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Anemia

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P R O F .

H U G O B R I S O L L A

A N E M I AS H E M O L Í T I CAS
HEMATOLOGIA Prof. Hugo Brisolla| Anemias Hemolíticas 2

APRESENTAÇÃO

PROF. HUGO
BRISOLLA
Olá, Estrategista. Hoje trataremos de condições muito
interessantes, as anemias hemolíticas. Esse é um conjunto
extenso de doenças muito diversas, algumas muito frequentes e
algumas muito raras, tanto na prática clínica quanto nas provas de
Residência.

ANEMIAS HEMOLÍTICAS
3%

Anemia falciforme
12% Talassemia

4% Anemias hemolí�cas
microangiopá�cas
36%
Deficiência de G6PD
7%
Esferocitose
hereditária
6%
Hemoglobinúria paroxís�ca
noturna
Anemias hemolí�cas
15% 17% autoimunes
Classificação das anemias
hemolí�cas

Este é um livro bem extenso, abordando inúmeras doenças


diferentes, com fisiopatologias próprias e peculiaridades em seu
quadro clínico, diagnóstico e tratamento. A maioria das questões
aborda a anemia falciforme e as talassemias, mas eventualmente
você se verá diante de condições mais raras, como a deficiência de
G6PD, a esferocitose hereditária e a hemoglobinúria paroxística
noturna.
Realcei ao longo do texto todos os pontos mais cobrados
de cada doença, para que você saiba as informações que deve
priorizar. Sei que este é um livro longo, mas temos temas muito
importantes aqui tratados. Estude com calma e acertará valiosas
questões nas provas! Bons estudos!

/estrategiamed Estratégia Med

@estrategiamed t.me/estrategiamed

Estratégia
MED
HEMATOLOGIA Anemias hemolíticas Estratégia
MED

SUMÁRIO

1.0 INTRODUÇÃO À HEMÓLISE 5


1 .1 TIPOS DE HEMÓLISE 5

1 .2 QUADRO LABORATORIAL DAS ANEMIAS HEMOLÍTICAS 6

1 .3 CLASSIFICAÇÃO DAS ANEMIAS HEMOLÍTICAS 10

2.0 ANEMIAS HEMOLÍTICAS CONGÊNITAS 13


2 .1 ANEMIA FALCIFORME 13

2.1.1 EPIDEMIOLOGIA DA ANEMIA FALCIFORME 14

2.1.2 FISIOPATOLOGIA DA ANEMIA FALCIFORME 14

2.1.3 HERANÇA GENÉTICA NA ANEMIA FALCIFORME 16

2.1.4 TRIAGEM NEONATAL DA ANEMIA FALCIFORME 20

2.1.5 QUADRO LABORATORIAL DA ANEMIA FALCIFORME 21

2.1.5.1 COMPLICAÇÕES AGUDAS DA ANEMIA FALCIFORME 24

2.1.5.1.1 CRISES ÁLGICAS 24

2.1.5.1.2 AUTOESPLENECTOMIA 27

2.1.5.1.3 SEQUESTRO ESPLÊNICO 30

2.1.5.1.4 CRISE APLÁSICA E CRISE HIPER-HEMOLÍTICA 32

2.1.5.1.5 ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO ISQUÊMICO 36

2.1.5.1.6 SÍNDROME TORÁCICA AGUDA 37

2.1.5.1.7 PRIAPISMO 41

2.1.5.1.8 COMPLICAÇÕES OSTEOMUSCULARES DA ANEMIA FALCIFORME 41

2.1.5.2 COMPLICAÇÕES CRÔNICAS DA ANEMIA FALCIFORME 42

2.1.6 TRATAMENTO DA ANEMIA FALCIFORME 43

2.1.6.1 HIDROXIUREIA NA ANEMIA FALCIFORME 43

2.1.6.2 SUPORTE TRANSFUSIONAL NA ANEMIA FALCIFORME 45

2.1.7 OUTRAS HEMOGLOBINOPATIAS QUALITATIVAS 46

2.1.7.1 HEMOGLOBINOPATIA SC 47

2.1.7.2 S/β-TALASSEMIA 48

2 .2 ESFEROCITOSE HEREDITÁRIA 50

2.2.1 FISIOPATOLOGIA DA ESFEROCITOSE HEREDITÁRIA 50

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2.2.2. QUADRO CLÍNICO-LABORATORIAL DA ESFEROCITOSE HEREDITÁRIA 52

2.2.3 DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA ESFEROCITOSE HEREDITÁRIA 53

2 .3 ELIPTOCITOSE HEREDITÁRIA 57

2 .4 DEFICIÊNCIA DE G6PD 57

2.4.1 FISIOPATOLOGIA DA DEFICIÊNCIA DE G6PD 57

2.4.2 QUADRO CLÍNICO-LABORATORIAL DA DEFICIÊNCIA DE G6PD 59

2.4.3 DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA DEFICIÊNCIA DE G6PD 61

2 .5 DEFICIÊNCIA DE PIRUVATO-QUINASE 63

3.0 ANEMIAS HEMOLÍTICAS ADQUIRIDAS 63


3 .1 ANEMIAS HEMOLÍTICAS AUTOIMUNES - AHAI 63

3.1.1 CLASSIFICAÇÃO DAS AHAI 64

3.1.2 DIAGNÓSTICO DAS AHAI 66

3.1.3 TRATAMENTO DAS AHAI 70

3 .2 ANEMIAS HEMOLÍTICAS MICROANGIOPÁTICAS 73

3.2.1 PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA TROMBÓTICA – PTT 73

3.2.1.1 FISIOPATOLOGIA DA PTT 74

3.2.1.2 QUADRO CLÍNICO-LABORATORIAL DA PTT 75

3.2.1.3 DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA PTT 78

3.2.2 SÍNDROME HEMOLÍTICO-URÊMICA – SHU 83

3.2.2.1 FISIOPATOLOGIA DA SHU 83

3.2.2.2 QUADRO CLÍNICO-LABORATORIAL DA SHU 84

3.2.2.3 TRATAMENTO DA SHU 86

3.2.3 COAGULAÇÃO INTRAVASCULAR DISSEMINADA – CIVD 88

3 .3 HIPERESPLENISMO 90

3 .4 HEMOGLOBINÚRIA PAROXÍSTICA NOTURNA - HPN 93

3.4.1 FISIOPATOLOGIA DA HPN 93

3.4.2 QUADRO CLÍNICO-LABORATORIAL DA HPN 95

3.4.3 DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA HPN 97

4.0 FLUXOGRAMA DE INVESTIGAÇÃO DAS ANEMIAS HEMOLÍTICAS 98


5.0 LISTA DE QUESTÕES 99
6.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 100
7.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS 100
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CAPÍTULO

1.0 INTRODUÇÃO À HEMÓLISE


As hemácias ou eritrócitos são células discoides que realizam praticamente constante ao longo da vida adulta. Quando ocorre
o transporte do oxigênio. Anucleadas e sem organelas celulares, um desequilíbrio entre a fabricação e a degradação das hemácias é
as hemácias são basicamente “um saquinho de hemoglobina”, que se instalam os quadros de anemias, condições de redução da
incapazes de produzir proteínas ou lipídios, o que faz com que massa eritrocitária do indivíduo.
tenham uma sobrevida limitada: com o tempo, a diminuição da Já conhecemos, nos livros anteriores, algumas das causas
atividade de suas enzimas, mudanças lipídicas em suas membranas de anemias hipoproliferativas, em que essa redução eritrocitária
e outras alterações não totalmente esclarecidas fazem com que as ocorre por comprometimento da eritropoiese, como, por exemplo,
hemácias “envelheçam”. na anemia ferropriva e na anemia megaloblástica.
De fato, a vida média da hemácia humana é de 120 dias, Hoje, abordaremos as anemias hemolíticas, aquelas
período após o qual perde deformabilidade de membrana, o que derivadas de uma destruição eritrocitária precoce e aumentada,
faz que seja fagocitada e destruída pelos macrófagos do sistema levando à redução de sua vida média habitual e consequente
reticuloendotelial, espalhados pelo baço, fígado e medula óssea. É o redução da massa eritrocitária total. Mas, antes de falar dessas
equilíbrio entre a produção de hemácias na medula, a eritropoiese, condições em si, Estrategista, precisamos entender as formas pelas
e sua destruição normal pelo sistema reticuloendotelial, a quais os eritrócitos podem sofrer hemólise.
hemocaterese, que nos permite manter quantidade de eritrócitos

1 .1 TIPOS DE HEMÓLISE
Hemólise é a destruição prematura das hemácias, predominantemente extravascular são a esferocitose hereditária,
encurtando sua vida média de 120 dias e podendo desencadear a anemia hemolítica autoimune por anticorpos quentes e o
estado de anemia, caso supere a capacidade da medula óssea em hiperesplenismo.
repor os eritrócitos perdidos. Na maioria dos casos, esse processo Outras condições, entretanto, podem levar à hemólise
é mediado pelos macrófagos, como ocorre fisiologicamente, intravascular, isto é, destruição das hemácias na própria circulação,
constituindo o que chamamos de hemólise extravascular. rompendo sua membrana celular e levando à liberação de seu
Apesar de ocorrer também na medula óssea e no fígado, conteúdo citoplasmático. É o que ocorre na anemia hemolítica
a hemólise extravascular é mediada principalmente pelo autoimune por anticorpos frios, nas anemias microangiopáticas,
baço. Exemplos de anemias hemolíticas com componente na deficiência de G6PD e na hemoglobinúria paroxística noturna.

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Figura 1. Tipos de Hemólise: o sítio de ocorrência da destruição das hemácias é uma importante informação fisiopatológica que podemos utilizar para identificar a
causa da anemia hemolítica. Na maioria das vezes, a hemólise será extravascular, mediada pelos macrófagos esplênicos, levando à metabolização dos componentes
das hemácias (hemoglobina, membrana), gerando substâncias como desidrogenase lática e bilirrubina indireta. Já em anemias hemolíticas marcadas por destruição
das hemácias na própria circulação (hemólise intravascular), a alteração mais marcante é a liberação de hemoglobina livre no plasma, causando hemoglobinemia e,
consequente, eliminação de hemoglobina na urina (hemoglobinúria e hemossiderinúria).

Ambos os tipos de hemólise levam a alterações laboratoriais características que nos permitem diferenciá-las, então preste bastante atenção
a seguir, Estrategista, porque esses conhecimentos serão importantes para identificarmos os quadros das anemias hemolíticas.

1 .2 QUADRO LABORATORIAL DAS ANEMIAS HEMOLÍTICAS

Quadros de hemólise só podem ser diagnosticados por plasma tem como função capturar a hemoglobina liberada com a
meio de exames laboratoriais, apesar da suspeição clínica ser hemólise: qualquer quantidade de hemoglobina livre no plasma
importante. A destruição das hemácias, seja no meio intravascular deve ser prontamente ligada à haptoglobina, para evitar que cause
ou no meio extravascular, leva à liberação de seu conteúdo danos oxidativos ou que seja filtrada pelos rins e eliminada na
intracelular, culminando no aumento sérico da desidrogenase urina, o que ocasionaria perda de ferro ao organismo.
lática (DHL), uma enzima abundante no citoplasma de todas as O complexo haptoglobina-hemoglobina é muito grande
células, relacionada ao metabolismo energético. Essa alteração, para ser filtrado pelos rins e será retirado da circulação pelos
contudo, é pouco específica: qualquer situação de destruição macrófagos do sistema reticuloendotelial, que procederão à
celular ou apoptose pode ocasionar elevação de DHL. metabolização da hemoglobina. Assim, em quadros hemolíticos,
Uma alteração muito mais específica de estados hemolíticos teremos intensa redução dos níveis de haptoglobina, que será
é o consumo da haptoglobina. Essa proteína hepática presente no consumida para clarear a hemoglobina livre no plasma.

Um macete rápido para não esquecer: a haptoglobina é a RAPTOglobina! Ela tem função de RAPTAR a hemoglobina
livre do plasma, evitando que reaja com qualquer outra substância ou seja filtrada na urina. Quando captura a
hemoglobina, a haptoglobina é consumida, explicando porque estados hemolíticos cursam com níveis reduzidos
dessa proteína hepática.

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A metabolização da hemoglobina pelos


macrófagos fará com que seja quebrada em seus
componentes básicos: protoporfirina, ferro e
globinas. Enquanto o ferro será reutilizado para
produção de novas moléculas de hemoglobina,
a globina é degradada em aminoácidos e a
protoporfirina dará origem à bilirrubina indireta
ou não conjugada.
É pela degradação da protoporfirina que
estados hemolíticos frequentemente cursarão
com icterícia às custas de bilirrubina indireta.
Após ser transportada ao fígado pela albumina,
a bilirrubina indireta será convertida pelos
hepatócitos em bilirrubina direta ou conjugada,
que então sofre excreção pelas vias biliares. Isso
também explica por que pacientes portadores de
anemias hemolíticas crônicas frequentemente
cursarão com litíase biliar: o metabolismo
aumentado das bilirrubinas e a grande excreção
de bilirrubina direta faz com que haja propensão
à formação de cálculos biliares pigmentados.
Outra alteração laboratorial esperada
é a reticulocitose. A destruição periférica
das hemácias faz com que a medula óssea
prontamente reaja, aumentando a produção
de novas hemácias, liberadas na circulação
justamente na forma de reticulócitos. Figura 2. Ação da haptoglobina: essa proteína hepática tem função de clarear a hemoglobina livre no
plasma. Ela age ligando-se à hemoglobina liberada com a destruição das hemácias, evitando que seja
É por essas contagens reticulocitárias
filtrada pelos rins e eliminada na urina. O complexo hemoglobina-haptoglobina sofrerá, então, endocitose
aumentadas na circulação que as anemias pelos macrófagos do sistema reticuloendotelial, que metabolizarão a molécula de hemoglobina em seus
componentes básicos: globina e grupo heme. Enquanto a globina será degradada em aminoácidos,
hemolíticas podem ser macrocíticas: os
a protoporfirina do grupo heme dará origem à bilirrubina indireta e o ferro será reaproveitado, seja
reticulócitos são maiores que as hemácias armazenado em ferritina ou transportado pela transferrina no soro.
maduras, elevando o volume corpuscular
médio (VCM). No entanto, na maioria dos casos, as anemias hemolíticas serão normocíticas, com a exceção das talassemias, tipicamente
microcíticas, como vimos no livro que tratava do tema.
Alguns quadros de intensa hemólise podem fazer com que a medula óssea reaja tão fortemente produzindo novas hemácias que até
precursores eritropoiéticos nucleados, os eritroblastos, são lançados na circulação, podendo ser visualizados no sangue periférico, como
explica a imagem a seguir.

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Figura 3. Reticulócitos e eritroblastos: as hemácias são o final de uma longa linha evolutiva iniciada na medula óssea pelos proeritroblastos. Em situações de hemólise,
a produção de novas hemácias aumenta com objetivo de repor a perda periférica dessas células, liberando grande quantidade de reticulócitos na circulação, as formas
eritrocitárias jovens que acabaram de perder seus núcleos e sair da medula. Em estados hemolíticos muito intensos, a eritropoiese é tão estimulada que há liberação de
até mesmo eritroblastos ortocromáticos, tipicamente não vistos no sangue periférico.

De fato, como já abordado no livro de


Introdução ao Estudo das Anemias, o esfregaço
de sangue periférico pode ajudar-nos a pensar
no diagnóstico de anemias hemolíticas. Há outras
alterações específicas, como drepanócitos, típicos
da anemia falciforme, e esquizócitos, encontrados
nas anemias microangiopáticas.
Figura 4 Hemácia normal, drepanócito e esquizócito. A primeira tem uma forma bicôncava, enquanto
o drepanócito, típico da anemia falciforme, possui forma de foice ou meia lua. Já o esquizócito é um
fragmento eritrocitário, um “pedaço de hemácia”, característico das microangiopatias.

Os leptócitos, ou hemácias em alvo, são, por sua vez, encontrados em todas as


hemoglobinopatias, como a anemia falciforme, hemoglobinopatia SC e talassemias.
Essas hemácias possuem uma distribuição anômala da hemoglobina, que lhes dá a
característica de um alvo.

Figura 5. Leptócitos ou hemácias em alvo: típicos das anemias


hemolíticas decorrentes de defeitos da hemoglobina.

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Por fim, os microesferócitos podem ser encontrados em todos os tipos de


hemólise: algumas das hemácias que não são destruídas perdem parte de sua superfície
de membrana, deixando seu formato bicôncavo habitual e ganhando a forma esférica,
como mostra a imagem a seguir.
Enquanto todas essas alterações citadas são comuns à hemólise intravascular e
extravascular, algumas particularidades marcam a destruição das hemácias na própria
circulação. Quando as hemácias são destruídas pelos macrófagos no baço, apenas
pequena quantidade de hemoglobina escapa para o plasma, sendo prontamente
capturada pela haptoglobina.
Já nos casos de hemólise intravascular, a quantidade de hemoglobina livre no
plasma é tão grande que supera a capacidade da haptoglobina em contê-la. Por isso, Figura 6. Esferócitos e microesferócitos: hemácias
de formato esférico que perdem sua palidez central.
esses quadros são marcados por grande hemoglobinemia. Além disso, a hemoglobina Geradas em várias formas de anemias hemolíticas.
excedente é filtrada pelos rins e eliminada na urina, levando à hemoglobinúria, um
achado muito específico de hemólise intravascular.
Certa quantidade de hemoglobina é reabsorvida pelos túbulos renais, sendo armazenada sob a forma de hemossiderina. Quando as
células tubulares descamam, instala-se a hemossiderinúria, outra alteração típica da hemólise intravascular.
Agora, Estrategista, revise rapidamente todas as alterações laboratoriais esperadas de estados hemolíticos no esquema a seguir antes
de prosseguirmos, porque na sequência vamos ver como esse quadro é cobrado nas provas!

Aumento de
DHL

Libertação do Consumo de
conteúdo haptoglobina
intracelular

Aumento de
bilirrubina
indireta

Resposta
eritripoiética Reticulocitose
da medula
óssea

Esferócitos
Hemólise: destruição
Hematoscopia Esquizócitos
precoce das hemácias Drepanócitos

Hemólise Esplenomegalia
extravascular

Hemoglobinemia
Hemólise
Hemoglubinúria
intravascular
Hemossiderinúria

Figura 7. Alterações laboratoriais esperadas nas anemias hemolíticas.

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CAI NA PROVA
(UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ — UEPA BELÉM-PA — 2022) Em um paciente com anemia hemolítica intravascular, espera-se
usualmente a redução do marcador:
A) bilirrubina indireta.
B) reticulócitos.
C) haptoglobina.
D) desidrogenase lática.
E) hemoglobinúria.

COMENTÁRIO

Vamos lá, Estrategista. O que esperamos que esteja reduzido em uma anemia hemolítica intravascular? Como vimos, toda hemólise
habitualmente cursa com aumento de bilirrubina indireta (produto de degradação da hemoglobina) e da DHL (enzima intracelular), além
dos reticulócitos (hemácias jovens liberadas em resposta à destruição eritrocitária periférica). Por fim, hemoglobinúria é uma manifestação
marcante da hemólise intravascular. Já a haptoglobina está, sim, reduzida em quadros de hemólise, uma vez que sua função é retirar a
hemoglobina livre do plasma.

Correta a alternativa C.

1.3 CLASSIFICAÇÃO DAS ANEMIAS HEMOLÍTICAS

Existem diversas formas de anemias hemolíticas e algumas classificações usadas para dividi-las, facilitando sua investigação. A principal
delas já conhecemos: é a divisão quanto ao sítio predominante da hemólise, separando-as de acordo com a presença de destruição das
hemácias no leito vascular ou no baço, conforme mostra a tabela a seguir:

Anemias hemolíticas de acordo com o sítio de hemólise

Hemólise extravascular Hemólise intravascular

Esferocitose hereditária Deficiência de G6PD


Anemia hemolítica autoimune (AHAI) por anticorpos quentes Anemia hemolítica autoimune (AHAI) por anticorpos frios
Hiperesplenismo Anemias hemolíticas microangiopáticas (PTT, SHU, CIVD)
Talassemias Hemoglobinúria paroxística noturna

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A classificação mais abordada pelas provas, contudo, é molécula de hemoglobina, a membrana celular ou as enzimas
aquela em que dividimos as etiologias de hemólise de acordo com citoplasmáticas. Em geral, são condições congênitas. Por outro
sua relação com as hemácias: defeitos eritrocitários intrínsecos ou lado, fatores exteriores às hemácias normalmente são adquiridos,
extrínsecos. também levando à sua destruição precoce, como é o caso de
Aquelas decorrentes de defeitos inerentes à hemácia presença de autoanticorpos ou lesões mecânicas. Veja essa
são desordens de algum dos componentes eritrocitários, seja a classificação das anemias hemolíticas resumida a seguir:

Figura 8. Classificação das anemias hemolíticas de acordo com sua relação com as hemácias.

Anemias hemolíticas de acordo com sua relação com o eritrócito

Defeitos eritrocitários intrínsecos Fatores externos às hemácias

Hemoglobinopatias: anemia falciforme, talassemias


Lesão imune: anemia hemolítica autoimune (AHAI), anemias
Enzimopatias: deficiência de G6PD, deficiência de piruvato-qui-
hemolíticas aloimunes
nase
Lesão mecânica: anemias hemolíticas microangiopáticas
Membranopatias: esferocitose hereditária, eliptocitose he-
Hiperesplenismo
reditária, hemoglobinúria paroxística noturna

Obviamente, precisamos conhecer a fisiopatologia de cada anemia hemolítica para poder aplicar essa classificação. É o que faremos nas
próximas páginas, caro Estrategista: explorar a fundo cada uma das etiologias de hemólise. Mas, antes disso, vamos ver como a classificação
dessas condições é cobrada nas questões de prova?

CAI NA PROVA
(Universidade Federal do Piauí — UFPI — 2020) São exemplos de anemia hemolítica provocada por defeito extrínseco às hemácias do
paciente, EXCETO:

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A) hemólise de próteses cardíacas.


B) púrpura trombocitopênica trombótica.
C) hemoglobinúria paroxística noturna.
D) malária.
E) doença hemolítica do recém-nascido.

COMENTÁRIO

Vamos avaliar as alternativas, classificando as condições de acordo com sua relação com as hemácias.
Correta a alternativa A: próteses cardíacas mecânicas podem levar à fragmentação eritrocitária, configurando uma anemia hemolítica
decorrente de fator extrínseco às hemácias.
Correta a alternativa B: a púrpura trombocitopênica trombótica (PTT) é um quadro de hemólise microangiopática, isto é, que ocorre pelo
turbilhonamento das hemácias na microcirculação, portanto por um fator externo às hemácias. Decorre de deficiências congênitas ou
adquiridas da ADAMTS-13, como veremos mais à frente.

a hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) é uma condição adquirida em que surge um clone de células
Incorreta a alternativa C
hematológicas incapaz de proteger-se da ação do sistema complemento. É, dessa forma, um defeito
intrínseco das hemácias, que abordaremos bem a fundo mais à frente.

Correta a alternativa D: a malária é uma doença parasitária causada por protozoários do gênero Plasmodium, que, em determinada fase
evolutiva, invadem as hemácias e levam-nas a sua destruição. É, assim, um defeito eritrocitário extrínseco.
Correta a alternativa E: a doença hemolítica do recém-nascido decorre da passagem de aloanticorpos maternos contra antígenos
eritrocitários fetais através da placenta, causando hemólise no feto. Nessa condição, a causa da hemólise são aloanticorpos, portanto é
um fator extrínseco às hemácias.

(Universidade Federal de Santa Catarina — UFSC — 2018) Considerando as anemias hemolíticas, assinale a opção que indica corretamente
a doença e o respectivo defeito observado no eritrócito.
A) Talassemia maior — defeito na membrana eritrocitária.
B) Deficiência de glicose-6-fosfato redutase (G6PD) — defeito enzimático eritrocitário.
C) Esferocitose hereditária — defeito na síntese de hemoglobina.
D) Estomatocitose — defeito enzimático eritrocitário.
E) Deficiência de piruvato quinase (PK) — defeito na síntese de hemoglobina.

COMENTÁRIO
Veja como a hemólise é uma condição heterogênea, caro Estrategista! Inúmeras condições podem levar às anemias hemolíticas, por
diversos mecanismos diferentes. Vamos julgar se estão corretas as alternativas.
Incorreta a a alternativa A: como já vimos no livro de anemias microcíticas, as talassemias são hemoglobinopatias quantitativas congênitas,
decorrentes de um defeito na síntese da hemoglobina.
a mais comum das enzimopatias eritrocitárias, a deficiência de glicose-6-fosfato (G6PD), decorre, sim, de
Correta a alternativa B
defeitos na produção de enzimas das hemácias.

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Incorreta a Correta a alternativa C: a esferocitose hereditária é uma membranopatia eritrocitária, ou seja, um defeito na membrana das
hemácias, decorrente de deficiência congênita de proteínas do citoesqueleto dessas células.
Incorreta a Correta a alternativa D: a estomatocitose é uma rara membranopatia eritrocitária, pouco cobrada nas provas.
Incorreta a Correta a alternativa E: a deficiência de PK é a segunda enzimopatia eritrocitária mais comum, atrás apenas da deficiência de
G6PD.
Veja que, para classificar adequadamente as anemias hemolíticas, precisamos conhecer os mecanismos fisiopatológicos por trás dessas
condições. É o que faremos logo à frente, caro Estrategista, começando pelas causas adquiridas de hemólise.

EM RESUMO - ANEMIAS HEMOLÍTICAS


1. Definição: estados de destruição precoce das hemácias, reduzindo sua vida média habitual de 120 dias.
2. Quadro laboratorial das anemias hemolíticas: anemia normocítica e normocrômica, macrocítica em alguns casos, consumo
de haptoglobina, aumento de desidrogenase lática e bilirrubina indireta, reticulocitose, presença de microesferócitos.
3. Hemólise extravascular: mediada pelos macrófagos do baço.
4. Hemólise intravascular: ocorrida na própria circulação. Cursa com hemoglobinemia, hemoglobinúria e hemossiderinúria,
além das demais alterações típicas de hemólise.
5. Classificação fisiopatológica das anemias hemolíticas: quanto a defeitos intrínsecos ou extrínsecos às hemácias.

CAPÍTULO

2.0 ANEMIAS HEMOLÍTICAS CONGÊNITAS


Agora que já conhecemos o quadro geral das anemias algum componente das hemácias. É o caso das hemoglobinopatias,
hemolíticas, aprofundaremos nosso estudo através da descrição como as talassemias e a anemia falciforme, membranopatias, como
de um grupo de doenças muito interessantes, decorrentes de a esferocitose hereditária, e enzimopatias, como a deficiência de
alterações hereditárias que levam à destruição precoce das G6PD. Começaremos nossa jornada pelas hemólises congênitas
hemácias: as anemias hemolíticas congênitas. justamente com as mais cobradas delas nas provas de Residências,
A maioria dessas condições decorre de defeitos intrínsecos de as hemoglobinopatias!

2 .1 ANEMIA FALCIFORME
Doenças resultantes de anormalidades da estrutura ou microcíticas, já que aparecem nas questões principalmente
síntese das cadeias de globina da molécula de hemoglobina são relacionadas a essas condições. Aqui, focaremos nas
chamadas de hemoglobinopatias. A anormalidade nas globinas hemoglobinopatias qualitativas, especialmente a anemia falciforme,
pode ser quantitativa, como no caso das talassemias, ou qualitativa, um dos temas mais cobrados nas questões de Hematologia, em
como na anemia falciforme e hemoglobinopatia SC. conjunto da anemia ferropriva e da anemia megaloblástica. Vamos
As talassemias foram abordadas no livro de anemias lá!

