:
a sala de aula bilíngue de língua portuguesa; e a sala de aula bilíngue de língua alemã (embora
também frequentem o ginásio para prática de atividades de educação física, a sala de
informática, biblioteca, parque, refeitório, pátio).
Destaco que a separação dos ambientes não separa as línguas, inteiramente, no dia a
dia das crianças. A translinguagem perpassa todos os ambientes, por vezes, conscientemente
reforçada por ambas as professoras (de língua portuguesa e de língua alemã), mas, também,
inconscientemente por elas ou pelas crianças. Essa discussão, com apresentação das
transcrições dos eventos de letramentos e dos registros em diário de campo, é desdobrada ao
longo das próximas seções deste capítulo.

6.1 “O QUE É IR NO ENSINO BILÍNGUE?”: SIGNIFICADOS COMPARTILHADOS NA


SALA DE AULA BILÍNGUE DE LÍNGUA PORTUGUESA
158

Os significados construídos em torno do termo “bilíngue” são complexos e,


frequentemente, conflituosos. Há, sem dúvidas, antagonismos com relação às políticas e
práticas linguísticas que se constituem nas cenas da sala de aula bilíngue de língua portuguesa.
As ideologias perpetuadas pela administração pública, pelas famílias das crianças
matriculadas na escola, pelas relações sociais nas quais estejam envolvidos os alunos e agentes
educacionais, constituem mecanismos da política linguística de educação bilíngue na escola
onde pude observar ações pedagógicas. Por isso, ao longo desta seção, procuro apresentar
recortes dessas cenas que desvelam como variam as formas que a professora de língua
portuguesa e seus alunos, na turma observada nesta pesquisa, agem e intervêm sobre as línguas.
No modo como decorrem as interpretações sobre as políticas de educação bilíngue centralizadas
na gestão do município, há tentativas de acatá-las, mas, também, resisti-las a partir de atividades
pedagógicas que perfazem modelos mais dinâmicos de educação bilíngue.
A escola campo de pesquisa, conforme discorri no capítulo anterior, dispõe de espaços
separados para as línguas, professoras distintas para trabalhar suas especificidades, seguindo a
proposição curricular estabelecida pelo Conselho Municipal de Educação de Pomerode.
Entretanto, a escola também dispõe de práticas particulares com as línguas, nas quais observo
um trabalho articulado entre as professoras de português e de alemão, além de fazerem usos
aparentemente conscientes de recursos linguísticos que misturam as línguas nas situações
cotidianas, como a leitura do calendário, só para citar um exemplo. Nesse sentido, destaco o
dinamismo do qual García (2009) debate sobre o ensino bilíngue, que nos impede de categorizar
tão precisamente a qual programa ou concepção de ensino bilíngue dada escola pertença.
Tendo essas considerações em vista, a presente seção está dividida em três subseções,
a partir das quais (I) discuto os significados construídos em torno do termo “bilíngue” na sala
de aula bilíngue de língua portuguesa; (II) reflito sobre algumas estratégias de gestão linguística
que procuram superar a fragmentação das línguas em tempos e espaços separados na educação
bilíngue; e (III) apresento diferentes orientações sobre as línguas que a professora
alfabetizadora em língua portuguesa relata assumir na sua trajetória dentro da educação
bilíngue.

6.1.1 “É a hora de vocês irem pro BI-língue”: O papel da escola na construção dos
significados sobre o que é o “bilíngue”
159

A escola é um dos domínios sociais mais complexos no que se refere à gestão das
línguas, uma vez que as práticas e crenças de seus participantes (estudantes, professores e
demais agentes educacionais) conflituam em contato na sala de aula (SPOLSKY, 2016). Tais
conflitos estão implícitos nos letramentos escolares, interações entre alunos, professores e
currículo, compondo uma agenda oculta da política de educação bilíngue na sala de aula.
A própria escrita da rotina do dia letivo, que acontece no início de cada manhã com a
turma de primeiro ano, como um acordo entre a professora e os estudantes com relação às
atividades do dia, apresenta crenças sobre os significados da educação bilíngue. Nos momentos
quando a professora organiza a rotina do dia com as crianças, escrevendo-a na lousa, o termo
“bilíngue” costuma aparecer como o momento do dia em que as crianças se direcionam para a
sala de aula bilíngue de língua alemã. A partir dessa rotina, de certa forma, as crianças
pressupõem e constroem alguns significados para o termo “bilíngue”.

Gravação realizada em sala de aula em 19 maio 21. Fragmento sobre o “bilíngue” na


rotina do dia com o segundo grupo (Transcrição acessível para cegos no Apêndice D).
Professora Sabrina Vocês já foram no ensino bilíngue?
(língua portuguesa):
Alunos: Sim/
Gregório: Não
Professora Sabrina Não? ((pergunta em tom de surpresa))
(língua portuguesa):
Alunos: Si::::m!
Professora Sabrina O que que é ir no ensino bilíngue?
(língua portuguesa):
Levi: Onde tem a Tante Vanessa ((tia Vanessa))?
Professora Sabrina Isso, onde tem a Tante Vanessa ((tia Vanessa)). Tante
(língua portuguesa): ((tia)) pra ti, pros outros ela é a:::?
Alunos: Si:: m
Professora Sabrina LEH-RE-RIN, a Lehrerin Vanessa ((professora
(língua portuguesa): Vanessa)). Vocês já foram na Lehrerin Vanessa?
Alunos: Sim!
Professora Sabrina Vocês já foram pra casa?
(língua portuguesa):
Alunos: Não.
Saulo: A gente não taria falando aqui.
Gregório: Profe, daí depois a gente já fez todos os outros ((sinaliza
para os outros itens listados na rotina do dia))
Professora Sabrina Exatamente. Só falta a história, a atividade, e ir para
(língua portuguesa):
Alunos: casa
160

Professora Sabrina Casa ((repete em tom de confirmação)).


(língua portuguesa):

Gravação realizada em sala de aula em 19 maio 21. Fragmento sobre o “bilíngue” na


rotina do dia com o primeiro grupo (Transcrição acessível para cegos no Apêndice D).
Professora Sabrina Quando a gente voltar do parque, onde é que a turma de
(língua portuguesa): vocês vai?
Benício: Na sala da Dona Vanessa, e depois pra casa.
Professora Sabrina Exatamente. É a hora de vocês irem pro BI-língue. Por
(língua portuguesa): que que a professora tá usando a palavra bilíngue pra
escrever aqui e não alemão?
Natacha: Porque é a sala de bilíngue.
Professora Sabrina Porque muitas vezes vocês nem sabem que são alunos do
(língua portuguesa): bilíngue. Como é dentro do horário, e a turma é dividida,
vocês nem percebem que vocês fazem parte do bilíngue.
Então, eu tô usando por enquanto a palavra bilíngue / e
depois eu vou mudar, tá / pra vocês perceberem que vocês
fazem parte do projeto sim, tá!? E aí vocês vão para?
Alunos: Casa!

A professora opta por utilizar a “palavra bilíngue pra escrever” a rotina na lousa, “e
não alemão”, como uma forma de conscientizar as crianças e, consequentemente, suas famílias,
de que, no primeiro ano, os alunos já “fazem parte do bilíngue”, para “perceberem que [...]
fazem parte do projeto”. A promessa de que irá “mudar” esse termo na rotina, talvez, sinalize
uma percepção de que o bilinguismo não seja exclusivo às atividades de língua alemã. Em vista
dessa compreensão, presumo que seja utilizada a nomenclatura de “sala de aula bilíngue” para
os ambientes pedagógicos das línguas portuguesa e alemã, ao invés de sala de aula de língua
portuguesa e sala de aula de língua alemã.
Não podemos excluir, é claro, o fato de que essa nomenclatura entra em conflito com
uma abordagem dinâmica e recursiva de educação bilíngue quando parece se restringir ao
ensino de apenas uma dessas línguas para cada ambiente. Dizendo de uma outra forma, o
conflito existe, especialmente, porque, ao mesmo tempo em que os espaços das salas de aula
bilíngues de língua portuguesa e de língua alemã separam as línguas, também pretendem, de
certa forma, promover o bilinguismo entre os estudantes. Mesmo que as pessoas não
segmentem ou compartimentalizem as línguas em suas vidas ou mentes, a tradição escolar tende
a realizar essa compartimentalização a partir de estratégias curriculares, como a divisão
disciplinar, a divisão de conteúdos por professor, a divisão de práticas de linguagem para cada
sala de aula. A intenção política da educação bilíngue, em razão disso, demanda que cada sala
de aula bilíngue seja espaço para que cada professora, formada em uma especificidade
161

linguística diferente, trabalhe aspectos pedagógicos dos recursos necessários à interação, seja
pensando no contexto de Pomerode, em específico, seja pensando no contexto global.
Destaco que, nas transcrições apresentadas há pouco, o evento de letramento, no qual
a rotina de cada dia é registrada com as crianças, intensifica o significado do “bilíngue”
produzido pelo currículo, que, potencialmente, situa a educação das crianças num modelo de
bilinguismo de adição. Isso se deve à fragmentação explícita das línguas no tempo e lugar,
exercendo um efeito sobre as escolhas estratégicas da professora e, consequentemente, sobre as
orientações das crianças em relação às línguas e ao bilinguismo em si.
Nesse caso, as misturas linguísticas (como na fala do Levi: “Onde tem a Tante Vanessa
((tia Vanessa))?”), que, naturalmente, constituem recursos do bilinguismo, podem ser
desencorajadas pela escola se a perspectiva de educação for pautada no monolinguismo. Essas
misturas são reflexo de padrões linguísticos que os alunos trazem consigo desde a esfera
familiar, e implicam também em mudanças na escola.
De modo geral, na configuração da política linguística, em sala de aula, as práticas e
crenças linguísticas das crianças são passíveis de modificação a partir das estratégias de gestão
das línguas adotadas por seus professores (cf. SPOLSKY, 2016). Por isso, processos de
apagamentos das línguas familiares são recorrentes nas instituições educacionais. Por outro
lado, se a intenção escolar se basear na promoção de práticas bilíngues, as línguas dos alunos,
ou suas misturas linguísticas, podem ser encorajadas.
Na cena da sala de aula apresentada, as práticas de linguagem das crianças são
incorporadas às interações com a professora, que também passa a translinguajar (como, por
exemplo, em.: “Isso, onde tem a Tante Vanessa ((tia Vanessa)). Tante ((tia)) pra ti, pros outros
ela é a:::?”).

Sua experiência [dos estudantes] no domínio do lar, na vizinhança, e em outros lugares


os terá apresentado a diversas práticas linguísticas, desenvolvido neles crenças sobre
linguagem e valores que eles atribuem às variedades linguísticas, e os exposto a várias
tentativas de modificar suas práticas e crenças linguísticas. Portanto, não estamos
lidando de modo algum com uma tábula rasa, já que as crianças vão para a escola com
valores, habilidades e comportamentos linguísticos estabelecidos. (SPOLSKY, 2016,
p. 39).

As crenças e práticas das crianças caracterizam, então, significados para a política de


educação bilíngue, e também vão se transformando na sala de aula à medida em que professores
e alunos interagem, entram em contato com o currículo, materiais didáticos, e,
consequentemente, com novas crenças e práticas linguísticas. Aliás, a escolha que as crianças
162

fazem ao utilizarem a figura da professora de língua alemã e o espaço físico da sua sala de aula
para atribuir sentidos ao termo “bilíngue” parece ser motivada pelo currículo, pela gestão das
línguas nos espaços de aprendizagem escolar. Essa gestão, sem dúvidas, perpassa diferentes
eventos de letramentos, tais como a organização da rotina das crianças na lousa. Os alunos
associam o termo bilíngue, então, à “Tante Vanessa”, à “Dona Vanessa”, à “sala de bilíngue”
do alemão, consequentemente ofuscando, nesse momento do dia, o papel da língua portuguesa
na composição do ensino bilíngue.
As práticas e crenças da professora quanto à educação bilíngue também constituem
mecanismos das políticas de educação linguística, configurando alguns significados
construídos em sala de aula e influenciados pela tradição de separação das línguas. Por isso,
considero pertinente evidenciar que a iniciativa da administração pública, em Pomerode, de
implementar políticas para o multilinguismo, não anula a existência da ideologia do
monolinguismo, na qual se construiu a narrativa da nação brasileira. Entendo que exista, de
fato, uma vontade política de valorizar as línguas locais e o multilinguismo do contexto por
meio das leis de cooficialização, da educação bilíngue, de eventos voltados à cultura local,
embora, por trás das ações e planejamentos, também atuem os mecanismos da ideologia
monolíngue, configurando uma agenda oculta na política linguística quanto à compreensão e
gestão do bilinguismo.
Como já alertei na fundamentação teórica desta tese, nossa formação linguística e
escolar, de modo geral, preparou-nos para pensar a língua enquanto um sistema abstrato,
fechado, padronizado, que, se “mal” utilizado, recai sob o domínio do erro. A vista disso,
implementar uma política para o multilinguismo, que reconheça a dinamicidade do contato
linguístico, das translinguagens que as pessoas fazem em suas interações sociais, requer um
esforço constante de “desinvenção” da língua (cf. MAKONI; PENNYCOOK, 2015; MAKONI,
2019).
Falo em “desinvenção” da língua como referência à própria invenção do Estado-nação
moderno, debatido no segundo capítulo desta tese, cuja narrativa coincide com a existência da
língua como símbolo nacional. Ao citar o filósofo norte-americano Donald Davidson,
Rajagopalan (2003, p. 28) também contribui com esse debate explicando que as línguas
inexistem no mundo real, pois são “construtos criados em resposta a certas demandas
históricas”. Por corresponderem às criações advindas com a invenção e desenvolvimento dos
próprios Estados-nação modernos, entendo que as línguas possam ser questionadas,
“desinventadas” ou “reinventadas” (cf. MAKONI; MEINHOF, 2006; MAKONI;
163

PENNYCOOK, 2015), para, quiçá, atender a novos propósitos da vida real (mesmo que, para
isso, tenhamos que confrontar nossas próprias ideologias linguísticas).
Acrescento, ainda, que a desinvenção da língua já acontece, cotidianamente, nas
nossas práticas linguísticas. O conceito de língua inventado com o “desenvolvimento” das
nações, pois, pode ser questionado se observarmos o que as pessoas fazem com as línguas
quando as usam de forma dinâmica, como recursos para negociar sentidos nas interações sociais
(LUCENA; NASCIMENTO, 2016).
As complexidades e antagonismos que se projetam na política de educação bilíngue
residem no confronto dessas diferentes formas de lidar com as línguas e compreendê-las. A
significação do termo bilíngue em referência ao espaço curricular destinado à sala de alemão,
“onde tem a Tante Vanessa”, também é uma forma de compreender as línguas e lidar com elas.
Destaco, inclusive, que esta forma de lidar com o alemão parece ser uma escolha feita com o
propósito de evidenciar a política linguística da escola para as famílias: a de que, no primeiro
ano do ensino fundamental, toda criança matriculada nessa escola estuda no modelo de
educação bilíngue do município, sem a necessidade de frequentar o contraturno, como ocorre
nos anos subsequentes; e essa educação bilíngue difere da oferta da disciplina língua alemã no
currículo municipal das escolas que não pertencem ao projeto de ensino bilíngue.
Yip e García (2017, p. 172) explicam que “estamos acostumados a categorizar as salas
de aula como monolíngues ou bilíngues”. Essa prática sugere uma escolha às famílias: mesmo
situadas em uma escola bilíngue, a partir do segundo ano do ensino fundamental, devem indicar
se a matrícula se dará na modalidade bilíngue ou não. Saliento, apesar disso, que o bilinguismo
se mantém na escola e na rotina de todas as crianças, inclusive daquelas que não aderiram à
educação bilíngue. O bilinguismo, na escola, pois, não depende exclusivamente das disciplinas
curriculares em língua alemã, uma vez que está situado em práticas linguísticas, nem sempre
planejadas, de professores, merendeiras, secretária, diretora, alunos, etc. Dentre essas práticas,
por exemplo, apresentei a “relocalização” (PENNYCOOK, 2010) do vocábulo “Tante” na
interação que se constitui na sala de aula para negociação dos sentidos sobre “O que é ir no
ensino bilíngue”.
Ainda assim, cabe às famílias escolherem a permanência de suas crianças no modelo
de educação bilíngue a partir do segundo ano do ensino fundamental. Diante da entrevista com
a professora (excerto a seguir) e o trabalho publicado por Spiess (2014), pressuponho que essa
escolha nem sempre tenha relação direta com as línguas. A disponibilidade ou indisponibilidade
de o aluno frequentar o contraturno escolar para participar do projeto, hoje, talvez seja um fator
164

mais preponderante. Na entrevista concedida pela professora alfabetizadora, a justificativa de


desistência da educação bilíngue, quando ela ocorre, é sinalizada, em sua maioria, justamente
por causa da presença no contraturno.

Professora Sabrina (língua portuguesa): Até porque a procura pelo projeto bilíngue
ela chega a ser tão grande, principalmente nas séries iniciais. Quando vai se
aproximando das séries finais, eles estão tendo um índice de desistência um pouquinho
elevado. Mas o porquê?
Luana: Do projeto ou da escola?
Professora Sabrina (língua portuguesa): Do projeto. Mas aí começa com doutrina,
começa com outras coisas, outras situações da sociedade, que acabam exigindo, e aí
os pais acham que é demais. Né, por exemplo, uma tarde, com doutrina, mais duas de
bilíngue, aí uma de balé, coisa assim, eles acham que é demais. E aí eles acabam, em
alguns momentos, desistindo do bilíngue.

Na dissertação de Spiess (2014), as vozes das famílias com estudantes matriculados


em uma das escolas bilíngues de Pomerode ressoam os sentidos construídos sobre a educação
bilíngue, desvelando diferentes razões e preocupações com a matrícula na sala de aula bilíngue.
Dentre as análises realizadas pela autora, é possível verificar evidências sobre a dificuldade do
poder público em esclarecer às famílias a diferença entre as aulas de alemão que acontecem
dentro do currículo regular de Pomerode, para todos os anos escolares, em comparação com as
aulas efetivamente oferecidas pelo projeto bilíngue. Esta pode, talvez, ser uma razão para a
adoção das estratégias da professora alfabetizadora participante desta pesquisa. Dentro da sala
de aula bilíngue de língua portuguesa, ela procura mostrar às crianças que fazem parte da
educação bilíngue, ao invés de apenas terem aulas de alemão. No entanto, ainda abro a questão:
como as crianças, famílias, professores, como a administração pública significam o ensino
bilíngue?
Através do currículo, como já mencionei, a proposta de ensino bilíngue parece ser
construída com base na separação das duas línguas por professor, hora do dia, sala de aula e
disciplina, o que, eventualmente, pode desvelar uma ideologia do bilinguismo que é
monoglóssica. Em contrapartida, há resistências a esse currículo pelos falantes bilíngues, sejam
professores ou alunos, que participam das práticas letradas a partir da translinguagem, e, por
vezes, também lançam estratégias de tradução. Nesse sentido, se, por um lado, o currículo, em
Pomerode, segmenta as línguas em espaços distintos, por outro, as ações da professora
alfabetizadora e das crianças com as línguas requerem misturas e traduções.
165

Gravação realizada em sala de aula em 16 jun. 21. Fragmento sobre tradução, correção e
translinguagem na leitura do calendário (Transcrição acessível para cegos no Apêndice
D).
Professora Sabrina Vamos contar o calendário?
(língua portuguesa):
Alunos: Sim!
Professora Sabrina Então vamos lá!
(língua portuguesa):
Um, dois, três ((para de contar mas continua apontando
para os dias no calendário para conduzir as crianças)).
Alunos: Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez,
onze, doze, treze, catorze, quinze
Professora Sabrina treze, catorze, quinze?
(língua portuguesa):
Alunos: dezesseis.
Professora Sabrina Dezesseis.
(língua portuguesa):
Mariana: Eu já sabia que era dezesseis!
Professora Sabrina Hoje é dia deZEs-seis. De que mês?
(língua portuguesa):
Gregório: Maio?
Professora Sabrina Maio? ((pergunta em tom de surpresa))
(língua portuguesa):
Maitê: Juni! ((aluna fala junho em alemão))
Professora Sabrina JUNI ((professora fala junho em alemão, em um tom de
(língua portuguesa): confirmação)). E em português?
Levi: Juni? ((aparentemente pergunta buscando aprovação))
Mariana: Junho ((fala em um tom bem baixo))
Professora Sabrina JU, aqui ((aponta para Mariana))
(língua portuguesa):
Mariana: Junho.
Professora Sabrina Isso mesmo, dezesseis de?
(língua portuguesa):
Alunos: Junho.
Professora Sabrina JU-NHO, com N, né. E quando eu levanto o dedinho
(língua portuguesa): ((mostra no calendário, apontando para o dia da semana)),
qual é o dia da semana? É segunda, terça, quarta, quinta ou
sexta?
Saulo: Sexta.
Professora Sabrina Hoje é sexta? ((pergunta em tom de surpresa))
(língua portuguesa):
Mariana: Quarta.
Professora Sabrina Sexta? Quarta? Sexta é o dia da mala pesada. Hoje é o dia
(língua portuguesa): da mala pesada?
Alunos: Não.
Professora Sabrina Não. Por que tu acha que hoje é quarta? ((pergunta para
(língua portuguesa): Mariana))
Patrique: Porque hoje é festa junina.
166

Professora Sabrina É uma referência. A festa junina ia ser na quarta-feira, dia


(língua portuguesa): 16.
Gregório: Então hoje é quarta.
Professora Sabrina É quarta e é dia 16.
(língua portuguesa):
Maitê: Juni ((junho)).
Professora Sabrina Então fecha? Fecha, né!?
(língua portuguesa):
Gregório: É junho e não Juni ((vira-se em direção à Maitê e fala para
ela em tom de correção)).
Professora Sabrina JU-NHO. Juni é lá com a profe Vanessa ((risos)), em
(língua portuguesa): alemão, tá, meu amor.

Nesse recorte da interação sobre a leitura do calendário, o desafio é posto quanto à


construção das noções temporais e de como, na nossa cultura escolar, registramos a passagem
do tempo, o dia em que nos situamos, etc. (essa discussão é retomada na próxima seção). Nesse
tipo de evento de letramento, as crianças lançam mão de recursos dos quais já dominam (ou
que estão consolidando) com a finalidade de interpretar o calendário e registrar a data,
demonstrando como participam da cultura letrada.
Na interação da sala de aula há pouco apresentada, a aluna Maitê age sobre o evento
no qual a data corrente é reconhecida, respondendo à professora que estão se situando no mês
de “Juni”. Mariana e a própria professora, em seguida, participam da atividade a partir do
processo de tradução de “Juni” para “junho”. Quando a professora repete que “é dia 16”, Maitê
continua performando a prática de linguagem a partir do reconhecimento do mês “Juni”,
caracterizando os diferentes recursos da turma para se engajarem na atividade social de dizer o
corrente dia.
Na configuração desse evento, em torno da leitura do calendário, reitero que a criança
dispõe de recursos num sistema linguístico maior, que engloba, e não separa as línguas, para
situar-se no tempo e identificar, com o auxílio visual do calendário, o dia e o mês. O evento de
leitura do calendário e escrita da data, de certa forma, passa a ser promovido como uma
interação plural do ponto de vista linguístico e semiótico, no qual a professora e outros alunos
acabam participando de diferentes formas, como por exemplo: na tentativa de confirmação
realizada por Levi de que o mês é “Juni”, mesmo apresentando dúvida de que o termo responde
a pergunta “E em português?”; na tradução feita pela Mariana e pela professora do mês “Juni”
para “junho”; ou, ainda, na correção, evidenciada na fala de Gregório (“É junho e não Juni”).
O fragmento de gravação sobre tradução, correção e translinguagem, na interpretação
do calendário, manifesta as práticas de linguagem na sala de aula bilíngue de língua portuguesa
167

de forma dinâmica e complexa. Inicialmente, destaquei a capacidade das crianças em agirem


diante do calendário, partindo de um repertório linguístico ampliado, que as permite transitar
sobre as línguas e traduzir quando julgarem necessário. Segundo Pennycook (2010), o ensino
de língua, nesse aspecto, requer um papel pedagógico crítico, cujas ações impliquem na
diversificação de práticas de linguagem para os significados que são performados nas interações
sociais. Uma prática pedagógica crítica abre, então, possibilidades para as crianças se
posicionarem sobre suas próprias performances.
Esses posicionamentos ecoam em decisões de correção, tradução e “manutenção” das
formas como as línguas se atravessam dentro de uma prática de letramento, conduzindo as
crianças às oportunidades de aprendizagens em torno do calendário, de contar um fato ou uma
história, de escrever sobre suas rotinas, etc. As crianças também passam a tomar decisões que
podem tanto “acatar” um modelo idealizado de língua, como pode desafiá-lo. As práticas de
linguagem, então, juntamente com a política de educação bilíngue implementada pela
administração pública, constituem mecanismos de construção de formas de ensinar, de
aprender, de entender o próprio sentido do que se trata o “bilíngue” nessa sala de aula,
resultando também em seus posicionamentos diante das atividades sociais nas quais se engajam.
Esses mecanismos, certamente, causam efeitos no modo como a professora e as crianças
desenvolvem algumas atitudes às práticas de linguagem, decidindo por tradução, por correção,
repetição, demarcação de espaços, etc.
Optei fechar o recorte da transcrição desse evento com a fala da professora Sabrina
sobre qual seria o espaço “autorizado” para Maitê utilizar o termo “Juni”: “Juni é lá com a
profe Vanessa ((risos)), em alemão, tá, meu amor”. Esse fragmento é interessante para o
presente debate por duas razões, especialmente: (I) a primeira, como mencionei, reforça o
espaço “autorizado” para cada língua, isto é, reforça o reconhecimento de que a educação
bilíngue se baseia na separação do uso das línguas em espaços físico-temporais distintos, com
professoras diferentes, como pressupõe e potencializada o próprio currículo; (II) a segunda
razão se deve à forma em que a professora realiza essa gestão das línguas, interrompendo a
correção que Gregório impunha à Maitê (“É junho e não Juni”) para, de certa forma, validar a
fala da menina e lançar tentativas de ampliar o seu repertório linguístico com o mês nomeado
em língua portuguesa, mesmo que continue demarcando espaços autorizados para cada língua.
A partir do que se compreende por língua portuguesa e por língua alemã, no currículo,
há uma expectativa de que as crianças, talvez, usem recursos linguísticos exclusivos do
português para desempenharem as práticas de leitura nessa sala de aula. Contudo, as crianças,
168

muitas vezes, superam as fragmentações de códigos linguísticos para performarem suas ações
com as línguas quando se inserem em práticas de letramento na escola, tais como a própria
leitura do calendário.
A forma como essas performances acontecem também supera, frequentemente,
determinados discursos ideológicos sobre a língua e sobre o letramento em si. A compreensão
de língua institucionalizada na cultura ocidental, decerto, deriva de construções sociais e
ideológicas sobre como o letramento é aceito academicamente, desencadeando em
acontecimentos que podem ser observados nos eventos há pouco apresentados. Segundo Street
(2014 [1995]), o letramento é institucionalizado, pela escola, em um modelo particular, que
requer formas particulares de fala e de textos regidas por regras socialmente estabelecidas como
um padrão a ser seguido. Argumento que esse entendimento do letramento institucionalizado,
pedagogizado, comumente baseado numa ideologia monolíngue, pode resultar em atitudes
negativas à translinguagem, demarcando “fronteiras imaginadas” para práticas das quais as
crianças bilíngues participam. Consequentemente, esse entendimento também pode anular, no
contexto pesquisado, o processo de construção de conhecimento da criança em torno da
compreensão do calendário. No evento transcrito, pois, esse conhecimento se dá de forma
plural, num processo de ampliação do repertório linguístico do aprendiz.
As interações entre estudantes e professora desvelam caminhos sobre os processos de
compreender e utilizar os termos “Juni” e “junho” como duas formas possíveis para se falar de
um mesmo mês, ainda que, por vezes, essas formas ocupem espaços físicos distintos dentro da
escola (sala de aula bilíngue de língua portuguesa e sala de aula bilíngue de língua alemã).
Evidentemente, não sugiro, aqui, o estabelecimento de uma nova norma para a escrita
da língua portuguesa, nem de omissão pedagógica sobre a convenção social estabelecida em
torno dessa norma. A ortografia, fonologia, o reconhecimento das culturas e identidades
linguísticas, etc., são componentes que perpassam a educação linguística e não devem ser
negligenciados nos processos de alfabetização. O que sugiro é justamente questionarmos,
enquanto professores, como se dá a criação de uma norma, a fim de que possamos questionar
também as atitudes negativas aos repertórios plurilíngues quando as crianças atingem os
propósitos comunicativos dentro de dada prática letrada, como, por exemplo, descobrir a
corrente data. Ademais, argumento a favor de formação científica e socialmente engajada do
professor, que o possibilite compreender os caminhos percorridos pela criança, dentro da
educação bilíngue, para participação de eventos de letramento.
169

A educação bilíngue transforma as práticas de linguagem na sala de aula, configurando


as interações nas línguas alemã e portuguesa das crianças, seja para falar o dia de hoje, escrever
a data no caderno, interpretar o calendário, etc. Reconhecer a língua como “prática de
linguagem local” (PENNYCOOK, 2010) é um caminho importante para compreendermos que
não estamos tratando, aqui, de línguas separadas na educação bilíngue dessas crianças, mas na
forma em que as crianças e sua professora “relocalizam” (PENNYCOOK, 2010) práticas
sociais em seus atos de linguagem na sala de aula bilíngue de língua portuguesa.
No respaldo teórico desta tese, com base em discussões levantadas por Anderson (2008
[1991]), Bourdieu (2008 [1982]), Aléong (2011 [1983]), Lagares (2018), entre outros, já havia
mencionado que a escola dispõe de um sistema poderoso em termos de autorizar o que se
entende por língua, determinando usos situados fora dessa compreensão como “erros”, ou como
uma não-língua (cf. CAVALCANTI, 2013). Esse sistema desencadeia em um “capital cultural”,
cujos mecanismos garantem, de uma forma já bem naturalizada, desigualdades de acesso ao
conhecimento sob uso restritivo da “língua legítima” (BOURDIEU, 2008 [1982]). Nesse
sentido, a translinguagem e, portanto, os pluriletramentos, de um ponto de vista educacional,
têm sido desencorajados, o que potencializa, ainda em propostas educacionais que apresentem
uma vontade política direcionada ao multilinguismo, práticas monoglóssicas, monolíngues.

Anacronicamente, a escola básica insiste em privilegiar o monolinguismo na sala de


aula, o ensino da tradição gramatical baseado em uma concepção de “língua pura”,
repetindo o discurso do respeito pelas diferenças, indo na contramão de uma realidade
contemporânea que desestabiliza mais ainda essas antigas crenças. (GUIMARÃES;
BUIN; GARCIA; RIBEIRO, 2020, p. 92).

Menezes Souza (2018, p. 172, tradução minha), ao citar Bhabha (1994), afirma que a
educação formal tem contribuído significativamente “para os processos narrativos, normativos
e institucionais (top-down) pelos quais identidades, linguagens e saberes são fixados e
constituídos como estáticos, separados e sistemáticos”70. Nessa narrativa, a educação bilíngue
se restringiria ao tratamento dado às línguas e às identidades como unidades separadas, que
coexistem, mas não se misturam (MENEZES DE SOUZA, 2018). Os registros de pesquisa de
Guimarães, Buin, Garcia e Ribeiro (2020) sugerem que uma celebração da diversidade
linguística, dentro de uma perspectiva colonial, que insiste em um modelo de “acolhimento” da

70
“For Bhabha (1994) it is pedagogic processes that contribute to the narrative, normative and institutional (top-
down) processes by which identities, languages and knowledges are fixed and constituted as static, separate and
systematic.” (MENEZES DE SOUZA, 2018, p. 172).
170

língua do aluno, desde que esteja separada da língua idealizada pela escola, é insuficiente para
lidar com as complexidades da sala de aula. Diante desses posicionamentos críticos, construo
meu argumento com base na abordagem de translinguagem e de letramento como prática social,
que permitiria reconhecermos que as pessoas, em Pomerode, se engajam em atividades sociais
envolvendo a linguagem escrita em português e alemão no trabalho, na religião, no lazer,
concebendo a “relocalização” (PENNYCOOK, 2010) desses pluriletramentos à educação
bilíngue.
O desenvolvimento da consciência infantil sobre o próprio repertório linguístico,
constituído em meio a práticas de pluriletramentos, demanda por um posicionamento
pedagógico diante da translinguagem e da diversidade linguística. Por ora, destaco que é no
evento cotidiano de leitura do calendário que a professora alfabetizadora em língua portuguesa
parece ter encontrado uma possibilidade de desenvolver a consciência de significados próprios
do contexto bilíngue, como, por exemplo, no reconhecimento dos vocábulos Juni e junho para
referenciar um mesmo mês no ano. No evento apresentado anteriormente, inclusive, entendo
existir uma tentativa de desenvolver uma conduta favorável ao bilinguismo, que reconhece as
línguas, mas nem sempre as integra: “JU-NHO. Juni é lá com a profe Vanessa ((risos)), em
alemão, tá, meu amor”.
Agentes educacionais, quando apresentam atitudes favoráveis à diversidade
linguística, apresentam também tentativas em reconhecer cada vez mais as práticas de
linguagem heteroglóssicas dos estudantes (GARCÍA; MENKEN, 2010), embora orientações
antagônicas sejam comuns em virtude, justamente, das ideologias hegemônicas que se
perpetuam na agenda oculta de uma PL. Por isso, o trabalho pedagógico na sala de aula bilíngue
de língua portuguesa, de modo geral, mistura e combina diferentes modelos de educação
bilíngue em tentativas de fazer cumprir o currículo imposto, em tentativas de atender as
expectativas da administração pública e das famílias dos estudantes, em tentativas de atender a
realidade heterogênea da sala de aula, e, por fim, em tentativas de atender as próprias crenças e
práticas pessoais e profissionais.

