UNIVERSIDADE FEDERAL DO TRIÂNGULO MINEIRO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO, LETRAS, CIÊNCIAS HUMANAS E
SOCIAIS - IELACHS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL - DSS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS - DFICS
VÍTOR SERRANO VEDOVATO
"Trabalho e Propriedade: uma análise da relação de dominação no capitalismo"
UBERABA, 2024.
VÍTOR SERRANO VEDOVATO
"Trabalho e Propriedade: uma análise da relação de dominação no capitalismo"
Trabalho apresentado à disciplina Economia
Política, no 2º período do Curso de Serviço
Social, da Universidade Federal do Triângulo
Mineiro, como requisito parcial para aprovação
no componente curricular.
Docente: Prof. Dr. Fábio César da Fonseca.
Uberaba
2024
Introdução
O conceito de trabalho estranhado, desenvolvido por Karl Marx em seus
Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, constitui um elemento fundamental
para a compreensão de sua crítica ao sistema capitalista. Esta dissertação tem
como objetivo analisar o conceito de trabalho estranhado e examinar sua relação
dialética com a propriedade privada, conforme elaborado por Marx. Para tanto,
serão abordadas as seguintes questões: (a) O que é trabalho estranhado? e (b)
Qual a relação entre trabalho estranhado e propriedade privada?
O Conceito de Trabalho Estranhado
Marx define o trabalho estranhado como um processo multidimensional de
alienação que ocorre no contexto das relações de produção capitalistas. Esta
alienação se manifesta em quatro aspectos principais:
2.1 Alienação do produto do trabalho
O primeiro aspecto do trabalho estranhado refere-se à relação do trabalhador com
o produto de seu trabalho. Marx argumenta que, no capitalismo, o produto do
trabalho se torna um objeto estranho e hostil ao trabalhador. O objeto produzido
pelo trabalho se apresenta como um ser alheio, um poder independente do produtor.
Esta alienação resulta em uma situação paradoxal onde, quanto mais o trabalhador
produz, mais pobre ele se torna em seu mundo interior.
Marx enfatiza que a apropriação do objeto aparece como estranhamento a tal
ponto que, quanto mais objetos o trabalhador produz, tanto menos pode possuir e
tanto mais fica dominado pelo seu produto, o capital. Como Marx observa:
"O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza
produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e
extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais
barata quanto mais mercadorias cria" (MARX, 2004, p. 80).
2.2 Alienação da atividade produtiva
O segundo aspecto diz respeito à própria atividade de produção. Marx sustenta
que o trabalho deixa de ser uma atividade livre e autorrealizadora, tornando-se uma
atividade forçada e externa ao trabalhador. Nesse contexto, o trabalho não é a
satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio para satisfazer necessidades
externas a ele.
Marx destaca que "o trabalhador só se sente junto a si fora do trabalho e fora de si
no trabalho" (MARX, 2004, p. 81). O trabalho torna-se um sacrifício de si mesmo,
uma mortificação. O caráter externo do trabalho se evidencia no fato de que, assim
que não existe coerção física ou outra qualquer, foge-se do trabalho como de uma
peste. Como Marx afirma:
"O trabalho externo, o trabalho no qual o homem se exterioriza,
é um trabalho de auto-sacrifício, de mortificação" (MARX, 2004,
p. 82).
2.3 Alienação do ser genérico
O terceiro aspecto refere-se à alienação do homem em relação à sua natureza
como "ser genérico". Marx concebe o ser humano como capaz de produção
universal e livre, diferentemente dos animais que produzem apenas sob o domínio
da necessidade física imediata. No entanto, o trabalho estranhado transforma essa
"vida genérica" do homem em um mero meio para sua existência individual.
Marx argumenta que "o trabalho estranhado faz do ser genérico do homem um ser
estranho a ele, um meio da sua existência individual. Ele aliena do homem o seu
próprio corpo, a natureza fora dele, a sua essência espiritual, a sua essência
humana" (MARX, 2004, p. 83). Marx explica:
"A vida genérica, tanto no homem quanto no animal, consiste
fisicamente, em primeiro lugar, nisto: que o homem (tal qual o
animal) vive da natureza inorgânica, e quanto mais universal o
homem [é] do que o animal, tanto mais universal é o domínio
da natureza inorgânica da qual ele vive" (MARX, 2004, p. 84).
2.4 Alienação do homem em relação ao homem
O quarto aspecto é a consequência dos anteriores: o homem se torna estranho a
outros homens. Marx argumenta que uma consequência imediata do estranhamento
do homem do produto do seu trabalho, de sua atividade vital e de seu ser genérico é
o estranhamento do homem pelo próprio homem.
Marx explica que "quando o homem está frente a si mesmo, é o outro homem que
está frente a ele. O que vale para a relação do homem com seu trabalho, com o
produto do seu trabalho e consigo mesmo, vale também para a relação do homem
com outro homem, bem como com o trabalho e o objeto do trabalho do outro
homem" (MARX, 2004, p. 85). Como Marx afirma:
"O estranhamento do homem, em geral toda a relação na qual
o homem está diante de si mesmo, é primeiramente efetivado,
se expressa, na relação em que o homem está para com o
outro homem" (MARX, 2004, p. 86).
