menos
I G O R E C K E R T
O Portal
AULA GRAV ADA
Esta edição do Portal pode ser vista na versão em vídeo,
uma exclusividade da primeira Black Edition da nossa
história. Acesse o conteúdo gratuito clicando aqui.
01
CARNE VERMELHA - SINAL VERDE?
A carne vermelha não apenas serve como uma rica fonte de proteínas,
calorias e vitaminas B, mas também é um componente essencial na dieta
humana devido à presença de nutrientes cruciais como o ferro heme,
facilmente absorvido pelo corpo, e o zinco, vital para a função imunológica e
reparo do DNA. Estes microelementos são particularmente abundantes na carne
vermelha e são mais biodisponíveis do que em fontes vegetais, o que significa
que o corpo humano pode utilizá-los de forma mais eficiente.
PILAR EVOLUTIVO
No contexto evolutivo, evidências
arqueológicas indicam que o consumo
de carne vermelha pode ter sido um
fator crucial no desenvolvimento do
cérebro humano. Na teoria, o aumento
do aporte energético proporcionado
pela carne permitiu que os nossos
ancestrais dedicassem menos tempo à
alimentação e mais à inovação social e
tecnológica, impulsionando assim a
evolução da espécie.
No entanto, pesquisas contemporâneas sugerem que o consumo de carne
vermelha está, hoje, associado a riscos à saúde. Os supostos prejuízos envolvem
principalmente o desenvolvimento de doenças cardiovasculares e câncer,
doenças que consequentemente reduzem a expectativa de vida das pessoas e,
portanto, devem ser evitadas.
2
02
REDUÇÃO NA EXPECTATIVA DE VIDA
Exposições são capazes de nos beneficiar (ou prejudicar) quando influenciam
no risco de adoecimento, aumentam a gravidade de doenças, ou o risco de um
evento clínico que poderia levar a um óbito prematuro (por exemplo, um
infarto), a curto ou longo prazo.
Os malefícios mais frequentemente observados e discutidos na literatura
envolvem doença cardiovascular e câncer - especialmente câncer colorretal. A
Organização Mundial da Saúde (OMS) inclusive classifica a carne vermelha
como "provável carcinógeno" (grupo 2A), com base em algumas evidências
epidemiológicas que sugerem maior risco de câncer colorretal, e estudos
mecanísticos (conduzidos em ratos e em amostras de células in vitro).
O consumo de carne vermelha poderia aumentar o risco destes desfechos
através de uma série de mecanismos. Dentre os principais:
Seu teor de gordura Seu teor calórico
A composição dos seus ácidos graxos
principalmente os saturados
A possível formação de compostos carcinógenos
como hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs), quando submetidos a altas temperaturas
Os supostos mecanismos são importantes para dar plausibilidade biológica à
hipótese, o que nos dá uma boa razão para conduzir maiores pesquisas. A
biologia também ajuda a potencialmente modificarmos o prejuízo se realmente
ele for comprovado.
Por exemplo, se as evidências mostram que a carne vermelha causa malefício
única e exclusivamente pela gordura saturada, podemos optar por cortes mais
magros.
3
Em contrapartida, se o problema é causado pelos hidrocarbonetos policíclicos
aromáticos (HPAs), poderíamos trabalhar para reduzir a formação destes
componentes com outros métodos de cocção.
Mas no fim, entender esses possíveis mecanismos não é suficiente para
responder a nossa pergunta de interesse: reduzir o consumo de carne vermelha
me traz benefício?
03
O QUE DIZ A EVIDÊNCIA?
As pesquisas científicas que podem sanar essa dúvida são estudos clínicos
conduzidos em humanos, que podem ser:
OBSERVACIONAIS - dentre eles coortes e estudos de caso-controle
EXPERIMENTAIS - ensaios clínicos randomizados.
Revisões
sistemáticas
Ensaio clínico
randomizado
Estudos de
Coorte
Estudos de caso-controle
Relatos de caso/séries de casos
Opinião de experts/estudos com animais
Ao contrário do que muita gente acredita, não devemos pensar em "qual é o melhor tipo de
estudo" (como a clássica pirâmide nos faz acreditar), mas sim utilizar adequadamente todos
eles, interpretando de forma adequada, ponderando o lado positivo e negativo de cada um.
