SIMI - livros em epub
Ficha Catalográfica
Agradecimentos
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Epílogo
Sobre a Autora
Copyright © 2017 Babi A. Sette
Capa: Dri. K.K.
Revisão e Copidesque: Carla Santos e Tatiana Ruiz
Diagramação Digital: Cristiane Saavedra
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa
obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o
consentimento escrito da autora.
Agradeço muito, muito, muito, a vocês meus leitores que fazem tudo isso ser possível. Eu me
sinto a autora mais sortuda do mundo, porque, é sério, vocês são os melhores e, sem vocês, tudo seria
um livro em branco. Então, obrigada por encherem as páginas da minha vida de histórias
maravilhosas.
Meninas: Silvia, Rubia, Laurinha e Carlinha. Aiii, que delícia que estão nossos papos sobre
tudo, sobre tanta coisa boa que não cabe aqui. Obrigada por fazerem parte do meu caminho, por
enriquecerem minhas histórias e por enriquecerem minha vida. Vocês têm se tornado indispensáveis.
Tati: eu me lembro da nossa primeira troca. Foi no seu retorno sobre A promessa da rosa e
nossa! De lá pra cá, você tem me ajudado a viver os sonhos dos meus personagens e se tornou uma
amiga, uma verdadeira irmã nesse caminho de tanto amor pelas palavras. Obrigada por tudo o que
você fez por esse bebê e ainda tem feito pelos outros e obrigada especialmente, por você acreditar
junto comigo.
Laurinha, minha amiga que ganhei na Bienal do Rio de 2015. Obrigada por segurar na minha
mão em tantos momentos. Por me aguentar quando eu estou em meio às crises e êxtases criativos.
Por dividir vários momentos tão especiais comigo. Você é uma amiga querida que encontrei.
Cinthia, minha amiga linda, uma palavra sobre ter você em minha vida: gratidão!
Cris, obrigada por ser sempre tão doce e talentosa. Dri K.K., obrigada por traduzir as linhas
dessa história com uma imagem. Thais Turesso, você sempre fará esse caminho ser mais fácil e
alegre. Carlinha, você deixa os meus bebês de letras tão lindos, obrigada, obrigada, obrigada!
Meninas da Increasy, vocês são demais. Obrigada, o trabalho de vocês permite que eu me
mantenha ocupada com aquilo que amo: criar histórias.
Marido e filha: amo vocês, são vocês quem inspiram as minhas histórias de amor.
Meus personagens, eu também amo vocês, muito obrigada por confiarem a mim histórias tão
lindas!
Deus, obrigada por me fazer amar a escrita. Porque sim, meu Deus, eu amo demais tudo isso.
Capa
Ficha Catalográfica
Agradecimentos
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Epílogo
Sobre a Autora
Tinha acabado de voltar do aniversário da rainha. Fora uma noite
grandiosa, com toda a sofisticação luxuosa dos bailes no palácio, mas não
para Arthur. Um anel havia sido atirado no meio da sua cara. Um bem
grande na verdade, com um diamante enorme e pesado. Conhecia a joia, ele
mesmo havia escolhido. Ele mesmo havia instruído Diana, a sua ex-noiva, a
fazer isso. É claro que, quando a orientou, não contava com o arranhão que
a pedra faria próximo ao seu olho. Mas isso não importava.
Deveria estar feliz, aliviado e exultante. Finalmente estava livre para ir
atrás de Kathelyn. Finalmente poderia tentar corrigir o erro, o crime que
cometera há trinta dias. Poderia, enfim, implorar pelo perdão dela.
Entretanto, Arthur não estava nem um pouco feliz, ou exultante e o motivo,
era a carta que acabara de receber.
Duas malditas linhas.
Duas frases que desestabilizaram o seu mundo:
Kathelyn Stanwell não está mais em Paris, vendeu a casa e partiu.
Não há notícias de onde ela foi.
O escritório do duque Belmont, na rua Upper Brook Street, em
Londres, era um lugar sóbrio, elegante e bastante aprumado. Um enorme
contraste com a aparência do seu dono que nos últimos seis meses, desde
que soubera do desaparecimento de Kathelyn, desfilava ali dentro de
colarinho aberto e cabelos desgrenhados. Naquele fim de tarde, além do
desalinho habitual, ele se encontrava em uma pose nada elegante, largado
com uma garrafa e meia de conhaque, que bebera, vazia ao seu lado. Tudo
isso juntamente com a barba por fazer e um par de olheiras que
sombreavam a sua expressão lhe garantiram um adendo ao título, ao menos
para o seu valete que o vinha comparando ultimamente a um pirata bêbado.
— E então, Excelência? — o senhor Tremore, o mordomo, perguntou
chamando a atenção do duque para o escritório.
— Fale para ela voltar outra hora — o duque fez um gesto de desdém
com a mão.
— Mas é a duquesa viúva... ela... ela...
— Não vou voltar outra hora — anunciou Caroline Harold do batente
da porta.
O problema era a teimosia de sua mãe, concluiu Arthur com tristeza ao
olhar a figura empertigada avançando escritório adentro.
— Eu vim te agradecer — a duquesa afirmou com a voz cadenciada.
Por essa ele não esperava.
Passou a mão no cabelo algumas vezes como se pudesse limpar o
álcool do corpo com os dedos.
— Boa tarde, mamãe — Arthur começou tentando soar como um
duque, algo que, apesar de não parecer, ele ainda era. — Não quer se
sentar?
— Vim lhe agradecer por ter colocado o nome da família em destaque
nos círculos sociais, mais uma vez — ela disse sentando-se à sua frente com
a coluna impecavelmente alinhada.
Cristo! Estava tão bêbado que se a mãe não parasse de ser irônica —
coisa que ela fazia muito bem — e dissesse logo a que veio, Arthur temia
acabar com a cabeça em cima da mesa ou em cima do vômito, caso
vomitasse.
— Se refere ao escândalo pelo fim do meu noivado com Diana? —
perguntou tentando soar casual.
A mãe bufou e... Bufou?
Sim, aquele exemplo de conduta e imparcialidade aristocrática acabara
de soltar o ar pela boca e revirar os olhos. Ou era isso, ou estava muito
bêbado e não enxergava mais direito.
— O fim do noivado?! — bufou outra vez. — É claro que não, isso já
tem seis meses... Refiro-me ao fato de você brigar com um homem em
plena luz do dia, no Hyde Park.
Arthur se esforçou para não fazer uma careta.
— E claro que o homem tinha razão em lhe desafiar — a duquesa
prosseguiu com o discurso — já que você arrastou a acompanhante dele até
o Serpentine e a jogou dentro do lago.
Ele não pôde evitar um sorriso satisfeito com a lembrança.
— Eu tenho aturado em silêncio todos os escândalos envolvendo o seu
nome há anos, mas, pelo amor de Deus — a duquesa abriu o leque que
segurava e se abanou com força, antes de dizer —, carregar uma dama nos
ombros e atirá-la dentro do Serpentine?! Você perdeu de vez o juízo?
Arthur sorriu um pouco mais ao lembrar-se da expressão de raiva no
rosto de Florence ao sair ensopada do lago.
— Eu sei o que você fez há três anos, sua víbora maldita — ele
murmurou com frieza naquele dia e assistiu a raiva deixar o rosto dela,
dando lugar ao horror. — E se for um pouco inteligente, sumirá de
Londres, da Inglaterra, da Europa porque, se eu souber que você está no
mesmo continente em que eu piso... vou transformar sua vida em um
inferno tão grande, que você vai se arrepender de não ter se afogado hoje.
— Não era uma dama — justificou para a mãe como se isso bastasse.
— E então, agora devo esperar que o duque de Belmont saia atirando
mulheres, que não são damas, em lagos pela Inglaterra?
— Não, somente essa em especifíco. A mulher que destruiu a minha
felicidade por capricho. — Ele pegou a garrafa de conhaque e analisou-a
contra a luz. — Foi ela quem me entregou a carta e me convenceu de que
Kathelyn era leviana, três anos atrás. Ela merecia coisa pior.
A duquesa viúva ficou encarando-o por um longo momento enquanto
Arthur fazia força para manter as pálpebras erguidas.
— Ah entendo — a mãe murmurou por fim. — Porém, você não pode
fazer justiça com as próprias mãos. — Ela fechou o leque. — A propósito,
apesar de o céu estar cinza em Londres... está muito calor esses dias, não é
mesmo?
Ele olhou surpreso para a mãe, que o desafiava mesmo com um ar
inocente. Era a maneira de Caroline Harold deixar claro que entendera o
que o motivou. E sim, a mãe tinha razão, a cidade era realmente cinza,
cheia de sombras, escura e triste. Nada tinha cor nas ruas, naquele
escritório, nem mesmo no maldito arranjo de rosas colocado sobre o
aparador da lareira. Arthur fechou os olhos e, por um breve momento, tudo
girou e retornou ao eixo junto a um par de olhos turquesa, lábios vermelhos
e cachos dourados vivos. A cor do mundo: Kathelyn Stanwell.
Há seis meses, ele se deu conta de que a havia perdido outra vez,
talvez para sempre. O mundo mergulhou nas sombras. Abriu os olhos e
encarou o bonito arranjo de flores, certamente elas deviam parecer coloridas
e vivas para qualquer pessoa. Mas Arthur só enxergava preto, cinza e seus
matizes.
Um suspiro, um ranger de madeira contra o assoalho, seguido por um
leve pigarrear, chamaram a sua atenção para o escritório outra vez.
— Estou preocupada com você, meu filho.
— Eu só consigo me preocupar com ela. — Apertou o tampo da mesa
com força. — Onde ela está? Como ela está? Com quem?
A duquesa ergueu as sobrancelhas.
— Kathelyn, não é? A mesma jovem a quem você arruinou e que...
— Eu estou bêbado, não sofrendo da cabeça, lembro-me muito bem da
lista de erros que cometi e, acredite, pago por eles a cada minuto dos meus
dias.
A duquesa respirou fundo, cruzando as mãos sobre o colo.
— Você me decepciona.
Ele riu com ironia.
— A vida decepciona.
— Toque a sineta.
Arthur franziu o cenho e olhou para a garrafa de conhaque. Achou que
estava ouvindo coisas.
— A sineta, toque de uma vez — a mãe repetiu.
— O quê? A sineta? — perguntou confuso.
— Você precisa de um banho — a mulher levantou-se e foi em direção
à janela — e de um café. E eu preciso de um chá.
Arthur sabia do que precisava: perdão. Ele precisava do perdão de uma
mulher para voltar a respirar. O problema é que não se podia ser absolvido
por alguém que desaparecera.
A duquesa abriu a janela e o ar viciado foi renovado por uma brisa
fresca.
— É assim tão importante para você encontrar essa jovem?
— É a única coisa que importa em minha vida.
— Muito bem. — Os lábios da mulher se curvaram em um sorriso. —
Você tem uma aliada, mas deve parar de beber, de fazer besteiras e deve
começar a pensar em fazer algo que realmente possa trazer algum resultado.
Arthur sabia que a mãe demonstrava boa intenção, porém, as palavras
dela o irritaram.
— Você acha que sou um garoto idiota? Eu já fiz o possível...
Contratei os melhores investigadores da Europa, tenho percorrido todos os
lugares possíveis atrás dela. — Ele afundou as mãos nos cabelos, frustrado.
— É como se ela tivesse desaparecido da face da Terra.
— Não estou me referindo ao que você tem feito para encontrar a
dama e, sim, ao que você deve fazer para não afundar na melancolia
profunda... O seu estado é lamentável.
— Eu já trabalho o suficiente e...
— Não me refiro ao trabalho, estou falando para você fazer algo que
faça a sua busca valer a pena. Algo por você.
Algo por ele? Arthur não pensava em si mesmo desde... muito tempo.
Ainda fazia esgrima, saía para trabalhar, visitava suas propriedades e se
afundava na bebida todas as noites porque era uma maneira de esquecer...
Também recebia os seus advogados e investigadores, mas o ponto alto dos
seus dias era visitar uma vez por semana a irmã mais nova de Kathelyn:
Lilian Radcliffe. Ia para perguntar de sua amada, ia porque Lilian era a
prova de que a jovem existia fora dos seus sonhos, ia porque falar com a
pessoa mais próxima que ele conhecia de Kathelyn, mantinha a sua
esperança acesa.
— Não sei o que poderia ser feito — disse e foi sincero.
— Certamente você não vai encontrar a resposta se embebedando e
nem trancado aqui dentro.
Ele soltou o ar pesadamente.
— Encontre algo que lhe motive, Arthur, algo especial.
Enfim, ele tocou a sineta chamando o seu valete.
— Vou pensar em alguma coisa.
A duquesa suspirou.
— Sei que vai... e isso pode abrir seus horizontes e lhe trazer novas
ideias de como encontrar a dama.
Arthur subiu para o seu quarto pensando no que realmente o
motivava: Kathelyn.
Tirou a roupa com a ajuda de Scott, pensando no que mais poderia ser
feito.
Viu os olhos de Kathelyn.
Entrou na banheira tentando pensar em algo de diferente... Sentiu o
cheiro de rosas vindo do jardim.
Arthur havia marcado de se encontrar com um investidor americano, o
senhor Vanderbuild, no Green Park. Iriam conversar sobre a compra e
venda de locomotivas entre Inglaterra e Estados Unidos.
Desde a visita da mãe, há uma semana, ele vinha se esforçando para
ficar menos trancado em casa na companhia de uma garrafa de conhaque.
De alguma forma o que a mãe lhe falara ficou em sua mente e, vez ou outra,
ele se pegava pensando a respeito da conversa que tiveram.
Ali mesmo, sentado embaixo de um carvalho enorme, enquanto
esperava o investidor para falar a respeito de números, lucros e
desenvolvimento, ele pensava sobre no que poderia fazer para dar sentido à
sua vida enquanto buscava por Kathelyn.
Olhou ao redor e viu um casal sentado embaixo da mesma sombra que
ele, conversando de maneira descontraída em companhia de um menino.
Apesar de estarem de costas, ele logo os reconheceu, eram Lorde
Graham e sua esposa, e aquele menino deveria ser o primeiro filho deles:
Gareth, era assim que os pais o chamavam.
Conhecia razoavelmente bem a família porque eles eram seus vizinhos
na Upper Brook Street. Arthur não era de ficar observando pessoas de
forma aleatória em parques, muito menos de escutar a conversa alheia,
porém, eles estavam tão próximos que algo naquela cena cotidiana e
simples fez seu maxilar travar.
Desejava poder viver cenas comuns como aquela ao lado da mulher
que amava, mas não sabia se isso um dia se tornaria realidade. Incapaz de
não prestar atenção, ele se pegou esticando um pouco o pescoço para ouvir
o que o casal conversava.
— Acho que o dia de todos voltarem às nossas terras se aproxima —
lorde Graham disse. — Não vejo a hora disso acontecer.
— Você vive a fim de construir a condição perfeita para agir, mas a
verdade é que enquanto se espera não se realiza — contrapôs lady Graham.
Um pouco mais curioso, Arthur deslizou no banco para poder ouvir
melhor. Era errado, horrível, mas ele não conseguiu evitar, parecia que o
casal havia ouvido os seus pensamentos e de certa maneira, aquelas duas
frases serviam para ele.
— O que eu posso fazer? — perguntou lorde Graham. — São muitas
pessoas envolvidas, muitos interesses.
— Eu sei, meu querido — a esposa principiou com suavidade —,
talvez você devesse voltar a olhar para as coisas simples, na natureza por
exemplo, encontramos as respostas para todas as nossas inquietações.
O homem riu.
— Assim você parece a minha cunhada falando.
— Olhe para uma flor — a mulher soou mais enfática — ela tem o
tempo certo de desabrochar, e esse tempo não pode ser apressado nem
atrasado, mas se você ficar esperando a condição perfeita para plantá-la, ela
nunca florescerá... e, além do mais, nada como observar a natureza e seu
curso para aprender sobre a espera e a ação.
Fez-se um momento de silêncio.
— Tem razão, meu amor, vou escrever outra vez para o meu irmão,
falando da sabedoria das flores — o homem terminou rindo outra vez e
Arthur se pegou achando graça.
— Seu tolo — disse lady Graham bem-humorada. — Você entendeu o
que eu quis dizer.
— Sim, eu entendi — ele confirmou com a voz mais baixa. — Vou te
dar flores todos os dias.
E pelos sons que se seguiram, Arthur jurou que Lorde Graham agora
beijava a mulher dele. Levantou-se rápido, tentando não chamar atenção.
Uma coisa era ouvir uma conversa, outra, era se colocar no meio da
intimidade de um casal. Enquanto caminhava buscando outro banco,
próximo ao lugar marcado, aquela conversa aparentemente cheia de
significado para os seus vizinhos, dava voltas em sua cabeça.
Sentou-se com uma ruga entre as sobrancelhas. “Vou te dar flores
todos os dias”. Ele adoraria dar flores todo os dias a Kathelyn, mas ainda
não podia. “Nada como observar a natureza e seu curso, para aprender
sobre a espera e a ação”. A frase da vizinha voltou aos seus pensamentos.
Kathelyn amava as rosas.
Se ele pudesse, daria a ela todas as rosas que existiam. Um jardim de
rosas, um mundo de rosas... um parque com todas as rosas do mundo.
Um parque...
— É isso — concluiu para si mesmo com o coração acelerado —, vou
construir o maior jardim de rosas já visto nessa terra.
— E ele será seu, Kathelyn, assim como o meu coração.
Seis meses depois...
— E como você está? — Arthur perguntou, disfarçando a decepção
que o invadia todas as vezes que Lilian respondia para ele a mesma frase:
“Não tenho notícias de Kathelyn”.
