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Araujo e Suassuna 2020

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Critérios para a avaliação da oralidade

no ensino de língua portuguesa


Criteria for orality assessment on Portuguese language teaching

Flávia Santana Araújo


Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
Lívia Suassuna
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
DOI: https://doi.org/10.5902/2176148538796

Resumo: Em se tratando da avaliação da aprendizagem de modo geral, é necessário que


o professor tenha clareza dos objetos de ensino e das expectativas de aprendizagem, para
que estes se articulem de forma coerente aos procedimentos metodológicos adotados.
Isso também se aplica ao ensino da modalidade falada da língua portuguesa. Nesse
sentido, o objetivo deste ensaio é discutir o ensino da oralidade e sua avaliação, bem como
propor critérios avaliativos para o acompanhamento da aprendizagem da língua falada.
Para embasar a discussão, são trazidos alguns estudos, tais como Schneuwly (2004) e Melo
e Cavalcante (2007).
Palavras-chave: Critérios. Avaliação. Oralidade.

Abstract: In terms of the evaluation of learning in general, it is necessary that the teacher
has clarity of teaching objects and learning expectations so that they are articulated in
a manner consistent with the methodological procedures adopted. This also applies to
teaching the spoken modality of the Portuguese language. In this sense, the objective
of this essay is to discuss the teaching of orality and its evaluation, as well as to propose
evaluation criteria for the accompaniment of the learning of the spoken language. To
support the discussion, some studies are presented, such as Schneuwly (2004) and Melo
and Cavalcante (2007).
Keywords: Criteria. Assessment. Orality.
Introdução
Em se tratando de um ensino de língua baseado num enfoque sociointe-
racionista, é necessário que o professor tenha clareza sobre os objetivos
de ensino, para que suas escolhas metodológicas sejam coerentes com os
mesmos, uma vez que eles guiam o fazer em sala de aula. Logicamente,
isso também se aplica ao ensino da língua falada. O objetivo agora não
Flávia Santana é ensinar a língua por meio da abordagem de suas regras gramaticais,
Araújo como antigamente se costumava fazer, mas sim ensinar os meios mais
adequados para sua utilização, levando em consideração os mais variados
Lívia contextos sociais: “a língua tem um vocabulário, uma gramática e certas
Suassuna normas que devem ser observadas na produção dos gêneros textuais de
acordo com as normas sociais e necessidades cognitivas adequadas à situ-
98 ação concreta e aos interlocutores” (MARCUSCHI; DIONÍSIO, 2007, p. 16).
Milanez (1993) ressalta que o trabalho com a oralidade deve ser
realizado desde os primeiros anos da educação escolar, com vistas a
aperfeiçoar a competência comunicativa do aluno nos mais diversos
contextos sociais em que possa vir a interagir. Para a autora, trata-se de
tornar consciente o que é intuitivo sobre a língua falada, através de um
ensino sistemático cujo foco recaia sobre os atos de linguagem. “Assim,
é importante que o aluno perceba que a diversidade de produções orais
existe, principalmente, em função da situação em que o discurso se rea-
liza” (MILANEZ, 1993, p. 25).
Em pesquisa feita com professores de português das séries finais
do ensino fundamental de diversos municípios do estado do Piauí, Ávila,
Nascimento e Gois (2012, p. 47) observaram que “os objetivos do ensino da
oralidade: (a) muitas vezes não se fazem presentes; (b) quando aparecem,
são essencialmente voltados para a aprendizagem da escrita; ou (c) revelam
uma capacidade reducionista de um trabalho efetivo com gêneros textuais”.
Já no ensino médio o trabalho com a oralidade geralmente aconte-
ce, porém de forma limitada, já que no contexto brasileiro, a emergência
do Estado avaliador, com seus exames focados na aprendizagem da escri-
ta, acaba por levar muitos professores a colocar o trabalho com a língua
falada em segundo plano. Araújo (2014), em pesquisa com professores da
rede estadual de Pernambuco em que analisou as práticas de avaliação
da oralidade, percebeu que o trabalho com a língua falada acontecia sis-
tematicamente por meio de gêneros orais. No entanto, algumas práticas
avaliativas eram realizadas de maneira pontual, desconsiderando-se as-
pectos essenciais no desenvolvimento da língua falada dos alunos.