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2.1.1 EPIDEMIOLOGIA DA ANEMIA FALCIFORME


A anemia falciforme é uma das doenças genéticas mais atualmente, cerca de 3.000 a 3.500 crianças nasçam com anemia
comuns no Brasil e no mundo, por muitos considerada a doença falciforme todos os anos, enquanto portadores de traço falcêmico
monogênica mais comum existente, incidindo particularmente na podem ser 180.000 a 200.000 de todos os nascidos vivos, segundo
África, Índia e Arábia Saudita. o Programa Nacional de Triagem Neonatal. A incidência é maior em
Em nosso país, os transtornos falciformes foram trazidos por estados com maiores concentrações de afrodescendentes, como a
movimentos migratórios de origem africana, fazendo com que, Bahia, em que nasce 1 criança falcêmica a cada 650 nascidos vivos.

A importância da anemia falciforme não decorre apenas de sua elevada presença em nossa população.
Acometidos por uma série de complicações e intercorrências de alta morbimortalidade, indivíduos
falcêmico possuem uma sobrevida média muito menor do que a população geral, com expectativas
de vida girando em torno de 40 a 50 anos.

As questões de prova não costumam abordar a epidemiologia da anemia falciforme a fundo, ao contrário da fisiopatologia da doença,
que discutiremos a seguir.

2.1.2 FISIOPATOLOGIA DA ANEMIA FALCIFORME


As síndromes falcêmicas são, na verdade, um espectro Como vimos no livro que trata das talassemias, a hemoglobina
clínico de diversas condições marcadas pela presença de uma é formada por quatro cadeias de globina ligadas cada uma a um
hemoglobina anômala chamada HbS. É por isso que a anemia grupo heme (ferro + protoporfirina). No indivíduo normal, cerca de
falciforme é chamada de uma hemoglobinopatia qualitativa: 97% das moléculas de hemoglobina serão de HbA, formadas por
porque há uma alteração da natureza da molécula de hemoglobina. 2 cadeias de alfa globina e 2 cadeias de beta globina, enquanto
Daí também a outra denominação que damos à anemia falciforme: teremos pequenas quantidades de HbA2 (α2δ2) e HbF (α2γ2).
hemoglobinopatia SS.

Figura 9. Eletroforese de hemoglobinas normal do adulto: após os seis meses de idade, as hemoglobinas normais que esperamos encontrar nas hemácias do indivíduo
normal são a HbA (α2β2), HbA2 (α2δ2) e HbF (α2γ2), o que pode ser verificado pelo exame da eletroforese de hemoglobinas, nas proporções indicadas acima.

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Na anemia falciforme, uma mutação pontual leva à substituição do ácido glutâmico pela valina como sexto aminoácido na betaglobina,
alterando a HbA e gerando a HbS. Essa troca causa uma mudança conformacional na molécula de hemoglobina, fazendo com que, quando
não ligada ao oxigênio, a HbS perca solubilidade e seja capaz de formar longas fibras no interior das hemácias.
Essa capacidade de se polimerizar quando desoxigenada faz com que a HbS altere o formato bicôncavo habitual da membrana
eritrocitária, dando-lhe uma característica aparência de foice ou meia-lua, como podemos ver no esquema a seguir. Essas hemácias em foice
também são chamadas de drepanócitos.

A formação das hemácias em foice, ou falcização,


é um evento que ocorre, portanto, quando o eritrócito
contendo HbS passa pela microcirculação e deixa o
oxigênio aos tecidos. Isso explica por que situações
de hipóxia podem precipitar crises de falcização em
portadores de anemia falciforme. Outros eventos como
desidratação, estresse físico ou emocional e atividade
inflamatória aumentada também são conhecidos
desencadeantes desse processo.
Inicialmente, a falcização é reversível: a maioria
dos drepanócitos voltará ao formato bicôncavo habitual
após a reoxigenação da HbS. Com vários episódios de
falcização, contudo, a membrana eritrocitária torna-
se progressivamente mais rígida, até que o formato de
foice se torne irreversível, levando a todo o quadro de
complicações da anemia falciforme.
Por serem menos deformáveis que as hemácias
normais, os drepanócitos possuem uma meia-vida
diminuída, bem menor do que o normal de 120 dias. Essas
células sofrerão hemólise por ação dos macrófagos do
sistema reticuloendotelial, explicando porque a anemia
falciforme é um quadro de hemólise extravascular.
Mais ainda, as hemácias em foice obstruem a
microcirculação de órgãos e tecidos por onde passam,
tanto por serem mais rígidas que os eritrócitos normais
quanto por possuírem alterações de membrana, como
Figura 10. Fisiopatologia da anemia falciforme: o evento fisiopatológico básico da anemia expressão de número aumentado de moléculas de
falciforme é a mutação pontual que substitui o ácido glutâmico pela valina como sexto adesão. Como vemos a seguir, isso levará a episódios
aminoácido da cadeia de betaglobina, gerando a HbS, hemoglobina anômala capaz de
polimerizar-se em situações de desoxigenação. Quando polimerizada, a HbS em fibras altera o repetidos de vaso-oclusões, justamente a principal
formato da membrana eritrocitária, gerando as hemácias em foice ou drepanócitos. manifestação da anemia falciforme.

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Alguns pacientes com anemia falciforme serão


também portadores da persistência hereditária
da hemoglobina fetal (PHHF), condição em que há
produção aumentada de cadeias gama mesmo após os
seis meses de idade, levando a níveis elevados de HbF
(α2γ2), mesmo na vida adulta. Esses indivíduos acabam
sendo protegidos das falcizações pela PHHF: a HbF reduz
a concentração de HbS e impede sua polimerização,
levando a um quadro clínico mais brando que o habitual.

Em resumo, a anemia falciforme


é uma hemoglobinopatia
qualitativa congênita resultante
da mutação que substitui o
ácido glutâmico pela valina
na molécula de betaglobina,
gerando a HbS. Essa hemoglobina anômala é
capaz de se polimerizar, criando as hemácias
em foice ou drepanócitos, que, por possuírem
deformabilidade diminuída, levarão ao quadro
típico da anemia falciforme, caracterizado
por hemólise e eventos vaso-oclusivos.
Entretanto, nem todo portador da mutação Figura 11. Patogênese das crises vaso-oclusivas da anemia falciforme: em situações de
da HbS desenvolverá anemia falciforme, como desoxigenação, a HbS forma longas fibras insolúveis no citoplasma das hemácias, alterando a
forma da membrana eritrocitária e gerando os drepanócitos. Por serem menos maleáveis que o
veremos a seguir. normal, essas hemácias em foice obstruem a microcirculação de órgãos e tecidos, levando aos
episódios de vaso-oclusão, tão característicos da anemia falciforme.

2.1.3 HERANÇA GENÉTICA NA ANEMIA FALCIFORME


Já sabemos agora que o evento fisiopatológico básico da concentrações de HbS em suas hemácias, levando à falcização e à
anemia falciforme é uma mutação pontual no gene da betaglobina, anemia falciforme.
que levará à formação da HbS. Essa é uma mutação de herança Já heterozigotos apresentam o chamado traço falcêmico: por
autossômica recessiva, o que quer dizer que apenas indivíduos possuírem um gene mutado, produtor de HbS, e um gene normal,
homozigotos, com ambos os alelos mutados, terão o quadro clínico produtor de HbA, esses indivíduos terão baixa concentração da
franco da anemia falciforme. hemoglobina anômala em suas hemácias, fazendo com que não
Isso ocorre porque a capacidade de polimerização da sofram falcizações e, portanto, sejam assintomáticos!
HbS depende diretamente da concentração dessa hemoglobina Locais de relativa hipóxia, como a medula renal, podem fazer
anômala nas hemácias: indivíduos homozigotos terão ambos os com que a HbS se polimerize mesmo em baixas concentrações,
genes mutados, sendo incapazes de produzir HbA e tendo elevadas fazendo com que portadores de traço falcêmico possam apresentar

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manifestações como hematúria. Entretanto, o quadro é em geral benigno, em nada semelhante ao quadro de hemólise e vaso-oclusões
franco que ocorre na anemia falciforme.
Veja a fisiopatologia do traço falcêmico resumida a seguir:

Homozigotos para a Heterozigotos para a


HbS HbS

Dois alelos produtores de Um alelo produtor de HbS e


HbS um alelo produtor de HbA

Eletroforese de
Eletroforese de
hemoglobianas: 60% HbA,
hemoglobinas: : 90% HbS
30% HbS

Polimerização da HbS Sem polimerização e sem


levando à falcização falcização

Hemólise
Assintomáticos
Vaso-oclusões

Anemia falciforme Traço falcêmico

Ao contrário dos indivíduos homozigotos, que terão o quadro franco da anemia falciforme, portadores do traço
falcêmico são heterozigotos para a mutação de HbS, produzindo pequenas quantidades dessa hemoglobina
anômala. Isso faz com que esses indivíduos sejam completamente assintomáticos, não apresentando nem mesmo
anemia, um conceito que as provas gostam de abordar, como veremos a seguir.

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CAI NA PROVA
(Centro Universitário de Anápolis — UEVA-GO — 2019) Os pais de uma criança recém-nascida estão muito preocupados, pois, no teste do
pezinho, houve observação de "traço falciforme". A fim de esclarecê-los sobre o que significa esse resultado de exame, as informações que
devem ser repassadas aos pais sobre a doença, são:

A) a presença de traço falciforme não predispõe a criança às complicações observadas na doença falciforme homozigótica, como a síndrome
torácica aguda.
B) a doença é de transmissão autossômica dominante, portanto basta um dos pais apresentar o traço para a ocorrência da anemia falciforme
em seus filhos.
C) a anemia falciforme desenvolve-se em 60% dos pacientes portadores do traço falciforme, independentemente de serem meninos ou
meninas.
D) a expectativa de vida para pacientes com traço falciforme é de 40 anos para meninos e 50 anos para meninas.

COMENTÁRIO

Agora você já sabe, caro Estrategista! O traço falciforme é o estado de heterozigose para a mutação da HbS, levando a um quadro totalmente
assintomático de produção de baixas concentrações dessa hemoglobina anômala. Vejamos as alternativas.

Correta a alternativa A perfeito! As complicações típicas da anemia falciforme serão vistas apenas em pacientes homozigotos,

produtores de grandes quantidades de HbS. Por outro lado, indivíduos com traço falcêmico serão assintomáticos, não apresentando nem
sequer anemia.
Incorreta a alternativa B: a anemia falciforme é uma doença de transmissão autossômica recessiva. Assim, ambos os pais devem ser
portadores de pelo menos um alelo mutado para que sua prole desenvolva a doença homozigota.
Incorreta a alternativa C: pacientes com traço falciforme não podem evoluir para anemia falciforme, já que ambos os quadros são de
determinação congênita, constitucional do indivíduo.
Incorreta a alternativa D: pacientes com traço falcêmico são assintomáticos, possuindo uma expectativa de vida comparável à da população
geral.

Como vimos, os pacientes com traço falcêmico não possuem traço falciforme é a orientação genética: por possuírem um alelo
um quadro clínico notável, exceto por eventuais episódios de mutado para a HbS, esses indivíduos possuem 25% de chance de
icterícia e hematúria decorrentes de falcizações no ambiente ter filhos com anemia falciforme, caso seu parceiro também possua
relativamente hipóxico da medula renal. Desse modo, não há traço, ou 50% de chance, se o parceiro tiver diagnóstico de anemia
necessidade de manejo específico para esses casos. falciforme. Essa informação é por vezes abordada nas provas, como
Na verdade, a única conduta diante de um portador de veremos abaixo.

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Figura 12. Herança genética na anemia falciforme: a mutação da HbS é de herança autossômica recessiva, o que significa que apenas a presença de dois genes mutados
levará à expressão total da doença. Assim, apenas os chamados indivíduos SS serão portadores de anemia falciforme, enquanto indivíduos AS são portadores de traço
falcêmico, indicando sua heterozigose. É por isso que pacientes com traço falciforme possuem 25% de chance de terem filhos com anemia falciforme, como mostra o
esquema acima.

CAI NA PROVA
(Processo Seletivo Unificado — PSU-AL — 2020) Homem, 22 anos de idade, procura atendimento médico por alterações de exames
laboratoriais de rotina. Assintomático. No interrogatório sistemático, referiu ter notado olhos amarelados, há cerca de 2 anos, por cerca de 2
dias, mas não procurou atendimento médico. Nega comorbidades. Exame físico sem alterações. Exames laboratoriais com bilirrubinas totais
de 2,89 mg/dL, com bilirrubina indireta de 2,03 mg/dL, AST 18 U/l (VR 30), ALT 16 U/l (VR 30), FA 55 U/l (VR 100), GGt 20 U/l (VR 60), Anti-HCV
não reagente, Anti-HBs reagente, Anti-HAV 1 IgG reagente. Eletroforese de hemoglobina: HbA1 59%, HbA2 4%, HbS 37%. O risco que o filho
desse paciente terá de nascer com anemia falciforme, caso a mãe possua traço falcêmico, é:

A) 0% (zero %) C) 50%
B) 25% D) 100%

COMENTÁRIO

Veja que questão interessante. Temos um paciente assintomático, apresentando um episódio de icterícia às custas de bilirrubina
indireta. Ao analisarmos sua eletroforese de hemoglobinas, vemos que ele possui grande quantidade de HbA, mas também certa quantidade
de HbS, indicando que possui um gene normal e um gene mutado para essa hemoglobina anômala. Ou seja, estamos diante de um paciente
com traço falcêmico! Mesmo que esteja apresentando uma pequena intercorrência clínica, sua eletroforese de hemoglobinas não deixa
dúvidas do diagnóstico!

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Mas o examinador não nos pergunta qual é o quadro do paciente, e sim a chance de gerar prole falcêmica caso sua parceira seja
também portadora de traço falciforme. Ora, como vimos acima, dois pacientes heterozigotos possuem 25% de chance de ter filhos com dois
alelos mutados, sendo a resposta para a questão a alternativa B!

Correta a alternativa B

aNormalmente não fazemos diagnóstico do traço falcêmico, já que esses indivíduos são assintomáticos. Entretanto, os testes de
triagem neonatal, implementados em todo o Brasil, podem fazer com que muitos desses indivíduos sejam identificados logo ao nascimento,
como veremos a seguir.

2.1.4 TRIAGEM NEONATAL DA ANEMIA FALCIFORME


O Programa Nacional de Triagem Neonatal foi criado A interpretação do teste do pezinho é tema eventualmente
em 2001, apesar de desde 1992 o teste do pezinho já ter sido cobrado em provas. O exame identifica as hemoglobinas no sangue
incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Realiza a identificação do neonato e relata-as em ordem decrescente, através de uma
precoce de doenças como hemoglobinopatias, hipotireoidismo, sequência de letras, ou seja, a hemoglobina em maior quantidade
fenilcetonúria, fibrose cística, hiperplasia adrenal congênita e primeiro, seguida da segunda e da terceira hemoglobinas mais
deficiência de biotinidase. comuns na amostra.
Do ponto de vista da Hematologia, a maior importância Desse modo, indivíduos normais possuem o padrão FA, já
do teste do pezinho é a identificação precoce dos pacientes que ao nascimento a hemoglobina mais presente é a HbF, seguida
com anemia falciforme, para que sejam instituídas medidas que pela HbA. Em pacientes falcêmicos, não há produção de HbA, sendo
diminuam a mortalidade dessa população. Entretanto, outras FS o padrão esperado no teste do pezinho. Por fim, pacientes com
hemoglobinopatias, como as talassemias e a hemoglobinopatia C, traço falcêmico possuirão as três hemoglobinas, apresentando o
D e E, podem ser diagnosticadas. padrão FAS, como mostra a tabela abaixo.

Diagnóstico Padrão da Triagem Neonatal para Hemoglobinopatias


FA Indivíduo normal
FAS Traço falciforme
FS Anemia falciforme
FC Hemoglobinopatia C
FSC Hemoglobinopatia SC

Veja como as questões de prova abordam esse tema!

CAI NA PROVA
(UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO - UFMT - 2023) Lactente, cujos pais são portadores detraço falciforme, vem para primeira
consulta de puericultura com resultado do teste do pezinho na pesquisa de hemoglobinopatias apresentando padrão HbAF. Ao constatar esse
padrão de hemoglobina, o que se conclui?

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A) Filho de pais com traço falciforme apresentando traço falciforme.


B) Filho de pais com traço falciforme apresentando anemia falciforme.
C) Filho de pais com traço falciforme apresentando padrão normal.
D) Não deve ser filho do casal com esse resultado.

COMENTÁRIO
O que significa o padrão AF, futuro Residente? Ora, esse tipo de achado no teste do pezinho é o de um indivíduo normal, que tem
apenas as hemoglobinas A e F ao nascimento. A ausência da hemoglobina S implica que não há traço falcêmico ou anemia falciforme nesse
caso! Isso é possível porque pais com traço falcêmico possuem, cada um deles, um gene normal, que pode ser passado para seu filho.

Correta a alternativa C

(HOSPITAL ESTADUAL DIRCEU ARCOVERDE — HEDA-PI — 2023) Paciente de 2 meses de idade vai para consulta de puericultura e família
apresenta a você resultado de triagem neonatal de hemoglobinopatias com resultado FAS. Qual a interpretação mais correta para esse
achado?
A) Triagem sem alterações.
B) Transfusão sanguínea no período neonatal.
C) Traço falciforme.
D) Anemia falciforme.
E) Talassemia.

COMENTÁRIO:

Já gravou? Padrão FAS quer dizer que temos a presença das hemoglobinas fetal, A e S. Ou seja, o paciente possui um gene normal, capaz
de sintetizar a hemoglobina A, e um gene mutado, produtor de HbS. Ou seja, estamos diante de um quadro de traço falcêmico!

correta a alternativa C

2.1.5 QUADRO LABORATORIAL DA ANEMIA FALCIFORME

Ainda que a fisiopatologia da anemia falciforme seja alvo de algumas questões, é o quadro clínico marcante dessa doença o tema mais
abordado sobre ela nas provas! Antes de abordá-lo, contudo, vamos conhecer algumas características laboratoriais gerais esperadas nessa
população.
Enquanto a maioria das manifestações clínicas de pacientes falcêmicos decorre das complicações agudas e crônicas secundárias às vaso-
oclusões a que estão sujeitos, as alterações laboratoriais esperadas relacionam-se primariamente à destruição precoce dos drepanócitos, a
hemólise.

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Os primeiros achados importantes na identificação da anemia falciforme são os esperados de qualquer hemólise crônica: anemia
normocítica e normocrômica, reticulocitose, elevação de bilirrubina indireta e desidrogenase lática, consumo de haptoglobina. Leucocitose e
plaquetose podem estar presentes, resultado de uma atividade medular aumentada. Pelo acelerado metabolismo das bilirrubinas, secundário
ao quadro hemolítico, litíase biliar é frequente, muitas vezes com necessidade de colecistectomia.

É a avaliação do esfregaço de sangue periférico que


começará a apontar ao diagnóstico. É característica a presença
dos drepanócitos, as chamadas hemácias em foice. Os leptócitos,
ou hemácias em alvo, também podem ser encontrados, apesar
de menos específicos, já que podem ser vistos em outras
hemoglobinopatias, como as talassemias e a hemoglobinopatia SC.
Figura 13. Drepanócitos (hemácias em foice) e leptócitos (hemácias em alvo):
alterações esperadas na análise do esfregaço de sangue periférico de pacientes
falcêmicos.

Não é pela hematoscopia, entretanto, que podemos firmar o diagnóstico: é preciso identificar a presença da HbS em grandes
quantidades através de exames específicos, como a eletroforese de hemoglobinas, em que separamos as hemoglobinas do paciente de
acordo com sua carga elétrica, ou a cromatografia líquida de alta performance, que usa sorventes para fazer essa separação.

O exame padrão-ouro para o diagnóstico da anemia falciforme é a cromatografia líquida de alta performance. O
teste mais usado, contudo, é a eletroforese de hemoglobinas, menos custosa e mais disponível.

Conhecer o quadro laboratorial geral da anemia falciforme ajuda-nos a identificá-la nas provas, mas o ponto mais abordado sobre essa
doença não é esse: a maioria das questões trata das complicações agudas de que sofrem os pacientes falcêmicos. Revise rapidamente na
tabela a seguir o laboratório da anemia falciforme antes de estudarmos essas condições!

Quadro clínico-laboratorial da anemia falciforme

Quadros agudos e crônicos de vaso-oclusão

Anemia normocítica e normocrômica

Sinais de hemólise: elevação de bilirrubina indireta e desidrogenase lática, consumo de haptoglobina, reticulocitose

Esfregaço de sangue periférico: drepanócitos (hemácias em foice), leptócitos (hemácias em alvo)

Presença de grande quantidade de HbS na eletroforese de hemoglobina ou na cromatografia líquida de alta performance

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CAI NA PROVA
(Secretaria Estadual de Saúde — SES-RJ — 2020) Homem negro de 20 anos, com história de várias internações por crises vaso-oclusivas, é
internado por novo quadro álgico. Em relação à doença de base, o resultado laboratorial característico é sugerido por:
A) reticulócitos aumentados, haptoglobina diminuída e LDH e bilirrubina indireta elevados.
B) reticulócitos diminuídos, haptoglobina diminuída e LDH e bilirrubina indireta normais.
C) reticulócitos aumentados, haptoglobina alta e LDH e bilirrubina indireta elevados.
D) reticulócitos diminuídos, haptoglobina alta e LDH e bilirrubina indireta normais.

COMENTÁRIO
Temos um indivíduo jovem, negro, com episódios de vaso-oclusão. Ou seja, estamos diante de um portador de anemia falciforme!
Quais são as alterações laboratoriais esperadas para esse quadro? Ora, sabemos que, além das vaso-oclusões, pacientes falcêmicos são
acometidos por hemólise crônica, cursando com todas as alterações laboratoriais típicas dessa condição: aumento de bilirrubina indireta e
desidrogenase lática, consumo de haptoglobina e reticulocitose, conforme afirma a alternativa A!

Correta a alternativa A

(Hospital da Aeronáutica de São Paulo — HASP — 2019) Criança de 1 ano e 6


meses, é trazida pela mãe com histórico de choro frequente em crises, sem fator
desencadeante óbvio e melhora espontânea. Desde seu nascimento, houve vários
episódios de "infecções", tratados sempre sob orientação médica e, nos últimos
15 dias, foi observado amarelamento da pele e dos olhos, com duração de 5 dias
e melhora espontânea. Foi solicitado um hemograma, e, durante a análise, foi
visualizada a seguinte imagem: Diante do exposto, o achado na lâmina e a hipótese
diagnóstica são:

A) Presença de linfoblasto, hipótese diagnóstica de leucemia linfoide aguda.


B) Presença de reticulocitose, hipótese diagnóstica de anemia hemolítica.
C) Presença de poiquilocitose, hipótese diagnóstica de anemia falciforme.
D) Presença de microcitose, hipótese diagnóstica de anemia ferropriva.

COMENTÁRIO

Mesmo que você não conhecesse qualquer informação sobre o quadro clínico da anemia falciforme, suspeitaríamos imediatamente
desse diagnóstico ao visualizar as características hemácias em foice no sangue periférico de nosso paciente. Elas são denominadas poiquilócitos,
como qualquer eritrócito de forma anormal, sendo mais especificamente chamadas de drepanócitos. Assim, a resposta da questão é a
alternativa C, já que também não vemos, na hematoscopia acima, a presença de linfoblastos (precursores linfoides), reticulócitos (hemácias
jovens) ou micrócitos (hemácias de tamanho diminuído).

Correta a alternativa C

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2.1.5.1 COMPLICAÇÕES AGUDAS DA ANEMIA FALCIFORME

A doença falciforme é uma anemia hemolítica crônica produção de HbF (α2γ2) decai, sendo substituída pela HbS (α2βs2)
marcada por inúmeros episódios de vaso-oclusão que acometem como hemoglobina predominante. O aumento da concentração
diversos órgãos e tecidos. No entanto, os pacientes costumam da HbS fará então com que essa molécula anômala seja capaz de
ser assintomáticos até os seis meses de idade. Isso porque, ao polimerizar-se, levando à falcização das hemácias e aos quadros
nascimento, a hemoglobina mais produzida é a HbF (α2γ2), não agudos que marcam a hemoglobinopatia SS. Abordaremos todos
afetada pela mutação da HbS (α2β 2).s
eles um a um, começando por aqueles mais frequentes: as crises
É só por volta da metade do primeiro ano de vida que a álgicas.

2.1.5.1.1 CRISES ÁLGICAS


As crises dolorosas são a complicação mais comum da anemia falciforme, além de principal causa de internação nessa população.
Também chamadas simplesmente de crises vaso-oclusivas, esses episódios de dor são ocasionados pela isquemia tecidual secundária à
obstrução do fluxo sanguíneo pelas hemácias falcizadas, principalmente no território de ossos e músculos.

As vaso-oclusões levam a dor de intensidade variável,


com duração média de 4 a 6 dias, mas podendo estender-se
por semanas. Alguns fatores são desencadeantes conhecidos,
como hipóxia, desidratação, infecções, exposição ao frio
e estresse físico ou emocional. A dor frequentemente é
generalizada, podendo concentrar-se em membros, abdômen
ou dorso.
A dactilite falcêmica é uma forma particular de crise
dolorosa que costuma ser a primeira manifestação da anemia
falciforme, acometendo crianças de 6 meses a 2 anos de
idade. Decorre de vaso-oclusão nas articulações e ossos de
mãos e pés, levando a dor intensa, edema e eritema local.
Figura 14. Dactilite falcêmica ou síndrome mão-pé: evento de vaso-oclusão nas articu-
O ponto mais importante sobre as crises álgicas é seu
lações de mãos e pés, levando a dor intensa, edema e eritema local. É frequentemente
adequado manejo. Diante de um paciente falcêmico em a primomanifestação da anemia falciforme, acometendo principalmente crianças de
menos de 2 anos de idade.
quadro doloroso agudo, nossas principais medidas devem ser:

• Afastamento de desencadeantes: evitar fatores precipitantes de falcização, como hipóxia, frio, estresse físico e emocional,
desidratação, infecções, dentre outros;
• Hidratação vigorosa: realizar hidratação por via oral em crises leves e por via endovenosa em eventos moderados a graves. Quando
usada a hidratação parenteral, optar pelo uso de soluções hipotônicas (combinação de soro fisiológico e soro glicosado) com
objetivo de atingir a euvolemia. Deve-se evitar a hiper-hidratação, com risco de piorar a crise;
• Analgesia imediata e adequada à dor do paciente: usar combinações de analgésicos e adjuvantes em doses de horário fixo, até
controle da dor. Indica-se o uso da escala de analgesia da Organização Mundial de Saúde, começando sempre pelo degrau mais
adequado à dor do paciente, como mostra o esquema a seguir:

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Figura 15. Analgesia nas crises vaso-oclusivas: devemos sempre iniciar prontamente o tratamento analgésico no degrau mais adequado à dor do paciente, usando
combinações fixas de analgésicos e adjuvantes. Não devemos adiar o início das medicações, usar placebos ou iniciar por medicações não condizentes ao grau de dor
apresentado.

