Luana Ewald
Luana Ewald
Luana Ewald
Florianópolis
2023
Luana Ewald
Florianópolis
2023
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração
Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.
Ewald, Luana
“O que é ir no ensino bilíngue?” : políticas linguísticas de
educação bilíngue português-alemão em Pomerode/SC / Luana
Ewald ; orientador, Gilvan Müller de Oliveira, 2023.
286 p.
Inclui referências.
1. Linguística. 2. Bi/Multi/Plurilinguismo. 3.
Pluriletramentos. 4. Alemão como língua brasileira de
imigração. 5. Sala de aula bilíngue de língua portuguesa. I.
Oliveira, Gilvan Müller de . II. Universidade Federal de
Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Linguística.
III. Título.
Luana Ewald
“O que é ir no ensino bilíngue?”: políticas linguísticas de educação bilíngue português-alemão em
Pomerode/SC
O presente trabalho em nível de doutorado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta
pelos seguintes membros:
Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado para
obtenção do título de doutora em Linguística.
________________________________
Prof. Dr. Valter Pereira Romano
Coordenador do Programa
________________________________
Prof. Dr. Gilvan Müller de Oliveira
Orientador
Florianópolis, 2023.
Dedico esta tese às crianças e às professoras que tornaram esta
pesquisa possível. Espero que vocês encontrem o apoio e
incentivo de que precisam no poder público, na escola,
universidade, na sua comunidade, para que continuem
performando seu bilinguismo com liberdade e orgulho.
AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho foi possível com o apoio do Programa de Bolsas Universitárias do
Estado de Santa Catarina (UNIEDU). Por isso, registro esse agradecimento inicial. Ressalto,
também, o apoio das muitas pessoas que me acompanharam durante todo esse processo, para
quem também registro meus agradecimentos:
- Ao Professor Dr. Gilvan Müller de Oliveira, pelas provocações teóricas, pela sabedoria, pela
gentil acolhida ao assumir a orientação deste trabalho de pesquisa. Sou muito grata pela
oportunidade de ter sido sua orientanda nesse percurso e estou certa de que continuarei
aprendendo a partir dessa orientação.
- Às professoras Dra. Isis Ribeiro Berger e Dra. Maria Inêz Probst Lucena, pelas relevantes
considerações feitas já na banca de qualificação da tese, assim como pelo aceite em comporem
a banca de defesa. Suas contribuições deram novos rumos ao projeto de pesquisa e apresentaram
melhorias para a versão final deste texto. Por isso, registro minha gratidão!
- À professora Dra. Edilaine Buin Barbosa e ao professor Dr. Werner Ludger Heidermann, que,
tão prontamente, aceitaram compor a banca de defesa para também compartilharem sua
sabedoria, que, certamente, refletiu em melhorias na versão final deste trabalho.
- A todas as crianças que participaram da pesquisa. Cada uma impactou, à sua maneira, no
desenvolvimento das discussões desta tese, nas compreensões sobre como a linguagem nos
afeta e somos afetados por ela.
- À professora alfabetizadora participante deste estudo, que abriu sua sala de aula em tempos
tão difíceis, oriundos das consequências de uma pandemia. E destaco: abriu sua sala de aula
com uma gentileza, paciência e disposição para explicar a alfabetização para mim, que não
venho desse mesmo lugar de formação inicial. Aprendi, com ela, questões de humanidade que
vão para além de um trabalho acadêmico.
- À diretora da escola campo de pesquisa pela acolhida tão calorosa, que fez com que eu
sentisse, muitas vezes, que fazia parte daquela comunidade escolar. Além disso, agradeço ao
seu trabalho de conversar com os pais que tinham dúvidas sobre o aceite na pesquisa. O seu
apoio foi fundamental para que a pesquisa tivesse andamento.
- À professora de língua alemã que atua com a turma participante da pesquisa, agradeço pelas
trocas de ideias, pelas conversas, pelos momentos de aprendizagem. O tempo que passei na
escola permitiu que eu conhecesse pessoas muito engajadas com o seu trabalho e que procuram
contribuir, de formas variadas, com os seus contextos de atuação.
- Ao meu marido Douglas Gessner, pela compreensão, pelo companheirismo e pelo incentivo
ao início da minha caminhada no Programa de Pós-Graduação em Linguística. A ele, também
sou grata pelo apoio em todas as minhas escolhas acadêmicas, profissionais e pessoais.
- À Dra. Bruna Alexandra Franzen, pela acolhida calorosa em sua casa, pelo companheirismo
nas viagens para a universidade, pelas conversas, superficiais ou teóricas. À amiga Bruna,
registro meu carinho e admiração.
- À M.ª Deise Stolf Krieser, pelas horas de estudos juntas, pelas conversas e incentivos; à Dra.
Thais Schilichting, que também incentivou meu ingresso ao Programa e viajou tantas vezes
comigo para o retorno para casa; e à Dra. Raquel da Silva Yee, pelas orientações destinadas ao
momento da banca, pelos produtivos diálogos que sempre levarei comigo.
- Ao Me. Nestor Alberto Freese, à Dra. Mara Gonzalez Bezerra, à professora Lilia Jonat Stein
e ao Dr. Ismael Tressmann, agradeço pela significativa contribuição nos processos de tradução
do resumo para as língua alemã, pomerana e espanhola.
- Ao Me. Vitor Hochsprung, agradeço pelo auxílio com a arte do Termo de Assentimento Livre
e Esclarecido do Menor.
- Aos meus queridos pais, Rosinei e Sido, e às minhas irmãs, Daiana e Jessica, agradeço pelo
incentivo e compreensão. A família sempre me acompanhou e influenciou na realização das
minhas atividades.
- O caminho de pesquisa para que esta tese fosse possível não foi trilhado sozinho. Amigos,
familiares e colaboradores, nem todos aqui nominados, participaram desta trajetória comigo de
distintas maneiras. Registro, a essas pessoas, meus sinceros agradecimentos.
Se antes era mais fácil ignorar a diversidade que sempre caracterizou o ambiente
educacional no país, hoje, a sua atual amplitude força os pesquisadores e educadores a ter que
admiti-la, a ter que colocar a diversidade em sua agenda. Não é mais possível tentar entender
nossas escolas sem levar em conta as diferenças no seu interior. E no seu interior existem,
inclusive, sujeitos bilíngües, alunos cuja língua materna não é o português: há alunos indígenas,
alunos surdos, alunos oriundos de comunidades de imigrantes, entre outros. Quem são esses
“novos” alunos? Por que pensam e agem do modo como pensam e agem? Como avaliar o seu
desempenho nos usos da linguagem quando a língua da escola não é a sua língua de origem?
(MAHER, 2007, p. 67)
RESUMO
Als Reaktion auf die systematischen Versuche der Unsichtbarmachung der brasilianischen
Mehrsprachigkeit hat Pomerode, eine Stadt im brasilianischen Bundesstaat Santa Catarina, in
den letzten Jahrzehnten neue sprachpolitische Maßnahmen für die deutsch-brasilianischen
Sprachen umgesetzt. Dazu gehören die offizielle Anerkennung der deutschen und der
pommerschen Sprache sowie die Bereitstellung von bilingualer Bildung (portugiesisch-
deutsch) im städtischen öffentlichen Schulsystem. Diese Doktorarbeit zielt darauf ab, das
Sprachmanagement bei der Entstehung und Aufrechterhaltung von sprachlichen Praktiken in
einem zweisprachigen Portugiesisch-Klassenzimmer im Netzwerk der städtischen Schulen von
Pomerode, SC, zu verstehen. Die Forschung basiert auf den methodologischen Annahmen einer
ethnografischen qualitativ-interpretativen Studie und wurde in einer städtischen Grundschule
in Pomerode durchgeführt, die bilingualen Unterricht (Portugisisch-Deutsch) in einem
Einwanderungssprachkontext anbietet. Im Rahmen dieser Forschung wurde zwischen März
und Dezember 2021 eine teihnehmende Beobachtung in einer bilingualen
Alphabetisierungsklasse durchgeführt. Die theoretischen Überlegungen dieser Studie basieren
hauptsächlich auf (I) dem Bereich der Sprachpolitik, um Fragen im Zusammenhang mit der
brasilianischen Mehrsprachigkeit und der Legitimität der Minderheitensprachen zu diskutieren,
einschließlich der Reflexion über den Status der Sprache in der sozialen Umgebung; (II) und
dem Bereich der angewandten Linguistik im Zusammenhang mit dem soziolinguistischen
Kontext, der mit Pluriliteralitätspolitiken verbunden ist, die sich inmitten unterschiedlicher
kultureller Praktiken und Werte entwickeln. Die Forschungsdaten zeigen pädagogische
Strategien, die auf fließenden und dynamischen sprachlichen Praktiken beruhen, bei denen der
Portugiesischunterricht zur Alphabetisierung Transsprachlichkeit annimmt, um die Kinder in
verschiedene kulturelle Ausdrucksformen einzubeziehen. Diese Bildungsumgebung wird zu
einem Raum für plurilinguale Praktiken im Bereich des Lesens und Schreibens, die das gesamte
sprachliche Wissen der Kinder berücksichtigen. Als Ergebnis scheint die Schule sprachliche
Praktiken zu legitimieren, die zwischen den Sprachen ihrer Umgebung wechseln, während sie
gleichzeitig politische Mechanismen aufrechterhält, die die „imaginären" sprachlichen Grenzen
verbreiten, die aus der „Erfindung“ einer nationalen legitimen Sprache resultieren.
1
Versão em língua pomerana.
RESUMEN
Figura 4 – Gráfico sobre o contato com a língua alemã nas casas das crianças do 1º ano
matutino. ................................................................................................................................. 106
Figura 10 – Folder em português e alemão de restaurante de culinária típica alemã. ............ 125
Figura 11 – Conjunto de fotografias de placas que rotulam os espaços na escola. ................ 156
Quadro 1 – Políticas de inclusão da língua alemã no currículo escolar de Pomerode. .......... 128
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Alunos do 1º ano matutino e seu contato com a língua alemã em casa................ 105
Tabela 2 – Aulas ministradas em língua portuguesa no 1º ano .............................................. 143
Tabela 3 – Aulas ministradas em língua alemã no 1º ano ...................................................... 144
Tabela 4 – Aulas ministradas em língua alemã de 2º ao 9º ano ............................................. 144
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
As transcrições das cenas de sala de aula presentes nesta tese seguem algumas das
orientações de Marcuschi (2003), tais como:
1. Falas simultâneas: [[
Quando dois falantes iniciam ao mesmo tempo um turno, usam-se colchetes duplos no
início do turno simultâneo:
2. Sobreposição de vozes: [
Quando a concomitância de falas não se dá desde o início do turno mas a partir de um
certo ponto, marca-se, no local, com um colchete simples abrindo.
3. Sobreposições localizadas: [ ]
Quando a sobreposição ocorre num dado ponto do turno e não forma novo turno, usa-
se um colchete abrindo e outro fechando.
4. Dúvidas e suposições: ( )
Quando uma parte da fala é incompreensível, marca-se o local com parênteses, tendo-
se duas opções:
(a) indicá-los com a expressão “incompreensível”;
(b) escrever neles o que se supõe ter ouvido.
5. Truncamentos bruscos: /
Quando um falante corta uma unidade, pode-se marcar o fato com uma barra. Isto
também pode ocorrer quando alguém é bruscamente cortado pelo parceiro:
7. Comentários do analista: ( ( ) )
Para comentar algo que ocorre, usam-se parênteses duplos no local da ocorrência ou
imediatamente antes do segmento a que se refere. Pode-se colocá-los também entre um turno e
outro.
8. Silabação: - - - - -
Quando uma palavra é pronunciada silabadamente, usam-se hífens indicando a
ocorrência.
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 15
1.1 RESSIGNIFICANDO A LÍNGUA: MINHA RELAÇÃO COM O TEMA DE PESQUISA
............................................................................................................................... 16
2.2.1 A consolidação da política linguística e seus impactos iniciais como campo acadêmico
e atividade técnico-científica .................................................................................................. 44
2.2.2 “Quem planeja o que, para quem e como?” (COOPER, 2000 [1989], p. 31) ........... 46
2.2.3 Orientações sobre as línguas para a política linguística: língua como problema,
direito e recurso ...................................................................................................................... 49
2.3.2 Cultura da linguagem escrita: questões sobre eventos e práticas letradas .............. 59
2.3.3 Práticas sociais bi/plurilíngues: uma teoria para refletir sobre os pluriletramentos ..
............................................................................................................................... 60
4.3.2 Triangulação, catalogação, transcrição e análise dos registros de pesquisa .......... 111
5.3.1 A demanda pela curricularização da língua alemã para novos modelos econômicos .
............................................................................................................................. 134
6.1.1 “É a hora de vocês irem pro BI-língue”: O papel da escola na construção dos
significados sobre o que é o “bilíngue” ............................................................................... 158
6.1.2 “Auf Deutsch?”: Estratégias de resistência à fragmentação das línguas ............... 170
6.1.3 “Antes, eu via o projeto bilíngue até com a intromissão na minha prática de
português”: uma mudança de orientação de língua .......................................................... 180
6.2.2 “A minha Oma faz almoço”: a linguagem como recurso para significar identidades
e modificar letramentos escolares ....................................................................................... 196
6.3.1 Compreensões sobre o sujeito bilíngue e seus processos de alfabetização ............. 205
6.3.3 “Mas essa provinha é pra avaliar o rendimento do professor”: considerações sobre
a sondagem e suas implicações na educação bilíngue ....................................................... 219
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 227
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 241
ANEXO B – Lei Ordinária 2.251 2010 de Pomerode SC, que Institui A Língua Alemã
Como Idioma Complementar e Secundário no Município. .............................................. 282
ANEXO C – Lei Ordinária 2.907 2017 de Pomerode SC, que dispõe sobre a cooficialização
da língua pomerana, à língua portuguesa, no município de Pomerode - SC. ................. 284
15
1 INTRODUÇÃO
2
“For 1990, estimates establish some 500.000 German speakers and almost 12 million citizens of German decent
in Brazil, 300.000 speakers and one millions descendants for Argentina, and 20.000 speaker out of 200.000
descendants for Chile.” (HAMEL, 2013a, p. 616).
3
Teuto-brasileiro é um termo utilizado para designar a identidade de descendentes de imigrantes alemães de
assentamentos do Sul do Brasil (OLIVEIRA, 2018). Essa identidade preservou aspectos culturais alemães e
incorporou aspectos culturais brasileiros, o que pode ser observado, por exemplo, no desenvolvimento de uma
especificidade linguística e cultural própria dentro da nação brasileira (OLIVEIRA, 2018).
16
tem lidado com as línguas. A Constituição passa a reconhecer o direito de povos indígenas às
suas línguas e culturas (CAVALCANTI; MAHER, 2018), consequentemente, também
fortalecendo a implementação de novas políticas para diferentes grupos linguisticamente
invisibilizados, inclusive, teuto-brasileiros.
A documentação das línguas por meio do INDL (Inventário Nacional da Diversidade
Linguística) (cf. FREIRE, 2018), além das políticas, em âmbitos municipais, de cooficialização
de línguas (cf. OLIVEIRA, 2018), e o desenvolvimento de programas de educação bilíngue (cf.
CAVALCANTI; MAHER, 2018), podem ser observados como exemplos dessa nova era na
história linguística nacional. Tais movimentos político-linguísticos repercutem, também, em
um impulsionamento acadêmico quanto à educação intercultural e à política linguística, uma
vez que marcam e despertam interesse pelo multilinguismo e por uma perspectiva mais
moderna de direitos linguísticos (cf. OLIVEIRA; ALTENHOFEN, 2011).
As políticas linguísticas da diversidade, no Brasil, partiram desse amplo movimento
de reconhecimento do multilinguismo, e se alinham às recomendações da UNESCO, embora
não tenham sido desenvolvidas a partir delas. A UNESCO estimula o debate acerca da
diversidade linguística, com pautas voltadas à preocupação da extinção de línguas e sua
documentação, à educação de minorias linguísticas, etc. A presente tese está inserida no eixo
do Multilinguismo e Educação Linguística, que faz parte da Cátedra UNESCO em Políticas
Linguísticas para o Multilinguismo, com sede na Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) (OLIVEIRA, 2017).
A partir dessa contextualização político-linguística da presente investigação, a fim de
adentrar ainda mais ao tema de pesquisa aqui proposto, apresento, na seção seguinte, um breve
relato sobre a relação entre este estudo, que contempla o bi/multilinguismo de Pomerode,
contexto situado em Santa Catarina, com minha trajetória de vida, inclusive educacional. Em
seguida, com a intenção de contribuir com as reflexões acerca de realidades interculturais, como
a dos atores sociais participantes desta pesquisa, descrevo a questão que guia esta investigação,
seus objetivos e justificativas. Por fim, neste capítulo introdutório, percorro a tese expondo um
desenho da estrutura de todo o trabalho.
Nesta seção, revivo as memórias4 que compõem uma parte da minha história com a
“língua”, considerando minha relação com os estudos no campo da linguística, da educação e
da própria intenção investigativa desta tese.
Considero importante iniciar esse diálogo desde o domínio familiar, onde, apesar de
não ter aprendido a língua alemã, sempre tive contato com ela justamente por ser a língua
materna do meu pai (assim como foi o pomerano). O alemão como língua brasileira5 de
imigração (doravante ALBI), no cenário onde cresci, continua presente numa situação de
bi/multi/plurilinguismo.
Sou natural de uma cidade situada no Sul do Brasil, em Santa Catarina, chamada
Timbó, que faz divisa com a cidade de Pomerode, onde esta pesquisa foi conduzida. Além de
serem próximas, as duas cidades compartilham características de colonização, uma vez que
fizeram parte da Colônia Blumenau (SILVEIRA, 2017; MAAS, 2010).
Nesse contexto, aprendi a falar português (como língua materna), embora o ALBI
sempre esteve presente na minha vida (como a língua do meu pai, avós, tios...). A desigualdade
entre o status desfrutado pelo ALBI e pelo português desencadeou uma série de atitudes
linguísticas depreciativas ao bilinguismo social dentro da minha própria casa, mas também (e
especialmente!) na escola.
Assim como em muitos contextos de língua minoritária, observo que o tratamento
escolar dado às línguas contribuiu para que eu compreendesse, por um longo período, que o
bilinguismo, quando relacionado às línguas de imigração locais6, pudesse ser prejudicial para o
uso “correto” do português. Não raro, meus colegas e eu éramos corrigidos nas práticas de
oralidade em língua portuguesa, devido aos traços linguísticos do contexto bilíngue, como, por
exemplo, a pronúncia do “erre tepe” (como em [ɾ]ato, co[ɾ]eto, e[ɾ]ado) quando o prestígio se
referia a um “erre velar” (como em [x]ato, co[x]eto, e[x]ado), só para citar alguns exemplos).
4
As memórias, aqui compartilhadas, são enunciados de índole inacabável (cf. BAKHTIN, 2011 [1979]), visto que
o passado possui sentidos que são vividos e significados de forma renovada em cada ato de enunciação. Quando
compartilho minhas memórias, que são discursivamente materializadas, formadas e transformadas nas minhas
compreensões construídas acerca das experiências de vida, inclusive na universidade, estou transformando o
passado vivido, isto é, estou realizando uma projeção ideológica, baseada no campo discursivo no qual me situo e
baseada no próprio auditório social da tese.
5
Sob o “guarda-chuva” língua brasileira, estão amparadas as línguas de imigração, línguas indígenas, línguas
afrodescendentes, línguas fronteiriças, línguas de sinais, português como língua oficial ou as suas realizações nos
mais variados grupos sociais. Na categoria língua brasileira de imigração, particularmente, estão situadas “todas
as línguas introduzidas no Brasil durante o período historicamente reconhecido como imigratório, as quais são
faladas por comunidades de imigrantes e de descendentes de imigrantes que, em solo nacional, preservaram seus
costumes, sua cultura e sua língua de origem” (CAMBRUSSI, 2007, p. 58).
6
Em Timbó, essas línguas de imigração são identificadas como alemão, pomerano, além de outras línguas
associadas à cultura imigratória italiana e polonesa, embora não recebam status oficial legislativo.
18
A escola foi uma instituição determinante para modificar minhas práticas linguísticas,
contribuindo para o “apagamento”, de certo modo, das marcas de um “português mestiço”, que
refletiam não só o contato da língua, mas, essencialmente, as “línguas em conflito” (cf.
HAMEL, 1988). Foi o domínio escolar, principalmente, que contribuiu para um distanciamento
evidente nas formas como eu falo em relação aos meus familiares, e que alimentou meu
imaginário de que, na minha família, nem português, nem alemão, se soubesse falar “direito”.
Esse imaginário, certamente, reflete uma forma de invisibilizar/minorizar as línguas
desse contexto. Altenhofen (2004) reconhece que os juízos de valor depreciativos tendem a ser
atribuídos sobre as línguas minoritárias de modo geral. Na descrição que o autor realiza da
situação do Hunsrückisch (uma língua de origem germânica), estão presentes características
como: “vebrochne Deitsch (alemão quebrado)”, “Heckedeitsch (alemão do mato)”, “alemão
errado”, “língua de colono” (ALTENHOFEN, 2004, p. 91). Essas atitudes negativas
problematizadas por Altenhofen (2004) não estão distantes das características que,
frequentemente, eu mesma ouvia com relação à língua alemã falada em Timbó ou Pomerode,
na minha infância. O bilinguismo das pessoas que falam uma “língua marginal, submissa à
língua oficial, o português”, é comumente negado não só na escola, mas pelos próprios falantes,
“como efeito de espelho do que supõem [que] seja a visão das classes dominantes sobre sua
língua” (ALTENHOFEN, 2004, p. 91). É possível dizer que famílias bilíngues, como as que
encontro no meu contexto de vida e pesquisa, sofrem, de certo modo, com um antagonismo
sobre como avaliam a sua língua de imigração.
Falar alemão ou ter “sotaque” dessa língua ao falar português estava (e, em algumas
situações, ainda está) associado ao estereótipo de zona rural onde cresci. A origem rural, nesse
sentido, parece sinônimo do baixo prestígio social desfrutado pelas pessoas, pejorativamente
chamadas de “colonos”.
Sob influência dessas ideologias, passei a participar da propagação de uma equivocada
ideia de ascensão social associada ao acesso a um ideal de língua portuguesa “pura”, que
somente a escola poderia fornecer. Quando me senti em maior “domínio” da língua portuguesa,
passei a também sentir o direito de realizar aos outros as mesmas correções que me foram feitas
no passado, reproduzindo atitudes linguísticas das quais vivenciei, principalmente, nos
primeiros anos escolares. Parece-me que a consciência sobre essas atitudes linguísticas ainda
precise ser desenvolvida nos ambientes educacionais, a fim de favorecer o bilinguismo. Essas
atitudes linguísticas, afinal, estão imbricadas no “modo como o falante se julga ou é julgado
19
pelos seus pares com referência ao seu comportamento linguístico” (MELLO, 2011b, p. 149),
reproduzindo estereótipos resultantes de conflitos sociais.
Entendo que a mim ocorreu uma inversão de um papel social que já ocupara, no qual
eu pudesse exercer o poder sobre o outro (falante da língua minorizada ou em contato com ela)
por meio do “domínio” da língua majoritária. Quando outras crianças de zona rural da cidade
falavam, eu apontava os mesmos “erros” que, na minha fala, costumavam ser apontados,
fazendo correções ou comentários depreciativos. Nessas relações de poder, portanto, ocupei um
papel de “opressora” sobre o “outro”, que, dentro daquelas normas sociais, falava “errado”.
O mito sobre o bilinguismo como um determinante para o fracasso quanto à
aprendizagem da língua portuguesa (cf. ALTENHOFEN, 2004) se fez presente no discurso
pedagógico e familiar durante toda a minha formação básica. Aliás, a própria discussão sobre
bilinguismo e políticas linguísticas nem sempre, ou quase nunca, perpassa os currículos de
licenciaturas de instituições de ensino superior brasileiras, pensando na formação inicial de
professores de língua portuguesa ou alfabetizadores que atuarão na realidade multilíngue.
Afinal, o monolinguismo não é a regra, mas a exceção. Como pontua Berger (2021, p. 119),
não só “o mundo é multilíngue”, como “todos os países [também] são multilíngues”, ainda que
haja, na sua grande maioria, uma vontade política em promover e sustentar uma única língua
oficial. Grosjean (1989) e García e Wei (2014) também sinalizam que a ausência desse
reconhecimento, certamente, é um dos impactos dos tratamentos monolinguísticos dados de
maneira similar a todas as comunidades, seja na educação ou na própria pesquisa linguística.
Somente no ensino superior, quando, em 2008, ingressei no curso de Licenciatura em
Letras Português, Inglês e Respectivas Literaturas, iniciei reflexões sobre a língua com base em
diferentes abordagens, que propõem reinvindicações de justiça social e linguística. A atuação
da pesquisadora em linguística aplicada, Dra. Maristela Pereira Fritzen, na minha formação
acadêmica, desencadeou uma série de momentos para repensar minha conduta com o português
em contato com o ALBI (alemão como língua brasileira de imigração).
A partir da iniciação científica, da participação de grupos de estudos, eventos
acadêmicos, também refleti sobre a importância de ressignificar como estava compreendendo
a língua, questionando o posicionamento que havia construído ao longo de todo o percurso
escolar. Esta não foi tarefa fácil – ou melhor, ainda não o é! Afinal, é preciso observar o que
nos é comum para que, em diálogo com o “outro”, possamos problematizar conceitos já
cristalizados, questionar nossas atitudes linguísticas, e construir novas compreensões sobre a
língua, ou, até mesmo, sobre a própria existência da língua (enquanto uma entidade autônoma,
20
vide capítulo dois). Ao longo desta tese, observando as crianças no cotidiano da vida escolar,
pude, mais uma vez, pensar criticamente sobre as compreensões de língua que, inclusive, na
academia, constituí.
Por ora, menciono a universidade como um lugar onde aprendi a olhar para o
multilinguismo a partir de diferentes perspectivas. Foi durante a iniciação científica e a
condução da pesquisa de mestrado, por exemplo, que realizei as primeiras leituras no campo da
política linguística, quando também conheci trabalhos publicados pelo orientador desta tese,
Dr. Gilvan Müller de Oliveira. Esse período foi importante para eu refletir, além de outras
questões, sobre o bilinguismo de muitos brasileiros, que, apesar de diversas políticas repressivas
na história linguística nacional, em verdadeiros atos de resistência, preservaram suas línguas e,
criativamente, as transformaram diante das suas novas realidades sociais.
Passei a observar com estranhamento a frequente declaração sobre a situação
linguística nacional: a de que “aqui só se fala português porque é Brasil”, ou, como contesta
Garcez (2019, p. 17), de que ensinamos português, na escola, “Porque é a única língua oficial
do País!”, apenas para “o domínio da norma culta da língua”, ou para a aprendizagem de
“formas corretas da língua”.
Hoje, entendo que essas afirmativas, pautadas em uma política linguística nacionalista
unificadora ou em concepções limitadas de língua, tendem a reduzir a complexidade
sociolinguística brasileira, e que a representação de uma língua “pura” é resultado de uma
ideologia linguística fundamentada por normas sociais. Destaco, aqui, a reflexão de Altenhofen
(2004, p. 87) a partir de Oliveira (2000): “A velha tese romântica de “um país com uma única
língua”, que tantos estragos fez em nome da pureza lingüística e da construção dos estados
nacionais, na verdade ainda permanece como uma ideologia forte nas relações sociais dessas
comunidades”.
O presente trabalho de pesquisa se situa em um contexto teuto-brasileiro que já vem
apresentando uma trajetória investigativa e, consequentemente, problematizando questões de
ordem linguística, educacional, cultural e histórica. No levantamento de teses e dissertações
(Apêndice E) desenvolvidas a partir do cenário de Pomerode, SC, localizei discussões sobre a
língua alemã local (EMMEL, 2005), sobre o turismo gastronômico teuto-brasileiro
(SCHREIBER, 2006; BORGES, 2007), sobre os patrimônios materiais (FAES, 2008; COSTA,
2018) e a paisagem cultural de origem alemã (HEIDTMANN JUNIOR, 2013; GEMENTE,
2017). Acerca de questões educativas, mais especificamente, identifiquei temas voltados a
concepções de alfabetização e letramento (SCHIOCHETTI, 2004), interesse de jovens em
21
aprenderem a língua alemã na região (SILVA, 2005), discursos sobre a inserção da disciplina
língua alemã nas escolas municipais (MAAS, 2010), e a proposição de um ensino bilíngue na
rede municipal (SPIESS, 2014).
A pesquisa de Spiess (2014), acerca do ensino bilíngue em Pomerode, SC, influenciou,
mais diretamente, nas reflexões para o desenvolvimento desta tese, uma vez que despertou um
interesse em compreender as práticas de uma escola que, ao invés de negar o contato das
línguas, como ocorre no processo de escolarização de muitas comunidades bilíngues brasileiras,
parece procurar evidenciá-lo a favor do bilinguismo. Essa pesquisa sobre a educação bilíngue
de Pomerode suscitou-me algumas indagações iniciais, tais como: como as línguas são
concebidas na educação bilíngue? São demarcados limites linguísticos, segmentando as línguas
como sistemas autônomos? As “misturas” são tratadas pela escola como constituintes das
línguas faladas pela comunidade bilíngue? De que forma o ensino de língua portuguesa é
encarado em uma sala de aula bilíngue? Qual a diferença entre uma sala de aula de língua
portuguesa para uma sala de aula bilíngue de língua portuguesa? Como a ideologia de língua
nacional repercute no ensino das línguas na educação bilíngue?
Entendo que o olhar para esse cenário escolar possa levantar debates significativos
sobre as línguas, a fim de valorizar diferentes repertórios linguísticos e democratizá-los nos
contextos educacionais brasileiros. Por isso, no Programa de Pós-Graduação em Linguística, da
Universidade Federal de Santa Catarina, com apoio do Programa de Bolsas Universitárias do
Estado de Santa Catarina (UNIEDU), busco dar continuidade aos estudos de políticas
linguísticas em cenário onde se fala o ALBI. Espero que esta pesquisa abra possibilidades para
que os atores sociais verberem sobre suas práticas linguísticas e sociais na escola, em uma
proposta que pense os sujeitos bilíngues antes das normas e ideologias pré-estabelecidas sobre
suas línguas.
7
Utilizo o termo “sala de aula bilíngue de língua portuguesa” como uma referência à organização escolar. Os
alunos, cotidianamente, frequentam a sala de aula bilíngue de língua portuguesa e a sala de aula bilíngue de língua
22
A tese tem como objetivo geral compreender a gestão das línguas na criação e
perpetuação de práticas linguísticas, a partir de uma sala de aula bilíngue de língua portuguesa
da rede de escolas municipais de Pomerode, SC. Os seguintes objetivos específicos também
orientam a pesquisa: (I) descrever práticas de letramentos nas línguas que circulam na sala de
aula bilíngue de língua portuguesa; (II) compreender orientações relacionadas às línguas
utilizadas pela comunidade escolar em estudo; (III) discutir conflitos linguísticos que emergem
nas relações interacionais em contexto educacional; (IV) analisar a situação de contato
linguístico nas dinâmicas políticas e educativas.
O lócus da pesquisa é uma escola de educação básica bilíngue municipal, localizada
na cidade de Pomerode, SC, que tem como proposta a educação bilíngue (português-alemão),
inserida em um contexto teuto-brasileiro. Aqui, convém destacar que a “língua alemã” costuma
ser um termo utilizado para o grupo linguístico que fundamenta as línguas faladas pelas
comunidades teuto-brasileiras, como hunsriqueano, pomerano, alemão (Hochdeutsch8), entre
outras, embora cada uma dessas línguas possua status acadêmico e legislativo (nas políticas de
cooficialização municipais) de línguas. Conforme apresento no capítulo três, o alemão
(Hochdeutsch) e o pomerano são as duas línguas brasileiras de imigração faladas pelas
comunidades teuto-brasileiras de Pomerode, SC.
O período em que estive a campo para a geração dos registros da investigação, ao
longo do ano letivo de 2021, compreendeu um momento atípico na vida escolar, em virtude das
restrições impostas pela covid-199 . Nesses termos, as próprias interações foram modificadas,
seja pelos distanciamentos físicos adotados para evitar contágios do vírus em maior escala, pelo
uso de máscaras, seja por sistemas de revezamento entre atividades remotas e presenciais para
as crianças, etc.
alemã para desenvolverem atividades didático-pedagógicas em ambas as línguas. Nas próprias análises da tese,
aprofundo a discussão sobre essa nomenclatura e organização escolar.
8
De acordo com o Manual de Comunicação da Secom, divulgado no portal do Senado Federal
(https://www12.senado.leg.br/manualdecomunicacao), as palavras consideradas estrangeiras que não estiverem
incorporadas ao português, na sua forma original, devem ser grafadas em itálico. Entretanto, a partir de um
posicionamento político-linguístico, escolho, nesta tese, evitar o destaque em itálico para esse contexto linguístico,
como no termo Hochdeutsch, por exemplo. Esse posicionamento é intencionado numa forma de, inclusive,
confrontar as noções dicotômicas entre língua nacional e estrangeira. Prefiro utilizar o itálico como uma estratégia
de destaque, no corpo de texto da tese, às citações das falas de participantes deste estudo, e não como uma forma
de grafar divisões linguísticas.
9
Covid-19, segundo o glossário da Rede Genômica Fiocruz, é o “nome dado à doença causada pelo
novo coronavírus (denominado SARS-CoV-2). Do inglês, COrona VIrus Disease 19 (por conta do ano de início
da pandemia, 2019). A COVID-19 é caracterizada por alta transmissibilidade [...]” (BRASIL, on-line, destaques
no original). Até o ano de realização da pesquisa em campo (2021), a região pesquisada seguia por meses com
risco potencial gravíssimo para transmissão da covid-19, segundo dados divulgados pelo governo de Santa
Catarina (2021).
23
10
Utilizo as aspas no adjetivo culto como recurso gráfico para chamar a atenção do leitor ao termo amplamente (e
equivocadamente) utilizado em materiais didáticos de ensino de língua portuguesa, quando baseados no tratamento
normativo dado à língua como uma estrutura pronta e pré-estabelecida. Faraco (2008) problematiza essa
compreensão de língua e, em um jogo de palavras, contrapõe, à expressão “norma culta”, a “norma curta” da
língua, criticando o ensino de língua que prescreve, normatiza regras do “bom” uso do português sob um olhar
purista.
30
língua passa a ser tratada, estrategicamente, como “emblema da condição nacional, como
bandeiras, trajes típicos, danças folclóricas e similares. Basicamente, a coisa mais importante
quanto à língua é sua capacidade de gerar comunidades imaginadas, efetivamente construindo
solidariedades particulares” (ANDERSON, 2008 [1991], p. 189, itálico no original).
Esses aspectos, que vão desde uma ordem social a uma ordem linguística, implicam o
favorecimento de um grupo de falantes, uma vez que a fixação de um modelo linguístico
nacional, como língua oficial, é promovido com base na língua da elite. Nas palavras do
linguista Stanley Aléong (2011 [1983]), que se propõe a discutir as normas linguísticas e
normas sociais, “[...] os usos normativos [de uma língua] jamais se distanciam dos das camadas
ou classes sociais dominantes” (ALÉONG, 2011 [1983], p. 162).
A padronização de uma língua, como consequência da “invenção” – ou “imaginação”,
para fazer referência a Anderson (2008 [1991]), da nação – consolida a relação entre Estado,
identidade nacional e língua, dando “origem” também à “invenção” do monolinguismo nacional
(LAGARES, 2018).
Entendo que as línguas legítimas das nações modernas sejam “invenções” (MAKONI;
PENNYCOOK, 2015), assim como seus conceitos correlatos (de dialeto, multilinguismo,
mudança de código...), cuja noção se assemelha à “discussão feita por Homi Bhabha (1994) a
respeito da “narração da nação”, e de Benedict Anderson (1983) sobre as “comunidades
imaginadas”” (MAKONI; PENNYCOOK, 2015, p. 14). O entendimento de que língua é uma
invenção, portanto, incide em uma narrativa construída socialmente sobre a língua e subjaz às
crenças conceituais específicas, como a de subordinação do dialeto, por exemplo.
A distinção entre língua e dialeto, sob esse aspecto, não depende de critérios
linguísticos11, e, sim, do jogo das normas sociais, que implica desigualdades, uma vez que
organizam grupos de pessoas em diferentes classes hierarquizadas. A ideologia linguística,
fundamentada no elo entre “orgulho” e “lucro”, perpetua concepções sobre a relação entre falar
“corretamente” a língua da nação com o desempenho, capacidade exigida para isso: as pessoas
precisam “se provar constantemente” pelos órgãos do Estado (“escolas”, “burocracias”,
“mídia”, etc.) para prosperar e prevalecer diante das “imposições de grupos dominantes”,
11
No campo da dialetologia, há, também, critérios linguísticos para distinguir e estudar dialetos. Coseriu (2017)
explica que o reconhecimento de um sistema linguístico como língua ou dialeto é “uma questão relacionada ao seu
status histórico”, na sua relação “com uma língua histórica” (COSERIU, 2017, p. 11, itálico no original). Nesses
termos, sob um olhar da dialetologia, poderíamos chamar de dialeto o português, o espanhol, etc., na sua relação
parental com o latim, assim como o “manezês” (variedade linguística falada em Florianópolis, SC), de igual forma,
seria um dialeto da língua portuguesa.
34
Isto posto, Aléong (2011 [1983]) entende que os julgamentos, pautados em um ideal
normativo, com o apoio de determinadas instituições e grupos de maior prestígio social, podem
desqualificar as formas linguísticas que se afastam do padrão de uma língua, ainda que sejam,
frequentemente, usadas por seus falantes em diferentes situações de interação social. Nessa
condição, o “capital linguístico”, ainda que “ameaçado” pelo multilinguismo, se mantém a
partir da determinação do “valor” que a competência da “língua legítima” representa no
12
“If you don’t speak the language of the nation, and speak it properly, you show that you lack the ability to reason
and the strength to prevail that citizenship requires; you therefore can’t claim access to political and economic
power. If you haven’t learned it, it is because you lack the competence to do so, for either moral or physical reasons
(underdeveloped brains, weakness, emotionality, inability to concentrate, or stupidity).” (HELLER; DUCHÊNE,
2012, p. 5).
35
Considero, nesta tese, que a “língua legítima” corresponde, então, a uma invenção (a
“invenção da língua”, para fazer referência a Makoni e Pennycook (2015)), cuja manutenção
depende de algumas instituições sociais, dentre as quais está o sistema escolar, midiático,
editorial, o Estado e as tecnologias de informação.
A eficácia do monolinguismo, portanto, não é reflexo exclusivo das coerções
legislativas. Essas coerções, é claro, impuseram a aquisição do português ao cidadão brasileiro,
mas não garantiram, sozinhas, que um certo modelo de língua fosse utilizado ou perpetuado
como legítimo. É necessário considerar, ainda, o papel desempenhado pela educação e pelo
capitalismo para essa legitimidade, assegurando uma “estabilidade” das desigualdades sociais
e linguísticas (HELLER; DUCHÊNE, 2012).
Quanto ao papel desempenhado pelo capitalismo para a propagação de ideologias
linguísticas, reitero o elo entre “orgulho” e “lucro” nos “conjuntos culturais dinâmicos do
mundo atual” (HELLER; DUCHÊNE, 2012, p. 4, tradução minha). O sentimento de orgulho,
em particular, é essencial para o Estado-nação moderno no sentido de construir discursos que
o sustente, de inventar uma língua que o represente e de manter o modelo político-econômico
do país (HELLER; DUCHÊNE, 2012). Afinal, à medida em que a produção do lucro e sua
distribuição desigual são legitimadas nas formas de acessar e negar direitos pela língua, as
pessoas que habitam a nação passam a empreender uma busca pelo conhecimento linguístico
ideal, sob a promessa de ascensão ao poder (HELLER; DUCHÊNE, 2012). Por causa do
sentimento do “orgulho”, segundo Heller e Duchêne (2012, p. 3; p. 10; p. 12; p. 13), a
“mercantilização” da língua, já no “capitalismo tardio”, continua incitando os valores
simbólicos do Estado-nação, para alimentar o “lucro” de um mercado baseado em bens e
serviços linguísticos (como tradução, ensino de habilidades técnicas relacionadas às línguas,
revisão, serviços de redação, materiais didático-instrucionais, etc.).
