A Introdução do MAC em Niterói
A inaugurado em setembro de 1996, o MAC-Niterói, possibilitou uma reestruturação da
identidade da cidade, que passou, inegavelmente, por uma série de transformações físicas e
simbólicas que visavam seu reposicionamento como um destino turístico relevante, tanto
nacional como internacionalmente, e o contexto de tudo isso (como o resto do mundo vivinha
fazendo o mesmo e etc. A valorização de áreas centrais decadentes via projetos de
regeneração urbana, fortemente ancorados na implementação de (novos) objetos
arquitetônicos (visualmente) impactantes e de uso (predominantemente) cultural, não era uma
novidade na época
O Projeto em processo
Como parte dos projetos de pesquisa e de extensão "Projeto em Processo", visamos estudar
“processos de projeto” e “projetos em processo” em um escopo mais amplo, foi definido um
recorte espaço-temporal para melhor observar as relações entre “projetos” e “processos”
dentro das premissas aqui apresentadas. Neste sentido, a escolha do MAC-Niterói como
objeto de estudo permitiu adotar uma abordagem multidisciplinar onde uma série de
entrevistas, revisões bibliográficas, mapeamento de documentação específica e análises vem
sendo feita com o objetivo de ampliar o entendimento sobre como este “projeto”,
inicialmente pensado como um um museu e ícone arquitetônico para a cidade, se transformou
em um “processo”. Em outras palavras, o intuito foi e é estudar e analisar como o “projeto”
do objeto arquitetônico do MAC-Niterói teve uma sobrevida maior que seu propósito inicial,
passando por sucessivos “processos” de consolidação de sua imagem como símbolo da
cidade de Niterói e contribuindo, posteriormente, não apenas para a redescoberta (e
valorização) da região de Boa Viagem, mas também para o desenvolvimento e (parcial)
implementação do Caminho Niemeyer - um percurso turístico com diversos objetos
arquitetônicos projetados por Niemeyer, localizados na frente marítima da cidade, ligando o
terminal das barcas ao museu.
MAC e o Caminho Niemeyer
MAC-Niterói faz parte de uma visão, de um entendimento de que “cultura” seria a salvação
de centros urbanos degradados; de que edifícios de uso cultural (notadamente museus de arte)
seriam o veículo para promover a regeneração (social, econômica) de áreas ociosas; de que
políticas públicas culturais e urbanas deveriam estar na agenda de todos os políticos que
desejavam novas receitas e visibilidade paras as suas cidades.
Partindo desta premissa, o MAC-Niterói pode ser considerado parte deste fenômeno global,
onde arquiteturas espetaculares são usadas como catalisadores de um processo de
transformação (e/ou regeneração e/ou revitalização) urbana tendo como base o apelo turístico
e do objeto arquitetônico em si e da ”turistificação” de seu entorno imediato. A questão da
especulação e valorização fundiária e imobiliária da região de Boa Viagem aconteceu como
uma consequência do “sucesso” do MAC-Niterói.
Políticas Públicas
Certamente que a sua relevância como equipamento cultural na cidade foi importante.
Parcerias com comunidades e artistas locais, centros de pesquisa e a Universidade Federal
Fluminense, por exemplo, contribuíram para ampliar o alcance das ações educativas que
fizeram parte da programação de eventos - o que permitiu, inclusive, que novos públicos
descobrissem e frequentassem o museu. Uma destas ações, o programa de Arte Ação
Ambiental do MAC-Niterói, resultou no Módulo de Ação Comunitária (MACquinho -
rebatizado como Centro Cultural de Cidadania e Economia Criativa), projetado por
Niemeyer, construído na favela do Morro do Palácio no bairro do Ingá, próximo ao
MAC-Niterói, e inaugurado em 2008. Contudo, estas iniciativas, ainda que abrangentes e
inclusivas, não foram suficientes para manter e/ou ampliar políticas culturais a médio e longo
prazos - sobretudo se considerado o cenário de crises (social-político-econômica) e incertezas
observado a partir do final dos anos 2000.
