A Fonoaudiologia e o Canto
A Fonoaudiologia e o Canto
INTRODUÇÃO
Atualmente a fonoaudiologia tem se voltado para estudar o profissional da voz, mais especificamente o
cantor, seja ele do estilo popular ou erudito. Porem pouco se fala sobre qual o momento esse profissional
deve fazer um exame apurado sobre sua condição vocal, podendo Ter assim uma orientação profissional
sobre o desempenho de sua voz.
Nos últimos tempos a fonoaudiologia tem reservado atenção especial ao campo denominado voz
profissional, de forma que indivíduos que utilizam a voz como instrumento de trabalho estão cada vez
mais próximos dos Fonoaudiólogos, mostrando que ha necessidade de uma orientação para a
preparação vocal, melhorando o desempenho vocal do indivíduo, seja ele professor, radialista, repórter,
ator ou cantor.
Vamos considerar neste estudo o profissional da voz falada aquele indivíduo que, para exercer sua
profissão, deve depender de sua voz, sendo esta seu instrumento de trabalho. Autores diversos
procuram definir o profissional da voz como " indivíduos que utilizam a voz de maneira continuada, os
quais procuram, por meio de um modo de expressão elaborada, atingir um publico especifico ou
determinado" (Satallof – 1991) ou como " o indivíduo que ganha seu sustento utilizando sua voz"(Boone
– 1992).
Especificamente neste estudo, não nos aprofundaremos na estrutura vocal, respiratória e demais
esquemas os quais complementam a atividade canto, mas sim os problemas decorrentes do canto, seu
mau uso, ma formação ou orientação, e como tratar estes problemas através da fonoaudiologia.
Quando um cantor, no decorrer de seu trabalho vocal percebe que há " alguma coisa errada" com a
emissão de seu som, questiona-se sobre o que estaria acontecendo com sua "garganta" e o que poderia
estar prejudicando seu instrumento de trabalho.
O primeiro passo a ser feito é a consulta médico-clínica, para posterior encaminhamento ao médico-
fonoaudiólogo.
Do ponto de vista funcional, cantar ‘e essencialmente diferente do falar. As evidencias indicam que seu
controle central esta em um local diverso no cérebro e os músculos do trato vocal movimentam-se de
maneira distinta.Cantar também ‘e uma forma de comunicação, e uma foram de expressão dos
sentimentos. Em geral, temos um conceito pré- concebido, de que através da fala nos comunicamos
melhor e pelo canto nos expressamos artisticamente, como se pudéssemos separar na vida, uma
metade racional para a fala e outra emocional para o canto, quando na realidade somos as duas partes
concomitantes, onde podemos e devemos nos expressar e nos comunicar ao mesmo tempo.
Todos podemos cantar e o canto tem de ser trabalhado, exercitado e aprimorado. O Dom de cantar
existe mas, em grande parte dos casos, as condições anatômicas e fisiológicas podem ser auxiliares
importantes.
Quando o cantor procura um Fonoaudiólogo , este profissional submete seu paciente `as seguintes
etapas:
Existem diferenças entre a avaliação vocal de um cantor e a de um indivíduo que utilize apenas a voz
falada, mesmo que de forma profissional. No primeiro momento, as características e as queixas vocais
do cantor devem ser percebidas, pelo medico e pelo fonoaudiólogo, distintamente em relação aos
aspectos particulares da fala e do canto.
Embora exista um único órgão e praticamente um mesmo grupo de músculos responsáveis pelas duas
funções, há vários aspectos fundamentais relacionados a produção vocal que diferem muito se
compararmos a voz falada com a voz cantada. Em muitos casos o cantor precisa do auxilio do terapeuta
ou médico para identificar sua queixa em relação à voz, diferenciando as características da voz falada e
da cantada, separadamente. É comum o indivíduo procurar um profissional queixando-se
especificamente de problemas em relação à voz cantada, como por exemplo uma passagem de escala
ou, ao contrario, não Ter nenhuma percepção da forma como ele utiliza a voz falada.
No momento da avaliação, ‘e necessário distinguir qual a real queixa , o motivo da consulta, e de que
modo está inserida na voz falada ou cantada. Deve-se verificar ao mesmo tempo, qual a percepção que
o indivíduo possui em relação a sua voz e sua queixa vocal.
