NARRATIVAS
CONTEMPORÂNEAS
AULA 1
Prof. Alexsandro Ribeiro
CONVERSA INICIAL
Aplicativos, sites responsivos, arquivos para dispositivos móveis e
ferramentas para jornalismo mobile. Há um universo de recursos para a
comunicação na palma da mão. E é para este dispositivo que ora está no bolso
e ora está na mão de cada um que os olhos de muitos jornais vêm se voltando.
Nenhum portal de jornal de médio e grande porte é hoje desenvolvido ou
pensado sem cogitar sua interface para smartphones, ou ainda sem se
preocupar em identificar como será o comportamento de navegação nas
plataformas Android ou IOs.
“Mobile first”, é o que aponta a metodologia e conceito de jornais e
produtores de conteúdo em pensar antes para os dispositivos móveis e depois
em versões para outros locais. É sobre essa relação que começaremos o debate
e as aulas sobre narrativas contemporâneas, fazendo a abordagem dos
seguintes tópicos:
1. Comunicação em ambiente de mobilidade: nesta etapa, falaremos
sobre os conceitos e métodos que imperam nos espaços produtivos que
pensam e planejam para mobiles ou que integram dispositivos móveis
entre suas rotinas.
2. Jornalismo e cultura de convergência: como as novas mídias
impactam no fazer jornalístico e sobretudo nas formas de consumo e de
manifestação das narrativas jornalísticas.
3. O hibridismo na rede: a multimidialidade e sua capacidade de deslocar
a centralidade da narrativa de texto para outras formas de manifestação.
4. As narrativas transmídias: o conteúdo que se desloca e continua para
além da palma da mão. Um material que damos início de leitura em um
papel e nos deslocamos para o celular sem perder conexão com o
conteúdo.
5. O jornalismo literário: como focar no estilo e ampliar as sensações e
dimensão de espaço e profundidade para o leitor por meio do texto, sem
perder a linha jornalística.
CONTEXTUALIZANDO
Produzir para celular ou produzir com celular? Nem só de leitura em
dispositivos móveis vive o jornalismo. O celular se torna também em uma
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ferramenta potente que amplifica a capacidade de produção dos profissionais do
jornalismo.
Prova disso são as cenas que vão se tornando constantes no
telejornalismo de jornalistas com fones de ouvido e celulares fazendo
transmissões e coberturas com um simples dispositivo. Deste mesmo aparelho,
atualiza as redes sociais e produz conteúdo de texto e imagem para o portal do
jornal. Convergência na leitura e na produção.
Figura 1 – Print do YouTube – Folha de S.Paulo
Fonte: TV Folha/Folhapress, S.d.
Tem volta? Faz tempo que a tecnologia está integrada ao jornalismo que
é bem provável que você nem saiba como fazer isso sem usar um recurso
tecnológico. Quer apostar? No vídeo (Figura 1), um jovem jornalista da Folha de
S.Paulo tenta produzir uma reportagem com os mesmos recursos que seus
colegas mais antigos de casa usavam décadas antes. Desafiamos você, após
ver o vídeo, a tentar o mesmo.
Saiba mais
SEM internet: jornalista da Folha tenta fazer reportagem como em 95. TV Folha,
2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_vp8EoxVVHQ>.
Acesso em: 22 maio 2019.
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TEMA 1 – COMUNICAÇÃO EM AMBIENTE DE MOBILIDADE
É importante pensar nos dispositivos móveis quando estamos produzindo
notícia ou demais conteúdos jornalísticos? Oras, certamente. Só para você ter
uma ideia, o Centro Regional de Estudos para Desenvolvimento da Sociedade
da Informação (Cetic) divulgou, em meados de 2018, uma pesquisa que revela
que cerca de metade dos lares brasileiros dependiam de um celular para acessar
a internet (Valente, 2018).
