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Minha Menina - Adriana Vargas

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Minha Menina

Adriana Vargas
Livro 2
De Meu Senhor
Editora Ella
Sumário
Minha Menina
Adriana Vargas
Editora Ella
Mundos Transponíveis
Capítulo 1
Capítulo 2
Confidências Pessoais
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
O Reencontro Decisivo
Epílogo
Mundos Transponíveis
Capítulo 1
O vento gélido anunciava a impressão da eternidade do
frio que vinha de Old, e parecia ser feito especialmente
para o Castelo de Siv. A primavera logo viria para forrar
as calçadas de flores flamejantes do flamboyant, que
floresce profusamente quando recebe o Sol pleno,
competindo com qualquer outra planta que ficasse sob sua
copa.
A atmosfera no Castelo não era mais a mesma desde a
chegada dos dias que se seguiram após a partida de
Charlote para a Terra dos Mortos, e a chegada de novas
escravas para o clã de Aragorne Tirel. Por mais que se
esforçasse, Seren não conseguia distrair seu Senhor, que
mantinha o pensamento perdido, ora em algum canto do
Castelo, ora no vagar dos olhos pela janela diante do
silêncio que agora o definia.
A menina subia delicadamente pelas pernas, a meia de
seda com bordas rendadas. Acabara de ser possuída pelo
Dono, porém ele parecia não estar presente, o que encheu
seu coração de medo e insegurança. Amarrou o laço na
cintura, e ajeitou o pequeno arranjo de flores artificiais
que prendiam o feixe. Ensaiou um meio sorriso e
caminhou em direção ao Senhor, que ainda não havia se
trocado. Não sabia se devia tocá-lo, mas algo dizia
secretamente em seu subconsciente, que o melhor a se
fazer era permanecer otimista e leal. Aproximou-se dele e
se ajoelhou, olhando para os pés de Tirel, que desejava
imensamente tocá-los.
− Dono de mim, aqui estou à sua disposição. –
silenciou na esperança de ouvi-lo pedir que fizesse algo
para agradá-lo.
− Sim, minha pequena. Adoro lhe ver sempre a meu
dispor. – cingiu o assunto enquanto ainda arrostava pela
janela em busca de respostas, as quais daria sua própria
vida para trazê-las até ele.
− Senhor, se me permitir, poderei ler algo que goste…
Pensei em alguns versos… O Senhor aprecia tanto… –
atreveu-se.
Tirel voltou à realidade, pestanejou e olhou para Seren.
− Sim, pode ir buscar a obra na biblioteca.
A menina quase cabriolou de alegria. Levantou-se,
serelepe, cumprimentou o Dominador com um gesto, e
saiu pela porta esculpida por uma figura medieval.
O Dono vestia a roupa lentamente enquanto esforçava-
se para se manter presente. Deveria ter se acostumado
com a ausência de Charlote, mas a cada dia sentia ainda
mais sua falta. Seu clã estava colmado de escravas
sedentas por sua atenção. Tirel tem feito seu melhor para
sanar as necessidades de cada uma, mas por dentro algo
parecia truncado e hiato. Todas as vozes no silêncio de
seus pensamentos não escusavam aquela perda.
Colocou o cinturão e caminhou rumo ao aposento que
se localizava ao lado da masmorra. Lá se encontravam as
vinte meninas que estavam sob seus cuidados desde que
sua pupila seguiu para a Terra dos Mortos. Estavam
bordando lençóis novos que haviam chegado da
Província. Cantavam uma canção que aprenderam durante
as aulas, e até isso lembrava Charlote. Ele olhou para a
face de cada uma sem que o percebessem. Estavam
radiantes, esta fora a impressão, o que deixou seu coração
mais desoprimido.
Voltou para a masmorra quando percebeu Seren
chegando com o livro nas mãos. Ensaiou um sorriso e
entraram para o aposento.
− O Senhor gostaria que eu continuasse a ler de onde
paramos ou prefere algum capítulo inédito?
− Quero que escolha algo que agradará seu Dono.
− Sim Senhor.
A menina novamente se ajoelhou e sentou sobre suas
pernas. Manuseava o calhamaço como se fosse feito da
mais delicada joia, até seus olhos brilharem diante de uma
página. Olhou para Tirel e sorriu ao recitar.
“Este alguém aí…
Com um anjo chorando no peito
Posso ouvi-lo no frio de tua alma
Não envelheça sem antes me sentir
Pálido… Sagaz…
Então saberá sobre os ponteiros em minha garganta
E, se eu dissesse que o tempo está se ultimando
Com a aproximação de teus pés a sangrarem
Na benção de um sorriso?
Sente-me?
Tocaria meu corpo nu sob a luz de uma tocha
Nascendo em teus olhos?
Saberia gritar se tua voz se calasse
Se teus lábios pousassem agressivos
Arranhando o céu de minha boca?
Romperia o muro abstrato
Arte do além
Viscerantes ao escutar
A Divina Comédia recitada no rouco lento de minha
voz?
Venha-te depressa…
O tempo na ampulheta se perfaz aos poucos
Não há ninguém aqui além de nós
Toca-me…
Longe das calçadas sujas de um passado que não
volta
Jogue a pedra de seu coração
Esvazia-se das mentiras
Não volte antes de me contar teus segredos
Não se exima do mal
Que quebra teu telhado
Sem antes apalpar os meus seios…
Sem antes eu entregar-me inteiramente
Longe o suficiente que não o fará voltar
Distante do que teus olhos me rasgam
E cortam meus pulsos
Há veneno em meu último gole d’água
Bebo-te a miúdo
Lentamente serei tua…
Sem ninguém para me ajudar a voltar
Sem quebrar as garrafas de teu falso pudor
Não há garantias…
Não há juras, nem promessas em um colar de
pérolas…
Quando o sublime dos desejos
Instaura-se no teu “eu”…
Com o insaciável meu “eu”…
A unidade do perpétuo
Um crime mútuo
Sem redenção…”
Ao terminar, ela o olhou, sentia-se fascinada por cada
palavra lida. Os dedos dele apertavam com força o ferro
da cadeira, como se quisessem quebrá-lo. Os olhos firmes
não escondiam a paixão latente pela irmã de coleira que
se foi. Seren mordeu o lábio inferior, sabendo que nada o
distrairia, e por mais que ele tentasse, não havia como
esconder. Ela queria acreditar que uma pessoa falecida se
dissiparia no abismo dos dias passados, mas isso não
acontece com os sivianos, que não morrem simplesmente
quando enterrados e lembrados como alguém que passou
um tempo ao lado dos seus. Um siviano permanece vivo
em outra dimensão, o corpo se refaz após a entrada no
mundo de Siv, semelhante a um ser infindo. Eles voltam
quando são liberados para um novo múnus, e neste
momento esquecem a vida predecessora. Por mais que
Seren não entendesse como tudo funcionava, ela sabia que
Charlote estava viva em outra dimensão, e que poderia ter
voltado em seu lugar, mesmo se fosse por um tempo
resoluto pela castra superior da Terra dos Mortos, mas a
irmã optou pela honra, cedendo seu lugar a quem mais
compreendeu o Senhor, mesmo quando ninguém poderia
fazê-lo. Seren se sentia grata. Talvez nunca conseguisse
retribuir como desejava, mas suas condolências eram
sinceras.
− Vá, menina… Se junte às outras, tenho alguns
afazeres. – disse tentando disfarçar o esmorecimento.
A menina se levantou tristonha, e se foi. Ele a olhava
caminhar, com seus joelhos roçando um ao outro, e as
pontas dos pés arcavam levemente para dentro, dando a
ela um ar quase infantil.
Tirel arfou um pouco de ar, arrumou os cabelos e
calçou suas botas. Pegou a bengala e caminhou pelos
corredores de Siv, alheio a tudo, mas com comiseração
inquietante por dentro.
Quando veio a noite, a penumbra que cobria sutilmente
os últimos raios de Sol tornou-se mais sólida, a ponto de
forrar o céu rapidamente, enquanto os assovios noturnos,
quase estranhos, faziam a sinfonia durante o jantar dos três
dominadores que estavam sentados à mesa, cada qual ao
lado de sua alfa. Aragorne apenas observava as faíscas
que vinham das tochas ostentadas nas laterais da sala de
jantar. Rainha Collins não estava se sentido bem há uma
semana, permaneceu em seu leito ao lado de Apsel, que a
cuidava com maestria e lealdade.
Mestre Olaf bem entendia aquele pesar de Tirel, ele
sorveu mais um gole do vinho servido por uma das
criadas, e observou Dominiquè levando o talher à boca
com a mais profunda sutileza das deusas de Siv. Ele roçou
sua perna na dela por debaixo da mesa, beliscando-a na
gana de tê-la nua em pelo assim que deixassem a mesa.
− Peço licença aos caros amigos, preciso me recolher.
– disse Aragorne ao se levantar sem mexer em seu prato.
Seguiu direto para a sala onde se encontravam suas
meninas. Abriu a porta e passou a observá-las. Ao notar a
presença do Dono, ajoelharam-se. Todos os olhares
seguiram para ele, parado na porta, mãos no cinturão,
olhos indômitos, buscando fixar-se em algum ponto que
lhe chamasse a atenção, e lhe dissesse que seria aquela, a
escolhida da noite. Este era o único momento em que
sentia prazer desde o momento em que se levantava da
cama. Cerrou os dentes num impulso que caracteriza sua
fome e sede por um corpo, uma pele macia que o
abrigasse da solidão. Olhou para a morena clara de
cabelos longos e lisos, olhos puxados cor de mel, tinha o
estereotipo indiano. Ele observou suas coxas trigueiras
saltando pelas fendas laterais da túnica, as mãos
delicadas pousavam com a palma para cima sobre as
pernas. Neste momento ela abaixou sua cabeça e o
coração pulsou fortemente. Erine, seu nome. Era muda de
nascença. Pouco ouvia, mas os olhos eram vorazes e
felinos, o que atraiu Tirel desde o primeiro instante. Ele
apontou para ela, que se levantou com graça e caminhou
descalça até ele.
Ao se aproximar, cumprimentou-o num gesto e abaixou
um dos joelhos até ao chão. Tirel tocou sua mão e a puxou
fortemente para si. Com um dos dedos, acariciou o queixo
afinalado e percebeu as bochechas dela rosarem. Sorriu.
Era assim que gostava… Chegou próximo à orelha da
menina e mordeu seu rosto e pescoço, sentindo o eflúvio
apetitoso que vinha dos cabelos dela. Sem olhar para trás,
puxou-a pela guia rumo à masmorra.
Ao ver a porta se fechar, a menina se arrepiou. Estivera
poucas vezes com o Senhor, e ainda não se acostumou
com a presença que a fazia atroar por dentro. Ele passou a
mão pela fenda da roupa dela, tocando em seu sexo,
estava como gostava, úmida e quente. Com o dedo anelar
passou a manipular seu clitóris, endurecendo-o até que
ficasse como uma pequena semente de alpiste. Voltou com
a mão até aos lábios e provou o gosto dela, salivando.
Com os dedos lubrificados, penetrou-a sentindo a
superfície interna cheia de pontos, volúpia e pequenas
contrações. Abrenhou-se dentro dela algumas vezes e a
viu fechar os olhos em delírio. Seus gemidos eram baixos
e abafadiços. Ele a agarrou pelo quadril e trouxe o corpo
já entregue, junto ao seu. Levantou a túnica com cuidado e
passou a esfregar a vulva sedenta sobre o volume
voluptuoso que se formou em sua calça. Com uma das
mãos, apertava o cóccix dela, rente a sua ereção, para
baixo e para cima. Apertou os lábios pintados, sufocando-
a, até ouvir a súplica na respiração. Levantou uma das
pernas bem torneadas de Erine, e beliscou seu mamilo,
torcendo-o com sofreguidão. Ao sentir sua calça
umedecida pela excitação da fenda feminina que desejava
ardentemente ser penetrada. Ele a soltou. Levantou seu
maxilar com um toque apenas, mirou-a nos olhos, ela
abaixou o olhar com timidez; desejava secretamente,
gozar. Ele gostaria de dizer que sua vontade era de que ela
o olhasse nos olhos, sem abaixar a cabeça. Ao invés
disso, respeitou a deficiência auditiva da menina, franziu
o cenho e persistiu em levantar novamente seu queixo,
dessa vez, de uma maneira grotesca, firme… Ela deveria
saber que as coisas não são como quer, e que deve ter
desejos, e não vontades.
Afastou-se a um metro e meio, e pôs-se a olhá-la
detalhadamente. Era uma bela mulher ansiada de desejos,
louca por um gozo profundo e desconexo.
Os olhos dele me desnudavam em silêncio. Passei a
retirar a parte da roupa por onde meu Senhor olhava,
começando pelos ombros. A túnica logo correu por meu
corpo em arrepios. Eu sabia que deveria estar
preparada todas as noites para recebê-lo, mesmo sem
saber quanto tempo demoraria a ser escolhida. Por este
motivo, nem uma de nós havia colocado a roupa debaixo
após o banho. E nesse dia em especial, algo me tocou
por dentro, eu sentia que seria dele… Preparei meu
banho com rosas brancas, e deixei que as pétalas
tocassem meus mamilos, enrijecendo-os até que a água
esfriasse. Sei que é proibido me tocar longe do Senhor,
mas acabei não resistindo, e passei a me masturbar
dentro da tina. Eu o desejo muito… Ardentemente…
Ainda me encontro com fome e sede do corpo e toque
dele… Ele não pode ouvir minhas palavras, mas, meus
instintos, conhece bem…– pensou a escrava.
Ao fechar os olhos para ser tomada pelo seu Senhor,
ela sentiu um par de mãos, puxando-a. Quase cegamente,
fora agarrada pelos cabelos que deslizavam em suas
mãos, e a colocou sobre uma mesa, de bruços. Acariciou
cada polegada da pele em desalinho, que se arrepiava
exibindo poros fartos.
Abaixou a calça, cortejando a vista dela por trás, em
todos os aspectos, cada curva ou textura. Achava lindo
ver uma mulher com as partes íntimas dirigidas para cima,
abertas, expostas, chamando-o… Passou por toda a parte
da vulva dela, a glande que latejava. Encostava apenas,
depois, deslizava com furor, penetrava um pouco somente,
e a estocava com sofreguidão. Ele precisava fazê-la sentir
o próprio corpo, prepará-lo, conhecê-lo. Uma prática sem
preparo era como um prato vazio sem comida, não havia
sentido. O corpo de uma slave precisa ser bem cuidado e
estimulado. Ela precisa sentir a delícia que é, antes,
durante e depois.
Quando as pernas já estavam vibrando, ele a puxou
pelos cabelos novamente, levando o rosto da menina para
perto do seu, sentindo a respiração ofegante, a boca
salivando, isso o excitava… O tesão dela era o seu. Os
desejos mais secretos, a ânsia… Tudo… Puxou-a,
esfregando a face delicada em seu abdômen, fazendo-a
retirar com os dentes, o restante de roupa que lhe sobrara
após a camisa desabotoada. Colocou de uma só vez, todo
seu mastro dentro dos lábios pintados, fazendo-a arfar,
empurrando profundamente. Deu passos para trás,
levando-a arrastada pelo chão pelos próximos dois
metros, abocanhada em seu pênis. Não suportando a
pressão carnal, ejaculou, jorrando o esperma quente,
quase a engasgando.
Selvagens estavam seus instintos, com gana a pegou do
chão e a colocou na Cruz de Santo André, rasgando suas
roupas, amarrando com forças, pés, pulsos e tornozelos.
Eu gostaria de poder ouvir agora… Daria tudo para
escutar o tanger do chicote de meu Dono estralando em
minha pele, derrapando pelo chão, voltando a me
marcar com instinto febril de um corcel negro. Adoraria
poder sussurrar para ele, meu desejo de correr minha
língua por toda a extensão de seu pênis… Desejo gozar,
olhando para ele… Desejo… – pensou Erine
Seus pensamentos foram interceptados quando a chibata
chegou até sua lombar, ardente… Gemidos tórridos saíam
sem direção, em sons desuniformes. Novamente sentiu a
pele ser tomada, em seguida, mordidas nas nádegas e
mãos invadiam seu sexo, explorando como um
descobridor de cavernas.
Após a vigésima quinta chibatada, ainda com desejo de
orgasmos, ela não se cansou. Ao desamarrá-la, Erine
abriu as pernas, e caiu ali mesmo no chão. Tirel Apertou
firme, os mamilos. Mordeu fortemente os lábios e o
esperou… O orgasmo veio. O suor vertia pelo maxilar,
gotejando dentro da boca. Mesmo sabendo que ela não o
ouviria, ele disse:
− Goze, minha menina… Goze para seu Dono. Quero
que me lambuze com seu desejo… – penetrou-a, macio, a
princípio, mas não resistiu ao sentir que ela queria com
força, quase a rasgando, até que o oásis vindo de todas as
células nervosas dela drenasse num profundo e esperado
gozo.
Ainda afoito, embora combalido, ele a carregou até sua
alcova. Banhou-a, cuidou das marcas nas costas e a fez
dormir tal como um passarinho no ninho, entre as pernas
dele, agafanhada em seus pelos e musculatura. Assim que
ela apagou, levou-a para o quarto coletivo onde dormiam
as demais slaves.
Voltou para suas dependências, pensativo, eram poucas
as razões que o faziam sair de si e esquecer a dor de
viver, uma delas é ser Dominador. Talvez agora, um pouco
mais cético, rústico, cuidador e protetor, porém sentia-se
como um barco perdido no mar.
Buscou no travesseiro, o cheiro de Charlote, nada mais
havia dela ali. Os anos somente deixaram registrados o
quão importante a menina fora para a vida daquele
Senhor, que esperava apenas o tempo correr, e quem sabe
um dia poder reencontrá-la em outra dimensão.
O dia amanheceu chuvoso, após a prática de equitação,
adentrou o Castelo escondido atrás de sua capa de chuva,
molhando o piso por onde passava. Foi direto até ao
refeitório se certificar de que as meninas estavam
tomando o café da manhã no horário previsto. Abriu a
porta e a mesa gigante de madeira estava ocupada pelas
vinte submissas. Num sonoro e amável gesto, todas deram
bom dia ao Senhor, num único som. Os olhos correram
pelo rosto de cada uma até chegar em Erine, que corou ao
sentir o par de olhos sedentos pousados sobre ela.
− Quero todas preparadas. Terão uma surpresa. – disse
num breve sorriso.
Sem saberem o que esperar, apenas se entreolharam.
Aragorne saiu, já retirando a capa e entrando na
biblioteca. Assim que chegou, assustou com o semblante
do Mestre Olaf que o esperava juntamente com Apsel, que
chorava discretamente sentada a uma cadeira.
− O que está havendo por aqui? – admirou-se da cena
encontrada.
− Caro amigo, a Rainha não se encontra em bom estado.
– disse Olaf tentando escolher as palavras.
− O que houve com Collins?
− Ela não reage, Senhor. Por mais que tenhamos
seguido as orientações médicas, nada faz passar a febre, e
eu temo muito por isso.
Aragorne deu passos a frente e sentiu-se impotente, do
jeito que jamais se permitira a se sentir.
− O que podemos fazer?
− Eu não sei mais o que fazer, Senhor. Sinceramente
estou muito preocupada. – disse Apsel, secando o rosto
com um lenço.
− O médico diagnosticou a causa da doença? – quis
saber.
− Sim Senhor. Pelo o que tudo indica, ela se
contaminou por essa epidemia que matou muita gente no
vilarejo.
− A epidemia… – ele ficou tenso. – Tem certeza disso?
− Sim Senhor. Eu fui proibida de entrar no quarto,
assim como os demais serviçais. Os médicos pediram
isolamento total. Com ela estão somente alguns
enfermeiros preparados, com vestimentas especiais para
cuidá-la.
− Não posso acreditar nesta catástrofe!
− Podemos pedir ajuda a Old. Temos alguns Mestres lá,
com poderes de cura. – disse Olaf.
− Não… Não sei se é uma boa ideia. – respondeu
Aragorne se lembrando de que Siv fora despojada da
aliança, e que agora em diante deveriam tomar suas
próprias decisões.
− Trata-se de nossa Rainha… Não há motivos para
entono neste momento. Ademais, o Castelo pode estar
enfestado pela peste. – considerou Olaf.
− Temos que achar outra solução…
− Não há outra solução, caro amigo. A Rainha é sua
irmã. Não há o que se pensar. – argumentou o Mestre.
Tirel caminhou pelo aposento pensando sobre as
palavras do amigo. Parou por um segundo, respirou
profundamente.
− Vamos pedir ajuda a Old.
− Não temos mais a comunicação direta com eles. –
disse Olaf.
− Eu vou até lá. – respondeu Tirel.
− Tem certeza? – perguntou o Mestre sabendo que
poderia não ser bom para o amigo, pois havia a
possibilidade de procurar por Charlote na Terra dos
Mortos, que não é tão próximo, mas a caminho de Old.
Isso poderia causar um novo caos para a segurança do
Castelo.
− Sim. Parto ainda hoje. – dizendo isso, saiu da sala.
Preocupado, andou pelos corredores tentando entender
a preocupação do Mestre quanto a sua ida a Old. Só então
se lembrou da cidade de Siv. Charlote estaria na Terra dos
Mortos, entrada proibida aos sivianos em missão fora
daquela dimensão. Não arriscaria perder muito tempo por
lá, sabendo do estado de saúde de Collins, mas seu
coração acelerou pensando na possibilidade de revê-la.
Entrou na sala de aula onde as meninas estavam em
aprendizado, e pediu a vez para usar a palavra.
− Está cancelado nosso compromisso para esta noite.
Precisarei viajar. Peço que todas se alimentem dentro dos
aposentos, não saiam de lá até eu voltar. – disse
preocupado com a possível peste que colocara a Rainha
de cama. Correu os olhos à procura de Seren e não a
encontrou entre as meninas. Preocupou-se. Saiu sem se
despedir, olhando para os lados. Fora ao jardim,
estranhando não tê-la visto na sala de aula, como de
costume. Algo muito sério deveria ter acontecido para que
não estivesse cumprindo as tarefas.
Chegando ao jardim, olhou para todos os lados, não
estava em lugar algum. Acelerou o passo e voltou para o
Castelo, indo a passos apressados até o aposento onde ela
dormia. Abriu a porta com sede e a viu deitada na cama,
em delírio.
− O que houve, menina? – disse quase correndo ao seu
encontro.
− Sir, eu não sei… Tenho febre… – a voz dela estava
fraca e muito baixa.
Ele não quis acreditar… Talvez não fosse nada além de
uma gripe, mas como o local estava suspeito de ter sido
acometido por uma epidemia, nada poderia ser impossível
de acontecer. Temia pela menina, era muito frágil e
franzina.
− Fique tranquila, vou chamar um médico. – saiu
apressado em busca de ajuda. Ele tinha mais um motivo
para ir até Old. Não conseguia pensar na possibilidade de
perder a irmã e a menina. Pediu a Olaf que cuidasse de
seu clã até que ele voltasse, e que chamasse toda a equipe
médica do povoado para ficar no quarto junto a Seren.
Não demoraria a chegar, esse era seu objetivo, mais que
uma honra, um compromisso consigo.
Foi até seu aposento, abriu a caixa de madeira forrada
por cetim, e tocou no cordão que tinha uma Medalha
Tetragrammaton. Ao tocar na medalha, seus dedos se
aqueceram. Aquela seria a chave para o outro mundo. Não
deveria ter retirado de seu pescoço, talvez fosse por este
motivo que o Castelo fora inundado pela peste. Sentia-se
eternamente culpado por sua negligência. Rapidamente,
colocou o cordão e saiu rumo ao portal. Ao passar pelas
portas do Castelo, Olaf, em um dos cômodos,
cumprimentou-o com um olhar de preocupação. Ele
assentiu e seguiu seu destino.
Ao chegar ao portal, tocou fortemente na medalha, e
algo o contagiou por dentro e por fora, com uma vibração
incomum que retirava seus pés do chão. Fora transportado
numa espécie de luz, que possuía uma velocidade
inenarrável.
Ao dar por si, estava chegando ao portal de Old, onde
fora recebido por alguns Mestres. A paisagem não era tão
diferente da Terra, porém o ar era mais leve, e a
vegetação lembrava uma superfície aveludada, assim
como as flores que tinham uma aparência excêntrica e em
grande variedade, muito diferente das que já tinha visto.
Não podia perder tempo, estava ali em uma missão muito
importante.
− Vim em busca de ajuda, a Rainha encontra-se muito
doente, pode partir para a Terra dos Mortos a qualquer
momento. Preciso dos curandeiros. – disse ele, confiante.
Em uma sala branca por todos os lados que olhasse,
estava um senhor bastante alto e de olhar sério.
− Temos a ajuda que precisa, antes, porém, precisamos
conversar. – disse o Ministro de Old, vestido em uma
túnica de cor pérola cintilante.
− Não tenho muito tempo, caro Ministro.
− O destino já está traçado, nobre amigo. Podemos ir,
mas nada mudará o que é preciso acontecer.
Tirel ficou pálido. Não acreditava em destino, e sim, no
que poderia fazer para mudar a ordem das coisas.
− Você novamente está em provas! – disse o Ministro.
− O que quer dizer, Ilustre?
− Quero dizer que o destino traça e, nós, pelo motivo
lógico e sem alternativas, acatamos. Precisa procurar pelo
Ministro de Siv, na Terra dos Mortos. Levarei você até lá.
− Mas… – lembrou-se de Charlote. Lembrou-se do
tempo que urgia e a cada minuto passado seria tarde
demais para ajudar Seren e Collins.
− Não há mais nada a se fazer. – disse o Ministro.
Aragorne abaixou a cabeça e apenas acompanhou o
Senhor.
A viagem de lá a Siv fora a mesma que fez do Castelo a
Old. Talvez um pouco mais curta. Não deu tempo de
pensar muito, logo chegou àquela cidade muito diferente
de tudo que o cercava. Não sabia o que esperar. Sentiu
receio pela primeira vez em sua vida. Não sabia se estava
preparado para rever Charlote ou perder Seren. Tudo o
incomodava.
Quando avistou a cidade construída por cristais,
percebeu que seus pés não pisavam no chão, e sim,
deslizavam. Qualquer ruído ali era um grande barulho,
como um vidro se espatifando no chão. Tudo era limpo e
transparente, quase irreal. Ao contrário da temperatura
amena de Old, A Terra dos Mortos era fria. Seguiram por
quinze minutos entre as paredes cristalinas do Ministério.
Vira algumas pessoas passarem, mas nem uma delas olhou
para ele, sequer perceberam sua presença. Vestiam
aventais que iam até os pés, e usavam turbantes na cabeça.
O corpo era de uma substância volátil, ora ficavam bem
visíveis, ora quase desapareciam. Assim que se olhou
para fazer uma comparação, assustou, seu corpo também
se encontrava do mesmo modo.
− Toda massa é modificada para adentrar ao Mundo dos
Mortos sivianos, caso contrário, seu corpo físico não
suportará.
− Não compreendo…
− Não é necessário compreender. – disse o Ministro de
Old, que também estava do mesmo modo como os demais.
Assim que chegaram ao final do corredor, viraram à
direita e avistaram, dentro de uma espécie de capela, um
ser vestido com uma túnica verde-água e longos cabelos
grisalhos.
− Eis o Ministro de Siv. – disse o Oldiano, que
desapareceu assim que acabou de falar.
Aragorne se recordou dele, estava presente na
cerimônia do coroamento de Collins.
− Muito prazer em revê-lo. – disse Tirel, olhando para
todos os lados, a angústia o exauria.
− Sopite seu coração, bravo siviano. – disse o Ministro
em uma voz suave e apaziguadora.
− Charlote… – abjugou sem querer o nome dela de seus
lábios.
− O caro amigo veio em busca de ajuda ou atrás da
menina?
− Desculpe, Ministro… É claro que vim buscar ajuda
para salvar nossa Rainha e a menina Seren.
O homem o olhou profundamente, como se quisesse
revolver sua alma, e certamente seria capaz de muito
mais, caso desejasse. A alta envergadura de sua
colocação na Terra de Siv não era um acaso. Tratava-se
de um ser de luz e detentor de poderes paranormais, muito
além do que qualquer um pudesse supor.
− Convido-o a um passeio. – disse ele já se
movimentando.
− Convite aceito. – respondeu Tirel, tentando se
concentrar no que fora fazer ali. – Porém, não tenho muito
tempo… – disse preocupado com Collins e Seren.
− O amigo nasceu aqui, e ainda não conhece o sistema?
Nosso tempo não corresponde ao tempo de vinte e quatro
horas. Estamos o tempo todo em tudo, e tudo está do
mesmo modo em nós.
Tirel parou por um momento… Tentava se recordar das
veredas daquele local.
− Sim, Mestre, porém…
− Porém a vida como dominante ocupou seu passado,
presente e futuro.
− Talvez seja isso.
Sobrevoaram sobre o piso cristalino por alguns minutos
até que alcançassem o ar livre. Os olhos do dominador
brilharam. Devidamente se lembrara daquela
luminosidade jamais vista em qualquer outro lugar do
Universo. Estava no espaço, não havia nuvens, mas não na
Terra de Siv. Lá, elas se encontravam tão próximas que
poderiam ser tocadas. Assemelhavam-se a plumas suaves.
Todo o local era cercado por cachoeiras e cristais. Não
havia terra, e, sim, uma textura muito alva, parecida a
algodão recentemente colhido. Pássaros cor-de-rosa e
lilás sobrevoavam por todos os lados. Era de uma beleza
incomparável.
Seguiram até alguns bancos feitos de um material
transparente semelhante ao cristal, logo abaixo de uma
árvore que brotava uma nascente d’água.
O Ministro se sentou e o convidou a fazer o mesmo.
− O caro amigo poderia responder sinceramente a todas
as minhas perguntas?
− Obviamente.
− Assim será mais fácil a compreensão.
− Elas possuem chance de sobreviverem? – perguntou
diretamente.
− Pelo o que ouso a lembrar, não seria eu, a fazer as
perguntas?
− Estou apoquentado, Mestre.
− Não há razão de ser… Não existe morte para nós, e
sim, missão. A morte em nosso mundo apenas registra o
final de uma missão, para que outra tenha início.
− Estou disposto a entender, Mestre, mas não consigo
apurar suas palavras.
− Quero dizer que ninguém está lá por um acaso. O seu
berço é aqui, na Terra de Siv. Lá se encontra apenas o
poder e a Administração de nosso mundo. Caso a Rainha
fizer a partida, saberá que ela estará aqui, entre os seus,
até o próximo momento de voltar.
− Sim, mas… ficaremos sem a Coroa?
− Acredita nisso?
− Não sei mais em que acreditar… E a menina… Ela
morrerá, não é siviana.
− Ela cumprirá também sua missão, porém como
humana.
Tirel abaixou a cabeça e buscou por respostas.
− Ela faz parte de mim… – disse ele, num tom triste.
− Cumpriu seu papel com ela?
− Tenho feito o meu melhor.
− O seu melhor corresponde ao seu papel?
Aragorne o encarou, sem medo de responder.
− Sim, Ministro.
− E seu coração, corresponde ao seu melhor?
Então ele se calou. Não poderia dizer que amava Seren
como um dia amou Charlote, mas não mentira quando
disse que a menina era parte de si.
− Corresponde, Ilustre. Eu a estimo pelo o espaço que
conquistou dentro de mim. Isso não quer dizer que…
− Não precisa se comparar a nada. O importante é que
tenha cumprido seu papel de Dominador, e não de amante.
− Não a vejo como amante, a vejo como minha. – disse
firmemente.
Dessa vez foi o Ministro que se calou.
− E quanto a Charlote?
− Eu a vejo como a luz que um dia iluminou a minha
vida. – seus olhos brilharam.
− Você a via como sua? – o Ministro o olhou com um
olhar desafiador.
− De todos os membros do meu corpo, Charlote era o
meu coração.
O Ministro tocou no ombro dele, expressando
considerações.
− Como disse, tudo tem um sentido em Siv. De certo, se
tivesse sido por outro modo, não teria jamais a acepção
que hoje tem.
− Eu a sinto. Ela jamais esteve longe de mim.
− Seria capaz de novos desafios?
− Quais?
− Nunca se esqueça de que Siv deve vir sempre em
primeiro lugar. Você foi um escolhido para estar no
Castelo, e zelar por nossas tradições. É uma de nossas
referências em uma terra distante, aquela que ainda luta
por nossa causa.
− Quais são os desafios?
− Terá de lutar novamente pela Coroa! – o Ministro
disse de uma vez por todas.
− Isso significa que… – ele desejou não terminar a
frase.
− Significa que Collins está partindo para cá.
Mesmo sabendo que a morte não existia para os
sivianos, seus olhos encheram-se de lágrimas, pois
vivendo no Castelo, envolto pelas tradições que o
cercavam, não havia como pensar na separação, e na falta
que a irmã lhe fará.
− E Seren?
− Um Dominador muitas vezes precisa perder para
ganhar.
− Ela não é siviana… Ela é muito jovem…
− Você poderá fazer uma escolha…
− Uma escolha?
− No final. Ainda nem começamos.
− O que devo fazer?
− Merecer a Coroa de Siv, que poderia ser sua por
sucessão, porém, existem outras questões em jogo. – ele
parou por um momento e observou algum ponto na
imensidão. – Charlote deu a vida em troca de sua
liberdade como Dominador, e a liberdade a Siv. O que
você daria a dela? O que daria por Siv?
Ele abriu a boca para responder, mas antes observou
algumas crianças correndo em algazarra.
− Eu retribuiria tudo que ela me deu, com minha
própria vida.
− O amigo tem certeza do que está falando? Cuidado!
As palavras têm peso e condão de realização quando
jogadas no Universo.
− Eu faria qualquer coisa para tocá-la novamente…
− E a Coroa de Siv? Trocaria por Charlote?
− Trocaria meu reino, minha paz e minha vida.
Um dominador poderia não chorar, mas naquele
momento, um nó apertara sua garganta, como se fosse ele,
o refém de um sentimento que o abatesse tão
profundamente, o qual seria incapaz de não fazê-lo.
− A proposta é, estará encarregado pela conquista da
coroa, e esta se dará através de uma transportação à vida
futura. Uma realidade que não se passa nem em sonhos
por sua mente. Algo totalmente diferente do que já viveu
como Dominador.
− E o que devo fazer para conquistar a Coroa?
− Reconquistar Charlote.
− Não estou entendendo… Irei para o futuro e…
− Charlote estará lá, para que desempenhe sua função.
É muito fácil reconquistá-la aqui, entre as duas
dimensões, com os sentimentos latentes, lembranças… Um
sabendo sobre o outro…
− Ao nos reencontrarmos, não iremos nos reconhecer?
− Esquecerão todo o passado durante a missão, será
como se sempre estiveram ali, mesmo diante da confusão
psicológica. As adaptações serão feitas no psíquico de
cada um enquanto forem programados para adentrarem
outra época a centenas de anos vindouros. Saberão o que
fazer através da intuição. Os sinais no corpo, que os
identificam como afins, desaparecerão. Conservarão, a
priori, os mesmos nomes, mas terão de se adaptarem à
modernidade que lhes mostrará um mundo totalmente novo
para vocês, mas como disse, a programação que será feita
no cérebro de cada um, será como uma ferramenta
adaptadora. Saberão fazer coisas que hoje nem sonham,
embora o linguajar e comportamento poderão ser
afetados, digamos, pela vulgaridade das palavras e
expressões… De algum modo, os fatores daquela
realidade exigirão de vocês, os melhores esforços. Caso
não consiga cumprir, voltará e perderá o Reino. É sua
última chance de ser o melhor Dominador que já fora um
dia. Deve agir dentro da honestidade, integridade e honra.
Estará num tempo moderno onde as pessoas são
convencidas pela ilusão, prazer fugaz, mediocridade e
ego. Perceberá que muitas das vezes usam das práticas
para se esconderem de alguma deficiência, ou do mundo
em que vivem. Nossas práticas estarão por muitas vezes,
deturpadas da essência. Uma de suas maiores
responsabilidades será levar a honra e o respeito num
tempo tomado pela promiscuidade. Você estará lá, perto
ou longe de tudo que mais deseja. Só depende de você, o
resultado.
− E depois? Quando tudo se perfizer?
− Jamais saberemos o que irá acontecer se não passar
pela vivência. Arkadius, estará lá… Cuidado!
− Arkadius? – ele franziu o cenho tentando se lembrar,
mas nada vinha em sua mente.
− O lider bárbaro siviano. Ele quer o trono, e poderá
tomá-lo, se conquistar o coração e a entrega de Charlote.
− Eu não sei quem é… Arkadius… Para mim, os
herdeiros do trono são os que estão dentro do Castelo.
− Nem tudo é o que parece. Qualquer siviano pode ser
Rei, desde que mereça esta posição. Ser herdeiro não
significa uma definição quanto à Coroa, isso significa
apenas que você tem chances a mais.
− Quem é Arkadius, Mestre?
− Quem retirou Charlote do Castelo. – ele disse num
tom de preocupação, sabendo que não poderia falar muito,
e que talvez, tenha dito demais. − Agora vá!
− Quando devo partir para o futuro?
− Saberá. Seu coração dirá.
− E Seren? Como a curo?
− Com amor.
− E as meninas?
− As meninas estarão bem… Não se preocupe quanto a
elas.
Dizendo isso, o Ministro desapareceu num sorriso.
Tudo ao redor de Tirel passou a girar, entrando numa
ressonância que o fez despertar apenas dentro do Castelo.
Capítulo 2
Ainda zonzo pelas circunstâncias, Tirel correu assim
que pôde sentir seus pés nos chão. Não sabia ao certo a
quem socorrer primeiro, as informações dadas pelo
Ministro o deixaram aturdido. Não sabia exatamente qual
era o tipo de sentimento que tinha naquele momento, sabia
apenas que eles transbordavam em um vai e vem de
sensações. Antes de se recuperar, de longe vejo a
movimentação dos criados, submissas e seus caros amigos
Dominadores. Estranhou.
Aproximou-se, parecia não ser visto. Viu Apsel jogada
ao chão, chorando com as mãos entre a cabeça. Chegou
um pouco mais perto, e ela o olhou com os olhos inchados
e vermelhos.
− Ela se foi.
Foram as únicas palavras ditas. Continuou parado,
olhando o nada. Era estranho. Talvez a frustração tenha
vindo por não ter sido bom o suficiente para salvá-la,
mesmo sabendo que neste momento está segura, e voltou
para os seus. Agachou-se de frente a menina, e buscou nos
olhos dela, a resposta que os seus queriam, para as
perguntas que nem mesmo ele saberia formular.
− Ela estará bem. – disse, com a voz um pouco rouca, e
por dentro, uma aflição contagiante.
− Minha Rainha levou consigo toda m’alma. Sei que
não posso compreender o ponto de vista dos sivianos
diante de uma situação desta, mas eu… Eu sou uma pessoa
comum, jamais voltarei a vê-la. Embora pressinto que ela
voltará… – após essas palavras, desabou num choro
profundo, abaixando a cabeça próxima ao colo dos seios.
Tentando confortá-la, sem saber se deveria, ele a trouxe
para perto do seu peito, e pela primeira vez, depois de
muito tempo, sentiu novamente o esmero que a tinha
quando era sua.
Um Dominador toma para si, esse tipo de situação,
como uma afronta. O orgulho impera, fere e machuca.
Perdê-la para sua própria irmã era algo que só havia se
amenizado no vasto sentido da palavra.
Abraçou-a com compreensão e a convidou a se levantar
de onde estava. Se, entregar-se àquela dor, demoraria
muito mais tempo para se recuperar.
− Não sou mais seu Dono, mas tenho por você um
imenso carinho, Apsel. E por este motivo lhe peço, vá
tomar um banho, tente encarar os fatos como uma
submissa faria ao ver sua Dona partir, com honra e
dignidade, por todo desvelo que ela lhe dispensou.
Ela apenas concordou, balançando a cabeça e acatou o
que ele a pediu.
Era agora seu momento de se despedir de sua irmã, e
dizer no silêncio das palavras, que tinha muito orgulho
por ela ter sido quem foi. Mas ainda deveria ver Seren.
Ela neste momento precisava de toda sua atenção. Era
necessário ser forte, ágil e se sentir seguro de seu papel.
Muito mais que um Dono, sentia pela menina um carinho
paternal.
Foi mais rápido que pôde ao seu quarto, e a encontrou
delirando sobre a cama. Chegou mais perto e tocou sua
mão, beijando-a na testa.
− Estou aqui… Jamais vou te abandonar… Jamais…
Ela sorriu sem abrir os olhos, e pela face deixou
escorrer uma lágrima encorpada.
− Reaja, minha princesinha. – disse, afagando seus
cabelos e beijando seu rosto.
Algo o tocou por dentro sobre o que deveria fazer, e
assim o fez. Tirou suas botas e o cinturão, e se deitei
próximo a ela. Neste momento ela abriu os olhos,
estranhando, quase reprovando sua atitude, e ele sabia o
motivo.
− Não se preocupe, não precisa temer. Estou escudado.
– eu disse tocando na medalha em meu cordão no
pescoço, que reluzia de modo florescente.
Ela o abraçou tão forte, que a febre que saia de si,
aquecia a pele dele.
− Sir… – a voz era muito fraca, quase comparada ao
fio de uma linha. – Recite um verso para mim?
Lembrou-se de todas as vezes que ela o fez por ele, e
em muitas delas com o afã de consolá-lo ou apenas saciar
uma vaidade dele. Fechou seus olhos para ver se
recordava de algum que mais gostava. Foram tantas e
repetidas vezes que Seren os recitava que foi capaz de
gravá-los. Em outros momentos, ele mesmo ia até o livro,
abria a página de algum de seus preferidos e lia, pensando
em Charlote.
“A menina passeia em meus pensamentos
Em névoa e espaços
Que me revelam teus segredos bem guardados.
