Copyright © 2024 Deby Incour
Adaptação da capa, Projeto Gráfico e Diagramação Digital: Débora
Ferraz
Revisão e Preparação de texto: Carla Santos
Leitura Crítica: Josiane Cristina
Imagem da capa: Adobe Stock
Ilustração: Luciana Souza
Vetores da diagramação: Canva Pro
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser
reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou
mecânico sem a permissão por escrito da autora e/ou editor.
(Lei 9.610 de 19/02/1998.)
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
1ª EDIÇÃO - 2024
Formato Digital – Brasil
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Epílogo
Agradecimentos
Sobre a autora
“CORROMPIDOS” é um livro totalmente voltado ao público adulto,
com alertas para alguns gatilhos como: palavras obscenas, cenas de sexo
explícito, consumo de álcool, cigarro e drogas, jovens problemáticos,
ansiedade, relacionamentos tóxicos, sexo sem preservativo, gravidez, abuso
físico e psicológico, pais narcisistas, etc.
Este livro não é para servir de exemplo para nada que se configure ao
erro e muito menos deve ser romantizado por você, leitor. É um produto a ser
consumido com responsabilidade e compreensão de que se trata de uma
história com jovens vivendo suas vidas de maneiras que nem sempre serão
corretas, com situações do cotidiano deles que por muitas vezes não será a
melhor escolha se fosse na realidade, porém se fez necessário para o enredo
da história.
Também é recomendado a leitura dos livros anteriores a este –
“Destruídos” e “Obcecados” –, para total compreensão deste livro, e assim
evitar spoilers indesejados ou ficar confuso em determinados acontecimentos
que vieram do livro anterior.
Se após ler tudo isso, ainda assim deseja continuar, aproveite a
leitura, lembrando-se de que ler com a mente aberta e entendendo que tudo
aqui é ficção, tornará a experiência muito melhor. Mas caso algo lhe traga
gatilhos, por favor, pare imediatamente a leitura e priorize sua saúde mental.
Para todos os que já foram corrompidos por sentimentos que te tiraram da
órbita e te fizeram desconhecer a si mesmo, e isso os machucou ao ponto de
quererem fugir: você não é o único e jamais será. Somos humanos, e estamos
sempre vulneráveis a sermos corrompidos quando acreditamos em algo ou
alguém.
LOUISE
Observo o casal que acaba de casar-se, Audrey e Julian, em uma
cerimônia simples na mansão White, com apenas as pessoas próximas e um
fotógrafo. Audrey está belíssima como sempre, com um vestido branco, de
mangas longas e uma enorme fenda, repleto de brilho, uma verdadeira
princesa, os cabelos loiros mais longos, soltos em perfeitas ondas. Ao lado, o
Julian em um terno branco; e, pela primeira vez, sorrindo sem parar. Caitlyn,
a filha do casal, não é diferente, está linda, uma princesinha como a mãe, em
um vestidinho branco também, repleto de borboletas desenhadas pela saia
dele. Eles estão radiantes e isso é bom.
O pouco que acompanhei da história deles, é surpreendente a
maturidade que possuem para viverem tudo isso.
Desvio o olhar e encaro o canto da enorme sala de jantar, com uma
árvore de Natal, e sorrio. Eles realmente fizeram isso na véspera de Natal. É a
cara deles tornar isso tudo mais mágico e perfeito. O clima natalino, a neve
caindo e sendo vista pelo vidro da janela, a lareira, o cheiro de biscoitos de
canela e gengibre, misturado ao cheiro do vinho e chocolate quente. É, eles
sabiam bem o clima que iriam ter no casamento, e seria o melhor.
Um dia, eu amei essas datas comemorativas, até se tornarem o meu
maior pesadelo, quando passei a entender que tudo era apenas para bons
registros na mídia, vindos da família Pimentel. Resultava comigo posando
lindamente para as fotos, mas em seguida fugindo com minha avó, ambas
enchendo a cara, e depois meus pais surtando conosco.
Respiro fundo, com o celular aberto na minha mão, e encaro o outro
lado da sala de jantar, onde os pais dos gêmeos, Taylor e Devin Spencer,
conversam com os pais da Audrey, Dakota e Hudson Morris, e com o
Grayson White. Todos estão bem felizes.
Um braço enrosca no meu e olho para o lado. Piper está linda, em um
vestido verde, justo ao seu corpo, com sandálias que lhe deram alguns
centímetros a mais.
— Está mágico, né? Digno de livros. — Suspira e sorrio.
— Estava pensando exatamente isso. — Olho para o casal de novo,
os gêmeos estão com eles, usando terno, e isso foi de se admirar. Estão muito
atraentes, mais que o normal. É sexy.
Nós quatro fomos padrinhos deles, e achei incrível o convite, que
chegou ontem, às vésperas do casamento. Eles não morreram por pouco.
— Parece entediada — Piper diz.
Não me surpreende, ela é sempre muito observadora. Piper pode ser a
mais quietinha da turma, mas não é idiota, ela observa tudo.
— Pois é… Casamentos me dão sono — brinco.
Não vou dizer a ela o real motivo de eu estar desanimada hoje. Ela
não precisa saber da ligação que recebi. Das coisas que li na internet sobre
mim. Não vou tirar o seu sorriso perfeito do rosto. Piper passou por tanta
merda nos últimos meses, que não merece ser colocada em mais uma história
maluca. Eu sei que ela, às vezes, tem pesadelos com o ocorrido envolvendo
Cameron Duncan. Também sei que, às vezes, ela ainda teme, como se ele
fosse voltar do inferno. Ela está superando cada dia mais o que aconteceu.
Todos estão. Não irei encher eles das minhas merdas.
Passei tanto tempo afogada nos meus próprios problemas, que tenho
aprendido a nadar neles. Viraram parte de mim já.
Acredito que a última vez que tive paz de verdade foi no dia do meu
aniversário de vinte e três anos, no dia 2 de dezembro. Desde lá, os últimos
dias têm sido grandes tormentos.
— Sei… — ela diz baixinho.
Encaro o seu namorado, Nicholas Spencer, e ele pode estar bebendo,
conversando, mas sempre que pode seu olhar busca por ela. Eles têm essa
coisa de controle um no outro, e parece funcionar bem, na loucura deles se
entendem, e quem sou eu para julgar? Desde que ninguém esteja se
machucando e isso esteja dando certo, é problema deles e não meu.
Audrey vem até a gente, e a Caitlyn corre para os avós, saltitando e
cantando.
— Lá vem ela se exibir. Ela nunca cansa de esfregar na nossa cara o
quanto é linda e o quanto está ainda mais linda hoje! — brinco.
Piper e Audrey riem.
— Ela quer nos humilhar! — Piper suspira e balança a cabeça
negativamente, os cabelos acima dos ombros balançam. Alguém renovou o
corte mais cedo. Sorrio.
— Deixem de ser tontas. Mas sim, estou linda demais hoje, não
estou? — Concordamos e ela ri, mas de nervoso. — Será que é tarde para eu
contar ao Julian que sou péssima cozinheira, e que sou muito desorganizada?
Acreditem, não herdei o talento da minha mãe para a cozinha. Sei fazer o
básico.
Piper e eu rimos.
— Gata, acredite, se ele não souber ainda disso, já peça a anulação
desse casamento agora! — aviso.
— Ele sabe, Addie. Julian sabe tudo sobre você e te ama muito,
mesmo sabendo que seu amor pelo cappuccino é maior do que seu amor por
ele! — Piper diz.
— Eu ouvi isso! — Julian se aproxima e enrosca os braços pela
cintura da Audrey, abraçando-a por trás.
Os outros dois se aproximam também. Nicholas passa um braço pela
cintura da Piper, enquanto segura a bebida com a outra mão. Piper sorri, e
suspira, e talvez nem note que faz isso. Reviro os olhos.
Kayden, meu saco de pancadas, encaixa as mãos no bolso e encara os
noivos. Desde que cheguei aqui, nunca imaginei que poderia ser divertido
torturar alguém, mas conheci ele, e saber que ele tem pavor de mim e sai me
difamando, aumenta a minha diversão.
— Cinco dias na França para a lua de mel e um carro de presente.
Sério, Julian, por que não casou comigo? Eu queria a França e presente,
poderia me dar a moto que pretendo comprar nos próximos dias! — Kayden
resmunga.
— Ainda com essa merda de história de moto? Você vai se matar e
nos dar trabalho! — Julian chama a atenção dele.
Eu até poderia contribuir com a raiva do Julian e fazer o Kayden
levar um tapa do irmão ou do amigo, mas meu celular vibra, não mais que o
meu coração. Encaro eles, que entram em uma discussão sobre a moto, e
aproveito para me distanciar sem notarem.
Saio da sala de jantar e entro na enorme sala da mansão White.
Atendo a chamada enquanto caminho até as enormes janelas e observo a neve
cair ao lado de fora.
— O que foi agora, pai? Lembrou que é véspera de Natal e vai me
presentear com algo? — Respiro fundo.
— Não me venha com suas gracinhas. Você apagou as fotos com ele!
Isso criou um inferno na mídia. Você está piorando tudo. Eu aceitei seus
caprichos, Louise. Não impedi que fosse para os Estados Unidos, estudar,
para ver se colocava juízo nessa cabeça. Mas continua igual… Igual não,
pior! — grita.
— Achei que já estivesse claro que não estamos mais juntos. Minha
vinda para cá e bloquear ele de tudo, não foi recado suficiente?
Os risos vindos da sala de jantar, me mostram que realmente não
estou em casa.
— Não brinque comigo, Louise! Deixe de ser mimada. Tem noção do
quanto isso prejudica os nossos negócios? — Rio com ironia. — Não
entendo a graça. Ele sempre foi o cara certo para você, garota. Gastei uma
fortuna naquele maldito noivado e você fugiu dias depois!
— Não vou retornar a esse assunto. Pai, esquece. Acabou. Eu e ele
não temos mais nada desde que saí do Brasil. Eu sou adulta, sei me virar. Já
bloqueou minhas contas, meus cartões, já me tirou tudo, agora me deixe em
paz!
— Te deixar em paz? Você vai retornar e resolver essa merda que
armou. Ele está disposto a fingir que nada aconteceu. Ele te ama, e deveria
ser grata dele ainda te amar.
Balanço a cabeça e desligo a chamada na cara dele.
Aproximo-me do sofá, pegando a minha bolsa. Eu preciso sair daqui,
não posso continuar aqui e estragar o casamento e a véspera de Natal de
todos.
Pego o casaco, coloco por cima do vestido, e saio da mansão White,
em meio a neve, esgotada, irritada e ansiosa.
“Ele te ama, e deveria ser grata dele ainda te amar”. Ser grata por um
cara que te humilha, e é abusivo com você de todas as formas? Eu odeio
meus pais e o quanto ignoram tudo que aconteceu, e odeio aquele maldito
idiota. Foda-se que é um lutador de MMA renomado. Foda-se que vem de
uma família bilionária no ramo imobiliário também. Foda-se que me tiraram
tudo e dependo da ajuda da minha avó. Foda-se. Eu quero que a família
Pimentel exploda!
Peço um carro quando estou perto dos portões da mansão e torço para
que chegue logo.
Nem uma lágrima cai. Nada vem além da raiva e ansiedade. Há muito
tempo não consigo chorar quanto a isso. Eu entro em estado de bloqueio
apenas. Me fecho, fujo para casa, ou qualquer lugar onde eu possa ficar
quieta. Eu invento cólica, dores, estresse, tudo que me deixa sozinha, e eu
possa tentar me acalmar e esquecer que os meus pais querem que eu retome
um noivado com um merda, e que minto para todas as pessoas que me tratam
tão bem em Beyond The Ice, a pequena cidade no Alasca para onde fugi.
Eu fugi dele. Eu fugi dos meus pais. Eu larguei a minha vida que,
mesmo com tudo, eu amava minha cidade, minha cultura. Tudo porque quem
deveria me apoiar não se importou, pelo contrário, tentou me culpar pelas
merdas que aconteceram, como se eu tivesse culpa. A única que sempre
tentou me alertar e me proteger sempre foi minha avó, e até ela eu deixei para
trás, por culpa deles.
O carro chega e entro. O motorista está em clima natalino. Que
ótimo! Reviro os olhos.
Fecho ainda mais a cara, não quero falar com ninguém. Só quero me
trancar no quarto e fingir que os últimos dias não estão sendo uma enorme
merda, e que meus pais não voltaram a insistir nessa loucura.
KAYDEN
Observo a moto que diminuiu parte da minha herança. Uma Ecosse
Titanium Series FE TI XX, preta com detalhes dourados. É, meus pais vão
acabar com a minha vida.
Presenteei-me com ela no Natal, já que ninguém se manifestou para
me dar esse pequeno luxo, lindo. Sorrio empolgado, igual criança quando
ganha doce.
A nevasca que segue desde o Natal não foi motivo para acabar com a
minha empolgação. É a porra de uma moto linda, como eu iria ficar triste?
Coloquei ela dentro da nossa garagem, nunca utilizada para carro ou
afins, sempre para um monte de bagunça. Vejamos, eu até arrumei a
garagem, joguei algumas caixas do Nicholas fora, e assim tenho espaço para
a minha bebê e minhas coisas.
— Ele vai te matar, e eu direi que avisei!
— Piper, não é esse o espírito de Ano-Novo que desejo. Cadê a
positividade? Vamos virar o ano com alegria, linda! — Viro-me para ela, que
está apoiada na porta, mastigando uma maçã. — Além disso, Nicholas anda
calmo agora que namoram.
— Ele espancou dois jogadores no último jogo antes da Winter
Break. Um deles foi parar no hospital.
Engulo em seco.
— Mas eles o irritaram. Eu não estou irritando.
— Mas vai, quando ele vir que gastou uma fortuna em uma moto e
que se desfez de algumas caixas dele. — Dá de ombros. — Eu estou
avisando. Deveria estar focado no que vai fazer quando voltarmos às aulas.
— Enfrentar aquele inferno e me formar? — Sorrio desanimado.
— Vai mesmo se formar? Notas péssimas. Kay, o treinador…
— Ele disse que, se eu não me formar, também não terei vaga mais
no time, porque minhas notas estão péssimas. E posso jogar esses anos fora e
o time também, e sair manchado.
— Exato!
— Eu sei, gata. Acredite… Eu realmente sei!
Respiro fundo e pego um dos capacetes. Comprei um e ganhei outro
de brinde. Antes de me matarem, precisam saber que ganhei brinde, foi uma
ótima compra.
Piper suspira e olhamos para a porta da garagem, onde meu irmão
estaciona a picape preta.
— Isso vai ser divertido… — sussurra.
— Não saia daqui. Seja uma ótima advogada! Acalme ele, você
consegue isso melhor que eu.
Ela ri baixinho.
— Ele espantou dois caras que tentaram vir falar comigo para pedir
informação na rua. Ele literalmente mandou os caras comprarem um GPS e
ameaçou acabar com eles se me olhassem de novo. Acha mesmo que posso
acalmar ele? Nicholas está descontrolado!
— Tirou a maconha dele, deu nisso!
— Kayden!
Dou de ombros. Tudo pela minha vida.
Nicholas fecha a porta do carro, para em frente à garagem e encara a
moto.
— Se eu falar que é ilusão, que isso na verdade não é uma moto, é
truque de mágica, vai acreditar?
— Se eu falar que não vou te socar, vai acreditar? — Inclina o rosto
para o lado e sinto a minha alma bonita sair do corpo. Estou fodido.
— Eu ganhei um capacete a mais. Posso te levar para um passeio
lindo de irmãos gêmeos! — Sorrio.
Piper se engasga com a maçã enquanto tenta fingir que não está
rindo. Traíra!
— Você dirige como um louco, e acha mesmo que a porra de uma
moto é a melhor opção? E cadê as porras das minhas caixas?!
O caminhão do lixo passa no instante que ele questiona e recolhem os
nossos lixos.
— Então… — pigarreio.
Ele encara a Piper.
— Eu não sei de nada. Nem vem!
O olhar dele retorna para mim.
— Se minhas coisas tiverem sido levadas pelo caminhão de lixo, eu
vou fazer você cavar sua própria cova, Kayden!
— Não faria isso. Me ama demais! Não é? — Sorrio. Ele se mantém
sério e irritado. — Não é? Me ama, né? Nick?
Ele ergue uma sobrancelha. Me fodi.
— Pensa pelo lado positivo!
— Qual lado, seu filho da puta?
Olho para a Piper, para ela me ajudar nessa.
— Ele limpou a garagem!
— Você não se mete! — Aponta um dedo para ela. — Para de limpar
o rabo dele.
— Foi bom te conhecer! — Ela me dá um tapinha no braço e se
afasta, dando as costas.
— PÉSSIMA ADVOGADA! — grito e ela ri entrando em casa pela
garagem.
Encaro o meu irmão, que me olha como se estivesse arrancando parte
por parte do meu corpo.
— Deveria se preocupar com a outra hóspede.
— Deixe a Louise em paz. Se você se matar nessa porra, eu te
ressuscito para te mandar ao inferno com as próprias mãos!
Tão amoroso. Não sei como consegue espantar as pessoas. Sempre
delicado.
— Deixar ela? Ela fugiu do casamento. Vocês nunca notam, mas eu
noto. A Satã esconde algo e vou provar isso.
— Você vai trazer minhas coisas de volta.
— Mas levaram! E eram coisas velhas.
— Você é um saco velho do caralho, e ainda não te joguei no lixo!
— Já tentou. Tínhamos três anos. Me jogou na caçamba!
Ele sorri maquiavélico.
— Bons tempos! — Passa por mim. — Talvez eu devesse repetir,
mas com algo moendo você!
— Seu psicopata de merda! — grito irritado.
Ele entra em casa, me xingando e seu cachorro diabólico começa a
latir. Eu deveria ter colocado o cachorro nas caixas também.
Encaro a moto e o capacete. Foda-se as críticas, eu não sou maluco.
Tenho responsabilidade no trânsito, mais do que ele que participa de corridas
ilegais. Eu sou quase um anjo perto desse merdinha.
Deixo o capacete em cima dela e fecho a garagem.
Estou na cozinha esperando minha pipoca ficar pronta, enquanto leio
as mensagens que recebi. Duas festas hoje, e um convite que vai terminar em
sexo, nada mal. Encerrar o ano do melhor jeito, mas começar com uma
ressaca, ou encerrar tranquilo e começar o ano no tédio? Eis a questão.
Passaremos o Ano-Novo no resort dos White na grande festa deles,
onde parte da cidade vai estar. Acho que será divertido, todos precisamos
disso depois de tudo. Acho que posso aguentar segurar a diversão até o final
da semana em que teremos a virada do ano e, ao invés de ir à festa hoje, vou
acalmar o coração dos meus pais sobre a novidade da moto.
Tiro a pipoca do micro-ondas. Nicholas e Piper saíram, foram em um
jantar com os pais dela que estão na cidade. Pela cara dos dois, desejei até
boa sorte, e fiquei pensando se mandava a polícia junto ou não. Sei que eles
deveriam ter vindo antes do Natal, mas não deu certo, e chegaram ontem
aqui.
Estou sozinho em casa, na paz, tirando o Duke, que sempre fica à
espreita para me atacar. Cachorro demoníaco, eu sempre digo, mas ninguém
me ouve!
Pego uma lata de refrigerante, o saco de pipoca, e saio da cozinha.
Duke rosna para mim, do outro lado da sala.
— Maligno! — sussurro e ele late me assustando. — Lindo. Anjinho
do tio Kay! — Forço um sorriso.
A porta da sala se abre e toda a energia leve da casa some, quando
Louise Pimentel entra, com seus fones altos, cantando alto alguma música no
idioma dela, e me ignorando por completo.
Essa maluca não tinha saído? Piper disse que ela iria para um bar.
Jamais irei perdoar o Nicholas pelo castigo que ele me deu, deixando-
a morar aqui enquanto eu estava na Flórida transando!
Ela sobe a escada, batendo seus coturnos e rebolando a bunda
empinada dentro da calça de couro preto. Bem que dizem que o diabo é lindo.
Linda e estilosa ela é, mas tudo isso some quando ela abre a boca ou respira.
Seria tão perfeita se não respirasse.
Ela me dá pânico. É como ver o meu irmão, em um corpo bonito,
negro, alto, com cabelos cacheados que agora estão lisos. Ela sempre está
mudando o cabelo. Ela é o Nicholas em outro corpo. Isso é bizarro.
— Bu! — Se vira no topo da escada e sobressalto.
Fecho a cara, sabendo que caí em mais um dos seus sustos idiotas.
Ela some das minhas vistas. Essa garota esconde algo, mas ninguém
acredita em mim. Ela é estranha, surgiu do nada aqui, e não sabemos nada
sobre ela. E se for uma mafiosa? Alguém fugindo da justiça? E se ela estiver
esperando todos se distraírem para nos matar e vender nossos órgãos? Tem
algo errado e vou descobrir e esfregar na cara de todos, antes de morrermos
pelas mãos dela, e esconder nosso corpo em alguma parede, ou embaixo de
uma árvore…
— Caralho, preciso parar de ver filmes de terror e documentários
sobre crimes.
Subo as escadas, e sigo para o meu quarto, trancando-me, com chave
e tudo. Nunca se sabe o que passa na cabeça da maluca.
Jogo o celular na cama, e deixo a pipoca e o refrigerante na mesa de
cabeceira. Encaro a TV, um documentário sobre um serial killer. Olho para a
porta, lembrando quem está em casa. Tiro o documentário e procuro algo na
Netflix.
Aperto o play na comédia romântica e deixo baixinho. Me recuso que
ela descubra que assisto isso. O inimigo não deve saber tudo sobre você.
Escuto passos no corredor, e pauso o filme. É ela. A porta do
banheiro se abre.
Eu ainda vou descobrir o que essa garota esconde. Tem algo muito
errado, meu instinto fofoqueiro me alerta sobre isso.
Meu celular apita, alertando sobre o e-mail que ainda não abri tem
dias. Respiro com calma e encaro a notificação. É da BTIU. Abro o e-mail,
sabendo que preciso fazer logo isso.
São minhas notas e alertas dos professores e reitor.
Eu só conseguirei me formar por um milagre, do contrário perderei
tudo, os anos, o time, porque se eu reprovar, continuarei na BTIU depois do
verão, mas sem o time, enquanto meu irmão se forma, e segue para algum
time onde ficará até os seus vinte e sete anos, em um bom time na NHL, e eu
estarei preso na BTIU de novo, pelo diploma que vai me fazer perder o que
de fato eu amo. Desistir não é opção, meus pais jamais me perdoariam. Eles
investiram muito nos meus estudos e do meu irmão. E eles contam comigo
para assumir os negócios da família: hotelaria e turismo. Já perderam a
chance disso com o Nick, não posso fazer o mesmo. Seria muita ingratidão.
Não me obrigam a nada, mas é como se fizessem… É difícil explicar.
Largo o celular e foco na TV. Não quero ficar pensando demais
nisso, não essa semana.
LOUISE
Bato lentamente os dedos sobre a superfície fria do balcão da
cafeteria da arena, enquanto observo o lugar vazio.
Olho pela janela lateral, a neve não para. Está um frio infernal. E
pensar que no Brasil enfrentam o calor agora. Como eu queria uma praia,
uma água de coco, um açaí delicioso, talvez um podrão… Droga, quero
churrasco, pão de alho… Minha boca está salivando.
— Me diga, o que estamos fazendo aqui mesmo? — pergunto para a
Piper, que está estudando em uma das mesas.
— Trabalhando?
Apoio uma mão na bochecha, apertando, e fazendo um bico de peixe
na boca, totalmente entediada.
— Para quem? Fantasmas? Essa merda não tem ninguém. O sr.
White poderia nos dar folga!
— Vai ter mais tarde.
— Então era só abrir mais tarde. — Encaro o rinque através dos
enormes vidros desta parte superior da arena de patinação. Meus olhos
acompanham o homem nivelando o gelo com um carrinho menor dessa vez.
— E aí, como foi com seus pais? Mandaram prender o Nicholas? Eu
mandaria!
Ela sorri e solta uma longa lufada de ar. Encaro-a.
— É complicado. Foi um jantar péssimo, cheio de climão. Mas eu já
esperava isso. Nicholas ajudou a melhorar, não piorando as coisas.
Piper tem muito controle vindo da família, é nítido isso, ainda que
não seja um assunto que falemos abertamente. Sei bem como é isso.
— E vão embora quando?
