100% acharam este documento útil (1 voto)
1K visualizações244 páginas

Rastreamento de Doenças Inovando o Check Up USP HC FMUSP 1° Ed

Enviado por

ninivi.daniely
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
100% acharam este documento útil (1 voto)
1K visualizações244 páginas

Rastreamento de Doenças Inovando o Check Up USP HC FMUSP 1° Ed

Enviado por

ninivi.daniely
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
Você está na página 1/ 244

RASTREAMENTO DE DOENÇAS

INOVANDO O CHECK-UP

Mario Ferreira Junior


Ricardo Vasserman de Oliveira
Arnaldo Lichtenstein
Maria Helena Sampaio Favarato
Mílton de Arruda Martins
© Editora Manole Ltda., 2023, por meio de contrato com os autores.
“A edição desta obra foi financiada com recursos da Editora Manole Ltda., um projeto de iniciativa da Fundação
Faculdade de Medicina em conjunto e com a anuência da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo –
FMUSP.”

Logotipos © Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo


© Hospital das Clínicas – FMUSP

Editora: Eliane Usui


Projeto gráfico:Departamento Editorial da Editora Manole
Editoração eletrônica: HiDesign Estúdio
Ilustrações: HiDesign Estúdio
Capa: Ricardo Yoshiaki Nitta Rodrigues
Imagem de capa: istock.com

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

R181

Rastreamento de doenças : inovando o check-up / Mario Ferreira Junior ... [et al.]. - 1. ed. - Santana de Parnaíba [SP] :
Manole, 2023.

Inclui bibliografia e índice


ISBN 9786555767636

1. Medicina - Prática. 2. Rastreamento médico. 3. Exame periódico de saúde. 4. Diagnóstico. I. Ferreira Junior, Mario.

22-81132 CDD: 616.075


CDU: 616-07

Gabriela Faray Ferreira Lopes - Bibliotecária - CRB-7/6643


Editora Manole Ltda.
Alameda América, 876 – Tamboré
Santana de Parnaíba
06543-315 – SP – Brasil
Tel.: (11) 4196-6000
manole.com.br | atendimento.manole.com.br
Autores

Mario Ferreira Junior


Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Coordenador do Grupo de Estudos de Prevenção de Doenças e Promoção da Saúde do Serviço
de Clínica Geral e Propedêutica do Hospital das Clínicas da FMUSP (HC-FMUSP).

Ricardo Vasserman de Oliveira


Médico graduado pela FMUSP. Residência em Clínica Médica pelo HC-FMUSP. Visiting
Researcher da Stanford University School of Medicine. Sócio-fundador e CEO da Healthtech
MAR – Algoritmos de Saúde (marsaude.net).

Arnaldo Lichtenstein
Doutor em Medicina pela FMUSP. Diretor Técnico do Serviço de Clínica Geral e Propedêutica
do HC-FMUSP. Governador do capítulo brasileiro do American College of Physicians.

Maria Helena Sampaio Favarato


Doutora em Medicina pela FMUSP. Assistente do Serviço de Clínica Geral e Propedêutica do
HC-HMUSP. Docente da Universidade Municipal de São Caetano.

Mílton de Arruda Martins


Professor Titular do Departamento de Clínica Médica da FMUSP. Chefe do Serviço de Clínica
Geral e Propedêutica do HC-FMUSP.
Revisores colaboradores

Desiderio Favarato
Doutor em Medicina (Cardiologia) pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FMUSP). Assistente do Instituto do Coração (InCor) da FMUSP.

Guilherme de Abreu Pereira


Médico graduado pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Residência
em Medicina Interna pelo Hospital das Clínicas da FMUSP (HC-FMUSP). Assistente da
Disciplina de Emergências Clínicas do HC-FMUSP.

Jorge Sabbaga
Médico oncologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e do Hospital
Sírio-Libanês de São Paulo.

Olavo Henrique Munhoz Leite


Infectologista da Disciplina de Infectologia da Faculdade de Medicina da Fundação ABC e do
Departamento de Moléstias Infecciosas do HC-FMUSP.

Paulo Roberto Corrêa Hernandes


Médico especialista em Endocrinologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e
Metabologia (SBEM). Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas e do Serviço de
Clínica Geral e Propedêutica do HC-FMUSP.

Renério Fráguas Júnior


Professor Associado do Departamento e Instituto de Psiquiatria (IPq) do HC-FMUSP e Diretor
da Divisão de Psiquiatria e Psicologia do Hospital Universitário (HU) da USP.
Sumário

Prefácio
Abreviaturas frequentes

1 O que é rastreamento médico


2 O que convém rastrear e como
2.1 Aneurisma de aorta abdominal (AAA)
2.2 Câncer colorretal (CCR)
2.3 Câncer de colo de útero
2.4 Câncer de mama
2.5 Câncer de próstata
2.6 Câncer de pulmão
2.7 Consumo excessivo de bebida alcoólica
2.8 Consumo nocivo de drogas ilícitas e medicamentos
2.9 Depressão
2.10 Diabete melito tipo 2 (DM2) e pré-diabete (PD)
2.11 Dislipidemia
2.12 Hipertensão arterial
2.13 Infecção latente pela Mycobacterium tuberculosis (ILTB)
2.14 Infecção pelo vírus da hepatite B (VHB)
2.15 Infecção pelo vírus da hepatite C (VHC)
2.16 Infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV)
2.17 Infecção por clamídia e gonorreia
2.18 Risco de câncer ginecológico hereditário
2.19 Risco de doença cardiovascular (DCV)
2.20 Risco de fraturas por osteoporose
2.21 Sífilis
2.22 Sobrepeso e obesidade
2.23 Violência doméstica contra mulher
3 O que não convém rastrear e por quê

Posfácio
Anexo A – Índice de Suemoto
Anexo B – Modelo transteórico de mudança comportamental
Anexo C – Método P.A.N.P.A. de aconselhamento comportamental
Prefácio

Há cerca de 25 anos, no Serviço de Clínica Geral (CG) do Hospital das Clínicas da


Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), foi implantado um
programa de assistência, pesquisa e ensino de práticas clínicas de promoção da saúde e
prevenção de doenças. Este livro é mais um resultado da experiência acumulada com esse
programa pela equipe da CG.
O seu enfoque é o rastreamento médico, ou seja, a prevenção secundária de doenças e
outros problemas relacionados à saúde, popularmente conhecida também como check-up, uma
prática que acontece diariamente em consultórios, ambulatórios, unidades de saúde, clínicas e
hospitais, porém nem sempre de modo estruturado, embasado cientificamente e com benefício
real para o paciente.
Ao contrário talvez do habitual, o leitor não encontrará aqui uma lista ou painel fixo de
exames de laboratório e de imagens a que pacientes devam se submeter periodicamente. É
possível que o leitor sinta falta também da discussão daqueles exames básicos e gerais, comuns
na clínica do dia a dia. Eles podem ser muito úteis nos casos de investigação diagnóstica,
acompanhamento terapêutico e verificação do comprometimento de órgãos-alvo por outras
doenças, mas a sua contribuição preventiva em pessoas sem queixas de saúde é mínima ou
nula.
A proposta de Rastreamento de doenças – inovando o check-up é outra. O seu objetivo é
mostrar aos profissionais de saúde uma forma diferente de fazer um bom check-up, usando
métodos clínicos e exames complementares bem estudados. Isto é, seguir um fluxo de
informações e ações interconectadas que, partindo de evidências científicas, faça sentido dentro
da realidade brasileira, valorize o risco individual de adoecimento, otimize a relação
médico(a)-paciente e seja acessível e economicamente viável para servir as pessoas tanto no
setor público quanto privado da saúde.
Uma boa parte deste livro foi produzida durante os meses da pandemia de Covid-19. Uma
única doença que escancarou vulnerabilidades coletivas e individuais, na medida em que
transformou pessoas desfavorecidas socialmente ou com doenças como cardiopatias,
obesidade, hipertensão, diabetes e pneumopatias, dentre outras, no seu alvo letal preferencial.
Pode parecer ingenuidade falar em check-up ou rastreamento médico depois de tamanha
crise sanitária. Não é! Se inserido de forma apropriada, equitativa e sustentável no contexto da
saúde pública e privada, o rastreamento pode alavancar boas práticas de promoção da saúde.
Doenças como as citadas, se reconhecidas, tratadas ou bem controladas no período pré-clínico,
talvez não tivessem sido coadjuvantes de tantas mortes pelo mundo. No Brasil, em especial.
Nas páginas que se seguem, espera-se que o profissional da saúde da “ponta do cuidado”
encontre respaldo técnico e científico para suas dúvidas diárias. Que doenças vale a pena
rastrear? Como rastreá-las? Quando o tratamento precoce faz de fato diferença? O check-up
pode prejudicar pacientes? São perguntas simples, cujas respostas são complexas e demandam
muita pesquisa e conhecimento acumulado.
Este livro mira, principalmente, o rastreio da população adulta assintomática com idade
entre 18 e 75 anos (em algumas exceções, até 80 anos). Práticas desse tipo para crianças,
adolescentes e gestantes não são seu objeto de momento. Além disso, para pessoas acima de 80
anos, ainda é raro haver recomendação de rastreamento de rotina bem respaldada
cientificamente.
O objetivo é expressar o conteúdo científico mesclado com a experiência clínica dos
autores, procurando usar uma linguagem simples e direta. Nas sugestões práticas de rastreio
são valorizadas a competência dos profissionais da saúde assistentes e as preferências pessoais
dos pacientes, principalmente quando se incentivam as decisões compartilhadas sobre o
rastreamento.
A criação e o desenvolvimento de um instrumento de trabalho como este não pode
prescindir da ajuda dos interessados. Da integração entre autores e usuários deve surgir uma
ferramenta mais sólida e útil para a saúde de todos. A colaboração ativa e crítica dos colegas
leitores é, portanto, esperada e bem-vinda.

Os autores
São Paulo, outubro de 2022.
Abreviaturas frequentes

ACC – American College of Cardiology


ACS – American Cancer Society
AHA – American Heart Association
BRCA – Breast Cancer genes
CDC – Centers for Diseases Control and Prevention
CTFPHC – Canadian Task Force on Preventive Health Care
DAC – Doença arterial coronariana
DCV – Doença cardiovascular
DM – Diabete melito
DNA – Ácido desoxirribonucleico
DPOC – Doença pulmonar obstrutiva crônica
EUA – Estados Unidos da América
HIV – Vírus da imunodeficiência humana
IMC – Índice de massa corpórea
INCA – Instituto Nacional do Câncer
IST – Infecção sexualmente transmissível
MS – Ministério da Saúde
NCI – National Cancer Institute
NIH – National Institute of Health
OMS – Organização Mundial da Saúde
PA – Pressão arterial
PANPA – Pergunte - Aconselhe - Negocie - Prepare - Acompanhe
QALY – Quality Adjusted Life Years
RM10 – Risco de mortalidade em 10 anos
TNM – Tumor - Nódulo - Metástase
USPSTF – United States Preventive Services Task Force
VHB – Vírus da hepatite B
VHC – Vírus da hepatite C
YLD – Years Lived with Disability
1
O que é rastreamento médico

PONTOS-CHAVE

Rastreamento médico consiste na tentativa de identificar doenças de forma precoce, antes que
elas se manifestem clinicamente, por sintomas ou sinais.
As principais doenças rastreáveis são as que apresentam alta incidência, prevalência e
morbimortalidade, além de período pré-clínico prolongado.
A identificação da exposição a fatores de risco para a doença que se pretende rastrear tende a
melhorar o valor preditivo do rastreamento.
O método de rastreamento ideal deve apresentar boa acurácia para o diagnóstico pré-clínico,
fácil acesso e segurança para o paciente, além de ser custo-efetivo.
Só se justifica rastrear doença para a qual existe tratamento precoce capaz de mudar a história
natural da doença, melhorar a qualidade de vida ou aumentar a sobrevida.
Rastreamentos com potencial de causar qualquer tipo de dano físico, psíquico ou social devem
ser objeto de decisão compartilhada entre médico e paciente.

DEFINIÇÃO, OBJETIVOS E A QUEM SE DESTINA O RASTREAMENTO MÉDICO


Rastreamento é uma intervenção médica pela qual se procuram indícios ou pistas de
anomalias de natureza bioquímica, genética, morfológica, funcional ou comportamental, que
tenham relevância à saúde individual ou coletiva. Tem como objetivo diagnosticar doenças ou
identificar problemas que afetam a saúde, mas que ainda não se manifestaram na forma de
sintomas ou sinais evidentes ou que, pelo menos, não foram percebidos pela pessoa consultada,
ou seja, encontram-se em situação pré-clínica. Popularmente, o rastreamento é também
chamado check-up, além de rastreio ou busca ativa.1
É comum ouvir alguém dizendo “Não ando me sentindo bem, preciso fazer um check-up!”
Essa pessoa não sabe, mas está cometendo um erro conceitual. Por princípio, o rastreamento
médico destina-se a indivíduos da população geral sem manifestações clínicas ou queixas
relacionadas ao que se pretende rastrear. Quando uma pessoa tem sintomas, ela precisa não de
um check-up ou rastreamento médico, mas de uma consulta que desencadeie uma investigação
orientada por suas queixas, até chegar ao diagnóstico.
É possível, entretanto, associar o rastreamento médico a uma consulta de investigação
diagnóstica, desde que o que se pretende rastrear não se relacione à queixa do(a) paciente. Por
exemplo: uma mulher que procura o médico ginecologista pela presença de um nódulo na
mama não estará rastreando câncer de mama, e sim investigando um nódulo suspeito, com
abordagem específica em busca do diagnóstico. Porém, nesta mesma consulta, o(a) médico(a)
poderá também realizar rastreio de doenças cardiovasculares, metabólicas e distúrbios
psicossociais.

RASTREAMENTO MÉDICO COMO ANTIGA FERRAMENTA DE PROMOÇÃO DA


SAÚDE

O rastreamento médico é uma das mais concretas contribuições da medicina clínica para a
prevenção de doenças e promoção da saúde. De modo geral, espera-se que, a partir do
diagnóstico pré-clínico, possam-se adotar tratamentos eficazes e ações preventivas capazes de
prolongar a sobrevida, evitar ou atenuar o sofrimento físico e mental, e proporcionar uma
melhor qualidade de vida às pessoas.
Bastante popular nos dias de hoje, o check-up médico é, todavia, uma atividade centenária.
Já no final do século XIX, grandes seguradoras de saúde promoviam exames médicos
preventivos com a finalidade de conhecer melhor o estado de saúde de seus segurados. Ao
longo do início e meados do século XX, o rastreamento médico (basicamente, na época, um
exame clínico minucioso) ganhou impulso entre as forças armadas e empresas, na tentativa de
manter soldados e trabalhadores saudáveis, entendendo-se que assim seriam, respectivamente,
mais combativos e produtivos, e assim gerassem mais eficiência e economia.
Mas foi a partir dos anos 1970 que o check-up ficou mais acessível à população em geral e
adquiriu o formato pelo qual é mais conhecido hoje: um painel predefinido de exames clínicos,
laboratoriais e de imagem, supostamente capaz de fornecer uma fotografia momentânea
completa da saúde. Essa evolução resultou da explosão tecnológica vivida na medicina do final
do século XX, da maior disponibilidade e acesso a informações e serviços médicos, e da
crescente busca por saúde e qualidade de vida.
É difícil imaginar uma aspiração mais legítima e atraente para qualquer ser humano, nos
dias de hoje, do que viver mais e com mais saúde. Se exames médicos feitos com certa
periodicidade podem desvendar doenças no seu início e, de algum modo, sinalizar a chance de
tornar aquela aspiração uma realidade, esses exames tornam-se um bem de interesse público,
cujo mercado consumidor potencial tende a englobar grandes contingentes de pessoas. E foi
assim que o check-up médico ganhou fama e se difundiu, nas últimas décadas.

RASTREAMENTO MÉDICO BASEADO EM EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS


Como em tudo que envolve ciências da saúde, não basta supor que alguma intervenção
médica, por mais aceita e popular que seja, produza na prática o efeito que, em tese, dela se
espera. É preciso provar que funciona. Por isso, o rastreamento e suas promessas têm atraído a
atenção de pesquisadores que, para validá-los, conduzem estudos que, por sua vez, são alvo de
revisões sistemáticas da literatura especializada e meta-análises. A finalidade disso tudo é
analisar em profundidade as conclusões das pesquisas sobre o mesmo tema, aceitando-as ou
rejeitando-as, com base científica sólida.
Desde a década de 1980, entidades como a US Preventive Services Task Force (USPSTF) e
a Canadian Task Force on Preventive Health Care (CTFPHC), além de outras, empenham-se
em oferecer diretrizes preventivas baseadas em boas evidências científicas. Para isso, grupos
multidisciplinares de especialistas identificam, selecionam, analisam e interpretam os
resultados de estudos publicados sobre rastreamento, a maior parte deles produzidos em países
desenvolvidos, e, posteriormente, elaboram e publicam recomendações de alta qualidade
científica.
Essa forma de consolidação do conhecimento médico com base em evidências científicas
de boa qualidade metodológica tende a ser progressista, na medida em que passa a romper
certos paradigmas antigos. Afirmações como: “o diagnóstico precoce da doença permite tratá-
la mais cedo, o que é sempre melhor” ou “fazer exames preventivos nunca prejudica o
paciente”, antes tidas como verdades inquestionáveis, inclusive no meio médico, passam a ser
apenas relativas quando examinadas sob a “lupa” do pesquisador científico.
Em outras palavras, o check-up baseado em evidências científicas leva em conta que,
apesar da comprovada utilidade do rastreamento em inúmeras circunstâncias, estudos mostram
que o seu uso abusivo ou inadequado tem, também, o potencial de prejudicar a saúde.
Exemplificando: um teste mal indicado, que resulta em falso-positivo, pode levar o profissional
de saúde a incorrer em erro diagnóstico, tratamento desnecessário e piora da qualidade de vida
do paciente. Ou seja, exatamente o inverso do que se pretende.
As recomendações da CTFPHC e USPSTF, por serem periodicamente atualizadas e se
basearem nas melhores evidências científicas disponíveis, são consideradas referências
fidedignas para políticas de saúde e programas de rastreamento implantados em diversos
países. Entretanto, é bom lembrar que os públicos-alvos prioritários das recomendações de
ambas são a população canadense e a estadunidense, respectivamente. É muito improvável que
os estudos dos quais essas recomendações são originadas, incluindo aqueles que não são norte-
americanos, representem acuradamente as inúmeras diferenças ambientais, étnicas,
socioeconômicas e culturais existentes nos outros países do mundo.

PREMISSAS GERAIS PARA SE FAZER UM BOM RASTREAMENTO MÉDICO


Genericamente, um bom rastreamento médico deve levar em consideração os seguintes
aspectos:

A. etiopatogenia e importância sanitária regional da doença ou problema a rastrear;


B. disponibilidade, segurança, acurácia, reprodutibilidade, relevância epidemiológica e grau
de aceitação do teste que visa o diagnóstico pré-clínico;
C. disponibilidade, segurança, acesso, eficácia e efetividade da prevenção, tratamento
precoce ou outra intervenção que seja capaz de mudar a história natural da doença no
período pré-clínico;
D. condições de saúde, exposição a fatores de risco, preferências e valores do grupo ou
pessoa consultada, que devem ser bem informados e poder compartilhar de decisões
referentes ao rastreamento;
E. respeito aos princípios éticos da prática médica;
F. viabilidade de custeio de toda a cadeia de eventos desde o rastreamento (incluindo as suas
repetições periódicas) até a reabilitação.

Não basta, então, apenas a disponibilidade de bons testes de rastreamento nos serviços de
saúde e de boas evidências científicas internacionais. O grande desafio para fazer do check-up
um instrumento de prevenção cada vez mais acurado e efetivo para a saúde de brasileiros,
realçando suas qualidades e mitigando distorções, passa, na medida do possível, pela
ponderação das evidências científicas internacionais com dados epidemiológicos e estudos
produzidos no Brasil.

O QUE VALE A PENA RASTREAR EM SAÚDE


A importância de conhecer a prevalência e a incidência do que se pretende
rastrear

Nem todas as doenças ou problemas que podem prejudicar ou colocar em risco a saúde se
prestam ou merecem ser incluídos em uma lista de rastreamento médico. Como ponto de
partida, um problema de saúde é candidato a fazer parte do rastreio se a sua prevalência for
significativa. Porém, não existem linhas divisórias nítidas capazes de definir alta, média ou
baixa prevalência, aplicáveis a todos os problemas de saúde.
De modo geral, o rastreamento é justificável para os problemas que permanecem ativos na
população-alvo em uma frequência e por tempo suficientes para serem identificados, de algum
modo, em fase pré-clínica. Neste grupo, encontram-se exemplos de doenças infecciosas
transmissíveis, metabólicas, cardiovasculares e cânceres, além de problemas relacionados a
distúrbios mentais e psicossociais.
Alta incidência também é relevante, mas, por si só, não é um pré-requisito para rastrear,
pois fatores como rápida letalidade, cura espontânea ou alta eficácia do tratamento podem
dificultar, impossibilitar ou tornar o diagnóstico pré-clínico inútil. Justifica-se rastrear doenças
raras (p. ex., síndromes hereditárias do metabolismo, de autoimunidade ou de cânceres) na
idade adulta apenas em casos selecionados de antecedentes familiares muito expressivos.
Por outro lado, mesmo doenças de alta prevalência nem sempre merecem ser rastreadas, ou
por seu impacto na saúde ser pequeno, ou por existirem outros meios mais adequados de
abordá-las. Moléstias parasitárias intestinais são um exemplo: apesar de prevalentes em
comunidades carentes, a realização periódica de exames protoparasitológicos tem pouco valor
se comparada às medidas prioritárias de promoção da saúde coletiva (saneamento básico, água
tratada etc.) ou, até mesmo, à prescrição empírica de antiparasitários de baixa toxicidade.

Morbimortalidade e duração pré-clínica associadas ao que se vai rastrear

Outras características importantes dos problemas de saúde rastreáveis são a morbidade e a


mortalidade a eles associadas. Enfermidades que causam grande sofrimento, físico ou mental,
ou desdobram-se na forma de complicações clínicas graves, sequelas ou incapacidade, ou ainda
que elevam a mortalidade precoce, são alvos prioritários de programas de rastreamento médico.
As doenças cérebro e cardiovasculares, por exemplo, são as principais causas de mortes no
Brasil. Não surpreende, portanto, o fato de que a maioria dos check-ups direcione atenção
prioritária para as mesmas ou, mais concretamente, para os seus fatores de risco.
Por outro lado, às vezes, é a gravidade de uma complicação clínica no curso de uma
doença, mesmo que assintomática e de baixa letalidade, que já justifica o rastreamento. É o
caso, por exemplo, de infecção genitourinária por clamídia em mulheres jovens. Esta, se não
detectada e tratada, pode causar infertilidade ou abortamento, consequências trágicas de uma
infecção assintomática, aparentemente, banal.
Doenças de evolução crônica, com períodos pré-sintomáticos que se arrastam por muito
tempo, são mais afeitas a serem rastreadas do que as doenças agudas, nas quais o desfecho
(cura, sequela ou óbito) acontece mais rapidamente. É possível entender esse conceito
lembrando-se, por exemplo, de que o diabete melito do tipo 2 (DM2) ou a hipertensão arterial
sistêmica (HAS) chegam a permanecer vários anos sem provocar sintomas antes que sejam
detectadas. Ao longo desse período, existem várias oportunidades de diagnóstico, por meio de
dosagens de glicemia de jejum ou hemoglobina glicada (HbA1c) e aferições da pressão arterial.
Já doenças agudas ou subagudas, de evolução mais rápida até o desfecho (por exemplo, um
câncer altamente agressivo), acabam por escapar dos rastreamentos periódicos.
Viés de duração da doença

Essa dificuldade de rastrear doenças de evolução mais rápida e agressiva é causa, inclusive,
de um defeito inerente ao rastreamento, conhecido como viés de duração da doença, ilustrado
na Figura 1.
Imagine que um certo tipo de câncer possa evoluir de duas formas diferentes. Às vezes,
comporta-se de modo muito agressivo, desenvolve grandes massas tumorais e metástases,
deteriora a saúde do(a) paciente e, em semanas ou poucos meses, leva ao óbito. Outras vezes,
apresenta-se mais brando, evoluindo lenta e progressivamente ao longo de muitos meses ou
anos, sem que o(a) paciente se queixe de qualquer sintoma.

FIGURA 1 Ilustração gráfica do viés de duração da doença. As linhas de cor cinza indicam os casos
diagnosticados em alguma das rodadas de rastreamento (R).

Qual dessas duas formas de evolução seria mais facilmente diagnosticada por um
rastreamento anual ou bienal? A segunda, certamente. Apesar do benefício potencial do
diagnóstico pré-clínico de algumas dessas neoplasias menos agressivas, a tendência de que
estas sejam as mais detectadas acaba por desviar o rastreamento médico do seu objetivo.
Tumores mais graves e letais, ou seja, de maior importância clínica, deixam de ser
diagnosticados e tratados a tempo, em detrimento dos menos agressivos e, provavelmente,
menos letais. Há evidências de que o viés de duração da doença ocorra, por exemplo, com as
neoplasias de próstata, sendo as mais indolentes as mais frequentemente identificadas.

OS BONS MÉTODOS DE RASTREAMENTO

Consulta específica de prevenção ou rastreamento oportunista?

Historicamente, estabeleceu-se o exame médico completo (a consulta médica composta de


anamnese detalhada e exame físico completo) como a primeira etapa de um check-up médico.
Ao longo das últimas décadas, porém, inúmeras revisões sistemáticas de estudos científicos
falharam em demonstrar a sua utilidade. Não foram encontradas evidências de que essa prática
reduza a mortalidade de pessoas que a ela se submetem.
Por outro lado, há evidências de que riscos à saúde futura possam ser identificados com a
realização ou solicitação oportunista de exames preventivos (clínicos, laboratoriais ou de
imagem) durante visitas médicas, mesmo nas quais o exame clínico completo não é realizado.
É o caso das consultas motivadas por queixas de sintomas simples ou apenas para obter
orientação ou aconselhamento médico, retorno eletivo para verificar resultado de tratamento,
avaliação de aptidão ao trabalho, perícia médica etc.
Em todas essas situações, a equipe de saúde deve estar preparada para propor exames de
rastreamento e intervenções adequadas a cada paciente, principalmente àqueles que não
possuem médicos(as) de referência ou que não tenham por hábito submeter-se a consultas
regulares, por exemplo a cada 3 a 5 anos; para estes, qualquer contato com o sistema de saúde é
uma oportunidade para alavancar a prática preventiva. Vale lembrar, entretanto, que campanhas
de check-ups com painéis fixos de exames que desconsiderem as peculiaridades e necessidades
de saúde de cada pessoa, individualmente, carecem de validação científica e devem ser
evitadas.
Anamnese e exame físico dirigidos a itens específicos, questionários estruturados, testes
laboratoriais e exames funcionais e de visualização são meios usados para rastrear doenças e
outros problemas de saúde em indivíduos assintomáticos. A utilidade de cada um para o
rastreamento é determinada por suas características intrínsecas, bem como por fatores que
possam interferir na sua aplicação prática.

Apenas com base no sexo, idade, antecedentes familiares e histórico de exposição a fatores de
risco já é possível construir rastreamentos médicos individualizados, capazes de promover
tratamentos ou intervenções preventivas com potencial de impactar, positivamente, a qualidade
de saúde e vida. Controle de doença em fase pré-clínica, mudança de hábito alimentar, retomada
da atividade física, cessação do tabagismo, uso de equipamento de proteção individual e adesão
a tratamentos são exemplos disso. Não há base científica que justifique a necessidade de um
exame médico completo e detalhado para essa finalidade, como se imaginava no passado, nem
de campanhas de check-ups com exames padronizados não individualizados.

Sensibilidade, especificidade e valores preditivos dos testes de rastreamento

A primeira propriedade que se espera de um bom método de rastreamento é que ele seja
sensível, isto é, que detecte o problema de saúde já existente e incipiente, com pouca chance de
erro ou falha na sua detecção. Em outros termos, espera-se que ele tenha um baixo percentual
de falso-negativos. A sensibilidade ideal é 100%, situação na qual todos os casos existentes da
doença rastreada seriam detectados, com nenhum resultado falso-negativo. Na vida real,
valores de sensibilidade de 80% a 90% são bastante aceitáveis, como acontece, por exemplo,
na aferição da pressão arterial para o diagnóstico da HA ou a aplicação do questionário CAGE
para detectar o consumo preocupante de bebida alcoólica.
Os métodos de rastreamento não necessariamente definem a presença da doença, ou seja,
frequentemente são necessários outros exames ou testes para que se faça o diagnóstico
definitivo. Algumas vezes, o rastreamento serve apenas para indicar se uma pessoa (ou um
grupo de pessoas, no caso de programa de rastreamento coletivo) tem alta ou baixa
probabilidade de apresentá-la, conforme o resultado do exame seja positivo ou negativo. Mas a
conclusão definitiva depende, em geral, de outros exames. Por exemplo: após uma mamografia
cuja classificação foi Bi-Rads 4, é necessário fazer uma biópsia de nódulo mamário; um
homem cujo resultado de PSA (antígeno específico da próstata) está acima do valor de
referência precisa de exames de imagem e estudo histopatológico para a confirmação e o
estadiamento do câncer da próstata.
Alta especificidade (poucos resultados falso-positivos), apesar de bem-vinda, não é,
portanto, um pré-requisito obrigatório para testes de rastreamento, desde que outros exames
mais específicos possam ser feitos, subsequentemente, de forma complementar, para confirmar
os achados do rastreio. Por fim, a sensibilidade e a especificidade combinadas com a
prevalência na população-alvo do rastreamento permitem estimar os seus valores preditivos
(positivo e negativo), que são variáveis úteis no planejamento de programas coletivos de
rastreamento médico.

Segurança dos testes: acurácia, precisão, reprodutibilidade, acesso e custos

Do ponto de vista técnico, espera-se que toda e qualquer ação que vise o diagnóstico pré-
clínico, incluindo manobras de exame físico, questionários estruturados, testes de bioquímica
do sangue ou exames de imagem ou visualização direta, seja segura para o paciente, não
colocando, portanto, a sua integridade física ou mental em risco.
Essa preocupação é mais pertinente no caso de procedimentos invasivos como punções-
biópsias ou estudos endoscópicos, principalmente quando há chance de complicações graves e
sequelas do procedimento em si ou do preparo para executá-lo (p. ex., perfuração intestinal,
sepse ou insuficiência renal aguda associadas à colonoscopia). De preferência, procedimentos
de rastreamento devem ser simples e de fácil aplicação, pouco invasivos, e exigir o mínimo
necessário de custos e infraestrutura laboratorial e hospitalar.
Precisão e acurácia dos exames, reduzindo a probabilidade de erros de análise,
interpretação ou divulgação de resultados (principalmente no caso de laudos descritivos), são
esperadas. Com relação aos testes laboratoriais, em especial, há toda uma cadeia de
procedimentos pré-analíticos, analíticos e pós-analíticos, que necessita de controle rigoroso
para garantia da qualidade. E a boa reprodutibilidade, ou seja, a capacidade de se obter
resultados semelhantes para um mesmo teste, caso ele necessite de repetição ou revalidação,
interna ou externa, aumenta a confiabilidade e amplia a sua capilaridade e possibilidades de
acesso na rede de atenção à saúde.
Fácil disponibilidade, amplo acesso e baixo custo são fatores que completam as qualidades
mínimas necessárias para tornar o rastreamento mais atraente e custo-efetivo. Ajudam,
também, a fazer com que a população-alvo se torne mais aderente a ele. Sem expectativa de
adesão significativa, um programa de rastreamento corre o risco de ser uma iniciativa mal-
sucedida, podendo até ser abortado antes mesmo da sua implementação.

Sobretestagem (overtesting) e sobrediagnóstico (overdiagnosis)

A experiência prática mostra que fazer exames médicos, clínicos, laboratoriais e de imagem
goza de alta popularidade em nosso meio, o que, por si só, tende a alavancar a adesão a
rastreios médicos. Entretanto, para escapar do uso excessivo e inadequado dos meios de
diagnóstico e para que o rastreamento médico baseado em evidências científicas alcance a
maior adesão possível, profissionais da área da saúde, incluindo pesquisadores, educadores,
prestadores de serviços e gestores, têm papel relevante na difusão de informações e
orientações, que desmistifiquem o valor da sobretestagem, prática comum, mas capaz de
comprometer a prevenção secundária de doenças.
Estudos científicos já revelaram que, quanto mais exames laboratoriais são solicitados,
maior é a probabilidade de variações indevidas de alguns resultados em relação à normalidade.
Lembra-se ainda que para a determinação do valor de referência normal de um exame toma-se
como base a forma como essa variável se comporta na maioria da população de estudo. E por
maioria, entende-se, em geral, 95% desse grupo, ou seja, em até 5% das pessoas estudadas os
resultados de qualquer exame complementar podem estar fora da faixa normal determinada
pela maioria, sem que isso signifique, necessariamente, presença de doença ou qualquer outra
implicação em termos de saúde.
Um exemplo clássico para ilustrar essa situação são os nódulos, também denominados
incidentalomas, muitas vezes identificados em exames de imagem de check-up ou feitos para
outras finalidades. Esses nódulos são, em sua maioria, benignos, correspondem a variações da
normalidade e não implicam em qualquer consequência para a saúde dos indivíduos portadores.
Porém, quando identificados, acabam por gerar angústia e subsequente investigação, com os
riscos inerentes a essas práticas.
Esse e outros vieses da sobretestagem podem causar iatrogenia que, segundo alguns
autores, deve ser objeto do que eles chamam prevenção quaternária. E há, ainda, o
sobrediagnóstico, outro desfecho negativo associado ao rastreamento. Neste caso, não há erro
diagnóstico. Trata-se, na verdade, de um efeito colateral da maior capacidade diagnóstica dos
testes laboratoriais e exames de imagem, qual seja, detectar alterações orgânicas incipientes,
mas que acabam por não progredir nem prejudicar a saúde do(a) paciente.
Um exemplo interessante é a ultrassonografia de tireoide, que ganhou popularidade nos
últimos anos como exame preventivo solicitado por muitos médicos. Com essa prática,
verificou-se um enorme aumento na incidência de câncer nessa glândula, em mulheres. Porém,
no mesmo período, a mortalidade por câncer de tireoide permaneceu praticamente inalterada.
Dependendo do ponto de vista, pode-se conseguir explicações diferentes e até contraditórias
para essa situação:

Um entusiasta acrítico de todos os avanços médicos diria que a mortalidade não


aumentou, apesar do aumento da incidência do câncer de tireoide, porque o tratamento
desse câncer foi aprimorado e, assim, promoveu mais cura.
Já um profissional da saúde mais realista argumentaria que o que aumentou, de fato, foi o
diagnóstico de cânceres de tireoide indolentes, assintomáticos, que não trariam
consequências de longo prazo.

Uma vez que, analisando-se o período estudado, não houve mudança significativa nas
opções de tratamento desses tumores e como a mortalidade não aumentou nem diminuiu, a
explicação realista parece ser a mais plausível. Isso é sobrediagnóstico.

A EFICÁCIA DE TRATAMENTOS OU INTERVENÇÕES PRECOCES

Aspectos do tratamento disponível indicam se vale ou não a pena rastrear

O rastreamento médico é um meio de ajudar pessoas a viverem mais e melhor. Porém, para
alcançar esses objetivos é preciso estar atento a algumas premissas peculiares, referentes a
tratamentos ou outras intervenções a serem adotadas. Intervenções precoces não seguem,
necessariamente, os mesmos princípios ou surtem os mesmos efeitos das intervenções tardias,
introduzidas quando o diagnóstico é feito após a manifestação clínica. É importante saber ou
estimar de antemão se o tratamento em fase prévia ao aparecimento de sintomas e sinais
permitirá que o(a) paciente tenha ganhos, de fato, quando comparado ao tratamento introduzido
quando do diagnóstico mais tardio.
Preliminarmente, cabe incluir em um programa de rastreio apenas condições médicas para
as quais exista tratamento ou intervenção precoce ou controle eficaz do problema, cujos
benefícios potenciais superam eventuais danos à saúde. Usando o exemplo da estenose de
carótida (EC) assintomática: uma vez diagnosticada, é de se esperar que haja uma redução de
acidentes vasculares encefálicos, inclusive transitórios, após intervenção cirúrgica. Porém, as
evidências mostram que, além dos riscos das complicações perioperatórias, o benefício da
cirurgia é apenas marginal em relação ao tratamento clínico convencional para doenças
vasculares. Além disso, o controle de comorbidades (hipertensão arterial, diabete melito,
hipercolesterolemia) e o incentivo a hábitos saudáveis (cessação do tabagismo, perda de peso,
alimentação equilibrada, atividade física) independem do rastreamento da EC para serem
prescritos.

Problema diagnosticado implica tratamento ou intervenção imediata

Havendo intervenção, tratamento ou controle eficaz, pode-se proceder ao rastreamento, mas


somente se houver, também, garantia de acesso rápido e completo a todos os dispositivos que
compõem o procedimento terapêutico. Diagnosticar precocemente um aneurisma de aorta de
indicação cirúrgica, em um homem de 65 anos, em bom estado de saúde, é extremamente
importante, mas o tratamento deve ser imediato e não postergado em fila de espera, que atrase a
cirurgia por meses ou anos.
Na mesma linha, só é recomendável rastrear a depressão, para a qual se dispõe atualmente
de uma boa gama de opções terapêuticas, quando houver certeza de acesso a todo tipo de
tratamento medicamentoso ou apoio psicoterápico necessários. Outro exemplo é a mamografia
para rastreio do câncer de mama, que só faz sentido pedir se além do exame estiverem
disponíveis o serviço de biópsia e o acesso a cirurgia, radio e quimioterapia. Em resumo: é da
boa prática médica executar o rastreamento apenas quando existir tratamento, intervenção ou
controle de doença eficaz, de acesso rápido, fácil e completo.
Não há suporte científico que justifique rastrear doença ou problema de saúde para o qual
não existe cura ou outro tipo de controle ou intervenção seguramente eficaz, mesmo que haja
um bom exame disponível para diagnosticá-lo em fase inicial. Um exemplo, infelizmente ainda
atual, é a demência. Há questionários de boa sensibilidade, aplicáveis em consultório, capazes
de detectar alterações bastante precoces das funções cognitivas em idosos. Entretanto, não se
comprovou, até o momento, que os medicamentos disponíveis para o seu tratamento consigam
alterar, significativa e positivamente, a evolução natural da doença. Além disso, a maioria deles
causa efeitos colaterais suficientemente incômodos a ponto de serem rejeitados pelos pacientes.
A abordagem dos casos de demência, pelo menos por enquanto, ainda deve se restringir às
situações já clinicamente identificáveis pelo paciente ou pessoas próximas de seu convívio. No
caso desse tipo de doença, o rastreio periódico de idosos assintomáticos e o diagnóstico pré-
sintomático ainda têm pouco a acrescentar.

Tratamento agressivo ou paciente frágil exigem cautela no rastreamento

É questionável, também, rastrear situações em que apesar de existir tratamento, ele tenha
alto risco de complicações ou sequelas, seja experimental ou apresente resultados duvidosos.
Junte-se a esses itens uma avaliação desfavorável do estado geral de saúde do(a) paciente com
uma expectativa ruim de sobrevida, no momento do check-up, para que este não se justifique.
Avalie, por exemplo, a razoabilidade de rastrear o câncer colorretal em uma mulher de 73
anos, diabética, hipertensa, portadora de insuficiência renal grau 4 e insuficiência cardíaca com
fibrilação atrial crônica, cuja expectativa de sobrevida em 10 anos calculada por uma
ferramenta validada para aplicação clínica seja menor que 30% (ou seja, risco de morte maior
que 70%). A colonoscopia seria o exame de rastreamento ideal para ela? Um teste
imunoquímico positivo para hemoglobina humana nas fezes seria menos problemático? Qual a
possibilidade dessa paciente suportar o tratamento de um câncer colorretal diagnosticado por
rastreamento? Há esperança de melhora da expectativa de sobrevida calculada se o câncer for
diagnosticado e tratado? Essas são perguntas importantes a serem respondidas,
preferencialmente antes de submeter a paciente ao exame.

VIÉS DE TEMPO GANHO


A expectativa de sobrevida com ou sem rastreamento remete, inclusive, a uma segunda
característica (ou possível defeito) inerente aos exames feitos para diagnóstico pré-clínico de
doenças: o viés de tempo ganho.
A Figura 2 ilustra duas situações hipotéticas distintas que poderiam ser vividas por uma
mesma paciente com câncer de mama. A linha superior mostra a situação que a paciente
vivenciaria caso se negasse a fazer mamografia preventiva a partir dos 50 anos de idade. O
diagnóstico do câncer de mama seria feito aos 60 anos, a partir do surgimento de sintomas, e o
tratamento da neoplasia por meio de cirurgia e radioterapia proporcionaria um certo tempo de
sobrevida, por exemplo, até os 70 anos. Na linha inferior, indica-se outra situação na qual a
mamografia de rastreamento detectaria logo aos 55 anos de idade a mesma neoplasia maligna
em fase incipiente, que seria igualmente tratada, e o óbito sobreviria aos 71 anos de idade.
Uma primeira consideração a ser feita é a respeito da sobrevida. Comparado à situação do
diagnóstico por sintomas (linha superior), o rastreamento (linha inferior) promoveria, no fim
das contas, um ganho real de sobrevida de 1 ano para a paciente (71 menos 70). Entretanto, se
contada a partir do momento do diagnóstico, a sobrevida a partir dos sintomas seria de 10 anos
(de 60 a 70 anos de idade) contra uma sobrevida aparente de 16 anos (dos 55 aos 71 anos), se
rastreado precocemente. Isso dá a impressão de um ganho total de sobrevida de 6 anos com o
rastreio, o que é falso. O que aconteceria na segunda hipótese (linha inferior), em verdade, seria
simplesmente uma antecipação do diagnóstico em 5 anos e não ganho real em anos de vida.

FIGURA 2 Ilustração gráfica do viés de tempo ganho.


Concretamente, a mesma paciente poderia conviver com o câncer por 10 anos (linha
superior) ou por 16 anos (linha inferior). Os 5 anos de diferença entre os 2 momentos do
diagnóstico (viés de tempo ganho) são importantes também quando se considera a qualidade de
vida que a paciente teria em uma ou outra situação. É de se supor que 10 anos de sofrimento,
físico e mental, provocado pela doença e seu tratamento seriam esperados no primeiro caso, a
partir dos 60 anos, época do início da manifestação clínica e do diagnóstico. Por outro lado, o
rastreamento só terá sido uma intervenção efetivamente útil se a partir do diagnóstico pré-
clínico do câncer de mama aos 55 anos, a paciente experimentar menos sofrimento nos seus
próximos 16 anos de vida, o que poderia não ocorrer, caso surgissem complicações do
tratamento.

Tratamento muito eficaz pode reduzir a importância do diagnóstico precoce

Evidências científicas recentes têm demonstrado que a melhora da qualidade de vida e o


aumento de sobrevida de mulheres com câncer de mama dependem mais do aprimoramento do
tratamento do que do momento do diagnóstico, propriamente dito.
Vale sempre relembrar que o objetivo do rastreamento médico é proporcionar aos pacientes
mais anos de vida saudável e não de doença ou de medo de adoecer. É muito comum,
atualmente, a realização de painéis para identificar genes ou mutações genéticas associados a
vários tipos de agravo à saúde, mesmo em pessoas saudáveis. A finalidade é antecipar o
conhecimento do risco para que a prevenção possa ser posta em prática. Entretanto, a presença
do gene não implica, necessariamente, que ele se expressará ao longo da vida da pessoa. Não é
certo, também, que exista forma eficaz de prevenir a expressão do gene. Além disso,
intervenções agressivas (p. ex., mastectomia e ooforectomia preventivas em portadoras de
mutações de BRCA1/2 – Breast Cancer genes 1 ou 2) ou tratamentos experimentais podem
trazer sérias complicações sem garantia de proteção, o que faz a inclusão do mapeamento
genético no check-up parecer uma iniciativa ainda objeto de estudos.

A INDIVIDUALIZAÇÃO DO RASTREAMENTO MÉDICO

Determinantes de doenças ou de outros agravos à saúde coletivos e individuais

Em que pese que eventos relacionados ao binômio saúde-doença possuam determinantes


coletivos (sociais, culturais, ambientais, econômicos etc.), na linha de tornar o rastreamento
médico um conjunto de procedimentos cada vez mais personalizado, é esperado que fatores
individuais sejam levados cada vez mais em conta antes de executá-lo.
A avaliação do estado de saúde global e a estimativa de sobrevida a médio e longo prazo do
paciente já foram lembradas neste texto. A sua importância é tão maior quanto mais avançada é
a idade ou maior é o número de doenças preexistentes. Nesses casos, submeter o(a) paciente a
um exame de rastreamento invasivo que pode lhe causar um efeito adverso ou diagnosticar
uma nova morbidade cujo tratamento agressivo será difícil de enfrentar, devem ser objeto de
reflexão prévia cuidadosa. Como regra geral, rastreamentos invasivos a partir de 65 anos só se
justificam para pacientes em bom estado geral de saúde e com boa expectativa de sobrevida em
10 anos.
Como exemplo de estimativa de sobrevida ou risco de mortalidade em 10 anos (RM10) de
uma pessoa, existe o cálculo do Índice de Suemoto, disponível na plataforma E-prognosis, uma
ferramenta já validada para a população geriátrica brasileira (ver Anexo A). Trata-se,
basicamente, de um instrumento de apoio à decisão médica e não de definição de conduta, em
si mesmo. A título de referência, pessoas abaixo de 65 anos, consideradas em ótimo estado de
saúde para a idade apresentam, pelo Índice de Suemoto, RM10 entre 11% e 15%, se homem, e
entre 8% e 10%, se mulher.
Aos 80 anos, idade a partir da qual recomendações de rastreamento médico agressivo são
raras e sujeitas a cuidadosa avaliação individual, os RM10 mínimos de pessoas saudáveis e
com bons hábitos são de 50% e 37% para homens e mulheres, respectivamente. Não parece
razoável propor rastreamentos invasivos que gerem tratamentos agressivos para pessoas com
RM10 acima desses valores ou, pelo menos, caso algum rastreio seja recomendado, que o(a)
paciente seja informado(a) a respeito dos seus riscos para poder compartilhar da decisão de
rastrear ou não.

Fatores preexistentes e estimativas de risco de adoecimento

Na busca, ainda, da individualização dos diagnósticos pré-clínicos, o rastreio de doenças e


outras condições de interesse para a saúde (hábitos e comportamentos, por exemplo) pode ser
precedido por uma avaliação preliminar da exposição a fatores de risco que aumentem a
probabilidade individual de adoecimento, de traumas físicos ou de outros constrangimentos
indiretamente ligados à saúde psicossocial (p. ex., vergonha, estigmatização, discriminação,
desdobramentos legais, policiais e financeiros).
Fatores de risco podem ser identificados por meio de anamnese cuidadosa, check-lists e
questionários qualitativos ou quantitativos (quando usam escalas de escores numéricos), muitos
deles avaliados e validados para a população brasileira. São exemplos desse tipo de
instrumento de rastreamento: o HARK (Humiliation - Afraid - Rape - Kick), que rastreia
violência doméstica contra mulheres, e o PHQ-2 (Patient Health Questionnaire - 2), duas
perguntas que ajudam a detectar indícios de depressão.
Instrumentos mais elaborados estão disponíveis em calculadoras que contêm algoritmos
capazes de estimar o risco para um determinado evento. São baseados na participação de
fatores de risco envolvidos na causalidade do evento avaliado, informação esta extraída de
estudos epidemiológicos ou estatísticas populacionais de saúde. O FRAX® (Fracture Risk
Assessment Tool), do qual se consegue uma estimativa bastante acurada do risco de fraturas por
fragilidade óssea (osteoporose) em 10 anos, foi desenvolvido na Universidade de Sheffield e
disponibilizado na internet, inicialmente, para a população do Reino Unido. Atualmente, graças
à cooperação científica internacional e estudos regionais, esse instrumento está adaptado para
vários outros países, incluindo o Brasil.
Após preencher um formulário on-line no qual são referidas a presença ou ausência de cada
um dos principais fatores de risco para osteoporose, a calculadora do FRAX® permite obter a
probabilidade do(a) paciente apresentar fraturas em 10 anos. Esse valor pode ser comparado
com valores de referência a fim de saber se há necessidade ou não da determinação objetiva da
densitometria óssea ou se há potencial benefício para intervenções terapêuticas.
Estudos mostram resultados semelhantes dos cálculos pelo FRAX® sem e com os dados de
densidade óssea. O método de rastreamento do risco de fraturas por osteoporose iniciado com o
FRAX® e seguido da densitometria óssea, apenas quando necessária, pode servir de modelo a
ser usado para outras doenças. Calculadoras de risco, semelhantes ao FRAX®, estão
disponíveis para doenças cardiovasculares, diabete e vários tipos de câncer (mama, colorretal e
pulmão).

Cada paciente e suas preferências individuais em matéria de saúde


Além da exposição a fatores de risco que podem ser abordados de forma estruturada pelos
instrumentos supracitados, o profissional responsável pela solicitação dos exames de rastreio
deve manter-se aberto para levar em consideração, também, as preferências individuais dos
pacientes. Razões pessoais podem fazer uma paciente relutar a submeter-se ao rastreamento de
violência da parte de parceiros; outros hesitam ao responder a questões sobre seu
comportamento sexual; e o medo de complicações médicas pode induzir a opção por um teste
imunoquímico nas fezes ao invés da colonoscopia para rastrear o câncer colorretal.

ÉTICA MÉDICA E IMPACTO FINANCEIRO DO RASTREAMENTO

Primeiro, não causar dano

A pesquisa de doenças em fase pré-clínica tem uma peculiaridade especial que,


conceitualmente, a diferencia de outras ações médicas: trata-se de uma busca ativa em pessoas
que, a princípio, estão saudáveis. Isso é o contrário do que acontece em uma consulta comum,
quando uma investigação médica reativa é desencadeada a partir de queixas de sintomas já
manifestos. É certo que, em qualquer situação, o primeiro compromisso ético do profissional
de área médica é nunca fazer mal ao paciente (primun non nocere), mas o peso disso é maior
ainda no caso do rastreamento.
O paciente está assintomático para a condição em questão antes de se submeter ao
rastreamento de doenças e, portanto, espera-se que assim permaneça após o mesmo. A sua
qualidade de vida também deve ser preservada, no mínimo, no mesmo nível anterior ao
rastreio, mesmo que uma doença ou um problema prejudicial à saúde tenha sido detectado, e
algum tratamento ou intervenção tenha sido instituído. Isso é um motivo a mais para reforçar a
ideia de que exames de rastreamento médico devam ser solicitados de forma refletida, seletiva
e individualizada.

Dilema ético: teste de rastreamento disponível deve ser sempre solicitado?

Solicitar exames desnecessários ou repeti-los excessivamente é desaconselhável em


qualquer situação médica. Sabe-se hoje que o abuso ou uso inadequado de exames pode, por si
só, em várias situações, colocar em risco a saúde do paciente (p. ex., anemia por coletas muito
frequentes de sangue, lesão renal por excesso de estudos radiográficos contrastados). Por essa
razão, seria eticamente reprovável pedir exames de rotina com a finalidade única de satisfazer a
curiosidade ou interesses não médicos, como comercializar pacotes extensos de check-up
visando a obter retorno meramente monetário ou para multiplicar a execução de
procedimentos, tratamentos e internações dispensáveis.
É um direito do(a) paciente ser submetido(a) a qualquer exame de rastreamento disponível?
É ético deixar de oferecer aos pacientes exames de rastreamento já implantados em
laboratórios? As respostas a essas perguntas expõem, certamente, um dilema ético complexo da
medicina: é certo que as pessoas têm seus valores pessoais e seus direitos legais, mas, por outro
lado, os profissionais de saúde têm seus princípios e convicções profissionais, que norteiam os
seus deveres e responsabilidades, e que ainda são limitados pelo código de ética médica.

O que se espera é que a prática de rastreamento médico seja a mais consensual possível entre
médico(a) e paciente. Para tanto, as decisões de quais exames fazer ou deixar de fazer devem
ser compartilhadas. Nesse processo, todas as informações necessárias devem ser postas em
discussão e detalhes teóricos e práticos analisados, incluindo as expectativas de resultados e
suas possíveis consequências. Enfim, se não é ético negar a solicitação de um exame disponível
a quem quer que seja, como acreditam alguns, não é menos antiético solicitar exames sem
comprovação científica de benefício e deixar de discutir isso, previamente, com seus pacientes. A
decisão compartilhada é, portanto, um meio viável no sentido de solucionar esse dilema e
melhorar a efetividade das práticas de rastreamento.

Impacto financeiro do rastreamento

De certa forma interligadas à questão ética vale a pena ressaltar aqui, também, as questões
de natureza monetária. Quando se pensa no impacto financeiro do rastreamento médico é
comum limitar-se ao preço unitário do exame, se é barato ou caro. Na verdade, o custo com a
solicitação e realização do exame em si representa apenas uma pequena parte do impacto
financeiro do rastreamento médico.
Para que ele seja calculado de forma completa, é preciso incluir na equação outros custos:
da consulta inicial; do teste de rastreio propriamente dito; de todos os exames subsidiários
feitos para confirmação do diagnóstico e estadiamento da doença ou problema rastreado; da
intervenção, procedimento clínico ou cirúrgico adotado no tratamento; de internação hospitalar,
se houver; das consultas e exames de acompanhamento médico subsequente; de efeitos
colaterais inesperados; de dias perdidos de trabalho; de incapacidades permanentes; de
reabilitação; enfim, de todos os desdobramentos possíveis.

Custo-efetividade do rastreamento médico

Além do seu impacto financeiro absoluto, deve ser levada em conta, também, a relação dele
com os seus resultados práticos, ou seja, se reduziu a morbimortalidade, para uma boa
avaliação da sua custo-efetividade. Para isso, existem indicadores de efetividade como o QALY
(Quality Adjusted Life Years) ou o YLD (Years Lived with Disability), que medem o número de
anos vividos com qualidade ou com deficiência, ou ainda, simplesmente, o número de anos de
vida ganhos. Indicadores desse tipo servem principalmente para que gestores, públicos e
privados, possam definir quais medidas de rastreamento coletivo adotar em seus locais de
atuação.
Suponha, por exemplo, que a custo-efetividade da mamografia para o câncer de mama em
mulheres acima de 50 anos, medida pelo montante gasto em dinheiro por cada ano de vida
salvo, mostrou-se cerca de duas vezes menor do que para mulheres rastreadas entre 40 e 49
anos. Isso pode se dever ao fato de a mamografia mais precoce detectar mais falso-positivos ou
verdadeiro-positivos sem significado clínico (sobrediagnóstico). O custo desses efeitos
indesejados, somado ao fato da prevalência do câncer de mama ser menor entre mulheres de 40
a 49 anos, explicaria o porquê da sua custo-efetividade menos atraente nesta faixa etária.
Apesar de análises de custo-efetividade não fazerem parte, diretamente, da prática médica
clínica, elas estão cada vez mais presentes nas diretrizes e protocolos de apoio ao trabalho
médico e sistemas de gestão em saúde. Para muitas recomendações de rastreamento, passaram-
se a adotar análises financeiras, quando disponíveis, visando a robustecer as conclusões das
revisões sistemáticas. É, no mínimo, intuitivo perceber que o sucesso de um programa de
rastreamento médico coletivo ou individual, sustentável ao longo do tempo, depende também
da sua viabilidade financeira, tanto no setor público quanto privado da saúde.

DECISÃO COMPARTILHADA, O ÚLTIMO DESAFIO DO RASTREAMENTO


MÉDICO

Mudando a cultura enraizada do “quanto mais exames, melhor”


“Eu só vim buscar os pedidos dos exames preventivos. Pode pedir tudo, doutor, o convênio
paga!” Esta frase ilustra uma realidade comum no âmbito médico. Trata-se, certamente, do
início de um número considerável de consultas de medicina geral e atenção primária. Ela
embute em si algumas crenças e costumes já bastante arraigados que desafiam a prática da
medicina nos tempos atuais: primeiro, a grande importância que se dá, hoje, à prevenção em
saúde, o que é positivo; segundo, a fascinação pela tecnologia e a total confiança nos exames
laboratoriais e de imagem, mais até, talvez, do que na opinião do(a) próprio(a) médico(a);
terceiro, a percepção subjetiva de que quanto mais exames fizer, melhor; por último, a
despreocupação com o custo financeiro dos procedimentos.
O check-up parece ocupar, de fato, um lugar de relevo na prática médica atual (e no
imaginário popular), e a tendência provável é que esse espaço cresça ainda mais no futuro. A
simples perspectiva dessa evolução deve implicar para os profissionais de saúde em novas
responsabilidades, desafios e oportunidades.

Pesando riscos e benefícios do rastreamento

Hoje, viver mais e melhor é objetivo não só de doentes, mas também das pessoas
virtualmente saudáveis. E o rastreamento pode ajudar a alcançá-lo, desde que seja feito dentro
dos limites que lhe são inerentes, ou seja, dosando os conhecimentos científicos e as novas
técnicas de diagnóstico e tratamento com as características epidemiológicas e culturais de onde
é praticado, com o discernimento clínico do profissional da saúde envolvido e, importante, com
a individualidade de cada paciente.
Nas últimas décadas, floresceram várias novidades em tecnologia da saúde. As suas
vantagens em relação às mais antigas possibilitaram diagnósticos mais rápidos e precisos,
tratamentos mais abrangentes e curativos, e a geração de conhecimento com base em
evidências científicas cada vez mais sólidas. Pacientes de check-up também ganharam muito
com isso.
Por outro lado, afloraram novos problemas antes inexistentes ou que, pelo menos, não eram
tão percebidos, como os vieses de duração e de tempo ganho, a sobretestagem, o
sobrediagnóstico e suas consequências práticas para os pacientes: exames e tratamentos
desnecessários, inadequados, com possíveis complicações e até sequelas. Além do desperdício
de recursos humanos, materiais e financeiros.

A decisão compartilhada e o rastreamento médico baseado em evidência

A evolução tecnológica e a sua interface com a área de negócio da saúde vão continuar seus
caminhos na tentativa de suprir as demandas sociais. E o complexo sistema de saúde, com as
inter-relações entre governantes, empresários, legisladores, pesquisadores, gestores, fabricantes,
distribuidores, vendedores, prestadores de serviços e cidadãos, vai seguir adaptando-se e
modernizando-se. Mantendo o foco principal sempre no bem-estar das pessoas (cidadãos,
clientes, pacientes, usuários etc.), em torno de quem orbita todo o sistema de saúde, as melhores
soluções de rastreamento médico tendem a passar, também, pelo compartilhamento de decisões
entre profissionais da saúde bem treinados e pacientes bem informados.

Da abertura ao diálogo e da participação ativa de todos os atores sociais, apoiados na


ciência e na experiência profissional, é possível identificar, previamente, a visão das partes
sobre:

A. o que é preciso rastrear;


B. qual o melhor meio de fazê-lo;
C. em que um diagnóstico pré-clínico pode implicar;
D. o que se espera conseguir com o rastreamento;
E. quais riscos se corre ao rastrear ou não; e
F. como superar dificuldades, como restrições de financiamento ou deficiências estruturais.

Com essa nova postura de compartilhamento decisório, no futuro, talvez as consultas


passem a começar de modo diferente: “Vamos conversar sobre suas expectativas e atitudes de
saúde, seus exames preventivos e decidir juntos o que fazer?” E o rastreamento médico se torne
um instrumento mais efetivo, útil e sustentável, em favor da saúde de todos.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. United States Preventive Services Task Force. Recommendations.
https//:www.uspreventiveservicestaskorce.org. Acesso: Maio 2021.
2. Canadian Task Foce on Preventive Health Care. Guidelines. https//:www.canadiantaskforce.ca. Acesso: Maio
2021.
3. Santos IS, Schmerling RA, Ferreira Jr. M. Rastreamento de doenças na prática ambulatorial. In: Lotufo PA et
al. Medicina em ambulatório: diagnóstico e tratamento. 1a edição. São Paulo: Editora Sarvier; 2006. p. 26-39.
4. Ferreira Jr. M, Silva ACCG. Avaliação periódica de saúde. In: Martins MA (ed.). Clínica Médica (Volume 1).
Barueri: Editora Manole; 2009. p. 179-92.
5. Eluf Neto J. Rastreamento em medicina interna. In: Martins MA (ed.). Clínica Médica (Volume 1). Barueri:
Editora Manole; 2009.
6. Brasil. Ministério da Saúde. 29 – Cadernos de Atenção Primária: Rastreamento. Brasília: Ministério da
Saúde; 2010
7. Martins MA, Ferreira Jr. M, Lemes C. Check-up – Não é vacina, não! In: Saúde: A hora é agora! Barueri:
Editora Manole; 2010. p. 385-409.
8. Welch HG, Schwartz LM, Woloshin S. Overdiagnosed: Making people sick in the pursuit of health. Beacon
Press; 2011.
9. Dezen DHS, Santini EL (eds.). Prevenção e diagnóstico precoce: check-up na prática médica. Barueri:
Editora Manole; 2011.
10. Morinaga CV, Favarato MHS. Promoção da saúde. In: Martins MA, et al (eds.). Manual do residente de
clínica médica. 2a edição. Barueri: Editora Manole; 2017. p.53-82.
11. Querido CN, Santos CD, Tunala RG, Germani ACCG, Oliveira AAP, Ferreira Jr. M. Aconselhamento em
promoção da saúde. In: Nunes MPT, et al. (eds.). Medicina interna ambulatorial: principais desafios com
casos clínicos comentados. 1a edição. Rio de Janeiro: Editora Atheneu; 2019. p. 59-66.
12. Duarte AJS, et al. Uso racional do laboratório Clínico. In: Sumita NM, et al. Recomendações da Sociedade
Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial: Inovação no laboratório clínico. Barueri: Editora
Manole; 2019. p. 17-23.
13. Barros BP, Pieratti R, Brito DP. Consulta periódica de saúde – Check-up. In: Nunes MPT, et al. (eds.).
Medicina interna ambulatorial: principais desafios com casos clínicos comentados. 1a edição. Rio de Janeiro:
Editora Atheneu; 2019. p. 67-115.
14. Lotufo PA. Ethics for check-ups. Editorial. São Paulo Med J. 2002;120(5):131.
15. Martins MA. O check-up do check-up. Editorial. Rev Assoc Med Bras. 2005;51(3):121-32.
16. Suemoto CK, Ueda P, Beltrán-Sánchez, Lebrão ML, Duarte YA, Wong R, Danaei G. Development and
validation of a 10-year mortality prediction model: meta-analysis of individual participant data from five
cohorts of older adults in developed and developing countries. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2016 Aug 13.
2
O que convém rastrear e como

INSTITUIÇÕES ESPECIALISTAS EM RECOMENDAÇÕES DE RASTREAMENTO


MÉDICO
Há várias entidades internacionais que se dedicam a revisar periodicamente a literatura
científica à procura de novas evidências sobre rastreamento de doenças. Duas entidades, em
especial, a USPSTF (US Preventive Services Task Force) e a CTFPHC (Canadian Task Force
on Preventive Health Care), apoiam-se em métodos rigorosos de revisão sistemática e seleção
de estudos de boa qualidade seguidas, quando possível, de meta-análises, que orientam
recomendações dirigidas à comunidade médica.
Tais entidades são financiadas por órgãos públicos dos governos de seus países de origem e
constituídas por painéis de especialistas em várias matérias clínicas, preventivas e de saúde
coletiva. Elas trabalham de forma independente e suas recomendações são publicadas em
periódicos de alto fator de impacto e mantidas em páginas próprias na internet.

CLASSIFICAÇÃO DAS RECOMENDAÇÕES E SUA APLICABILIDADE


Os conceitos e as bases das recomendações feitas pela USPSTF e a CTFPHC são usados
como fonte inicial para o desenvolvimento de todos os temas de rastreamento médico deste
livro. Uma interpretação livre dos sistemas de classificação das recomendações dessas
entidades identifica ligeiras diferenças entre ambas, mas que, de modo geral, podem ser
resumidas nos quatro itens abaixo:

1. Recomendação a favor do rastreamento: há moderada a forte evidência de que os


benefícios para a população-alvo superam os riscos. Justifica a sua aplicação em nível
coletivo (população geral assintomática).
2. Recomendação duvidosa do rastreamento: as evidências são contraditórias ou revelam
que os benefícios para a população-alvo superam apenas ligeiramente os riscos do
rastreamento. Justifica a sua aplicação apenas em situações especiais, após cuidadosa
avaliação médica (p. ex., pessoas assintomáticas expostas a fatores que elevam o risco à
doença a rastrear).
3. Recomendação contra o rastreamento: quando há boa evidência de que os seus riscos
superam os eventuais benefícios. Não se justifica a sua aplicação em nenhuma situação.
4. Recomendação inconclusiva: não existe recomendação a favor, duvidosa ou contra, uma
vez que os estudos publicados são insuficientes para se chegar a qualquer tipo de
conclusão aceitável.

AS RECOMENDAÇÕES INTERNACIONAIS E OS ESTUDOS BRASILEIROS E


RISCOS INDIVIDUAIS
Neste capítulo, são apresentadas as propostas de rastreamento derivadas daquelas
classificadas pelas forças-tarefas canadense e estadunidense conforme foi descrito nos itens 1 e
2 anteriormente citados (ver relação geral na Tabela 1). Porém, essas recomendações
internacionais básicas para cada tema serão adaptadas com diretrizes, estudos ou dados
epidemiológicos brasileiros, quando disponíveis, como forma de aproximá-las de algum modo
de nossa realidade nacional.
As recomendações internacionais são dirigidas à população geral assintomática, com
algumas exceções, e os principais recortes são feitos segundo sexo e faixa etária, na maioria
das vezes sem estratificação prévia do risco individual. Por exemplo, pela USPSTF, o
rastreamento de câncer colorretal está indicado, linearmente, para homens e mulheres
assintomáticos, entre 45 e 75 anos de idade. Ora, é possível que uma mulher de 55 anos de
idade (candidata, portanto, ao rastreamento), devido a hábitos saudáveis de vida, apresente uma
situação de risco desse câncer inferior à de um homem de 43 anos (fora da faixa etária de
rastreamento), obeso, sedentário, fumante, grande consumidor de bebida alcoólica e gordura
saturada.
Rastrear pessoas da população geral em menor risco de doença em detrimento de outras
com risco mais elevado tende a diminuir a eficácia do rastreamento. Logo, como parte do
processo de adaptação das recomendações sugere-se incorporar uma avaliação de risco
individual, sempre que pertinente, tentando direcionar o rastreamento para quem,
supostamente, mais precisa dele.

TABELA 1 Lista básica de doenças e outros problemas de saúde a considerar no rastreamento de


adultos de 18 a 75 anos de idade, divididos por sexo e faixa etária
25 a 34 35 a 44 45 a 54 55 a 64 65 a 75
18 a 24 anos
anos anos anos anos anos
25 a 34 35 a 44 45 a 54 55 a 64 65 a 75
18 a 24 anos
anos anos anos anos anos
Mulher Hipertensão Hipertensão Risco CV (≥ Risco CV Risco CV Risco CV
Diabete Diabete 40a) Hipertensão Hipertensão AAA
melito melito Hipertensão Diabete Diabete Hipertensão
Dislipidemia Dislipidemia Diabete melito melito Diabete
Excesso de Excesso de melito Dislipidemia Dislipidemia melito
peso peso Dislipidemia Excesso de Excesso de Dislipidemia
Infecção por Infecção por Excesso de peso peso Excesso de
HIV HIV peso Osteoporose Osteoporose peso
Infecção por Infecção por Infecção por (≥ 50a) Infecção por Osteoporose
VHB VHB HIV Infecção por HIV Infecção por
Infecção por Infecção por Infecção por HIV Infecção por HIV
VHC VHC VHB Infecção por VHB Infecção por
Sífilis Sífilis Infecção por VHB Infecção por VHB
Tuberculose Tuberculose VHC Infecção por VHC Infecção por
Clamídia Clamídia Sífilis VHC Sífilis VHC
Gonorreia Gonorreia Tuberculose Sífilis Tuberculose Sífilis
Depressão Depressão Clamídia Tuberculose Depressão Tuberculose
Bebida Bebida Gonorreia Depressão Bebida Depressão
alcoólica alcoólica Depressão Bebida alcoólica Bebida
Drogas Drogas Bebida alcoólica Drogas alcoólica
Violência Violência alcoólica Drogas Ca BRCA1/2 Drogas
parceiro parceiro Drogas Violência Ca colo Ca BRCA1/2
Ca BRCA1/2 Ca BRCA1/2 Violência parceiro uterino Ca colo
Ca colo parceiro Ca BRCA1/2 Ca mama uterino
uterino Ca BRCA1/2 Ca colo Ca colorretal Ca mama
Ca colo uterino Ca pulmão Ca colorretal
uterino Ca mama Ca pulmão
Ca mama (≥ Ca colorretal
40a) Ca pulmão
(≥ 50a)

Homem Hipertensão Hipertensão Risco CV (≥ Risco CV Risco CV Risco CV


Diabete Diabete 40a) Hipertensão Hipertensão AAA
melito melito Hipertensão Diabete Diabete Hipertensão
Dislipidemia Dislipidemia Diabete melito melito Diabete
Excesso de Excesso de melito Dislipidemia Dislipidemia melito
peso peso Dislipidemia Excesso de Excesso de Dislipidemia
Infecção por Infecção por Excesso de peso peso Excesso de
HIV HIV peso Infecção por Infecção por peso
Infecção por Infecção por Infecção por HIV HIV Infecção por
VHB VHB HIV Infecção por Infecção por HIV
Infecção por Infecção por Infecção por VHB VHB Infecção por
VHC VHC VHB Infecção por Infecção por VHB
Sífilis Sífilis Infecção por VHC VHC Infecção por
Tuberculose Tuberculose VHC Sífilis Sífilis VHC
Depressão Depressão Sífilis Tuberculose Tuberculose Sífilis
Bebida Bebida Tuberculose Depressão Depressão Tuberculose
alcoólica alcoólica Depressão Bebida Bebida Depressão
Drogas Drogas Bebida alcoólica alcoólica Bebida
alcoólica Drogas Drogas alcoólica
Drogas Ca colorretal Ca colorretal Drogas
Ca pulmão Ca pulmão Ca colorretal
(≥ 50a) Ca próstata Ca pulmão
Ca próstata
AAA: aneurisma de aorta abdominal; BRCA1/2: Breast Cancer genes 1/2;Ca: câncer; CV: cardiovascular; HIV:
vírus da imunodeficiência humana; VHB: vírus da hepatite B; VHC: vírus da hepatite C.

Para essa finalidade, pode-se incluir um passo intermediário no processo de rastreio com
perguntas dirigidas à exposição individual a fatores de risco específicos ou, quando existentes,
questionários validados ou mesmo calculadoras de risco baseadas em algoritmos desenvolvidos
a partir de estudos epidemiológicos, publicados na literatura ou disponíveis em estatísticas
oficiais de saúde.

O ESTADO DE SAÚDE COMO PRÉ-REQUISITO DO RASTREAMENTO MÉDICO

Para evitar que pessoas incapazes de suportar os riscos de exames de rastreamento


invasivos ou de tratamentos agressivos sejam submetidas a rastreamento médico
desnecessariamente, preconiza-se uma avaliação médica prévia do estado geral de saúde com
estimativa de mortalidade individual em 10 anos (RM10) para todos acima de 65 anos de
idade. O Índice de Suemoto da plataforma E-prognosis (ver Anexo A) é a ferramenta on-line
recomendada nesses casos, por ser de fácil utilização e já ter sido validada para aplicação em
pacientes idosos brasileiros.
RM10 elevado implica uma alta chance de mortalidade por todas as causas em curto espaço
de tempo e, portanto, aponta para um paciente com grande fragilidade. Sendo assim,
recomenda-se que o RM10 deve ser levado em consideração no momento de se indicar
rastreamento de uma doença cujo tratamento necessite de boa reserva funcional prévia, como,
por exemplo, aneurisma de aorta abdominal e cânceres.

A decisão compartilhada do rastreamento médico

As propostas de rastreamentos que se seguem têm por objetivo transformar o check-up (na
maioria das vezes, ainda hoje, um “pacote” padronizado de exames realizado
indiscriminadamente) em um processo decisório sequencial de procedimentos clínicos e
exames subsidiários. Isto é, uma prática que, partindo de recomendações de rastreamento
baseadas em evidências científicas minimamente favoráveis, incorpore peculiaridades da
realidade de saúde coletiva local e adeque-se, de algum modo, aos riscos individuais de cada
paciente, considerando, inclusive, o seu estado de saúde atual e a expectativa de sobrevida.
A decisão final quanto a fazer ou não o rastreamento desta ou daquela doença, por meio
deste ou daquele exame, deve ser resultado, sempre que necessário e possível, da ponderação
conjunta do(a) médico(a) com seu(sua) paciente (ou grupo de pacientes, no caso de programas
de rastreamento coletivo), na qual sejam valorizados, também, aspectos relativos à cultura,
crenças, convicções, anseios e receios das partes envolvidas, além das bases técnicas e
científicas aqui abordadas.
FIGURA 1 Fluxograma geral do processo do rastreamento médico baseado em evidências.

2.1
Aneurisma de aorta abdominal (AAA)
PONTOS-CHAVE

A rotura de um aneurisma de aorta abdominal (AAA) é um evento grave e altamente letal,


levando a óbito em 85% a 90% das vezes em que ocorre.
Apesar do tabagismo, sexo masculino e idade ≥ 65 anos serem fatores de risco clássicos,
estima-se que metade dos AAA incidam em não fumantes, mulheres e < 65 anos.
A ultrassonografia duplex ou Doppler de aorta abdominal é exame de alta sensibilidade e
especificidade no diagnóstico do AAA.
A avaliação da condição prévia da saúde do paciente e a estimativa do risco de morte em 10
anos são pré-requisitos necessários à decisão de rastrear ou não o AAA.
O tratamento cirúrgico diminui a mortalidade, sem piora expressiva da qualidade de vida,
principalmente, de pacientes masculinos portadores de AAA.

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear o AAA nas mulheres e homens de alto risco (vide fatores da Tabela 1), assintomáticos,
entre 65 e 75 anos de idade.
Rastrear apenas se a condição prévia da saúde do(a) paciente for boa e o risco de mortalidade
em 10 anos (RM10), calculado pelo Índice de Suemoto (E-prognosis), for < 50% ou < 37%,
respectivamente, para homens e mulheres.
Utilizar a ultrassonografia duplex ou Doppler de aorta como método de escolha a ser executado
uma vez e repetido conforme o resultado inicial, a critério médico.
Informar o(a) paciente dos riscos possíveis e benefícios esperados dos tratamentos disponíveis,
e compartilhar a decisão sobre o rastreamento do AAA com o(a) mesmo(a).

RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES

A USPSTF recomenda rastrear AAA em todos os homens entre 65 e 75 anos de idade que
fumaram em algum momento da vida ou, seletivamente, em não fumantes com outros fatores de
risco. O rastreamento em mulheres não é recomendado.
A CTFPHC recomenda o rastreamento de homens de alto risco de 65 a 80 anos de idade.
O American College of Cardiology e a American Heart Association recomendam o rastreamento
do AAA por meio de exame físico e ultrassonografia de abdome, em conjunto. Ambas
recomendam não rastrear AAA em nunca-fumantes ou mulheres.
A Society for Vascular Surgery recomenda o rastreamento único na vida para homens e
mulheres com passado de tabagismo, entre 65 e 75 anos de idade, homens de 55 anos ou mais
e mulheres com 65 anos ou mais com histórico familiar de AAA.
O American College of Preventive Medicine não recomenda rastrear AAA em mulheres.

Jacinto, 74 anos, sergipano, agricultor, retorna ao médico para controle de insuficiência cardíaca,
DPOC e DM2. Refere melhora da falta de ar e do inchaço nas pernas com a medicação. Continua
caminhando 20-30 minutos por dia. Nega dores no peito, dispneia noturna, ortopneia e qualquer
dificuldade para atividades normais da vida diária. Parou de fumar há 10 anos, mas ainda bebe
álcool aos domingos. Seus sinais vitais estão normais e seu IMC é 29. Seu médico, animado com
a melhora e querendo ajudá-lo ainda mais, pediu uma ultrassonografia de abdome para rastrear
um possível aneurisma de aorta.

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

Definição

Aneurisma de aorta abdominal (AAA) é uma dilatação permanente de pelo menos 1,5 vez
seu diâmetro original. Localiza-se, mais comumente, abaixo das artérias renais, onde há mais
presença de vasa vasorum. A evolução natural do AAA envolve a dilatação progressiva ao
longo do tempo com risco de ruptura. Grandes aneurismas se expandem mais rápido do que os
menores e têm maior chance rompimento.

Complicações

A ruptura é o evento mais grave decorrente de um AAA, sendo causa de óbito em cerca de
85% a 90% das vezes em que ocorre. Estimativas apontam para inequívocos altos índices de
letalidade associados a essa condição: 27% a 50% das pessoas vítimas de ruptura de AAA
morrem antes de chegar ao hospital, 24% a 58% antes de serem operadas, 42% a 80% no
período intra e pós-operatório.

Epidemiologia

A prevalência do AAA em estudos de rastreamento variou entre 4% e 8%,1 afetando


predominantemente os homens que usam ou usaram tabaco (a prevalência entre mulheres é em
torno de 1,5%). Entretanto, apenas de 0,4% a 0,6% dos aneurismas diagnosticados por
rastreamento tendem a ser iguais ou maiores que 5,5 cm (limiar habitual para avaliação de
tratamento cirúrgico). A idade avançada e o hábito de fumar influenciam a incidência do AAA,
que pode ser modificada para mais, com o envelhecimento da população, ou para menos, com a
redução da prevalência do tabagismo.
Estudos brasileiros revelaram prevalência de 2,5% de AAA em amostra populacional
rastreada aleatoriamente, estratificada por idade acima de 60 anos, e em 8,9% de indivíduos
previamente portadores de doença aterosclerótica coronariana (DAC), diagnosticada por
cateterismo e angiografia.

Fatores de risco

Nestes e em outros estudos internacionais, a idade avançada, o sexo masculino, a existência


prévia de DAC e o tabagismo (atual ou passado) apareceram como os principais fatores
associados, embora cerca de 1/4 a 1/3 dos diagnósticos de AAA tenham ocorrido em mulheres
ou pessoas que nunca fumaram. Dados indicam ainda que 33% das hospitalizações por rotura
de AAA foram femininas, e 41% e 22% das mortes por aneurisma roto ocorrem,
respectivamente, entre mulheres e pessoas que nunca fumaram.
Muitos fatores de risco estão associados ao AAA. A Tabela 1 apresenta, em relativa ordem
de importância epidemiológica, uma lista dos fatores já identificados capazes de elevar a
incidência de AAA. A literatura aponta de modo consistente os numerados de 1 a 4 como os
mais importantes para o desenvolvimento do AAA. Os fatores de 5 a 12 podem ser
considerados adjuvantes na incidência, mas alguns podem ser relevantes também como
preditores de ruptura ou complicações operatórias. Recentemente, estudos observacionais
apontaram uma preocupante possível associação do uso de fluroquinolonas com a incidência de
AAA. Apesar de não comprovado, isso gerou a recomendação de evitar esse grupo de
antimicrobianos em pessoas de maior risco.