Os sentimentos de orgulho e pertencimento à nação, evocados em conjunto com seus
símbolos (bandeira, língua, literatura, mapa), são dimensões essenciais de “habitar versões de
Estado-nação”, que conduzem as pessoas a terem “acesso à escola, a votar, entrar no exército e
pagar seus impostos” (HELLER; DUCHÊNE, 2012, p. 5, tradução minha). Novas dessas
versões continuam sendo inventadas, conforme as interações virtuais avançam, embora sejam
misturadas aos símbolos pré-existentes, como o próprio ícone da bandeira para a seleção de
uma versão linguística dentro de dada plataforma digital.
Jung e Silva (2021), com base em Heller (2010), também explicam que, para ter
acessos como cidadão de uma nação, é preciso partilhar dessa ideologia da língua nacional,
37
13
“What is needed, then, is a way of understanding resistance and change, a better understanding of what actually
goes on in classrooms, and a sense that we, as educators, can do something. We need to escape over-deterministic,
overtotalizing critical analyses to show how education may make a difference.” (PENNYCOOK, 2000, p. 96).
38
Diante disso, ainda que o professor seja um agente da escola, enquanto “aparelho
ideológico de Estado” (ALTHUSSER, 1987), sujeito aos ditames do currículo e dos planos de
ensino, também é agente de outras políticas que atuam na agenda oculta das salas de aula. A
“agenda oculta” de uma política linguística se refere, segundo Shohamy (2006), aos efeitos
causados por mecanismos, “desconhecidos” pelo “público”, que compõem e criam “práticas
linguísticas”. Existem ações provenientes de figuras de autoridade que, implicitamente,
regulam as línguas, como, por exemplo, um “teste de idioma escolar”, capaz de determinar o
que conta como língua em espaços privilegiados sem qualquer declaração oficial (SHOHAMY,
2006). Conforme Shohamy (2006, p. 138):
O professor, como uma figura de autoridade na sala de aula, também cria novas
políticas linguísticas, cujas agendas ocultas podem entrar em contradição com políticas oficiais,
a partir das suas redes sociais, das suas crenças linguísticas, das interpretações que realiza, etc.
Spolsky (2016) explica que a gestão linguística, as “crenças” e as “práticas linguísticas” são
derivadas de “forças internas” dos domínios da vida social, embora também haja “forças
externas” a cada domínio. Os diversos papeis sociais que uma mesma pessoa assume
(professora, mãe, membro da comunidade, vizinha...) implicam lançar mão de práticas e crenças
linguísticas relacionadas a cada um desses papeis. Como consequência, na realidade de uma
profissional da educação, valores de outros domínios podem ser favorecidos quando se está
dentro de uma sala de aula, onde mitos, ressentimentos e ideologias relacionadas às línguas
podem entrar em conflito com dada proposta educacional, seja na forma de interpretar os
currículos e diretrizes educacionais, seja no posicionamento pedagógico diante desses
documentos, de alunos e outros membros da comunidade escolar.
Vale destacar que, em decorrência da regulação social de estratificação dos grupos de
pessoas, as línguas, as formas linguísticas e os próprios conceitos relacionados (como de
dialeto) também sofrem hierarquias sociais. Essa estratificação resulta, ainda, em atitudes
linguísticas (positivas ou negativas) aos falantes que, em suas práticas de linguagem, ecoam
14
“[…] the mechanisms can often serve as tools for creating covert and hidden policies. This is because the de
facto policies, via the mechanisms, are most often initiated by central authorities, often in contradiction to the
declared policies and thus circumvent official policies and create new ones” (SHOHAMY, 2006, p. 138).
39
posições sociais, podendo, como mencionei, adentrar as salas de aula. Nessa condição, venho
argumentando que a metalinguagem institucionalizada sobre a língua reflete também as
próprias desigualdades sociais, associadas à classe, ao gênero, às origens étnicas, às origens
geográficas, etc. Tais desigualdades, como efeito, estruturam os letramentos, em gêneros
textuais/discursivos, em estilos linguísticos legítimos, em discursos destinados a se tornarem
exemplos de “uso correto”, que também estão, hierarquicamente, situados em instituições,
como a escola, a igreja, o sistema jurídico, etc. (BARTON; HAMILTON, 2004; BOURDIEU,
2008 [1982]).
Tradicionalmente, tais instituições, onde se engendra a “arena de lutas”
sociolinguísticas, retratam todo um sistema de condições desiguais do “capital linguístico”,
determinado por “instrumentos de expressão” (BOURDIEU, 2008 [1982]) pelos quais se opera
o uso da língua legítima. As gramáticas e dicionários, como discute Aléong (2011 [1983]), e os
textos de escritores consagrados pela própria cultura escolar, como exemplifica Bourdieu (2008
[1982]), já ocuparam esse lugar de instrumentos de poder, compartilhado e modificado, no
século XXI, com o letramento midiático-informacional, de múltiplas autorias no mundo digital.
O discurso escrito, “digno de ser publicado (quer dizer, oficializado)” (BOURDIEU, 2008
[1982], p. 45), adquire novas nuances, embora ainda seja submetido a determinadas regras
sociais, que operam a condição necessária para a “competência linguística”. A escola, agora ao
lado de novas plataformas midiáticas e digitais, cria uma relativa “estabilidade” do “mercado
linguístico” (BOURDIEU, 2008 [1982]), ideologicamente construído desde o Estado-nação
moderno, mas modificado pelo capitalismo, pela “comunidade global” e disputas de poder.
artificial, como ChatGPT, são exemplos de novos “instrumentos” de poder sobre as línguas.
Através dos serviços de tradução, revisão, redação, etc., pautados numa prática de corpus
linguístico, essas ferramentas da nova era digital também são capazes de manipular as práticas
de linguagem da massa e, acrescento, numa proporção tão impactante quanto a própria
escolarização (ou, em muitas situações, de forma ainda mais influente). Como consequência,
essas ferramentas fazem surgir atitudes positivas ou negativas sobre práticas de linguagem,
determinando padrões que se materializam nos serviços textuais entregues aos usuários dessas
tecnologias, que observam escolhas linguísticas como “melhores”, mais “recomendadas”, mais
“frequentes”.
As ideologias de regulação linguística das novas mídias na era digital, do mercado
econômico, da escola, etc., se constituem em “mecanismos”, ou “dispositivos de políticas
linguísticas” (cf. SHOHAMY, 2006). Os “mecanismos políticos”, sejam eles implícitos
(ocultos) ou explícitos, afetam, “criam e perpetuam a política linguística de facto” (as práticas
de linguagem) (SHOHAMY, 2006, p. XV, tradução minha), manifestando-se em diferentes
domínios sociais e reproduzindo interesses de grupos que exercem alguma “autoridade” em tais
domínios, como na própria sala de aula.
Entendo que essa discussão precise perpassar pelas diferentes áreas de estudos
linguísticos, levando em conta os dispositivos políticos relacionados ao status da língua entre
os falantes e as decisões tomadas com base nesse status. Diante disso, evidencio os conceitos
correlatos à língua (como dialeto, variedade, multilinguismo, plurilinguismo, etc.) como uma
estratégia político-linguística para a “desinvenção” das línguas (MAKONI; PENNYCOOK,
2015), no sentido de problematização de definições pré-estabelecidas e hegemonicamente
difundidas.
Espero que a academia, assim, seja um lócus de legitimação das práticas linguísticas
socialmente minorizadas, trabalhando a favor dos falantes dessas línguas, e não das
normatizações da ideologia linguística dominante. Por conseguinte, entendo a importância de
adotarmos, nas nossas pesquisas, uma perspectiva que se proponha a vencer a dicotomia “língua
e dialeto”, como almejam César e Cavalcanti (2007), para reconhecermos que as línguas em
situação minoritária, como as línguas de imigração, ainda faladas hoje no Brasil, são tão
legítimas como o português padrão ou a língua europeia retratada como língua nacional em seu
país de origem.
A invenção da língua na abordagem debatida neste capítulo, além de favorecer a
difusão do monolinguismo, também favorece uma consequente percepção superficial do
41
15
These orientations acknowledge the existence of ethnic minorities but define diversity negatively as a problem
(“the Indian problem”). The cultural and linguistic expressions of indigenous and other minorities are recognize
both as a problem and as a right, and their existence is seen as a barrier to national Unity (see Ruiz 1984 for a
different conceptualization). Pluriculturalism and plurilingualism represent a third orientations based on an
enrichment perspective. This vision shares with multiculturalism a similar recognition of factual diversity but
differs in its valuation. Diversity is considered in a cultural base theory as laid down in the theorical foundations
of intercultural education (Monsonyi & Rengifo 1983) (HAMEL, 2013a, p. 611).
16
“The fundamental question today is how to move from a multilingual and multicultural orientations that
recognizes diversity but regards it as a problem to a plurilingual and pluricultural enrichment perspective”
(HAMEL, 2013a, p. 611).
42
17
As May (2014:9) has pointed out, adopting this anti-essentialist notion of language means viewing
multilingualism as a significantly “complex, dynamic and porous phenomenon”, involving “multiple discursive
practices”, in different modalities. From this perspective, multilingualism can no longer be construed as the simple
coexistence of a set of languages, in a static, harmonious and homogeneous locus. Instead, as Heller (2012:32) has
put it, multilingualism is “a set of ideologically-loaded communicative resources, always unequally distributed,
on an always uneven playing field”. This means that it is potentially a site of turbulence and conflicting identities.
As Blackledge et al. (2014:191) have noted, the core concepts in the study of language in social life should be
“mobility, mixing, political dynamics, and historical embedding”. (CAVALCANTI; MAHER, 2018, p. 1).
43
18
Destaco que, quando falo em “revitalização” e “manutenção” da língua, não me refiro a uma visão estática de
língua convencionalmente associada ao “resgate” de uma “cultura tradicional” (CAVALCANTI, 2006, p. 248-9).
Pelo contrário, refiro-me a uma política que, a partir da inclusão da língua na escola, perpetua o bilinguismo de
crianças que falam alemão desde o domínio familiar e, ao mesmo tempo, revitaliza esse bilinguismo, no sentido
de lhe dar uma nova vida com práticas de linguagem que inovam os letramentos escolares, modificando-os. Essa
perspectiva requer admitir, portanto, que “a competência comunicativa de um falante multilíngue é algo em estado
permanente de mutação” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 69-70).
44
a PL como seu subcampo (cf. COOPER, 2000 [1989]). Como consequência, linguistas passam
a usufruir de desenvolvimentos teóricos críticos e pós-modernos das ciências sociais para
infundir uma nova perspectiva e ênfase, que pudesse levantar críticas à abordagem mais
inaugural (HORNBERGER, 2006).
Essa base crítica na PL requer partir do princípio democrático e político “de que as
pessoas que vivenciam as consequências da política linguística devem ter um papel importante
na tomada de decisões políticas” (TOLLEFSON, 2006, p. 45, tradução minha)19. Nesses termos,
Tollefson (2006) apresenta como conceitos-chave da política linguística crítica: o poder, a luta,
a colonização, a hegemonia e a ideologia, e a resistência. Situo o presente estudo, sobre PL em
uma sala de aula bilíngue de língua portuguesa, considerando uma abordagem crítica quanto
aos postulados acerca da democracia linguística e cultural, num contexto de contatos e conflitos
linguísticos.
Para propor uma abordagem de PL ao contexto desta tese, procurei compreender,
inicialmente, a consolidação dos conceitos e modelos que foram desenvolvidos nas primeiras
décadas desse campo de estudos e as críticas a eles levantadas. Nesta seção sobre PL, então,
pretendo, ainda, (I) descrever alguns caminhos percorridos por esse campo acadêmico e
atividade técnico-científica; (II) apresentar o debate sobre as instituições reconhecidas para o
planejamento linguístico e como planejam, sobre os objetivos do planejamento e as
comunidades afetadas por ele; (III) tratar das diferentes orientações de língua que guiam as
políticas linguísticas; e, por fim, (IV) refletir sobre sua orientação crítica.
Nesta seção inicial acerca da PL, apresento uma abordagem inaugural sobre o campo,
que coincide, inclusive, com as atitudes colonizatórias envolvendo a relação com países em
“desenvolvimento” e com o avanço científico da linguística. Ademais, compreender essa
abordagem requer uma reflexão sociológica para reconhecer de onde ela parte, como é
“posicionada” (cf. IRVINE; GAL, 2000). Esse posicionamento é construído ideologicamente
dentro de um tempo e espaço do qual a própria linguística está situada.
19
Most CLP researchers accept the political principle that people who experience the consequences of language
policy should have a major role in making policy decisions (e.g., Williams & Morris, 2000). (TOLLEFSON, 2006,
p. 45).
45
teóricas levantadas pelos estudiosos das políticas linguísticas” numa abordagem crítica
(OLIVEIRA, 2007, p. 8).
As regulamentações das línguas faladas por comunidades brasileiras em situação
minoritária, ainda que necessitem avançar em prol de seus falantes, entram em pauta na
universidade, a partir da “virada político-linguística”, que, segundo Oliveira (2007, p. 9),
corresponde ao:
[...] movimento pelo qual os linguistas (mais que a linguística) passam a trabalhar
junto com os falantes das línguas, apoiando tecnicamente suas demandas políticas e
culturais. Deixam de atuar no campo da ‘colonização de saberes’ para atuar no campo
que Boaventura Santos chama de ‘comunidade de saberes’, e passam do campo
universitário ao campo dos conhecimentos pluriversitários, o que prioriza a pesquisa-
ação sobre uma visão de pesquisa que tem tratado os falantes das línguas como meros
informantes descartáveis, uma vez que o gravador capture o ‘dado’ linguístico
(OLIVEIRA, 2007, p. 9).
2.2.2 “Quem planeja o que, para quem e como?” (COOPER, 2000 [1989], p. 31)
questão comum ao seu tratamento: “Quem planeja o que para quem e como?” (COOPER, 2000
[1989], p. 31, grifos no original, tradução minha).
Predominantemente, a resposta para o item “quem” aparece, nos conceitos elencados
por Cooper (2000 [1989]), como “governos”, “agências autorizadas pelo governo” ou outros
órgãos competentes para regulamentação linguística. Nesse aspecto, Calvet (2007, p. 20-21)
pontua que “qualquer grupo pode elaborar uma política linguística [...]. Mas apenas o Estado
tem o poder e os meios de passar ao estágio do planejamento, de pôr em prática suas escolhas
políticas”. Com base em Shohamy (2006) e Berger (2015), por outro lado, entendo que as
pessoas exercem diferentes níveis de “autoridade” nos meios sociais em que circulam,
influenciando sobre os comportamentos linguísticos e, com efeito, moldando “práticas
linguísticas”. Por isso, a prática da política linguística pode se dar pelo Estado, mas também
pelas pessoas na sua vida social. A resposta a “quem planeja?”, logo, necessita de um olhar
contextualizado para compreender os “mecanismos” da política linguística (SHOHAMY,
2006).
Nos estudos apresentados por Cavet (2007 [1966]), é possível também refletir sobre
“quem planeja” a partir de dois conceitos: o de “gestão in vivo” e o de “gestão in vitro”. Esses
dois conceitos, bastante difundidos nas discussões acadêmicas, são apresentados como as
diferentes formas de fazer a gestão das situações linguísticas. Segundo Calvet (2007), “a gestão
in vivo” independe de decretos ou leis oficiais, pois caracteriza as ações praticadas pelas pessoas
com relação às línguas em seu entorno. A “gestão in vitro”, por outro lado, é aquela centrada
nas instâncias oficiais (CALVET, 2007) e, por isso, cujas políticas linguísticas se tornam mais
explícitas para a sociedade, como os dispositivos legislativos.
“O que é planejado” pode ser identificado, convencionalmente, por meio de tipos de
intervenções linguísticas. Tais intervenções, na obra de Cooper (2000 [1989]), são observadas
como “planejamento de corpus” (se refere à ação sobre as formas linguísticas, como criação de
dicionários, gramáticas, etc.), “planejamento de status” (se refere às intervenções sobre a
promoção das línguas), e o “planejamento de aquisição” (se refere a políticas de ensino das
línguas). Além desses três tipos de intervenções sobre as línguas, conforme sinaliza Severo
(2013) a partir de uma revisão mais contemporânea da literatura, outros três planejamentos
também podem ser elencados: “planejamento de usos” (políticas de divulgação e uso das
línguas), “planejamento de prestígio” (avaliação dos usos linguísticos pelo falante ou
pesquisador), “planejamento discursivo” (reflete o caráter ideológico dos discursos acerca das
línguas).
48
onde a escola se insere e alunos com quem o professor trabalha (cf. GARCÍA; MENKEN,
2010).
2.2.3 Orientações sobre as línguas para a política linguística: língua como problema,
direito e recurso
20
“[...] code selection, standardization, literacy, orthography, language stratification” (NEUSTUPNY, 1970 apud
RUÍZ, 1984, p. 18).
21
“The charters of the League of Nations and, later, the United Nations, included the first significant protection of
minority groups in the trans-national community; other internationally-recognized documents like the Universal
Declaration of the Rights of Man and the Helsinki Final Act contain important statements on language-based
discrimination” (RUÍZ, 1984, p. 23).
50
Há, ainda, entidades nacionais que poderiam ser citadas, como, por exemplo, o IPHAN, por
meio do INDL, o IPOL e os domínios de legislações municipais (com destaque às
cooficializações).
A partir desse cenário, a orientação que defende a língua como um “direito humano
básico” e “educacional” ganha espaço e se contrapõe a preceitos da “língua-como-problema”
(RUÍZ, 1984), favorecendo falantes de línguas em situação minoritária. Em outros termos,
podemos dizer que, além do direito à língua do Estado, entende-se, a partir dessa segunda
orientação, que todo cidadão tem direito à sua própria língua. Nas palavras de Calvet (2007, p.
85): “todo cidadão tem direito à língua do Estado, isto é, [...] ele tem direito à educação, à
alfabetização etc. Mas o princípio de defesa das minorias linguísticas faz com que,
paralelamente, todo cidadão tenha direto a sua língua” (CALVET, 2007, 85, itálico no
original). O direito à língua corresponde, para Calvet (2007), à intervenção da lei sobre a defesa
das línguas, o que cria, de certo modo, um paradigma à lei sobre “a forma” e “o uso” da língua.
Por isso, o autor cita a política e o planejamento linguísticos como uma “arte” que “está nessa
complementaridade necessária entre os cientistas e os decisores, nesse equilíbrio instável entre
as técnicas de intervenção e as escolhas da sociedade” (CALVET, 2007, 86).
Esse conflito entre o direito à língua do Estado e da comunidade, no entanto, subjaz à
narrativa de Estado-nação, desde a imposição de uma língua oficial que represente uma
identidade nacional unificada. Nesses termos, o verdadeiro desafio, segundo Pennycook
(2006a, p. 69, tradução minha), “é se afastar dessa dicotomia entre imperialismo linguístico e
direitos de língua e tentar entender de maneiras mais móveis, fluidas e contextuais como os
recursos linguísticos são mobilizados para diferentes fins”22.
Além da “língua-como-direito” e “língua-como-problema”, Ruíz (1984) indica essa
terceira orientação de língua para o planejamento linguístico: a “língua-como-recurso”.
Segundo o autor, essa terceira orientação surgiu como um redirecionamento potencialmente
importante para o planejamento linguístico, uma vez que faltava, nas duas orientações
anteriores, uma preocupação com os “recursos existentes”, que são “apagados” por má gestão
e repressão (RUÍZ, 1984, p. 26, tradução minha), mesmo quando a diversidade linguística é
reconhecida como patrimônio cultural.
22
The challenge is to move away from this dichotomy between linguistic imperialism and language rights and to
try to understand in more mobile, fluid, and contextual ways how language resources are mobilized for different
ends. (PENNYCOOK, 2006a, p. 69).
51
A língua passa a ser entendida como um “recurso” a partir das considerações sobre os
“benefícios das habilidades linguísticas” para questões transnacionais e “diplomáticas”, além
dos próprios benefícios da competência linguística, como a capacidade de “pensar e viver” em
diferentes línguas (RUÍZ, 1984, p. 27-28, tradução minha). Acrescento, ainda, a capacidade de
viver transitando entre diferentes recursos linguísticos que atendam às mobilidades sociais das
pessoas que vivem o multilinguismo local ou globalmente.
Diante disso, a PL que visa à promoção das línguas, dos valores culturais e identitários
de seus falantes, importantes para o exercício pleno da cidadania, não se limita tão somente ao
reconhecimento dos direitos linguísticos (BERGER, 2015). A PL deve ultrapassar esse
reconhecimento a fim de promover o multilinguismo para atender a um mundo globalizado e
democrático.
A partir das décadas de 1980 e 1990, repercute, à PL, a tendência crítica da qual a
linguística, a sociolinguística, e a linguística aplicada fizeram parte (JOHNSON; RICENTO,
2013). Propostas para repensar o campo o direcionam, então, a uma outra epistemologia. Nesses
termos, surgem noções como de política linguística explícita e implícita, noções sobre políticas
linguísticas oficiais e não oficiais, noções sobre a relação entre as crenças, ideologias e práticas
de linguagem em PL.
Johnson e Ricento (2013) acrescentam que, nessas diferentes fases da PL, (I) os órgãos
governamentais deixaram de ser inteiramente o foco nas pesquisas para se pensar de forma mais
ampla esse campo de atividade; (II) as escolas passam a entrar em pauta, especialmente a partir
da contribuição de Cooper (2000 [1989]) acerca do “planejamento de aquisição”; e (III) as
pesquisas passam a prestar mais atenção à natureza sociopolítica e ideológica da PL. Nessa
abordagem, a noção de políticas linguísticas passa a ser entendida como mecanismos de poder,
centrados na ideologia política (JOHNSON; RICENTO, 2013). Sobre tais mecanismos,
Tollefson (2006, p. 43) afirma que:
A teoria crítica inclui uma ampla gama de trabalhos que examinam os processos pelos
quais os sistemas de desigualdade social são criados e sustentados. De particular
interesse é a desigualdade que é amplamente invisível, devido a processos ideológicos
que fazem a desigualdade parecer a condição natural dos sistemas sociais humanos.
A teoria crítica destaca o conceito de poder, particularmente em instituições, como
52
23
Critical theory includes a broad range of work examining the processes by which systems of social inequality
are created and sustained. Of particular interest is inequality that is largely invisible, due to ideological processes
that make inequality seem to be the natural condition of human social systems. Critical theory highlights the
concept of power, particularly in institutions, such as schools, involved in reproducing inequality. (TOLLEFSON,
2006, p. 43).
53
cinco), a escolha das famílias na matrícula das crianças na educação bilíngue (vide capítulo
cinco), etc.
Diante das novas questões que fomentam a PL, na atualidade, destaco também as
contribuições que Pennycook (2006a) propõe como desafios pós-modernos quanto à
compreensão de língua, discurso, ideologia e cultura. Os “pressupostos da modernidade, o
chamado Iluminismo, a hegemonia do pensamento ocidental no mundo, e as ferramentas e
conceitos que foram usados para entender o mundo”24 reúnem, em uma perspectiva da
linguística aplicada ou da PL, questionamentos diversos sobre o que entendemos por língua,
política, direitos linguísticos e assim por diante (PENNYCOOK, 2006a, p. 62, tradução minha).
Associar os estudos críticos e pós-modernos ao debate acerca da PL é importante para
compreendermos sua relação com as “ideologias de poder”, com a “ecologia das línguas”, com
os “pluriletramentos”, que se refletem, conforme Hornberger (2006, p. 35), em “demandas do
mundo real” quanto à prática da política linguística e “que fazem o trabalho teórico valer a
pena”. Para isso, lanço esforços para considerar a língua, como propõe Shohamy (2006, p.
XVIII, tradução minha), em sua “natureza aberta, dinâmica e fluida”. Falo em “esforços”
intencionalmente, uma vez que tenho consciência de que, no meu percurso formativo
(considerando a educação familiar, escolar e, mais amplamente, social), também aprendi a
considerar a língua como um “sistema fechado, correto, padronizado e puro” (SHOHAMY,
2006 p. XVIII, tradução minha). Entendo que há um esforço constante de “desinventar” a língua
nessa abordagem, para que nos desvencilhemos “do mito pernicioso de que as línguas existem”
(PENNYCOOK, 2006a, p. 67).
Essa abordagem de PL contesta a agenda de pesquisa das línguas, impactando como
as pensamos em relação ao plurilinguismo. É importante que esta e outras mudanças
epistemológicas repercutam em diferentes instituições, para que possamos rever os impactos
sociais da teoria da língua como entidade “abstrata”, composta de “estrutura fixa”, “pronta” e
“acabada”, ainda tão presente na educação linguística brasileira. A pesquisa acerca dos
letramentos e políticas linguísticas, na linguística aplicada, tem proposto a discussão sobre a
língua associada aos estudos culturais, aos aspectos identitários, às representações sobre as
línguas, para uma teoria linguística que vai muito além da estrutura interna da língua, fechada
em si mesma, conforme apresento na próxima seção deste capítulo.
24
“[…] assumptions of modernity, the so-called Enlightenment, the hegemony of Western thought in the world,
and the tools and concepts that have been used to understand the world (PENNYCOOK, 2006a, p. 62).
54
[...] conjunto de práticas sociais que usam a escrita, como sistema simbólico e como
tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos (conferir Scribner e
Cole 1981). As práticas específicas da escola, que forneciam o parâmetro da prática
56
social segundo a qual o letramento era definido, e segundo a qual os sujeitos eram
classificados ao longo da dicotomia alfabetizado ou não-alfabetizado, passam a ser,
em função dessa definição, apenas um tipo de prática – de fato, dominante – que
desenvolve alguns tipos de habilidades mas não outros, e que determina uma forma
de utilizar o conhecimento sobre a escrita.
Portanto, a escrita é constituída como uma invenção social que, para ser aprendida
pelas crianças (como novos usuários dessa representação), precisa ser “reinventada” (ou
praticada), como uma nova forma de conhecimento e como uma nova forma de estar no mundo
(FERREIRO, 1988 [1985]). A “reinvenção” ou “prática” da criança acontece na própria
interação com a escrita, quando vai criando “hipóteses de como esse sistema de representação
funciona”, confirmando ou reconstruindo conhecimentos (DIAS, 2020, p. 97), diante de
mediações pedagógicas. Consequentemente, não podemos olhar para as tentativas de
representar a linguagem escrita como meros rabiscos, uma vez que as crianças já estão
participando do processo da alfabetização dentro de algum nível conceptual (cf. FERREIRO;
TEBEROSKY, 1988 [1981]).
Buin, Ramos e Silva (2021) descrevem que a criança atinge uma maturidade cognitiva
que a possibilita, gradativamente, desenvolver uma consciência acerca das estruturas
linguísticas, em variados níveis: fonológico, morfológico, sintático, textual etc. (SCLIAR-
CABRAL, 1995 apud BUIN; RAMOS; SILVA, 2021). O processo de alfabetização envolve
esses diversos níveis durante a formação das hipóteses das crianças em relação à escrita e à
leitura, quando participam de práticas de letramento nas quais elas mesmas são demandadas ao
esforço cognitivo de refletir e manipular as relações “grafofonológicas”, num “exercício
psicolinguístico de grande complexidade” (ALVES; FINGER, 2023, s.p.).
As hipóteses das crianças acerca da representação escrita sinalizam como estão
participando do letramento e como buscam formas de compreender o funcionamento desse
sistema escrito, situado nas práticas letradas da sua comunidade (como aquelas da esfera
escolar, religiosa, outras da sua própria casa, outras de atividades da rua, etc.). É nesse aspecto
que recorro ao “modelo ideológico” do letramento proposto por Street (2014 [1995]), como
uma contraposição ao “modelo autônomo”.
58
25
Para distinguir as orientações entre o “modelo autônomo” e o “modelo ideológico” de letramento, no lugar de
“estudos do letramento”, Street (2014 [1995]) sugere, então, o uso da expressão “novos estudos do letramento”.
Destaco que, no Brasil, o termo “letramento” é relativamente recente, sendo introduzido no meio acadêmico a
partir do contato com trabalhos publicados em inglês, de maior tradição estadunidense, nos quais a palavra
“literacy” pode equivaler tanto para “alfabetização” quanto para “letramento” (BUNZEN, 2014). Como a
expressão “estudos de letramento” já foi introduzida na linguística aplicada brasileira sob uma orientação
ideológica, pesquisadores têm dispensado, por conseguinte, o uso do adjetivo “novos” (cf. KLEIMAN, 2008b).
26
De la misma manera que un texto no tiene significados autónomos independientes de su contexto de uso social,
tampoco tiene un conjunto de funciones independientes de los significados sociales que lo imbuyen (BARTON;
HAMILTON, 2004, p. 119).
59
linguagem a partir dos estudos do letramento, no debate e proposição das políticas linguísticas
educacionais, parece-me ser mais coerente com a própria noção de língua como fluida,
dinâmica, constituída nas ações sociais de seus falantes.
A discussão sobre o letramento se move, então, para a direção de como podemos
pensar nas práticas sociais permeadas pela linguagem escrita de maneira mais concreta, em
contextos sociais reais (STREET, 2014 [1995]), nos quais o plurilinguismo transforma as
práticas e significados das línguas.
Essa perspectiva ideológica do letramento ampara “a compreensão de como a noção
de práticas letradas está situada dentro de práticas sociais mais gerais e processos de mudança
social, como estes são constituídos em instituições sociais específicas” 27 e, portanto, como
interpelam as identidades das pessoas que participam de tais práticas (BARTON; HAMILTON,
2004, p. 128, tradução minha). A partir dos subsídios aqui apresentados, espero que esta
investigação possa contribuir com o debate sobre a forma como a vida social, em Pomerode, é
construída por meio da linguagem, e como as crianças de uma sala de aula de alfabetização
bilíngue performam significados sociais a partir das ações linguísticas das quais se engajam
rotineiramente.
[...] episódios observáveis que emergem e são moldados por práticas. A noção de
eventos enfatiza a natureza “situacional” do letramento, pois ele sempre existe em um
contexto social. Essa noção é paralela a certas ideias desenvolvidas na sociolinguística
e também, como Jay Lemke observou, a afirmação de Bahktin de que o ponto de
partida para a análise da linguagem falada deve ser “o evento social da interação
27
“La contribución que pueden brindar estas perspectivas a los estudios de la literacidad es una comprensión de
cómo se sitúa la noción de prácticas letradas dentro de prácticas sociales más generales y de procesos de cambio
social, de cómo estas se constituyen en instituciones sociales específicas y, a la vez, de cómo el sentido que la
gente tiene de su identidad personal es moldeado por ellas.” (BARTON; HAMILTON, 2004, p. 128).
60
Street (2014 [1995], p. 18) parte do conceito de eventos de letramento para dizer que
as ““práticas de letramento” se coloca[m] num nível mais alto de abstração e se refere[m]
igualmente ao comportamento e às conceitualizações sociais e culturais que conferem sentido
aos usos da leitura e/ou escrita”. Os “eventos de letramento” são, logo, as ocasiões nas quais as
pessoas “praticam” o “letramento” (no sentido da ação com a linguagem). É justamente por isso
que os “eventos de letramento” são moldados pelas “práticas”: as pessoas participam dos
eventos de letramento a partir de ações socialmente engajadas, produzindo sentidos enquanto
agem com a linguagem (GARCEZ, 2019).
Os eventos de letramentos, como nas aulas de alfabetização, na leitura de um livro, na
produção escrita de um texto, etc., são observados de uma forma mais direta, como se fosse
possível “fotografar” essas ocasiões. As práticas de letramento, por outro lado, por estarem
numa dimensão mais abstrata das estruturas socioculturais, não podem ser observadas de forma
tão direta: “As práticas letradas incorporam não só os “eventos de letramento”, como ocasiões
empíricas de que o letramento é parte integrante, mas também “modelos populares” desses
eventos e preconcepções ideológicas que os sustentam” (STREET, 2014 [1995], p. 174).
Ao considerar os letramentos como práticas sociais, entendo que a presente pesquisa
deva ser orientada pelos usos e significados que afetam o letramento escolar dentro desse
contexto multilíngue estudado, e que evidenciam a posição das diferentes práticas de linguagem
nas relações de poder socialmente constituídas. A abordagem de letramento, discutida nesta
investigação, exige, das políticas linguísticas, levar em consideração as pessoas, suas
habilidades linguísticas e suas próprias percepções sobre as práticas de linguagem.
2.3.3 Práticas sociais bi/plurilíngues: uma teoria para refletir sobre os pluriletramentos
A política linguística crítica tem nos mostrado que a ideologia de identidade baseada
em uma só língua nacional é excludente, e, por isso, evidencia o multilinguismo e o
multiculturalismo como recursos para a construção da nação heterogênea, favorecendo
28
Los eventos son episodios observables que surgen de las prácticas y son formados por estas. La noción de
eventos acentúa la naturaleza «situacional» de la literacidad con respecto a que esta siempre existe en un contexto
social. Esta noción es paralela a ciertas ideas desarrolladas en sociolingüística y también, como lo ha anotado Jay
Lemke, a la afirmación de Bahktin en cuanto a que el punto de partida para el análisis de la lengua hablada debería
ser «el evento social de la interacción verbal», antes que las propiedades lingüísticas formales de los textos aislados
(Lemke 1995) (BARTON; HAMILTON, 2004, p. 114).
61
29
The continua of biliteracy model defines biliteracy as ‘any and all instances in which communication occurs in
two (or more) languages in or around writing’ (HORNBERGER, 1990, p. 213 apud HORNBERGER, 2003b, p.
323).
62
habilidades de escrita e leitura”, simultaneamente, em mais de uma língua, e (II) de que seria
mais fácil ou mais eficaz para a criança “ser alfabetizada em sua língua materna e só depois ter
contato com a escrita e com a leitura na outra língua” (MEGALE, 2017, p. 2).
A respeito dessas questões, Megale (2017) procura problematizar, inicialmente, a
forma de encarar a alfabetização numa perspectiva monolíngue, mesmo quando inserida na
educação bilíngue. A autora sugere, a partir de García (2009), Grosjean (1982), dentre outros
pesquisadores, considerar o processo de sistematização da leitura e da escrita a partir da noção
de “repertório linguístico”. O termo “repertórios” tem sido empregado, na linguística aplicada,
para fazer referência às práticas linguísticas de sujeitos bilíngues no sentido de reconhecimento
de suas competências sociais com as línguas que fala. Canagarajah (2018, p. 37, tradução
minha) entende os “repertórios” como “uma alternativa à gramática na análise da construção
de significado e do sucesso comunicativo”30, uma vez que são formados pelas práticas
linguísticas que se constituem nas trajetórias de vida, pelas redes sociais, incluindo todos os
recursos semiotizados possíveis (CANAGARAJAH, 2018).
Diante desses aspectos das práticas de linguagem, é necessário considerar, nas ações
pedagógicas, que as interações plurilíngues das quais a criança participa, dentro ou fora da
escola, produzem um sistema linguístico completo (seu repertório linguístico). Como sugere
García (2009), a criança, então, linguaja usando uma ou outra língua ou, inclusive, ambas as
línguas, concomitantemente, como recursos desse sistema (MEGALE, 2017).
30
“Spatial repertoires are an alternative to grammar in analyzing meaning making and communicative success”
(CANAGARAJAH, 2018, p. 37).
31
Megale (2017, p. 9), com base nos estudos de García (2009), explica que o biletramento sequencial é aquele no
qual o aluno passa pelo processo de alfabetização inicialmente em uma língua e, na sequência, “transfere
conhecimentos e habilidades adquiridos por meio dessa experiência para escrever e ler em uma segunda língua”.
Quando a escola opta pelo biletramento simultâneo, por outro lado, procura “proporcionar para a criança a
sistematização da escrita e da leitura nas duas línguas simultaneamente” (MEGALE, 2017, p. 3).
63
32
A opção pelo termo pluriletramentos (em inglês, pluriliteracy practices, como sugerem García, Bartlett e
Kleifgen (2007)), e não multiletramentos, se deve à tradição de pesquisa na linguística aplicada acerca dos
multiletramentos, cuja ênfase recai sobre a multimodalidade dos textos como reflexo da multiculturalidade (cf.
ROJO; MOURA, 2012), partindo, muitas vezes, de tecnologias digitais. Como procuro manifestar um debate sobre
a diversidade de línguas e os letramentos na escola, sob um olhar político, considerei mais apropriado, para esta
pesquisa, o termo pluriletramentos em comparação com multiletramentos ou até biletramentos, ainda que seus
conceitos se entrelacem.
64
fonológicos das suas línguas, permitindo-lhes construir a consciência grafofonológica para todo
o seu repertório linguístico (ALVES; FINGER, 2023).
Os estudos de Hornberger (2003b, p. 326, tradução minha) sobre o “bi/pluriletramento
pressupõe[m] que uma língua e o letramento estão se desenvolvendo em relação a uma ou mais
línguas e letramentos”33, englobando repertórios linguísticos dos falantes sem que tenham de
fragmentá-los em línguas autônomas nas suas atividades sociais com relação à linguagem
escrita (e sem que tenham que fragmentar suas línguas como compartimentos separados em
seus cérebros). Portanto, as práticas sociais permeadas pela linguagem escrita, indexadas por
seu uso em contextos sociais e institucionais específicos, valem-se de recursos comunicativos
que são multi/plurilíngues e multi/pluriculturais. O biletramentro, nesses termos, desencadeia
atos comunicativos em múltiplas línguas/linguagens em torno da escrita, resultando em usos da
língua e do letramento de modo altamente fluido e dinâmico (HORNBERGER, 2018).
A abordagem do pluriletramento apresentada por Hornberger (2003a; 2003b; 2018)
incorpora a concepção de que a escola, ao mediar práticas sociais de leitura e escrita, leva em
consideração os repertórios linguísticos dos estudantes, os usos flexíveis da linguagem, ao invés
de incorporar as políticas de penalidade pelos “maus” usos da língua, de privilegiar,
exclusivamente, a língua escrita e o desenvolvimento da metalinguagem para a terminologia
gramatical. Como pontua Street (2014 [1995], p. 144), afinal, esses aspectos restritivos da
escolarização fazem parte de processos sociais que favorecem a formação “de um tipo particular
de cidadão, um tipo particular de identidade e um conceito particular de nação”. Essa
escolarização, criticada por Street (2014 [1995]), está na contramão de políticas que visam ao
multi/plurilinguismo justamente por marginalizar as línguas em situação minoritária e seus
falantes.
O modelo de bi/pluriletramento apresentado por Hornberger (2003a; 2003b; 2006;
2018) possibilita elucidar questões sobre os letramentos da comunidade alvo desta pesquisa,
considerando um olhar social, histórico, político e, consequentemente, ideológico sobre as
práticas de linguagem. A partir do capítulo cinco desta tese, mais especificamente, proponho
um debate, apoiada nessa abordagem teórica, sobre as considerações do letramento e a
elaboração do projeto de ensino bilíngue da cidade de Pomerode, SC. No capítulo seis, retomo
essa orientação teórica para refletir acerca dos letramentos no cotidiano da sala de aula em si,
onde os pluriletramentos são assumidos pela professora alfabetizadora em língua portuguesa a
33
The very notion of bi-(or multi-)literacy assumes that one language and literacy is developing in relation to one
or more other languages and literacies […] (HORNBERGER, 2003b, p. 326).
65
partir de estratégias pedagógicas translíngues para envolver as crianças nos eventos propostos.
Na próxima seção, busco situar, teoricamente, o conceito de translinguagem a partir de
considerações sobre educação bilíngue no âmbito da PL e linguística aplicada.
Segundo García e Wei (2014, p. 48, tradução minha), “a educação bilíngue se distingue
de outras formas de educação linguística na medida em que o conteúdo e a aprendizagem da
língua são integrados; ou seja, duas ou mais “línguas” são usadas como meio de instrução
(Baker, 2011; Cenoz, 2009; García, 2009a)”34. As escolhas sobre o tempo e espaço dessas
línguas nos currículos, sobre os objetivos a serem atingidos acerca de usos linguísticos, sobre
as estratégias pedagógicas, sobre a maneira como o programa educacional opera no contexto
em que se insere, se traduzem, então, em modelos particulares de educação bilíngue.