— Hoje à noite. Precisam pegar a chave da casa em New Jersey que
conseguiram, o corretor vai levar amanhã, porque vai viajar em seguida,
devido ao Ano-Novo.
Assinto e choramingo.
— Eu preciso movimentar a minha vida, Pips!
— Com o quê? Estou te achando bem inquieta ultimamente. E por
que fugiu do casamento?
Desencosto do balcão.
— Coisas da vida, gatinha. Vou tomar um ar, ver se tiro essa energia
pesada.
Ela concorda.
Estou sentada ao lado de fora, nesse frio, e odiando minha existência
no momento. Rolo a tela do celular, observando as redes sociais, e ignorando
as páginas de fofocas. Vejo as pessoas curtindo o sol, a praia, o verão
brasileiro, e parece que posso sentir o cheiro do mar. Suspiro. Vai fazer dois
anos que estou aqui, e no auge dos meus recém-completados vinte e três
anos, parece que parei de viver e estou apenas existindo.
Sou da zona sul do Rio de Janeiro, mais precisamente em
Copacabana, em um luxuoso condomínio de frente para a praia. Minha vida
sempre foi agitada, muitas festas, amizades que nunca foram sinceras, mas
existiam, bares, pagodes, passeios de barcos, eventos, e tudo que a minha
vida sempre me proporcionou. Estudei sempre nos melhores colégios, usei
sempre as melhores marcas, e até alta costura. Carros blindados, viagens
internacionais. Perdi as contas de quantas vezes estive na Disney, ou passei a
virada do ano entre Salvador e a praia de Copacabana. Nunca passei nem um
tipo de dificuldade na vida. Eu sou do lugar onde as pessoas passam as férias.
Minha vida era perfeita pela minha perspectiva, porque eu a romantizava da
melhor maneira. Ainda que o carinho dos meus pais não existisse, eu tinha o
da minha avó, dos funcionários da casa, e isso me ajudava muito.
De repente, eu conheci aquele desgraçado, amor à primeira vista, e aí
fui perdendo tudo que eu amava, até eu vir parar aqui, em outro país, em uma
pequena cidade do Alasca, em um frio absurdo durante meses, sem nada do
que eu sempre amei, como o calor, a energia maluca da cidade, e tudo que me
fazia sorrir de verdade. E aí virei isso aqui, entediada, uma pessoa que eu
nem sequer reconheço mais, que não sabe o que é transar há muito tempo, e
que agora vive da ajuda que a avó proporciona e dos ganhos que consegue,
porque meus pais tiraram tudo, por eu falar “não” e desistir da roubada em
que me meti ao entrar em um relacionamento de merda, que acabou com meu
psicológico, com o que eu romantizava da vida, e ferrou ainda mais a minha
relação com meus pais.
Bloqueio a tela do celular e encaro a cidade branca, sem cor.
— Mas estou na merda mesmo, hein! Cacete. — Deito-me no banco
com os braços abertos, apertando o celular, enquanto a neve cai no meu rosto.
— Para quem vivia de biquíni, você se fodeu demais, garota!
Não vou negar, é uma cidade linda. Beyond The Ice é perfeita, para
férias. Não para viver sempre aqui. Eu já morei nos Estados Unidos, em
Nova York, onde fiz o ensino médio quando meus pais abriram uma de suas
imobiliárias aqui no país, por isso sou legalizada para viver aqui, não apenas
pela faculdade, eu tenho cidadania, porque minha avó paterna é norte-
americana, mas foi viver muito jovem no Brasil, onde se apaixonou pelo meu
avô. Meu pai nasceu aqui, quando meus avós vieram passar um tempo no
país, antes de entenderem que era o Brasil que queriam para viver. E aí isso
virou alguma espécie de tradição. Meu pai queria que eu nascesse aqui
também, e assim foi, e tenho certeza de que se tivessem tido outro filho, seria
a mesma coisa. De alguma maneira, esse país sempre conseguiu ter os
Pimentel.
— Eu deveria ter ido para alguma faculdade na Flórida! Fui burra pra
caralho. Ai, como é bom falar o meu idioma, que paz! — Começo a rir como
uma idiota.
Escuto o ronco de uma moto, e juro que, se eu tivesse uma arma,
atiraria. Viro o rosto, sentindo o meu lado agressivo surgir.
Kayden desce da moto, tirando o capacete. Está com uma jaqueta
preta, na verdade, está todo de preto. Poderia facilmente confundir ele com o
Nicholas agora, se não fosse pela falta do piercing no nariz, e a expressão
mais suave. Ajeita o cachecol no pescoço e entra na arena, não me viu aqui,
ainda bem.
Mas o outro carro chegando me diz que preciso entrar e fingir que
estou trabalhando.
Conto pela quinta vez as caixas de café, porque não tenho nada para
fazer. Mas o sr. Grayson está aqui e o homem me arrepia. Parece que a
qualquer momento vai matar alguém. Escuto a Piper brigando com o Kayden,
falam baixo, sinal que não querem que eu escute, e isso automaticamente
aumenta a minha curiosidade.
Coloco sutilmente a cabeça para fora da despensa.
— Depois não diga que não avisei. Já que não quer me ajudar, farei
sozinho!
— Kay, para de loucura. De onde tirou essas ideias? Quer conversar?
Você está bem? Experimentou algo que o Elijah ofereceu? Acredite, esse
garoto é maluco. Não beba nada que ele trouxer!
Kayden ri baixinho e balança a cabeça negativamente.
— Vou nessa. Quando eu tiver todas as provas, acredite, esfregarei na
sua cara bonita! — Deixa um beijo na testa dela. — Amo você, fui!
— Também amo você, e por isso mesmo, estou implorando para não
se meter nisso. Não é da nossa conta.
— Claro que é!
Mas que merda esse garoto está aprontando? Franzo o cenho e tiro a
cabeça da porta antes que me vejam. Quer saber? Dane-se, desde que ele se
lasque, por fazer qualquer coisa. Meu entretenimento é vê-lo se ferrar. O
idiota nem me conhecia e ficou me julgando, chamando bruxa, satã, maluca,
e muitas outras coisas. Agora ele que aguente a personalidade que criei para
cada versão que ele me deu, apenas para assombrá-lo. Infantil da minha
parte? Totalmente, mas quem liga? Por muito tempo me importei demais com
a opinião dos outros… daquele merda… hoje em dia só faço o que quero,
enfrento tudo e todos, e não abaixo mais a cabeça, cansei. Ser muito doce faz
com que as pessoas te corrompam, e eu já fui corrompida demais para
continuar sendo vulnerável.
Meu celular toca, é uma mensagem de um número desconhecido, e
do Brasil. Abro a mensagem já sabendo de quem se trata.
Desconhecido: Até quando vai continuar com isso, amor? Já te pedi
desculpas. Prometo que as coisas agora vão ser diferentes. Eu estava muito
estressado com as lutas, com tudo. Não estrague tudo. Volte a estudar aqui,
vamos consertar as coisas, ainda dá tempo. Iríamos nos casar daqui alguns
meses, não faz isso com a gente. Você precisa entender que não fiz por mal.
Nossa família sonha em ver a gente junto, gata! Te amo, volta pra casa.
Engulo em seco e apago a mensagem, como tenho feito com todas.
Não bloqueio mais, porque não resolve, ele sempre arruma outro número, ou
meus pais fazem o serviço por ele, defendendo-o.
Respiro fundo, tentando não lembrar de tudo, mas parece que quanto
mais eles me infernizam, mais as lembranças retornam, e mais me culpo por
tudo. Essa é a parte boa de estar em Beyond The Ice, aqui ninguém sabe de
verdade minha história, o porquê de fato vim para cá. Acreditam no que eu
conto. Ninguém precisa saber que nada do que sou é real, que precisei criar
uma Louise do zero, porque a antiga foi destruída e perdeu o próprio brilho.
Saio da despensa, no instante que o Kayden passa, e ele salta, se
assustando.
— Puta merda! — Leva uma mão ao peito. — Qual o seu problema?
Está tentando me matar?
Ergo uma sobrancelha, me esquecendo da mensagem e de tudo que
me trouxe até BTI. Foco apenas no jogador de hóquei bobão. Fecho ainda
mais a cara e dou um curto passo na sua direção, ele dá outro para trás, me
olhando desconfiado.
— Talvez… — sussurro. Ele se assusta de novo.
Controlo o riso. Ele se afasta, xingando todo mundo e dizendo que
vai provar algo. Me viro para a Piper que balança a cabeça negativamente e
começo a rir.
— Veja só, irritar ele me anima! — Suspiro.
— Vocês parecem cão e gato, meu Deus. Ainda vão se matar… Ou…
— Ou nada! pode tirar esse sorrisinho idiota dessa carinha linda. E
nada de brilho nesses olhos verdes perfeitos. Foque na parte que iremos nos
matar, apenas nessa parte. Quero distância. O dia que eu olhar diferente para
um atleta, e ele também for Kayden Spencer, acredite, Beyond The Ice
derrete inteira. Anota aí no seu caderno, faz tatuagem, se quiser, registra no
cartório!
Quero distância de atletas, para sempre!
Piper começa a escrever no caderno.
— Anoitei. Sou leitora, já vi esse enredo, e sei o que acontece.
Vou xingá-la, mas sou interrompida pela patinadora que chega, uma
adolescente acompanhada da irmã. Ao menos teremos serviço agora, para a
baixinha parar de pensar asneiras.
Homens são um enorme problema, e infelizmente só me atraio por
eles, o que é uma desgraça.
KAYDEN
Mexo nos brócolis em meu prato, no silêncio absoluto do jantar na
casa dos meus pais. Eles chamaram de última hora, a mim e ao meu irmão.
Bom, eu estou aqui, já o Nicholas…
— Ele não vai vir, querida. Estamos no meio do jantar. Desista.
Ergo o olhar para eles e minha mãe suspira chateada.
— Eu avisei que ele não iria vir.
— Deveria ter arrastado ele, filho. Quando vamos ter uma reunião em
família decente sem que tenhamos que implorar para o Nicholas vir, ou para
o clima não ser pesado?
Meus pais são boas pessoas. Nunca foram do tipo que desprezam os
filhos, maltratam, ou coisa do tipo. Também não nos vigiam vinte e quatro
horas, mas nas poucas horas que fazem isso é o suficiente para afastar o
Nicholas. Ele é o tipo de pessoa que não cria esse tipo de laço, não com os
Spencer ao menos, e ele estar criando isso com a Piper já é uma tremenda
evolução. Ele é cuidadoso, sabemos que ama a gente, mas esse é o jeito dele.
Meu irmão odeia se sentir obrigado a algo, se ele tiver que vir, é porque de
fato deu vontade, e eles já deveriam saber disso, que forçar afasta ainda mais
ele, ou faz vir e tornar a conversa impossível com seu jeito arrogante.
— Mãe, o Nicholas não é uma criança. Ele tem a vida dele, não posso
controlar as decisões dele.
Sorrio com carinho, e ela balança a cabeça negativamente.
— E a moto? O que tinha na cabeça, garoto? — meu pai começa.
Desde o momento que o convite para o jantar repentino chegou, eu já
sabia o motivo: moto.
— Como souberam? — Me ajeito na cadeira. — Nicholas abriu a
boca?
— Ele mal nos atende, acha mesmo que abriria a boca? Foi apenas o
banco alertando que um dos meus filhos gastou uma enorme fortuna em uma
moto. Eu nunca controlei os gastos dos dois, porque tudo isso que temos,
quando sua mãe e eu não estivermos mais aqui, será de vocês, e graças a
Deus sempre tiveram responsabilidade em gastos. Mas então isso acontece!
— Pai, é só uma moto!
— De trezentos mil dólares! — se altera um pouco e minha mãe toca
o seu braço, acalmando-o.
E está aí, a personalidade do meu irmão com a minha ao lado do meu
pai. E ainda reclamam por sermos assim.
— Eu queria a moto.
— Desde quando gosta de motos? — minha mãe questiona. — Filho,
essa cidade tem mais dias frios que calor. O outono e o inverno têm nevado
muito nos últimos tempos. Acha mesmo que foi a melhor decisão?
— Sempre gostei de motos! — Dou de ombros.
— Sempre? E como nunca soubemos disso? — Meu pai está prestes
a infartar.
Porque nunca perguntaram o que eu realmente gosto.
— Pai, eu sei pilotar. Disso o senhor sabe! — Sorrio e ele me olha
feio. — Eu já dei alguma dor de cabeça para vocês em vinte e dois anos?
— Ateou fogo no acampamento de verão quando tinha oito anos.
Pagamos o prejuízo, e quase incendiou duas crianças! — minha mãe fala
rápido. Isso ainda é um enorme trauma para ela.
— Eu estava tentando acender a fogueira! E foi a única dor de
cabeça! — defendo-me.
— Causou um infarto na nossa antiga cozinheira, e isso não é
metafórico. Você realmente causou! — meu pai lembra.
— Eu tinha quinze anos e achei que estava sozinho, por isso estava
andando pelado pela casa. Ela deveria agradecer por ter visto algo tão belo!
— Levo o brócolis à boca e faço uma careta.
Eca.
— Ela tinha oitenta anos e era muito religiosa, Kayden!
— E veja só, pai, dei alegria a vida tediosa dela!
— Ela infartou! Quer saber? Esquece. Sim, você nos dá dor de
cabeça sempre que pode!
— Não mais que o Nicholas.
Ele me olha feio e sorrio.
— Kayden, motos são perigosas — minha mãe tenta.
— Viver com o gêmeo do mal também, e sigo vivo. — Empurro os
brócolis do meu prato, discretamente, tentando colocar de volta no refratário
à frente. — Vamos só jantar, ok? Esqueçam a moto. Ficarei bem!
Ambos entreolham-se e me encaram.
— Come esses brócolis. Tem vinte e dois anos, é um atleta e tem um
paladar infantil! — minha mãe resmunga.
Faço cara de nojo.
— Ele é verde e esquisito.
— Tenha a santa paciência! — Meu pai olha para o teto. — Um nem
lembra que tem família e só sabe arrumar problemas sérios. O outro não
aguenta um brócolis e comprou uma moto. Onde errei?
— Falar com o teto te acalma? — pergunto, e levo a batata à boca.
Meu pai me olha tão sério, que sinto até doer o estômago. Minha mãe
bufa e corta a sua carne.
— Quando vai aprender a levar a sério as coisas, Kayden? — minha
mãe questiona.
Eu levo, só não quando envolve algumas questões. Eles saberiam
disso se prestassem um pouco mais de atenção. Fazer piada de tudo é o meu
jeito de fugir dos problemas, e já me acostumei com isso.
O jantar seguiu sem mais problemas, mas sei que o assunto da moto
não acabou. Por sorte não vim com ela, ou seria pior. Estou deitado na sala,
mexendo no celular, enquanto eles já foram descansar.
Ainda estou pensando no quanto a Piper é ingrata por não me ajudar.
Eu pedi para ela traduzir as notícias que encontrei pesquisando pela Louise,
mas ela se recusou. Mas eu sei que tem coisa errada, mas já tentei traduzir,
não fica perfeito, o Google Tradutor me odeia. Só entendi que ela está tendo
problemas com a família pimenta. Quem é pimenta?
Investigo o Instagram da Louise, que é aberto, e ela posta muita
coisa, principalmente de quando vivia no Brasil e o Alasca tinha paz. Muita
foto de biquíni, na praia, lugares que parecem ser bacanas, festas, mas sempre
só ela e algumas com uma senhora que a Louise carrega alguns traços. Os
comentários são trancados, então não dá para saber muita coisa.
Entro no TikTok e ela tem bastante vídeo por lá também, fazendo
dancinhas, e pelo menos a maluca dança bem. E algumas é apenas mostrando
a si mesma, viagens… Ela tem bastante seguidores. Os comentários fechados
também.
Estranho, por que ela fecharia? Tem coisa por trás, eu sinto.
Pesquiso de novo o nome dela, mas dessa vez no TikTok, e vou vendo
que aparece na pesquisa, até aparecer um vídeo de uma garota falando em
português, e seria mais fácil se a baixinha irritante me ajudasse, mas o
Nicholas a transformou em um poço de ruindade.
Ativo a legenda automática do vídeo, ela traduz para o inglês. A
garota no vídeo fala sobre alguma briga, separação, a legenda vai ficando
confusa, mistura muito, acho que a garota deve estar falando com gírias ou
expressões muito brasileiras, e está confuso demais para entender de verdade
tudo.
Ela continua falando e envolve algo com a tal da pimenta, luta,
Louise sumir…
— Jesus, a garota lutou com alguém, é isso? E se ela realmente for
uma foragida? E se pimenta foi algo para um problema muito quente, que
seria algo pegando fogo, terrível?
Reviro os olhos e bloqueio a tela do celular.
Eu preciso da Piper ou de alguém que fale português sem ser a
envolvida na minha investigação.
Tento pensar em quem pode me ajudar, porque a confusão dessa
garota é enorme, porque são textos longos, confusos, e tem gente falando
sobre no TikTok. Mas isso me leva ao ponto inicial: eu posso estar certo!
Desbloqueio a tela do celular e pesquiso de novo sobre ela, em outro
site na internet. Nesse quando traduzo fala algo da pimenta, família, apagar
coisas do Instagram… Vou lendo por cima, até achar algo útil.
Sento-me no sofá quando vejo a palavra gravidez. Vou lendo a partir
daí, mas muita coisa está bem confusa, mas fala dela estar grávida e ter
fugido.
Meu Deus!
Eu preciso da Piper!
Estaciono em casa, a neve está mais fraca agora à noite. Nicholas está
em casa, vejo seu carro. Isso é bom, Piper deve estar também, e vai ao menos
traduzir certinho esse texto. Se a Louise estava grávida e fugiu, a coisa é mais
grave do que pensei. E se ela for uma bandida barra pesada? E se pimenta for
seu apelido de bandida?
Abro a porta de casa, ansioso, e um grito estridente me faz arregalar
os olhos. Encaro a cena no sofá.
— PORRA, KAYDEN! SAI, CARALHO! — Nicholas berra.
Pisco em choque. Ele e a Piper transando no sofá. Não… Não…
— Meus olhos… Estou ficando cego. Minha amiga, não… Que nojo,
que nojo… Minha bebezinha e meu irmão. Meu Deus…
— KAYDEN! — Nicholas berra mais.
Fico atrapalhado, não sei se corro para a rua ou subo correndo.
— De quatro? Sério? Vocês têm quarto, porra!
— KAYDEN! — Piper grita.
Fico tonto, quase caio em cima deles. Vou em direção a porta e abro-
a, em completo trauma. Saio de casa.
Claro que eu sei que eles transam. Não são silenciosos. Mas ver é
uma merda. Piper era minha garotinha. Meu Deus!
Encosto no meu carro, em completo trauma. Isso é castigo pela moto.
Passos me fazem olhar para o lado. Louise se aproxima e me encara,
rindo.
— Pela cara, teve a mesma visão que eu. E se isso te deixou em
pânico, então ganhei minha noite. Vou até comer pizza. — Sorri mais. — A
vida resolveu me mimar e deixar de ser uma cadela irritante! — fala o
restante em português.
— Para de me xingar! — Levo uma mão ao peito. Agora sei o que a
cozinheira sentiu. Que ela possa me perdoar se ainda estiver viva. O que
duvido.
Ela ri alegre e passa por mim, cantarolando, e colocando os fones.
Encaro a casa. Eu tinha apenas uma curiosidade e a chance perfeita
de pedir ajuda e a Piper me traumatizou!
Louise retorna e me cutuca.
— O que foi, inferno?
Estende a mão.
— Chaves. Preciso de um carro. A pizzaria é muito longe e está frio.
Não vou gastar pedindo um carro.
— Não vou te dar a chave do meu carro. Bebeu? Está se drogando?
— Tudo bem, então me leva e banca a pizza. Vai logo, garoto, estou
morrendo de fome, e não podemos entrar antes deles terminarem a diversão,
ou o Nicholas mata você e ela me mata enquanto eu estiver dormindo.
— Ficou maluca de vez. Só pode ser!
Ela ergue uma sobrancelha e sinto um arrepio na espinha, de puro
pânico.
Se ela for uma pessoa perigosa e foragida, ela vai me comer com a
tal pimenta. Preciso tomar cuidado. Ah, porra. Eu só me meto em furadas!
— Prefere bancar uma pizza e me dar carona, ou escutar sua
amiguinha gemendo no pau do seu irmão?
Encaro o céu, esperando me acalmar como encarar o teto acalma o
meu pai. Abro a porcaria da porta do carro, e encaro ela, mas então fecho de
novo.
Farei ela desistir disso sem me matar.
— O quê? Prefere mesmo ouvir ela gemendo? — Faz cara de nojo.
— Não. Vamos de moto!
Seus olhos brilham. Ah, não!
— Sério?! Cacete, esse dia tá melhorando demais. Vai logo, imbecil!
E se pilotar igual uma lesma, esmago o seu crânio!
Anda animada até a garagem.
Encaro a casa e encaro a garagem, talvez ouvir eles não seja… É
péssimo. Prefiro encarar a bruxa. E talvez eu descubra coisas!
Um sorriso animado surge em meu rosto.
— Por que está sorrindo? Se você acha que isso vai me fazer querer
te enforcar menos, acredite, não vai. Então tire esse sorriso idiota do rosto.
Ele me irrita!
Abro a garagem e acendo a luz. Entrego um capacete a ela e pego o
outro.
— Já tentou ser gentil com as pessoas? Elas teriam menos medo de
você!
— Então assume que tem medo de mim? — Sorri muito vitoriosa.
Coloco o capacete. Não darei mais munição para uma possível
criminosa e foragida do Brasil, e que poderia estar grávida, e que lutou com
algo ou até mesmo alguém.
Subo na moto e espero ela fazer o mesmo. Ela pega o celular da bolsa
e coloca no bolso do casaco, então deixa a bolsa dela na garagem. Coloca o
capacete e monta na moto.
Aperto o botão para fechar a garagem, e saio assim que a porta
começa a descer. Louise envolve os braços na minha cintura, e só penso que
posso estar levando uma criminosa na minha moto.
É, quem vai matar meus pais será eu.
LOUISE
Mordo um pedaço da pizza, totalmente desconfiada. O idiota à minha
frente me encara como se eu fosse alguma criminosa. Que ele tem medo de
mim e é esquisito, eu sempre soube, mas hoje ele está mais que o normal.
Bebo um bom gole da Coca-Cola e continuo observando-o. Dou
outra mordida no meu pedaço de pizza.
— Qual foi, idiota? — pergunto com a boca levemente cheia.
Ele mal tocou na pizza, e o Kayden ama pizza.
— Nada. Apenas observando o quanto parece um ogro esfomeado. —
Dá de ombros.
— Sério? Que amor. Isso foi um elogio para mim! — Sorrio e enfio o
restante do meu pedaço de pizza na boca.
Ele resmunga algo baixinho e cruza os braços, então encara as janelas
atrás de mim. Pego o pedaço de pizza do seu prato, já que ele não vai comer
mesmo.
— Ficou traumatizado em saber que a Piper transa? — brinco.
Dobro minhas pernas em cima do assento estofado da pizzaria, como
uma criança talvez faria, mas eu amo fazer isso.
Ele faz uma careta de nojo e estremece.
— Pare de me torturar com essa merda. Porra, Nicholas é um fodido
de merda.
— No caso, a fodida é a Piper, mas… — Ele me olha feio e começo a
rir. — Tão fácil te estressar. E ainda dizem que o morcegão é o estressadinho.
— Você me estressa, é diferente. Eu sou calmo. Sou um cara de luz,
desde que suas sombras das trevas não me rodeiem. E por falar nisso, qual o
seu lance?
— Meu lance? Que lance, garoto? — Bebo a Coca-Cola e controlo o
arroto que quer sair pelo gás, e isso me faz fazer uma careta. Acabo arrotando
baixinho. — Foi mal… Do que está falando?
— Primeiro: você é porca! — reclama e ergo o copo, então sorrio.
Ele fica mais irritado, é nítido pelo vinco entre as sobrancelhas, e o olhar
sombrio que se forma, apagando a luz brilhante que tem em seus olhos
normalmente. — Sobre você. É misteriosa demais, não acha? Chegou na
nossa turma completamente do nada, e nunca fala sobre sua vida. Sabemos o
básico, enquanto sabe tudo da gente!