TABELA 1 Fatores que elevam o risco de aneurisma de aorta abdominal (AAA) ou suas
complicações

1. Idade avançada (> 65 anos) 7. Doença arterial periférica

2. Sexo masculino 8. Hipertensão arterial sistêmica

3. Tabagismo (atual ou passado) 9. Dislipidemia

4. Parente de primeiro grau com AAA 10. Aterosclerose

5. Outro aneurisma vascular 11. Excesso de peso

6. Doença cérebro ou cardiovascular prévia 12. Sedentarismo

Fatores de proteção

Os fatores protetores aparentemente relacionados a menor incidência de AAA incluem:


sexo feminino, etnia não branca, hábitos de vida saudáveis, consumo moderado de álcool e o
diabete melito. Este último é apontado não só como antagonista do desenvolvimento, mas
também de roturas de aneurismas, embora haja um possível fator de confusão entre a doença
em si e os medicamentos usados no tratamento.
Os principais fatores relacionados à expansão e ruptura do AAA são: aneurismas com
diâmetros maiores, velocidade de expansão rápida, tabagismo, hipertensão arterial, pico de
pressão sobre a parede do aneurisma, antecedente de transplante cardíaco ou renal, volume
expiratório forçado (VEF) reduzido e, paradoxalmente, o sexo feminino. Se por um lado as
mulheres têm um risco bem menor de desenvolver um AAA, uma vez que elas o apresentam, o
risco de ruptura e morte chega a ser 4 vezes maior do que em homens com aneurismas de
mesmo diâmetro.

Aspectos clínicos

Clinicamente, o diagnóstico de AAA é feito, em geral, em situação de emergência. Dor


abdominal súbita com irradiação para as costas, sudorese, hipertensão ou hipotensão arterial,
choque e isquemia aguda em membros inferiores são sintomas e sinais comuns. O diagnóstico
em fase subclínica pode ser feito, incidentalmente, por meio de exame de imagem abdominal
solicitado por outro motivo. Ocorre também em consulta médica, por palpação de massa
pulsátil na área de projeção da aorta abdominal, em pessoas assintomáticas ou, menos
frequentemente, com dores abdominais ou dorsais inespecíficas.
Relembrando o caso do Sr. Jacinto, ele não tem sintomas sugestivos de AAA e parece ter vários
fatores de risco que justificariam a solicitação feita por seu médico, como a idade e,
principalmente, o tabagismo. Porém, ele se trata de diabete, o que pode ser um fator contrário ao
desenvolvimento do AAA. A altíssima letalidade desses aneurismas é uma preocupação que
legitimaria o rastreamento, pois uma boa parte deles poderia ser identificada e tratada mais cedo,
mas é bom levar em conta que o tratamento pode incluir procedimentos invasivos e agressivos. A
condição clínica prévia de Jacinto deve ser, portanto, avaliada com cuidado.

SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO

Exame clínico

Embora já tenha sido valorizada no passado, em contexto clínico, a palpação abdominal


não é o melhor dos exames para identificar AAA assintomático. O exame físico tem baixa
sensibilidade (39% a 68%) e especificidade (75%), sinônimos de muitos resultados falso-
negativos e falso-positivos. Logo, não é recomendável adotá-lo como método de rastreamento.

Ultrassonografia com Doppler

A ultrassonografia (USG) duplex (ou Doppler) é o método mais indicado para rastrear o
AAA, pois tem alta sensibilidade (94%-100%) e especificidade (98%-100%) para tanto. Além
disso, não é invasiva, é de fácil execução, está disponível e acessível a custo assimilável,
mesmo em locais sem infraestrutura sofisticada de saúde, e goza de boa aceitação por parte dos
pacientes. A tomografia computadorizada de abdome é igualmente eficaz, mas não é o melhor
método de rastreamento, devido aos possíveis riscos decorrentes da exposição à radiação
ionizante.

Estudos clínicos e recomendações atuais

A USPSTF recomenda rastrear homens que tiveram algum consumo de tabaco na vida (≥
100 cigarros ou 5 maços), com uma USG duplex de aorta abdominal, entre 65 e 75 anos de
idade. O rastreamento pode ser também recomendado, por decisão informada e compartilhada,
para os indivíduos masculinos dessa faixa etária que nunca fumaram, desde que apresentem
histórico familiar de AAA ou estejam expostos a outros fatores de risco, dentre os listados na
Tabela 1, ou, ainda, que expressem preferência pessoal em se submeter ao exame.
A CTFPHC, com algumas pequenas nuances, faz recomendação semelhante, exceto pelo
limite superior da faixa etária, que é de 80 anos. Ambas as entidades concordam que a
evidência é insuficiente em relação ao rastreamento de AAA em mulheres. Por outro lado,
alguns estudos mostraram que ignorar o rastreamento de AAA em mulheres, “nunca” fumantes
e pessoas com menos de 65 anos pode implicar em subdiagnóstico possivelmente significativo.
Um deles em especial, feito nos EUA, analisou a importância dos fatores de risco na
incidência do AAA (definido por um diâmetro de aorta ≥ 3 cm) com base nos dados coletados
de 3.056.455 pacientes que foram submetidos a rastreamento voluntário com USG em mais de
20.000 diferentes locais do país, no período de 2003 a 2008. Dezenas de possíveis fatores de
risco, confrontados com os 23.446 casos encontrados de AAA, confirmaram a importância
daqueles relacionados na Tabela 1, além de permitir a elaboração de um algoritmo preditivo de
risco. Aplicado o algoritmo em um modelo matemático preditivo para toda a população
estadunidense, os autores chegaram à conclusão de que cerca de pouco mais da metade do
número estimado de portadores de AAA seriam mulheres, pessoas que nunca fumaram e/ou
com menos de 65 anos. Ou seja, pessoas não rastreáveis pelos critérios existentes, ainda hoje.
A importância desse estudo está em justificar uma avaliação prévia do risco de desenvolver
AAA para todos os homens e mulheres. Não existe, ainda hoje, calculadora validada que seja
capaz de definir com mais precisão o risco individual de alguém apresentar AAA. Assim
mesmo, o profissional de saúde pode tentar estimar, subjetivamente, o risco em alto ou baixo,
com base na presença ou ausência dos fatores demográficos, antecedentes e hábitos dos
pacientes (Tabela 1).
Além disso, o diagnóstico de um AAA, apesar de aparentemente simples por método não
invasivo, via de regra implica em tratamentos extremamente agressivos. A preexistência de
doenças ou incapacidades pode limitar a possibilidade de um(a) paciente ser submetido(a) a
intervenções dessa natureza. Como em outras situações semelhantes (cânceres e doenças
cardiovasculares), acredita-se ser conveniente, aqui também, uma estimativa prévia de risco de
mortalidade em 10 anos (RM10), por exemplo, pelo Índice de Suemoto (E-prognosis), para
pessoas com mais de 65 anos.
O rastreamento do AAA por meio de USG duplex é, portanto, um procedimento adequado
principalmente para homens, de faixas de idade mais avançadas, fumantes ou ex-fumantes.
Entretanto, uma avaliação preliminar, levando em conta os fatores de risco, alerta para possível
benefício do exame para mulheres e outras pessoas que nunca fumaram. A avaliação do estado
geral de saúde e o risco de mortalidade em 10 anos completam a avaliação clínica prévia ao
check-up. Isso reforça a tentativa de evitar rastrear pessoas cuja saúde comprometida iniba a
adoção de tratamento eficaz.

Usando-se os dados de anamnese disponíveis, o RM10 calculado para Jacinto é de 46%. Ou


seja, um risco de mortalidade equivalente ao de um homem “saudável” de 80 ou 81 anos de
idade. Nesta idade, rastreamentos são, via de regra, desaconselhados em função do alto risco de
danos à saúde. Isso limita também, portanto, o tipo de intervenção que possa vir a ser
considerada para este paciente.

SOBRE O TRATAMENTO E A PREVENÇÃO

O tratamento do AAA é influenciado pelo tamanho do aneurisma e pelo risco de ruptura e


de mortalidade por causa cirúrgica. O risco de ruptura de AAA é diretamente proporcional ao
seu diâmetro (Tabela 2).

TABELA 2 Risco anual de ruptura de acordo com o diâmetro do aneurisma de aorta abdominal (AAA)
Diâmetro do AAA Risco estimado de ruptura por ano

3,0 a 3,9 cm 0%

4,0 a 4,9 cm 1%

5,0 a 5,9 cm 11%

Fonte: USPSTF

A reparação cirúrgica tem sido a opção de escolha para homens com AAA de diâmetro ≥
5,5 cm ou ≥ 4 cm cuja “velocidade” de expansão do aneurisma foi de pelo menos 1 cm em 1
ano. Recentemente, a reparação do aneurisma por via endovascular tornou-se a abordagem
mais usada em detrimento da operação a “céu aberto”. Para os pacientes rastreados com AAA
estáveis entre 3 cm e 5,5 cm, que são a grande maioria (≥ 90%), a vigilância periódica por meio
de USG é a conduta mais pertinente, pois o risco de ruptura é baixo. A reparação de aneurismas
de baixo risco de ruptura (possível sobrediagnóstico) aumenta a possibilidade de danos à saúde
e reduz os benefícios do rastreamento.

Benefícios do rastreamento

Análise combinada de vários ensaios clínicos mostra que o rastreamento é capaz de reduzir
a mortalidade por AAA principalmente em homens de 65 a 75 anos de idade, em quem a
prevalência da doença é maior. Dados desse tipo não estão disponíveis para mulheres, embora
se saiba, com base em outros estudos, que apesar do índice de rupturas ser menor, AAA
menores que 5,5 cm rompem mais comumente entre elas (60% a 70% das vezes),
principalmente após os 80 anos de idade.

Considerações sobre o tratamento cirúrgico

De modo geral, as evidências apontam que a mortalidade associada ao tratamento cirúrgico


eletivo é menor quando comparada à dos casos de ruptura que chegam aos serviços
hospitalares de emergência. Estudos com homens sugerem, também, que os potenciais danos à
saúde provocados por tratamentos mais precoces de AAA rastreados não são maiores do que
em relação aos tratamentos mais tardios. Tendência essa que se repete quando se avaliam,
também, indicadores de qualidade de vida.
Por outro lado, segundo a USPSTF, os riscos de danos decorrentes do tratamento do AAA
parecem ser maiores entre as mulheres. Isso ocorre tanto em operações a “céu aberto” quanto
endovasculares. Como o diâmetro de ruptura em mulheres tende a ser menor, o tratamento
cirúrgico pode ser indicado, da mesma forma, para aneurismas menores, com repercussão
direta no risco de danos.

Tratamento clínico

Os mecanismos de prevenção do AAA são basicamente os mesmos de qualquer outra


doença cardiovascular: atividade física regular, alimentação saudável, controle de peso,
abstenção de tabaco, uso moderado de bebida alcoólica, controle clínico da pressão arterial, da
dislipidemia e do diabete melito. Quanto ao último, vale reforçar que ele aparece em estudos
como possível fator protetor do AAA, embora não seja possível afirmar com certeza se a
proteção é dada pela doença ou pelo seu tratamento.

A indicação do rastreamento com USG duplex para o Jacinto tem bom suporte nas evidências
disponíveis sobre o assunto. O sexo masculino, a idade e o tabagismo passado aumentam o seu
risco pessoal de apresentar um AAA, embora apresente também alguns hábitos protetores. Já as
comorbidades existentes são relevantes e parecem comprometer a sua saúde em um nível crítico
para a adoção de tratamento invasivo. Portanto, tanto o rastreamento quanto as possíveis
abordagens terapêuticas dependem de decisões complexas que devem passar, necessariamente,
pela opinião e preferências pessoais de Jacinto.

CONCLUSÃO
Em conclusão, a experiência tem mostrado que o tratamento, apesar de potencialmente
agressivo, tem se aprimorado nas últimas décadas. Há evidências que sugerem redução da
mortalidade, sem piora expressiva da qualidade de vida, principalmente entre homens tratados
cirurgicamente. Não se pode concluir sobre o balanço entre benefícios e risco de danos no caso
de AAA em mulheres.

AGRADECIMENTO

Os autores agradecem a colaboração do Dr. Desiderio Favarato pela cuidadosa leitura do


texto e sugestão de melhorias.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF. Abdominal aortic aneurysm: Screening (2019).
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/abdominal-aortic-aneurysm-screening
Acesso: Maio 2021.
2. CTFPHC. Abdominal aortic aneurysm (2017). https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-
guidelines/abdominal-aortic-aneurysm/. Acesso: Maio 2021.
3. Kent KC, Zwolak RM, Egorova AA, Riles TS, Mangarano A, Moskowitz AJ, et al. Analysis of risk for
abdominal aortic aneurysm in a cohort of more than 3 million individuals. J Vasc. Surg. 2010;52:539-49.
4. Chung J. Epidemiology, risk factors, pathogenesis, and natural history of abdominal aortic aneurysm In: Up
To Date. https://www.uptodate.com/contents/epidemiology-risk-factors-pathogenesis-and-natural-history-of-
abdominal-aortic-aneurysm#subscribeMessage. Acesso: Maio 2021.
5. Suemoto CK, Ueda P, Beltrán-Sánchez, Lebrão ML, Duarte YA, Wong R, et al. Development and validation
of a 10-year mortality prediction model: Meta-analysis of individual participant data from five cohorts of
older adults in developed and developing countries. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2016 Aug 13.
6. SBACV. Projeto Diretrizes. Aneurismas da aorta abdominal diagnóstico e tratamento.
https://sbacvsp.com.br/wp-content/uploads/2016/05/aneurismas-da-aorta-abdominal.pdf. Acesso: Maio 2021.
7. Barros FS, Pontes SM, Taylor MASA, Roelke LH, Sandri JL, Jacques CM, et al.. Rastreamento do aneurisma
da aorta abdominal na população da cidade de Vitória (ES). J Vasc Br. 2005;4(1):59-65.
8. Meirelles GV, Mantovani M, Braile DM, Araújo Filho JD, Araújo JD. Prevalência de dilatação da aorta
abdominal em coronariopatas idosos. J Vasc Br. 2007;6(2). https://doi.org/10.1590/S1677-
54492007000200005.
2.2
Câncer colorretal (CCR)

PONTOS-CHAVE

A maioria dos cânceres de cólon e reto (CCR) origina-se de pólipos intestinais benignos, cujo processo de
evolução maligna é lento, permitindo o rastreio e a remoção precoce.
O CCR atinge homens e mulheres a partir dos 45 anos de idade e é responsável por cerca de 10% dos casos
novos e das mortes provocadas por câncer em todo o mundo.
Pode-se rastrear o CCR por meio de testes fecais e estudos radiográficos ou endoscópicos, isolados ou em
combinações.
O rastreamento se restringe ao indivíduo que se apresenta em condições de suportar exames invasivos e
tratamentos agressivos, após decisão compartilhada com médico(a).
A adoção de medidas preventivas, a retirada de pólipos de alto risco e o tratamento de câncer avançado detectado
por rastreamento reduzem a morbimortalidade por CCR.

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear o câncer colorretal (CCR) em homens e mulheres entre 45 e 75 anos de idade, assintomáticos, da
população geral.
Efetuar avaliação prévia de risco de CCR, usando a calculadora do NCI-NIH
(https://ccrisktool.cancer.gov/calculator.html) ou os itens da Tabela 1.
Discutir benefícios e riscos do rastreamento e as opções de tratamento do CCR, e compartilhar a decisão clínica
de rastrear ou não entre médico(a) e paciente.
Para paciente de baixo risco de CCR, solicitar PSOF-AS ou FIT-PHHF, anual.
Para paciente de alto risco de CCR, compartilhar a decisão entre colonoscopia decenal ou retossigmoidoscopia
decenal + FIT-PHHF anual.
Para paciente com idade entre 65 e 75 anos, estimar o risco de mortalidade em 10 anos (RM10), calculado pelo
Índice de Suemoto (E-prognosis), e propor rastrear apenas se RM10 < 50% e < 37%, respectivamente, em
homens e mulheres.
Rastrear antes de 45 anos apenas pacientes com relevante histórico familiar de CCR.

RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES

A CTFPHC não recomenda a coloscopia como método de rastreamento do CCR.


A US Multi-Society Task Force recomenda iniciar o rastreamento aos 45 anos de idade para adultos negros e aos
40 anos em pessoas com antecedente familiar de CCR ou 10 anos antes da idade do parente quando do
diagnóstico.
A American Association of Family Physicians não aborda o rastreamento de CCR antes dos 50 anos de idade.
A American Cancer Society, a American Association of Family Physicians e a US Multi-Society Task Force
concordam que o rastreamento de idosos de 76 a 85 anos de idade deve ser individualizado, considerando
expectativa de vida, preferências do paciente, estado de saúde e rastreamentos prévios, ou completamente
interrompido (American College of Physicians), com claro consenso de que não deve ser indicado após os 85 anos
de idade.
A American Cancer Society recomenda iniciar a avaliação do risco com definição de se há polipose adenomatosa,
história familiar de CCR, história suspeita ou confirmada de síndrome familiar associada a CCR (polipose
adenomatosa familiar ou síndrome de Lynch), história de irradiação pélvica para câncer prévio ou história pessoal
de doença inflamatória intestinal. Caso algum desses itens esteja presente, a pessoa deve ter rastreamento
individualizado. Para as demais, a sociedade recomenda rastreamento para pessoas acima de 45 anos com
exame de fezes de alta sensibilidade ou exame visual-estrutural, dependendo da disponibilidade dos testes e da
preferência do paciente. Qualquer desses exames que seja positivo deve ser seguido de colonoscopia.

Hiroshi, 68 anos, natural de Kyoto, Japão, está no Brasil há 50 anos, onde trabalhou como agricultor até há 5 anos.
Fuma 15 cigarros por dia, desde os 18 anos, e bebe 1 a 2 doses de saquê aos domingos. Tem IMC = 22 e PA = 120
x 80 mmHg. Consulta médicos com frequência devido a hepatopatia alcoólica (Child-Pugh classe B), insuficiência
cardíaca grau C e DPOC. Os últimos exames mostraram que seu quadro clínico está estável, mantendo dispneia a
médios esforços, mas sem outros novos sintomas. Anda preocupado com a possibilidade de ter câncer, pois seu
irmão morreu aos 77 anos de câncer de intestino.

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

História natural da doença

A maioria dos tumores que acometem o cólon ascendente, transverso, descendente, sigmoide e reto origina-
se a partir de pólipos benignos ou adenomatosos. A transformação maligna mais frequentemente gera
adenocarcinomas, embora até 5% dos tumores possam ser de outros tipos histológicos. O processo de
malignização de um pólipo pode levar anos, o que torna o câncer colorretal um alvo interessante para o
rastreamento, pois dispõe-se de tempo suficiente para o diagnóstico pré-clínico, que pode resultar na interrupção
da progressão e até mesmo cura.
A arquitetura glandular e o seu padrão da secreção de muco, e as diferentes formas e organização das células
definem o grau de diferenciação do adenocarcinoma. Apresenta-se inicialmente assintomático, mas com a
evolução e crescimento do tumor, pode ocasionar alguma mudança no hábito intestinal e dor abdominal.
Sangramento oculto ou visível associado à anemia é característico do câncer de cólon ascendente, enquanto que
o afilamento das fezes e a obstrução intestinal sugerem acometimento do cólon descendente e sigmoide.

Epidemiologia

No mundo, estima-se que ocorreram mais de 1.900.000 novos casos e 935.000 mortes por câncer colorretal
em 2020. Essas cifras representam, aproximadamente, 1 de cada 10 casos e também de mortes de todos os
cânceres, ranqueando o CCR no terceiro lugar em incidência e no segundo em mortalidade.
Homens e mulheres estão em risco de desenvolver esse câncer. Na América do Sul, estima-se incidência de
20 casos novos por 100.000 homens e 16 por 100.000 mulheres (2020). Cerca de 5% dos europeus
desenvolverão o tumor durante seu período de vida, 8 de cada 10 deles com idade acima de 60 anos e a metade
morrerá da doença. Os danos à saúde são também significativos na população dos EUA, onde calculou-se que
52.980 homens e mulheres morreriam de câncer colorretal em 2021 (aproximadamente 16 mortes para cada
100.000 habitantes). A faixa etária principal de diagnóstico é de 65 a 74 anos, embora 10,5% incidam antes dos
50 anos.
No Brasil, o INCA estimou em 41.010 o número de novos casos por ano para o triênio 2020-2022, divididos
quase meio a meio entre homens e mulheres. Isso equivale a cerca de 19,6 casos novos para cada 100.000
homens e 19 para cada 100.000 mulheres. Sudeste e Sul são as regiões nas quais a incidência é maior. Em 2019,
morreram 10.191 ou 9,7/100.000 homens e 10.385 ou 9,6/100.000 mulheres por câncer colorretal no país.
Fatores de proteção e risco

O CCR é um nítido marcador de desenvolvimento socioeconômico. Quanto mais desenvolvido é o país


(medido pelo Índice de Desenvolvimento Humano – IDH), maior a incidência desse câncer. Novos hábitos e
comportamentos, que vão sendo incorporados pela sociedade ao longo do processo de desenvolvimento,
parecem estar associados a esse fato. A Tabela 1 apresenta os principais fatores que elevam o risco, genéticos ou
comportamentais, e outros que protegem do CCR.

TABELA 1 Fatores que modificam o risco de câncer colorretal (CCR)

Fatores que aumentam o risco de CCR Fatores que reduzem o risco de CCR

1. Antecedente pessoal de câncer colorretal 1. Consumo regular de ácido acetilsalicílico

2. Antecedente familiar de câncer colorretal 2. Consumo regular de legumes, verduras e frutas

3. Antecedente pessoal de doença inflamatória intestinal 3. Consumo de laticínios e outros alimentos ou


suplementos ricos em cálcio

4. Antecedente pessoal de pólipo não maligno ressecado 4. Atividade física regular

5. Baixo nível de atividade física 5. Controle do peso corporal

6. Baixo consumo de legumes, verduras e frutas

7. Alto consumo de carne vermelha

8. Obesidade

9. Tabagismo

SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO

O Sr. Hiroshi é originário de um país de IDH muito alto e viveu seus 50 últimos anos em um país considerado de
IDH alto, o Brasil. A sua idade atual, o tabagismo e o antecedente familiar aumentam o risco de CCR, tornando-o
um candidato a rastreamento. Por outro lado, por sua origem cultural e o fato de ter trabalhado como agricultor, é de
se supor que a sua dieta seja saudável e com alimentos protetores. Como, além de tudo, o seu estado de saúde
inspira cuidados, ainda não é possível saber quão útil lhe seria rastrear a neoplasia, com base apenas em dados
epidemiológicos ou de morbimortalidade do CCR.

Poucas doenças apresentam tantas opções de rastreamento quanto o CCR. Algumas são laboratoriais, menos
invasivas [pesquisa de sangue oculto nas fezes de alta sensibilidade (PSOF-AS), testes imunoquímicos fecais
(FIT) para pesquisa de hemoglobina humana – PHHF, pesquisa de DNA tumoral nas fezes] e outras, de
visualização, mais invasivas [colonografia por tomografia computadorizada – TC, retossigmoidoscopia flexível
e colonoscopia). Combinações de testes laboratoriais, entre si, e destes com exames de visualização também são
opções. Ensaios clínicos randomizados têm mostrado que tanto testes fecais quanto de avaliação estrutural
associam-se a redução de mortalidade.

Testes fecais

Em relação aos testes laboratórios fecais, vários ensaios clínicos usando PSOF1 convencional mostraram
queda significativa da mortalidade em indivíduos rastreados, quando comparados a não rastreados. Atualmente,
dispõe-se de versão de alta sensibilidade (AS) desse teste. Além dele, testes imunoquímicos capazes de detectar
a presença da hemoglobina humana nas fezes (FIT-PHHF) também já se mostraram eficazes na redução da
mortalidade. Por último, a pesquisa de traços de DNA tumoral eliminados nas fezes (DNAf) parece promissora,
principalmente se associada a algum teste imunoquímico (DNAf-FIT).
A sensibilidade e a especificidade de cada um desses testes no diagnóstico pré-clínico do CRC e de
adenomas com grau avançado de displasia variam consideravelmente entre eles (Tabela 2). Diferem, também,
na quantidade e volume de amostra a ser coletada, enquanto o PSOF-AS é o único a exigir restrição dietética
antes da coleta (p.ex., evitar consumo de carne vermelha). O FIT-PHHF parece ser, dentre todos, aquele capaz
de obter maior adesão dos pacientes. Nenhum dos testes laboratoriais traz risco de dano direto à saúde, exceto,
basicamente, em caso de falso-negativo. Mas podem induzir problemas futuros, durante a investigação dos
resultados positivos com colonoscopia.
Importante: ao contrário do que ainda se observa na prática clínica, a pesquisa de sangue ou hemoglobina
nas fezes não é motivo para a suspensão de medicamentos que diminuam a coagulação sanguínea. Estudos
recentes mostram que a sua manutenção tende, inclusive, a aumentar a sensibilidade do método no diagnóstico
pré-clínico de neoplasias malignas ou pré-malignas.

Exames endoscópicos

Os exames de imagem e endoscópicos permitem a visualização do reto e dos cólons: a retossigmoidoscopia


se restringe ao reto, sigmoide e cólon descendente, enquanto a colonografia por TC e a colonoscopia, em geral,
permitem acesso a todo o intestino grosso e porção final do delgado.

TABELA 2 Sensibilidade, especificidade e material de coleta dos testes laboratoriais

Método Câncer colorretal Adenoma avançado Coleta

Sensibilidade Especificidade Sensibilidade Especificidade


PSOF-AS 50-75% 96-98% 6-17% 96-98% 3 amostras com
restrição dietética

FIT-PHHF 75% 96 23% 96 1 amostra sem


restrição dietética

DNA-FIT 93% 84% 43% 89% 1 evacuação completa


sem restrição dietética

Retossigmoidospia flexível (RSF) é um exame endoscópico que permite a detecção dos cânceres e
adenomas avançados do reto, sigmoide e cólon descendente, onde se localiza a maioria dos tumores do intestino
grosso, mas não todos. Apesar disso, estudos mostram ser a RSF capaz de reduzir a mortalidade, embora o
número de anos de vida ganhos com essa estratégia de rastreamento aumente se for associado ao FIT-PHHF.2
Em comparação à colonoscopia, exige preparo intestinal menos agressivo, menor infraestrutura de apoio para a
sua execução e apresenta menor risco de complicações pós-endoscópicas. Uma constatação recente indica que a
disponibilidade e o acesso à retossigmoidoscopia têm diminuído em comparação aos outros exames de
visualização.

Colonografia por tomografia computadorizada

A colonografia por tomografia computadorizada (TC) (também conhecida por colonoscopia virtual ou
colografia por TC) fornece uma perspectiva endoluminal simulada por computador do cólon distendido cheio de
ar. A técnica usa um grande volume de imagens convencionais de TC e emprega um software de pós-
processamento sofisticado para gerar imagens bi e tridimensionais que permitem ao operador avaliar o cólon,
desde que limpo, em qualquer direção escolhida.
A colonografia por TC parece já ter apresentado uma boa performance no diagnóstico pré-clínico de lesões
malignas (sensibilidade de 86% a 100%) ou adenomatosas iguais ou maiores que 10 mm (sensibilidade de 89%
e especificidade de 94%), em toda a extensão do intestino grosso. Entretanto não há evidência disponível sobre
o seu impacto preventivo e deve ser evitada como estratégia de rastreamento para pessoas de alto risco de
neoplasia colorretal, sendo muito discutível seu benefício para outros subgrupos de pacientes. Se por um lado a
colonografia por TC facilita a visualização de alterações extraintestinais, por outro, essa sua capacidade pode
gerar procedimentos e intervenções desnecessárias, em caso, por exemplo, de incidentalomas. Trata-se também
de um estudo radiológico que exige preparo intestinal, cujo volume residual do agente laxativo usado pode
prejudicar a identificação de pólipos.

Colonoscopia

No caso de resultados que sugiram a existência de lesões malignas ou pré-malignas, a colonoscopia é


necessária. Esse exame (não necessariamente de rastreamento) é considerado o padrão-ouro para o diagnóstico
de doenças do intestino grosso, além de permitir outras intervenções simultâneas, como, por exemplo, biópsia
para estudo histopatológico, ressecção de pólipo, mucosectomia, cauterização de vasos. Estudos de coorte já
demonstraram redução da mortalidade em pacientes rastreados por colonoscopia.
Apesar de seus evidentes benefícios (sensibilidade de até 95% e especificidade de 89% no diagnóstico pré-
clínico de adenomas iguais ou maiores de 10 mm), a colonoscopia é um exame invasivo, que depende de
estrutura complexa para sua realização (clínica especializada ou hospital), possível internação hospitalar,
preparo intestinal agressivo e anestesia ou sedação. Danos diretos à saúde podem incluir desidratação,
hemorragia e até mesmo perfuração intestinal. Indiretamente, pode causar infecção ou descompensar doenças
preexistentes. A CTFPHC, em recomendação de 2016, contraindicou, explicitamente, a colonoscopia como
método de rastreamento no Canadá.
A Tabela 3 apresenta os métodos disponíveis para rastreamento do CCR, a periodicidade sugerida, sua
efetividade e limitações, vantagens e desvantagens para os pacientes, assim como uma ideia relativa de custo de
cada um deles.

TABELA 3 Características comparativas dos exames de rastreamento do câncer colorretal (CCR)

Intervalo Evidência de Vantagens e


Exames Limitações Custos
recomendado efetividade desvantagens
Testes fecais

Pesquisa de Anual Evidência Dificuldade de Pode ser feito Baixo custo


hemoglobina indireta de adesão à em casa
humana nas fezes
redução da realização anual Possibilidade
(PHHF) por teste
mortalidade Menos efetivo de amostra
imunoquímico fecal
(FIT) de alta Desempenho para detecção de única
sensibilidade igual ou adenomas Sem restrições
superior à avançados de dieta ou
PSOF medicações
Variabilidade
no
desempenho
de acordo
com
fabricante,
lote e versão

Pesquisa de sangue Anual Boa evidência Dificuldade de Pode ser feito Baixo custo
oculto nas fezes de ECCR com adesão à em casa
(PSOF) por teste do
redução da realização anual Múltiplas
guaiaco de alta
mortalidade Menos efetivo amostras
sensibilidade
para detecção de Restrição
adenomas dietética e de
avançados medicações
Maior taxa de
falso-positivos,
levando a
mais
colonoscopias

Pesquisa de DNAf A cada 3 Evidência Teste novo que Pode ser feito Maior custo
tumoral + teste anos indireta de precisa ser em casa em
imunoquímico nas
redução da monitorizado Mais falso- comparação
fezes (FIT)
mortalidade positivos aos outros
testes fecais

Avaliação visual/estrutural
TABELA 3 Características comparativas dos exames de rastreamento do câncer colorretal (CCR)

Intervalo Evidência de Vantagens e


Exames Limitações Custos
recomendado efetividade desvantagens
Testes fecais

Colonoscopia A cada Evidência Risco de Necessidade Maior custo


10 anos (não ECCR) perfuração de limpeza
de redução de intestinal e completa dos
incidência e complicações cólons
de cardiopulmonares Necessidade
mortalidade relacionadas à de sedação
Oferece anestesia
detecção Depende da
precoce e preparação
prevenção adequada do
através da cólon
polipectomia Menor
sensibilidade
para o cólon
proximal

Colonografia por A cada 5 Sensibilidade Achados Necessita de Alto custo


tomografia anos e incidentais preparo
computadorizada
especificidade extracolônicos colônico com
para câncer e podem requerer limpeza
adenomas investigação completa
avançados adicional que não Colonoscopia
comparável à necessariamente será
colonoscopia será benéfica necessária se
Exposição a o teste for
radiação, mesmo positivo, com
que de baixa necessidade
dose de segundo
preparo dos
cólons

Retossigmoidoscopia A cada 5 Evidência Não examina o Dor e Custo menor


flexível anos direta de cólon proximal desconforto que
redução da Preparo colonoscopia
mortalidade menos
intenso, mas
requer enema
Anormalidades
vão exigir
colonoscopia
complementar

ECCR: ensaio clínico controlado randomizado.


Fonte: adaptada de Wolf et al, 2018.

Recomendações atuais sobre avaliação de risco e rastreamento

Em 2021, a USPSTF atualizou a sua recomendação para o check-up do CRC, ampliando a faixa etária dos
candidatos, dos 45 anos até, possivelmente, acima de 75 anos de idade, dependendo das suas condições gerais
de saúde. Como em recomendação anterior, foi mantida “em aberto” a escolha do método de abordagem por
testes laboratoriais fecais ou de visualização, ou alguma combinação entre eles. As possibilidades de estratégias
de rastreamento sugeridas pela USPSTF são:
PSOF-AS ou FIT-PHHF a cada ano.
DNAf-FIT a cada 1 a 3 anos.
Colonografia a cada 5 anos.
Sigmoidoscopia flexível a cada 5 anos.
Sigmoidoscopia flexível a cada 10 anos + FIT-PHHF a cada ano.
Colonoscopia de rastreamento a cada 10 anos.

Entretanto, a escolha de alguma dessas opções é influenciada por diversos fatores. São eles:

A. disponibilidade e facilidade de acesso aos exames laboratoriais fecais e de visualização;


B. risco individual de cada homem ou mulher candidato(a) ao rastreamento apresentar o CRC ou adenoma
avançado;
C. estado geral de saúde da pessoa e sua possível estimativa de sobrevida (ou risco de morte) em 10 anos, no
momento do check-up;
D. preferências e valores pessoais do(a) paciente.

Obviamente, contextos de atenção à saúde nos quais a disponibilidade de exames mais sofisticados do ponto
de vista técnico é menor devem direcionar a escolha para os testes mais simples e que estejam disponíveis. Isso
deve, inclusive, reduzir o custo do rastreamento com a racionalização da solicitação de colonoscopias para os
casos já rastreados por outro método.
Do mesmo modo, uma avaliação prévia da história familiar de CRC em parentes de primeiro grau (pais ou
filhos), antecedentes pessoais de doença neoplásica ou inflamatória intestinal e hábitos de estilo de vida, que
aumentem ou diminuam a probabilidade individual de desenvolver CRC (Tabela 1), pode ajudar a direcionar a
escolha entre exames menos ou mais invasivos, sem que haja prejuízo da capacidade de diagnóstico pré-clínico.
Para essa etapa, existem também calculadoras que podem servir como mais um apoio à decisão médica
como, por exemplo, a Colorectal Cancer Risk Assessment Tool do National Institute of Health – National
Cancer Institute (NIH-NCI) estadunidense. O cálculo de risco não substitui os exames de rastreamento
recomendados para o seu público-alvo, mas pode ajudar a direcionar a escolha do método de abordagem e a
frequência de repetições.
O mesmo pode-se dizer da avaliação do estado de saúde da pessoa consultada. Todo esse cuidado se deve ao
fato do rastreamento do CRC implicar em exames diagnósticos e tratamentos que podem impor alguns riscos à
saúde. Além de uma discussão aberta com o paciente, uma outra ferramenta de sondagem da sua condição
clínica, usada com a necessária cautela, pode auxiliar a chegar a uma decisão compartilhada sobre o
rastreamento.
O E-prognosis é uma plataforma que contém um questionário validado em serviço de geriatria brasileiro
que, baseado em estudos epidemiológicos, permite o cálculo do Índice de Suemoto. Este fornece uma ideia do
risco de morte em 10 anos de pacientes com as mesmas características clínicas do(a) paciente examinado(a),
tendo em conta apenas a morbidade já existente, isto é, sem que uma nova intervenção ativa sobre a sua saúde
seja tomada. Como o câncer de cólon e reto atinge, principalmente, homens e mulheres da faixa geriátrica
(acima de 65 anos), a sua aplicação a partir dessa idade é recomendável.

Segundo o Índice de Suemoto (E-Prognosis), pessoas como o Sr. Hiroshi teriam em torno de 65% de chance de
morrer em 10 anos, por conta do estado de saúde atual. A título de comparação, uma pessoa da mesma faixa etária
e sexo do Sr. Hiroshi, no melhor da sua condição física e de saúde, pelo Índice de Suemoto, teria um risco previsto
de morrer em 10 anos por volta de 16% a 24%. Caso venha a ser diagnosticado um CRC, qual seria a sua
capacidade de suportar a cirurgia, o pós-operatório, a quimioterapia ou radioterapia subsequentes?

Considerações para a decisão

Apesar das várias opções de estratégias de rastreamento de CCR disponíveis, a escolha não é uma tarefa
fácil. Testes laboratoriais têm boa aderência, são mais simples, baratos, e sem efeitos adversos diretos à saúde,
mas perdem em sensibilidade diagnóstica, principalmente no caso de adenoma avançado, o que implica em
repetições frequentes do teste. A colonografia por TC parece ainda depender de confirmação da sua validade
como meio de check-up. A retossigmoidoscopia é um exame capaz de detectar a maioria dos CCR, sem grandes
efeitos colaterais, mas está cada vez mais indisponível na rede de saúde. A colonoscopia, por todas as suas
características, parece ser um método mais adequado a rastrear pacientes em situação de maior risco ao CCR e
para confirmação de diagnóstico já rastreado e possível intervenção terapêutica.
Em suma, o balanço entre possíveis benefícios (aumento da sobrevida pelo diagnóstico pré-clínico) e danos
à saúde (agravo de morbidade prévia, infecção, hemorragia, perfuração intestinal) desencadeados pelos métodos
de rastreamento depende da idade do paciente, dos fatores de risco aos quais está exposto e do método usado
para rastrear o CCR. Ferramentas paralelas de estimativa de risco da doença e de sobrevida em 10 anos auxiliam
a definir a frequência do rastreio e a viabilidade da pessoa suportar exames ou tratamentos agressivos.

SOBRE O TRATAMENTO E A PREVENÇÃO

Importância do diagnóstico precoce

Genericamente, seguindo a classificação TNM (Tumor - Nódulos - Metástases) e de acordo com a gravidade
de cada caso, a American Cancer Society (ACS) relaciona os seguintes possíveis tratamentos para o CCR:
cirurgia, quimioterapia adjuvante, radioterapia adjuvante e neoadjuvante, terapia-alvo, imunobiológicos e, além
desses, para tumores recorrentes e metástases a distância, também quimioterapia, ablação, quimioterapia intra-
arterial.
A ressecção cirúrgica da neoplasia é o tratamento de escolha, capaz de levar à cura em até 50% dos casos de
CCR localizados. O prognóstico dos pacientes com CCR está relacionado ao grau de penetração do tumor na
parede intestinal, à presença de gânglios acometidos e de metástases a distância. Níveis basais elevados de
antígeno carcinoembriônico (CEA) e obstrução ou perfuração intestinal são sinais de mau prognóstico.
O indicador de desfecho mais importante após a ressecção do CCR é o seu estágio de apresentação
histopatológica. A Figura 1 ilustra os dados de sobrevida em 5 anos derivados de pacientes acompanhados após
diagnóstico e tratamento de CCR classificados pelo critério TNM.
Com base no gráfico, percebe-se que para CCR graus I, IIA e IIIA, isto é, tumores com algum grau de
invasão local e até possível comprometimento de gânglios regionais, a sobrevida varia de 65% a 75% dos
pacientes após 5 anos de acompanhamento. Isso demonstra que indivíduos com cânceres colorretais
diagnosticados e tratados precocemente têm alta chance de sobrevida de longo prazo.
Com o rastreamento e a oportunidade de identificar lesões pré-malignas em pólipos intestinais, ampliam-se
ainda mais as chances de sobrevida. Os pólipos intestinais podem ser pedunculados, sésseis ou planos.
Histopatologicamente, afora os malignos, há os inflamatórios, hiperplásicos ou adenomas tubulares, vilosos ou
tubulovilosos. Segundo os tipos celulares, as formas pré-cancerosas podem apresentar-se sem atipias
(displasias) ou com atipias leves, moderadas ou acentuadas. O risco de malignização é proporcional ao grau de
atipia encontrado.
FIGURA 1 Sobrevida de pacientes tratados de diferentes estágios de CCR (UpTo-Date, 2021).

Todo e qualquer pólipo identificado deve ser ressecado, quando possível, ou ser alvo de biópsia. Ambos os
procedimentos, em geral, são realizados por colonoscopia de rastreamento ou indicada a partir do resultado de
outro exame prévio. O tipo histopatológico encontrado vai definir a conduta a ser tomada e orientar a
periodicidade de exames de acompanhamento e novos ciclos de rastreamento.
Uma parte dos pacientes rastreados positivamente para CCR não invasivo ou adenoma avançado será
submetida a procedimento por via endoscópica com boa capacidade resolutiva. Entretanto, além da repetição
periódica da colonoscopia, de acordo com o tipo histológico e grau de atipia, eles devem ser aconselhados,
também, a adotar hábitos que ajudem na prevenção de novos pólipos.

Medidas de prevenção

Tentar manter o peso na faixa normal; consumir verduras, frutas, legumes, grãos integrais e laticínios; evitar
gordura animal e excesso de bebida alcoólica; praticar atividade física regular e evitar o tabaco, são medidas
gerais de autopromoção da saúde. O uso diário de ácido acetilsalicílico (AAS) ainda é recomendado pela
USPSTF para prevenir o CCR em pacientes de alto risco cardiovascular simultâneo.
CONCLUSÃO
No geral, os tratamentos disponíveis e o controle periódico dos doentes, cujo diagnóstico de CCR é feito em
fases precoces de câncer ou de adenomas pré-cancerosos, têm grande chance de promover ganho real em termos
de anos de vida. O método de rastreamento, escolhido consensualmente entre médico(a) e paciente, se for
compatível com o risco de adoecimento, o estado de saúde atual e a expectativa de sobrevida da pessoa, tende a
tornar o balanço entre os benefícios e os danos possíveis do rastreio do CCR favorável à sua realização.

Conhecer as possibilidades de tratamento e prevenção pode ser importante para o Sr. Hiroshi, pois na sua situação
clínica atual, com alto risco de mortalidade em 10 anos (65%, cerca de 4 vezes maior que o mínimo para a sua faixa
etária e sexo), não é certeza que ele teria condições de se submeter a qualquer tipo de tratamento, inclusive por
colonoscopia, sem sofrer novos efeitos adversos à sua já comprometida saúde. É de se pensar, também, e parece
improvável, no caso dele em especial, que um tratamento mais agressivo, com todas as suas complicações e
efeitos colaterais, seria capaz de promover um ganho substancial de anos de vida com qualidade. As estratégias
preventivas, por outro lado, podem ser consideradas, inclusive o uso do AAS.

AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Dr. Jorge Sabbaga pela cuidadosa leitura do texto e sugestão de
melhorias.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. CTFPHC – Canadian Task Force on Preventive Health Care. Colorectal cancer (2016).
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/colorectal-cancer/. Acesso: Maio de 2021.
2. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Colorectal cancer: screening (2021).
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/colorectal-cancer-screening. Acesso: Maio de 2021.
3. Association of European Cancer Leagues – ECL. European code against cancer: about cancer screening.
https://www.europeancancerleagues.org. Acesso: Maio de 2021.
4. Unites States of America. National Institute of Health (NIH). National Cancer Institute (NCI). Colorectal Cancer Risk
Assessment Tool. https://ccrisktool.cancer.gov/calculator.html. Acesso: Maio de 2021.
5. Rodriguez-Bigas MA, Grothey A. Overview of the management of primary colon cancer. In: Up To Date.
6. National Cancer Institute. PDQ Colon Cancer Treatment – Health Professional Version.
https://www.cancer.gov/types/colorectal/hp/colon-treatment-pdq. Acesso: Março de 2021.
7. National Cancer Institute. PDQ Rectal Cancer Treatment – Health Professional Version.
https://www.cancer.gov/types/colorectal/hp/rectal-treatment-pdq#_43. Acesso: Março de 2021.
8. Dixon MF. Gastrointestinal epithelial neoplasia: Vienna revisited. Gut. 2002 Jul;51(1):130-1.
9. Levine MS, Yee J. History, evolution, and current status of radiologic imaging tests for colorectal cancer screening. Radiology.
2014 Nov;273(2 Suppl):S160-80.
10. Wolf AMD, Fontham ETH, Church TR, Flowers CR, Guerra CE, LaMonte SJ, et al. Colorectal cancer screening for average-risk
adults: 2018 guideline update from the American Cancer Society. CA Cancer J Clin. 2018 Jul;68(4):250-81.
11. Biccler J, Bollaerts K, Vora P, Sole E, Rodriguez LAG, Lanas A, et al. Public health impact of low-dose aspirin on colorectal
cancer, cardiovascular disease and safety in the UK – Results from micro-simulation model. Int J Cardiol Heart Vasc. 2021 Aug
3;36:100851.
12. Helsingen LM, Kalager M. Colorectal cancer screening — approach, evidence, and future directions. NEJM Evid. 2022;1(1).
2.3
Câncer de colo de útero

PONTOS-CHAVE

O câncer de colo uterino ainda é bastante incidente e prevalente, principalmente em países em


desenvolvimento, sendo a quarta causa de mortes femininas por câncer.
O vírus do papiloma humano (HPV) é o principal agente envolvido na gênese desse câncer, e a
evolução para malignidade é lenta e progressiva ao longo de vários anos.
A implementação em larga escala do teste de Papanicolaou mudou a história natural do câncer
de colo de útero, com drástica redução da morbimortalidade feminina.
Técnicas de biologia molecular para detecção do HPV podem auxiliar no rastreamento ou na
confirmação diagnóstica de casos rastreados pelo teste de Papanicolaou.
Além de ser prevenido por meio da vacina contra o HPV, que é segura e eficaz, mas de
cobertura ainda insuficiente, a taxa de cura do câncer de colo uterino é de até 95%.

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear o câncer de colo de útero em todas as mulheres da população geral, de 25 a 64 anos


de idade, assintomáticas, com histórico de contato sexual em qualquer momento da vida e que
tenham colo uterino.
Utilizar o teste de Papanicolaou, repetido a cada 3 anos, como método de rastreamento
preferencial.
Para mulheres acima de 30 anos, avaliar a combinação do teste de Papanicolaou com a
detecção de subtipos oncogênicos do HPV por biologia molecular, a cada 5 anos.
Para mulheres com 65 anos ou mais, interromper o rastreamento após 2 testes negativos
repetidos nos últimos 5 anos.

RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES


A American Cancer Society, a American Society for Colposcopy and Cervical Pathology e a
American Society for Clinical Pathology indicam: rastreamento a partir dos 21 anos de idade;
mulheres com histórico de câncer cervical, imunodeficiência e exposição ao dietilestilbestrol
podem ser submetidas a repetições dos testes em períodos menores de 3 anos; em caso de
NIC 2 ou superior deve-se continuar o rastreio por mais 20 anos após o último teste alterado
(mesmo após os 65 anos).
A American Society for Colposcopy and Cervical Pathology e a American College of
Obstetricians and Gynecologists, em orientações de 2015 e 2016, respectivamente, sugerem a
possibilidade de rastrear apenas com pesquisa de HPV, a partir dos 25 anos de idade.

Erina, 63 anos, dona de casa, viúva, mãe de 5 filhos, evangélica, moradora do interior do Pará,
procura o posto de saúde para ver como estão o diabete, a pressão alta e o hipotireoidismo, que
ela trata há 20 anos. A médica nova da UBS pergunta se ela sente alguma coisa, o que ela nega,
e verifica o prontuário para preencher o pedido dos exames de rotina. Curiosa, ela quer saber por
que o último Papanicolaou da paciente foi há 13 anos. Erina responde que achava que mulher
viúva não precisava mais fazer.

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

Epidemiologia

O câncer de colo uterino mais comum é do tipo epidermoide, ou seja, das células
escamosas do epitélio cervical, que representa cerca de 90% dos casos diagnosticados. Os
restantes 10% são adenocarcinomas originados nas glândulas epiteliais. Ambos os tipos
associam-se a infecções por variantes oncogênicas do papilomavírus humano (HPV),
principalmente o HPV-16 e o HPV-18.
A doença é ainda bastante incidente e prevalente no mundo, onde são diagnosticados
aproximadamente 570 mil casos novos e registrados 311 mil óbitos por ano, sendo o quarto
tipo de câncer mais comum e mais mortal entre as mulheres. Tanto incidência e prevalência
quanto mortalidade são maiores em países em desenvolvimento, que concentram cerca de 80%
das mortes por este câncer em todo o planeta.
Nos EUA, em 2015, morreram cerca de 2,3 de cada 100.000 mulheres por causa dessa
neoplasia, número que vem em queda progressiva nas últimas décadas. No Brasil, em 2019, ela
provocou 6.596 óbitos, o equivalente a uma taxa de mortalidade específica de 5,3 óbitos por
100.000 mulheres. As regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste apresentam as maiores taxas de
incidência e mortalidade do país (Figura 1).
FIGURA 1 Taxas de mortalidade por câncer do colo do útero. Brasil e regiões, 1980 a 2019. Fonte:
Instituto Nacional do Câncer, 2021.

Fatores de risco

Estima-se que 80 de cada 100 mulheres sexualmente ativas entram em contato com o HPV
em algum momento da vida. A evolução da infecção para estágios mais avançados de doença
depende, todavia, de fatores associados como, por exemplo, idade de início da atividade sexual,
número de parceiros, frequência de relações sexuais, múltiplas gestações, vulnerabilidade
econômica e social e tabagismo (Tabela 1).
O câncer do colo do útero é raro em mulheres com até 30 anos e o pico da incidência se dá
na faixa etária de 45 a 50 anos. Algumas situações específicas podem elevar a chance de
desenvolvimento do câncer, a saber: infecção por HIV, baixa imunidade, exposição intrauterina
ao dietilestilbestrol de mulheres nascidas antes de 1971, e tratamento prévio de lesão pré-
cancerosa com displasia de alto grau. Nesses casos, cabe aos especialistas avaliar a necessidade
e a periodicidade de rastrear o câncer.

TABELA 1 Fatores que elevam o risco de câncer de colo de útero

1. Início precoce de atividade sexual

2. Múltiplos parceiros sexuais

3. Grande número de relações sexuais

4. Múltiplas gestações

5. Vulnerabilidade econômica e social

6. Tabagismo
TABELA 1 Fatores que elevam o risco de câncer de colo de útero

7. Infecção por HIV

8. Baixa imunidade geral

9. Exposição intrauterina ao dietilestilbestrol

10. Tratamento prévio de lesão pré-cancerosa de alto grau

História natural da doença

Analisando-se o curso da infecção cervical pelo HPV observa-se que, na maioria das vezes,
ela é autolimitada, desaparecendo entre seis meses e dois anos após a exposição ao vírus. Se o
HPV for de algum subtipo oncogênico, pode persistir e causar displasias ou neoplasias
intraepiteliais cervicais (NIC) graus 1, 2 ou 3, adenocarcinomas in situ, ou cânceres –
circunscritos, invasivos ou metastáticos. Essa evolução, em geral, se desenrola
“silenciosamente” por vários anos.
A progressão lenta da neoplasia, até se tornar clinicamente identificável, é uma
característica favorecedora da eficácia do rastreamento. Esse tipo de manifestação crônica, com
longo período pré-clínico, oferece várias oportunidades de diagnóstico de lesões pré-cancerosas
ou câncer não invasivo, cujos tratamentos podem, por sua vez, ser adaptados aos achados
colpo-cito-histopatológicos e apresentar desfechos resolutivos.

Erina é uma senhora preocupada com a sua saúde pessoal. Seus hábitos de vida, até onde se
sabe, parecem ser bem controlados. Entretanto, ela foi casada, teve vários partos e, mesmo que
tenha mantido relações sexuais apenas com seu falecido marido, é impossível afirmar que ela
não tenha sido infectada pelo HPV. Além disso, ela vem da região do país com a maior taxa de
incidência e mortalidade de câncer de colo de útero, o que, possivelmente, está relacionado a
condições socioeconômicas e de vida menos favoráveis. O fato de estar assintomática também
não exclui a possibilidade de ter um tumor, pois a evolução, como se sabe, pode levar muito
tempo até que surjam sinais ou sintomas.

Segundo a OMS, com uma cobertura de rastreamento da população-alvo de, no mínimo,


80% e a garantia de diagnóstico e tratamento adequados dos casos alterados, é possível reduzir,
em média, de 60 a 90% a incidência do câncer cervical invasivo. Em consequência, a
mortalidade também está inversamente relacionada à ampliação da cobertura do check-up entre
as mulheres.

SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO

Citologia oncótica

O teste de Papanicolaou foi desenvolvido em 1940 por Georgios Papanikolaou. Difundiu-se


rapidamente, chegando a outros continentes em pouco tempo, inclusive à América do Sul e ao
Brasil. Programas mais organizados de aplicação dos testes de citologia oncótica cervical,
entretanto, tomaram corpo apenas a partir das décadas de 1950 e 1960.
O teste consiste no estudo citopatológico de material colhido, com uma espátula ou escova
de haste longa, da região endocervical e seu entorno externo. O método convencional prevê a
coleta e o esfregaço do material diretamente em lâmina para, após fixação, proceder ao estudo
microscópico. Uma alternativa é a escova de coleta ou a ponta da espátula ser mergulhada em
um frasco com meio líquido contendo conservante (Figura 2). Ambos os métodos contam com
sensibilidade (entre 75% e 80%) e especificidade (acima de 95%) semelhantes e podem ser
usados indistintamente.

FIGURA 2 Ilustração da manobra de coleta e tipos de testes de Papanicolaou, por esfregaço direto
(3) e meio líquido (4).

Atualmente, o resultado do teste de Papanicolaou é apresentado de acordo com as


características das células encontradas, como:

Normal: observa-se ausência de atipia nas células analisadas (negativo para pré-
malignidade ou malignidade).
ASCUS (Atypical Squamous Cells of Undetermined Significance): é a alteração mais
comumente encontrada. Células escamosas atípicas estão presentes, porém não se pode
afirmar que há sinais de pré-malignidade ou malignidade nas mesmas. Pode estar
associado a infecções, inflamações ou à atrofia vaginal da menopausa.
LSIL (Low-grade Squamous Intraepithelial Lesion): indica uma displasia branda, uma
lesão pré-maligna com baixo risco de ser câncer. A LSIL pode desaparecer após 1 ou 2
anos ou equivaler a NIC 1 no histopatológico. Mais raramente, pode representar NIC 2 ou
NIC 3. O risco de ser câncer é de cerca de 0,1%.
ASCH (Atypical Squamous Cells – H): trata-se de uma descrição pela qual o patologista
indica que células escamosas atípicas foram encontradas e que não se pode descartar a
possibilidade de apresentarem alto grau de atipia.
HSIL (High-grade Squamous Intraepithelial Lesion): essa alteração corresponde a
aberrações em tamanho e forma das células escamosas. Esse achado sugere a presença de
lesões pré-cancerosas dos tipos NIC 2 ou NIC 3, ou mesmo câncer instalado (risco de
7%), ao exame histopatológico.
AGUS (Atypical Glandular Cells of Undetermined Significance): presença de células
glandulares atípicas do epitélio cervical, nas quais não é possível definir existência de
alterações malignas.

Na Tabela 2 estão correlacionados os achados citológicos e histológicos, conforme as


principais classificações já adotadas para a apresentação dos resultados.
TABELA 2 Nomenclatura citopatológica e histopatológica e suas equivalências
Classificação citológica de Classificação histológica de Classificação Citológica Brasileira
Papanicolaou (1941) Richards (1967) (2006)

Classe I – –

Classe II – Alterações benignas

– – Atipias de significado
indeterminado
ASCUS e AGUS

Classe III NIC 1 LSIL


NIC 2 e NIC 3 ASC-H e HSIL

Classe IV NIC 3 HSIL


Adenocarcinoma in situ (AIS)

Classe V Carcinoma invasor Carcinoma invasor

Fonte: adaptada de INCA, 2016.

Ao longo dos últimos 60-70 anos, o teste de Papanicolaou tem sido o principal meio usado
para rastrear o câncer de colo uterino. Após o seu advento, observou-se uma queda dramática
na incidência, prevalência e mortalidade de mulheres por esse câncer. Isso ocorreu
notadamente em países desenvolvidos, nos quais programas de rastreamento foram
implantados com base em boa qualidade metodológica e alta cobertura, e complementados pelo
tratamento e seguimento das rastreadas positivamente.
O teste de Papanicolaou é relativamente simples, barato, de fácil execução, tem boa
acurácia e reprodutibilidade, além de disponível e de amplo acesso tanto na rede pública quanto
privada de saúde. O desconforto e o constrangimento, no momento da coleta de material para
exame, são barreiras para algumas mulheres. Porém, a adesão ao procedimento cresceu na
medida em que os testes passaram a fazer parte da cultura do cuidado com a saúde feminina,
impulsionado pelos bons resultados obtidos na prática da prevenção do câncer.

Métodos moleculares

No início da década de 1980, DNA do HPV foi identificado em células cancerosas de colo
uterino e estabelecida a associação causal daquele vírus com esses tumores. Mais
recentemente, testes moleculares para detecção da presença de subtipos de vírus de alto risco
oncogênico (hrHPV) foram desenvolvidos, usando métodos como: amplificação de ácido
nucleico (NAAT), polymerase chain reaction (PCR), captura híbrida e hibridização in situ. Os
testes podem ser feitos nas mesmas amostras de material cervical conservadas em meio líquido
do teste de Papanicolaou não convencional.
Comparada à citologia oncótica, a detecção dos subtipos virais apresenta um leve
incremento em sensibilidade e especificidade no diagnóstico das alterações pré-malignas
(principalmente, NIC 2 e NIC 3) e malignas do câncer de colo uterino, mas sem repercussão
significativa em anos de vida ganhos. Por essa razão, ele passou a ser preconizado
isoladamente ou, preferencialmente, em conjunto com o teste de Papanicolaou, como
alternativa de rastreamento.

Recomendações atuais
Atualmente, algumas entidades internacionais (inclusive a USPSTF) concordam em iniciar
o rastreio de câncer do colo uterino aos 21 anos de idade, baseando-se na baixa prevalência e
crescimento lento do tumor em adolescentes e jovens adultas. Entre 21 e 29 anos, recomendam
a realização de Papanicolaou a cada 3 anos.1 Entre 30 e 64 anos, pode-se escolher alguma
dentre três opções:

A. Papanicolaou a cada 3 anos,


B. detecção de hrHPV a cada 5 anos ou
C. Papanicolaou + hrHPV a cada 5 anos.2

A partir dos 65 anos, a recomendação é manter o rastreamento apenas para as mulheres que
necessitarem cumprir o critério de suspensão: 2 testes sequenciais negativos nos últimos 10
anos.
O MS brasileiro, por intermédio do Instituto Nacional do Câncer (INCA), adota a idade de
25 anos para deslanchar o rastreamento em mulheres que já tiveram relações sexuais. O
argumento é que antes dessa idade a incidência do câncer é muito rara e as alterações
citológicas, quando encontradas, são indeterminadas ou de baixo grau (LSIL) e têm grande
chance de regressão completa. Ou seja, o rastreamento antes dos 25 anos tende a acarretar mais
colposcopias, tratamentos desnecessários e maior risco de morbidade futura (p. ex.,
incompetência cervical e parto prematuro), sem benefícios palpáveis. O INCA recomenda não
rastrear mulheres com menos de 25 anos.
Entre 25 e 64 anos, o INCA indica apenas a citologia oncótica como método, repetida a
cada 3 anos, após 2 primeiras anuais negativas. A ideia de repetir o teste um ano após o início
do rastreamento seria para evitar um falso-negativo inicial. Essa ação, entretanto, não é adotada
por outras entidades, e não parece razoável para mulheres muito jovens (pois a prevalência de
câncer é muito baixa) ou em mulheres não expostas a fatores que elevem o risco da neoplasia
(Tabela 1). Os exames, ainda segundo o INCA, podem ser suspensos em mulheres de 65 anos
ou mais, nas quais os testes prévios nunca mostraram doença pré-invasiva e os 2 últimos
rastreamentos, dos últimos 5 anos, foram negativos.
A USPSTF considera que há evidência convincente para justificar o uso de qualquer um
dos métodos de rastreamento (citologia oncótica de Papanicolaou, teste para detectar hrHPV
sozinho ou combinado com a citologia oncótica) para diagnosticar lesões pré-cancerosas de
alto grau ou câncer cervical. Para orientar os profissionais de atenção primária à saúde quanto à
condução dos casos conforme os resultados obtidos com o Papanicolaou, o MS/INCA indica as
recomendações expostas na Tabela 3.

TABELA 3 Prosseguimento do rastreamento a partir da citologia oncótica alterada


Diagnóstico citopatológico Faixa etária Conduta inicial
Células escamosas Possivelmente não Entre 25 e 29 anos Repetir a citologia em
atípicas de significado neoplásicas (ASC-US) 12 meses
indeterminado (ASCUS)
≥ 30 anos Repetir a citologia em 6
meses

Não se podendo afastar Encaminhar para


lesão de alto grau colposcopia
(ASC-H)
TABELA 3 Prosseguimento do rastreamento a partir da citologia oncótica alterada
Diagnóstico citopatológico Faixa etária Conduta inicial

Células glandulares Possivelmente não Encaminhar para


atípicas de significado neoplásicas ou não se colposcopia
indeterminado (AGUS) podendo afastar lesão
de alto grau

Células atípicas de Possivelmente não Encaminhar para


origem indefinida neoplásicas ou não se colposcopia
podendo afastar lesão
de alto grau

Células compatíveis Repetir a citologia em 6


com lesão de baixo grau meses
(LSIL)

Células compatíveis Encaminhar para


com lesão de alto grau colposcopia
(HSIL)

Fonte: adaptada de INCA, 2016.

Na medida em que as novas técnicas de diagnóstico de hrHPV por biologia molecular


forem implementadas e disponibilizadas à população geral em todo o território brasileiro, elas
irão, certamente, incorporar-se ao rastreamento médico do câncer cervical uterino. Nos locais
onde já for possível, elas podem contribuir como complemento (em conjunto com a
colposcopia) nos casos de testes de Papanicolaou prévios com resultados do tipo ASCH,
AGUS, células atípicas indefinidas e HSIL.
Em suma, o Brasil dispõe de uma estrutura de atenção à saúde adaptada a realizar o teste de
citologia oncótica (Papanicolaou) com bom nível de qualidade e cobertura da população-alvo.
A experiência de rastreamento com o Papanicolaou já mostrou uma redução significativa de
incidência, prevalência e morbimortalidade específica por câncer de colo uterino. Testes mais
novos, mais sensíveis e específicos, porém de tecnologia mais complexa e cara, podem auxiliar
como complemento do diagnóstico nas localidades onde já estejam disponíveis.
Rastrear com citologia oncótica cervical e hrHPV traz possíveis riscos de danos à saúde das
mulheres, como: aumento do número de testes ou exames invasivos (p.ex., colposcopia e
biópsia); tratamentos desnecessários induzidos por resultados falso-positivos; sangramento, dor
ou infecção; possíveis repercussões psicossociais, decorrentes do método de coleta, do
diagnóstico do câncer verdadeiro ou de falso-positivos. No geral, entretanto, os benefícios
parecem superar os riscos de danos.

SOBRE O TRATAMENTO E A PREVENÇÃO


O objetivo principal do rastreamento é diagnosticar e proporcionar a chance de eliminar as
lesões precursoras, isto é, HSIL na citologia, NIC 2 e 3 na histologia e o adenocarcinoma in
situ. Com isso, pretende-se reduzir a incidência e a morbimortalidade associadas ao câncer do
colo uterino.
A experiência de tratamento do câncer de colo uterino remonta a várias décadas, nas quais
foi sendo expandida a sua disponibilidade, no Brasil, e aprimorada a sua eficácia com redução
de danos pós-cirúrgicos. De forma simplificada, lesões cervicais de alto grau podem ser
tratadas por terapias ablativas ou excisionais; os cânceres em estágios iniciais, por cirurgias; e
os mais avançados, por quimio e radioterapia.
Segundo o INCA, após confirmação colposcópica ou histopatológica, para pequenas lesões
intraepiteliais escamosas de alto grau, ectocervicais ou em até 1 cm do endocérvix, a exérese
por eletrocirurgia ambulatorial é o procedimento mais adequado. Para lesões pré-cancerosas
maiores, preconiza-se a conização, também eletrocirúrgica.
Para os cânceres estabelecidos, o tratamento vai depender do estadiamento, tamanho do
tumor, idade e necessidade de preservar a fertilidade. A conização, traquelectomia,
histerectomia, quimioterapia e radioterapia são as opções de tratamento a serem consideradas,
caso a caso. A taxa de cura em estágios iniciais pode chegar a 95%, mas cai para 50% a 70%,
em cinco anos, se o diagnóstico for tardio.
Danos podem decorrer do procedimento de tratamento em si e de complicações pós-
operatórias (p.ex., infertilidade e prematuridade). A USPSTF considera que há evidências
convincentes de que muitas lesões pré-cancerosas regridem e outras são indolentes, com
crescimento lento, incapazes de se tornarem clinicamente relevantes durante o tempo de vida
de algumas mulheres. A identificação e o tratamento desses tumores não agressivos configuram
sobrediagnóstico. A impossibilidade de prever a evolução de todos os achados citológicos
justifica, como regra geral, a tentativa de intervenções tão menos invasivas quanto possível.

Prevenção

Mesmo com os bons resultados dos tratamentos disponíveis, é a prevenção primária do


risco de contágio do HPV o ponto fundamental do enfrentamento desse problema em nível de
saúde pública. Uma vez que a transmissão da infecção se dá por microtraumas genitais durante
contatos sexuais, o preservativo é um meio de proteção apenas parcial, pois os contatos com a
pele da vulva, períneo, perianal ou bolsa escrotal também são de risco. Dentre as medidas
gerais de promoção da saúde, a cessação do tabagismo é a que, possivelmente, tenha o impacto
mais significativo na prevenção também desse câncer.
Diante da dificuldade de controle dos fatores comportamentais e socioeconômicos para a
prevenção do câncer do colo uterino, a vacina contra o HPV surge como o principal meio de
prevenção. Desde 2014, o MS mantém a vacina tetravalente contra subtipos 6, 11, 16 e 18 do
HPV para meninas entre 9 e 14 anos, e, desde 2017, para meninos entre 11 e 14 anos de idade.
O objetivo é atingir os grupos-alvo antes do início da vida sexual, com 2 doses de vacina
intervaladas de 6 meses. Portadoras de imunodeficiência, HIV, transplantadas e com passado de
câncer podem ser vacinadas até os 45 anos de idade.
A combinação da vacina com a repetição periódica da citologia oncótica de Papanicolaou
tem o potencial de acelerar a queda da morbimortalidade precoce provocada pelo câncer de
colo uterino, nos próximos anos. Mesmo as meninas que já tenham sido vacinadas deverão, no
devido tempo, iniciar os testes citológicos, visando a detectar alterações causadas por subtipos
do vírus não cobertos pela vacinação.
Levando-se em conta as características clínicas e epidemiológicas da doença, a qualidade e
o acesso aos testes disponíveis para rastreamento e diagnóstico de suas manifestações pré-
clínicas e a variedade de opções de tratamento disponíveis, pode-se concluir com moderada a
alta segurança que os benefícios (diminuição da morbimortalidade) do check-up do câncer de
colo de útero superam os seus riscos potenciais à saúde das mulheres.
O conhecimento, por parte da população, sobre as peculiaridades do rastreamento e
prevenção do câncer do colo uterino é fundamental para que a adesão desejável a programa
sistemático de rastreamento seja alcançada. Embora se trate do câncer para o qual a evidência
real dos benefícios do rastreio talvez seja a mais antiga e contundente, há necessidade de
educação continuada para que se garanta a diminuição progressiva da sua incidência e
mortalidade. Aspectos relacionados à vacinação também devem ser incluídos na discussão e
aconselhamento das pacientes.

A provável abstinência sexual da paciente, Erina, nos últimos 13 anos é, por si só, um mecanismo
de prevenção de uma infecção nova pelo HPV. Entretanto, caso algum tipo de alteração pré-
cancerosa ou cancerosa seja detectada no rastreamento, ela ainda pode se beneficiar, em termos
de anos de vida ganhos. Sob bons cuidados médicos, intervenções minimamente invasivas
podem ser de grande potencial curativo. Mantê-la informada sobre as formas de transmissão, os
meios de prevenção e os objetivos do rastreamento também pode contribuir para o controle geral
da difusão da doença.

AGRADECIMENTO

Os autores agradecem a colaboração do Dr. Jorge Sabbaga pela cuidadosa leitura do texto e
sugestão de melhorias.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. Canadian Task Force on Preventive Health Care – CTFPHC. Cervical cancer (2013).
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/cervical-cancer/. Acesso: Maio de 2021.
2. United States Preventive Services Task Force – USPSTF. Cervical cancer: screening, 2018.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/cervical-cancer-screening. Acesso:
Maio de 2021.
3. Pankaj S, Kumari A, Kumari S, Choudhary V, Kumari J, Kumari A, et al. Evaluation of sensitivity and
specificity of pap smear, LBC and HPV in screening of cervical cancer. Indian Journal of Gynecologic
Oncology. 2018;16(49).
4. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer (INCA). Controle do câncer de colo do útero.
https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-do-colo-do-utero. Acesso: Maio de 2021.
5. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Diretrizes
brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero. 2. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: INCA; 2016.
6. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política
Nacional de Promoção da Saúde: PNPS: Anexo I da Portaria de Consolidação n. 2, de 28 de setembro de
2017. Brasília: Ministério da Saúde; 2018.
7. Armaroli P, Villain P, Suonio E, Almonte M, Anttila A, Atkin WS, et al. European Code against Cancer, 4th
Edition: Cancer screening. Cancer Epidemiology. 2015;39S:S139-S152.
8. Arbyn M, Gultekin M, Morice P, Nieminen P, Cruickshank M, Poortmans P, et al. The European response to
the WHO call to eliminate cervical cancer as a public health problem. Int J Cancer. 2021 Jan 15;148(2):277-
84.
9. Spayne J, Hesketh T. Estimate of global human papillomavirus vaccination coverage: analysis of country-
level indicators. BMJ Open. 2021 Sep 2;11(9):e052016.
10. Henke A, Kluge U, Borde T, Mchome B, Serventi F, Henke O. Tanzanian women´s knowledge about
Cervical Cancer and HPV and their prevalence of positive VIA cervical screening results. Data from a
Prevention and Awareness Campaign in Northern Tanzania, 2017-2019. Glob Health Action. 2021 Jan
1;14(1):1852780.
11. Khatiwada M, Kartasasmita C, Mediani HS, Delprat C, Van Hal G, Dochez C. Knowledge, attitude and
acceptability of the human papilloma virus vaccine and vaccination among university students in Indonesia.
Front Public Health. 2021 Jun 14;9:616456.
12. Sethi S, Poirier B, Canfell K, Smith M, Garvey G, Hedges J, et al. Working towards a comprehensive
understanding of HPV and cervical cancer among Indigenous women: a qualitative systematic review. BMJ
Open. 2021 Jun 30;11(6):e050113.
Bouvard V, Wentzensen N, Mackie A, Berkhof J, Brotherton J, Giorgi-Rossi P, et al. The IARC perspective
13.
on cervical cancer screening. N Engl J Med. 2021;385:1908-18.
2.4
Câncer de mama

PONTOS-CHAVE

O câncer de mama é o primeiro em incidência e prevalência, e a segunda maior causa de


mortes femininas por câncer, em todo o mundo.
Neoplasias ainda restritas à mama têm melhor prognóstico, sendo a mortalidade diretamente
relacionada com a ocorrência de metástases.
A mamografia periódica é per si um método de rastreamento recomendado, ao contrário do
autoexame da mama e do exame clínico por médico(a), isolados ou juntos.
Apesar de aumentar a capacidade de detecção pré-clínica de cânceres, o rastreamento gera,
também, erros de diagnóstico, sobrediagnóstico e sobretratamento.
Avanços técnicos e redução da morbidade do tratamento colaboraram para a redução da
mortalidade por câncer de mama, apesar da alta incidência persistente.

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear o câncer de mama em todas as mulheres de 50 a 75 anos, sem antecedente pessoal


desse tumor ou BRCA1/2, assintomáticas, da população geral.
Estimar, previamente, o risco de câncer de mama da paciente em 5 anos (RCMM5), calculado
pelo Breast Cancer Risk Tool do NIH-NCI (https://bcrisktool.cancer.gov) ou com base na Tabela
1, para apoio da decisão clínica compartilhada.
Para mulheres entre 50 e 64 anos de idade, como método de rastreamento, propor a
mamografia a cada 2 ou 3 anos (conforme o risco estimado de câncer de mama da paciente) e
compartilhar a decisão clínica.
Para mulheres entre 65 e 75 anos de idade, estimar o RM10 pelo Índice de Suemoto (E-
prognosis), e propor rastrear com mamografia apenas aquelas que apresentarem RM10 < 37%,
a cada 2 ou 3 anos (conforme o risco estimado de câncer de mama da paciente) e compartilhar
a decisão clínica.
Para mulheres entre 40 e 49 anos, informar possíveis riscos e benefícios do rastreamento nessa
idade, avaliar estimativa prévia de câncer de mama da paciente e compartilhar a decisão clínica
de rastrear ou não o tumor, por meio de mamografia a cada 2 ou 3 anos.
RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES

Mulheres entre 40 e 49 anos de idade: o American College of Radiology recomenda mamografia


anual para todas as mulheres e a American Cancer Society a recomenda apenas entre 45 e 49
anos; o American College of Obstetrics and Gynecologists recomenda o exame clínico da mama
anual; a International Agency for Research on Cancer (IARC) afirma que há limitada evidência
de que o rastreamento com mamografia reduza a mortalidade nessa faixa etária.
Mulheres entre 50 e 74 anos de idade: o American College of Radiology recomenda mamografia
anual; o American College of Obstetrics and Gynecologists recomenda mamografia anual ou
bienal e exame clínico da mama anual; a American Cancer Society recomenda mamografia
anual entre 50 e 54 anos e, possivelmente, bienal a partir de 55 anos; a International Agency for
Research on Cancer (IARC) afirma que há insuficiente evidência de que o exame clínico da
mama e rastreamento com mamografia reduzam a mortalidade nessa faixa etária.
Mulheres de 75 anos de idade ou mais: a American Cancer Society e American College of
Radiology recomendam prolongar o rastreamento com mamografia se a saúde da paciente
estiver boa e a expectativa de sobrevida for igual ou maior a 10 anos e o American College of
Obstetrics and Gynecologists acrescenta ainda a decisão compartilhada como parte disso.
O Swiss Medical Board, em 2013, recomendou que nenhum novo programa de rastreamento
sistemático de câncer de mama, com mamografia, deveria ser iniciado e que um limite de tempo
para finalizar os programas já em andamento, na época, deveria ser estabelecido.
Observação: a American College of Physicians e a American Academy of Family Physicians
seguem, em linhas gerais, as recomendações da USPSTF e da CTFPHC.

Zilda é uma mulher branca de 45 anos e IMC = 24, fisicamente ativa, que consome frutas,
legumes, verduras e grãos diariamente, nunca fumou e quase não toma álcool. A sua menarca
ocorreu aos 13 anos e engravidou pela primeira vez aos 21. Nunca usou remédio
anticoncepcional e amamentou suas duas filhas por mais de 6 meses. Vem a seu primeiro check-
up sem queixas de saúde nem histórico pessoal de doenças importantes; o único dado positivo é
o antecedente de câncer de mama da mãe e uma irmã.

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

O câncer de mama no mundo

O câncer da mama é o tipo de neoplasia mais incidente entre as mulheres em todo o mundo
(exceto pelos tumores de pele não melanoma), seja em países desenvolvidos ou em
desenvolvimento. A OMS aponta que, em 2020, 2,3 milhões de mulheres tiveram o diagnóstico
da doença e cerca de 685.000 delas vieram a falecer. Ao final de 2020, por volta de 7,8 milhões
de mulheres viviam com câncer de mama, o que o torna, também, o mais prevalente tumor
maligno do planeta. Além da mortalidade, é causa de grande morbidade evidenciada pela piora
da qualidade de vida, seja por incapacidade física ou psíquica, inclusive decorrentes do
tratamento.
O câncer de mama nas Américas e no Brasil

Apesar de ser o primeiro em incidência, trata-se da segunda maior causa de óbitos entre
mulheres nos EUA (atrás apenas do câncer de pulmão). Cerca de 232.000 mulheres
estadunidenses tiveram o diagnóstico de câncer de mama e por volta de 40.000 morreram da
doença, em 2015. A faixa etária de 55 a 64 anos é a que apresenta maior número de casos e 68
anos é a mediana dos óbitos. Na América do Sul, a taxa de incidência anual é de 56,4/100.000
mulheres e a de mortalidade, de 14,0/100.000 mulheres.
No Brasil, o câncer de mama é o de maior incidência (exceto pelos de pele não melanoma)
e mortalidade entre mulheres. Para o triênio 2020-2022, o INCA estimou em 66.280 o número
de casos novos por ano, o que equivale a uma taxa de incidência de 61,6 casos novos por cada
100.000 mulheres. Em 2019, 18.300 mulheres morreram vítimas dessa neoplasia, ou seja,
aproximadamente 17 óbitos por 100.000 mulheres. Sem considerar os tumores de pele, é o
mais frequente em todas as regiões brasileiras, sendo a Sudeste e a Sul as mais acometidas.

Grau de invasividade e mortalidade associada

O câncer de mama intraductal, bastante prevalente, se forma nas células epiteliais dos dutos
(85%) e lóbulos (15%) do tecido glandular das mamas. Enquanto está restrito pela membrana
basal, é chamado de tumor “in situ”, que não costuma causar sintomas e nunca gera metástases.
Com o avançar da doença, a neoplasia pode invadir outros tecidos mamários, linfonodos
regionais e órgãos a distância. A mortalidade está diretamente relacionada à existência de
metástases.
O prognóstico é relativamente bom se for diagnosticado e tratado precocemente, enquanto a
doença ainda estiver localizada. Em estágios avançados, com metástases a distância, tem
prognóstico muito ruim. Em países desenvolvidos, a sobrevida média após cinco anos do
diagnóstico tem aumentado, chegando a cerca de 85%. No Brasil, é de aproximadamente 80%,
resultado provável da combinação entre o diagnóstico precoce, ampliação da infraestrutura de
atenção à saúde e o aprimoramento das estratégias de tratamento.

Fatores que influenciam o risco de câncer de mama

A incidência de câncer de mama sofre a influência de alguns fatores que elevam o risco ou
o reduzem (protetores). Fatores hereditários e genéticos parecem ser os que mais aumentam o
risco de câncer de mama e ainda não são modificáveis, à luz da tecnologia atual disponível. Por
outro lado, uma série de hábitos de estilo de vida não saudável podem ser modificados. Estima-
se, por exemplo, que por meio da alimentação saudável e atividade física regular, com controle
de peso, seja possível reduzir em até 30% o risco de uma mulher desenvolver essa neoplasia.
Evitar o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e o tabagismo, estimular a amamentação,
evitar a exposição prolongada a hormônios exógenos e à radiação ionizante, completam o
quadro de recomendações preventivas (Tabela 1).

TABELA 1 Fatores que modificam o risco de câncer de mama


Fatores que elevam o risco Fatores protetores
1. Antecedente pessoal de câncer de mama 1. Amamentação prolongada

2. Antecedente familiar de câncer de mama 2. Atividade física regular

3. Antecedente pessoal de BRCA 1/2

4. Antecedente familiar de BRCA 1/2


TABELA 1 Fatores que modificam o risco de câncer de mama
Fatores que elevam o risco Fatores protetores

5. Menarca precoce ou menopausa tardia

6. Primeira gestação em idade mais avançada

7. Idade

8. Obesidade

9. Consumo excessivo de bebida alcoólica

10. Tabagismo

11. Terapia de reposição hormonal prolongada

12. Uso contínuo de anticoncepcional*

13. Exposição excessiva a radiação ionizante

* O risco de câncer pelo uso de pílula anticoncepcional é, no máximo, muito pequeno, ao contrário do da terapia
de reposição hormonal, que é significativo.

