A construção da Négritude: os embates por ocasião do
I Congresso de Escritores e Artistas Negros (1956)
Raissa Brescia dos Reis*
RESUMO: Este trabalho se dedica a apresentar os debates e diálogos desenvolvidos por
e em meio ao movimento da Négritude a partir de uma análise acerca do Primeiro
Congresso de Escritores e Artistas Negros, realizado em 1956, na cidade de Paris. Este
momento foi aqui considerado premente para a percepção das multipllicidades e
disputas em torno do estabelecimento de uma identidade negra e africana em meio a
processos de radicalização e afiliação a discursos anticoloniais e terceiromundistas, bem
como a movimentos de independência em África. Para leitura e cotejamento foram
selecionados textos concernentes às comunicações de quatro pensadores, a saber, Aimé
Cesaire, Léopold Sédar Senghor, Frantz Fanon e Cheikh Anta Diop.
PALAVRAS-CHAVE: Négritude, Senghor, Césaire.
ABSTRACT: This paper presents the debates and dialogues developed by and through
the movement of Négritude starting from an analysis focused on the First Congress of
Negro Writers and Artists, held in 1956 in Paris. Considering the Congress as an
emblematic moment for the perception of multiplicities and disputes around the
establishment of a Black and African identity as well as anti-colonial affiliations and
African independence movements intensification, the analyzis are presented concerning
four thinkers, namely, Aimé Cesaire, Léopold Sédar Senghor, Frantz Fanon and Cheikh
Anta Diop.
KEY-WORDS: Négritude, Senghor, Césaire.
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O Primeiro Congresso de Escritores e Artitas Negros ocorreu em setembro de 1956 na
Sorbonne, em Paris e foi marcado pela presença de pensadores das colônias e ex-colônias
francesas na África e na América e de uma delegação de intelectuais estadunidenses.
Herdeiros da primeira geração do Négritude, esses intelectuais haviam conhecido nas
produções da década de 1930 a proclamação e prescrição de uma identidade coletiva
informada por conceitos de cultura negro-africana, cuja unidade reivindicada fincava suas
raízes em noções raciais acerca do homem negro ou, considerado em sua origem, do homem
africano1.
O texto aqui desenvolvido procurará trabalhar este Primeiro Congresso de Escritores
e Artistas Negros como um espaço privilegiado de construção e (re)-formulação de discursos
que giravam em torno do Négritude no pós-Segunda Guerra Mundial. Inscritos e
participantes de um evento que tinha como objetivo pensar o lugar da cultura negra em uma
nova ordem mundial, além do papel a ser desempenhado pelos “homens de cultura” na
construção deste lugar, esses intelectuais traziam diferentes pressupostos do que seria uma
cultura negra. E para além do lugar desta num mundo em construção, percebem-se mesmo os
embates em torno de uma unidade de interesses e necessidades dos povos negros que se quer
proclamar, e as fissuras inerentes a uma empresa de tal magnitude.
O momento de diálogo direto traz à tona as divergências que permeiam a instituição
de uma “personalidade”, um “estilo negro”, e se estabelece como um palco em que se
encenam as divisões internas aos movimentos anticolonialistas e independentistas da
América e, principalmente, da África. É nesta perspectiva que Manuela Sanches afirma:
“Entre as visões de uma negritude mais conservadora ou arcaica, mas também mais
conciliadora, como a defendida por Senghor, a denúcia das relações entre
colonialismo e racismo, como seria o caso de Césaire e Fanon, as posições mais
moderadas dos representantes negros americanos, ou as idiossincrasias de Richard
Wright, o encontro evidenciaria rupturas, marcadas já pelo emergir da crise argelina
e as formas de luta armada que viriam a ser determinantes para o processo de
autodeterminação das então colônias portuguesas.” [SANCHES, 2011: 32-33]
O pós-Segunda Guerra Mundial revelou-se um momento premente para as
independências em solo africano, ocorridas em sua maioria na segunda metade do século
*Mestranda matriculada no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas
Gerais, bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
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No interior do Négritude, o homem negro, mesmo o da diáspora, é considerado como um herdeiro biológico e
cultural do homem africano, detentor de uma cultura africana. Para saber mais ler SENGHOR, Léopold Sédar. O
Contributo do homem negro. IN: SANCHES, Manuela Ribeiro. Malhas que os impérios tecem: textos anticoloniais,
contextos pós-coloniais. Lisboa: Edições 70, 2011. p. 73-92.