— Eu estou bem, Paul vem me dando cada vez mais trabalho... Mas
isso é um bom sinal, não é verdade? — Lilian respondeu com um sorriso
discreto.
Ele balançou a cabeça, concordando. Paul era o filho de Lilian, um
garoto travesso e esperto de três anos, e ela parecia se dedicar quase que
exclusivamente à criação do menino.
Arthur imaginou Kathelyn com uma criança no colo.
Como ele gostaria de vê-la segurando um bebê.
O filho deles.
O filho que eles teriam um dia.
Engoliu em seco disfarçando a emoção.
— Ela vai aparecer, Arthur — Lilian falou parecendo ler os seus
pensamentos. — Foi assim da primeira vez que ela sumiu... Três anos sem
dar notícia alguma.
Ele apenas assentiu, incapaz de falar.
— Eu me preocupo com o senhor — ela prosseguiu —, está mais
magro e segue abatido e... Desculpe, milorde, mas temo que se você não se
cuidar, talvez adoeça.
— Tenho trabalhado demais, é só isso. Não se preocupe. — De fato
vinha trabalhando demais. Porém, o que o abatia de verdade era a ausência
de notícias. A cada dia, a cada semana e a cada mês que passava sem que
houvesse novidade de Kathelyn, mais ele mergulhava na própria sombra.
— Eu temo por ela — confessou por fim. — Se algo tiver acontecido a
ela, eu jamais me perdoarei.
Lilian suspirou antes de responder:
— Ela é uma das pessoas mais fortes que conheço, e teimosa demais
para passar por apuros.
Ele franziu o cenho sem entender.
— Pense comigo, se alguém a tivesse sequestrado, bom... Eu teria
pena do sequestrador ou se...
Ele gargalhou ao imaginar a sua impetuosa Kathelyn maltratando
quem quer que ousasse lhe fazer mal. Arthur comprovou que Lilian tinha
um senso de humor escondido, embaixo do luto e do coque rígido.
— Tem razão — ele tentou parecer mais animado.
— E a construção do parque, como anda?
— Estou negociando com vários produtores de rosas no mundo inteiro,
teremos mais de duzentas espécies plantadas, será o maior santuário de
rosas da Europa.
Os olhos da jovem brilharam.
— Tenho certeza de que será maravilhoso, milorde, e estou muito
ansiosa para conhecê-lo.
— Espero que sua irmã o conheça também.
— Ela vai, eu sei que vai.
Por isso ele gostava de visitar Lilian. Era a única pessoa com quem
podia compartilhar um pouco a sua dor, as suas dúvidas e angústias sem
parecer um lunático.
Arthur estava com lama até os calcanhares. Ali, cercado por vasos,
terra, pedras e adubo, ele já havia desistido de parecer um cavalheiro. O
parque das rosas estava quase pronto e nos últimos meses os termos:
sementes, terra adubada, tempo de floração, irrigação adequada e espera,
passaram a ser as suas palavras favoritas.
Espera até um botão desabrochar, até uma muda vingar, espera pelos
paisagistas, arquitetos, construtores... espera por notícias de Kathelyn.
Kathelyn...
Ele a via sempre ali em meio às flores que ainda surgiam. Como se ela
fosse a rainha das rosas. Então, piscava fundo e retomava o comando
daquilo que podia controlar. E com o passar do tempo entendeu que não era
muita coisa.
O sol se punha e ele estava exausto. O jardim seria inaugurado em uma
semana e toda a sua energia vinha focada em fazer aquilo dar certo. Como
se as rosas recém-abertas, tivessem o poder de evocar Kathelyn.
Olhou uma das rosas abertas, ela estava na linha do sol e projetava
uma sombra, a réplica perfeita da sua imagem.
— Está quase pronto. — A voz do conde de Portland chamou sua
atenção. O amigo, que também era um admirador das rosas, o ajudara a
conseguir espécies raras e o acompanhava em algumas de suas visitas ao
jardim.
— Sim — ele confirmou satisfeito.
— Você realmente fez o que se propôs, este é o paraíso das rosas.
Arthur olhou ao redor, era impossível não concordar com o amigo
enquanto flores de todos os tamanhos abriam-se em numerosos pontos de
cor.
— Acho que inauguramos em uma semana.
— Engraçado como construir um jardim fez você virar o alvo das
mães casamenteiras outra vez.
— Nada como um ducado e milhares de rosas para fazer qualquer
fama ser suplantada.
— De libertino inescrupuloso a homem sério e excelente partido.
Ele fez uma careta.
— Preferia quando as mães casamenteiras ainda fugiam.
O amigo deu uma gargalhada.
— Quão ruim é ser perseguido por damas de todas as idades e de todos
os estados civis?
— Quando não se quer nada com nenhuma delas, eu juro — disse
taciturno — é detestável.
— Sabe o que mais me intriga? — o amigo perguntou divertido.
— Hum...
— Você não faz nada além de ser rude. Começo a questionar se as
damas têm uma queda pelo mistério que virou sua vida, por suas poucas
palavras e seu jeito mal-humorado.
— Eu não me interesso, aliás, me aborrece bastante se você quer saber.
— Acho que é essa mistura de perigo e displicência — Portland
prosseguiu como se recitasse um poema —, raiva e indiferença, eis o que o
torna tão atraente ao sexo frágil.
Nas últimas conversas, o amigo sempre dava um jeito de insinuar que
talvez fosse a hora dele esquecer Kathelyn e se abrir a conhecer novas
pessoas, novas mulheres.
— Não estou interessado em mulheres — ele estreitou o olhar —,
apenas em recuperar a minha duquesa.
— Ela nunca foi a sua duquesa, homem, pelo amor de Deus e...
— Chega, Portland, eu sei o que você pensa e não quero discutir sobre
isso agora.
O conde ficou em silêncio por um tempo antes de falar:
— Em dois anos muita coisa pode ter acontecido, ela pode estar
casada, ter filhos, ela pode nunca mais voltar... ela pode estar morta.
— Eu disse chega! — ele gritou fora de si.
— Eu sinto muito, Belmont... Eu só quero aju...
— Ajudar, eu sei. — Arthur inspirou devagar. — Escute, cada rosa
desse jardim é para ela. Cada passo que dou em minha vida, cada
movimento ou inspiração, eu faço por ela... e, mesmo assim, sem ela eu
vivo na sombra. — Ele apontou em direção à rosa e a linha da sombra
projetada pelo sol. — Se eu perder a esperança de tê-la novamente... eu
terei perdido tudo.
O amigo apertou o seu ombro com firmeza.
— Quem sabe um dia, serei agraciado com um sentimento desses e
conseguirei lhe entender.
Ele quase respondeu que agraciado não seria a palavra adequada, mas
ficou quieto. Deixou o comentário perdido entre as mil rosas do jardim e
suas sombras projetadas.
Lilian estava aflita. Não sabia se agira corretamente. Entretanto, fez o
que acreditava ser o certo.
Há dois anos recebia visitas semanais do duque Belmont e dava a
mesma resposta a ele:
— Não tenho notícias.
Ele enchia o peito de ar, agradecia com toda a solicitude cabível a um
duque e ia embora.
Essa afirmação sempre foi verdadeira. Até três meses atrás, quando
recebeu a primeira carta de Kathelyn.
A irmã chegara no dia anterior e saíra de casa com a Sra. Taylor para
comprar tecidos e outras coisas.
Por sorte, ela saiu de casa.
Lilian sabia que o duque devia aparecer nos próximos dias.
A irmã disse a ela que não queria encontrá-lo e nem ouvir coisa
alguma a respeito de Belmont. Mas diante de tudo o que acontecera — e
que Kathelyn não sabia — e do que ela viu quando Kathelyn chegou, teve
certeza de que devia contar a ele. E assim o fez.
— Milorde — disse Lilian depois que o duque se sentou. — Tenho
uma boa notícia.
Ela sentia-se nervosa, não sabia como o duque iria reagir.
Ela viu o movimento da garganta dele ao engolir.
— O quê? — perguntou ele aparentemente calmo.
Lilian sorriu tentando dar a notícia de maneira descontraída.
— Kathelyn está aqui.
Ele se levantou como se tivesse sido esfaqueado nas costas.
— Onde? — indagou lívido olhando para os lados.
— Em minha casa, mas agora ela saiu e...
Ele não esperou Lilian terminar a frase, saiu da sala de visitas como
um louco e começou a gritar como um alucinado.
— Kathelyn! — gritou do vestíbulo.
Lilian foi atrás dele atordoada.
— Kathelyn! — chamou-a e subiu as escadas em direção aos quartos.
Sem nem mesmo se importar no quanto aquilo era inadequado.
— Excelência! — Lilian exclamou indo atrás dele.
O duque não se importou.
— Kathelyn! — gritou e abriu a porta de um dos quartos.
Meu Deus, o homem havia enlouquecido!
— Excelência! — ela tentou mais enfática.
Mas o duque estava surdo. Prosseguiu indo em direção à outra porta.
Lilian bufou, teria que fazer algo para trazê-lo de volta à realidade.
Com passos rápidos, ela se colocou na frente dele. O duque se esticou para
olhar por cima dela.
— Kathelyn! — clamou, ignorando-a.
Lilian envolveu as lapelas da casaca dele com as mãos e, com toda a
força que tinha, o sacudiu. O duque era um homem forte, não fora fácil
sacudi-lo, mas não lhe restara outra alternativa.
— Ela não está em casa agora!
Ao se dar conta do louco que parecia, ele arregalou os olhos ofegante
e, em seguida, piscou lentamente retomando a razão, ao menos parte dela.
— Não está? — perguntou parecendo confuso.
— Não, ela saiu com a senhora Taylor para comprar tecidos.
Ele deu dois passos para trás e passou as mãos nos cabelos.
— Certo... Perdoe-me.
— Podemos marcar algo amanhã.
Ele fechou os olhos abatido.
— Está bem.
— Ela acabou de chegar de viagem — Lilian disse. — Está cansada.
Acredite, é melhor se encontrarem somente amanhã.
— Certo. — Ele passou as mãos no cabelo outra vez.
— O ideal é que seja em um parque, assim parecerá um encontro
aleatório — ela sugeriu.
— Leve-a ao parque que construí, no início da tarde — ele pediu e, em
seguida, fechou os olhos, respirando fundo duas vezes.
— Certo, eu a levarei até lá.
— Não fale nada a ela, eu preciso, gostaria de ter a chance de contar
tudo pessoalmente. Espero por isso há...
— Eu sei — Lilian o interrompeu.
— Muito obrigado.
Ela jurou que a voz dele estava embargada, e Arthur a abraçou,
surpreendendo-a.
— Muito obrigado — repetiu.
Belmont acabara de deixar a sua casa e ela já se arrependia do que
tinha feito. Não. Não estava errada. No fim, Kathelyn decidiria o que fazer
diante de tudo e não ela. Ao menos, daria a oportunidade que acreditava, os
dois mereciam e talvez até mesmo precisassem.
Ele estava dentro da carruagem. Nunca uma viagem fora tão longa e
angustiante. Não havia dormido na noite passada. Nem cinco minutos.
Como poderia?
Arthur esperava por essa conversa há dois anos.
Talvez cinco.
Não, ele esperava por essa conversa desde sempre...
A carruagem parou e ele parou junto. Ela já estaria ali, vestida de
rosas? Encheu o pulmão de ar, abriu a porta, desceu as escadas e entrou no
parque.
Caminhou entre cores e pétalas de muitos tamanhos. Há dois anos ele a
via sentada entre os caminhos de pétalas, sorrindo para as flores como
sempre fez.
Aproximou-se do lugar que combinara no dia anterior com Lilian. Era
um canto mais isolado do jardim. Ali estavam as rosas mais raras e
especiais de todo o mundo.
O coração do duque batia tão forte que parecia querer abrigar todas as
roseiras do parque.
Meu Deus, dê-me forças para chegar até ela e dizer tudo... tudo o que
é preciso.
Arthur andou entre os caminhos mais estreitos até que…
Ela estava ali. Era fácil saber, porque o sol criava um foco único em
cima do anjo do jardim.
Ela estava de costas.
Ele se aproximou.
Parou a poucos passos de distância.
O seu coração explodia dentro do peito.
Ela caminhava concentrada entre as roseiras e ele tomou um pouco de
ar a fim de conseguir falar. Chegou a abrir a boca, mas a voz dela o deteve.
— Não, não. Venha para cá. Nós temos que achar a Lilian.
Então, um menininho, um pingo de criança, saiu detrás de uma roseira.
Ele tinha os cabelos pretos e...
— Mamãe — ele disse ao se aproximar dela. Estava com a boca
torcida e trêmula em uma expressão de choro.
O ar do mundo devia ter acabado porque ficou impossível respirar.
— Arthur, meu amor, furou o dedinho? Deixa a mamãe ver...
O coração de Belmont saiu do parque e foi até as roseiras nas portas do
sol. As mãos estavam instáveis e as pernas também.
Nada poderia tê-lo preparado para aquilo.
Nada.
Arthur? Ela o chamou de Arthur? Era o seu nome, era a sua amada
Kathelyn. Era uma criança que devia ter pouco mais de um ano.
Ele fez as contas rápidamente
Soube antes mesmo de fazer as contas.
Era o seu filho.
Era o seu filho junto com a mulher que ele amava.
Já não havia espaço para o ar, nem coração batendo. Só cabiam as
lágrimas nos olhos e a euforia da confirmação.
Ela pegou o menino no colo e beijou a mãozinha dele com a devoção
da mãe maravilhosa que sabia que ela era.
Kathe ainda consolava o filho, embalando-o de leve, mas era ele
próprio quem precisava ser abraçado, estar ali os abraçando. Arthur
inspirou um pouco de ar e disse:
— Kathelyn.
Ela demorou algum tempo para se mover.
Parecia pensar no que deveria fazer.
Então, ela se virou.
Todo o jardim se desfez diante daquela imagem.
Ela sorriu para mim.
— Kathelyn, meu amor…
Era ele. Kathelyn o reconhecera antes mesmo de se virar. Somente
uma voz conseguia arrancar do seu corpo tantas reações; os pelos da nuca
se arrepiaram, as pernas ficaram bambas, o coração disparou e... Era ele.
Kathelyn sabia. Girou o corpo devagar, não estava preparada para aquele
encontro. Talvez nunca estivesse. Os lábios se curvaram em um sorriso
involuntário. Os olhos deles se encontraram. Era mesmo ele.
Não podia ser, mas era.
E estava bem na sua frente. Não devia estar, mas estava.
E parecia ainda mais impressionante do que se lembrava, não era para
parecer, mas assim o era. E o seu coração sabia disso desde que ela colocou
os pés naquele maldito jardim. Por algum motivo louco, Kathelyn se sentia
inquieta desde que chegaram àquele lugar.
— Kathelyn — o duque a chamou e ela ainda não respirava.
— Ele... esse menino... ele é?
— Sim — ela tentou responder, mas não conseguiu. Talvez sua cabeça
tenha balançado em uma concordância muda. Meu Deus! Não conseguia
nem mesmo respirar.
Sem que ela tivesse tempo de pensar em nada, Arthur os abraçou e
começou a beijar a sua cabeça, a cabeça do pequeno Arthur Steve, o seu
rosto e o rosto do menino, repetidas vezes, enquanto falava:
— Meus amores, meu Deus! Meu amor, minha vida!
E então, ele a beijou nos lábios de leve, com apenas um toque, mas o
suficiente para ela se lembrar de tudo. Do quanto o amava, do quanto o
odiava. Do quanto ainda o queria. Tonta e perdida, ela piscou uma torrente
de lágrimas, e só porque detestava chorar na frente dos outros, na frente
dele, se afastou de maneira abrupta.
— O que você está fazendo aqui? — A voz saiu entrecortada.
Ele esticou os braços em direção ao pequeno Arthur e não respondeu à
sua pergunta.
— Posso? — perguntou.
Ele queria pegar o filho no colo. Como Kathelyn sonhou com isso,
como se odiou por sonhar com isso. Não, ela quis dizer. Você perdeu esse
direito quando fez a sua escolha dois anos atrás. Contudo, o bebê ergueu os
bracinhos e se jogou em direção ao pai. Ele não se dava com estranhos,
nunca fazia isso, e Kathelyn mordeu o lábio por dentro com força ao se
sentir incapaz de deter as lágrimas. Rendida mais uma vez, ela entregou o
filho.
Kathelyn acreditava que já havia perdoado, superado, esquecido. Até
batizou o filho com o nome dele; uma maneira de dar um pouco ao pequeno
Arthur Steve do que ele nunca teria: um pai. Porém, nunca havia imaginado
assistir aquele homem enorme pegar o seu filho nos braços, encostar a testa
na cabecinha dele e desmontar em lágrimas enquanto repetia:
— Meu garoto, meu menino, eu te amo.
Ela não estava pronta para aquilo e se sentia a apenas um passo de
perder todo o controle.
Olhou para o paraíso ao seu redor, ele nem estava mais lá. Sem sentir o
corpo e ainda derramando lágrimas involuntárias, tentou andar. Queria
sumir dali, queria que ele sumisse. Viu Lilian alguns metros à frente parada,
juntamente com a senhora Taylor, elas os observavam. Aquela era a sua
salvação.
— Lilian! — Kathe gritou e sem pensar em nada a não ser em ir
embora, tirou o filho do colo do duque e foi correndo em direção à irmã.
— Vamos embora — disse afobada.
— Por favor, deixe-me falar — Arthur veio atrás dela —, explicar
tudo, contar tudo o que aconteceu nos últimos dois anos e...