— Não sei tudo sobre vocês. Sei o que revelam, porque ou são boca
grandes ou expressivos demais! — Recosto no estofado do assento e suspiro
feliz, de barriga cheia. — O que foi, está curioso sobre mim, Kayden? —
mudo o tom de voz, tornando-o provocativo.
— Só se eu estivesse me drogando! Já acabou? — Concordo. — Tem
alguma coisa sua conectada a pimenta?
Franzo o cenho, confusa.
— Ok, estou preocupada agora. — Ele me analisa mais desconfiado.
— Você descobriu que sou a maior traficante de pimentas do mundo? —
Arregalo os olhos e ele me olha emburrado. Começo a rir. — Que papo é esse
de pimenta, garoto? Para de ser maluco. Eu hein.
— E ainda querem que eu não implique. Você é irritante, porra! —
Ele se levanta, frustrado.
— Ei, me deve uma carona. Se sumir, tornarei a sua vida um
pesadelo!
— Eu vou ao banheiro e pagar as coisas para a gente ir. Você já faz
da minha vida um pesadelo, acredite!
Sorrio feliz por saber disso.
Pego o meu celular e fico mexendo, aguardando o retorno de quem
está sustentando o meu jantar e minha carona hoje. Ele me irritar não
significa que eu vá perder comida e carona de graça.
Desço da moto, e entrego o capacete a ele. Ele pilota bem, mesmo na
neve, disso ninguém pode falar nada.
— Valeu pela pizza e pela carona.
— Agora é educada? — Retira o capacete dele e coloca os dois em
cima da moto.
— Fala como se eu fosse um monstro. — Pego a bolsa que havia
deixado aqui, e caminho em direção a porta que vai direto para casa.
Abro ela de uma vez.
— Eles podem estar… — Kayden começa.
— SE ESTIVEREM TRANSANDO AINDA, PAREM! OU USEM
O QUARTO, OBRIGADA! — resolvo a situação do meu jeito.
Entramos na sala e tudo em ordem. Duke não está, ou já teria vindo.
— Espera, não vi o carro do Nicholas. Eles não estão. Nem o Duke
está.
— Duke pode estar apenas esperando para nos atacar! — Kayden
fala, procurando o cachorro ao redor, com medo.
— DUKE, O KAYDEN ESTÁ AQUI! — grito, e nada. — É, ele não
tá.
Começo a subir as escadas.
— Vou tomar banho, se você aprontar qualquer coisa que faça a
energia cair, ou a água ficar gelada, eu acabo com a sua vida. Eu só quero um
banho em paz, comer algo e dormir!
— Comer algo? Garota, você acabou praticamente com uma pizza
sozinha!
— Ué, aquilo foi a janta. Tenho reserva no meu estômago para o
lanchinho da noite. No meu país, a gente toma café, almoço, tem café da
tarde, janta, e nesses intervalos sempre arrumamos espaço para mais comida.
— Meu Deus!
Sorrio do seu choque.
Finalmente entro no quarto, exausta. O frio me deixa molenga, credo.
Conecto o meu celular na caixinha de som que ganhei de Natal da Piper, e
coloco músicas brasileiras para tocar, uma mistura de tudo, já que sou bem
eclética, mas começa por funk, o raiz, MC Marcinho.
Que saudade do meu Rio de Janeiro.
Sento-me na cama e retiro os sapatos, antes de mais nada. Observo o
lado da Piper, a cama que ela só usa quando quer fugir do Nicholas para
passar a madrugada lendo sem ele implicar com ela por ela não descansar.
Tem caixas, novos livros chegaram. Essa garota tem compulsão em livros,
mas quem sou eu para julgar? Eu amo produtos de cabelo e skin care.
Começo a cantar a música, enquanto vou tirando o restante da roupa,
ficando apenas de calcinha e sutiã, e isso levou bons minutos, porque, nesse
frio, é tanta camada de roupa, que me sinto pesada, meu Deus.
Faço um coque no cabelo, prendendo-o bem alto. Me recuso a lavar
hoje. Pego minha mala de produtos, porque deixar no banheiro é um perigo,
uma toalha e a caixinha de som, então saio do quarto e sigo para o banheiro.
Tranco-me com as minhas coisas, pronta para um banho de rainha.
Batidas na porta iniciam assim que começo a me ensaboar.
— Você está nessa merda tem meia hora! — A voz irritada do
Kayden grita ao lado de fora.
Reviro os olhos e me inclino para fora do boxe, para aumentar o som
da caixinha. Mentiroso. Tem nem dez minutos.
A música para e sei que foi ele, esqueci o celular no quarto e dá para
controlar por ele. Só de raiva vou demorar mais. Garoto irritante!
— Eu quero usar o banheiro, vai logo, Louise!
— USA O LÁ DE BAIXO!
— Não quero. Eu quero tomar banho.
Nicholas é um merda. Não arrumou o banheiro lá embaixo ainda. Ele
está pedindo por torturas minhas. Puta merda.
— Estou me ensaboando! Espere! — Reviro os olhos.
— Você tem dois minutos para desligar o chuveiro e sair, ou vou
arrombar essa porta. Você é uma pirracenta. Está meia hora aí!
Ele não é maluco de arrombar a porta. Eu o mato e encho o olho dele
de sabão.
Passo minha esponja, que ajuda a esfoliar o corpo enquanto vou me
ensaboando, com muita delicadeza pelas minhas pernas. Ele que espere. Uma
garota deveria ter paz para o seu banho.
A porta se abre em um baque, me fazendo gritar de susto.
— SEU FILHO DA PUTA!
— Eu avisei! — Me escondo na cortina gelada do banheiro e odiando
ainda mais esse imbecil.
— Sai daqui, eu vou te matar!
— Não vou.
Ele começa a mexer na minha mala, mas retira a calcinha que irei
usar e estava em cima.
— KAYDEN, EU NÃO ESTOU BRINCANDO!
— Isso aqui tampa o quê?
— Está achando que minha vagina é de que tamanho? Isso tampa, tá!
— É mesmo? Deixa-me ver? — me provoca e atinjo ele com o sabão.
Ele larga a calcinha na mala e me encara.
— DÁ PARA ESPERAR LÁ FORA? EU JÁ ESTOU SAINDO,
IDIOTA!
Ele olha para a pia e a descarga. Ele não vai fazer isso… Ele não vai!
Noto o sorriso alarmante em seu rosto. Toda vez que ele vai aprontar, ele dá
esse sorriso.
— Ka…
Ele abre toda a torneira da pia e começa a dar descarga. A água do
chuveiro cai totalmente gelada na hora, porque essa merda tem esse
problema.
Eu grito, porque sinto a minha alma sair do corpo. Puxo a toalha e me
enrolo, saindo do boxe e quase caindo, tento matar ele com as minhas
próprias mãos, mas ele é mais rápido, mais alto e mais forte, ele literalmente
me empurra para fora do banheiro e tranca a porta.
— EU ESTOU CHEIA DE SABÃO. KAYDEN, ABRE! ABRE
AGORA! — Espanco a porta, enquanto seguro a toalha. — KAYDEN!!!
Ele começa a cantar, fingindo não me ouvir.
— KAYDEEEN! — Esmurro mais a porta. Nem o aquecedor da casa
está me ajudando. Eu sou friorenta.
Sabe o problema de ser bonzinho? É que você cai fácil nos dramas
alheios.
— Kay, por favor, só vou tirar o sabão, estou congelando, por
favor… — mudo a voz, amanso ela, e deixo chorosa. — Desculpa, eu
demorei muito. Prometo não fazer mais isso. Estou cheia de sabão e toquei no
meu olho, e está ardendo, deixa só eu me enxaguar, por favor. —
Choramingo.
A porta se abre. Kayden está apenas de cueca e me encarando
seriamente agora.
— Sabe qual o seu maior problema? — Faço minha maior cara de
triste. — É achar que caio nos seus teatrinhos. Louise, se tem alguém que
nunca faria isso, nem se fosse torturada, seria você!
Ele me entrega um pote vazio de produtos, com água.
— Para que isso? E confesse, eu dei o meu melhor! — Cruzo os
braços, apertando mais a toalha.
— Para tirar o seu sabão.
Abro a boca, em choque com a audácia dele.
— Durma com um olho aberto, Kayden Spencer, porque eu juro que
vai pagar por isso!
— Eu não tenho medo de você… — Dou um passo na sua direção.
— Ok, tenho um pouquinho… — Ele entra correndo no banheiro e fecha a
porta.
Bufo irritada. Nem para o banho eu posso ter um pouco de sossego!
Entro no quarto, com ódio do mundo. Sento-me na cama, pensando
em mil formas de me vingar, enquanto o ouço cantar Elvis.
— Espera, meus produtos! — grito ainda mais frustrada.
Choro de raiva, porque a TPM também humilha e descobri que estou
entrando nela hoje, o aplicativo me alertou, e faz todo sentido, estava
entediada e depressiva demais.
A voz dele cantando no chuveiro e o cheirinho dos meus produtos
sendo usados me fazem chorar com mais raiva.
Eu odeio a minha vida, e preciso de uma arma e sol!
KAYDEN
Encaro as pessoas na festa de Ano-Novo no resort dos White. O casal
já voltou da lua de mel, mas parece estar nela ainda, estão grudados um no
outro. Piper e Nicholas estão da mesma forma, e nem casados estão. Bebo
meu drinque e reviro os olhos com tanta melação dos dois casais.
Droga, irei morrer solteiro.
Meus pais se juntaram com os pais da Audrey e o pai do Julian,
provavelmente estão nos difamando. Última noite do ano, quem diria que
chegaríamos inteiros até aqui. Até eu duvidei que terminaríamos vivos depois
de tudo, ou fora da prisão. Os Duncan de fato se mantiveram em silêncio do
que realmente aconteceu. O foco deles é na política, agem como se nada
tivesse acontecido naquele maldito dia. Em um ponto isso é ótimo, livra o
Nicholas de muita merda. Mas agir friamente como fazem, é chocante, porra,
ainda que o Cameron fosse doido, era filho deles.
Ainda tenho pesadelos com aquele dia. Nos meus sonhos, eu não
consigo tirar o Nicholas com vida daquele fogo. E a Caitlyn e a Piper
desaparecem. O pesadelo me assombra em diversas noites. Perdi as contas de
quantas vezes acordei desesperado, ou que tive medo de dormir e repetir
aquele dia em sonho, mas de um jeito ainda pior.
Meu irmão sempre vai carregar isso também, a Piper e a Caty
também… As pessoas que convivem com a gente vão se lembrar. Mas os
pais do Cameron parecem alheios a tudo. Citaram uma única vez o filho em
prol da campanha. Fizeram a despedida na universidade junto do time, e mais
nada foi dito. Não posso julgar como enfrentam o luto, mas parece estar tudo
tranquilo, afinal, hoje mesmo estão dando uma enorme festa na mansão deles,
apareceram na cidade e estão agindo normalmente.
É estranho ver isso, porque parece que aquele dia foi um pesadelo.
Fecho os olhos e posso me lembrar. Tento dormir e ele intensifica, piora
tudo. E quando olho para as pessoas, todos estão seguindo a vida,
principalmente a família Duncan, como antes, como se nada tivesse
acontecido.
Bracinhos agarram minhas pernas me tirando dos pensamentos que
me atormentam. Olho para baixo e vejo a loirinha de olhos azuis, e que está
cada dia maior e mais esperta.
— Tio Kay, por que tá sozinho? Tá triste?
Sorrio e acaricio seu rosto angelical.
— Não. Estou fugindo das pessoas, na verdade. Adultos são chatos,
princesinha. — Dou de ombros.
Ela ri e segura a minha mão, me puxando para sentar-se com ela em
um dos cantos livres.
— Pode falar, titio. Eu resolvo tudinho! — Cruza as perninhas. Está
ainda mais linda hoje.
Termino de beber minha bebida e entrego ao garçom que passa.
— Resolve? E desde quando resolve tudo? Você normalmente
apronta de tudo!
Ela ri e balança a cabeça com um penteado bonito, que com certeza
foi a Audrey que fez.
— Isso também é verdade. Mas eu ajudo todo mundo, tá! Ajudei o
papai a ficar com a mamãe… — Ela vai erguendo os dedinhos. Controlo o
riso. — Ajudei o titio Nick a ficar com a titia Piper. E agora posso arrumar
uma princesa pra você. Eu sou boa nisso!
Começou a rir.
— Ajudou, é? Então virou cupido?
— O vovô Grayson disse isso, e a vovó Dakota também! — Fica
pensativa.
— E ajudou como? — Presto atenção nela.
— Ué, ajudando! Falava da mamãe pro papai, e do papai pra mamãe.
Fiz isso com o tio Nick e a Piper também. Ah, e tem parquinho, Piper não vai
poder fugir agora, todo mundo vai, a mamãe falou! — Franzo o cenho, mas
tenho até medo de questionar.
— E aí você acha que o meu problema é falta de uma namorada?
Claitlyn, quantos anos você tem mesmo?
— Sete anos, titio! — fala como se eu fosse burro. — Vou fazer oito,
mas ainda tá longe, eu acho. Então, eu ajudo de montão.
— Princesinha, eu não preciso de namorada. Eu não estou triste.
Estou feliz!
Avalia-me e isso me faz rir.
— Não parece. O brilhinho tá fraco. Eu vou ajudar, relaxa! — Sorri e
fico boquiaberto.
— Sem aprontar. Caty, chega de aprontar!
Ela pula para o meu colo e abraço o seu corpinho. Suspira e beija o
meu rosto.
— Você tá tristinho!
— Não estou!
— Então tá sem amigos?
— Eu tenho amigos!
— E cadê eles? Só tem o titio, o papai, a mamãe, a Piper…
— Caitlyn, é o último dia do ano, escolheu ele para me humilhar? —
Franzo o cenho e ela gargalha. — Eu tenho amigos além deles!
— Não tem!
— Tenho sim!
— Titio, quem são seus outros amigos?
— O Elijah e o Micah!
— Mas eles são amigos de todo mundo. Você só tem amigos que o
titio Nick tem!
Fico assustado. O que fizeram com a minha outra garotinha? Meu
Deus!
— Eu tenho outros amigos além dos que tenho com ele!
31 de dezembro e estou discutindo com uma criança de sete anos e
sendo humilhado por ela. Eu preciso muito dar um jeito na minha vida.
— Fala um nome!
— É… Eu… — Fico pensativo. Eu tenho amigos além dos amigos
do Nicholas, e dos pais dela e da Piper… Tenho sim. Eu só… Porra, eu não
tenho! — Tenho tantos que esqueci os nomes! — Forço um sorriso. Ela me
desafia com seu olharzinho terrorista.
— Tá tudo bem, vou ser sua amiga também. Já que perdeu a Piper,
vou ser sua melhor amiga, e de graça!
— Você cobra por amizade? — Ela ri. — Caitlyn!
— Tudo tem um preço. Tio Nick que ensinou!
Meu Deus. O Julian vai matar ele.
— Caty, não é bem assim… E pensei que já fosse minha melhor
amiga!
— Não era. Era da Piper, aí virei da mamãe e agora serei sua. Eu era
sobrinha sua e do tio Nick. Agora vai ter uma melhor amiga de novo.
— Eu não perdi a Piper.
— E cadê ela?
— Caitlyn!
Ela ri e começo a encher ela de cócegas, fazendo-a rir ainda mais.
Vou precisar de uma intensa terapia depois dessa conversa.
A contagem regressiva inicia, todos da nossa família e turma, estão
juntos com seus champanhes, e a Caitlyn com seu suco, e no colo do pai. Eles
contam enquanto fico pensando no que uma garota de sete anos me disse.
Como assim, perdi a Piper e tô sem ninguém?
Cutuco minha mãe ao meu lado.
— Oi, filho?
— Eu tenho amigos? Eu perdi a Piper?
Ela começa a rir.
— Bebeu demais?
— Responde, mãe!
— Bom, seus amigos sempre foram os amigos do Nicholas, porque
ele sempre faz amizades e te inclui, exceto pelo Julian que cresceram
basicamente juntos, mesmo ele sendo mais velho. E a Piper é normal ela ficar
mais distante, sabe, ela namora o seu irmão agora… Filho, por que está
perguntando?
Meu Deus, eu não tenho amigos próprios e perdi a que eu tinha!
— Mãe, eu tenho amigos sim!
Bebo todo o meu champanhe antes do tempo. Ela ri e concorda, mas
sinto a ironia!
— Tem sim…
— Claro que tenho! Tenho uma nova amiga, que é quase psicóloga!
Ela me encara desconfiada.
— Da universidade?
— Não. Da vida!
Encaro a Caitlyn, ninguém precisa saber que minha mais nova amiga
é uma garota de sete anos, que mexeu com a minha mente como um
psicólogo. Puta merda, estou muito ferrado.
— FELIZ ANO-NOVO! — Todos gritam, e eu quero chorar de
tristeza.
Caitlyn White me colocou em um nirvana, ela me fez refletir e ela é
só uma criancinha.
Minha mãe me agarra, como se não tivesse colaborado com o meu
desespero. Eu não tenho amigos que conquistei sozinho. Julian não conta, e a
Piper perdi. E ainda ganhei — de graça, preciso lembrar que ela não quis
cobrar, talvez por pena — a amizade de uma criança que se ofereceu para ser
minha melhor amiga porque não tenho ninguém.
— Para de ser maluco. Feliz Ano-Novo, meu amor. Que seja um ano
incrível! Amo você! — minha mãe diz.
— Também amo você!
Nos afastamos e meu pai me abraça, me dando um puxão de orelha
antes de dizer que me ama. Vira uma troca de abraços na nossa turma.
Desejamos feliz Ano-Novo a todos, e eu apenas faço isso automaticamente,
porque não paro de pensar na descoberta na virada do ano.
Meu irmão e o Julian me abraçam, enquanto as meninas se abraçam
juntas. Nos cumprimentamos os três e fico encarando-os.
— O que houve? — meu irmão pergunta.
— Pensamentos assustadores!
Julian olha para ele e depois para mim.
— Vou me arrepender demais, mas tudo bem… Que merda
aconteceu? — Julian questiona.
Encaro a Caitlyn nos braços da única que não cumprimentei, Louise.
— Sua filha aconteceu, e ela me deixou pensativo!
Os dois franzem o cenho. A mãe da Audrey passa por nós, mas
retorna.
— Se eu fosse vocês iriam comer agora, as melhores comidas acabam
de ser liberadas, e vou conferir tudo! — Ela pisca para mim, sabe que amo
comer.
— A senhora é a única que me deu alegria essa noite. Eu te amo, sra.
Morris! — Abraço-a e ela ri.
— Então vamos, querido. E me chame só de Dakota. Já falei!
— Por que a mãe da Piper não pode ser assim? Facilitaria a minha
vida. Puta que pariu! — Nicholas retruca atrás.
— Comigo ela era assim. Mas vocês dois estragaram tudo! — retruco
e o Julian ri, já meu irmão me olha como um assassino. — Vamos, Dakota.
Alimente esse jovem sofredor!
Ela enrosca o braço no meu e caminhamos entre as pessoas. A
vantagem de ela ser cozinheira-chefe daqui é essa, comidas boas em primeira
mão.
— Vi você conversando com a Caty. Parece em choque desde então.
— Ela me colocou em pensamentos confusos. Estou em um daqueles
nirvanas.
Ela ri.
— É, minha neta tem dessas coisas. Fez isso com o Hudson ontem.
Todos acham que ela vai ser uma futura patinadora. Pode até ser. Mas que ela
tem dom para a Psicologia, isso ela tem. Te coloca em cada reflexão e tem
um talento para conversar.
— Estou quase marcando consulta com ela, sabia? — falo e ela
gargalha.
— Se não for caro, me avise.
Sorrio.
Do jeito que a Caitlyn está, é capaz de cobrar por segundo.
LOUISE
Puxo a barra do meu curto vestido branco repleto de brilho. Estou em
busca da paz, então estou toda de branco para o universo entender, não ter
dúvidas dessa vez.
A festa está linda, o sr. White investiu muito nisso, está nítido.
Muitas pessoas estão aqui, inclusive os meninos do time de hóquei chegaram,
o que me fez afastar rapidamente do pessoal quando eles se aproximaram
para manter a minha paz, a que estou buscando, e devo ser míope porque
ainda não achei, e já é uma hora da manhã.
Caitlyn foi para casa com o avô, pois estava com muito sono, e
confesso que as loucuras dessa garota estavam animando mais a minha noite.
Meu celular toca, mas atendo com um enorme sorriso, me afastando
da multidão, e me aproximando da entrada do resort. Fico na porta, onde vejo
que começa a nevar de novo, e sinto frio, porque a porta está aberta, devido
ao entra e sai, mas só aqui dá para ouvir melhor.
— Vó, feliz Ano-Novo! — Sorrio.
— Oh, meu amor. Feliz Ano-Novo. Estou morrendo de saudade. Não
via a hora de conseguir falar com você. Está aproveitando essa noite? Sabe
que merece aproveitar cada segundo da sua vida como se fosse o último,
certo?
Sorrio ainda mais, sentindo-me acolhida. É como se eu pudesse sentir
seu cheirinho adocicado, e sentir seu abraço aconchegante. Como sinto falta
da dona Adelaide.
— Claro que sei. E estou sim aproveitando. Estou em um resort que a
senhora iria amar, sabia? E estou com amigos.
— Não sabe o quanto me deixa feliz saber disso. Quero te ver bem,
feliz nesse novo ano! O passado deve ficar onde sempre esteve, e você deve
seguir em frente sempre.
— Meio impossível quando ele sempre retorna, mas vou ficar bem. A
senhora, como está?
Ela suspira.
— Bem, melhor do que nunca. A cada dia me sinto mais jovem, ainda
que minha coluna diga o contrário.
— Vovó, está se cuidando, né? Se a senhora não estiver se cuidando,
eu vou voltar e…
— Não vai voltar coisa alguma. Vai continuar aí até se formar, se
renovar e estar pronta de verdade para encarar tudo aqui. Deixa que eu sei
me cuidar. Limpei sua bunda, garota, acha mesmo que não sei me cuidar?
Começo a rir e estremeço de frio.
— A senhora é maluca. Lógico que não se cuida. Vai se divertir? —
Olho rapidamente a hora e vejo que ainda é cedo no Brasil.
— Seus pais inventaram uma enorme festa. Mas vou aparecer
apenas para comer e irei me trancar no meu quarto com os meus belíssimos
filmes antigos.
Sinto falta disso. Desses momentos com ela. Eu estaria deitada com a
cabeça em seu colo, ela me fazendo o melhor cafuné, enquanto estávamos
vendo filmes antigos, e nada mais importaria. Meus olhos marejam e uma
lágrima escorre, e enxugo com cuidado para não borrar a maquiagem.
— Eu te amo, vó, pra sempre. Promete que vai estar aí quando eu
voltar?
— Eu sempre vou estar aqui esperando você voltar. Eu também amo
você, meu raio de sol.
Meus lábios tremem e tento controlar mais o choro. Por ela eu ainda
choro, ela consegue me arrancar lágrimas.
— Talvez eu vá nas férias de verão te ver.
— Vou amar, mas faça no seu tempo. Foque em si mesma, Louise,
isso sim vai me deixar muito feliz.
Enxugo o rosto e respiro fundo, tentando controlar o choro. Odeio a
TPM, isso piora as coisas.
— Vó, preciso desligar, estou congelando. Te amo, e que seja um ano
incrível para nós duas.
— Que assim seja. Te amo. Se cuida!
Desligo antes que eu desabe de vez. Pisco rapidamente, e dou
passagem para alguém que está vindo, mas não ergo o rosto, não quero que
ninguém me veja chorando igual uma tonta na virada do ano.
Outras pessoas entram e quem estava saindo acaba esbarrando em
mim, e nem desculpa pede. Ergo o olhar, e vejo quem foi, e claro que seria
ele, afinal, se ele não me irritar de alguma maneira, o mundo entra em
colapso.
Enxugo melhor o rosto, torcendo para nada ter borrado. Aperto o
celular na mão e cruzo os braços.
— O “desculpa” ainda é usado, sabia? — falo, e ele para por alguns
segundos antes de se virar e me encarar. Kayden parece confuso, perdido.
Franzo o cenho. — Está bêbado e vai pegar a moto?
— Desculpa. E não estou bêbado! — Ele volta a caminhar em
direção a sua moto.
Só pode ser brincadeira. Ele bebeu desde a hora que pisou aqui.
