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Artigo Deep - CR

Artigo psicanalítica deep.

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A Casa no Topo da Colina: Espaços Psíquicos e o Complexo de Édipo no

filme Psicose, de Alfred Hitchcock

Carlos César Santos Rodrigues

Introdução

O filme Psicose (1960), dirigido por Alfred Hitchcock, é uma obra-prima que
transcende o gênero de suspense para mergulhar profundamente nas camadas
mais obscuras da psique humana. A narrativa de Norman Bates, um homem
aparentemente tímido e inofensivo, revela, aos poucos, a complexa rede de
conflitos psíquicos em que ele está preso, principalmente sua relação simbiótica
e perturbadora com a figura materna. Este vínculo, permeado por traços do
Complexo de Édipo, é o motor central dos eventos trágicos que se desenrolam
ao longo do filme. Mais do que uma simples narrativa de terror, Psicose é uma
exploração dos territórios inconscientes do desejo, da culpa e da repressão.
Uma das metáforas mais poderosas do filme, que sustenta e potencializa a
leitura psicanalítica, é a casa vitoriana no topo da colina, que abriga Norman e a
figura fantasmagórica de sua mãe. Essa casa não é apenas um cenário físico
onde os eventos ocorrem, mas também um espaço psíquico que reflete a
estrutura da mente de Norman, dividida entre o seu id (representado por seus
desejos reprimidos), seu ego (sua tentativa fracassada de funcionar na
sociedade), e seu superego (dominado pela figura castradora da mãe). Neste
sentido, o filme transforma espaços físicos em metáforas para a estruturação do
psiquismo de Norman, especialmente no que diz respeito ao seu Complexo de
Édipo mal resolvido.
A casa, localizada no topo de uma colina e conectada ao Motel Bates —
onde ocorrem os atos mais violentos e a expressão de desejo reprimido —, serve
como uma representação da luta interna de Norman entre suas emoções
conflitantes. No andar de cima, reside a figura materna, inatingível, ameaçadora,
e no andar de baixo, o espaço de Norman, onde ele tenta manter uma fachada
de normalidade. Este contraste espacial ilustra não apenas a divisão psíquica de
Norman, mas também a interdição que ele carrega consigo: sua mãe é o objeto
de desejo e, ao mesmo tempo, o símbolo da proibição absoluta.
Este artigo pretende examinar como o Complexo de Édipo se manifesta em
Psicose através da arquitetura psicológica e física do filme, com ênfase na casa
e em seus espaços. A partir da análise dos locais centrais da narrativa — o motel,
a casa e a colina —, discutiremos como Hitchcock constrói uma metáfora visual
poderosa da mente de Norman, dominada pela presença intrusiva da mãe, e
como esses elementos arquitetônicos refletem seu conflito edipiano mal
resolvido.

1. Resumo do filme

Psicose (1960), dirigido por Alfred Hitchcock, é uma trama que nos leva a
explorar o lado mais sombrio da mente humana. O filme começa com Marion
Crane (Janet Leigh), uma secretária frustrada com sua vida amorosa e
profissional. Desesperada por uma mudança, ela vê uma chance de fugir
quando, em um momento impulsivo, decide roubar US$ 40.000 do escritório em
que trabalha. Com o dinheiro em mãos, Marion parte em direção à Califórnia,
imaginando que pode recomeçar sua vida ao lado de seu amante, Sam Loomis
(John Gavin). Mas o peso da culpa logo começa a rondar seus pensamentos, e
ao cair de uma tempestade no meio do caminho, ela se vê forçada a parar em
um pequeno e isolado Motel Bates.
O motel é gerido por Norman Bates (Anthony Perkins), um jovem
introvertido que, logo de início, revela um comportamento perturbador, sempre à
sombra da mãe, com quem vive em uma casa no topo da colina. Durante uma
conversa à noite, Norman menciona o quanto sua mãe é controladora e como
ela o impede de viver sua própria vida. Marion, sentindo certa compaixão,
começa a refletir sobre suas próprias decisões. Ela decide voltar e devolver o
dinheiro, mas antes, resolve tomar um banho, um último momento de pausa
antes de enfrentar sua realidade.
É nesse instante que acontece uma das cenas mais icônicas do cinema:
enquanto Marion toma banho, uma figura aparece atrás da cortina e a esfaqueia
até a morte. A surpresa é total, já que o filme, até esse ponto, parecia ser a
história de Marion. O assassinato inesperado muda o curso da trama, deixando
o público chocado.
A narrativa então passa a acompanhar Lila Crane (Vera Miles), irmã de
Marion, e Sam, que começam a investigar o desaparecimento dela.
Paralelamente, um detetive particular, Arbogast (Martin Balsam), é contratado
para procurar Marion, e suas investigações o levam ao Motel Bates. Sua
curiosidade em relação à misteriosa mãe de Norman o leva a explorar a casa,
mas, como Marion, ele também é brutalmente assassinado.
A verdade sobre o Motel Bates começa a emergir quando Lila e Sam se
aproximam da realidade perturbadora que Norman esconde. Ao explorar a casa,
Lila descobre que a mãe de Norman está morta há anos e que ele manteve o
corpo preservado no sótão. Preso ao passado, Norman vive uma dissociação de
identidade, assumindo a personalidade de sua mãe em momentos de estresse.
Sob essa máscara, ele comete os assassinatos, incapaz de confrontar seus
desejos e as proibições impostas pela figura materna que internalizou.
No desfecho, Norman é capturado, e uma explicação psiquiátrica revela
que sua mente está dividida entre ele mesmo e sua mãe. Na cena final, vemos
Norman sozinho, completamente dominado pela personalidade da mãe, com um
olhar perturbador que nos faz questionar se ele algum dia será capaz de escapar
dessa prisão mental.