— Eu não quero. — Ela sentia-se como uma criança perdida.
— Por favor, Kathelyn, me escute, eu só peço alguns minutos do seu
dia. E se, depois de ouvir o que eu tenho a dizer, você quiser que eu
desapareça e nunca mais queira ouvir falar de mim, tem a minha palavra de
que é isso que acontecerá.
— Não — murmurou abatida.
Lilian pegou Arthur Steve no colo.
— Kathelyn, vá com ele, escute-o. Nós estaremos logo aqui.
Kathelyn entreolhou Lilian e o duque.
— Por favor — ele suplicou com os olhos marejados.
Ela deu um suspiro trêmulo e assentiu. Não devia concordar com isso,
mas estava atordoada demais para pensar em qualquer outra coisa que não
fosse ficar parada tentando respirar.
Ele colocou a mão no meio de suas costas e Kathe se afastou como se
o toque dele fosse brasa.
— Desculpe — pediu com o olhar triste. — Vamos nos sentar ali —
disse, apontando com a cabeça para um caramanchão alguns metros à
frente.
Kathelyn o seguiu sem sentir as pernas, nem o corpo, sem sentir coisa
alguma. Uma vez no caramanchão, ele se sentou e ela, ainda meio tonta e
perdida, o acompanhou. A brisa do jardim fez uma mecha do cabelo dela
tocar a sua face. Kathelyn estava sem luvas e ao recolher a mecha sentiu as
próprias lágrimas molharem as pontas dos dedos.
Arthur tirou um lenço branco do bolso interno da casaca e ofereceu a
ela como um cavalheiro gentil. Aqueles dedos longos — ele também não
usava luvas como era devido. Kathe negou com a cabeça, se odiando por
parecer tão frágil e afetada.
— Eu espero por essa conversa há dois anos — começou ele com a
voz rouca. — Talvez cinco. Não, eu espero por essa conversa desde sempre.
Não houve um único dia da minha vida, em que eu não estivesse sendo
levado a esse momento.
Ele fez uma pausa, ela notou-o respirando fundo antes de continuar:
— Há dois anos, quando você saiu da minha casa, eu passei a ser a
pessoa mais miserável que deve existir. Não, há cinco anos, quando eu fiz
aquela estupidez, eu passei a ser a pessoa mais miserável... Kathelyn. — Ele
engoliu em seco. — Depois que você saiu da minha casa em Paris, demorei
um mês para me dar conta do crime que cometi. O maior da minha vida.
Quando você se foi, eu corri para Londres, na verdade eu fugi para Londres.
E… levei trinta dias para perceber que eu não vivia mais. Nada me dava
prazer, nada me fazia sorrir, nada tinha vida, nada! Eu dormia bebendo e
acordava sem ter vontade de começar tudo outra vez.
Ela negou inconsciente com a cabeça.
Ele se apressou:
— Eu entendi que não só seria infeliz se me casasse com Diana, como
a faria a mulher mais infeliz do mundo. — O duque fez uma pausa e olhou
para os lados.
O coração dela queria fugir dali. Não tinha certeza se aguentaria ouvir
até o fim. Mesmo assim, concordou em silêncio, dando a permissão para ele
continuar a falar:
— Fui covarde demais para me dar conta disso naquele dia em Paris.
Covarde, porque o casamento com uma dama de reputação impecável
parecia o caminho mais fácil a seguir. Assim, não precisaria enfrentar nada
além da minha própria infelicidade e loucura. Covarde, porque entendi que
para merecer o amor é preciso ter coragem e agir com a mesma coragem
que me faltou em cinco anos.
Ela ergueu a mão em um pedido mudo para que ele parasse. Sabia que
não podia mais ouvir, não aguentaria. Só então, notou que suas mãos
tremiam.
— Chega — ela murmurou e fez um movimento com a intenção de se
levantar.
— Por favor — ele implorou. — Eu não me casei, eu cancelei tudo.
Como poderia Kathelyn? Como poderia?
Ela parou com o coração acelerado e olhou-o.
Arthur cobria os olhos com as mãos.
— Instruí Diana a acabar o noivado comigo em público, alegando que
eu não era bom o bastante para ela na frente de toda a corte, no baile de
aniversário da rainha. — Ele abaixou as mãos e voltou a olhá-la. — Eu não
me casei e a procuro como um desesperado, há quase dois anos.
Arthur não se casou? Ele… não se casou e me procura há dois anos?
Kathelyn teve que fazer força para conseguir respirar. O jardim ao seu redor
girava junto com as palavras do duque na sua cabeça.
— Um mês depois da nossa última conversa, eu voltei para Paris e
você havia sumido. Ninguém sabia de você, nem sua irmã, nem Steve,
ninguém. Eu contratei detetives, mais de dez. Estava disposto a correr o
mundo com as minhas próprias pernas, estava disposto a tudo. Foram meses
insuportáveis... Tinha dias em que eu acreditava que não fosse aguentar. A
ausência de notícias, a incerteza do que poderia ter lhe acontecido.— Ele
buscou os olhos dela antes de concluir: — E a possibilidade de nunca mais
vê-la era insuportável.
Ela então fugiu do olhar dele. Não sabia o que sentia. Não conseguia
pensar direito em nada.
— Você acredita que eu virei o vilão da nossa história?
Ela negou com a cabeça, confusa.
— Você sempre teve razão, a sociedade acredita naquilo que acha mais
interessante. — Ele tentou sorrir parecendo nervoso. — O pai de Diana me
desafiou a um duelo e eu fui tachado como um libertino de moral duvidosa.
Ela olhou para baixo.
— Isso deve ter sido difícil para você... Sinto muito.
— Não. Olhe para mim, Kathelyn, nada faz sentido sem você. Difícil,
impossível, foi ficar sem você todo esse tempo.
Ela inspirou o ar devagar.
— Eu... eu não...
— Esse jardim — ele a interrompeu —, eu construí para você, cada
rosa dele é uma declaração do que sinto por você.
Confusa, viu-o levantar-se e estender a mão em sua direção.
— Eu só te peço uma chance para tentar consertar todos os meus erros
e assim fazer você me perdoar... uma chance para lhe provar todos os dias
que o meu coração vive à espera de ser tocado pela luz de uma rosa.
Há dois anos, esse gesto teria sido suficiente para ela largar tudo e
segui-lo onde quer que fosse. Agora, ela não tinha certeza se ainda existia
qualquer possibilidade de futuro para eles. Mesmo diante de tudo o que ele
disse, mesmo com o seu coração querendo jogá-la nos braços dele, ela não
sabia.
— Por favor — ele repetiu.
Kathelyn fechou os olhos e viu:
A primeira vez que o vira todo trajado de negro.
O primeiro toque dele na sala de antiguidades de Lorde Withmore.
O primeiro beijo trocado. Foi ali que ela soube.
As risadas. Como ela amava ouvi-lo rir. Era como se o riso dele
acendesse nela a própria alegria.
O dia em que torcera o tornozelo e a maneira superprotetora do duque
com ela.
Os beijos trocados, todos eles.
As valsas, e o mundo sem ar. Todas as vezes em que ele a olhava.
Os olhos que nunca tinham cor e nem dimensão diante dela.
As conversas… Ela amava o som da voz dele.
O pedido de casamento.
Paris, a primeira noite de amor deles.
Os dias felizes e os tristes também. O pai louco, a irmã, o estupro, a
fome, a fama. O filho. Arthur Steve. Ele poderia ter um pai.
Kathelyn ficou tonta e achou que desmaiaria. Forçou-se a respirar
devagar e abriu os olhos. Tudo aquilo fora demais para ela.
— Eu não sei — sussurrou. — Eu não posso — disse com mais
firmeza e olhou para o duque.
Ela mergulhou dentro de dois olhos amarelos turvos e opacos e a
expressão de dor no rosto dele apertou o seu coração.
— Kathe...
Mas ela não podia.
— Você teve dois anos para pensar em tudo isso — justificou-se com a
voz tomada de emoção — enquanto eu me virava sozinha e lutava para
esquecê-lo. Dê-me um tempo, eu... eu preciso pensar.
Ela se levantou. Em um movimento rápido, Arthur segurou a sua mão
com força.
— Se você sumir outra vez, eu não vou aguentar.
— Eu preciso de um tempo... um tempo para pensar em tudo o que
você me falou e...
— Quanto tempo? — perguntou com a voz rouca.
— Eu não sei.
Eles ficaram se encarando em silêncio, enquanto Arthur ainda
segurava a mão dela.
— E o meu filho?
Kathelyn não podia proibi-lo de ver o filho, não era certo. Por mais
perturbada que estivesse com tudo o que acabara de saber e com a presença
de Arthur ali, ela não o privaria de conviver com o filho.
— Você pode ir vê-lo sempre que quiser... enquanto eu estiver aqui.
Ele assentiu e soltou o ar de maneira falha.
— Está bem.
— Eu estou hospedada na casa de minha irmã, vou ficar lá e... — ela
tentou se afastar e ele a soltou — vou ficar por dois meses em Londres,
então você terá bastante tempo para ver o meu... o nosso...
— Eu te amo — ele disse.
Kathe virou o corpo e começou a se afastar.
— Eu te amo — repetiu o duque em um tom mais alto. — Vou te amar
para sempre.
Dessa vez, foi Kathelyn quem deu as costas a ele, sem olhar para trás.
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Quanto tempo um homem adulto poderia ficar sem se alimentar direito
sem que isso começasse a atrapalhar as funções do seu cérebro?
Era o que Arthur se perguntava com frequência nos últimos dois dias,
desde que Kathelyn o deixara no parque pedindo um tempo para pensar.
Não havia decidido conscientemente em fazer uma greve de fome,
simplesmente não sentia vontade de comer, ou de dormir, ou de beber ou de
qualquer outra maldita coisa que não fosse obter a resposta de Kathelyn.
Será que ela não tinha consciência de que eles já haviam sofrido o
suficiente?
E se ela não o aceitasse?
E se ela resolvesse voltar para Nova York?! A cidade onde Lilian disse
que Kathelyn havia fixado residência. O que ele faria? Deus, ele não
gostava nem de pensar nisso.
Depois que ela saiu do parque, Arthur entendeu o porquê de os
investigadores não a terem encontrado: procuravam por uma jovem
acompanhada de uma senhora e um garoto de uns 18 anos. Não estavam
atrás de uma jovem mãe. Como essa possibilidade não lhe ocorreu? Arthur
apertou as têmporas e resolveu não pensar mais sobre isso, já se culpava
demais por muitas coisas, não queria se culpar por não tê-la encontrado
antes também.
Desceu da carruagem e subiu as escadas em direção à casa de Lilian.
Era o segundo dia que iria visitar o filho e, por mais que as coisas com
Kathelyn ainda não tivessem saído como ele queria, a surpresa e a alegria
ao se descobrir pai eram alentos suficientes para fazê-lo dar o tempo que
Kathelyn lhe pedira, sem enlouquecer.
Bateu três vezes à porta com o coração acelerando mais a cada toque
do metal contra a madeira. Ela estaria em casa? Iria recebê-lo? No dia
anterior não a vira. Nem mesmo a sombra dela. No lugar de Kathelyn, a
senhora Taylor fora a sua companhia durante as horas em que ficara com o
menino.
Aquele dragão de saia.
Cristo, como a mulher era mal-humorada!
Na verdade, Arthur se lembrava da época em que ela costumava tratar-
lhe bem, isso fora antes do fim do noivado entre ele e Kathelyn, há cinco
anos. Enquanto esteve brincando com o pequeno Arthur Steve, a senhora o
encarava com a expressão severa e a boca presa em uma linha, praticamente
sem piscar. Pensou em fazer uns três comentários sarcásticos, a fim de
alfinetá-la, mas calou-se. Não era estúpido, sabia que Kathelyn amava
aquela mulher como uma mãe e se não podia diminuir a aversão da senhora
a ele, certamente não iria contribuir para aumentá-la.
A porta foi aberta e ele estendeu o cartão de visita.
— Um momento, por favor — o mordomo pediu e o duque observou-o
se afastar através do corredor.
Aguardava com ansiedade o retorno do homem quando uma canção,
vinda de alguma das salas da casa, preencheu o vestíbulo. O seu coração
acelerou e o estômago contraiu. Não era uma voz qualquer, era a voz mais
milagrosa que existia, era a voz de Kathelyn. Sem pensar, e hipnotizado, ele
seguiu o som parando em frente à porta de onde, tinha certeza, ela cantava.
Ainda sem conseguir se deter abriu a porta.
Ela demorou alguns segundos para perceber que ele havia entrado na
sala sem pedir licença ou ser anunciado, e então, quando o fez, arregalou os
olhos, abaixou o papel que estava em suas mãos — possivelmente uma
partitura — e ficou encarando-o em silêncio, com uma expressão fechada.
A eletricidade entre eles era tão palpável que pareciam existir fios de
linha ligando-os, como se fossem marionetes um nas mãos do outro. Ao
menos, era assim que Arthur se sentia diante dela: rendido, comandado,
fora do seu equilíbrio e entregue ao domínio de um condutor louco, que
brincava com seus sistemas e movia as sensações do seu corpo. Ela estava
de amarelo, com os cabelos soltos. Ele inspirou de maneira trêmula — só a
havia visto com os cabelos assim na cama, entre os seus braços, gemendo
de prazer e...
— Bom dia, Excelência! — disse ela ríspida. — Acredito que o Arthur
Steve esteja em outra sala.
Ele piscou lentamente tentando retomar o controle.
— Bom dia, Kathelyn. — Deu alguns passos à frente.
— Você não ouviu o que eu disse?
— Sim, eu ouvi. — E deu alguns passos a mais.
— E então o que você está fazendo aqui ainda?
Arthur notou as folhas tremerem contra as mãos dela. A sua respiração
acelerou.
— Eu vim lhe ver.
— Eu disse... — ela umedeceu os lábios — disse que você poderia
visitar Arthur Steve e não a mim.
Ele queria tanto chegar até ela, enterrar os dedos nas ondas dos cabelos
macios e senti-la mais perto.
— Kathelyn... — disse sem saber como concluir, se aproximando um
pouco mais.
— Saia daqui, Arthur.
— Por que você deu o meu nome ao nosso filho? — perguntou sem
pensar, mas era algo que ele realmente queria saber. De certa maneira, isso
o fazia ter esperanças de que ela ainda o amava.
— Para lembrar que, apesar de toda a dor que você trouxe à minha
vida, o que ficou da nossa história é o que mais amo: meu filho.
Ele travou o maxilar.
— Nosso filho.
Kathe desviou o olhar por alguns segundos e quando voltou a encará-
lo a expressão dela estava sombreada por uma determinação e força tão
grandes que ele quase deu um passo para trás.
— Nosso filho — ela concordou.
Arthur fechou os olhos sentindo o coração sangrar. O que mais ele
podia fazer ou dizer para convencê-la de que a amava?
— Kathelyn, sei dos erros que eu cometi. Se pudesse gravá-los a fogo
em minha pele todos os dias e, assim, arrancar do seu coração a dor que lhe
causei, acredite, eu o faria.
— Isso não mudaria o passado — murmurou ela.
— Não, mas se sofrer mais do que já sofri com a nossa separação
pudesse mudar as coisas e...
— Você escolheu outra mulher, Arthur — ela lhe lançou um olhar
culposo —, e como se isso não bastasse, me propôs assumir um papel que
eu só vesti falsamente, por causa das suas ações do passado.
— Eu não estava pensando direito, estava desesperado por amar você.
Ela riu de maneira triste.
— Atos que machucam outras pessoas e que são usados como
justificativa para aplacar a urgência do amor?! Seria poético, se não fosse
tão mesquinho.
— Os homens podem ser covardes e baixos, mas eu não me escondo
atrás do orgulho, nem durmo em cima dos meus erros como se eles fossem
atos sem consequências. Acredite, Kathelyn, pago dia e noite por aquela
proposta maldita que lhe fiz.
Aquela discussão era tudo o que Arthur não queria. Ele não aguentava
mais brigar e ser infeliz. Queria paz. Mas se fosse isso que Kathelyn
precisava para entender que ele a amava estava disposto a qualquer coisa
por isso.
— Você veio ver o seu filho ou me atormentar? — ela perguntou.
Arthur olhou ao redor, estavam em uma sala de música: um enorme
piano de cauda fazia par com um violoncelo encostado próximo a ele, e
havia algumas partituras espalhadas em cima de uma mesa. Kathelyn
deveria usar aquela sala para ensaiar.
— Você canta em Nova York? — perguntou porque não queria mais
brigar e, como ela amava a música, acreditou que se eles conversassem
sobre algo que a distraísse, talvez pudessem se entender de algum jeito. Só
que ao invés de responder, ela gargalhou, e ao parar, estava ofegante e
ruborizada. Arthur teve que apertar as mãos com força ao lado do corpo a
fim de se manter longe dela.
— Além de ignóbil, você agora é surdo?
Mas ela parecia muito disposta a irritá-lo.
Ele respirou fundo antes de responder:
— O que eu posso fazer para você me perdoar? Diga-me, eu estou
disposto a fazer qualquer coisa.
Os olhos dela se turvaram e Arthur enxergou um céu azul de mágoas.
— Eu fico de joelhos, eu faço qualquer coisa. — A voz dele falhou. —
Apenas me perdoe.
— Eu me tornei um desafio outra vez para você, não é verdade?
E aquelas palavras o acertaram em cheio. Ela não ouvira nada do que
ele vinha dizendo? Ela achava que estava atrás dela como um louco,
porque se tornara um desafio? Abatido, ele entendeu que Kathelyn não
acreditara em uma palavra do que ele dizia.
