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O PROBLEMA DO MAL:
INTRODUÇÕES A DEFESAS ÚTEIS
Yago Martins1
RESUMO
O objetivo deste artigo é pensar de acordo com a cosmovisão cristã, sendo biblicamente
profundo, filosoficamente correto e logicamente defensável em nossos contra-argumentos
aos ataques do inimigo, sem esgotar todas as questões filosóficas e teológicas sobre o
assunto, mas deixando o leitor capacitado a lidar com a maioria dos ataques à fé cristã que
usam o Problema do Mal como argumento principal, fornecendo material apologético
para que possamos responder a todo aquele que pedir a razão da esperança que há em nós.
Palavras-chave: Deus; mal; cosmovisão cristã; apologética; problema intelectual.
INTRODUÇÃO
Por que existem uns felizes
E outros que sofrem tanto?
Nascemos do mesmo jeito,
Moramos no mesmo canto.
Quem foi temperar o choro
E acabou salgando o pranto?2
1
Membro da Igreja Batista Manancial, em Fortaleza/CE, Missionário, Segundo Vice-
Diretor e Líder da Divisão de Formação e Desenvolvimento na Missão GAP, Bachare-
lando em Exegese Bíblica pelo Seminário e Instituto Bíblico Maranata e Diretor-Funda-
dor do Movimento Cante as Escrituras.
2
“O mal e o sofrimento”, de Leandro Gomes de Barros.
2 Yago Martins
“Deus deseja prevenir o mal, mas não pode fazê-lo? Então não é
onipotente. Deus é capaz de fazê-lo, mas não deseja? Então é malévolo.
Deus é tanto capaz quanto desejoso? Então por que existe o mal?”. Há
anos, o conhecido Paradoxo de Epicuro3 tem abalado a fé de muitos cris-
tãos e causado risos de vitória em proponentes do ateísmo. Conhecido
também como Problema do Mal, a ideia de que um Deus bom não permi-
tiria um mundo tão cheio de dores e problemas é presente nas conversas,
nos livros, nas poesias, nas canções e nos programas de TV. Ao observar-
mos o número de estupros, assassinatos, desastres naturais, desabrigados,
gente morrendo por inanição, a pergunta “por que coisas ruins acontecem
com pessoas boas?” torna-se constante. Santo Agostinho, mesmo como
cristão, levantou vários questionamentos a este respeito em suas Confis-
sões: “Mas de onde vem o mal se Deus é bom e fez todas as criaturas
boas?”, “Porventura da matéria que ele [Deus] usou?”, “O Onipotente
teria sido impotente para convertê-la [a matéria], de modo que nela não
permanecesse mal nenhum?”, “Que onipotência era a sua se não podia
criar algo de bom sem o auxilio de matéria não criada por ele?”.4
Nossa proposta é pensar de acordo com a cosmovisão cristã, sendo
biblicamente profundo, filosoficamente correto e logicamente defensável
em nossos contra-argumentos aos ataques do inimigo, sem esgotar todas
as questões filosóficas e teológicas sobre o assunto, mas deixando o leitor
3
Muito possivelmente, o que hoje chamamos de Paradoxo de Epicuro só possui tal
nomenclatura por um erro de atribuição cometido pelo cristão Lactâncio. Há sugestã
o de que tal pensamento provenha da obra de um filósofo cético que antecedia Epicuro,
possivelmente Carnéades (LARRIMORE, 2001, p. xix-xxi), ou até mesmo de fontes
antiepicuristas (GLEI, 1988, p. 47-58). A versão mais antiga ainda preservada deste trilema
aparece nos escritos de Sexto Empírico, médico e filósofo cético grego que viveu entre os
séculos II e III a.C. (“Those who firmly maintain that god exists will be forced into impiety;
for if they say that he [god] takes care of everything, they will be saying that god is the
cause of evils, while if they say that he takes care of some things only or even nothing, they
will be forced to say that he is either malevolent or weak”, em Outlines of Pyrrhonism).
4
AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Paulus, 2006. p. 175-176.
Azusa – Revista de Estudos Pentecostais 3
capacitado a lidar com a maioria dos ataques à fé cristã que usam o Pro-
blema do Mal como argumento principal, fornecendo material apologéti-
co para que possamos responder a todo aquele que pedir a razão da espe-
rança que há em nós.