Considerando-se a avaliação inicial de qualquer pessoa disfônica ou com queixas relacionadas , deve-se
obter informações , antes de tratá-lo ou ser encaminhado à fonoterapia, as quais serão efetuadas na
anamnese.
ANAMNESE
A historia do paciente pode ser bastante elucidativa, oferecendo condições de visualizar as alterações,
dando a impressão que estivessem sendo vistas através de uma fita de videocassete, em câmera lenta.
A anamnese, ou historia problemática do paciente, ‘\e o momento fundamental de qualquer avaliação. ‘E
o primeiro contato do cantor(paciente) com o profissional medico(fonoaudiólogo).
No caso dos cantores, ‘e importante que estes se sintam a vontade para colocar suas ansiedades e
possam sanar algumas de suas duvidas, lembrando que, culturalmente e historicamente, ‘e difícil um
cantor Ter qualquer contato com em fonoaudiólogo ou otorrinolaringologista.
Deve-se interrogar ou identificar alterações da audição, voz, deglutição, sensoriais( sensibilidade cervical
ou faringo-laringea), anatômicas de cabeça e pescoço, dos órgãos articulatórios da fala, dos órgãos
ressonantais, da faringe e da laringe em particular, alterações funcionais e respiratórias.
Nesses casos, obtêm-se fatores geradores por si só de alterações da voz, que também representam
agravamento de outras situações e dificultam o restabelecimento do paciente, exigindo intervenção
terapêutica especifica. Da mesma forma, há necessidade de se conhecer o quadro clinico geral, e as
importantes e possíveis causas físicas e psicológicas que podem afetar a laringe e a voz. ‘E fundamental
a analise dos fatores específicos do aparelho fonador, paralelamente `as alterações gerais tais como:
diabetes mellitus, hipertensão arterial, diminuição da capacidade ventilatória pulmonar, insuficiência
cardíaca, distúrbios metabólicos, endocrinos, alergicos,imunologicos, auto-imunes, neurológicos,
infecciosos, inflamatórios, digestivos, entre outros; neoplasias benignas ou malignas; o uso ou abuso de
drogas com ‘álcool, cafeína, tabaco, tranqüilizantes, maconha, cocaína ou outras; uso permanente ou
prolongado de medicamentos como corticoides, anticoagulantes plaquetariso,quimioterapicos, etc.;
estados de ansiedade, depressão, fadiga, estresse, estafa, insônia, gravidez e sindrome pre-menstrual.
‘E importante conhecer o grau de autopercepção do indivíduo em relação a sua disfonia, o que faz
antever a sua dedicação ao tratamento. Dificilmente alguém que não tenha consciência alguma de sua
alteração vocal, sentindo-se normal, aceitara as medidas diagnosticas ou do próprio tratamento.
Igualmente significativo torna-se saber a relevância pessoal ou profissional que possa Ter a disfonia.
Temos dois casos distintos: o professor que se "beneficia" da disfonia ao estar disfônico e aquele que
sofre intensamente com o impedimento vocal, ou seja um cantor ou ator em temporada. Ao primeiro
pode-se supor que não se empenhe, ao menos subconscientemente pela cura, ao contrario do segundo,
que normalmente terá empenho exacerbado, ansioso, `as vezes ate tornando-se prejudicial, no sentido
de tentar estar logo recuperado. Portanto ha necessidade de saber dosar os extremos para obtenção de
um bom resultado no tratamento.
A coleta detalhada da historia vocal do paciente disfônico pode revelar aspectos decisivos ao diagnostico
e `a conduta do tratamento.A descrição do paciente revela sua forma de encarar a relação com o medico
e o fonoaudiologo, se otimista, confiante, participante, interessado, ou se adota uma posição critica,
pessimista, pouco confiante e interpreta de foram deturpada as conclusões e determinações.
Deve-se proceder a pesquisa de historia patológica detalhada sobre a saúde do paciente, ou seja, as
enfermidades que tenha sofrido no passado ou ainda sofra, e que possam Ter relevância no quadro
atual. Em relação ao motivo recente que traz o paciente `a consulta, deve-se colher os dados de maneira
a localizar uma causa e mensurar sinais e sintomas.