Os dados publicados pelo órgão ligado às Nações Unidas e ao Comitê
Gestor da Internet no Brasil apontava pela primeira vez que o dispositivo móvel
ultrapassava o acesso por desktop e demais computadores. Os números
mostram uma realidade cada vez mais dominante, a do celular como principal
dispositivo de acesso à rede e à informação.
Quando a exclusividade do mobile não impera, com aplicativos
específicos para sistemas operacionais de smartphones, o que se percebe
é uma convergência que pressiona para uma narrativa e um conteúdo que
se desenvolve em interface com várias plataformas.
Claro, isso não ocorreu de uma hora para outra, e um olhar diferenciado
para dispositivos móveis é decorrente da resposta à evolução do jornalismo e da
comunicação no meio digital on-line. Não é de agora que se percebe a
sensibilidade do jornalismo aos avanços tecnológicos. Técnicas de
composição com novos aparelhos, como a linotipo, o surgimento da rádio, da TV
e o uso de computadores nas redações são provas de que tanto a forma de
produção quanto a forma de consumo da notícia podem ser impactadas pela
tecnologia.
Conforme aponta Mielniczuk, podemos, num primeiro momento do
jornalismo na web, destacar ao menos três especificações que delineiam seu
aspecto de comportamento frente à tecnologia on-line. Estas três primeiras
gerações resultam em um jornalismo transpositivo, perceptivo e hipermidiático
(2003).
Nestas etapas (Silva Junior, 2001), o que percebemos é um jornalismo
que em um primeiro momento se apropria da internet como um mero
espaço para replicar o conteúdo veiculado nos espaços convencionais.
Em um segundo momento, ainda em caráter de transposição, há um
reordenamento dos elementos para atender a algumas características da rede.
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Ainda na segunda etapa, além de reordenamento, vemos também adaptações
dos textos e narrativas. Contudo, a produção ainda não é exclusiva para o meio
on-line.
No terceiro aspecto, conforme aponta Silva Júnior (2001), o
comportamento do jornalismo abrange as características do meio, ou seja, deixa-
se um conceito de meramente transposição ou reuso do conteúdo para uma
produção exclusiva ou ainda uma inversão. Neste aspecto, o que se percebe é
a produção digital first, em que o meio on-line se torna o objetivo, e a replicação
do conteúdo parte para o meio tradicional.
Este terceiro ponto é o que podemos destacar de produção
hipermidiática, em que se percebe “o uso de recursos mais intensificado
hipertextuais, a convergência entre suportes diferentes (multimodalidade)
e a disseminação de um mesmo produto em várias plataformas e/ ou
serviços informativos (Silva Júnior, 2001).
A produção voltada para o mobile está em uma quinta etapa do jornalismo
on-line. Ou seja, após essas três etapas, outros atores ainda avançaram nos
olhares para perceber as alterações do jornalismo no meio on-line, conforme
podemos verificar na Figura 1.
Figura 1 – Caracterização de estágios de evolução do jornalismo em redes
digitais
Fonte: adaptada de Grupo JOL, S.d.
Após a terceira etapa, a base de dados acaba por se tornar central, e na
quarta geração vemos um ambiente em que a produção não se consolida apenas
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unidirecionalmente, mas em múltiplas frentes. É um ambiente que permite o
cruzamento de informações e a interpretação por parte dos buscadores e das
tecnologias de mapeamento da rede. Ou seja, é o que chamamos de Web
Semântica, em que se quebram as bases de dados para analisar as palavras
contidas nos documentos e perceber suas correlações.
Já na quinta geração, o que percebemos é uma horizontalidade das
produções, com a ampliação de ambientes alternativos de notícias, bem
como produtos considerados autóctones, ou seja, nativos na internet.
Figura 2 – Portal Jota, especializado em notícias do judiciário
Fonte: Jota, 2019.
Portais de notícias sem qualquer vínculo com a marcas ou mídias
convencionais off-line e com produção especializada estão nesta linha da quinta
geração, como o site Jota (Figura 2), especializado em cobertura do poder
judiciário, e o Poder 360 (Figura 3), também on-line e especializado no cenário
político.