Evolução e manifestações clínicas

Comumente, no seu estágio inicial, a neoplasia se apresenta como um nódulo indolor ou


apenas um espessamento na mama, percebido pela própria paciente ou durante um exame
médico. Caso não haja intervenção precoce, pode provocar: mudança da forma ou tamanho da
mama; rugosidades, vermelhidão ou corrosão da pele; alterações do mamilo (inclusive com
secreções) e da região perimamilar.
Embora uma massa mamária seja sempre motivo de preocupação, 90% delas não são
cancerosas como, por exemplo, fibroadenomas, cistos e infecções. Cânceres avançados podem
erodir a pele, causando ulcerações (lesões ulceradas da mama, que não cicatrizam, devem ser
objeto de biópsia). Os linfonodos axilares são, usualmente, os primeiros locais de espalhamento
extramamário a serem notados, embora outros gânglios inacessíveis ao exame físico já possam
estar acometidos. Com o avanço da doença, metástases podem ser encontradas em pulmões,
fígado, cérebro e esqueleto, e novos sintomas se manifestam, como dispneia, dor óssea ou
cefaleia.
Evolução lenta e longo período pré-sintomático não são regra geral no caso do câncer de
mama, porém podem chegar a anos, antes que alguma manifestação clínica ocorra. Além disso,
a elevada taxa de incidência, prevalência, morbidade e mortalidade, e o bom prognóstico, se
diagnosticado precocemente, compõem as características que favorecem a expectativa de bons
resultados do rastreamento do câncer de mama.

A experiência clínica mostra que Zilda, mesmo sendo jovem e tendo hábitos de vida bastante
saudáveis, pode vir a ser vítima do câncer de mama em algum momento da sua vida. O fato de
duas parentes suas, uma delas de primeiro grau, já terem apresentado esse tipo de neoplasia
maligna aumenta significativamente o seu risco. Mas, ainda a seu favor, estão a gestação em
idade precoce e o fato de ter amamentado suas filhas por bom tempo.

SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO


O autoexame da mama e o exame físico por profissional de saúde

Nos anos 1950-1960, sugerido pela primeira vez nos EUA, o autoexame da mama ganhou
grande popularidade e espalhou-se pelo mundo como uma estratégia pela qual as mulheres
poderiam detectar seus próprios nódulos mamários. Essa técnica não é necessariamente um
método de rastreamento, pois depende de alguma modificação já perceptível no corpo da
mulher, ou seja, um sinal inicial que permite o diagnóstico precoce, porém não em fase pré-
clínica. De todo modo, mulheres ao redor do planeta passaram a ser incentivadas, orientadas e
treinadas a fazer o seu autoexame das mamas, periodicamente.
Entretanto, por volta do ano 2000, ensaios clínicos comparando centenas de milhares de
mulheres, treinadas e não treinadas a fazer o autoexame, demonstraram que esse procedimento
não reduzia a mortalidade por câncer de mama, além de produzir muitos resultados falso-
negativos e falso-positivos. Por esta razão, o autoexame da mama perdeu a sua relevância
como parte das grandes campanhas de prevenção do câncer, inclusive as de cunho publicitário.
Sem a pretensão de servir de método de diagnóstico pré-clínico, muitos países adotaram, como
alternativa de alerta de risco, técnicas que orientam o autoconhecimento do corpo feminino,
visando à percepção de leves mudanças que porventura ocorram nas mamas (breast
awareness).
Uma segunda estratégia histórica de tentativa de detecção de neoplasias mamárias malignas
é o exame clínico das mamas por profissional de saúde. A sua realização, principalmente
concomitante a um exame de imagem, já fez parte de quase todas as recomendações nacionais
e internacionais de rastreamento. Porém, assim como no autoexame, estudos falharam em
mostrar redução da mortalidade. Apresenta, também, baixa sensibilidade e especificidade,
principalmente entre profissionais de atenção primária, não suficientemente treinados nessa
manobra propedêutica. Por fim, é um tipo de exame cuja execução pode causar
constrangimento e inibir a adesão do público-alvo. Assim, a palpação mamária por médica(o)
parece mais útil em situações de complementação diagnóstica, de restrição a exames de
imagem ou no acompanhamento de tratamento, e não como estratégia de check-ups de rotina.

A mamografia de rotina como método de escolha no rastreamento

Atualmente, a mamografia é considerada, por praticamente todas as entidades que tecem


recomendações sobre check-up, nacionais ou internacionais, como o exame de escolha para
rastrear o câncer mamário. A mamografia consiste em uma série de imagens obtidas com
baixas doses de raios-X da mama. Os resultados de muitas décadas de pesquisa mostram que
ela pode identificar mudanças na estrutura normal das mamas anos antes que surjam sintomas
ou sinais clínicos. A sua repetição periódica permite o diagnóstico pré-clínico de lesões em fase
inicial, que, em geral, necessitam de tratamentos menos agressivos, e, provavelmente, têm
maior potencial de cura.
Por outro lado, sabe-se que alguns cânceres instalados podem passar despercebidos na
mamografia (falso-negativos). Resultados falso-positivos implicam na realização de uma série
de outros exames, incluindo biópsias indevidas (sobretestagem). Também é possível o
diagnóstico de tumores em fase muito inicial (verdadeiro-positivos), mas que, provavelmente,
nunca teriam causado mal às pacientes caso não tivessem sido rastreados (sobrediagnóstico).
Isso poderia levar a tratamentos agressivos também desnecessários (sobretratamento). Por fim,
não se conhecem, ao certo, os efeitos nocivos de longo prazo da repetição muito frequente da
mamografia, mesmo com baixas doses de raios-X, quando somada a outros exames
radiográficos eventuais ou exposição a outras fontes de radiação ionizante. Todas essas
considerações merecem ponderação na indicação de quais mulheres de quais idades devem ser
rastreadas e a frequência de repetição das mamografias.

Outros exames sugeridos para rastrear o câncer de mama

As evidências ainda são inadequadas ou insuficientes para justificar o uso de


ultrassonografia ou ressonância magnética das mamas como estratégias de check-up.
Mamografias em três dimensões (3D) têm se mostrado promissoras na redução de exames
repetidos, embora nenhum estudo completado, até hoje, tenha relatado ser superior à
mamografia convencional em 2D. A falta de ampla disponibilidade de mamógrafos 3D e,
supostamente, o seu custo, são barreiras para esse novo, talvez futuro, método de rastreamento.
Já mamógrafos convencionais estão disponíveis e acessíveis na rede de saúde em todo o Brasil.

Recomendações atuais para rastreamento de câncer de mama

A CTFPHC, desde 2018, recomenda mamografias a cada 2 ou 3 anos, por decisão


compartilhada, para mulheres entre 50 e 74 anos de idade. A USPSTF, em 2016, atualizou a
sua recomendação, reforçando a importância de rastrear mulheres dessa faixa etária, com
mamografia bienal. E ampliou a possibilidade de rastreamento entre 40 e 49 anos, com base em
decisão individualizada, amplamente informada e, também, compartilhada. A entidade
esclarece, entretanto, que os benefícios do rastreio nessa faixa etária parecem ser menores
quanto mais precocemente realizados, com menos mortes evitadas, mais falso-positivos, mais
sobrediagnósticos etc. Porém, os ganhos tendem a aumentar com o avançar da idade. As
pacientes a partir de 40 anos de idade com mais fatores de risco para neoplasia mamária do que
a média do seu grupo populacional também tendem a se beneficiar mais do rastreamento mais
precoce.1

Avaliação de risco como apoio à decisão médica sobre o rastreamento

A avaliação prévia do risco deve representar, portanto, um passo intermediário na definição


de quais mulheres merecem mais atenção preventiva e da frequência de repetição de exames.
Isso pode ser feito de forma subjetiva-qualitativa pela(o) médica(o) assistente, tomando como
roteiro a Tabela 1 ou, quantitativamente, com base em alguma calculadora de risco.
As calculadoras permitem, a partir de dados obtidos em estudos epidemiológicos, estimar a
probabilidade de uma determinada paciente apresentar câncer de mama em 5 a 10 anos ou ao
longo de toda a sua vida, e compará-la ao risco médio do seu grupo populacional de mesma
idade. O NIH-NCI dos EUA propõe o Breast Cancer Risk Assessment Tool
(https://bcrisktool.cancer.gov) como ferramenta capaz de estimar o risco de câncer de mama
em alto ou baixo.

Retomando-se o caso da Zilda, o seu risco pessoal de câncer pela calculadora do NIH-NCI, em 5
anos, seria de 3,4% para uma média de 1,0% para as mulheres da mesma idade. O risco
estimado para toda a vida é de 33,6% e a média do seu grupo demográfico, 11,9%. Ambas as
estimativas estão muito acima da média, indicando que Zilda, embora assintomática, apresenta
alta probabilidade de apresentar a neoplasia, o que inspira cuidado extra na decisão de rastrear
ou não, uma vez que ela está fora da faixa etária prioritária (50-74 anos).

Avaliação prévia do estado de saúde para mulheres idosas


Lembra-se ainda que é importante que mulheres acima de 65 anos, antes de serem
rastreadas com a mamografia, tenham uma estimativa do risco de mortalidade para os
próximos 10 anos (RM10). Para isso pode-se usar o cálculo do Índice de Suemoto da
plataforma E-prognosis. Esse procedimento ajuda a antecipar a capacidade da paciente de
suportar tratamento agressivo do tipo cirúrgico, rádio e/ou quimioterápico e de ganhar novos
anos de sobrevida com ele. Assim como a calculadora de risco do NIH-NCI (ou outra), o índice
de Suemoto do E-prognosis deve ser encarado como ferramenta de apoio à decisão médica que,
por sua vez, deve ser compartilhada com a paciente.

O balanço entre vantagens e desvantagens do rastreamento por mamografia

Em suma, há ampla evidência científica favorável à mamografia periódica, embora haja


riscos de danos que precisam ser considerados tanto pelo profissional de saúde quanto pela
própria paciente, no momento de decidir se rastreia ou não o câncer. Benefícios maiores são
esperados para as mulheres entre 50 e 74 anos. Para mulheres acima de 65 anos, chama-se a
atenção para o RM10. A estimativa de risco de desenvolver câncer pode ajudar a definir a
frequência de repetição da mamografia.
A avaliação prévia de risco contextualiza a decisão de rastrear doença clinicamente
relevante em comparação com o sobrediagnóstico. Existe uma grande proporção de tumores
pequenos encontrados com o rastreamento. E existem autores que afirmam que a probabilidade
maior é de se encontrar tumores pequenos que permaneceriam pequenos, sugerindo que a
ocorrência de sobrediagnóstico talvez até supere os benefícios esperados do rastreio. Além
disso, dados indicam que a queda da mortalidade por câncer de mama ao longo dos anos se
deva mais à melhora das possibilidades de tratamento do que à ampliação das estratégias de
rastreamento.

SOBRE O TRATAMENTO E A PREVENÇÃO

Alternativas de tratamento e sua efetividade

Como já foi comentado, a efetividade do tratamento do câncer de mama é alta, alcançando


cerca de 85% a 90% de sobrevida. Ele consiste, em geral, de cirurgia e radioterapia para
controle da doença localizada na mama e em linfonodos locais e regionais, e terapia anticâncer
sistêmica (hormônios, quimioterapia ou terapia-alvo com imunobiológicos), que tem por
objetivo inibir as metástases.
No passado, a mastectomia total (abordagem cirúrgica considerada altamente mutiladora)
era quase sempre utilizada como tratamento. Hoje, ela é restrita a cânceres muito grandes, que
acometem muitos quadrantes mamários. A maioria é tratada por mastectomia parcial, com
remoção apenas da massa tumoral com margens de segurança. Biópsias de linfonodos
sentinelas substituíram a remoção completa de linfonodos axilares, identificando os primeiros
gânglios para os quais a neoplasia poderia se espalhar, cursando assim com muito menos
morbidade.
Medicamentos podem ser administrados antes e após a cirurgia, de acordo com subtipos
biológicos dos cânceres. Tumores que expressam receptores de estrógeno ou progesterona
podem responder a terapia hormonal como o tamoxifeno ou inibidores da aromatase. Outros,
que não expressam esses receptores, podem ser alvo de quimioterapia sem necessidade de
internação, se não aparecerem complicações. Por último, os tumores relacionados ao oncogene
HER-2/neu são tratados com anticorpos monoclonais em combinação com outros
quimioterápicos.
Tumores muito pequenos, em fase inicial, podem eventualmente ser tratados apenas por
radioterapia em pacientes muito idosas, sem condições cirúrgicas, com objetivo apenas
paliativo. Outras vezes, em tumores mais avançados, a radioterapia pós-cirúrgica ajuda a
minimizar a chance de recidiva na mama e, em algumas circunstâncias, reduz a probabilidade
de morte pela doença.

FIGURA 1 Taxas de incidência e mortalidade por câncer de mama, EUA (1975-2010).

Evolução recente da efetividade do tratamento do câncer de mama

É inegável o avanço nas opções de tratamento a partir dos anos 1990, quando se passou a
notar queda da mortalidade, apesar dos níveis persistentemente elevados de incidência de
novos casos nos EUA, que já vinham em ascensão desde a década de 1980 (Figura 1). É
verdade, também, que países desenvolvidos atingiram os mais altos níveis de sobrevida do
câncer de mama em 5 anos. Em geral, esse sucesso é reputado à combinação do rastreamento,
com diagnóstico da neoplasia em fase inicial, com o tratamento eficaz. É difícil apontar se
existe preponderância de um desses fatores sobre o outro. De modo geral, entretanto, sempre
que um tratamento melhora em eficácia e efetividade, o rastreamento tende a perder espaço, em
relevância.
Mudanças comportamentais ajudam a reduzir incidência e prevalência do
câncer

Do ponto de vista da prevenção, isto é, redução da incidência e prevalência, devem ser


reforçadas as mudanças comportamentais, como meios protetores do desenvolvimento do
câncer de mama. Há grande ênfase, atualmente, sobre: a prática de atividade física regular;
alimentação baseada em frutas, verduras, legumes, grãos, carnes magras, ingestão limitada de
carboidratos simples e complexos; consumo controlado de bebida alcoólica; manutenção do
peso dentro de limites considerados adequados para a saúde; e abstenção do tabagismo.
O peso relativo desses fatores e de outros, como a amamentação mais prolongada, a busca
de meios anticoncepcionais e de tratamentos não hormonais, inclusive para outras condições
médicas, não pode ser ignorado quando se percebe que a incidência do câncer de mama
permaneceu em níveis elevados, depois de impulsionada pela mamografia. A limitação da
exposição à radiação ionizante é um fator relevante a considerar na prevenção, mas que nem
sempre recebe a atenção devida na prática médica.

Riscos do uso médico-diagnóstico de radiações ionizantes

Atualmente, a forma de exposição preponderante do público, em geral, a esse tipo de


radiação são os procedimentos médicos, por meio dos estudos radiográficos e tratamentos por
radioterapia. A mamografia é feita com baixas doses de raios-X. Porém, é importante lembrar
que ela é repetida periodicamente e não é o único exame pelo qual as mulheres se expõem aos
raios-X entre 40 e 74 anos. Possivelmente, outras tomografias de tórax são feitas nessa faixa
etária para investigação de outras comorbidades. Como não se conhece ao certo o efeito desse
acúmulo de radiação ionizante ao longo do tempo sobre a saúde da mulher, é prudente realizar
o menor número de mamografias, mantendo a sensibilidade diagnóstica, sem impor novos
riscos à paciente.

Síntese dos benefícios esperados e riscos potenciais do rastreamento

A USPSTF encontrou evidências suficientes para afirmar que o rastreamento por


mamografia periódica reduz a mortalidade de mulheres entre 40 e 74 anos. O efeito na redução
da mortalidade aumenta principalmente com a idade, sendo a faixa etária de 60 a 69 anos a
mais beneficiada. Idade e parentesco de primeiro grau (mãe ou filha) com portadora de câncer
são os fatores de risco mais importantes para o desenvolvimento do câncer.
Por outro lado, há evidências que indicam riscos de danos à saúde das mulheres rastreadas
entre 40 e 74 anos. Os mais importantes são o sobrediagnóstico e o sobretratamento, ou seja,
tumores que não representam ameaça à saúde da paciente, mas que acabam sendo tratados
depois de diagnosticados. Resultados falso-positivos geram ansiedade, e os falso-negativos,
falsa sensação de segurança. A morte por câncer de mama induzido por radiação ocorre, mas
estima-se que esse tipo de evento seja raro.
De maneira geral, o balanço entre benefícios e riscos de danos à saúde decorrentes do
rastreamento do câncer de mama é considerado positivo e moderado para mulheres entre 50 e
74 anos. Parece ser positivo, também, entre 40 e 49 anos, porém com menor magnitude do
efeito. É possível que a decisão compartilhada sobre a execução e frequência do rastreamento,
levando em consideração estimativas prévias do risco de câncer e da sobrevida esperada da
paciente em 10 anos, melhore esse balanço em todas as faixas etárias.

AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Dr. Jorge Sabbaga pela cuidadosa leitura do texto e
sugestão de melhorias.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Breast Cancer: Screening (2016).
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/breast-cancer-screening. Acesso:
Maio de 2021.
2. CTFPHC – Canadian Task Foce on Preventive Health Care. Breast Cancer Update (2018).
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/breast-cancer-update/. Acesso: Maio de 2021.
3. Unites States of America. National Institute of Health (NIH). National Cancer Institute (NCI). Breast Cancer
Risk Assessment Tool. https://bcrisktool.cancer.gov/calculator.html. Acesso: Maio de 2021.
4. American Cancer Society (ACS). Recommendations for the early detection of breast cancer.
https://www.cancer.org/cancer/breast-cancer/screening-tests-and-early-detection/american-cancer-society-
recommendations-for-the-early-detection-of-breast-cancer.html. Acesso: Maio de 2021.
5. CDC Centers for Disease Control and Prevention. Breast cancer screening guidelines for women.
https://www.cdc.gov/cancer/breast/pdf/breast-cancer-screening-guidelines-508.pdf. Acesso: Julho de 2021
6. World Health Organization (WHO). Breast cancer. https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/breast-
cancer. Acesso em: Maio de 2021.
7. Welch HG, Schwartz LM, Woloshin S. We look harder for breast cancer. In: Overdiagnosed: making people
sick in the pursuit of health. Beacon Press; 2011.p. 73-89.
8. Sung H, Ferlay J, Siegel RL, Laversanne M, Soerjomataram I, Jemal A, et al. Global cancer statistics 2020:
GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J
Clin. 2021 May;71(3):209-49.
9. Brasil. Ministério da Saúde. 29 – Cadernos de Atenção Primária: Rastreamento. Brasília: Ministério da
Saúde; 2010.
10. Association of European Cancer Leagues – ECL. European code against cancer: about cancer screening.
https://www.europeancancerleagues.org/cancer-screening-in-europe/. Acesso: Maio de 2021.
11. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos
Estratégicos. Aprova as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas do Carcinoma de Mama. Portaria Conjunta n.
5, de 18 de abril de 2019. http://conitec.gov.br/images/Protocolos/DDT/DDT-Carcinoma-de-mama_POR-
TARIA-CONJUNTA-N--5.pdf. Acesso: Maio de 2021.
12. Brasil. Ministério da Saúde. Câncer de mama: sintomas, tratamentos, causas e prevenção.
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z-1/c/cancer-de-mama. Acesso: Maio de 2021.
13. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Tipos de câncer: câncer de mama.
https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-mama/profissional-de-saude. Acesso: Maio de 2021.
14. Neal CH, Helvie MA. Overdiagnosis and risks of breast cancer screening. Radiol Clin North Am. 2021
Jan;59(1):19-27.
15. Welch HG, Prorok PC, O’Malley AJ, Kramer BS. Breast-cancer tumor size, overdiagnosis, and
mammography screening effectiveness. N Engl J Med. 2016 Oct 13;375(15):1438-47.
16. Seely JM, Alhassan T. Screening for breast cancer in 2018 – what should we be doing today? Curr Oncol.
2018 Jun;25(Suppl 1):S115-S124.
2.5
Câncer de próstata

PONTOS-CHAVE

No Brasil, as chances de um homem apresentar câncer de próstata ao longo da vida e dele vir a
falecer são, respectivamente, de cerca de 11,1% e 2,4%.
O câncer de próstata apresenta alta incidência e prevalência, porém os estudos indicam que, na
grande maioria das vezes, é indolente e não provoca danos perceptíveis à saúde.
O toque retal não apresenta sensibilidade e especificidade adequadas ao rastreamento; a
dosagem do PSA no sangue é o método de escolha, caso se decida rastrear o tumor.
Ensaios clínicos recentes mostraram resultados contraditórios a respeito do impacto do
rastreamento sobre a mortalidade pelo câncer, mas parece haver uma redução do risco.
Incontinência urinária, urgência miccional, disfunção erétil, incontinência fecal são complicações
frequentemente associadas aos tratamentos do câncer de próstata.
A grande controvérsia envolvendo o tema torna a decisão compartilhada, amplamente discutida,
entre médico(a) e paciente, um pré-requisito obrigatório do rastreamento.

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Não rastrear o câncer de próstata em homens assintomáticos da população geral com idade
abaixo de 55 anos ou acima de 70 anos.
Para homens assintomáticos, entre 55 e 70 anos, que explicitam o interesse em rastrear esse
câncer, apresentar-lhes todos os pontos positivos e negativos do rastreamento.
Para aqueles com 65 anos ou mais, estimar o risco de mortalidade em 10 anos (RM10), usando
o Índice de Suemoto (E-prognosis), que deve ser, preferencialmente, < 50%.
Compartilhar a decisão final (rastrear ou não), levando em conta os dados científicos, fatores de
risco, resultado do Índice de Suemoto, as preferências individuais do paciente e a sua
percepção de como lidaria com o tratamento e suas eventuais consequências negativas.
No caso de se decidir rastrear, solicitar o PSA total no sangue.

RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES


A American Academy of Family Physicians e a CTFPHC recomendam contra a solicitação de
PSA como método de rastreio.
A American College of Physicians recomenda o rastreamento a homens entre 50 e 69 anos, de
acordo com as preferências do paciente e expectativa de vida de mais de 10 a 15 anos.
A American Urological Association indica 55 a 69 anos como faixa etária do rastreamento, que
deve ser repetido a cada 2 anos ou mais para reduzir os seus riscos de danos. Indica, também,
que se pode rastrear antes dos 55 anos, por decisão individualizada, os negros americanos e
homens com antecedente familiar de câncer de próstata.
A American Cancer Society recomenda que conversas a respeito do rastreamento devam
começar antes dos 50 anos de idade para negros americanos e homens com histórico de pai ou
irmão com câncer de próstata antes dos 65 anos.

Irineu, assim que comemorou seu 50º aniversário, começou a receber recomendação dos amigos
e familiares para fazer a prevenção do câncer da próstata. Apesar de não sentir nada quando
urina, ficou preocupado e resolveu ler as matérias publicadas a respeito do assunto nas revistas e
jornais da sua confiança. Isso o deixou intrigado e confuso, pois não lhe pareceu haver consenso
sobre o assunto. Decidiu, então, procurar ajuda de um profissional para sanar suas dúvidas a
respeito.

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

Nenhuma outra doença levanta tantas dúvidas, discussões técnicas e controvérsias em


relação ao seu rastreamento quanto o câncer de próstata. Não é exagero dizer que a
apresentação dos requisitos considerados necessários para justificar esse check-up, incluindo
vários fatores cujas evidências científicas são contraditórias, serve de modelo para exemplificar
a complexidade de se rastrear doenças na população geral assintomática.

Aspetos epidemiológicos do câncer de próstata

O câncer de próstata é raro antes dos 40 anos de idade, mas com crescente incidência e
prevalência entre homens a partir dos 50 anos, alcançando seus valores mais altos após os 65.
A média de idade no momento do diagnóstico é por volta de 66 anos.
Nos EUA, o risco de um homem ser diagnosticado com câncer de próstata em algum
momento da sua vida é de 11%, e 2,5% é o risco de morrer da doença. Além disso, achados de
autópsia indicaram que 20% e 33% dos homens que morreram por outras causas,
respectivamente, entre 50 e 59 anos e 70 e 79 anos de idade, tinham câncer de próstata. Mais de
dois terços dos óbitos por esse câncer naquele país ocorrem após os 75 anos de idade.
A Figura 1 ilustra a evolução de incidência e mortalidade por câncer de próstata ao longo
das últimas décadas nos EUA. A ondulação da taxa de incidência que se observa entre 1985 e
2015 é reputada ao advento e uso disseminado do PSA como método de rastreamento.
No Brasil, sabe-se que o câncer de próstata é o mais incidente entre homens, exceto pelas
neoplasias malignas de pele não melanoma. O INCA estima que, para o triênio 2020-2022,
sejam diagnosticados cerca de 65.850 novos casos por ano (algo em torno de 63 casos novos a
cada 100.000 homens). Muito semelhante aos EUA, o risco de um brasileiro apresentar câncer
de próstata ao longo da vida e dele vir a falecer é de 11,1% e 2,4%, respectivamente. E a taxa
de mortalidade também decresceu de 13,7/100.000 homens (2006-2010) para 12,9/100.000
homens (2011-2015).

FIGURA 1 Taxas de incidência e mortalidade por câncer de próstata nos EUA, 1975-2018.

Formas de manifestação clínica e letalidade

O câncer de próstata pode ser uma doença grave, mas não será a causa da morte da maior
parte dos homens que venham a ser diagnosticados com a neoplasia. A maioria dos tumores
cresce de forma muito lenta, leva cerca de 15 anos para atingir 1 cm3, e não chega a dar sinais
durante a vida e nem a ameaçar a saúde do homem. Essa característica de lenta evolução
clínica da maioria dos tipos histológicos de câncer de próstata o torna um bom alvo para o
rastreamento, pois oferece várias oportunidades de detecção ao longo do tempo.
Quando se manifesta clinicamente, os principais sintomas e sinais podem incluir:
frequência urinária aumentada, fluxo urinário fraco ou interrompido, urgência para urinar,
hematúria, dor durante a micção (incomum), desconforto ou dor quando sentado, disfunção
erétil. Entretanto, nenhum desses pode ser considerado patognomônico desse câncer, pois
podem aparecer em quadros de hiperplasia prostática benigna, infecção urinária, prostatite e
outros.
O carcinoma intraductal da próstata é definido pela proliferação neoplásica do epitélio
intraductal e/ou intra-acinar das glândulas prostáticas. O estadiamento histológico do
adenocarcinoma da próstata é parte fundamental do escore de Gleason1, um dos itens
determinantes do prognóstico e tratamento dos pacientes.

Ao Irineu, a primeira coisa que um(a) médico(a) deveria informar é que o câncer de próstata é
uma doença de muito alta incidência e prevalência e que elas aumentam com a idade. E que,
além dos mais idosos, o câncer da próstata é um problema maior para indivíduos
afrodescendentes ou que apresentem histórico familiar do câncer. Mas é importante alertá-lo,
também, que, na grande maioria das vezes, o câncer de próstata é indolente e a mortalidade
associa-se aos quadros muito agressivos, com ampla invasão ou metástases a distância.

Tanto as formas locais mais agressivas quanto as que evoluem com metástases tendem a
aparecer mais tardiamente com a idade. Cerca de 90% dos cânceres prostáticos são
diagnosticados ainda restritos à próstata ou a órgãos circunjacentes, e a sobrevida em 10 anos
dessas neoplasias gira em torno de 98%. Por outro lado, a sobrevida em 5 anos dos tumores
com metástases a distância cai para 30%.

Fatores que influenciam o risco para câncer de próstata

A idade avançada, a afrodescendência e os antecedentes familiares do câncer de próstata


entre parentes de primeiro grau são os principais fatores que aumentam o risco da neoplasia,
para a maioria dos autores e pesquisadores. A obesidade, como fator de risco, e o licopeno do
tomate, como fator protetor, são citados, mas não de maneira sistemática nos textos mais
recentes norte-americanos ou europeus. Muito raramente, estão associados a mutações dos
genes BRCA1 e principalmente BRCA2, e com a síndrome de Lynch.
Portadores de tumores localizados, de baixo grau, têm altíssima sobrevida. A grande
maioria dos casos evolui de forma insidiosa e indolente, isto é, tende a não se manifestar por
sintomas ou sinais durante toda a vida. Essa característica predispõe um contingente
significativo de homens ao sobrediagnóstico, com tratamentos potencialmente agressivos e até
eventualmente prejudiciais para a sua saúde, caso sejam rastreados.

SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO

O exame digital da próstata por toque retal

Tradicionalmente, o toque retal digital era a manobra clínica usada de rotina para rastrear o
câncer de próstata. Com o tempo, esse exame perdeu esse status devido à falta de evidências de
benefício, baixa sensibilidade e especificidade, tendo sido excluído dos ensaios clínicos de
rastreamento mais recentes.

O antígeno prostático específico (PSA)

Largamente disponível a partir dos anos 1990, a dosagem do antígeno prostático específico
(PSA) tornou-se rapidamente o teste de referência no rastreamento do câncer de próstata.
Segundo o INCA (2002), considerando um ponto de corte em 4,0 ng/mL, a sensibilidade
estimada do PSA total varia de 35% a 71% e a especificidade de 63% a 91%. E o seu valor
preditivo positivo aponta para valores em torno de 28%, indicando grande chance de biópsias
feitas desnecessariamente, se 4,0 ng/mL for o valor de PSA usado como referência máxima de
normalidade. Lembra-se que os valores de normalidade do PSA total, recomendados em laudos
laboratoriais, diferem de acordo com a idade dos pacientes.

Estudos de grande porte sobre o rastreamento do câncer de próstata

A CTFPHC, em suas recomendações de 2014, posiciona-se majoritariamente contra o


rastreamento do câncer de próstata em qualquer idade. A entidade estima que se 1.000 homens,
entre 55 e 59 anos de idade, fossem rastreados por 13 anos, 178 indivíduos, em média, teriam
um PSA falso-positivo e, portanto, tenderiam a fazer uma biópsia desnecessária, com todos os
riscos inerentes a esse procedimento, incluindo sangramento, infecção e até mesmo
hospitalização. Outros 102 teriam um câncer diagnosticado, dos quais 33 não resultariam em
sintomas ou morte (sobrediagnóstico).
Apesar disso, é de se supor que uma vez que o câncer seja diagnosticado, muitos desses
pacientes optem por tratamento agressivo. Ou seja, no limite, seria possível que um terço dos
pacientes rastreados com câncer de próstata fossem submetidos a intervenções agressivas e
sofressem suas possíveis consequências, embora sequer apresentariam sintomas caso não
tivessem sido rastreados.
O PSA foi adotado nos 3 estudos de grande escala que avaliaram o rastreamento do câncer
de próstata na Europa e EUA: o PLCO dos EUA (Prostate, Lung, Colorectal, and Ovarian
Cancer Screening Trial), o multinacional europeu ERSPC (European Randomized Study of
Screening for Prostate Cancer) e o CAP inglês (Cluster Randomized Trial of PSA Testing for
Prostate Cancer).
De forma concisa: a) no PLCO, após 15 anos de seguimento, não foi encontrada diferença
de mortalidade entre o grupo rastreado e o não rastreado; b) o ERSPC, todavia, reportou 1 vida
preservada ao longo de 13 anos para cada 781 homens europeus rastreados (um número
necessário para rastrear – NNR – considerado razoável), além de 30% de redução em tumores
metastáticos; c) no CAP, desenvolvido no Reino Unido, observou-se, depois de 10 anos, que a
mortalidade no grupo de convidados a rastrear com PSA não foi significativamente diferente
do grupo controle.
Em que pese a disponibilidade, fácil acesso e praticidade da dosagem do PSA total no
sangue dos pacientes, é preocupante o número de falso-positivos, que chegaram até a 2/3 das
amostras analisadas no ERSPC. Esses resultados incorretos abrem caminho para mais
avaliações por meio de biópsias não necessárias e, consequentemente, suas possíveis
complicações (p. ex., dor, febre, hematospermia e hospitalização).
A USPSTF, revendo e analisando os estudos citados, considera que as evidências científicas
não suportam o rastreamento em idades abaixo de 55 ou acima de 69 anos de idade, e ainda são
duvidosas na faixa intermediária (55-69 anos), em função de benefícios aparentemente
discretos e riscos maiores devidos a falso-positivos, biópsias, sobrediagnóstico e tratamentos
agressivos. A íntegra da recomendação é transcrita mais adiante neste texto.

Os desafios de como rastrear o câncer de próstata na prática clínica

O PSA angariou muita popularidade, pois trouxe consigo a esperança de poder ajudar a
evitar mortes masculinas precoces. É importante reconhecer que homens de todas as idades
trazem a demanda de querer fazer o PSA, o que ressalta a importância da orientação médica e
da decisão compartilhada entre profissional da saúde e paciente sobre esse rastreamento.
O grande desafio para melhorar o rastreamento do câncer de próstata é o desenvolvimento
de algum recurso tecnológico que permita diferenciar os casos com maior potencial de
malignidade e mortalidade, e promover intervenções que acarretem ganho real em anos
vividos, sem prejuízo da qualidade de vida. O viés de tempo ganho, no qual a antecipação do
diagnóstico pode incorrer, é um efeito comum do check-up da próstata e dá uma falsa ideia
sobre a sobrevida dos pacientes.
Novos métodos de rastreamento (como a relação PSA livre/PSA total, o teste de velocidade
do PSA ou seu tempo de duplicação), apesar de promissores, ainda não foram suficientemente
estudados para que sejam indicados uns em detrimento de outros ou do próprio PSA total do
sangue. Ceticismo científico ainda existe também em relação ao uso de calculadoras de risco
pré-biópsia, com ou sem o resultado do PSA, exames de imagem ou genéticos.
Nas últimas 4 décadas, a tecnologia médica do tratamento do câncer de próstata evoluiu.
Assim, a ligeira diminuição da mortalidade pode se dever menos ao diagnóstico em fase pré-
clínica e mais à melhora técnica do tratamento, em si, mesmo nas fases mais avançadas do
tumor. Isso é reforçado pelo fato da mortalidade continuar caindo a partir de 2012, quando a
solicitação do PSA já não era mais tão comum nos EUA.

Na consulta médica, ao Irineu foram apresentados e discutidos todos os detalhes do


rastreamento. Ele, então, muito atento, disse que tudo indica que diagnosticar o câncer da
próstata mais cedo não parece útil para todos os homens, mas que poderia ser útil para alguns. E
olhando para a Figura 1, ele notou que a mortalidade diminuiu entre 1975 e 2018. Pergunta: não
seria isso por conta do rastreamento?

SOBRE O TRATAMENTO E A PREVENÇÃO

O rastreamento só se justifica pela existência e disponibilidade de tratamento para a doença


rastreada. Por essa razão, ponderar sobre as possíveis abordagens de tratamento, caso um
câncer venha a ser identificado, deve fazer parte da decisão informada e compartilhada sobre
rastrear ou não as neoplasias de próstata.

Evolução neoplásica, alternativas de tratamento e complicações

As atuais opções de tratamento variam de acordo com o grau de invasão tumoral. Para
doença localizada pode-se propor cirurgia para remoção da glândula (prostatectomia radical),
radioterapia (feixe externo, feixe de prótons, braquiterapia) ou vigilância ativa. Para doença
localmente avançada propõem-se radioterapia ou cirurgia em combinação com tratamento
hormonal. Para doença com metástase, a terapia hormonal é a escolha comum. Novas técnicas
em desenvolvimento podem, entretanto, mudar esse cenário, em um futuro próximo.
A expectativa é que a maior parte dos tumores rastreados sejam localizados, secundados
pelos localmente avançados. Considera-se que a evidência disponível até o momento, apoiada
nos ensaios clínicos ERSPC, PLCO e CAP, sugere que a prostatectomia radical ou a
radioterapia, provavelmente, reduzem a progressão clínica, a doença metastática e,
possivelmente também, a mortalidade dos tumores prostáticos rastreados em estágio inicial.
Apesar disso, o tempo ganho real de vida é bem menor que o aparente se contado a partir do
momento do diagnóstico pré-clínico.
Estudos apontam que cerca de 20% dos homens submetidos a prostatectomia desenvolvem
incontinência urinária e cerca de até 65%, disfunção erétil pós-cirúrgica de longa duração. Já a
radioterapia associa-se a disfunção erétil em 20% dos homens irradiados, e entre 15% e 20%
dos pacientes podem se queixar de sintomas como urgência ou incontinência fecal por retite
actínica. Cerca de 0,3% dos homens morrem em decorrência da cirurgia e 5% apresentam
complicações cirúrgicas que necessitam reintervenção.

Vigilância ativa comparada a tratamentos invasivos

A vigilância ativa2 é uma modalidade de tratamento que se justifica no fato da maioria dos
tumores prostáticos ter um crescimento lento e comportamento indolente. Por meio dela,
procura-se limitar os efeitos colaterais do tratamento a pacientes com cânceres de baixo risco,
caso estes não avancem a ponto de necessitar de abordagem cirúrgica ou radioterápica. Parece
uma opção adaptada à história natural do câncer da próstata.
Os protocolos de vigilância incluem a espera vigilante (watchful waiting), dosagens
repetidas de PSA total, toque retal, biópsias (que podem incorrer em danos objetivos à saúde)
e, mais recentemente, exames de ressonância magnética. Aos pacientes cujos tumores mostram
sinais de mudança são então oferecidas outras opções de tratamento. Em um ensaio clínico que
arrolou 1.500 homens com câncer localizado, e que foram submetidos tanto a tratamento
invasivo quanto à vigilância ativa, a sobrevida em 10 anos foi de 99%.

Rastrear ou não o câncer de próstata: decisão compartilhada

Diante dos dados positivos e negativos em relação ao tratamento, a opinião e as


preferências do paciente devem ser levadas em conta no momento de decidir se vale a pena ou
não o rastreamento, ou seja, dosar ou não o PSA total no sangue. Homens que não se
consideram aptos a tolerar os riscos dos tratamentos mais agressivos ou a ansiedade inerente à
vigilância sem intervenção, em princípio, não deveriam ser aconselhados a rastrear, exceto,
talvez, se apresentam fatores de risco, como afrodescendência ou antecedentes familiares de
primeiro grau.
Independente, porém, da decisão quanto ao rastreamento, uma série conhecida de hábitos
saudáveis pode ser estimulada para a prevenção de doenças, inclusive cânceres, como: fazer
atividades físicas regularmente, alimentar-se saudavelmente, não fumar, não beber álcool
demais, não usar drogas nem abusar de remédios, e tentar manter o peso no nível mais normal
possível. Isso tudo pode colaborar para a prevenção do câncer de próstata, também.

No final das contas, Irineu fez uma lista com duas colunas: uma, com os itens a favor do check-
up, e outra, em paralelo, com os que são contra, dentre tudo o que ele anotou na consulta e leu a
respeito. Com isso, ele pode ter uma visão mais ampla do problema e não ficar à mercê de
palpites sem fundamento ou opiniões enviesadas. Depois, voltará ao médico e decidirá, com ele,
se dosa ou não o seu PSA.

Evidências contraditórias, recomendação duvidosa: cautela ao rastrear

Para que se tenha uma ideia mais precisa da magnitude da complexidade de indicar o
rastreamento do câncer de próstata, uma tradução livre da recomendação atual da USPSTF é
transcrita a seguir:

Para homens entre 55 e 69 anos, a decisão de se submeter ao rastreamento periódico


do câncer de próstata com base no PSA deveria ser individual. Antes de decidir, os
homens deveriam ter a oportunidade de discutir os potenciais benefícios e riscos de
danos do rastreamento com seus clínicos e incorporar os seus valores e preferências
na decisão. O rastreamento oferece um pequeno benefício potencial reduzindo a
chance de morte por câncer de próstata em alguns homens. Entretanto, muitos
homens experimentarão risco de danos potenciais do rastreamento, incluindo
resultados falso-positivos que requeiram testes adicionais e possível biópsia
prostática; sobrediagnóstico e sobretratamento; e complicações do tratamento, como
incontinência e disfunção erétil. Para determinar se esse procedimento é apropriado
em casos individuais, pacientes e clínicos deveriam considerar o balanço de
benefícios e riscos de danos, com base na história familiar, raça/etnia, condições de
comorbidades médicas, valores próprios do paciente a respeito do rastreamento, em
si, de desfechos específicos do tratamento e outras necessidades de saúde. Clínicos
não deveriam rastrear homens que não expressam a preferência pelo rastreamento.

AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Dr. Jorge Sabbaga pela cuidadosa leitura do texto e
sugestão de melhorias.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. CTFPHC – Canadian Task Force on Preventive Health Care. Prostate cancer (2014).
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/prostate-cancer/. Acesso: Maio de 2021.
2. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Prostate cancer: screening (2018).
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/prostate-cancer-screening. Acesso:
Maio de 2021.
3. Global Cancer Statistics 2020: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers
in 185 countries. doi: 10.3322/caac.21660. cacancerjournal.com. Acesso: Maio de 2021.
4. Association of European Cancer Leagues - ECL. European code against cancer: about cancer screening.
https://www.europeancancerleagues.org. Acesso: Maio de 2021.
5. American Cancer Society – ACS. American Cancer Society Recommendations for Prostate Cancer Early
Detection. https://www.cancer.org/cancer/prostate-cancer/detection-diagnosis-staging/acs-
recommendations.html. Acesso: Maio de 2021.
6. UpToDate. Screening for prostate cancer. https://www.uptodate.com/contents/screening-for-prostate-cancer?
search=screening%20for%20prostate%20cancer&source=search_result&selectedTitle=1~150&usage_type=d
efault&display_rank=1. Acesso: Maio de 2021.
7. Welch HG, Schwartz LM, Woloshin S. We look harder for prostate cancer. In: Overdiagnosed: making people
sick in the pursuit of health. Beacon Press; 2011.p. 45-60.
8. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Programa
nacional de controle do câncer da próstata: documento de consenso. Rio de Janeiro: INCA; 2002.
9. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Tipos de câncer. Câncer de próstata.
https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-prostata. Acesso: Maio de 2021.
10. Luizaga CTM, Ribeiro KB, Fonseca LAM, Eluf Neto J. Tendências na mortalidade por câncer de próstata no
estado de São Paulo, 2000 a 2015. Rev. Saúde Pública. 2020;54. https://doi.org/10.11606/s1518-
8787.2020054001948.
11. Armaroli P, Villain P, Suonio E, Almonte M, Anttila A, Atkin WS, et al. European Code against Cancer, 4th
Edition: Cancer screening. Cancer Epidemiology. 2015;39S:S139-S152.
12. Araujo FAGR, Oliveira Jr. U. Current guidelines for prostate cancer screening: A systematic review and
minimal core proposal Rev Assoc Med Bras.2018;64(3).
13. Steffen RE, Trajman A, Santos M, Caetano R. Rastreamento populacional para o câncer de próstata: mais
riscos que benefícios. Physis. 2018;28(2).
14. Ilic D, Djulbegovic M, Jung JH, Hwang EC, Zhou Q, Cleves A, et al. Prostate cancer screening with prostate-
specific antigen (PSA) test: a systematic review and meta-analysis. BMJ. 2018 Sep 5;362:k3519.
15. Catalona WJ. Prostate cancer screening. Med Clin North Am. 2018 Mar;102(2):199-214.
16. Loeb S, Bjurlin MA, Nicholson J, Tammela TL, Penson DF, Carter HB, et al. Overdiagnosis and
overtreatment of prostate cancer. Eur Urol. 2014 Jun;65(6):1046-55.
2.6
Câncer de pulmão

PONTOS-CHAVE

O câncer de pulmão é a primeira causa de mortes por câncer no mundo. O consumo de cigarros
industrializados é o principal agente etiológico associado a essa neoplasia.
A prevalência de tabagismo vem diminuindo entre mulheres e homens há 2 e 4 décadas,
respectivamente, o que deve impactar a mortalidade por câncer de pulmão no futuro.
Calculadoras de risco, baseadas nos principais fatores associados ao câncer de pulmão, podem
auxiliar o(a) médico e o(a) paciente na decisão sobre o rastreamento.
De 2% a 3% dos pacientes submetidos a tomografia computadorizada de baixa dose (TCBD)
apresentam câncer de pulmão, o que possibilita aumento da sobrevida.
A abstinência prévia ou cessação do tabagismo e o tratamento de tumores em fase inicial
tendem a reduzir a incidência e a mortalidade por câncer de pulmão.

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear o câncer de pulmão em homens e mulheres, assintomáticos, fumantes ou ex-fumantes,


de 50 a 80 anos de idade.
Para todos acima de 65 anos, calcular, previamente, o risco de mortalidade em 10 anos (RM10)
pelo Índice de Suemoto (E-Prognosis).
Para todos de 50 a 65 anos de idade e para os maiores de 65 anos com RM10 < 50%, se
homem, ou < 37%, se mulher, calcular o risco de câncer de pulmão em 5 anos (RCP5), em
https://secure2.1s4h.co.uk/MYLUNGRISK/welcome.aspx, como apoio à decisão médica.
Após informação do paciente e decisão compartilhada, utilizar a tomografia computadorizada de
baixa dose (TCBD) como método de rastreamento, anual ou em períodos maiores conforme o
RCP5 calculado.
Ao(À) médico(a) assistente, avaliar as condutas subsequentes conforme a presença de nódulos
pulmonares, seu tamanho e forma, identificados pela TCBD.

RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES


A USPSTF recomenda a triagem anual para câncer de pulmão com tomografia
computadorizada de baixa dose (LDCT) em adultos com idade entre 50 e 80 anos que têm uma
história de tabagismo de 20 maços-ano e atualmente fumam ou pararam de fumar nos últimos
15 anos. A triagem deve ser interrompida quando uma pessoa não fumou por 15 anos ou
desenvolveu um problema de saúde que limita substancialmente a expectativa de vida ou a
capacidade ou vontade de fazer uma cirurgia pulmonar curativa.
A CTFPHC recomenda o rastreamento do câncer de pulmão entre adultos de 55 a 74 anos com
história de tabagismo de pelo menos 30 maços-ano, que fumam ou pararam de fumar há menos
de 15 anos, com tomografia computadorizada de baixa dose (TCBD) a cada ano até três vezes
consecutivas. A triagem só deve ser realizada em ambientes de saúde com acesso a
conhecimentos especializados em diagnóstico precoce e tratamento do câncer de pulmão.
A American Association for Thoracic Surgery recomenda rastreamento anual com TCBD para
norte-americanos de 55 a 79 anos com 30 maços-ano de consumo tabágico, ou a partir de 50
anos, com consumo de 20 maços-ano e RCP5 ≥ 5%.
A American Cancer Society recomenda rastreamento anual com TCBD para pessoas de 55 a 74
anos em boa saúde, com 30 maços-ano de consumo de tabaco, fumantes atuais ou que tenham
parado nos últimos 15 anos.
O American College of Chest Physicians muda apenas para 77 anos a idade limite em relação à
recomendação anterior. A National Comprehensive Cancer Network ainda acrescenta a esta
última o rastreamento a partir de 50 anos, 20 maços-ano de tabagismo e pelo menos mais 1
fator de risco de câncer de pulmão.
A American Academy of Family Physicians conclui que há evidência insuficiente a favor ou
contra o rastreamento de câncer pulmonar com TCBD em pessoas de alto risco baseado em
idade e histórico de tabagismo.

Marco é um executivo de empresa de 56 anos, que foi encaminhado pelo RH à clínica que faz o
seu check-up anual. Ele nega qualquer tipo de sintoma. Dentre seus hábitos, chama a atenção o
fato de beber pelo menos 2 doses de destilados todos os dias e de fumar de 1 maço e meio a 2
maços de cigarros também diariamente, há 35 anos. Refere ter tido suspeita de tuberculose, que
foi tratada, na infância. Nos últimos 3 anos, tomografias anuais de tórax mostraram 1 nódulo
apical no pulmão direito, estável, de 3 mm.

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

Epidemiologia

O câncer de pulmão é a maior causa de mortes por câncer em todo o mundo. A maioria
(85%) é constituída de tumores de células não pequenas (incluem o carcinoma de células
escamosas, o adenocarcinoma e o carcinoma de células grandes), e os restantes são de
pequenas células ou de outros tipos histológicos. O diagnóstico do câncer de pulmão pode ser
feito por sintomas clínicos (principalmente tosse, dispneia, hemoptise) ou por achado incidental
ou de rastreamento radiográfico.
Dados mundiais, de 2020, indicam o registro de 2.206.771 casos novos da doença, o
equivalente a 11,4% de todas as neoplasias malignas diagnosticadas nesse ano, e 1.796.144
mortes a ele associadas ou 18% de todos os óbitos por câncer. A mortalidade entre homens
chega a ser de 1,7 a 2 vezes maior do que a de mulheres. A incidência e a mortalidade chegam
a ser 3 a 4 vezes maiores em países desenvolvidos do que em países em desenvolvimento.
No Brasil, em 2020, estima-se terem ocorrido por volta de 30.200 casos novos, sendo
17.760 em homens e 12.440 em mulheres. Em 2019, os óbitos foram 29.354, sendo 16.733
homens e 12.621 mulheres. A sobrevida estimada em cinco anos para câncer de pulmão é de
18% (15% para homens e 21% para mulheres). Dado importante é que apenas 16% dos
cânceres são diagnosticados em estágio inicial (câncer localizado), para o qual a taxa de
sobrevida de cinco anos é de 56%.
Em vários países, as taxas de incidência vêm diminuindo progressivamente desde 1980,
para os homens, e desde 2000, para mulheres, basicamente em função da queda da prevalência
de tabagismo, que começou a acontecer em pessoas de ambos os sexos, porém a partir de
momentos diferentes.
As mortes por câncer de pulmão são consideradas evitáveis, uma vez que o tabagismo,
principalmente na forma de cigarros industrializados, é o seu mais importante fator de risco,
responsável por cerca de 80-85% dos casos e de óbitos. Também no Brasil, acompanhando a
tendência de queda da prevalência do tabagismo, a taxa de mortalidade anual caiu
aproximadamente 3,8% em homens e 2,3% em mulheres, de 2011 para 2015, reforçando a
predominância da relação de causa e efeito entre consumo de tabaco e câncer de pulmão.

Fatores de risco

O hábito de fumar cigarros expõe o fumante a milhares de diferentes substâncias químicas,


das quais algumas dezenas são agentes cancerígenos, confirmados ou suspeitos.
Secundariamente, não fumantes, que compartilham da mesma moradia de fumantes, podem
inalar resíduos, maiores ou menores, dessas substâncias, o que pode elevar o seu risco pessoal
de câncer de pulmão. O risco pode aumentar, também, diante da exposição concomitante dos
derivados da combustão incompleta do tabaco a outros fatores listados na Tabela 1.

TABELA 1 Fatores de risco associados ao câncer de pulmão

1. Tabagismo ativo por consumo de cigarros industrializados

2. Consumo de tabaco na forma de charutos, cigarrilhas, cigarro de palha ou outro

3. Exposição passiva contínua à fumaça de cigarros, fogão a lenha e poluição atmosférica

4. Antecedente pessoal de DPOC (bronquite crônica e enfisema) e infecções respiratórias de


repetição

6. Antecedente familiar de câncer de pulmão ou síndromes cancerígenas

7. Exposição ocupacional a asbestos, hidrocarboneto aromático policíclico, cromo, cádmio ou


arsênico

8. Exposição a radiação ionizante

DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica.

É muito comum encontrar pessoas vivendo e trabalhando normalmente sem qualquer tipo
de sintoma ou sinal de doença, mas cujos hábitos pessoais ou por características próprias do
trabalho estão sujeitas a doenças futuras. Os exames periódicos de saúde ocupacional,
obrigatórios no Brasil para indicar a aptidão do trabalhador à sua função, são também uma
oportunidade para se detectar riscos ou até diagnosticar doenças não ocupacionais em fase
subclínica.

Marco, por meio de um check-up a que tem direito pela empresa onde trabalha, fez tomografia
computadorizada (TC) de tórax, que deve ter sido indicada por causa da idade, do hábito de
fumar e do possível passado de tuberculose. Na primeira TC, ele teve um nódulo descoberto no
pulmão direito, em fase aparentemente inicial. Essa descoberta permitiu o seguimento periódico
da evolução desse nódulo. Se for necessário, outros exames ou uma biópsia com estudo
histopatológico podem ser feitos. É importante lembrar, porém, que a repetição anual de
tomografias de tórax convencionais pode expor o paciente a risco de danos por radiação.

SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO

Radiografia simples do tórax

A radiografia simples do tórax (com ou sem citologia de escarro associada) já foi estudada
e abandonada como método de rastreamento do câncer de pulmão, porque, no momento em
que o tumor se revela nesse exame, em geral, ele já se encontra em fase avançada. A
sensibilidade e a especificidade desse método para o rastreamento de cânceres de evolução
ainda inicial, localizada, são baixas. A radiografia simples passou a ser usada, inclusive, como
método de controle em ensaios clínicos que avaliaram o valor do rastreamento por TC.

Tomografia computadorizada de baixa dose

Atualmente, o método preconizado para rastrear o câncer de pulmão é a tomografia


computadorizada de baixa dose de radiação (TCBD). O exame é realizado com paciente em
decúbito dorsal e apneia respiratória, sem uso de contraste. A aquisição das imagens ocorre por
tomógrafos rápidos com múltiplos detectores, em poucos segundos. A acurácia da TCBD varia
muito em função do local onde o estudo radiológico é feito. A sensibilidade do exame pode
oscilar de 59% a 100%, a especificidade de 26,4% a 99,7%, o valor preditivo positivo de 3,3 a
43,5% e o valor preditivo negativo de 97,7% a 100%.

Estratégias de rastreamento e recomendações internacionais

O câncer de pulmão entrou para o rol de doenças rastreáveis proposto pela USPSTF, em
2013, e foi atualizado pela mesma entidade em março de 2021. Na mais nova recomendação,
ampliou-se a indicação de TCBD anual para uma faixa etária alvo de 50 a 80 anos de idade e
reduziu-se a carga tabágica mínima necessária para 20 maços-ano, para fumantes atuais ou ex-
fumantes que tenham parado há menos de 15 anos. A CTFPHC na sua recomendação, ainda de
2016, diferentemente da outra entidade, sustenta os 74 anos como idade máxima e 30 maços-
ano como carga tabágica mínima para indicar até 3 rodadas de rastreamento por TCBD.
O rastreamento do câncer é uma estratégia dirigida, portanto, a um segmento específico de
pessoas no qual o balanço entre benefícios e riscos de danos parece ser mais favorável,
inclusive com redução da mortalidade. As vantagens do diagnóstico pré-clínico seriam o
melhor prognóstico de evolução da doença e a possibilidade de tratamento mais efetivo com
menos complicações. Os possíveis danos à saúde incluiriam: os resultados falso-positivos, que
geram ansiedade e novos exames desnecessários; os resultados falso-negativos, com falsa
sensação de segurança para o paciente; o sobrediagnóstico e o sobretratamento.
As forças-tarefas citadas e uma série de outras entidades internacionais encontraram
evidências suficientes para recomendar a TCBD para rastrear o câncer em pessoas
assintomáticas. Um estudo brasileiro concluiu que a TCBD é útil para tanto, inclusive, em
locais de alta prevalência de doença granulomatosa pulmonar, como a tuberculose. Entretanto,
há boa concordância em torno da necessidade da disponibilidade de outros exames de imagem
de alta resolução (em substituição a ações mais invasivas como punções-biópsias) na
investigação subsequente de nódulos rastreados.
Além disso, as entidades chamam a atenção ainda para a necessidade de alta expertise na
interpretação das imagens geradas pela TCBD. Como parte da tentativa de homogeneizar a
forma de emissão de laudos radiográficos, a classificação Lung-RADS de nódulos pulmonares
vem sendo usada como referência na interpretação da TCBD. Segundo esse critério, os nódulos
pulmonares são classificados em categorias 0 a 4 com base em seu tamanho e forma.
Por outro lado, nas mesmas recomendações internacionais, observa-se também o cuidado
de manter a indicação do exame, de preferência, aos indivíduos em situação de maior risco do
câncer e tomar a decisão de rastrear ou não de forma compartilhada entre profissionais da
saúde e pacientes. Além disso, é importante reforçar que o rastreio deve ser direcionado apenas
para indivíduos cuja condição de saúde e expectativa de sobrevida permitam a exposição a
procedimentos ou tratamentos agressivos, sem que haja piora da sua qualidade de vida.
Um desafio que se impõe à interpretação dos estudos de rastreamento para câncer de
pulmão é a transposição do aumento do diagnóstico para a redução da mortalidade. A
informação que permite fazer essa associação origina-se de inquéritos populacionais de longo
seguimento, experiências cujos resultados são ainda preliminares. A partir dessa informação
mais completa sobre a modificação da história natural com a realização de rastreamento, é
possível elaborar escores de risco que auxiliem a decisão clínica. Uma ressalva à aplicabilidade
dos estudos com maior quantidade de pacientes é a de que houve baixa representatividade de
não brancos nos estudos.

Ferramentas de avaliação e cálculo de risco


Dentre as ferramentas de avaliação de risco disponíveis, destaca-se o MyLungRisk
(https://secure2.1s4h.co.uk/MYLUNGRISK/welcome.aspx), uma ferramenta de cálculo on-line
resultante de um estudo caso-controle desenvolvido como parte do Liverpool Lung Project
(LLP), lançado em 1996, sob os auspícios da Roy Castle Lung Cancer Foundation, do Reino
Unido.
Essa calculadora permite estimar o risco de câncer de pulmão em 5 anos (RCP5) com base
em fatores como idade, sexo, histórico prévio de doenças pulmonares, câncer, exposição a
asbestos e de tabagismo. O MyLungRisk (ou LLP Lung Cancer Risk Model) foi validado
usando dados de dois outros grandes estudos internacionais e serviu para selecionar os
indivíduos a serem rastreados dentro do programa de rastreamento pulmonar do Reino Unido.
Nenhuma recomendação é feita no sentido de reduzir a frequência de TCBD em pacientes de
risco baixo ou moderado para câncer de pulmão. Porém, tomando como base a repetição anual
para indivíduos em risco alto (por exemplo, RCP5 ≥ 2,5%), a critério médico e por decisão
compartilhada com o(a) paciente, a periodicidade da TCBD pode ser alterada naqueles nos
quais o RCP5 seja persistentemente < 2,5%.

Sabendo que as informações conhecidas do Marco, o executivo de 56 anos citado no início deste
texto, indicam um passado de tuberculose tratada e 35 anos de tabagismo, o seu RCP5 calculado
pelo MyLungRisk seria 1,24%. Uma probabilidade maior do que a de um homem de 56 anos que
nunca fumou e não tem qualquer outro fator de risco de câncer de pulmão, que seria 0,16%, mas,
ainda assim, relativamente baixa para justificar o rastreamento anual preconizado por algumas
entidades.

SOBRE O TRATAMENTO E A PREVENÇÃO

Cessação do tabagismo

A melhor estratégia para lidar com o câncer de pulmão é, definitivamente, a prevenção


primária, ou seja, nunca ter fumado ou parar de fumar. O tabagismo é o fator de risco
modificável de maior relevância na etiopatogenia de cânceres pulmonares. O incentivo para
evitar ou cessar o tabagismo começa com políticas públicas que desestimulem o hábito,
incluindo medidas econômicas (p.ex., pela imposição de taxas e impostos sobre as atividades
de produção agrícola, fabricação e comercialização de produtos do tabaco), restrições de
consumo em locais públicos, regulação da propaganda, informação adequada e
disponibilização de recursos para quem necessitar de apoio médico e psicológico.
Para atender fumantes que expressam o desejo de parar ou são aconselhados nesse sentido
em função de suas condições clínicas, profissionais de atenção primária à saúde dispõem de um
conjunto de ferramentas que vão de entrevistas motivacionais, aconselhamento básico, terapias
cognitivo-comportamentais, individuais ou coletivas, até a prescrição de medicamentos com
efeito antitabágico comprovado.
Para ajudar no processo de cessação, existe o PANPA, uma estratégia que permite ao
profissional de saúde não somente fornecer orientações ajustadas conforme a carga tabágica do
paciente (número de maços-ano de cigarros fumados), mas também e principalmente o estágio
de prontidão para parar de fumar, definido no modelo transteórico (MTT) de mudanças
comportamentais. Com base no MTT, usando o PANPA e outras abordagens terapêuticas,
pode-se oferecer aconselhamento personalizado aos fumantes (Tabela 2).

TABELA 2 Correlação dos estágios do modelo transteórico (MTT) e do PANPA


Modelo transteórico (MTT) PANPA
Estágio de prontidão para mudar o Pergunte - Aconselhe - Negocie - Prepare -
comportamento Acompanhe
Contemplação – Pensa em parar, mas não de Aconselhe e oriente técnicas que facilitam a
imediato parada
Palavra-chave: Ambivalente

Preparação – Já toma iniciativa no sentido de Negocie a melhor estratégia de cessação com o


parar paciente
Palavra-chave: Decidido Prepare para as dificuldades do processo

Ação – Parou de fumar Prepare para possíveis causas de recaída


Palavra-chave: Concretização Acompanhe para agir em caso de recaída

Manutenção – Mantém a abstenção por meses Acompanhe para garantir a abstinência


Palavra-chave: Permanência

Além do aconselhamento, fundamental para dar o suporte a fumantes dependentes


comportamentais (pessoas que associam o fumo a outros hábitos ou situações comuns, como:
tomar café, após almoçar, beber com amigos) ou psíquicos (quando o cigarro é usado como
calmante ou relaxante de situações estressantes ou preocupações), há o tratamento
medicamentoso. Terapia de reposição de nicotina (pastilhas, gomas de mascar ou adesivos
transdérmicos), antidepressivos (nortriptilina e bupropiona) e inibidores agonistas de receptores
centrais de dopamina (vareniclina), com confirmado efeito na cessação do tabagismo, estão
disponíveis para pessoas nas quais a dependência farmacológica da nicotina é muito acentuada.
A prevenção primária, por meio de aconselhamento individual, medicação, intervenção em
grupo ou com especialista em terapias comportamentais, deve ser estimulada sempre. Ela vale,
também, para pacientes fumantes antigos em situação de alto risco de câncer, mesmo que o
rastreamento com TCBD não tenha revelado nódulos ou que tenha mostrado apenas nódulos
muito pequenos, que não justificariam rastreios periódicos. Exceto por possíveis efeitos
colaterais discretos do tratamento medicamentoso, a prevenção primária do tabagismo não
apresenta risco de danos significativos à saúde.

O QUE FAZER APÓS O RASTREAMENTO?

Seguimento radiográfico

Antes que procedimentos mais invasivos sejam executados, a evolução de nódulos


semissólidos ou sólidos menores que 8 mm pode ser revista anualmente, semestralmente ou,
eventualmente, trimestralmente, de acordo com o seu tamanho e forma identificadas na TCBD.
Após 3 exames sem alterações, o acompanhamento pode ser interrompido. Pacientes cujo
estudo radiográfico tenha revelado nódulo(s) maior(es) que 8 mm, ou outros menores que
cresceram com o tempo, devem ser encaminhados para especialistas a fim de dar
prosseguimento à investigação clínica.

Estratégias de biópsia

O paciente Marco é, certamente, uma pessoa para quem uma abordagem preventiva para
cessação do tabagismo estaria indicada. Como ele apresenta um nódulo muito pequeno, que não
aumentou de tamanho nos últimos 3 anos, é muito provável que não haja necessidade de nova
repetição do estudo radiológico. Esse nódulo seria classificado como Lung-RADS 0 ou 1.

Alguns nódulos pulmonares acabam por necessitar de punções-biópsias transtorácicas,


toracotomias ou por broncoscopia para complementação do diagnóstico e, posteriormente, de
outros exames para estadiamento tumoral pelo método TNM. Os cânceres pulmonares
localizados de células não pequenas são, geralmente, alvo de ressecção cirúrgica. Outros
podem ser tratados com cirurgia, quimioterapia, radioterapia, terapias-alvo, imunoterapia ou
combinações dessas opções de tratamento.
Em relação a risco de danos à saúde, estudos apontam que complicações de punções-
biópsias e procedimentos cirúrgicos executados após resultados de rastreamento falso-positivos
de câncer são descritos em 0,03% até 1,7% dos pacientes. Diferentes evidências apontam o
risco de câncer induzido por radiação como causa de cerca de 11 óbitos para 100.000 pessoas
após 4 rodadas de rastreamento com TCBD. A título de contextualização, a dose de radiação de
uma TCBD pode chegar a 2,4 mSv, o que equivale à dose média de exposição anual natural de
um cidadão dos EUA. O risco estimado de câncer ao longo da vida associado à radiação
originada da TCBD pode variar de 26 a 81 por 100.000 pacientes rastreados.
Pelo menos 2 grandes ensaios randomizados internacionais, um norte-americano e outro
europeu, mostraram uma redução significativa de mortalidade por câncer de pulmão entre 15%
e 20% em indivíduos rastreados com TCBD. Indivíduos em situação de risco maior, baseada
em idade e história de tabagismo acentuado, tendem a ser os mais beneficiados pelo
diagnóstico pré-clínico. Os principais danos são as complicações de punções ou procedimentos
cirúrgicos com finalidade diagnóstica, tratamentos desnecessários influenciados por resultados
falso-positivos e sobrediagnóstico. Porém, de modo geral, os benefícios obtidos superam os
riscos eventuais.

AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Dr. Jorge Sabbaga pela cuidadosa leitura do texto e
sugestão de melhorias.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. Canadian Task Force on Preventive Health Care – CTFPHC. Lung cancer (2016).
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/lung-cancer/. Acesso: Junho de 2021.
2. United States Preventive Services Task Force – USPSTF. Lung cancer: screening (2021).
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/lung-cancer-screening. Acesso: Junho
de 2021.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Tipos de câncer. Câncer de pulmão.
https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-pulmao/profissional-de-saude. Acesso: Junho de 2021.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Tabagismo. https://www.inca.gov.br/tabagismo.
Acesso: Junho de 2021.
5. Querido CN, Santos CD, Tunala RG, Germani ACCG, Oliveira AAP, Ferreira Jr. M. Aconselhamento em
promoção da saúde. In: Nunes MPT, et al. (eds.). Medicina interna ambulatorial: Principais desafios com
casos clínicos comentados. 1a edição. Rio de Janeiro: Editora Atheneu; 2019. p. 59-66.
6. Santos RS, Franceschini JP, Chate RC, Ghefter MC, Kay F, Trajano ALC, et al. Do current lung cancer
screening guidelines apply for populations with high prevalence of granulomatous disease? Results from the
First Brazilian Lung Cancer Screening Trial (BRELT1). Ann Thorac Surg 2015. The Society of Thoracic
Surgeons. http://dx.doi.org/10.1016/j.athoracsur.2015.07.013. Acesso: Junho de 2021.
7. Araujo LH, Baldotto C, Castro Jr G, Katz A, Ferreira CG, Mathias C, et al. Câncer de pulmão no Brasil. J
Bras Pneumol. 2018;44(01). https://doi.org/10.1590/S1806-37562017000000135. Acesso: Junho de 2021.
8. Cassidy A, et al. The LLP risk model: an individual risk prediction model for lung cancer. British Journal of
Cancer. 2008;98(2):270-6.
9. Raji OY, et al. Predictive accuracy of the Liverpool Lung Project Risk Model for stratifying patients for
computed tomography screening for lung cancer: A case-control and cohort validation study. Annals of
Internal Medicine 2012, 157(4):242-50.
10. Field JK, et al. The UK Lung Cancer Screening Trial: a pilot randomised controlled trial of low-dose
computed tomography screening for the early detection of lung cancer. Health Technol Assess.
2016;20(40):1-146.
11. Field JK, et al. UK Lung Cancer RCT Pilot Screening Trial: baseline findings from the screening arm provide
evidence for the potential implementation of lung cancer screening. Thorax. 2016;71(2):161-70.
2.7
Consumo excessivo de bebida alcoólica

PONTOS-CHAVE

O consumo de bebida alcoólica pode causar sensação de bem-estar e relaxamento, mas o seu
uso exagerado acarreta prejuízos coletivos e individuais graves à saúde.
Segundo a OMS, 5% de todas as doenças são causadas pelo álcool e mais de 3 milhões de
pessoas morrem todos os anos em decorrência do seu uso nocivo ou abusivo.
O rastreamento do consumo excessivo de álcool é uma estratégia para reduzir a incidência de
doenças, acidentes, violência e outros problemas psicossociais.
Os instrumentos de rastreamento permitem classificar o consumo alcoólico de acordo com o seu
nível de gravidade e risco para a saúde das pessoas.
Intervenções preventivas de aconselhamento, tratamento psicoterápico e medicamentoso
devem estar disponíveis na atenção primária ou em serviços especializados.

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear o consumo excessivo de bebida alcoólica em homens e mulheres entre 18 e 75 anos


que não apresentam queixas relacionadas ao álcool.
Aplicar o AUDIT-C (3 perguntas) ou M-SASQ (1 pergunta) após o esclarecimento preliminar
sobre o objetivo do rastreamento.
Se soma dos escores do AUDIT-C ≥ 5 ou M-SASQ ≥ 2, aplicar o AUDIT completo.
Adotar intervenções progressivas, de acordo com a soma dos escores do AUDIT completo
(Quadro 2).
Antecipar a certeza da disponibilidade de intervenção preventiva e tratamento adequado para
todos que deles necessitarem, antes de efetuar o rastreamento.

RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES


O US Department of Veterans Affairs recomenda rastreio anual com AUDIT-C e SASQ.
O American College of Obstetricians and Gynecologists e a World Health Organization
recomendam rastrear o consumo de álcool em mulheres antes e no primeiro trimestre de
gestação, e oferecer aconselhamento breve para aquelas que consomem álcool.

Lina é uma mulher de 43 anos, publicitária, casada, que tem 2 filhas adolescentes e mora em São
Paulo. Durante o exame periódico da empresa, disse à médica que não sentia nada e que, exceto
pelo grande estresse do trabalho, sua vida e sua saúde eram ótimas. A médica, então, perguntou
se ela fazia algo para tentar se desestressar. Ela respondeu que não tem muito tempo livre só
para ela, mas que todas as noites, depois que as filhas e o marido se deitam, ela toma 3 ou 4
doses de uísque para relaxar e dormir melhor.

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

O ato de beber bebidas alcoólicas faz parte da história da humanidade. Tradições culturais
ou religiosas de diversas sociedades as incluem como parte de celebrações, cultos ou rituais.
Essa extrema popularidade se deve, em grande parte, às propriedades de relaxar e proporcionar
uma sensação de bem-estar, que despertam alegria e espontaneidade, e aumentam a capacidade
de sociabilização das pessoas, pelo menos enquanto o seu consumo não seja excessivo. Por
outro lado, se for exagerado, tanto em picos agudos intermitentes quanto de forma contínua, a
ingestão do álcool pode acarretar sérios prejuízos coletivos e individuais. Quase todas as
pessoas vão consumir álcool pelo menos uma vez na vida e o primeiro contato com a
substância muitas vezes se dá na infância ou adolescência.

Epidemiologia

No Brasil, mais de 70% dos alunos matriculados no nono ano do ensino fundamental já
experimentaram álcool alguma vez na vida, sendo que 27% deles têm padrão de consumo
regular e 9% problemas decorrentes do uso do álcool já nessa etapa da vida.
O Ministério da Saúde (MS), em 2019, apontou que 17,9% da população adulta brasileira
consumia bebida alcoólica abusivamente,1 11% das mulheres e 25% dos homens. O consumo
pela população feminina vem aumentando mais do que o masculino na última década. As
faixas etárias de maior prevalência de consumo abusivo de álcool são de 25 a 34 anos e de 18 a
24 anos, respectivamente, para homens e mulheres. A prevalência tende a diminuir com o
aumento da idade, em ambos os sexos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que o álcool é um dos principais fatores de
risco de danos à saúde ao redor do mundo. Ele impacta, diretamente, muitos dos objetivos
sanitários do desenvolvimento sustentável dos países, como: a saúde materna e infantil, o
controle das infecções transmissíveis (p. ex., HIV, hepatites virais, tuberculose), várias doenças
crônicas não transmissíveis (DCNT), distúrbios mentais, acidentes, violência e intoxicações. A
prevenção do seu uso nocivo é um alvo, também, para o fortalecimento de políticas de
desenvolvimento e equidade social.

Fatores de risco

O seu consumo é frequentemente concomitante ao de outras substâncias psicoativas e


causadoras de dependência, sendo a comorbidade entre tabaco e álcool longamente conhecida e
largamente estudada. Políticas de saúde pública são, portanto, extremamente importantes e
necessárias no sentido de conter o consumo exagerado, nocivo ou abusivo de álcool e a sua
concomitância ao uso de outras drogas (principalmente opiáceos, maconha e
benzodiazepínicos). Os fatores que contribuem para o consumo de álcool são listados na Tabela
1.

TABELA 1 Fatores de risco que influenciam o consumo de bebida alcoólica

1. Tradições socioculturais

2. Nível de desenvolvimento econômico do país e poder aquisitivo das pessoas

3. Disponibilidade da bebida alcoólica e facilidade de acesso

4. Presença ou ausência de políticas públicas de prevenção do consumo e suas consequências

5. Idade e sexo

6. Histórico familiar de alcoolismo

7. Condições de trabalho e estresse

8. Problemas psicoafetivos (luto, solidão, conflitos familiares etc.)

9. Consumo de outras substâncias psicoativas ou causadoras de dependência

Consequências

Segundo a OMS, em todo o mundo, 5% de todas as doenças são causadas pelo álcool. Mais
de 3 milhões de homens e mulheres morrem todos os anos em decorrência do seu uso nocivo
ou abusivo. A entidade considera que não existe volume seguro de álcool a ser consumido
(embora alguns efeitos protetores sejam descritos na literatura científica) e justifica isso com
base na grande diversidade de doenças, lesões e problemas de natureza psicossocial associados
à bebida.
Em termos de mortalidade, o MS associa 1,45% de todos os óbitos ocorridos de 2000 a
2017 ao consumo nocivo de álcool. Homens apresentam risco de mortalidade cerca de 9 vezes
maior do que as mulheres, levando-se em conta apenas as mortes por causas naturais, ou seja,
excluindo-se acidentes, violências e outras causas parcialmente atribuídas.
As complicações do uso excessivo em curto prazo incluem: perda de controle e
coordenação psicomotora, náuseas e vômitos, sonolência, queda progressiva do nível de
consciência e coma (Tabela 2). Essas situações podem, por sua vez, cursar com distúrbios
hidroeletrolíticos e do equilíbrio ácido-básico, aspiração de conteúdo gástrico para os pulmões,
convulsões, internações hospitalares etc. Alcoolismo agudo é fator de risco, também, para:
infecções sexualmente transmissíveis (em função do não uso de proteção adequada durante
relações sexuais); abuso concomitante de outras drogas; atos de violência e acidentes, dentre os
quais se destacam os de trânsito, que colocam em risco a integridade física da própria pessoa e
de terceiros.

TABELA 2 Correlação da concentração de álcool no sangue e os possíveis danos agudos à saúde


Álcool no sangue (mg/mL) Dano agudo à saúde
0,2-0,3 O funcionamento mental começa a ser prejudicado.

0,3-0,5 A atenção e o campo visual são reduzidos. O controle cerebral relaxa


e há uma sensação de tranquilidade e bem-estar.
TABELA 2 Correlação da concentração de álcool no sangue e os possíveis danos agudos à saúde
Álcool no sangue (mg/mL) Dano agudo à saúde

0,5-0,8 Os reflexos ficam retardados. Superestimação das habilidades de


desempenho. Tendência agressiva. Dificuldade de adaptação da visão
à luminosidade.

0,8-1,0 Dificuldade em dirigir/controlar veículos. Pedestres sob efeito do álcool


têm dificuldade de caminhar pela via pública. Prejuízo de coordenação
neuromuscular.

1,0-1,9 Falta de coordenação. Inabilidade de interpretar corretamente o que


esteja acontecendo. Julgamento crítico ruim. Dificuldade em andar ou
manter-se em pé.

2,0-2,9 Náuseas. Vômitos.

3,0-3,9 Intoxicação séria. Redução da temperatura corporal. Amnésia parcial


(blackout).

> 4,0 Intoxicação alcoólica. Coma. Risco de morte ≥ 50%.

Fonte: adaptada de CISA 2020 (ver Bibliografia consultada).

Em nível individual, o efeito do consumo crônico da bebida alcoólica na saúde é ilustrado


pela tradicional curva J. Embora ainda controverso, alguns estudos sugerem que a abstinência
total ou o consumo muito esporádico de álcool pode acarretar algum risco de doenças,
principalmente de natureza cardiovascular. Pequenas quantidades, abaixo de certos limites
tidos como seguros,2 parecem exercer um efeito protetor, reduzindo a probabilidade de eventos
cardiovasculares e, possivelmente, de mortalidade em 10 anos.3 Porém, com o aumento
progressivo de doses diárias ou das doses agregadas semanais, o eventual efeito protetor
desaparece e os riscos concretos de danos à saúde crescem acentuadamente.
Já o seu uso contínuo, ao longo de anos, acima das quantidades consideradas seguras, é
associado a comprometimento grave do: fígado (hepatite alcoólica, cirrose, hipertensão portal,
insuficiência hepática, câncer); pâncreas (pancreatite crônica, DM, cistos e câncer); sistema
nervoso (síndrome de Wernicke-Korsakoff, neuropatia periférica); coração (miocardiopatia
alcoólica); além de desnutrição, perda ponderal, suscetibilidade a infecções, anemia e outros
acometimentos orgânicos.

O caso da Lina, uma pessoa de provável poder aquisitivo elevado, em faixa etária média e que
vive com seu marido e 2 filhas, chama a atenção pela aparente normalidade. Entretanto, o
detalhe final, de que ela bebe algumas doses de destilado antes de dormir como forma de
relaxamento, não deixa de causar uma certa preocupação. Ela bebe apenas nas situações
citadas? Esse hábito já lhe trouxe algum problema familiar ou no trabalho? Enfim, essas e outras
são dúvidas legítimas que podem ajudar a desvendar situações de perigo ainda não percebidas
pela paciente.

Muito importantes são os efeitos psicossociais da dependência alcoólica: rompimento de


relações na família e no trabalho, que podem evoluir para desagregação familiar, desemprego,
perda de renda e patrimônio e, no limite, ao abandono e pobreza extrema. Um conjunto de
desfechos negativos que por si só justificam a preocupação em adotar ações preventivas, uma
delas, o diagnóstico pré-clínico.
O álcool tende a aprofundar iniquidades sociais entre países e entre grupos populacionais
de um mesmo país. No longo prazo, países, povos ou comunidades mais pobres correm mais
riscos de danos do que seus equivalentes mais ricos diante de um mesmo padrão de consumo
de bebidas alcoólicas. Paradoxalmente, entretanto, a evolução econômica muito rápida da
pobreza para a riqueza pode potencializar o consumo alcoólico e seus danos inerentes, uma vez
que a disponibilidade e a facilidade de acesso ao álcool também aumentam.

SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO


A dimensão do problema do consumo excessivo ou nocivo da bebida alcoólica no mundo é
enorme. A OMS apresenta diversas estratégias de enfrentamento, com diretrizes gerais,
recomendações, orientações e informações. No seu conjunto, elas abordam as diversas
vertentes do consumo alcoólico, com possíveis soluções que vão das amplas políticas públicas
até a atenção à saúde individual.