Ainda que exista um entendimento de que, como parte de agendas neoliberais, parcerias
público-privadas sejam cada vez mais necessárias para a elaboração, implementação e
manutenção de grandes processos de intervenção urbana, deve-se ressaltar que políticas
públicas devem (ou deveriam) ter como base os interesses dos cidadãos. Porém, em um
cenário de poucos (ou inexistentes) recursos públicos, como visto nos anos 2010, é crucial
definir prioridades. E estas, geralmente, não incluem criar e/ou manter políticas públicas
subsidiadas com dinheiro público. Ou seja: o sucesso ou fracasso de políticas públicas
culturais e urbanas passa, inquestionavelmente, por como sobreviver a crises econômicas -
uma vez que elas têm sido fatores determinantes para a continuidade (ou interrupção) de
“modelos” de regeneração urbana dependentes de uma constante produção de novos
equipamentos culturais e urbanos; de novos roteiros turísticos; de novos (mega)eventos.
Ainda que a atividade turística seja um fator bastante relevante, sobretudo em se tratando do
MAC-Niterói, ela não necessariamente depende de incentivos a políticas públicas culturais -
que incluem questões curatoriais, de acervo, propostas de exposições, projetos educativos
etc... Roteiros turísticos, elaborados com ou sem a participação do poder público, incluem a
visita ao MAC-Niterói não porque ele é um museu, mas sobretudo porque ele é um marco
turístico. Ou seja: turistas não necessariamente “consomem” o MAC-Niterói como um
equipamento cultural, mas sim como um objeto arquitetônico relevante para a cidade.
Eventos, como o Niterói Biketur, se utilizam do apelo turístico e da imagem do MAC-Niterói
como símbolo da cidade
O MAC e Niterói hoje
Este novo discurso, que passa a ser mais explorado pelas cidades a partir dos anos 2010,
promove uma renovação de públicos nas regiões centrais “revitalizadas” - uma vez que estes
espaços passam a ser não apenas “consumidos”, mas sobretudo “vivenciados” pela “classe
criativa”. Este novo público é atraído para estas áreas centrais “revitalizadas” justamente pela
maior oferta de trabalho, de imóveis baratos, de infraestrutura e mobilidade urbanas - o que
resulta em novas práticas sociais, novas formas de se ocupar, produzir e consumir estes
espaços. Para isso, é necessário manter e/ou incentivar investimentos (e/ou subsídios
públicos) para que estas regiões centrais possam continuar atraindo a “classe criativa” - e isso
passa, inquestionavelmente, por uma revisão e reorientação dos discursos, das políticas
urbanas e das ações planejadas para estes espaços.
Contudo, para que essas ações pudessem ter um impacto mais amplo, durador e abrangente,
seria importante reforçar a ideia de que os centros urbanos são lugares bons para se morar - e
com isso fomentar o uso residencial nos bairros da região central das cidades. Este discurso
passa a ter mais relevância no pós-pandemia de COVID-19, uma vez que os centros urbanos
foram significativamente afetados pelas restrições sanitárias. Não que os centros urbanos não
estivessem sofrendo as consequências do processo de esvaziamento populacional decorrente
da desindustrialização e perda de relevância como centros comerciais e/ou financeiros desde
os anos 1980. A pandemia só fez acelerar algo que já estava em movimento.
Com o intuito de revitalizar a região central de Niterói, uma série de ações recentes vêm
sendo promovidas pela Prefeitura da cidade. Dentre elas destacam-se a requalificação do
entorno do terminal das barcas, na Praça Araribóia; a reformulação das vias públicas na
região central; a renovação de bens e equipamentos públicos urbanos; a restauração de bens
tombados como a antiga Estação da Cantareira, o Castelinho do Gragoatá e o antigo Mercado
Municipal; e, notoriamente, a (re)valorização do Caminho Niemeyer.