1 DUAS INTRODUÇÕES: ÔNUS DA PROVA E AS TEODICEIAS
É importante percebermos, ante tal questão, quem possui o ônus
da prova neste debate. Ao tentar provar a existência de Deus, o ônus da
prova recai sobre o Cristão. Porém, com relação ao Problema do Mal, o
ônus da prova recai sobre o ateu, que precisa mostrar onde realmente está
o problema. Cabe a ele levar o argumento à conclusão de que Deus não
existe. Infelizmente, muitos crentes permitem que os ateus invertam o
ônus: “Dê-me uma boa explicação por que Deus permite o sofrimento”, e
esperam que o cristão forneça uma boa resposta. Essa é uma técnica filo-
soficamente ilegítima e intelectualmente desonesta, uma vez que, se ele
afirma a impossibilidade da existência de Deus com base na existência do
mal, cabe a ele provar como estas duas realidades são contraditórias.5
Assim sendo, neste estudo, objetiva-se expor versões resumidas de
defesas úteis para aqueles que precisam lidar com debates sobre o Proble-
ma do Mal, evitando lidar com a teodiceia6, focando nossa atenção em
defender a fé ante os argumentos contrários mais do que em explicar posi-
tivamente os motivos de Deus em agir como age. Enquanto teodiceia sig-
nifica explicar os motivos porque Deus permitiria mal no mundo, uma
5
CRAIG, William Lane. Em guarda: defendendo a fé cristã com razão e precisão. São
Paulo: Vida Nova. 2011. p. 170-171.
6
Do grego èåüò (theós, “Deus”) e äßêç, “justiça”), significa literalmente “justiça de
Deus”. O termo foi criado em 1710 pelo filósofo Alemão Gottfried Leibniz em um
trabalho intitulado Essais de Théodicée sur la bonté de Dieu, la liberté de l’homme et
l’origine du mal, que procurava demonstrar que a presença do mal no mundo não entra
em conflito com a bondade de Deus.
4 Yago Martins
defesa consiste em rebater os argumentos daqueles que afirmam que o
mal é incompatível com a existência de Deus. Neste estudo, estamos mais
preocupados com uma defesa do que com uma teodiceia.
Ainda que o ateu tente dizer que, por não sabermos quais os moti-
vos que levam Deus a permitir o mal no mundo, então tal crença seria
irracional. No entanto, tal acusação é irrelevante para o debate, como ilus-
tra Alvin Plantinga7, é racional pensar que o ato de cortar a grama possui
uma relação entre os movimentos corporais necessários para este ato,
mesmo que não entendamos qual conexão existe exatamente. É a decisão
que causa movimentos corporais? Se é, como o faz? Há uma cadeia causal
intermediária entre a decisão e o primeiro de tais movimentos? Se há,
quais gêneros de acontecimentos constituem tal cadeia? Como se relacio-
nam estas decisões com o primeiro acontecimento desta cadeia? Ainda
que não saibamos responder estas questões, continua sendo racional acei-
tar que existe um relacionamento entre nossos movimentos e o ato de
cortar grama. Ainda que não saibamos explicar os motivos de Deus, so-
mos racionais em pensar que Deus possui uma razão.
2 UMA DIVISÃO ÚTIL: O PROBLEMA EMOCIONAL E O PRO-
BLEMA INTELECTUAL
Uma vez que consideramos a existência do mal, precisamos lidar
com a versão ateísta do problema: a que quer negar a existência de Deus
com base na existência de mal no mundo. No entanto, ao lidarmos com o
Problema do Mal, tanto de modo apologético como de modo pessoal, pre-
cisamos iniciar fazendo uma divisão entre duas frentes do problema, uma
de cunho emocional e outra de cunho intelectual. O Problema Emocional
7
PLANTINGA, Alvin. Deus, a liberdade e o mal. São Paulo: Vida Nova, 2012. p. 23-
24.