Não há indicação de transfusão de hemácias em crises álgicas simples! O paciente falcêmico possui uma anemia
crônica e não deve ser exposto aos riscos infecciosos e reacionais de uma transfusão sem ter uma indicação
específica para tal. Abordaremos mais à frente as indicações de transfusão nessa população.

Agora que sabemos manejar uma crise álgica, vejamos como as provas abordam esse tópico!

CAI NA PROVA
(HOSPITAL SÃO LUCAS DE RIBEIRÃO PRETO — HSLRP-SP — 2023) Das alternativas apresentadas a seguir, assinale aquela que apresenta a
conduta mais adequada para um lactente de 7 meses com antecedente de triagem neonatal positiva para doença falciforme e que apresenta,
há 1 dia, edema e eritema de ambas as mãos, acompanhados de irritabilidade e choro inconsolável.
A) Iniciar uso deanti-inflamatório não hormonal intramuscular associado a paracetamol de horário para controle da dor.
B) Iniciar uso de morfina de horário, em dose baixa, observando os sinais vitais e se está havendo controle da dor.
C) Colher hemograma, hemocultura e iniciar uso de analgésicos comuns para controle álgico.
D) Iniciar associação entre codeína e paracetamol de horário em razão do efeito sinérgico e do menor risco de depressão respiratória.

COMENTÁRIO

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Estamos diante de uma criança falcêmica em clara crise de dactilite falcêmica, Estrategista! Esse é justamente o quadro clínico clássico
destas que costumam ser as primeiras manifestações vaso-oclusivas da doença falciforme: edema e eritema de articulações das mãos e
pés, acompanhados de dor intensa, tipicamente manifestados com choro e irritabilidade em crianças.
E qual é nossa conduta diante de uma crise falcêmica, Estrategista? Analgesia potente e adequada à dor do paciente! Ou seja, em um
lactente com choro inconsolável, usaremos analgésicos fortes, tal qual a morfina, como afirma a alternativa B. Não devemos adiar a
analgesia ou iniciar por medicações menos potentes: comece com opioides e, depois, proceda a seu desmame, conforme a dor melhora.
Correta a alternativa E

(Seleção Unificada para Residência Médica do Estado do Ceará


— SURCE — 2019) Paciente masculino de 26 anos comparece ao
pronto-socorro referindo anemia desde a infância e que, há um dia,
iniciou com quadro de dor em membros inferiores, no momento, de
forte intensidade. Nega febre, dispneia ou outras queixas. Encontra-
se descorado, ictérico, eupneico e com fácies de dor. Hemograma
evidenciou hemoglobina de 6,2 g/dL, leucócitos de 13.400/mm³, com
neutrofilia e plaquetas de 762.000/mm³. A lâmina de sangue periférico
encontra-se em anexo. Além da busca por foco infeccioso e analgesia,
qual é a melhor abordagem imediata para controle do quadro?

A) Hidratação vigorosa.
B) Antibiótico empírico.
C) Transfusão simples de concentrado de hemácias.
D) Transfusão de troca de concentrado de hemácias.

COMENTÁRIO

Belíssima questão, Estrategista! O examinador traz um indivíduo com anemia de possível etiologia congênita, já que vem desde a
infância, associada à presença de hemácias em foice em sangue periférico. Você já sabe: estamos diante de um portador de anemia falciforme.
Mais ainda, esse paciente está, sem dúvidas, em um episódio de crise álgica, apresentando dor intensa em membros inferiores.
Qual deve ser nossa conduta nesse caso? Diante de uma crise dolorosa em paciente falcêmico, as três medidas essenciais são sempre
afastamento de desencadeantes, hidratação vigorosa e analgesia adequada. A resposta da questão é, portanto, a alternativa A. Não há
qualquer indicação de transfusões simples ou de troca em crises álgicas simples como a acima, além de nenhum benefício de antibioticoterapia
empírica, como sugerem as demais alternativas.
Correta a alternativa A

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Apesar de serem as manifestações mais comuns da anemia de morte em adultos falciformes, enquanto nas crianças infecções
falciforme, as crises álgicas não são suas complicações mais por bactérias encapsuladas e sequestro esplênico são os principais
abordadas nas provas. Esse título fica com o sequestro esplênico e eventos de mortalidade. Iniciaremos nossa abordagem por essas
a síndrome torácica aguda, duas graves intercorrências de elevada complicações, começando pelas infecções por encapsulados,
mortalidade nessa população. decorrentes do característico quadro de autoesplenectomia.
De fato, a síndrome torácica aguda é a causa mais comum

2.1.5.1.2 AUTOESPLENECTOMIA
Um dos órgãos mais afetados pelas crises de vaso-oclusão típicas
da anemia falciforme é o baço. Ao longo da vida do paciente falcêmico,
o parênquima esplênico sofre inúmeros microinfartos, levando à fibrose
progressiva do órgão e à perda de sua função.
Esse estado de autoesplenectomia faz com que o paciente falcêmico
possua, por exemplo, a expressão dos corpos de Howell-Jolly em seu
sangue periférico, já que esses restos de DNA normalmente são retirados
do citoplasma das hemácias pelos macrófagos esplênicos.

Mais ainda, a perda de atividade do baço leva a verdadeiro estado


de asplenismo funcional, fazendo com que os pacientes falcêmicos não
tenham uma adequada proteção contra bactérias encapsuladas, que
normalmente sofrem fagocitose pelos macrófagos esplênicos. De fato, a
frequência de bacteremia em pacientes falcêmicos é estimada em até 300
vezes maior que o esperado para a idade! Figura 16. Corpúsculos de Howell-Jolly: restos de DNA encontrados
Isso explica por que a sepse por Streptococcus pneumoniae, Neisseria no citoplasma das hemácias, normalmente não visualizados porque
são retirados da circulação pelos macrófagos esplênicos. Em estados
meningitidis e Haemophilus influenzae tipo b é a causa mais comum de de esplenectomia ou autoesplenectomia, poderemos visualizar essas
morte em crianças com anemia falciforme, levando à mortalidade de até inclusões citoplasmáticas nas hemácias do paciente.

30% de todos os falcêmicos com menos de 5 anos!


Diante desse grave problema de saúde pública, algumas medidas foram implementadas, com efeito comprovado de redução da
mortalidade. A primeira delas é justamente a triagem neonatal para a anemia falciforme: identificar precocemente esses pacientes permite-
nos intervir nesses quadros infecciosos graves, através das medidas que abordaremos à frente. Isso é especialmente importante considerando
que o quadro clínico pode demorar até os seis meses de idade para manifestar-se.
Identificados os portadores de anemia falciforme, o cuidado infeccioso deve ser redobrado. Além do calendário vacinal normal, que
já inclui vacina antimeningocócica e anti-hemófilo, a vacina contra o Streptococcus pneumoniae deve ser a polissacarídica 23-valente, com
uma dose após os 2 anos de idade e um reforço após 5 anos da primeira dose.
O uso de antibióticos profiláticos também está indicado: todo paciente falcêmico deve receber antibioticoterapia contínua dos 3
meses aos 5 anos de idade, com penicilina V oral ou eritromicina (para os alérgicos à penicilina).
Por fim, diante de um portador de anemia falciforme com suspeita de infecção, sempre devemos ter extrema cautela. Guarde esta
informação, Estrategista: crianças falcêmicas com febre devem ser prontamente internadas e submetidas à antibioticoterapia empírica
endovenosa, porque há elevado risco de evolução para sepse e morte! Veremos a seguir como as provas adoram cobrar esse conceito.

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Anemia falciforme Falcização das Autoesplenectomia Risco infeccioso Cuidados


hemácias no baço aumentado anti-infecciosos
- Fibrose e perda da - Profilaxia com penicilina
- Mutação autossômica função esplênica V oral
- Microinfartos repetidos - Suscetibilidade à sepse
recessiva que determina a - Perda da fagocitose de - Vacinação
no parênquima esplênico por bactérias encapsuladas
presença de HbS patógenos pelos - Sempre internar se
macrófagos do baço houver suspeita de
infecção

Figura 17. Autoesplenectomia e suscetibilidade a infecções por bactérias encapsuladas.

CAI NA PROVA
(Universidade Estadual do Piauí — UESPI —2020) Lactente de dois anos, com anemia falciforme, chegou ao pronto-socorro com história de dor
em membros inferiores, febre de 38,5 °C e tosse há três dias. Ao exame físico, está hipocorado ++/4+, eupneico, sem hepatoesplenomegalia,
sem edema ou sinais flogísticos em membros inferiores. Radiografia de tórax normal. A conduta mais adequada para o caso é:

A) analgesia — liberar com antibioticoterapia via oral.


B) analgesia — encaminhar para reavaliação ambulatorial.
C) anti-inflamatório — liberar com antibioticoterapia via oral.
D) analgesia — internar com antibioticoterapia via parenteral.
E) analgesia — internar para transfundir.

COMENTÁRIO

Esse é o protótipo das questões sobre o risco infeccioso de crianças falcêmicas. Somos apresentados a um paciente de 2 anos de
idade, com diagnóstico de anemia falciforme, no momento, com febre e tosse, sem maiores sinais de gravidade. As alternativas, então,
tentam nos induzir a não internar ou não iniciar antibiótico endovenoso. Não caia na armadilha, Estrategista! Pelo elevado risco de sepse por
encapsulados, é essencial internar toda criança falciforme com febre, iniciando prontamente antibioticoterapia empírica endovenosa, até a
garantia de estabilidade do quadro. Dessa forma, a única alternativa correta é a letra D!

Correta a alternativa D

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(Universidade Federal de Goiás — UFG — 2020) Uma criança de dois anos, portadora de doença falciforme, é atendida na unidade de pronto
atendimento com quadro de febre iniciada há 36 horas, sem outros sintomas associados. O exame físico não apresenta alterações além da
temperatura de 38,9 ºC. A conduta será:
A) acompanhamento ambulatorial e retorno em caso de persistência da febre após 48 a 72 horas ou antes, se houver piora clínica.
B) realização dos seguintes exames complementares: hemograma, hemocultura, urocultura e radiografia de tórax; os resultados definirão
o plano terapêutico.
C) admissão hospitalar e início de antibioticoterapia parenteral, mesmo antes dos resultados dos exames laboratoriais.
D) prescrição de oseltamivir, pois o exame físico sem alterações sugere doença viral, e esses pacientes são grupo de risco para influenza
grave.

COMENTÁRIO

Agora você já não tem dúvidas, Estrategista: criança falcêmica com febre deve sempre ser internada com prescrição de antibiótico
endovenoso, independentemente das condições clínicas que apresentar. É justamente o que essa questão nos apresenta. Vejamos as
alternativas.
Incorreta a a alternativa A: nunca daremos alta para uma criança falcêmica com febre, mesmo que ela esteja sem qualquer outro
sintomas!
Incorreta a alternativa B: exames complementares até devem ser realizados, mas eles não mudarão nossa conduta. Criança falcêmica +
febre = internação + antibiótico na veia!

Correta a alternativa C perfeito! Lembre-se bem dessa situação, Estrategista. Como você viu, as provas trazem esse conceito

sempre abordado da mesma forma.

Incorreta a Incorreta a alternativa D: por seu estado de asplenismo funcional, pacientes falcêmicos possuem uma tendência aumentada
a infecções por bactérias encapsuladas, especialmente as crianças, que estão mais expostas a esses patógenos. Assim, nossa primeira
hipótese diante de um portador de anemia falciforme com menos de 5 anos não é a influenza, mas, sim, as infecções por pneumococo,
meningococo e hemófilo, levando-nos a internar o paciente e iniciar antibioticoterapia endovenosa.

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2.1.5.1.3 SEQUESTRO ESPLÊNICO


Vimos logo acima que portadores de anemia
falciforme são autoesplenectomizados. De fato,
após os 5 anos de idade, quase a totalidade dessa
população terá o baço atrofiado e sem função,
sendo muita rara a verificação de esplenomegalia
nesses pacientes.
A única situação em que esperamos encontrar
aumento de tamanho do baço é uma complicação
clínica grave, justamente mais prevalente em
crianças de até 5 anos, sendo, inclusive, a segunda
maior causa de morte nessa população, atrás
apenas da sepse por encapsulados. Estamos falando,
Estrategista, da crise de sequestro esplênico.
Nesse quadro, há aprisionamento das
hemácias falcizadas na circulação esplênica: os
eritrócitos entram, mas não conseguem sair do
baço, levando a rápido aumento de tamanho
do órgão e piora da anemia basal do paciente
por redução da massa eritrocitária circulante. A
esplenomegalia resultante costuma ser moderada
a grande, com baço alcançando pelo menos 5cm do
rebordo costal, podendo chegar à fossa ilíaca.
Laboratorialmente, além da piora acentuada
da anemia, esperamos encontrar contagens Figura 18. Fisiopatologia do sequestro esplênico.

reticulocitárias muito elevadas: a medula óssea reage à queda de para instituição rápida de suporte hemodinâmico, hidratação
hemoglobina produzindo novas hemácias, liberadas na circulação endovenosa e transfusão de concentrado de hemácias.
sob a forma de reticulócitos. Passado o episódio agudo, a esplenectomia profilática deve
O quadro é gravíssimo, podendo evoluir para choque ser programada, já que há risco de recorrência. Observe a seguir
hipovolêmico e óbito, com taxas de mortalidade em torno de 10% um pequeno resumo sobre o sequestro esplênico, antes de vermos
dos casos. Deve ser prontamente reconhecido de forma clínica como ele é abordado nas provas.

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CAI NA PROVA
(UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO — USP-SP — 2023) Criança de 2 anos, com anemia falciforme, é levada pelos pais ao pronto-socorro com
queixa de dor abdominal importante e em membros. Mãe refere que a criança iniciou com tosse, coriza e febre há 2 dias e refere que a
hemoglobina basal da criança geralmente fica em torno de 8 g/dL. Ao exame: prostrada, palidez importante, febril, ictérica. Frequência
cardíaca de 180 bpm, frequência respiratória de 30 ipm, saturação de oxigênio de 96%, PA 80 x 50 mmHg. Fígado a 2 cm do rebordo costal
direito e baço a 8 cm do rebordo costal esquerdo. Exames laboratoriais: Hb = 2,9 g/dL; Ht = 11% VCM = 78; HCM = 21,8; plaquetas = 68 mil/
uL; GB = 14 mil/uL (3% bastonetes); contagem de reticulócitos = 17,43% (VR = 0,5 - 2,1%); bilirrubinas total = 2 mg/dL; direta = 0,4 mg/dL; LDH
= 1827 U/L (VR: 85 - 227 U/L). Diante desse cenário, qual é a hipótese diagnóstica?
A) Anemia aplástica.
B) Crise vaso-oclusiva.
C) Sequestro esplênico.
D) Síndrome torácica aguda.

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COMENTÁRIO
O sequestro esplênico é uma das complicações falcêmicas mais abordadas na prova de Residência, caro Estrategista, e as questões
seguem sempre esse mesmo padrão: somos apresentados a uma criança com anemia falciforme apresentando piora de sua anemia basal
e esplenomegalia. Não deve haver dúvida: estamos diante de um quadro clássico de sequestro esplênico e medidas como hidratação
endovenosa e transfusão de hemácias devem ser prontamente instituídas. As demais condições listadas até podem levar à anemia, mas
cursam com esplenomegalia como o sequestro esplênico.

Correta a alternativa C

(Comissão Estadual de Residência Médica do Amazonas — CERMAM — 2020) Pré-escolar de 2 anos, portador de anemia falciforme, é levado
a emergência apresentando dor abdominal, palidez acentuada (Hg 3 g/dL), hipovolemia, reticulocitose, taquicardia, taquipneia, prostração,
baço a 5 cm do rebordo costal esquerdo (RCE). A hipótese diagnóstica mais provável é:
A) sequestro esplênico.
B) crise aplástica.
C) colelitíase aguda.
D) hepatite A.

COMENTÁRIO
Viu como as questões são muito parecidas? Criança com anemia falciforme apresentando piora da anemia e esplenomegalia. Isso é
sequestro esplênico, sem sombra de dúvidas!
Nessa questão em especial, um ponto ajuda a corroborar o diagnóstico: a presença de reticulocitose. Lembre-se de que os reticulócitos
são hemácias jovens, liberadas pela medula óssea em resposta à perda periférica de hemácias. No caso da sequestração esplênica, o
aprisionamento das hemácias no baço e a consequente redução dos níveis de hemoglobina fazem a medula produzir novas hemácias e liberá-
las sob a forma de reticulócitos, levando a grandes reticulocitoses. Isso é importante porque nos ajuda a diferenciar o sequestro esplênico de
outra complicação da anemia falciforme, a crise aplásica, que conheceremos a seguir.

Correta a alternativa A

2.1.5.1.4 CRISE APLÁSICA E CRISE HIPER-HEMOLÍTICA

O sequestro esplênico faz parte de um grupo de condições A crise aplásica decorre da infecção pelo parvovírus B19
que pode levar à piora da anemia basal do paciente falcêmico, ou eritrovírus B19, que possui um especial tropismo pelas células
em conjunto com a crise aplásica e a crise hiper-hemolítica. precursoras eritropoiéticas. Também causador do eritema
Essas condições são bem mais raras nas provas de Residência, infeccioso, esse vírus invade os progenitores eritroides na medula
basicamente aparecendo em alternativas de questões como óssea, levando a sua destruição. Instala-se, assim, uma parada
diagnóstico diferencial do sequestro esplênico. temporária na produção de hemácias.

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Figura 19. Fisiopatologia da crise aplásica: a infecção pelo parvovírus B19 determina destruição dos progenitores eritropoiéticos, levando à parada temporária na
produção de hemácias.

Como o paciente falciforme está constantemente em hemólise, essa mielossupressão temporária faz com que piore sua anemia basal,
sendo a crise aplásica um importante diagnóstico diferencial do sequestro esplênico.
Contudo, em pacientes com crise aplásica não esperamos encontrar esplenomegalia ou reticulocitose. Pelo contrário, a contagem de
reticulócitos estará diminuída, indicando a parada de produção de novas hemácias pela medula. O tratamento é basicamente de suporte
clínico, como mostra o resumo a seguir, até que a medula óssea se recupere da lesão viral e restabeleça a eritropoiese.

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Por fim, a crise hiper-hemolítica é um estado de aumento lática, além de grandes reticulocitoses. Não esperamos encontrar
da destruição das hemácias do paciente falcêmico, precipitada esplenomegalia. Bem menos cobrada que as demais condições, a
por eventos como infecção por micoplasma, deficiência de crise hiper-hemolítica quase nunca aparece nas questões de prova.
G6PD e reações transfusionais. Haverá aumento de provas de Compare essas três complicações agudas da anemia
hemólise, como elevação de bilirrubina indireta e desidrogenase falciforme pela tabela a seguir:

Sequestro esplênico Crise aplásica Crise hiper-hemolítica


Parada temporária na produção de
Aumento das taxas de hemólise
Aprisionamento de hemácias no baço hemácias por infecção pelo parvovírus
precipitado por diversas condições
B19
Piora da anemia basal Piora da anemia basal Piora da anemia basal
Com esplenomegalia Sem esplenomegalia Sem esplenomegalia
Reticulocitose Reticulocitopenia Reticulocitose
Hidratação e transfusão de hemácias Suporte clínico Suporte clínico

Para fixar esses conceitos, vejamos a seguir uma questão que aborda o diagnóstico diferencial entre essas três condições.

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CAI NA PROVA

(SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE SÃO PAULO — SCMSP — 2023) Uma criança de três anos de idade, do sexo masculino, com antecedente
de anemia falciforme, deu entrada no pronto-socorro infantil, com quadro de palidez e fraqueza havia 48 horas. Seu acompanhante negou que
a criança tivesse apresentado febre. O exame físico indicou o seguinte: descorado; hipoativo; frequência cardíaca de 130 bpm; normotenso
e eupneico; MV presente bilateralmente, sem ruídos adventícios; abdome flácido, indolor, sem visceromegalias. O resultado de exames
laboratoriais foi o seguinte: Hb = 5,5 g/dL (Hb basal = 8,5 g/dL); leucócitos = 6.500/mm³; plaquetas = 200 mil; PCR = 0,5 mg/dL; reticulócitos
diminuídos.
Com relação ao caso clínico acima, assinale a alternativa correta.

A) O tratamento consiste na estabilização hemodinâmica até a elevação dos reticulócitos.


B) A administração de imunoglobulina é o tratamento de primeira escolha.
C) A transfusão de hemácias não está indicada; estaria apenas se Hb < 5,0 g/dL.
D) A principal causa do quadro em questão é a infecção pelo enterovírus 71.
E) Trata-se de uma anemia hemolítica com necessidade de transfusão de hemácias.

COMENTÁRIO
Vamos lá, Estrategista, hora de usar os conhecimentos adquiridos. Temos uma criança falcêmica com clara piora de sua anemia basal,
levando-nos a pensar nos três diagnósticos diferenciais mais importantes para esse quadro: sequestro esplênico, crise aplásica e crise hiper-
hemolítica. O paciente não tem baço palpável, o que nos faz afastar a hipótese de sequestro esplênico, já que esperamos esplenomegalias
moderadas a grandes nessa condição. O achado de reticulocitopenia corrobora esse raciocínio, também afasta a crise hiper-hemolítica e
guia-nos ao diagnóstico correto: a crise aplásica, a única dessas condições que cursa com reticulócitos diminuídos. Vamos ver as alternativas?

Correta a alternativa A. Perfeito, o tratamento da crise aplástica é apenas o suporte, com transfusões se necessário.

Incorreta a alternativa B. Não há indicação de imunoglobulina para pacientes falcêmicos em crise aplástica. Incorreta a alternativa C. A
transfusão de hemácias sempre está indicada diante de quadros de anemia sintomática, independentemente do nível de hemoglobina.
Incorreta a alternativa D. Como vimos, a crise aplástica é causada pela infecção do parvovírus B19.
Incorreta a alternativa E. A crise aplástica não é um quadro de hemólise, mas de redução da produção das hemácias.

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2.1.5.1.5 ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO ISQUÊMICO


Ainda falando sobre as complicações da anemia falciforme população geral: déficits focais, hemiparesia, deficiência visual,
que predominam sobre crianças, temos o acidente vascular afasia. Em face da menor suspeita do evento, terapia específica
encefálico isquêmico (AVEi). Estima-se que 11% dos pacientes deve ser instituída e é aí que o quadro será diferente da população
falcêmicos terão um episódio de AVEi até os 20 anos de idade, geral: a primeira medida diante de um AVEi em paciente falciforme
enquanto esse é um evento raro na população pediátrica normal. é a exsanguineotransfusão parcial ou transfusão de troca.
Entre adultos jovens, na segunda e terceira década de vida, Nesse procedimento, retiramos parte dos eritrócitos com
predomina o AVE hemorrágico, enquanto o AVEi volta a ser mais HbS da circulação e infundimos hemácias normais, contendo
comum após os trinta anos. HbA. Isso permite a redução da concentração da HbS para abaixo
Decorrente da obstrução das artérias cerebrais com de 30%, evitando, assim, a falcização das hemácias e aliviando o
consequente isquemia e infarto, o AVEi manifesta-se como na evento agudo de vaso-oclusão.

Figura 20. Exsanguineotransfusão parcial ou transfusão de troca: nesse procedimento, utilizamos uma máquina de aférese, capaz de separar as hemácias e o plasma
através de uma centrífuga. As hemácias com HbS são então desprezadas, enquanto reconstituímos o sangue do paciente, unindo seu plasma a concentrados de hemácias
normais, e vamos reinfundi-lo, levando a uma diminuição da concentração de HbS. Além desse método automatizado, podemos realizar a exsanguineotransfusão de
forma manual, fazendo uma sangria (que retira hemácias com HbS), seguida de uma transfusão de hemácias normais.

Paciente falcêmico com suspeita de AVEi deve ser prontamente submetido à transfusão de troca, mesmo que tenha
tomografia de crânio normal!

Passado o evento agudo, o paciente deverá ser mantido em um regime transfusional crônico como medida de profilaxia secundária,
com objetivo de manter os níveis de HbS sempre abaixo de 30% e, assim, evitar a recorrência dos episódios de AVEi.

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PROFILAXIA PRIMÁRIA DE AVE EM PACIENTES FALCÊMICOS


Diante do elevado risco de AVEi que possuem as crianças com anemia falciforme e da alta morbimortalidade a ele associada,
é preconizado o uso do doppler transcraniano como forma de triagem para identificar pacientes de alto risco para essa complicação.
Todo paciente falcêmico de 2 a 16 anos de idade deve ser submetido ao exame anualmente. Aqueles em que a velocidade de
fluxo sanguíneo cerebral for maior de 200cm/s são considerados de alto risco para AVEi e devem ser encaminhados para avaliação
de regime transfusional crônico como medida de profilaxia primária.

CAI NA PROVA

(Hospital São Lucas da PUC — RS — 2020) Mulher, 17 anos, com anemia falciforme, apresenta início súbito de hemiparesia esquerda. História
de crises álgicas frequentes e síndrome torácica aguda. Faz uso contínuo de ácido fólico, hidroxiureia e analgésicos. Ao exame físico, Tax de
36,8 °C, PA de 160/85 mmHg, FC de 108 bpm, FR de 22 irpm. Exame neurológico: paresia em hemicorpo esquerdo e afasia. Hemograma revela
Hb = 8.7 g/dL, leucócitos = 16.000/mm³ e contagem de plaquetas de 400.000/mm³. Ressonância magnética de encéfalo revela infarto agudo
no território da artéria cerebral média direita. Qual é a melhor abordagem para prevenir novos eventos isquêmicos nessa paciente?
A) Indicar esplenectomia.
B) Uso contínuo de anticoagulação.
C) Plasmaférese periódica.
D) Exsanguineotransfusão periódica.

COMENTÁRIO
Veja bem, Estrategista, temos uma paciente falcêmica jovem apresentando um acidente vascular encefálico. Como vimos acima, a
melhor medida para o tratamento dessa condição em portadores de anemia falciforme é a exsanguineotransfusão parcial ou transfusão de
troca. Mais ainda, essa terapia é também indicada como profilaxia primária, ou seja, para evitar episódios de AVEi em pacientes que nunca
o tiveram e apresentam velocidade de fluxo cerebral maior do que 200 cm/s e como a profilaxia secundária, para evitar novos episódios em
pacientes que já sofreram essa intercorrência. As demais medidas apresentadas pela questão não são eficazes nesse sentido.

Correta a alternativa D

2.1.5.1.6 SÍNDROME TORÁCICA AGUDA


Agora que conhecemos as principais complicações que Trata-se de uma síndrome clínica marcada pela presença de
ocorrem em crianças falcêmicas, abordaremos as intercorrências sintomas respiratórios e opacidade pulmonar nova à radiografia
que mais marcam a vida adulta dos pacientes com anemia de tórax. Frequentemente é precedida por uma crise álgica. A
falciforme. A principal delas é, sem dúvida, a síndrome torácica síndrome torácica aguda é uma condição de origem multifatorial,
aguda, um grave quadro pulmonar que configura a causa mais envolvendo vaso-oclusão na circulação pulmonar, eventos
comum de morte em adultos com a doença. tromboembólicos e infecção.

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As bactérias mais envolvidas na patogênese da síndrome torácica aguda são Streptococcus pneumoniae, Mycoplasma
pneumoniae e Chlamydia pneumoniae. Essa informação é importante para a escolha da antibioticoterapia empírica a
ser utilizada na síndrome torácica aguda, o que eventualmente é cobrado nas provas.

