Rastreamento de Doenças Inovando o Check Up USP HC FMUSP 1° Ed
Rastreamento de Doenças Inovando o Check Up USP HC FMUSP 1° Ed
INOVANDO O CHECK-UP
R181
Rastreamento de doenças : inovando o check-up / Mario Ferreira Junior ... [et al.]. - 1. ed. - Santana de Parnaíba [SP] :
Manole, 2023.
1. Medicina - Prática. 2. Rastreamento médico. 3. Exame periódico de saúde. 4. Diagnóstico. I. Ferreira Junior, Mario.
Arnaldo Lichtenstein
Doutor em Medicina pela FMUSP. Diretor Técnico do Serviço de Clínica Geral e Propedêutica
do HC-FMUSP. Governador do capítulo brasileiro do American College of Physicians.
Desiderio Favarato
Doutor em Medicina (Cardiologia) pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FMUSP). Assistente do Instituto do Coração (InCor) da FMUSP.
Jorge Sabbaga
Médico oncologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e do Hospital
Sírio-Libanês de São Paulo.
Prefácio
Abreviaturas frequentes
Posfácio
Anexo A – Índice de Suemoto
Anexo B – Modelo transteórico de mudança comportamental
Anexo C – Método P.A.N.P.A. de aconselhamento comportamental
Prefácio
Os autores
São Paulo, outubro de 2022.
Abreviaturas frequentes
PONTOS-CHAVE
Rastreamento médico consiste na tentativa de identificar doenças de forma precoce, antes que
elas se manifestem clinicamente, por sintomas ou sinais.
As principais doenças rastreáveis são as que apresentam alta incidência, prevalência e
morbimortalidade, além de período pré-clínico prolongado.
A identificação da exposição a fatores de risco para a doença que se pretende rastrear tende a
melhorar o valor preditivo do rastreamento.
O método de rastreamento ideal deve apresentar boa acurácia para o diagnóstico pré-clínico,
fácil acesso e segurança para o paciente, além de ser custo-efetivo.
Só se justifica rastrear doença para a qual existe tratamento precoce capaz de mudar a história
natural da doença, melhorar a qualidade de vida ou aumentar a sobrevida.
Rastreamentos com potencial de causar qualquer tipo de dano físico, psíquico ou social devem
ser objeto de decisão compartilhada entre médico e paciente.
O rastreamento médico é uma das mais concretas contribuições da medicina clínica para a
prevenção de doenças e promoção da saúde. De modo geral, espera-se que, a partir do
diagnóstico pré-clínico, possam-se adotar tratamentos eficazes e ações preventivas capazes de
prolongar a sobrevida, evitar ou atenuar o sofrimento físico e mental, e proporcionar uma
melhor qualidade de vida às pessoas.
Bastante popular nos dias de hoje, o check-up médico é, todavia, uma atividade centenária.
Já no final do século XIX, grandes seguradoras de saúde promoviam exames médicos
preventivos com a finalidade de conhecer melhor o estado de saúde de seus segurados. Ao
longo do início e meados do século XX, o rastreamento médico (basicamente, na época, um
exame clínico minucioso) ganhou impulso entre as forças armadas e empresas, na tentativa de
manter soldados e trabalhadores saudáveis, entendendo-se que assim seriam, respectivamente,
mais combativos e produtivos, e assim gerassem mais eficiência e economia.
Mas foi a partir dos anos 1970 que o check-up ficou mais acessível à população em geral e
adquiriu o formato pelo qual é mais conhecido hoje: um painel predefinido de exames clínicos,
laboratoriais e de imagem, supostamente capaz de fornecer uma fotografia momentânea
completa da saúde. Essa evolução resultou da explosão tecnológica vivida na medicina do final
do século XX, da maior disponibilidade e acesso a informações e serviços médicos, e da
crescente busca por saúde e qualidade de vida.
É difícil imaginar uma aspiração mais legítima e atraente para qualquer ser humano, nos
dias de hoje, do que viver mais e com mais saúde. Se exames médicos feitos com certa
periodicidade podem desvendar doenças no seu início e, de algum modo, sinalizar a chance de
tornar aquela aspiração uma realidade, esses exames tornam-se um bem de interesse público,
cujo mercado consumidor potencial tende a englobar grandes contingentes de pessoas. E foi
assim que o check-up médico ganhou fama e se difundiu, nas últimas décadas.
Não basta, então, apenas a disponibilidade de bons testes de rastreamento nos serviços de
saúde e de boas evidências científicas internacionais. O grande desafio para fazer do check-up
um instrumento de prevenção cada vez mais acurado e efetivo para a saúde de brasileiros,
realçando suas qualidades e mitigando distorções, passa, na medida do possível, pela
ponderação das evidências científicas internacionais com dados epidemiológicos e estudos
produzidos no Brasil.
Nem todas as doenças ou problemas que podem prejudicar ou colocar em risco a saúde se
prestam ou merecem ser incluídos em uma lista de rastreamento médico. Como ponto de
partida, um problema de saúde é candidato a fazer parte do rastreio se a sua prevalência for
significativa. Porém, não existem linhas divisórias nítidas capazes de definir alta, média ou
baixa prevalência, aplicáveis a todos os problemas de saúde.
De modo geral, o rastreamento é justificável para os problemas que permanecem ativos na
população-alvo em uma frequência e por tempo suficientes para serem identificados, de algum
modo, em fase pré-clínica. Neste grupo, encontram-se exemplos de doenças infecciosas
transmissíveis, metabólicas, cardiovasculares e cânceres, além de problemas relacionados a
distúrbios mentais e psicossociais.
Alta incidência também é relevante, mas, por si só, não é um pré-requisito para rastrear,
pois fatores como rápida letalidade, cura espontânea ou alta eficácia do tratamento podem
dificultar, impossibilitar ou tornar o diagnóstico pré-clínico inútil. Justifica-se rastrear doenças
raras (p. ex., síndromes hereditárias do metabolismo, de autoimunidade ou de cânceres) na
idade adulta apenas em casos selecionados de antecedentes familiares muito expressivos.
Por outro lado, mesmo doenças de alta prevalência nem sempre merecem ser rastreadas, ou
por seu impacto na saúde ser pequeno, ou por existirem outros meios mais adequados de
abordá-las. Moléstias parasitárias intestinais são um exemplo: apesar de prevalentes em
comunidades carentes, a realização periódica de exames protoparasitológicos tem pouco valor
se comparada às medidas prioritárias de promoção da saúde coletiva (saneamento básico, água
tratada etc.) ou, até mesmo, à prescrição empírica de antiparasitários de baixa toxicidade.
Essa dificuldade de rastrear doenças de evolução mais rápida e agressiva é causa, inclusive,
de um defeito inerente ao rastreamento, conhecido como viés de duração da doença, ilustrado
na Figura 1.
Imagine que um certo tipo de câncer possa evoluir de duas formas diferentes. Às vezes,
comporta-se de modo muito agressivo, desenvolve grandes massas tumorais e metástases,
deteriora a saúde do(a) paciente e, em semanas ou poucos meses, leva ao óbito. Outras vezes,
apresenta-se mais brando, evoluindo lenta e progressivamente ao longo de muitos meses ou
anos, sem que o(a) paciente se queixe de qualquer sintoma.
FIGURA 1 Ilustração gráfica do viés de duração da doença. As linhas de cor cinza indicam os casos
diagnosticados em alguma das rodadas de rastreamento (R).
Qual dessas duas formas de evolução seria mais facilmente diagnosticada por um
rastreamento anual ou bienal? A segunda, certamente. Apesar do benefício potencial do
diagnóstico pré-clínico de algumas dessas neoplasias menos agressivas, a tendência de que
estas sejam as mais detectadas acaba por desviar o rastreamento médico do seu objetivo.
Tumores mais graves e letais, ou seja, de maior importância clínica, deixam de ser
diagnosticados e tratados a tempo, em detrimento dos menos agressivos e, provavelmente,
menos letais. Há evidências de que o viés de duração da doença ocorra, por exemplo, com as
neoplasias de próstata, sendo as mais indolentes as mais frequentemente identificadas.
Apenas com base no sexo, idade, antecedentes familiares e histórico de exposição a fatores de
risco já é possível construir rastreamentos médicos individualizados, capazes de promover
tratamentos ou intervenções preventivas com potencial de impactar, positivamente, a qualidade
de saúde e vida. Controle de doença em fase pré-clínica, mudança de hábito alimentar, retomada
da atividade física, cessação do tabagismo, uso de equipamento de proteção individual e adesão
a tratamentos são exemplos disso. Não há base científica que justifique a necessidade de um
exame médico completo e detalhado para essa finalidade, como se imaginava no passado, nem
de campanhas de check-ups com exames padronizados não individualizados.
A primeira propriedade que se espera de um bom método de rastreamento é que ele seja
sensível, isto é, que detecte o problema de saúde já existente e incipiente, com pouca chance de
erro ou falha na sua detecção. Em outros termos, espera-se que ele tenha um baixo percentual
de falso-negativos. A sensibilidade ideal é 100%, situação na qual todos os casos existentes da
doença rastreada seriam detectados, com nenhum resultado falso-negativo. Na vida real,
valores de sensibilidade de 80% a 90% são bastante aceitáveis, como acontece, por exemplo,
na aferição da pressão arterial para o diagnóstico da HA ou a aplicação do questionário CAGE
para detectar o consumo preocupante de bebida alcoólica.
Os métodos de rastreamento não necessariamente definem a presença da doença, ou seja,
frequentemente são necessários outros exames ou testes para que se faça o diagnóstico
definitivo. Algumas vezes, o rastreamento serve apenas para indicar se uma pessoa (ou um
grupo de pessoas, no caso de programa de rastreamento coletivo) tem alta ou baixa
probabilidade de apresentá-la, conforme o resultado do exame seja positivo ou negativo. Mas a
conclusão definitiva depende, em geral, de outros exames. Por exemplo: após uma mamografia
cuja classificação foi Bi-Rads 4, é necessário fazer uma biópsia de nódulo mamário; um
homem cujo resultado de PSA (antígeno específico da próstata) está acima do valor de
referência precisa de exames de imagem e estudo histopatológico para a confirmação e o
estadiamento do câncer da próstata.
Alta especificidade (poucos resultados falso-positivos), apesar de bem-vinda, não é,
portanto, um pré-requisito obrigatório para testes de rastreamento, desde que outros exames
mais específicos possam ser feitos, subsequentemente, de forma complementar, para confirmar
os achados do rastreio. Por fim, a sensibilidade e a especificidade combinadas com a
prevalência na população-alvo do rastreamento permitem estimar os seus valores preditivos
(positivo e negativo), que são variáveis úteis no planejamento de programas coletivos de
rastreamento médico.
Do ponto de vista técnico, espera-se que toda e qualquer ação que vise o diagnóstico pré-
clínico, incluindo manobras de exame físico, questionários estruturados, testes de bioquímica
do sangue ou exames de imagem ou visualização direta, seja segura para o paciente, não
colocando, portanto, a sua integridade física ou mental em risco.
Essa preocupação é mais pertinente no caso de procedimentos invasivos como punções-
biópsias ou estudos endoscópicos, principalmente quando há chance de complicações graves e
sequelas do procedimento em si ou do preparo para executá-lo (p. ex., perfuração intestinal,
sepse ou insuficiência renal aguda associadas à colonoscopia). De preferência, procedimentos
de rastreamento devem ser simples e de fácil aplicação, pouco invasivos, e exigir o mínimo
necessário de custos e infraestrutura laboratorial e hospitalar.
Precisão e acurácia dos exames, reduzindo a probabilidade de erros de análise,
interpretação ou divulgação de resultados (principalmente no caso de laudos descritivos), são
esperadas. Com relação aos testes laboratoriais, em especial, há toda uma cadeia de
procedimentos pré-analíticos, analíticos e pós-analíticos, que necessita de controle rigoroso
para garantia da qualidade. E a boa reprodutibilidade, ou seja, a capacidade de se obter
resultados semelhantes para um mesmo teste, caso ele necessite de repetição ou revalidação,
interna ou externa, aumenta a confiabilidade e amplia a sua capilaridade e possibilidades de
acesso na rede de atenção à saúde.
Fácil disponibilidade, amplo acesso e baixo custo são fatores que completam as qualidades
mínimas necessárias para tornar o rastreamento mais atraente e custo-efetivo. Ajudam,
também, a fazer com que a população-alvo se torne mais aderente a ele. Sem expectativa de
adesão significativa, um programa de rastreamento corre o risco de ser uma iniciativa mal-
sucedida, podendo até ser abortado antes mesmo da sua implementação.
A experiência prática mostra que fazer exames médicos, clínicos, laboratoriais e de imagem
goza de alta popularidade em nosso meio, o que, por si só, tende a alavancar a adesão a
rastreios médicos. Entretanto, para escapar do uso excessivo e inadequado dos meios de
diagnóstico e para que o rastreamento médico baseado em evidências científicas alcance a
maior adesão possível, profissionais da área da saúde, incluindo pesquisadores, educadores,
prestadores de serviços e gestores, têm papel relevante na difusão de informações e
orientações, que desmistifiquem o valor da sobretestagem, prática comum, mas capaz de
comprometer a prevenção secundária de doenças.
Estudos científicos já revelaram que, quanto mais exames laboratoriais são solicitados,
maior é a probabilidade de variações indevidas de alguns resultados em relação à normalidade.
Lembra-se ainda que para a determinação do valor de referência normal de um exame toma-se
como base a forma como essa variável se comporta na maioria da população de estudo. E por
maioria, entende-se, em geral, 95% desse grupo, ou seja, em até 5% das pessoas estudadas os
resultados de qualquer exame complementar podem estar fora da faixa normal determinada
pela maioria, sem que isso signifique, necessariamente, presença de doença ou qualquer outra
implicação em termos de saúde.
Um exemplo clássico para ilustrar essa situação são os nódulos, também denominados
incidentalomas, muitas vezes identificados em exames de imagem de check-up ou feitos para
outras finalidades. Esses nódulos são, em sua maioria, benignos, correspondem a variações da
normalidade e não implicam em qualquer consequência para a saúde dos indivíduos portadores.
Porém, quando identificados, acabam por gerar angústia e subsequente investigação, com os
riscos inerentes a essas práticas.
Esse e outros vieses da sobretestagem podem causar iatrogenia que, segundo alguns
autores, deve ser objeto do que eles chamam prevenção quaternária. E há, ainda, o
sobrediagnóstico, outro desfecho negativo associado ao rastreamento. Neste caso, não há erro
diagnóstico. Trata-se, na verdade, de um efeito colateral da maior capacidade diagnóstica dos
testes laboratoriais e exames de imagem, qual seja, detectar alterações orgânicas incipientes,
mas que acabam por não progredir nem prejudicar a saúde do(a) paciente.
Um exemplo interessante é a ultrassonografia de tireoide, que ganhou popularidade nos
últimos anos como exame preventivo solicitado por muitos médicos. Com essa prática,
verificou-se um enorme aumento na incidência de câncer nessa glândula, em mulheres. Porém,
no mesmo período, a mortalidade por câncer de tireoide permaneceu praticamente inalterada.
Dependendo do ponto de vista, pode-se conseguir explicações diferentes e até contraditórias
para essa situação:
Uma vez que, analisando-se o período estudado, não houve mudança significativa nas
opções de tratamento desses tumores e como a mortalidade não aumentou nem diminuiu, a
explicação realista parece ser a mais plausível. Isso é sobrediagnóstico.
O rastreamento médico é um meio de ajudar pessoas a viverem mais e melhor. Porém, para
alcançar esses objetivos é preciso estar atento a algumas premissas peculiares, referentes a
tratamentos ou outras intervenções a serem adotadas. Intervenções precoces não seguem,
necessariamente, os mesmos princípios ou surtem os mesmos efeitos das intervenções tardias,
introduzidas quando o diagnóstico é feito após a manifestação clínica. É importante saber ou
estimar de antemão se o tratamento em fase prévia ao aparecimento de sintomas e sinais
permitirá que o(a) paciente tenha ganhos, de fato, quando comparado ao tratamento introduzido
quando do diagnóstico mais tardio.
Preliminarmente, cabe incluir em um programa de rastreio apenas condições médicas para
as quais exista tratamento ou intervenção precoce ou controle eficaz do problema, cujos
benefícios potenciais superam eventuais danos à saúde. Usando o exemplo da estenose de
carótida (EC) assintomática: uma vez diagnosticada, é de se esperar que haja uma redução de
acidentes vasculares encefálicos, inclusive transitórios, após intervenção cirúrgica. Porém, as
evidências mostram que, além dos riscos das complicações perioperatórias, o benefício da
cirurgia é apenas marginal em relação ao tratamento clínico convencional para doenças
vasculares. Além disso, o controle de comorbidades (hipertensão arterial, diabete melito,
hipercolesterolemia) e o incentivo a hábitos saudáveis (cessação do tabagismo, perda de peso,
alimentação equilibrada, atividade física) independem do rastreamento da EC para serem
prescritos.
É questionável, também, rastrear situações em que apesar de existir tratamento, ele tenha
alto risco de complicações ou sequelas, seja experimental ou apresente resultados duvidosos.
Junte-se a esses itens uma avaliação desfavorável do estado geral de saúde do(a) paciente com
uma expectativa ruim de sobrevida, no momento do check-up, para que este não se justifique.
Avalie, por exemplo, a razoabilidade de rastrear o câncer colorretal em uma mulher de 73
anos, diabética, hipertensa, portadora de insuficiência renal grau 4 e insuficiência cardíaca com
fibrilação atrial crônica, cuja expectativa de sobrevida em 10 anos calculada por uma
ferramenta validada para aplicação clínica seja menor que 30% (ou seja, risco de morte maior
que 70%). A colonoscopia seria o exame de rastreamento ideal para ela? Um teste
imunoquímico positivo para hemoglobina humana nas fezes seria menos problemático? Qual a
possibilidade dessa paciente suportar o tratamento de um câncer colorretal diagnosticado por
rastreamento? Há esperança de melhora da expectativa de sobrevida calculada se o câncer for
diagnosticado e tratado? Essas são perguntas importantes a serem respondidas,
preferencialmente antes de submeter a paciente ao exame.
O que se espera é que a prática de rastreamento médico seja a mais consensual possível entre
médico(a) e paciente. Para tanto, as decisões de quais exames fazer ou deixar de fazer devem
ser compartilhadas. Nesse processo, todas as informações necessárias devem ser postas em
discussão e detalhes teóricos e práticos analisados, incluindo as expectativas de resultados e
suas possíveis consequências. Enfim, se não é ético negar a solicitação de um exame disponível
a quem quer que seja, como acreditam alguns, não é menos antiético solicitar exames sem
comprovação científica de benefício e deixar de discutir isso, previamente, com seus pacientes. A
decisão compartilhada é, portanto, um meio viável no sentido de solucionar esse dilema e
melhorar a efetividade das práticas de rastreamento.
De certa forma interligadas à questão ética vale a pena ressaltar aqui, também, as questões
de natureza monetária. Quando se pensa no impacto financeiro do rastreamento médico é
comum limitar-se ao preço unitário do exame, se é barato ou caro. Na verdade, o custo com a
solicitação e realização do exame em si representa apenas uma pequena parte do impacto
financeiro do rastreamento médico.
Para que ele seja calculado de forma completa, é preciso incluir na equação outros custos:
da consulta inicial; do teste de rastreio propriamente dito; de todos os exames subsidiários
feitos para confirmação do diagnóstico e estadiamento da doença ou problema rastreado; da
intervenção, procedimento clínico ou cirúrgico adotado no tratamento; de internação hospitalar,
se houver; das consultas e exames de acompanhamento médico subsequente; de efeitos
colaterais inesperados; de dias perdidos de trabalho; de incapacidades permanentes; de
reabilitação; enfim, de todos os desdobramentos possíveis.
Além do seu impacto financeiro absoluto, deve ser levada em conta, também, a relação dele
com os seus resultados práticos, ou seja, se reduziu a morbimortalidade, para uma boa
avaliação da sua custo-efetividade. Para isso, existem indicadores de efetividade como o QALY
(Quality Adjusted Life Years) ou o YLD (Years Lived with Disability), que medem o número de
anos vividos com qualidade ou com deficiência, ou ainda, simplesmente, o número de anos de
vida ganhos. Indicadores desse tipo servem principalmente para que gestores, públicos e
privados, possam definir quais medidas de rastreamento coletivo adotar em seus locais de
atuação.
Suponha, por exemplo, que a custo-efetividade da mamografia para o câncer de mama em
mulheres acima de 50 anos, medida pelo montante gasto em dinheiro por cada ano de vida
salvo, mostrou-se cerca de duas vezes menor do que para mulheres rastreadas entre 40 e 49
anos. Isso pode se dever ao fato de a mamografia mais precoce detectar mais falso-positivos ou
verdadeiro-positivos sem significado clínico (sobrediagnóstico). O custo desses efeitos
indesejados, somado ao fato da prevalência do câncer de mama ser menor entre mulheres de 40
a 49 anos, explicaria o porquê da sua custo-efetividade menos atraente nesta faixa etária.
Apesar de análises de custo-efetividade não fazerem parte, diretamente, da prática médica
clínica, elas estão cada vez mais presentes nas diretrizes e protocolos de apoio ao trabalho
médico e sistemas de gestão em saúde. Para muitas recomendações de rastreamento, passaram-
se a adotar análises financeiras, quando disponíveis, visando a robustecer as conclusões das
revisões sistemáticas. É, no mínimo, intuitivo perceber que o sucesso de um programa de
rastreamento médico coletivo ou individual, sustentável ao longo do tempo, depende também
da sua viabilidade financeira, tanto no setor público quanto privado da saúde.
Hoje, viver mais e melhor é objetivo não só de doentes, mas também das pessoas
virtualmente saudáveis. E o rastreamento pode ajudar a alcançá-lo, desde que seja feito dentro
dos limites que lhe são inerentes, ou seja, dosando os conhecimentos científicos e as novas
técnicas de diagnóstico e tratamento com as características epidemiológicas e culturais de onde
é praticado, com o discernimento clínico do profissional da saúde envolvido e, importante, com
a individualidade de cada paciente.
Nas últimas décadas, floresceram várias novidades em tecnologia da saúde. As suas
vantagens em relação às mais antigas possibilitaram diagnósticos mais rápidos e precisos,
tratamentos mais abrangentes e curativos, e a geração de conhecimento com base em
evidências científicas cada vez mais sólidas. Pacientes de check-up também ganharam muito
com isso.
Por outro lado, afloraram novos problemas antes inexistentes ou que, pelo menos, não eram
tão percebidos, como os vieses de duração e de tempo ganho, a sobretestagem, o
sobrediagnóstico e suas consequências práticas para os pacientes: exames e tratamentos
desnecessários, inadequados, com possíveis complicações e até sequelas. Além do desperdício
de recursos humanos, materiais e financeiros.
A evolução tecnológica e a sua interface com a área de negócio da saúde vão continuar seus
caminhos na tentativa de suprir as demandas sociais. E o complexo sistema de saúde, com as
inter-relações entre governantes, empresários, legisladores, pesquisadores, gestores, fabricantes,
distribuidores, vendedores, prestadores de serviços e cidadãos, vai seguir adaptando-se e
modernizando-se. Mantendo o foco principal sempre no bem-estar das pessoas (cidadãos,
clientes, pacientes, usuários etc.), em torno de quem orbita todo o sistema de saúde, as melhores
soluções de rastreamento médico tendem a passar, também, pelo compartilhamento de decisões
entre profissionais da saúde bem treinados e pacientes bem informados.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. United States Preventive Services Task Force. Recommendations.
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Barueri: Editora Manole; 2009. p. 179-92.
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Editora Manole; 2009.
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Editora Manole; 2011.
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2
O que convém rastrear e como
Para essa finalidade, pode-se incluir um passo intermediário no processo de rastreio com
perguntas dirigidas à exposição individual a fatores de risco específicos ou, quando existentes,
questionários validados ou mesmo calculadoras de risco baseadas em algoritmos desenvolvidos
a partir de estudos epidemiológicos, publicados na literatura ou disponíveis em estatísticas
oficiais de saúde.
As propostas de rastreamentos que se seguem têm por objetivo transformar o check-up (na
maioria das vezes, ainda hoje, um “pacote” padronizado de exames realizado
indiscriminadamente) em um processo decisório sequencial de procedimentos clínicos e
exames subsidiários. Isto é, uma prática que, partindo de recomendações de rastreamento
baseadas em evidências científicas minimamente favoráveis, incorpore peculiaridades da
realidade de saúde coletiva local e adeque-se, de algum modo, aos riscos individuais de cada
paciente, considerando, inclusive, o seu estado de saúde atual e a expectativa de sobrevida.
A decisão final quanto a fazer ou não o rastreamento desta ou daquela doença, por meio
deste ou daquele exame, deve ser resultado, sempre que necessário e possível, da ponderação
conjunta do(a) médico(a) com seu(sua) paciente (ou grupo de pacientes, no caso de programas
de rastreamento coletivo), na qual sejam valorizados, também, aspectos relativos à cultura,
crenças, convicções, anseios e receios das partes envolvidas, além das bases técnicas e
científicas aqui abordadas.
FIGURA 1 Fluxograma geral do processo do rastreamento médico baseado em evidências.
2.1
Aneurisma de aorta abdominal (AAA)
PONTOS-CHAVE
Rastrear o AAA nas mulheres e homens de alto risco (vide fatores da Tabela 1), assintomáticos,
entre 65 e 75 anos de idade.
Rastrear apenas se a condição prévia da saúde do(a) paciente for boa e o risco de mortalidade
em 10 anos (RM10), calculado pelo Índice de Suemoto (E-prognosis), for < 50% ou < 37%,
respectivamente, para homens e mulheres.
Utilizar a ultrassonografia duplex ou Doppler de aorta como método de escolha a ser executado
uma vez e repetido conforme o resultado inicial, a critério médico.
Informar o(a) paciente dos riscos possíveis e benefícios esperados dos tratamentos disponíveis,
e compartilhar a decisão sobre o rastreamento do AAA com o(a) mesmo(a).
A USPSTF recomenda rastrear AAA em todos os homens entre 65 e 75 anos de idade que
fumaram em algum momento da vida ou, seletivamente, em não fumantes com outros fatores de
risco. O rastreamento em mulheres não é recomendado.
A CTFPHC recomenda o rastreamento de homens de alto risco de 65 a 80 anos de idade.
O American College of Cardiology e a American Heart Association recomendam o rastreamento
do AAA por meio de exame físico e ultrassonografia de abdome, em conjunto. Ambas
recomendam não rastrear AAA em nunca-fumantes ou mulheres.
A Society for Vascular Surgery recomenda o rastreamento único na vida para homens e
mulheres com passado de tabagismo, entre 65 e 75 anos de idade, homens de 55 anos ou mais
e mulheres com 65 anos ou mais com histórico familiar de AAA.
O American College of Preventive Medicine não recomenda rastrear AAA em mulheres.
Jacinto, 74 anos, sergipano, agricultor, retorna ao médico para controle de insuficiência cardíaca,
DPOC e DM2. Refere melhora da falta de ar e do inchaço nas pernas com a medicação. Continua
caminhando 20-30 minutos por dia. Nega dores no peito, dispneia noturna, ortopneia e qualquer
dificuldade para atividades normais da vida diária. Parou de fumar há 10 anos, mas ainda bebe
álcool aos domingos. Seus sinais vitais estão normais e seu IMC é 29. Seu médico, animado com
a melhora e querendo ajudá-lo ainda mais, pediu uma ultrassonografia de abdome para rastrear
um possível aneurisma de aorta.
Definição
Aneurisma de aorta abdominal (AAA) é uma dilatação permanente de pelo menos 1,5 vez
seu diâmetro original. Localiza-se, mais comumente, abaixo das artérias renais, onde há mais
presença de vasa vasorum. A evolução natural do AAA envolve a dilatação progressiva ao
longo do tempo com risco de ruptura. Grandes aneurismas se expandem mais rápido do que os
menores e têm maior chance rompimento.
Complicações
A ruptura é o evento mais grave decorrente de um AAA, sendo causa de óbito em cerca de
85% a 90% das vezes em que ocorre. Estimativas apontam para inequívocos altos índices de
letalidade associados a essa condição: 27% a 50% das pessoas vítimas de ruptura de AAA
morrem antes de chegar ao hospital, 24% a 58% antes de serem operadas, 42% a 80% no
período intra e pós-operatório.
Epidemiologia
Fatores de risco
TABELA 1 Fatores que elevam o risco de aneurisma de aorta abdominal (AAA) ou suas
complicações
Fatores de proteção
Aspectos clínicos
Exame clínico
A ultrassonografia (USG) duplex (ou Doppler) é o método mais indicado para rastrear o
AAA, pois tem alta sensibilidade (94%-100%) e especificidade (98%-100%) para tanto. Além
disso, não é invasiva, é de fácil execução, está disponível e acessível a custo assimilável,
mesmo em locais sem infraestrutura sofisticada de saúde, e goza de boa aceitação por parte dos
pacientes. A tomografia computadorizada de abdome é igualmente eficaz, mas não é o melhor
método de rastreamento, devido aos possíveis riscos decorrentes da exposição à radiação
ionizante.
A USPSTF recomenda rastrear homens que tiveram algum consumo de tabaco na vida (≥
100 cigarros ou 5 maços), com uma USG duplex de aorta abdominal, entre 65 e 75 anos de
idade. O rastreamento pode ser também recomendado, por decisão informada e compartilhada,
para os indivíduos masculinos dessa faixa etária que nunca fumaram, desde que apresentem
histórico familiar de AAA ou estejam expostos a outros fatores de risco, dentre os listados na
Tabela 1, ou, ainda, que expressem preferência pessoal em se submeter ao exame.
A CTFPHC, com algumas pequenas nuances, faz recomendação semelhante, exceto pelo
limite superior da faixa etária, que é de 80 anos. Ambas as entidades concordam que a
evidência é insuficiente em relação ao rastreamento de AAA em mulheres. Por outro lado,
alguns estudos mostraram que ignorar o rastreamento de AAA em mulheres, “nunca” fumantes
e pessoas com menos de 65 anos pode implicar em subdiagnóstico possivelmente significativo.
Um deles em especial, feito nos EUA, analisou a importância dos fatores de risco na
incidência do AAA (definido por um diâmetro de aorta ≥ 3 cm) com base nos dados coletados
de 3.056.455 pacientes que foram submetidos a rastreamento voluntário com USG em mais de
20.000 diferentes locais do país, no período de 2003 a 2008. Dezenas de possíveis fatores de
risco, confrontados com os 23.446 casos encontrados de AAA, confirmaram a importância
daqueles relacionados na Tabela 1, além de permitir a elaboração de um algoritmo preditivo de
risco. Aplicado o algoritmo em um modelo matemático preditivo para toda a população
estadunidense, os autores chegaram à conclusão de que cerca de pouco mais da metade do
número estimado de portadores de AAA seriam mulheres, pessoas que nunca fumaram e/ou
com menos de 65 anos. Ou seja, pessoas não rastreáveis pelos critérios existentes, ainda hoje.
A importância desse estudo está em justificar uma avaliação prévia do risco de desenvolver
AAA para todos os homens e mulheres. Não existe, ainda hoje, calculadora validada que seja
capaz de definir com mais precisão o risco individual de alguém apresentar AAA. Assim
mesmo, o profissional de saúde pode tentar estimar, subjetivamente, o risco em alto ou baixo,
com base na presença ou ausência dos fatores demográficos, antecedentes e hábitos dos
pacientes (Tabela 1).
Além disso, o diagnóstico de um AAA, apesar de aparentemente simples por método não
invasivo, via de regra implica em tratamentos extremamente agressivos. A preexistência de
doenças ou incapacidades pode limitar a possibilidade de um(a) paciente ser submetido(a) a
intervenções dessa natureza. Como em outras situações semelhantes (cânceres e doenças
cardiovasculares), acredita-se ser conveniente, aqui também, uma estimativa prévia de risco de
mortalidade em 10 anos (RM10), por exemplo, pelo Índice de Suemoto (E-prognosis), para
pessoas com mais de 65 anos.
O rastreamento do AAA por meio de USG duplex é, portanto, um procedimento adequado
principalmente para homens, de faixas de idade mais avançadas, fumantes ou ex-fumantes.
Entretanto, uma avaliação preliminar, levando em conta os fatores de risco, alerta para possível
benefício do exame para mulheres e outras pessoas que nunca fumaram. A avaliação do estado
geral de saúde e o risco de mortalidade em 10 anos completam a avaliação clínica prévia ao
check-up. Isso reforça a tentativa de evitar rastrear pessoas cuja saúde comprometida iniba a
adoção de tratamento eficaz.
TABELA 2 Risco anual de ruptura de acordo com o diâmetro do aneurisma de aorta abdominal (AAA)
Diâmetro do AAA Risco estimado de ruptura por ano
3,0 a 3,9 cm 0%
4,0 a 4,9 cm 1%
Fonte: USPSTF
A reparação cirúrgica tem sido a opção de escolha para homens com AAA de diâmetro ≥
5,5 cm ou ≥ 4 cm cuja “velocidade” de expansão do aneurisma foi de pelo menos 1 cm em 1
ano. Recentemente, a reparação do aneurisma por via endovascular tornou-se a abordagem
mais usada em detrimento da operação a “céu aberto”. Para os pacientes rastreados com AAA
estáveis entre 3 cm e 5,5 cm, que são a grande maioria (≥ 90%), a vigilância periódica por meio
de USG é a conduta mais pertinente, pois o risco de ruptura é baixo. A reparação de aneurismas
de baixo risco de ruptura (possível sobrediagnóstico) aumenta a possibilidade de danos à saúde
e reduz os benefícios do rastreamento.
Benefícios do rastreamento
Análise combinada de vários ensaios clínicos mostra que o rastreamento é capaz de reduzir
a mortalidade por AAA principalmente em homens de 65 a 75 anos de idade, em quem a
prevalência da doença é maior. Dados desse tipo não estão disponíveis para mulheres, embora
se saiba, com base em outros estudos, que apesar do índice de rupturas ser menor, AAA
menores que 5,5 cm rompem mais comumente entre elas (60% a 70% das vezes),
principalmente após os 80 anos de idade.
Tratamento clínico
A indicação do rastreamento com USG duplex para o Jacinto tem bom suporte nas evidências
disponíveis sobre o assunto. O sexo masculino, a idade e o tabagismo passado aumentam o seu
risco pessoal de apresentar um AAA, embora apresente também alguns hábitos protetores. Já as
comorbidades existentes são relevantes e parecem comprometer a sua saúde em um nível crítico
para a adoção de tratamento invasivo. Portanto, tanto o rastreamento quanto as possíveis
abordagens terapêuticas dependem de decisões complexas que devem passar, necessariamente,
pela opinião e preferências pessoais de Jacinto.
CONCLUSÃO
Em conclusão, a experiência tem mostrado que o tratamento, apesar de potencialmente
agressivo, tem se aprimorado nas últimas décadas. Há evidências que sugerem redução da
mortalidade, sem piora expressiva da qualidade de vida, principalmente entre homens tratados
cirurgicamente. Não se pode concluir sobre o balanço entre benefícios e risco de danos no caso
de AAA em mulheres.
AGRADECIMENTO
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF. Abdominal aortic aneurysm: Screening (2019).
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/abdominal-aortic-aneurysm-screening
Acesso: Maio 2021.
2. CTFPHC. Abdominal aortic aneurysm (2017). https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-
guidelines/abdominal-aortic-aneurysm/. Acesso: Maio 2021.
3. Kent KC, Zwolak RM, Egorova AA, Riles TS, Mangarano A, Moskowitz AJ, et al. Analysis of risk for
abdominal aortic aneurysm in a cohort of more than 3 million individuals. J Vasc. Surg. 2010;52:539-49.
4. Chung J. Epidemiology, risk factors, pathogenesis, and natural history of abdominal aortic aneurysm In: Up
To Date. https://www.uptodate.com/contents/epidemiology-risk-factors-pathogenesis-and-natural-history-of-
abdominal-aortic-aneurysm#subscribeMessage. Acesso: Maio 2021.
5. Suemoto CK, Ueda P, Beltrán-Sánchez, Lebrão ML, Duarte YA, Wong R, et al. Development and validation
of a 10-year mortality prediction model: Meta-analysis of individual participant data from five cohorts of
older adults in developed and developing countries. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2016 Aug 13.
6. SBACV. Projeto Diretrizes. Aneurismas da aorta abdominal diagnóstico e tratamento.
https://sbacvsp.com.br/wp-content/uploads/2016/05/aneurismas-da-aorta-abdominal.pdf. Acesso: Maio 2021.
7. Barros FS, Pontes SM, Taylor MASA, Roelke LH, Sandri JL, Jacques CM, et al.. Rastreamento do aneurisma
da aorta abdominal na população da cidade de Vitória (ES). J Vasc Br. 2005;4(1):59-65.
8. Meirelles GV, Mantovani M, Braile DM, Araújo Filho JD, Araújo JD. Prevalência de dilatação da aorta
abdominal em coronariopatas idosos. J Vasc Br. 2007;6(2). https://doi.org/10.1590/S1677-
54492007000200005.
2.2
Câncer colorretal (CCR)
PONTOS-CHAVE
A maioria dos cânceres de cólon e reto (CCR) origina-se de pólipos intestinais benignos, cujo processo de
evolução maligna é lento, permitindo o rastreio e a remoção precoce.
O CCR atinge homens e mulheres a partir dos 45 anos de idade e é responsável por cerca de 10% dos casos
novos e das mortes provocadas por câncer em todo o mundo.
Pode-se rastrear o CCR por meio de testes fecais e estudos radiográficos ou endoscópicos, isolados ou em
combinações.
O rastreamento se restringe ao indivíduo que se apresenta em condições de suportar exames invasivos e
tratamentos agressivos, após decisão compartilhada com médico(a).
A adoção de medidas preventivas, a retirada de pólipos de alto risco e o tratamento de câncer avançado detectado
por rastreamento reduzem a morbimortalidade por CCR.
Rastrear o câncer colorretal (CCR) em homens e mulheres entre 45 e 75 anos de idade, assintomáticos, da
população geral.
Efetuar avaliação prévia de risco de CCR, usando a calculadora do NCI-NIH
(https://ccrisktool.cancer.gov/calculator.html) ou os itens da Tabela 1.
Discutir benefícios e riscos do rastreamento e as opções de tratamento do CCR, e compartilhar a decisão clínica
de rastrear ou não entre médico(a) e paciente.
Para paciente de baixo risco de CCR, solicitar PSOF-AS ou FIT-PHHF, anual.
Para paciente de alto risco de CCR, compartilhar a decisão entre colonoscopia decenal ou retossigmoidoscopia
decenal + FIT-PHHF anual.
Para paciente com idade entre 65 e 75 anos, estimar o risco de mortalidade em 10 anos (RM10), calculado pelo
Índice de Suemoto (E-prognosis), e propor rastrear apenas se RM10 < 50% e < 37%, respectivamente, em
homens e mulheres.
Rastrear antes de 45 anos apenas pacientes com relevante histórico familiar de CCR.
Hiroshi, 68 anos, natural de Kyoto, Japão, está no Brasil há 50 anos, onde trabalhou como agricultor até há 5 anos.
Fuma 15 cigarros por dia, desde os 18 anos, e bebe 1 a 2 doses de saquê aos domingos. Tem IMC = 22 e PA = 120
x 80 mmHg. Consulta médicos com frequência devido a hepatopatia alcoólica (Child-Pugh classe B), insuficiência
cardíaca grau C e DPOC. Os últimos exames mostraram que seu quadro clínico está estável, mantendo dispneia a
médios esforços, mas sem outros novos sintomas. Anda preocupado com a possibilidade de ter câncer, pois seu
irmão morreu aos 77 anos de câncer de intestino.
