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Fernando César Lima Leite
Gabriela Neves Delgado
Guilherme Sales Soares de Azevedo Melo
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Mônica Celeida Rabelo Nogueira
Roberto Brandão Cavalcanti
Sely Maria de Souza Costa
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Línguas estrangeiras/adicionais,
educação crítica e cidadania
Kleber Aparecido da Silva (org.)
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Equipe editorial
Coordenação de produção editorial Marília Carolina de Moraes Florindo
Assistência editorial Lara Perpétuo dos Santos
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Projeto gráfico, diagramação e capa Cláudia Dias
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publicação poderá ser armazenada ou reproduzida por
qualquer meio sem a autorização por escrito da Editora.
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de Brasília
Heloiza Faustino dosFicha
Santos - CRB 1/1913
catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de Brasília
Heloiza Faustino dos Santos - CRB 1/1913
L755 Línguas estrangeiras/adicionais, educação crítica e cidadania /
Kleber Aparecido da Silva (org.). ‒ Brasília : Editora
Universidade de Brasília, 2022.
320 p. ; 23 cm.
ISBN 978-65-5846-133-3.
1. Línguas estrangeiras - Estudo e ensino. 2. Professores de
línguas - Formação. 3. Cidadania. 4. Linguística aplicada. I. Silva,
Kleber Aparecido da (org.).
CDU 81’243
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Sumário
9 PREFÁCIO
Viviane Heberle – UFSC
13 APRESENTAÇÃO
Kleber Aparecido da Silva – UnB
15 PARTE 1
A formação de professores de línguas:
políticas, experiências e identidades
17 CAPÍTULO 1
Políticas linguísticas em educação:
o lugar incerto da formação docente
Egon de Oliveira Rangel – PUC-SP
31 CAPÍTULO 2
A política linguística brasileira para as línguas estrangeiras:
confrontando discursos e práticas estatais
Elias Ribeiro da Silva – Unifal-MG
49 CAPÍTULO 3
Experiências, crenças e identidades de professores de línguas em
formação inicial: um olhar a partir de narrativas orais e visuais
Fabrízia Lúcia da Cosa – UEG
Kleber Aparecido da Silva – UnB
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81 CAPÍTULO 4
Identidades de professores/as de inglês na mídia:
tendências à homogeneização e possibilidades de
contradiscursos
Mariana R. Mastrella-de-Andrade – UnB
Ana Castello – UnB
Gabriel Nascimento – UFSB
105 CAPÍTULO 5
O uso de relatos pessoais para abordar questões identitárias no
ensino e aprendizagem de línguas
Olena Kovalek – UFSCar
123 CAPÍTULO 6
O estágio supervisionado de língua inglesa à luz da
Linguística Aplicada
Domingos Sávio Pimentel Siqueira – UFBA
Mônica Veloso Borges – Uneb/UFBA
149 CAPÍTULO 7
Aprendendo a ser professor de inglês:
uma experiência em sala de aula da rede pública de ensino
Marcia Letricia Gomes Barbosa – UFT
177 CAPÍTULO 8
O Projeto Ceclla e a criação de uma comunidade de prática:
questões sobre a necessidade de melhor formação linguística e
o despertar para o papel social e político do professor
Daniella Corcioli Azevedo Rocha – UFT
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211 PARTE 2
Ensino e aprendizagem de línguas:
tecnologias, avaliação e diretrizes
213 CAPÍTULO 9
“Aprender sem fronteiras”:
experiências de aprendizagem de alunos de língua inglesa
Cristiane Manzan Perine – IFTM/UFU
247 CAPÍTULO 10
Práticas avaliativas no ensino de língua estrangeira
para crianças
Myriam Crestian Cunha – UFPA
Emília Gomes Barbosa – Seduc/Semed-Castanhal /PA
269 CAPÍTULO 11
O Ensino Médio Inovador como um dos programas que
pavimentou a reforma do ensino médio: o estado do
Tocantins em análise
Neila Nunes de Souza – UFT
289 CAPÍTULO 12
Letramento e discurso: a divulgação de textos por
representantes do povo Mundurukú (PA) e a representação
social do índio no século XXI
Cássia Alessandra Braga dos Santos – UnB
Natália Gouveia Moura – UnB
312 POSFÁCIO
Fernanda Liberali – PUC-SP/CNPq
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PARTE 1
A formação de professores de línguas:
políticas, experiências e identidades
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CAPÍTULO 2
A política linguística
brasileira para as línguas
estrangeiras: confrontando
discursos e práticas estatais1,2
Elias Ribeiro da Silva – Unifal-MG
Considerações preliminares
Como entendida tradicionalmente, a política linguística (language policy)
envolve a tomada de decisão no sentido de balizar, fomentar ou proibir o uso de uma
determinada língua ou variedade linguística. Em Calvet (2007, p. 11), por exemplo,
encontra-se esse entendimento, uma vez que, para o autor, a política linguística diz
respeito à “determinação das grandes decisões referentes às relações entre as línguas
1
Parte substancial deste texto integra o capítulo teórico de minha tese (RIBEIRO DA SILVA, 2011), a qual foi
desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Lingua-
gem da Universidade Estadual de Campinas (IEL/Unicamp) e contou com financiamento do CNPq (Processo
nº 140306/2007-2). Retomo, ainda, considerações presentes em Ribeiro da Silva (2014).