Os pacientes com indicação de fonoterapia devem ser encaminhados acompanhados de laudo minucioso
que descreva a anamnese sumaria ou dirigida, os achados no exame de pregas vocais, mencionando seu
aspecto e mobilidade,as características, simetria e amplitude da onda mucosa e a eventual existência de
fendas gloticas, referindo seu local, extensão e formato. A conclusão e conduta devem ser discriminadas
e devidamente explanadas ao paciente.
A avaliação da voz do cantor inicia-se com a identificação da queixa, na anamnese, levando-se em conta
os aspectos da voz falada e cantada. Deve-se fazer um exame clínico apurado, tentando compreender a
ressonância e a articulação do cantor.
Quando se fala em avaliação da voz, deve-se levar em consideração vários aspectos físicos e da emissão
da voz. Observa-se os seguintes tópicos:
-Exame físico;
Postura
Tipo Respiratório
Tempo de emissão
Coordenação Pneumofonoarticulatória
Pitch
Loudness
Ressonância
Articulação
Ataque Vocal
Qualidade Vocal
Ritmo
Tessitura
Registro
Brilho
Projeção
Inicia-se pela apalpação da região cervical e pescoço, investigando-se o nível de tensão de sua
musculatura. Nesse exame pode-se observar a largura da laringe e o posicionamento vertical da
cartilagem tireóide no pescoço, o deslocamento lateral e sua mobilidade vertical pela emissão ligada de
tons agudos e graves. Pode-se verificar o tamanho da abertura da boca, a movimentação da articulação
tëmporo-mandibular(ATM), a tonicidade e mobilidade dos lábios e bochechas. A língua é um músculo
muito importante para a fonação portanto deve-se verificar o tamanho, se é proporcional a forma e
tamanho da cavidade oral, seu tönus e sua mobilidade em relação aos sons. Verifica-se a oclusão
dentária, o formato do palato e o tamanho de toda a cavidade oral. Observando-se a distância dos
pilares amidalianos da parede da faringe(orofaringe/nasofaringe). Verifica-se também o movimento
mastigatório, o qual é muito importante para a avaliação do profissional da voz. Se estiver sendo feita de
maneira inadequada, irá prejudicar o estado dos músculos responsáveis pela fonação
POSTURA
TIPOS RESPIRATÓRIOS
Há muita discussão sobre o tipo adequado de respiração para a fonação e canto, porém deve-se
observar se a respiração efetuada pelo cantor é a adequada para o canto. Existem três tipos básicos de
respiração que são o superior, misto e inferior. No canto encontram-se vários casos de respiração inferior
e mista, ou seja, o cantor, no ato do canto recorre instintivamente a um tipo de respiração de forma que
a pressão subglótica torne-se mais longa, forte e estável.
TEMPO DE EMISSÃO
A capacidade de emitir um som por longo período e de enfatizar uma nota nos momentos finais de uma
sentença pode definir o repertório e longevidade da voz de um cantor. Observa-se tal fato quando existe
a solicitação para a emissão de um som ou vogal prolongada ou sustentada, glissando ascendente e
descendentemente e fazendo uma vogal sustentada com intensificação no terço final da emissão.
COORDENAÇÃO PNEUMOFONOARTICULATÓRIA
É a coordenação entre a respiração e a fala. Observa-se o cantor durante uma conversa expontânea, ou
durante a leitura de um texto, mas pode fornecer dados irreais sobre a coordenação respiratória. É
comum verificarmos pessoas com dificuldade durante a fala, porém quando lhe é solicitado uma leitura,
e a pessoa percebe que está sendo avaliada, imediatamente corrige as eventuais entradas de ar residual
. A coordenação analisada é um aspecto no qual, na maioria das vezes não se modifica da fala para o
canto. Algumas exceções acontecem quando o estilo de música adotado exige uma voz muito soprosa,
com um gasto de ar muito grande.
PITCH
É a sensação auditiva que temos sobre a altura da voz, podendo ser classificado em grave, médio ou
agudo. Mede-se o pitch através de sistemas computadorizados de análise vocal. Normalmente, no canto,
o pitch eleva –se, pois há uma busca das cavidades superiores de ressonância que acaba levando para a
agudização do pitch, muitas vezes camuflado por uma hipernasalisação.