A maioria dos tumores que acometem o cólon ascendente, transverso, descendente, sigmoide e reto origina-
se a partir de pólipos benignos ou adenomatosos. A transformação maligna mais frequentemente gera
adenocarcinomas, embora até 5% dos tumores possam ser de outros tipos histológicos. O processo de
malignização de um pólipo pode levar anos, o que torna o câncer colorretal um alvo interessante para o
rastreamento, pois dispõe-se de tempo suficiente para o diagnóstico pré-clínico, que pode resultar na interrupção
da progressão e até mesmo cura.
A arquitetura glandular e o seu padrão da secreção de muco, e as diferentes formas e organização das células
definem o grau de diferenciação do adenocarcinoma. Apresenta-se inicialmente assintomático, mas com a
evolução e crescimento do tumor, pode ocasionar alguma mudança no hábito intestinal e dor abdominal.
Sangramento oculto ou visível associado à anemia é característico do câncer de cólon ascendente, enquanto que
o afilamento das fezes e a obstrução intestinal sugerem acometimento do cólon descendente e sigmoide.
Epidemiologia
No mundo, estima-se que ocorreram mais de 1.900.000 novos casos e 935.000 mortes por câncer colorretal
em 2020. Essas cifras representam, aproximadamente, 1 de cada 10 casos e também de mortes de todos os
cânceres, ranqueando o CCR no terceiro lugar em incidência e no segundo em mortalidade.
Homens e mulheres estão em risco de desenvolver esse câncer. Na América do Sul, estima-se incidência de
20 casos novos por 100.000 homens e 16 por 100.000 mulheres (2020). Cerca de 5% dos europeus
desenvolverão o tumor durante seu período de vida, 8 de cada 10 deles com idade acima de 60 anos e a metade
morrerá da doença. Os danos à saúde são também significativos na população dos EUA, onde calculou-se que
52.980 homens e mulheres morreriam de câncer colorretal em 2021 (aproximadamente 16 mortes para cada
100.000 habitantes). A faixa etária principal de diagnóstico é de 65 a 74 anos, embora 10,5% incidam antes dos
50 anos.
No Brasil, o INCA estimou em 41.010 o número de novos casos por ano para o triênio 2020-2022, divididos
quase meio a meio entre homens e mulheres. Isso equivale a cerca de 19,6 casos novos para cada 100.000
homens e 19 para cada 100.000 mulheres. Sudeste e Sul são as regiões nas quais a incidência é maior. Em 2019,
morreram 10.191 ou 9,7/100.000 homens e 10.385 ou 9,6/100.000 mulheres por câncer colorretal no país.
Fatores de proteção e risco
Fatores que aumentam o risco de CCR Fatores que reduzem o risco de CCR
8. Obesidade
9. Tabagismo
O Sr. Hiroshi é originário de um país de IDH muito alto e viveu seus 50 últimos anos em um país considerado de
IDH alto, o Brasil. A sua idade atual, o tabagismo e o antecedente familiar aumentam o risco de CCR, tornando-o
um candidato a rastreamento. Por outro lado, por sua origem cultural e o fato de ter trabalhado como agricultor, é de
se supor que a sua dieta seja saudável e com alimentos protetores. Como, além de tudo, o seu estado de saúde
inspira cuidados, ainda não é possível saber quão útil lhe seria rastrear a neoplasia, com base apenas em dados
epidemiológicos ou de morbimortalidade do CCR.
Poucas doenças apresentam tantas opções de rastreamento quanto o CCR. Algumas são laboratoriais, menos
invasivas [pesquisa de sangue oculto nas fezes de alta sensibilidade (PSOF-AS), testes imunoquímicos fecais
(FIT) para pesquisa de hemoglobina humana – PHHF, pesquisa de DNA tumoral nas fezes] e outras, de
visualização, mais invasivas [colonografia por tomografia computadorizada – TC, retossigmoidoscopia flexível
e colonoscopia). Combinações de testes laboratoriais, entre si, e destes com exames de visualização também são
opções. Ensaios clínicos randomizados têm mostrado que tanto testes fecais quanto de avaliação estrutural
associam-se a redução de mortalidade.
Testes fecais
Em relação aos testes laboratórios fecais, vários ensaios clínicos usando PSOF1 convencional mostraram
queda significativa da mortalidade em indivíduos rastreados, quando comparados a não rastreados. Atualmente,
dispõe-se de versão de alta sensibilidade (AS) desse teste. Além dele, testes imunoquímicos capazes de detectar
a presença da hemoglobina humana nas fezes (FIT-PHHF) também já se mostraram eficazes na redução da
mortalidade. Por último, a pesquisa de traços de DNA tumoral eliminados nas fezes (DNAf) parece promissora,
principalmente se associada a algum teste imunoquímico (DNAf-FIT).
A sensibilidade e a especificidade de cada um desses testes no diagnóstico pré-clínico do CRC e de
adenomas com grau avançado de displasia variam consideravelmente entre eles (Tabela 2). Diferem, também,
na quantidade e volume de amostra a ser coletada, enquanto o PSOF-AS é o único a exigir restrição dietética
antes da coleta (p.ex., evitar consumo de carne vermelha). O FIT-PHHF parece ser, dentre todos, aquele capaz
de obter maior adesão dos pacientes. Nenhum dos testes laboratoriais traz risco de dano direto à saúde, exceto,
basicamente, em caso de falso-negativo. Mas podem induzir problemas futuros, durante a investigação dos
resultados positivos com colonoscopia.
Importante: ao contrário do que ainda se observa na prática clínica, a pesquisa de sangue ou hemoglobina
nas fezes não é motivo para a suspensão de medicamentos que diminuam a coagulação sanguínea. Estudos
recentes mostram que a sua manutenção tende, inclusive, a aumentar a sensibilidade do método no diagnóstico
pré-clínico de neoplasias malignas ou pré-malignas.
Exames endoscópicos
Retossigmoidospia flexível (RSF) é um exame endoscópico que permite a detecção dos cânceres e
adenomas avançados do reto, sigmoide e cólon descendente, onde se localiza a maioria dos tumores do intestino
grosso, mas não todos. Apesar disso, estudos mostram ser a RSF capaz de reduzir a mortalidade, embora o
número de anos de vida ganhos com essa estratégia de rastreamento aumente se for associado ao FIT-PHHF.2
Em comparação à colonoscopia, exige preparo intestinal menos agressivo, menor infraestrutura de apoio para a
sua execução e apresenta menor risco de complicações pós-endoscópicas. Uma constatação recente indica que a
disponibilidade e o acesso à retossigmoidoscopia têm diminuído em comparação aos outros exames de
visualização.
A colonografia por tomografia computadorizada (TC) (também conhecida por colonoscopia virtual ou
colografia por TC) fornece uma perspectiva endoluminal simulada por computador do cólon distendido cheio de
ar. A técnica usa um grande volume de imagens convencionais de TC e emprega um software de pós-
processamento sofisticado para gerar imagens bi e tridimensionais que permitem ao operador avaliar o cólon,
desde que limpo, em qualquer direção escolhida.
A colonografia por TC parece já ter apresentado uma boa performance no diagnóstico pré-clínico de lesões
malignas (sensibilidade de 86% a 100%) ou adenomatosas iguais ou maiores que 10 mm (sensibilidade de 89%
e especificidade de 94%), em toda a extensão do intestino grosso. Entretanto não há evidência disponível sobre
o seu impacto preventivo e deve ser evitada como estratégia de rastreamento para pessoas de alto risco de
neoplasia colorretal, sendo muito discutível seu benefício para outros subgrupos de pacientes. Se por um lado a
colonografia por TC facilita a visualização de alterações extraintestinais, por outro, essa sua capacidade pode
gerar procedimentos e intervenções desnecessárias, em caso, por exemplo, de incidentalomas. Trata-se também
de um estudo radiológico que exige preparo intestinal, cujo volume residual do agente laxativo usado pode
prejudicar a identificação de pólipos.
Colonoscopia
Pesquisa de sangue Anual Boa evidência Dificuldade de Pode ser feito Baixo custo
oculto nas fezes de ECCR com adesão à em casa
(PSOF) por teste do
redução da realização anual Múltiplas
guaiaco de alta
mortalidade Menos efetivo amostras
sensibilidade
para detecção de Restrição
adenomas dietética e de
avançados medicações
Maior taxa de
falso-positivos,
levando a
mais
colonoscopias
Pesquisa de DNAf A cada 3 Evidência Teste novo que Pode ser feito Maior custo
tumoral + teste anos indireta de precisa ser em casa em
imunoquímico nas
redução da monitorizado Mais falso- comparação
fezes (FIT)
mortalidade positivos aos outros
testes fecais
Avaliação visual/estrutural
TABELA 3 Características comparativas dos exames de rastreamento do câncer colorretal (CCR)
Em 2021, a USPSTF atualizou a sua recomendação para o check-up do CRC, ampliando a faixa etária dos
candidatos, dos 45 anos até, possivelmente, acima de 75 anos de idade, dependendo das suas condições gerais
de saúde. Como em recomendação anterior, foi mantida “em aberto” a escolha do método de abordagem por
testes laboratoriais fecais ou de visualização, ou alguma combinação entre eles. As possibilidades de estratégias
de rastreamento sugeridas pela USPSTF são:
PSOF-AS ou FIT-PHHF a cada ano.
DNAf-FIT a cada 1 a 3 anos.
Colonografia a cada 5 anos.
Sigmoidoscopia flexível a cada 5 anos.
Sigmoidoscopia flexível a cada 10 anos + FIT-PHHF a cada ano.
Colonoscopia de rastreamento a cada 10 anos.
Entretanto, a escolha de alguma dessas opções é influenciada por diversos fatores. São eles:
Obviamente, contextos de atenção à saúde nos quais a disponibilidade de exames mais sofisticados do ponto
de vista técnico é menor devem direcionar a escolha para os testes mais simples e que estejam disponíveis. Isso
deve, inclusive, reduzir o custo do rastreamento com a racionalização da solicitação de colonoscopias para os
casos já rastreados por outro método.
Do mesmo modo, uma avaliação prévia da história familiar de CRC em parentes de primeiro grau (pais ou
filhos), antecedentes pessoais de doença neoplásica ou inflamatória intestinal e hábitos de estilo de vida, que
aumentem ou diminuam a probabilidade individual de desenvolver CRC (Tabela 1), pode ajudar a direcionar a
escolha entre exames menos ou mais invasivos, sem que haja prejuízo da capacidade de diagnóstico pré-clínico.
Para essa etapa, existem também calculadoras que podem servir como mais um apoio à decisão médica
como, por exemplo, a Colorectal Cancer Risk Assessment Tool do National Institute of Health – National
Cancer Institute (NIH-NCI) estadunidense. O cálculo de risco não substitui os exames de rastreamento
recomendados para o seu público-alvo, mas pode ajudar a direcionar a escolha do método de abordagem e a
frequência de repetições.
O mesmo pode-se dizer da avaliação do estado de saúde da pessoa consultada. Todo esse cuidado se deve ao
fato do rastreamento do CRC implicar em exames diagnósticos e tratamentos que podem impor alguns riscos à
saúde. Além de uma discussão aberta com o paciente, uma outra ferramenta de sondagem da sua condição
clínica, usada com a necessária cautela, pode auxiliar a chegar a uma decisão compartilhada sobre o
rastreamento.
O E-prognosis é uma plataforma que contém um questionário validado em serviço de geriatria brasileiro
que, baseado em estudos epidemiológicos, permite o cálculo do Índice de Suemoto. Este fornece uma ideia do
risco de morte em 10 anos de pacientes com as mesmas características clínicas do(a) paciente examinado(a),
tendo em conta apenas a morbidade já existente, isto é, sem que uma nova intervenção ativa sobre a sua saúde
seja tomada. Como o câncer de cólon e reto atinge, principalmente, homens e mulheres da faixa geriátrica
(acima de 65 anos), a sua aplicação a partir dessa idade é recomendável.
Segundo o Índice de Suemoto (E-Prognosis), pessoas como o Sr. Hiroshi teriam em torno de 65% de chance de
morrer em 10 anos, por conta do estado de saúde atual. A título de comparação, uma pessoa da mesma faixa etária
e sexo do Sr. Hiroshi, no melhor da sua condição física e de saúde, pelo Índice de Suemoto, teria um risco previsto
de morrer em 10 anos por volta de 16% a 24%. Caso venha a ser diagnosticado um CRC, qual seria a sua
capacidade de suportar a cirurgia, o pós-operatório, a quimioterapia ou radioterapia subsequentes?
Apesar das várias opções de estratégias de rastreamento de CCR disponíveis, a escolha não é uma tarefa
fácil. Testes laboratoriais têm boa aderência, são mais simples, baratos, e sem efeitos adversos diretos à saúde,
mas perdem em sensibilidade diagnóstica, principalmente no caso de adenoma avançado, o que implica em
repetições frequentes do teste. A colonografia por TC parece ainda depender de confirmação da sua validade
como meio de check-up. A retossigmoidoscopia é um exame capaz de detectar a maioria dos CCR, sem grandes
efeitos colaterais, mas está cada vez mais indisponível na rede de saúde. A colonoscopia, por todas as suas
características, parece ser um método mais adequado a rastrear pacientes em situação de maior risco ao CCR e
para confirmação de diagnóstico já rastreado e possível intervenção terapêutica.
Em suma, o balanço entre possíveis benefícios (aumento da sobrevida pelo diagnóstico pré-clínico) e danos
à saúde (agravo de morbidade prévia, infecção, hemorragia, perfuração intestinal) desencadeados pelos métodos
de rastreamento depende da idade do paciente, dos fatores de risco aos quais está exposto e do método usado
para rastrear o CCR. Ferramentas paralelas de estimativa de risco da doença e de sobrevida em 10 anos auxiliam
a definir a frequência do rastreio e a viabilidade da pessoa suportar exames ou tratamentos agressivos.
Genericamente, seguindo a classificação TNM (Tumor - Nódulos - Metástases) e de acordo com a gravidade
de cada caso, a American Cancer Society (ACS) relaciona os seguintes possíveis tratamentos para o CCR:
cirurgia, quimioterapia adjuvante, radioterapia adjuvante e neoadjuvante, terapia-alvo, imunobiológicos e, além
desses, para tumores recorrentes e metástases a distância, também quimioterapia, ablação, quimioterapia intra-
arterial.
A ressecção cirúrgica da neoplasia é o tratamento de escolha, capaz de levar à cura em até 50% dos casos de
CCR localizados. O prognóstico dos pacientes com CCR está relacionado ao grau de penetração do tumor na
parede intestinal, à presença de gânglios acometidos e de metástases a distância. Níveis basais elevados de
antígeno carcinoembriônico (CEA) e obstrução ou perfuração intestinal são sinais de mau prognóstico.
O indicador de desfecho mais importante após a ressecção do CCR é o seu estágio de apresentação
histopatológica. A Figura 1 ilustra os dados de sobrevida em 5 anos derivados de pacientes acompanhados após
diagnóstico e tratamento de CCR classificados pelo critério TNM.
Com base no gráfico, percebe-se que para CCR graus I, IIA e IIIA, isto é, tumores com algum grau de
invasão local e até possível comprometimento de gânglios regionais, a sobrevida varia de 65% a 75% dos
pacientes após 5 anos de acompanhamento. Isso demonstra que indivíduos com cânceres colorretais
diagnosticados e tratados precocemente têm alta chance de sobrevida de longo prazo.
Com o rastreamento e a oportunidade de identificar lesões pré-malignas em pólipos intestinais, ampliam-se
ainda mais as chances de sobrevida. Os pólipos intestinais podem ser pedunculados, sésseis ou planos.
Histopatologicamente, afora os malignos, há os inflamatórios, hiperplásicos ou adenomas tubulares, vilosos ou
tubulovilosos. Segundo os tipos celulares, as formas pré-cancerosas podem apresentar-se sem atipias
(displasias) ou com atipias leves, moderadas ou acentuadas. O risco de malignização é proporcional ao grau de
atipia encontrado.
FIGURA 1 Sobrevida de pacientes tratados de diferentes estágios de CCR (UpTo-Date, 2021).
Todo e qualquer pólipo identificado deve ser ressecado, quando possível, ou ser alvo de biópsia. Ambos os
procedimentos, em geral, são realizados por colonoscopia de rastreamento ou indicada a partir do resultado de
outro exame prévio. O tipo histopatológico encontrado vai definir a conduta a ser tomada e orientar a
periodicidade de exames de acompanhamento e novos ciclos de rastreamento.
Uma parte dos pacientes rastreados positivamente para CCR não invasivo ou adenoma avançado será
submetida a procedimento por via endoscópica com boa capacidade resolutiva. Entretanto, além da repetição
periódica da colonoscopia, de acordo com o tipo histológico e grau de atipia, eles devem ser aconselhados,
também, a adotar hábitos que ajudem na prevenção de novos pólipos.
Medidas de prevenção
Tentar manter o peso na faixa normal; consumir verduras, frutas, legumes, grãos integrais e laticínios; evitar
gordura animal e excesso de bebida alcoólica; praticar atividade física regular e evitar o tabaco, são medidas
gerais de autopromoção da saúde. O uso diário de ácido acetilsalicílico (AAS) ainda é recomendado pela
USPSTF para prevenir o CCR em pacientes de alto risco cardiovascular simultâneo.
CONCLUSÃO
No geral, os tratamentos disponíveis e o controle periódico dos doentes, cujo diagnóstico de CCR é feito em
fases precoces de câncer ou de adenomas pré-cancerosos, têm grande chance de promover ganho real em termos
de anos de vida. O método de rastreamento, escolhido consensualmente entre médico(a) e paciente, se for
compatível com o risco de adoecimento, o estado de saúde atual e a expectativa de sobrevida da pessoa, tende a
tornar o balanço entre os benefícios e os danos possíveis do rastreio do CCR favorável à sua realização.
Conhecer as possibilidades de tratamento e prevenção pode ser importante para o Sr. Hiroshi, pois na sua situação
clínica atual, com alto risco de mortalidade em 10 anos (65%, cerca de 4 vezes maior que o mínimo para a sua faixa
etária e sexo), não é certeza que ele teria condições de se submeter a qualquer tipo de tratamento, inclusive por
colonoscopia, sem sofrer novos efeitos adversos à sua já comprometida saúde. É de se pensar, também, e parece
improvável, no caso dele em especial, que um tratamento mais agressivo, com todas as suas complicações e
efeitos colaterais, seria capaz de promover um ganho substancial de anos de vida com qualidade. As estratégias
preventivas, por outro lado, podem ser consideradas, inclusive o uso do AAS.
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Dr. Jorge Sabbaga pela cuidadosa leitura do texto e sugestão de
melhorias.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. CTFPHC – Canadian Task Force on Preventive Health Care. Colorectal cancer (2016).
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/colorectal-cancer/. Acesso: Maio de 2021.
2. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Colorectal cancer: screening (2021).
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/colorectal-cancer-screening. Acesso: Maio de 2021.
3. Association of European Cancer Leagues – ECL. European code against cancer: about cancer screening.
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2.3
Câncer de colo de útero
PONTOS-CHAVE
Erina, 63 anos, dona de casa, viúva, mãe de 5 filhos, evangélica, moradora do interior do Pará,
procura o posto de saúde para ver como estão o diabete, a pressão alta e o hipotireoidismo, que
ela trata há 20 anos. A médica nova da UBS pergunta se ela sente alguma coisa, o que ela nega,
e verifica o prontuário para preencher o pedido dos exames de rotina. Curiosa, ela quer saber por
que o último Papanicolaou da paciente foi há 13 anos. Erina responde que achava que mulher
viúva não precisava mais fazer.
Epidemiologia
O câncer de colo uterino mais comum é do tipo epidermoide, ou seja, das células
escamosas do epitélio cervical, que representa cerca de 90% dos casos diagnosticados. Os
restantes 10% são adenocarcinomas originados nas glândulas epiteliais. Ambos os tipos
associam-se a infecções por variantes oncogênicas do papilomavírus humano (HPV),
principalmente o HPV-16 e o HPV-18.
A doença é ainda bastante incidente e prevalente no mundo, onde são diagnosticados
aproximadamente 570 mil casos novos e registrados 311 mil óbitos por ano, sendo o quarto
tipo de câncer mais comum e mais mortal entre as mulheres. Tanto incidência e prevalência
quanto mortalidade são maiores em países em desenvolvimento, que concentram cerca de 80%
das mortes por este câncer em todo o planeta.
Nos EUA, em 2015, morreram cerca de 2,3 de cada 100.000 mulheres por causa dessa
neoplasia, número que vem em queda progressiva nas últimas décadas. No Brasil, em 2019, ela
provocou 6.596 óbitos, o equivalente a uma taxa de mortalidade específica de 5,3 óbitos por
100.000 mulheres. As regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste apresentam as maiores taxas de
incidência e mortalidade do país (Figura 1).
FIGURA 1 Taxas de mortalidade por câncer do colo do útero. Brasil e regiões, 1980 a 2019. Fonte:
Instituto Nacional do Câncer, 2021.
Fatores de risco
Estima-se que 80 de cada 100 mulheres sexualmente ativas entram em contato com o HPV
em algum momento da vida. A evolução da infecção para estágios mais avançados de doença
depende, todavia, de fatores associados como, por exemplo, idade de início da atividade sexual,
número de parceiros, frequência de relações sexuais, múltiplas gestações, vulnerabilidade
econômica e social e tabagismo (Tabela 1).
O câncer do colo do útero é raro em mulheres com até 30 anos e o pico da incidência se dá
na faixa etária de 45 a 50 anos. Algumas situações específicas podem elevar a chance de
desenvolvimento do câncer, a saber: infecção por HIV, baixa imunidade, exposição intrauterina
ao dietilestilbestrol de mulheres nascidas antes de 1971, e tratamento prévio de lesão pré-
cancerosa com displasia de alto grau. Nesses casos, cabe aos especialistas avaliar a necessidade
e a periodicidade de rastrear o câncer.
4. Múltiplas gestações
6. Tabagismo
TABELA 1 Fatores que elevam o risco de câncer de colo de útero
Analisando-se o curso da infecção cervical pelo HPV observa-se que, na maioria das vezes,
ela é autolimitada, desaparecendo entre seis meses e dois anos após a exposição ao vírus. Se o
HPV for de algum subtipo oncogênico, pode persistir e causar displasias ou neoplasias
intraepiteliais cervicais (NIC) graus 1, 2 ou 3, adenocarcinomas in situ, ou cânceres –
circunscritos, invasivos ou metastáticos. Essa evolução, em geral, se desenrola
“silenciosamente” por vários anos.
A progressão lenta da neoplasia, até se tornar clinicamente identificável, é uma
característica favorecedora da eficácia do rastreamento. Esse tipo de manifestação crônica, com
longo período pré-clínico, oferece várias oportunidades de diagnóstico de lesões pré-cancerosas
ou câncer não invasivo, cujos tratamentos podem, por sua vez, ser adaptados aos achados
colpo-cito-histopatológicos e apresentar desfechos resolutivos.
Erina é uma senhora preocupada com a sua saúde pessoal. Seus hábitos de vida, até onde se
sabe, parecem ser bem controlados. Entretanto, ela foi casada, teve vários partos e, mesmo que
tenha mantido relações sexuais apenas com seu falecido marido, é impossível afirmar que ela
não tenha sido infectada pelo HPV. Além disso, ela vem da região do país com a maior taxa de
incidência e mortalidade de câncer de colo de útero, o que, possivelmente, está relacionado a
condições socioeconômicas e de vida menos favoráveis. O fato de estar assintomática também
não exclui a possibilidade de ter um tumor, pois a evolução, como se sabe, pode levar muito
tempo até que surjam sinais ou sintomas.
Citologia oncótica
FIGURA 2 Ilustração da manobra de coleta e tipos de testes de Papanicolaou, por esfregaço direto
(3) e meio líquido (4).
Normal: observa-se ausência de atipia nas células analisadas (negativo para pré-
malignidade ou malignidade).
ASCUS (Atypical Squamous Cells of Undetermined Significance): é a alteração mais
comumente encontrada. Células escamosas atípicas estão presentes, porém não se pode
afirmar que há sinais de pré-malignidade ou malignidade nas mesmas. Pode estar
associado a infecções, inflamações ou à atrofia vaginal da menopausa.
LSIL (Low-grade Squamous Intraepithelial Lesion): indica uma displasia branda, uma
lesão pré-maligna com baixo risco de ser câncer. A LSIL pode desaparecer após 1 ou 2
anos ou equivaler a NIC 1 no histopatológico. Mais raramente, pode representar NIC 2 ou
NIC 3. O risco de ser câncer é de cerca de 0,1%.
ASCH (Atypical Squamous Cells – H): trata-se de uma descrição pela qual o patologista
indica que células escamosas atípicas foram encontradas e que não se pode descartar a
possibilidade de apresentarem alto grau de atipia.
HSIL (High-grade Squamous Intraepithelial Lesion): essa alteração corresponde a
aberrações em tamanho e forma das células escamosas. Esse achado sugere a presença de
lesões pré-cancerosas dos tipos NIC 2 ou NIC 3, ou mesmo câncer instalado (risco de
7%), ao exame histopatológico.
AGUS (Atypical Glandular Cells of Undetermined Significance): presença de células
glandulares atípicas do epitélio cervical, nas quais não é possível definir existência de
alterações malignas.
Classe I – –
– – Atipias de significado
indeterminado
ASCUS e AGUS
Ao longo dos últimos 60-70 anos, o teste de Papanicolaou tem sido o principal meio usado
para rastrear o câncer de colo uterino. Após o seu advento, observou-se uma queda dramática
na incidência, prevalência e mortalidade de mulheres por esse câncer. Isso ocorreu
notadamente em países desenvolvidos, nos quais programas de rastreamento foram
implantados com base em boa qualidade metodológica e alta cobertura, e complementados pelo
tratamento e seguimento das rastreadas positivamente.
O teste de Papanicolaou é relativamente simples, barato, de fácil execução, tem boa
acurácia e reprodutibilidade, além de disponível e de amplo acesso tanto na rede pública quanto
privada de saúde. O desconforto e o constrangimento, no momento da coleta de material para
exame, são barreiras para algumas mulheres. Porém, a adesão ao procedimento cresceu na
medida em que os testes passaram a fazer parte da cultura do cuidado com a saúde feminina,
impulsionado pelos bons resultados obtidos na prática da prevenção do câncer.
Métodos moleculares
No início da década de 1980, DNA do HPV foi identificado em células cancerosas de colo
uterino e estabelecida a associação causal daquele vírus com esses tumores. Mais
recentemente, testes moleculares para detecção da presença de subtipos de vírus de alto risco
oncogênico (hrHPV) foram desenvolvidos, usando métodos como: amplificação de ácido
nucleico (NAAT), polymerase chain reaction (PCR), captura híbrida e hibridização in situ. Os
testes podem ser feitos nas mesmas amostras de material cervical conservadas em meio líquido
do teste de Papanicolaou não convencional.
Comparada à citologia oncótica, a detecção dos subtipos virais apresenta um leve
incremento em sensibilidade e especificidade no diagnóstico das alterações pré-malignas
(principalmente, NIC 2 e NIC 3) e malignas do câncer de colo uterino, mas sem repercussão
significativa em anos de vida ganhos. Por essa razão, ele passou a ser preconizado
isoladamente ou, preferencialmente, em conjunto com o teste de Papanicolaou, como
alternativa de rastreamento.
Recomendações atuais
Atualmente, algumas entidades internacionais (inclusive a USPSTF) concordam em iniciar
o rastreio de câncer do colo uterino aos 21 anos de idade, baseando-se na baixa prevalência e
crescimento lento do tumor em adolescentes e jovens adultas. Entre 21 e 29 anos, recomendam
a realização de Papanicolaou a cada 3 anos.1 Entre 30 e 64 anos, pode-se escolher alguma
dentre três opções:
A partir dos 65 anos, a recomendação é manter o rastreamento apenas para as mulheres que
necessitarem cumprir o critério de suspensão: 2 testes sequenciais negativos nos últimos 10
anos.
O MS brasileiro, por intermédio do Instituto Nacional do Câncer (INCA), adota a idade de
25 anos para deslanchar o rastreamento em mulheres que já tiveram relações sexuais. O
argumento é que antes dessa idade a incidência do câncer é muito rara e as alterações
citológicas, quando encontradas, são indeterminadas ou de baixo grau (LSIL) e têm grande
chance de regressão completa. Ou seja, o rastreamento antes dos 25 anos tende a acarretar mais
colposcopias, tratamentos desnecessários e maior risco de morbidade futura (p. ex.,
incompetência cervical e parto prematuro), sem benefícios palpáveis. O INCA recomenda não
rastrear mulheres com menos de 25 anos.
Entre 25 e 64 anos, o INCA indica apenas a citologia oncótica como método, repetida a
cada 3 anos, após 2 primeiras anuais negativas. A ideia de repetir o teste um ano após o início
do rastreamento seria para evitar um falso-negativo inicial. Essa ação, entretanto, não é adotada
por outras entidades, e não parece razoável para mulheres muito jovens (pois a prevalência de
câncer é muito baixa) ou em mulheres não expostas a fatores que elevem o risco da neoplasia
(Tabela 1). Os exames, ainda segundo o INCA, podem ser suspensos em mulheres de 65 anos
ou mais, nas quais os testes prévios nunca mostraram doença pré-invasiva e os 2 últimos
rastreamentos, dos últimos 5 anos, foram negativos.
A USPSTF considera que há evidência convincente para justificar o uso de qualquer um
dos métodos de rastreamento (citologia oncótica de Papanicolaou, teste para detectar hrHPV
sozinho ou combinado com a citologia oncótica) para diagnosticar lesões pré-cancerosas de
alto grau ou câncer cervical. Para orientar os profissionais de atenção primária à saúde quanto à
condução dos casos conforme os resultados obtidos com o Papanicolaou, o MS/INCA indica as
recomendações expostas na Tabela 3.
Prevenção
A provável abstinência sexual da paciente, Erina, nos últimos 13 anos é, por si só, um mecanismo
de prevenção de uma infecção nova pelo HPV. Entretanto, caso algum tipo de alteração pré-
cancerosa ou cancerosa seja detectada no rastreamento, ela ainda pode se beneficiar, em termos
de anos de vida ganhos. Sob bons cuidados médicos, intervenções minimamente invasivas
podem ser de grande potencial curativo. Mantê-la informada sobre as formas de transmissão, os
meios de prevenção e os objetivos do rastreamento também pode contribuir para o controle geral
da difusão da doença.
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Dr. Jorge Sabbaga pela cuidadosa leitura do texto e
sugestão de melhorias.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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2.4
Câncer de mama
PONTOS-CHAVE
Zilda é uma mulher branca de 45 anos e IMC = 24, fisicamente ativa, que consome frutas,
legumes, verduras e grãos diariamente, nunca fumou e quase não toma álcool. A sua menarca
ocorreu aos 13 anos e engravidou pela primeira vez aos 21. Nunca usou remédio
anticoncepcional e amamentou suas duas filhas por mais de 6 meses. Vem a seu primeiro check-
up sem queixas de saúde nem histórico pessoal de doenças importantes; o único dado positivo é
o antecedente de câncer de mama da mãe e uma irmã.
O câncer da mama é o tipo de neoplasia mais incidente entre as mulheres em todo o mundo
(exceto pelos tumores de pele não melanoma), seja em países desenvolvidos ou em
desenvolvimento. A OMS aponta que, em 2020, 2,3 milhões de mulheres tiveram o diagnóstico
da doença e cerca de 685.000 delas vieram a falecer. Ao final de 2020, por volta de 7,8 milhões
de mulheres viviam com câncer de mama, o que o torna, também, o mais prevalente tumor
maligno do planeta. Além da mortalidade, é causa de grande morbidade evidenciada pela piora
da qualidade de vida, seja por incapacidade física ou psíquica, inclusive decorrentes do
tratamento.
O câncer de mama nas Américas e no Brasil
Apesar de ser o primeiro em incidência, trata-se da segunda maior causa de óbitos entre
mulheres nos EUA (atrás apenas do câncer de pulmão). Cerca de 232.000 mulheres
estadunidenses tiveram o diagnóstico de câncer de mama e por volta de 40.000 morreram da
doença, em 2015. A faixa etária de 55 a 64 anos é a que apresenta maior número de casos e 68
anos é a mediana dos óbitos. Na América do Sul, a taxa de incidência anual é de 56,4/100.000
mulheres e a de mortalidade, de 14,0/100.000 mulheres.
No Brasil, o câncer de mama é o de maior incidência (exceto pelos de pele não melanoma)
e mortalidade entre mulheres. Para o triênio 2020-2022, o INCA estimou em 66.280 o número
de casos novos por ano, o que equivale a uma taxa de incidência de 61,6 casos novos por cada
100.000 mulheres. Em 2019, 18.300 mulheres morreram vítimas dessa neoplasia, ou seja,
aproximadamente 17 óbitos por 100.000 mulheres. Sem considerar os tumores de pele, é o
mais frequente em todas as regiões brasileiras, sendo a Sudeste e a Sul as mais acometidas.
O câncer de mama intraductal, bastante prevalente, se forma nas células epiteliais dos dutos
(85%) e lóbulos (15%) do tecido glandular das mamas. Enquanto está restrito pela membrana
basal, é chamado de tumor “in situ”, que não costuma causar sintomas e nunca gera metástases.
Com o avançar da doença, a neoplasia pode invadir outros tecidos mamários, linfonodos
regionais e órgãos a distância. A mortalidade está diretamente relacionada à existência de
metástases.
O prognóstico é relativamente bom se for diagnosticado e tratado precocemente, enquanto a
doença ainda estiver localizada. Em estágios avançados, com metástases a distância, tem
prognóstico muito ruim. Em países desenvolvidos, a sobrevida média após cinco anos do
diagnóstico tem aumentado, chegando a cerca de 85%. No Brasil, é de aproximadamente 80%,
resultado provável da combinação entre o diagnóstico precoce, ampliação da infraestrutura de
atenção à saúde e o aprimoramento das estratégias de tratamento.
A incidência de câncer de mama sofre a influência de alguns fatores que elevam o risco ou
o reduzem (protetores). Fatores hereditários e genéticos parecem ser os que mais aumentam o
risco de câncer de mama e ainda não são modificáveis, à luz da tecnologia atual disponível. Por
outro lado, uma série de hábitos de estilo de vida não saudável podem ser modificados. Estima-
se, por exemplo, que por meio da alimentação saudável e atividade física regular, com controle
de peso, seja possível reduzir em até 30% o risco de uma mulher desenvolver essa neoplasia.
Evitar o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e o tabagismo, estimular a amamentação,
evitar a exposição prolongada a hormônios exógenos e à radiação ionizante, completam o
quadro de recomendações preventivas (Tabela 1).
7. Idade
8. Obesidade
10. Tabagismo
* O risco de câncer pelo uso de pílula anticoncepcional é, no máximo, muito pequeno, ao contrário do da terapia
de reposição hormonal, que é significativo.
A experiência clínica mostra que Zilda, mesmo sendo jovem e tendo hábitos de vida bastante
saudáveis, pode vir a ser vítima do câncer de mama em algum momento da sua vida. O fato de
duas parentes suas, uma delas de primeiro grau, já terem apresentado esse tipo de neoplasia
maligna aumenta significativamente o seu risco. Mas, ainda a seu favor, estão a gestação em
idade precoce e o fato de ter amamentado suas filhas por bom tempo.
Nos anos 1950-1960, sugerido pela primeira vez nos EUA, o autoexame da mama ganhou
grande popularidade e espalhou-se pelo mundo como uma estratégia pela qual as mulheres
poderiam detectar seus próprios nódulos mamários. Essa técnica não é necessariamente um
método de rastreamento, pois depende de alguma modificação já perceptível no corpo da
mulher, ou seja, um sinal inicial que permite o diagnóstico precoce, porém não em fase pré-
clínica. De todo modo, mulheres ao redor do planeta passaram a ser incentivadas, orientadas e
treinadas a fazer o seu autoexame das mamas, periodicamente.
Entretanto, por volta do ano 2000, ensaios clínicos comparando centenas de milhares de
mulheres, treinadas e não treinadas a fazer o autoexame, demonstraram que esse procedimento
não reduzia a mortalidade por câncer de mama, além de produzir muitos resultados falso-
negativos e falso-positivos. Por esta razão, o autoexame da mama perdeu a sua relevância
como parte das grandes campanhas de prevenção do câncer, inclusive as de cunho publicitário.
Sem a pretensão de servir de método de diagnóstico pré-clínico, muitos países adotaram, como
alternativa de alerta de risco, técnicas que orientam o autoconhecimento do corpo feminino,
visando à percepção de leves mudanças que porventura ocorram nas mamas (breast
awareness).
Uma segunda estratégia histórica de tentativa de detecção de neoplasias mamárias malignas
é o exame clínico das mamas por profissional de saúde. A sua realização, principalmente
concomitante a um exame de imagem, já fez parte de quase todas as recomendações nacionais
e internacionais de rastreamento. Porém, assim como no autoexame, estudos falharam em
mostrar redução da mortalidade. Apresenta, também, baixa sensibilidade e especificidade,
principalmente entre profissionais de atenção primária, não suficientemente treinados nessa
manobra propedêutica. Por fim, é um tipo de exame cuja execução pode causar
constrangimento e inibir a adesão do público-alvo. Assim, a palpação mamária por médica(o)
parece mais útil em situações de complementação diagnóstica, de restrição a exames de
imagem ou no acompanhamento de tratamento, e não como estratégia de check-ups de rotina.
Retomando-se o caso da Zilda, o seu risco pessoal de câncer pela calculadora do NIH-NCI, em 5
anos, seria de 3,4% para uma média de 1,0% para as mulheres da mesma idade. O risco
estimado para toda a vida é de 33,6% e a média do seu grupo demográfico, 11,9%. Ambas as
estimativas estão muito acima da média, indicando que Zilda, embora assintomática, apresenta
alta probabilidade de apresentar a neoplasia, o que inspira cuidado extra na decisão de rastrear
ou não, uma vez que ela está fora da faixa etária prioritária (50-74 anos).
É inegável o avanço nas opções de tratamento a partir dos anos 1990, quando se passou a
notar queda da mortalidade, apesar dos níveis persistentemente elevados de incidência de
novos casos nos EUA, que já vinham em ascensão desde a década de 1980 (Figura 1). É
verdade, também, que países desenvolvidos atingiram os mais altos níveis de sobrevida do
câncer de mama em 5 anos. Em geral, esse sucesso é reputado à combinação do rastreamento,
com diagnóstico da neoplasia em fase inicial, com o tratamento eficaz. É difícil apontar se
existe preponderância de um desses fatores sobre o outro. De modo geral, entretanto, sempre
que um tratamento melhora em eficácia e efetividade, o rastreamento tende a perder espaço, em
relevância.
Mudanças comportamentais ajudam a reduzir incidência e prevalência do
câncer
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Dr. Jorge Sabbaga pela cuidadosa leitura do texto e
sugestão de melhorias.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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2.5
Câncer de próstata
PONTOS-CHAVE
No Brasil, as chances de um homem apresentar câncer de próstata ao longo da vida e dele vir a
falecer são, respectivamente, de cerca de 11,1% e 2,4%.