Sempre devemos suspeitar de síndrome torácica aguda a radiografia de tórax será essencial para confirmar o quadro, já
diante de um paciente falcêmico com sintomas respiratórios, como que seu diagnóstico é feito clinicamente pelo achado de opacidade
tosse, dispneia e dor torácica. Nesses casos, é preciso solicitar uma pulmonar em conjunção à sintomatologia respiratória.
gasometria arterial, a fim de verificar a presença de hipoxemia, De elevada mortalidade, a síndrome torácica aguda deve ser
a alteração mais precoce e marcante desse quadro. Além disso, manejada em internação hospitalar, através das medidas a seguir:

• Medidas comuns a uma crise vaso-oclusiva: afastamento de desencadeantes, hidratação endovenosa e analgesia adequada à dor
do paciente;
• Oxigenoterapia: corrigir hipoxemia, se presente, evitando fornecer oxigênio se não for necessário;
• Antibioticoterapia empírica: uso de cefalosporinas de terceira ou quarta geração, associadas a macrolídeos (ceftriaxona +
claritromicina, por exemplo), com objetivo de cobrir os microrganismos mais comuns;
• Suporte transfusional: indicado sempre que houver acentuada dispneia ou sinais de hipoxemia, como queda de saturação ou
redução do conteúdo arterial de oxigênio. Em casos de hematócrito abaixo de 30%, pode-se utilizar a transfusão simples de
hemácias. Já com hematócrito maior de 30%, preferimos a exsanguineotransfusão parcial, com fins de evitar-se a hemoviscosidade.

Veja a seguir um esquema que resume a síndrome torácica aguda, antes que vejamos como ela é abordada nas questões:

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Figura 21. Fisiopatologia, quadro clínico e tratamento da síndrome torácica aguda.

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CAI NA PROVA
(Universidade de São Paulo — USP-SP — 2020) Adolescente masculino, 13
anos de idade, portador de anemia falciforme em seguimento regular com
hematologista, apresenta queixa de febre e tosse há dois dias e dor em face
anterior do tórax à direita. Ao exame clínico, encontra-se em regular estado
geral, levemente descorado, FC: 84 bpm, FR: 34 ipm, saturação de oxigênio:
95% em ar ambiente, temp.: 38 °C, PA: 100/60 mmHg. Realizou radiografia
de tórax, que mostrou a imagem a seguiro lado. A conduta inicial mais
adequada é:
A) prescrição de amoxicilina, alta hospitalar com reavaliação.
B) internação com ceftriaxone e claritromicina.
C) fibrinolítico endovenoso e enoxaparina dose terapêutica.
D) hiper-hidratação endovenosa e oxigenioterapia.

COMENTÁRIO
Mais uma questão clássica, caro Estrategista! Temos um paciente falcêmico com febre, tosse e opacidade pulmonar à radiografia de
tórax. Você já sabe: estamos diante de um quadro de síndrome torácica aguda.
Quais são as medidas indicadas no momento? Ora, além das medidas gerais para toda crise vaso-oclusiva (hidratação, analgesia, afastar
precipitantes), devemos internar o paciente, instituir antibioticoterapia empírica e avaliar a necessidade de outras terapias. A oxigenioterapia,
por exemplo, não está indicada, já que nosso paciente está com boa saturação de oxigênio periférica. Da mesma forma, ainda não temos
dados que sugiram a necessidade de suporte transfusional, já que o paciente não apresenta acentuada dispneia ou hipoxemia. Vejamos as
alternativas.

Incorreta a a alternativa A: a síndrome torácica aguda é grave, sendo, inclusive, a causa mais comum de óbito na população falciforme
adulta. Assim, deve sempre ser tratada em internação hospitalar.

Correta a alternativa B é isso aí! Diante de um quadro de síndrome torácica aguda, é preciso internar o paciente e iniciar

antibioticoterapia empírica com cefalosporinas de terceira/quarta geração e macrolídeos, a fim de cobrir infecções por pneumococo,
micoplasma e clamídia.

Incorreta a alternativa C: não há indicação de anticoagulação ou fibrinólise no tratamento da síndrome torácica aguda.
Incorreta a alternativa D: não há necessidade de fornecer oxigênio a um paciente que não está hipoxêmico. Além disso, nunca devemos
hiper-hidratar os pacientes falciformes, mas, sim, buscar restabelecer sua euvolemia com hidratação vigorosa.

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(SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE — SUS-SP — 2023) Entre as alternativas a seguir, assinale a que não apresenta um dos critérios diagnósticos de
síndrome torácica aguda em pacientes com anemia falciforme.
A) Presença de infiltrado novo em radiografia de tórax.
B) Dor torácica.
C) Temperatura > 38,5 ºC.
D) Taquipneia, tosse, estertores à ausculta.
E) Sinais de isquemia no eletrocardiograma ou aumento de biomarcadores de necrose miocárdica.

COMENTÁRIO

Como fazemos o diagnóstico da síndrome torácica aguda? Ora, verificamos a presença de sintomas respiratórios (dor torácica, tosse, dispneia,
taquipneia) associados a infiltrado pulmonar novo na radiografia de tórax. Na maioria dos casos, esse quadro também é acompanhado de
febre. Assim, podemos notar que a única alternativa que traz critérios não necessários para o diagnóstico da síndrome torácica aguda é a
alternativa E.

Resposta: correta a alternativa E.

2.1.5.1.7 PRIAPISMO

Já abordamos anteriormente as intercorrências da doença qualquer crise vaso-oclusiva: afastar desencadeantes, hidratação
falciforme mais cobradas nas provas. Restam ainda algumas endovenosa profusa e analgesia adequada à dor do paciente. O
complicações marcantes que apenas eventualmente são alvo paciente deve ser orientado a iniciar essas medidas já em domicílio
de questões. É o caso do priapismo, uma ereção prolongada e e buscar atendimento médico rapidamente, caso não haja resposta.
indesejada decorrente de vaso-oclusão nos corpos cavernosos No pronto-socorro, avaliação urológica é mandatória,
do pênis. Atinge pelo menos 30% dos pacientes falcêmicos, com possível indicação de drenagem dos corpos cavernosos.
principalmente a partir da puberdade. As transfusões de troca podem ser usadas em casos refratários,
Considerada uma emergência médica por poder evoluir com diminuindo a concentração de HbS e, assim, reduzindo a falcização.
disfunção crônica do órgão, o priapismo deve ser manejado como

2.1.5.1.8 COMPLICAÇÕES OSTEOMUSCULARES DA ANEMIA FALCIFORME

A circulação óssea é bastante propensa à obstrução pelas entanto, a osteomielite. Com prevalência estimada de 12% da
hemácias falcizadas, fazendo com que uma série de manifestações população falcêmica, essa infecção do tecido ósseo possui uma
possa ocorrer. Além das frequentes crises álgicas, a necrose particularidade muito cobrada nas provas: além de mais frequente
avascular de longos ossos é comum, acometendo principalmente que na população geral, a osteomielite em pacientes com anemia
o fêmur e o úmero. Úlceras cutâneas, especialmente maleolares, falciforme é mais comumente causada por bactérias do gênero
são extremamente frequentes. Salmonella.
A complicação osteomuscular mais abordada é, no

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Enquanto na população geral a principal etiologia de osteomielite é, de longe, o S. aureus, em portadores de anemia
falciforme a Salmonella supera esse agente. Essa informação é importante na escolha da antibioticoterapia empírica
a utilizar no tratamento dessa condição.

CAI NA PROVA
(UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO — UNIFESP-SP — 2023) Adolescente, portadora de doença falciforme Hb SC, está internada há 5
dias, com dor intensa na perna esquerda, dificuldade para deambular, pouca resposta a opioide e febril desde o segundo dia de internação, sem
foco evidente ao exame físico. Ultrassonografia mostrou abaulamento periosteal em tíbia. Quais são os agentes etiológicos mais prováveis?
A) Klebsiella sp. e salmonela.
B) Staphylococcus aureus e Streptococcus pneumoniae.
C) Streptococcus pneumoniae e salmonela.
D) Staphylococcus aureus e salmonela.

COMENTÁRIO

Conseguiu identificar o quadro, futuro Residente? Abaulamento periosteal é um achado muito sugestivo de osteomielite, a principal
complicação óssea da anemia falciforme! E quais são os agentes etiológicos desse quadro?
Não pode esquecer, Estrategista: osteomielite na doença falciforme é causada principalmente pelas bactérias do gênero Salmonella,
ainda que o S. aureus seja uma importante etiologia. Quase todas as questões perguntarão isso de forma direta, como no caso acima.

Correta a alternativa D

2.1.5.2 COMPLICAÇÕES CRÔNICAS DA ANEMIA FALCIFORME


As intercorrências agudas da anemia falciforme, decorrentes urina), insuficiência renal crônica são complicações comuns. Cabe
da obstrução vascular na microcirculação de órgãos e tecidos, salientar, colega Estrategista, que a anemia falciforme causa doença
são os pontos mais abordados sobre essa doença nas provas de renal crônica com rins de tamanho normal ou aumentados,
Residência. Contudo, esses quadros isquêmicos também levarão diferente do que vemos na maioria das outras doenças. Ainda sobre
à disfunção orgânica crônica, acometendo diversos tecidos, como os acometimentos renais, lembre-se de que a doença falciforme é
rins, coração e pulmões. uma causa clássica de necrose de papila renal.
Hipertensão pulmonar, insuficiência cardíaca, osteoporose, A morbimortalidade obstétrica da população falcêmica
retinopatia proliferativa, atraso de desenvolvimento e puerperal são também é aumentada, com risco aumentado de abortamentos,
algumas dessas complicações crônicas. Os rins são particularmente tromboembolismo, pré-eclâmpsia e eclâmpsia.
afetados: hematúria, isostenúria (incapacidade de concentrar a

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2.1.6 TRATAMENTO DA ANEMIA FALCIFORME


Como vimos, a anemia falciforme é uma doença complexa, ainda que pouco disponíveis em nosso meio e possíveis apenas
com complicações agudas e crônicas que acrescentam importante em crianças ou adolescentes, indivíduos em que as disfunções
morbimortalidade na vida de seus portadores, ocasionando uma orgânicas típicas ainda não se instalaram. Essas terapêuticas não
sobrevida cerca de 20 anos menor do que a população geral. O são, entretanto, abordadas pelas questões de prova.
manejo da doença envolve acompanhamento multidisciplinar e Além do manejo específico de cada intercorrência a que esses
especializado, com inúmeras particularidades. pacientes estão sujeitos, os examinadores preferem por abordar
Atualmente, o transplante alogênico de medula óssea e a dois pontos específicos do tratamento da anemia falciforme: o uso
terapia gênica são as duas opções curativas para a anemia falciforme, da hidroxiureia e o suporte transfusional.

2.1.6.1 HIDROXIUREIA NA ANEMIA FALCIFORME


A hidroxiureia ou hidroxicarbamida foi a primeira medicação efeitos que são benéficos ao paciente falcêmico, como aumento
a comprovadamente diminuir complicações na anemia falciforme, de hidratação das hemácias, efeito vasodilatador por aumento
reduzindo a incidência de crises vaso-oclusivas e internações, de síntese de ácido nítrico pelo endotélio, menor atividade
inclusive aumentando a sobrevida desses pacientes. A medicação inflamatória pela redução do número de neutrófilos. Sua principal
age pelo bloqueio da síntese de DNA através de inibição da ação, contudo, é aumentar a síntese de hemoglobina fetal (HbF) e,
ribonucleotídeo redutase, enzima envolvida na produção de assim, reduzir a concentração de HbS, o que impede a falcização,
nucleotídeos. como mostra o esquema a seguir.
Através dessa inibição, a hidroxiureia possui diversos

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Figura 22. Efeitos do uso da hidroxiureia na anemia falciforme.

O uso da hidroxiureia é recomendado para pacientes que sofram crises álgicas recorrentes ou episódios vaso-oclusivos graves.
Suas indicações de uso, conforme orienta o Ministério da Saúde, estão resumidas a seguir. O principal efeito colateral da hidroxiureia é a
mielossupressão, com risco de leucopenia, plaquetopenia e piora da anemia.

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Indicações de uso da hidroxiureia na anemia falciforme


Diagnóstico de anemia falciforme, idade maior de 2 anos, fora do período gestacional, tendo apresentado pelo menos uma das complicações
abaixo nos últimos 12 meses
Três ou mais crises álgicas com necessidade de atendimento hospitalar
Dois episódios de síndrome torácica aguda
Um episódio de priapismo grave ou recorrente
Necrose isquêmica óssea (necrose asséptica)
Insuficiência renal
Anemia grave e persistente (Hb menor que 6g/dL em 3 dosagens)
DHL três vezes acima do limite da normalidade
Doppler transcraniano com velocidade de fluxo sanguíneo cerebral acima de 160 e abaixo de 200cm/s
Retinopatia proliferativa
Qualquer outra lesão crônica de órgãos

Você pôde notar que as indicações de hidroxiureia são bastante específicas. Infelizmente um ou outro examinador já cobrou esses
critérios, mas, sinceramente, não recomendo que você os decore. O mais importante é lembrar do principal mecanismo de ação da hidroxiureia,
o aumento da produção de HbF. Essa informação é muito mais abordada pelas provas, como vemos a seguir.

CAI NA PROVA
(Hospital Angelina Caron — HAC-PR — 2020) A hidroxiureia é usada em adultos e em crianças com anemia falciforme para reduzir a morbidade
desses pacientes. Qual é sua função?
A) Aumentar o nível da hemoglobina A.
B) Aumentar o nível da hemoglobina A2.
C) Aumentar o nível da hemoglobina fetal.
D) Diminuir o nível da hemoglobina fetal.
E) Aumentar o nível da hemoglobina S.

COMENTÁRIO
Decore esta informação, Estrategista: por mecanismos não totalmente conhecidos, a hidroxiureia age aumentando o nível de
hemoglobina fetal, reduzindo, assim, a concentração de HbS e, portanto, impedindo a falcização das hemácias.

Correta a alternativa C

2.1.6.2 SUPORTE TRANSFUSIONAL NA ANEMIA FALCIFORME


As transfusões sanguíneas são parte essencial do tratamento do paciente falcêmico. De fato, esses indivíduos receberão inúmeros
concentrados de hemácias ao longo da vida, muitos deles sem qualquer indicação clínica.

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Lembre-se ainda de que transfusões não são isentas Preferencialmente, as hemácias também devem ser
de riscos, podendo precipitar reações ou transmitir infecções, fenotipadas para os sistemas Kell, Kidd e Duffy, além das tipagens
principalmente quando são recorrentes, como é o caso na anemia habituais para o ABO e Rh. Isso permite que sempre escolhamos as
falciforme. A sobrecarga de ferro, por exemplo, é comum nesses bolsas “mais compatíveis”, evitando ainda mais a aloimunização.
pacientes, sendo muitas vezes necessário o uso de quelantes. Mais Por fim, não devemos transfundir pacientes sem indicação,
ainda, sempre que formos transfundir um paciente falciforme, como é o caso de pacientes com anemia crônica compensada, em
devemos optar por hemácias filtradas (leucorreduzidas), o que crises álgicas simples ou em quadros infecciosos não complicados.
diminui a chance de formação de aloanticorpos contra hemácias de As principais recomendações de suporte transfusional na anemia
outros pacientes (aloimunização), dificultando o achado de bolsas falciforme estão listadas a seguir, leia o esquema com atenção!
compatíveis.

2.1.7 OUTRAS HEMOGLOBINOPATIAS QUALITATIVAS


A anemia falciforme é, com folga, a hemoglobinopatia qualitativa mais cobrada nas provas. Algumas outras, no entanto, eventualmente
são abordadas. Trataremos brevemente sobre elas a seguir, antes de continuar nosso estudo sobre as anemias hemolíticas.

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2.1.7.1 HEMOGLOBINOPATIA SC
A hemoglobina C é uma hemoglobina anômala resultante No indivíduo heterozigoto, o traço HbC, será assintomático, assim
da mutação que substitui o ácido glutâmico pela lisina como como no traço falcêmico.
sexto aminoácido na cadeia de betaglobina. Ainda que não possua Já a combinação de um alelo mutado para a HbS e um alelo
a capacidade de se polimerizar como a HbS, a HbC é menos mutado para a HbC leva ao quadro da hemoglobinopatia SC. Esses
solúvel, formando cristais no interior das hemácias, que tornarão pacientes possuem cerca de 60% de HbS e 40% de HbC, gerando um
sua membrana mais rígida e, em última instância, levarão à sua quadro intermediário entre o traço falcêmico e a anemia falciforme
destruição no baço (hemólise extravascular). franca, porque a HbC facilita a polimerização da HbS. O paciente
Em pacientes homozigotos para a mutação da HbC, apresenta um quadro mais atenuado de anemia falciforme, mas
esperamos encontrar uma eletroforese de hemoglobinas com mais marcado por algumas particularidades: a retinopatia falcêmica e
de 90% dessa hemoglobina anômala, levando a um quadro de a necrose asséptica de cabeça de fêmur são até mais prevalentes
anemia hemolítica crônica, acompanhada de esplenomegalia. A nos pacientes com hemoglobinopatia SC do que nos indivíduos
presença de leptócitos (hemácias em alvo) é bastante característica. falcêmicos.

Homozigotos para a Duplos heterozigotos Heterozigotos para a


HbS para a HbS e HbC HbS

Dois alelos produtores de Um alelo produtor de HbS e Um alelo produtor de HbS e


HbS um alelo produtor de HbC um alelo produtor de HbA

Eletroforese de Eletroforese de
Eletroforese de hemoglobinas:
hemoglobinas: 90% HbS hemoglobinas: 60% HbA, 30%
60% HbA, 40% HbS
HbS

Polimerização da HbS HbC facilita a polimerização


Sem polimerização e sem
levando à falcização da HbS mesmo em níveis
falcização
não tão elevados

Hemólise Retinopatia falcêmica


Vaso-oclusões Assintomáticos
necrose asséptica de fêmur

Anemia falciforme Hemoglobinopatia SC Traço falcêmico

CAI NA PROVA
(Universidade Federal de Goiás — UFG — 2016) Quais são as duas situações clínicas mais frequentes na hemoglobinopatia SC em relação à
hemoglobinopatia SS homozigótica?

A) Esplenomegalia e insuficiência cardíaca. C) Priapismo e osteomielite por Salmonella sp.


B) Colelitíase e úlceras maleolares. D) Retinopatia e necrose de cabeça de fêmur.

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COMENTÁRIO
A hemoglobinopatia SC é um tema raro nas provas. Tanto que a questão mais recente sobre esse diagnóstico é essa, datada de 2016. Mas
vamos lá, Estrategista: o que esperamos caracteristicamente encontrar na hemoglobinopatia SC? Como vimos acima, retinopatia falcêmica e
necrose asséptica de cabeça de fêmur são justamente as duas complicações que ocorrem até mais em pacientes com essa doença em relação
aos portadores de anemia falciforme, sendo esse o ponto mais importante a gravar a respeito da hemoglobinopatia SC.

Correta a alternativa D

2.1.7.2 S/β-TALASSEMIA
Esse é um tema pouquíssimo abordado, um pouco espinhoso duplamente heterozigoto, apresentando um alelo produtor de
e que, historicamente, só foi tema de questões nas provas da USP betaglobina mutada (geradora de HbS) e um alelo incapaz de
de Ribeirão Preto. Então, Estrategista, vamos revisar rapidamente produzir cadeias beta.
seus pontos mais importantes! Assim, apesar de possuir um único gene gerador de
Como vimos no livro de anemias microcíticas, as HbS, o paciente é incapaz de produzir HbA, apresentando uma
betatalassemias são condições congênitas em que há mutações eletroforese de hemoglobinas dominada pela HbS (> 90%) e um
pontuais no gene da betaglobina, levando à menor produção dessa quadro clínico semelhante à anemia falciforme. A única diferença
cadeia e consequente impacto à produção de HbA (α2β2). é que, por produzir menos cadeias beta, há um aumento da HbA2
A S/β-talassemia é justamente a combinação da mutação (α2δ2), como esperamos em outras formas de betatalassemia.
para a HbS e da mutação das betatalassemias: o paciente é

O ponto de que você deve se lembrar da S/β-talassemia para as provas é que a eletroforese de hemoglobinas
mostrará níveis elevados de HbS (> 90%) acompanhados de aumento de HbA2 (> 3,5%), indicando a presença de
um alelo mutado para a HbS e um alelo mutado para a betatalassemia. O quadro clínico, contudo, será semelhante
ao de uma anemia falciforme clássica.

CAI NA PROVA
(Universidade de São Paulo — USP-RP — 2018) Criança parda, 2 anos de idade, procurou serviço médico com história de, há 3 dias, ter
iniciado quadro de febre, edema em mãos e pés e palidez cutaneomucosa. Ao exame: bom estado geral, descorada (+++/++++), ictérica
(+/++++), acianótica, edema discreto de mãos e pés. Membrana timpânica abaulada e hiperemiada à direita. Presença de baço palpável a 2
cm do rebordo costal direito. Restante do exame físico sem alterações. Exames laboratoriais apresentam os seguintes resultados: hemograma
— Hb = 7,2 g/dL, VCM = 67 fL, HCM = 21 pg, GB = 18.300 (2% bastões, 78% neutrófilos, 20% linfócitos), plaquetas = 250.000/mm³, RDW = 24%,
reticulócitos corrigidos = 3,5%, bilirrubina indireta = 1,8 g/dL. Eletroforese de hemoglobina: S = 92%, A2 = 5,5%, F = 2,5%. Qual é o diagnóstico
mais provável?

A) ß-talassemia. C) a-talassemia.
B) Sß-talassemia. D) Anemia falciforme.

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COMENTÁRIO
Veja que questão capciosa. Temos um paciente que apresenta um quadro muito sugestivo de dactilite falcêmica: criança de 2 anos com
edema de mãos e pés. Mais ainda, há outras evidências que apontam para a possibilidade de anemia falciforme, como o quadro de anemia,
a icterícia às custas de bilirrubina indireta sugerindo hemólise, a reticulocitose. De fato, quando avaliamos a eletroforese de hemoglobinas,
vemos que o exame é dominado pela presença de HbS, o que faria a maioria dos candidatos considerar a alternativa D, anemia falciforme,
como resposta correta.
Olhando com atenção, no entanto, vemos um outro ponto importante: há aumento de HbA2, maior de 3,5%, uma alteração típica das
betatalassemias! Ou seja, temos um quadro clínico de anemia falciforme, com uma evidência laboratorial de betatalassemia. Estamos diante
de uma S/β-talassemia!
Essa é uma questão difícil, e o conceito de S/β-talassemia é raramente cobrado, mas você será capaz de identificá-lo lembrando-se
desses conceitos.

Correta a alternativa B

Agora que abordamos todos os pontos relevantes sobre as hemoglobinopatias, passemos às demais anemias hemolíticas congênitas,
começando pelas membranopatias eritrocitárias. Mas, antes, Estrategista, revise atentamente os principais pontos sobre a anemia falciforme,
a anemia hemolítica mais cobrada nas provas!

EM RESUMO - ANEMIA FALCIFORME


1. Hemoglobinopatia qualitativa congênita marcada pela presença da HbS.
2. Fisiopatologia: uma mutação pontual autossômica recessiva determina a formação da HbS, uma hemoglobina
anômala capaz de polimerizar-se quando desoxigenada, alterando a forma bicôncava eritrocitária habitual, gerando
os drepanócitos ou hemácias em foice. De deformabilidade diminuída, esses eritrócitos alterados possuem sobrevida
diminuída, sofrendo hemólise e obstruindo a microcirculação de órgãos e tecidos.
3. Quadro clínico-laboratorial: anemia hemolítica crônica marcada por inúmeros eventos vaso-oclusivas.
4. Traço falcêmico: heterozigoto para a mutação da HbS, assintomático.
5. Diagnóstico: cromatografia líquida de alta performance (padrão-ouro) ou eletroforese de hemoglobinas (mais
disponível).
6. Crises álgicas: episódios de dor de intensidade e duração variáveis, decorrentes de vaso-oclusões no território de ossos
e músculos. Devem ser tratadas com afastamento de fatores precipitantes, hidratação endovenosa (evitando hiper-
hidratação) e analgesia adequada à dor do paciente. Não é indicação de transfusão de hemácias.
7. Autoesplenectomia: estado de asplenismo funcional secundário à fibrose do baço por repetidas vaso-oclusões
em seu parênquima. Leva a uma suscetibilidade aumentada a infecções por bactérias encapsuladas (pneumococo,
meningococo e hemófilo), fazendo necessária a antibioticoterapia profilática com penicilina V oral até os 5 anos de
idade, vacinação estendida com pneumo-23 e cuidado infeccioso redobrado.
8. Sequestro esplênico: quadro grave de aprisionamento de hemácias falcizadas na circulação esplênica, levando à piora
da anemia basal do paciente e esplenomegalia de rápida instalação. Tratado com hidratação e transfusão de hemácias.

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9. Crise aplásica: episódio de parada temporária da produção de hemácias decorrente de infecção pelo parvovírus B19,
levando à piora da anemia basal do paciente. Tratamento de suporte.
10. Acidente vascular encefálico isquêmico: especialmente prevalente em crianças falcêmicas. Exsanguineotransfusão
parcial deve ser usada como profilaxia primária, profilaxia secundária e tratamento.
11. Síndrome torácica aguda: quadro multifatorial de sintomas respiratórios (especialmente hipoxemia) associados
a infiltrado pulmonar novo. Tratada com afastamento de desencadeantes, hidratação endovenosa, analgesia
potente, antibioticoterapia empírica (voltada contra pneumococo, micoplasma e clamídia), oxigenoterapia e suporte
transfusional (se hipoxemia).
12. Priapismo: ereção indesejada, prolongada e dolorosa, decorrente de vaso-oclusões nos corpos cavernosos do pênis.
Pode levar à disfunção do órgão. Tratado com analgesia, hidratação e drenagem de corpos cavernosos, se indicado.
Transfusões de troca indicadas em casos refratários.
13. Complicações ósseas: necrose asséptica de fêmur e osteomielite por Salmonella.
14. Complicações crônicas: retinopatia, insuficiência renal, úlceras maleolares, insuficiência cardíaca, hipertensão
pulmonar, complicações obstétricas.
15. Tratamento: suporte transfusional com hemácias filtradas e fenotipadas, quelação de ferro, hidroxiureia (aumenta
produção de HbF), transplante alogênico de medula óssea, terapia gênica.