LOUDNESS
Tem relação com a percepção do volume da voz e deve Ter com o tipo de ambiente em que a voz está
sendo emitida. Pode ser classificado em forte, fraco e adequado. Na voz cantada, deve-se lembrar do
ambiente e da utilização da aparelhagem de amplificação sonora. O cantor pode não possuir uma boa
aparelhagem de som ou retornos eficientes, fazendo com que produza uma voz cantada com muito
volume, e solicitando ao seu corpo que produza um apoio muito potente para que não ocorra sobrecarga
das pregas vocais.O cantor popular normalmente não precisa utilizar um volume maior para cantar pois
possui um bom sistema de amplificação. O cantor de coral emprega muitas vezes excesso de volume
para poder se escutar dentro do coro. O cantor lírico procura explorar todas as suas caixas de
ressonância, todo o seu potencial respiratório para atingir o quarto formante e assim ser ouvido junto
com a orquestra que o acompanha. A voz transforma-se , neste momento, em mais um e único
intrumento.
RESSONÂNCIA
A ressonância é classificada em seis tipos principais: equilibrada quando se utiliza de forma distribuída
os três focos principais de ressonância(laringe, oral e nasal); laringo-faríngea onde há predomínio do foco
na região do pescoço; hipernasal com constrição de pilares onde o foco é acentuado no nariz, mas com
esforço evidente causado por tensão de musculatura orofaríngea; hiponasal onde não há nenhuma
ressonância nasal; laringo-faríngea com foco nasal compensatório onde o foco central é no pescoço e
sem nenhuma oralidade, normalmente em articulações muito travadas. Semelhantemente ao pitch, a
ressonância também se eleva, buscando as cavidades mais superiores no canto em relação à fala.
ARTICULAÇÃO
A articulação pode ser precisa, imprecisa, travada, exagerada, pastosa ou aberta. Estas características
podem se combinar aos pares mas não de maneira fixa. Pode-se por exemplo, encontrar uma articulação
travada e precisa assim como uma aberta e imprecisa.Nem sempre abrir mais a boca para cantar
melhora a articulação das palavras. Pode sim projetá-la muito mais.
ATAQUE VOCAL
O ataque vocal pode ser dividido em brusco, aspirado e suave, podendo ser observado na fala
espontânea. Normalmente o tipo de ataque se modifica da fala para o canto. Existem pessoas que falam
com ataque brusco, porém na hora de cantar optam pelo estilo bossa-nova , que trabalha com um
ataque mais suave.
É o item que esclarece o diagnóstico no nível de pregas vocais. Costuma fechar a avaliação perceptual
da voz falada. No canto isso ocorre de forma diferente, pois na voz cantada avalia-se a qualidade em
relação direta com o estilo de música adotado e com a forma pessoal de interpretação.Não é possível
dizer que todo cantor de bossa-nova possui uma voz patológica soprosa, pois esta soprosidade faz parte
de um estilo de cantar, de tornar a voz mais um instrumento dentro da musica e não o principal deles. O
cantor de hard rock tem a voz rouca e áspera, mas pode-se utilizar outro modo de cantar este estilo de
música. A qualidade da voz cantada abre discussão para as características vocais mais freqüentes em
cada estilo de música. É impossível se discutir a qualidade sem falar de estilo, ao contrário da voz falada,
na qual a qualidade vocal tem relação direta com a patologia.
Há outros nomes diferentes dos utilizados acima, mas estes combinados entre si quando necessários são
suficientes para definir precisamente uma qualidade vocal.
RITMO
É um aspecto que avaliamos apenas na voz falada, pois na cantada dependerá do estilo, melodia e
harmonia da música e da maneira como o cantor interpreta a canção. Na fala usamos um ritmo lento,
acelerado, muito acelerado e adequado.
TESSITURA
Á tessitura e a extensão são dois aspectos a serem avaliados apenas na voz cantada. Quando o cantor
disfônico tem queixa apenas na voz cantada não há necessidade de avaliação dos dois aspectos.
Pesquisar a tessitura do cantor, que seriam as notas confortáveis dentro da sua extensão vocal, quando
o cantor está totalmente disfônico, é algo que não tem muito sentido.