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Considerando-se essas e outras discussões, o objetivo deste en-
saio é discutir o ensino da oralidade e sua avaliação, bem como propor
critérios avaliativos para o acompanhamento da aprendizagem da lín-
gua falada. Tais critérios são fruto de reflexões provocadas pelas leitu-
ras de diversos autores, como também da análise de dados de pesquisas
científicas. Ressaltamos que os critérios ora apresentados não devem Critérios para
ser vistos como estanques, dada a dinâmica própria do ensino de língua. a avaliação
da oralidade
1. Como trabalhar a oralidade nas aulas de língua no ensino
materna? de língua
O ensino de língua falada se apoia em concepções diversas, que vão des- portuguesa
de a leitura em voz alta até um trabalho interativo com gêneros textuais
orais. Schneuwly (2004) fez uma pesquisa com professores-estudantes 99
de Ciências da Educação sobre concepções de oralidade na Suíça, na qual
ele perguntou aos professores “O que é o oral para você?”. O pesquisa-
dor percebeu que as respostas recebidas apontavam para concepções
usuais de ensino de oralidade, as quais foram divididas em três grupos:
1) oral como materialidade: ensino focado exclusivamente na ex-
ploração da fala;
2) oral como espontaneidade: o estudante é levado a expressar-se
espontaneamente por meio da fala;
3) oral como norma: o objetivo é levar o estudante a falar correta-
mente, dando ênfase a aspectos normativos da língua.

Tais concepções usuais de oralidade acarretam diversos proble-


mas no seu tratamento didático. Ao entender o oral apenas como ma-
terialidade, o docente preocupa-se mais com os aspectos prosódicos da
fala, desprezando outros aspectos (cinésicos, por exemplo). Já quando
se concebe o oral como espontaneidade, desconsidera-se que o próprio
contexto regula as interações ocorridas por meio da língua, ou seja, a
fala não é de todo espontânea. Por fim, ao se entendermos o oral como
norma, deixaremos de lado as inúmeras variedades linguísticas de que
se lança mão nos usos sociais da língua.
Esses e outros problemas surgem porque o foco do ensino de ora-
lidade recai sobre um aspecto específico, seja ele voltado ao desenvol-
vimento de habilidades articulatórias, conversacionais ou linguísticas.
Ora, se a fala é um objeto complexo e multifacetado, transcendendo,
inclusive, a sua própria materialização fonético-fonológica, visto que

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se utiliza de elementos corporais e outros, eleger apenas um de seus
atributos como foco para o ensino de língua falada seria descaracterizar
a sua natureza interacional (supondo-se aqui uma concepção linguística
apoiada na interação verbal), desvinculando-o das práticas comunicati-
vas realizadas em sociedade por meio da língua.
Em oposição às concepções usuais, Schneuwly (2004) apresenta
Flávia Santana uma concepção do desenvolvimento (ou sociointeracionista), tendo como
Araújo princípios: a) levar o estudante a conhecer e dominar bem a sua língua
materna em contextos sociais diversos; b) desenvolver nos aprendizes
Lívia uma relação consciente e voluntária com seu próprio comportamento
Suassuna linguístico; c) construir representações de atividades de fala em situações
complexas. Assim, ele entende que essa concepção de ensino de oralida-
100 de só pode ser concretizada por meio do trabalho com gêneros textu-
ais orais. Após discutir sobre a concepção para o ensino do oral apoiada
numa perspectiva sociointeracionista, Schneuwly (2004, p. 117) defende:

Parece, portanto, mais propício não entrar no oral em geral,


mas em gêneros orais, e trabalhar suas especificidades. Traba-
lhar os orais pode dar acesso ao aluno a uma gama de atividades
de linguagem e, assim, desenvolver capacidades de linguagem
diversas; abrem-se, igualmente, caminhos diversificados que
podem convir aos alunos de maneiras muito diferenciadas, se-
gundo suas personalidades.