Figura 3 – Portal Poder 360, especializado em noticiário político
Fonte: Poder 360, 2019.
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Neste aspecto, a comunicação em quinta geração assume o papel de
“publicações noticiosas projetadas e construídas com base nas peculiaridades
dos suportes móveis” (Belochio, 2017, p. 25).
Assim, não só o ambiente se torna diferenciado como as lógicas de
produção, que tendem a trazer características diferenciadas desde o
planejamento até a finalização. Equipes multidisciplinares, profissionais
multifuncionais e um conceito de convergência e de multiplataforma se fazem
presentes neste ambiente de comunicação voltada para o mobile.
Para Nunes (2016), essas mudanças, ao longo de gerações, não são
decorrentes apenas dos formatos tecnológicos, mas também de contexto cultural
e da apreensão do conhecimento.
A pesquisadora (Nunes, 2016, p. 26) destaca que a quinta geração, que
tem os dispositivos móveis como centrais nos atores tecnológicos da mudança,
caracteriza-se por independência da web, ou seja, por produções conectadas e
não conectadas, como aplicativos com conteúdos que podem ser acessados off-
line; preocupação na hierarquia visual e um hibridismo de narrativas.
TEMA 2 – JORNALISMO E CULTURA DE CONVERGÊNCIA
Do papel para o digital, do digital para o on-line, do on-line para a palma
da mão e o jornalismo em todos os espaços, migrando seus conteúdos,
migrando seus públicos, conversando com seus leitores por diversos espaços,
produzindo notícia e significados em todas as mídias.
Este ambiente de conexões, interconexões, fluxos transversos e de
multiplicidade de olhares e de manifestações é o que podemos traçar de espaço
de convergência que o jornalismo e outras formas culturais e comunicativas vêm
enfrentando nas últimas décadas.
Em um ambiente de convergência, as leituras se tornam mutáveis, as
ambientações são mais fluídas e soltas, e o tensionamento entre mídias
convencionais e novos espaços se tornam mais evidentes e, aos poucos,
dicotômicos, a ponto de proporcionar, em algum momento, ações de
complementaridade e sinergia.
Não há como chegar próximo ao conceito de convergência sem trazer
aqui Jenkins, que se debruçou sobre um cenário de migração de leitura e de
conexões de ambientes tecnológicos. Ao abordar convergência, o autor se
refere ao “fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à
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cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento
migratório dos públicos dos meios de comunicação” (Jenkins, 2009, p. 29).
Apesar de problematizar um espaço temporal de conflito e de surgimento
de novas mídias, há de se pontuar que, conforme aborda Jenkins, a
convergência não é um fenômeno exclusivo nos espaços da tecnologia. Antes,
é algo que “ocorre dentro dos cérebros de consumidores” (Jenkins, 2009, p. 30),
ou seja, é algo que reconfigura os olhares para o conteúdo, as formas de se
conectar entre os indivíduos e de perceber a realidade.
E é exatamente isso que nos interessa, em como a realidade pode ser
construída e reconfigurada em cenários de convergência. Pense, estamos aqui
abordando novas narrativas. Claro, este é um momento de antes de darmos
indicações meramente práticas, de explorarmos os conceitos que sustentarão as
premissas lá na frente.
Mas é prático olharmos os conceitos sempre com uma manifestação
teórica de um exemplo prático. E aqui podemos trazer a migração de jornais de
mídias convencionais para meios on-line e conectados como algo para ilustrar
esse cenário de convergência, já mais sólido que há uma década.
A própria percepção do leitor quanto à gratuidade do conteúdo na internet
e o conflito entre os meios que migram para o on-line ou que já são nativos e a
necessidade de gestão e manutenção financeira é algo exemplar deste
momento.