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XX. Há uma clara modificação das tendências internas aos discursos do Négritude e do
próprio Pan-africanismo da primeira para a segunda metade dessa centúria. Segundo Kwame
Appiah, após os trágicos acontecimentos engendrados pelos fascismos, há a adesão a novas
formas de ver o colonialismo e a ação européia no mundo e dentro de seu próprio continente.
O autor escreve sobre isso:
“A lição que os africanos aprenderam com os nazistas – a rigor, com a Segunda
Guerra Mundial como um todo – não foi o perigo do racismo, mas a falsidade da
oposição entre uma ‘modernidade’ européia humana e o ‘barbarismo’ do mundo
não-branco.” [APPIAH, 1997: 24]
No interior deste mosaico de novos projetos e identidades, se inscreveu o encontro em
questão, e é nesta perspectiva que se procurará situar as diferentes abordagens e negritudes
em confronto neste espaço.
Optou-se neste artigo por dialogar e analisar os textos de quatro dos principais
pensadores então voltados para as questões apresentadas. A escolha se justifica pelo recorte
que este formato textual pede, mas principalmente pela já conhecida discordância destes
pensadores entre si acerca dos conceitos sintetizados pelo termo “négritude”, constituindo
campo fértil para o trabalho aqui proposto. Estes são Aimé Césaire, Léopold Sédar Senghor,
Frantz Fanon e Cheikh Anta Diop. A partir de suas comunicações pretende-se uma análise
dos embates ou discordâncias em torno da construção de planos de ação para o “homem de
cultura” negro numa conjuntura de emergência dos movimentos de independência na África,
bem como da constituição de representações sobre o que era a própria cultura e o lugar desta
nas lutas de emancipação política. Importava não somente a percepção da cultura negra, o
homem negro em sua negritude, mas também a inserção ou não dessas preocupações em um
cenário maior de radicalização do discurso anticolonialista.
Para Césaire, que apresentou o texto Cultura e Colonização, a questão premente era
dar fim ao processo de desestruturação das culturas colonizadas engendrado pela
colonização. Este seria, em sua essência, um fator de desmantelamento da sociedade
subjugada e não benefício para seu crescimento. Para ele, a cultura dos povos negros não
poderia ser abordada sem se dar papel primordial ao colonialismo, “(...) pois todas as culturas
negras se desenvolvem no momento actual dentro deste condicionamento particular que é a
situação colonial ou semicolonial ou paracolonial.” [CÉSAIRE, 2011: 254] Incluía, pois,
todas as culturas ditas negras, que muito embora sejam tratadas aqui no plural, num mesmo
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qualificante, que está na raíz da palavra “negritude”, baseado na afirmação de uma
especificidade cultural ligada a uma noção biológico-racial e histórica.
Nesse sentido, é interessante notar que, muito embora mantenha o fator biologizante,
Césaire afirma:
“Interrogámo-nos em particular sobre qual o denominador comum a uma
assembleia que une homens tão diversos, como africanos da África negra e norte-
americanos, antilhanos e malgaxes. A resposta parece-me evidente: esse
denominador comum é a situação colonial”. [CÉSAIRE, 2011: 253]
A essa afirmação una-se a proclamação de Césaire da necessidade do fim do
colonialismo para o renascimento da cultura negra, estagnada e marcada pelo artificialismo
de suas formas remanescentes elitistas e temos a afirmação e reivindicação de um ambiente
de livre mudança e transformação como o ideal de uma “cultura viva”. Uma cultura que se
confundiria com a cultura popular e só poderia existir como parte de uma sociedade livre:
“Sabe-se que é um lugar comum na Europa censurar os movimentos nacionalistas
dos países colonizados, apresentando-os como forças obscurantistas que se
esforçariam por fazer renascer formas medievais de vida e de pensamento. Mas
esquece-se que o poder de superação está em toda civilização viva e que toda
civilização está viva quando a sociedade onde ela se exprime é livre.” [CÉSAIRE,
2011: 259]
Nesse trecho se evidencia uma expectativa de reconstrução e renascimento a se
concretizar com o fim do colonialismo. A cultura assumia o papel de reconstrutora e
renovadora quando livre e parte do processo de decadência dos povos colonizados quando
mantida sob dominação. Diante dos “vastos territórios, de vastas zonas de vazio cultural ou,
o que vem a dar no mesmo, de perversão cultural ou de subprodutos culturais”, criados pelo
colonialismo, Césaire afirma: “Esta é a situação que nós, homens de cultura negros, temos de
ter a coragem de olhar bem de frente.” [CÉSAIRE, 2011: 270]
Em muitos aspectos, este trabalho de Césaire vai ao encontro dos argumentos de
Fanon explicitados em seu texto Racismo e Cultura, apresentado no mesmo Congresso.