Quando o cantor apresenta a queixa de dificuldade nos agudos ou quebra de sonoridade na passagem,
solicita-se que emita a escala completa para se avaliar a dificuldade, mas não há como classificar
definitivamente a região onde esse cantor deve produzir sua voz cantada sem esforço ou prejuízo do
trato vocal, pois a hora da avaliação é um momento atípico. Conforme o trabalho fonoterapêutico evolui
deve-se rever a tessitura, assim como a extensão vocal.
A classificação vocal das vozes masculinas em tenor, barítono e baixo e das femininas em soprano,
mezzo-soprano e contralto têm relação com o canto lírico, é muitas vezes empregada no canto popular,
porém para auxiliar na definição da tessitura do que para classificar uma voz dentro de um repertório
específico. Considerando-se as formas diferentes de configuração glótica do canto popular para o lírico,
não acredita-se na importância dessa classificação para o canto popular.
REGISTRO
É o modo de vibração variado das pregas vocais de acordo com vários pitchs, fornecendo diferentes
qualidades vocais que são chamados de registro, que nada mais é do que a produção de freqüências
consecutivas que se originam da mesma maneira da freqüência fundamental. Deve ser avaliado apenas
na voz cantada, pois trata-se de um conceito dividido em registro basal( fry), modal(peito e cabeça) e
falsete.
BRILHO
Tem relação direta com o uso das cavidades de ressonância e a produção de formantes. Quanto mais
amplo for o uso dessas cavidades maior será a riqueza de harmônicos amplificados, fazendo com que a
voz pareça cheia, preenchendo todo o ambiente.
A posição da laringe no pescoço é responsável pelo colorido do som produzido. No bel canto, com a
laringe baixa, temos um som mais límpido e alegre, enquanto no canto dramático, com laringe alta, o
som é escuro mas cheio de nuanças.
PROJEÇÃO
Termo advindo do canto, mas muito utilizado no meio teatral e em oratória. Tem relação direta com
respiração, pressão subglótica e superiormente com a boca aberta. Não é possível se ouvir um cantor
com projeção com a articulação totalmente travada. Na avaliação deve-se evitar termos qualitativos(boa
projeção/péssima projeção).Deve-se gravar a voz do cantor para registro, solicitando sonorizaçòes
específicas, como vogais(/a/e/i/) prolongadas, escalas ascendente e descendente em stacatto e ligatto,
fala encadeada(dias da semana, meses do ano) e conversa espontânea.
As alterações de voz mais comumente encontradas nos cantores são chamadas de disfonias funcionais,
que podem ser causadas por uso inadequado dos músculos voluntários da fonação, que incluem os
músculos da laringe, faringe, mandíbula, língua, pescoço e sistema respiratório. O desalinhamento
postural também é um achado clínico freqüente. Algumas disfonias podem ser atribuídas a técnicas
vocais incorretas tais como: Coordenação pneumofonoarticulatória pobre, uso excessivo ou inadequado
da válvula laríngea, foco ressonantal inadequado, dificuldades no controle dinâmico de pitch e loudness.
Por definição, a disfonia funcional é a alteração vocal que decorre geralmente do mau uso ou abuso de
um aparelho fonador anatômica e fisiologicamente intacto, mas que também pode ser resultado de um
mecanismo compensatório mal adaptado, como conseqüência de uma condição orgânica preexistente.
Mesmo nos casos de alteração vocal onde a função laríngea é normal ao exame clínico, ou quando há
presença de sinais de tensão muscular laríngea anormal, a disfonia é classificada com funcional.
A disfonia funcional com abuso vocal prolongado pode levar ao desenvolvimento de alterações orgânicas
secundárias, como os nódulos vocais. Apesar desses serem considerados entidades patológicas
individualizadas, eles são resultado de uma disfonia funcional precedente.
CLASSIFICAÇÃO
Há várias propostas para a classificação das disfonias funcionais. Alguns autores propõem abordagens
mais amplas referindo-se aos mecanismos casuais e outros baseiam-se nos aspectos clínicos-
sintomáticos. É importante haver uma diferenciação entre cada subgrupo de pacientes portadores de
disfonia funcional.
Podemos classificar as disfonias funcionais em quatro tipos, que são: as disfonias psicogênicas, a disfonia
por habituação, o uso inapropriado de registro e as síndromes de abuso vocal.