Azusa – Revista de Estudos Pentecostais 5
do Mal está relacionado ao conforto dos que sofrem a existência do mal, o
Problema Intelectual do Mal se refere ao fornecimento de uma explicação
racional da coexistência de Deus e do mal. Enquanto o Problema Intelec-
tual está na área de atuação do filósofo e do teólogo; o Problema Emocio-
nal está na do conselheiro e do pastor. Manter clara esta distinção é de
fundamental importância, uma vez que a solução para o Problema Inte-
lectual pode parecer seca, fria e inquietante para aqueles que estejam pas-
sando pessoalmente por sofrimento, enquanto a solução para o Problema
Emocional pode parecer superficial e intelectualmente deficiente como
uma explicação para quem aborda a questão de maneira lógica e abstrata.8
3 O PROBLEMA INTELECTUAL DO MAL
Para tratar do Problema Intelectual do Mal, criaremos uma divisão
didática, segundo a orientação de Craig e Moreland.9 Observaremos sepa-
radamente o Problema Interno e o Problema Externo do Mal. No Proble-
ma Interno, lidaremos com premissas que o cristão está (ou deveria estar)
comprometido. Já no Problema Externo, observaremos as premissas que
o teísta cristão não está (ou não deveria estar) de acordo. Pode-se dizer
que o Problema Interno do Mal está relacionado às dúvidas que surgem
de dentro do cristianismo, quando o Problema Externo do Mal se refere
aos ataques que vêm de fora da fé cristã.
3.1 O problema do mal
O Problema Interno do Mal assume duas formas comuns: as ver-
tentes lógica e probabilística. Na versão lógica, o opositor objetiva de-
8
MORELAND, J. P., CRAIG, William Lane. Filosofia e cosmovisão cristã. São Pau-
lo: Vida Nova. 2005. p. 652.
9
CRAIG; MORELAND, 2005, p. 652.
6 Yago Martins
monstrar a impossibilidade lógica de que Deus e o mal coexistam, assim
como é impossível a existência de um objeto inamovível e uma força irre-
sistível: se existe um, não há o outro. Já na versão probabilística deste
problema, existe uma admissão da possibilidade de Deus e o mal existi-
rem, mas que isto seria altamente improvável, o que faria que o teísta
cristão estivesse assumindo duas realidades que tenderiam a se solapar.10
Antes de começar o debate, é indicado que o cristão pergunte a seu opositor
se ele está dizendo que é impossível que Deus e o sofrimento coexistam
ou se é apenas imensamente improvável. Na maioria dos casos, o ateu
sequer saberá dar uma resposta e caberá ao cristão introduzi-lo a esta divi-
são.11 Vamos observar cada vertente por vez.
3.1.1 A versão lógica
Depois de nossas separações didáticas, podemos iniciar a análise
propriamente dita dos argumentos. A versão lógica do Problema Interno
do Mal afirma que os dois argumentos a seguir são incompatíveis:
1. Existe um Deus onipotente e bondoso.
2. O mal existe.
Não é difícil perceber que, isoladamente, tais premissas não apresen-
tam contradição alguma. Não há como qualquer ateu sustentar a coerência do
Problema do Mal usando apenas tais declarações. Obviamente, para o propo-
nente desta argumentação, existem premissas ocultas que são assumidas (e
que precisam ser reveladas) que tornam a contradição real.12 Elas seriam:
3. Se Deus é onipotente, então ele pode criar qualquer mundo que
deseje.
10
CRAIG; MORELAND, 2005, p. 652-653.
11
CRAIG, 2011, p. 171.
12
CRAIG; MORELAND, 2005, p. 653.
Azusa – Revista de Estudos Pentecostais 7
4. Se Deus é bondoso, então ele prefere um mundo sem o mal a
um mundo com o mal.
O problema central deste argumento é que pressupõe uma pre-
missa que o ateu não forneceu:
5. Deus não possui qualquer bom motivo para a existência pre-
sente do mal.