6.1.2 “Auf Deutsch?”: Estratégias de resistência à fragmentação das línguas

Na subseção anterior, apresentei os significados construídos em torno da educação


bilíngue dentro da sala de aula bilíngue de língua portuguesa, que vão desde uma compreensão
fragmentada de repertórios linguísticos, baseada num currículo que divide as línguas em
171

disciplinas, professores e espaços distintos, até a construção de práticas mais plurais, baseadas
num repertório linguístico ampliado, necessário às ações de ensinar e aprender na escola. Nesta
subseção, dando continuidade à discussão, discorro sobre as estratégias de resistência adotadas
com relação à fragmentação das línguas pelo currículo, ao mesmo tempo em que esse currículo
também é acatado de alguma forma.
No excerto a seguir, registrado em vídeo, observo a ação da professora Sabrina em
promover um momento de celebrar o aniversário da aluna Maitê, convidando a turma para
cantar duas versões musicais, uma em português e outra em alemão:

Gravação realizada em sala de aula bilíngue de língua portuguesa. Fragmento sobre o


“parabéns para você”, com ambas as professoras em sala (Transcrição acessível para
cegos no Apêndice D).
Professora Sabrina Vamos cantar o parabéns? Vamo lá, amiguinhos?
(língua portuguesa:
Todos em conjunto: ((começam a cantar)) Parabéns pra você, nesta data querida.
Muitas felicidades, muitos anos de vida. Parabéns pra você,
nesta data querida. Muitas felicidades, muitos anos de vida.
Professora Sabrina Viva a Maitê! UHU!
(língua portuguesa):
Alunos: ((falam ao mesmo tempo comemorando o aniversário))
Professora Sabrina Auf Deutsch? ((professora pede para cantar a versão em
(língua portuguesa): alemão))
Professoras de Zum Geburtstag viel Glück! Zum Geburtstag viel
alemão e de Glück! Zum Geburtstag liebe Maitê! Zum Geburtstag viel
português, e alguns Glück!
alunos:

Quando a professora pede a versão em alemão (Auf Deutsch?), assume uma estratégia
de evidenciar a educação bilíngue por meio da celebração do aniversário em duas línguas. O
evento, que requereu as duas versões da música, marca uma atividade anterior à organização da
rotina do dia e identificação da data no calendário, que determinam, para as crianças, o início
das atividades oficiais de aprendizagem.
Essas estratégias adotadas em sala de aula, portanto, manifestam as relações de poder
entre as línguas em cada espaço demarcado para seus usos: no horário oficial de aula, aquele
espaço (sala de aula bilíngue de língua portuguesa) é determinado para a língua portuguesa e,
embora a língua alemã seja também autorizada, opera, muitas vezes, atividades não-oficiais.
Dessa forma, entendo que a professora alfabetizadora procure atuar a favor do bilinguismo,
muitas vezes, promovendo tradução entre português-alemão e vice-versa, versão musical do
português para o alemão e vice-versa, ludicidade em ambas as línguas, ao mesmo tempo em
172

que também procura cumprir com as normativas do currículo, demarcando tempos e espaços
para essas línguas. Por isso, adota estratégias variadas para lidar com o plurilinguismo, que
geram efeitos sobre as crianças, em como elas significam a educação bilíngue, o bilinguismo
em si, e como interpretam os espaços e tempos “autorizados” para lançar mão dos recursos
linguísticos que compõem seus repertórios.
As crianças, portanto, aprendem que lhes é esperado o uso predominante do português
na sala de aula bilíngue de língua portuguesa, mesmo que isso não precise ser dito
explicitamente. Afinal, as ações que decorrem dentro desse espaço constituem dispositivos que
atuam na agenda oculta da política linguística (SHOHAMY, 2006), perpetuando essa prática
de linguagem. Por isso, talvez, em momentos quando a professora de língua alemã está na sala
de aula bilíngue de língua portuguesa, as crianças tendem a conversar com ela
predominantemente em português, mesmo aquelas que já são bilíngues desde a esfera familiar.

Gravação realizada em sala de aula bilíngue de língua portuguesa. Fragmento sobre a


chamada para a sala de aula bilíngue de língua alemã (Transcrição acessível para cegos
no Apêndice D).
Professora Vanessa So wer war gestern zuerst? ((Então, quem foi o primeiro
(língua alemã): ontem?))
Benício: O grupo do Gregório.
Professora Vanessa Ja, dann heute kommt die andere Gruppe. ((Sim, então hoje vem
(língua alemã): o outro grupo))
Gregório: Primeiro é a Maitê, que ela teve aniversário.
Professora Vanessa Ist die Gruppe von Gregório, Maitê, die Erste? Heute? ((O
(língua alemã): grupo da Maitê, do Gregório, é o primeiro hoje?))
Benício: Não. Antes eles foram o primeiro.
Galdino: É, ontem.
Professora Vanessa Vocês foram ontem o primeiro?
(língua alemã):
Alunos: É.
Professora Vanessa Então, hoje é o outro grupo primeiro. Die Gruppe von Benício,
(língua alemã): Piter, Natacha, Patrique.

O poder, por meio do qual o comportamento linguístico é influenciado, está implícito


nas relações sociais e no processo de formulação de políticas (TOLLEFSON, 2006). As
relações de poder, que conferem status social às práticas linguísticas, prestigiando certos
recursos, legitimando-os e colocando-os em evidência, adentram a sala de aula bilíngue de
língua portuguesa a partir de ideologias e práticas sociais, configurando políticas linguísticas
localizadas.
173

Em função disso, afirmo que a política de educação bilíngue se configura na forma


como os atores sociais envolvidos fazem a gestão das línguas nas salas de aula bilíngues
cotidianamente, e, é claro, nas políticas públicas e nas ideologias locais. Chamar as crianças em
alemão para a sala de aula bilíngue de língua alemã é uma gestão das línguas realizada pela
professora Vanessa, assim como as crianças responderem em língua portuguesa também
corresponde a uma gestão das línguas, ambas implícitas nas práticas de linguagem. Por isso que
a política linguística, segundo Shohamy (2006), não se restringe ao Estado na forma de
resoluções e leis. Com base nos registros apresentados, observo o papel dos alunos e professores
na criação da política linguística de facto, sem necessariamente fazerem um planejamento
linguístico explícito, ainda que as leis e resoluções municipais também influenciem
comportamentos.
Nesse caso, embora a professora de alemão exerça alguma autoridade sobre os alunos,
não, necessariamente, confere poder, para todos os fins, que legitimem a língua alemã dentro
da sala de aula bilíngue de língua portuguesa, ou nas interações sociais que ultrapassem os
muros da escola. Há outros mecanismos que também entram em “jogo”, para além da figura de
autoridade situada em uma só pessoa – as relações de poder são sempre mais profundas.
A professora de alemão, certamente, pretende promover interações que partam dos
recursos linguísticos reconhecidos como alemão, embora, ao português, no meio legislativo,
midiático, etc., como já destaquei em outros momentos, é conferido o status de língua oficial.
Há, portanto, relações de desigualdade, que constituem mecanismos mais amplos da política
linguística dentro da escola e que também influenciam nas práticas de linguagem das crianças.
O controle de um ideal de língua através de processos políticos e educativos, como em materiais
didáticos e avaliações, determinações linguísticas legislativas, etc., assim como as tentativas
pedagógicas de promover interações plurilíngues, desde uma “simples” chamada, ecoam
tentativas de poder, evidentemente, exercidas com a finalidade de controlar eventos e atingir
objetivos (TOLLEFSON, 2006), como possibilitar escolhas linguísticas ou, até mesmo,
interrompê-las.
Nesse sentido, a prática adotada pela professora de língua alemã possibilita uma
interação bilíngue, promovendo oportunidades de “escolhas” aos estudantes. No entanto, para
que a política de promoção do multilinguismo seja bem-sucedida, retomo a discussão levantada
no capítulo cinco, quando problematizo que a escola não deve ser a única agência responsável
em promover essas escolhas linguísticas na sociedade. Ainda assim, destaco que as tentativas
pedagógicas de incluir a língua alemã à interação, sem impô-la aos estudantes, contribui para
174

atingir seu potencial e a confiança acadêmica em relação aos modos fluidos como a língua
acontece. Como advertem Yip e García (2017), por outro lado, as escolas nem sempre
reconhecem os usos particulares da língua realizados por bilíngues.

Mesmo as salas de aula de educação bilíngue estão cheias de regras sobre quando falar
em um idioma ou no outro. Por exemplo, “aquí no se habla inglés” é frequentemente
ouvido em salas de aula bilíngues espanhol-inglês que querem proteger o que é
considerado uma língua minoritária, o espanhol. Alienando ainda mais os estudantes
bilíngues sobre a sua própria voz bilíngue, muitas dessas mesmas salas de aula
bilíngues estão cheias de regras “así no se dice”, dizendo a crianças bilíngues que a
maneira como eles falam é “incorreta”. (YIP; GARCÍA, 2017, p. 169).

A escolha assumida pelas crianças em performar sua prática de linguagem em


português, mesmo quando a interação é promovida pela professora de alemão, pode, portanto,
ser reflexo de outras práticas sociais e políticas que se repetem na vida cotidiana
(PENNYCOOK, 2010), que requerem, frequentemente, recursos reconhecidos como língua
portuguesa. Essa performance é uma relocalização de tais práticas para aquele evento na sala
de aula bilíngue de língua portuguesa, que advêm não só do domínio escolar, mas, sobretudo,
da rua, da mídia, da família, etc. (PENNYCOOK, 2010).
Destaco que o uso de recursos linguísticos de ambas as línguas é comum a qualquer
interação bilíngue, e que o ato de falar a língua majoritária, em situações em que há
possibilidade de escolha, também pode ser frequente. Bremenkamp (2014), que desenvolveu
sua pesquisa com falantes de pomerano no estado do Espírito Santo, chama a atenção para o
fato de que muitos participantes responderam em língua portuguesa as perguntas realizadas nas
entrevistas conduzidas em pomerano. O sentimento de julgamento/avaliação (diante de figuras
de autoridade: professora, pesquisadora), as relações de poder entre as línguas em si (que
diferem o status de cada uma no jogo social), dentre outros fatores, contribuem para dar uma
posição privilegiada à língua portuguesa nas interações sociais, inclusive, de bilíngues. Como
debati no segundo capítulo, esses fatores remontam o processo ideológico do qual a língua
portuguesa se tornou um ícone da identidade nacional brasileira.
Por essas questões, observo que, mesmo na escola, a professora de alemão,
possivelmente, não tenha o poder absoluto para conduzir, sempre que desejar, a interação das
crianças bilíngues em alemão – a prática linguística, afinal, é resultado de uma variedade de
relações sociais e políticas que se “repetem” e “relocalizam” em diferentes situações (cf.
PENNYCOOK, 2010). No entanto, essa professora, inegavelmente, exerce certa autoridade.
Por isso, na tentativa contínua de promoção do plurilinguismo, demonstra o potencial de
175

influenciar nas crenças das crianças sobre as línguas e, talvez, promover mudanças de
comportamentos. Nesse caso, a professora Vanessa vai construindo um ambiente plural, que,
gradativamente, pode dar novas escolhas aos estudantes sobre como performam suas práticas
de linguagem, sem que tenham de renunciar suas escolhas atuais.
Também não é restrito à professora Sabrina, portanto, o poder sobre as práticas se
situarem a partir da língua portuguesa, uma vez que os mecanismos dessa política linguística
perpetuam uma ideologia sobre a identidade nacional de forma muito mais ampla, como
mencionei há pouco. No entanto, reitero que as condutas de ambas as professoras diante do
bilinguismo, certamente, podem influenciar nas práticas de linguagem que se constituem na
escola a longo prazo. Logo, as práticas promovidas por elas podem servir como uma forma de
legitimar o bilinguismo sob um olhar plural, que valide a translinguagem e a “agentividade” 71
das crianças em suas formas de aprender e nas suas escolhas linguísticas, pelo menos dentro da
escola.
Segundo Yip e García (2017), afinal, interagir usando todos os recursos linguísticos
que se tem à disposição, isto é, fazendo uso de um repertório linguístico completo, permite ao
sujeito bilíngue realizar escolhas, tais como transitar entre as línguas ou falar uma ou outra
língua, adequando-se a seus interlocutores. Quando a sala de aula se torna espaço de
reconhecimento do repertório completo, a partir das estratégias políticas que as professoras
adotam nas suas interações, abrem-se maiores possibilidades de decisões linguísticas que os
estudantes podem tomar. Consequentemente, a política de segmentar línguas em espaços
separados nem sempre se mantém, já que a tradução e a translinguagem também são praticadas.
Por isso, observo algumas tentativas de introduzir os alunos a novas práticas de letramento que
superam essa abordagem de currículo fragmentado:

Gravação realizada em sala de aula bilíngue de língua portuguesa. Fragmento sobre a


leitura do calendário como um evento de pluriletramento (Transcrição acessível para
cegos no Apêndice D).
Professora Sabrina Olha só, gente, o nosso calendário, né. Vamos contar que dia
(língua portuguesa): que é hoje? Você vai precisar dessa informação. Queria ouvir
vocês. ((professora anda em direção ao calendário e começa a
apontar para os dias))

71
Recorro ao termo “agentividade” em referência ao conceito de “agência humana e social” discutida por Menezes
de Souza (2010). O autor endente “agência” como ações culturais e linguísticas dinâmicas, a partir das quais as
pessoas “não apenas reproduzem normas e códigos, mas também os transformam” (MENEZES DE SOUZA, 2010,
p. 296). Diante disso, suponho a agentividade como uma noção de “agência” que nos possibilita perceber o papel
complexo que cada pessoa assume ao aprender novos recursos linguísticos e transformá-los para as demandas do
seu contexto de vida.
176

Alunos: Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze,
doze, treze, catorze, quinze, dezesseis.
Professora Sabrina Hoje é dia dezesseis de que mês?
(língua portuguesa):
Piter: Nós não sabe.
Professora Sabrina Dia dezesseis de que mês? Como é o nome do mês? Aqui tão
(língua portuguesa): as letras ((aponta para onde está escrito o mês na folha do
calendário)). Qual o mês que tem São João?
Aluno não Maio.
identificado:
Benício: Juli! Juli! ((grita o mês julho em alemão, aparentemente em
euforia pela descoberta))
Professora Sabrina LI oder NI? ((professora pergunta LI, de Juli – julho – ou NI,
(língua portuguesa): de Juni – junho)).
Piter: Juli.
Benício: JuNI. Juni! ((grita novamente, mas agora o mês de junho –
parece gritar por conta de mais uma descoberta ao enfatizar
outro fonema na composição da palavra))
Professora Sabrina Juni. Gerade genau! JuNI! ((Junho. Certo, exatamente!
(língua portuguesa): Junho!)). Mas em português se chama? JU-NHO. NHO, tá.
Ju-NI em alemão e ju-NHO em português. Então hoje é
dezesseis de?
Natacha e Galdino: Março.
Professora Sabrina ((risos)). Dezesseis de?
(língua portuguesa):
Benício: Sexta-feira!
Professora Sabrina Terça?
(língua portuguesa):
Luana: Sexta, ele falou.
Professora Sabrina Sexta? Hoje é dia da mala pesada?
(língua portuguesa):
Alunos: Não.
Professora Sabrina Não. Qual é o dia que a Dona Luana vem? Ela só vem um dia
(língua portuguesa): por semana.
Benício Quarta?
Professora Sabrina Que dia?
(língua portuguesa):
Benício Quarta!
Professora Sabrina Quarta. Ó, eu pego o dedinho, venho aqui pra cima e ó,
(língua portuguesa): encontro as letras ((aponta para o dia da semana no
calendário))
Benício Muito pequenas.
Professora Sabrina Muito pequenas! Por isso, eu escrevi maior. ((aponta para a
(língua portuguesa): data escrita no quadro)) Hoje é, ó, quarta, feira
Alunos: feira
Professora Sabrina Dezesseis de junho, quarta-feira /.../
(língua portuguesa):
177

O bilinguismo, nesse evento de letramento, se configura como um recurso importante


para que as crianças atinjam os objetivos da atividade, que parecem ser: desenvolver estratégias
de interpretação de um calendário; identificar o dia, mês e ano, e registrá-los.
No episódio transcrito acima, observo as tentativas da professora alfabetizadora em
incluir a língua alemã na leitura do calendário como um recurso pedagógico a partir do qual
possa fazer o registro da data com as crianças: “LI oder NI? ((professora pergunta LI, de Juli –
julho – ou NI, de Juni – junho))”; “Juni. Gerade genau! JuNI! /.../”. Nessa situação, portanto,
ela interrompe, de certa forma, com o currículo que separa as línguas em períodos, espaços e
profissionais distintos, para promover uma política que “autoriza” a translinguagem para
situarem-se no tempo, numa prática de pluriletramentos, potencializando o desempenho dos
alunos. A translinguagem, portanto, torna-se um recurso pedagógico para ensinar a
interpretação do calendário como uma política linguística da sua sala de aula. Ao retomar as
três orientações sobre a língua tratadas por Ruíz (1984), acerca da educação bilíngue,
Hornberger (2006) argumenta que as “línguas locais irão prosperar ao lado de línguas
globais”72, na percepção de que a diversidade linguística possa ser vista como um recurso, e
não um problema (HORNBERGER, 2006, p. 33, tradução minha). Entendo que, para que as
“línguas locais” “prosperem”, as políticas de inclusão de translinguagens, como práticas
pedagógicas, são passos significativos para a formulação de uma educação bilíngue.
Destaco a translinguagem como um recurso que já se mostrou valioso em outros
contextos de educação bilíngue. Na escola campo de pesquisa da dissertação de Cardoso (2015),
em particular, a translinguagem se mostrou como uma estratégia pedagógica que promove
acesso ao conhecimento mobilizado em sala de aula. A pesquisadora, então, faz uma relação do
conceito de translinguagem ao de “zona proximal de desenvolvimento de Vygotsky”, a qual
permitiria aos estudantes que desenvolvessem “novas práticas de linguagem em inter-relação
com as práticas já existentes, como forma de ampliá-las” (CARDOSO, 2015, p. 92). Essa
relação, como me proponho debater na última seção deste capítulo, abrangendo aspectos da
avaliação nas séries iniciais, também pode ser observada na exposição das crianças às formas
representativas da linguagem escrita. Isso acontece, especialmente, quando esses pequenos
aprendizes recorrem aos conhecimentos consolidados em uma prática para ampliar outras, e
quando contrastam o conhecimento fonêmico nas línguas que compõem seu repertório

72
“For that dimension, I turned to language ideology, specifically to Ruiz’s notion of LP orientations (1984),
concluding that local languages will thrive alongside global languages where multiple languages are seen as a
resource, and not a problem” (HORNBERGER, 2006, p. 33).
178

linguístico (na comparação entre as sílabas -NHO e – NI, de “Junho” e “Juni”, e na comparação
da diferença fonêmica entre os próprios meses em alemão “Juli” e “Juni”).
Diante dessa atividade social que é a inserção no mundo letrado ou pluriletrado,
certamente, as reflexões sobre os processos cognitivos e sociais dos quais as crianças dispõem
para aprender o sistema de representações da linguagem escrita passam a ganhar cada vez mais
relevância nas políticas linguísticas e educacionais, seja em contexto de línguas minorizadas ou
não. Para falar da alfabetização dentro da relação entre linguagem, pensamento e letramento,
como elementos mediados socialmente e situados nos contextos históricos e culturais em que
ocorrem, Dworin (2003), inspirado no trabalho de Vygotsky (1978), Halliday (1976; 1978) e
outros, destaca que há diversidade em como a aquisição da linguagem acontece para cada
criança, especialmente para as bilíngues. Dworin (2003), então, nos conduz a questionar as
formas como o monolinguismo impõe compreensões sobre alfabetização e letramento.
A relação entre os conceitos de translinguagem e zona proximal pode auxiliar na
compreensão das razões para os alunos usarem termos do alemão na leitura do calendário em
português, uma vez que desenvolvem a habilidade de falar de datas nessas línguas com suas
famílias, com a professora alfabetizadora em língua portuguesa e com a professora em língua
alemã, configurando essa prática social a partir de uma diversidade de recursos linguísticos. Ao
se depararem com novas datas todos os dias, essas crianças as relacionam com as datas já ditas
e registradas em dias anteriores, seja em português, alemão ou em ambas as línguas,
estabelecendo as relações entre o conhecimento constituído de forma bilíngue. Para melhorarem
seu desempenho diante do novo desafio de falar o dia de hoje, portanto, recorrem aos recursos
linguísticos já usados em português e alemão, misturando-os para concluir a tarefa, e
ampliando, gradativamente, os recursos de seu repertório linguístico. É por essas misturas que
a interação em contextos de bilinguismo é dinâmica e complexa (CANAGARAJAH, 2018);
essas misturas, portanto, não condizem com o mito de falantes com repertório inferior,
incompleto ou com algum déficit, conforme discutido no capítulo dois.
Se compararmos os eventos de letramento que consistem na interpretação do
calendário, até o momento apresentados, podemos observar que a translinguagem contribui para
uma atividade bem-sucedida. Quando a professora implementa a política de português apenas,
a dificuldade de anunciar a data, entre as crianças, pode aumentar, pois ficam impedidas de
acessarem o conhecimento já construído de forma híbrida. No entanto, quando a translinguagem
é assumida, numa prática de pluriletramentos, os alunos avançam dentro do objetivo da
atividade e maximizam seu desempenho acadêmico, uma vez que lhes é promovida interação
179

completa quanto à atividade social exigida. Como exemplo, retomo, no fragmento apresentado
anteriormente, o reconhecimento de Benício de que o mês corrente não correspondia a “maio”,
e de que “Juni” difere de “Juli”. Acessar seu repertório de forma completa possibilitou
estabelecer relações que, provavelmente, não estabeleceria se tivesse de restringir recursos na
sua prática de linguagem.
A representação gráfica do português, na sala de aula bilíngue de língua portuguesa,
continua sendo o registro privilegiado. No entanto, isso não impede que práticas plurilíngues
sejam assumidas. O calendário desse ambiente, por exemplo, é um suporte de leitura em língua
portuguesa, reaproveitado de uma publicidade de um supermercado da cidade. Nele, não há
transição entre as línguas no registro escrito, embora, na oralidade, as línguas sejam dialogadas
a partir do bilinguismo. As crianças, portanto, conforme aprendem a se situar no tempo dentro
da cultura ocidental, fazem misturas, promovendo, elas mesmas, os pluriletramentos, na medida
em que contestam a centralização em um código linguístico restrito para poderem expressar seu
conhecimento escolar a partir dos recursos dos quais dispõem. Por isso, Benício responde
entusiasmado para a professora o mês “Juni” e diferencia-o de “Juli”. A professora,
intuitivamente, rompe com a ideologia monolíngue, concedendo agência e voz ao Benício e
seus letramentos ao perguntar “LI oder NI?” e confirmar seu acerto: “Juni. Gerade genau!
JuNI!”.
Diante disso, entendo que levar em consideração as questões políticas sobre as línguas
para a discussão dos letramentos na instituição escola é uma estratégia que privilegia as práticas
sociais locais e as identidades interpeladas pelo multilinguismo, tão negligenciado na história
linguística e educacional brasileira. Por essa razão, o monolinguismo, no letramento
pedagogizado, pode ser questionado, problematizado e, quiçá, superado.
Conforme o respaldo teórico debatido no segundo capítulo desta tese, embora as
habilidades técnicas de leitura e escrita constituam o letramento, não se resumem a ele. A prática
de letramento promovida pela professora, nesse evento, em particular, é enfatizada pela
interação social na qual o bilinguismo das crianças é legitimado. A partir das estratégias de
promoção de pluriletramentos na sala de aula, o conhecimento das crianças sobre o mês passa
a ser confirmado e ampliado, na condução à reflexão do mês corrente com o mês subsequente,
considerando a proximidade fonêmica e o contraste linguístico: “LI oder NI?”; “Ju-NI em
alemão e ju-NHO em português”.
Nesse fragmento sobre a interpretação do calendário como uma prática de
pluriletramentos, a professora Sabrina, estrategicamente, adota as duas línguas para promover
180

seu uso, reflexão e um estímulo “provocativo” (“LI oder NI?”), talvez, questionando a
compartimentalização das línguas como códigos linguísticos estáticos, “como entidades
ontológicas, com suas respectivas estruturas, limites, gramáticas e formas”73 (PENNYCOOK,
2006a, p. 66, tradução minha). O argumento que construo, aqui, é o de que, possivelmente, a
professora procurou promover uma prática de pluriletramento a partir da translinguagem de
Benício, superando o modelo de educação que soma monolinguismos para a formação de
sujeitos bilíngues.
Em suma, os antagonismos que observo na política de educação bilíngue, nas ações
perpetuadas na sala de aula bilíngue de língua portuguesa, estão relacionadas às tentativas de
valorização do multilinguismo que engloba os pluriletramentos sob um olhar educacional
(HORNBERGER 2006; 2018), assim como a marginalização da mistura dos recursos
linguísticos tradicionalmente reconhecidos como línguas separadas. O currículo, é claro, não é
o único responsável pela cultura de fragmentação dos repertórios linguísticos, mas, muitas
vezes, consequência de outros mecanismos que perpetuam essa política linguística. A cultura
de letramento escolar é atravessada por uma ideologia nacionalmente monolíngue, cujos
suportes didáticos raramente vislumbram uma educação efetivamente bilíngue. Só para citar
um exemplo, menciono os livros didáticos, cuja tendência ainda é apresentarem uma abordagem
do monolinguismo em língua portuguesa, pouco (ou nunca) trazendo reflexões para os
professores sobre práticas que podem ser desenvolvidas em contextos multilíngues, associadas
à vida e aos sentidos diários construídos nas/pelas línguas brasileiras. Ademais, os sistemas
avaliativos, como pretendo discutir na última seção deste capítulo, também costumam ser
pensados numa abordagem monolíngue, dificilmente abrindo possibilidades para o
desempenho acadêmico plurilíngue.

6.1.3 “Antes, eu via o projeto bilíngue até com a intromissão na minha prática de
português”: uma mudança de orientação de língua

De certa forma, os antagonismos, em sala de aula, são confrontados à medida em que


compreensões e práticas em torno do bilinguismo do contexto e da escola em si são repensadas
e modificadas. Nesses termos, a professora da sala de aula bilíngue de língua portuguesa
também vivencia os conflitos da política linguística quanto aos discursos propagados sobre o

73
“[…] as ontological entities, with their attendant structures, boundaries, grammars, and forms” (PENNYCOOK,
2006a, p. 66).
181

“problema” da língua (cf. RUÍZ, 1984) para a nação monolíngue e seu ideal de letramento,
sobre o “direito” à língua (cf. RUÍZ, 1984) e sobre os “recursos” (cf. RUÍZ, 1984) que o
bilinguismo representa. No excerto a seguir, a professora, inclusive, descreve como sua
concepção acerca do bilinguismo foi se constituindo na experiência com o projeto:

Professora Sabrina (língua portuguesa): Antes, eu via o projeto bilíngue até com a
intromissão na minha prática de português. Aí eu não conseguia perceber as
contribuições de uma língua na outra, né. /.../ Se isto está me incomodando, eu estou
vendo isso como uma coisa que está me atrapalhando, eu vou começar a estudar. Foi
onde eu decidi que eu iria fazer uma especialização e descobri a professora ((cita o
nome da professora)) dentro do programa. /.../ Então, ela me recomendou algumas
leituras e ali foi que eu comecei a descobrir o quanto de fato uma língua colabora com
a outra. A primeira grande descoberta foi que as duas usam o sistema alfabético, que
era ÓBVIO! Mas antes de você se debruçar a ler e a pesquisar sobre, isso parecia um
problema. /.../ eu fui descobrindo as múltiplas vantagens que têm as duas línguas
caminharem juntas.

Uma mudança quanto à orientação de língua parece ocorrer no processo formativo e


profissional dessa professora: seu relato, relacionado ao problema do bilinguismo quanto à
garantia do acesso a um letramento estático, homogêneo, que apaga as diferenças, entra em
conflito com uma orientação sobre as línguas que vê o bilinguismo como recurso pedagógico a
ser explorado. O “problema” da língua, sem dúvidas, continua presente na formação e atuação
de muitos profissionais da educação, independentemente da área de formação e de a escola estar
ou não situada num programa bilíngue.
O discurso quanto ao português ser a língua da nação brasileira, possivelmente,
constitui uma crença sobre a língua única, com status educacional/escolar. Encarar o “projeto
bilíngue” como uma forma de “intromissão” na “prática de português” é um resultado da
ideologia nacional do monolinguismo, que constrói uma concepção de escola igualmente
monolíngue (como território de um português idealizado), o que entra em conflito com a prática
linguística de sujeitos bilíngues. A crença que representa o português como língua única da
escola, claramente, não é exclusiva desse cenário de pesquisa. Na tese de Berger (2015), por
exemplo, a situação de fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai também marca discursos
pedagógicos nacionalistas sobre a escola brasileira ser a escola da língua portuguesa, mesmo
que, nela, haja alunos também falantes das línguas espanhola e guarani.
Frequentemente, deparamo-nos com ideologias nacionalistas quando o assunto são
línguas na escola. Por isso, afirmo que essas ideologias impactam, de alguma forma, a educação
182

bilíngue em Pomerode, nas práticas que se consolidam em sala de aula. Nesse sentido, concordo
com Mello (2011b) quanto à importância de professores reconhecerem e evitarem os
estereótipos relacionados às línguas, culturas e pessoas do seu entorno para que suas atitudes,
no processo educacional, “não penalizem os alunos em razão de seus traços identitários.”
(MELLO, 2011b, p. 152). A busca pela formação continuada é, naturalmente, um caminho
possível para se evitar tais estereótipos e construir espaços educacionais seguros para que as
crianças continuem a usar a língua de suas famílias, ou para que reconheçam o bilinguismo
como constitutivo das identidades locais. No entanto, o planejamento do currículo, a gestão
advinda da administração pública, a produção de diretrizes para a educação bilíngue, também
fazem parte desse processo contínuo da política de educação bilíngue de Pomerode e precisam,
conjuntamente, ser levados em conta.
A professora alfabetizadora sinaliza, na entrevista concedida, que “se debruçar a ler e
a pesquisar” sobre o contexto sociolinguístico da sua atuação foi o investimento na formação
profissional para superar o “problema” da língua e, consequentemente, para a sua reinvenção
na sala de aula bilíngue. A vivência com o multilinguismo na escola, de certa forma, requer dos
profissionais uma sensibilidade para que mudanças ocorram quanto às atitudes ou crenças
linguísticas. Berger (2015, p. 195), inclusive, fala de uma “mudança de visão” entre as
professoras da escola onde desenvolveu sua pesquisa, conduzindo a perceberem não só as
“demandas linguístico-educacionais” dos estudantes, como também a se “posicionarem frente
ao multi/plurilinguismo no espaço de escolarização”, não mais invisível ao discurso de língua
nacional.
Por isso, a formação de professores, sem dúvidas, é um investimento imprescindível
para essa política de educação bilíngue. Como já destaquei em outro momento da tese, acredito
no compromisso social da universidade com esse contexto, assim como no compromisso da
Secretaria de Educação e Formação Empreendedora de Pomerode quanto à formação
continuada dos profissionais.
Sobre o início do “projeto: implantação do ensino bilíngue”, a professora fala que
compreendia o bilinguismo local como um problema para a alfabetização na língua majoritária,
uma vez que o via como “intromissão” na sua “prática de português”. Essa orientação, muitas
vezes, pode estar vinculada à tradição do letramento pedagogizado de separar as línguas (e não
as unir na prática do bilinguismo), assim como pode estar vinculada ao próprio status social que
desfruta (ou desfrutava) a língua em questão.
183

A crença de que o bilinguismo seria determinante para acarretar efeitos cognitivos


prejudiciais no processo de alfabetização de uma criança é a concepção que predominou até a
década de 1960, baseada justamente nesse pressuposto de que o repertório linguístico do falante
é compartimentalizado por um sistema separado de línguas (FINGER; BRENTANO;
RUSCHEL, 2019). Por outro lado, como venho apresentando ao longo de toda a tese, há
modelos teóricos alternativos de entendermos as práticas de linguagem, como a própria
translinguagem (GARCÍA; WEI, 2014; GARCÍA, 2009), ou as práticas de pluriletramentos
(HORNBERGER 2006; 2018), a partir dos quais podemos sugerir que as línguas não estão
compartimentalizadas no cérebro humano ou práticas sociais, e que os conceitos aprendidos em
uma língua podem constituir conhecimentos noutra.
Dworin (2003), inclusive, documenta o fenômeno do desenvolvimento simultâneo de
bilinguismo e biletramento. Sua pesquisa destaca a variedade de caminhos traçados pelos
estudantes para desenvolverem a representação da linguagem escrita.

[...] o desenvolvimento do biletramento é um processo dinâmico e flexível no qual a


transação da criança com duas línguas escritas media o aprendizado de ambas as
línguas. Reyes e Costanzo (2002) descreveram isso como transferência bidirecional e
sugerem que a aprendizagem dos bilíngues é um processo circular e não linear. A
principal implicação é que precisamos desenvolver uma perspectiva bilíngue sobre o
desenvolvimento do biletramento74 (DWORIN, 2003, p. 179-180, tradução minha).

Desse modo, sugiro um tratamento voltado à alfabetização partindo das práticas de


pluriletramentos das quais as crianças participam, considerando seu amplo e complexo
reportório linguístico e as habilidades que desenvolvem em transitar entre os conhecimentos
construídos nesse repertório.
Ademais, as diferentes orientações acerca das línguas não são apenas assuntos sobre
os quais a professora alfabetizadora descreve mudança de sua postura com relação à educação
bilíngue, mas também atitudes que podem ser observadas na rotina do espaço escolar. Por
exemplo, entendo que as tentativas de acolher os recursos em língua alemã utilizados pelos
alunos na sala de aula bilíngue de língua portuguesa sejam estratégias conscientes para
concretizar uma mudança de prática que consolide a aprendizagem das crianças. No entanto,
como venho ressaltando ao longo da tese, frente a ideologias sobre língua legítima e sobre

74
“[…] biliteracy development is a dynamic, flexible process in which children’s transaction with two written
languages mediate their language learning for both languages. Reyes and Costanzo (2002) have described this as
bidirectional transfer and suggest that bilinguals’ learning is a circular rather a linear process. The major
implication is that we need to develop a bilingual perspective on biliteracy development” (DWORIN, 2003, p.
179-180).
184

letramento institucionalizado, desenvolver essas atitudes é desafiador, resultando em adversas


posturas diante do bilinguismo e suas consequentes práticas letradas.
Os recortes das cenas de sala de aula apresentados ao longo de toda esta seção sugerem
que, quando a ideologia monolíngue é ignorada nos eventos de letramento da sala de aula
bilíngue, com vistas a práticas de linguagem reais, a “agentividade” (YIP; GARCÍA, 2017) das
crianças é estimulada. Por isso, compreendo que a perspectiva de um “bilinguismo dinâmico”
e “recursivo” (GARCÍA, 2009) também possa estar presente na vida escolar, para além da
concepção que adiciona monolinguismos nos repertórios das crianças. A proposição de ensino
das línguas portuguesa e alemã entre as salas de aula distintas, portanto, não significa a exclusão
de uma experiência pedagógica que integre essas duas línguas nos processos de aprender das
crianças, considerando a realidade observada.