Neste caso, porém, a ênfase da análise da situação das culturas colonizadas recai sobre o
racismo. Este é visto por Fanon não como um fenômeno fechado e isolado, mas como “o
elemento mais visível, mais quotidiano, para dizermos tudo, em certos momentos, mais
grosseiro de uma estrutura dada” [FANON, 2011: 274], sendo esta estrutura parte de um
processo maior de subjugação de uma cultura por outra, a esta externa, e de instituição de
uma hierarquização sistematizada. Por meio desse processo tem-se um resultado semelhante
ao explicitado por Césaire, no qual “esta cultura, outrora viva e aberta ao futuro, fecha-se,
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aprisionada no estatuto colonial (...)” [FANON, 2011: 274]. Aqui, assim como na
comunicação apresentada anteriormente, desenha-se uma oposição entre cultura sadia, viva,
aberta e livre, e cultura dominada, subjugada, artificial e colonizada.
O contato constante com o sistema que engendra e é engendrado por esse processo de
hieraquização e que se baseia na desestruturação da organização social, política e cultural de
um povo por outro, que ganha direito sobre o anterior, é o que deflagra, na construção
discursiva de Fanon, uma “mumificação” da cultura autóctone. Segundo o martinicano, esta
cultura doente
“Presente e simultaneamente mumificada, depõe contra os seus membros. Com
efeito, define-os sem apelo. A mumificação cultural leva a uma mumificação do
pensamento individual. É assim que se assiste à implatação dos organismos
arcaicos, inertes, que funcionam sob a vigilância do opressor e decalcados
caricaturalmente sobre instituições outrora fecundas...” [FANON, 2011: 276]
E vê-se aqui outra interseção dos dois textos. Há, em ambos, a denúncia de uma
cultura exotificada, confinada por uma elite colonial que se institui como sua protetora se
prendendo a aspectos específicos e isolados. Sem o diálogo com a cultura popular cai-se num
vazio uma vez que “a característica de uma cultura é ser aberta, percorrida por linhas de força
espontâneas, generosas, fecundas”. [FANON, 2011, 276] Segundo Fanon, o homem imerso
nesse processo é tomado pela alienação e culpabilização diante da situação de sua
comunidade. Para alcançar o desenvolvimento do colonizador, que tanto almeja, este homem
se despoja de sua cultura e mergulha num processo de domínio das técnicas mais avançadas.
Mas mesmo detendo este conhecimento, verifica ainda a marginalização. Em uma nota de
rodapé, o autor atenta aos perigos aos quais os poucos “intelectuais colonizados” estão
expostos:
“Os raros intelectuais colonizados vêem, nas universidades, o seu sistema cultural
ser-lhes revelado. Acontece até que os sábios dos países colonizadores se
entusiasmam por este ou aquele traço específico. Surgem assim os conceitos de
pureza, ingenuidade, inocência. A vigilância do intelectual tem de redobrar nesta
altura”. [FANON, 2011: 281]
Esta argumentação possui uma clara correspondência com críticas contemporâneas
diretamente referentes à primeira geração do Négritude, principalmente em sua versão
senghoriana, engajada na afirmação da especificidade e essência do que seria uma “alma
negra” perene, constituidora de uma visão de mundo específica. Tal argumentação não pode
ser deixada de lado no contexto em que foi proferida, num debate organizado em torno dos
principais nomes do Négritude dos anos de 1930.
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Por fim, cabe apontar ainda o caminho que Fanon traça como redentor das culturas
“mumificadas”. Este é pautado pela luta de emancipação colonial. Processo que permitiria a
constituição de culturas baseadas no encontro, às quais Césaire chama em seu texto de
“mestiças”. Para ambos, uma cultura colonial nunca é mestiça, uma vez que se opera não
uma apropriação de elementos selecionados, mas a imposição e sobreposição de uma cultura
sobre a outra em um cenário assimétrico de forças. Nesse sentido, só com a liberdade, “a
cultura espasmada e rígida do ocupante, liberta, oferece-se finalmente à cultura do povo
tornado realmente irmão. As duas culturas podem enfrentar-se, enriquecer-se” [FANON,
2011: 284].