Todos fizeram isso, e por causa disso todo mundo vai passar a noite aqui, ele
deveria fazer o mesmo. A que menos bebeu hoje, por incrível que possa
parecer, fui eu, que bebi uma taça de champanhe apenas, porque até a Piper
bebeu duas.
Estremeço mais, pelo vento gelado, vendo-o subir na moto. Ele a liga
assim que coloca o capacete, e acelera, mas ela derrapa um pouco e fico
pronta para ele tombar e eu gritar que avisei antes de chamar o resgate. Ele
para, e testa ela, como se o problema fosse a moto e não o álcool no corpo
dele. Homens.
Eu juro que, se eu congelar, eu o mato antes de eu morrer.
Saio de vez do resort sentindo a minha alma congelar também.
Aproximo-me dele, quase falecendo, e odiando a pequena bondade surgindo
dentro de mim. Culpa da TPM e da minha avó, mexeram com minha
sensatez.
Ele vira a cabeça na minha direção e ergue a viseira do capacete.
— Quer congelar? Entra, maluca!
— Quer morrer? Pilota! O problema não é nem você morrer, porque
estou louca para testar a roupa preta que comprei esses dias. O problema é
causar um acidente e tirar a vida de quem não merece! Esquece essa merda,
idiota! — falo com dificuldade, os lábios trêmulos.
Ele tira o celular do bolso e encara. Inclino-me para olhar e balanço a
cabeça.
— Quer se matar e matar alguém, por sexo? Sério? Qual o seu
problema? Quer saber, que se dane! Só pode ser brincadeira isso.
Afasto-me da moto e caminho toda dura para o resort, puta com isso.
Eu sou irresponsável às vezes, mas isso é demais até para mim. Nunca
colocaria minha vida em risco ou de outras pessoas, só para transar, e olha
que estou um longo tempo sem transar, o que está me deixando à beira do
surto.
Entro e escuto a moto, mas nem olho. Primeiro, porque não consigo
me mexer; e segundo, porque não vou me estressar, não com ele, não hoje,
me recuso!
Estremeço e esfrego os braços, caminhando como se estivesse
morrendo. As pessoas me olham como se eu fosse louca, erradas não estão.
Algo quentinho cobre os meus ombros, e isso me traz um misto de
felicidade e tremores. Viro o rosto e vejo o idiota me encarando, segurando o
capacete.
— Qual o seu problema?
— Meu p-problema?! — questiono com a voz trêmula.
— Sim. Sair do resort com esse pedaço de pano, enquanto neva e
venta lá fora. Ficou maluca? Quer morrer? Pegar uma pneumonia, ter uma
hipotermia? Porra!
Ele estranhamente está me lembrando da minha avó agora.
— Falou o cara que i-iria sair de moto, estando bêbado, apenas por
sexo!
— Vai procurar algo quente para beber!
— N-não quero. E nem preciso disso aqui! — Chacoalho os ombros,
mas ele ajeita o casaco dele em mim.
— Para de ser teimosa, garota! E não estou bêbado, que fique claro!
Só desisti porque está escorregando muito lá fora!
Reviro os olhos, e respiro fundo, esperando me esquentar mais
rápido. Ele me avalia, irritado. Se aproxima e acompanho o movimento, bem
preocupada.
— O-o que você… — Ele me abraça, tomando cuidado com o
capacete, e me aperta. Estranhamente isso é bom… Nossa, muito bom. E me
esquenta mais rápido. — Você não tem mesmo medo de morrer!
— Acredite, estou fazendo isso em pânico! Fique quieta.
Tento me afastar, porque sinto um negócio estranho na barriga, um
frio. Mas ele me aperta mais.
— Está tremendo ainda, esquece que me odeia e deixa de ser
marrenta.
— Eu não sou… Esquece, sou.
Fecho os olhos, sentindo o calor consumir meu corpo, e é bom. É
perfeito.
— Ah, feliz Ano-Novo, Satã.
— Pare de me chamar por esses apelidos, seu idiota!
Ele ri, e seu peito treme.
— Se contar para alguém que tentei sair com a moto bêbado e que
estou te abraçando, nunca mais vai ver seus produtos de pele e cabelo!
— Está mesmo me ameaçando?
— Depende, seu tom está me assustando.
Empurro-o, sentindo-me melhor. Passo os braços por dentro do
casaco, ajeitando-o em mim, e olho o meu celular. Disfarçando a coisa
estranha que foi esse momento.
— Então assume que está bêbado.
— Apenas um pouco tonto.
— Isso você é todo dia! — Dou de ombros e o encaro. Ele balança a
cabeça negativamente e se afasta. — Feliz Ano-Novo, Kayden — falo baixo,
torcendo para ele não ouvir.
Ele para e vira apenas o rosto para mim, então assente e se afasta.
Sento-me no braço do sofá da recepção, ao lado de um senhor.
— A vida é maluca, não acha? — comento com o homem que me
olha estranho, mas sorri em seguida.
Vejo a aliança dourada em seu dedo, bem chamativa, quando ele
ajeita o copo em sua mão.
— Muito, querida. É daqui? — Seu sorriso muda.
— Sim. E sua esposa, também? — Ele fica sem graça. — Meu Deus,
nem os velhinhos se salvam mais! — Levanto-me, irritada e reclamando em
português.
Alcanço o Kayden e chuto sua bunda, quase perco o equilíbrio nos
saltos, mas valeu a pena. Ele nem olha, apenas xinga.
— Não sabe ser delicada, uma garota meiga talvez?
— Não. Acredita que fui puxar assunto com um senhor e ele veio
com um sorriso malicioso? Ele é casado! Se uma bomba estourar na minha
cara essa noite, vou considerar sorte!
— Já que está falante demais e me impediu de transar... desembucha,
qual o seu lance com pimenta?
— Cara, qual o seu problema com a pimenta? Por que fica
questionando isso?
Dá de ombros.
— Curiosidade. Ouvi dizer que no Brasil tem muitas.
Balanço a cabeça negativamente.
— E veio perguntar para mim e não para a Piper?
— Esquece a Piper. Por que todo mundo fica falando dela hoje,
caralho?! — se altera, e paro, assustada. Ele esfrega o rosto. — Desculpa…
Só estou cansado. Não perguntei porque ela está ocupada, só isso.
Voltamos a caminhar. Tem algo acontecendo. Meu instinto
fofoqueira me alerta sobre isso.
— Brigaram?
— Quê? Não!
— Gosta dela e descobriu agora?
— Não! Pelo amor de Deus. Esquece a Piper.
Brinco com o meu celular em minhas mãos.
— Não entendo de pimenta, nem curto coisa muito apimentada, e
odeio quando alguns restaurantes ignoram meu pedido de “sem pimenta” e
enchem minha comida com pimenta!
— Então não gosta?
— Não! Desde criança. No Brasil, meu sobrenome é semelhante a
pimenta no meu idioma, e ficavam me chamando de Louise Pimenta, e eu
odiava.
— Pimenta? — repete em português e é fofo, preciso admitir isso. O
sotaque dá um charme.
— Sim. Pimentel… Pimenta… Entendeu? A sua pimenta é pimenta
em português — explico da melhor maneira. — E isso lembra o meu
sobrenome.
— Espera. Está me dizendo que pimenta, é pimenta em português?
— assinto. Fala em inglês e português. — E é parecido com Pimentel… —
Concordo de novo. — Porra, isso faz mais sentido. Eu odeio o… — desiste
de falar e balança a cabeça.
— Esse foi o diálogo mais maluco que troquei com um norte-
americano, e olha que já troquei vários bizarros. Esse Ano-Novo está muito
esquisito. Quer saber, isso é por estar te dando atenção. Cai fora!
Passo por ele, deixando-o com uma expressão pensativa para trás.
Vou procurar as meninas e beber, é isso que farei. Chega. Está tudo estranho
demais. E preciso pensar em como me vingar pelo que ele fez comigo no dia
do banheiro, de me expulsar ensaboada… Calma. Paro e viro-me, encarando-
o, que está encostado em um canto, mexendo no celular.
Esse doido está me investigando! É isso. Por isso a fixação pela
pimenta. Ele deve estar traduzindo alguma coisa, e o corretor ou o Google
está confundindo, e trocando Pimentel por pimenta em português, e trazendo
tudo ao contrário pra ele… Puta merda.
Sinto uma dor imediata no estômago. Se ele continuar… Não, isso
não. Essa merda não pode vir parar aqui. Eu vim para BTI para fugir do
passado e o Kayden não pode trazer isso para cá. Engulo em seco.
Afasto-me às pressas. Preciso beber e pensar em como fazer ele parar
de investigar. Só pode ser brincadeira, nem o maluco do irmão dele foi tão a
fundo, se foi, não falou sobre. Respeitou ao menos. As meninas nunca
fizeram, jamais saberiam disfarçar. Mas Kayden está estranho esses dias,
mais que o normal.
Audrey surge na minha frente.
— Ei, estávamos te procurando. Está tudo bem? Está pálida!
— S-sim… Preciso beber e comer. Só isso! — Prendo uma mecha do
cabelo atrás da orelha.
— Tem certeza? — Avalia-me, preocupada.
Forço um sorriso.
— Sim. Está tudo perfeito. Vamos, sra. White! — Enrosco o braço no
dela.
— Ainda não me acostumei com isso! — responde rindo, toda boba.
— Pois se acostume, é a verdade!
Caminhamos juntas, ela vai falando sem parar, altinha pelas bebidas e
doces demais que comeu. Vou fingindo ouvir, porque minha mente está em
um problema sério.
Se ele descobrir tudo e todos aqui ficarem sabendo, tudo acaba. A paz
que vim procurar vai acabar, porque os olhares vão mudar e vou me lembrar
todo dia do porquê estou aqui, quando só desejo esquecer.
KAYDEN
Brinco com o lápis na minha mão, enquanto o professor de Educação
Geral fala sem parar. Ele realmente não para de falar desde que a aula
começou, e hoje sua aula é longa, quase duas horas o ouvindo tagarelar,
porque se tem alguém que consegue desabafar os problemas da vida em
qualquer situação é ele. O homem consegue usar a própria vida como
exemplo para o que ele explica, seja lá o que for que está tentando dizer.
Não me considero burro, longe disso. Modéstia à parte, me acho até
que esperto. Mas desde que entrei para a Engenharia, me sinto a pessoa mais
burra do planeta. Nada disso entra na minha cabeça, e eu realmente não sei
como irei me formar na primavera. Preciso entregar dois projetos importantes
e não sei como fazer. Eles podem me salvar, e talvez consiga me formar se os
professores e o reitor tiverem pena de mim. Mas temos um enorme problema
no meio disso: hóquei. Os jogos da primavera na BTIU serão importantes,
ainda mais que os outros, para eu poder me destacar cada vez mais e
conseguir um bom time quando sair daqui. E ou eu tento me formar, ou eu
chuto o balde de vez, não me formo, largo isso e vou direto atrás do que
realmente amo de verdade, que é o jogo.
Entretanto, no meio disso tudo tem o compromisso com os meus pais.
Eu não entrei aqui pelas minhas belas notas no ensino médio. Longe disso.
Nicholas conseguiu entrar sem pagar quase nada. Ele sempre foi bom nos
estudos, por incrível que pareça. Meus pais tiveram que colocar muito mais a
mão no bolso por mim e fazer algo que odeiam: usar a influência que o
sobrenome Spencer tem.
Quando entrei, eu pude ver o brilho no olhar deles, principalmente no
do meu pai. Ele ama ter filhos atletas, mas sempre quis que nossa educação
viesse em primeiro lugar. Nós dois tínhamos que ter um plano B sempre. Só
que esse é o meu enorme problema. Não consigo pensar em um plano B
quando coloco o plano A na cabeça. Eu coloco um hiperfoco tremendo em
cima do que quero, exatamente para não ter que recorrer ao abecedário todo.
E quando decidi que queria a NHL, eu não olhei para os lados. Cheguei até
aqui na BTIU por puro milagre, porque só me dediquei de verdade ao jogo.
Meus pais nunca vão me perdoar se sonharem que joguei no lixo todo
o dinheiro que investiram nos meus estudos. No fundo, eles imaginam que eu
possa assumir no futuro os negócios da família: hotelaria e turismo. Nicholas
sempre deixou claro o amor dele pelos bichos e pelo time, e o quanto odeia
pessoas, eles sabiam que o Nicholas preferia matar qualquer um do que lidar
com turistas. Já eu, mais extrovertido, falante, conquistador barato e mais
dócil, obviamente atrairia mais pessoas aos negócios. Eles têm esperança, e
eu ter escolhido Engenharia aumentou as esperanças deles. Eu provavelmente
estava muito bêbado quando decidi por esse curso. Ou tentando agradar eles.
Quem sabe os dois.
Bocejo e encaro o professor. O homem não parou de falar ainda.
Metade da sala está lutando contra o sono, ao menos não sou o único. A
maior aula é a dele hoje, mas tenho mais uma, alguma coisa de
sustentabilidade, que é com a dona Piper, só sei disso porque ela literalmente
me ameaçou mais cedo, dizendo que não iria emprestar as anotações dela,
que eu tinha que fazer isso sozinho, porque da última vez derrubei Coca-Cola
e manchou. Só acho que ela está rancorosa demais, não tem nem tamanho
para tanto rancor assim estar habitando dentro dela.
Encosto a cabeça na parede e continuo lutando contra o sono. A festa
de Ano-Novo ter sido no final de semana, e a BTIU nos odiar o suficiente
para as aulas começarem em seguida, não foi bacana. Metade da universidade
está de ressaca, e a outra metade cansada do retorno às pressas para Beyond
The Ice. E por falar nessa cidade, não vai parar de nevar mais? Já enjoei de
ver neve. Quero sol, flores da primavera que vão atacar todos os meus tipos
de alergia, mas preciso de sol. Minha vitamina D morreu junto com a minha
vontade de estudar.
Nessas horas, o Nicholas não tem uma merda para aprontar nessa
universidade que acabe com esse tormento. Garoto incompetente!
O refeitório da BTIU parece um velório. As pessoas realmente estão
morrendo. Essa universidade nos odeia, é isso.
Na nossa mesa tem parte da galera do time, incluindo a Piper, de
quem acabei de roubar a salada de fruta e tomei um beliscão, porque até
comida ela me nega. Meu Deus!
— Sem jogo ou treino hoje, qual o plano então? — Luke questiona.
— Com a ressaca que eu estou, quero sair dessa merda e dormir. Está
nevando pra caralho e, ainda assim, fizeram a gente vir. Nicholas, faz alguma
coisa! — Micah reclama.
— Poderia ter feito, há duas horas, enquanto eu tinha uma aula que
estava me levando à morte! — reclamo.
Meu irmão me mostra o dedo do meio.
— Não inventem nada. Tenho aula importante. Eu preciso falar com
esse professor. É sério! — Piper implora. Os meninos começam a provocar
ela, chamando-a de nerd. Nicholas sorri para ela e dá uma piscadinha. —
Qual é, Nick!
— Pequena, mais algumas horas aqui e me dou um tiro — ele
reclama.
Piper bufa e puxa a minha salada de frutas, que no caso roubei dela.
— Ele te irrita e eu que pago?
— Ela sempre faz a gente pagar porque o capitão faz merda! —
Elijah retruca e o restante de nós concordamos.
— Eu não faço isso! — Piper se defende.
Começo a rir e ela me olha de lado.
— Ah, você tem feito sim. E passa isso pra cá! — Puxo a salada de
frutas.
— Por que não pegou para você?
— Pura preguiça! Deixa de ser egoísta.
Como a salada e ela fica emburrada, recusando até o toque do
Nicholas, que iria passar o braço pelos ombros dela. Ele me olha feio e
mastigo tranquilamente a minha salada.
— Vaza daí, Jones!
E a paz já era.
Luke Jones salta da cadeira, dando lugar para a Louise se sentar ao
lado da Piper.
— E o clima acaba de pesar… — sussurro e a Piper me chuta por
baixo da mesa.
— Por que você não fez nada para parar as aulas hoje? — Ela encara
o meu irmão.
— Caralho, eu sou o quê para vocês? Não sou pai de vocês, se virem!
— Está bem. Pensei em atear fogo no rinque, isso tiraria a gente por
um bom tempo da universidade, o que acham? — Louise provoca.
— Pelo amor de Deus, não! — Piper arregala os olhos. Pior que nem
eu duvido que a louca faça isso.
E ainda preciso terminar minhas investigações, agora que sei que o
Google Tradutor estava confundindo o sobrenome dela com pimenta. Tem
algo suspeito, muito suspeito.
— Qual é o seu problema? Nos odeia tanto assim? — Elijah
questiona.
— Nossa, ainda restam dúvidas? Que merda, não estou fazendo isso
direito, então!
Nicholas ri e a Piper o cutuca.
— Achei que gostasse das aulas — Piper comenta com a amiga.
— Nesse frio, eu não gosto nem de mim, gatinha!
Ao menos em uma coisa concordo com a Satã, mas não direi em voz
alta.
— Alarme de incêndio sempre resolve — comento.
— Estamos marcados com isso. O reitor vai punir o time! — Luke
avisa.
Encaro o meu irmão, que está pensativo. Lá vem merda. Mas se vai
nos livrar daqui, aceito qualquer coisa.
— Fogo no rinque não, mas um começo de incêndio em algum
laboratório…
— Nicholas! — Piper chama a atenção dele.
— Roberts, ninguém vai se ferir e nem vamos destruir o laboratório,
será apenas um susto. O reitor é bundão, vai dispensar todos para investigar.
Piper deita a cabeça no ombro da Louise.
— Já era a minha aula.
— Garota, eu te amo! — Louise faz carinho nela enquanto ri.
— Kayden, vem comigo. E Micah e Elijah tirem todo mundo que
estiver por lá e deem um jeito de nenhuma aula iniciar no laboratório. Luke,
distraia o reitor. E vai sair muito caro essa ajuda para livrar vocês da BTIU
hoje. Tudo tem um preço!
— Por falar nesse papo de tudo tem um preço… Temos problema e
envolve a Caitlyn e isso que ensinou a ela! — alerto.
— Ela aprendeu? Então não temos problema. Julian é um bunda
mole, ensina apenas coisas delicadas demais a menina. E a Audrey está
focada demais em ser responsável com a garota. Caitlyn precisa aprender a
sobreviver ao mundo.
— Quando tiver um filho, vamos ver se o seu papo vai ser esse.
Deixe a menina em paz! — Piper reclama.
— Claro que o papo não será esse. Será pior! — Beija a namorada.
— Algo me diz que um filho seu seria procurado pela Interpol! —
Micah comenta, assustado.
— Isso é um elogio para mim, saiba disso! — Nicholas rebate.
— Eu não sendo a mãe, porque mato você! — Piper cruza os braços.
— E por destruírem minha aula, juro que vou arrumar alguma trend viral de
dancinha para fazerem!
Começo a rir, já sabendo qual assunto vai vir.
— Não será pior que o vídeo que fez o Nicholas gravar para as suas
redes sociais. Recriando cenas de livro… Que tipo de livros de putaria é esse
que anda lendo, garota? Você era o nosso bebê! — Elijah demonstra seu
choque.
Começamos a rir, enquanto o meu irmão fica emburrado.
— Nunca mais faço essa merda!
— Disse isso das outras vezes. E já tem quatro vídeos! — Piper
provoca.
— Eu gostei. Viralizou. O que deixa ela mais famosa, para me
sustentar no futuro caso eu seja presa por matar vocês que ainda não foram
nos livrar dessa merda! — Louise fala.
Os caras começam a implicar com ela, mas basta ela se levantar que
eles ficam mudos. Eu disse que ela é aterrorizante, mas ninguém me ouve
nessa merda.
Aulas suspensas. Quem diria que eu iria amar as loucuras do
Nicholas. Piper e Louise foram direto para a arena, Audrey está lá, até parece
que nunca se veem, meu Deus. Nicholas foi passear com o Duke, mesmo na
neve que não para de cair, o demônio de quatro patas ama esse clima.
E eu estou na casa dos White. Caitlyn não tem aula hoje, só amanhã.
E estive pensando quem seria a melhor pessoa para me ajudar a desvendar
coisas sobre a Louise, ninguém melhor do que a garotinha que todos caem na
lábia dela. Errado usar uma criança para saber da vida alheia? Óbvio. mas
estou pensando na segurança de todos. Se Louise estiver escondendo alguma
merda, todos iremos saber e nos livrar da maluca.
Wendy, a governanta da mansão, me olha desconfiada enquanto sai
da sala. Caty ficou na casa do avô hoje, já que os pais estão na arena. As
aulas de patinação dela ainda seguem aos finais de semana. Então está livre.
Observo o minijaleco branco que ela utiliza e o caderninho. Está
brincando de médica com suas bonecas. Controlo o riso, ou nada feito. Ela
sabe ser rancorosa também.
— Senta, titio. Tá dodói? Eu posso cuidar de você!
Da última vez me deixou traumatizado. Me fez virar o ano precisando
de terapia.
Sento-me no sofá, e ela manda eu deitar agora, já sei que vou virar
paciente da baixinha.
— Caty, preciso da sua ajuda. Só que isso tem que ser um enorme
segredo só nosso. O que acha?
— Eba. Amo segredos. Conta!
Ela finge me examinar com seus brinquedos e controlo ainda mais o
riso.
— A gente precisa descobrir qual o segredo da Louise. O que acha?
Você é boa em descobrir as coisas.
— Eu sou mesmo. Papai vive me expulsando dos lugares, porque fala
que presto atenção de montão.
Sorrio, e ela ri baixinho.
— Estou bem?
— Do corpinho tá. Já da cabeça... Titio, tá precisando de uma
poçocologa.
Começo a rir alto, sem conseguir evitar. Eu sei que preciso corrigir
ela, mas é a coisa mais fofa vê-la falando psicóloga assim.
— E por que acha isso, hein?
— A minha poçocologa disse que, quando a gente tem coisinhas
confusas na cabeça, a gente tem que falar, ou quando aqui dentro tá dodói. —
Aponta para o coração.
Depois do ocorrido no ano passado, Caty continuou com as sessões
de terapia infantil. Ela ama, porque ela ama se comunicar.
— Entendi. E me deixa adivinhar: minha poçocologa será a
senhorita?
— Isso aí. Sou muito boa em falar, sabia?
E como eu sei.
— Ok. Posso ser seu paciente. Mas aí temos que ter o segredo da
Louise e da nossa pequena investigação. Pronta para ser detetive também?
— Prontinha! A Loulou é caladinha mesmo. E as vezes ela fica
tristinha, eu já vi, mas ninguém vê, sabia? — Se joga em cima de mim, e
abraço ela. — Titio, se a Loulou for uma pessoa tristinha, a gente vai fazer
ela ficar feliz, né?
Eu sabia que iria me foder. Isso é castigo por estar agindo igual ao
Nicholas e usando uma criança.
— É… — pigarreio.
— Ela também tá sozinha. Que nem você, titio. Temos que ajudar!
— Eu não sou sozinho!
— E lá vamos nós de novo nisso. Titio, tá tudo bem ser sozinho, mas
vou arrumar alguém pra você, e já disse que vou ser sua melhor amiga e
agora também poçocologa.
Pelo amor de Deus, por que essa menina vive me humilhando? Eu
sempre fui um tio maravilhoso para ela!
Faz beicinho e segura o meu rosto com suas mãos quentinhas.
— Está bem, princesinha. O que eu não faço por você?
Ela ri animada e começa uma guerra de coceguinhas, enquanto penso
que realmente vim pedir ajuda a uma criança de sete anos. Eu devo estar
maluco.
LOUISE
As meninas conversam, e juro que tento interagir mais, mas não
consigo. Não quando na minha cabeça só foca que o Kayden pode sim estar
investigando minha vida. Estou tentando não pensar muito, mas não tem
como. Eu preciso descobrir se de fato não estou louca, e se confirmar que ele
está me investigando, preciso pensar em como fazê-lo desistir disso, como
conquistar a confiança dele ao ponto dele parar de ir atrás da minha vida.
Meu passado tem que ficar onde deixei. Não posso conviver com as pessoas
daqui quando ficarem me lançando olhares chocados ou de pena. Eu não
aguentei tanto tempo nessa cidade friorenta para ele estragar tudo.
— Vou voltar ao treino. Nos falamos depois! — escuto apenas
quando a Audrey diz isso e então se afasta.
Olho para a pista de gelo e vejo o sr. White e o Julian aguardando por
ela. Tem algumas pessoas na arena hoje, pensei que estaria vazio.