2. Contextualização do Complexo de Édipo

O Complexo de Édipo é um dos conceitos centrais da psicanálise de Freud,


e, para entendê-lo, é preciso olhar para aquele momento na infância em que
começamos a descobrir o mundo dos afetos e das relações familiares de uma
maneira mais íntima. Freud nos conta que, em algum ponto do desenvolvimento,
toda criança passa por uma fase de identificação muito forte com um dos pais —
no caso dos meninos, essa relação se dá, em grande parte, com a mãe. A criança
desenvolve um desejo inconsciente por essa figura, e é aí que o pai entra em
cena como o grande rival.
Freud introduziu essa ideia pela primeira vez em seu livro "A Interpretação
dos Sonhos" (Die Traumdeutung), publicado lá em 1900. E aqui vem uma das
frases mais conhecidas dele: "Todo homem tem, na primeira infância, um desejo
inconsciente de possuir a mãe e eliminar o pai. Isso é o que denominamos
Complexo de Édipo" (Freud, 1900/2006, p. 176). Essa frase, simples à primeira
vista, carrega um universo de significados. Imagine só — a criança, naquela fase
em que ainda está tentando entender como o mundo funciona, tem que lidar com
um turbilhão de sentimentos, desde amor até rivalidade.
Quando Freud vai mais a fundo, no texto "Três Ensaios sobre a Teoria da
Sexualidade" (Drei Abhandlungen zur Sexualtheorie), de 1905, ele nos mostra
que esse desejo não resolvido pela mãe e essa rivalidade com o pai não
desaparecem magicamente. Na verdade, são os responsáveis pela criação do
que ele chama de superego, aquela voz interna que nos diz o que é certo e
errado, o que podemos ou não podemos fazer. Freud afirma que "o Complexo
de Édipo é o núcleo das neuroses, e sua resolução adequa o indivíduo às
exigências da vida em sociedade" (Freud, 1905/1996, p. 42). É como se, ao
resolvermos esse conflito interno, pudéssemos finalmente nos ajustar ao mundo,
às suas regras e limites.
No livro "Totem e Tabu", publicado em 1913, Freud expande sua análise
sobre o Complexo de Édipo para além do indivíduo, explorando suas implicações
sociais e culturais. Ele afirma: "A psicanálise nos ensinou que a primeira
escolha sexual do menino é incestuosa, concerne aos objetos proibidos, à
mãe e à irmã, e também nos deu a conhecer as vias pelas quais ele se
liberta, ao crescer, da atração do incesto" (Freud, 1913/1996, p. 25). Nessa
passagem, Freud conecta o desenvolvimento psíquico ao surgimento das
primeiras normas culturais e tabus, revelando que o Complexo de Édipo não é
apenas uma questão familiar, mas um processo que influencia a própria
estruturação das regras sociais. A partir disso, compreendemos que o Édipo
ultrapassa o ambiente doméstico, sendo central para o entendimento das
proibições fundamentais que moldam a civilização. Agora, em "O Ego e o Id",
de 1923, Freud reflete sobre como esse conflito interno gera consequências
muito mais profundas, e ele nos dá uma nova forma de enxergar o
desenvolvimento da mente. Ele fala sobre o id, aquele lado primitivo e impulsivo
da nossa personalidade, e como ele é controlado pelo ego, que tenta mediar
nossos desejos com as regras do mundo, e pelo superego, que carrega os
valores morais e as proibições internalizadas — muitas delas, claro, vindas da
resolução do Complexo de Édipo.
Esses conflitos, embora difíceis, são fundamentais para o nosso
desenvolvimento. Freud nos mostra que o processo de amadurecimento envolve
não apenas a superação de nossos desejos primitivos, mas também a aceitação
das limitações que o mundo nos impõe. E é aqui que o Complexo de Édipo
desempenha um papel crucial: ele nos força a lidar com o fato de que nem tudo
o que desejamos pode ser realizado, especialmente quando esses desejos
envolvem figuras tão importantes quanto nossos pais.
O Complexo de Édipo é uma das ideias centrais da psicanálise e ajuda a
entender o processo emocional pelo qual as crianças passam ao crescer. Para
Freud, entre os 3 e 5 anos, a criança começa a desenvolver um forte apego ao
pai ou à mãe. No caso dos meninos, isso significa um desejo inconsciente pela
mãe como figura de amor, ao mesmo tempo em que vê o pai como um rival que
atrapalha esse afeto. Esse conflito é vivido com sentimentos intensos e muitas
vezes confusos — de carinho, admiração e, ao mesmo tempo, de competição e
rejeição. Com o tempo, o menino aprende que esse desejo não pode ser
realizado e começa a aceitar o papel do pai como alguém que impõe limites e
regras. Essa aceitação é importante porque, a partir daí, ele começa a formar o
superego, que é a parte da nossa mente que nos ajuda a distinguir o que é certo
ou errado. Quando esse processo ocorre de maneira saudável, ele contribui para
que a criança desenvolva uma identidade forte e aprenda a viver dentro das
normas sociais. No entanto, se esse conflito não for bem resolvido, podem surgir
problemas psicológicos, como neuroses e dificuldades de relacionamento na
vida adulta. Freud, com essa teoria, nos mostra como essas primeiras relações
familiares são fundamentais para moldar quem nos tornamos.