Considerando a relevância desse debate para a presente tese, teço, nesta seção teórica, (I)
considerações sobre modelos de educação bilíngue e (II) práticas de translinguagem.
Embora esta pesquisa esteja situada em uma escola pública bilíngue, é importante
reiterar que essa realidade educacional é um fenômeno ainda recente. Como efeito, nossas
visões sobre os modelos de bilinguismo nas salas de aula brasileiras são, muitas vezes, turvas,
confusas. É difícil, de modo geral, para os agentes educacionais pensarem suas ações voltadas
para um modelo de educação bilíngue quando toda sua experiência profissional e acadêmica
(desde o nível básico ao superior), predominantemente, foi constituída para o monolinguismo.
Nesses termos, mesmo quando a intenção é a inclusão das línguas, algumas atitudes
desencadeiam exclusões.
Algumas dessas atitudes podem, inclusive, se associarem às diferentes concepções que
formaram os modelos de educação bilíngue. García (2009) discorre sobre quatro deles: (I) o
modelo de bilinguismo subtrativo; (II) o modelo de bilinguismo aditivo; (III) o modelo de
bilinguismo recursivo; e (IV) o modelo de bilinguismo dinâmico. Os dois primeiros modelos
(bilinguismo subtrativo e bilinguismo aditivo) foram, originalmente, discutidos por Lambert
(1975 apud GARCÍA, 2009) e dominaram a literatura acadêmica, embora ambos, segundo
García (2009), negligenciem a complexidade linguística do século XXI.
Para o modelo subtrativo, a educação bilíngue propõe a subtração da primeira língua
(L1) à medida em que a segunda língua (L2) é adicionada (L1 + L2 – L1 = L2) (LAMBERT,
1975 apud GARCÍA, 2009), enquanto que, para o bilinguismo aditivo, “uma segunda língua é
34
“Bilingual education distinguishes itself from other forms of language education in that content and language
learning are integrated; that is, two or more ‘languages’ are used as a medium of instruction (Baker, 2011; Cenoz,
2009; García, 2009a)” (GARCÍA; WEI, 2014, p. 48).
67
adicionada sem qualquer perda da primeira língua (L1 + L2 = L1 + L2) 35” (LAMBERT, 1975
apud GARCÍA, 2009, p. 142, tradução minha). Ainda que o bilinguismo aditivo aparente uma
vontade de inclusão do multilinguismo, é um modelo de educação que “resulta em duplo
monolinguismo [...].”36 (GARCÍA, 2009, p. 142, tradução minha). Em outras palavras, no
modelo aditivo, existe a pressuposição de que, para formar um sujeito bilíngue, é necessário
adicionar ao sujeito monolíngue uma segunda língua inteiramente separada da primeira, e esses
dois sistemas linguísticos ocuparão espaços separados na mente e na vida social desse sujeito
como língua primeira e língua segunda.
Essas concepções de modelos de educação bilíngue, certamente, são consequentes das
ideologias que imperam nas suas formulações. Elas podem, de forma intencional ou não,
fortalecer práticas monolíngues como dominantes. É diante desse panorama que García (2009)
problematiza a dicotomização da primeira e segunda línguas e sugere os modelos de
bilinguismo recursivo e dinâmico:
García (2009, p. 143) propõe que pensemos na linguagem enquanto verbo, ação das
pessoas (“a linguasagem”), para as práticas que vêm a desencadear a partir de seus repertórios
linguísticos. Dessa forma, a “liguasagem bilíngue”, ou a “translinguagem”, como pretendo
35
“In contrast, in additive bilingualism, a second language is added without any loss of the first language (L1 +
L2 = L1 + L2)” (LAMBERT, 1975 apud GARCÍA, 2009, p. 142).
36
“[…] the additive model insists on developing a second full language that could be accessed entirely on its own,
that is, results in double monolingualism, naming on language as clearly the first, and the additional one as the
second” (GARCÍA, 2009, p. 142).
37
“But in the communicative complexity of the 21st century, stimulated by the movement of people, information,
goods and services that are the result of globalization and richer technology, the concept of a first and a second
language has also begun to unravel. Instead, communication includes complex discursive practices with different
modalities – visual, audio and spatial semiotic systems, besides written-linguistic modes of meaning (Cope &
Kalantzis, 2000; Kress, 2003;New London Group, 1996) – and their use in integrated fashion. When bilingualism
and languaging bilingually are taken as the normal mode of communication, it is difficult to identify a first or a
second language, as bilingualism becomes the heart of the matter.” (GARCÍA, 2009, p. 143).
68
Muito embora os estudantes das salas de aula bilíngues façam usos de recursos que
são linguisticamente heterogêneos, e não homogeneamente compartimentalizados, as políticas
voltadas ao ensino bilíngue parecem insistir no “modelo aditivo”, numa compreensão de que as
línguas são “sistemas autônomos” que precisam ser separados (GARCÍA; WEI, 2014). Esse
modelo de bilinguismo, certamente, se reflete no Brasil, onde, convencionalmente, assume-se
uma educação monolíngue em duas (ou mais) línguas. Parece-me que a diversidade linguística
brasileira é “aceita” sob a condição de não “contaminar” a língua nacional, em propostas que,
38
“Dynamic bilingualism, as we said before, refers to the multiple language interactions and other linguistic
interrelationships that take place on different scales and spaces among multilingual speakers. Today most bilingual
education programs include children who have various language practices and who are from many dominant and
non-dominant groups.” (GARCÍA; WEI, 2014, p. 51).
69
A noção de que as línguas são um conjunto de recursos linguísticos dos quais fazemos
uso para construir sentidos, sob condições sociais específicas, desafia os limites impostos pelas
ideologias de Estado-nação. Por isso, venho defendendo a importância de avançarmos com
nossas propostas políticas de educação bilíngue e “desinventar” (cf. MAKONI; PENNYCOOK,
2015; MAKONI, 2019) a língua enquanto símbolo de um Estado monolíngue. Esta é, na
verdade, uma demanda da modernidade recente, que transformou, pelos processos de
globalização geocultural, as sociedades e as formas que nos relacionamos e comunicamos,
alterando os limites de tempo e espaço, e “potencializando fluxos e contatos de pessoas,
mensagens, tecnologias e recursos comunicativos” (LUCENA; NASCIMENTO, 2016, p. 47).
Como consequência, as práticas linguísticas sofreram transformações, desvelando novas
complexidades, criatividades e diferenças culturais, desafiando-nos, “especialmente na
educação de línguas, a dar conta de modos de comunicação que desestabilizam entendimentos
dominantes” (LUCENA, 2021, p. 28). A educação multilíngue no século XXI, pois, não se
resume a apenas adicionar mais línguas nos seus currículos (GARCÍA, 2009). Acima disso, é
preciso reconhecer e integrar, especialmente na escolarização das crianças que vivem o
multilinguismo, as múltiplas práticas linguísticas das populações heterogêneas (GARCÍA,
2009).
Destaco, neste momento, que a noção de criatividade linguística, aqui abordada, está
associada à língua como “prática local”, a partir da qual as pessoas performam suas ações
sociais (PENNYCOOK, 2010). A prática de linguagem, nesse aspecto, não está restrita a “um
70
mero fazer das coisas”, mas se expande na relação entre a ação social e os significados a ela
imbricados (PENNYCOOK, 2010, p. 21, tradução minha).
Shohamy (2006, p. XVI, tradução minha)39, em vista disso, argumenta que, para uma
visão ampliada da linguagem, é preciso entendermos que ela é “pessoal, aberta, livre, dinâmica,
criativa, mutável”, “manifestada” por diferentes “formas linguísticas” e por diferentes
“representações multimodais”. Por isso, a autora discute que precisamos quebrar as fronteiras
impostas entre as línguas “x” ou “y” para encararmos as práticas linguísticas reais. Ao
relacionar a criatividade do falante sobre a linguagem com as práticas sociais, Pennycook
(2010) também explica que a língua está sempre em movimento no tempo e no lugar
(PENNYCOOK, 2010), o que requer reconhecermos que as “fronteiras linguísticas”40 são
invenções sociais que inexistem na prática.
A abordagem teórica da “translinguagem” (GARCÍA, 2009) é uma possibilidade para
tratarmos dessa complexidade e mobilidade linguística com a qual as sociedades
contemporâneas se deparam, fazendo jus às práticas heterogêneas de linguagem comuns ao
bi/multi/plurilinguismo. É necessária, justamente, uma teoria que nos permita compreender que
a linguagem desafia estruturas sociais quando concebida “livre de autoritarismos”, tornando-se
“uma promessa de diálogos mais democráticos” (LUCENA, 2021, p. 29).
García (2009) propõe o conceito de “translinguagem” como uma abordagem do
bilinguismo, que contesta a invenção de uma língua legítima, construída pelo Estado-nação e
propagada por sistemas educacionais tradicionais, midiáticos, de imprensa, por gramáticos. A
translinguagem entra no debate acadêmico na medida em que assumimos os usos reais da
linguagem, a partir de práticas discursivas. A definição que García (2009, p. 140, tradução
minha) propõe à translinguagem corresponde à ação que bilíngues realizam ao acessarem
39
“This book begins with an expanded view of language, arguing that it is personal, open, free, dynamic, creative
and constantly evolving. This concept of language does not have the boundaries of language x or language y, since
it spreads beyond words and is manifested through a variety of multi-modal representations and different forms of
“languaging”.” (SHOHAMY, 2006, p. XVI).
40
O conceito de “fronteira” representa a demarcação de algum limite, como ocorre em âmbito administrativo e
político entre as nações que se “encontram”, mas se “separam”. Quando faço emprego da expressão “fronteiras
linguísticas”, nesta tese, pretendo problematizar o fato de que as línguas, que constituem a vida social das pessoas,
não podem sofrer as mesmas demarcações políticas e administrativas que, tradicionalmente, são impostas às
nações. Em seu texto “Por uma teoria da desregulamentação lingüística”, Signorini (2002, p. 93) critica a
construção de uma “divisão” ou “fronteira” aos usos da língua no jogo “político e ideológico das relações sociais”
e destaca a sua “configuração sempre transitória”. A noção de “fronteiras” aplicada às línguas, segundo Signorini
(2002), resulta em conceitos de bilinguismo paralelos ao monolinguismo em duas línguas, à separação dos
domínios sociais para a interação linguística, e ao reconhecimento da “língua legítima” como um “padrão
nacional”. Em uma discussão ecolinguística, Couto (2002, p. 5) também argumenta que as “línguas não teriam
fronteiras claramente delimitadas” e, se criamos limites políticos entre elas, tais limites são fortemente
“permeáveis”.
71
“diferentes recursos linguísticos ou vários modos do que são descritas como línguas autônomas,
a fim de maximizar o potencial comunicativo” 41. Nesses termos, o prefixo “trans”, que modifica
a palavra linguagem, é empregado no sentido de considerar as práticas linguísticas “mais
móveis, expansivas, situadas e holísticas” 42 e “transcendentes” das línguas autônomas
(CANAGARAJAH, 2018, p. 32, tradução minha).
Quando concebidos a partir da abordagem da translinguagem, programas de educação
bilíngue são transformados e ampliados, admitindo as salas de aula como espaços de inclusão
de múltiplas práticas linguísticas para a “justiça social” (GARCÍA; WEI, 2014; YIP; GARCÍA,
2017). O multilinguismo, segundo Yip e García (2017), logo, nos desafia a assumir
responsabilidades quanto aos recursos de linguagem dos falantes de minorias linguísticas que
adentram os espaços escolares, articulando uma perspectiva que seja mais justa para esses
estudantes.
Essa abordagem, é claro, não nega a existência da língua portuguesa, da língua alemã,
da língua pomerana, etc., mas as explica pela “indexicalidade” a identidades nacionais, apesar
do seu caráter móvel, temporal, social, etc. (CANAGARAJAH, 2018).
41
“Translanguaging is the act performed by bilinguals of accessing different linguistic features or various modes
of what are described as autonomous languages, in order to maximize communicative potential” (GARCÍA, 2009,
p. 140).
42
“The meanings of ‘trans’ that I have reviewed above call for a shift from the above assumptions to consider
more mobile, expansive, situated, and holistic practices” (CANAGARAJAH, 2018, p. 32).
43
At a limited scale of consideration, certain words index certain places and communities, and develop identities
as distinctly labeled or territorialized languages. Indexicals sediment over time to gain an identity as belonging to
one language or the other, with a specific grammatical status in that language. Language ideologies further give
identity to a collection of words as belonging to Korean or English. However, such structures or labels do not
constrain people from drawing from all of them to accomplish their activities in practice, giving new meanings
and identities to these words, as translingual scholars theorize. (CANAGARAJAH, 2018, p. 37).
72
a ser desafiada. Proponho, nesta tese, olhar para o uso das línguas alemã e portuguesa, na escola,
para a hibridização que esse uso implica, a partir da translinguagem, reconhecendo as inovações
linguísticas como recursos para interações sociais em um contexto bilíngue, e não como
problema para o bilinguismo ou para a preservação do imaginário de línguas nacionais. Afinal,
como sustenta Rajagopalan (2003, p. 91), “O desejo de manter a língua pura se traduz no medo
mórbido de “contaminação” com as demais línguas e na desconfiança em relação a qualquer
tipo de contato com elas.”.
Entendo que, em toda comunidade bilíngue, a translinguagem se faz presente nas
práticas de linguagem, uma vez que as pessoas acessam os diferentes signos dos sistemas
linguísticos dos quais dispõem para se comunicarem plenamente. Esse reconhecimento, ainda,
provoca um debate acerca da proximidade e distanciamento das abordagens de
“translinguagem” e de “code-switching” (mudança de código). García (2009) alerta não se
tratarem de conceitos sobreponíveis para a compreensão das ações linguísticas desencadeadas
por bilíngues:
44
“Translanguaging therefore goes beyond what has been termed codeswitching, although it includes it. For me,
the concept extends what Gutiérrez and colleagues have called ‘hybrid language use’, that is, a ‘systematic,
strategic, affiliative, and sense-making process…’ (Gutiérrez, Baquedano-López and Álvarez, 2001: 128), which
is importante for all bilinguals in multilingual contexts.” (GARCÍA, 2009, p. 140).
73
seu site oficial, a “ocupação de mão-de-obra por setor” corresponde a: “Agricultura (10%),
Indústria (72%), Comércio (15%), Serviços (3%)” (POMERODE, on-line). Convém mencionar
que, nos anos iniciais do século XX, as primeiras atividades de trabalho dos habitantes de
Pomerode foram a agricultura e pecuária de subsistência, além do desenvolvimento de
“pequenos pontos comerciais nas áreas centrais da colônia. Mais tarde, pequenas empresas
familiares de laticínios, frios, móveis e cerâmica deram início à industrialização do município”
(MAAS, 2010, p. 35).
O impulso industrial, entre as décadas de 1980 e 1990, também tem relação com “a
progressiva saturação de Blumenau, onde o solo urbano e a mão de obra se tornaram
excessivamente caros, aliada ao alto risco de enchentes naquela cidade” (SILVA, 2004, s.p.,
on-line). Segundo dados divulgados pelo site oficial da prefeitura, na economia de Pomerode,
estão presentes as indústrias do vestuário, metal mecânica, de plásticos, de porcelana, de
produção de cimento, entre outros setores. Dentre eles, se instalaram algumas empresas alemãs,
com sede em Pomerode, como, por exemplo, a Netzsch, a Bosch e a Weiku.
Considerando que os imigrantes alemães (dentre os quais também estavam os
pomeranos)45 se deslocaram de regiões muito próximas do cenário europeu com destino à
Colônia Blumenau, aspectos geográficos e culturais parecem influenciar no fenômeno do
alemão (Hochdeutsch) se tornar língua da comunidade pesquisada. A Colônia Blumenau
constituiu uma característica particular com seu sistema próprio literário, científico,
jornalístico, religioso e escolar, no qual a linguagem escrita decorreu no alemão padrão,
contribuindo para a formação de uma ideologia linguística que perpetua diferentes status às
línguas teuto-brasileiras.
Isto posto, considero pertinente enfatizar que pomerano e alemão são línguas
reconhecidas distintamente, isto é, falar pomerano não significa o mesmo que falar alemão (e
vice-versa): no contexto europeu, enquanto que “a língua pomerana deriva da família
Germânica Ocidental e da subfamília Baixo-Saxão” (TRESSMANN, 1998; 2005 apud
BREMENKAMP, 2014, p. 184), o Hochdeutsch teve origem entre os falantes das regiões altas
da Alemanha e foi estandardizado sob a influência da religião protestante, que o inseriu nas
escolas alemãs. Por isso, além do pomerano, a língua alemã, em particular, passou a ser uma
45
“Geograficamente, a Pomerânia situava-se à costa do Mar Báltico, ao norte; a leste, estava a Prússia Ocidental,
ou Polônia, posteriormente; ao sul, Brandemburgo; e a oeste, Mecklemburgo” (BREMENKAMP, 2014, p. 50-1).
Atualmente, essa região cultural e histórica abrange partes da Alemanha e Polônia.
77
língua materna entre pessoas que vivem em Pomerode e outras cidades que pertenceram à
Colônia Blumenau.
Apesar disso, o cenário pesquisado é diferenciado de outros contextos brasileiros de
descendência pomerana, como o de Santa Maria de Jetibá, ES, descrito por Bremenkamp
(2014), onde a língua pomerana prevaleceu sobre a alemã. Segundo Bremenkamp (2014), a
comunidade falante do pomerano, em Santa Maria de Jetibá, ES, mantém sua língua até os dias
atuais, sendo ensinada na família, escola, utilizada no trabalho, etc. Essa manutenção, como
pontua a autora, é reflexo da própria constituição imigratória, que, de certo modo, foi mais
“homogênea” quanto ao pomerano. Em Pomerode, SC, por outro lado, apesar de a língua
pomerana ser preservada entre famílias do município, adquiriu um status de menor prestígio
em comparação com o alemão, talvez pelo estigma atribuído pelos próprios imigrantes alemães.
quais línguas compõem os currículos educacionais de Pomerode também refletem uma “arena
de lutas”.
Certamente, a língua alemã (Hochdeutsch), que hoje ainda é falada em Pomerode, em
contato com a portuguesa, se diferencia da realidade linguística da Alemanha. Para os
propósitos desta tese, não realizo a discussão das diferenças linguísticas entre esses dois países
(Brasil e Alemanha), tampouco pretendo especificar as diferenças entre a língua pomerana e a
alemã faladas em Pomerode. Aqui, para além de limitar as línguas à iconização nacional,
proponho uma reflexão acerca de educação linguística em contexto de multilinguismo, de
língua e da política linguística local quanto à implementação da sala de aula bilíngue. Nessa
reflexão, faço uso dos termos língua alemã, alemão ou Hochdeutsch como referência ao alemão
ensinado na escola alvo de pesquisa e também falado predominantemente no município.
Reconheço, entretanto, que existem diferenças linguísticas entre a língua da escola e da casa, e
entendo que haja funções específicas para essas diferenças na sociedade.
Neste capítulo, mais diretamente, pretendo apresentar, com base em pesquisas da
história, antropologia, educação, linguística e linguística aplicada, aspectos da imigração alemã,
das práticas de letramentos dos imigrantes e seus descendentes, e das políticas linguísticas em
Santa Catarina, mais especificamente, da região onde se formou a Colônia Blumenau, da qual
o município de Pomerode (emancipado desde 1958) fez parte. Os letramentos, como qualquer
fenômeno cultural, “têm suas raízes no passado” (BARTON; HAMILTON, 2004, p. 120). Para
compreender os pluriletramentos na escola, entendo a necessidade de situá-los na história da
região de Pomerode, estabelecendo relações com a ideologia, cultura e tradições nas quais as
práticas de linguagem se baseiam. Por isso, discorro sobre a imigração alemã da região onde se
situa a escola pesquisada, os letramentos que se constituíram, as políticas de silenciamentos
linguísticos e as políticas de cooficialização das línguas de imigração.
Brasil), com base em uma imagem do agricultor eficiente, cultivada por uma parte da elite
imigrantista, bem como pela “questão racial dimensionada na definição “branca” do colono
ideal” (SEYFERTH, 2002, p. 121). Dentro das concepções racistas da política imigratória, a
ideologia do branqueamento sustentou a ideia de miscigenação para a purificação das raças,
objetivando, então, por meio da imigração “ariana”, diminuir a população negra do país (cf.
SEYFERTH, 1986; SEYFERTH, 2011).
Embora o racismo não constitua foco de debate na presente tese, vale destacar “que
não só alemães, italianos e japoneses eram influenciados por essa ideologia, mas também
portugueses, espanhóis, franceses, ou seja, todo o continente europeu” e, por conta da
intervenção colonial, também o Brasil (MAILER, 2003, p. 15).
Entre 1845 e 1870, a colonização no Sul do Brasil ocorreu concomitantemente com a
proibição da escravidão nas colônias e foi baseada no agenciamento de europeus 46
(SEYFERTH, 2002).
O Vale do Rio do Testo (antiga denominação da cidade de Pomerode), que fazia parte
da Colônia Blumenau, é marcado pela imigração vinda da Pomerânia (Pommernland), norte da
46
“Até o início da década de 1880, o governo imperial contratou, por decreto, a vinda de imigrantes através de
agenciadores, que recebiam pagamento per capita. Nesses decretos estão indicados os países (ou as nacionalidades)
preferenciais de emigração – sempre europeus” (SEYFERTH, 2002, p. 120).
80
Alemanha, e liderada, a partir de 1861, pelo sócio de Hermann Blumenau em empresa particular
agrícola e industrial, o colonizador Ferdinand Hackrath (MAAS, 2010).
Segundo Bremenkamp (2014), com base em Rölke (1996), a industrialização e a
religião são dois fatores que destacam o impulso emigratório da Pomerânia. Devido às
mudanças socioeconômicas de todo o continente europeu a partir de 1807, advindas com “a
crescente industrialização, inclusive no ramo agrícola”, o desemprego e a fome afligiram a
população pomerana (BREMENKAMP, 2014, p. 23), contribuindo para o vislumbre de novas
oportunidades nas colônias brasileiras. A religião também marca a emigração a partir de 1817,
quando o Rei Frederico Guilherme III propôs unir a Igreja Luterana à Igreja Reformada
(BREMENKAMP, 2014). Considerando que, predominantemente, as famílias pomeranas
expressavam devotamente a fé luterana, essa proposta causou certa instabilidade nos ânimos
religiosos, que constituíam a vida social e política dessas pessoas (BREMENKAMP, 2014). A
Colônia Blumenau foi, mais tarde, um dos destinos de pomeranos, juntamente com outros
alemães.
Hermann Blumenau propôs o projeto de colonização ao governo brasileiro, requerendo
terras “devolutas” (SEYFERTH, 2011), apesar dos entraves para a imigração, como o elevado
custo da viagem dos alemães para a América do Sul, os riscos da longa travessia marítima na
época, as condições precárias da viagem nos navios, a resistência de parte significativa da
população alemã com relação ao processo migratório para o Brasil. Após quatro anos de
negociação com o governo brasileiro, o colonizador Blumenau adquiriu pequenas áreas para
ocupação de terras do Vale do Itajaí.
A Colônia Blumenau recebeu imigrantes alemães que se diferenciavam de outras
colônias, especialmente “pelas atividades profissionais que exerciam: eram intelectuais,
artesãos ou operários [...]”, o que contribuiu para que a região ficasse conhecida como um dos
“centros culturais e da intelectualidade, [onde alguns habitantes se tornaram] formadores de
opinião da população de origem alemã na época” (MAILER, 2003, p. 12). O convívio dos
imigrantes e seus descendentes com o restante da sociedade nacional, nas primeiras décadas da
colônia, foi restrito, praticamente inexistente, influenciando na formação comunitária étnica
para “territorializar a nova Heimat (na sua associação com o lar)” (SEYFERTH, 2011, p. 51).
Convém a menção de que a Colônia Blumenau, na primeira década, enfrentou sérias
dificuldades econômicas por não ter conseguido atrair um número satisfatório de compatriotas
“para cobrir os gastos da demarcação, abertura de caminhos, construção de prédios públicos
(inclusive escolas) e outros encargos assumidos pela empresa, através da venda dos lotes aos
81
colonos” (SEYFERTH, 2011, p. 50). Em 1860, então, o governo imperial, no Brasil, assumiu
a colonização, embora Hermann Blumenau tenha permanecido na direção da colônia até o início
da década de 1880, quando ocorreu a emancipação política, como município, que ficou
denominado Blumenau (SEYFERTH, 2011). Pomerode, como mencionei anteriormente, só foi
emancipada de Blumenau em 1958.
A história imigratória da região de Blumenau, sem dúvidas, criou traços linguísticos
significativos entre a população do contexto que pertenceu à colônia. Numa realidade mais
recente, não só a língua, mas aspectos das tradições culturais também marcam as identidades
teuto-brasileiras do contexto de estudos. Na cidade de Pomerode, por exemplo, é possível
identificar as tradições de produção de chope, as festas típicas, como Festa Pomerana ou festas
do tiro (Schützenfest), festa da colheita, festa de rei e rainha nos clubes de caça e tiro, o uso de
trajes típicos, etc. A partir desse cenário incialmente apresentado, passo a descrever, na seção
seguinte, aspectos da formação dos letramentos teuto-brasileiros na região, que perpassam por
diferentes agências: escolas, imprensa, clubes de caça e tiro e a Igreja Evangélica de Confissão
Luterana do Brasil47.
Para tratar dos letramentos da antiga zona de imigração em questão, nesta tese, é
imprescindível levar em conta a diversidade de recursos linguísticos que compõem os
repertórios das pessoas que vivem esse cenário. Para isso, um olhar circunstanciado do local,
considerando sua composição histórica e social, inclui não só diferentes línguas e variedades
linguísticas, mas gêneros textuais, tipos discursivos, domínios sociais onde esses gêneros são
indexados, etc.
Quando Jung e Semechechem (2018) apresentam o cenário ucraniano de
Prudentópolis, no Paraná, observam que há diferentes recursos para os letramentos em
diferentes domínios da vida social, como a igreja, as mídias on-line, a escola, etc. Em cada um
desses domínios, as pessoas desenvolvem particularidades linguísticas que constituem práticas
de linguagem e letramento, performando também diferentes identidades a partir da língua
(JUNG; SEMECHECHEM, 2018). Nesta seção, em particular, procuro descrever, sob um
47
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil corresponde à igreja fundada por Martinho Lutero na
Alemanha e é caracterizada como a religião de cerca de “98% dos imigrantes que chegaram em Blumenau”
(MAILER, 2003, p. 23) durante a formação da colônia da qual Pomerode fez parte.
82
ponto de vista também histórico, como as pessoas se engajam socialmente pela linguagem nos
diferentes domínios sociais constituídos a partir da Colônia Blumenau, de onde Pomerode fez
parte.
A Colônia Blumenau e, mais tarde, a região do município de Blumenau, organizou-se
como um centro de publicação e de divulgação de uma diversidade de materiais escritos em
língua alemã, como calendários, jornais, textos literários, materiais didáticos, etc.
A antiga colônia recebeu diferentes escritores literários alemães e teuto-brasileiros;
contou com a publicação e distribuição de materiais didáticos, materiais científicos, jornais,
folhetos religiosos, informativos aos colonos, almanaques, todos em língua alemã (MAILER,
2003). Além do mais, as práticas de letramentos perpassaram campos sociais próprios da
imigração, como a Igreja Evangélica de Confissão Luterana, “os clubes de Caça e Tiro, as
sociedades de ginástica, sociedades de canto, sociedades de dança, conservatório de música e
as Musikkapellen (bandas de música), vários corais” e espaços para a prática de esportes, como
bolão, remo e jogos de cartas (MAILER, 2003, p. 23). A Igreja Evangélica de Confissão
Luterana, nesse cenário, destacou-se como importante marca de identidade étnica teuto-
brasileira (MALTZAHN, 2018), uma vez que viabilizou o uso do alemão (Hochdeutsch)
durante os cultos e através de distribuição de materiais escritos religiosos.
Muitos dos campos sociais citados acima ainda se fazem presentes na vida cotidiana
do cenário em estudo, constituindo-se, de certa forma, como agências para o letramento em
língua alemã (cf. EWALD, 2014). Pomerode, por exemplo, conta com um total de 15 clubes de
caça e tiro (segundo dados divulgados pelo site oficial da prefeitura). O primeiro deles foi o
Schützenverein Ehr und Wehr (Clube de Atiradores Honra e Defesa), fundado em 1890.
No Sul do Brasil, os imigrantes alemães e seus descendentes também construíram um
próprio sistema de ensino teuto-brasileiro, mantido com o apoio das lideranças religiosas
luterana (em maior número) e católica (KREUTZ, 2003). Apesar do incentivo à imigração
europeia, convém lembrar que não houve um investimento do governo brasileiro para a
construção de um sistema escolar. Nesse período imigratório, havia poucas escolas públicas
funcionando em todo o território nacional.
A Reforma Protestante (1517 – 1648), que trouxe profundas implicações para o
sistema de ensino alemão, é bastante precedente à fundação da Colônia Blumenau (1850), e
influenciou na formação de uma cultura de escolarização e alfabetização entre os imigrantes
desde o país de origem (BEZERRA, 2007). A despeito disso, até o final do Império, o governo
brasileiro estimulou as práticas escolares realizadas pelos imigrantes europeus (LUNA, 2000).
83
Conforme Luna (2000, p. 31), “a cultura germânica, ciência e educação em especial eram
frequentemente consideradas não só nos países novos, mas também nos europeus, como
referência de qualidade”.
Com um sistema escolar público brasileiro deficitário, os imigrantes alemães passaram
a fundar escolas privadas (comunitárias e religiosas) (LUNA, 2000). As escolas comunitárias,
no contexto da Colônia Blumenau, criadas a partir da colaboração dos pais de alunos para sua
manutenção, seja com serviços pessoais, como pintura e consertos, seja com o custeio do salário
dos professores, ficaram conhecidas como Sistema Teuto-brasileiro de Ensino (MAILER,
2003).
No início do século XX, 40% das escolas de todo o estado de Santa Catarina eram
privadas (comunitárias e religiosas) (LUNA, 2000). Destas, 80% correspondiam a escolas
teuto-brasileiras e 20% eram escolas das comunidades de imigrantes italianos, poloneses e seus
descendentes (LUNA, 2000). “Em Blumenau especificamente havia, na mesma época, 10
escolas estaduais e 113 escolas privadas, com respectivamente 520 e 5.011 alunos
matriculados.” (LUNA, 2000, p. 20).
Nas escolas teuto-brasileiras, definiu-se o alemão como língua de instrução e de ensino
em virtude do desejo dos imigrantes alemães em manter sua germanidade (Deutschtum) na
formação de uma nova pátria (Heimat) no Brasil (KREUTZ, 2003). Ao mesmo tempo, parecia
existir interesse na aprendizagem da língua portuguesa, uma vez que estudos (cf. LUNA, 2000)
evidenciam materiais pedagógicos produzidos, especialmente pela Associação de Professores
Teuto-Brasileiros de Santa Catarina, para a integração com a sociedade brasileira. As tentativas
de ensinar português entre os imigrantes e seus descendentes enfrentaram obstáculos, como a
própria escassez “de professor que tivesse domínio do português” (FRITZEN, 2007, p. 20).
Com o término do Período Imperial e, por conseguinte, com o surgimento de uma
identidade nacional concomitante ao advento da República, a sociedade brasileira denuncia o
Sistema de Ensino Teuto-Brasileiro como uma ruptura ao nacionalismo (cf. EWALD, 2014).
84
Nesse período, como assinala Kreutz (2003), o ensino da língua portuguesa no currículo das
escolas teuto-brasileiras no Sul do Brasil foi considerado pelo governo como insatisfatório,
desencadeando em diferentes políticas nacionalistas. A partir de duas campanhas de
nacionalização do ensino em Santa Catarina, mais especificamente, a escola teuto-brasileira
ficou desestruturada, conforme discussão que apresento na próxima seção.
Santa Catarina, como apresentei nas seções anteriores deste capítulo, ao mesmo tempo
em que se constitui como um cenário de diferentes línguas de imigração, dentre as quais a língua
alemã ganha destaque pela quantidade de falantes, também é marcada por silenciamentos
linguísticos por meio de diferentes movimentos políticos que vigoraram com as conflituosas
concepções de nacionalismo alemão e brasileiro eclodidas nas duas guerras mundiais
(MAILER, 2003). Nesta seção, apresento, mais especificamente, considerações sobre as duas
campanhas de nacionalização implementadas no estado de Santa Catarina, que contribuíram
com o processo ideológico de apagamento linguístico no que se refere ao uso de línguas de
imigração no contexto em estudo. Como explica Shohamy (2006, p. 22, tradução minha), a
“língua se tornou uma ferramenta para a manipulação de pessoas e seus comportamentos, pois
é usada para uma variedade de agendas políticas na batalha de poder, representação e voz.”48.
A língua funciona, portanto, como um instrumento político simbólico, capaz de construir
identidades, de incluir e excluir pessoas, de determinar lealdade (SHOHAMY, 2006). Usada
como um ícone nacional, a língua desencadeia tensões.
Em antigas zonas de imigração, é preciso levar em conta que as tensões entre a
comunidade de imigrantes alemães e os luso-brasileiros existem ainda antes das duas
campanhas de nacionalização, mas, com elas, essas tensões se intensificaram.
[...] na época das guerras mundiais, [...] “falar português” era cobrado como “condição
para ser brasileiro”. Por este viés, o ensino de português por muito tempo assumiu
uma espécie de papel cívico de abrasileiramento dos diversos falantes de línguas de
imigrantes, fato que pode ser observado nos manuais de ensino da época.
(ALTENHOFEN, 2004, p. 88).
48
“[…] language has become a tool for the manipulation of people and their behaviors, as it is used for a variety
of political agendas in the battle of power, representation and voice.” (SHOHAMY, 2006, p. 22).
85
Brasil, Cantos e Hinos Patrióticos como disciplinas obrigatórias nos currículos escolares em
língua portuguesa, e determinaram a obrigatoriedade de material didático publicado em
português, além de outras medidas nacionalistas (LUNA, 2000).
A partir daí, começaram a surgir medidas legais para promover o ensino em português
nas escolas particulares, que, para sua reabertura, tiveram que se adequar às exigências
do governo do estado, muitas vezes impossíveis de cumprir, como por exemplo que o
professor falasse “corretamente” o vernáculo. Muitos desses professores eram
imigrantes, não naturalizados, nascidos na Alemanha, e o inspetor geral de ensino
dificilmente permitiria que um estrangeiro ensinasse nas escolas, por representar uma
ameaça. Mesmo assim, as escolas foram reabrindo uma a uma e, em 1918, contavam-
se 30; em 1920, eram 40; em 1925, já eram 109, com 5.745 alunos e, em 1937,
chegaram a 173 (FERREIRA DA SILVA, 1988 apud MAILER, 2003, p. 40).
49
A policy process known as Nacionalização do Ensino was introduced and underpinned by the juridical concept
of crime idiomático. (OLIVEIRA, 2018, p. 61).
87
locais sobre a vergonha do português “contaminado” pelo alemão, sobre o “dialeto” alemão de
colono, sobre entendimentos de que aqui só se fala português porque é Brasil. Entretanto,
também ressurge um orgulho da identidade teuto-brasileira a partir de novas políticas
linguísticas que constituem a dinâmica da vida social de Pomerode, SC, conforme debate
proposto no capítulo cinco.
De modo geral, em âmbito global, García e Wei (2014) explicam que as escolas de
hoje não se pautam em punição corporal (como marcam as medidas do Processo de
Nacionalização do Ensino), mas ainda garantem certas “punições” ao basearem seus métodos
avaliativos e instrucionais em padrões monolinguísticos, “garantindo” o insucesso escolar das
crianças bilíngues. Meu objetivo, aqui, de modo algum, é comparar as coerções sofridas por
diferentes grupos linguísticos em diferentes períodos de tempo, uma vez há violências físicas e
simbólicas que impossibilitam traçar tal comparativo. No entanto, quero destacar que os novos
tipos de “punições”, entre as comunidades multilíngues brasileiras, ainda resultam, em muitos
casos, na vergonha da língua em situação minoritária, distante da ideologia nacional. Quando o
monolinguismo, como a condição ideal, parece ser um privilégio da sociedade dominante (cf.
LÓPEZ, 2013), o bilinguismo social passa, com certa frequência, a ser escondido “como um
mecanismo de autodefesa” (LÓPEZ, 2013, p. 140).
O bilinguismo na comunidade alvo desta pesquisa é, portanto, mais complexo do que
possa parecer à primeira vista. Há, certamente, sentimentos ambivalentes nas identidades locais,
especialmente sobre ser falante de uma língua de imigração.
É evidente, no município, que apesar de a língua alemã estar presente em atividades
sociais ainda hoje, a língua portuguesa passou a assumir funções privilegiadas, uma vez que é
a língua predominante no judiciário, no poder público, na escola em geral. As mudanças das
funções das línguas ao longo da história e, especialmente, as repressões do Estado Novo,
impactaram para manifestações cada vez mais “escondidas” ou menos frequentes da língua
alemã, embora, mais recentemente, novas ações sejam implementadas para promoção do
plurilinguismo, assim como ressurge, gradativamente, um “orgulho” de falar alemão.
Ainda assim, a perda linguística (cf. SILVA, 2004; SPIESS, 2014; MALTZAHN,
2018) tem sido tema de debate entre alguns pesquisadores para a problematização do
apagamento da língua alemã entre as novas gerações em Pomerode. Essa discussão pode ser
89
[...] aos agricultores da zona rural do município, é lá que se concentra o maior número
de falantes do platt, segundo informações dos entrevistados. Esses jovens não
gostariam de aprender esse alemão porque “ELE DEIXA O PORTUGUÊS COM UM
SOTAQUE DE QUEM MORA NO SÍTIO E NÃO FREQÜENTA A ESCOLA”. Eles
não gostam da fonética do português falado pelos “colonos” porque responsabilizam
o alemão falado em Pomerode pela troca dos ‘rr’ pelo ‘r’ do ‘ão’ pelo ‘on’ - ‘caroça,
caro, caminhon, alemon’. (SILVA, 2004, on-line).
É preciso considerar que esse estigma ao sujeito que socialmente se torna bilíngue
também resulta de políticas linguísticas implícitas na vida escolar de muitos estudantes ao redor
do globo. Resultados de um estudo desenvolvido por Garcez (2018), por exemplo, sugerem a
possibilidade de que o bilinguismo social, associado a grupos étnicos e de classes sociais
90
também estigmatizadas, tende a ser visto como um obstáculo para o alcance de melhores
oportunidades acadêmicas. Embora o autor parta de um contexto de estudantes luso-brasileiros
que vivem no Canadá, sua discussão faz pensar como a esfera escolar, de um ponto de vista
global, encara o plurilinguismo, e como o “abandono” da língua familiar, para muitas crianças
e jovens, se torna uma estratégia para acessar as “vantagens” associadas aos falantes idealizados
da língua dominante.
Diante dessa complexidade de encarar o bilinguismo, Altenhofen (2013a) propõe a PL
de uma “minoria” para uma “maioria”. Em outras palavras, é necessário levar em conta questões
para uma educação linguística e intercultural que chegue até o grupo dominante em termos de
ideologia e atitudes sobre as línguas, uma vez que esse grupo é capaz de influenciar, de forma
“direta ou indireta, sobre o destino, reconhecimento e status sócio-político das línguas
minoritárias” (ALTENHOFEN, 2013a, p. 99). Altenhofen (2013a, p. 102) sugere que a
educação linguística seja pensada para a cultura minorizada e majoritária,
Em Pomerode, se, por um lado, a vergonha da língua existe, também é comum ouvir
sobre o “orgulho” da origem. Esse “orgulho” é assumido em expressões simbólicas pela cidade,
como em estátuas, preservação dos moinhos usados no trabalho dos primeiros imigrantes,
preservação das casas construídas em estilo enxaimel, uso da bandeira da Alemanha ao lado da
bandeira do Brasil, mensagens escritas em alemão, composição de grupos de dança folclórica,
etc.