2
A análise político-linguística desenvolvida ao longo deste capítulo foi elaborada anteriormente à aprovação do
Projeto de Lei de Conversão (PVL) nº 34/2016, que instituiu o Novo Ensino Médio e que modificou a política lin-
guística (explícita) do Estado Brasileiro para as línguas estrangeiras. Caso essa nova política venha a se consolidar
nos próximos anos, a compreensão de suas implicações demandará uma análise detalhada e epistemologicamente
fundamentada. Diante desse cenário difuso que se nos apresenta, a publicação deste capítulo, que focaliza e contrasta
discursos e práticas estatais relativamente às línguas estrangeiras, justifica-se por desvelar aquela que era a política
linguística implícita do Estado Brasileiro nos últimos anos e que, no atual momento histórico, torna-se explícita.
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Línguas estrangeiras/adicionais, educação crítica e cidadania
e a sociedade”. Assim, a política linguística envolveria a intervenção consciente
e propositada de um agente em um determinado contexto sociolinguístico. Por
implicação, a análise da situação político-linguística de uma comunidade específica
se daria, principalmente, pelo exame de seus documentos oficiais.
Contudo, nos últimos anos, autores como Schiffman (1996, 2006), Shohamy
(2006) e Spolsky (2004) vêm apontando que a política linguística formalizada
em documentos oficiais pode não coincidir com aquela que, de fato, vigora na
sociedade. Schiffman (1996), por exemplo, sugere a existência simultânea de duas
políticas linguísticas em um mesmo contexto sociolinguístico, uma explícita e
outra implícita. Na mesma direção, Shohamy (2006) propõe a existência de uma
política linguística formal e de outra informal. Esses autores defendem, ainda, que
a política linguística pode existir independentemente de um agente que a promova
explicitamente. Como aponta Spolsky (2004, p. 8, tradução nossa),
[...] a política linguística existe mesmo onde ela não foi explicitada
ou estabelecida oficialmente. Muitos países, instituições e grupos
sociais não têm políticas linguísticas formais, de maneira que a natu-
reza de sua política linguística deve ser derivada a partir do estudo
de suas práticas e crenças linguísticas. Mesmo onde há uma política
linguística formal, seu efeito nas práticas linguísticas não é garantido
nem consistente.3
Em síntese, na perspectiva desses autores, para se apreender a “real” política
linguística de uma comunidade, deve-se confrontar a política linguística explícita
(ou formal) à implícita (ou informal) e, ao mesmo tempo, examinar suas crenças
e práticas sociais relacionadas às diferentes línguas e/ou variedades linguísticas.
É a partir dessa perspectiva ampliada de política linguística que procurarei, ao longo
deste capítulo, examinar a política linguística brasileira para as línguas estrangeiras.
Em um primeiro momento, perscrutarei a legislação educacional brasileira rela-
“[…] language policy exists even where it has not been made explicit or established by authority. Many coun-
3
tries and institutions and social groups do not have formal or written language policies, so that the nature
of their language policy must be derived from a study of their language practice or beliefs. Even where there
is a formal, written language policy, its effect on language practices is neither guaranteed nor consistent.”
32
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A política linguística brasileira para as línguas estrangeiras: confrontando discursos e práticas estatais
tivamente ao ensino e à aprendizagem de línguas estrangeiras para, em seguida,
discutir duas práticas oficiais relacionadas à linguagem que indiciam a real política
linguística do Estado Brasileiro para as línguas estrangeiras.