O que era petrificado e morto
Tomou vida quando olhei para teu corpo
Corpo teu, que é meu…
(Todo meu)
Nada mais importava
O mundo se dissipou, enevoou…
És somente tu em meus olhos
Como imagens soltas
Como gaivotas que descobriram
Que voar é bom…
Abracei-te contra o peito
Desordenei os anéis de teus cabelos
Que bailavam formosamente ao rumor do vento
Buscando o meu toque
Tocando-me como seda…
Lindos olhos… Ah, os teus olhos…
Como a quero…
Tudo em ti, fala…
Desde o suor descendo
Em passos lentos pelas suas pernas…
Os músculos que se contraem
Que me abraçam… Falam…
Eu ouço seus murmúrios…
Ouço o seu sorriso…
Ouço os sons que saem de ti
Todos em mito – rito!
Estamos perdidos em um labirinto sem volta
O conjunto de tuas complexidades
Extasiam-me, deixa-me louco…
Mordo o céu para não deixar-te ir
Dou-te o pulmão, os rins e as vísceras
Não há barreiras, nem fronteiras…
Tudo se encontra exequível
Questões insolucionáveis…
Quero perder meu tempo
Escorregando em lodo sedento – denso!
Registrou-se em mim sendo-te uma quase reticência
Tão simples – uma incógnita no deserto
Benfazejo dom de me transformar
Em carne e alma.”
Ao terminar de recitar, olhou para a menina, ela estava
dormindo. Tentou refletir sobre o que tem envolvido os
dois, e se questionou se tem feito seu melhor. Por mais
difícil que tem sido, fez o possível para se tornar
presente, apesar do inconformismo com os infortúnios, e
por que não dizer, do destino que o afrontou. Lidar com o
que não aceita sempre fora seu maior desafio. Não
conheceu outra realidade, sem ser a de todos os seus
desejos realizados, criaram-no para ser Dominador. Este
é o lema em Siv para toda criança que nascesse do sexo
masculino, algumas meninas, como Collins, eram exceção,
e isso se manifestava com o passar do tempo. Mas o
fadário ditava as regras em todo e qualquer confim. Não
existia domínio para esta questão. Uma hora ou outra
deveria enfrentar o que não conseguia modificar. Perder
uma pupila era perder muito de si, sem se reconhecer. Era
se esfarelar aos poucos, diante da luz do dia e das trevas
do anoitecer. Não existia ninguém para socorrê-lo neste
momento. Faria qualquer coisa para que Seren não fosse
embora de sua égide. Não suportaria ter de perder mais
uma menina, e no caso dela, isolado, uma pequena feita de
mortalidade, jamais a encontraria novamente… Precisava
salvá-la.
Aconchegou-a mais em seus braços e tentou silenciar a
mente, até que tudo se acalmasse dentro de si, e pudesse
apenas viver aquele momento. Estava quase se entregando
ao sono, perdendo-se e solvendo-se num ciclo comungado
pela liberdade de ser tão somente um homem de mãos
atadas… Quando os sinos tocaram, e a angústia retornou
com garras e exatidão.
Deixou-a com diligência, vestindo suas botas,
desejando pela última vez que se recuperasse. Colocou
seu medalhão sobre a fonte dela… Não sabia rezar. Nem
teria a quem pedir. Apenas desejou sua cura com tudo que
havia em si. Saiu apressadamente.
Ao cruzar o salão principal, viu a cerimônia póstuma
em favor de Collins. Como toda mulher não-siviana,
Apsel chorava, toda vestida de preto, como estavam
vestidas as demais submissas. O véu que caía sobre sua
face estava quase colava às lágrimas. Os amigos
dominadores se postavam um pouco a distância do manto
onde se encontrava os restos mortais de Collins. Uma
música renascentista tocava ao fundo, por um grupo de
violinistas. As velas foram colocadas em cada ponta da
mesa coberta por madrepérolas. As flores mais vivas e
bonitas do jardim coloriam o colo de Collins, que
repousava apenas, essa era a convicção.
O pesar que Tirel sentia não era o mesmo atribuído ao
que sentiu quando Charlote se foi, então percebeu a
diferença de ser um Dominador e um cidadão siviano.
Uma criada trouxe em passos ritualísticos, uma espada
a qual Aragorne tomou, e cruzou em frente a seu peito,
cumprimentando a memória de Collins e aos presentes, em
seguida foi até o caixão, e cruzou por duas vezes a katana
sobre o corpo da Rainha.
− Prometo honrar seu nome e seu reino, minha Rainha.
– disse em tom de agradecimento.
Passaram o tempo de uma hora, aproximadamente, em
absoluto silêncio, apenas ouvindo a música e agradecendo
em pensamento, pelo reinado feliz que a Rainha os
concedeu.
O cortejo para o envio de Collins a Siv foi logo em
seguida. Aragorne aproximou-se de Apsel, e ofereceu seu
braço, o que foi aceito em profundo comisero e
deferência. Ofereceu seu lenço para que pudesse secar o
rosto, ela o agradeceu com o olhar perdido. E assim se
despediram da Rainha, que os deixou com honra, respeito
e reconhecido decoro.
Todos seguiram para seus aposentos, e Tirel voltou
para Seren.
Assim que entrou, ele a viu sentada na cama. Seu rosto
estava sereno e suas mãos pousavam suavemente sobre as
pernas. Ela sorriu, ele retribuiu. Pegou-a no colo e a levou
para seu quarto. Passariam a noite juntos, e o tempo que
fosse necessário até ter certeza de que ela não o deixaria.
Após os sete dias de luto no Castelo, tudo passou a
transcorrer em seu ritmo normal. Seren se restabelecia aos
poucos, mas ainda não frequentava as aulas. Sentia-se
enfraquecida, e seu espaço havia se tornado apenas o
quarto de seu Senhor. Tirel temia que ela saísse e pudesse
contagiar as outras pessoas. Passaram muitas horas juntos,
enquanto ele lia os versos que ela mais gostava. Dava a
ela, comida na boca, embora a menina não sentisse fome,
mas não desobedecia, mesmo com enjoo ou ojeriza do
alimento, comia o que lhe era dado.
Aragorne procurou não me aproximar das meninas a fim
de protegê-las, pois não sabia até qual ponto estava seu
quarto enfestado pela epidemia. Ele se encontrava
protegido, mas as demais pessoas, não. A Medalha
Tetragrammaton se restringia apenas à sua proteção. E de
forma inexplicável, curava Seren.
Com o passar dos dias, após uma limpeza geral em todo
o Castelo com produtos recomendados, Tirel foi saindo
aos poucos de sua alcova, e tentando se desdobrar para
recompensar o tempo que se manteve afastado das
meninas.
Na vigésima quinta tarde, após a ida de Collins para a
Terra dos Mortos, Tirel viu Apsel seguindo pelos
corredores, vestida ainda com seu uniforme de luto.
Segurava algumas valises. Sentiu no peito um aperto que
desejou recuar, mas não o reprimiu. Ela estava deixando o
Castelo. Pararam um de frente ao outro, e ele se ofereceu
para acompanhá-la a fim de atravessar o portal. Assim
que o imenso portão de ferro se fechou atrás de suas
costas, ele segurou firmemente nos braços da menina,
olhou vagarosamente em seus olhos e a beijou na testa.
− Eu desejo que siga com tudo que neste momento te
fará forte. – desejou a ela.
− Obrigada por me ajudar a me descobrir, e eu saber
pelo menos uma vez na minha vida, quem sou. E disso,
jamais esquecerei. Grata. – ela se ajoelhou e tocou as
mãos do Dominador, beijando-as. – Gratidão, Senhor.
Então se levantou, olhou-o nos olhos e partiu, sem mais
olhar para trás.
O vento lá fora assoviava e as folhas vinham de
encontro com o rosto dele. Naquele exato momento algo o
tocava visceralmente. Porém, jamais saberá o que
significava. Não neste agora.
Entrou no Castelo, e sabia que sua missão urgia. Só não
sabia quando se daria. Para se precaver, precisava de um
grande momento com suas meninas, pois não saberia como
ficariam em sua ausência. O Ministro prometeu cuidá-las,
mas não disse que Aragorne voltaria a vê-las. Pela
primeira vez, perdeu totalmente o controle da situação.
Contava apenas com a boa sorte.
Foi até o grande aposento onde se encontravam, e
entrou cabisbaixo. Isso também doía muito em fazer.
Perder parecia ser um lema maior em sua vida. A única
coisa que o fazia se sentir melhor era saber que muitas
vezes precisava perder para ganhar, e seja como for, valia
tudo pela honra.
Entrou com cautela e levantou o rosto para olhá-las. Foi
recebido com sorrisos e uma canção de agradecimento.
Em seguida, se ajoelharam e esperaram a ordem. Mas
naquele dia, não havia um mandato.
− Quero comunicar a todas, que estou em missão na
busca do Trono de Siv, e precisarei me ausentar por
tempo indeterminado, mas que estarão cuidadas e
protegidas, como deve ser. Sei que não é fácil e ouvir o
que tenho a dizer, mas não me restou alternativas. Somos
sivianos, todos nós. Sabemos o que significa uma Coroa, e
o que precisamos fazer para merecê-la. Estamos prestes a
viver ou morrer por essa sina. Mas tenho algo para esta
noite, dormiremos juntos. Sem precisar escolher. Gostaria
muito que soubessem que vocês me sustentaram durante
este tempo que se passou. Veio de vocês, a força que eu
precisava para atravessar este período, e por isso levarão
para sempre meu respeito, minha honra e gratidão. Eu sou
um Senhor feliz neste exato instante, pois tive ao meu
lado, não apenas escravas, mas mulheres que possuem o
poder de construírem, sobretudo, manterem uma fortaleza.
Abriu os braços e ficou assim, esperando que
adivinhassem o que queria. Fechou seus olhos e foi
imediatamente abraçado pelas vinte meninas.
Esparramaram-se por todo o aposento. Sentiam-se felizes
por saberem que seu Senhor está lutando por elas e por
todo siviano que um dia passasse por este Castelo e por
toda Siv.
Aragorne tirou a roupa delas, uma a uma, olhando
internamente. Não sabia dizer, mas faziam parte de cada
sentido existente em si. Nesta noite não teriam chicotes,
amarras, vendas, velas ou masmorra. Ele as amaria,
profunda, voraz e inteiramente.
Quando o Senhor se deitou, foi servido por ventres e
cheiros. Tocou em seios fartos de moldes diferenciados.
Beijou os lábios de uma só, ou de algumas juntas. Sentiu o
gosto de pele ao passear pelos corpos de suas meninas
que se revezavam sobre o Dono, deslizando-se em suas
pernas, tórax e pescoço com fendas umedecidas, que
recebiam os dedos dele, tocando-as, sentindo-as. Alguns
corpos esculturais, outros não, mas de beleza isolada, e
quando se juntavam, eram uma só. Percebeu os arrepios
dos poros, a força delas o contagiava.
Saciou os desejos individuais. Tocava fortemente em
pescoços, nádegas e sentia os líquidos, molhando-o
suavemente. Precisou se controlar, contorcendo-se por
muitas vezes, mas não gozaria até que estivessem
saciadas. Não era um homem, e sim, um dominador.
Penetrava em uma enquanto tocava a outra, a que estava
em pé, a que colocava silenciosamente a vulva doce em
seus lábios. Mamilos enrijecidos, gemidos sufocados,
esfregando-os uma nas outras, línguas dançando sobre
peles… Tinham gostos e personalidades diferentes, e ele
as conhecia intimamente.
Não seria justo gozar apenas dentro de uma, seria uma
afronta… Elas se organizavam a volta dele enquanto o
chupavam, e quando seu líquido estava quase sendo
jorrado, esguichou fortemente rumo a rostos e bocas, que
o lambiam, lambiam-se entre si, uma a outra, até que nem
uma gota fosse cúmplice daqueles lençóis.
Quando o dia amanheceu, o cenário era lindo. Estavam
todas dormindo, exceto Erine, que levantou a cabeça e
pôs-se a olhar o Senhor. Assim que ele se levantou e
passou a se trocar, ela ainda estava lá, olhando-o sem
pestanejar. Dos olhos, uma lágrima insistia em cair, mas
ela não a deixaria, é siviana. Persistiu no olhar, e uma
ponta de desejo em abraçá-la o tocou. Poderia não ser
justo com as demais, mas a chamou.
Ela se levantou nua, toda morena e pôs-se a andar na
ponta dos pés em direção a Tirel, tendo o cabelo muito
negro e longo, encostando-se a suas curvas. Erine ficou de
frente a ele, e o ajudou a abotoar a camisa; arrumou a
gola, deslizou a mão delicada por todo o tórax do Senhor,
na tentativa de desamassar a fazenda. Após terminar o que
fazia, voltou a olhá-lo e se ajoelhou, beijando suas botas.
Puxou-a docemente e tocou em seu rosto afável. Ela não o
ouviria, sabe disso, mas falaria de qualquer modo.
− Quero que sempre guarde consigo esse sorriso tão
encantador.
Como resposta, ela sorriu novamente e fez menção em
dizer algo, mas as palavras não saíam. Ela tentou várias
vezes, e seu semblante era de frustração, pois certamente
esperou a vida toda por este momento, ou ensaiou sozinha
na expectativa de ser perfeito. Então com os olhos, lábios,
mãos, traço nos rosto, balbuciou:
− M-eeeu Se-nh-or.
Impossível! Como conseguiu falar? Não escuta, não
aprendeu as palavras… Então ela levou a mão até aos
olhos do Dono, deslizando como pluma, em seguida, na
boca. Ele entendeu que ela lia os lábios, e certamente
tentava imitar os movimentos através das ondas sonoras.
Sorriu e a abraçou. Em seguida, saiu.
Ele sabia que aquele dia era o momento marcado para
sua viagem, e a qualquer momento deveria embarcar, seja
lá como fosse. Então preferiu o silêncio. Caminhou pelo
jardim, pelos escombros do Castelo, pelas salas que
nunca mais havia entrado… Era estranho pensar que não
precisaria levar bagagem, e sim, tudo que era. Então
parou para pensar em Charlote.
Como seria esse reencontro? Será que a
reconhecerei? Será que me reconhecerá? Como faremos
para nos reencontrar? Em qual local? Em qual dia? –
perguntava-se.
Passou pela biblioteca, e lá estavam seus amigos
Dominadores. Ficou um tempo olhando-os, até que o
convidaram para entrar.
− Está preparado, caro amigo? – perguntou Olaf, já
sabendo certamente sobre o feito. – Recebemos mensagem
de Siv, para prepararmos a ida das meninas. Estamos
torcendo para que consiga realizar sua missão, e trazer
para nós, a Coroa, que o espera por merecimento.
− Grato, nobre. Mas não é tão fácil assim… Confesso
que…
− Está com algum receio? – emendou Fendis.
− Confesso que sim. Não sei para onde vou, e o que
preciso fazer. Penso apenas que é necessário, e se assim
for, então preciso estar pronto. Fiquei sabendo sobre
Arkadius… Eu não conhecia a possibilidade deste
bárbaro disputar o trono.
− Eu sabia… – disse Olaf. – Eles lutam há séculos pelo
mesmo objetivo que nós, a diferença é que não estão
dentro do Castelo. Ele… Arkadius foi quem jogou a lança
em Charlote. O Ministério não queria que isso fosse
disseminado, para que uma nova guerra não se
instaurasse, porém, meu amigo, a guerra está dentro de
nós.
Tirel sentiu os nervos tomarem conta de seu ser.
Ele não tomaria meu trono, nem minha escrava. Eu
não permitiria. – pensou consigo mesmo.
− Um siviano jamais se engana com o que deve fazer.
Quando chegar o momento certo, o nobre saberá. – disse
Olaf. – Aqui não permitiremos que um bárbaro tome nossa
herança. O amigo tem minha palavra.
− Em qualquer lugar, amigo… Em qualquer lugar.
Jamais perderá sua essência. Ela é seu guia. – disse o
Mestre.
− Estará no lugar certo… No lugar onde está a Coroa
de Siv. – disse Fendis.
Com essas palavras, apertaram-se as mãos num
cumprimento, e Tirel seguiu seu destino.
Ao chegar em seus aposentos, Seren estava na janela.
Algo a perturbava, ele precisava descobrir o que era.
Tocou em seu ombro, e ela se virou.
− É estranho, Senhor, mas me sinto tomada por uma
angústia… Como se um medo se apoderasse de mim, e eu
não soubesse lidar com ele.
− Aconteceu alguma coisa?
− Não Senhor, mas uma adrenalina me invade.
− Não se impressione com nada. Tudo está bem.
− Sim, Mestre, agradeço por me confortar.
− Não se esqueça, nunca a abandonarei…
− Eu acredito fielmente no Senhor.
− Eu te adoro, menina…
Dizendo isso, algo parou no ar, uma luz invadiu sua
visão, e nada mais pôde ouvir ou perceber, apenas um
vento forte soprando, retirando-o dali.
***
Anos depois da chegada dos sivianos em um mundo
distante, eles vieram como tinha sido prometido, já
chegaram adaptados e programados para lidar com a vida
moderna na cidade de Vitória-ES. Nesta ocasião, mesmo
nunca tendo visto um carro de quatro rodas, eles já sabiam
como dirigi-lo. Houve uma preparação a qual os obrigara
a dormir durante certo tempo no espaço, até que os
interlocutores depositados em todas suas células
passassem a interagir, dando a eles o conhecimento de
dirigir um carro, manipular um computador, andar pelas
ruas da cidade sem se perderem e exercerem a profissão
que cada um deveria se dedicar. Acabaram sendo
programados para viverem na atual circunstância que os
abrigava. Até mesmo quanto aos costumes e linguajar,
foram adaptados.
Houve tempo o suficiente para se adaptarem ao mundo
novo, construírem sua vida, e se prepararem para a
missão, mesmo sem terem consciência disso. Quando
chegaram, era como se despertassem de algum sono
profundo, acordando já com as ideias de tudo que
precisariam fazer para se manterem. Tudo foi muito bem
planejado no Ministério de Siv, que também buscou a
ajuda em Old, para a construção dos interlocutores que
tinham data certa para entrarem em vigor, e depois os
levarem de volta.
Conservaram seus nomes e aspectos físicos de quando
vieram. Assim como todo siviano no curso normal de
qualquer missão, dentro ou fora de Siv, conservaram seu
aspecto físico sem envelhecerem. As personalidades
foram adaptadas aos costumes, e, principalmente, para o
cumprimento da missão, e isso mais se acentuou em
Charlote, que serviria como o instrumento da prova.
O tempo poderia passar para todos, menos para eles,
pois seus corpos e psíquicos foram meticulosamente
preparados para tanto. Foram trazidos para uma realidade
obscura, mesmo à luz da cidade, as pessoas andavam
como se desconhecessem a si próprias. O belo e o
sagrado se baseavam em números diante da quantidade de
coisas que conseguiriam obter através de um poder
enganoso.
Charlote formou-se em Publicidade. Não tinha muitos
amigos, mas os poucos que conservou não conseguiam
acompanhar seu ritmo frenético em uma carreira bem
sucedida, mas optou por um mundo quase deserto em seus
percursos estratégicos diante da solidão intima, era o que
a trazia paz, ninguém parecia entender o que ela mesma
traduzia como insatisfação. Tudo lhe causava uma
sensação de que faltava algo, e muitas vezes essa busca
obscena era confundida com ambição, assim muitos a
viam o tempo todo realizando mil e uma tarefas no afã de
se sentir completa, mas a realidade é que isso nunca
acontecia, certamente era um segredo seu.
Não conseguia se relacionar. Poucos foram os
namorados que teve. Ultimamente era noiva de Ito, um
poeta nas horas vagas, que a cobria de mimos e tentativas
de realizar suas vontades. Ela tinha a sensação de estar
apenas cumprindo com os costumes, assim como qualquer
pessoa daquele mundo novo. Não queria se sentir
estranha, mas sabia que existia em si, algo diferente que a
conduzia para lugares e coisas incompreensíveis.
Deixou o celular tocar até cessar enquanto olhava a
pilha de papéis sobre sua mesa. Ito, seu noivo, desejava ir
ao teatro naquela noite, mas ela preferia iniciar o projeto
que havia recebido na semana passada. Tudo que pensava,
não fazia conexão com a proposta de trabalho. Pesquisou
algumas fontes e pouco encontrou a respeito, não o
suficiente que tivesse embasamento convincente.
O projeto se chamava “Clube 167”. Trata-se de uma
casa noturna onde se realizavam algumas apresentações
esporádicas para um público restrito. A empresa
precisava expandir sua marca para sobreviver no
mercado. E o motivo da contratação de seus serviços era
justamente este, encontrar pessoas afins que pudessem
descobrir que naquele ambiente funcionava o que as
atraiam, pois os adeptos que comungavam de tais gostos
faziam tudo anonimamente, talvez pelo julgamento da
sociedade ou por preferirem a privacidade. Aí então se
encontrava a complexidade para a desenvoltura da
criatividade de Charlote na criação do slogan.
Ela pesquisou sobre o local, as fotos pareciam ser
retiradas no século passado devido à rusticidade dos
móveis e ambientes. Retirou os óculos e se fixou nas
imagens, tentando restaurar em si, alguma lembrança que
parecia embaraçar sua mente. Sentia uma sensação de
medo e nostalgia. Piscou várias vezes e esticou o corpo
em sua escrivaninha, até que o celular novamente passou a
tocar, dessa vez, insistentemente.
−Olá, Ito. – disse com um semblante irritado.
− Oi, minha flor… Pensei que dormiria hoje sobre a
mesa do trabalho. – ele riu, sarcástico.
− Não seria uma má ideia. Mas daqui a pouco já estou
indo para casa. – disse, tentando não entrar no assunto que
a prendia ali.
− Ok. Assim que chegar, me avise, passarei lá.
− Não, Ito… Melhor não…
− Não? Achei que quisesse ir ao Teatro.
− Estou cansada, podemos deixar para uma próxima
vez.
− Ah, tudo bem… Podemos ao menos comer churros na
feira da esquina de sua casa? – ele riu dessa vez.
− Estou realmente muito cansada… Deixemos também
para o próximo sábado.
− E o que pretende fazer hoje?
− Nada mais além de dormir e dormir.
− Ok, madame difícil… Amanhã então te pego para a
caminhada clássica de domingo.
Antes que ele insistisse ainda mais, acabou
concordando sabendo que este era o único jeito de deixá-
la em paz. Desligou o celular e seguiu para o carro. As
imagens do Clube 167 ainda estavam cravadas em sua
cabeça. Jamais esteve lá, nem sabia da existência do
local, mas algo a intrigava muito ao se lembrar dos
móveis feitos de madeira escura, talhadas à mão. A falta
de luminosidade trazia uma característica sombria somada
aos objetos e artefatos de ferro envelhecido e correntes.
Pegou o celular e pesquisou novamente o endereço.
Estava perto dali. Não custava ir até lá e descobrir o que
faltava para poder dar ênfase a seu trabalho. Ninguém a
conhecia no Clube, pelo menos era o que esperava. E
mesmo se encontrasse alguém conhecido, estava a
trabalho, e não via mal algum em fazer uma pesquisa de
campo. Checou sua bolsa para ver se havia trazido sua
agenda. Olhou-se no retrovisor e deslizou o batom vinho
escuro. Respirou fundo e passou a prestar atenção na
numeração dos prédios. Estava no seu destino. A qualquer
momento chegaria.
O prédio com arquitetura medieval lhe chamou atenção.
Não havia luminosidade na entrada, apenas um jardim
bem esmerado e uma escada feita de pedra lavada. Os
olhos acompanhavam as pessoas que entravam vestidas de
roupas excêntricas. Os homens vestidos de preto levavam
as mulheres por uma coleira. Elas se equilibravam em
saltos e olhavam para baixo. Apesar da evidência
subjugação, não se pareciam funestos por estarem sob o
julgo de alguém. Abriu a porta do carro sem saber se
seguiria ou se era melhor deixar para outra ocasião, mas a
curiosidade era seu paredro.
Assim que subiu a escada, fora recepcionada por uma
mulher que usava um corpete preto de couro, saia muito
justa que continha uma abertura lateral, meia-calça e uma
bota até os joelhos.
− A senhorita fez alguma reserva? – a voz dela era
firme.
− Não… Na verdade, eu… Eu vim para conhecer o
local.
− Sabe do que se trata?
− Bem… Sim. – ela estava embaraçada.
A mulher pegou uma folha de papel e entregou a
Charlote. Era um termo de responsabilidade quanto às
práticas realizadas no Clube.
− Eu… Eu não vou participar… – disse, referindo-se às
práticas.
− Nunca se sabe. Todas dizem a mesma coisa, mas
depois… Melhor me prevenir.
− Pode ter certeza que não irei. – disse firme.
− Mesmo assim, para entrar é obrigatória a assinatura.
– finalizou a anfitriã.
− Ok. – concordou sem encontrar outra saída.
A olência de uma fumaça perfumada no ar invadiu suas
narinas assim que entrou. A música era erudita e as
pessoas quase não se olhavam, estavam todas
concentradas no que foram fazer lá. Sentiu-se
desconsertada por alguns minutos. Sua observação
parecia incomodá-las.
Encaminhou-se até o bar e se acomodou numa mesa
conjugada com a parede. Preferiu a última, quase na
penumbra. Pediu um drinque, apesar de não gostar de
beber, mas se sentia nervosa. Assim que veio a bebida,
ela levava o copo à boca e sentia as pedras de gelo
brincarem com sua língua, assim conseguiu relaxar um
pouco mais.
No palco subiu um casal vestido elegantemente
enquanto todos os olhos foram direcionados para eles. No
microfone foi anunciada a presença do Senhor Van
Randon e sua escrava, Angelis Randon. Ele saudava os
presentes, ela olhava fixamente para baixo. Sem saber
exatamente o que esperar, Charlote continuou olhando a
cena cada vez mais tensa. Observava os detalhes, pois era
lá que se encontravam as respostas que tinha ido buscar.
Com tato, Sr. Randon passou a despir sua escrava ali
mesmo, diante do público, deixando-a apenas com o
corpete e uma tanguinha minúscula que se escondia inteira
entre suas nádegas. Ela não demonstrava timidez, e sim,
respeito por tudo que o homem realizava em seu corpo,
mesmo diante das pessoas.
Randon pegou o microfone, tocou no queixo de Angelis
e a fez olhar para ele.
− Existem algumas regras, que toda e qualquer
submissa deve seguir, caso queira se sentir bem em uma
D⁄s. Eu tenho as minhas próprias, e me dedico a repassá-
las a minha menina. A primeira diz sobre a continência e a
necessidade de que esteja sempre disposta para quando e
ao que eu quiser. Lembre-se, eu mando e você obedece. A
regra é simples.
Após dizer isso, ele a tomou e ela se ajoelhou, beijando
os sapatos do Dono enquanto um dos pés pisava em suas
costas, e com a mão, ele puxou seus cabelos forçando-a a
olhar para seus olhos.
− Nunca perca a dignidade e o respeito por si mesma.
Só os fortes sabem e podem pertencer.
Ao dizer isso, ele se apossou de algemas e a prendeu,
levando-a para a cruz de Santo André fixada à parede.
Prendeu os tornozelos e levantou os cabelos, beijando a
nuca delicada dela. Pegou um chicote médio de 30 tiras, e
o passou delicadamente em suas costas. Em seguida, deu a
primeira lambada com maestria e controle absoluto sobre
o acessório.
Charlote passou a ouvir os sons que eram estralados na
pele da masoca, e seu corpo todo se arrepiou em lampejos
e sensações. Não sabia ao certo o que acontecia dentro de
si, era como se conhecesse exatamente o que menina
estava sentindo.
Foram várias chicotadas, e ao término, Randon a soltou
das algemas e a amparou até que descesse do palco.
Nem deu tempo de seus batimentos cardíacos voltarem
ao normal, e mais um casal subiu ao palco, desta vez fora
anunciada uma sessão avulsa. Tentou prestar atenção
sobre o que se tratava, e descobriu que ali não era um
casal em uma D⁄s, e sim, um dominador experiente e uma
moça que praticava sadomasoquismo esporadicamente. O
homem se apresentou como Senhor Faed, e em seguida,
falou:
− Ame a dor, mas exija que seja apenas a outra face do
prazer.
Não havia neles uma cumplicidade como no casal
anterior, exceto o desejo pela prática. Isso podia ser
notado na forma como a moça olhava para os acessórios
que o Dominador iria utilizar. Seus olhos brilhavam e ela
demonstrava estar pronta. Ele se apoderou de uma
palmatória com várias tachinhas de ferro em sua
superfície, e passou a fustigá-la nas nádegas da menina,
após colocá-la em um cavalete com a bunda para cima. Os
gemidos dela ecoavam desejo por todo o salão. De
vermelha, a pele passou para um tom mais escuro,
enquanto a masoca oferecia ainda mais seu corpo,
empinando-o como se estivesse apreciando o gesto ao
invés de se retrair.
Com o coração ainda mais acelerado, ela viu o casal
saindo do palco, e outro subindo. Sua pulsação sanguínea
passou a bombear com mais intensidade. Ela olhou para
os olhos amendoados do homem que lá estava vestido de
calça social preta e camisa azul. Observou a barba bem
feita e lábios avantajados. Teve medo de mirá-lo mais
uma vez e ser notada, tamanha era sua ansiedade em
descobrir mais sobre ele. Algo lhe era familiar, mas por
nem um momento se lembrou de tê-lo visto antes.
Elegantemente ele puxou sua submissa pela guia e a
colocou de joelhos, próxima aos seus pés. Retirou a guia
da coleira e a beijou sobre os olhos. Existia nele algo
mágico e hipnotizante. Não era comum apenas olhar para
uma pessoa e se sentir daquele modo. Pediu mais uma
dose da bebida e passou a esfregar as mãos, que suavam
frio. Ela precisava saber ao menos seu nome, que não fora
anunciado. O que tinha naquele dominador que chamou
tanto a sua atenção?
− Beijar os pés de teu Dono é apenas uma de algumas
das reverências… Faça! – ele ordenou a menina, e esta
cumpriu de imediato, tocando nos sapatos dele como
alguém que alcançasse o céu. Beijou-o e o venerou de tal
modo que chegou a tocar as pessoas que assistiam.
Apossou-se das mãos do Senhor e as beijou. Assim que
terminou, ele a pegou pelos cabelos e a trouxe para perto
de si, falando baixo no ouvido, o que excitou ainda mais
Charlote. Ela não fazia ideia do que ele tinha dito para a
escrava, mas imaginou uma frase assim:
Quero-te uma putinha, uma cadela sempre no cio,
sempre pronta…
Depois ele pegou o microfone e disse em voz alta:
− Ame teu Dono. Permita que ele te ame.
Dizendo isso, apossou-se de uma corda e passou a
amarrar o corpo da submissa, do ventre para cima,
prendendo os seios até ficarem roxos, o que a fazia entrar
em delírio a cada toque do Senhor. Cada nó era feito com
a excelência de uma obra de arte. Sentou-a num banco
baixo, prendendo as pernas de modo que ficassem abertas.
Olhava para o sexo da submissa com lascívia e paixão. Eu
sentia o cuidado que tinha com sua peça, por cada parte
do corpo dela. Com um flogger, passou a estocar toques
rápidos e circulares em sua vulva enquanto hora ou outra
perguntava a ela quem era seu Dono.
Para o espanto de Charlote, a menina teve um orgasmo
em pleno palco, o que deixou o Dominador cheio de
satisfação.
− Bater é satisfatório, mas quem está sob o jugo deve
gostar de apanhar e ter o hábito de gozar enquanto apanha,
caso não tenha, descubra uma maneira de fazê-lo.– disse
ele, encerrando sua apresentação. – a voz dele era forte e
perene, como se pudesse cortar por onde fosse propagada.
Os olhos de Charlote acompanharam os movimentos
enquanto ele descia do palco seguido por sua submissa.
Sentiu-se em desespero sem saber exatamente o que fazer
para ter informações sobre aquele Dominador. Sentiu um
aperto no peito, algo forte, sem nome. Não era normal o
que estava acontecendo, mas não havia outro modo de
reagir.
Viu quando as costas largas do corpo grande passaram
pela porta que dava à recepção, e pensou em abordá-lo.
Seria afamada de maluca, mas isso era o que menos
importava no momento. Precisava descobrir o motivo
pelo qual ficou daquela forma, perdida, e em êxtase, não
acreditava que seu nível de carência havia chegado a este
ponto.
Saiu tropeçando nos degraus do local, com o copo na
mão, sussurrando palavras desconectas. Foi até a
recepção e abordou a pessoa que a recebeu.
− Por favor, me diga quem é o último casal que se
apresentou?
A mulher a olhou de forma estranha, sem muita vontade
de responder.
− Ele é o proprietário do Clube. – disse apenas isso,
secamente.
Até que a frase processasse lentamente na mente de
Charlote, e ela conseguisse ligar os fatos, agonizou cada
segundo que se passava.
− Obrigada. – deixou o copo em cima do balcão e saiu.
Enquanto dirigia, foi pensando sobre o que aconteceu.
Então ele era o dono do Clube 167, sendo assim, percebeu
que estava diante da pessoa que contratou seus serviços.
Quase não acreditou que havia falado com ele ao telefone,
mas não se lembrava do tom da voz, pois naquele
momento era apenas a profissional e seu cliente. Mais
pasma ficou quando percebeu que tinha o número do
celular do Dominador em sua agenda, e que seu nome era
AT. Ficou se perguntando sobre as iniciais, mas era muito
tarde para decifrar mais um mistério.
Parou o carro na porta do condomínio, e entrou
diretamente em sua vaga na garagem. Subiu o elevador
com o celular em mãos, olhando para o número em seus
contatos, obcecada pela ideia de ir além do que podia
para saber tudo, exatamente tudo a respeito daquele
homem.
Ao acordar de manhã, com seu celular tocando, já sabia
que Ito não descansaria enquanto não o atendesse.
− Estarei pronta em uma hora. – disse, desligando o
aparelho em seguida, sem esperar por sua resposta.
Programou o celular para o modo soneca, e dormiu por
mais meia hora. Assim que começou a tocar novamente,
levantou e se jogou com coragem debaixo do chuveiro.
Lembrou-se das cenas da noite passada, e nem percebeu
que estava se tocando, fielmente, como uma loba no cio.
Sentia vontade de experimentar o que vira. Jamais
admitiria isso para qualquer outra pessoa, mas não
conseguia mentir para si mesma que seus desejos haviam
se acendido por conta das mãos daquele Dominador, da
voz, da forma como fala e toma.
Trocou-se de frente ao espelho, olhando para seu
corpo. Nunca mais havia se visto, sentia-se desejada por
si mesma.
Após a caminhada, Ito e Charlote foram tomar café da
manhã. Ela sentia-se tomada, roubada da realidade. O
olhar distante despertou a curiosidade do noivo, que
parecia insistente e incomodado com o jeito repentino
dela.
− Está diferente hoje, ou é impressão minha?
− Está muito impressionado ultimamente. – respondeu.
− Pode ser… Mas, seu olhar, eu conheço bem.
− Estou muito focada em meu trabalho.
− Acredito que precisa de férias. Ninguém consegue
produzir se não olhar para si mesma, preocupar-se com
sua pessoalidade.
− Minha pessoalidade está diretamente ligada ao meu
trabalho.
− Ou o utiliza para fugir do mundo?
Charlote o olhou, irritada. Estava sendo difícil
disfarçar sobre as coisas que estavam a perturbando
ultimamente, e agora, ter de ser elegante perante uma
pressão psicológica parecia demais.
− Acredito que nosso passeio acabou por hoje.
− Você já não estava aqui, Charlote. – disse ele
chateado.
− Desculpa… Preciso descansar. – disse, tentando se
levantar e chegar o mais rápido possível em sua casa.
− Quer ir para minha casa?
− Não, não… Quero minha cama, meu travesseiro.
Amanhã começa tudo de novo.
Assim que chegou a sua casa, mal pôde acreditar que se
livrara de Ito naquele dia. Parecia arrogante pensar desta
forma, mas estava sendo sugada por uma força
descomunal, que a levava para outra realidade. Era como
se o que faltara em sua vida desde o que consegue se
lembrar, havia surgido do nada, tomando todo o espaço
dentro de seus pensamentos.
Pegou novamente o celular, e assim ficou olhando para
o número de AT, até que ideias surgissem em torno do seu
projeto, deveria apresentar alguma prévia nesta semana
que entrará. Precisava estar preparada para enfrentar a
ânsia quando estivesse de frente a ele. Precisava se
mostrar boa no que faz, eficiente e profissional. Queria
causar alguma impressão. Queria que ele a notasse de
algum modo. Mal podia acreditar que estariam de frente
um ao outro por algum momento. Era a chance que teria
para descobrir mais fontes, mas… Como?
Jogou-se na cama e passou a imaginar de onde o
conhecia para estar tão impressionada. Havia muitas
perguntas sem respostas em sua mente. Sua vida parecia
ser um mistério para si mesma. Tudo a sua volta denotava
desconexão com a realidade. Sentia-se um peixe fora
d’água, isso lhe causava dor sempre que pensava assim.
Nunca obteve notícias de um parente sequer, mal sabia se
um dia eles existiram. Estava embriagada num mundo que
parecia, muitas vezes, inventado. Ou tudo não passava de
um pesadelo que em algum momento acabaria. Ela não
lembrava exatamente de nada desde o dia em que
acordara e parecia ter nascido deste ponto. Jamais
comentara isso com Ito, que sempre perguntava sobre seu
passado e família. Como explicar a ele, que para si
mesma isso não fazia sentido?
Chorou sem ruídos. Sabia que ser forte era um
privilégio, e coragem não lhe faltava. Ela mesma não
identificava de onde vinha tamanha força.
Confidências Pessoais
Capítulo 1
Confidências de Charlote…
O dia raiou com ar de festa.
Saí de casa um pouco atrasada, mas não a ponto de me
perder de mim mesma. Estava ainda aflita por tudo que
havia acontecido ontem. As cenas estavam muito acesas
em minha mente, o que poderia dificultar o processo
natural do meu dia.
Levei algum tempo para conseguir sair de casa, mas
trouxe comigo o rascunho de meu projeto,Clube 167.
Havia muito trabalho para ser desempenhado naquele dia.
Pesquisas em comunidades do BDSM seriam uma das
opções. Talvez nosso trabalho começasse por ali.
Li tantos relatos, vi tantas imagens, que fiquei meio
zonza. Entrar naquele universo realmente era algo muito
diferente do modo como o mundo se apresenta aqui fora.
Contei quase quatro páginas do que havia abstraído de
minha pesquisa, o que me rendeu boa parte do dia, mas
estava satisfeita. O restante eu sabia como desempenhar
após ter todo o material em mãos, afinal, este sempre fora
meu trabalho. A ideia era a mais complicada de
desenvolver.
Ito me fez cinco ligações até agora, às quinze horas.
Confesso que precisava pensar sobre este relacionamento
após a entrega do projeto. Certamente a proposta
financeira fora boa, e quem sabe não poderia investir em
algo, ou até mesmo, fazer uma viagem. Mas sinceramente,
o que me traga de modo descomunal, ainda é o que está
acontecendo por dentro. Parece que despertei, e que devo
de qualquer modo mudar a minha vida, mas não vejo
como fazê-lo. Ito é um ótimo rapaz, de boa índole, porém,
não havia nada nele que me atraia, a não ser a companhia
num mundo tão vazio e sem respostas. Pensando friamente
sobre o assunto, ele está sendo utilizado por mim, de
modo egoísta, o que faz eu não me sentir bem comigo
mesma.
Assim que terminei de fazer o café, segui de volta para
minha sala, pensativa e um tanto perdida. A primeira
imagem foi o sapato marrom e a postura através das
costas. Arrepiei instintivamente. Eu sabia que era ele, mas
não queria acreditar. A primeira vontade foi de dar meia
volta e sair pelos fundos. O segundo desejo foi correr até
onde ele estava e saciar minha curiosidade sobre o que
me tirou a paz. Com a força de uma águia, lá vou eu para
mais uma missão.
Entrei me sentindo meio estranha. Os olhos dele
estavam afundados no jornal que lia. A perna cruzada
sobre o joelho direito lhe davam um ar de superioridade.
Eu tossi sem jeito, para que notasse minha presença, e
assim, sem pressa, os olhos dele percorreram meus pés,
parecendo investigar cada detalhe dos meus dedos que
ficavam à mostra na sandália. Subiu no mesmo ritmo até
minhas pernas, baixo ventre, abdômen, seios, pescoço e
parou em meus lábios, o que me desconsertou no mesmo
instante. Os olhos pousaram sobre os meus, como se
pudessem me desfigurar num único ato. Senti um ardor
queimar minha intimidade, e um lampejo de luz e cores
invadirem minha memória, tentando me forçar a algo que
não acontecia. Vi os olhos amendoados brilharem numa
intensidade quase artística, eu o reconhecia sem nunca
antes termos nos visto. Percebi que do mesmo modo ele se
prendeu em algo sem nome e sem explicação em relação a
minha imagem. Os segundos passavam e não
conseguíamos dizer uma só palavra. Parecia bom e temido
estar diante dele. Eu não estava errada, algo naquele
homem era impressionantemente anormal.
− AT? - fui a primeira a arriscar, ainda com a voz meio
reprimida.
− Muito prazer, senhorita Charlote.
E era nesse exato ponto que eu queria cair no chão
como uma boneca de pano. Ele era ainda mais atraente
quando falava com um par de olhos profundos e
brilhantes, e um meio sorriso que não se distraia.
Eu pensei em estender a mão para cumprimentá-lo, mas
ele sequer fez menção de fazer tal gesto, então me reservei
em minha total insignificância. Fui até a minha cadeira sob
seu olhar, e sentei-me o mais rápido que pude. Pigarreei,
tentando amenizar o mau jeito, e busquei dentro do mais
profundo do meu ser profissional, a expressão apropriada
àquele momento.
− Espero que o que consegui extrair de minhas
pesquisas, seja considerável. Fiz um prospecto para o
projeto, talvez se analisasse com calma, perceberia que os
pontos demarcados na propagação da imagem foram
realmente o mais interessante de toda a proposta. – sorri
ainda sem jeito, tentando me manter na linha, e passar uma
postura profissionalmente convincente.