6.2 “O MEU OPA JÁ ME ENSINOU ISSO”: A LINGUAGEM COMO PRÁTICA SOCIAL


NA SALA DE AULA BILÍNGUE DE LÍNGUA PORTUGUESA

Como venho afirmando ao longo de toda esta tese, o multilinguismo compõe as


diversas realidades das salas de aula brasileiras, embora a nossa formação acadêmica e
pedagógica continue baseada, muitas vezes, em “conceitos básicos relativos à linguagem [que]
foram em grande parte herdados do século XIX, quando imperava o lema “Uma nação, uma
língua, uma cultura”.” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 25). Sem dúvidas, tais conceitos entram em
conflito com a realidade linguística vivenciada cotidianamente no “chão da escola”, onde o
contato entre pessoas, a globalização, a cultura de consumo, as histórias identitárias dos grupos
sociais, sugerem usos e comportamentos sobre as línguas nem sempre levados em conta nos
nossos manuais didáticos e teorias sobre ensino. Como consequência, a própria escola, de modo
geral, perpetua a ideologia do monolinguismo.
Nesse sentido, esta tese procura evitar perspectivas que limitam a língua portuguesa à
compreensão restrita dos “bons” usos de normas prescritas em tradicionais manuais
gramaticais, ou até mesmo em ideologias que transpassam discursos educacionais. O que tenho
buscado, amparada nos debates teóricos da linguística aplicada e política linguística, é olhar
para o português como uma prática (a “linguasagem”, como diria García (2009, p. 143)), a partir
da qual as pessoas agem socialmente, permitindo que as línguas se “atravessem” (cf. MOITA
LOPES, 2008) umas às outras e, portanto, sejam modificadas. A presente pesquisa, como venho
expondo, se situa numa perspectiva acerca das línguas que vai além de um sistema autônomo
185

de regras – as quais repercutem até mesmo em contextos acadêmicos – a fim de levar em conta
as múltiplas possibilidades criativas (cf. SHOHAMY, 2006; PENNYCOOK, 2010) que as
pessoas fazem para construir sentidos e interagir entre si.
Diante disso, na presente seção, socializo cenas da sala de aula bilíngue de língua
portuguesa, a partir das quais é possível descrever práticas de letramento nas línguas que
circulam dentro desse contexto e, por conseguinte, olhar para a situação de contato linguístico
nas suas dinâmicas políticas e educativas. Para isso, nas próximas duas subseções, seleciono
alguns recortes cujos conteúdos desvelam pluriletramentos que fazem parte da rotina das
interações em sala de aula, a começar pelo registro, leitura e interpretação do tempo no
calendário, dando continuidade ao debate iniciado na seção anterior.

6.2.1 “Mittwoch, isso mesmo”: estratégias pedagógicas para interpretação do calendário


na sala de aula bilíngue de língua portuguesa

As crianças, em fase de alfabetização, normalmente, estão também em fase de


aprender estratégias usadas para falar sobre os dias, meses, anos. Para trabalhar
pedagogicamente tais estratégias, conforme já mencionado na seção anterior, a professora
Sabrina lê, cotidianamente, em conjunto com os alunos, o calendário pendurado em uma parede
da sala de aula, identificando a data do corrente dia. Nesses eventos de letramento, os alunos
precisam identificar o dia do mês, o próprio mês e o dia da semana.
Para falar dos pluriletramentos na sala de aula bilíngue de língua portuguesa, nesta
subseção, faço escolha dos eventos em que as crianças leem o calendário conjuntamente com a
professora e registram a data do corrente dia. Ao longo desses registros de pesquisa, é possível
observar a progressão da aprendizagem das crianças para participarem das práticas de
letramento diante do desafio de compreender a invenção social que é o calendário como
instrumento de “medir” o tempo.

Diário de Campo, 02 jun. 21, sobre a leitura do calendário


A professora Sabrina (língua portuguesa) deu início às atividades pedagógicas pela
leitura do calendário, como de costume. O menino Benício informou à professora que
estamos no mês de Juli. A professora Sabrina (língua portuguesa), então, perguntou:
“Por que você achou que era Juli?”. E Benício respondeu: “Porque vem depois de
maio”.
A professora, na sequência, explicou: “Mas hoje estamos no mês Juni”. Apontando
para o calendário escrito em português, ela continua: “As letras são parecidas, né!?”.
186

Na interação entre a professora e o aluno Benício, registrada em diário de campo, quero


chamar a atenção para o evento de letramento no qual a criança passa a reconhecer recursos
linguísticos utilizados para marcar a passagem do tempo. Dentre esses recursos, Benício já sabe
que o mês de “maio” é anterior ao mês de “Juli” (julho, em alemão), embora ainda não tenha
se apropriado da ordem de todos os meses, que situa “Juni” (junho, em alemão) entre os meses
“maio” e “Juli”. A intervenção pedagógica, então, é necessária para conscientizar as crianças
quanto aos nomes dos meses utilizados para marcar a passagem do tempo no calendário. Essa
intervenção parece urgir, para a professora, com o propósito de ensinar quais são os meses, a
ordem deles na passagem do tempo e em qual mês a data estava sendo registrada naquele
evento.
O mês de “Juli”, mencionado por Benício, difere do suporte de leitura sendo utilizado
nesse evento de letramento (cujo registro gráfico se dá em português), mas é reconhecido pela
professora e complementado pela sequência em que se entende a passagem do tempo: maio,
Juni/junho, Juli – nessa mesma forma, misturando os vocábulos utilizados em português e em
alemão. Para essa leitura, então, a professora, assim como o aluno, não se limita a um código
linguístico “puro” para descrever a passagem do tempo; ambos exploram os recursos bilíngues
dos quais dispõem: a professora, possivelmente, o faz com o objetivo de inclusão, e o aluno
com o objetivo de atingir o melhor desempenho possível na identificação da data.
A inclusão é uma estratégia importante para evitar que algum aluno se isole das
atividades da sala de aula bilíngue de língua portuguesa a partir de uma restrição linguística,
que diminuiria as oportunidades de engajamento e aprendizagens desse aluno. A prática de
translinguagem, por isso, constitui momentos significativos de participação, nos quais as
crianças têm possibilidades de praticarem os letramentos envolvendo o calendário e
contrastarem, em alguns momentos, a consciência sobre a relação grafema-fonema nas línguas
da educação bilíngue (“As letras são parecidas, né!?”).
O princípio da inclusão educacional, utilizado na postura pedagógica, é culturalmente
sensível às práticas linguísticas dos alunos em situação de bilinguismo e, por conseguinte, à
própria justiça social. Segundo García (2009), o princípio da justiça social valoriza o
bilinguismo da criança a partir da promoção de contextos de aprendizagem que mantêm as
exigências acadêmicas sem marginalizar as identidades bilíngues dos alunos. Existe uma
tendência, aqui, de identificar e reconhecer as habilidades das crianças nas atividades propostas
na sala de aula bilíngue de língua portuguesa, levando-se em conta suas aprendizagens
linguísticas na escola efetivamente bilíngue (ao invés de considerar essa escola “monolíngue
187

em duas línguas”). A educação bilíngue, nesses termos, é uma educação múltipla, na qual a
translinguagem é performada nas ações de alunos e professores, tanto nas modalidades escritas
quanto faladas da linguagem (GARCÍA, 2009), constituindo, portanto, os pluriletramentos.
Segundo Guimarães, Buin, Garcia e Ribeiro (2020, p. 98), o rompimento do monolinguismo,
em sala de aula, a partir de práticas de translinguagem, possibilita para alunos e professores o
“pensar entre línguas”, assim como aprender a “existir com as diferenças”, ações tão necessárias
para uma “educação linguística” vinculada à “vida em sociedade”.
A mistura dos vocabulários de origem alemã na interação em língua portuguesa, como
uma translinguagem, se torna, na prática pedagógica, um recurso de ensino e, na prática de
linguagem do aluno, um recurso para participar dos letramentos envolvendo o calendário.
García (2009) sugere que a criatividade e criticidade sejam dimensões da translinguagem que
requerem justamente essa habilidade de transgredir padrões linguísticos ou até mesmo segui-
los nas tomadas de decisões diante das diferentes situações comunicacionais. Nesses termos, as
práticas de linguagem na sala de aula bilíngue de língua portuguesa requerem um senso crítico.
Como exemplo, menciono o desafio de superar um currículo que divide as línguas em tempos
e espaços distintos para escolher usar recursos do alemão nas interações em português,
transformando e modificando os convencionais letramentos pedagogizados, na promoção de
oportunidades de aprendizagem ampliadas.
A translinguagem, na sala de aula bilíngue de língua portuguesa, é desenvolvida nas
próprias práticas de letramentos promovidas pelas crianças e pela professora, a partir de
atividades que exigem do estudante a habilidade de negociação de sentidos, de desenvolver
repertórios e estratégias para ler, escrever, falar, interagir diante de novos desafios, como a
própria identificação e registro de uma data.
A professora promove, nesse evento em questão, a aprendizagem da linguagem com
foco em práticas de letramento no “modelo ideológico” (cf. STREET, 2014 [1995]) da teoria,
ao considerar os construtos sociais de utilizar a língua, sendo sua estrutura uma própria
consequência de tais construtos. É diante dessa prática social que a professora investiga o que
levou Benício a considerar que, naquele momento de interação, estavam no mês de “Juli” e, a
partir da compreensão dessa criança, responder, fazendo uso de um repertório amplo dentro do
contexto bilíngue: “Mas hoje estamos no mês Juni”. Essa mesma postura conduz a decisões
pedagógicas de levantar, em certas situações, reflexões com as crianças nas duas línguas, como
quando compara sílabas de “junho” e “Juni” (seção anterior), ou quando sugere que “As letras
são parecidas”.
188

Ler o calendário, registrar a data, dizer o dia de hoje são práticas letradas que
transcendem o reconhecimento de códigos escritos, tendo em vista que são atividades que
dependem de toda uma situação cultural, ideológica, social, histórica de marcar o tempo. O
calendário, afinal, é uma invenção social que altera a forma de entender o tempo em diferentes
culturas (dentre as mais conhecidas mundialmente, cito o próprio calendário cristão, além do
calendário chinês, judaico, islâmico, etc.). O que busco ponderar, aqui, é que as práticas de
letramento envolvendo o calendário exigem a aprendizagem de um universo de questões de
ordem socialmente complexas. Para lidar com essas complexidades, as crianças linguajam de
forma bilíngue, explorando ao máximo os recursos dos quais dispõem, promovendo,
continuamente, novas influências entre as línguas da sua realidade bilíngue e transformando os
letramentos desse contexto.
Destaco, portanto, que dentre as diversas formas de falar, entender, conceber o tempo,
as crianças vão sendo introduzidas à prática letrada de datar eventos através de um modelo de
calendário. Para aprender essa prática, na escola, os estudantes são expostos a recursos
bilíngues, que lhes permitem ampliar seu repertório linguístico para descreverem um mesmo
evento, ao mesmo tempo em que se apropriam dos modos de entendê-lo:

Gravação realizada em sala de aula em 22 set. 21. Fragmento sobre porque quarta-feira
é Mittwoch. (Transcrição acessível para cegos no Apêndice D)
Vamos contar? Eu queria ouvir os meus alunos contando.
Professora Sabrina ((professora vai apontando no calendário enquanto os alunos
(língua portuguesa): contam os dias do mês corrente no calendário))
Alunos: Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze,
doze, treze, catorze, quinze, dezesseis, dezessete, dezoito,
dezenove, vinte, vinte e um, vinte e dois.
Professora Sabrina Vinte e? Dois.
(língua portuguesa):
Alunos: Dois.
Professora Sabrina Vinte e dois de que mês?
(língua portuguesa):
Alunos: Junho? Julho?
Alunos: ((começam a falar vários meses aleatórios na tentativa de
adivinhar o mês da corrente data))
Professora Sabrina A meu chapéu! Que mês?
(língua portuguesa):
Gregório: Setembro.
Professora Sabrina Setembro. E qual é o dia da semana?
(língua portuguesa):
Benício: Mi/Quarta. ((parece que começa a falar Mittwoch, mas muda
a fala para quarta))
189

Professora Sabrina Quarta-feira. Colocar os números ordinais aqui em cima


(língua portuguesa): ajudou vocês, né? A saber qual é a ordem dos dias da
semana. Então vamos lá. ((fala enquanto vai registrando a
data no quadro)) Hoje é dia vinte e dois de setembro. E é
quarta-feira.
Alunos: quarta-feira.
Benício: Mittwoch ((quarta-feira, em alemão))
Professora Sabrina Mittwoch, isso mesmo. E o que que é Mittwoch? Meio da se
(língua portuguesa): -ma-na.
Alunos: mana.
Professora Sabrina Isso a profe também já fez uma vez. Se vocês quiserem, eu
(língua portuguesa): posso repetir. Ó, quarta-feira tem um, dois, três dias pra cá,
um, dois, três dias pra lá ((demonstra que quarta fica do meio
da semana apontando para o calendário da parede)). Por isso
que se chama Mittwoch. Meio da semana. Entenderam? ((faz
uma pequena pausa)) Que que a professora fez uma vez? Eu
pintava quartas-feiras pra criança saber que nós estávamos
no meio da semana /.../
Gregório: E vai ter o quarenta.
Professora Sabrina Será que no calendário tem quarenta?
(língua portuguesa):
Alunos: NÃO.
Mariana: Talvez tenha alguns que têm.
Professora Sabrina Será?
(língua portuguesa):
Benício: Non tem. ((fala desacreditando em Mariana))
Professora Sabrina Ó, nesse aqui a gente já pode dar uma olhada ((aponta para
(língua portuguesa): o calendário da parede)). Será que a gente acha o número
quarenta no calendário?
Gregório: Quarenta e um.
Mariana: Lá em casa tem.
Benício: Isso aqui, isso aqui é quarenta e um ((aponta para um outro
recorte de folha de calendário)).
Professora Sabrina Isso é quarenta e um?
(língua portuguesa):
Mariana: É vinte e um.
Aluno não É trinta e um.
identificado:
Lana: É vinte e quatro.
((cada aluno estava apontando para uma parte diferente do
calendários))
Professora Sabrina Vinte e quatro tem. Mas será que quarenta, o calendário tem
(língua portuguesa): quarenta? É uma boa pergunta. Dava um projeto. Será que
num calendário tem quarenta?
Patrique: Do mercado não tem.
Professora Sabrina Do mercado não tem? Então onde tem?
(língua portuguesa):
Natacha: Lugar nenhum.
190

Professora Sabrina Aonde tem, então? Se do mercado não tem? Esse aqui é do
(língua portuguesa): mercado, é verdade. Esse aqui a Dona ((fala o nome da
diretora)) pegou lá no Hannes pra nós ó, é lá do mercado
Hannes. É verdade. O do mercado não tem ((risos)),
Patrique, mas da tua casa tem?
Mariana: A minha tem.
Professora Sabrina Com quarenta?
(língua portuguesa):
Galdino: A minha também.
Benício: A minha não.
Professora Sabrina Nós temos que estudar esses calendários.
(língua portuguesa): ((alguns alunos ainda ficam mencionando que na sua casa
tem outros que na sua casa não tem calendário com mês de
40 dias))
/.../

Os eventos de letramento envolvendo o calendário, frequentemente, resultam em


práticas de pluriletramentos, nas quais a professora faz uso de múltiplas formas de linguagem:
oralidade, escrita, disposição de figuras para compreender a dimensão numérica, faz uso de
caneta para riscar os dias percorridos e faz registro na lousa – todas elas envolvidas numa prática
que as mistura e entrelaça. Os atores sociais dessa sala de aula adotam um caráter investigativo
para interpretar esse calendário a partir das múltiplas formas de linguagens exploradas
pedagogicamente, que atuam na compreensão sobre o tempo percorrido em uma semana, mês
e ano. Como consequência, as crianças criam hipóteses sobre o tempo, como a
(im)possibilidade de um mês conter 40 dias, por exemplo, ou qual é o dia corrente.
As crianças fazem um trabalho de observação por conta de uma curiosidade natural,
que é estimulada pela professora na condução de perguntas que possam dar margem à
(re)formulação, comprovação ou refutação de suas hipóteses: “calendário tem quarenta?”, “O
do mercado não tem ((risos)), Patrique, mas da tua casa tem?”. Esse processo é fundamental
para o desenvolvimento da consciência dos estudantes acerca do gênero calendário, da função
que exerce, sua estrutura, estilo e representação gráfica.
Nessa ocasião, também observo a possível consciência do menino Benício sobre a
equivalência conceitual entre os termos “Mittwoch” e “quarta”. A professora, percebendo o
reconhecimento do Benício, opta por explorá-lo sob perspectivas linguísticas distintas, mas que
se completam – uma, como meio da semana, outra, como o quarto dia da semana: “Ó, quarta-
feira tem um, dois, três dias pra cá, um, dois, três dias pra lá ((demonstra que quarta fica do
meio da semana apontando para o calendário da parede)). Por isso que se chama Mittwoch.
Meio da semana”. Nesse evento de letramento, destaco, inicialmente, a noção de educação
191

bilíngue na qual as duas línguas dos estudantes são aproveitadas para o trabalho pedagógico
com os conceitos do tempo no calendário. Esse evento de letramento, em particular, valoriza o
bilinguismo e o usa como um recurso do próprio pensamento conceitual em ambas as línguas.
Nesse momento, a mistura entre as línguas, evidentemente, não pode ser encarada como um
problema para o currículo que as compartimentaliza em espaços distintos, uma vez que se torna
estratégia pedagógica de ensinar um gênero discursivo (o calendário) e as práticas sociais a ele
atreladas.
Diante da gestão das línguas a favor do bilinguismo dos alunos nas aulas de língua
portuguesa dessa turma de alfabetização, entendo que a professora toma decisões que não se
limitam ao currículo pensado para o “projeto: implantação do ensino bilíngue” (uma vez que
esse projeto também tem se transformado na realidade das escolas).
Possivelmente, a partir da experiência profissional, de suas próprias crenças
pedagógicas e linguísticas, a professora Sabrina desenvolveu certa autonomia quanto às suas
escolhas educacionais, para além das escolhas da administração pública, embora também haja
conflitos entre elas. Nas palavras de García e Menken (2010, p. 258, tradução minha), “os
educadores respondem à política de acordo com sua própria perspectiva – ideológica,
linguística, cultural, educacional e pedagógica”75, o que implica reconhecer que nem sempre o
modelo de educação bilíngue aparentemente proposto é o modelo de educação bilíngue
praticado nas cenas da sala de aula. Concordo com García e Menken (2010, p. 258, tradução
minha”) quando mencionam que “bons educadores não seguem cegamente um texto prescrito
ou marcham para uma política de ensino de línguas imposta, mas, em vez disso, recorrem a
seus próprios conhecimentos e entendimentos para ensinar” 76. Para isso, é preciso reconhecer
as práticas sociais envolvendo a linguagem que as crianças levam para a escola e transformam
nas salas de aula, em contato com outros letramentos.
A estratégia pedagógica de explorar o conceito do dia da semana nas culturas
linguísticas que se encontram, a partir dos vocábulos “quarta-feira” e “Mittwoch”, é uma
decisão da professora, que se reflete em formas inovadoras de descrever o dia corrente, de ler
o calendário pendurado na parede da sala de aula e de falar sobre a passagem do tempo.

75
“[…] educators respond to the policy according to their own perspective—ideological, linguistic, cultural,
educational, and pedagogical” (GARCÍA; MENKEN, 2010, p. 258).
76
“[…] good educators do not blindly follow a prescribed text or march to an imposed language education policy
but instead draw on their own knowledge and understandings in order to teach” (GARCÍA; MENKEN, 2010, p.
258).
192

Ademais, essas formas inovadoras de interação conduzem também às oportunidades de


aprendizagem com relação aos letramentos envolvendo o calendário em si.
É diante dessas oportunidades de aprendizagem que proponho compreender, aqui nesta
tese, a gestão das línguas para uma educação linguística amparada na abordagem da
translinguagem e dos pluriletramentos. Tal abordagem se alinha à percepção de práticas
linguísticas como “estratégicas e criativas sempre que utilizadas com propósito claro de
responder aos desafios e mudanças trazidas pela diversidade, pela tecnologia e pela mobilidade
em contextos específicos” (LUCENA, 2021, p. 30). A partir desses desafios, pois, a atividade
social é praticada também pela linguagem (PENNYCOOK, 2010). Por isso, as crianças repetem
recursos linguísticos de um ato comunicativo para outro, relocalizando, de certa forma, os
conhecimentos que aprendem em uma sala de aula para as atividades da outra.
O planejamento pedagógico que envolve as duas línguas do contexto de aprendizagem
do aluno atua a favor das suas oportunidades em analisar e refletir sobre similaridades e
diferenças linguísticas, tais como de fonologia, morfologia, sintaxe e pragmática (MEGALE,
2017).

Desse modo, os alunos têm a oportunidade de se engajar no que se denomina de


análise contrastiva e, assim, se tornarem mais hábeis na transferência do que eles
aprenderam em uma língua para a outra. Em contrapartida, esse posicionamento em
relação à construção da escrita e da leitura em duas ou mais línguas não pode ser
adotado a partir de uma perspectiva monoglóssica de língua na qual cada uma delas
opera independentemente uma da outra, desconsiderando que as práticas linguísticas
de sujeitos bilíngues são fluidas e não compartimentalizadas. Nessa perspectiva,
entende-se equivocadamente que bilíngues passam por dois processos de
alfabetização que são independentes e que um não interfere no outro. (MEGALE,
2017, p. 10).

A seguir, apresento outro excerto das gravações realizadas na sala de aula bilíngue de
língua portuguesa, no qual a professora retoma brevemente os termos “Mittwoch” e “quarta-
feira” numa estratégia de tradução, possivelmente como lembrança das discussões realizadas
com a turma quanto ao conceito que os vocábulos possuem nas suas culturas linguísticas. Essa
estratégia, na sala de aula bilíngue de língua portuguesa, conduz as crianças a reconhecerem-se
no tempo mensurado pelo calendário a partir de conhecimentos conceituais construídos nas
duas línguas de seu contato.

Gravação realizada na sala de aula bilíngue de língua portuguesa em 10 nov. 21.


Fragmento sobre a quarta-feira em alemão (Transcrição acessível para cegos no Apêndice
D).
/.../
193

Professora Sabrina Hoje é dia dez de novembro.


(língua portuguesa):
Nádia: E quarta-feira.
Professora Sabrina Quarta -feira
(língua portuguesa):
Nádia: o quarto dia da semana.
Professora Sabrina Isso! Ou, ainda, em alemão, Mittwoch, né, meio da semana.
(língua portuguesa):
Nádia: E é o dia da profe Luana.
Bella: Ó, tem uma coisinha ((incompreensível))
Professora Sabrina Sim, tudo isso são referências.
(língua portuguesa): /.../

A prática pedagógica orienta as crianças à construção de sentidos para as


nomenclaturas usadas no calendário, explorando vocábulos de ambas as línguas de seu
repertório para fazer referência a um mesmo dia da semana. Nesses termos, entendo que,
independentemente de um currículo que idealize “limites linguísticos”, a sensibilidade
pedagógica conduz para tentativas de construir uma sala de aula para o bilinguismo. Nos
eventos aqui socializados, pois, há tentativas de enriquecer o repertório dos alunos e lhes
atribuir a agentividade para escolherem termos, expressões, recursos linguísticos que
expressem o conceito temporal necessário para reconhecerem o dia da semana: “Quarta-feira
/.../ Ou, ainda, em alemão, Mittwoch, né, meio da semana.”.
Diante dos eventos de pluriletramentos na sala de aula bilíngue de língua portuguesa,
o bilinguismo da professora também se torna um recurso para desenvolver essa agentividade
das crianças. Gradativamente, os estudantes vão participando dos eventos de leitura do
calendário e registro da data a partir das suas próprias vozes, criando modos de descrever os
dias e meses que identificam no calendário, e mantendo os sentidos convencionalmente
estabelecidos no meio social onde se situam. Como destacam Yip e García (2017, 171), “o
aprendizado só ocorre quando nós temos voz”, o que conduz a percebermos que é nos
pluriletramentos, constituídos a partir da translinguagem, que as crianças passam a
compreender, na sua própria voz, o tempo representado no calendário pendurado na parede da
sala de aula ou das suas próprias casas. A consciência metalinguística das crianças acerca do
calendário também se desenvolve na translinguagem, a partir da qual ampliam seus repertórios
e passam a reconhecer os diferentes recursos linguísticos utilizados (na escola e fora dela) para
as práticas de falar sobre as datas ou registrá-las. Por isso, Yip e García (2017, p. 169) enfatizam
a importância de professores compreenderem “o repertório linguístico completo dos alunos
como um recurso adicional para aprender, e não como um problema a ser resolvido”.
194

O bilinguismo da professora alfabetizadora contribui para esse trabalho que considera


o repertório linguístico completo do aluno. Por outro lado, esse bilinguismo, por si só, não
garantiria uma pedagogia sensível ao plurilinguismo. A sua formação pedagógica, o programa
de educação bilíngue ou a administração pública, de modo geral, poderiam marginalizar as
práticas de linguagem resultantes dos contatos das línguas, como a translinguagem.
Consequentemente, atitudes negativas quanto ao alemão na sala de aula bilíngue de língua
portuguesa conduziriam a uma gestão da língua alemã como problema para ser enfrentado no
ensino de língua portuguesa. A escola bilíngue, com o amparo nas orientações que recebe da
administração pública, da universidade, dos materiais pedagógicos, se torna um espaço de
política linguística que pode legitimar as práticas de linguagem resultantes dos contatos entre
as línguas, ou pode conflituar com tais práticas, colocando, como critica Berger (2015, p. 201),
“cada língua na sua caixinha”, no sentido de demarcar limites linguísticos.
Neste momento, destaco que a própria leitura de um calendário e registro da data no
quadro e caderno constituem algumas das práticas de letramento de âmbito escolar, mas que
podem ser iniciadas em casa, com a família, recebendo influências das identidades bilíngues
formadas fora da escola. No breve excerto a seguir, que também abre o título principal da seção,
Mariana conta para a professora que o Opa (avô, em alemão) já ensinou o calendário para ela
antes mesmo de precisar fazer as atividades escolares:

Gravação realizada em sala de aula em 20 out. 21. Fragmento sobre o Opa da Mariana
tê-la ensinado a ler o calendário (Transcrição acessível para cegos no Apêndice D).
Professora Sabrina ((professora vai distribuindo os livros de língua portuguesa
(língua portuguesa): entre as crianças)) Tema a ver com o calendário ((comenta
sobre a atividade que farão no livro)).
Mariana: Profe!
Professora Sabrina Oi?
(língua portuguesa):
Mariana: Eu acho que eu já sei ver. O meu Opa já me ensinou isso.
Professora Sabrina É? Então você vai aproveitar o que o Opa te ensinou pra ajudar
(língua portuguesa): os amigos saberem mais um pouco sobre a função do
calendário. Tá bom, querida? Então você vai poder ajudar os
outros, tá bom, minha querida?

Com esse breve recorte da interação, procuro ilustrar uma realidade acerca dos
letramentos desses alunos: as crianças aprendem a ler (emprego o verbo, aqui, num sentido
social do termo, e não cognitivo) de diferentes formas, com pessoas diferentes, a partir de
diferentes perspectivas linguísticas, pois o letramento é construído dentro das comunidades
onde vivem, e não exclusivamente na escola. Por isso, há eventos que, de certa forma,
195

transgridem os letramentos tradicionalmente pedagogizados, desencadeados de outras práticas


das quais não conseguimos observar diretamente. Assim como o Opa da Mariana lhe ensina a
ler o calendário em casa, certamente, há outras práticas de letramento que essas crianças levam
de suas casas para a escola, interferindo-as e modificando-as.
O reconhecimento dessas práticas de letramento possibilita compreender a sala de aula
como um ambiente que reflete o mundo social fora da escola. Logo, a sala de aula também é
permeada por uma diversidade de práticas de linguagem. As línguas, fora da escola, influenciam
comportamentos para dentro dela; e as formas como nós, enquanto professores e pesquisadores,
lidamos com essas línguas, certamente, também influenciam nas atitudes e comportamentos
linguísticos na escola. Nas palavras de Pennycook (2000, p. 102, tradução minha):

A sala de aula é um microcosmo do mundo social e cultural mais amplo, refletindo,


reproduzindo e mudando esse mundo. [...] Tudo fora da sala de aula, desde as políticas
linguísticas aos contextos culturais da escolarização, pode ter impacto no que acontece
na sala de aula. E tudo na sala de aula, desde como ensinamos, o que ensinamos e
como respondemos aos alunos, até os materiais que usamos e as formas como
avaliamos os alunos, precisa ser visto como práticas sociais e culturais com amplas
implicações. O desafio é entender essas relações e encontrar formas de sempre focar
no local e, ao mesmo tempo, olhar para os horizontes mais amplos. A visão das
paredes de nossa sala de aula como permeáveis significa que o que fazemos em nossas
salas de aula é para mudar os mundos em que vivemos.77

De modo geral, com base nos registros de pesquisa aqui debatidos, entendo que a
língua alemã, a partir de questões sociais a ela imbricadas, atravessa as interações da sala de
aula bilíngue de língua portuguesa, resultando em práticas de pluriletramentos. Os
pluriletramentos, sem dúvidas, estão no convívio social fora da escola, como em matérias de
jornais, em receitas familiares, músicas, etc.
Esses pluriletramentos adentram a escola e transformam a leitura e a escrita quanto ao
modo como tradicionalmente são concebidas. Dentre as práticas de letramento da sala de aula
bilíngue de língua portuguesa, há momentos de conversas sobre a rotina do dia, o calendário, a
história lida, etc., que se distanciam, muitas vezes, dos padrões monolíngues e grafocêntricos

77
The classroom is a microcosm of the larger social and cultural world, reflecting, reproducing and changing that
world. […] Everything outside the classroom, from language policies to cultural contexts of schooling, may have
an impact on what happens in the classroom. And everything in the classroom, from how we teach, what we teach,
and how we respond to students, to the materials we use, and the ways we assess the students, needs to be seen as
social and cultural practices with broad implications. The challenge is to understand these relationships and to find
ways of always focusing on the local while at the same time keeping an eye on the broader horizons. The view of
our classroom walls as permeable means that what we do in our classrooms is about changing the worlds we live
in. (PENNYCOOK, 2000, p. 102).
196

tradicionalmente estabelecidos nos letramentos escolares. Esse distanciamento pode ser


observado nas práticas que vêm de casa para a escola (“O meu Opa já me ensinou isso”) e no
trabalho pedagógico voltado a uma formação linguística a partir das duas línguas da educação
bilíngue (“Mas hoje estamos no mês Juni”, “Dia dezesseis de que mês? /.../ Juni”). De algum
modo, essas práticas de linguagem são reconhecidas pela professora como um recurso para o
estudo do gênero discursivo calendário: “Então você vai aproveitar o que o Opa te ensinou pra
ajudar os amigos saberem mais um pouco sobre a função do calendário”; “Por isso que se
chama Mittwoch. Meio da semana”. Como pontuado ao longo desta subseção, a agentividade
das crianças configura, nesses momentos, as possibilidades que têm de expressarem suas ideias
e ações a partir de diferentes recursos linguísticos e de se conscientizarem sobre tais recursos.

6.2.2 “A minha Oma faz almoço”: a linguagem como recurso para significar identidades
e modificar letramentos escolares

A prática de linguagem corresponde a atividades das quais a língua emerge, ou seja, é


o que cada pessoa faz, age e performa de modo socialmente engajado e localizado em dado
espaço físico-temporal, que está sempre em movimento e interação (PENNYCOOK, 2010).
Nesses termos, as práticas de ensinar e aprender uma língua, as práticas de letramentos, de
alfabetização, são práticas de linguagem das quais resultam certas consequências político-
ideológicas. Tendo isso em vista, apresento, a seguir, o excerto de diário de campo, no qual
relato uma prática de letramento baseada na relocalização das atividades sociais de compra e
venda para dentro do espaço educacional:

Diário de Campo, 03 nov. 21, sobre a atividade de “vendinha”


Nesse dia, eu estava sentada ao lado do Benício na sala de aula bilíngue de língua
portuguesa. Benício havia completado a tarefa passada pela professora antes dos
demais alunos a completarem também. Então, começou a conversar em tom mais baixo
comigo (para não distrair os colegas). Mostrando uma folha de papel com o desenho
de um soverte, ele contou que hoje, na aula de alemão, comprou esse sorvete e que
custou “drei real” (três reais). Em seguida, explicou que a dinâmica consistiu em cada
aluno receber dez reais fictícios. Na sala de aula bilíngue de língua alemã, a professora
montou uma vendinha em que os objetos de compra eram os desenhos (desenho de
boneca, desenho de carrinho, desenho de bola, de sorvete, etc.). Tais desenhos
possuíam valores distintos de “mercado”. Cada aluno poderia adquirir o que quisesse,
desde que respeitasse o valor fictício que possuía na mão (dez reais). Entendi, nessa
conversa com o Benício, que as crianças puderam refletir sobre o capital financeiro
necessário para adquirir os bens de consumo de seus desejos, somando e subtraindo os
valores em dinheiro fictício que ganharam e gastaram. Mais adiante, na aula, a
197

professora alfabetizadora deu oportunidade para as crianças mostrarem os desenhos


que adquiriram na vendinha da sala de aula bilíngue de língua alemã, oportunizando
também o compartilhamento de seus aprendizados no dia.

