EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ.
AUTOS Nº 0800512-90.2023.8.14.0029
APELANTE: WELLYTON DE SOUZA FARIAS
APELADO: JUSTIÇA PÚBLICA
COLENDA TURMA
DOUTO JULGADORES
CLEITO DE SOUSA OLIVEIRA, já devidamente qualificado nos autos do processo
em epígrafe, através de sua advogada nomeada por este juízo, vem respeitosamente e
tempestivamente, com fulcro no Art. 593, I, do Código de Processo Penal Brasileiro,
APRESENTAR AS RAZÕES DO RECURSO DE APELAÇÃO, por não concordar
com a sentença condenatória prolatada pelo Juízo da Vara Única da Comarca de
Maracanã - PA e pretende, com o presente recurso de apelação, demonstrar os motivos
de sua insatisfação.
I - RELATÓRIO
Narra a peça acusatória, em suma, que em 31.07.2023, neste município, o denunciado
abusou sexualmente de sua enteada, com apenas 6 anos de idade à época dos fatos,
nascida em 10.10.2016.
A denúncia foi recebida no dia 15.09.2023, conforme decisão de ID. 100665313.
O réu foi citado ID. 101476671 e apresentou resposta à acusação em ID. 101913721.
Em audiência de instrução e julgamento, realizada em 28.05.2024, ID. 116633363,
foram ouvidas as testemunhas, bem como realizado o interrogatório do réu.
Em sede de alegações finais escritas, o Ministério Público, requereu a condenação do
réu com o incurso nas sanções previstas no art. 217-A, caput, c/c art. 226, inciso II, c/c
art. 71, todos do CPB.
A seu turno, a defesa em alegações finais escritas, pugnou pela absolvição do réu, em
caso de condenação, que a penalização seja no mínimo legal.
Certidão de antecedentes criminais ao ID 104384782.
Conforme sentença prolatada pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Maracanã - PA, o
ora apelante foi processado e condenado pela suposta prática do crime previsto no art.
217-A, caput, c/c art. 226, inciso II, c/c art. 71, ambos do CPB, sendo a ele imputada
a pena de 22 (VINTE E DOIS) ANOS E 09 (NOVE) MESES DE RECLUSÃO a ser
cumprida em regime inicial fechado.
Certamente a decisão em liça merece reparos, maiormente quando, nessa ocasião, o
operoso magistrado não agiu com o costumeiro acerto.
II - Das Razões do Recurso
Em que pese o zelo do Douto Magistrado de Primeiro Grau, o fundamento para a
condenação e a forma como fixada a pena aplicada, não devem prevalecer, merecendo
reforma.
- DA ABSOLVIÇÂO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS
Como se vê, não foram produzidas provas mínimas a ensejar condenação, muito menos
foram construídos indícios em sede de investigação policial.
Na verdade, o que há são suposições e conjecturas sem base lógica e sem lastro
probante, não podendo ser consideradas para fins de incriminar o acusado.
Das provas produzidas sob o crivo do contraditório, da ampla defesa e do devido
processo legal, conclui-se que estas são extremamente frágeis para suportar uma
condenação.
Insta que o juízo de primeiro grau, ao optar por condenar os réus pelo delito previsto
nos art. 217-A, caput, e art. 71, ambos do Código Penal, utilizou-se apenas da palavra
da vítima.
No entanto, a doutrina majoritária entende que: “nem toda palavra de vítima é bastante e
suficiente, por si só e a despeito de quaisquer considerações que a possam invalidar ou
comprometer, para o embasamento de solução condenatória ao processo penal"
A palavra da vítima em crimes sexuais é conferida grande valor probatório, seja porque
em muitas oportunidades é a única pessoa que manteve contato com o agente, seja
porque, em tese, não possui motivos para incriminar o acusado injustamente e lógico,
desde que segura e coerente.
Primeiro, temos que o relato colhido da vítima em depoimento especial apresentou
incongruências e contradições que afastam a credibilidade de seu depoimento.
Uma vez que as palavras da vítima carecem de credibilidade, tendo em vista as suas
contradições, em homenagem ao princípio do in dubio pro reo, o réu deve ser absolvido
das acusações.