No entanto, o teísta pode simplesmente indicar que (a) Deus pode
ter uma razão para permitir o mal, razão esta que é conhecida somente por
ele mesmo, ou (b) Deus possui uma razão para a existência do mal que é
conhecida por alguns, mas não totalmente por todos, especialmente por
ateus. “Em vista disso”, como diz Geisler e Feinberg, “a não ser que o ateu
seja oniciente, não tem condições de dizer que não há nenhuma boa razão
conhecida a Deus”.13 Em muitos casos, permitimos que a dor e o sofri-
mento ocorram na vida de uma pessoa a fim de produzir algum bem maior
ou por que temos um motivo suficiente para permiti-lo, como no caso da
disciplina de uma criança. Desde modo, Deus pode muito bem ter razões
suficientes para permitir o mal no mundo, o que torna a segunda premissa
falsa e todo o argumento inválido.14 Além do mais, se há um Deus total-
mente bom, qualquer razão que seja dada por ele é automaticamente uma
razão boa, visto que flui de sua vontade, que é perfeita.
Alguns ateus reconhecem que o mal e Deus não são necessaria-
mente incompatíveis em um âmbito lógico, mas insistem que eles o são na
prática: é logicamente possível que Deus possua boas razões para permi-
tir o mal, mas realmente não há razão para acreditar que Ele o permite. Ou
seja, ninguém liberaria Hitler de sua culpa com relação ao nazismo só por
que é logicamente possível que ele possuísse uma razão muito boa para
13
GEISLER, Norman, FEINBERG, Paul D. Introdução à filosofia: uma perspectiva
cristã. São Paulo: Vida Nova, 2009. p. 234.
14
CRAIG; MORELAND, 2005, p. 655-656.
8 Yago Martins
matar os judeus. A resposta teísta é que Hitler (um humano finito) e Deus
(um Ser transcendente e infinitamente bom) estão obviamente em catego-
rias diferentes. Ainda que seja concebível que Hitler possuísse uma boa
razão para o holocausto, todas as evidências apontam para uma negativa,
quando, em relação a Deus, tudo indica uma boa razão divida para a exis-
tência do mal, como, por exemplo, sua própria natureza.15
Diante de tudo isto, como a questão aqui disputada é de ordem
lógica e conceitual, tudo quanto o teísta precisa demonstrar é que há uma
explicação possível para o mal. Apenas com isto, a alegação do ateu já
está derrotada. Os cristãos não estão obrigados a mostrar que as coisas de
fato são assim, mas apenas que é possível que sejam.16
A versão lógica do Problema Interno do Mal assume também ou-
tra forma, apelando não mais para a existência primária do mal, mas para
sua não destruição.
1. Se Deus é totalmente bom, destruirá o mal.
2. Se Deus é onipotente, pode destruir o mal.
3. Mas o mal não está destruído.
4. Logo, não há um Deus onipotente e onibenevolente.
O ateu argumenta, pelo que parece, que por Deus ainda não ter derrota-
do o mal, nunca o fará. Mas o teísta indica que o ateu não poderia saber isto e
nem supor tal hipótese.17 Argumentamos que há um limite de tempo subenten-
dido na premissa 3, o que pode reformular o argumento para tais premissas:
1. Se Deus é totalmente bom, destruirá o mal.
2. Se Deus é onipotente, pode destruir o mal.
3. Mas o mal ainda não está destruído.
4. Logo, o mal será destruído um dia.
15
GEISLER; FEINBERG, 2009, p. 258.
16
GEISLER; FEINBERG, 2009, p. 258.
17
GEISLER; FEINBERG, 2009, p. 234.
Azusa – Revista de Estudos Pentecostais 9
Deste modo, pode-se comprovar exatamente o oposto do que é pro-
posto pelo ateu, uma vez que, ao reconhecer a existência de um Deus
teísta, há automaticamente uma solução para o problema do mal. Logo, se
as razões para acreditar na existência de Deus forem boas, o mal é instan-
taneamente explicado.18
3.1.2 A versão probabilística
A versão probabilística do Problema Interno do Mal, por sua vez,
traz afirmações mais difíceis de serem rebatidas. “Embora a explicação
do mal dada a pouco seja possível”, argumentam os ateus, “ela ainda pare-
ce muito improvável. Deus não poderia reduzir o mal do mundo sem re-
duzir o bem? O mundo possui tanto mal sem sentido no mundo que parece
improvável que Deus possua qualquer razão para mantê-lo existindo. Com
isto, poderíamos argumentar que é improvável que Deus exista uma vez
que encontramos tanta maldade existente”. De acordo com Craig, esse é
um argumento muito mais poderoso que o problema puramente lógico do
mal, uma vez que sua conclusão é mais modesta: “é provável que Deus
não exista.”19 Para lidar com esta versão do Problema do Mal, podemos
fazer três afirmações.