Ele pegou a pasta de papel com o projeto, e voltou os
olhos para mim, então fiz de conta que não percebi.
− Onde encontrou as fontes? - ele quis saber assim que
passou a ler as primeiras linhas.
− Na internet. – respondi um pouco insegura, sem saber
se esta era a melhor resposta.
− A senhorita tem conhecimento do assunto? - perguntou
sem rodeios.
− Em qual sentido? - senti desta vez um medo que me
faria parar a conversa por ali.
− No sentido de experiência.
− Sou profissional, trabalho com fatos e pesquisas.
− Ah sim. – ele disse, apenas.
− Creio que seja o suficiente. – emendei.
− Creio que poderia se aprofundar mais no assunto,
para sentir qual é a necessidade da casa. – disse num tom
ríspido e quase grosseiro, o que poderia não me diminuir
como profissional, mas atingiu também meu orgulho.
− Acredito piamente que sou boa no que faço. Se, ler
atentamente a proposta, saberá que está diante da pessoa
certa.
Precisei acreditar no meu potencial, mesmo que de
modo forçado. Ele era desafiador, e eu, um coelhinho
assustado.
− Vou confiar em seu trabalho. Mas antes, gostaria de
saber por qual motivo esteve à minha procura em meu
estabelecimento.
Cada palavra dele era como um martelo em minha
cabeça. Não haveria motivos para mentir nesse momento,
mas mesmo assim, eu ainda procurava por uma saída
rápida e beneficiadora.
− Não fui procurá-lo, estava a trabalho, fazendo
pesquisa de campo, conhecendo o estabelecimento. –
quase tossi, mas ao invés disso, apertei minha perna por
debaixo da mesa, buscando apoio em mim mesma.
− Certo. Assistiu minha apresentação?
− Certamente. – fugi do olhar dele.
− E o que achou?
− Ajudou-me em minhas convicções sobre a ideia do
projeto.
− Algo mais? - ele insistia em algo que eu não queria
falar.
− Não.
− Quando começa a execução do projeto?
− Assim que aprová-lo.
− Está aprovado.
− Mas você leu as premissas? Concordou com os
pontos de execução e locais de marketing?
− Quanto a isso, não me interessa os meios, Charlote. O
que quero é resultado.
Pasmei. Arrogante. Exigente. Talvez fosse melhor ele
procurar outro profissional.
− Mas preciso saber se concorda com a proposta. Caso
não se agradar, não saberei se não me disser onde está o
desacordo. O marketing está relacionado ao
posicionamento da empresa, que se materializa na
memória do cliente através dos produtos e serviços que
atendem suas demandas. Isso tudo se dá através da
comunicação, que é o passo seguinte. Após estudar e
compreender o comportamento de compra do cliente
agrupa-se um conjunto de ferramentas e mídias formando
um plano de comunicação que tem como objetivo
propagar as mensagens para seu público, através de um
conceito criativo e eficiente, ou seja, que facilite a
compreensão da mensagem. E é neste ponto que estou
tentando lhe fazer prestar atenção quanto a minha
estratégia desenvolvida, que se encontra em suas mãos.
− Vou repetir. Como disse, a única coisa que me
interessa é o resultado, seja ele de onde vier. Eu não
entendo sobre estratégias de marketing, e por este motivo
busquei seus serviços. Estou confiando em sua
experiência como profissional.
Senti o desejo de me afundar em minha cadeira. Se algo
desse errado, provavelmente eu sumiria do planeta para
não encarar a ira deste ser intrigante e explicitamente
direto.
− Tudo bem. Amanhã já começo a execução.
Ele se levantou sem dar tempo de eu ficar vermelha.
− Espero-a no Clube amanhã, às vinte e duas horas.
Seja pontual.
− No Clube?
− Creio que entendeu perfeitamente o que eu disse.
− Sim, mas não vejo a necessidade.
Ele pegou sua carteira e tirou de lá um bolo de notas de
cem reais, e depositou sobre minha mesa.
− Esta é a metade do pagamento que combinamos.
Fiquei sem ação. Imobilizada. Vendo meu estado, ele
colocou o dinheiro em cima da mesa.
− É uma ordem. – disse ele sem reservas.
− Ordem? - eu não acreditava no que ouvia.
− Sim, estou a contratando, e vou acompanhar o
desenvolvimento de seu projeto, como você mesma disse,
de pesquisa de campo. Em seu prospecto falta algo a
mais. Você precisa pegar o “x” da questão, sem falar que
o público que quero agradar, primeiramente é aquele que
já está lá, além dos que levará após seu marketing.
Aprenda… – disse ele dessa vez se aproximando de mim
a ponto de me sufocar com sua presença, e eu ver
perfeitamente a cor de seus olhos intrigantes. – Se não
conhecer o que agrada a quem já está lá, como vai levar
novos adeptos? Precisa conhecer mais sobre a essência
das práticas. Meus clientes serão os seus. Você quer que
seus clientes te ouçam? Você é um líder referente? Então,
seja um expert em algo. Não se deve simplesmente
contratar um redator e delegar tarefas como escrever vinte
textos como conteúdo. Coloque-se no lugar de seus
clientes para ajudá-los, você só pode escrever sobre seus
próprios produtos, a partir do ponto de vista do
consumidor. Faça com que o assunto seja sempre sobre o
usuário, e não sobre você.
− Eu… – ele me calou sem me tocar um dedo sequer.
− Estarei esperando por você.
Ao dizer isso, virou-se e saiu, deixando-me
completamente alterada, eu não cabia dentro de mim
mesma.
Desliguei meu celular e tentei fechar meu dia com
paciência. Não queria ser incomodada. Não queria saber
se meu noivo estava louco atrás de mim. Tudo que eu
precisava era de um tempo para refletir e colocar minha
cabeça em ordem.
Fui para casa sem esperar mais nada daquele dia.
Amanhã chegará como um fenômeno em minha existência
como publicitária. Minha campanha estava fadada ao
desastre ou a um grande marco em minha profissão. Já
sobre AT, eu não sabia mais o que pensar. Faria qualquer
coisa milagrosa para separar os fatos de impressões.
Ao abrir a porta de minha casa, ligo meu celular, e
antes de jogar minha bolsa sobre a mesa, ele toca. Olhei
no visor, e apareceu lá o nome do homem que tomou
minha paz naquele dia. Sem saber se atendia, meus dedos
me traíram e coloquei o aparelho na orelha.
− Vá vestida apropriadamente. – disse ele com um
fundo musical no ambiente que se encontrava, o que me
deixou curiosa.
− O que quer dizer?
− Para saber o que eles desejam, você precisa se sentir
um deles.
− Acredito que estamos indo longe demais com os
detalhes. – disse enfim, sentindo-me cansada e aflita.
− Não quero saber sua opinião. Esteja pronta, isso
basta.
Desligou.
Meu coração acelerou. O que quis dizer com – esteja
pronta! Não combinamos de nos encontrar no Clube?
Minha noite se tornou um inferno astral. Fui até a
sacada e vi de lá uma cidade cheia de luzes e segredos.
Corri para o banheiro e entrei no chuveiro de roupa e
tudo. Estava a ponto de enlouquecer já nos primeiros
momentos desta viagem.
Como ele poderia amar alguém, como disse naquele dia
no Clube? Lembro-me de suas palavras: Ame teu dono.
Permita que ele te ame.
Que universo é esse?
Tirei a roupa molhada e passei a tomar um banho
normal. Sentia minhas mãos percorrendo meu corpo,
mesmo sem mexê-las. Elas se moviam sozinhas. Estava
enfeitiçada, um tipo de fascínio por um mundo que não me
pertencia.
Acordei com minha campainha zunindo em meu ouvido.
Vesti meu roupão e minha surpresa ao abrir a porta, foi
algo contagiante.
− Encomenda para a senhorita Charlote. – disse um
entregador com uma caixa grande nos braços.
Esfreguei os olhos e arrumei o decote do roupão.
− Encomenda? Acabei de acordar. Não comprei nada
ainda.
− Está aqui. – ele mostrou o endereçador com meu
nome e endereço.
Peguei a caixa um tanto receosa e abri lentamente. Lá
dentro, uma roupa. Toquei-a e a peguei, colocando sobre
meu corpo. Era um vestido vermelho escuro e justo,
forrado por um tecido preto, com uma fenda gigante dos
pés até a altura da coxa, ficando à mostra boa parte da
perna. Peguei o bilhete que acompanhava a roupa.
“Não se esqueça, esteja pronta às vinte horas em
ponto.”
Cismei. Tossi. Arfei. E agora?
Cancelei meus compromissos do dia. Liguei para Ito e
disse que estava bem, prometendo vê-lo amanhã, e talvez
até dormíssemos juntos. Inventei uma desculpa, que faria
uma curta viagem hoje para o interior e chegaria somente
à noite, muito cansada. Ele compreendeu, mas certamente
não gostou, o que não me atingiu, e o que infelizmente me
fez reconhecer que precisaria de uma estratégia para
acabar de vez com essa mentira.
Troquei-me rapidamente e fiquei andando pelas ruas,
até passar as horas e eu poder voltar para casa, mais
tranquila.
Às vinte horas, já estava no banho pensando em como
desenrolaria essa tragédia. Às vinte e quarenta, secava os
cabelos enquanto me olhava no espelho e me achava
estúpida. Às vinte e uma e trinta, já havia calçado o
sapato que poderia combinar com o vestido. Passei um
batom contagiante e um pouco de perfume, me
questionando se o que estava fazendo era correto.
Coloquei o modelito e me olhei novamente, parecia-me a
atrizes de filmes antigos. Os ombros e colo ficaram de
fora, sob a luz de qualquer ambiente, minha pele clara
reluzia. Às vinte e duas horas meu celular tocou, e nos
segundo depois, tudo se perdeu ao ouvir a voz dele:
− Desça. – ele disse, e meu coração poderia sair pela
boca se não fosse a geografia perfeita do corpo humano.
Entrei em seu carro importado com cheiro de fábrica, e
minha voz sumiu, desapareceu do mapa. Olhava-o de
resvalo, dirigir, com suas mãos fortes e potentes, meu
estômago embrulhava de nervoso.
− Foi difícil?
− Oi?
− Foi difícil cumprir ordens?
− Eu não cumpri ordens, AT, estou a trabalho. Sou chefe
de mim mesma. Aceitei sugestões.
− Ah sim… Não é AT, é Senhor AT.
Eu pude ver um quase sorriso nele, zombando de meu
mal-estar.
− Qual será minha função no Clube, especificamente?
− Irei treiná-la, como se fosse uma de nós.
− Não, absolutamente, não é necessário tanto… – fiquei
incrédula. Eu não precisava de um treinamento
sadomasoquista para ser profissional, estava totalmente
fora de cogitação esta sugestão. – Está fora de ordem este
treinamento.
Eu disse isso como um peixe patinando na água.
Ele estacionou o maserati, e me olhou com o olhar de
um falcão.
− Vamos nos entender? - disse ainda me olhando. – A
partir deste momento está em treinamento. Tudo que eu
disser, não são palavras, são ordens. Está sendo
contratada, exclusivamente, para atender às minhas
solicitações. – disse ele pegando um talão de cheques do
porta-luvas, em seguida, a caneta. Acendeu a luz interna
do carro e passou a preencher a folha. Assim que
terminou, passou para mim, um contrato com duas páginas
em frente e verso.
− Eu a espero ler. – disse ele.
O contrato era de exclusividade quanto aos meus
serviços de publicidade, durante três meses. Meus nervos
ferviam, fazendo-me salivar. A quantidade de dinheiro
oferecida pela contratação era irresistível, mas minha
razão calculista e ética pedia para não aceitar.
− Eu não posso assinar este contrato. Não posso
aceitar. Sinto muito. – disse eu, esmagando-me no vestido
muito justo enquanto os olhos dele não saiam da minha
coxa à mostra, o que me fez sentir um tanto ridícula.
− Não tenho pressa… Você tem até o final desta
madrugada para assinar.
Dizendo isso, ligou o carro e saímos com ele
escolhendo uma música para tocar. Quando ouvi o canto
gregoriano de introdução de Fairy Tale de Shaman, pensei
que choraria. Por alguns segundos, imaginei que esse
homem me vigiava há meses, seguindo-me, descobrindo
meus gostos e manias. Ele conseguiu me quebrar em
fração de segundos. Minha fragilidade veio à tona como
se eu fosse ainda uma menininha perdida que precisasse
de um colo, um amparo ou… Uma lembrança… Apenas e
tão somente uma lembrança. Mordi meu lábio tentando me
conter, mas o cheiro dele entrava pelas minhas narinas e
me contraia num ser minúsculo, quase insignificante diante
de sua mão. Abstive-me de ser corajosa, quando o que eu
mais queria era me encolher num lugar mais próximo de
algo quente e confortável. Fiquei como uma borboleta
batendo suas asas presas em uma porta, enquanto o sonido
do carro em movimento e o soprar do vento em meu rosto,
desfaziam meus cabelos e só me traziam uma certeza, o
tempo parece não passar.
Não queria molhar minha maquiagem, nem chorar na
frente de um estranho, o que piorou a situação, pois
quando me vi já estava num pranto secreto, calado,
somente com as lágrimas umedecendo minha face. O
mundo era gigante diante de um grão de areia que sou.
Talvez eu tivesse soltado um soluço ou apenas ouvia
demais sem sentir um décimo de minhas próprias reações.
Novamente ele estacionou o carro, e desta vez, juro que
se ele se aproximar, eu abro a porta e saio correndo. De
modo cortês, AT retirou o lenço de seu bolso e me
entregou. Aceitei-o com as mãos trêmulas, e limpei o
rosto sem saber o porquê isso tudo estava acontecendo.
− Nada de mal irá lhe acontecer. Eu não deixarei. –
disse me olhando, o que fez parecer que me tocava
também. – Vou te proteger de seus próprios medos.
Cuidarei de você, até que possa se cuidar sozinha. Não
precisa temer, eu estou aqui.
Balancei a cabeça, concordando sem entender com o
que assentia, e lhe devolvi o lenço.
− Guarde-o consigo. – disse numa voz suave.
Ele acariciou meu rosto com o polegar, pensei que diria
mais alguma coisa, mas ao invés disso se voltou para o
volante. A música tocava não apenas meu corpo todo, mas
atingia meu âmago de forma desconhecida. Eu sentia
saudades… Sentia que poderia morrer de saudades… E
nada naquele momento poderia me consolar mais do que
me lembrar da razão consoante dessa sensação da falta.
Minha subtração abstrata me condenava.
Após algumas voltas pela cidade, em silêncio, até que
eu me acalmasse por completo, chegamos ao Clube,
basicamente quase meia hora depois. Pisei fundo no piso
com minha sandália de salto alto, e ao lado daquele
estranho. Segui como uma guerreira que confiava
totalmente em seu ponto de apoio, que naquele momento
tornou-se sua espada. As luzes coloridas não
incomodavam, mas os murmúrios dos adeptos em sons
diversos, deixavam-me zonza.
AT me pôs sentada em uma cadeira confortável na mesa
de frente ao palco, e ali deixei que os minutos
escorressem soltos pela aquela atmosfera estranha e
curiosa, até a voz no microfone me despertar. Madame
Zaran se apresentava com sua escrava. Em movimentos
rápidos e muito habilidosos, ela colocava uma série de
agulhas nas costas da submissa, que gemia sutilmente
diante dos desejos de sua Dona. Percebi os dedos
apertarem a almofada que estava sentada. Era de desejo.
Desejo de tocar ao menos um milésimo de segundo em sua
Ama.
Fui despertada daquela visão pelas mãos de AT que me
puxaram para algum lugar que eu tentava descobrir. Ele
me conduzia diante de corredores obscuros de pisos
cobertos por tapetes orientais e paredes que ostentavam
objetos sadomasoquistas. Fiquei olhando para tudo,
boquiaberta.
Entramos numa sala com as paredes cobertas por uma
cortina grená. De um cômodo saiu uma menina que a
reconheci quando olhei nos seus olhos. Ela era a mesma
que se submetera a AT naquela última apresentação que
assisti. Assim que o viu, ela se ajoelhou e beijou suas
mãos. Achei bonito, mas uma sensação estranha me
apanhara de súbito.
− Saudações, meu Senhor. Grata por me permitir revê-
lo. – disse ela ainda de joelhos até ele ordenar que se
levantasse.
− Antonele, esta é Charlote, e quero que a instrua em
minha ausência, no que ela precisar. – disse ele sem meias
palavras, o que me pegou de surpresa, pois não saberia
dizer no que aquela criatura poderia me conduzir.
− Sim Senhor. – ela respondeu, e só depois me olhou.
Por mais que seu olhar fosse curioso, não deixou se levar
pelo o que sentia. Sorriu de maneira gentil e me
cumprimentou com a cabeça.
− Antonele é minha escrava e braço direito. Ela irá te
passar tudo sobre submissão, e como se sente como
submissa.
− Talvez haja algum equívoco, AT, eu não estou muito
interessada em invadir a privacidade de Antonele, e creio
que não preciso me aprofundar tanto no assunto para
resolvermos as questões do marketing.
Ele espirrou fogo com o olhar. Percebi um leve tremor
em seus lábios e, pela primeira vez, pensei que me
dirigisse alguma palavra vulgar e de baixo calão.
− Primeiramente, Charlote, o que estou fazendo é minha
parte na colaboração do projeto. Não tem como
desenvolver algo sem conhecer o universo, como eu
mesmo já lhe expliquei. Segundo, não me chame pelo
nome na frente de minha escrava. Terceiro, ninguém
invade a privacidade de ninguém diante de uma ordem.
Estamos entendidos?
− E onde acha que devo receber essas instruções? -
estava me sentindo incrédula. Ele simplesmente se sentia
no direito de me dar ordens.
− Como estamos negociando exclusividade em serviços
prestados, durante a desenvoltura do projeto, creio que
poderá ser onde eu achar conveniente.
Ele olhou para Antonele e a pediu que se retirasse. Ela
se ajoelhou e beijou as mãos dele novamente, e saiu. Eu
fiquei com a sensação de ter na boca uma maçã inteira,
enquanto não sabia como fazer para dizer não a ele.
− Gostaria de ter todas as informações… Mesmo por
que, ainda não lhe respondi quanto ao contrato. Não sei se
devo aceitar. Tenho outras obrigações e interesses a
cuidar, não estou disposta a me dedicar apenas a um tipo
de projeto.
− Acredito que não está entendendo o que estou
tentando falar há horas. Temos um pré-acordo, seria muita
falta de descomprometimento de sua parte, me entregar o
serviço pela metade. Poderia processá-la por falta de
ética no Conselho de sua profissão.
− Não desejo me sentir obrigada a nada. Sou autônoma,
não estou agregada a nenhum tipo de absurdo como este.
Ele me olhou diretamente nos olhos. Tocou-me pela
primeira vez, segurando forte em meus ombros, trazendo
meu corpo pequeno, para perto do seu porte másculo.
Senti sua respiração em meu rosto, e observei seus lábios
se movimentarem enquanto ele pronunciava:
− Charlote, eu confio plenamente em seu trabalho.
Confio que não me deixará a ver navios. Mas para que
tudo seja perfeito, é necessário abrir mão de seu orgulho,
pois ele não cabe diante de tanto talento. Ademais, você é
uma mulher inteligente, não estamos lidando com porcos
ou equinos, estamos tratando de um assunto sério, que
depende neste momento de sua única e exclusiva
cordialidade em aceitar. Não posso obrigá-la a nada,
exatamente. A qualquer hora que desejar ir embora, assim
como a trouxe, eu a levarei, mas quero que seja honesta o
suficiente para me dizer que não quer desenvolver este
trabalho.
Fiquei me sentindo encurralada. Os passos dele foram
progredindo até que eu andar para trás como caranguejo.
Senti minhas costas na parede fria, e com as mãos um
pouco mais firmes sobre meus ombros, ele me suspendeu,
fazendo-me perder o ar, trazendo-me ainda mais para
perto do seu rosto. Fui esfregando em seu tórax até estar
bem perto dos seus olhos.
− Diga-me, com suas palavras e lábios, que não deseja
desenvolver o projeto de marketing para o meu Clube. –
sua voz era doce e contagiante, fazia ciranda em torno dos
meus ouvidos enquanto meus pés eram suspensos do chão,
por mãos fortes e imensas.
Um bater na porta me libertou dele, que ainda tinha suas
mãos fazendo pressão em minha pele mesmo sem estarem
lá. Senti um formigamento no local, e um sentimento
confortável, mesmo diante de uma pressão psicológica.
− Está quase na hora. – uma voz veio lhe chamar para a
apresentação. Ele ainda me olhou atravessado, e disse
com o mesmo tom de voz de antes:
− Pense… Você tem até o final desta noite para me dar
sua resposta. – dizendo isso, chamou por Antonele e
saíram do local, deixando-me passada.
Intimidada, segui o corredor que me levou para aquele
ambiente, e me sentei na mesma cadeira que antes estava.
Antes que eu pedisse uma bebida, o garçom já vinha
trazendo algo na bandeja. Era um copo de Martini com um
bilhete curto:
“Experimente se permitir. Eu tenho certeza de que não
se arrependerá.”
Peguei o copo da bandeja mais que rapidamente, e, em
cinco goles, devorei a bebida e pedi que trouxesse mais.
Na terceira dose, um pouco tonta, percebi que AT já
estava em cima do palco em sua apresentação com
Antonele. Ele estava concentrado em tudo que fazia. Eu
ouvi o chicote estralar e vi as marcas no corpo moreno.
As feições do rosto dele se modificaram num segundo,
trazendo à tona um lobo faminto e insaciável, que lambia a
pele chicoteada e levantava novamente o açoite em
movimentos vorazes, com pressa e sem redenção. Ele era
insaciável.
− Quem é você? - ele perguntava por diversas vezes, e
ela respondia:
− Sua cadela, Senhor.
Ele colocou o chicote nos lábios dela e a fez beijá-lo,
encerrando sua apresentação.
Ao vir em minha direção, ainda em estado de transe,
secou o rosto com o guardanapo e pediu uma bebida.
Fiquei olhando impressionada para suas feições, não
conseguia piscar. Ele estava totalmente diferente. Sim. Era
um lobo, eu tinha certeza disso.
Meus dedos aflitos em cima da mesa foram observados
por ele, nada passava despercebido diante dos seus olhos.
Tomou minha mão e prendeu firmemente sob a sua. Com a
outra, bebia o Martini. Vi quando colocou a pedra
pequena de gelo em sua boca, e assim, levou minha mão
presa até seus lábios, mordiscando somente a ponta do
meu dedo, encostando-o ao gelo. Senti um arrepio
percorrer minha espinha dorsal. Queria me afastar, mas
não consegui. O efeito do álcool misturado às sensações
que aquele homem me causava era algo difícil de conter.
Ao me soltar, eu nem queria ter saído, então ele pegou
sua pasta, abriu, e de lá retirou o contrato.
− Vai assinar?
Observei o chicote sobre a mesa. Fechei os olhos.
Ouvia a música inglesa, ela pedia para alguém se entregar.
Vi quando pegou a caneta e a deixou no ar, diante de
lábios irresistíveis. Neste mesmo instante meu pulso foi
segurado por uma mão gigante e pesada. Tremi.
Peguei a caneta de sua mão, que prendeu a minha mais
uma vez. Olhou-me de modo desafiador. Ele não queria
apenas que eu assinasse, queria que eu me rendesse!
Observei o local onde se colocava a assinatura, e mal
consegui me atentar às cláusulas contratuais. O que eu
mais queria era me esconder de tudo isso, ou me jogar de
vez nas mãos daquele maluco.
Assim que assinei, levantei da cadeira.
− Para onde vai? - disse ele, percorrendo meu corpo
com o olhar.
− Quero ir para casa. – eu disse.
− A noite nem começou… – disse ele pacientemente.
− Para mim já se concluiu.
Ele sorriu pela metade e molhou os lábios. Levou
tranquilamente a mão num botão sobre a mesa e apertou.
Minutos depois, dois brutamontes vestidos de terno
cercaram o local onde estávamos.
− Podem levar a senhorita.
Sentime extremamente ofendida. Levei a mão na boca e
suspirei. Fui usada. Fui abusada. Fui ridicularizada. Que
diabos eu esperava e queria desse homem?
Não tive outra opção, precisava sair dali de qualquer
modo. Segui os homens que me levaram até um carro, e de
lá, somente um me acompanhou, dirigindo o veículo.
Quando estava quase relaxando, outro susto me tomou.
− Para onde o senhor está me conduzindo? - perguntei
assustada, sabendo que aquele não era o caminho para
minha casa.
− Para onde fui ordenado a lhe conduzir.
Eu não podia acreditar que aquele cretino estava me
raptando!
− Por favor, pare o carro, vou descer.
− Não tenho ordens para deixá-la descer antes de
chegar em nosso destino.
− O senhor não entendeu? Eu não sou prisioneira de
ninguém! E quero descer desse maldito carro!
− Entendo senhorita, mas infelizmente não poderei
atender ao seu pedido.
O que eu poderia fazer? Esmurrá-lo? Pular do carro
com este em movimento? Gritar pela janela? Ligar para a
polícia?
Naquele exato momento me ocorreu de ler atentamente
o contrato que havia assinado. Peguei-o da bolsa o mais
rápido possível e pedi para o brutamonte acender a luz do
carro.
Minha indignação fora tamanha já nas primeiras
cláusulas:
“A partir desta data, durante os próximos 60 dias,
estará sujeita a acompanhar o contratante aos locais que
este desejar, estando em sua inteira disposição durante 24
horas do dia e sete dias da semana.”
“A partir da data deste contrato, estará sob a guarda e
tutela de AT, reservando-se a se instalar em sua residência
pelo tempo limitado por este documento, até que finde os
serviços contratados.”
“A multa contratual para o descumprimento de qualquer
uma das cláusulas presentes, sujeitará a contratada ao
pagamento de trinta vezes o valor dos serviços
contratados.”
Está bem, eu me ferrei? Eu me ferrei, é isso mesmo? -
quase gritei aos quatro ventos.
No final do contrato,
“Estou ciente e concordo com todas as cláusulas
elencadas, e torno-me durante o prazo estipulado,
cumpridora das obrigações descritas, por justo julgá-las
ser perante o ato contratual.”
E a burra assinou as duas vias. Sendo esta, a dela. –
pensei alto.
Capítulo 2
Confidências de Charlote…
Entrei naquele casarão quase cega de raiva e revolta,
mas ao abrir a porta, a curiosidade tomou fortemente o
lugar de já quase antiga angústia. Não era apenas uma
casa, mais parecia uma masmorra de filmes antigos, por
todos os lados haviam acessórios sadomasoquistas. A cor
predominante era a preta e vermelha escura. Ferros,
correntes, couro e instrumentos de tortura. Nada ali
lembrava exatamente uma casa comum. Sentime tonta,
como se já estivesse conhecido antes algum lugar que
tenha essas características.
Fui recebida por uma mulher uniformizada que me
chamou pelo nome, o que deixou bem nítida a intensão
premeditada do tal AT, que certamente cuidou de todos os
detalhes e artimanhas.
− Boa noite, senhorita. Poderia me acompanhar? Vou
levá-la até seu aposento.
− Meu aposento? - fiz-me de demente.
− Sim, o quarto da senhorita já está preparado e
aromatizado, espero que goste.
Quem sou eu na fila do pão? Quando uma prisioneira
iria ser tratada assim? Enfim, nada o isenta de uma
grosseria sem fim. O que ele fez foi muito errado e eu não
abrirei mão facilmente de meus direitos de me sentir
ofendida com tudo isso.
− Escute, senhora, por um acaso tem noção do horário
que seu patrão costuma chegar? Eu gostaria que me
acordasse, caso eu adormecesse.
− Não tenho ordens para subir aos aposentos do andar
de cima, senhorita, quando lá há pessoas nos quartos.
Lamento.
Fiquei olhando para ela com uma cara de paisagem,
certamente tudo que eu dissesse ela jamais ousaria a ir
contra as ordens do poderoso AT, e só me resta subir para
a droga do quarto perfumado e esperar o infernal
Dominador chegar. Certamente fui quase marchando
degraus acima.
Quando entrei no quarto, para minha total surpresa, não
havia cama, e sim, um tapete muito grosso e felpudo,
forrado por um sutil lençol. As paredes eram revestidas
por couro, e o lustre tinha as luzes vermelhas que
deixavam o quarto todo naquele tom. Fui para o close, e lá
continha um armário com roupas femininas. Acendi a luz,
e todos os cabides tinham um papel indicando uma data.
Fiquei olhando para aquilo, tentando entender o intuito.
Quem poderia marcar a data que usaria uma roupa?
Certamente essa pessoa não sou eu.
Saí do close e me joguei no único local que havia para
dormir. Não tinha outro jeito, tinha que dormir ali mesmo,
apesar de que não era tão ruim assim, o tapete era macio e
felpudo. Ali estava realmente muito aromatizado, como
disse aquela senhora, não entendi o motivo do agrado,
quando é oferecido o chão para que sua visita dormir. A
luz vermelha foi me causando um sono incontrolável, eu
ainda estava sob o efeito da bebida.
***
Confidências de AT…
Cheguei por volta das quatro da manhã. Subi até o
andar de cima e abri lentamente a porta do quarto de
Charlote. Olhei-a dormir, parecia um passarinho fora do
ninho. Teimosa. Estava descoberta, o que me animou a
puxar o lençol até seu pescoço. Ela se mexeu levemente, e
estacionei a cabeça para olhá-la mais de perto. O rosto
dela… Havia nele algo tão familiar que senti vontade de
beijá-la. Forcei-me a deixá-la. Saí do quarto com o
pensamento ainda na pele da pequena. Tudo naquela
menina parecia ter sido feito para me encantar. O cheiro
dela… Ah, eu o sinto mesmo de longe…
Fechei a porta com cuidado e fui para meu quarto com a
sensação de sono perdido. Precisava mantê-la por perto
até o momento de convencê-la a ser minha. Não abrirei
mão. Preciosa… Especial, eu a quero como nunca quis
outra menina. Não é de meu costume tomar alguém de si
mesma a qualquer custo, mas não haveria outra maneira de
mostrá-la minha verdadeira face, e o quanto ela lateja por
dentro… Incontrolavelmente. Excito-me só de pensar
nela, com aqueles lábios… Eu em sua boca,
derramando…
Quando procurei seus serviços, eu já a observava
entrando e saindo todos os dias de seu escritório. A
primeira vez que a vi foi num dia de sol, assim que saiu
daquele bendito café, apressada e perdida. Notei seu
olhar a procura de algo, e suas mãos, quando soltas, não
tinham direção. Mãos pequenas e inquietas. Senti vontade
de beijá-las. Percebi no seu jeito de andar, que sentia a
falta de alguém que segurasse em sua mão. Vi quando
entrou em seu carro e ficou mais ou menos uns cinco
minutos parada, olhando para o nada. Percebi sua solidão
interna e carência por algo que ela mesma não havia
descoberto em si. Eu faria de tudo para mudar seu
mundo…
Na segunda vez que a vi, ela entrava numa loja de
roupas femininas. Eu a observei enquanto seu
descontentamento por tudo que havia no mundo, perseguia.
Entrei na mesma loja e fiquei por ali, escolhendo algo
para comprar para Antonele, desculpa para vê-la mais um
instante. Seus olhos percorriam as instalações e
prateleiras, nada a fazia feliz. Cansada de experimentar,
ela se despediu da vendedora e novamente entrou em seu
carro, pensando em algum lugar para ir, submersa em seu
mundo inacessível e secreto. Sem encontrar uma opção,
foi para seu apartamento.
Ao chegar à frente do prédio, atendeu o celular, e olhou
para trás, ele estava lá, o noivo baunilha que não a
satisfazia como mulher. Os olhos dela perderam ainda
mais o brilho quando ele se aproximou. O namorado
baunilha não sabia, que nada em seu miúdo universo
poderia preencher essa menina. Vi quando ele a abraçou e
os braços dela caíram estendidos nas laterais do corpo.
Naquele momento Charlote era uma boneca de cera, e não
se agregara àquele rapaz tão somente por amor, sobretudo,
porque não sabia viver sem proteção e cuidados.
Precisava de amparo e uma mão forte que a sustentasse, e
não uma que não encaixava a sua, como a dele.
Deitei em minha cama e fiquei com a imagem dela em
minha mente, sem poder imaginar o que fazer para
dominar seus anseios. O cheiro da menina ainda me
rondava como um castigo. Queria me levantar e trazê-la
para minha cama, mas se o fizesse, não conseguiria domar
o cavalo selvagem que havia em seu peito. Eu a conhecia
de algum outro lugar, de algum tempo… Ela não faria essa
bagunça com a minha cabeça, do nada, sem explicação.
Quando o dia amanheceu, fechei os olhos e adormeci.
***
Confidências de Charlote…
Acordei sem saber ao certo onde estava, percebi
apenas que a cortina estava aberta, e havia a minha frente,
um corpo alto e forte, parado como uma estátua.
Pestanejei os olhos e os abri com cautela.
− Que horas são, por favor? - perguntei já preocupada
com meu horário do trabalho, me sentindo constrangida de
ele me ver assim, descabelada e de qualquer jeito estirada
naquele tapete.
− Hora de se levantar para tomar o café da manhã.
− Não… Não, não posso, tenho que ir para casa, tomar
um banho e seguir para o escritório. – eu queria era me
livrar dele o quanto antes. Procurei minha bolsa, e dentro
dela, o celular. Tinha quinze ligações de Ito.
− Esqueceu-se de seu contrato comigo?
− Qual contrato? - minha cabeça rodava a mil por hora,
e eu não sabia sequer meu sobrenome naquela altura do
campeonato. Não tinha o hábito de beber, e muito menos
de dormir na casa alheia. Como poderia me esquecer
daquela idiotice que havia feito ontem?
− E quanto a esse estorvo que você mantem ao seu
lado… – ele me olhou com cara de poucos amigos, e eu o
encarei.
− Não sei de quem está falando…
− Você pode se levantar agora, e usar o banheiro. As
roupas, como pôde notar, estão marcadas no cabide, uma
para cada dia da semana até o encerramento contratual.
– Ele mudou de assunto e veio com outro ainda pior.
− Isso não está no contrato e não tem nada a ver com o
trabalho a ser feito.
− Não tem o que se discutir, está sob minha
responsabilidade até o final do contrato, e eu quero que
seja assim.
Senti uma raiva infinita daquele ser. Além do mais, ele
ainda implicava com minha vida íntima e privada.
− Me dê licença, preciso fazer uma ligação. – eu disse
secamente.
− Te espero em vinte minutos para o café da manhã, em
seguida, iremos trabalhar juntos.
Dizendo isso, fechou a porta e eu quis jogar o sapato no
seu rastro. Não podendo, apenas chutei a minha própria
perna. Peguei o celular e liguei para Ito.
− Desculpe, eu não pude te avisar antes, estou indo
fazer uma viagem, ficarei fora por sessenta dias.
− Está maluca?
− Sim… Digo, não… Farei essa viagem para realizar
uma pesquisa de campo.
− Charlote, temos um compromisso, não estamos
brincando de namoradinhos de escola, está lembrada
disso?
− Sim, sinto muito Ito. – dizendo isso, desliguei o
celular sentindo mal-estar. Jamais pensei que passaria por
esse tipo de situação.
Vinte minutos depois, estava na mesa do café da manhã
com meu algoz tomando chá enquanto me olhava. Sentiu
meu corpo se arrepiar e tentei disfarçar as sensações.
Sentei-me e me servi.
− Só comerá isso? - apontou para os dois biscoitos de
água e sal que me servi.
− Cada um sabe o quanto cabe em seu estômago. –
respondi.
− Sempre foi mal-educada ou só está de mau humor? -
disse com ironia, mas no fundo senti que estava se
ofendendo, e isso era tudo o que eu desejava.
− Sabe, AT, eu não estou gostando nada desta
situação… Tenho meus problemas íntimos e particulares
que só dizem respeito a mim… Tenho minha vida que
construí com meu próprio esforço, e uma profissão para
cuidar. O que pretende ao me coagir a fazer suas
vontades?
− Estou contratando seus serviços.
Fiquei tão puta que me levantei no mesmo momento.
− E isso inclui cárcere privado? - respondi com um tom
muito alto, fazendo com que sua criada se retirasse
espantada.
− Sente-se. – ele pediu calmamente, enquanto tocava
em minha mão. Senti a sua tão quente e acolhedora, que
esqueci de que ele era meu adversário naquele momento.
Algo nele me acalmava, mesmo quando o motivo de meu
delírio e ira ele. Não sei onde estava com minha cabeça
que acabei me sentando, mais uma vez fiz suas vontades.
− Não se rebele contra si mesma e nem contra ninguém.
Estou aqui para te ajudar, oferecer minha mão. Olhe para
mim… – sua voz era macia e eu não sabia mais o que
fazer ou pensar. Ele tocou em meu queixo e mirou seus
olhos nos meus. Novamente aquele desejo intenso de
chorar, como a menininha que havia perdido o caminho de
volta para sua casa. − Eu estou aqui… Confie em mim…
Apenas confie… Deixe eu te mostrar quem sou. Não
quero te enganar, nem te maltratar. Não quero que saia de
perto de mim…
Eu não entendia o motivo de me querer por perto. De
desejar alguém sem conhecer, mas algo naquelas palavras
me tranquilizava mesmo sem ter sentido algum. Algo nele
era indescritivelmente diferente do que havia nas outras
pessoas.
− Eu só preciso entender o porquê está fazendo isso…
Por favor, me deixe entender. – então não consegui mais
enlear o choro e este veio como uma vazante para o rio.
− Porque… – o celular dele tocou bem no momento
mais importante do dia, e ele atendeu rapidamente.
Aproveitei para comer e sair dali com pressa, antes que
ele voltasse ao seu posto de comandante. Seus olhos não
me olhavam, mas sua alma me sondava mesmo quando
ninguém percebia isso. Levantei da cadeira e segui
rapidamente para a porta da saída daquela casa que nem
reparei na falta da luz do sol.
Ao abrir a porta fui recebida por um jato de ar frio,
caiu a temperatura e eu nem me dei conta, respirei
profundamente e com muita pressa, mas fui pega por uma
mão forte que me arrebatou novamente para dentro do
casarão. Apertou-me em seu peito e tocou forte em meu
rosto, comprimiu-me com os olhos faiscando de qualquer
coisa que não era carinho.
− Onde pensa que vai?
Eu mal podia responder, pois seu corpo havia me
prensado na porta. Sua respiração era agora o ar que eu
respirava. Eu vi de perto a cor dos olhos. Senti o cheiro
de homem, aquele que não sai da cabeça da gente o dia
todo. Vi brilharem os fios da barba, e os lábios se abrirem
aos poucos num falso sorriso que mesmo assim capturava
a noção que eu tinha de ser gente. Engasguei em minha
própria saliva. Ao invés de responder, perdi o ar.
− Venha. – pegou-me pelo braço e me levou até seu
carro.
− Onde pensa que irá me levar?
− Cale a boca! – disse num sonoro tom que me fez ficar
quase surda.
Preferi não discutir. Ele ligou o som do carro e seguiu
rumo ao centro da cidade. Eu não via mais nada, apenas
pontos de interrogação que povoavam minha mente, um
atrás do outro…
Ao parar o carro, sem me olhar, disse num tom brusco:
− Desça!
Eu obedeci, e fiquei me perguntando para onde deveria
ir agora. Então resolvi segui-lo. Ele entrou numa loja
feminina, digamos, muito chique para meu gosto.
− Gostaria de um casaco para a senhorita. – ele pediu
para a atendente, que sorriu sentindo-se contagiada pela
arrogância e charme daquele dominador ignorante.
Ela logo veio com quase uma dúzia de modelos nas
mãos e um sorriso de orelha a orelha no rosto, e ele
apenas disse lá do canto onde estava:
− Escolha o que quiser. – mesmo sendo uma gentileza
de sua parte perceber que eu estava sentindo frio, e que
nas peças reservadas para eu usar durante a semana, não
havia um casaco sequer, seu tom de voz me irritava.
Peguei um de cor mostarda com franjas nas laterais.
− Pegue outros. – disse ele me observando enquanto eu
escolhia.
− Mas eu…
− Não pedi para justificar, apenas escolha. – ele
continuou grosseiro, e o que era pior, na frente da
vendedora, o que me fez corar e me sentir um lixo. Então
somente nesse momento, ele sorriu. Sentia prazer em me
humilhar. Vi o brilho em seus olhos e a sensação de que
conseguiu atingir seu objetivo.
Assim que pagou, novamente me segurou pelo pulso.
− Vamos embora.
− Pode soltar meu braço, por favor? Está me
constrangendo na frente das pessoas.
− Solto quando quiser. – disse apenas, e somente me
soltou quando entrei no carro.
Entrei em silêncio, esperando que os dias passassem
logo, e eu pudesse enfim acabar com aquele pesadelo e
retomar as rédeas de minha vida.
Chegamos ao Clube pouco depois. Entramos direto
para as dependências administrativas do local as quais
ainda não conhecia. Fiquei em silêncio o tempo todo,
esperando não levar novas repreensões.
− Sente-se. – disse ele me apresentando uma mesa com
um computador.
− O que quer que eu faça? - perguntei sem entender, e já
me sentindo uma idiota.
− Escreva como se sente. – pediu.
− O quê? - fiz-me de demente.
− Eu disse para você escrever as sensações de como
está se sentindo.
− Para quê?
− Para saber como é se submeter a alguém, e depois
comece a desenvolver seu projeto para o público
feminino, primeiramente.
− Virou meu chefe agora?
− Não. Jamais seria seu chefe. Estou apenas te
ajudando a entender este universo.
Então me calei. Ele certamente me achava burra o
suficiente, incapaz de desenvolver qualquer coisa em
minha profissão, sem antes passar pela pele do meu objeto
de pesquisa. Mas eu faria… Eu faria para mostrar a ele
que estava totalmente enganado em suas convicções.