Algumas vezes, esse “orgulho” também pode vir combinado ao racismo, quando
descendentes de imigrantes se chamam de alemães em contraposição à concepção pejorativa de
identidade de brasileiro como “caboclo”, “negro”, etc. (MAILER, 2003). Nesses casos, é
importante retomar concepções sobre ideologias da “superioridade” “ariana” perpetuadas desde
91
são: Pomerano (cooficializado em julho de 2009 em S.M. de Jetibá/ES e em Pancas; em outubro de 2011 em
Domingos Martins/ES; em junho de 2008 em Laranja da Terra/ES; em novembro de 2009 em Vila Pavão/ES; em
Itarana/ES; em junho de 2010 em Canguruçu/RS; São Lourenço do Sul/RS; em maio de 2017 em Pomerode/SC;
em Espigão do Oeste/RO está em tramitação); Talian (cooficializado em novembro de 2009 em Serafina
Corrêa/RS; abril de 2015 em Flores da Cunha/RS; junho de 2016 em Bento Gonçalves/RS; em 2016 Paraí/RS;
em outubro de 2015 em Nova Roma do Sul/RS; junho de 2016 em Fagundes Varela/RS; outubro de 2017 em
Caxias do Sul/RS; 23 de março de 2018 em Ivorá/RS; Antônio Prado/RS; Camargo/RS; Nova Pádua/RS;
Guabiju/RS; agosto de 2015 em Nova Erechim/SC; 2020 em Ipumirim/SC); Hunsrückisch ou hunriqueano
(cooficializado em setembro de 2010 em Antônio Carlos/SC; dezembro de 2010 em Santa Maria do Herval/RS;
em 2020 em Ipumirim/SC); Plattdüütsch (cooficializado pela Lei 1302, 16/03/2016 em Westfália/RS); Alemão
(cooficializado em setembro de 2010 em Pomerode/SC); Dialeto Tentino (cooficializado em 2020 em
Rodeio/SC). Na imagem, realizo dois grifos: um em Pomerode/SC para a cooficialização da língua pomerana e
outro em Pomerode/SC para a cooficialização do alemão.
autora esclarece que uma política de oficialidade (ou cooficialidade, neste caso, em discussão)
tem a tendência de realizar omissões às línguas que não adquiriram o mesmo status, não
conseguindo representar toda a população.
Nesse ponto, como Shohamy (2006) assinala, a paisagem linguística, formada pelo uso
de diferentes línguas em um dado espaço público, transforma-o em uma “arena”, onde ocorrem
as “batalhas linguísticas”. Por isso, apesar da presença de falantes de diferentes línguas no
estado de Santa Catarina, são as línguas de imigração que têm recebido alguma visibilidade
nessa “arena de lutas”, mesmo que não possamos considerar uma igualdade com relação à
língua majoritária do país. Destaco a relevância do reconhecimento das línguas de imigração
para as políticas linguísticas do Estado, embora compartilhe de um anseio para visibilidade
também de outros grupos sociolinguísticos que, historicamente, têm sido marginalizados, como
os próprios povos originários. Ademais, saliento que a política linguística não se encerra na
cooficialização.
Como problematiza Altenhofen (2013a, p. 112), a questão, obviamente, não é “negar
a importância das leis linguísticas como instrumentos de salvaguarda”, mas de levar em conta
suas implicações sociais e reconhecer que não “funcionam como uma fórmula mágica que por
si só já garante a manutenção ou sobrevivência de uma língua”. Se a intenção política é agir em
favor dos falantes das línguas em situação minoritária, a cooficialização, pois, não pode se
restringir a um “pedaço de papel”:
Sem ações concretas para fazer valer as leis, estas são apenas um texto. Mesmo a
indiferença ou o desconhecimento da diversidade parecem conseguir mais efeitos
maléficos do que uma lei, restrita a sua redação no papel, consegue de efeitos
benéficos, se não acompanhada de ações. (ALTENHOFEN, 2013a, p. 112).
Por isso, Shohamy (2006) fala em política e prática, destacando a atenção necessária
à implementação da política na prática. Quando tratamos do que as pessoas fazem com as
línguas, a prática pode ser observada a partir dos mecanismos, ou dispositivos de política
(SHOHAMY, 2006; SPOLSKY, 2004), inseridos nas “crenças, prática e gestão” das línguas
(SPOLSKY, 2004; 2016).
No que se referem às práticas linguísticas locais, conforme debate proposto no capítulo
cinco, observo, especialmente, as formas como as pessoas agem com as línguas no mercado
linguístico, no comércio de “bens culturais”, em produção de folders, etiquetas, eventos
festivos, educação bilíngue etc. Vale mencionar, também, que a escrita de placas informativas,
a nomeação de ruas, praças, pontos turísticos em homenagem a imigrantes e descendentes,
95
50
Yet, it is those in authority who can use the mechanisms more powerfully, as they have better access to sanctions,
penalties and rewards, including financial sources. (SHOHAMY, 2006, p. 54).
51
The methods of creating LP via the different mechanisms may be viewed as part of the process of decision
making in democratic societies. In fact, as already noted, all groups, not just those in authority, use these
mechanisms to influence language behavior and to ensure that their own ideologies turn into practice. Yet, it is
often those in authority, government agencies and big corporations that are more influential as they are more
powerful. After all, they have access to sources of power, such as judiciary systems, parliaments, education
authorities, testing organizations, propaganda and sanctions, and can therefore enforce and promote their
ideologies more easily and be more influential in affecting de facto language policies. (SHOHAMY, 2006, p.
137).
96
Também entendo que a cooficialização das línguas, acompanhada das ações práticas,
inegavelmente, tem representado os membros das comunidades de antigas zonas de imigração,
no sentido de poderem dizer “que são brasileiros em suas próprias línguas” (OLIVEIRA, 2018,
p. 66, tradução minha), vislumbrando, talvez, um futuro que desacelere o apagamento
linguístico a partir do reconhecimento do plurilinguismo brasileiro.
Cooficializar as línguas alemã e pomerana, portanto, foi um dispositivo usado, em
Pomerode, por meio de leis, para determinar um valor sobre essas línguas, bem como
estabelecer regras sobre elas (como o ensino do alemão na educação pública, atendimentos
públicos em pomerano e alemão, etc.).
A lei municipal nº 2.251, de 1º de setembro de 2010, no seu Art. 1º, institui “a língua
alemã como idioma complementar e secundário no Município de Pomerode, inteiramente
respeitada a língua portuguesa, como a língua oficial do Brasil”. Nessa mesma lei, no Art. 2º, a
administração municipal se compromete a promover a língua alemã na educação pública, nas
vias públicas e no atendimento público. Nos artigos 3º e 4º, fica esclarecido o fato de que a lei
pretende evitar discriminação linguística, “tendo por finalidade única, preservar a cultura e a
tradição alemã, herdada dos colonizadores alemães”, bem como garantir às pessoas jurídicas a
liberdade de uso da língua alemã “para atendimento a seus clientes, inclusive em materiais
publicitários”.
A lei municipal nº 2.907, de 23 de maio de 2017, dispõe sobre a cooficialização da
língua pomerana no município de Pomerode, também acatando, no Art. 1º, a língua portuguesa
como “idioma oficial da República Federativa do Brasil”. No Art. 2º, a lei esclarece que o status
de língua cooficial concebido ao pomerano trabalha a favor da valorização e promoção
linguística e identitária.
De modo geral, pelas duas leis citadas, entendo que a administração pública de
Pomerode legislou, como principais práticas da política linguística de cooficialização, o uso das
línguas alemã e pomerana no atendimento ao público quando requeridas, a aprendizagem (neste
caso, da língua alemã e não da pomerana) na educação municipal e os registros das diferentes
línguas em placas. A promoção da língua pomerana, escrita e falada, não está diretamente ligada
à rede de ensino de Pomerode, mas está nas ações vinculadas à cultura e ao turismo.
97
A presente tese, orientada pelos construtos teóricos voltados à política linguística, pode
ser entendida como um estudo qualitativo-interpretativista (MASON, 2001; MOITA LOPES,
1994). Neste estudo, faço uso de pressupostos metodológicos de natureza etnográfica
(ERICKSON, 2001; CAVALCANTI, 2006; BLOMMAERT; DONG, 2010; ERICKSON;
SCHULTZ, 2013 [1981]) para documentar minha trajetória durante o processo investigativo,
privilegiando os significados sociais construídos no contexto da educação linguística e escolar
em uma comunidade teuto-brasileira.
Os métodos etnográficos de pesquisa surgiram, inicialmente, na antropologia, embora
outras áreas de estudos, como a própria linguística, têm os utilizado e ressignificado para seus
propósitos científicos (HYMES, 2001 [1974]). No entanto, há antropólogos que consideram a
etnografia “um método específico (e exclusivo?) da pesquisa antropológica”, apresentando
certa relutância na aceitação de que variadas áreas de pesquisa se apropriaram dessa orientação
metodológica, conforme salientam Garcez e Schulz (2015, p. 21).
O emprego antropológico clássico do termo etnografia tem a caracterizado como uma
atividade de pesquisa que requer o convívio, por vários anos, do pesquisador na comunidade
alvo de pesquisa, “aprendendo a língua e aplicando método e teoria rigorosos à coleta de dados”
(STREET, 2014 [1995], p. 65). Linguistas e linguistas aplicados, nesse sentido, podem se
mostrar cautelosos com relação à afirmação de realizarem etnografia. No entanto, há uma via
de mão-dupla, na qual a etnografia e a linguística se beneficiam mutuamente, e que valida a
abordagem etnográfica na pesquisa linguística, partindo da relação entre fenômenos sociais à
linguagem e fenômenos da linguagem ao contexto social. Além disso, como alertam Garcez e
Schulz (2015):
Faço uso de princípios da etnografia para a geração dos registros de pesquisa e para o
olhar atento ao contexto pesquisado, mas destaco que a etnografia, nesta tese, não contempla a
análise “completa” da vida das pessoas (cf. BARTON; HAMILTON, 2004). Delimito a
98
investigação aos eventos de letramentos da sala de aula, e reconheço sua relação ao contexto
social de vida dos alunos e professora. Como observa Street (2014 [1995], p. 65), a etnografia,
em pesquisas voltadas à educação e a questões sociolinguísticas, é adotada como uma
orientação metodológica e de conduta com relação ao tratamento dos registros de pesquisa
gerados para a “observação atenta e detalhada das interações em sala de aula” e, às vezes, fora
dela.
O olhar circunstanciado ao contexto pesquisado, do ponto de vista epistemológico e
metodológico, tem se revelado como uma possibilidade de privilegiarmos, na condução das
nossas investigações, os significados sociais intrínsecos nos usos da língua (BLOMMAERT;
DONG, 2010). Essa postura implica rejeitar a conduta de pesquisa que “determina” como os
padrões sobre a língua e suas práticas letradas “devem ser” para, então, admitir um olhar
sensível sobre como as línguas e os letramentos realmente são praticados em dado grupo social.
Desse modo, com base em Canagarajah (2006), afirmo que os métodos de pesquisa da
etnografia reúnem consideráveis avanços para o debate político sobre as línguas e seus falantes,
contestando a tradição positivista de estudos linguísticos.
No campo da PL, então, as contribuições dessa orientação metodológica são
significativas para o desenvolvimento de trabalhos preocupados em compreender os contextos,
agentes sociais e processos da política linguística, como sua criação, interpretação e
apropriação, além das políticas oficiais e não-oficiais, a relação entre a política e a prática
(JOHNSON; RICENTO, 2013). Os trabalhos em política linguística, assim, adotam uma
orientação sensível ao campo social para reconhecerem que questões sobre língua, identidade
e atitudes linguísticas são de caráter ideológico e resultam em políticas variadas, difíceis de
prever (CANAGARAJAH, 2006).
O trabalho etnográfico, de acordo com Erickson (2001, p. 12), “envolve a observação
e participação de longo prazo no cenário que está sendo estudado com a finalidade de propiciar
familiarização com as questões rotineiras da ação e interpretação que constituem o mundo
cotidiano local dos participantes”. Essa abordagem, portanto, favorece o processo de pesquisa
quanto à observação de múltiplos significados atribuídos às experiências cotidianas pelos
próprios participantes do estudo, possibilitando a descrição e o entendimento da natureza
complexa e contextualizada dos eventos sociais dessas experiências (ANDRÉ, 2012).
Dentro do contexto em estudo desta tese, a abordagem etnográfica conduza, mais
diretamente, a reflexão sobre: (I) a cultura de letramento escolar, observando as práticas de
linguagem e suas relações com as identidades; (II) as tensões entre políticas municipais e
99
práticas escolares; (III) as interpretações das políticas linguísticas municipais concretizadas nas
ações corriqueiras na sala de aula; e (IV) as práticas de letramentos locais e dominantes nas
línguas que circulam na escola.
Espero que a etnografia, neste processo de pesquisa, possa também favorecer reflexões
sobre as tensões e consequências que a educação bilíngue (português-alemão) e seu currículo
pode gerar na política linguística municipal. Como uma das consequências, menciono, por ora,
a própria implementação de uma sala de aula bilíngue de língua portuguesa: (I) se, por um lado,
a sua nomenclatura direciona para o entendimento de que o ensino de língua portuguesa se dá
para o bilinguismo (tanto quanto o ensino de alemão), favorecendo, eventualmente, o
reconhecimento da translinguagem e, portanto, dos plurilentramentos, (II) por outro lado , a
separação das línguas pelo currículo e espaço físico-temporal, talvez, estabeleça fronteiras
imaginadas para os usos dessas línguas e, numa possível concepção de modelo de bilinguismo
adicional, atuaria contrariamente à translinguagem.
52
“[...] fieldwork should not just be reduced to data collection, because essentially it is a learning process”
(BLOMMAERT; DONG, 2010, p. 27).
103
53
“[...] you never belong ‘naturally’ or ‘normally’ to the field you investigate” (BLOMMAERT; DONG, 2010, p.
28).
54
“[…] by discovering and representing grounded, insider perspectives on linguistic needs and aspirations.”
(CANAGARAJAH, 2006, p. 164).
104
4.2 OS PARTICIPANTES
A escola alvo desta pesquisa, fundada por imigrantes alemães como escola
comunitária, foi construída em estilo enxaimel55 ao lado da Igreja Evangélica de Confissão
Luterana. Com a emancipação de Pomerode, tornou-se pública, passando a pertencer ao
município, bem como recebeu um novo nome. A construção enxaimel foi demolida anos mais
tarde, dando lugar a uma nova construção, também mudando de endereço.
Dentro dessa escola, realizo a observação participante entre março e dezembro de 2021
em uma turma de primeiro ano bilíngue (português-alemão) do ensino fundamental, na qual as
crianças possuem idade, em média, de seis anos. Os participantes do estudo, mais diretamente,
são os alunos matriculados (em 2021) nesse primeiro ano matutino, ensino bilíngue, e,
especialmente, a professora alfabetizadora em língua portuguesa (cujo pseudônimo aqui
utilizado será Sabrina), embora a professora da sala de aula bilíngue do alemão (pseudônimo:
Vanessa) também contribua com a geração de registros da pesquisa a partir do convívio
rotineiro e compartilhamento de ações pedagógicas.
Destaco que todos os alunos desse primeiro ano concordaram em participar da
pesquisa, assinando o termo de assentimento do menor (Apêndice A) e seus pais consentiram
assinando o termo de consentimento livre e esclarecido (Apêndice B). A professora
alfabetizadora também concordou com a pesquisa assinando o termo de consentimento livre e
esclarecido (Apêndice C).
Na tabela 1, apresento algumas informações sobre o contato das crianças com a língua
alemã na família, a fim de traçar um perfil sociolinguístico, ainda que superficial, dessa turma.
Esse perfil é levantado a partir do Projeto Pedagógico de língua alemã elaborado pela professora
Vanessa. No início do ano letivo, ela aplica um breve questionário com as famílias das crianças
do primeiro ano para identificar o conhecimento prévio de seus alunos com relação à língua
com a qual trabalhará em sala de aula. A partir dos dados que a professora Vanessa levanta,
escreve seu Projeto Pedagógico para o ano letivo considerando o perfil sociolinguístico da
turma. Esse documento é, então, analisado e aprovado pela coordenação pedagógica da escola.
Para elaborar a tabela que segue, realizei a leitura do Projeto Pedagógico de língua alemã e
organizei os dados descritos pela professora em colunas, contendo os mesmos descritivos
55
Na arquitetura de Pomerode, ainda hoje, é possível encontrar as construções em estilo enxaimel, cuja técnica
consiste na construção a partir de vigas de madeira encaixadas, sem a utilização de pregos
105
utilizados em seu questionário: a criança fala alemão em casa; a criança não fala alemão, mas
tem contato em casa; a criança não fala alemão e não tem contato em casa.
Os dados apresentados a seguir não refletem um “mapeamento linguístico escolar” (cf.
BROCH, 2014), uma vez que não ecoam informações aprofundadas sobre o repertório
linguístico da comunidade. Ainda assim, constituem uma informação interessante para entender
a relação desses estudantes com o bilinguismo desde a esfera familiar, bem como as
particularidades de, em alguns casos pontuais, as famílias negarem o uso da língua alemã em
casa, mesmo quando os registros gerados pelas gravações parecem desvelar marcas do contato
linguístico. Nesse aspecto, inclusive, retomo a discussão proposta por Spiess (2014) que, ao
realizar um perfil sociolinguístico das famílias que optaram pela matrícula de suas crianças na
educação bilíngue de uma das escolas municipais de Pomerode, ponderou: “algumas famílias
não reconhecem a língua que falam como língua, ela adquire esse status somente na/por meio
da escola. A pesquisa contribuiu para maior conscientização entre as famílias acerca das línguas
que utilizam no seu cotidiano” (SPIESS, 2014, p. 119). Entendo que esse processo de
conscientização seja contínuo e deva também ser um objetivo da própria política linguística de
educação bilíngue das escolas municipais.
Tabela 1 – Alunos do 1º ano matutino e seu contato com a língua alemã em casa
Pseudônimo da Fala alemão em Não fala alemão, Não fala alemão e
criança casa mas tem contato em não tem contato em
casa casa
Adam X
Bella X
Benício X
Estevão X
Gael X
Gregório X
Galdino X
Joana X
Jaqueline X
Larissa X
Lana X
Liam X
Levi X
Maila X
Maitê X
Mariana X
Nádia X
Natacha X
106
Patrique X
Piter X
Saulo X
Sara X
Vinícius X
Fonte: Tabela elaborada por mim a partir dos dados levantados pela professora em língua alemã para seu Projeto
Pedagógico de língua alemã.
Descrição da tabela para cegos: A tabela apresenta quatro colunas: pseudônimo da criança; fala alemão
em casa; não fala alemão, mas tem contato em casa; não fala alemão e não tem contato em casa. Os dados
apresentados divulgam cinco crianças que falam alemão em casa (Benício, Levi, Patrique, Saulo, Sara), seis
crianças que não falam alemão em casa, mas têm contato com a língua (Adam, Gael, Galdino, Larissa, Maila,
Maitê), e 12 crianças que não falam alemão e não têm contato com a língua em casa (Bella, Estevão, Gregório,
Joana, Jaqueline, Lana, Liam, Mariana, Nádia, Natacha, Piter, Vinícius).
Figura 4 – Gráfico sobre o contato com a língua alemã nas casas das crianças do 1º
ano matutino.
14
12
10
0
Fala alemão em casa Não fala alemão, mas tem Não fala alemão e não tem
contato em casa contato em casa
Observar e perguntar podem gerar diferentes fontes e tipos de dados: notas de campo
escritas pelo observador, comentários das entrevistas, gravações que se tornam a base
para transcrições de comportamentos verbais e não verbais e documentos locais,
108
A geração dos registros desta tese se baseia em investigação realizada in loco, na qual
os dados etnográficos do trabalho de campo são diversificados, variando entre anotações de
campo, análise de documentos relacionados à educação bilíngue e línguas de imigração de
Pomerode, gravações audiovisuais de aulas (posteriormente transcritas), entrevistas (registradas
em anotações de campo e em gravação em áudio, posteriormente transcrita), além de
fotografias. São esses registros que possibilitam criar um arquivo do próprio processo de
aprendizado na pesquisa.
Para o registro, durante as observações na escola, as tomadas de notas em campo,
gravações em vídeo das aulas da turma em fase de alfabetização, entrevista (também gravada
em áudio) e conversas (não gravadas) com a equipe escolar ocorreram de forma alternada e
complementar. Esses registros contribuem para reconstruir meu itinerário na escola, como uma
pesquisadora que veio de fora da comunidade para alguém que passou a fazer parte do ano
escolar daquele contexto. Como o trabalho de campo ocorreu em uma escola, os dados da
pesquisa também refletem um ponto de vista institucional, em diálogo com documentos de
políticas linguísticas locais (como o “projeto: implantação do ensino bilíngue – língua
portuguesa/língua alemã”).
conteúdo pudesse ser mais acessível para esses estudantes, além de explicado, na oralidade, por
mim, enquanto pesquisadora. Esses documentos visaram esclarecer que as gravações teriam
fins exclusivamente acadêmicos e que são essenciais para o desenvolvimento desta tese, bem
como, que a integridade e identidade de cada participante gravado seria protegida. Nessas
condições, todos os nomes apresentados ao longo da tese correspondem a pseudônimos ou a
nomes equivalentes à posição social dentro de dado evento (como professora e aluno, por
exemplo).
O consentimento dos participantes da pesquisa foi respeitado e as gravações só
tomaram início a partir do momento em que havia concordância para isto. Por isso, além das
gravações, a anotação de campo foi essencial quando os participantes apresentavam, ainda,
maior desconforto com a câmera. Além disso, as anotações criaram um registro secundário
durante as gravações, contribuindo na identificação e compreensão de determinados eventos.
De acordo com Blommaert e Dong (2010), as notas de campo possibilitam reconstituir um
processo epistêmico, um arquivo da pesquisa, correspondendo às formas pelas quais cada
pesquisador busca construir e compreender novas informações, sejam com descrições
particulares, com a produção de quadros, conceitos e categorias. À medida em que novas
conexões entre eventos anteriores e atuais são estabelecidas, gradualmente, esses quadros,
conceitos e categorias vão se transformando em novas notas de pesquisa.
A escolha pela alternância entre os diferentes instrumentos de pesquisa também
ocorreu para que os participantes do estudo pudessem se familiarizar, gradativamente, comigo
desempenhando papel de pesquisadora na escola e com meu equipamento de pesquisa. Nesse
sentido, inicialmente, documentei as observações apenas com anotações em campo para,
posteriormente, iniciar as gravações em vídeo (sempre acompanhadas das anotações).
A gravação de vídeo se torna o principal instrumento de pesquisa porque revela “o
contexto, as pessoas em interação verbal e elementos não verbais, como [...] gestos, expressões
faciais [...], atividade e agitação ou silêncio relativo”56 (ELY; ANZUL; FRIEDMAN;
GARNER; STEINMETZ, 1991, p. 82, tradução minha).
Para o registro das interações na sala de aula dos participantes do estudo, realizei
gravações contínuas e semanais (toda quarta-feira, no período matutino), seguindo as
orientações metodológicas de Erickson e Shultz (2013 [1981]). Posicionei a câmera filmadora
56
“Videotapes show context, people in verbal interaction and such non-verbal elements as the sounds of voices,
gestures, facial expressions, light, color, activity, and relative bustle or quiet” (ELY; ANZUL; FRIEDMAN;
GARNER; STEINMETZ, 1991, p. 82).
110
no fundo da sala de aula, de forma fixa (sem movimentos durante a filmagem), mantendo os
estudantes e professora dentro do campo de visão da câmera a maior parte do tempo possível.
Nas anotações de campo, realizei registros do meu contato com as crianças e equipe
escolar, isto é, com os atores sociais envolvidos na educação bilíngue da sala de aula
investigada. Esses registros, posteriormente, são expandidos por meio de acréscimos de
comentários e insights, em forma de “memorandos/anotações analíticos/as” (ELY; ANZUL;
FRIEDMAN; GARNER; STEINMETZ, 1991).
57
Analytic memos can be thought of as conversations with oneself about what has occurred in the research process,
what has been learned, the insights this provides, and the leads these suggest for future action. These memos are
written about entries in the log, and they themselves become part of the log. They may be expansions of the
spontaneous ‘observer comments’ (see Harriet’s log, pp. 76–77) that are often woven into the entries (ELY;
ANZUL; FRIEDMAN; GARNER; STEINMETZ, 1991, p. 80).
111
58
“[...] the way in which people build argumentative constructs out of their socially and culturally conditioned
experiences, and how such arguments help them to make sense of their world” (BLOMMAERT; DONG, 2010, p.
58).
112
sugerida por Erickson e Shultz (2013 [1981]), na qual apresentam um guia para o tratamento
dos registros de filmagem, que enumero nos seis estágios a seguir.
Estágio 1: Atividade de assistir e ouvir as aulas gravadas repetidas vezes, sem
interrupção, para segmentar os momentos das aulas observadas e nomeá-los. Nesse
estágio, tomo notas enquanto a gravação passa continuamente para construir um “índice de
todas as principais ocasiões na fita [ou melhor, material audiovisual], mostrando (pelos números
do contador) a localização aproximada das ocasiões e das transições entre as ocasiões”
(ERICKSON; SHULTZ, 2013 [1981], p. 226).
Estágio 2: Categorização dos dados por meio da verificação de regularidades de
análise entre os momentos de aula registrados em vídeo, áudio e diário de campo,
considerando as atividades típicas e a estrutura interacional registradas. No estágio dois,
estabeleço relações entre diferentes sessões de gravações com base em um critério de análise
em comum para selecionar os exemplares para posterior análise mais detalhada.
Estágio 3: Descrição detalhada das gravações a partir de repetidas reproduções
do mesmo fragmento de vídeo. No terceiro estágio, assisto, repetidas vezes, aos eventos
selecionados no segundo estágio, num recorte um pouco anterior e posterior do fragmento
selecionado, anotando elementos discursivos verbais e não verbais (como determinados
silêncios, posturas, gestos) e localização temporal dos fenômenos selecionados para descrição
(cf. ERICKSON; SHULTZ, 2013 [1981]).
Estágio 4: Levantamento de hipóteses a partir dos registros gerados e
continuidade com a descrição deles. A transcrição de todas as gravações ao longo de uma
pesquisa etnográfica corresponderia a um empreendimento de tempo exaustivo. Por isso,
inicialmente, levanto hipóteses a partir dos fragmentos audiovisuais selecionados, considerando
os objetivos de análise construídos na tese. Nesses fragmentos, busco identificar,
especialmente, evidências dos pluriletramentos na sala de aula bilíngue de língua portuguesa,
para poder encontrar as funções de uso dos recursos linguísticos e analisar os letramentos locais
e dominantes na escola.
Estágio 5: Transcrições grossas dos fragmentos audiovisuais selecionados. Realizo
um levantamento dos fragmentos a serem analisados e transcritos (estágios 3 e 4). A partir de
uma “prévia” das gravações, constituída das anotações detalhadas e descrições que merecem
atenção para análise, passo, no estágio cinco, para a transcrição “grossa”.
Estágio 6: Transcrição “fina” dos fragmentos audiovisuais. Por fim, no sexto
estágio, considerando os segmentos de vídeos transcritos mais grosseiramente, passo para as
113
59
O slogan “Pomerode, a cidade mais alemã do Brasil”, utilizado pela Prefeitura Municipal (Disponível em
https://www.pomerode.sc.gov.br/ . Acesso em: 21 abr. 2020), tem atraído, por mais de uma década, um movimento
turístico capaz de movimentar uma nova economia local, além de incentivar o desenvolvimento de tradições
diversificadas, inclusive “inventadas”, como é o caso da Festa Pomerana. Em folders, pela cidade, também é
possível encontrar esse slogan reproduzido em língua alemã: Pomerode, Deutscheste Stadt Brasiliens.
115
Descrição da imagem para cegos: Fotografia de um adesivo redondo branco. No meio do adesivo, há um coração
com linhas vermelhas que, no centro, imitam as vigas de madeira de construções enxaimel. Formando o círculo
por fora do coração, está escrito em cor preta: “Hergestellt in Pomerode / Feito em Pomerode”.
Assim como argumentam Jung e Silva (2021, p. 365) em seu contexto de pesquisa,
aqui, também observo uma “reversão da vergonha de ser “colono alemão” para orgulho dessa
identidade”, que é favorecida pelos “movimentos contemporâneos de mercantilização e
globalização” na associação da imagem local criada entre Brasil e Alemanha. No entanto, o
movimento industrial, no município de Pomerode, igualmente desempenha um papel
importante na “ativação” de um “orgulho” da língua alemã, a partir de elos diretos entre Brasil-
Alemanha que divergem daqueles tematizados pela “tradição do colono” (JUNG; SILVA,
2021).
Ademais, em eventos comemorativos em Pomerode (como a Pomerlamm Fest, o
Festival Gastronômico e a Osterfest, só para citar alguns exemplos), a administração pública e
a população de Pomerode parecem perceber uma oportunidade ainda maior para evidenciar o
registro gráfico do plurilinguismo e suas demonstrações culturais quanto às tradições teuto-
brasileiras. Os superlativos, comumente encontrados em folders, publicidades, placas, etc.,
como “cidade mais alemã do Brasil”, “o maior ovo decorado”, “a maior árvore de casquinhas”,
etc., são estratégias político-comerciais que tendem a “legitimar” uma origem tipicamente
germânica dos eventos pomerodenses.
segunda fotografia que compõe a Figura 6, localizada na parte esquerda inferior, é de uma placa com fundo azul
e escrita na cor laranja e branca, em letra imprensa, caixa alta: Ostermarkt Feira de Artesanato. A escrita está
dividida em duas partes: a primeira, na parte de cima da placa, em cor laranja e tamanho maior, diz
“Ostermarkt”, e a segunda, na parte de baixo, em tamanho menor e cor branca, diz “Feira de Artesanato”. A
terceira fotografia que compõe a Figura 6, localizada na parte direita superior, é de uma placa quadrada em
madeira, elaborada por artesãos como enfeite de mesa. A madeira é clara e nela está escrito, com letras imprensa
grandes, na cor preta: Spätzle, Sauerkraut, Hackepeter, Apfelstrudel, Rollmops, Eisbein. A quarta fotografia que
compõe a Figura 6, localizada na parte direita inferior, é de uma placa em forma de ovo, em madeira, elaborada
por artesãos como enfeite de mesa. A madeira é clara e nela há um coelho todo preto (como efeito de sombra)
acompanhado de dois ramos na mesma cor. Na parte superior do enfeite, está escrito, em letra cursiva, também
na cor preta: Fohe Ostern. A quinta fotografia que compõe a Figura 6, localizada no centro na imagem, é de uma
placa do estande da associação de clubes de caça e tiro de Pomerode. A placa é azul, retangular, com a escrita
em branco, cuja fonte lembra o alemão gótico, mas escrita em português: Tiro ao Alvo. A escrita é na vertical,
mas, em letras menores, na parte inferior, na horizontal, está escrito: Scheibenschießen.
60
Segundo a divulgação realizada pela prefeitura municipal, disponível em:
https://www.pomerode.sc.gov.br/noticia/13221/14-osterfest-comeca-nesta-quinta-feira-17-02-em-pomerode-
tudo-sobre-o-evento . Acesso: 25 maio 22.
122
como a própria Osterfest). Essas políticas linguísticas envolvem, inclusive, suas entidades
representantes, como as associações de artesãos e de clubes de caça e tiro. Os artefatos culturais
que compõem a paisagem linguística são, portanto, mecanismos de política linguística para a
gestão de como, quando e por quem as línguas são usadas/praticadas.
Dentro das associações, as práticas de linguagem são plurilíngues. Estrategicamente,
a administração pública procura levar essas associações para os eventos festivos como uma
forma de valorizar esse plurilinguismo, e, sobretudo, de expressar, como já destacado, a
autenticidade teuto-brasileira da “cidade mais alemã do Brasil”, estreitando a relação entre
“orgulho” de uma identidade étnico-linguística ao “lucro” proveniente dos valores simbólicos
dessa identidade, associados aos bens de consumo. Nas imagens fotográficas da Osterfest, em
particular, identifiquei uma combinação de registros (apresentados no parágrafo anterior) que,
possivelmente, refletem políticas linguísticas do dia a dia, a partir das quais as pessoas acessam
seu repertório em língua alemã e portuguesa em translinguagens ou traduções,
independentemente do destaque gráfico dado a uma língua ou a outra. Por isso, também
refletem as formas como as pessoas agem com as línguas dentro e fora do evento, seja nas suas
interações corriqueiras, seja na construção de uma imagem específica ao visitante temporário.
Dentro dessa imagem, a Osterfest conta, ainda, com algumas atividades culturais
inventadas que se hibridizam àquelas advindas da imigração, e que têm atraído a curiosidade
de visitantes de diferentes regiões brasileiras. Dentre os elementos de destaque do evento, estão
a Eier-Parede (Desfile dos Ovos, em alemão), na qual ovos de tamanhos grandes, pintados por
artistas da região, são distribuídos em diferentes pontos da cidade, além do maior ovo decorado
do mundo (a partir da técnica Bauernmalerei, ou “Pintura Camponesa”) e a maior árvore de
casquinhas naturais do mundo (a Osterbaum). A Osterbaum, em particular, reflete uma tradição
de grande parte das famílias que, durante o período de Páscoa, enfeitam galhos secos de árvores
com cascas de ovos de diferentes espécies de aves (como galinha, marreca, codorna, pata).
123
FONTE: Folder do Restaurante Típico Siedlertal recolhido e digitalizado por mim em 2021.
Descrição da imagem para cegos: Folder aberto do Restaurante Típico Siedlertal. Na parte de fora do folder, no
canto superior direito, há a identificação do restaurante, escrita com fonte gótica tipicamente utilizada em
documentos antigos de origem alemã. A logomarca do restaurante é um escudo azul de fundo com um desenho
de um homem vestido com trajes bávaros típicos, sentado em um barril de chopp, segurando uma caneca de
chopp e um prato de marreco. Nessa parte do folder, também há a fotografia de metade do rosto de uma mulher,
até chegar ao seu ombro, aparentemente vestida com um traje típico bávaro. Na apresentação do endereço e
contatos com o restaurante, as bandeiras do Brasil e Alemanha se entrecruzam. Também há fotografias de pratos
servidos no local, informações sobre entretenimento e horários e dias de funcionamento. Na parte de dentro do
folder, além das imagens dos pratos típicos, logomarca, mapa do local, o texto sobre o restaurante e a cidade é
composto por uma parte em português e a outra em alemão: “Plantada no coração do Médio Vale do Itajaí, está
situada a cidade conhecida como a mais alemã do Brasil: Pomerode. Com uma média de 30.000 habitantes,
Pomerode destaca-se pela cultura e arquitetura germânica, que é herança dos ancestrais europeus, oriundos do
norte da Alemanha. Estes, em meados de 1861, começaram aqui a construir a base da história de uma cidade que
é, na verdade, um pedaço do velho mundo. A comida típica alemã também é uma tradição que atravessa
gerações e Pomerode possui um lugar onde são preservadas ao máximo essas especiarias: Restaurante Siedlertal.
Um lugar típico alemão e muito aconchegante onde são servidos desde pratos tradicionais até os mais exóticos
da cozinha alemã. A palavra Siedlertal significa: Vale do Colono Imigrante. Este nome foi dado pelo fato de
Pomerode estar situada em um vale e, como já vimos, colonizada por imigrantes alemães. Hoje, é um dos lugares
mais visitados pelos turistas que chegam a Pomerode, atraídos pela riqueza da cultura local e pela magia das
casas enxaimel que embelezam a cidade. Venha para Pomerode e prove da melhor comida típica alemã que só o
Restaurante Siedlertal oferece para você. Pomerode, Detscheste Stadt Brasilien. “Du liebenswerte kleine Stadt”
im Herzen des Itajaí – Talesca. 23.000 Einw., Stand 1999. Pomerode, touristischer Anziehungspunkt (Tiergarten,
Museen, Bademöglichkeiten), zeichnet sich aus durch das Erbe der europäischen norddeutschen Vorfahren durch
deutsche Kultur, Tradition, Mundart, Architektur (Fachwerk). Den ersten Kern der konsequenten und
vielseitigen kulturellen, wirtschaftlichen, industriellen Entwicklung legten diese Siedler im Jahre 1861mit Mut
und Energie unter beschwerlichsten Urwald-Bedingungen. Werter Besucher! Öffne Dein Herz für die Schönheit
unsrer Natur und ihrer Geheimnisse, fühle Dich hier wohl und sei recht Herzlich Willkommen. Restaurant
Siedlertal. Der Name Siedlertal ist typisch für die ergreifende Geschichte der deutschen Einwanderer im
lieblichen Flusstal “Rio Testo” im Jahre 1861. Das Restaurant Siedlertal ehrt die ererbte deutsche Esskultur, das
Generationen durchdringt. Das Geheimnis der täglichen guten Küche liegt in Spitzenqualität, Ein Garant für
Wohlgeschmack und Gaumenfreude. “Der Tisch und die Gemeinsamkeit des Essens, das führt die Leute
zueinander”. Auf Ihre Gesundheit und Guten Appetit”.
127
Na Figura 10, a prática pluriletrada evidencia que as pessoas agem com as línguas em
favor de benefícios socioeconômicos, participando desse novo mercado linguístico de
Pomerode. Instrumentalizar esse bilinguismo, no texto escrito, como um marcador de
identidade teuto-brasileira e como um recurso econômico é, também, uma política linguística
mobilizada pelos próprios falantes das línguas alemã e portuguesa. Como as pessoas adaptam
suas práticas linguísticas às condições sociais e econômicas que vão surgindo em suas
realidades de vida (PENNYCOOK, 2010), é natural construírem novas formas de produzir os
gêneros discursivos. Na Figura 10, isso ocorre na multimodalidade, associando a língua à
manifestação de outros símbolos, como bandeiras da Alemanha e do Brasil juntas, a culinária
local, o chopp e cerveja artesanais, a música e vestimentas festivas.
Destaco que esses símbolos, mesmo que transformados em ícones identitários, expõem
apenas superficialmente uma cultura, na sua relação com o comportamento “exótico”,
“diferente” (PENNYCOOK, 2000). As culturas se vinculam a domínios políticos e, por isso,
fazem parte de um mundo socialmente mais complexo (PENNYCOOK, 2000), capaz de regular
as ações e comportamentos sobre as línguas. Nesse sentido, as práticas de linguagem se
transformam ininterruptamente, implicando nas interações plurilíngues, na construção de textos
orais e escritos a partir de pluriletramentos, de formas mais dinâmicas e profundas que o ícone
das bandeiras, comida ou bebida poderiam representar diretamente.
Os pluriletramentos fazem parte, então, de processos semióticos da ideologia
linguística nos quais também se opera o mercado econômico. Essa experiência com a língua,
como já mencionado, é usada como um símbolo para construir identidades e novas realidades
sociais, nas quais o “orgulho” do ALBI pode gerar “lucro” ou, ainda, o “lucro” pode gerar um
“orgulho”.
Esse orgulho é resultado de diferentes movimentos políticos, dentre os quais discorri,
até o momento, sobre a promoção de eventos festivos, as práticas das associações e a economia
voltada ao turismo. Ao olhar para Pomerode, juntamente com as pesquisas desenvolvidas nesse
cenário, em diferentes recortes temporais, percebo que outras políticas linguísticas e
educacionais voltadas à língua alemã também parecem contribuir para dar esse novo rumo às
atitudes linguísticas. Os resultados da pesquisa de Maltzahn (2018), por exemplo, já sinalizam
para esse novo “orgulho” com relação ao plurilinguismo, que era avaliado de forma negativa
pelas crianças da escola particular na pesquisa de Silva (2004), numa relação com o desprestígio
do alemão e do português “feio” falados pelo agricultor descendente de alemães. Segundo
128
Maltzahn (2018), “hoje, a língua e o sotaque alemães estão menos associados a sentimentos e
valores negativos como num passado recente [...]” (MALTZAHN, 2018, p. 124).