DISFONIAS PSICOGÊNICAS
Inicia-se por uma laringite viral ou cirurgia das pregas vocais, o que propicia uma compensação
inadequada do trato vocal organicamente comprometido. A disfonia persiste mesmo após o
desaparecimento do processo viral ou da cicatrização cirúrgica. A terapia fonoaudiológica pré-cirúrgica
pode evitar este tipo de alteração. Sintomas como fadiga vocal e odinofonia podem ser observados. A
qualidade vocal pode apresentar soprosidade, aspereza, diplofonia ou fonação ventricular. A sonoridade
geralmente é pobre e a laringoscopia pode ser normal, mostrar aproximação de pregas ventriculares,
constrição supraglótica ântero-posterior parcial ou ainda fechamento supraglótico esfinctérico.
A alteração vocal ocorre em homens durante o crescimento, manifesta-se depois da puberdade como
dificuldade em abaixar o pitch e acompanha-se de "quebras" no registro. Pode ocorrer em ambos os
sexos, porém não é tão evidente nas mulheres em decorrência do seu tom habitual de fala. Alguns
fatores psicológicos podem levar a inibições durante este período de transição e estabelecer um padrão
de fonação em falsete. Estes casos devem ser diferenciados daqueles em que existam
comprometimentos hormonais ou conversivos. Não há sintomas associados. A qualidade vocal
caracteriza-se por pitch anormalmente alto e sonoridade pobre.
A laringoscopia é geralmente normal, mas pode haver tensão glótica. A laringe pode também estar
elevada e sua tração para baixo pode mostrar mudança de registro vocal para um pitch mais adequado.
As alterações vocais decorrentes das síndromes de abuso vocal são geralmente flutuantes ou
intermitentes e mantém-se por períodos prolongados. Os aspectos mais comumente observados nestas
alterações são: fadiga vocal, redução da extensão dinâmica da voz, odinifonia, padrão respiratório
inadequado e sindromes tencionais músculo-esqueléticas. Outros sintomas, como alterações
ressonantais e de pitch, também podem ser observados. As síndromes de abuso vocal podem ocorrer
com freqüência também em profissionais da voz.
A qualidade vocal dos pacientes portadores de síndrome de abuso vocal mostra características de
soprosidade e aspereza, sonoridade pobre, quebras na voz, pitch geralmente agravado e ataque vocal
brusco.
A laringoscopia pode ser normal, mas também pode apresentar aproximação de bandas ventriculares,
constrição supraglótica ântero-posterior parcial e ainda fechamento supraglótico do tipo esfinctérico.
Outros fatores devem ser observados em profissionais da voz com alterações relacionadas ao abuso ou
mau uso vocal. Algumas alterações na voz falada muitas vezes não ocorrem na voz cantada, ou ocorrem
em menor grau. Como exemplo, uma boa técnica de canto não implicará em uma voz falada adequada.
O apoio respiratório também pode mostrar-se deficiente somente na voz falada. Apesar disso, a
extensão vocal não é afetada. A avaliação de profissionais da voz deve ser cuidadosa, levando-se em
conta as variáveis entre a voz falada e cantada.
Como alterações orgânicas secundárias temos: nódulos de pregas vocais, edema de reinke e úlceras e
granulomas, os quais passaremos a discertar.
São lesões secundárias associadas às alterações funcionais da voz, caracterizando-se por alteração na
camada superficial da lâmina própria, representada histologicamente pela presença de tecido
edematoso e/ou fibrocolagenoso associado a um espessamento do epitélio das pregas vocais, com
queratinização superficial e acantose entre as cristas epidérmicas. Apresentam-se como lesões
esbranquiçadas, em torno da borda livre na junção do terço médio de ambas as pregas vocais , que, ao
entrarem em contato durante a fonação, assumem a silhueta de um "beijo". Apresenta aspecto
endurecido e algumas vezes edematoso, principalmente em crianças. Há um aumento de massa e
rigidez da cobertura, assim como interferência na vibração mucosa contralateral. Na maioria dos casos
há presença de fenda triangular médio-posterior.