— Ok. Ficou muda a conversa inteira e só balançando a cabeça e
fingindo ouvir. O que realmente está acontecendo? Addie e eu estamos te
achando estranha desde o Ano-Novo. Aconteceu alguma coisa naquele dia? É
algo com a gente? Comigo?
Paro de limpar o balcão e encaro a Piper.
— Quê? Por que seria algo com vocês, ou com você? Tá maluca?
Não é nada. Só estou naqueles dias infernais. Logo passa — minto. Não é
como se eu sempre contasse a verdade a eles sobre a minha vida. Não é que
não confio, é medo de me olharem diferente e de reviver toda a porcaria da
qual eu fugi.
Ela me olha desconfiada e forço um sorriso.
— Tem certeza? Está muito estranha.
— Estou ótima! E sabe como eu ficaria melhor? Com algo bem
quente para beber enquanto vejo o que a madame cheia de acessórios ali vai
querer para beber — sussurro.
Ela sorri e assente.
Aproximo-me da senhora e recolho seu pedido, deixando no balcão.
Piper me entrega a minha bebida e começa a preparar a da mulher que veio
acompanhando a neta, que está patinando lá embaixo.
— Mas e você? Também tenho notado essa cara emburrada. Brigou
com o Nicholas?
— Não. As coisas com ele são bem tranquilas quanto a isso. Nicholas
não gosta de discutir comigo, então acaba que, se temos problema, cada um
vai para um canto respirar e depois a gente volta e conversa com calma. Mas
a questão é outra. Não quis falar nada com a Addie, porque ela ainda está na
coisa da lua de mel, está muito feliz sendo casada, não quero jogar
problemas.
— Me fala. Quem temos que matar?
Ela me entrega o pedido da senhora e sirvo a mesa, então retorno para
o balcão.
— Meus pais. Eu nunca contei a vocês totalmente a verdade de como
me sinto com eles, apenas o Nicholas sabe. O jantar com eles e o Nicholas foi
o que eu imaginava que seria. Mas sei lá, às vezes parece que eles realmente
não querem ceder. Me ligaram no Ano-Novo. Mesmo depois de já ter
conversado com eles, sempre acabam me sufocando de alguma maneira. Não
comentei nada com o Nick também, não quero piorar o clima entre eles. Sou
uma péssima filha por estar sem paciência para tentar manter um diálogo com
eles, mesmo amando eles?
Sorrio e bebo a bebida quentinha que ela fez e está divina.
— Não. A gente é criado sempre achando que os pais são nossos
heróis, estão certos em tudo… Mas não é bem assim, Pips. Tem pais ruins,
egoístas, narcisistas, rudes, e por aí vai. Se existiu uma conversa, e ainda
assim te sufocam, não estão respeitando o seu lado, está tudo bem estar
chateada, frustrada, cansada, ou o que estiver sentindo. Não é péssima filha.
O que pode fazer agora é tomar seu tempo. Se prive de piorar a situação entre
vocês, enquanto tudo ainda é muito recente. Espere a poeira abaixar, eles se
adaptarem a Piper que está se tornando. Imponha limites, tem esse direito.
Quando não quiser falar com eles, ou estar com eles, tem direito também. Se
isso for poupar estresse maior na família, e algo que vai acabar rompendo de
vez o elo entre pais e filha, evite, se eles realmente importam pra você e vice-
versa. Fez sua parte, agora dê tempo ao tempo, e isso envolve cuidar mais de
si, focar na sua nova versão e ignorar um pouco eles se necessário, por mais
que isso possa te magoar.
Ela assente lentamente e suspira.
— Seus conselhos são sempre bons, sabia?
— Acha, é? — Sorrio sem graça.
— Sim. Me deu alguns ano passado que carrego comigo. É uma
pessoa incrível, Lou, só parece querer se esconder nessa pose de durona.
Bebo a bebida e desvio o olhar.
— Eu sou durona.
— Claro que é, mas também é frágil, fofa, meiga… Só esconde tudo
isso quando começa a deixar escapar. Sabe em que momentos mais revela
isso? Na TPM, acredite. — Ela ri.
Reviro os olhos e a encaro.
— Também fico mais vingativa na TPM, sabia?!
— Isso você é todo dia. Inclusive, o Kayden ainda não viu que você
deixou o taco de hóquei e o uniforme dele com o Duke essa manhã.
Começo a rir.
— Eu disse que iria me vingar por ele ter me expulsado do banho
quando eu estava ensaboada.
— Ele vai te matar e eu só vou proteger o Duke, o único inocente!
— Aquele cachorro é tudo, menos inocente. Me fala, ele destruiu
muito? — me animo.
— Segundo a mensagem que recebi do Nick, o uniforme já era e o
taco está todo mordido na base, e mijado.
Gargalho, e escorrego atrás do balcão, me escondendo da madame, e
tampando a boca. Piper balança a cabeça.
— Esse dia está perfeito!
— Louise, sai do chão! — Ela me cutuca com o pé e encara a mulher.
— Sai logo.
Não consigo, fico fraca quando estou rindo. Aperto o copo da bebida,
porque ele quase cai da minha mão. Continuo rindo.
Bem feito. Não mandei ele me irritar. Eu achei que nem daria certo,
pensei logo cedo, antes de sairmos de casa. Quando vi que o Kayden tinha
saído primeiro, corri entregar tudo ao Duke. Quem manda ele continuar
deixando o quarto aberto?
— Levanta!
Ela me puxa, mas não paro de rir. Ela começa a controlar o riso.
— Pode rir… Ele mereceu! E para ele não ter vindo aqui me xingar, é
porque não viu ainda. Eu odeio o fato de não ter câmera naquela casa para eu
assistir a cena.
— Vocês dois ainda se matam. Eu sei disso!
Chego em casa primeiro que a Piper, porque ela vai ajudar o sr.
White em umas contas da arena. Nicholas saiu, com certeza foi vigiar ela
para trazê-la para casa depois, afinal, tem coisas que nunca mudam, e ele ser
obcecado nela é uma dessas coisas.
Duke está dormindo esparramado no sofá, e começo a me lembrar do
que a Piper contou. Esse cachorro merece todos os biscoitos do mundo.
Passo pelo sofá, e ele abre apenas um olho. Aproximo-me dele e toco
sua pata em um cumprimento.
— Continue me ajudando e seremos grandes amigos! — Sorrio.
Afasto-me do sofá e subo as escadas. O carro do Kayden está aqui,
mas não vi se a moto está na garagem.
Paro na porta do banheiro, ouvindo o barulho de água, o que já acaba
com a minha alegria. Caminho pelo corredor a passos calmos. A porta do
quarto dele está fechada, mas ele nunca tranca com chave.
Abro e vejo seu celular e notebook sobre a cama, o taco destruído no
canto do quarto, e o uniforme todo rasgado dentro de uma sacola, que com
certeza vai pro lixo. Meus olhos pousam no notebook, está desbloqueado.
Olho para a porta, e em seguida para ele.
Abro o navegador e pesquiso o histórico recente.
— Filho da puta… — sussurro.
Kayden está me pesquisando na internet e usando o Google Tradutor.
São sites de fofoca. Um dos piores, que inventam várias merdas sobre mim.
Fecho o histórico do notebook e respiro fundo. Preciso arrumar um jeito de
parar ele antes que ele conecte tudo. Os sites que ele está indo atrás, já vi o
que falam sobre mim, é um monte de coisa inventada, mas contam sobre o
noivado e eu ter sumido. Tive até que trancar os comentários das minhas
redes sociais, porque virou um inferno depois que eles publicaram várias
mentiras por eu ter arquivado fotos com aquele desgraçado. Até inventaram
que estou escondendo gravidez. Eu iria trancar meu perfil, mas isso vai piorar
ainda mais a minha vida.
Preciso parar o Kayden. E só tem um jeito dele parar de desconfiar de
mim, e assim parar de me investigar: fazendo ele confiar em mim, e para
fazer isso terei que fazer o jogo de sedução dele. Se eu conquistar ele tanto na
amizade, quanto na sedução, ele vai deixar essa ideia de lado.
Se eu tiver que transar com Kayden Spencer, e quebrar minha
promessa de nunca mais me envolver com atletas, só para ele deixar o meu
passado no Brasil, e não destruir minha tentativa de recomeço, farei. Eu faço
qualquer coisa só para não perder o que estou construindo, inclusive jogar
sujo. Posso ser egoísta o suficiente para seduzir ele, só para manter a vida que
estou criando aqui, porque só eu sei o quanto voltar ao passado me dói e me
torna fraca.
Saio do seu quarto e fecho a porta como estava. Entro no meu e jogo
a bolsa na cama e me jogo em seguida. O colchão pula um pouco, então
agarro o boneco esquisito que comprei no Halloween, e o chamo de KS, eu
literalmente mordo, esmurro ele e furo, sempre que quero fazer isso no
Kayden e não posso, e agora irei poder ainda menos.
Merda, não acredito que logo ele será a pedra no meu coturno, que
vai me fazer ter que assumir um lado doce, o qual passei a odiar, só para ele
parar de bancar o esperto e investigar minha vida.
Soco o boneco, e chuto ele para longe, sonhando ser o corpo do
Kayden. Sento-me rapidamente na cama quando vejo que a minha mala de
produtos está em um canto que não estava. Corro até ela, e abro. Está vazia.
Não…
Não…
Filho da puta!
— Respira. Não pode surtar. Ele está se vingando pelo uniforme e o
taco. E se quer conquistar ele para ele parar de se intrometer na sua vida,
precisa se acalmar…
Pego o boneco e mordo, antes de voltar a espancar ele. Deixo-o cair
no chão quando escuto passos no corredor. Minha vontade é matar agora
mesmo o Kayden, assim não tenho que fingir gostar dele ao ponto de seduzir
e acabo de uma vez com meu tormento, e vingo meus produtos.
A porta do quarto dele se abre, e saio do meu. Respiro fundo, com as
mãos tremendo de raiva. Paro na porta dele, está apenas de toalha. Ele se vira
para mim, com um sorriso debochado.
— Veio admirar a vista, Satã?!
Eu preciso de uma arma. Eu preciso!
— Cadê meus produtos? — tento manter a voz calma, mas quase me
engasgo.
— Os seus? — ironiza. — Sabe que não sei?
Meu peito começa a subir e descer rápido demais, tomada pela raiva.
O imbecil larga a toalha, sem se importar se o vejo pelado ou não, afinal, já
vi, enquanto ele corria pela escada e depois era espancado pelo irmão. A
parte pior disso tudo é que o Kayden é gostoso, e bem grande. Mas estou com
tanta raiva, que isso agora não me importa.
— Kayden, cadê os meus produtos?
Ele veste a cueca.
— Realmente não sei. Mas sei o que encontrei quando cheguei.
Pensa no que precisa fazer. Muda o jogo. Ele precisa cair no meu
papo se eu quiser que o meu passado continue onde deixei.
— Ok… — pigarreio. — Vacilei. Foi exagero. Te dou um taco novo.
— Me olha desconfiado. — O uniforme nem sei se vende ou o time dá. Mas
se tiver que implorar por um novo ao treinador, imploro. Agora me dá os
produtos, por favor… — como é difícil falar assim.
Ele ergue uma sobrancelha, e se senta na cama, passando a toalha no
cabelo.
— Eu realmente queria acreditar na sua gentileza, mas não vai rolar,
Bruxa. Agora vaza daqui!
Ele se levanta, e fecha a porta na minha cara, então passa a chave,
afinal, é um bundão.
Volto às pressas para o meu quarto e me tranco, então pego o KS e
começo a socá-lo, torcendo para que o Kayden sinta tudo, como se isso fosse
um boneco de vodu.
Eu preciso dos meus produtos. Que inferno. Eu tenho que lavar o
cabelo e finalizar, estou usando-o natural apenas.
— Respira… Pensa, você precisa seduzir o infeliz para ele não mexer
mais no seu passado, mas também tem que recuperar seus produtos. Pensa…
Encaro o KS e sorrio.
Pizza e brigadeiro. Um dos jeitos de amansar o imbecil, é pela barriga
e com o que ele ama. E claro… Como não pensei antes? Kayden é totalmente
rendido pelas manhas da Piper e da Audrey na TPM, e as manhas da Caty
quando ela está em apuros. Um dos jeitos de conquistar meus produtos é dar
algo que ele goste, e fazer essa menstruação valer a pena. E isso já me coloca
na porcaria do plano principal: Meu passado tem que ficar onde sempre
esteve, custe o que custar.
KAYDEN
Desço as escadas já arrumado para sair. Irei me encontrar com o
Elijah em um bar na cidade, depois dele simplesmente desistir da ideia de
ficar trancado em casa. O demônio de quatro patas me encara, estava
comendo, mas interrompeu a refeição, e pelo seu olhar parece até que eu
estou prestes a me tornar sua próxima refeição.
Ainda darei um fim nesse cão antes de ir embora da cidade com
algum time. Isso se eu conseguir resolver a minha vida.
Respiro fundo e ajeito a jaqueta. Parou de nevar ao menos, e não tem
alertas de perigo com o gelo, então irei de moto mesmo. Olho para a escada
de novo, e pensando bem...
Subo rapidamente e faço o que sempre deveria ter feito, tranco o meu
quarto com a chave e coloco ela no meu bolso.
Desço as escadas de novo, mas agora sentindo um cheiro diferente
vindo da cozinha, que eu nem tinha reparado se tinha alguém nela. O cheiro é
bem conhecido por mim, é do doce brasileiro que a Piper me apresentou e me
viciou: brigadeiro. Olho pela janela, o Nicholas não está, então tenho certeza
de que a Piper não chegou ainda, e ele foi buscá-la.
A campainha toca e franzo o cenho. Duke late me assustando. Porra,
esse cachorro ainda me mata do coração. Se isso acontecer, espero que o
Nicholas conviva com um enorme remorso por ter colocado ele em nossas
vidas.
Abro a porta. O entregador estende a caixa da pizza na minha
direção. Encaro-o, e depois encaro a caixa.
— Já tá paga! — Me alerta com um enorme sorriso.
— Ok.
Pego a caixa e ele continua me encarando igual um gato abandonado
em uma noite fria. Reviro os olhos e tiro uma nota da carteira e dou gorjeta a
ele. Isso é coisa da Louise, e sobra para mim ainda.
— Boa noite — ele diz e assinto apenas.
Fecho a porta e encaro a pizza.
— Pizza e brigadeiro? Sério? — sussurro e controlo o riso. — É
incrível como todos acham que sou idiota nesse nível.
Caminho até a cozinha e paro na porta. Louise está mexendo na
panela no fogão, com um pé apoiado na outra perna, uma mania que sei que a
Piper tem também, deve ser algo cultural do Brasil, só pode. Está com fones e
cantando baixinho. Usa um moletom largo na cor roxa, e uma calça de
moletom preta, também bem larga. Os cabelos estão presos em um coque no
alto.
De repente, a colher que mexia o brigadeiro se torna um microfone, e
ela começa a estragar Beautiful Thing, do Benson Boone, cheia de gestos e
expressões.
Faço uma careta, e olho rapidamente para trás, onde tenho quase
certeza de que ouvi o Duke bufar. Volto a olhar para ela, que agora voltou a
mexer na panela.
Entro de vez na cozinha e deixo a caixa sobre a mesa, e ela me vê
agora.
— Puta merda! — Se assusta, e tira uma parte do fone das orelhas. —
Não sabe anunciar sua chegada não?
— Anunciei quando entrei. Sua pizza!
Ela me encara e encara a pizza, então volta a me encarar.
— Vai sair? — pigarreia e ajeita a postura, trocando o peso das
pernas.
Encaro-a e sorrio, querendo gargalhar. Saio da cozinha sem
responder. Ela realmente achou que teria seus produtos de volta me
comprando com pizza e brigadeiro? Eu amo isso, mas não me venderia fácil
assim, não depois dela deixar o Duke destruir meu taco favorito. O uniforme
não é a primeira vez que ele faz isso, mas eu amava aquele taco, que está
parecendo que um roedor esteve com ele, e o xixi do Duke impregnou nele.
Aproximo-me da porta que dá para a garagem e abro ela.
— Kayden!
É como ouvir a morte me chamar. É sinistro.
Viro-me e encaro a maluca, que agora tem os fones ao redor do
pescoço.
— Conseguiu falar com a Piper?
Franzo o cenho.
— Nem tentei. Por quê?
— Só queria saber se ela vai demorar para vir — responde mansa,
mansa até demais. Ela mudou o tom. — Qualquer coisa falo com a Addie.
Valeu.
Entra na cozinha, e fico ainda mais desconfiado. Entro na garagem e
pego o capacete.
Meu celular vibra e pego para conferir. É uma mensagem da Piper.
Piper: Estamos indo jantar nos seus pais. Eles literalmente vieram
na arena conversar com o Grayson e chamaram a gente para ir jantar com
eles. Pelo amor de Deus, vem salvar esse jantar, porque já deve imaginar o
humor que o seu irmão ficou. Faço o que quiser!
Começo a rir.
Kayden: Bem feito para ele, que ficou rindo quando viu o estrago
que o Duke fez graças a sua amiga. Se virem os dois. Amo você!
Bloqueio a tela do celular e coloco no bolso. Até que enfim estou
sendo recompensado pelo universo depois de só me lascar. Espero que seja
um jantar torturante para ele. Que meus pais o encham de perguntas e
reclamações dele fugir deles, e façam a Piper ficar roxa com perguntas que só
minha mãe sabe soltar e sempre nos piores momentos, porque ela defende a
maluca que habita nessa casa também e ao cachorro descontrolado, nada mais
justo que se virem.
Abro o portão da garagem e subo na moto.
— Ela vai falar o que com a Audrey? — sussurro. Encaro a rua
esbranquiçada pela neve, e o senhor da casa da frente brigando com a neve
em seu carro, enquanto tira ela sem paciência alguma. — Por que nasci tão
curioso e fofoqueiro? Cacete!
Puxo o celular do bolso e envio uma mensagem ao Elijah, avisando
que vou me atrasar um pouco, mas que daqui a pouco estou lá. Ela retorna
rápido e me xingando, dizendo para eu fazer minha maquiagem logo,
zombando como se esse fosse o real motivo do meu atraso.
Idiota.
Desço da moto e fecho o portão da garagem. Largo o capacete em
cima dela e entro com cuidado em casa.
Essa garota vai aprontar, e por mais que ela me apavore, saber que
ela pode atear fogo na casa com raiva, me apavora mais.
Não está na sala. Entro na cozinha e não está mais, e nem o
brigadeiro e a caixa de pizza.
Subo as escadas, pronto para ser atacado por ela. Duke fica rosnando
enquanto me encara, agora na porta do quarto do seu dono.
Por que ele me odeia tanto? Parece até que o Nicholas o treinou para
me aterrorizar. O que de verdade não duvido.
Caminho com calma, parando na porta do quarto das meninas. Está
entreaberta, a luz acesa. A pizza e o brigadeiro estão na cama, mas a Louise
está de pé perto da janela, com o celular na mão. Franzo o cenho, porque ou
estou ficando míope igual ao Nicholas, ou ela está pálida.
Seus olhos focam na porta e ela tenta mudar a expressão, mas parece
não estar conseguindo. Abro a porta de vez, desconfiado.
— A Piper não vem agora. Foi jantar com meus pais. — Ela franze o
cenho, como se estivesse confusa com o que acabo de falar. — Me perguntou
dela.
— Ah... Sim. Tá bom.
Isso só mostra que a Piper estar em casa não importava. Ela até
esqueceu que perguntou. Mas pela expressão dela, significa que tem algo
rolando de verdade aqui.
— Conseguiu falar com a Audrey? — Ela franze de novo o cenho. —
Falou que falaria com ela então.
— Ah... Verdade. Estava falando agora. O que está fazendo aqui?
Não pergunta com ignorância ou em tom de ameaça como sempre
faz. Louise está mesmo parecendo assustada. Está pálida de verdade.
— Não que seja da minha conta, mas você está bem?
— Ótima! — Engole em seco, e joga o celular na cama e se senta ao
lado da pizza.
— Louise, qual é? Está pálida. Vamos fazer assim, me fala o que está
rolando e ficamos quites com o lance do Ano-Novo que me impediu de sair
bêbado e com a moto. Ninguém precisa saber, e a gente finge que nada
aconteceu e voltamos a nos odiar logo em seguida.
— Não é nada, Kayden. Só uma forte cólica.
Não acredito no que ela fala. Porque quando ela surgiu em casa
depois do Halloween com um boneco tenebroso, chamando de KS, disse que
não tinha nada a ver comigo, porém criou uma ruguinha entre as sobrancelhas
dela quando dizia isso, mas já vi ela espancando o boneco após eu a irritar,
aquilo é puro vodu meu. Sinto dores cada vez que ela o espanca. Toda vez
que ela diz algo que de fato é verdade, como sua sede em ver meu sangue,
não existe a ruguinha entre as sobrancelhas, mas quando mente, ela fica bem
ali, como está agora. É exatamente assim que sei quando devo correr, quando
sei que suas ameaças são reais ou não.
— Sei.
Pego o meu celular e envio uma mensagem bem rápida, enquanto ela
liga a nova TV que Piper e ela instalaram no quarto, e que tenho certeza de
que a qualquer momento vai cair da parede, porque não quiseram nossa
ajuda, disseram que sabiam o que faziam, mas algo me diz que tem um
buraco enorme atrás disso, porque o barulho que isso fez quando instalaram
uma semana antes do Natal, não foi normal.
A mensagem vem rápido:
Audrey: Ela não falou comigo, Kay. Na verdade, ela mal falou
comigo até na arena mais cedo. Ela estava calada demais hoje, perguntei
para a Piper se era algo rolando, mas ela disse que não era nada com a
gente. O que rolou? Kayden, ter medo dela não significa que pode tentar
matá-la ou jogá-la em uma mala e mandar para o Brasil, sabe disso, certo?
Eu não posso ser seu álibi!
Sorrio.
Kayden: Como pode pensar o pior de mim? Eu sou o gêmeo do bem,
deveria saber, Addie!
Anoto mentalmente para não fazer nada disso, seria suspeito, já que
desconfia que eu faria. Preciso pensar em outras coisas.
Guardo o celular no bolso e encaro a maluca e o boneco de vodu logo
atrás dela. Me arrepio todo. E aí não quer que eu a chame de bruxa também.
Porra, que boneco tenebroso, mas ao mesmo tempo me lembra. Sinto uma
pontada na coluna. Isso é puro vodu sim.
Ela encosta na parede, cruza as pernas em lótus sobre a cama e abre a
caixa da pizza. Sua cor está voltando aos poucos, mas ela parece ainda estar
preocupada, assustada com algo, e tem a ver com o que viu em seu celular. O
que pode teoricamente ser sobre o que ela esconde da gente, porque tenho
certeza de que esconde. Preciso achar sites melhores e menos confusos
falando sobre ela.
— Vai ficar de vigia aí? — Morde a pizza, e dá play no filme. É algo
de terror e suspense. Não me admira.
Encaro-a desconfiado, antes de sair do quarto. Envio uma mensagem
ao Elijah, e recebendo rapidamente a resposta de novo, e dessa vez sendo
xingado até minha próxima geração, quando cancelo minha ida.
É, realmente não sou o Nicholas. Não tenho a frieza que ele tem. Eu
não a odeio de verdade. Tenho medo? Claro. Desconfio? Muito. Quero ela
bem longe? Com certeza. Mas não odeio a garota satã, muito menos sou frio
ao ponto de ignorar que ela está mal e escondendo algo. Ela até pode estar
tentando me comprar com brigadeiro e pizza, mas é pelos produtos dela, só
que algo aconteceu, não sou idiota.
Abro a porta do meu quarto e respiro fundo. Além de gostoso sou
bondoso, que pacote completo.
Tiro a jaqueta e as botas. Em seguida tiro as coisas do bolso da calça.
Meu estômago ronca, e só penso na pizza e no brigadeiro. Porra, eu não me
vendo por comida, já meu estômago tem vida própria... Inferno!
Saio do meu quarto, porque pela pizza e o brigadeiro, talvez eu possa
colocar minha vida em risco. Já coloquei pelo Nicholas e a Piper que me
desvalorizam. Pizza e brigadeiro me valorizam, e dão carinho ao meu
estômago.
Entro no quarto das meninas, tomado pelo som do filme que a Louise
assiste. Está com as cobertas na perna dela agora e a luz apagada. Me jogo ao
seu lado na cama, as pernas para fora do colchão, enquanto pego uma pizza
da caixa.