2 .2 ESFEROCITOSE HEREDITÁRIA
A esferocitose hereditária é a mais comum das doenças da esféricas com resistência osmótica diminuída. Vamos destrinchar
membrana das hemácias e a mais cobrada destas nas provas de sua fisiopatologia a seguir, caro Estrategista, para que você entenda
Residência. É uma condição congênita caracterizada por deficiência qual é o quadro clínico dessa condição.
de proteínas do citoesqueleto, levando à formação de hemácias

2.2.1 FISIOPATOLOGIA DA ESFEROCITOSE HEREDITÁRIA


A membrana eritrocitária tem papel fundamental na função Já as interações verticais ocorrem entre a espectrina e outras
das hemácias. É por seu formato bicôncavo, em que há mais proteínas da membrana, como a anquirina, banda 3 e banda 4.2,
superfície de membrana do que volume celular, que essas células conforme mostra a imagem a seguir. São essas ligações verticais que
conseguem ser bastante maleáveis, capazes de passar pelos garantem a fixação do citoesqueleto à superfície celular, evitando
estreitos capilares da microcirculação. que fragmentos da membrana eritrocitária se desprendam e sejam
Para manter essa forma tão particular, existe uma complexa perdidos.
relação entre proteínas do citoesqueleto e da membrana das Na esferocitose hereditária, há deficiência congênita
hemácias, “fixando” o formato eritrocitário habitual. Algumas autossômica dominante dessas proteínas, habitualmente
dessas proteínas da membrana, como a glicoforina C e banda 4.1, espectrina e anquirina, levando justamente a um comprometimento
interagem com o citoesqueleto eritrocitário (espectrina) no que das interações verticais e, consequentemente, perda de fragmentos
chamamos de interações horizontais, que garantem estabilidade (microvesículas) da membrana das hemácias.
ao formato da hemácia. Isso faz com que os eritrócitos percam superfície de

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membrana em relação a seu volume, alterando seu formato diminuída em relação às hemácias normais, fazendo com que
habitual: surgem, assim, os esferócitos, hemácias de formato fiquem aprisionados no baço e sofram o chamado condicionamento
esférico, com teor de hemoglobina aumentado (hipercrômicas), esplênico: os macrófagos retiram mais e mais fragmentos da
perdendo sua característica palidez central à hematoscopia. membrana eritrocitária, levando finalmente à hemólise.
Mais ainda, os esferócitos possuem uma deformabilidade

Figura 23. Fisiopatologia da esferocitose hereditária: esta é uma condição autossômica dominante marcada por deficiência de proteínas do citoesqueleto, mais
comumente espectrina e anquirina. Sem adequada fixação da membrana celular, há perda de microvesículas, alterando o formato das hemácias e, assim, gerando os
esferócitos. Ao passar pelos sinusoides esplênicos, esses eritrócitos esféricos ficam aprisionados, sofrendo ação dos macrófagos e posterior hemólise.

Assim, a esferocitose é marcada pela presença dos esferócitos, tipicamente hipercrômicos, e pela hemólise extravascular dessas
hemácias anômalas. Isso se reflete diretamente no quadro clínico dessa condição, que vamos esmiuçar a seguir.

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2.2.2. QUADRO CLÍNICO-LABORATORIAL DA ESFEROCITOSE HEREDITÁRIA


Como vimos acima, a esferocitose hereditária é marcada pela como icterícia por hiperbilirrubinemia indireta, consumo de
presença e destruição dos esferócitos, ocorrida no baço. Assim, haptoglobina e reticulocitose. Litíase biliar é muito comum.
configura um quadro congênito de anemia hemolítica crônica A presença de hipercromia é especialmente característica:
associada à esplenomegalia moderada. Por ser uma condição por terem perdido superfície, mas mantendo a mesma quantidade
autossômica dominante, a história familiar será habitualmente de hemoglobina, os esferócitos apresentam elevação de
positiva, com parentes de primeiro grau também sendo portadores hemoglobina corpuscular média (HCM > 32) e concentração de
da doença. hemoglobina corpuscular média (CHCM > 36), o que nos permite
Alterações típicas de hemólise crônica são esperadas, facilmente identificá-la em algumas questões.

Na prova de Residência, SEMPRE que tivermos uma anemia hipercrômica (HCM ou CHCM
elevados), o diagnóstico será de esferocitose hereditária!

O quadro clínico é, entretanto, bastante variável. Há pacientes completamente assintomáticos, com anemias hemolíticas crônicas
compensadas, enquanto alguns casos cursam com quadros hemolíticos graves. Em muitos casos, o diagnóstico será feito durante investigação
de um achado eventual de esplenomegalia, sem qualquer quadro hemolítico manifesto.

Quadro clínico-laboratorial da esferocitose hereditária

Apresentação variável: de assintomático a quadros graves

Herança autossômica dominante: história familiar positiva

Anemia normocítica e hipercrômica (VCM normal, CHCM elevado)

Sinais de hemólise: elevação de bilirrubina indireta e desidrogenase lática, queda de haptoglobina, reticulocitose

Hemólise de componente extravascular: esplenomegalia

Vejamos como esse quadro clínico é abordado pelas provas?

CAI NA PROVA
(Universidade Federal do Paraná — UFPR — 2018) A esferocitose hereditária é uma anemia hemolítica geneticamente determinada e comum
na população. Que achado abaixo NÃO é compatível ou NÃO tem relação com essa patologia?
A) Concentração hemoglobínica corpuscular média (CHCM) elevada.
B) Esplenomegalia.
C) Contagem de reticulócitos reduzida.
D) Litíase biliar.
E) Bilirrubina indireta elevada.

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COMENTÁRIO
Agora você já sabe, caro Estrategista: a esferocitose hereditária é um quadro congênito de hemólise extravascular crônica desencadeada
por deficiência autossômica dominante de proteínas do citoesqueleto das hemácias.
Assim, esperamos encontrar esplenomegalia, uma vez que o baço é o responsável pelo quadro hemolítico instituído. Além disso,
o paciente apresentará alterações típicas de anemias hemolíticas crônicas, como aumento de bilirrubina indireta e desidrogenase lática,
consumo de haptoglobina e reticulocitose. Pelo metabolismo aumentado das bilirrubinas, litíase biliar é muito comum. Por fim, uma
característica marcante é a hipercromia, marcada por aumento de HCM e CHCM.
Podemos notar, portanto, que a única das alternativas que traz uma condição não associada à esferocitose hereditária é a letra C, já que
esperaríamos encontrar AUMENTO da contagem reticulocitária, algo comum a todas as anemias hemolíticas.
Correta a alternativa C

(Unievangélica — Centro Universitário de Anápolis — UEVA-GO — 2018) Mulher de 24 anos foi encaminhada ao ambulatório de hematologia
para investigação de anemia. Os exames solicitados pelo médico da família revelaram hiperbilirrubinemia indireta, DHL aumentado e Coombs
negativo. O hemograma apresentava hemoglobina = 9,8 mg/dL, hematócrito = 30%, CHCM elevado, VCM normal, e reticulocitose. A principal
hipótese diagnóstica é:
A) esferocitose.
B) alcoolismo.
C) anemia ferropriva.
D) anemia hemolítica autoimune.

COMENTÁRIO
Preste atenção, Estrategista! Temos uma paciente jovem, com anemia normocítica acompanhada de alterações típicas de hemólise,
como reticulocitose e aumento de DHL e bilirrubina indireta. Só com essas informações, já podemos afastar o quadro de alcoolismo e anemia
ferropriva, uma vez que não são quadros hemolíticos.
A pista final vem de um índice hematimétrico: CHCM elevado indica hipercromia e, sempre que tivermos um quadro de hipercromia na
prova, estaremos diante da esferocitose hereditária, alternativa A! Como veremos à frente, podemos eliminar o quadro de anemia hemolítica
autoimune, já que o exame do Coombs direto está negativo.

Correta a alternativa A

2.2.3 DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA ESFEROCITOSE HEREDITÁRIA


Devemos suspeitar da esferocitose hereditária se nesses casos é a curva de fragilidade osmótica, teste que
estivermos diante de um paciente com anemia hemolítica com mede a resistência osmótica das hemácias diante de soluções
esplenomegalia, em que não haja evidências de autoimunidade. progressivamente hipotônicas. Por possuírem menor superfície
Infelizmente, o achado de esferócitos no esfregaço de sangue em relação à membrana, os esferócitos possuem baixa tolerância
periférico não consegue confirmar o diagnóstico, já que, como ao estresse osmótico: as hemácias normais conseguem “inchar”,
vimos, essas hemácias esféricas podem aparecer em vários tipos absorver bastante água até sofrer hemólise, enquanto os esferócitos
de anemia hemolítica. sofrem lise precocemente nessas situações.
O principal exame diagnóstico para confirmar a suspeita

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Figura 24. Teste de fragilidade osmótica: nesse exame, avaliamos a resistência à lise pelo estresse osmótico. Hemácias do paciente são colocadas em soluções hipotônicas
de concentração progressivamente maior, fazendo com que as hemácias absorvam água e, eventualmente, “explodam”, sofrendo hemólise. As hemácias normais
possuem mais “espaço” a ser ocupado pela água, resistindo bem ao estresse osmótico. Já os esferócitos não possuem volume para “inchar”, apresentando uma maior
suscetibilidade à lise por osmose, hemolisando com soluções menos hipotônicas. Os resultados do exame são transpostos para um gráfico, uma “curva de fragilidade
osmótica” e, assim, conseguimos visualizar que a hemólise na esferocitose já se inicia com concentrações de 0,7 a 0,6% de solução salina, enquanto as hemácias normais
só começarão a sofrer destruição osmótica em soluções hipotônicas de aproximadamente 0,5%.

Muitos pacientes com esferocitose hereditária não precisarão de tratamento específico. Esse só será indicado em quadros hemolíticos
graves, com repercussão clínica sintomática. A terapia de primeira linha nesses casos é a esplenectomia: como é justamente o baço que
ocasiona a destruição precoce das hemácias, a retirada cirúrgica do órgão corrige totalmente a anemia hemolítica.

O tratamento de escolha para a esferocitose hereditária é a esplenectomia, considerada inclusive curativa! O


paciente continuará apresentando esferócitos em sangue periférico, mas eles não sofrerão mais hemólise e
não ocasionarão repercussões clínicas.

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CAI NA PROVA
(Centro Universitário UNIRG — TO — 2019) Mulher, 21 anos, apresenta, ao exame físico, esplenomegalia e, ao exame laboratorial, anemia
leve normocítica, com hemácias hipercrômicas. O teste classicamente indicado frente à suspeita clínica elaborada a partir desses dados é:
A) teste de fragilidade osmótica.
B) eletroforese de hemoglobina.
C) aspirado de medula óssea.
D) ultrassonografia hepática com Doppler.

COMENTÁRIO

Não tenha dúvida, Estrategista! Diante de uma anemia hipercrômica, nossa principal hipótese é a esferocitose hereditária. Para
confirmar esse diagnóstico, o exame indicado é, como vimos acima, o teste de fragilidade osmótica, capaz de confirmar a presença dos
esferócitos no sangue periférico.

Correta a alternativa A

(UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ — UFPR — 2022) A respeito daesferocitose hereditária (EH), considere as afirmativas a seguir.
1. A EH é uma doença de caráter genético, do tipo autossômica dominante, sendo pouco frequente sua manifestação na forma
autossômica recessiva.
2. Alterações de determinadas proteínas da membrana do eritrócito, como a anquirina, espectrinas, banda 3 e proteína 4.2, estão na
origem da diminuição da resistência osmótica dos esferócitos, sendo o defeito da anquirina o mais comum.
3. Esplenomegalia está presente na maioria dos casos, porém não há correlação entre o tamanho do baço e a gravidade da anemia.
4. Déficit de crescimento é uma das indicações de esplenectomia, que deve ser realizada, se possível, somente após os 5 anos de
idade.
Assinale acorreta.
A) Somente a afirmativa 4 é verdadeira.
B) Somente as afirmativas 1 e 3 são verdadeiras.
C) Somente as afirmativas 2 e 3 são verdadeiras.
D) Somente as afirmativas 1, 2 e 4 são verdadeiras.
E) As afirmativas 1, 2, 3 e 4 são verdadeiras.

COMENTÁRIO

Vamos julgar as afirmações, Estrategista.


Afirmação 1 — correta. A maior parte dos casos de esferocitose é de herança autossômica dominante, com poucos relatos de formas
autossômicas recessivas.
Afirmação II — correta. Afirmação polêmica, mas a princípio correta. Dependendo da referência, a maior parte dos defeitos do
citoesqueleto característicos da esferocitose decorrem de deficiências de anquirina ou da deficiência conjunta de anquirina e espectrina.

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Afirmação III — correta. Como vimos, esplenomegalia é uma característica marcante da esferocitose hereditária. No entanto, não está
diretamente associada à gravidade da anemia, isso é, baços maiores não necessariamente indicam anemias mais graves.
Afirmação IV — correta. O tratamento de escolha para a esferocitose hereditária é a esplenectomia, reduzindo o quadro hemolítico. No
entanto, está apenas indicada em pacientes com anemias graves, com repercussão clínica marcante, devendo preferencialmente ser realizada
após os 5 anos de idade, quando o risco de infecções por bactérias encapsuladas diminui.

correta a alternativa E.

EM RESUMO — ESFEROCITOSE HEREDITÁRIA


1. Membranopatia eritrocitária mais comum.
2. Fisiopatologia: mutações autossômicas dominantes levando à deficiência de proteínas do citoesqueleto das hemácias,
que causam a perda de fragmentos da membrana eritrocitária, criando os esferócitos, hemácias hipercrômicas de forma
esférica, que sofrem hemólise ao passar na circulação esplênica.
3. Quadro clínico-laboratorial: anemia hipercrômica congênita marcada por hemólise extravascular, cursando com
esplenomegalia moderada e alterações hemolíticas típicas como elevação de desidrogenase lática e bilirrubina indireta,
reticulocitose e queda da haptoglobina.
4. Diagnóstico: curva de fragilidade osmótica mostrando um aumento da suscetibilidade ao estresse osmótico.
5. Tratamento: esplenectomia - terapia curativa em primeira linha, indicada em pacientes que apresentam quadros
hemolíticos graves.

Figura 25. Esferocitose hereditária em resumo: a deficiência de proteínas do citoesqueleto leva à perda de porções da membrana eritrocitária, surgindo assim os esferócitos,
hemácias esféricas hipercrômicas. Ao passar nos sinusoides esplênicos, os esferócitos sofrem ação dos macrófagos por possuírem deformabilidade diminuída, levando
a posteriores perdas de membrana e finalmente hemólise. Assim, a esferocitose é uma anemia hemolítica crônica, de herança autossômica dominante, cursando com
esplenomegalia e tratada curativamente com a esplenectomia.

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2.3 ELIPTOCITOSE HEREDITÁRIA


Também uma membranopatia eritrocitária, a eliptocitose
hereditária é uma doença autossômica dominante marcada pela
presença de eritrócitos ovais e alongados, os eliptócitos. Ela é
raramente cobrada nas provas, normalmente aparecendo apenas
como um diagnóstico diferencial nas alternativas das questões, mas
pouco explorada quanto a suas características próprias.
O defeito autossômico dominante que caracteriza a eliptocitose
hereditária é também sobre as proteínas do citoesqueleto, mas dessa
vez afetando as interações horizontais da membrana eritrocitária, Figura 26. Eliptócitos: hemácias de formato elíptico, geradas por deficiências
de proteínas relacionadas às interações horizontais da membrana eritrocitária.
levando às características alterações da forma das hemácias.
Costumam ser mais de 25% das hemácias do paciente, podendo ser até 100%
A maioria dos pacientes não apresenta quadro hemolítico e delas.
nem mesmo anemia. O achado característico e diagnóstico é a presença dos eliptócitos no esfregaço de sangue periférico. Aqueles pacientes
que eventualmente necessitarem de tratamento costumam responder bem à esplenectomia.

2 .4 DEFICIÊNCIA DE G6PD

A deficiência de glicose-6-fosfato-desidrogenase (G6PD) principalmente homens (heterozigotos) e raramente mulheres


é a mais comum das enzimopatias eritrocitárias e praticamente (homozigotas). Seu quadro clínico marcante é a informação mais
a única cobrada nas provas de Residência. É uma condição de abordada pelas bancas examinadoras, como veremos a seguir. Mas,
herança ligada ao sexo (relacionada ao cromossomo X), afetando antes, vamos entender o que é a G6PD e qual é sua função.

2.4.1 FISIOPATOLOGIA DA DEFICIÊNCIA DE G6PD


A G6PD é uma enzima necessária para manter os níveis
celulares de glutationa, substância que protege as hemácias contra
o dano oxidativo. Quando as células são expostas a algum agente
oxidante, é a glutationa que age inibindo a formação de espécies
reativas de oxigênio (EROs), impedindo que oxidem e lesem os
componentes eritrocitários.
Na deficiência de G6PD, os níveis reduzidos dessa enzima
fazem com que haja menor produção de glutationa, com
consequente acúmulo de agentes oxidantes nas hemácias. Essas
substâncias agirão sobre a molécula de hemoglobina, levando à sua
Figura 27. Corpúsculos de Heinz: depósitos de hemoglobina oxidada no oxidação e precipitação no citoplasma das hemácias, formando os
citoplasma das hemácias, caracteristicamente localizados junto à membrana
eritrocitária. São tipicamente encontrados na deficiência de G6PD, justamente característicos corpos de Heinz.
uma situação em que há perda da proteção das hemácias contra o dano
oxidativo.

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A descrição de corpos de Heinz no esfregaço de sangue periférico do paciente ajuda a facilmente


suspeitar da deficiência de G6PD nas questões de prova!

Quando as hemácias contendo corpúsculos de Heinz


passam pela circulação esplênica, os macrófagos tentam eliminar
essas inclusões citoplasmáticas, fagocitando parte do citoplasma
eritrocitária e gerando, assim, as bite cells, hemácias “mordidas”,
mostradas na imagem abaixo. São bem menos abordadas nas
provas que os corpos de Heinz.

Figura 28. Bite cells: hemácias que perderam fragmentos de sua membrana
celular por ação dos macrófagos esplênicos, na tentativa de retirar da circulação
os corpos de Heinz.

Na maior parte do tempo, as hemácias deficientes em capazes de aumentar o dano oxidativo.


G6PD conseguem manter sua função normal, sem sofrer hemólise. Apesar de infecções e favismo serem frequentes, o fator
O paciente, portanto, não possui sequer anemia. É em situações desencadeante mais cobrado nas provas é o uso de medicações,
de estresse oxidativo aumentado que o acúmulo de espécies especialmente primaquina, dapsona, quinolonas (ácido nalidíxico)
reativas de oxigênio será mais pronunciado, levando à deposição e sulfas. A maioria das questões sobre deficiência de G6PD trará
de hemoglobina oxidada, dano na membrana celular e, em última justamente uma criança que desenvolve um quadro agudo de
instância, hemólise intravascular. Por isso, a deficiência de G6PD hemólise intravascular precipitado pelo uso de uma dessas
expressa-se habitualmente em surtos hemolíticos autolimitados, medicações.
desencadeados por algumas situações particulares. Mas, antes de ver como a deficiência de G6PD é abordada
São clássicas, por exemplo, as descrições de pacientes nessas questões, revise rapidamente na imagem a seguir sua
com deficiência de G6PD apresentando episódios de hemólise fisiopatologia, para que possamos descrever com mais detalhes a
intravascular durante quadros infecciosos ou após a ingesta de favas apresentação dessa clássica enzimopatia.
(leguminosas semelhantes ao feijão), que possuem substâncias

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Figura 29. Fisiopatologia da Deficiência de G6PD: a G6PD é responsável pela formação da glutationa (GSH), a principal proteção das hemácias contra a formação
de espécies reativas de oxigênio (EROs). Quando o paciente apresenta uma mutação congênita que determina menor síntese de G6PD, a produção de glutationa é
comprometida, levando ao acúmulo de EROs e dano celular, culminando em destruição das hemácias na própria circulação, ou seja, hemólise intravascular. Os típicos
surtos hemolíticos ocorrem frequentemente após a exposição a fatores de aumento do estresse oxidativo, como infecções, uso de medicações ou ingesta de favas.

2.4.2 QUADRO CLÍNICO-LABORATORIAL DA DEFICIÊNCIA DE G6PD


Como vimos acima, na maior parte do tempo os pacientes reativas de oxigênio, levando à lesão celular e, assim, hemólise
com deficiência de G6PD estão compensados clinicamente, não intravascular.
apresentando anemia ou sinais de hemólise. Contudo, quando Desse modo, devemos suspeitar da deficiência de G6PD
expostos a fatores que aumentam o estresse oxidativo, as hemácias em pacientes que apresentem episódios súbitos de hemólise
são incapazes de gerar glutationa para proteger-se das espécies intravascular, precipitados principalmente pelo uso de medicações,

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como a primaquina. Normalmente, o quadro manifesta-se algumas indireta, queda de haptoglobina, reticulocitose e, especialmente,
horas ou um a três dias após a exposição ao desencadeante. hemoglobinúria. Por deposição de hemoglobina oxidada, o
Alterações laboratoriais típicas de anemias hemolíticas esfregaço de sangue periférico mostrará os corpos de Heinz e as
intravasculares são esperadas, como hiperbilirrubinemia bite cells.

A deficiência de G6PD é abordada nas provas basicamente de uma única forma: seremos apresentados a um
paciente, normalmente uma criança, que apresenta um surto de hemólise intravascular franca pouco após
ingestão de alguma medicação. As drogas mais comumente trazidas nas provas são a primaquina e o ácido
nalidíxico.

Mais raramente, alguns portadores de deficiência de G6PD possuem apresentações diferentes da descrita acima, cursando com
anemia hemolítica crônica contínua ou icterícia neonatal. Essas apresentações, entretanto, são menos cobradas nas provas, que preferem
abordar o quadro clássico de surto hemolítico desencadeado por medicações.

Quadro clínico-laboratorial da deficiência de G6PD

Mais comum: episódios súbitos de hemólise intravascular precipitados por desencadeantes conhecidos

Herança ligada ao sexo (cromossomo X): mais comum em homens

Anemia normo/normo (eventualmente macrocítica pela reticulocitose)

Sinais de hemólise: elevação de bilirrubina indireta e desidrogenase lática, queda de haptoglobina, reticulocitose

Hemólise de componente intravascular: hemoglobinemia, hemoglobinúria e hemossiderinúria

Esfregaço de sangue periférico: corpos de Heinz e bite cells

Veja a seguir como as questões abordam a deficiência de G6PD!

CAI NA PROVA
(UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA — UEL-PR — 2022) Paciente do sexo masculino, 3 anos de idade, dá entrada em pronto-socorro
com história de palidez e icterícia. Mãe refere que a criança apresentou quadro febril, tendo dado paracetamol para controle de temperatura.
Refere que, algum tempo depois, ele começou a ficar mais pálido, com olhos amarelados e urina escurecida. Criança com história prévia de
ter apresentado os mesmos sintomas quando teve uma infecção de garganta que necessitou de uso de sulfametoxazol + trimetoprim para
tratamento. Ao exame físico, apresenta-se ictérico, com fígado palpável a 3 cm rebordo costal direito e baço a 4 cm rebordo costal esquerdo.
Exames complementares com presença de anemia, bilirrubinas aumentadas à custa de bilirrubina indireta, reticulocitose, Coombs direto
negativo e presença de “bite cells”.
Quanto ao diagnóstico mais provável, para esse caso, assinale acorreta.Anemia hemolítica por autoanticorpo.
A) Anemia falciforme.
B) Deficiência de G6PD.
C) Esferocitose hereditária.
D) Talassemia minor.

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COMENTÁRIO
Você já sabe que anemia com aumento de bilirrubina indireta e reticulocitose aponta para anemia hemolítica, Estrategista. Agora, essa
história clínica de que a anemia foi desencadeada por uso de medicações é muito típica dadeficiência de G6PD. Ainda mais com a presença
de bite cells! Não há dúvidas, a resposta da questão é a alternativa C.

Correta a alternativa C

(SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE — SUS-SP — 2023) Um menino de 3 anos de idade, previamente hígido, foi levado ao pronto-socorro com
quadro de palidez abrupta e queda no estado geral. Sua avó, que o acompanhava, negou uso de medicações e relatou que, nos últimos dias,
encontrou a criança brincando com bolinhas de naftalina. Ao exame, constatou-se o seguinte: criança afebril, hipocorada (2+/4+) e ictérica
(2+/4+); taquicardia, com ausculta respiratória e cardíaca sem alterações; baço palpável a 1 cm do rebordo costal. Foram solicitados exames
laboratoriais, os quais revelaram Hb = 6,2 mg/dL, Ht = 18,5%, reticulócitos = 9,5% e Coombs direto negativo.
Assinale a alternativa que apresenta a hipótese diagnóstica nesse caso.
A) Doença falciforme.
B) Esferocitose hereditária.
C) Talassemia minor.
D) Deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase.
E) Anemia hemolítica autoimune.

COMENTÁRIO
Agora, você já sabe identificar a deficiência de G6PD, colega Estrategista! Veja que somos apresentados a uma criança que abre um
quadro anêmico súbito após contato com naftalina. Alterações como reticulocitose e icterícia apontam para a presença de hemólise, enquanto
a história de exposição à substância química não deixa dúvida do diagnóstico.
O Coombs direto negativo ajuda-nos a afastar a possibilidade de anemia hemolítica autoimune, quadro que estudaremos a seguir. Mas,
antes, vamos falar mais um pouco sobre o diagnóstico e tratamento da deficiência de G6PD.

Correta a alternativa D

2.4.3 DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA DEFICIÊNCIA DE G6PD

Diante de um quadro suspeito de surto hemolítico em atividade da enzima nos eritrócitos, que estará caracteristicamente
paciente com deficiência de G6PD, nossa primeira medida deve reduzida. O diagnóstico, no entanto, não costuma ser firmado
ser o suporte clínico, inclusive com transfusão de concentrados de durante o episódio hemolítico: as hemácias com menor atividade
hemácias se necessário. É preciso, principalmente, afastar o fator de G6PD terão sido destruídas na crise hemolítica, restando
precipitante, tratando infecções ou suspendendo o uso de drogas hemácias que podem ter uma boa atividade da enzima. Assim,
que iniciaram o quadro. devemos esperar cerca de 2 a 3 meses após o episódio para dosar
Para confirmar a deficiência de G6PD, devemos dosar a a atividade da G6PD e confirmar o quadro.

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A orientação do paciente sobre o diagnóstico é, certamente, a parte mais importante do tratamento, devendo ser longamente
orientado sobre os possíveis desencadeantes dos surtos hemolíticos, especialmente quanto à grande lista de medicações que deve evitar.

EM RESUMO - DEFICIÊNCIA DE G6PD


1. Enzimopatia eritrocitária mais comum.
2. Fisiopatologia: mutações de herança ligada ao sexo levam à menor atividade da enzima G6PD, causando a perda de
proteção do principal mecanismo de proteção das hemácias contra o estresse oxidativo. Em situações de oxidação
aumentada, as hemácias são incapazes de reduzir a formação de espécies reativas de oxigênio, que levam à precipitação
de hemoglobina oxidada e dano à membrana celular, culminando em hemólise intravascular.
3. Quadro clínico-laboratorial: surtos de hemólise intravascular precipitados por infecções, ingesta de favas ou uso de
medicações (primaquina, dapsona, sulfas, quinolonas). Identificar esse quadro é o ponto mais abordado pelas provas.
4. Diagnóstico: dosagem da atividade de G6PD, 2 a 3 meses após o surto hemolítico.
5. Tratamento: suporte clínico e afastamento de desencadeantes.

Figura 30. Deficiência de G6PD em resumo: a glicose-6-fosfato-desidrogenase é uma enzima responsável por iniciar a formação do principal mecanismo de proteção das
hemácias contra o estresse oxidativo. Pacientes deficientes em G6PD possuem uma mutação relacionada ao cromossomo X que determina menor atividade dessa enzima,
fazendo com que haja menos produção de glutationa, a substância que, em última instância, protege os eritrócitos do estresse oxidativo. Sem G6PD e sem glutationa,
as hemácias são destruídas em situações de oxidação aumentada, levando ao quadro típico da deficiência de G6PD: surtos de hemólise intravascular precipitados por
infecções ou uso de medicações. Os corpos de Heinz, depósitos de hemoglobina oxidada, também são característicos.