A atividade de “vendinha” promovida na sala de aula bilíngue de língua alemã, que


repercutiu assunto na conversa iniciada pelo Benício, ilustra como essas professoras do
primeiro ano do ensino fundamental buscam as dimensões sociais e culturais na escola. Benício,
por exemplo, cita que um de seus desenhos, que representava o desejo de comprar um sorvete,
custou “drei real” fictícios. Os valores numéricos, recém trabalhados em alemão com as
crianças, fazem parte dessa interação de Benício comigo, bem como das práticas de linguagem
que comumente podem ser observadas no comércio local. As crianças performam, na sala de
aula, padrões de comunicação da vida real, que acabam integrando também as atividades
pedagógicas. Para tanto, nas atividades mais espontâneas, as professoras assumem a
translinguagem, e isso, segundo García (2009), contribui para que os estudantes possam
construir novos entendimentos e dar sentido às experiências da escola e fora dela, bem como
adquirir novas maneiras de linguajar.
Essas formas como os alunos e as professoras se comunicam, nas diversas atividades
da sala de aula, corriqueiramente, sugerem a participação em práticas de pluriletramentos, a
partir das quais uma atividade social (como comprar um sorvete) pode ser repetida na sala de
aula, embora o seja, obviamente, de forma diferente daquela realizada na rua, em uma
sorveteria. Pennycook (2010, p. 137, tradução minha) esclarece que fazer de novo é fazer
diferente, uma vez que “[...] a linguagem como uma prática local não é apenas uma atividade
social repetida envolvendo a linguagem, mas também é, por meio de sua relocalização no
espaço e no tempo, um processo de mudança”78.
As crianças estudam, refletem, praticam a linguagem em sala de aula, mas não
reproduzem mecanicamente os letramentos da forma como são apresentados pela escola, assim
como não repetem exatamente suas ações linguísticas provenientes da rua, família, etc., para
dentro do ambiente educacional. Elas inovam suas práticas de linguagem e, portanto, os
letramentos no modo como “relocalizam” (PENNYCOOK, 2010) as atividades sociais locais,
como na compra de um soverte por “drei real”, ou, ainda, na forma de interpretar o calendário,
no modo de escrever uma tarefa de língua portuguesa, etc.

78
“[…] language as a local practice is not only repeated social activity involving language, but is also, through its
relocalization in space and time, a process of change.” (PENNYCOOK, 2010, p. 137).
198

A seguir, trago recortes de eventos da sala de aula bilíngue de língua portuguesa que
também representam as práticas de linguagem locais na escrita de uma tarefa de casa passada
pela professora de língua portuguesa. Os estudantes precisavam registrar por escrito o que seus
familiares fazem enquanto as crianças estão na escola. A atividade escrita foi desdobrada na
oralidade em sala de aula:

Gravação realizada em sala de aula em 10 nov. 21. Fragmento sobre leitura da tarefa “O
que sua família faz quando você está na escola?” (Transcrição acessível para cegos no
Apêndice D).
Professora Sabrina Liam, o que você descobriu? O que os seus pais fazem
(língua portuguesa): quando você está na escola?
Liam: ((responde sem precisar fazer a leitura do que escreveu na
tarefa)) Minha mãe lava a roupa, ela, ela arruma a casa.
Professora Sabrina Uhum. Uhum. E o seu pai?
(língua portuguesa):
Liam: O meu pai trabalha.
Professora Sabrina E os seus irmãos?
(língua portuguesa):
Liam: O ((fala o nome do irmão)) faz tarefa de português, alemão,
aqui na escola. E o ((fala o nome de outro irmão)) faz
atividades na creche dele.
/.../
Professora Sabrina /.../ Enquanto a Jaqueline se organiza, Bella, que que você
(língua portuguesa): descobriu?
Bella: ((já faz a leitura sozinha, decodificando o que conseguiu
escrever no próprio livro)) A minha Oma faz almoço.
Trabalham na empresa. Em casa, fazem faxina.
Professora Sabrina Muito bem, Bella, muito bem. E você, Levi, o que você
(língua portuguesa): descobriu? /.../

A menina Bella desempenha, de forma bem-sucedida, a tarefa de língua portuguesa,


escrevendo e lendo que a “Oma faz almoço. Trabalham na empresa. Em casa, fazem faxina.”.
A professora Sabrina, então, reconhece o desempenho de Bella com aprovação: “Muito bem,
Bella, muito bem.”. Nesses termos, uma prática de pluriletramentos é promovida na sala de
aula, a partir da tarefa de Bella, e aprovada pela voz de autoridade da professora como uma
atividade de língua portuguesa.
O termo “Oma”, nessa sala de aula, desvela uma forma de ressignificar a linguagem
escrita na escola e incluir a identidade linguística local a partir da menção dos possíveis elos
mais fortes que as crianças possuem com a língua alemã fora da escola: seus avós. Nesse
recorte, apresento apenas a leitura de Bella quanto à menção à “Oma”, mas outras crianças
também falam da própria Oma ou do Opa (avô, em alemão) na mesma atividade, a partir desses
199

mesmos termos, o que parece indicar um vínculo próximo com os avós no cotidiano e os
vestígios da língua que falam.
É importante reconhecer que a prática linguística de Bella é regulada por um conjunto
de regras implícitas à interação, aceitas pela professora porque, possivelmente, já se tornaram
normalizadas em Pomerode, como integrantes das interações verbais. Nesse sentido, entendo
que a seleção de palavras para a referência aos avós, feita pelas crianças na tarefa de português,
não ocorra ao acaso, mas constitua um processo ideológico das diferenças linguísticas, e que,
possivelmente, já caracterizam uma “prática de linguagem local” (PENNYCOOK, 2010). É
possível que os avós ensinem às crianças a chamá-los de Opa e Oma como um traço linguístico
que, muito mais do que traduzir sua hierarquia genealógica na família, representa a que grupo
pertencem, como um elo identitário.
Alguns termos de origem alemã, que se integram às interações predominantemente em
língua portuguesa, passam a integrar não só as práticas de linguagem locais, como também
aspectos da identidade teuto-brasileira em si. Pensar essa identidade como sendo “local” requer
situar o seu processo de formação na “mobilidade” das práticas sociais e linguísticas
(PENNYCOOK, 2010). Essas práticas, pois, resultam e são resultado das maneiras particulares
das pessoas fazerem as coisas e darem sentido aos espaços onde as fazem (PENNYCOOK,
2010). Diante disso, não é que “Oma” e “Opa” sejam palavras, simplesmente, introduzidas à
língua portuguesa como novos vocábulos representativos de uma identidade linguística. Mais
do que isso, as pessoas ressignificam socialmente o que associam a esses termos e performam
suas identidades em práticas de linguagem locais, tornando-os, de certa forma, traços
linguísticos icônicos dessas identidades numa dinâmica de interações complexas, em que uma
língua atravessa a outra, transgredindo, inclusive, os padrões de letramentos escolares.
Nesse processo ideológico, pretendo chamar a atenção, em particular, para o
questionamento que Irvine e Gal (2000) fazem ao modo como as próprias ideologias das
pessoas contribuem para uma mudança da língua. Nesse caso, certamente, há uma mudança na
“prática de linguagem local” (PENNYCOOK, 2010), em que certos termos (como Opa e Oma)
se integram com aceitabilidade na oralidade ou escrita das aulas de língua portuguesa. Nesse
aspecto, também apresento o excerto a seguir, no qual a aluna Mariana parece projetar
diferenças ideológicas em relação aos termos “Oma” e “vó”:

Gravação realizada em sala de aula em 10 nov. 21. Fragmento sobre a leitura da história
da Vó Nana, que se desdobrou na conversa acerca da composição familiar das crianças
(Transcrição acessível para cegos no Apêndice D).
200

Professora Sabrina O nome dessa história é Vó Nana. Quem escreveu foi


(língua portuguesa): Margaret Wild e Ron Brooks. A editora é a Brinque Book /.../
((professora realiza a leitura da história para as crianças e as
crianças vão interagindo no desenrolar da narrativa))
Olha só como ela deixou o quarto da vó bonito, gostoso pra
dormir.
Depois, deitou-se na cama de Vó Nana, apertou-a em seus
braços e, pela última vez, Vó Nana e Neta ficaram bem
abraçadinhas até o dia clarear.
((professora vira a última página do livro)) O que que
aconteceu com a vó Nana? ((professora pergunta mostrando a
última ilustração do livro, apontando para um feixe de luz e
uma pomba branca))
Mariana: Morreu?
Professora Sabrina Morreu ((diminui o tom de voz)).
(língua portuguesa):
Levi: A vó morreu? ((pergunta em tom aparentemente triste ou
decepcionado))
Professora Sabrina E a neta ficou so- zinha.
(língua portuguesa):
Levi: zinha ((tom de voz baixo)).
Professora Sabrina A neta teve que aprender a viver sem a vó.
(língua portuguesa):
Saulo: Mas ela não tem mãe?
Professora Sabrina Você sabia que as vezes as crianças são criadas pelos avós?
(língua portuguesa): Porque a história diz aqui que a vó, que a:::, que a neta e a vó
já viviam juntas ó, há muito, mu:::ito tempo. Então, às vezes,
as crianças são criadas pelas avós. Fala, Maitê ((aponta para a
Maitê para lhe dar turno de fala)).
Maitê: A minha mãe, ela não tinha nem pai e nem mãe. Ela nasceu
pela minha vó.
Professora Sabrina Só que a tua vó é a mãe dela, né. E a tua vó, ajuda a te cuidar,
(língua portuguesa): Maitê?
Maitê: ((faz sinal positivo com a cabeça))
/.../
Professora Sabrina Tranquila! A vovó botou tudo em dia, preparou a neta pra isso,
(língua portuguesa): né.
((professora olha para Mariana e faz uma pergunta)) Tu
também mora com a tua vó, né?
Mariana: ((fica um instante quieta e responde)) Com a minha Oma eu
moro ((aparentemente, corrige a informação perguntada pela
professora)).
Professora Sabrina Isso, com a Oma ((confirma a informação da Mariana)). Todo
(língua portuguesa): mundo junto, né?
Saulo: Ó, ó...
Professora Sabrina Só um pouquinho, deixa a Mariana falar.
(língua portuguesa):
Mariana: Aí tem a minha Oma, meu Opa, minha mãe, meu pai, minha
irmã /.../
201

A leitura da história é um evento de letramento cotidiano que sempre gera uma


conversa entre os alunos e a professora, promovendo reflexões sobre as narrativas e sobre os
fatos da vida. Como consequência, as crianças costumam fazer referência às suas famílias, o
que gera menção à “Oma” e ao “Opa”. Ao que tudo indica, nesse evento, em particular, Mariana
participa da interação partindo do termo “Oma” (“Com a minha Oma eu moro”), em resposta
ao termo “vó” empregado pela professora (“Tu também mora com a tua vó, né?”). Nas relações
cotidianas da sala de aula, advirto que Mariana compreende o significado de “vó”, embora não,
necessariamente, se identifique com ele nessa ocasião. À vista disso, é imprescindível
reconhecermos que as palavras “Oma” e “vó” são carregadas de sentidos, projetando, no
repertório de Mariana, diferenças que não são tão somente linguísticas, mas, sobretudo,
ideológicas.
A pergunta que a professora direciona à Mariana (“Tu também mora com a tua vó,
né?”) adquire um sentido para a menina, que é socialmente construído. O termo “vó” se torna
um recurso linguístico utilizado para expressar uma identidade outra, que difere daquela que a
menina vincula ao uso de “Oma”, ainda que o significado, num sentido restritamente
dicionarizado, pudesse ser o mesmo. Nesse caso, tais termos são empregados para significar a
complexidade das identidades locais, que podem ou não ter um vínculo teuto-brasileiro, e não
necessariamente para uma mudança de código linguístico (como pressupõem certas abordagens
do code-switching).
A criatividade linguística desses estudantes de um primeiro ano bilíngue de ensino
fundamental, seja na forma como Mariana intervém sobre morar com a Oma (e não com a vó),
seja na forma como Bella transgride os tradicionais letramentos escolares (escrevendo e lendo
sobre a atividade da Oma – e não da vó – na tarefa de português), desvela como as línguas estão
redefinindo as identidades nesse contexto e como essas identidades estão modificando as
línguas e seus respectivos letramentos.
Ao reconhecer “Oma” e “Opa” como traços linguísticos identitários, admito que tais
palavras não podem meramente ser traduzidas para cumprir com as atividades pedagógicas de
língua portuguesa, porque ideologicamente não se traduzem em “vó” e “vô” para essas crianças.
Suas funções transcendem, como mencionei anteriormente, a de indicar um elo de parentesco
numa árvore genealógica. As crianças, quando falam, leem e escrevem sobre a “Oma” ou o
“Opa”, nas atividades da sala de aula bilíngue de língua portuguesa, estão fazendo usos criativos
202

da linguagem que transformam tanto o que entendemos por língua portuguesa quanto o que
entendemos por língua alemã, em práticas que desinventam e reinventam o que é língua.
Nesses termos, considero pertinente destacar que as crianças não parecem fazer uma
relação direta desses recursos linguísticos à nação alemã, ainda que as línguas portuguesa e
alemã, em Pomerode, sejam constantemente representadas por símbolos nacionais, como suas
respectivas bandeiras, por exemplo. Na dissertação de Cardoso (2015), podemos observar um
fenômeno igualmente interessante quanto à escola bilíngue de línguas portuguesa e inglesa,
onde os estudantes de ensino médio hibridizam as duas línguas para agirem criativamente nas
interações entre si ou com seus professores. A autora, então, sugere que comecemos a olhar
para esses fenômenos desvencilhando-nos da cultura nacional como fonte exclusiva para a
constituição de identidades culturais.
O processo de formação de identidades, afinal, é muito mais dinâmico e diversificado
do que sugerem as narrativas nacionalistas. Por isso, parto do princípio de que identidade local
não se restringe a apenas uma localidade física e temporal, mas abarca as ideologias linguísticas
a ela atreladas, os modos locais de agir socialmente, de desenvolver práticas de linguagem
(PENNYCOOK, 2010).
Na educação bilíngue em discussão nesta tese, como venho destacando, o português e
o alemão são línguas que se influenciam mutuamente nas interações da comunidade, o que
implica em práticas de linguagem inovadoras, que acabam se distanciando das estanques formas
tradicionais de concebê-las. Rajagopalan (2003, p. 61), aliás, postula que “O traço mais visível
da identidade linguística nesses tempos pós-modernos é a mestiçagem, da qual nenhuma língua
escapa hoje em dia” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 61).
As práticas de linguagem dos estudantes da educação bilíngue de Pomerode rompem,
então, com as expectativas de um “falante ideal, não contaminado pelo contato com os outros”
(RAJAGOPALAN, 2003, p. 63), potencialmente, modificando o que entendemos por língua
nas aulas de língua portuguesa. Como ações provenientes do contato entre diferentes pessoas,
grupos sociais ou culturas, as práticas de linguagem, nesse contexto, conduzem a interações
inovadoras, a novas formas de comunicação e expressões de identidades. Consequentemente,
os usos da língua portuguesa, especialmente nesse cenário de educação bilíngue, reivindicam
misturas como um processo constitutivo dessa língua e, portanto, da educação linguística.
Tais misturas dependem, é claro, dos recursos e valores culturais dos quais os falantes
dispõem. Os usos dos termos “Oma” e “Opa”, anteriores ao início do processo de escolarização
dessas crianças, constituem uma dinâmica comunicativa corriqueira nas suas vidas. Como é
203

possível observar, essa dinâmica não impõe fronteiras definidas entre português e alemão, mas
inova a língua e os letramentos nas tarefas da sala de aula bilíngue de língua portuguesa, e
possibilita que as crianças performem, através de seus recursos linguísticos, suas identidades
locais. A legitimidade concebida ao uso desses recursos linguísticos é uma política promovida
pela professora no contexto de alfabetização dessas crianças. No entanto, volto a mencionar
que as orientações documentadas no projeto sala bilíngue, ou na organização curricular do
município, ainda carecem de uma abordagem para essas práticas, antevendo as possíveis
atitudes linguísticas dos professores diante da translinguagem e de planejamentos que
vislumbrem os pluriletramentos. Por isso, considerando o valor dos documentos dentro dos seus
próprios contextos de produção, reitero a importância de revisitá-los, constantemente, num
diálogo entre seus elaboradores originais, demais professores, alunos e administração pública
de modo geral, a fim de dar continuidade às proposições inicialmente pensadas, preencher
lacunas de novas demandas que foram surgindo desde tais proposições, e orientando os novos
profissionais que chegam a essas escolas e não participaram, necessariamente, da sua
constituição em um programa bilíngue.
Concordo com Rajagopalan (2013) quando defende a participação dos atores sociais
envolvidos com a educação para a elaboração da política linguística. A partir de um
posicionamento crítico à tradição da linguística teórica, que tende a fundamentar uma política
linguística ditando como as línguas devem ser ensinadas (RAJAGOPALAN, 2013), precisamos
levar em conta as ideologias, embates e práticas de dentro e fora da sala de aula para a inclusão
das crianças ao longo dos seus próprios processos de aprender. A sala de aula bilíngue de língua
portuguesa, onde o conteúdo de ensino é a própria língua portuguesa, pode se ancorar em
práticas translíngues e de pluriletramentos para ajudar os alunos a compreenderem os processos
de comunicação e se compreenderem neles, permitindo-lhes protagonismos sobre suas
aprendizagens.

6.3 “A SONDAGEM É FEITA SÓ EM PORTUGUÊS”: CONSIDERAÇÕES SOBRE A


AVALIAÇÃO NO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO EM POMERODE

A observação participante ao longo de um ano escolar, na educação bilíngue de


Pomerode, permitiu-me levantar algumas reflexões sobre os pluriletramentos nas práticas que
se constituem na escola e sua relação com as orientações das diretrizes municipais presentes no
currículo educacional, no projeto de educação bilíngue e nas posturas de atores sociais que
204

fazem parte desse cenário educacional. Nesse sentido, reitero a vontade pedagógica de
introduzir, à sala de aula, práticas sociais de letramento que levem em conta o local. Para isso,
a verificação e análise de como procedem as pessoas que participam dessas práticas fora da
escola (cf. GARCEZ, 2019), em atividades sociolinguísticas altamente fluidas, se tornaram
estratégias para a promoção de ações com a linguagem para propósitos ampliados, irrestritos às
conquistas exclusivamente acadêmicas, associadas a concursos, avaliações, classificações em
índices, etc.
Nesse aspecto, destaco as orientações voltadas à avaliação na disciplina de língua
alemã, presentes na Proposta Curricular de Pomerode:

Concordamos com Zabala (1998) quando diz que é importante começar com a
avaliação dos conhecimentos prévios dos alunos para bem poder avaliar a aquisição
de conhecimentos no processo. A avaliação da trajetória do educando é de suma
importância pra avaliar e reavaliar o que é necessário continuar a fazer e o que é
preciso fazer de novo (POMERODE, 2004, p. 89)

Entretanto, no letramento que predomina no domínio escolar, de forma geral, também


se refletem práticas voltadas aos sistemas avaliativos criados justamente para mensurar aspectos
de aquisição da linguagem escrita. Esses sistemas podem atuar como mecanismos políticos
relacionados às crenças sobre o que conta como língua, regulando até mesmo as atividades
pedagógicas corriqueiras. Tais avaliações, nem sempre, conseguirão abarcar os conhecimentos
do aluno no seu processo de aprendizagem. A partir dessas crenças, que, no discurso
hegemônico, se constituíram como verdades absolutas sobre as línguas, mencionei, ao longo
desta tese, a importância da “desinvenção” da língua (MAKONI; MEINHOF, 2006; MAKONI;
PENNYCOOK, 2015), no sentido de “questionar[mos] as formas pelas quais as línguas foram
construídas e procurar maneiras alternativas de pensar a linguagem.” 79 (PENNYCOOK, 2010,
p. 5, tradução minha). A invenção de língua, já apresentei, pode ser observada como resultado
de diferentes “processos ideológicos” (IRVINE; GAL, 2000), que, não raro, contribuem, para
uma suposição de monolinguismo normativo nos sistemas educacionais.
Por outro lado, quando a escola parte dos letramentos de forma plural, englobando as
múltiplas linguagens situadas no tempo e no local plurilíngue onde as práticas sociais são
produzidas, observo, em Pomerode, uma maneira alternativa de conceber a linguagem no meio
educacional. Nesses termos, as questões relacionadas ao discurso dominante sobre a língua e

79
“[…] to question the ways in which languages have been constructed and to look for alternative ways of thinking
about language.” (PENNYCOOK, 2010, p. 5).
205

às formas como as pessoas interagem socialmente também se tornam pauta de reflexão


pedagógica na escola campo desta pesquisa, podendo ganhar alguma visibilidade nas reflexões
sobre a avaliação escolar.
Diante desses aspectos, considero pertinente, nesta tese, destinar um espaço de debate
para um sistema de avaliação adotado em Pomerode, a partir de uma prática denominada
sondagem. Afinal, esse sistema também manifesta as ideologias perpetuadas por políticas
linguísticas que podem tanto estar ligadas à promoção quanto à interdição do plurilinguismo.
Para isso, contudo, desdobro essa discussão em três subseções, iniciando com algumas
considerações sobre as hipóteses infantis de desenvolvimento da linguagem escrita dentro da
sala de aula bilíngue de língua portuguesa, seguindo, nas duas últimas subseções, às discussões
sobre a sondagem em si.

6.3.1 Compreensões sobre o sujeito bilíngue e seus processos de alfabetização

No segundo capítulo desta tese, argumentei que o desenvolvimento da linguagem


escrita de crianças em situação de plurilinguismo caminha de forma diversificada, e não
homogênea. Destaco que esse desenvolvimento é, costumeiramente, observado a partir de
quatro hipóteses de alfabetização, dentre as quais se identifica a escrita infantil em fase: pré-
silábica, silábica, silábica-alfabética e alfabética (FERREIRO; TEBEROSKY, 1988 [1981]).
Cada uma dessas fases, portanto, pode se manifestar de diferentes formas para cada criança,
especialmente quando se tratam de cenários plurilíngues.
Essas hipóteses de desenvolvimento da linguagem escrita são formadas como uma
atividade intelectual complexa que constitui o conhecimento da relação grafema-fonema, mas
não se reduz a ele. Afinal, também é necessário compreender dimensões culturais sobre a
escrita, como a própria direção espaço-visual adotada. Conforme Ferreiro (1988 [1985], p. 36),
“para a criança, trata-se de compreender a estrutura do sistema de escrita, e que, para conseguir
compreender o nosso sistema, realiza tanto atividades de interpretação como de produção”. No
processo em que a criança, gradativamente, compreende as formas de estar no mundo letrado e
plurilíngue, durante a aquisição da linguagem escrita, a consciência fonológica desempenha um
papel central para sua alfabetização.
Na Figura 12, podemos observar as tentativas de representação escrita de palavras do
campo semântico trabalhado pedagogicamente nas parlendas “Batatinha quando nasce” e
“Macaca Sofia”, dentro da sala de aula bilíngue de língua portuguesa:
206

Figura 13 – Hipóteses de escrita das crianças.

FONTE: Registro gerado para o diário de campo desta pesquisa em 10 nov. 21 a partir de gravações realizadas
na sala de aula bilíngue de língua portuguesa.
Descrição da imagem para cegos: A imagem contém uma lousa branca na qual há registros das tentativas de
escrita de palavras das crianças do primeiro ano do ensino fundamental.

Nessas tentativas de representação escrita de palavras na lousa, as crianças


demonstram algumas de suas hipóteses de desenvolvimento da linguagem escrita. Há, na lousa,
três palavras (DORME, MENINA, MACACA), que, possivelmente, indicam que os alunos que
as escreveram já alcançaram uma hipótese alfabética em língua portuguesa, demonstrando seu
desenvolvimento de consciência do fonema (na compreensão da relação grafema-fonema).
Segundo Buin, Ramos e Silva (2021), quando atingem o nível da consciência fonêmica, as
crianças conseguem “reconhecer que uma palavra é um conjunto organizado de fonemas e que
a troca, a reorganização ou a exclusão de uma dessas unidades dos sons da fala pode mudar o
significado da palavra ou até formar uma não palavra, uma pseudopalavra” (BUIN; RAMOS;
SILVA, 2021, p. 49). Nesses termos, é possível identificar o princípio alfabético quando as
crianças reconhecem as unidades da fala, recorrendo ao seu conhecimento grafofonológico
(BUIN; RAMOS; SILVA, 2021; ALVES; FINGER, 2023), a partir do qual realizam uma
análise já intrasilábica da palavra para a sua produção escrita.
Os alunos que escreveram DORME, MENINA, MACACA, na lousa, vinham,
gradativamente, revelando a sua compreensão da formação da sílaba, estabelecendo conexão
207

entre o som e a letra, tanto da consoante quanto da vogal. Por isso, possivelmente, conseguiram
registrar esses três termos em conformidade com a ortografia padrão na atividade proposta.
Nas tentativas de escrita das palavras CHÃO como OA e MENINA como EIA, as duas
crianças que foram à lousa para escrevê-las parecem formular a hipótese silábica sobre a
linguagem escrita, na qual cada palavra é reproduzida representando partes sonoras da fala.
Buin, Ramos e Silva (2021) destacam que quando alcançam essa hipótese, as crianças já
demonstram um avanço cognitivo significativo, construindo um entendimento de que é possível
fazer a decomposição das palavras em partes, embora não consigam segmentar a cadeia de sons
da fala em unidades perceptuais ainda menores, no interior da sílaba.
Também há crianças que estão numa fase de transição entre uma hipótese e outra,
situando-se na fase silábico-alfabética, como é possível observar na palavra BATATA,
representada, na lousa, como BIDATA. O estudante já entende, aqui, que a sílaba pode ser
segmentada e analisada em elementos menores (os fonemas), prestando atenção aos aspectos
intrassilábicos para uma segmentação mais complexa que aquela de selecionar uma letra por
sílaba, embora nem sempre saiba quais sejam todas as letras que precisa utilizar (BUIN;
RAMOS; SILVA, 2021). Em BIDATA, por exemplo, a criança em questão reconhece que a
sílaba inicial da palavra não pode ser representada apenas por uma letra (B). A consoante,
portanto, é a letra que a criança conseguiu compreender nesse contexto, embora não tenha
reconhecido a vogal A na composição silábica, substituindo-a por outra vogal para “preencher”
esse “espaço” vocálico que acredita não poder ficar “vazio”.
A troca entre as letras T e D, na palavra BATATA (escrita pela criança como
BIDATA), representa, de um ponto de vista fonológico, uma troca de consoantes que se diferem
apenas pelo traço sonoro (o ponto e o modo de articulação são os mesmos), o que é comum
entre crianças em fase de alfabetização, tendo em vista que ainda não possuem “todas as
representações do sistema de escrita estabilizadas” (BUIN; RAMOS; SILVA, 2021, p. 77). Por
outro lado, é possível que também possam existir, nessa situação, implicações sobre o
reconhecimento da produção de fala local, cujo contato linguístico costuma influenciar na
produção e variabilidade entre os pares surdos e sonoros: [t] e [d]; [p] e [b].
A criança que escreveu, na lousa, BIDATA, é uma das crianças que fala alemão em
casa, com a família, e apresenta interferências fonológicas da língua alemã nas práticas de
oralidade em língua portuguesa. Faço essa menção para destacar que a interferência entre as
línguas faz parte do processo de alfabetização em situação de plurilinguismo, e, por isso, a
reflexão das diferenças entre os padrões grafofonológicos precisa ser estrategicamente
208

trabalhada em sala de aula, ao invés de meramente indicada como “problema” para a


alfabetização. Ademais, a discussão sobre a identificação e conscientização das diferenças
linguísticas é bastante difundida no campo da sociolinguística para uma pedagogia
culturalmente sensível às características dos alunos (cf. BORTONI-RICARDO, 2004).
No trabalho de Alves e Finger (2023), sobre alfabetização bilíngue, a relação grafema-
fonema é mencionada como podendo ser diferente nas línguas em contato, mas que,
potencialmente, também pode apresentar regularidades importantes de serem detectadas pelo
aprendiz. Os autores ressaltam as diferenças da relação grafofonológica ao tratarem da
alfabetização nas línguas portuguesa e inglesa. Nesse aspecto, o português tende a ser mais
“transparente”, desencadeando num processo de descoberta mais rápida pela criança. Na
realidade da escola bilíngue português-alemão, isso também tende a acontecer. Por isso, olhar
para a ortografia da criança em palavras como “Fater” (Vater – pai), “badata” (batata), etc.,
requer reconhecer as relações que estão sendo estabelecidas para desenvolver a escrita
simultaneamente. Taxar essas tentativas apenas como erros implicaria ignorar as relações
grafema-fonema estabelecidas pelas crianças em sala de aula. Em contraposição, podemos
potencializar tais relações, no sentido de “aproveitar as possibilidades de movimentação dos
conhecimentos construídos pelos alunos sobre e por meio de suas línguas” (DIAS, 2020, p. 99),
sem que sejam negligenciadas as oportunidades de reformularem suas hipóteses de escrita.
É nesse sentido, quando podemos observar que a criança está construindo relações
entre as suas duas línguas, que o estabelecimento de hipóteses diferentes deve ser visto como
benéfico na educação bilíngue (ALVES; FINGER, 2023). Isso não exclui, é claro, o papel
pedagógico de conduzir a criança a novas reflexões, a novas “testagens” das hipóteses infantis
sobre o sistema alfabético, a fim de evitar que as representações “equivocadas” da linguagem
escrita se tornem “permanentes” nas produções das crianças (ALVES; FINGER, 2023).
Algumas das hipóteses infantis, como alertam Alves e Finger (2023, s.p.), devem “ter caráter
transitório, não se consolidando no repertório do aprendiz”. Em outras palavras, ao invés de
temermos ““confusões” ao alfabetizarmos em duas línguas”, precisamos encarar que há
interferências que fazem “parte do processo natural de desenvolvimento linguístico da criança,
devendo ter caráter provisório, sobretudo se o aluno for estimulado a refletir sobre as
diferenças” fonológicas, morfológicas, sintáticas, culturais, etc. entre as línguas que compõem
seu repertório (ALVES; FINGER, 2023, s.p.). Por isso, há importância em compreendermos
quais atividades podem promover a reflexão e consciência linguística por parte das crianças nas
209

práticas de linguagem que desenvolvem (e tão bem!) para lidar com os desafios de se inserirem
no mundo letrado e plurilíngue.
É papel do professor reconhecer essa trajetória desenvolvimental da criança, tendo o
desafio de compreender a lógica das hipóteses estabelecidas e auxiliar a criança nas suas
confirmações ou redefinições para adequação ao sistema linguístico (ALVES; FINGER, 2023).
Por isso, questões relacionadas à formação adequada de professores, constantemente, retornam
à pauta, a fim de que tenham subsídios para conduzirem as atividades pedagógicas planejadas
para a confirmação e reformulação das hipóteses que as crianças constroem durante seu
processo de alfabetização bilíngue. Por meio de atividades pedagógicas, “a criança pode ser
levada a exercitar habilidades explícitas de manipulação dos sons da fala, tornando-se
consciente de como os sons se organizam para que possam comunicar” (BUIN; RAMOS;
SILVA, 2021, p. 46). Reitero, ainda, com amparo em Alves e Finger (2023), Finger, Brentano
e Ruschel (2019) e Megale (2017), que esse exercício para o desenvolvimento da consciência
fonológica pode ser construído em mais de uma língua quando nos desvencilhamos de uma
ideologia monolíngue de tratar a alfabetização.
O investimento na formação científica de professores que atuam nas séries iniciais,
tanto com língua portuguesa quanto com língua alemã, portanto, é essencial para um trabalho
sensível com o conhecimento linguístico de crianças em processo de aquisição da escrita em
situação de plurilinguismo. Ademais, o conhecimento do sujeito bilíngue sobre o sistema de
sons de uma língua não necessariamente começa e termina com a alfabetização. Alves e Finger
(2023) sugerem que habilidades metafonológicas são desenvolvidas desde a Educação Infantil,
e os domínios prosódicos maiores tendem a ser trabalhados ao longo de toda a vida escolar do
aprendiz, requerendo uma formação atenta de professores que atuam com esses estudantes para
uma prática sensível aos seus conhecimentos linguísticos e às suas potencialidades.
Sobre a cena de sala de aula capturada na Figura 12, chamo a atenção para o fato de
que todas as tentativas de escrita das palavras, na lousa, foram igualmente tratadas como válidas
pela professora alfabetizadora, no sentido de identificar a fase de desenvolvimento da criança
em termos de aquisição da linguagem escrita e planejar intervenções para conduções de
reflexões sobre o sistema escrito em língua portuguesa.
Apesar de ter iniciado uma reflexão do aspecto estrutural da língua, vinculado ao
desenvolvimento da consciência fonológica da criança em fase de alfabetização, reitero, com
base em Buin, Ramos e Silva (2021), que os processos de ensinar e aprender devam vir
vinculados às práticas de letramento. Dessa forma, as atividades, na escola, potencialmente,
210

passam a reconhecer as situações de vida dos estudantes, a partir das quais ações com, ou, sobre
a linguagem são desenvolvidas por eles e pela comunidade da qual fazem parte. Tendo isso em
vista, essa reflexão estaria, certamente, alinhada às línguas que circulam nos diferentes
domínios de vida dessas crianças.
Com base em discussões sobre a alfabetização inserida em práticas de
pluriletramentos, venho propondo, ao longo de toda esta tese, o argumento de que a criança faz
uso de recursos bilíngues durante o seu processo de alfabetização, pelo qual constrói
conhecimentos para participar do mundo letrado a partir das suas formas de representar a
linguagem escrita. Ao lançar mão desses recursos, como venho defendendo, a criança recorre a
conhecimentos aprendidos em uma língua durante o desenvolvimento de habilidades sociais
com a outra língua, acessando seu repertório linguístico completo, a partir do qual age no
mundo. Por isso, venho questionando a tendência de segmentação das línguas em programas
educação bilíngue.

6.3.2 Questões de avaliações em escala e os letramentos concebidos na escola: a


sondagem para o primeiro ano de Alfabetização

Quero destacar que, para analisar cada uma das hipóteses de desenvolvimento da
linguagem escrita das crianças (pré-silábica, silábica, silábica-alfabética e alfabética), a
Secretaria de Educação e Formação Empreendedora de Pomerode encontrou, na sondagem, um
formato avaliativo adequado às turmas de primeiro ano de toda a rede municipal de ensino.
Entendo, entretanto, que a sondagem pode servir de ferramenta para a gestão linguística de
formas distintas: (I) é uma metodologia de avaliação descritiva interessante para o olhar
pedagógico às hipóteses de escrita das crianças, às suas práticas de linguagem e às demandas
sociais a elas relacionadas; (II) também é uma ferramenta de controle sobre as práticas de
ensinar e aprender língua portuguesa na escola. Por isso, ao mesmo tempo em que essa
avaliação apresenta benefícios quanto a diagnósticos de aprendizagem, recorre a instrumentos
de controle, como a gratificação salarial fornecida a professores de turmas que atingem o
percentual de crianças que consolidaram a hipótese de escrita almejada. Para discutir essa
gratificação como um dispositivo da política linguística, além de socializar um fragmento de
diário de campo, também recorto um fragmento de gravação de uma conversa minha com a
professora na sala de aula bilíngue de língua portuguesa, quando ela explica a sondagem.
211

Diário de Campo, 27 out. 21, sobre a sondagem da prefeitura.