A incidência desta alteração em adultos é maior no sexo feminino e está sempre associada ao abuso
vocal e ao estresse. É a disfonia funcional mais comum entre as crianças, predominando no sexo
masculino. Em cantores, pode ocorrer secundariamente à execução do canto fora da extensão adequada
e por pobre apoio respiratório.
Os sintomas vocais mais comuns são fadiga vocal, alterações de pitch , alterações ressonantais e
extensão dinâmica reduzida.
A qualidade vocal mostra características de soprosidade, aspereza, quebra vocal e ataque vocal brusco.
EDEMA DE REINKE
É uma lesão de aspecto edematoso e por vezes polipóide, o que lhe rendeu a denominação de
degeneração polipóide, ou ainda, pólipo edematoso de pregas vocais. É geralmente bilateral, porém
quase sempre assimétrica. Estende-se ao longo de toda a borda livre das pregas vocais na maioria dos
casos. Apresenta crescimento progressivo, podendo obstruir completamente a glote com conseqüente
asfixia, em seu estágio mais avançado. Interfere na vibração mucosa contralateral e está
freqüentemente associado ao tabagismo crônico e, em menor escala, ao hipotireoidismo e ao refluxo
gástroesofágico. A fonoterapia pode reduzir a lesão em alguns casos, ainda que ocorra melhora
importante da qualidade vocal nos casos com lesões pouco exuberantes. Entretanto, o encaminhamento
posterior para tratamento cirúrgico é necessário.
A disfunção vocal geralmente é estável, de longa duração, e predomina no sexo feminino. Os principais
sintomas associados são fadiga vocal, alterações ressonantais e extensão vocal reduzida. A qualidade
vocal apresenta características de rouquidão, com pitch agravado, sonoridade pobre e quebras vocais.
ULCERAS E GRANULOMAS
São as únicas lesões orgânicas localizadas fora da borda livre das pregas vocais, decorrentes de
distúrbios funcionais da laringe. São associadas a processos inflamatórios extralaríngeos ou secundários
à entubação endotraqueal prolongada. Nos casos funcionais, são provocados por trauma fonatório na
apófise vocal das aritenóides, em pacientes com importante tensão muscular laríngea e ataque vocal
brusco. Geralmente são lesões pequenas que comprometem o fechamento glótico. Quando são de
grandes dimensões, outras possibilidades diagnósticas devem ser aventadas.
O estabelecimento da alteração vocal é geralmente agudo(de dias a semanas), às vezes intermitente por
meses. Os sintomas mais freqüentes associados são odinofonia e fadiga vocal.
A qualidade vocal manifesta-se sob forma de disfonia variável, com pitch grave e ataque vocal brusco. A
laringoscopia mostra ulceração do processo vocal uni ou bilateral, ou granuloma, com hiperfechamento
glótico posterior. Outros fatores observados em pacientes portadores de úlceras ou granulomas são
apoio respiratório pobre, uso de ar residual, freqüente associação ao refluxo gastroesofágico, hábito de
pigarrear e tossir e abuso vocal.
A terapia vocal do cantor não difere completamente do processo terapêutico de um paciente que
apresenta disfonia funcional. O foco do tratamento, este sim, será diferente. Com a queixa bem definida
em relação aos aspectos da voz falada e cantada, inicia-se a terapia que trabalhar[a simultaneamente os
aspectos que forem necessários, tanto da voz falada quanto da cantada.
Na terapia com cantores, o ouvido adquire importância na condução das orientações, na forma de
utilização da voz, assim como na maneira de realização dos exercícios propostos.Quando se trabalha
com o cantor, não se deve ficar centrado na patologia laríngea ou no distúrbio da fonação e sim na
maneira como o cantor está utilizando seu aparelho vocal para produção da voz dentro do estilo e
interpretação desejados.
Pode-se compreender o estilo do canto e tentar, juntamente com o cantor, por meio de exercícios,
possibilitar que produza, de maneira satisfatória e sem prejuízo do trato vocal, a voz cantada desejada. O
fonoaudiólogo não deve discutir a escolha de repertório, mas esclarecer as possibilidades de cada voz,
localizando o pitch confortável e a tessitura adequada para o cantor assim como demonstrar aspectos
anatomofisiológicos existentes, mas muitas vezes desconhecidos, que possam facilitar ou limitar a
produção de algum tipo de voz cantada.