Questionários estruturados

No contexto do rastreamento, o ASSIST (Alcohol, Smoking and Substance Involvement


Screening Test) é uma ferramenta preconizada pela OMS como meio para abordar,
conjuntamente, o uso inadequado de várias substâncias psicoativas (ver Capítulo “Consumo
nocivo de drogas ilícitas e medicamentos”). Ao mesmo tempo, outras ferramentas específicas
para o álcool foram desenvolvidas no meio científico com a finalidade de identificar,
especificamente, o problem drinking nas suas fases mais iniciais.
O CAGE talvez seja a ferramenta que mais popularidade alcançou no meio médico
brasileiro, em função da sua simplicidade e facilidade de aplicação, na prática. CAGE é o
acrônimo dos termos em inglês: Cut down – Annoyed – Guilty – Eye-opener. Ele é constituído
de quatro perguntas:

1. Você alguma vez já sentiu que deveria diminuir ou parar de beber? (Cut-down)
2. As pessoas têm incomodado você, criticando-o por beber? (Annoyed)
3. Você já se sentiu mal ou culpado por seu hábito de beber? (Guilty)
4. Você já sentiu que tinha que beber logo cedo de manhã para controlar os nervos e superar
a ressaca? (Eye-opener)

Essas perguntas (ou pequenas variações delas) podem ser incluídas em uma anamnese
dinâmica e fornecer uma ideia preliminar do grau de dependência da pessoa em relação ao
álcool. O CAGE, que não aborda diretamente a frequência e a quantidade de bebida
consumida, é um instrumento de boa sensibilidade e especificidade para detectar consumo
avançado, porém ele é incapaz de fornecer uma visão mais ampla de todo o espectro do uso
não saudável ou nocivo da bebida.
A USPSTF, em revisão de 2018 do que a entidade denomina rastreamento do uso não
saudável da bebida alcoólica, identificou vários outros instrumentos breves para rastrear o
consumo alcóolico e acabou fixando a sua recomendação em dois deles: o SASQ e o AUDIT-
C.
O Single Alcohol Screeening Questionnaire (SASQ) consiste em aplicar uma única
pergunta, que tem o objetivo de identificar a quantidade de ocasiões em que houve consumo
abusivo (≥ 6 doses-padrão, para mulheres, e ≥ 8 doses-padrão, para homens), nos últimos 12
meses. A sensibilidade descrita do SASQ é de 73% a 88% e a especificidade de 74% a 100%; o
seu uso modificado (M-SASQ) foi aprimorado para rastreamento rápido em situações de
emergência. A seguir estão indicados a pergunta a ser feita e os critérios de interpretação do M-
SASQ.

PERGUNTA 0 1 2 3 4 ESCORE
Com que Nunca Menor que Mensal Semanal Diária ou
frequência mensal quase diária
você tomou 6
ou mais doses,
se mulher, ou
8 ou mais, se
homem, em
uma única
ocasião, no
último ano?

Interpretação: Escore 0-1: risco baixo. Escore 2-4: risco moderado a alto – RASTREAMENTO
POSITIVO (aplicar o AUDIT completo).

Já o AUDIT-C (Alcohol Use Disorders Identification Test) é constituído de 3 perguntas


sobre frequência e quantidade de consumo crônico de bebida, além de situações de consumo
agudo abusivo. A sensibilidade estimada do AUDIT-C é semelhante à do SASQ, 73% a 100%
(com melhor acurácia entre homens), mas a variação da especificidade é maior, 28% a 91%. Se
o rastreamento for considerado positivo, um aprofundamento deve ser feito com o AUDIT
completo, que engloba em si, com pequenas nuances, as perguntas do CAGE.
O AUDIT completo apresenta 10 perguntas capazes de fornecer uma fotografia do
consumo alcoólico e algumas das suas repercussões. Na verdade, o AUDIT-C nada mais é do
que uma parte do AUDIT completo. Caso as respostas dadas às 3 perguntas iniciais
justifiquem, as outras 7 perguntas subsequentes que completam o AUDIT fornecem
informações suplementares sobre o ato de beber e seus impactos, por exemplo, nas atividades
diárias, desempenho cognitivo, risco de acidente e outros. A sensibilidade do AUDIT completo
varia de 38% a 73%, porém sua especificidade é bastante adequada, 89% a 97%,4 o que reforça
a sua utilidade como teste complementar ao AUDIT-C ou SASQ. Usando valores de cortes
menores há melhora da sensibilidade sem perda de especificidade.
A seguir estão indicadas as perguntas do AUDIT-C e AUDIT completo na forma como
foram traduzidas para o português e são divulgadas pelo SENAD – Secretaria Nacional de
Políticas sobre Drogas, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). O Quadro 1
inclui também o que vem sendo considerada dose-padrão de álcool, no Brasil, e seus
equivalentes em bebidas comercializadas.

QUADRO 1 Questionários AUDIT C e AUDIT completo

AUDIT COMPLETO
AUDIT-C
QUADRO 1 Questionários AUDIT C e AUDIT completo

1. Com que frequência você 2. Nas ocasiões em que bebe, 3. Com que frequência você toma
toma bebidas alcoólicas? quantas doses1 você consome 6 ou mais doses de uma vez?
(0) Nunca tipicamente ao beber? (0) Nunca
(1) Mensalmente ou menos (0) 1 ou 2 (1) Menos do que 1 vez ao mês
(2) De 2 a 4 vezes por mês (1) 3 ou 4 (2) Mensalmente
(3) De 2 a 4 vezes por semana (2) 5 ou 6 (3) Semanalmente
(4) 4 ou mais vezes por semana (3) 7, 8 ou 9 (4) Todos ou quase todos os dias
(4) 10 ou mais
4. Quantas vezes, ao longo dos 5. Quantas vezes, ao longo dos 6. Quantas vezes, ao longo dos
últimos 12 meses, você achou últimos 12 meses, você não últimos 12 meses, você precisou
que não conseguiria parar de conseguiu fazer o que esperava beber pela manhã para se sentir
beber, uma vez tendo por conta do uso do álcool? bem ao longo do dia, após ter
começado? (0) Nunca bebido no dia anterior?
(0) Nunca (1) Menos do que 1 vez ao mês (0) Nunca
(1) Menos do que 1 vez ao mês (2) Mensalmente (1) Menos do que 1 vez ao mês
(2) Mensalmente (3) Semanalmente (2) Mensalmente
(3) Semanalmente (4) Todos ou quase todos os (3) Semanalmente
(4) Todos ou quase todos os dias (4) Todos ou quase todos os dias
dias

7. Quantas vezes, ao longo dos 8. Quantas vezes, ao longo dos 9. Alguma vez na vida você já
últimos 12 meses, você se últimos 12 meses, você foi causou ferimentos ou prejuízos a
sentiu culpado(a) ou com incapaz de lembrar o que você mesmo(a) ou a outra
remorso de ter bebido? aconteceu devido à bebida? pessoa após ter bebido?
(0) Nunca (0) Nunca (0) Não
(1) Menos do que 1 vez ao mês (1) Menos do que 1 vez ao mês (2) Sim, mas não nos últimos 12
(2) Mensalmente (2) Mensalmente meses
(3) Semanalmente (3) Semanalmente (4) Sim, nos últimos 12 meses
(4) Todos ou quase todos os (4) Todos ou quase todos os
dias dias

10. Alguma vez na vida algum 1 Uma dose-padrão (14 g de álcool puro) equivale a:
parente, amigo, médico ou outro 40 mL de pinga, uísque, vodka, gim ou
profissional da saúde já se 85 mL de licor, vermute ou Porto ou
preocupou com o fato de você
140 mL de vinho de mesa (1 cálice) ou
beber ou já sugeriu que você
320 mL de cerveja (1 lata)
parasse com o uso do álcool?
(0) Não
(2) Sim, mas não nos últimos 12
meses
(4) Sim, nos últimos 12 meses

Se a soma dos escores do AUDIT-C for ≥ 5, a primeira fase do rastreamento é considerada


positiva e o AUDIT completo deve ser aplicado. Conforme a soma dos escores do instrumento
completo, será possível classificar com mais clareza o nível de gravidade da situação. A
SENAD propõe a seguinte classificação:

ZONA I (soma de escores 0 a 7): pessoas que se localizam na zona I geralmente fazem
uso de baixo risco de álcool ou são abstêmias. De uma forma geral, são pessoas que
bebem menos de duas doses-padrão por dia ou que não ultrapassam a quantidade de
cinco doses-padrão em uma única ocasião. A intervenção adequada nesse nível é a
educação em saúde, para que haja a manutenção do padrão de uso atual.
ZONA II (soma de escores 8 a 15): pessoas que pontuam nessa zona são consideradas
usuários de risco; são pessoas que fazem uso acima de duas doses-padrão todos os
dias ou mais de cinco doses-padrão em uma única ocasião, porém não apresentam
nenhum problema decorrente disso. A intervenção adequada nesse nível é a
Orientação Básica sobre o uso de baixo risco e sobre os possíveis riscos orgânicos,
psicológicos ou sociais que o usuário pode apresentar se mantiver esse padrão de uso.

ZONA III (soma de escores 16 a 19): nessa zona de risco estão os usuários com
padrão de uso nocivo; ou seja, pessoas que consomem álcool em quantidade e
frequência acima dos padrões de baixo risco e já apresentam problemas decorrentes
do uso de álcool. Por outro lado, essas pessoas não apresentam a quantidade de
sintomas necessária para o diagnóstico de dependência. A intervenção adequada
nesse nível é a utilização da técnica de Intervenção Breve e Monitoramento.

ZONA IV (soma de escores 20 a 40): pessoas que se encontram nesse nível


apresentam grande chance de ter um diagnóstico de dependência. Nesse caso, é
preciso fazer uma avaliação mais cuidadosa e, se confirmado o diagnóstico, deve-se
motivar o usuário a procurar atendimento especializado para acompanhamento e
encaminhá-lo ao serviço adequado.

Riscos de danos à saúde da pessoa rastreada decorrentes do consumo alcoólico,


preponderantemente os de natureza psicossocial, como constrangimento, rotulagem,
discriminação, são possíveis e devem ser antecipados. Informar a pessoa dos possíveis
desdobramentos do rastreamento, garantindo que ela terá acesso a intervenção ou tratamento e
compartilhar a decisão de rastrear ou não, são passos preliminares necessários. Uma vez
tomados esses cuidados, o balanço entre benefícios e riscos de danos por consequência do
rastreamento tenderá para o lado positivo.

SOBRE O TRATAMENTO E A PREVENÇÃO

O tipo e a intensidade da intervenção a ser adotada vão depender das respostas dadas ao
AUDIT completo. A sua complexidade aumenta com o aumento da soma dos escores e está
diretamente relacionada com a capacidade do(a) profissional de saúde, que executou o
rastreamento, e da instituição de saúde, na qual está inserido(a), de oferecerem o serviço
adequado a cada caso. O Quadro 2 especifica a intervenção proposta para cada nível de soma
de escores, como discriminada acima pelo SENAD.

Caso Lina seja solicitada a responder às perguntas do AUDIT-C, a soma dos escores das
respostas será, no mínimo, = 5. Ela pode ser uma pessoa em situação de risco de dano pelo
consumo alcoólico e merece uma complementação do rastreamento pelo AUDIT completo.

QUADRO 2 Soma dos escores do AUDIT completo e a intervenção recomendada


Soma dos escores do AUDIT Intervenção proposta
Zona I: 0-7 Prevenção primária

Zona II: 8-15 Aconselhamento básico

Zona III: 16-19 Aconselhamento avançado (especializado)


QUADRO 2 Soma dos escores do AUDIT completo e a intervenção recomendada
Soma dos escores do AUDIT Intervenção proposta

Zona IV: 20-40 Aconselhamento e tratamento especializado

Fonte: adaptado de World Health Organization (1982).

A prevenção primária, indicada para os indivíduos cujo rastreamento seja considerado


negativo (Zona I), consiste no fornecimento de informações e orientações básicas para que a
pessoa continue mantendo a abstinência ou o consumo alcoólico em níveis seguros. A
abstinência total, se for essa a preferência pessoal do(a) paciente, pode ser aconselhada, porém,
em função das evidências científicas disponíveis, para quem já consome álcool, costuma-se
recomendar que não ultrapasse 1 dose-padrão diária ou 7 acumuladas por semana se for
mulher, ou 2 doses-padrão por dia ou 14 por semana se for homem. Esses são os valores de
referência mais citados em publicações nacionais.
Pessoas rastreadas na Zona II já ultrapassaram a faixa mais segura de consumo alcoólico.
Essas pessoas, provavelmente, ainda não percebem no álcool um problema, e não referem
qualquer repercussão dele na sua vida ou na saúde. Entretanto, encontram-se em situação de
risco possível para distúrbios comportamentais e acidentes. São estratégias possíveis nessa
fase: aconselhamento básico com entrevista motivacional para incentivar a volta ao consumo
máximo recomendado, negociação de metas regressivas de consumo, tentativa de bloquear os
“gatilhos” do consumo alcoólico (p. ex., adotar técnica de relaxamento para o estresse, evitar
happy hour todas as noites, ingerir bebidas não alcoólicas às refeições).
Com soma dos escores entre 16 e 19 (Zona III), o consumo alcoólico é considerado nocivo
e, além de repercussões funcionais presentes na vida diária, o paciente corre sério risco de
desenvolver uma dependência severa da bebida, se mantiver o mesmo ritmo no futuro. As
intervenções mais efetivas nessa fase são avançadas e podem depender de especialista. Os
grupos de mútua-ajuda como Alcoólicos Anônimos (AA), terapia coletiva, psicoterapia
dirigida à cessação do consumo nocivo, dentre outros, passam a ser indicados nessa fase.
Por último, vem a dependência severa, na qual o álcool pode deixar marcas irreversíveis na
vida do(a) paciente (Zona IV). Dependendo do grau de evolução do alcoolismo podem ser
necessárias medidas psicoterápicas associadas a tratamentos medicamentosos, ambulatoriais ou
até mesmo em clínicas especializadas. O tratamento clínico geral talvez seja também preciso,
pois múltiplos órgãos e aparelhos orgânicos já podem estar acometidos. Uma realidade comum
é o de internações repetidas para desintoxicação ou tratamentos médicos, nesse período.
Algumas ressalvas precisam ser feitas em relação às intervenções: 1) prevenção primária e
aconselhamento básico estão ao alcance de profissionais de saúde de atenção primária; 2)
aconselhamento avançado e tratamento são da alçada de especialistas, e devem estar
disponíveis a todos que deles necessitarem; 3) profissionais de atenção primária que não se
sentirem aptos a prestar aconselhamento básico devem ter serviços especializados de referência
para encaminhamento.
O balanço entre benefícios e riscos de danos depende da qualidade da intervenção
disponível e do estágio de evolução da dependência. O aconselhamento de adolescentes tende a
ter resultados menos auspiciosos. O mesmo ocorre com idosos dependentes de longa data.
Entretanto, de modo geral, para a maioria da população jovem e adulta assintomática, o
rastreamento parece ser útil.
Suponhamos que Lina tenha dado respostas positivas (≥ 1) apenas para as perguntas de
números 5, 7 e 10. Assim, a soma dos escores do seu AUDIT completo seria, no mínimo, 9. Ou
seja, mesmo achando que a bebida só serve para lhe fazer relaxar, ela já apresenta indícios de
uso excessivo de álcool. Pelo menos um aconselhamento básico já estaria indicado.

AGRADECIMENTO

Os autores agradecem a colaboração do Prof. Dr. Renério Fráguas Júnior pela cuidadosa
leitura do texto e sugestão de melhorias.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Unhealthy alcohol use in adolescents and adults:
screening and behavioral counseling interventions (2018).
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/unhealthy-alcohol-use-in-adolescents-
and-adults-screening-and-behavioral-counseling-interventions#bootstrap-panel--8. Acesso: Junho de 2021.
2. WHO – World Health Organization. Global status report on alcohol and health 2018.
https://www.who.int/publications/i/item/9789241565639. Acesso: Junho de 2021.
3. WHO – World Health Organization. Global status report on alcohol and health 2018.
https://www.who.int/publications/i/item/audit-the-alcohol-use-disorders-identification-test-guidelines-for-use-
in-primary-health-care. Acesso: Junho de 2021.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas
Estratégicas. Guia estratégico para o cuidado de pessoas com necessidades relacionadas ao consumo de
álcool e outras drogas. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.
5. Brasil. Secretaria Nacional Antidrogas. Levantamento nacional sobre os padrões de consumo de álcool na
população brasileira. Elaboração, redação e organização: Ronaldo Laranjeira et al.; Revisão técnica científica:
Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte. Brasília: Secretaria Nacional Antidrogas; 2007.
6. CISA – Centro de Informações sobre Saúde e Álcool. Álcool e a saúde dos brasileiros: Panorama 2020.
Organizador: Arthur Guerra de Andrade. 1. ed. São Paulo: CISA; 2020.
7. SENAD – Secretaria Nacional de Políticas sobre Álcool e Drogas. AUDIT & AUDIT-C: Eixo instrumentos.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4170599/mod_resource/content/1/audit.pdf. Acesso: Junho de 2021.
8. Malta DC, Mascarenhas MD, Porto DL, Duarte EA, Sardinha LM, Barreto SM, Neto OL. Prevalência do
consumo de álcool e drogas entre adolescentes: análise dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar.
Rev Bras Epidemiol. 2011;14(1) Supl.:136-46.
2.8
Consumo nocivo de drogas ilícitas e medicamentos

PONTOS-CHAVE

Estima-se em mais de 35 milhões o número de pessoas, no mundo, com algum distúrbio de


saúde relacionado ao consumo de drogas psicoativas, lícitas e ilícitas. A síndrome de
abstinência é tão mais grave quanto maior é o consumo e mais potente é a droga.
Além das várias consequências à saúde individual dos consumidores, a criminalidade e a
violência que envolvem a produção, o tráfico e a comercialização de drogas podem ampliar o
sofrimento e induzir mortes prematuras e evitáveis nas comunidades.
Na rede de atenção primária à saúde, em consultórios e ambulatórios, a identificação dos
consumidores habituais ou dependentes de substâncias psicoativas pode ser feita por meio de
questionários acurados e validados.
Rastrear o uso de substâncias psicoativas é um processo complexo, que envolve aspectos
médico-legais, valores morais e preferências pessoais. Estigmatização, rotulagem e outros
riscos ressaltam a necessidade de decisão compartilhada sobre o rastreamento.
Todos os dispositivos estruturais de apoio médico, psicossocial e legal devem estar disponíveis
e acessíveis ao paciente rastreado. Assim, ele poderá receber todo tipo de intervenção ou
tratamento, visando, no mínimo, a redução de danos e não a punição.

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear o consumo de drogas lícitas e ilícitas e de medicamentos off-label ou sem prescrição


médica em todos os adultos da população geral, entre 18 e 75 anos de idade.
Compartilhar a decisão sobre o rastreamento entre profissional da saúde e paciente.
Aplicar o ASSIST, por meio do formulário manual validado para o Brasil ou alguma variante
digital (p. ex., NIDA-modified ASSIST).
Ter disponível e acessível, previamente, toda a estrutura de apoio médico, psicossocial e legal
ao paciente que deles necessitar.

RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES


A American Academy of Family Physicians e o US Departments of Defense and Veterans Affairs
indicam que a evidência é insuficiente para recomendar rastreamento de uso de drogas ilícitas.
A American Academy of Pediatrics recomenda rastrear adolescentes que: se apresentam em
unidades de urgência ou emergência; referem tabagismo; têm depressão, ansiedade ou outro
problema de saúde mental associado com abuso de substância; ou que venham tendo
mudanças no desempenho escolar, social ou comportamental.
O American College of Obstetricians and Gynecologists aconselha o rastreamento anual de
mulheres para uso não médico de drogas de prescrição.

Marcos, um consultor de investimentos de 30 anos, procurou o médico por queixas de lapsos


frequentes de concentração no trabalho, cefaleia e muita irritabilidade. Refere ficar “plugado” o
tempo todo, até de madrugada, para acompanhar os mercados financeiros mundiais. Adaptou-se
a uma rotina de 4 a 5 horas de sono por noite e, durante o dia, fica acordado com ajuda de
remédios “que os amigos também tomam e lhe fornecem” (sic). Refere fumar cigarros, consumir
bebida alcoólica e muito café.

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA


O consumo de substâncias causadoras de dependência química está intimamente vinculado
à história da humanidade. Bebidas contendo álcool etílico, derivados do tabaco, medicamentos
psicoativos e drogas ilícitas, mais ou menos potentes, são usadas há séculos nas diferentes
sociedades humanas em contextos geoclimáticos e socioculturais os mais diversos. Salvo
exceções, o seu uso não medicinal é voltado para a busca de sensações prazerosas, relaxamento
e melhora do humor.
O uso controlado ou supervisionado de tais substâncias é possível. Entretanto, as suas
implicações negativas na saúde e eventual perda de funcionalidade em outras áreas, como
trabalho, lazer, finanças e relações interpessoais, extrapolam o âmbito meramente individual e
da saúde, com repercussões em outras esferas de ação humana (p. ex., política, judicial,
policial), nacionais e internacionais.

Aspectos epidemiológicos do consumo de substâncias químicas

A dimensão mundial do problema foi abordada em um relatório publicado em 2017, no


qual a United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC) estimou em 35 milhões o número
de pessoas sofrendo algum distúrbio de saúde relacionado ao uso de drogas e em 271 milhões
as pessoas, entre 15 e 64 anos, que haviam consumido algum tipo de droga no último ano.
Um estudo por amostragem de pessoas entre 12 e 65 anos, feito em 2005 nas 108 cidades
brasileiras com mais de 200 mil habitantes, estimou a prevalência de dependentes (não apenas
consumidores eventuais) de álcool e tabaco, respectivamente, em 12,3% e 10,1%. No mesmo
trabalho, 22,8% dos entrevistados referiram o uso de outras substâncias psicoativas em algum
momento da vida.
Mais recentemente (2015), um outro levantamento de dados, usando metodologia
semelhante à do anterior, relacionou as prevalências de consumo no último ano e nos últimos
30 dias, de substâncias químicas (lícitas e ilícitas) e medicamentos com efeito psicoativo (não
prescritos) mais referidos pelos entrevistados (Tabela 1).

TABELA 1 Prevalência do consumo de substâncias (lícitas ou ilícitas) e medicamentos psicoativos


(não prescritos) na população brasileira, 2015
Substância ou medicamento Último ano (%) Últimos 30 dias (%)
Álcool 43,1 30,1

Tabaco (cigarros industrializados) 15,5 13,6

Maconha/haxixe/skank 2,5 1,5

Opiáceos 1,4 0,6

Benzodiazepínicos 1,4 0,4

Cocaína 0,9 0,3

Crack e similares 0,3 0,1

Solventes 0,2 0,1

Anabolizantes 0,2 0,1

Chá de Ayahuasca 0,1 0,1

Ecstasy/MDMA 0,2 0,0

Drogas injetáveis 0,2 0,0

Heroína 0,1 0,0

LSD 0,2 0,0

Quetamina 0,1 0,0

Anfetamínicos 0,3 0,0

Anticolinérgicos 0,2 0,0

Barbitúricos 0,1 0,0

Fonte: ICICT, Fiocruz. III Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira.

Bebida alcoólica e tabaco lideram no Brasil

Observa-se que a bebida alcoólica e o tabagismo lideram por larga margem a lista de
substâncias psicoativas consumidas mais frequentemente no Brasil. A importância clínico-
epidemiológica do álcool, tão expressiva e peculiar, faz com que o seu rastreamento deva ser
tratado de forma mais completa em outro capítulo deste livro. Já o rastreamento do tabagismo
(Você fuma? Quantos cigarros por dia? Há quanto tempo?) será abordado no âmbito dos seus
efeitos mais relevantes à saúde (doenças cardiovasculares e o câncer de pulmão).

A relevância do consumo de maconha, cocaína e benzodiapínicos

Em relação, especificamente, ao consumo de drogas ilícitas e de medicamentos usados fora


da sua finalidade terapêutica ou sem prescrição médica, chama a atenção, na Tabela 1, a
prevalência de uso recente de maconha e similares, cocaína, benzodiazepínicos e opiáceos. No
mesmo estudo, a prevalência estimada indiretamente, por modelos matemáticos, de usuários de
maconha, de substâncias ilícitas (exceto maconha) e de crack e/ou similares seria,
respectivamente, de 3,1%, 1,9% e 1,1% da população de 27 capitais brasileiras.
Essas e outras substâncias listadas são ingeridas, inaladas ou injetadas com a intenção de
gerar efeitos cognitivos, psicoafetivos e outros processos mentais, como “ficar alto” ou “dar
barato”. Na prática, as substâncias são usadas isoladamente ou em combinações variadas. Os
efeitos deletérios à saúde acompanham essa variação e a frequência do uso.

Efeitos diretos e indiretos na saúde

Dentre eles, o primeiro a destacar é a dependência química, ou seja, o impulso que leva
uma pessoa a usar substâncias de forma contínua ou periódica, por longo período, para obter
prazer ou aliviar tensões, a despeito de possíveis prejuízos funcionais da convivência em
sociedade.
A tolerância e a síndrome de abstinência são suas características inerentes. Em conjunto,
podem levar o dependente químico ao uso descontrolado da droga e, na sua falta, a sofrer de
sintomas progressivos, como sensação de vazio, ansiedade, perda de concentração, cefaleia,
irritabilidade, agitação, náuseas e vômitos, perda ponderal, desidratação, tremores, alucinações,
convulsões e coma. A tendência geral é que os quadros clínicos sejam tão mais agressivos
quanto mais frequente é o consumo e mais potente é a droga (p. ex., cocaína e heroína).
Além das manifestações ligadas à dependência propriamente dita, as drogas e os
medicamentos podem induzir uma ampla gama de efeitos esperados e colaterais, que variam de
acordo com a substância ingerida, inalada ou injetada. A toxicidade pode acometer funções
vitais de praticamente todos os sistemas orgânicos, o que justifica a sua avaliação clínico-
laboratorial caso a caso. O consumo compulsivo exagerado pode levar ao óbito (overdose).
Além disso, são comuns infecções transmitidas pelo compartilhamento de material e má
higiene, principalmente no caso de injeção de drogas.
Tão ou mais importantes que os efeitos citados são os sociais, principalmente quando se
trata de drogas ilícitas, como a maconha, o crack, a cocaína, a metanfetamina etc. A legislação
brasileira penaliza a produção, o porte, o uso e o tráfico de drogas. Desde 2019, entretanto, as
penas previstas para o usuário ou dependente surpreendido com quantidades de drogas para uso
exclusivamente pessoal são de advertência, prestação de serviços à comunidade ou
comparecimento a programa educativo. Já a produção ou o tráfico são passíveis de punição por
prisão e multa.

Tráfico de drogas e criminalidade

Foge ao escopo deste texto aprofundar a discussão das graves repercussões sociais,
jurídicas e econômicas que envolvem o tráfico nacional ou internacional de drogas. Ressalta-se
apenas que, além das consequências à saúde individual dos consumidores, a criminalidade e a
violência que envolvem a produção e o tráfico aprofundam o impacto sobre a saúde das
coletividades, podendo ampliar o sofrimento e induzir mortes prematuras e evitáveis. O que,
em última análise, o check-up tem por objetivo evitar.

Marcos é uma pessoa produtiva, inserida no mercado de trabalho em uma função altamente
competitiva que requer alto nível de engajamento e esforço pessoal. Ele talvez se sinta bem
adaptado à sua rotina, embora com hábitos que possam prejudicar sua saúde futura: pouco sono,
tabagismo, consumo de álcool e de medicamentos fornecidos por amigos. É possível que suas
queixas estejam associadas a esses hábitos. A promoção da sua saúde parece depender do
rastreamento mais detalhado em relação ao uso de drogas lícitas e ilícitas.

SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO


Trabalhadores de empresas que lidam com situações de periculosidade, atletas que
competem em alto nível esportivo, pilotos de avião de carreira e outros profissionais cujo
desempenho precário possa colocar em risco a vida de terceiros podem fazer parte de
programas de rastreamento por meio de testes de análises clínicas para identificar a presença de
substâncias exógenas em fluidos orgânicos, como o sangue ou a urina. Mas a generalização
desse modelo de rastreamento, que tem várias implicações médico-ético-legais, para a
população geral, seria dificilmente aceita e aplicável na prática.

Questionários estruturados como método de rastreamento

Para pessoas atendidas na rede de atenção primária à saúde, em consultórios e


ambulatórios, a identificação dos consumidores habituais ou dependentes de substâncias
psicoativas pode ser feita, todavia, por meio da anamnese ou, de modo mais estruturado, por
questionários validados.
Nesse sentido, a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2002, apresentou o ASSIST
(Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test), resultado do trabalho conjunto
de pesquisadores de vários países. Trata-se de uma ferramenta para rastrear diversos tipos
diferentes de drogas lícitas e ilícitas, incluindo o álcool e o tabaco. Desde a sua criação, o
ASSIST foi considerado bastante confiável e aplicável para esse fim. Em 2004, o ASSIST foi
traduzido e validado para uso no Brasil, com sensibilidade variando de 84% a 91% e
especificidade de 79% a 98%.
Mais recentemente, outros autores propuseram variações do ASSIST limitadas à
abordagem de substâncias químicas outras que não o álcool e o tabaco, ou reduzindo o número
de perguntas para torná-lo mais adequado à aplicação na atenção primária à saúde. De modo
geral, o ASSIST, nas suas várias adaptações, permanece apresentando boas sensibilidade
(82,5% a 94,1%) e especificidade (82,2% a 91,1%), que variam segundo o desfecho
considerado (p. ex., uso não saudável da droga, consumo problemático ou dependência).

Marcos apresenta indícios de possível consumo abusivo ou dependência de medicamentos ou


mesmo de outras drogas, lícitas ou ilícitas. A aplicação do questionário ASSIST (parcial e
completo) pode ajudar a determinar o tipo de substância, a frequência de uso e os possíveis
impactos na sua saúde, no seu trabalho e lazer, nos seus relacionamentos interpessoais, nas
suas finanças e, eventualmente, identificar riscos legais que ele possa estar correndo, sem
perceber.

Recomendações internacionais de rastreamento do uso e abuso de substâncias

A USPSTF recomenda o NIDA-Modified ASSIST do National Institute of Drug Abuse


(NIDA), uma versão também ligeiramente modificada do ASSIST original, mas com a
vantagem de estar disponível em plataforma de acesso gratuito na internet. Nesta, o
rastreamento é feito em etapas sucessivas, inicialmente com 4 perguntas básicas (Tabela 2) que
podem ser reduzidas às 2 últimas, específicas sobre medicamentos e drogas ilegais.
TABELA 2 Rastreamento preliminar do consumo de substâncias causadoras de dependência
química – ASSIST modificado por NIDA Drug Screening Tool
No ano passado, com que frequência você usou as seguintes substâncias?

Álcool (Para homens, 5 ou mais doses por dia. Para mulheres, 4 ou mais doses por dia)
( ) Nunca ( ) Uma ou duas vezes ( ) Mensalmente ( ) Semanalmente ( ) Todos ou quase todos os
dias

Produtos do tabaco (cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos, narguilé, tabaco de mascar, aspirar ou
rapé)
( ) Nunca ( ) Uma ou duas vezes ( ) Mensalmente ( ) Semanalmente ( ) Todos ou quase todos os
dias

Medicamentos psicoativos sem prescrição médica ou off-label


( ) Nunca ( ) Uma ou duas vezes ( ) Mensalmente ( ) Semanalmente ( ) Todos ou quase todos os
dias

Drogas ilegais
( ) Nunca ( ) Uma ou duas vezes ( ) Mensalmente ( ) Semanalmente ( ) Todos ou quase todos os
dias

Na sequência, de acordo com as respostas dadas, são propostas outras questões para avaliar
a frequência e a severidade do uso e eventuais consequências possivelmente relacionadas a
cada droga consumida.
Inicialmente, o ASSIST completo tenta identificar o uso de tabaco, álcool e vários
medicamentos e drogas psicoativas alguma vez na vida. Em caso positivo para qualquer
substância da lista, 6 perguntas quantificam (por meio de escores) como foi nos últimos 3
meses a frequência de: consumo; sintomas de fissura; problemas de saúde, sociais, legais ou
financeiros; e incapacidades. Por fim, nas últimas 3 questões pergunta-se sobre: a possível
preocupação de amigos e parentes com o uso de substâncias pelo paciente; tentativas de
controlar, reduzir ou parar de consumir; e se já fez uso de drogas injetáveis. O Anexo 1
apresenta o formulário completo para aplicação manual do ASSIST na forma como é validado
para ser empregado no Brasil, incluindo as fórmulas de cálculos de pontuação e as
recomendações para cada substância consumida, de acordo com a faixa de pontuação auferida.

Vantagens e desvantagens no uso do ASSIST

A aplicação do ASSIST pode incorrer em riscos de danos a pacientes, devidos, por


exemplo, à estigmatização, rotulagem ou consequências médico-legais decorrentes do uso
inadequado das informações fornecidas e o vazamento ou quebra do sigilo que as envolvem.
Obviamente, o rastreamento do tema é complexo demais, incluindo valores morais e
preferências pessoais, e não deve ser imposto pelo profissional da saúde ao paciente sem que
este último seja informado, convenientemente, de todas as suas implicações.
Portanto, recomenda-se que a decisão final por rastrear ou não deva ser tomada, em
conjunto, por ambas as partes, profissional de saúde e paciente. Além disso, como em outros
tipos de rastreamento (p. ex., depressão e violência doméstica contra a mulher), é necessário
que todos os dispositivos estruturais de apoio médico, psicossocial e legal estejam disponíveis
e acessíveis de antemão aos necessitados.

SOBRE O TRATAMENTO E A PREVENÇÃO


O tratamento depende, diretamente, do tipo de droga, frequência de uso e do(s) problema(s)
que ela pode causar à saúde. Em grande parte das vezes, o consumo da droga é crônico e
alterna períodos de uso com interrupções voluntárias (p. ex., tentativa de cessação) ou forçadas
(p. ex., falta de dinheiro para a compra do produto). Isso, por si só, é um obstáculo ao
tratamento, que acaba sendo, da mesma forma, abandonado ou suspenso, intermitentemente.
Redução de recaídas, abstinência total, reinserção laboral, recuperação de relacionamentos
pessoais, dentre outros, são alvos do tratamento.

Opções de abordagem terapêutica

Farmacoterapia prescrita em conjunto com aconselhamento individual ou coletivo é o


tratamento padrão para os distúrbios ligados ao uso de opiáceos (heroína ou medicamentos
analgésicos). Outras drogas, como maconha, estimulantes e remédios psicoativos não opiáceos,
são tratadas em intervenções psicossociais e motivacionais, por meio de terapia cognitivo-
comportamental, estratégias de redução de danos, terapia comportamental em família ou
comunitária, ou grupos de mútua ajuda como os Narcóticos Anônimos (NA). Essas
intervenções podem durar várias semanas ou meses.
Tratamentos e procedimentos adequados devem ser providenciados para condições clínicas
paralelas, como a identificação da coexistência entre o consumo de drogas e doenças
infecciosas ou mentais, ou de pacientes que estejam abusando de opiáceos para tratar dores sem
a necessária supervisão médica.

Estratégias gerais de prevenção do uso de drogas

Em termos preventivos, o Ministério da Saúde ressalta duas linhas de estratégia de


abordagem: a proibicionista e a de redução de danos. A primeira equivale à redução da oferta
dos produtos para consumo (pela legislação de combate à produção e tráfico) e o incentivo à
rejeição dos consumidores aos mesmos, com propaganda indutiva negativa exemplificada na
vinheta: “Diga não às drogas”. Cursos, aulas e palestras são meios de divulgação de
informações da estratégia proibicionista, cujas repercussões parecem prevalecer,
prioritariamente, no público não consumidor das substâncias.
Já a redução de danos compreende um complexo de ações da esfera da promoção da saúde
que pode atingir a todos, como: acolhimento de usuários eventuais, habituais e dependentes;
orientações sobre consumo mínimo, saudável ou controlado de drogas com enfoque na
qualidade de vida; percepção de sinais de alerta para o abuso e a dependência; dicas de
autocuidados gerais com a saúde (alimentação, atividade física, sono etc.); aconselhamento
dirigido para cessação ou evicção de recaídas; prevenção de doenças transmitidas pelo
compartilhamento de equipamentos para injeção e inalação, entre outros.

A importância das políticas públicas e legislação pertinente

Em matéria de políticas públicas, em 2019, o governo brasileiro aprovou a Política


Nacional sobre Drogas (PNAD) e atualizou a legislação (Lei n. 11.343, de 23 de agosto de
2006 alterada pela Lei n. 13.840, de 5 de junho de 2019) que consolidou a criação do Sistema
Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD). Em documento publicado pelo
Ministério da Cidadania, em 2020, o SISNAD “prescreve medidas para prevenção do uso de
drogas, atenção e reinserção social de usuários e dependentes químicos. Estabelece, ainda,
normas para repressão à produção e ao tráfico ilícito de drogas, definindo os crimes praticados
nessas atividades e suas sanções penais”.
Ainda segundo o mesmo documento, a PNAD atual pressupõe: “Garantia do direito à
assistência intersetorial, interdisciplinar e transversal, a partir da visão holística do ser humano,
pela implementação e manutenção da rede de assistência integrada, pública e privada, com
tratamento, acolhimento em comunidade terapêutica, acompanhamento, apoio, mútua ajuda e
reinserção social, à pessoa com problemas decorrentes do uso ou da dependência do álcool e de
outras drogas e a prevenção do uso dessas substâncias a toda a população, principalmente
àquelas em maior vulnerabilidade.”
Os dispositivos legais citados ressaltam, portanto, a questão das drogas como um problema
de saúde pública, dentre outros, e enfatizam a importância da prevenção na população e da
assistência integrada ao usuário e dependente. Indiretamente, pode-se deduzir a relevância do
rastreamento para que medidas preventivas e terapêuticas sejam adotadas o mais precocemente
possível.

Balanço entre riscos e benefícios do rastreamento

Na prática, os benefícios e riscos de danos do rastreamento do uso de drogas varia em


função de fatores sanitários, sociais e legais. Há situações nas quais os custos para a avaliação,
diagnóstico e, principalmente, o tratamento dos indivíduos rastreados positivamente sejam
proibitivos para a sua implantação, tornando-o infactível. O balanço entre benefícios e
potenciais danos a pacientes será tão mais positivo quanto maior a capacidade de se obter
diagnóstico acurado e tratamento efetivo, visando ao bem-estar dos usuários rastreados e não à
sua punição.

AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Prof. Dr. Renério Fraguas Junior pela cuidadosa
leitura do texto e sugestão de melhorias.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Unhealthy Drug Use: Screening, 2020.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/drug-use-illicit-screening. Acesso em:
Maio de 2021.
2. United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC). Works Drug Report (2019). Disponível em
https://www.wdr.unodc.org/wdr2019. Acesso: Maio de 2021.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). III Levantamento Nacional sobre Uso de
Drogas pela População Brasileira. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 2017.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). III Levantamento Nacional sobre Uso de
Drogas pela População Brasileira - Documentação Complementar. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 2018.
5. WHO ASSIST Working Group. The Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test
(ASSIST): development, reliability and feasibility. Addiction. 2002;97:1183-94.
6. McNeely J, Strauss SM, Saitz R, Cleland CM, Palamar JJ, Rotrosen J, et al. A brief patient self-administered
substance use screening tool for primary care: Two-site Validation Study of the Substance Use Brief Screen
(SUBS) Am J Med. 2015 Jul;128(7):784.e9-19.
7. Quyen QT, Yani L, Rudolf HM, Brandy S. Diagnostic accuracy of a two-item screen for drug use developed
from the alcohol, smoking and substance involvement screening test (ASSIST). Drug Alcohol Depend. 2016
Jul 1;164:22-7.
8. Henrique IFS, De Micheli D, Lacerda RB, Lacerda LA, Formigoni MOS. Validação da versão brasileira do
teste de triagem do envolvimento com álcool, cigarro e outras substâncias (ASSIST). Rev Assoc Med Bras.
2004;50(2):199-20.
9. Brasil. Ministério da Justiça e Cidadania. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. SUPERA, 11a
Edição, Módulo 1. O uso de substâncias psicoativas no Brasil. Brasília: Ministério da Justiça e Cidadania;
2017
10. Brasil. Ministério da Cidadania. Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas. 11 perguntas para
você conhecer a legislação sobre drogas no Brasil. Florianópolis: SEAD/UFSC; 2020.

ANEXO 1 – ASSIST – OMS


QUESTIONÁRIO PARA TRIAGEM DO USO DE ÁLCOOL, TABACO E OUTRAS
SUBSTÂNCIAS

Nome: Sexo ( ) F ( ) M Idade:


Registro Entrevistador: Data: / /

NOMES POPULARES OU COMERCIAIS DAS DROGAS

a. produtos do tabaco (cigarro, charuto, cachimbo, fumo de corda)

b. bebidas alcoólicas (cerveja, vinho, champagne, licor, pinga, uísque, vodca, vermutes, caninha,
rum, tequila, gim)

c. maconha (baseado, erva, liamba, diamba, birra, fuminho, fumo, mato, bagulho, pango, manga-
rosa, massa, haxixe, skank etc.)

d. cocaína, crack (coca, pó, branquinha, nuvem, farinha, neve, pedra, cachimbo, brilho)

e. estimulantes, como anfetaminas (bolinhas, rebites, bifetamina, moderine, MDMA)

f. inalantes (solventes, cola de sapateiro, tinta, esmalte, corretivo, verniz, thinner, clorofórmio,
tolueno, gasolina, éter, lança-perfume, cheirinho da loló)

g. hipnóticos, sedativos (ansiolíticos, tranquilizantes, barbitúricos, fenobarbital, pentobarbital,


benzodiazepínicos, diazepam)

h. alucinógenos (LSD, chá-de-lírio, ácido, passaporte, mescalina, peiote, cacto)

i. opioides/opiáceos (morfina, codeína, ópio, heroína, elixir, metadona, meperidina, propoxifeno)

j. outras – especificar:

1. NA SUA VIDA QUAL(IS) DESSA(S) SUBSTÂNCIAS


VOCÊ JÁ USOU? (SOMENTE USO NÃO PRESCRITO NÃO SIM
PELO MÉDICO)
a. derivados do tabaco Não Sim

b. bebidas alcoólicas Não Sim

c. maconha Não Sim

d. cocaína, crack Não Sim

e. anfetaminas ou ecstasy Não Sim

f. inalantes Não Sim

g. hipnóticos/sedativos Não Sim

h. alucinógenos Não Sim

i. opioides/opiáceos Não Sim

j. outras, especificar Não Sim


Se “NÃO” em todos os itens, investigue:
Nem mesmo quando estava na escola?”
Se “NÃO” em todos os itens, pare a entrevista
Se “SIM” para alguma droga, continue com as demais questões

2. DURANTE OS TRÊS
ÚLTIMOS MESES, COM
QUE FREQUÊNCIA VOCÊ
DIARIAMENTE
UTILIZOU ESSA(S)
1 OU 2 OU QUASE
SUBSTÂNCIA(S) QUE NUNCA MENSALMENTE SEMANALMENTE
VEZES TODOS OS
MENCIONOU?
DIAS
(PRIMEIRA DROGA,
DEPOIS A SEGUNDA
DROGA ETC.)

a. derivados do tabaco 0 2 3 4 6

b. bebidas alcoólicas 0 2 3 4 6

c. maconha 0 2 3 4 6

d. cocaína, crack 0 2 3 4 6

e. anfetaminas ou ecstasy 0 2 3 4 6

f. inalantes 0 2 3 4 6

g. hipnóticos/sedativos 0 2 3 4 6

h. alucinógenos 0 2 3 4 6

i. opioides/opiáceos 0 2 3 4 6

j. outras, especificar 0 2 3 4 6

Se “NUNCA” em todos os itens da questão 2, pule para a questão 6; com outras respostas,
continue com as demais questões.

3. DURANTE OS TRÊS
ÚLTIMOS MESES, COM
QUE FREQUÊNCIA VOCÊ DIARIAMENTE
TEVE UM FORTE DESEJO 1 OU 2 OU QUASE
NUNCA MENSALMENTE SEMANALMENTE
OU URGÊNCIA EM VEZES TODOS OS
CONSUMIR? DIAS
(PRIMEIRA DROGA,
SEGUNDA DROGA ETC.)

a. derivados do tabaco 0 3 4 5 6

b. bebidas alcoólicas 0 3 4 5 6

c. maconha 0 3 4 5 6

d. cocaína, crack 0 3 4 5 6

e. anfetaminas ou ecstasy 0 3 4 5 6

f. inalantes 0 3 4 5 6

g. hipnóticos/sedativos 0 3 4 5 6

h. alucinógenos 0 3 4 5 6

i. opioides/opiáceos 0 3 4 5 6
3. DURANTE OS TRÊS
ÚLTIMOS MESES, COM
QUE FREQUÊNCIA VOCÊ DIARIAMENTE
TEVE UM FORTE DESEJO 1 OU 2 OU QUASE
NUNCA MENSALMENTE SEMANALMENTE
OU URGÊNCIA EM VEZES TODOS OS
CONSUMIR? DIAS
(PRIMEIRA DROGA,
SEGUNDA DROGA ETC.)

j. outras, especificar 0 3 4 5 6

4. DURANTE OS TRÊS NUNCA 1 OU 2 MENSALMENTE SEMANALMENTE DIARIAMENTE


ÚLTIMOS MESES, COM VEZES OU QUASE
QUE FREQUÊNCIA O SEU TODOS OS
CONSUMO DE (PRIMEIRA DIAS
DROGA, DEPOIS A
SEGUNDA DROGA ETC.)
RESULTOU EM
PROBLEMA DE SAÚDE,
SOCIAL, LEGAL OU
FINANCEIRO?

a. derivados do tabaco 0 4 5 6 7

b. bebidas alcoólicas 0 4 5 6 7

c. maconha 0 4 5 6 7

d. cocaína, crack 0 4 5 6 7

e. anfetaminas ou ecstasy 0 4 5 6 7

f. inalantes 0 4 5 6 7

g. hipnóticos/sedativos 0 4 5 6 7

h. alucinógenos 0 4 5 6 7

i. opioides/opiáceos 0 4 5 6 7

j. outras, especificar 0 4 5 6 7

5. DURANTE OS TRÊS
ÚLTIMOS MESES, COM
QUE FREQUÊNCIA, POR
CAUSA DO SEU USO DE
DIARIAMENTE
(PRIMEIRA DROGA,
1 OU 2 OU QUASE
DEPOIS A SEGUNDA NUNCA MENSALMENTE SEMANALMENTE
VEZES TODOS OS
DROGA ETC.), VOCÊ
DIAS
DEIXOU DE FAZER
COISAS QUE ERAM
NORMALMENTE
ESPERADAS DE VOCÊ?

a. derivados do tabaco 0 5 6 7 8

b. bebidas alcoólicas 0 5 6 7 8

c. maconha 0 5 6 7 8

d. cocaína, crack 0 5 6 7 8

e. anfetaminas ou ecstasy 0 5 6 7 8
5. DURANTE OS TRÊS
ÚLTIMOS MESES, COM
QUE FREQUÊNCIA, POR
CAUSA DO SEU USO DE
DIARIAMENTE
(PRIMEIRA DROGA,
1 OU 2 OU QUASE
DEPOIS A SEGUNDA NUNCA MENSALMENTE SEMANALMENTE
VEZES TODOS OS
DROGA ETC.), VOCÊ
DIAS
DEIXOU DE FAZER
COISAS QUE ERAM
NORMALMENTE
ESPERADAS DE VOCÊ?

f. inalantes 0 5 6 7 8

g. hipnóticos/sedativos 0 5 6 7 8

h. alucinógenos 0 5 6 7 8

i. opioides/opiáceos 0 5 6 7 8

j. outras, especificar 0 5 6 7 8

FAÇA as questões 6 e 7 para todas as substâncias mencionadas na questão 1

6. HÁ AMIGOS, PARENTES OU OUTRA PESSOA QUE TENHA NÃO, SIM, SIM,


DEMONSTRADO PREOCUPAÇÃO COM SEU USO DE (PRIMEIRA nunca nos mas
DROGA, DEPOIS A SEGUNDA DROGA ETC.)? últimos não
3 nos
meses últimos
3
meses

a. derivados do tabaco 0 6 3

b. bebidas alcoólicas 0 6 3

c. maconha 0 6 3

d. cocaína, crack 0 6 3

e. anfetaminas ou ecstasy 0 6 3

f. inalantes 0 6 3

g. hipnóticos/sedativos 0 6 3

h. alucinógenos 0 6 3

i. opioides/opiáceos 0 6 3

j. outras, especificar 0 6 3

SIM,
SIM, mas
7. ALGUMA VEZ VOCÊ JÁ TENTOU CONTROLAR, DIMINUIR OU PARAR nos não
NÃO,
O USO DE (PRIMEIRA DROGA, DEPOIS A SEGUNDA DROGA ETC.) E últimos nos
nunca
NÃO CONSEGUIU? 3 últimos
meses 3
meses

a. derivados do tabaco 0 6 3

b. bebidas alcoólicas 0 6 3
SIM,
SIM, mas
7. ALGUMA VEZ VOCÊ JÁ TENTOU CONTROLAR, DIMINUIR OU PARAR nos não
NÃO,
O USO DE (PRIMEIRA DROGA, DEPOIS A SEGUNDA DROGA ETC.) E últimos nos
nunca
NÃO CONSEGUIU? 3 últimos
meses 3
meses

c. maconha 0 6 3

d. cocaína, crack 0 6 3

e. anfetaminas ou ecstasy 0 6 3

f. inalantes 0 6 3

g. hipnóticos/sedativos 0 6 3

h. alucinógenos 0 6 3

i. opioides/opiáceos 0 6 3

j. outras, especificar 0 6 3

Nota importante: pacientes que tenham usado drogas injetáveis nos últimos 3 meses devem ser
perguntados sobre seu padrão de uso injetável durante este período, para determinar seus níveis
de risco e a melhor forma de intervenção.

8. ALGUMA VEZ VOCÊ JÁ USOU DROGAS POR INJEÇÃO?


(SOMENTE USO NÃO PRESCRITO POR MÉDICO)

NÃO, nunca SIM, nos últimos 3 meses SIM, mas NÃO nos últimos 3
meses

Guia de Intervenção para Padrão de uso injetável

PONTUAÇÃO PARA CADA DROGA


Anote a pontuação para Encaminhar
cada droga. SOME Receber para
Nenhuma
APENAS as pontuações Intervenção tratamento
intervenção
das questões 2, 3, 4, 5, 6 Breve mais
e7 intensivo
Tabaco 0-3 4-26 27 ou mais

Álcool 0-10 11-26 27 ou mais

Maconha 0-3 4-26 27 ou mais

Cocaína, crack 0-3 4-26 27 ou mais


PONTUAÇÃO PARA CADA DROGA
Anote a pontuação para Encaminhar
cada droga. SOME Receber para
Nenhuma
APENAS as pontuações Intervenção tratamento
intervenção
das questões 2, 3, 4, 5, 6 Breve mais
e7 intensivo

Anfetaminas ou ecstasy 0-3 4-26 27 ou mais

Inalantes 0-3 4-26 27 ou mais

Hipnóticos/sedativos 0-3 4-26 27 ou mais

Alucinógenos 0-3 4-26 27 ou mais

Opioides/opiáceos 0-3 4-26 27 ou mais

Outras, especificar 0-3 4-26 27 ou mais

CÁLCULO DO ESCORE DE ENVOLVIMENTO COM UMA SUBSTÂNCIA


ESPECÍFICA

Para cada substância (de “a” a “j”) some os escores obtidos nas questões 2 a 7 (inclusive). Não
inclua no cálculo as pontuações das questões 1 e 8.
Por exemplo, um escore para maconha deverá ser calculado do seguinte modo: Q2c + Q3c + Q4c
+ Q5c + Q6c + Q7c. Atenção: para tabaco a questão 5 não deve ser pontuada, sendo obtida pela
soma de Q2a + Q3a + Q4a + Q6a + Q7a.

Adaptação e validação para o Brasil por Henrique IFS, et al. Validação da versão brasileira
do teste de triagem do envolvimento com álcool, cigarro e outras substâncias (ASSIST). Rev
Assoc Med Bras. 2004;50:199-206.
Versão original desenvolvida por WHO ASSIST Working Group.
http://www.who.int/substance_abuse/activitiers/assist/en/index.html.
2.9
Depressão

PONTOS-CHAVE

A depressão é uma das principais causas de incapacidade mundialmente e forte contribuinte ou


agravante da carga global de doenças.
A depressão afeta mais mulheres do que homens e é importante causa de suicídio. Entretanto,
apenas entre 10% e 15% dos deprimidos recebem tratamento adequado.
Os questionários para rastrear depressão têm boa acurácia e aplicação simples e rápida. Duas
perguntas, sobre humor e falta de prazer, já são uma boa abordagem preliminar.
Estímulo a atividades físicas, grupos de ajuda, atividades de lazer e relaxamento, além de uma
organização de trabalho saudável, podem ajudar a prevenir a depressão.
Vários medicamentos antidepressivos (p. ex., tricíclicos, inibidores de recaptação de serotonina
e duais – serotonina e noradrenalina) e intervenções psicoterapêuticas são considerados
efetivos no tratamento da depressão.

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear a depressão em adultos entre 18 e 75 anos da população geral, que não se queixem,
explicitamente, de sintomas depressivos.
Informar o(a) paciente das características do rastreamento e das suas possíveis repercussões,
antes de decidir pela sua realização.
Ter certeza de que todas as possibilidades terapêuticas da depressão estejam disponíveis e
acessíveis, para o caso de o rastreamento ser positivo.
Iniciar o rastreamento pelas 2 primeiras perguntas do PHQ-9. Se a soma dos escores for maior
do que 2, aplicar as outras 7 perguntas do PHQ-9.
Confirmar o diagnóstico por meio de avaliação clínica e oferecer tratamento adequado ao grau
de gravidade, fornecido por profissional da saúde treinado e, se necessário, por especialista.

RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES


A American Academy of Pediatrics recomenda rastrear a depressão em mães após 1, 2 e 4
meses do nascimento do bebê.
A CTFPHC não recomenda rastrear rotineiramente a depressão em adultos da população geral.
A Community Preventive Services Task Force recomenda um cuidado colaborativo
(multidisciplinar) que incremente a rotina de rastreamento, diagnóstico e gerenciamento da
depressão.

Nivalda é uma cuidadora de idosos de 53 anos, que vive sozinha em uma comunidade carente do
Rio de Janeiro. Ela tem 2 filhas adultas que vivem em Minas Gerais há mais de 5 anos. Sua vida,
hoje, se resume a cuidar de uma senhora de 90 anos e a ficar em casa, nas horas de folga. Seu
lazer principal é assistir novelas e programas de TV aberta. Ela tem procurado serviços de saúde,
com certa frequência, para tratar de dores de cabeça, falta de energia e insônia. A sua aderência
aos medicamentos é bem irregular.

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

Depressão é uma doença crônica, com grande potencial incapacitante, da qual a


Organização Mundial da Saúde (OMS) estima em mais de 264 milhões o número de pessoas
acometidas ao redor do mundo. Depressão é mais do que uma flutuação de humor ou uma
resposta emocional passageira a problemas corriqueiros da vida diária. Quando se manifesta
cronicamente, implica em um grave problema de saúde com perda de funcionalidade e
repercussão na esfera social, escolar e profissional.

Epidemiologia da depressão no mundo e no Brasil

Em relatório de 2017, a OMS indicou uma prevalência mundial de depressão da ordem de


5,1% entre mulheres e 3,6% entre homens, valores muito próximos dos que se reproduzem na
região das Américas. No mesmo ano, o Global Burden of Disease Study 2017, publicado no
The Lancet, revelou um índice de 43.099 anos vividos com incapacidade (YLD)1 causada pela
depressão, representando um aumento de aproximadamente 52% do YLD, entre 1990 e 2017.
A região das Américas é responsável por cerca de 10% desses anos vividos com incapacidade.
A depressão e suas consequências são causa de problemas sociais e econômicos decorrentes de:
sofrimento emocional, piora da qualidade de vida, visitas médicas repetidas, tratamentos caros
e seus efeitos adversos, perda de tempo no trabalho, transporte e outros. A sobrecarga para a
sociedade, como um todo, relaciona-se a perdas de vida, redução de produtividade e do produto
interno, e aumento das despesas com saúde.
No Brasil, a depressão é a segunda maior causa de incapacidade. O país ostenta a liderança
em YLD na América Latina. De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), são
mais de 11 milhões de brasileiros portadores da doença, sendo que a prevalência registrada é
maior entre as mulheres (10,9%) do que em homens (3,9%). Em decorrência da pandemia de
COVID-19, transtornos mentais tendem a aumentar de prevalência, com necessidade de
estratégias de prevenção e intervenção. Destas, depressão e ansiedade têm grande potencial de
perda de qualidade de vida e produtividade.

Manifestações clínicas

Clinicamente, a depressão se expressa por sintomas de humor deprimido, tristeza intensa,


perda de interesse e prazer em atividades antes prazerosas, que são queixas obrigatórias para
que o diagnóstico seja confirmado. A persistência da sintomatologia por mais de 2 semanas é
indicativa de doença e não apenas de um fenômeno isolado. Para o diagnóstico clínico, são
relevantes também: queixas somáticas, ansiedade, distúrbios do sono (insônia ou sonolência
excessiva) e de apetite (anorexia ou hiperexia), perda de peso, sensação de falta de energia,
cansaço e lentidão. Além disso, podem ocorrer sentimentos inapropriados de culpa ou baixa
autoestima, falta de concentração, sentimento recorrente de morte, ideação suicida, labilidade
emocional. Na dependência da frequência e gravidade dos sintomas, a depressão é classificada
em maior ou menor. Alternada com episódios cíclicos de mania, constitui o transtorno afetivo
bipolar (TAB).
Um episódio depressivo pode ser considerado leve, moderado ou grave, dependendo da
intensidade dos sintomas. Um quadro leve pode acarretar alguma dificuldade em continuar um
trabalho simples ou atividades sociais, mas sem incapacidade significativa. Já diante de uma
manifestação depressiva grave, é improvável que a pessoa afetada possa manter níveis
habituais de desempenho em suas atividades sociais, escolares, de trabalho ou domésticas.
Suicídio é um desdobramento possível de quadros depressivos, independente da gravidade dos
sintomas ou incapacidades prévias.

Depressão e mortalidade por suicídio

A WHO Global Health Estimates estimou que 1,5% de todos os óbitos mundiais, em 2015,
foram devidos a suicídio. Ao mesmo tempo, sabe-se que um número grande e desconhecido de
tentativas não consumadas contribui para as consequências nefastas dos distúrbios depressivos.
Lembra-se que suicídio ocorre em qualquer faixa etária,2 principalmente em países de baixo ou
médio nível de desenvolvimento.

Fatores que influenciam o risco de depressão

Alguns fatores de natureza individual ou coletiva aumentam o risco para depressão (Tabela
1). Vale ressaltar, entretanto, que a presença ou ausência desse(s) fator(es) de risco não
distingue pacientes com depressão daqueles sem a doença.

TABELA 1 Fatores de risco para depressão

1. Carência socioeconômica 6. Doença crônica (p.ex., cardíaca,


cerebrovascular, câncer)

2. Carência educacional 7. Infecção prévia por SARS-CoV-2 (Covid-19)

3. Separação, divórcio ou viuvez (luto, solidão) 8. Distúrbios crônicos do sono

4. Trauma psíquico na infância (p.ex., negligência, 9. Antecedente pessoal de depressão


abuso)

5. Saúde precária ou fragilidade 10. Antecedente familiar de depressão


O diagnóstico pré-clínico é importante por conta da alta incidência e prevalência da
depressão, sua morbidade e mortalidade potencial, e o fato da doença poder passar
despercebida por longo tempo. Como se verá, há métodos de abordagem preventiva eficazes e
uma variedade de medicamentos capazes de mudar a história natural da evolução da doença.
Apesar disso, dados indicam que apenas entre 10% e 15% das pessoas acometidas recebem o
tratamento adequado para depressão.

SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO

Questionários estruturados para rastreamento

A USPSTF apresenta vários questionários estruturados e validados que podem servir para
rastrear indícios de depressão em pessoas da população geral. São citados pela entidade,
principalmente: o PHQ – Patient Health Questionnaire, em várias formas de apresentação,
dentre as quais o PHQ-9 (Anexo 1); as Hospital Anxiety and Depression Scales, para adultos; a
Geriatric Depression Scale, para idosos (Anexo 2). A Organização Mundial da Saúde, por sua
vez, propõe o WHO-5 Well-Being Index (Anexo 3) como passo preliminar na detecção de casos
potenciais de depressão.
De modo geral, a sensibilidade desses instrumentos varia entre 80% e 90% e a
especificidade, entre 70% e 85%; a maioria deles é de aplicação rápida e fácil, e alguns são
autoaplicáveis pelos pacientes. A mesma USPSTF, na sua última atualização da recomendação
sobre depressão, reforçou que a acurácia dos métodos de rastreamento, como os citados, é
satisfatória e convincente. Enfatizou, ainda, que duas questões simples a respeito de humor e
anedonia, como as duas primeiras do PHQ-9 (doravante chamadas PHQ-2), podem ser tão
efetivas quanto instrumentos mais completos no rastreamento da depressão e, portanto, viáveis
para uso na clínica de atenção primária.
Caso as duas questões do PHQ-2 apontem indícios de depressão, as respostas às outras sete
perguntas aumentam a especificidade do questionário e podem ajudar a refinar o diagnóstico
pré-clínico (a íntegra das perguntas e os critérios de interpretação das respostas ao PHQ-9 estão
detalhados no Anexo 1 no final do capítulo). De qualquer modo, todo rastreamento considerado
positivo deve desencadear um processo de confirmação do diagnóstico, por meio de avaliação
clínica, que inclua tópicos referentes a: gravidade da depressão, queixas somáticas e outros
problemas psicossociais associados (p. ex., ansiedade, ataques de pânico, abuso de drogas,
ideação suicida etc.), diagnóstico diferencial e condições clínicas gerais.

Ao longo da consulta médica, Nivalda foi perguntada se vinha se sentindo triste, para baixo, e se
tinha perdido o prazer no seu dia a dia, pelo menos nas últimas 2 semanas. Ela confirmou que
estava sempre triste, mas que ainda fazia suas tarefas com algum prazer. Pediram, então, para
ela responder às perguntas do PHQ-9, antes de tomar uma decisão sobre o diagnóstico de
depressão e seu possível tratamento.

Periodicidade do rastreamento

Ainda não é possível determinar o período ideal para repetição, nos casos de rastreamento
negativo. De maneira pragmática, é razoável rastrear, uma primeira vez, todos os adultos que
nunca foram ou não se lembram de terem sido rastreados em relação à depressão, e repetir o
procedimento a cada novo contato. Isso deve ser feito durante qualquer consulta médica
ambulatorial ou mesmo em situação oportunista, como uma internação hospitalar.
Riscos na aplicação dos questionários

Durante uma consulta de atenção primária à saúde, a aplicação das perguntas de


rastreamento pode gerar algum desconforto ou exacerbar reações emocionais inesperadas (p.
ex., choro incoercível, catarse verbal). O diagnóstico pré-clínico de depressão também pode
fazer emergir nos pacientes o antigo estigma da doença mental ou aflorar problemas que estão
fora da alçada resolutiva do(a) profissional da saúde que conduz o rastreamento.
Essas possíveis repercussões negativas, entretanto, podem ser adequadamente evitadas ou
mitigadas, caso o(a) médico(a) exponha a(o) paciente informações sobre os objetivos das
perguntas e ambos tomem uma decisão conjunta a respeito do rastreamento. Se assim for, e se
houver garantia prévia de tratamento clínico ou intervenção psicológica ou psiquiátrica
pertinente, em caso de rastreamento positivo, rastrear a depressão tende a ter um balanço de
efetividade positivo.

SOBRE O TRATAMENTO E A PREVENÇÃO

Tratamento medicamentoso e psicoterapia

O tratamento efetivo de adultos geralmente inclui o uso de medicação antidepressiva (p.


ex., antidepressivos tricíclicos, inibidores de recaptação de serotonina – IRS ou de serotonina e
noradrenalina) ou abordagens psicoterápicas (p. ex., psicoterapia breve, terapia cognitivo-
comportamental), isoladas ou combinadas, individuais ou em grupos. A recomendação da
USPSTF de 2009, referendada em 2016, concluiu que existe evidência suficiente estabelecendo
os benefícios do tratamento da depressão em adultos e idosos da população geral.
Revisões sistemáticas de estudos que compararam pacientes tratados com antidepressivos e
psicoterapia com algum outro tipo de abordagem-controle revelam que antidepressivos são
efetivos. Outros mostram remissão da depressão entre 46% e 48% em relação aos grupos-
controle, tanto em pessoas tratadas com medicamento quanto por psicoterapia. Idosos tratados
por qualquer das duas abordagens apresentam 2 vezes ou mais chances de melhora completa da
depressão do que os não tratados.
A evidência científica disponível é concordante, portanto, sobre a efetividade das opções de
tratamento da depressão. Porém, para que os resultados positivos dos tratamentos sejam
reproduzidos em nível de serviços comunitários de saúde, é necessário que exista um sistema
colaborativo de gestão da doença mental (em especial, dos distúrbios depressivos),
multidisciplinar e que integre a atenção primária, especialistas e pacientes.

Outras iniciativas terapêuticas

Iniciativas específicas para prevenção de depressão são de difícil implantação, uma vez que
se trata de doença de etiologia multifatorial, que envolve tantas dimensões diferentes das
relações humanas que a possibilidade de intervenção é, muitas vezes, inalcançável na prática.
Porém, programas restritos que estimulam a atividade física, grupos de convivência e ajuda
mútua, práticas de lazer comunitário, estratégias gerais para relaxamento e descontração,
sistemas de organização do trabalho que privilegiem a saúde, são alguns exemplos de ações
que, indiretamente, podem agir nesse sentido.

Balanço entre riscos e benefícios do rastreamento


Com relação ao balanço entre benefícios do tratamento e seus possíveis danos à saúde,
deve-se considerar os eventuais efeitos colaterais da medicação antidepressiva e a capacidade
de proporcionar a intervenção preventiva ou o tratamento psicoterápico necessário e com alto
nível de qualidade.
Mesmo levando em consideração efeitos indesejados dos antidepressivos tão graves quanto
o próprio suicídio, ao contrário da CTFPHC, a USPSTF considera que existe benefício, no
mínimo moderado, do rastreamento de depressão entre adultos da população geral. A entidade
ressalta, entretanto, que o diagnóstico pré-clínico só deve ser buscado quando se dispõe de um
sistema de suporte completo e adequado ao paciente rastreado com depressão.

Caso o rastreamento de depressão da Nivalda seja positivo, o(a) profissional da atenção primária,
após confirmar o diagnóstico clinicamente, poderá optar por introduzir o tratamento
medicamentoso ou encaminhá-la a especialista (psicólogo ou psiquiatra). Qualquer que seja a
opção escolhida, à paciente deve ser garantido o suporte de mais alto nível de qualidade para o
problema rastreado.

AGRADECIMENTO

Os autores agradecem a colaboração do Prof. Dr. Renério Fráguas Júnior pela cuidadosa
leitura do texto e sugestão de melhorias.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. Canadian Task Force on Preventive Health Care – CTFPHC. Depression in adults (2013).
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/depression/. Acesso: Julho de 2021.
2. United States Preventive Services Task Force – USPSTF. Depression in adults: screening (2016).
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/depression-in-adults-screening.
Acesso: Julho de 2021.
3. GBD 2017 Disease and Injury Incidence and Prevalence Collaborators. Global, regional, and national
incidence, prevalence, and years lived with disability for 354 diseases and injuries for 195 countries and
territories, 1990–2017: a systematic analysis for the GBD – Global Burden of Disease Study 2017. Lancet.
2018;392:1789-858
4. WHO. Depression and other common mental disorders – Global Health Estimates (2017).
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/254610/WHO-MSD-MER-2017.2-eng.pdf. Acesso: Julho de
2021.
5. WHO – Regional Office for Europe. Wellbeing measures in primary health care – The DEPCARE Project.
Estocolmo, 1998. https://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0016/130750/E60246.pdf. Acesso: Julho
de 2021.
6. OPAS. Depressão. https://www.paho.org/pt/topicos/depressao. Acesso: Julho de 2021.
7. Negeri ZF, Levis B, Sun Y, He C, Krishnan A, Wu Y, et al. Accuracy of the Patient Health Questionnaire-9
for screening to detect major depression: updated systematic review and individual participant data meta-
analysis BMJ. 2021;375:n2183.
8. Dias CET. Identificação e rastreamento de depressão e ansiedade: uma revisão sistemática dos principais
instrumentos utilizados em pesquisas para diagnóstico e prevalência no âmbito de instituições públicas de
saúde. https://docs.bvsalud.org/biblioref/2019/08/1006310/carlos-eduardo-tavares-dias.pdf. Acesso: Julho de
2021.
9. Santos IS, Tavares BF, Munhoz TN, Pio de Almeida LS, Silva BTB, Tams BD, et al. Sensibilidade e
especificidade do Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9) entre adultos da população geral. Cad Saúde
Pública, Rio de Janeiro. 2013;29(8):1533-43.
10. Fraguas Jr R, Henriques SG, De Lucia MS, Iosifescu DV, Schwartz FH, Menezes PR, et al. The detection of
depression in medical setting: A study with PRIME-MD. Journal of Affective Disorders. 2006;91(1):11-7.
COVID-19 Mental Disorders Collaborators. Global prevalence and burden of depressive and anxiety
11. disorders in 204 countries and territories in 2020 due to the COVID-19 pandemic. Lancet. 2021 Nov
6;398(10312):1700-12.

ANEXO 1 – PERGUNTAS DO PATIENT HEALTH QUESTIONNAIRE (PHQ-9)3

Ao longo das últimas 2 (duas) semanas, com que Nenhuma Menos Mais da Quase
frequência você se sentiu incomodado(a) por algum dos vez da metade todos os
seguintes problemas? metade dos dias dias
dos dias

1. Pouco interesse ou prazer em fazer as coisas. 0 1 2 3

2. Sentiu-se triste, deprimido(a) ou sem esperança. 0 1 2 3

3. Problemas para “pegar” e manter o sono. Ou, ao 0 1 2 3


contrário, dormir demais.

4. Sentiu-se cansado(a) ou com pouca energia. 0 1 2 3

5. Falta de apetite. Ou, ao contrário, comer demais. 0 1 2 3

6. Sentiu-se mal com você mesmo(a) ou que você é um 0 1 2 3


“fracasso”, que desistiu de você mesmo(a) ou da sua
família.

7. Dificuldade para se concentrar nas coisas, como ler 0 1 2 3


um jornal ou assistir TV.

8. Movimentar-se ou falar tão devagar, que outros 0 1 2 3


pudessem notar. Ou, ao contrário, tão inquieto e ativo
a ponto de se mexer muito mais que o habitual.

9. Pensamentos de que você estaria melhor morto(a), ou 0 1 2 3


de se ferir de algum jeito.

Interpretação:

Soma dos escores do PHQ-2:


< 2: Não completar o questionário
≥ 2: Completar o PHQ-9

Soma dos escores do PHQ-9:


< 5: Sem indícios de distúrbio depressivo
5-9: Depressão leve
10-14: Depressão moderada
15-19: Depressão moderadamente grave
20-27: Depressão grave

ANEXO 2 – PERGUNTAS DO GERIATRIC DEPRESSION SCALE

Escolha a melhor resposta de como você se sentiu na última semana:


1. Você está basicamente satisfeito(a) com sua vida? SIM NÃO

2. Você se descuidou de muitas de suas atividades e interesses? SIM NÃO

3. Você sente que sua vida está vazia? SIM NÃO

4. Você fica entediado(a) com frequência? SIM NÃO


Escolha a melhor resposta de como você se sentiu na última semana:

5. Você está de “bem com a vida” a maior parte do tempo? SIM NÃO

6. Você está com medo de que algo ruim vai acontecer com você? SIM NÃO

7. Você se sente feliz a maior parte do tempo? SIM NÃO

8. Você se sente desamparado(a) com frequência? SIM NÃO

9. Você prefere ficar em casa em vez de sair e fazer coisas novas? SIM NÃO

10. Você sente que tem mais problemas de memória do que a SIM NÃO
maioria?

11. Você acha maravilhoso estar vivo agora? SIM NÃO

12. Você se sente muito inútil do jeito que você está agora? SIM NÃO

13. Você se sente cheio de energia? SIM NÃO

14. Você sente que a sua situação não tem mais esperança? SIM NÃO

15. Você acha que a maioria das pessoas está melhor do que você? SIM NÃO

Interpretação:

Some 1 ponto para cada resposta em negrito.


Soma dos pontos:
> 5: Sugestivo de depressão
≥ 10: Forte indicação de depressão

ANEXO 3 – PERGUNTAS DO WHO 5 WELL-BEING INDEX

A maior Mais da Menos da


Durante as últimas 2 Todo o Algumas
parte do metade do metade do Nunca
(duas) semanas: tempo vezes
tempo tempo tempo
1. Eu me senti 5 4 3 2 1 0
animado e
bem-
disposto(a).

2. Eu me senti 5 4 3 2 1 0
calmo(a) e
relaxado(a).

3. Eu me senti 5 4 3 2 1 0
ativo(a) e
vigoroso(a).

4. Eu acordei me 5 4 3 2 1 0
sentindo
revigorado(a) e
descansado(a).

5. Meu dia a dia 5 4 3 2 1 0


foi preenchido
com coisas
interessantes.

Interpretação:
Se a soma dos escores for ≤ 13, há indícios de possível distúrbio depressivo e serve de
indicativo para aprofundamento da busca do diagnóstico.
2.10
Diabete melito tipo 2 (DM2) e pré-diabete (PD)

PONTOS-CHAVE

Evidências apontam que a prevalência de DM2 pode chegar a quase 20% entre brasileiros
maiores de 35 anos e, possivelmente, mais da metade deles desconhecem serem portadores.
PD e DM2 podem evoluir lenta e insidiosamente ao longo de anos, comprometer diversos
órgãos e servir de fator de risco para doenças vasculares (periféricas, cardíacas e cerebrais).
O uso de calculadoras de risco para PD e DM2 e testes laboratoriais (glicemia de jejum,
hemoglobina glicada e teste de tolerância à glicose) têm boa acurácia no diagnóstico pré-clínico.
O uso de medicamentos no controle e tratamento pré-clínico de DM2 diagnosticado por
rastreamento tem capacidade moderada de reduzir a mortalidade, geral e específica.
Há evidência convincente de que o diagnóstico pré-clínico do PD ou DM2 permite que
intervenções sobre o estilo de vida e o tratamento precoce reduzam o acometimento de órgãos-
alvo.

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear PD/DM2 em pessoas de 18 a 75 anos, assintomáticas, da população geral.


Levar em consideração a idade, o IMC e o cálculo prévio do Risco de Diabete Melito em 10
anos (RDM10) pelo FINDRISC na indicação e periodicidade do rastreamento.
Para pessoas entre 18 e 45 anos de idade e com IMC < 25 kg/m2, não rastrear se RDM10 <
17%, ou rastrear anualmente se RDM10 ≥ 17%.
Para pessoas entre 35 e 44 anos e IMC ≥ 25 kg/m2, rastrear de 3 em 3 anos se RDM10 < 17%,
ou anualmente se RDM10 ≥ 17%.
Para pessoas de 45 anos ou mais, rastrear todos os indivíduos de 3 em 3 anos se RDM10 <
17%, ou anualmente se RDM10 ≥ 17%.
Utilizar a dosagem de glicemia de jejum ou, onde possível, esta e a HbA1C, simultaneamente,
como métodos de rastreamento.
Oferecer medidas adequadas de tratamento e prevenção da progressão do PD e do DM2 e
suas complicações aos pacientes com rastreio positivo.
RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES

A USPSTF recomenda rastrear PD e DM2 apenas em pessoas entre 35 e 70 anos de idade com
sobrepeso ou obesidade.
A American Diabetes Association recomenda rastrear o diabete em todos os adultos com 45
anos de idade ou mais e pessoas com múltiplos fatores de risco, independente da idade.
A American Association of Clinical Endocrinologists, a American Academy of Family Physicians,
a Diabetes Australia, a Diabetes UK e a CTFPHC recomendam rastrear apenas as pessoas com
fatores de risco.

Carlos Eduardo é um professor universitário de 35 anos. No seu exame médico periódico


obrigatório, ele conta que não sente nada, nunca teve doença importante e que não toma
remédios. Refere que seu pai e sua mãe são diabéticos e hipertensos. Nega tabagismo e
consumo excessivo de bebida alcoólica, mas não faz atividade física e nem come verduras,
legumes e frutas diariamente. Confessa que sempre esteve bem acima do seu peso ideal e com
muita gordura na barriga (sic).

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

A prevalência varia de acordo com o critério adotado

A prevalência estimada de DM, no mundo, é cerca de 8,8%, representando


aproximadamente 415 milhões de pessoas, sendo que por volta da metade desses indivíduos
desconhecem ter a doença. No Brasil, a estimativa da prevalência varia de acordo com o tipo
de estudo e o critério usado para identificação dos casos: um inquérito telefônico apontou 8,9%
de DM autorreferido; já em uma pesquisa nacional com medidas de hemoglobina glicada
(HbA1C) igual ou maior que 6,5% e DM autorreferido, o valor encontrado foi 9,4%; e, acima
dos 35 anos de idade, um grande estudo longitudinal indicou prevalência de 19,7%, dos quais
50% dos casos sem diagnóstico prévio à pesquisa.

Apresentação da doença

A doença possui várias formas de apresentação, sendo que o tipo 2 (DM2) representa mais
de 90% de todos os diagnósticos de DM. O DM2 é decorrente, primariamente, do aumento da
resistência periférica à insulina, que pode ser seguida pela redução progressiva da secreção
desse hormônio. Tende a se manifestar mais tardiamente na vida, após vários anos de período
pré-sintomático e, etiopatogenicamente, está associado à predisposição genética, idade
avançada, excesso de peso, sedentarismo e hábitos alimentares não saudáveis (Tabela 1).

TABELA 1 Fatores associados a pré-diabete e diabete melito tipo 2 (PD/DM2)

1. Obesidade (principalmente abdominal)

2. Parente em primeiro grau com DM2


TABELA 1 Fatores associados a pré-diabete e diabete melito tipo 2 (PD/DM2)

3. Hipertensão arterial e dislipidemia

4. Hiperglicemia no passado (p. ex., em algum exame periódico, durante outra doença, na gestação)

5. Pouco consumo de frutas, verduras e legumes

6. Baixo nível de atividade física

7. Idade avançada (acima de 45 anos)

Manifestações clínicas

O DM2 pode se manifestar clinicamente por descompensação aguda (polidipsia, poliúria,


polifagia e perda ponderal), mas, normalmente, tem evolução mais insidiosa e assintomática.
Ao longo do tempo, além da progressiva intolerância à glicose, hiperglicemia sustentada pode
comprometer ou agravar lesões de vários órgãos na forma, por exemplo, de: catarata ou
retinopatia com perda visual; neuropatia visceral ou periférica; insuficiência renal crônica. A
ateromatose de grandes e pequenos vasos, secundária ao DM2, pode resultar em úlceras de
extremidades e, no limite, em amputações por isquemia, necrose ou infecção.

Complicações da doença

O DM2 é um importante fator de risco para as doenças vasculares (DV) cerebrais (p. ex.,
acidente vascular encefálico, ataque isquêmico transitório) e cardíacas (p. ex., angina, infarto
agudo do miocárdio), com maior impacto a partir da quinta década de vida. Juntamente com os
cânceres e as doenças respiratórias, as DV são responsáveis por 80% da mortalidade provocada
por doenças crônicas. O DM e as doenças do rim, em conjunto, são a terceira maior causa de
morte entre brasileiros.

Resistência à insulina não ocorre só no diabete

A resistência à insulina pode também estar ligada a outras condições clínicas como:
acantose nigricans, doença de Cushing, síndrome de ovários policísticos (SOP), hepatite C,
periodontite, uso de diuréticos tiazídicos, corticosteroides e antipsicóticos.

Redução da mortalidade

O DM2 deve ser alvo prioritário de programas que visem à redução da mortalidade
precoce. Há evidências que apontam que o diagnóstico precoce pode desencadear um melhor
controle glicêmico e tratamento mais apropriado das diversas agressões a órgãos-alvo. Quanto
mais prematuras forem as intervenções, por exemplo, mudanças consistentes de estilo de vida
(perda ou controle de peso, alimentação saudável, atividade física regular), se possível ainda na
fase de PD, melhores são as chances de evitar a progressão da doença; além do benefício
adicional de reduzir o risco cardiovascular por impacto também na pressão arterial e nos lípides
séricos.

Quem se beneficia do rastreamento

PD/DM2 são condições clínicas apropriadas a rastrear pelo tipo de evolução lenta e
progressiva, alta morbimortalidade e alta prevalência na população geral assintomática. Porém,
são as pessoas maiores de 35 anos, portadoras de sobrepeso ou obesidade, as que mais devem
se beneficiar desta iniciativa.