— É isso que você realmente acha?
Ela fechou os olhos parecendo arrependida.
— Arthur, você me deu o maior presente do...
— Eu quero lhe dar presentes todos os dias.
— Eu lhe pedi um tempo para pensar.
Ele encheu o pulmão de ar sem encontrar muito alívio.
— Está certo, me desculpe.
Ela esboçou um sorriso fraco.
— Você não vai ver o seu filho hoje?
— Sim, vou.
— Por favor, de agora em diante, limite-se em visitar apenas Arthur...
Está bem?
Ele concordou com a cabeça.
— Com sua licença, Kathelyn.
Dizendo isso virou as costas e saiu da sala de música com a sensação
de que, se acaso tivesse enfrentado dois exércitos e cinco generais
estrategistas, não estaria tão exausto e derrotado. Se Kathelyn não o
aceitasse de volta, o que ele faria?
Kathelyn saiu da sala de música um par de horas depois do seu
entremeio com o duque, mas ainda estava tensa. Voltar a brigar com Arthur
havia mexido com todos os seus nervos. Não sabia o que fazer e nem como
agir. Depois que o duque saíra, ela ficou uns bons dez minutos em pé,
olhando para o nada, tentando entender o que diabos havia acontecido
naquela sala, e por que, Deus, a simples presença dele continuava tirando-a
do sério? Que tola, é claro que ela sabia o porquê de ele continuar a tirando
do sério, porque simplesmente, ele sempre a tirou e sempre a tiraria.
Então, quando pôde se mexer, ela agarrou a partitura e cantou como se
as músicas pudessem mudar o curso das coisas, apagar o passado e
reconstruir a história deles. Duas horas depois, ela tinha certeza de que
Arthur já teria ido embora, não queria mais vê-lo naquele dia. Com essa
certeza, ela ia mais tranquila encontrar o filho. Aproximou-se da sala onde
sempre ficavam as crianças, a porta estava entreaberta, já havia quase
entrado, quando ouviu uma voz masculina. Ah, meu Deus, ele ainda estava
lá.
— Então Páris — disse o duque — escolheu o amor da mulher mais
bela da Terra, acreditando que teria o amor de Afrodite... Porém, a deusa se
referia a Helena de Tróia. Pobre Páris, mal sabia que se apaixonaria por
uma mulher casada.
Kathelyn parou estarrecida no batente da porta com a cena que se
desenrolava ao lado de dentro. Enquanto a senhora Taylor dormia
profundamente na poltrona, Arthur lia sem a casaca, o colete e a gravata,
com as mangas da camisa dobradas até os cotovelos e meio deitado no
chão, coberto por todos os tipos de brinquedos e livros abertos. Na frente
dele, seu filho o olhava como se entendesse o que o pai contava. Porém, o
que fez o coração de Kathelyn acelerar não foram os pelos esparsos do peito
à mostra, nem os braços escuros ou as mãos grandes, ou mesmo aquele
corpo enorme e masculino esparramado no tapete. O que fez o seu coração
saltar no peito, fora a maneira hipnótica com que seu filho prestava atenção
às palavras dele.
— E então, meu filho, teve início uma guerra. — Ele pegou uns
soldadinhos batendo um contra o outro antes de continuar: — Sim, nós
homens podemos fazer muitas besteiras quando estamos perdidos de
paixão, mas também... podemos construir coisas muito lindas.
— Papa — Arthur Steve balbuciou espontâneo e Kathelyn mordeu os
dedos com força para não arfar de surpresa.
— O quê... que você disse? — o duque perguntou visivelmente
emocionado. — Você disse papai? — repetiu.
— Papa — o menino disse outra vez e Kathe mordeu o lábio de baixo
emocionada.
— Oh meu Deus! — o duque murmurou com a voz rouca — Meu
filho, muito obrigado, muito obrigado... Se Deus quiser, eu vou ouvir você
me chamar assim muitas vezes.
E antes que corresse até os dois e os abraçasse chorando, ela virou as
costas e se afastou. Subiu as escadas rapidamente e somente quando esteve
na segurança do seu quarto, Kathelyn chorou.
Às vezes, o Whites tinha um ambiente bastante deprimente com todos
aqueles homens engravatados e vestidos com cores sóbrias. A fumaça dos
charutos nublava pesadamente o ar e os móveis escuros e maciços que
decoravam a maioria dos ambientes. Arthur concluia seus pensamentos,
girando o copo com líquido cor de âmbar entre os dedos.
Fazia uma semana desde a conversa com Kathelyn na sala de música.
No começo, ele quis gritar.
Depois quis agarrá-la como um homem das cavernas e levá-la até o
altar amarrada e, então, sobre os ombros até o quarto, se assim fosse
preciso. No lugar, Arthur só respirou fundo engoliu a vontade de colocar o
coração para fora do peito e concordou com o pedido feito por ela nas duas
ocasiões em que eles conversaram.
Kathelyn precisava de um tempo.
Ele não aguentava mais tanto tempo.
Estava cansado de não ser feliz.
Por mais sensato que aquele pedido pudesse parecer, não queria
esperar tempo nenhum a mais.
Depois daquele dia, quando ia ver o filho, ele não cruzara com
Kathelyn uma única vez. Como se soubesse que ele estava para aparecer,
ela o evitava.
Então, ele começou a alternar os horários de visita e depois a aparecer
três, quatro vezes ao dia. E, naquela noite, a vira pela primeira vez em dias.
E, por todos os santos possíveis de serem conjurados, ele perdeu a cabeça.
Dois anos sem mulher nenhuma, esse era o problema. Estava ficando
louco. Naquele momento, com um copo de brandy meio vazio, ele rezava
para que sua atitude descompensada não tivesse estragado tudo. Deu um
longo gole lembrando do que havia acontecido há pouco.
Era início da noite, ele passava pelo vestíbulo e Kathelyn surgiu como
uma aparição mitológica. Ela usava um traje completo de gala: um vestido
verde-escuro de seda que deixava o seu colo à mostra, o cabelo fora
arranjado em um penteado alto com cachos soltos esfumaçando o rosto.
Ela era absolutamente estonteante. Era sem dúvida nenhuma, a mulher
mais perfeita que já pisara no mundo. Kathelyn deixaria desconcertada
qualquer tentativa de culto à beleza.
Afrodite, ele pensou na hora.
Sem se conter, os olhos desceram pela curva do pescoço e se fixaram
em um ponto onde uma veia pulsava rapidamente. Quis colocar os lábios
ali. Sua respiração acelerou e os joelhos amoleceram. Teve que contrair o
maxilar a fim de não parecer um lunático e se manter em pé.
— Boa noite, Kathelyn — disse com a voz vergonhosamente rouca.
— Boa noite — ela respondeu e passou por ele indo em direção à
porta.
— Você vai sair? — Se sentiu um idiota ao verbalizar a pergunta.
Ela parou e virou-se de frente para ele.
Deus, como era difícil se segurar. Ele queria tanto correr até ela e
beijá-la até eles esquecerem tudo.
— Vou jantar com alguns amigos de Pa... — “De Paris”, ela deve ter
pensado e não concluiu. — Vou jantar com uns amigos — disse por fim e
fez uma genuflexão.
Maldita genuflexão. Maldita distância. Ele se perdeu naquela
genuflexão, um gesto tão pudico e correto, tão distinto de tudo o que queria
fazer com ela.
— Com conde Delors? — ele perguntou e não tinha esse direito,
porém, mesmo assim, não conseguira se calar. Estava louco de ciúmes e
ainda mais insano de desejo.
— Talvez — ela estreitou o olhar, um gesto tão sutil, quase
imperceptível.
Mas ele percebeu e sabia que Kathelyn só fazia essa expressão quando
estava irritada e, como ele não podia fazer nada além de irritá-la — Deus
sabe como ele queria fazer muitas outras coisas —, se conformou com o
que tinha.
Foi até a porta, encostou-se nela e cruzou os braços sobre o peito.
Sim, ele estava fora de si.
— Por cima de mim — disse com a voz sombria — é o único jeito de
você sair dessa casa, hoje.
E, então, Kathelyn sorriu com os olhos brilhando pelo desafio. Ele se
preparou a fim de detê-la fisicamente, se fosse necessário. Mas, para
surpresa de Arthur, ela empinou o queixo, pegou a capa de noite na
chapeleira e passou por ele tranquilamente enquanto dizia:
— Passar bem, Excelência. Vou sair pelos fundos.
O braço dele deteve-a em um movimento brusco. Ela arregalou os
olhos e ele empurrou-a contra a porta, imobilizando-a. A parte racional
dele deixara de existir quando o corpo de Kathelyn moldou-se ao seu.
— Você não vai mais sair daqui.
Sentiu o momento em que ela abandonou a resistência, devagar, os
músculos presos dos braços e das pernas perderam a tensão e encostaram-
se, encaixaram-se ainda mais ao corpo dele. Kathelyn respirava de
maneira acelerada, os seios subindo e descendo e acariciando o peito dele
por cima do tecido da camisa. Ele sentiu os mamilos dela enrijecerem sobre
a seda do vestido.
Como? Ela não usava espartilho?
As mãos subiram pela cintura fina e a necessidade correndo em suas
veias, levou-o a pressionar-se com mais força contra ela. Continuou
subindo através do vestido e fechou a mão trêmula em um dos seios macios
até apertar um dos mamilos e deixá-lo ainda mais rijo. Um gemido
lânguido escapou entre os lábios da jovem e tudo se fragmentou na maior
onda de desejo que já varrera o seu corpo. Emoldurou o rosto dela entre as
mãos e começou a beijar cada pedaço de pele do rosto, do pescoço, a curva
da orelha, a maçã do rosto, a linha do maxilar, enquanto absorvia o cheiro
de rosas que o matava de prazer, ela se contorcia e ofegava, entregue.
— Eu te amo — ele sussurrou e sentiu-a enrijecer em seus braços,
espalmando as mãos no peito dele. Isso o fez parar e se afastar um pouco,
desesperado. Tinha certeza de que ela o empurraria. — Não — protestou
afoito.
Foi então que as mãos da jovem pressionaram o seu peito e subiram
em direção ao pescoço, fechando-se na nuca dele. Arthur sentiu o coração
pulsar no corpo inteiro e as pernas tremerem quando os dedos delicados se
enroscaram em seus cabelos e ela o puxou para baixo, com força, em
direção aos lábios abertos e úmidos, até a boca dela cobrir a sua. Kathelyn
o beijou como se precisasse dele para o mundo permanecer no eixo. Ela
era o eixo do seu mundo. Ele rosnou de prazer conforme a língua dela
invadiu a sua boca e com mesma intensidade a sua própria língua lutava
para estar dentro dela. Com uma mão, pressionou a base das costas dela,
enquanto a outra subiu pelas costelas até abaixar o corpete do vestido,
expondo os seios.
— Ah meu Deus, Kathelyn — Arthur murmurou embriagado de desejo,
com receio de não aguentar e explodir de prazer somente por olhá-la e
beijá-la. Por ouvi-la gemer o seu nome e...
— Senhorita Kathelyn. — Uma voz masculina invadiu o vestíbulo.
Infelizmente, não a dele, comprovou Arthur. Instintivo, ele a abraçou
protegendo-a.
— Perdão, senhor — o mordomo prosseguiu —, a carruagem da
senhorita, perdão.
Ela subiu o corpete ao som dos passos que se afastavam. Os dois
estavam ofegantes e trêmulos.
— Mas que inferno! — Arthur esbravejou.
Se eles não tivessem sido interrompidos, ele a teria amado contra a
porta principal da casa de Lilian e, naquele momento, ele só conseguia
lamentar o fato de não ter acontecido. Ele realmente não queria ter parado
e por nada nesse mundo se afastaria dela outra vez.
— Meu amor — começou abalado e ensandecido de desejo, beijando-a
no rosto — vamos para a minha casa, por favor, eu preciso ter você.
“Certo”, Arthur concluiu em pensamento pouco depois. Não fora a
proposta mais galante e romântica do mundo, mas ele era um homem
desesperado.
As mãos dela espalmaram o seu peito, porém, dessa vez, ela o
empurrou.
— Nunca mais encoste em mim! — Kathelyn ordenou baixinho.
— O quê? — Ele ainda tentou segurá-la.
— Se você voltar a encostar um dedo em mim, eu juro que sumo daqui
e você nunca mais verá o seu filho.
E aquela ameaça baixa, fria e cruel fez o fogo do desejo ser
consumido pela raiva em três segundos.
— Que eu saiba, eu não fiz nada sozinho.
Ela empinou o queixo.
— Você não mudou nada, seu arrogante!
— Pelo visto — ele mediu-a de cima a baixo —, nem você.
Os olhos dela se arregalaram enquanto o rubor fugia de suas faces
dando lugar a uma palidez atônita.
Estúpido, idiota um milhão de vezes, imbecil.
— Kathelyn me perdoe. Por favor, eu não quis dizer o que acho que
você entendeu.
— O que você pensa sobre mim, não tem a menor importância — ela
declarou altiva, mas os lábios tremiam e Arthur quis se jogar no chão
arrependido para que ela passasse por cima.
— Eu te amo, Kathelyn — ele disse antes dela sair.
— Você também disse isso há dois anos, quando escolheu a sua
noiva... Ou ex-noiva.
— Eu escolhi você! — ele quase gritou para ter certeza de que seria
ouvido. — Sempre foi você.
Poderia ir atrás dela, correr os restaurantes finos de Londres, e
implorar mais uma vez.
— Que idiota eu fui — murmurou para o copo de Brandy quando a sua
atenção voltou ao Whites.
Eles não começariam nenhum jogo de sedução ou de caça um ao outro.
Não outra vez. Isso nunca daria certo. Ela pediu um tempo para pensar, ele
daria esse tempo a ela. Mas não ficaria parado. Faria o que estivesse ao seu
alcance para provar que a amava. E se no final, ela resolvesse ir embora e o
deixasse outra vez, ele aceitaria e reconstruiria a sua vida e... Ele morreria
de tristeza, mas talvez a deixasse ir. O que poderia fazer?
Deu mais um gole na bebida.
“Em que tipo de derrotismo romântico piegas e sufocante eu entrei?”
— Você não está com uma cara muito boa atualmente — o conde de
Portland disse ao sentar-se na poltrona à sua frente.
Ele apenas ergueu as sobrancelhas.
— A sua Kathelyn volta com um filho seu, e você passa as noites
bebendo ao invés de ir atrás dela?
— Ela pediu um tempo para pensar.
— E desde quando você é esse cavalheiro pacato e racional?
— E o que você acha que devo fazer? — perguntou entredentes. —
Arrastá-la amarrada e obrigá-la a se casar comigo?
O amigo encolheu os ombros.
— Não me incentive, estou a um passo de fazer isso.
Portland riu e Arthur sentiu vontade de quebrar o copo de conhaque no
nariz do amigo.
— Não, Deus me livre incentivar as suas loucuras, mas... ficar aqui
bebendo também não vai lhe ajudar a convencê-la.
— Se ela resolver voltar para Nova York e levar nosso filho, eu vou
atrás dela e aí sim a amarro enquanto...
— Ah, pelo amor de Deus, Belmont! Você emburreceu?
Arthur olhou do copo para o nariz do amigo, medindo a distância entre
um e outro. O problema era que ele realmente acreditava que havia
emburrecido naquela noite.
— E seria um desperdício de conhaque — murmurou.
— O quê?
— Nada!
— Então, sobre o que estávamos falando? — O amigo se recostou e
tirou um charuto da carteira girando-o entre os dedos, antes de prosseguir:
— Ah sim... faça algo diferente, mande flores.
— Eu construí um maldito jardim! — resmungou.
— Arrume outra maneira de provar que a ama. — Portland bateu o
charuto contra a mesa. — Uma vez ouvi uma dama dizendo que estava tão
decepcionada com o cavalheiro, que se ele a quisesse de volta, teria de
provar com ações e não com palavras o quanto a queria, declarar-se
publicamente e...
— É isso! — Arthur levantou-se com um movimento brusco. — Já sei
o que vou fazer.
Minha rosa,
Amo-te de um canto secreto da alma, onde estão os gostos proibidos,
os desejos roubados. Amo-te com o ardor de mil poetas com a vida de
todas as palavras e, ainda assim, não consumi a chama que me mantém
cativo, vivo!
Ass. Lorde DuskyRose
— Que escândalo! — reclamou a senhora Taylor de um canto da
saleta. — Esses jovens perderam a noção da boa educação e dos bons
costumes. Hunf! — resmungou inconformada. — Admira-me esse folhetim
respeitado se propor a publicar essas indecências.
— Ah, senhora Taylor. — Kathelyn riu com prazer da expressão
severa da antiga preceptora, antes de dizer: — Às vezes, parece que você
não viveu metade das coisas que passamos juntas.
Olhou para Lilian, que havia acabado de ler a nota destacada no
folhetim e abaixara o jornal ruborizada. Há trinta dias, essas notas
românticas e provocativas eram a nova sensação das fofocas em Londres.
Quem seria o Lorde DuskyRose?
Quem seria a Rosa dele?
Kathelyn tinha certeza de que esse era o assunto da temporada e
motivo de apostas em todos os lugares.
— Hoje, o Lorde DuskyRose estava bastante inspirado — disse Lilian
com ar sonhador.
Kathe ergueu os ombros.
— Ontem ele também estava.
— Você tem algum palpite de quem seja? — perguntou a irmã.
Arthur... para mim. Surgiu em sua mente e seu coração disparou.
Que tola! Agora sonhava em ser a Rosa, junto a todas as jovens
solteiras e casadas do reino?