Ou seja, empresas de jornalismo, grandes e pequenas, sentem
dificuldade de encontrar um modelo de negócio que garanta uma
sustentação financeira no meio on-line. Parte disso é que a migração do off-
line para o on-line se deu sem esse debate, e os navegantes deste ambiente
digital acabaram por configurar seus caminhos sempre norteados pela
gratuidade dos conteúdos.
Se a convergência, como preconizou Jenkins, não está somente na
tecnologia, mas também no consumo e na forma de conceber, podemos trazer
para este debate que a participação maior do leitor como produtor é algo
característico de um cenário de convergência na hipermídia. Ou seja, como
aponta Nunes, num ambiente de transformações e liquidez das coisas, a
comunicação é algo que se implica em um sistema mais “frágil e flexível.
Agora, o púbico mantém uma relação mais estreita com os sistemas de mídia,
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criticando e compartilhando informações ou até mesmo criando seus próprios
produtos midiáticos” (Nunes, 2016, p. 33).
Com isso, podemos apontar que a convergência não se dá de forma
planificada em apenas um ambiente. Segundo Jenkins (2001), podemos
destacar ao menos cinco âmbitos da convergência, sendo eles: tecnológica,
econômica, social ou orgânica, cultural e global. Na primeira, o que podemos
apontar é que ela se consolida em olhar o processo de digitalização das mídias.
No segundo âmbito, percebemos o fenômeno na convergência das empresas,
que acabam por ampliar seu espaço de atuação para vários espaços,
considerando em como a empresa, e consequentemente a sua marca, pode se
apropriar do potencial da transmídia e da convergência.
Já a convergência social ou orgânica se preocupa em olhar a forma como
o indivíduo se apropria das mídias, ou seja, em como o leitor consegue navegar
no mesmo conteúdo em várias plataformas e espaços ou em como ele se
conecta e consegue modificar e adaptar sua leitura para os diversos ambientes.
Se na convergência econômica olhamos a marca e as empresas, na social
olhamos a percepção do indivíduo, na cultural devemos nos preocupar, aponta
Jenkins (2001), na oferta cultural de elementos e de narrativas. Mas não apenas
isso, e sim em também como o próprio leitor desenvolve interface com essas
culturas, de forma a atuar como prossumidor. Por fim, a convergência global é
um olhar sobre o fenômeno em âmbito ultraterritorial, ou seja, para além dos
espaços convencionais de demarcações culturais.
No jornalismo, podemos destacar ao menos dois aspectos do impacto da
convergência, sendo uma delas na reconfiguração dos atores e do meio, e
consequentemente do modus operandi, e um segundo ponto na forma de
manifestação.
Internamente, ou seja, dentro das redações, e com isso já considerando
não apenas os indivíduos em grupo mas também o jornalista individualmente,
apontamos que a cultura da convergência promoveu, conforme aponta Nunes,
uma integração nas redações, passando de uma produção individual para uma
“forma integrada, ou seja, se antes existiam núcleos distintos do jornal impresso,
TV, rádio e portal, cada um produzindo de forma independente, agora, a equipe
editorial de um sistema de comunicação age em conjunto, produzindo conteúdo
para diversas plataformas” (Nunes, 2016, p. 41).
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Assim, é inegável que o processo de convergência também alterou a
imagem do profissional e, consequentemente, sua forma de atuar e do seu
cenário profissional. Essa integração também pressionou para um perfil
multimídia e multifunção. Se a convergência da narrativa se faz presente, um
profissional que apresente uma navegabilidade mais fluída entre as formas
narrativas e mídias é alguém requisitado com o mercado.
Exemplo disso é o jornalista que produz conteúdo em imagem, áudio e
texto. Ou seja, não é raro encontrar situações em que o jornalista que atua na
rádio tenha que produzir uma fotografia para agregar na publicação on-line da
sua matéria, que terá conteúdo em texto e até visualização de dados, como
infográficos ou mapas. Parece ferramental, mas não é, a convergência aqui
pressiona o jornalista a planejar a matéria para diferentes ambientes e para
leitores diferentes.