A Relação entre Trabalho Estranhado e Propriedade Privada
A relação entre o trabalho estranhado e a propriedade privada é complexa e
dialética na teoria marxista. Inicialmente, pode-se pensar que a propriedade privada
é a causa do trabalho alienado. No entanto, Marx argumenta que a propriedade
privada é, na verdade, a consequência do trabalho alienado, embora posteriormente
essa relação se torne recíproca.
Marx afirma que "a propriedade privada é o produto, o resultado, a consequência
necessária do trabalho exteriorizado, da relação externa do trabalhador com a
natureza e consigo mesmo" (MARX, 2004, p. 87). Esta proposição inverte a lógica
comum, sugerindo que é o trabalho alienado que gera a propriedade privada, e não
o contrário.
3.1 A propriedade privada como resultado do trabalho estranhado
Marx argumenta que é através do trabalho alienado que o trabalhador produz não
apenas mercadorias, mas também a relação na qual o não-trabalhador (capitalista)
se apropria dos produtos desse trabalho. Nesse sentido, a propriedade privada é o
resultado necessário do trabalho alienado.
Marx explica:
"O trabalho estranhado engendra a relação de alguém estranho
ao trabalho - do homem situado fora dele - com este trabalho.
A relação do trabalhador com o trabalho engendra a relação do
capitalista com o trabalho" (MARX, 2004, p. 88).
3.2 A propriedade privada como condição do trabalho estranhado
Uma vez estabelecida, a propriedade privada se torna a condição para a
perpetuação do trabalho alienado. Ela cria as circunstâncias nas quais o trabalhador
é forçado a vender sua força de trabalho, perpetuando assim o ciclo de alienação.
Marx argumenta que "a propriedade privada é o meio através do qual o trabalho se
exterioriza, é a realização desta exteriorização". Ela se torna tanto o produto do
trabalho exteriorizado quanto o meio através do qual o trabalho se exterioriza"
(MARX, 2004, p. 89).
3.3 A relação recíproca entre propriedade privada e trabalho estranhado
Marx sugere que, no desenvolvimento histórico, essa relação se torna recíproca. A
propriedade privada é tanto causa quanto efeito do trabalho alienado, criando um
ciclo de retroalimentação que reforça as estruturas de alienação no sistema
capitalista.
Marx define:
"Esta relação se transforma em ação recíproca. Somente no
ponto culminante do desenvolvimento da propriedade privada é
que este seu mistério vem à tona, mostrando que ela é, por um
lado, o produto do trabalho exteriorizado e, por outro, o meio
através do qual o trabalho se exterioriza" (MARX, 2004, p. 90).
Conclusão
A análise do conceito de trabalho estranhado e sua relação com a propriedade
privada revela a profundidade da crítica marxista ao sistema capitalista. Ao
demonstrar como o trabalhador se aliena em múltiplas dimensões de sua existência
produtiva e social, Marx expõe as contradições fundamentais das relações de
produção capitalistas.
Para o assistente social, compreender essas dinâmicas é crucial. A prática do
serviço social se fundamenta no compromisso com a justiça social e na luta pela
transformação das condições que perpetuam a exploração e a desigualdade.
Reconhecer como a alienação do trabalho impacta diretamente a vida dos
indivíduos, suas relações sociais e suas oportunidades é essencial para a
intervenção crítica e emancipadora.
Além disso, o conceito de trabalho estranhado pode ser aplicado para analisar as
formas contemporâneas de trabalho, como o trabalho precarizado, a digitalização do
trabalho e a intensificação do ritmo de trabalho. No contexto atual, marcado pela
crescente informalidade e precarização, o assistente social pode usar essa análise
para entender como o trabalho continua a ser uma fonte de alienação e
desigualdade. A digitalização e a automação, por exemplo, muitas vezes transferem
o controle e o ritmo do trabalho para sistemas tecnológicos, exacerbando a
alienação do trabalhador em relação ao seu próprio processo produtivo. A
intensificação do trabalho, impulsionada por demandas de produtividade e
competitividade, aprofunda a sensação de estranhamento e sacrifício pessoal.
A relação dialética entre trabalho alienado e propriedade privada sugere que a
superação da alienação do trabalho está intrinsecamente ligada à superação da
propriedade privada dos meios de produção. Esta conclusão tem implicações
significativas para a teoria social e política, apontando para a necessidade de uma
transformação radical das relações de produção como condição para a
emancipação humana. Para o assistente social, isso implica uma prática que não se
limita a tratar os efeitos do trabalho estranhado, mas que também busca
compreender e atuar nas raízes estruturais que geram e perpetuam essas
desigualdades.
Marx argumenta:
"A emancipação da sociedade da propriedade privada se
manifesta na forma política da emancipação dos trabalhadores.
Esta emancipação encerra a emancipação humana universal,
pois toda a servidão humana está envolvida na relação do
trabalhador com a produção, e todas as relações de servidão
são apenas modificações e consequências dessa relação"
(MARX, 2004, p. 90).
Portanto, o assistente social deve estar atento às formas de exploração e
alienação presentes na sociedade, compreendendo que a superação dessas
condições é fundamental para a construção de uma prática profissional crítica e
comprometida com a transformação social. O conceito de trabalho estranhado
oferece um quadro teórico valioso para identificar e desafiar as estruturas de poder
que mantém a opressão e a exclusão, permitindo que o assistente social atue de
maneira mais consciente e efetiva na promoção da justiça social, especialmente
frente aos desafios colocados pelas novas formas de organização do trabalho.
Referências
MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.