A política linguística brasileira para as
línguas estrangeiras: o(s) discurso(s)
Apreender a política linguística brasileira para as línguas estrangeiras não é
uma tarefa simples, uma vez que, como procurei demonstrar em Ribeiro da Silva
(2011; no prelo), o Estado Brasileiro tem uma política explícita (ou formal) para as
línguas estrangeiras em geral, uma explícita para o espanhol e outra implícita (ou
informal) para o inglês. A essas três, soma-se uma política linguística específica para
a língua inglesa, que emana da cultura linguística (SCHIFFMAN, 1996, 2006) da
sociedade brasileira e que, ao mesmo tempo em que engloba o aparelho de estado,
funciona independentemente dele (RIBEIRO DA SILVA, 2011).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº 9.394/1996,
texto máximo da legislação educacional brasileira, torna obrigatória a inclusão de
pelo menos uma língua estrangeira a partir do 3º ciclo do ensino fundamental.
Textualmente, afirma-se o seguinte, no parágrafo 5º, do artigo 26:
[N]a parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a
partir da quinta série [atualmente 6º ano], o ensino de pelo menos uma
língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade
escolar, dentro das possibilidades da instituição. (BRASIL, 1996).
Ao tratar do currículo do ensino médio, declara-se, no artigo 36, que “[s]erá
incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida
pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponi-
bilidades da instituição” (BRASIL, 1996).
Como se pode observar nesses dois artigos da LDBEN, a língua estrangeira
deve integrar, obrigatoriamente, a educação fundamental e média da população
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Línguas estrangeiras/adicionais, educação crítica e cidadania
brasileira. Contudo, é importante notar que a legislação inclui a disciplina de lín-
gua estrangeira moderna na chamada “parte diversificada do currículo”, isto é, na
parte da grade curricular que pode variar de uma região para a outra. Trata-se de
um dos fundamentos da LDBEN, qual seja, a importância de o sistema educacional
adequar-se às especificidades e às demandas locais.
Não seria incorreto afirmar, portanto, que a legislação educacional brasileira
valoriza o plurilinguismo, refletindo, assim, uma política linguística oficial cujo
principal traço é a valorização da diversidade linguística e cultural que caracteriza
o país. O legislador garante aos grupos minoritários o direito de preservar e cul-
tivar suas línguas ancestrais via aparelho educacional. Uma comunidade formada
por descendentes de imigrantes alemães, por exemplo, poderia incluir o alemão
moderno como uma das línguas estrangeiras a serem oferecidas em suas escolas.
Os Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino
fundamental: língua estrangeira (PCNLE) (BRASIL, 1998a), documento que
define as orientações específicas quanto ao ensino de línguas estrangeiras na rede
oficial de ensino, reafirmam o direito das comunidades locais de escolherem as
línguas estrangeiras que serão incluídas no currículo e estabelecem os fatores que
devem (ou podem) orientar essa escolha: fatores históricos, fatores relativos às
comunidades locais e fatores relativos à tradição (p. 22-23). Os fatores históricos
relacionam-se “[...] ao papel que uma língua estrangeira específica representa em
certos momentos da história da humanidade, fazendo com que sua aprendizagem
adquira maior relevância” (BRASIL, 1998a, p. 22-23). Os fatores relativos às
comunidades locais contemplam aquelas regiões em que há comunidades indígenas
ou de descendentes de imigrantes. Em linhas gerais, os fatores relativos à tradição
dizem respeito àquelas línguas que desempenharam um papel importante nas trocas
culturais com o Brasil. O francês seria o caso prototípico.
Se, por um lado, as características das comunidades locais e os fatores relativos
à tradição podem determinar a inclusão de uma língua estrangeira no currículo, por
outro, os fatores históricos (juntamente com questões práticas, como a falta de espaço
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A política linguística brasileira para as línguas estrangeiras: confrontando discursos e práticas estatais
na grade curricular e a inexistência de professores de algumas línguas) são vistos
como de maior importância, como fica evidente no excerto citado anteriormente.
A preponderância dos fatores históricos e geopolíticos fica mais evidente na seção
dos PCNLE dedicada à discussão do papel da área de língua estrangeira moderna no
ensino fundamental diante da construção da cidadania (p. 37-41). Ao discorrer sobre
a escolha de línguas estrangeiras para o currículo, o legislador afirma:
[há] de se considerar critérios para definir que línguas estrangeiras
devem ser incluídas no currículo. É necessário se ponderar sobre a
visão utópica de um mundo no qual o desejo idealista de um estado
de coisas prevalece sobre uma avaliação mais realista daquilo que é
possível. Por um lado, há de se considerar o valor educacional e cultu-
ral das línguas, derivado de objetivos tradicionais e intelectuais para a
aprendizagem de Língua Estrangeira que conduzam a uma justificava
para o ensino de qualquer língua. Por outro lado, há de considerar as
necessidades linguísticas da sociedade e suas prioridades econômicas,
quanto a opções de línguas de significado econômico e geopolítico
em um determinado momento histórico. Isso reflete a atual posição
do inglês e do espanhol no Brasil. (BRASIL, 1998a, p. 40).