Ademais, fica claro com o Laudo Sexológico de ID n° 57676803 (pág. 07 e 08), no item
5 que a “vítima” possui hímen de orla estreita e ostio amplo, integro, bem como, no
item 9- (...) PRIMEIRO: Há vestígios de prática de conjunção carnal? A resposta do
perito foi NÃO.
Vejamos que há uma séria divergência entre o que foi dito pela vítima e o que foi
atestado pelo perito no Laudo Sexológico. Isso porque, a vítima afirmou que por pelo
menos cinco vezes foi “estuprada” pelo padrasto, com conjunção carnal, que “ele tirava
a roupa dele e inseria o órgão em mim”, afirmou ainda que um outro tio, amigo de
Cleyton lhe usou pelo menos umas 03 (três) vezes. No entanto, no laudo sexológico
juntado aos autos, não foi encontrado nenhum indício de conjunção carnal, sendo ele
antigo ou recente, bem como constatou-se que o Hímen da vítima se encontra integro,
ou seja, não foi rompido, indicando que nunca ocorreu conjunção carnal.
Claramente, o laudo sexológico vai totalmente no sentido contrário do que afirmou a
vítima.
Ademais, não há prova nos autos que demonstre a prática do estupro imputado e sequer
de eventual reiteração de atos. Na verdade, todos esses pontos acabam por serem
presumidos, com base exclusivamente no depoimento da vítima.
Por consequência, mesmo nas suas declarações a vítima se contradiz, afirmando que
havia tido penetração (“ele tirou a roupa e inseriu o órgão em mim”), portanto, em tese,
ter havido conjunção carnal apta a deixar vestígios e, em uma segunda versão afirma
que o Apelante praticou apenas “atos libidinosos” , deixando dúvidas acerca da
ocorrência ou não de tais eventos.
Logo, nesse caso, a dúvida se presumiu em desfavor do Apelante e sua conduta foi
presumida reiterada durante um lapso temporal impreciso. Inclusive, torna inviável o
exercício do contraditório e da ampla defesa, o que jamais poderia ser fundamento para
uma condenação criminal.
Como se depreende dos autos do processo, o lastro probatório dos autos se restringe aos
depoimentos realizados pela vítima, visto que, o exame vai de contra ao que falou a
vítima em depoimento no conselho tutelar e em juízo.
No que concerne ao laudo pericial, o mesmo aduz, com máxima fidúcia, que a menor
possuí o hímen integro, assim como não há vestígios de prática de conjunção carnal,
sendo ela antiga ou recente, o que corrobora mais uma vez com a versão do Apelante de
que nunca praticou conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso com a vítima.
As únicas provas que apontam uma acusação acerca do Apelante são apenas as palavras
ditas pela menor, em versões diferenciadas e conflitantes nos detalhes, deixa claro que a
verossimilhança de suas alegações não podem ser levadas em caráter absoluto, deixando
de lado de verificar outros elementos de prova produzidos na instrução probatória.
Em que pese o valor da palavra da vítima nessas espécies de crimes, esta não pode ser
exclusiva para sustentar uma condenação, principalmente quando é isolada diante da
ausência de outros elementos probatórios.
É necessário, portanto, que haja prova suficiente da materialidade delitiva e da autoria
para que haja uma condenação. No caso em questão, as provas colhidas não estão aptas
a estabelecer nenhuma convicção a respeito da autoria do Apelante no que se refere ao
crime previsto no art. 217-A do Código Penal.
Sobremaneira, na dúvida, deve ser aplicado o princípio constitucional In Dubio Pro
Reo, impondo-se a absolvição do sentenciado. Nesse sentido, os seguintes julgados:
APELAÇÃO CRIMINAL - ESTUPRO DE VULNERÁVEL -
PALAVRA DA VÍTIMA - OFENDIDA EM IDADE PRÉ-ESCOLAR
- VINGANÇA DO GENITOR CONTRA O AVÔ - INDUÇÃO DA
MENOR - CONJUNTO PROBATÓRIO INCONSISTENTE -
ABSOLVIÇÃO.