Na outra ponta, a cultura da convergência problematiza os consumidores
como agentes ativos no processo da produção. Ou seja, se a convergência
possibilita, conforme aponta Nunes (2016, p. 44), novas práticas sociais que não
eram possíveis e nem idealizadas na lógica massiva, “enquanto processo amplo
e complexo propicia o surgimento de mídias e hipermídias, marcadas pela ampla
participação do público”.
E, ao apontar o caráter ativo do usuário, não necessariamente
destacamos seu papel em determinar conteúdo, mas em direcionar leitura. É o
caso da possibilidade do olhar não linear das narrativas em que os usuários ou
leitores acabam por assumir a liderança em indicar o norte da narrativa. Isso
ocorre em praticamente todas as manifestações mais atuais, como
webdocumentários, infografias e demais produtos multimídias em que o
indivíduo acaba por determinar o grau de aprofundamento do seu olhar no
conteúdo e as combinações de conteúdos.
TEMA 3 – O HIBRIDISMO NA REDE
Se a convergência nos permite diversas ambiências e conteúdos, é lógico
que a rede apresentará características de conteúdos e narrativas que intercalam
formas de falas e formas de apresentação de conteúdo. Ou seja, em meio a
convergência, o hibridismo se faz presente ora nas formas de produção, ora nas
formas de manifestação do jornalismo.
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O híbrido é aquilo que está entre os limites, entre as fronteiras de um e
outro. Não é A e nem tampouco B; é o que resulta dos conflitos e das conexões
entre A e B. Comunica-se com um e com outro. A cultura da convergência
pressiona esse hibridismo, esse cenário de conexões e de
experimentações.
Há uma quebra de linearidade não apenas na leitura, mas na produção
também, sobretudo no tocante ao formato narrativo. Um exemplo máximo disso
são as matérias ou reportagens multimídias, em que as conexões das narrativas
fazem com que não tenhamos um olhar cravado apenas em uma forma de
conduzir a reportagem.
Figura 4 – Print da reportagem “Snow Fall”, do New York Times. Hibridismo e
convergência de narrativas
Fonte: New York Times, 2019.
Como aponta Ferrari (2016, p. 79), o espaço ciber ou o espaço on-line,
por apresentar características de maleabilidade ou de plasticidade, permite
“misturar, articular e incorporar formatos não textuais em textuais, imagéticos em
sonoros e vice-versa – tudo em fluxo de negociações intersemióticas”. A
hipermídia acaba por nos fazer ultrapassar as fronteiras dos textos,
considerando aqui não apenas a forma escrita, mas em outros espaços e
formatos de manifestação.
E é isso que podemos perceber em reportagens como do projeto Snow
Fall (Figura 4), do New York Times, que abriu as portas da internet para a
reportagem multimídia, com narrativas interconectadas com as mais variadas
formas de visualização, audiovisual, texto e muito mais.
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E esse hibridismo, em termos de narrativa, afeta a forma de consumo
da notícia e da informação, a ponto de ser cobrado pelo leitor. Neste
aspecto, há de se destacar que o próprio leitor do ambiente conectado ou on-
line, espaço em que se percebe com maior amplitude os impactos da
convergência, tende a ser “mais ativo do que o de veículos impressos e mesmo
do que um espectador de TV, optando por buscar mais informações em vez de
aceitar passivamente o que lhe é apresentado” (Ferrari, 2010, p. 51).
Neste ponto, o leitor busca, além da convencionalidade do texto, a
hibridez da narrativa presente nos meios off-line e no on-line, uma combinação
de recursos que permita novas possibilidades de leituras e de conexão com o
conteúdo. Assim, Ferrari destaca que é perfil e dever do jornalista “explorar
essas novas possibilidades, sugere que os jornalistas busquem histórias que
possam ser contadas de uma forma melhor na internet do que em outras mídias”
(Ferrari, 2010, p. 52).