Ao contrário desses trabalhos, que consideraram premente falar do colonialismo para
dizer das culturas negras, o discurso apresentado pelo célebre Léopold Senghor, parte do
pressuposto de que “(...) a chama não se extinguiu, a semente está ainda em nossos corpos e
corações feridos, para possibilitar nosso renascimento hoje.”[SENGHOR, 1968: 191] A
estratégia argumentativa do autor opta por expor o que ele chama de uma “fisiopsicologia do
negro”, da qual decorre no texto uma cosmogonia do africano, a descrição de um modo de
ver o mundo que funda uma vida social, sendo partes desta a literatura e a arte. O artigo
percorre lentamente e com exemplos o forjar-se dessa que seria a cultura negra e parece ter
um ponto de partida semelhante ao de Fanon e Césaire:
“Mas este renascimento será a obra não tanto dos políticos como dos escritores e
artistas negros. A experiência provou que a liberdade cultural é uma condição
essencial da liberdade política. (...)Isso significa que se os escritores e artistas
negros da atualidade querem terminar a obra no espírito de Bandung devem ir à
escola na África negra.” [SENGHOR, 1968: 192]
Nota-se, no entanto, que o trabalho de Senghor instaura culturas negras pungentes. A
frase acima citada demonstra a maneira pela qual a África se torna um guia, um lugar que
teria tirado da decadência a arte européia, trazendo em sua “fisiopsicologia” o traço da
capacidade da transcendência, do abandono de si no momento de compreensão e constituição
de conhecimento do mundo. Uma congnição que não falseia nem mascara, mas essencializa.
A afirmação da importância da cultura africana passa necessariamente em Senghor pela
afirmação de sua peculiaridade. Não há decadência da cultura negra em seu texto. O que
assistimos página a página é a afirmação e a prescrição de uma cultura fortalecida e
dominante na vida do africano. Desfilam exemplos de todo o continente, dotando o discurso
de um valor de unidade que ecoa os primeiros anos do Négritude e seus diálogos com
antropólogos e etnólogos como Leo Frobenius.
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Assim, o autor pode afirmar, por fim, que o homem negro traz em si, em sua alma,
em sua personalidade, e nas reflexões culturais e sociais desta, a chave para o “ato de
conhecimento como um ‘acordo de conciliação’ com o mundo, a consciência simultânea e a
criação do mundo em sua unidade indivisível.” [SENGHOR, 1968: 207] Portanto, em
Senghor se mostra mais relevante a vocação do homem negro para efetuar a realização de um
mundo conciliado do que sua luta contra o jugo do colonialismo. Ao ressaltar a dimensão
conciliadora que faria parte da negritude, Senghor demonstra posições que mais tarde seriam
alvos de críticas de figuras como Césaire e mobilizadas por oposições políticas e intelectuais
como a do próprio Cheikh Anta Diop.
Este será o último pensador a ser tratado aqui. Já no início de sua comunicação o
autor endereça críticas à negritude de Senghor. Segundo Anta Diop:
“Em geral, os escritores partem de considerações artísticas ao determinar o que a
humanidade deve ao mundo negro em seu lento progresso através dos tempos. Esta
é uma maneira de limitar de entrada o problema, de reduzi-lo somente ao campo do
sentimento. (...)atitude inconscientemente parcial.” [grifo meu] [DIOP, 1968: 174]
Temos aqui elementos de uma crítica semelhante à desferida por Fanon. Mas em
Diop, o temor expresso de que o campo fosse reduzido ao sentimento, deixa-nos mais claro o
diálogo com a negritude senghoriana. Remete-nos inclusive à conhecida frase escrita por
Senghor em 1939 no texto O Contributo do Homem Negro: “a emoção é negra como a razão
helena”. [SENGHOR, 2011: 75] 2 Portanto, Diop já inicia suas explanações se colocando em
um lugar de oposição. E após a exposição deste incômodo diante do contributo do homem
negro ressaltado em Senghor, referindo-se a sua obra publicada em 1955, Nations Nègres et
Culture, afirma ter buscado dar conta desta presença negra mais ampla a partir do estudo do
passado do mundo africano.
O passado que Anta Diop aclama em 1955 e ao longo de toda sua vida acadêmica é o
Egito Negro. Pautando-se na afirmação da cor da pele dos antigos faraós, o historiador
senegalês afirma o Egito Antigo como berço da civilização negra. Daí decorre que
“Na medida em que o Egito foi, sem discussão, o grande iniciador do mundo
mediterrâneo, esta contribuição existe nos campos da ciência, da arquitetura, da
filosofía, da música, da religião, da literatura, da arte e da vida social, etc...”.