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2 .5 DEFICIÊNCIA DE PIRUVATO-QUINASE

A deficiência de piruvato-quinase é a segunda enzimopatia de sódio, cálcio e potássio da membrana celular. Isso faz com que
eritrocitária mais comum, raramente cobrada nas provas, as hemácias percam deformabilidade e sejam fagocitadas em sua
normalmente aparecendo apenas como um diagnóstico diferencial passagem pelo baço.
nas alternativas das questões, mas pouco explorada quanto às suas O quadro clínico é bastante variável, consistindo em anemia
características próprias. normocítica e normocrômica com níveis de hemoglobina entre 6
A piruvato-quinase é uma enzima envolvida no metabolismo e 12g/dL. Reticulocitose e outras alterações típicas de anemias
energético das hemácias, responsável por uma das reações hemolíticas são esperadas. O diagnóstico é firmado pela dosagem
envolvidas na formação de ATP. Na deficiência de piruvato-quinase, da atividade da piruvato-quinase, sendo o tratamento baseado no
a via glicolítica é comprometida, resultando em menor produção suporte clínico. Quadros graves podem responder à esplenectomia.
de ATP e, consequentemente, incapacidade de manter as bombas

Com isso, colega Estrategista, encerramos o estudo das anemias hemolíticas congênitas. Dedique especial
atenção à doença falciforme quando for revisar o tema e responder questões, já que essa é a anemia hemolítica
mais comum nas provas. E tome fôlego, porque é hora de seguirmos nossa jornada pelas hemólises, dessa vez
tratando de suas causas adquiridas!

CAPÍTULO

3.0 ANEMIAS HEMOLÍTICAS ADQUIRIDAS

Anemias hemolíticas adquiridas são aquelas que decorrem de destruição precoce das hemácias por mecanismos não constitucionais
do indivíduo, desenvolvidos durante a vida. Essas são condições muito importantes na prática clínica e também nas provas: juntas, as
hemólises adquiridas são alvo de cerca de 30% das questões sobre anemias hemolíticas! Vamos lá!

3 .1 ANEMIAS HEMOLÍTICAS AUTOIMUNES - AHAI


As anemias hemolíticas autoimunes (AHAI) são condições macrófagos do sistema reticuloendotelial.
incomuns em que a sobrevida das hemácias é reduzida por ação O tipo de autoanticorpo produzido possui implicações
de autoanticorpos dirigidos a antígenos de sua membrana. Por fisiopatológicas e clínicas marcantes, separando as AHAI em dois
motivos desconhecidos, certos indivíduos desenvolvem esses grandes grupos: as AHAI por anticorpos quentes e as AHAI por
autoanticorpos, que se ligam à superfície eritrocitária, levando à anticorpos frios. É essa classificação o ponto mais cobrado sobre as
destruição precoce das hemácias via sistema complemento ou AHAI nas provas e justamente do que trataremos a seguir!

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3.1.1 CLASSIFICAÇÃO DAS AHAI


A maioria das AHAI é ocasionada pelo desenvolvimento de Por fim, existe uma terceira categoria, de AHAI mistas, que
autoanticorpos da classe IgG, responsáveis por 80% dos casos. expressam anticorpos IgG e IgM, mas é raríssima e nunca cobrada
Nessas situações, a máxima capacidade de ligação dos anticorpos nas provas.
é à temperatura corporal, 37°C, daí a denominação AHAI por É importante notar que a classificação das AHAI não
anticorpos quentes. Esses autoanticorpos são normalmente tem apenas significado laboratorial, já que as diferenças entre
voltados contra antígenos do sistema Rh, podendo interferir na sua os dois tipos implicam também em sua apresentação clínica e
tipagem. no tratamento. As AHAI a quente são marcadas por hemólise
Já a AHAI por anticorpos frios ou doença das aglutininas extravascular, mediada pelo baço: os autoanticorpos IgG ligam-
frias é mais rara, cerca de 15% dos casos, e causada pela presença se à superfície das hemácias e fazem com que sejam destruídas
de anticorpos da classe IgM, que reagem melhor a temperaturas pelos macrófagos esplênicos. Já na AHAI a frio, a sensibilização
baixas, de 4 a 30°C. Esses autoanticorpos geralmente são voltados eritrocitária pelos autoanticorpos IgM faz com que o sistema
contra antígenos do sistema I (antígenos I e i), presentes na complemento causa lise direta às hemácias, configurando um caso
membrana de todas as hemácias. Assim, pacientes com AHAI a frio de hemólise intravascular, como vemos na imagem a seguir.
terão interferência tanto na tipagem Rh quanto ABO.

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Figura 31. Tipos de anemia hemolítica autoimune (AHAI): as AHAI a frio (A) são ocasionadas por autoanticorpos da classe
IgM, cuja ligação máxima às hemácias ocorre abaixo de 30°C (normalmente a 4°C), levando à hemólise na própria circulação
por ação do sistema complemento (hemólise intravascular). Já a forma mais comum de AHAI é por anticorpos quentes (B), da
classe IgG, que ocasionam hemólise extravascular, através da sensibilização das hemácias à ação dos macrófagos do sistema
retículo-endotelial, principalmente no baço.

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As duas classes de AHAI também diferem em sua etiologia. Existem, entretanto, algumas etiologias particulares a cada
Na maioria dos casos, a AHAI é idiopática, sem desencadeante classe. A AHAI a quente pode ser precipitada pelo lúpus eritematoso
conhecido. Isso é verdadeiro tanto para a AHAI por anticorpos sistêmico (LES), neoplasias e pelo uso de medicações, enquanto
quentes quanto pela por anticorpos frios. Quando secundárias, casos secundários de AHAI a frio estão associados a infecções pelo
grande porcentagem das AHAI é ocasionada por doenças micoplasma, vírus Epstein-Barr (EBV) e citomegalovírus (CMV).
linfoproliferativas, especialmente a leucemia linfoide crônica (LLC).

AHAI a quente AHAI a frio

Idiopática Idiopática
Doenças linfoproliferativas (LLC) Doenças linfoproliferativas
LES, neoplasias Infecções: EBV, CMV,
Medicações: metildopa, micoplasma
cefalosporinas, quinidina

Autoanticorpos IgG Autoanticorpos IgM

Reatividade máxima a 37ºC Reatividade máxima a 4ºC

Hemólise extravascular Hemólise intravascular

Apesar de não serem a etiologia mais comum de AHAI a quente, a maior parte das questões de prova abordam
os casos desencadeados por medicações, especialmente a alfametildopa, cefalosporinas e quinidina. São
clássicas as questões de uma gestante que desenvolve um quadro hemolítico após iniciar uso de metildopa
como anti-hipertensivo ou ceftriaxona para tratamento de uma infecção urinária, como veremos logo a seguir.
Mas, antes de ver como esse quadro é apresentado nas questões, vejamos de que forma podemos confirmar
o diagnóstico das AHAI.

3.1.2 DIAGNÓSTICO DAS AHAI


As AHAI não possuem um quadro clínico com muitas particularidades, além da presença de hemólise. Os principais sintomas relacionam-
se à instalação da anemia, como fraqueza, dispneia aos esforços e palpitações, enquanto o laboratório evidenciará as alterações típicas
encontradas em estados hemolíticos, como aumento de bilirrubina indireta e desidrogenase lática, consumo de haptoglobina, reticulocitose,
achado de microesferócitos.

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Algumas discretas distinções existem entre os dois são a hemoglobinúria (manifestada por urina escurecida) e a
tipos: na AHAI a quente, pode ser encontrada esplenomegalia precipitação do quadro pela exposição à baixa temperatura. Todas
leve a moderada (já que a hemólise é predominantemente essas alterações estão resumidas na tabela a seguir, olhe só:
extravascular), enquanto achados característicos da AHAI a frio

Quadro clínico-laboratorial da AHAI

AHAI por anticorpos quentes: marcada por hemólise extravascular, cursando com esplenomegalia

AHAI por anticorpos frios: marcada por hemólise intravascular, cursando com hemoglobinemia, hemoglobinúria e hemossiderinúria,
muitas vezes precipitadas pelo frio

Alterações hemolíticas comuns às duas apresentações: anemia normo/normo (podendo ser macrocítica por reticulocitose),
icterícia por hiperbilirrubinemia indireta, aumento de desidrogenase lática, queda de haptoglobina, reticulocitose, presença de
microesferócitos em sangue periférico

Como não possuem grandes características específicas que ligadas em sua superfície.
as diferem das outras anemias hemolíticas, diante de um quadro Para tal, submetemos uma amostra de hemácias do paciente
de hemólise, sempre devemos pensar na possibilidade de AHAI e ao soro de Coombs, uma mistura de anticorpos anti-IgG e anti-C3
buscar confirmar ou afastar esse diagnóstico através de um exame: que fará com que os eritrócitos ligados a essas substâncias se
o teste de Coombs direto. aglutinem, como mostra a imagem a seguir. Um TAD positivo
Teste da antiglobulina direto (TAD) é a denominação mais indica, portanto, que as hemácias do paciente possuem IgG ou C3
atual para o clássico Coombs direto. Nesse exame, detectamos em sua superfície, o que, em conjunto com evidências de hemólise,
a presença de hemácias sensibilizadas por anticorpos ou confirma o diagnóstico de AHAI.
complemento, isto é, aquelas que apresentam essas substâncias

Figura 32. Teste de antiglobulina direto (TAD) ou Coombs direto: esse exame avalia a presença de anticorpos ligados à superfície das hemácias do paciente, através da
adição do soro de Coombs, uma mistura de anticorpos contra IgG e C3. Hemácias sensibilizadas por essas substâncias sofrerão, então, aglutinação, indicando positividade
do teste e confirmando o diagnóstico de AHAI, caso também haja alterações indicativas de hemólise.

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Na vida real, até existem raras AHAI em que o TAD será negativo, mas elas nunca são abordadas nas provas. De forma semelhante,
um TAD positivo isoladamente não consegue confirmar a AHAI na ausência de sinais de hemólise, já que falsos positivos são possíveis. Os
examinadores, contudo, não costumam abordar esses conceitos: nas provas, Coombs direto positivo sempre indica AHAI.

Nas provas de Residência, teste de Coombs direto positivo sempre será por AHAI!

CAI NA PROVA
(Seleção Unificada para Residência Médica do Estado do Ceará — SURCE — 2017) A mãe de um menino de cinco anos de idade relata que
ele está com aparência anêmica, nas últimas duas semanas, sem causa aparente. Ao exame clínico, apresenta apenas palidez cutaneomucosa
e leve icterícia; o restante do exame é normal. Os resultados laboratoriais revelam hemoglobina de 6,5 g e Coombs direto positivo. Qual é a
principal hipótese diagnóstica?

A) Doença falciforme.
B) Esferocitose hereditária.
C) Anemia hemolítica autoimune.
D) Anemia por deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase.

COMENTÁRIO
Não tenha dúvida, Estrategista: diante de um Coombs direto positivo, nossa principal hipótese é a AHAI, sem qualquer sombra de
dúvida. Mais ainda quando vem acompanhado de alterações clássicas de uma anemia hemolítica, como redução dos níveis de hemoglobina
e icterícia. Não esperamos encontrar positividade do TAD nas demais condições listadas.

Correta a alternativa C

A contrapartida ao TAD é o teste de Coombs indireto ou fenótipo conhecido, como vemos na imagem a seguir.
pesquisa de anticorpos irregulares (PAI), não utilizado no diagnóstico O Coombs indireto permite-nos, assim, identificar quais
das AHAI. Nesse exame, buscamos a presença de anticorpos livres são os anticorpos presentes no plasma do paciente, sendo usado
no soro do paciente, através de sua incubação junto de hemácias principalmente como exame pré-transfusional e no diagnóstico da
com o soro de Coombs e hemácias de outros pacientes com doença hemolítica do recém-nascido.

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Figura 33. Teste de Coombs indireto: exame que avalia a presença de anticorpos antieritrocitários livres no plasma, através da incubação do soro do paciente com o soro
de Coombs e hemácias de fenótipo conhecido. Se o paciente apresentar aloanticorpos contra as hemácias utilizadas, a aglutinação da amostra permitirá que digamos
contra que antígenos aqueles anticorpos agem.

Agora que sabemos identificar e diagnosticar as AHAI, Estrategista, vejamos como as questões abordam esse tema!

CAI NA PROVA
(SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE — SUS BAHIA — 2023) Mulher, 40 anos de idade, procura a UBS por apresentar olhos amarelados, esporadicamente.
Nega comorbidades ou( uso de medicações. Ao exame físico, bom estado geral, sinais vitais estáveis, icterícia 1+/4. Não há alterações no
exame segmentar, exceto espaço de Traube ocupado. Solicitados exames, com os seguintes resultados: Hb = 10,5 g/dL, VCM = 100 fL, CHCM
= 35,1 g/dL, RDW = 17%, leucócitos = 5930/mm³, plaquetas = 160 mil/mm3, ferritina = 1000 ng/mL, índice de saturação de transferrina =
54%, bilirrubinas totais = 3,8 g/dL, direta = 0,9 g/dL, indireta = 2,89 g/dL, AST = 26 U/L (VR: 31), ALT = 29 U/L (VR: 31 U/L), albumina = 4,0 g/
dL, RNI = 1,0.
Diante do quadro, indique o exame mais importante para realização do diagnóstico etiológico.
A) Pesquisa de mutação para hemocromatose hereditária.
B) Coombs direto.
C) Biópsia hepática.
D) Colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM).

COMENTÁRIO:
O examinador tenta confundi-lo colocando alternativas que trazem de doenças hepáticas, Estrategista, mas você já sabe que, diante
de um aumento da bilirrubina indireta, suspeitamos de hemólise, especialmente nesse caso, em que vemos presença de anemia e de VCM
com tendência ao aumento. E, sempre que nossa suspeita for de uma anemia hemolítica, devemos solicitar um teste de Coombs direto como
parte inicial da investigação.

Correta a alternativa B
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(UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA — UNESP — 2023 ) Mulher de 24 anos apresenta cansaço, fraqueza e taquicardia aos mínimos esforços
há 2 dias. EF: FC de 110 bpm, FR de 18 irpm, PA de 100/60 mmHg, mucosas descoradas, baço palpável sobre o rebordo costal direito, aftas
orais. Exames laboratoriais: Hb = 5,7 g/dL, Ht = 22%, VCM = 108 fL, plaquetas = 212.000/mm³, GB = 4.800/mm³ com diferenciais normais,
reticulócitos = 5,6%, BT = 4,5 mg/dL, BI = 3,8 mg/dL, DHL 4 vezes o valor de normalidade, Cr = 0,6 mg/dL. O exame que auxiliará no diagnóstico
é a(o):

A) teste da antiglobulina direta.


B) imunofenotipagem de sangue periférico.
C) dosagem de vitamina B12.
D) eletroforese de hemoglobina.

COMENTÁRIO

Identificou a anemia hemolítica, Estrategista? VCM aumentado por reticulocitose, aumento de bilirrubina indireta e de DHL são
características que apontam para a hemólise, especialmente com a presença de esplenomegalia! O teste de Coombs direto, ou da antiglobulina
direta, é essencial na investigação dessas condições, justamente para identificar precocemente a AHAI.

correta a alternativa B.

3.1.3 TRATAMENTO DAS AHAI


O tratamento específico das AHAI depende necessariamente taxas de resposta. Em episódios hemolíticos graves, alguns autores
do tipo de autoanticorpo expresso. Nas AHAI por anticorpos sugerem a pulsoterapia com metilprednisolona endovenosa como
frios, a principal medida terapêutica é evitar a exposição ao frio, terapia de escolha.
especialmente mantendo as extremidades aquecidas. Em pacientes corticorrefratários, diversas terapias podem ser
Já nas AHAI por anticorpos quentes, o tratamento é muito utilizadas, como esplenectomia, rituximab (proteína monoclonal
semelhante ao de outra condição hematológica autoimune que anti-CD20), imunoglobulina humana e drogas imunossupressoras
veremos posteriormente, a PTI (púrpura trombocitopênica imune). como ciclofosfamida, ciclosporina e azatioprina.
A primeira linha terapêutica consiste no uso de corticoides, O tratamento das AHAI é o ponto menos abordado sobre o
principalmente prednisona 1mg/kg, mantida por pelo menos 10 tema nas provas, mas eventualmente uma ou outra questão toca
a 14 dias, inibindo a produção de autoanticorpos IgG, com boas nesse tópico, como veremos a seguir:

CAI NA PROVA
(Comissão Estadual de Residência Médica do Amazonas — CERMAM — 2020) Considerando as anemias hemolíticas autoimunes (AHAI),
assinale a alternativa CORRETA.
A) O teste de Coombs indireto detecta anticorpos na superfície das hemácias, enquanto o teste de Coombs direto detecta anticorpos no
soro.
B) A terapia com ciclosporina é a medida terapêutica de 1ª linha nas AHAI por anticorpos quentes.
C) O teste de Coombs direto negativo, na maioria das vezes, afasta a hipótese de anemia hemolítica.
D) Anticorpos da classe IgM são os principais responsáveis pelas AHAI por anticorpos quentes, causando hemólise extravascular.

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COMENTÁRIO
A maior parte das provas traz casos clínicos de AHAI para que você saiba identificá-los, mas, algumas vezes, questões conceituais como
essa aparecem. Vamos julgar a alternativa, buscando a correta.Incorreta a

a alternativa A: fique atento, Estrategista! O examinador inverteu os exames para confundi-lo: quem detecta os anticorpos na superfície
eritrocitária é o Coombs direto (aquele que vê os anticorpos DIRETAMENTE ligados às hemácias), enquanto o Coombs indireto identifica
anticorpos livres no soro (usa hemácias de outros pacientes para INDIRETAMENTE buscar os anticorpos).
Incorreta a alternativa B: como vimos, imunossupressores como a ciclosporina são usados em segunda linha para o tratamento das AHAI
por anticorpos quentes, após falha dos corticoides como tratamento de primeira escolha.

Correta a alternativa C apesar de, raramente, podermos ter AHAI com Coombs direto negativo, na maioria das vezes, podemos
afastar essa hipótese diante da negatividade do exame.
Incorreta a alternativa D: erro conceitual crasso. As AHAI por anticorpos quentes são desencadeadas por anticorpos IgG e cursam com
hemólise extravascular, enquanto autoanticorpos IgM desencadeiam hemólise intravascular nas AHAI por anticorpos frios.

(Universidade Federal de Campina Grande — PB — 2018) Que assertiva a seguir não é esperada em uma paciente lúpica, com anemia
hemolítica autoimune por anticorpos quentes?
A) Coombs direto positivo para IgG e C3.
B) Hemoglobinúria de grande monta.
C) Hemólise predominantemente extravascular.
D) Provas cruzadas pré-transfusionais persistentemente positivas.
E) Boa resposta terapêutica com gamaglobulina hiperimune.

COMENTÁRIO
Temos uma paciente apresentando uma AHAI por anticorpos quentes, desencadeada pelo lúpus. O que esperamos encontrar nesses
casos? Ora, você já sabe que a AHAI quente é precipitada pela produção de autoanticorpos IgG, capazes de levar à hemólise extravascular por
meio da sensibilização das hemácias à ação dos macrófagos esplênicos. Com isso em mente, vamos julgar as alternativas.
Correta a alternativa A: o Coombs direto positivo é, sim, uma alteração esperada na AHAI por anticorpos quentes, já que justamente
detecta a presença de autoanticorpos ligados à superfície das hemácias.

Incorreta a a alternaitva B a AHAI quente é marcada pela hemólise extravascular, enquanto hemoglobinúria é uma apresentação

típica de quadros de hemólise intravascular.

Correta a alternativa C: como vimos na alternativa anterior, é justamente a hemólise extravascular que caracteriza os casos de AHAI por
anticorpos quentes.
Correta a alternativa D: autoanticorpos IgG podem interferir em exames pré-transfusionais, especialmente na tipagem Rh. No caso da
AHAI por anticorpos frios, também há interferência, mas ela habitualmente é controlada por meio do aquecimento das amostras, já que
os autoanticorpos IgM possuem ligação máxima às hemácias abaixo de 30 °C.
Correta a alternativa E: como vimos, a imunoglobulina humana é uma opção de tratamento de segunda linha para a AHAI por anticorpos
quentes, em pacientes refratários à corticoterapia.

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É isso, Estrategista, já conhecemos as anemias hemolíticas de componente autoimune. Revise rapidamente esse tema a seguir antes
de avançarmos para as formas não imunes de hemólise adquirida, começando por um tipo muito importante: as microangiopatias!

EM RESUMO - ANEMIAS HEMOLÍTICAS AUTOIMUNES


1. Doenças raras em que há produção de autoanticorpos voltados contra a superfície eritrocitária.
2. Fisiopatologia: a produção de autoanticorpos IgG ou IgM leva à destruição precoce das hemácias.
3. AHAI por anticorpos quentes: mais comum (80% dos casos), causada por autoanticorpos IgG, com reatividade máxima à
temperatura corporal, 37°C, causando hemólise extravascular. Na maioria das vezes, idiopática, mas podendo ser secundária
a LLC, lúpus, neoplasias e uso de medicações (alfametildopa, cefalosporinas, quinidina). Interfere na tipagem Rh.
4. AHAI por anticorpos frios: 15% dos casos, causada por autoanticorpos IgM, com reatividade máxima abaixo de 30°C,
causando hemólise intravascular. Na maioria das vezes, idiopática, podendo ser secundária a doenças linfoproliferativas e
infecções (Micoplasma, CMV, EBV). Interfere nas tipagens ABO e Rh.
5. Diagnóstico: alterações típicas de hemólise + Coombs direto positivo.
6. Tratamento da AHAI por anticorpos quentes: corticoterapia em primeira linha, segunda linha com imunossupressores
(ciclofosfamida, azatioprina), imunoglobulina, esplenectomia.
7. Tratamento da AHAI por anticorpos frios: evitar exposição a baixas temperaturas.

Figura 34. AHAI em resumo: as anemias hemolíticas autoimunes são condições primárias ou secundárias em que a produção de autoanticorpos contra antígenos
eritrocitários leva à destruição precoce das hemácias. O tipo mais comum, a AHAI por anticorpos quentes, é caracterizado pela presença de anticorpos da classe IgG, que
levam à hemólise extravascular, devendo ser tratado em primeira linha com corticoterapia. Já a AHAI por anticorpos frios é mais rara, desencadeada pela presença de
anticorpos IgM capazes de precipitar hemólise intravascular. Deve ser tratada principalmente com afastamento de exposição ao frio.

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3.2 ANEMIAS HEMOLÍTICAS MICROANGIOPÁTICAS

Anemia hemolítica microangiopática refere-se a condições


em que ocorre a destruição das hemácias na microcirculação:
por inúmeras causas, as hemácias despedaçam-se ao passar pelas
arteríolas e capilares, levando ao aparecimento dos chamados
esquizócitos, fragmentos eritrocitários que podem ser vistos no
sangue periférico.

A destruição das hemácias por impacto em


próteses cardíacas mecânicas também pode
levar à formação de esquizócitos, muitas
vezes sendo chamada de anemia hemolítica
Figura 35. Esquizócitos: "pedaços" de hemácias que sofreram fragmentação na
macroangiopática. microcirculação, típicos das anemias hemolíticas microangiopáticas.

As diversas condições que podem lesar as microangiopatias hemolíticas microangiopáticas de fundo hematológico, as chamadas
estão listadas na tabela a seguir. Algumas dessas patologias serão microangiopatias trombóticas: a PTT (púrpura trombocitopênica
abordadas por outras especialidades, como a eclâmpsia, síndrome trombótica), a SHU (síndrome hemolítico-urêmica) e a CIVD
HELLP e hipertensão maligna. Aqui, trataremos das anemias (coagulação vascular disseminadas.

Causas de anemias hemolíticas microangiopáticas


Microangiopatias trombóticas: púrpura trombocitopênica trombótica (PTT), síndrome hemolítica-urêmica (SHU) e coagulação vascular
disseminada (CIVD)

Pré-eclâmpsia, eclâmpsia e síndrome HELLP

Hipertensão maligna

Neoplasias disseminadas

3.2.1 PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA TROMBÓTICA – PTT


Microangiopatias trombóticas é um termo que engloba a 6 pessoas a cada milhão de habitantes, com pico de incidência
PTT, SHU e CIVD, um grupo de condições em que a destruição das entre os 30 e 50 anos. As mulheres são pelo menos duas vezes mais
hemácias na microcirculação decorre de formação de trombos, afetadas que os homens.
frequentemente cursando com plaquetopenia. Apesar de o quadro clínico ser o ponto mais abordado
A PTT é a mais clássica dessas doenças, caracterizada pela sobre a PTT nas provas, vamos destrinchar abaixo sua interessante
formação de microtrombos formados de plaquetas e fatores de fisiopatologia, para que possamos entender melhor sua
von Willebrand gigantes, ocluindo os capilares de diversos órgãos apresentação.
e levando à hemólise. É uma doença rara, afetando anualmente 2

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3.2.1.1 FISIOPATOLOGIA DA PTT


O fator de von Willebrand (FVW) é uma glicoproteína Metalloproteinase with a ThromboSpondin type 1 motif, member
plasmática secretada pelo endotélio vascular, que possui 13). Sintetizada principalmente no fígado, a ADAMTS13 fragmenta
importante papel na hemostasia: ele promove a adesão plaquetária o FVW gigante gerado pelo endotélio, formando pequenos
através da ligação com um receptor da superfície das plaquetas, a multímeros que se desprenderão e circularão pelo plasma.
glicoproteína IB (Gp-Ib). Quando há lesão endotelial, é o FVW que O evento fisiopatológico central da PTT é justamente a
unirá as plaquetas ao tecido conjuntivo subendotelial exposto, deficiência de ADAMTS13: sem a metaloprotease para clivá-los,
causando a formação do trombo plaquetário. os grandes polímeros de FVW permanecem ligados ao endotélio e
Normalmente, o FVW é secretado pelo endotélio em grandes induzem à adesão das plaquetas, formando trombos plaquetários
polímeros, que precisam ser continuamente clivados, “cortados” na microcirculação de diversos órgãos e levando à fragmentação
em fragmentos menores, que então ganham a circulação. Ou seja, mecânica das hemácias que por ali passarem.
o FVW é como uma planta cujos galhos vão crescendo do endotélio Essa deficiência de ADAMTS13 pode raramente ser
e precisam ser cortados, para que suas “mudinhas” se desprendam congênita, por mutações que levem à menor formação da
e possam circular no plasma. enzima, ou, principalmente, adquirida. Nesse caso, a ação de
Quem faz essa “poda”, a clivagem do FVW, é uma autoanticorpos contra a ADAMTS13 reduz sua atividade, levando
metaloprotease chamada ADAMTS13 (A Disintegrin And ao quadro da PTT.

Figura 36. Fisiopatologia da PTT: o fator de von Willebrand normalmente é clivado por ação da ADAMTS13, fazendo com que os grandes multímeros gerados pelo
endotélio sejam “cortados” em pequenos fragmentos, que ganham a circulação. Na PTT, a inibição da ADAMTS13 por autoanticorpos faz com que o fator de von
Willebrand não seja clivado, culminando na formação de trombos plaquetários na microcirculação.

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A PTT adquirida é, portanto, uma doença imune, mas em que o mecanismo hemolítico em si não decorre
diretamente da ação dos autoanticorpos, como ocorre nas AHAI.