Carlos Eduardo apresenta no seu histórico vários fatores de risco evidentes para DM2: a história
familiar, o excesso de peso e de gordura abdominal, o sedentarismo e a alimentação menos
saudável. Com isso e levando em consideração que os estudos apontam, consistentemente, que
metade dos diabéticos ignoram a sua doença, ele é um provável candidato ao rastreamento.

SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO

Quem deve ser rastreado

Existe uma razoável discrepância de propostas de rastreamento entre entidades


internacionais e nacionais. A USPSTF, por exemplo, recomenda rastrear apenas os indivíduos
com sobrepeso ou obesos. A CTFPHC indica o rastreamento com base em cálculo prévio de
risco de desenvolver DM2. Já a American Diabetes Association (ADA) valoriza tanto o
sobrepeso quanto uma avaliação preliminar dos fatores de risco para definir se e como rastrear
por meio de testes laboratoriais.
A Tabela 2 apresenta o algoritmo usado na calculadora mais estudada para estimar o risco
de DM2 em 10 anos (RDM10), a FINDRISC. Desenvolvida na Finlândia, a FINDRISC está
disponível em várias plataformas digitais (MEDCALC, QxMD, MEDSCAPE) e na página da
Sociedade Brasileira do Diabetes. Segundo essa ferramenta, com base em um conjunto de
fatores para os quais são designados escores, o RDM10 pode ser considerado baixo, levemente
elevado, moderado, alto ou muito alto.

TABELA 2 Formulário para estimativa do risco de DM2 em 10 anos (RDM10)

Indique a melhor alternativa e some os escores no final:

1. Idade Escore
< 45 anos 0

45-54 anos 2

55-64 anos 3

> 64 anos 4
2. Índice de massa corpórea
< 25 kg/m2 0

25-30 kg/m2 1

> 30 kg/m2 3
3. Circunferência abdominal (medida ano nível do umbigo)
HOMEM MULHER

< 94 cm < 80 cm 0

94-102 cm 80-88 cm 3

> 102 cm > 88 cm 4


4. Você faz pelo menos 30 minutos de atividade física, diariamente?
SIM 0
TABELA 2 Formulário para estimativa do risco de DM2 em 10 anos (RDM10)

Indique a melhor alternativa e some os escores no final:

NÃO 2
5. Com que frequência você come frutas, verduras e legumes?
TODOS OS DIAS 0

NEM TODOS OS DIAS 1


6. Você já tomou remédio para pressão alta, regularmente?
NÃO 0

SIM 2
7. Você alguma vez teve glicose aumentada no seu sangue (p. ex., no exame periódico de saúde,
durante alguma doença ou gravidez)?
NÃO 0

SIM 5
8. Algum membro imediato da sua família ou outros parentes têm diabete?
NÃO 0

SIM, mas só avô(ó) e/ou tio(a) e/ou primo(a) em primeiro grau 3

SIM, pai e/ou mãe e/ou irmã(o) e/ou filho(a) 5


Soma dos escores RDM10 Classificação
<7 < 1% (1 em cada 100 pessoas) Baixo

7-11 1-4% Levemente elevado

12-14 5-16% Moderado

15-20 17-33% Alto

> 20 34-50% Muito alto

A CTFPHC, em recomendação datada de 2012 e baseada no risco calculado por


calculadora como a FINDRISC, preconiza não rastrear indivíduos de risco menor ou igual a
moderado (< 17%), rastrear a cada 3 ou 5 anos, se o risco for alto (17% a 33%), e anualmente,
se for muito alto o risco de DM2 em 10 anos (> 33%). Porém, um estudo húngaro mostrou que
a sensibilidade do método melhora significativamente naquele país se o grupo classificado
como moderado for incluído no rastreamento periódico.

Como rastrear o diabetes

A glicemia de jejum, a dosagem de HbA1C e o teste de tolerância à glicose (GTT) são os


métodos laboratoriais habitualmente propostos para o rastreamento do PD/DM2.1 A USPSTF
estabelece que o rastreamento pode ser feito com resultados presumivelmente semelhantes, por
qualquer desses métodos. Algumas diferenças logísticas e dos atributos entre eles merecem,
porém, ser destacadas.
O GTT com dosagem da glicemia após 2 horas da ingestão de 75 g de glicose parece ser o
método mais acurado para o diagnóstico de ambas as condições clínicas. Porém, as suas
características peculiares – necessidade de jejum prévio, ingestão de uma forte carga de açúcar
nem sempre bem tolerada e a permanência de ao menos duas horas no laboratório, para coleta
de amostras de sangue – impõem dificuldades práticas e podem incorrer em perda de adesão
dos pacientes, o que é um sério obstáculo para escolhê-lo como primeira linha do rastreamento.
A dosagem da glicemia de jejum é, nesse sentido, um método mais viável para o check-up,
por ser mais confortável para o paciente e de execução menos exigente. Entretanto, também
necessita de jejum alimentar mínimo de 8 horas para que o resultado possa ser comparado com
os valores de referência padronizados pelos laboratórios.
Ao contrário da glicemia de jejum, um teste mais sensível do que específico, a dosagem de
hemoglobina glicada é menos sensível e mais específica para o diagnóstico de PD/DM2. Por
essa razão, apesar do teste não ter outro inconveniente além da picada para colher o sangue, o
seu uso isolado como método de rastreamento é questionável. A sua solicitação pode ficar
reservada como segundo passo, após a glicemia de jejum se mostrar alterada, ou ambos os
testes serem simultâneos, dado que se complementam. Diante de resultados conflitantes ou
duvidosos do teste da glicemia em jejum e da HbA1C, o GTT estaria indicado.

Definições baseadas em sensibilidade e especificidade

Os percentuais de falso-negativos e falso-positivos dos testes diagnósticos de PD/DM2


variam muito de um estudo científico para outro. Os valores indicados na Tabela 3 são os que,
provavelmente, alcançam os melhores níveis de sensibilidade e especificidade, segundo a
American Diabetes Association (ADA).

TABELA 3 Critérios de diagnóstico de pré-diabete e DM2 (PD/DM2)


Teste laboratorial Valor normal Pré-diabete Diabete melito
Glicemia de jejum (mg/dL) < 100 100-125 ≥ 126

Glicemia aleatória (mg/dL) < 200 – ≥ 200

Glicemia após 2 horas de < 140 140-199 ≥ 200


ingestão de 75 g de glicose
(mg/dL)

Hemoglobina glicada – < 5,7 5,7-6,4 ≥ 6,5


HbA1C (%)

Fonte: adaptada do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas – Diabetes Melito Tipo 2 – 2020, do MS.

Recomendações brasileiras

O Ministério da Saúde (MS) do Brasil, sem entrar em detalhes específicos, recomenda


rastrear PD/DM2 em:

A. todos os indivíduos assintomáticos com sobrepeso (IMC ≥ 25 kg/m2) e com fatores de


risco adicionais, dentre os quais o sedentarismo, familiar em primeiro grau com DM,
hipertensão arterial, hipercolesterolemia, histórico pessoal de DCV, acantose nigricans e
mulheres com passado de SOP (síndrome dos ovários policísticos), diabetes gestacional
ou gravidez com feto ≥ 4 kg;
B. todos os indivíduos acima de 45 anos, independentemente dos fatores citados. A
periodicidade do rastreamento deve ser de 3 em 3 anos, até que PD/DM2 seja
diagnosticado.
SOBRE O TRATAMENTO E A PREVENÇÃO

Tratamentos disponíveis

Atualmente, há inúmeras opções para o tratamento e controle adequado do DM2. As mais


disponíveis na rede pública são a metformina, sulfonilureias, acarbose e a reposição de
insulina. Mais recentemente, vários grupos de medicamentos incorporaram o arsenal
terapêutico da doença: os inibidores da enzima dipeptil-dipeptidase-4 (DPP-4), agonistas de
receptores da glucagon-like peptidase-1 (GLP-1) e os inibidores da sodium glucose linked
transporter-2 (SGLT-2). Casos muito graves ou resistentes a tratamento clínico têm sido alvo
das chamadas cirurgias metabólicas ou bariátricas.

Tratamentos das várias comorbidades

O tratamento de DM2 visa ao controle da glicemia, que deve ser mantido o mais próximo
possível dos níveis normais, e da progressão das lesões de órgãos-alvo: vasculares, renais,
oculares, digestivas, cardíacas e nervosas. Portanto, são comuns o uso concomitante de
hipoglicemiantes e outros medicamentos, como anti-hipertensivos, antiagregantes plaquetários,
hipolipemiantes, vasodilatadores e analgésicos, bem como procedimentos invasivos, por
exemplo, a fotocoagulação da retina a laser, intervenções cardíacas percutâneas e diálise.

A polifarmácia

Nos casos de DM2 diagnosticados por rastreamento em fases mais avançadas, os riscos de
danos por efeitos colaterais ou consequências esperadas da “polifarmácia” ou de ações
invasivas (medicamentosas ou cirúrgicas) crescem, assim como a probabilidade de falha
terapêutica. Entretanto, existem evidências suficientes que indicam que o tratamento e as
intervenções em casos de DM2 recém-diagnosticados têm benefício moderado na redução da
mortalidade geral e na especificamente relacionada ao DM2, assim como no risco de infarto do
miocárdio após 10 a 20 anos.

Tratamento precoce

O diagnóstico de PD/DM2 em fases muito iniciais é ainda mais promissor. Há evidência


convincente de que ações preventivas que implicam, particularmente, em mudanças de estilo
de vida mostram benefício moderado, reduzindo a progressão do DM2 e, eventualmente,
também de outros fatores de risco de doença vascular, como a hipertensão arterial e a
dislipidemia.
Intervenções de estilo de vida (IEV), que focam na mudança alimentar e na atividade física,
têm demonstrado eficácia em prevenir ou postergar a progressão do PD ao DM2; quanto mais
intensiva a IEV, mais efetiva ela tende a se mostrar. Efeitos benéficos são observados das IEV
sobre o peso, a pressão arterial e os lípides séricos (elevam o colesterol HDL e baixam os
triglicérides e LDL).
A metformina, que parece agir mais efetivamente apenas no peso, tem sido prescrita off-
label com o objetivo de evitar a progressão de PD a DM2, com resultados promissores, porém
mais tímidos. Esse medicamento é também menos efetivo que as IEV em pessoas acima de 60
anos de idade, com IMC < 35 kg/m2, e com glicemias de jejum basais abaixo de 110 mg/dL. Os
efeitos colaterais desse medicamento (p.ex. distúrbios digestivos, hipovitaminose B12) podem
ser um entrave ao seu uso no PD.
Se em alguma rodada de rastreamento a glicemia de jejum de Carlos Eduardo se mostrar
alterada, tratamento específico pode ser introduzido. O início mais precoce do controle adequado
da DM2 reduz as chances de lesões nos órgãos-alvo e tende a diminuir o risco de morte
prematura.

A equipe multidisciplinar

A intensidade das intervenções médicas gerais ou encaminhamento para especialista,


nutricionista ou educador físico; abordagem, presencial ou a distância, individual ou em grupo
de pessoas, para orientar dieta e planos de exercícios personalizados; consultas periódicas,
“pacotes” de visitas ou reuniões programadas etc. devem ser definidos de acordo com as
condições da estrutura disponível, o parecer médico e as preferências dos pacientes. O
aconselhamento de pacientes pode seguir as bases do modelo transteórico (ver Anexo B no
final do livro) e do método P.A.N.P.A. (ver Anexo C).

Riscos do rastreio

Para pessoas com DM2 assintomático, esse risco de danos decorrentes do rastreio é menor
que moderado. O rastreamento deve, portanto, trazer benefícios futuros, em termos de redução
de mortalidade e de eventos cardíacos e vasculares. As IEV em pacientes com PD/DM2 em
fase pré-clínica acarretam poucos riscos, cuja magnitude é considerada pequena ou nenhuma, e
asseguram ganhos, no mínimo, relevantes para os pacientes.

AGRADECIMENTO

Os autores agradecem a colaboração do Dr. Paulo Roberto Correa Hernandes pela


cuidadosa leitura do texto e sugestão de melhorias.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Screening for prediabetes and type 2 diabetes
mellitus. 2021. https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/screening-for-
prediabetes-and-type-2-diabetes. Acesso: Agosto de 2021.
2. CTFPHC – Canadian Task Force on Preventive Health Care. Diabetes, type 2. 2012.
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/type-2-diabetes/. Acesso: Maio de 2021.
3. Jølle A, Midthjell K, Holmen J, et al. Validity of the FINDRISC as a prediction tool for diabetes in a
contemporary Norwegian population: a 10-year follow-up of the HUNT study. BMJ Open Diabetes Research
and Care. 2019;7:e000769.
4. Galvács H, Szabó J, Balogh Z. Risk-based diabetes screening in a Hungarian general practice: comparison of
laboratory methods and diagnostic criteria. Primary Health Care Research & Development. 2021;22(e17):1-7.
5. Schmidt MI, Hoffman JF, Diniz MFS, et al. High prevalence of diabetess and intermediate hyperglycemia –
The Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Diabetology and Metabolic Syndrome.
2014;6:123.
6. Malta DC, Duncan BB, Schmidt MI, et al. Prevalência de diabetess mellitus determinada pela hemoglobina
glicada na população adulta brasileira, Pesquisa Nacional de Saúde. Rev Bras Epidemiol. 2019;22 (SUPPL
2):E190006.
7. American Diabetes Association. Standards of Medical Care in Diabetes. 2019. Supplement 1.
8. Brasil. Ministério da Saúde. protocolo clínico e diretrizes terapêuticas do diabete melito tipo 2. Brasília:
Ministério da Saúde; 2020.
9. Khouri DG, Santos CD, Tunala RG. et al. Aconselhamento em promoção da saúde. In: Clínica Médica:
Grandes temas na prática. São Paulo: Atheneu; 2010.
2.11
Dislipidemia

PONTOS-CHAVE

Dentre as dislipemias, a alteração do colesterol total e suas frações associa-se a doenças


cardiovasculares e a hipertrigliceridemia está ligada à doença hepática gordurosa não alcoólica
e à pancreatite aguda.
A hipercolesterolemia é um dos maiores fatores de risco para as doenças cardíacas e cerebrais
isquêmicas em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Globalmente, os níveis de
colesterol podem ter-se associado às causas de 2,6 milhões de mortes (4,5% do total) em 2008.
A dosagem dos lípides plasmáticos permite o diagnóstico das dislipidemias; a periodicidade dos
testes depende da persistência de seus próprios fatores de risco e também da estimativa do
risco de doença cardiovascular.
As mudanças de estilo de vida (dieta saudável e atividade física regular) e as estatinas são a
primeira opção no tratamento das dislipidemias; as metas de concentração plasmática de LDL
variam de 50 a 130 mg/dL e dependem do grau de risco cardiovascular.

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear a dislipidemia em pessoas adultas, assintomáticas, entre 18 e 75 anos.


Estimar, subjetivamente, o risco de dislipidemia com base na relação de fatores de risco da
Tabela 1.
Quantificar laboratorialmente o colesterol total, a fração HDL e os triglicerídeos plasmáticos, e
calcular indiretamente ou dosar diretamente o LDL.
Para pessoas entre 18 e 40 anos de idade, após um primeiro rastreamento negativo, repetir os
testes a cada 5 anos, se o risco de dislipidemia for baixo ou moderado, e a cada 3 anos em
caso de risco alto (Tabela 1).
Para pessoas acima de 40 anos de idade, após um primeiro rastreamento negativo, repetir os
testes a cada 3 anos, se o RCV10 for baixo ou intermediário, e a cada ano, se o RCV10 for alto.

RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES


A USPSTF não faz recomendação explícita sobre o rastreamento de adultos entre 18 e 39 anos
de idade. A partir de 40 anos a recomendação de rastrear os lípides plasmáticos é atrelada ao
cálculo de risco para indicação de estatinas para prevenção primária de doença cardiovascular.
A CTFPHC não tece recomendação sobre o rastreamento de dislipidemias.

Filipe, um médico de 41 anos, encontra-se bem de saúde e resolve fazer o primeiro check-up da
sua vida. Sua alimentação é saudável, não fuma, bebe álcool de forma controlada, nunca usou
drogas ou medicamentos cotidianamente. Como atividade física, pratica semanalmente escalada
esportiva 3-4 vezes, corrida 1-2 vezes, além de 2 sessões de exercícios resistidos. Não tem
antecedentes pessoais de doenças importantes. Seu pai, tios e avós paternos têm ou tiveram
hipercolesterolemia. Ao exame, a PA é de 120 x 80, o IMC 22, e a ausculta cardíaca e todos os
pulsos palpáveis estão normais.

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

Quais são as dislipidemias

As dislipidemias são anormalidades encontradas nas concentrações plasmáticas dos


lipídeos. Apesar de assintomáticas, as alterações do colesterol total (CT) e suas frações (HDL –
high density lipoprotein, LDL – low density lipoprotein, VLDL – very low density lipoprotein)
associam-se a doenças cardiovasculares (DCV), e a elevação dos triglicérides (TG), à doença
hepática gordurosa não alcoólica e à pancreatite aguda.
O aumento de LDL decorre de mutações dos seus genes codificadores. No ser humano, já
foram identificados defeitos nos genes do receptor de LDL (rLDL), da apoliproteína B (ApoB)
e da pró-proteína convertase subtilisina/kexina tipo 9 (PCSK9). Milhares de mutações desses
genes estão relacionadas ao que se chama, genericamente, hipercolesterolemia familiar (HF).
Valores elevados de LDL, por si só, elevam o risco de doenças ateromatosas arteriais
coronarianas, cerebrais e periféricas, que estão entre as principais causas de mortes naturais no
mundo. A combinação disso com valores baixos de HDL (lipoproteínas que protegem contra a
formação de placas de gordura nas artérias) potencializa o risco de eventos mórbidos.

Prevalência mundial

Segundo dados da OMS, em 2008, cerca de 40% da população mundial apresentava níveis
de CT no sangue alterados. Na Europa e nas Américas, a prevalência chegava a 50%. Estimou-
se que um terço das doenças cardíacas isquêmicas fosse atribuível ao LDL alto. Globalmente,
os níveis de colesterol podem ter-se associado às causas de 2,6 milhões de mortes (4,5% do
total) e 29,7 milhões de DALYs (Disease Adjusted Life Years) ocorridas naquele ano.
Nos EUA, entre 2015 e 2016, mais de 12% dos adultos (≥ 20 anos de idade) apresentavam
colesterol total > 240 mg/dL e mais de 15% tinham HDL < 40 mg/dL. Cerca de 93 milhões de
cidadãos com mais de 20 anos de idade vivendo nos EUA, na época, tinham colesterol total >
200 mg/dL. Porém, apenas pouco mais da metade dos adultos estadunidenses que poderiam se
beneficiar faziam o tratamento adequado para controle do colesterol.

Prevalência brasileira

No Brasil, a partir de 8.534 dados laboratoriais coletados por amostragem estatística, entre
2014 e 2015, como parte da Pesquisa Nacional de Saúde, foram obtidos os seguintes
resultados: a prevalência de CT, igual ou maior que 200 mg/dL, foi de 32,7%; a prevalência de
HDL < 40 mg/dL foi de 31,8%, dividida desigualmente entre homens (42,8%) e mulheres
(22%); o LDL ≥ 130 mg/dL teve prevalência de 18,6%. Pessoas com idade igual ou maior que
45 anos e com baixa escolaridade formaram os grupos com maior prevalência de dislipidemia.

Fatores de risco

Como discutido, a hipercolesterolemia primária é uma alteração metabólica que pode ser
herdada geneticamente (HF). Outras dislipidemias secundárias, por outro lado, são adquiridas
ou agravadas ao longo da vida, por conta de doenças preexistentes, medicamentos ou hábitos
de vida não saudáveis. Essas e outras condições contribuem para aumentar o risco
cardiovascular, seja pela elevação do LDL, seja pela redução do HDL (Tabela 1).

TABELA 1 Fatores de risco para níveis altos de LDL ou baixos de HDL

1. Hereditariedade e histórico familiar de hipercolesterolemia.

2. Uso prolongado de pílula anticoncepcional, esteroides anabolizantes e costicosteroides.

3. Outras comorbidades: obesidade, DM2, SOP, hipotireoidismo, doença hepática ou renal.

4. Hábitos não saudáveis: consumo excessivo de gorduras saturadas e trans, tabagismo,


sedentarismo.

DM2: diabete melito tipo 2; SOP: síndrome dos ovários policísticos.

Tratar ou não?

A grande importância sanitária da detecção da hipercolesterolemia reside no


desencadeamento de medidas para a prevenção primária das doenças cardiovasculares, das
quais elas são fatores de risco. A incidência dessas doenças é maior na idade avançada, porém
a detecção e o tratamento das alterações metabólicas podem ser feitos mais precocemente. Há
inúmeras evidências concordantes sobre o fato de o LDL elevado estar relacionado à doença
coronariana e o seu tratamento reduzir a incidência de eventos cardiovasculares,
principalmente, em pacientes de alto risco (ver Capítulo “Risco de doença cardiovascular”).
Vale lembrar, entretanto, que a prevalência de anormalidades lipídicas na população é
muito maior que dos eventos cardíacos citados, apontando para a possibilidade de
overtreatment (tratamento excessivo ou desnecessário). Além disso, apesar do rastreamento
ampliar a possibilidade de detecção da dislipidemia, ainda não existe evidência direta de que
isso leve à melhora dos desfechos clínicos.

Chamam a atenção os antecedentes familiares de Filipe em relação à hipercolesterolemia.


Porém, ele não refere na sua anamnese parentes próximos com eventos cardiovasculares em
idade precoce. Isso, somado à ausência de comorbidades pessoais, aos seus hábitos de vida
saudáveis e sua PA e IMC normais, sugere um risco cardiovascular baixo. Uma possível
hipercolesterolemia familiar deve, entretanto, ser rastreada para ajudar na determinação mais
objetiva desse risco.
SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO

O que dosar

A determinação do perfil lipídico é a forma de rastrear e diagnosticar as dislipidemias. A


detecção direta do CT, HDL e TG plasmáticos apresenta boas sensibilidade e especificidade
(entre 80% e 90%).
Já o LDL pode ser dosado diretamente, como os anteriores, ou calculado por meio de
fórmulas. A detecção direta apresenta grandes variações entre os diferentes métodos
disponíveis no mercado (até 30%) e, por essa razão, ainda é menos recomendada na prática
clínica. Portanto, a quantificação indireta, usando fórmulas como as de Friedewald e Martin, é
preferível e as fórmulas são usadas alternadamente, dependendo dos níveis basais de TG.

Com ou sem jejum?

Uma grande discussão recente ocorreu quanto à necessidade de coleta de sangue para
dosagem do perfil lipídico com ou sem jejum. Um trabalho conjunto de diversas entidades
brasileiras de especialistas analisou todos os “prós e contras” de cada uma das duas situações e
concluiu que ambas são plausíveis. Portanto, os lípides podem ser quantificados com ou sem
jejum, a critério do(a) médico(a) solicitante, sem prejuízo da acurácia dos resultados obtidos.
Obviamente, a ausência de jejum facilita o acesso (pode ser colhido a qualquer hora do dia)
e a aderência ao teste. Por outro lado, a coleta de sangue para outros testes concomitantes, cujo
jejum é obrigatório (p. ex., glicemia matinal), pode incluir também material para a dosagem do
perfil lipídico. A Tabela 2 discrimina, entretanto, valores de referência discretamente diferentes
para interpretação dos resultados de exames feitos com e sem jejum.

TABELA 2 Valores de referência geral do perfil lipídico de adultos > 20 anos de idade
Lípides Com jejum (mg/dL) Sem jejum (mg/dL)
CT < 190 < 190

HDL > 40 > 40

TG < 150 < 175

CT: colesterol total; HDL: high density lipoprotein; TG: triglicerídeos.


Fonte: Atualização da Diretriz Brasileira de Dislipidemia e Prevenção da Aterosclerose, 2017.

Em situações especiais nas quais os níveis basais de TG estão muito elevados (> 400
mg/dL), hiperglicemia ou na ausência de jejum prévio, e na indisponibilidade de reagentes ou
presença de qualquer outra barreira para a dosagem direta do LDL, a fórmula de Martin pode
ser preferida à de Friedewald para o cálculo desta fração.1

Quem deve ser rastreado?

A outra grande discussão sobre o tema envolve a idade na qual o rastreamento das
dislipidemias deve ser iniciado e a sua periodicidade. A partir de 40 a 45 anos de idade, a
incidência e a prevalência de complicações cardiovasculares aumentam significativamente, e
estudos justificam a indicação periódica das dosagens e o uso de estatinas, mesmo para a
prevenção primária de eventos CV. A frequência de repetição do teste laboratorial, nesse caso,
varia conforme o risco estimado de evento CV em 10 anos (RCV10) seja alto (repetição anual)
ou baixo/intermediário (repetição trienal).
Apesar da USPSTF considerar a evidência científica ainda insuficiente para recomendar o
rastreamento em crianças e adolescentes, e não tecer recomendação também para adultos
jovens, várias recomendações existem nesse sentido por parte de outras entidades. Alguns
autores consideram que a identificação e o tratamento de dislipidemias familiares, em adultos
com idade entre 20 e 40 anos, favorece a redução do risco de DCV futura. Nessa faixa etária,
após um primeiro teste com perfil lipídico normal, a repetição pode ocorrer a cada 3 ou 5 anos,
se o risco estimado de dislipidemia for, respectivamente, alto ou baixo/intermediário (ver
Tabela 1).

A qualidade dos exames

A dosagem do perfil lipídico é um teste seguro, simples, barato, de boa acurácia e


reprodutibilidade. Os poucos resultados falso-negativos ou falso-positivos podem ser revistos
em rodadas subsequentes de rastreamento e trazem pouco prejuízo aos pacientes. De modo
geral, o método de rastreamento laboratorial impõe pouco ou nenhum risco de dano
significativo à saúde dos pacientes.

SOBRE O TRATAMENTO E A PREVENÇÃO

Efeitos da redução do LDL

A evidência preponderante derivada de ensaios randomizados indica que a redução do LDL


(ou do colesterol total) é seguida da queda do número de eventos cardiovasculares,
independente do nível de LDL prévio ao tratamento. O risco de infarto do miocárdio é o mais
afetado por essa redução, porém há efeito positivo, também, sobre outros eventos
cardiovasculares, além da mortalidade específica e geral. A magnitude do efeito sobre as
manifestações cerebrovasculares é menor, mas clinicamente significativa.

Os efeitos das dietas

O aconselhamento nutricional atua no sentido de prevenir a hipercolesterolemia não


familiar e como coadjuvante no controle dos lípides plasmáticos. Recentemente, vários estudos
epidemiológicos internacionais, observacionais e de intervenção reforçaram os benefícios das
antigas diretrizes que recomendam dietas isentas de gorduras trans e o consumo de menos de
10% do total calórico na forma de ácidos graxos saturados, em pessoas saudáveis, e menos que
7% naquelas com risco cardiovascular alto.
Para que essas metas sejam alcançadas, sugere-se a substituição dos alimentos ricos em
gordura saturada (p. ex., carne vermelha, banha, manteiga, frituras em geral, laticínios do leite
integral, óleo de coco e dendê) pelo consumo maior de ácidos graxos mono ou poli-insaturados
(p. ex., azeite de oliva, óleo de soja, girassol, ou canola; sardinha e salmão; castanhas e nozes;
semente de linhaça; abacate), redução ou exclusão de alimentos ricos em gorduras trans (p. ex.,
margarina, biscoitos, sorvetes cremosos, salgadinhos e outros alimentos industrializados) e
moderação do consumo de carboidratos, que influenciam as concentrações dos triglicérides.
Cereais, grãos e outros vegetais, incluídos seus óleos, são fontes de fitosteróis, um grupo de
esteroides alcoólicos e ésteres, que ocorrem exclusivamente em plantas e têm, por propriedade,
reduzir a absorção de colesterol, principalmente por mecanismos de adsorção intraluminal dos
ácidos graxos das micelas. O uso de fitosteróis deve ser parte das mudanças de estilo de vida e
está sempre indicado para controle do colesterol alterado, inclusive isoladamente, em pessoas
com risco cardiovascular baixo ou intermediário, que não se qualifiquem para tratamento
farmacológico. Assim sendo, a dieta geral saudável à base de frutas, verduras, legumes, grãos
integrais, carnes brancas e magras, leite desnatado e seus derivados, complementada por
atividade física moderada e regular (aumenta os níveis de HDL), dentre inúmeros outros
benefícios para a saúde, ajuda também a controlar as gorduras circulantes.

O perfil lipídico de Filipe revelou: CT = 240 mg/dL, HDL = 50 mg/dL, LDL = 170 mg/dL e TG = 190
mg/dL. O RCV10 calculado pelo método ASCVD-Pooled Cohort Equations foi de 1,6% para um
risco médio para a idade de 0,7%. Ou seja, mesmo estando mais alto para a sua idade, o RCV10
ainda pode ser considerado baixo. Uma dieta alimentar um pouco mais restritiva deve preceder o
uso de estatinas, no seu caso.

Tratamento farmacológico

Além das medidas comportamentais, outro pilar do controle dos lípides no sangue é o
tratamento farmacológico, do qual as estatinas (inibidores da 3-hidroxi-3-metil-glutaril-CoA
redutase) são consideradas as drogas de primeira linha para prevenção primária e secundária
das doenças cardiovasculares, principalmente a doença arterial coronariana. Essa classe de
drogas atua inibindo a síntese do colesterol, aumentando assim a expressão dos receptores
rLDL, resultando em maior remoção do LDL plasmático.
Potencialmente, as estatinas podem influenciar a dinâmica de todo o conjunto das
lipoproteínas circulantes que interagem com o rLDL (baixando o LDL e os TG e elevando o
HDL), mas o principal efeito esperado (a redução do LDL) já é sabidamente relacionado à
redução de eventos cardiovasculares e da mortalidade. Apesar de pequenas diferenças entre as
estatinas oferecidas no mercado, todas apresentam resultados semelhantes e podem ser usadas
indistintamente, de acordo com a sua disponibilidade e possibilidade de acesso.

Efeitos colaterais das estatinas

Efeitos colaterais do tratamento com estatinas são incomuns. Os mais frequentes são os
sintomas musculares (dor, sensibilidade, rigidez, câimbras, fraqueza e fadiga localizada ou
generalizada) que podem surgir a qualquer momento do tratamento em até 15% dos pacientes
tratados. Podem cursar com a elevação da creatinoquinase (CK) e, em casos extremos, a
rabdomiólise. Alterações de enzimas hepáticas também são evidenciadas e eventualmente
acompanhadas de sintomas ou sinais sugestivos de hepatotoxicidade (fadiga, anorexia, dor
abdominal inespecífica, icterícia e colúria).

Outros fármacos

Ezetimiba, resinas adsorventes intestinais (colestiramina), fibratos, ácido nicotínico, ácidos


graxos ômega-3, inibidores de PCSK-9, inibidores da proteína de transferência de ésteres de
colesterol, inibidor da proteína de transferência de triglicérides microssomal, dentre outras, são
opções farmacológicas para pacientes que não respondem adequadamente ao tratamento inicial
com mudanças de estilo de vida e estatina.

Metas

Tanto por meio das medidas comportamentais quanto pelo uso de fármacos
hipolipemiantes, o que se pretende é manter o LDL em níveis capazes de reduzir o risco de
eventos cardiovasculares (ver Capítulo “Risco de doença cardiovascular”). As metas de
concentração do LDL plasmático a serem buscadas com o tratamento variam entre 50 mg/dL e
130 mg/dL e são inversamente relacionadas ao RCV10 estimado. Obviamente, quanto mais
ambiciosa for a meta de redução, maiores serão as doses de medicamentos prescritas e maiores
os riscos de efeitos colaterais.

Viver mais e melhor

Em resumo, a hipercolesterolemia é um problema frequente, cujas consequências


potenciais são muito graves. O seu método de rastreio e os tratamentos disponíveis são
basicamente seguros e baratos, com efeitos colaterais pouco frequentes e, quando aparecem,
são de baixa gravidade. A manutenção do LDL abaixo de certos níveis plasmáticos adequados
tem impacto positivo tanto na qualidade de vida quanto na mortalidade por doenças
cardiovasculares. Portanto, os benefícios do rastreamento superam os eventuais riscos dele
decorrentes.

AGRADECIMENTO

Os autores agradecem a colaboração do Dr. Desiderio Favarato pela cuidadosa leitura do


texto e sugestão de melhorias.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Statin use for the primary prevention of
cardiovascular disease in adults: preventive medication. https://www.uspreventive-
servicestaskforce.org/uspstf/recommendation/statin-use-in-adults-preventive-medication. Acesso: Agosto de
2021.
2. Jin J. Lipid disorders: Screening and treatment. JAMA. 2016;316(19):2056. Acesso: Agosto de 2021.
3. CDC – Centers for Disease Control and Prevention. Cardiovascular and lipid disorder screening.
https://www.cdc.gov/immigrantrefugeehealth/guidelines/domestic/general/cardiovascular-lipid-
screening.html#tbl3. Acesso: Agosto de 2021.
4. Vijay S. UpToDate: Screening for lipid disorders in adults. https://www.uptodate.com/contents/screening-for-
lipid-disorders-in-adults. Acesso: Agosto de 2021.
5. Pirillo A. Global epidemiology of dyslipidaemias. Disponível em https://www.nature.com/articles/s41569-
021-00541-4. Acesso:Agosto de 2021.
6. CDC – Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Knowing your risk for high cholesterol.
https://www.cdc.gov/cholesterol/risk_factors.htm Acesso: Maio de 2021.
7. NIH – National Institute of Health. National Heart, Lung and Blood Institute. Blood cholesterol.
https://www.nhlbi.nih.gov/health-topics/blood-
cholesterol#:~:text=Cholesterol%20is%20a%20waxy%2C%20fat,%2C%20sometimes%20called%20%E2%8
0%9Cbad%E2%80%9D%20cholesterol. Acesso: Agosto de 2021.
8. Mayo Clinic. High cholesterol. https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/high-blood-
cholesterol/symptoms-causes/syc-20350800. Acesso: Agosto de 2021.
9. Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC-DA), Sociedade Brasileira de
Diabetes (SBD), Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Atualização da Diretriz
Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose – 2017. Arquivos Brasileiros de Cardiologia.
2017;109(1).
10. Scartezini M. Avaliação laboratorial das dislipidemias: presente e futuro. In: Recomendações da Sociedade
Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML): Inovação no Laboratório Clínico. Barueri:
Editora Manole; 2019.
11. Malta DC, Rosenfeld LG. Prevalência de colesterol total e frações alterados na população adulta brasileira:
Pesquisa Nacional de Saúde. Rev Bras Epidemiol. 2019;22(Suppl 02).
Ferrara A, Barrett-Connor E, Shan J. Total, LDL, and HDL cholesterol decrease with age in older men and
12. women – The Rancho Bernardo Study 1984-1994. Circulation. 1997;96(1):37-43.
2.12
Hipertensão arterial

PONTOS-CHAVE

A hipertensão arterial (HA) é uma doença de alta prevalência e morbimortalidade, tem evolução
assintomática por longo período e é capaz de comprometer a função de diversos órgãos, em
especial aumentando o risco de eventos cardiovasculares.
As medidas de pressão arterial com esfigmomanômetro em consultório, seguindo uma
sistemática padronizada de execução, servem de referência no rastreamento da HA e a PA de
140 mmHg x 90 mmHg deve ser usada como limiar de positividade.
O rastreamento da PA em consultório pode incorrer em resultado falso-negativo (“HA
mascarada”) ou falso-positivo (“HA do jaleco branco”), vieses que podem ser revistos por meio
de medidas de PA ambulatoriais (MAPA) ou residenciais (MRPA).
Muitas opções de tratamento medicamentoso e intervenções não medicamentosas, eficazes,
disponíveis e acessíveis, tornam o balanço entre benefícios e riscos do rastreamento da HA
amplamente positivo.

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear a HA em todas as pessoas de 18 a 75 anos, assintomáticas, da população geral.


Rastrear anualmente pessoas com risco elevado para HA (Tabela 1) ou com idade ≥ 40 anos, e
a cada 3 a 5 anos, pessoas em risco normal ou < 40 anos.
Aferir a PA com pelo menos 2 MRPA ou usando técnica padronizada em consultório em pelo
menos 2 consultas médicas em horários ou dias diferentes.
Complementar com novas MRPA ou MAPA, em caso de persistência de dúvida diagnóstica.
Após o rastreamento, positivo ou negativo, informar o(a) paciente dos seus níveis pressóricos e
oferecer orientação preventiva ou tratamento adequado.

RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES


O 7th Joint National Committee (USA) recomenda rastrear, a cada 2 anos, pessoas com PA
ótima e anualmente pessoas com PA normal ou pré-hipertensão (ver Tabela 3), assim definidas
em rastreamentos prévios.
O American College of Cardiology e a American Heart Association recomendam MRPA ou
MAPA para rastrear “HA mascarada” em pessoas com PAS 120-129 mmHg ou PAD 75-79
mmHg e “HA do jaleco branco” em pessoas com PAS 130-160 mmHg ou PAD 80-100 mmHg,
medidas em consultório e repetidas de forma consistente.

Luc é um jovem de 18 anos, estudante do primeiro ano de medicina, que está treinando
arremesso de peso, disco e martelo para representar a faculdade em competições de atletismo.
Ele faz musculação todos os dias da semana e toma vários suplementos proteicos e vitamínicos.
Convocado para um exame médico às vésperas do seu primeiro torneio oficial, ele conta ao
médico da equipe que não sente nada, que come muito, mas alimentos variados, não fuma, evita
bebida alcoólica e nega drogas, inclusive anabolizantes. Refere apenas que seu pai e seus tios
paternos são todos hipertensos. Ao exame, o seu IMC é 30,5, a PA 150 x 95 e a musculatura
homogeneamente bastante desenvolvida.

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

Prevalência no mundo

A hipertensão arterial (HA) é uma condição médica frequente que pode apresentar
repercussões graves no coração, cérebro e rins, entre outros órgãos. Trata-se de uma das
principais causas de morte prematura. Acredita-se que atinja, atualmente, cerca de 1,2 bilhão de
pessoas (em torno de 1/6 da população mundial), 25% dos homens e 20% das mulheres. Dois
terços dos casos de hipertensão são diagnosticados em países de baixa e média renda,
provavelmente devido ao aumento progressivo recente da exposição das pessoas a fatores de
risco comportamentais (Tabela 1).

Prevalência no Brasil

No Brasil, a prevalência da HA autorrelatada na Pesquisa Nacional de Saúde (2013) foi de


21,4%. Porém, considerando-se dados com medidas de pressão arterial (PA) aferidas e
confirmação de uso de medicação anti-hipertensiva, o percentual de adultos com HA subiria
para 32,3%. Seguindo o padrão internacional, a prevalência foi maior em homens e pessoas de
idade avançada.

TABELA 1 Fatores de risco da hipertensão arterial (HA)

1. Idade avançada

2. Antecedente familiar de HAS

3. Condição socioeconômica
4. Sobrepeso e obesidade

5. Insuficiência renal crônica

6. Alimentação com muita gordura ou sal, pobre em potássio e excesso de bebida alcoólica

7. Outros hábitos de estilo de vida: tabagismo, sedentarismo e estresse excessivo

8. Níveis pressóricos prévios compatíveis com “pré-hipertensão”

Doença silenciosa

Habitualmente, a hipertensão arterial evolui ao longo de anos de forma assintomática, sem


que a pessoa se dê conta do problema. Eventualmente, com o tempo, alguns sintomas
inespecíficos podem aparecer, como: cefaleia matutina, epistaxis, dificuldades visuais e
zumbidos auditivos, alguns dos quais podem elevar os níveis pressóricos. Quadros mais graves
e emergenciais podem exibir fadiga intensa, náuseas e vômitos, ansiedade e confusão mental,
dor precordial (angina ou infarto), arritmias cardíacas, insuficiência cardíaca ou renal, isquemia
cerebral. A HA tem relação causal direta com o aumento do risco de mortalidade por doença
cardiovascular, além de morte súbita.

Quando tratar

Por sua importância clínica e epidemiológica, a HA é tema comum de estudos científicos,


que geram vasta discussão sobre os limites de normalidade da PA. Nas Diretrizes Brasileiras de
Hipertensão Arterial – 2020, define-se a HA como uma doença caracterizada, genericamente,
por níveis pressóricos nos quais os benefícios do tratamento superam os seus riscos. Mas a
mesma entidade sugere também, como regra geral, que o diagnóstico da HA pode ser feito
quando há elevação persistente da pressão arterial sistólica (PAS) igual ou acima de 140 mmHg
e/ou pressão arterial diastólica (PAD) igual ou acima de 90 mmHg. Ambas medidas com
técnica adequada, em pelo menos duas ocasiões diferentes, na ausência de medicação anti-
hipertensiva.

Sempre tratar

Qualquer que seja a causa da HA,1 não existem dúvidas, atualmente, quanto ao valor do
diagnóstico pré-clínico na prevenção ou controle de eventos mórbidos, melhora de qualidade
de vida e redução da mortalidade. Por se tratar, na imensa maioria das vezes, de doença
“silenciosa” que evolui por período prolongado, todo contato com médico(a) é adequado para o
rastreamento, programado ou oportunista.

SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO

Como medir a pressão arterial

O método convencional de rastreio da HA é a sua aferição indireta, por meio de


esfigmomanometria, manual ou automática (auscultatória ou oscilométrica), em consultório
médico, durante qualquer tipo de consulta de qualquer especialidade clínica ou cirúrgica. Os
dispositivos devem ter a calibração verificada periodicamente, se possível, a cada 6 a 12 meses.
A primeira aferição da PA deve ser feita por medidas nos dois braços utilizando-se manguitos
de tamanho apropriado para as circunferências braquiais (Tabela 2); nas repetições
subsequentes, deve-se optar pelo membro superior que apresentou o maior nível pressórico
inicial, caso haja desigualdade de medidas.

TABELA 2 Dimensões do manguito de acordo com a circunferência do braço


Circunferência braquial Largura do manguito Comprimento da bolsa
≤ 6 cm 3 cm 6 cm

6-15 cm 5 cm 15 cm

16-21 cm 8 cm 21 cm

22-26 cm 10 cm 24 cm

27-34 cm 13 cm 30 cm

35-44 cm 16 cm 38 cm

45-52 cm 20 cm 42 cm

Fonte: adaptada de Malachias et al., 2017 apud Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial – 2020.

As Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial – 2020 fornecem uma descrição detalhada


de todos os passos para a realização da aferição em consultório, a fim de que a acurácia do
procedimento seja a melhor possível. Dentre eles, destacam-se:

A. A necessidade de efetuar as medidas com o(a) paciente sentado(a), em repouso mínimo de


5 minutos, em local calmo;
B. O manguito adequado deve ficar no nível do coração e as roupas sem garrotear os braços;
C. As palmas das mãos devem estar voltadas para cima, os antebraços e as pernas
descruzadas, e as costas bem apoiadas;
D. Após 3 medidas por braço, registram-se as médias das 2 últimas, indicando o respectivo
lado;
E. Todo o processo deve ser repetido, pelo menos mais uma vez, em outro momento ou
consulta;
F. Ao final das medições, os achados devem ser informados para o(a) paciente.

Classificação dos níveis pressóricos

A classificação da PA com base nas medidas de consultório consta na Tabela 3. O limiar de


detecção positiva adotado na maioria dos estudos de rastreamento da HA baseado nessas
medidas é de 140 mmHg x 90 mmHg.

TABELA 3 Classificação da pressão arterial (PA) de acordo com a medição de consultório

Classificação* PAS (mmHg) PAD (mmHg)


PA ótima < 120 e < 80

PA normal 120-129 e/ou 80-84

Pré-hipertensão 130-139 e/ou 85-89

HA estágio 1 140-159 e/ou 90-99

HA estágio 2 160-179 e/ou 100-109

HA estágio 3 ≥ 180 e/ou ≥ 110


TABELA 3 Classificação da pressão arterial (PA) de acordo com a medição de consultório

Classificação* PAS (mmHg) PAD (mmHg)

HA: hipertensão arterial; PA: pressão arterial; PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica.
Fonte: Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial – 2020.

Onde medir a pressão arterial

Os estudos para avaliar a acurácia das medições de PA em consultório foram


desenvolvidos, de modo geral, em condições diferentes, sem homogeneização da técnica de
mensuração, em contextos populacionais diversos e não completamente controlados do ponto
de vista demográfico ou de fatores de risco. Isso, somado à variação da PA devido a inúmeros
fatores do dia a dia, pode explicar as discrepâncias entre os resultados obtidos. Por exemplo, 2
meta-análises distintas mostraram sensibilidade agregada variando de 54% a 80%, e
especificidade agregada de 55% a 90%. Nesses estudos, valores iguais ou acima de 140 mmHg
x 90 mmHg nas medidas de consultório confirmavam o diagnóstico de HA. A acurácia foi
calculada usando-se como padrão-ouro de comparação a média de 24 horas de medidas
ambulatoriais de pressão arterial (MAPA) ≥ 130 mmHg x 80 mmHg ou pico diário de MAPA ≥
135 mmHg x 85 mmHg.
Portanto, o rastreamento da HA pode apresentar resultados tanto falso-negativos quanto
falso-positivos. Dentro do primeiro grupo, encontram-se os pacientes cuja pressão parece
normal na consulta médica, mas está elevada a maior parte do tempo fora dela. Isso é chamado
de “hipertensão mascarada”. O segundo grupo é aquele no qual a pressão está elevada durante
a consulta e permanece normal em outras situações: é a “hipertensão do jaleco ou avental
branco”. Esses vieses talvez possam ser atenuados pela medida desacompanhada da PA no
consultório (MDPAC), uma técnica pela qual toda a rotina-padrão da aferição da PA é
executada, automaticamente, sem a presença do profissional da saúde. Porém, apesar do
método parecer promissor, não há evidências que justifiquem a sua adoção no rastreamento
médico, até o momento.
Para aumentar a aderência e acelerar o diagnóstico, principalmente em nível de atenção
primária à saúde, uma outra opção viável de rastreio é a realização de pelo menos 2 medidas
residenciais de pressão arterial (MRPA), como procedimento preliminar. Estudo mostrou que
dessa forma é possível confirmar ou rejeitar a possibilidade de alteração pressórica em 6 de
cada 10 participantes.
Na prática, o rastreamento, tanto por medidas de consultório quanto por MRPA, deve ser
confirmado pela repetição dos valores alterados em 2 oportunidades diferentes, com medidas
de consultório. Pode-se também, de modo complementar, lançar mão de MAPA ou mais
MRPA, que ajudem a confirmar ou a rejeitar hipóteses de “HA do jaleco branco” ou “HA
mascarada”. No Quadro 1 apresentam-se as inter-relações dos possíveis desfechos do
rastreamento com medidas de consultório complementadas por MRPA ou MAPA.2

QUADRO 1 Diagnósticos da hipertensão arterial segundo métodos de medição de consultório


MRPA OU MAPA

Normal Elevada

Medidas de PA em Normal Normotensão Hipertensão mascarada


consultório
Elevada Hipertensão do jaleco Hipertensão sustentada
branco
QUADRO 1 Diagnósticos da hipertensão arterial segundo métodos de medição de consultório
MRPA OU MAPA

Normal Elevada

MAPA: monitorização ambulatorial da pressão arterial; MRPA: monitorização residencial da pressão arterial.
Fonte: adaptado de Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial – 2020.

Outros métodos validados e disponíveis atualmente para mensurar a velocidade de onda de


pulso (indicador de rigidez arterial) ou para estimar a pressão arterial central, como a
tonometria de pulso, mecanotransdutores piezoelétricos e oscilométricos, embora pareçam bons
preditores de doença cardiovascular, não se aplicam a situações de rastreamento em consultas
médicas de atenção primária.
Em resumo: MRPA (pelo menos 2 medidas registradas) ou PA em consultório são métodos
simples, rápidos, baratos e acessíveis para rastrear a HA. Problemas em relação à sensibilidade
e especificidade podem ser mitigados pelo treinamento adequado do profissional da saúde e do
paciente ou seu parente, na aplicação rigorosa das técnicas de aferição padronizadas. A
confirmação do diagnóstico se faz por mais medidas em consultório ou MRPA ou MAPA,
quando necessário. Exceto pelos eventuais falsos resultados, o rastreamento, em si, traz poucos
riscos à segurança dos pacientes em relação aos seus relevantes benefícios.

Caso o profissional da saúde tenha seguido todas as normas técnicas adequadas para a medição
da PA do Luc, o valor encontrado (150 x 95) inspira cuidados. Ele é jovem e tem antecedentes
familiares de HA. Seu IMC está na faixa de obesidade, mas é provável que seja só pela massa
muscular desenvolvida e não adiposidade excessiva. De qualquer modo, ele pratica exercícios
resistidos de musculação, que por serem muito intensos, podem piorar os níveis de PA,
agudamente, sem melhora no repouso ou longo prazo. O rastreamento completo de HA no Luc
envolveria, portanto, pelo menos mais uma repetição das medidas de PA em um outro dia e, se
persistir dúvida, MRPA ou MAPA complementar.

SOBRE O TRATAMENTO E A PREVENÇÃO

Tratamento não medicamentoso da pressão arterial

A abordagem terapêutica da HA se compõe de ações que envolvem uso de medicamentos e


outras não medicamentosas. Agir no sentido de inibir hábitos e comportamentos (fatores de
risco modificáveis) que aumentam a chance do aparecimento de HA ou diminuam a capacidade
do controle da PA em indivíduos hipertensos é etapa preliminar fundamental na prevenção dos
efeitos deletérios da HA no organismo.
Vários ensaios clínicos confirmaram efeito benéfico de redução da PA por meio de
intervenções capazes de promover hábitos e comportamentos saudáveis, como: prevenção
primária ou cessação do tabagismo; atividade física aeróbia e anaeróbia regular, de moderada
intensidade e baixo impacto; prevenção e controle do estresse; alimentação baseada no
consumo variado de frutas, verduras, legumes e cereais integrais, oleaginosas e carboidratos
complexos em quantidade moderada, baixo teor de gordura saturada em produtos provenientes
de animais (carne, leite, ovos) e seus derivados, e com restrições ao uso excessivo de sal,
açúcar e bebidas alcoólicas.
O sobrepeso, principalmente em níveis de obesidade (IMC ≥ 30 kg/m2), é um fator de risco
significativo para a elevação da PA. Todo paciente obeso e hipertenso, portanto, deve ser
aconselhado a tentar estratégias voltadas à perda ponderal. Mesmo perdas discretas já podem
implicar em redução dos níveis pressóricos e, eventualmente, em redução dos anti-
hipertensivos prescritos.

Tratamento farmacológico

O tratamento medicamentoso da HA visa, basicamente, à proteção das suas complicações


cardiovasculares. Inúmeros estudos já demonstraram que reduções da PAS e/ou da PAD são
efetivas na prevenção de acidentes vasculares encefálicos (AVE), doença arterial coronariana
(DAC), insuficiência cardíaca e das taxas de mortalidade. Inclusive no caso da hipertensão
sistólica do idoso, que também merece ser tratada.
O arsenal terapêutico disponível para o controle da HA, atualmente, é vasto. O controle
pressórico pode ser alcançado tanto por monoterapia quanto por terapia combinada de anti-
hipertensivos de classes diferentes. As classes preferenciais são: diuréticos tiazídicos,
bloqueadores de canais de cálcio, inibidores da enzima de conversão da angiotensina,
bloqueadores dos receptores de angiotensina II e betabloqueadores. Todos esses grupos já
tiveram sua eficácia comprovada na redução de complicações e desfechos fatais e não fatais da
HA. Todos apresentam efeitos colaterais pontuais que devem ser monitorados pelo médico(a)
assistente.

Apesar de Luc ser muito jovem, uma correta definição em relação à sua PA é importante, pois
pode orientá-lo quanto à melhor forma de cuidar da sua própria saúde, como, por exemplo,
praticar a atividade esportiva que ele gosta de forma mais segura. Além disso, embora a maioria
de estudos que avaliaram a eficácia de tratamento medicamentoso ter sido com hipertensos
acima de 50 anos de idade, alguns autores sugerem que complicações de longo prazo, como
hipertrofia da musculatura cardíaca ou proteinúria, podem ser evitadas se o controle da HA for
precoce, mesmo em pessoas mais jovens.

Outros fármacos

Outros tipos de medicamentos anti-hipertensivos (alfabloqueadores, simpatolíticos de ação


central, antagonistas da aldosterona e vasodilatadores diretos) devem ser reservados para casos
de condições clínicas específicas ou HA grave, com intolerância ou resistência aos
medicamentos das classes preferenciais. Apesar desses grupos não terem sido objeto de
pesquisa extensiva, é perceptível uma associação destes com maior taxa de efeitos adversos.
A CTFPHC e a USPSTF consideram que há evidência suficientemente robusta que ateste a
grande utilidade do tratamento da HA na prevenção de desfechos graves e na redução da
mortalidade precoce. Ambas as entidades consideram que, apesar de não haver evidência direta
da eficácia do rastreamento, a simplicidade do método e o bom desempenho das opções de
tratamento tornam o balanço entre os seus benefícios e riscos de danos à saúde amplamente
positivo.

AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Dr. Desiderio Favarato pela cuidadosa leitura do
texto e sugestão de melhorias.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPFTF – United States Preventive Services Task Force. Hypertension in adults: Screening. 2021.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/hypertension-in-adults-screening.
Acesso: Julho de 2021.
2. CTFPHC – Canadian Task Force on Preventive Health Care. Hypertension (2012).
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/hypertension/. Acesso: Julho de 2021.
3. WHO – World Health Organization. Hypertension. https://www.who.int/health-
topics/hypertension#tab=tab_1. Acesso: Julho de 2021.
4. Barroso et al. Diretrizes Brasileira de Hipertensão Arterial – 2020. Arq Bras Cardiol. 2021;116(3):516-658.
5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Rastreamento
de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS). In: Cadernos de Atenção Primária. 2010;29:50-1.
6. Niessen MA, van der Hoeven NV, van der Born BJ, Kalken CK, Kraaijenhagen RA. Home blood pressure
measurement as a screening tool for hypertension in a web-based worksite health promotion programme.
European Journal of Public Health. 2014;24(5):776-81.
7. Guirguis-Blake JM, Evans CV, Webber EM, Coppola EL, Perdue LA, Weyrich MS. Screening for
hypertension in adults: Updated evidence report and systematic review for the US Preventive Services Task
Force. JAMA. 2021;325(16):1657-69.
2.13
Infecção latente pela Mycobacterium tuberculosis (ILTB)

PONTOS-CHAVE

A OMS estima que um quarto da população mundial está infectada pelo bacilo causador da
tuberculose, mas sem sintomas ou capacidade de transmissão da infecção. A essa situação dá-
se o nome de infecção latente pela Mycobacterium tuberculosis (ILTB).
O rastreamento da ILTB se justifica para quem pode se beneficiar do tratamento, como pessoas
que: vivem com HIV; pertencem ou trabalham no sistema prisional ou em instituições de longa
permanência; serão submetidas a imunossupressão; estão gravemente desnutridas, dentre
outros.
Há testes capazes de detectar a presença de ILTB: a prova tuberculínica com PPD usando a
técnica de Mantoux e testes laboratoriais do tipo IGRA (Interferon-Gamma Release Assay)
possuem boa acurácia geral e estão disponíveis em nosso meio.
Portadores de ILTB podem ser submetidos a tratamento medicamentoso com isoniazida,
rifampicina, rifapentina ou combinações de drogas. O tratamento da ILTB chega a reduzir em
65%, em média, o risco de progressão para a tuberculose ativa (TB ativa).

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear a ILTB em pessoas entre 18 e 75 anos de idade, em situação de alto risco, dentre as
descritas na Tabela 1.
Informar os(as) pacientes candidatos(as) a rastreamento dos benefícios e riscos de fazê-lo e
compartilhar a decisão a ser tomada.
Utilizar a prova tuberculínica, disponível na rede do SUS, ou o IGRA, disponível em alguns
serviços de laboratório clínico, como métodos de rastreio.
Para pacientes que rastrearem negativamente, repetir os exames conforme o nível e a
persistência do risco (Tabela 1).
Para pacientes que rastrearem positivamente (prova tuberculínica ≥ 10 mm ou IGRA+),
aprofundar a investigação no sentido de afastar TB ativa.
Para pacientes com ILTB confirmada, introduzir tratamento medicamentoso, se necessário, com
apoio de especialista.
RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES

A OMS não recomenda o rastreamento sistemático de pacientes com diabete, consumo


alcoólico nocivo ou com baixo peso, exceto se tiverem outros fatores de risco predisponentes.

Irmã Cora é uma freira de 57 anos, que mora em um convento de São Paulo. Durante seu exame
médico anual, ela nega qualquer tipo de sintoma atual. Sua rotina diária é muito regular: acorda
cedo, faz suas orações antes do desjejum, realiza suas tarefas diárias de limpeza e cozinha até o
almoço; à tarde, lê alguns textos religiosos e, depois, sai para cuidar de idosos moradores de
uma casa de repouso de bairro pobre; após o jantar, ela ainda ajuda pessoas que vivem em
situação de rua em um centro de acolhida da periferia da cidade, que albergou pelo menos 2
homens que tiveram o diagnóstico de tuberculose pulmonar, nos últimos 2 anos.

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

Definição

Uma pessoa suscetível, em contato com alguém com TB, tem 30% de chance de infectar-
se, dependendo do grau de exposição ao caso índice (transmissor), da infectividade desta cepa
e da sua própria capacidade de resposta imune ao agente infectante. Se esse indivíduo
permanecer assintomático por muitos anos, com imunidade parcial ao bacilo, diz-se que é
portador de infecção latente pelo Mycobacterium tuberculosis (ILTB).

Epidemiologia

A OMS estima que um quarto da população mundial, aproximadamente, está infectada pela
Mycobacterium tuberculosis. Isso não significa que existam bilhões de doentes com TB ativa;
na verdade, a imensa maioria (ainda) não apresenta sintomas e não consegue transmitir a
doença. Estima-se que, dentre as pessoas infectadas, haja entre 5% e 10% de risco de
apresentarem TB ativa em algum momento da vida.
Ainda segundo dados da OMS, 1,4 milhão de pessoas morreram de TB no mundo, em
2019. Destas, 208 mil eram portadoras de HIV. A TB está entre as 10 principais causas de
morte, sendo a primeira dentre as doenças infecciosas; mais mortal, portanto, que a
HIV/AIDS.1 No mesmo ano, cerca de 10 milhões de casos novos de TB foram diagnosticados:
56% em homens, 32% em mulheres e 12% em crianças.
A TB atinge todas as faixas etárias e está presente em todos os países. Porém, apenas 30
países são responsáveis por 87% da carga anual mundial, dentre os quais a Índia lidera, seguida
de Indonésia, China, Filipinas, Paquistão, Nigéria, Bangladesh e Africa do Sul. O Brasil é o
único representante da região das Américas entre esses 30 países. Esta região concentra 3% da
carga de TB do planeta, sendo Brasil (com 33% dos casos novos americanos), Peru (14%),
México (9%) e Haiti (8%) os mais atingidos.
Em que pese o fato dos números virem caindo desde o ano 2000, nos últimos 10 anos,
foram diagnosticados, em média, 71.000 casos novos de TB por ano em nosso país, com
índices de incidência que variam entre 10 e 75 casos novos anuais por 100.000 habitantes, nas
diversas unidades federativas. O coeficiente de mortalidade nacional, em 2017, estava em 2,2
óbitos a cada 100.000 habitantes. Os estados do Amazonas, Paraíba e Rio de Janeiro são os que
apresentam as maiores taxas de mortalidade por TB.
A TB é uma doença de alta morbimortalidade reconhecida há séculos. Os sintomas mais
comuns são do acometimento pulmonar (tosse, febre, calafrios e sudorese noturna e perda de
peso), que é a forma transmissível da doença.2 Entretanto, clinicamente, a TB pode ser
considerada uma doença sistêmica, altamente consumptiva, que acomete praticamente todos os
sistemas e aparelhos do corpo. O seu diagnóstico se confunde com o de doenças inflamatórias
autoimunes, degenerativas, neoplásicas e outras moléstias infecciosas. A doença é 3 vezes mais
letal em pacientes que vivem com o HIV do que na população geral.
A situação epidemiológica atual da tuberculose no Brasil, diferente de outros países, como
alguns da Ásia, não é de epidemia descontrolada, conforme mostram os dados oficiais. Assim,
não se justifica o rastreamento indiscriminado da ILTB. Porém, quando a primoinfecção não se
acompanha de TB ativa e a resposta imune é insuficiente para depurar completamente o bacilo,
a sua latência no organismo pode se estender por muitos anos, ou mesmo décadas. Nesse
período é possível e importante detectá-lo, mas apenas no caso de pessoas em certas condições
de alto risco.

Fatores de risco

A Tabela 1 reúne as situações, reconhecidas pelo MS brasileiro, em que a presença de ILTB


é um risco potencial importante para a saúde e merece ser rastreado.

TABELA 1 Situações em que se deve considerar o rastreamento da ILTB

1. Contatos (nos últimos dois anos) de adultos e crianças com TB pulmonar e laríngea

2. Pessoa vivendo com HIV com LT CD4+ ≥ 350 cel/mm3

3. Pessoas em uso de inibidores de TNF alfa ou corticosteroides (equivalente a > 15 mg/dia de


prednisona por mais de um mês)

4. Pessoas com alterações radiológicas fibróticas sugestivas de sequela de TB

5. Pré-transplante com posterior terapia imunossupressora

6. Pessoas com silicose

7. Neoplasia de cabeça e pescoço, linfomas e outras neoplasias hematológicas

8. Neoplasias em terapia imunossupressora

9. Insuficiência renal em diálise

10. Diabete melito

11. Baixo peso (< 85% do peso ideal)

12. Tabagista (≥ 1 maço por dia)

13. Calcificação isolada (sem fibrose) na radiografia de tórax

14. Profissionais de saúde, pessoas que vivem ou trabalham no sistema prisional ou em instituições
de longa permanência

Fonte: adaptada de Brasil, 2018. Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil.

SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO


Exames de imagem

Exames de imagem (radiografia simples do tórax, tomografia computadorizada de pulmão)


ou pesquisa de bacilo álcool-ácido resistente (BAAR) no escarro não são exames adequados de
rastreamento de ILTB. Esses (e eventualmente outros) são úteis somente em casos de pessoas
com sintomas respiratórios em que a TB pulmonar seja uma hipótese plausível, ou como
sequência investigatória de pessoas, cujo rastreamento da ILTB por outros meios tenha sido
positivo.

Testes de rastreamento

São basicamente dois os tipos de testes de rastreamento disponíveis para ILTB. O primeiro
é a prova tuberculínica usando a técnica de Mantoux. Trata-se da inoculação intradérmica, na
região do antebraço esquerdo, do derivado proteico purificado (PPD), um conjunto de proteínas
extraído de meios de cultura da Mycobacterium tuberculosis. Todo o processo desde a
produção, transporte e acondicionamento do PPD até a inoculação e leitura final do resultado
deve seguir padrões rígidos de qualidade estabelecidos pela OMS. A leitura é feita de 48 a 72
horas após a inoculação, medindo-se (em milímetros) o tamanho do nódulo ou intumescimento
(um inchaço ou endurecimento elevado e palpável) que por ventura apareça no local.
Usando como limite mínimo de positividade do teste tuberculínico uma medida igual a 10
mm, a sua sensibilidade gira em torno de 79% e a especificidade, 97%. As causas de resultados
falso-negativos (cerca de 21%) incluem: problemas técnicos em alguma fase do processo de
testagem, situações temporárias ou permanentes de imunodeficiência, outras doenças crônicas,
infecciosas ou neoplásicas concomitantes, desnutrição, gravidez, idade muito avançada, febre e
vacinação recente. Dentre os falso-positivos (3%), as causas mais relevantes, no Brasil, são a
aplicação da vacina BCG, como parte do calendário vacinal brasileiro e outras micobactérias
ambientais.
Prova tuberculínica positiva pode ser induzida pela BCG. Se aplicada logo após o
nascimento, a vacina produz reações maiores e mais duradouras, porém apenas 1% dos testes
de rastreamento positivos executados após 10 anos da sua aplicação podem ocorrer como
consequência da BCG. Em outras palavras, em jovens e adultos assintomáticos, que não foram
revacinados ou receberam BCG como parte de algum tratamento, um nódulo igual ou maior do
que 10 mm deve ser considerado compatível com ILTB. Outra causa de falso-positividade é
reação cruzada com outra micobactéria.
A segunda opção de rastreamento é por meio dos testes de IGRA (Interferon-Gamma
Release Assay). Testes deste tipo detectam a liberação do interferon gama das células de defesa
quando estimuladas por antígenos muito específicos da Mycobacterium tuberculosis. O
Quantiferon®-TB Gold Intube (sensibilidade = 80% e especificidade = 97%) e o T-SPOT®-TB
(sensibilidade = 90% e especificidade = 95%) são os nomes comerciais dos testes de IGRA
disponíveis no mercado. O T-SPOT®-TB é de execução e interpretação menos automatizada e
não está disponível no Brasil.
As vantagens dos testes IGRA sobre a prova tuberculínica são: não sofrer influência da
vacina BCG; menor interferência no teste de infecções por outras micobactérias; não implicar
em erro de leitura ou interpretação do resultado; não requerer duplo deslocamento do paciente.
Dentre as desvantagens estão o custo mais elevado, a necessidade de coleta sanguínea e de
infraestrutura laboratorial adequada para conservação e manuseio cuidadoso de linfócitos.
Os testes tipo IGRA são cada vez mais recomendados como substitutos da prova
tuberculínica para rastrear ILTB, tanto pela melhor sensibilidade e especificidade quanto pela
menor disponibilidade atual do PPD. No Brasil, a disponibilidade dos IGRA ainda se restringe
a laboratórios privados e centros de pesquisa, mas estudos já concluídos indicam que devam ser
incorporados ao SUS nos próximos anos.
O intervalo das rodadas de rastreamento é variável, dependendo do grau de risco da pessoa
examinada (Tabela 1). Naquelas consideradas pelo médico(a) assistente como estando em
situação de muito alto risco para ILTB, a repetição pode ser até anual, enquanto que, em outras
situações, um único rastreio na vida já seja suficiente.

Recomendações de rastreamento

A USPSTF não encontrou, na sua revisão sistemática, estudos que tenham reportado
diretamente danos à saúde por causa do rastreamento. Danos potenciais de maior relevância
seriam o estigma da doença e os decorrentes do prosseguimento de investigação ou tratamento
indevido dos casos falso-positivos. Dada a importância clínica e epidemiológica da TB, a
disponibilidade e acurácia dos métodos de rastreamento são fatores favoráveis ao rastreamento.

Irmã Cora, a princípio, parece ser uma pessoa saudável, sem sintomas ou doenças manifestas, e
com hábitos simples e regrados. Porém, chamam a atenção as suas atividades diárias em casa
de repouso de idosos de baixa renda e em um centro de acolhida de pessoas em situação de rua.
Ambas as situações são reconhecidas como de alto risco de transmissão da infecção por TB.
Somado tudo isso à possível exposição a casos de TB no passado recente, o rastreamento da
ILTB passa a ser um item relevante dos seus exames médicos periódicos.

SOBRE O TRATAMENTO E A PREVENÇÃO

Diante de rastreamento positivo por qualquer dos métodos propostos, deve-se, em um


primeiro momento, afastar a possibilidade da existência de TB ativa, em particular sintomas ou
sinais não valorizados pelo(a) paciente. Neste caso, a avaliação clínica cuidadosa, com
anamnese e exame físico mais detalhados, pode indicar a presença, por exemplo, de: uma febre
baixa vespertina persistente, ruídos pulmonares anômalos, derrame pleural, adenomegalia,
pigmentação anormal da pele, alteração da cor da urina ou uma ascite incipiente, que indiquem
a presença de tuberculose pulmonar, pleural, ganglionar ou de outros órgãos-alvos, como:
suprarrenal, rim e peritônio.
Exames complementares mais sofisticados podem ser necessários para a confirmação ou
exclusão da TB, antes que qualquer tipo de tratamento seja instituído. Uma vez excluída essa
possibilidade e confirmado tratar-se de ILTB, justifica-se iniciar o tratamento. A maioria dos
estudos publicados avaliaram a isoniazida, a rifampicina ou rifapentina + isoniazida.
Segundo a USPSTF, a melhor evidência de efetividade do tratamento provém de um ensaio
clínico randomizado placebo-controlado europeu, datado de 1982, com 27.830 portadores de
fibrose pulmonar por TB fora de atividade. O grupo tratado com isoniazida (300 mg/dia, por 24
semanas) apresentou um risco 65% menor de evoluir para TB em relação ao grupo placebo.
Outros estudos multicêntricos, incluindo o Brasil, confirmaram a utilidade da isoniazida, mas
não demonstraram inferioridade dos outros medicamentos, isoladamente, ou em esquema
combinado com a isoniazida. O estudo rifapentina + isoniazida mostrou-se não inferior a
isoniazida isolada e a redução do tempo de tratamento (12 semanas com dose semanal) levou a
maior adesão ao tratamento.
O MS brasileiro recomenda o uso da isoniazida para jovens e adultos com até 49 anos de
idade, por 6 a 9 meses. Em função da hepatotoxicidade desse medicamento, para pessoas com
intolerância, portadores de hepatopatia e todos com 50 anos ou mais de idade, deve-se dar
preferência à rifampicina. Além disso, para quem apresenta alto risco, principalmente devido a
situações de imunodeficiência confirmada, o MS preconiza o tratamento com o resultado da
prova tuberculínica com PPD já a partir de 5 mm (e não 10 mm como nas outras situações). A
combinação rifapentina + isoniazida por 12 semanas, uma vez por semana, está fase de
implantação no Brasil.
A hepatotoxicidade é o risco mais consistente da profilaxia da ILTB com isoniazida, sendo
cerca de 4,6 vezes maior quando comparada a placebo e 3,3 vezes maior em relação à
rifampicina. A hepatotoxicidade, porém, não parece aumentar a mortalidade. A isoniazida
apresenta, também, eventos adversos gastrointestinais, que podem acarretar o abandono do
tratamento.
Do ponto de vista da prevenção, devem ser enfatizados os cuidados de contato com
possíveis pessoas infectadas para todos os indivíduos em situação de maior risco (Tabela 1).
Para aqueles que lidam, diariamente, por razões profissionais ou humanitárias, com grupos de
alto risco (p. ex., encarcerados do sistema prisional, confinados em instituições de longa
permanência, pessoas que vivem em extrema pobreza, em situação de rua ou aglomerações
carentes), o uso de equipamento de proteção individual e as práticas higiênicas para impedir o
contágio devem ser reforçadas.
Concluindo, a TB é uma doença sabidamente grave e o conjunto das evidências disponíveis
indica que vale a pena rastrear a ILTB em situações de risco especial (Tabela 1). Para tanto,
dispõe-se de testes acurados e disponíveis, tanto no setor público quanto privado da saúde. O
tratamento, se bem conduzido, pode impedir a progressão da ILTB para a TB ativa, na maioria
dos pacientes; seus efeitos colaterais eventuais podem ser contornados com várias opções de
tratamento menos tóxicas, que ajudem a evitar a sua descontinuidade.

Uma prova tuberculínica ≥ 10 mm ou um IGRA positivo podem levar a Irmã Cora a ser submetida
a vários procedimentos subsequentes: inicialmente, excluir a presença de TB ativa, por meio de
avaliação clínica detalhada, exames de imagem e outros. Excluída essa possibilidade, ela poderá
ser aconselhada a fazer um tratamento medicamentoso da ILTB. Tanto a investigação médica
quanto o tratamento podem incorrer em efeitos colaterais para a paciente. Por essa razão, antes
de iniciar o rastreamento, ela deve ser informada dos benefícios e riscos de danos possíveis e
compartilhar da decisão se rastreia ou não a ILTB. Pelo potencial de transmissão, ela deve ser
aconselhada a usar máscara durante suas tarefas assistenciais, caso a exposição persista.

AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Prof. Dr. Olavo Henrique Munhoz Leite pela
cuidadosa leitura do texto e sugestão de melhorias.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Latent tuberculosis infection: Screening, 2016.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/latent-tuberculosis-infection-
screening. Acesso: Julho de 2021.
2. WHO – World Health Organization. Global Tuberculosis Report 2020.
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/336069/9789240013131-eng.pdf. Acesso: Julho de 2021.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças
Transmissíveis. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil. 2a ed. Brasília:
Ministério da Saúde; 2019.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças
Transmissíveis. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil. 2a ed. Revisada. Brasília:
Ministério da Saúde; 2020.
5. CDC – Centers for Disease Control and Prevention. Testing for tuberculosis (TB).
http://www.cdc.gov/TB/publications/factsheets/testing/TB_testing.htm. 2014. Acesso: Julho de 2021.
6. CDC – Centers for Disease Control and Prevention. Fact sheet: Tuberculin skin testing.
http://www.cdc.gov/TB/publications/factsheets/testing/skintesting.htm. 2016. Acesso: Julho de 2021.
7. CDC – Centers for Disease Control and Prevention. Fact sheet: Interferon-gamma release assays (IGRAs) –
Blood tests for TB infection. http://www.cdc.gov/TB/publications/factsheets/testing/igra.htm. 2015. Acesso:
Julho de 2021.
8. CDC – Centers for Disease Control and Prevention. Treatment regimens for latent TB infection (LTBI).
http://www.cdc.gov/TB/topic/treatment/lTBi.htm. Acesso: Julho de 2021.
9. Sterling TR, Villarino ME, Borisov AS, Shang N, Gordin F, Bliven-Sizemore E, et al., for the TB Trials
Consortium PREVENT TB Study Team. Three months of rifapentine and isoniazid for latent tuberculosis
infection. NEJM. 2011 Dec 8;365(23):2155-66.
2.14
Infecção pelo vírus da hepatite B (VHB)

PONTOS-CHAVE

O vírus da hepatite B (VHB) é transmitido por contato sanguíneo ou sexual e acomete centenas
de milhões de pessoas no mundo.
A história natural da infecção pelo HBV é marcada por evolução silenciosa; muitas vezes, a
doença é diagnosticada décadas após a infecção.
A sorologia para VHB com detecção do HBsAg, anti-HBsAg e anti-HBc (IgM e total), HBeAg e
anti-HBe mostra boa acurácia para diferenciar os vários momentos da evolução da infecção.
O tratamento tende a reduzir ou eliminar a carga viral, impedir a evolução da hepatite para
quadros clínicos mais graves e interromper a cadeia de transmissão.
A prevenção primária deve enfatizar a proteção sexual, o não compartilhamento de seringas, o
uso de equipamento de proteção individual (EPI) e o incentivo à vacinação.

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear homens e mulheres, vacinados ou não contra VHB, entre 18 e 75 anos, quanto ao
risco de contágio para a infecção por VHB (ver Tabela 1).
Fornecer orientação preventiva aos indivíduos de baixo risco (uso de preservativo sexual, não
compartilhamento de seringas e EPIs adequados).
Para os indivíduos de alto risco não vacinados, pesquisar o HBsAg, seguido de imunoensaios
para determinação de anti-HBs e anti-HBc, IgM e total.
A partir dos resultados da sorologia, definir os candidatos à vacinação, tratamento para
depuração viral ou aconselhamento intensivo para evitar a transmissão do vírus.
Para os indivíduos vacinados, pesquisar os anticorpos anti-HBs e encaminhar para revacinação,
se necessário.

RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES


O CDC, o American College of Physicians e a American Association for the Study of Liver
Diseases recomendam rastrear a infecção pelo VHB em todos os nascidos em países com
prevalência de HBsAg ≥ 2%, independente de vacinação prévia, e também em pessoas que
requeiram terapia imunossupressora, diálises, que apresentem ALT elevado de origem
desconhecida ou que trabalhem em casas de repouso.

Tina, uma técnica de laboratório de análises clínicas de 37 anos de idade, procura o médico do
trabalho do seu hospital. Está preocupada porque seu marido, um gerente de banco de 40 anos,
apresentou resultados sugestivos de infecção pelo vírus da hepatite B (VHB) no seu check-up.
Ela ficou com muito medo e quer fazer os exames necessários para saber se também está
infectada pelo vírus.

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

Epidemiologia

A transmissão do vírus da hepatite B (VHB) ocorre de forma parenteral, sexual e vertical


(da mãe para o bebê, durante a gestação, parto ou amamentação). Em 2015, acometeu cerca de
250 milhões de pessoas no mundo, causando mais de 850.000 mortes naquele ano.
No período de 1999 a 2019, foram notificados 247.890 casos de hepatite B no Brasil. As
taxas de detecção de hepatite B no país vêm apresentando leve tendência de queda desde 2015,
atingindo 6,6 casos por 100 mil habitantes em 2019. A prevalência é baixa, menor que 2%.
Em adultos imunocompetentes, a resposta da imunidade celular às proteínas virais
expressas pelos hepatócitos elimina o microrganismo em aproximadamente 99% dos
indivíduos. Por outro lado, cerca de 15 a 25% dos pacientes com hepatite B na sua forma
crônica morrem de insuficiência hepática por cirrose ou carcinoma hepatocelular (CHC).

Aspectos clínicos

A história natural da infecção pelo HBV é marcada por evolução silenciosa; muitas vezes, a
doença é diagnosticada décadas após a infecção. Os sinais e sintomas são comuns às demais
doenças parenquimatosas crônicas do fígado e costumam manifestar-se apenas em fases mais
avançadas da doença.
Portadores de infecção crônica são reservatórios de transmissão pessoa a pessoa do VHB.
Estudos mostram que cerca de 70% dos indivíduos portadores de hepatite B crônica não estão
cientes disso e muitos permanecem assintomáticos até os primeiros sinais clínico-laboratoriais
de cirrose ou mesmo em fase avançada de insuficiência hepática.
Quanto mais jovem o paciente se infectar com o vírus, maior a chance de progressão para a
forma crônica, bem como maior é a chance de transmissão a outras pessoas ao longo da sua
vida. Até 1992, quando a vacina da hepatite B passou a fazer parte do calendário do Programa
Nacional de Imunizações, a maioria das infecções agudas do VHB acometia pacientes na
adolescência e na fase inicial da vida adulta, por conta de comportamento sexual de risco, uso
de drogas injetáveis ou exposição ocupacional.
Assim como para outras infecções transmissíveis por contato, a vulnerabilidade social, por
exemplo, de pessoas que vivem encarceradas ou em situação precária de rua, é agravante ou
facilitadora do contágio. A Tabela 1 contém os principais fatores de risco para o VHB.
Em suma, a hepatite B é doença de baixa prevalência, mas alta morbidade, podendo
evoluir, cronicamente, para cirrose ou CHC. Ambas as condições, embora atinjam uma minoria
de pacientes dentre os infectados, se não tratadas, são muito letais e, antes disso, pioram
significativamente a qualidade de vida. Há ainda os casos de pessoas portadoras crônicas do
VHB, assintomáticas, transmissoras em potencial do vírus.

TABELA 1 Fatores que elevam o risco de infecção pelo vírus da hepatite B (VHB)

1. Sexo entre homens (HSH)

2. Pessoa HIV-positivo

3. Usuários de drogas injetáveis e compartilhadores de seringas

4. Doentes crônicos que necessitam de derivados de sangue ou procedimentos invasivos (p.ex.


diálise)

5. Parceiros sexuais ou contatos domiciliares de portadores de VHB

6. Moradores de regiões de alta prevalência de VHB (> 2%)

7. Profissionais da saúde ou profissionais do sexo

8. Pessoas vivendo em presídios ou em situação precária de rua

O rastreamento serve, portanto, para identificar indivíduos cronicamente infectados que


possam ainda se beneficiar de tratamento para prevenir ou atrasar a doença hepática (clearance
do HBsAg) e para detectar e vacinar pessoas suscetíveis (interrompendo assim a cadeia de
transmissão), além de ser uma iniciativa complementar aos cuidados preventivos a serem
tomados de acordo com os riscos de exposição (p. ex., usar preservativo nas relações sexuais,
não compartilhar equipamentos e insumos na injeção de drogas, aderir ao uso dos
equipamentos de proteção individual durante o trabalho em laboratório clínico).
No Brasil, apesar da introdução da vacina na Amazônia Ocidental em 1989 e dos esforços
progressivos em imunização e prevenção no Sistema Único de Saúde (SUS), a transmissão da
hepatite B ainda é uma realidade. Aproximadamente 17.000 novos casos são detectados e
notificados anualmente, o que contribui para evidenciar o impacto da doença no território
brasileiro.