Isso que podemos destacar como hipermidialidade, hibridez ou
ainda multimidialidade está conectado com uma propriedade indissolúvel
do espaço digital, que está justamente integrado com os “diferentes
códigos em uma única mensagem, como áudio, vídeo, imagem e texto, de
forma que haja complementaridade entre as mensagens de cada código”
(Conde, 2018, p. 128). E cabe ressaltar que tais narrativas múltiplas e integradas
não estão presentes apenas nos ambientes web e on-line, mas também nos
meios digitais e multiplataformas.
Neste ambiente híbrido, destaca Mielniczuk, os “mastodontes são
forçados a reciclar-se ou morrer”, uma vez que há uma clara “marcha em direção
a um jornalismo híbrido e multiplataforma, onde dificilmente os produtos
jornalísticos poderão sobreviver em isolamento” (2013, p. 4). O jornalismo
híbrido na rede deve, desta forma, ter a potência e a possibilidade de responder
aos avanços com o uso de diferentes suportes, alcançando um “elevado nível de
especialização temática” (Edo, 2013, p. 86) e com capacidade de atrair os
leitores pela profundidade e pela multiplicidade das narrativas.
TEMA 4 – AS NARRATIVAS TRANSMÍDIAS
Seguir caminhos e se deslocar na web é algo comum. Isso se percebe em
todos os demais meios e plataformas, em que o leitor é ativo e percorre os
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conteúdos, indo e vindo entre a infinidade de caminhos e de realidades que
podem ser construídas com a união ou amálgama de dados e informações.
A memória está a um clique de distância, está no final das matérias
ou ainda no meio do texto, abrindo cada compartimento que nos revela
uma infinidade de assuntos e de conexões entre os textos. A tessitura pode
nos levar a assuntos distantes, que bastam que tenham algum tipo de
conexão entre si, por mais leves que sejam.
Mas esse caminho não é exclusivo do meio on-line, e nem é de agora.
Podemos ver esse desenrolar de histórias e de confluências partindo de meios
convencionais para meios digitais ou o contrário.
Uma nota noticiosa em um jornal diário que abre espaço para que o leitor
possa se aprofundar em uma plataforma on-line ou que use um qr-code gravado
num canto de página para encontrar mais conteúdo para além do papel podem
ser pontos de exemplificação da transmídia no jornalismo. Os diversos
elementos são usados ou empregados de forma integrada e complementar,
como aponta a Figura 5.
Figura 5 – Esquema comparativo de uso dos elementos de forma normal e na
transmídia
Créditos: Pratten, S.d., citado por Midiatismo, S.d.
O que percebemos é que a produção em uma mídia ou o uso de uma
determinada mídia não elimina o fato da continuidade da história em outros
meios. Ou seja, há um entrelaçamento entre os meios e as plataformas de tal
forma que o que fica central é a notícia.
Antes de mais nada, cabe ressaltar o que Jenkins entende por narrativa
ou história transmídia, que nada mais é que um conteúdo que se desenvolve por
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meio de “múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de
maneira distinta e valiosa para o todo” (Jenkins, 2009, p.138).
Segundo o pesquisador, em um cenário ideal, cada mídia contribui
para a história com suas peculiaridades e características principais. Ou
seja, um cenário pode ser desenvolvido em complementaridade na rádio, com
exploração do ambiente áudio do evento, de posteriormente seguir para a TV,
com a complementaridade das imagens, e partir para a internet, com a garantia
de multimidialidade e de interatividade.
No jornalismo, complementa Bozza (2018, p. 128), o transmídia se
consolida na “forma de linguagem jornalística que contempla ao mesmo tempo
distintos meios com várias linguagens e narrativas”. Para o autor, os pontos de
conexão e de afastamento nos materiais são muito próximos e acarretam em um
grande desafio para os profissionais do jornalismo, sobretudo na medida em que
os conteúdos se desenvolvem soltos, com vários cibergêneros jornalísticos.