Passei o dia envolvida com as pesquisas. Nem havia
percebido a quantidade de vezes que ele saía e entrava
naquela sala. Quando chegou o horário do almoço, ele se
voltou para mim depois de horas.
− Vamos almoçar.
− Estou sem fome, é melhor que vá sozinho, eu posso
pedir algo pelo telefone.
− O que há com você? - sua pergunta parecia ter sido
categórica.
− O que há com você? - respondi com a mesma
pergunta.
− Ainda não entendeu quem é que manda aqui?
− Vamos deixar bem claro uma coisa, eu não sou
submissa e nem sua empregada. Não sou sua filha ou sua
irmã. Eu não sou exatamente nada que você compreende
como sua.
− Você não é minha mesmo, porque se fosse, saberia
como se portar. Agora vamos.
Eu mal tive tempo de argumentar, ele já se encaminhou
para o carro e abriu a porta para eu entrar.
− Fecha o vidro. – pediu. Eu sabia que era por causa do
frio, e por eu ter espirrado pelo menos duas vezes na sala
do trabalho. Eu mesma já nem me lembrava disso, ele sim.
Chegamos ao restaurante e eu fiquei sem saber como
sentiria vontade de comer, se na verdade o que queria era
voltar para aquele escritório e terminar o que tinha de
fazer, e o quanto antes me libertar daquela situação.
− Quero apenas uma salada de rúcula com salmão. – eu
disse para o garçom.
Ele pegou o cardápio e ficou olhando por alguns
segundos para fazer seu pedido.
− Traga um talharim ao sugo para dois.
− Eu não quero massa! – disse indignada.
− Você não tem que querer. Olha seu estado, quase
resfriada e comeu feito um passarinho no café da manhã.
Eu sei o que é melhor para você.
− Você sabe? Como pode saber? Mal nos conhecemos!
− Isso não lhe interessa. – ele encerrou a conversa
pedindo ao garçom para se apressar.
Fiquei pasma, a cada minuto me surpreendia mais. Ele
não poderia ser pior do que isso. Não, não possível.
− Qual a próxima ordem sua e subordinação de minha
parte? - eu quis ser irônica, mas isso não foi uma boa
ideia.
− Posso ser bem pior, basta desejar.
− Eu desejo que… – ele me interrompeu.
− Você deseja ficar de boca fechada até comer tudo.
Assunto encerrado. – disse ele, olhando o cardápio para
pedir uma bebida. Tratava-me como se eu fosse uma
criança. Não estava acostumada com isso. Parecia que
aquilo tudo era um plano para me fazer ficar dependente
dele.
A tarde passou e eu a passei, sozinha.
Após terminar o que tinha de fazer, levantei-me e fui
explorar o Clube. Eu sabia que também era um ótimo
momento para fugir e nunca mais voltar ali. Poderia mudar
de endereço do escritório, e se fosse preciso, da casa
também, ele jamais me encontraria. Mas algo maior me
dizia para ficar, e com isso a briga interior passava a ser
maior dentro de mim.
Perambulei por ali, meio sem saber aonde ia, pois
muitos dos lugares do ambiente, eu tinha visto antes. Notei
uma porta fechada, e os sussurros de lá paralisaram
minhas pernas. Fiquei muda quando ouvi a voz de meu
algoz.
− Não se mexa… – ele dizia para alguém.
Com receio, dei alguns passos até a porta e coloquei
meu rosto rente a esta, para ouvir melhor. Escutei um
gemido. Abaixei-me até a altura da fechadura e quase
perdi o ar. Ele estava em uma sessão. Sei que isso não era
certo de minha parte, mas minha curiosidade me tomou de
assalto. Eu só sairia dali depois de ver o que tinha de ver.
AT estava vestido de preto, deveria ter trocado a roupa
para a sessão. Vi quando passou o cinto ao redor do
pescoço da menina, que não era a Antonele, e o afivelou
para baixo, forçando-a a ficar quase sufocada. Ele se
abaixou e passou a beijar seu ombro e colo dos seios, o
que me deu certo comichão. Quando menos se espera, AT
corre um flogger pelo corpo dela, chegando até sua
vagina. Arregalei os olhos. Espremendo o acessório,
esfregando-o. As pernas dela estavam amarradas com o
intuito de ficarem abertas. As batidas eram rápidas, mas
não tão leves. Não sei por qual motivo, mas passei a
contar os estalos, o que me causou excitação. A submissa
se contorcia, não sabia se era de dor ou desejo.
− Você gosta, eu sei… – disse ele.
Ao ouvi-la gozar, eu tive a certeza de que estava
gostando do que sentia.
− Obrigada Senhor, por me permitir gozar. – ela
agradeceu.
Ele a desamarrou e a levou para uma espécie de maca
próxima à janela. Deitou-a e a vendou. Ele se apossou de
um álcool escrito na embalagem, Isopropil, e com uma
toalha pequena, o esparramou sobre o corpo da menina.
Pegou um bastão em chamas e o deslizava sobre a pele
dela, salpicando o fogo com sal. Com a mão livre, ele
apagava com uma toalha molhada algumas pequenas
labaredas. Perto de AT também tinha um extintor.
Depois, o dominador pegou um bastão aceso e batido
contra a pele do bottom, como se estivesse tocando uma
bateria, o fez com força suficiente para apagar o bordão,
mas tomou tento, certamente para que o impacto não
causasse alguma bola de fogo.
Em seguida, um padrão é desenhado com um bastão
apagado embebido em fluído, deixando um rastro de
álcool na pele. Outra haste acesa foi utilizada apara
acender o desenho. Como sempre a mão livre seguiu o
rastro da chama, assegurando que esta fora apagada.
Fiquei estupefata com a imagem a minha frente. Assim
que acabou, ele mesmo a retirou da maca e observou seu
corpo todo, examinando se havia algum tipo de
queimadura. Quando se assegurou de que sua peça estava
em perfeito estado, ele a beijou como se fossem
namorados.
Saí praticamente correndo, sem olhar para trás. Não
queria ser pega numa situação constrangedora. Quinze
minutos depois, ele entrou na sala e minha respiração
ainda estava ofegante.
− Algum problema? – quis saber percebendo minha
cara de espanto.
− Não, obviamente. Está tudo certo comigo.
− Que bom. Vamos embora. – disse ao me levar para
fora do Clube, segurando em meu pulso. Ele tinha essa
mania de me levar desse modo para onde quisesse, sem se
importar se me incomodava. Para dizer a verdade, eu já
estava me acostumando.
Ao chegarmos a sua casa estranha, fui direto para as
escadas na tentativa de me enfiar dentro do quarto e sair
de lá só amanhã pela manhã. Ele foi atrás de mim, e
novamente segurou em meu braço. Então já estava sendo
demais.
− Como ousa a fazer isso a todo o momento e quando
deseja?
− Você não tem permissão para ir para seu quarto
agora.
− Oiii? – eu mal pude acreditar no que estava ouvindo.
− Exatamente isso que ouviu. Não suba para seu quarto.
− E o que acha que vou ficar fazendo aqui?
− Vai lavar a louça e o banheiro social.
− O quê?
− Você ouviu bem… Precisa ser grata por se hospedar
em minha casa.
− Mas… – ele me interrompeu.
− Já!
Meus olhos se encheram de lágrimas. Eu não estava
entendendo o motivo. Sentia-me humilhada, massacrada
ou qualquer outra coisa que definisse o que se passava
dentro de mim. Mas eu não fraquejaria. Meu lema sempre
fora enfrentar os desafios. Eu sou forte, eu posso lavar a
merda da louça e a porcaria do banheiro.
Saí pisando firme com meu salto e virei meu pé, caindo
no meio da sala. Ele veio correndo ao meu encontro e se
abaixou, passando a mão em meu tornozelo.
− Machucou? Está tudo bem como você?
A expressão dele era de preocupação. Ficou olhando
para meus olhos até que eu o respondesse. A profundidade
daquele olhar me calava, me afogava. Eu já não sabia
mais quem era.
− Sim…
Ele tirou os sapatos dos meus pés, cuidadosamente.
Acariciou-me sem pressa. Por um momento pensei que
aquele homem das cavernas havia desaparecido da face
da terra, mas assim que abri meus olhos, ouvi:
− Agora vá fazer o que mandei.
Eu o farei. Mas farei por orgulho, por desafio ou
qualquer coisa que prove que sou uma mulher forte. Muito
mais forte do que ele pensa.
***
Confidências de AT…
O que eu sentia por aquela menina? – me perguntei ao
vê-la de longe cumprindo minha ordem. Quanto mais ela
se mostrava difícil de ser domada, mais eu desejava ver
seus joelhos no chão, pronta para mim. Era difícil adestrá-
la. Um trabalho lento, mas que valeria a pena. Onça
pintada, gata do mato… Eu a dobraria, nem que fosse a
última coisa que fizesse como dominador.
No fundo eu sentia que Charlote estava se defendendo,
e sua negação ao que a obrigo é por simples questão de
tempo. Quanto mais os minutos passavam, mais eu a sentia
minha… Como se a conhecesse há anos, e soubesse
exatamente o que fazer para adestrá-la.
Olhei seu traseiro arredondado, pernas bem torneadas,
pele clara, que me causava um frisson. Eu desejava aquela
menina mais do que tudo neste momento. Ela seria minha a
qualquer custo. Não a tocarei como pretendo, mas
esperarei ansiosamente por cada pedaço de seu corpo.
***
Confidências de Charlote…
Quando terminei de fazer o solicitado. Joguei-me no
sofá e fechei meus olhos. Aproveitei sua ausência para me
sentir em paz. Pensei em Ito e em como ele estava se
sentindo naquele momento, pois sei que não agi
corretamente, mas já era tarde demais para consertar,
ainda mais nas circunstâncias em que me encontrava.
Senti um par de mãos deslizarem entre meus cabelos, o
toque estava tão bom, eu poderia até pedir para não parar,
mas ao invés disso, inclinei meu corpo para frente,
livrando-me do que ele fazia.
− O que pretende? – perguntei, fingindo estar puta da
vida.
− Senti-la.
− E me pediu para fazê-lo?
− Eu jamais pediria algo que desejasse.
Engoli em seco e pensei rapidamente em algo para
mudar o rumo daquela conversa.
− Vou subir. Preciso de um banho e, depois, cair na
cama. A propósito, não teria uma cama de verdade para eu
dormir, já que estou obrigada a permanecer em sua casa?
− Por enquanto não está merecendo.
Preferi nem discutir. Seria bobagem. Eu jamais deveria
ter assinado aquele inferno de contrato.
Assim que virei minhas costas, ouvi sua voz:
− Às vinte horas te espero para o jantar. Sua roupa já
está em cima do tapete.
Amaldiçoei-o por pensamento. Até pude imaginar seu
sorriso de satisfação.
Às vinte horas estava na sala de jantar. AT ficou
olhando para os meus pés, que estavam descalços, e para
o pijama que ele mesmo havia providenciado para eu usar
naquela noite. Confesso que não compraria essa peça,
pois me pareceu bem infantil para minha idade. Por um
momento me senti em casa. Estava cansada e com os pés
cheios de calos. Permaneci imóvel como uma estátua, e
fingi não me importar com seu olhar.
− Seu pé melhorou?
− Sim.
Ele arrastou a cadeira para eu me sentar, e assim
jantamos em silêncio. Estava sentindo sono, mas como ele
não tirava os olhos de mim, preferi forçar uma
animosidade. Tudo poderia esperar deste sujeito.
Ao me levantar da cadeira, já procurando o rumo do
tapete de dormir, a voz dele me freou.
− Venha cá.
Dessa vez o sono se foi de vez. Virei-me sem pressa e
mirei os olhos em seu queixo, assim não me pareço mal-
educada nem revelaria meu espanto.
− Mais perto. – ele voltou a pedir.
Meu desejo era perguntar o motivo, e com passos
lentos, fui me aproximando. Foi somente nesse momento
que percebi a música no ar, justo quando suas mãos
tocaram minha cintura e eu senti o gesto com falta de ar.
Antes que eu dissesse mais alguma palavra, ele
encostou seu corpo quente e aceso junto ao meu, senti sua
respiração em meu pescoço, o que me causou sensações
inesperadas. Passamos a dançar.
− Ah, eu não sou boa nisso… – eu disse para tentar me
aliviar.
− Não precisa, eu a conduzo.
Fiquei tentando adivinhar a conotação da frase, sei que
existiam coisas a mais ali, além de me guiar numa simples
dança.
As mãos dele passeavam em minhas costas num toque
aconchegante e protetor. Eu poderia fazer alguma objeção,
mas minhas forças estavam totalmente entregues naquele
exato momento. Fechei os olhos e passe a ouvir a canção.
− Está gostando da música?
− Bem… Eu… Sim. É agradável.
− Sabe que é exatamente assim que deve ser em uma
relação de dominação e submissão? O dono conduz a
menina em todos os seus passos.
− Humm… – eu não sabia o que dizer. Qualquer coisa
que dissesse iria me parecer uma idiota.
Senti sua mão agora acariciando meus cabelos e, num
supetão, me trouxe com mais força para perto de seu
corpo, como se quisesse me colocar lá dentro. Novamente
uma catarse.
Ele tocou meu queixo com cuidado e me forçou a olhar
em seus olhos.
− Eu a quero, menina… Quero cuidá-la, protegê-la, não
permitir que nada mais lhe faça mal.
Fiquei parada olhando para os olhos dele que
brilhavam.
Naquele instante tive a sensação de que esperei ouvir
aquilo a vida toda, mesmo sem ter a noção dessa espera.
Ele passou o dedo em meus lábios e mexeu em meus
cabelos, olhando para o contorno do meu rosto, depois
novamente parou em meus olhos.
− Eu… Sou noiva… – disse tremendo o lábio.
− Isso não é um pedido de casamento… É mais que
isso. É um pedido de sua alma, seu corpo, para mim… Só
para mim…
A catarse aumentava com a aproximação dele em meu
espaço, em minha intimidade intrínseca. Jamais ouvira
antes aquelas palavras, mas ao mesmo tempo, elas não me
eram estranhas, e eu não sabia dizer o motivo. Não senti
medo, senti saudades sem conseguir explicar a razão.
Tentei fugir, ele me apertou contra seu peito. Tentei
respirar, mas meu mundo estava abafado, tomado, aceso,
ardendo…
− Eu não sei por que está fazendo isso comigo… – as
sensações ilógicas me confundiam, ao mesmo tempo em
que eu desejava correr, não queria sair daqueles braços.
− Fique em silêncio. – disse ele tocando em meus
lábios com o polegar. – Tão linda e delicada… Tão
doce… Por que ser tão rebelde?
Sua boca comprimiu a minha, levando minha
resistência. Suas mãos desciam e subiam pelas minhas
costas, roçavam em meus cabelos com gana, senti que ele
desejava puxá-los, mas não o fez. Pensei que rasgaria
minhas roupas e me tomaria ali mesmo no tapete da sala,
mas não ousou. Que homem é esse?
− Vamos dormir. – disse ele seguindo na frente, me
deixando parada no mesmo lugar, com os lábios ainda
entreabertos, esperando por mais. Apagou as luzes da sala
e subiu as escadas sem olhar para trás.
Capítulo 3
Confidências de AT…
Eu não consigo reconhecer de onde vem a atração tão
arrebatadora que sinto por esta mulher. Tudo se torna
intenso e ínfimo quando me aproximo dela, sentindo um
cheiro familiar que me deixa completamente louco e cego,
a ponto de desejar romper suas muralhas, antes mesmo de
roubá-la de si mesma.
Os movimentos delicados dela entram em meu corpo
num instante em que me esforço cada vez mais para me
lembrar de onde a conheço… A cautela se esvai, temo por
meus instintos… Não sei de seus limites, e mesmo assim,
meu desejo de superá-los é bem maior que a mim mesmo.
Deito na cama tentando adivinhar o modo como ela está
posicionada neste momento no tapete do seu quarto, onde
eu desejaria passar a noite a observando. Monto um
cenário mental de seu corpo ajoelhado perante a mim,
querendo apenas servir aos meus insanos desejos.
Imagino seus joelhos avermelhando-se com a pressão e
peso do seu corpo, e a expressão de cansaço em seu rosto,
mas permanecia na mesma posição até o comando de
minha voz para se levantar… Neste momento eu teria
certeza de que estava entregue somente a mim, apesar de
seus limites, seria minha… Como algo perene que faz
parte de tudo que me traduz.
Rolei na cama feito um lobo em plena madrugada.
Podia ouvir meus próprios uivos de ansiedade e loucura
por uma menina que acabara de surgir em minha vida,
mudando tudo de lugar. Fechei os olhos e tentei me
concentrar no que deveria fazer no dia seguinte, um
compromisso com minha honra dominante de permanecer
intacto no meu posto junto às minhas submissas, que já
fazem parte do meu dia, ao mesmo tempo em que se
tornaram quase invisíveis perto de Charlote.
Ouvi um barulho estranho, levantei-me mais que
depressa e corri ao encontro dela. Abri a porta com
cuidado, e lá estava seu corpo sentado com a cabeça entre
as pernas, chorando. À sua frente, no chão, os cacos de
uma taça de vinho. Sua fragilidade perante o seu gesto
bruto revelava uma menina carente e perdida, alguém que
precisava naquele momento, apenas de uma mão para
conduzi-la e um corpo para aquecê-la.
Aproximei-me rapidamente e toquei em seus cabelos
claros que faziam meus dedos se perderem entre os fios e
o desejo de possui-la. Puxei-a em apenas um gesto, e a
trouxe para meu colo, onde ela se aninhou como um
passarinho que fora derrubado do ninho. Tão pequena e
tão doce… Tão minha… Ah, menina… Eu jamais a
abandonarei.
Seu rosto miúdo deitou-se em meu peito e o choro
cessou quando beijei sua testa e a fiz olhar em meus olhos.
Ninei-a como se fosse uma pequena criança, e coloquei
meu queixo sobre sua cabeça, caminhando rumo ao meu
quarto, onde a protegerei dos males noturno, e de qualquer
infortuno que queira roubá-la de mim.
Fechei a porta por detrás de meu corpo teso e ansioso,
louco por ela… Como pode fazer isso comigo? Com qual
permissão teve o despautério de me envolver de forma
quase anônima, sem sequer eu ouvi-la dizer – A ti
pertenço, Dono de mim?!
Quase adormecida, ela ainda olha para mim, eu enxugo
sua lágrima derradeira que rolava pela face luminosa.
Aproximei meu rosto do dela, e a beijei docemente. Senti
meu membro rígido rasgando meu pijama, faria qualquer
coisa para amarrá-la na cama e vê-la adormecer assim, no
cansaço e perturbação eminente, totalmente vulnerável.
Nunca fui bom cantor, mas senti que poderia arriscar
qualquer tom para cantar alguma música naquele instante,
e assim fazê-la dormir. Então ousei, e a vi fechar seus
olhos quando minha voz chegou até seu acalento e a
adormeceu… Lindamente, como se fosse minha desde o
dia em que nasceu.
Agora poderia dormir sossegado. Ela estava ali, ao
meu alcance, junto de mim.
O dia chegou e meu celular logo tocou me lembrando
de que precisaria ir a capital vizinha buscar alguns
acessórios importados para o Clube, pois haviam chegado
minhas encomendas. Poderiam ser enviados pela
transportadora, mas eu fazia questão de ir pessoalmente
experimentar cada objeto em uma de minhas escravas. O
teste é algo que faz parte de meu ritual no momento de
comprar qualquer acessório que esteja relacionado às
sessões sadomasoquistas, tanto para a minha vida pessoal,
quanto para meu estabelecimento. A qualidade sempre
fora a alma do negócio. Aproveitaria para comprar alguns
móveis para a reforma surpresa que faria a ela, o projeto
de Charlote veio a calhar num momento em que minha
inspiração estava a toda a prova, queria revolucionar o
que já estava muito bom. Sou exigente, gosto sempre de
alcançar o meu melhor.
Não saberia como fazer para mantê-la comportada em
minha casa até meu retorno. Certamente poderia dar na
louca de fugir… E se o fizesse, eu a acharia onde quer que
esteja. Meu sentimento de posse já abrigava aquele corpo
e alma.
Chegamos em silêncio no escritório, apesar de ter me
concentrado no que deveria fazer naquele dia, minuto ou
outro insisti em olhá-la de resvalo para avaliar seu
comportamento e sensações depois da noite anterior.
Ainda não falamos sobre o ocorrido. Ela me parecia
alheia a qualquer situação que pudesse acontecer naquele
momento. Isso não era bom sinal. Eu não estava
conseguindo captar suas emoções.
Meu voo sairia às 16 horas, e eu já me encontrava
ansioso. Precisava deixá-la tranquila até o momento de
partir, mas não haveria muito tempo até lá, então o que
fosse para ser dito, aquele era o momento.
Ao entrarmos na sala, ela se sentou e nada ainda havia
dito. Eu virei sua cadeira para mirá-la de frente. Os
nossos olhos estavam dando choque ao olharmos um para
o outro. A energia era intensa. Eu podia sentir até o calor
que vinha do seu corpo.
− Sobre o que aconteceu ontem, iremos conversar assim
que eu voltar de viagem.
Ela então arregalou os olhos ao me ouvir pronunciar a
palavra viagem. Sei que queria perguntar algo, mas seu
orgulho não deixava.
− Vou partir hoje no final da tarde, e só nos veremos
daqui três dias. Acha que pode permanecer comportada,
indo e voltando da minha casa para o trabalho e vice-
versa?
− Eu não sei…
Ela quis certamente me desafiar.
− Saiba que nosso contrato está em vigência mesmo em
minha ausência.
− Irei cumpri-lo.
Ela mudou de ideia ao se lembrar do que se dispôs.
− Posso confiar em você?
− Sim.
− Por que está monossilábica?
− Não há motivos para tagarelar.
− Sobre ontem à noite…
− Eu já esqueci… Assim como todas as coisas que me
aconteceram antes de eu conseguir me lembrar quais eram.
− Eu a pedi ontem, para mim. – eu disse logo de uma
vez, na tentativa de fazê-la se importar com o quanto isso
significava.
− E o que significa isso?
− Significa que a partir do momento em que for minha,
eu a tomarei de si mesma.
Senti que ela gelou por dentro, pois seus lábios se
empalideceram.
− Eu não sou submissa.
− Se, não fosse, eu não estaria aqui diante de você. É
uma submissa arredia, mas que se ajoelhará em pouco
tempo de adestramento. Você quer apenas chamar a
atenção do mundo. Quer alguém que se importe com sua
vida. E eu a enxerguei.
− Tenho muitos problemas, não serei boa o suficiente
para você.
− Isso quem decide sou eu. E não quero que me trate
mais como você. É tão difícil me chamar de Senhor?
− Não é meu Dono.
− Eu jamais pedi a alguém para ser minha.
− O que faz então? Obriga-as a serem suas?
− Eu as conquisto. Mostro-as que me pertencem desde
o dia em que pousei os olhos sobre elas.
Toquei em suas mãos, estavam frias. Levei-a até meus
lábios e mordisquei seu dedo indicador.
− Terei que ir, preciso preparar minha viagem. Fique
atenta ao celular. Não o deixe tocar mais de duas vezes.
Ela apenas me olhou meio perdida, e saí, fechando a
porta, seguindo meu dia.
Sinto por essa menina algo entre obsessão e amor de
vagabundo. Preciso tê-la. Transpirá-la. Ela está em meus
pulmões.
***
Confidências de Charlote..
Passei o dia tentando adivinhar o que ele tinha feito a
mim. Eu queria resistir e não conseguia definir o motivo
pelo qual estava me prendendo a ele como se isso fosse
realmente necessário. Tudo que saía dele invadia meu
âmago, eu não posso acreditar que estava apaixonada por
um dominador. Não posso admitir que sou realmente o que
ele pensa que sou. No entanto, não consigo questionar a
hipótese, apenas sei sentir.
Estava incomodada com a minha relação com meu
noivo. O que estava acontecendo poderia ser perigoso a
ponto de magoá-lo irremediavelmente. Não quero ser
considerada uma traidora, iludida por um sádico que tinha
a mania de dominar pessoas.
Fiquei olhando o celular por muitos minutos. Eu
tomaria coragem e ligaria logo para Ito, e o diria tudo que
estava acontecendo… Mas… O que estava acontecendo?
Por enquanto não havia nada de tão errado, apesar que a
todo o momento eu me traía imaginando como seria se
fosse possível.
Deixei o tempo passar um pouco mais. Precisaria ter
certeza de que AT já havia embarcado, e deste modo
poderia sair um pouco do cárcere. Esperei quarenta
minutos a mais do horário que ele embarcaria, e
novamente peguei meu celular e disquei o número do
telefone de meu noivo.
Assim que tocou, ele atendeu um pouco afoito. Fez uma
porção de perguntas, e resolvi marcar um encontro. No
horário combinado, estava lá, fui de táxi.
− Precisamos conversar. – eu disse logo que o vi.
− Pressinto o mesmo… Mas antes de tudo, me deve
algumas explicações… Onde esteve e por que está
evitando atender minhas ligações?
− Não é bem o que você está imaginando, na verdade…
Eu nem sei como explicar.
− Você tem outro?
Por um momento achei que iria responder, sim, tenho.
Mas isso não era verdadeiro. Eu não tinha ninguém,
apesar de… bem, eu beijei AT, mas o que isso significa?
Eu estava encurralada.
− Não tenho ninguém, este não é motivo de… – pausei.
− Qual motivo?
− De encerrar nossa relação.
Ele pôs as duas mãos na cabeça e suspirou
profundamente.
− Charlote, eu não acredito que depois de tudo que
vivemos juntos, você terá a coragem de fazer isso, sem
nem um motivo aparente… Mas deve existir alguma razão,
eu sinto que sim… É melhor que seja sincera comigo, eu
sempre agi desta forma com você.
− Acredite, não existe um motivo selecionado. O
problema sou eu, minha insatisfação com o mundo… Eu
não me encaixo em uma vida normal, com pessoas
normais… Eu nem sei ao certo quem sou. Não posso me
casar, nem com você, nem com qualquer outra pessoa
antes de descobrir quem sou.
− Dizendo assim, me dá a sensação de que está falando
de uma alienígena. Pare com isso, Charlote, você colocou
essas coisas em sua cabeça com desculpa para se
desagregar do mundo, e eu não vou deixar.
− Você não pode interferir em minhas escolhas… –
senti que a qualquer momento choraria, precisava ser
forte.
− Posso e devo! – disse ele, segurando em minhas
mãos.
− Não deve! Você não é meu Dono! – eu nem percebi
quando proferi esta palavra, Dono. Deveria estar afetada
por coisas que AT tentava por em minha cabeça. Somente
agora percebi que estava submetida a uma dominação
psicológica.
− Não existem essas denominações, Charlote. Eu sou
apenas alguém que te ama e quer estar ao seu lado…
− Mas eu não me adaptei… É difícil para mim, saber
que existe uma vida atrás do meu esquecimento, e nada
consigo me lembrar. Não posso estar com ninguém,
esqueça nossos planos.
− Poderá buscar por um tratamento… Sei lá… Há de
ter uma forma de você se sentir melhor com isso.
− A solução é esta, eu não quero mais me casar. –
olhei-o seriamente, até que percebesse minha sincera
vontade.
Então ele se levantou, e eu continuei o fitando. Tirei a
aliança do meu dedo e o entreguei. Ele a pegou e ficou
com uma expressão confusa no olhar. Finalmente se virou
e saiu de dentro do restaurante.
Foi difícil optar por voltar para a casa de AT, eu
poderia não ir, se quisesse. Mas cumpriria a qualquer
custo o nosso acordo. Quando cheguei, logo fui abordada
por seus seguranças que vieram me tirar satisfações.
− A senhorita sabe que não tem autorização para sair
sem ser em nossa companhia.
− Eu não tenho idade para ter babás.
− Estamos cumprindo ordens… É o nosso trabalho.
− E eu não tenho exatamente nada a ver com isso…
Entrei sem me importar com as bobagens que eles
falaram. Mal coloquei os pés dentro da casa, meu celular
tocou, e então me lembrei de que AT me pediu para
atender no segundo toque. Eu não precisava obedecer, mas
algo dentro de mim dizia que sim, preferi não questionar e
atendi.
− Boa menina… O que está fazendo?
− Acabei de chegar. – nem pensei em mentir. Talvez não
fosse uma boa ideia dizer a verdade. Esperarei pelo
resultado.
− Onde foi sem minha ordem? – eu podia sentir sua ira
daqui.
− Fui terminar minha relação.
Houve um silêncio. Achei até mesmo que ele tinha
desligado.
− Não me comunicou que o faria…
− Fiz o que achei que deveria. Fiz por mim, e por mais
nada ou ninguém. – entrei na defensiva.
− Com a intenção de me pertencer?
− Eu não disse isso…
− Depois conversaremos sobre sua saída sem minha
permissão. Preste muito atenção no que vou lhe dizer
agora. Eu a espero amanhã no aeroporto de onde estou.
Sua passagem estará comprada, poderá pegá-la com
minha secretária.
− Qual sua intenção, Senhor? – eu disse Senhor numa
expressão que soasse quase um deboche.
− Caso não venha, eu pago a multa da quebra
contratual, e você poderá encerrar seu trabalho por aqui. –
sua voz não soava brincadeira, e isso me causou um frio
no estômago. Pela primeira vez senti medo de sair
daquela casa. Minhas mãos ficaram gélidas, e tive medo
de responder. Em meu silêncio, ele desligou o telefone e
meu coração disparou.
Andei de um lado para o outro no quarto. Nem me dei
conta de que havia entrado no aposento dele. Sentia-me
descompassadamente louca. Fui até a janela, mas nada me
distraia. Ele não estava brincando… Eu poderia inventar
um monte de desculpas para mim mesma, e deixar aquela
casa de vez. Eu poderia ligar para meu ex e dizer a ele
que fora um engano, trazendo-o de volta para me consolar
num momento desses. Eu poderia… Ir ao encontro de AT
e dizer que estava lá, a sua inteira disposição. Enfim…
Teria qualquer uma das opções. Mas naquele momento eu
não sabia sequer quem era.
Em meio aos meus pesadelos, deixei-me cair no tapete
do quarto enquanto me olhava no espelho e tentava
alimentar um dos personagens dentro de mim.
***
Confidências de AT…
Deitei-me na cama do hotel e passei a pensar nela. Sei
que a perturbei com minha proposta, e sei que ela virá.
Algo me diz que sim, e que amanhã as horas voarão
quando minhas mãos pousarem sobre seu corpo que tanto
espero.
Ela virá… Ela sabe que é minha… Nem mesmo sei
explicar de que modo, mas algo diz que sim, e que seria
perder muito tempo em não consolidar logo esta relação.
Ouvi a porta do banheiro se abrir, e Antonele sair de lá
vestida lindamente numa pequena camisola preta com uma
abertura na frente, revelando o púbis depilado, que
esperava por meus anseios. Ela trazia o chicote entre os
dentes, e as algemas abertas, seguradas por uma das mãos,
na ponta dos dedos. Veio rastejando os joelhos no chão
até a cama. Olhou-me como uma cadelinha no cio,
desejosa da atenção de seu dono. Olhei-a, sabendo
perfeitamente do quanto ela era linda e quista por mim,
mas naquela noite… Meus instintos haviam se dissipado
num vazio profundo e silencioso.
− Hoje não, cadelinha.
Ela fez um bico de descontentamento e voltou para o
banheiro. Em sua ausência, peguei o telefone e pedi à
recepção que arrumasse um quarto para que minha menina
passasse a noite. Não a queria presente assistindo a minha
angustia.
Após acomodar Antonele no quaro ao lado, meus
pensamentos novamente estavam em Charlote, senti o
desejo de telefonar mais uma vez, ouvi-la, massacrá-la…
Desordenar seus pensamentos. Fazê-la perder o sono e
dividir comigo o que eu sentia. Mas preferi fazer tudo isso
pessoalmente, precisava testá-la.
***
Confidências de Charlote…
Amanheceu o dia, meu estômago revirava. Antes de
sair, fui até a cozinha e tomei dois copos de água. Depois
disso corri até o banheiro e enfiei o dedo na garganta.
Vomitei como se quisesse tirar de dentro de mim, algo que
me sufocava. Ele estava me dominando sem que eu
permitisse, e eu já sentia as reações deste domínio em
todo meu psíquico.
Sentei à mesa, e o que fiz foi somente olhar para sua
cadeira vazia. Fiz que tomaria um café, ou que cortaria um
pedaço de bolo, mas desisti. Sim, eu estava desistindo de
tudo que conseguia fazer sozinha. Não iria. Não faria sua
vontade. Iria. Não descumpriria de nosso acordo
profissional. Não iria, eu tenho amor próprio. Então me
lembrei de que dormi em sua cama, sentindo seu cheiro no
travesseiro, e acordei várias vezes durante a noite,
acreditando ter sentido seu toque em mim.
Ao chegar ao Clube, tentei passar pela secretária,
indiferentemente, mas uma voz me freou antes mesmo do
próximo passo.
− AT pediu que lhe entregasse este envelope. Dentro
dele estão todas as orientações quanto a sua viagem.
Engoli em seco. Peguei o envelope sem dizer uma
palavra e fui para a sala que eu ocupava. Fechei bem a
porta e fui verificar o que ele me deixou. Não acreditei
quando percebi que a passagem estava marcada para
daqui quatro horas. A decisão naquele momento partiria
apenas de mim, e eu não sabia o que fazer.
Num ímpeto, peguei minha bolsa e saí correndo daquele
lugar. Os seguranças tentaram me impedir, mas minhas
pernas eram mais ágeis. Eu poderia desistir, AT me deu
essa alternativa. Atravessei a rua com a respiração
ofegante, esta foi a única forma que encontrei de fugir de
mim mesma. Corri sem direção, iria para qualquer lugar
onde eu pudesse me esconder. Quando cansava, parava
por alguns minutos, retirando o cabelo de minha boca e
voltava a correr.
Eu não conseguia ver mais nem uma pessoa a minha
frente. As lágrimas escorriam pelo meu rosto, e a dor de
viver abatia-me a cada trocada de pernas. A sensação que
tinha era de que não conseguiria mais voltar para mim
mesma. Isso jamais aconteceria se eu cedesse às suas
vontades.
Quando dei por mim, acenei para o primeiro táxi que
passou e entrei. Não pensei em mais nada. Estava
totalmente tomada por um poder anônimo que me
devorava por dentro. Quando consegui cair na realidade,
estava em frente da casa de meu algoz. Entrei correndo
procurando por um ninho macio e acolhedor. Subi as
escadas e fui para meu quarto, a mala estava feita em cima
do tapete. A empregada da casa bateu na porta antes de
abrir.
− Está tudo pronto, senhora. Quando quiser, chamarei o
motorista.
Não haverá mais o frio, quando ele me abraçar. A
desproteção irá findar-se, quando ele me puxar para perto
de si. Sua boca vai falar palavras que preciso ouvir. A
cada dia, eu estarei sempre lá, estarei sempre… Sempre
um dia a mais…
Embarquei rumo ao inevitável. Tudo que eu sentia era
algo intrínseco e não estratégico. Fui tentando respirar
compassadamente até o momento de desembarcar.
Desci no aeroporto meio perdida de mim mesma, sem
saber o que iria acontecer daquele momento em diante.
Não agia conscientemente, e sim, por uma força maior que
eu, que me levava para onde quisesse, sem que eu tivesse
tempo de pensar.
Peguei o carrinho de bagagens e saí sem conhecer nada
por ali. Avistei o portão onde ele me instruiu que estaria a
minha espera, e tremi o lábio. Ele estava lá, parado me
olhando. Contorci os membros do corpo e segui. Ao
chegar de frente a ele, parei. AT se aproximou e me tomou
pela mão, em seguida, me abraçou como se fizesse muitos
anos que não nos víamos. Minha resistência se quebrou,
como a taça de vinho naquela noite, ao chão.
Ele tocou em meu queixo e me fez olhá-lo.
− A partir deste momento está sob minha
responsabilidade e meus cuidados. Ninguém poderá tocar
num só pedaço de seu corpo. Ninguém poderá lhe fazer
algum mal. Eu a cuidarei e zelarei pelo seu bem-estar.
Não tenha medo… Você veio… Sabe por que veio, e o
que deve fazer.
− Não sei… – disse sinceramente.
− Entrega-se a mim.
Algo me conduzia, impacientemente. Toquei em suas
mãos e as trouxe de encontro aos meus lábios e as beijei.
Lágrimas saíam dos meus olhos, e eu não pude detê-las.
Fiquei assim por algum momento até senti-lo me pegando
pelo braço e me levando até o carro que nos esperava.
Sentamos no banco de trás, e assim que entramos, ele
pediu ao motorista que seguisse. Olhou-me com um ar de
mistério, e eu tentei disfarçar minha ansiedade, ajeitando-
me no banco. Sua mão tocou a minha e me puxou num
solavanco para junto de si, o que me causou um desejo
imenso de beijá-lo, mas não revelaria.
− Precisamos acertar algumas coisas. – ele disse isso
tirando de sua pasta, umas três páginas de papéis
digitados. Talvez fosse algo referente ao nosso projeto,
mas não achei adequado aquele momento, para tratar de
assuntos que me desliguei completamente para viver
aquela loucura toda. – Leia. – ele me passou os papéis. –
Assine em cada item quando concordar, e escreva,
concordo. Nos que não concordar, diga, não concordo, e
assine também.
Então passei a sentir frio. Era um acordo de
relacionamento, D⁄s. Para muitos que não sabem, ali diz
que muitos dos meus direitos serão repassados a ele,
assim como sua total responsabilidade por meus atos a
partir daquele momento. Logo abaixo estão algumas
práticas sadomasoquistas, muitas delas eu já havia
pesquisado na internet. Certamente ele elencou somente as
práticas que lhe interessavam, e isso me causou certo
alívio em saber que muitas das que eu teria certa ojeriza
não estavam ali, como qualquer coisa relacionada a fezes
ou as que necessitam de perfurações. Essas na verdade,
são meus limites.
Olhando mais abaixo, atentamente, antes de assinar
qualquer coisa, vi sobre irmãs de coleira e a
possibilidade de estarmos juntas em sessão. Eu o olhei e
ele fez um gesto com a cabeça para que eu retomasse a
leitura do acordo. Sinceramente, eu não sabia o que dizer
sobre este aspecto, haja vista que não imagino como seria
isso, e se por algum momento eu teria de ficar com outra
mulher para satisfazê-lo, o que também não tinha nenhuma
opinião a respeito. Mas dentro do meu coração, algo
apertou sem causa, mas com efeito explosivo.
Ele me passou a caneta, e como se estivesse sendo
movida por um instinto, passei a assinar as cláusulas.
Quando chegou a que se referia a irmãs de coleira, eu
parei por um momento sem saber o que faria. Assinei e
escrevi entre parênteses, negociável. Ele me olhou um
tanto confuso e eu correspondi do mesmo modo, pois nem
eu mesma sabia o porquê de ter escrito aquilo.
Eu o entreguei o acordo, e tinha certamente muitas
dúvidas e perguntas, mas todas estavam tão misturadas em
minha cabeça, mal conseguiria me expressar.
− Agora é o momento de dizer qualquer coisa que
queira. – disse ele numa voz pacífica.
− Eu não sei o que pensar sobre irmãs de coleira.
Ele sorriu e tocou em minha mão.
− Elas já existem. Você tem apenas que aceitá-las ou
não.
Engoli em seco e me lembrei claramente do sorriso de
Antonele. E depois, daquela outra menina que o sondei
pela fechadura da porta no Clube. Eu não sentia ciúmes
naquele momento, mas algo me incomodava. Talvez mais
tarde eu conseguiria identificar.
− E meu trabalho? E minha casa?
− Poderá trabalhar, porém, quanto a sua casa, ela será
onde eu desejar.
Aproximou-se de mim, e num sussurro pediu:
− Tire sua calcinha.
Fiquei sem jeito, não sabia como fazer aquilo com o
motorista a minha frente. Mas resolvi obedecer. A cortina
de meu despudor havia sido aberta. Eu me revelava
completamente a quem apenas me disse que eu o
pertencia, e isso era algo completamente diferente de
qualquer outro tipo de relação existente.
− Levante seu vestido, senta-se desnuda sobre o couro
do banco, e abra levemente suas pernas.
Novamente fiz o que ele mandou e tentei olhá-lo, mas
algo me dizia que eu deveria me manter com os olhos
voltados para baixo, e assim fiz.
− Toda vez que estiver de vestido diante de seu Dono,
repita este mesmo processo sem que eu precise pedir.
− Sim.
− Sim?
− Sim Senhor. – corei. Eu me curvei diante dele sem ao
menos me abaixar.
Ele pegou uma venda preta e colocou sobre meus olhos.
Perdi-me no breu de minhas próprias emoções. Senti seus
dedos deslizarem sobre meus ombros, em seguida, em
minhas coxas que estavam à mostra. Ele percorreu pela
parte interna de minha perna. Por um momento achei que
fosse tocar em minha genitália, mas não o fez, apenas me
deixou na expectativa, o que me causou umidade entre as
pernas.
Assim que o carro parou, ele me conduziu pela mão a
fim de descermos. Fui levada como uma criança que
andava no escuro. Um pouco mais à frente, paramos. Senti
suas mãos potentes me puxando, em seguida seu corpo me
comprimiu contra a parede, o que me causou uma quentura
no baixo ventre. Sua mão subiu até meus lábios e me
sufocou por alguns segundos.
− Fará apenas o que eu mandar…
Balancei a cabeça ainda com sua mão cobrindo
fortemente a minha boca.
Senti um objeto frio percorrer meu colo, os beijos dele
vinham atrás. Com o ruído, identifiquei o que ele trazia
em mãos e passava sobre minha pele, era uma tesoura
pequena que nesse momento cortava as alças do meu
soutien. Meus seios foram libertos e agora saltavam para
fora em plena luz do dia, sabe-se lá, onde. Meu corpo não
suportava de excitação.