3. O Motel como o Espaço do Desejo e da Repressão

Proponho pensar o motel em termos simbólicos como um espaço onde o


os desejos reprimidos de Norman vêm à tona.
No filme Psicose, o Motel Bates desempenha um papel crucial como o
cenário onde se manifestam os conflitos internos de Norman Bates, em especial
o seu desejo reprimido e sua incapacidade de lidar com ele de forma saudável.
O motel é um espaço de transição, isolado da sociedade, onde a fachada de
normalidade que Norman tenta manter se desfaz, e seus impulsos mais
profundos e inconscientes vêm à tona. Freud sugere que o espaço físico pode
funcionar como uma metáfora para o inconsciente, e o motel, localizado abaixo
da imponente casa onde "vive" sua mãe, simboliza o terreno onde as pulsões
mais primitivas de Norman se manifestam sem controle.
No motel, vemos o conflito entre desejo e repressão se desenrolar de
maneira mais direta. Ele é o local onde Norman encontra mulheres que
despertam seu desejo, mas também onde esse desejo é imediatamente
reprimido e substituído por agressão violenta. No primeiro encontro com Marion
Crane, vemos Norman desenvolver um interesse evidente por ela. A timidez com
que ele fala, a forma hesitante como a convida para jantar, e o desconforto
evidente ao mencionar sua mãe revelam o desejo latente que ele não consegue
articular de maneira madura. Marion, com sua presença, representa para
Norman uma figura feminina que desperta o desejo, mas, ao mesmo tempo, ativa
o poder do superego materno, que o domina de forma implacável.
O motel, com seus quartos escuros e isolados, torna-se o palco perfeito
para a expressão desse desejo conflituoso. Marion se hospeda ali enquanto
tenta escapar de seus próprios problemas morais, trazendo à tona a tensão entre
culpa e prazer — uma luta que ressoa com a própria batalha interna de Norman.
Hitchcock usa o motel como o espaço onde a repressão se manifesta através
da violência. Cada vez que Norman sente atração por uma mulher, seu desejo é
imediatamente bloqueado pela persona da mãe, que "toma conta" de seu
comportamento, transformando o desejo em uma agressividade assassina. O
ato de espiar Marion por um buraco na parede não só reflete o voyeurismo de
Norman, mas também é um sinal de sua incapacidade de confrontar seu próprio
desejo de forma consciente e direta.
Além disso, o motel serve como um símbolo da barreira que separa
Norman de uma vida normal. Ele tenta manter o motel como um negócio, uma
espécie de reflexo de sua tentativa de se integrar à sociedade e agir como uma
pessoa "normal". No entanto, o fracasso em sustentar uma relação saudável com
seus hóspedes — todas as interações sendo dominadas por seu desejo
reprimido e a subsequente agressão — mostra que Norman não consegue
escapar do domínio do superego materno, que o controla a partir da casa no
alto da colina. O motel, então, torna-se um espaço onde as consequências do
Complexo de Édipo mal resolvido de Norman são mais evidentes, sendo o local
de expressão do seu desejo ao mesmo tempo que é onde ele o destrói.
O motel representa, assim, um espaço psíquico no qual as camadas de
repressão e desejo se sobrepõem. A dualidade entre o desejo sexual de Norman
e sua impossibilidade de realizá-lo se torna central aqui, e sua incapacidade de
resolver o conflito se materializa em atos violentos que reforçam sua submissão
à figura da mãe. Enquanto o motel funciona como o palco da ação, ele também
reflete o abismo emocional em que Norman vive, preso entre seu desejo e a
repressão que a persona materna impõe.
Nesse sentido, o motel é o espaço onde Norman "deixa escapar" sua luta
interna, um território de repressão e frustração, onde sua falha em lidar com o
Complexo de Édipo o empurra para uma violência que é, ao mesmo tempo, a
punição e a liberação temporária de seus impulsos proibidos.