Mas, então, uma narrativa transmídia é um conteúdo que é replicado em
várias mídias e em cada uma delas tem-se a dimensão de uma parte da sua
manifestação? Não. A isso podemos denominar Crossmedia, ou seja, um
mesmo conteúdo contemplado de diferentes formas em várias mídias ou meios,
como assistir a um jogo de futebol e ao mesmo tempo ouvir o mesmo jogo pela
rádio.
Algo que é caro no processo de narrativa transmídia é a não repetição do
conteúdo. Para Scolari, citado por Alzamora (2012), a narrativa pode se expandir
pela linguagem, tanto em elementos textuais ou icônicos quanto em mídias
diferentes. E deve não se repetir ou ser meramente adaptada, mas sim
apresentar o conteúdo de forma complementar isoladamente.
Alzamora (2012) aponta ao menos duas formas de manifestação da
narrativa transmídia, e nestas duas é possível consolidar o jornalismo, sendo a
primeira em uma história que se consolida em várias plataformas, e uma
segunda com os leitores e consumidores, na figura do prossumer, atuando
como um integrante da construção da narrativa. Nas redes sociais é possível
visualizar esta segunda parte de forma mais contundente, quando uma
reportagem é multiplicada ou replicada sendo apropriada pelo usuário ou leitor.
O jornalismo imersivo é um formato de manifestação de narrativa
transmídia, assim como o uso de tecnologia como realidade aumentada, que
amplia o conteúdo em mídias impressas em interface com o meio digital ou on-
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line. Desta forma, é possível criar uma linha que promova a interação entre o
dispositivo móvel e o meio convencional impresso, conforme aponta a Figura 6.
Figura 6 – Aplicação de realidade aumentada em jornal
Fonte: Versar, 2017.
Como característica de narrativa transmídia, e consequentemente de
jornalismo em múltiplas plataformas, podemos destacar os fenômenos da
expansão, exploração ou destaque de interesse, continuidade, multiplicidade de
olhar, e imersão ou capacidade de engajamento. No primeiro aspecto, podemos
destacar que uma narrativa deve ter a capacidade de se desenrolar, ou seja, de
dar amplitude a uma temática. Em segundo ponto, a exploração está tanto na
capacidade da matéria ou da história em apresentar profundidade quanto da
possibilidade de ser explorada com fins de interesse público. Na sequência,
destaca-se da característica a sua capacidade de dar amplitude e continuidade
à narrativa. A multiplicidade de olhar nos auxilia a explorar os interesses
diversos dos leitores. A imersão e engajamento são decorrentes desses
olhares, que permitem que os leitores possam levar adiante a narrativa.
TEMA 5 – O JORNALISMO LITERÁRIO
O estilo está presente na narrativa e não se pode deixar de explorar,
independente do ambiente ou da mídia. O jornalismo literário é uma das formas
de narrativas jornalísticas que foca no estilo e amplia as sensações dos leitores
e as relações deles com a realidade mediada.
Não se trata somente de perceber pelo aspecto da tecnologia, uma vez
que podemos destacar o jornalismo literário como decorrente de um movimento.
Pena (2006, p. 21) aponta que podemos entender por jornalismo literário tanto
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um determinado período histórico da profissão em que cronistas, romancistas e
demais nomes da literatura integraram as redações de jornais pelo Brasil, como
também o fruto de um conceito do New Journalism, cunhado na década de 1960
nos Estados Unidos, e que caracterizou um formato de escrita jornalística
extensa e romanceada, bem como as formas mais recentes de produções como
romances-reportagens e ficção-jornalística.
Para Martinez (2017, p. 25), há no Brasil teóricos e pesquisadores que
localizam o jornalismo literário como um subgênero ou como integrante do
gênero diversional. Segundo a autora, isso não ocorre pelo caráter de
entretenimento ou infotenimento do que é abordado pelo jornalismo, mas
sobretudo pelo formato diferenciado de produção e formato, que reduz a
possibilidade de localizá-lo em outros espaços e gêneros.