O câncer de próstata apresenta alta incidência e prevalência, porém os estudos indicam que, na
grande maioria das vezes, é indolente e não provoca danos perceptíveis à saúde.
O toque retal não apresenta sensibilidade e especificidade adequadas ao rastreamento; a
dosagem do PSA no sangue é o método de escolha, caso se decida rastrear o tumor.
Ensaios clínicos recentes mostraram resultados contraditórios a respeito do impacto do
rastreamento sobre a mortalidade pelo câncer, mas parece haver uma redução do risco.
Incontinência urinária, urgência miccional, disfunção erétil, incontinência fecal são complicações
frequentemente associadas aos tratamentos do câncer de próstata.
A grande controvérsia envolvendo o tema torna a decisão compartilhada, amplamente discutida,
entre médico(a) e paciente, um pré-requisito obrigatório do rastreamento.
Não rastrear o câncer de próstata em homens assintomáticos da população geral com idade
abaixo de 55 anos ou acima de 70 anos.
Para homens assintomáticos, entre 55 e 70 anos, que explicitam o interesse em rastrear esse
câncer, apresentar-lhes todos os pontos positivos e negativos do rastreamento.
Para aqueles com 65 anos ou mais, estimar o risco de mortalidade em 10 anos (RM10), usando
o Índice de Suemoto (E-prognosis), que deve ser, preferencialmente, < 50%.
Compartilhar a decisão final (rastrear ou não), levando em conta os dados científicos, fatores de
risco, resultado do Índice de Suemoto, as preferências individuais do paciente e a sua
percepção de como lidaria com o tratamento e suas eventuais consequências negativas.
No caso de se decidir rastrear, solicitar o PSA total no sangue.
Irineu, assim que comemorou seu 50º aniversário, começou a receber recomendação dos amigos
e familiares para fazer a prevenção do câncer da próstata. Apesar de não sentir nada quando
urina, ficou preocupado e resolveu ler as matérias publicadas a respeito do assunto nas revistas e
jornais da sua confiança. Isso o deixou intrigado e confuso, pois não lhe pareceu haver consenso
sobre o assunto. Decidiu, então, procurar ajuda de um profissional para sanar suas dúvidas a
respeito.
O câncer de próstata é raro antes dos 40 anos de idade, mas com crescente incidência e
prevalência entre homens a partir dos 50 anos, alcançando seus valores mais altos após os 65.
A média de idade no momento do diagnóstico é por volta de 66 anos.
Nos EUA, o risco de um homem ser diagnosticado com câncer de próstata em algum
momento da sua vida é de 11%, e 2,5% é o risco de morrer da doença. Além disso, achados de
autópsia indicaram que 20% e 33% dos homens que morreram por outras causas,
respectivamente, entre 50 e 59 anos e 70 e 79 anos de idade, tinham câncer de próstata. Mais de
dois terços dos óbitos por esse câncer naquele país ocorrem após os 75 anos de idade.
A Figura 1 ilustra a evolução de incidência e mortalidade por câncer de próstata ao longo
das últimas décadas nos EUA. A ondulação da taxa de incidência que se observa entre 1985 e
2015 é reputada ao advento e uso disseminado do PSA como método de rastreamento.
No Brasil, sabe-se que o câncer de próstata é o mais incidente entre homens, exceto pelas
neoplasias malignas de pele não melanoma. O INCA estima que, para o triênio 2020-2022,
sejam diagnosticados cerca de 65.850 novos casos por ano (algo em torno de 63 casos novos a
cada 100.000 homens). Muito semelhante aos EUA, o risco de um brasileiro apresentar câncer
de próstata ao longo da vida e dele vir a falecer é de 11,1% e 2,4%, respectivamente. E a taxa
de mortalidade também decresceu de 13,7/100.000 homens (2006-2010) para 12,9/100.000
homens (2011-2015).
FIGURA 1 Taxas de incidência e mortalidade por câncer de próstata nos EUA, 1975-2018.
O câncer de próstata pode ser uma doença grave, mas não será a causa da morte da maior
parte dos homens que venham a ser diagnosticados com a neoplasia. A maioria dos tumores
cresce de forma muito lenta, leva cerca de 15 anos para atingir 1 cm3, e não chega a dar sinais
durante a vida e nem a ameaçar a saúde do homem. Essa característica de lenta evolução
clínica da maioria dos tipos histológicos de câncer de próstata o torna um bom alvo para o
rastreamento, pois oferece várias oportunidades de detecção ao longo do tempo.
Quando se manifesta clinicamente, os principais sintomas e sinais podem incluir:
frequência urinária aumentada, fluxo urinário fraco ou interrompido, urgência para urinar,
hematúria, dor durante a micção (incomum), desconforto ou dor quando sentado, disfunção
erétil. Entretanto, nenhum desses pode ser considerado patognomônico desse câncer, pois
podem aparecer em quadros de hiperplasia prostática benigna, infecção urinária, prostatite e
outros.
O carcinoma intraductal da próstata é definido pela proliferação neoplásica do epitélio
intraductal e/ou intra-acinar das glândulas prostáticas. O estadiamento histológico do
adenocarcinoma da próstata é parte fundamental do escore de Gleason1, um dos itens
determinantes do prognóstico e tratamento dos pacientes.
Ao Irineu, a primeira coisa que um(a) médico(a) deveria informar é que o câncer de próstata é
uma doença de muito alta incidência e prevalência e que elas aumentam com a idade. E que,
além dos mais idosos, o câncer da próstata é um problema maior para indivíduos
afrodescendentes ou que apresentem histórico familiar do câncer. Mas é importante alertá-lo,
também, que, na grande maioria das vezes, o câncer de próstata é indolente e a mortalidade
associa-se aos quadros muito agressivos, com ampla invasão ou metástases a distância.
Tanto as formas locais mais agressivas quanto as que evoluem com metástases tendem a
aparecer mais tardiamente com a idade. Cerca de 90% dos cânceres prostáticos são
diagnosticados ainda restritos à próstata ou a órgãos circunjacentes, e a sobrevida em 10 anos
dessas neoplasias gira em torno de 98%. Por outro lado, a sobrevida em 5 anos dos tumores
com metástases a distância cai para 30%.
Tradicionalmente, o toque retal digital era a manobra clínica usada de rotina para rastrear o
câncer de próstata. Com o tempo, esse exame perdeu esse status devido à falta de evidências de
benefício, baixa sensibilidade e especificidade, tendo sido excluído dos ensaios clínicos de
rastreamento mais recentes.
Largamente disponível a partir dos anos 1990, a dosagem do antígeno prostático específico
(PSA) tornou-se rapidamente o teste de referência no rastreamento do câncer de próstata.
Segundo o INCA (2002), considerando um ponto de corte em 4,0 ng/mL, a sensibilidade
estimada do PSA total varia de 35% a 71% e a especificidade de 63% a 91%. E o seu valor
preditivo positivo aponta para valores em torno de 28%, indicando grande chance de biópsias
feitas desnecessariamente, se 4,0 ng/mL for o valor de PSA usado como referência máxima de
normalidade. Lembra-se que os valores de normalidade do PSA total, recomendados em laudos
laboratoriais, diferem de acordo com a idade dos pacientes.
O PSA angariou muita popularidade, pois trouxe consigo a esperança de poder ajudar a
evitar mortes masculinas precoces. É importante reconhecer que homens de todas as idades
trazem a demanda de querer fazer o PSA, o que ressalta a importância da orientação médica e
da decisão compartilhada entre profissional da saúde e paciente sobre esse rastreamento.
O grande desafio para melhorar o rastreamento do câncer de próstata é o desenvolvimento
de algum recurso tecnológico que permita diferenciar os casos com maior potencial de
malignidade e mortalidade, e promover intervenções que acarretem ganho real em anos
vividos, sem prejuízo da qualidade de vida. O viés de tempo ganho, no qual a antecipação do
diagnóstico pode incorrer, é um efeito comum do check-up da próstata e dá uma falsa ideia
sobre a sobrevida dos pacientes.
Novos métodos de rastreamento (como a relação PSA livre/PSA total, o teste de velocidade
do PSA ou seu tempo de duplicação), apesar de promissores, ainda não foram suficientemente
estudados para que sejam indicados uns em detrimento de outros ou do próprio PSA total do
sangue. Ceticismo científico ainda existe também em relação ao uso de calculadoras de risco
pré-biópsia, com ou sem o resultado do PSA, exames de imagem ou genéticos.
Nas últimas 4 décadas, a tecnologia médica do tratamento do câncer de próstata evoluiu.
Assim, a ligeira diminuição da mortalidade pode se dever menos ao diagnóstico em fase pré-
clínica e mais à melhora técnica do tratamento, em si, mesmo nas fases mais avançadas do
tumor. Isso é reforçado pelo fato da mortalidade continuar caindo a partir de 2012, quando a
solicitação do PSA já não era mais tão comum nos EUA.
As atuais opções de tratamento variam de acordo com o grau de invasão tumoral. Para
doença localizada pode-se propor cirurgia para remoção da glândula (prostatectomia radical),
radioterapia (feixe externo, feixe de prótons, braquiterapia) ou vigilância ativa. Para doença
localmente avançada propõem-se radioterapia ou cirurgia em combinação com tratamento
hormonal. Para doença com metástase, a terapia hormonal é a escolha comum. Novas técnicas
em desenvolvimento podem, entretanto, mudar esse cenário, em um futuro próximo.
A expectativa é que a maior parte dos tumores rastreados sejam localizados, secundados
pelos localmente avançados. Considera-se que a evidência disponível até o momento, apoiada
nos ensaios clínicos ERSPC, PLCO e CAP, sugere que a prostatectomia radical ou a
radioterapia, provavelmente, reduzem a progressão clínica, a doença metastática e,
possivelmente também, a mortalidade dos tumores prostáticos rastreados em estágio inicial.
Apesar disso, o tempo ganho real de vida é bem menor que o aparente se contado a partir do
momento do diagnóstico pré-clínico.
Estudos apontam que cerca de 20% dos homens submetidos a prostatectomia desenvolvem
incontinência urinária e cerca de até 65%, disfunção erétil pós-cirúrgica de longa duração. Já a
radioterapia associa-se a disfunção erétil em 20% dos homens irradiados, e entre 15% e 20%
dos pacientes podem se queixar de sintomas como urgência ou incontinência fecal por retite
actínica. Cerca de 0,3% dos homens morrem em decorrência da cirurgia e 5% apresentam
complicações cirúrgicas que necessitam reintervenção.
A vigilância ativa2 é uma modalidade de tratamento que se justifica no fato da maioria dos
tumores prostáticos ter um crescimento lento e comportamento indolente. Por meio dela,
procura-se limitar os efeitos colaterais do tratamento a pacientes com cânceres de baixo risco,
caso estes não avancem a ponto de necessitar de abordagem cirúrgica ou radioterápica. Parece
uma opção adaptada à história natural do câncer da próstata.
Os protocolos de vigilância incluem a espera vigilante (watchful waiting), dosagens
repetidas de PSA total, toque retal, biópsias (que podem incorrer em danos objetivos à saúde)
e, mais recentemente, exames de ressonância magnética. Aos pacientes cujos tumores mostram
sinais de mudança são então oferecidas outras opções de tratamento. Em um ensaio clínico que
arrolou 1.500 homens com câncer localizado, e que foram submetidos tanto a tratamento
invasivo quanto à vigilância ativa, a sobrevida em 10 anos foi de 99%.
No final das contas, Irineu fez uma lista com duas colunas: uma, com os itens a favor do check-
up, e outra, em paralelo, com os que são contra, dentre tudo o que ele anotou na consulta e leu a
respeito. Com isso, ele pode ter uma visão mais ampla do problema e não ficar à mercê de
palpites sem fundamento ou opiniões enviesadas. Depois, voltará ao médico e decidirá, com ele,
se dosa ou não o seu PSA.
Para que se tenha uma ideia mais precisa da magnitude da complexidade de indicar o
rastreamento do câncer de próstata, uma tradução livre da recomendação atual da USPSTF é
transcrita a seguir:
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Dr. Jorge Sabbaga pela cuidadosa leitura do texto e
sugestão de melhorias.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. CTFPHC – Canadian Task Force on Preventive Health Care. Prostate cancer (2014).
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/prostate-cancer/. Acesso: Maio de 2021.
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2.6
Câncer de pulmão
PONTOS-CHAVE
O câncer de pulmão é a primeira causa de mortes por câncer no mundo. O consumo de cigarros
industrializados é o principal agente etiológico associado a essa neoplasia.
A prevalência de tabagismo vem diminuindo entre mulheres e homens há 2 e 4 décadas,
respectivamente, o que deve impactar a mortalidade por câncer de pulmão no futuro.
Calculadoras de risco, baseadas nos principais fatores associados ao câncer de pulmão, podem
auxiliar o(a) médico e o(a) paciente na decisão sobre o rastreamento.
De 2% a 3% dos pacientes submetidos a tomografia computadorizada de baixa dose (TCBD)
apresentam câncer de pulmão, o que possibilita aumento da sobrevida.
A abstinência prévia ou cessação do tabagismo e o tratamento de tumores em fase inicial
tendem a reduzir a incidência e a mortalidade por câncer de pulmão.
Marco é um executivo de empresa de 56 anos, que foi encaminhado pelo RH à clínica que faz o
seu check-up anual. Ele nega qualquer tipo de sintoma. Dentre seus hábitos, chama a atenção o
fato de beber pelo menos 2 doses de destilados todos os dias e de fumar de 1 maço e meio a 2
maços de cigarros também diariamente, há 35 anos. Refere ter tido suspeita de tuberculose, que
foi tratada, na infância. Nos últimos 3 anos, tomografias anuais de tórax mostraram 1 nódulo
apical no pulmão direito, estável, de 3 mm.
Epidemiologia
O câncer de pulmão é a maior causa de mortes por câncer em todo o mundo. A maioria
(85%) é constituída de tumores de células não pequenas (incluem o carcinoma de células
escamosas, o adenocarcinoma e o carcinoma de células grandes), e os restantes são de
pequenas células ou de outros tipos histológicos. O diagnóstico do câncer de pulmão pode ser
feito por sintomas clínicos (principalmente tosse, dispneia, hemoptise) ou por achado incidental
ou de rastreamento radiográfico.
Dados mundiais, de 2020, indicam o registro de 2.206.771 casos novos da doença, o
equivalente a 11,4% de todas as neoplasias malignas diagnosticadas nesse ano, e 1.796.144
mortes a ele associadas ou 18% de todos os óbitos por câncer. A mortalidade entre homens
chega a ser de 1,7 a 2 vezes maior do que a de mulheres. A incidência e a mortalidade chegam
a ser 3 a 4 vezes maiores em países desenvolvidos do que em países em desenvolvimento.
No Brasil, em 2020, estima-se terem ocorrido por volta de 30.200 casos novos, sendo
17.760 em homens e 12.440 em mulheres. Em 2019, os óbitos foram 29.354, sendo 16.733
homens e 12.621 mulheres. A sobrevida estimada em cinco anos para câncer de pulmão é de
18% (15% para homens e 21% para mulheres). Dado importante é que apenas 16% dos
cânceres são diagnosticados em estágio inicial (câncer localizado), para o qual a taxa de
sobrevida de cinco anos é de 56%.
Em vários países, as taxas de incidência vêm diminuindo progressivamente desde 1980,
para os homens, e desde 2000, para mulheres, basicamente em função da queda da prevalência
de tabagismo, que começou a acontecer em pessoas de ambos os sexos, porém a partir de
momentos diferentes.
As mortes por câncer de pulmão são consideradas evitáveis, uma vez que o tabagismo,
principalmente na forma de cigarros industrializados, é o seu mais importante fator de risco,
responsável por cerca de 80-85% dos casos e de óbitos. Também no Brasil, acompanhando a
tendência de queda da prevalência do tabagismo, a taxa de mortalidade anual caiu
aproximadamente 3,8% em homens e 2,3% em mulheres, de 2011 para 2015, reforçando a
predominância da relação de causa e efeito entre consumo de tabaco e câncer de pulmão.
Fatores de risco
É muito comum encontrar pessoas vivendo e trabalhando normalmente sem qualquer tipo
de sintoma ou sinal de doença, mas cujos hábitos pessoais ou por características próprias do
trabalho estão sujeitas a doenças futuras. Os exames periódicos de saúde ocupacional,
obrigatórios no Brasil para indicar a aptidão do trabalhador à sua função, são também uma
oportunidade para se detectar riscos ou até diagnosticar doenças não ocupacionais em fase
subclínica.
Marco, por meio de um check-up a que tem direito pela empresa onde trabalha, fez tomografia
computadorizada (TC) de tórax, que deve ter sido indicada por causa da idade, do hábito de
fumar e do possível passado de tuberculose. Na primeira TC, ele teve um nódulo descoberto no
pulmão direito, em fase aparentemente inicial. Essa descoberta permitiu o seguimento periódico
da evolução desse nódulo. Se for necessário, outros exames ou uma biópsia com estudo
histopatológico podem ser feitos. É importante lembrar, porém, que a repetição anual de
tomografias de tórax convencionais pode expor o paciente a risco de danos por radiação.
A radiografia simples do tórax (com ou sem citologia de escarro associada) já foi estudada
e abandonada como método de rastreamento do câncer de pulmão, porque, no momento em
que o tumor se revela nesse exame, em geral, ele já se encontra em fase avançada. A
sensibilidade e a especificidade desse método para o rastreamento de cânceres de evolução
ainda inicial, localizada, são baixas. A radiografia simples passou a ser usada, inclusive, como
método de controle em ensaios clínicos que avaliaram o valor do rastreamento por TC.
O câncer de pulmão entrou para o rol de doenças rastreáveis proposto pela USPSTF, em
2013, e foi atualizado pela mesma entidade em março de 2021. Na mais nova recomendação,
ampliou-se a indicação de TCBD anual para uma faixa etária alvo de 50 a 80 anos de idade e
reduziu-se a carga tabágica mínima necessária para 20 maços-ano, para fumantes atuais ou ex-
fumantes que tenham parado há menos de 15 anos. A CTFPHC na sua recomendação, ainda de
2016, diferentemente da outra entidade, sustenta os 74 anos como idade máxima e 30 maços-
ano como carga tabágica mínima para indicar até 3 rodadas de rastreamento por TCBD.
O rastreamento do câncer é uma estratégia dirigida, portanto, a um segmento específico de
pessoas no qual o balanço entre benefícios e riscos de danos parece ser mais favorável,
inclusive com redução da mortalidade. As vantagens do diagnóstico pré-clínico seriam o
melhor prognóstico de evolução da doença e a possibilidade de tratamento mais efetivo com
menos complicações. Os possíveis danos à saúde incluiriam: os resultados falso-positivos, que
geram ansiedade e novos exames desnecessários; os resultados falso-negativos, com falsa
sensação de segurança para o paciente; o sobrediagnóstico e o sobretratamento.
As forças-tarefas citadas e uma série de outras entidades internacionais encontraram
evidências suficientes para recomendar a TCBD para rastrear o câncer em pessoas
assintomáticas. Um estudo brasileiro concluiu que a TCBD é útil para tanto, inclusive, em
locais de alta prevalência de doença granulomatosa pulmonar, como a tuberculose. Entretanto,
há boa concordância em torno da necessidade da disponibilidade de outros exames de imagem
de alta resolução (em substituição a ações mais invasivas como punções-biópsias) na
investigação subsequente de nódulos rastreados.
Além disso, as entidades chamam a atenção ainda para a necessidade de alta expertise na
interpretação das imagens geradas pela TCBD. Como parte da tentativa de homogeneizar a
forma de emissão de laudos radiográficos, a classificação Lung-RADS de nódulos pulmonares
vem sendo usada como referência na interpretação da TCBD. Segundo esse critério, os nódulos
pulmonares são classificados em categorias 0 a 4 com base em seu tamanho e forma.
Por outro lado, nas mesmas recomendações internacionais, observa-se também o cuidado
de manter a indicação do exame, de preferência, aos indivíduos em situação de maior risco do
câncer e tomar a decisão de rastrear ou não de forma compartilhada entre profissionais da
saúde e pacientes. Além disso, é importante reforçar que o rastreio deve ser direcionado apenas
para indivíduos cuja condição de saúde e expectativa de sobrevida permitam a exposição a
procedimentos ou tratamentos agressivos, sem que haja piora da sua qualidade de vida.
Um desafio que se impõe à interpretação dos estudos de rastreamento para câncer de
pulmão é a transposição do aumento do diagnóstico para a redução da mortalidade. A
informação que permite fazer essa associação origina-se de inquéritos populacionais de longo
seguimento, experiências cujos resultados são ainda preliminares. A partir dessa informação
mais completa sobre a modificação da história natural com a realização de rastreamento, é
possível elaborar escores de risco que auxiliem a decisão clínica. Uma ressalva à aplicabilidade
dos estudos com maior quantidade de pacientes é a de que houve baixa representatividade de
não brancos nos estudos.
Sabendo que as informações conhecidas do Marco, o executivo de 56 anos citado no início deste
texto, indicam um passado de tuberculose tratada e 35 anos de tabagismo, o seu RCP5 calculado
pelo MyLungRisk seria 1,24%. Uma probabilidade maior do que a de um homem de 56 anos que
nunca fumou e não tem qualquer outro fator de risco de câncer de pulmão, que seria 0,16%, mas,
ainda assim, relativamente baixa para justificar o rastreamento anual preconizado por algumas
entidades.
Cessação do tabagismo
Seguimento radiográfico
Estratégias de biópsia
O paciente Marco é, certamente, uma pessoa para quem uma abordagem preventiva para
cessação do tabagismo estaria indicada. Como ele apresenta um nódulo muito pequeno, que não
aumentou de tamanho nos últimos 3 anos, é muito provável que não haja necessidade de nova
repetição do estudo radiológico. Esse nódulo seria classificado como Lung-RADS 0 ou 1.
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Dr. Jorge Sabbaga pela cuidadosa leitura do texto e
sugestão de melhorias.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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2.7
Consumo excessivo de bebida alcoólica
PONTOS-CHAVE
O consumo de bebida alcoólica pode causar sensação de bem-estar e relaxamento, mas o seu
uso exagerado acarreta prejuízos coletivos e individuais graves à saúde.
Segundo a OMS, 5% de todas as doenças são causadas pelo álcool e mais de 3 milhões de
pessoas morrem todos os anos em decorrência do seu uso nocivo ou abusivo.
O rastreamento do consumo excessivo de álcool é uma estratégia para reduzir a incidência de
doenças, acidentes, violência e outros problemas psicossociais.
Os instrumentos de rastreamento permitem classificar o consumo alcoólico de acordo com o seu
nível de gravidade e risco para a saúde das pessoas.
Intervenções preventivas de aconselhamento, tratamento psicoterápico e medicamentoso
devem estar disponíveis na atenção primária ou em serviços especializados.
Lina é uma mulher de 43 anos, publicitária, casada, que tem 2 filhas adolescentes e mora em São
Paulo. Durante o exame periódico da empresa, disse à médica que não sentia nada e que, exceto
pelo grande estresse do trabalho, sua vida e sua saúde eram ótimas. A médica, então, perguntou
se ela fazia algo para tentar se desestressar. Ela respondeu que não tem muito tempo livre só
para ela, mas que todas as noites, depois que as filhas e o marido se deitam, ela toma 3 ou 4
doses de uísque para relaxar e dormir melhor.
O ato de beber bebidas alcoólicas faz parte da história da humanidade. Tradições culturais
ou religiosas de diversas sociedades as incluem como parte de celebrações, cultos ou rituais.
Essa extrema popularidade se deve, em grande parte, às propriedades de relaxar e proporcionar
uma sensação de bem-estar, que despertam alegria e espontaneidade, e aumentam a capacidade
de sociabilização das pessoas, pelo menos enquanto o seu consumo não seja excessivo. Por
outro lado, se for exagerado, tanto em picos agudos intermitentes quanto de forma contínua, a
ingestão do álcool pode acarretar sérios prejuízos coletivos e individuais. Quase todas as
pessoas vão consumir álcool pelo menos uma vez na vida e o primeiro contato com a
substância muitas vezes se dá na infância ou adolescência.
Epidemiologia
No Brasil, mais de 70% dos alunos matriculados no nono ano do ensino fundamental já
experimentaram álcool alguma vez na vida, sendo que 27% deles têm padrão de consumo
regular e 9% problemas decorrentes do uso do álcool já nessa etapa da vida.
O Ministério da Saúde (MS), em 2019, apontou que 17,9% da população adulta brasileira
consumia bebida alcoólica abusivamente,1 11% das mulheres e 25% dos homens. O consumo
pela população feminina vem aumentando mais do que o masculino na última década. As
faixas etárias de maior prevalência de consumo abusivo de álcool são de 25 a 34 anos e de 18 a
24 anos, respectivamente, para homens e mulheres. A prevalência tende a diminuir com o
aumento da idade, em ambos os sexos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que o álcool é um dos principais fatores de
risco de danos à saúde ao redor do mundo. Ele impacta, diretamente, muitos dos objetivos
sanitários do desenvolvimento sustentável dos países, como: a saúde materna e infantil, o
controle das infecções transmissíveis (p. ex., HIV, hepatites virais, tuberculose), várias doenças
crônicas não transmissíveis (DCNT), distúrbios mentais, acidentes, violência e intoxicações. A
prevenção do seu uso nocivo é um alvo, também, para o fortalecimento de políticas de
desenvolvimento e equidade social.
Fatores de risco
1. Tradições socioculturais
5. Idade e sexo
Consequências
Segundo a OMS, em todo o mundo, 5% de todas as doenças são causadas pelo álcool. Mais
de 3 milhões de homens e mulheres morrem todos os anos em decorrência do seu uso nocivo
ou abusivo. A entidade considera que não existe volume seguro de álcool a ser consumido
(embora alguns efeitos protetores sejam descritos na literatura científica) e justifica isso com
base na grande diversidade de doenças, lesões e problemas de natureza psicossocial associados
à bebida.
Em termos de mortalidade, o MS associa 1,45% de todos os óbitos ocorridos de 2000 a
2017 ao consumo nocivo de álcool. Homens apresentam risco de mortalidade cerca de 9 vezes
maior do que as mulheres, levando-se em conta apenas as mortes por causas naturais, ou seja,
excluindo-se acidentes, violências e outras causas parcialmente atribuídas.
As complicações do uso excessivo em curto prazo incluem: perda de controle e
coordenação psicomotora, náuseas e vômitos, sonolência, queda progressiva do nível de
consciência e coma (Tabela 2). Essas situações podem, por sua vez, cursar com distúrbios
hidroeletrolíticos e do equilíbrio ácido-básico, aspiração de conteúdo gástrico para os pulmões,
convulsões, internações hospitalares etc. Alcoolismo agudo é fator de risco, também, para:
infecções sexualmente transmissíveis (em função do não uso de proteção adequada durante
relações sexuais); abuso concomitante de outras drogas; atos de violência e acidentes, dentre os
quais se destacam os de trânsito, que colocam em risco a integridade física da própria pessoa e
de terceiros.
O caso da Lina, uma pessoa de provável poder aquisitivo elevado, em faixa etária média e que
vive com seu marido e 2 filhas, chama a atenção pela aparente normalidade. Entretanto, o
detalhe final, de que ela bebe algumas doses de destilado antes de dormir como forma de
relaxamento, não deixa de causar uma certa preocupação. Ela bebe apenas nas situações
citadas? Esse hábito já lhe trouxe algum problema familiar ou no trabalho? Enfim, essas e outras
são dúvidas legítimas que podem ajudar a desvendar situações de perigo ainda não percebidas
pela paciente.
Questionários estruturados
1. Você alguma vez já sentiu que deveria diminuir ou parar de beber? (Cut-down)
2. As pessoas têm incomodado você, criticando-o por beber? (Annoyed)
3. Você já se sentiu mal ou culpado por seu hábito de beber? (Guilty)
4. Você já sentiu que tinha que beber logo cedo de manhã para controlar os nervos e superar
a ressaca? (Eye-opener)
Essas perguntas (ou pequenas variações delas) podem ser incluídas em uma anamnese
dinâmica e fornecer uma ideia preliminar do grau de dependência da pessoa em relação ao
álcool. O CAGE, que não aborda diretamente a frequência e a quantidade de bebida
consumida, é um instrumento de boa sensibilidade e especificidade para detectar consumo
avançado, porém ele é incapaz de fornecer uma visão mais ampla de todo o espectro do uso
não saudável ou nocivo da bebida.
A USPSTF, em revisão de 2018 do que a entidade denomina rastreamento do uso não
saudável da bebida alcoólica, identificou vários outros instrumentos breves para rastrear o
consumo alcóolico e acabou fixando a sua recomendação em dois deles: o SASQ e o AUDIT-
C.
O Single Alcohol Screeening Questionnaire (SASQ) consiste em aplicar uma única
pergunta, que tem o objetivo de identificar a quantidade de ocasiões em que houve consumo
abusivo (≥ 6 doses-padrão, para mulheres, e ≥ 8 doses-padrão, para homens), nos últimos 12
meses. A sensibilidade descrita do SASQ é de 73% a 88% e a especificidade de 74% a 100%; o
seu uso modificado (M-SASQ) foi aprimorado para rastreamento rápido em situações de
emergência. A seguir estão indicados a pergunta a ser feita e os critérios de interpretação do M-
SASQ.
PERGUNTA 0 1 2 3 4 ESCORE
Com que Nunca Menor que Mensal Semanal Diária ou
frequência mensal quase diária
você tomou 6
ou mais doses,
se mulher, ou
8 ou mais, se
homem, em
uma única
ocasião, no
último ano?
Interpretação: Escore 0-1: risco baixo. Escore 2-4: risco moderado a alto – RASTREAMENTO
POSITIVO (aplicar o AUDIT completo).
AUDIT COMPLETO
AUDIT-C
QUADRO 1 Questionários AUDIT C e AUDIT completo
1. Com que frequência você 2. Nas ocasiões em que bebe, 3. Com que frequência você toma
toma bebidas alcoólicas? quantas doses1 você consome 6 ou mais doses de uma vez?
(0) Nunca tipicamente ao beber? (0) Nunca
(1) Mensalmente ou menos (0) 1 ou 2 (1) Menos do que 1 vez ao mês
(2) De 2 a 4 vezes por mês (1) 3 ou 4 (2) Mensalmente
(3) De 2 a 4 vezes por semana (2) 5 ou 6 (3) Semanalmente
(4) 4 ou mais vezes por semana (3) 7, 8 ou 9 (4) Todos ou quase todos os dias
(4) 10 ou mais
4. Quantas vezes, ao longo dos 5. Quantas vezes, ao longo dos 6. Quantas vezes, ao longo dos
últimos 12 meses, você achou últimos 12 meses, você não últimos 12 meses, você precisou
que não conseguiria parar de conseguiu fazer o que esperava beber pela manhã para se sentir
beber, uma vez tendo por conta do uso do álcool? bem ao longo do dia, após ter
começado? (0) Nunca bebido no dia anterior?
(0) Nunca (1) Menos do que 1 vez ao mês (0) Nunca
(1) Menos do que 1 vez ao mês (2) Mensalmente (1) Menos do que 1 vez ao mês
(2) Mensalmente (3) Semanalmente (2) Mensalmente
(3) Semanalmente (4) Todos ou quase todos os (3) Semanalmente
(4) Todos ou quase todos os dias (4) Todos ou quase todos os dias
dias
7. Quantas vezes, ao longo dos 8. Quantas vezes, ao longo dos 9. Alguma vez na vida você já
últimos 12 meses, você se últimos 12 meses, você foi causou ferimentos ou prejuízos a
sentiu culpado(a) ou com incapaz de lembrar o que você mesmo(a) ou a outra
remorso de ter bebido? aconteceu devido à bebida? pessoa após ter bebido?
(0) Nunca (0) Nunca (0) Não
(1) Menos do que 1 vez ao mês (1) Menos do que 1 vez ao mês (2) Sim, mas não nos últimos 12
(2) Mensalmente (2) Mensalmente meses
(3) Semanalmente (3) Semanalmente (4) Sim, nos últimos 12 meses
(4) Todos ou quase todos os (4) Todos ou quase todos os
dias dias
10. Alguma vez na vida algum 1 Uma dose-padrão (14 g de álcool puro) equivale a:
parente, amigo, médico ou outro 40 mL de pinga, uísque, vodka, gim ou
profissional da saúde já se 85 mL de licor, vermute ou Porto ou
preocupou com o fato de você
140 mL de vinho de mesa (1 cálice) ou
beber ou já sugeriu que você
320 mL de cerveja (1 lata)
parasse com o uso do álcool?
(0) Não
(2) Sim, mas não nos últimos 12
meses
(4) Sim, nos últimos 12 meses
ZONA I (soma de escores 0 a 7): pessoas que se localizam na zona I geralmente fazem
uso de baixo risco de álcool ou são abstêmias. De uma forma geral, são pessoas que
bebem menos de duas doses-padrão por dia ou que não ultrapassam a quantidade de
cinco doses-padrão em uma única ocasião. A intervenção adequada nesse nível é a
educação em saúde, para que haja a manutenção do padrão de uso atual.
ZONA II (soma de escores 8 a 15): pessoas que pontuam nessa zona são consideradas
usuários de risco; são pessoas que fazem uso acima de duas doses-padrão todos os
dias ou mais de cinco doses-padrão em uma única ocasião, porém não apresentam
nenhum problema decorrente disso. A intervenção adequada nesse nível é a
Orientação Básica sobre o uso de baixo risco e sobre os possíveis riscos orgânicos,
psicológicos ou sociais que o usuário pode apresentar se mantiver esse padrão de uso.
ZONA III (soma de escores 16 a 19): nessa zona de risco estão os usuários com
padrão de uso nocivo; ou seja, pessoas que consomem álcool em quantidade e
frequência acima dos padrões de baixo risco e já apresentam problemas decorrentes
do uso de álcool. Por outro lado, essas pessoas não apresentam a quantidade de
sintomas necessária para o diagnóstico de dependência. A intervenção adequada
nesse nível é a utilização da técnica de Intervenção Breve e Monitoramento.
O tipo e a intensidade da intervenção a ser adotada vão depender das respostas dadas ao
AUDIT completo. A sua complexidade aumenta com o aumento da soma dos escores e está
diretamente relacionada com a capacidade do(a) profissional de saúde, que executou o
rastreamento, e da instituição de saúde, na qual está inserido(a), de oferecerem o serviço
adequado a cada caso. O Quadro 2 especifica a intervenção proposta para cada nível de soma
de escores, como discriminada acima pelo SENAD.
Caso Lina seja solicitada a responder às perguntas do AUDIT-C, a soma dos escores das
respostas será, no mínimo, = 5. Ela pode ser uma pessoa em situação de risco de dano pelo
consumo alcoólico e merece uma complementação do rastreamento pelo AUDIT completo.
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Prof. Dr. Renério Fráguas Júnior pela cuidadosa
leitura do texto e sugestão de melhorias.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Unhealthy alcohol use in adolescents and adults:
screening and behavioral counseling interventions (2018).
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/unhealthy-alcohol-use-in-adolescents-
and-adults-screening-and-behavioral-counseling-interventions#bootstrap-panel--8. Acesso: Junho de 2021.
2. WHO – World Health Organization. Global status report on alcohol and health 2018.
https://www.who.int/publications/i/item/9789241565639. Acesso: Junho de 2021.
3. WHO – World Health Organization. Global status report on alcohol and health 2018.
https://www.who.int/publications/i/item/audit-the-alcohol-use-disorders-identification-test-guidelines-for-use-
in-primary-health-care. Acesso: Junho de 2021.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas
Estratégicas. Guia estratégico para o cuidado de pessoas com necessidades relacionadas ao consumo de
álcool e outras drogas. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.
5. Brasil. Secretaria Nacional Antidrogas. Levantamento nacional sobre os padrões de consumo de álcool na
população brasileira. Elaboração, redação e organização: Ronaldo Laranjeira et al.; Revisão técnica científica:
Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte. Brasília: Secretaria Nacional Antidrogas; 2007.
6. CISA – Centro de Informações sobre Saúde e Álcool. Álcool e a saúde dos brasileiros: Panorama 2020.
Organizador: Arthur Guerra de Andrade. 1. ed. São Paulo: CISA; 2020.
7. SENAD – Secretaria Nacional de Políticas sobre Álcool e Drogas. AUDIT & AUDIT-C: Eixo instrumentos.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4170599/mod_resource/content/1/audit.pdf. Acesso: Junho de 2021.
8. Malta DC, Mascarenhas MD, Porto DL, Duarte EA, Sardinha LM, Barreto SM, Neto OL. Prevalência do
consumo de álcool e drogas entre adolescentes: análise dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar.
Rev Bras Epidemiol. 2011;14(1) Supl.:136-46.
2.8
Consumo nocivo de drogas ilícitas e medicamentos
PONTOS-CHAVE
Fonte: ICICT, Fiocruz. III Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira.
Observa-se que a bebida alcoólica e o tabagismo lideram por larga margem a lista de
substâncias psicoativas consumidas mais frequentemente no Brasil. A importância clínico-
epidemiológica do álcool, tão expressiva e peculiar, faz com que o seu rastreamento deva ser
tratado de forma mais completa em outro capítulo deste livro. Já o rastreamento do tabagismo
(Você fuma? Quantos cigarros por dia? Há quanto tempo?) será abordado no âmbito dos seus
efeitos mais relevantes à saúde (doenças cardiovasculares e o câncer de pulmão).
Dentre eles, o primeiro a destacar é a dependência química, ou seja, o impulso que leva
uma pessoa a usar substâncias de forma contínua ou periódica, por longo período, para obter
prazer ou aliviar tensões, a despeito de possíveis prejuízos funcionais da convivência em
sociedade.
A tolerância e a síndrome de abstinência são suas características inerentes. Em conjunto,
podem levar o dependente químico ao uso descontrolado da droga e, na sua falta, a sofrer de
sintomas progressivos, como sensação de vazio, ansiedade, perda de concentração, cefaleia,
irritabilidade, agitação, náuseas e vômitos, perda ponderal, desidratação, tremores, alucinações,
convulsões e coma. A tendência geral é que os quadros clínicos sejam tão mais agressivos
quanto mais frequente é o consumo e mais potente é a droga (p. ex., cocaína e heroína).
Além das manifestações ligadas à dependência propriamente dita, as drogas e os
medicamentos podem induzir uma ampla gama de efeitos esperados e colaterais, que variam de
acordo com a substância ingerida, inalada ou injetada. A toxicidade pode acometer funções
vitais de praticamente todos os sistemas orgânicos, o que justifica a sua avaliação clínico-
laboratorial caso a caso. O consumo compulsivo exagerado pode levar ao óbito (overdose).
Além disso, são comuns infecções transmitidas pelo compartilhamento de material e má
higiene, principalmente no caso de injeção de drogas.
Tão ou mais importantes que os efeitos citados são os sociais, principalmente quando se
trata de drogas ilícitas, como a maconha, o crack, a cocaína, a metanfetamina etc. A legislação
brasileira penaliza a produção, o porte, o uso e o tráfico de drogas. Desde 2019, entretanto, as
penas previstas para o usuário ou dependente surpreendido com quantidades de drogas para uso
exclusivamente pessoal são de advertência, prestação de serviços à comunidade ou
comparecimento a programa educativo. Já a produção ou o tráfico são passíveis de punição por
prisão e multa.