Nesse excerto, pode-se captar de forma clara a real política linguística do
Estado Brasileiro: por um lado (a política explícita), é reconhecido o valor da
aprendizagem de línguas estrangeiras na humanização da sociedade (a aprendiza-
gem de qualquer língua estrangeira confronta o aprendiz com a alteridade, ideia
expressa reiteradamente ao longo dos PCNLE e que coaduna com os objetivos da
educação nacional propostos na LDBEN), por outro (a política implícita), afirma-se
o viés utilitário da educação linguística no Brasil. Como procurarei demonstrar
no que segue, essa visão utilitarista aparece de forma implícita e/ou explícita nos
documentos publicados após a LDBEN e os PCNLE (1998a) e tem fundamentado
muitas ações práticas do Estado Brasileiro.
Em 1999, o Ministério da Educação (MEC), por meio da Secretaria de Educa-
ção Média e Tecnológica, publicou os Parâmetros curriculares nacionais – ensino
médio (PCNEM) (BRASIL, 1999), documento que consiste basicamente em uma
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Línguas estrangeiras/adicionais, educação crítica e cidadania
complementação dos PCNLE (1998a) relativamente à educação de nível médio.
Nas oito páginas dedicadas à língua estrangeira (p. 146-153), reafirma-se o caráter
formativo da aprendizagem de línguas e discutem-se as competências e habilidades
a serem desenvolvidas na disciplina língua estrangeira moderna. De forma breve,
o documento retoma a possibilidade de escolha das comunidades (uma vez que
valoriza a diversidade étnica da população), destaca a hegemonia da língua inglesa
no sistema educacional brasileiro, chama a atenção para a crescente importância
geopolítica do espanhol e, reiteradamente, afirma a relação entre a educação lin-
guística e o mercado de trabalho. É importante observar, nesse sentido, que a ideia
de educação para o mercado de trabalho domina a legislação educacional brasileira
relativamente ao ensino médio a partir da década de 1990 e, particularmente, a
partir da publicação da LDBEN. Segundo os PCNEM:
[e]videntemente, é fundamental atentar para a realidade: o Ensino
Médio possuiu, entre suas funções, um compromisso com a educação
para o trabalho. Daí não poder ser ignorado tal contexto, na medida em
que, no Brasil atual, é de domínio público a grande importância que
o inglês e o espanhol têm na vida profissional das pessoas. Torna-se,
pois, imprescindível incorporar as necessidades da realidade ao cur-
rículo escolar de forma a que os alunos tenham acesso, no Ensino
Médio, àqueles conhecimentos que, de forma mais ou menos imediata,
serão exigidos pelo mercado de trabalho. (BRASIL, 1999, p. 149).
Três anos mais tarde, em 2002, a Secretaria de Educação Média e Tecnológica
publicou um conjunto de orientações complementares aos PCNEM, sob o título de
Parâmetros curriculares nacionais + ensino médio (PCN+EM) (BRASIL, 2002).
Dessa vez, foram dedicadas 44 páginas (p. 93-137) à discussão de questões rela-
tivas ao ensino e à aprendizagem de línguas estrangeiras no ensino médio. Já na
introdução da seção dedicada à língua estrangeira moderna, afirma-se que:
[e]sse aprendizado [de língua estrangeira], iniciado no ensino funda-
mental, implica o cumprimento de etapas bem delineadas que, no ensino
médio, culminarão com o domínio de competências e habilidades que
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A política linguística brasileira para as línguas estrangeiras: confrontando discursos e práticas estatais
permitirão ao aluno utilizar esse conhecimento em múltiplas esferas
de sua vida pessoal, acadêmica e profissional. (BRASIL, 2002, p. 93).
De forma geral, os PCN+EM visam explicitar as bases metodológicas que
devem orientar o ensino de línguas estrangeiras em nível médio, não havendo, em
todo o documento, nenhuma referência a quais línguas devem ser incluídas no cur-
rículo. Ao que parece, a ausência dessa discussão deve-se ao fato de os PCN+EM
caracterizarem-se como uma complementação dos documentos anteriores. Assim,
não seria necessário discutir essa questão, tendo em vista que ela já foi explicitada
nos PCNLE (BRASIL, 1998a). Em consonância com os documentos anteriores, os
PCN+EM mencionam brevemente o caráter formativo da aprendizagem de línguas
proposto pela LDBEN e fazem alusão à relação entre a aprendizagem de línguas
e a diversidade linguística e étnica do país.