Dessa forma, o ensino da língua falada deve levar a desenvolver


práticas de linguagem às quais normalmente o estudante não teria aces-
so em seu cotidiano. Em se tratando do ensino médio, e considerando-
-se os diferentes campos de atuação social, esse trabalho com a língua
falada precisa desenvolver a autonomia de uso da linguagem em esferas
comunicativas variadas. Para Dolz, Schneuwly e Haller (2004, p. 147), o
ensino da oralidade deve privilegiar os gêneros orais formais públicos:
“Os gêneros formais públicos constituem as formas de linguagem que
apresentam restrições impostas do exterior e implicam, paradoxalmen-
te, um controle mais consciente e voluntário do próprio comportamen-
to para dominá-las.”.
Se compararmos a modalidade escrita da língua à falada, vere-
mos que um aspecto é essencial no ensino desta última: a interação
instantânea. Faz-se necessário, portanto, simular situações em sala de

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aula que sejam bem próximas da realidade e nas quais o estudante seja
levado a dominar os recursos implicados na interação por meio da fala.
A esse princípio metodológico de trabalho com os gêneros textuais que
aproxima o estudante das situações cotidianas em que a linguagem é
utilizada Schneuwly (2004) dá o nome de ficcionalização. Segundo ele:
Critérios para
A particularidade do oral em relação à escrita reside no fato de a avaliação
que essa ficcionalização deve se articular com uma represen- da oralidade
tação do aqui e agora, gerenciada simultaneamente, graças aos no ensino
meios de linguagem que são o gesto, a mímica, a corporalidade, de língua
a prosódia. Palavra – implicação material e corporal na situação portuguesa
de linguagem – e ficcionalização – a necessidade de construir, ao
mesmo tempo, uma representação da situação abstrata – consti- 101
tuem, portanto, os dois vetores a partir dos quais se constroem
as novas capacidades de linguagem no que chamamos de o oral
(SCHNEUWLY, 2004, p. 123).

Sabemos que, quando um gênero entra na escola, sofre modifi-


cações, visto que ele é, simultaneamente, “gênero a aprender, embora
permaneça gênero para comunicar” (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 69).
O docente deve estar atento, portanto, às adaptações que precisará rea-
lizar nessa aprendizagem do gênero, para não incorrer no equívoco de
retirar desse gênero características essenciais à sua compreensão. Em
outras palavras, trata-se não apenas de alcançar o domínio de um gêne-
ro em específico, mas também, e principalmente, de desenvolver habi-
lidades que ultrapassem o modelo relativamente estável desse gênero.

2. Como avaliar a oralidade nas aulas de língua


portuguesa?
Tendo em vista, portanto, as mudanças que todo gênero textual sofre ao
adentrar a sala de aula, a elaboração de um determinado modelo didá-
tico de gênero pode orientar-se pelos seguintes princípios: 1) legitimi-
dade, ou “quais saberes teóricos ensinar?”; 2) pertinência, ou “quais os
objetivos de ensino?”; 3) solidarização, ou “os saberes estão alinhados
aos objetivos?”. Um modelo didático de gênero deveria atender, dessa
forma, tanto aos objetivos práticos do ensino de língua materna, quanto
às características do gênero textual em questão, estando ambas as di-
mensões interligadas. A hipótese levantada pelos autores é a seguinte:

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“[...] quanto mais precisa a definição das dimensões ensináveis de um
gênero, mais ela facilitará a apropriação deste como instrumento e pos-
sibilitará o desenvolvimento de capacidades de linguagem diversas que
a ele estão associadas” (SCHNEUWLY; DOLZ, p. 76, 2004).
Para Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 82): “Uma sequência
didática é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira
Flávia Santana sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito.”. O pro-
Araújo cedimento de uma sequência didática inicia-se com a apresentação da
situação a ser trabalhada: o professor apresenta um problema de co-
Lívia municação e explora os conteúdos subjacentes a esse problema. Após
Suassuna essa etapa, dá-se a produção inicial, na qual o aluno produz o texto
requerido mobilizando os conhecimentos de que dispõe. Depois dessa
102 produção vêm os módulos, que compreendem blocos de atividades de
sistematização dos conhecimentos linguísticos que o aluno revelou não
dominar na primeira produção. Essa sistematização levará à produção
final, em que o aluno consolidará os conhecimentos adquiridos ao longo
da sequência, reelaborando a produção inicial.
Cremos, portanto, que, para a realização de práticas de oralidade
em aulas de língua materna, um acompanhamento contínuo é indispen-
sável, devido ao caráter imediatista da fala, que configura as produções
textuais orais produzidas em sala de aula como situações comunicativas
únicas. Assim, a construção modular de uma sequência didática favore-
ce uma avaliação formativa, porque requer do professor um acompa-
nhamento contínuo e crítico da aprendizagem de seus alunos. Ao con-
trário da visão tradicional de avaliação, que considera a mensuração de
habilidades cognitivas apenas no final de cada etapa da aprendizagem,
a avaliação formativa pressupõe o acompanhamento de todo o processo
de construção de conhecimento.
É importante que a avaliação aconteça desde a produção inicial,
para que o docente possa planejar melhor sua prática pedagógica a partir
das necessidades de sua turma, e até individualizar sua intervenção pe-
dagógica, caso necessário. “A análise das produções orais ou escritas dos
alunos, guiadas por critérios bem definidos, permite avaliar de maneira
bastante precisa em que ponto está a classe e quais são as dificuldades
encontradas pelos alunos” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 87).
Consoante essa perspectiva, o professor deverá atuar como me-
diador da aprendizagem no ensino de língua. Lima e Beserra (2012, p.
70) enfatizam a importância das mediações do professor no processo