Foge ao escopo deste texto aprofundar a discussão das graves repercussões sociais,
jurídicas e econômicas que envolvem o tráfico nacional ou internacional de drogas. Ressalta-se
apenas que, além das consequências à saúde individual dos consumidores, a criminalidade e a
violência que envolvem a produção e o tráfico aprofundam o impacto sobre a saúde das
coletividades, podendo ampliar o sofrimento e induzir mortes prematuras e evitáveis. O que,
em última análise, o check-up tem por objetivo evitar.
Marcos é uma pessoa produtiva, inserida no mercado de trabalho em uma função altamente
competitiva que requer alto nível de engajamento e esforço pessoal. Ele talvez se sinta bem
adaptado à sua rotina, embora com hábitos que possam prejudicar sua saúde futura: pouco sono,
tabagismo, consumo de álcool e de medicamentos fornecidos por amigos. É possível que suas
queixas estejam associadas a esses hábitos. A promoção da sua saúde parece depender do
rastreamento mais detalhado em relação ao uso de drogas lícitas e ilícitas.
Álcool (Para homens, 5 ou mais doses por dia. Para mulheres, 4 ou mais doses por dia)
( ) Nunca ( ) Uma ou duas vezes ( ) Mensalmente ( ) Semanalmente ( ) Todos ou quase todos os
dias
Produtos do tabaco (cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos, narguilé, tabaco de mascar, aspirar ou
rapé)
( ) Nunca ( ) Uma ou duas vezes ( ) Mensalmente ( ) Semanalmente ( ) Todos ou quase todos os
dias
Drogas ilegais
( ) Nunca ( ) Uma ou duas vezes ( ) Mensalmente ( ) Semanalmente ( ) Todos ou quase todos os
dias
Na sequência, de acordo com as respostas dadas, são propostas outras questões para avaliar
a frequência e a severidade do uso e eventuais consequências possivelmente relacionadas a
cada droga consumida.
Inicialmente, o ASSIST completo tenta identificar o uso de tabaco, álcool e vários
medicamentos e drogas psicoativas alguma vez na vida. Em caso positivo para qualquer
substância da lista, 6 perguntas quantificam (por meio de escores) como foi nos últimos 3
meses a frequência de: consumo; sintomas de fissura; problemas de saúde, sociais, legais ou
financeiros; e incapacidades. Por fim, nas últimas 3 questões pergunta-se sobre: a possível
preocupação de amigos e parentes com o uso de substâncias pelo paciente; tentativas de
controlar, reduzir ou parar de consumir; e se já fez uso de drogas injetáveis. O Anexo 1
apresenta o formulário completo para aplicação manual do ASSIST na forma como é validado
para ser empregado no Brasil, incluindo as fórmulas de cálculos de pontuação e as
recomendações para cada substância consumida, de acordo com a faixa de pontuação auferida.
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Prof. Dr. Renério Fraguas Junior pela cuidadosa
leitura do texto e sugestão de melhorias.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Unhealthy Drug Use: Screening, 2020.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/drug-use-illicit-screening. Acesso em:
Maio de 2021.
2. United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC). Works Drug Report (2019). Disponível em
https://www.wdr.unodc.org/wdr2019. Acesso: Maio de 2021.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). III Levantamento Nacional sobre Uso de
Drogas pela População Brasileira. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 2017.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). III Levantamento Nacional sobre Uso de
Drogas pela População Brasileira - Documentação Complementar. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 2018.
5. WHO ASSIST Working Group. The Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test
(ASSIST): development, reliability and feasibility. Addiction. 2002;97:1183-94.
6. McNeely J, Strauss SM, Saitz R, Cleland CM, Palamar JJ, Rotrosen J, et al. A brief patient self-administered
substance use screening tool for primary care: Two-site Validation Study of the Substance Use Brief Screen
(SUBS) Am J Med. 2015 Jul;128(7):784.e9-19.
7. Quyen QT, Yani L, Rudolf HM, Brandy S. Diagnostic accuracy of a two-item screen for drug use developed
from the alcohol, smoking and substance involvement screening test (ASSIST). Drug Alcohol Depend. 2016
Jul 1;164:22-7.
8. Henrique IFS, De Micheli D, Lacerda RB, Lacerda LA, Formigoni MOS. Validação da versão brasileira do
teste de triagem do envolvimento com álcool, cigarro e outras substâncias (ASSIST). Rev Assoc Med Bras.
2004;50(2):199-20.
9. Brasil. Ministério da Justiça e Cidadania. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. SUPERA, 11a
Edição, Módulo 1. O uso de substâncias psicoativas no Brasil. Brasília: Ministério da Justiça e Cidadania;
2017
10. Brasil. Ministério da Cidadania. Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas. 11 perguntas para
você conhecer a legislação sobre drogas no Brasil. Florianópolis: SEAD/UFSC; 2020.
b. bebidas alcoólicas (cerveja, vinho, champagne, licor, pinga, uísque, vodca, vermutes, caninha,
rum, tequila, gim)
c. maconha (baseado, erva, liamba, diamba, birra, fuminho, fumo, mato, bagulho, pango, manga-
rosa, massa, haxixe, skank etc.)
d. cocaína, crack (coca, pó, branquinha, nuvem, farinha, neve, pedra, cachimbo, brilho)
f. inalantes (solventes, cola de sapateiro, tinta, esmalte, corretivo, verniz, thinner, clorofórmio,
tolueno, gasolina, éter, lança-perfume, cheirinho da loló)
j. outras – especificar:
2. DURANTE OS TRÊS
ÚLTIMOS MESES, COM
QUE FREQUÊNCIA VOCÊ
DIARIAMENTE
UTILIZOU ESSA(S)
1 OU 2 OU QUASE
SUBSTÂNCIA(S) QUE NUNCA MENSALMENTE SEMANALMENTE
VEZES TODOS OS
MENCIONOU?
DIAS
(PRIMEIRA DROGA,
DEPOIS A SEGUNDA
DROGA ETC.)
a. derivados do tabaco 0 2 3 4 6
b. bebidas alcoólicas 0 2 3 4 6
c. maconha 0 2 3 4 6
d. cocaína, crack 0 2 3 4 6
e. anfetaminas ou ecstasy 0 2 3 4 6
f. inalantes 0 2 3 4 6
g. hipnóticos/sedativos 0 2 3 4 6
h. alucinógenos 0 2 3 4 6
i. opioides/opiáceos 0 2 3 4 6
j. outras, especificar 0 2 3 4 6
Se “NUNCA” em todos os itens da questão 2, pule para a questão 6; com outras respostas,
continue com as demais questões.
3. DURANTE OS TRÊS
ÚLTIMOS MESES, COM
QUE FREQUÊNCIA VOCÊ DIARIAMENTE
TEVE UM FORTE DESEJO 1 OU 2 OU QUASE
NUNCA MENSALMENTE SEMANALMENTE
OU URGÊNCIA EM VEZES TODOS OS
CONSUMIR? DIAS
(PRIMEIRA DROGA,
SEGUNDA DROGA ETC.)
a. derivados do tabaco 0 3 4 5 6
b. bebidas alcoólicas 0 3 4 5 6
c. maconha 0 3 4 5 6
d. cocaína, crack 0 3 4 5 6
e. anfetaminas ou ecstasy 0 3 4 5 6
f. inalantes 0 3 4 5 6
g. hipnóticos/sedativos 0 3 4 5 6
h. alucinógenos 0 3 4 5 6
i. opioides/opiáceos 0 3 4 5 6
3. DURANTE OS TRÊS
ÚLTIMOS MESES, COM
QUE FREQUÊNCIA VOCÊ DIARIAMENTE
TEVE UM FORTE DESEJO 1 OU 2 OU QUASE
NUNCA MENSALMENTE SEMANALMENTE
OU URGÊNCIA EM VEZES TODOS OS
CONSUMIR? DIAS
(PRIMEIRA DROGA,
SEGUNDA DROGA ETC.)
j. outras, especificar 0 3 4 5 6
a. derivados do tabaco 0 4 5 6 7
b. bebidas alcoólicas 0 4 5 6 7
c. maconha 0 4 5 6 7
d. cocaína, crack 0 4 5 6 7
e. anfetaminas ou ecstasy 0 4 5 6 7
f. inalantes 0 4 5 6 7
g. hipnóticos/sedativos 0 4 5 6 7
h. alucinógenos 0 4 5 6 7
i. opioides/opiáceos 0 4 5 6 7
j. outras, especificar 0 4 5 6 7
5. DURANTE OS TRÊS
ÚLTIMOS MESES, COM
QUE FREQUÊNCIA, POR
CAUSA DO SEU USO DE
DIARIAMENTE
(PRIMEIRA DROGA,
1 OU 2 OU QUASE
DEPOIS A SEGUNDA NUNCA MENSALMENTE SEMANALMENTE
VEZES TODOS OS
DROGA ETC.), VOCÊ
DIAS
DEIXOU DE FAZER
COISAS QUE ERAM
NORMALMENTE
ESPERADAS DE VOCÊ?
a. derivados do tabaco 0 5 6 7 8
b. bebidas alcoólicas 0 5 6 7 8
c. maconha 0 5 6 7 8
d. cocaína, crack 0 5 6 7 8
e. anfetaminas ou ecstasy 0 5 6 7 8
5. DURANTE OS TRÊS
ÚLTIMOS MESES, COM
QUE FREQUÊNCIA, POR
CAUSA DO SEU USO DE
DIARIAMENTE
(PRIMEIRA DROGA,
1 OU 2 OU QUASE
DEPOIS A SEGUNDA NUNCA MENSALMENTE SEMANALMENTE
VEZES TODOS OS
DROGA ETC.), VOCÊ
DIAS
DEIXOU DE FAZER
COISAS QUE ERAM
NORMALMENTE
ESPERADAS DE VOCÊ?
f. inalantes 0 5 6 7 8
g. hipnóticos/sedativos 0 5 6 7 8
h. alucinógenos 0 5 6 7 8
i. opioides/opiáceos 0 5 6 7 8
j. outras, especificar 0 5 6 7 8
a. derivados do tabaco 0 6 3
b. bebidas alcoólicas 0 6 3
c. maconha 0 6 3
d. cocaína, crack 0 6 3
e. anfetaminas ou ecstasy 0 6 3
f. inalantes 0 6 3
g. hipnóticos/sedativos 0 6 3
h. alucinógenos 0 6 3
i. opioides/opiáceos 0 6 3
j. outras, especificar 0 6 3
SIM,
SIM, mas
7. ALGUMA VEZ VOCÊ JÁ TENTOU CONTROLAR, DIMINUIR OU PARAR nos não
NÃO,
O USO DE (PRIMEIRA DROGA, DEPOIS A SEGUNDA DROGA ETC.) E últimos nos
nunca
NÃO CONSEGUIU? 3 últimos
meses 3
meses
a. derivados do tabaco 0 6 3
b. bebidas alcoólicas 0 6 3
SIM,
SIM, mas
7. ALGUMA VEZ VOCÊ JÁ TENTOU CONTROLAR, DIMINUIR OU PARAR nos não
NÃO,
O USO DE (PRIMEIRA DROGA, DEPOIS A SEGUNDA DROGA ETC.) E últimos nos
nunca
NÃO CONSEGUIU? 3 últimos
meses 3
meses
c. maconha 0 6 3
d. cocaína, crack 0 6 3
e. anfetaminas ou ecstasy 0 6 3
f. inalantes 0 6 3
g. hipnóticos/sedativos 0 6 3
h. alucinógenos 0 6 3
i. opioides/opiáceos 0 6 3
j. outras, especificar 0 6 3
Nota importante: pacientes que tenham usado drogas injetáveis nos últimos 3 meses devem ser
perguntados sobre seu padrão de uso injetável durante este período, para determinar seus níveis
de risco e a melhor forma de intervenção.
NÃO, nunca SIM, nos últimos 3 meses SIM, mas NÃO nos últimos 3
meses
Para cada substância (de “a” a “j”) some os escores obtidos nas questões 2 a 7 (inclusive). Não
inclua no cálculo as pontuações das questões 1 e 8.
Por exemplo, um escore para maconha deverá ser calculado do seguinte modo: Q2c + Q3c + Q4c
+ Q5c + Q6c + Q7c. Atenção: para tabaco a questão 5 não deve ser pontuada, sendo obtida pela
soma de Q2a + Q3a + Q4a + Q6a + Q7a.
Adaptação e validação para o Brasil por Henrique IFS, et al. Validação da versão brasileira
do teste de triagem do envolvimento com álcool, cigarro e outras substâncias (ASSIST). Rev
Assoc Med Bras. 2004;50:199-206.
Versão original desenvolvida por WHO ASSIST Working Group.
http://www.who.int/substance_abuse/activitiers/assist/en/index.html.
2.9
Depressão
PONTOS-CHAVE
Rastrear a depressão em adultos entre 18 e 75 anos da população geral, que não se queixem,
explicitamente, de sintomas depressivos.
Informar o(a) paciente das características do rastreamento e das suas possíveis repercussões,
antes de decidir pela sua realização.
Ter certeza de que todas as possibilidades terapêuticas da depressão estejam disponíveis e
acessíveis, para o caso de o rastreamento ser positivo.
Iniciar o rastreamento pelas 2 primeiras perguntas do PHQ-9. Se a soma dos escores for maior
do que 2, aplicar as outras 7 perguntas do PHQ-9.
Confirmar o diagnóstico por meio de avaliação clínica e oferecer tratamento adequado ao grau
de gravidade, fornecido por profissional da saúde treinado e, se necessário, por especialista.
Nivalda é uma cuidadora de idosos de 53 anos, que vive sozinha em uma comunidade carente do
Rio de Janeiro. Ela tem 2 filhas adultas que vivem em Minas Gerais há mais de 5 anos. Sua vida,
hoje, se resume a cuidar de uma senhora de 90 anos e a ficar em casa, nas horas de folga. Seu
lazer principal é assistir novelas e programas de TV aberta. Ela tem procurado serviços de saúde,
com certa frequência, para tratar de dores de cabeça, falta de energia e insônia. A sua aderência
aos medicamentos é bem irregular.
Manifestações clínicas
A WHO Global Health Estimates estimou que 1,5% de todos os óbitos mundiais, em 2015,
foram devidos a suicídio. Ao mesmo tempo, sabe-se que um número grande e desconhecido de
tentativas não consumadas contribui para as consequências nefastas dos distúrbios depressivos.
Lembra-se que suicídio ocorre em qualquer faixa etária,2 principalmente em países de baixo ou
médio nível de desenvolvimento.
Alguns fatores de natureza individual ou coletiva aumentam o risco para depressão (Tabela
1). Vale ressaltar, entretanto, que a presença ou ausência desse(s) fator(es) de risco não
distingue pacientes com depressão daqueles sem a doença.
A USPSTF apresenta vários questionários estruturados e validados que podem servir para
rastrear indícios de depressão em pessoas da população geral. São citados pela entidade,
principalmente: o PHQ – Patient Health Questionnaire, em várias formas de apresentação,
dentre as quais o PHQ-9 (Anexo 1); as Hospital Anxiety and Depression Scales, para adultos; a
Geriatric Depression Scale, para idosos (Anexo 2). A Organização Mundial da Saúde, por sua
vez, propõe o WHO-5 Well-Being Index (Anexo 3) como passo preliminar na detecção de casos
potenciais de depressão.
De modo geral, a sensibilidade desses instrumentos varia entre 80% e 90% e a
especificidade, entre 70% e 85%; a maioria deles é de aplicação rápida e fácil, e alguns são
autoaplicáveis pelos pacientes. A mesma USPSTF, na sua última atualização da recomendação
sobre depressão, reforçou que a acurácia dos métodos de rastreamento, como os citados, é
satisfatória e convincente. Enfatizou, ainda, que duas questões simples a respeito de humor e
anedonia, como as duas primeiras do PHQ-9 (doravante chamadas PHQ-2), podem ser tão
efetivas quanto instrumentos mais completos no rastreamento da depressão e, portanto, viáveis
para uso na clínica de atenção primária.
Caso as duas questões do PHQ-2 apontem indícios de depressão, as respostas às outras sete
perguntas aumentam a especificidade do questionário e podem ajudar a refinar o diagnóstico
pré-clínico (a íntegra das perguntas e os critérios de interpretação das respostas ao PHQ-9 estão
detalhados no Anexo 1 no final do capítulo). De qualquer modo, todo rastreamento considerado
positivo deve desencadear um processo de confirmação do diagnóstico, por meio de avaliação
clínica, que inclua tópicos referentes a: gravidade da depressão, queixas somáticas e outros
problemas psicossociais associados (p. ex., ansiedade, ataques de pânico, abuso de drogas,
ideação suicida etc.), diagnóstico diferencial e condições clínicas gerais.
Ao longo da consulta médica, Nivalda foi perguntada se vinha se sentindo triste, para baixo, e se
tinha perdido o prazer no seu dia a dia, pelo menos nas últimas 2 semanas. Ela confirmou que
estava sempre triste, mas que ainda fazia suas tarefas com algum prazer. Pediram, então, para
ela responder às perguntas do PHQ-9, antes de tomar uma decisão sobre o diagnóstico de
depressão e seu possível tratamento.
Periodicidade do rastreamento
Ainda não é possível determinar o período ideal para repetição, nos casos de rastreamento
negativo. De maneira pragmática, é razoável rastrear, uma primeira vez, todos os adultos que
nunca foram ou não se lembram de terem sido rastreados em relação à depressão, e repetir o
procedimento a cada novo contato. Isso deve ser feito durante qualquer consulta médica
ambulatorial ou mesmo em situação oportunista, como uma internação hospitalar.
Riscos na aplicação dos questionários
Iniciativas específicas para prevenção de depressão são de difícil implantação, uma vez que
se trata de doença de etiologia multifatorial, que envolve tantas dimensões diferentes das
relações humanas que a possibilidade de intervenção é, muitas vezes, inalcançável na prática.
Porém, programas restritos que estimulam a atividade física, grupos de convivência e ajuda
mútua, práticas de lazer comunitário, estratégias gerais para relaxamento e descontração,
sistemas de organização do trabalho que privilegiem a saúde, são alguns exemplos de ações
que, indiretamente, podem agir nesse sentido.
Caso o rastreamento de depressão da Nivalda seja positivo, o(a) profissional da atenção primária,
após confirmar o diagnóstico clinicamente, poderá optar por introduzir o tratamento
medicamentoso ou encaminhá-la a especialista (psicólogo ou psiquiatra). Qualquer que seja a
opção escolhida, à paciente deve ser garantido o suporte de mais alto nível de qualidade para o
problema rastreado.
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Prof. Dr. Renério Fráguas Júnior pela cuidadosa
leitura do texto e sugestão de melhorias.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. Canadian Task Force on Preventive Health Care – CTFPHC. Depression in adults (2013).
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/depression/. Acesso: Julho de 2021.
2. United States Preventive Services Task Force – USPSTF. Depression in adults: screening (2016).
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/depression-in-adults-screening.
Acesso: Julho de 2021.
3. GBD 2017 Disease and Injury Incidence and Prevalence Collaborators. Global, regional, and national
incidence, prevalence, and years lived with disability for 354 diseases and injuries for 195 countries and
territories, 1990–2017: a systematic analysis for the GBD – Global Burden of Disease Study 2017. Lancet.
2018;392:1789-858
4. WHO. Depression and other common mental disorders – Global Health Estimates (2017).
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/254610/WHO-MSD-MER-2017.2-eng.pdf. Acesso: Julho de
2021.
5. WHO – Regional Office for Europe. Wellbeing measures in primary health care – The DEPCARE Project.
Estocolmo, 1998. https://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0016/130750/E60246.pdf. Acesso: Julho
de 2021.
6. OPAS. Depressão. https://www.paho.org/pt/topicos/depressao. Acesso: Julho de 2021.
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for screening to detect major depression: updated systematic review and individual participant data meta-
analysis BMJ. 2021;375:n2183.
8. Dias CET. Identificação e rastreamento de depressão e ansiedade: uma revisão sistemática dos principais
instrumentos utilizados em pesquisas para diagnóstico e prevalência no âmbito de instituições públicas de
saúde. https://docs.bvsalud.org/biblioref/2019/08/1006310/carlos-eduardo-tavares-dias.pdf. Acesso: Julho de
2021.
9. Santos IS, Tavares BF, Munhoz TN, Pio de Almeida LS, Silva BTB, Tams BD, et al. Sensibilidade e
especificidade do Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9) entre adultos da população geral. Cad Saúde
Pública, Rio de Janeiro. 2013;29(8):1533-43.
10. Fraguas Jr R, Henriques SG, De Lucia MS, Iosifescu DV, Schwartz FH, Menezes PR, et al. The detection of
depression in medical setting: A study with PRIME-MD. Journal of Affective Disorders. 2006;91(1):11-7.
COVID-19 Mental Disorders Collaborators. Global prevalence and burden of depressive and anxiety
11. disorders in 204 countries and territories in 2020 due to the COVID-19 pandemic. Lancet. 2021 Nov
6;398(10312):1700-12.
Ao longo das últimas 2 (duas) semanas, com que Nenhuma Menos Mais da Quase
frequência você se sentiu incomodado(a) por algum dos vez da metade todos os
seguintes problemas? metade dos dias dias
dos dias
Interpretação:
5. Você está de “bem com a vida” a maior parte do tempo? SIM NÃO
6. Você está com medo de que algo ruim vai acontecer com você? SIM NÃO
9. Você prefere ficar em casa em vez de sair e fazer coisas novas? SIM NÃO
10. Você sente que tem mais problemas de memória do que a SIM NÃO
maioria?
12. Você se sente muito inútil do jeito que você está agora? SIM NÃO
14. Você sente que a sua situação não tem mais esperança? SIM NÃO
15. Você acha que a maioria das pessoas está melhor do que você? SIM NÃO
Interpretação:
2. Eu me senti 5 4 3 2 1 0
calmo(a) e
relaxado(a).
3. Eu me senti 5 4 3 2 1 0
ativo(a) e
vigoroso(a).
4. Eu acordei me 5 4 3 2 1 0
sentindo
revigorado(a) e
descansado(a).
Interpretação:
Se a soma dos escores for ≤ 13, há indícios de possível distúrbio depressivo e serve de
indicativo para aprofundamento da busca do diagnóstico.
2.10
Diabete melito tipo 2 (DM2) e pré-diabete (PD)
PONTOS-CHAVE
Evidências apontam que a prevalência de DM2 pode chegar a quase 20% entre brasileiros
maiores de 35 anos e, possivelmente, mais da metade deles desconhecem serem portadores.
PD e DM2 podem evoluir lenta e insidiosamente ao longo de anos, comprometer diversos
órgãos e servir de fator de risco para doenças vasculares (periféricas, cardíacas e cerebrais).
O uso de calculadoras de risco para PD e DM2 e testes laboratoriais (glicemia de jejum,
hemoglobina glicada e teste de tolerância à glicose) têm boa acurácia no diagnóstico pré-clínico.
O uso de medicamentos no controle e tratamento pré-clínico de DM2 diagnosticado por
rastreamento tem capacidade moderada de reduzir a mortalidade, geral e específica.
Há evidência convincente de que o diagnóstico pré-clínico do PD ou DM2 permite que
intervenções sobre o estilo de vida e o tratamento precoce reduzam o acometimento de órgãos-
alvo.
A USPSTF recomenda rastrear PD e DM2 apenas em pessoas entre 35 e 70 anos de idade com
sobrepeso ou obesidade.
A American Diabetes Association recomenda rastrear o diabete em todos os adultos com 45
anos de idade ou mais e pessoas com múltiplos fatores de risco, independente da idade.
A American Association of Clinical Endocrinologists, a American Academy of Family Physicians,
a Diabetes Australia, a Diabetes UK e a CTFPHC recomendam rastrear apenas as pessoas com
fatores de risco.
Apresentação da doença
A doença possui várias formas de apresentação, sendo que o tipo 2 (DM2) representa mais
de 90% de todos os diagnósticos de DM. O DM2 é decorrente, primariamente, do aumento da
resistência periférica à insulina, que pode ser seguida pela redução progressiva da secreção
desse hormônio. Tende a se manifestar mais tardiamente na vida, após vários anos de período
pré-sintomático e, etiopatogenicamente, está associado à predisposição genética, idade
avançada, excesso de peso, sedentarismo e hábitos alimentares não saudáveis (Tabela 1).
4. Hiperglicemia no passado (p. ex., em algum exame periódico, durante outra doença, na gestação)
Manifestações clínicas
Complicações da doença
O DM2 é um importante fator de risco para as doenças vasculares (DV) cerebrais (p. ex.,
acidente vascular encefálico, ataque isquêmico transitório) e cardíacas (p. ex., angina, infarto
agudo do miocárdio), com maior impacto a partir da quinta década de vida. Juntamente com os
cânceres e as doenças respiratórias, as DV são responsáveis por 80% da mortalidade provocada
por doenças crônicas. O DM e as doenças do rim, em conjunto, são a terceira maior causa de
morte entre brasileiros.
A resistência à insulina pode também estar ligada a outras condições clínicas como:
acantose nigricans, doença de Cushing, síndrome de ovários policísticos (SOP), hepatite C,
periodontite, uso de diuréticos tiazídicos, corticosteroides e antipsicóticos.
Redução da mortalidade
O DM2 deve ser alvo prioritário de programas que visem à redução da mortalidade
precoce. Há evidências que apontam que o diagnóstico precoce pode desencadear um melhor
controle glicêmico e tratamento mais apropriado das diversas agressões a órgãos-alvo. Quanto
mais prematuras forem as intervenções, por exemplo, mudanças consistentes de estilo de vida
(perda ou controle de peso, alimentação saudável, atividade física regular), se possível ainda na
fase de PD, melhores são as chances de evitar a progressão da doença; além do benefício
adicional de reduzir o risco cardiovascular por impacto também na pressão arterial e nos lípides
séricos.
PD/DM2 são condições clínicas apropriadas a rastrear pelo tipo de evolução lenta e
progressiva, alta morbimortalidade e alta prevalência na população geral assintomática. Porém,
são as pessoas maiores de 35 anos, portadoras de sobrepeso ou obesidade, as que mais devem
se beneficiar desta iniciativa.
Carlos Eduardo apresenta no seu histórico vários fatores de risco evidentes para DM2: a história
familiar, o excesso de peso e de gordura abdominal, o sedentarismo e a alimentação menos
saudável. Com isso e levando em consideração que os estudos apontam, consistentemente, que
metade dos diabéticos ignoram a sua doença, ele é um provável candidato ao rastreamento.
1. Idade Escore
< 45 anos 0
45-54 anos 2
55-64 anos 3
> 64 anos 4
2. Índice de massa corpórea
< 25 kg/m2 0
25-30 kg/m2 1
> 30 kg/m2 3
3. Circunferência abdominal (medida ano nível do umbigo)
HOMEM MULHER
< 94 cm < 80 cm 0
94-102 cm 80-88 cm 3
NÃO 2
5. Com que frequência você come frutas, verduras e legumes?
TODOS OS DIAS 0
SIM 2
7. Você alguma vez teve glicose aumentada no seu sangue (p. ex., no exame periódico de saúde,
durante alguma doença ou gravidez)?
NÃO 0
SIM 5
8. Algum membro imediato da sua família ou outros parentes têm diabete?
NÃO 0
Fonte: adaptada do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas – Diabetes Melito Tipo 2 – 2020, do MS.
Recomendações brasileiras
Tratamentos disponíveis
O tratamento de DM2 visa ao controle da glicemia, que deve ser mantido o mais próximo
possível dos níveis normais, e da progressão das lesões de órgãos-alvo: vasculares, renais,
oculares, digestivas, cardíacas e nervosas. Portanto, são comuns o uso concomitante de
hipoglicemiantes e outros medicamentos, como anti-hipertensivos, antiagregantes plaquetários,
hipolipemiantes, vasodilatadores e analgésicos, bem como procedimentos invasivos, por
exemplo, a fotocoagulação da retina a laser, intervenções cardíacas percutâneas e diálise.
A polifarmácia
Nos casos de DM2 diagnosticados por rastreamento em fases mais avançadas, os riscos de
danos por efeitos colaterais ou consequências esperadas da “polifarmácia” ou de ações
invasivas (medicamentosas ou cirúrgicas) crescem, assim como a probabilidade de falha
terapêutica. Entretanto, existem evidências suficientes que indicam que o tratamento e as
intervenções em casos de DM2 recém-diagnosticados têm benefício moderado na redução da
mortalidade geral e na especificamente relacionada ao DM2, assim como no risco de infarto do
miocárdio após 10 a 20 anos.
Tratamento precoce
A equipe multidisciplinar
Riscos do rastreio
Para pessoas com DM2 assintomático, esse risco de danos decorrentes do rastreio é menor
que moderado. O rastreamento deve, portanto, trazer benefícios futuros, em termos de redução
de mortalidade e de eventos cardíacos e vasculares. As IEV em pacientes com PD/DM2 em
fase pré-clínica acarretam poucos riscos, cuja magnitude é considerada pequena ou nenhuma, e
asseguram ganhos, no mínimo, relevantes para os pacientes.
AGRADECIMENTO
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Screening for prediabetes and type 2 diabetes
mellitus. 2021. https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/screening-for-
prediabetes-and-type-2-diabetes. Acesso: Agosto de 2021.
2. CTFPHC – Canadian Task Force on Preventive Health Care. Diabetes, type 2. 2012.
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/type-2-diabetes/. Acesso: Maio de 2021.
3. Jølle A, Midthjell K, Holmen J, et al. Validity of the FINDRISC as a prediction tool for diabetes in a
contemporary Norwegian population: a 10-year follow-up of the HUNT study. BMJ Open Diabetes Research
and Care. 2019;7:e000769.
4. Galvács H, Szabó J, Balogh Z. Risk-based diabetes screening in a Hungarian general practice: comparison of
laboratory methods and diagnostic criteria. Primary Health Care Research & Development. 2021;22(e17):1-7.
5. Schmidt MI, Hoffman JF, Diniz MFS, et al. High prevalence of diabetess and intermediate hyperglycemia –
The Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Diabetology and Metabolic Syndrome.
2014;6:123.
6. Malta DC, Duncan BB, Schmidt MI, et al. Prevalência de diabetess mellitus determinada pela hemoglobina
glicada na população adulta brasileira, Pesquisa Nacional de Saúde. Rev Bras Epidemiol. 2019;22 (SUPPL
2):E190006.
7. American Diabetes Association. Standards of Medical Care in Diabetes. 2019. Supplement 1.
8. Brasil. Ministério da Saúde. protocolo clínico e diretrizes terapêuticas do diabete melito tipo 2. Brasília:
Ministério da Saúde; 2020.
9. Khouri DG, Santos CD, Tunala RG. et al. Aconselhamento em promoção da saúde. In: Clínica Médica:
Grandes temas na prática. São Paulo: Atheneu; 2010.
2.11
Dislipidemia
PONTOS-CHAVE
Filipe, um médico de 41 anos, encontra-se bem de saúde e resolve fazer o primeiro check-up da
sua vida. Sua alimentação é saudável, não fuma, bebe álcool de forma controlada, nunca usou
drogas ou medicamentos cotidianamente. Como atividade física, pratica semanalmente escalada
esportiva 3-4 vezes, corrida 1-2 vezes, além de 2 sessões de exercícios resistidos. Não tem
antecedentes pessoais de doenças importantes. Seu pai, tios e avós paternos têm ou tiveram
hipercolesterolemia. Ao exame, a PA é de 120 x 80, o IMC 22, e a ausculta cardíaca e todos os
pulsos palpáveis estão normais.
Prevalência mundial
Segundo dados da OMS, em 2008, cerca de 40% da população mundial apresentava níveis
de CT no sangue alterados. Na Europa e nas Américas, a prevalência chegava a 50%. Estimou-
se que um terço das doenças cardíacas isquêmicas fosse atribuível ao LDL alto. Globalmente,
os níveis de colesterol podem ter-se associado às causas de 2,6 milhões de mortes (4,5% do
total) e 29,7 milhões de DALYs (Disease Adjusted Life Years) ocorridas naquele ano.
Nos EUA, entre 2015 e 2016, mais de 12% dos adultos (≥ 20 anos de idade) apresentavam
colesterol total > 240 mg/dL e mais de 15% tinham HDL < 40 mg/dL. Cerca de 93 milhões de
cidadãos com mais de 20 anos de idade vivendo nos EUA, na época, tinham colesterol total >
200 mg/dL. Porém, apenas pouco mais da metade dos adultos estadunidenses que poderiam se
beneficiar faziam o tratamento adequado para controle do colesterol.
Prevalência brasileira
No Brasil, a partir de 8.534 dados laboratoriais coletados por amostragem estatística, entre
2014 e 2015, como parte da Pesquisa Nacional de Saúde, foram obtidos os seguintes
resultados: a prevalência de CT, igual ou maior que 200 mg/dL, foi de 32,7%; a prevalência de
HDL < 40 mg/dL foi de 31,8%, dividida desigualmente entre homens (42,8%) e mulheres
(22%); o LDL ≥ 130 mg/dL teve prevalência de 18,6%. Pessoas com idade igual ou maior que
45 anos e com baixa escolaridade formaram os grupos com maior prevalência de dislipidemia.
Fatores de risco
Como discutido, a hipercolesterolemia primária é uma alteração metabólica que pode ser
herdada geneticamente (HF). Outras dislipidemias secundárias, por outro lado, são adquiridas
ou agravadas ao longo da vida, por conta de doenças preexistentes, medicamentos ou hábitos
de vida não saudáveis. Essas e outras condições contribuem para aumentar o risco
cardiovascular, seja pela elevação do LDL, seja pela redução do HDL (Tabela 1).
Tratar ou não?
O que dosar
Uma grande discussão recente ocorreu quanto à necessidade de coleta de sangue para
dosagem do perfil lipídico com ou sem jejum. Um trabalho conjunto de diversas entidades
brasileiras de especialistas analisou todos os “prós e contras” de cada uma das duas situações e
concluiu que ambas são plausíveis. Portanto, os lípides podem ser quantificados com ou sem
jejum, a critério do(a) médico(a) solicitante, sem prejuízo da acurácia dos resultados obtidos.
Obviamente, a ausência de jejum facilita o acesso (pode ser colhido a qualquer hora do dia)
e a aderência ao teste. Por outro lado, a coleta de sangue para outros testes concomitantes, cujo
jejum é obrigatório (p. ex., glicemia matinal), pode incluir também material para a dosagem do
perfil lipídico. A Tabela 2 discrimina, entretanto, valores de referência discretamente diferentes
para interpretação dos resultados de exames feitos com e sem jejum.
TABELA 2 Valores de referência geral do perfil lipídico de adultos > 20 anos de idade
Lípides Com jejum (mg/dL) Sem jejum (mg/dL)
CT < 190 < 190
Em situações especiais nas quais os níveis basais de TG estão muito elevados (> 400
mg/dL), hiperglicemia ou na ausência de jejum prévio, e na indisponibilidade de reagentes ou
presença de qualquer outra barreira para a dosagem direta do LDL, a fórmula de Martin pode
ser preferida à de Friedewald para o cálculo desta fração.1
A outra grande discussão sobre o tema envolve a idade na qual o rastreamento das
dislipidemias deve ser iniciado e a sua periodicidade. A partir de 40 a 45 anos de idade, a
incidência e a prevalência de complicações cardiovasculares aumentam significativamente, e
estudos justificam a indicação periódica das dosagens e o uso de estatinas, mesmo para a
prevenção primária de eventos CV. A frequência de repetição do teste laboratorial, nesse caso,
varia conforme o risco estimado de evento CV em 10 anos (RCV10) seja alto (repetição anual)
ou baixo/intermediário (repetição trienal).
Apesar da USPSTF considerar a evidência científica ainda insuficiente para recomendar o
rastreamento em crianças e adolescentes, e não tecer recomendação também para adultos
jovens, várias recomendações existem nesse sentido por parte de outras entidades. Alguns
autores consideram que a identificação e o tratamento de dislipidemias familiares, em adultos
com idade entre 20 e 40 anos, favorece a redução do risco de DCV futura. Nessa faixa etária,
após um primeiro teste com perfil lipídico normal, a repetição pode ocorrer a cada 3 ou 5 anos,
se o risco estimado de dislipidemia for, respectivamente, alto ou baixo/intermediário (ver
Tabela 1).
O perfil lipídico de Filipe revelou: CT = 240 mg/dL, HDL = 50 mg/dL, LDL = 170 mg/dL e TG = 190
mg/dL. O RCV10 calculado pelo método ASCVD-Pooled Cohort Equations foi de 1,6% para um
risco médio para a idade de 0,7%. Ou seja, mesmo estando mais alto para a sua idade, o RCV10
ainda pode ser considerado baixo. Uma dieta alimentar um pouco mais restritiva deve preceder o
uso de estatinas, no seu caso.
Tratamento farmacológico
Além das medidas comportamentais, outro pilar do controle dos lípides no sangue é o
tratamento farmacológico, do qual as estatinas (inibidores da 3-hidroxi-3-metil-glutaril-CoA
redutase) são consideradas as drogas de primeira linha para prevenção primária e secundária
das doenças cardiovasculares, principalmente a doença arterial coronariana. Essa classe de
drogas atua inibindo a síntese do colesterol, aumentando assim a expressão dos receptores
rLDL, resultando em maior remoção do LDL plasmático.
Potencialmente, as estatinas podem influenciar a dinâmica de todo o conjunto das
lipoproteínas circulantes que interagem com o rLDL (baixando o LDL e os TG e elevando o
HDL), mas o principal efeito esperado (a redução do LDL) já é sabidamente relacionado à
redução de eventos cardiovasculares e da mortalidade. Apesar de pequenas diferenças entre as
estatinas oferecidas no mercado, todas apresentam resultados semelhantes e podem ser usadas
indistintamente, de acordo com a sua disponibilidade e possibilidade de acesso.
Efeitos colaterais do tratamento com estatinas são incomuns. Os mais frequentes são os
sintomas musculares (dor, sensibilidade, rigidez, câimbras, fraqueza e fadiga localizada ou
generalizada) que podem surgir a qualquer momento do tratamento em até 15% dos pacientes
tratados. Podem cursar com a elevação da creatinoquinase (CK) e, em casos extremos, a
rabdomiólise. Alterações de enzimas hepáticas também são evidenciadas e eventualmente
acompanhadas de sintomas ou sinais sugestivos de hepatotoxicidade (fadiga, anorexia, dor
abdominal inespecífica, icterícia e colúria).
Outros fármacos
Metas
Tanto por meio das medidas comportamentais quanto pelo uso de fármacos
hipolipemiantes, o que se pretende é manter o LDL em níveis capazes de reduzir o risco de
eventos cardiovasculares (ver Capítulo “Risco de doença cardiovascular”). As metas de
concentração do LDL plasmático a serem buscadas com o tratamento variam entre 50 mg/dL e
130 mg/dL e são inversamente relacionadas ao RCV10 estimado. Obviamente, quanto mais
ambiciosa for a meta de redução, maiores serão as doses de medicamentos prescritas e maiores
os riscos de efeitos colaterais.
AGRADECIMENTO
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Statin use for the primary prevention of
cardiovascular disease in adults: preventive medication. https://www.uspreventive-
servicestaskforce.org/uspstf/recommendation/statin-use-in-adults-preventive-medication. Acesso: Agosto de
2021.
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https://www.cdc.gov/immigrantrefugeehealth/guidelines/domestic/general/cardiovascular-lipid-
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4. Vijay S. UpToDate: Screening for lipid disorders in adults. https://www.uptodate.com/contents/screening-for-
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021-00541-4. Acesso:Agosto de 2021.
6. CDC – Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Knowing your risk for high cholesterol.
https://www.cdc.gov/cholesterol/risk_factors.htm Acesso: Maio de 2021.