Segundo explicações da professora Sabrina, a sondagem é um tipo de avaliação que a
Secretaria de Educação e Formação Empreendedora de Pomerode procura
implementar e promover nas séries iniciais da rede de ensino municipal para
reconhecer as hipóteses sobre a escrita alfabética nas quais se situam os estudantes.
Para isso, são enviadas, às escolas, diferentes sequências didáticas para que o professor
possa escolher com qual deseja trabalhar. Por fim, com o primeiro ano, em específico,
um outro profissional da educação é requerido para aplicar uma espécie de ditado, de
forma individualizada com cada criança, baseado no repertório de textos trabalhados
na sequência didática escolhida. Essa avaliação e sequência didática ocorre no final do
ano letivo, em um período determinado pela prefeitura, de forma simultânea nas
escolas municipais. A administração pública possui uma meta a ser atingida pelas
turmas que, quando cumprida, se reverte em gratificação salarial ao professor
alfabetizador efetivo. A professora participante da pesquisa compartilhou comigo as
sequências didáticas disponibilizadas pela prefeitura e sinalizou com qual sequência
didática trabalharia (Anexo A da tese).

Gravação realizada em sala de aula em 27 out. 21. Fragmento sobre a sondagem como
sistema avaliativo adotado pela prefeitura para “diagnóstico das hipóteses de escrita”
(Transcrição acessível para cegos no Apêndice D).
Professora Sabrina Essa sondagem, Dona Luana, funciona assim, ó: A gente
(língua portuguesa): recebe três sequências didáticas elaboradas pela equipe da
secretaria de educação, e eu posso escolher uma. Dá uma
olhada ((professora entrega para eu ver as três sequências
didáticas)). Aí você já vai entender o porquê da parlenda
((risos))

Luana: É que também eles tavam estudando agora há pouco ((sinaliza


um conteúdo já trabalhado pela professora))
Professora Sabrina ((faz sinal de concordância)) (incompreensível) Aí eu tenho
(língua portuguesa): só que comunicar através da Dona ((cita nome da diretora)),
né, qual das três que eu escolhi. A sondagem é feita só em
português e aí que vem, na minha opinião, algo que não fecha.
Porque eu tenho a metade do tempo, mas eu preciso chegar no
mesmo objetivo.
Luana: Como assim?
Professora Sabrina As minhas crianças têm que aprender a mesma hipótese de
(língua portuguesa): escrita ((faz uma comparação com as escolas que não
participam da política de educação bilíngue))
/.../
Professora Sabrina O bom é que novamente tenho uma parceira, BEM
(língua portuguesa): PARCEIRA, que pega junto ((faz referência à professora da
sala de aula bilíngue de língua alemã)). Que se interessa de
ver como tá a hipótese, que se interessa em ver como tá o
resultado do ditado
/.../
212

A própria ((cita nome de professora de outra escola)), ela


sentiu muito um ano em que::: “EU dou aula de ALEMÃO”
((fala simulando o discurso direto de outrem)).
Luana: É::!?
Professora Sabrina “Não quero saber de alfabetização. Eu dou aula de
(língua portuguesa): ALEMÃO”. E o foco pra mim é ORALIDADE” ((fala
simulando o discurso direto de outrem)).
Luana: Até porque, se for ver, essas professoras de alemão não
necessariamente fizeram peda/

Professora Sabrina ESSA é a dificuldade!


(língua portuguesa): /.../

A avaliação realizada pela prefeitura, no final de cada ano letivo, dentre outros
dispositivos de políticas linguísticas educacionais, parece desencadear interpretações
pedagógicas de um modelo autônomo de letramento, que dicotomiza: (I) a oralidade da escrita,
e (II) os letramentos em língua alemã (na perspectiva de desenvolvimento da oralidade) dos
letramentos em língua portuguesa (na perspectiva de desenvolvimento da escrita). Talvez seja
essa dicotomização que perpetue concepções pedagógicas de que a sala de aula bilíngue de
língua alemã tem como “o foco /.../ ORALIDADE” apenas, enquanto que estratégias para incluir
a criança em atividades de desenvolvimento da linguagem escrita se restrinjam à sala de aula
bilíngue de língua portuguesa. Como consequência, o trabalho pedagógico transdisciplinar,
pelo qual a oralidade e a escrita se entrelaçam nos pluriletramentos das crianças, passam,
possivelmente, a ser exceção, apenas quando uma professora consegue atuar com outra que seja
“BEM PARCEIRA, que pega junto”. Já havia discorrido sobre algumas das atividades que
derrubam fronteiras disciplinares ou linguísticas para a condução da reflexão sobre a prática
linguística, como, por exemplo: na tarefa de língua portuguesa mencionada na seção 6.2 – “A
minha Oma faz almoço” –; na atividade de vendinha da sala de aula bilíngue de língua alemã;
em práticas envolvendo o calendário; em contrastes fonológicos nos nomes dos meses nas duas
línguas.
Segundo Hornberger (2003a), os estudos acerca dos bi/pluriletramentos têm sinalizado
para algumas desigualdades quanto ao continuum monolíngue-bilíngue e oral-escrito do
letramento em si. Dessa desigualdade, numa situação de contato linguístico, resultam atitudes
que marginalizam as práticas de letramentos marcadas por tradições da oralidade em uma língua
em situação minoritária. Por outro lado, as práticas marcadas pela tradição do registro gráfico
na língua majoritária têm a tendência de serem valorizadas, desvelando um fenômeno da
diglossia (HORNBERGER, 2003a). É preciso levar em conta, entretanto, que as configurações
213

dos pluriletramentos estreitam a relação entre os usos oral e escrito da linguagem


(HORNBERGER, 2003a) em práticas linguísticas que têm a ver com o “local” (PENNYCOOK,
2010), situado no tempo, espaço, cultura, ideologia, etc.
Ademais, o interesse da administração pública em avaliar as habilidades técnicas de
escrita restritas à língua portuguesa parece entrar em conflito com o documento “projeto:
implantação do ensino bilíngue-língua portuguesa/língua alemã”, publicado em 2009, que visa
a alfabetização em duas línguas.
Na Proposta Curricular do município, a avaliação em língua portuguesa também a
apresenta como processo da aprendizagem do aluno:

Sabemos que diariamente estamos submetidos à avaliação: as pessoas avaliam nosso


jeito de nos vestirmos, a forma como tratamos o outro, nossa performance quando nos
comunicamos (se temos domínio do assunto, se articulamos bem nossas ideias, se
temos um bom repertório vocabular, se violamos as normas gramaticais etc.), entre
outros. Todavia, essa avaliação geralmente apenas seleciona, discrimina pessoas. É de
nosso conhecimento também que avaliação faz parte do cotidiano escolar. Entretanto,
é imperativo que ela seja vista de forma diferente. Segundo a consultora Jussara
Hoffmann (apud Pellegrine, 2003, p. 27) “A avaliação escolar, hoje, só faz sentido se
tiver o intuito de buscar caminhos para a melhor aprendizagem”. Sendo assim, urge
ao professor primar por uma avaliação que possa diagnosticar o que o aluno aprendeu
(tendo em vista os conhecimentos prévios), como aprendeu e, se não aprendeu, o que
o impossibilita de avançar na aprendizagem. A partir daí, o professor avaliará também
sua prática pedagógica e poderá redimensionar suas ações. (POMERODE, 2004, p.
114)

Como o processo de aprendizagem dos alunos participantes deste estudo ocorre em


práticas bilíngues, seria coerente pensar que o alinhamento avaliativo proposto à rede municipal
considerasse essas práticas. A avaliação interna (realizada no cotidiano das atividades
pedagógicas) parece ter uma abordagem mais alinhada a essa proposta, quando inserida na
educação bilíngue, que a própria avaliação externa (realizada pela administração pública).
Afinal, como já evidencia o título desta seção 6.3, “a sondagem é feita só em português”.
A abordagem monolíngue sobre o processo de alfabetização pode reforçar uma
concepção de língua como algo externo e distante aos alunos (cf. STREET, 2014 [1995]) que
vivem o bilinguismo dentro e fora da escola. Se considerarmos o letramento como prática
social, segundo o que pressupõe Street (2014 [1995]), o reconhecimento das ações com as
línguas dentro e fora da escola passa a ser demandado, inclusive, quando objetivamos propor
sistemas avaliativos educacionais. Uma avaliação que olhe para o letramento como prática
social teria um papel importante no reconhecimento do contato linguístico que ocorre nos
214

diferentes continuum dos letramentos, reconhecendo os pluriletramentos da escola e da


comunidade em si.
Quando o sistema avaliativo exclui o contato linguístico que a criança, em fase de
alfabetização, vivencia, ignora o fato de que essa criança desenvolve a linguagem escrita de
forma diferente, e de que suas experiências com as línguas podem ser potenciais para a
alfabetização.

As crianças que aprendem duas línguas na infância, independentemente de as


aprenderem ao mesmo tempo ou não, têm experiências de aprendizagem de línguas
que, sem dúvidas, diferem em aspectos importantes das crianças que aprendem apenas
uma. Como poderia ser diferente? Crianças monolíngues e bilíngues transitam em
diferentes mundos cognitivos, vivenciam diferentes ambientes linguísticos e são
desafiadas a se comunicar usando diferentes recursos, mantendo-se sensíveis a
diferentes dimensões abstratas.80 (BIALYSTOK, 2001, p. 88 apud DWORIN, 2003,
p. 174, tradução minha).

Dworin (2003), ao relacionar a discussão de Grosjean (1989) sobre bilinguismo aos


seus estudos dos biletramentos, esclarece que uma perspectiva monolíngue, obviamente, não é
suficiente para entender como os sujeitos bilíngues se apropriam da linguagem escrita. Nesse
aspecto, Dworin (2003) não encara as hipóteses de alfabetização de crianças bilíngues como
problemáticas (perspectiva imposta pelo monolinguismo), mas como um caminho diferente
assumido por essas crianças para se apropriarem das representações escritas de suas línguas. O
autor enfatiza, portanto, o potencial para serem alfabetizadas em mais de uma língua, mais ou
menos simultaneamente, num processo bidirecional.
A partir de uma fundamentação na “ciência da leitura”, Alves e Finger (2023) também
tratam das habilidades que crianças, em alfabetização bilíngue, podem desenvolver na sua
consciência fonológica, tanto no conhecimento abrangendo o nível da sílaba quanto o nível
intrassilábico, a partir de uma série de atividades e jogos (ALVES; FINGER, 2023). Em
particular, os autores apresentam possibilidades de brincadeiras com aliterações e rimas para o
próprio aprendizado dos padrões silábicos de cada uma das línguas, numa “colaboração” mútua.
O argumento central da alfabetização bilíngue, segundo Alves e Finger (2023, s.p.), é que a
alfabetização em uma língua pode ser beneficiada através da outra, a partir da “coativação de
habilidades metafonológicas” e da “transferência de conhecimentos referentes aos padrões

80
“Children who learn two languages in childhood, whether or not they learn them both at precisely the same time,
have language learning experiences that undoubtedly differ in important ways from children who learn only one.
How could it be otherwise? Monolingual and bilingual children move in different cognitive worlds, experience
different linguistic environments, and are challenged to communicate using different resources, remaining
sensitive to different abstract dimensions.” (BIALYSTOK, 2001, p. 88 apud DWORIN, 2003, p. 174).
215

estruturais das línguas”. Nesse sentido, as preocupações centralizadas apenas na aquisição da


língua portuguesa na modalidade escrita parecem desvelar questões de conflito na educação
bilíngue de Pomerode, especialmente quando consideramos que o propósito maior, relatado no
“projeto: implantação do ensino bilíngue-língua portuguesa/língua alemã”, seria alfabetizar nas
duas línguas (conforme já destacado anteriormente).
Evidencio, então, a menção da professora alfabetizadora à “sondagem” ser “feita só
em português”. Como uma reflexão à avaliação monolíngue, dentro de uma proposta de
alfabetização bilíngue, destaco a importância de o sistema avaliativo municipal de Pomerode
estar em sintonia com as concepções de língua, sujeito e escrita, como propõe Dias (2020), se
quiser realmente compreender o processo de leitura e escrita de uma criança inserida na
educação bilíngue, em famílias bilíngues ou comunidade bilíngue. A avaliação, quando
reconhecida como uma prática pedagógica, precisa levar em conta a experiência e o
conhecimento linguístico que as crianças trazem para a sala de aula e também constroem nela.
Somente assim, entendo ser possível utilizar a avaliação como um diagnóstico para propormos
atividades voltadas ao desenvolvimento de habilidades e potencialidades dos estudantes. É,
inclusive, nesse sentido, que Alves e Finger (2023) sugerem que as intervenções pedagógicas
sejam pautadas tanto no reconhecimento do que os alunos já conhecem sobre a língua quanto
no que eles potencialmente são capazes de fazer. Seria importante, então, que a avaliação
promovesse atividades com as duas línguas, isto é, com o repertório completo da criança para
que o professor tenha subsídios suficientes para reconhecer o que as crianças sabem e quais são
suas potencialidades. Para estar inserida na proposta bilíngue de educação, a avaliação da
alfabetização, entendo, também precisaria ser construída a partir de uma visão heteroglóssica
de bilinguismo, refletindo atividades que “favoreçam essa ponte da bidirecionalidade no
desenvolvimento linguístico da criança” (ALVES; FINGER, 2023, s.p.).
Ademais, ao considerarmos apenas os resultados atingidos com uma avaliação isolada,
no final do ano letivo, incorremos o risco de invisibilizar todo o processo de desenvolvimento
da escrita das crianças. É preciso, afinal, avaliarmos a sala de aula nas práticas pedagógicas
rotineiramente, assim como sugere a Proposta Curricular do município (PROMERODE, 2004).
Como destaca Ferreiro (1988 [1982], p. 82), “julgar o nível conceptual de uma criança,
considerando unicamente os resultados”, nos conduz a compreensões imprecisas e imprudentes.
Para que as interpretações do “resultado” da avaliação sejam mais significativas, precisam vir
acompanhas da análise sobre todo o processo de alfabetização da criança, abrangendo sua
consolidação das hipóteses desenvolvimentais da linguagem escrita dentro desse processo.
216

No Ofício nº 321/2021/SEFE, acerca da avaliação no ciclo de alfabetização, a


Secretaria de Educação e Formação Empreendedora de Pomerode procura esclarecer que seu
propósito com o sistema de avaliações, no qual ocorre sondagem, é realizar um
acompanhamento sistemático para planejar e melhorar a educação da rede municipal.
Certamente, esse propósito é importante mediante às oportunidades de aprendizagem das
crianças, embora, na agenda oculta da política avaliativa, entendo que a regulação da prática
pedagógica e linguística também passe a ocupar lugar num projeto de controle. Ademais, o
acompanhamento sistemático, por parte da administração pública, ocorre uma vez ao ano no
ciclo de três anos de alfabetização, mas não ao longo de cada uma dessas fases escolares, para
a compreensão de como decorre a consolidação da escrita para essas crianças em cada nível de
alfabetização. É o professor, inserido na sala de aula, quem realmente tem a possibilidade de
realizar esse acompanhamento sistemático e, possivelmente, reportá-lo para solicitações de
recursos que cabem à administração.
Oliveira, Pinho e Senna (2022), quando discutem as avaliações em escala,
problematizam sua ação regulatória, que reduz a autonomia do professor quanto às decisões
pedagógicas a partir dos mecanismos de controle sobre o que ensinar e como ensinar para atingir
os resultados desejados. Como consequência, o professor se torna “protagonista da
responsabilização e da cobrança de resultados”, mas é “coadjuvante” quanto às tomadas de
decisões político-pedagógicas (OLIVEIRA; PINHO; SENNA, 2022, p. 337-8). As avaliações
governamentais (como municipais ou federais) podem apresentar benefícios sobre o
reconhecimento de um diagnóstico precoce da aprendizagem na alfabetização, para o
planejamento de formação pedagógica ou ações centradas nas necessidades dos alunos.
Contudo, também pode induzir à percepção equivocada de que o resultado do rendimento do
aluno é responsabilidade exclusiva do professor, ao invés dessa responsabilidade ser
compartilhada com todo um sistema de avaliação, de políticas educacionais, de regulação das
línguas em um nível socialmente amplo, etc., que, muitas vezes, pode ser falho com relação ao
plurilinguismo.
Diante de questões como essa, a administração pública faz uso do seu poder de gestão
para perpetuar ideologias associadas à invenção da língua e do monolinguismo, apesar da sua
vontade política de promoção do plurilinguismo, das ações políticas para visibilidade e
valorização das línguas de imigração. Isso se deve, de certa forma, às próprias expectativas com
as quais a administração pública precisa lidar, como por exemplo, o resultado satisfatório em
índices de alfabetização ou letramento mensurados nacionalmente, através de testes como
217

Provinha Brasil81 ou ANA (Avaliação Nacional de Alfabetização)82, desenvolvidos a partir dos


objetivos e metas do PNE (Plano Nacional Decenal de Educação).
Avaliações externas periódicas, no contexto das salas de aula das séries iniciais
brasileiras, são resultado de uma série de medidas do governo federal para aferir o nível de
alfabetização das crianças regularmente matriculadas no Ensino Fundamental, a fim de se obter
“diagnóstico, regulação, monitoramento e controle (do indivíduo e do sistema educacional) e
legitimação das políticas” de alfabetização e formação docente (OLIVEIRA; PINHO; SENNA,
2022, p. 338).
Vale mencionar que os documentos em torno dessas avaliações empregam conceitos
relacionados à “alfabetização” e ao “letramento”, destacando a necessidade de as crianças
construírem significados em torno das práticas envolvendo a linguagem escrita (OLIVEIRA;
PINHO; SENNA, 2022). No entanto, os resultados das avaliações de alfabetização, muitas
vezes, têm servido de mecanismos de controle sobre o cotidiano da prática pedagógica
(OLIVEIRA; PINHO; SENNA, 2022). Como efeito, o professor passa a ocupar um espaço mais
técnico, ou menos crítico, quanto a aplicações dos materiais que “prometem” melhores
resultados de alfabetização (OLIVEIRA; PINHO; SENNA, 2022), mesmo que esses materiais
não tenham condições de produção para dar conta das particularidades de cada contexto de sala
de aula. As avaliações externas (municipais ou federais) se tornam, como consequência,
ferramentas de poder, que contribuem para a perpetuação de uma concepção particular de língua
e letramento, comumente formada por ideologias monolíngues e grafocêntricas.
Nesse sistema avaliativo adotado pela prefeitura de Pomerode, é possível que o apego
pelos dados centrados, exclusivamente, na alfabetização em língua portuguesa (e não em
práticas de pluriletramentos), seja um eco de uma ideologia de letramento presente em testes
brasileiros de larga escala, convencionalmente monolíngues. Os demais conhecimentos
mobilizados pelas crianças, especialmente se considerarmos sua educação bilíngue, podem
ficar, por conseguinte, invisibilizados nesses interesses avaliativos externos à prática docente.
A gestão linguística ocorre de uma forma mais velada, através do monitoramento dos
resultados da avaliação e da “recompensa” financeira, influenciando o trabalho a ser realizado

81
A Provinha Brasil tem o objetivo de avaliar (como um diagnóstico) o nível de alfabetização dos estudantes
matriculados no 2º ano do Ensino Fundamental quanto às habilidades de leitura em língua portuguesa e habilidades
matemáticas (OLIVEIRA; PINHO; SENNA, 2022).
82
A ANA é uma avaliação “censitária e aplicada a todos os alunos do 3º ano do Ensino Fundamental da rede
pública de Ensino” (OLIVEIRA; PINHO; SENNA, 2022, p. 339), a fim de aferir se as crianças estão sendo
alfabetizadas dentro do período determinado.
218

pelo professor em sala de aula em termos de foco no que ensinar sobre a língua. Ademais, a
gratificação financeira destinada exclusivamente ao professor alfabetizador (e não ao professor
de/em língua alemã ou demais disciplinas) tende a construir uma imagem desse professor como
o responsável pelo sucesso (ou fracasso) escolar da criança. Consequentemente, as
contribuições que os processos de aprendizagem em língua alemã desempenham, tanto na
habilidade técnica quanto social com as práticas de linguagem, podem ficar à margem das
tomadas de decisões. Um modelo de letramento monolíngue parece, como efeito, se perpetuar
de algum modo.
Entendo que as medidas de controle, adotadas para diagnosticar a alfabetização em
Pomerode, possam estar inseridas numa relação ideológica mais ampla sobre a língua, que
atinge um âmbito nacional. No Brasil, existem metas regulatórias sobre os índices de
alfabetização, assim como existem rankings internacionais sobre países com níveis mais altos
ou baixos de leitura, que se refletem e criam expectativas nas secretarias de educação
municipais. Nos interesses da administração púbica de Pomerode, com a aplicação da sondagem
como um sistema avaliativo inserido no Ciclo de Alfabetização, são constituídas metas de
aprendizagens relativas à linguagem escrita. Em resposta, já no primeiro ano, os diagnósticos
das hipóteses de escrita consolidadas pelos estudantes poderiam fornecer condições para que
esses estudantes atinjam “bons” resultados adiante, nos índices nacionais, como um
demonstrativo da “qualidade” de ensino municipal.
Certamente, o sistema de avaliação municipal provoca contribuições, quanto à ação
docente, ao dar subsídios para diagnosticar o conhecimento linguístico que os estudantes já
possuem e quais são suas potencialidades. Entretanto, também propaga uma imagem de
homogeneidade entre as escolas bilíngues com os demais sistemas de ensino municipais. Afinal,
as “crianças [da educação bilíngue] têm que aprender a mesma hipótese de escrita”, ao mesmo
tempo, em que as crianças que não participam da política de educação bilíngue aprendem. Isto
é, espera-se um resultado de alfabetização homogêneo nos diferentes modelos de educação
municipal, exigindo dos professores desses diferentes modelos o desenvolvimento de trabalho
pedagógico também equivalente (igual), mesmo que as ações das crianças com a linguagem no
dia a dia sejam diferentes, mesmo que os professores alfabetizadores de primeiro ano tenham
“a metade do tempo” com as crianças quando comparados com os professores de escolas que
não participam do projeto bilíngue, precisando, então, “chegar no mesmo objetivo”. A questão
do tempo do professor alfabetizador com as crianças de primeiro ano, inclusive, pode ser
encarada como um problema se não houver uma orientação adequada de que a alfabetização é
219

bilíngue e de que há um trabalho colaborativo nas salas de aula bilíngues de língua portuguesa
e de língua alemã, a partir do qual os alunos possam construir uma ponte para os conhecimentos
sobre as formas de representar a linguagem escrita.
O tradicional letramento pedagogizado, institucionalizado, tem um papel ideológico
que tende a excluir tais aspectos, sob a promessa de “resolver” “problemas” da sociedade
contemporânea (STREET, 2014 [1995]), em processos de ensino-aprendizagem
homogeneizadores, que buscam assegurar uma escolarização “igual” para todos. Esses
problemas, geralmente, são encarados como o desemprego e a pobreza, causados pela
desigualdade (só para citar dois exemplos). Nesse cenário, tal modelo de letramento, que se
torna inquestionável nos sistemas educacionais, é utilizado para submeter estudantes a
processos pedagógicos homogêneos, como se todos estivessem sob as mesmas condições para
desenvolver as mesmas práticas de linguagem (como se todos fossem introduzidos à leitura do
calendário, por exemplo, em uma única língua). O próprio debate sobre a alfabetização, no
Brasil, conforme Alves e Finger (2023), tem assumido um caráter altamente político-
ideológico, no sentido de sugerir a possibilidade de alguma proposta pedagógica que fosse
“adequada a todas as crianças do país, em todas as circunstâncias e contextos.” (ALVES;
FINGER, 2023, s.p.).
Dentre os processos de ensino-aprendizagem, consequentemente, pode ocorrer o
combate de usos linguísticos resultantes do contato entre as línguas e as identidades (STREET,
2014 [1995]), já que a ideologia monolíngue nacional determina que os acessos aos diferentes
domínios da vida social se dão em uma só língua legítima. O significado do letramento
pedagogizado, portanto, tem sido frequentemente construído em torno da educação
monolíngue. Por isso, é tão desafiador a uma política de educação bilíngue superar discursos
de nacionalismo, de identidade nacional, nos quais “se concentram as questões sociais
atualmente desviadas para dentro do debate sobre letramento” (STREET, 2014 [1995], p. 142),
para, então, atender aos usos e significados do letramento socialmente situado em práticas
plurilíngues.

6.3.3 “Mas essa provinha é pra avaliar o rendimento do professor”: considerações sobre
a sondagem e suas implicações na educação bilíngue

Os níveis conceptuais infantis da escrita podem constituir em conhecimento linguístico


mútuo no repertório da criança bilíngue (cf. ALVES; FINGER, 2023; DIAS, 2020; FINGER;
220

BRENTANO; RUSCHEL, 2019; MEGALE, 2017; DWORIN, 2003). Nesses níveis, ela
aprende aspectos da linguagem escrita numa língua e utiliza esse conhecimento para
desenvolver formas de entender o sistema de representação escrita da outra língua. Nessa
configuração, ambas as línguas, no seu repertório linguístico, vão, conceitualmente, se
interferindo uma na outra de maneira a construir hipóteses também plurilíngues sobre a
representação escrita, de forma fluida e recíproca. Portanto, para que a educação bilíngue,
potencialmente, contribua para a alfabetização, é urgente reconceitualizar o desenvolvimento
da alfabetização para crianças já bilíngues e/ou que sejam estudantes em escolas bilíngues, num
caminho alternativo do modelo de letramento autônomo e monolíngue.
Em publicação recente, Dias (2020) sugere algumas atividades escolares para crianças
em fase de alfabetização em escolas bilíngues. Só para citar um exemplo, menciono o trabalho
pedagógico com gêneros discursivos (como um bilhete, uma parlenda, um calendário etc.), a
partir dos quais é possível conduzir as crianças a refletirem sobre quais características podemos
observar no texto-enunciado, materializado em formas linguísticas diferentes, mas com
semelhanças compartilhadas. Também enfatizo o trabalho cotidiano com o calendário nas salas
de aula bilíngues da presente pesquisa, onde as crianças têm oportunidades constantes de
análises contrastivas nos seus processos de aprendizagem. Pensar em propostas pedagógicas
que levem em conta os conhecimentos construídos socialmente nas línguas em contato, na
escola, pode contribuir para que a criança construa hipóteses de escrita de forma bilíngue. Para
isso, ela relaciona as similaridades e diferenças linguísticas concretizadas nos textos trabalhados
em sala de aula, o que, entendo, pode servir de materialidade para avaliarmos o seu processo
de desenvolvimento da linguagem escrita, como numa ampliação do que é a sondagem para o
contexto de Pomerode.
No próximo fragmento de gravação transcrito, socializo uma fala da professora Sabrina
sobre o sistema avaliativo da prefeitura pela sondagem, no qual ela evidencia a avaliação do
próprio trabalho pedagógico:

Gravação realizada na sala de aula bilíngue de língua portuguesa em 20 out. 21.


Fragmento sobre a provinha da prefeitura como dispositivo para avaliar o rendimento do
professor, e não do aluno (Transcrição acessível para cegos no Apêndice D).
Professora Sabrina E agora no dia vinte e cinco nós já devemos receber as
(língua portuguesa): sequências didáticas para prepará-los para a sondagem da
prefeitura, né. Então, vinte e seis já vai ter outro ditadinho. Já
vou tá encaminhando o material pra eles, pra eles estudarem.
Luana: Aham
221

Professora Sabrina Aí, quando vai se aproximando do final do ano, isso se torna
(língua portuguesa): mais recorrente, eles entenderem como é que vai acontecer
essa provinha, né. Mas essa provinha é pra avaliar o
rendimento do professor, e não do aluno.
/.../

Avaliações externas, não raro, têm sido utilizadas como ferramenta de controle, como
abordei na subseção anterior. Nesses termos, a professora alfabetizadora sinaliza o próprio
trabalho pedagógico como “objeto” de análise da sondagem: “Mas essa provinha é pra avaliar
o rendimento do professor, e não do aluno”. Como esse “controle” será sempre “top-down”,
perpetua, sobre as ações da professora, as ideologias linguísticas do sistema avaliativo ao qual
ela está sujeita. Como consequência, ao participarem desse sistema avaliativo, os estudantes
também participam de práticas de linguagem reguladas por suas ideologias implícitas, sendo
“assujeitados” ao mesmo controle.
A sondagem acaba, muitas vezes, regulando as ações educativas, interferindo em
práticas corriqueiras translíngues para um modelo de letramento que se adeque aos parâmetros
oficiais, em uma só língua. Como efeito, entendo que é exatamente nesse aspecto que o sistema
avaliativo passa a interferir e mascarar, na educação bilíngue de crianças em fase de
alfabetização, o papel ideológico do seu letramento quanto às práticas plurilíngues nas
interações sociais.
Incorre o risco, aqui, de o letramento escolar se tornar uma chave simbólica para
evidenciar o conflito do plurilinguismo na educação básica. A consequência é a possível
propagação de discursos sobre o fracasso da aquisição da linguagem “correta” associado ao
trabalho pedagógico “falho” ou, até mesmo, sobre o “problema” do contato linguístico nas salas
de aula de alfabetização. Além disso, mesmo se pensarmos nos processos cognitivos da criança
quanto à aquisição da linguagem escrita, seria ingenuidade partir da “premissa de que o
“professor ensinar” equivale ao “aluno aprender”” (ALVES; FINGER, 2023, s.p.). Afinal, há
muito mais em jogo do que a aplicação de uma metodologia, de uma sequência didática ou, até
mesmo, a restrita dedicação pedagógica.
É, talvez, por questões como essas que Street (2014 [1995], p. 142) descreve que o
significado do letramento vai além de discursos sobre a “qualidade da escola, desempenho
docente, testagem e avaliação, abordagens do ensino da escrita e assim por diante”, para tratar
do letramento como prática social em torno da linguagem, na qual estão imbricadas questões
ideológicas de identidades, de nação, de movimentos políticos, etc. Essas questões, sem
222

dúvidas, se manifestam nas políticas linguísticas em sala de aula e exercem influências sobre
os processos de ensinar e aprender.
No excerto a seguir, em especial, selecionei uma cena da sala de aula em que as
crianças recebem a explicação sobre o que esperar dessa avaliação da prefeitura.

Gravação realizada em sala de aula em 27 out. 21. Fragmento sobre a explicação da


professora aos alunos acerca da avaliação da prefeitura (Transcrição acessível para cegos
no Apêndice D).
Professora Sabrina Nós estamos fazendo esses ditados, primeiro pra vocês
(língua portuguesa): estudarem as palavrinhas, segundo, nós estamos treinando,
essa é a palavra certa. A gente está treinando pra uma
atividade que todos os primeiros anos de Pomerode vão ter
que fazer, tá. E o que que é isso? Vai vir uma professora, que
não é professora de vocês, tem que ser alguém que não/NÃO
dá aula pra vocês. Provavelmente vai ser a Dona ((cita o nome
da professora)), mas não sei se é. Tem que ser alguém que não
dá aula pra vocês. Ela vai vir aqui, essa pessoa, e vai dizer
assim: “Gregório, vem aqui conversar comigo” ((cita como se
fosse um discurso direto)). Aí vai ter uma carteirinha de vocês
ali no corredor, e ela vai chamar um por um e vai fazer um
ditado. Mas vai dizer assim: “Gregório, escreva pra mim a
palavra me-ni-na” ((cita como se fosse um discurso direto)).
Aí o Gregório vai pegar o papel que ela vai dar e vai escrever
((faz de conta que está escrevendo)).

Gregório: Me-ni-na.
Professora Sabrina Ela vai dizer, escreve ali pra mim: “bo-ta” ((cita como se fosse
(língua portuguesa): um discurso direto)). Aí ele vai lá e escreve?
Gregório: Bo-ta.
Professora Sabrina Isso mesmo! “Só que, profe, como é que nós vamos saber que
(língua portuguesa): palavra ela vai ditar?” ((cita como se fosse um discurso
direto)). Eu também não sei quais são as palavras que ela vai
ditar. Mas, ela mandou pra professora e pra todos os
professores de primeiro ano / Adam ((chama atenção de
aluno)) / de Pomerode, três sequências didáticas que a gente
diz, três sugestões pra preparar vocês. E eu podia escolher
uma. Das três que ela mandou, eu podia escolher uma. E sabe
qual eu escolhi?