Nesses termos, concordo com Bremenkamp (2014, p. 96), ao citar Grosjean (2001),
quanto à afirmação de que as atitudes linguísticas podem, realmente, mudar, “e que uma língua
antes estigmatizada pode tornar-se aceita e respeitada”. Essa mudança parte de estratégias
políticas que levam em conta os “mecanismos”, nos quais uma política linguística “de facto” é
perpetuada (SHOHAMY, 2006). Entretanto, como debato ao longo da tese, o orgulho de ser de
descendência alemã, de falar a língua de imigração, de ser de Pomerode, não elimina as tensões
causadas pelas ideologias pautadas no monolinguismo, que refletem sentimentos também
controversos sobre o “falar local”.
Diante do debate ora levantado, reitero que as línguas, em Pomerode, inauguram um
novo mercado plurilinguístico, possibilitando benefícios socioeconômicos através da
comercialização de experiências culturais. Vale mencionar que as novas práticas de linguagem
que vêm se manifestando na cidade passam a ser encorajadas por políticas linguísticas explícitas
do município, tais como a cooficialização do alemão (tratada no capítulo 3) e a implementação
da educação bilíngue na rede pública municipal, o que busco apresentar nas próximas seções.
A língua alemã, desde o final da década de 1980, retorna como pauta de curricularização
no espaço educacional de Pomerode, conforme quadro a seguir:
1999 Extinguiu-se a aula de alemão no contraturno nas escolas municipais. Nas séries
finais do ensino fundamental (de 5ª a 8ª série), permaneceram duas aulas
semanais de língua alemã como disciplina obrigatória.
2005/2006 Ao estabelecer a matriz curricular para as escolas municipais, o Conselho
Municipal de Educação de Pomerode acrescentou uma aula de língua alemã a
partir do 1º ano do ensino fundamental (agora contemplando as séries iniciais
que, a partir do ensino de 9 anos, passou a ser de 1º ao 5º ano). Do 6º ao 9º ano,
permaneceram as duas aulas de alemão que já existiam.
2008 Ampliação da inclusão da língua alemã no contexto escolar por meio do
“projeto: implantação do ensino bilíngue – língua portuguesa/língua alemã” no
ensino fundamental (de 1º ao 9º ano, gradativamente), em uma das doze escolas
do município. Havia sido pensado um critério inicial do projeto para matrícula
na sala bilíngue: pelo menos um dos pais ou pessoas que moram com a criança
deveriam falar a língua alemã e deveriam se propor a interagir através dessa
língua em casa com a criança. Esse critério foi desmantelado em virtude do
interesse da comunidade, em termos gerais, por uma educação bilíngue. Por
isso, há crianças que passam a ter contato com a língua alemã inicialmente na
escola e outras que já falam a língua desde o contexto familiar.
2009 Implantação da sala bilíngue – língua portuguesa/língua alemã no ensino
fundamental em uma segunda escola de forma gradativa por ano escolar.
2017 Implantação da sala bilíngue – língua portuguesa/língua alemã no ensino
fundamental, em uma terceira escola de forma gradativa por ano escolar.
FONTE: Quadro elaborado a partir do Projeto: implantação do ensino bilíngue-língua portuguesa/língua alemã
(POMERODE, 2009), das pesquisas desenvolvidas por Maas (2010) e Spiess (2014) e de notícia do Jornal de
Pomerode (08/03/2019).
Descrição do quadro para cegos: O quadro é composto por duas colunas: ano; política linguística voltada à
língua alemã na escola. Os dados do quadro divulgam que em 1987, a língua alemã retornou ao currículo escolar
como disciplina no município de Pomerode para os alunos das séries finais do Ensino Fundamental, com duas
aulas semanais em três escolas municipais. Em 1989, a Secretaria da Educação de Pomerode havia submetido ao
Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina uma proposta de alteração da matriz curricular para as três
escolas municipais (mencionadas acima neste quadro), visando a inclusão de três aulas de língua alemã de 5ª à 8ª
série do Ensino Fundamental. Em 1989, o Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina emitiu um parecer
favorável à proposta de alteração curricular. No ano de 1998, dentro do horário escolar regular, a língua alemã
foi ministrada em duas aulas semanais, e, no contraturno, a língua alemã foi ofertada em uma aula semanal,
totalizando em três aulas semanais nas escolas municipais. Em 1999, extinguiu-se a aula de alemão no
contraturno nas escolas municipais. Nas séries finais do Ensino Fundamental (de 5ª a 8ª série), permaneceram
duas aulas semanais de língua alemã como disciplina obrigatória. Em 2005/2006, ao estabelecer a matriz
curricular para as escolas municipais, o Conselho Municipal de Educação de Pomerode acrescentou uma aula de
língua alemã a partir do 1º ano do Ensino Fundamental (agora contemplando as séries iniciais que, a partir do
ensino de 9 anos, passou a ser de 1º a 5º ano). Do 6º ao 9º ano, permaneceram as duas aulas de alemão que já
existiam. Em 2008, houve a ampliação da inclusão da língua alemã no contexto escolar por meio da implantação
do projeto Sala bilíngue – língua portuguesa/língua alemã no Ensino Fundamental (de 1º a 9º ano), em uma das
doze escolas do município, a escola localizada na região sul. O critério inicial do projeto para matrícula na sala
bilíngue – de que pelo menos um dos pais ou pessoas que moram com a criança falem a língua alemã e se
proponham a interagir através dessa língua em casa com a criança – foi desmantelado em virtude do interesse da
comunidade por uma educação bilíngue. Por isso, há crianças que passam a ter contato com a língua alemã
inicialmente na escola e outras que já falam a língua desde o contexto familiar. Em 2009, houve a implantação
da sala bilíngue – língua portuguesa/língua alemã no Ensino Fundamental, em outra escola, onde ainda se
mantém laços mais estreitos com a língua alemã. Em 2017, houve a implantação da sala bilíngue – língua
portuguesa/língua alemã no ensino fundamental, em uma terceira escola, de forma gradativa por ano escolar.
130
Todos os atores sociais envolvidos com a política linguística, não só professores, têm
formas de interpretá-la nos processos educativos, de construir percepções sobre as práticas de
linguagem que ocorrem na sala de aula e fora dela. É por isso que considero pertinente um
processo contínuo de revisitar, renegociar e, inclusive, reescrever os documentos que guiam a
política de educação bilíngue, num processo aberto e dialogado sobre conceitos e concepções
acerca das línguas. Por exemplo, na pesquisa realizada sobre a educação bilíngue de Pomerode,
Spiess (2014) já destacava que “A relação entre língua materna, língua de imigração e língua
estrangeira ainda não parece devidamente descrita e problematizada na proposta que
implementa o projeto bilíngue na escola” (SPIESS, 2014, p. 119). Essa lacuna, dentre outras,
talvez, esteja gerando, até hoje, formas diferentes de entender o alemão nas práticas
pedagógicas das salas de aula (como língua estrangeira, brasileira, local, adicional, etc.), além
de formas diferentes de entender o contato com a língua portuguesa e as avalições sociais e
acadêmicas nas quais as línguas desse contato são submetidas.
Faço um destaque, nesse momento, às palavras de Rajagopalan (2003, p. 27) ao que
se refere às formas categóricas como os falantes tendem a ser conceituados com relação à
língua: eles são classificados como “nativos” e “não-nativos em relação a qualquer língua
133
específica (a qual, por sua vez, passa a ser ou “materna” ou, se não, forçosamente “estrangeira”
com respeito a cada um daqueles falantes), não permitindo, dessa forma, qualquer possibilidade
de categorias mistas.” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 27). Debater essas percepções entre os
agentes da política linguística e registrá-las em documentos referentes à educação linguística
de Pomerode pode constituir uma diretriz importante nas ações que se consolidam na escola.
A conciliação dos conceitos sobre línguas com as realidades práticas do trabalho
pedagógico é importante para combater “desencontros entre a realidade escolar com relação
às propostas políticas à sala de aula bilíngue”. Essa conciliação também contribui para
combater a noção de homogeneidade sobre os processos de alfabetização entre as escolas da
rede (independentemente de pertencerem ao projeto bilíngue), que resulta em cobranças de
resultados equivalentes a partir de alegações sobre o trabalho facilitado do professor pelo
“número reduzido de alunos na sala de aula bilíngue”.
Ademais, levantar reflexões sobre a situação linguística de Pomerode pode orientar
agentes educativos na promoção de ações mais inclusivas ao plurilinguismo, numa educação
crítica aos estereótipos negativos relacionados aos sujeitos em situação de bilinguismo social.
As atitudes e ideologias perpetuadas diante de falantes do pomerano e do alemão como línguas
brasileiras de imigração, dentro das comunidades de Pomerode e suas respectivas escolas,
tendem a ser projetadas para as salas de aula e, por isso, precisam de espaço de reflexão entre
os professores. A escola, afinal, é um aparelho de difusão acerca do status das línguas, e tem
uma responsabilidade social quanto à realidade linguística local para atender às demandas da
sua comunidade.
Nesse aspecto, o movimento curricular, introduzido na presente seção, faz parte das
políticas linguísticas de Pomerode, a partir de uma variedade de mecanismos que expressam
diferentes intenções com relação à língua alemã. Quanto ao projeto de educação bilíngue, mais
especificamente, destaco a proposta política voltada à alfabetização em duas línguas como um
avanço à educação linguística no município, mas que carece, no documento inicial (projeto:
implantação do ensino bilíngue – língua portuguesa/língua alemã), de uma abordagem ampliada
sobre os pluriletramentos ao longo de toda a formação do estudante. Por isso, nas próximas
seções, teço, ainda, algumas considerações acerca do amadurecimento dessa política linguística
e educacional na prática pedagógica e a relação com o cenário sociolinguisticamente complexo
de Pomerode.
134
5.3.1 A demanda pela curricularização da língua alemã para novos modelos econômicos
mas que se apropria dessa ideologia e a estende sob novas condições (JUNG; SILVA, 2021),
vinculando a língua alemã ao meio de produção, distribuição e consumo de bens
culturais/materiais de Pomerode.
O ensino formal do alemão, portanto, pode ser reconhecido, entre a comunidade, como
um recurso para a economia local e global, baseada no turismo (que explora o constante vínculo
com a Alemanha), comércios que dependem desse turismo, empresas cujas matrizes estão na
Alemanha, dentre outros. Ademais, em uma conversa, gravada em áudio com a professora
alfabetizadora em língua portuguesa, o valor econômico é sinalizado como uma força
legitimadora da língua alemã em Pomerode:
Professora Sabrina (língua portuguesa): /.../ muitos comércios, eles pedem que a
atendente saiba falar alemão. As próprias empresas /.../ pedem que preferencialmente
saiba falar alemão. Porque as mesmas indústrias elas têm suas matrizes na Alemanha.
/.../
falantes ideais, que precisam adquirir as habilidades “suficientes” ou “proficientes” que o novo
mercado “deseja”, ao mesmo tempo em que também se criam novos contextos de comunicação
(que expandem as noções do “falante ideal”).
A escola, como consequência, passa a desempenhar o papel de fornecer o espaço de
aprendizagem necessário a esses repertórios linguísticos “desejados” pelo modelo econômico
local e praticados pelos falantes reais. Como vim apresentando, a estratégia de Pomerode, para
tanto, se manifesta na implementação do ensino de língua alemã como disciplina em toda a rede
pública municipal e da educação bilíngue em algumas das escolas da rede.
nível de alemão muito alto. Eu vou ter que agora mentir pra ti se é B1, B2, ou até
mesmo C161. Então, pra eles alcançarem esses níveis, de tanto em tanto tempo, é feito
uma prova. E eles precisam alcançar esses requisitos. Só que pra fazer essa prova, os
professores também precisam ser orientados de como trabalhar pra que eles alcancem
isso. Porque eles têm prova de ouvir, escrever, ler, e não sei te dizer se é interpretar.
Eu sei que é schreiben, hören, lesen, e não sei se é de interpretar. Eu sei que são quatro
linhas. /.../ E por isso essas formações, elas são feitas com os professores pra eles
saberem o que que é, como eles precisam/ Eu não quero usar a preparar, porque o
projeto bilíngue não vem com este foco de preparar o aluno pras provas, que nem tem
nas escolas de idiomas. Não é pra ser! Contudo, dentro dessa maneira de trabalhar, que
nós temos muito mais horas com as crianças do que uma escola de idiomas, mas dentro
desse processo todo, o professor precisa ter em vista que ele, no final, o aluno dele
precisa ser capaz de ouvir, interpretar, ler, escrever. Então nesse sentido vão as
formações. Então, o professor precisa se preparar não bem pra prova, mas o que que é
exigido nessa prova.
Há, em Pomerode, assim como no cenário pesquisado por Jung e Silva (2021),
diferentes ideologias linguísticas coexistentes e que geram tensões “a partir de espaços
conturbados de contradição entre, por exemplo, padronização e variabilidade linguística ‒
subjetividades produzidas em termos de performances e valores identitários locais ‒ e técnicas
de gestão utilizadas para regular e medir o valor das habilidades linguísticas” (JUNG, SILVA,
2021, p. 367). Nesse caso, propositores da política linguística, professores, alunos, vivenciam
as tensões do mercado econômico que rege certas normas sobre as línguas, atestadas por um
instituto “habilitado” para “medir” a “proficiência” linguística. Ao mesmo tempo, esses atores
sociais também possuem suas crenças sobre a educação linguística que trilha um caminho
divergente desse “preparo” a um sistema de avaliação específico. Por isso, o “projeto bilíngue
não vem com este foco de preparar o aluno pras provas, que nem tem nas escolas de idiomas.
Não é pra ser!”, mas pretende possibilitar a certificação da proficiência linguística desse aluno
nos moldes estabelecidos por tais provas, a fim de estarem aptos às exigências do mercado local
ao global.
Apesar das forças que o capitalismo exerce sobre a política linguística, destaco,
novamente, que o “projeto: implantação do ensino bilíngue – língua portuguesa/língua alemã”
não faz uma menção explícita ou associação direta aos recursos que o bilinguismo da
comunidade promove no seu modelo de vida socioeconômico. Em contrapartida, o discurso da
61
O Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas, que classifica o conhecimento linguístico como
básico (A1 e A2), intermediário (B1 e B2) e proficiente (C1 e C2), constitui pauta de formação para os professores
de língua alemã. Como o foco desta pesquisa recai para a gestão das línguas na sala de aula bilíngue de língua
portuguesa (e não alemã), a entrevistada foi realizada com a professora de língua portuguesa, que procura se
envolver com temas relacionados ao bilinguismo educacional.
140
A gestão das línguas, na escola, então, frequentemente, abrange essas duas orientações,
já discutidas no capítulo dois: “língua-como-direito” e “língua-como-recurso” (cf. RUÍZ,
1984). A orientação de “língua-como-recurso” (cf. RUÍZ, 1984), em particular, apesar de não
estar explicitamente presente nos documentos oficiais da política de educação bilíngue,
constitui discursos de seus propositores a partir da alusão às demandas no mercado econômico,
mencionadas na pesquisa realizada por Maas (2010).
Nesse cenário, o próprio discurso sobre língua como um “direito” (cf. RUÍZ, 1984),
talvez, seja um recurso para atender as ideologias do mercado linguístico. A busca de
reformulação da “comunidade nação” (ANDERSON, 2008 [1991]) é resultado das tentativas
de “garantir” o plurilinguismo como ativo econômico, que vai do local para o global (HELLER;
DUCHÊNE, 2012).
A professora alfabetizadora em língua portuguesa também relata que a justificativa da
Secretaria de Educação e Formação Empreendedora quanto à escolha da escola onde atua para
o projeto bilíngue se deu a partir de uma relação de educação com a cultura em contexto de
descendência de imigração alemã. No excerto a seguir, faço um breve recorte da fala da
professora que parece pontuar para a língua como um espaço simbólico para a constituição da
identidade “local” (PENNYCOOK, 2010), implicando no direito de acesso ao alemão pela
comunidade escolar:
e a outra não. Nós tivemos, nós vivemos essa realidade na nossa escola, de que os pais
assim, /.../ eles queriam que estivesse /.../ o ensino fundamental regular, sem a
interferência, ou sem as contribuições do bilíngue.
os vernáculos inferiores falados por grupos étnicos” (RUÍZ, 1984, p. 26-27, tradução minha)62.
Essa postura que inferioriza o bilinguismo social decorre também de um imperialismo
linguístico, que seleciona o que conta como língua e, portanto, que bilinguismo conta para a
educação.
O bilinguismo de prestígio, quase que exclusivo à língua inglesa, está, portanto,
impregnado da supervalorização desencadeada pelo imperialismo linguístico, mas também é
proveniente das demandas do mercado global, que resultam na escolha das pessoas em serem
bilíngues (RAJAGOPALAN, 2013). Cavalcanti (1999) e Maher (2007) problematizam, então,
o bilinguismo de escolha em detrimento do bilinguismo social: enquanto um deles reflete a
educação formal, na qual as escolas (normalmente ensinando a língua inglesa) valorizam as
línguas em contato (embora não as misturem), o outro bilinguismo reflete os usos reais de
comunidades linguísticas que, nas práticas de linguagem cotidianas, misturam as línguas em
usos socialmente estigmatizados.
Nesse sentido, é possível identificarmos diferentes atitudes frente à situação de
bilinguismo no Brasil. Quando estamos diante do bilinguismo de prestígio, no qual os falantes
escolhem aprender outras línguas, de forma institucional, em escolas, a tendência é a de
valorização. Em contrapartida, a visão muda quando o bilinguismo se torna praticamente
obrigatório ao falante (MAHER, 2007), como nos casos de estudantes que vêm do contexto
familiar falando línguas de imigração. Nesses casos, há a tendência de invisibilização, de
atitudes negativas a esse bilinguismo, como se fosse um determinante para o fracasso escolar
quanto à aprendizagem da língua portuguesa. Segundo Altenhofen (2004, p. 91), não raro, a
língua do aluno é culpabilizada pelos problemas de aprendizagem, a partir “de uma atitude
discriminatória”.
O “problema”, então, se coloca pela questão do que é aceito como língua. Línguas de
tradição oral ou, ainda, línguas associadas à aprendizagem dentro dos contextos familiares,
como o ALBI, podem ter baixo prestígio social, convencionalmente estereotipadas como
“dialetos”, já que não correspondem a um ideal de língua nacional.
Essa relação entre imperialismo linguístico, bilinguismo de escolha e bilinguismo
social, possivelmente, se perpetua nas atitudes das famílias frente à implementação do ensino
bilíngue em Pomerode. Por outro lado, destaco que o elo entre “orgulho” e “lucro” relacionado
62
“After all, it is the "world standard" languages which one is expected to learn in school for personal enrichment
or international understanding or foreign service, not the inferior vernaculars spoken by ethnic groups. For them,
the best course would be to forget their "little" language, with the hope that one day they will be able to relearn it
in a more acceptable form in school” (RUÍZ, 1984, p. 26-27).
143
à língua alemã parece favorecer, mais recentemente, o desejo das famílias em manter suas
crianças na sala de aula bilíngue, revertendo a situação inicial de recusa.
Na última seção deste capítulo, em três subseções, (I) realizo a discussão sobre a
proposta curricular e modelos de educação bilíngue que perpassam o “projeto: implantação do
ensino bilíngue língua portuguesa/língua alemã”, (II) teço algumas reflexões sobre a formação
de professores para uma educação bilíngue em Pomerode, e (III) apresento considerações sobre
o papel da escola na política municipal de promoção do multilinguismo no município.
ensino religioso (uma aula semanal) são, cada uma, ministradas por professores de área específica. As
disciplinas totalizam numa carga horária de 16 aulas semanais.
Professora Sabrina (língua portuguesa): Existe uma grade própria. Alemão trabalha
Deutsch ((alemão)), Mathematik ((matemática)), Sachunterricht ((educação geral)),
que seria geografia, história e ciências numa única, e Kunst, que é a questão das artes.
Então assim, alemão tem uma grade própria. /.../
É, na verdade as três disciplinas: Deutsch, Mathematik e Sachunterricht é a mesma
professora, somente Kunst, por causa dessa questão das horas-atividades, né. Aí tem
uma outra docente que também tem que ser formada em alemão pra atuar. Então eles
((os alunos)) têm no mínimo contato com dois profissionais diferentes, que eu digo,
que utilizam a língua alemã no cotidiano.
as crianças falassem em alemão, pois foi uma atividade organizada pela professora de
alemão, ainda que a professora de português esteja orientando os alunos conjuntamente
para o letramento numérico. O reconhecimento do valor numérico é o foco,
independentemente da língua usada pela criança. A translinguagem foi inevitável:
muitas crianças contavam os objetos e animais em tela utilizando o alemão, mas a
representação numérica, somada no final da atividade, era lida, mais frequentemente,
em português. Por exemplo: ao ver três gatos em tela, algumas crianças contavam:
eins, zwei, drei Katzen; no final, para dizer o resultado da quantidade de gatos
contados, selecionando um valor número em tela, liam “três”. Os recursos linguísticos
em ambas as línguas foram reforçados por ambas as professoras, translinguajando,
também, desde os comandos da atividade.
63
“[…] an uncovering or (re-) discovering of multilingualism as more than the sum of languages understood as
monolingual entities” (HEUGH; STROUD, 2018, p. 2).
149
64
A Universidade Regional de Blumenau figura como Instituição de Ensino Superior criada e mantida pela
Fundação Universidade Regional de Blumenau – FURB. Assim como em outras Instituições de Ensino Superior
brasileiras mantidas por fundações municipais, o acesso aos cursos da Universidade Regional de Blumenau não é
gratuito.
65
Atualmente, a UFSC – Blumenau conta apenas com as licenciaturas em química e matemática.
150
A partir do cenário até aqui apresentado, entendo que a escola se situe numa posição
complexa diante das exigências sociais sobre as línguas: se, por um lado, parece haver uma
iniciativa cada vez mais fortalecida para valorização do ALBI em Pomerode, que reverta,
gradativamente, o quadro de atitudes negativas ao bilinguismo social, por outro lado, pode-se
criar a ideia de que a escola é a maior (ou única) responsável pela promoção do bilinguismo.
Presumir que a política de aquisição do alemão, na escola, sozinha, tornará a língua cada vez
mais acessível nos diferentes domínios sociais da cidade é arriscado para uma política
linguística bem-sucedida. Se as diferentes instâncias, para além da escola, se eximirem quanto
ao bilinguismo, celebrando a língua alemã apenas sazonalmente, em eventos públicos ou
privados, incorre o risco dessa língua ficar restrita às casas das famílias (que preservaram esse
bilinguismo) e à escola, nas práticas de ensino-aprendizagem.
151
Uma descoberta de longa data no campo [da PL] é que as escolas sozinhas não são
suficientes para reverter a mudança linguística e, embora as políticas linguísticas
multilíngues ajudem a criar espaços ideológicos para o desenvolvimento de línguas
minoritárias, elas ainda nem sempre são capazes de superar os discursos sociais
dominantes ou as crenças locais e práticas que favorecem línguas particulares
(especialmente coloniais), educação monolíngue ou ensino de línguas prescritivo e
desatualizado (Bekerman 2005; de los Heros 2009; McKay e Chick 2001)66.
(JOHNSON; RICENTO, 2013, p. 13-14, tradução minha).
Pennycook (2010), nesse mesmo caminho, também alerta que as políticas linguísticas
precisam levar em conta a ecologia das práticas de linguagem locais, isto é, precisa reconhecer
as atividades sociais das quais as pessoas se engajam com as línguas. Nesse sentido, entendo
que a própria escola campo de pesquisa tenha se mobilizado para envolver os alunos nas práticas
de linguagem locais, integrando o que as pessoas fazem com as línguas fora da escola para
momentos de aprendizagem. Observo essas ações, por exemplo, quando autoridades locais
(como representantes de associações) são convidadas para desenvolver alguma atividade dentro
da escola. As crianças, assim, participam das práticas de linguagem quando se engajam com as
atividades que esses representantes propõem, como em jogos dos clubes, por exemplo, que
requerem interações específicas desses meios. Ademais, as crianças também fazem passeios
pelo bairro com a escola para conhecerem as atividades de artesãos, de agricultura, a história
local, etc., e práticas pedagógicas para a vida local plurilíngue também são planejadas e
desenvolvidas.
Retomo, aqui, o debate sobre os mecanismos, em Shohamy (2006), justamente porque,
a partir deles, estratégias de gestão linguística podem perpetuar novas regulações quanto à
presença, cada vez mais fortalecida, das línguas de origem teuto-brasileira, em Pomerode, nos
seus diferentes espaços/domínios sociais. Para introduzir esse debate, apresento o relato da
professora alfabetizadora em língua portuguesa, no excerto de entrevista a seguir, a partir do
qual menciona que as informações escritas em língua alemã (por meio de folders), juntamente
com a língua portuguesa, parecem continuar escassas em materiais produzidos pela prefeitura.
66
“The first decade of the 21st century has been a productive period for both theoretical developments in LPP and,
especially, empirical studies of language policy processes around the world. These studies show that macro-level
language policies can be instruments of power that marginalize minority and indigenous languages and language
users (McCarty 2009; Olson 2007; Shohamy 2006); however, they can also open spaces for multilingualism and
multilingual education (Hornberger 2006, 2009). Likewise, while local language policies can open spaces for
multilingual education and minority language development (Freeman 2004; Johnson 2010a; Johnson and Freeman
2010), they also can close such spaces (Baquedano-López 2004; Johnson 2009, 2010b). A long-standing finding
in the field is that schools alone are not enough to reverse language shift, and although multilingual language
policies help create ideological spaces for minority language development, they still are not always able to
overcome either domina societal discourses or local beliefs and practices that favor particular (especially colonial)
languages, monolingual education, or prescriptive and outdated language instruction (Bekerman 2005; de los
Heros 2009; McKay and Chick 2001).” (JOHNSON; RICENTO, 2013, p. 13-14).
152
Professora Sabrina (língua portuguesa): /.../ E o próprio projeto bilíngue ele traz
reflexões. Que nem recentemente ((cita relação de contato com a pessoa, a qual prefiro
manter em sigilo)) veio fazer uma visita, da Alemanha trouxe pra Pomerode, foi no
portal da cidade. /.../ A mocinha soube /.../ A mocinha soube falar em alemão com a
pessoa. /.../ Só que a própria pessoa disse: “mas cadê o material escrito?” Então assim,
a pessoa, o humano estava lá, só que faltou essa outra parte. Onde estão os folders da
cidade nas duas línguas?
Vale lembrar que, pelo Art. 2º da lei municipal nº 2.251/2010, a administração pública
se compromete a “I - oferecer atendimento ao público na língua alemã em especial para as
pessoas que não tiverem o domínio da língua portuguesa”, assim como pela lei nº 2.907/2017,
Art. 2º: “XX - Produzir a documentação pública, as campanhas publicitárias, institucionais, [...]
na língua oficial e co-oficializada [pomerano]”. Seja para atendimento, documentação pública,
campanhas publicitárias, o registro escrito nas línguas cooficiais de Pomerode é um mecanismo
importante para a política linguística, tornando essas línguas cada vez mais visíveis à população
(e refletindo quais línguas estão no “poder”). Nesse sentido, observo um avanço com relação
às sinalizações das placas e à interação imediata (“A mocinha soube falar em alemão com a
pessoa”), embora, no registro escrito informativo, como a própria professora alerta, há
predomínio do português (sem que seja, necessariamente, acompanhado de tradução).
Considerando que o setor público reconhece a língua alemã como uma das línguas
cooficiais de Pomerode desde setembro de 2010, é natural que a professora se posicione
criticamente sobre a ausência de produção de materiais locais nessa língua de imigração (além
de ser uma reflexão que “o próprio projeto bilíngue ele traz”). A disponibilidade de materiais
escritos apenas em português na esfera pública de um município que se reconhece como
multilíngue, como Pomerode, é correlata à própria ideologia “monolíngue” brasileira
(ALTENHOFEN, 2013b). A cultura monolíngue e, também, monoglóssica, conduz à
desigualdade entre as diferentes línguas faladas nacionalmente, validando a presença apenas da
língua portuguesa nos mais diversos setores públicos do país. Por isso, entendo que políticas de
cooficialização e de educação, por si só, não garantem a inclusão de uma língua minorizada
socialmente em diferentes espaços públicos, legislativos, na vida corriqueira da cidade,
especialmente quando consideramos os mecanismos que legitimam a língua portuguesa como
única língua da nação brasileira.
Nesse aspecto, retomo a discussão de Shohamy (2006) para refletir sobre o papel dos
mecanismos interrelacionados que compõem a política linguística “de facto”, ou seja, a política
concretizada nas práticas linguísticas:
153
A política linguística se insere no meio das batalhas que ocorrem atualmente nos
estados-nação entre as demandas dos diferentes grupos por reconhecimento,
autoexpressão e mobilidade e aqueles que estão em posição de autoridade ávidos por
manter ideologias nacionais e homogêneas em relação a línguas locais, nacionais,
regionais e globais. São essas mesmas agendas que são perpetuadas por meio de
políticas linguísticas por uma variedade de mecanismos que afetam direta e
indiretamente o comportamento linguístico.67 (SHOHAMY, 2006, p. 46, tradução
minha).
67
LP falls in the midst of the battles currently taking place in nation-states between the demands of the different
groups for recognition, self-expression and mobility and those in authority eager to maintain national and
homogenous ideologies in relation to local, national, regional and global languages. It is these very agendas that
are perpetuated through LPs by a variety of mechanisms that directly and indirectly affect language behavior.
(SHOHAMY, 2006, p. 46).
68
“The mechanisms, then, can serve as arenas and tools in this multiple discourse of negotiating language policies
and promoting democracy of inclusion and personal rights through awareness and activism.” (SHOHAMY, 2006,
p. XVIII).
154
Neste capítulo, em três seções, procuro discutir como os letramentos, na sala de aula
bilíngue de língua portuguesa, são atravessados por práticas plurilíngues, e como são avaliados
pelo sistema educacional. Para isso, inicialmente, ambiento a sala de aula em questão.
Como já mencionado no capítulo metodológico, a presente pesquisa em campo foi
realizada em uma turma de primeiro ano do ensino fundamental de uma das três escolas onde a
Secretaria de Educação e Formação Empreendedora de Pomerode implementou o “ensino
bilíngue – língua portuguesa/língua alemã”.
O bilinguismo, dentro das instalações escolares, é evidenciado pelo suporte escrito, em
placas e materiais didáticos, bem como pelas práticas de oralidade, especialmente em conversas
entre alunos, professores de diferentes disciplinas e séries, bem como pelas conversas com
outros servidores que atuam nesse contexto. Nos conselhos de classe, a língua portuguesa é
sempre a língua oficial de interação e registros, mas o alemão continua presente nas conversas
paralelas entre os professores, nas expressões de sentimentos dos mediadores dessas reuniões,
quando há uma pausa ou momento de descontração. A relações sociais dentro da escola, de
certo modo, refletem o bilinguismo assimétrico de Pomerode, como resultado de dispositivos
políticos acerca das funções das línguas.
Os ambientes da escola, portanto, não são tão somente salas de aula, salas de reunião,
biblioteca, refeitório, etc., são “espaços sociopolíticos”, que imbricam as complexas relações
sociais e culturais com a aprendizagem escolar (PENNYCOOK, 2000). Consequentemente,
incluem as ideologias sobre as línguas e o modo como lidamos com elas (PENNYCOOK,
2000). Ressalto, diante disso, o argumento de Pennycook (2000, p. 93, tradução minha) quanto
ao reconhecimento de que “tudo o que fazemos em sala de aula pode ser entendido social e
politicamente”69; nada do que pensamos, agimos, lidamos quanto ao ensino de línguas está livre
de ideologias, como, por exemplo, escolher misturar línguas numa mesma sala de aula ou
separá-las em espaços e tempos de aprendizagem distintos.
Dentro da escola, letreiros bilíngues apresentam os diferentes espaços físicos,
conforme exemplifica a figura a seguir.
69
“[…] everything we do in the classroom can be understood socially and politically.” (PENNYCOOK, 2000, p.
93).
156
6.1.1 “É a hora de vocês irem pro BI-língue”: O papel da escola na construção dos
significados sobre o que é o “bilíngue”
159
A escola é um dos domínios sociais mais complexos no que se refere à gestão das
línguas, uma vez que as práticas e crenças de seus participantes (estudantes, professores e
demais agentes educacionais) conflituam em contato na sala de aula (SPOLSKY, 2016). Tais
conflitos estão implícitos nos letramentos escolares, interações entre alunos, professores e
currículo, compondo uma agenda oculta da política de educação bilíngue na sala de aula.
A própria escrita da rotina do dia letivo, que acontece no início de cada manhã com a
turma de primeiro ano, como um acordo entre a professora e os estudantes com relação às
atividades do dia, apresenta crenças sobre os significados da educação bilíngue. Nos momentos
quando a professora organiza a rotina do dia com as crianças, escrevendo-a na lousa, o termo
“bilíngue” costuma aparecer como o momento do dia em que as crianças se direcionam para a
sala de aula bilíngue de língua alemã. A partir dessa rotina, de certa forma, as crianças
pressupõem e constroem alguns significados para o termo “bilíngue”.
A professora opta por utilizar a “palavra bilíngue pra escrever” a rotina na lousa, “e
não alemão”, como uma forma de conscientizar as crianças e, consequentemente, suas famílias,
de que, no primeiro ano, os alunos já “fazem parte do bilíngue”, para “perceberem que [...]
fazem parte do projeto”. A promessa de que irá “mudar” esse termo na rotina, talvez, sinalize
uma percepção de que o bilinguismo não seja exclusivo às atividades de língua alemã. Em vista
dessa compreensão, presumo que seja utilizada a nomenclatura de “sala de aula bilíngue” para
os ambientes pedagógicos das línguas portuguesa e alemã, ao invés de sala de aula de língua
portuguesa e sala de aula de língua alemã.
Não podemos excluir, é claro, o fato de que essa nomenclatura entra em conflito com
uma abordagem dinâmica e recursiva de educação bilíngue quando parece se restringir ao
ensino de apenas uma dessas línguas para cada ambiente. Dizendo de uma outra forma, o
conflito existe, especialmente, porque, ao mesmo tempo em que os espaços das salas de aula
bilíngues de língua portuguesa e de língua alemã separam as línguas, também pretendem, de
certa forma, promover o bilinguismo entre os estudantes. Mesmo que as pessoas não
segmentem ou compartimentalizem as línguas em suas vidas ou mentes, a tradição escolar tende
a realizar essa compartimentalização a partir de estratégias curriculares, como a divisão
disciplinar, a divisão de conteúdos por professor, a divisão de práticas de linguagem para cada
sala de aula. A intenção política da educação bilíngue, em razão disso, demanda que cada sala
de aula bilíngue seja espaço para que cada professora, formada em uma especificidade
161
linguística diferente, trabalhe aspectos pedagógicos dos recursos necessários à interação, seja
pensando no contexto de Pomerode, em específico, seja pensando no contexto global.
Destaco que, nas transcrições apresentadas há pouco, o evento de letramento, no qual
a rotina de cada dia é registrada com as crianças, intensifica o significado do “bilíngue”
produzido pelo currículo, que, potencialmente, situa a educação das crianças num modelo de
bilinguismo de adição. Isso se deve à fragmentação explícita das línguas no tempo e lugar,
exercendo um efeito sobre as escolhas estratégicas da professora e, consequentemente, sobre as
orientações das crianças em relação às línguas e ao bilinguismo em si.
Nesse caso, as misturas linguísticas (como na fala do Levi: “Onde tem a Tante Vanessa
((tia Vanessa))?”), que, naturalmente, constituem recursos do bilinguismo, podem ser
desencorajadas pela escola se a perspectiva de educação for pautada no monolinguismo. Essas
misturas são reflexo de padrões linguísticos que os alunos trazem consigo desde a esfera
familiar, e implicam também em mudanças na escola.
De modo geral, na configuração da política linguística, em sala de aula, as práticas e
crenças linguísticas das crianças são passíveis de modificação a partir das estratégias de gestão
das línguas adotadas por seus professores (cf. SPOLSKY, 2016). Por isso, processos de
apagamentos das línguas familiares são recorrentes nas instituições educacionais. Por outro
lado, se a intenção escolar se basear na promoção de práticas bilíngues, as línguas dos alunos,
ou suas misturas linguísticas, podem ser encorajadas.
Na cena da sala de aula apresentada, as práticas de linguagem das crianças são
incorporadas às interações com a professora, que também passa a translinguajar (como, por
exemplo, em.: “Isso, onde tem a Tante Vanessa ((tia Vanessa)). Tante ((tia)) pra ti, pros outros
ela é a:::?”).
fazem ao utilizarem a figura da professora de língua alemã e o espaço físico da sua sala de aula
para atribuir sentidos ao termo “bilíngue” parece ser motivada pelo currículo, pela gestão das
línguas nos espaços de aprendizagem escolar. Essa gestão, sem dúvidas, perpassa diferentes
eventos de letramentos, tais como a organização da rotina das crianças na lousa. Os alunos
associam o termo bilíngue, então, à “Tante Vanessa”, à “Dona Vanessa”, à “sala de bilíngue”
do alemão, consequentemente ofuscando, nesse momento do dia, o papel da língua portuguesa
na composição do ensino bilíngue.
As práticas e crenças da professora quanto à educação bilíngue também constituem
mecanismos das políticas de educação linguística, configurando alguns significados
construídos em sala de aula e influenciados pela tradição de separação das línguas. Por isso,
considero pertinente evidenciar que a iniciativa da administração pública, em Pomerode, de
implementar políticas para o multilinguismo, não anula a existência da ideologia do
monolinguismo, na qual se construiu a narrativa da nação brasileira. Entendo que exista, de
fato, uma vontade política de valorizar as línguas locais e o multilinguismo do contexto por
meio das leis de cooficialização, da educação bilíngue, de eventos voltados à cultura local,
embora, por trás das ações e planejamentos, também atuem os mecanismos da ideologia
monolíngue, configurando uma agenda oculta na política linguística quanto à compreensão e
gestão do bilinguismo.
Como já alertei na fundamentação teórica desta tese, nossa formação linguística e
escolar, de modo geral, preparou-nos para pensar a língua enquanto um sistema abstrato,
fechado, padronizado, que, se “mal” utilizado, recai sob o domínio do erro. A vista disso,
implementar uma política para o multilinguismo, que reconheça a dinamicidade do contato
linguístico, das translinguagens que as pessoas fazem em suas interações sociais, requer um
esforço constante de “desinvenção” da língua (cf. MAKONI; PENNYCOOK, 2015; MAKONI,
2019).
Falo em “desinvenção” da língua como referência à própria invenção do Estado-nação
moderno, debatido no segundo capítulo desta tese, cuja narrativa coincide com a existência da
língua como símbolo nacional. Ao citar o filósofo norte-americano Donald Davidson,
Rajagopalan (2003, p. 28) também contribui com esse debate explicando que as línguas
inexistem no mundo real, pois são “construtos criados em resposta a certas demandas
históricas”. Por corresponderem às criações advindas com a invenção e desenvolvimento dos
próprios Estados-nação modernos, entendo que as línguas possam ser questionadas,
“desinventadas” ou “reinventadas” (cf. MAKONI; MEINHOF, 2006; MAKONI;
163
PENNYCOOK, 2015), para, quiçá, atender a novos propósitos da vida real (mesmo que, para
isso, tenhamos que confrontar nossas próprias ideologias linguísticas).
Acrescento, ainda, que a desinvenção da língua já acontece, cotidianamente, nas
nossas práticas linguísticas. O conceito de língua inventado com o “desenvolvimento” das
nações, pois, pode ser questionado se observarmos o que as pessoas fazem com as línguas
quando as usam de forma dinâmica, como recursos para negociar sentidos nas interações sociais
(LUCENA; NASCIMENTO, 2016).
As complexidades e antagonismos que se projetam na política de educação bilíngue
residem no confronto dessas diferentes formas de lidar com as línguas e compreendê-las. A
significação do termo bilíngue em referência ao espaço curricular destinado à sala de alemão,
“onde tem a Tante Vanessa”, também é uma forma de compreender as línguas e lidar com elas.
Destaco, inclusive, que esta forma de lidar com o alemão parece ser uma escolha feita com o
propósito de evidenciar a política linguística da escola para as famílias: a de que, no primeiro
ano do ensino fundamental, toda criança matriculada nessa escola estuda no modelo de
educação bilíngue do município, sem a necessidade de frequentar o contraturno, como ocorre
nos anos subsequentes; e essa educação bilíngue difere da oferta da disciplina língua alemã no
currículo municipal das escolas que não pertencem ao projeto de ensino bilíngue.