É necessário possuir algum conhecimento de termos musicais que, em geral, estão presentes na terapia
com o cantor, como por exemplo grave, agudo, oitava, glissando, stacatto, escala ascendente ou
descendente, acorde e outros que podem aparecer conforme o tipo de canto adotado.
O cantor, em geral, questiona o profissional para saber como se procedem os exercícios e outras
duvidas, pois é natural que a pessoa que tem na voz cantada seu instrumento profissional possua uma
curiosidade maior em relação a sua voz, bem como receio em ser examinado pelo Otorrinolaringologista
e ansiedade em tratar as dificuldades que se manifestam na voz.
Aparecem alguns questionamentos por parte do cantor, porém esses são um desafio constante para
quem trabalha com a área da voz e tem consciência da influência da vida emocional e psíquica na
questão da comunicação.
As questões da saúde vocal devem ser tratadas com paciência e esclarecimento, sem virar uma lista de
proibições, pois o ideal é passar informações aos poucos e obter o retorno do cantor sobre a verdadeira
compreensão dos porquês sobre sua voz.
Não é fácil estabelecer um limite sobre onde começa a terapia fonoaudiológica do cantor, pois o início de
cada processo dependerá de cada indivíduo. Não existe hierarquia dentro da terapia fonoaudiológica. Na
voz tudo ocorre ao mesmo tempo. As necessidades dão de cada caso e sempre que possível devem ser
trabalhadas no conjunto.
No caso dos cantores é fundamental trabalhar a parte respiratória no sentido de conscientizar o papel da
respiração na emissão da voz cantada, mostrando preferencialmente a respiração costo-diafragmática,
como a mais adequada para a sua voz. O trabalho articulatório visando a abertura vertical e à precisão
sonora dos fonemas também tem destaque na rotina terapêutica. Os exercícios que auxiliam no
abaixamento da laringe tem demonstrado ótimo resultado, mesmo nos casos de cantores populares,
permitindo um movimento vertical livre nos graves e agudos. Exercícios de resistência também são
indicados para cantores que costumam cantar muitas horas por semana. Massagem digital na laringe
depois de cantar, ou antes de dormir, promove a vasodilatação que possibilitará um maior relaxamento
noturno, levando a uma qualidade vocal mais satisfatória para os dias seguintes no uso intensivo da voz.
Não é possível abordar a parte de exercícios, pois cada indivíduo tem seu problema e os exercícios
devem ser aplicados de maneira pessoal, O terapeuta tem que experimentar os exercícios consigo
mesmo e, posteriormente, observar como cada paciente realiza ou reage diante daquele exercício. De
maneira geral, acredita-se que o terapeuta não necessita ser um cantor ou músico para poder prestar
atendimento, porém deve ouvir as queixas do paciente e saber que as dúvidas que ocorrerem durante o
processo terapêutico poderão ser investigadas e respondidas por ambos, paciente e terapeuta.
CONCLUSÃO
Apresentamos alguns métodos a serem aplicados na avaliação e tratamento de tais problemas, porém
tal explanação não esgota o assunto.
Ficou claro porém que, para a eficácia levantamento dos problemas apresentados, bem como o
respectivo tratamento, há necessidade de se recorrer ao profissional médico da voz, especificamente ao
Otorrinolaringologista e ao Fonoterapeuta para a obtenção de sucesso para a resolução dos distúrbios
que possam ocorrer com a voz.
Creio porém que deve haver um relacionamento muito aproximado entre o profissional da voz, o médico
da voz e o preparador vocal, pois suas atividades se interagem e, com essa aproximação o resultado
pode se tornar mais produtivo, fazendo com que a voz do profissional possa ser melhor elaborada para
um bom resultado profissional.
Com este tipo de relacionamento, creio que os cinco profissionais da voz – Otorrinolaringologista,
Fonoaudiologista, Professor de Canto, Preparador Vocal e Cantor – poderão crescer em conhecimento e
sucesso profissional, onde cada um individualmente alcançará a satisfação pessoal de aplicar o seu
trabalho de modo direto, com conhecimento e bem feito.
BIBLIOGRAFIA
Fundamentos em Fonoaudiologia
Tratando os Distúrbios da Voz
Silvia Maria Rebelo Pinho
Editora Guanabara Koogan – 1998 – RJ