7. NIH – National Institute of Health. National Heart, Lung and Blood Institute. Blood cholesterol.
https://www.nhlbi.nih.gov/health-topics/blood-
cholesterol#:~:text=Cholesterol%20is%20a%20waxy%2C%20fat,%2C%20sometimes%20called%20%E2%8
0%9Cbad%E2%80%9D%20cholesterol. Acesso: Agosto de 2021.
8. Mayo Clinic. High cholesterol. https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/high-blood-
cholesterol/symptoms-causes/syc-20350800. Acesso: Agosto de 2021.
9. Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC-DA), Sociedade Brasileira de
Diabetes (SBD), Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Atualização da Diretriz
Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose – 2017. Arquivos Brasileiros de Cardiologia.
2017;109(1).
10. Scartezini M. Avaliação laboratorial das dislipidemias: presente e futuro. In: Recomendações da Sociedade
Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML): Inovação no Laboratório Clínico. Barueri:
Editora Manole; 2019.
11. Malta DC, Rosenfeld LG. Prevalência de colesterol total e frações alterados na população adulta brasileira:
Pesquisa Nacional de Saúde. Rev Bras Epidemiol. 2019;22(Suppl 02).
Ferrara A, Barrett-Connor E, Shan J. Total, LDL, and HDL cholesterol decrease with age in older men and
12. women – The Rancho Bernardo Study 1984-1994. Circulation. 1997;96(1):37-43.
2.12
Hipertensão arterial
PONTOS-CHAVE
A hipertensão arterial (HA) é uma doença de alta prevalência e morbimortalidade, tem evolução
assintomática por longo período e é capaz de comprometer a função de diversos órgãos, em
especial aumentando o risco de eventos cardiovasculares.
As medidas de pressão arterial com esfigmomanômetro em consultório, seguindo uma
sistemática padronizada de execução, servem de referência no rastreamento da HA e a PA de
140 mmHg x 90 mmHg deve ser usada como limiar de positividade.
O rastreamento da PA em consultório pode incorrer em resultado falso-negativo (“HA
mascarada”) ou falso-positivo (“HA do jaleco branco”), vieses que podem ser revistos por meio
de medidas de PA ambulatoriais (MAPA) ou residenciais (MRPA).
Muitas opções de tratamento medicamentoso e intervenções não medicamentosas, eficazes,
disponíveis e acessíveis, tornam o balanço entre benefícios e riscos do rastreamento da HA
amplamente positivo.
Luc é um jovem de 18 anos, estudante do primeiro ano de medicina, que está treinando
arremesso de peso, disco e martelo para representar a faculdade em competições de atletismo.
Ele faz musculação todos os dias da semana e toma vários suplementos proteicos e vitamínicos.
Convocado para um exame médico às vésperas do seu primeiro torneio oficial, ele conta ao
médico da equipe que não sente nada, que come muito, mas alimentos variados, não fuma, evita
bebida alcoólica e nega drogas, inclusive anabolizantes. Refere apenas que seu pai e seus tios
paternos são todos hipertensos. Ao exame, o seu IMC é 30,5, a PA 150 x 95 e a musculatura
homogeneamente bastante desenvolvida.
Prevalência no mundo
A hipertensão arterial (HA) é uma condição médica frequente que pode apresentar
repercussões graves no coração, cérebro e rins, entre outros órgãos. Trata-se de uma das
principais causas de morte prematura. Acredita-se que atinja, atualmente, cerca de 1,2 bilhão de
pessoas (em torno de 1/6 da população mundial), 25% dos homens e 20% das mulheres. Dois
terços dos casos de hipertensão são diagnosticados em países de baixa e média renda,
provavelmente devido ao aumento progressivo recente da exposição das pessoas a fatores de
risco comportamentais (Tabela 1).
Prevalência no Brasil
1. Idade avançada
3. Condição socioeconômica
4. Sobrepeso e obesidade
6. Alimentação com muita gordura ou sal, pobre em potássio e excesso de bebida alcoólica
Doença silenciosa
Quando tratar
Sempre tratar
Qualquer que seja a causa da HA,1 não existem dúvidas, atualmente, quanto ao valor do
diagnóstico pré-clínico na prevenção ou controle de eventos mórbidos, melhora de qualidade
de vida e redução da mortalidade. Por se tratar, na imensa maioria das vezes, de doença
“silenciosa” que evolui por período prolongado, todo contato com médico(a) é adequado para o
rastreamento, programado ou oportunista.
6-15 cm 5 cm 15 cm
16-21 cm 8 cm 21 cm
22-26 cm 10 cm 24 cm
27-34 cm 13 cm 30 cm
35-44 cm 16 cm 38 cm
45-52 cm 20 cm 42 cm
Fonte: adaptada de Malachias et al., 2017 apud Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial – 2020.
HA: hipertensão arterial; PA: pressão arterial; PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica.
Fonte: Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial – 2020.
Normal Elevada
Normal Elevada
MAPA: monitorização ambulatorial da pressão arterial; MRPA: monitorização residencial da pressão arterial.
Fonte: adaptado de Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial – 2020.
Caso o profissional da saúde tenha seguido todas as normas técnicas adequadas para a medição
da PA do Luc, o valor encontrado (150 x 95) inspira cuidados. Ele é jovem e tem antecedentes
familiares de HA. Seu IMC está na faixa de obesidade, mas é provável que seja só pela massa
muscular desenvolvida e não adiposidade excessiva. De qualquer modo, ele pratica exercícios
resistidos de musculação, que por serem muito intensos, podem piorar os níveis de PA,
agudamente, sem melhora no repouso ou longo prazo. O rastreamento completo de HA no Luc
envolveria, portanto, pelo menos mais uma repetição das medidas de PA em um outro dia e, se
persistir dúvida, MRPA ou MAPA complementar.
Tratamento farmacológico
Apesar de Luc ser muito jovem, uma correta definição em relação à sua PA é importante, pois
pode orientá-lo quanto à melhor forma de cuidar da sua própria saúde, como, por exemplo,
praticar a atividade esportiva que ele gosta de forma mais segura. Além disso, embora a maioria
de estudos que avaliaram a eficácia de tratamento medicamentoso ter sido com hipertensos
acima de 50 anos de idade, alguns autores sugerem que complicações de longo prazo, como
hipertrofia da musculatura cardíaca ou proteinúria, podem ser evitadas se o controle da HA for
precoce, mesmo em pessoas mais jovens.
Outros fármacos
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Dr. Desiderio Favarato pela cuidadosa leitura do
texto e sugestão de melhorias.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPFTF – United States Preventive Services Task Force. Hypertension in adults: Screening. 2021.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/hypertension-in-adults-screening.
Acesso: Julho de 2021.
2. CTFPHC – Canadian Task Force on Preventive Health Care. Hypertension (2012).
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/hypertension/. Acesso: Julho de 2021.
3. WHO – World Health Organization. Hypertension. https://www.who.int/health-
topics/hypertension#tab=tab_1. Acesso: Julho de 2021.
4. Barroso et al. Diretrizes Brasileira de Hipertensão Arterial – 2020. Arq Bras Cardiol. 2021;116(3):516-658.
5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Rastreamento
de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS). In: Cadernos de Atenção Primária. 2010;29:50-1.
6. Niessen MA, van der Hoeven NV, van der Born BJ, Kalken CK, Kraaijenhagen RA. Home blood pressure
measurement as a screening tool for hypertension in a web-based worksite health promotion programme.
European Journal of Public Health. 2014;24(5):776-81.
7. Guirguis-Blake JM, Evans CV, Webber EM, Coppola EL, Perdue LA, Weyrich MS. Screening for
hypertension in adults: Updated evidence report and systematic review for the US Preventive Services Task
Force. JAMA. 2021;325(16):1657-69.
2.13
Infecção latente pela Mycobacterium tuberculosis (ILTB)
PONTOS-CHAVE
A OMS estima que um quarto da população mundial está infectada pelo bacilo causador da
tuberculose, mas sem sintomas ou capacidade de transmissão da infecção. A essa situação dá-
se o nome de infecção latente pela Mycobacterium tuberculosis (ILTB).
O rastreamento da ILTB se justifica para quem pode se beneficiar do tratamento, como pessoas
que: vivem com HIV; pertencem ou trabalham no sistema prisional ou em instituições de longa
permanência; serão submetidas a imunossupressão; estão gravemente desnutridas, dentre
outros.
Há testes capazes de detectar a presença de ILTB: a prova tuberculínica com PPD usando a
técnica de Mantoux e testes laboratoriais do tipo IGRA (Interferon-Gamma Release Assay)
possuem boa acurácia geral e estão disponíveis em nosso meio.
Portadores de ILTB podem ser submetidos a tratamento medicamentoso com isoniazida,
rifampicina, rifapentina ou combinações de drogas. O tratamento da ILTB chega a reduzir em
65%, em média, o risco de progressão para a tuberculose ativa (TB ativa).
Rastrear a ILTB em pessoas entre 18 e 75 anos de idade, em situação de alto risco, dentre as
descritas na Tabela 1.
Informar os(as) pacientes candidatos(as) a rastreamento dos benefícios e riscos de fazê-lo e
compartilhar a decisão a ser tomada.
Utilizar a prova tuberculínica, disponível na rede do SUS, ou o IGRA, disponível em alguns
serviços de laboratório clínico, como métodos de rastreio.
Para pacientes que rastrearem negativamente, repetir os exames conforme o nível e a
persistência do risco (Tabela 1).
Para pacientes que rastrearem positivamente (prova tuberculínica ≥ 10 mm ou IGRA+),
aprofundar a investigação no sentido de afastar TB ativa.
Para pacientes com ILTB confirmada, introduzir tratamento medicamentoso, se necessário, com
apoio de especialista.
RECOMENDAÇÕES DE OUTRAS ENTIDADES
Irmã Cora é uma freira de 57 anos, que mora em um convento de São Paulo. Durante seu exame
médico anual, ela nega qualquer tipo de sintoma atual. Sua rotina diária é muito regular: acorda
cedo, faz suas orações antes do desjejum, realiza suas tarefas diárias de limpeza e cozinha até o
almoço; à tarde, lê alguns textos religiosos e, depois, sai para cuidar de idosos moradores de
uma casa de repouso de bairro pobre; após o jantar, ela ainda ajuda pessoas que vivem em
situação de rua em um centro de acolhida da periferia da cidade, que albergou pelo menos 2
homens que tiveram o diagnóstico de tuberculose pulmonar, nos últimos 2 anos.
Definição
Uma pessoa suscetível, em contato com alguém com TB, tem 30% de chance de infectar-
se, dependendo do grau de exposição ao caso índice (transmissor), da infectividade desta cepa
e da sua própria capacidade de resposta imune ao agente infectante. Se esse indivíduo
permanecer assintomático por muitos anos, com imunidade parcial ao bacilo, diz-se que é
portador de infecção latente pelo Mycobacterium tuberculosis (ILTB).
Epidemiologia
A OMS estima que um quarto da população mundial, aproximadamente, está infectada pela
Mycobacterium tuberculosis. Isso não significa que existam bilhões de doentes com TB ativa;
na verdade, a imensa maioria (ainda) não apresenta sintomas e não consegue transmitir a
doença. Estima-se que, dentre as pessoas infectadas, haja entre 5% e 10% de risco de
apresentarem TB ativa em algum momento da vida.
Ainda segundo dados da OMS, 1,4 milhão de pessoas morreram de TB no mundo, em
2019. Destas, 208 mil eram portadoras de HIV. A TB está entre as 10 principais causas de
morte, sendo a primeira dentre as doenças infecciosas; mais mortal, portanto, que a
HIV/AIDS.1 No mesmo ano, cerca de 10 milhões de casos novos de TB foram diagnosticados:
56% em homens, 32% em mulheres e 12% em crianças.
A TB atinge todas as faixas etárias e está presente em todos os países. Porém, apenas 30
países são responsáveis por 87% da carga anual mundial, dentre os quais a Índia lidera, seguida
de Indonésia, China, Filipinas, Paquistão, Nigéria, Bangladesh e Africa do Sul. O Brasil é o
único representante da região das Américas entre esses 30 países. Esta região concentra 3% da
carga de TB do planeta, sendo Brasil (com 33% dos casos novos americanos), Peru (14%),
México (9%) e Haiti (8%) os mais atingidos.
Em que pese o fato dos números virem caindo desde o ano 2000, nos últimos 10 anos,
foram diagnosticados, em média, 71.000 casos novos de TB por ano em nosso país, com
índices de incidência que variam entre 10 e 75 casos novos anuais por 100.000 habitantes, nas
diversas unidades federativas. O coeficiente de mortalidade nacional, em 2017, estava em 2,2
óbitos a cada 100.000 habitantes. Os estados do Amazonas, Paraíba e Rio de Janeiro são os que
apresentam as maiores taxas de mortalidade por TB.
A TB é uma doença de alta morbimortalidade reconhecida há séculos. Os sintomas mais
comuns são do acometimento pulmonar (tosse, febre, calafrios e sudorese noturna e perda de
peso), que é a forma transmissível da doença.2 Entretanto, clinicamente, a TB pode ser
considerada uma doença sistêmica, altamente consumptiva, que acomete praticamente todos os
sistemas e aparelhos do corpo. O seu diagnóstico se confunde com o de doenças inflamatórias
autoimunes, degenerativas, neoplásicas e outras moléstias infecciosas. A doença é 3 vezes mais
letal em pacientes que vivem com o HIV do que na população geral.
A situação epidemiológica atual da tuberculose no Brasil, diferente de outros países, como
alguns da Ásia, não é de epidemia descontrolada, conforme mostram os dados oficiais. Assim,
não se justifica o rastreamento indiscriminado da ILTB. Porém, quando a primoinfecção não se
acompanha de TB ativa e a resposta imune é insuficiente para depurar completamente o bacilo,
a sua latência no organismo pode se estender por muitos anos, ou mesmo décadas. Nesse
período é possível e importante detectá-lo, mas apenas no caso de pessoas em certas condições
de alto risco.
Fatores de risco
1. Contatos (nos últimos dois anos) de adultos e crianças com TB pulmonar e laríngea
14. Profissionais de saúde, pessoas que vivem ou trabalham no sistema prisional ou em instituições
de longa permanência
Fonte: adaptada de Brasil, 2018. Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil.
Testes de rastreamento
São basicamente dois os tipos de testes de rastreamento disponíveis para ILTB. O primeiro
é a prova tuberculínica usando a técnica de Mantoux. Trata-se da inoculação intradérmica, na
região do antebraço esquerdo, do derivado proteico purificado (PPD), um conjunto de proteínas
extraído de meios de cultura da Mycobacterium tuberculosis. Todo o processo desde a
produção, transporte e acondicionamento do PPD até a inoculação e leitura final do resultado
deve seguir padrões rígidos de qualidade estabelecidos pela OMS. A leitura é feita de 48 a 72
horas após a inoculação, medindo-se (em milímetros) o tamanho do nódulo ou intumescimento
(um inchaço ou endurecimento elevado e palpável) que por ventura apareça no local.
Usando como limite mínimo de positividade do teste tuberculínico uma medida igual a 10
mm, a sua sensibilidade gira em torno de 79% e a especificidade, 97%. As causas de resultados
falso-negativos (cerca de 21%) incluem: problemas técnicos em alguma fase do processo de
testagem, situações temporárias ou permanentes de imunodeficiência, outras doenças crônicas,
infecciosas ou neoplásicas concomitantes, desnutrição, gravidez, idade muito avançada, febre e
vacinação recente. Dentre os falso-positivos (3%), as causas mais relevantes, no Brasil, são a
aplicação da vacina BCG, como parte do calendário vacinal brasileiro e outras micobactérias
ambientais.
Prova tuberculínica positiva pode ser induzida pela BCG. Se aplicada logo após o
nascimento, a vacina produz reações maiores e mais duradouras, porém apenas 1% dos testes
de rastreamento positivos executados após 10 anos da sua aplicação podem ocorrer como
consequência da BCG. Em outras palavras, em jovens e adultos assintomáticos, que não foram
revacinados ou receberam BCG como parte de algum tratamento, um nódulo igual ou maior do
que 10 mm deve ser considerado compatível com ILTB. Outra causa de falso-positividade é
reação cruzada com outra micobactéria.
A segunda opção de rastreamento é por meio dos testes de IGRA (Interferon-Gamma
Release Assay). Testes deste tipo detectam a liberação do interferon gama das células de defesa
quando estimuladas por antígenos muito específicos da Mycobacterium tuberculosis. O
Quantiferon®-TB Gold Intube (sensibilidade = 80% e especificidade = 97%) e o T-SPOT®-TB
(sensibilidade = 90% e especificidade = 95%) são os nomes comerciais dos testes de IGRA
disponíveis no mercado. O T-SPOT®-TB é de execução e interpretação menos automatizada e
não está disponível no Brasil.
As vantagens dos testes IGRA sobre a prova tuberculínica são: não sofrer influência da
vacina BCG; menor interferência no teste de infecções por outras micobactérias; não implicar
em erro de leitura ou interpretação do resultado; não requerer duplo deslocamento do paciente.
Dentre as desvantagens estão o custo mais elevado, a necessidade de coleta sanguínea e de
infraestrutura laboratorial adequada para conservação e manuseio cuidadoso de linfócitos.
Os testes tipo IGRA são cada vez mais recomendados como substitutos da prova
tuberculínica para rastrear ILTB, tanto pela melhor sensibilidade e especificidade quanto pela
menor disponibilidade atual do PPD. No Brasil, a disponibilidade dos IGRA ainda se restringe
a laboratórios privados e centros de pesquisa, mas estudos já concluídos indicam que devam ser
incorporados ao SUS nos próximos anos.
O intervalo das rodadas de rastreamento é variável, dependendo do grau de risco da pessoa
examinada (Tabela 1). Naquelas consideradas pelo médico(a) assistente como estando em
situação de muito alto risco para ILTB, a repetição pode ser até anual, enquanto que, em outras
situações, um único rastreio na vida já seja suficiente.
Recomendações de rastreamento
A USPSTF não encontrou, na sua revisão sistemática, estudos que tenham reportado
diretamente danos à saúde por causa do rastreamento. Danos potenciais de maior relevância
seriam o estigma da doença e os decorrentes do prosseguimento de investigação ou tratamento
indevido dos casos falso-positivos. Dada a importância clínica e epidemiológica da TB, a
disponibilidade e acurácia dos métodos de rastreamento são fatores favoráveis ao rastreamento.
Irmã Cora, a princípio, parece ser uma pessoa saudável, sem sintomas ou doenças manifestas, e
com hábitos simples e regrados. Porém, chamam a atenção as suas atividades diárias em casa
de repouso de idosos de baixa renda e em um centro de acolhida de pessoas em situação de rua.
Ambas as situações são reconhecidas como de alto risco de transmissão da infecção por TB.
Somado tudo isso à possível exposição a casos de TB no passado recente, o rastreamento da
ILTB passa a ser um item relevante dos seus exames médicos periódicos.
Uma prova tuberculínica ≥ 10 mm ou um IGRA positivo podem levar a Irmã Cora a ser submetida
a vários procedimentos subsequentes: inicialmente, excluir a presença de TB ativa, por meio de
avaliação clínica detalhada, exames de imagem e outros. Excluída essa possibilidade, ela poderá
ser aconselhada a fazer um tratamento medicamentoso da ILTB. Tanto a investigação médica
quanto o tratamento podem incorrer em efeitos colaterais para a paciente. Por essa razão, antes
de iniciar o rastreamento, ela deve ser informada dos benefícios e riscos de danos possíveis e
compartilhar da decisão se rastreia ou não a ILTB. Pelo potencial de transmissão, ela deve ser
aconselhada a usar máscara durante suas tarefas assistenciais, caso a exposição persista.
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Prof. Dr. Olavo Henrique Munhoz Leite pela
cuidadosa leitura do texto e sugestão de melhorias.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Latent tuberculosis infection: Screening, 2016.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/latent-tuberculosis-infection-
screening. Acesso: Julho de 2021.
2. WHO – World Health Organization. Global Tuberculosis Report 2020.
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/336069/9789240013131-eng.pdf. Acesso: Julho de 2021.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças
Transmissíveis. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil. 2a ed. Brasília:
Ministério da Saúde; 2019.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças
Transmissíveis. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil. 2a ed. Revisada. Brasília:
Ministério da Saúde; 2020.
5. CDC – Centers for Disease Control and Prevention. Testing for tuberculosis (TB).
http://www.cdc.gov/TB/publications/factsheets/testing/TB_testing.htm. 2014. Acesso: Julho de 2021.
6. CDC – Centers for Disease Control and Prevention. Fact sheet: Tuberculin skin testing.
http://www.cdc.gov/TB/publications/factsheets/testing/skintesting.htm. 2016. Acesso: Julho de 2021.
7. CDC – Centers for Disease Control and Prevention. Fact sheet: Interferon-gamma release assays (IGRAs) –
Blood tests for TB infection. http://www.cdc.gov/TB/publications/factsheets/testing/igra.htm. 2015. Acesso:
Julho de 2021.
8. CDC – Centers for Disease Control and Prevention. Treatment regimens for latent TB infection (LTBI).
http://www.cdc.gov/TB/topic/treatment/lTBi.htm. Acesso: Julho de 2021.
9. Sterling TR, Villarino ME, Borisov AS, Shang N, Gordin F, Bliven-Sizemore E, et al., for the TB Trials
Consortium PREVENT TB Study Team. Three months of rifapentine and isoniazid for latent tuberculosis
infection. NEJM. 2011 Dec 8;365(23):2155-66.
2.14
Infecção pelo vírus da hepatite B (VHB)
PONTOS-CHAVE
O vírus da hepatite B (VHB) é transmitido por contato sanguíneo ou sexual e acomete centenas
de milhões de pessoas no mundo.
A história natural da infecção pelo HBV é marcada por evolução silenciosa; muitas vezes, a
doença é diagnosticada décadas após a infecção.
A sorologia para VHB com detecção do HBsAg, anti-HBsAg e anti-HBc (IgM e total), HBeAg e
anti-HBe mostra boa acurácia para diferenciar os vários momentos da evolução da infecção.
O tratamento tende a reduzir ou eliminar a carga viral, impedir a evolução da hepatite para
quadros clínicos mais graves e interromper a cadeia de transmissão.
A prevenção primária deve enfatizar a proteção sexual, o não compartilhamento de seringas, o
uso de equipamento de proteção individual (EPI) e o incentivo à vacinação.
Rastrear homens e mulheres, vacinados ou não contra VHB, entre 18 e 75 anos, quanto ao
risco de contágio para a infecção por VHB (ver Tabela 1).
Fornecer orientação preventiva aos indivíduos de baixo risco (uso de preservativo sexual, não
compartilhamento de seringas e EPIs adequados).
Para os indivíduos de alto risco não vacinados, pesquisar o HBsAg, seguido de imunoensaios
para determinação de anti-HBs e anti-HBc, IgM e total.
A partir dos resultados da sorologia, definir os candidatos à vacinação, tratamento para
depuração viral ou aconselhamento intensivo para evitar a transmissão do vírus.
Para os indivíduos vacinados, pesquisar os anticorpos anti-HBs e encaminhar para revacinação,
se necessário.
Tina, uma técnica de laboratório de análises clínicas de 37 anos de idade, procura o médico do
trabalho do seu hospital. Está preocupada porque seu marido, um gerente de banco de 40 anos,
apresentou resultados sugestivos de infecção pelo vírus da hepatite B (VHB) no seu check-up.
Ela ficou com muito medo e quer fazer os exames necessários para saber se também está
infectada pelo vírus.
Epidemiologia
Aspectos clínicos
A história natural da infecção pelo HBV é marcada por evolução silenciosa; muitas vezes, a
doença é diagnosticada décadas após a infecção. Os sinais e sintomas são comuns às demais
doenças parenquimatosas crônicas do fígado e costumam manifestar-se apenas em fases mais
avançadas da doença.
Portadores de infecção crônica são reservatórios de transmissão pessoa a pessoa do VHB.
Estudos mostram que cerca de 70% dos indivíduos portadores de hepatite B crônica não estão
cientes disso e muitos permanecem assintomáticos até os primeiros sinais clínico-laboratoriais
de cirrose ou mesmo em fase avançada de insuficiência hepática.
Quanto mais jovem o paciente se infectar com o vírus, maior a chance de progressão para a
forma crônica, bem como maior é a chance de transmissão a outras pessoas ao longo da sua
vida. Até 1992, quando a vacina da hepatite B passou a fazer parte do calendário do Programa
Nacional de Imunizações, a maioria das infecções agudas do VHB acometia pacientes na
adolescência e na fase inicial da vida adulta, por conta de comportamento sexual de risco, uso
de drogas injetáveis ou exposição ocupacional.
Assim como para outras infecções transmissíveis por contato, a vulnerabilidade social, por
exemplo, de pessoas que vivem encarceradas ou em situação precária de rua, é agravante ou
facilitadora do contágio. A Tabela 1 contém os principais fatores de risco para o VHB.
Em suma, a hepatite B é doença de baixa prevalência, mas alta morbidade, podendo
evoluir, cronicamente, para cirrose ou CHC. Ambas as condições, embora atinjam uma minoria
de pacientes dentre os infectados, se não tratadas, são muito letais e, antes disso, pioram
significativamente a qualidade de vida. Há ainda os casos de pessoas portadoras crônicas do
VHB, assintomáticas, transmissoras em potencial do vírus.
TABELA 1 Fatores que elevam o risco de infecção pelo vírus da hepatite B (VHB)
2. Pessoa HIV-positivo
A situação de Tina, se ela teve ou não contato com o VHB, gera várias dúvidas e possibilidades
de contaminação. Não se sabe ao certo se o resultado do exame do marido revelou sinal de
doença aguda (menos de 6 meses), crônica (mais de 6 meses) ou se ele está curado de uma
hepatite B mais antiga. Além do risco de transmissão sexual, como ela é profissional da saúde, é
possível que tenha sido vacinada ou que se tenha contaminado no trabalho, ou que ainda seja
soronegativa para o VHB. O rastreamento pode ajudar a esclarecer toda essa situação intrincada.
Estudos sorológicos
A. Infecção aguda (< 6 meses): HBsAg positivo, anti-HBs negativo, anti-HBc IgM e total
positivos. Esse perfil sorológico indica que a pessoa teve um contato recente com o vírus
nativo, é um transmissor potencial, mas ainda pode evoluir tanto para a cura espontânea,
evidenciada com a “viragem” do anti-HBs no futuro próximo, quanto para a cronificação
da infecção.
B. Infecção crônica (> 6 meses): HBsAg positivo, anti-HBs negativo, IgM anti-HBc negativo
e anti-HBc total positivo. Trata-se do portador de infecção crônica de VHB, aquele que
não desencadeou a “viragem” de anti-HBs e que, além de ser transmissor do vírus, corre o
risco de evolução da hepatite crônica para cirrose ou CHC. Necessita de acompanhamento
clínico com outros testes laboratoriais, eventual tratamento da hepatite e aconselhamento
preventivo intensivo para evitar a transmissão do vírus.
Pessoas assintomáticas, não vacinadas, que testam negativo para HBsAg, são virtualmente
sadias, mas possivelmente suscetíveis ao contágio, uma vez que apresentem alto nível de
exposição ao vírus (um pré-requisito do rastreamento). Do mesmo modo de quem testa HBsAg
positivo, esses indivíduos necessitam de complementação laboratorial para definir se a infecção
está em andamento, se estão curados ou, o mais importante, se precisam ser vacinados. São os
seguintes grupos:
FIGURA 1 Infecção aguda pelo vírus da hepatite B (VHB). Adaptada de Mahoney, 1999.
FIGURA 2 Infecção crônica pelo vírus da hepatite B (VHB). Adaptada de Mahoney, 1999.
TABELA 2 Interpretação do resultado de sorologias para hepatite B
Anti-HBc Negativo
Anti-HBs Negativo
Anti-HBc Positivo
Anti-HBs Positivo
Anti-HBc Negativo
Anti-HBs Positivo
Anti-HBc Positivo
Anti-HBs Negativo
Anti-HBc Positivo
Anti-HBs Negativo
Muitos dos indivíduos, independentemente do risco, podem ter sido vacinados na infância,
na idade adulta por conta de atividade ocupacional, ou ainda em algum momento da vida em
que fossem considerados suscetíveis ao VHB. No caso dessas pessoas, o rastreamento é feito
pela solicitação do anti-HBs, que deve ter um título superior a 10 UI. Caso o título de
anticorpos esteja abaixo desse valor, indica-se o reforço (caso seja comprovada a vacinação
completa prévia) ou a revacinação com 3 doses.
Exceto pelos casos de possíveis resultados falso-negativos ou falso-positivos de HBsAg,
que não superam 2% do total em cada situação, e outros raros eventos de erros laboratoriais, os
métodos sorológicos de rastreamento são bastante seguros. Os métodos moleculares para
detecção qualitativa ou quantitativa do VHB devem ser reservados para situações especiais
(como cepas mutantes) ou para definir a necessidade de tratamento.
Objetivos do tratamento
O diagnóstico dos portadores de hepatite crônica pelo VHB possibilita o tratamento, que
visa a reduzir ou eliminar a carga viral, impedir a evolução da hepatite para quadros clínicos
mais graves e interromper a cadeia de transmissão.
Todas as pessoas com infecção aguda ou crônica devem receber orientação para reduzir o
risco de transmitir o vírus. Cerca de 1/5 a 2/5 dos portadores crônicos de HBsAg chegam a
necessitar de medicação.
O objetivo principal do tratamento é reduzir o risco de progressão da doença hepática e de
seus desfechos primários, especificamente cirrose, CHC e óbito. O resultado ideal do
tratamento envolve a soroconversão do HBsAg para anti-HBs. Esse perfil corresponde à
completa e ideal resposta imune, porém raramente é alcançado. Portanto, deve-se buscar
desfechos alternativos para pacientes com HBsAg persistente e HBeAg reagente ou HBeAg
não reagente: soroconversão com anti-HBe, redução de carga viral (resposta virológica) e/ou
normalização da alanina aminotransferase – ALT (resposta bioquímica).
O Ministério da Saúde disponibiliza, no Brasil, o interferon alfa-2a, que regula a
reprodução celular e o sistema imune, e os antivirais entecavir e tenofovir. Evidência suficiente
indica que os antivirais interrompem a replicação viral, monitorada pela expressão do anti-HBe
sérico, e redução da carga viral a níveis indetectáveis e ainda que esses últimos desfechos
intermediários citados são seguidos de queda do risco de cirrose e CHC em pacientes tratados.
Medidas de prevenção
O principal meio de prevenção da infecção pelo VHB é a vacina, que é aplicada em 3 doses
e já faz parte do calendário vacinal brasileiro, no primeiro ano de vida, há 30 anos. Pessoas não
vacinadas ou cujo nível de anticorpos pós-vacinais não atingiu valor que indique haver boa
proteção podem receber reforço ou esquema vacinal completo, a qualquer momento.
Além da vacina, as mesmas recomendações gerais para evitar infecções transmitidas por
contato sexual ou com sangue, como HIV, hepatite C e sífilis, valem obviamente também para
a hepatite B, quais sejam: uso de preservativo em todas as relações sexuais, não
compartilhamento de seringas ou outros insumos usados na injeção de drogas, uso adequado
dos equipamentos de proteção individual dos profissionais de saúde que manipulam sangue e
derivados.
Ainda há poucos estudos que mostram benefícios diretos e superiores nos grupos rastreados
em relação aos não rastreados. Porém, as características da infecção crônica, a alta
transmissibilidade, a possível evolução para doenças graves, os bons métodos de diagnóstico
disponíveis, os resultados positivos do tratamento e a possibilidade de prevenção apontam que
os ganhos com o rastreamento do VHB superam seus eventuais danos à saúde.
A paciente Tina deve se beneficiar do rastreamento, pois, conforme os resultados, ela vai poder
saber se é portadora do VHB (HBsAG e anti-HBc total positivos) ou se está imunizada (HBsAg
negativo, anti-HBs e anti-HBc total positivos). Eventualmente, ela ficará sabendo se é ou não
candidata a vacina ou reforço da vacina, caso já a tenha recebido, e poderá intensificar seus
cuidados preventivos no convívio doméstico e no trabalho.
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Prof. Dr. Olavo Henrique Munhoz Leite pela
cuidadosa leitura do texto e sugestão de melhorias.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Hepatitis b virus infection in adolescents and
adults: Screening, 2020. https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/hepatitis-b-
virus-infection-screening. Acesso: Julho de 2021.
2. World Health Organization. Global Hepatitis Report 2017. Geneva: World Health Organization; 2017.
https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/hepatitis-b.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Hepatites virais 2020. Boletim
Epidemiológico Número Especial. 2020;(1):18. http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2020/boletim-
epidemiologico-hepatites-virais-2020.
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5. Weinbaum CM, Mast EE, Ward JW. Recommendations for identification and public health management of
persons with chronic hepatitis B virus infection. Hepatology. 2009;49:S35.
6. LeFevre ML. Screening for hepatitis B virus infection in nonpregnant adolescents and adults: U.S. Preventive
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7. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. 2016. Protocolo clínico e diretrizes
terapêuticas para hepatite b e co-infecções. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. 2016;no. 1
(Dezembro):122. http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2016/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-para-
hepatite-b-e-coinfeccoes.
8. Ott JJ, Stevens GA, Groeger J, Wiersma ST. Global epidemiology of hepatitis B virus infection: New
estimates of age-specific HBsAg seroprevalence and endemicity. Vaccine, 2012;Janeiro 24:2212.
9. Mahoney FJ. Update on diagnosis, management, and prevention of hepatitis B virus infection. Clin Microbiol
Rev. 1999 Apr;12(2):351-66.
10. Mandell GL, Bennett JE, Dolin R. Mandell, Douglas, and Bennett’s principles and practice of infectious
diseases. New York: Elsevier; 2010.
11. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças
Transmissíveis. Nota Técnica Conjunta n. 2/2013/CGPNI/ DEVEP e CGDHRV/DST/AIDS/SVS/MS.
Ampliação da oferta da vacina hepatite B para a faixa etária de 30 a 49 anos em 2013. Brasília: Ministério da
Saúde; 2013.
12. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de Imunizações.
Programa Nacional de Imunizações: 30 anos. Brasília: Ministério da Saúde; 2003. (Série C. Projetos e
Programas e Relatórios).
13. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Nota Informativa
149/2015/CGPNI/DEVIT/SVS/MS. Informa mudanças no Calendário Nacional de Vacinação para o ano de
2016. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.
2.15
Infecção pelo vírus da hepatite C (VHC)
PONTOS-CHAVE
A infecção pelo vírus da hepatite C (VHC) afeta 71 milhões de pessoas globalmente e é uma
das causas de hepatite crônica, cirrose e câncer hepatocelular (CHC).
O longo período entre a infecção inicial e as manifestações de lesão hepática permite o
diagnóstico pré-clínico e torna possível a supressão da carga viral.
O esclarecimento prévio sobre o rastreamento e suas possíveis repercussões ao(à) paciente
propicia uma decisão compartilhada mais segura e ajuda a prevenir problemas futuros.
Testes laboratoriais, do tipo ELISA, e testes rápidos ambulatoriais apresentam alta sensibilidade
e especificidade no rastreamento da infecção pelo VHC.
Os antivirais de ação direta são considerados o tratamento-padrão atualmente e induzem
resposta virológica sustentada (RVS) em mais de 95% dos indivíduos tratados.
Antonio, um padeiro de 58 anos, morador de uma pequena cidade do interior do Paraná, procura
um médico para fazer check-up. Revela que não está sentindo nada, mas está muito intrigado
porque vários de seus antigos amigos do time de futebol amador da cidade estão doentes do
fígado e alguns até morreram de cirrose. Na anamnese, negou grande consumo de bebida
alcoólica, dele e dos amigos, mas lembrou que, na época, era hábito de todos “tomar” uma
injeção de vitaminas antes de cada jogo, para dar energia (sic), pois todos trabalhavam e não
treinavam para jogar.
Epidemiologia
TABELA 1 Fatores que elevam o risco de infecção pelo vírus da hepatite C (VHC)
2. Pessoa HIV-positivo
No Brasil, a prevalência média de infecção por VHC é menor do que 2%. Em relação ao
mecanismo de infecção, observa-se que uso de drogas injetáveis corresponde a 12,1% do total
de casos, seguido de transfusão sanguínea (10,3%) e de relação sexual (8,9%). Ainda no Brasil,
em 2019, a proporção de infecções por via sexual (9,2%) foi superior ao percentual de
infecções relacionadas ao uso de drogas (7,1%) e a proporção de infecções por via
transfusional foi de 5,1% (Figura 2).
FIGURA 2 Proporção de casos de hepatite C segundo provável fonte ou mecanismo de infecção e
ano de notificação. Brasil, 2009 a 2019. Fonte: Sinan/SVS/MS.
Aspectos clínicos
Assim como acontece com o VHB, a infecção crônica pelo VHC pode persistir “silenciosa”
por anos antes do aparecimento de sintomas ou sinais de cirrose, insuficiência hepática ou
CHC, situações de alta morbimortalidade. Esse longo período de evolução pré-clínica oferece
inúmeras oportunidades de diagnóstico por meio de rastreamentos periódicos. O diagnóstico
nessa fase permite adotar medidas para a supressão da carga viral, com dupla finalidade: a
interrupção do ciclo de transmissão do vírus e da evolução da hepatite crônica para doenças de
estágio mais avançado ou maior gravidade.
Confirmação diagnóstica
A investigação da infecção pelo VHC é feita com exames sorológicos (anti-VHC) por
diferentes técnicas (ensaios imunoenzimáticos, por exemplo, ELISA). Os testes disponíveis
possuem alta acurácia, com sensibilidade e especificidade que variam, ligeiramente, ao redor
de 99%.
Caso o resultado de algum desses exames seja positivo, está indicado o teste molecular
(PCR RNA-VHC) para determinação de carga viral (ou seja, o número de cópias de genomas
virais circulantes) e encaminhamento do paciente para especialista, quando esse exame mostrar
a presença do vírus (nesta situação, fica caracterizada a hepatite crônica pelo VHC).
Em pacientes rastreados positivamente para VHC, a confirmação de hepatite e insuficiência
hepática e o estadiamento de fibrose ou cirrose podem ser feitos, nos dias de hoje, por meio de
exames complementares não invasivos, laboratoriais e de imagem, com muito menor risco de
danos se comparados à biópsia de fígado, mais frequente no passado.
Logo, a capacidade de detecção do vírus é acurada e suas complicações hepáticas podem
ser diagnosticadas com pouco risco para os pacientes. Entretanto, considerando que o
diagnóstico de infecção pelo VHC pode trazer consequências psicossociais, como a
estigmatização da doença e até mesmo grande ansiedade para o paciente, recomenda-se,
juntamente com a proposta de rastreio: a) esclarecer que o check-up é voluntário e depende da
anuência da pessoa a ser examinada; b) informar as peculiaridades da infecção e suas eventuais
repercussões clínicas; c) ponderar sobre o significado dos resultados dos testes e a expectativa
em relação ao tratamento; d) compartilhar a decisão de rastrear ou não entre profissional de
saúde e paciente.
Como existe controvérsia científica a respeito do balanço entre benefícios e prejuízos de
rastrear pessoas assintomáticas de baixo risco para infecção pelo VHC, grande parte dos
adultos não precisaria rastrear exceto se expressarem interesse explícito em fazê-lo. Somente as
pessoas que apresentam risco permanente para a infecção por VHC devem ser rastreados
periodicamente. A frequência do rastreamento, porém, ainda não pode ser definida com base
em evidências científicas, ficando essa tarefa a cargo do(a) médico(a) assistente em conjunto
com o(a) paciente.