Primeiro: em relação à extensão total da evidência, a existência
de Deus é provável.20 Ainda que, se analisado isoladamente, o Problema
do Mal pareça tornar improvável a existência de um Deus onipotente e
onibenevolente, diante do escopo total de argumento a favor de sua exis-
tência, a probabilidade está pesando mais para esta hipótese do que para
aquela. Ao se observar os argumentos teleológico, axiológico, ontológico
e as evidências relacionadas à pessoa de Cristo, à historicidade da ressur-
18
GEISLER; FEINBERG, 2009, p. 257.
19
CRAIG; MORELAND, 2005, p. 658.
20
CRAIG; MORELAND, 2005, p. 658-659.
10 Yago Martins
reição, à existência de milagres e, além disso, a experiência existencial e
religiosa, a probabilidade muda para “é provável que Deus exista” ao in-
vés do oposto.
Segundo: não estamos em condições de avaliar com confiança a
probabilidade de que Deus não possua razões moralmente suficientes para
permitir a ocorrência dos males.21 Apelando para os efeitos noéticos do
pecado, podemos argumentar que não temos como julgar apropriadamen-
te a probabilidade de o mal no mundo possuir um motivo suficiente. Por
não estarmos em uma boa posição epistêmica para tal julgamento, análi-
ses utilitaristas mostram-se frustradas, uma vez que aparentes atos de bon-
dade podem gerar males terríveis, enquanto algumas atitudes desastrosas
podem provocar benesses nunca imaginadas.
Terceiro: o teísmo cristão implica doutrinas que aumentam a pro-
babilidade da coexistência de Deus e do mau.22 Ao observarmos algumas
doutrinas fundamentais da fé cristã, encontramos alguns argumentos que
pregam a coexistência da pessoa de Deus e toda a maldade que observa-
mos a nossa volta. Podemos exemplificar com três delas.
Primeiro, de acordo com o entendimento bíblico e histórico da fé
cristã, o propósito da vida não é a felicidade, mas o conhecimento de Deus.
Os Catecismos de Westminster se iniciam com a seguinte questão: “Qual
é o fim supremo e principal do homem?”. Resposta: “O fim supremo e
principal do homem e glorificar a Deus e gozá-lo para sempre” (Jo 17:22-
24; Rm 11.36; 1Co 10.31; Sl 73.25-26; Is 43.7; Rm 14.7-8; Ef 1.5-6; Is
60.21; 61.3). Devemos entender que o sofrimento, de acordo com a fé
cristã, não é central a nossa observação de mundo, uma vez que Deus é de
suprema importância, e não nós.
Em segundo lugar, precisamos considerar estado de rebelião da
humanidade contra a pessoa de Deus. Segundo a doutrina da Depravação
21
CRAIG; MORELAND, 2005, p. 659-660.
22
CRAIG; MORELAND, 2005, p. 660-665.
Azusa – Revista de Estudos Pentecostais 11
Total, todos os homens são pecadores, corrompidos em cada parte do seu
ser: pensamentos, emoções e vontade. Por tal motivo, ninguém pode fazer
o bem aos olhos de Deus, sendo totalmente culpados e condenáveis. Deste
modo, todos os homens seriam dignos de todo e qualquer sofrimento que
recaísse sobre eles (Gn 6:5-6; 8:21; Jó 4:17; 14:4; Sl 51:5; Sl 58:3; Pv
20:9; Ec 9:3; Jr 13:23; 17:9; Dn 4:35; Mc 7:21-23; Jo 1:12-13; 3:3,5-8,18;
5:40; 6:44,65; 15:5; Rm 3:10-18; 5:12; 8:7-8; 1 Co 2:14; 4:7; 2 Co 3:5; Ef
2:1-3,8-9; Ef 4:17-19; 5:8; Cl 2:13; 2 Tm 2:25; Tt 1:15). Diante disto, o
cristianismo propõe, ao invés de um Problema do Mal, um Problema do
Bem: por que ainda existe qualquer bem no mundo se Deus é Justo e os
homens são maus?