A situação de Tina, se ela teve ou não contato com o VHB, gera várias dúvidas e possibilidades
de contaminação. Não se sabe ao certo se o resultado do exame do marido revelou sinal de
doença aguda (menos de 6 meses), crônica (mais de 6 meses) ou se ele está curado de uma
hepatite B mais antiga. Além do risco de transmissão sexual, como ela é profissional da saúde, é
possível que tenha sido vacinada ou que se tenha contaminado no trabalho, ou que ainda seja
soronegativa para o VHB. O rastreamento pode ajudar a esclarecer toda essa situação intrincada.

SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO

Quem deve rastrear?


A USPSTF recomenda rastrear adolescentes e adultos, assintomáticos, vacinados ou não,
que estejam em situação de alto risco de contágio pelo VHB. Baseado nessa recomendação, o
primeiro passo seria estimar o risco, subjetivamente, segundo os itens da Tabela 1. Pessoas que
não se enquadram em nenhuma das condições citadas são consideradas de baixo risco e podem
ser dispensadas do rastreamento.
Para os expostos a um ou mais dos fatores citados, e que nunca foram vacinados para
prevenir hepatite B, inicia-se o rastreamento laboratorial para a detecção do antígeno de
superfície do VHB, o HBsAg. A sensibilidade e a especificidade dos testes disponíveis para
isso giram, ambas, em torno de 98%.
Pacientes assintomáticos, não vacinados previamente, que testam positivo para o HBsAg,
são o principal alvo do check-up, pois podem transmitir o vírus. Esses indivíduos podem ser
portadores recentes ou tardios, o que pode impactar o tratamento.

Estudos sorológicos

O estudo sorológico para fazer essa diferenciação do tempo de evolução e estágio da


infecção é feito pela pesquisa de alguns outros antígenos e anticorpos do VHB, a saber:
anticorpos anti-antígeno de superfície – HBs (anti-HBs) e anticorpos anti-antígeno do núcleo
ou core do VHB (Anti-HBc), IgM ou total e, ainda, o HBeAg e o anti-HBe. As situações
possíveis, de maneira geral, são:

A. Infecção aguda (< 6 meses): HBsAg positivo, anti-HBs negativo, anti-HBc IgM e total
positivos. Esse perfil sorológico indica que a pessoa teve um contato recente com o vírus
nativo, é um transmissor potencial, mas ainda pode evoluir tanto para a cura espontânea,
evidenciada com a “viragem” do anti-HBs no futuro próximo, quanto para a cronificação
da infecção.
B. Infecção crônica (> 6 meses): HBsAg positivo, anti-HBs negativo, IgM anti-HBc negativo
e anti-HBc total positivo. Trata-se do portador de infecção crônica de VHB, aquele que
não desencadeou a “viragem” de anti-HBs e que, além de ser transmissor do vírus, corre o
risco de evolução da hepatite crônica para cirrose ou CHC. Necessita de acompanhamento
clínico com outros testes laboratoriais, eventual tratamento da hepatite e aconselhamento
preventivo intensivo para evitar a transmissão do vírus.

Pessoas assintomáticas, não vacinadas, que testam negativo para HBsAg, são virtualmente
sadias, mas possivelmente suscetíveis ao contágio, uma vez que apresentem alto nível de
exposição ao vírus (um pré-requisito do rastreamento). Do mesmo modo de quem testa HBsAg
positivo, esses indivíduos necessitam de complementação laboratorial para definir se a infecção
está em andamento, se estão curados ou, o mais importante, se precisam ser vacinados. São os
seguintes grupos:

A. Suscetível: é a pessoa HBsAg negativo, anti-HBc IgM e total negativo e anti-HBs


negativo, ou seja, não apresenta qualquer vestígio imunológico de contato com o vírus. É
grande candidata à vacina contra a hepatite B.
B. Caso intermediário: quando o HBsAg e o anti-HBs são negativos, porém o anti-HBc total
é positivo. Existe a possibilidade de que a doença aguda já tenha se resolvido, apesar do
anti-HBs não ser detectado (baixo título ou perda da resposta), ou que este ainda esteja em
fase de “viragem”. Outras situações raras são o anti-HBc falso-positivo ou infecção
crônica com HBsAg não detectado.
C. Imune: é a situação na qual o HBsAg é negativo e tanto o anti-HBc total quanto o anti-
HBs são positivos, indicando que o organismo reagiu e eliminou naturalmente a carga
viral. Os indivíduos nessas condições foram imunizados naturalmente e não são
transmissores.

As Figuras 1 e 2 ilustram, esquematicamente, a evolução dos marcadores sorológicos das


infecções aguda e crônica pelo VHB.

FIGURA 1 Infecção aguda pelo vírus da hepatite B (VHB). Adaptada de Mahoney, 1999.

FIGURA 2 Infecção crônica pelo vírus da hepatite B (VHB). Adaptada de Mahoney, 1999.
TABELA 2 Interpretação do resultado de sorologias para hepatite B

HBsAg Negativo Suscetível

Anti-HBc Negativo

Anti-HBs Negativo

HBsAg Negativo Imune devido à infecção

Anti-HBc Positivo

Anti-HBs Positivo

HBsAg Negativo Imune devido à vacinação

Anti-HBc Negativo

Anti-HBs Positivo

HBsAg Positivo Infecção aguda

Anti-HBc Positivo

lgM anti-HBc Positivo

Anti-HBs Negativo

HBsAg Positivo Infecção crônica

Anti-HBc Positivo

lgM anti-HBc Negativo

Anti-HBs Negativo

HBsAg Negativo Interpretação inconclusiva.


Possibilidades:
1. Infecção resolvida;
Anti-HBc Positivo 2. Falso-positivo anti-HBc;
3. Infecção crônica com baixa
virulência;
Anti-HBs Negativo 4. Infecção aguda em
resolução.

Fonte: adaptada de www.cdc.gov/hepatites.

Muitos dos indivíduos, independentemente do risco, podem ter sido vacinados na infância,
na idade adulta por conta de atividade ocupacional, ou ainda em algum momento da vida em
que fossem considerados suscetíveis ao VHB. No caso dessas pessoas, o rastreamento é feito
pela solicitação do anti-HBs, que deve ter um título superior a 10 UI. Caso o título de
anticorpos esteja abaixo desse valor, indica-se o reforço (caso seja comprovada a vacinação
completa prévia) ou a revacinação com 3 doses.
Exceto pelos casos de possíveis resultados falso-negativos ou falso-positivos de HBsAg,
que não superam 2% do total em cada situação, e outros raros eventos de erros laboratoriais, os
métodos sorológicos de rastreamento são bastante seguros. Os métodos moleculares para
detecção qualitativa ou quantitativa do VHB devem ser reservados para situações especiais
(como cepas mutantes) ou para definir a necessidade de tratamento.

SOBRE O TRATAMENTO E A PREVENÇÃO

Objetivos do tratamento
O diagnóstico dos portadores de hepatite crônica pelo VHB possibilita o tratamento, que
visa a reduzir ou eliminar a carga viral, impedir a evolução da hepatite para quadros clínicos
mais graves e interromper a cadeia de transmissão.
Todas as pessoas com infecção aguda ou crônica devem receber orientação para reduzir o
risco de transmitir o vírus. Cerca de 1/5 a 2/5 dos portadores crônicos de HBsAg chegam a
necessitar de medicação.
O objetivo principal do tratamento é reduzir o risco de progressão da doença hepática e de
seus desfechos primários, especificamente cirrose, CHC e óbito. O resultado ideal do
tratamento envolve a soroconversão do HBsAg para anti-HBs. Esse perfil corresponde à
completa e ideal resposta imune, porém raramente é alcançado. Portanto, deve-se buscar
desfechos alternativos para pacientes com HBsAg persistente e HBeAg reagente ou HBeAg
não reagente: soroconversão com anti-HBe, redução de carga viral (resposta virológica) e/ou
normalização da alanina aminotransferase – ALT (resposta bioquímica).
O Ministério da Saúde disponibiliza, no Brasil, o interferon alfa-2a, que regula a
reprodução celular e o sistema imune, e os antivirais entecavir e tenofovir. Evidência suficiente
indica que os antivirais interrompem a replicação viral, monitorada pela expressão do anti-HBe
sérico, e redução da carga viral a níveis indetectáveis e ainda que esses últimos desfechos
intermediários citados são seguidos de queda do risco de cirrose e CHC em pacientes tratados.

Medidas de prevenção

O principal meio de prevenção da infecção pelo VHB é a vacina, que é aplicada em 3 doses
e já faz parte do calendário vacinal brasileiro, no primeiro ano de vida, há 30 anos. Pessoas não
vacinadas ou cujo nível de anticorpos pós-vacinais não atingiu valor que indique haver boa
proteção podem receber reforço ou esquema vacinal completo, a qualquer momento.
Além da vacina, as mesmas recomendações gerais para evitar infecções transmitidas por
contato sexual ou com sangue, como HIV, hepatite C e sífilis, valem obviamente também para
a hepatite B, quais sejam: uso de preservativo em todas as relações sexuais, não
compartilhamento de seringas ou outros insumos usados na injeção de drogas, uso adequado
dos equipamentos de proteção individual dos profissionais de saúde que manipulam sangue e
derivados.
Ainda há poucos estudos que mostram benefícios diretos e superiores nos grupos rastreados
em relação aos não rastreados. Porém, as características da infecção crônica, a alta
transmissibilidade, a possível evolução para doenças graves, os bons métodos de diagnóstico
disponíveis, os resultados positivos do tratamento e a possibilidade de prevenção apontam que
os ganhos com o rastreamento do VHB superam seus eventuais danos à saúde.

A paciente Tina deve se beneficiar do rastreamento, pois, conforme os resultados, ela vai poder
saber se é portadora do VHB (HBsAG e anti-HBc total positivos) ou se está imunizada (HBsAg
negativo, anti-HBs e anti-HBc total positivos). Eventualmente, ela ficará sabendo se é ou não
candidata a vacina ou reforço da vacina, caso já a tenha recebido, e poderá intensificar seus
cuidados preventivos no convívio doméstico e no trabalho.

AGRADECIMENTO

Os autores agradecem a colaboração do Prof. Dr. Olavo Henrique Munhoz Leite pela
cuidadosa leitura do texto e sugestão de melhorias.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Hepatitis b virus infection in adolescents and
adults: Screening, 2020. https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/hepatitis-b-
virus-infection-screening. Acesso: Julho de 2021.
2. World Health Organization. Global Hepatitis Report 2017. Geneva: World Health Organization; 2017.
https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/hepatitis-b.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Hepatites virais 2020. Boletim
Epidemiológico Número Especial. 2020;(1):18. http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2020/boletim-
epidemiologico-hepatites-virais-2020.
4. Dienstag JL. Hepatits B virus infection. The New England Journal of Medicine. 2008;359:1486.
5. Weinbaum CM, Mast EE, Ward JW. Recommendations for identification and public health management of
persons with chronic hepatitis B virus infection. Hepatology. 2009;49:S35.
6. LeFevre ML. Screening for hepatitis B virus infection in nonpregnant adolescents and adults: U.S. Preventive
Services Task Force Recommendation Statement. Annals of Internal Medicine. 2014;161:58.
7. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. 2016. Protocolo clínico e diretrizes
terapêuticas para hepatite b e co-infecções. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. 2016;no. 1
(Dezembro):122. http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2016/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-para-
hepatite-b-e-coinfeccoes.
8. Ott JJ, Stevens GA, Groeger J, Wiersma ST. Global epidemiology of hepatitis B virus infection: New
estimates of age-specific HBsAg seroprevalence and endemicity. Vaccine, 2012;Janeiro 24:2212.
9. Mahoney FJ. Update on diagnosis, management, and prevention of hepatitis B virus infection. Clin Microbiol
Rev. 1999 Apr;12(2):351-66.
10. Mandell GL, Bennett JE, Dolin R. Mandell, Douglas, and Bennett’s principles and practice of infectious
diseases. New York: Elsevier; 2010.
11. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças
Transmissíveis. Nota Técnica Conjunta n. 2/2013/CGPNI/ DEVEP e CGDHRV/DST/AIDS/SVS/MS.
Ampliação da oferta da vacina hepatite B para a faixa etária de 30 a 49 anos em 2013. Brasília: Ministério da
Saúde; 2013.
12. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de Imunizações.
Programa Nacional de Imunizações: 30 anos. Brasília: Ministério da Saúde; 2003. (Série C. Projetos e
Programas e Relatórios).
13. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Nota Informativa
149/2015/CGPNI/DEVIT/SVS/MS. Informa mudanças no Calendário Nacional de Vacinação para o ano de
2016. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.
2.15
Infecção pelo vírus da hepatite C (VHC)

PONTOS-CHAVE

A infecção pelo vírus da hepatite C (VHC) afeta 71 milhões de pessoas globalmente e é uma
das causas de hepatite crônica, cirrose e câncer hepatocelular (CHC).
O longo período entre a infecção inicial e as manifestações de lesão hepática permite o
diagnóstico pré-clínico e torna possível a supressão da carga viral.
O esclarecimento prévio sobre o rastreamento e suas possíveis repercussões ao(à) paciente
propicia uma decisão compartilhada mais segura e ajuda a prevenir problemas futuros.
Testes laboratoriais, do tipo ELISA, e testes rápidos ambulatoriais apresentam alta sensibilidade
e especificidade no rastreamento da infecção pelo VHC.
Os antivirais de ação direta são considerados o tratamento-padrão atualmente e induzem
resposta virológica sustentada (RVS) em mais de 95% dos indivíduos tratados.

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear a infecção pelo VHC em adultos assintomáticos entre 18 e 75 anos.


Identificar, inicialmente, as pessoas de maior risco, conforme Tabela 1.
Para pessoas de menor risco, a decisão de rastrear ou não deve ser tomada caso a caso e
compartilhada com o(a) paciente.
Identificar a presença de anticorpos anti-VHC, usando TR-ICF como método inicial de
rastreamento. Se positivo, confirmar por ELISA (opcional) e determinar a carga viral por PCR
RNA-VHC.
Encaminhar as pessoas que rastrearem VHC-positivo para especialista a fim de complementar o
diagnóstico e avaliar tratamento.
Em caso de rastreamento negativo (TR-ICF negativo) ou não confirmado (TR-ICF positivo,
ELISA e PCR RNA-VHC negativos) de pessoas em situação de alto risco, repetir o rastreio a
uma periodicidade definida, em conjunto, por médico(a) e paciente.

RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES


O CDC recomenda rastrear adultos pelo menos uma vez na vida, exceto se vivem em condições
de prevalência da infecção ≤ 0,1%.
O American College of Obstetricians and Gynecologists recomenda rastrear gestantes com
fatores de risco.
A American Association for the Study of Liver Diseases e a Infectious Diseases Society of
America recomendam oferecer um rastreio na vida a adultos e também a menores de 18 anos
com alto risco de exposição ao VHC, além de testagem periódica de pessoas de alto risco e
repetições anuais para imunodeficientes e HSH.

Antonio, um padeiro de 58 anos, morador de uma pequena cidade do interior do Paraná, procura
um médico para fazer check-up. Revela que não está sentindo nada, mas está muito intrigado
porque vários de seus antigos amigos do time de futebol amador da cidade estão doentes do
fígado e alguns até morreram de cirrose. Na anamnese, negou grande consumo de bebida
alcoólica, dele e dos amigos, mas lembrou que, na época, era hábito de todos “tomar” uma
injeção de vitaminas antes de cada jogo, para dar energia (sic), pois todos trabalhavam e não
treinavam para jogar.

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

Epidemiologia

De acordo com estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2017, a infecção


pelo vírus da hepatite C (VHC) afetava cerca de 71 milhões de pessoas, globalmente.
A infecção pelo VHC é uma das causas de hepatite crônica, cirrose e câncer hepatocelular
(CHC), além de uma das principais indicações para transplante hepático em países ocidentais.
Ainda que a história natural da infecção pelo VHC seja altamente variável, estima-se que,
dentre os pacientes que desenvolvem a forma crônica da doença, 15 a 30% irão desenvolver
cirrose hepática dentro de cerca de 30 anos.
No Brasil, de 1999 a 2019, foram notificados 384.284 casos de hepatite C com pelo menos
um dos marcadores (anticorpos ou genoma viral) reagente. Considerando-se os pacientes que
possuíam ambos os marcadores reagentes, foram notificados 186.019 casos. A elevação nas
taxas de detecção do VHC, a partir de 2015, se deveu a uma mudança no critério de notificação
obrigatória que passou a exigir apenas um dos marcadores, tornando o processo de registro
mais sensível (Figura 1).
O genótipo 1 do VHC, dentre os seis existentes, é responsável pela maioria das infecções
na América do Sul. Fatores de risco incluem, dentre outros, uso de drogas injetáveis, transfusão
sanguínea, ter grande número de parceiros sexuais e transmissão iatrogênica, como através da
diálise (Tabela 1).
FIGURA 1 Taxa de detecção de casos de hepatite C segundo região de residência e ano de
notificação. Brasil, 2009 a 2019. Fonte: Sinan/SVS/MS. Nota: até 2014, eram considerados casos
confirmados de hepatite C aqueles que apresentavam ambos os testes anti-VHC e VHC-RNA
reagentes; em 2015, passaram a ser considerados casos confirmados de hepatite C aqueles que
apresentem pelo menos um dos testes anti-VHC ou VHC-RNA reagente.

TABELA 1 Fatores que elevam o risco de infecção pelo vírus da hepatite C (VHC)

1. Sexo entre homens (HSH)

2. Pessoa HIV-positivo

3. Pessoas sexualmente ativas prestes a iniciar PrEP para HIV

4. Pessoas com múltiplos parceiros sexuais ou com múltiplas IST

5. Profissionais de saúde ou profissionais do sexo

6. Usuários de drogas injetáveis e compartilhadores de seringas

7. Doentes crônicos que necessitam de derivados de sangue ou de procedimentos invasivos (p.ex.,


diálise)

8. Moradores de regiões de alta prevalência de infecção pelo VHC

9. Pessoas vivendo em presídios ou em situação precária de rua

10. Pessoas trans

No Brasil, a prevalência média de infecção por VHC é menor do que 2%. Em relação ao
mecanismo de infecção, observa-se que uso de drogas injetáveis corresponde a 12,1% do total
de casos, seguido de transfusão sanguínea (10,3%) e de relação sexual (8,9%). Ainda no Brasil,
em 2019, a proporção de infecções por via sexual (9,2%) foi superior ao percentual de
infecções relacionadas ao uso de drogas (7,1%) e a proporção de infecções por via
transfusional foi de 5,1% (Figura 2).
FIGURA 2 Proporção de casos de hepatite C segundo provável fonte ou mecanismo de infecção e
ano de notificação. Brasil, 2009 a 2019. Fonte: Sinan/SVS/MS.

A história de Antonio exemplifica fatos comuns no passado. Antes da descoberta laboratorial do


VHC, no final da década de 1980, seria difícil imaginar que o compartilhamento, aparentemente
inocente, de seringa e agulha por um time de futebol amador para injetar vitaminas que
melhorassem o desempenho em campo poderia resultar em mortes 40 anos depois. A boa notícia
para Antonio é que é possível, hoje, não apenas saber se ele tem o VHC circulando no
organismo, mas tratá-lo e tentar evitar a evolução da hepatite.

Aspectos clínicos

Assim como acontece com o VHB, a infecção crônica pelo VHC pode persistir “silenciosa”
por anos antes do aparecimento de sintomas ou sinais de cirrose, insuficiência hepática ou
CHC, situações de alta morbimortalidade. Esse longo período de evolução pré-clínica oferece
inúmeras oportunidades de diagnóstico por meio de rastreamentos periódicos. O diagnóstico
nessa fase permite adotar medidas para a supressão da carga viral, com dupla finalidade: a
interrupção do ciclo de transmissão do vírus e da evolução da hepatite crônica para doenças de
estágio mais avançado ou maior gravidade.

SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO

Quem deve rastrear?

A USPSTF recomenda o rastreamento de homens e mulheres, assintomáticos, entre 18 e 79


anos de idade, independente do risco de exposição. Isso contrasta com a recomendação dessa
entidade para o rastreamento para infecção por VHB e também com a recomendação da
CTFPHC sobre o assunto (a CTFPHC recomenda contra o rastreamento de pessoas em baixo
risco, ou seja, que não se incluem em nenhum dos itens da Tabela 1). O rastreamento pode ser
iniciado usando-se teste rápido por imunocromatografia de fluxo (TR-ICF).

Confirmação diagnóstica
A investigação da infecção pelo VHC é feita com exames sorológicos (anti-VHC) por
diferentes técnicas (ensaios imunoenzimáticos, por exemplo, ELISA). Os testes disponíveis
possuem alta acurácia, com sensibilidade e especificidade que variam, ligeiramente, ao redor
de 99%.
Caso o resultado de algum desses exames seja positivo, está indicado o teste molecular
(PCR RNA-VHC) para determinação de carga viral (ou seja, o número de cópias de genomas
virais circulantes) e encaminhamento do paciente para especialista, quando esse exame mostrar
a presença do vírus (nesta situação, fica caracterizada a hepatite crônica pelo VHC).
Em pacientes rastreados positivamente para VHC, a confirmação de hepatite e insuficiência
hepática e o estadiamento de fibrose ou cirrose podem ser feitos, nos dias de hoje, por meio de
exames complementares não invasivos, laboratoriais e de imagem, com muito menor risco de
danos se comparados à biópsia de fígado, mais frequente no passado.
Logo, a capacidade de detecção do vírus é acurada e suas complicações hepáticas podem
ser diagnosticadas com pouco risco para os pacientes. Entretanto, considerando que o
diagnóstico de infecção pelo VHC pode trazer consequências psicossociais, como a
estigmatização da doença e até mesmo grande ansiedade para o paciente, recomenda-se,
juntamente com a proposta de rastreio: a) esclarecer que o check-up é voluntário e depende da
anuência da pessoa a ser examinada; b) informar as peculiaridades da infecção e suas eventuais
repercussões clínicas; c) ponderar sobre o significado dos resultados dos testes e a expectativa
em relação ao tratamento; d) compartilhar a decisão de rastrear ou não entre profissional de
saúde e paciente.
Como existe controvérsia científica a respeito do balanço entre benefícios e prejuízos de
rastrear pessoas assintomáticas de baixo risco para infecção pelo VHC, grande parte dos
adultos não precisaria rastrear exceto se expressarem interesse explícito em fazê-lo. Somente as
pessoas que apresentam risco permanente para a infecção por VHC devem ser rastreados
periodicamente. A frequência do rastreamento, porém, ainda não pode ser definida com base
em evidências científicas, ficando essa tarefa a cargo do(a) médico(a) assistente em conjunto
com o(a) paciente.

SOBRE O TRATAMENTO E A PREVENÇÃO

Objetivos do tratamento

O propósito do tratamento é prevenir as complicações tardias da infecção pelo VHC e,


suprimindo a carga viral, interromper o circuito de transmissão do vírus. O Ministério da Saúde
brasileiro disponibiliza vários medicamentos para o tratamento da hepatite crônica por VHC,
como: alfapeguinterferona 2a, sofosbuvir, glecaprevir/pibrentasvir, velpatasvir/sofosbuvir,
ledipasvir, elbasvir/grazoprevir, ribavirina. Os esquemas são dirigidos para determinados
genótipos, embora esquemas pangenotípicos possam facilitar o tratamento.
Boas evidências indiretas indicam, de modo geral, que diagnósticos feitos nos estágios
iniciais levam a tratamentos mais efetivos e que antivirais orais de ação direta contra VHC,
sem interferon, induzem resposta virologia sustentada (RVS) em mais de 95% dos indivíduos
tratados. Antivirais de ação direta são hoje considerados o tratamento padrão para a infecção
pelo VHC.
O impacto da terapêutica sobre a qualidade de vida ainda não foi bem determinado. Por
outro lado, a RVS associa-se de maneira significativa e consistente com menor mortalidade
geral e por hepatopatia, cirrose ou CHC. Os efeitos colaterais mais comuns (fadiga, cefaleia,
náusea e diarreia) são menos frequentes, também, quando antivirais mais novos são usados sem
o concurso de interferon.

Medidas de prevenção

Além das possibilidades de tratamento é possível prevenir a infecção primária e a cadeia de


transmissão viral por meio da adoção de hábitos protetores, basicamente: o uso de preservativo
em todas as relações sexuais; evitar o compartilhamento de seringas e agulhas quando da
injeção de drogas; e usar corretamente os equipamentos de proteção individual, no caso de
profissionais da saúde que manipulem sangue e derivados. Nesse sentido, o aconselhamento
preventivo feito pelo médico(a) que indica e acompanha o rastreamento da infecção pelo VHC
é de grande valia.
Dada a boa acurácia dos métodos de rastreamento e disponibilidade de intervenções
preventivas e curativas efetivas, e da pequena magnitude dos riscos e efeitos colaterais a eles
associados, entende-se que os benefícios do rastreio da infecção por VHC superam seus
eventuais prejuízos para a saúde dos pacientes.

O Sr. Antonio, mesmo decorridos anos do possível contágio, tem chances razoáveis de se
beneficiar do rastreamento, quer seja na forma de tratamento, caso teste VHC-positivo, quer com
reforço do aconselhamento preventivo.

AGRADECIMENTO

Os autores agradecem a colaboração do Prof. Dr. Olavo Henrique Munhoz Leite pela
cuidadosa leitura do texto e sugestão de melhorias.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Hepatitis C virus infection in adolescents and
adults: Screening, 2020. https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/hepatitis-c-
screening. Acesso: Março de 2021.
2. CTFPHC – Canadian Task Force on Preventive Heath Care. Hepatitis C (2017).
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/hepatitis-c/. Acesso: Março de 2021.
3. World Health Organization. Global Hepatitis Report 2017. Genebra: World Health Organization; 2017.
https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/hepatitis-b.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para hepatite C e coinfecções. Brasília:
Ministério da Saúde – Secretaria de Vigilância em Saúde – Departamento de Vigilância, Prevenção e
Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV, AIDS e das Hepatites Virais; 2019.
http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2017/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-para-hepatite-c-e-
coinfeccoes. Acesso: Março de 2021.
5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Hepatites Virais 2020. Boletim
Epidemiológico Número Especial. 2020(1):18. http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2020/boletim-
epidemiologico-hepatites-virais-2020. Acesso: Março de 2021.
6. Tatar M, Keeshin SW, Mailliard M, Wilson FA. 2020. Cost-effectiveness of universal and targeted hepatitis C
virus screening in the United States. JAMA. 2020 Setembro 3.
https://jamanetwork.com/journals/jamanetworkopen/fullarticle/2770156. Acesso: Março de 2021.
2.16
Infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV)

PONTOS-CHAVE

A infecção pelo HIV atinge cerca de 38 milhões de pessoas no mundo, sendo que mais de 1/5
delas não sabem ser portadoras e podem estar transmitindo a doença.
Atividade sexual desprotegida e compartilhamento de seringas na injeção de drogas ainda são
as formas mais prevalentes de transmissão do vírus.
O rastreamento é feito por meio de testes sorológicos, efetuados em laboratórios de análises
clínicas, ou por testes rápidos, disponíveis na rede pública de saúde.
A acurácia dos testes rápidos gira em torno de 99%, o que implica poucos resultados incorretos
e suas consequências indesejadas (ansiedade, depressão, rotulagem etc.).
Não existe cura ou vacina para a infecção por HIV, mas a terapia antirretroviral (TARV) reduz o
risco de progressão clínica para AIDS e a mortalidade.

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear infecção por HIV em todos os homens e mulheres de 18 a 65 anos.


Estimar subjetivamente o risco de contaminação por HIV em baixo, alto ou muito alto (Tabelas 1
e 2).
Para pessoas com idade < 18 anos ou entre 66 e 75 anos, rastrear apenas aquelas com alto ou
muito alto risco de contaminação por HIV.
Utilizar testes rápidos (TR1 e TR2) que, a depender dos resultados, podem ser complementados
com imunoensaios laboratoriais para detecção de anticorpos anti-HIV1, anti-HIV2 e antígeno
p24.
Para HSH e usuário de drogas injetáveis, que testem “HIV-negativo”, considerar o rastreamento
adicional para avaliar a necessidade de cuidados preventivos intensivos e PrEP (Questionários
1 e 2).
Complementar o diagnóstico e encaminhar para tratamento todos os indivíduos rastreados “HIV-
positivo”.
Repetir o rastreamento periodicamente, definido em conjunto entre médico(a) e paciente, no
caso de risco persistentemente alto ou muito alto de contaminação.
RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES

O CDC recomenda rastrear todos entre 13 a 64 anos, independente do grau de risco, exceto se
habitam comunidade com prevalência de infecção por HIV menor do que 0,1%. Aconselham,
também, considerar o rastreio de HSH a cada 3 a 6 meses, com base no comportamento
sexual.
O American College of Obstetricians and Gynecologists recomenda rastrear mulheres
sexualmente ativas de 13 a 64 anos pelo menos uma vez na vida ou anualmente se houver alto
risco de infecção por HIV.
A USPSTF, o CDC, o American College of Obstetricians and Gynecologists, a American
Academy of Pediatrics, o American College of Physicians e a American Academy of Family
Physicians recomendam rastreamento de rotina para infecção por HIV no pré-natal de gestantes
ou de mulheres que se apresentem em trabalho de parto, cuja situação em relação a HIV seja
desconhecida.

Franco é um jovem de 19 anos que começou a manter relações sexuais com o seu primeiro
namorado há menos de um ano. Conversando com amigos da mesma faixa etária, ficou sabendo
que muitos já trataram doenças transmitidas sexualmente. Ele não tem sentido nada nem notou
diferenças em seu corpo, mas está preocupado, principalmente com a AIDS. Na consulta,
pergunta se dá para ter certeza se ele “pegou” o vírus.

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

Epidemiologia

A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e a síndrome da


imunodeficiência adquirida (AIDS) não são problemas de saúde do passado. O convívio com o
HIV atingiu, no início de 2020, cerca de 38 milhões de pessoas no mundo, das quais cerca de
7,1 milhões, possíveis transmissoras, não sabiam estar convivendo com o vírus. No planeta
todo, apenas em 2019, morreram cerca de 700.000 pessoas por AIDS ou doenças relacionadas.
No Brasil, também em 2019, foram diagnosticados 41.909 novos casos de HIV e 37.308
casos de AIDS, e registrados 10.565 óbitos por “causa básica AIDS”. A taxa de detecção de
AIDS passou de 21,9/100.000 habitantes, em 2012, para 17,8/100.000 habitantes, em 2019. Ou
seja, um decréscimo de 18,7% em 7-8 anos, apesar da incidência ainda se manter relativamente
elevada.
As regiões Sudeste e Sul apresentaram tendência de queda nos últimos dez anos, enquanto
as regiões Norte e Nordeste apresentaram crescimento, apontando para as desigualdades
regionais do país. Já a região Centro-Oeste, apesar de ter apresentado menores variações nas
taxas anuais, também exibiu aumento de 2,7% na taxa de detecção de AIDS nos últimos dez
anos (Figura 1).
Jovens e adultos sexualmente ativos (faixa etária de 15 a 65 anos) constituem a população-
alvo principal do HIV. É largamente sabido, entretanto, que algumas características
comportamentais e de vulnerabilidade social e financeira elevam o risco do contato,
transmissão e infecção pelo vírus, mesmo fora dessa faixa etária.
Estudos indicam que o sexo entre homens é responsável por quase 70% dos novos casos de
infecção por HIV, cuja prevalência entre homens que fazem sexo com homens (HSH) é cerca
de 12%. A título de comparação, até 10% dos novos casos de contágio podem ser atribuídos a
contatos heterossexuais e 5% ao uso de droga injetável. A prevalência do vírus entre pessoas
que injetam drogas é estimada em cerca de 2%.

FIGURA 1 Taxa de detecção de AIDS por 100.000 habitantes (Brasil 2009-2019).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica, de modo genérico, os principais


comportamentos e situações de risco associados ao HIV reunidos na Tabela 1.

TABELA 1 Comportamentos e situações gerais de risco para a infecção por HIV (OMS)

1. Atividade sexual vaginal ou anal desprotegida

2. Realizar sexo com pessoa com outra IST, como: sífilis, herpes, clamídia ou gonorreia

3. Compartilhamento de seringas ou agulhas contaminadas, por usuários de drogas

4. Injeções, transfusões ou órgãos transplantados sem adequação médica

5. Procedimentos médicos ou piercing com materiais não estéreis

6. Acidentes com instrumentos perfurocontusos, inclusive entre profissionais de saúde

De modo complementar, na Tabela 2 são detalhados fatores de risco mais específicos


enfatizados pela USPSTF.

TABELA 2 Fatores específicos que elevam o risco de infecção pelo HIV (USPSTF)

1. Sexo entre homens (HSH) 7. Usuário de droga injetável e compartilhadores


de seringas

2. Sexo anal ou vaginal sem uso de preservativo 8. Compartilhamento de seringas, agulhas,


ou com alguém que seja HIV+ aquecedores, água, algodão etc. no uso de
drogas injetáveis

3. Sexo com pessoas cujo histórico sexual e/ou 9. Diagnóstico atual de hepatite ou tuberculose
de HIV seja desconhecido

4. Sexo com mais de uma pessoa desde o último 10. Doença infecciosa adquirida em presídio ou
teste de HIV abrigo para pessoas em situação precária de rua

5. Sexo com portador(a) de doença sexualmente 11. Sexo com alguém que tenha algum dos
transmissível diagnosticada ou suspeita fatores de risco descritos

6. Sexo em troca de droga ou dinheiro

Apesar da aparente redução na detecção de AIDS nos últimos anos, a incidência e a


prevalência de infecção por HIV ainda são significativas. A morbimortalidade potencial,
relacionada à AIDS e doenças associadas (p. ex., tuberculose) e ao circuito de transmissão do
vírus, ainda inspira enorme preocupação em nível de saúde pública.
O rastreamento da infecção por HIV (prevenção secundária), em homens e mulheres
adultos, portanto, é uma medida de grande importância sanitária, principalmente levando-se em
conta a dificuldade de prevenir e controlar, em nível populacional, as principais formas de
transmissão do vírus: sexual e por droga injetável (prevenção primária).

Franco quer saber se ele “pegou” o vírus. Como ele não relata queixas, se realmente teve contato
com o HIV, é possível que seja apenas um portador assintomático. De qualquer modo, é
candidato potencial a rastreamento.

SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO

Quem deve rastrear?

A USPSTF faz uma forte recomendação no sentido de rastrear todos os homens e mulheres
entre 15 e 65 anos. Fora dessa extensa faixa de idade, recomenda rastrear apenas aquelas
pessoas em situação de maior risco. A sequência de rastreamento proposto é semelhante em
ambas as situações (por idade ou por risco), com maior atenção, obviamente, para pacientes
mais vulneráveis.
Na tentativa de estimar, preliminarmente, o risco de exposição do(a) paciente ao HIV, as
Tabelas 1 e 2 servem de roteiro. No caso de nenhuma resposta positiva aos itens dessas tabelas,
o risco é considerado baixo. Dependendo do número de respostas positivas, o risco de infecção
passa a ser estimado em alto ou muito alto, conforme critério do próprio profissional de saúde
avaliador. A estimativa de risco, no caso, é mais relevante para os indivíduos muito jovens ou
muito idosos, fora da faixa etária de risco prioritário. Auxilia, também, a estabelecer a
periodicidade de repetição dos exames subsidiários de pacientes cujos resultados têm se
mostrado negativos nos check-ups já realizados.

Confirmação diagnóstica

O passo seguinte no processo de rastreamento é a solicitação de exames subsidiários para a


confirmação da infecção por HIV. Isso pode ser feito por meio de testes sorológicos efetuados
em laboratórios de análises clínicas ou, preferencialmente, por testes rápidos, na presença da
própria pessoa examinada.
As sequências de testagem têm o objetivo de assegurar a qualidade, a segurança e a rapidez
do diagnóstico da infecção pelo HIV. A Figura 2 mostra a expressão dos marcadores do HIV ao
longo do tempo de infecção.
Os testes rápidos (TR) são imunoensaios simples, com resultados em até 30 minutos,
realizados preferencialmente de forma presencial, em ambiente não laboratorial, com amostra
de sangue total obtida por punção digital ou amostra de fluido oral. Como consequência do
desenvolvimento e da disponibilidade de TR, a testagem para a infecção pelo HIV, atualmente,
pode ser realizada em ambientes laboratoriais e não laboratoriais, o que permite a ampliação do
acesso aos procedimentos de diagnóstico.1

FIGURA 2 Marcadores da infecção pelo HIV na corrente sanguínea de acordo com o período em que
surgem após a infecção. Adaptada de Manual técnico para o diagnóstico da infecção pelo HIV em
adultos e crianças 2018.

Existem vários formatos de TR, e os mais frequentemente utilizados são: dispositivos (ou
tiras) de imunocromatografia de fluxo lateral (ICFL), imunocromatografia de duplo percurso
(ICDPP) e imunoconcentração (ICo). Esses testes estão, a princípio, disponíveis gratuitamente
na rede pública ou podem ser adquiridos em farmácia. Nas Figuras 3 e 4 são mostrados,
respectivamente, resultados negativos (não reagentes) e positivos (reagentes) para a infecção
por HIV.
A sensibilidade e a especificidade dos testes rápidos giram, ambas, em torno de 99%, e eles
preenchem, convenientemente, vários outros critérios necessários para rastreamento:
simplicidade, acurácia, precisão, baixo custo e segurança do paciente. O baixo número de
falso-positivos, neste caso, é especialmente benéfico para evitar situações constrangedoras e de
desgaste psicoemocional (ansiedade e depressão) e social (discriminação e rotulagem),
relacionadas ao diagnóstico (incorreto) da infecção por HIV.
O Ministério da Saúde do Brasil apresenta diversas opções de fluxos de rastreamento
baseadas na disponibilidade dos testes diagnósticos. Pessoas na fase crônica da infecção são
identificadas com sucesso por meio de qualquer combinação de testes iniciais (rápido, 3a ou 4a
geração), seguidos por um teste complementar (Western Blot, Immunoblot, Immunoblot Rápido
ou Teste Molecular). A sequência aparentemente mais simples começa com um primeiro teste
rápido (TR1) para detecção de anticorpos anti-HIV.
FIGURA 3 Exemplos de testes rápidos para HIV não reagentes: observa-se presença de linha
apenas em C (controle). A: Imunocromatografia de fluxo lateral. B: Imunocromatografia de duplo
percurso. C: Imunoconcentração. Adaptada de Manual técnico para o diagnóstico da infecção pelo HIV
em adultos e crianças 2018.

FIGURA 4 Exemplos de testes rápidos para HIV reagentes: observa-se presença de linha em T
(teste) e em C (controle). A: Imunocromatografia de fluxo lateral. B: Imunocromatografia de duplo
percurso. C: Imunoconcentração. Adaptada de Manual técnico para o diagnóstico da infecção pelo HIV
em adultos e crianças 2018.

Considerando-se o rastreamento de adultos menores de 65 anos de idade com risco


estimado para a infecção por HIV baixo:

A. Todos devem ser incentivados a fazer o TR1.


B. Se o resultado for negativo (ausência de anticorpos reagentes), encerra-se o processo de
rastreamento, orientando-se em relação aos meios básicos de prevenção de HIV e quanto à
necessidade de retestagem periódica. Não existe uma periodicidade mínima bem definida
baseada em evidências científicas para a repetição dos testes, caso a pessoa permaneça em
situação de baixo risco. É razoável sugerir a retestagem de pessoas que expressam
inquietação a respeito do tema, durante qualquer tipo de consulta médica.
C. Já um primeiro teste positivo (presença de anticorpos reagentes) deve ser sempre
confirmado por um segundo (TR2), de preferência com antígeno diferente do primeiro. A
se confirmar a positividade no TR2, o(a) paciente deve ser encaminhado para
complementação diagnóstica (quantificação de carga viral e de linfócitos T CD4+) e
possível terapia antirretroviral (TARV) em serviço especializado.
D. Porém, se o resultado de TR2 for negativo (dois testes com resultados conflitantes,
portanto) é prudente realizar testes sorológicos no sangue (imunoensaios laboratoriais de
3a ou 4a geração) para detecção de anticorpos anti-HIV1 e anti-HIV2 e pesquisa de
antígeno p24 para, só então, concluir o rastreamento. Esses testes contam com
sensibilidade e especificidade muito próximas de 100%, porém os laboratórios levam até
48 horas para expedir os resultados.

Já para os adultos de qualquer idade com risco alto ou muito alto, devido à exposição aos
fatores listados nas Tabelas 1 e 2:

A. Assim como os anteriores, todos esses pacientes devem ser estimulados a se submeter ao
TR1, confirmado por um TR2. Em caso de TR1 e TR2 positivos, encaminhar para
complementação diagnóstica e início de tratamento.
B. Se TR1 é negativo, mas a probabilidade pré-teste estimada era alta (p. ex., contato de alto
risco recente, exposição constante a múltiplas situações de risco), indica-se a repetição do
teste após 30 dias do TR1. A se confirmar a negatividade, orienta-se sobre os meios
intensivos de prevenção de HIV e sugere-se retestagem a cada 3 meses (risco muito alto)
ou 6 meses (risco alto), acordada entre médico(a) e paciente.
C. Se os dois resultados forem conflitantes (TR1 positivo e TR2 negativo ou vice-versa),
segue-se à requisição dos imunoensaios laboratoriais para detecção de anticorpos anti-
HIV1 e anti-HIV2 e pesquisa de antígeno p24, e adoção de condutas subsequentes de
acordo com os resultados destes.
D. Aos HSH e/ou usuários de drogas injetáveis, que rastrearem “negativo” após os testes
subsidiários (HIV-negativo), sugere-se a aplicação dos Questionários 1 e/ou 2. Esse
procedimento de rastreamento de risco complementar, proposto pelo Centers for Disease
Control and Prevention (CDC), pode direcionar a adoção de cuidados preventivos
intensivos e prescrição de PrEP (profilaxia pré-exposição).

QUESTIONÁRIO 1 Escalonamento dos cuidados preventivos para HIV de homens que fazem sexo
com homens (HSH)

1. Qual é a sua idade?


Se < 18 anos, escore = 0
Se 18-28 anos, escore = 8
Se 29-40 anos, escore = 5
Se 41-48 anos, escore = 2
Se 49 anos ou mais, escore = 0

2. Nos últimos 6 meses, com quantos homens você teve relações sexuais?
Se > 10 parceiros masculinos, escore = 7
Se 6-10 parceiros masculinos, escore = 4
Se 0-5 parceiros masculinos, escore = 0

3. Nos últimos 6 meses, quantas vezes você fez sexo anal receptivo (foi o parceiro passivo) sem
que seu parceiro usasse preservativo?
Se 1 ou mais vezes, escore = 10
Se nenhuma vez, escore = 0

4. Nos últimos 6 meses, com quantos homens sabidamente HIV-positivo você fez sexo?
Se >1 parceiro HIV-positivo, escore = 8
Se 1 parceiro HIV-positivo, escore = 4
Se nenhum parceiro HIV-positivo, escore = 0

5. Nos últimos 6 meses, quantas vezes você fez sexo anal insertivo (foi o ativo) sem usar
preservativo com um homem HIV-positivo?
Se 5 ou mais vezes, escore = 6
Se até 4 vezes, escore = 0

6. Nos últimos 6 meses você usou metanfetaminas tais como cristais ou speed?
Se sim, escore = 6
Se não, escore = 0

Soma dos escores: ___________

Se a soma dos escores é igual ou maior a 10, considere cuidados preventivos intensivos para a
infecção por HIV, inclusive PrEP.
Se a soma dos escores é menor do que 10, oriente cuidados preventivos básicos padronizados para
a infecção por HIV.

QUESTIONÁRIO 2 Escalonamento dos cuidados preventivos para HIV de usuários de drogas


injetáveis

1. Qual é a sua idade hoje?


Se < 30 anos, escore = 28
Se 30-39 anos, escore = 24
Se 40-49 anos, escore = 7
Se 50 anos ou mais, escore = 0

2. Nos últimos 6 meses, você esteve em programa de manutenção de metadona?


Se sim, escore = 0
Se não, escore = 31

3.1. Nos últimos 6 meses, quantas vezes Soma de subescores Escore a considerar –
você injetou heroína? item 3
Se 1 ou mais vezes, subescore = 1
0 0
Se nenhuma vez, subescore = 0
1 7

3.2. Nos últimos 6 meses, quantas vezes 2 21


você injetou cocaína?
3 24
Se 1 ou mais vezes, subescore = 1
Se nenhuma vez, subescore = 0 4 24

5 31

3.3. Nos últimos 6 meses, quantas vezes você compartilhou aquecedores para drogas?
Se 1 ou mais vezes, subescore = 1
Se nenhuma vez, subescore = 0

3.4. Nos últimos 6 meses, quantas vezes você compartilhou seringas?


Se 1 ou mais vezes, subescore = 1
Se nenhuma vez, subescore = 0

3.5. Nos últimos 6 meses, quantas vezes você foi a algum local onde se faz uso coletivo de
droga injetável?
Se 1 ou mais vezes, escore = 1
Se nenhuma vez, escore = 0

Soma dos escores indicados nos itens 1 e 2 e o “Escore a considerar – item 3”: _______

Se a soma dos escores é igual ou maior a 46, considere cuidados preventivos intensivos para a
infecção por HIV, inclusive PrEP.
Se a soma dos escores é menor do que 46, oriente cuidados preventivos básicos padronizados para
a infecção por HIV.
A aplicação de todos esses questionários na pré-consulta ou durante a consulta médica pode
ser agilizada por ferramentas digitais, algumas delas acessíveis na internet, sem custo e já com
adaptações à realidade e terminologia nacional.
Tanto os questionários propostos quanto os testes subsidiários apresentam riscos para os
pacientes, principalmente se apresentarem resultados falso-positivos. Isso pode gerar, pelo
menos temporariamente, ansiedade, depressão ou desconforto devido à rotulagem ou
discriminação. Porém, de modo geral, esses riscos são considerados muito baixos e ainda
podem ser minimizados se abordados em aconselhamento preventivo.

SOBRE O TRATAMENTO E A PREVENÇÃO

Objetivos do tratamento

Ainda não existe cura ou vacina disponível para a infecção por HIV. Entretanto, a terapia
antirretroviral (TARV) reduz o risco de progressão clínica para AIDS, eventos clínicos
relacionados a AIDS e a mortalidade. Em função das várias e diferentes opções bem-sucedidas
de TARV, nas últimas décadas, a AIDS passou de uma doença aguda letal a uma condição
crônica que pode ser mantida sob controle clínico por anos.
Outra vantagem da TARV: a supressão da carga viral elimina o risco de transmissão do
vírus nas pessoas vivendo com HIV (PVHIV). A não adesão adequada ao tratamento,
entretanto, pode levar ao aumento da carga viral do HIV e da chance de transmissão pessoa a
pessoa, além do (res)surgimento de sintomas. Isso torna o acesso e a adesão ao tratamento
pontos-chave de todo o processo de rastreamento.

Medidas de prevenção

Além desses, outros diferentes fatores de risco de exposição, transmissão e infecção do


vírus HIV operam, de forma dinâmica, em diferentes condições sociais, econômicas, culturais e
políticas. A mandala da prevenção combinada (Figura 5) sugere um conjunto de ações
preventivas, mais ou menos intensivas, dentre as quais se pode escolher as que façam mais
sentido à realidade de cada pessoa, com garantia dos direitos civis e o respeito à autonomia
individual.
Seguindo essa linha de prevenção combinada, é aconselhável discutir com os pacientes,
também, as possibilidades do tratamento medicamentoso profilático: PEP (profilaxia pós-
exposição) e PrEP, ambas para pessoas HIV-negativo. A PEP é indicada após exposição recente
a contato sexual de alto risco (p. ex., parcerias sorodiscordantes, pessoas trans, trabalhadores
do sexo), acidente de trabalho com agulha possivelmente contaminada ou compartilhamento de
equipamento para injeção de droga.
FIGURA 5 Mandala de prevenção combinada. Fonte: DIAHV/SVS/MS.

A PrEP se destina a indivíduos que têm alto ou muito alto risco de contaminação e consiste
na prescrição de TARV diária, antecipando-se às exposições. Essa estratégia tem se mostrado
eficaz e segura.
Estudos publicados confirmaram uma redução de 44% do risco de contrair o HIV em
pessoas em risco muito alto, com uso diário de entricitabina combinada ao fumarato de
tenofovir desoproxila. A redução passa a 95% nos indivíduos cujos medicamentos são
detectados no sangue periférico. Esquema alternativo “sob demanda” de PrEP, antes e após a
exposição, também mostrou uma queda de 86% no risco de contaminação por HIV, mesmo
com menor quantidade mensal de medicamentos.
A Tabela 3 apresenta os grupos de alto e muito alto risco e as condições em que se deve
considerar a introdução de PrEP.

TABELA 3 Segmentos populacionais prioritários e critérios de indicação de PrEP


Segmentos populacionais
Definição Critério de indicação de PrEP
prioritarios

Gays e outros homens que Homens que se relacionam Relação sexual anal (receptiva
fazem sexo com homens {HSH) sexualmente e/ou afetivamente ou lnsertlva) ou vaginal, sem uso
com outros homens de preservativo, nos últimos seis
meses
TABELA 3 Segmentos populacionais prioritários e critérios de indicação de PrEP
Segmentos populacionais
Definição Critério de indicação de PrEP
prioritarios

Pessoas trans Pessoas que expressam um E/OU


gênero diferente do sexo
definido ao nascimento. Nesta Episódios recorrentes de
definição são incluídos: homens infecções sexualmente
e mulheres transexuais, transmissíveis (1ST)
transgêneros, travestis e outras
pessoas com gêneros não
binários

Profissionais do sexo Homens, mulheres e pessoas E/OU


trans que recebem dinheiro ou
benefícios em troca de serviços Uso repetido de profilaxia pós-
sexuais, regular ou exposição (PEP)
ocasionalmente

Parcerias sorodiscordantes para Parceria heterossexual ou Relação sexual anal ou vaginal


o HIV homossexual na qual uma das com uma pessoa infectada pelo
pessoas é infectada pelo HIV e HIV sem preservativo
a outra não

Fonte: DIAHV/SVS/MS.

O uso da PrEP implica em triagem adequada e reavaliações periódicas, supervisionadas por


médico capacitado. A avaliação dos critérios de elegibilidade para essa modalidade de
prevenção deve ser feita, por decisão compartilhada, dentro de uma relação de vínculo e
confiança, que permita compreender as situações de vulnerabilidade e de riscos envolvidos nas
práticas sexuais, assim como as condições objetivas de adesão ao uso do medicamento.
As análises das evidências científicas mais consistentes sobre os diversos tópicos de
interesse nesse assunto demonstram que o rastreamento da infecção por HIV apresenta um
balanço largamente favorável aos benefícios em relação aos seus potenciais prejuízos.

Para uma pessoa como Franco, um jovem que está iniciando a atividade sexual, é muito
importante que todos os aspectos que envolvem o rastreamento sejam discutidos; e as medidas
de prevenção do contágio pelo HIV ocupam o primeiro plano. No caso dele, o aconselhamento do
uso consistente do preservativo é fundamental, pois isso previne não só a infecção por HIV, mas
também outras infecções sexualmente transmissíveis (IST). Já para usuários de droga injetável,
deve-se enfatizar a higiene e o não compartilhamento de seringas, agulhas, aquecedores, água,
algodão etc.

AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Prof. Dr. Olavo Henrique Munhoz Leite pela
cuidadosa leitura do texto e sugestão de melhorias.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. Chou R, Dana T, Grusing S, Bougatsos C. Screening for HIV infection in asymptomatic, nonpregnant
adolescents and adults: updated evidence report and systematic review for the US Preventive Services Task
Force [published online June 11, 2019]. JAMA.
2. United States Preventive Services Task Force. Human Immunodeficiency Virus (HIV) infection: Screening,
2019. https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/human-immunodeficiency-
virus-hiv-infection-screening. Acesso: Março de 2021.
3. World Health Organization (WHO). HIV/AIDS. 30 November 2020. https://www.who.int/news-room/fact-
sheets/detail/hiv-aids. Acesso: Março de 2021.
4. Barbosa Júnior A, et al. Tendências da epidemia de AIDS entre subgrupos sob maior risco no Brasil, 1980-
2004. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro. 2009;25(4):727-37.
5. UNAIDS. Estatísticas. https://unaids.org.br/estatisticas/.
6. Brasil. Ministério da Saúde. Diagnosticar e tratar pessoas com IST e HIV. http://www.aids.gov.br/pt-
br/publico-geral/prevencao-combinada/diagnosticar-e-tratar-pessoas-com-ist-e-hiv. Acesso: Setembro de
2021.
7. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância da Saúde. HIV/AIDS 2020 – Boletim epidemiológico.
Brasília: Ministério da Saúde; 2020.
8. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância da Saúde. Manual técnico para o diagnóstico da infecção
pelo HIV em adultos e crianças. Brasília: Ministério da Saúde; 2018.
9. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para
manejo da infecção pelo HIV em adultos. Brasília: Ministério da Saúde; 2018.
10. Fanales-Belasio E, Raimondo M, Suligoi B, Buttò S. HIV virology and pathogenetic mechanisms of
infection: a brief overview. Ann Ist Super Sanita. 2010;46(1):5-14.
11. Mabey D, Peeling R, Ustianowski A, et al. Diagnóstico para o mundo em desenvolvimento. Nat Rev
Microbiol. 2004;2:231-40.
12. CDC. Preexposure prophylaxis for the prevention for HIV infection in the United States – 2017 Update
Clinical Providers’ Supplement.
13. Fonner VA, et al. Effectiveness and safety of oral HIV pre-exposure prophylaxis (PrEP) for all populations: a
systematic review and meta-analysis. AIDS. 2016;30(12):1973-83.
14. Grant RM, et al. Preexposure chemoprophylaxis for HIV prevention in men who have sex with men. The
New England Journal of Medicine. 2010;363(27):2587-99.
15. Molina JM, et al. On-demand preexposure prophylaxis in men at high risk for HIV-1 infection. The New
England Journal of Medicine. 2015;373(23):2237-46.
16. Calculadora de risco “A hora é agora”. https://www.ahoraeagora.org/calculadora-de-risco-nova/. Acesso:
Março de 2021.
2.17
Infecção por clamídia e gonorreia

PONTOS-CHAVE

As infecções causadas por Chlamydia trachomatis (CT) e Neisseria gonorrhoeae (NG) estão
entre as infecções sexualmente transmissíveis (IST) mais notificadas no mundo.
Se não forem tratadas, podem cursar com complicações como: doença inflamatória pélvica,
gravidez ectópica, infertilidade, ruptura prematura de membrana, retardo de crescimento
intrauterino.
As infecções crônicas por CT e NG são apropriadas ao check-up da população geral feminina
por conta da prevalência significativa em jovens assintomáticas e pela alta morbidade potencial.
O diagnóstico laboratorial da infecção causada por CT e NG pode ser feito por método de
biologia molecular em urina e a periodicidade deve levar em conta a prática sexual da paciente
e a persistência da exposição aos fatores de risco.
O esquema de tratamento empírico envolve cobertura simultânea para CT e NG e pode ser
realizado com ceftriaxone e azitromicina, ambas administradas em dose única, com excelente
resposta.

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear CT e NG em todas as mulheres assintomáticas de 18 a 30 anos de idade; acima dos


30 anos, só justifica rastrear mulheres com exposição persistente a fatores de risco (Tabela 1).
Informar e esclarecer sobre a necessidade e as peculiaridades desse rastreamento.
Utilizar o NAAT na urina como método de análise laboratorial e material biológico de escolha
para o rastreamento; material de região endocervical, uretral, orofaríngea ou anal pode ser
coletado com cotonete, em situações específicas.
Levar em conta a persistência da exposição aos fatores de risco para definir a periodicidade das
repetições do rastreio.
Não rastrear homens assintomáticos da população geral.

RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES


A USPSTF recomenda rastreamento anual de CT e NG em mulheres sexualmente ativas
menores de 25 anos de idade ou ≥ 25 anos expostas a risco.
O CDC recomenda rastreamento anual de CT em mulheres sexualmente ativas menores de 25
anos de idade ou ≥ 25 anos expostas a risco; e de NG apenas em mulheres expostas a fatores
de risco. O CDC recomenda considerar o rastreamento de CT em homens jovens, sexualmente
ativos, em condições de alta prevalência da doença. Recomenda, também, rastreamento anual
de CT e NG em homens em situação de risco elevado, que fazem sexo com homens (HSH); de
pessoas com menos de 35 anos de idade que vivem em instituição de detenção, masculina ou
feminina; e em gestantes.
O American College of Obstetricians and Gynecologists e a American Academy of Family
Physicians adotam também a idade até 25 anos para indicar o rastreio de CT e NG em
mulheres sexualmente ativas, ou em mais velhas que sejam expostas a fatores de risco.
A American Academy of Pediatrics recomenda rastreamento retal e uretral anual de CT em
jovens HSH ≤ 25 anos, com histórico de relação anal, receptiva ou insertiva, ou de orofaringe,
em caso de sexo oral; em pessoas de alto risco, o rastreamento deve ser repetido a cada 3 ou 6
meses. Recomenda, também, rastrear jovens que tenham se exposto a CT ou NG nos últimos
60 dias por conta de alguma parceria sexual de risco. A mesma entidade ainda recomenda
considerar o rastreamento de CT e NG em jovens de alto risco (múltiplas parcerias sexuais) que
vivem encarcerados ou participam de agrupamentos juvenis específicos (como clínicas, oficinas
de estudo ou trabalho, acampamentos etc.) ou se expõem a outros fatores de risco em nível
comunitário ou populacional.

Sybelle, uma jovem de 24 anos, procura a unidade básica de saúde para fazer exames
preventivos. Ela está pensando em engravidar pela primeira vez e por isso quer ter certeza de
que está bem de saúde. Nega qualquer tipo de sintoma e antecedente pessoal ou familiar
relevante de doença. Refere ser sexualmente ativa desde os 18 anos de idade e que manteve
relações sexuais com outros três homens antes do seu marido.

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

Epidemiologia

Estimativas apontam que as infecções causadas por Chlamydia trachomatis (CT) e


Neisseria gonorrhoeae (NG) apresentam cerca de 200 milhões de novos casos por ano.
Infecções concomitantes por esses dois agentes são comuns e, por essa razão, a maioria dos
estudos e diretrizes atuais sugere abordagem em conjunto.
O Ministério da Saúde (MS) brasileiro indica que há evidências científicas da associação
das infecções com os seguintes fatores de risco: mulheres sexualmente ativas com idade
inferior a 25 anos, novas ou múltiplas parcerias sexuais, parcerias com pessoas portadoras de
IST, história prévia ou presença de outra IST e uso irregular de preservativo. A Tabela 1
detalha os principais fatores de risco para infecção por CT e NG.
TABELA 1 Fatores que elevam o risco de infecção por clamídia (CT) e gonorreia (NG)

1. Idade de 20 a 25 anos 5. Parceiro(a) sexual com IST

2. Parceiro(a) sexual novo(a) 6. IST prévia ou atual

3. Múltiplos(as) parceiros(as) sexuais 7. Uso inconsistente de preservativo

4. Parceiro(a) sexual com outros(as) 8. Troca de sexo por dinheiro ou droga


parceiros(as)

Homens são participantes do circuito de transmissão das doenças, mas a maioria dos
estudos mostra que são as mulheres jovens o principal alvo das infecções e de seus desfechos
mais impactantes. As jovens de até 24 anos ou até 30 anos de idade são os principais grupos de
risco apontados, respectivamente, pela USPSTF e a CTFPHC. Ainda segundo a USPSTF, as
infecções por CT são 10 vezes mais prevalentes nos Estados Unidos da América do que as por
NG (4,7% e 0,4%) em mulheres de 18 a 26 anos.
No Brasil, um estudo multicêntrico de 2011 observou prevalência média de 9,8% de
infecção por clamídia em parturientes jovens entre 15 e 24 anos de idade. Outro estudo do
mesmo período, executado em Curitiba/PR com mulheres de 16 a 23 anos não gestantes e
assintomáticas para infecções por CT e NG, mostrou prevalência de 10,7% (CT) e 1,5% (NG)
com prevalência concomitante de 0,9%.
Um terceiro e extenso estudo de Manaus/AM revelou: as mulheres entre 15 e 29 anos são o
grupo no qual a prevalência de infecções é maior, incluindo gestantes; a concomitância entre
CT e NG foi de 17,3%; a prevalência em homens é 4 vezes menor; e o número de parceiros
sexuais e a presença de outras IST aumentam o risco de CT e NG.
O que o conjunto dos estudos nacionais e internacionais parece sugerir é que a prevalência
das infecções é mais alta em mulheres de 15 até 30 anos de idade, faixa etária na qual são
frequentes, também, as gestações e suas eventuais complicações; reforça a importância dos
fatores de risco listados na Tabela 1 na etiopatogenia das infecções, e ressalta que os homens,
apesar de participarem do processo de transmissão de CT e NG, entre outras IST, apresentam
baixa prevalência da doença em relação às mulheres.

Sybelle é uma jovem na faixa etária de maior risco, com antecedentes de múltiplos parceiros
sexuais em sua vida e que pretende engravidar. Por esses fatores, ela seria candidata natural ao
rastreamento de CT e NG. Caso alguma dessas infecções seja diagnosticada nela, seu parceiro
também deverá rastreá-la(s), pois ele pode ser um agente transmissor assintomático de CT e/ou
NG.

Aspectos clínicos

Os sintomas e sinais genitourinários são a principal forma de manifestação clínica de ambas


e possível causa de alta morbidade. Em mulheres, as cervicites são assintomáticas em torno de
70% a 80% dos casos. Quando sintomáticas, as principais queixas são corrimento vaginal,
sangramento intermenstrual, dispareunia e disúria. Se não forem tratadas, as infecções por CT e
NG podem cursar com complicações graves, que incluem: doença inflamatória pélvica,
gravidez ectópica, infertilidade, artrite séptica e septicemia.
Na gestante, as infecções podem estar associadas a um maior risco de prematuridade,
ruptura prematura de membrana, perda fetal, retardo de crescimento intrauterino, endometrite e
infecção puerperal. No recém-nascido, a principal manifestação clínica é a conjuntivite, mas
podem ocorrer também sepse, artrite, abscesso de couro cabeludo, pneumonia, meningite,
endocardite e estomatite. No momento do parto vaginal, o risco de transmissão vertical é de
30% e 50%, para NG e CT, respectivamente.

SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO

Quem deve rastrear?

As infecções crônicas por CT e NG são apropriadas ao check-up da população geral


feminina por conta da prevalência significativa em jovens assintomáticas e pela alta morbidade
potencial, principalmente a infertilidade e as graves complicações da gestação ou parto. A
população geral masculina, pela baixa prevalência e menor gravidade das infecções (exceto
grupos específicos como, por exemplo, HSH em risco muito alto de contrair HIV e em uso de
PrEP), só cabe rastrear a partir do diagnóstico prévio em suas parcerias sexuais.

Confirmação diagnóstica

Apesar da disponibilidade de testes diretos para visualização das bactérias causadoras das
infecções genitourinárias, úteis em pacientes com sintomas, a sua sensibilidade em pessoas
assintomáticas (sem corrimento vaginal ou secreção uretral, disúria, dor em baixo ventre etc.)
cai significativamente.
O diagnóstico laboratorial da infecção causada por CT e NG pode ser feito por método de
biologia molecular. No teste de amplificação de ácido nucleico (do inglês, NAAT) tanto a
sensibilidade (variando de 86% a 100%) quanto a especificidade (em torno de 100%) são
adequadas. O teste pode ser aplicado em urina de homens e mulheres, além de material
coletado por cotonete na região endocervical, vaginal, uretral, anal e orofaríngea. Existe a
possibilidade da autocoleta do material vaginal.
O mesmo material de uma coleta pode ser usado para testar CT e NG. E os testes feitos por
NAAT em urina são pelo menos tão sensíveis quanto os de material endocervical ou uretral,
colhidos por profissional da saúde ou pela(o) própria(o) paciente. Em grupos específicos, o
local de coleta pode variar de acordo com o tipo de relação sexual praticada, por exemplo,
orofaringe ou anal.
Em regiões geográficas onde a técnica de NAAT não esteja disponível, a captura híbrida é
outro método de biologia molecular que avalia qualitativamente a presença dos patógenos. A
sensibilidade desse método, entretanto, é inferior à do anterior. Qualquer que seja o método, os
possíveis efeitos negativos da aplicação dos testes são, em geral, de pequena magnitude e,
basicamente, psicossociais, como: ansiedade, vergonha ou estigmatização.
Os testes disponíveis parecem oferecer boas opções de rastreamento com acurácia e
precisão adequadas dos resultados, além de poucos riscos potenciais às pessoas rastreadas. A
escolha da periodicidade de repetição dos exames ainda carece de estudos, mas, para tanto, é
razoável levar em conta a prática sexual da(o) paciente e a persistência da exposição aos fatores
de risco, desde o último teste negativo.

Na linha de obter uma boa aderência ao rastreamento, evitando constrangimentos


desnecessários da paciente, Sybelle e outras mulheres assintomáticas, como regra geral,
poderiam ser aconselhadas a rastrear as bactérias na urina. Eventualmente, o local de coleta do
material de exame com cotonete (orofaringe, anal, vaginal, uretral) pode depender da prática
sexual da pessoa e do histórico de uso de preservativo.
SOBRE O TRATAMENTO E A PREVENÇÃO

Objetivos do tratamento

A antibioticoterapia é a base do tratamento para as infecções por CT e NG. Ao longo das


décadas recentes, o que se observou foi o aumento periódico da circulação de cepas resistentes
da NG aos antibióticos tradicionais. Isso resulta na mudança progressiva dos protocolos de
tratamento, que devem ser sempre revistos pelo(a) médico(a) assistente, antes de medicar.
Nas diretrizes atuais propostas pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) e o
MS brasileiro, a azitromicina (1 g VO, dose única) e a doxiciclina (100 mg VO 12/12 h, por 7
dias) aparecem como opções de medicamentos para tratamento da CT. Para a NG, a ceftriaxona
(injeção intramuscular 500 mg, dose única) ou outra cefalosporina de última geração consegue
bons resultados na maioria das infecções não complicadas. Para formas de apresentação
sintomáticas ou graves, o que não é o caso no rastreamento, existem outros protocolos
específicos.
Pacientes com NAAT positivo para CT e NG devem ser tratados com esquema antibiótico
com cobertura adequada para ambos os patógenos (por exemplo, associação de azitromicina e
ceftriaxona em doses únicas). Apenas em situações de impossibilidade de testagem ou de alta
probabilidade de coexistência simultânea das infecções, o mesmo esquema de tratamento pode
ser usado empiricamente. Lembra-se, ainda, da necessidade de rastreamento e tratamento
imediato das pessoas parceiras sexuais das rastreadas positivamente para qualquer dos dois
agentes patogênicos. Como regra geral, recomenda-se a retestagem após três meses do
tratamento de CT, NG ou ambos. Além disso, de acordo com o CDC, recomenda-se que a
pessoa em tratamento para as doenças em questão mantenha abstinência sexual por 7 dias.

Medidas de prevenção

Além do tratamento medicamentoso, abre-se a oportunidade para reforçar as atitudes que


podem prevenir novas infecções e a sua transmissão, tanto para os casos confirmados quanto
para os rastreios negativos. Pode-se aconselhar o uso de preservativos em todos os tipos de
relação sexual, rastrear e tratar outras IST e chamar a atenção para os fatores de risco
constantes da Tabela 1, na mesma perspectiva da prevenção combinada recomendada para a
infecção do HIV.
As entidades internacionais que tecem recomendações preventivas afirmam que existe boa
evidência de que o rastreamento de CT e NG reduza as complicações dessas infecções para a
saúde, em função da boa sensibilidade dos testes disponíveis para diagnóstico e da eficácia e
relativa segurança do tratamento antibiótico, nas doses terapêuticas preconizadas. Os danos
potenciais combinados do rastreamento e tratamento de clamídia e gonorreia são pequenos ou
nulos.

AGRADECIMENTO

Os autores agradecem a colaboração do Prof. Dr. Olavo Henrique Munhoz Leite pela
cuidadosa leitura do texto e sugestão de melhorias.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. Canadian Task Force on Preventive Health Care. Chlamydia and gonorrhea (2021).
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/chlamydia-and-gonorrhea/. Acesso: Abril de
2021.
2. United States Preventive Services Task Force. Chlamydia and gonorrhea: Screening, 2014.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/chlamydia-and-gonorrhea-screening.
Acesso: Setembro de 2021.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas
para atenção integral às pessoas com infecções sexualmente transmissíveis (IST). Brasília: Ministério da
Saúde; 2018.
4. Benzaken AS, Galban E, Moherdaui F, Pedroza V, Naveca FG, Araújo A, et al. Prevalência da infecção por
Chlamydia trachomatis e fatores associados em diferentes populações de ambos os sexos na cidade de
Manaus. J Bras Doenças Sex Transm. 2008;20(1):18-23.
5. Passagnolo RC, Piazzetta S, Carvalho NS, Andrade RP, Piazzetta G, Piazzetta SR, et al. Prevalência da
infecção por Chlamydia Trachomatis e Neisseria Gonorrhoea em mulheres jovens sexualmente ativas em uma
cidade do Sul do Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2011;33(11).
6. Hsu K. Treatment of Chlamydia trachomatis infection. UpToDate.
https://www.uptodate.com/contents/treatment-of-chlamydia-trachomatis-infection?
search=chlamydia%20trachomatis&source=search_result&selectedTitle=1~119&usage_type=default&displa
y_rank=1. Acesso: Abril de 2021.
7. Seña AC. Treatment of uncomplicated Neisseria gonorrhoeae infections. UpToDate.
https://www.uptodate.com/contents/treatment-of-uncomplicated-neisseria-gonorrhoeae-infections?
search=Treatment%20of%20uncomplicated%20Neisseria%20gonorrhoeae%20infections&source=search_res
ult&selectedTitle=1~150&usage_type=default&display_rank=1. Acesso: Abril de 2021.
8. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas
para atenção integral às pessoas com infecções sexualmente transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde;
2015.
9. St. Cyr S, Barbee L, Workowski KA, et al. Update to CDC’s treatment guidelines for gonococcal infection,
2020. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2020;69:1911-6.
10. CDC – Centers for Disease Control and Prevention. TSD Treatment Guidelines: Chlamydial infections in
adolescents and adults. https://www.cdc.gov/std/tg2015/chlamydia.htm. Acesso: Junho de 2021.
2.18
Risco de câncer ginecológico hereditário

PONTOS-CHAVE

Breast cancer genes (BRCA1 e BRCA2) são genes supressores tumorais envolvidos no reparo
do DNA; cerca de 5% a 10% dos cânceres de mama e até 15% dos cânceres de ovário podem
estar relacionados a mutações desses genes.
Essas mutações são transmitidas de maneira autossômica com alta penetrância em famílias de
portadores das mutações, mais frequentemente em descendentes de judeus Ashkenazi.
O rastreamento, na atenção primária à saúde, é possível a partir de questionário que identifique
mulheres com antecedentes familiares de alto risco para as mutações.
Em função de implicações psicossociais complexas, que envolvem o risco de câncer, o
aconselhamento genético com especialista é sempre recomendável.
Rastreamento intensivo, medicação profilática ou cirurgia são possibilidades de abordagem das
mulheres portadoras de mutações de BRCA1 e/ou BRCA2.

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear, por meio de questionários sensíveis e validados, o risco de mutações de BRCA1 e


BRCA2 em mulheres entre 18 e 75 anos de idade, assintomáticas e sem histórico pessoal de
câncer ginecológico.
Inquirir, preliminar e genericamente, sobre antecedentes de cânceres na família ou ascendência
judaica.
Completar o rastreamento das pessoas consideradas de risco na avaliação preliminar com as
perguntas do questionário da Tabela 1. Em caso de uma ou mais respostas “sim”, o rastreio é
considerado positivo.
Encaminhar a paciente rastreada positivamente para aconselhamento genético em serviço
especializado no assunto. As condutas subsequentes (p. ex., detecção laboratorial das
mutações, mastectomia ou salpingo-ooforectomia profiláticas) dependem de decisão bem
informada e compartilhada entre paciente, geneticista clínico(a) e médico(a) assistente.
RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES

O National Institute for Health and Care Excellence e a European Society for Medical Oncology
recomendam que os profissionais de saúde respondam às dúvidas e preocupações das
pacientes sobre o assunto, mas não os incentivam a sempre rastrear ativamente o histórico
familiar de câncer de mama, apenas eventualmente.
O rastreamento e/ou aconselhamento genético de pessoas com antecedente pessoal de câncer
sugestivo de estar associado a herança genética são defendidos, também, pelas entidades:
American College of Medical Genetics, American Society of Clinical Oncology, Society for
Gynecologic Oncology.
A American Society of Breast Surgeons recomenda a disponibilidade de teste genético para
todas as mulheres com histórico de câncer de mama.

Rachel, 33 anos, solteira, arquiteta, nascida nos EUA, mora no Brasil há 30 anos. É descendente
de judeus, que migraram para a América no final da década de 1940. Em visita à ginecologista,
disse ter ficado sabendo que algumas parentes que vivem nos EUA desenvolveram câncer de
ovário ou mama. Outras, para não correr o mesmo risco, retiraram mamas e ovários. Ela quer
saber se precisa operar, também.

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

Hereditariedade e câncer

O câncer de mama é a neoplasia maligna de maior incidência entre mulheres do mundo


todo, exceto pelos de pele não melanoma. No Brasil, é também o primeiro em mortes
femininas por câncer. Estima-se que de 5% a 10% desses casos estejam relacionados a
mutações genéticas. Os genes supressores tumorais Breast Cancer Genes (BRCA1 e BRCA2)
são os mais envolvidos, embora também possam estar implicadas mutações dos genes TP53,
PTEN, CHK2, ATM e STK11. Além disso, formas hereditárias de câncer ovariano representam
cerca de até 15% desses tumores, que são muito menos frequentes que os de mama. Mais
raramente ainda, mutações de BRCA1 ou BRCA2 associam-se a outras neoplasias, tubárias e
peritoneais.
Os genes BRCA1 e BRCA2 têm função fundamental na expressão de proteínas
intracelulares que auxiliam na transcrição gênica ou regulação do ciclo das células epiteliais da
glândula mamária, agindo no sentido de manter a integridade genética e suprimir
transformações potencialmente cancerígenas. Células mamárias com mutações de BRCA1 e/ou
BRCA2 não conseguem corrigir erros no DNA que ocorrem na divisão celular. Por isso,
mutações vão se acumulando ao longo da existência desse clone celular, resultando em
fenótipos anormais e produzindo uma maior tendência a proliferar.
Mutações de BRCA1 e/ou BRCA2 são transmitidas de maneira autossômica entre
gerações, com elevada penetrância, o que indica que descendentes, em vários níveis, de núcleos
familiares nos quais as mutações ocorreram, apresentam maior risco de câncer de mama
(principal), ovário ou outro. Entretanto, como apenas uma parcela pequena desses cânceres está
associada a mutações de BRCA1 e/ou BRCA2, o fato de alguém na família apresentar câncer
de mama ou ovário não implica, necessariamente, em herança das mutações. Ao contrário, é
muito mais provável que essa malignidade esteja associada a outros fatores predisponentes,
incluindo mutações de outros genes de baixa penetrância.

Não é só genética

Dessa forma, antecedente de câncer de mama na família não é, por si só, um indicativo para
o rastreamento de mutações genéticas em BRCA1 ou BRCA2. E mesmo cânceres ligados a
estas dependem de outras interações genéticas e com fatores individuais (idade, peculiaridades
do sistema reprodutor e endócrino) e ambientais (radiação ionizante, substâncias cancerígenas)
para se desenvolver. Quando a herança genética está envolvida na gênese do câncer de mama,
costuma haver múltiplos casos dessa neoplasia em uma mesma família, incluindo a ocorrência
em homens e pessoas jovens, bem como histórico de neoplasias em outros órgãos.
Estudos de prevalência das mutações de BRCA1 e BRCA2 em mulheres da população
geral indicam variações que dependem da origem étnica e localização geográfica, mas, em
média, gira em torno de 0,3%. Porém, no grupo específico de mulheres judias de ancestralidade
Ashkenazi a prevalência chega a 2%, o que as transforma em um alvo prioritário do
rastreamento de neoplasias ligadas a mutações genéticas. Mulheres portadoras dessas mutações
têm risco estimado de neoplasia mamária entre 45% e 65% aos 70 anos de idade. O risco
estimado para câncer de ovário em portadoras do BRCA1 e/ou BRCA2 chega a 39%.
Mulheres com mutações de BRCA1 e/ou BRCA2 tendem a desenvolver câncer de mama
em idade mais jovem, mesmo abaixo de 40 anos, e têm maior probabilidade de acometimento
das duas mamas, não necessariamente de maneira simultânea. Entretanto, o rastreamento do
câncer de mama, propriamente dito, só está indicado nessa faixa etária mais jovem, para
mulheres sabidamente portadoras de mutação de BRCA1 e/ou BRCA2.

A procura de mutações

O problema da detecção de mutações genéticas que podem vir a causar cânceres


ginecológicos em mulheres é complexo. Trata-se de fenômeno raro na população feminina em
geral, mas, quando ocorre, as doenças decorrentes causam grande perda de qualidade de vida,
deterioração da saúde mental e são altamente letais. Do ponto de vista técnico, as mutações são
detectáveis desde o nascimento, o que é um facilitador, pois permite adoção de medidas
precoces que podem impedir o desenvolvimento dos tumores malignos.
Entretanto, do ponto de vista médico e ético, envolve grandes dúvidas como: “A presença
confirmada de mutações hoje é sinônimo de câncer no futuro? É fácil para a mulher conviver
com a presença conhecida de BRCA1 ou BRCA2 mutante? Ela prefere se submeter a uma
estratégia de ‘espera vigilante’ ou outra mais incisiva em relação aos cânceres, como a cirurgia
profilática, por exemplo?”
As respostas para essas perguntas são complexas e não parecem ser uniformes. Envolvem
um processo de informação e conscientização da paciente associado a uma decisão
compartilhada com o profissional de saúde.

Com esses dilemas se defrontam Rachel e a sua médica. A paciente é jovem, judia,
possivelmente Ashkenazi, e tem vários antecedentes familiares que justificam, no mínimo, uma
maior preocupação em relação ao problema. É possível que seja necessária uma ação para
saber mais sobre os seus riscos, antes de rastrear as mutações propriamente ditas. Quanto às
possíveis cirurgias, no momento, isso é apenas uma possibilidade a mais, dentre outras a serem
discutidas.
SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO

Quem deve ser rastreado?

A USPSTF recomenda abordar mulheres com história pessoal e familiar para câncer de
mama, ovário, trompas e peritônio, ou que tenham ancestralidade associada a mutações
(BRCA1 e BRCA2), com algum questionário estruturado capaz de indicar, pelo menos, risco
aumentado de mutação. Mulheres rastreadas positivamente devem receber aconselhamento
genético e, posteriormente, se indicados, os testes genéticos laboratoriais.
No Brasil, em nível de atenção primária à saúde, o rastreamento genético para detecção de
pessoas com maior chance de serem portadoras de mutações nocivas em BRCA1 e/ou BRCA2
não é uma prática comum. Alguns especialistas de ginecologia e oncologia clínica têm mais
prática em lidar com o assunto, mesmo assim de forma não necessariamente sistemática ou
frequente, e apenas em nível de atenção secundária ou terciária do sistema de saúde.