Contudo, também em conformidade com os PCNEM, os PCN+EM reafirmam,
embora de forma menos explícita, a relação entre a aprendizagem de línguas estran-
geiras no ensino médio e o trabalho. Como se pode observar no excerto transcrito,
afirma-se que a aprendizagem de línguas estrangeiras terá uma função importante
na vida pessoal, acadêmica e profissional dos egressos do ensino médio. Do pessoal,
passa-se ao acadêmico e chega-se ao profissional. Novamente o objetivo último da
educação linguística é o trabalho.
Seis anos após a publicação dos PCN+EM, a Secretaria de Educação Básica do
MEC Educação editou novas diretrizes para o ensino médio, as Orientações Curricula-
res para o Ensino Médio (Ocem) (BRASIL, 2008). Nesse novo documento, fica mais
evidente a real política linguística do Estado Brasileiro. Uma primeira questão a se
observar é que, pela primeira vez após a publicação da atual LDBEN, um texto oficial
da área de educação aborda o ensino de uma língua estrangeira específica, o espanhol.
No volume das Ocem dedicado à área de “Linguagens, códigos e suas tecnologias”
(Volume 1), há duas seções dedicadas ao ensino e à aprendizagem de línguas estrangei-
ras. A primeira denomina-se “Conhecimentos de línguas estrangeiras” (p. 85-124), e a
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Línguas estrangeiras/adicionais, educação crítica e cidadania
segunda, “Conhecimentos de espanhol” (p. 125-164). A introdução da seção relativa
ao ensino de espanhol dispõe que:
[o] presente texto tem como objetivo o estabelecimento de Orientações
Curriculares Nacionais para o ensino da disciplina Língua Estrangeira
Moderna – Espanhol no ensino médio, em virtude da sanção da Lei
no 11.161 (5/08/2005), que torna obrigatória a oferta da Língua Espa-
nhola, em horário regular, nas escolas públicas e privadas brasileiras
que atuam nesse nível de ensino. A lei também faculta a inclusão do
ensino desse idioma nos currículos plenos da 5a a 8a séries do ensino
fundamental. (BRASIL, 2008, p. 127).
Como exposto nesse excerto, a proposição de orientações curriculares específicas
para o ensino de língua espanhola no ensino médio deve-se à sanção, em 2005, da Lei
nº 11.161, que tornou obrigatória a oferta da disciplina de língua espanhola na rede
oficial de ensino a partir de agosto de 2010 (BRASIL, 2005). A despeito das inter-
pretações e implementações divergentes dessa lei, importa, para a discussão que aqui
empreendo, observar que o Estado Brasileiro, pela primeira vez após a publicação da
LDBEN, implementa oficialmente uma política linguística específica para uma língua
estrangeira. No entanto, é importante notar que a lei torna obrigatório o oferecimento
da disciplina por parte das instituições educacionais, mas não a matrícula por parte
do corpo discente. Tudo leva a crer que esse dispositivo foi implementado de forma
a não ferir os artigos 26 e 36 da LDBEN, segundo os quais, como já apontei, a língua
estrangeira deve integrar a parte diversificada do currículo e a definição das línguas
a serem estudadas fica a cargo das comunidades locais.4
Independentemente desse artifício legal, a publicação da Lei nº 11.161 tornou evi-
dente a existência de pelo menos duas políticas linguísticas no aparelho estatal brasileiro.
A primeira, fundamentalmente democrática, valoriza o plurilinguismo e transfere para a
sociedade (e, em última instância, para o indivíduo) o direito de escolha relativamente
à aprendizagem de língua estrangeira. A segunda, também fundamentalmente demo-
4
Para uma ampla discussão sobre as questões envolvidas na introdução da língua espanhola na escola brasileira,
consultar, entre outros, Fanjul (2010) e Lagares (2013).
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A política linguística brasileira para as línguas estrangeiras: confrontando discursos e práticas estatais
crática, fomenta a aprendizagem de línguas importantes do ponto de vista econômico
e geopolítico enquanto reforça a ideia de que o indivíduo pode optar entre elas.