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de aprendizagem da oralidade: “Na realização das atividades orais, o
professor desempenha o importantíssimo papel de mediar a produção,
ajudando seus alunos a encontrar estratégias que permitam o desenvol-
vimento das habilidades requeridas”.
Milanez (1992), ao tratar do papel do professor no processo de
ensino da linguagem oral, denuncia em suas considerações finais o Critérios para
descompasso entre os estudos científicos e o trabalho pedagógico em a avaliação
sala de aula, fruto de uma formação sabidamente deficiente no tocante da oralidade
ao trabalho sistemático com a fala. Além disso, muitos docentes ainda no ensino
mantêm uma postura autoritária, resultante de práticas tradicionais de de língua
abordagem da língua, dificultando uma abordagem interacionista. Em portuguesa
outro trecho de sua pesquisa ela também coloca o professor como peça
fundamental nesse processo: 103

[...] cabe ao professor estar preparado para orientar os alunos em


suas produções orais, uma vez que estas exigem treinamento e
avaliação totalmente diferentes daqueles próprios das produções
escritas, pelo fato de os interlocutores estarem em presença um(s)
do(s) outro(s) e de o processo de comunicação envolver [...] rea-
ções, relações e influências recíprocas (MILANEZ, 1992, p. 135).

Sobre a questão do falar corretamente, abordagem centrada na


exploração de regras da gramática normativa, a mesma autora enfatiza
que não se trata de uma questão de respeito à norma culta exclusiva-
mente, mas sim de consciência dos usos mais adequados a cada situ-
ação: “Numa abordagem interacional da língua, ‘saber falar’ não é só
saber expressar o pensamento nem só conseguir ser entendido, mas
atingir o objetivo dentro de determinada situação comunicativa” (MILANEZ,
1992, p. 170, grifo original).
A mesma autora ressalta ainda que os critérios de avaliação dos
textos orais devem ser diversificados, contemplando diversos níveis de
análise que ultrapassam a correção gramatical e incluindo, dessa forma,
o aspecto comunicativo-interacional. Conforme a visão da autora, se se
levam em conta apenas os aspectos gramaticais “[...] pode-se cair no
erro de desconsiderar, no texto do aluno, aspectos qualitativamente po-
sitivos a nível discursivo que são atualmente reconhecidos como mais
relevantes no processo interlocutivo do que a correção gramatical” (MI-
LANEZ, 1993, p. 208).

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Entendemos que a essa visão sociointeracionista deva acrescen-
tar-se o foco nas estratégias organizacionais de cada gênero, uma vez
que elas são definidoras do processo de interação no qual a produção
textual se enquadra. Dado o caráter de construção de conhecimento da
sequência didática, que pressupõe uma progressão em espiral do conhe-
cimento, a ênfase da avaliação deverá recair sobre o processo de apren-
Flávia Santana dizagem dos estudantes. Para guiar essa avaliação, pode-se atentar para
Araújo as camadas do folhado textual de que fala Bronckart (1999):
1) infraestrutura geral do texto: nesta camada verificam-se os tipos
Lívia de discurso e suas articulações, e a organização do conteúdo te-
Suassuna mático, através da qual, enfim, pode-se caracterizar o gênero ao
qual pertence o texto;
104 2) mecanismos de textualização: verifica-se a progressão do conte-
údo temático, tendo em conta as grandes organizações hierár-
quicas, lógicas ou temporais de um texto, dentro de três conjun-
tos: conexão, coesão nominal e coesão verbal.
3) mecanismos enunciativos: esta camada contribui para a coerência
pragmática do texto, apontando posicionamentos enunciativos, ar-
ticulação das vozes presentes e avaliações do conteúdo temático.