Adivinhando o que eu sentia, ele colocou a mão em meu
sexo e passou a me masturbar, ali, no ar livre. Eu tentava
me esfregar em seu corpo, mas ele se afastava.
Senti quando tirou algo do bolso e colocou em meu
pescoço. Uma coleira de couro. Então eu era dele, e isso
significa que poderá fazer o que bem quisesse em mim,
pois nada mais existente em qualquer milésimo de minhas
células me pertencia.
− Eu quero que se solte e deixe vir o orgasmo… Bem
gostoso…
− Mas… Aqui?
− Onde eu quiser… E eu quero agora. Goze… – ele
dizia em meu ouvido, quando sua mão novamente me
asfixiou, seus dedos trabalhavam em torno do meu
clitóris, macios, ligeiros… Então veio o calor e
aceleração das batidas do coração. Soltei um gemido alto
e tenso. Em seguida vários outros sons expressavam a
delícia que sentia, molhando totalmente os dedos dele.
Ele me pegou por debaixo dos cabelos e praticamente
me arrastou para algum outro lugar. Ouvi vozes, mas ainda
não identifiquei onde estava. Escutei uma porta se abrir,
em seguida, se fechar.
Retirou minha roupa com pressa, despindo-me
completamente. Senti que se distanciou, e isso me deixou
nervosa. Eu apenas ouvia sua respiração e podia sentir
seus olhos sobre meu corpo.
− Fique quieta, não se mexa! – mandou. – Agora vire de
lado. – mais uma vez tive a sensação de que me
vistoriava. – Vire de costas! – sua voz expressava
ansiedade.
Ainda estava com a venda nos olhos, meu corpo tremia,
não sabia se estava com medo ou excitação. Em seguida
ele me vestiu com algo que apertava acima de minha
cintura, como a um espartilho, porém deixava meus seios
à mostra. Colocou-me uma espécie de colar de ferro, após
tirar a coleira, e prendeu ali uma guia, pois senti a
corrente fria esbarrar em meu pescoço.
Fez-me ajoelhar, e disse:
− Ande de quatro como uma cadelinha. – ordenou.
Assim que fiz o que me pediu, sentindo-me quase
ridícula, mas certa de que ele estava apreciando,
repentinamente ele introduz algo em meu ânus, e apenas
pude identificar uma calda peluda roçando em minhas
pernas. Era algo que imitava um rabo de animal.
− Pare! Deite o busto no chão e levante a bunda! – disse
ele ainda com voz ansiosa.
Então senti seu membro rígido me penetrando
deliciosamente. Ele abria levemente minhas nádegas com
intenção de me sentir melhor, e estocava lentamente até
me inundar de novo enquanto eu apertava algo que parecia
a ponta de um tapete. Penetrou-me por mais quinze
minutos, sem gozar. Retirou seu membro e novamente senti
seus olhos me devorando em absoluto silêncio.
Ele me amarrou em algum lugar, com as mãos para
cima. Manteve minhas pernas um pouco abertas,
amarrando cada tornozelo a fim de que ficasse com uma
abertura entre uma coxa e outra. Colocou uma gag ball em
mim boca, e a princípio aquilo me causou certo enjoo.
Tentei morder aquela bolinha emborrachada para sentir a
textura.
− Isso é para morder, mesmo. Você irá precisar. – disse
ele, ainda mexendo em meu corpo.
Fiquei um pouco assustada, totalmente impotente,
movida por sentimentos que não sabia explicar.
− Quero ouvi-la gritar. – disse ele, beijando em meu
ombro.
Por que o terror é tão doce? Por que eu sentia coisas
que não sabia explicar? Por que desejava aquilo que ele
iria fazer a mim, mesmo sem saber o que era, e a única
impressão que tinha, era de saber exatamente que iria
sentir dor, e mesmo assim, eu a desejava mais do que tudo
naquele momento?
Ouvi o chicote estralar em minhas nádegas, em seguida,
nas costas, pernas, num ritmo frenético, enquanto eu
babava naquela gag.
− Quero ouvi-la gritar! – disse ele, com uma voz
descompassada.
Sentia o prazer da dor, como algo que completava
minha alma. Ele poderia me sangrar, se quisesse, eu
poderia sucumbir, desmaiar, mas não sairia de lá,
enquanto não sentisse tudo que meu corpo desejava, e era
tão somente satisfazê-lo.
Passei a gritar abafadamente enquanto ele parava em
um momento ou outro para esfregar o cabo do chicote em
minha genitália, por frente e pelas costas.
Parou. Tudo cessou. Só meu coração estava disparado.
Desamarrou-me e retirou minha venda dos olhos. Eu
ainda não conseguia encará-lo, e talvez nem devesse até
ouvir sua ordem.
− Este é só o começo de nossa relação. – disse ele,
beijando em meus lábios, levando-me para o banheiro.
Neste momento percebi que estávamos em um motel.
Deu-me um banho, carinhosamente, lavando meus
cabelos enquanto seus lábios iam e vinham de minha boca.
Como pode ser tão carinhoso e tão indelicado ao mesmo
tempo?
Levou-me para cama e colocou a mesinha portátil sobre
meus joelhos, dando-me de comer como se eu fosse uma
criança. Assim que meu cabelo caiu em meu rosto, ele o
prendeu como se tivesse realmente o hábito de cuidar de
mulheres.
− Quero que descanse. Mais tarde virei buscá-la. Não
tire a coleira do pescoço.
Olhei para o espelho a minha frente e me deparei com
uma argola linda de ônix em meu pescoço, nela tinham
suas inicias gravadas.
Assim que ele saiu, alguns flashes vinham a minha
mente… Algo relacionado a um Castelo, fogo, uma
lança… Sangue. Um momento nostálgico me cercou. São
sempre as mesmas cenas que vejo em sonhos.
Senti um medo extasiante me invadir. Eu precisava fugir
de tudo antes que me perdesse para sempre. Não sabia
como poderia estar ali, subjugada a outrem, sem pensar
nas consequências de me sentir só, quando a porta se
fechar toda vez que ele sair de perto de mim, e eu não
saber mais o que fazer de minha vida. Ser submissa é
perder um tanto de si para se agregar ao Dono, sem ao
menos saber se ele compreende seu estado subversivo.
Sentia-me pálida na ausência de AT, sem palavras para
me expressar. É como se uma dependência emocional me
invadisse sorrateiramente, e levasse minha alma. Não
posso dizer que eu não sabia que seria assim, pois sinto
dentro de mim esse vazio desde antes de encontrá-lo, mas
é como se neste momento estivéssemos apenas nos
reencontrando, e que falta ainda muito dele dentro de
mim… Uma saudade que não se acaba ou uma vontade
que não cessa de estar junto de seu peito, apenas ouvindo
seu coração bater.
Encolhi-me em minha insignificância. Não poderia
dizê-lo sobre esse abatimento, como todo homem, poderia
não me entender… Poderia me julgar louca, mas é
exatamente assim que já me julgo – dependente
instantânea de uma pessoa que acaba de entrar em minha
vida.
Balbuciei algumas palavras e me encolhi abraçada a
minhas pernas, num estado quase fetal, precisando apenas
de seu retorno para me sentir viva e inteira novamente.
Jamais direi a ele… Jamais… Era como se eu estivesse
descoberto quem sou, mas todos os meus segredos foram
com ele… Eu pertencia ao mundo agora, mas ao mundo
dele…
Eu sei que estou solitária, mas não mais sozinha… Eu
poderia telefonar, se conseguisse… Poderia dizê-lo o
quanto sinto sua falta, e sobre o terremoto que pairou
sobre meu mundo desde que ele me tocou.
O mundo passou a ser ínfimo. Eu não poderia mais
voltar ao que me consumiu como pessoa. As palavras
seriam insuficientes para me definirem numa estratégica
sufocante. A imagem exuberante de AT fazia de mim quase
um subtítulo.
Corroem as imagens por dentro. Ele não está aqui
fisicamente, mas ouço seus pensamentos em torno de mim.
Como isso é possível? Posso ouvi-lo dizendo quem sou…
De quem sou… E que devo me manter segura.
Quando eu me entrego esqueço as marcas mascaradas
do pudor. Só me entrego se for por inteira, se for me
estraçalhar completamente. Esfarelar em seus braços, suas
mãos. Não sei amar sem ser arranhada, sem sangrar.
Morrendo em sua boca; derramando; acendendo…
Que algo me proteja do fogo que me queima quando
minhas pernas são presas entre as dele, ensinando-me uma
nova oração, a de não desejar vê-lo sair de perto de
mim… Fique… Até que me parta ao meio. Meu dono.
Meu refúgio conjugado em suas verdades, seu peito, sua
pele, seus lábios tatuados em meus poros que respiram,
suspiram a sua ausência…
Capítulo 4
Confidências de AT…
Ela deve estar olhando para o relógio neste momento.
Angustia-se com minha ausência… Eu posso senti-la.
Posso vê-la se levantar da cama e ir até o espelho.
Quando penso em Charlote, penso em coisas desconectas.
Sinto que a conheço tão mais do que posso imaginar.
Pego o celular por duas ou três vezes na ânsia de ligar e
saber como ela está. Mas não o farei, ela precisa ter este
momento só seu, para identificar-se como minha. Os
dedos me traem, chego a discar seu número, mas retomo a
minha posição… Não posso me apaixonar a ponto de me
esquecer de quem sou, e deixar que esta relação perca seu
sentido inicial. Mas em tudo que faço, ela segue em minha
mente, em minhas mãos… O cheiro do pescoço, dos
cabelos… O toque leve e sereno. Meu desejo era deixar o
mundo apenas para cuidá-la… Meu passarinho. Espera-
me.
Ao terminar a escolha dos acessórios, telefonei para o
restaurante para saber se estava tudo certo, e por sorte,
estava sim. Acalmei Antonele, que se entristeceu após
saber a notícia de mais uma irmã de coleira, e que não
dormiria esta noite comigo. Imagino o quanto essas
novidades são difíceis de serem aceitas, pois as
submissas acabam se apegando a minha imagem como
homem, querendo ou não, são pessoas propícias a ciúmes,
mesmo tomando todo o cuidado para não sê-lo. Mas o
combinado sempre fora ter um canil. Desde o princípio
sabia que seria assim.
− Quer dizer, Dono, que terei de dividi-lo com mais
uma menina?
− Como sempre soube que assim o fosse.
− Desculpe, Senhor, estávamos tão próximo, acabei… –
seus olhos se encheram de lágrimas.
− Trabalhe isso em você, Antonele, não temos um
relacionamento baunilha. Jamais te esconderia a entrada
de mais uma menina. Estou tentando ser o mais honesto
possível.
− Sim Senhor. Se, me dá licença, eu preciso arrumar os
acessórios, passá-los para o catálogo online.
− Isso não é tarefa sua… – percebi que ela queria se
retirar para chorar.
− Preciso me ocupar, Sir, sei que não passaremos esta
noite juntos novamente.
Assenti, e ela se foi. Não havia como ferir sem sangrar,
mesmo quando não houvesse intenção.
Passei numa loja e comprei o vestido que achei que
seria propício para aquela noite. Azul turquesa ficaria
lindo em sua pele branca. Gosto do decote discreto e das
fendas laterais.
Cheguei ao quarto do motel e a encontrei sentada na
cama. Estava imóvel, olhando para a parede. Olhou-me
rapidamente, tentando desviar o olhar.
− Como deve cumprimentar seu Dono quando ele
chegar?
Ela se levantou nua e linda, e se ajoelhou diante dos
meus sapatos, beijando-os, como se soubesse que era
exatamente desta forma que deveria proceder, o que me
deixou contente.
− Onde aprendeu?
− Eu não sei, Senhor. Apenas segui minha intuição.
Fiquei curioso… Ela deveria ter pesquisado na internet
ou conversado com alguém no Clube. Mas depois
descubro, agora teríamos coisas mais importantes a fazer.
Mas aquele olhar que ela tentava esconder, me
incomodava. Algo estava errado e eu precisava descobrir
o que era.
− O que há com você?
Ela tentou virar o rosto e eu a acompanhei com os
olhos.
Mordeu o lábio, e segurou a lágrima.
− Estou com medo…
− Medo de quê? O que te assusta?
− O Senhor… O que estou sentindo…
− E o que está sentindo?
− Algo estranho me comendo por dentro… Não sei
explicar… Eu não sabia quem era antes de lhe
encontrar… Agora sei menos ainda… Estou sensível,
abatida…
− Você está sentindo que não se pertence mais… Está
se estranhando…
− Sim Senhor… É uma vontade de chorar sem dor
como se algo existente em mim tivesse me tocado, e
tudo… Ficou descontrolado e diferente ao meu redor.
Estou com uma espécie de dor sem sofrimento, um
despertar emergente.
− Sentiu-se só?
Eu ia dizer que não, então me lembrei de como me
senti, e um nó na garganta sobreveio, por mais que eu
tentasse piscar os olhos compulsivamente, fazendo com os
cílios impedissem as lágrimas, a voz embargou.
− Sim. – foi um sim dito com rapidez e transtorno.
Ele tocou em meu rosto e me trouxe para seu colo.
− Não é preciso se sentir assim. Sei que as meninas
acabam se apegando ao Dono muito rapidamente. Fora
nossa primeira sessão, o início de uma relação que iremos
desfrutar de sensações maravilhosas. Eu estou aqui… Não
a deixarei.
− Sim Sir. Porém eu não sei se este é o motivo por eu
estar assim. Eu me sinto apenas vulnerável. Como eu
disse, algo nunca tocado foi desnudo por dentro. Sinto-me
fragilizada e com medo.
− Medo de quê?
− Bem… De não conseguir dizer não para as coisas que
discordo.
− Sei que seus problemas vão além do que está
sentindo. A submissão inicialmente pode trazer à tona
coisas que tentou esconder de si mesma. Você está se
sentido exposta. Mas com o tempo irá crescer de forma
gigantesca, e não sentirá mais tal abatimento. Está assim
por causa de sua entrega, que está sendo maravilhosa…
Eu juro que me surpreendeu.
Abaixei a cabeça e comecei a tentar me lembrar dos
muitos aspectos que haviam se apagado de minha mente,
mas nada vinha a minha lembrança, apenas a sensação de
que o conhecia de algum lugar.
− Precisa dar um primeiro passo. É você quem deve
tomar a decisão de sair do sofrimento. Pode não ser a
mudança que queria neste momento. Porém,
provavelmente, será a mudança que mais necessita.
Comece com algo simples, um passo de cada vez.
− Entendo… Mas não sei dizer bem o que sinto na
verdade… E nem o que devo fazer. Que mudança é essa
que está falando?
− Dominar não é apenas disciplinar, sobretudo,
orientar, zelar, cuidar… Curar as feridas. Trazer as
respostas. Mas é preciso vencer a si mesma para se sentir
feliz numa relação assim. Há papéis que vivemos na vida
por anos seguidos, que nos estacionam numa mesmice
enfadonha produzindo até alguma satisfação, é verdade,
mas superficial, não duradoura.
− Sir, o meu grande problema sou eu mesma… Saiba…
Eu não me adaptei a ideia de estar só neste mundo, sem
me lembrar de coisas que tenho certeza de serem
fundamentais em minha vida… Eu não consigo descobrir
o que sinto…
− Quando a gente não sabe a resposta para alguma
coisa na nossa vida, o melhor a se fazer é parar e
perguntar. Mas tem que aprender a perguntar com a alma,
com o coração, com a mente, com perseverança, com
garra, com raiva, com todas as suas forças! E persistir
perguntando, mantendo sua cabeça e coração abertos,
porque a resposta virá. Na verdade, ela já está aí, mas
pode ser que você ainda não esteja pronta para percebê-
la.
Nossos olhos se encontraram por um momento. Havia
entre nós um vão de algo forte e incomum. Estávamos
prontos para viver o inevitável, mesmo sem sabermos de
onde vinha esse sentimento louco que tentávamos
camuflar. Nossas bocas se desejavam, eu a observei
enquanto umedeceu suavemente o lábio inferior, e meu
corpo a desejou como jamais quis outra mulher. Linda
minha…
− Agradeço pelas palavras. Eu precisava ouvi-las.
Dizíamos coisas, e pensávamos em outras… Eu vi sua
mão aflita descer pelo seu colo, em seguida, esconder-se
de meus olhos. Aflita, pequena… Arisca ainda, como um
bichinho perdido na selva de pedra. Ela precisava de
proteção para alcançar a liberdade de ser o que é,
inteiramente para mim.
− Os conflitos podem produzir paciência. Depende de
como encará-los. Podemos e devemos aprender com eles,
entender sua mensagem e evitá-los, do que depender de
nossas escolhas. A paciência produz a experiência. Ela
ajuda a observar e analisar, para aprendermos melhor.
Já estava sufocante só olhá-la… Eu a retirei de meu
colo e a deixei parada sob meus olhos, como um soldado
à minha inteira disposição. Gosto de olhar o corpo de
minha menina, descobrir cada vereda para melhor cuidá-
la. Afastei suas pernas e olhei a virilha lisinha. A
circunferência de seu umbigo era uma linha tênue, quase
tímida, que corria rapidamente para o interior. Subi com
os olhos até os mamilos, que se arrepiaram com meu
olhar, um par de botões recentemente nascidos, rosados,
desejosos de saliência.
− Vire-se! – pedi.
Ela se virou lentamente, eu captei seu movimento
enquanto seu corpo mostrava as costas de pele delicada e
muito clara. Os cabelos caiam naturalmente, fio a fio,
sobre a clavícula. Olhei para as pontas claras que se
encostavam suavemente no quadril dela. As nádegas eram
maviosas compostas por dois montes alvos de formato
quase infantis. Salivei… Desejando marcá-las, comprimi-
las… Mordê-las.
Entreguei a ela o vestido e pedi que o colocasse em
minha frente. Estranhei que não se envergonhou.
Geralmente as mulheres possuem uma vaidade secreta, e
apreciam estar sozinhas nesse momento, e terem a
liberdade de se olharem no espelho. Mas comigo ela não
agiu assim. Faço questão de conhecer todo seu corpo,
gestos e manias.
Ajudei-a com o zíper das costas, sentindo o cheiro da
pele dela que entrava pelas minhas narinas e percorria
meu corpo num misto de tesão e gana.
− Gosto dos cabelos presos. – eu disse, e ela fez uma
expressão no rosto, como se tivesse se lembrado de algo,
mas nada disse.
Delicadamente, foi até o espelho e prendeu os cabelos.
Os dedos tocavam os fios com a leveza de uma pluma
enquanto levemente se abaixava para reparar se estava
tudo no lugar. Sua nuca era sexy. Queria dormir,
mordendo-a.
− Eu não coloquei a calcinha. – disse numa voz bem
baixa.
− Comigo não usará, apenas se eu desejar.
− Posso saber para onde vamos. – finalmente ela
parecia ser a Charlote de antes, questionadora e insolente.
Esta noite prometia.
− Não.
− Tudo bem. – ela disse numa cara de descontentamento
com a minha resposta, o que me ouriçou.
− Não está se esquecendo de algo?
Ela olhou ao redor e avistou sua bolsa. Foi buscá-la.
− Eu não me referi a sua bolsa, e sim, a algo muito mais
importante… Aliás, comigo não precisará usar nada que
eu não diga.
Como ela não iria mesmo se lembrar, fui até a coleira e
a coloquei em seu pescoço.
− Eu… – ela ia dizer algo e eu complementei.
− Sim, irá usar a coleira. Quero saber por que a retirou
do pescoço? Eu não havia dito que não era para ser
retirada?
− Sim…
− Sim?
− Sim Senhor, porém, eu fui tomar banho…
− Tomasse banho com a coleira. Ninguém tira uma
aliança para se banhar.
Ajustei a guia à coleira, o que a fez arregalar os olhos.
− Sairemos assim? – segurei na guia para sinalizá-la.
− Exatamente! Alguma objeção?
− Não Senhor.
− Ótimo.
Seguimos para o restaurante reservado. Durante o
caminho, eu a tocava em seu clitóris a fim de estimulá-la.
Ela umedecia meus dedos, e eu beliscava seu grão,
causando nela, alguns suspiros e esfregões no encosto do
banco do carro.
− Não é para se mexer, cadela. Apenas sinta… – disse
quando a percebi ouriçada.
O lugar era excepcionalmente propício para a ocasião.
Percebi que ela gostou do ambiente requintado à luz de
velas. As pessoas nos olhavam pelo modo que eu a
conduzia pela guia de sua coleira, o que causou alguns
comentários discretos, num tom muito baixo. Eu sabia que
a sociedade não entendia, mas meu mundo não é baunilha,
e para mim, é natural que todos saibam que ela é minha.
Minha posse.
− Gosta de velas?
− Sim… Fazem-me lembrar de algo que não sei bem o
que é… Eu… Eu perdi a memória. Quase não me lembro
de nada do meu passado…
Então tínhamos alguns pontos em comum, mas não
comentaria nada com ela, afinal, essas intimidades
pertencem apenas a mim, e já aprendi a lidar com isso.
− O passado passou… Não há necessidade de ser
lembrado… O agora é o mais importante.
Caminhamos até a mesa reservada e puxei a cadeira
para que se sentasse. Os olhos claros se iluminavam com
a luz das velas. Lindo momento.
O vinho nos foi servido, e degustamos olhando um nos
olhos do outro.
− O que sente por mim, menina? – eu precisava ouvi-la.
− Não me sinto à vontade para dizer.
− Não quero que tenha esses medos ou inabilidades
para falar sobre seus sentimentos. Vamos lá, tente dizer…
− Eu senti muita raiva do Senhor, mas algo me tomou de
assalto, como se eu… Eu estivesse enfeitiçada.
Então ri. Não deveria, mas foi inevitável.
− Sabe… – toquei em suas mãos que estavam frias. –
Ninguém vive a paixão impunemente. Ela tem um preço…
A intensidade deste sentimento é algo contagioso, e… Eu
não vivo sem me contagiar com nada a minha volta.
Percebi que ela tomou mais do que o normal, do vinho,
ao ouvir minhas palavras.
− Isso quer dizer, que… – eu a interrompi novamente.
− Eu jamais quero dizer algo. Se, tiver algo a falar, eu
falarei, sem que precise me perguntar o que seja. Um
dominador necessita expressar suas emoções e dizê-las.
Se ele é não for capaz, não conseguirá suportar o seu lado
emocional. Se ele não pode controlar seu temperamento,
não terá o equilíbrio e psicológico necessários para
respeitar seus limites. Todos têm limites.
− Estou tentando me aproximar do… Senhor… – ela
disse um tanto inadequada.
− Aproxima-se com gestos… Jamais com perguntas.
Ela olhava para a localização da mesa, sem entender
muito, pois estava num ambiente fechado por uma porta.
Só estávamos nós dois naquele espaço reservado. Os
demais clientes se encontravam no local de atendimento
geral.
− Está com fome?
− Sim Senhor. – ela respondeu.
Olhei para o garçom e fiz um gesto positivo com a
cabeça, e ele trouxe o jantar que já havia encomendado,
em uma mesinha com os demais pratos e talheres. Em
seguida, entrou os violinistas e três mucamas. A porta do
ambiente reservado se fechou novamente. O que causou
surpresa a minha menina.
Assim que os violinistas passaram a tocar a música, as
mucamas se aproximaram da mesa. Uma delas me chamou
a atenção pelo modo como abaixava a cabeça. Causou-me
certa intriga a forma como andou vagarosamente até mim,
como se estivesse escondendo algo. Tentei desfocar, pois
meu alvo naquele momento é dar continuidade à iniciação
de Charlote.
− Levanta-se. – pedi. Charlote não entendeu, mas se
levantou assim mesmo.
Olhei para as mucamas e estalei os dedos. Uma delas
trouxe o lençol e estendeu a frente da menina para que os
músicos não olhassem seu corpo enquanto a criada
intrigante a ajudou a retirar a roupa, colocando nela uma
peça de lingerie bordada à mão com pedras pretas, um
colar de modelo egípcio que cobria os seios, e hena para
pintar a pele com alguns breves arabescos.
Ajudaram a menina a se deitar sobre a mesa, tal como
fora meu desejo. Passaram a colocar as comidas sobre o
corpo dela, arrumando-as em grupos pequenos com
alguma decoração feita por frutas e pequenos galhos de
ervas, o que resultou num colorido apetitoso.
Assim que terminaram, pedi que saíssem. Antes que a
mucama misteriosa se retirasse de vez da sala, entreguei-a
um cartão de visita. Gostaria de conversar com ela, saber
o motivo pelo qual chamara tanto a minha atenção. Senti
que a conhecia de algum lugar, mas não conseguia me
lembrar de onde. Ela pegou o papel, assustada, e se
retirou sem olhar para meu rosto, o que me deixou ainda
mais intrigado.
Voltei-me para Charlote. Estava deitada deliciosamente
sobre a mesa do jantar. Aproximei-me sem pressa, seus
olhos estavam fixos nos meus. Passei a senti-la com os
lábios, desde o calcanhar, provando cada centímetro de
seu corpo, o que a fez suspirar sem timidez mesmo na
frente dos músicos, que embriagados pelas notas
musicais, não nos percebiam na sala.
Lambi, mordisquei e provei a pele dela misturada ao
sabor de cada alimento. Hora ou outra colocava algum
petisco em sua boca, o que a deixava ansiosa, pois
percebi que estava com fome, mas naquela noite eu a
castigaria. Após comer tudo que havia sobre ela, peguei
uma das velas, e permiti que me olhasse. Seus olhos
estavam brilhando…
− Então você gosta de velas?
Ela disse que sim, com a cabeça. A partir deste
momento, passei a pingar a cera em seu pescoço e colo
dos seios, ventre, pernas e pés, o que a fazia estremecer.
Derramava sobre ela o vinho, e sorvia, esfregando os
lábios na pele avermelhada para aliviar o ardor.
Novamente respinguei a cera durante três ou quatro
intervalos com a bebida.
Quando terminei, ela me olhou com os olhos
lacrimejantes.
− Por misericórdia, Senhor, me possua… – disse com a
voz embargada.
− Você já é minha há muito tempo… – algo passou
rapidamente por minha mente, mas não fui capaz de
captar. Eram flashes de um tempo muito antigo, mas sem
nenhuma ligação com a realidade. Pensei que poderia ser
o efeito do vinho.
Peguei-a do jeito que estava, enrolei-a no lençol, e a
levei nos braços, passando pelas pessoas no saguão do
restaurante, que nos olhavam ainda mais chocadas que
antes. Fomos até o carro que nos esperava e seguimos
para o hotel onde eu estava hospedado.
Subimos o elevador e fomos para o andar onde se
encontrava meu quarto. Antes de abrir a porta, Antonele
surge em nossa frente, apenas nos olha e sai apressada.
− Aonde vai? – pergunto sentindo-me indignado com
sua petulância.
− Ao restaurante, Sir. Talvez ainda estejam servindo
alguma coisa.
− Com a permissão de quem?
− Desculpe. Não queria interrompê-lo. – ela disse
olhando para Charlote que ainda estava enrolada no
lençol.
− Já para seu quarto! Sabe muito bem que pode ter
usado o telefone para pedir o que quisesse, eles levariam
até sua suíte.
− Desculpa-me mais uma vez, Sir.
Então ela se virou e se fechou em seu quarto. Eu sei que
estava querendo chamar minha atenção, mas aquele não
era o momento propício. Minhas mãos já formigavam de
desejo de tocar no corpo de Charlote e submetê-la.
Levei-a para o quarto. Fechei a porta. Olhei-a e fiquei
admirando meu passarinho. Num solavanco, puxei a parte
de cima do lençol, rasgando-o. O ruído da fazenda se
esfarrapando me deixou ouriçado. Vi seus peitos se
salientarem. Belisquei-os, olhando a expressão no rosto.
Apertei um pouco mais e os levantei, Charlote gemeu.
Puxei do mesmo jeito a parte da calcinha, e as pedrinhas
do bordado esparramaram-se pelo chão.
Apontei para os meus sapatos, ela se ajoelhou a minha
frente, tirando-os. Coloquei os pés ainda com meias sobre
suas costas, e forcei. Apertei sua cabeça contra o chão,
ela arfou.
− Tire minhas meias! – ordenei.
Ela se ajoelhou pacientemente, e as tirou, uma a uma.
Peguei as meias e as emendei num nó. Amarrei-as,
amordaçando sua boca, o que a fez novamente gemer.
− Então me pediu para possuí-la… Não percebeu que
já é minha?
Dei um tapa de resvalo em seu rosto. Puxei-a pelo
pescoço e deslizei sorrateiramente a mão até encontrar
seu queixo, obriguei-a a me olhar. Os olhos azuis
faiscavam. Puxei seu cabelo para trás e mordi seu maxilar.
Quando voltei novamente para seu rosto, cuspi dentro de
seus lábios semiabertos. Ela engoliu como eu previa.
Apertei seu pescoço, até suas maçãs ficarem coradas.
Levei-a arrastada pelas madeixas, para perto da janela.
− Sabe o que gosto em você? Seu cheiro…
Cheirei com gosto o topo de sua cabeça, a nuca, o meio
dos seios. Peguei uma das cordas e amarrei seus braços
para trás enquanto mordia meu próprio lábio, sentia gana
dela. Com uma segunda corda, amarrei seu pescoço e
passei a ponta pelo suporte da cortina, o que a suspendeu
um pouco, obrigando-a a ficar na ponta dos pés para não
se sufocar.
− Abra as pernas, cadela. – pedi sem paciência.
Peguei a palmatória e passei a bater em sua vulva, vinte
batidas seguidas, e um intervalo de chupadas em seu
clitóris. Fiz quatro séries.
Desamarrei a corda do suporte da cortina, mas não a
retirei do seu pescoço. Puxei-a até o banheiro.
− A quem pertence?
− Ao Sir AT – respondeu com a voz presa por causa da
mordaça na boca.
− Boa menina.
Peguei os prendedores que estavam em cima da pia, e
coloquei um em cada seio, o que a fez soltar um gemido
de dor. Comprazendo-me de seu sofrimento, apertei um
pouco mais, e mordi levemente no o mamilo que ficou
saliente.
− Não queria que a fizesse se sentir minha… Pois é…
É assim que eu gosto que seja.
Enchi a banheira e esperei que alcançasse a borda.
Puxei-a pela corda, apertando seu pescoço, o que a fez
tossir.
Tirei a corda do pescoço e amarrei seus braços para
trás. Com outro fio, amarrei seus pés, juntos, até alcançar
os joelhos. Assim que a banheira encheu, eu olhei para
ela.
− Confia em mim?
Ela balançou a cabeça.
Então a empurrei de bruços na água. Contei até dez e a
puxei pelos cabelos. Retirei minha roupa e me pus no
meio de suas pernas, esfregando meu pau já ereto entre
suas coxas e clitóris. Ficou úmida instantaneamente.
Estoquei-a levemente. Estoquei com mais força e
velocidade, sentindo suas paredes internas, anéis e
textura, latejarem.
− Me diga de quem é essa bucetinha?
− Do Senhor AT – respondeu com a voz sufocada.
Novamente a mergulhei na água, e ao contar até dez,
puxei-a de novo pelos cabelos e a comi deliciosamente
enquanto ela arfava buscando por ar. Só parei o processo
quando a vi gozando lindamente para mim, entre tremores
e gemidos sufocados.
Tirei-a da banheira e coloquei-a para me chupar, de
joelhos.
− Engula tudo, minha puta! – ordenei, enquanto sentia
meu esperma inundando-a goela abaixo.
Após o banho, levei-a para cama e fiz com que comesse
algo antes de dormir. Abracei-a forte junto ao meu peito, e
ela adormeceu, neste momento me senti parte dela. Eu não
sou para ser entendido. Eu sou para ser vivido. Não é
fácil se apaixonar pelo que não se pode tocar. Sei que
esse era o desejo de minhas submissas. Porém, sempre
que estava para acontecer, minha autoproteção dos
instintos conservadores de meu domínio, faziam com que
algum subterfúgio acontecesse a fim de me salvar de uma
derradeira paixão que pudesse por fim em minha relação.
Não que fosse proibido um dominador se apaixonar. Eu
pensava que não sabia lidar com tais sentimentos. Tinha a
sensação de que, se cedesse, seria possuído, como as
possuo, e isso eu não aceitaria sequer em pensamento.
Mas de repente, algo novo bate a minha porta, e me revela
que estar num estado febril é algo tão natural quanto à luz
do dia. Estou a ponto de retratar como é sonhar acordado
quando a toco e a sinto como minha. Talvez ela nem saiba
o quanto me faz bem. Mas foi com ela que aprendi que
poderia sentir esse sentimento lindo e transformá-lo no
melhor combustível possível. Então me acalmei… Eu a
vivo dentro de mim numa mistura de loucura e lucidez,
tempestade e calmaria… É assim que acabei me
apaixonando, num acidente de percurso, algo inédito, que
não foi planejado. Eu a olhei e a quis, como se soubesse o
que encontraria nela, desde o primeiro momento.
Não a queria magoada nunca. Iria ensiná-la a se
valorizar, a crescer sua autoestima, ao invés de adoecer
dia após dia por conta da dependência emocional. Não a
quero doente por mim, desejo que se sinta plena, segura,
confiante e realizada. Ela precisa ser sua melhor versão
como mulher, primeiramente para si própria, pois merece
muito. Não abrirei exceção quanto a isso. Se, estivesse
bem consigo mesma, estará bem comigo. Sua entrega será
absoluta, não há por que meu ego disputar com seu bem-
estar. Isso é loucura. Não devo me sentir inseguro quando
olhar para minha posse e vê-la se amando e feliz. Estará
satisfeita por estar ao meu lado. Esse é meu desejo para
Charlote.
Ao amanhecer, fiz questão de agradá-la, trazendo o café
da manhã na cama. Acordei-a colocando a flor em contato
com seu rosto e nariz, o que a fez espirrar, e eu rir.
Fiquei olhando-a tomar seu café, silenciosamente.
Estava linda. Senti orgulho de saber que era minha. Assim
que terminou, olhei para seu corpo, desejava-a… Mas
evitaria qualquer contato físico agora, queria muito
mais… Desejava subjugá-la.
Peguei os prendedores, coloquei um em cada mamilo, e
outro nos grandes lábios.
− Vista-se! – ordenei, e ela atendeu prontamente. –
Quero que vá até à banca de revista da esquina,
exatamente assim, com os prendedores nos locais onde os
coloquei, e me traga um jornal.
Ela fez que sim com a cabeça, e notei seu semblante,
estava aparentemente incomodada com os prendedores, o
que me causou certo frisson.
***
Confidências de Charlote…
Caminhei com aqueles troços apertando minha carne,
sentia ardência, mas me sentia feliz sabendo que estava
realizando os desejos dele, que talvez pudessem ser
estranhos para a maioria das pessoas, mas era isso o que
o satisfazia, e por isso, deveria satisfazer a mim também.
Assim que peguei o jornal, meu celular tocou.
− Eu quero que se masturbe para mim, Charlote. – sua
voz exalava excitação.
− Mas… Sir, eu estou no meio da rua… – quis
convencê-lo de que aquele não era o local apropriado.
− Não me interessa! Se vire! Quero minha cadela
gozando agora.
Ainda com o celular na orelha, eu olhei para frente e vi
um supermercado. Mais do que correndo, atravessei a rua.
− Está aí, menina? Quero que goze… Toque nessa
bucetinha linda… Quero foto.
− Estou indo para o banheiro do supermercado, Sir. –
disse eu, um tanto quanto excitada, já com a calcinha
molhada.
− Boa menina… Eu espero na linha…
Entrei num box, sentei-me sobre o assento do sanitário,
tirei a calcinha e comecei a fazer movimentos circulares
com o dedo em torno do meu clitóris, enquanto gemia
baixinho para ele, no celular.
− O que está sentindo, menina?
− Muito desejo, Sir…
− Coloque dois dedos dentro da buceta, e com a outra
mão, toque no grelinho… Segure o celular com o ombro.
Coloque um dos dedos na boca, quero que sinta seu
gosto…
Fiz o que ele pedia enquanto o ouvia falar sobre
obscenidades e seu desejo louco de arrancar sangue de
minha pele. Gozei deliciosamente para meu dono, do jeito
que ele queria. Era eu e meu corpo naquele momento,
realizadores de suas vontades. Todas… Faria qualquer
coisa que me pedisse. Estava disposta a quebrar meus
limites.
− Antes de vir, traga-me pimentas vermelhas, aquelas
grandes.
− Sim Senhor.
***
Confidências de AT…
Ela chegou olhando-me desconfiada, com certa
carência. Joguei-a na cama, e trouxe-a pelas pernas,
deslizando seu corpo sobre o lençol. Abri suas coxas,
segurando-a pelos tornozelos, os mamilos dos seios já
estavam enrijecidos. Mordisquei-os. Virei-a de quatro, e
coloquei um plug em sua bunda. Bati algumas vezes nas
nádegas, cada vez mais forte, até ver o desenho de minha
mão tatuada em sua pele.
Tínhamos apenas três horas. Não haveria tempo de
fazer com ela tudo o que queria. Iriamos ficar somente nas
preliminares até chegar em nossa cidade. Quando
chegássemos lá, eu teria uma surpresa para ela.
Tirei o plug e coloquei o que pedi para que comprasse
especialmente para ela, as pimentas vermelhas. Cortei um
pequeno talo da ponta de cada uma das duas e as introduzi
em Charlote. A princípio, somente esquentou, mas quando
passou a arder, comecei a penetrar paralelamente em sua
bucetinha, com gosto, retirava o pau e o batia em seu
rosto, fazendo-a engoli-lo até à garganta. Quando arfava
completamente sem ar, eu voltava a penetrá-la, o que a fez
gostar do que estava acontecendo. Em poucos minutos, ela
gozou.
Para mim não havia momento ou local apropriado para
submeter minhas slaves. Desci do táxi com cada uma
algemada de um lado de meus pulsos. Andavam
orgulhosas ao meu lado. Isso me agradava. Soltei-as para
fazermos o check in no balcão da companhia aérea do
aeroporto. Olhos curiosos sentiam-se intrigados com
nossa presença, a maioria, de mulheres.
Ao chegarmos a minha casa, coloquei antes uma venda
em seus olhos. A minha masmorra estaria pronta, e esse
foi o motivo de tirá-la dali por alguns dias. Queria
surpreendê-la.
Antonele estava conosco, senti que se encontrava um
pouco estranha por causa da atenção direcionada a
Charlote. Ela precisava se acostumar àquela realidade.
Ao entrarmos na masmorra forrada de preto do teto ao
piso, com todos os brinquedos e mobiliários presentes,
sentime excitado prontamente. Minha intenção era
continuar a sessão com Charlote, mas a presença de
Antonele me inspirou delírios como algo que comia
minhas células e me fazia ansiar como um lobo quase no
momento de arrebatar sua presa. Era muito mais forte que
eu.
Olhei para elas, então sabiam o que eu desejava…
Capítulo 5
Confidências de AT…
− As duas sem roupas. Agora! – ele pediu, e me senti
um pouco intimidada. Nunca havia estado com Antonele
intimamente, confesso que não sei se gostei da ideia.
Ela foi a primeira a se despir, em seguida se ajoelhou,
sentada sobre as pernas, com as mãos pousadas em cima
das coxas, e a cabeça baixa. Fiz o mesmo, e fiquei
esperando as ordens, torcendo para que não fosse nada
sinistro.
Aqui estou, nua diante dele. Minhas mãos apertadas
firmemente atrás das minhas costas, e meus olhos voltados
para o chão, onde são treinados para estarem. Estou
tremendo um pouco, mas não tenho certeza se é a pela
ansiedade ou a frieza do ar.
As cordas lentamente amarradas ao meu redor são
reconfortantes, catárticas, e minha mente se rende a ele
completamente, nem era preciso me tocar… Saber que ele
existe já me coloca aos seus pés. À medida que os nós me
apertavam, minha respiração mudava, e ele reconhece a
habilidade com que silenciosamente trabalha as cordas
pelo meu corpo todo, me deixando ainda mais segura.
Minha necessidade torna-se quase um frenesi… Mas não
reagi, resisti às amaras que ele tece ao redor de mim.
Ele aperta firmemente os nós, e me olha; eu sei que está
me desejando intensamente… Que cada ato seu é a
vontade de me virar do avesso. Nem preciso responder…
Ele sabe, ajustando lentamente a corda, que é exatamente
onde quero estar.
O Senhor se aproximou de nós duas, roçou as mãos em
nossos cabelos, e colocou uma mordaça em cada uma. Em
seguida, nos amarrou deixando-nos com a bunda para
cima, e as mãos amarradas para trás. Passou a corda em
nossos pescoços, deixando-nos com a cabeça erguida, a
ponto de nos sufocar. Vi quando veio em nossa direção
com a cane de bambu nas mãos, e se colocou atrás de nós.
De lá para cá, eu só ouvia o barulho do instrumento em
contato com a nossa pele, e os gemidos e gritos abafados.
Virou-nos, uma de frente para a outra, barriga para o
alto, mãos amarradas junto da cabeça. Uniu nossos pés um
no outro, amarrou para cima, pendurando nossas pernas
para que ficassem suspensas. Eu sentia a sola do pé de
Antonele, e sabia que ela estaria ali, sentindo o mesmo
que eu, o que me deixava mais tranquila, embora não
tivesse gostado, a princípio, de sua companhia.
Ele se pôs entre nossas pernas, colocou os prendedores
nos mamilos de cada uma, e passou a chicotear nossos
seios e barriga, pernas e pés. Depois da quinquagésima
chibatada, o Senhor se apossou de um vibrador de dois
gumes, feito por um longo cabo de madeira, e penetrou-
nos, uma em cada ponta enquanto pingava as dez velas
coloridas em nossas pernas, clitóris, seios e pés. O ardor
me fazia sentir a sensibilidade de minha própria pele,
como algo independente do restante do meu corpo.