Em terceiro lugar, precisamos estar cientes de que o propósito de
Deus não está restrito a esta vida, mas se estende pela eternidade. A vida
pode parecer longa, mas comparada com a eternidade, ela não passa de
um sopro, uma neblina, um suspiro, um piscar de olhos: “Esta vida nada
mais é que a apertada e estreita antessala para o grande salão da eternidade
de Deus.”23 Sendo a existência tão curta e passageira como é, e existindo
uma nova vida eterna de gozo e felicidade em Cristo, as dores presentes
tornam-se menos alarmantes e são diminuídas ante as bênçãos que estão
dispostas eternamente para aqueles que aguardam a vinda do Cordeiro (Cr
29:15; Jó 7:6-7; 8:9; 9:25-26; 14:2; Sl 90:9; 103:15-16; 144:4; Is 40:7,8;
Tg 4:14). Este é o argumento de Paulo com relação a todos os sofrimentos
que sobreviam sobre ele:
Por isso não desanimamos. Embora exteriormente estejamos a
desgastar-nos, interiormente estamos sendo renovados dia após
dia, pois os nossos sofrimentos leves e momentâneos estão pro-
duzindo para nós uma glória eterna que pesa mais do que todos
eles. Assim, fixamos os olhos, não naquilo que se vê, mas no
que não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê
é eterno. (2 Coríntios 4:16-18, NVI)
23
CRAIG; MORELAND, 2005, p. 664.
12 Yago Martins
Diante de tudo isto, podemos concluir que a questão probabilística
do mal pode ser satisfatoriamente respondida sem muita dificuldade. Ain-
da que a existência de Deus possa parecer improvável se observada de
modo isolado, quando outros fatores são adicionados, podemos perceber
que este argumento não pesa mais para o lado oposto do cristianismo.
Como ilustram Craig e Moreland24, probabilidades mudam com a adição
de variáveis. Se eu digo que João é um universitário e que 90% dos uni-
versitários bebem cerveja, então existem 90% de chance de João beber
cerveja. Porém, se eu adiciono a variável que João estuda na Universidade
de Biola, e que nesta universidade em especial, só 10% dos alunos bebem,
então nossa probabilidade mudou consideravelmente. O Problema do Mal
como informação isolada pode solapar nossa fé na existência de Deus,
mas se visto dentro do contexto de todas as variáveis, podemos crer que a
versão probabilística do Problema do Mal é evidentemente falaciosa.
3.2 O problema externo do mal
Se o problema do mal fracassa como problema interno para o cris-
tianismo, será que ele apresenta um problema externo insuperável? Mui-
tos filósofos se voltaram a esta questão nos últimos anos. Esta versão do
problema afirma que os males aparentemente desnecessários e inúteis do
mundo constituem evidência contra a existência divina. O argumento é
que as premissas seguintes são incompatíveis entre si:
1. Existe um Deus onipotente e bondoso.
2. Existe o mal desnecessário.
William Lane Craig explica que o motivo deste argumento ser um
problema externo é devido os cristãos discordarem da segunda premissa,
24
CRAIG; MORELAND, 2005, p. 658.
Azusa – Revista de Estudos Pentecostais 13
uma vez que cremos que Deus possui um propósito para o mal.25 O opositor
do cristianismo está usando seu argumento da seguinte forma:
3. Se Deus existe, o mal desnecessário não existe.
4. O mal desnecessário existe.
5. Logo, Deus não existe.
Nosso contra-argumento está em afirmar que “o modus ponens de
um homem é o modus tollens de outro.”26 Ou seja, que nosso silogismo
poderia, na verdade, ser disposto de tal forma:
3. Se Deus existe, o mal desnecessário não existe.
4. Deus existe.
5. Logo, o mal desnecessário não existe.
Para defender isto, muito do que já foi dito sobre o Problema
Probabilístico do Mal é retomado. O opositor precisa desconsiderar toda
uma gama de argumentos para a existência de Deus a fim de afirmar a ine-
xistência de Deus com base em uma aparente desnecessariedade do mal. De
fato, considerando que o mal só é desnecessário se Deus não existir, afirmar
aquele a fim de provar este é um raciocínio circular crasso.27
Por fim, podemos chamar atenção para o argumento axiológico,
usando o argumento ateísta contra ele mesmo:
1. Se Deus não existisse, então os valores morais objetivos não
existiriam.