3. Quais critérios utilizar para a avaliação da


aprendizagem da oralidade?
Ao tratarem sobre o que avaliar no oral, Melo e Cavalcante (2007) fazem
uma adaptação de um quadro proposto por Luiz Antônio Marcuschi du-
rante o curso “Fala e escrita: características e usos” e de outro quadro
apresentado por Dolz, Schneuwly e Haller (2004, p. 134). As autoras enu-
meram três agrupamentos de critérios a serem considerados na avalia-
ção dos gêneros orais: extralinguísticos (relacionados ao contexto co-
municativo); paralinguísticos (referem-se à maneira de produzir a fala);
linguísticos (compreendem as estratégias de interação verbal e o uso
adequado da língua no contexto comunicativo).
Aos critérios paralinguísticos, as autoras acrescentam os aspec-
tos cinésicos, os quais englobam os movimentos corporais que acom-
panham a fala. Quando tratam desse agrupamento em específico, as
pesquisadoras retomam a relação existente entre palavra e corpo. Para
elas: “A postura corporal também se coloca a serviço da comunicação
oral. Esta não se esgota somente na utilização de meios linguísticos ou
prosódicos; utiliza também signos de sistemas semióticos não linguísti-

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cos, como a gestualidade.” (MELO; CAVALCANTE, 2007, p. 86). Frisa-se
ainda que, em muitos casos, a comunicação verbal realizada por meio
da fala pode ser até mesmo substituída por alguns recursos cinésicos.
Mais recentemente, a teoria da multimodalidade tem se volta-
do essa multiplicidade de modalidades presentes nos textos (inclusive
os orais), a partir de estudos da semiótica. De acordo com Kress e Van Critérios para
Leeuwen (2001 apud MELO; MARCUSCHI; CAVALCANTE, p. 2012, p. 99): a avaliação
“[...] o texto multimodal é aquele cujo significado se realiza por mais de da oralidade
um código semiótico (signos linguísticos, signos sonoros, signos imagé- no ensino
ticos).” Nesse sentido, tendo como ponto de partida os estudos já cita- de língua
dos e outros, além de nossas vivências enquanto docentes, propomos portuguesa
quatro agrupamentos de critérios para o trabalho com gêneros orais em
sala de aula: discursivos, textuais, acústicos e cinésicos. 105
O grupo dos aspectos discursivos compreende aqueles relacionados
às representações da situação comunicativa. Essas representações estão di-
retamente conectadas com os gêneros textuais, uma vez que sua regulação
acontece a partir do meio social. Tais aspectos ultrapassariam o texto fa-
lado em si, auxiliando o interlocutor a escolher os melhores recursos para
cada situação comunicativa. Abaixo descrevemos alguns desses aspectos:

Quadro 1 – Agrupamento de aspectos discursivos dos gêneros orais

ASPECTO DISCURSIVO DESCRIÇÃO


Quantidade de participantes envolvidos na situação
Publicidade
comunicativa, tornando-a mais ou menos pública.
Intimidade entre Conhecimentos comuns/partilhados entre os interlocu-
os interlocutores tores, denotando mais ou menos intimidade.
Maior ou menor grau de envolvimento na situação (emo-
Participação emocional
cionalidade, expressividade, afetividade).
Comunicação face a face ou entre pessoas que estão
Posição dos interlocutores
geograficamente distantes.
Maior ou menor possibilidade de atuação do interlocutor
Organização de turnos
no evento comunicativo.
Espontaneidade Planejamento prévio (ou não) da comunicação.
Reconhecimento do nível de formalidade exigido pela
Formalidade do registro
situação comunicativa.
Reconhecimento do Adaptação dos recursos linguísticos a situações vivencia-
contexto cultural das em espaços culturais diversificados.
Atos de fala com conotação positiva (elogiar, agrade-
Estratégias de polidez cer, aceitar...) ou negativa (discordar, recusar, ofender,
xingar...).

Fonte: As autoras.