Lembrou-se do beijo no vestíbulo um mês atrás e seu estômago
contraiu. Tinha quase certeza de que fora ela quem o beijou. Era o efeito
que Arthur provocava em seu corpo, em sua mente. Já havia se conformado
com isso. E então, ele a convidou para passar uma noite na cama dele.
Kathelyn suspirou condoída. Ainda tratava-a da mesma maneira que há dois
anos.
Mas o que ela esperava?
Flores e um pedido de casamento?
Bem, houve as flores, um jardim delas, todavia, depois da conversa
deles na sala de música, há quase dois meses, Arthur nunca mais falara
sobre como ficariam.
E desde aquele beijo, eles mal se cumprimentavam.
Então, Kathelyn se retraiu e não tocou mais no assunto. Mesmo que,
na maioria dos dias, acordasse esperando a visita do duque e na maior parte
das noites dormisse tendo de se controlar para não chorar por ainda o querer
tanto, por tocar-se pensando nele, ou por sentir vontade de ir procurá-lo e
dizer que aceitaria tudo, qualquer coisa que ele propusesse.
Era como reviver o passado, uma espécie de pesadelo, entretanto, de
uma outra perspectiva.
Isso porque, em momento nenhum da conversa, no jardim ou na sala
de música, ou mesmo depois do beijo, ele a pedira em casamento; e
Kathelyn acreditava que jamais o faria.
No começo, Lilian insistia para ela ceder e falar com o duque, dizia ter
certeza de que Arthur a amava. Mas Kathelyn o conhecia, e acreditar que
Arthur se casaria com ela e assumiria o filho bastardo que tiveram, era
quase impossível. Isso seria escandaloso demais para os padrões
aristocráticos dos quais ele nunca conseguira se libertar. Então, ela evitava
pensar no assunto. Proibira Lilian de falar sobre o duque e também evitava
ficar junto a Arthur. Era mais fácil assim.
Orgulho? Vaidade? Medo? Uma mistura de tudo isso?
Talvez.
E se Arthur a pedisse para ser amante dele outra vez? Talvez a
julgasse fragilizada por terem um filho juntos e, assim, precisar ainda mais
de sua proteção. Mas, havia algo pior: se ele pedisse, será que ela seria
forte o bastante para dizer não novamente?
— Veja a nota de ontem. Era menos... era mais... — Lilian disse,
despertando-a dos seus devaneios.
A irmã pegou o folhetim do dia anterior e começou a ler:
— Minha amada Rosa, a lembrança dos seus lábios é um mar revolto
enquanto o navio da minha alma direciona os meus desejos, controla as
minhas vontades, afunda o meu peito na espera e atormenta meus sentidos
em...
— Você já leu isso ontem — ela reclamou.
Lilian arregalou os olhos.
— E qual é o problema?
Kathelyn olhou o relógio sobre o aparador da lareira.
— Isso é uma farsa para vender jornais.
— Eu não acho.
Ela olhou o relógio outra vez.
— Daqui a pouco ele estará aqui e eu não quero encontrá-lo.
— Kathe — a irmã suspirou —, até quando você vai fugir dessa
situação?
— Eu não quero falar sobre isso.
— Ele está muito apegado ao filho, e o menino já o reconhece como
pai. Como será quando você for embora?
Ela se angustiou.
— Maldita hora em que eu permiti que ele viesse ver o meu filho.
Lilian fez uma expressão pesarosa e balançou a cabeça.
Kathelyn passou os dedos nas faces, nervosa.
— Não quis dizer isso, você está certa — soou mais conformada. —
Uma hora eu terei que falar com ele, logo partirei daqui e, por mais que eu
odeie admitir, ele realmente parece gostar do meu... do nosso filho.
E fora isso que fez Kathelyn perder todas as batalhas internas com o
seu senso de autopreservação. O filho. Todos os dias, o duque ia ver o
pequeno Arthur Steve e passava algumas horas brincando com o menino.
Jogado no chão e em mangas de camisa, entre soldadinhos e cavalos de
madeira ou simplesmente fazendo-o dormir em seus braços.
Dois dias antes, ela entrou na biblioteca e flagrou o duque adormecido
na poltrona com o filho também cochilando em seus braços. Os olhos de
Kathe se encheram de lágrimas. Pensar em voltar para Nova York e privar
Arthur Steve desse contato e... nunca mais vê-lo se tornava uma angústia,
uma dúvida, uma inquietação cada dia maior e...
O som de batidas na porta da frente fez o coração de Kathelyn
disparar.
Eu vou enfrentá-lo. Inspirou o ar devagar, decidida.
Não sou uma covarde, nunca fui. Ele não vai dobrar o meu caráter, as
minhas convicções. Fechou os olhos com força.
— Posso lidar com ele — murmurou para si mesma.
Quando o mordomo entrou na sala, Kathelyn tinha certeza de que seria
para anunciar a visita do duque.
— Um convite para lady Radcliffe — o homem disse no lugar,
estendendo a bandeja de prata com o convite.
— Obrigada, senhor Wilkes — Lilian agradeceu ao mordomo, pegou o
envelope, abrindo-o em seguida.
Kathelyn observou uma ruguinha se formar entre as sobrancelhas da
irmã.
— O conde de Portland e o duque de Belmont vão dar um baile de
máscaras na casa do duque, em Londres, daqui a uma semana.
Kathelyn ignorou o frio no estômago trazido por aquele anúncio. Não
sabia que Arthur era dado a realizar festas extravagantes em sua mansão de
Londres. Olhou para a senhora Taylor, que negava com a cabeça.
— Você está convidada também, Kathe — a irmã disse com um sorriso
nos lábios.
— É claro que nós não vamos e... — Se deteve ao notar a animação da
irmã se desfazer.
Lilian deu um sorriso triste.
— Eu nunca estive em um baile de máscaras antes... e os bailes de
Portland são os mais famosos do reino.
Kathelyn não cederia a um baile de máscaras no mesmo salão, no
mesmo país que Arthur, não era uma boa ideia.
— Se acha assim tão interessante, por que você nunca foi a um? —
perguntou tentando soar despreocupada.
Lilian a evitou com o olhar.
— Você sabe... eu nunca debutei, e Rafael não gostava de bailes...
Depois que fiquei viúva houve o luto obrigatório e agora as pessoas não me
convidam para esse tipo de baile, devem supor que recusarei. — Ela
suspirou pesarosa antes de concluir: — Acho que só me convidaram porque
sabem que você está hospedada aqui e não poderiam lhe chamar sem me
incluir.
Ah, Cristo! Como poderia dizer não à irmã? Lilian nunca debutou por
causa da ruína de Kathelyn e, então, casou-se com aquele monstro e... que
Deus a ajudasse, a irmã parecia fazer questão de participar daquele baile.
— Você realmente quer ir?
— Não, eu entendo... Você não quer se encontrar com o duque, e o
baile é na casa dele, não é mesmo?!
Elas ficaram por um tempo em silêncio.
— Vão surgir outros convites como esse, um dia — Lilian murmurou.
Kathelyn soltou o ar pela boca com força, ela não poderia negar isso a
Lilian.
— Está bem, se isso vai te deixar feliz, nós vamos.
Lilian levantou-se e abraçou Kathe, surpreendendo-a.
— Isso me fará muito feliz. Obrigada, Kathelyn. Estou tão empolgada
— disse e beijou as suas bochechas. — Será o primeiro baile de verdade ao
qual eu vou.
— É — concordou, retribuindo o abraço — e que Deus me ajude.
— Como disse? — Lilian perguntou.
— Nada — Kathelyn disfarçou.
Iria a mais um baile de máscaras e, dessa vez, na casa de Arthur.
No ninho do falcão. Deveria estar louca por aceitar uma coisa dessas.
Um arrepio percorreu a sua nuca. Talvez, ele nem mesmo a procurasse
no baile. Provavelmente ele sequer havia pensado nela ao organizar essa
festa junto ao amigo, o conde Portland. Mas no fundo, Kathelyn sabia que
acreditar nisso era mais uma maneira tola de tentar se enganar.
No dia do baile de máscaras, a cidade estava em polvorosa. Todos os
seres vivos de Londres queriam um convite. Kathelyn não se surpreendia
mais com a hipocrisia das pessoas, porém, não pôde deixar de notar a cara
de espanto de Lilian, quando três damas vieram lhe ver, dias atrás, como se
fossem velhas amigas. Ao final da visita, elas insinuaram de um jeito
discreto e aristocrático se, por acaso, Kathelyn não ficaria feliz em ter a
companhia de três amigas no baile, que aconteceria na casa do duque. Ao
que, ironicamente, a jovem respondeu: “Se alguém deve ficar feliz com
algo, são os donos do baile, lordes com quem, infelizmente, eu mal tenha
contato”.
Desde que voltara a Londres, as pessoas a ignoravam com uma
soberba indiferença, mesmo ela sendo irmã da correta Lilian Radcliffe.
Kathelyn entendia a maneira como funcionavam as pessoas, então
imaginava o que vinham falando a seu respeito. Também tinha certeza de
que chamavam o seu filho de "bastardo do duque de Belmont", apelido
fomentado pelas visitas diárias de Arthur à casa de sua irmã. Kathelyn não
se importava com o que pudessem falar sobre ela, contanto que não
falassem do seu filho. Por isso, tinha que deixar a Inglaterra o mais breve
possível. Sabia também, depois que o filho tivesse idade suficiente para
sofrer com os insultos, nunca mais voltaria para lá. Por isso — ela se
convencia diariamente — não poderia, em hipótese nenhuma, aceitar a
posposta de Arthur para ficarem juntos.
Olhou o vestido que iria usar no baile aquela noite. O corpete ajustado
com mangas baixas dispensava o uso do espartilho e deixaria o seu colo à
mostra enquanto saias de uma fina seda se sobrepunham em várias
camadas. O vestido era de um rosa antigo, nem claro, nem escuro. A cor
fora uma sugestão de Lilian.
— Discreta, mas realçará o seu tom de pele — disse a irmã uma
semana atrás na costureira.
— Você vai de preto? — espantou-se Kathelyn diante da escolha de
Lilian. — Todos saberão que está de luto.
— Kathelyn, estou decidida a ir fantasiada como a noite, lembra-se do
seu primeiro baile de máscaras?
Como Kathe poderia se esquecer? Fora o seu primeiro encontro com
Arthur.
Ela aquiesceu.
— Então — prosseguiu a irmã — pode-se usar preto em um baile de
máscaras sem que se vincule ao luto.
E Kathelyn não discutiu mais. Olhou outra vez o vestido e a máscara
larga, ela era bordada com pedaços de organza, imitando as pétalas de uma
rosa.
— Posso entrar? — A irmã pediu licença.
— Sim, claro.
Lilian entrou segurando o folhetim entre os dedos.
— Você leu a nota do Lorde DuskyRose hoje?
Kathe suspirou sem paciência.
— Você está obcecada por esse lorde: lê as notas dele todos os dias
como se fosse a coluna dos desaparecidos. Isso, é claro, se você estivesse à
procura de alguém.
— Eu e toda a cidade... Ainda mais agora.
— Como assim?
— A nota de hoje diz apenas: Adorada Rosa, hoje me revelarei para
você, no baile de máscaras do duque Belmont e do conde Portland.
Eternamente seu: Lorde DuskyRose. — Parou e ficou a encarando com um
sorriso no canto dos lábios.
Kathelyn franziu o cenho.
— O quê?
— Ele não é uma farsa como você dizia.
— Pode até não ser, mas... sinceramente você já parou para pensar por
que as pessoas se importam tanto com a vi... Que cara é essa, Lilian? —
irritou-se Kathelyn.
— E se for ele?! E se for o duque?
— Meu Deus, você está louca?! Arthur jamais se exporia ao ridículo
desse jeito e, além do mais, ele é um duque.
Lilian ergueu as sobrancelhas com uma expressão zombeteira.
— E que problema há no fato dele ser um duque?
Kathelyn bufou contrariada, apesar de seu coração ter acelerado com
essa ideia estúpida e impossível.
— O problema é que duques não declaram os seus sentimentos em
público. Mesmo que estejam morrendo de dor de barriga, o máximo que
fazem é se queixar de um leve incômodo.
— Então... Arthur é um duque bastante atípico.
Ela balançou uma negação contrariada com a cabeça, nervosa com as
ondas geladas que percorreram seu estômago.
— Ele é muito galante, Kathelyn — disse Lilian. — Você já viu a
maneira como a olha?
— Ele sempre me olhou dessa maneira, e veja só no que resultou.
— Sim, isso é verdade — Lilian se jogou na cama de maneira
dramática e exagerada —, ele sempre a olhou com tanta... paixão. Só que
agora é diferente... Ele a olha como se a própria vida e felicidade
dependessem de você.
O coração dela acelerou e os olhos se encheram de lágrimas. Que
estupidez!
— Não fale isso... não quando nós duas sabemos que tudo é uma
grande ilusão. Eu nunca poderia aceitar o tipo de amor que ele tem a
oferecer.
— Não?
— Eu nunca seria amante dele, tampouco voltaria a morar em Londres
expondo meu filho a essa condição. Além do mais, e o principal, eu não
seria capaz de realmente perdoá-lo por tudo o que passei.
Lilian sentou-se na cama
— Eu acho, Kathe, que você já o perdoou, e talvez o que mais lhe
angustie, é saber que eu falo a verdade.
Elas ficaram em silêncio por um tempo, até Lilian se erguer e ir em
direção a ela. Segurando os seus ombro, a irmã lhe deu um beijo na testa.
— Você sempre foi minha heroína, e merece o seu final feliz. Não lute
contra ele.
Dizendo isso, Lilian saiu do quarto, deixando-a com lágrimas presas
nos olhos e também com a certeza de que aquela seria a noite em que
enfrentaria Arthur. O enfrentaria, não para ter o seu final feliz, como
supunha Lilian — Kathelyn não acreditava mais nesse tipo de felicidade —,
mas, sim, para poder partir em paz outra vez.
Uma enorme fila de carruagens, das mais luxuosas e incrementadas até
simples cabriolés, enchiam a Upper Brook Street enquanto damas e
cavalheiros mascarados desciam na frente do suntuoso palacete todo
iluminado pela luz das tochas.
Kathelyn e Lilian entraram no vestíbulo. Ela entregou a capa de noite
e, nervosa, checou o laço da máscara atrás da nuca. Lembrou-se dos dias
em que passara naquela casa, enquanto ainda era uma debutante sonhadora
e mimada, enquanto ainda era noiva do dono daquela mansão. Com o
coração batendo mais forte a cada passo que dava, elas seguiram por um
corredor amplo, até o salão de baile da Goldgaten House.
Kathelyn deu dois passos para trás, quando os seus olhos se
apoderaram do cenário criado no suntuoso salão. Milhares de velas pendiam
do teto junto aos enormes lustres de cristais em cúpulas de diferentes
tamanhos, intercaladas com...
— Céus! — ela murmurou maravilhada.
Kathelyn nunca havia visto tantas rosas juntas em sua vida. Elas
pendiam do teto, enchiam as paredes, lotavam o chão em pétalas.
Entretanto, o que a fez perder o ar e acreditar que estava sonhando, não fora
apenas a quantidade de flores junto às velas, nem os espelhos e cristais, mas
sim, a cor das rosas. Elas não eram vermelhas, nem brancas, nem mesmo
cor-de-rosa, amarelas ou champanhe. Elas eram de uma cor nunca vista,
uma cor apagada, tão tristes, que chegavam a ser belas, como se fossem
sombras: elas eram cinza.
Ela ergueu a mão enluvada e tocou em uma das rosas arranjadas ao seu
lado.
— Nunca vi igual — disse e olhou para o salão outra vez.
O desfile de homens e mulheres luxuosamente trajados e mascarados
completava aquele cenário surreal. Porém, algo não estava certo — um frio
cobriu o seu estômago — os homens e mulheres mascarados que
desfilavam à sua frente, estavam todos, sem exceção, vestidos de preto, e
enquanto ela avançava salão adentro junto a Lilian, os rostos viravam em
sua direção.
Kathelyn tentou respirar devagar, porém, de repente, o corpete pareceu
muito apertado. As pessoas abriam caminho para ela passar, elas pareciam
surpresas e talvez até mesmo indignadas. Sentiu a visão turvar, era como se
estivesse de volta àquele baile em que fora rechaçada pela sociedade.
— Lilian — murmurou atordoada —, por que estão todos de preto,
menos eu?
Percebendo a angústia de Kathelyn, a irmã segurou a sua mão com
força e aproximou-se de sua orelha dizendo:
— Confia em mim... vai dar tudo certo.
O coração de Kathelyn batia ainda mais acelerado e conforme ela
andava entre os convidados, as pessoas viraram os rostos e torciam os
pescoços cochichando, tinha certeza de que, mais uma vez, falavam sobre
ela. Mais uma vez, ela era o centro da atenção daquelas pessoas frias e
arrogantes. Em breve, alguém a humilharia ou...
— Eu quero ir embora — pediu nervosa.
— Kathelyn, se as coisas não saírem como imagino — Lilian disse
baixinho — eu mesma matarei uma pessoa e depois você pode me matar,
está certo?
— Você... você sabe o que está acontecendo aqui?
— Confia em mim! — repetiu apertando outra vez a sua mão.
Elas deram alguns passos a mais e, quando pararam em um dos cantos
do salão, Kathelyn se sobressaltou com um toque no ombro.
— Senhorita, me concederia uma valsa?
Ela soltou o ar de maneira falha e girou o corpo a fim de encarar o
homem que pedira pela dança.
— Senhoritas, senhoras e senhores! — Uma voz imperiosa vinda de
algum lugar mais à frente, a deteve. — Um momento de atenção, por favor.