— Vamos fingir que não tentou me comprar com brigadeiro e pizza
para ter seus produtos.
— Eu nunca faria isso! — A ruguinha surge bem entre as
sobrancelhas. — Ai, cale a boca!
Mordo o pedaço de paraíso e encaro a TV, no instante que a porta da
casa é escancarada no meio da noite, assustando o grupo de amigas no
segundo andar.
— Como a porta abriu se elas trancaram e não tinha ninguém ali? O
filme nem é sobre assombração.
— É filme. Não é para ser tudo perfeito.
— Claro que é. Quem abriu a porta? Qual a lógica? A porta se abre
no comando do pensamento? Ah, me poupe. Que merda.
— Sempre soube que não sabe apreciar bons filmes. Vive
reclamando dos que escolho na noite do filme com a Piper, que você se
intromete nelas.
— Sou convidada! — Revira os olhos. — E você tem péssimo gosto,
idiota. — Largo a borda da pizza e puxo o prato que tem brigadeiro e uma
única colher. — E deixe o meu brigadeiro em paz. Você não iria sair? Se
acha que estou fazendo tudo isso pelos meus produtos, então por que ainda
está aqui?!
— TPM, Satã? — Levo o brigadeiro à boca. Se eu morrer pelas mãos
dela, ao menos terei tido uma ótima última refeição.
— Estou, e saiba que está me irritando profundamente agora. —
Respira fundo.
Passo a língua pelo lábio inferior, tirando o doce preso nele.
— Negar comida é pecado.
Pego outro pedaço de pizza e encaro a TV. As meninas desceram
para ver o que era, e então fecharam a porta.
— Se outra porta abrir magicamente, eu vou me matar. E para de
torcer para isso acontecer, idiota!
Eu nem estava pensando nisso, estou mais focado no queijo da pizza.
As meninas do filme gritam, me assustando. Louise me olha e ri.
— Assustadinho, imbecil?
Mostro o dedo do meio a ela, e deixo outra borda na caixa. Nem
sempre como elas.
Encaro o filme e as meninas estão no segundo andar de novo, rindo
pelo susto que levaram. Outra porta é aberta agora, no corredor que estão.
Elas gritam se assustando de novo e dessa vez com mais pânico.
— Ah, que porra! — Louise reclama com a boca cheia de brigadeiro.
— Me dá essa merda aqui! — Pego o controle e aperto o botão para
ver as informações do filme. — Elas alugaram uma casa mal-assombrada
para o verão. Sério que não leu isso?
— Não. Li até a parte que alugaram a casa. Estava cansada.
Ela me ignora, gesticulando, e pega uma pizza. Largo o controle e
respiro fundo. Pego outro pedaço de pizza e começo a mastigar.
As meninas acendem a luz, mas ela apaga e elas gritam ainda mais
desesperadas. Falam sobre pedir ajuda, que tem algo acontecendo, mas um
grito mais forte de uma se destaca, e quando as luzes retornam, e elas olham
para o chão, uma das meninas está caída, com a cabeça fora do corpo e muito
sangue.
Sinto o meu estômago revirar.
— Acho que vou vomitar.
É nojento, foca bem na cabeça, a parte do pescoço e tudo que tem
dentro. Louise ri maquiavélica para a cena. Faço uma cara de nojo, sentindo
realmente o meu estômago revirar. Comer vendo isso não é legal.
Louise vira o rosto na minha direção.
— Está zoando que isso realmente te afetou? Olha que cena mal feita.
Encaro a pizza. Dispenso ver a cena de novo, principalmente ouvindo
alguém vomitar. Sou muito de boa com tudo isso, se eu não estivesse
comendo. Que nojo!
Louise bate a mão no interruptor perto da cama e me encara,
gargalhando.
— Meu Deus, você está pálido. — Pausa o filme. — Tem o estômago
tão frágil assim?
— Eu estava comendo, cacete! — resmungo. Largo o pedaço pela
metade.
— Merda. Não está mesmo zoando. — Salta da cama. — Vou pegar
água para você. Se for vomitar, faça longe da minha cama e da comida, ou te
mato!
Ela sai às pressas do quarto. Encaro a TV, e ela pausou bem na cena
da menina morta.
Retorna com uma garrafinha de água gelada e me entrega. Sento-me
e abro a garrafa. Bebo a água, acalmando a sensação de ânsia.
— Quem diria. Quase dois metros de altura, cheio de músculos e todo
franguinho para ver uma cena ruim dessas. — Encaro-a, irritado. — Serei
legal, não se acostuma. Vou trocar de filme.
— Louise e legal não combinam na mesma frase!
Acerta-me com o boneco esquisito e jogo ele longe. Porra
assustadora. Se senta na cama de novo, se ajeitando com a coberta e apaga a
luz, então tira o filme.
— Desenho animado para o bebezão?
— Você consegue tirar minha educação, sabia?!
Ela ri e escolhe outra coisa, e não brincou falando do desenho.
Coloca RIO.
— Se ficar com medo do pássaro malvado, pode chorar, não se sinta
tímido — ironiza. — E irei colocar legenda para você, mas me recuso a
assistir ele em inglês! Sabe ler, né?
Faço uma careta para ela e puxo o brigadeiro. Ela fica rindo. Eu
estava comendo, caramba, e a cena era nojenta. Só isso!
— Mais do que você que não leu tudo sobre o filme e ficou criticando
à toa!
— Era ruim de qualquer forma! — Dá de ombros.
Está na metade do filme, pelo jeito. Não deixo de notar os olhos
brilhando da Louise, e os risinhos com o filme. Uma coisa é certa: ela sente
falta de casa. Porém, estranhamente, ela parece não se comunicar com
ninguém de lá. Ela nem fala sobre isso, o que sabemos dela é raso.
Ela esconde coisa séria.
Se encolhe e faz uma sutil careta, enquanto se ajeita. Agora realmente
acredito que existe uma cólica.
— Quer remédio? — Encaro-a de lado.
— Por que eu iria querer?
— Porque agora realmente está com cólica. Está se encolhendo e
fazendo careta.
— Não preciso de remédio. Posso aguentar isso. Todo mês aguento
isso totalmente de boa. Não sou a Piper e a Audrey.
— Não falei que era.
— Presta atenção no filme! — Se ajeita de novo, parecendo procurar
uma posição que incomode menos a dor que deve estar sentindo.
— Quer remédio?
— Já disse que não. Estou muito bem. — Revira os olhos e encara o
filme.
Encaro o filme, ignorando a teimosa. Além de maluca é birrenta.
LOUISE
Irei aceitar essa cólica infernal como castigo. Só pode ser. Tudo está
dando errado essa noite. O Kayden descobriu que estou tentando pegar meus
produtos de volta. A cólica realmente veio de verdade. Recebi mensagem
daquele desgraçado no Brasil, só para acabar de vez com tudo, e ainda tive
que dividir minha comida com o imbecil que mantém refém os meus
produtos e que está dormindo na minha cama, todo torto e nem prestou
atenção no final do filme RIO.
Procuro por remédio de cólica na caixinha de remédios da Piper, mas
todos eles estão vazios. Sinto o castigo ir piorando.
Largo a caixinha no armário de primeiros socorros na cozinha e vou
para a sala, agarrada ao celular. Jogo-me no sofá, com muita dor. Encosto a
cabeça no encosto do sofá e respiro fundo.
No Brasil, minha avó faria um chá como só ela sabe fazer, me
colocaria embaixo das cobertas, e ficaria me fazendo companhia enquanto eu
tomava seu chá, e dormiria recebendo seu carinho, o melhor do mundo, se
bem que só recebi carinho dela naquela casa, não é como se eu de fato
pudesse comparar. Dona Adelaide cuidou dos meus machucados quando eu
era criança. Era ela que cuidava de cada moedinha que a fada do dente me
deixaria. Ela sempre estava em minhas reuniões escolares. A primeira vez
que menstruei e achei que estava morrendo, ela riu muito e cuidou de mim,
me ensinou tudo sobre o que acontecia com meu corpo naquele momento. Me
acolhia na TPM, nos choros, nos medos, nas gripes, eu vivia gripada por não
cuidar bem da minha imunidade, e então ela me enchia de chá e um monte de
legumes, verduras... Suspiro, sentindo os meus olhos marejarem com as
lembranças.
Eu sinto falta do meu lar, ela era o meu lar. Sempre me protegeu de
tudo. Cuidou de mim na ausência daqueles que deveriam cuidar, porque
estavam ali, mas era o mesmo de não estar. Até mesmo quando comecei a
namorar, ainda que ela o odiasse, continuou ali, me aconselhando
incansavelmente. Quando noivei, foi da mesma maneira. Quando fugi, ela
também cuidou e me aconselhou.
Só precisava dela agora, seus chás resolveriam minha cólica, seu
carinho me faria acalmar esse estresse.
Desbloqueio a tela do celular, a essa hora ela já deve estar dormindo
no Brasil. Abro as fotos e vou nas que tenho com ela. Passo uma por uma.
Uma pena eu não ter tido tempo de aproveitar o meu avô, mas ela ocupou até
esse lugar vazio dentro de mim. Sorrio emotiva, enquanto aperto o pé da
barriga como se essa dor fosse passar assim.
Lágrimas escorrem pelo meu rosto, principalmente quando me
lembro da mensagem que recebi. Se eu tivesse ouvido ela, tudo seria
diferente agora. Eu não precisaria deixar ela para trás. Estaríamos juntas
como sempre foi.
Piper me envia uma mensagem:
Piper: Vou chegar ainda mais tarde do que já é. Não se matem. O
jantar na casa dos Spencer, está levando a rumos sobre papo de casamento,
filhos, e estou vendo a hora que o Nicholas vai se matar. Não deixe o Duke
encostar nos meus livros! Provavelmente vão fazer de tudo para dormirmos
aqui! Me socorre se isso virar uma loucura?
Como se o Duke destruísse qualquer coisa dela. Ele ama ela, até mais
do que ama o próprio dono, incrível que nem o Nicholas nota isso, que o
cachorro não é mais dele.
Respondo com emojis apenas. Não tô legal. Como diria minha avó: O
tiro saiu pela culatra. Eu me ferrei de todas as formas. E nem consegui me
aproximar o suficiente do Kayden para convencê-lo de que deve largar essa
merda de investigação da minha vida. Ele está desconfiado, não fui muito
sutil na minha mudança de personalidade.
Enxugo o rosto e largo o celular, então agarro uma almofada e fico
olhando para o nada e pensativa. A cólica não parece que vai melhorar, e pela
janela vejo que a neve voltou a cair.
Meu celular começa a tocar, é a minha avó. Franzo o cenho,
preocupada e surpresa. Ela dorme cedo em dias normais.
Atendo rapidamente, sentindo até um frio na barriga de medo.
— Vó, está tudo bem?
— Oi, meu solzinho lindo. Está. Como está por aí? Tudo bem nesse
início de ano?
Franzo o cenho, mas respiro mais aliviada.
— Está. Pensei que já estivesse dormindo, iria ligar e até desisti.
— Então foi sinal! Eu senti que precisava da sua avó. Passei o dia
todo com você na cabeça, e agora à noite isso intensificou. O que está
acontecendo? Sua voz está abatida.
Não tem como esconder nada da pessoa que de fato me criou.
— Estou com uma cólica terrível, e aqui não tem seus chás e nem a
senhora. Mas não é só isso, vovó… — Respiro fundo e fecho os olhos por um
momento. — Ele não para de entrar em contato por mensagens. Falando
sobre o casamento que seria esse ano. Mas a de hoje foi a pior. Disse que
sabe onde estou, e que se necessário virá aqui para a gente resolver isso, e
casarmos, que tudo que aconteceu foi um pequeno erro, e ele vai fazer
diferente… Eu não quero ele aqui. Eu não posso lidar com isso agora.
— Sabia que ele ficar rodeando aqui em casa não era coisa boa.
Domingos só pode estar doido da cabeça, ele pode ser seu pai e meu filho,
mas não tenho como defender isso. E Mônica então? Ela é mulher, e deveria
entender ainda mais o que você passava nessa relação tóxica. Às vezes me
pergunto onde errei com Domingos e onde errei nos conselhos que dei a sua
mãe!
— Não errou em nada. Eles são assim, e infelizmente não podemos
mudar isso. Mas a senhora disse que ele está indo aí? — Sinto meu estômago
embrulhar.
— Sim! Faz de tudo para me agradar, sabe que sou a única que
impediria uma segunda tentativa desse fracasso de relacionamento. Tenho
vontade de quebrar um prato na cabeça dele, toda vez que entra nesse
apartamento! — Sua fúria é evidente em seu tom.
— Vovó, não se mete com ele, por favor! Deixa que eu resolvo isso,
vou dar um jeito.
— Louise Pimentel, se estiver falando com ele, eu apareço aí para te
pegar! Não atenda as ligações dele e não responda essas mensagens.
Bloqueia ele!
— Bloquear não resolve. Ele sempre arruma outro número. Virou
perseguição já. Eu não respondo, e não atendo também. Não estou pronta
para ouvir a voz dele de novo, ou lidar com ele. Mas estou com medo, vó…
Estou apavorada. A temporada de lutas dele iniciou, e ele sempre tem
algumas nos Estados Unidos. E se ele aparecer aqui? E se ele estragar minha
vida de novo?! — desabafo.
Ela é a única que faço disso abertamente. Dona Adelaide é minha
melhor amiga também.
— Vou dar um jeito. Ele está tentando me conquistar. Farei ele tirar
essa ideia de ir atrás de você. Vejo o que posso inventar. Ele sabe que somos
muito grudadas, meu raio de sol. Darei um jeitinho, prometo!
Sorrio, mas a dor e as preocupações me impedem de manter o sorriso
por muito tempo.
— Vó, toma cuidado. Não seja maluca. A senhora já é uma idosa,
não se meta com ele. É sério!
— Posso ser idosa. Mas não tem dor na coluna, que não me faça te
defender. Ele pode ter feito merda com você uma vez, mas enquanto eu viver
ele não fará uma segunda. E se o seu pai continuar passando pano para ele,
eu deserdo o meu próprio filho, porque não criei filho para apoiar um
abusador nojento! Nunca admiti que seu avô me levantasse a voz, quem dirá
a mão.
Engulo em seco, gatilhos começam a me atingir, e as lembranças de
tudo também.
— Eu te amo. Obrigada por ser minha avó…
Lágrimas tornam a escorrer pelo meu rosto.
— Também amo você. Sempre pode contar comigo. Está precisando
de mais dinheiro? Tem tudo que precisa? Quer algo?
— Não, está tudo bem.
— E a universidade? Gosta do curso? É isso mesmo que queria?
Ela troca de assunto. Vovó sempre sabe quando algo atinge um
gatilho meu, mesmo a distância. Nossa conexão é a melhor do mundo.
— Odeio todo mundo da BTIU, exceto a Piper. A senhora iria amar
ela, sabia? Um doce, ama ler como você e é metadinha brasileira. Dupla
cidadania igual eu. Mas ela tem mais da cultura e do jeitinho daqui, onde vive
mais tempo.
— Fala muito dela. Assim como da outra moça, a Audrey.
Patinadora. Vi notícias sobre ela. Falam que possivelmente ela e o esposo
estarão nas próximas Olimpíadas.
— Sim! — Sorrio. — São incríveis, e não são da BTIU, viu só?
Naquela universidade só se salva a Piper!
Ela ri e é tão bom esse som.
— Meus tempos de universidade eram ótimos. Só transava e bebia!
— Vovó! — Ela gargalha. — Mas fazia bem. Talvez eu precise
aderir isso!
— Desde que dessa vez seja com o homem certo, te apoio em tudo!
Se joga, minha neta!
Balanço a cabeça. Sério, quem controla essa mulher? Ela já foi
controlada algum dia?
— Dona Adelaide Marina Pimentel, não deveria ser meu juízo?
— E quem disse que não sou?
Sorrio de novo, mas a dor está piorando e preciso respirar fundo.
— Vó, obrigada por ligar. Foi bom falar com a senhora, mas preciso
arrumar um jeito dessa dor passar.
— Que ervas tem aí? Te ensino um chá agorinha!
— Maconha serve? Com certeza é o mais perto de ervas que
encontrei na casa desses gêmeos!
Ela gargalha de novo.
— Bons tempos… Ficava muito relaxada com essa aí!
— Meu Deus! Vó, que tipo de pessoa a senhora era? Quer saber?
Nem me responde!
— Tome um banho, agasalhe esse pé que tenho certeza de que está
sem meia nesse frio terrível que deve estar fazendo aí. Nada de cabelo
molhado, ou eu vou sentir daqui e irei até aí te dar uma surra. Tome algo
quentinho, fique deitadinha, e descanse. Se a dor piorar demais, vai no
médico. Nada de ficar se medicando, essas drogas são uma merda!
— A senhora toma várias delas por dia.
— E por isso tenho propriedade para dizer que são uma merda!
— Farei isso. Te amo muito e sinto sua falta.
Ela suspira.
— Também sinto a sua. Te amo mais que tudo nessa vida. Se cuida,
meu raio de sol. Me liga se a dor não melhorar ou se precisar de algo. E
esqueça esse infeliz, foque em si mesma, bloqueie ele quantas vezes for
necessário.
Assinto, ainda que ela não possa ver. Me despeço, e assim que
desligamos, deixo o celular cair no sofá. A dor está piorando mesmo, mas
não irei falar para ela, vai se preocupar. Isso deve ser consequência do
estresse com a mensagem dele.
Passos na escada me fazem olhar na direção dela. Kayden está
agasalhado, parece que vai sair. Que ótimo, se eu morrer, vão encontrar só
meu corpo nessa merda, todo mijado pelo Duke ainda.
— Estou saindo.
Não diz nada além disso. Está sério. Abre a porta da garagem e some.
Eu realmente perdi meus produtos e estou prestes a morrer. Morrerei
com o cabelo sujo, e mijada pelo Duke, ele vai mijar em mim.
Tomei banho, coloquei a meia, e tomei leite quente. Nada resolveu.
Eu preciso da minha avó. Eu vou morrer. Perguntei a Piper se tem remédios
escondidos em casa, e ela disse que esqueceu de comprar. Não vou pedir para
trazerem, está nevando demais.
Audrey deve ter, o pai dela é médico, e hipocondríaco, ainda que ele
não assuma. Ela sempre tem remédio para tudo por causa disso. Mas não
farei ela vir da casa dele e nem ele vir da casa dela me socorrer.
É isso, morrerei e sem meus produtos.
Agarro os meus travesseiros e choramingo tomada pela dor chata. É
uma dor insuportável para ser sincera.
Duke começa a latir. Ou o Nicholas chegou com a Piper, ou ele está
devorando o Kayden, e se for o último caso, serei grata, levando em
consideração que ele não teve um pingo de piedade, e sumiu, me deixando à
beira da morte, ainda que não soubesse.
Ele realmente não me suporta. Meu Deus! Eu deveria me sentir
lisonjeada, mas, caramba, estou morrendo. Nem eu seria tão fria assim. Nem
o idiota do Nicholas consegue ser nesse nível.
Fecho os olhos e tento pensar em sol, praia, coisas que amo, para
distrair minha cabeça. Contar floquinhos como a Caitlyn vive falando,
também não parece ser útil agora. Pensar na cara do Kayden arranhada, não
resolve também.
Eu me recuso ir ao hospital por uma cólica. Que humilhação nessa
noite!
A porta do quarto é escancarada, e isso deixa claro que não é a Piper.
Ela é delicada.
Viro para o lado, apenas os olhos para fora da coberta. A luz é acesa
e preciso piscar algumas vezes para focar os olhos. Kayden está segurando
uma garrafa de água e uma caixinha de remédio.
— Senta, e toma isso!
— Quem me garante que isso não é veneno?
— Claro, eu iria enfrentar essa neve toda apenas para comprar
veneno. Eu poderia te matar de outras maneiras. Está com cólica, pálida,
acredite, a vítima perfeita. Vai, senta.
Ele saiu para comprar remédio? Como ele sabia que não tinha?
Sento-me desconfiada. Estranho tudo isso. Muito estranho.
Pego a caixinha de remédio e a garrafa de água.
— Como sabe que não tem remédio aqui?
— Perguntei para a Piper.
Eu deveria ter perguntado antes de revirar a casa e perguntar depois.
Pouparia minha energia!
Abro a caixinha e noto minhas mãos trêmulas. Eu realmente acho que
estou morrendo. Pego o remédio e o Kayden pega a garrafa da minha mão,
abrindo-a, então me entrega.
Tomo o remédio, afinal mentir me trouxe até aqui. Falei que usaria
minha menstruação a meu favor, e ela levou a sério o teatro.
Entrego a água e a caixinha de remédio a ele. Ele fecha a garrafa e
deixa ao lado da minha cama junto do remédio.
— Se não tivesse sido teimosa quando perguntei se queria remédio,
sua dor provavelmente não teria piorado.
— Eu estou ótima, tá!
— Assim como estava ótima no Ano-Novo, congelando, e não
querendo meu casaco e nem que eu te esquentasse. Qual o seu problema em
aceitar ajuda?
Aceitar ajuda de pessoas que não seja a minha avó? Dispenso. Já
passei por isso, e não quero ouvir as merdas que eu ouvia, e de pessoas
daqui agora.
— Valeu! — é o que digo apenas.
— Louise, estou falando sério. Olha como está. Por que foi teimosa?
Tá, não me suporta, eu tenho pânico de você, mas não significa que precisa
chegar no ápice de uma dor apenas por ser orgulhosa o suficiente para não
querer a minha ajuda, ok?
Engulo em seco.
Cubro-me inteira com a coberta, até a cabeça toda.
— Apague a luz!
— Louise! — Ele puxa a coberta e eu poderia matá-lo bem agora,
mas estou morrendo. Se inclina sobre mim e toca o meu rosto. Tento me
afastar, mas é meio impossível. — Está com febre! Se você morrer por sua
própria teimosia e eu for preso por acharem que te matei, eu te caço no além
para aterrorizar a sua vida!
— Não estou com febre. O que você entende de febre?!
— Essa casa está totalmente quente, o aquecedor está quase no
máximo. E você está tremendo e quente pra caramba. Quer mais que isso?
— Isso é só a dor da cólica!
Ele sorri e ergue uma sobrancelha, então cruza os braços. Merda.
— Então admite que está com muita dor!
— Some daqui, idiota!
Viro-me para o lado e puxo a coberta. Fico agarrada aos travesseiros,
tentando relaxar. Fecho os olhos e escuto a luz ser apagada, ainda bem.
Porém o peso que surge no colchão, bem aos meus pés, me faz questionar
com a vida se estou pagando todos os meus pecados hoje.
Fico quieta, porque talvez fingir que magicamente já dormi, faça ele
sumir daqui.
Ele não fala nada, e isso é perfeito. Fico bem quieta, mais do que já
fiquei em toda a minha vida. É estranho toda essa interação, por mais que o
plano inicial fosse esse. A gente mal conseguia falar sem ele correr e eu o
ameaçar. Isso está me assustando.
Sinto-o ajeitar a coberta sobre os meus pés. Abro com cuidado apenas
um olho, e ele está mexendo no próprio celular, com as costas encostadas na
parede. Fecho o olho.
Por que ele só não vai embora?
Kayden se ajeita, posso sentir o colchão mexer, e o som das botas
dele despencarem no chão.
Ele não vai embora!
Estremeço, porque parece que nada está me esquentando. Tento
controlar os espasmos, mas são involuntários.
— Louise? — me chama, e continuo fingindo que já dormi. —
Louise? — insiste, e permaneço muda, mesmo tremendo igual uma doida. —
Precisa tirar esse cobertor. Isso vai aumentar sua temperatura corporal, vai
piorar o jeito que está. Está muito agasalhada. — Ele tenta tirar a coberta,
mas impeço. — Então ao menos tira esse moletom e as meias.
Não me movo, continuo do jeito que estou. Mas sinto mãos frias
demais tirarem minhas meias.
— Kayden! — Não consigo mais fingir. Eu quero minhas meias.
— Precisa eliminar um pouco dessas roupas. Está com uma coberta
grossa e cheia de roupa e queimando de febre.
— Nem pensar. Eu estou morrendo de frio. Some daqui!
Ele me ignora, porque puxa a coberta, e literalmente me imobiliza
com seu próprio corpo, ao subir praticamente em cima de mim e me puxar.
— Ergue os braços.