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Os aspectos textuais estariam relacionados a questões de
construção de sentidos no texto, envolvendo também questões de
ordem gramatical. Questões ligadas à composição textual, como
coesão, coerência e unidade temática, estariam enumeradas nesse
grupo, sugerindo uma compreensão do texto falado que não estaria
presa ao falar corretamente (de acordo com a norma culta), mas in-
Flávia Santana corporaria a noção de falar adequadamente. Para tanto, propomos o
Araújo seguinte quadro:

Lívia Quadro 2 – Agrupamento de aspectos textuais dos gêneros orais


Suassuna
ASPECTO TEXTUAL DESCRIÇÃO
Marcadores Unidades típicas da fala que funcionam como articulado-
106
conversacionais ras da conversação.
Repetições Duplicação de algum elemento que veio antes.
Paráfrases Reformulação de algo que veio antes.
Substituição de algum elemento que é retirado do enun-
Correções
ciado.
Expressões indicadoras de insegurança por parte do
Hesitações
falante.
Suspensão temporária de um tópico retomado adiante;
Digressões
apontam para algo externo ao que se acha em andamento.
Idiomatismos, provérbios, lugares-comuns, expressões
Expressões formulaicas
feitas, truísmos, rotinas, entre outros.
Termos ou expressões que apontam um posicionamento
Uso de modalizadores
do enunciador diante do texto.
Fixação temática Tema fixado (ou não) com antecedência

Fonte: As autoras.

O grupo dos aspectos acústicos englobaria as propriedades físi-


cas da emissão de sons. Abarca, portanto, as características relaciona-
das à materialização do texto oral ocorrida por meio da fala. Algumas
ciências linguísticas, como a fonética, a prosódia e a ortoépia, estudam
esses fenômenos de produção da língua falada de forma mais detalhada.
A fim de sugerir alguns aspectos a serem trabalhados pelos docentes,
apresentamos o quadro abaixo:

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Quadro 3 – Agrupamento de aspectos acústicos dos gêneros orais

ASPECTO ACÚSTICO DESCRIÇÃO


Qualidade vocal Refere-se à qualidade da emissão (rouca, nasalizada...)
Intensidade Volume da voz em decibéis (alta, baixa...)
Altura Frequência da onda vocal em hertz (aguda, grave...) Critérios para
Elocução Maneira de produzir a fala (lenta, rápida...) a avaliação
Pausas Respirações durante a emissão (curtas, longas...) da oralidade
Emissão de ruído distinto de enunciados verbais (riso,
Interrupções no ensino
choro, soluço, suspiro...)
Variação de altura de fala que pode ocorrer em determi- de língua
Entoação
nada palavra ou oração portuguesa
Dicção Pronúncia correta das palavras

Fonte: As autoras. 107

Por fim, os aspectos cinésicos compreenderiam os recursos de


linguagem corporal que dariam suporte à fala. Acreditamos que tais
recursos, apesar de serem vistos como suporte para o oral, estão in-
timamente relacionados com a modalidade falada da língua. Assim, é
de suma importância que o docente, ao trabalhar com gêneros orais,
dedique parte do tempo desse trabalho à exploração de aspectos como
os elencados a seguir:

Quadro 4 – Agrupamento de aspectos cinésicos dos gêneros orais

ASPECTO CINÉSICO DESCRIÇÃO


Postura Disposição do corpo em relação a outros interlocutores
Movimentações feitas pelas articulações (principalmente
Gestos
mãos e cabeça)
Expressão facial Mímicas faciais que acompanham a fala
Olhares Movimentação dos olhos durante a elocução
Deslocamento dos interlocutores no espaço comunica-
Movimentação
tivo

Fonte: As autoras.

Tais critérios, como já sinalizamos, não são estanques e certa-


mente esses agrupamentos podem ser ampliados. O que importa desta-
car é a necessidade de que tanto o professor quanto os alunos tenham
clareza dos critérios avaliativos da oralidade, para que haja uma coe-
rência entre ensino e avaliação da aprendizagem.

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Considerações finais
Ao final da discussão aqui levantada, defendemos que fala é uma mo-
dalidade de uso da língua a serviço das práticas sociais de linguagem.
Portanto, é importante identificar as aproximações e os distancia-
mentos entre fala e escrita, mas também, e principalmente, compre-
ender que o tratamento da oralidade em sala de aula deve ser objeto
Flávia Santana da preocupação do professor de língua que adota uma perspectiva
Araújo de ensino sociointeracionista baseada em gêneros textuais. Tal pers-
pectiva, aliada a uma avaliação contínua da aprendizagem e guiada
Lívia por critérios avaliativos previamente definidos, pode contribuir de
Suassuna maneira significativa para o desenvolvimento da língua falada dos
aprendizes.
108

Referências

ARAÚJO, Flávia Barbosa de Santana. A avaliação da oralidade em


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Suassuna

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