I. A credibilidade da palavra da vítima deve pautar-se no discurso
coerente e repetido sobre os fatos, além de estar consonante com
os demais testemunhos e provas dos autos.
II. Os fatos narrados na denúncia foram praticados, em tese,
contra menina de 4 (quatro) anos de idade. O perigo de induzir
respostas e gerar falsas memórias é um risco na entrevista de
crianças no estágio pré-escolar. Adultos e outras figuras de
autoridade podem distorcer as percepções e recordações de
infantes ao inquirir com uma pré-concepção do fato ocorrido.
III. No caso concreto, o genitor da menor, por vingança e pautado em
longo histórico de entreveros com o acusado, incutiu a ideia dos
abusos, como retaliação ao réu, fato reconhecido posteriormente.
IV.O conjunto probatório não é suficiente para demonstrar a
materialidade e a autoria. Mister absolver.
V.Apelo provido.”
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL.
ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS DA AUTORIA DA
PRÁTICA DELITIVA. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO.
1. Diante da inexistência de elementos probatórios suficientes para
comprovar que o acusado seja o autor do crime de estupro de
vulnerável descrito na denúncia, a aplicação do princípio “in dubio
pro reo” é medida que se impõe.
2. Dado provimento ao recurso. Maioria.” (TJDF 20170310038115 –
Rel.: Silvanio Barbosa, Data de Julgamento: 18/07/2019, 2ª Turma
Criminal)
“Apelação crime- Estupro -Ausentes os requisites tipificadores do
ilícito penal – Prova insuficiente para sustentar um decreto
condenatório – Duvidosa a declaração da vítima ante a segurança
demonstrada – Informação isolada da ofendida – Nenhuma prova
existe em todo o curso do procedimento, apontando o réu como autor
do crime denunciado – A absolvição do réu se impõe pela
insuficiência de prova – Apelo do órgão ministerial prejudicado –
provido o apelo do acusado.”(TJ PR – Acr 475194 PR – 1ª Câmara
Criminal, Rel. Clotário Portugal Neto. DJ 30/06/1997)
“APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL.
PROVAS INSUFICIENTES. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO.
APLICAÇÃO.
Nos termos do disposto no art. 386, inc. VII do CPP, nas hipóteses que
vicejam a dúvida de que o crime tenha efetivamente sido praticado,
deve ser aplicado o princípio in dubio pro reo, com a consequente
absolvição do acusado. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA.
(TJGO – APR: 01052572820108090134 quirinopolis, Rel: Des. João
Waldeck Felix, Data de Julgamento: 11/06/2013, 2ª Câmara Criminal).
ESTUPRO. PALAVRA DA VÍTIMA. CONTRADIÇÕES. IN DUBIO
PRO REO. ABSOLVIÇÃO.IMPROVIMENTO. 1. Apesar de
reconhecer que a palavra da vítima é imprescindível em crimes desse
jaez, in casu, as declarações prestadas precisam ser firmes e coerentes
com os demais elementos coligidos nos autos. 2. Na espécie, as
declarações da vítima foram permeadas de contradições em relação
aos depoimentos das demais testemunhas, o que não viabiliza a
extração de juízo de certeza e convicção acerca da materialidade e
autoria do crime. 3. Não se trata de reconhecer como verdadeira a
versão defensiva, mas de não ser possível descarta-la e, em razão
disso, não se pode negar ao réu o benefício da dúvida. O ônus da
defesa não é o de gerar ou de fazer prova de certeza, mas de gerar
dúvida fundada. Isso, o réu obteve. Cabia ao autor da ação penal
produzir prova que excluísse a dúvida. 4. Recurso conhecido e
improvido. (TJ-PI – APR: 00146704820148180140 – 2ª. Câmara
Especializada Criminal - Relator: Des. Joaquim Dias de Santana Filho
- Data do Julgamento: 28/06/2017)
A jurisprudência entende MAJORITARIAMENTE que em caso de ausência de provas,
principalmente em crimes dessa natureza, deve-se prevalecer a absolvição do acusado.
Assim como no sentir da doutrina, o professor René Ariel Dotti, que aduz: “A dúvida
jamais pode autorizar uma sentença condenatória.”