CAI NA PROVA
(Universidade Federal de Campina Grande - UFCG - 2017) A fisiopatologia da púrpura trombocitopênica trombótica está centralmente
descrita na seguinte assertiva:
A) Acúmulo de multímeros do fator de von Willebrand por inibição da ADAMTS13.
B) Ativação plaquetária patológica pela presença de anticorpos anti-PF4.
C) Liberação endotelial excessiva do Inibidor do Ativador do Plasminogênio - PAI.
D) Liberação endotelial excessiva do fator tecidual.
E) Degradação nas células endoteliais dos corpúsculos de Weibel-Palade por serinoproteases.

COMENTÁRIO
Como se instala a PTT, Estrategista? Ora, vimos que a produção de autoanticorpos contra a ADAMTS13 acaba por reduzir a atividade
dessa enzima, impedindo que exerça sua função de clivagem do FVW e, assim, culminando na formação de polímeros gigantes de FVW. Serão
esses polímeros que levarão à formação de trombos plaquetários na microcirculação, precipitando todo o quadro da PTT. Assim, a resposta
da questão é a alternativa A.
Correta a alternativa A

Conhecendo a fisiopatologia da PTT, conseguiremos entender como essa doença se manifesta. Tome fôlego, caro Estrategista, porque
agora estudaremos justamente o ponto mais importante sobre essa patologia: sua apresentação clínica!

3.2.1.2 QUADRO CLÍNICO-LABORATORIAL DA PTT

Já sabemos agora que a PTT é uma doença causada pela multissistêmica.


formação de trombos plaquetários na microcirculação, em Pouco vista na prática clínica, a pêntade clínica clássica
decorrência de uma ação desregulada do FVW não clivado pela associada à PTT é composta por febre, sintomas neurológicos,
ADAMTS13. Muitos órgãos são acometidos pelos microtrombos insuficiência renal, anemia hemolítica microangiopática e
plaquetários, fazendo com que a PTT seja uma doença trombocitopenia, como vemos a seguir.

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Febre

Anemia
hemolítica
Alterações
microangiopática
neurológicas

Formação de
trombos
plaquetários
na microcirculação

Insuficiência Plaquetopenia
renal leve grave

Figura 37. Pêntade clássica de sintomas da PTT.

Alterações neurológicas como tontura, cefaleia, explica a grave trombocitopenia, habitualmente abaixo de 10.000
convulsões e rebaixamento de nível de consciência decorrem do plaquetas/mm3. São também esses microtrombos que levam à
acometimento encefálico pela trombose da microcirculação, assim destruição mecânica das hemácias, formando grande quantidade
como a insuficiência renal, que costuma ser leve, com creatinina de esquizócitos e caracterizando a hemólise microangiopática,
tipicamente abaixo de 2mg/dL. com todas as alterações laboratoriais típicas de uma anemia
O consumo plaquetário na formação dos microtrombos hemolítica intravascular.

Um ponto importante é que a PTT não costuma cursar com alterações do coagulograma, apesar de
ser uma condição trombótica. Isso porque o distúrbio decorre principalmente da formação de trombos
plaquetários, com pouca participação dos fatores de coagulação. Essa é nossa principal forma de
diferenciar a PTT da CIVD, condição que conheceremos mais à frente!

Saber identificar a PTT é o ponto mais cobrado sobre essa doença nas provas de Residência. Revise rapidamente, a seguir, as alterações
esperadas nesse quadro para que possamos ver como as questões as abordam!

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Quadro clínico-laboratorial da PTT

Febre

Alterações neurológicas: confusão mental, cefaleia, tontura, convulsões, déficits motores ou sensitivos, rebaixamento do nível de
consciência

Insuficiência renal: tipicamente leve

Plaquetopenia grave: equimoses, sangramento mucoso

Anemia hemolítica microangiopática: anemia normo/normo, presença de esquizócitos em sangue periférico, aumento de desidro-
genase lática e bilirrubina indireta, reticulocitose, consumo de haptoglobina, hemoglobinúria

Hemólise não imune: Coombs direto negativo

Distúrbio da hemostasia primária: coagulograma normal

CAI NA PROVA
(Universidade Federal de Sergipe — UFS — 2020) Homem, 34 anos, maratonista, é admitido em urgência com queixa de fraqueza.
Acompanhante referiu que os sintomas se iniciaram há cerca de uma semana e preocuparam-na, pois ele ficou sonolento durante toda
a manhã. Ao exame, notou-se alteração de força motora bilateral e lentificação na resposta verbal e equimoses em membros inferiores.
Realizou avaliação laboratorial, cujos resultados estão abaixo, a fim de buscar possíveis causas dos sintomas do paciente. Uma possibilidade
mais provável para o diagnóstico é se tratar de: Hemoglobina = 7,5 g/dL; hematócrito = 28,1%; leucograma normal; plaquetas = 34.000; LDH
aumentado em 2x valor normal; bilirrubinas totais = 5,8 mg/dL (conjugada = 0,9; não conjugada = 4,9); ureia = 45 mg/dL; creatinina = 1,3 mg/
dL; coagulograma e fibrinogênio normais.
A) coagulação intravascular disseminada.
B) púrpura trombocitopênica imunológica.
C) púrpura trombocitopênica trombótica.
D) púrpura de Henoch-Schönlein.

COMENTÁRIO
Note que não precisamos da pêntade clássica de sintomas para suspeitar da PTT! Temos um paciente jovem apresentando importantes
alterações neurológicas, associadas à plaquetopenia severa e sinais de hemólise, como elevação de DHL e bilirrubina indireta. A função renal
está pouco alterada e o coagulograma é normal. O examinador não foi muito generoso com as informações, mas, olhando as alternativas,
conseguimos chegar ao diagnóstico correto!
Incorreta a alternativa A: o coagulograma normal é a principal forma de diferenciarmos a PTT da CIVD, já que, nessa última, ele estará
tipicamente alterado!
Incorreta a alternativa B: a púrpura trombocitopênica imune (PTI) é marcada por plaquetopenia e mais nada, não cursando com sintomas
neurológicos e hemólise.
perfeito! Das opções disponíveis, a única que cursa com sintomas neurológicos tão proeminentes é
Correta a alternativa C
justamente a PTT.

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Incorreta a alternativa D: a púrpura de Henoch-Schönlein (PHS) é uma vasculite típica de crianças, desencadeada por um quadro viral de vias
aéreas superiores e manifestada por púrpura palpável de membros inferiores, dor abdominal, acometimento articular e glomerulonefrite.

(UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO — UFRJ — 2023) Mulher, 70 anos, com HAS e dislipidemia, é admitida no setor de emergência
com história de ter sido encontrada, em casa, desorientada, sonolenta e “suja de urina”. História patológica pregressa: um episódio de ataque
isquêmico transitório. Em uso regular de: ácido acetilsalicílico (AAS) 100 mg; clopidogrel 75 mg; atenolol 100 mg e atorvastatina 20 mg. Exame
físico: FC = 97 bpm; frequência respiratória (FR) = 24 irpm; PAS = 160 x 95 mmHg; Tax = 38,5 ºC; SpO₂ = 95% em ar ambiente; sonolenta;
responde quando chamada, mas é pouco cooperativa; hipocorada (2+/4); ictérica (1+/4+); hipo-hidratada (2+/4+); movimenta os 4 membros
sem perda de força; avaliação dos reflexos profundos normais. Exames laboratoriais: hemoglobina (Hb) = 9,0 g/dL; hematócrito (Ht) = 29%;
leucócitos = 14.000/mm³ (predomínio de segmentados); plaquetas = 35.000/mm³; sódio = 145 meq/L; potássio = 3,8 meq/L; bicarbonato
= 20 meq/L; glicose = 100 mg/dL; ureia = 70 mg/dL; creatinina = 3,2 mg/dL; bilirrubina total = 2,4 mg/dL; lactato desidrogenase (LDH) =
460 U/L; fibrinogênio = 250 mg/dL; tempo de tromboplastina parcial ativado (PTTa) = 33s (valor de referência = 32s); tempo de atividade
de protrombina (TAP) = 14s (valor de referência = 15s). Hematoscopia: anisopoiquilocitose; muitos esquizócitos; trombocitopenia. Pode-se
afirmar que a hipótese diagnóstica mais provável e a melhor conduta inicial são:
A) coagulação intravascular disseminada / hidratação generosa e iniciar antibioticoterapia.
B) púrpura trombocitopênica imunológica associada ao clopidogrel / suspender o clopidogrel e iniciar corticosteroide.
C) sepse bacteriana / iniciar corticosteroide e antibioticoterapia empiricamente.
D) púrpura trombocitopênica trombótica associada ao clopidogrel / suspender o clopidogrel e iniciar plasmaférese.

COMENTÁRIO

Vamos lá, Estrategista! Temos uma paciente apresentando rebaixamento de nível de consciência, anemia hemolítica (por aumento
de bilirrubina indireta e DHL), plaquetopenia e insuficiência. A presença de esquizócitos não deixa dúvidas: estamos diante de uma
microangiopatia, mais especificamente, a PTT, já que todos os sintomas de sua pêntade clássica estão presentes. Não esperamos encontrar
esquizócitos na PTI e na sepse, e, como veremos mais à frente, a CIVD cursa com alteração do TTPA e TAP, o que não vemos em nosso caso.
O tratamento da PTT é, sim, a plasmaférese e esse será o tema de que trataremos logo a seguir!

correta a alternativa A.

3.2.1.3 DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA PTT


Sem terapia específica, a letalidade da PTT é elevadíssima, confirmação.
com mais de 90% dos pacientes evoluindo a óbito. Por isso, é O tratamento baseia-se na plasmaférese, um procedimento
considerada uma emergência médica e, na menor suspeita do em que retiramos o sangue do paciente por um cateter, passamo-
quadro, é preciso prontamente introduzir terapia. O diagnóstico até lo por uma centrífuga capaz de separar o plasma das hemácias,
pode ser confirmado pela dosagem da atividade da ADAMTS13, retiramos o plasma do paciente e fornecemos plasma normal de
tipicamente reduzida, mas esse é um exame pouco disponível e doadores, reinfundido via cateter junto das hemácias.
demorado, o que impede que a decisão terapêutica dependa dessa

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A PTT é uma condição gravíssima, sendo considerada uma emergência médica. A medida imediata diante
de um quadro de PTT deve ser viabilizar a realização da plasmaférese, o procedimento terapêutico mais
eficaz nesses casos.

O raciocínio por trás da plasmaférese no tratamento da PTT é retirar o plasma doente, com os polímeros gigantes de FVW e os
autoanticorpos contra a ADAMTS13, e fornecer plasma normal, com ADAMTS13 ativa, capaz de clivar o FVW. Em situações de exceção, a
transfusão simples de plasma normal pode ser usada se a plasmaférese for inacessível, garantindo um aumento da atividade da ADAMTS13
até que o procedimento de escolha possa ser realizado.

Figura 38. Plasmaférese na PTT: nesse procedimento, utilizamos uma máquina de aférese, capaz de separar as hemácias e o plasma através de uma centrífuga. O plasma
doente, sem ADAMTS13 funcionante e com multímeros gigantes de fator de von Willebrand, é desprezado, enquanto reconstituímos o sangue do paciente, unindo
as hemácias ao plasma normal, que contém ADAMTS13 não inibido por autoanticorpos. A seguir, reinfundimos o sangue reconstituído, o que corrigirá o quadro: o
ADAMTS13 do plasma normal agirá clivando os fatores de von Willebrand gigantes no endotélio do paciente, reduzindo a formação de microtrombos.

Não devemos transfundir plaquetas em pacientes com PTT, apesar da plaquetopenia grave! As plaquetas
infundidas serão prontamente captadas nos microtrombos, podendo, inclusive, piorar o quadro. É como jogar mais
lenha na fogueira! A única exceção a essa regra é em situações de sangramento ativo, em que não temos opção a
não ser realizar a transfusão.

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Uma medida adjuvante à plasmaférese costuma ser a e, portanto, o caplacizumabe deve ser usado apenas em conjunto
corticoterapia, capaz de diminuir a produção de autoanticorpos e, com essa terapêutica, nunca isoladamente.
assim, reduzir a inibição sobre a ADAMTS13. Mais recentemente, Pacientes refratários ao tratamento de primeira linha
foi aprovado o uso em primeira linha do caplacizumabe, um podem ser submetidos a diversas terapias, como uso de rituximab
anticorpo anti-FVW que inibe sua ligação às plaquetas, impedindo, (anticorpo monoclonal anti-CD20), ciclofosfamida e ciclosporina,
assim, a formação dos trombos plaquetários. Mas, lembre-se: a mostrados no esquema a seguir:
plasmaférese é o procedimento essencial no tratamento da PTT

Figura 39. Opções de tratamento da PTT.

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CAI NA PROVA

(Universidade Federal de Campina Grande — UFCG — 2019) Mulher 41 anos, com quadro, há 1 semana, de febre, mal-estar, palidez cutâneo-
mucosa e episódios de desorientação. Laboratório evidenciou Hb = 6,5 g/dL (normocítica e normocrômica), leucócitos = 8.500/mm3, sem
alterações significativas na contagem diferencial, plaquetas = 54.000/mm3, DHL = 1.230 UI/L, reticulócitos = 16%, creatinina = 1,6 mg/dL.
Hematoscopia evidenciou presença de esquizócitos em abundância. Tempo de protrombina e TTPa inalterados. Em relação ao caso, assinale
a alternativa correta.
A) A melhor opção terapêutica para o caso é pulsoterapia com metilprednisolona.
B) O quadro tende a ser autolimitado e de baixa letalidade, sendo a conduta expectante a mais adequada.
C) A hemólise evidenciada nesse caso é predominantemente intravascular, cursando com aumento da haptoglobina, hemoglobinúria e
hemossiderinúria.
D) O diagnóstico mais apropriado neste caso é CIVD associado à sepse, devendo-se tratar a infecção de base.
E) A paciente deverá ser encaminhada para realização de plasmaférese.

COMENTÁRIO
Agora, você já sabe identificar a PTT, caro Estrategista! Veja que a paciente dessa questão apresenta uma anemia hemolítica
microangiopática, já que possui redução dos níveis de hemoglobina acompanhada de aumento de DHL e reticulócitos, além dos esquizócitos
em sangue periférico. A plaquetopenia seria esperada nas demais microangiopatias (SHU e CIVD), mas os sintomas neurológicos e a função
renal só discretamente alterada indicam-nos fortemente o diagnóstico de PTT! Vejamos as alternativas.
Incorreta a a alternativa A: corticoterapia até pode ser utilizada na PTT como forma de controlar a produção de autoanticorpos contra
a ADAMTS13, mas não consegue isoladamente reverter o quadro microangiopático já estabelecido. A conduta de primeira linha é a
plasmaférese.
Incorreta a alternativa B: pelo contrário, a conduta expectante trará altas taxas de letalidade ao quadro.
Incorreta a alternativa C: a afirmação está errada por um pequeno detalhe. Sim, a hemólise das microangiopatias é predominantemente
intravascular, cursando com hemoglobinúria e hemossiderinúria. Contudo, como em toda anemia hemolítica, esperamos CONSUMO da
haptoglobina, não aumento.
Incorreta a alternativa D: como veremos à frente, a CIVD cursa com coagulograma tipicamente alterado, o que nos permite diferenciá-la
da PTT.

Correta a alternativa E perfeito! Diante de um quadro suspeito de PTT, nossa conduta deve ser a rápida instalação da plasmaférese,
a terapia de escolha para o tratamento dessa condição.

Após conhecer a principal das microangiopatias, exploraremos a seguir seus mais importantes diagnósticos diferenciais, a SHU e a
CIVD. Fixe rapidamente os conceitos sobre a PTT com o resumo abaixo, Estrategista, e vamos em frente!

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EM RESUMO - PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA TROMBÓTICA (PTT)


1. Microangiopatia trombótica marcada por microtrombos plaquetários formados pela presença de polímeros gigantes de
fator de von Willebrand.
2. Etiologia: redução na atividade da ADAMTS13, protease responsável pela clivagem do FVW. Pode ter origem congênita,
por mutações nos genes da enzima, ou adquirida, por desenvolvimento de autoanticorpos voltados contra ela.
3. Epidemiologia: mais frequente em adultos jovens na terceira ou quarta décadas de vida, com predomínio em mulheres.
4. Quadro clínico laboratorial: pêntade clássica de febre, alterações neurológicas, insuficiência renal leve, anemia hemolítica
microangiopática e plaquetopenia.
5. Diagnóstico: dosagem da atividade de ADAMTS13 (pouco disponível).
6. Tratamento de primeira linha: plasmaférese, podendo ser acompanhada de corticoterapia e caplacizumabe. Transfusão
de plasma pode ser feita se plasmaférese não estiver prontamente disponível.
7. Tratamento de segunda linha: rituximab, ciclosporina, ciclofosfamida.

Figura 40. PTT em resumo: a PTT é uma anemia hemolítica microangiopática em que a formação de autoanticorpos contra a ADAMTS13 levará à formação de multímeros
gigantes do fator de von Willebrand, culminando na formação de microtrombos plaquetários na circulação de diversos órgãos. Essa fisiopatologia explica a pêntade
clássica de sintomas associados à PTT: anemias hemolíticas microangiopáticas, trombocitopenia, febre, insuficiência renal e alterações neurológicas. A principal medida
terapêutica é a plasmaférese, que pode ser acompanhada de outras medidas, como corticoterapia e uso do caplacizumabe.

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3.2.2 SÍNDROME HEMOLÍTICO-URÊMICA – SHU


A SHU é uma microangiopatia trombótica que afeta Em geral, os pacientes com SHU apresentam história recente
principalmente os rins, levando à insuficiência renal oligúrica. Ao de gastroenterite pela Escherichia coli sorotipo O157:H7 ou outras
contrário da PTT, a maior parte dos pacientes é de crianças de até 5 bactérias produtoras de shiga-toxinas. É justamente essa toxina a
anos de idade. De fato, a SHU é a causa mais comum de lesão renal responsável por toda a patogênese da SHU, que conheceremos a
aguda em crianças! seguir.

3.2.2.1 FISIOPATOLOGIA DA SHU


A maioria dos casos de SHU é precipitada por uma infecção intestinal pela E. coli O157:H7, microrganismo que produz uma toxina
capaz de adentrar a mucosa intestinal e ganhar a circulação. Os examinadores adoram perguntar qual é a bactéria envolvida na gênese da
SHU, como mostra a questão abaixo:

CAI NA PROVA
(Secretaria Estadual de Saúde — SES-RJ — 2017) Um paciente desenvolveu síndrome hemolítico-urêmica pouco tempo após episódio de
enterocolite aguda. A bactéria que mais provavelmente desencadeou esse quadro é:
A) Pseudomonas aeruginosa. C) Clostridium difficile.
B) Campylobacter jejuni. D) Escherichia coli.

COMENTÁRIO
Essa é uma daquelas informações pontuais que você precisa decorar! A bactéria mais envolvida com o desenvolvimento da SHU é a
Escherichia coli sorotipo O157:H7.

Correta a alternativa D

aA shiga-toxina produzida pela E. coli O157:H7 lesa plaquetopenia.


diretamente as células endoteliais, com um especial tropismo pelo É o tropismo da shiga-toxina pelos rins que faz a SHU
endotélio glomerular, levando à formação de trombos plaquetários ser marcada especialmente por insuficiência renal. Entretanto,
na microcirculação, culminando no quadro de microangiopatia múltiplos órgãos podem ser acometidos, levando a manifestações
trombótica: hemólise intravascular, presença de esquizócitos, clínicas diversas, como veremos logo em seguida.

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Figura 41. Fisiopatologia da SHU: a síndrome hemolítico-urêmica decorre principalmente da infecção por E. coli O157H7, capaz de produzir shiga-toxina. A invasão da
mucosa intestinal pela bactéria faz com que sua toxina ganhe a circulação e sofra endocitose pelas células do endotélio, que expressam o receptor Gb3. Será o dano
endotelial pela absorção da shiga-toxina, que ocasionará a formação de trombos plaquetários na microcirculação, culminando em anemia hemolítica microangiopática.
A circulação renal é especialmente afetada, justamente por expressar mais dos receptores Gb3.

3.2.2.2 QUADRO CLÍNICO-LABORATORIAL DA SHU

A apresentação clássica da SHU é marcada por um pródromo plaquetários, levando, por exemplo, à hiperglicemia por lesão
de diarreia sanguinolenta, representando a gastroenterite por E. pancreática e a sintomas neurológicos como letargia e convulsões,
coli O157:H7, seguido de 3 a 12 dias depois por uma tríade clássica ainda que sejam menos comuns e menos intensos dos que os vistos
de anemia microangiopática, plaquetopenia e insuficiência renal na PTT. Assim como na PTT, os exames da coagulação (TP e TTPA)
aguda. costumam estar inalterados.
Outros órgãos podem ser afetados pelos microtrombos

As semelhanças entre a PTT e SHU fizeram com que no passado as duas condições fossem consideradas um espectro
clínico comum. Entretanto, hoje sabemos que suas fisiopatologias são diferentes e, principalmente, têm apresentações
que nos permitem diferenciá-las. A PTT é marcada pela pêntade de febre, alterações neurológicas importantes,
insuficiência renal leve, anemia microangiopática e plaquetopenia. Já a SHU também cursa com microangiopatia e
trombocitopenia, mas com acometimento renal mais proeminente e sintomas neurológicos menos marcantes.

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A apresentação da SHU está resumida nesta tabela. Leia com atenção para que possamos encarar umas questões sobre esse tema a
seguir!

Quadro clínico-laboratorial da SHU

Pródromo de gastroenterite por E. coli O157:H7: diarreia sanguinolenta, dor abdominal, febre, vômitos

Insuficiência renal grave: muitas vezes com necessidade de hemodiálise, mas na maior parte das vezes reversível

Anemia hemolítica microangiopática: anemia normo/normo, presença de esquizócitos em sangue periférico, aumento de desidroge-
nase lática e bilirrubina indireta, reticulocitose, consumo de haptoglobina, hemoglobinúria

Hemólise não imune: Coombs direto negativo

Plaquetopenia grave: equimoses, sangramento mucoso

Distúrbio da hemostasia primária: coagulograma normal

CAI NA PROVA
(HOSPITAL ISRAELITA ALBERT EINSTEIN — HIAE — 2023) Menina de 3 anos de idade é atendida no setor de emergência com quadro de
hematúria aguda, sendo relatado pela mãe que a criança apresentou dor abdominal e diarreia sanguinolenta há 6 dias. A criança evoluiu
com anemia hemolítica microangiopática e lesão renal aguda, sem sinais meníngeos ou alterações pulmonares. Entre os seguintes achados
laboratoriais, os mais prováveis de serem encontrados são:
A) desidrogenase láctica aumentada e plaquetas normais.
B) presença de esquizócitos e reticulócitos normais.
C) Coombs direto positivo e bilirrubina indireta aumentada.
D) Coombs direto negativo e plaquetas diminuídas.

COMENTÁRIO
É exatamente assim que a SHU é cobrada nas provas, caro Estrategista. Somos apresentados a uma criança que, após um quadro de
gastroenterite, evolui com anemia microangiopática (que normalmente não vem tão clara nas questões) e insuficiência renal oligúrica. Não
deve haver dúvidas, essa é justamente a tríade clássica de manifestações da SHU.
O que esperamos do laboratório dessa condição: provas de hemólise positivas (reticulocitose, aumento de bilirrubina indireta e
DHL, consumo de haptoglobina), sinais de microangiopatia trombótica (esquizócitos positivos, plaquetopenia) e Coombs direto negativo (o
mecanismo da SHU não é imune).

Correta a alternativa D

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(Universidade de São Paulo — USP — 2020) Menina, 2 anos e 6 meses, com 13 kg, previamente saudável. Há 10 dias, teve quadro de diarreia
e vômitos com resolução espontânea dos vômitos em 48 horas, mas manutenção das fezes líquidas com presença de pequena quantidade de
sangue escuro a partir do terceiro dia. Procurou atendimento médico, sendo prescrita solução oral para hidratação e ceftriaxone IM, 1 vez ao
dia, que a criança utilizou até ontem, com resolução do quadro de diarreia no final da primeira semana. Hoje, a mãe notou a criança pálida,
muito prostrada e sem urinar há 12 horas. Exame físico: criança irritada, chorando com lágrimas, edema bipalpebral. Ausculta pulmonar:
MV presente e simétrico com roncos; FR = 25 irpm; ausculta cardíaca = 2, BRNF sem sopros, FC = 153 bpm; PA = 112 x 50 mmHg. Abdome
globoso sem alterações. Saturação de oxigênio em oximetria de pulso = 95%. Exames laboratoriais: hemoglobina = 6,5 g/dL, hematócrito =
20%, leucócitos = 14.000, plaquetas = 70.000, ureia = 66 g/dL, creatinina = 3,2 mg/dL, sódio sérico = 130 mEq/L e potássio sérico = 6,0 mEq/L.
O comprometimento da função renal, nesse cenário diagnóstico, pode ser atribuído à:
A) necrose tubular aguda.
B) glomerulonefrite aguda pós-infecciosa.
C) nefrite túbulo intersticial por droga.
D) microangiopatia trombótica.

COMENTÁRIO
Veja como a SHU pode ser cobrada tanto na Nefrologia quanto na Hematologia! É preciso que você, Estrategista, saiba reunir as pistas:
uma criança evolui com anemia, insuficiência renal e plaquetopenia após episódio de gastroenterite. O examinador poderia ter informado o
achado de esquizócitos no sangue periférico para que soubéssemos se tratar de uma anemia microangiopática, mas, de qualquer forma, já
sabemos que essa é a história clássica da SHU, um tipo de microangiopatia trombótica. Nenhuma das demais condições cursa com pródromo
de diarreia sanguinolenta, nem mesmo com alterações hematológicas marcantes como as de nosso caso.

Correta a alternativa D

3.2.2.3 TRATAMENTO DA SHU


O tratamento da SHU é basicamente de suporte clínico, feito com transfusão de hemácias, controle hidroeletrolítico e diálise,
se necessário. A transfusão de plaquetas, como na PTT, deve ser evitada, exceto em casos de sangramento ativo. Não há indicação de
antibioticoterapia para o tratamento da gastroenterite. A maior parte dos casos será de boa evolução, com recuperação da função renal.

CAI NA PROVA
(UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO — UERJ — 2023) Menino de 7 anos é levado pelo responsável ao pronto-socorro infantil
com queixa de febre alta há cinco dias, associada à diarreia com presença de sangue, sem muco ou pus. Os exames complementares revelam
anemia hemolítica grave, plaquetopenia, aumento de ureia e creatinina e isolamento da bactéria Escherichia coli O157:H7, produtora da
toxina shiga. Sobre o tratamento indicado para essa doença, é correto afirmar que a:
A) prescrição de antibióticos é contraindicada, pois pode aumentar a liberação de toxina.
B) despeito da plaquetopenia, está indicada a prescrição de anticoagulação terapêutica.
C) transfusão de hemácias está contraindicada pelo risco de sobrecarga volêmica.
D) maioria dos pacientes necessita de suporte dialítico na fase aguda.

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COMENTÁRIO:

Vamos julgar os itens.

Correta a alternativa A. Não devemos usar antibiótico na SHU, guarde essa informação!