Aquela voz sempre colocava todo o seu corpo em alerta. Kathelyn não
teve dúvida, era Arthur quem falava. Aos poucos, o burburinho das
conversas se desfez e o salão mergulhou no silêncio. Kathelyn ouvia apenas
o som de sua respiração alterada, o farfalhar de tecidos e o eco da
expectativa.
— Meu amigo Portland e eu — principiou o duque — queremos
agradecer a presença de todos. Essa é, sem dúvida, uma noite muito
especial.
Kathelyn buscou-o com os olhos, erguendo o pescoço, mas só
conseguia enxergar plumas, brilhos e cabelos entre um mar negro, dourado
e cinza.
— Eu sou o lorde DuskyRose — Arthur anunciou com a voz
estrondosa.
Kathelyn arquejou de surpresa junto a uma onda de exclamações e
risadas que ecoaram pelo salão.
— Querem saber quem é a minha Rosa? — perguntou ele.
— Sim! — responderam alguns.
— Eu, eu sou. — Ouviram-se vozes femininas e mais risadas pelo ar.
— Todos aqui gostam de uma boa história? — Arthur perguntou e uma
onda de respostas entusiasmadas confirmou.
— Então, vou contar uma história para vocês antes do baile começar...
Mas o que pode tornar essa história ainda mais interessante, é que ela é real.
Aconteceu comigo.
E o salão mergulhou outra vez no silêncio da expectativa. Kathelyn
andou para trás, até encontrar o apoio de uma parede. Lilian ainda segurava
sua mão com força.
— Há cinco anos — a voz forte do duque ecoou outra vez — eu fui
convidado para um baile de máscaras, mas na verdade, aceitei o convite do
destino para mudar a minha vida. Soube no momento em que os meus olhos
encontraram os dela pela primeira vez que tudo havia mudado. Essa jovem
passou a segurar o meu coração nas mãos dela.
Kathelyn levou uma mão até o peito, enquanto as palavras de Arthur
entravam em seu sistema como o ar circulando junto ao sangue.
— Mas — prosseguiu Arthur — hoje eu sei que, quando encontramos
algo de um valor único, sentimos medo, não sabemos como agir. Eu
acreditei que era traído e cometi o maior erro da minha vida. Um erro de
julgamento que levou também muitos de vocês presentes aqui hoje a julgar
e condenar uma jovem inocente e honrada, inclusive a própria família da
dama.
Alguns murmúrios foram ouvidos e Kathelyn sentiu-se um pouco tonta
enquanto a luz das velas se turvou pelas lágrimas que cobriam os seus
olhos.
— A minha inconsequência e impulsividade — continuou ele — fez
essa dama perder tudo o que tinha na vida e talvez, por mais que eu a ame,
nunca seja o bastante para me redimir diante dela. Eu entendi que não existe
dor maior do que machucarmos alguém a quem amamos e assim eu me
condenei a uma vida nas sombras.
Os lábios de Kathelyn tremiam, assim como as suas mãos.
— Só que, damas e cavalheiros aqui presentes, depois que se enxerga a
luz é impossível ser feliz e se acostumar com as sombras.
Kathelyn notou um movimento de pessoas abrindo passagem,
enquanto as lágrimas pela compreensão do que Arthur falava e fazia
voltavam a inundar os seus olhos.
— Uma vez, essa dama me disse que eu não a considerava boa o
bastante para ser a minha duquesa.
Então Kathelyn o viu, inteiro de preto, enorme e lindo. Ele caminhava
em sua direção. E o mundo ao redor se desfez. Totalmente emocionada, ela
puxou o ar pela boca de maneira falha, e conforme ele se aproximava o seu
coração batia mais forte. Mais rápido. Ainda mais acelerado.
Ele parou de frente para ela.
— A verdade — prosseguiu com a voz firme e alta — é que sempre foi
o contrário. Eu é quem nunca me considerei bom o bastante para ela.
E então, ele tirou a máscara.
— Oh meu Deus! — Kathelyn sussurrou conforme Arthur se ajoelhava
à sua frente.
— Senhorita — disse ele —, a sua luz transforma todas as pessoas e
coisas em sombras. Vocês mesmos podem ver. Percebem? — Arthur
perguntou ao olhar para os convidados, que abriram uma roda onde eles
estavam. — Ela é a única rosa aqui presente. O resto? É somente a sombra
que sua luz projeta... É somente a sombra da rosa.
Ela cobriu os lábios com os dedos e soluçou.
— Kathelyn Stanwell, se você for capaz de perdoar os meus erros e
aceitar ser a minha duquesa, eu sei que você será a mais bela, bondosa,
honesta e corajosa duquesa já vista nessa Terra. Se você me der a honra de
dividir a sua vida comigo e me levar assim, de volta para a luz, eu juro,
diante de todas essas pessoas, que devotarei a minha vida para lhe fazer a
mulher mais feliz do mundo. — Ele a olhou com mais intensidade antes de
concluir: — E uma coisa eu posso lhe prometer, minha rosa, você será a
duquesa mais amada de todo o reino... E ninguém, nem mesmo um duque
— sorriu ao dizer — tem o poder de quebrar a Promessa feita a uma Rosa.
Ela abaixou as mãos trêmulas e Arthur segurou-as com carinho,
beijando uma e depois a outra.
— Você me daria a honra da próxima valsa?
Kathelyn sorriu entre as lágrimas que desciam abundantes por trás da
máscara e concordou com a cabeça sentindo-se incapaz de falar.
O duque a conduziu até o meio do salão, enquanto a orquestra iniciava
os primeiros acordes da valsa. A mão dele rodeou a sua cintura e ela perdeu
o ar. Ele aproximou os seus corpos e o seu coração voltou a acelerar. Eles
começaram a girar e ao redor tudo se misturou. Ela olhou dentro dos olhos
dele e encontrou o seu perdão.
Kathelyn queria responder a ele, dizer qualquer coisa.
— Eu... eu...
Arthur se aproximou até os seus rostos se tocarem.
— Shhh... — sussurrou. — Apenas dance comigo.
Kathelyn fechou os olhos e se deixou ser conduzida dentro daqueles
braços que, sempre soube, pertenciam ao único homem a quem ela amaria
por toda a sua vida.
No meio da peça, enquanto outros casais já lotavam o salão, Arthur
conduziu-a com maestria até uma das portas francesas.
— Kathelyn, eu quero te mostrar mais uma coisa, você viria comigo?
— Sim — disse baixinho.
Como ela poderia dizer não?
Arthur conseguira surpreendê-la como ela nunca achou possível,
ajoelhou-se na frente de toda a sociedade, lhe pedira perdão, lhe pedira para
ser sua duquesa. Disse que a amava na frente de todos aqueles que anos
atrás a repulsaram. Ele a libertou do passado, redimiu-a e foi redimido em
seu coração.
Eles subiram o enorme lance de escada circular que Kathelyn se
lembrava, dava acesso à área íntima dos quartos.
Onde Arthur estaria levando-a?
Com várias questões girando em sua mente e ainda muito emocionada,
estando um tanto quanto nervosa, ela fez a primeira pergunta que lhe
ocorreu:
— Como você conseguiu as rosas cinza?
Arthur parou na frente de uma porta dupla, e olhou de lado para ela.
— Você se lembra quando lhe falei que conhecia um químico?
— O senhor Faraday?
— Sim. Foi ele quem me ajudou... E também, sempre serei grato a
Lilian.
Kathelyn sorriu, surpresa, ao comprovar o trabalho que Arthur tivera
para criar aquele cenário inacreditável e observou as mãos grandes girarem
as maçanetas de uma vez. Ele entrou e ela o seguiu.
— E, lorde DuskyRose, não sabia que você era um român... — Parou.
Conforme os olhos ganhavam a percepção do local, o coração dela
ganhava espaço dentro de si. Era um cômodo muito amplo com janelas do
chão ao teto. As paredes em tons de creme foram decoradas com pequenos
motivos em cores claras. O chão de madeira estava coberto por todos os
tipos de brinquedos que uma criança, que muitas crianças, jamais
sonhariam possuir na vida: cavalos de madeira, casinhas de bonecas, mesas
e cadeiras de proporções infantis. E os olhos dela queriam turvar tudo outra
vez.
Ele segurou os seus ombros com gentileza.
— Kathelyn, este lugar e eu precisamos do Arthur Steve e de outros
meninos como ele, teimosos e cheios de vida.
Ela tirou a máscara enquanto as mãos de Arthur nos seus ombros
viraram-na para ele.
— Precisamos também — prosseguiu ele — de muitas meninas que
ensinem aos meninos a arrombar portas e subir em árvores, e quem sabe, a
estudar alguns manuscritos... Mas, principalmente, elas não poderão deixar
de enrugar o narizinho ao sorrir e de ter os seus olhos, os mais estonteantes
já vistos por qualquer mortal. Disso, eu não abro mão. Olhe para mim —
Arthur pediu com a mesma voz rouca de quando eles acabavam de se amar.
Ela o encarou e viu rastros de lágrimas que ele derramava, sem
nenhum orgulho ou vergonha.
— Entretanto — disse ele —, eu preciso de algo muito mais do que
qualquer outra coisa na vida. Sabe o que é?
Ela sacudiu a cabeça enquanto as lágrimas escorriam dos seus olhos.
— De você para ensinar a todos os filhos que venhamos a ter e,
principalmente, a mim, o jeito certo de amar.
Kathelyn perdeu o fôlego e o coração ganhou todo o espaço do mundo
em seu peito. Ele segurou o rosto dela entre as mãos.
— E então?
— O quê? — perguntou com a consciência entorpecida.
— Você aceita se casar comigo?
Ela ficou olhando-o em silêncio, encantada com ele, por ele.
— Porque se você disser não — ralhou o duque —, acho que sou
capaz de lhe colocar sobre os om...
Ela cobriu os lábios dele com os dedos trêmulos e engoliu o choro ao
dizer:
— Sim.
E ele sorriu, deixando para trás toda a expressão aristocrática, taciturna
e até mesmo amedrontadora. A intensidade do seu semblante dava lugar à
suavidade. Quando Arthur sorria, ele parecia um menino. Foi então, que os
olhos amarelos e brilhantes prenderam-se aos dela. Ainda sorrindo, Arthur a
beijou, mas, dessa vez, como um homem apaixonado beija a sua mulher.
Ele era um homem apaixonado, afinal.
E fazia dois anos desde a última vez.
Kathelyn beijou o seu pescoço.
Dois anos desde a última...
Ela desfez o nó de sua gravata.
Bem... fazia muito tempo desde que estivera com...
Os lábios dela deslizaram pela curva do maxilar.
Na verdade, ela havia sido a última a...
As mãos dela passearam por seu abdômen.
— Hummm... Kathe — ele gemeu descontrolado de desejo.
Isso explicava o porquê dele não estar resistindo. Não... isso não
explicava.
Os lábios mornos de Kathelyn envolveram a sua orelha.
Meu Deus, eu preciso me controlar.
Tinha prometido que agiria como um cavalheiro e que, desta vez, faria
tudo como era adequado e...
— Eu te desejo tanto — ela disse e Arthur soltou uma rajada de ar pela
boca.
— Ah, Cristo! — ele murmurou quando os dedos dela alcançaram o
botão de sua calça. Precisava se controlar e parar logo com aquilo.
— Kathe — engoliu em seco — vamos voltar para o baile... e... e...
Ela o beijou outra vez. Os lábios carnudos se moviam com suavidade
sobre os seus, a língua acariciando-os com movimentos circulares.
Ofegante, ele segurou o rosto delicado entre as mãos.
— Meu amor — começou vendo tudo rodar, porque as mãos da jovem
foram até as suas nádegas pressionando ainda mais a sua ereção contra ela.
— Você me trouxe até o seu quarto — ela sussurrou na orelha dele e a
mordiscou em seguida.
— Eu sei, foi apenas para podermos ter um momento de intimidade,
mas quero fazer as coisas direito agora e... — Ele se deteve porque Kathe
deu dois passos para trás parando embaixo de uma faixa de luz, proveniente
das velas.
Se Arthur já não estivesse sem ar, ele ficaria. Os lábios de Kathelyn
estavam ainda mais vermelhos e inchados pelos beijos que haviam trocado.
As faces ruborizadas e os olhos tão azuis, que transformaria em sombra
qualquer estrela no céu. Ela tinha o rosto de um ser angelical e pedia para
ser amada como uma deusa. Uma dicotomia sensual e irresistível. Uma
perdição para a razão de qualquer homem. Uma loucura aos seus sentidos.
Ela mordeu o lábio inferior abaixando o queixo e ficou ainda mais
corada. Deveria estar envergonhada por tê-lo tocado com tanto desejo. Mal
sabia ela que era a resposta aos toques dele, sempre tão apaixonada, que o
deixava enlouquecido. Então, ele a admirou sem pressa , Kathelyn era o
retrato da sensualidade pintado pela inocência.
— Jesus Cristo! — disse com a voz rouca.
— Como?
— Perdoe-me, Kathelyn, eu não vou aguentar, eu preciso demais de
você.
Os lábios cheios dela se curvaram em um sorriso discreto.
— Somente hoje — disse ele se livrando da casaca — e então, nós
faremos tudo como é adequado, correto e...
— E chato — ela concluiu em seu lugar.
Ele sorriu segurando-a pela nuca. Como amava aquela irreverência,
como amava qualquer coisa nela.
— Sim. — Ele se livrou da camisa. — Até estarmos casados — tirou
os sapatos —, nós vamos ser o casal "Lorde Recato e Lady Etiqueta".
Ela arqueou as costas dando acesso aos dedos dele, que trabalhavam
para livrá-la do corpete.
— Eu duvido — desafiou-o livrando-se das forquilhas.
— Isso é um desafio? — Ele baixou o corpete dela e beijou toda a
clavícula exposta.
O vestido caiu amontoando-se aos seus pés enquanto os dedos dela
traçavam linhas por suas costas. Arthur sentiu seu estômago contrair.
— Uma dama jamais desafiaria um cavalheiro — disse ela com a voz
lânguida.
Ele a olhou cheio de paixão ao lembrar-se do que ela trazia de volta. O
mesmo diálogo de quando eles se conheceram.
Resolveu entrar na brincadeira.
— O que eu quero não posso pedir a uma dama.
— Que pena.
Ele soltou os laços da anágua.
— Mas posso pedir para a mulher que eu amo. — Ergueu-a nos braços
e andou com ela até a cama, deitando-a em seguida sobre a colcha de seda.
— O que é?
Ele se abaixou em cima dela, segurando o rosto macio e olhando-a
com intensidade.
— Amar você eternamente.
— Sim — ela confirmou com um suspiro trêmulo.
Arthur cobriu a boca dela com a sua, persuadindo-a com os lábios para
que desse passagem a ele. Em um arquejo sensual ela cedeu e a língua dele
a invadiu com força, com paixão, com todo o amor que sentia. Os braços de
Kathe envolveram as costas fortes e ele sugou a língua dela sentindo tanto
prazer que gemeu.
— Eu te amo — ele disse e deixou os lábios se moverem sobre a pele
delicada do pescoço e através do colo. Ele sentia o peito de Kathelyn baixar
e subir de maneira rápida conforme movia os lábios. Quando alcançou um
dos seios, ela ofegou.
Arthur desejou tanto esse contato, estar com ela dessa maneira, que
queria prolongar aquele momento o máximo possível. Segurou o seio farto
na mão, levantando-o para ter acesso ao mamilo, então envolveu-o com os
lábios sugando gentilmente, até sentir que ele entumecia e latejava. Em
seguida, deu a mesma atenção ao outro seio e sem pressa deliciou-se com a
maneira como ela reagia a cada toque. Kathelyn enroscou as mãos em seus
cabelos, enquanto movia os quadris embaixo dele.
— Você sabe o quanto desejei ter você aqui? — ele perguntou com a
respiração acelerada, enquanto seus olhos pesavam cada vez mais.
Ela fez que não com a cabeça.
— Não em qualquer cama, mas nesta cama, na minha casa.
Ela fez que não outra vez. Então ele a despiu dos calções das meias de
seda, alternando carícias com os lábios e com as mãos, nos pés, e nos
tornozelos. Em seguida, tirou a própria calça libertando a sua ereção.
Tratava-se mais do que um ato físico; com Kathelyn sempre havia sido um
encontro que Arthur só poderia definir como sagrado.
— Todos os dias e noites, durante cinco anos — disse com a voz rouca
sentindo o corpo ferver e baixou a cabeça para beijá-la nas coxas, Kathelyn
contraiu as pernas e ele seguiu beijando-a, dando leves mordidas e traçando
com a língua um caminho lento e sedutor.
— Eu quero adorar você — beijou próximo ao joelho —, cada pedaço
seu. — Deixou os lábios deslizarem mais para cima. E engoliu em seco
quando Kathe ergueu os quadris e a pele macia se arrepiou ao seu toque.
Devagar abriu as pernas dela e soltou o ar pela boca de maneira audível ao
olhá-la exposta, tão apaixonada e entregue. Com os dedos separou as dobras
rosadas e macias do sexo feminino e sentiu o membro contrair e endurecer
ainda mais.
— Arthur — ela sibilou —, eu não vou aguentar.
— Eu quero amar você, durante muitas horas, de todas as formas
possíveis e você precisa estar entregue, meu amor — dizendo isso ele
baixou a cabeça entre as pernas dela e Kathelyn se entregou.