Alunos: Qual?
Professora Sabrina Eu escolhi a das parlendas. Vocês já conhecem parlendas?
(língua portuguesa):
Alunos: ((alguns alunos respondem que sim, outros que não))
Professora Sabrina Qual uma parlenda que vocês conhecem?
(língua portuguesa):
Gregório: Da macaca.
223

Professora Sabrina Como é que é da macaca? ((começa a estalar os dedos de


(língua portuguesa): forma rítmica))
Alunos: Meio-dia, macaca subia, panela no fogo, barriga vazia
((recitando a parlenda enquanto professora estrala os dedos)).
Professora Sabrina Muito bem! /.../
(língua portuguesa):

Nesse fragmento, procuro chamar a atenção para o foco da interação se voltar para a
compreensão das crianças em como ocorre a sondagem, no sentido de prepará-las para
participarem de uma prática de avaliação. Afinal, essa prática é uma ação social tipicamente
escolar, vivenciada pelas crianças somente a partir da educação formal. Também nesse
momento, as crianças passam, gradativamente, a entender o que a escola espera delas, o que a
escola entende por língua na educação linguística promovida, e o que avaliará em termos de
conhecimento linguístico.
Quando a sala de aula bilíngue de língua portuguesa precisa se adaptar à avaliação da
Secretaria de Educação e Formação Empreendedora de Pomerode, ela passa a ser moldada aos
seus dispositivos políticos. Convém reiterar que a proposta avaliativa do poder público
independe de a escola participar ou não do ensino bilíngue. Como efeito, a avaliação pode atuar
como um dispositivo político para a homogeneização da prática pedagógica em língua
portuguesa entre os diferentes sistemas educacionais do município (desconsiderando a
alfabetização em duas línguas).
Uma saída para uma maior flexibilização seria o professor se tornar autor de suas
próprias avaliações e dos materiais didáticos para as suas realidades linguísticas, modificando
também o repertório sondado na avaliação municipal. Mas, como já problematizou Rojo (2013)
sobre aspectos dos materiais didáticos no ensino de línguas, esbarramos em limitações que
podem fazer parte de qualquer realidade educacional, tais como as “de sobrecarga da jornada
de trabalho, de falta de tempo para planejamento e de dificuldades logísticas de reprodução e
distribuição de materiais impressos pelo professor”, além de formação adequada para
elaboração de materiais didáticos, etc. (ROJO, 2013, p. 182).
Quando o professor tem condições (de trabalho e formação) para “planejar as
estratégias de ensino, observar o desenvolvimento das crianças, compreender as hipóteses
linguísticas reveladas nos manuscritos”, pode também intervir sobre o processo de
aprendizagem de seus estudantes (BUIN; RAMOS; SILVA, 2021, p. 39). Buin, Ramos e Silva
(2021) reforçam a importância de uma educação científica na formação de profissionais do
campo da pedagogia e letras, a fim de que possam olhar para os registros de escrita ou para
224

outros eventos linguísticos em sala de aula como fontes investigativas de todo o processo de
aprendizagem de seus alunos.
Para que essa educação linguística do professor seja coerente com a realidade social,
destaco a necessidade de que seja transdisciplinar. Logo, a educação linguística, além de abarcar
os aspectos dos sistemas de escrita, dos estudos linguísticos em si, deve também ser
“socialmente engajada, antropologicamente antenada, plural em seu foco, para incluir os
estudos de letramento, os estudos sobre multilinguismo com as questões de intercompreensão
e de práticas translíngues, os estudos sobre transculturalismo.” (CAVALCANTI, 2013, p. 226).
Essa formação, consequentemente, estaria também alinhada à atuação prática com a
translinguagem, transculturalidade e transdisciplinaridade para as metas de ensinar e aprender
línguas na educação bilíngue municipal de Pomerode, desde a alfabetização. Defendo que, para
um trabalho pedagógico engajado, faz mais sentido a transdisciplinaridade (cf. MOITA
LOPES, 2006), que derruba as fronteiras imaginas pelo currículo, para a compreensão do papel
crucial que o plurilinguismo desempenha na vida social das pessoas também fora da escola.
Esse trabalho acontece nas ações comprometidas entre os professores no dia a dia, como entre
as professoras de português e alemão (“O bom é que novamente tenho uma parceira, BEM
PARCEIRA, que pega junto”).
Ensinar e aprender a linguagem na escola também são produtos da prática, da atividade
social a partir da qual se estabeleceram convenções de comportamentos linguísticos. Para que
a prática de ensino, nesse âmbito, seja crítica, é emergente “estranharmos” o monolinguismo
que se tornou “normal” nos sistemas avaliativos, inclusive em modelos de educação bilíngue.
Por isso, entendo a importância de introduzir as crianças em atividades avaliativas que deem
visibilidade para o plurilinguismo, desvelando seu valor nas relações de poder dentro do sistema
político-educacional. Dessa forma, o próprio sistema avaliativo, na escola, pode se tornar
instrumento da compreensão de que “o contato com outras línguas não só não é prejudicial,
mas, pelo contrário, é extremamente vantajoso para o crescimento e, até mesmo, a
sobrevivência, de qualquer língua” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 130). Entendo que este seria
um instrumento educacional profícuo para lidar com a abordagem de língua como um “recurso”
(cf. RUÍZ, 1984) social, político, emancipatório, econômico, cultural e de inclusão e
aprendizagem na escola.
De certa forma, como vim debatendo ao longo dessas subseções, as tensões
consequentes da gestão linguística pela avaliação externa à prática docente podem retirar “do
professor sua capacidade de avaliar” (OLIVEIRA; PINHO; SENNA, 2022, p. 348), isto é, sua
225

autonomia pedagógica e crítica diante dos processos de aprendizagem dos alunos. O desafio,
em contrapartida, está no tratamento da avaliação como uma política linguística da sala de aula,
que possa abranger uma visão dos letramentos como práticas de linguagem locais, que estão
sempre em construção. Diante disso, podemos analisar a aprendizagem escolar como um
processo altamente fluido, dinâmico, plurilíngue e complexo na sociedade contemporânea.
Observar como se interrelacionam as formas de avaliação dos alunos com as políticas
de ensino de línguas é um caminho importante para a compreensão ou reflexão da gestão
linguística que se dá na administração pública e na sala de aula em si. Dentre essas reflexões
que levantei até aqui, entendo que o interesse do poder público pela avaliação centrada na
alfabetização em língua portuguesa, através da sondagem, pode incorrer em apagamentos
linguísticos, mesmo que não seja esta a intenção, uma vez que evidenciar as práticas de escrita
exclusivamente na língua portuguesa invisibiliza outras práticas plurilíngues e pluriculturais.
Tais apagamentos, possivelmente, repercutem e são reforçados, como sinalizei anteriormente,
pelas tentativas de adequação às próprias avaliações federais de alfabetização em larga escala,
que, possivelmente, partem do princípio de que todas as crianças brasileiras são falantes e
estudantes (monolíngues) da língua portuguesa. Por isso, ainda que o bilinguismo seja uma
nova política na agenda escolar de Pomerode, em nível nacional, se torna tarefa de confronto
legitimar a diferenciação linguística, o plurilinguismo, os pluriletramentos. A partir dos
processos político-linguísticos do próprio Estado-nação, infelizmente, “normalizou-se” a
perpetuação de ideologias de “apagamentos”, que podem atuar, discursivamente, em diretrizes
educacionais, em práticas pedagógicas, nos sistemas avaliativos, alinhados com a imagem de
uma identidade nacional homogênea, e que afetam, seja para regular ou resistir, em nossas
práticas pedagógicas.
Neste momento, não pretendo aprofundar o debate acerca das políticas linguísticas
presentes nas avaliações em escala, nem em diretrizes educacionais de âmbito nacional, mas
indico a importância de um olhar circunstanciado a essas políticas linguísticas. Também
reconheço que deixo questões em aberto sobre o processo cognitivo de alfabetização em
práticas de pluriletramentos, bem como sobre a gestão das línguas à aquisição da linguagem
escrita na educação bilíngue (português-alemão) a partir de ações transdisciplinares. Entendo
que tais questões precisem de uma nova investigação minuciosa para que possam contribuir
não só com a política linguística do ponto de vista da administração pública, mas, mais
especificamente, com os próprios anseios da prática docente.
226

Nesta seção da tese, mais notadamente, procurei abordar questões políticas


relacionadas à avaliação da alfabetização, e como pode haver um caminho possível para
concebê-la inserida em práticas de pluriletramentos. Afinal, uma avaliação que permita olhar
para os recursos bilíngues que as crianças lançam mão, durante o seu processo de alfabetização,
permitiria compreender melhor como elas constroem conhecimentos para representar a
linguagem escrita e participar do mundo letrado. Nesse sentido, procurei defender a concepção
de que é um papel pedagógico, e não meramente administrativo, avaliar o processo de
aprendizagem da criança. Logo, avaliações internas à prática pedagógica tendem a demonstrar
um valor significativo para análise das tentativas infantis de compreender os princípios do
sistema alfabético. Como efeito, a ação pedagógica precisa levar em conta os modos
particulares que as crianças têm de manifestar esse conhecimento a partir de hipóteses de
desenvolvimento da linguagem escrita, que pode se dar de forma plurilíngue. Para que essa
avaliação possa ocorrer sistemática e internamente à prática docente, também é necessária uma
política de formação para compreensão das hipóteses infantis sobre a linguagem escrita, das
práticas de translinguagem e pluriletramentos que se formam numa realidade de contato
linguístico. Dessa forma, os profissionais de pedagogia e letras, nas línguas portuguesa e alemã,
podem assumir, com maior segurança, a tarefa de conduzir estratégias para seus estudantes
chegarem aos princípios da escrita, desenvolverem consciência sobre as diferenças entre os
sistemas fonético-fonológicos das línguas inseridas na educação bilíngue, construírem
habilidades necessárias às complexas interações num ambiente plurilíngue, etc.
227

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos desdobramentos deste estudo etnográfico, procurei analisar os pluriletramentos


nas práticas que se constituem na escola campo de pesquisa e sua relação com as orientações
das diretrizes municipais (de Pomerode, SC) acerca da implementação de políticas linguísticas
em cenário de descendência de imigração alemã. Diante desse objetivo, constituí algumas
considerações partindo dos registros gerados pelo processo de pesquisa, que, de modo algum,
sugerem pedantes soluções aos conflitos político-linguísticos que foram debatidos, ou
apresentam respostas definitivas às questões de pesquisa levantadas. O que me proponho, neste
momento, é, partindo de uma epistemologia qualitativa e interpretativista, levantar reflexões
baseadas no processo de aprendizagem sobre o contexto que fui construindo ao longo de toda
a investigação. Nesses termos, as análises realizadas nesta tese são traduzidas na maneira que
encontrei de compreender aspectos da realidade linguística investigada, a partir de minhas
decisões teóricas, minhas experiências e escolhas de caminhos interpretativos. Isso posto,
organizo as considerações finais da tese como um fechamento ao formato deste trabalho
acadêmico, mas também como uma provocação à continuidade da pesquisa no fértil campo da
política linguística e na complexidade do cenário sociolinguístico de Pomerode, que ainda pode
levantar diversas questões para estudos futuros, sob diferentes formas de entende-las, sob
diferentes enfoques teóricos ou abordagens metodológicas.
Ademais, reitero, neste momento da tese, que a pesquisa a campo foi desenvolvida em
um momento histórico da educação brasileira, marcado por uma crise da saúde mundial em
virtude da covid-19. As escolas de Pomerode seguiram as determinações da organização escolar
apresentadas pelo PLANCON-EDU (conforme explicitado no capítulo metodológico da tese),
que evitavam aglomerações nas salas de aula em tentativas de reduzir os contágios do vírus da
covid-19 durante o ano de 2021, ao mesmo tempo em que se empenharam em promover
acessibilidade e qualidade educacional dentro das suas realidades. Ainda assim, as medidas
sanitárias, embora necessárias à época, infelizmente, representaram obstáculos para o
desenvolvimento desta pesquisa em campo, uma vez que afetaram completamente a vida
escolar na medida em que as interações próximas entre as crianças do primeiro ano da sala de
aula bilíngue de língua portuguesa precisaram ser desincentivadas (modificando seus
comportamentos).
Mesmo diante desses obstáculos, considero que o presente trabalho de pesquisa
direciona para reflexões importantes acerca das formas de se construir uma educação bilíngue
228

no planejamento político e na prática docente. Afinal, levar em conta o plurilinguismo na


proposição das políticas linguísticas educacionais é imprescindível para a promoção da justiça
social nos mais diversos contextos que têm sua história linguística, comumente, recontada a
partir de apagamentos.
Como bem evidencia Hornberger (2003c), ainda que o Estado ou os sistemas
educacionais excluam ou invisibilizem as línguas de comunidades em situação minoritária e
suas práticas linguísticas, essas línguas, de algum modo, chegam às escolas e ocupam
“posições” distintas na sala de aula. A postura política dos sistemas educacionais, curriculares,
legislativos, dos agentes educacionais, torna-se chave para os desdobramentos quanto ao
modelo de bilinguismo assumido e quanto às atitudes às práticas de linguagem dos sujeitos
bilíngues (independentemente de a escola ser de educação bilíngue). O plurilinguismo, nesse
cenário, demanda confrontar as formas de compreendê-lo como a somatória de
monolinguismos, um dos principais argumentos defendidos na tese.
Ancorada em García (2009), García e Menken (2010) e Yip e García (2017), debati
que a educação bilíngue tem se revelado como um caminho profícuo para as demandas do
mundo real no século XXI, que requerem habilidades de tradução, de transição entre as línguas,
de interações que são constituídas de forma bilíngue, para se adaptarem aos contextos
complexos e multilíngues do mundo globalizado. A educação bilíngue, entendo, tem o poder,
quando inserida numa abordagem intercultural, de acolher os falantes para o reconhecimento
favorável das suas práticas de linguagem, talvez revertendo algumas das atitudes negativas
quanto às línguas e a quem as fala, e talvez implicando em mudanças linguísticas juntamente
com as pessoas em suas novas práticas sociais.
O debate sobre educação bilíngue, portanto, parece emergir das próprias demandas de
uma modernidade recente, que, sem dúvidas, é cada vez mais plurilíngue quanto às formas de
estar no mundo, de participar dele. Como consequência, surgem novas questões sobre a
alfabetização e o letramento, tais como sobre o desenvolvimento simultâneo das habilidades de
leitura e escrita em diferentes línguas e a participação de práticas de bi/pluriletramentos. Tais
práticas, como pontuei ao longo da tese, são socialmente engajadas na vida dentro e fora dos
muros escolares, e requerem reformulações políticas sobre como avaliamos a aprendizagem dos
estudantes e como ensinamos línguas nas nossas salas de aula.
Defendi a perspectiva de que as habilidades linguísticas do sujeito bilíngue
ultrapassam o conhecimento de repertórios linguísticos isolados, como se fossem
compartimentalizados em seu cérebro. Foi a partir dessa abordagem, principalmente, que
229

encontrei um caminho viável para questionar o entendimento de línguas autônomas atreladas à


imagem das identidades nacionais estanques.
As práticas de linguagem do contexto pesquisado, por exemplo, não evidenciam o
português como representação de uma identidade nacional brasileira e o alemão como de uma
identidade “estrangeira”, distante. Longe disso, as performances identitárias desvelam formas
plurais de interação, nas quais as línguas se atravessam umas às outras para criar contextos de
ensinar, aprender e agir socialmente. Nos termos de Rajagopalan (2003), por sinal, as formas
como as línguas se influenciam mutuamente, entre as culturas em conflito, fazem surgir uma
nova identidade, que, neste cenário pesquisado, não nega a identidade brasileira ou alemã, mas
as altera, na formação de “identidades locais” (cf. PENNYCOOK, 2010).
As reflexões sobre o currículo escolar, em contexto onde o ALBI se faz presente, assim
como sobre as identidades e a situação de diglossia de seus falantes, são necessárias para
discutirmos possíveis rumos para a política linguística voltada à alfabetização e aos letramentos
em alemão e em português dentro da proposta de educação bilíngue de Pomerode. Nesse
sentido, como destaquei no capítulo cinco, a escola não pode ser encarada como o único
domínio de uma política para o plurilinguismo em Pomerode, uma vez que, sozinha, não é capaz
de promover práticas linguísticas na mídia, na rua, no trabalho, na jurisdição, etc.
Além da educação formal, os registros gerados nesta investigação sugerem que a vida
socioeconômica de Pomerode tem inaugurado um novo mercado linguístico, baseado numa
relação que enaltece as origens do “colono alemão”. Como consequência, novas práticas de
pluriletramentos vão surgindo no município, como aquelas observadas na produção de folder
publicitário (Figura 10), na produção de uma etiqueta (Figura 5) veiculada aos produtos locais,
etc., estreitando ainda mais uma relação entre “orgulho” teuto-brasileiro e “lucro” proveniente
do mercado turístico e industrial. Essas práticas são incentivadas pelo poder público em
políticas de cooficialização das línguas alemã e pomerana, na promoção de eventos festivos,
educação bilíngue, etc., embora ainda constituam a situação de diglossia associada às ideologias
nacionais sobre língua e dialeto.
Além das cooficializações das línguas teuto-brasileiras faladas em Pomerode, a
educação também tem servido como um instrumento político nas tentativas de legitimidade
linguística. A inserção da disciplina língua alemã no currículo escolar e a implementação de
um programa de educação bilíngue municipal representam o papel político que a escola
desempenha para também fazer valer o plurilinguismo nesse contexto.
230

A educação bilíngue, conforme debatido no capítulo cinco, foi implementada


gradualmente a partir de 2008, tendo como diretriz inicial o “projeto: implantação do ensino
bilíngue – língua portuguesa/língua alemã”. Nesse documento, construído colaborativamente
entre professores da rede municipal e Secretaria de Educação e Formação Empreendedora de
Pomerode, a preocupação com a alfabetização na língua portuguesa e na língua alemã apresenta
um avanço significativo para o acesso das crianças aos pluriletramentos na escola, quando
aprendem as formas de representar graficamente a linguagem. Por outro lado, na sua
elaboração, o documento carece de uma abordagem ampliada sobre esses pluriletramentos, no
sentido de abrangerem toda a formação do estudante no ensino fundamental da escola bilíngue.
O “Projeto sala bilíngue – língua portuguesa/língua alemã” também investe numa
orientação de “língua-como-direito” (cf. RUÍZ, 1984) ao problematizar aspectos históricos,
especialmente atrelados ao Processo de Nacionalização do Ensino, em Santa Catarina, quando
o direito de acesso à língua de imigração de crianças de comunidades teuto-brasileiras, na
educação básica, foi bruscamente interrompido. Em contrapartida, questões relacionadas aos
recursos que a língua alemã promove à comunidade, na sua vida social moderna, ficam, ainda,
ausentes quanto às orientações linguísticas documentadas pelo projeto. Por isso, considero que
a vida socioeconômica de Pomerode se tornou um mecanismo na agenda oculta da política
linguística, perpetuando ideologias relacionadas à avaliação de proficiência, discursos sobre a
necessidade de falar alemão para empregabilidade, etc.
Diante dessas questões, destaquei o amadurecimento do “projeto: implantação do
ensino bilíngue – língua portuguesa/língua alemã” na prática escolar, mas também defendi a
importância de um registro documental constante entre a administração pública, professores,
diretores, comunidade em geral. A retomada do documento é importante para que sirva de
diretriz aos atores sociais envolvidos com a educação bilíngue, numa atualização constante
acerca dos conflitos, orientações e práticas de linguagem que atravessam a política de educação
linguística.
Reconheço que a ideologia hegemônica nacionalista compõe “mecanismos” (cf.
SHOHAMY, 2006) que estruturam políticas de educação bilíngue ainda baseadas no
monolinguismo, as quais atuam na compartimentalização das línguas em sistemas inteiramente
separados. É essa ideologia que, mesmo em políticas voltadas às línguas em situação
minoritária, continua reconhecendo o bilinguismo dinâmico como um problema para o Estado.
Hamel (2013b) explica que essa ideologia hegemônica é internalizada inclusive por membros
de minorias linguísticas, que acabam desenvolvendo atitudes negativas em relação ao próprio
231

bilinguismo. Para transformar essa realidade, entendo ser necessária a formação de um


pensamento crítico às ideologias linguísticas, a fim de que o ensino de línguas e seus processos
avaliativos superem concepções do falante ideal, legitimando as práticas de linguagem do
mundo real. O êxito da aplicação de medidas voltadas ao bilinguismo de sujeitos que falam as
línguas brasileiras de imigração (ou outras línguas em situação minoritária) depende do diálogo
constante entre o poder público em geral, agentes educacionais, alunos e comunidade.
O currículo, o material didático utilizado, os sistemas de avaliação podem reproduzir
essas ideologias, ressentimentos, etc., assim como podem propor rupturas e novos valores às
práticas de linguagem bilíngues. Por isso, essa compreensão é imprescindível na (re)formulação
de uma política linguística dentro de uma proposta dialógica, como nas diretrizes do projeto
sobre ensino bilíngue, de Pomerode, no seu primeiro momento de elaboração. Esse processo,
contudo, não se restringe à produção inicial de um documento; ele deve ocorrer de forma
contínua, ininterrupta, na prática da política linguística e nas reformulações documentais.
Entendo que os registros de pesquisa analisados no capítulo seis possam contribuir
com essa tarefa. Nesse capítulo, levantei a questão de como o ensino bilíngue ganha diferentes
significados na sala de aula bilíngue de língua portuguesa. A partir dos registros gerados para
este estudo, suponho que tais significados sejam construídos nas práticas de linguagem
corriqueiras, a partir das complexas relações sociais que perpassam pelo sistema educacional,
desde as formas de interpretar o currículo escolar até as escolhas de ensinar e aprender dentro
da sala de aula.
No capítulo cinco, dei início à construção de um argumento acerca da formulação do
currículo educacional com base em ideologias monolíngues, que resultam na formação de um
modelo de educação bilíngue que promove a divisão/separação das línguas. Essas ideologias se
perpetuam nas ações pedagógicas e ajudam a criar a política de facto entre as crianças e
professores. Como efeito, as formas de gestão das línguas na sala de aula são, muitas vezes,
conflituosas e representam o embate com a ideologia monolíngue, por tentativas de visibilidade
do bi/multi/plurilinguismo que acontece nas interações reais. Nesses termos, ainda que os
mecanismos da gestão das línguas na sala de aula estejam se constituindo pelas ideologias
perpetuadas no currículo oficial, também estão se constituindo pelas interpretações que os
agentes educacionais e estudantes fazem desse currículo, nas suas ações cotidianas. Por isso,
entendo existirem outras abordagens de educação bilíngue dentro da sala de aula, que ora
promovem a translinguagem, traduções e pluriletramentos como possibilidades educativas
232

estratégicas, ora fragmentam os repertórios linguísticos nas formas de interpretar e acatar o


currículo.
Apesar de os espaços instrucionais responderem a arranjos linguísticos separados, a
exclusão do alemão não é viável para o estudo da linguagem na sala de aula bilíngue de língua
portuguesa. A professora alfabetizadora, frequentemente, recorre, então, ao bilinguismo para
incluir os alunos, para trabalhar conceitos culturalmente situados nessas línguas e para
promover a interação entre as crianças (conforme capítulo seis).
Essa estratégia, pelo que pude compreender, é viabilizada pelo próprio bilinguismo da
professora alfabetizadora, que conhece aspectos de ambas as línguas que compõem o currículo
de educação bilíngue de Pomerode, e é familiarizada com o contexto sociolinguístico local. Por
outro lado, é importante alertar que a implementação do currículo que divide as línguas e os
professores específicos para cada uma delas, não raro, obstrui “a comunicação multilíngue
integrada e o desenvolvimento acadêmico” 83 (HAMEL, 2013b, p. 3829, tradução minha), já
que esses professores nem sempre sabem sobre a “outra” língua do currículo. Por isso, destaco
que, para a educação bilíngue de Pomerode, nem sempre será possível valer-se dos resultados
educativos gerados pela prática de uma professora alfabetizadora com o repertório daquela que
participou desta pesquisa. Logo, deixo uma lacuna de pesquisa quanto à compreensão e debate
das formas como a administração pública procura evitar essa “obstrução” tratada por Hamel
(2013b), e como orienta o professor a lidar com a complexidade da sala de aula bilíngue.
Ademais, conforme debate proposto ao longo da tese, as performances identitárias
bilíngues desafiam e transgridem, frequentemente, tentativas de fragmentar os repertórios
linguísticos. Na sala de aula bilíngue de língua portuguesa, observo algumas estratégias
pedagógicas voltadas para o estudo da linguagem levando em consideração os usos
performativos dos estudantes que vivem o contexto bilíngue dentro e fora da escola.
No capítulo seis, destaquei que a translinguagem, para momentos como a leitura diária
do calendário, oportunizou que as crianças contrastassem seus conhecimentos para
compreenderem esse gênero discursivo trabalhado nas salas de aula bilíngues de língua
portuguesa e de língua alemã. A promoção da atividade de interpretar o calendário a partir do
repertório linguístico completo dos estudantes, a fim de que pudessem identificar o corrente dia

83
“The implementation of two national curricula and separate teaching faculty who frequently know little about
the “other” language and curriculum obstruct integrated multilingual communication and academic development.”
(HAMEL, 2013b, p. 3829).
233

e ampliar esse repertório com novos recursos de dizer a data, se desdobra, por conseguinte, em
práticas de pluriletramentos.
As práticas de pluriletramentos envolvendo o calendário foram selecionadas, nesta
tese, como os principais eventos nos quais discuto as provocações linguísticas realizadas pela
professora alfabetizadora, que questionam as compartimentalizações das línguas na hora de
aprender a cultura de interpretar o “tempo” em dias, meses, anos. Entendo que esse movimento
pedagógico só se tornou possível a partir de mudanças na forma como a professora passou a
encarar a língua na sua trajetória profissional e acadêmica. Ela parece reconhecer que a
“intromissão” da língua alemã na sua “prática de português” poderia ser percebida como um
recurso didático a partir das comparações que as crianças tendem a fazer de conhecimentos
compartilhados em ambas as línguas, como o próprio “sistema alfabético” para a construção da
representação escrita. Nesses termos, vale lembrar os fragmentos sobre tradução, correção e
translinguagem na leitura do calendário (analisados no capítulo seis). Em tais cenas da sala de
aula, as crianças discorriam sobre os meses “maio”, “junho” ou “Juni”, “julho” ou “Juli”,
ampliando, gradativamente, seus repertórios linguísticos com os meses como recursos para falar
da data.
Diante dessas escolhas educacionais, entendo que a professora alfabetizadora
constituiu suas próprias crenças pedagógicas e linguísticas, nas tentativas de engajar as crianças
a participarem das práticas de letramento envolvendo o calendário ao mesmo tempo em que
ampliam seus repertórios com vocabulários da língua portuguesa. Por isso, reafirmo que,
independentemente dos ecos da ideologia do monolinguismo em uma tradição curricular, existe
uma sensibilidade pedagógica que conduz para tentativas de construir possibilidades para uma
sala de aula cada vez mais inclusiva ao plurilinguismo.
Dessa forma, o reconhecimento da língua como prática social permitiu a construção
de um local de aprendizagem onde os letramentos são mobilizados e transformados nas
interações plurais da professora e crianças, além da comunidade em geral, quando consideramos
as influências de outros espaços sociais. É nesse sentido que as paredes da sala de aula são
permeáveis (PENNYCOOK, 2000), refletindo e refratando aspectos da vida cotidiana desses
atores sociais. As práticas de letramento do mundo real são repetidas na vida escolar para que
as crianças possam, por exemplo, utilizar um calendário adequadamente. Entretanto, essas
práticas são sempre ressignificadas, transformadas e modificadas para as demandas com as
quais as crianças se confrontam, refletindo seus usos performáticos da linguagem.
234

Na escola, as crianças vão transformando os eventos de letramento dos quais


participam a partir desses momentos de tradução, de contato linguístico entre alemão e
português, como na organização dos meses do calendário, nas escolhas de vocabulários, etc.
Estas são, na verdade, estratégias de negociação de sentidos, que vão desde aspectos para se
chegar a uma comunicação bem-sucedida, até recursos por meio dos quais as pessoas buscam
por manifestações de suas identidades.
No capítulo seis, nesse contexto, apresentei o vocábulo “Oma” (vó, em alemão) como
frequentemente associado à identidade étnico-linguística, que dificilmente é substituído por
“vó”, mesmo nas tarefas em língua portuguesa. Para essas performances identitárias, é, de fato,
importante possibilitar à criança se apropriar dos diferentes recursos linguísticos do seu
contexto, como na aquisição da linguagem escrita.
Como a palavra “Oma”, nas interações socializadas no capítulo seis, parece indicar
uma função de pertencimento de um ponto de vista identitário, é essencial às crianças
aprenderem estratégias para escrever e ler sobre a “Oma”, mesmo em atividades
predominantemente em língua portuguesa, numa forma de reconhecimento e
representatividade. O espaço pedagógico legitimado para dizer “Com a minha Oma eu moro”,
para escrever e ler que “A minha Oma faz almoço”, atendendo aos propósitos comunicativos
no contato com as diferentes identidades, é uma forma de abrir possibilidades para que as
crianças reflitam sobre a escrita a partir do repertório que as constitui. Assim como Megale
(2017), defendo a concepção de que as crianças, durante o desenvolvimento da linguagem
escrita, anseiam por representarem graficamente palavras ou frases referentes ao que possui
significado a elas. Interromper essas tentativas, quando inseridas em práticas translíngues, tira
da criança “a possibilidade de se expressar utilizando todo o repertório que ela construiu ao
longo de sua vida”. (MEGALE, 2017, p. 14). É necessário reconhecer, para tanto, que as
“interferências” mútuas entre as línguas, nas práticas de oralidade e escrita, ocorrem justamente
porque não estão sedimentadas das identidades bilíngues dessas crianças.
A abordagem ideológica do letramento proposta por Street (2014 [1995]) contribui
para este debate justamente porque abre margem para a discussão de “variáveis sociais mais
complexas”, como a própria diversidade de línguas faladas numa região. O autor explica que,
em situação de contato linguístico, as pessoas desenvolvem consciência acerca das línguas que
falam (tanto na modalidade oral quanto na escrita) e criam formas de compreender os
significados das coisas a partir de culturas linguísticas que se encontram nas suas práticas. Na
seção 6.2, por exemplo, explorei o desenvolvimento da consciência conceitual em torno de um
235

mesmo dia da semana, através do contraste dos significados de “quarta-feira” e “Mittwoch”


como, respectivamente, o quarto dia da semana e o meio da semana. Nessa mesma seção de
análise, também socializei alguns recortes da sala de aula bilíngue de língua portuguesa que
desvelam a consciência de significados desenvolvida pelas crianças em torno dos vocábulos
“Oma” e “vó”, ideologicamente situados, uma vez que não podem ser meramente traduzidos
quando as crianças pretendem significar seus mundos sociais nos atos comunicativos.
É nesse sentido que venho afirmando que os tradicionais letramentos pedagogizados
também são modificados nas performances identitárias das crianças, que recorrem à língua
como projeções ideológicas de suas diferenças. As interações, situadas nesse contexto da sala
de aula bilíngue de língua portuguesa, refletem como as línguas compõem os repertórios das
crianças e como essas crianças dão significados à sua vida social a partir das línguas. Por isso,
é tão caro à política linguística local reconhecer que as línguas se misturam umas às outras e
que é perfeitamente possível ser brasileiro e dispor de um repertório linguístico amplamente
diverso, superando concepções sobre o bilinguismo como a soma de monolinguismos, ou,
ainda, sobre a homogeneidade de aprendizagem entre crianças bilíngues ou não.
Diante do exposto, reitero que a mistura é uma habilidade linguística que constitui
recursos não só da comunicação, mas da própria expressão das identidades, performadas na
fala, leitura e escrita dessas crianças. A escola, nesse processo, sem dúvidas, é uma importante
agência legitimadora dessas identidades bilíngues que se constroem. Nesse espaço, é possível
potencializar o reconhecimento das formas linguísticas inovadoras que vão surgindo, ainda que
a ideologia de língua nacional continue afetando a política linguística, especialmente, através
de mecanismos avaliativos e curriculares.
Quanto ao tema relacionado aos processos avaliativos, para fechar o capítulo seis,
procurei trazer, à discussão, políticas relacionadas à avaliação da alfabetização, a qual é
implementada pela Secretaria de Educação e Formação Empreendedora de Pomerode a partir
de um sistema de sondagem. Como um processo avaliativo externo à prática pedagógica, a
sondagem, na sua política explícita, fornece diagnósticos sobre os níveis conceptuais de
desenvolvimento da linguagem escrita das crianças matriculadas nas séries iniciais, mas, na
agenda oculta, também exerce certo controle sobre os professores, através dos resultados
almejados. Nesse sentido, comparei, ainda que genericamente, a prática de aplicar uma
avaliação externa, em Pomerode, à própria prática federal nas avaliações de larga escala, como
Provinha Brasil e ANA.
236

Avalições em escala, de modo geral, podem funcionar como mecanismos de uma


política linguística que circunda discursos sobre “qualidade educacional”, sobre déficits
educacionais, etc. Por isso, sinalizei a possibilidade de influenciarem decisões políticas também
em Pomerode. Levantei questões sobre a contribuição que um diagnóstico dos processos de
aprendizagem pode trazer às salas de aula, mas, da mesma forma, levantei as implicações que
a avaliação externa à prática pedagógica acarreta como ferramenta de controle. Dentre essas
implicações, problematizei interpretações que refletem a diglossia nas práticas de letramento
escolares, bem como a possibilidade de construção de interpretações equivocadas quando
baseadas nos resultados atingidos com uma avaliação isolada, no final do ano letivo. Com a
avaliação aplicada em toda a rede municipal, no final do ano letivo, incorre-se o risco de
invisibilidade do processo de desenvolvimento da escrita das crianças em cada nível conceptual
da sua formação naquele ano escolar, além de invisibilidade das diferenças quanto ao
desenvolvimento das crianças matriculadas em escolas com proposta de educação bilíngue.
Tudo isso, afinal, também se converte em mecanismos da política linguística de facto
que, de certa forma, contribui para a perpetuação do bilinguismo assimétrico, socialmente
constituído fora dos muros escolares. Os modos de avaliar a alfabetização das crianças,
desatrelados das compreensões sobre o processo bilíngue de aquisição da linguagem escrita,
resulta das formas monolíngues de entendermos a alfabetização e o letramento em si.
Por isso, venho apresentando a abordagem voltada aos pluriletramentos, que confronta
os mecanismos da ideologia nacional. Como efeito, implica em lutas quanto às próprias
mudanças de padrões educacionais no que se refere aos modelos idealizados de língua e
letramentos. No Brasil, por exemplo, entendo que as mudanças de certos padrões educacionais
sejam urgentes quanto ao ensino de língua portuguesa e ao processo de alfabetização, a fim de
questionarmos a insistência em uma concepção do monolinguismo, que ecoa a invisibilização
do plurilinguismo e suas respectivas práticas de linguagem nos currículos educacionais,
materiais didáticos, sistemas avaliativos, etc.
Nesse desafio, proponho que a avaliação seja sempre tomada como parte dos processos
de ensinar e aprender no sistema educacional. Para isso, algumas ações são necessárias aos
professores e propositores das políticas linguísticas que orientam currículos, diretrizes e
sistemas avaliativos, dentre elas: o reconhecimento da complexidade sociolinguística da sala de
aula, das crenças, atitudes e ideologias relacionadas às práticas de linguagem locais, combinado
a uma formação pedagógica transdisciplinar.
237