Sobre as motivações políticas e econômicas da lei, as autoras das Ocem para
o ensino de espanhol afirmam que:
[m]ais de uma vez o Espanhol esteve presente como disciplina em
nossas escolas, porém essa nunca esteve tão claramente associada
a uma gesto marcado de forma inequívoca por um objetivo cultu-
ral, político e econômico, uma vez que a LDB prevê a possibilidade
de oferta de mais de uma língua estrangeira, sem nenhuma outra
especificação. É fato, portanto, que sobre tal decisão, pesa um certo
desejo brasileiro de estabelecer uma nova relação com os países de
língua espanhola, em especial com aqueles que firmaram o Tratado
do Mercosul. (BRASIL, 2008, p. 127).5
No que se refere à língua inglesa especificamente, seria de se esperar que
as Ocem fizessem referência explícita a essa língua já que, como transparece no
documento, a real política linguística do Estado Brasileiro privilegia as línguas
importantes do ponto de vista econômico e geopolítico, como indica a publicação
da Lei nº 11.161 sobre o ensino de espanhol. Contudo, isso não ocorre. A terceira
seção das Ocem, dedicada aos Conhecimentos de Línguas Estrangeiras, trata, como
o próprio título indica, das diretrizes para o ensino de línguas estrangeiras em geral,
e não somente de inglês (o que está de acordo com a política linguística oficial).
Nesse sentido, à introdução do documento, afirma-se o seguinte:
[l]embramos, ainda, que nos referimos a Línguas Estrangeiras em
quase todo o documento, exceto nos levantamentos que se realizaram
na área de ensino de inglês e cuja função está voltada para o ensino
dessa língua especificamente. Entendemos, assim, que as teorias apre-
sentadas neste documento se aplicam ao ensino de outras Línguas
Estrangeiras no ensino médio. (BRASIL, 2008, p. 87).
5
Sobre esse aspecto especíSobre esse aspecto espec leitura da seção das Ocem dedicada à língua espanhola,
consultar Rajagopalan (2002).
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Línguas estrangeiras/adicionais, educação crítica e cidadania
Considerando-se que esse excerto foi extraído da introdução de um documento
oficial que trata do ensino de línguas estrangeiras (no plural), essa nota explicativa
seria, a princípio, desnecessária. Ao se deparar, como de fato ocorre, com referên-
cias a pesquisas sobre ensino de inglês no Brasil ou com exemplos de atividades
de ensino dessa língua, o leitor do documento prontamente entenderia que o legis-
lador está lançando mão de um exemplo para ilustrar a questão sobre a qual está
discorrendo. Tratar-se-ia, então, de uma explicação redundante? Acredito que não.
Parece-me que essa nota tenta “dissimular” a verdade do documento, qual seja,
o fato de que se trata de orientações curriculares para o ensino de língua inglesa
no ensino médio. Como se pode inferir do excerto apresentado, deve-se aplicar a
discussão posta no documento a outras línguas estrangeiras, quando e se for o caso.
Assim, é importante observar que não há, como ocorre em outros documentos
aqui analisados, nenhuma referência aos critérios a serem utilizados na escolha de
línguas estrangeiras para o currículo. O que justificaria a ausência dessa discussão?
Ela não seria mais necessária? Ao longo das 39 páginas do documento dedicadas às
línguas estrangeiras, há somente duas referências indiretas à questão: na introdução,
afirma-se que “[a]s orientações curriculares para Línguas Estrangeiras tem como
objetivo [...] retomar a reflexão sobre a função educacional do ensino de Línguas
Estrangeiras no ensino médio e ressaltar a importância dessas [...]” (p. 87) e, na
seção dedicada à discussão da função educacional do ensino de línguas estrangeiras
na escola e à noção de cidadania (p. 88-93), destaca-se que “[n]os PCNEM, encon-
tram-se observações sobre o papel educacional do ensino de Línguas Estrangeiras”
(p. 88). Assim, as Ocem atualizam os pressupostos dos documentos anteriores no
que diz respeito aos critérios de seleção de línguas estrangeiras para o currículo
e, ao fazê-lo, reafirmam a política linguística informal do Estado Brasileiro, a
qual, como venho argumentando, ao mesmo tempo em que afirma o valor de uma
educação linguística plurilíngue, fomenta o ensino e a aprendizagem de línguas
economicamente importantes para o mercado de trabalho.
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A política linguística brasileira para as línguas estrangeiras: confrontando discursos e práticas estatais
Enquanto a análise da legislação educacional brasileira referente ao ensino e à
aprendizagem de línguas estrangeiras revela a existência de uma política linguística
explícita (ou formal) e de outra implícita (ou informal), o exame das práticas estatais
relacionadas à questão linguística torna evidente uma política linguística explícita
(mas não formalizada) que funciona no sentido de fomentar a aprendizagem de
inglês e de espanhol. A seguir, serão discutidas duas dessas práticas: o Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD).
A política linguística brasileira para as
línguas estrangeiras: a(s) prática(s)
A promulgação, em 1996, da atual LDBEN desencadeou profundas transfor-
mações no sistema educacional brasileiro. Entre as muitas mudanças propostas, a
LDBEN determina que a União organize um processo de avaliação do rendimento
escolar para todos os níveis de ensino. Esse sistema de avaliação teria como função
definir as prioridades em termos de investimentos públicos com vistas a melhorar
a qualidade do ensino oferecido à população.