Yip e García (2017, p. 172) explicam que “estamos acostumados a categorizar as salas
de aula como monolíngues ou bilíngues”. Essa prática sugere uma escolha às famílias: mesmo
situadas em uma escola bilíngue, a partir do segundo ano do ensino fundamental, devem indicar
se a matrícula se dará na modalidade bilíngue ou não. Saliento, apesar disso, que o bilinguismo
se mantém na escola e na rotina de todas as crianças, inclusive daquelas que não aderiram à
educação bilíngue. O bilinguismo, na escola, pois, não depende exclusivamente das disciplinas
curriculares em língua alemã, uma vez que está situado em práticas linguísticas, nem sempre
planejadas, de professores, merendeiras, secretária, diretora, alunos, etc. Dentre essas práticas,
por exemplo, apresentei a “relocalização” (PENNYCOOK, 2010) do vocábulo “Tante” na
interação que se constitui na sala de aula para negociação dos sentidos sobre “O que é ir no
ensino bilíngue”.
Ainda assim, cabe às famílias escolherem a permanência de suas crianças no modelo
de educação bilíngue a partir do segundo ano do ensino fundamental. Diante da entrevista com
a professora (excerto a seguir) e o trabalho publicado por Spiess (2014), pressuponho que essa
escolha nem sempre tenha relação direta com as línguas. A disponibilidade ou indisponibilidade
de o aluno frequentar o contraturno escolar para participar do projeto, hoje, talvez seja um fator
164
Professora Sabrina (língua portuguesa): Até porque a procura pelo projeto bilíngue
ela chega a ser tão grande, principalmente nas séries iniciais. Quando vai se
aproximando das séries finais, eles estão tendo um índice de desistência um pouquinho
elevado. Mas o porquê?
Luana: Do projeto ou da escola?
Professora Sabrina (língua portuguesa): Do projeto. Mas aí começa com doutrina,
começa com outras coisas, outras situações da sociedade, que acabam exigindo, e aí
os pais acham que é demais. Né, por exemplo, uma tarde, com doutrina, mais duas de
bilíngue, aí uma de balé, coisa assim, eles acham que é demais. E aí eles acabam, em
alguns momentos, desistindo do bilíngue.
Gravação realizada em sala de aula em 16 jun. 21. Fragmento sobre tradução, correção e
translinguagem na leitura do calendário (Transcrição acessível para cegos no Apêndice
D).
Professora Sabrina Vamos contar o calendário?
(língua portuguesa):
Alunos: Sim!
Professora Sabrina Então vamos lá!
(língua portuguesa):
Um, dois, três ((para de contar mas continua apontando
para os dias no calendário para conduzir as crianças)).
Alunos: Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez,
onze, doze, treze, catorze, quinze
Professora Sabrina treze, catorze, quinze?
(língua portuguesa):
Alunos: dezesseis.
Professora Sabrina Dezesseis.
(língua portuguesa):
Mariana: Eu já sabia que era dezesseis!
Professora Sabrina Hoje é dia deZEs-seis. De que mês?
(língua portuguesa):
Gregório: Maio?
Professora Sabrina Maio? ((pergunta em tom de surpresa))
(língua portuguesa):
Maitê: Juni! ((aluna fala junho em alemão))
Professora Sabrina JUNI ((professora fala junho em alemão, em um tom de
(língua portuguesa): confirmação)). E em português?
Levi: Juni? ((aparentemente pergunta buscando aprovação))
Mariana: Junho ((fala em um tom bem baixo))
Professora Sabrina JU, aqui ((aponta para Mariana))
(língua portuguesa):
Mariana: Junho.
Professora Sabrina Isso mesmo, dezesseis de?
(língua portuguesa):
Alunos: Junho.
Professora Sabrina JU-NHO, com N, né. E quando eu levanto o dedinho
(língua portuguesa): ((mostra no calendário, apontando para o dia da semana)),
qual é o dia da semana? É segunda, terça, quarta, quinta ou
sexta?
Saulo: Sexta.
Professora Sabrina Hoje é sexta? ((pergunta em tom de surpresa))
(língua portuguesa):
Mariana: Quarta.
Professora Sabrina Sexta? Quarta? Sexta é o dia da mala pesada. Hoje é o dia
(língua portuguesa): da mala pesada?
Alunos: Não.
Professora Sabrina Não. Por que tu acha que hoje é quarta? ((pergunta para
(língua portuguesa): Mariana))
Patrique: Porque hoje é festa junina.
166
muitas vezes, superam as fragmentações de códigos linguísticos para performarem suas ações
com as línguas quando se inserem em práticas de letramento na escola, tais como a própria
leitura do calendário.
A forma como essas performances acontecem também supera, frequentemente,
determinados discursos ideológicos sobre a língua e sobre o letramento em si. A compreensão
de língua institucionalizada na cultura ocidental, decerto, deriva de construções sociais e
ideológicas sobre como o letramento é aceito academicamente, desencadeando em
acontecimentos que podem ser observados nos eventos há pouco apresentados. Segundo Street
(2014 [1995]), o letramento é institucionalizado, pela escola, em um modelo particular, que
requer formas particulares de fala e de textos regidas por regras socialmente estabelecidas como
um padrão a ser seguido. Argumento que esse entendimento do letramento institucionalizado,
pedagogizado, comumente baseado numa ideologia monolíngue, pode resultar em atitudes
negativas à translinguagem, demarcando “fronteiras imaginadas” para práticas das quais as
crianças bilíngues participam. Consequentemente, esse entendimento também pode anular, no
contexto pesquisado, o processo de construção de conhecimento da criança em torno da
compreensão do calendário. No evento transcrito, pois, esse conhecimento se dá de forma
plural, num processo de ampliação do repertório linguístico do aprendiz.
As interações entre estudantes e professora desvelam caminhos sobre os processos de
compreender e utilizar os termos “Juni” e “junho” como duas formas possíveis para se falar de
um mesmo mês, ainda que, por vezes, essas formas ocupem espaços físicos distintos dentro da
escola (sala de aula bilíngue de língua portuguesa e sala de aula bilíngue de língua alemã).
Evidentemente, não sugiro, aqui, o estabelecimento de uma nova norma para a escrita
da língua portuguesa, nem de omissão pedagógica sobre a convenção social estabelecida em
torno dessa norma. A ortografia, fonologia, o reconhecimento das culturas e identidades
linguísticas, etc., são componentes que perpassam a educação linguística e não devem ser
negligenciados nos processos de alfabetização. O que sugiro é justamente questionarmos,
enquanto professores, como se dá a criação de uma norma, a fim de que possamos questionar
também as atitudes negativas aos repertórios plurilíngues quando as crianças atingem os
propósitos comunicativos dentro de dada prática letrada, como, por exemplo, descobrir a
corrente data. Ademais, argumento a favor de formação científica e socialmente engajada do
professor, que o possibilite compreender os caminhos percorridos pela criança, dentro da
educação bilíngue, para participação de eventos de letramento.
169
Menezes Souza (2018, p. 172, tradução minha), ao citar Bhabha (1994), afirma que a
educação formal tem contribuído significativamente “para os processos narrativos, normativos
e institucionais (top-down) pelos quais identidades, linguagens e saberes são fixados e
constituídos como estáticos, separados e sistemáticos”70. Nessa narrativa, a educação bilíngue
se restringiria ao tratamento dado às línguas e às identidades como unidades separadas, que
coexistem, mas não se misturam (MENEZES DE SOUZA, 2018). Os registros de pesquisa de
Guimarães, Buin, Garcia e Ribeiro (2020) sugerem que uma celebração da diversidade
linguística, dentro de uma perspectiva colonial, que insiste em um modelo de “acolhimento” da
70
“For Bhabha (1994) it is pedagogic processes that contribute to the narrative, normative and institutional (top-
down) processes by which identities, languages and knowledges are fixed and constituted as static, separate and
systematic.” (MENEZES DE SOUZA, 2018, p. 172).
170
língua do aluno, desde que esteja separada da língua idealizada pela escola, é insuficiente para
lidar com as complexidades da sala de aula. Diante desses posicionamentos críticos, construo
meu argumento com base na abordagem de translinguagem e de letramento como prática social,
que permitiria reconhecermos que as pessoas, em Pomerode, se engajam em atividades sociais
envolvendo a linguagem escrita em português e alemão no trabalho, na religião, no lazer,
concebendo a “relocalização” (PENNYCOOK, 2010) desses pluriletramentos à educação
bilíngue.
O desenvolvimento da consciência infantil sobre o próprio repertório linguístico,
constituído em meio a práticas de pluriletramentos, demanda por um posicionamento
pedagógico diante da translinguagem e da diversidade linguística. Por ora, destaco que é no
evento cotidiano de leitura do calendário que a professora alfabetizadora em língua portuguesa
parece ter encontrado uma possibilidade de desenvolver a consciência de significados próprios
do contexto bilíngue, como, por exemplo, no reconhecimento dos vocábulos Juni e junho para
referenciar um mesmo mês no ano. No evento apresentado anteriormente, inclusive, entendo
existir uma tentativa de desenvolver uma conduta favorável ao bilinguismo, que reconhece as
línguas, mas nem sempre as integra: “JU-NHO. Juni é lá com a profe Vanessa ((risos)), em
alemão, tá, meu amor”.
Agentes educacionais, quando apresentam atitudes favoráveis à diversidade
linguística, apresentam também tentativas em reconhecer cada vez mais as práticas de
linguagem heteroglóssicas dos estudantes (GARCÍA; MENKEN, 2010), embora orientações
antagônicas sejam comuns em virtude, justamente, das ideologias hegemônicas que se
perpetuam na agenda oculta de uma PL. Por isso, o trabalho pedagógico na sala de aula bilíngue
de língua portuguesa, de modo geral, mistura e combina diferentes modelos de educação
bilíngue em tentativas de fazer cumprir o currículo imposto, em tentativas de atender as
expectativas da administração pública e das famílias dos estudantes, em tentativas de atender a
realidade heterogênea da sala de aula, e, por fim, em tentativas de atender as próprias crenças e
práticas pessoais e profissionais.
disciplinas, professores e espaços distintos, até a construção de práticas mais plurais, baseadas
num repertório linguístico ampliado, necessário às ações de ensinar e aprender na escola. Nesta
subseção, dando continuidade à discussão, discorro sobre as estratégias de resistência adotadas
com relação à fragmentação das línguas pelo currículo, ao mesmo tempo em que esse currículo
também é acatado de alguma forma.
No excerto a seguir, registrado em vídeo, observo a ação da professora Sabrina em
promover um momento de celebrar o aniversário da aluna Maitê, convidando a turma para
cantar duas versões musicais, uma em português e outra em alemão:
Quando a professora pede a versão em alemão (Auf Deutsch?), assume uma estratégia
de evidenciar a educação bilíngue por meio da celebração do aniversário em duas línguas. O
evento, que requereu as duas versões da música, marca uma atividade anterior à organização da
rotina do dia e identificação da data no calendário, que determinam, para as crianças, o início
das atividades oficiais de aprendizagem.
Essas estratégias adotadas em sala de aula, portanto, manifestam as relações de poder
entre as línguas em cada espaço demarcado para seus usos: no horário oficial de aula, aquele
espaço (sala de aula bilíngue de língua portuguesa) é determinado para a língua portuguesa e,
embora a língua alemã seja também autorizada, opera, muitas vezes, atividades não-oficiais.
Dessa forma, entendo que a professora alfabetizadora procure atuar a favor do bilinguismo,
muitas vezes, promovendo tradução entre português-alemão e vice-versa, versão musical do
português para o alemão e vice-versa, ludicidade em ambas as línguas, ao mesmo tempo em
172
que também procura cumprir com as normativas do currículo, demarcando tempos e espaços
para essas línguas. Por isso, adota estratégias variadas para lidar com o plurilinguismo, que
geram efeitos sobre as crianças, em como elas significam a educação bilíngue, o bilinguismo
em si, e como interpretam os espaços e tempos “autorizados” para lançar mão dos recursos
linguísticos que compõem seus repertórios.
As crianças, portanto, aprendem que lhes é esperado o uso predominante do português
na sala de aula bilíngue de língua portuguesa, mesmo que isso não precise ser dito
explicitamente. Afinal, as ações que decorrem dentro desse espaço constituem dispositivos que
atuam na agenda oculta da política linguística (SHOHAMY, 2006), perpetuando essa prática
de linguagem. Por isso, talvez, em momentos quando a professora de língua alemã está na sala
de aula bilíngue de língua portuguesa, as crianças tendem a conversar com ela
predominantemente em português, mesmo aquelas que já são bilíngues desde a esfera familiar.
atingir seu potencial e a confiança acadêmica em relação aos modos fluidos como a língua
acontece. Como advertem Yip e García (2017), por outro lado, as escolas nem sempre
reconhecem os usos particulares da língua realizados por bilíngues.
Mesmo as salas de aula de educação bilíngue estão cheias de regras sobre quando falar
em um idioma ou no outro. Por exemplo, “aquí no se habla inglés” é frequentemente
ouvido em salas de aula bilíngues espanhol-inglês que querem proteger o que é
considerado uma língua minoritária, o espanhol. Alienando ainda mais os estudantes
bilíngues sobre a sua própria voz bilíngue, muitas dessas mesmas salas de aula
bilíngues estão cheias de regras “así no se dice”, dizendo a crianças bilíngues que a
maneira como eles falam é “incorreta”. (YIP; GARCÍA, 2017, p. 169).
influenciar nas crenças das crianças sobre as línguas e, talvez, promover mudanças de
comportamentos. Nesse caso, a professora Vanessa vai construindo um ambiente plural, que,
gradativamente, pode dar novas escolhas aos estudantes sobre como performam suas práticas
de linguagem, sem que tenham de renunciar suas escolhas atuais.
Também não é restrito à professora Sabrina, portanto, o poder sobre as práticas se
situarem a partir da língua portuguesa, uma vez que os mecanismos dessa política linguística
perpetuam uma ideologia sobre a identidade nacional de forma muito mais ampla, como
mencionei há pouco. No entanto, reitero que as condutas de ambas as professoras diante do
bilinguismo, certamente, podem influenciar nas práticas de linguagem que se constituem na
escola a longo prazo. Logo, as práticas promovidas por elas podem servir como uma forma de
legitimar o bilinguismo sob um olhar plural, que valide a translinguagem e a “agentividade” 71
das crianças em suas formas de aprender e nas suas escolhas linguísticas, pelo menos dentro da
escola.
Segundo Yip e García (2017), afinal, interagir usando todos os recursos linguísticos
que se tem à disposição, isto é, fazendo uso de um repertório linguístico completo, permite ao
sujeito bilíngue realizar escolhas, tais como transitar entre as línguas ou falar uma ou outra
língua, adequando-se a seus interlocutores. Quando a sala de aula se torna espaço de
reconhecimento do repertório completo, a partir das estratégias políticas que as professoras
adotam nas suas interações, abrem-se maiores possibilidades de decisões linguísticas que os
estudantes podem tomar. Consequentemente, a política de segmentar línguas em espaços
separados nem sempre se mantém, já que a tradução e a translinguagem também são praticadas.
Por isso, observo algumas tentativas de introduzir os alunos a novas práticas de letramento que
superam essa abordagem de currículo fragmentado:
71
Recorro ao termo “agentividade” em referência ao conceito de “agência humana e social” discutida por Menezes
de Souza (2010). O autor endente “agência” como ações culturais e linguísticas dinâmicas, a partir das quais as
pessoas “não apenas reproduzem normas e códigos, mas também os transformam” (MENEZES DE SOUZA, 2010,
p. 296). Diante disso, suponho a agentividade como uma noção de “agência” que nos possibilita perceber o papel
complexo que cada pessoa assume ao aprender novos recursos linguísticos e transformá-los para as demandas do
seu contexto de vida.
176
Alunos: Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze,
doze, treze, catorze, quinze, dezesseis.
Professora Sabrina Hoje é dia dezesseis de que mês?
(língua portuguesa):
Piter: Nós não sabe.
Professora Sabrina Dia dezesseis de que mês? Como é o nome do mês? Aqui tão
(língua portuguesa): as letras ((aponta para onde está escrito o mês na folha do
calendário)). Qual o mês que tem São João?
Aluno não Maio.
identificado:
Benício: Juli! Juli! ((grita o mês julho em alemão, aparentemente em
euforia pela descoberta))
Professora Sabrina LI oder NI? ((professora pergunta LI, de Juli – julho – ou NI,
(língua portuguesa): de Juni – junho)).
Piter: Juli.
Benício: JuNI. Juni! ((grita novamente, mas agora o mês de junho –
parece gritar por conta de mais uma descoberta ao enfatizar
outro fonema na composição da palavra))
Professora Sabrina Juni. Gerade genau! JuNI! ((Junho. Certo, exatamente!
(língua portuguesa): Junho!)). Mas em português se chama? JU-NHO. NHO, tá.
Ju-NI em alemão e ju-NHO em português. Então hoje é
dezesseis de?
Natacha e Galdino: Março.
Professora Sabrina ((risos)). Dezesseis de?
(língua portuguesa):
Benício: Sexta-feira!
Professora Sabrina Terça?
(língua portuguesa):
Luana: Sexta, ele falou.
Professora Sabrina Sexta? Hoje é dia da mala pesada?
(língua portuguesa):
Alunos: Não.
Professora Sabrina Não. Qual é o dia que a Dona Luana vem? Ela só vem um dia
(língua portuguesa): por semana.
Benício Quarta?
Professora Sabrina Que dia?
(língua portuguesa):
Benício Quarta!
Professora Sabrina Quarta. Ó, eu pego o dedinho, venho aqui pra cima e ó,
(língua portuguesa): encontro as letras ((aponta para o dia da semana no
calendário))
Benício Muito pequenas.
Professora Sabrina Muito pequenas! Por isso, eu escrevi maior. ((aponta para a
(língua portuguesa): data escrita no quadro)) Hoje é, ó, quarta, feira
Alunos: feira
Professora Sabrina Dezesseis de junho, quarta-feira /.../
(língua portuguesa):
177
72
“For that dimension, I turned to language ideology, specifically to Ruiz’s notion of LP orientations (1984),
concluding that local languages will thrive alongside global languages where multiple languages are seen as a
resource, and not a problem” (HORNBERGER, 2006, p. 33).
178
linguístico (na comparação entre as sílabas -NHO e – NI, de “Junho” e “Juni”, e na comparação
da diferença fonêmica entre os próprios meses em alemão “Juli” e “Juni”).
Diante dessa atividade social que é a inserção no mundo letrado ou pluriletrado,
certamente, as reflexões sobre os processos cognitivos e sociais dos quais as crianças dispõem
para aprender o sistema de representações da linguagem escrita passam a ganhar cada vez mais
relevância nas políticas linguísticas e educacionais, seja em contexto de línguas minorizadas ou
não. Para falar da alfabetização dentro da relação entre linguagem, pensamento e letramento,
como elementos mediados socialmente e situados nos contextos históricos e culturais em que
ocorrem, Dworin (2003), inspirado no trabalho de Vygotsky (1978), Halliday (1976; 1978) e
outros, destaca que há diversidade em como a aquisição da linguagem acontece para cada
criança, especialmente para as bilíngues. Dworin (2003), então, nos conduz a questionar as
formas como o monolinguismo impõe compreensões sobre alfabetização e letramento.
A relação entre os conceitos de translinguagem e zona proximal pode auxiliar na
compreensão das razões para os alunos usarem termos do alemão na leitura do calendário em
português, uma vez que desenvolvem a habilidade de falar de datas nessas línguas com suas
famílias, com a professora alfabetizadora em língua portuguesa e com a professora em língua
alemã, configurando essa prática social a partir de uma diversidade de recursos linguísticos. Ao
se depararem com novas datas todos os dias, essas crianças as relacionam com as datas já ditas
e registradas em dias anteriores, seja em português, alemão ou em ambas as línguas,
estabelecendo as relações entre o conhecimento constituído de forma bilíngue. Para melhorarem
seu desempenho diante do novo desafio de falar o dia de hoje, portanto, recorrem aos recursos
linguísticos já usados em português e alemão, misturando-os para concluir a tarefa, e
ampliando, gradativamente, os recursos de seu repertório linguístico. É por essas misturas que
a interação em contextos de bilinguismo é dinâmica e complexa (CANAGARAJAH, 2018);
essas misturas, portanto, não condizem com o mito de falantes com repertório inferior,
incompleto ou com algum déficit, conforme discutido no capítulo dois.
Se compararmos os eventos de letramento que consistem na interpretação do
calendário, até o momento apresentados, podemos observar que a translinguagem contribui para
uma atividade bem-sucedida. Quando a professora implementa a política de português apenas,
a dificuldade de anunciar a data, entre as crianças, pode aumentar, pois ficam impedidas de
acessarem o conhecimento já construído de forma híbrida. No entanto, quando a translinguagem
é assumida, numa prática de pluriletramentos, os alunos avançam dentro do objetivo da
atividade e maximizam seu desempenho acadêmico, uma vez que lhes é promovida interação
179
completa quanto à atividade social exigida. Como exemplo, retomo, no fragmento apresentado
anteriormente, o reconhecimento de Benício de que o mês corrente não correspondia a “maio”,
e de que “Juni” difere de “Juli”. Acessar seu repertório de forma completa possibilitou
estabelecer relações que, provavelmente, não estabeleceria se tivesse de restringir recursos na
sua prática de linguagem.
A representação gráfica do português, na sala de aula bilíngue de língua portuguesa,
continua sendo o registro privilegiado. No entanto, isso não impede que práticas plurilíngues
sejam assumidas. O calendário desse ambiente, por exemplo, é um suporte de leitura em língua
portuguesa, reaproveitado de uma publicidade de um supermercado da cidade. Nele, não há
transição entre as línguas no registro escrito, embora, na oralidade, as línguas sejam dialogadas
a partir do bilinguismo. As crianças, portanto, conforme aprendem a se situar no tempo dentro
da cultura ocidental, fazem misturas, promovendo, elas mesmas, os pluriletramentos, na medida
em que contestam a centralização em um código linguístico restrito para poderem expressar seu
conhecimento escolar a partir dos recursos dos quais dispõem. Por isso, Benício responde
entusiasmado para a professora o mês “Juni” e diferencia-o de “Juli”. A professora,
intuitivamente, rompe com a ideologia monolíngue, concedendo agência e voz ao Benício e
seus letramentos ao perguntar “LI oder NI?” e confirmar seu acerto: “Juni. Gerade genau!
JuNI!”.
Diante disso, entendo que levar em consideração as questões políticas sobre as línguas
para a discussão dos letramentos na instituição escola é uma estratégia que privilegia as práticas
sociais locais e as identidades interpeladas pelo multilinguismo, tão negligenciado na história
linguística e educacional brasileira. Por essa razão, o monolinguismo, no letramento
pedagogizado, pode ser questionado, problematizado e, quiçá, superado.
Conforme o respaldo teórico debatido no segundo capítulo desta tese, embora as
habilidades técnicas de leitura e escrita constituam o letramento, não se resumem a ele. A prática
de letramento promovida pela professora, nesse evento, em particular, é enfatizada pela
interação social na qual o bilinguismo das crianças é legitimado. A partir das estratégias de
promoção de pluriletramentos na sala de aula, o conhecimento das crianças sobre o mês passa
a ser confirmado e ampliado, na condução à reflexão do mês corrente com o mês subsequente,
considerando a proximidade fonêmica e o contraste linguístico: “LI oder NI?”; “Ju-NI em
alemão e ju-NHO em português”.
Nesse fragmento sobre a interpretação do calendário como uma prática de
pluriletramentos, a professora Sabrina, estrategicamente, adota as duas línguas para promover
180
seu uso, reflexão e um estímulo “provocativo” (“LI oder NI?”), talvez, questionando a
compartimentalização das línguas como códigos linguísticos estáticos, “como entidades
ontológicas, com suas respectivas estruturas, limites, gramáticas e formas”73 (PENNYCOOK,
2006a, p. 66, tradução minha). O argumento que construo, aqui, é o de que, possivelmente, a
professora procurou promover uma prática de pluriletramento a partir da translinguagem de
Benício, superando o modelo de educação que soma monolinguismos para a formação de
sujeitos bilíngues.
Em suma, os antagonismos que observo na política de educação bilíngue, nas ações
perpetuadas na sala de aula bilíngue de língua portuguesa, estão relacionadas às tentativas de
valorização do multilinguismo que engloba os pluriletramentos sob um olhar educacional
(HORNBERGER 2006; 2018), assim como a marginalização da mistura dos recursos
linguísticos tradicionalmente reconhecidos como línguas separadas. O currículo, é claro, não é
o único responsável pela cultura de fragmentação dos repertórios linguísticos, mas, muitas
vezes, consequência de outros mecanismos que perpetuam essa política linguística. A cultura
de letramento escolar é atravessada por uma ideologia nacionalmente monolíngue, cujos
suportes didáticos raramente vislumbram uma educação efetivamente bilíngue. Só para citar
um exemplo, menciono os livros didáticos, cuja tendência ainda é apresentarem uma abordagem
do monolinguismo em língua portuguesa, pouco (ou nunca) trazendo reflexões para os
professores sobre práticas que podem ser desenvolvidas em contextos multilíngues, associadas
à vida e aos sentidos diários construídos nas/pelas línguas brasileiras. Ademais, os sistemas
avaliativos, como pretendo discutir na última seção deste capítulo, também costumam ser
pensados numa abordagem monolíngue, dificilmente abrindo possibilidades para o
desempenho acadêmico plurilíngue.
6.1.3 “Antes, eu via o projeto bilíngue até com a intromissão na minha prática de
português”: uma mudança de orientação de língua
73
“[…] as ontological entities, with their attendant structures, boundaries, grammars, and forms” (PENNYCOOK,
2006a, p. 66).
181
“problema” da língua (cf. RUÍZ, 1984) para a nação monolíngue e seu ideal de letramento,
sobre o “direito” à língua (cf. RUÍZ, 1984) e sobre os “recursos” (cf. RUÍZ, 1984) que o
bilinguismo representa. No excerto a seguir, a professora, inclusive, descreve como sua
concepção acerca do bilinguismo foi se constituindo na experiência com o projeto:
Professora Sabrina (língua portuguesa): Antes, eu via o projeto bilíngue até com a
intromissão na minha prática de português. Aí eu não conseguia perceber as
contribuições de uma língua na outra, né. /.../ Se isto está me incomodando, eu estou
vendo isso como uma coisa que está me atrapalhando, eu vou começar a estudar. Foi
onde eu decidi que eu iria fazer uma especialização e descobri a professora ((cita o
nome da professora)) dentro do programa. /.../ Então, ela me recomendou algumas
leituras e ali foi que eu comecei a descobrir o quanto de fato uma língua colabora com
a outra. A primeira grande descoberta foi que as duas usam o sistema alfabético, que
era ÓBVIO! Mas antes de você se debruçar a ler e a pesquisar sobre, isso parecia um
problema. /.../ eu fui descobrindo as múltiplas vantagens que têm as duas línguas
caminharem juntas.
bilíngue em Pomerode, nas práticas que se consolidam em sala de aula. Nesse sentido, concordo
com Mello (2011b) quanto à importância de professores reconhecerem e evitarem os
estereótipos relacionados às línguas, culturas e pessoas do seu entorno para que suas atitudes,
no processo educacional, “não penalizem os alunos em razão de seus traços identitários.”
(MELLO, 2011b, p. 152). A busca pela formação continuada é, naturalmente, um caminho
possível para se evitar tais estereótipos e construir espaços educacionais seguros para que as
crianças continuem a usar a língua de suas famílias, ou para que reconheçam o bilinguismo
como constitutivo das identidades locais. No entanto, o planejamento do currículo, a gestão
advinda da administração pública, a produção de diretrizes para a educação bilíngue, também
fazem parte desse processo contínuo da política de educação bilíngue de Pomerode e precisam,
conjuntamente, ser levados em conta.
A professora alfabetizadora sinaliza, na entrevista concedida, que “se debruçar a ler e
a pesquisar” sobre o contexto sociolinguístico da sua atuação foi o investimento na formação
profissional para superar o “problema” da língua e, consequentemente, para a sua reinvenção
na sala de aula bilíngue. A vivência com o multilinguismo na escola, de certa forma, requer dos
profissionais uma sensibilidade para que mudanças ocorram quanto às atitudes ou crenças
linguísticas. Berger (2015, p. 195), inclusive, fala de uma “mudança de visão” entre as
professoras da escola onde desenvolveu sua pesquisa, conduzindo a perceberem não só as
“demandas linguístico-educacionais” dos estudantes, como também a se “posicionarem frente
ao multi/plurilinguismo no espaço de escolarização”, não mais invisível ao discurso de língua
nacional.
Por isso, a formação de professores, sem dúvidas, é um investimento imprescindível
para essa política de educação bilíngue. Como já destaquei em outro momento da tese, acredito
no compromisso social da universidade com esse contexto, assim como no compromisso da
Secretaria de Educação e Formação Empreendedora de Pomerode quanto à formação
continuada dos profissionais.
Sobre o início do “projeto: implantação do ensino bilíngue”, a professora fala que
compreendia o bilinguismo local como um problema para a alfabetização na língua majoritária,
uma vez que o via como “intromissão” na sua “prática de português”. Essa orientação, muitas
vezes, pode estar vinculada à tradição do letramento pedagogizado de separar as línguas (e não
as unir na prática do bilinguismo), assim como pode estar vinculada ao próprio status social que
desfruta (ou desfrutava) a língua em questão.
183
74
“[…] biliteracy development is a dynamic, flexible process in which children’s transaction with two written
languages mediate their language learning for both languages. Reyes and Costanzo (2002) have described this as
bidirectional transfer and suggest that bilinguals’ learning is a circular rather a linear process. The major
implication is that we need to develop a bilingual perspective on biliteracy development” (DWORIN, 2003, p.
179-180).
184
de regras – as quais repercutem até mesmo em contextos acadêmicos – a fim de levar em conta
as múltiplas possibilidades criativas (cf. SHOHAMY, 2006; PENNYCOOK, 2010) que as
pessoas fazem para construir sentidos e interagir entre si.
Diante disso, na presente seção, socializo cenas da sala de aula bilíngue de língua
portuguesa, a partir das quais é possível descrever práticas de letramento nas línguas que
circulam dentro desse contexto e, por conseguinte, olhar para a situação de contato linguístico
nas suas dinâmicas políticas e educativas. Para isso, nas próximas duas subseções, seleciono
alguns recortes cujos conteúdos desvelam pluriletramentos que fazem parte da rotina das
interações em sala de aula, a começar pelo registro, leitura e interpretação do tempo no
calendário, dando continuidade ao debate iniciado na seção anterior.
em duas línguas”). A educação bilíngue, nesses termos, é uma educação múltipla, na qual a
translinguagem é performada nas ações de alunos e professores, tanto nas modalidades escritas
quanto faladas da linguagem (GARCÍA, 2009), constituindo, portanto, os pluriletramentos.
Segundo Guimarães, Buin, Garcia e Ribeiro (2020, p. 98), o rompimento do monolinguismo,
em sala de aula, a partir de práticas de translinguagem, possibilita para alunos e professores o
“pensar entre línguas”, assim como aprender a “existir com as diferenças”, ações tão necessárias
para uma “educação linguística” vinculada à “vida em sociedade”.
A mistura dos vocabulários de origem alemã na interação em língua portuguesa, como
uma translinguagem, se torna, na prática pedagógica, um recurso de ensino e, na prática de
linguagem do aluno, um recurso para participar dos letramentos envolvendo o calendário.
García (2009) sugere que a criatividade e criticidade sejam dimensões da translinguagem que
requerem justamente essa habilidade de transgredir padrões linguísticos ou até mesmo segui-
los nas tomadas de decisões diante das diferentes situações comunicacionais. Nesses termos, as
práticas de linguagem na sala de aula bilíngue de língua portuguesa requerem um senso crítico.
Como exemplo, menciono o desafio de superar um currículo que divide as línguas em tempos
e espaços distintos para escolher usar recursos do alemão nas interações em português,
transformando e modificando os convencionais letramentos pedagogizados, na promoção de
oportunidades de aprendizagem ampliadas.
A translinguagem, na sala de aula bilíngue de língua portuguesa, é desenvolvida nas
próprias práticas de letramentos promovidas pelas crianças e pela professora, a partir de
atividades que exigem do estudante a habilidade de negociação de sentidos, de desenvolver
repertórios e estratégias para ler, escrever, falar, interagir diante de novos desafios, como a
própria identificação e registro de uma data.
A professora promove, nesse evento em questão, a aprendizagem da linguagem com
foco em práticas de letramento no “modelo ideológico” (cf. STREET, 2014 [1995]) da teoria,
ao considerar os construtos sociais de utilizar a língua, sendo sua estrutura uma própria
consequência de tais construtos. É diante dessa prática social que a professora investiga o que
levou Benício a considerar que, naquele momento de interação, estavam no mês de “Juli” e, a
partir da compreensão dessa criança, responder, fazendo uso de um repertório amplo dentro do
contexto bilíngue: “Mas hoje estamos no mês Juni”. Essa mesma postura conduz a decisões
pedagógicas de levantar, em certas situações, reflexões com as crianças nas duas línguas, como
quando compara sílabas de “junho” e “Juni” (seção anterior), ou quando sugere que “As letras
são parecidas”.
188
Ler o calendário, registrar a data, dizer o dia de hoje são práticas letradas que
transcendem o reconhecimento de códigos escritos, tendo em vista que são atividades que
dependem de toda uma situação cultural, ideológica, social, histórica de marcar o tempo. O
calendário, afinal, é uma invenção social que altera a forma de entender o tempo em diferentes
culturas (dentre as mais conhecidas mundialmente, cito o próprio calendário cristão, além do
calendário chinês, judaico, islâmico, etc.). O que busco ponderar, aqui, é que as práticas de
letramento envolvendo o calendário exigem a aprendizagem de um universo de questões de
ordem socialmente complexas. Para lidar com essas complexidades, as crianças linguajam de
forma bilíngue, explorando ao máximo os recursos dos quais dispõem, promovendo,
continuamente, novas influências entre as línguas da sua realidade bilíngue e transformando os
letramentos desse contexto.
Destaco, portanto, que dentre as diversas formas de falar, entender, conceber o tempo,
as crianças vão sendo introduzidas à prática letrada de datar eventos através de um modelo de
calendário. Para aprender essa prática, na escola, os estudantes são expostos a recursos
bilíngues, que lhes permitem ampliar seu repertório linguístico para descreverem um mesmo
evento, ao mesmo tempo em que se apropriam dos modos de entendê-lo:
Gravação realizada em sala de aula em 22 set. 21. Fragmento sobre porque quarta-feira
é Mittwoch. (Transcrição acessível para cegos no Apêndice D)
Vamos contar? Eu queria ouvir os meus alunos contando.
Professora Sabrina ((professora vai apontando no calendário enquanto os alunos
(língua portuguesa): contam os dias do mês corrente no calendário))
Alunos: Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze,
doze, treze, catorze, quinze, dezesseis, dezessete, dezoito,
dezenove, vinte, vinte e um, vinte e dois.
Professora Sabrina Vinte e? Dois.
(língua portuguesa):
Alunos: Dois.
Professora Sabrina Vinte e dois de que mês?
(língua portuguesa):
Alunos: Junho? Julho?
Alunos: ((começam a falar vários meses aleatórios na tentativa de
adivinhar o mês da corrente data))
Professora Sabrina A meu chapéu! Que mês?
(língua portuguesa):
Gregório: Setembro.
Professora Sabrina Setembro. E qual é o dia da semana?
(língua portuguesa):
Benício: Mi/Quarta. ((parece que começa a falar Mittwoch, mas muda
a fala para quarta))
189
Professora Sabrina Aonde tem, então? Se do mercado não tem? Esse aqui é do
(língua portuguesa): mercado, é verdade. Esse aqui a Dona ((fala o nome da
diretora)) pegou lá no Hannes pra nós ó, é lá do mercado
Hannes. É verdade. O do mercado não tem ((risos)),
Patrique, mas da tua casa tem?
Mariana: A minha tem.
Professora Sabrina Com quarenta?
(língua portuguesa):
Galdino: A minha também.
Benício: A minha não.
Professora Sabrina Nós temos que estudar esses calendários.
(língua portuguesa): ((alguns alunos ainda ficam mencionando que na sua casa
tem outros que na sua casa não tem calendário com mês de
40 dias))
/.../
bilíngue na qual as duas línguas dos estudantes são aproveitadas para o trabalho pedagógico
com os conceitos do tempo no calendário. Esse evento de letramento, em particular, valoriza o
bilinguismo e o usa como um recurso do próprio pensamento conceitual em ambas as línguas.
Nesse momento, a mistura entre as línguas, evidentemente, não pode ser encarada como um
problema para o currículo que as compartimentaliza em espaços distintos, uma vez que se torna
estratégia pedagógica de ensinar um gênero discursivo (o calendário) e as práticas sociais a ele
atreladas.
Diante da gestão das línguas a favor do bilinguismo dos alunos nas aulas de língua
portuguesa dessa turma de alfabetização, entendo que a professora toma decisões que não se
limitam ao currículo pensado para o “projeto: implantação do ensino bilíngue” (uma vez que
esse projeto também tem se transformado na realidade das escolas).
Possivelmente, a partir da experiência profissional, de suas próprias crenças
pedagógicas e linguísticas, a professora Sabrina desenvolveu certa autonomia quanto às suas
escolhas educacionais, para além das escolhas da administração pública, embora também haja
conflitos entre elas. Nas palavras de García e Menken (2010, p. 258, tradução minha), “os
educadores respondem à política de acordo com sua própria perspectiva – ideológica,
linguística, cultural, educacional e pedagógica”75, o que implica reconhecer que nem sempre o
modelo de educação bilíngue aparentemente proposto é o modelo de educação bilíngue
praticado nas cenas da sala de aula. Concordo com García e Menken (2010, p. 258, tradução
minha”) quando mencionam que “bons educadores não seguem cegamente um texto prescrito
ou marcham para uma política de ensino de línguas imposta, mas, em vez disso, recorrem a
seus próprios conhecimentos e entendimentos para ensinar” 76. Para isso, é preciso reconhecer
as práticas sociais envolvendo a linguagem que as crianças levam para a escola e transformam
nas salas de aula, em contato com outros letramentos.
A estratégia pedagógica de explorar o conceito do dia da semana nas culturas
linguísticas que se encontram, a partir dos vocábulos “quarta-feira” e “Mittwoch”, é uma
decisão da professora, que se reflete em formas inovadoras de descrever o dia corrente, de ler
o calendário pendurado na parede da sala de aula e de falar sobre a passagem do tempo.
75
“[…] educators respond to the policy according to their own perspective—ideological, linguistic, cultural,
educational, and pedagogical” (GARCÍA; MENKEN, 2010, p. 258).
76
“[…] good educators do not blindly follow a prescribed text or march to an imposed language education policy
but instead draw on their own knowledge and understandings in order to teach” (GARCÍA; MENKEN, 2010, p.
258).
192
A seguir, apresento outro excerto das gravações realizadas na sala de aula bilíngue de
língua portuguesa, no qual a professora retoma brevemente os termos “Mittwoch” e “quarta-
feira” numa estratégia de tradução, possivelmente como lembrança das discussões realizadas
com a turma quanto ao conceito que os vocábulos possuem nas suas culturas linguísticas. Essa
estratégia, na sala de aula bilíngue de língua portuguesa, conduz as crianças a reconhecerem-se
no tempo mensurado pelo calendário a partir de conhecimentos conceituais construídos nas
duas línguas de seu contato.
Gravação realizada em sala de aula em 20 out. 21. Fragmento sobre o Opa da Mariana
tê-la ensinado a ler o calendário (Transcrição acessível para cegos no Apêndice D).
Professora Sabrina ((professora vai distribuindo os livros de língua portuguesa
(língua portuguesa): entre as crianças)) Tema a ver com o calendário ((comenta
sobre a atividade que farão no livro)).
Mariana: Profe!
Professora Sabrina Oi?
(língua portuguesa):
Mariana: Eu acho que eu já sei ver. O meu Opa já me ensinou isso.