Nesta tese, em particular, espero que a visão situada das práticas linguísticas cotidianas
de uma educação bilíngue sirva, inclusive, de subsídio para os debates políticos e acadêmicos
quanto à educação linguística em contexto de plurilinguismo. As ações de quem vive essa
realidade educacional, a favor dos estudantes que se tornam bilíngues pela escola ou
anteriormente a ela, têm potencial para contribuir com diferentes contextos pedagógicos. Essa
contribuição é importante, inclusive, para o diálogo contínuo com a administração pública de
Pomerode quanto ao “projeto: implantação do ensino bilíngue – língua portuguesa/língua
alemã” em uma política linguística já concretizada. Assim, esses professores podem ser
reconhecidos e se reconhecerem como agentes de uma política que leva em conta suas
condições de trabalho, experiências, crenças e ideologias, suas interações com a administração
pública (como secretaria de educação), mas também com a comunidade, famílias e alunos
(GARCÍA; MENKEN, 2010).
Nos registros gerados para esta tese, há indícios de uma pedagogia culturalmente
sensível ao bilinguismo das crianças, aproximando as atividades de língua portuguesa à
“linguasagem” (GARCÍA, 2009, p. 143) bilíngue. Defendo, portanto, que a equipe pedagógica
tem propostas a contribuir para a política linguística oficial, como, por exemplo, na forma como
os letramentos são avaliados pela Secretaria de Educação e Formação Empreendedora.
É essencial considerarmos que as linguagens escrita e oral estão associadas a práticas
sociais mais amplas, nas quais as pessoas significam o letramento histórica, cultural, social e
ideologicamente. Por isso, como destaquei nas análises dos registros gerados nesta pesquisa, as
concepções de língua, sujeito e escrita precisam ser problematizadas, refletidas e discutidas na
formulação contínua da política linguística educacional, assim como na formação de
professores, nos materiais pedagógicos, e no seu sistema avaliativo.
Ademais, destaco que, no Brasil, de modo geral, as políticas relacionadas aos
letramentos escolares em português perpetuam uma visão monolíngue, monocultural de
práticas de linguagem, convencionalmente em um “modelo autônomo” de letramento
(STREET, 2014 [1995], p. 142). A visão hegemônica de letramentos escolares coloca-os em
situação de maior prestígio que práticas plurilíngues, nas quais as “misturas” linguísticas criam
novas possibilidades raramente imaginadas para a concepção de língua baseada no conceito de
identidades nacionais. Nesse cenário, as avaliações em larga escala e materiais pedagógicos que
passam a ser inseridos nas escolas públicas ainda estão sendo pensados e elaborados para
atender uma orientação distante da “desinvenção” (cf. MAKONI; MEINHOF, 2006;
MAKONI; PENNYCOOK, 2015) de língua nacional ou “reinvenção” linguística baseada no
238

plurilinguismo, abrindo desafios maiores ainda para escolas bilíngues, como o campo desta
pesquisa.
Em decorrência dessa noção, destaco a necessidade de debater, nas formações de
agentes educacionais, assim como na formulação das diretrizes educacionais, o princípio de que
são as línguas que trabalham a favor dos falantes e não o contrário (CAVALCANTI; MAHER,
2018), inclusive em práticas escritas. É contraditória a ideologia escolar que insiste em ensinar
e avaliar práticas de uma língua “engessada”, “fixa”, “endurecida”, sem lugar para as
diferenças.
Por isso, ainda que a existência de uma educação bilíngue já rompa, de alguma forma,
com a visão de nação monolíngue, também existe o desafio de superar a ideologia monolíngue
na própria forma de se propor uma formação escolar efetivamente bilíngue. Na última seção de
análise desta tese, destaquei esse desafio a partir da crítica levantada pela professora
alfabetizadora às formas de fragmentar a aprendizagem da criança quando o professor de
alemão foca na “ORALIDADE” apenas, enquanto fica à cargo do professor de português
desenvolver as habilidades técnicas para a aquisição da linguagem escrita. Por outro lado,
quando uma profissional atua com outra que seja “parceira, BEM PARCEIRA, que pega junto”,
as possibilidades para um trabalho engajado podem ser expandidas. O reconhecimento das
habilidades sociais e linguísticas da criança, pelas professoras das duas salas de aula bilíngues,
permite aprender “quais elementos são transferíveis de uma língua para outra e quais não o são”
(MEGALE, 2017, p. 13), como as crianças transitam entre as línguas para desempenharem suas
atividades diárias e se comunicarem com outros sujeitos bilíngues ou não.
Esse trabalho colaborativo, nas diferentes salas de aula bilíngues, de certa forma, deixa
de responsabilizar o estudante pela tarefa exclusiva e solitária de somar as aprendizagens
separadas (e monolíngues) das duas salas de aula. Afinal, numa educação bilíngue engajada,
cada espaço pedagógico é (ou deveria ser) responsável por promover o plurilinguismo (evitando
a concepção de bilinguismo como a somatória de monolinguismos). Para isso, sem dúvidas, a
formação crítica de professores é um tema que sempre vai voltar à discussão, mas que também
requer da administração pública um alinhamento à compreensão transdisciplinar da educação
linguística.
O debate sobre a educação bilíngue dentro de uma abordagem plural, inclusiva, que
parta de concepções desafiadoras à “invenção” moderna da língua, ainda carece de espaço na
formação de muitos professores, derivando, como sugere Berger (2015), numa insegurança com
relação ao bilinguismo na escola. Retomo o debate de Alves e Finger (2023) por também
239

reconhecerem uma lacuna na formação de profissionais que, dentro de contextos de educação


bilíngue ou com falantes bilíngues, têm tentado dar conta, à sua maneira, do trabalho de
alfabetização. Sejam nos cursos de licenciatura em letras ou pedagogia, ainda são escassos os
espaços de formação para pensar uma educação em favor do bi/multi/plurilinguismo, a partir
de diferentes campos dos estudos linguísticos e sociais.
Por isso, é justo considerar que toda proposta política de educação bilíngue precisa
também estar associada a uma política de educação linguística de professores de línguas (cf.
CAVALCANTI, 2013; BERGER, 2015). Nesses termos, as salas de aula bilíngues de língua
portuguesa e de língua alemã poderiam resultar, em Pomerode, em ações mais conjuntas do que
separadas, a partir de condições propícias para isso. É um caminho em conformidade com o
que Moita Lopes (2006), na organização do livro “Por uma Linguística Aplicada INdisciplinar”,
propõe sobre o próprio campo de pesquisa. Assim como na linguística aplicada, a educação
linguística, na escola, também pode “ameaçar” e “transgredir” os limites disciplinares para
ganhar um contorno “transdisciplinar”, no sentido de desenvolverem-se práticas de ensinar e
aprender voltadas ao que as pessoas fazem com as línguas nas suas vidas sociais, sem
compartimentalizá-las sob a alegação de pertencerem a disciplinas, avaliações, espaços
temporais ou físicos diferentes.
Essa formação contribuiria para questionar o monolinguismo como “normalidade” no
currículo (inclusive em modelos de educação bilíngue), em sistemas avaliativos, em materiais
didáticos, etc., fortalecendo a gestão linguística para o plurilinguismo na própria educação
básica. Também contribuiria para romper com uma perspectiva de letramento autônomo,
monolíngue e idealizado na formação das crianças, comumente reforçado pelo próprio sistema
avaliativo escolar.
As considerações que levantei, até aqui, requerem uma mudança social, na qual situo
uma postura da política linguística crítica, no sentido reduzir as desigualdades educacionais que
criamos com a própria imposição de noções de falantes ideias ou línguas idealizadas. Entendo
que existam questões que este trabalho de pesquisa ainda não consiga contemplar de forma
ampla. Modelos de processos avaliativos que possam confrontar aqueles propostos em larga
escala, modelos de atividades pedagógicas que direcionem a prática transdisciplinar do
professor de línguas em sala de aula, modelos curriculares que confrontem as formas de separar
as línguas, metodologias relacionadas à alfabetização situada nos pluriletramentos, etc., são
alguns dos temas que merecem um aprofundamento para reflexões pormenorizadas. Por outro
lado, acredito que a tese tenha cumprido um papel social importante em termos de provocação
240

para que essas novas questões sejam levantadas e delineadas em projetos de pesquisa e de
política linguística. Igualmente, apresentei diálogos pertinentes entre diferentes pesquisas a
partir dos quais podemos pensar a translinguagem na elaboração de tarefas/atividades inseridas
na educação bilíngue.
241

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APÊNDICE A – Termo de Assentimento Livre e Esclarecido do Menor (TALE)


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA
TERMO DE ASSENTIMENTO DO MENOR84

TERMO DE ASSENTIMENTO
DO MENOR

84
Agradeço ao acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Linguística, Vitor Hochsprung, pelo auxílio
prestado na produção da arte do termo de assentimento do menor.
259

Eu aceito participar da pesquisa “Práticas de


letramentos em cenário multilíngue: um contexto de educação pública em Santa
Catarina”, que pretende estudar as atividades de leitura e escrita que acontecem na minha
sala de aula bilíngue. Entendi as coisas ruins e as coisas boas que podem acontecer. Entendi
que posso dizer “sim” e participar, mas que, a qualquer momento, posso dizer “não” e
desistir, que ninguém vai ficar furioso. A pesquisadora tirou minhas dúvidas e conversou com
os meus pais ou outros responsáveis.

Recebi uma cópia deste termo de assentimento e li e concordo em participar da pesquisa.


Pomerode, ___________de ___________________de 2021.

____________________________________________
Assinatura da criança
(Não tem assinatura ainda? Pode escrever o seu nome!)

_____________________________________________
Luana Ewald
(Pesquisadora Responsável)
260

APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) – aos


responsáveis legais pelos estudantes convidados a participar da pesquisa
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE

Seu/Sua filho(a) está sendo convidado(a) a participar da pesquisa “Práticas de letramentos


em cenário multilíngue: um contexto de educação pública em Santa Catarina”, no período de
fevereiro de 2021 até dezembro de 2021, nas dependências da escola, durante o horário de aula. O estudo
se refere à tese de doutorado em desenvolvimento no Programa de Pós-graduação em Linguística da
Universidade Federal de Santa Catarina, conduzido pela doutoranda Luana Ewald, sob a orientação do
Prof. Dr. Gilvan Müller de Oliveira.

A proposta deste Termo é explicar tudo sobre o estudo e convidar seu/sua filho(a) para a
participação da pesquisa. Leia-o atentamente e traga suas dúvidas para a reunião que a pesquisadora
(Luana Ewald) realizará na escola (data a definir), ou contate-a pelo telefone (47 991656096), e-mail
([email protected]), WhastApp (47 991656096). Faça perguntas quantas vezes for necessário
para esclarecer todas as suas dúvidas.

A educação bilíngue (português/alemão), que ocorre na escola onde seu/sua filho(a) estuda,
não é um modelo de educação convencional. No entanto, é considerado importante para a formação de
estudantes em contextos onde ainda se fala a língua alemã. Para compreender como ocorre, na prática,
essa modalidade de educação, a pesquisadora pretende participar das aulas da turma de seu/sua filho(a),
apenas observando e estudando as estratégias adotadas na escola para o trabalho pedagógico com as
duas línguas. As práticas da educação bilíngue onde seu/sua filho(a) estuda serão divulgadas na tese.

O objetivo da pesquisa é analisar os pluriletramentos (práticas bilíngues permeadas pela


linguagem escrita) nas atividades que se constituem na escola e sua relação com as orientações das
diretrizes municipais (de Pomerode, SC) acerca da implementação de políticas linguísticas em cenário
de descendência de imigração alemã.

Para atender ao objetivo do estudo, a pesquisadora acompanhará as aulas na turma de seu/sua


filho(a), sem interromper as atividades educacionais, pois estará apenas realizando observações na
escola. Por se tratar de um período de observação, a pesquisadora precisará tomar notas em seu caderno
(que chamará de diário de campo), fará também gravações de imagem e som na sala de aula, a fim de
poder rever, fora da escola, as aulas observadas. Essas gravações não serão divulgadas em hipótese
alguma e somente os pesquisadores terão acesso a elas. A intenção da pesquisadora é apenas registrar
com mais detalhamento na pesquisa as interações na sala de aula bilíngue, para posterior estudo. O
equipamento de gravação será introduzido aos poucos, a fim de se tornar familiar ao ambiente e evitar
qualquer constrangimento. A câmera ficará em um tripé em um canto da sala, sem que haja filmagens
direcionadas ou individualizadas. Apesar disso, se seu/sua filho(a) se sentir desconfortável, poderá
afastar-se do equipamento de gravação ou pedir para desligá-lo. Também fica garantida a plena
liberdade de seu/sua filho(a) recusar-se a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da
pesquisa, sem penalização alguma.

Todas as informações adquiridas serão analisadas em caráter estritamente científico. Os


pesquisadores serão os únicos a terem acesso aos registros realizados na escola e tomarão todas as
providências necessárias para manter o sigilo e privacidade de suas informações em todas as fases da
pesquisa (a imagem do seu/sua filho(a) será resguardada e ele(a) não terá sua identidade revelada para
o público que acessar a tese). Os resultados globais deste trabalho poderão ser apresentados em
congressos ou publicações científicas, sem nunca revelar o nome do seu/sua filho(a) ou qualquer
261

informação relacionada à sua privacidade e identidade. Os dados fornecidos serão utilizados nesta
pesquisa e ficarão armazenados de posse da pesquisadora responsável, podendo ser descartados
(deletados e incinerados) posteriormente (a partir de 5 anos após a conclusão do trabalho) ou mantidos
armazenados em sigilo.

A legislação brasileira não permite que você tenha qualquer compensação financeira pela
participação de seu/sua filho(a) na pesquisa, mas você será ressarcido(a) caso você tenha alguma despesa
decorrente da pesquisa, como, por exemplo, alimentação ou transporte em encontros extraordinários
com a pesquisadora. Se tiver qualquer dano em decorrência desta pesquisa, você tem direito à
indenização.

Ao participar desta pesquisa, há eventuais riscos, mesmo que mínimos, tais como: (I)
desconforto e/ou constrangimento diante da presença da pesquisadora no ambiente escolar, bem como
diante das gravações de áudio e vídeo; (II) possíveis alterações de comportamento das crianças e/ou
professores durante gravações de áudio e vídeo, embora a pesquisadora procure evitar trazer impactos
ao ambiente sala de aula; (III) possível risco de quebra de sigilo, ainda que involuntária e não intencional.

Apesar de todos os cuidados tomados, existe a remota possibilidade do sigilo ser quebrado de
maneira involuntária e não intencional. Para minimizar essa possibilidade, as observações serão
realizadas por uma única pesquisadora (Luana Ewald), que se compromete em resguardar imagens e
dados de qualquer aluno(a) da escola. Os participantes do estudo não serão identificados nos resultados
e publicação final da tese e em nenhum outro momento. Vale destacar que todas as pessoas citadas na
pesquisa, sejam as crianças matriculadas na escola ou seus professores, receberão pseudônimos, a fim
de preservar sua identidade. O nome da escola também será omitido na publicação final da tese, a fim
de preservar toda a equipe escolar.

Para minimizar o desconforto quanto ao desenvolvimento do estudo na escola, a pesquisadora


buscará ser solícita com as crianças e procurará ter sua imagem associada ao lado da professora, figura
com a qual já há familiaridade na comunidade escolar. O constrangimento quanto à gravação das aulas
será atenuado pela pesquisadora ao introduzir o equipamento gradativamente e ao evitar a gravação
direcionada a uma criança.

A participação no estudo não trará nenhum benefício direto à sua família. Porém, toda pesquisa
procura trazer benefícios à sociedade. Por isso, a participação de seu/sua filho(a) pode contribuir para a
construção de conhecimentos que auxiliarão no entendimento mais aprofundado sobre os letramentos
na educação bilíngue, sobre a língua brasileira de imigração alemã e sobre políticas linguísticas que
favoreçam o bilinguismo (ou multilinguismo) do Brasil, impactando, de alguma forma, o debate sobre
a educação brasileira.

Os procedimentos metodológicos que serão adotados obedecerão aos preceitos éticos


implicados em pesquisas envolvendo seres humanos nas Ciências Humanas e Sociais, conforme
normatização da Resolução 510/16 do Conselho Nacional de Saúde. A pesquisadora responsável, que
também assina este documento, compromete-se a conduzir a pesquisa de acordo com o que preconiza a
Resolução 466/12 de 12/06/2012, que trata dos preceitos éticos e da proteção aos participantes da
pesquisa.

Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
da Universidade Federal de Santa Catarina (CEPSH-UFSC). O CEPSH-UFSC é um órgão colegiado
interdisciplinar, deliberativo, consultivo e educativo, criado para defender os interesses dos participantes
da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir com o desenvolvimento da pesquisa dentro
de padrões éticos.

Durante os procedimentos de pesquisa, na escola, seu/sua filho(a) estará sempre


262

acompanhado(a) pela pesquisadora, que se compromete em socializar, ao término do estudo, os


resultados alcançados. Em caso de dúvidas ou preocupações quanto aos direitos de seu/sua filho(a) como
participante deste estudo, você pode entrar em contato com o CEPSH - UFSC, pelo telefone (48)3721-
6094; e-mail [email protected], ou pessoalmente no Prédio Reitoria II, Rua Desembargador
Vitor Lima, n° 222, 4° andar, sala 401 – Trindade – CEP 88040-400 – Florianópolis/SC.

Caso você queira maiores informações sobre a pesquisa ou queira ter acesso aos resultados,
você poderá entrar em contato com os pesquisadores responsáveis por este estudo, Prof. Dr. Gilvan
Müller de Oliveira (tel. 48-99916-1815) e doutoranda Luana Ewald (tel 47-99165-6096), ou
pessoalmente no endereço: Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e
Expressão Prédio B, Sala Secretaria de Pós-Graduação em Linguística, 3º andar – Trindade – CEP
88040-900 – Florianópolis/SC. Endereço da pesquisadora Luana Ewald: Rua Senegal, nº 185, Bairro
das Nações – CEP 89 120 000 – Timbó/SC.

Após a leitura do presente termo e da sua autorização de participação de seu/sua filho(a) no


estudo, solicitamos que assine abaixo. A participação somente ocorrerá se você concordar com este
termo. Duas vias deste documento, cujas páginas estão todas numeradas, deverão ser rubricadas e
assinadas por você e pelos pesquisadores, sendo que uma ficará em sua guarda e a outra com os
pesquisadores. Este é um documento importante que traz informações de contato e garante os direitos
de seu/sua filho(a) como participante da pesquisa, por isso solicitamos que o guarde. Você terá acesso
ao registro do seu consentimento sempre que solicitado.

DECLARAÇÃO DE CONSENTIMENTO

Eu, _______________________________, RG _______________, responsável legal


pelo(a) _______________________________, RG _______________, li este documento e
obtive dos pesquisadores todas as informações que julguei necessárias para me sentir
esclarecido e autorizar por livre e espontânea vontade a participação de meu/minha filha(o)
nesta pesquisa. Autorizo, também, as gravações ao longo das aulas em que meu filho participar.
Declaro, portanto, que concordo que meu/minha filho(a) participe deste estudo.

Nome e assinatura do responsável legal pelo estudante participante da pesquisa:

____________________________________

____________________________________

Nome e assinatura dos pesquisadores:

___________________________________ ____________________________________
Gilvan Müller de Oliveira Luana Ewald

Data:

APÊNDICE C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) – ao professor


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA
263

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE

Você, professor(a), está sendo convidado(a) a participar da pesquisa “Práticas de


letramentos em cenário multilíngue: um contexto de educação pública em Santa Catarina”, no
período de fevereiro de 2021 até dezembro de 2021, nas dependências da escola, durante o horário de
aula. O estudo se refere à tese de doutorado em desenvolvimento no Programa de Pós-graduação em
Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina, conduzida pela doutoranda Luana Ewald, sob a
orientação do Prof. Dr. Gilvan Müller de Oliveira.

A proposta deste Termo é explicar tudo sobre o estudo e convidar você para a participação na
pesquisa. Leia-o atentamente e traga suas dúvidas para a reunião que a pesquisadora (Luana Ewald)
realizará na escola (data a definir), ou contate-a pelo telefone (47 991656096), e-mail
([email protected]), WhastApp (47 991656096). Faça perguntas quantas vezes for necessário
para esclarecer todas as suas dúvidas.

A educação bilíngue (português/alemão), que ocorre na escola onde você atua, não é um
modelo de educação convencional. No entanto, é considerado importante para a formação de estudantes
em contextos onde ainda se fala a língua alemã. Para compreender como ocorre, na prática, essa
modalidade de educação, a pesquisadora pretende participar das aulas da sua turma bilíngue, apenas
observando e estudando as estratégias adotadas na escola para o trabalho pedagógico com as duas
línguas. O estudo não tem função de avaliar seu trabalho, mas de possibilitar compreender e aprender
com quem atua diretamente dentro dessa realidade bilíngue.

O objetivo da pesquisa é analisar os pluriletramentos (práticas bilíngues permeadas pela


linguagem escrita) nas atividades que se constituem na escola e sua relação com as orientações das
diretrizes municipais (de Pomerode, SC) acerca da implementação de políticas linguísticas em cenário
de descendência de imigração alemã.

Para atender ao objetivo do estudo, a pesquisadora acompanhará as aulas na turma bilíngue,


sem interromper suas atividades educacionais, pois estará apenas realizando observações na escola. Por
se tratar de um período de observação, a pesquisadora precisará tomar notas em seu caderno, fará
também gravações de imagem e som na sala de aula, a fim de poder rever, fora da escola, as aulas
observadas. Essas gravações não serão divulgadas em hipótese alguma e somente os pesquisadores terão
acesso a elas. A intenção da pesquisadora é apenas registrar com mais detalhamento na pesquisa as
interações na sala de aula bilíngue, para posterior estudo. O equipamento de gravação será introduzido
aos poucos, a fim de se tornar familiar ao ambiente e evitar qualquer constrangimento. A câmera ficará
em um tripé em um canto da sala, sem que haja filmagens direcionadas ou individualizadas. Apesar
disso, se você se sentir desconfortável, poderá afastar-se do equipamento de gravação ou pedir para
desligá-lo. Sinta-se absolutamente à vontade em deixar de participar da pesquisa a qualquer momento,
sem ter que apresentar qualquer justificativa ou ter prejuízo para si.

Todas as informações adquiridas serão analisadas em caráter estritamente científico. Os


pesquisadores serão os únicos a terem acesso aos registros realizados na escola e tomarão todas as
providências necessárias para manter o sigilo e privacidade de suas informações em todas as fases da
pesquisa. Os resultados globais deste trabalho poderão ser apresentados em congressos ou publicações
científicas, sem nunca revelar o seu nome ou de seus alunos, ou qualquer informação relacionada à sua
privacidade e identidade. Os dados fornecidos serão utilizados nesta pesquisa e ficarão armazenados de
posse da pesquisadora responsável, podendo ser descartados (deletados e incinerados) posteriormente
(a partir de 5 anos após a conclusão do trabalho) ou mantidos armazenados em sigilo.

A legislação brasileira não permite que você tenha qualquer compensação financeira pela sua
participação na pesquisa, mas você será ressarcido(a) caso você tenha alguma despesa decorrente da
264

pesquisa, como, por exemplo, alimentação ou transporte em encontros extraordinários com a


pesquisadora. Se tiver qualquer dano em decorrência desta pesquisa, você tem direito à indenização.

Ao participar desta pesquisa, há eventuais riscos, mesmo que mínimos, tais como: (I)
desconforto e/ou constrangimento diante da presença da pesquisadora no ambiente escolar, bem como
diante das gravações de áudio e vídeo; (II) possíveis alterações de comportamento das crianças e/ou
professores durante gravações de áudio e vídeo, embora a pesquisadora procure evitar trazer impactos
ao ambiente sala de aula; (III) possível risco de quebra de sigilo, ainda que involuntária e não intencional.

Apesar de todos os cuidados tomados, existe a remota possibilidade do sigilo ser quebrado de
maneira involuntária e não intencional. Para minimizar essa possibilidade, as observações serão
realizadas por uma única pesquisadora (Luana Ewald), que se compromete em resguardar imagens e
dados de qualquer aluno(a), professor ou outra pessoa ligada à escola. Os participantes do estudo não
serão identificados nos resultados e publicação final da tese e em nenhum outro momento. Vale destacar
que todas as pessoas citadas na pesquisa, sejam as crianças matriculadas na escola ou seus professores,
receberão pseudônimos, a fim de preservar sua identidade. O nome da escola também será omitido na
publicação final da tese, a fim de preservar toda a equipe escolar.

Para minimizar o desconforto quanto ao desenvolvimento do estudo na escola, a pesquisadora


buscará ser solícita com você e seus alunos. O constrangimento quanto à gravação das aulas será
atenuado pela pesquisadora ao introduzir o equipamento gradativamente e ao evitar a gravação
direcionada a qualquer indivíduo na sala de aula.

A participação no estudo não trará nenhum benefício direto a você. Porém, toda pesquisa
procura trazer benefícios à sociedade. Por isso, a sua participação pode contribuir para a construção de
conhecimentos que auxiliarão no entendimento mais aprofundado sobre os letramentos na educação
bilíngue, sobre a língua brasileira de imigração alemã e sobre políticas linguísticas que favoreçam o
bilinguismo (ou multilinguismo) do Brasil, impactando, de alguma forma, o debate sobre a educação
brasileira.

Os procedimentos metodológicos que serão adotados obedecerão aos preceitos éticos


implicados em pesquisas envolvendo seres humanos nas Ciências Humanas e Sociais, conforme
normatização da Resolução 510/16 do Conselho Nacional de Saúde. A pesquisadora responsável, que
também assina este documento, compromete-se a conduzir a pesquisa de acordo com o que preconiza a
Resolução 466/12 de 12/06/2012, que trata dos preceitos éticos e da proteção aos participantes da
pesquisa.

Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
da Universidade Federal de Santa Catarina (CEPSH-UFSC). O CEPSH-UFSC é um órgão colegiado
interdisciplinar, deliberativo, consultivo e educativo, criado para defender os interesses dos participantes
da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir com o desenvolvimento da pesquisa dentro
de padrões éticos.

A pesquisadora se compromete em socializar, com a escola, ao término do estudo, os


resultados alcançados. Em caso de dúvidas ou preocupações quanto aos seus direitos como participante
deste estudo, você pode entrar em contato com o CEPSH - UFSC, pelo telefone (48)3721-6094; e-mail
[email protected], ou pessoalmente no Prédio Reitoria II, Rua Desembargador Vitor Lima,
n° 222, 4° andar, sala 401 – Trindade – CEP 88040-400 – Florianópolis/SC.

Caso você queira maiores informações sobre a pesquisa ou queira ter acesso aos resultados,
você poderá entrar em contato com os pesquisadores responsáveis por este estudo, Prof. Dr. Gilvan
Müller de Oliveira (tel. 48-99916-1815) e doutoranda Luana Ewald (tel 47-99165-6096), ou
pessoalmente no endereço: Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e
Expressão Prédio B, Sala Secretaria de Pós-Graduação em Linguística, 3º andar – Trindade – CEP
265

88040-900 – Florianópolis/SC. Endereço da pesquisadora Luana Ewald: Rua Senegal, nº 185, Bairro
das Nações – CEP 89 120 000 – Timbó/SC.

Após a leitura do presente termo e do seu consentimento em participar do estudo, solicitamos


que assine abaixo. A participação somente ocorrerá se você concordar com este termo. Duas vias deste
documento, cujas páginas estão todas numeradas, deverão ser rubricadas e assinadas por você e pelos
pesquisadores, sendo que uma ficará em sua guarda e a outra com os pesquisadores. Este é um
documento importante que traz informações de contato e garante seus direitos como participante da
pesquisa, por isso solicitamos que o guarde. Você terá acesso ao registro do seu consentimento sempre
que solicitado.

DECLARAÇÃO DE CONSENTIMENTO

Eu,_________________________________________________________________,
RG ___________________________________, li este documento e obtive dos pesquisadores
todas as informações que julguei necessárias para me sentir esclarecido e concordar por livre e
espontânea vontade em participar nesta pesquisa. Autorizo, também, as gravações ao longo das
minhas aulas. Declaro, portanto, que concordo participar deste estudo.

Nome e assinatura do participante da pesquisa:

____________________________________

___________________________________

Nome e assinatura dos pesquisadores:

___________________________________ ____________________________________
Gilvan Müller de Oliveira Luana Ewald

Data:
266

APÊNDICE D – Transcrições das cenas de sala de aula com acessibilidade para


ferramentas de leitura de PDF

Gravação realizada em sala de aula em 19 maio 21. Fragmento sobre o “bilíngue” na


rotina do dia.
Professora: Vocês já foram no ensino bilíngue?
Alunos: Sim/
Gregório: Não
Professora: Não? ((pergunta em tom de surpresa))
Alunos: Si::::m!
Professora: O que que é ir no ensino bilíngue?
Levi: Onde tem a Tante Vanessa ((tia Vanessa))?
Professora: Isso, onde tem a Tante Vanessa ((tia Vanessa)). Tante ((tia)) pra ti, pros outros ela
é a:::?
Alunos: Si:: m
Professora: ((fala simultaneamente com os alunos)) LEH-RE-RIN, a Lehrerin Vanessa
((professora Vanessa)). Vocês já foram na Lehrerin Vanessa?
Alunos: Sim!
Professora: Vocês já foram pra casa?
Alunos: Não.
Saulo: A gente não taria falando aqui.
Gregório: Profe, daí depois a gente já fez todos os outros ((sinaliza para os outros itens listados
na rotina do dia))
Professora: Exatamente. Só falta a história, a atividade, e ir para
Alunos: ((completam a frase da professora)) casa.
Professora: Casa ((repete em tom de confirmação)).

Gravação realizada em sala de aula em 19 maio 21. Fragmento sobre o “bilíngue” na


rotina do dia.
Professora: Quando a gente voltar do parque, onde é que a turma de vocês vai?
Benício: Na sala da Dona Vanessa, e depois pra casa.
Professora: Exatamente. É a hora de vocês irem pro BI-língue. Por que que a professora tá
usando a palavra bilíngue pra escrever aqui e não alemão?
Natacha: Porque é a sala de bilíngue.
Professora: Porque muitas vezes vocês nem sabem que são alunos do bilíngue. Como é dentro
do horário, e a turma é dividida, vocês nem percebem que vocês fazem parte do bilíngue. Então,
eu tô usando por enquanto a palavra bilíngue / e depois eu vou mudar, tá / pra vocês perceberem
que vocês fazem parte do projeto sim, tá!? E aí vocês vão para?
Alunos: Casa!

Gravação realizada em sala de aula em 16 jun. 21. Fragmento sobre tradução, correção e
translinguagem na leitura do calendário.
Professora: Vamos contar o calendário?
Alunos: Sim!
267

Professora: Então vamos lá!


Um, dois, três ((para de contar mas continua apontando para os dias no calendário para conduzir
as crianças)).
Alunos: ((contam conjuntamente com a professora)) Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete,
oito, nove, dez, onze, doze, treze, catorze, quinze
Professora: ((a partir do treze, volta a contar junto com os alunos)) treze, catorze, quinze?
Alunos: dezesseis.
Professora: Dezesseis.
Mariana: Eu já sabia que era dezesseis!
Professora: Hoje é dia dezesseis ((professora dá ênfase na sílaba ZE, em dezesseis). De que
mês?
Gregório: Maio?
Professora: Maio? ((pergunta em tom de surpresa))
Maitê: Juni! ((aluna fala junho em alemão))
Professora: JUNI ((professora fala junho em alemão, em um tom de confirmação)). E em
português?
Levi: Juni? ((aparentemente pergunta buscando aprovação))
Mariana: Junho ((fala em um tom bem baixo))
Professora: JU, aqui ((aponta para Mariana))
Mariana: Junho.
Professora: Isso mesmo, dezesseis de?
Alunos: Junho.
Professora: JU-NHO ((fala o mês com ênfase e silabando)), com N, né. E quando eu levanto o
dedinho ((mostra no calendário, apontando para o dia da semana)), qual é o dia da semana? É
segunda, terça, quarta, quinta ou sexta?
Saulo: Sexta
Professora: Hoje é sexta? ((pergunta em tom de surpresa))
Mariana: Quarta.
Professora: Sexta? Quarta? Sexta é o dia da mala pesada. Hoje é o dia da mala pesada?
Alunos: Não.
Professora: Não. Por que tu acha que hoje é quarta? ((pergunta para Mariana))
Patrique: Porque hoje é festa junina.
Professora: É uma referência. A festa junina ia ser na quarta-feira, dia 16.
Gregório: Então hoje é quarta.
Professora: É quarta e é dia 16.
Maitê: Juni ((junho)).
Professora: Então fecha? Fecha, né!?
Gregório: É junho e não Juni ((vira-se em direção à Maitê e fala para ela em tom de correção)).
Professora: JU-NHO. Juni é lá com a profe Vanessa ((risos)), em alemão, tá, meu amor.

Gravação realizada em sala de aula bilíngue de língua portuguesa. Fragmento sobre o


“parabéns para você”, com ambas as professoras em sala.
Professora: Vamos cantar o parabéns? Vamo lá, amiguinhos?
Todos em conjunto: ((começam a cantar)) Parabéns pra você, nesta data querida. Muitas
felicidades, muitos anos de vida. Parabéns pra você, nesta data querida. Muitas felicidades,
muitos anos de vida.
Professora: Viva a Maitê! UHU!
Alunos: ((falam ao mesmo tempo comemorando o aniversário))
268

Professora: Auf Deutsch? ((professora pede para cantar a versão em alemão))


Professoras de alemão e de português, e alguns alunos: Zum Geburtstag viel Glück! Zum
Geburtstag viel Glück! Zum Geburtstag liebe Maitê! Zum Geburtstag viel Glück!

Gravação realizada em sala de aula bilíngue de língua portuguesa. Fragmento sobre a


chamada para a sala de aula bilíngue de língua alemã.
Professora de alemão: So wer war gestern zuerst? ((Então, quem foi o primeiro ontem?))
Benício: O grupo do Gregório.
Professora de alemão: Ja, dann heute kommt die andere Gruppe. ((Sim, então hoje vem o outro
grupo))
Benício: Primeiro é a Maitê, que ela teve aniversário.
Professora de alemão: Ist die Gruppe von Gregório, Maitê, die Erste? Heute? ((O grupo da
Maitê, do Gregório, é o primeiro hoje?))
Benício: Não. Antes eles foram o primeiro.
Galdino: É, ontem.
Professora de alemão: Vocês foram ontem o primeiro?
Alunos: É.
Professora de alemão: Então, hoje é o outro grupo primeiro. Die Gruppe von Benício, Piter,
Natacha, Patrique.