[DIOP, 1968: 176]
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Esta é muitas vezes referida como uma frase emblemática do Négritude. Retirada de seu contexto e tomada como
emblema do movimento, a frase é subsídio de grande parte das críticas a este endereçadas. E em 1956 isso se
demonstra na preocupação de Senghor em afirmar que “o negro, por tradição, não está desprovido de razão, como se
supõe que disse.” [SENGHOR, 1968: 192]
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A partir da afirmação desse passado unificador o autor procura produzir um futuro
único para a África negra. O seu texto é, em oposição aos outros, menos um diagnóstico das
culturas negras e mais um plano de ação imediato para a construção de um ideal concreto e
tangível, a saber, “um Estado multinacional que abarque a totalidade do continente.” [DIOP,
1968: 179] Para isso, a abordagem que Diop dá ao tema da cultura ganha uma dimensão
prática e utilitária. É interessante fomentar a construção de uma cultura continental, ou dar
relevo a suas dimensões continentais já existentes, uma vez que isso será decisivo para a
construção de um Estado seguro e estável. A cultura viva e livre dos outros expoentes dá
lugar em seu texto a uma cultura a ser moldada e construída para o fim pretendido. Nesse
sentido afirma:
“Por certo, no curso desta luta, as armas culturais são desde agora necessárias;
ninguém pode prescindir delas. Por isso há que forjar-las simultaneamente dentro
da estrutura da nossa luta pela independência nacional”. [grifo meu] [DIOP, 1968:
179]
Essa Négritude armada de Diop bate de frente com os ideais de uma cultura a ser
deixada livre e popular. Em seu texto, as elites são mais importantes na medida em que
devem gerir e operar a construção dessa cultura útil ao fim maior do Estado multinacional.
Escritores e artistas são inclusive dispensáveis caso estes não produzam armas para o arsenal
cultural africano. E mesmo assim a cultura permanece subalterna a uma revolução política e
só interessa como mecanismo para garantir sua efetividade e estabilidade interna. Ao
defender a importância da adoção de uma língua comum nativa africana para sua empresa, o
autor chega a afirmar “que não era o mesmo impor ao povo um idioma nativo ou um
estrangeiro” [DIOP, 1968: 180], considerando que o fim nobre saberia compensar os meios
agressivos.
Nota-se, portanto, a existência de linhas visíveis de embates pela instauração de
futuros, mas também de passados, que cortam os textos deste Congresso. Existem sob uma
mesma denominação de cultura e civilização negra diferentes conformações e projetos de
afirmação identitária que mobilizam discursos sobre o passado e informam planos de
construção de um futuro à altura das promessas e esperanças de emancipação, libertação e
crescimento econômico, bem como de inserção equânime e real em um universalismo ou em
relações internacionais. Era um momento em que estavam sobre a mesa proposições e
escolhas a serem feitas, em que os caminhos tomados ou não pelos homens em suas políticas
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e representações a cerca dos movimentos anticoloniais ou de afirmação cultural de uma
coletividade dita negra ainda se trilhavam lentamente, curva após curva.
Assim atenta-se aos debates e diálogos possíveis no interior do Négritude, para os
quais o Primeiro Congresso de Escritores e Artistas Negros foi palco importante. Pensando
esse movimento em sua historicidade, no momento em que se construía, se fissurava e
assumia novas amplitudes, poder-se-á restituir-lhe a relevância no palco da história. O
fenômeno se desenha aos olhos como um espaço de embate e debate das perspectivas que
tomariam ou não lugar privilegiado na composição de uma identidade negra. Tem-se não um
movimento estagnado e desatrelado às independências, como muitas vezes se afirma, mas um
campo aberto para a instituição de expectativas, metas e meios, e de projetos que podiam ter
como fim último e aglutinador, a derrota ao colonialismo.
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Referências Bibliográficas
Fontes
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que os impérios tecem: textos anticoloniais, contextos pós-coloniais. Lisboa: Edições
70, 2011. p. 253-272.
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KOHN, Hans; SOKOLSKY, Wallace. El nacionalismo africano em el siglo XX. Buenos
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3- FANON, Frantz. Racismo e cultura. IN: SANCHES, Manuela Ribeiro. Malhas que
os impérios tecem: textos anticoloniais, contextos pós-coloniais. Lisboa: Edições 70,
2011. p. 273-285.
4- SENGHOR, Léopold Sédar. El espíritu de la civilización, o las leyes de la cultura
africana negra. IN: KOHN, Hans; SOKOLSKY, Wallace. El nacionalismo africano em
el siglo XX. Buenos Aires: Editorial Paidos, 1968. p.191-208.
5- SENGHOR, Léopold Sédar. O Contributo do homem negro. IN: SANCHES,
Manuela Ribeiro. Malhas que os impérios tecem: textos anticoloniais, contextos pós-
coloniais. Lisboa: Edições 70, 2011. p. 73-92.
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4- KOHN, Hans; SOKOLSKY, Wallace. El nacionalismo africano em el siglo XX.
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5- SANCHES, Manuela Ribeiro. Malhas que os impérios tecem: textos anticoloniais,
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