Eu até queria responder, mas não consigo falar direito, estou com os
lábios tremendo. Ele ergue os meus braços, resmungando por eu ser teimosa.
Tira meu lindo moletom roxo e joga nos pés da cama. Me deita de novo e
volta para o lugar onde estava.
Tremo mais. Ele quer me matar. Tenho certeza. Meu fim será uma
merda! Até o fim daquele merda do Cameron foi mais emocionante!
— Tenta relaxar, vai parar os tremores, o remédio da cólica vai
ajudar.
Por que ele se preocupa?
— T-tô ótima. É só uma f-frescura isso! — Nem revirar os olhos
consigo. Minhas forças ficaram na curta frase.
Eu realmente quero que essa noite infernal suma da minha vida.
— Estar assim é frescura? De onde tirou isso?
Engulo a saliva que desce amarga. Minha mente automaticamente
viaja para um lugar que não desejo voltar, mas é impossível impedir que ela
faça isso.
Estava deitada na cama do apartamento que meus pais nos deram
antes do nosso noivado, diziam que isso aconteceria e já estavam adiantando
as coisas. O lugar era gigante, assim como o apartamento em que cresci.
Ficava em Copacabana também poucos minutos do meu antigo lar.
A mudança tinha sido estressante. Estava no período menstrual, e
nem as aulas de vôlei na praia consegui ir. Minha avó pediu para eu pegar
leve, mas o Kevin queria resolver logo essa mudança. A temporada de lutas
dele estava iniciando, e disse que ou era agora, ou não sabia quando
faríamos. Não tive escolha. No fim, restou tudo para mim, tive que resolver
cada coisa, porque ele viajou para a casa dos pais em Niterói, enquanto eu
lidava com todo o estresse dessa mudança.
Sentia meu corpo dolorido, minha coluna me matando. O remédio
mais cedo não resolveu. Minha ginecologista disse que isso tudo tinha a ver
com o meu estresse. Fizemos vários exames, não tinha nada. Ela poderia
estar mesmo certa, sem eles, tudo ficava mais tranquilo.
A porta do quarto se abriu, me surpreendendo. Kevin não falou que
retornaria hoje.
Olhei e ele me encarou sério.
— Não está pronta? — O tom de desgosto era notório.
Merda. Eu tinha me esquecido do jantar importante que ele tinha que
ir. Com a mudança e essa cólica, me esqueci completamente.
— Kevin, não vai rolar. Sinto muito. Estou com muita cólica. Tomei
remédio e…
— Está brincando comigo, porra? Te avisei do jantar faz duas
semanas! Deixa de frescura, sai logo dessa cama e se arruma.
— Não é frescura! Eu passei mal o dia todo e agora está piorando.
— É só uma porcaria de cólica, Louise. Sai logo dessa cama. Eu
peguei um trânsito do caralho até aqui. Não me estressa ainda mais, porra!
Ele caminhou até o banheiro e se trancou lá, socando a porta com
tanta força que me fez estremecer… Eu não teria escolhas, com ou sem
cólica teria que ir.
Não foi a primeira vez que ele fez pouco caso de uma dor minha, ou
que disse que era frescura o que eu sentia. Por causa dele só pedia ajuda a
minha avó, e só permitia que ela soubesse que eu estava frágil de alguma
maneira. O Kayden ficar aqui, me trazer remédio, estar se preocupando, é
estranho demais. Nem meus pais agiam assim, eram como o Kevin.
— A dor está melhorando? — sussurra. A voz está rouca, o tom
manso.
Lágrimas escorrem pelo meu rosto. É estranho a sensação de alguém
além da minha avó de fato se preocupar com o meu bem-estar.
— Uhum…
— Vou trocar de roupa e trancar a casa, Nicholas me avisou que os
pneus do carro dele estão uma merda para retornar com a neve mais intensa
agora. Já venho, tudo bem?
Ele se levanta e sai do quarto, então choro de vez. Tomada pela
porcaria das lembranças que já não me faziam mais chorar, e agora
conseguem fazer isso novamente. É por isso que o passado tem que ficar
onde sempre esteve e o Kayden não pode trazer ele de volta para mim.
KAYDEN
Existe uma sensação de sexto sentido que muitos dizem ser apenas
coisa da nossa cabeça, devido aos medos e receios que possuímos. Mas
existem as pessoas que acreditam que isso é um alerta do universo, um sinal
de que algo está para acontecer, ou algo está errado. Eu faço parte do número
de pessoas que acreditam que isso seja sinal do universo.
Desde que vi Louise no celular, e toda confusa, esse alerta aumentou,
porque se uniu a fuga dela do casamento do Julian e da Audrey, mas também
ao mistério que ninguém parece se importar saber além de mim: quem é
Louise Pimentel? Por que ela não fala nada da vida dela? Por que ela recua
quando se tenta ajudá-la? E por que ela classificou o que sentia como
frescura? Ela estava muito mal, era nítido, a garota estava pálida. E claro,
isso tudo somou as notícias desencontradas que já encontrei sobre ela, mas é
tudo confuso, realmente precisaria de alguém que possa traduzir tudo
corretamente, porque depois do Pimentel virando pimenta, não confio mais.
Encaro o celular na minha mão, o nome dela na pesquisa do Google,
mas não aperto para pesquisar.
— Spencer 2, vá se trocar. Vocês realmente acreditam que isso aqui é
colônia de férias. Sabe qual a melhor parte da minha vida? Quando estão em
férias de verão, passo três meses sem sentir o meu coração acelerar por
estresse.
Ergo o olhar para o treinador, Gavin Allen, um senhor que ainda
iremos matar de desgosto ou estresse, talvez os dois. Sorrio e bloqueio a tela
do celular.
— Acabamos de retornar da Winter Break, pega leve, treinador!
— SPENCER 1, RESOLVA! — ele grita pelo Nicholas e começo a
rir. — Acham mesmo que sou idiota e não sei que aprontaram ontem para
suspenderem as aulas? O reitor quer ter uma conversa com vocês, porque
aparentemente um laço vermelho ficou caído na porta do laboratório e só me
lembro de uma certa pessoa com lacinho vermelho ontem!
Viro o rosto, vendo a Piper sair de mansinho da sala do treinador. Ela
seguiu o Nicholas enquanto ele aprontava no laboratório, estava com medo
de destruirmos tudo. O treinador a encara e suas bochechas coram.
Meu irmão e os meninos saem do vestiário e a encaram, balançando a
cabeça negativamente.
— O quê? Muitas garotas usam laços por aqui! — Dá de ombros e se
senta ao meu lado. — Socorro... — sussurra.
— Não. Me deixou sozinho com a psicopata e não quis me ajudar!
— Kay...
Dou uma piscadinha e me levanto.
— Todos no gelo, agora!
Ele se afasta resmungando.
— Sério? — Nicholas questiona. Ela dá um sorrisinho meigo e todos
os outros suspiram. — Puta merda, são uns bundas moles mesmo. Caralho!
— Coitadinha, ela é um amor, seu idiota. Ela não fez de propósito. E
já levamos várias advertências, essa não será a primeira! — Micah a defende.
— Isso aí! Olha essa carinha, como não fica com dó, Nicholas?! —
Elijah se derrete também.
Começo a gargalhar. Meu irmão soca o meu braço. Luke e Aidan
chegam juntos, e nos encaram.
— Em minha defesa, eu fui ter certeza de que ninguém seria preso!
— ela se defende.
— É cara, foi querer minha ex-futura esposa, eu tentei alertar que ela
era docinho demais! — Dou tapinhas no ombro do Nicholas.
— Repete isso! — Me encara e ergue uma sobrancelha. — Mas
gostaria que repetisse ali no gelo, quando eu posso enfiar meu taco no teu
rabo!
— E o dia começou tranquilo... — Luke diz entrando no vestiário.
Aidan passa por nós sem falar nada. Desde a morte do Cameron, ele
se fechou, e confesso que às vezes sinto pena. Parece que, de alguma forma,
ele só queria se encaixar em algum lugar, só que fez péssimas escolhas.
— Vamos, Micah. O clima aqui ficou perigoso!
Elijah e Micah correm para o vestiário. Piper se levanta e vem até
mim e meu irmão.
— A pessoa que mais deveria estar puta sou eu. Eu amava aquele
lacinho!
Ela passa por nós, indo para as arquibancadas.
— Ela está usando sua camiseta? — meu irmão questiona. — Me fala
que estou cansado o suficiente e vi essa merda errado!
— Não viu. Ela só quer agradar o melhor amigo dela, fazer o quê se
sou um amor?
Nicholas me empurra com força para a parede, segurando-me pela
gola da jaqueta do time.
— Eu vou te matar!
— Reza a lenda que, se matar o irmão gêmeo, você morre também.
Estamos conectados... Enforcando... Está me enforcando...
TREINADOOOR!
Ele me solta e começo a rir em meio a tosse.
— Porra, anda tomando o quê? Se você pega a Piper nessa
brutalidade, qualquer dia terei que montar a menina igual LEGO.
— SOME DAQUI, SEU FILHO DA PUTA!
Passo às pressas por ele, rindo, mas realmente preocupado com o
treino. Ele vai acabar comigo.
Dor, eu sinto dor. Piper me entrega a água, enquanto segura o meu
capacete.
— Eu acho que ele está tentando te matar.
— Você acha? Sério? Notou isso quando ele me acertou com o taco
cinco vezes ou quando ele me jogou nos vidros de proteção três vezes?
— Tive certeza quando o disco acertou sua cabeça. — Sorri.
Faço uma careta para ela e bebo a água. Ao menos ainda tenho os
meus belos dentes.
— Obrigada por cuidar da Lou. Mesmo temendo ela e querendo ela
longe, cuidou dela. — Franzo o cenho. — Ela não veio hoje. Disse que não
estava bem, que passou mal e você trouxe remédio pra ela.
Quando acordei, fiz o que tinha que fazer, já sabia que o casal estava
em casa, então não fui mais ver como ela estava, a Piper estava com ela. Fui
deixar o meu carro nos meus pais e vim para a universidade, não vi que ela
não tinha vindo.
— Está explicado por que a energia da BTIU está mais leve.
— Kayden! Louise é uma boa pessoa, sabe disso!
— Se acredita tanto nisso, me ajude a descobrir quem de fato é ela. É
impossível que todos vocês acreditem que não existe um mistério nessa
garota!
Entrego a água a ela e pego o capacete.
— Se realmente existir algo como você acredita, não acha que é
direito dela contar e não nosso de investigar?
— Depende. E se for algo grave?
— Seu irmão fez o que fez naquele dia e todos nós mentimos por ele.
Nas festinhas de vocês rolam drogas e várias outras porcarias. Seu irmão até
pouco tempo atrás relaxava com ervas, e os meninos do time usam várias
merdas que podem ferrar o time todo. Você transa com todo mundo, e vive
enchendo a cara. Julian, antes da Audrey, era uma tremenda dor de cabeça, eu
também não sou santa... Ninguém aqui tem o direito de julgar seja qual for o
problema dela, se é que ele existe. Você não nos conta tudo, eu também não
me abro totalmente... Isso nos torna menos dignos de confiança? Pense sobre
isso. Será que só não quer encontrar algum problema nela porque é difícil
acreditar que ela pode ser realmente alguém legal, mesmo sendo do jeito
maluca que é, ou uma versão feminina do Nick? Tem todo direito de
desconfiar das pessoas, Kay, só não tem o direito de expor o que elas talvez
queiram deixar oculto.
Ela fica na pontinha do pé e deixa um beijo no meu rosto, então se
afasta. Coloco o capacete, sabendo que serei morto agora.
Respiro fundo, pensativo sobre suas palavras, mas não foco por muito
tempo, porque meu irmão me leva ao chão ao passar por mim.
— CARALHO, ISSO JÁ É TENTATIVA DE ASSASSINATO! —
grito.
Entro na sala do reitor, porque pelo jeito a bronca que ele nos deu no
final do treino não foi o suficiente. Ele me chamou no final da minha última
aula.
— Já entendemos, sr. Williams. Mas se o senhor levar em
consideração que meu gêmeo do mal fuma, logo verá que não ando com
isqueiro. — Nicholas merece isso, depois de me arrebentar no treino por
ciúmes.
— Sr. Spencer, não é disso que quero falar. — Franzo o cenho. Ele
me indica a cadeira diante da sua mesa, e por sorte ele está sentado mais
afastado da mesa. O bafo, o cheiro ruim, isso nunca muda nesse homem.
— Então?
Sento-me e deixo a mochila despencar aos meus pés.
— O senhor tem ignorado os e-mails da BTIU. — Engulo em seco.
— Todos os seus professores estão preocupados. Suas notas estão caindo sem
parar. O treinador não vai conseguir mais arrumar jeitos de poder continuar
no time até que possa se formar, se é que vai se formar. Com as notas que vi?
Impossível. O conselho da BTIU não tem como ajudar. Não tem pontos
extras, fugiu do estágio, aulas complementares o senhor mal comparece. Sr.
Spencer, eu não sei o que deseja realmente da sua vida, mas se quer se formar
no seu curso ainda esse ano, precisa demonstrar mais isso, porque tem
pouquíssimo tempo para recuperar tudo, e eu realmente duvido que vá
conseguir.
— Quanto tempo? — Minha voz é baixa.
Ele olha para o calendário na sua parede, e aponta.
— Tem até o baile da primavera. Depois dele estaremos preparando a
formatura.
— Isso é menos de três meses!
Ele me encara.
— Pensasse nisso antes. Teve anos na BTIU para se dedicar. Seu
irmão atrasou a formação, mas se recuperou. Deveria ter seguido o exemplo.
E seus dias no time estão contados. Se até o baile da primavera não tomar
uma decisão sobre o que realmente deseja fazer, estará fora do time, e se
quiser tentar novamente se formar futuramente, saiba que no time não entrará
mais. Estar no hóquei depende das suas notas, sempre soube disso. Fiz vista
grossa durante muito tempo.
— Sr. Williams, tem jogos importantes, eles vão ser cruciais para
conseguirmos um bom time fora daqui. Terá muitos olheiros de times,
principalmente os maiores destaques da NHL!
— Pensasse nisso antes. Quer um conselho? Se o hóquei realmente é
o que te importa, melhor torcer para algum time te enxergar antes da
primavera, porque esse ano o senhor não vestirá uma beca e não continuará
no time ainda que permaneça na BTIU e muito menos estará nele depois do
baile se não conseguir um milagre nessas notas.
Ele estende o papel que está na mesa. Olho para ele, e vejo todas as
notas. Respiro fundo.
— Era só isso?
Ele assente.
Pego a mochila e levanto-me.
— Sinto muito, mas sempre soube como as coisas funcionavam por
aqui.
— Não comunique aos meus pais. — Me olha desconfiado. — O
senhor sempre faz vista grossa de coisas piores e fazia isso para pessoas que
nunca mereceram, mas tinham moeda de troca! Espere o baile, se até lá nada
mudar comunique eles sobre todo o dinheiro que jogaram no lixo.
Olha-me com raiva. Ele sabe ao que me referi quando falei sobre ele
fazer vista grossa.
— Sabe o mais engraçado, sr. Spencer? — Cruza as mãos sobre a
mesa. — Todos acham que é totalmente diferente do seu irmão, mas possuem
o mesmo olhar quando o cerco fecha para vocês. Minha maior paz será me
livrar dos dois este ano, então se puder resolver logo o que quer que decidir,
serei eternamente grato. — Aperto o maxilar e fecho a mão em punho. —
Deveria ter se inspirado nele. Mesmo com toda as porcarias que ele apronta,
ele vai se formar e continuar liderando o time até sair daqui. Se tivesse feito
isso, não estaria com raiva como demonstra estar. Eu não sou o inimigo aqui,
Spencer, pelo contrário. Suas escolhas, suas consequências!
Saio da sua sala, socando a porta.
Se inspirar no Nicholas? Eu o controlei para evitar que essa porra
de cidade não fosse abaixo. Bastava um só como ele!
Passo pelas portas duplas da universidade. Ignoro todo mundo que
fala comigo. Estou irritado, cansado, e sei que vou me arrepender de qualquer
merda que sair da minha boca agora.
LOUISE
Termino de finalizar o meu cabelo, graças aos produtos que o Kayden
deixou ao lado da minha cama em algum momento da madrugada, que eu
estava apagada, porque acordei e os encontrei lá, e era bem cedo, e ele ainda
dormia.
Ainda não estou cem por cento e o sr. White me liberou da arena. Me
sinto esgotada da cólica intensa, do estresse com a mensagem, e estou
tentando esquecer que logo Kayden Spencer me ajudou.
Levo os meus produtos para o quarto. Minha avó não para de me
mandar áudios no WhatsApp questionando se estou melhor. Disse a ela que
estava, mas a verdade é que ainda estou me recuperando de tudo que
aconteceu nas últimas horas.
Pego meu notebook, cadernos, algumas canetas e livros. Amanhã
tenho uma prova, e o melhor jeito de me distrair de tudo será focando nos
estudos. Nunca fui péssima aluna, apenas tem dias que odeio estudar e fujo
disso; e em outros, foco completamente.
Vou para o primeiro andar, e me jogo na cadeira da mesa de jantar.
Duke me olha desconfiado. Eu ainda não sei se ele gosta de mim, me tolera
ou planeja minha morte. Abro os livros, o caderno e o notebook. Subo as
pernas para cima da cadeira, apoiando o queixo nos joelhos, sabendo que se
minha avó me visse sentada assim, daria bons gritos na minha orelha,
dizendo que vou acabar com a minha coluna.
Abro os sites que preciso e começo a ler eles e os livros, e faço
alguns resumos para ficar lendo depois. Eu realmente preciso parar de deixar
tudo para a última hora.
Meia hora depois e juro que quero cortar os meus pulsos. Meu
cérebro já bugou ao ponto de as anotações estarem em inglês e português,
tudo misturado. Minha letra é péssima, e ela conseguiu ficar pior. Se eu vou
entender o que estou anotando, é outra história.
A porta da sala se abre no instante em que me alongo. Se eu não
estivesse olhando, eu diria que é o Nicholas que entrou, pela brutalidade, mas
me surpreendo vendo ser o Kayden. Pego a caneta de novo e disfarço,
olhando para o caderno, fingindo não ter notado ele.
Merda, estou me sentindo uma ridícula depois de ter me mostrado tão
frágil para ele. Isso está acabando comigo cada vez que me lembro. Desde
que cheguei aqui, nunca mostrei esse lado mais frágil, ao menos acredito que
consegui evitar ao máximo, e então por um plano de merda para tirar o
Kayden do meu caminho, acabou tudo dando errado.
Duke late e ergo o olhar sutilmente. Kayden o ignora, não diz nada.
Sobe as escadas pulando alguns degraus. Duke me olha, confuso, até eu
estou. Escuto a porta abrir e bater, o que me surpreende ainda mais.
Sem provocações?
Sem reclamar do Duke?
Encaro minhas as coisas na mesa e depois a escada. São nessas horas
que odeio ser fofoqueira e curiosa, porque não terei paz enquanto não
entender que merda aconteceu por aqui.
Paro na porta da casa dos White. Eu precisava sair um pouco daquela
casa, depois de quase duas horas na cadeira, fazendo anotações. Não está
nevando hoje, ainda está bem frio, mas sem a neve já me anima mais a sair.
Enviei mensagem para saber onde a Audrey estava, porque precisava
sair para conversar um pouco, e hoje ela está de folga dos treinos, e topou na
hora fazer alguma coisa juntas.
A porta se abre e ela pula em cima de mim.
— Me fala que essa alegria é porque irei te ajudar a esconder um
corpo. Anima o meu dia!
Ela ri e se afasta.
— Isso é alegria de poder sair. Vamos ao Hot Coffee e depois passar
na casa dos meus pais, minha mãe está de folga e empenhada na cozinha, o
que significa coisas muito gostosas. Eu precisava muito de um dia “não
patinadora”. Então a regra de hoje é: não falar nada de patinação, ou me
matarei na sua frente!
Começo a rir.
— Sua sombra sabe que está quase largando a patinação? — brinco.
— Largar? Jamais. Mas as vezes preciso desse tempo longe de tudo
isso. Vou pegar minha bolsa. Caty saiu com o pai, um passeio depois da
escola, um momento deles. E eu preciso do meu. Piper ainda está na arena?
— Sim. Mas não vai poder nos encontrar, enviei mensagem e ela
disse que precisa entregar alguns trabalhos nas redes sociais ainda hoje.
Ela pega a bolsa no sofá e me empurra, fechando a porta
rapidamente.
— Então seremos só nós duas e o sonho de ter liberdade por um dia.
Se surgir uma festa hoje, iremos, acredite, eu aceito até pular do penhasco
hoje, e eu tenho pavor de altura!
— Eu iria amar ver isso, mas acredite, estou me recuperando de uma
cólica assassina, não poderei me divertir tanto assistindo você pular!
— Você deveria dizer para eu não pular! — Abre a boca em choque.
Entramos em seu carro, um Tesla branco.
— Por que eu faria isso? Jamais impediria esse tipo de
entretenimento.
— Você é péssima, Louise!
Ajeito minha bolsa no colo e coloco o cinto.
— Obrigada pelo elogio, gata! — Dou uma piscadinha e ela ri.
Tomamos nossos cappuccinos do jeito favorito da Audrey, com
caramelo e vanilla. Ela parece estar no paraíso com sua bebida. O Hot Coffee
está cheio, a alta temporada na cidade faz isso.
— Parece que esse ano essa cidade está mais cheia — comenta e olho
ao redor.
— Sim. Todos estão aqui pelo inverno. Aparentemente tem maluco
para tudo.
Ela sorri quando a olho.
— Não gosta do frio, né?
Sorrio e nego.
— Cresci em uma cidade bem quente, em um país tropical. Mesmo
quando fiz o ensino médio aqui no país, não me apaixonei por esse clima, que
parece atrair tantos turistas ao país e a BTI.
— Eu cresci no calor também. Na Califórnia é bem gostoso de se
viver, o frio por lá é bem tranquilo comparado aqui. Já esteve lá?
— Já. Conheço alguns lugares daqui, mas o que mais visitei foi Nova
York, Orlando e Miami.
— Por que BTI, se o frio não é seu clima favorito? Poderia ter ido
para outras universidades no país, em lugares com um tipo de frio menos
intenso. — Bebe sua bebida e suspiro.
— Talvez eu seja sádica! — Dou de ombros e rimos.
— Ou só queria recomeçar longe de tudo. — Franzo o cenho. — Eu
fiz isso, sabe. Escolhi retornar onde tudo começou para recomeçar, e veja só,
me encontrei, e recomecei de verdade.
— O amor não é um recomeço para todos, Addie...
— Não me referi a ele. Eu amadureci demais aqui. Enfrentei traumas
e sigo enfrentando. Voltei a patinar. Vejo os meus pais mais felizes por me
verem melhor. Tenho aprendido a respeitar mais os meus sentimentos,
mesmo os não muito legais. Aqui em Beyond The Ice, mesmo com todos os
problemas que enfrentei desde que cheguei e com tudo que aconteceu no ano
passado, eu sinto que é o meu lugar. A Califórnia nunca foi minha casa, e
hoje sei disso. Este é o meu lar, onde eu consigo me conectar comigo mesma.
Sorrio.
— Temos definições diferentes do que de fato é lar.
— É mesmo? Por que acha isso? — me analisa. Audrey é
observadora, mas eu também sei ser. Uma pena que aprendi tarde demais.
— Sua definição de lar é poder estar em um lugar onde entende a si
mesma e aprende a lidar com seus sentimentos e fazer o que ama. A minha
definição de lar é estar ao lado de quem me faz bem, isso me traz esse
sentimento de estar no meu lugar.
— Então acha que aqui ninguém te faz bem o suficiente para sentir
isso?
— Não é isso... É que no Brasil, minha avó faz isso por mim. Ela me
dá o sentimento de lar.
— Entendo um pouco do que quer dizer. Ethan tornava a Califórnia o
meu lar também, e quando ele morreu, tudo mudou. Aqui os meus avós me
deram esse sentimento também. Mas então eu entendi tudo, Lou. — Suspira e
a encaro, confusa. — Não era o Ethan que me fazia sentir isso na Califórnia,
e aqui não era os meus avós.
— Não? — Inclino a cabeça um pouco para o lado.