Ferramentas que auxiliam a decisão

Existem vários instrumentos de estimativas de risco de mutações de BRCA1 e BRCA2


descritos na literatura médica: Ontario Family History Assessment Tool, Manchester Scoring
System, Referral Screening Tool, Pedigree Assessment Tool, 7-Question Family History
Screening Tool, International Breast Cancer Intervention Study instrument (Tyrer-Cuzick) e
outros. Todos eles validados e com boa acurácia para uso em rastreamento do risco de a mulher
ser portadora das mutações. E todos com vantagens e limitações. Uma delas é a falta de
experiência em mulheres brasileiras.
De modo geral, os questionários abordam fatores associados à maior probabilidade de
mutações de BRCA1 e BRCA2 potencialmente danosas à saúde. A Tabela 1 apresenta um
questionário de respostas binárias (SIM ou NÃO), que unifica as perguntas sobre fatores de
risco abordados nos vários questionários internacionais citados. Qualquer resposta SIM
caracteriza o rastreamento como positivo.

TABELA 1 Questionário de rastreamento de risco de mutações de BRCA1 e BRCA2

SIM NÃO
1. Você tem ou teve alguma parente de primeiro grau (mãe ou filha) com câncer de mama?

2. Você tem ou teve alguma parente qualquer da sua família com câncer nas duas mamas (não
precisa ser ao mesmo tempo)?

3. Você tem ou teve algum parente qualquer, homem, da sua família com câncer de mama?

4. Você tem ou teve alguma parente qualquer da sua família com câncer de mama e ovário (não
precisa ser ao mesmo tempo)?

5. Você tem ou teve alguma parente qualquer da sua família com câncer de mama antes dos 45
anos?

6. Você tem ou teve dois ou mais parentes quaisquer da sua família com câncer de mama, ovário,
intestino, próstata ou pâncreas?

7. Você tem ou teve alguma parente qualquer da sua família com câncer de ovário agressivo e
invasivo?

8. Você é de ascendência judaica Ashkenazi?


Em função da complexidade do problema que está sendo rastreado e dos seus
desdobramentos, uma vez identificado o risco de possíveis mutações danosas pelas respostas ao
questionário, a recomendação unânime entre especialistas da área é providenciar o
aconselhamento genético com profissional de saúde devidamente capacitado e habilitado para
isso. Logo, é um pré-requisito de todo o processo de rastreamento que seja garantido de
antemão o acesso da paciente a serviços de boa qualidade especializados em genética clínica.

Antes de qualquer outra coisa, portanto, a médica de Rachel deverá fazer-lhe as perguntas da
Tabela 1. Somente diante de alguma resposta indubitavelmente positiva, o prosseguimento ao
processo do rastreamento deve ser dado. A próxima etapa é o aconselhamento genético por
profissional especializado. Profissionais de atenção primária só devem fornecer esse tipo de
serviço após treinamento completo.

SOBRE AS INTERVENÇÕES E A PREVENÇÃO

Antes de testar

O aconselhamento genético é por si só uma intervenção preventiva, que precede os testes


laboratoriais e deve incluir: revisão e aprofundamento da análise de parentesco, identificação
de candidatas aos testes, educação completa da paciente, discussão de benefícios e riscos dos
testes genéticos, previsão da interpretação do resultado e como serão conduzidos os
desdobramentos, principalmente em caso de ser positivo (presença de mutação potencialmente
danosa).
Testes para a detecção de mutações nocivas de BRCA1 e BRCA2 só fazem sentido quando
o rastreamento inicial mostrar alto risco de positividade, quando a paciente demonstra interesse
no aconselhamento e se o resultado tiver alguma influência sobre as futuras condutas a serem
tomadas. Algumas decisões compartilhadas podem prescindir dos exames laboratoriais.
Uma vez decidido pela pesquisa de BRCA1 e BRCA2, as recomendações mais comuns são
no sentido de testar, inicialmente, familiares que apresentam câncer possivelmente relacionado
às mutações, inclusive homens, e só depois as pessoas assintomáticas e sem antecedentes
pessoais de malignidade. A história familiar definirá o tipo de mutação a ser testada nos
parentes de portadores de câncer com mutações conhecidas ou descendentes de judeus
Ashkenazi.

Qualidade dos testes

Os testes disponíveis possuem alta sensibilidade e especificidade e incluem dezenas de


painéis multigênicos. Seguindo orientação do American College of Medical Genetics and
Genomics, os resultados são expressos em 5 níveis: patogênico, provavelmente patogênico,
significado incerto, provavelmente benigno e benigno.
Existe evidência razoável indicando que a sequência de eventos – rastreamento por
questionário, aconselhamento genético e detecção laboratorial de mutações de BRCA1 e
BRCA2 – apresente benefícios, pelo menos moderados, para mulheres de alto risco. Há,
entretanto, risco de dano à saúde, principalmente mental, se o processo não for conduzido por
especialistas familiarizados com o assunto.

Depois do teste
As decisões subsequentes, sobre qual procedimento preventivo para câncer deva ser
adotado, não são menos complicadas. Estudos mostram que a realização frequente de
rastreamento com inclusão da ressonância magnética das mamas (além do exame clínico,
mamografia e ultrassonografia periódicos) aumenta a chance de identificação de tumores
precoces, mas não impacta a mortalidade.
A combinação do rastreamento frequente com medicação profilática redutora de risco
(tamoxifeno, raloxifene e inibidores da aromatase) pode ser tentada em mulheres portadoras de
BRCA1 e/ou BRCA2, desde que os riscos de efeitos adversos desses medicamentos para essas
pacientes sejam pequenos. Por último, há a opção pelas abordagens cirúrgicas (mastectomia
bilateral e/ou salpingo-ooforectomia bilateral), que parecem reduzir a incidência dos cânceres,
mas cujo efeito na mortalidade ainda é indeterminado.
Em relação à mastectomia profilática redutora de risco, especificamente, vale ressaltar que
sua indicação ainda é controversa. Potenciais benefícios incluem a redução do risco de câncer
de mama e da ansiedade gerada pela positividade dos testes. Desvantagens potenciais incluem
a irreversibilidade e agressividade da conduta cirúrgica e consequente morbidade física e
mental associada. Diante da ineficácia do rastreamento de câncer de ovário, até o momento, a
cirurgia radical, no caso, parece ser inevitável.

Vê-se, portanto, que antes de responder à dúvida da Rachel sobre a cirurgia, há muito caminho a
percorrer. Se no final das contas ela for portadora de alguma mutação nociva de BRCA1 e/ou
BRCA2, ela deverá ser bem orientada com relação aos “prós e contras” de cada conduta
preventiva dos cânceres relacionados. A decisão final pelo rastreamento intensivo, associado ou
não à medicação redutora de risco, ou pela cirurgia, deve ser totalmente compartilhada entre a
paciente e sua médica.

AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Dr. Jorge Sabbaga pela cuidadosa leitura do texto e
sugestão de melhorias.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF. United Services Preventive Services Task Force. BRCA-related cancer: Risk assessment, genetic
counseling, and genetic testing (2019).
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/brca-related-cancer-risk-assessment-
genetic-counseling-and-genetic-testing. Acesso: Junho de 2021.
2. Rocha JCC, Vargas FR, Ashton-Prolla P. Câncer familial. AMB-CFM. Associação Médica Brasileira –
Conselho Federal de Medicina. Projeto Diretrizes. Sociedade Brasileira de Genética Clínica. 2007.
https://diretrizes.amb.org.br/_BibliotecaAntiga/cancer-familial.pdf. Acesso: Junho de 2021.
3. Bernardo W, Simões R, Silvinato A. BRCA1 e BRCA2 em câncer de mama. AMB. Associação Médica
Brasileira. https://diretrizes.amb.org.br/_DIRETRIZES/brca1-e-brca2-em-cancer-de-
mama/files/assets/common/downloads/publication.pdf. Acesso: Junho de 2021.
4. National Comprehensive Cancer Network. Clinical practice guidelines in oncology. Genetic/familial high risk
assessment: breast and ovarian cancer syndromes (version 1.2018).
https://www.nccn.org/professionals/physician_gls/pdf/genetics_screening.pdf. Acesso: Junho de 2021.
5. Ashton-Prolla P, Giacomazzi J, Schmidt AV, et al. Development and validation of a simple questionnaire for
the identification of hereditary breast cancer in primary care. BMC Cancer. 2009;9:283.
2.19
Risco de doença cardiovascular (DCV)

PONTOS-CHAVE

As doenças cardiovasculares (DCV) ainda são a maior causa de mortes prematuras no mundo,
representando cerca de 16% de todos os óbitos. Tabagismo, hipertensão arterial, dislipidemia,
diabete melito, obesidade e antecedente familiar estão entre seus principais fatores de risco.
Teste ergométrico, ecocardiograma ou cintilografia miocárdica após estresse físico ou
farmacológico, angiotomografia de coronária com escore de cálcio ou cateterismo cardíaco não
são exames adequados para rastrear doença arterial coronariana em pessoas assintomáticas.
O risco de apresentar uma doença cardiovascular em 10 anos (RCV10) pode ser estimado por
meio de calculadoras que utilizam equações obtidas a partir de estudos epidemiológicos, nos
quais são controlados os principais fatores de risco das DCV.
O RCV10 pode ser reduzido através de medidas efetivas de mudanças de estilo de vida, como
cessação do tabagismo, atividade física, alimentação saudável e controle do peso corporal,
assim como pelo controle da hipertensão arterial, diabete e dislipidemia.

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear o risco de apresentar um evento cardiovascular em 10 anos (RCV10) em pessoas


assintomáticas da população geral, entre 40 e 75 anos de idade, sem antecedentes pessoais de
DCV.
Utilizar calculadora para RCV10, por exemplo, ASCVD – Pooled Cohort Equations ou SBC –
Calculadora para estratificação de risco cardiovascular.
Se RCV10 < 5%, promover medidas de estilo de vida (MEV) saudável e repetir o rastreamento a
cada 5 anos.
Se RCV10 entre 5% e 20% e a determinação do ECAC estiver disponível e acessível:
Compartilhar a decisão de reclassificação do risco entre médico(a) e paciente, por meio
desta técnica.
Promover MEV saudável e iniciar estatina profilática em dose moderada quando ECAC ≥ 1.
Repetir o rastreamento a cada 3 anos, se ECAC entre 1 e 99 e a cada ano se ECAC ≥ 100.
Se RCV10 entre 5% e 20% e a determinação do ECAC estiver indisponível:
Promover MEV saudável e iniciar estatina profilática em dose baixa se RCV10 entre 5% e
7,5%, dose moderada se RCV10 entre 7,5% e 15% e dose alta se RCV10 ≥ 15%.
Repetir o rastreamento a cada 3 anos se RCV10 entre 5% e 10%, e a cada ano se RCV10
≥ 10%.
Se RCV10 ≥ 20%, promover MEV saudável, indicar o uso de estatina em alta dose e repetir o
rastreamento a cada ano.

RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES

A USPSTF, em recomendação de 2016 que se encontra em revisão, recomenda o uso de


estatina em dose baixa a moderada em pessoas de 40 a 75 anos com RCV ≥ 10% e caso a
caso, se RCV entre 7,5% e 10%.
A USPSTF (2018) indica que a evidência existente é insuficiente para recomendar a associação
do escore de cálcio em artérias coronárias (ECAC) à avaliação de risco tradicional de DCV em
pessoas assintomáticas.

Olavo é um metalúrgico de 53 anos que ficou 6 meses afastado por acidente de trabalho. Ele
conta que apresentou uma síncope com queda que resultou em hematoma subdural e foi
operado. Agora, ele deve fazer o exame de retorno ao trabalho para saber se está apto a voltar.
Ao médico, ele nega queixas, mas refere que toma remédios irregularmente para a pressão, o
diabete e convulsões recentes. É um fumante de 2 maços-dia há 30 anos. Os seus exames
mostraram: IMC = 32, circunferência abdominal = 98, PA = 150 x 90 mmHg, colesterol total = 200,
LDL = 130, HDL = 38, HbA1C = 8,2%. Seu médico está relutante em considerá-lo apto a
trabalhar.

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

O maior dos problemas

As doenças vasculares de coronárias e artérias cerebrais são responsáveis pela maioria das
mortes prematuras em todo mundo. Além disso, anginas, infarto agudo do miocárdio e
episódios vasculares cerebrais podem causar perda de qualidade de vida e incapacidades
permanentes ou temporárias. Arritmias, alterações abruptas de pressão arterial e síncopes
podem apresentar complicações significativas, inclusive, acidentes.

Prevalência mundial

Segundo dados da OMS de 2020, as doenças cardíacas ainda são a maior causa de
mortalidade. Nos últimos 20 anos, o número aproximado de óbitos anuais por essas
enfermidades saltou de 7 para 9 milhões no mundo, representando cerca de 16% do total de
mortes por todas as causas. Essas cifras praticamente duplicam se forem acrescentadas as
mortes por doenças cerebrais e outras de natureza vascular. O aumento no período indicado
está provavelmente relacionado à maior exposição a fatores de risco conhecidos, como
sobrepeso, obesidade, hiperglicemia e, principalmente, hipertensão arterial e tabagismo.

Principal causa de mortes no Brasil

As doenças cardiovasculares (DCV), além de representarem uma substancial carga de


doença, têm sido a principal causa de mortalidade também no Brasil desde a década de 1960.
De acordo com o Global Burden Disease, em 2017, a incidência anual de DCV nesse país era
de 690 casos novos para cada 100 mil habitantes. Já a prevalência de DCV padronizada por
idade era de 6 mil por 100 mil habitantes, acometendo 4,2% da população com 20 anos de
idade ou mais.

Redução nas mortes

Estudos apontam uma redução significativa da taxa de mortalidade por DCV nas últimas 2
décadas, concomitante ao aumento do número absoluto dos óbitos. Obviamente, a diminuição
da taxa ocorreu em função do crescimento e envelhecimento progressivos da população
brasileira no mesmo período, e não da redução da exposição aos fatores de risco. Em 2017,
ocorreram 388.268 mortes por DCV, representando, em números absolutos, 45,4% a mais do
que em 1990. Entretanto, a taxa de mortalidade padronizada por idade foi de 178 por 100 mil
habitantes, indicando uma redução de 47,9% em relação a 1990. As taxas permanecem maiores
entre os homens.

Aumento com a idade

As DCV são mais comuns a partir da quinta década de vida. As suas principais
complicações agudas, como angina, infarto do miocárdio ou morte súbita, são causadas por
obstruções arteriais provocadas por placas ateromatosas que ocupam o diâmetro dos vasos; em
presença de vasoconstrição e/ou ruptura, inflamação e calcificação progressiva, as placas
acabam por precipitar a formação de trombos oclusivos. Cronicamente, podem se manifestar
com insuficiência cardíaca ou arritmias.

Fatores de risco

Os principais fatores de risco individuais da ateromatose podem ser antecipados,


modificados e outros controlados com anos de antecedência. A Tabela 1 apresenta os principais
fatores de risco para as DCV.

TABELA 1 Fatores de risco das doenças cardiovasculares

1. Globalização de hábitos e costumes

2. Urbanização crescente

3. Envelhecimento progressivo da população

4. Pobreza

5. Estresse excessivo e constante

6. Hereditariedade (antecedente familiar de morte precoce por doença cardiovascular)

7. Sedentarismo

8. Dieta com muito sal, açúcar e gordura saturada e poucas frutas, verduras e legumes
9. Tabagismo

10. Consumo excessivo de bebida alcoólica

11. Hipertensão arterial

12. Diabete melito

13. Dislipidemia

14. Sobrepeso e obesidade

As DCV, além de apresentarem alta incidência, prevalência e morbimortalidade, têm


história natural com período pré-clínico prolongado. Essas condições tornam o seu
rastreamento, mais do que uma necessidade, uma prioridade em termos de saúde pública.

SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO

Como rastrear

O rastreamento direto da doença arterial coronariana (DAC) em pessoas assintomáticas é


prática bastante difundida entre médicos e serviços de saúde. Porém, apesar do grande interesse
na prevenção da DAC, ainda não se encontra respaldo incontestável na literatura científica para
os métodos de rastreio recomendados e tampouco sua periodicidade de repetição. Por exemplo,
a USPSTF, em recomendações preventivas de 2018, considerou insuficiente a evidência para
embasar a solicitação de eletrocardiograma de repouso ou de esforço para pessoas com risco
cardiovascular intermediário ou alto. Da mesma forma, a evidência é inconclusiva para utilizar
o índice tornozelo-braquial, a proteína C-reativa ultrassensível e o escore de cálcio em artéria
coronária (ECAC) em pacientes com qualquer nível de risco. A CTFPHC também não expressa
qualquer recomendação sobre o assunto.
Os exames utilizados habitualmente em pacientes com sintomatologia característica de
DAC são: teste ergométrico, ecocardiograma ou cintilografia miocárdica pós-estresse,
angiotomografia ou cinecoronariografia. Para fins de rastreamento, entretanto, esses exames ou
carecem de sensibilidade ou são de realização complexa e dispendiosa, inviabilizando seu uso
em programas preventivos de nível populacional. Além disso, não há evidência de que seus
benefícios superem os riscos, se usados para rastrear DAC.

Ferramentas auxiliares

Por outro lado, o risco das DCV pode ser rastreado por meio de anamnese cuidadosa
dirigida à pesquisa de fatores de risco (Tabela 1) ou por meio de ferramentas eletrônicas
disponíveis em sites especializados. Atualmente, dispõe-se de várias calculadoras1 capazes de
estimar o risco cardiovascular, com algoritmos baseados em estudos epidemiológicos
relevantes. Certamente, essas ferramentas são mais úteis quanto mais baseadas forem em
estudos feitos nas próprias populações onde são aplicadas.
Por exemplo, a USPSTF, a American Heart Association (AHA) e o American College of
Cardiology (ACC) recomendam o cálculo do risco de ASCVD (Atherosclerotic Cardiovascular
Disease) em 10 anos (RCV10) usando como base as Pooled Cohort Equations
(https://clincalc.com/Cardiology/ASCVD/PooledCohort.aspx). Essas equações incorporadas à
calculadora levam em conta as seguintes variáveis: idade, sexo, raça, níveis de colesterol,
pressão arterial sistólica, tratamento anti-hipertensivo, presença de diabete e tabagismo. No
Brasil, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) disponibiliza essa calculadora,
denominando-a Calculadora para estratificação de risco cardiovascular, que inclui outras
variáveis (departamentos.cardiol.br/sbc-da/2015/CALCULADORAER2020/etapa1.html).
Vale lembrar que a caracterização do RCV10 pelas calculadoras não é usada pelas
entidades como rastreador da existência de coronariopatia (DAC) assintomática. Não é
preconizada, também, para indicar exames capazes de detectar a presença de placas de ateroma
potencialmente danosas nem alterações funcionais ou morfológicas decorrentes de eventual
isquemia cardíaca. A indicação de exames complementares para esse fim aplica-se apenas para
pacientes com quadro clínico sugestivo de comprometimento coronariano em andamento.
A finalidade principal do cálculo do RCV10 é identificar pessoas em baixo, intermediário
ou alto risco de DCV, e com isso recomendar medidas preventivas de estilo de vida ou
medicação profilática para as síndromes coronarianas. Nesse sentido, é importante frisar
algumas disparidades importantes nas recomendações existentes:

A. A USPSTF, em recomendação de 20162, preconiza doses baixas a moderadas de


“estatinas” se RCV10 > 10% e, eventualmente, se o RCV10 estiver entre 7,5% e 10% em
pessoas de 40 a 75 anos, com 1 ou mais fatores de risco para DCV;
B. A AHA e a ACC, em 2019, atualizaram os limiares de risco para: < 5% – risco baixo;
entre 5% e 7,5% – risco limítrofe; entre 7,5% e 20% – risco intermediário; e > 20% – risco
alto. Passaram também a considerar o ECAC uma possível ferramenta útil para a
reclassificação do risco limítrofe ou intermediário (5% a 20%), quando a decisão para a
prescrição de estatina for duvidosa.

O cálculo de risco de Olavo usando Pooled Cohort Equations revelou um RCV10 de 31,6%, cerca
de 11 vezes maior do que o de um homem saudável com a mesma idade dele. Segundo os
critérios da AHA/ACC e da SBC, ele se encontra em uma faixa de risco muito alta. A
determinação do ECAC nesses níveis basais de risco torna-se desnecessária, pois não mudaria
as condutas preventivas a serem adotadas.

Estudo tomográfico – ECAC (escore cálcio)

O ECAC é obtido por tomografia computadorizada do coração com detectores guiados por
eletrocardiograma. A dose de radiação para a realização do exame é ligeiramente menor do que
a da mamografia de rastreamento. Acredita-se que a detecção de cálcio nas artérias coronárias
correlaciona-se com a presença de doença arterial e é preditiva de futuros eventos
cardiovasculares, exceto em certas condições, como diabete, uremia e distúrbios do
metabolismo de cálcio.
Estudos recentes vêm reforçando a possibilidade de indicação do ECAC na reclassificação
do risco cardiovascular, basicamente nos casos de RCV10 entre 5% e 20%. A realização de tal
exame complementar para avaliação do RCV10 está, entretanto, condicionada à persistência de
dúvidas quanto à prescrição de estatinas e dependente de decisão compartilhada entre
médico(a) e paciente.
A Figura 1 ilustra o fluxograma de decisão para adoção de medidas modificadoras do estilo
de vida ou medicação profilática com doses moderadas ou altas de estatinas, levando em
consideração medidas do ECAC.
Há limitada informação sobre a sensibilidade e a especificidade do cálculo do RCV10 por
meio de calculadora com Pooled Cohort Equations, bem como o seu impacto na
morbimortalidade por DCV. O seu uso, entretanto, é simples, rápido e de baixo custo. Levando-
se em conta que o seu objetivo é determinar não a presença de doença em si, mas o risco de
adoecimento, e a possível melhoria da sensibilidade pela agregação da determinação do ECAC,
a sua indicação pode ser um passo importante na adoção de medidas profiláticas efetivas para a
prevenção de eventos cardiovasculares futuros.

SOBRE O TRATAMENTO E A PREVENÇÃO

Medidas comportamentais

Mudanças de estilo de vida estão no cerne da prevenção das DCV, mas podem depender de
aconselhamento especializado por profissionais da saúde para serem alcançadas e custo-
efetivas. São elas:

A. Cessação do tabagismo;
B. Adoção de alimentação saudável, baseada em consumo de alimentos naturais como frutas,
verduras, legumes, oleaginosas e grãos integrais, derivados desnatados de leite, carnes
magras, e com restrições a carboidratos, gorduras saturadas, sal, açúcar e bebida alcoólica;
C. Atividades físicas regulares de intensidade moderada como, por exemplo, caminhar,
pedalar, nadar, praticar exercícios resistidos;
D. Controle do estresse, por meio de relaxamento, atividades de lazer e outras.
FIGURA 1 Fluxograma de decisão para indicação de medidas profiláticas de doença cardiovascular.
Adaptada de Cheong BYC, 2020.

Além disso, pacientes com pressão alta (ver Capítulo “Hipertensão arterial”), diabete [ver
Capítulo “Diabete melito tipo 2 (DM2) e pré-diabete (PD)”] e hipercolesterolemia (ver
Capítulo “Dislipidemia”) devem ter essas comorbidades controladas com frequência, a fim de
manter seus parâmetros clínico-laboratoriais dentro de valores adequados e, deste modo,
conservar o RCV10 no patamar mais baixo possível.

As estatinas

Especialmente em relação aos níveis de colesterol total e a fração LDL, a SBC e a


AHA/ACC mantêm recomendações rígidas para o uso de estatinas em doses progressivamente
maiores conforme o grau de risco. De modo geral, essas entidades afirmam que doses
moderadas de estatinas já reduzem o risco de DCV, porém, doses mais altas, nos casos em que
são necessárias, reduzem ainda mais os eventos decorrentes das DCV. A Tabela 2 indica as
doses das diferentes estatinas disponíveis no mercado conforme a graduação de risco, segundo
a SBC, bem como as respectivas metas de controle de LDL.
A variedade de opções de tratamento profilático ou terapêutico das dislipidemias é um fator
positivo quando se trata de efeitos colaterais devidos à toxicidade medicamentosa. Os
principais efeitos colaterais das estatinas são discretos, como a elevação de enzimas hepáticas
(alanina-aminotrasferase – ALT e aspartato-aminotransferase – AST) e dores
musculoesqueléticas, em cerca de 15% das pessoas, que podem cursar com aumento de
creatinoquinase (CK). Em caso de necessidade, pode-se adequar a dose, mantendo o controle
laboratorial ou, em último caso, suspender e trocar o princípio ativo.

TABELA 2 Doses diárias de medicamentos e metas de controle de LDL, conforme o risco


cardiovascular

Risco cardiovascular Medicamento e dose Meta de LDL (mg/dL)


Baixo Lovastatina 40 mg < 130 mg/dL
Sinvastatina 20-40 mg
Pravastatina 40-80 mg
Fluvastatina 80 mg
Pitavastatina 2-4 mg
Atorvastatina 10-20 mg
Rosuvastatina 5-10 mg

Intermediário Lovastatina 40 mg < 100 mg/dL


Sinvastatina 20-40 mg
Pravastatina 40-80 mg
Fluvastatina 80 mg
Pitavastatina 2-4 mg
Atorvastatina 10-20 mg
Rosuvastatina 5-10 mg

Alto Atorvastatina 40-80 mg < 70 mg/dL


Rosuvastatina 20-40 mg
Sinvastatina 40 mg + ezetimiba
10 mg

Muito alto Atorvastatina 40-80 mg < 50 mg/dL


Rosuvastatina 20-40 mg
Sinvastatina 40 mg + ezetimiba
10 mg

Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia – SBC.

O ácido acetilsalicílico

O balanço entre riscos e benefícios do uso profilático de ácido acetilsalicílico (AAS) com
intenção de prevenir, primariamente, eventos cardiovasculares contraindica o seu uso
indiscriminado. Segundo a ACC/AHA, a prevenção primária com AAS pode ser considerada
apenas para pessoas de 40 a 70 anos com muito alto risco de DCV, na ausência de risco
aumentado de sangramento. Outras entidades e estudos internacionais não dão suporte ao AAS
profilático em pessoas sem evidências de DCV, exceto a American Diabetes Association
(ADA), que o recomenda para pacientes diabéticos sem DCV conhecida. Quando indicado, o
AAS deve ser prescrito em baixas doses diárias (80 mg).

Viver mais e melhor

Em resumo: as DCV representam ainda hoje um grande problema de saúde pública, com
altos índices de morbimortalidade. Os métodos propedêuticos existentes para DAC não foram
validados, até o momento, para o seu rastreamento. Entretanto, em função da evolução da
doença aterosclerótica ao longo de anos, o cálculo do RCV10, uma iniciativa de fácil execução
e baixo custo, tem o potencial de desencadear medidas seguras e efetivas de prevenção
primária, como as mudanças de estilo de vida e controle de comorbidades.

Para viver mais tempo e sem doença cardiovascular, Olavo precisa mudar seu estilo de vida,
parando de fumar, perdendo peso, controlando melhor seu diabete e a pressão. A adoção de
estatina em alta dose, no seu caso, é indicada independentemente do seu ECAC. Caso ele pare
de fumar, baixe a PA sistólica para 120 mmHg e o colesterol total para 160, e eleve o HDL para
45, e assim se mantenha, o seu RCV10 cairá para menos da metade, 15%.

AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Dr. Desiderio Favarato pela cuidadosa leitura do
texto e sugestão de melhorias.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. Lotufo PA, Goulart AC, Passos VMA, Satake FM, Souza MFM, França EB, et al. Cerebro-vascular disease in
Brazil from 1990 to 2015: Global Burden of Disease 2015. Rev Bras Epidemiol. 2017;20 (Suppl 1):129-41.
https://doi.org/10.1590/1980-5497201700050011. Acesso: Setembro de 2021.
2. GBD 2016 Brazil Collaborators. Burden of disease in Brazil, 1990-2016: a systematic subnational analysis
for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet. 2018;392(10149):760-75.
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)31221-2. Acesso: Setembro de 2021.
3. GBD 2017 Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national age-sex-specific mortality for 282
causes of death in 195 countries and territories, 1980-2017: a systematic analysis for the Global Burden of
Disease Study 2017. Lancet. 2018;392(10159):1736-88. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)32203-7.
Acesso: Setembro de 2021.
4. Mansur AD, Favarato D. Mortality due to cardiovascular diseases in women and men in the five brazilian
regions, 1980-2012. Arq Bras Cardiol. 2016;107(2):137-46.
5. Arnett DK, Blumenthal RS, Albert MA, et al. 2019 ACC/AHA Guideline on the Primary Prevention of
Cardiovascular Disease: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task
Force on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2019;March 17:[Epub ahead of print].
https://www.acc.org/latest-in-cardiology/ten-points-to-remember/2019/03/07/16/00/2019-acc-aha-guideline-
on-primary-prevention-gl-prevention. Acesso: Setembro de 2021.
6. Cheong BYC, et al. Coronary artery calcium scoring: an evidence-based guide for primary care physicians. J
Intern Med. 2021 Mar;289(3):309-24.
7. SBC – Sociedade Brasileira de Cardiologia. Escore de cálcio para alocação personalizada de AAS em
prevenção primária em 2019: Estudo MESA. Marcio Soomer Bittencourt (revisor).
https://www.portal.cardiol.br/post/escore-de-cálcio-para-alocação-personalizada-de-aas-em-prevenção-
primária-em-2019-estudo-mesa. Acesso: Setembro de 2021.
8. USPSTF – Unites States Preventive Services Task Force. Statin. Use for the primary prevention of
cardiovascular disease in adults: preventive medication (2016).
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/statin-use-in-adults-preventive-
medication. Acesso: Setembro de 2021.
2.20
Risco de fraturas por osteoporose

PONTOS-CHAVE

No mundo, estima-se que mais de 200 milhões de pessoas apresentam fragilidade óssea por
osteoporose, afetando 1 a cada 3 mulheres e 1 a cada 8 homens.
As fraturas por osteoporose incorrem em perda de qualidade de vida e grave prejuízo
psicossocial, além de complicações físicas, sequelas e morte prematura.
O rastreamento da osteoporose, no Brasil, usando recomendações internacionais, resulta em
sobretestagem, sobrediagnóstico e sobretratamento, que podem ser evitados.
Atualmente, dispõe-se de calculadoras do risco de fraturas por osteoporose, baseadas em
fatores demográficos e clínicos, com boa acurácia para uso no rastreamento.
Existem diversas opções de abordagem preventiva e tratamento medicamentoso capazes de
reduzir o risco de fraturas por osteoporose na idade avançada.

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear o risco de fraturas por osteoporose em mulheres entre 50 e 75 anos de idade,


assintomáticas, da população geral.
Aplicar o FRAX® Brasil (https://www.sheffield.ac.uk/FRAX/tool.aspx?country=55) sem os valores
de DMO, anualmente.
Solicitar DEXA apenas se o RFM10 calculado estiver contido no intervalo em torno do limiar de
intervenção (área hachurada da Figura 1).
Recalcular RFM10 por meio do FRAX® Brasil com a inclusão dos valores de DMO obtidos na
DEXA, sempre que o exame complementar tenha sido solicitado.
Programar reaplicação de FRAX® ou tratamento, conforme o cálculo do RFM10.

RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES


A National Osteoporosis Foundation estadunidense e a International Society for Clinical
Densitometry recomendam densitometria óssea para mulheres com 65 anos de idade ou mais e
para homens com 70 anos ou mais. Recomendam, também, medir a DMO de mulheres < 65
anos e homens de 50 a 69 anos, baseado em seus perfis de risco.
Como parte do Choosing Wisely, a American Academy of Family Physician recomenda contra a
DEXA para mulheres mais jovens de 65 anos e homens com menos de 70 anos sem fatores de
risco.
O American College of Obstetricians and Gynecologists recomenda medir a DMO com DEXA a
partir dos 65 anos de idade em todas as mulheres e, seletivamente, para aquelas com idade <
65 anos e com fatores de risco ou histórico de fratura na idade adulta.
A Endocrine Society recomenda o rastreamento de todos os homens acima de 70 anos e
naqueles com 50 a 69 anos e risco significante de fratura ou passado de fratura após os 50
anos de idade.

Maria Clara, uma senhora de 60 anos, procurou sua médica geriatra para fazer um check-up
completo, embora se sentisse muito bem, tanto do corpo quanto da cabeça (sic). Perguntada se
tinha alguma preocupação especial em relação à sua saúde, ela respondeu que tinha medo de
cair e quebrar algum osso, como já aconteceu com algumas amigas da idade dela. Queria fazer
algum exame, tirar alguma “chapa”, para saber se tinha ossos fortes (sic).

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

Osteoporose é uma condição clínica bastante prevalente, principalmente entre mulheres


após a menopausa, e pode ser causa ou contribuir para fraturas por fragilidade óssea em idades
mais avançadas. Em homens, tanto a osteoporose quanto as fraturas dela decorrentes são
fenômenos mais raros e pouco estudados.

Prevalência no mundo

No mundo, estima-se que mais de 200 milhões de pessoas apresentem fragilidade óssea por
osteoporose, afetando 1 a cada 3 mulheres e 1 a cada 8 homens. Nos EUA, em 2020, estimou-
se em 12,3 milhões o total de indivíduos com osteoporose. Naquele país, cerca de 21% a 30%
das pessoas que fraturam o quadril morrem em um ano e por volta de 71% das fraturas ocorrem
em mulheres.

O problema brasileiro

Condições climáticas, diversidade e miscigenação étnica tendem a tornar a osteoporose um


problema menos evidente no Brasil em comparação a países do hemisfério norte, exceto nas
cidades muito grandes e poluídas (p. ex., São Paulo), onde a exposição a raios UV é menor, ou
em locais com população de origem majoritariamente europeia (p. ex., região Sul do país).

O impacto de uma fratura

As fraturas por fragilidade óssea podem incorrer em perda significativa de qualidade de


vida e predisposição a grave prejuízo psicossocial, envolvendo dor crônica, imobilidade
prolongada, dificuldade de movimentação. Além disso, podem ocorrer complicações como o
risco de agravamento de doenças preexistentes, infecção, fenômenos tromboembólicos e morte
prematura.
A osteoporose é uma doença que tende a se desenvolver lentamente, ao longo de muitos
anos, até que uma primeira fratura ocorra. Isso, por si só, indica que há tempo para fazer o
diagnóstico da condição em uma fase prévia à manifestação clínica, por meio de um ou mais
ciclos de rastreamento.

Fatores de risco

Algumas mulheres correm mais risco do que outras de desenvolver osteoporose e fraturas,
risco esse influenciado por fatores genéticos, hábitos e outras doenças prévias (Tabela 1). Por
outro lado, o estilo de vida pessoal mais saudável parece funcionar como fator protetor (Tabela
2).
O risco de fraturas por osteoporose parece reunir características epidemiológicas, de
morbimortalidade e etiopatogenia apropriadas à sua inclusão em programas de check-up de
mulheres brasileiras. O mesmo já não se aplica, entretanto, aos homens brasileiros.

TABELA 1 Fatores de risco para osteoporose

1. Antecedente pessoal de fratura por fragilidade óssea, não provocada

2. Antecedente familiar de fratura por fragilidade óssea, não provocada

3. Uso prolongado de costicosteroides

4. Artrite reumatoide

5. Osteoporose secundária (hipogonadismo, má-absorção, hepatopatia etc.)

6. Tabagismo atual

7. Consumo excessivo de álcool

8. Baixo peso corporal

TABELA 2 Hábitos protetores para osteoporose

1. Atividade física aeróbia com regularidade

2. Consumo de alimentos que contenham cálcio (p.ex., leite e verduras)

3. Exposição solar (90 minutos semanais, fora dos horários de alta UV)

4. Cessação do tabagismo

5. Redução do consumo de bebida alcoólica

6. Manutenção de peso na faixa normal

SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO

O que é bom para os Estados Unidos…

O rastreamento da osteoporose é preconizado por inúmeras entidades, nacionais e


internacionais, na maioria das vezes com base em recortes fixos por faixa etária e sexo. Por
exemplo, a USPSTF recomenda rastrear todas as mulheres acima de 65 anos, independente da
exposição a qualquer fator de risco, ou a partir de 60 anos se o risco estimado de fratura óssea
for equivalente ao de uma mulher americana, branca, com IMC igual a 25 kg/m2. Lembra-se
que essa diretriz é válida para a população estadunidense e, embora sirva como referência
básica, ela não necessariamente representa uma boa opção para outros países.

Ferramentas úteis

A determinação da densidade mineral óssea (DMO), por meio da medida da absorção de


raios X de dupla energia (DEXA), é o método mais presente nas recomendações de check-up
de osteoporose. A DMO pode ser obtida por DEXA de coluna, colo de fêmur, rádio ou corpo
inteiro e o resultado expresso em g/cm2 ou T-score de desvios-padrões em relação a valores
esperados para pessoas da mesma idade e sexo. A DEXA é tida como um exame seguro, de boa
sensibilidade e especificidade, mas cujo custo talvez dificulte a sua adoção como método
preferencial e universal para o rastreamento de base populacional em massa.
Além da DEXA, existe o Fracture Risk Assessment Tool (FRAX®), uma ferramenta
desenvolvida e atualizada com frequência pela Universidade de Sheffield, que permite a
estimativa do risco de fratura de ossos maiores e bacia em 10 anos. Trata-se de uma
calculadora de risco validada em vários países, como o Brasil, cujo algoritmo para cálculo do
risco de fratura em 10 anos é gerado a partir de resultados de estudos epidemiológicos oriundos
do próprio país, levando em conta os fatores clínicos (Tabela 1), e podendo ser acrescido da
medida de DMO, quando disponível.
A utilidade do FRAX®, ferramenta de uso fácil, rápido e sem custo, extrapola a simples
determinação do risco individual de fratura de ossos maiores por osteoporose em 10 anos
(RFM10) ou do quadril. Ele serve também para identificar limiares de referência normal (LRN)
e de intervenção (LI) e, assim, ajudar a definir para quais pacientes a realização da
densitometria óssea e introdução de tratamento estariam indicadas.

Interação entre ferramentas

Tomando como base a recomendação de rastreamento de osteoporose da USPSTF, a


solicitação de densitometria óssea estaria indicada para todas as mulheres com RFM10 igual ou
maior do que 9,3% (LRN para o RFM10 calculado pelo FRAX® USA, para uma mulher
caucasiana de 65 anos de idade com IMC igual a 25 kg/m2 e sem fatores de risco para
osteoporose). Segundo critérios de intervenção terapêutica, porém, o tratamento
medicamentoso específico para essa mesma mulher só seria receitado quando o risco de fratura
igualasse ou ultrapassasse o LI, que é calculado em 18%.

Ao contrário do que gostaria a paciente Maria Clara, radiografias simples não são úteis para
mostrar se os ossos correm risco de quebrar com facilidade. Entretanto, o uso combinado de uma
calculadora de risco sensível (FRAX®) e, em casos selecionados, da densitometria óssea é uma
boa opção de rastreamento. Essa estratégia combinada leva, inclusive, a uma redução na
exposição à radiação ionizante da DEXA. É importante que toda essa informação seja
compartilhada com a paciente, antes de decidir fazer ou não o rastreamento e quais métodos
adotar para isso.

A mulher brasileira

Transpondo-se o mesmo cálculo para uma mulher brasileira de 65 anos de idade com IMC
de 25 kg/m2 e sem fatores de risco para osteoporose, o LRN do RFM10, calculado pelo
FRAX® Brasil, seria 3,5%. O tratamento da osteoporose estaria indicado se o risco igualasse ou
ultrapassasse o LI de 7,1%. Os limiares de risco e intervenção no Brasil são, portanto, bem
inferiores aos dos EUA. Além disso, o LRN estadunidense de 9,3%, que as mulheres
americanas atingem aos 65 anos, uma mulher brasileira só tende a alcançar por volta dos 80
anos de idade.
Desta forma, solicitar DEXA para mulheres brasileiras com idade igual ou superior a 65
anos seria uma estratégia inadequada, pois a prevalência de osteoporose no Brasil é menor, o
que diminui o valor preditivo positivo do exame. Em outras palavras, a DEXA seria indicada
para uma maioria de mulheres com baixo risco de fraturas, para quem nenhuma intervenção
seria necessária.

Questionário vs. exames

Estudos recentes têm observado que valores de sensibilidade do FRAX®, sem e com a
DMO, são muito semelhantes entre si, indicando que o algoritmo de cálculo do RFM10
levando em conta somente as informações clínicas apresenta uma estimativa bastante sensível
do risco, inclusive levemente superdimensionada em relação à sensibilidade alcançada com a
inclusão do valor da DMO. Dessa forma, parece razoável reservar a densitometria óssea, um
exame de maior especificidade e custo, apenas para casos duvidosos ou limítrofes assim
definidos pelo FRAX® Brasil sem DMO.
Fruto da experiência obtida após a introdução do FRAX® na prática clínica, publicações
atuais têm enfatizado que tanto o LRN quanto o LI variam com a idade. Com base nisso,
algumas diretrizes de rastreamento passaram a incluir a aplicação do FRAX® para cada
paciente como pré-requisito para a solicitação de DEXA. Entretanto, a maioria dessas diretrizes
estabelece que, uma vez que o RFM10 ultrapasse o LRN, a DEXA já estaria indicada.

Quando menos é mais

Na prática, isso representa solicitar o exame complementar desnecessariamente para um


grande contingente de mulheres com conhecido baixo risco de fratura. Exemplificando: uma
mulher brasileira de 65 anos de idade (LRN = 3,5% e LI = 7,1%), com IMC de 23 kg/m2 e sem
fatores de risco para osteoporose, tem um RFM10 calculado pelo FRAX® de 3,7%. Pelo
simples fato de seu RFM10 (3,7%) estar ligeiramente acima do LRN (3,5%), essa paciente já
seria candidata a DEXA. Isso parece exagerado, pois o seu RFM10 ainda está muito distante do
LI (7,1%), quando algum tratamento teria sentido. Baseado nos estudos disponíveis, é muito
improvável que a densitometria óssea obtida por DEXA mude significativamente a estimativa
de risco inicial, já suficientemente sensível.
O que se pretende com um rastreamento bem-feito é, também, evitar sobretestagem,
resultados falso-positivos, sobrediagnóstico e sobretratamento, sem prejuízo do tratamento
adequado, quando necessário. O rastreamento da osteoporose com o consórcio da DEXA deve
ganhar em custo-efetividade se o exame complementar for solicitado apenas quando o RFM10,
calculado pelo FRAX® sem DMO, estiver em torno do LI para a idade.
Portanto, propor que a avaliação de risco proporcionada pelo FRAX® anteceda a indicação
da DEXA e que o critério para a indicação desse exame, ao invés de fixo a partir de certa idade,
seja dinâmico baseado em valores de RFM10 ao redor dos LI estimados para cada idade,
adequa o rastreamento da osteoporose. O objetivo final dessa mudança estratégica é tornar o
check-up mais racional, reduzir seus prejuízos potenciais e reforçar seus benefícios, além de
preservar recursos humanos, materiais e financeiros.
A Figura 1 ilustra a situação na qual a faixa hachurada representa o intervalo do LI
estimado para cada idade, mais ou menos 20% desse valor. A indicação de DEXA para pessoas
cujo RFM10 esteja nesse intervalo direciona o rastreamento para quem tem alto risco de
fraturas e, logo, mais necessidade de tratamento.

SOBRE O TRATAMENTO E A PREVENÇÃO

Prevenção de quedas

No caso do risco de fraturas por osteoporose detectado por rastreamento, a prevenção tem
papel preponderante e pode ser conseguida por meio de medidas simples que ajudem a evitar
quedas. Sabe-se, aliás, que a maioria delas ocorre no próprio domicílio e pode ser prevenida
com, por exemplo: boa iluminação dos ambientes, pisos antiderrapantes, ausência de tapetes
escorregadios, passagens desimpedidas, barras de apoio nas paredes, vasos sanitários elevados,
calçados com solado de borracha, fortalecimento da musculatura esquelética.

FIGURA 1 Risco de fraturas por osteoporose de ossos maiores em 10 anos (RFM10): mulheres
brasileiras entre 40 e 90 anos de idade.

Medidas farmacológicas

Embora a evidência científica de que o rastreamento de osteoporose reduz fraturas seja


escassa, múltiplos estudos já demonstraram que vários tipos de medicamentos promovem essa
redução. Diversas propostas de diretrizes para tratamento da osteoporose estão disponíveis,
inclusive no Brasil, e podem ser adotadas. Segundo, por exemplo, a International Osteoporosis
Foundation (IOF) e European Society for Clinical and Economic Evaluation of Osteoporosis
and Osteoarthritis (ESCEO), após a confirmação do diagnóstico pré-clínico por meio do
FRAX® e, se necessário, da DEXA, a classificação didática do risco de fraturas e a respectiva
sugestão de condutas seriam:
1. RFM10 baixo (abaixo do LI): otimizar o aporte de cálcio e vitamina D; exercícios físicos
apropriados; considerar terapia de reposição hormonal ou modulador seletivo de receptor
de estrógeno.
2. RFM10 alto (entre LI e LI+20%): otimizar o aporte de cálcio e vitamina D; exercícios
físicos apropriados e medidas para prevenção de quedas; considerar bifosfonato, oral ou
injetável,1 ou outro inibidor de reabsorção óssea.
3. RFM10 muito alto (acima do LI+20%): otimizar o aporte de cálcio e vitamina D;
exercícios físicos apropriados e medidas para prevenção de quedas; considerar agente
anabólico seguido de inibidor de reabsorção óssea ou recuperação óssea local.

Essa proposta representa uma forma pertinente de abordagem do problema de acordo com a
gravidade do risco. Cada caso deve ser analisado individualmente, uma vez que cada
medicamento tem seus benefícios, mas, também, efeitos colaterais, que devem ser ponderados
no momento da prescrição. As preferências dos pacientes também devem ser levadas em
consideração na decisão de como tratar.
A análise sistemática das evidências científicas disponíveis sobre o rastreamento de
osteoporose visando a prevenção de fraturas revela que os benefícios desse check-up superam
os riscos potenciais para mulheres, principalmente aquelas com idade acima de 65 anos. Os
estudos disponíveis ainda são insuficientes para se determinar o balanço entre riscos e
benefícios do rastreamento para homens de qualquer idade.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Osteoporosis to prevent fractures: Screening
(2018). https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/osteoporosis-
screening#bootstrap-panel--4. Acesso: Junho de 2021.
2. Viswanathan M, Reddy S, Berkman N, et al. Screening to prevent osteoporotic fractures: updated evidence
report and systematic review for the US Preventive Services Task Force [published June 26, 2018]. JAMA.
doi:10.1001/jama.2018.6537.
3. Zerbini CAF, Szejnfeld VL, Albergaria BH, McCloskey EV, Johansson H, Kanis JA. Incidence of hip fracture
in Brazil and the development of a FRAX model. Arch Osteoporos. 2015;10:28.
4. Kanis JA, Harvey NC, McCloskey E, Bruyère O, Veronese N, Lorentzon M, et al. Reginster. Algorithm for
the management of patients at low, high and very high risk of osteoporotic fractures. Osteoporosis
International (published on-line, 2019). https://doi.org/10.1007/s00198-019-05176-3.
5. Radominski SC, Wanderley B, Paula AP, Albergaria B-H, Caio M, Fernandes CE, et al. Diretrizes brasileiras
para o diagnóstico e tratamento da osteoporose em mulheres na pós-menopausa. Rev Bras Reumatol.
[Internet]. 2017[cited 2020 Sep 04];57(Suppl 2):s452-s466.
6. Zerbini CAF. FRAX Modelo Brasil: um texto clínico explicativo sobre limiares para intervenção terapêutica.
Diagn Tratamento. 2019;24(2):41-9.
2.21
Sífilis

PONTOS-CHAVE

A prevalência crescente, a associação com outras infecções sexualmente transmissíveis (IST),


os longos períodos assintomáticos ou de latência e a alta morbidade fazem da sífilis um alvo
preferencial do rastreamento.
Testes não treponêmicos – TNT (p.ex., VDRL) e treponêmicos – TT (p.ex., FTA-Abs, ELISA)
apresentam boa acurácia para o diagnóstico da sífilis em todas as fases de evolução.
O Ministério da Saúde do Brasil propõe vários fluxogramas de decisão para o diagnóstico
laboratorial de sífilis com TT e TNT, incluindo testes rápidos, em combinações variáveis.
Mesmo depois de 100 anos da sua descoberta e uso clínico, a penicilina continua sendo o
tratamento de escolha para a maioria das formas de apresentação da sífilis.
Existe evidência convincente de que a antibioticoterapia cura sífilis, previne a evolução para
formas mais tardias e agressivas e interrompe a sua cadeia de transmissão.

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear sífilis em homens e mulheres entre 18 e 75 anos de idade, assintomáticos, mas com
moderado ou alto risco de infecção por Treponema pallidum, conforme fatores expostos na
Tabela 1.
Utilizar, como método de rastreamento, um TT (rápido, FTA-Abs, ELISA) e um TNT (VDRL ou
outro), os que estiverem mais disponíveis e acessíveis.
Se houver discordância de resultados entre o TT e o TNT, aprofundar a investigação clínica, se
necessário, com apoio de especialista.
No caso de rastreamento com TT e TNT negativos, fornecer orientação preventiva e rerrastrear
de acordo com o grau de risco estimado, uso de PrEP e idade.
No caso de rastreamento com TT e TNT positivos para sífilis, tratar e alertar sobre a
necessidade de rastreamento dos eventuais contactantes.

RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES


O CDC e o American College of Obstetricians and Gynecologists recomendam rastrear, pelo
menos anualmente: HSH, pessoas vivendo com HIV, pessoas que vivem em instituições
carcerárias ou correcionais.
A HIV Medicine Association recomenda que todos os pacientes vivendo com HIV sejam
rastreados no atendimento inicial e depois periodicamente, de acordo com o risco de
contaminação.

Antonia tem 39 anos. É dona de casa, casada há 20 anos e religiosa praticante. Procurou o
médico porque, recentemente, tem apresentado algumas bolhinhas na região genital, que
começam coçando muito, depois doem e, com o tempo, desaparecem (sic). Ao longo da sua vida
só manteve relações sexuais com o marido. Após examinar, a ginecologista disse que era uma
infecção pelo vírus do herpes, receitou-lhe um antiviral e solicitou exames para HIV e sífilis. Sem
ter nenhum outro sintoma, Antonia saiu da consulta assustada, sem entender direito por que
precisava daqueles exames.

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

Epidemiologia

A sífilis é uma doença infecciosa exclusiva de seres humanos que, caso não identificada e
adequadamente tratada, pode evoluir ao longo de anos, chegando a causar sequelas graves
irreversíveis. A história natural da doença alterna períodos de sinais e sintomas que variam
conforme o estágio evolutivo (primário, secundário e terciário), com períodos assintomáticos
ou latentes. Estima-se que cerca de 35% das formas não tratadas da sífilis evoluam para a cura
espontânea, 35% permaneçam em estado de latência por toda a vida e os 30% restantes
progridam para sífilis terciária. Os meios mais comuns de transmissão são a sexual e a vertical.
A OMS estimou que existiam cerca de 6,3 milhões de casos de sífilis curáveis no mundo
em 2016, cuja prevalência média entre países girava em torno de 0,5% (0,1% a 1,6%,
dependendo da região). No Brasil, a sífilis adquirida teve sua taxa de detecção aumentada de
2,1 casos por 100.000 habitantes, em 2010, para 72,8 casos por 100.000 habitantes, em 2019
(uma ligeira queda na detecção verificada entre 2018 e 2019 reverteu uma tendência de alta
progressiva na última década). A relação de casos notificados de sífilis adquirida entre homens
e mulheres é de 7 para 10, respectivamente, e permanece inalterada desde 2014. De forma
geral, a faixa etária mais acometida é de 20 a 30 anos, seguida pelo grupo de 30 a 40 anos.
Os fatores de risco das IST mais envolvidos na transmissão da sífilis estão elencados na
Tabela 1. Existe uma forte associação epidemiológica entre sífilis e a infecção por HIV. Além
da forma de transmissão sexual comum, as lesões sifilíticas podem facilitar a entrada do HIV
no organismo e a presença do Treponema pallidum pode acelerar a evolução da infecção do
HIV para AIDS e colaborar, indiretamente, para o aumento da mortalidade. Além disso, no
caso específico da sífilis congênita, são altas as taxas de morbidade e mortalidade, podendo
chegar a 40% a taxa de abortamento, óbito fetal e morte neonatal.
As características clínicas da sífilis, com sua evolução crônica e períodos prolongados sem
sintomas ou em latência, a incidência crescente, a prevalência, a associação a outras IST e o
tratamento efetivo e de baixo custo para o sistema de saúde a transformam em um alvo
preferencial do rastreamento.

TABELA 1 Fatores que elevam o risco para a sífilis

1. Sexo entre homens (HSH)

2. HIV positivo

3. Pessoas em uso de PrEP

4. Profissionais de sexo

5. Outra IST diagnosticada ou suspeita

6. Encarceramento atual ou no passado

7. Ter menos de 30 anos de idade.

Risco alto: exposição frequente e/ou intensa a situações de risco decorrentes das acima citadas, sem proteção
ou sob efeito de álcool ou drogas, em qualquer faixa de idade.
Risco moderado: idade ≥ 30 anos com exposição controlada a situações de risco decorrentes das acima
citadas ou todos com idade < 30 anos, sexualmente ativos sem risco alto.

No caso da Antonia, o diagnóstico da doença herpética, certamente adquirida por contato sexual
dentro do matrimônio, acende uma luz amarela para a possibilidade de seu marido ter-lhe
transmitido outras IST. A médica assistente poderia ter alertado para essa possibilidade,
explicado a necessidade dos exames e decidido em comum acordo com a paciente sobre a sua
realização. Isso tende a diminuir a resistência e a aumentar a adesão ao rastreamento.

SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO

Quem deve rastrear?

A realização e a repetição dos exames de rastreamento dependem do grau de exposição aos


fatores de risco da Tabela 1 e situações especiais. Em geral, recomenda-se:

A. Paciente com menos de 30 anos ou em risco moderado para a infecção, repetir testes a
cada 12 meses;
B. Paciente em risco alto, repetir a cada 6 meses;
C. Paciente HSH em uso de PrEP, repetir os exames de 3 em 3 meses.

Todos deve receber orientação preventiva, como o uso de preservativo em todas as relações
sexuais.

Confirmação diagnóstica

Vários testes laboratoriais estão disponíveis para o diagnóstico de sífilis tanto nas fases de
manifestação clínica quanto nos períodos assintomáticos ou latentes. Para fins de rastreio, os
testes laboratoriais úteis são aqueles que detectam anticorpos presentes no sangue de pacientes
assintomáticos ou sem sinais clínicos de doença ativa.
Em média, anticorpos contra a bactéria causadora da sífilis começam a aparecer no sangue
em torno de 15 a 20 dias após o surgimento da lesão primária (cancro) e podem perdurar por
anos, a depender da evolução natural e de tratamento. O Treponema pallidum promove o
aparecimento de dois tipos de anticorpos humanos: as reaginas (anticorpos inespecíficos IgM e
IgG contra cardiolipina), quantificadas nos testes não treponêmicos (TNT), e os anticorpos
específicos, dos testes treponêmicos (TT).
Os TNT usam a técnica de floculação para detectar a presença de anticorpos
anticardiolipina no plasma ou soro inativado. São TNT: VDRL (Venereal Disease Research
Laboratory), o mais usado, RPR (Rapid Test Reagin), USR (Unheated-Serum Reagin) e
TRUST (Toluidine Red Unheated Serum Test). Os anticorpos detectados são produzidos contra
a cardiolipina das células destruídas por ação das bactérias.
Estes testes são qualiquantitativos e apresentam sensibilidade que varia com o estágio de
evolução da sífilis: em média, 80% e 70%, nas fases primária e terciária, e 90% e 80%, na
secundária e latente. A partir da latente tardia e terciária o TNT tende a apresentar título muito
baixo ou negativo, independente de tratamento. A especificidade é estável e gira ao redor de
98%. Resultados falso-positivos podem ocorrer em casos de: idosos, portadores de doenças
autoimunes (lúpus eritematoso sistêmico e síndrome antifosfolipídica), malária, hanseníase,
hepatites, portadores de HIV, usuários de drogas, outras infecções bacterianas, vacinações e
gravidez. O risco de falso-positivos aumenta em pessoas que não estejam em situação de alto
risco para sífilis.
Os TT, por sua vez, detectam anticorpos específicos IgG e IgM contra antígenos do T.
pallidum. São especialmente úteis na sífilis tardia e latente, quando a sensibilidade dos TNT
declina. Permanecem reagentes durante toda a vida em aproximadamente 85% dos casos de
sífilis, independente de tratamento, e, portanto, não se prestam a acompanhar a eficácia da
terapia. De modo geral, os TT apresentam sensibilidade e especificidade altas, entre 98% e
100%, inclusive nas fases latentes, aquelas em que mais interessa rastrear.
Os TT mais usuais são o FTA-Abs (Fluorescent Treponemal Antibody Absortion) e os
testes imunoenzimáticos, incluindo ELISA (Enzyme-Linked Immunosorbent Assay),
quimioluminescência e eletroquimioluminescência, além dos testes de hemaglutinação (TPHA
– T. pallidum Haemagglutination Test), de aglutinação de partículas (TPPA – T. pallidum
particle agglutination assay) e de micro-hemaglutinação (MHA-TP – micro-haemagglutination
assay T. pallidum).
A Figura 1 ilustra a correlação dos TNT e TT com a história natural da sífilis não tratada.
Conforme se pode observar, os títulos de TNT podem decair ao longo do tempo, mesmo em
casos de infecção ativa. É importante destacar também que após tratamento adequado, espera-
se queda de, no mínimo, quatro títulos nos TNT, sendo a sua elevação subsequente um forte
indicativo de nova infecção por sífilis.
FIGURA 1 Desempenho dos testes laboratoriais associados a cada fase da sífilis não tratada. Fonte:
modificado de Brasil, 2006.

Mais recentemente, foram introduzidos os TT rápidos (TTR), usando imunocromatografia


de fluxo (ICF) ou de duplo percurso (ICDP). Os TTR já são distribuídos pelo Ministério da
Saúde (MS) em todo o território brasileiro. Eles podem ser obtidos em gota de sangue coletada
por punção digital, permitindo que o resultado fique disponível em 30 minutos, na presença
do(a) paciente, em unidades de saúde ou farmácias. A sensibilidade e a especificidade destes
testes variam, ambas, de 93% a 95%.
O MS propõe vários possíveis algoritmos com fluxogramas de decisão para o diagnóstico
laboratorial de sífilis com diferentes encadeamentos dos testes (sequência tradicional ou
reversa)1, por meio da solicitação progressiva e análise dos resultados de TT e TNT, em
combinações variáveis.
Os TTR, ainda segundo o MS, são indicados como opção para as situações de rastreamento,
principalmente em regiões mais carentes em recursos laboratoriais, casos emergenciais e em
pessoas expostas aos fatores de risco que elevam a chance de adquirir sífilis. Logo, o uso de
TTR para essa IST vai ao encontro da lógica básica do rastreamento em massa de qualquer
doença ou problema de saúde, que prevê que o método adotado, sempre que possível, seja
acurado, simples, barato, reprodutível, de fácil acesso e aceitação por parte do público-alvo.

Antonia tem, portanto, diversas estratégias de rastreamento à sua disposição, capazes de


diagnosticar a sífilis fora dos períodos clínicos (primária, secundária ou terciária) com boa
sensibilidade e especificidade. Nas condições epidêmicas da sífilis, no Brasil, parece pertinente
iniciar o seu rastreamento por um TTR, disponível no SUS, e pelo VDRL.

SOBRE O TRATAMENTO E A PREVENÇÃO

Objetivos do tratamento

Dentre outras curiosidades históricas da sífilis, o T. pallidum foi uma das primeiras
bactérias a se mostrar sensível à penicilina, antibiótico pioneiro descoberto no início do século
XX. Ao contrário do que em geral ocorre na relação entre bactérias e antibióticos, com os
microrganismos se tornando resistentes aos agentes químicos, a sensibilidade do treponema
permanece praticamente a mesma, passados quase 100 anos. Mesmo antibióticos mais recentes
(doxiciclina e ceftriaxona), apesar de eficazes, não se mostraram superiores à penicilina.
As diretrizes terapêuticas atuais preconizadas pelo MS para o tratamento de sífilis,
incluindo as formas latentes, precoce e tardia, são reproduzidas sumariamente a seguir:

1. Sífilis primária, secundária e latente recente (com menos de dois anos de evolução):
– Benzilpenicilina benzatina 2,4 milhões UI, IM, dose única (1,2 milhão UI em cada
glúteo).
– Alternativa: doxiciclina 100 mg, 12/12h, VO, por 15 dias.

2. Sífilis latente tardia (com mais de dois anos de evolução) ou latente com duração
ignorada e sífilis terciária:
– Benzilpenicilina benzatina 2,4 milhões UI, IM, semanal (1,2 milhão UI em cada glúteo)
por 3 semanas. Dose total: 7,2 milhões UI, IM.
– Alternativa: doxiciclina 100 mg, 12/12h, VO, por 30 dias.

Não é objeto deste texto a abordagem diagnóstica e terapêutica dos casos de neurossífilis e
sífilis na gestação ou congênita, por se tratar de assuntos que necessitam de avaliação de
especialistas.
A experiência com o tratamento da sífilis remonta a muitas décadas. A sua eficácia já está,
portanto, suficientemente comprovada. Os possíveis efeitos adversos graves para a saúde são
muito raros. A probabilidade de ocorrência de reação anafilática à benzilpenicilina benzatina,
por exemplo, que é um receio comum entre profissionais de saúde, é de 0,002%, ou seja, de 2
casos a cada 100.000 tratamentos. De modo geral, o principal inconveniente é a dor no local de
injeção intramuscular, que pode ser evitada pela aplicação prévia de anestésico local.
Em resumo, existe suficiente e convincente evidência de que o tratamento antibiótico traga
benefícios substanciais a pessoas portadoras de sífilis. A cura desta IST previne a evolução
para manifestações clínicas mais tardias e agressivas e interrompe a sua cadeia de transmissão.
Os riscos do rastreamento são mínimos, sendo os mais comuns a ansiedade e a estigmatização,
que podem ocorrer em consequência de infrequentes resultados falso-positivos.

Há boas chances de que o rastreamento de sífilis resulte em benefícios para Antonia. Se ele se
mostrar negativo, será certamente um alívio. Caso contrário, apesar do desgaste psicossocial
possível, o tratamento a ser introduzido deverá resultar em cura. Lembra-se que, em qualquer
situação, é importante que o marido da paciente também seja solicitado a rastrear essa e outras
IST.
AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a colaboração do Prof. Dr. Olavo Henrique Munhoz Leite pela
cuidadosa leitura do texto e sugestão de melhorias, e do Dr. Guilherme de Abreu Pereira pela
revisão bibliográfica inicial do assunto.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. Cantor AG, Pappas M, Daeges M, Nelson HD. Screening for syphilis: updated evidence report and
systematic review for the US Preventive Services Task Force. JAMA. doi:10.1001/jama.2016.4114.
2. US Preventive Services Task Force (USPSTF). Screening for syphilis infection in nonpregnant adults and
adolescents: US Preventive Services Task Force Recommendation Statement. JAMA. 2016;315(21):2321-7.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância da Saúde. Sífilis 2020. Boletim Epidemiológico.
Número especial, Out. 2020.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual técnico para diagnóstico da sífilis.
Brasília: Ministério da Saúde; 2016.
5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para
atenção integral às pessoas com infecções sexualmente transmissíveis (IST). Brasília: Ministério da Saúde;
2018.
2.22
Sobrepeso e obesidade

PONTOS-CHAVE

A OMS estima em 2,4 bilhões o número de obesos no mundo e os gastos anuais com doenças
e perda de produtividade, causadas ou agravadas pela obesidade, em aproximadamente US$ 2
trilhões (cerca de 2 a 8% do PIB anual mundial).
Métodos de alta tecnologia, em que pesem a sua disponibilidade e alta acurácia, não são
adequados para rastreamento de sobrepeso e obesidade; para isso, medidas simples de peso,
altura e circunferência abdominal são mais efetivas.
Intervenções comportamentais (estímulo à atividade física e alimentação saudável), que
resultem em perda ponderal de 5% a 10% do peso inicial, são medidas capazes de reduzir a
morbidade associada ao sobrepeso e à obesidade.
As opções de intervenção e tratamento para sobrepeso e obesidade incluem: aconselhamento
comportamental, individual ou coletivo, tratamento clínico, ambulatorial ou em clínica
especializada, e cirurgia bariátrica (ou metabólica).

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear sobrepeso e obesidade em adultos, entre 18 e 75 anos de idade, da população geral.


Calcular o índice de massa corpórea (IMC) e medir a circunferência abdominal (CA) como
métodos de rastreamento de escolha.
Oferecer informações sobre os riscos do acúmulo de gordura corporal e aconselhamento de
estímulo à atividade física regular e alimentação saudável para todos que forem rastreados nas
faixas de sobrepeso ou obesidade.
Aconselhar indivíduos com IMC > 40 kg/m2, ou entre 35 e 39,9 kg/m2 com comorbidades
associadas à obesidade, a iniciar tratamento adequado para perder peso e, se necessário,
encaminhá-los a especialistas.

RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES


A American Association of Clinical Endocrinologists, o American College of Endocrinology e o
National Institute for Health and Care Excellence recomendam não medir a circunferência
abdominal quando o IMC for acima de 35.
A USPSTF recomenda rastrear a obesidade em adolescentes e encaminhá-los para
intervenções comportamentais intensivas a fim de melhorar o peso.

Lúcia é uma jovem atriz de 25 anos que precisa de um atestado médico para poder iniciar os
ensaios diários de uma peça de teatro. A produção deve envolver grande esforço físico do elenco
por vários meses. Ao médico, ela nega qualquer sintoma, mas refere que seus pais e o irmão
mais velho são obesos, hipertensos e diabéticos. Ao exame, ela apresenta 77 kg de peso, 1,60 m
de altura, 92 cm de circunferência abdominal e uma adiposidade homogeneamente distribuída
pelo corpo.

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

Conceituando aumento de peso

Sobrepeso e obesidade1 designam um acúmulo desproporcional de gordura em relação à


massa magra do organismo e não, simplesmente, uma relação desigual entre peso (massa) e
altura. Resultam do desequilíbrio entre consumo e gasto energético, a favor do primeiro. As
causas do desequilíbrio envolvem interações nutricionais, hormonais, neuropsíquicas, genéticas
e ambientais, que definem o mecanismo regulatório entre fome e saciedade, com significativa
variabilidade intra e interindividual.

Prevalência mundial

Entre 1980 e 2008, a prevalência de obesidade, no mundo, saltou de 13% a 24%. Em 2019,
a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou em 2,4 bilhões o número de pessoas obesas
no planeta. O gasto anual estimado da obesidade, relacionado a custos diretos com saúde-
doença e perda (indireta) de produtividade, é de cerca de 2 trilhões de dólares. Isso equivale a
2-8% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, equivalendo, grosseiramente, ao que se gasta
com as repercussões do tabagismo, violência armada e guerras.

Prevalência no Brasil

No Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dados de 2019


mostravam a prevalência de sobrepeso na população adulta brasileira em 61,7%. Os obesos
com mais de 18 anos contavam 25,9%, ou seja, cerca de 41 milhões de adultos. A proporção de
obesos entre pessoas de 18 e 24 anos era de cerca de 30%-35%, porém chegava a 70%, entre
40 e 59 anos de idade. Tanto o sobrepeso quanto a obesidade têm uma tendência de
crescimento com a idade até os 60 anos, a partir de quando o acúmulo de gordura começa a
declinar.
Aumento de peso como fator de risco

O sobrepeso e a obesidade são considerados fatores de risco para um conjunto de alterações


fisiopatológicas e entidades mórbidas, dentre elas: resistência periférica à insulina, DM2,
dislipidemia mista, hipertensão arterial sistêmica, disfunção cardíaca, acúmulo de gordura
hepática não alcoólica, apneia obstrutiva do sono (AOS), além de doenças vasculares
periféricas, cardíacas e encefálicas, e alguns cânceres. Indiretamente, portanto, o acúmulo de
gordura no organismo está relacionado com maior morbimortalidade.2

Viver mais e melhor

Além disso, sobrepeso e obesidade são associados a menor qualidade de vida devido a
estigma social, rotulagem, possibilidade de discriminação laboral e mobilidade reduzida. O
rastreamento teria, portanto, a finalidade de interromper, controlar ou reverter o acúmulo de
gordura no organismo, proporcionar um ganho de qualidade de vida através da promoção da
saúde e prevenir doenças incapacitantes e morte prematura.
A detecção precoce do acúmulo de gordura corporal em níveis logo acima dos seus valores
de referência normais (sobrepeso inicial) permite que intervenções possam ser aconselhadas e
adotadas, em fases preliminares, antes que sejam atingidas situações avançadas ou que doenças
já tenham se manifestado clinicamente.

SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO

Como medir a gordura corpórea

A estimativa do percentual de gordura corporal, assim como a quantidade de água e de


músculo (massa magra), pode ser feita através de vários métodos, mais ou menos sofisticados,
como: medida de pregas cutâneas, impedância bioelétrica, absorção de raios-X de dupla
energia (DEXA), tomografia computadorizada e ressonância magnética. Exceto pela primeira,
que falha pela baixa sensibilidade e difícil padronização técnica, todos os outros métodos
quantitativos citados envolvem tecnologia complexa, cara, sendo, desta forma, reservados para
estudos científicos ou casos especiais nos quais há interesse em medidas muito acuradas da
gordura corporal.
Na prática clínica de adultos, principalmente em nível de atenção primária, os métodos
mais simples, rápidos e acessíveis a serem considerados para rastreamento são: o cálculo do
índice de massa corpórea (IMC), a medida da circunferência abdominal, o cálculo da relação
cintura-quadril e outras medidas corporais complementares.
O IMC é calculado pela fórmula: IMC = peso (kg)/altura2 (m2). Trata-se do método mais
largamente utilizado para estimar o acúmulo de gordura no corpo. Embora tenha boa
sensibilidade, o IMC perde em especificidade, pois o descompasso entre o peso e a altura pode
indicar excesso de peso, mas não distingue se isso ocorre por acúmulo de gordura, água ou
massa muscular, o que pode gerar situações de falso-positividade. O IMC também não é um
preditor muito preciso de doenças cardiovasculares, como outros indicadores mais específicos
do acúmulo de gordura visceral.
As suas vantagens no rastreamento, todavia, são significativas, pois trata-se de um método
simples, rápido, barato, que pode ser repetido facilmente, inclusive pelos próprios pacientes, ao
longo do tempo. O IMC tem sido adotado, sistematicamente, nos estudos científicos como
indicador geral de sobrepeso e obesidade, uma vez que o acúmulo de gordura é o seu fator
determinante mais comum. O acúmulo de água e a hipertrofia de músculos, por outro lado,
tendem a ocorrer em situações mais específicas (doenças com retenção hídrica, uso de
anabolizantes musculares etc.).

Classificação do índice de massa corpórea

A Tabela 1 indica os níveis de referência de peso, usando o IMC, sugeridos pela


Organização Mundial da Saúde (OMS) e repercutidos pelo Ministério da Saúde, no Brasil.

TABELA 1 Níveis de referência de peso, usando o IMC (OMS e Brasil)

IMC (kg/m2) Classificação


< 18,5 Baixo peso

18,5 a 24,9 Peso normal

25,0 a 29,9 Sobrepeso ou pré-obeso

30,0 a 34,9 Obesidade grau 1

35,0 a 39,9 Obesidade grau 2

≥ 40 Obesidade grau 3 (grave ou extrema)

Como medir a circunferência abdominal

As evidências científicas têm indicado que a circunferência abdominal (CA) talvez seja o
indicador de adiposidade intra-abdominal e corporal total que melhor se relaciona com as
alterações metabólicas e comorbidades que podem comprometer a saúde. A OMS recomenda
medir o maior perímetro abdominal entre a última costela e a espinha ilíaca anterossuperior.3 A
I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica, entretanto,
recomenda medir no ponto médio entre a última costela e a espinha ilíaca anterossuperior.
Tal método também é sugerido na Norma Técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e
Nutricional do Ministério da Saúde sobre as orientações para a coleta e análise dos dados
antropométricos em serviços de saúde, no qual o mesmo é descrito em seis passos:

1º passo: A pessoa deve estar de pé, ereta, abdome relaxado, braços estendidos ao longo do corpo e as
pernas paralelas, ligeiramente separadas.
2º passo: A roupa deve ser afastada, de forma que a região da cintura fique despida. A medida não deve
ser feita sobre a roupa ou cinto.
3º passo: O antropometrista deve realizar uma marcação pequena a caneta no ponto médio entre a borda
inferior da última costela e o osso do quadril (crista ilíaca), visualizado na frente da pessoa, do lado
direito ou esquerdo.
4º passo: O antropometrista deve segurar o ponto zero da fita métrica com uma mão e com a outra passar
a fita ao redor da cintura sobre a marcação realizada.
5º passo: Deve-se verificar se a fita está no mesmo nível em todas as partes da cintura; não deve ficar
larga, nem apertada.
6º passo: Pedir à pessoa que inspire e, em seguida, que expire totalmente. Realizar a leitura IMEDIATA
antes que a pessoa inspire novamente.

A discordância entre as duas medidas de obesidade, IMC e CA, foi descrita em crianças e
jovens brasileiros: 5,8% dos meninos não obesos, conforme o IMC, apresentaram CA
aumentada, enquanto 10,6% dos meninos com o IMC na faixa de obesidade não seriam assim
classificados pela medida da CA. Segundo outro estudo, em adultos, a prevalência de
obesidade central foi maior do que a de obesidade definida pelo IMC (36% vs. 22,9%). Em
idosos, embora a frequência de obesidade pelo IMC fosse semelhante entre homens e mulheres,
a obesidade por CA foi cerca de 2 vezes mais elevada em mulheres. Tudo isso aponta para a
necessidade do uso concomitante de IMC e CA no rastreamento da obesidade.
Os níveis de adiposidade para homens e mulheres definidos pela CA estão descritos na
Tabela 2. As alterações metabólicas de maior relevância clínica ocorrem com níveis de
adiposidade classificados como “alto” ou “muito alto”.

TABELA 2 Nível de adiposidade por valores de circunferência abdominal (CA)

Nível de adiposidade CA (cm) – Mulheres CA (cm) – Homens


Normal ≤ 80 ≤ 90

Médio 81 a 83 91 a 93

Alto 84 a 88 94 a 102

Muito alto > 88 > 102

A relação cintura-quadril (RCQ) já foi considerada, no passado, o melhor indicador de


adiposidade abdominal, mas os estudos recentes não revelam vantagens significativas em
relação à CA isolada. Para ser calculada a RCQ, a medida da cintura pode ser feita por
qualquer dos métodos descritos e a medida da circunferência do quadril, no nível dos
trocânteres femorais maiores, ou seja, no seu maior diâmetro possível. De modo geral, a RCQ é
considerada alterada se maior do que 1, para homens, e maior do que 0,85, para mulheres.
Outras medidas de circunferências corporais podem ser usadas, mas apenas em situações
específicas, pois não há evidência de vantagens sobre o IMC e a CA como métodos principais
de rastreamento. São elas, a circunferência braquial e da panturrilha (marcadores de
desnutrição e sarcopenia em idosos), a crural (medida logo abaixo da prega glútea tem boa
correlação com IMC e adiposidade periférica total) e a cervical (de interesse em caso de AOS).

O IMC de Lúcia foi calculado em 30,07 kg/m2, o que a coloca no início da faixa de obesidade grau
1. A CA de 92 cm indica um acúmulo muito alto de gordura no abdome, que pode vir a
representar maior risco de doença cardiovascular, no futuro. Por ser jovem, a sua condição geral
de saúde atual deve ser boa e a atividade física que vai exercer nos próximos meses ajudará a
controlar seu peso. Mas é importante não esquecer de enfatizar os benefícios da alimentação
saudável, também.

Medir sempre

Os impactos positivos do rastreamento devem ser mais evidentes se o diagnóstico for feito
antes que complicações clínicas estejam presentes (ainda em nível de sobrepeso),
principalmente em pessoas mais jovens e mais motivadas a fazer do controle do peso uma
prioridade da sua saúde. Os riscos, que incluem o diagnóstico de falso-positivos e a
estigmatização social, desde que adequadamente abordados por profissionais de saúde
devidamente capacitados, são pequenos e não se contrapõem, em relevância, aos benefícios
esperados do rastreamento.

SOBRE O TRATAMENTO E A PREVENÇÃO

Mudanças de hábitos: atividades físicas e alimentação


O rastreamento positivo do sobrepeso ou da obesidade implica em intervenções que variam
do aconselhamento ao tratamento cirúrgico, passando por intervenções multidisciplinares
isoladas ou combinadas, individuais ou coletivas, que podem incluir, também, tratamentos
medicamentosos, ambulatoriais ou em clínicas especializadas em emagrecimento.
Pensando na rede de atenção primária à saúde, o primeiro passo de intervenção é o
aconselhamento para adoção de atividades físicas diárias e rotinas de alimentação saudável, ou
seja, ações de promoção da saúde e prevenção primária. Essas ações, que fazem parte das
prioridades das unidades básicas de saúde (UBS), podem ser tomadas em nível individual,
paciente a paciente, ou coletivamente, na forma, por exemplo, de grupos de caminhada ou
“oficinas” de cozinha saudável.
O aconselhamento individual pode seguir os modelos nos quais se propõe o uso de
entrevistas motivacionais, identificação dos estágios de prontidão para mudanças
comportamentais (modelo transteórico), terapia cognitivo-comportamental, método PANPA
(Pergunte – Aconselhe – Negocie – Prepare – Acompanhe).
As barreiras à adoção de práticas físicas e mudanças alimentares são enfrentadas
valorizando-se os facilitadores. Por exemplo, em caso de sedentarismo, estimular o exercício
que: dê mais prazer; não implique em custos com mensalidades, roupas ou equipamentos
especiais; não fique restrito a horário predeterminado ou local fixo; possa ser feito ao ar livre
ou em casa, com a pessoa sozinha ou, se preferir, com companhia etc.
Em termos de alimentação saudável, em geral, a orientação especializada fornecida por
nutricionistas tende a ser mais eficaz na indução de mudanças comportamentais. Porém,
profissionais de atenção primária podem tentar orientações gerais como o aconselhamento de
uma alimentação baseada em frutas, verduras, legumes, grãos, carnes brancas e magras, com
restrição ao excesso de carboidratos (simples e complexos), gorduras saturadas e álcool.

A abordagem para uma alimentação saudável talvez seja o ponto de impacto na saúde mais
importante da consulta de Lúcia, embora ela tenha vindo apenas pedir um atestado. Perguntar
detalhes sobre o seu hábito alimentar, aconselhar o que é saudável e nutritivo, negociar dietas
saborosas sem muitas calorias, já são uma intervenção por si só. Junto com a atividade física,
essas atitudes podem ajudá-la a melhorar o seu nível de saúde. Isso importa, mesmo que ela
decida que perder peso não é uma prioridade, que se sinta bem como está e que prefira
continuar assim.

O guia alimentar

O Brasil é um dos poucos países do mundo a ter desenvolvido um guia alimentar que
promove dietas ambientalmente sustentáveis, com padrões alimentares seguros, de boa
qualidade, que valorizam a saúde humana e o bem-estar, a equidade social e que respaldam os
desafios às mudanças climáticas. O Guia Alimentar para a População Brasileira (2014), cujos
principais pontos de interesse para uma alimentação saudável são resumidos no Quadro 1,
contém informações e dados que podem ajudar na abordagem preventiva do sobrepeso e da
obesidade.