Quando Arthur colocou a boca naquele ponto pulsante entre as suas
pernas, Kathelyn gemeu se contorcendo. Ele a segurou com firmeza nos
quadris e passou a sugar o botão rígido, alternando mordidas e lambidas
leves, explorando cada fenda e dobra para em seguida, procurar a delicada e
úmida abertura penetrando-a com dois dedos. A visão daquela cabeça
escura entre suas pernas, junto a tudo o que ele fazia, fez um choque
inundar todos os seus sentidos, parecia que o quarto, as velas, a cama e o
dossel enorme, tudo havia se transformado em um borrão de cores, sombra
e luz. Kathelyn começou a murmurar e gemer incessantemente.
— Grego? — ele perguntou bem-humorado sem afastar a boca dela.
Kathelyn não soube o que respondera, porque Arthur voltou a se
concentrar naquela parte mais sensível, excitando-a com suavidade até ela
não aguentar mais e erguer o quadril estremecendo de encontro à boca dele,
gritando pelo êxtase alcançado.
— Eu te amo — ele disse conforme subia beijando-a na barriga, nos
seios, no colo, nas faces, nas pálpebras. — Eu te amo — ele repetiu e
beijou-a nos lábios de maneira tão entregue, doce e apaixonada, que
Kathelyn sentiu o corpo se desfazer.
Todos os pedaços quebrados dela, tudo o que havia sido dor na história
deles, era reconstruído e curado com aqueles beijos. A língua dele entrando
e saindo, os lábios quentes soltando e exigindo. Ele se entregava inteiro
naquele beijo, se mostrava por completo, sem reservas, sem medo. Entre
eles existia somente a entrega. E Kathelyn aceitou com os lábios e com a
alma aquela doação, sentindo o coração acelerado do amante na boca, em
todo o corpo. Eles pulsavam no mesmo ritmo e ela pôde notar o membro
dele pressionaando a sua entrada.
— Kathelyn — murmurou —, eu entrego o meu corpo para amar você.
— Eu te amo — ela disse transbordando de amor.
— Dona do meu coração, senhora da minha vida — ele disse e
investiu, preenchendo-a lentamente, enquanto murmurava —, dona do meu
corpo, rainha da minha felicidade... Minha rosa amada. — E entrou nela por
completo.
Arthur ficou um tempo parado, com a respiração trêmula e curta, todos
os músculos do corpo tensos. Kathelyn passou as mãos pelas costas duras e
escorregou-as até o abdômen rígido como um tronco. Ele gemeu, as veias
do pescoço dilatadas pulsavam rápidas.
— É assim — principiou com a voz embriagada de prazer — que
quero estar para sempre, dentro de você — disse e começou a se mover
lentamente.
A cada investida, Kathelyn arfava e Arthur grunhia. Ele baixou a
cabeça e a beijou, engolindo os sons que escapavam da boca dela.
Espasmos percorreram a espinha de Kathelyn e um calor visceral a
envolveu, conforme Arthur se movia com mais intensidade. Então, ele
passou as mãos por baixo das nádegas dela erguendo os quadris e
levantando-a como se ela fosse de pano.
Quando Kathelyn começava a estremecer de prazer, ele diminuía o
ritmo das estocadas, sempre a beijando, nunca deixando de tocá-la com
ternura e posse. Arthur levou-os assim por um tempo, que pareceu a noite
inteira e toda a eternidade, até os dois estarem fundidos um no outro, até
não restar nada de Kathelyn que não houvesse se misturado com ele. E
quando ela acreditou que não podia mais suportar ou esperar, Arthur
acelerou os movimentos, levando os quadris dela a ondularem de maneira
ritmada e frenética. Tudo voltou a ficar turvo e sem forma. Um calor
abrasivo explodiu em seu ventre cobrindo todo o seu corpo conforme ela
era destruída e reconstruída dentro da maior alegria e prazer que já havia
experimentado. Conseguiu ouvir no fundo do nevoeiro de luz e cores em
que mergulhara o grunhido alto de Arthur que tremia no próprio êxtase,
prolongado e intenso.
— Eu te amo — ele disse e ela repetiu, em grego talvez. Foi do meio
de uma nuvem que ela viu dois olhos amarelos se perderem em lágrimas e,
ainda flutuando, ela o ouviu chorar como apenas uma vez o havia visto
fazer.
— Você está chorando? — se forçou em perguntar.
— Não, meu amor. Estou te amando com tudo o que posso lhe
entregar, com todas as partes do meu corpo e da minha alma. — Dizendo
isso ele a envolveu, girando o corpo dela. Kathelyn apoiou a cabeça no
peito largo, ouvindo o coração acelerado de Arthur cobrir o seu corpo. Não
havia dimensão, forma, idioma, ou substância que pudesse separar o amor
que os unira naquela noite.
Que evento descontraído deveria ser um jantar de comemoração às
vésperas de um casamento tão esperado. Ainda mais quando à mesa, além
do noivo feliz e da noiva apaixonada, estavam sentados dois dos melhores
amigos da noiva e também padrinhos do casamento, que se realizaria dali a
poucas horas.
Steve e Philipe haviam chegado da Holanda poucas horas antes,
Kathelyn parecia radiante por finalmente reencontrar os amigos de longa
data e Arthur, bem... não estava assim tão exultante. Já que, nos últimos
trinta minutos, tempo decorrido desde que se sentaram à mesa, ele vinha
aguentando as piadas sarcásticas de Philipe e a diversão pouco contida de
Kathelyn e Steve. Infelizmente para o duque, o alvo do bom humor do
príncipe holandês era um só: ele próprio.
— E então, chéríe — começou o príncipe —, dizem que Nova York é
um berço de homens bem-apessoados, isso é verdade?
Arthur travou o maxilar.
Kathelyn sorriu.
— Eu não tive muito tempo para observar isso.
Philipe deu um gole no champanhe.
— Não minta para mim, chérie, você deixou todos os homens da
Holanda e depois de Paris apaixonados, não deve ter sido diferente em
Nova York, foi?
— Realmente... — Kathelyn disse e olhou para Arthur como se
estivesse medindo as reações dele — eu não reparei.
— Que menina malvada! — Philipe arqueou as sobrancelhas. — Não
quer contar os detalhes só porque estamos na frente do seu noivo? Quanta
bobagem! — exclamou sacudindo as mãos no ar. — Arthur tem que se
acostumar, chérie, casar-se com uma mulher linda como você tem as suas
consequências.
O duque limpou a boca com o guardanapo de maneira brusca. O que
aquele príncipe dos infernos estava sugerindo?
— Que consequências? — perguntou olhando para Kathelyn.
As bochechas dela ruborizaram.
— Oras — contrapôs Philipe, passando os dedos compridos no canto
da boca — ser o alvo e objeto do desejo de todos os homens que a
conhecem... Você vai ter que aprender a controlar seus ciúmes, mon chére.
— Eu confio em minha noiva — disse, sentindo uma veia pulsar em
seu maxilar.
— Mas certamente — disse o príncipe — não é tolo para confiar nos
homens.
Arthur ia responder de maneira rude, a fim de deixar claro que estava
farto daquelas brincadeiras, quando olhou para Kathelyn e, vendo que ela
sorria em sua direção, ele conseguiu se acalmar um pouco.
Ele realmente confiava em Kathelyn, sabia que não precisava sentir
ciúmes, porque fora o ciúme que causara todo o sofrimento no passado
deles. O que o irritava naquela conversa era perceber que aquele dandy sem
miolos, falava tudo aquilo na tentativa de irritá-lo.
— Está certo, não vamos falar mais sobre isso agora, uma coisa é
certa, vocês dois terão muitas histórias para contar — Philipe terminou e
deu mais um gole no champanhe.
— Sim, isso é verdade — Steve se manifestou.
Os lacaios retiraram as entradas e serviram os pratos principais e, por
um momento, tudo mergulhou no silêncio e na paz. Apenas o barulho dos
talheres contra a porcelana era ouvido.
— Como, por exemplo, o dia em que Kathelyn perdeu as roupas no rio
— disse Philipe após abaixar os talheres.
Kathelyn pareceu se divertir com a lembrança, Steve gargalhou e
Arthur se forçou a sorrir.
— Lembra, sardenta? — comentou Steve. — Meu Deus, a cara
daqueles nobres quando lhe viram.
— É, inclusive a minha — Arthur concluiu, tentando parecer
descontraído, mas a frase soou mais como um resmungo.
Naquele momento, Arthur supôs que o olhar da sua noiva brilhou pelo
desafio de provocá-lo. Ele notou quando ela entrecerrou levemente os olhos
e disfarçou um sorriso.
— Ah, o episódio das rosas também foi hilário — Kathelyn disse
divertida e confirmou a suspeita do duque.
Steve e Philipe gargalharam, concordando com ela.
— Nossa, como foi engraçado responder a duzentas damas
desesperadas — mais uma vez ele falhou miseravelmente ao tentar
imprimir bom humor no tom de sua voz.
De todos, Philipe era quem mais ria, e Arthur sentiu vontade de fazer o
príncipe engolir a toalha e os guardanapos.
— E se eu o deixasse plantado no altar, milorde — Kathelyn olhou
para ele com ar provocativo —, como você acreditara que eu faria anos
atrás, como você reagiria?
Arthur respirou fundo algumas vezes antes de responder. E entendeu
que estava sendo um tolo. Ao invés de entrar na brincadeira e se divertir
com Kathelyn e os amigos, sentia-se a ponto de explodir. Então, resolveu
que se a noiva podia se divertir testando os seus limites com toda aquela
petulância, ele também poderia.
Então, ergueu um pouco as sobrancelhas, retirou o pincenê do bolso da
casaca com calma, colocou-o segurando-o entre os dedos na ponta do nariz,
e fez a expressão que ele só usava quando queria intimidar os outros através
do seu título.
— Sabe o que eu faria, minha querida?!
Ela negou com o queixo empinado, mantendo-se bastante altiva.
— Eu a colocaria sobre os ombros e a arrastaria até o altar.
Arthur ouviu Steve e Philipe rirem.
Kathelyn ficou encarando-o com um sorriso nervoso, porém contido
nos lábios.
— Um duque jamais faria um disparate desses.
Ele guardou o monóculo.
— Você tem certeza?
— Absoluta — ela respondeu muito convencida e cruzou as mãos
sobre a mesa de maneira relaxada.
O duque não falou nem uma palavra a mais. Com movimentos
elegantes e calculados, ele colocou o guardanapo sobre a mesa, empurrou a
cadeira com o corpo e se levantou. Viu os olhos de Kathelyn se arregalarem
conforme ele marchava confiante em direção a ela.
— O que você pensa que vai fa... — Ela não terminou, porque Arthur
a ergueu nos braços e com dois movimentos a acomodou sobre os ombros
ao som de risadas e protestos da noiva.
— Com sua licença, cavalheiros — disse e carregou-a para fora da sala
de jantar.
Meu Deus, o nono duque de Belmont retirou-a da mesa no meio de um
jantar e a carregou sobre os ombros. Kathelyn estava absolutamente
surpresa e não conseguia parar de rir. Então, ele a levou até o seu quarto.
Desde a noite da festa, eles mal se tocarem, haviam apenas trocado alguns
beijos e poucas carícias.
— Vou ter que te amarrar em minha cama e lhe arrastar até o altar
amanhã? — ele perguntou franzindo o cenho, mas Kathelyn sabia que o
duque estava descontraído, porque a sua expressão era leve e a sombra de
um sorriso ameaçava aparecer nos lábios dele.
— Amarrar? — ela perguntou fingindo inocência.
Arthur se aproximou dela como um predador, segurou a sua cintura
com uma mão e sua nuca com a outra aproximando-os.
— Ou talvez — continuou ele junto à sua orelha — eu deva te amar
até você ser incapaz de se mover, quem dirá fugir do altar.
Kathelyn sentiu um frio cobrir o seu estômago diante das palavras do
duque, enquanto todas as terminações do seu corpo eram acesas uma após a
outra, como as lamparinas de rua, junto ao fogo.
— Kathelyn, eu vou te beijar e depois te levar em casa... Me segurei
por dois meses. Consigo esperar uma noite até você ser definitivamente —
ele deixou um beijo em seus lábios — totalmente — outro beijo —
irrevogavelmente minha.
Lembrou-se do jantar e da maneira como Arthur havia reagido às
lembranças trazidas à tona. Kathelyn realmente queria ser capaz de olhar
para o passado deles sem peso, e queria que Arthur fizesse o mesmo. Ao
perceber a expressão masculina que parecia lutar contra o desejo de tocá-la,
Kathelyn teve uma ideia.
— Arthur... você sabia que a fama de amante me trouxe certas
vantagens? — Ela sentiu-o enrijecendo os músculos tensos e beijou-o na
linha do maxilar. — Eu ouvi comentários e assim, acabei aprendendo certas
coisas que jamais aprenderia, se eu não tivesse vivido o que eu vivi.
Ele passou a respirar de maneira ainda mais acelerada.
— Eu não gostaria de falar sobre o passado.
— Eu também não gosto — confessou beijando o queixo dele —, mas
eu queria tentar mudar isso.
— Por quê?
— Porque nós somos o resultado das escolhas que fizemos e o que
importa — ficou na ponta dos pés e beijou-o nos lábios — é que, hoje, eu
escolho ficar ao seu lado e amar você.
Ele segurou o rosto dela entre as mãos e beijou-a com uma fome
embriagantes.
— Eu te amo — disse com a voz rouca — e prometo que da próxima
vez que falarmos do nosso passado, vou me divertir e não vou te carregar
mais sobre os ombros e...
— Eu queria te propor um jogo — ela disse com o coração acelerado.
O duque arregalou os olhos sem disfarçar a surpresa.
— Que jogo?
— Toda sedução é um jogo. — Ela mordeu o lábio inferior, um pouco
sem graça pelo o que acabara de falar.
Mas logo se animou ao notar os olhos dele mudarem. Kathelyn
conhecia a expressão que tomara conta do rosto do duque, ela a vira pela
última vez dois anos atrás. Era uma expressão de fome e desejo insaciado.
Um arrepio percorreu a espinha dela. Arthur se entregava à sua proposta,
sem nem saber o que ela pedia.
— A não ser que o senhor não queira jogar — ela falou de maneira
sedutora, usando o mesmo tom de voz manhoso que cansara de usar com
ele em Paris.
Ele segurou os braços dela exercendo uma pressão dominante.
Exercendo o controle que lhe parecia tão natural.
— Que jogo? — repetiu.
Ela mordeu e sugou a ponta da orelha do duque, ouvindo-o gemer.
— Quero jogar mais uma vez — começou sentindo o coração acelerar
ainda mais — um jogo de pôquer... Relembrar uma das noites mais sensuais
da minha vida.
Sem falar nada ele capturou o lábio inferior dela e o sugou lentamente
até soltá-lo com uma mordida.
Kathelyn arquejou. Os olhos dele pareciam pesar tanto que apenas uma
linha mantinha-os abertos, como se ele estivesse torpe de sono.
— Eu não sei se quero sair daqui — disse ele, apertando-a contra a
evidência do seu desejo.
Kathelyn respirava com dificuldade.
— Na sala de jogos. Quem perder mais peças de roupa... ganha; e,
Arthur — aproximou-se da orelha dele ao dizer —, independente do
resultado, eu te prometo, o final será bem diferente do que da última vez em
que jogamos assim.
Ele a encarou com uma paixão abrasiva.
— De qual sonho meu você saiu, Kathelyn?
— Eu não sei — respondeu, sorrindo ansiosa.
— Eu sei — disse ele puxando-a em direção à porta. — Com certeza
daquele que termina com um “eles foram felizes para sempre”.
Upper Brook Street – manhã do casamento de Arthur Harold, o
nono duque de Belmont, e da senhorita Kathelyn Stanwell.
O pincel deslizou no rosto de Arthur espalhando o sabão de barba.
Sentia-se tenso e ansioso.
Como não estaria?
Em poucas horas entraria na St. George Cathedral e se casaria com a
mulher da sua vida, com a sua amada Kathelyn. Desde que acordara mais
cedo, em todas as vezes que sentira o estômago gelar de ansiedade, Arthur
voltara a sua mente para os acontecimentos da noite passada, para Kathelyn.
Uma tentativa de se tranquilizar. Contudo, ao lembrar-se da noite anterior
uma parte do seu corpo não ficava exatamente relaxada. Recordou-se de
Kathelyn quase nua à luz das velas, sustentando as cartas como se elas
fossem um leque. Durante o jogo, ele teve que se segurar de todas as
maneiras que um homem fora ensinado a fazer. Então, ao fim de uma das
mãos, sem avisar, sem falar nada, ela se levantou e deu a volta à mesa.
— Você venceu — sussurrou e ajoelhou-se entre as suas pernas.
Santo pai amado e misericordioso.
Arthur perdia o ar e ficava meio tonto somente com a lembrança do
que acontecera a seguir. Ela simplesmente o surpreendeu como nunca
ninguém havia feito. Algo bem comum ao se tratar de Kathelyn. Ela havia
lhe dado um dos maiores êxtases de sua vida, com os lábios. Não havia
nada mais sensual do que a lembrança daquela cabeça loira e daqueles
lábios e... Cristo! Engoliu em seco desconfortávelmente excitado enquanto
o seu valete terminava de afiar a lâmina para barbeá-lo. Que situação mais
inconveniente. Acontece que o feito daquela deusa da sedução, sua futura e
amada esposa, deu-lhe uma lembrança que o perseguiria por todos os
momentos de sua vida, enquanto não estivesse com ela e...
— Meu Deus, Excelência! — exclamou um lívido valete.
— O que foi Scott? — o duque perguntou com olhos arregalados,
assustado ao ser removido do seu transe de maneira abrupta.