Professora Sabrina É? Então você vai aproveitar o que o Opa te ensinou pra ajudar
(língua portuguesa): os amigos saberem mais um pouco sobre a função do
calendário. Tá bom, querida? Então você vai poder ajudar os
outros, tá bom, minha querida?
Com esse breve recorte da interação, procuro ilustrar uma realidade acerca dos
letramentos desses alunos: as crianças aprendem a ler (emprego o verbo, aqui, num sentido
social do termo, e não cognitivo) de diferentes formas, com pessoas diferentes, a partir de
diferentes perspectivas linguísticas, pois o letramento é construído dentro das comunidades
onde vivem, e não exclusivamente na escola. Por isso, há eventos que, de certa forma,
195
De modo geral, com base nos registros de pesquisa aqui debatidos, entendo que a
língua alemã, a partir de questões sociais a ela imbricadas, atravessa as interações da sala de
aula bilíngue de língua portuguesa, resultando em práticas de pluriletramentos. Os
pluriletramentos, sem dúvidas, estão no convívio social fora da escola, como em matérias de
jornais, em receitas familiares, músicas, etc.
Esses pluriletramentos adentram a escola e transformam a leitura e a escrita quanto ao
modo como tradicionalmente são concebidas. Dentre as práticas de letramento da sala de aula
bilíngue de língua portuguesa, há momentos de conversas sobre a rotina do dia, o calendário, a
história lida, etc., que se distanciam, muitas vezes, dos padrões monolíngues e grafocêntricos
77
The classroom is a microcosm of the larger social and cultural world, reflecting, reproducing and changing that
world. […] Everything outside the classroom, from language policies to cultural contexts of schooling, may have
an impact on what happens in the classroom. And everything in the classroom, from how we teach, what we teach,
and how we respond to students, to the materials we use, and the ways we assess the students, needs to be seen as
social and cultural practices with broad implications. The challenge is to understand these relationships and to find
ways of always focusing on the local while at the same time keeping an eye on the broader horizons. The view of
our classroom walls as permeable means that what we do in our classrooms is about changing the worlds we live
in. (PENNYCOOK, 2000, p. 102).
196
6.2.2 “A minha Oma faz almoço”: a linguagem como recurso para significar identidades
e modificar letramentos escolares
78
“[…] language as a local practice is not only repeated social activity involving language, but is also, through its
relocalization in space and time, a process of change.” (PENNYCOOK, 2010, p. 137).
198
A seguir, trago recortes de eventos da sala de aula bilíngue de língua portuguesa que
também representam as práticas de linguagem locais na escrita de uma tarefa de casa passada
pela professora de língua portuguesa. Os estudantes precisavam registrar por escrito o que seus
familiares fazem enquanto as crianças estão na escola. A atividade escrita foi desdobrada na
oralidade em sala de aula:
Gravação realizada em sala de aula em 10 nov. 21. Fragmento sobre leitura da tarefa “O
que sua família faz quando você está na escola?” (Transcrição acessível para cegos no
Apêndice D).
Professora Sabrina Liam, o que você descobriu? O que os seus pais fazem
(língua portuguesa): quando você está na escola?
Liam: ((responde sem precisar fazer a leitura do que escreveu na
tarefa)) Minha mãe lava a roupa, ela, ela arruma a casa.
Professora Sabrina Uhum. Uhum. E o seu pai?
(língua portuguesa):
Liam: O meu pai trabalha.
Professora Sabrina E os seus irmãos?
(língua portuguesa):
Liam: O ((fala o nome do irmão)) faz tarefa de português, alemão,
aqui na escola. E o ((fala o nome de outro irmão)) faz
atividades na creche dele.
/.../
Professora Sabrina /.../ Enquanto a Jaqueline se organiza, Bella, que que você
(língua portuguesa): descobriu?
Bella: ((já faz a leitura sozinha, decodificando o que conseguiu
escrever no próprio livro)) A minha Oma faz almoço.
Trabalham na empresa. Em casa, fazem faxina.
Professora Sabrina Muito bem, Bella, muito bem. E você, Levi, o que você
(língua portuguesa): descobriu? /.../
mesmos termos, o que parece indicar um vínculo próximo com os avós no cotidiano e os
vestígios da língua que falam.
É importante reconhecer que a prática linguística de Bella é regulada por um conjunto
de regras implícitas à interação, aceitas pela professora porque, possivelmente, já se tornaram
normalizadas em Pomerode, como integrantes das interações verbais. Nesse sentido, entendo
que a seleção de palavras para a referência aos avós, feita pelas crianças na tarefa de português,
não ocorra ao acaso, mas constitua um processo ideológico das diferenças linguísticas, e que,
possivelmente, já caracterizam uma “prática de linguagem local” (PENNYCOOK, 2010). É
possível que os avós ensinem às crianças a chamá-los de Opa e Oma como um traço linguístico
que, muito mais do que traduzir sua hierarquia genealógica na família, representa a que grupo
pertencem, como um elo identitário.
Alguns termos de origem alemã, que se integram às interações predominantemente em
língua portuguesa, passam a integrar não só as práticas de linguagem locais, como também
aspectos da identidade teuto-brasileira em si. Pensar essa identidade como sendo “local” requer
situar o seu processo de formação na “mobilidade” das práticas sociais e linguísticas
(PENNYCOOK, 2010). Essas práticas, pois, resultam e são resultado das maneiras particulares
das pessoas fazerem as coisas e darem sentido aos espaços onde as fazem (PENNYCOOK,
2010). Diante disso, não é que “Oma” e “Opa” sejam palavras, simplesmente, introduzidas à
língua portuguesa como novos vocábulos representativos de uma identidade linguística. Mais
do que isso, as pessoas ressignificam socialmente o que associam a esses termos e performam
suas identidades em práticas de linguagem locais, tornando-os, de certa forma, traços
linguísticos icônicos dessas identidades numa dinâmica de interações complexas, em que uma
língua atravessa a outra, transgredindo, inclusive, os padrões de letramentos escolares.
Nesse processo ideológico, pretendo chamar a atenção, em particular, para o
questionamento que Irvine e Gal (2000) fazem ao modo como as próprias ideologias das
pessoas contribuem para uma mudança da língua. Nesse caso, certamente, há uma mudança na
“prática de linguagem local” (PENNYCOOK, 2010), em que certos termos (como Opa e Oma)
se integram com aceitabilidade na oralidade ou escrita das aulas de língua portuguesa. Nesse
aspecto, também apresento o excerto a seguir, no qual a aluna Mariana parece projetar
diferenças ideológicas em relação aos termos “Oma” e “vó”:
Gravação realizada em sala de aula em 10 nov. 21. Fragmento sobre a leitura da história
da Vó Nana, que se desdobrou na conversa acerca da composição familiar das crianças
(Transcrição acessível para cegos no Apêndice D).
200
da linguagem que transformam tanto o que entendemos por língua portuguesa quanto o que
entendemos por língua alemã, em práticas que desinventam e reinventam o que é língua.
Nesses termos, considero pertinente destacar que as crianças não parecem fazer uma
relação direta desses recursos linguísticos à nação alemã, ainda que as línguas portuguesa e
alemã, em Pomerode, sejam constantemente representadas por símbolos nacionais, como suas
respectivas bandeiras, por exemplo. Na dissertação de Cardoso (2015), podemos observar um
fenômeno igualmente interessante quanto à escola bilíngue de línguas portuguesa e inglesa,
onde os estudantes de ensino médio hibridizam as duas línguas para agirem criativamente nas
interações entre si ou com seus professores. A autora, então, sugere que comecemos a olhar
para esses fenômenos desvencilhando-nos da cultura nacional como fonte exclusiva para a
constituição de identidades culturais.
O processo de formação de identidades, afinal, é muito mais dinâmico e diversificado
do que sugerem as narrativas nacionalistas. Por isso, parto do princípio de que identidade local
não se restringe a apenas uma localidade física e temporal, mas abarca as ideologias linguísticas
a ela atreladas, os modos locais de agir socialmente, de desenvolver práticas de linguagem
(PENNYCOOK, 2010).
Na educação bilíngue em discussão nesta tese, como venho destacando, o português e
o alemão são línguas que se influenciam mutuamente nas interações da comunidade, o que
implica em práticas de linguagem inovadoras, que acabam se distanciando das estanques formas
tradicionais de concebê-las. Rajagopalan (2003, p. 61), aliás, postula que “O traço mais visível
da identidade linguística nesses tempos pós-modernos é a mestiçagem, da qual nenhuma língua
escapa hoje em dia” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 61).
As práticas de linguagem dos estudantes da educação bilíngue de Pomerode rompem,
então, com as expectativas de um “falante ideal, não contaminado pelo contato com os outros”
(RAJAGOPALAN, 2003, p. 63), potencialmente, modificando o que entendemos por língua
nas aulas de língua portuguesa. Como ações provenientes do contato entre diferentes pessoas,
grupos sociais ou culturas, as práticas de linguagem, nesse contexto, conduzem a interações
inovadoras, a novas formas de comunicação e expressões de identidades. Consequentemente,
os usos da língua portuguesa, especialmente nesse cenário de educação bilíngue, reivindicam
misturas como um processo constitutivo dessa língua e, portanto, da educação linguística.
Tais misturas dependem, é claro, dos recursos e valores culturais dos quais os falantes
dispõem. Os usos dos termos “Oma” e “Opa”, anteriores ao início do processo de escolarização
dessas crianças, constituem uma dinâmica comunicativa corriqueira nas suas vidas. Como é
203
possível observar, essa dinâmica não impõe fronteiras definidas entre português e alemão, mas
inova a língua e os letramentos nas tarefas da sala de aula bilíngue de língua portuguesa, e
possibilita que as crianças performem, através de seus recursos linguísticos, suas identidades
locais. A legitimidade concebida ao uso desses recursos linguísticos é uma política promovida
pela professora no contexto de alfabetização dessas crianças. No entanto, volto a mencionar
que as orientações documentadas no projeto sala bilíngue, ou na organização curricular do
município, ainda carecem de uma abordagem para essas práticas, antevendo as possíveis
atitudes linguísticas dos professores diante da translinguagem e de planejamentos que
vislumbrem os pluriletramentos. Por isso, considerando o valor dos documentos dentro dos seus
próprios contextos de produção, reitero a importância de revisitá-los, constantemente, num
diálogo entre seus elaboradores originais, demais professores, alunos e administração pública
de modo geral, a fim de dar continuidade às proposições inicialmente pensadas, preencher
lacunas de novas demandas que foram surgindo desde tais proposições, e orientando os novos
profissionais que chegam a essas escolas e não participaram, necessariamente, da sua
constituição em um programa bilíngue.
Concordo com Rajagopalan (2013) quando defende a participação dos atores sociais
envolvidos com a educação para a elaboração da política linguística. A partir de um
posicionamento crítico à tradição da linguística teórica, que tende a fundamentar uma política
linguística ditando como as línguas devem ser ensinadas (RAJAGOPALAN, 2013), precisamos
levar em conta as ideologias, embates e práticas de dentro e fora da sala de aula para a inclusão
das crianças ao longo dos seus próprios processos de aprender. A sala de aula bilíngue de língua
portuguesa, onde o conteúdo de ensino é a própria língua portuguesa, pode se ancorar em
práticas translíngues e de pluriletramentos para ajudar os alunos a compreenderem os processos
de comunicação e se compreenderem neles, permitindo-lhes protagonismos sobre suas
aprendizagens.
fazem parte desse cenário educacional. Nesse sentido, reitero a vontade pedagógica de
introduzir, à sala de aula, práticas sociais de letramento que levem em conta o local. Para isso,
a verificação e análise de como procedem as pessoas que participam dessas práticas fora da
escola (cf. GARCEZ, 2019), em atividades sociolinguísticas altamente fluidas, se tornaram
estratégias para a promoção de ações com a linguagem para propósitos ampliados, irrestritos às
conquistas exclusivamente acadêmicas, associadas a concursos, avaliações, classificações em
índices, etc.
Nesse aspecto, destaco as orientações voltadas à avaliação na disciplina de língua
alemã, presentes na Proposta Curricular de Pomerode:
Concordamos com Zabala (1998) quando diz que é importante começar com a
avaliação dos conhecimentos prévios dos alunos para bem poder avaliar a aquisição
de conhecimentos no processo. A avaliação da trajetória do educando é de suma
importância pra avaliar e reavaliar o que é necessário continuar a fazer e o que é
preciso fazer de novo (POMERODE, 2004, p. 89)
79
“[…] to question the ways in which languages have been constructed and to look for alternative ways of thinking
about language.” (PENNYCOOK, 2010, p. 5).
205
FONTE: Registro gerado para o diário de campo desta pesquisa em 10 nov. 21 a partir de gravações realizadas
na sala de aula bilíngue de língua portuguesa.
Descrição da imagem para cegos: A imagem contém uma lousa branca na qual há registros das tentativas de
escrita de palavras das crianças do primeiro ano do ensino fundamental.
entre o som e a letra, tanto da consoante quanto da vogal. Por isso, possivelmente, conseguiram
registrar esses três termos em conformidade com a ortografia padrão na atividade proposta.
Nas tentativas de escrita das palavras CHÃO como OA e MENINA como EIA, as duas
crianças que foram à lousa para escrevê-las parecem formular a hipótese silábica sobre a
linguagem escrita, na qual cada palavra é reproduzida representando partes sonoras da fala.
Buin, Ramos e Silva (2021) destacam que quando alcançam essa hipótese, as crianças já
demonstram um avanço cognitivo significativo, construindo um entendimento de que é possível
fazer a decomposição das palavras em partes, embora não consigam segmentar a cadeia de sons
da fala em unidades perceptuais ainda menores, no interior da sílaba.
Também há crianças que estão numa fase de transição entre uma hipótese e outra,
situando-se na fase silábico-alfabética, como é possível observar na palavra BATATA,
representada, na lousa, como BIDATA. O estudante já entende, aqui, que a sílaba pode ser
segmentada e analisada em elementos menores (os fonemas), prestando atenção aos aspectos
intrassilábicos para uma segmentação mais complexa que aquela de selecionar uma letra por
sílaba, embora nem sempre saiba quais sejam todas as letras que precisa utilizar (BUIN;
RAMOS; SILVA, 2021). Em BIDATA, por exemplo, a criança em questão reconhece que a
sílaba inicial da palavra não pode ser representada apenas por uma letra (B). A consoante,
portanto, é a letra que a criança conseguiu compreender nesse contexto, embora não tenha
reconhecido a vogal A na composição silábica, substituindo-a por outra vogal para “preencher”
esse “espaço” vocálico que acredita não poder ficar “vazio”.
A troca entre as letras T e D, na palavra BATATA (escrita pela criança como
BIDATA), representa, de um ponto de vista fonológico, uma troca de consoantes que se diferem
apenas pelo traço sonoro (o ponto e o modo de articulação são os mesmos), o que é comum
entre crianças em fase de alfabetização, tendo em vista que ainda não possuem “todas as
representações do sistema de escrita estabilizadas” (BUIN; RAMOS; SILVA, 2021, p. 77). Por
outro lado, é possível que também possam existir, nessa situação, implicações sobre o
reconhecimento da produção de fala local, cujo contato linguístico costuma influenciar na
produção e variabilidade entre os pares surdos e sonoros: [t] e [d]; [p] e [b].
A criança que escreveu, na lousa, BIDATA, é uma das crianças que fala alemão em
casa, com a família, e apresenta interferências fonológicas da língua alemã nas práticas de
oralidade em língua portuguesa. Faço essa menção para destacar que a interferência entre as
línguas faz parte do processo de alfabetização em situação de plurilinguismo, e, por isso, a
reflexão das diferenças entre os padrões grafofonológicos precisa ser estrategicamente
208
práticas de linguagem que desenvolvem (e tão bem!) para lidar com os desafios de se inserirem
no mundo letrado e plurilíngue.
É papel do professor reconhecer essa trajetória desenvolvimental da criança, tendo o
desafio de compreender a lógica das hipóteses estabelecidas e auxiliar a criança nas suas
confirmações ou redefinições para adequação ao sistema linguístico (ALVES; FINGER, 2023).
Por isso, questões relacionadas à formação adequada de professores, constantemente, retornam
à pauta, a fim de que tenham subsídios para conduzirem as atividades pedagógicas planejadas
para a confirmação e reformulação das hipóteses que as crianças constroem durante seu
processo de alfabetização bilíngue. Por meio de atividades pedagógicas, “a criança pode ser
levada a exercitar habilidades explícitas de manipulação dos sons da fala, tornando-se
consciente de como os sons se organizam para que possam comunicar” (BUIN; RAMOS;
SILVA, 2021, p. 46). Reitero, ainda, com amparo em Alves e Finger (2023), Finger, Brentano
e Ruschel (2019) e Megale (2017), que esse exercício para o desenvolvimento da consciência
fonológica pode ser construído em mais de uma língua quando nos desvencilhamos de uma
ideologia monolíngue de tratar a alfabetização.
O investimento na formação científica de professores que atuam nas séries iniciais,
tanto com língua portuguesa quanto com língua alemã, portanto, é essencial para um trabalho
sensível com o conhecimento linguístico de crianças em processo de aquisição da escrita em
situação de plurilinguismo. Ademais, o conhecimento do sujeito bilíngue sobre o sistema de
sons de uma língua não necessariamente começa e termina com a alfabetização. Alves e Finger
(2023) sugerem que habilidades metafonológicas são desenvolvidas desde a Educação Infantil,
e os domínios prosódicos maiores tendem a ser trabalhados ao longo de toda a vida escolar do
aprendiz, requerendo uma formação atenta de professores que atuam com esses estudantes para
uma prática sensível aos seus conhecimentos linguísticos e às suas potencialidades.
Sobre a cena de sala de aula capturada na Figura 12, chamo a atenção para o fato de
que todas as tentativas de escrita das palavras, na lousa, foram igualmente tratadas como válidas
pela professora alfabetizadora, no sentido de identificar a fase de desenvolvimento da criança
em termos de aquisição da linguagem escrita e planejar intervenções para conduções de
reflexões sobre o sistema escrito em língua portuguesa.
Apesar de ter iniciado uma reflexão do aspecto estrutural da língua, vinculado ao
desenvolvimento da consciência fonológica da criança em fase de alfabetização, reitero, com
base em Buin, Ramos e Silva (2021), que os processos de ensinar e aprender devam vir
vinculados às práticas de letramento. Dessa forma, as atividades, na escola, potencialmente,
210
passam a reconhecer as situações de vida dos estudantes, a partir das quais ações com, ou, sobre
a linguagem são desenvolvidas por eles e pela comunidade da qual fazem parte. Tendo isso em
vista, essa reflexão estaria, certamente, alinhada às línguas que circulam nos diferentes
domínios de vida dessas crianças.
Com base em discussões sobre a alfabetização inserida em práticas de
pluriletramentos, venho propondo, ao longo de toda esta tese, o argumento de que a criança faz
uso de recursos bilíngues durante o seu processo de alfabetização, pelo qual constrói
conhecimentos para participar do mundo letrado a partir das suas formas de representar a
linguagem escrita. Ao lançar mão desses recursos, como venho defendendo, a criança recorre a
conhecimentos aprendidos em uma língua durante o desenvolvimento de habilidades sociais
com a outra língua, acessando seu repertório linguístico completo, a partir do qual age no
mundo. Por isso, venho questionando a tendência de segmentação das línguas em programas
educação bilíngue.
Quero destacar que, para analisar cada uma das hipóteses de desenvolvimento da
linguagem escrita das crianças (pré-silábica, silábica, silábica-alfabética e alfabética), a
Secretaria de Educação e Formação Empreendedora de Pomerode encontrou, na sondagem, um
formato avaliativo adequado às turmas de primeiro ano de toda a rede municipal de ensino.
Entendo, entretanto, que a sondagem pode servir de ferramenta para a gestão linguística de
formas distintas: (I) é uma metodologia de avaliação descritiva interessante para o olhar
pedagógico às hipóteses de escrita das crianças, às suas práticas de linguagem e às demandas
sociais a elas relacionadas; (II) também é uma ferramenta de controle sobre as práticas de
ensinar e aprender língua portuguesa na escola. Por isso, ao mesmo tempo em que essa
avaliação apresenta benefícios quanto a diagnósticos de aprendizagem, recorre a instrumentos
de controle, como a gratificação salarial fornecida a professores de turmas que atingem o
percentual de crianças que consolidaram a hipótese de escrita almejada. Para discutir essa
gratificação como um dispositivo da política linguística, além de socializar um fragmento de
diário de campo, também recorto um fragmento de gravação de uma conversa minha com a
professora na sala de aula bilíngue de língua portuguesa, quando ela explica a sondagem.
211
Gravação realizada em sala de aula em 27 out. 21. Fragmento sobre a sondagem como
sistema avaliativo adotado pela prefeitura para “diagnóstico das hipóteses de escrita”
(Transcrição acessível para cegos no Apêndice D).
Professora Sabrina Essa sondagem, Dona Luana, funciona assim, ó: A gente
(língua portuguesa): recebe três sequências didáticas elaboradas pela equipe da
secretaria de educação, e eu posso escolher uma. Dá uma
olhada ((professora entrega para eu ver as três sequências
didáticas)). Aí você já vai entender o porquê da parlenda
((risos))
A avaliação realizada pela prefeitura, no final de cada ano letivo, dentre outros
dispositivos de políticas linguísticas educacionais, parece desencadear interpretações
pedagógicas de um modelo autônomo de letramento, que dicotomiza: (I) a oralidade da escrita,
e (II) os letramentos em língua alemã (na perspectiva de desenvolvimento da oralidade) dos
letramentos em língua portuguesa (na perspectiva de desenvolvimento da escrita). Talvez seja
essa dicotomização que perpetue concepções pedagógicas de que a sala de aula bilíngue de
língua alemã tem como “o foco /.../ ORALIDADE” apenas, enquanto que estratégias para incluir
a criança em atividades de desenvolvimento da linguagem escrita se restrinjam à sala de aula
bilíngue de língua portuguesa. Como consequência, o trabalho pedagógico transdisciplinar,
pelo qual a oralidade e a escrita se entrelaçam nos pluriletramentos das crianças, passam,
possivelmente, a ser exceção, apenas quando uma professora consegue atuar com outra que seja
“BEM PARCEIRA, que pega junto”. Já havia discorrido sobre algumas das atividades que
derrubam fronteiras disciplinares ou linguísticas para a condução da reflexão sobre a prática
linguística, como, por exemplo: na tarefa de língua portuguesa mencionada na seção 6.2 – “A
minha Oma faz almoço” –; na atividade de vendinha da sala de aula bilíngue de língua alemã;
em práticas envolvendo o calendário; em contrastes fonológicos nos nomes dos meses nas duas
línguas.
Segundo Hornberger (2003a), os estudos acerca dos bi/pluriletramentos têm sinalizado
para algumas desigualdades quanto ao continuum monolíngue-bilíngue e oral-escrito do
letramento em si. Dessa desigualdade, numa situação de contato linguístico, resultam atitudes
que marginalizam as práticas de letramentos marcadas por tradições da oralidade em uma língua
em situação minoritária. Por outro lado, as práticas marcadas pela tradição do registro gráfico
na língua majoritária têm a tendência de serem valorizadas, desvelando um fenômeno da
diglossia (HORNBERGER, 2003a). É preciso levar em conta, entretanto, que as configurações
213
80
“Children who learn two languages in childhood, whether or not they learn them both at precisely the same time,
have language learning experiences that undoubtedly differ in important ways from children who learn only one.
How could it be otherwise? Monolingual and bilingual children move in different cognitive worlds, experience
different linguistic environments, and are challenged to communicate using different resources, remaining
sensitive to different abstract dimensions.” (BIALYSTOK, 2001, p. 88 apud DWORIN, 2003, p. 174).
215
81
A Provinha Brasil tem o objetivo de avaliar (como um diagnóstico) o nível de alfabetização dos estudantes
matriculados no 2º ano do Ensino Fundamental quanto às habilidades de leitura em língua portuguesa e habilidades
matemáticas (OLIVEIRA; PINHO; SENNA, 2022).
82
A ANA é uma avaliação “censitária e aplicada a todos os alunos do 3º ano do Ensino Fundamental da rede
pública de Ensino” (OLIVEIRA; PINHO; SENNA, 2022, p. 339), a fim de aferir se as crianças estão sendo
alfabetizadas dentro do período determinado.
218
pelo professor em sala de aula em termos de foco no que ensinar sobre a língua. Ademais, a
gratificação financeira destinada exclusivamente ao professor alfabetizador (e não ao professor
de/em língua alemã ou demais disciplinas) tende a construir uma imagem desse professor como
o responsável pelo sucesso (ou fracasso) escolar da criança. Consequentemente, as
contribuições que os processos de aprendizagem em língua alemã desempenham, tanto na
habilidade técnica quanto social com as práticas de linguagem, podem ficar à margem das
tomadas de decisões. Um modelo de letramento monolíngue parece, como efeito, se perpetuar
de algum modo.
Entendo que as medidas de controle, adotadas para diagnosticar a alfabetização em
Pomerode, possam estar inseridas numa relação ideológica mais ampla sobre a língua, que
atinge um âmbito nacional. No Brasil, existem metas regulatórias sobre os índices de
alfabetização, assim como existem rankings internacionais sobre países com níveis mais altos
ou baixos de leitura, que se refletem e criam expectativas nas secretarias de educação
municipais. Nos interesses da administração púbica de Pomerode, com a aplicação da sondagem
como um sistema avaliativo inserido no Ciclo de Alfabetização, são constituídas metas de
aprendizagens relativas à linguagem escrita. Em resposta, já no primeiro ano, os diagnósticos
das hipóteses de escrita consolidadas pelos estudantes poderiam fornecer condições para que
esses estudantes atinjam “bons” resultados adiante, nos índices nacionais, como um
demonstrativo da “qualidade” de ensino municipal.
Certamente, o sistema de avaliação municipal provoca contribuições, quanto à ação
docente, ao dar subsídios para diagnosticar o conhecimento linguístico que os estudantes já
possuem e quais são suas potencialidades. Entretanto, também propaga uma imagem de
homogeneidade entre as escolas bilíngues com os demais sistemas de ensino municipais. Afinal,
as “crianças [da educação bilíngue] têm que aprender a mesma hipótese de escrita”, ao mesmo
tempo, em que as crianças que não participam da política de educação bilíngue aprendem. Isto
é, espera-se um resultado de alfabetização homogêneo nos diferentes modelos de educação
municipal, exigindo dos professores desses diferentes modelos o desenvolvimento de trabalho
pedagógico também equivalente (igual), mesmo que as ações das crianças com a linguagem no
dia a dia sejam diferentes, mesmo que os professores alfabetizadores de primeiro ano tenham
“a metade do tempo” com as crianças quando comparados com os professores de escolas que
não participam do projeto bilíngue, precisando, então, “chegar no mesmo objetivo”. A questão
do tempo do professor alfabetizador com as crianças de primeiro ano, inclusive, pode ser
encarada como um problema se não houver uma orientação adequada de que a alfabetização é
219
bilíngue e de que há um trabalho colaborativo nas salas de aula bilíngues de língua portuguesa
e de língua alemã, a partir do qual os alunos possam construir uma ponte para os conhecimentos
sobre as formas de representar a linguagem escrita.
O tradicional letramento pedagogizado, institucionalizado, tem um papel ideológico
que tende a excluir tais aspectos, sob a promessa de “resolver” “problemas” da sociedade
contemporânea (STREET, 2014 [1995]), em processos de ensino-aprendizagem
homogeneizadores, que buscam assegurar uma escolarização “igual” para todos. Esses
problemas, geralmente, são encarados como o desemprego e a pobreza, causados pela
desigualdade (só para citar dois exemplos). Nesse cenário, tal modelo de letramento, que se
torna inquestionável nos sistemas educacionais, é utilizado para submeter estudantes a
processos pedagógicos homogêneos, como se todos estivessem sob as mesmas condições para
desenvolver as mesmas práticas de linguagem (como se todos fossem introduzidos à leitura do
calendário, por exemplo, em uma única língua). O próprio debate sobre a alfabetização, no
Brasil, conforme Alves e Finger (2023), tem assumido um caráter altamente político-
ideológico, no sentido de sugerir a possibilidade de alguma proposta pedagógica que fosse
“adequada a todas as crianças do país, em todas as circunstâncias e contextos.” (ALVES;
FINGER, 2023, s.p.).
Dentre os processos de ensino-aprendizagem, consequentemente, pode ocorrer o
combate de usos linguísticos resultantes do contato entre as línguas e as identidades (STREET,
2014 [1995]), já que a ideologia monolíngue nacional determina que os acessos aos diferentes
domínios da vida social se dão em uma só língua legítima. O significado do letramento
pedagogizado, portanto, tem sido frequentemente construído em torno da educação
monolíngue. Por isso, é tão desafiador a uma política de educação bilíngue superar discursos
de nacionalismo, de identidade nacional, nos quais “se concentram as questões sociais
atualmente desviadas para dentro do debate sobre letramento” (STREET, 2014 [1995], p. 142),
para, então, atender aos usos e significados do letramento socialmente situado em práticas
plurilíngues.
6.3.3 “Mas essa provinha é pra avaliar o rendimento do professor”: considerações sobre
a sondagem e suas implicações na educação bilíngue
BRENTANO; RUSCHEL, 2019; MEGALE, 2017; DWORIN, 2003). Nesses níveis, ela
aprende aspectos da linguagem escrita numa língua e utiliza esse conhecimento para
desenvolver formas de entender o sistema de representação escrita da outra língua. Nessa
configuração, ambas as línguas, no seu repertório linguístico, vão, conceitualmente, se
interferindo uma na outra de maneira a construir hipóteses também plurilíngues sobre a
representação escrita, de forma fluida e recíproca. Portanto, para que a educação bilíngue,
potencialmente, contribua para a alfabetização, é urgente reconceitualizar o desenvolvimento
da alfabetização para crianças já bilíngues e/ou que sejam estudantes em escolas bilíngues, num
caminho alternativo do modelo de letramento autônomo e monolíngue.
Em publicação recente, Dias (2020) sugere algumas atividades escolares para crianças
em fase de alfabetização em escolas bilíngues. Só para citar um exemplo, menciono o trabalho
pedagógico com gêneros discursivos (como um bilhete, uma parlenda, um calendário etc.), a
partir dos quais é possível conduzir as crianças a refletirem sobre quais características podemos
observar no texto-enunciado, materializado em formas linguísticas diferentes, mas com
semelhanças compartilhadas. Também enfatizo o trabalho cotidiano com o calendário nas salas
de aula bilíngues da presente pesquisa, onde as crianças têm oportunidades constantes de
análises contrastivas nos seus processos de aprendizagem. Pensar em propostas pedagógicas
que levem em conta os conhecimentos construídos socialmente nas línguas em contato, na
escola, pode contribuir para que a criança construa hipóteses de escrita de forma bilíngue. Para
isso, ela relaciona as similaridades e diferenças linguísticas concretizadas nos textos trabalhados
em sala de aula, o que, entendo, pode servir de materialidade para avaliarmos o seu processo
de desenvolvimento da linguagem escrita, como numa ampliação do que é a sondagem para o
contexto de Pomerode.
No próximo fragmento de gravação transcrito, socializo uma fala da professora Sabrina
sobre o sistema avaliativo da prefeitura pela sondagem, no qual ela evidencia a avaliação do
próprio trabalho pedagógico:
Professora Sabrina Aí, quando vai se aproximando do final do ano, isso se torna
(língua portuguesa): mais recorrente, eles entenderem como é que vai acontecer
essa provinha, né. Mas essa provinha é pra avaliar o
rendimento do professor, e não do aluno.
/.../
Avaliações externas, não raro, têm sido utilizadas como ferramenta de controle, como
abordei na subseção anterior. Nesses termos, a professora alfabetizadora sinaliza o próprio
trabalho pedagógico como “objeto” de análise da sondagem: “Mas essa provinha é pra avaliar
o rendimento do professor, e não do aluno”. Como esse “controle” será sempre “top-down”,
perpetua, sobre as ações da professora, as ideologias linguísticas do sistema avaliativo ao qual
ela está sujeita. Como consequência, ao participarem desse sistema avaliativo, os estudantes
também participam de práticas de linguagem reguladas por suas ideologias implícitas, sendo
“assujeitados” ao mesmo controle.
A sondagem acaba, muitas vezes, regulando as ações educativas, interferindo em
práticas corriqueiras translíngues para um modelo de letramento que se adeque aos parâmetros
oficiais, em uma só língua. Como efeito, entendo que é exatamente nesse aspecto que o sistema
avaliativo passa a interferir e mascarar, na educação bilíngue de crianças em fase de
alfabetização, o papel ideológico do seu letramento quanto às práticas plurilíngues nas
interações sociais.
Incorre o risco, aqui, de o letramento escolar se tornar uma chave simbólica para
evidenciar o conflito do plurilinguismo na educação básica. A consequência é a possível
propagação de discursos sobre o fracasso da aquisição da linguagem “correta” associado ao
trabalho pedagógico “falho” ou, até mesmo, sobre o “problema” do contato linguístico nas salas
de aula de alfabetização. Além disso, mesmo se pensarmos nos processos cognitivos da criança
quanto à aquisição da linguagem escrita, seria ingenuidade partir da “premissa de que o
“professor ensinar” equivale ao “aluno aprender”” (ALVES; FINGER, 2023, s.p.). Afinal, há
muito mais em jogo do que a aplicação de uma metodologia, de uma sequência didática ou, até
mesmo, a restrita dedicação pedagógica.
É, talvez, por questões como essas que Street (2014 [1995], p. 142) descreve que o
significado do letramento vai além de discursos sobre a “qualidade da escola, desempenho
docente, testagem e avaliação, abordagens do ensino da escrita e assim por diante”, para tratar
do letramento como prática social em torno da linguagem, na qual estão imbricadas questões
ideológicas de identidades, de nação, de movimentos políticos, etc. Essas questões, sem
222
dúvidas, se manifestam nas políticas linguísticas em sala de aula e exercem influências sobre
os processos de ensinar e aprender.
No excerto a seguir, em especial, selecionei uma cena da sala de aula em que as
crianças recebem a explicação sobre o que esperar dessa avaliação da prefeitura.
Gregório: Me-ni-na.
Professora Sabrina Ela vai dizer, escreve ali pra mim: “bo-ta” ((cita como se fosse
(língua portuguesa): um discurso direto)). Aí ele vai lá e escreve?
Gregório: Bo-ta.
Professora Sabrina Isso mesmo! “Só que, profe, como é que nós vamos saber que
(língua portuguesa): palavra ela vai ditar?” ((cita como se fosse um discurso
direto)). Eu também não sei quais são as palavras que ela vai
ditar. Mas, ela mandou pra professora e pra todos os
professores de primeiro ano / Adam ((chama atenção de
aluno)) / de Pomerode, três sequências didáticas que a gente
diz, três sugestões pra preparar vocês. E eu podia escolher
uma. Das três que ela mandou, eu podia escolher uma. E sabe
qual eu escolhi?
Alunos: Qual?
Professora Sabrina Eu escolhi a das parlendas. Vocês já conhecem parlendas?
(língua portuguesa):
Alunos: ((alguns alunos respondem que sim, outros que não))
Professora Sabrina Qual uma parlenda que vocês conhecem?
(língua portuguesa):
Gregório: Da macaca.
223
Nesse fragmento, procuro chamar a atenção para o foco da interação se voltar para a
compreensão das crianças em como ocorre a sondagem, no sentido de prepará-las para
participarem de uma prática de avaliação. Afinal, essa prática é uma ação social tipicamente
escolar, vivenciada pelas crianças somente a partir da educação formal. Também nesse
momento, as crianças passam, gradativamente, a entender o que a escola espera delas, o que a
escola entende por língua na educação linguística promovida, e o que avaliará em termos de
conhecimento linguístico.
Quando a sala de aula bilíngue de língua portuguesa precisa se adaptar à avaliação da
Secretaria de Educação e Formação Empreendedora de Pomerode, ela passa a ser moldada aos
seus dispositivos políticos. Convém reiterar que a proposta avaliativa do poder público
independe de a escola participar ou não do ensino bilíngue. Como efeito, a avaliação pode atuar
como um dispositivo político para a homogeneização da prática pedagógica em língua
portuguesa entre os diferentes sistemas educacionais do município (desconsiderando a
alfabetização em duas línguas).
Uma saída para uma maior flexibilização seria o professor se tornar autor de suas
próprias avaliações e dos materiais didáticos para as suas realidades linguísticas, modificando
também o repertório sondado na avaliação municipal. Mas, como já problematizou Rojo (2013)
sobre aspectos dos materiais didáticos no ensino de línguas, esbarramos em limitações que
podem fazer parte de qualquer realidade educacional, tais como as “de sobrecarga da jornada
de trabalho, de falta de tempo para planejamento e de dificuldades logísticas de reprodução e
distribuição de materiais impressos pelo professor”, além de formação adequada para
elaboração de materiais didáticos, etc. (ROJO, 2013, p. 182).
Quando o professor tem condições (de trabalho e formação) para “planejar as
estratégias de ensino, observar o desenvolvimento das crianças, compreender as hipóteses
linguísticas reveladas nos manuscritos”, pode também intervir sobre o processo de
aprendizagem de seus estudantes (BUIN; RAMOS; SILVA, 2021, p. 39). Buin, Ramos e Silva
(2021) reforçam a importância de uma educação científica na formação de profissionais do
campo da pedagogia e letras, a fim de que possam olhar para os registros de escrita ou para
224
outros eventos linguísticos em sala de aula como fontes investigativas de todo o processo de
aprendizagem de seus alunos.
Para que essa educação linguística do professor seja coerente com a realidade social,
destaco a necessidade de que seja transdisciplinar. Logo, a educação linguística, além de abarcar
os aspectos dos sistemas de escrita, dos estudos linguísticos em si, deve também ser
“socialmente engajada, antropologicamente antenada, plural em seu foco, para incluir os
estudos de letramento, os estudos sobre multilinguismo com as questões de intercompreensão
e de práticas translíngues, os estudos sobre transculturalismo.” (CAVALCANTI, 2013, p. 226).
Essa formação, consequentemente, estaria também alinhada à atuação prática com a
translinguagem, transculturalidade e transdisciplinaridade para as metas de ensinar e aprender
línguas na educação bilíngue municipal de Pomerode, desde a alfabetização. Defendo que, para
um trabalho pedagógico engajado, faz mais sentido a transdisciplinaridade (cf. MOITA
LOPES, 2006), que derruba as fronteiras imaginas pelo currículo, para a compreensão do papel
crucial que o plurilinguismo desempenha na vida social das pessoas também fora da escola.
Esse trabalho acontece nas ações comprometidas entre os professores no dia a dia, como entre
as professoras de português e alemão (“O bom é que novamente tenho uma parceira, BEM
PARCEIRA, que pega junto”).
Ensinar e aprender a linguagem na escola também são produtos da prática, da atividade
social a partir da qual se estabeleceram convenções de comportamentos linguísticos. Para que
a prática de ensino, nesse âmbito, seja crítica, é emergente “estranharmos” o monolinguismo
que se tornou “normal” nos sistemas avaliativos, inclusive em modelos de educação bilíngue.
Por isso, entendo a importância de introduzir as crianças em atividades avaliativas que deem
visibilidade para o plurilinguismo, desvelando seu valor nas relações de poder dentro do sistema
político-educacional. Dessa forma, o próprio sistema avaliativo, na escola, pode se tornar
instrumento da compreensão de que “o contato com outras línguas não só não é prejudicial,
mas, pelo contrário, é extremamente vantajoso para o crescimento e, até mesmo, a
sobrevivência, de qualquer língua” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 130). Entendo que este seria
um instrumento educacional profícuo para lidar com a abordagem de língua como um “recurso”
(cf. RUÍZ, 1984) social, político, emancipatório, econômico, cultural e de inclusão e
aprendizagem na escola.
De certa forma, como vim debatendo ao longo dessas subseções, as tensões
consequentes da gestão linguística pela avaliação externa à prática docente podem retirar “do
professor sua capacidade de avaliar” (OLIVEIRA; PINHO; SENNA, 2022, p. 348), isto é, sua
225
autonomia pedagógica e crítica diante dos processos de aprendizagem dos alunos. O desafio,
em contrapartida, está no tratamento da avaliação como uma política linguística da sala de aula,
que possa abranger uma visão dos letramentos como práticas de linguagem locais, que estão
sempre em construção. Diante disso, podemos analisar a aprendizagem escolar como um
processo altamente fluido, dinâmico, plurilíngue e complexo na sociedade contemporânea.