4
04
LIMITAÇÕES
Infelizmente, não existem estudos que compararam especificamente reduzir
carne vermelha da dieta avaliando desfechos clínicos propriamente ditos, como
óbito prematuro.
Os ensaios clínicos randomizados que existem testaram mudanças múltiplas
na alimentação, em que a redução da carne vermelha foi apenas uma das
mudanças. Exemplos de grandes estudos incluem o estudo PREDIMED, o
estudo Women's Health Initiative e o estudo Lyon Diet Heart.
Sendo assim, existem diferenças importantes entre o que os grupos com
maior consumo de carne também consome em suas dietas, comparado ao
grupo com menor consumo de carne. Além disso, estudos experimentais
costumam falhar em manter a aderência das pessoas às recomendações ao longo
do tempo, dificultando ainda mais a interpretação do estudo em si: se houve
diferença no final das contas, o resultado foi causado exatamente por quais
fatores?
Pela dificuldade logística e financeira de conduzir ensaios clínicos
randomizados, a maior parte da literatura disponível é observacional.
Nesses estudos, o maior problema é a questão do efeito da substituição: o
efeito da carne comparado ao quê? O que estamos deixando de comer para
incluir carne na dieta, e vice-versa?
Nos estudos científicos, comparamos pessoas que consomem carne a pessoas
que não consomem, essencialmente - uma análise bastante simples de conduzir.
Nem todo estudo, entretanto, acaba definindo exatamente qual é o alimento
que está sendo consumido em vez da carne vermelha, o que representa uma
dificuldade muito grande para interpretação dos resultados.
5
CARNE VERMELHA
substituída por
WHEY LEGUMINOSAS CARNE BRANCA OVOS
Desfechos
completamente
diferentes.
Lembre-se: na alimentação, é impossível avaliar o efeito isolado de um
alimento. Ao retirar a carne, outros alimentos precisam "ocupar aquele espaço" -
caso contrário, haverá uma redução no consumo de calorias e nutrientes, o que
tornaria a comparação injusta.
Um outro problema são vieses típicos deste tipo de trabalho, que são difíceis
- se não impossíveis - de contornar. Pelo menos com os métodos científicos que
temos hoje em dia
Pessoas que consomem grandes quantidades de carne vermelha são muito
diferentes de pessoas que consomem pouca
Pessoas que não consomem nada de carne vermelha são particularmente
diferentes em muitos sentidos também
O hábito de consumir carne vermelha vem acompanhado de outros hábitos
que podem reduzir a expectativa de vida, em especial: alto consumo de
sódio e alto consumo de álcool, dentre outros alimentos que aumentam
risco de sobrepeso, obesidade, hipertensão.
Os hábitos em saúde de pessoas que têm padrões mais prudentes (com
menos carne vermelha) são geralmente muito melhores, e essas pessoas são
justamente as que são categorizadas como não consumidores (ou baixos
consumidores) de carne nos estudos.
6
JÚLIA PARTICIPANTE DO GRUPO
QUE NÃO CONSOME CARNE
Consome vegetais e frutas em abundância, tem
extremo cuidado com o consumo de sódio e prepara
seus alimentos com azeite de oliva.
JOÃO PARTICIPANTE DO GRUPO
QUE CONSOME CARNE
Desde criança, tem grande dificuldade em consumir
vegetais, apesar de conseguir comer banana e maçã. A
comida da família é preparada com manteiga.
Essas são algumas das principais razões que limitam a confiança na evidência,
e fazem com que os resultados que nós temos hoje não sejam tão confiáveis e
conclusivos assim.
05
RESU LTAD OS E CONC LUSÃ O
A maior e mais atual metanálise sobre o tema foi publicada em 2019, no
Annals of Internal Medicine. Os autores incluíram 61 artigos, com dados de mais
de 4 milhões de participantes. A pergunta específica que nos interessa, e que essa
revisão respondeu foi:
Qual é o efeito de reduzir 3 porções de carne vermelha
não-processada por semana, no risco de mortalidade?