Incorreta a alternativa B. Não devemos anticoagular plenamente um paciente plaquetopênico, pelo risco de sangramento.
Incorreta a alternativa C. A transfusão de hemácias deve ser realizada na SHU, se houver indicação.
Incorreta a alternativa D. Diálise pode ser necessária, mas não é a regra. A maioria dos casos terá recuperação espontânea.

EM RESUMO - SÍNDROME HEMOLÍTICO-URÊMICA (SHU)


1. Microangiopatia trombótica marcada por acometimento predominante da microcirculação renal.
2. Etiologia: gastroenterite por E. coli O157:H7.
3. Epidemiologia: mais frequente em crianças de até 5 anos de idade.
4. Quadro clínico laboratorial: tríade clássica de anemia hemolítica microangiopática, plaquetopenia e insuficiência renal
oligúrica.
5. Diagnóstico: clínico.
6. Tratamento: suporte clínico com diálise, manejo hidroeletrolítico e transfusão de hemácias.

Figura 42. SHU em resumo: a síndrome hemolítico-urêmica costuma ser desencadeada por uma gastroenterite por E. coli O157H7, produtora de shiga-toxina. O dano
endotelial resultante da passagem dessa toxina para a circulação do paciente levará à tríade clássica de apresentação da SHU: anemia hemolítica microangiopática,
plaquetopenia e insuficiência renal aguda. O tratamento é basicamente de suporte, com controle hidroeletrolítico e hemodiálise se necessário.

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3.2.3 COAGULAÇÃO INTRAVASCULAR DISSEMINADA – CIVD


A última das microangiopatias que estudaremos neste culminando em um desbalanço da hemostasia normal.
livro é a CIVD, a mais comum delas. É também a menos cobrada Podem precipitar a CIVD condições como sepse, neoplasias
nas provas de residência, como você notará pelas questões mais e trauma, todas situações em que o dano endotelial leva à liberação
antigas ao longo do texto, Estrategista. Configura uma síndrome de substâncias ativadoras do sistema de coagulação, levando
trombo-hemorrágica em que a cascata de coagulação é ativada por à ativação da cascata de coagulação, formação de trombos
algum processo subjacente que cause dano ao endotélio vascular, intravasculares e à hemólise microangiopática.

Figura 43. Fisiopatologia da CIVD: a CIVD é um estado paradoxalmente hemorrágico e pró-trombótico, secundário a uma série de condições agudas, como quadros
sépticos. Esses eventos precipitam lesão endotelial, com liberação de substâncias pró-coagulantes e antifibrinolíticos, levando a um desbalanço da hemostasia normal.
Todo esse quadro acaba por desencadear a formação de redes de fibrina na microcirculação, com desenvolvimento de anemia hemolítica microangiopática e consumo
dos fatores de coagulação.

Como as demais microangiopatias trombóticas, a CIVD aumento dos níveis de D-dímero.


também é marcada por anemia hemolítica intravascular, Esse coagulograma alterado é resultado do consumo dos
plaquetopenia e esquizócitos à hematoscopia. O coagulograma, fatores de coagulação, que também levará a uma tendência
contudo, será marcadamente diferente da PTT e da SHU: ao contrário aumentada de sangramento, culminando em um estado
dessas doenças, a CIVD cursa com importante alargamento do TP paradoxalmente trombótico e hemorrágico ao mesmo tempo. O
(tempo de trombina), TTPA (tempo parcial de trombina ativado) quadro trombo-hemorrágico com coagulograma alterado é o ponto
e TT (tempo de trombina), além de consumo de fibrinogênio e mais cobrado nas provas, como vemos nas questões a seguir:

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CAI NA PROVA
(Universidade Federal de Sergipe — UFS — 2019) Senhor de 71 anos de idade vem à urgência com história de febre há 06 horas, com
calafrios, tremores e dor abdominal. Associado ao quadro, refere, ainda, náuseas e vômitos. Antecedentes médicos importantes: hipertensão
arterial sistêmica e infarto agudo do miocárdio tratado há 3 anos com revascularização cirúrgica. Esposa refere que o paciente apenas usa
medicações anti-hipertensivas e “para o colesterol”. No exame da admissão, o usuário apresenta-se confuso, pouco responsivo e pouco
colaborativo com a história clínica. Está taquicárdico, hipotenso, tem distensão do abdome e forte dor abdominal mesmo à mínima palpação.
Há, ainda, redução dos ruídos hidroaéreos. Leucócitos = 14.300/mm³ (valor normal 4.000–10.000/mm³ ), hematócrito = 37% (valor normal
36–48%), plaquetas = 78.000/mm³ (valor normal 150.000–450.000/mm³ ), TP = 24s (valor normal 11–13s), TTPa = 49s (valor normal 22–34s),
fibrinogênio = 210 mg/dL (valor normal 200–400 mg/dL), creatinina = 1,8 mg/dL (valor normal 0,7–1,3 mg/dL), LDH = 426 IU/L (valor normal
107–231 IU/L), AST = 634 IU/L (valor normal 10–50 IU/L), ALT = 786 IU/L (valor normal 10–50 IU/L), lactato = 19 mmol/L (valor normal 0,5–2,2
IU/L). Citologia aponta diversos neutrófilos com granulações tóxicas, bastões, trombocitopenia e moderada presença de esquizócitos. A causa
mais provável da trombocitopenia é:
A) trombocitopenia induzida por drogas.
B) púrpura trombocitopênica imunológica (PTI).
C) púrpura trombocitopênica trombótica (PTT).
D) coagulação intravascular disseminada (CIVD).

COMENTÁRIO
Temos um paciente com o que parece ser um quadro de abdome agudo obstrutivo, evoluindo para franco quadro de choque. Ao avaliar
seus exames, notamos alterações bem marcantes: há plaquetopenia e presença de esquizócitos, indicando uma microangiopatia trombótica,
o que nos permite afastar as hipóteses de trombocitopenia induzida por drogas e PTI.
Mais ainda, TP e TTPA estão alargados, o que torna a PTT um diagnóstico menos provável. Sobra o provável quadro do paciente, a CIVD,
precipitada pela patologia de base, qualquer que seja ela.

Correta a alternativa D

(Processo Seletivo Unificado — PSU-MG — 2019) Homem de 44 anos foi admitido em CTI com choque séptico que teve como foco lesão
traumática infectada extensa em membro inferior direito. Algumas horas após a admissão, foram observadas petéquias, equimoses,
sangramento no sítio de inserção de cateter venoso central e gengivorragia. O plantonista solicitou hemograma e coagulograma para avaliação
inicial. À hematoscopia, foram observados numerosos esquizócitos. Entre as opções a seguir, qual é o diagnóstico MAIS PROVÁVEL e como
devem estar o tempo de protrombina (TP), o tempo parcial de tromboplastina ativado (PTTa) e a contagem de plaquetas?
A) Coagulação intravascular disseminada, TP e PTTa prolongados e trombocitopenia.
B) Deficiência prévia de fator de coagulação e infecção aguda, TP e PTTa prolongados e trombocitose.
C) Púrpura trombocitopênica trombótica, TP normal, PTTa prolongado e trombocitopenia.
D) Uso prévio de warfarin e infecção aguda, TP prolongado, PTTa normal e trombocitopenia.

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COMENTÁRIO

Veja só, Estrategista, estamos diante de um paciente em choque séptico apresentando importante quadro hemorrágico, acompanhado
da presença de esquizócitos em sangue periférico. Ou seja, uma anemia microangiopática precipitada por sepse. Certamente, estamos diante
de um quadro de CIVD! Esperamos que, nessa condição, o coagulograma esteja alargado e a contagem plaquetária, reduzida, como afirma a
alternativa A.

Correta a alternativa A

O diagnóstico da CIVD depende de todo o conjunto de sinais clínicos e laboratoriais, sem haver um único exame específico capaz de
confirmá-lo. O tratamento é feito principalmente com o controle da condição desencadeante, se possível. O suporte clínico é essencial,
com transfusão de plaquetas e plasma fresco congelado se houver sangramento ativo. O uso de heparina como forma de controle do estado
trombótico é controverso, a não ser que eventos trombóticos francos sejam verificados.

EM RESUMO - COAGULAÇÃO INTRAVASCULAR DISSEMINADA (CIVD)


1. Microangiopatia trombótica precipitada por condições de dano endotelial, que levam a um desbalanço da hemostasia
normal.
2. Etiologias: quadros sépticos, neoplasias, traumas.
3. Fisiopatologia: lesão endotelial leva à liberação de substâncias trombogênicas e ativação do sistema de coagulação, com
formação de trombos intravasculares, culminando em anemia hemolítica microangiopática e consumo dos fatores de
coagulação.
4. Quadro clínico-laboratorial: quadro trombo-hemorrágico marcado por hemólise microangiopática e alterações do
coagulograma.
5. Diagnóstico: clínico, através da análise do quadro e das alterações laboratoriais.
6. Tratamento: suporte clínico e afastamento de desencadeantes.

3 .3 HIPERESPLENISMO
Agora que encerramos as anemias hemolíticas adquiridas aquela realizada através de anticorpos. Daí sua importância na
mais comuns nas provas, as AHAI e as microangiopatias, proteção contra bactérias encapsuladas como pneumococo,
continuaremos nosso estudo abordando quadros menos abordados, meningococo e hemófilo tipo B.
começando pelo hiperesplenismo, um estado de citopenias em Parte dessa proteção contra essas bactérias de parede celular
sangue periférico resultante da presença de esplenomegalia. também ocorre na chamada polpa vermelha, porção do baço
Lembre-se de que o baço é um órgão linfoide altamente responsável pela filtração sanguínea. A passagem do sangue pelos
especializado, com múltiplas funções. Sua função imunológica sinusoides esplênicos expõe seus componentes aos macrófagos de
é exercida na porção anatômica conhecida como polpa branca, sistema reticulo-endotelial, capazes de fagocitar microrganismos
em que uma grande quantidade de linfócitos B, linfócitos T e e células sanguíneas como hemácias senescentes, leucócitos e
plasmócitos interagem para produzir a resposta imune humoral, plaquetas.

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Figura 44. Anatomia do baço.

Localizado no quadrante superior esquerdo do abdômen, tratamento, feito com a esplenectomia, também é alvo incomum
dentro do peritônio, o órgão mede cerca de 12 a 13 centímetros. de questões. Já um ponto que eventualmente é abordado são
O aumento secundário de tamanho do baço pode levar a as causas de esplenomegalia de grande monta, que, em última
um aprisionamento vascular de grande quantidade de células instância, levarão ao hiperesplenismo.
hematológicas e, consequentemente, citopenia de uma ou mais Definimos esplenomegalia de grande monta como a
séries hematológicas, configurando o quadro que chamamos de situação em que o baço se estende a mais de 8 centímetros do
hiperesplenismo. rebordo costal, ultrapassa a linha umbilical ou atinge peso superior
As provas de Residência, entretanto, quase nunca abordam o a 1kg. Suas principais etiologias estão listadas no esquema a seguir.
diagnóstico dessa condição, feito pelo achado de esplenomegalia Na sequência, veremos como elas são abordadas nas provas.
e citopenias de sangue periférico sem outra causa aparente. Seu

Figura 45. Esplenomegalia de grande monta.

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CAI NA PROVA
(Universidade Federal do Piauí — UFPI — 2019) São causas de esplenomegalia maciça (gigante):
A) tricoleucemia, talassemia menor, leucemia mieloide crônica.
B) talassemia maior, mielofibrose primária, leucemia mieloide crônica.
C) mielofibrose primária, trombocitopenia imunológica primária, leucemia linfocítica crônica.
D) anemia hemolítica autoimune, policitemia vera, anemia falciforme.
E) leucemia mieloide crônica, doença de Gaucher, púrpura trombocitopênica trombótica.

COMENTÁRIO
Como vimos, as principais causas de esplenomegalia de grande monta são doenças mieloproliferativas, linfomas, tricoleucemia,
infecções como a malária e o calazar, talassemia maior e doenças infiltrativas como a doença de Gaucher. Vejamos as alternativas.

Incorreta a a alternativa A: como vimos no livro de anemias microcíticas, talassemias podem, sim, cursar com esplenomegalia. Entretanto,
apenas as formas maiores cursarão com esplenomegalia maciça.

Correta a alternativa B perfeito! A talassemia maior e as doenças mieloproliferativas são causas clássicas de esplenomegalia de

grande monta.

Incorreta a alternativa C: a trombocitopenia imunológica primária, ou púrpura trombocitopênica imune (PTI), não cursa tipicamente com
grande esplenomegalia.
Incorreta a alternativa D: como vimos no início deste livro, a anemia falciforme dificilmente está associada ao aumento do tamanho do
baço.
Incorreta a alternativa E: a PTT não é uma causa habitual de esplenomegalia de grande monta.

EM RESUMO - HIPERESPLENISMO
1. Citopenias de sangue periférico decorrentes de aumento de tamanho do baço (esplenomegalia).
2. Etiologias: qualquer condição que possa causar esplenomegalia, como neoplasias mieloproliferativas (LMC, mielofibrose),
LLC, infiltração secundária (linfomas, doença de Gaucher, sarcoidose), infecções (malária, leishmaniose visceral), cirrose
hepática, trombose de veia porta ou esplênica, condições de hemólise extravascular (talassemias, esferocitose hereditária,
AHAI).
3. Fisiopatologia: aprisionamento das células hematológicas na circulação esplênica, levando à redução de seus níveis
séricos.
4. Diagnóstico: clínico, afastamento de outras causas da citopenia.
5. Tratamento: esplenectomia.
6. Esplenomegalia de grande monta: baço a mais de 8 centímetros do rebordo costal, ultrapassando a linha umbilical, ou
com peso superior a 1kg.
7. Causas de esplenomegalia de grande monta: doenças mieloproliferativas, talassemia maior, infecções (malária,
leishmaniose visceral), tricoleucemia, linfomas, doença de Gaucher.

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Hora de uma pausa para organizar o pensamento, colega Estrategista. Até o momento, vimos as anemias
hemolíticas adquiridas mais comuns nas provas. Como você pode ter notado, na maioria dos casos, essas condições
são secundárias a defeitos extrínsecos às hemácias, justamente o caso das microangiopatias, do hiperesplenismo
e da anemia hemolítica autoimune (AHAI).
A grande exceção a essa regra é a hemoglobinúria paroxística noturna (HPN), um interessante distúrbio
adquirido intrínseco da membrana das células hematológicas. É essa condição, pouco cobrada nas provas, que
estudaremos a seguir!

3.4 HEMOGLOBINÚRIA PAROXÍSTICA NOTURNA - HPN

A HPN é uma rara doença adquirida da membrana de hemólise intravascular e consequente hemoglobinúria,
eritrocitária, mas que, na verdade, afeta todas as células exacerbados durante o sono, uma apresentação que, entretanto,
hematológicas. Sua prevalência não é bem conhecida e pode afetar não é comum a todos os pacientes. Mas, antes de falar sobre o
todas as idades, apesar de ser mais comum em pacientes jovens de quadro clínico da HPN, vamos entender como ela se instala.
30 a 40 anos. O nome HPN remete ao clássico padrão de episódios

3.4.1 FISIOPATOLOGIA DA HPN


A HPN deriva da formação de um clone de células-tronco e plaquetas expressarão receptores, moléculas de adesão e outras
hematopoiéticas que adquire uma mutação somática do gene PIG-A substâncias em sua superfície.
(Phosphatidylinositol Glycan Anchor – âncora de fosfatidilinositol- No caso do clone HPN, contudo, a mutação no gene PIG-A
glicano), localizado no cromossomo X, que codifica a expressão faz com que não haja expressão de GPI, impedindo que essas
da proteína GPI (glicosilfosfatidilinositol). Note que essa é uma substâncias se fixem na membrana das células. Duas proteínas
mutação adquirida, não congênita: o clone HPN surge ao longo muito importantes acabam sendo afetadas: o CD55 (ou fator
da vida do paciente, sendo apenas uma porcentagem de todos os acelerador de degradação) e o CD59 (inibidor da lise de membrana).
progenitores hematopoiéticos. A função dessas proteínas é a proteção das células contra o sistema
A GPI serve de âncora para diversas proteínas na superfície complemento.
das células: é através da fixação pela GPI que as hemácias, leucócitos

O sistema complemento é uma série de proteínas séricas que possuem importante função imune:
essas substâncias estão constantemente ativadas para agir sobre patógenos como bactérias, parasitas e
células infectadas por vírus, podendo resultar em morte celular por lise direta ou ativação de fagocitose
por macrófagos. Para que nossas células hematológicas não sejam afetadas pelo sistema complemento,
elas possuem em sua superfície proteínas que as protegem: justamente o CD55 e o CD59.

Você consegue perceber o problema, Estrategista? O CD55 e o CD59 protegem as hemácias, leucócitos e plaquetas contra a lise pelo
sistema complemento. No caso da HPN, entretanto, surge um clone de precursores hematopoiéticos incapaz de fixar essas proteínas em
sua superfície, ou seja, surgirão hemácias, leucócitos e plaquetas mais suscetíveis à lise pelo complemento, como mostra a imagem a seguir:

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Figura 46. Fisiopatologia da HPN: essa doença é caracterizada pelo surgimento de um clone de progenitores hematopoiéticos com mutação adquirida do gene PIG-A,
gerando uma série de células hematológicas incapazes de expressar a âncora GPI em sua superfície, consequentemente impedindo a fixação de diversas proteínas, como
o CD55 e o CD59. Como essas substâncias servem de proteção das células contra a ação do complemento, hemácias, leucócitos e plaquetas advindas do clone HPN serão
suscetíveis à lise pelo complemento, levando ao quadro da HPN.

Não se sabe ao certo por que o clone HPN é capaz de se sem qualquer impeditivo. Isso levará à tríade clínica clássica que
proliferar, mas as principais hipóteses consideram que ele apresenta marca a HPN: hemólise intravascular, pancitopenia e tendência à
alguma vantagem proliferativa que faça com que se desenvolva, trombose venosa.
apesar de as células geradas sofrerem lise pelo complemento. É justamente esse quadro clínico tão marcante o ponto mais
Assim, no paciente portador de HPN, teremos uma certa cobrado sobre HPN nas provas, sendo nosso próximo tópico de
quantidade de hemácias, leucócitos e plaquetas sendo produzidos discussão.
sem CD55 e CD59 e, portanto, sofrendo a ação do complemento

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3.4.2 QUADRO CLÍNICO-LABORATORIAL DA HPN


Como vimos acima, a mutação do gene PIG-A e a consequente hemoglobina e ferro na urina faz com que o paciente comumente
incapacidade de produção de GPI pelo clone de células-tronco HPN evolua com ferropenia. Contudo, não são só as hemácias afetadas!
farão com que surja em sangue periférico uma série de hemácias, O clone HPN gera também leucócitos e plaquetas que, incapazes
leucócitos e plaquetas sem CD55 e CD59, o que os torna suscetíveis de proteger-se contra o complemento, também serão destruídos,
à lise pelo complemento. levando à franca pancitopenia, outro dos pilares da apresentação
As primeiras manifestações costumam ser justamente os clínica da doença.
episódios de hemólise intravascular, decorrentes da destruição Por fim, a destruição do clone HPN e a liberação de
das hemácias deficientes em CD55/CD59 e levando às alterações seu conteúdo intracelular fazem com que haja uma tendência
laboratoriais clássicas: hemoglobinúria, aumento de DHL e trombótica aumentada, mesmo quando houver trombocitopenia!
bilirrubina indireta, queda de haptoglobina, reticulocitose. Por motivos não esclarecidos, a veia porta é um sítio comum de
Uma complicação frequente é a anemia ferropriva: como trombose, sendo sempre necessário pensar no diagnóstico de HPN
é um quadro crônico de hemólise intravascular, a perda de para pacientes que sofram essa particular apresentação.

Sempre devemos suspeitar de HPN em pacientes jovens que apresentam trombose venosa sem
fatores desencadeantes conhecidos. Isso é particularmente verdadeiro se a trombose ocorrer em sítios
incomuns, como a veia porta!

Existe também uma forte relação da HPN com a falência Mais ainda, pacientes com HPN possuem um risco
medular: é muito frequente que pacientes com aplasia medular aumentado de evoluir com outros distúrbios dos precursores
apresentem um clone HPN, ainda que não expressem seu quadro hematopoiéticos, como mielodisplasias e leucemia mieloide
clínico franco. Não há uma explicação totalmente conhecida para aguda.
essa relação, entretanto mais de 50% dos pacientes com anemia Revise, a seguir, as características clínico-laboratoriais da
aplásica possuem células HPN identificáveis. HPN antes de vermos como isso é cobrado nas provas!

Quadro clínico-laboratorial da HPN

Tríade clássica: anemia hemolítica intravascular + pancitopenia + trombose venosa

Anemia normo/normo ou eventualmente macrocítica (por reticulocitose)

Sinais de hemólise: elevação de bilirrubina indireta e desidrogenase lática, queda de haptoglobina, reticulocitose

Hemólise de componente intravascular: hemoglobinemia, hemoglobinúria e hemossiderinúria

Complicação da hemólise intravascular crônica: deficiência de ferro

Pancitopenia: o clone HPN gera todas as linhagens hematológicas

Tendência trombótica aumentada, especialmente em veia porta

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CAI NA PROVA
(Hospital Estadual Dr. Jayme dos Santos Neves — ES — 2017) Qual é a principal hipótese diagnóstica para a tríade: trombose de veia porta,
pancitopenia e anemia hemolítica?
A) Púrpura trombocitopênica idiopática.
B) Leucemia promielocítica aguda.
C) Hemoglobinúria paroxística noturna.
D) Púrpura trombocitopênica trombótica.
E) Síndrome hemolítico-urêmica.

COMENTÁRIO

Lembre-se: sempre que estivermos diante de um paciente com trombose de veia porta, a HPN é uma hipótese a ser considerada. Isso
é mais importante ainda caso essa apresentação seja acompanhada das outras manifestações típicas da HPN, como pancitopenia e anemia
hemolítica intravascular, ambas resultado da ação do sistema complemento sobre o clone de células HPN, incapaz de proteger-se por não
expressar GPI e, assim, não fixa CD55 e CD59.
As demais condições listadas não se caracterizam por essa tríade clínica. Veremos cada uma dessas doenças em seu livro específico!

Correta a alternativa C

(UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS — UFG — 2022) Leia o relato clínico a seguir.


Paciente de 25 anos, previamente hígida, apresentou quadro de dores abdominais intermitentes associadas a fadiga, dispneia progressiva e
palidez cutâneo-mucosa. Ao exame, descorada moderada, com icterícia leve e baço a 3 cm do rebordo costal esquerdo. Hemograma com HB:
7,5 g/dL, VCM: 105, leucócitos de 2.500/uL, plaquetas de 102.000/uL, DHL de 650 U, bilirrubina indireta de 2,8, TGP de 25,0. Ao ultrassom,
notada esplenomegalia leve e trombose de veia porta.
Nesse caso, a hipótese diagnóstica é:
A) aplasia de medula óssea.
B) esferocitose hereditária.
C) anemia megaloblástica.
D) hemoglobinúria paroxística noturna.

COMENTÁRIO
Conseguiu reconhecer o quadro clássico de HPN? Nossa paciente jovem apresenta trombose, anemia hemolítica (evidenciada pela
bilirrubina indireta e DHL) e pancitopenia, a tríade característica dessa condição. A trombose de veia porta, inclusive, é muito associada à
HPN.

Correta a alternativa D

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3.4.3 DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA HPN


O melhor exame para confirmarmos a HPN é a O tratamento da HPN é, em geral, de suporte, com
imunofenotipagem por citometria de fluxo, um exame em que transfusões de hemácias e uso de anticoagulantes para os quadros
usamos anticorpos ligados a corantes (citocromos) para identificar trombóticos. Uma medicação específica pode ser usada em casos
a expressão de moléculas na superfície das células hematológicas. graves, o eculizumabe, um anticorpo monoclonal voltado contra
Esse exame é capaz de verificar a presença do clone HPN, uma o C5, uma das proteínas do complemento. Inativando o C5, o
população de células hematológicas que não expressa em sua eculizumabe é capaz de conter a ação do sistema complemento,
superfície o CD55 e CD59, fechando assim o diagnóstico. controlando o quadro da HPN.

EM RESUMO - HEMOGLOBINÚRIA PAROXÍSTICA NOTURNA


1. Rara doença adquirida da membrana das células hematológicas.
2. Fisiopatologia: mutações adquiridas no gene PIGA levam à menor expressão da âncora GPI, responsável pela fixação de
diversas substâncias na superfície das células. Surge, assim, um clone de células-tronco incapazes de expressar CD55 e CD59,
protetores contra a ação do sistema complemento, levando à geração de hemácias, leucócitos e plaquetas suscetíveis à lise
intravascular por esse mecanismo de proteção imune.
3. Quadro clínico-laboratorial: tríade clássica composta por anemia hemolítica intravascular (hemoglobinúria), pancitopenia
e tendência à trombose venosa (especialmente de veia porta).
4. Diagnóstico: imunofenotipagem por citometria de fluxo, identificando células com pouca expressão de CD55 e CD59.
5. Tratamento: suporte clínico e eculizumabe.

Figura 47. Hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) em resumo: normalmente, o gene PIGA é responsável pela expressão da GPI, âncora do CD55 e CD59 na membrana
das células, garantindo a proteção contra o sistema complemento. Na HPN, mutações adquiridas no gene PIGA levam à menor expressão de GPI e consequente
incapacidade de fixação de CD55 e CD59. Surge, assim, uma população de células hematológicas sem CD55/CD59, sendo, portanto, suscetível à lise pelo sistema
complemento. Isso leva à tríade clínica clássica que caracteriza a HPN: hemólise intravascular, pancitopenia e trombose (especialmente de veia porta).

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CAPÍTULO

4.0 FLUXOGRAMA DE INVESTIGAÇÃO DAS ANEMIAS


HEMOLÍTICAS
Agora que conhecemos as principais anemias hemolíticas, trago um pequeno esquema que pode guiá-lo, caro Estrategista, no
diagnóstico da maioria das causas de hemólise. Obviamente, ele é uma grande simplificação de todos os conceitos abordados até agora,
agilizando sua investigação diante das questões. Estude-o com atenção!

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CAPÍTULO

6.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


1. KAUSHANSKY, Kenneth et al. Williams Hematology, 9. ed. 2016.
2. MCKENZIE, Shirlyn B.; WILLIAMS, J. Lynne. Clinical Laboratory Hematology, 2. ed., 2010.
3. BRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada Doença falciforme: condutas básicas
para tratamento, 2012.
4. BRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada Manual de eventos agudos em
doença falciforme, 2009.
5. BRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria SAS/MS n. 55. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas: Doença
Falciforme. Publicada em 29 jan. 2010.
6. BRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria SAS/MS nº 1.308. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas: Anemia
Hemolítica Autoimune. Publicada em 22 nov. 2013.

CAPÍTULO

7.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este é um dos livros mais complexos de nosso curso de Hematologia, caro Estrategista. São muitas condições a conhecer e muitos
quadros clínicos para que você identifique nas questões. Veja que é justamente saber identificar a apresentação de cada uma dessas doenças
a habilidade mais cobrada pelas provas de Residência, ainda que alguns conhecimentos sobre suas fisiopatologias também sejam abordados.
Tentei trazer muitas imagens, explicando detalhadamente a patogênese das anemias hemolíticas, para que você possa entendê-las e
mais facilmente gravar suas manifestações. Estude cada um desses esquemas com atenção! Bons estudos!

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