2. O mal existe.
3. Portanto, valores morais objetivos existem.
4. Logo, Deus existe.
25
CRAIG; MORELAND, 2005, p. 665-666.
26
CRAIG; MORELAND, 2005, p. 667.
27
CRAIG; MORELAND, 2005, p. 666-667.
14 Yago Martins
O argumento é simples: se Deus não existe, não existem valores
morais objetivos: nem bem nem mal. Se ateus alegam a existência do mal,
então existem valores morais absolutos, o que nos leva à inevitável con-
clusão de que Deus existe.28
4 O PROBLEMA EMOCIONAL DO MAL
Mesmo após uma defesa logicamente perfeita ante ao Problema do
Mal, precisamos entender que a questão foi apenas filosoficamente con-
cluída: “Todas essas maquinações mentais podem ser de pouco conforto
para quem sofre intensamente de um mal não merecido na vida.”29 En-
quanto o primeiro esboço deste estudo estava sendo produzido, ocorreu
uma tragédia de nível mundial no Brasil. Um incêndio em uma boate em
Santa Maria/RS mata quase 250 jovens universitários e deixam outros
100 feridos. Uma grande comoção tomou o Brasil. Posso testemunhar que
nunca sofri tanto por conta de uma tragédia deste tipo. Eu entendia todas
as respostas teológicas e filosóficas para o Problema do Mal, eu poderia
formular vários modelos diferentes de teodiceias, mas eu ainda estava
pessoalmente abalado com tudo aquilo. Ante esta versão do Problema,
que já saiu do campo de atuação do filósofo, o conselheiro precisa atuar.
Além de uma resposta intelectual aos que nos questionam racionalmente,
o cristianismo também possui uma resposta para a dor do homem que
sofre. Aqui, cabe-nos argumentar que o cristianismo não apresenta um
Criador distante do sofrimento humano, mas um Pai amoroso que com-
partilha de nossas dores. Uma exposição da obra de Cristo em sofrimento
pelos pecadores, sobre a depravação do homem, sobre a soberania de Deus
e sobre as bênçãos da salvação eterna é o melhor argumento que pode ser
28
CRAIG; MORELAND, 2005, p. 668.
29
CRAIG; MORELAND, 2005, p. 668.
Azusa – Revista de Estudos Pentecostais 15
usado para os que não possuem problemas filosóficos, mas emocionais
ante ao mal.30 Diante de tudo isto, podemos assumir que não há motivos
para achar que desconfortos emocionais sejam motivos para pensarmos
que Deus não exista.31
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo isto, o que podemos concluir? Acredito que “o úni-
co caminho que fica aberto ao ateu é demonstrar que Deus não existe por
razões outras que a existência do mal”32. É-nos evidente que os argumen-
tos ateístas são fracos, na melhor das hipóteses, e até irrelevantes, se ob-
servados com cuidado. Podemos entender que não possuímos um Proble-
ma do Mal, na verdade, mas um Problema do Bem: como pode existir
qualquer fagulha de bondade sobre a humanidade sendo Deus tão justo e o
homem tão pecador? Apenas por meio de Cristo, que recebeu sobre si
maldades sem fim, para que fossemos libertos das trevas. A Ele, pois, a
glória para sempre. Amém.
30
CRAIG; MORELAND, 2005, p. 669-670.
31
CRAIG; 2011, p. 169.
32
GEISLER, FEINBERG, 2009, p. 258.
16 Yago Martins
REFERÊNCIAS
AGOSTINHO. Cidade de Deus: contra os pagãos. Bragança Paulista: Ed. Uni-
versitária São Francisco, 2003.
AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Paulus, 2006.
CRAIG, William Lane. Em guarda: defendendo a fé cristã com razão e precisão.
São Paulo: Vida Nova, 2011.
GEISLER, Norman, FEINBERG, Paul D. Introdução à filosofia: uma perspecti-
va cristã. São Paulo: Vida Nova, 2009.
GLEI, Reinhold F.. Et invidus et inbecillus. Das angebliche Epikurfragment bei
Laktanz, De ira dei 13, in: Vigiliae Christianae 42, 1988.
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