7
Para mortalidade por todas as causas, o resultado não foi estatisticamente
significativo, embora tenha sido indicativo de benefício, com risco relativo de
0.93. Em termos absolutos, isto representou uma redução de 8 óbitos a cada
1000 pessoas, com intervalo de confiança indicando que pode haver redução de
até 15 óbitos, até nenhuma redução de óbito (efeito nulo).
Para mortalidade cardiovascular, o resultado apontou benefício
estatisticamente significativo, com risco relativo de 0.90.
Em termos absolutos, houve uma redução de 4 mortes por causa
cardiovascular a cada 1000 pessoas, a cada 10 anos.
Podemos concluir que a melhor evidência disponível nos mostra que reduzir
o consumo de carne vermelha pode resultar em uma redução pequena em
mortalidade. Essa pequena redução observada, no entanto, pode não existir,
devido ao pequeno tamanho de efeito e diversos plausíveis confundidores.
É importante sopesar a evidência de forma individual, contrastando os
possíveis benefícios e valores/preferências do consumo de carne, contra o
pequeno risco observado.
Na prática, um efeito pequeno demonstrado por evidência de baixa qualidade
influenciará pessoas diferentes de formas diferentes. Isso acontece porque cada
indivíduo pode ter uma percepção diferente do valor que um pequeno risco
representa frente a outros fatores relevantes em sua vida, especialmente quando
este pequeno risco é muito incerto (pode ser que ele não exista). Sendo assim, há
uma grande variabilidade inter-individual na população em relação a diferentes
possíveis decisões:
JOÃO
Mesmo ciente de que o consumo de carne vermelha
pode causar um pequeno aumento no risco de
desfechos negativos, decide não modificar seu padrão
alimentar por ser um jovem saudável, com baixo risco
cardiovascular e sem história familiar de câncer
colorretal. Além disso, a carne vermelha faz parte de
diversas preparações culinárias que ocupam um papel
cultural importante na vida de sua família.
8
JÚLIA
Bastante alinhada à causa animal e ambiental, Júlia
decide continuar sem comer carne e sente-se ainda
mais confiante em sua decisão original, já que agora
tem indícios, apesar de inconclusivos, de que está
fazendo bem para a sua própria saúde.
JOSÉ
Como um adulto de meia idade com hipertensão,
obesidade e dislipidemia, José acredita que valeria a
pena a exclusão. Ao mesmo tempo, sendo Chef do
próprio restaurante e um amante da gastronomia, não
se enxerga nesse momento abrindo mão
completamente da carne. Em seu contexto, José chega
à decisão de reduzir o consumo de carne vermelha -
um “meio termo” entre Júlia e João.
Perceba, por fim, que a recomendação em relação a
tirar a carne vermelha, pode (e deve) variar
considerando a seguinte lógica:
Nível de preocupação
= recomendação final
grau do possível impacto
Preocupação: ++
Impacto: --
Preocupação: +
Impacto: +
Preocupação: --
Impacto: ++
“Mantenha o consumo
“Reduza o consumo
“Elimine o consumo
de carne.” de carne.” de carne.”
9
06
MEU MAIOR CONSELHO
Se você chegou até aqui, saiba que você é a pessoa certa para receber um
presente mais do que especial: o Seu Primeiro Passo.
Em uma série de três aulas gratuitas que acontecerão nos dias 14, 15 e 16 de
novembro, você vai entender as principais armadilhas da ciência e aprender a
seguir um plano prático, elaborado cuidadosamente para facilitar (e muito) sua
leitura de artigos. Seu nível vai subir tanto que a concorrência não vai nem te
enxergar.
Meu conselho: já separe um caderno e caneta, que o evento começa daqui a
uma semana. Aproveite agora essa oportunidade única clicando neste link.
SPP Seu Primeiro Passo
Saúde
realmente
baseada em evidências.
10