4. A Casa como Espaço Psíquico e o Superego Materno

No filme Psicose, a imponente casa vitoriana no topo da colina é mais do


que apenas um cenário visualmente ameaçador; ela é a encarnação física do
superego na psique de Norman Bates. A casa, onde sua mãe "reside",
representa o controle absoluto que a figura materna exerce sobre sua mente,
mesmo após a morte. Em termos freudianos, o superego é a parte da psique que
carrega os valores morais, as interdições e as regras internalizadas — e, no caso
de Norman, essas normas foram completamente dominadas pela presença da
mãe. Ele não apenas internalizou sua figura, como também passou a viver sob
a tirania dela, tanto no sentido simbólico quanto literal.
O posicionamento físico da casa, sempre no alto, dominando a paisagem,
ilustra essa relação de controle e repressão. Quando Norman fala sobre a mãe,
há uma clara tensão entre admiração e medo. Ele está emocionalmente preso a
ela, e a casa reflete essa prisão mental. Dentro da casa, vemos que Norman vive
em dois mundos: o andar de baixo, onde ele tenta manter a aparência de uma
vida normal, e o andar de cima, onde sua mãe reina absoluta, uma figura sempre
presente e inatingível. O andar de cima, que ele raramente ousa acessar, é um
símbolo claro da dominância do superego sobre seus desejos reprimidos e sua
liberdade.
A casa também se torna um lugar de dualidade: por um lado, ela abriga a
mãe como uma entidade imortalizada no espaço psíquico de Norman; por outro,
é o local de profunda repressão, onde a voz da mãe está sempre presente,
ditando suas ações e reforçando a proibição do desejo sexual e da autonomia.
A relação entre Norman e a casa é a de um filho eternamente sob a tutela de
uma mãe castradora, que impede qualquer desenvolvimento emocional ou
sexual independente. Quando ele entra em contato com o desejo, especialmente
no motel, é a casa — e, portanto, o superego materno — que o puxa de volta,
reprimindo violentamente esses impulsos.
Nesse sentido, a casa é uma metáfora perfeita para a estrutura psíquica de
Norman: o superego (a mãe) dominando completamente o ego, impedindo que
ele integre os desejos do id. A casa torna-se a representação física desse
conflito, sempre presente no topo da colina, sempre observando e julgando suas
ações. E, como veremos a seguir, a localização dessa casa — no alto da colina
— é mais uma camada que reforça o simbolismo psicanalítico do filme.