Não houve sexo, mas fiquei o tempo todo tensa,
esperando por este momento. Não sei se ficaria à vontade
ao transar com uma menina pela qual não me simpatizei
muito desde o primeiro momento que a vi. Não tinha nada
contra ela, mas algo em sua complexidade me dizia que
era melhor me manter afastada.
Quando a sessão acabou, somente neste momento
consegui relaxar. Fui para o quarto do Senhor, e Antonele
para um dos cômodos da casa. Após tomar um longo
banho, e nos amarmos loucamente, adormeci em seus
braços, sentindo-me dele, o que não significava apenas
que devo lamber suas botas ou abanar meu rabo, para que
os olhos do meu Dono estejam voltados para mim…
Significava que sei quem sou, e reconheço meu valor
nisso - amada, desejada, necessária, útil, leal.
Ouço batidas na porta, discretas, mas alguém estava lá.
Ouço novamente, insistentes, quebrando o silêncio dos
meus pensamentos. Com cuidado, deixo minha menina
ainda adormecida na cama, e vou averiguar o que estava
acontecendo.
Quando abro, dou de frente a Antonele, chorando,
segurava um travesseiro.
− Perdão, Sir, mas tive um pesadelo, estou com medo…
Suspirei profundamente antes de perder as estribeiras.
− Quem te autorizou a me acordar?
− Eu… Não conseguia dormir… – passou a chorar no
corredor do hotel.
− Entre cadela, mas já sabe… Terá uma punição
amanhã.
− Sim Senhor.
Ela entrou e se deitou na cama, do meu lado esquerdo.
− Amanhã sairei cedo, quero que faça companhia a
Charlote. Quero amizade entre as duas. Nada de
competição ou algo do gênero. Não precisa acordá-la tão
cedo. Ajude-a nas compressas com gelo, nas marcas
arroxeadas.
− Farei tudo que o Amo pedir.
− Então durma. Amanhã terei um dia cheio. Verei vocês
duas somente à noite.
− Fique absolutamente tranquilo, Sir. Sabe que pode
contar comigo para tudo que precisar. Sempre serei leal
às suas necessidades. Farei com que a irmã se sinta em
casa… Pode ter certeza de que ela não sofrerá em sua
ausência.
− Que assim seja, minha morena.
Capítulo 6
Confidências de Antonele
Assim que ele saiu pela porta, me mantive parada no
mesmo lugar, olhando para minha nova irmã deitada na
cama onde caberia somente a mim e ao meu Dono. Mas
ela estava ali, e sua presença era irritante para meus
olhos, ouvidos, paladar, sono, fome, sede… Eu sei que
não serei perdoada, mas o que irei fazer será pensando em
minha D⁄s. Ele nunca esteve tão envolvido antes. Ela não
poderá estar entre nós, eu irei perder sua atenção. Já se
passavam duas noites que o Senhor não me encostava…
Prefiro perdê-lo para sempre a viver neste inferno. Não
sei qual será o preço que irei pagar, mas preciso proteger
meu relacionamento. Seria melhor, se ele tivesse trazido
mil meninas para o canil, mas que nenhuma fosse como
esta… Eu não sei o que ela tem, sei apenas que ele
trocaria qualquer uma das mil por ela. Eu sou a alfa! E
minha doce irmãzinha de coleira há de entender isso…
Chegou por último… Entre na fila e espere sua vez.
Peguei o celular de Charlote e sua carteira, saí do
quarto antes de acordá-la para a execução de meu plano,
fui para o aposento que meu Dono me instalou. Troquei de
roupa e olhei para dentro da minha bolsa. Estava tudo
pronto e arquitetado. Eu sabia desde ontem que hoje o dia
dele seria cheio, e teria oportunidade de dar um rumo na
vida de Charlote de uma vez por todas. Preparei tudo
ontem… Foi um custo convencer Ashila de recebê-la no
Clube Libertine de Fortaleza. Mas graças aos tantos
favores que lhe prestei, inclusive, de apresentá-la ao seu
Dono e ela hoje ser muito feliz em sua D⁄s como submissa
exclusiva, acabou por topar me ajudar. Ainda tem a
questão sobre o Dom Arkadius, pelo o que sei, ele a
procura, então, estamos todos bem arranjados. Sei que
dará um pano grande para a manga, mas não vi outra
solução. Meu Senhor não descobrirá tão cedo o paradeiro
dessa menina pálida. E quando descobrir, ela estará com
outro… Agora preciso acordá-la, seu voo sairá daqui
duas horas, ela precisa seguir para o aeroporto.
***
Confidências de Charlote…
Fui despertada pelos raios de uma manhã ensolarada
que parecia entrar inteira dentro do quarto. Antes mesmo
de me localizar, eu vi a imagem morena de Antonele
segurando a cortina a fim de me despertar. Assustada,
sentei-me na cama tentando manter o equilíbrio
emocionalmente matutino. Odeio ser acordada dessa
forma. Deveria haver um bom motivo para tanto. Quase
não tivemos contato, e me pareceu que ela não se
importou muito com isso.
− Já são dez horas. O Dono de mim pediu para lhe
acordar. – disse ela, rispidamente. Seu tom de voz poderia
me fazer soltar uma resposta afiada.
− Onde está o Senhor? – perguntei ainda sonolenta,
tentando me levantar da cama e esconder meu corpo nu no
lençol.
− Ele precisou sair. Deixou alguns recados para você.
Precisa ser rápida. Levanta-se e se troque. Ele irá te
encontrar em Fortaleza. Sua passagem já está comprada.
− Não posso sair assim, sem telefonar antes para ele.
Mesmo por que, acabamos de chegar de viagem… Ele não
me disse nada sobre viajar novamente… – eu disse, já
olhando ao meu redor à procura de meu celular, porém,
não estava em lugar algum.
− Impossível, querida. O Senhor foi para um local
ermo, que não tem sinal telefônico. Além do mais, levou
seu celular, pois hoje é dia de vistoria. Ele não te disse
sobre essa questão?
− Não estou sabendo de nada… Droga! Meu celular! –
disse eu, esbravejando. Não sabia dessa tal vistoria, e
nem qual era sua finalidade.
− Pois é, baby… Vida de submissa não é fácil. O
Senhor nunca costuma conversar sobre seus arbítrios, ele
pode de repente optar por algo e comunicar depois, ou…
Não preconizar. O que nos resta é apenas aceitar e
cumprir as ordens.
− Todos os meus contatos estão em meu celular…
Inclusive, o número dele, que não sei de cabeça. E minha
carteira… Não está em minha bolsa.
− Creio que não precisa mais de contato algum que não
seja apenas o de seu Dono, sendo assim, era obrigatório
você ter decorado o número do celular do Senhor.
Vistorias servem justamente para isso, meu bem, para
averiguar seus contatos… E olhar sua carteira e
anotações… Isso é procedimento comum aplicado às
escravas de AT. Não há motivo para estranhamento.
Então ela riu sarcasticamente, o que me deixou muito
intrigada e irritada. Eu não estava programada
psicologicamente para suportá-la, poderia viver sem uma
irmã de coleira. E nem estava contando com uma viagem
vinda do nada, sem um comunicado prévio.
Levantei sem jeito, ele sequer deixou a roupa que eu
deveria usar naquele dia, o que me deixou um pouco
perdida, então compreendi que já estava dependente dos
cuidados dele, que não sabia lidar direito com meu dia
sem sua presença, para me dizer o que devo fazer. Tornei-
me vazia de repente, ele era o único líquido complementar
de minha existência. Não havia mais nada longe dele.
− Poderia me passar o número do celular dele, para eu
telefonar antes de sair?
− Infelizmente, não, irmãzinha… Ele me odiaria se eu
fizesse isso… Se, levou seu celular e não pediu para que
o ligasse, não há motivos para ligar.
Torci o nariz e terminei de me trocar. Estava soltando
fogo pelas ventas. Teremos uma séria conversa… Pode
ser que eu esteja errada… Foi tão maravilhoso ontem,
mas será que toda vez que o dia amanhecesse, eu teria
uma surpresa?
− Vamos logo, irmãzinha, você já está atrasada.
Precisa chegar com antecedência ao aeroporto.
Ela fala como seu eu não conhecesse o procedimento.
Quem dirá a ela para parar de me tratar como se eu fosse
sua irmã mais nova? Somos, aparentemente, quase da
mesma idade.
Ela me acompanhou até o aeroporto, quase não
conversamos. Só quando chegamos, que me passou o
envelope com a passagem, minha RG e a anotação de um
endereço. Meu coração estava apertado. Algo me dizia
que estava prestes a passar por provações.
− Você deverá chegar neste endereço de táxi, e lá,
procurar por Ashila, que irá te receber, e te fazer
companhia até o Senhor chegar. No mais, está tudo certo,
não tem o que temer.
Peguei o envelope e saí sem olhar para trás. Quase
pude ouvir sua risada, só não sei o motivo.
Ao chegar a Fortaleza, o calor da cidade tomou conta
dos meus sentidos. Suar, fez com que minha ansiedade
diminuísse, mas meu coração ainda estava apertado.
O táxi parou em frente ao Clube Libertine, parecia uma
pousada, o que me deixou em dúvida quanto ao que seria
aquele estabelecimento. Não sei ao certo se funcionava
como o Clube do meu Senhor, porém o aspecto lembrava
uma casa antiga.
Logo surgiu a minha frente, uma mulher vestida como
dançarina do ventre. Ela se aproximou e se apresentou
como Ashila. O vento batia no corpo dela e trazia um
cheiro de âmbar.
− Seja bem-vinda, Charlote.
− O que é este Clube?
− Aqui estudamos e praticamos a liturgia. Realizamos
alguns encontros, cerimônias, e também hospedamos
pessoas do meio que vêm de fora.
− Você tem notícias do meu Dono? – eu disse ansiosa.
− Fique tranquila, menina… Vamos entrar. Vou te
acomodar e preparar algo para comer.
Percebi que ela fugiu de minha pergunta. Eu estava
apavorada… Como ficaria ali, sem minha carteira e
celular? Eu só deveria estar louca.
Entrei num quarto com uma cama alta, preparada para a
realização de sessões. Senti medo e certo nojo de me
acomodar ali, sem saber quantas pessoas haviam se
deitado naquele leito. Mas o ambiente estava devidamente
limpo e cheirava bem, assim como os lençóis alvos e bem
passados.
− Fique à vontade, pequena… Assim que estiver
pronta, vou levá-la para a sala de jantar. Almoçaremos
todos juntos.
Ela disse, todos juntos… Quem serão os demais?
Meia hora depois, lá estava eu sendo levada para a sala
de jantar. À mesa grande, estavam sentadas várias pessoas
entre homens e mulheres, e todas vestidas de forma
estranha, como Ashila. Os homens usavam roupas do
século passado, e isso era um pouco assustador.
Ao me sentar, meu prato já estava servido, o que me
causou estranheza. Então um homem se levantou de seu
lugar e se sentou ao meu lado, pedindo licença.
− Coma, menina… Precisa se alimentar. – ele disse
num sorriso simpático, mostrando seus dentes perfeitos.
− Quem é você? – perguntei, achando-me mergulhada
em outra realidade, completamente diferente da que
estava.
− Senhor Arkadius. – ao dizer, colocou um pouco de
comida no garfo e levou a minha boca, o que tentei
esquivar, mas ele insistiu. – Coma.
− Não pode fazer isso… Eu tenho Dono, e ele não vai
gostar de chegar aqui, e ver seu amigo me dando de comer
na boca.
− Seu Dono não virá. – disse objetivamente.
Meu sangue pareceu esquentar, e meus poros, suaram.
Senti vontade de correr.
− O que disse?
− Eu disse que a partir desse momento, serei seu
mentor, e que seu Dono não virá lhe encontrar.
− Não é possível… Há um engano. Ele me pediu para
esperá-lo aqui, disse que viria me encontrar.
− Não, ele não virá. Tenha a certeza disso.
− Vocês estão loucos! Só podem estar loucos! AT não
faria uma coisa dessas comigo! – gritei, tentando me
levantar, o que foi vedado pelas mãos fortes de Arkadius.
− Calma, menina… Não vai adiantar agir dessa
forma… É melhor tentar ficar tranquila.
− Tranquila? Como vou ficar tranquila? Longe da minha
cidade, da minha casa, meu trabalho, minha carteira, meu
celular, meu Dono? Junto a um monte de pessoas
estranhas… – ele cortou o que eu ia dizer.
− Você será bem cuidada… Acalme seu coração. Irei
cuidá-la, não lhe faltará nada.
Passei a gritar e rebater meus pés e pernas por debaixo
da mesa. O desespero tomou conta de meu ser, e eu não
sabia exatamente o que fazer naquele momento. Gritei até
sentir certa moleza nas pernas, oportunidade esta, que
Arkadius me pegou no seu colo, e meu levou de volta ao
quarto.
− O que está acontecendo, Senhor Arkadius, por que AT
fez isso comigo?
− Menina… Não somos deste mundo… Você não é
deste mundo. Aragorne Tirel não é deste mundo… – ele
disse numa voz calma, que me fez sentir arrepios.
− Aragorne Tirel? – minha cabeça girou ao ouvir este
nome, que não me parecia estranho. − Mentira! Acha que
sou idiota para acreditar numa história dessas? Está
querendo me enrolar para não me explicar a verdade!
− Esta é a verdade. Estamos disputando um trono em
Siv, e eu serei o novo rei.
− Que absurdo, um homem do seu tamanho inventar uma
história ridícula dessas, pensando que irá me fazer
acreditar nesta palhaçada.
− Você… Não se lembra de seu passado, não é?
− Como sabe disso? – sentia-me incrédula. – Ele lhe
contou?
− Não. Vocês não se lembram, pois faz parte do plano
para a conquista do trono.
− Olha, eu não sei do que você está falando. Não sei
quem é Aragorne Tirel, nem Siv, e muito menos, trono.
− As coisas agora dificultaram para ele, pois a missão
é minha… E você será minha… Eu a conquistarei.
− O que quer dizer? – gritei.
− Durma, minha criança… Durma… – disse ele
colocando uma das mãos sobre minha testa, fazendo-me
adormecer instantaneamente.
***
Confidências de AT…
Vim pensando nela durante o trajeto, meu corpo todo
sentia sua falta. Mas o cheiro… O cheiro de sua nuca
estava infiltrado em minhas células como se fossem
incapazes de aceitarem a separação de nossos corpos.
O trânsito estava lento por causa da chuva fina que
agora batia em meu parabrisa, a angústia me consumia. O
desejo de subjugá-la era algo que atravessava o peito e
subia pela garganta, libertando a ânsia que agora tomava
conta de mim. O mundo havia parado. Todas as mulheres
do mundo haviam perdido a graça. Eu só via minha
menina em minha frente, diante dos meus olhos. Onde ela
estivesse, ainda assim era minha.
Ultrapassei o carro a minha frente. Furei o sinal,
certamente ganharia uma multa. Estava impaciente,
precisa vê-la, senti-la, penetrá-la, bater em sua cara,
puxar seu cabelo… Morder… Ah, como desejava mordê-
la, amarrada, amordaçada, entregue aos meus desejos…
Ouvindo aquela voz doce. Caralho! Estou apaixonado.
Não era para ser assim.
Entrei em minha propriedade sentindo algo estranho no
ar. Abri a porta do quarto, e para minha surpresa, não a vi.
Antonele estava sentada na cama, assistindo televisão.
Minha frustração foi grande. Um misto de raiva e
preocupação invadiu meu campo vibratório.
− Onde está Charlote?
Ela saiu da cama e correu para os meus pés, beijando
meus sapatos.
− Que bom revê-lo, Sir. Bem… A irmã saiu de manhã,
assim que o Senhor nos deixou, e não retornou ainda.
Peguei-a, desesperado, pelos ombros, e a trouxe para
perto dos meus olhos.
− Olha, menina, não é hora para brincadeira. Vou lhe
perguntar novamente… Espero obter uma resposta
plausível. Onde está Charlote?
− Eu não sei, Senhor. Eu a vi saindo pela manhã, ainda
tentei impedi-la, mas ela saiu assim mesmo.
Joguei o corpo frágil de Antonele sobre a cama. Passei
a mão entre meus cabelos, e um grito estava engasgado em
minha garganta. Sem saber o que fazer, num pranto contido
peguei meu celular e passei a digitar o número dela. Em
vão. Caiu na caixa de mensagem. Dei alguns passos para
frente, rumo à janela e dei dois murros fortes na parede.
Só então soltei um urro de desespero. Olhei na direção do
armário, as roupas já não estavam mais lá… Suas coisas
haviam desaparecido.
Peguei a chave do carro e passei a andar pela cidade
em busca de minha menina. Não poderia perdê-la. Não
poderia aceitar essa perda. Andei por mais de duas horas,
sem rumo. Então deixei ocultamente as lágrimas caírem
pela face. Ela fugiu. Ela é minha… Como aceitar? Não
era um objeto que eu havia perdido, era minha posse, a
menina por quem me apaixonei pela primeira vez na vida.
Coloquei a cabeça para fora da janela e gritei seu nome
por duas vezes.
Volte para mim, menina… Volte…
***
Confidências de Antonele…
Pelo jeito que ele saiu daqui, certamente havia
realmente se apaixonado pela tal imbecil, que graças a
Deus já chegou a Fortaleza e está sob os cuidados de
Arkadius. Que sejam felizes para sempre, bem longe de
nós. Mas como farei para ele olhar para mim, se a única
que vê em sua frente é aquela idiota pálida?
Ao vê-lo retornar para o quarto, tentei me aproximar,
mas fui impedida.
− Saia daqui! – gritou.
− Mas, Sir, entenda… Eu não tenho culpa do que
aconteceu. Estou tentando acalmá-lo.
− Irá fazer isso se for agora para seu quarto, e ficar lá
até eu mandar você sair.
− Sim Senhor.
Saí com o rabo entre as pernas. Eu não era o suficiente
para ele neste momento. Não sentia remorso por ter feito o
que fiz. Logo ele a esquecerá, então chegará a
oportunidade de eu me aproximar, e tomar seu amor e sua
atenção somente para mim. Por hora, aceitarei tudo que
ele me impor. Sei que arrumará alguma menina para
colocar no lugar daquela insuportável, mas me farei de
demente. Ficarei de olhos atentos, porém, aceitarei como
se fosse de bom grado. Será no final, apenas eu e meu
Dono. Com cautela, retirarei todas de seu caminho, e
ainda levarei o título de submissa de alma.
***
Confidências de AT…
Só queria saber onde errei? Por que ela se foi?
Um flash de repente se fez em minha mente. Vi Charlote
ensanguentada em meus braços. Pisquei os olhos várias
vezes, mas a imagem não saía. Eu não entendia…
Fui até meu barzinho e fiz um copo duplo de uísque.
Tomei em poucos goles. Precisava me anestesiar com algo
forte o suficiente, que retirasse de mim aquele urro parado
em minha garganta.
Chamei Antonele e fiz novamente as mesmas perguntas
para averiguar se não havia contradição, e as respostas
foram as mesmas. Eu precisava encontrá-la em algum
lugar. Nunca senti tamanho vazio. Estava arruinado, sentia
febre sem estar febril. Chorava sem derramar lágrimas.
Morria aos poucos, com o coração acelerado. Sentia que
ela não saiu apenas para dar uma volta. Não faria isso
sem pedir o consentimento. Ela fugiu. Foi traiçoeira.
Esperou-me sair de casa.
− Eu preciso encontrá-la! – disse quase gritando.
− Mas, Sir, ela pode ter voltado para sua casa, não
sei… É melhor se acalmar. Não vale a pena ficar assim
por uma menina ingrata, que não teve o cuidado de ao
menos lhe avisar que iria desaparecer de sua vida. Ela
não merece seus cuidados.
− Alguém está pedindo seus conselhos?
− Não Senhor.
− Então cale sua boca.
− Estou apenas lembrando-o do quão preciso é seu
domínio, Sir. E o quanto se empenha, para tornar o mundo
de suas meninas melhor.
− Eu tenho certeza que ela não faria isso por fazer.
Deve haver algum motivo… Eu vou descobrir.
− Sir… Ela me disse sobre insatisfação, que possui um
abismo dentro de si, e que não conseguia permanecer
muito tempo no mesmo lugar. Mas jamais achei que
poderia fugir…
− Quando ela disse isso?
− Assim que acordou, na mesma manhã que fugiu.
− Mas isso não me parece ser de Charlote…
− O Sir não a conhece há tanto tempo assim… Pode ser
alguma pessoa desequilibrada… Nunca se sabe…
− Cale-se! – eu pedi. Não queria que minha angustia
progredisse.
Nenhuma dor que já senti poderia se comparar ao que
estou sentindo. Charlote feriu meu ego e sentimentos. Meu
domínio nunca mais será o mesmo. Ela foi o pior e o
melhor que aconteceu em minha vida. Por um instante
acreditei que fosse capaz de me tirar da solidão, do
abismo negro o qual me encontro, mas me enganei…
Enganei-me em todas as minhas convicções como homem,
dominador e dono de uma estrela perdida.
Eu só queria cuidá-la… Só quis seu bem desde o
primeiro momento. Abri as portas do meu coração, deixe-
a entrar, mesmo sem saber que ficaria. Agora… O que
fazer para esquecer cada pedaço de seu corpo? Como
esquecer o riso infantil, a pele macia, o cheiro que
impregna por onde ela passa?
Sim, eu perdi muito mais que uma menina. Eu me perdi
como dominador, a única definição que tinha sobre mim
mesmo. Quando um dominante chega a este estágio, ele
corrompe muito de si e do desejo de continuar exercendo
o que mais ama, e a única coisa que o identifica como
pessoa. Ela simplesmente me tirou o chão, os sonhos e o
desejo.
Capítulo 7
Confidências de Charlote…
Acordei como quem acordava num mundo frio e sem
sentido. Logo que abri os olhos, ele estava lá, ao lado de
minha cama, segurando em minha mão.
− Eu quero ir embora. – disse numa voz chorosa.
− Não pode sair agora. – Arkadius respondeu, ainda
com minha mão entre as dele.
− Não posso ficar aqui, não é meu lugar. – já não
segurava as lágrimas.
− É uma questão de tempo. Logo se acostumará.
− Não posso! Não quero! Ninguém me obrigará a ficar!
– disse aos berros, retirando minha mão das dele, e
sentando na cama, sem me importar com quem pudesse
ouvir.
− É melhor ser boa menina, não quero machucá-la. –
disse ele fleumático.
− Machuque-me! Acredita mesmo que estou me
importando com isso? – respondi, levantando da cama e
correndo para a porta. Eu sairia dali de qualquer jeito.
Ele não me impediu que eu abrisse a porta e seguisse
correndo pelo corredor daquele lugar obscuro, e
alcançasse a porta da rua. Então senti suas mãos me
tomando para si, agarrando-me pela barriga, trazendo-me
ao encontro de seu rosto.
− Não sairá daqui, nem que para isso eu tenha que…
− Me surrar? Acredita mesmo que pode? – desafiei.
− Ninguém me diz o que devo ou não fazer. – ele
aceitou o desafio.
− Bata-me, covarde! – desafiei ainda mais.
− Cale a boca. – ele pediu.
Então passei a gritar, pedindo socorro. Arkadius tapou
minha boca com uma das mãos e me levou para o quarto.
Amarrou-me do peito aos pés, sentada numa poltrona, e
eu, aos gritos. Para finalizar, usou uma mordaça grosseira,
e disse em meu ouvido:
− Agora grite, pequena! Sapateie. Já disse que não
adianta medir forças comigo. Perderá. Seja boa menina,
você só tem a ganhar com isso.
Meu desejo era de cuspir em sua cara. Passei a chorar
de soluçar, como se pudesse expelir meus órgãos pelos
olhos. Ninguém me ajudaria. Todos estavam ali num único
objetivo. Sequer, pude analisar o que estava acontecendo
naquele lugar estranho de dois séculos atrás. Só me
acalmei quando passei a ouvir uma música arcaica e sons
de risadas. Estavam dançando, comemorando a minha
desgraça.
Horas depois, o demônio arcaico surgiu no quarto que
já se encontrava escuro, somente minha dor brilhava e
urgia na penumbra que acalentava meus sonhos frustrados.
Ele se aproximou, acariciou meus cabelos e voltou a
olhar em meus olhos. Tinha em mãos, uma lamparina, o
que ainda era mais estranho, cultivavam hábitos antigos,
mesmo existindo a eletricidade.
− O que te faz ser um corcel negro?
Eu não poderia responder, minha boca estava ainda
amordaçada, o que foi sua sorte.
− Acha mesmo que teria coragem de fazer algum mal a
você, minha calopsita?
Ele não sabe realmente do que eu era capaz… Não faz
ideia de que eu jamais iria obedecê-lo.
− Vou tirar sua mordaça. Espero que se comporte.
Assim que ele tirou, eu passei a gritar. Ele me deu um
tapa no rosto.
− Eu disse para se comportar! Não está acreditando que
paciência tem limites.
− Você não é meu Dono. Não é nada meu! Não tem o
direito de encostar a mão em mim!
− Sabe, pequena, sua tarefa é tão fácil, basta apenas
cuidar de seu bem-estar.
− Meu bem-estar não está sob seu controle.
− Me chame de Senhor. – ele disse, segurando meu
queixo, forçando-me a olhar para ele.
− Jamais.
− Vamos lá, seja razoável consigo mesma.
− Meu Senhor se chama AT, e é somente a ele que devo
chamar de Senhor.
− Tudo bem, não vai fazer? Eu ia levá-la para a sala.
Estava preocupado em te deixar aqui no escuro, mas pelo
que vejo, me precipitei em me preocupar. Você é a
primeira a não se importar consigo mesma.
Ele se levantou com a lamparina em mãos, saiu do
quarto, e voltou instantes depois com uma maleta.
Desamarrou-me e me pôs em pé, de frente ao seu corpo.
Forçou-me a me ajoelhar, sentada sobre as pernas, e assim
me amarrou, juntando minhas canelas às coxas, com as
mãos para trás. Tirou da maleta, um saquinho de sal
grosso e feijão. Arrumou fileiras grossas e fartas no chão,
e levantou meu corpo completamente atado, colocando-me
sobre seu preparo.
− Isso é para aprender a respeitar a hierarquia.
Aprender a ser grata a quem se dispõe a te cuidar e tratar
bem.
Quando ia responder, ele atou novamente minha boca.
− Eu lamento muito por isso.
Pela forma como saiu, de cabeça baixa, parecia até que
meu comportamento realmente o atingiu. Mas a única
coisa que eu queria naquele momento era sair dali, que se
dane seu senso de dominador. Eu cuspo nele.
Quando dei por mim, estava dormindo sobre as pernas
amarradas, e o sal já ardia muito em minha pele, mas nada
se comparava com o que eu sentia por dentro. Nada faria
efeito em minha alma dominada. Meu Dono me esperava
em algum lugar… Meu Dono, amor da minha vida…
Acordei com as mãos imundas e fortes, me retirando do
chão, desamarrando cada nó das cordas, e me colocando
sobre a cama, ternamente. Com uma toalha molhada, ele
retirava o sal de minhas pernas, acariciando a pele ferida.
Assim que terminou, fez massagens em meus pés e voltou-
se para meus cabelos, a fim de que eu novamente pegasse
no sono. Tentei não me render, mas estava cansada demais
para discutir.
Quando o dia amanhecido clareou o quarto, ele voltou
trazendo consigo uma toalha limpa e uma caixinha de
madeira.
− Bom dia, pequena. Como amanheceu? – ele
perguntou, esperando minha resposta num sorriso, e foi
exatamente neste momento que prestei atenção em seus
traços e fisionomia, pois até então, a única coisa que eu
desejava era matá-lo.
A barba cerrada dava nele um ar másculo, assim como
ao meu Dono, isso não posso esquecer um só segundo. Os
olhos da cor de mel eram brilhantes, combinavam com a
cor dos cabelos longos, levemente encaracolados, que
estavam presos num rabo para trás. O modelo vitoriano
nas roupas combinava perfeitamente com seu jeito. Ele
era um homem bonito e encorpado. Eu percebi os braços
fortes quase apertados na manga comprida da camisa
branca que vestia. Percebi também que usava botas até os
joelhos.
− O que significa essa caixinha com areia? – perguntei,
quando ele retirou minha mordaça, e eu passei a mão
pelos lábios por diversas vezes.
− Ela serve para amansar meninas mal-educadas.
Vamos lá, se levante. – ele pediu enquanto me aguardava
pacientemente.
Quando percebeu minha hostilidade, tratou de me puxar
pelo braço, colocando-me de pé. Então travei no mesmo
lugar, o que fez com que ele praticamente me arrastasse
até a porta dentro do quarto. Era um banheiro todo
decorado e planejado à moda antiga, com azulejos
brancos coberto por arabescos azul escuro.
− Vamos, tire a calcinha. – ele pediu.
− Jamais farei isso com você aqui. – disse rindo num
deboche.
− Você, não, Senhor.
− Seja o que for, não vou me despir. – estava disposta a
seguir com minha teimosia mesmo que ele arrancasse meu
couro no chicote.
Sendo assim, ele passou a rasgar minha roupa de ponta
a ponta, o que me fez me encolher e quase empurrá-lo.
− Não se atreva! – pela primeira vez, ele saiu do tom
normal de sua voz, segurando firme em meu pulso,
prendendo-me contra a porta. – Chega de ser bonzinho.
Meninas como você, gostam de ser tratadas como animais.
Então vamos lá, urine agora dentro dessa caixinha, como
fazem as cachorrinhas.
− Jamais! – eu disse, sentindo seu hálito quente em meu
rosto.
− Ah, não vai… Ok, então vai ser do meu jeito.
Ao dizer isso, puxou meus cabelos, forçando-me a
agachar. Acabei fazendo o que queria, pois senti forte
pressão em minha coluna.
− Urine! – ele gritou.
Quando percebeu que eu não obedeceria, ele colocou a
moringa em meus lábios, tapando meu nariz para que eu
abrisse a boca, despejando de uma só vez, a água do
recipiente. Como não havia ido ao banheiro desde que
cheguei, e já estava quase vazando por baixo, acabei
urinando, mas não porque ele desejava, e sim, por não
suportar mais segurar.
Então nos momentos seguintes, uma dor invadiu meu ser
e passei a chorar desesperadamente. Os fios de meus
cabelos que caíram no meu rosto ficaram molhados. Sem
perceber, no meio do meu tormento existencial, acabei me
sentando em cima do xixi, sobre a areia molhada.
Deixando que minhas pernas caíssem do lado, soltas,
moles, eu não queria mais viver. Estava decidida.
Ao ver minha situação, ele me pegou no colo.
− Não pode se sentar na areia, pequena. Não pode. –
disse ele me levando para a banheira, que já estava
preparada e cheirosa. Ensaboava meu corpo com uma
bucha enquanto eu chorava feito uma criança que havia
perdido sua mãe no supermercado.
− Não chore mais… Não precisa chorar, se obedecer. –
dizia ele, beijando minha cabeça.
Quem ele pensa que é?
− Eu quero ir embora… Quero meu Dono… – eu
insistia. – Por favor, Senhor, deixe-me ir embora… Por
favor, eu te imploro…
− Você poderia pedir tudo, menos isso. Infelizmente não
posso atendê-la.
− Por que não? Existem tantas meninas aqui, poderia
arrumar alguma para te servir, e me deixar ser feliz com
meu Senhor.
Ele parou por um instante com o banho, enxugou sua
testa e tocou em meu queixo.
− Porque desde sempre fora o motivo da guerra entre
nós dois. Desde antes de seus pais, avós, tataravós. Antes
de sua geração presente, você veio a Siv como uma bela
senhorita, e nesta época duelamos por sua causa. Desde
então, vida após vida de AT, você fora disputada, assim
como no incêndio que houve… No castelo… – percebi
seus olhos perdidos. Certa tristeza pairou sobre seu olhar,
que parecia não mais lhe pertencer.
Então ele saiu, e eu fiquei sem entender uma só palavra.
Deixou-me solta, livre, eu poderia correr agora dali,
pelada, do jeito que estivesse. Mas algo acabara de me
intrigar, e ele teria de contar essa história até o fim. Ele
sabe de algo que eu não sei, o motivo talvez de eu ter
perdido a memória e viver nessa neurose por tanto tempo.
Levantei da banheira e me enxuguei. Do jeito que
estava enrolada na toalha, saí ao seu encalce. Dobrava as
curvas daquele corredor, e alguns dos que viviam ali, me
olhavam abismados com minha insensatez. Encontrei-o
num quarto de instrumentos de prática SM, curtindo o
couro de um chicote.
− Vá se vestir! – ele ordenou.
− Não antes de me contar o que não sei.
− Já disse o suficiente. Agora dê meia volta e vá se
trocar.
Como viu que eu não sairia dali sem uma resposta, ele
se aproximou e me jogou em suas costas, seguindo comigo
dessa forma, corredor afora, o que fez com que todos,
inclusive Ashila, nos olhassem horrorizados.
Entramos no quarto, o demônio arcaico me depositou
grosseiramente no chão, e apertou meu pescoço.
− Daqui para frente será do meu jeito, queira sim,
queira não. E não me desmoralize na frente dos meus
amigos. Para cada desmoralização serão 180 chibatadas,
com direito a dormir na masmorra, pendurada numa corda.
Só aviso que meu chicote não é de moça, como o do seu
ex-dono, vai sofrer em minha mão, caso queira pagar para
ver e conhecer minha arte, pois sou eu mesmo quem faço
meus brinquedos.
Olhei-o com espanto. Só então pude notar que estava
com a camisa suada, grudada em seu corpo. Os cabelos
estavam soltos, eram lindos. Ele prendeu assim que
percebeu meus olhos sobre eles.
Pegou um caderno e uma caneta e disse num tom
ríspido:
− Quero trinta páginas escritas, frente e verso, a
seguinte frase - Senhor Arkadius, não devo desobedecê-
lo. Você tem até o horário do almoço para me entregar a
tarefa cumprida, caso contrário, calabouço.
− Não pode fazer isso com a posse alheia.
− Quem disse que você é dele?
− Eu estou dizendo.
− Você não sabe de nada, menina… Quando souber vai
me entender perfeitamente. Agora, faça o que mandei.
Antes de retrucá-lo, ele fechou a janela com o cadeado
e saiu porta afora, fechando-a com chave. Sentei-me na
cama e fiz aquilo que mais sei fazer, chorar.
O sentimento é algo conectado com aquilo que está
acima de nossa compreensão. Eu não sei quando
aconteceu tanta coisa que hoje estranho, e me pergunto
sempre a mesma coisa, o motivo… Ainda sem entender,
sei apenas que devo obedecer, algo me diz que é assim
que deve ser. Então começo a cumprir a tarefa.
Quando é chegado o momento marcado por ele, a porta
se abriu, e eu já havia terminado a tarefa. Ele entrou e
fechou a porta atrás de si.
− Muito bem! Boa menina. – disse sorrindo.
Tirou do bolso, algo que não dei atenção, e só percebi
quando ele colocou em meu pescoço.
− Isso serve para eu manter o controle sobre você e
seus passos pela casa. – pôs uma coleira em meu pescoço.
Pela guia, fui conduzida até a sala de jantar. – Quero de
joelhos… – disse ele, apontando para o chão.
Fechei a cara e franzi o cenho, mas cumpri. Dessa vez
ninguém me olhou como se visse uma assombração.
Parecia normal alguém andar de quatro e com uma
coleira, pelo tal Clube, que mais parecia uma pensão.
Sentei-me à mesa, mas logo que coloquei a bunda na
cadeira, fui advertida na frente dos presentes.
− Está vendo aquele tapetinho ali debaixo da mesa?
− Sim.
− É todo seu, pode tomar seu lugar.
Fiquei constrangida, vermelha, roxa, azul. Sentia-me
humilhada.
− Seu potinho já está servido. Pode comer o que está lá.
Olhei para o tal potinho, era algo semelhando a de
cachorro. Não havia talheres ou algo assim. Ao lado,
outro potinho com água.
− O que está olhando? Não entendeu o que eu disse? –
disse ele já se sentando, puxando-me pela guia para perto
de seus pés.
Se tivesse recebido essa ordem algumas semanas antes,
provavelmente a teria acolhido com aquela aparente
passividade, que se lhe tornara armadura. Mas hoje, ao
dar a sua habitual e lacônica resposta, encontro certa
dificuldade em dissimular. Mas eu não tinha outra opção.
Estava totalmente perdida. Minha situação era caótica.
Puxei o tapete para mais perto de suas pernas, para não
ficar enforcada enquanto comia. A sorte era que estava
com tanta fome, que mal percebia que comia com as mãos.
Assim que ele terminou sua refeição, saímos do mesmo
modo que entramos na tal sala. Quando chegamos ao
quarto, ele me pôs para lavar o rosto e as mãos.
Toquei no sabonete sobre o lavabo e molhei o rosto.
Ele veio por trás, e prendeu meus cabelos.
− Não é assim que se faz. – disse num tom quase
cordial.
Após prender meus cabelos, molhou suas mãos e
colocou um pouco de sabonete, espumou e veio até meu
rosto, sem atingir a área dos meus olhos. Em seguida,
abaixou-me e passou a enxaguar minha face. Pegou uma
toalha pequena e com pequenos toques, secou-me. Ficou
me olhando por algum tempo. Tive a impressão que
conhecia aqueles olhos, mas não sabia de onde.
− De onde eu o conheço? – eu quis saber.
− Já lhe disse, desde sempre. Sempre fora minha. Ele a
roubou de mim. – respondeu, com os olhos lacrimejantes.
− Como assim? – eu quis saber.
− Vá descansar. Costumamos dormir após o almoço. –
disse, puxando um colchonete debaixo de minha cama,
deitando-se sobre ele, ainda segurando a guia.
Deitei e fiquei olhando para o teto. As coisas passam, a
cada minuto, a ficarem ainda mais confusas em minha
mente. Eu não estou entendendo absolutamente nada. Não
sabia administrar essa saudade sem fim de AT.
Fico tentando adivinhar o que ele está pensando neste
momento, e por que não veio ao meu encontro. Será
realmente que ele usa as pessoas e as descarta como se
fossem papel higiênico?
Olhei para o lado e vejo aquele homem dormindo. Ele
era lindo. Inacreditavelmente lindo. Não parecia real.
Aliás, nada naquele lugar parecia pertencer a este mundo.
Ouço a música arcaica tocando novamente, e sons de
aplausos. Alguém dançava. Eu não cheguei a dançar para
meu Dono, isso era lamentável. Então fiz um breve
retrospecto em minha jornada, desde o dia em que conheci
AT, e percebo o quão mudei, e o quanto tenho cedido
desde então. Jamais aceitaria tais condições tempos atrás.
Não sei se é a força do estimulo ou algo que fora
despertado por dentro. Todos esses acontecimentos são de
certa forma, inexplicáveis.
Existia naquele Dom uma força de vontade que
sobressaltava aos íntimos segredos de seu coração.
Levantando um pouco a cabeça, olhando através da janela,
eu via o jardim. Este se estendia em comprimento,
fechado ao lado do mar, por uma balaustrada de pedra
gretada, em parte coberto por roseiras pequeninas
vermelho-púrpura e amarelo desmaiado.
Eu prefiro ainda acreditar na confiança, e não me
lembrar dela apenas quando algo se quebra, e você
precisa aprender a sobreviver mediante a sensação de ter
fracassado em algum ponto de sua vida. Eu prefiro me
lembrar da confiança que nasce de algum ponto,
justamente quando sua esperança se vai ao leu. A
confiança abstrata e invisível, que desperta de onde
morreu uma flor, ou no momento em que se perdeu uma
asa… A confiança que tudo dará certo, porque o propósito
está intimamente ligado ao acaso, mas o acaso jamais está
ligado ao nada.
Capítulo 8
Confidências de Arkadius
Ela dormia como um anjo loiro. Sempre fora assim,
inteiramente alva, em todas as vidas que teve. Os sivianos
se esquecem de suas vidas anteriores, todas as vezes que
saem da Terra dos Mortos e voltam para as missões. Eu
jamais me esqueci, apesar de ser um siviano, sou um
bárbaro. Não tenho missões, só lembranças. Nunca morri
e não envelheço. Sempre conservei a mesma identidade.
Era para ter ido para a Terra dos Mortos, porém, nunca
consegui morrer para zerar e começar de novo alguma
existência numa quase eternidade cíclica, como qualquer
outro siviano.
Ela sempre fora morta brutalmente por conta de nossa
disputa por sua posse. Vendo-a assim, como um
passarinho dormindo, sinto certo remorso por tudo que já
a fiz passar no meio de nós dois.
Siv decretou que na existência anterior, ela fosse morar
na casa de pais humanos, a fim de se proteger de nossas
intenções, mas ele a encontrou. Procurava a menina que
tinha o sinal que havia em suas costas, mas ela não sabe
que este sinal que tem igual ao dele, é porque fora
marcada pelas mãos sujas de AT na vida antes de chegar
ao Castelo. Não existe alma gêmea, como ele pensa ser.
Existe uma vida de poder, ele por ser nobre, eu, um
bárbaro que vive como andarilho com seu povo sem
regras, mas possuo o mesmo anseio de dominador
correndo pelas veias.
Sim, eu quero o trono. Lutarei por ele. Preciso dar
honra a meu povo. Preciso dar dignidade a Charlote, para
que ela se sinta bem ao meu lado. Sempre a perdi para
ele, devido ao seu poder como herdeiro do trono de Siv.
Não a matei porque quis… Eu o fiz da última vez, naquele
Castelo, por não suportar vê-la novamente nos braços
dele. A certeza de que essa dor doeu mais em mim, fora a
mesma que tive quando a perdi para esse canalha na
última vez que ela me fora tomada. Ele não se lembra
ainda… Mas irá se lembrar, assim que a missão acabar.
Os sentimentos escapuliram por alguma pequena fresta
do engano.
Eu sabia que você te encontraria novamente. Eu quase
poderia sentir suas mãos em mim ao ver a imagem
congelada de seu corpo numa tela fria da imaginação. Eu
ouvia a sua voz e desejava imensamente entrar pelo
orifício imaginário por onde emitia meus sons de anseios
e volúpias que preenchiam minhas noites pobres e vazias.