Objetivos do tratamento
Medidas de prevenção
O Sr. Antonio, mesmo decorridos anos do possível contágio, tem chances razoáveis de se
beneficiar do rastreamento, quer seja na forma de tratamento, caso teste VHC-positivo, quer com
reforço do aconselhamento preventivo.
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Prof. Dr. Olavo Henrique Munhoz Leite pela
cuidadosa leitura do texto e sugestão de melhorias.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Hepatitis C virus infection in adolescents and
adults: Screening, 2020. https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/hepatitis-c-
screening. Acesso: Março de 2021.
2. CTFPHC – Canadian Task Force on Preventive Heath Care. Hepatitis C (2017).
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/hepatitis-c/. Acesso: Março de 2021.
3. World Health Organization. Global Hepatitis Report 2017. Genebra: World Health Organization; 2017.
https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/hepatitis-b.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para hepatite C e coinfecções. Brasília:
Ministério da Saúde – Secretaria de Vigilância em Saúde – Departamento de Vigilância, Prevenção e
Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV, AIDS e das Hepatites Virais; 2019.
http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2017/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-para-hepatite-c-e-
coinfeccoes. Acesso: Março de 2021.
5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Hepatites Virais 2020. Boletim
Epidemiológico Número Especial. 2020(1):18. http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2020/boletim-
epidemiologico-hepatites-virais-2020. Acesso: Março de 2021.
6. Tatar M, Keeshin SW, Mailliard M, Wilson FA. 2020. Cost-effectiveness of universal and targeted hepatitis C
virus screening in the United States. JAMA. 2020 Setembro 3.
https://jamanetwork.com/journals/jamanetworkopen/fullarticle/2770156. Acesso: Março de 2021.
2.16
Infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV)
PONTOS-CHAVE
A infecção pelo HIV atinge cerca de 38 milhões de pessoas no mundo, sendo que mais de 1/5
delas não sabem ser portadoras e podem estar transmitindo a doença.
Atividade sexual desprotegida e compartilhamento de seringas na injeção de drogas ainda são
as formas mais prevalentes de transmissão do vírus.
O rastreamento é feito por meio de testes sorológicos, efetuados em laboratórios de análises
clínicas, ou por testes rápidos, disponíveis na rede pública de saúde.
A acurácia dos testes rápidos gira em torno de 99%, o que implica poucos resultados incorretos
e suas consequências indesejadas (ansiedade, depressão, rotulagem etc.).
Não existe cura ou vacina para a infecção por HIV, mas a terapia antirretroviral (TARV) reduz o
risco de progressão clínica para AIDS e a mortalidade.
O CDC recomenda rastrear todos entre 13 a 64 anos, independente do grau de risco, exceto se
habitam comunidade com prevalência de infecção por HIV menor do que 0,1%. Aconselham,
também, considerar o rastreio de HSH a cada 3 a 6 meses, com base no comportamento
sexual.
O American College of Obstetricians and Gynecologists recomenda rastrear mulheres
sexualmente ativas de 13 a 64 anos pelo menos uma vez na vida ou anualmente se houver alto
risco de infecção por HIV.
A USPSTF, o CDC, o American College of Obstetricians and Gynecologists, a American
Academy of Pediatrics, o American College of Physicians e a American Academy of Family
Physicians recomendam rastreamento de rotina para infecção por HIV no pré-natal de gestantes
ou de mulheres que se apresentem em trabalho de parto, cuja situação em relação a HIV seja
desconhecida.
Franco é um jovem de 19 anos que começou a manter relações sexuais com o seu primeiro
namorado há menos de um ano. Conversando com amigos da mesma faixa etária, ficou sabendo
que muitos já trataram doenças transmitidas sexualmente. Ele não tem sentido nada nem notou
diferenças em seu corpo, mas está preocupado, principalmente com a AIDS. Na consulta,
pergunta se dá para ter certeza se ele “pegou” o vírus.
Epidemiologia
TABELA 1 Comportamentos e situações gerais de risco para a infecção por HIV (OMS)
2. Realizar sexo com pessoa com outra IST, como: sífilis, herpes, clamídia ou gonorreia
TABELA 2 Fatores específicos que elevam o risco de infecção pelo HIV (USPSTF)
3. Sexo com pessoas cujo histórico sexual e/ou 9. Diagnóstico atual de hepatite ou tuberculose
de HIV seja desconhecido
4. Sexo com mais de uma pessoa desde o último 10. Doença infecciosa adquirida em presídio ou
teste de HIV abrigo para pessoas em situação precária de rua
5. Sexo com portador(a) de doença sexualmente 11. Sexo com alguém que tenha algum dos
transmissível diagnosticada ou suspeita fatores de risco descritos
Franco quer saber se ele “pegou” o vírus. Como ele não relata queixas, se realmente teve contato
com o HIV, é possível que seja apenas um portador assintomático. De qualquer modo, é
candidato potencial a rastreamento.
A USPSTF faz uma forte recomendação no sentido de rastrear todos os homens e mulheres
entre 15 e 65 anos. Fora dessa extensa faixa de idade, recomenda rastrear apenas aquelas
pessoas em situação de maior risco. A sequência de rastreamento proposto é semelhante em
ambas as situações (por idade ou por risco), com maior atenção, obviamente, para pacientes
mais vulneráveis.
Na tentativa de estimar, preliminarmente, o risco de exposição do(a) paciente ao HIV, as
Tabelas 1 e 2 servem de roteiro. No caso de nenhuma resposta positiva aos itens dessas tabelas,
o risco é considerado baixo. Dependendo do número de respostas positivas, o risco de infecção
passa a ser estimado em alto ou muito alto, conforme critério do próprio profissional de saúde
avaliador. A estimativa de risco, no caso, é mais relevante para os indivíduos muito jovens ou
muito idosos, fora da faixa etária de risco prioritário. Auxilia, também, a estabelecer a
periodicidade de repetição dos exames subsidiários de pacientes cujos resultados têm se
mostrado negativos nos check-ups já realizados.
Confirmação diagnóstica
FIGURA 2 Marcadores da infecção pelo HIV na corrente sanguínea de acordo com o período em que
surgem após a infecção. Adaptada de Manual técnico para o diagnóstico da infecção pelo HIV em
adultos e crianças 2018.
Existem vários formatos de TR, e os mais frequentemente utilizados são: dispositivos (ou
tiras) de imunocromatografia de fluxo lateral (ICFL), imunocromatografia de duplo percurso
(ICDPP) e imunoconcentração (ICo). Esses testes estão, a princípio, disponíveis gratuitamente
na rede pública ou podem ser adquiridos em farmácia. Nas Figuras 3 e 4 são mostrados,
respectivamente, resultados negativos (não reagentes) e positivos (reagentes) para a infecção
por HIV.
A sensibilidade e a especificidade dos testes rápidos giram, ambas, em torno de 99%, e eles
preenchem, convenientemente, vários outros critérios necessários para rastreamento:
simplicidade, acurácia, precisão, baixo custo e segurança do paciente. O baixo número de
falso-positivos, neste caso, é especialmente benéfico para evitar situações constrangedoras e de
desgaste psicoemocional (ansiedade e depressão) e social (discriminação e rotulagem),
relacionadas ao diagnóstico (incorreto) da infecção por HIV.
O Ministério da Saúde do Brasil apresenta diversas opções de fluxos de rastreamento
baseadas na disponibilidade dos testes diagnósticos. Pessoas na fase crônica da infecção são
identificadas com sucesso por meio de qualquer combinação de testes iniciais (rápido, 3a ou 4a
geração), seguidos por um teste complementar (Western Blot, Immunoblot, Immunoblot Rápido
ou Teste Molecular). A sequência aparentemente mais simples começa com um primeiro teste
rápido (TR1) para detecção de anticorpos anti-HIV.
FIGURA 3 Exemplos de testes rápidos para HIV não reagentes: observa-se presença de linha
apenas em C (controle). A: Imunocromatografia de fluxo lateral. B: Imunocromatografia de duplo
percurso. C: Imunoconcentração. Adaptada de Manual técnico para o diagnóstico da infecção pelo HIV
em adultos e crianças 2018.
FIGURA 4 Exemplos de testes rápidos para HIV reagentes: observa-se presença de linha em T
(teste) e em C (controle). A: Imunocromatografia de fluxo lateral. B: Imunocromatografia de duplo
percurso. C: Imunoconcentração. Adaptada de Manual técnico para o diagnóstico da infecção pelo HIV
em adultos e crianças 2018.
Já para os adultos de qualquer idade com risco alto ou muito alto, devido à exposição aos
fatores listados nas Tabelas 1 e 2:
A. Assim como os anteriores, todos esses pacientes devem ser estimulados a se submeter ao
TR1, confirmado por um TR2. Em caso de TR1 e TR2 positivos, encaminhar para
complementação diagnóstica e início de tratamento.
B. Se TR1 é negativo, mas a probabilidade pré-teste estimada era alta (p. ex., contato de alto
risco recente, exposição constante a múltiplas situações de risco), indica-se a repetição do
teste após 30 dias do TR1. A se confirmar a negatividade, orienta-se sobre os meios
intensivos de prevenção de HIV e sugere-se retestagem a cada 3 meses (risco muito alto)
ou 6 meses (risco alto), acordada entre médico(a) e paciente.
C. Se os dois resultados forem conflitantes (TR1 positivo e TR2 negativo ou vice-versa),
segue-se à requisição dos imunoensaios laboratoriais para detecção de anticorpos anti-
HIV1 e anti-HIV2 e pesquisa de antígeno p24, e adoção de condutas subsequentes de
acordo com os resultados destes.
D. Aos HSH e/ou usuários de drogas injetáveis, que rastrearem “negativo” após os testes
subsidiários (HIV-negativo), sugere-se a aplicação dos Questionários 1 e/ou 2. Esse
procedimento de rastreamento de risco complementar, proposto pelo Centers for Disease
Control and Prevention (CDC), pode direcionar a adoção de cuidados preventivos
intensivos e prescrição de PrEP (profilaxia pré-exposição).
QUESTIONÁRIO 1 Escalonamento dos cuidados preventivos para HIV de homens que fazem sexo
com homens (HSH)
2. Nos últimos 6 meses, com quantos homens você teve relações sexuais?
Se > 10 parceiros masculinos, escore = 7
Se 6-10 parceiros masculinos, escore = 4
Se 0-5 parceiros masculinos, escore = 0
3. Nos últimos 6 meses, quantas vezes você fez sexo anal receptivo (foi o parceiro passivo) sem
que seu parceiro usasse preservativo?
Se 1 ou mais vezes, escore = 10
Se nenhuma vez, escore = 0
4. Nos últimos 6 meses, com quantos homens sabidamente HIV-positivo você fez sexo?
Se >1 parceiro HIV-positivo, escore = 8
Se 1 parceiro HIV-positivo, escore = 4
Se nenhum parceiro HIV-positivo, escore = 0
5. Nos últimos 6 meses, quantas vezes você fez sexo anal insertivo (foi o ativo) sem usar
preservativo com um homem HIV-positivo?
Se 5 ou mais vezes, escore = 6
Se até 4 vezes, escore = 0
6. Nos últimos 6 meses você usou metanfetaminas tais como cristais ou speed?
Se sim, escore = 6
Se não, escore = 0
Se a soma dos escores é igual ou maior a 10, considere cuidados preventivos intensivos para a
infecção por HIV, inclusive PrEP.
Se a soma dos escores é menor do que 10, oriente cuidados preventivos básicos padronizados para
a infecção por HIV.
3.1. Nos últimos 6 meses, quantas vezes Soma de subescores Escore a considerar –
você injetou heroína? item 3
Se 1 ou mais vezes, subescore = 1
0 0
Se nenhuma vez, subescore = 0
1 7
5 31
3.3. Nos últimos 6 meses, quantas vezes você compartilhou aquecedores para drogas?
Se 1 ou mais vezes, subescore = 1
Se nenhuma vez, subescore = 0
3.5. Nos últimos 6 meses, quantas vezes você foi a algum local onde se faz uso coletivo de
droga injetável?
Se 1 ou mais vezes, escore = 1
Se nenhuma vez, escore = 0
Soma dos escores indicados nos itens 1 e 2 e o “Escore a considerar – item 3”: _______
Se a soma dos escores é igual ou maior a 46, considere cuidados preventivos intensivos para a
infecção por HIV, inclusive PrEP.
Se a soma dos escores é menor do que 46, oriente cuidados preventivos básicos padronizados para
a infecção por HIV.
A aplicação de todos esses questionários na pré-consulta ou durante a consulta médica pode
ser agilizada por ferramentas digitais, algumas delas acessíveis na internet, sem custo e já com
adaptações à realidade e terminologia nacional.
Tanto os questionários propostos quanto os testes subsidiários apresentam riscos para os
pacientes, principalmente se apresentarem resultados falso-positivos. Isso pode gerar, pelo
menos temporariamente, ansiedade, depressão ou desconforto devido à rotulagem ou
discriminação. Porém, de modo geral, esses riscos são considerados muito baixos e ainda
podem ser minimizados se abordados em aconselhamento preventivo.
Objetivos do tratamento
Ainda não existe cura ou vacina disponível para a infecção por HIV. Entretanto, a terapia
antirretroviral (TARV) reduz o risco de progressão clínica para AIDS, eventos clínicos
relacionados a AIDS e a mortalidade. Em função das várias e diferentes opções bem-sucedidas
de TARV, nas últimas décadas, a AIDS passou de uma doença aguda letal a uma condição
crônica que pode ser mantida sob controle clínico por anos.
Outra vantagem da TARV: a supressão da carga viral elimina o risco de transmissão do
vírus nas pessoas vivendo com HIV (PVHIV). A não adesão adequada ao tratamento,
entretanto, pode levar ao aumento da carga viral do HIV e da chance de transmissão pessoa a
pessoa, além do (res)surgimento de sintomas. Isso torna o acesso e a adesão ao tratamento
pontos-chave de todo o processo de rastreamento.
Medidas de prevenção
A PrEP se destina a indivíduos que têm alto ou muito alto risco de contaminação e consiste
na prescrição de TARV diária, antecipando-se às exposições. Essa estratégia tem se mostrado
eficaz e segura.
Estudos publicados confirmaram uma redução de 44% do risco de contrair o HIV em
pessoas em risco muito alto, com uso diário de entricitabina combinada ao fumarato de
tenofovir desoproxila. A redução passa a 95% nos indivíduos cujos medicamentos são
detectados no sangue periférico. Esquema alternativo “sob demanda” de PrEP, antes e após a
exposição, também mostrou uma queda de 86% no risco de contaminação por HIV, mesmo
com menor quantidade mensal de medicamentos.
A Tabela 3 apresenta os grupos de alto e muito alto risco e as condições em que se deve
considerar a introdução de PrEP.
Gays e outros homens que Homens que se relacionam Relação sexual anal (receptiva
fazem sexo com homens {HSH) sexualmente e/ou afetivamente ou lnsertlva) ou vaginal, sem uso
com outros homens de preservativo, nos últimos seis
meses
TABELA 3 Segmentos populacionais prioritários e critérios de indicação de PrEP
Segmentos populacionais
Definição Critério de indicação de PrEP
prioritarios
Fonte: DIAHV/SVS/MS.
Para uma pessoa como Franco, um jovem que está iniciando a atividade sexual, é muito
importante que todos os aspectos que envolvem o rastreamento sejam discutidos; e as medidas
de prevenção do contágio pelo HIV ocupam o primeiro plano. No caso dele, o aconselhamento do
uso consistente do preservativo é fundamental, pois isso previne não só a infecção por HIV, mas
também outras infecções sexualmente transmissíveis (IST). Já para usuários de droga injetável,
deve-se enfatizar a higiene e o não compartilhamento de seringas, agulhas, aquecedores, água,
algodão etc.
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Prof. Dr. Olavo Henrique Munhoz Leite pela
cuidadosa leitura do texto e sugestão de melhorias.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. Chou R, Dana T, Grusing S, Bougatsos C. Screening for HIV infection in asymptomatic, nonpregnant
adolescents and adults: updated evidence report and systematic review for the US Preventive Services Task
Force [published online June 11, 2019]. JAMA.
2. United States Preventive Services Task Force. Human Immunodeficiency Virus (HIV) infection: Screening,
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3. World Health Organization (WHO). HIV/AIDS. 30 November 2020. https://www.who.int/news-room/fact-
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9. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para
manejo da infecção pelo HIV em adultos. Brasília: Ministério da Saúde; 2018.
10. Fanales-Belasio E, Raimondo M, Suligoi B, Buttò S. HIV virology and pathogenetic mechanisms of
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11. Mabey D, Peeling R, Ustianowski A, et al. Diagnóstico para o mundo em desenvolvimento. Nat Rev
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12. CDC. Preexposure prophylaxis for the prevention for HIV infection in the United States – 2017 Update
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13. Fonner VA, et al. Effectiveness and safety of oral HIV pre-exposure prophylaxis (PrEP) for all populations: a
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New England Journal of Medicine. 2010;363(27):2587-99.
15. Molina JM, et al. On-demand preexposure prophylaxis in men at high risk for HIV-1 infection. The New
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16. Calculadora de risco “A hora é agora”. https://www.ahoraeagora.org/calculadora-de-risco-nova/. Acesso:
Março de 2021.
2.17
Infecção por clamídia e gonorreia
PONTOS-CHAVE
As infecções causadas por Chlamydia trachomatis (CT) e Neisseria gonorrhoeae (NG) estão
entre as infecções sexualmente transmissíveis (IST) mais notificadas no mundo.
Se não forem tratadas, podem cursar com complicações como: doença inflamatória pélvica,
gravidez ectópica, infertilidade, ruptura prematura de membrana, retardo de crescimento
intrauterino.
As infecções crônicas por CT e NG são apropriadas ao check-up da população geral feminina
por conta da prevalência significativa em jovens assintomáticas e pela alta morbidade potencial.
O diagnóstico laboratorial da infecção causada por CT e NG pode ser feito por método de
biologia molecular em urina e a periodicidade deve levar em conta a prática sexual da paciente
e a persistência da exposição aos fatores de risco.
O esquema de tratamento empírico envolve cobertura simultânea para CT e NG e pode ser
realizado com ceftriaxone e azitromicina, ambas administradas em dose única, com excelente
resposta.
Sybelle, uma jovem de 24 anos, procura a unidade básica de saúde para fazer exames
preventivos. Ela está pensando em engravidar pela primeira vez e por isso quer ter certeza de
que está bem de saúde. Nega qualquer tipo de sintoma e antecedente pessoal ou familiar
relevante de doença. Refere ser sexualmente ativa desde os 18 anos de idade e que manteve
relações sexuais com outros três homens antes do seu marido.
Epidemiologia
Homens são participantes do circuito de transmissão das doenças, mas a maioria dos
estudos mostra que são as mulheres jovens o principal alvo das infecções e de seus desfechos
mais impactantes. As jovens de até 24 anos ou até 30 anos de idade são os principais grupos de
risco apontados, respectivamente, pela USPSTF e a CTFPHC. Ainda segundo a USPSTF, as
infecções por CT são 10 vezes mais prevalentes nos Estados Unidos da América do que as por
NG (4,7% e 0,4%) em mulheres de 18 a 26 anos.
No Brasil, um estudo multicêntrico de 2011 observou prevalência média de 9,8% de
infecção por clamídia em parturientes jovens entre 15 e 24 anos de idade. Outro estudo do
mesmo período, executado em Curitiba/PR com mulheres de 16 a 23 anos não gestantes e
assintomáticas para infecções por CT e NG, mostrou prevalência de 10,7% (CT) e 1,5% (NG)
com prevalência concomitante de 0,9%.
Um terceiro e extenso estudo de Manaus/AM revelou: as mulheres entre 15 e 29 anos são o
grupo no qual a prevalência de infecções é maior, incluindo gestantes; a concomitância entre
CT e NG foi de 17,3%; a prevalência em homens é 4 vezes menor; e o número de parceiros
sexuais e a presença de outras IST aumentam o risco de CT e NG.
O que o conjunto dos estudos nacionais e internacionais parece sugerir é que a prevalência
das infecções é mais alta em mulheres de 15 até 30 anos de idade, faixa etária na qual são
frequentes, também, as gestações e suas eventuais complicações; reforça a importância dos
fatores de risco listados na Tabela 1 na etiopatogenia das infecções, e ressalta que os homens,
apesar de participarem do processo de transmissão de CT e NG, entre outras IST, apresentam
baixa prevalência da doença em relação às mulheres.
Sybelle é uma jovem na faixa etária de maior risco, com antecedentes de múltiplos parceiros
sexuais em sua vida e que pretende engravidar. Por esses fatores, ela seria candidata natural ao
rastreamento de CT e NG. Caso alguma dessas infecções seja diagnosticada nela, seu parceiro
também deverá rastreá-la(s), pois ele pode ser um agente transmissor assintomático de CT e/ou
NG.
Aspectos clínicos
Confirmação diagnóstica
Apesar da disponibilidade de testes diretos para visualização das bactérias causadoras das
infecções genitourinárias, úteis em pacientes com sintomas, a sua sensibilidade em pessoas
assintomáticas (sem corrimento vaginal ou secreção uretral, disúria, dor em baixo ventre etc.)
cai significativamente.
O diagnóstico laboratorial da infecção causada por CT e NG pode ser feito por método de
biologia molecular. No teste de amplificação de ácido nucleico (do inglês, NAAT) tanto a
sensibilidade (variando de 86% a 100%) quanto a especificidade (em torno de 100%) são
adequadas. O teste pode ser aplicado em urina de homens e mulheres, além de material
coletado por cotonete na região endocervical, vaginal, uretral, anal e orofaríngea. Existe a
possibilidade da autocoleta do material vaginal.
O mesmo material de uma coleta pode ser usado para testar CT e NG. E os testes feitos por
NAAT em urina são pelo menos tão sensíveis quanto os de material endocervical ou uretral,
colhidos por profissional da saúde ou pela(o) própria(o) paciente. Em grupos específicos, o
local de coleta pode variar de acordo com o tipo de relação sexual praticada, por exemplo,
orofaringe ou anal.
Em regiões geográficas onde a técnica de NAAT não esteja disponível, a captura híbrida é
outro método de biologia molecular que avalia qualitativamente a presença dos patógenos. A
sensibilidade desse método, entretanto, é inferior à do anterior. Qualquer que seja o método, os
possíveis efeitos negativos da aplicação dos testes são, em geral, de pequena magnitude e,
basicamente, psicossociais, como: ansiedade, vergonha ou estigmatização.
Os testes disponíveis parecem oferecer boas opções de rastreamento com acurácia e
precisão adequadas dos resultados, além de poucos riscos potenciais às pessoas rastreadas. A
escolha da periodicidade de repetição dos exames ainda carece de estudos, mas, para tanto, é
razoável levar em conta a prática sexual da(o) paciente e a persistência da exposição aos fatores
de risco, desde o último teste negativo.
Objetivos do tratamento
Medidas de prevenção
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Prof. Dr. Olavo Henrique Munhoz Leite pela
cuidadosa leitura do texto e sugestão de melhorias.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. Canadian Task Force on Preventive Health Care. Chlamydia and gonorrhea (2021).
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/chlamydia-and-gonorrhea/. Acesso: Abril de
2021.
2. United States Preventive Services Task Force. Chlamydia and gonorrhea: Screening, 2014.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/chlamydia-and-gonorrhea-screening.
Acesso: Setembro de 2021.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas
para atenção integral às pessoas com infecções sexualmente transmissíveis (IST). Brasília: Ministério da
Saúde; 2018.
4. Benzaken AS, Galban E, Moherdaui F, Pedroza V, Naveca FG, Araújo A, et al. Prevalência da infecção por
Chlamydia trachomatis e fatores associados em diferentes populações de ambos os sexos na cidade de
Manaus. J Bras Doenças Sex Transm. 2008;20(1):18-23.
5. Passagnolo RC, Piazzetta S, Carvalho NS, Andrade RP, Piazzetta G, Piazzetta SR, et al. Prevalência da
infecção por Chlamydia Trachomatis e Neisseria Gonorrhoea em mulheres jovens sexualmente ativas em uma
cidade do Sul do Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2011;33(11).
6. Hsu K. Treatment of Chlamydia trachomatis infection. UpToDate.
https://www.uptodate.com/contents/treatment-of-chlamydia-trachomatis-infection?
search=chlamydia%20trachomatis&source=search_result&selectedTitle=1~119&usage_type=default&displa
y_rank=1. Acesso: Abril de 2021.
7. Seña AC. Treatment of uncomplicated Neisseria gonorrhoeae infections. UpToDate.
https://www.uptodate.com/contents/treatment-of-uncomplicated-neisseria-gonorrhoeae-infections?
search=Treatment%20of%20uncomplicated%20Neisseria%20gonorrhoeae%20infections&source=search_res
ult&selectedTitle=1~150&usage_type=default&display_rank=1. Acesso: Abril de 2021.
8. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas
para atenção integral às pessoas com infecções sexualmente transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde;
2015.
9. St. Cyr S, Barbee L, Workowski KA, et al. Update to CDC’s treatment guidelines for gonococcal infection,
2020. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2020;69:1911-6.
10. CDC – Centers for Disease Control and Prevention. TSD Treatment Guidelines: Chlamydial infections in
adolescents and adults. https://www.cdc.gov/std/tg2015/chlamydia.htm. Acesso: Junho de 2021.
2.18
Risco de câncer ginecológico hereditário
PONTOS-CHAVE
Breast cancer genes (BRCA1 e BRCA2) são genes supressores tumorais envolvidos no reparo
do DNA; cerca de 5% a 10% dos cânceres de mama e até 15% dos cânceres de ovário podem
estar relacionados a mutações desses genes.
Essas mutações são transmitidas de maneira autossômica com alta penetrância em famílias de
portadores das mutações, mais frequentemente em descendentes de judeus Ashkenazi.
O rastreamento, na atenção primária à saúde, é possível a partir de questionário que identifique
mulheres com antecedentes familiares de alto risco para as mutações.
Em função de implicações psicossociais complexas, que envolvem o risco de câncer, o
aconselhamento genético com especialista é sempre recomendável.
Rastreamento intensivo, medicação profilática ou cirurgia são possibilidades de abordagem das
mulheres portadoras de mutações de BRCA1 e/ou BRCA2.
O National Institute for Health and Care Excellence e a European Society for Medical Oncology
recomendam que os profissionais de saúde respondam às dúvidas e preocupações das
pacientes sobre o assunto, mas não os incentivam a sempre rastrear ativamente o histórico
familiar de câncer de mama, apenas eventualmente.
O rastreamento e/ou aconselhamento genético de pessoas com antecedente pessoal de câncer
sugestivo de estar associado a herança genética são defendidos, também, pelas entidades:
American College of Medical Genetics, American Society of Clinical Oncology, Society for
Gynecologic Oncology.
A American Society of Breast Surgeons recomenda a disponibilidade de teste genético para
todas as mulheres com histórico de câncer de mama.
Rachel, 33 anos, solteira, arquiteta, nascida nos EUA, mora no Brasil há 30 anos. É descendente
de judeus, que migraram para a América no final da década de 1940. Em visita à ginecologista,
disse ter ficado sabendo que algumas parentes que vivem nos EUA desenvolveram câncer de
ovário ou mama. Outras, para não correr o mesmo risco, retiraram mamas e ovários. Ela quer
saber se precisa operar, também.
Hereditariedade e câncer
Não é só genética
Dessa forma, antecedente de câncer de mama na família não é, por si só, um indicativo para
o rastreamento de mutações genéticas em BRCA1 ou BRCA2. E mesmo cânceres ligados a
estas dependem de outras interações genéticas e com fatores individuais (idade, peculiaridades
do sistema reprodutor e endócrino) e ambientais (radiação ionizante, substâncias cancerígenas)
para se desenvolver. Quando a herança genética está envolvida na gênese do câncer de mama,
costuma haver múltiplos casos dessa neoplasia em uma mesma família, incluindo a ocorrência
em homens e pessoas jovens, bem como histórico de neoplasias em outros órgãos.
Estudos de prevalência das mutações de BRCA1 e BRCA2 em mulheres da população
geral indicam variações que dependem da origem étnica e localização geográfica, mas, em
média, gira em torno de 0,3%. Porém, no grupo específico de mulheres judias de ancestralidade
Ashkenazi a prevalência chega a 2%, o que as transforma em um alvo prioritário do
rastreamento de neoplasias ligadas a mutações genéticas. Mulheres portadoras dessas mutações
têm risco estimado de neoplasia mamária entre 45% e 65% aos 70 anos de idade. O risco
estimado para câncer de ovário em portadoras do BRCA1 e/ou BRCA2 chega a 39%.
Mulheres com mutações de BRCA1 e/ou BRCA2 tendem a desenvolver câncer de mama
em idade mais jovem, mesmo abaixo de 40 anos, e têm maior probabilidade de acometimento
das duas mamas, não necessariamente de maneira simultânea. Entretanto, o rastreamento do
câncer de mama, propriamente dito, só está indicado nessa faixa etária mais jovem, para
mulheres sabidamente portadoras de mutação de BRCA1 e/ou BRCA2.
A procura de mutações
Com esses dilemas se defrontam Rachel e a sua médica. A paciente é jovem, judia,
possivelmente Ashkenazi, e tem vários antecedentes familiares que justificam, no mínimo, uma
maior preocupação em relação ao problema. É possível que seja necessária uma ação para
saber mais sobre os seus riscos, antes de rastrear as mutações propriamente ditas. Quanto às
possíveis cirurgias, no momento, isso é apenas uma possibilidade a mais, dentre outras a serem
discutidas.
SOBRE OS MÉTODOS DE RASTREAMENTO
A USPSTF recomenda abordar mulheres com história pessoal e familiar para câncer de
mama, ovário, trompas e peritônio, ou que tenham ancestralidade associada a mutações
(BRCA1 e BRCA2), com algum questionário estruturado capaz de indicar, pelo menos, risco
aumentado de mutação. Mulheres rastreadas positivamente devem receber aconselhamento
genético e, posteriormente, se indicados, os testes genéticos laboratoriais.
No Brasil, em nível de atenção primária à saúde, o rastreamento genético para detecção de
pessoas com maior chance de serem portadoras de mutações nocivas em BRCA1 e/ou BRCA2
não é uma prática comum. Alguns especialistas de ginecologia e oncologia clínica têm mais
prática em lidar com o assunto, mesmo assim de forma não necessariamente sistemática ou
frequente, e apenas em nível de atenção secundária ou terciária do sistema de saúde.
SIM NÃO
1. Você tem ou teve alguma parente de primeiro grau (mãe ou filha) com câncer de mama?
2. Você tem ou teve alguma parente qualquer da sua família com câncer nas duas mamas (não
precisa ser ao mesmo tempo)?
3. Você tem ou teve algum parente qualquer, homem, da sua família com câncer de mama?
4. Você tem ou teve alguma parente qualquer da sua família com câncer de mama e ovário (não
precisa ser ao mesmo tempo)?
5. Você tem ou teve alguma parente qualquer da sua família com câncer de mama antes dos 45
anos?
6. Você tem ou teve dois ou mais parentes quaisquer da sua família com câncer de mama, ovário,
intestino, próstata ou pâncreas?
7. Você tem ou teve alguma parente qualquer da sua família com câncer de ovário agressivo e
invasivo?
Antes de qualquer outra coisa, portanto, a médica de Rachel deverá fazer-lhe as perguntas da
Tabela 1. Somente diante de alguma resposta indubitavelmente positiva, o prosseguimento ao
processo do rastreamento deve ser dado. A próxima etapa é o aconselhamento genético por
profissional especializado. Profissionais de atenção primária só devem fornecer esse tipo de
serviço após treinamento completo.
Antes de testar
Depois do teste
As decisões subsequentes, sobre qual procedimento preventivo para câncer deva ser
adotado, não são menos complicadas. Estudos mostram que a realização frequente de
rastreamento com inclusão da ressonância magnética das mamas (além do exame clínico,
mamografia e ultrassonografia periódicos) aumenta a chance de identificação de tumores
precoces, mas não impacta a mortalidade.
A combinação do rastreamento frequente com medicação profilática redutora de risco
(tamoxifeno, raloxifene e inibidores da aromatase) pode ser tentada em mulheres portadoras de
BRCA1 e/ou BRCA2, desde que os riscos de efeitos adversos desses medicamentos para essas
pacientes sejam pequenos. Por último, há a opção pelas abordagens cirúrgicas (mastectomia
bilateral e/ou salpingo-ooforectomia bilateral), que parecem reduzir a incidência dos cânceres,
mas cujo efeito na mortalidade ainda é indeterminado.
Em relação à mastectomia profilática redutora de risco, especificamente, vale ressaltar que
sua indicação ainda é controversa. Potenciais benefícios incluem a redução do risco de câncer
de mama e da ansiedade gerada pela positividade dos testes. Desvantagens potenciais incluem
a irreversibilidade e agressividade da conduta cirúrgica e consequente morbidade física e
mental associada. Diante da ineficácia do rastreamento de câncer de ovário, até o momento, a
cirurgia radical, no caso, parece ser inevitável.
Vê-se, portanto, que antes de responder à dúvida da Rachel sobre a cirurgia, há muito caminho a
percorrer. Se no final das contas ela for portadora de alguma mutação nociva de BRCA1 e/ou
BRCA2, ela deverá ser bem orientada com relação aos “prós e contras” de cada conduta
preventiva dos cânceres relacionados. A decisão final pelo rastreamento intensivo, associado ou
não à medicação redutora de risco, ou pela cirurgia, deve ser totalmente compartilhada entre a
paciente e sua médica.
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Dr. Jorge Sabbaga pela cuidadosa leitura do texto e
sugestão de melhorias.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF. United Services Preventive Services Task Force. BRCA-related cancer: Risk assessment, genetic
counseling, and genetic testing (2019).
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/brca-related-cancer-risk-assessment-
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Conselho Federal de Medicina. Projeto Diretrizes. Sociedade Brasileira de Genética Clínica. 2007.
https://diretrizes.amb.org.br/_BibliotecaAntiga/cancer-familial.pdf. Acesso: Junho de 2021.
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4. National Comprehensive Cancer Network. Clinical practice guidelines in oncology. Genetic/familial high risk
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https://www.nccn.org/professionals/physician_gls/pdf/genetics_screening.pdf. Acesso: Junho de 2021.
5. Ashton-Prolla P, Giacomazzi J, Schmidt AV, et al. Development and validation of a simple questionnaire for
the identification of hereditary breast cancer in primary care. BMC Cancer. 2009;9:283.
2.19
Risco de doença cardiovascular (DCV)
PONTOS-CHAVE
As doenças cardiovasculares (DCV) ainda são a maior causa de mortes prematuras no mundo,
representando cerca de 16% de todos os óbitos. Tabagismo, hipertensão arterial, dislipidemia,
diabete melito, obesidade e antecedente familiar estão entre seus principais fatores de risco.
Teste ergométrico, ecocardiograma ou cintilografia miocárdica após estresse físico ou
farmacológico, angiotomografia de coronária com escore de cálcio ou cateterismo cardíaco não
são exames adequados para rastrear doença arterial coronariana em pessoas assintomáticas.
O risco de apresentar uma doença cardiovascular em 10 anos (RCV10) pode ser estimado por
meio de calculadoras que utilizam equações obtidas a partir de estudos epidemiológicos, nos
quais são controlados os principais fatores de risco das DCV.
O RCV10 pode ser reduzido através de medidas efetivas de mudanças de estilo de vida, como
cessação do tabagismo, atividade física, alimentação saudável e controle do peso corporal,
assim como pelo controle da hipertensão arterial, diabete e dislipidemia.
Olavo é um metalúrgico de 53 anos que ficou 6 meses afastado por acidente de trabalho. Ele
conta que apresentou uma síncope com queda que resultou em hematoma subdural e foi
operado. Agora, ele deve fazer o exame de retorno ao trabalho para saber se está apto a voltar.
Ao médico, ele nega queixas, mas refere que toma remédios irregularmente para a pressão, o
diabete e convulsões recentes. É um fumante de 2 maços-dia há 30 anos. Os seus exames
mostraram: IMC = 32, circunferência abdominal = 98, PA = 150 x 90 mmHg, colesterol total = 200,
LDL = 130, HDL = 38, HbA1C = 8,2%. Seu médico está relutante em considerá-lo apto a
trabalhar.
As doenças vasculares de coronárias e artérias cerebrais são responsáveis pela maioria das
mortes prematuras em todo mundo. Além disso, anginas, infarto agudo do miocárdio e
episódios vasculares cerebrais podem causar perda de qualidade de vida e incapacidades
permanentes ou temporárias. Arritmias, alterações abruptas de pressão arterial e síncopes
podem apresentar complicações significativas, inclusive, acidentes.
Prevalência mundial
Segundo dados da OMS de 2020, as doenças cardíacas ainda são a maior causa de
mortalidade. Nos últimos 20 anos, o número aproximado de óbitos anuais por essas
enfermidades saltou de 7 para 9 milhões no mundo, representando cerca de 16% do total de
mortes por todas as causas. Essas cifras praticamente duplicam se forem acrescentadas as
mortes por doenças cerebrais e outras de natureza vascular. O aumento no período indicado
está provavelmente relacionado à maior exposição a fatores de risco conhecidos, como
sobrepeso, obesidade, hiperglicemia e, principalmente, hipertensão arterial e tabagismo.
Estudos apontam uma redução significativa da taxa de mortalidade por DCV nas últimas 2
décadas, concomitante ao aumento do número absoluto dos óbitos. Obviamente, a diminuição
da taxa ocorreu em função do crescimento e envelhecimento progressivos da população
brasileira no mesmo período, e não da redução da exposição aos fatores de risco. Em 2017,
ocorreram 388.268 mortes por DCV, representando, em números absolutos, 45,4% a mais do
que em 1990. Entretanto, a taxa de mortalidade padronizada por idade foi de 178 por 100 mil
habitantes, indicando uma redução de 47,9% em relação a 1990. As taxas permanecem maiores
entre os homens.
As DCV são mais comuns a partir da quinta década de vida. As suas principais
complicações agudas, como angina, infarto do miocárdio ou morte súbita, são causadas por
obstruções arteriais provocadas por placas ateromatosas que ocupam o diâmetro dos vasos; em
presença de vasoconstrição e/ou ruptura, inflamação e calcificação progressiva, as placas
acabam por precipitar a formação de trombos oclusivos. Cronicamente, podem se manifestar
com insuficiência cardíaca ou arritmias.
Fatores de risco
2. Urbanização crescente
4. Pobreza
7. Sedentarismo
8. Dieta com muito sal, açúcar e gordura saturada e poucas frutas, verduras e legumes
9. Tabagismo
13. Dislipidemia
Como rastrear
Ferramentas auxiliares
Por outro lado, o risco das DCV pode ser rastreado por meio de anamnese cuidadosa
dirigida à pesquisa de fatores de risco (Tabela 1) ou por meio de ferramentas eletrônicas
disponíveis em sites especializados. Atualmente, dispõe-se de várias calculadoras1 capazes de
estimar o risco cardiovascular, com algoritmos baseados em estudos epidemiológicos
relevantes. Certamente, essas ferramentas são mais úteis quanto mais baseadas forem em
estudos feitos nas próprias populações onde são aplicadas.