5. A Colina como Metáfora de Distância Psíquica e Interdição

A colina que separa o Motel Bates da casa no alto é uma metáfora


poderosa para a distância psíquica que separa Norman de sua mãe como
objeto de desejo e da figura materna como autoridade repressora. Freud nos
ensina que o Complexo de Édipo é um processo de desejo pelo pai ou mãe que,
ao mesmo tempo, esbarra na necessidade de internalizar a proibição desse
desejo. No caso de Norman, a colina representa essa barreira intransponível, o
espaço físico e simbólico que o impede de se libertar dessa interdição materna.
O filme reforça essa metáfora ao situar o motel — onde Norman pode
expressar seus desejos reprimidos — em uma posição mais baixa, enquanto a
casa, onde a mãe reina, está sempre no topo, acima de tudo, observando e
regulando. A colina funciona como uma barreira que Norman não pode
atravessar de forma plena, um limite psíquico que o impede de se separar da
mãe, mas também de satisfazer seus impulsos sem culpa ou punição. Cada vez
que Norman desce para o motel, ele tenta escapar dessa influência, mas a colina
o lembra de que ele nunca pode realmente deixar a figura da mãe para trás.
Além disso, a colina simboliza a inacessibilidade do objeto de desejo. A
mãe, agora uma figura de poder total, é colocada em um pedestal, distante e
inatingível para Norman. Ele pode espiá-la, pode até imitar suas ações, mas
nunca pode verdadeiramente se libertar ou consumar o desejo de estar com ela,
pois isso seria violar a interdição central que o Complexo de Édipo impõe. A casa
no topo da colina reforça, então, a ideia de que a mãe é o objeto desejado e ao
mesmo tempo proibido, mantendo Norman preso em uma espiral de repressão
e culpa.
A colina também reflete o abismo entre o consciente e o inconsciente. O
motel, onde Norman tenta manter sua vida cotidiana, é o lugar do consciente,
onde ele tenta apresentar uma fachada normal. A casa, por outro lado, no topo
da colina, é o lugar do inconsciente, onde suas repressões e desejos mais
profundos são guardados. Subir e descer essa colina é, portanto, uma viagem
entre esses dois mundos psíquicos, onde Norman é puxado constantemente
entre a vida normal e o domínio implacável de sua mãe no inconsciente.
Em última análise, a colina serve como um lembrete visual de que Norman
está preso entre esses dois mundos. Ele não pode descer o suficiente para se
libertar da mãe e viver sua própria vida, nem pode subir até o topo e enfrentar
plenamente o controle absoluto que ela exerce sobre sua psique. Esse espaço
intermediário em que ele vive o condena à dissociação e à repetição dos
mesmos padrões destrutivos. A colina, portanto, é o símbolo definitivo da
interdição edipiana, uma barreira que Norman nunca conseguirá superar
enquanto continuar preso a essa figura materna internalizada.

6. A Escada e a Transição Entre os Espaços Psíquicos

No filme Psicose, a escada que liga o motel à casa no topo da colina é


muito mais do que um simples elemento físico; ela representa o movimento
constante entre os diferentes níveis da psique de Norman Bates. Freud
argumenta que a mente humana é composta de camadas — id, ego e superego
—, e, no caso de Norman, a escada simboliza a transição entre esses espaços
mentais. A cada subida e descida, o personagem é forçado a confrontar
diferentes partes de si mesmo, em uma luta constante entre o desejo e a
repressão.
O andar de baixo, onde Norman tenta manter uma aparência de
normalidade no motel, representa seu ego, que tenta equilibrar o id (os desejos)
e o superego (as normas). Já o andar de cima, onde reside a figura imponente
de sua mãe, é a sede do superego, controlando Norman e impedindo-o de
realizar seus impulsos mais primitivos. A escada, portanto, é um canal de
transição, onde ele está constantemente oscilando entre o controle repressivo
da mãe e seu desejo de se libertar. A cena do detetive Arbogast, por exemplo,
mostra claramente esse simbolismo. Quando ele sobe a escada para investigar
a casa, está literalmente subindo em direção à repressão máxima, e é nesse
ponto que é atacado, como se estivesse transgredindo a fronteira que separa o
desejo da proibição.
Freud, ao discutir a relação entre repressão e o retorno do reprimido,
ressalta que "os pensamentos reprimidos não desaparecem, mas persistem no
inconsciente, retornando em formas distorcidas" (Freud, 1923/2010, p. 54).
Norman, ao descer a escada para o motel, tenta fugir do controle materno, mas
é incapaz de escapar completamente. A escada se torna, assim, um símbolo de
sua incapacidade de integração, oscilando entre a repressão e o desejo, mas
sem nunca encontrar resolução.