Eu ria apenas para escutar meu riso. Eu me sentia feliz e
não sabia dizer se era uma cópia fiel do que esperava de
mim um dia, numa morna expectativa de ouvir passos
chegando, tocando em meu ombro, num abraço meu,
possessivo, quase sufocante, apenas para te sentir um
pouco minha.
Sua voz me induzia ao que eu não poderia duvidar. As
palavras cuidadosas. A procura momentânea, que mesmo
superficialmente, havia se tornado o prato do dia. Eu tinha
no meu corpo as sensações de uma droga poderosa que se
diluía no sangue, correndo para os vasos cerebrais a
ponto de não me deixar comer ou dormir, eu queria apenas
a minha menina.
No desespero de ter o que não podia tocar, inventava
situações que me dessem a sensação de acorrentar suas
pernas. Assim ficava horas e horas ancorado à deriva do
que era ter seu amor. Seu amor que não vinha, enquanto eu
precisava moldar o que ninguém conseguia entender em
mim, e você corria com medo de ser colocada num
calabouço obscuro onde somente as piores almas
existentes em minha vida foram acorrentadas. Talvez eu
não soubesse amar ao ponto de me permitir a ser alguém
mais simples. A minha complexidade e fúria ávida por
querer sentir e tocar tudo que lhe pertencia, o mesmo
dédalo que me tirava o sono e a fome era o motivo do fato
evitado.
Os sonhos quase infantis, as ânsias que não foram
contidas na absoluta disciplina que transforma seres
humanos em meros soldados de um amor não
correspondido, foram dissolvidos no esquecimento, no
tempo, na distância, na insensatez, eu não era o que você
esperava, e nem de perto fora alguém que eu poderia
associar aos personagens criados no brio do que
considero felicidade.
Ela se mexeu, e eu me recompus. Eu a cuidarei dessa
vez… Ela é minha. Eu a farei se lembrar disso.
− Que horas são? – perguntou ela, deixando seus
cabelos caírem pelos ombros, cobrindo a superfície de
seus seios que eram marcados naquela roupa moderna que
usava.
− Hora de você se trocar. – eu disse, olhando-a como
que hipnotizado por seu conjunto. Ela é linda… Diante
daquele rosto com tonalidades de marfim, de traços
endurecidos e de olhar que friamente pousavam sobre
mim enquanto uma frase de polidez caía dos lábios
pálidos que se descerravam com desprazer, ao que
parecia.
− Me trocar? Como assim?
− Como as mulheres que aqui estão.
− Por que se vestem assim?
− Porque seus senhores querem assim.
− Elas são bárbaras como você?
− Não. São sivianas como você. São roubadas de seu
povo mesquinho, que querem sempre tudo do melhor. Não
temos direito a nada, precisamos roubar, massacrar para
podermos desfrutar de algum prazer.
Durante um instante ela ficou silenciosa, torcendo
inconscientemente suas finas mãos. Depois, começou a
falar em voz baixa, dolorosa. Sua alma enfim se abria,
deixando cair o pesado segredo dos próprios
padecimentos.
− Por que não existem mulheres do seu povo?
− Não podemos ter filhos. Essa é a única regra depois
que perdemos a última guerra. Com isso, a civilização foi
diminuindo à medida que foram morrendo as mulheres. Eu
tive a sorte de me manter intacto até hoje, sem morrer. Por
isso lembro-me de tudo.
− É muito estranha a forma como diz sobre as coisas.
Eu não acredito nisso, parece mitologia.
− Com o tempo você irá se lembrar de tudo. Eu a
ajudarei.
− Gostaria de não me vestir do mesmo modo como se
vestem essas mulheres. – disse ela, tentando se esquivar
de minha ordem.
− Não perguntei o que deseja. Você não deseja nada,
aqui quem deseja sou eu. Você apenas obedece.
Ele abriu um dos armários antigos e expos aos meus
olhos, a coleção de roupas esquisitas que ali estavam.
− Eu gosto da vermelha.
Peguei a roupa indicada e passei a tirar a que ela
estava, o que a fez se intimidar, e eu insistir, retirando
suas mãos que me impediam de fazer o que eu quisesse
com o que pertencia a mim.
− Uma submissa não pode ter dois donos. – ela disse
tentando me convencer de algo.
− Uma escrava tem somente um dono, e este sou eu.
Você não é apenas submissa, nunca fora, sempre me
serviu, porém fora impedida de concluir o que iniciou.
Dessa vez, iremos até o final.
Sei que ela não entendia, mas obedecia aos poucos,
como uma porta que ia se abrindo sutilmente.
Após colocar nela, a roupa escolhida, peguei um dos
colares mais valiosos de minha coleção, e coloquei em
seu pescoço.
− Somente uma escrava usou este colar… Você. – eu
disse, tentando esconder a emoção. Eu me afastei, fui até
minha maleta e trouxe de lá, algo que a surpreendeu, o
retrato que eu mesmo pintei da última vez que usou o
mesmo vestido com o colar. Seu sorriso de menina ainda
era o mesmo… Os olhos dela lacrimejaram como se seu
coração pudesse se lembrar de momentos que a mente não
recordava.
− Nunca tivera outra escrava? – a voz dela estava
embargada.
− Não. Minha missão é você. É por você que me
mantenho vivo até hoje. Só vou morrer tranquilo quando
concluirmos nosso ciclo, juntos.
Ela me olhou com mais realidade, de certo modo,
curiosa.
− Te esperei durante toda a eternidade. Sem herança e
sem luxo; sem muito a oferecer. Só tenho amor a dar,
aquele que não se cansa de esperá-la. – olhei-a fixamente,
transmitindo tudo que sentia. Desejava beijá-la, mas iria
respeitar seu momento. Ela irá despertar, e nesse instante
estarei lá para segurar a sua mão.
A brisa daquele verão banhava de calor a fronte
inclinada, Transudavam os perfumes das vegetações
adormecidas sob as árvores, cansadas do calor do dia. O
próprio mar parecia fatigado, preguiçoso, e seu ruído se
fazia ouvir em surdina. No quarto escuro, em que apenas
penetrava o fraco reflexo do dia lá fora, a menina estava
imóvel, parecia um fantasma pálido.
Percebi que ela se esforçou para se lembrar de algo,
mas tudo que conseguiu foi perder os olhos numa
imensidão tão vasta quanto o volume do mar. Era
impossível alcançá-la. Eu demorei muito para chegar ao
seu mundo. Ele a tocou por dentro, posso sentir em seus
pensamentos e na forma como vê tudo pela metade. Eu não
sentia simplesmente como retirar o que ela sentia, e fazê-
la se lembrar do quanto nos amamos um dia.
− É muito bonita sua história, Senhor Arkadius, embora
um pouco surreal para meus sentidos tão limitados.
− Não é somente minha história. Você faz parte dela,
como peça principal.
− Desculpe… Eu não consigo me lembrar nem mesmo
dos fatos desta vida, muito menos dos de vidas
anteriores… Aliás, nem sei se este fenômeno realmente
existe.
− Nos casamos um dia… Nas tradições do meu povo,
mas ele a levou de mim… E por este motivo, eu o matei
na primeira, segunda, terceira, décima vez…
Mostrei a ela, que pegou o retrato pintado de sua
imagem vestida lindamente de noiva. As mãos dela
estavam trêmulas, assim como os lábios. Percebi que
ficou confusa. Tossiu, e se virou para outro lado, fugindo
do meu olhar. Creio que era momento de parar de falar.
Levantei-me e coloquei em sua coleira, a guia que
continha mais de 100 metros de corrente.
− Eu volto mais tarde.
Ela não olhou para mim, continuou perplexa, olhando
para o mar através da janela. Com esforço, virou seu
dorso e encontrou meus olhos, tive a impressão que a
moça iria revoltar-se contra tudo que ouvira. Compreendi
que ela se calava a mercê de um violento esforço, o qual
momentaneamente lhe transmudara a fisionomia. Sem uma
palavra, voltou-se à janela. De perfil ainda pude ver seu
olhar perdido, e para todas as perguntas que gostaria de
fazer ao Universo, eu não tinha as respostas. Todas que
poderia lhe dar, não serviam.
***
Confidências de Charlote…
Todas as palavras de Dom Arkadius mexeram comigo
como algo que se revirava por dentro, mas em cada uma
delas… Haviam os olhos de AT, que me olhavam pelos
cantos do quarto, no espaçamento entre uma frase ou
outra… No bombear do sangue em minhas veias, e no ar
que continha em meus pulmões. Precisava apenas saber
como ele estava, e se me procurava… O que aconteceu
que o impediu de vir me encontrar? A esperança de revê-
lo é algo que não me deixava em paz. Eu não o perderei
enquanto acreditar que um dia iremos nos reencontrar.
Toda essa história maluca que ouvi de Arkadius, só me
fez acreditar em algo, que a cada minuto que se passa,
tenho meu Senhor, mais e mais em minha vida. Se tudo for
verdade, ele me encontrará. Talvez seja este o motivo
pelo qual devo me dedicar a viver, na certeza de que ele
voltará…
Eu só preciso de alguém que me faça calar a boca sem
que precise me mandar fazer isso. Alguém que me obrigue
a escutar, que me curasse de mim mesma. Talvez eu
precisasse sofrer para aprender que esperar é mais
importante do que morrer.
Debrucei-me na cama e enfiei meu rosto no travesseiro.
Sentia-me completamente perdida, carente. Eu só queria
ter tido a oportunidade de lhe dizer tudo que sentia. Eu
sou dele. Sinto-me dele. Não sei me entregar a outro. Não
sei pensar em outro como meu Dono. Não sei ser de mais
ninguém, até o final dos meus dias.
Ninguém se cura de nada. A dor são poros que
transpiram a saudade. Tudo sobra em mim. Preciso
encontrar o leito por onde escoar o meu excesso. Excesso
de sentir a falta dele.
− Volte logo, Dono de mim… Venha me tirar daqui… –
disse baixinho enquanto encolhia minhas pernas e ouvia
meu coração bater.
Não espero que tudo termine sempre acabando. Só o
fim permanece dentro de um coração que cansou de si
mesmo… De mim sem AT.
Não reconheço a mim mesma… Não saber o que quero
é fácil, basta ousar e descobrir… Nunca saberei quando
acordarei um dia e pintarei meu cabelo, minhas unhas, a
identidade, da cor que desejar. Poderei correr nas ruas,
andar descalça, cometer uma loucura inusitada, aquela que
um dia que jamais ousei… Poderei roubar um beijo, um
chocolate, quebrar estigmas, ou, simplesmente mandar
alguém se ferrar, pelo simples fato de não saber
exatamente nada sobre mim mesma, mas é indispensável
descobrir o que já não desejo mais. Arkadius está
mexendo com alguma coisa dentro de mim, que eu preferia
não despertar. Preciso que meu Dono chegue logo.
Não sei quanto tempo passou até que Arkadius
retornasse ao quarto. Eu estava do mesmo modo
vegetativo, na mesma posição, olhando para a parede.
Assim que se aproximou, tocou em meus cabelos, e com
uma voz apaziguadora, disse:
− Vamos! A apresentação já irá começar.
Eu não sentia vontade de nada. Na verdade, desejava
morrer. Desaparecer dali. Mas mesmo assim me sentei, e
aos poucos, levantei-me. Ele trocou a guia, colocando
uma mais curta, e saímos do quarto.
Acreditei que a tal cerimônia fosse realizada ali mesmo
no Clube, mas me enganei, caminhávamos rumo à praia. A
rua estava deserta, e no céu, uma lua linda, grande,
luminosa nos servia de guia.
O bando estava animado. Eu olhava para as mulheres
submissas, e as achava muito diferente das que já vi em
minha vida. Eram alegres, quando não estavam às
gargalhadas quase irritantes, estavam cantando ou
dançando. Viviam sempre muito arrumadas,
demasiadamente enfeitadas para meu gosto, batom e blush
muito vivos. Com um traço forte de lápis, seguido de um
esfumaçado de sombra escura, eram marcados os olhos.
Os vestidos eram longos e esvoaçantes, com cintura
acentuada, deixando sempre os seios à mostra num decote
evasivo. Muitas pulseiras traziam nos braços. Anéis com
pedras preciosas eram ostentados nos dedos dos pés. O
cheiro dos perfumes era o mais perturbador, com notas de
fundo entre a baunilha, âmbar, musk e canela.
Mais alguns metros, chegamos ao local da apresentação
da noite. Era na beira da praia a luz da lua e de uma
fogueira. Os músicos já estavam no local, e a mulheres
arrumavam numa grande esteira, a comida que seria
servida. Sentei-me no tapete indicado por Arkadius, e
aceitei o vinho servido. Fiquei observando àquelas
pessoas tão excêntricas, que faziam com que eu me
sentisse em outro mundo.
Mesmo vivendo como se estivessem há dois séculos
atrás, eles desfrutavam dos hábitos atuais, como a
utilização de celulares. Cheguei a ver até um computador
dentro do Clube, embora não utilizassem de energia
elétrica durante a noite, ocasião em que realizam os
rituais, mas certamente faziam o uso durante o dia, para
realizarem pesquisas e interagirem com outras
comunidades sadomasoquistas. Pelos menos, era isso que
eu imaginava.
Percebi quando passaram a tirar fotografias, me senti
constrangida, não queria sair em nenhuma, muito menos ao
lado de Arkadius. Mas isso fora quase inevitável. Com o
passar dos minutos, passei a me incomodar menos, com o
efeito da bebida.
Os casais trocavam carinhos, o relacionamento deles
era mais intenso e passional que a costumeira D⁄s.
Arkadius sorria, sentia-se feliz com minha presença junto
a ele e a seu povo. Quando a música passou a tocar,
lembrava a sonância de citara. Eles falavam num idioma
que eu não conseguia entender uma só palavra. Enfim, não
havia dúvida alguma que não pertenciam a este mundo,
estavam ali por uma causa. E pelo que percebi, não era
qualquer pessoa que aceitavam junto deles.
As submissas passaram a dançar de um jeito muito
envolvente e sensual. Os dominadores bárbaros batiam
palmas acompanhando o ritmo do instrumento. Era
envolvente. Por um instante eu me esqueci da tristeza que
abatia meu coração. Tomei mais alguns copos de vinho.
Senti a lua rodar em torno dos meus olhos, que
encontraram os dele. Algo mais forte se apossou de nós, e
a atração por algo desconhecido aproximou nossos lábios,
sem nos importarmos com os olhares, nos beijamos. Ouvi
apenas um clique de alguém tirando uma fotografia.
Despertei de onde havia me deixado ser levada. Num
impulso, num desejo de liberdade e retirada do que sentia
e estava dentro de mim, passei a correr na areia. Arkadius
vinha logo atrás, chamando pelo meu nome. Eu não o
ouvia mais após o segundo chamado. Apenas corria.
Sentia as ondas lamberem minhas pernas. Ouvia o vento
soprar e a maresia umedecer meu rosto. Uma onda mais
forte me levou. Fui naufragada sem tempo, sem presente e
sem passado. Desejava morrer. A água entrava pela boca
e nariz. Neste momento eu não pertencia. Charlote de
ninguém.
Senti mãos tocarem em minha roupa e me puxarem. Sua
força me arrastava para fora da água enquanto eu me
debatia e implorava pela morte. Arkadius me jogou sobre
seus ombros enquanto andava na areia. Embriagada pelo
vinho e pelos desejos insanos, não sentia mais nada a
minha volta. Apenas ouvi quando ele chegou ao Clube e
fechou a porta do quarto, me colocando sobre a cama. Eu
não via seus olhos, mas os sentia. Eles ardiam.
Queimavam a minha pele.
− Por que fez isso? – sua voz era de dor.
Eu não sabia mais falar. Havia engolido as palavras e
seus significados. Senti quando ele se aproximou de meu
rosto, e pôs a mão perto do meu nariz no afã de sentir
minha respiração. Então eu o agarrei pelo pescoço num
tom de misericórdia. Queria de algum modo entrar na pele
de alguém. Sentir além do que representava a minha
própria e única dor.
− Pare com isso, Charlote! – disse ele, me retirando de
seu pescoço. – Você não está em si, não lhe darei o que
deseja… Não sou o tipo de dominador que se aproveita
de situações, para realizar seus desejos egoístas. Se, tiver
que ser, será por amor. Jamais por vaidade.
− Aragorne… Senhor… – eu disse, sem ao certo saber
o que dizia.
Num misto de ira e cuidado, Arkadius me retirou da
cama e me levou aos trancos e barrancos para a banheira.
Pôs-me de roupa e tudo debaixo da água, que enchia aos
poucos a bacia.
− O amor entorpece… – eu dizia enquanto minhas mãos
buscavam o rosto dele. Naquele momento não pude dizer
a mim mesma que não sentia nem um tipo de atração física
por ele; que não o achava bonito, talvez o homem mais
bonito já visto até aqui. Mas era somente uma admiração,
nada mais…
Trocou-me e colocou-me de volta na cama. Deitamos
juntos, fato que não me incomodou. A única coisa que eu
queria era ouvir a voz de meu Senhor. Nada mais me
importava.
Passei a chorar compulsivamente, Dom Arkadius
abraçou-me fortemente, retirando meus cabelos do rosto.
− Sir, me liberte… Me leve de volta para meu Dono? –
pedi. Eu conservava ainda nos lábios o vinco amargo que
me reproduzira essa reflexão.
− Se eu fizer isso, menina, estarei abrindo mão de algo
que esperei a vida toda…
− Mas meu coração pertence a ele, não tenho outro
Dono, Sir, por clemência… – disse eu, aparentemente
impassível. Mas o coração batia-lhe precipitadamente.
− Você se lembrará de tudo, saberá o quanto nos
amamos e fomos felizes juntos, até… Até ele surgir e
levá-la de mim.
− Sir, por misericórdia, entenda… Eu o pertenço. Ele
surgiu a fim de reaver o que é dele. Farei qualquer coisa
que pedir, se me levar de volta para meu Senhor. Meu
mundo é pequeno sem ele. Tudo que me contou são fontes
de coragem e admirável sentimento, porém o coração não
responde à tamanha beleza, quando dentro dele há apenas
um lugar.
Arkadius ficou em silêncio. Assim permaneceu até eu
adormecer. Eu não serei mais aquela que se sujeitava
passivamente ao seu despotismo bárbaro. Jamais me
tornarei sua submissa.
***
Confidências de AT:
Marquei um encontro com a mucama que fora nos servir
no restaurante. Mandei a passagem para que chegasse
aqui, e me telefonasse assim que desembarcasse. Algo
nela ainda me intrigava.
Quando a vi, ela se ajoelhou no meio das pessoas no
aeroporto, o que me deixou constrangido, somente uma
slave faria isso. E ela não era minha. Eu não tinha
informação se a menina era uma submissa. Até instantes
atrás, tratava-se apenas de uma simples serviçal que fora
contratada para o feitio de um serviço isolado, e que me
deixou curioso com o modo como me olhou.
Sentamos um de frente ao outro, então vi seus grandes
olhos escuros quase sorrindo para mim. Eu a reconhecia
de algum lugar. Mas não sabia de onde.
− Meu Senhor… – ela disse, e me causou espanto.
− Por que diz isso? Não nos conhecemos… – insisti.
− Sou Seren, Sir… Sei que não pode se lembrar de mim
no momento, mas eu jamais o esqueci.
− Seren… – repeti várias vezes seu nome na esperança
de me recordar de algo, mas não consegui. Embora nada
nela me fosse estranho.
− Eu vim para ajudá-lo, Sir. Não tenha dúvidas, sou
sua, sempre serei. Estava apenas esperando pelo seu
chamado, assim como fora dito para mim, que o seria.
Mesmo sem entender, senti o desejo intrínseco de
abraçá-la, e assim o fiz.
− Não sei por que veio, e quem é você, mas ainda bem
que está aqui. – eu disse, beijando sua testa.
Fiquei olhando-a por um instante, e veio na memória a
imagem de um castelo, os móveis… O piso. O cheiro…
De repente sumiu tudo novamente, assim como surgira.
− Quero ir para sua casa, Sir, ficar onde se encontra
hoje. – ela disse com uma voz meiga.
− Sim, pequena, é bem-vinda em minha vida. – eu
respondi, levando-a para meu lar.
Ao chegarmos a minha casa, encontro Antonele nos
esperando.
− Mais uma menina? – disse antes de se ajoelhar para
me cumprimentar, o que me irritou profundamente.
− Quem lhe deu a ousadia de se referir desta maneira a
mim?
− Perdão Senhor.
Senti Seren se encolhendo entre meus braços, e a
direcionei até a escada.
− Sir, com sua licença… Tenho algo a lhe mostrar. –
disse Antonele.
Ela caminhou até a sala onde funcionava meu escritório
em casa. Seguia-a, estranhando. Ao ligar o computador,
acessou o Facebook e entrou num grupo com o nome de
Masmorra do Prazer. Algo fez com que meu coração
disparasse antes mesmo de olhar o que ela tinha a me
mostrar. Pressenti que sentiria a dor de todas as
chibatadas que um dia já dei em alguém. Quando meus
olhos pousaram sobre a imagem apontada, algo explodiu
por dentro. Charlote estava sentada numa praia, parecia
participar de uma cerimônia, ao lado de um dominador.
− Arkadius, Sir, o nome dele. – disse Antonele de
pronto.
Eu não podia acreditar que Charlote pudesse me trair
dessa forma. Não, ela não o faria. Não havia motivos,
estávamos iniciando uma relação… Não tínhamos vivido
nada do que prometemos um ao outro. Como pôde fazer
isso comigo?
− Onde é esse lugar, menina? – minha voz estava
embargada, quase falhando. Gostaria de acreditar que
tudo não passava de uma farsa. Não iria sucumbir na
frente de minhas submissas, mas meu coração me
entregava. A respiração falhava. O ódio fulminante tomou-
me de assalto.
− Fortaleza Senhor, mas creio que não iria adiantar o
Sir ir até lá, não vale à pena. Ela está com outro Dono… –
senti prazer na voz de Antonele, mas nada naquele
momento me causava mais repúdio do que a imagem à
frente dos meus olhos.
− Cale-se! Não fiz pergunta alguma a você, além do
lugar de onde foi tirada essa foto. – não queria descontar
nela, mas minha ira estava crescente.
− Sim Senhor.
− Impossível acreditar que ela fez isso comigo…
Olhei com mais calma, o texto da postagem:
“Temos a honra de convidar a todos, para o
encoleiramento da submissa Charlote ao domínio e
cuidados do Senhor Arkadius. A cerimônia se realizará no
Clube Libertine, em Fortaleza, no sábado, às vinte e uma
horas.”
Não tinha como não acreditar, era aparente a
tranquilidade no rosto dela. Entregou-se a outro sem ao
menos romper comigo; usando minha coleira. Nas mãos
dela, um copo de vinho, celebrava o evento, divertia-se
ao lado do traidor da classe dominante, ladrão de
propriedade. O braço dele corria ao longo da cintura de
minha menina, e o meu sangue fervia como veneno nas
veias. Meu desejo era de matá-los. Torturá-los até à
morte. A foto seguinte, um beijo. Os olhos dela, fechados.
Toquei minha fonte e respirei profundamente tentando
manter meu equilíbrio, mas tudo se tornou muito difícil
naquele momento. Dei um murro na escrivaninha.
Desejava gritar, espantar os demônios que havia em mim.
Seren me abraçou forte e passou um senso de lealdade
capaz de me trazer de volta para um lugar que não me
lembro de ter feito parte.
− Estou aqui com o Senhor, e é para este momento que
vim… Nada irá lhe impedir de cumprir sua prova. – ela
disse com toda certeza do mundo no olhar. Não entendi
absolutamente nada, mas me deixou tão mais calmo, que
decidi acolher. – O Senhor é meu Rei, dou minha vida em
troca da sua.
Fiquei por uns minutos pensando sobre suas palavras.
Não faziam sentido, mas nada poderia justificar a paz que
ela acabara de trazer ao meu coração, que ainda ardia.
Mesmo sem entender, eu a abracei. O melhor a se fazer
era me deitar. Deixar o tempo passar pausadamente em
meu ser. Apagar as boas lembranças… Eu a tiraria de
mim e de minha vida…
Assim que entramos no quarto, Seren se despiu. Seu
corpo era algo que estava guardado em minha mente de
forma secreta… Nada nela era estranho para mim. Deitou-
se aos meus pés, e abraçou-os como se fossem seu
travesseiro. Fiquei imóvel, sentindo a dor penetrar por
dentro e apertar. Eu era o meu próprio refém naqueles
longos instantes.
Outro irá tocá-la… Eu não aceito… Charlote é minha…
Não aceito perdê-la.
− Usa-me, meu Senhor. Dono de minha alma. Despeje
sua ira e revolta em meu corpo. Cura-se de mal que lhe
arrebate. – disse ela com o chicote em mãos.
Tomei-o, e a deitei do meu lado. Não seria justo fazê-la
pagar por algo que não tem ligação alguma com ela. Cada
palavra dita por seus lábios lânguidos, para mim soava
como uma surpresa. Tão nova, tão bela e cheia de vida.
Tão certa do que quer.
Fiquei a observando em silêncio respeitoso a minha
dor. Sabia que naquele momento o melhor a se fazer era
esperar minha dor passar. Sabia esperar. Ela realmente
era uma submissa.
***
Confidências de Charlote…
Acordei cedo, ele estava na janela olhando para o mar.
Sentei-me na cama, e minha cabeça ficou zonza. Estava de
ressaca. Mal conseguia me lembrar do que havia
acontecido na noite anterior, mas minha intuição me dizia
que algo estava acontecendo sem que eu soubesse.
− Quero que relaxe, hoje. Logo mais à noite, teremos
uma cerimônia a participar.
− Não estou muito bem, creio que bebi ontem,
demasiadamente… Pouco consigo me lembrar do que
ocorrera.
− Tudo bem. Descanse… Trarei seu almoço no quarto.
A tarde passou com ares de tristeza. Não sei dizer, mas
havia um anjo triste ancorado em mim. Ao anoitecer,
Arkadius voltou ao quarto com um vestido em mãos.
− Precisa de ajuda para se arrumar? – quis saber
enquanto ainda segurava a roupa em suas mãos e uma
coroa de flores de colocar na cabeça.
− Sir, perdão… Eu prefiro não ir…
− Não poderá faltar a sua cerimônia de encoleiramento.
Dos meus olhos desceram apenas duas lágrimas grossas
e quentes. Fiquei parada tentando imaginar se demoraria
muito tempo para eu morrer.
Ele deixou a roupa em cima da cama e me olhou sem ter
muito o que dizer.
− Não se atrase. Volto faltando trinta minutos para às
vinte e uma horas. – dito isso, saiu, deixando-me
prostrada no chão. Deixei que meu corpo caísse e busquei
um retiro alto onde pudesse me abrigar.
Às vinte horas entro no salão cerimonial do Clube,
vestida de um longo caramelo quase dourado, todo
bordado à mão por pérolas, com lágrimas correndo a face.
Arkadius me instrui para que me ajoelhasse numa
almofada a sua frente. Assim o fiz.
Embora meu corpo estivesse presente, minha alma
havia se abrigado em algum confim longe de tudo que
estava acontecendo ali. Sei que estavam falando coisas
bonitas, e que havia sorrisos nos rostos de quem ali
estava, mas eu nada via ou ouvia. Nem mesmo ouvi
quando a porta do salão se abriu de forma inesperada, e
ele entrou, fazendo com que meus olhos buscassem sua
imagem marcante, e eu voltasse aos poucos… Minha
redenção.
AT ficou parado no meio do salão, até mesmo o orador
da cerimônia parou de falar naquele momento. Seu rosto
se repuxava pelos nervos a flor da pele. Os olhos
brilhavam como se pudessem ferir. Houve um silêncio
profundo… Até ele tomar a palavra e dizer em alto em
bom som.
− Como ninguém me avisou sobre o novo
encoleiramento, eu vim pessoalmente devolver a coroa de
Charlote, que embora estivesse em meu poder, pertence a
ela… Acredito que seja o mais digno a ser feito, depois
de tanta… Patifaria. – ele parecia cuspir fogo. Eu queria
entender o motivo pelo qual estava irado.
Assim que me levantei de onde estava, senti a mão
pesada de Arkadius pressionar meu ombro, fazendo-me
ajoelhar novamente.
− Seja bem-vindo, caro amigo… – disse Arkadius
ironicamente.
− Amigo? Essa foi a expressão mais falsa e ridícula
ouvida por mim, desde que…
Ele iria dizer algo, mas preferiu se calar. Olhou para
mim, abaixou-se e jogou a coleira de forma arrastada pelo
chão até onde me encontrava. Senti um aperto profundo no
peito. Mexi o braço a fim de pegá-la, mas Arkadius pisou
em minha mão, impedindo-me de fazê-lo.
− O nobre poderá assistir a cerimônia, e se pronunciar
após esta terminar. – disse Arkadius tentando manter um
equilíbrio que não estava evidente em seus olhos.
− Antes, preciso dizer algumas palavras… Foi por
amor a esta criança! Esta criança, que eu imaginava tão
doce, tão submissa… Dei tudo quanto fui, o mais belo de
minha vida… Mas este tempo que perdi há de me servir
para alguma coisa…
Senti desejo de gritar. Desejo de correr até seus braços
e dizer que não tive culpa. Mas não houve tempo, suas
costas se viraram e novamente o silêncio se deu, trevas
também.
Arkadius se posicionou no centro do salão, e num tom
de desalento, proferiu:
− Está encerrada a cerimônia. Não haverá
encoleiramento.
De sorte que ali se achava a verdadeira Charlote, que
caminhava toda fremente, resoluta e ardente, pronta para a
luta. Estava finda a obediência passiva, findo o cativeiro
de sua alma. Fui para meu quarto, sem esperar por mais
nada de qualquer outra situação que viesse a seguir.
Arkadius aproximou-se olhando insistentemente para meus
olhos. Juro que senti medo.
− Você está tão bonita… – cheirou meu cabelo. – Que
cheiro gostoso vem dos seus cabelos… Eu pensei sobre o
que ocorreu… – disse ele numa voz embaraçada. Quer
tanto dar-lhe um pouco de felicidade, fazê-la sabr o que
possa ser uma afeição forte, vigilante e terna, tal como
fora um dia.
As macilentas faces, demasiado brancas, ligeiramente
se tingiram. Não conseguia me lembrar direito do que
ocorrera para chegar a alguma conclusão do que ele dizia.
− Poderia ser mais claro, Senhor. – pedi.
− Escute, Charlote, essa decisão foi muito difícil de ser
tomada, mas não posso transformar seus sentimentos por
mim. Você não se sente minha… Certamente sempre fora
assim… Não há como modificar, eu já tentei… Sem me
sentir seu Dono, não existirá nunca sua entrega, e foi por
este motivo sempre a perdi para Tirel. Você está certa…
Uma submissa pertence àquele a quem se entregou. A
quem deixou que sua alma fosse levada, sem jamais ser
devolvida.
Percebi o quanto estava difícil de ele continuar aquela
conversa, e mais do que isso, admitir para si, como
dominador, que não conseguiu a minha entrega.
− Irei levá-la de volta para Aragorne, mas farei uma
proposta. Sua devolução depende apenas e unicamente da
resposta dele quanto à minha reinvindicação. Caso, não
aceite, não poderei fazer nada, trarei você de volta, e terá
de aprender a me ter como seu Dono.
O que ouvi me deixou angustiada. O resultado poderia
ser minha redenção ou desgraça eterna. Sem dizer que não
sei o motivo pelo qual, meu Senhor não veio ao meu
encontro e me condenava de ser a culpada de tudo de estar
ali. A frustração agora se tornou o receio de encarar a
realidade frente a frente.
Arkadius retirou a coleira de meu pescoço e saiu do
quarto. Deixou-me com meus pensamentos. O gelado
envoltório que me cobria a alma, pouco a pouco se
dissipou. Começou a surgir um sol claro que lentamente
aqueceu aquela pobre alma transida, semimorta que se
encontrava em meu ser.
Tenho sentido que fracassei. Fracassei em ser dele. Não
reconheço meu lugar de submissa quando me vejo
gritando por sua falta. Não reconheço meu lugar de posse
quando venho chorando sua ausência. Sinto-me fracassar a
cada dia que tenho a sensação de sufoco. Tenho suportado
minuto por minuto, quando uma hora é muito tempo. Um
dia, nem se fala… Só por hoje resisti…
Tenho me cobrado ser para ele o que ele deseja, mesmo
não estando aqui. Não me prometeu nada, o meu lugar sou
eu quem deve reconhecer. Escuro é onde me coloquei.
Sinto-me só, em um mundo só meu. Eu me culpo, eu me
cobro, eu me julgo, eu me puno.
Sensação de fracasso me define, por ser ele o meu tudo,
fracassei em não compreender que não sou nada. Sou
apenas o seu brinquedo esquecido na caixinha é o meu
lugar. Não tenho o direito de nada, nem de desistir de
acreditar ou de contar o tempo que ele gastará para vir me
buscar. Não tenho o direito nem mesmo de me sentir
apaixonada, se ele não estiver aqui… Meu Senhor me
cegou, e eu consenti.
Olhei pela janela e vi o mar revolto… Seguindo, com
os olhos, a água que espumava embaixo do promontório,
eu pensava: “Se eu me atirasse ali… estaria acabado…”
Que força ardilosa e anônima me obstou o gesto? Um
pouco mais tarde, sem dúvida, não teria resistido à
sombria atração daquela morte, que poria fim a uma
existência gelada, infinitamente miserável. Já estava
tardando a acontecer. Acabaria por fim, a angustia de
Arkadius, e o pesar de AT.
O céu cada vez mais se tornava ameaçador e já se
ouviam os ribombos do trovão. Dobrei meus joelhos no
chão, postei a cabeça no chão, e em frases repetitivas,
meu subjuguei. Não satisfeita, precisava me punir de um
modo que minha carne pudesse sentir, não apenas a alma.
Peguei a guia de Arkadius, e passei a me autofragelar com
batidas nas costas.
Nem ouvi a porta se abrir, Arkadius segurou meu pulso,
e retirou de minhas mãos, a guia.
− Nunca mais faça isso! – disse seriamente. Trouxe-me
no colo para a cama, e adormeci lavando o rosto por algo
que não conseguia dar nome.
***
Confidências de Arkadius…
Não fora fácil abrir mão de Charlote, era minha última
chance de tê-la ao meu lado. Sinto que cheguei ao final da
linha, e que virá uma prova muito difícil diante do meu
fracasso como dominador.
Eu a olhava dormir enquanto pensava na melhor
solução. A cada vez que se mexia, chamava-o pelo nome.
Seria torturante ter que prendê-la a mim, assistindo seu
amor e devoção a ele. A cada vez que ela voltou à vida,
seu sentimento regressava ainda mais forte por Tirel. Eu
teria chances, se fosse antes… Mas após tantas vidas, sua
entrega e espera por ele, só aumentou.
Senti muito desejo por seu corpo, vontade de tomá-la e
marcá-la. Por honra, não o faria, sabendo o que sei hoje.
Ela não me pertence… Ela tem razão… Ela se sente dele.
Não seria condigno, tocá-la. Estarei entregando nas mãos
de outro, meu maior tesouro, a razão de minha existência
durante séculos. Farei por amor. Farei por ela, como
sempre fiz em toda a minha vida e dedicação, mesmo em
sua ausência.
O amor muitas vezes fere, mas é necessário para nos
tornar melhores. Eu não sei até que ponto poderia ser
melhor sem sentir o que hoje trago por dentro. Ela passou,
mas para mim era como se estivesse aqui todos os dias.
Jamais aceitei a hipótese de perdê-la para outro
dominador. Os deuses sabem como foi difícil admitir a
derrota. Aquele coração, em extremo apaixonado por um
único objeto que em certo dia lhe faltara, fechou-se e
gelou. Aquele espírito cedeu a uma aberração que,
desgraçadamente, resultou na infelicidade de uma inocente
perda. Perda por amor.
Íamos partir hoje. Não ficaria mais um dia com esta
espada cravada no peito. À noite estaríamos diante de
meu rival. Entregaria o que lhe pertence, e o proporia a
justiça para meu povo. Eu não tenho mais nada. Tudo
perdi.
Assim que escureceu, no pé da noite, cumpri minha
promessa. Tristemente a ajudei a arrumar sua mala. Um
bárbaro não choraria por ver uma slave sair de sua vida.
Eu não choraria se ela não fosse para mim, o que é.
Deixei que algumas lágrimas caíssem discretamente
enquanto dobrava sua última peça de roupa, entregaria a
propriedade de Aragorne Tirel com zelo, pois os últimos
momentos ao seu lado, ainda assim são importantes e
únicos para mim.
Toquei sem querer em uma de suas mãos, ela me olhou
pela primeira vez sem raiva.
− Jamais a esquecerei. – eu disse. Ela balançou a
cabeça aceitando minhas palavras. Em seguida, me
abraçou ternamente. – Eu poderia morrer por você, se me
pedisse para salvar sua vida. – eu disse como se meu
coração estivesse ajoelhado. Eram minhas últimas
confissões a ela, neste momento não me importava mais
minha posição dominante, aquele que não podia sucumbir
à dor, porque existem dores que também sentiria mesmo
se fosse o mais cruel dos sádicos.
− Vai passar, Sir, encontrará uma submissa digna de seu
respeito e dedicação.
Balancei a cabeça em negação… Ela não conseguia
entender que eu jamais submeteria alguém por simples e
tão puro prazer de domar. Nasci dominador para ela.
− Não… Charlote… Eu acreditei na promessa que lhe
fiz, em nossa primeira cerimônia de encoleiramento, que
jamais teria outra slave, e para você, meu coração estava
era entregue para toda a eternidade. Lembro-me de seus
olhos brilhantes, sempre foram azuis… A mesma feição…
– toquei seu rosto, que ficou rubro no mesmo instante. –
Lembro-me de nosso pacto de sangue na cerimônia das
rosas… Vestia algo parecido com vestido de noivas.
Estava radiante e feliz… Mas em seguida… Semanas
depois, durante um passeio, vocês se conheceram. Depois
se encontraram algumas vezes, por ironia do destino,
creio eu. Em seguida, ele veio ao seu encalço, como se
fosse lícito levá-la, apenas por ser eu um bárbaro, em seu
julgamento, desmerecedor de tamanha joia. A partir daí,
fora raptada e levada para o castelo de Siv. Em todas as
vidas seguintes, disputávamos sua coleira.
Ela ficou me olhando como se pudesse lembrar-se de
algo, mas não poderia… Eu tinha certeza disso. Suas
mãos suaves tocaram em meus cabelos, soltando-os.
Tocou em algumas mechas. Acariciou meu rosto e beijou-
me a testa.
− Agradeço por todo amor que tem me dedicado
durante todos esses anos.
− Você consegue sentir isso?
Ela apenas balançou a cabeça como resposta
afirmativa. Fiz uma pausa, desviando um pouco o seu
olhar daqueles olhos tão lindamente azuis, em que se
descortinava uma vida estremecente, um ardente desafio.
Os lábios continuavam a tremer. Mas ela rematou com o
mesmo e implacável tom de voz:
− Sim, Senhor Akadius.
***
Confidências de AT…
Acordei sentindo-me atropelado pelo medo de
fraquejar em todas as áreas da minha vida. Não me
lembro de ter sentido o desejo de desistir de fazer aquilo
que mais gosto, que é dominar, mas hoje me bateu forte
esta sensação, um sentimento reincidente. Embora não me
lembrasse do passado.
Após chegar de Fortaleza, ´passei o dia no Clube,
andando de um lado para o outro, inquieto e triste, não
tinha disposição para trabalhar. O desejo era de buscá-la
e tirar o seu couro no laço, deixando-a sem comer ou
beber água durante um dia e meio. Mas não o faria, seria
rebaixar demasiadamente um orgulho que já se encontrava
ferido. Meus sentimentos por ela estavam confusos.
Charlote era meu céu e meu inferno. Trouxe-me luz e me
jogou na escuridão.
Ao anoitecer, vendo os adeptos chegarem ao Clube, não
consegui falar com ninguém. Cumprimentava num simples
gesto com a cabeça, era só o que conseguia. Algo
precisava ser feito, antes que decidisse colocar à venda o
estabelecimento e abandonar meu canil.
Fui para casa em busca de consolo, nos braços de
minhas meninas.
Eram mais ou menos seis horas da noite, quando
cheguei à minha masmorra. Já sabia que as meninas me
esperavam, eu podia sentir isso sem ao menos trocar uma
palavra. Ao entrar, tirei minha cartola e casaco, e
caminhei até onde estavam me aguardando. Antes de sair,
deixei ordens para que Antonele fizesse companhia a
Seren, e não saíssem da masmorra até eu voltar. Não
havia como explicar, mas a pequena se fez
instantaneamente presente em minha vida, como uma peça
rara, subitamente minha.
Escutei-as conversando de longe. Elas falavam de
como estavam ansiosas, entrei, imaginando Charlote entre
elas, sorrindo, linda minha… Não consigo admitir que ela
não fazia mais parte de minha vida. Estava obcecado.
Transtornado.
− Boa noite, meninas.
Elas responderam juntas:
− Boa noite, Senhor.
Percebi em seus rostos, a alegria em me ver. Logo após
se calaram e ajoelharam fazendo reverência de cabeça
baixa e mãos à vista, sentadas sobre as pernas, vestindo
apenas minúsculas calcinhas.
Ao som das Valquírias de Wagner, chamei primeiro a
doce Seren, pela qual nutri, desde que chegou, um apego
nostálgico.
− Venha cá.
Ela então veio gatinhando com uma boa menina. Beijou
meus sapatos e minhas mãos, e disse:
− Meu Senhor, dê-me a honra de servi-lo como teu
brinquedo, faça de mim seu objeto de prazer.
Seren era muito nova, tão meiga, mas com um jeito
saliente, parecia saber exatamente como eu gostaria que
agisse.
Com a corda em minhas mãos, comecei o bondage.