Por exemplo, a USPSTF, a American Heart Association (AHA) e o American College of
Cardiology (ACC) recomendam o cálculo do risco de ASCVD (Atherosclerotic Cardiovascular
Disease) em 10 anos (RCV10) usando como base as Pooled Cohort Equations
(https://clincalc.com/Cardiology/ASCVD/PooledCohort.aspx). Essas equações incorporadas à
calculadora levam em conta as seguintes variáveis: idade, sexo, raça, níveis de colesterol,
pressão arterial sistólica, tratamento anti-hipertensivo, presença de diabete e tabagismo. No
Brasil, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) disponibiliza essa calculadora,
denominando-a Calculadora para estratificação de risco cardiovascular, que inclui outras
variáveis (departamentos.cardiol.br/sbc-da/2015/CALCULADORAER2020/etapa1.html).
Vale lembrar que a caracterização do RCV10 pelas calculadoras não é usada pelas
entidades como rastreador da existência de coronariopatia (DAC) assintomática. Não é
preconizada, também, para indicar exames capazes de detectar a presença de placas de ateroma
potencialmente danosas nem alterações funcionais ou morfológicas decorrentes de eventual
isquemia cardíaca. A indicação de exames complementares para esse fim aplica-se apenas para
pacientes com quadro clínico sugestivo de comprometimento coronariano em andamento.
A finalidade principal do cálculo do RCV10 é identificar pessoas em baixo, intermediário
ou alto risco de DCV, e com isso recomendar medidas preventivas de estilo de vida ou
medicação profilática para as síndromes coronarianas. Nesse sentido, é importante frisar
algumas disparidades importantes nas recomendações existentes:
O cálculo de risco de Olavo usando Pooled Cohort Equations revelou um RCV10 de 31,6%, cerca
de 11 vezes maior do que o de um homem saudável com a mesma idade dele. Segundo os
critérios da AHA/ACC e da SBC, ele se encontra em uma faixa de risco muito alta. A
determinação do ECAC nesses níveis basais de risco torna-se desnecessária, pois não mudaria
as condutas preventivas a serem adotadas.
O ECAC é obtido por tomografia computadorizada do coração com detectores guiados por
eletrocardiograma. A dose de radiação para a realização do exame é ligeiramente menor do que
a da mamografia de rastreamento. Acredita-se que a detecção de cálcio nas artérias coronárias
correlaciona-se com a presença de doença arterial e é preditiva de futuros eventos
cardiovasculares, exceto em certas condições, como diabete, uremia e distúrbios do
metabolismo de cálcio.
Estudos recentes vêm reforçando a possibilidade de indicação do ECAC na reclassificação
do risco cardiovascular, basicamente nos casos de RCV10 entre 5% e 20%. A realização de tal
exame complementar para avaliação do RCV10 está, entretanto, condicionada à persistência de
dúvidas quanto à prescrição de estatinas e dependente de decisão compartilhada entre
médico(a) e paciente.
A Figura 1 ilustra o fluxograma de decisão para adoção de medidas modificadoras do estilo
de vida ou medicação profilática com doses moderadas ou altas de estatinas, levando em
consideração medidas do ECAC.
Há limitada informação sobre a sensibilidade e a especificidade do cálculo do RCV10 por
meio de calculadora com Pooled Cohort Equations, bem como o seu impacto na
morbimortalidade por DCV. O seu uso, entretanto, é simples, rápido e de baixo custo. Levando-
se em conta que o seu objetivo é determinar não a presença de doença em si, mas o risco de
adoecimento, e a possível melhoria da sensibilidade pela agregação da determinação do ECAC,
a sua indicação pode ser um passo importante na adoção de medidas profiláticas efetivas para a
prevenção de eventos cardiovasculares futuros.
Medidas comportamentais
Mudanças de estilo de vida estão no cerne da prevenção das DCV, mas podem depender de
aconselhamento especializado por profissionais da saúde para serem alcançadas e custo-
efetivas. São elas:
A. Cessação do tabagismo;
B. Adoção de alimentação saudável, baseada em consumo de alimentos naturais como frutas,
verduras, legumes, oleaginosas e grãos integrais, derivados desnatados de leite, carnes
magras, e com restrições a carboidratos, gorduras saturadas, sal, açúcar e bebida alcoólica;
C. Atividades físicas regulares de intensidade moderada como, por exemplo, caminhar,
pedalar, nadar, praticar exercícios resistidos;
D. Controle do estresse, por meio de relaxamento, atividades de lazer e outras.
FIGURA 1 Fluxograma de decisão para indicação de medidas profiláticas de doença cardiovascular.
Adaptada de Cheong BYC, 2020.
Além disso, pacientes com pressão alta (ver Capítulo “Hipertensão arterial”), diabete [ver
Capítulo “Diabete melito tipo 2 (DM2) e pré-diabete (PD)”] e hipercolesterolemia (ver
Capítulo “Dislipidemia”) devem ter essas comorbidades controladas com frequência, a fim de
manter seus parâmetros clínico-laboratoriais dentro de valores adequados e, deste modo,
conservar o RCV10 no patamar mais baixo possível.
As estatinas
O ácido acetilsalicílico
O balanço entre riscos e benefícios do uso profilático de ácido acetilsalicílico (AAS) com
intenção de prevenir, primariamente, eventos cardiovasculares contraindica o seu uso
indiscriminado. Segundo a ACC/AHA, a prevenção primária com AAS pode ser considerada
apenas para pessoas de 40 a 70 anos com muito alto risco de DCV, na ausência de risco
aumentado de sangramento. Outras entidades e estudos internacionais não dão suporte ao AAS
profilático em pessoas sem evidências de DCV, exceto a American Diabetes Association
(ADA), que o recomenda para pacientes diabéticos sem DCV conhecida. Quando indicado, o
AAS deve ser prescrito em baixas doses diárias (80 mg).
Em resumo: as DCV representam ainda hoje um grande problema de saúde pública, com
altos índices de morbimortalidade. Os métodos propedêuticos existentes para DAC não foram
validados, até o momento, para o seu rastreamento. Entretanto, em função da evolução da
doença aterosclerótica ao longo de anos, o cálculo do RCV10, uma iniciativa de fácil execução
e baixo custo, tem o potencial de desencadear medidas seguras e efetivas de prevenção
primária, como as mudanças de estilo de vida e controle de comorbidades.
Para viver mais tempo e sem doença cardiovascular, Olavo precisa mudar seu estilo de vida,
parando de fumar, perdendo peso, controlando melhor seu diabete e a pressão. A adoção de
estatina em alta dose, no seu caso, é indicada independentemente do seu ECAC. Caso ele pare
de fumar, baixe a PA sistólica para 120 mmHg e o colesterol total para 160, e eleve o HDL para
45, e assim se mantenha, o seu RCV10 cairá para menos da metade, 15%.
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Dr. Desiderio Favarato pela cuidadosa leitura do
texto e sugestão de melhorias.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. Lotufo PA, Goulart AC, Passos VMA, Satake FM, Souza MFM, França EB, et al. Cerebro-vascular disease in
Brazil from 1990 to 2015: Global Burden of Disease 2015. Rev Bras Epidemiol. 2017;20 (Suppl 1):129-41.
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2. GBD 2016 Brazil Collaborators. Burden of disease in Brazil, 1990-2016: a systematic subnational analysis
for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet. 2018;392(10149):760-75.
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)31221-2. Acesso: Setembro de 2021.
3. GBD 2017 Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national age-sex-specific mortality for 282
causes of death in 195 countries and territories, 1980-2017: a systematic analysis for the Global Burden of
Disease Study 2017. Lancet. 2018;392(10159):1736-88. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)32203-7.
Acesso: Setembro de 2021.
4. Mansur AD, Favarato D. Mortality due to cardiovascular diseases in women and men in the five brazilian
regions, 1980-2012. Arq Bras Cardiol. 2016;107(2):137-46.
5. Arnett DK, Blumenthal RS, Albert MA, et al. 2019 ACC/AHA Guideline on the Primary Prevention of
Cardiovascular Disease: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task
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https://www.acc.org/latest-in-cardiology/ten-points-to-remember/2019/03/07/16/00/2019-acc-aha-guideline-
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6. Cheong BYC, et al. Coronary artery calcium scoring: an evidence-based guide for primary care physicians. J
Intern Med. 2021 Mar;289(3):309-24.
7. SBC – Sociedade Brasileira de Cardiologia. Escore de cálcio para alocação personalizada de AAS em
prevenção primária em 2019: Estudo MESA. Marcio Soomer Bittencourt (revisor).
https://www.portal.cardiol.br/post/escore-de-cálcio-para-alocação-personalizada-de-aas-em-prevenção-
primária-em-2019-estudo-mesa. Acesso: Setembro de 2021.
8. USPSTF – Unites States Preventive Services Task Force. Statin. Use for the primary prevention of
cardiovascular disease in adults: preventive medication (2016).
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/statin-use-in-adults-preventive-
medication. Acesso: Setembro de 2021.
2.20
Risco de fraturas por osteoporose
PONTOS-CHAVE
No mundo, estima-se que mais de 200 milhões de pessoas apresentam fragilidade óssea por
osteoporose, afetando 1 a cada 3 mulheres e 1 a cada 8 homens.
As fraturas por osteoporose incorrem em perda de qualidade de vida e grave prejuízo
psicossocial, além de complicações físicas, sequelas e morte prematura.
O rastreamento da osteoporose, no Brasil, usando recomendações internacionais, resulta em
sobretestagem, sobrediagnóstico e sobretratamento, que podem ser evitados.
Atualmente, dispõe-se de calculadoras do risco de fraturas por osteoporose, baseadas em
fatores demográficos e clínicos, com boa acurácia para uso no rastreamento.
Existem diversas opções de abordagem preventiva e tratamento medicamentoso capazes de
reduzir o risco de fraturas por osteoporose na idade avançada.
Maria Clara, uma senhora de 60 anos, procurou sua médica geriatra para fazer um check-up
completo, embora se sentisse muito bem, tanto do corpo quanto da cabeça (sic). Perguntada se
tinha alguma preocupação especial em relação à sua saúde, ela respondeu que tinha medo de
cair e quebrar algum osso, como já aconteceu com algumas amigas da idade dela. Queria fazer
algum exame, tirar alguma “chapa”, para saber se tinha ossos fortes (sic).
Prevalência no mundo
No mundo, estima-se que mais de 200 milhões de pessoas apresentem fragilidade óssea por
osteoporose, afetando 1 a cada 3 mulheres e 1 a cada 8 homens. Nos EUA, em 2020, estimou-
se em 12,3 milhões o total de indivíduos com osteoporose. Naquele país, cerca de 21% a 30%
das pessoas que fraturam o quadril morrem em um ano e por volta de 71% das fraturas ocorrem
em mulheres.
O problema brasileiro
Fatores de risco
Algumas mulheres correm mais risco do que outras de desenvolver osteoporose e fraturas,
risco esse influenciado por fatores genéticos, hábitos e outras doenças prévias (Tabela 1). Por
outro lado, o estilo de vida pessoal mais saudável parece funcionar como fator protetor (Tabela
2).
O risco de fraturas por osteoporose parece reunir características epidemiológicas, de
morbimortalidade e etiopatogenia apropriadas à sua inclusão em programas de check-up de
mulheres brasileiras. O mesmo já não se aplica, entretanto, aos homens brasileiros.
4. Artrite reumatoide
6. Tabagismo atual
3. Exposição solar (90 minutos semanais, fora dos horários de alta UV)
4. Cessação do tabagismo
Ferramentas úteis
Ao contrário do que gostaria a paciente Maria Clara, radiografias simples não são úteis para
mostrar se os ossos correm risco de quebrar com facilidade. Entretanto, o uso combinado de uma
calculadora de risco sensível (FRAX®) e, em casos selecionados, da densitometria óssea é uma
boa opção de rastreamento. Essa estratégia combinada leva, inclusive, a uma redução na
exposição à radiação ionizante da DEXA. É importante que toda essa informação seja
compartilhada com a paciente, antes de decidir fazer ou não o rastreamento e quais métodos
adotar para isso.
A mulher brasileira
Transpondo-se o mesmo cálculo para uma mulher brasileira de 65 anos de idade com IMC
de 25 kg/m2 e sem fatores de risco para osteoporose, o LRN do RFM10, calculado pelo
FRAX® Brasil, seria 3,5%. O tratamento da osteoporose estaria indicado se o risco igualasse ou
ultrapassasse o LI de 7,1%. Os limiares de risco e intervenção no Brasil são, portanto, bem
inferiores aos dos EUA. Além disso, o LRN estadunidense de 9,3%, que as mulheres
americanas atingem aos 65 anos, uma mulher brasileira só tende a alcançar por volta dos 80
anos de idade.
Desta forma, solicitar DEXA para mulheres brasileiras com idade igual ou superior a 65
anos seria uma estratégia inadequada, pois a prevalência de osteoporose no Brasil é menor, o
que diminui o valor preditivo positivo do exame. Em outras palavras, a DEXA seria indicada
para uma maioria de mulheres com baixo risco de fraturas, para quem nenhuma intervenção
seria necessária.
Estudos recentes têm observado que valores de sensibilidade do FRAX®, sem e com a
DMO, são muito semelhantes entre si, indicando que o algoritmo de cálculo do RFM10
levando em conta somente as informações clínicas apresenta uma estimativa bastante sensível
do risco, inclusive levemente superdimensionada em relação à sensibilidade alcançada com a
inclusão do valor da DMO. Dessa forma, parece razoável reservar a densitometria óssea, um
exame de maior especificidade e custo, apenas para casos duvidosos ou limítrofes assim
definidos pelo FRAX® Brasil sem DMO.
Fruto da experiência obtida após a introdução do FRAX® na prática clínica, publicações
atuais têm enfatizado que tanto o LRN quanto o LI variam com a idade. Com base nisso,
algumas diretrizes de rastreamento passaram a incluir a aplicação do FRAX® para cada
paciente como pré-requisito para a solicitação de DEXA. Entretanto, a maioria dessas diretrizes
estabelece que, uma vez que o RFM10 ultrapasse o LRN, a DEXA já estaria indicada.
Prevenção de quedas
No caso do risco de fraturas por osteoporose detectado por rastreamento, a prevenção tem
papel preponderante e pode ser conseguida por meio de medidas simples que ajudem a evitar
quedas. Sabe-se, aliás, que a maioria delas ocorre no próprio domicílio e pode ser prevenida
com, por exemplo: boa iluminação dos ambientes, pisos antiderrapantes, ausência de tapetes
escorregadios, passagens desimpedidas, barras de apoio nas paredes, vasos sanitários elevados,
calçados com solado de borracha, fortalecimento da musculatura esquelética.
FIGURA 1 Risco de fraturas por osteoporose de ossos maiores em 10 anos (RFM10): mulheres
brasileiras entre 40 e 90 anos de idade.
Medidas farmacológicas
Essa proposta representa uma forma pertinente de abordagem do problema de acordo com a
gravidade do risco. Cada caso deve ser analisado individualmente, uma vez que cada
medicamento tem seus benefícios, mas, também, efeitos colaterais, que devem ser ponderados
no momento da prescrição. As preferências dos pacientes também devem ser levadas em
consideração na decisão de como tratar.
A análise sistemática das evidências científicas disponíveis sobre o rastreamento de
osteoporose visando a prevenção de fraturas revela que os benefícios desse check-up superam
os riscos potenciais para mulheres, principalmente aquelas com idade acima de 65 anos. Os
estudos disponíveis ainda são insuficientes para se determinar o balanço entre riscos e
benefícios do rastreamento para homens de qualquer idade.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Osteoporosis to prevent fractures: Screening
(2018). https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/osteoporosis-
screening#bootstrap-panel--4. Acesso: Junho de 2021.
2. Viswanathan M, Reddy S, Berkman N, et al. Screening to prevent osteoporotic fractures: updated evidence
report and systematic review for the US Preventive Services Task Force [published June 26, 2018]. JAMA.
doi:10.1001/jama.2018.6537.
3. Zerbini CAF, Szejnfeld VL, Albergaria BH, McCloskey EV, Johansson H, Kanis JA. Incidence of hip fracture
in Brazil and the development of a FRAX model. Arch Osteoporos. 2015;10:28.
4. Kanis JA, Harvey NC, McCloskey E, Bruyère O, Veronese N, Lorentzon M, et al. Reginster. Algorithm for
the management of patients at low, high and very high risk of osteoporotic fractures. Osteoporosis
International (published on-line, 2019). https://doi.org/10.1007/s00198-019-05176-3.
5. Radominski SC, Wanderley B, Paula AP, Albergaria B-H, Caio M, Fernandes CE, et al. Diretrizes brasileiras
para o diagnóstico e tratamento da osteoporose em mulheres na pós-menopausa. Rev Bras Reumatol.
[Internet]. 2017[cited 2020 Sep 04];57(Suppl 2):s452-s466.
6. Zerbini CAF. FRAX Modelo Brasil: um texto clínico explicativo sobre limiares para intervenção terapêutica.
Diagn Tratamento. 2019;24(2):41-9.
2.21
Sífilis
PONTOS-CHAVE
Rastrear sífilis em homens e mulheres entre 18 e 75 anos de idade, assintomáticos, mas com
moderado ou alto risco de infecção por Treponema pallidum, conforme fatores expostos na
Tabela 1.
Utilizar, como método de rastreamento, um TT (rápido, FTA-Abs, ELISA) e um TNT (VDRL ou
outro), os que estiverem mais disponíveis e acessíveis.
Se houver discordância de resultados entre o TT e o TNT, aprofundar a investigação clínica, se
necessário, com apoio de especialista.
No caso de rastreamento com TT e TNT negativos, fornecer orientação preventiva e rerrastrear
de acordo com o grau de risco estimado, uso de PrEP e idade.
No caso de rastreamento com TT e TNT positivos para sífilis, tratar e alertar sobre a
necessidade de rastreamento dos eventuais contactantes.
Antonia tem 39 anos. É dona de casa, casada há 20 anos e religiosa praticante. Procurou o
médico porque, recentemente, tem apresentado algumas bolhinhas na região genital, que
começam coçando muito, depois doem e, com o tempo, desaparecem (sic). Ao longo da sua vida
só manteve relações sexuais com o marido. Após examinar, a ginecologista disse que era uma
infecção pelo vírus do herpes, receitou-lhe um antiviral e solicitou exames para HIV e sífilis. Sem
ter nenhum outro sintoma, Antonia saiu da consulta assustada, sem entender direito por que
precisava daqueles exames.
Epidemiologia
A sífilis é uma doença infecciosa exclusiva de seres humanos que, caso não identificada e
adequadamente tratada, pode evoluir ao longo de anos, chegando a causar sequelas graves
irreversíveis. A história natural da doença alterna períodos de sinais e sintomas que variam
conforme o estágio evolutivo (primário, secundário e terciário), com períodos assintomáticos
ou latentes. Estima-se que cerca de 35% das formas não tratadas da sífilis evoluam para a cura
espontânea, 35% permaneçam em estado de latência por toda a vida e os 30% restantes
progridam para sífilis terciária. Os meios mais comuns de transmissão são a sexual e a vertical.
A OMS estimou que existiam cerca de 6,3 milhões de casos de sífilis curáveis no mundo
em 2016, cuja prevalência média entre países girava em torno de 0,5% (0,1% a 1,6%,
dependendo da região). No Brasil, a sífilis adquirida teve sua taxa de detecção aumentada de
2,1 casos por 100.000 habitantes, em 2010, para 72,8 casos por 100.000 habitantes, em 2019
(uma ligeira queda na detecção verificada entre 2018 e 2019 reverteu uma tendência de alta
progressiva na última década). A relação de casos notificados de sífilis adquirida entre homens
e mulheres é de 7 para 10, respectivamente, e permanece inalterada desde 2014. De forma
geral, a faixa etária mais acometida é de 20 a 30 anos, seguida pelo grupo de 30 a 40 anos.
Os fatores de risco das IST mais envolvidos na transmissão da sífilis estão elencados na
Tabela 1. Existe uma forte associação epidemiológica entre sífilis e a infecção por HIV. Além
da forma de transmissão sexual comum, as lesões sifilíticas podem facilitar a entrada do HIV
no organismo e a presença do Treponema pallidum pode acelerar a evolução da infecção do
HIV para AIDS e colaborar, indiretamente, para o aumento da mortalidade. Além disso, no
caso específico da sífilis congênita, são altas as taxas de morbidade e mortalidade, podendo
chegar a 40% a taxa de abortamento, óbito fetal e morte neonatal.
As características clínicas da sífilis, com sua evolução crônica e períodos prolongados sem
sintomas ou em latência, a incidência crescente, a prevalência, a associação a outras IST e o
tratamento efetivo e de baixo custo para o sistema de saúde a transformam em um alvo
preferencial do rastreamento.
2. HIV positivo
4. Profissionais de sexo
Risco alto: exposição frequente e/ou intensa a situações de risco decorrentes das acima citadas, sem proteção
ou sob efeito de álcool ou drogas, em qualquer faixa de idade.
Risco moderado: idade ≥ 30 anos com exposição controlada a situações de risco decorrentes das acima
citadas ou todos com idade < 30 anos, sexualmente ativos sem risco alto.
No caso da Antonia, o diagnóstico da doença herpética, certamente adquirida por contato sexual
dentro do matrimônio, acende uma luz amarela para a possibilidade de seu marido ter-lhe
transmitido outras IST. A médica assistente poderia ter alertado para essa possibilidade,
explicado a necessidade dos exames e decidido em comum acordo com a paciente sobre a sua
realização. Isso tende a diminuir a resistência e a aumentar a adesão ao rastreamento.
A. Paciente com menos de 30 anos ou em risco moderado para a infecção, repetir testes a
cada 12 meses;
B. Paciente em risco alto, repetir a cada 6 meses;
C. Paciente HSH em uso de PrEP, repetir os exames de 3 em 3 meses.
Todos deve receber orientação preventiva, como o uso de preservativo em todas as relações
sexuais.
Confirmação diagnóstica
Vários testes laboratoriais estão disponíveis para o diagnóstico de sífilis tanto nas fases de
manifestação clínica quanto nos períodos assintomáticos ou latentes. Para fins de rastreio, os
testes laboratoriais úteis são aqueles que detectam anticorpos presentes no sangue de pacientes
assintomáticos ou sem sinais clínicos de doença ativa.
Em média, anticorpos contra a bactéria causadora da sífilis começam a aparecer no sangue
em torno de 15 a 20 dias após o surgimento da lesão primária (cancro) e podem perdurar por
anos, a depender da evolução natural e de tratamento. O Treponema pallidum promove o
aparecimento de dois tipos de anticorpos humanos: as reaginas (anticorpos inespecíficos IgM e
IgG contra cardiolipina), quantificadas nos testes não treponêmicos (TNT), e os anticorpos
específicos, dos testes treponêmicos (TT).
Os TNT usam a técnica de floculação para detectar a presença de anticorpos
anticardiolipina no plasma ou soro inativado. São TNT: VDRL (Venereal Disease Research
Laboratory), o mais usado, RPR (Rapid Test Reagin), USR (Unheated-Serum Reagin) e
TRUST (Toluidine Red Unheated Serum Test). Os anticorpos detectados são produzidos contra
a cardiolipina das células destruídas por ação das bactérias.
Estes testes são qualiquantitativos e apresentam sensibilidade que varia com o estágio de
evolução da sífilis: em média, 80% e 70%, nas fases primária e terciária, e 90% e 80%, na
secundária e latente. A partir da latente tardia e terciária o TNT tende a apresentar título muito
baixo ou negativo, independente de tratamento. A especificidade é estável e gira ao redor de
98%. Resultados falso-positivos podem ocorrer em casos de: idosos, portadores de doenças
autoimunes (lúpus eritematoso sistêmico e síndrome antifosfolipídica), malária, hanseníase,
hepatites, portadores de HIV, usuários de drogas, outras infecções bacterianas, vacinações e
gravidez. O risco de falso-positivos aumenta em pessoas que não estejam em situação de alto
risco para sífilis.
Os TT, por sua vez, detectam anticorpos específicos IgG e IgM contra antígenos do T.
pallidum. São especialmente úteis na sífilis tardia e latente, quando a sensibilidade dos TNT
declina. Permanecem reagentes durante toda a vida em aproximadamente 85% dos casos de
sífilis, independente de tratamento, e, portanto, não se prestam a acompanhar a eficácia da
terapia. De modo geral, os TT apresentam sensibilidade e especificidade altas, entre 98% e
100%, inclusive nas fases latentes, aquelas em que mais interessa rastrear.
Os TT mais usuais são o FTA-Abs (Fluorescent Treponemal Antibody Absortion) e os
testes imunoenzimáticos, incluindo ELISA (Enzyme-Linked Immunosorbent Assay),
quimioluminescência e eletroquimioluminescência, além dos testes de hemaglutinação (TPHA
– T. pallidum Haemagglutination Test), de aglutinação de partículas (TPPA – T. pallidum
particle agglutination assay) e de micro-hemaglutinação (MHA-TP – micro-haemagglutination
assay T. pallidum).
A Figura 1 ilustra a correlação dos TNT e TT com a história natural da sífilis não tratada.
Conforme se pode observar, os títulos de TNT podem decair ao longo do tempo, mesmo em
casos de infecção ativa. É importante destacar também que após tratamento adequado, espera-
se queda de, no mínimo, quatro títulos nos TNT, sendo a sua elevação subsequente um forte
indicativo de nova infecção por sífilis.
FIGURA 1 Desempenho dos testes laboratoriais associados a cada fase da sífilis não tratada. Fonte:
modificado de Brasil, 2006.
Objetivos do tratamento
Dentre outras curiosidades históricas da sífilis, o T. pallidum foi uma das primeiras
bactérias a se mostrar sensível à penicilina, antibiótico pioneiro descoberto no início do século
XX. Ao contrário do que em geral ocorre na relação entre bactérias e antibióticos, com os
microrganismos se tornando resistentes aos agentes químicos, a sensibilidade do treponema
permanece praticamente a mesma, passados quase 100 anos. Mesmo antibióticos mais recentes
(doxiciclina e ceftriaxona), apesar de eficazes, não se mostraram superiores à penicilina.
As diretrizes terapêuticas atuais preconizadas pelo MS para o tratamento de sífilis,
incluindo as formas latentes, precoce e tardia, são reproduzidas sumariamente a seguir:
1. Sífilis primária, secundária e latente recente (com menos de dois anos de evolução):
– Benzilpenicilina benzatina 2,4 milhões UI, IM, dose única (1,2 milhão UI em cada
glúteo).
– Alternativa: doxiciclina 100 mg, 12/12h, VO, por 15 dias.
2. Sífilis latente tardia (com mais de dois anos de evolução) ou latente com duração
ignorada e sífilis terciária:
– Benzilpenicilina benzatina 2,4 milhões UI, IM, semanal (1,2 milhão UI em cada glúteo)
por 3 semanas. Dose total: 7,2 milhões UI, IM.
– Alternativa: doxiciclina 100 mg, 12/12h, VO, por 30 dias.
Não é objeto deste texto a abordagem diagnóstica e terapêutica dos casos de neurossífilis e
sífilis na gestação ou congênita, por se tratar de assuntos que necessitam de avaliação de
especialistas.
A experiência com o tratamento da sífilis remonta a muitas décadas. A sua eficácia já está,
portanto, suficientemente comprovada. Os possíveis efeitos adversos graves para a saúde são
muito raros. A probabilidade de ocorrência de reação anafilática à benzilpenicilina benzatina,
por exemplo, que é um receio comum entre profissionais de saúde, é de 0,002%, ou seja, de 2
casos a cada 100.000 tratamentos. De modo geral, o principal inconveniente é a dor no local de
injeção intramuscular, que pode ser evitada pela aplicação prévia de anestésico local.
Em resumo, existe suficiente e convincente evidência de que o tratamento antibiótico traga
benefícios substanciais a pessoas portadoras de sífilis. A cura desta IST previne a evolução
para manifestações clínicas mais tardias e agressivas e interrompe a sua cadeia de transmissão.
Os riscos do rastreamento são mínimos, sendo os mais comuns a ansiedade e a estigmatização,
que podem ocorrer em consequência de infrequentes resultados falso-positivos.
Há boas chances de que o rastreamento de sífilis resulte em benefícios para Antonia. Se ele se
mostrar negativo, será certamente um alívio. Caso contrário, apesar do desgaste psicossocial
possível, o tratamento a ser introduzido deverá resultar em cura. Lembra-se que, em qualquer
situação, é importante que o marido da paciente também seja solicitado a rastrear essa e outras
IST.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a colaboração do Prof. Dr. Olavo Henrique Munhoz Leite pela
cuidadosa leitura do texto e sugestão de melhorias, e do Dr. Guilherme de Abreu Pereira pela
revisão bibliográfica inicial do assunto.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. Cantor AG, Pappas M, Daeges M, Nelson HD. Screening for syphilis: updated evidence report and
systematic review for the US Preventive Services Task Force. JAMA. doi:10.1001/jama.2016.4114.
2. US Preventive Services Task Force (USPSTF). Screening for syphilis infection in nonpregnant adults and
adolescents: US Preventive Services Task Force Recommendation Statement. JAMA. 2016;315(21):2321-7.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância da Saúde. Sífilis 2020. Boletim Epidemiológico.
Número especial, Out. 2020.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual técnico para diagnóstico da sífilis.
Brasília: Ministério da Saúde; 2016.
5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para
atenção integral às pessoas com infecções sexualmente transmissíveis (IST). Brasília: Ministério da Saúde;
2018.
2.22
Sobrepeso e obesidade
PONTOS-CHAVE
A OMS estima em 2,4 bilhões o número de obesos no mundo e os gastos anuais com doenças
e perda de produtividade, causadas ou agravadas pela obesidade, em aproximadamente US$ 2
trilhões (cerca de 2 a 8% do PIB anual mundial).
Métodos de alta tecnologia, em que pesem a sua disponibilidade e alta acurácia, não são
adequados para rastreamento de sobrepeso e obesidade; para isso, medidas simples de peso,
altura e circunferência abdominal são mais efetivas.
Intervenções comportamentais (estímulo à atividade física e alimentação saudável), que
resultem em perda ponderal de 5% a 10% do peso inicial, são medidas capazes de reduzir a
morbidade associada ao sobrepeso e à obesidade.
As opções de intervenção e tratamento para sobrepeso e obesidade incluem: aconselhamento
comportamental, individual ou coletivo, tratamento clínico, ambulatorial ou em clínica
especializada, e cirurgia bariátrica (ou metabólica).
Lúcia é uma jovem atriz de 25 anos que precisa de um atestado médico para poder iniciar os
ensaios diários de uma peça de teatro. A produção deve envolver grande esforço físico do elenco
por vários meses. Ao médico, ela nega qualquer sintoma, mas refere que seus pais e o irmão
mais velho são obesos, hipertensos e diabéticos. Ao exame, ela apresenta 77 kg de peso, 1,60 m
de altura, 92 cm de circunferência abdominal e uma adiposidade homogeneamente distribuída
pelo corpo.
Prevalência mundial
Entre 1980 e 2008, a prevalência de obesidade, no mundo, saltou de 13% a 24%. Em 2019,
a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou em 2,4 bilhões o número de pessoas obesas
no planeta. O gasto anual estimado da obesidade, relacionado a custos diretos com saúde-
doença e perda (indireta) de produtividade, é de cerca de 2 trilhões de dólares. Isso equivale a
2-8% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, equivalendo, grosseiramente, ao que se gasta
com as repercussões do tabagismo, violência armada e guerras.
Prevalência no Brasil
Além disso, sobrepeso e obesidade são associados a menor qualidade de vida devido a
estigma social, rotulagem, possibilidade de discriminação laboral e mobilidade reduzida. O
rastreamento teria, portanto, a finalidade de interromper, controlar ou reverter o acúmulo de
gordura no organismo, proporcionar um ganho de qualidade de vida através da promoção da
saúde e prevenir doenças incapacitantes e morte prematura.
A detecção precoce do acúmulo de gordura corporal em níveis logo acima dos seus valores
de referência normais (sobrepeso inicial) permite que intervenções possam ser aconselhadas e
adotadas, em fases preliminares, antes que sejam atingidas situações avançadas ou que doenças
já tenham se manifestado clinicamente.
As evidências científicas têm indicado que a circunferência abdominal (CA) talvez seja o
indicador de adiposidade intra-abdominal e corporal total que melhor se relaciona com as
alterações metabólicas e comorbidades que podem comprometer a saúde. A OMS recomenda
medir o maior perímetro abdominal entre a última costela e a espinha ilíaca anterossuperior.3 A
I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica, entretanto,
recomenda medir no ponto médio entre a última costela e a espinha ilíaca anterossuperior.
Tal método também é sugerido na Norma Técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e
Nutricional do Ministério da Saúde sobre as orientações para a coleta e análise dos dados
antropométricos em serviços de saúde, no qual o mesmo é descrito em seis passos:
1º passo: A pessoa deve estar de pé, ereta, abdome relaxado, braços estendidos ao longo do corpo e as
pernas paralelas, ligeiramente separadas.
2º passo: A roupa deve ser afastada, de forma que a região da cintura fique despida. A medida não deve
ser feita sobre a roupa ou cinto.
3º passo: O antropometrista deve realizar uma marcação pequena a caneta no ponto médio entre a borda
inferior da última costela e o osso do quadril (crista ilíaca), visualizado na frente da pessoa, do lado
direito ou esquerdo.
4º passo: O antropometrista deve segurar o ponto zero da fita métrica com uma mão e com a outra passar
a fita ao redor da cintura sobre a marcação realizada.
5º passo: Deve-se verificar se a fita está no mesmo nível em todas as partes da cintura; não deve ficar
larga, nem apertada.
6º passo: Pedir à pessoa que inspire e, em seguida, que expire totalmente. Realizar a leitura IMEDIATA
antes que a pessoa inspire novamente.
A discordância entre as duas medidas de obesidade, IMC e CA, foi descrita em crianças e
jovens brasileiros: 5,8% dos meninos não obesos, conforme o IMC, apresentaram CA
aumentada, enquanto 10,6% dos meninos com o IMC na faixa de obesidade não seriam assim
classificados pela medida da CA. Segundo outro estudo, em adultos, a prevalência de
obesidade central foi maior do que a de obesidade definida pelo IMC (36% vs. 22,9%). Em
idosos, embora a frequência de obesidade pelo IMC fosse semelhante entre homens e mulheres,
a obesidade por CA foi cerca de 2 vezes mais elevada em mulheres. Tudo isso aponta para a
necessidade do uso concomitante de IMC e CA no rastreamento da obesidade.
Os níveis de adiposidade para homens e mulheres definidos pela CA estão descritos na
Tabela 2. As alterações metabólicas de maior relevância clínica ocorrem com níveis de
adiposidade classificados como “alto” ou “muito alto”.
Médio 81 a 83 91 a 93
Alto 84 a 88 94 a 102
O IMC de Lúcia foi calculado em 30,07 kg/m2, o que a coloca no início da faixa de obesidade grau
1. A CA de 92 cm indica um acúmulo muito alto de gordura no abdome, que pode vir a
representar maior risco de doença cardiovascular, no futuro. Por ser jovem, a sua condição geral
de saúde atual deve ser boa e a atividade física que vai exercer nos próximos meses ajudará a
controlar seu peso. Mas é importante não esquecer de enfatizar os benefícios da alimentação
saudável, também.
Medir sempre
Os impactos positivos do rastreamento devem ser mais evidentes se o diagnóstico for feito
antes que complicações clínicas estejam presentes (ainda em nível de sobrepeso),
principalmente em pessoas mais jovens e mais motivadas a fazer do controle do peso uma
prioridade da sua saúde. Os riscos, que incluem o diagnóstico de falso-positivos e a
estigmatização social, desde que adequadamente abordados por profissionais de saúde
devidamente capacitados, são pequenos e não se contrapõem, em relevância, aos benefícios
esperados do rastreamento.
A abordagem para uma alimentação saudável talvez seja o ponto de impacto na saúde mais
importante da consulta de Lúcia, embora ela tenha vindo apenas pedir um atestado. Perguntar
detalhes sobre o seu hábito alimentar, aconselhar o que é saudável e nutritivo, negociar dietas
saborosas sem muitas calorias, já são uma intervenção por si só. Junto com a atividade física,
essas atitudes podem ajudá-la a melhorar o seu nível de saúde. Isso importa, mesmo que ela
decida que perder peso não é uma prioridade, que se sinta bem como está e que prefira
continuar assim.
O guia alimentar
O Brasil é um dos poucos países do mundo a ter desenvolvido um guia alimentar que
promove dietas ambientalmente sustentáveis, com padrões alimentares seguros, de boa
qualidade, que valorizam a saúde humana e o bem-estar, a equidade social e que respaldam os
desafios às mudanças climáticas. O Guia Alimentar para a População Brasileira (2014), cujos
principais pontos de interesse para uma alimentação saudável são resumidos no Quadro 1,
contém informações e dados que podem ajudar na abordagem preventiva do sobrepeso e da
obesidade.
8. Planejar o uso do tempo para dar à alimentação e às refeições o espaço que elas merecem.
9. Dar preferência, quando fora de casa, a locais que servem refeições feitas na hora.
10. Ser crítico de informações, orientações e mensagens da mídia geral sobre alimentação.
Visando à perda de peso, espera-se que o balanço energético (diferença entre o consumo e o
gasto calórico) seja negativo, o que pode ser alcançado por meio de uma dieta efetiva e
atividade física regular. Por dieta efetiva, entende-se qualquer conjunto de alimentos de baixo
conteúdo calórico total, independente da sua composição. Atividade física regular representa,
no mínimo, 150 a 250 minutos de exercícios aeróbios, de intensidade pelo menos moderada,
executados com regularidade e divididos ao longo da semana. Acredita-se que a redução de 5%
a 10% do peso inicial já implica em redução do risco de morbidade associada ao sobrepeso e à
obesidade.
Tratamento farmacológico
Cirurgia bariátrica
A última etapa de tratamento, por meio das cirurgias chamadas bariátricas ou metabólicas,
é reservada para pacientes com IMC acima de 40 kg/m2 ou entre 35 e 39,9 kg/m2 com
múltiplas comorbidades associadas à obesidade avançada, e que não responderam
adequadamente às tentativas de intervenção preventiva e terapêuticas clínicas. Esses
procedimentos podem provocar grandes perdas ponderais e têm sido aprimorados para evitar
seus inúmeros efeitos colaterais, a saber: síndromes disabsortivas com anemias carenciais,
hipovitaminoses, alterações do metabolismo ósseo, além de complicações perioperatórias.
Diante das várias opções voltadas à perda e controle de peso, que envolvem abordagens
preventivas e tratamentos clínicos e cirúrgicos (mesmo com resultados variáveis de umas ou
outras), o impacto do rastreamento para a saúde pode ser considerado positivo. Nessa linha, a
CTFPHC recomenda, desde 2015, o cálculo do IMC de adultos da população geral, sem
distúrbios alimentares, em todas as consultas de atenção primária à saúde; e intervenção
comportamental para os indivíduos rastreados positivamente com sobrepeso ou obesidade. A
USPSTF não tem recomendação direta para rastreamento de obesidade em adultos, mas,
indiretamente, recomenda intervenção multidisciplinar para pessoas com IMC ≥ 30 kg/m2.
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Dr. Paulo Roberto Correa Hernandes pela
cuidadosa leitura do texto e sugestão de melhorias.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. CTFPHC – Canadian Task Force on Preventive Health Care. Obesity in adults (2015).
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/obesity-in-adults/. Acesso: Julho de 2021.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Orientações para coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde.