Observar como se interrelacionam as formas de avaliação dos alunos com as políticas
de ensino de línguas é um caminho importante para a compreensão ou reflexão da gestão
linguística que se dá na administração pública e na sala de aula em si. Dentre essas reflexões
que levantei até aqui, entendo que o interesse do poder público pela avaliação centrada na
alfabetização em língua portuguesa, através da sondagem, pode incorrer em apagamentos
linguísticos, mesmo que não seja esta a intenção, uma vez que evidenciar as práticas de escrita
exclusivamente na língua portuguesa invisibiliza outras práticas plurilíngues e pluriculturais.
Tais apagamentos, possivelmente, repercutem e são reforçados, como sinalizei anteriormente,
pelas tentativas de adequação às próprias avaliações federais de alfabetização em larga escala,
que, possivelmente, partem do princípio de que todas as crianças brasileiras são falantes e
estudantes (monolíngues) da língua portuguesa. Por isso, ainda que o bilinguismo seja uma
nova política na agenda escolar de Pomerode, em nível nacional, se torna tarefa de confronto
legitimar a diferenciação linguística, o plurilinguismo, os pluriletramentos. A partir dos
processos político-linguísticos do próprio Estado-nação, infelizmente, “normalizou-se” a
perpetuação de ideologias de “apagamentos”, que podem atuar, discursivamente, em diretrizes
educacionais, em práticas pedagógicas, nos sistemas avaliativos, alinhados com a imagem de
uma identidade nacional homogênea, e que afetam, seja para regular ou resistir, em nossas
práticas pedagógicas.
Neste momento, não pretendo aprofundar o debate acerca das políticas linguísticas
presentes nas avaliações em escala, nem em diretrizes educacionais de âmbito nacional, mas
indico a importância de um olhar circunstanciado a essas políticas linguísticas. Também
reconheço que deixo questões em aberto sobre o processo cognitivo de alfabetização em
práticas de pluriletramentos, bem como sobre a gestão das línguas à aquisição da linguagem
escrita na educação bilíngue (português-alemão) a partir de ações transdisciplinares. Entendo
que tais questões precisem de uma nova investigação minuciosa para que possam contribuir
não só com a política linguística do ponto de vista da administração pública, mas, mais
especificamente, com os próprios anseios da prática docente.
226
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
83
“The implementation of two national curricula and separate teaching faculty who frequently know little about
the “other” language and curriculum obstruct integrated multilingual communication and academic development.”
(HAMEL, 2013b, p. 3829).
233
e ampliar esse repertório com novos recursos de dizer a data, se desdobra, por conseguinte, em
práticas de pluriletramentos.
As práticas de pluriletramentos envolvendo o calendário foram selecionadas, nesta
tese, como os principais eventos nos quais discuto as provocações linguísticas realizadas pela
professora alfabetizadora, que questionam as compartimentalizações das línguas na hora de
aprender a cultura de interpretar o “tempo” em dias, meses, anos. Entendo que esse movimento
pedagógico só se tornou possível a partir de mudanças na forma como a professora passou a
encarar a língua na sua trajetória profissional e acadêmica. Ela parece reconhecer que a
“intromissão” da língua alemã na sua “prática de português” poderia ser percebida como um
recurso didático a partir das comparações que as crianças tendem a fazer de conhecimentos
compartilhados em ambas as línguas, como o próprio “sistema alfabético” para a construção da
representação escrita. Nesses termos, vale lembrar os fragmentos sobre tradução, correção e
translinguagem na leitura do calendário (analisados no capítulo seis). Em tais cenas da sala de
aula, as crianças discorriam sobre os meses “maio”, “junho” ou “Juni”, “julho” ou “Juli”,
ampliando, gradativamente, seus repertórios linguísticos com os meses como recursos para falar
da data.
Diante dessas escolhas educacionais, entendo que a professora alfabetizadora
constituiu suas próprias crenças pedagógicas e linguísticas, nas tentativas de engajar as crianças
a participarem das práticas de letramento envolvendo o calendário ao mesmo tempo em que
ampliam seus repertórios com vocabulários da língua portuguesa. Por isso, reafirmo que,
independentemente dos ecos da ideologia do monolinguismo em uma tradição curricular, existe
uma sensibilidade pedagógica que conduz para tentativas de construir possibilidades para uma
sala de aula cada vez mais inclusiva ao plurilinguismo.
Dessa forma, o reconhecimento da língua como prática social permitiu a construção
de um local de aprendizagem onde os letramentos são mobilizados e transformados nas
interações plurais da professora e crianças, além da comunidade em geral, quando consideramos
as influências de outros espaços sociais. É nesse sentido que as paredes da sala de aula são
permeáveis (PENNYCOOK, 2000), refletindo e refratando aspectos da vida cotidiana desses
atores sociais. As práticas de letramento do mundo real são repetidas na vida escolar para que
as crianças possam, por exemplo, utilizar um calendário adequadamente. Entretanto, essas
práticas são sempre ressignificadas, transformadas e modificadas para as demandas com as
quais as crianças se confrontam, refletindo seus usos performáticos da linguagem.
234
Nesta tese, em particular, espero que a visão situada das práticas linguísticas cotidianas
de uma educação bilíngue sirva, inclusive, de subsídio para os debates políticos e acadêmicos
quanto à educação linguística em contexto de plurilinguismo. As ações de quem vive essa
realidade educacional, a favor dos estudantes que se tornam bilíngues pela escola ou
anteriormente a ela, têm potencial para contribuir com diferentes contextos pedagógicos. Essa
contribuição é importante, inclusive, para o diálogo contínuo com a administração pública de
Pomerode quanto ao “projeto: implantação do ensino bilíngue – língua portuguesa/língua
alemã” em uma política linguística já concretizada. Assim, esses professores podem ser
reconhecidos e se reconhecerem como agentes de uma política que leva em conta suas
condições de trabalho, experiências, crenças e ideologias, suas interações com a administração
pública (como secretaria de educação), mas também com a comunidade, famílias e alunos
(GARCÍA; MENKEN, 2010).
Nos registros gerados para esta tese, há indícios de uma pedagogia culturalmente
sensível ao bilinguismo das crianças, aproximando as atividades de língua portuguesa à
“linguasagem” (GARCÍA, 2009, p. 143) bilíngue. Defendo, portanto, que a equipe pedagógica
tem propostas a contribuir para a política linguística oficial, como, por exemplo, na forma como
os letramentos são avaliados pela Secretaria de Educação e Formação Empreendedora.
É essencial considerarmos que as linguagens escrita e oral estão associadas a práticas
sociais mais amplas, nas quais as pessoas significam o letramento histórica, cultural, social e
ideologicamente. Por isso, como destaquei nas análises dos registros gerados nesta pesquisa, as
concepções de língua, sujeito e escrita precisam ser problematizadas, refletidas e discutidas na
formulação contínua da política linguística educacional, assim como na formação de
professores, nos materiais pedagógicos, e no seu sistema avaliativo.
Ademais, destaco que, no Brasil, de modo geral, as políticas relacionadas aos
letramentos escolares em português perpetuam uma visão monolíngue, monocultural de
práticas de linguagem, convencionalmente em um “modelo autônomo” de letramento
(STREET, 2014 [1995], p. 142). A visão hegemônica de letramentos escolares coloca-os em
situação de maior prestígio que práticas plurilíngues, nas quais as “misturas” linguísticas criam
novas possibilidades raramente imaginadas para a concepção de língua baseada no conceito de
identidades nacionais. Nesse cenário, as avaliações em larga escala e materiais pedagógicos que
passam a ser inseridos nas escolas públicas ainda estão sendo pensados e elaborados para
atender uma orientação distante da “desinvenção” (cf. MAKONI; MEINHOF, 2006;
MAKONI; PENNYCOOK, 2015) de língua nacional ou “reinvenção” linguística baseada no
238
plurilinguismo, abrindo desafios maiores ainda para escolas bilíngues, como o campo desta
pesquisa.
Em decorrência dessa noção, destaco a necessidade de debater, nas formações de
agentes educacionais, assim como na formulação das diretrizes educacionais, o princípio de que
são as línguas que trabalham a favor dos falantes e não o contrário (CAVALCANTI; MAHER,
2018), inclusive em práticas escritas. É contraditória a ideologia escolar que insiste em ensinar
e avaliar práticas de uma língua “engessada”, “fixa”, “endurecida”, sem lugar para as
diferenças.
Por isso, ainda que a existência de uma educação bilíngue já rompa, de alguma forma,
com a visão de nação monolíngue, também existe o desafio de superar a ideologia monolíngue
na própria forma de se propor uma formação escolar efetivamente bilíngue. Na última seção de
análise desta tese, destaquei esse desafio a partir da crítica levantada pela professora
alfabetizadora às formas de fragmentar a aprendizagem da criança quando o professor de
alemão foca na “ORALIDADE” apenas, enquanto fica à cargo do professor de português
desenvolver as habilidades técnicas para a aquisição da linguagem escrita. Por outro lado,
quando uma profissional atua com outra que seja “parceira, BEM PARCEIRA, que pega junto”,
as possibilidades para um trabalho engajado podem ser expandidas. O reconhecimento das
habilidades sociais e linguísticas da criança, pelas professoras das duas salas de aula bilíngues,
permite aprender “quais elementos são transferíveis de uma língua para outra e quais não o são”
(MEGALE, 2017, p. 13), como as crianças transitam entre as línguas para desempenharem suas
atividades diárias e se comunicarem com outros sujeitos bilíngues ou não.
Esse trabalho colaborativo, nas diferentes salas de aula bilíngues, de certa forma, deixa
de responsabilizar o estudante pela tarefa exclusiva e solitária de somar as aprendizagens
separadas (e monolíngues) das duas salas de aula. Afinal, numa educação bilíngue engajada,
cada espaço pedagógico é (ou deveria ser) responsável por promover o plurilinguismo (evitando
a concepção de bilinguismo como a somatória de monolinguismos). Para isso, sem dúvidas, a
formação crítica de professores é um tema que sempre vai voltar à discussão, mas que também
requer da administração pública um alinhamento à compreensão transdisciplinar da educação
linguística.
O debate sobre a educação bilíngue dentro de uma abordagem plural, inclusiva, que
parta de concepções desafiadoras à “invenção” moderna da língua, ainda carece de espaço na
formação de muitos professores, derivando, como sugere Berger (2015), numa insegurança com
relação ao bilinguismo na escola. Retomo o debate de Alves e Finger (2023) por também
239
para que essas novas questões sejam levantadas e delineadas em projetos de pesquisa e de
política linguística. Igualmente, apresentei diálogos pertinentes entre diferentes pesquisas a
partir dos quais podemos pensar a translinguagem na elaboração de tarefas/atividades inseridas
na educação bilíngue.
241
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TERMO DE ASSENTIMENTO
DO MENOR
84
Agradeço ao acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Linguística, Vitor Hochsprung, pelo auxílio
prestado na produção da arte do termo de assentimento do menor.
259
____________________________________________
Assinatura da criança
(Não tem assinatura ainda? Pode escrever o seu nome!)
_____________________________________________
Luana Ewald
(Pesquisadora Responsável)
260
A proposta deste Termo é explicar tudo sobre o estudo e convidar seu/sua filho(a) para a
participação da pesquisa. Leia-o atentamente e traga suas dúvidas para a reunião que a pesquisadora
(Luana Ewald) realizará na escola (data a definir), ou contate-a pelo telefone (47 991656096), e-mail
([email protected]), WhastApp (47 991656096). Faça perguntas quantas vezes for necessário
para esclarecer todas as suas dúvidas.
A educação bilíngue (português/alemão), que ocorre na escola onde seu/sua filho(a) estuda,
não é um modelo de educação convencional. No entanto, é considerado importante para a formação de
estudantes em contextos onde ainda se fala a língua alemã. Para compreender como ocorre, na prática,
essa modalidade de educação, a pesquisadora pretende participar das aulas da turma de seu/sua filho(a),
apenas observando e estudando as estratégias adotadas na escola para o trabalho pedagógico com as
duas línguas. As práticas da educação bilíngue onde seu/sua filho(a) estuda serão divulgadas na tese.
informação relacionada à sua privacidade e identidade. Os dados fornecidos serão utilizados nesta
pesquisa e ficarão armazenados de posse da pesquisadora responsável, podendo ser descartados
(deletados e incinerados) posteriormente (a partir de 5 anos após a conclusão do trabalho) ou mantidos
armazenados em sigilo.
A legislação brasileira não permite que você tenha qualquer compensação financeira pela
participação de seu/sua filho(a) na pesquisa, mas você será ressarcido(a) caso você tenha alguma despesa
decorrente da pesquisa, como, por exemplo, alimentação ou transporte em encontros extraordinários
com a pesquisadora. Se tiver qualquer dano em decorrência desta pesquisa, você tem direito à
indenização.
Ao participar desta pesquisa, há eventuais riscos, mesmo que mínimos, tais como: (I)
desconforto e/ou constrangimento diante da presença da pesquisadora no ambiente escolar, bem como
diante das gravações de áudio e vídeo; (II) possíveis alterações de comportamento das crianças e/ou
professores durante gravações de áudio e vídeo, embora a pesquisadora procure evitar trazer impactos
ao ambiente sala de aula; (III) possível risco de quebra de sigilo, ainda que involuntária e não intencional.
Apesar de todos os cuidados tomados, existe a remota possibilidade do sigilo ser quebrado de
maneira involuntária e não intencional. Para minimizar essa possibilidade, as observações serão
realizadas por uma única pesquisadora (Luana Ewald), que se compromete em resguardar imagens e
dados de qualquer aluno(a) da escola. Os participantes do estudo não serão identificados nos resultados
e publicação final da tese e em nenhum outro momento. Vale destacar que todas as pessoas citadas na
pesquisa, sejam as crianças matriculadas na escola ou seus professores, receberão pseudônimos, a fim
de preservar sua identidade. O nome da escola também será omitido na publicação final da tese, a fim
de preservar toda a equipe escolar.
A participação no estudo não trará nenhum benefício direto à sua família. Porém, toda pesquisa
procura trazer benefícios à sociedade. Por isso, a participação de seu/sua filho(a) pode contribuir para a
construção de conhecimentos que auxiliarão no entendimento mais aprofundado sobre os letramentos
na educação bilíngue, sobre a língua brasileira de imigração alemã e sobre políticas linguísticas que
favoreçam o bilinguismo (ou multilinguismo) do Brasil, impactando, de alguma forma, o debate sobre
a educação brasileira.
Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
da Universidade Federal de Santa Catarina (CEPSH-UFSC). O CEPSH-UFSC é um órgão colegiado
interdisciplinar, deliberativo, consultivo e educativo, criado para defender os interesses dos participantes
da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir com o desenvolvimento da pesquisa dentro
de padrões éticos.
Caso você queira maiores informações sobre a pesquisa ou queira ter acesso aos resultados,
você poderá entrar em contato com os pesquisadores responsáveis por este estudo, Prof. Dr. Gilvan
Müller de Oliveira (tel. 48-99916-1815) e doutoranda Luana Ewald (tel 47-99165-6096), ou
pessoalmente no endereço: Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e
Expressão Prédio B, Sala Secretaria de Pós-Graduação em Linguística, 3º andar – Trindade – CEP
88040-900 – Florianópolis/SC. Endereço da pesquisadora Luana Ewald: Rua Senegal, nº 185, Bairro
das Nações – CEP 89 120 000 – Timbó/SC.
DECLARAÇÃO DE CONSENTIMENTO
____________________________________
____________________________________
___________________________________ ____________________________________
Gilvan Müller de Oliveira Luana Ewald
Data:
A proposta deste Termo é explicar tudo sobre o estudo e convidar você para a participação na
pesquisa. Leia-o atentamente e traga suas dúvidas para a reunião que a pesquisadora (Luana Ewald)
realizará na escola (data a definir), ou contate-a pelo telefone (47 991656096), e-mail
([email protected]), WhastApp (47 991656096). Faça perguntas quantas vezes for necessário
para esclarecer todas as suas dúvidas.
A educação bilíngue (português/alemão), que ocorre na escola onde você atua, não é um
modelo de educação convencional. No entanto, é considerado importante para a formação de estudantes
em contextos onde ainda se fala a língua alemã. Para compreender como ocorre, na prática, essa
modalidade de educação, a pesquisadora pretende participar das aulas da sua turma bilíngue, apenas
observando e estudando as estratégias adotadas na escola para o trabalho pedagógico com as duas
línguas. O estudo não tem função de avaliar seu trabalho, mas de possibilitar compreender e aprender
com quem atua diretamente dentro dessa realidade bilíngue.
A legislação brasileira não permite que você tenha qualquer compensação financeira pela sua
participação na pesquisa, mas você será ressarcido(a) caso você tenha alguma despesa decorrente da
264
Ao participar desta pesquisa, há eventuais riscos, mesmo que mínimos, tais como: (I)
desconforto e/ou constrangimento diante da presença da pesquisadora no ambiente escolar, bem como
diante das gravações de áudio e vídeo; (II) possíveis alterações de comportamento das crianças e/ou
professores durante gravações de áudio e vídeo, embora a pesquisadora procure evitar trazer impactos
ao ambiente sala de aula; (III) possível risco de quebra de sigilo, ainda que involuntária e não intencional.
Apesar de todos os cuidados tomados, existe a remota possibilidade do sigilo ser quebrado de
maneira involuntária e não intencional. Para minimizar essa possibilidade, as observações serão
realizadas por uma única pesquisadora (Luana Ewald), que se compromete em resguardar imagens e
dados de qualquer aluno(a), professor ou outra pessoa ligada à escola. Os participantes do estudo não
serão identificados nos resultados e publicação final da tese e em nenhum outro momento. Vale destacar
que todas as pessoas citadas na pesquisa, sejam as crianças matriculadas na escola ou seus professores,
receberão pseudônimos, a fim de preservar sua identidade. O nome da escola também será omitido na
publicação final da tese, a fim de preservar toda a equipe escolar.
A participação no estudo não trará nenhum benefício direto a você. Porém, toda pesquisa
procura trazer benefícios à sociedade. Por isso, a sua participação pode contribuir para a construção de
conhecimentos que auxiliarão no entendimento mais aprofundado sobre os letramentos na educação
bilíngue, sobre a língua brasileira de imigração alemã e sobre políticas linguísticas que favoreçam o
bilinguismo (ou multilinguismo) do Brasil, impactando, de alguma forma, o debate sobre a educação
brasileira.
Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
da Universidade Federal de Santa Catarina (CEPSH-UFSC). O CEPSH-UFSC é um órgão colegiado
interdisciplinar, deliberativo, consultivo e educativo, criado para defender os interesses dos participantes
da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir com o desenvolvimento da pesquisa dentro
de padrões éticos.
Caso você queira maiores informações sobre a pesquisa ou queira ter acesso aos resultados,
você poderá entrar em contato com os pesquisadores responsáveis por este estudo, Prof. Dr. Gilvan
Müller de Oliveira (tel. 48-99916-1815) e doutoranda Luana Ewald (tel 47-99165-6096), ou
pessoalmente no endereço: Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e
Expressão Prédio B, Sala Secretaria de Pós-Graduação em Linguística, 3º andar – Trindade – CEP
265
88040-900 – Florianópolis/SC. Endereço da pesquisadora Luana Ewald: Rua Senegal, nº 185, Bairro
das Nações – CEP 89 120 000 – Timbó/SC.
DECLARAÇÃO DE CONSENTIMENTO
Eu,_________________________________________________________________,
RG ___________________________________, li este documento e obtive dos pesquisadores
todas as informações que julguei necessárias para me sentir esclarecido e concordar por livre e
espontânea vontade em participar nesta pesquisa. Autorizo, também, as gravações ao longo das
minhas aulas. Declaro, portanto, que concordo participar deste estudo.
____________________________________
___________________________________
___________________________________ ____________________________________
Gilvan Müller de Oliveira Luana Ewald
Data:
266
Gravação realizada em sala de aula em 16 jun. 21. Fragmento sobre tradução, correção e
translinguagem na leitura do calendário.
Professora: Vamos contar o calendário?
Alunos: Sim!
267
Alunos: Não.
Professora: Não. Qual é o dia que a Dona Luana vem? Ela só vem um dia por semana.
Benício: Quarta?
Professora: Que dia?
Benício: Quarta!
Professora: Quarta. Ó, eu pego o dedinho, venho aqui pra cima e ó, encontro as letras ((aponta
para o dia da semana no calendário))
Benício: Muito pequenas.
Professora: Muito pequenas! Por isso, eu escrevi maior. ((aponta para a data escrita no quadro))
Hoje é, ó, quarta, feira
Alunos: ((falam feira ao mesmo tempo em que a professora falou.
Professora: Dezesseis de junho, quarta-feira /.../
Gravação realizada em sala de aula em 22 set. 21. Fragmento sobre porque quarta-feira
é Mittwoch.
Professora: Vamos contar? Eu queria ouvir os meus alunos contando. ((professora vai
apontando no calendário enquanto os alunos contam os dias do mês corrente no calendário))
Alunos: Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, catorze,
quinze, dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove, vinte, vinte e um, vinte e dois.
Professora: Vinte e? Dois.
Alunos: ((falam dois ao mesmo tempo em que a professora falou))
Professora: Vinte e dois de que mês?
Alunos: Junho? Julho?
Alunos: ((começam a falar vários meses aleatórios na tentativa de adivinhar o mês da corrente
data))
Professora: A meu chapéu! Que mês?
Gregório: Setembro.
Professora: Setembro. E qual é o dia da semana?
Benício: Mi/Quarta. ((parece que começa a falar Mittwoch, mas muda a fala para quarta))
Professora: Quarta-feira. Colocar os números ordinais aqui em cima ajudou vocês, né? A saber
qual é a ordem dos dias da semana. Então vamos lá. ((fala enquanto vai registrando a data no
quadro)) Hoje é dia vinte e dois de setembro. E é quarta-feira.
Alunos: ((falam quarta-feira ao mesmo tempo em que a professora falou))
Benício: Mittwoch ((quarta-feira, em alemão))
Professora: Isso a profe também já fez uma vez. Se vocês quiserem, eu posso repetir. Ó, quarta-
feira tem um, dois, três dias pra cá, um, dois, três dias pra lá ((demonstra que quarta fica do
meio da semana apontando para o calendário da parede)). Por isso que se chama Mittwoch.
Meio da semana. Entenderam? ((faz uma pequena pausa)) Que que a professora fez, uma vez?
Eu pintava quartas-feiras pra criança saber que nós estávamos no meio da semana /.../
Gregório: E vai ter o quarenta.
Professora: Será que no calendário tem quarenta?
Alunos: Não.
Mariana: Talvez tenha alguns que têm.
Professora: Será?
Benício: Non tem. ((fala desacreditando em Mariana))
Professora: Ó, nesse aqui a gente já pode dar uma olhada ((aponta para o calendário da
parede)). Será que a gente acha o número quarenta no calendário?
Gregório: Quarenta e um.
270
Gravação realizada em sala de aula em 20 out. 21. Fragmento sobre o Opa da Mariana
tê-la ensinado a ler o calendário.
Professora: ((professora vai distribuindo os livros de língua portuguesa entre as crianças))
Tema a ver com o calendário ((comenta sobre a atividade que farão no livro)).
Mariana: Profe!
Professora: Oi?
Mariana: Eu acho que eu já sei ver. O meu Opa já me ensinou isso.
Professora: É? Então você vai aproveitar o que o Opa te ensinou pra ajudar os amigos saberem
mais um pouco sobre a função do calendário. Tá bom, querida? Então você vai poder ajudar os
outros, tá bom, minha querida?
271
Gravação realizada em sala de aula em 10 nov. 21. Fragmento sobre leitura da tarefa “O
que sua família faz quando você está na escola?”.
Professora: Liam, o que você descobriu? O que os seus pais fazem quando você está na escola?
Liam: ((responde sem precisar fazer a leitura do que escreveu na tarefa)) Minha mãe lava a
roupa, ela, ela arruma a casa.
Professora: Uhum. Uhum. E o seu pai?
Liam: O meu pai trabalha.
Professora: E os seus irmãos?
Liam: O ((fala o nome do irmão)) faz tarefa de português, alemão, aqui na escola. E o ((fala o
nome de outro irmão)) faz atividades na creche dele.
/.../
Professora: /.../ Enquanto a Jaqueline se organiza, Bella, que que você descobriu?
Bella: ((já faz a leitura sozinha, decodificando o que conseguiu escrever no próprio livro)) A
minha Oma faz almoço. Trabalham na empresa. Em casa, fazem faxina.
Professora: Muito bem, Bella, muito bem. E você, Levi, o que você descobriu? /.../
Gravação realizada em sala de aula em 10 nov. 21. Fragmento sobre a leitura da história
da Vó Nana, que se desdobrou na conversa acerca da composição familiar das crianças.
Professora: O nome dessa história é Vó Nana. Quem escreveu foi Margaret Wild e Ron
Brooks. A editora é a Brinque Book /.../ ((professora realiza a leitura da história para as crianças
e as crianças vão interagindo no desenrolar da narrativa))
Olha só como ela deixou o quarto da vó bonito, gostoso pra dormir.
Depois, deitou-se na cama de Vó Nana, apertou-a em seus braços e, pela última vez, Vó Nana
e Neta ficaram bem abraçadinhas até o dia clarear.
((professora vira a última página do livro)) O que que aconteceu com a vó Nana? ((professora
pergunta mostrando a última ilustração do livro, apontando para um feixe de luz e uma pomba
branca))
Mariana: Morreu?
Professora: Morreu ((diminui o tom de voz)).
Levi: A vó morreu? ((pergunta em tom aparentemente triste ou decepcionado))
Professora: E a neta ficou sozinha ((ao falar sozinha, separa a sílaba só, dando uma ênfase)).
Alunos: zinha ((tom de voz baixo, falando ao mesmo tempo que a professora)).
Professora: A neta teve que aprender a viver sem a vó.
Saulo: Mas ela não tem mãe?
Professora: Você sabia que as vezes as crianças são criadas pelos avós? Porque a história diz
aqui que a vó, que a:::, que a neta e a vó já viviam juntas ó, há muito, mu:::ito tempo. Então, às
vezes, as crianças são criadas pelas avós. Fala, Maitê ((aponta para a Maitê para lhe dar turno
de fala)).
Maitê: A minha mãe, ela não tinha nem pai e nem mãe. Ela nasceu pela minha vó.
Professora: Só que a tua vó é a mãe dela, né. E a tua vó, ajuda a te cuidar, Maitê?
Maitê: ((faz sinal positivo com a cabeça))
/.../
Professora: Tranquila! A vovó botou tudo em dia, preparou a neta pra isso, né.
((professora olha para Mariana e faz uma pergunta)) Tu também mora com a tua vó, né?
Mariana: ((fica um instante quieta e responde)) Com a minha Oma eu moro ((aparentemente,
corrige a informação perguntada pela professora)).
Professora: Isso, com a Oma ((confirma a informação da Mariana)). Todo mundo junto, né?
Saulo: Ó, ó...
272
Gravação realizada em sala de aula em 27 out. 21. Fragmento sobre a sondagem como
sistema avaliativo adotado pela prefeitura para “diagnóstico das hipóteses de escrita”.
Professora: Essa sondagem, Dona Luana, funciona assim, ó: A gente recebe três sequências
didáticas elaboradas pela equipe da secretaria de educação, e eu posso escolher uma. Dá uma
olhada ((professora entrega para eu ver as três sequências didáticas)). Aí você já vai entender o
porquê da parlenda ((risos))
Luana: É que também eles tavam estudando agora há pouco ((sinaliza um conteúdo já
trabalhado pela professora))
Professora: ((faz sinal de concordância)) (incompreensível) Aí eu tenho só que comunicar
através da Dona ((cita nome da diretora)), né, qual das três que eu escolhi. A sondagem é feita
só em português e aí que vem, na minha opinião, algo que não fecha. Porque eu tenho a metade
do tempo, mas eu preciso chegar no mesmo objetivo.
Luana: Como assim?
Professora: As minhas crianças têm que aprender a mesma hipótese de escrita ((faz uma
comparação com as escolas que não participam da política de educação bilíngue))
/.../
A própria ((cita nome de professora de outra escola)), ela sentiu muito um ano em que::: “EU
dou aula de ALEMÃO” ((fala simulando o discurso direto de outrem; dá ênfase ao termo
alemão)).
Luana: ((fala ao mesmo tempo em que a professora falou a palavra “alemão”)) É::!?
Professora: “Não quero saber de alfabetização. Eu dou aula de ALEMÃO” ((dá ênfase ao
termo alemão)). E o foco pra mim é ORALIDADE” ((fala simulando o discurso direto de
outrem; dá ênfase ao termo oralidade)).
Luana: Até porque, se for ver, essas professoras de alemão não necessariamente fizeram peda/
Professora: ((fala ao mesmo tempo que Luana e dá ênfase ao termo “essa”)) ESSA é a
dificuldade!
/.../
que todos os primeiros anos de Pomerode vão ter que fazer, tá. E o que que é isso? Vai vir uma
professora, que não é professora de vocês, tem que ser alguém que não/NÃO dá aula pra vocês.
Provavelmente vai ser a Dona ((cita o nome da professora)), mas não sei se é. Tem que ser
alguém que não dá aula pra vocês. Ela vai vir aqui, essa pessoa, e vai dizer assim: “Gregório,
vem aqui conversar comigo” ((cita como se fosse um discurso direto)). Aí vai ter uma
carteirinha de vocês ali no corredor, e ela vai chamar um por um e vai fazer um ditado. Mas vai
dizer assim: “Gregório, escreva pra mim a palavra me-ni-na” ((cita como se fosse um discurso
direto; fala menina silabando)). Aí o Gregório vai pegar o papel que ela vai dar e vai escrever
((faz de conta que está escrevendo)).
Gregório: Me-ni-na ((fala menina silabando)).
Professora: Ela vai dizer, escreve ali pra mim: “bo-ta” ((cita como se fosse um discurso direto;
fala bota silabando)). Aí ele vai lá e escreve?
Gregório: Bo-ta ((fala bota silabando)).
Professora: Isso mesmo! “Só que, profe, como é que nós vamos saber que palavra ela vai
ditar?” ((cita como se fosse um discurso direto)). Eu também não sei quais são as palavras que
ela vai ditar. Mas, ela mandou pra professora e pra todos os professores de primeiro ano / Adam
((chama atenção de aluno)) / de Pomerode, três sequências didáticas que a gente diz, três
sugestões pra preparar vocês. E eu podia escolher uma. Das três que ela mandou, eu podia
escolher uma. E sabe qual eu escolhi?
Alunos: Qual?
Professora: Eu escolhi a das parlendas. Vocês já conhecem parlendas?
Alunos: ((alguns alunos respondem que sim, outros que não))
Professora: Qual uma parlenda que vocês conhecem?
Gregório: Da macaca.
Professora: Como é que é da macaca? ((começa a estalar os dedos de forma rítmica))
Alunos: Meio-dia, macaca subia, panela no fogo, barriga vazia ((recitando a parlenda enquanto
professora estrala os dedos)).
Professora: Muito bem! /.../
274
A Gastronomia Teuto-
Brasileira em Blumenau e Milagros Del
Pomerode (SC) como Carmen
Patrimônio Cultural e Mestrado em Turismo Joseph de
4 Atrativo Turístico e Hotelaria 2006 Schreiber UNIVALI
Mestrado em Lilian
Pomerode: a cidade mais Desenvolvimento Schneider
5 alemã do Brasil? Regional 2007 Borges FURB
A dinâmica de
desenvolvimento e o
processo de
desmemorização nas
cidades do Vale do Itajaí Mestrado em
:estudo de caso Timbó e Desenvolvimento Cassandra
6 Pomerode/SC Regional 2008 Helena Faes FURB
Rais Aus, Die Polatzai
Komm!: Os sentidos da
língua alemã no ensino em Mestrado em Scheila
7 Pomerode-SC Educação 2010 Maas FURB
275
SEQUÊNCIA DIDÁTICA:
Objetivos:
Reconhecer o sistema de escrita alfabética como representação dos sons da fala.
Identificar oralmente o número de sílabas de palavras.
Reconhecer, em textos versificados, rimas, sonoridades, jogos de palavras, palavras,
expressões, comparações, relacionando-as com sensações e associações.
Recitar parlendas, quadras, quadrinhas, trava-línguas, com entonações adequadas e
observando as rimas.
Conteúdos:
Parlendas.
Leitura e escrita na alfabetização.
Desenvolvimento da oralidade.
Desenvolvimento:
Inicie apresentando a parlenda “Batatinha quando nasce” à turma. Você pode apresentar
através de um cartaz, ou escrita no quadro, ou data show, utilize sua criatividade professor
277
(a). Após realizar a leitura da parlenda pergunte as crianças se alguém já ouviu a parlenda em
outro momento. Aproveite a fala da turma para explicar o que é uma parlenda.
Depois de explicar à turma sobre o que é uma parlenda, leia novamente, desta vez
pausadamente, quantas vezes forem necessárias para que eles identifiquem as palavras no
texto. Mas, à medida que você for lendo, vá apontando as palavras para facilitar o seu
reconhecimento por parte dos estudantes. Depois cante a parlenda com os alunos utilizando
a melodia da canção popular Terezinha de Jesus ou outra de sua preferência. A seguir, escreva
em tiras individuais e coloridas de cartolina ou outro material as palavras: menininha,
batatinha, coração, chão e mão e faça a leitura de cada uma das palavras com os alunos.
Na sequência, trabalhe com cada palavra lendo palavra MENININHA para a turma e depois,
leia com os alunos contando nos dedos cada sílaba e quantas vezes abriram a boca para falar
cada sílaba da palavra ME-NI-NI-NHA e com todas as demais das tirinhas.
Pergunte para os alunos: qual som foi pronunciado quando abriram a boca pela
primeira vez? E na segunda vez? Na terceira vez? Na quarta vez? Algum som foi igual? Qual?
Esse som que foi igual lembra o nome de algum colega da sala? Qual é o nome do colega?
278
Se não tem nenhum colega da sala em que o nome tem esse som, pode buscar entre nomes
de outras pessoas.
Pode realizar a atividade de identificar os sons pronunciados com os nomes de todos
os colegas da sala, usando como material de apoio o mural dos nomes dos estudantes, que
deve estar disposto na sala. Realize a atividade de leitura da palavra MENININHA com a
preguicinha (recurso utilizado no processo de alfabetização) falando com os alunos, sílaba a
sílaba, até concluir a leitura da palavra.
Na sequência, trabalhe com cada palavra lendo para a turma e depois, leia com os
alunos contando nos dedos cada sílaba e quantas vezes abriram a boca para falar cada sílaba
da palavra BA-TA-TI-NHA e com todas as demais das tirinhas. Pergunte para os alunos:
qual som foi pronunciado quando abriram a boca pela primeira vez? E na segunda vez? Na
terceira vez? Na quarta vez? Algum som foi igual? Qual? Esse som que foi igual lembra o
nome de algum colega da sala? Qual é o nome do colega? Se não tem nenhum colega da sala
em que o nome tem esse som, pode buscar entre nomes de outras pessoas. Pode realizar a
atividade de identificar os sons pronunciados nos nomes de todos os colegas da sala, usando
como material de apoio o mural dos nomes dos estudantes, que deve estar disposto na sala.
Realize a atividade de leitura da palavra BATATINHA com a preguicinha, falando com os
alunos, sílaba a sílaba, até concluir a leitura da palavra.
Apresente a ficha com a palavra: CORAÇÃO. Leia-a com os alunos, e peça que
observem o som pronunciado no final da palavra. Mostre as fichas com as palavras: MÃO e
CHÃO. Leias as palavras com os alunos. Pergunte se ao pronunciarem as palavras MÃO e
CHÃO, conseguem perceber o som da última sílaba da palavra coração. Mostre para eles as
279
letras que fazem esse som. Na sequência, com os alunos em grupo, distribua o alfabeto móvel
e peça que montem as palavras: MENININHA, BATATINHA, CORAÇÃO, MÃO e
CHÃO. A seguir, peça que copiem essas palavras em seus cadernos. Aproveite para contar
o número de sílabas e letras de cada palavra envolvendo também a disciplina de matemática.
Contar no grande grupo quantas palavras há na parlenda apresentada é outra opção a ser
explorada pelos alunos. Você pode fazer um jogo de bingo com os alunos utilizando letras
ou números.
Apresente à turma a parlenda “Macaco Assobia”, você pode ler para a turma e
solicitar que cada criança faça a escrita espontânea desta parlenda. Após, faça a apreciação
da escrita das crianças e elabore a partir disto atividades com letras, sílabas, palavras e textos,
proporcionando aos alunos explorar semelhanças e diferenças nas sílabas iniciais, mediais,
finais e na composição de novas palavras. Produza textos coletivamente, em dupla ou
individualmente a partir de imagens, de leituras, de situações, de questionamentos, de
necessidades de informar, divulgar, pesquisar, discordar, concordar, divertir, recontar,
anunciar, convidar. Com outras parlendas da sua preferência monte e explore bancos de
palavras, cruzadinhas, jogos de memória, jogos de raciocínio, conceitos de menor e maior,
entre outros. Para finalizar, solicite que cada aluno pesquise com sua família uma parlenda e
a escreva em seu caderno para compartilhar com a turma no dia seguinte. Na escola pode ser
feita uma exposição com as parlendas que trouxeram de casa. Também podem aproveitar este
momento para que a criança faça a leitura da parlenda para a turma e juntos possam perceber
quais são as palavras que rimam.
AVALIAÇÃO/SONDAGEM
Exemplificando:
Campo semântico: APRENDENDO COM PARLENDAS
Sugestão de palavras:
Palavras polissílabas: batatinha, menininha, esparrama.
Palavras trissílabas: coração, menina, macaco, panela, barriga.
Palavras dissílabas: dorme, nasce, fogo, dona.
Palavras monossílabas: mão, chão, dia.
Sugestão de frases:
A menina colocou o vestido.
A panela está no fogo.
O chão está sujo.
A Dona Maria foi viajar.
ANEXO B – Lei Ordinária 2.251 2010 de Pomerode SC, que Institui A Língua Alemã
Como Idioma Complementar e Secundário no Município.
Art. 1º Fica instituída a língua alemã como o idioma secundário e complementar no Município
de Pomerode, inteiramente respeitada a língua portuguesa, como a língua oficial do Brasil.
II - estimular o aprendizado da língua alemã nas escolas da rede municipal, bem como a sua
utilização especialmente no atendimento aos turistas;
III - adotar a língua alemã nas placas de sinalização do trânsito e nas indicativas de rotas aos
bairros e cidades vizinhas, bem como dos logradouros públicos.
Art. 3º O uso da língua alemã nos termos da presente lei não poderá ensejar qualquer forma ou
motivo de discriminação, tendo por finalidade única, preservar a cultura e a tradição alemã,
herdada dos colonizadores alemães.
Art. 5º Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação revogadas as disposições em
contrário.
GENRADO RIEMER
Secretário de Administração e Fazenda
ANEXO C – Lei Ordinária 2.907 2017 de Pomerode SC, que dispõe sobre a
cooficialização da língua pomerana, à língua portuguesa, no município de Pomerode -
SC.
ÉRCIO KRIEK, Prefeito de Pomerode, Estado de Santa Catarina, no uso das atribuições legais
que lhe confere a Lei Orgânica Municipal, faz saber a todos os habitantes deste Município que
a Câmara Municipal aprovou e eu sanciono a seguinte Lei.
Art. 2º O status de língua co-oficial concedido por esta Lei permite ao Município:
VII - Por meio da língua Pomerana incentivar os saberes tradicionais como música, canto,
teatro, danças, gastronomia, jogos, entre outros;
XIX - Disponibilizar, sempre que possível, serviço de atendimento ao público nos órgãos da
Administração Municipal Direta e Indireta na língua Pomerana, principalmente para os
cidadãos que não tiverem o pleno domínio na compreensão da língua portuguesa.
Art. 4º Fica proibido qualquer ato discriminatório em razão da utilização da língua oficial ou
co-oficial.
ÉRCIO KRIEK
Prefeito Municipal