Amarrei seus braços juntos em suas costas, sentei-a num
sofá, ergui e coloquei suas pernas para trás com um
separador de joelhos feito por mim, de modo que suas
coxas ficassem bem abertas. Logo passei a massagear seu
clitóris, ela se contorcia e revirava os lindos olhos, mas
não era o bastante, então peguei o vibrador e o ajustei na
velocidade máxima. Comecei a forçar seu orgasmo, e em
poucos minutos vi a explosão do gozo que de suas
entranhas jorrava. Em cada momento do apogeu, ela
chorava de prazer. Forcei o prazer por mais seis vezes, e
mesmo ofegante, ela agradecia por cada vez que chegava
ao topo do regalo.
Peguei meu flogger e dei cinquenta chibatas em sua
vulva, para que cessasse seu prazer, parei por alguns
instantes até sua respiração voltar ao normal.
Chamei Antonelli, que veio rápido ao encontro das
mãos de seu Dono.
− Aproxima-se, minha first slave.
Ela sorriu, eu gostava de expressar meu sadismo
fazendo todo o tipo de tortura psicológica e física. Com
Antonele não havia tanto mimo, apesar de amá-la
simplesmente pelo prazer que as torturas a ela aplicadas
me proporcionavam. Agarrei-a pelo pescoço e logo pus a
mão entre suas pernas, já estava completamente molhada.
Coloquei uma, duas, três e depois os quatro dedos dentro
dela, em movimentos rápidos e com força, mas não lhe
fora dada a ordem para gozar. Retirei os dedos e os
coloquei no céu de sua boca, ela chupou bem devagar
sentindo o gosto de seu sexo que ainda latejava.
Peguei as cordas, amarrei suas mãos e lacei na viga de
madeira no teto do quarto. Com meu chicote de couro cru,
comecei a esquentar sua pele com leves chibatas, ela não
sentia quase nada, e então fui aumentando a força no braço
gradativamente, e as marcas logo foram aparecendo em
seu corpo. A cada chibata, um número ela contava, que no
total foram cento e cinquenta, distribuídos nas nádegas,
costas, pernas, barriga e seios. Ela era uma boa
masoquista e nunca me desapontou na prática, sempre
supria meus desejos mais sádicos e tinha prazer em cada
marca feita em seu corpo.
Conduzi Seren até o quarto e a deitei em uma mesa
grande de madeira. Coloquei a menina em forma de X
com algemas nos braços e nas pernas bem abertas, e me
preparei para começar uma sessão com velas (waxplay).
Passei óleo em sua pele antes de principiar. Sempre usei
velas de cera de abelha, por ser muito quente, mesmo se
pingadas de longe, mas a menina aguentava fortemente,
apesar dos olhos lacrimejantes. Lentamente eu pingava a
cera, vendo cada expressão do seu rosto. Ela parecia
saber que eu adorava vê-la assim, com o corpo todo
coberto por desejos que somente o sadismo poderia
decifrá-los. E em toda parte, o rosto de Charlote me
perseguia, já não sabia mais se era paixão ou loucura, sua
imagem me acossava, até quando tentava esquecê-la.
Fiz questão de pingar cera quente em sua vulva e nos
mamilos. Mandei-a se virar, e fiz o mesmo processo em
suas costas e no ânus. Depois ordenei que ficasse de pé,
olhando para cima com a vela na boca até que eu a tirasse
daquela posição.
Novamente voltei para Antonelli, abri uma gaveta e
peguei álcool e agulhas. Aprecio uma sessão com tais
práticas (needle play) – agulhas e um pouco de sangue -
união perfeita em dias como este, em que a alma de um
dominador sádico, grita e ecoa pelos cantos do mundo. Eu
precisava escoar em algum lugar.
Comecei pelos seios lindos e grandes, primeiro amarrei
e coloquei agulhas ao redor e fiz uma cruz, perfurando o
mamilo. Depois, uma linha em espiral em suas costas,
com ajuda de uma fita, fiz um desenho que logo se desfez,
quando puxei a fita arrancando todas as agulhas de seu
corpo, gesto este que minou pequenas gotas de sangue. Ela
agradeceu pelo prazer que estava sentindo, dizendo:
− Obrigada, meu Senhor, eu amo lhe servir. - sua voz
estava trépida, vi seu corpo tremelicar, e notei que estava
tendo um orgasmo. Para terminar, apliquei spray de
pimenta nos pequenos furos onde estava saindo sangue, e
pressionei com as mãos, era linda a expressão de choro
que ela fazia, me dava ainda mais tesão em dias como
este. Não sabia a dimensão de sua dor, mas a minha era
latente.
Já se passavam quase três horas, então coloquei as duas
meninas lado a lado, ambas amarradas com as mãos para
o alto. Uma sequência de chibatadas era dividida entre as
duas, aproveitei para testar meu novo brinquedo, um
chicote feito de fios de aço de cinco mm, o resultado foi
muito satisfatório, marcas lindas, bem definidas e com
nível médio de dor.
Agora com os corpos quentes e suados, decidi estreitar
mais os laços entre elas, ordenei que ficassem em posição
69, uma sobre a outra. Feito isso, peguei o vibrador e
coloquei na vulva de Seren enquanto ela tocava Antonele
com os lábios, vigorosamente, porém não permiti que
minha first slave gozasse. Era difícil para ela ver Seren
explodindo de tesão enquanto não tinha permissão para
gozar, mas cumpria minha ordem, se não o fizesse, iria ter
de suportar severas torturas nos seios para pagar pela
desobediência, ou até mesmo, ficar sem falar comigo por
um tempo determinado, o que para qualquer slave é um
castigo muito doloroso.
Sentei-me diante das duas, fiquei olhando Antonela se
deliciar com o gozo de Seren, ela também tinha atração
por meninas, adorava quando eu a mandava fazer sexo
oral em outra submissa enquanto olhava para mim, com
cara de puta. Dizia-se a menina mais feliz do mundo.
Logo escutei:
– Meu Senhor, por favor, permita-me gozar?! - Antonele
implorava por minha permissão. Aproximei-me dela e
puxei seus cabelos, coloquei meu pau todo dentro de sua
boca até a garganta e estoquei com força. Foi o bastante
para ela esguichar no rosto de Seren, que lambeu cada
centímetro de sua vulva embebida.
Vendo as duas exaustas de tanto regozijo, também me
permiti o mesmo, ordenei-as em posição de instrução, e
comecei a entrar na boca de Seren até expelir sem
precaução, para saciar a sede de ambas. Dei um pouco à
pequena, e a outra metade, a Antonele, que não se conteve
e começou a sugar a língua de Seren. Juntas, quase
iniciaram uma nova cena, se eu não as mandasse parar.
Depois de ter dado banho nas meninas, coloquei cada
uma em seu quarto. Seren dormia em uma cela que havia
mandado fazer para aprisionar Charlote. Seria uma das
surpresas que a faria, nem deu tempo de inaugurar.
Novamente um misto de ressentimento me atormentou. Era
um quarto ao lado do meu, sem parede frontal, apenas
continha grades de ferro.
Já Antonele dormia em uma pequena cela ao lado de
minha cama, também feita para Charlote, que jamais
experimentará o brinquedo. Ingrata.
Era meia-noite em ponto, tomei algumas doses de
vodca e fumei meu charuto enquanto examinava
mentalmente a postura das meninas durante a sessão,
parece que me saí bem como dominador, porém a
obsessão ainda me consumia. Eu precisava mostrar a mim
mesmo, que ainda posso exercer o meu domínio, mesmo
estando ferido. Necessitava de momentos assim para
voltar às minhas origens, embora ainda me encontrasse
como uma fera ferida.
Elas eram um sonho de consumo, por isso fico em
alerta em relação aos outros dominadores do Clube. Já
não bastava alguém ter levado Charlote, talvez este era o
maior trauma de minha vida. Seren acabara de chegar,
sabe-se lá, qual o sentido de tudo que me fala, mas até o
momento tem me mostrado lealdade, o que me apetece de
forma rica e espontânea neste momento onde a dor e o
desespero assolam de forma plausível um coração rude,
mas que ama com sinceridade. Ninguém irá tirá-las de
mim.
O Reencontro Decisivo
Epílogo
Já era madrugada...
As luzes da mansão de AT estavam acesas. Ele parecia
prever que algo poderia ocorrer de forma tão marcante,
que mal conseguiu pregar os olhos.
Desejou dar uma volta de antes dos primeiros raios do
sol, não queria esperar pelos minutos que arrebatavam sua
alma como um açoite que o fazia lembrar-se do motivo…
Entrou em seu carro, e em alta velocidade, buscou abrigo
em algum subterfúgio capaz de tirá-la de sua cabeça. Iria
rasgar a cidade até o sono lhe arrebatar.
Ao chegarem em Vitória, mesmo sem saber se o
encontraria, seguiram para a casa de AT na intenção de
resolver logo a situação. Para a surpresa de ambos, ele
não estava lá. Charlote observou por todos os lados a fim
de encontrar seu carro, mas não o viu. Uma ponta de
tristeza lhe acometera ao imaginar que poderia ter
dormido fora, nos braços de alguma outra menina.
− Vou procurar algo para comer enquanto você toma seu
banho. Assim que eu retornar, esperá-la-ei aqui fora. –
disse Arkadius.
− Não precisa… Eu sei o que devo fazer daqui em
diante.
− Jamais. Eu a trouxe e a entregarei nas mãos de Tirel.
Esteja aqui no portão em uma hora. – disse num tom de
ordem.
Ela acatou e seguiu portão adentro.
Fora recebida por Antonele, que a olhava dos pés a
cabeça numa expressão de receio e repúdio.
− O que quer? – perguntou a Charlote, mesmo sabendo
que tudo que estava acontecendo vinha de sua genuína
maldade.
− Falar com meu Senhor. – respondeu Charlote já
entrando na casa, percebendo a presença de Seren, ela se
indagou em silêncio sobre quem era a menina. Os olhos se
encontraram, parecia se lembrar de algo, mas devia ser o
cansaço. Certamente nunca a viu no círculo de amizades e
contatos de AT. Estava certa quanto ao pressentir que
arrumara um brinquedo novo a fim de esquecê-la.
− Não pode entrar. Não é bem-vinda nesta casa! – disse
Antonele, tentando impedi-la de dar algum passo, porém
fora ignorada.
− Você não manda em nada aqui. Vou esperar meu
Senhor. – respondeu enquanto subia as escadas deixando
Antonele em pé, na sala, sem saber exatamente o que
fazer, pois sentiu receio de ser desmascarada, assim que
AT retornasse, o que ao certo aconteceria, e ela já contava
com o castigo da quarentena. Conhecendo bem seu Dono,
sabia que após o período de quarenta dias em isolamento,
sem contato com seu Senhor, seria dispensada, como ele
já fizera com outras e ela mesma presenciou.
Entrou no banho, pensando em onde ele poderia estar
nesse momento. Seu coração dividia-se entre a saudade e
o medo de sua reação ao ver Arkadius. Não sabia o que
havia acontecido, e quais foram seus motivos para ele não
ter ido ao seu encontro, e depois, repentinamente
aparecido no Clube com sua coleira em mãos. Tentou
relaxar, sentindo a água quente cair pelo seu corpo. Sabia
que ele poderia não aceitá-la de volta, depois de ter
presenciado o início da cerimônia, sem ficar até o fim e se
certificar de que não houve encoleiramento. Mas mesmo
assim, sentia-se em casa. Sentia-se segura. O cheiro dele
estava por todos os lados.
Trinta minutos depois, AT voltou. Notou as luzes
acesas, não fora ele quem as deixou. Embora a casa estive
com o aspecto de não ter ninguém dormindo, não
encontrou as meninas pelos corredores e nem sala, o que
achou estranho os locais estarem como se estivesse
alguém por ali. Pressentiu algum tipo de surpresa, mas não
sabia dizer se era boa ou ruim. Continuou caminhando até
que pudesse descobrir o que estava acontecendo.
Sentia o cheiro dela pela casa, parecia castigo, estava
delirando ou obcecado pela menina a ponto de criar
situações. Subiu a escada e a sensação era cada vez
maior. E foi então que… ouviu o barulho da água caindo
no chão… Suou frio. Entrou no quarto e viu as coisas
delas esparramados pelo tapete misturando-se aos seus
pedaços. Não era vertigem.
Ela saiu do banho enrolada na toalha, os cabelos
molhados, os olhos intensamente azuis olhavam-no com
súplica e saudade. Ficou petrificado na cena, imóvel,
dando atenção a cada detalhe sem conseguir se embasar
em nenhum.
− O que está fazendo aqui? – perguntou, esperando
todas as respostas que desejava, de uma só vez. Elas não
vieram, mas no lugar de tais anseios, ela se levantou.
Vieram lágrimas e passos em sua direção, e logo depois,
um corpo caído aos seus pés, beijando-os, procurando
agora pelas mãos de seu Senhor. Seu coração parecia sair
pela garganta. Ele não queria olhá-la. Não queria tocá-la.
Seu desejo era esquecê-la. Mas aqueles olhos, não
deixavam que ele se autodominasse. Nunca mais iria tocá-
la. Ela o perdeu, assim dizia a si mesmo, imaginando as
mãos de outro dominador apalpando-a.
− Eu a recuso! – disse em tom áspero. – Não toque em
mim. – finalizou, indo a busca de roupas para que ela se
vestisse. Abriu a mala da menina e jogou em direção dela,
algumas peças. – Troca-se! Não a quero nua em minha
frente. Você não me pertence mais.
Ela pegou as roupas com as mãos trêmulas, e voltou
para o banheiro a fim de se trocar. Ao sair, ele já não
estava mais no quarto. Charlote desceu as escadas e o viu
em pé, diante da lareira. Foi até a porta da entrada para ir
ao encontro de Arkadius, quando AT a advertiu:
− Aonde vai?
− Vou buscar uma pessoa que quer falar com o Senhor.
− Que pessoa?
Ela temeu em dizer o nome, mas prosseguiu.
− Senhor Arkadius.
O rosto de AT se fechou num semblante pesado e sua
pele esquentou, avermelhando-se. Ela jamais poderia
imaginar o que ele estava sentindo naquele exato instante,
onde o orgulho ferido tomou conta de todo o seu ser.
− Traga este verme aqui! – disse quase rosnando,
apertando os punhos.
Aos passos lentos ela seguiu, temendo pelo o que
poderia acontecer. Quando voltou, AT estava na mesma
posição de antes.
− Com sua licença, nobre. – disse Arkadius de cabeça
erguida, sem receios algum.
AT ouviu aquela voz, tentando se controlar. Não tinham
mais a nada a tratar. A menina é dele agora, e podia ser
levada dali. Não os queria a sua frente, mas a curiosidade
em saber o que queriam, era maior. Seu corpo ficou gélido
e inquieto entre suas células, embora não movesse um só
músculo.
Lentamente virou seu corpo, o sangue fervia como tocha
olímpica em plena arena. Ao estar de frente ao seu
adversário, a cena de Charlote morta em seus braços em
um Castelo, tomou-o de assalto. Ele se lembrou
detalhadamente de algo que jamais ocorrera antes. Viu
Arkadius mirando a lança em direção a ele, que se
esquivou, e esta acertou de cheio a menina. Um desejo
repentino de gritar explodiu em si, quando mais outras
cenas vieram repetidamente de forma grotesca e inédita.
Lembrou-se de cada detalhe de vidas passadas, ambos
lutando pela posse de Charlote, e todas as vezes que sua
vida fora ceifada pela força bruta de alguém que não
aceitara a perda.
Lembrou-se das guerras iniciadas em todo o reino por
conta de tais eventos, e que muitos sivianos tentavam
esconder, inventando outras histórias que tapassem a
verdade dos fatos. Todas as guerras de Siv foram
iniciadas por conta das vezes que ele mesmo a tirara dos
braços de Arkadius, revoltando o povo bárbaro, que
invadia o Castelo atrás de vingança, tentando saquear seus
bens e levarem as slaves. Tudo estava tão claro e
evidente, que era impossível se negar às evidências…
Mesmo sem conhecer a ligação que todas aquelas
lembranças tinham com o presente. Enfim, ele lembrava
agora de onde os conhecia… Não havia conexão com
aquela realidade, mas era impossível não acreditar em
cenas tão verossímeis.
Charlote recebeu uma descarga elétrica em todo seu
corpo, reconheceu a verdade de sua ida até ali, sendo
novamente o pivô de um confronto que a magoara tanta
durante muitas existências. Não pode conter as lágrimas,
ajoelhou-se em seguida com intenção de diminuir o peso
de sua alma, em vão…
Da escada, desce Antonele seguida por Seren, que sorri
discretamente ao reencontrar Charlote, que por sua vez,
retribui o carinho, não em um sorriso, mas num olhar
carregado de afeto. Lembrou-se da irmã da coleira, para
quem entregou a oportunidade de estar em seu lugar
quando seguiu de Siv para a Terra dos Mortos.
− Eu quero a verdade. – disse Aragorne, já que não
estavam mais usando a máscara do esquecimento. Sentia-
se tão confuso quanto Charlote.
Arkadius deu passos para frente, destemido.
− Eu a trouxe para acabarmos nossa missão de forma
pacífica. Não realizamos a cerimônia de encoleiramento.
Ela se findou, assim que o nobre deixou o salão. Sempre
soube que a alma dela pertencia a você, mas era difícil
reconhecer tal verdade diante do orgulho, do sentimento
que tenho por ela, e da miséria do meu povo, que jamais
teve a mesma oportunidade em partes iguais, tudo isso
devido a este caso que parece não ter fim. Precisamos
finalizá-lo.
− Você ceifou minha vida todas as vezes que se sentia
ameaçado. E por último, ceifou a dela, o que esperava?
Que os deuses lhe agraciassem com honraria pelo gesto
cometido contra ao que não lhe pertencia?
− Charlote sempre me pertenceu, porém se apaixonou
por você, que a tirou de mim. E somente pelo sentimento
que a movia, era sua. De direito e por honra sempre fora
minha. – disse ele firmemente.
− Fizemos tudo do melhor modo, não escondemos
nunca os nossos sentimentos acometidos de forma
inesperada. Não fomos desleais.
− Um Dominador do bem jamais olharia para os olhos
de uma posse que não fosse a sua. – disse Arkadius com
fúria no olhar.
− Um Dominador, antes de tudo, é um ser dotado de
sentimentos. Jamais deixei que no lugar do meu coração
houvesse um chicote. – respondeu Tirel na mesma ânsia
congestionante.
− Apenas com Charlote não havia um chicote, caro
amigo? Por que não adotara a mesma teoria para as
meninas que realmente eram suas, ao invés da posse
alheia? – Arkadius se lembrou das muitas slaves que
passaram pelas mãos de Tirel sem serem amadas.
− Eu fiz o meu melhor… – Tirel justificou.
− Sem conseguir. – Arkadius olhou para Antonele, que
abaixou seus olhos. Ele sabia que o amor dela não era
correspondido. – Por isso ainda luta pela Coroa.
Os poderes sivianos de Aragorne voltaram aflorados.
Podia sentir no ar, a energia de Antonele, e sabia que ela
estava perturbada.
− Diga logo, menina, o que você fez! – ordenou,
direcionando a voz para a direção de Antonele.
− Eu… – ela não conseguiu pronunciar.
− Diga! – gritou. Sua voz retumbou pela casa.
− Eu a mandei para Fortaleza. Sabia da história de
Arkadius, Shaila havia me contado, e me ajudou no plano
de enviar Charlote para lá, na ausência do Senhor. – disse
em lágrimas.
− Com qual intenção? Acabar comigo?
− Não Senhor, eu queria a exclusividade… Sabia que
Charlote havia um lugar diferente na vida do Senhor.
Houve um silêncio.
− Pegue suas coisas imediatamente e desapareça de
minha vida! – ordenou Tirel, com toda sua ira.
A menina subiu as escadas e foi cumprir a ordem. Não
esperava por isso… Pensou que ficaria apenas no castigo
de uma quarentena quase desumana, mas jamais contaria
que ele a expulsaria do clã.
− Você a tocou? – perguntou a Arkadius, seriamente.
− Não sou um estrume. Sou um dominador.
− Eu não acredito em você! – disse ainda com ira,
aproximando-se de Charlote e rasgando suas roupas na
tentativa de examiná-la, o que a causou medo, mas se
manteve no autocontrole para não enfurecê-lo ainda mais.
Olhou-a profundamente, e nada encontrou a não ser as
marcas com suas iniciais feitas em sua perna, e a que jazia
nas costas, que agora voltaram a ficar visíveis. Olhou-as
com orgulho, e voltou-se para Arkadius, jogando as
roupas para que Charlote se cobrisse com os trapos que
restaram.
− O que veio fazer aqui?
− Entregá-la. Eu sou um bárbaro honrado. Tenho um
convite e uma proposta. Quero a disputa limpa e honesta
pelo trono de Siv!
− Jamais! É minha herança!
− Mas você não passou na prova. Veio até aqui, e
perdeu a oportunidade de ser o rei de Siv.
Aragorne parou para analisar o que o adversário havia
dito. Ele conquistou Charlote. Era sua. O que Arkadius
quis dizer?
− Você não confiou em sua menina. Não mereceu a
entrega dela. Eu poderia levá-la, não o faço porque tenho
brio. Não ficarei com uma posse que se sente de outro.
Numa relação de domínio, ambos precisam confiar, e no
seu caso… Você só confia em si mesmo.
− Está me entregando hoje, mas permaneceu com ela
durante todas as batalhas após minha ida para a Terra dos
Mortos.
− Eu me cansei… Se tiver que ser minha, será pelo
coração. É por este motivo que a entrego. Mas quero a
disputa pelo trono.
− Jamais deixarei que um bárbaro alcance o trono que
fora de meus antepassados.
Um clarão se fez entre os elos. A órbita a volta deles
passou a girar numa velocidade arrebatadora. Som, luzes
e temperatura oscilavam de todas as formas, nada mais
dentro do ambiente passou a ser legível. Chegara o
momento da volta, o instante da trégua de uma luta que
durara muitos séculos na busca por uma resposta, até
então sem solução. Um tufão airoso envolveu-os, evitando
que a visão tivesse o alcance de algum ponto. Tudo
passou a ficar escuro e sem formas. A sensação era de
girarem parados… Até que a inconsciência os
adormecesse de modo inesperado.
Quando tudo parou de girar, a visão, de turva, passou a
ser familiar. O céu azul com pássaros cantando a qualquer
hora do dia, novamente reluzia diante dos olhos de quem
jamais poderia esquecer aquele lugar. Os telhados
cobertos por neve, ainda se encontravam do mesmo modo
da última vez que AT se recorda. O mesmo jardim com as
variadas espécies. A fumaça de uma chaminé que saia da
cozinha do castelo. O telhado das antigas casas com
torrezinhas e a velha igreja no estilo romano, mostrando-
se o mais atrativo dos guias e sabendo entremear à sua
erudição o detalhe pitoresco, a nota emotiva ou espiritual.
Um sorriso assomava a seus lábios e comunicava aos
olhos desacostumado brilho. Aquela fisionomia séria,
pensativa, em que os cuidados de uma existência toda
devotada aos seus haviam deixado o seu sinal, parecia
transformada por alguma secreta felicidade.
Novamente veio o silêncio. Olhos afoitos estavam
curiosos. O jeans fora trocado pelas roupas medievais.
Aragorne sentiu felicidade relâmpago ao se ver
novamente em seu lar. Estavam no meio do jardim, ao
redor, suas escravas olhando-o com um olhar saudoso. A
sua frente, Arkadius, entre eles, o Mestre Mor de Siv. Os
sinos do Castelo tocavam. A passarada sobrevoava o céu
que ainda anunciava o dia. Seus amigos dominadores
surgiram segurando as espadas para o alto. Os olhos de
Tirel buscavam por Charlote, não a encontrou em lugar
algum. Algo estava estranho. Sentiu no ar, a melancolia.
− Bravos guerreiros! Saúdo-os! – disse o Ministro de
Siv. – A missão se findou sem o resultado desejado.
Embora todos os esforços estavam voltados para a
missão, até mesmo inconscientemente para alguns
participantes, o ápice do que os levaram para o futuro,
não fora cumprido. Resolvemos deixar as revelações para
o final, a fim de que desperte o ânimo de recorrerem ao
que foram buscar, porém, novamente o ego se apossou,
fazendo do orgulho e falta da confiança, o maior dos
interesses. Eu avisei que os caminhos não seriam fáceis, e
de certo modo, perigosos, mas a imperfeição do ser
infelizmente é o seu maior adversário.
Dizendo isso, ele entregou uma espada para Arkadius,
que a olhou e se curvou num cumprimento de gratidão. Fez
o mesmo com Argorne, que a tomou para si e a levantou
saudando seus amigos sivianos que ali chegaram para
assistir a disputa.
− Novamente iremos para um duelo. – disse o Minsitro.
– Os caminhos poderiam ser diferentes, mas a obrigação
de se ter a razão sempre desobriga o sublime e
necessário. Sim, Arkadius tem o direito à Coroa, porém a
decisão sobre o trono de Siv virá da espada.
Ouviu-se um choro. Aragorne desviou os olhos para ver
de onde vinha, chocou-se com a imagem de Seren jogada
ao chão pelo medo de ver seu Senhor lutar com Arkadius.
Receava em ver cenas que não suportaria.
Tirel, de onde estava, disse firmemente:
− Levanta-se, menina! Não há o que temer, eu jurei um
dia jamais lhe abandonar, e minha palavra tem honra.
Seren cessou o choro no mesmo momento. Levantou-se
e se juntou com as demais slaves. Os sinos novamente
tocaram, anunciando que a luta iria começar.
Somente um pensamento se passava naquele momento
pela mente de Aragorne, onde estaria Charlote. Gostaria
de vê-la ali, pois poderia ser a última vez que a veria
naquela vida. Saudade se define com a presença da
menina no pensamento, como se jamais ela estivesse saído
de perto. Saudade ultrapassa as imperfeições, as
diferenças, as desavenças, o orgulho, as razões… Porque
é fruto do amor - do amor que se ama mesmo quando tudo
aparenta ser impossível e improvável - o amor por quem
fez parte de um afã é além de qualquer expectativa
deixada ou ressentimento remoído. O amor ensina a
reconhecer quem é; perdoa antes da consciência. Ele
desejava seu perdão por não ter confiado em seus
sentimentos.
− Tomem seus lugares. – disse o Ministro. Cada qual
foi para sua posição e esperou o momento de lutarem. –
Ergam a espada! – pediu o Ministro. – Repitam comigo,
Por honra a Siv e a meu povo, luto neste momento com
integridade e retidão.
Ao terminarem de pronunciar tais palavras,
cumprimentaram-se, curvando-se um para o outro. Olhos
nos olhos. Corações pulsando fortemente. A sensação era
inenarrável.
− Lutem! – anunciou o Ministro.
Aragorne sacou sua espada antes de entrar na luta
enquanto Arkadius tentava controlar sua respiração e
nervosismo, para manter o equilíbrio no afã de atacar e
defender.
Tirel mantinha as pernas abertas na altura e direção dos
ombros para executar os movimentos, segurando a espada
de uma maneira que ele pudesse manuseá-la com
facilidade.
Arkadius observava os movimentos de Aragorne para
saber quando ele iria atacar, e lançar um ataque antes. E
assim o fez, porém Tirel fora ágil, e manteve a lâmina da
espada perto de si para não bloquear seus movimentos no
momento de um contra ataque, fazendo com que a sola de
seu pé tocasse no chão para que tivesse base para sua
investida, deslizando-os, ao invés de resvalar o calcanhar.
O tinido das espadas era ouvido num eco contundente,
que assenhorava-se todo o ambiente do Castelo,
juntamente com pequenos sons que os guerreiros ecoavam
no momento do ataque e defesa.
Arkadius, percebendo a avalanche de ataques de seu
oponente, arrumou a postura, mantendo-se com o dorso
reto para não perder o equilíbrio durante os giros que o
livrava da lâmina afiada de Tirel. Estavam atentos a tudo
durante a luta. A habilidade de Aragorne era
impressionante, embora o bárbaro fora criado para lutar.
Não houve tempo de pensar em estratégia, mas ele
respeitava a maneira habilidosa de seu adversário.
Aragorne esperava um descuido do bárbaro, tinha a
sensação de que ele poderia se machucar sozinho a
qualquer momento. Ferido, seria uma presa fácil para suas
investidas. Ele iniciava o foco para dar seu melhor golpe,
porém acabara de errar um bloqueio, o que poderia ser
fatal, mas continuou concentrado, evitando dar passos
para o lado. Então manteve sua espada de modo que esta
ficasse posicionada do tronco a altura de sua cabeça,
permitindo que ele se livrasse de todos os ataques, devido
ao ângulo que conseguiu encontrar.
Com a espada numa distância confortável de seu corpo,
na direção do pescoço ou do olho do adversário,
Arkadius colocou Tirel na mira, num descuido derradeiro,
sendo este gravemente ferido no ombro. Ouviu-se um
grito, e no mesmo instante, Seren deixou o local onde
estava e saiu correndo, jogando-se na frente de seu Senhor
no momento em que Arkadius se preparava para dar o
golpe final.
Não houve tempo de desviar a espada…
Os sonhos de uma menina de dezessete anos foram
abandonados brevemente em uma vida de dedicação e
amor, que acabara de se desfazer. O corpo dela tremia ao
perder força, sendo amparada por Aragorne, que no
desespero, soltou um urro que fora ouvido nos confins de
Siv. A cabeça da menina fora atingida na testa. Os olhos
pairaram no ar…
− Continuem! – gritou o Ministro.
Sem saber o que fazer, Aragorne depositou o corpo
agonizante da menina quase ao seu lado, e olhou com fúria
para os olhos de Arkadius. Lágrimas eram observadas
misturadas à poeira. Os olhos ardiam de revolta e dor.
Mais um grito dera com bravura e determinação de um rei,
abalando a estrutura de qualquer que fosse o homem do
outro lado da espada a sua frente. Fora para cima dele,
para matar ou morrer. Num pequeno resvalo, Arkadius se
desequilibrou ao por o corpo um pouco mais para trás,
recebendo a espada de Tirel diretamente no peito, que
fora aprofundada com desejo de ceifar sua existência.
Com o sangue jorrando pelos cantos dos lábios, ele
desfalecia em agonia, sabendo que chegara sua hora de
descansar após séculos. Chegou o fim da batalha. Não
conquistaria Charlote nem o trono, nesta existência. Assim
colocava um ponto final em sua missão, ora vinda do
coração ora à busca de dignidade para seu povo.
− A você, minha menina, o meu descanso… Eu a
liberto. – disse com o ar faltando nos pulmões.
Fechou os olhos e não os abriu mais. Sua vida e sua
morte fora ofertada à Charlote. Enfim ele abriu a porta de
sua própria gaiola, que o aprisionava através de seu
sentimento por ela.
Tirel se ajoelhou perante Seren e ainda teve tempo de
assistir seus últimos suspiros. Ela pegou em sua mão, e
antes que a visão escurecesse, tentou pronunciar algumas
palavras, mas foram poucas…
− Servidão e obediência ao meu Senhor.
− Honra a você, minha menina, que deu sua vida para
salvar a do seu Senhor. – ao dizer isso, Seren fechou os
olhos como uma menina mortal que não irá para a Terra
dos Mortos, e não terá outras vidas para que retornasse ao
Reino.
O pesar abateu a corte de Siv. As irmãs choraram junto
a Tirel, abraçadas umas as outras de joelhos no chão, em
torno do corpo de Seren. Os dominadores retiraram suas
cartolas e abaixaram suas cabeças. Os sinos novamente
foram ouvidos e uma chuva fina chegou limpando o sangue
que escorria pelo rosto tão jovem e sereno da pequena
morta, que jamais se levantaria novamente.
Os bárbaros foram recebidos no Castelo para retirarem
o corpo de Arkadius, levando-o para o Mundo dos Mortos
à área reservada para esta comunidade. Eles respeitaram
o resultado do duelo, mesmo em sentimento por terem
perdido seu líder, não levantaram a espada contra os
membros da corte e sua guarda.
Novamente a corte recebe sete dias de luto pela partida
da menina que marcara de certa forma, o reino mais
tumultuado da história de Siv. Aragorne receberá o título
com honraria, sabendo que o peso de sua Coroa se deu
através do amor que recebeu de sua slave até o último
momento de sua vida, instante em que entregou seu corpo
e alma ao seu Senhor, pela última vez, trocando sua vida
pela a dele.
O enterro, honrarias, luto de sete dias… Momentos que
se passaram em comoção por todo o reino. Tirel recebera
de seus aliados o respeito e lealdade durante este
momento de grande pesar.
Oitavo dia após a morte de Seren. É chegado o
momento da coroação. Vários participantes da cerimônia
estavam vestidos de trajes especiais, uniformes ou roupas.
As vestes dos sivianos presentes compreendem um longo
casaco de veludo carmesim e uma capa de arminho.
Linhas de manchas na capa designam a classificação de
cada castra; duques utilizam quatro linhas, marqueses três
e meio, condes três, viscondes dois e meio, e os barões e
senhores do Parlamento, dois. Os duques Reais usam seis
fileiras de arminho. Os nobres usam coroas ou diademas,
assim como fazem a maioria dos membros da corte real;
tais coroas mostram emblemas com base na posição ou na
associação do nobre para com o rei. O herdeiro aparente
da Coroa exibe quatro cruzes-Pattee alternadas com
quatro flores-de-lis encimados por um arco. O mesmo
estilo, sem o arco, é usado pelas slaves de Tirel. As
demais escravas da nobreza usam o mesmo desenho, só
que em versões menores.
Juntamente com pessoas da nobreza, as cerimônias de
coroação também são assistidas por uma ampla gama de
figuras políticas, incluindo o primeiro-ministro de Siv e
Old, e todos os membros do Gabinete Oficial,
Governadores-Gerais e primeiros-ministros de ambas as
civilizações.
O Mestre de Siv colocou o ornamento da Coroa da
serpente na cabeça do rei e realizou todos os ritos
habituais nas salas consagradas da cerimônia do Castelo.
Com uma voz contida de emoção e contentamento, o
Mestre disse aos presentes:
− Senhores, eu aqui apresento a vós, o seu rei
inquestionável. Portanto todos são bem-vindos para fazer
a sua homenagem e vassalaria. Estão dispostos a fazer o
mesmo?
Após a aclamação do povo ao soberano em cada lado,
o Ministro de Siv administra um juramento a Tirel, a lei
de juramento da coroação.
− Prometa e jure governar para o povo do reino de Siv
e dos Territórios pertencentes a esta civilização, de
acordo com os estatutos aprovados em Parlamento sobre e
às Leis e de nossos costumes.
− Solenemente prometo fazê-lo. – respondeu Aragorne.
− O nobre vai usar seu poder para trazer a Lei e a
Justiça, na misericórdia, em todos os seus julgamentos?
− Sim, eu vou.
− O nobre vai usar o máximo de seu poder para manter
as Leis dos deuses e da verdadeira pregação de nossos
Princípios? Vai usar o máximo do seu poder para manter
no reino unido aos critérios estabelecidos por lei? Vai
manter e preservar invioláveis a liquidação da liturgia, do
culto e da disciplina e governo de Siv, conforme
estabelecido por nossas leis? Vai preservar nosso sistema
de proteção e títulos já consagrados nos quais são
comprometidos, todos os seus direitos e privilégios, como
estabelecido por lei?
− Eu prometo fazer. As coisas que prometi antes, irei
realizá-las e mantê-las.
Logo que termina o juramento, um Ministro apresenta
um livro sagrado ao Soberano, dizendo:
− Aqui está a sabedoria, esta é a lei real; estes são os
oráculos vivos dos deuses.
Tirel beija o livro e recebe a coroa.
Trinta dias se passaram desde a coroação. O novo Rei
de Siv ainda de acostumava à sua nova rotina, não era tão
simples como imaginava. A responsabilidade urgia a cada
instante, não poderia jamais quebrar um juramento que o
obrigava a cumprir com a ordem e bem-estar geral.
Logo pela manhã recebera a visita do Mestre Mor de
Siv, que vinha ao seu encontro segurando um cajado
abaixo de um olhar enigmático. Aproximou-se de Tirel e o
cumprimentou.
− Saudações, caríssimo nobre.
− Saudações, Mestre. O que o traz até a mim? – seus
olhos por um momento brilharam. Imaginou que receberia
notícias de Charlote.
− Acredito que se lembre de nosso trato. Uma vez
recuperado de velhos traumas, é momento de recolher as
slaves que foram emprestadas para ajudá-lo em seu
progresso como dominador.
Sentiu tristeza eminente, lembrou-se do combinado.
Sabia da condição de voltarem após ele prestar sua
missão. Talvez nunca mais volte a vê-las nesta época.
Talvez as encontre somente quando também partir para o
mesmo destino. Já havia se acostumado às meninas, em
especial, a Erine.
− Eu compreendo. – disse apenas um tom baixo.
− Já está recuperado. Já esteve com ela após sua morte.
Agora é momento do fluxo desta vida correr normalmente.
− Eu o agradeço por permitir Charlote ir à missão ao
meu lado. Foi muito importante revê-la, muito embora não
me lembrasse de onde a conhecia, mas sentia em meu
coração, quem ela foi um dia para mim.
Ao dizer isso, viu suas meninas andando em fila.
Estavam vestidas de túnica azul esvoaçante. Ele se
lembrou do primeiro dia que as viu, usavam a mesma
roupa. Seguiam em carreata de cabeça baixa. Erine o
espreitava pelo canto dos olhos, tinha nos cabelos, uma
coroa de flores. Ela corou ligeiramente. Era o último
galanteio que o dirigia. E o olhar com que o Senhor a
sublinhou fez nascer no coração da menina uma emoção
desconhecida.
Eles pararam de conversar ao verem tamanha beleza. O
vento levava os cabelos longos, soltos aos ombros.
Estavam realmente lindas, descalças. O nu do corpo era
revelado através da roupa transparente e leve.
Assim que passaram pelo Senhor, algumas revelaram os
mamilos enrijecidos, tamanho era o desejo de serem
tocadas por ele, por uma última vez.
O cintilante dos raios do sol ofuscava a visão. O vento,
o azul límpido do céu, e os pássaros cantando,
celebravam os últimos momentos das meninas naquele
Castelo. Um filme era passado na cabeça de Tirel
enquanto elas caminhavam rumo ao portal. Ele lembrou-se
das risadas quase infantis, e o calor afetuoso dos abraços
que ganhara.
Observou quando uma imagem conhecida vestida como
as outras se aproximar da carreata. Sentiu-se confuso.
Apsel se posicionou na fila das meninas. Não entendeu,
pois sabia que para seguir para o mundo de Siv, precisava
ser siviano. O portal se abriu, de lá, uma aparência
nitidamente conhecida. Collins segurava um imenso
chicote, batia-o no chão, e a poeira levantava.
− O que está havendo, Ministro? – perguntou sem
conseguir acreditar no que via.
− Collins voltou numa nova missão. As meninas estarão
sob seus cuidados, não no mundo de Siv, mas em outro
Castelo subjacente a este, que também estará sob sua
égide como Rei Dominante.
− Collins… – ele ensaiou um sorriso, na intenção de
que ela o reconhesse, mas o esquecimento necessário para
as missões impediu que a Domme o visse como irmão.
Cumprimentou-o de longe como qualquer nobre da corte.
Sentiu-se feliz em saber que ela voltara, mas gostaria de
lhe dar o abraço que não pôde ser dado na despedida.
Diante de uma saudosa angustia, de longe, na capela ao
lado do Castelo, vira algo que fizera seu coração palpitar
em desalinho. Suspirou profundamente, afrouxando o
lenço de seda que ornava a volta do colarinho. Não
acreditava no que via… Bem ali, naquele lugar que mal
frequentara além das pouquíssimas vezes que passara para
refletir sobre sua vida, após as práticas de equitação.
Lá, além da miragem angelical notada, encontravam-se
apenas dois dos jardineiros do Castelo, com as flores
necessárias para a ornamentação do santuário, que cujo
trabalho era feito com esmero. Era o único luxo do local.
Belas eram essas flores, delicadamente brancas,
perfumadas, velando a decrepitude das paredes, cobrindo
o altar, festonando o coro e descendo em redolentes
guirlandas até o genuflexório, onde se ajoelhava a jovem.
Ele parou por um instante… Passou a mãos pelos
cabelos, sorrindo. Ao se voltar para o Mestre, ele já não
estava mais lá, partira com as meninas sem se despedir,
desaparecendo nas nuvens que repentinamente se tornaram
carregadas.
Abriu os braços ao perceber que os olhos dela estavam
olhando para os seus. Com a graça de uma pomba branca,
Charlote se levanta e caminha rumo ao seu Dono, com as
mãos esticadas para frente, sobre elas, o cordão sagrado
de Tirel. O que o fez sorrir.
Ao se aproximar, curvou-se para cumprimentá-lo,
retirando seus olhos em silêncio, dos dele. Dobrou os
joelhos sobre o gramado verde e cheio de vida,
alcançando as mãos do Senhor, beijando-as.
− Saudações, meu Senhor, Dono adorado de mim.
Sem palavras, Aragorne acariciou os cabelos dela, para
ter certeza de que a cena era real.
− Como é possível? – perguntou, espantado, sabendo
que ela não poderia estar ali, e muito menos, se lembrar
de quem ele era após ter regressado, se fosse o caso de
estar ali para uma nova missão ou nova vida.
Ela voltou. Ela voltou. – pensava em desespero.
− Sinto-me ansiosa para conhecer o castelo, Sir. – os
olhos azuis brilhantes, denotavam sentimentos absortos.
Sentia como se sempre o tivesse amado.
Foi neste instante que percebeu que Charlote não se
lembrava de nada, mas era exatamente como se lembrasse.
O sentimento de lealdade e servidão estava arraigado em
si. Ela sabia, mesmo sem imaginar como, que pertencia ao
Senhor. E voltou para ele, porque somente algo é maior
que o domínio, o amor.
FIM

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