Deste modo, a absolvição, com fulcro no art. 386, VII do Código de Processo Penal é de
rigor, principalmente por não se ter alcançado o standard probatório mínimo para
autorizar a condenação nos termos da sentença vergastada, devendo ser reformada para
a absolvição do Apelante quanto ao tipo penal do art. 217-A do CP.
- DO AFASTAMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA art. 71 do CP.
Quanto a este ponto, considerando não estar devidamente comprovado a conduta
imputada ao Apelante na denúncia, por não reunir os elementos essenciais para a
aplicação do tipo penal subsumido ao estupro de vulnerável, notadamente, não merece
prosperar incidência da continuidade delitiva do art. 71 do CP.
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão,
pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de
tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os
subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe
a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas,
aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. (Redação
dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes,
cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz,
considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a
personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias,
aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se
diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art.
70 e do art. 75 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)
Como é sabido, a continuidade delitiva é uma ficção jurídica criada pelo legislador para
beneficiar o agente, sendo necessário, para o seu reconhecimento a presença dos
requisitos objetivos (mesmas condições de tempo, espaço e modus operandi) e subjetivo
(unidade de desígnios), de modo que os delitos subsequentes sejam um desdobramento
do primeiro.
No caso dos autos, não ficou devidamente comprovado os outros supostos crimes
praticados pelo Apelante, e não foi conclusivo os outros levados a efeito na narrativa da
vítima, mesmo porque foram citados genericamente, não deixando claro e avistável o
preenchimento dos requisitos objetivos da continuidade delitiva já mencionados.
Nesse sentido, a doutrina leciona que o artigo 71 do Código Penal nos fornece, portanto,
os requisitos indispensáveis à caracterização do crime continuado ou da continuidade
delitiva, que se constituem na prática de mais de uma ação ou omissão, tendo como
resultado dois ou mais crimes da mesma espécie, que pelas condições de tempo, lugar,
maneira de execução e outras semelhantes, os crimes subsequentes devem ser havidos
como continuação do primeiro, o que conduzirá à aplicação da pena de um só dos
crimes, se idênticas, aumentadas de 1/6 até 2/3, ou a aplicação da mais graves das
penas, se diversas, aumentada de 1/6 até 2/3, ou, ainda, nos crimes dolosos contra
vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, a aplicação da
pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a aplicação da mais grave das penas, se
diversas, aumentadas em quaisquer hipóteses até o triplo."
Ademais, considerando que os fatos comprovados deixam claro a presença de apenas
uma infração penal, sendo as demais infrações relatadas na denúncia de forma imprecisa
quanto ao modus operandi, bem como não deixam claro ser delitos da mesma espécies,
ou sequer apontam as mesmas condições temporais, ausente também a identidade de
lugar e não restar comprovado que os atos subsequentes foram continuações do
primeiro.
Portanto, reputa-se como desproporcional e desarrazoada a aplicação da fração de 1/6 à
sanção, sob o fundamento de a prática delitiva ter ocorrido algumas vezes em crime
continuado, devendo ser afastada por esta Câmara Criminal.
III - DOS PEDIDOS
Por todo o exposto, requer a Vossa Excelência:
1. Que o presente recurso de Apelação seja recebido e processado;
2. Que ao analisar o recurso de Apelação, seja reformada a sentença proferida pelo juízo
de primeiro grau e seja o apelante absolvido, por ser medida da mais absoluta Justiça,
com fulcro nos arts. 386, VII, CPP e/ou art. 397, III, CPP;
3. Caso esse não seja o entendimento dos nobres Desembargadores, que seja aplicada a
pena-base no mínimo legal;
4. Requer que a SENTENÇA SEJA REDEFINIDA considerando a conduta do Apelante
única e pontual, afastando a CONTINUIDADE DELITIVA e a CAUSA DE
AUMENTO DE PENA - art. 226, II do CP, ante ausência de pleito ministerial.
Tudo por medida de JUSTIÇA!
Nestes Termos,
Pede e Espera Deferimento.
Maracanã-PA, 03 de setembro de 2024.
BRUNA THAIS DA SILVA PERES
OAB/PA 29664