Sobre a forma narrativa, podemos destacar das suas características uma
grande capacidade de uso de técnicas e recursos literários, ou seja, demanda
de um perfil de profissional com largo domínio da escrita não apenas no formato
padrão jornalístico estadunidense, mas antes em uma forma fluída e clara de
narração dos cenários e da história.
Aponta-se do perfil do jornalista e da característica do jornalismo uma
grande capacidade de observação e de criação de uma linha narrativa que
ultrapasse a dimensão factual das cenas.
A extensa pesquisa e apuração de dados e de documentos é algo a ser
incluído na lista de características do jornalismo literário, que ainda assume um
grande papel de humanização e personificação de fontes e de personagens, bem
como detalhamento e criação de cenários.
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Figura 7 – Capa da revista Piauí
Fonte: Piauí, 2015.
Do jornalismo contemporâneo brasileiro, um dos principais espaços de
destaque do jornalismo literário é na Revista Piauí (Figura 7), publicação mensal
impressa e disponibilizada em meios digitais, que aborda conteúdos de fôlego
do cenário político nacional, com enfoque em textos longos e aprofundados.
Figura 8 – Print da área “Esquinas” da revista Piauí no site
Fonte: Piauí, S.d.
O estilo literário se tornou característico da publicação. Sobretudo na
seção denominada “Esquina” (Figura 8), em que temas mais leves são
abordados com viés literário.
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Figura 9 – Reportagem “Longform” do Uol Tab
Fonte: Uol, S.d.
A verve literária também está presente em produções como jornalismo
LongForm, em que há a narrativa ampliada de um tema e a multimidialidade em
formato de página com rolamento vertical. No Uol Tab (Figura 9) é possível ler
diversas matérias com temas aprofundados, e cuja exaustão da abordagem
demanda um estilo de escrita mais leve que quebre o LEAD e a lógica da
pirâmide invertida.
TROCANDO IDEIAS
Um webdocumentário é um documentário on-line? Não. Há de se pontuar
que o meio deve ter influência no formato do produto e nas suas manifestações.
Quando abordamos o jornalismo multimídia, não é apenas uma reportagem que
se apropria de vídeo, áudio e outros formatos de apresentação de conteúdo, mas
de um planejamento, de uma arquitetura de informação diferenciada e de uma
narrativa que não se baseia em apenas um ou outro meio, mas sobretudo no
formato da história.
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Figura 10 – Print do webdocumentário Fora da Escola não pode
Fonte: Fora da escola não pode, 2019.
Saiba mais
Um webdocumentário (Figura 10), com isso, é um documentário que se
apropria das características do meio. Assim, ele é não linear, não se manifesta
apenas por vídeo, mas também por outros formatos de forma integrada. Que tal
dar uma olhada em um webdocumentário? Acesse e veja como funciona:
FORA DA ESCOLA NÃO PODE. Disponível em: <http://www.foradaescolanaop
ode.org.br/home>. Acesso em: 22 maio 2019.
NA PRÁTICA
Acesse uma reportagem especial de um portal ou de uma revista, leia a
matéria e busque descontruir a narrativa e a arquitetura da matéria para atender
a uma narrativa transmídia. Pense em como contar a mesma história com uso
de vários tempos, recortes e vários meios diferenciados.
FINALIZANDO
Como produzir uma matéria ou uma reportagem para além de um único
texto ou formato? O que vimos são exatamente conceitos que nos permitem
verificar que não é mais possível achar que os meios convencionais e suas
propostas de outrora são dominantes no jornalismo ou no cenário atual das
narrativas. A interconexão dos meios, a história que ultrapassa os meios e os
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formatos convencionais é o que deve ser usado e apropriado nas narrativas
jornalísticas, sem, contudo, perder a lógica da notícia.
LEITURA OBRIGATÓRIA
SANTOS, M. S. G. O uso da narrativa transmídia para revigoração do gênero
reportagem. Âncora – Revista Latino-americana de Jornalismo, v. 3, n. 1, 2016.
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