QUADRO 1 Dez passos para uma alimentação adequada saudável

1. Fazer de alimentos in natura, ou minimamente processados, a base da alimentação.

2. Utilizar óleos, gorduras, sal e açúcar em pequenas quantidades.

3. Limitar o consumo de alimentos processados.


4. Evitar o consumo de alimentos ultraprocessados.

5. Comer com regularidade e atenção, em ambiente apropriado e, se possível, com companhia.

6. Comprar onde se oferecem variedades de alimentos in natura ou minimamente processados.

7. Desenvolver, exercitar e partilhar habilidades culinárias.

8. Planejar o uso do tempo para dar à alimentação e às refeições o espaço que elas merecem.

9. Dar preferência, quando fora de casa, a locais que servem refeições feitas na hora.

10. Ser crítico de informações, orientações e mensagens da mídia geral sobre alimentação.

Fonte: adaptado do Guia Alimentar para a População Brasileira, 2014.

Quanto de atividade física?

Visando à perda de peso, espera-se que o balanço energético (diferença entre o consumo e o
gasto calórico) seja negativo, o que pode ser alcançado por meio de uma dieta efetiva e
atividade física regular. Por dieta efetiva, entende-se qualquer conjunto de alimentos de baixo
conteúdo calórico total, independente da sua composição. Atividade física regular representa,
no mínimo, 150 a 250 minutos de exercícios aeróbios, de intensidade pelo menos moderada,
executados com regularidade e divididos ao longo da semana. Acredita-se que a redução de 5%
a 10% do peso inicial já implica em redução do risco de morbidade associada ao sobrepeso e à
obesidade.

Tratamento farmacológico

Os passos seguintes no tratamento do sobrepeso avançado e da obesidade envolvem o uso


de medicamentos, como sibutramina, fenproporex, mazindol, anfepramona,4 topiramato,5
orlistate e, mais recentemente, liraglutide e semaglutide. Antidepressivos inibidores de
recaptação de serotonina podem ser prescritos como adjuvantes. Nenhum desses medicamentos
cura a obesidade, a sua eficácia depende do grau de aderência do paciente ao uso contínuo,
todos necessitam de supervisão médica e a sua adoção só se justifica concomitantemente às
práticas de promoção da saúde já apresentadas.
Os medicamentos indicados possuem efeitos colaterais que devem ser pesados diante dos
resultados que deles se esperam. Cada tratamento deve ser individualizado e decidido em
conjunto entre médica(o) e paciente que, expondo seus objetivos, preferências e receios
pessoais, pode ajudar na escolha. De modo geral, quando a perda de peso é satisfatória, os
possíveis danos devidos a efeitos colaterais acabam sobrepostos pelos benefícios à saúde como,
por exemplo, prevenção ou melhor controle de DM2, HAS e dislipidemia.

Cirurgia bariátrica

A última etapa de tratamento, por meio das cirurgias chamadas bariátricas ou metabólicas,
é reservada para pacientes com IMC acima de 40 kg/m2 ou entre 35 e 39,9 kg/m2 com
múltiplas comorbidades associadas à obesidade avançada, e que não responderam
adequadamente às tentativas de intervenção preventiva e terapêuticas clínicas. Esses
procedimentos podem provocar grandes perdas ponderais e têm sido aprimorados para evitar
seus inúmeros efeitos colaterais, a saber: síndromes disabsortivas com anemias carenciais,
hipovitaminoses, alterações do metabolismo ósseo, além de complicações perioperatórias.
Diante das várias opções voltadas à perda e controle de peso, que envolvem abordagens
preventivas e tratamentos clínicos e cirúrgicos (mesmo com resultados variáveis de umas ou
outras), o impacto do rastreamento para a saúde pode ser considerado positivo. Nessa linha, a
CTFPHC recomenda, desde 2015, o cálculo do IMC de adultos da população geral, sem
distúrbios alimentares, em todas as consultas de atenção primária à saúde; e intervenção
comportamental para os indivíduos rastreados positivamente com sobrepeso ou obesidade. A
USPSTF não tem recomendação direta para rastreamento de obesidade em adultos, mas,
indiretamente, recomenda intervenção multidisciplinar para pessoas com IMC ≥ 30 kg/m2.

AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Dr. Paulo Roberto Correa Hernandes pela
cuidadosa leitura do texto e sugestão de melhorias.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. CTFPHC – Canadian Task Force on Preventive Health Care. Obesity in adults (2015).
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/obesity-in-adults/. Acesso: Julho de 2021.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Orientações para coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde.
Norma técnica do sistema de vigilância alimentar e nutricional – SISVAN. http://www.saude.gov.br/bvs.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Fascículo 1. Protocolos de uso do guia alimentar para a população brasileira na
orientação alimentar: bases teóricas e metodológicas e protocolo para a população adulta [recurso eletrônico].
Brasília: Ministério da Saúde; 2021.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar
para a população brasileira. 2. ed.– Brasília: Ministério da Saúde; 2014.
5. Brasil. Ministério da Saúde. 29 - Cadernos de Atenção Primária: Rastreamento. Brasília: Ministério da Saúde;
2010.
6. Favarato D. Obesidade, gordura corporal e desfecho cardiovascular: Além do índice de massa corporal. Arq
Bras Cardiol. 2021;116(5):887-8.
7. ABESO. Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica. Diretrizes brasileiras
de obesidade. 4. ed. Marcio C. Mancini (coordenador). São Paulo: ABESO; 2016.
8. Swinburn BO, Kraak VI, Allender S, Atkins VJ, Baker PI, Bogard JR, et al. The global syndemic of obesity,
undernutrition, and climate change: The Lancet Commission report. The Lancet. 2019;393:791-846.
9. Carvalho DF, Daher G. Obesidade. In: Martins MA (ed.). Manual do residente de clínica médica. 2. ed.
Barueri: Manole; 2020. p: 282-6.
10. Querido CN, Santos CD, Tunala RG, Germani ACCG, Oliveira AAP, Ferreira Jr. M. Aconselhamento em
promoção da saúde. In: Nunes MPT, et al. (eds.). Medicina interna ambulatorial: principais desafios com
casos clínicos comentados. Rio de Janeiro: Editora Atheneu; 2019. p. 59-66.
11. Powell-Wiley TM, Poirier P, Burke LE, et al. Obesity and cardiovascular disease: A scientific statement from
the American Heart Association. Circulation. 2021;143:e984-e1010.
12. Perreault L. Obesity in adults: Drug therapy. https://www.uptodate.com/contents/obesity-in-adults-drug-
therapy?
search=semaglutide%20efeitos%20colaterais&source=search_result&selectedTitle=2~21&usage_type=defau
lt&display_rank=2#H3754676582. Acesso: Julho de 2021.
13. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Behavioral weight loss interventions to prevent
obesity-related morbidity and mortality in adults. US Preventive Services Task Force Recommendation
Statement. JAMA. 2018;320(11):1163-71.
2.23
Violência doméstica contra mulher

PONTOS-CHAVE

Violência contra mulheres é um grave problema de saúde pública capaz de provocar danos
físicos, psíquicos e sociais, agudos e crônicos, e culminar com o feminicídio.
Agressões graves e feminicídio são precedidos, muitas vezes por anos, de incidentes de
variável gravidade ou da busca velada por ajuda, inclusive de profissionais da saúde.
No Brasil, a Lei Maria da Penha estabelece os critérios e ações para evitar, detectar e dar
suporte às mulheres vítimas de violência, assim como para punir os agressores.
As dimensões de violência contra a mulher previstas na legislação brasileira (física, psíquica,
sexual, patrimonial e moral) devem ser objeto do rastreamento.
O rastreamento só se justifica se houver a garantia de encaminhamento da vítima aos serviços
especializados para apoio e salvaguarda da sua segurança.

NOSSA RECOMENDAÇÃO DE RASTREAMENTO

Rastrear violência doméstica em mulheres entre 18 e 50 anos de idade, que não se queixam
espontaneamente do problema.
Sondar, inicialmente, a presença de fatores de risco (Tabela 1).
Informar a paciente da finalidade e dos desdobramentos possíveis do rastreamento e decidir,
em conjunto, sobre a sua execução.
Em caso afirmativo, aplicar o questionário HARK de 4 perguntas.
Desencadear todo o apoio médico, psicossocial, policial e legal necessário à paciente cujo
rastreamento foi positivo.
Repetir o rastreio periodicamente em caso de persistência dos fatores de risco e suspeita de
falso-negativo.

RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES


O American College of Obstetricians and Gynecologists recomenda o rastreamento de violência
por parceiro íntimo em todas as gestantes e, se positivo, encaminhamento para serviços de
suporte.
O American Medical Association Code of Medical Ethics estabelece que todos os clínicos
deveriam arguir, rotineiramente, sobre abuso físico, sexual e psicológico de mulheres.
A CTFPHC e a OMS indicam que a evidência científica disponível, no momento, não justifica o
rastreamento universal de violência por parceiro íntimo.

Floripes é uma cuidadora de idosos de 48 anos. Há 5 anos, foi morar com um novo companheiro
em uma comunidade carente da zona sul de São Paulo. Neste último ano, procurou várias vezes
um pronto-socorro (PS) com queixas de ansiedade, depressão, sono inconsistente, dores pelo
corpo e forte dor de estômago. Na última ida ao PS, foi abordada por uma assistente social.
Durante a conversa, ela se mostrou triste, desanimada, evasiva e, resignada, sussurrou que seu
relacionamento não estava bom. Contou ainda que tinha sido abusada quando criança e, por
isso, era medrosa (sic).

SOBRE A MAGNITUDE DO PROBLEMA

A violência doméstica contra mulheres é um problema grave de saúde pública. Além dos
óbvios efeitos imediatos, como lesões físicas ou morte (feminicídio), existem inúmeras outras
consequências de longa duração para a saúde, como: distúrbios mentais (depressão, síndrome
de estresse pós-traumático, ansiedade, abuso de substâncias, comportamento suicida), infecções
sexualmente transmissíveis, gravidez não desejada, dor crônica e incapacidades. Durante a
gravidez, a violência pode acarretar abortamento, prematuridade e baixo peso fetal, além de
doenças mentais e hospitalização da mãe e do bebê.
Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que, em todo o mundo, até
35% das mulheres já foram alvo de algum tipo de violência física ou sexual, a maioria
perpetrada pelo próprio companheiro. Cerca de 38% dos feminicídios foram cometidos por
parceiros íntimos masculinos.
No Brasil, a violência contra a mulher é considerada crime. A Lei n. 11.340, de 7 de agosto
de 2006 e suas modificações posteriores, mais conhecida como “Lei Maria da Penha”,
estabelece os critérios e ações para evitar, detectar e dar suporte às mulheres vítimas de
violência, assim como para punir agressores. Há 5 tipos diferentes de violência contra a mulher
passíveis de enquadramento nos termos da legislação vigente:

1. Violência física: qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher.
2. Violência psicológica: qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da
autoestima, prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher, ou vise a degradar
ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões.
3. Violência sexual: qualquer conduta que constranja a presenciar, manter ou participar de
relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força.
4. Violência patrimonial: qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição
parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens,
valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas
necessidades.
5. Violência moral: qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Pesquisa do Instituto DataSenado, publicada em 2016, indicou que 18% das mulheres
brasileiras entrevistadas afirmaram terem sido vítimas de algum dos 5 tipos de violência acima
citados no ambiente doméstico. Dados dessa pesquisa indicam, ainda, que a taxa de homicídios
no país cresceu 12,5% entre 2006 e 2013 e, somente em 2013, foram registrados 4.762
feminicídios, ou seja, uma média de 13 assassinatos por dia. Segundo essa pesquisa, existem
diferenças significativas entre os estados da federação.
Alguns fatores conhecidos elevam o risco de ocorrência de violência contra a mulher. A
Tabela 1 reúne os mais comuns ligados às vítimas e aos agressores.

TABELA 1 Fatores que elevam o risco de violência doméstica

1. Idade jovem: adolescentes e jovens adultas Vítima

2. Exposição a violência familiar e na infância Vítima e agressor

3. Abuso de álcool ou outras drogas Vítima e agressor

4. Baixo nível educacional Vítima e agressor

5. Múltiplos parceiros sexuais Vítima e agressor

6. Dificuldades nos relacionamentos Vítima e agressor

7. Privação econômica Vítima e agressor

8. Atitude violenta em geral Agressor

9. Transtorno de personalidade Agressor

10. Crenças machistas Agressor

11. Sensação de impunidade Agressor

Na maioria dos casos, o evento final dramático, a agressão grave ou o homicídio, é


precedido, muitas vezes por anos, de incidentes de variável gravidade, que analisados
retrospectivamente apontavam para o feminicídio ou a sua tentativa, como desfecho possível
ou mesmo provável.
Profissionais da saúde são agentes estrategicamente alocados para detectar indícios de
violência doméstica contra a mulher. Vergonha, constrangimento, medo e sentimentos
contraditórios vis-a-vis do relacionamento e do parceiro sexual são alguns dos obstáculos para
queixas espontâneas das vítimas. O rastreamento, portanto, é um caminho possível para superar
essa dificuldade.

Ao procurar, insistentemente, atendimento médico com queixas inespecíficas sem causas


evidentes, Floripes é um exemplo comum de mulher possivelmente vítima de violência do
parceiro em procura de ajuda, mesmo que transmitida na forma de queixas de saúde.

SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO


A sondagem preliminar dos fatores de risco expostos na Tabela 1 pode alertar para a
necessidade de rastrear. Existem vários questionários internacionais, com perguntas objetivas
capazes de rastrear casos de violência contra a mulher. Alguns têm sido traduzidos para o
português, mas usados de modo informal e não padronizado em serviços de atenção a mulheres
vítimas de violência doméstica. Nem entidades nacionais especializadas no assunto nem o
Ministério da Saúde recomendam algum questionário estruturado, em especial, para rastrear
violência doméstica entre brasileiras.
Dos questionários já estudados que se mostraram efetivos na detecção do problema, o
HARK (acrônimo dos termos em inglês Humiliation – Afraid – Rape – Kick) parece ser o que
melhor aborda os tipos de violência contra a mulher previstos na legislação brasileira, exceto
apenas pela violência patrimonial. Mas, mesmo assim, a repercussão na saúde deste último tipo
citado acaba por ser indiretamente rastreado pelas quatro perguntas abaixo:

Ao longo do último ano: SIM NÃO


1. Você se sentiu humilhada ou abusada emocionalmente pelo seu parceiro ou 1 0
ex-parceiro?

2. Você sentiu medo do seu parceiro ou ex-parceiro? 1 0

3. Você foi estuprada ou forçada, pelo seu parceiro ou ex-parceiro, a manter 1 0


qualquer tipo de relação sexual?

4. Você foi agredida por chute, tapa ou soco, ou machucada fisicamente pelo 1 0
seu parceiro ou ex-parceiro?

A USPSTF considera que há evidências suficientes e adequadas de que esse, entre outros
questionários, tem uma boa capacidade de rastrear violência contra a mulher. Um estudo inglês,
por exemplo, apontou que, usando como parâmetro de positividade do rastreamento pelo
menos uma resposta “sim” dada ao questionário, a sensibilidade do HARK foi estimada em
81%, a especificidade em 94%, o valor preditivo positivo em 84% e o valor preditivo negativo
em 94%, no grupo de mulheres recrutadas.
Por outro lado, poucas evidências existem sobre eventuais prejuízos decorrentes do uso do
questionário de rastreamento. Se algum risco de efeito negativo existir, ele pode ser
considerado, com base nas evidências científicas disponíveis, no máximo, pequeno.
Mesmo assim, um rastreamento cujo resultado se mostre falso-negativo ou falso-positivo
pode se converter em problema concreto no futuro. Sabendo se tratar de assunto que envolve
aspectos extremamente íntimos da vida das pessoas, envolto por questões pessoais, sociais,
educacionais, religiosas, financeiras, emocionais e outras, é de suma importância que, antes de
aplicar o questionário, médico(a) e paciente conversem sobre a finalidade desse procedimento e
seus desdobramentos.
O rastreamento pode ganhar em sensibilidade e valor preditivo quando fatores incluídos na
Tabela 1 estão presentes. Mas a decisão compartilhada sobre rastrear ou não rastrear violência
de parceiro íntimo, talvez mais do que para outros problemas ou doenças, é um passo
preliminar de relevância fundamental para a paciente.

Floripes parece se encaixar entre as mulheres que tendem a esconder as agressões do parceiro.
O rastreamento pode jogar uma luz sobre essa situação e, uma vez que o fato seja bem
trabalhado, abrir caminhos para uma possível melhoria da sua futura qualidade de vida. Mas para
isso ela deve ser bem amparada e preparada para as futuras decisões.
SOBRE A INTERVENÇÃO E A PREVENÇÃO

A prevenção primária, com identificação e intervenção sobre as causas sociais, estruturais,


culturais, econômicas e outras, é o meio preferencial de enfrentamento da violência contra a
mulher. Nesse sentido, a Organização Panamericana de Saúde (OPAS) ressalta, como parte de
políticas públicas abrangentes, a importância de programas socioeducacionais para prevenir
violência em relacionamentos, como: empoderamento econômico da mulher, fomento da
comunicação e relações interpessoais dentro das comunidades, controle de acesso e uso
controlado da bebida alcoólica e desconstrução de crenças culturais, em matéria de gênero, que
perpetuem a violência.
No Brasil, há muitos anos, existe uma política de amparo a mulheres vítimas de violência
masculina, com vários procedimentos e intervenções cujos objetivos são prevenir complicações
imediatas e interromper a continuidade das agressões. Diante de qualquer tipo de violência que
possa ser rastreada, a abordagem profissional prevê:

A. Acolhimento adequado com estabelecimento de vínculo de confiança;


B. Determinação das necessidades clínicas e opções de como, onde e quem deve provê-las;
C. Reforço do suporte psicossocial em serviços especializados ou grupos de ajuda mútua;
D. Registro policial (boletim de ocorrência) para dar visibilidade à situação de violência e
encaminhamento para órgãos policiais e de medicina legal;
E. Encaminhamento a defensoria pública ou outras fontes de apoio jurídico;
F. Visitação periódica do domicílio para acompanhar in loco o andamento das intervenções.

Vale lembrar que, no caso específico de rastreamento de violência sexual (resposta “sim”
para a pergunta 3 do questionário), outros rastreamentos de infecções sexualmente
transmissíveis podem ser considerados, a saber: HIV, hepatite B, hepatite C e sífilis.
Assim como para os métodos de rastreamento, a USPSTF afirma que, se algum risco existir
com a adoção das medidas de intervenção, ele pode ser considerado pequeno. Segundo a
entidade estadunidense, as intervenções mais efetivas são aquelas com enfoque abrangente da
questão da violência doméstica e que incluam o suporte psicossocial, aconselhamento e visitas
domiciliares.
Principalmente pelo risco de violência fatal e das implicações policiais e judiciais, é
fundamental que o rastreamento só seja executado quando se tenha garantia do
encaminhamento e acesso da vítima às intervenções e serviços especializados para apoio e
salvaguarda da sua segurança. A integração entre prestadores de serviços de saúde, sociais e
jurídicos parece fundamental para este fim.

Ainda antes de ser submetida ao questionário, Floripes quis saber o que fariam depois com ela e
o parceiro, pois, segundo palavras dela mesma, “não queria mais dor de cabeça do que já tinha
na vida”.

AGRADECIMENTO

Os autores agradecem a colaboração do Prof. Dr. Renério Fráguas Júnior pela cuidadosa
leitura do texto e sugestão de melhorias.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. United States Preventive Services Task Force. Intimate partner violence, elder abuse, and abuse of vulnerable
adults: Screening, 2018. https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/intimate-
partner-violence-and-abuse-of-elderly-and-vulnerable-adults-screening. Acesso: Março de 2021.
2. Sohal H, Eldridge S, Feder G. The sensitivity and specificity of four questions (HARK) to identify intimate
partner violence: a diagnostic accuracy study in general practice. BMC Fam Pract. 2007;8:49.
3. Organização Panamericana de Saúde – OPAS. Folha informativa – Violência contra a mulher. 2017.
https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5669:folha-informativa-
violencia-contra-as-mulheres&Itemid=820. Acesso: Março de 2021.
4. Brasil. Senado Federal. Observatório da Mulher contra a Violência. Panorama da violência contra as
mulheres no Brasil [recurso eletrônico]: indicadores nacionais e estaduais. N. 1 (2016).
5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Violência intrafamiliar: orientações para prática
em serviço. Série Cadernos de Atenção Básica; n. 8 – Série A. Normas e Manuais Técnicos; n. 131, 96 p.
6. Brasil. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em: Março de 2021.
1
Dados epidemiológicos recentes apontam para uma queda da incidência de AAA em vários países, reputada à
queda da prevalência do tabagismo.
1
PSOF é um teste químico-colorimétrico no qual o guaiaco é usado para colorir uma amostra de fezes sempre que
um grupo heme de hemoglobina for encontrado.
2
Alguns estudos com modelagem estatística sugerem que a associação da retossigmoidoscopia com FIT-PHHF
reduz a mortalidade por CRC em níveis semelhantes à colonoscopia.
1
A sensibilidade do teste repetido a cada 3 anos é praticamente a mesma da periodicidade anual adotada no
passado.
2
Testes para detecção de hrHPV são contraindicados abaixo de 30 anos, pois as infecções por esse vírus, na faixa
etária mais jovem, são comuns e na sua grande maioria autolimitadas.
1
Vale lembrar que abaixo dos 50 anos de idade a mamografia perde muito em sensibilidade. Nesse caso, alguns
autores recomendam a ultrassonografia, que é mais sensível inclusive em pessoas com maior densidade mamária.
1
O escore de Gleason consiste na graduação da neoplasia da próstata de acordo com os achados histopatológicos de
fragmentos retirados do órgão por punções-biópsias. Na prática, os tumores são classificados como de baixo risco
(Gleason 6 ou menor), risco intermediário (Gleason 7) e risco alto ou muito alto (Gleason 8 a 10).
2
Vigilância ativa consiste no simples acompanhamento do comportamento tumoral, por meio de exames
laboratoriais, histo-patológicos e de imagem, sem que qualquer intervenção terapêutica direta seja feita ao longo
do tempo, caso o mesmo não exiba sinais de mudança (crescimento ou invasão).
1
Nesta informação do MS, foi considerado abusivo o consumo de 4 ou mais doses, para mulheres, e 5 ou mais
doses, para homens, em uma mesma ocasião, dentro dos últimos 30 dias, conforme pesquisa telefônica (VIGITEL
2018).
2
Limites mais seguros são aqueles de até 1 dose-padrão diária, para mulheres, e 2 doses-padrão diárias, para
homens, ou seus equivalentes semanais: 7 para mulheres e 14 para homens. A dose-padrão de álcool e o
equivalente nas bebidas comercializadas estão exemplificados no Quadro 1.
3
O possível efeito protetor do álcool em baixas doses contínuas não implica na sua recomendação como estratégia
de prevenção para pessoas previamente abstinentes, por algumas razões: 1. evitar o desencadeamento de consumo
excessivo, no futuro; 2. o efeito protetor não se estende, necessariamente, a todas as doenças e problemas causados
ou agravados pelo álcool; 3. mesmo doses baixas podem precipitar acidentes de trânsito.
4
A sensibilidade e a especificidade indicadas foram estimadas com base em um valor limite de corte de 8.
1
Do inglês, years lived with disability (YLD).
2
O suicídio é a segunda maior causa de óbitos entre pessoas de 15 a 29 anos.
3
As perguntas 1 e 2 constituem, isoladamente, o PHQ-2.
1
Não há recomendação sobre o uso de glicosímetro e fitas para a estimativa da glicemia em gota de sangue capilar
como método de rastreamento.
1
As fórmulas de Martin ou de Friedewald são artifícios usados para determinar a concentração da fração de LDL a
partir do CT, HDL e TG, sem necessidade de mensuração laboratorial direta.
1
A HA pode ser primária ou essencial, quando nenhuma causa subjacente for detectada com certeza (responsável
por 95% dos casos de HA), ou secundária a, por exemplo: estenose de artéria renal, hiperaldosteronismo primário,
insuficiência renal, coarctação de aorta etc.
2
MRPA (medidas residenciais de pressão arterial) são obtidas, pelo próprio paciente ou alguém próximo, no
contexto dos seus hábitos de vida normal, usando esfigmomanômetros braquiais convencionais ou de pulso.
MAPA (medidas ambulatoriais de pressão arterial) são obtidas por meio de dispositivo automático, instalado em
clínica ou laboratório, que executa as aferições e registra os níveis pressóricos durante 24 horas (incluindo as horas
de sono).
1
A pandemia de Covid-19 alterou esse panorama a partir de 2020.
2
Uma pessoa com TB pulmonar, se não tratada, pode infectar de 5 a 15 outras pessoas próximas, ao longo de um
ano.
1
O SUS disponibiliza gratuitamente o teste de HIV, sífilis e das hepatites B e C. Há Unidades Básicas de Saúde
(UBS) da rede pública ou Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA) onde os testes podem ser feitos de
maneira anônima e o usuário pode receber aconselhamento sobre a interpretação dos resultados. Além da rede de
serviços de saúde, é possível fazer o teste de HIV por meio de uma Organização da Sociedade Civil no Programa
Viva Melhor Sabendo.
1
Exemplos de calculadoras incluem: os escores de risco de DCV de Framingham, Reynolds, SCORE e o
QRISK/JBS3.
2
Esta recomendação está em processo de atualização pela USPSTF desde julho de 2020.
1
Vale lembrar que a administração do alendronato é limitada a 5 anos, pois o seu uso prolongado parece estar
associado a osteonecrose de maxila e mandíbula e com fraturas atípicas femorais de baixa energia. Há descrições
de casos semelhantes, também, com ácido zoledrônico e risedronato de sódio.
1
Na sequência tradicional, um primeiro TNT (p.ex., VDRL) é seguido de um TT (p.ex., FTA-Abs). Na sequência
reversa, um primeiro TT automatizado (p.ex., ELISA) é seguido de TNT (p.ex. VDRL) e, em caso de discordância
entre ambos, preconiza-se um segundo TT com antígeno diferente do primeiro.
1
Sobrepeso designa qualquer aumento de gordura corporal acima de valores de referência normais, enquanto que
por obesidade entende-se o acúmulo excessivo, a partir de certo limite, dentro da faixa de sobrepeso (Tabela 1).
2
A pandemia de COVID -9 revelou a obesidade como um fator de risco adicional para pior evolução clínica e
maior mortalidade de infectados pelo vírus SARS-CoV-2.
3
A medida da CA é efetuada com a pessoa em pé, ereta, abdome despido e relaxado, braços estendidos ao longo do
corpo e as pernas paralelas ligeiramente afastadas; uma pequena marca a caneta deve ser feita, à direita ou
esquerda, no ponto por onde será passada a fita métrica pela antropometria; a fita deve se ajustada no mesmo nível
ao redor de toda a circunferência abdominal, nem folgada nem apertada; a leitura deve ser feita ao final da
expiração normal.
4
Em 2021, o Supremo Tribunal Federal do Brasil decidiu contra a autorização de uso dos medicamentos citados:
sibutramina, fenproporex, mazindol, anfepramona.
5
O topiramate é muito usado nos Estados Unidos da América.
3
O que não convém rastrear e por quê

O QUE FOI ESTUDADO E REJEITADO

Vários procedimentos de rastreamento, alguns dos quais muito procurados por pacientes e
praticados frequentemente por médicos, não encontram respaldo científico suficientemente
robusto para serem recomendados. Ao contrário, as evidências científicas existentes apontam
no sentido de que não devem ser incluídos em rastreamentos médicos de rotina, pois os riscos
de causar algum tipo de dano ao bem-estar físico, psíquico ou social das pessoas superam os
potenciais benefícios esperados.
O fato de um exame indicado com finalidade preventiva poder não beneficiar ou até
prejudicar a saúde de alguém é uma constatação de difícil entendimento e aceitação, tanto da
parte de pacientes quanto de médicos acostumados com a ideia de que “prevenir é sempre
melhor do que remediar”. Mas é fato que, dentro da lógica da medicina baseada em evidências,
diagnosticar doenças em fase pré-clínica nem sempre é sinônimo de prevenir.
Estudos mostram que fatores ligados à própria doença, aos exames de rastreamento em si,
às intervenções de tratamento ou controle, às condições prévias de saúde da pessoa examinada,
ou até a crenças ou aspectos éticos, acabam por inviabilizar a recomendação de certos
procedimentos de rastreio para a população geral. Podem somar-se a esses fatores, ainda,
peculiaridades epidemiológicas e sociais regionais relevantes.
A seguir, são apresentadas doenças e outros problemas de saúde para os quais
procedimentos preconizados para rastreamento foram estudados quanto à sua efetividade
clínica e os seus resultados publicados na literatura científica. Porém, análises sistemáticas ou
meta-análises desses estudos revelam que, até o momento, essas condições clínicas não devem
ser incluídas em check-ups médicos de rotina. As razões gerais que embasam as
recomendações negativas são citadas.

ADENOCARCINOMA DE ESÔFAGO (ACE)


O adenocarcinoma de esôfago (ACE), ou seus precursores, como o esôfago de Barrett ou a
displasia esofágica, podem estar associados à doença crônica do refluxo gastroesofágico
(DRGE). A baixa prevalência de ACE e a errática progressão de DRGE para estágios mais
avançados dificultam a realização de ensaios clínicos capazes de possibilitar um bom balanço
entre benefícios e riscos do rastreamento, ou seja, da busca ativa do diagnóstico pré-clínico em
pessoas sem sintomas da doença.
Embora mais tumores em estágios iniciais sejam diagnosticados por endoscopia digestiva
alta (EDA) e alguns tratamentos possam erradicar a displasia, os poucos estudos disponíveis
não comprovaram evidência direta de benefício (por exemplo, aumento de sobrevida) do
rastreamento do ACE comparado ao não rastreamento.
Para pessoas em situação de risco para ACE (sexo masculino, história familiar, tabagismo,
DRGE de difícil controle), os clínicos devem estar atentos aos sintomas e sinais de alarme,
como disfagia, regurgitação, anorexia, perda ponderal, que levantem a suspeita clínica de ACE
e dirijam a investigação diagnóstica adequada.

O rastreamento de rotina do adenocarcinoma de esôfago ou seus precursores não é


recomendado em pessoas adultas assintomáticas da população geral ou, segundo a
CTFPHC, também em portadores de DRGE.
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/esophageal-adenocarcinoma/

BACTERIÚRIA ASSINTOMÁTICA

Bacteriúria assintomática é uma condição cuja prevalência varia de 6% em mulheres em


pré-menopausa até 22% em idosas acima de 90 anos. É rara entre homens. Dessa forma, sexo
feminino, gravidez, idade pós-menopausa e diabete são os seus principais fatores de risco.
Os testes de rastreamento disponíveis seriam o exame de urina comum e a cultura de jato
médio. Eles apresentam boa sensibilidade, fácil execução e acesso. O tratamento seria
direcionado por antibiograma com diversas opções de antibióticos.
Entretanto, estudos mostram que a convivência com bactérias na urina expõe as mulheres
não grávidas com boa condição de saúde, mesmo as mais idosas, a pouco risco de
complicações (p. ex., pielonefrite aguda). Além disso, o tratamento aumenta o risco de efeitos
colaterais e resistência bacteriana provocados pelos antibióticos administrados. Portanto, existe
boa evidência de que identificar e tratar a bacteriúria assintomática não traz benefício líquido
para as mulheres do grupo-alvo do rastreamento.

O rastreamento de rotina da bacteriúria assintomática está contraindicado em mulheres da


população geral. Essa recomendação não se aplica a gestantes, pessoas com doenças
crônicas relacionadas a infecção do trato urinário, hospitalizadas ou vivendo em
instituições para idosos.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/asymptomatic-bacteriuria-
in-adults-screening

CÂNCER DE OVÁRIO (CaO)


A incidência de CaO nos EUA gira em torno de 12 casos novos anuais por 100.000
habitantes, ou seja, é uma doença rara. A letalidade, por outro lado, é alta e gira em torno de
65%.
Há evidências bastante seguras de que a realização do CA-125 ou da ultrassonografia
transvaginal, ou a combinação de ambos, não reduzam a mortalidade por CaO. O toque vaginal
com palpação bimanual dos ovários e outros exames de imagem também não parecem
contribuir significativamente para o diagnóstico pré-clínico ou benefícios dele.
O valor preditivo positivo dos testes de rastreamento é baixo e, na maioria dos casos, os
resultados são falso-positivos, o que pode incorrer em cirurgias desnecessárias em mulheres
que não tenham o câncer e prejuízos de magnitude, pelo menos, moderada à saúde.
Os tratamentos, baseados em remoção cirúrgica e quimioterapia por via endovenosa ou
intraperitoneal, ou ambas, apresentam também efeitos colaterais que reduzem os benefícios em
relação aos riscos em mulheres assintomáticas.
O rastreamento de rotina do câncer de ovário (CaO), por qualquer método clínico,
laboratorial ou de imagem, não é recomendado para mulheres da população geral
assintomática. Essa recomendação não se aplica para as pessoas em situação de maior
risco dessa neoplasia, por conta de história familiar significativa de CaO ou câncer de
mama, expressão de BRCA1/2 ou síndrome de câncer hereditário.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/ovarian-cancer-screening

CÂNCER DE PÂNCREAS (CaPan)


O CaPan é uma doença de baixa incidência (cerca de 12 casos novos anuais por 100.000
habitantes nos EUA), porém de alta letalidade (85% em média, para diferentes estágios de
evolução). A prevalência, portanto, é baixa. A mortalidade em 5 anos varia de cerca de 65%,
para cânceres localizados, até 95%, quando já existem metástases a distância. Entre 10% e 15%
dos casos de CaPan estão associados a história familiar ou a alguma síndrome de cânceres
hereditários. De modo geral, as características epidemiológicas e de evolução da doença são
desfavoráveis ao rastreamento.
A ultrassonografia endoscópica, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética
são exames disponíveis, embora não existam dados fidedignos em relação à acurácia de cada
um deles para o diagnóstico. Resultados falso-positivos são comuns. O marcador tumoral
CA19-9, apesar de sua alta especificidade e sensibilidade, tem valor preditivo positivo baixo
em pessoas assintomáticas, dada a baixa prevalência do câncer.
A abordagem cirúrgica é a melhor opção de tratamento do CaPan, mas apenas nos casos
cujo diagnóstico é feito em fase inicial de tumor, ainda restrito ao órgão e, mesmo assim, com
resultados muito tímidos. A maioria, entretanto, é diagnosticada em fases avançadas já com
metástases regionais ou a distância.
Não há evidências diretas de que o rastreamento ou o tratamento de CaPan detectado por
check-up reduza a morbidade da doença ou a mortalidade específica ou geral. Os resultados
falso-positivos e os riscos perioperatórios contribuem para um balanço negativo de benefícios
em relação aos riscos do rastreamento.

O rastreamento de rotina do câncer de pâncreas (CaPan) não é recomendado para


pacientes da população geral assintomática. Essa recomendação não se aplica a pessoas
com história familiar de CaPan ou síndrome de câncer hereditário, ou para pessoas que
apresentam aparecimento súbito de diabete em idade avançada.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/pancreatic-cancer-
screening

CÂNCER DE TIREOIDE (CaTi)


A taxa de incidência anual de CaTi, em mulheres, aumentou cerca de 4 a 5 vezes nos
últimos 40 anos nos EUA, chegando a cerca de 16 casos novos por 100.000 habitantes. No
mesmo período, entretanto, a mortalidade oscilou muito pouco, permanecendo quase inalterada
em níveis relativamente baixos (até 1 óbito por 100.000 habitantes por ano), indicando que a
maioria dos cânceres dos CaTi tem bom prognóstico.
Apesar de largamente utilizadas, não há evidências científicas suficientes que validem a
palpação e a ultrassonografia (USG) da tireoide como bons exames para rastrear o CaTi na
população geral assintomática. O sobrediagnóstico parece ser frequente, uma vez que a maior
parte dos cânceres de tireoide diagnosticados são pequenos, do tipo papilífero e achados
incidentemente por USG cervical.
Algumas pessoas podem se beneficiar do rastreamento, mas, no geral, o benefício é
considerado mínimo, uma vez que os desfechos dos casos tratados do tumor parecem não
diferir daqueles que são apenas acompanhados com observação clínica. Além disso, estudos
observacionais revelaram que a mortalidade não mudou após programas de rastreamento de
base populacional.
A tireoidectomia total ou parcial, com ou sem linfadenectomia regional, é a base do
tratamento do CaTi. Terapia complementar com iodo radioativo pode ser indicada. Todas essas
opções de tratamento são associadas a riscos perioperatórios consideráveis. Não há evidências
diretas comparando a evolução do CaTi em pessoas rastreadas com a de grupos-controles não
rastreados.

O rastreamento de rotina do câncer de tireoide (CaTi), por palpação ou ultrassonografia da


glândula, não é recomendado para mulheres da população geral assintomática. Essa
recomendação não se aplica a pessoas com história familiar significativa de CaTi ou
síndromes hereditárias multineoplásicas, ou com exposição a radiação ionizante,
acidental, ocupacional ou por radioterapia de cabeça e pescoço.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/thyroid-cancer-screening

CÂNCER DE TESTÍCULO (CaTes)

Análises de estudos a respeito do check-up do CaTes publicados na literatura científica não


foram atualizadas na última década, porém, esta recomendação ainda parece refletir a realidade
atual.
O CaTes é um câncer relativamente raro e de bom prognóstico. A sua incidência anual nos
EUA vem crescendo lentamente e gira ao redor de 6 casos novos por 100.000 habitantes,
enquanto que a mortalidade permanece inalterada em níveis próximos a 3 óbitos a cada
1.000.000 habitantes por ano.
A maioria dos diagnósticos é feita por acaso pelo próprio paciente, quando já existe algum
sintoma ou sinal. Não há evidências de boa qualidade que indiquem que o exame médico ou
autoexame dos testículos de rotina sejam capazes de detectar cânceres em fases mais iniciais,
que respondam melhor ao tratamento. Opções de tratamento incluem cirurgia (p. ex.,
orquiectomia), radioterapia e quimioterapia, geralmente com taxas altas de sucesso terapêutico,
mesmo em estágios avançados da doença.
Baixa incidência da doença, alto nível de sobrevida e bons resultados do tratamento em
qualquer estágio da doença tornam muito improvável que o rastreamento do CaTes, por
qualquer método disponível, traga benefícios que superem riscos à saúde dos pacientes, como,
por exemplo, os perioperatórios e cirúrgicos tardios.

O rastreamento de rotina do câncer de testículo (CaTes), por exame médico ou autoexame,


não é recomendado para homens da população geral assintomática. Essa recomendação
não se aplica a portadores de criptorquidia, traumas testiculares repetidos ou com
antecedente individual ou familiar de CaTes.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/testicular-cancer-screening
DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA (DAC)

A DAC é doença de alta incidência, prevalência, morbidade e uma das maiores causas de
mortes precoces no Brasil. Os mais importantes fatores de risco para DAC são: idade avançada,
hipertensão arterial, diabete melito, hipercolesterolemia, tabagismo, obesidade, sedentarismo e
antecedente de DAC em parente direto não idoso.
Eletrocardiograma de repouso (ECG) ou teste ergométrico (TERG) são tentativas comuns
usadas para detectar DAC em indivíduos assintomáticos. Porém, a baixa sensibilidade e
especificidade de ambos eleva o risco de diagnósticos incorretos que podem induzir novos
exames, intervenções invasivas e tratamentos desnecessários.
Em pacientes de baixo risco para DAC (determinado, por exemplo, pelo algoritmo Pooled
Cohort Equations ou pela Calculadora para Estratificação de Risco Cardiovascular da
Sociedade Brasileira de Cardiologia), as intervenções de tratamento mais comuns para DAC
pré-sintomática são mudanças de estilo de vida e controle de comorbidades. Segundo as
evidências científicas disponíveis, é improvável que os benefícios do rastreamento de pacientes
assintomáticos por ECG ou TERG superem os eventuais riscos decorrentes de intervenções e
tratamentos indevidos.
O rastreamento de DAC (e seus desdobramentos) em pacientes em situação de risco
moderado ou alto ainda não foi suficientemente estudado. Da mesma forma, não está bem
determinado o balanço entre benefícios e riscos resultante de outros exames que vêm sendo
usados para rastrear DAC incipiente, como ecocardiograma ou cintilografia com estresse e
angiotomografia de coronária com determinação do escore de cálcio.

O rastreamento de doença arterial coronariana (DAC), por meio de ECG ou TERG, não é
recomendado para pacientes assintomáticos da população geral. O uso de outros exames
de rastreamento ainda não foi devidamente estudado. A ação preventiva deve focar os
fatores de risco para doença cardiovascular.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/cardiovascular-disease-
risk-screening-with-electrocardiography

DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA (DPOC)

A DPOC tem prevalência estimada em cerca de 15% a 20% da população nacional.


Apresenta alta mortalidade e morbidade, causando deterioração acentuada de qualidade de vida
relativa à saúde. Está ligada ao tabagismo, algumas exposições ambientais e ocupacionais, e
com o passado de asma ou deficiência de alfa 1-antitripsina.
Testes de rastreamento incluem questionários prévios (pouco sensíveis e específicos para
casos de DPOC leve), medida do fluxo de pico (peak-flow) e espirometria completa sem e com
broncodilatador. Entretanto, não há evidências, até o momento, de que rastrear casos leves de
DPOC (assintomáticos) melhore a qualidade de vida e reduza a morbimortalidade.
O tratamento da DPOC conta com vários medicamentos disponíveis (beta-agonistas de
ação prolongada – LABA, ou curta, antimuscarínicos de ação prolongada – LAMA,
corticosteroides inalatórios e suas combinações). Essas classes de medicamentos parecem
reduzir o número de exacerbações anuais da DPOC (que são infrequentes em casos leves),
porém sem afetar a mortalidade por todas as causas, a dispneia e a qualidade de vida (o
impacto sobre o exercício físico e o status funcional respiratório é desconhecido).
O tratamento em fase assintomática parece não mudar o curso clínico da DPOC, caso
persistam os fatores de risco. Os corticosteroides inalatórios podem aumentar o risco de
infecções pulmonares e a fragilidade óssea (osteoporose). A cessação do tabagismo e a redução
de exposição a fumaça, poluição atmosférica, toxinas, substâncias químicas e poeiras
industriais são atitudes de promoção da saúde a serem priorizadas.

O rastreamento de rotina da DPOC não é recomendado para indivíduos assintomáticos da


população geral. Essa recomendação não se aplica a pessoas com antecedentes de asma
ou deficiência de alfa 1-antitripsina.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/chronic-obstructive-
pulmonary-disease-screening

ESTENOSE DE CARÓTIDA (EC)

A EC é uma condição clínica de prevalência relativamente baixa na população geral


assintomática, que aumenta com a idade. É considerada um marcador indireto de doença
arterial coronariana. Apesar de ser um fator de risco para acidentes vasculares encefálicos
(AVE), poucos AVE são atribuídos especificamente a EC.
Não existe uma ferramenta clínica validada capaz de determinar quais pessoas
assintomáticas têm maior risco de apresentar EC, assim como não se consegue também
identificar, dentre os portadores de EC, quais têm maior risco de desenvolver um AVE.
Dos testes diagnósticos disponíveis, a ausculta de ruídos carotídeos, ao exame clínico, tem
baixa acurácia. Melhores resultados são obtidos com ultrassonografia Doppler,
angiorressonância magnética e angiotomografia computadorizada.
Em geral, o tratamento clínico da EC é o mesmo de outras doenças ateroscleróticas, ou
seja, baseado no uso de medicamentos, como estatinas, antiagregantes plaquetários, anti-
hipertensivos e antidiabéticos. Tratamentos cirúrgicos (endarterectomia, angioplastia,
colocação de stent, revascularização transarterial) acrescentam poucos benefícios para
pacientes assintomáticos se comparados ao tratamento clínico, além de expor aos riscos de
complicações perioperatórias. Nenhum estudo de boa qualidade, até o momento, avaliou
diretamente, como desfechos, os benefícios ou riscos do rastreamento de EC assintomática.

O rastreamento de rotina da estenose de carótida (EC) não é recomendado para pessoas


assintomáticas da população geral; a ação preventiva deve focar nos fatores de risco para
doença cardiovascular. Essa recomendação não se aplica a pessoa com sinais
neurológicos ou antecedente de AVE transitório.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/carotid-artery-stenosis-
screening

HERPES GENITAL (HG)


O herpes genital é uma doença sexualmente transmissível causada pelos subtipos do HSV
(herpes simplex virus), HSV-1 e HSV-2. Trata-se de manifestação comum entre adultos jovens
de ambos os sexos.
O método de rastreamento é por sorologia usando testes com resultados equivalentes aos
obtidos por Western blot (padrão-ouro). Os resultados obtidos para HSV-2 apresentam baixa
especificidade (muitos falso-positivos) e reprodutibilidade, o que o torna inadequado para
avaliações de base populacional.
No caso dos portadores de anticorpos para HSV-1, não é possível distinguir através deles se
se trata de herpes genital ou oral, uma vez que o check-up pressupõe que os indivíduos
examinados estejam assintomáticos e sem antecedentes de uma ou outra manifestação clínica.
Ambos os testes são adequados para pacientes sintomáticos.
Não há tratamento curativo para a infecção genital por HSV. Os antivirais disponíveis (p.
ex., aciclovir e similares) são indicados apenas em casos com lesões visíveis sintomáticas e na
prevenção de novos episódios agudos em portadores crônicos.

O rastreamento de herpes genital não é recomendado para pessoas assintomáticas da


população geral, inclusive gestantes.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/genital-herpes-screening

O QUE AINDA NÃO FOI SUFICIENTEMENTE ESTUDADO

Na prática do rastreamento, observa-se que a disponibilidade de um exame ou ferramenta


no arsenal clínico, laboratorial ou de imagens parece credenciá-lo, por si só, a ser usado pelos
médicos com seus pacientes. Entretanto, como já foi discutido, deve-se prestar atenção a certos
requisitos antes que isso aconteça.
A produção e a análise sistemática de evidências científicas que tenham estudado detalhes
pertinentes à busca ativa do diagnóstico pré-clínico de doenças são, do ponto de vista
científico, um primeiro passo fundamental para que programas de rastreamento, individuais ou
coletivos, atinjam bons níveis de eficácia e efetividade.
Acompanhando a literatura médica, verifica-se um número razoável de propostas
preliminares de rastreamento que não alcançam o status de recomendações definitivas
favoráveis ou não à sua adoção. Muitas tentativas de rastreamento, inclusive algumas que
ganham grande popularidade, não conseguem ser aprovadas ou rejeitadas em análises
científicas, pelo simples fato de que inexistem ou são insuficientes os estudos de boa qualidade
publicados a seu respeito.
É importante frisar que a aprovação científica para inclusão de procedimentos em
rastreamentos médicos é um processo dinâmico. Rastreamento rejeitado hoje pode vir a ser
aprovado amanhã, desde que novas evidências assim justifiquem. O mesmo pode acontecer
com propostas preliminares de rastreamento que são incorporadas ou definitivamente rejeitadas
à medida que novos estudos são publicados sobre os assuntos.
Ressalte-se aqui que profissionais de saúde e pacientes, por questões éticas, devem, na
medida do possível, compartilhar as decisões de rastreamento, de acordo com seus princípios,
convicções e anseios. Qualquer recomendação (favorável, contrária ou duvidosa) deve servir
apenas de “norte” para as condutas adotadas e não de norma rígida a ser obedecida de forma
irracional. No caso de rastreamentos ainda não devidamente estudados e consolidados, ou seja,
inconclusivos, as questões éticas são ainda mais relevantes.
A seguir são listados os temas que já foram objeto de análise sistemática da literatura,
porém, até o momento, as evidências científicas foram consideradas insuficientes para embasar
recomendação de rastreamento a favor, contra ou duvidosa em adultos assintomáticos. Lembra-
se que esses assuntos são objeto de atualização periódica e as conclusões podem mudar ao
longo do tempo.

Acuidade visual reduzida


Pessoas acima de 65 anos seriam o grupo-alvo principal do rastreamento de problemas de
acuidade visual em função da alta prevalência, sendo o avançar da idade o seu principal fator
de risco. O teste com a tabela de Snellen é um método sensível, simples e barato de
rastreamento, bastante apropriado à atenção primária à saúde. Questionários e outros testes por
meio de equipamentos mais complexos (p. ex., Orthorater) não foram devidamente estudados.
Existem diferentes opções de tratamento, conforme a causa da perda da acuidade visual
detectada, mas, analisando as variáveis acima, em conjunto, ainda não foi possível estabelecer
o balanço entre benefícios e riscos do rastreamento.

https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/impaired-visual-acuity-
screening-older-adults
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/impaired-vision/

Apneia obstrutiva do sono (AOS)

O rastreamento de AOS poderia ser indicado para pessoas assintomáticas, principalmente


do sexo masculino, com idade entre 40 e 70 anos, obesas, que usam sedativos, ou com
anormalidades craniofaciais e das vias aéreas superiores. Apesar de boas opções de tratamento
(C-PAP e outros dispositivos), não há evidências adequadas que validem, até o momento, a
aplicação dos questionários de rastreamento disponíveis. Não se conhece tampouco a utilidade
do tratamento de pessoas com AOS diagnosticada em fase pré-sintomática.

https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/obstructive-sleep-apnea-
in-adults-screening

Câncer de bexiga

Os principais fatores de risco para tumor maligno de bexiga são: tabagismo, exposição
ocupacional (p. ex., corantes químicos, fabricação de borracha), sexo masculino, idade
avançada, antecedente familiar ou pessoal de câncer de bexiga. O rastreamento se faz,
basicamente, pelo exame de urina para detecção de hematúria ou células anormais no
sedimento. Cirurgia, radioterapia, quimioterapia, terapia biológica ou fotodinâmica são opções
viáveis de tratamento. Entretanto, até o momento, há dúvidas quanto à capacidade desses
procedimentos de reduzir a morbimortalidade por câncer de bexiga.

https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/bladder-cancer-in-adults-
screening

Câncer de boca

Os fatores de risco primários de câncer de boca e orofaringe são o consumo de álcool, o


tabagismo e a exposição ao papilomavírus humano (HPV). O exame clínico da boca é
considerado uma forma imprecisa de rastrear tumores em fase inicial, que devem sempre ser
confirmados por biópsia tecidual. Embora haja opções de tratamento cirúrgico, quimioterápico
e radioterápico, ainda não é possível, com base nas evidências disponíveis, estabelecer o
balanço entre benefícios e riscos do rastreamento.

https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/oral-cancer-screening

Câncer de pele

A população-alvo principal do rastreamento seriam as pessoas com pele clara, que se


expõem regularmente à radiação ultravioleta, com passado de queimaduras ou câncer de pele.
Nevus múltiplos ou displásicos, história familiar e idade avançada são fatores de risco
específicos para o melanoma. Apesar das várias opções para diagnóstico clínico de neoplasias
de pele em fase inicial e de tratamento dos tumores (espinocelular, basocelular, melanoma),
ainda são insuficientes as evidências para determinar o balanço entre benefícios e riscos do
rastreamento.

https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/skin-cancer-screening

Deficiência de vitamina D

Hipovitaminose D tem sido um achado comum em moradores de grandes cidades ou em


países supraequatoriais. Baixa exposição solar (radiação ultravioleta), pele escura e obesidade
parecem ser seus principais fatores de risco. Há grande controvérsia sobre os valores de
referência sanguíneos de 25-(OH)-vitamina D1 e a sua real correlação com desfechos clínicos
relevantes.
Além da sua conhecida ação no metabolismo ósseo, estudos observacionais sugeriram
inúmeras doenças possivelmente associadas à hipovitaminose D. De um lado, há boa evidência
de que a suplementação vitamínica não reduz a mortalidade e a incidência de diabete melito ou
de fraturas em pessoas com hipovitaminose assintomática e sem comprometimento ósseo. Por
outro, há dúvidas quanto ao efeito da suplementação na prevenção de quedas, cânceres, doença
cardiovascular, depressão ou infecções. As evidências disponíveis, hoje, são insuficientes para
dirimir essas incertezas.

https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/vitamin-d-deficiency-
screening

Distúrbio cognitivo em idosos

Pessoas não hospitalizadas nem institucionalizadas acima de 65 anos de idade, sem sinais
ou sintomas de distúrbios cognitivos, seriam o público-alvo do rastreamento. Existem inúmeros
questionários para avaliar aspectos das funções cognitivas (p. ex., o Mini-Mental State
Examination e o Montreal Cognitive Assessment), assim como existem tratamentos
disponíveis, farmacológicos (inibidores de aceticolinesterase e memantina) e não
farmacológicos (p. ex., treinamento, estimulação e reabilitação cognitiva, exercícios físicos,
suporte social, psicoeducação, gestão do cuidado).
Até o momento, porém, os estudos disponíveis mostraram-se insuficientes para estabelecer
o balanço de benefícios e riscos desse rastreamento. Não se pode definir, portanto, quanto o
diagnóstico prévio às manifestações clínicas pode melhorar a qualidade de vida do paciente ou
modificar a história natural das manifestações demenciais.

https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/cognitive-impairment-in-
older-adults-screening
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/cognitive-impairment/

Doença arterial periférica (DAP)

Os mais importantes fatores de risco para DAP são: idade avançada, hipertensão arterial,
diabete melito, hipercolesterolemia, tabagismo, obesidade e sedentarismo. A razão entre valor
da pressão arterial sistólica medida na altura do tornozelo e no braço é o meio mais comum de
rastrear sinais de DAP. Entretanto, essa manobra tem baixa sensibilidade e especificidade.
Aparentemente, a realização subsequente de exames de imagem pode expor o paciente aos
riscos dos materiais de contraste ou ainda de intervenções desnecessárias. Assim como nas
outras DCV de natureza ateromatosa, a prevenção é feita por medidas de estilo de vida e
controle adequado das comorbidades, que independem do diagnóstico pré-clínico da DAP,
propriamente dita.

https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/peripheral-artery-disease-
in-adults-screening-with-the-ankle-brachial-index

Doença celíaca

História familiar de doença celíaca ou antecedente pessoal de outras doenças autoimunes


elevam o risco individual da intolerância ao glúten. A sua prevalência é baixa na população
geral. Não existem estudos adequados sobre rastreamento de doença celíaca (detecção de
anticorpo IgA anti-transglutaminase seguida de biópsia de intestino) nem em pessoas
assintomáticas da população geral, nem em grupos de maior risco. São insuficientes também os
estudos para saber se o tratamento precoce melhora a qualidade de vida, a morbidade e a
mortalidade.

https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/celiac-disease-screening

Doenças da tireoide

O hipo e o hipertireoidismo subclínico (não manifestos clinicamente por sintomas ou


sinais) são doenças da tireoide com potencial de serem rastreadas. As dosagens laboratoriais de
TSH, seguidas de T4 livre e T3, seriam os testes de escolha para o rastreamento de ambas as
disfunções da glândula. Entretanto, variações diárias comuns desses hormônios frequentemente
geram resultados falso-positivos e tratamentos intempestivos desnecessários. Até mesmo
resultados verdadeiro-positivos podem reverter, não progredir ou nunca causar problemas de
saúde. Sobrediagnóstico e sobretratamento são comuns, particularmente, no hipotireoidismo
subclínico com TSH < 10 mUI/L. Portanto, não há, até o momento, evidência segura de
benefício clínico importante do rastreamento dos distúrbios tireoideanos.

https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/thyroid-dysfunction-
screening
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/asymptomatic-thyroid-dysfunction/

Exame genital feminino – toque vaginal

O exame pélvico (inspeção da genitália externa, toque vaginal, palpação bimanual, exame
especular e retovaginal) já foi preconizado, no passado, como parte obrigatória do exame físico
das mulheres, inclusive assintomáticas, durante avaliação médica de rotina. Exceto nos casos
de algumas doenças genitais específicas, a sua utilidade com finalidade preventiva em
mulheres não grávidas assintomáticas é considerada mínima. A sua acurácia, no diagnóstico de
tumores, doenças infecciosas, inflamatórias ou disfuncionais genitais, é indefinida.

https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/gynecological-conditions-
screening-with-the-pelvic-examination
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/pelvic-exam/

Fibrilação atrial crônica (FAc)

A FAc é uma condição cuja prevalência cresce significativamente a partir dos 65 anos de
idade. A sua detecção precoce, possível por meio de exame físico seguido de
eletrocardiograma, tem importância tanto no contexto do desempenho cardíaco quanto na
prevenção de tromboembolismo. O tratamento, portanto, visa o controle da arritmia em si e a
anticoagulação sanguínea. Porém, não existe evidência que comprove que o diagnóstico por
ECG de rastreamento, em pessoas assintomáticas, traga benefícios suplementares em relação
ao diagnóstico feito em outras circunstâncias, inclusive ao acaso.

https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/atrial-fibrillation-screening

Glaucoma

O glaucoma consiste na degeneração do nervo óptico causada, dentre outras, pelo aumento
da pressão intraocular. O diagnóstico pré-clínico pode ser feito pela medida da pressão ocular
(cuja maioria dos meios propedêuticos disponíveis na atenção primária tem baixa acurácia)
seguida de outros testes de confirmação. É discutível se o tratamento medicamentoso, por
laserterapia ou cirurgia consiga reduzir os impactos negativos da doença. Por outro lado, são
conhecidos os riscos dessas possibilidades de tratamento para os pacientes.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/primary-open-angle-
glaucoma-screening

Perda auditiva

A redução da acuidade auditiva é uma importante causa de isolamento social induzido e de


perda de qualidade de vida em indivíduos com disacusia acima de 50 anos de idade, mesmo
que não se deem conta ou não se queixem da deficiência. O rastreamento pode ser feito por
meio de questionário, manobras clínicas e audiometria de rastreio, testes estes que, no seu
conjunto, apresentam boa sensibilidade. Embora o diagnóstico da disacusia possa ajudar,
pontualmente, a melhorar a comunicação e o nível de desempenho social dos portadores, o seu
impacto positivo na saúde da população geral rastreada ainda é incerto. Casos de exposição
ocupacional a ruído ou histórico de doença otológica ou trauma acústico prévios devem ser
analisados individualmente.

https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/hearing-loss-in-older-
adults-screening

Risco de suicídio

Suicídio ocorre em pessoas expostas a uma gama de fatores de risco e doenças mentais
prévias. Apesar da disponibilidade de vários questionários para rastrear o risco de suicídio em
adultos assintomáticos, a acurácia deles é heterogênea e faltam dados suficientes sobre os
resultados da sua aplicação na prática. O seu uso na atenção primária à saúde foi pouco
estudado e o balanço entre benefícios e riscos ainda não pôde ser determinado.

https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/suicide-risk-in-
adolescents-adults-and-older-adults-screening

Violência e abuso contra idosos e vulneráveis

Idosos e vulneráveis portadores de incapacidade ou saúde precária, carentes de adequado


suporte social ou familiar, encontram-se em situação de maior risco de abuso físico,
psicológico, sexual ou financeiro, ou de negligência de cuidados. Entretanto, não existe, até o
momento, ferramenta de rastreamento adequada capaz de identificar sinais ou sintomas de
abuso nesse grupo e, por consequência, é insuficiente a evidência de que o rastreamento
sistemático na atenção primária possa reduzir os riscos físico e mental ou a mortalidade desses
idosos e vulneráveis.
Por outro lado, por ser uma situação de alto potencial de prevalência (até 1 ocorrência a
cada 6 idosos), é de extrema importância a intensificação das pesquisas nesse campo. Enquanto
isso, os profissionais da atenção primária à saúde devem se manter atentos e vigilantes para a
identificação a mais precoce possível deste tipo de abuso e violência.

https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/intimate-partner-violence-
and-abuse-of-elderly-and-vulnerable-adults-screening

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Recommendations.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/topic_search_results?topic_status=P. Acesso: Julho
2021.
2. CTFPHC – Canadian Task Force on Preventive Health Care. Published guidelines.
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/. Acesso: Julho de 2021.
3. Kim JE, Lee KT, Lee JK, Paik SW, Rhee JC, Choi KW. Clinical usefulness of carbohydrate antigen 19-9 as a
screening test for pancreatic cancer in an asymptomatic population. J Gastroenterol Hepatol. 2004
Feb;19(2):182-6.
4. Choe JW, Kim HJ, Kim JS, Cha J, Joo MK, Lee BJ, et al. Usefulness of CA 19-9 for pancreatic cancer
screening in patients with new-onset diabetes. Hepatobiliary Pancreat Dis Int. 2018 Jun;17(3):263-8.
5. Choe JW, Kim JS, Kim HJ, Hwang SY, Joo MK, Lee BJ, et al. Value of early check-up of carbohydrate
antigen 19-9 levels for pancreatic cancer screening in asymptomatic new-onset diabetic patients. Pancreas.
2016 May-Jun;45(5):730-4.
6. Lincango-Naranjo E, Solis-Pazmino P, El Kawkgi O, Salazar-Vega J, Garcia C, Ledesma T, et al. Triggers of
thyroid cancer diagnosis: a systematic review and meta-analysis. Endocrine. 2021 Jun;72(3):644-59.
7. Feltner C, Wallace IF, Kistler CE, Coker-Schwimmer M, Jonas DE. Screening for hearing loss in older adults:
updated evidence report and systematic review for the US Preventive Services Task Force. JAMA. 2021 Mar
23;325(12):1202-15.
8. Yon Y, Ramiro-Gonzalez M, Mikton CR, Huber M, Sethi D. The prevalence of elder abuse in institutional
settings: a systematic review and meta-analysis. Eur J Public Health. 2019 Feb 1;29(1):58-67.
9. Pillemer K, Burnes D, Riffin C, Lachs MS. Elder abuse: global situation, risk factors, and prevention
strategies. Gerontologist. 2016 Apr;56 Suppl 2(Suppl 2):S194-205.

1
Acredita-se que as concentrações sanguíneas normais da 25-(OH)-vitamina D apresentem grande variação
interindividual e os métodos de determinação laboratorial sejam pouco acurados.
Posfácio

Um médico ou uma médica com experiência clínica de longa data, ao finalizar a leitura dos
capítulos deste livro, talvez esteja se perguntando: “Onde se encaixam, então, o hemograma, o
exame de urina, a ureia e a creatinina, as enzimas hepáticas, os hormônios tireoideanos, o
sódio, o potássio e o cálcio, o teste da VHS ou a PCR ultrassensível, o teste ergométrico,
apenas para citar alguns do meu dia a dia de consultório?” A nossa resposta é: “Eles não se
encaixam no rastreamento, pois, em geral, agregam pouco ao cuidado de pessoas
assintomáticas!”
Um(a) profissional mais jovem, provavelmente, ficou intrigado(a) com a falta da
ultrassonografia ou tomografia de abdome total, da angiotomografia de coronária, da
ressonância magnética da próstata, ou de exames mais específicos como autoanticorpos e
hormônios sexuais, dosagens de vitamina D, ácido fólico e vitamina B12, ou ainda de testes
genéticos e marcadores tumorais, que podem apontar riscos de adoecimento no futuro. Nós
diríamos: “Podem, mas não ajudam ou ajudam muito pouco, de novo, no caso de pessoas
assintomáticas!”
O valor de exames complementares ou subsidiários como todos os citados acima, e muitos
outros, é inconteste. Nos devidos contextos clínicos, são ferramentas fundamentais ao
diagnóstico, tratamento e acompanhamento de pessoas acometidas por doenças já manifestas.
Em matéria de check-up, entretanto, a utilidade do seu uso rotineiro é nula ou mínima. Focado,
como é o rastreamento, nas pessoas assintomáticas, basicamente saudáveis, esses exames
contribuem mais para o desperdício de recursos do que para benefícios concretos de saúde.
Já existe evidência demonstrando, inclusive em nosso meio, que estratégias habituais de
check-up desencadeiam mais ações prescritivas do que de aconselhamento e prevenção,
distanciando-se do entendimento de que o rastreamento deve ser considerado válido se for
disparador da discussão individualizada com cada paciente acerca das alternativas disponíveis
para que o mesmo tenha uma vida mais saudável.
O rastreio ou check-up, como é largamente conhecida a prática de solicitar exames
preventivos, se baseado em evidências científicas que suportem o seu impacto positivo sobre a
mortalidade ou a melhoria da qualidade de vida das pessoas, tem uma dinâmica própria. Ele se
move pelo raciocínio clínico-epidemiológico centrado em fatores de risco e não pelo raciocínio
clínico baseado em queixas, como é o caso das abordagens médicas assistenciais e curativas
convencionais.
Entretanto, não é raro o profissional da saúde da linha de frente da atenção primária, na
tentativa de solicitar exames preventivos, repercutir a lógica das práticas curativas habituais.
Isso ocorre por uma série de razões, que vão desde o “medo de deixar de fazer um diagnóstico”
até a intenção de oferecer “o melhor possível ao paciente”, passando pela falta de tempo para a
consulta, o deslumbramento com a tecnologia de ponta, a pressão do paciente e da mídia e,
também, pela prática da medicina defensiva e de hiatos na formação profissional.
Viés semelhante acontece no caso de especialistas, acostumados a ver em seus consultórios
casos graves de doenças diagnosticadas tardiamente. Supondo que o diagnóstico pré-clínico
possa mudar o curso dessas doenças (o que nem sempre é corroborado pelas evidências
científicas), solicitam, rotineiramente, exames específicos, cujo impacto na mortalidade e na
qualidade de vida é pífio ou desconhecido. Ou, ainda pior, podem trazer prejuízo na forma de
diagnóstico incorreto, sobrediagnóstico, sequela de tratamento intempestivo, além de outras
consequências negativas de natureza psíquica, social ou econômica.
Os desafios deste livro são grandes. O primeiro é mostrar que o rastreamento médico de
doenças tem uma identidade muito própria, com estratégia de abordagem diferente daquela que
nós médicos aprendemos a adotar quando uma pessoa nos procura por “não estar se sentindo
bem”. Maior ainda é o desafio de tentar reverter ou, no mínimo, atenuar práticas arraigadas de
check-up que, de certa forma, apaziguam os anseios de médicos e pacientes, mesmo sendo
inócuas ou cientificamente questionáveis. Analogamente, rastreios inadequados estão para a
prevenção secundária assim como os placebos estão para o tratamento de doenças.
Outro desafio é preparar os profissionais da saúde para o check-up do futuro! Vislumbra-se
já o crescimento da solicitação preventiva de testes genéticos associados a várias doenças e de
novos marcadores tumorais. Há disponibilidade inclusive para venda direta à população de
testes genéticos que fornecem informações sobre ancestralidade e suscetibilidade genética a
diversas situações clínicas, como hemocromatose, doença de Alzheimer tardia, doença de
Parkinson, trombofilia ou degeneração macular.
Na mesma linha, ferramentas tecnológicas sofisticadas como a associação de radiografia ou
ressonância magnética a técnicas de mapeamento simultâneo com substâncias emissoras de
energia são capazes de proporcionar imagens do corpo humano com resolução cada vez mais
acurada. E outras estratégias visando ao diagnóstico pré-clínico, ainda experimentais ou em
fase preliminar de testes ou mesmo de descoberta, vão, em breve, encorpar progressivamente o
arsenal da propedêutica médica.
Nas últimas décadas, houve grandes investimentos em pesquisas de genômica e biologia
molecular que resultaram em redução de custos e maior rapidez na realização de testes
laboratoriais, contribuindo para a ampliação das possibilidades de identificação de marcadores
biológicos e desenvolvimento de medicações-alvo. Nesse contexto, a chamada medicina de
precisão ou medicina personalizada surge com o objetivo de customizar o tratamento às
características individuais dos pacientes.
Seguindo esses avanços, o rastreamento e a prevenção dirigidos caso a caso também
poderão se tornar realidade, permitindo a análise conjunta de dados clínicos, genéticos e de
estilo de vida. Essa perspectiva que se abre tem de ser encarada com responsabilidade, pois é
possível que o maior benefício dos testes genéticos e de outros novos métodos propedêuticos se
aplique mais à investigação diagnóstica a partir de queixas do que a rastreamento propriamente
dito.
O conjunto das evidências científicas disponível no momento sugere que os grandes
problemas de saúde pública não serão impactados pela medicina de precisão a menos que os
principais determinantes sociais subjacentes a esses problemas sejam adequadamente
abordados. Deve-se ressaltar que as principais doenças crônicas não transmissíveis têm causas
complexas, inclusive do ponto de vista genético, sendo caracterizadas por diferentes
polimorfismos de suscetibilidade, além de uma importante carga de desencadeantes ou
facilitadores ambientais e comportamentais.
Portanto, em paralelo ao desenvolvimento e crescimento da utilização prática de novas
técnicas em saúde, espera-se que cresça também o conhecimento baseado em evidências
científicas de boa qualidade sobre o papel efetivo desses meios no diagnóstico pré-clínico, na
promoção da saúde e na prevenção de doenças. E que, uma vez confirmado o seu benefício
preventivo para a saúde e a vida, que eles sejam colocados a serviço de todos, de forma
acessível e equânime.
A criação do conhecimento científico na área da saúde, assim como a prática clínica, está
também à beira de uma grande metamorfose, caminhando na esteira da revolução tecnológica.
Ambas devem ser impulsionadas, por exemplo, pela agilização da comunicação a distância,
pela multiplicação das redes de colaboração científica, a introdução progressiva da inteligência
artificial e, mais recentemente, do aprendizado de máquina, além das novidades da computação
quântica.
O desenvolvimento de estudos com milhões de dados de “vida real”, extraídos de bancos de
dados disponíveis (Big Data), e a perspectiva oferecida por algoritmos computacionais que
permitam formular bons modelos predittivos do risco de adoecimento, baseados em
biomarcadores e informações pessoais, apontam também para a possibilidade de rastreamento
médico com conclusões mais rápidas, acuradas e aprimoráveis dia a dia.
Por fim, a efetividade do rastreio de doenças corre pari passu com a evolução do
tratamento das mesmas. Portanto, a evolução dos métodos e opções de tratamento, sejam
clínicos, medicamentosos, cirúrgicos, procedimentos ou intervenções (invasivas ou não), cada
vez mais eficazes e menos agressivos, tendem a alavancar também a incorporação de novas
recomendações de rastreamento, na medida em que resultados positivos sejam confirmados nas
pesquisas.
Nós, autores de Rastreamento de doenças, acreditamos que este livro possa contribuir para
organizar a prática, atualmente dispersa e aleatória, da realização de exames médicos
preventivos ou check-ups. E, ao mesmo tempo, abrir o caminho para o futuro, com a
incorporação progressiva de novos elementos gerados pelo avanço tecnológico e científico, que
sejam capazes de promover cada vez mais saúde e prevenir doenças tratáveis.
Aos profissionais de saúde, principalmente, médicos e médicas que buscam cotidianamente
o bem-estar de seus pacientes, esperamos que as recomendações contidas ao longo do texto
tenham servido e continuem servindo de motivo para reflexão e estudo aprofundado e,
fundamentalmente, para adoção e aprimoramento de práticas profissionais mais críticas e
criteriosas, que revertam, sempre, em benefício da sociedade.

LEITURA COMPLEMENTAR SUGERIDA


1. Iriart JA. Medicina de precisão/medicina personalizada: análise crítica dos movimentos de transformação da
biomedicina no início do século XXI. Cad. Saúde Pública. 2019;35(3):e00153118.
2. Conceição RD, Laurinavicius AG, Kashiwagi NM, Carvalho JM, Oliva CA, Santos-Filho RD. Check-up e
progressão do risco cardiovascular: existe espaço para inovação? Einstein. 2015;13(2):196-201.
3. Martins MA. Check up do check up. Rev Assoc Med Bras. 2005;51(3):121-32.
Anexo A – Índice de Suemoto

O Índice de Suemoto, encontrado na plataforma e-Prognosis da University of California


San Francisco, é uma calculadora que fornece uma estimativa de risco de mortalidade em 10
anos (RM10) para pessoas acima de 60 anos. Ele foi validado com base em 5 estudos
epidemiológicos longitudinais (que incluíram pacientes de 16 países), um dos quais o SABE-
São Paulo (Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento).
Com base nas respostas dadas a 14 perguntas que avaliam dados demográficos, de
morbidade, comportamentos de saúde e indicadores de funcionalidade de pacientes, o Índice de
Suemoto fornece uma informação com grande potencial de ajuda na tomada de decisões quanto
à solicitação de exames invasivos e tratamentos agressivos em idosos, como pode ocorrer em
alguns rastreamentos médicos.
Para várias doenças elencadas neste livro (ver Capítulo “O que convém rastrear e como”), o
cálculo do Índice de Suemoto foi incluído como parte do processo de rastreamento para
pessoas com idade acima de 65 anos. Com essa iniciativa, pretende-se preservar idosos, cujo
estado de saúde já é debilitado e com alto risco de mortalidade em 10 anos, de executar
procedimentos de diagnóstico ou tratamento que não agreguem valor ou possam piorar ainda
mais a sua condição clínica.
De maneira geral, não se recomendam rastreamentos agressivos a partir de 80 anos de
idade, devido à falta de evidências de que melhorem a qualidade de vida ou prolonguem a
sobrevida de pacientes. O RM10 de pacientes “saudáveis” de 80 anos, calculado pelo Índice de
Suemoto é de 50% para homens e de 37% para mulheres (Tabela 1). Por essa razão,
Rastreamento de doenças sugere esses valores como referência na tomada de decisão sobre
rastreamentos de alto risco em pessoas acima de 65 anos.

TABELA 1 Risco de mortalidade em 10 anos (RM10) por faixa etária – pessoas sem comorbidades,
com IMC normal, estilo de vida saudável e sem incapacidades
Faixa etária (anos) RM10 (%) – Homem RM10% – Mulher
< 65 11-15 8-10

65-69 16-24 11-17

70-74 25-36 18-26

75-79 37-49 27-36

≥ 85 ≥ 66 ≥ 52

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. Suemoto CK, et al. Development and validation of a 10-year prediction model: meta-analysis of individual
participant data from five cohorts of older adults in developed and developing countries. J Gerontol A Biol
Sci Med Sci. 2017 Mar 1;72(3):410-6.
Anexo B – Modelo transteórico de mudança comportamental

O modelo transteórico (MTT) é resultado de pesquisas direcionadas ao entendimento do


processo de mudança comportamental. Desenvolvido e publicado por Prochaska e DiClemente,
o MTT visava, originalmente, descrever as etapas evolutivas pelas quais passavam fumantes
que se engajavam em um processo de cessação do tabagismo. Posteriormente, o mesmo
modelo passou a ser aplicado para outras mudanças comportamentais, como a adoção de
atividades físicas e alimentação saudável. Seu uso visa a adaptação e individualização de metas
a partir do reconhecimento de fortalezas e dificuldades e da negociação como estratégia de
aconselhamento.
Segundo o MTT, qualquer indivíduo diante de um hábito nocivo para a sua saúde encontra-
se em algum dos estágios de prontidão para a mudança comportamental a seguir:

Pré-contemplação: momento em que a pessoa sequer contempla a possibilidade de


mudar o hábito. Ela resiste à mudança e a aconselhamentos nesse sentido. Resistência é
a palavra-chave que define o comportamento de alguém em pré-contemplação.
Contemplação: a pessoa já começa a considerar a possibilidade de uma mudança
comportamental, mas não imediata. Ela bascula entre a necessidade de mudar e a
vontade de ainda manter o hábito. Ambivalência é a palavra-chave dessa fase.
Preparação: trata-se da fase em que a pessoa já tomou a decisão de mudar o hábito em
um curto espaço de tempo. De modo geral, já começou a tomar iniciativas preliminares
no sentido da mudança definitiva. Determinação é a palavra-chave desse estágio.
Ação: a mudança de comportamento esperada foi desencadeada (p. ex., parou de fumar,
perdeu os quilos desejados). Os primeiros 3 meses após a mudança ainda se incluem na
fase de ação. Concretização da mudança é a palavra-chave.
Manutenção: depois de finalizado o período de ação, advêm mais alguns meses nos
quais é alto o risco de recaída e medidas devem ser tomadas para preveni-la.
Persistência é a palavra-chave que define esse último estágio de mudança.

Além dos 5 estágios de prontidão de mudança comportamental o MTT inclui, também, o


conceito de autoeficácia (percepção da própria capacidade de mudar um hábito) e balanço
decisório (“pesagem” dos motivos a favor e contra a mudança comportamental). Ambos
devem ser, também, explorados e avaliados passo a passo durante o processo de
aconselhamento comportamental.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. Prochaska JO, DiClemente CC. Stages and processes of self-change of smoking toward and integrative model
of change. Journal of Consulting and Clinical Psychology. 1983;51(3):390-5.
2. Mastellos N, Gunn LH, Felix LM, Car J, Majeed A. Transtheoretical model stages of change for dietary and
physical exercise modification in weight loss management for overweight and obese adults. Cochrane
Database Syst Rev. 2014 Feb 5;(2):CD008066. doi: 10.1002/14651858.CD008066.pub3. PMID: 24500864.
3. Carvalho de Menezes M, Bedeschi LB, Santos LC, Lopes AC. Interventions directed at eating habits and
physical activity using the Transtheoretical model: a systematic review. Nutr Hosp. 2016 Sep 20;33(5):586.
Anexo C – Método P.A.N.P.A. de aconselhamento comportamental

A estadunidense Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ) recomenda os 5As
(Ask – Advise – Assess – Assist – Arrange) como passos iniciais do aconselhamento para
mudanças comportamentais. No nosso meio, uma das formas de identificação do método é pelo
acrônimo PANPA (Pergunte – Aconselhe – Negocie – Prepare – Acompanhe). Ele resume
ações progressivas que o profissional da saúde pode adotar, ajudando-o a promover a sua
saúde. Usando o exemplo do tabagismo:

Pergunte sobre o hábito de fumar, o número de cigarros fumados por dia, há quanto
tempo fuma, como se distribuem os cigarros fumados ao longo do dia, quais são os
“gatilhos” que aumentam a vontade de fumar e, principalmente, quanto o paciente está,
de fato, motivado a parar.
Aconselhe o paciente a conhecer e a refletir sobre os malefícios do cigarro para a sua
saúde e qualidade de vida, inclusive a sua interferência nas relações familiares, de
amizade e no trabalho. Reforce os benefícios potenciais da cessação do tabagismo para o
desempenho de suas atividades diárias e para realizar seus sonhos e planos futuros.
Negocie metas progressivas de redução de cigarros ao longo do tempo ou a escolha da
melhor data para parar, aconselhando uma gama de dicas para inibir os “gatilhos” da
vontade de fumar, como evitar locais e reuniões de fumantes, trocar o cafezinho por
outra bebida, beber muita água, fazer relaxamento, dentre outras estratégias.
Prepare o dia D da parada completa, estimulando o paciente a conversar com amigos e
familiares sobre a sua intenção de parar de fumar, pedindo a ajuda deles nesse processo,
antecipando possíveis sintomas de abstinência ou fissura nos dias seguintes e o que se
pode fazer para bloqueá-los ou atenuá-los.
Acompanhe de perto o paciente que já parou de fumar, dando orientações no sentido de
prevenir recaídas. Observe sinais de desgaste mental ou de prejuízo da tentativa de
cessação por parte da atitude de terceiros (p. ex., amigos que oferecem cigarros ou “só
uma tragada”). Mantenha-se em contato.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. Querido CN, et al. Aconselhamento em promoção da saúde. In: Nunes MPT, et al. (eds.). Medicina interna
ambulatorial: principais desafios com casos clínicos comentados. Rio de Janeiro: Editora Atheneu; 2019. p.
59-66.
2. Nunes SOV, et al. Abordagem breve. In: Nunes SOV, Castro MRP (orgs.). Tabagismo: Abordagem,
prevenção e tratamento [online]. Londrina: EDUEL; 2011. p. 83-93.
3. Coordenação Nacional de Prevenção e Vigilância do Tabagismo – CONPREV. Abordagem e tratamento do
tabagismo: Consenso. INCA; 2001.

Você também pode gostar