Norma técnica do sistema de vigilância alimentar e nutricional – SISVAN. http://www.saude.gov.br/bvs.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Fascículo 1. Protocolos de uso do guia alimentar para a população brasileira na
orientação alimentar: bases teóricas e metodológicas e protocolo para a população adulta [recurso eletrônico].
Brasília: Ministério da Saúde; 2021.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar
para a população brasileira. 2. ed.– Brasília: Ministério da Saúde; 2014.
5. Brasil. Ministério da Saúde. 29 - Cadernos de Atenção Primária: Rastreamento. Brasília: Ministério da Saúde;
2010.
6. Favarato D. Obesidade, gordura corporal e desfecho cardiovascular: Além do índice de massa corporal. Arq
Bras Cardiol. 2021;116(5):887-8.
7. ABESO. Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica. Diretrizes brasileiras
de obesidade. 4. ed. Marcio C. Mancini (coordenador). São Paulo: ABESO; 2016.
8. Swinburn BO, Kraak VI, Allender S, Atkins VJ, Baker PI, Bogard JR, et al. The global syndemic of obesity,
undernutrition, and climate change: The Lancet Commission report. The Lancet. 2019;393:791-846.
9. Carvalho DF, Daher G. Obesidade. In: Martins MA (ed.). Manual do residente de clínica médica. 2. ed.
Barueri: Manole; 2020. p: 282-6.
10. Querido CN, Santos CD, Tunala RG, Germani ACCG, Oliveira AAP, Ferreira Jr. M. Aconselhamento em
promoção da saúde. In: Nunes MPT, et al. (eds.). Medicina interna ambulatorial: principais desafios com
casos clínicos comentados. Rio de Janeiro: Editora Atheneu; 2019. p. 59-66.
11. Powell-Wiley TM, Poirier P, Burke LE, et al. Obesity and cardiovascular disease: A scientific statement from
the American Heart Association. Circulation. 2021;143:e984-e1010.
12. Perreault L. Obesity in adults: Drug therapy. https://www.uptodate.com/contents/obesity-in-adults-drug-
therapy?
search=semaglutide%20efeitos%20colaterais&source=search_result&selectedTitle=2~21&usage_type=defau
lt&display_rank=2#H3754676582. Acesso: Julho de 2021.
13. USPSTF – United States Preventive Services Task Force. Behavioral weight loss interventions to prevent
obesity-related morbidity and mortality in adults. US Preventive Services Task Force Recommendation
Statement. JAMA. 2018;320(11):1163-71.
2.23
Violência doméstica contra mulher
PONTOS-CHAVE
Violência contra mulheres é um grave problema de saúde pública capaz de provocar danos
físicos, psíquicos e sociais, agudos e crônicos, e culminar com o feminicídio.
Agressões graves e feminicídio são precedidos, muitas vezes por anos, de incidentes de
variável gravidade ou da busca velada por ajuda, inclusive de profissionais da saúde.
No Brasil, a Lei Maria da Penha estabelece os critérios e ações para evitar, detectar e dar
suporte às mulheres vítimas de violência, assim como para punir os agressores.
As dimensões de violência contra a mulher previstas na legislação brasileira (física, psíquica,
sexual, patrimonial e moral) devem ser objeto do rastreamento.
O rastreamento só se justifica se houver a garantia de encaminhamento da vítima aos serviços
especializados para apoio e salvaguarda da sua segurança.
Rastrear violência doméstica em mulheres entre 18 e 50 anos de idade, que não se queixam
espontaneamente do problema.
Sondar, inicialmente, a presença de fatores de risco (Tabela 1).
Informar a paciente da finalidade e dos desdobramentos possíveis do rastreamento e decidir,
em conjunto, sobre a sua execução.
Em caso afirmativo, aplicar o questionário HARK de 4 perguntas.
Desencadear todo o apoio médico, psicossocial, policial e legal necessário à paciente cujo
rastreamento foi positivo.
Repetir o rastreio periodicamente em caso de persistência dos fatores de risco e suspeita de
falso-negativo.
Floripes é uma cuidadora de idosos de 48 anos. Há 5 anos, foi morar com um novo companheiro
em uma comunidade carente da zona sul de São Paulo. Neste último ano, procurou várias vezes
um pronto-socorro (PS) com queixas de ansiedade, depressão, sono inconsistente, dores pelo
corpo e forte dor de estômago. Na última ida ao PS, foi abordada por uma assistente social.
Durante a conversa, ela se mostrou triste, desanimada, evasiva e, resignada, sussurrou que seu
relacionamento não estava bom. Contou ainda que tinha sido abusada quando criança e, por
isso, era medrosa (sic).
A violência doméstica contra mulheres é um problema grave de saúde pública. Além dos
óbvios efeitos imediatos, como lesões físicas ou morte (feminicídio), existem inúmeras outras
consequências de longa duração para a saúde, como: distúrbios mentais (depressão, síndrome
de estresse pós-traumático, ansiedade, abuso de substâncias, comportamento suicida), infecções
sexualmente transmissíveis, gravidez não desejada, dor crônica e incapacidades. Durante a
gravidez, a violência pode acarretar abortamento, prematuridade e baixo peso fetal, além de
doenças mentais e hospitalização da mãe e do bebê.
Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que, em todo o mundo, até
35% das mulheres já foram alvo de algum tipo de violência física ou sexual, a maioria
perpetrada pelo próprio companheiro. Cerca de 38% dos feminicídios foram cometidos por
parceiros íntimos masculinos.
No Brasil, a violência contra a mulher é considerada crime. A Lei n. 11.340, de 7 de agosto
de 2006 e suas modificações posteriores, mais conhecida como “Lei Maria da Penha”,
estabelece os critérios e ações para evitar, detectar e dar suporte às mulheres vítimas de
violência, assim como para punir agressores. Há 5 tipos diferentes de violência contra a mulher
passíveis de enquadramento nos termos da legislação vigente:
1. Violência física: qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher.
2. Violência psicológica: qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da
autoestima, prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher, ou vise a degradar
ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões.
3. Violência sexual: qualquer conduta que constranja a presenciar, manter ou participar de
relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força.
4. Violência patrimonial: qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição
parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens,
valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas
necessidades.
5. Violência moral: qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Pesquisa do Instituto DataSenado, publicada em 2016, indicou que 18% das mulheres
brasileiras entrevistadas afirmaram terem sido vítimas de algum dos 5 tipos de violência acima
citados no ambiente doméstico. Dados dessa pesquisa indicam, ainda, que a taxa de homicídios
no país cresceu 12,5% entre 2006 e 2013 e, somente em 2013, foram registrados 4.762
feminicídios, ou seja, uma média de 13 assassinatos por dia. Segundo essa pesquisa, existem
diferenças significativas entre os estados da federação.
Alguns fatores conhecidos elevam o risco de ocorrência de violência contra a mulher. A
Tabela 1 reúne os mais comuns ligados às vítimas e aos agressores.
4. Você foi agredida por chute, tapa ou soco, ou machucada fisicamente pelo 1 0
seu parceiro ou ex-parceiro?
A USPSTF considera que há evidências suficientes e adequadas de que esse, entre outros
questionários, tem uma boa capacidade de rastrear violência contra a mulher. Um estudo inglês,
por exemplo, apontou que, usando como parâmetro de positividade do rastreamento pelo
menos uma resposta “sim” dada ao questionário, a sensibilidade do HARK foi estimada em
81%, a especificidade em 94%, o valor preditivo positivo em 84% e o valor preditivo negativo
em 94%, no grupo de mulheres recrutadas.
Por outro lado, poucas evidências existem sobre eventuais prejuízos decorrentes do uso do
questionário de rastreamento. Se algum risco de efeito negativo existir, ele pode ser
considerado, com base nas evidências científicas disponíveis, no máximo, pequeno.
Mesmo assim, um rastreamento cujo resultado se mostre falso-negativo ou falso-positivo
pode se converter em problema concreto no futuro. Sabendo se tratar de assunto que envolve
aspectos extremamente íntimos da vida das pessoas, envolto por questões pessoais, sociais,
educacionais, religiosas, financeiras, emocionais e outras, é de suma importância que, antes de
aplicar o questionário, médico(a) e paciente conversem sobre a finalidade desse procedimento e
seus desdobramentos.
O rastreamento pode ganhar em sensibilidade e valor preditivo quando fatores incluídos na
Tabela 1 estão presentes. Mas a decisão compartilhada sobre rastrear ou não rastrear violência
de parceiro íntimo, talvez mais do que para outros problemas ou doenças, é um passo
preliminar de relevância fundamental para a paciente.
Floripes parece se encaixar entre as mulheres que tendem a esconder as agressões do parceiro.
O rastreamento pode jogar uma luz sobre essa situação e, uma vez que o fato seja bem
trabalhado, abrir caminhos para uma possível melhoria da sua futura qualidade de vida. Mas para
isso ela deve ser bem amparada e preparada para as futuras decisões.
SOBRE A INTERVENÇÃO E A PREVENÇÃO
Vale lembrar que, no caso específico de rastreamento de violência sexual (resposta “sim”
para a pergunta 3 do questionário), outros rastreamentos de infecções sexualmente
transmissíveis podem ser considerados, a saber: HIV, hepatite B, hepatite C e sífilis.
Assim como para os métodos de rastreamento, a USPSTF afirma que, se algum risco existir
com a adoção das medidas de intervenção, ele pode ser considerado pequeno. Segundo a
entidade estadunidense, as intervenções mais efetivas são aquelas com enfoque abrangente da
questão da violência doméstica e que incluam o suporte psicossocial, aconselhamento e visitas
domiciliares.
Principalmente pelo risco de violência fatal e das implicações policiais e judiciais, é
fundamental que o rastreamento só seja executado quando se tenha garantia do
encaminhamento e acesso da vítima às intervenções e serviços especializados para apoio e
salvaguarda da sua segurança. A integração entre prestadores de serviços de saúde, sociais e
jurídicos parece fundamental para este fim.
Ainda antes de ser submetida ao questionário, Floripes quis saber o que fariam depois com ela e
o parceiro, pois, segundo palavras dela mesma, “não queria mais dor de cabeça do que já tinha
na vida”.
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a colaboração do Prof. Dr. Renério Fráguas Júnior pela cuidadosa
leitura do texto e sugestão de melhorias.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. United States Preventive Services Task Force. Intimate partner violence, elder abuse, and abuse of vulnerable
adults: Screening, 2018. https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/intimate-
partner-violence-and-abuse-of-elderly-and-vulnerable-adults-screening. Acesso: Março de 2021.
2. Sohal H, Eldridge S, Feder G. The sensitivity and specificity of four questions (HARK) to identify intimate
partner violence: a diagnostic accuracy study in general practice. BMC Fam Pract. 2007;8:49.
3. Organização Panamericana de Saúde – OPAS. Folha informativa – Violência contra a mulher. 2017.
https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5669:folha-informativa-
violencia-contra-as-mulheres&Itemid=820. Acesso: Março de 2021.
4. Brasil. Senado Federal. Observatório da Mulher contra a Violência. Panorama da violência contra as
mulheres no Brasil [recurso eletrônico]: indicadores nacionais e estaduais. N. 1 (2016).
5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Violência intrafamiliar: orientações para prática
em serviço. Série Cadernos de Atenção Básica; n. 8 – Série A. Normas e Manuais Técnicos; n. 131, 96 p.
6. Brasil. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em: Março de 2021.
1
Dados epidemiológicos recentes apontam para uma queda da incidência de AAA em vários países, reputada à
queda da prevalência do tabagismo.
1
PSOF é um teste químico-colorimétrico no qual o guaiaco é usado para colorir uma amostra de fezes sempre que
um grupo heme de hemoglobina for encontrado.
2
Alguns estudos com modelagem estatística sugerem que a associação da retossigmoidoscopia com FIT-PHHF
reduz a mortalidade por CRC em níveis semelhantes à colonoscopia.
1
A sensibilidade do teste repetido a cada 3 anos é praticamente a mesma da periodicidade anual adotada no
passado.
2
Testes para detecção de hrHPV são contraindicados abaixo de 30 anos, pois as infecções por esse vírus, na faixa
etária mais jovem, são comuns e na sua grande maioria autolimitadas.
1
Vale lembrar que abaixo dos 50 anos de idade a mamografia perde muito em sensibilidade. Nesse caso, alguns
autores recomendam a ultrassonografia, que é mais sensível inclusive em pessoas com maior densidade mamária.
1
O escore de Gleason consiste na graduação da neoplasia da próstata de acordo com os achados histopatológicos de
fragmentos retirados do órgão por punções-biópsias. Na prática, os tumores são classificados como de baixo risco
(Gleason 6 ou menor), risco intermediário (Gleason 7) e risco alto ou muito alto (Gleason 8 a 10).
2
Vigilância ativa consiste no simples acompanhamento do comportamento tumoral, por meio de exames
laboratoriais, histo-patológicos e de imagem, sem que qualquer intervenção terapêutica direta seja feita ao longo
do tempo, caso o mesmo não exiba sinais de mudança (crescimento ou invasão).
1
Nesta informação do MS, foi considerado abusivo o consumo de 4 ou mais doses, para mulheres, e 5 ou mais
doses, para homens, em uma mesma ocasião, dentro dos últimos 30 dias, conforme pesquisa telefônica (VIGITEL
2018).
2
Limites mais seguros são aqueles de até 1 dose-padrão diária, para mulheres, e 2 doses-padrão diárias, para
homens, ou seus equivalentes semanais: 7 para mulheres e 14 para homens. A dose-padrão de álcool e o
equivalente nas bebidas comercializadas estão exemplificados no Quadro 1.
3
O possível efeito protetor do álcool em baixas doses contínuas não implica na sua recomendação como estratégia
de prevenção para pessoas previamente abstinentes, por algumas razões: 1. evitar o desencadeamento de consumo
excessivo, no futuro; 2. o efeito protetor não se estende, necessariamente, a todas as doenças e problemas causados
ou agravados pelo álcool; 3. mesmo doses baixas podem precipitar acidentes de trânsito.
4
A sensibilidade e a especificidade indicadas foram estimadas com base em um valor limite de corte de 8.
1
Do inglês, years lived with disability (YLD).
2
O suicídio é a segunda maior causa de óbitos entre pessoas de 15 a 29 anos.
3
As perguntas 1 e 2 constituem, isoladamente, o PHQ-2.
1
Não há recomendação sobre o uso de glicosímetro e fitas para a estimativa da glicemia em gota de sangue capilar
como método de rastreamento.
1
As fórmulas de Martin ou de Friedewald são artifícios usados para determinar a concentração da fração de LDL a
partir do CT, HDL e TG, sem necessidade de mensuração laboratorial direta.
1
A HA pode ser primária ou essencial, quando nenhuma causa subjacente for detectada com certeza (responsável
por 95% dos casos de HA), ou secundária a, por exemplo: estenose de artéria renal, hiperaldosteronismo primário,
insuficiência renal, coarctação de aorta etc.
2
MRPA (medidas residenciais de pressão arterial) são obtidas, pelo próprio paciente ou alguém próximo, no
contexto dos seus hábitos de vida normal, usando esfigmomanômetros braquiais convencionais ou de pulso.
MAPA (medidas ambulatoriais de pressão arterial) são obtidas por meio de dispositivo automático, instalado em
clínica ou laboratório, que executa as aferições e registra os níveis pressóricos durante 24 horas (incluindo as horas
de sono).
1
A pandemia de Covid-19 alterou esse panorama a partir de 2020.
2
Uma pessoa com TB pulmonar, se não tratada, pode infectar de 5 a 15 outras pessoas próximas, ao longo de um
ano.
1
O SUS disponibiliza gratuitamente o teste de HIV, sífilis e das hepatites B e C. Há Unidades Básicas de Saúde
(UBS) da rede pública ou Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA) onde os testes podem ser feitos de
maneira anônima e o usuário pode receber aconselhamento sobre a interpretação dos resultados. Além da rede de
serviços de saúde, é possível fazer o teste de HIV por meio de uma Organização da Sociedade Civil no Programa
Viva Melhor Sabendo.
1
Exemplos de calculadoras incluem: os escores de risco de DCV de Framingham, Reynolds, SCORE e o
QRISK/JBS3.
2
Esta recomendação está em processo de atualização pela USPSTF desde julho de 2020.
1
Vale lembrar que a administração do alendronato é limitada a 5 anos, pois o seu uso prolongado parece estar
associado a osteonecrose de maxila e mandíbula e com fraturas atípicas femorais de baixa energia. Há descrições
de casos semelhantes, também, com ácido zoledrônico e risedronato de sódio.
1
Na sequência tradicional, um primeiro TNT (p.ex., VDRL) é seguido de um TT (p.ex., FTA-Abs). Na sequência
reversa, um primeiro TT automatizado (p.ex., ELISA) é seguido de TNT (p.ex. VDRL) e, em caso de discordância
entre ambos, preconiza-se um segundo TT com antígeno diferente do primeiro.
1
Sobrepeso designa qualquer aumento de gordura corporal acima de valores de referência normais, enquanto que
por obesidade entende-se o acúmulo excessivo, a partir de certo limite, dentro da faixa de sobrepeso (Tabela 1).
2
A pandemia de COVID -9 revelou a obesidade como um fator de risco adicional para pior evolução clínica e
maior mortalidade de infectados pelo vírus SARS-CoV-2.
3
A medida da CA é efetuada com a pessoa em pé, ereta, abdome despido e relaxado, braços estendidos ao longo do
corpo e as pernas paralelas ligeiramente afastadas; uma pequena marca a caneta deve ser feita, à direita ou
esquerda, no ponto por onde será passada a fita métrica pela antropometria; a fita deve se ajustada no mesmo nível
ao redor de toda a circunferência abdominal, nem folgada nem apertada; a leitura deve ser feita ao final da
expiração normal.
4
Em 2021, o Supremo Tribunal Federal do Brasil decidiu contra a autorização de uso dos medicamentos citados:
sibutramina, fenproporex, mazindol, anfepramona.
5
O topiramate é muito usado nos Estados Unidos da América.
3
O que não convém rastrear e por quê
Vários procedimentos de rastreamento, alguns dos quais muito procurados por pacientes e
praticados frequentemente por médicos, não encontram respaldo científico suficientemente
robusto para serem recomendados. Ao contrário, as evidências científicas existentes apontam
no sentido de que não devem ser incluídos em rastreamentos médicos de rotina, pois os riscos
de causar algum tipo de dano ao bem-estar físico, psíquico ou social das pessoas superam os
potenciais benefícios esperados.
O fato de um exame indicado com finalidade preventiva poder não beneficiar ou até
prejudicar a saúde de alguém é uma constatação de difícil entendimento e aceitação, tanto da
parte de pacientes quanto de médicos acostumados com a ideia de que “prevenir é sempre
melhor do que remediar”. Mas é fato que, dentro da lógica da medicina baseada em evidências,
diagnosticar doenças em fase pré-clínica nem sempre é sinônimo de prevenir.
Estudos mostram que fatores ligados à própria doença, aos exames de rastreamento em si,
às intervenções de tratamento ou controle, às condições prévias de saúde da pessoa examinada,
ou até a crenças ou aspectos éticos, acabam por inviabilizar a recomendação de certos
procedimentos de rastreio para a população geral. Podem somar-se a esses fatores, ainda,
peculiaridades epidemiológicas e sociais regionais relevantes.
A seguir, são apresentadas doenças e outros problemas de saúde para os quais
procedimentos preconizados para rastreamento foram estudados quanto à sua efetividade
clínica e os seus resultados publicados na literatura científica. Porém, análises sistemáticas ou
meta-análises desses estudos revelam que, até o momento, essas condições clínicas não devem
ser incluídas em check-ups médicos de rotina. As razões gerais que embasam as
recomendações negativas são citadas.
BACTERIÚRIA ASSINTOMÁTICA
A DAC é doença de alta incidência, prevalência, morbidade e uma das maiores causas de
mortes precoces no Brasil. Os mais importantes fatores de risco para DAC são: idade avançada,
hipertensão arterial, diabete melito, hipercolesterolemia, tabagismo, obesidade, sedentarismo e
antecedente de DAC em parente direto não idoso.
Eletrocardiograma de repouso (ECG) ou teste ergométrico (TERG) são tentativas comuns
usadas para detectar DAC em indivíduos assintomáticos. Porém, a baixa sensibilidade e
especificidade de ambos eleva o risco de diagnósticos incorretos que podem induzir novos
exames, intervenções invasivas e tratamentos desnecessários.
Em pacientes de baixo risco para DAC (determinado, por exemplo, pelo algoritmo Pooled
Cohort Equations ou pela Calculadora para Estratificação de Risco Cardiovascular da
Sociedade Brasileira de Cardiologia), as intervenções de tratamento mais comuns para DAC
pré-sintomática são mudanças de estilo de vida e controle de comorbidades. Segundo as
evidências científicas disponíveis, é improvável que os benefícios do rastreamento de pacientes
assintomáticos por ECG ou TERG superem os eventuais riscos decorrentes de intervenções e
tratamentos indevidos.
O rastreamento de DAC (e seus desdobramentos) em pacientes em situação de risco
moderado ou alto ainda não foi suficientemente estudado. Da mesma forma, não está bem
determinado o balanço entre benefícios e riscos resultante de outros exames que vêm sendo
usados para rastrear DAC incipiente, como ecocardiograma ou cintilografia com estresse e
angiotomografia de coronária com determinação do escore de cálcio.
O rastreamento de doença arterial coronariana (DAC), por meio de ECG ou TERG, não é
recomendado para pacientes assintomáticos da população geral. O uso de outros exames
de rastreamento ainda não foi devidamente estudado. A ação preventiva deve focar os
fatores de risco para doença cardiovascular.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/cardiovascular-disease-
risk-screening-with-electrocardiography
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/impaired-visual-acuity-
screening-older-adults
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/impaired-vision/
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/obstructive-sleep-apnea-
in-adults-screening
Câncer de bexiga
Os principais fatores de risco para tumor maligno de bexiga são: tabagismo, exposição
ocupacional (p. ex., corantes químicos, fabricação de borracha), sexo masculino, idade
avançada, antecedente familiar ou pessoal de câncer de bexiga. O rastreamento se faz,
basicamente, pelo exame de urina para detecção de hematúria ou células anormais no
sedimento. Cirurgia, radioterapia, quimioterapia, terapia biológica ou fotodinâmica são opções
viáveis de tratamento. Entretanto, até o momento, há dúvidas quanto à capacidade desses
procedimentos de reduzir a morbimortalidade por câncer de bexiga.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/bladder-cancer-in-adults-
screening
Câncer de boca
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/oral-cancer-screening
Câncer de pele
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/skin-cancer-screening
Deficiência de vitamina D
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/vitamin-d-deficiency-
screening
Pessoas não hospitalizadas nem institucionalizadas acima de 65 anos de idade, sem sinais
ou sintomas de distúrbios cognitivos, seriam o público-alvo do rastreamento. Existem inúmeros
questionários para avaliar aspectos das funções cognitivas (p. ex., o Mini-Mental State
Examination e o Montreal Cognitive Assessment), assim como existem tratamentos
disponíveis, farmacológicos (inibidores de aceticolinesterase e memantina) e não
farmacológicos (p. ex., treinamento, estimulação e reabilitação cognitiva, exercícios físicos,
suporte social, psicoeducação, gestão do cuidado).
Até o momento, porém, os estudos disponíveis mostraram-se insuficientes para estabelecer
o balanço de benefícios e riscos desse rastreamento. Não se pode definir, portanto, quanto o
diagnóstico prévio às manifestações clínicas pode melhorar a qualidade de vida do paciente ou
modificar a história natural das manifestações demenciais.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/cognitive-impairment-in-
older-adults-screening
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/cognitive-impairment/
Os mais importantes fatores de risco para DAP são: idade avançada, hipertensão arterial,
diabete melito, hipercolesterolemia, tabagismo, obesidade e sedentarismo. A razão entre valor
da pressão arterial sistólica medida na altura do tornozelo e no braço é o meio mais comum de
rastrear sinais de DAP. Entretanto, essa manobra tem baixa sensibilidade e especificidade.
Aparentemente, a realização subsequente de exames de imagem pode expor o paciente aos
riscos dos materiais de contraste ou ainda de intervenções desnecessárias. Assim como nas
outras DCV de natureza ateromatosa, a prevenção é feita por medidas de estilo de vida e
controle adequado das comorbidades, que independem do diagnóstico pré-clínico da DAP,
propriamente dita.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/peripheral-artery-disease-
in-adults-screening-with-the-ankle-brachial-index
Doença celíaca
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/celiac-disease-screening
Doenças da tireoide
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/thyroid-dysfunction-
screening
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/asymptomatic-thyroid-dysfunction/
O exame pélvico (inspeção da genitália externa, toque vaginal, palpação bimanual, exame
especular e retovaginal) já foi preconizado, no passado, como parte obrigatória do exame físico
das mulheres, inclusive assintomáticas, durante avaliação médica de rotina. Exceto nos casos
de algumas doenças genitais específicas, a sua utilidade com finalidade preventiva em
mulheres não grávidas assintomáticas é considerada mínima. A sua acurácia, no diagnóstico de
tumores, doenças infecciosas, inflamatórias ou disfuncionais genitais, é indefinida.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/gynecological-conditions-
screening-with-the-pelvic-examination
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/pelvic-exam/
A FAc é uma condição cuja prevalência cresce significativamente a partir dos 65 anos de
idade. A sua detecção precoce, possível por meio de exame físico seguido de
eletrocardiograma, tem importância tanto no contexto do desempenho cardíaco quanto na
prevenção de tromboembolismo. O tratamento, portanto, visa o controle da arritmia em si e a
anticoagulação sanguínea. Porém, não existe evidência que comprove que o diagnóstico por
ECG de rastreamento, em pessoas assintomáticas, traga benefícios suplementares em relação
ao diagnóstico feito em outras circunstâncias, inclusive ao acaso.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/atrial-fibrillation-screening
Glaucoma
O glaucoma consiste na degeneração do nervo óptico causada, dentre outras, pelo aumento
da pressão intraocular. O diagnóstico pré-clínico pode ser feito pela medida da pressão ocular
(cuja maioria dos meios propedêuticos disponíveis na atenção primária tem baixa acurácia)
seguida de outros testes de confirmação. É discutível se o tratamento medicamentoso, por
laserterapia ou cirurgia consiga reduzir os impactos negativos da doença. Por outro lado, são
conhecidos os riscos dessas possibilidades de tratamento para os pacientes.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/primary-open-angle-
glaucoma-screening
Perda auditiva
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/hearing-loss-in-older-
adults-screening
Risco de suicídio
Suicídio ocorre em pessoas expostas a uma gama de fatores de risco e doenças mentais
prévias. Apesar da disponibilidade de vários questionários para rastrear o risco de suicídio em
adultos assintomáticos, a acurácia deles é heterogênea e faltam dados suficientes sobre os
resultados da sua aplicação na prática. O seu uso na atenção primária à saúde foi pouco
estudado e o balanço entre benefícios e riscos ainda não pôde ser determinado.
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/suicide-risk-in-
adolescents-adults-and-older-adults-screening
https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/recommendation/intimate-partner-violence-
and-abuse-of-elderly-and-vulnerable-adults-screening
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/topic_search_results?topic_status=P. Acesso: Julho
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strategies. Gerontologist. 2016 Apr;56 Suppl 2(Suppl 2):S194-205.
1
Acredita-se que as concentrações sanguíneas normais da 25-(OH)-vitamina D apresentem grande variação
interindividual e os métodos de determinação laboratorial sejam pouco acurados.
Posfácio
Um médico ou uma médica com experiência clínica de longa data, ao finalizar a leitura dos
capítulos deste livro, talvez esteja se perguntando: “Onde se encaixam, então, o hemograma, o
exame de urina, a ureia e a creatinina, as enzimas hepáticas, os hormônios tireoideanos, o
sódio, o potássio e o cálcio, o teste da VHS ou a PCR ultrassensível, o teste ergométrico,
apenas para citar alguns do meu dia a dia de consultório?” A nossa resposta é: “Eles não se
encaixam no rastreamento, pois, em geral, agregam pouco ao cuidado de pessoas
assintomáticas!”
Um(a) profissional mais jovem, provavelmente, ficou intrigado(a) com a falta da
ultrassonografia ou tomografia de abdome total, da angiotomografia de coronária, da
ressonância magnética da próstata, ou de exames mais específicos como autoanticorpos e
hormônios sexuais, dosagens de vitamina D, ácido fólico e vitamina B12, ou ainda de testes
genéticos e marcadores tumorais, que podem apontar riscos de adoecimento no futuro. Nós
diríamos: “Podem, mas não ajudam ou ajudam muito pouco, de novo, no caso de pessoas
assintomáticas!”
O valor de exames complementares ou subsidiários como todos os citados acima, e muitos
outros, é inconteste. Nos devidos contextos clínicos, são ferramentas fundamentais ao
diagnóstico, tratamento e acompanhamento de pessoas acometidas por doenças já manifestas.
Em matéria de check-up, entretanto, a utilidade do seu uso rotineiro é nula ou mínima. Focado,
como é o rastreamento, nas pessoas assintomáticas, basicamente saudáveis, esses exames
contribuem mais para o desperdício de recursos do que para benefícios concretos de saúde.
Já existe evidência demonstrando, inclusive em nosso meio, que estratégias habituais de
check-up desencadeiam mais ações prescritivas do que de aconselhamento e prevenção,
distanciando-se do entendimento de que o rastreamento deve ser considerado válido se for
disparador da discussão individualizada com cada paciente acerca das alternativas disponíveis
para que o mesmo tenha uma vida mais saudável.
O rastreio ou check-up, como é largamente conhecida a prática de solicitar exames
preventivos, se baseado em evidências científicas que suportem o seu impacto positivo sobre a
mortalidade ou a melhoria da qualidade de vida das pessoas, tem uma dinâmica própria. Ele se
move pelo raciocínio clínico-epidemiológico centrado em fatores de risco e não pelo raciocínio
clínico baseado em queixas, como é o caso das abordagens médicas assistenciais e curativas
convencionais.
Entretanto, não é raro o profissional da saúde da linha de frente da atenção primária, na
tentativa de solicitar exames preventivos, repercutir a lógica das práticas curativas habituais.
Isso ocorre por uma série de razões, que vão desde o “medo de deixar de fazer um diagnóstico”
até a intenção de oferecer “o melhor possível ao paciente”, passando pela falta de tempo para a
consulta, o deslumbramento com a tecnologia de ponta, a pressão do paciente e da mídia e,
também, pela prática da medicina defensiva e de hiatos na formação profissional.
Viés semelhante acontece no caso de especialistas, acostumados a ver em seus consultórios
casos graves de doenças diagnosticadas tardiamente. Supondo que o diagnóstico pré-clínico
possa mudar o curso dessas doenças (o que nem sempre é corroborado pelas evidências
científicas), solicitam, rotineiramente, exames específicos, cujo impacto na mortalidade e na
qualidade de vida é pífio ou desconhecido. Ou, ainda pior, podem trazer prejuízo na forma de
diagnóstico incorreto, sobrediagnóstico, sequela de tratamento intempestivo, além de outras
consequências negativas de natureza psíquica, social ou econômica.
Os desafios deste livro são grandes. O primeiro é mostrar que o rastreamento médico de
doenças tem uma identidade muito própria, com estratégia de abordagem diferente daquela que
nós médicos aprendemos a adotar quando uma pessoa nos procura por “não estar se sentindo
bem”. Maior ainda é o desafio de tentar reverter ou, no mínimo, atenuar práticas arraigadas de
check-up que, de certa forma, apaziguam os anseios de médicos e pacientes, mesmo sendo
inócuas ou cientificamente questionáveis. Analogamente, rastreios inadequados estão para a
prevenção secundária assim como os placebos estão para o tratamento de doenças.
Outro desafio é preparar os profissionais da saúde para o check-up do futuro! Vislumbra-se
já o crescimento da solicitação preventiva de testes genéticos associados a várias doenças e de
novos marcadores tumorais. Há disponibilidade inclusive para venda direta à população de
testes genéticos que fornecem informações sobre ancestralidade e suscetibilidade genética a
diversas situações clínicas, como hemocromatose, doença de Alzheimer tardia, doença de
Parkinson, trombofilia ou degeneração macular.
Na mesma linha, ferramentas tecnológicas sofisticadas como a associação de radiografia ou
ressonância magnética a técnicas de mapeamento simultâneo com substâncias emissoras de
energia são capazes de proporcionar imagens do corpo humano com resolução cada vez mais
acurada. E outras estratégias visando ao diagnóstico pré-clínico, ainda experimentais ou em
fase preliminar de testes ou mesmo de descoberta, vão, em breve, encorpar progressivamente o
arsenal da propedêutica médica.
Nas últimas décadas, houve grandes investimentos em pesquisas de genômica e biologia
molecular que resultaram em redução de custos e maior rapidez na realização de testes
laboratoriais, contribuindo para a ampliação das possibilidades de identificação de marcadores
biológicos e desenvolvimento de medicações-alvo. Nesse contexto, a chamada medicina de
precisão ou medicina personalizada surge com o objetivo de customizar o tratamento às
características individuais dos pacientes.
Seguindo esses avanços, o rastreamento e a prevenção dirigidos caso a caso também
poderão se tornar realidade, permitindo a análise conjunta de dados clínicos, genéticos e de
estilo de vida. Essa perspectiva que se abre tem de ser encarada com responsabilidade, pois é
possível que o maior benefício dos testes genéticos e de outros novos métodos propedêuticos se
aplique mais à investigação diagnóstica a partir de queixas do que a rastreamento propriamente
dito.
O conjunto das evidências científicas disponível no momento sugere que os grandes
problemas de saúde pública não serão impactados pela medicina de precisão a menos que os
principais determinantes sociais subjacentes a esses problemas sejam adequadamente
abordados. Deve-se ressaltar que as principais doenças crônicas não transmissíveis têm causas
complexas, inclusive do ponto de vista genético, sendo caracterizadas por diferentes
polimorfismos de suscetibilidade, além de uma importante carga de desencadeantes ou
facilitadores ambientais e comportamentais.
Portanto, em paralelo ao desenvolvimento e crescimento da utilização prática de novas
técnicas em saúde, espera-se que cresça também o conhecimento baseado em evidências
científicas de boa qualidade sobre o papel efetivo desses meios no diagnóstico pré-clínico, na
promoção da saúde e na prevenção de doenças. E que, uma vez confirmado o seu benefício
preventivo para a saúde e a vida, que eles sejam colocados a serviço de todos, de forma
acessível e equânime.
A criação do conhecimento científico na área da saúde, assim como a prática clínica, está
também à beira de uma grande metamorfose, caminhando na esteira da revolução tecnológica.
Ambas devem ser impulsionadas, por exemplo, pela agilização da comunicação a distância,
pela multiplicação das redes de colaboração científica, a introdução progressiva da inteligência
artificial e, mais recentemente, do aprendizado de máquina, além das novidades da computação
quântica.
O desenvolvimento de estudos com milhões de dados de “vida real”, extraídos de bancos de
dados disponíveis (Big Data), e a perspectiva oferecida por algoritmos computacionais que
permitam formular bons modelos predittivos do risco de adoecimento, baseados em
biomarcadores e informações pessoais, apontam também para a possibilidade de rastreamento
médico com conclusões mais rápidas, acuradas e aprimoráveis dia a dia.
Por fim, a efetividade do rastreio de doenças corre pari passu com a evolução do
tratamento das mesmas. Portanto, a evolução dos métodos e opções de tratamento, sejam
clínicos, medicamentosos, cirúrgicos, procedimentos ou intervenções (invasivas ou não), cada
vez mais eficazes e menos agressivos, tendem a alavancar também a incorporação de novas
recomendações de rastreamento, na medida em que resultados positivos sejam confirmados nas
pesquisas.
Nós, autores de Rastreamento de doenças, acreditamos que este livro possa contribuir para
organizar a prática, atualmente dispersa e aleatória, da realização de exames médicos
preventivos ou check-ups. E, ao mesmo tempo, abrir o caminho para o futuro, com a
incorporação progressiva de novos elementos gerados pelo avanço tecnológico e científico, que
sejam capazes de promover cada vez mais saúde e prevenir doenças tratáveis.
Aos profissionais de saúde, principalmente, médicos e médicas que buscam cotidianamente
o bem-estar de seus pacientes, esperamos que as recomendações contidas ao longo do texto
tenham servido e continuem servindo de motivo para reflexão e estudo aprofundado e,
fundamentalmente, para adoção e aprimoramento de práticas profissionais mais críticas e
criteriosas, que revertam, sempre, em benefício da sociedade.
TABELA 1 Risco de mortalidade em 10 anos (RM10) por faixa etária – pessoas sem comorbidades,
com IMC normal, estilo de vida saudável e sem incapacidades
Faixa etária (anos) RM10 (%) – Homem RM10% – Mulher
< 65 11-15 8-10
≥ 85 ≥ 66 ≥ 52
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. Suemoto CK, et al. Development and validation of a 10-year prediction model: meta-analysis of individual
participant data from five cohorts of older adults in developed and developing countries. J Gerontol A Biol
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Anexo B – Modelo transteórico de mudança comportamental
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. Prochaska JO, DiClemente CC. Stages and processes of self-change of smoking toward and integrative model
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physical activity using the Transtheoretical model: a systematic review. Nutr Hosp. 2016 Sep 20;33(5):586.
Anexo C – Método P.A.N.P.A. de aconselhamento comportamental
A estadunidense Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ) recomenda os 5As
(Ask – Advise – Assess – Assist – Arrange) como passos iniciais do aconselhamento para
mudanças comportamentais. No nosso meio, uma das formas de identificação do método é pelo
acrônimo PANPA (Pergunte – Aconselhe – Negocie – Prepare – Acompanhe). Ele resume
ações progressivas que o profissional da saúde pode adotar, ajudando-o a promover a sua
saúde. Usando o exemplo do tabagismo:
Pergunte sobre o hábito de fumar, o número de cigarros fumados por dia, há quanto
tempo fuma, como se distribuem os cigarros fumados ao longo do dia, quais são os
“gatilhos” que aumentam a vontade de fumar e, principalmente, quanto o paciente está,
de fato, motivado a parar.
Aconselhe o paciente a conhecer e a refletir sobre os malefícios do cigarro para a sua
saúde e qualidade de vida, inclusive a sua interferência nas relações familiares, de
amizade e no trabalho. Reforce os benefícios potenciais da cessação do tabagismo para o
desempenho de suas atividades diárias e para realizar seus sonhos e planos futuros.
Negocie metas progressivas de redução de cigarros ao longo do tempo ou a escolha da
melhor data para parar, aconselhando uma gama de dicas para inibir os “gatilhos” da
vontade de fumar, como evitar locais e reuniões de fumantes, trocar o cafezinho por
outra bebida, beber muita água, fazer relaxamento, dentre outras estratégias.
Prepare o dia D da parada completa, estimulando o paciente a conversar com amigos e
familiares sobre a sua intenção de parar de fumar, pedindo a ajuda deles nesse processo,
antecipando possíveis sintomas de abstinência ou fissura nos dias seguintes e o que se
pode fazer para bloqueá-los ou atenuá-los.
Acompanhe de perto o paciente que já parou de fumar, dando orientações no sentido de
prevenir recaídas. Observe sinais de desgaste mental ou de prejuízo da tentativa de
cessação por parte da atitude de terceiros (p. ex., amigos que oferecem cigarros ou “só
uma tragada”). Mantenha-se em contato.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. Querido CN, et al. Aconselhamento em promoção da saúde. In: Nunes MPT, et al. (eds.). Medicina interna
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