Considerando-se as mudanças no ensino médio, propostas pela LDBEN, o exame
a ser desenvolvido para esse nível de ensino deveria desvinculá-lo do vestibular tradi-
cional (e da concepção de conhecimento e de aprendizagem que até então orientava
a maior parte dos vestibulares brasileiros) e, ao mesmo tempo, flexibilizar os meca-
nismos de acesso ao ensino superior. A partir dessa proposta, o MEC, por meio do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), instituiu, em 1998, o
Enem. Sobre o conteúdo a ser avaliado no Enem, o documento que define as bases
do exame, denominado Documento Básico (BRASIL, 1998b), afirma que o:
[o] modelo da Matriz contempla a indicação das competências e habi-
lidades gerais próprias do aluno, na fase de desenvolvimento cognitivo
correspondente ao término da escolaridade básica, associadas aos con-
teúdos do ensino fundamental e médio, e considera, como referências
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Línguas estrangeiras/adicionais, educação crítica e cidadania
norteadoras, o texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), os textos da
Reforma do Ensino Médio e as Matrizes Curriculares de Referência
para o SAEB. (BRASIL, 1998b, p. 5).
Como se pode observar, propõe-se que o Enem deve avaliar as competências
e habilidades a serem desenvolvidas ao longo do ensino médio, as quais estão
delineadas na legislação relativa a esse nível de ensino. Orientado por essas pre-
missas, o Enem avaliou, nas 12 primeiras edições (de 1998 a 2009), competências
e habilidades relacionadas aos três grandes eixos direcionadores do ensino médio:
“Linguagens, códigos e suas tecnologias”, “Ciências da natureza, matemática e
suas tecnologias” e “Ciências Humanas e suas tecnologias”.
No que se refere, especificamente, ao eixo “Linguagens, códigos e suas tec-
nologias”, as 12 primeiras edições do Enem avaliaram competências e habilidades
relativas aos seguintes componentes curriculares: língua portuguesa, literatura
(brasileira e portuguesa), artes, educação física, tecnologias da informação e
comunicação. Como se pode observar, a disciplina língua estrangeira moderna não
foi avaliada nessas edições do exame. Embora não esteja claro nos documentos
do Enem porque a disciplina foi mantida fora do exame nessas primeiras edições,
uma explicação bastante plausível é o fato de a LDBEN e a legislação comple-
mentar não determinarem qual língua devia ser ensinada na rede oficial de ensino,
pelo menos até a publicação da Lei nº 11.161/2005 sobre o ensino de espanhol.
Contudo, o edital de abertura do Enem 2010 trouxe mudanças nesse sentido,
e a disciplina língua estrangeira moderna foi incluída no exame. Contrariando o
que postula a LDBEN relativamente à aprendizagem de línguas estrangeiras, os
estudantes que participaram da edição 2010 do Enem (e das posteriores) somente
puderam escolher entre duas línguas estrangeiras: inglês e espanhol. O Estado
Brasileiro, em um exame que avalia as competências e habilidades desenvolvidas
ao longo do ensino médio e que funciona como meio de entrada para um número
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A política linguística brasileira para as línguas estrangeiras: confrontando discursos e práticas estatais
cada vez maior de universidades públicas (um exame de alta relevância, portanto),6
avalia somente aquelas línguas estrangeiras que, como venho argumentando, são
importantes do ponto de vista econômico e geopolítico. No caso da língua espa-
nhola, a avaliação dos candidatos justifica-se, em parte, dada a obrigatoriedade
legal de incluí-la no currículo da rede oficial de ensino a partir da sanção da Lei
nº 11.161/2005. Contudo, isso não ocorre com o inglês, uma vez que, como o exame
dos documentos oficiais revela, o Estado Brasileiro não tem uma política oficial para
essa língua. O que, então, justificaria a inclusão dessa língua específica no Enem a
partir de 2010? Nos editais de abertura das edições 2010 e 2011 do exame, não há
qualquer referência a essa discussão. Parece correto afirmar que a inclusão dessas
duas línguas no Enem reflete a política linguística implícita do Estado Brasileiro,
segundo a qual importa ensinar e aprender inglês e espanhol.
Com relação ao PNLD, pode-se dizer basicamente o mesmo. Criado em 1929,
sob o nome de Instituto Nacional do Livro (INL), o PNLD objetiva, desde a sua
criação, possibilitar o acesso dos alunos da rede pública de ensino a livros didáti-
cos de qualidade e, ao tempo, fomentar o desenvolvimento do mercado editorial
brasileiro de materiais educacionais.