Gravação realizada em sala de aula bilíngue de língua portuguesa. Fragmento sobre a


leitura do calendário como um evento de pluriletramento.
Professora: Olha só, gente, o nosso calendário, né. Vamos contar que dia que é hoje? Você vai
precisar dessa informação. Queria ouvir vocês. ((professora anda em direção ao calendário e
começa a apontar para os dias))
Alunos: Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, catorze,
quinze, dezesseis.
Professora: Hoje é dia dezesseis de que mês?
Piter: Nós não sabe.
Professora: Dia dezesseis de que mês? Como é o nome do mês? Aqui tão as letras ((aponta
para onde está escrito o mês na folha do calendário)). Qual o mês que tem São João?
Aluno não identificado: Maio.
Benício: Juli! Juli! ((grita o mês julho em alemão, aparentemente em euforia pela descoberta))
Professora: LI oder NI? ((professora pergunta LI, de Juli – julho – ou NI, de Juni – junho)).
Piter: Juli.
Benício: JuNI. Juni! ((grita novamente, mas agora o mês de junho – parece gritar por conta de
mais uma descoberta ao enfatizar outro fonema na composição da palavra))
Professora: Juni. Gerade genau! JuNI! ((Junho. Certo, exatamente! Junho!)). Mas em
português se chama? JU-NHO ((fala com ênfase e silabando)). NHO, tá. Ju-NI ((fala silabando,
dando ênfase à sílaba final)) em alemão e ju-NHO ((fala silabando, dando ênfase à sílaba final))
em português. Então hoje é dezesseis de?
Natacha e Galdino: Março.
Professora: ((risos)). Dezesseis de?
Benício: Sexta-feira!
Professora: Terça?
Luana: Sexta, ele falou.
Professora: Sexta? Hoje é dia da mala pesada?
269

Alunos: Não.
Professora: Não. Qual é o dia que a Dona Luana vem? Ela só vem um dia por semana.
Benício: Quarta?
Professora: Que dia?
Benício: Quarta!
Professora: Quarta. Ó, eu pego o dedinho, venho aqui pra cima e ó, encontro as letras ((aponta
para o dia da semana no calendário))
Benício: Muito pequenas.
Professora: Muito pequenas! Por isso, eu escrevi maior. ((aponta para a data escrita no quadro))
Hoje é, ó, quarta, feira
Alunos: ((falam feira ao mesmo tempo em que a professora falou.
Professora: Dezesseis de junho, quarta-feira /.../

Gravação realizada em sala de aula em 22 set. 21. Fragmento sobre porque quarta-feira
é Mittwoch.
Professora: Vamos contar? Eu queria ouvir os meus alunos contando. ((professora vai
apontando no calendário enquanto os alunos contam os dias do mês corrente no calendário))
Alunos: Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, catorze,
quinze, dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove, vinte, vinte e um, vinte e dois.
Professora: Vinte e? Dois.
Alunos: ((falam dois ao mesmo tempo em que a professora falou))
Professora: Vinte e dois de que mês?
Alunos: Junho? Julho?
Alunos: ((começam a falar vários meses aleatórios na tentativa de adivinhar o mês da corrente
data))
Professora: A meu chapéu! Que mês?
Gregório: Setembro.
Professora: Setembro. E qual é o dia da semana?
Benício: Mi/Quarta. ((parece que começa a falar Mittwoch, mas muda a fala para quarta))
Professora: Quarta-feira. Colocar os números ordinais aqui em cima ajudou vocês, né? A saber
qual é a ordem dos dias da semana. Então vamos lá. ((fala enquanto vai registrando a data no
quadro)) Hoje é dia vinte e dois de setembro. E é quarta-feira.
Alunos: ((falam quarta-feira ao mesmo tempo em que a professora falou))
Benício: Mittwoch ((quarta-feira, em alemão))
Professora: Isso a profe também já fez uma vez. Se vocês quiserem, eu posso repetir. Ó, quarta-
feira tem um, dois, três dias pra cá, um, dois, três dias pra lá ((demonstra que quarta fica do
meio da semana apontando para o calendário da parede)). Por isso que se chama Mittwoch.
Meio da semana. Entenderam? ((faz uma pequena pausa)) Que que a professora fez, uma vez?
Eu pintava quartas-feiras pra criança saber que nós estávamos no meio da semana /.../
Gregório: E vai ter o quarenta.
Professora: Será que no calendário tem quarenta?
Alunos: Não.
Mariana: Talvez tenha alguns que têm.
Professora: Será?
Benício: Non tem. ((fala desacreditando em Mariana))
Professora: Ó, nesse aqui a gente já pode dar uma olhada ((aponta para o calendário da
parede)). Será que a gente acha o número quarenta no calendário?
Gregório: Quarenta e um.
270

Mariana: Lá em casa tem.


Benício: Isso aqui, isso aqui é quarenta e um ((aponta para um outro recorte de folha de
calendário)).
Professora: Isso é quarenta e um?
Mariana: É vinte e um.
Aluno não identificado: É trinta e um.
Lana: É vinte e quatro.
Professora: Vinte e quatro tem. Mas será que quarenta, o calendário tem quarenta? É uma boa
pergunta. Dava um projeto. Será que num calendário tem quarenta?
Patrique: Do mercado não tem.
Professora: Do mercado não tem? Então onde tem?
Natacha: Lugar nenhum.
Professora: Aonde tem, então? Se do mercado não tem? Esse aqui é do mercado, é verdade.
Esse aqui a Dona ((fala o nome da diretora)) pegou lá no Hannes pra nós ó, é lá do mercado
Hannes. É verdade. O do mercado não tem ((risos)), Patrique, mas da tua casa tem?
Mariana: A minha tem.
Professora: Com quarenta?
Galdino: A minha também.
Benício: A minha não.
Professora: Nós temos que estudar esses calendários.
((alguns alunos ainda ficam mencionando que na sua casa tem outros que na sua casa não tem
calendário com mês de 40 dias))
/.../

Gravação realizada na sala de aula bilíngue de língua portuguesa em 10 nov. 21.


Fragmento sobre a quarta-feira em alemão.
Professora: Hoje é dia dez de novembro.
Nádia: E quarta-feira
Professora: Quarta-feira
Nádia: ((fala ao mesmo tempo em que a professora falou feira)) o quarto dia da semana.
Professora: Isso! Ou, ainda, em alemão, Mittwoch, né, meio da semana.
Nádia: E é o dia da profe Luana.
Bella: ((fala simultaneamente à fala de Nádia)) Ó, tem uma coisinha ((incompreensível))
Professora: Sim, tudo isso são referências.

Gravação realizada em sala de aula em 20 out. 21. Fragmento sobre o Opa da Mariana
tê-la ensinado a ler o calendário.
Professora: ((professora vai distribuindo os livros de língua portuguesa entre as crianças))
Tema a ver com o calendário ((comenta sobre a atividade que farão no livro)).
Mariana: Profe!
Professora: Oi?
Mariana: Eu acho que eu já sei ver. O meu Opa já me ensinou isso.
Professora: É? Então você vai aproveitar o que o Opa te ensinou pra ajudar os amigos saberem
mais um pouco sobre a função do calendário. Tá bom, querida? Então você vai poder ajudar os
outros, tá bom, minha querida?
271

Gravação realizada em sala de aula em 10 nov. 21. Fragmento sobre leitura da tarefa “O
que sua família faz quando você está na escola?”.
Professora: Liam, o que você descobriu? O que os seus pais fazem quando você está na escola?
Liam: ((responde sem precisar fazer a leitura do que escreveu na tarefa)) Minha mãe lava a
roupa, ela, ela arruma a casa.
Professora: Uhum. Uhum. E o seu pai?
Liam: O meu pai trabalha.
Professora: E os seus irmãos?
Liam: O ((fala o nome do irmão)) faz tarefa de português, alemão, aqui na escola. E o ((fala o
nome de outro irmão)) faz atividades na creche dele.
/.../
Professora: /.../ Enquanto a Jaqueline se organiza, Bella, que que você descobriu?
Bella: ((já faz a leitura sozinha, decodificando o que conseguiu escrever no próprio livro)) A
minha Oma faz almoço. Trabalham na empresa. Em casa, fazem faxina.
Professora: Muito bem, Bella, muito bem. E você, Levi, o que você descobriu? /.../

Gravação realizada em sala de aula em 10 nov. 21. Fragmento sobre a leitura da história
da Vó Nana, que se desdobrou na conversa acerca da composição familiar das crianças.
Professora: O nome dessa história é Vó Nana. Quem escreveu foi Margaret Wild e Ron
Brooks. A editora é a Brinque Book /.../ ((professora realiza a leitura da história para as crianças
e as crianças vão interagindo no desenrolar da narrativa))
Olha só como ela deixou o quarto da vó bonito, gostoso pra dormir.
Depois, deitou-se na cama de Vó Nana, apertou-a em seus braços e, pela última vez, Vó Nana
e Neta ficaram bem abraçadinhas até o dia clarear.
((professora vira a última página do livro)) O que que aconteceu com a vó Nana? ((professora
pergunta mostrando a última ilustração do livro, apontando para um feixe de luz e uma pomba
branca))
Mariana: Morreu?
Professora: Morreu ((diminui o tom de voz)).
Levi: A vó morreu? ((pergunta em tom aparentemente triste ou decepcionado))
Professora: E a neta ficou sozinha ((ao falar sozinha, separa a sílaba só, dando uma ênfase)).
Alunos: zinha ((tom de voz baixo, falando ao mesmo tempo que a professora)).
Professora: A neta teve que aprender a viver sem a vó.
Saulo: Mas ela não tem mãe?
Professora: Você sabia que as vezes as crianças são criadas pelos avós? Porque a história diz
aqui que a vó, que a:::, que a neta e a vó já viviam juntas ó, há muito, mu:::ito tempo. Então, às
vezes, as crianças são criadas pelas avós. Fala, Maitê ((aponta para a Maitê para lhe dar turno
de fala)).
Maitê: A minha mãe, ela não tinha nem pai e nem mãe. Ela nasceu pela minha vó.
Professora: Só que a tua vó é a mãe dela, né. E a tua vó, ajuda a te cuidar, Maitê?
Maitê: ((faz sinal positivo com a cabeça))
/.../
Professora: Tranquila! A vovó botou tudo em dia, preparou a neta pra isso, né.
((professora olha para Mariana e faz uma pergunta)) Tu também mora com a tua vó, né?
Mariana: ((fica um instante quieta e responde)) Com a minha Oma eu moro ((aparentemente,
corrige a informação perguntada pela professora)).
Professora: Isso, com a Oma ((confirma a informação da Mariana)). Todo mundo junto, né?
Saulo: Ó, ó...
272

Professora: Só um pouquinho, deixa a Mariana falar.


Mariana: Aí tem a minha Oma, meu Opa, minha mãe, meu pai, minha irmã /.../

Gravação realizada em sala de aula em 27 out. 21. Fragmento sobre a sondagem como
sistema avaliativo adotado pela prefeitura para “diagnóstico das hipóteses de escrita”.
Professora: Essa sondagem, Dona Luana, funciona assim, ó: A gente recebe três sequências
didáticas elaboradas pela equipe da secretaria de educação, e eu posso escolher uma. Dá uma
olhada ((professora entrega para eu ver as três sequências didáticas)). Aí você já vai entender o
porquê da parlenda ((risos))
Luana: É que também eles tavam estudando agora há pouco ((sinaliza um conteúdo já
trabalhado pela professora))
Professora: ((faz sinal de concordância)) (incompreensível) Aí eu tenho só que comunicar
através da Dona ((cita nome da diretora)), né, qual das três que eu escolhi. A sondagem é feita
só em português e aí que vem, na minha opinião, algo que não fecha. Porque eu tenho a metade
do tempo, mas eu preciso chegar no mesmo objetivo.
Luana: Como assim?
Professora: As minhas crianças têm que aprender a mesma hipótese de escrita ((faz uma
comparação com as escolas que não participam da política de educação bilíngue))
/.../
A própria ((cita nome de professora de outra escola)), ela sentiu muito um ano em que::: “EU
dou aula de ALEMÃO” ((fala simulando o discurso direto de outrem; dá ênfase ao termo
alemão)).
Luana: ((fala ao mesmo tempo em que a professora falou a palavra “alemão”)) É::!?
Professora: “Não quero saber de alfabetização. Eu dou aula de ALEMÃO” ((dá ênfase ao
termo alemão)). E o foco pra mim é ORALIDADE” ((fala simulando o discurso direto de
outrem; dá ênfase ao termo oralidade)).
Luana: Até porque, se for ver, essas professoras de alemão não necessariamente fizeram peda/
Professora: ((fala ao mesmo tempo que Luana e dá ênfase ao termo “essa”)) ESSA é a
dificuldade!
/.../

Gravação realizada em sala de aula em 20 out. 21. Fragmento sobre a provinha da


prefeitura como dispositivo para avaliar o rendimento do professor, e não do aluno.
Professora: E agora no dia vinte e cinco nós já devemos receber as sequências didáticas para
prepará-los para a sondagem da prefeitura, né. Então, vinte e seis já vai ter outro ditadinho. Já
vou tá encaminhando o material pra eles, pra eles estudarem.
Luana: Aham
Professora: Aí, quando vai se aproximando do final do ano, isso se torna mais recorrente, eles
entenderem como é que vai acontecer essa provinha, né. Mas essa provinha é pra avaliar o
rendimento do professor, e não do aluno.
/.../

Gravação realizada em sala de aula em 27 out. 21. Fragmento sobre a explicação da


professora aos alunos acerca da avaliação da prefeitura.
Professora: Nós estamos fazendo esses ditados, primeiro pra vocês estudarem as palavrinhas,
segundo, nós estamos treinando, essa é a palavra certa. A gente está treinando pra uma atividade
273

que todos os primeiros anos de Pomerode vão ter que fazer, tá. E o que que é isso? Vai vir uma
professora, que não é professora de vocês, tem que ser alguém que não/NÃO dá aula pra vocês.
Provavelmente vai ser a Dona ((cita o nome da professora)), mas não sei se é. Tem que ser
alguém que não dá aula pra vocês. Ela vai vir aqui, essa pessoa, e vai dizer assim: “Gregório,
vem aqui conversar comigo” ((cita como se fosse um discurso direto)). Aí vai ter uma
carteirinha de vocês ali no corredor, e ela vai chamar um por um e vai fazer um ditado. Mas vai
dizer assim: “Gregório, escreva pra mim a palavra me-ni-na” ((cita como se fosse um discurso
direto; fala menina silabando)). Aí o Gregório vai pegar o papel que ela vai dar e vai escrever
((faz de conta que está escrevendo)).
Gregório: Me-ni-na ((fala menina silabando)).
Professora: Ela vai dizer, escreve ali pra mim: “bo-ta” ((cita como se fosse um discurso direto;
fala bota silabando)). Aí ele vai lá e escreve?
Gregório: Bo-ta ((fala bota silabando)).
Professora: Isso mesmo! “Só que, profe, como é que nós vamos saber que palavra ela vai
ditar?” ((cita como se fosse um discurso direto)). Eu também não sei quais são as palavras que
ela vai ditar. Mas, ela mandou pra professora e pra todos os professores de primeiro ano / Adam
((chama atenção de aluno)) / de Pomerode, três sequências didáticas que a gente diz, três
sugestões pra preparar vocês. E eu podia escolher uma. Das três que ela mandou, eu podia
escolher uma. E sabe qual eu escolhi?
Alunos: Qual?
Professora: Eu escolhi a das parlendas. Vocês já conhecem parlendas?
Alunos: ((alguns alunos respondem que sim, outros que não))
Professora: Qual uma parlenda que vocês conhecem?
Gregório: Da macaca.
Professora: Como é que é da macaca? ((começa a estalar os dedos de forma rítmica))
Alunos: Meio-dia, macaca subia, panela no fogo, barriga vazia ((recitando a parlenda enquanto
professora estrala os dedos)).
Professora: Muito bem! /.../
274

APÊNDICE E – Levantamento de teses e dissertações pelos portais BDTD e CAPES

Na trajetória (que abrange de 2000 a 2021) de pesquisas desenvolvidas no cenário de


Pomerode, SC, localizei 11 trabalhos relacionados a aspectos de cultura, turismo, língua e
educação:

Quadro – Levantamento de testes e dissertações


Ano
de
Nº Título Nível defesa Autor IES
Processo até Ler e
Escrever
convencionalmente:
concepções de
alfabetização e letramento
dos professores Neuzi
alfabetizadores de Mestrado em Schotten
1 Pomerode Educação 2004 Schiochetti UNIVALI
Die kann nun nich, die is
beim treppenputzen: o
progressivo no alemão de Doutorado em
2 Pomerode-SC Linguística 2005 Ina Emmel UFSC
O interesse do jovem para
o aprendizado da língua
alemã na região de Mestrado em Ellen Crista
3 Blumenau Linguística 2006 da Silva UFSC

A Gastronomia Teuto-
Brasileira em Blumenau e Milagros Del
Pomerode (SC) como Carmen
Patrimônio Cultural e Mestrado em Turismo Joseph de
4 Atrativo Turístico e Hotelaria 2006 Schreiber UNIVALI
Mestrado em Lilian
Pomerode: a cidade mais Desenvolvimento Schneider
5 alemã do Brasil? Regional 2007 Borges FURB

A dinâmica de
desenvolvimento e o
processo de
desmemorização nas
cidades do Vale do Itajaí Mestrado em
:estudo de caso Timbó e Desenvolvimento Cassandra
6 Pomerode/SC Regional 2008 Helena Faes FURB
Rais Aus, Die Polatzai
Komm!: Os sentidos da
língua alemã no ensino em Mestrado em Scheila
7 Pomerode-SC Educação 2010 Maas FURB
275

Gestão de paisagem Douglas


cultural da imigração Emerson
alemã utilizando método Deicke
multicritério de apoio à Doutorado em Heidtmann
8 decisão Engenharia Civil 2013 Junior UFSC
Discursos sobre ensino
bilíngue em contexto Viviane
intercultural : as vozes das Mestrado em Beckert
9 famílias Educação 2014 Spiess FURB
Entre imagens e Bárbara de
emblemas: turismo, Oliveira
patrimônio e a paisagem Ribeiro
10 cultural em Pomerode/SC Mestrado em História 2017 Gemente UNICAMP
Paisagem Cultural:
desafios na construção e
gestão de uma nova Doutorado em Luciana de
categoria de bem Memória Social e Castro
11 patrimonial Patrimônio Cultural 2018 Neves Costa UFPel
FONTE: A autora.
Descrição do quadro para cegos: O quadro é composto por seis colunas e 12 linhas. Na primeira linha, há a
identificação do que o leitor encontrará no quadro: número da linha, título do trabalho, nível (de mestrado ou
doutorado e em qual Programa de Pós-Graduação), ano de defesa, autor, e IES. Na linha número 1, encontramos
o trabalho “Processo até Ler e Escrever convencionalmente: concepções de alfabetização e letramento dos
professores alfabetizadores de Pomerode”, desenvolvido em Mestrado em Educação, defendido em 2004, pela
Neuzi Schotten Schiochetti, na UNIVALI. Na linha número 2, encontramos o trabalho “Die kann nun nich, die is
beim treppenputzen: o progressivo no alemão de Pomerode-SC”, desenvolvido em Doutorado em Linguística,
defendido em 2005, pela Ina Emmel, na UFSC. Na linha número 3, encontramos o trabalho “O interesse do
jovem para o aprendizado da língua alemã na região de Blumenau”, desenvolvido em Mestrado em Linguística,
defendido em 2006, pela Ellen Crista da Silva, na UFSC. Na linha número 4, encontramos o trabalho “A
Gastronomia Teuto-Brasileira em Blumenau e Pomerode (SC) como Patrimônio Cultural e Atrativo Turístico”,
desenvolvido em Mestrado em Turismo e Hotelaria, defendido em 2006, por Milagros Del Carmen Joseph de
Schreiber, na UNIVALI. Na linha número 5, encontramos o trabalho “Pomerode: a cidade mais alemã do
Brasil?”, desenvolvido em Mestrado em Desenvolvimento Regional, defendido em 2007, por Lilian Schneider
Borges, na FURB. Na linha número 6, encontramos o trabalho “A dinâmica de desenvolvimento e o processo de
desmemorização nas cidades do Vale do Itajaí :estudo de caso Timbó e Pomerode/SC”, desenvolvido em
Mestrado em Desenvolvimento Regional, defendido em 2008, por Cassandra Helena Faes, na FURB. Na linha
número 7, encontramos o trabalho “Rais Aus, Die Polatzai Komm!: Os sentidos da língua alemã no ensino em
Pomerode-SC”, desenvolvido em Mestrado em Educação, defendido em 2010, por Scheila Maas, na FURB. Na
linha número 8, encontramos o trabalho “Gestão de paisagem cultural da imigração alemã utilizando método
multicritério de apoio à decisão”, desenvolvido em Doutorado em Engenharia Civil, defendido em 2013, por
Douglas Emerson Deicke Heidtmann Junior, na UFSC. Na linha número 9, encontramos o trabalho “Discursos
sobre ensino bilíngue em contexto intercultural: as vozes das famílias”, desenvolvido em Mestrado em
Educação, defendido em 2014, por Viviane Beckert Spiess, na FURB. Na linha número 10, encontramos o
trabalho “Entre imagens e emblemas: turismo, patrimônio e a paisagem cultural em Pomerode/SC”,
desenvolvido em Mestrado em História, defendido em 2017, por Bárbara de Oliveira Ribeiro Gemente, na
UNICAMP. Na linha número 11, encontramos o trabalho “Paisagem Cultural: desafios na construção e gestão
de uma nova categoria de bem patrimonial”, desenvolvido em Doutorado em Memória Social e Patrimônio
Cultural, defendido em 2018, por Luciana de Castro Neves Costa, na UFPel.
276

ANEXO A – Sequência Didática utilizada para a avaliação de sondagem na turma


participante de pesquisa

PARA AS TURMAS DO 1º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL – 90% dos alunos


devem estar na fase de escrita silábica alfabética.

Proposta 1 – Aprendendo com parlendas


(Esta sequência didática está alinhada com os conteúdos curriculares da Rede Municipal de
Ensino).

SEQUÊNCIA DIDÁTICA:
Objetivos:
Reconhecer o sistema de escrita alfabética como representação dos sons da fala.
Identificar oralmente o número de sílabas de palavras.
Reconhecer, em textos versificados, rimas, sonoridades, jogos de palavras, palavras,
expressões, comparações, relacionando-as com sensações e associações.
Recitar parlendas, quadras, quadrinhas, trava-línguas, com entonações adequadas e
observando as rimas.

Conteúdos:
Parlendas.
Leitura e escrita na alfabetização.
Desenvolvimento da oralidade.

Desenvolvimento:
Inicie apresentando a parlenda “Batatinha quando nasce” à turma. Você pode apresentar
através de um cartaz, ou escrita no quadro, ou data show, utilize sua criatividade professor
277

(a). Após realizar a leitura da parlenda pergunte as crianças se alguém já ouviu a parlenda em
outro momento. Aproveite a fala da turma para explicar o que é uma parlenda.

Segue abaixo verbete para auxiliar na explicação:

Depois de explicar à turma sobre o que é uma parlenda, leia novamente, desta vez
pausadamente, quantas vezes forem necessárias para que eles identifiquem as palavras no
texto. Mas, à medida que você for lendo, vá apontando as palavras para facilitar o seu
reconhecimento por parte dos estudantes. Depois cante a parlenda com os alunos utilizando
a melodia da canção popular Terezinha de Jesus ou outra de sua preferência. A seguir, escreva
em tiras individuais e coloridas de cartolina ou outro material as palavras: menininha,
batatinha, coração, chão e mão e faça a leitura de cada uma das palavras com os alunos.
Na sequência, trabalhe com cada palavra lendo palavra MENININHA para a turma e depois,
leia com os alunos contando nos dedos cada sílaba e quantas vezes abriram a boca para falar
cada sílaba da palavra ME-NI-NI-NHA e com todas as demais das tirinhas.
Pergunte para os alunos: qual som foi pronunciado quando abriram a boca pela
primeira vez? E na segunda vez? Na terceira vez? Na quarta vez? Algum som foi igual? Qual?
Esse som que foi igual lembra o nome de algum colega da sala? Qual é o nome do colega?
278

Se não tem nenhum colega da sala em que o nome tem esse som, pode buscar entre nomes
de outras pessoas.
Pode realizar a atividade de identificar os sons pronunciados com os nomes de todos
os colegas da sala, usando como material de apoio o mural dos nomes dos estudantes, que
deve estar disposto na sala. Realize a atividade de leitura da palavra MENININHA com a
preguicinha (recurso utilizado no processo de alfabetização) falando com os alunos, sílaba a
sílaba, até concluir a leitura da palavra.

Na sequência, trabalhe com cada palavra lendo para a turma e depois, leia com os
alunos contando nos dedos cada sílaba e quantas vezes abriram a boca para falar cada sílaba
da palavra BA-TA-TI-NHA e com todas as demais das tirinhas. Pergunte para os alunos:
qual som foi pronunciado quando abriram a boca pela primeira vez? E na segunda vez? Na
terceira vez? Na quarta vez? Algum som foi igual? Qual? Esse som que foi igual lembra o
nome de algum colega da sala? Qual é o nome do colega? Se não tem nenhum colega da sala
em que o nome tem esse som, pode buscar entre nomes de outras pessoas. Pode realizar a
atividade de identificar os sons pronunciados nos nomes de todos os colegas da sala, usando
como material de apoio o mural dos nomes dos estudantes, que deve estar disposto na sala.
Realize a atividade de leitura da palavra BATATINHA com a preguicinha, falando com os
alunos, sílaba a sílaba, até concluir a leitura da palavra.

Apresente a ficha com a palavra: CORAÇÃO. Leia-a com os alunos, e peça que
observem o som pronunciado no final da palavra. Mostre as fichas com as palavras: MÃO e
CHÃO. Leias as palavras com os alunos. Pergunte se ao pronunciarem as palavras MÃO e
CHÃO, conseguem perceber o som da última sílaba da palavra coração. Mostre para eles as
279

letras que fazem esse som. Na sequência, com os alunos em grupo, distribua o alfabeto móvel
e peça que montem as palavras: MENININHA, BATATINHA, CORAÇÃO, MÃO e
CHÃO. A seguir, peça que copiem essas palavras em seus cadernos. Aproveite para contar
o número de sílabas e letras de cada palavra envolvendo também a disciplina de matemática.
Contar no grande grupo quantas palavras há na parlenda apresentada é outra opção a ser
explorada pelos alunos. Você pode fazer um jogo de bingo com os alunos utilizando letras
ou números.
Apresente à turma a parlenda “Macaco Assobia”, você pode ler para a turma e
solicitar que cada criança faça a escrita espontânea desta parlenda. Após, faça a apreciação
da escrita das crianças e elabore a partir disto atividades com letras, sílabas, palavras e textos,
proporcionando aos alunos explorar semelhanças e diferenças nas sílabas iniciais, mediais,
finais e na composição de novas palavras. Produza textos coletivamente, em dupla ou
individualmente a partir de imagens, de leituras, de situações, de questionamentos, de
necessidades de informar, divulgar, pesquisar, discordar, concordar, divertir, recontar,
anunciar, convidar. Com outras parlendas da sua preferência monte e explore bancos de
palavras, cruzadinhas, jogos de memória, jogos de raciocínio, conceitos de menor e maior,
entre outros. Para finalizar, solicite que cada aluno pesquise com sua família uma parlenda e
a escreva em seu caderno para compartilhar com a turma no dia seguinte. Na escola pode ser
feita uma exposição com as parlendas que trouxeram de casa. Também podem aproveitar este
momento para que a criança faça a leitura da parlenda para a turma e juntos possam perceber
quais são as palavras que rimam.

AVALIAÇÃO/SONDAGEM

A sondagem é um dos recursos de que o professor dispõe para conhecer as hipóteses


que os alunos ainda não alfabetizados apresentam sobre a escrita. É um momento em que
também o aluno tem a oportunidade de refletir enquanto escreve, com a ajuda do adulto. Por
meio da sondagem podemos perceber se o aluno faz ou não relação entre a fala e a escrita e,
se faz, de que tipo é a relação (pré-silábico; silábico sem valor sonoro convencional, silábico
com valor sonoro convencional, silábico-alfabético ou alfabético). A sondagem compreende
uma relação de palavras e uma frase, considerando o seguinte:
280

• A relação de palavras deve iniciar com uma palavra polissílaba, depois


uma trissílaba, em seguida uma palavra dissílaba e por fim a palavra
monossílaba dentro do mesmo campo semântico.
• Não ditar as palavras silabando.
• Cada palavra escrita deve ser imediatamente acompanhada da leitura
do aluno (fazer as marcas de leitura).
• É importante que o professor aplicador/orientador/diretor registre a
escrita e a leitura do aluno, bem como outras informações que julguem
relevantes, em uma folha à parte e depois anexe à sondagem do aluno.
• Na elaboração da frase, deve-se utilizar pelo menos uma das palavras
que pertencem à relação que foi ditada anteriormente, para que se possa
observar se há estabilidade na escrita.

Exemplificando:
Campo semântico: APRENDENDO COM PARLENDAS

Sugestão de palavras:
Palavras polissílabas: batatinha, menininha, esparrama.
Palavras trissílabas: coração, menina, macaco, panela, barriga.
Palavras dissílabas: dorme, nasce, fogo, dona.
Palavras monossílabas: mão, chão, dia.

Sugestão de frases:
A menina colocou o vestido.
A panela está no fogo.
O chão está sujo.
A Dona Maria foi viajar.

Considerando a aplicação desta sequência didática no decorrer dos dias 25 de


outubro a 25 de novembro com a turma do 1º ano, a sondagem será realizada individualmente
com os alunos conforme orientações enviadas através de ofício. Neste ofício constam as datas
de aplicação da sondagem, bem como, orientação de quem deverá aplicar a mesma com os
alunos do 1º ano, pois não DEVERÁ/PODERÁ ser o professor da turma. Estas orientações
deverão ser rigorosamente seguidas por todos os profissionais da Unidade Escolar. A
sondagem deverá conter as seguintes propostas conforme sugestões acima (campos sugestões
de palavras e frases) ou outras propostas do seu interesse, mas seguindo a ordem abaixo:
Uma palavra polissílaba;
281

Uma palavra trissílaba;


Uma palavra dissílaba;
Uma palavra monossílaba;
E por fim dite uma frase.

Não esqueça de fazer as marcas de leitura.


Este instrumento de avaliação será:
1. Preparado com a professora regente, com o (a) diretor (a) e orientador (a) educacional.
2. Poderá ter imagens das palavras escolhidas de acordo com o campo semântico.
3. Poderá ditar para o aluno as palavras que desejar desde que sejam escritas conforme as
orientações acima citadas.
4. Não esqueçam a identificação da escola e o nome completo (e correto) do aluno.
282

ANEXO B – Lei Ordinária 2.251 2010 de Pomerode SC, que Institui A Língua Alemã
Como Idioma Complementar e Secundário no Município.

LEI Nº 2251, DE 1º DE SETEMBRO DE 2010

INSTITUI A LINGUA ALEMÃ COMO IDIOMA COMPLEMENTAR E


SECUNDÁRIO NO MUNICÍPIO.

PAULO MAURICIO PIZZOLATTI, Prefeito Municipal de Pomerode; Faço saber a todos os


habitantes deste Município, que a Câmara Municipal aprovou e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Fica instituída a língua alemã como o idioma secundário e complementar no Município
de Pomerode, inteiramente respeitada a língua portuguesa, como a língua oficial do Brasil.

Art. 2º A Administração Municipal observará as seguintes questões em razão da instituição da


língua alemã como co-oficial secundária:
I - oferecer atendimento ao público na língua alemã em especial para as pessoas que não tiverem
o domínio da língua portuguesa;

II - estimular o aprendizado da língua alemã nas escolas da rede municipal, bem como a sua
utilização especialmente no atendimento aos turistas;

III - adotar a língua alemã nas placas de sinalização do trânsito e nas indicativas de rotas aos
bairros e cidades vizinhas, bem como dos logradouros públicos.

Art. 3º O uso da língua alemã nos termos da presente lei não poderá ensejar qualquer forma ou
motivo de discriminação, tendo por finalidade única, preservar a cultura e a tradição alemã,
herdada dos colonizadores alemães.

Art. 4º As pessoas jurídicas estabelecidas no Município poderão aplicar a presente lei, de


acordo com seus interesses, para atendimento a seus clientes, inclusive em materiais
publicitários.
283

Art. 5º Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação revogadas as disposições em
contrário.

Prefeitura Municipal de Pomerode, 1º de setembro de 2010.

PAULO MAURÍCIO PIZZOLATTI


Prefeito Municipal

GENRADO RIEMER
Secretário de Administração e Fazenda

Nota: Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial.

Data de Inserção no Sistema LeisMunicipais: 02/09/2010


284

ANEXO C – Lei Ordinária 2.907 2017 de Pomerode SC, que dispõe sobre a
cooficialização da língua pomerana, à língua portuguesa, no município de Pomerode -
SC.

LEI Nº 2.907, DE DE 23 DE MAIO DE 2017

DISPÕE SOBRE A CO-OFICIALIZAÇÃO DA LÍNGUA POMERANA, À LÍNGUA


PORTUGUESA, NO MUNICÍPIO DE POMERODE - SC.

ÉRCIO KRIEK, Prefeito de Pomerode, Estado de Santa Catarina, no uso das atribuições legais
que lhe confere a Lei Orgânica Municipal, faz saber a todos os habitantes deste Município que
a Câmara Municipal aprovou e eu sanciono a seguinte Lei.

Art. 1º A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil e no município


de Pomerode, fica co-oficializada a língua Pomerana.

Art. 2º O status de língua co-oficial concedido por esta Lei permite ao Município:

I - Valorizar a herança linguística e cultural como forma de salvaguardar o patrimônio imaterial


e material do povo tradicional Pomerano, como base de identidade e cidadania;

II - Promover o conhecimento, a fala da língua e a escrita da Língua Pomerana, especialmente


nas famílias descendentes de imigrantes Pomeranos e com as novas gerações, por meio de ações
de cunho social e educação informal;

III - Por meio da cultura Pomerana, caracterizar a identidade da comunidade e promover


turismo sustentável;

IV - Criar concursos de literatura, genealogia e sabedoria popular na Língua Pomerana ou


bilíngue - Língua Portuguesa e Pomerana;

V - Possibilitar a criação de Banco de Dados sobre a Cultura Pomerana ou bilíngue do


município composto de genealogia, imagens, documentos históricos, linguística, sabedoria
popular, entre outros;

VI - Inventariar a demografia e aspectos culturais do povo Tradicional Pomerano do município;

VII - Por meio da língua Pomerana incentivar os saberes tradicionais como música, canto,
teatro, danças, gastronomia, jogos, entre outros;

VIII - Comemorar a Cultura Pomerana na semana alusiva ao aniversário do Município;

XIX - Disponibilizar, sempre que possível, serviço de atendimento ao público nos órgãos da
Administração Municipal Direta e Indireta na língua Pomerana, principalmente para os
cidadãos que não tiverem o pleno domínio na compreensão da língua portuguesa.

XX - Produzir a documentação pública, as campanhas publicitárias, institucionais, as placas


285

indicativas de vias públicas, praças e prédios públicos e as comemorações de interesse público,


na língua oficial e co-oficializada.

Art. 3º As pessoas jurídicas estabelecidas no Município poderão aplicar a presente lei, de


acordo com seus interesses, para atendimento a seus clientes, inclusive em materiais
publicitários.

Art. 4º Fica proibido qualquer ato discriminatório em razão da utilização da língua oficial ou
co-oficial.

Art. 5º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Pomerode (SC), 23 de maio de 2017.

ÉRCIO KRIEK
Prefeito Municipal

Nota: Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial.

Data de Inserção no Sistema LeisMunicipais: 25/05/2017

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