— O senhor Philipe me garantiu que era uma espuma especial, trazida
da França.
— E o que tem de errado?
— Bom... é... eu... é que a...
Arthur não deixou o valete terminar e levantou-se da cadeira
acolchoada onde ele se barbeava todas as manhãs. Olhou no espelho de
parede colocado no quarto de vestir.
— A espuma está azul? — perguntou horrorizado.
— Bom, o sabonete é um pouco azul, mas eu acreditei que era somente
a espuma, acontece que... bem, a parte da pele, da qual eu já retirei a
espuma com a lâmina, está um pouco azulada.
Ele arrancou a toalha da mão do valete e limpou o rosto com
brusquidão, olhando-se no espelho.
— Ahhh — rugiu — eu vou matar esse desgraçado!
— Calma, Excelência, vamos lavar o rosto e...
Arthur não ouviu a continuação porque já marchava com uma fúria
assassina ao encontro de Philipe. Aquele príncipe holandês dos infernos!
O príncipe o infernizou o jantar inteiro na noite anterior. E quando
estava a ponto de enfiar o prato ou a toalha inteira goela abaixo do infeliz,
Kathelyn havia lhe provocado e depois o enlouquecido de prazer.
Acontece que na manhã do seu casamento, quando seus nervos já
estavam à flor da pele, ter o rosto tingido de azul por aquele filho de uma...
Ele iria dar uma resposta a Philipe.
Abriu a porta da saleta onde sabia que os dois homens estavam.
— Seu desgraçado, irresponsável! — gritou, acusando-o.
— Meu Deus, você está azul! — Philipe exclamou como se estivesse
surpreso.
— Eu vou matar você! — disse entredentes.
— Não se preocupe — começou despreocupado. — Eu encomendei na
melhor loja de cosméticos de Paris e o homem que me vendeu garantiu que
sai ao lavar.
— Eu já limpei — ele reclamou dando alguns passos em direção ao
príncipe.
— Você é muito mal-humorado, Arthur. Na Holanda, é uma tradição
os padrinhos brincarem com os noivos.
— Nós não estamos na Holanda — disse se aproximando de maneira
ainda mais ameaçadora.
— Está bem, eu vou dizer a verdade... É que você fica tão perigoso
quando está bravo, mon chére, que eu não resisti e...
— Eu vou matá-lo, Steve! — o duque ralhou com as mãos fechadas ao
lado do corpo, olhando para Steve.
Steve se aproximou e apertou o ombro dele de maneira a desviar a
atenção do duque.
— Vai lavar o rosto direito, tenho certeza de que irá sair. Se não sair,
você volta aqui, e abrimos um champanhe para comemoramos seu
casamento. De qualquer maneira, tenho certeza de que Kathelyn irá rir
dessa história. Estando você azul ou não.
Ao ouvir o nome de Kathelyn e a palavra casamento, lembrou-se de
como a futura esposa o havia surpreendido na noite anterior; fazendo com
que a raiva dele se dissolvesse parcialmente. Era o dia mais feliz de sua
vida afinal e, por mais que aquele pulha estivesse testando os seus nervos,
era uma brincadeira.
Ele respirou devagar antes de dizer:
— Reze para sair, senão eu vou voltar para pegar você.
— Nossa, mon chére, foi apenas uma brincadeira — Philipe usou um
tom ameno e deu uma piscadinha para Arthur.
O duque arqueou as sobrancelhas de maneira ameaçadora.
— Não me chame de chére, Philipe.
Philipe revirou os olhos.
— Está bem, está bem, milorde.
— E ah... se Sua Alteza aprontar mais alguma maldita brincadeira,
você poderia ser o príncipe herdeiro da Inglaterra, mas eu juro que iria atrás
de você até o inferno para te matar.
Ele fechou a porta ao sair e ouviu as gargalhadas dos dois homens de
dentro do cômodo e, por algum motivo estranho, também riu.
Naquela manhã, a tinta azul saiu quase completamente e Arthur não
matou Philipe, apesar de sair de casa jurando que ainda o faria.
Porém, quando chegou à igreja e viu Kathelyn vestida de noiva, ele
esqueceu-se por completo de qualquer coisa que não fosse ela, os olhos
azuis dela que eram o motivo do seu coração pulsar e as juras de amor que
eles trocaram.
A cerimônia de casamento na St. George Cathedral, em Hanover
Square, fora perfeita, alguém disse à Kathelyn que toda a nata da sociedade
londrina estava lá, mas ela não tinha olhos para nada além do seu noivo, do
homem que amava. Do homem que sempre havia amado.
— Minha duquesa — ele murmurou no ouvido dela e se esticou para
fechar a cortina da janela. A carruagem andava bastante devagar devido ao
trânsito. Todos os convidados se dirigiam até a casa do duque, onde haveria
um almoço a fim de celebrar a união. E foi somente quando Arthur se
esticou, deixando visível a pele do pescoço, que Kathelyn notou.
— Arthur, você está com uma parte do pescoço azul? — perguntou
intrigada, assistindo a expressão do marido se crispar.
— Aquele seu amigo, aquele bastardo dos infernos...
— Arthur! — Kathelyn protestou.
— Você o está defendendo porque não foi com você que ele resolveu
gastar a sua criatividade doentia.
Kathe arregalou os olhos.
— Mas o que ele fez?
E então, Arthur contou o que o amigo dela havia aprontado, ao final
do relato os lábios de Kathelyn tremiam visivelmente.
— Você vai rir? — ele perguntou parecendo bravo.
E Kathelyn estourou em um dos seus ataques de riso, daqueles que só
paravam depois que ela estava ofegante e chorando.
— Eu queria tanto ter visto a sua cara — disse ela e riu outra vez.
— Não acredito que minha duquesa está tendo um comportamento tão
inadequado desses — ele reclamou com a expressão carrancuda, mas
Kathelyn viu o resquício de um sorriso no canto dos lábios do duque.
Aproximou-se devagar dele, cheia de manha, afrouxou a gravata do
marido. Em seguida, abriu dois botões do colarinho da camisa.
Ele a olhou com uma paixão infinita.
— Obrigado, Kathelyn, por ter dito sim, você me trouxe de volta para
casa. — E beijou-a nos lábios com uma ternura possessiva.
Ela se afastou com os olhos brilhando.
— Deixa eu ver se meus beijos tiram essa tinta. — Baixou a cabeça e
começou a beijá-lo onde o pescoço estava marcado de azul.
A respiração masculina acelerou e os olhos escureceram de desejo.
— Eu estou azul em outras partes do corpo também — ele sugeriu com
a voz rouca.
Kathe lhe lançou um olhar de reprova.
— Meu senhor, esse não é o comportamento esperado de um
cavalheiro.
Ele passou os braços pela cintura fina dela e com um movimento
rápido a sentou sobre o colo. Sem resistir, Kathelyn se acomodou, erguendo
as saias do vestido e envolvendo os quadris dele com as pernas.
— E esse, graças a Deus — comprovou ele — não é o comportamento
de uma dama — terminou sorrindo, e a beijou com toda a paixão cabível a
um duque completamente, irremediavelmente e absolutamente apaixonado.
Onze meses e alguns dias depois...
Gloucestershire – Belmont Hall, o palácio ducal.
Arthur já havia se recostado, se levantado e se sentado incontáveis
vezes. Havia também, bebido conhaque, fumado charuto e feito tudo o que
dizem que se deve fazer enquanto se espera uma mulher dar à luz. Tinha
realizado todo esse ritual masculino, com a companhia nada masculina de
sua mãe, a duquesa viúva. Havia se saído razoavelmente bem nas duas
primeiras horas. Então, sua paciência chegou ao limite.
— Eu não aguento mais — dirigiu-se à mãe e se levantou.
— Acho que elas não vão gostar de tê-lo no quarto, meu filho.
— Eu não quero saber do que elas vão gostar. É a minha esposa e eu
não vou ficar aqui sem fazer nada.
A duquesa viúva suspirou, piscando lentamente.
— Tanto descontrole por causa de um bebê — ela ergueu as mãos para
cima em um gesto de agradecimento —, por isso são as mulheres que dão à
luz.
— Lá, pelo menos, eu saberei como ela está... — Dobrou as mangas da
camisa, expondo os pelos negros esparsos. — Ela não fez essa criança
sozinha e eu vou ajudá-la.
— Obrigada, meu filho, por acrescentar essa informação muito
necessária aos meus conhecimentos gerais de como os bebês vêm ao
mundo.
Arthur ignorou o último comentário sarcástico da mãe e subiu as
escadas correndo. Entrou no quarto onde Kathelyn aguardava as contrações
se tornarem mais frequentes junto ao médico e a senhora Taylor.
— Meu Deus, Kathelyn, você está pálida — ele comprovou ao se
aproximar da cama.
— Ela está muito bem, Excelência, e está bastante tranquila — o
médico explicou pausadamente, como se ele fosse incapaz de entender.
Arthur tocou na testa dela.
— Tem certeza? — perguntou controlando o próprio nervoso.
— Sim, eu estou ótima, meu amor — disse sorrindo. — Já passei por
isso uma vez e me saí muito bem.
— Certo — murmurou ele e obrigou-se a se sentar na poltrona ao lado
da cama.
A cada mudança na expressão de Kathe, ele repetia as perguntas:
— Você está bem? Precisa de alguma coisa?
— Sim, nós precisamos — ralhou a senhora Taylor. — Com todo o
respeito, Excelência, nós precisamos que o senhor se acalme.
— Arthur, está tudo bem — disse Kathelyn ofegante.
— Mas você...
O médico o olhou com a testa franzida.
— Acho que precisamos da sua ajuda para buscar algo a fim de que...
— Vocês querem me tirar daqui?
Kathelyn segurou a mão dele com carinho.
— Não, meu amor. É que as coisas vão ficar um pouco mais difíceis
logo mais.
Ele franziu o cenho.
— Mais difíceis, quanto?
— Sangue e gritos, talvez eu lhe ofenda e diga que o odeio por você
ter feito isso comigo — ela terminou bem-humorada.
Já havia lido sobre como eram os partos e também ouvira alguns
amigos relatarem histórias, algumas delas de dar arrepios e com finais
trágicos. Arthur nunca ligara para isso, mas também nunca assistira a sua
mulher, a mulher que ele amava mais que a própria vida, passar por nada
parecido. Ele só queria protegê-la, cuidar dela e impedir que ela sofresse
qualquer dor. Mas, infelizmente, concluiu Arthur, mesmo ele sendo um
duque, mesmo com todos os recursos do mundo, ele não conseguiria fazer
muita coisa. Ele não poderia impedi-la de sentir dor e de sangrar e... Deus!
Fechou os olhos diante de uma súbita tontura.
— Agora quem está pálido é você — Kathe disse.
O duque abaixou e beijou a testa dela com um carinho devotado antes
de dizer:
— Eu vou ficar ao seu lado, meu amor, não perderia isso por nada
nesse mundo.
Três horas depois, Arthur estava molhado da cabeça aos pés de suor,
sem ter feito nada além de ficar em pé, segurando a mão da esposa. Sentia
os músculos do corpo tão rígidos que tinha certeza, precisaria beber dois
litros de Brandy para ser capaz de voltar a se sentar.
E Kathelyn?
Meu Deus, ele nunca se orgulhou tanto de alguém como daquela
mulher linda e corajosa. Ela segurou a mão dele o tempo todo, controlando
a respiração, enquanto na maior parte do tempo estava tranquila e confiante.
Ele se sentira bem mais abalado, nervoso e desesperado diante da sensação
de impotência. Mas no fim... Deus, como ele a amava. E então, aconteceu
como mágica: em um momento ela estava gritando e fazendo força e no
outro um som...
Um som que fez o seu coração ficar do tamanho do mundo, o som
mais lindo que ele já ouvira... um choro.
Ele beijou a testa da esposa diversas vezes com amor e devoção,
enquanto a agradecia, por ela o amar, por ela lhe dar mais um coração, que
agora também batia fora do seu corpo.
— É uma menina — o médico disse.
— Parabéns, minha menina — a senhora Taylor disse com a voz
embargada. — E parabéns, Excelência — terminou, enxugando as lágrimas.
Pouco depois o doutor lhe entregou um pacotinho: a sua menininha
enrolada em uma manta branca; e, em seguida, o médico e a senhora Taylor
saíram do quarto deixando-os a sós.
Arthur olhou para a filha aninhada em seus braços e foi incapaz de
conter a emoção.
— Oi — disse com lágrimas nos olhos —, eu sou o seu papai.
— Elizabeth — Kathe afirmou. — Nossa amada Lizzie.
Ele caminhou com o bebê no colo, se sentindo grande e desajeitado.
— Ei — começou, olhando-a surpreso. — Ela franziu o cenho para
mim.
Kathelyn achou graça.
— Não seja tolo, bebês desse tamanho não franzem o cenho.
Ele se aproximou da cama.
— A pequena Lizzie franziu, não é mesmo? Ela tem o gênio forte da
mãe.
— Ou a sua teimosia — Kathe brincou.
Ele colocou a filha nos braços da esposa e notou os olhos dela
transbordarem de lágrimas.
— Ela é perfeita — disse, sentando-se junto às duas.
— Minha filha — Kathelyn murmurou emocionada —, que sua vida
seja cheia de encantamento. — E deu um beijo na testa pequena.
E Lizzie escolheu aquele momento para abrir os olhos pela primeira
vez.
— Eu amo vocês. — Arthur beijou os lábios de Kathelyn de leve e,
então, a testa da filha ao dizer: — Que sua vida seja como um conto de
fadas.
Eles desejaram com inocência, levados pelo amor que sentiam, sem
imaginar que quando se desejava algo com o coração os anjos diziam amém
e sussurravam ao som do desejo: “Não me esquecerei”.
Não me esqueças – próximo romance de Babi A. Sette a ser lançado em
2017 pela editora Verus.
(O texto abaixo é um extra para você que leu A sombra da rosa, ele não fará
parte do romance a ser publicado).
Diário de estudos de Elizabeth Harold
Setembro de 1865
Eu sei que deveria anotar aqui quais os padrões descobertos que fazem
parte da arte celta. Porém, apenas hoje, usarei as folhas deste caderno para
fazer um desabafo:
A minha avó, a duquesa viúva, acaba de me provar que paciência é
uma virtude que os seres humanos adquirem ao conviver com ela. Ou, a
perdem de vez. Ainda não decidi. Ela passou uma hora me fazendo
perguntas sobre a cultura do povo mais incrível que existe no mundo: os
celtas, é claro, e ouviu tudo o que eu tinha a dizer em um concentrado
silêncio, para murmurar no final do meu relato com uma expressão de
desgosto:
— Bárbaros! — Então ela se levantou e saiu toda empertigada.
Bárbaros...?
Como um povo que cultuava a antiga religião da Deusa, que usava
como base para as suas relações o sagrado que reside em todos os seres
vivos e que enxergava nas árvores um mapa para a sabedoria pode ser
bárbaro?
Eu sempre amei as árvores e os lobos. Enquanto os troncos retorcem-
se para buscar um pedaço de céu azul e sol, os lobos uivam para a lua.
Enquanto as árvores se enchem de verde e entregam flores, os lobos agem
com instinto,� vivendo em matilhas e nunca se separam delas. São tão
fiéis como os cachorros, mas não são domesticáveis, o que, para mim, os
tornam ainda mais impressionantes. Já as árvores, enterram suas raízes e se
tornam resilientes ao vento e às tempestades. Dobram-se sem oferecer
resistência às adversidades e, assim, as deixam passar. Para mim, um povo
que vive e respira uma sabedoria como essa, jamais será bárbaro.
Às vezes, sinto que nasci na época errada. Às vezes, eu só queria sumir
desse mundo e ir para um reino distante, escondido entre as brumas e as
montanhas, e quem sabe se a sorte sorrisse para mim, ser amada por um rei
celta. Sim, esse é o sonho secreto do meu coração.
Lizzie deixou a pena ao lado do caderno de estudos e foi atender Ellie,
a sua irmã menor, que a chamava. A jovem saiu, sentindo-se um pouco
triste por suas motivações não serem compreendidas, sem sequer imaginar
que aquilo que desejamos com as nossas almas, de uma maneira ou outra,
sempre se torna realidade.
NÃO ME ESQUEÇAS
“Prepare-se para transportar o seu coração para um universo místico de aventura, fantasia,
paixões, cultura, onde a intensidade da magia te arrebatará a tal ponto que ‘Não me Esqueças’
permeará sua mente para sempre”.
(Carla Santos – Blog Sonho de Reflexão)
“Se você foi arrebatada pela emoção de ‘A promessa da Rosa’; encantou-se com o romance
sensual de ‘O despertar do Lírio'; prepare-se para ser surpreendida por um lindo conto de fadas,
repleto de fantasia e encanto em ‘Não me esqueças’!”
(Silvia Lima – Blog Cinco Garotas Exemplares)
“Eu poderia descrever Não me Esqueças com milhares de adjetivos, mas nenhum seria tão
perfeito como indelével. Cativante e sedutor, uma leitura que vai perdurar na mente dos leitores.”
(Thais Turesso – Blog Viaje na Leitura)
BABI A. SETTE autora de sucesso de crítica e público, começou a
escrever romances há três anos e não parou mais. Formada em
Comunicação Social, sente-se metade psicóloga; e outra socióloga. Ama
viajar, conhecer pessoas e descobrir lugares. Apaixonada por romances de
época, jura que viveria feliz também no século XIX. Atualmente, mora em
São Paulo com o marido, a filha, um cachorro, um gato e seus personagens.
Site: http://www.babiasette.com.br/
Conheça outros títulos da autora:
goo.gl/9g9GAf