Tradicionalmente, o PNLD contempla aquelas disciplinas que compõem a base
comum do ensino fundamental: língua portuguesa, matemática, ciências, história
e geografia. Todavia, no edital do PNLD 2011, a disciplina de língua estrangeira
moderna foi incluída no programa. Novamente, as duas línguas estrangeiras con-
templadas foram o inglês e o espanhol. Como no Enem, os documentos relativos
ao PNLD 2011 não explicitam quais foram os critérios de seleção utilizados. Nova-
6
Na literatura da área de avaliação de línguas (language testing), distinguem-se três categorias de exames a partir
da relevância das decisões tomadas com base em seus resultados: no-stakes tests (exames de baixa relevância),
low-stakes tests (exames de média relevância) e high-stakes tests (exames de alta relevância). Como aponta
Luxia (2005, p. 142, tradução nossa), “[e]xames de alta relevância são aqueles cujos resultados são usados
para tomar decisões importantes que imediata e diretamente afetam os avaliandos e demais partes interessa-
das” (“High-stakes tests are those whose results are used to make important decisions that immediately and
directly affects the test-takers and other stakeholders”). Sobre o impacto ou efeito retroativo dos exames da
alta relevância na sociedade, consultar, entre outros, Hamp-Lyons (1997), Scaramucci (2004), Wall (1997).
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mente parece não ser necessário justificar uma ação que, com relação ao inglês,
contraria a política linguística oficial do Estado Brasileiro: as comunidades locais
têm o direito de escolher a língua estrangeira a ser ensinada em suas escolas, como
afirma a LDBEN, mas o Estado Brasileiro somente oferece material didático para
as línguas importantes do ponto de vista geopolítico e econômico.
A despeito das possíveis dificuldades práticas de se elaborarem provas e materiais
didáticos para muitas línguas, importa aqui apontar as implicações político-linguísticas de
a União incluir somente o inglês e o espanhol em práticas importantes como o Enem e
o PNLD. Como propõe Shohamy (2006), especificamente em relação aos exames de
línguas, esse tipo de procedimento do Estado envia uma mensagem clara à população
acerca da importância que se deve atribuir às diferentes línguas estrangeiras. Por meio
do Enem e do PNLD, o Estado Brasileiro está legitimando o inglês e o espanhol e, ao
mesmo tempo, retirando a legitimidade de outras línguas.
Considerações finais
Como procurei demonstrar ao longo deste capítulo, o exame da legislação
educacional brasileira e de práticas estatais revela uma política linguística con-
traditória: por um lado, a LDBEN afirma a necessidade de a União valorizar a
diversidade étnica e linguística do país e permitir que a comunidade educacional
escolha a língua estrangeira a ser ensinada na rede oficial de ensino, por outro lado,
o Estado Brasileiro legisla a favor de uma língua específica (o espanhol), tornando
seu ensino obrigatório. A essa situação já conflitante, acrescenta-se uma política
linguística estatal implícita que favorece a língua inglesa.
Como explicar, então, essa política linguística contraditória? Uma primeira pos-
sibilidade seria supor que o Estado Brasileiro está deliberadamente manipulando
a população de forma a perpetuar um estado de coisas dominante relativamente
à aprendizagem de línguas. Entretanto, essa análise perde consistência quando se
considera que diferentes grupos políticos se alternaram no poder desde a sanção da
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A política linguística brasileira para as línguas estrangeiras: confrontando discursos e práticas estatais
LDBEN, em 1996, sem que isso tenha acarretado mudanças significativas na política
educacional (e linguística). Assim, parece redutor supor que a real política linguística
do Estado Brasileiro reflete o desejo de um grupo sociopolítico específico. Outro
ponto a se considerar, nesse sentido, é que todos os documentos aqui analisados foram
elaborados por comissões compostas por educadores publicamente comprometidos
com a melhoria da educação nacional. Dessa forma, não parece apropriado pensar a
real política linguística brasileira a partir da ação consciente de um agente individual
(ou um grupo social) comprometido com essa ou aquela agenda sociopolítica. Parece
mais adequado supor, como propõe Tollefson (1991), que a legislação e as ações
das autoridades educacionais refletem, na verdade, a política linguística que de fato
vigora na sociedade. Legislação e legisladores estão inscritos na conjuntura histó-
rica da sociedade brasileira contemporânea, e essa, por sua vez, reflete a conjuntura
histórica global no que se refere ao mercado linguístico contemporâneo. Posto isso,
cabe aos educadores e a todos os interessados na formação humanística da população
brasileira discutir se essa é a política linguística que desejamos.
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