7. A Repressão do Desejo Sexual e a Fragmentação do Eu

A repressão sexual é um dos temas centrais em Psicose, diretamente


conectado ao Complexo de Édipo. Para Freud, o desejo sexual reprimido —
especialmente aquele relacionado à figura materna — é o núcleo de muitos
distúrbios psíquicos. No caso de Norman Bates, sua repressão sexual, imposta
pela figura castradora da mãe, leva a uma dissociação completa de sua
personalidade. Norman não consegue conciliar o desejo com a proibição, e isso
o fragmenta, gerando o que Freud descreve como uma "divisão do eu". Em "O
Ego e o Id", Freud afirma que "a repressão cria uma divisão interna que, se não
resolvida, pode levar a uma fragmentação da personalidade" (Freud, 1923/2010,
p. 67).
No filme, essa divisão é retratada de forma literal. A persona da mãe torna-
se uma parte independente da psique de Norman, dominando-o sempre que seu
desejo sexual emerge. A incapacidade de lidar com esse desejo resulta em atos
violentos e em uma dissociação total entre Norman e sua mãe interiorizada.
Ele tenta viver como duas pessoas — uma que deseja e outra que reprime. O
assassinato de Marion Crane é um exemplo claro dessa dinâmica: o desejo de
Norman por ela é rapidamente suprimido pela personalidade materna, que
emerge e a mata.
A ausência do pai é um ponto emblemático do conflito psíquico de Norman,
e é justamente essa ausência que intensifica sua relação patológica com a mãe,
levando à repressão de seus desejos e, finalmente, à dissociação de sua
personalidade. Hitchcock utiliza essa ausência não apenas como um elemento
narrativo, mas como uma chave psicanalítica que revela as camadas profundas
do sofrimento e da fragmentação mental de Norman Bates.
A repressão sexual é simbolizada em várias partes do filme, desde a figura
da mãe mumificada até a obsessão de Norman com voyeurismo, um
comportamento que tenta dar vazão a desejos que ele não consegue articular
de forma saudável. A fragmentação de Norman é, então, a consequência última
de sua falha em resolver o Complexo de Édipo. Como Freud descreve, "quando
a repressão é mantida por muito tempo, as pressões internas levam à
dissociação" (Freud, 1913/1996, p. 36), e é exatamente isso que ocorre com
Norman. Ele se divide em dois, e essa fragmentação é expressa tanto na
violência quanto na incapacidade de lidar com o mundo real.

Conclusão

Ao longo deste artigo, tentamos mostrar como Psicose, de Alfred


Hitchcock, oferece uma rica oportunidade de reflexão psicanalítica,
especialmente em torno do Complexo de Édipo. A análise dos espaços — o
Motel Bates, a casa no topo da colina e a escada que os conecta — revela
muito sobre a mente fragmentada de Norman Bates, suas tensões entre desejo
e repressão, e a influência sufocante da figura materna.
No entanto, a leitura freudiana, embora sólida e reveladora, não esgota as
interpretações possíveis dessa obra tão complexa. É interessante pensar como
outros olhares psicanalíticos poderiam enriquecer ainda mais essa análise. Por
exemplo, Melanie Klein e sua abordagem sobre as relações de dependência e
agressividade poderiam lançar novas luzes sobre o vínculo de Norman com sua
mãe.
Além disso, o filme também levanta questões sobre gênero, identidade e
poder que merecem atenção. Como as representações da mãe e de Marion
impactam a psique de Norman? O que essa relação nos diz sobre
masculinidade, sexualidade e repressão? Essas perguntas deixam o terreno
aberto para interpretações futuras, sugerindo que há muito mais para ser
explorado além das leituras freudianas tradicionais.
Portanto, Psicose nos oferece uma multiplicidade de caminhos. Não se
trata de fechar a discussão, mas de deixar a porta aberta para novas leituras e
reflexões. Afinal, a mente humana, assim como o filme de Hitchcock, sempre
guarda surpresas e camadas a serem descobertas.

Bibliografia

Freud, S. (1900/2006). A Interpretação dos Sonhos. São Paulo: Companhia das


Letras.
Freud, S. (1905/1996). Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. Rio de
Janeiro: Imago.
Freud, S. (1913/1996). Totem e Tabu. Rio de Janeiro: Imago.
Freud, S. (1920/2010). Além do Princípio do Prazer. São Paulo: Companhia das
Letras.
Freud, S. (1923/2010). O Ego e o Id. São Paulo: Companhia das Letras.
Hitchcock, A. (Diretor). (1960). Psicose [Filme]. Universal Pictures.

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