— Não. Era onde eu me sentia feliz, bem. A Califórnia deixou de ser
o meu lar no momento em que eu não me sentia mais feliz lá. Talvez se o
Ethan ainda estivesse vivo isso poderia ser diferente, claro, mas também
poderia não ser. Uma coisa que nunca contei a ninguém, porque voltar a
história dele me machuca um pouco ainda, é que um pouco antes dele sofrer
o acidente, eu já andava entediada, nada parecia estar bom, existia um
incômodo. Eu amava ver o sol da Califórnia, me dava energia, mas nem ele
estava sendo o suficiente para mim. Chegar aqui e ver que os meus avós não
estavam mais, me machucou, e pensei que demoraria a me sentir em casa de
novo, mas então arrumei o meu quarto na casa dos meus pais, conheci
pessoas incríveis, abri os meus horizontes, porque antes o Ethan era a única
pessoa que eu tinha. Eu passei a apreciar a paisagem novamente, tudo ao
redor, e ver que, mesmo sem meus avós, aqui havia se tornado o meu lar.
Nunca foram eles ou o Ethan, sempre foram os meus sentimentos.
Abaixo a cabeça, encarando o copo e forço um sorriso.
— Deve ser bom sentir isso.
— É sim, Lou, mas precisa se permitir sentir. Só vai descobrir se BTI
é realmente o seu lar, independente da sua avó estar aqui ou não, se passar a
olhar para tudo isso com outros olhos, se abrir para as possibilidades. Tem
mais um tempo aqui até terminar a universidade. É sua escolha passar eles
odiando tudo isso, e lamentando a distância daquela que ama, ou se
arriscando a tentar amar e tornar isso o seu lugar.
— Eu realmente prefiro quando você e a Piper falam de personagens
literários!
Ela ri e balança a cabeça.
— Pensa nisso, Lou. Às vezes, pensamos que lar é só estar com quem
amamos, mas precisa ser uma mão de via dupla. Você precisa se conectar
com o lugar onde estiver também, porque é ele onde vai viver e precisa se
sentir em paz nesse lugar, antes de sentir paz nos braços de alguém.
Bebo o cappuccino e ela fica sorrindo, como se não tivesse me dado
muita coisa para pensar.
— Ok, podemos falar de sexo, drogas e álcool?
— Vive em uma casa com as duas pessoas que dominam isso, ainda
não enjoou?
Começamos a rir, aliviando o assunto.
A ida para a casa dos pais da Audrey foi cancelada, por uma Caty
com dor de cabeça e querendo o chamego da mãe. Audrey me deu carona até
em casa e foi ao socorro da baixinha terrorista.
Subo as escadas, já ouvindo os sons no quarto. Paro na porta e a Piper
está gravando vídeos, com o Duke deitado aos seus pés e balançando o rabo
cada vez que ela sorri. Esse cachorro endeusa ela.
Entro com cuidado para não atrapalhar. Deixo minha bolsa na cama e
faço sinal de que vou sair e volto depois.
Saio do quarto e para o Nicholas não estar babando igual idiota nela,
é sinal de que não está em casa. Passo pela porta do Kayden, entreaberta, e
ainda não sei o que rolou mais cedo quando ele chegou parecendo estressado.
A luz está apagada, então não deu para ver se ele estava ou não lá dentro.
Desço as escadas e vou direto para a cozinha. Pego uma garrafa de
água, mas noto o celular sobre o balcão, ao lado da chave da moto e luvas. A
tela se acende, mostrando uma notificação da BTIU, não dá para ler tudo,
apenas três linhas do e-mail:
“Sr. Kayden, o reitor informou que conversaram sobre sua situação
na BTIU. Esperamos que tudo seja resolvido logo, para que não perca o time
e todos esses anos tenham sido em vão...”
Arregalo os olhos, principalmente quando uma voz ecoa na cozinha,
me assustando.
— O que está fazendo?!
Viro-me, encarando o dono da voz, todo arrumado para sair.
— Nada, é que... Você pode sair do time e não se formar?
Sua expressão muda na hora, se torna a mesma que ele chegou mais
cedo. Fria, séria. Se aproxima pegando o celular, as luvas e a chave.
— Fica fora disso — ele tenta suavizar o tom, é bem perceptível, mas
não resolve muito.
Então era isso o motivo do estresse. Ele falou com o reitor. Kayden
Spencer pode perder realmente o time, não era da boca para fora os recados
que a Piper dava a ele. Isso realmente pode acontecer.
— E perder a maior fofoca dessa cidade? Nunca! O filho perfeito dos
Spencer pode realmente perder tudo? Eu realmente acreditava que isso era
exagero da Piper e esperava isso do Morcegão. Me surpreendeu, cara!
Olha-me irritado, mas me dá as costas, saindo da cozinha.
Merda, eu preciso me aproximar dele, sempre esqueço. Não fazer ele
correr mais. Eu preciso saber se ele continua me investigando.
Saio às pressas da cozinha, e sigo-o até a garagem.
— Louise, se você veio até...
— Ei, respira. Só quero entender o que está acontecendo. — Dou de
ombros e aperto a garrafa nas minhas mãos.
Ele sobe na moto, nem sequer me olha.
— Você leu.
— Então isso é realmente verdade? Nunca foi exagero da Piper?
— O que não era exagero meu? — A voz da Piper surgindo na escada
me faz sobressaltar.
Kayden coloca o capacete e sai da garagem, acelerando como um
louco.
Olho para a Piper, que para ao meu lado, curiosa.
— Que ainda vamos nos matar — minto, nem sei por que, mas minto.
Eu poderia me vingar bem aqui, porque é nítido que ele está escondendo a
conversa com o reitor. Poderia usar isso para parar ele nas investigações
sobre a minha vida, sem precisar seduzi-lo, mas eu minto.
Ela me olha desconfiada.
— Nunca foi exagero, eu sei que vão!
— Exatamente, vamos nos matar! — Sorrio. — Fez falta no passeio.
— Mudo de assunto e passo por ela. — Vou descansar um pouco, preciso ler
os resumos que fiz.
— Vou fazer um lanche, quer?
— Eu aceito!
Subo as escadas, pensativa demais, sobre o que a Audrey falou, mas
também sobre tudo que aconteceu desde que a mensagem do Kevin chegou.
KAYDEN
Depois de uma semana repleta de frio, hoje finalmente o dia ficou
mais tranquilo para sair, inclusive para aproveitar a noite no parque de
diversões com a Caitlyn e toda a galera, inclusive Piper Roberts que está
emburrada, porque odeia palhaços de parque, pelo que disse. Tem previsão
de neve e queda rápida da temperatura, mas resolvemos arriscar.
Nicholas está segurando-a para ela não fugir, e a Audrey
convencendo ela de que hoje será uma noite mágica. Eu duvido um pouco, já
que do outro lado, existe uma Louise comprando um bastão com luz,
enquanto leva sua raspadinha à boca. Por que mesmo trouxemos ela? Ah,
claro, porque a pequena loirinha segurando minha mão, convidou, e quando
tentei argumentar, Caitlyn disse que era para investigar a Loulou. Não tinha
outro dia para isso? Tinha que começar logo hoje? Na primeira noite que
posso distrair cem por cento minha cabeça depois de um início de semana e
ano que foi uma merda.
— Se perder a minha filha, eu te mato! — Julian grita as minhas
costas.
— Relaxa, cara! — Viro o rosto e sorrio. — E, Piper, desfaz essa
cara, vai espantar as crianças!
Ela me mostra o dedo do meio. Sério, o Nicholas faz muito mal a ela.
— Tia Piper, vai ser legal. Se um palhacinho aparecer, o tio Nick
chuta ele!
— Essa é a minha garotinha! — meu irmão responde e leva um
murro no braço da Piper e um tapa da Audrey. — Ela não mentiu, porra!
— Por que mesmo aceitei vir? — Julian questiona.
Começo a rir e continuo caminhando com a Caitlyn.
A música é bem alta e as luzes dos brinquedos iluminam bastante.
— O que quer fazer primeiro? — pergunto a Caty.
— Carrinho bate-bate. E titio, temos que chamar a Loulou para
investigar, lembra? — Encaro a Caitlyn.
Por que eu pedi ajuda dela?
— Princesinha...
— LOULOU! — Caitlyn me puxa e paramos de andar.
Encaro o céu, pedindo perdão por todos os meus pecados.
Louise se aproxima com seu bastão de baseball cheio de luz
piscantes.
— Fala, gatinha!
— Lá atrás tá os casais. Aqui tá os solteiros!
— Espero que você fique solteira pelo resto da sua vida! — Olho
para a Caty.
— Eca! Garotos são muito eca!
— Pense sempre assim! — insisto.
Encaro a garota a minha frente, com o bastão embaixo do braço e
cutucando a raspadinha azul. Está de cabelos soltos e estão lindos. A Satã tem
um cabelo muito lindo. Fiz bem em devolver os produtos dela. Quando ela
fica quieta e não me assombra, é uma garota realmente muito linda.
— Estranho... Papo sinistro! — Encara nós dois, desconfiada.
— Por mim pode ficar lá atrás... — sussurro.
Ela sorri maquiavelicamente.
— Agora quero ficar com os solteiros. Bora lá, garota. Aonde vamos?
— EBA! Carrinho bate-bate primeiro.
— Vamos nessa.
Puxo a Caitlyn para andarmos e ela ri. Pestinha. Recebo uma pancada
na bunda e tem musiquinha.
— Mas que caralho...
— A boca! Tem criança. Estava testando se sai música quando bate.
O carinha não mentiu. Adorei isso!
Caitlyn gargalha.
— Por que você comprou isso? É maluca?!
— Por que é divertido? — Me olha como se fosse óbvio. — E porque
posso te espancar com ele. Achei bem útil!
— E vai me espancar por quê?
— Porque também é divertido! — Fica ao lado da Caitlyn e coloca o
bastão embaixo do braço.
Descobrir a vida dessa menina está me causando danos!
Encaro as duas garotas rindo da minha cara na saída do carrinho bate-
bate.
— Titio, não fica triste. Lou e eu fomos melhores! Tá tudo bem não
ter acertado a gente.
Toda vez que a Caitlyn abre a boca, ela de alguma maneira me
humilha.
— O que quer fazer agora? E cadê o restante do pessoal? — Louise
olha ao redor, agarrada ao seu bastão.
— Eu quero aquele unicórnio! Titio, sabe atirar?
— Claro que sei! Eu sou um mestre dos tiros!
Escuto a risadinha da Louise, mas ignoro pelo bem da minha perfeita
paz esta noite.
Seguro a mão da baixinha, e caminhamos para a barraca ao lado,
onde compro as fichas. Em seguida entramos na fila para aguardar a nossa
vez. O parque está lotado.
— Lou, o que gosta de fazer?
Encaro tudo, menos elas. Caitlyn é direta demais nas investigações.
Eu também queria o quê? Ela é uma criança!
— Depende. Mas amo estar na praia, jogar vôlei na praia, tudo que
envolve calor, sol, mar. Ah, e amo comer, principalmente chocolate, sou
chocólatra.
— Eu também amo chocolate! Você não tem mesmo namorado? É
sozinha igual o tio Kay?
Encaro a Caitlyn.
— Qual o seu problema comigo? — questiono e ela ri.
— Não menti, titio! Hein, Lou?
Encaro a Louise e, pela primeira vez, vejo ela fazer algo para mim:
desviar o olhar de um jeito desconfortável, tímido. Franzo o cenho e fico
curioso. Acho que a minha miniajudante tocou em algum ponto importante.
— Sim — pigarreia. — Totalmente sozinha, Caty. — Sorri.
— Você é muito bonita, vou ajudar a encontrar um príncipe lindo,
igual o meu papai ou igual ao titio Nick!
— IGUAL O NICK NÃO! — Louise grita e ergo a sobrancelha.
— Ai, me acerta com o bastão, vai doer menos! — Ela realmente me
acerta. — Satã!
— Ué, você mandou te acertar.
Fecho a cara e ela sorri. Caitlyn nos encara e dá uma risadinha.
Finalmente estamos jogando, depois de vinte minutos na fila, sendo
acertado pela porcaria do bastão.
— Ainda bem que comprou muitas fichas. Já pensou em um exame
de vista? — Louise questiona.
Caty está no colo dela, e ambas estão ao meu lado, não sendo nada
positivas.
— Eu acho melhor a gente comprar o unicórnio em uma lojinha! —
Caty ri baixinho.
— As duas vão continuar sendo negativas?! — Encaro-as de lado e
elas se abraçam, disfarçando.
Miro na porcaria das latinhas. A mulher da barraca me olha com
ódio, não aguenta mais me ver tentando. Outra com energia negativa. Acerto
duas.
— Titio, confio em você!
— Sua esperança me comove, Caty! — Louise rebate.
— Quer tentar, esperta? Vamos ver se consegue ser melhor, já que
está há cinco rodadas me criticando.
— Sai pra lá! — Me entrega a Caty, mas não larga o bastão, deixa
preso embaixo do braço. — Aprende como se faz! Duas pilhas de latinhas
pelo unicórnio, certo? — pergunta a mulher.
— É... Estão atrasando a fila...
Louise mira a primeira pilha de latinhas, e atira, depois faz o mesmo
com a segunda. Caitlyn grita animada e a mulher pega o unicórnio e um
pirulito, entrega tudo a Louise. Fico boquiaberto. A Caitlyn agarra o
unicórnio, quando a coloco no chão.
— O pirulito para não chorar, bebê! — Louise abre o doce e soca na
minha boca. — Eu já fiz aula de tiro, sabia?
Ela sabe atirar. Ela é perigosa. Ela vai me matar.
Elas caminham na minha frente, enquanto caminho olhando para a
barraca, quase caindo.
Todas as latinhas. Ela derrubou todas as latinhas em dois tiros. Tiro o
pirulito da minha boca e encaro as duas andando na frente.
— E seus papais, Lou? Tem papais?
— Anda muito curiosa, garota!
— Ué, puxei a mamãe!
Louise ri.
— Tenho, gatinha. Mas acredite, você é a única sortuda entre nós
duas por ter papais!
Inclino a cabeça para o lado e levo o pirulito à boca. Como assim?
Qual o problema da Louise com os pais? Ela ficou falando deles na casa de
campo ano passado, e inclusive foi na imobiliária deles que meus pais
conseguiram o terreno para o novo hotel. Se bem que ela parecia estranha ao
falar deles.
— Tô com fome! Quero cachorro-quente!
— Eu também. Vamos encontrar onde está a barraca de cachorro-
quente.
Aproximo-me mais, ficando do lado da Caitlyn. Ela me olha e dá
uma piscadinha, então puxa a minha jaqueta e abaixo. Ela coloca a boca no
meu ouvido:
— Titio, acho que a Loulou não gosta dos papais dela.
Tiro o pirulito da boca e suspiro.
— Vamos comer cachorro-quente, princesinha.
Ela concorda.
Uma hora depois encontramos o restante da turma. Caitlyn se
aproxima deles rindo, feliz com seu unicórnio. Enquanto todos me encaram,
rindo de mim.
— Alguém tira essa coisa das minhas costas?! — Ela me acerta com
o bastão. — Porra!
— Eu estava cansada. Vim de bota de salto.
Ela salta das minhas costas. Sim, essa maluca montou nas minhas
costas quando saímos da montanha-russa e simplesmente não saiu mais e
ameaçou enfiar o bastão na minha bunda se eu a colocasse no chão. Me
acerta de novo com essa porcaria, mas na cabeça. Consigo puxar da mão
dela, irritado demais.
— Eu vou quebrar isso na sua cabeça, inferno!
Ela corre, se protegendo atrás da Caitlyn.
— Olha... Muito feio ser agressivo! Além disso, sua força perto da
minha é bem diferente...
— Vamos descobrir! Estou louco para descobrir isso!
Vou até elas e ela corre, rindo, e se esconde atrás do Julian.
— Se ele me acertar por sua causa, eu vou te esganar, Louise! —
Julian reclama. — Eles passaram esse tempo todo com nossa filha.
Realmente acreditou que daria tudo certo? — Encara a esposa.
Audrey sorri.
— Vejo apenas eles ensinando a ela autodefesa!
— Viu? Autodefesa, Satã! — Passo pelo Julian e ela corre gritando.
— PAROU! — Usa a Piper de escudo agora. — Eu prometo não te
bater mais com isso. Me dá!
— UM PALHAÇO! — Piper corre agarrar o namorado. — Vamos
embora. Chega!
— Nossa, que bela defesa! — Louise a olha com raiva.
Nicholas agarra a namorada e balança a cabeça negativamente.
— Vamos embora, minha filha deve ter se entupido de porcarias com
esses dois.
— Não, papai! Comi só cachorro-quente, raspadinha, churros, maçã
do amor e algodão-doce.
— CAITLYN! — Louise e eu falamos juntos.
— E eu sou a péssima influência da garota! — Nicholas reclama.
— Mas você é! — todos falamos juntos.
Caitlyn gargalha e agarra a mãe.
— Olha só que família linda... — O palhaço se aproxima. — Uma
flor para uma florzinha! — Ele presenteia a Caty, enquanto a Piper esconde o
rosto no peito do meu irmão.
— E essa jovem se escondendo, algum problema?
— Se aproxima um pouco mais e seu nariz vai fazer barulho em outra
parte do seu corpo! — Nicholas fala, bem sério.
O palhaço arregala os olhos e me encara.
— Caiu do berço quando nasceu — comento, e a Louise tenta pegar o
bastão da minha mão, mas sou mais forte. — Se eu puxar isso, você vai voar!
— alerto-a.
— Não é maluco. Se eu cair, eu arranco seu pau! Eu juro que faço!
— Louise grita.
O palhaço se afasta, assustado.
— Melhor eu ir... — O coitado corre.
— Assustaram um palhaço de parque. É isso, somos péssimos adultos
para essa criança — Audrey lamenta.
— São adultos legais, mamãe — Caty defende.
— VAMOS EMBORA! — Piper grita desesperada.
— Vamos, amor — Nicholas responde rindo. — Ameaçar o palhaço
não é problema?
— Deveria ter matado, não apenas ameaçado! — ela diz.
— PIPER! — Audrey e eu falamos juntos.
— Chega. Todos para casa! — Julian diz.
— Seus amigos... Eu sempre disse que não prestavam! — Audrey dá
as costas para ele e caminha com a filha, que não para de rir.
— Louise e Piper são amigas dela! — Julian diz.
— Ei! — Louise e Piper retrucam.
— Vamos embora, chega. Nunca mais confio em sair com vocês! —
Piper reclama.
Piper se solta do Nicholas e caminha irritada. Nicholas vai atrás,
rindo. Julian tenta acompanhar a esposa e a filha. E eu sigo segurando o
bastão. Encaro a Louise, cansada.
— Não vai desistir?
— Não. É meu. Foi dez dólares! Um roubo!
Puxo de uma vez e ela só não voa, porque seguro-a.
— Era seu. Agora é meu.
Ela tenta pegar, mas ergo para o alto. Solto-a e ela agarra o meu
pescoço, me escalando.
— Mas que...
— EU. QUERO. O. MEU. BASTÃO!
Enrosca as pernas ao meu redor, fazendo uma enorme cena. As
pessoas que estão passando encaram a gente.
— ELA NÃO TOMOU OS REMEDINHOS HOJE... — Sorrio, sem
graça. — Para, sua louca!
Tento colocá-la no chão, mas ela não desenrosca as pernas da minha
cintura.
— Louise!
— Eu quero o que é meu!
— Eu vou te dar. Mas me deixa te colocar no chão!
Olha-me desconfiada.
— Se não me devolver e me acertar com ele...
— Eu vou te dar. Palavra de escoteiro.
— Nunca foi escoteiro.
— Nunca fui!
Coloco ela no chão e abaixo o bastão, enquanto ajeito minha jaqueta.
Encaro o objeto, e ela estende a mão. Entrego a porcaria a ela e seus olhos
brilham. Balanço a cabeça negativamente. Passo por ela, mas sou acertado
nas costas por essa merda.
— OK. CORRE, PORQUE SE EU TE PEGAR, EU JURO QUE TE
MANDO PARA O BRASIL NO CHUTE!
Viro-me, e nunca pensei que veria alguém de salto correr tanto, ainda
por cima rindo. Mas sua fuga não dura muito tempo, porque ela escorrega e
cai em cima do palhaço.
Começo a rir, enquanto me aproximo deles.
— Você tentou me matar! — o palhaço diz.
— Eu não tentei. Eu escorreguei.
— Tentou sim. Veio para cima de mim com esse bastão!
GUARDAS! GUARDAS! — ele grita.
Olhamos para ele, mas só consigo rir.
— Eu não tentei, mas agora vou! — Ela vai acertá-lo, mas puxo o
bastão e ela do chão.
— Nada de agredir o palhaço! — Faço uma careta. — Foi estranho
dizer isso.
— VOCÊS SÃO MALUCOS. GUARDAAAS!
Olhamos para os lados e vemos dois guardas se aproximando. O
palhaço se levanta. Ele realmente está traumatizado com a gente.
— Merda. Vamos!
— Eu não vou correr de salto, e depois da queda. Minha bunda deve
estar roxa!
— Calada!
Jogo-a por cima do meu ombro e corro para fora do parque, ouvindo
os seguranças mandarem a gente parar.
— CORRE. FODEU. TEM MAIS VINDO! — Ela me acerta nas
costas. Acerto o bastão na sua bunda. — SEU IDIOTA! ISSO DÓI!
— JURA?! — ironizo. — POR SUA CULPA ESTAMOS FUGINDO
DE UM PARQUE.
— PAREEEM AGORA! — gritam com a gente.
— MINHA? EU CORRI PORQUE VOCÊ ME AMEAÇOU!
Saímos do parque, direto para o estacionamento. Vejo minha moto,
mas não os outros dois carros, foram embora sem a gente. Coloco ela no chão
e entrego o meu capacete a ela. Para piorar começou a nevar de novo, e aqui
fora dá para sentir o frio congelante, porque no meio da multidão no parque,
o calor humano aquecia.
— Coloca isso.
Os seguranças entram no estacionamento.
— Cacete, esse palhaço era quem? O presidente? — questiona.
Olho para a enorme placa e vejo o rosto e o nome dele.
— Não. Mas é o dono do parque. Fodeu. Vamos!
Subimos na moto e nunca liguei ela tão rápido assim.
— Vamos, bebê!
— Que fofo, sendo meigo antes de sermos presos!
— Falei com a moto! Segura essa merda! — Entrego o bastão a ela.
Ela me agarra, saio em alta velocidade com eles gritando e correndo
atrás da gente. Louise gargalha.
— Isso parece com os meus sonhos. Loucos e sem sentido! — grita
bem animada.
Desvio de vários carros e torço para não cair com essa merda, porque
estou sem capacete.
— Culpa dessa porcaria de bastão! Joga essa merda longe!
— Nem pensar. Ele é lindo, tem luzinha, toca música e trouxe
entretenimento.
— PODEMOS SER EXPULSOS DA CIDADE POR CAUSA
DESSA MERDA QUE TE FEZ DERRUBAR UM PALHAÇO, E SERMOS
PERSEGUIDOS POR SEGURANÇAS!
— Viu? Entretenimento, graças a ele.
Isso tem que ser um pesadelo. Precisa ser!
LOUISE
Entrego o capacete a ele, que desliga a moto, está puto. Preciso ser
muito sincera, há muito tempo eu não me divertia loucamente assim, e foi
legal. Sempre imaginei que eu iria parar na cadeia, só não pensei que seria
por causa de um palhaço de parque de diversões.
Uma coisa muito maior rendeu nessa loucura: mais proximidade com
ele e com isso mais chances de colocar o meu plano em ação. Eu preciso
conquistá-lo, ter toda a confiança dele, antes que ele descubra o que não
deve, principalmente com a Caitlyn do nada me interrogando.
Eu posso fazer isso. Só preciso equilibrar. Ser gentil demais ele
estranharia, e continuar deixando-o muito apavorado, faria ele correr
diretamente para onde não deve, que é continuar querendo saber quem sou
para se livrar de mim. Precisa existir um equilíbrio.
Brinco com o bastão na minha mão, mas desligo a luzinha. Kayden
desce da moto e me encara. Controlo a vontade de rir e de socar ele com esse
brinquedo.
— Qual é, supera! Eu consegui o unicórnio para a Caty, isso não
pode afetar tanto assim sua masculinidade.
— Você fez a gente fugir do parque! E eu poderia pegar o unicórnio,
só que sou alto demais e o ângulo ficava péssimo, e… O foco não é a
porcaria do unicórnio! A gente teve que fugir por sua culpa. Qual o seu
problema?!
— Eu caí por sua culpa, que fique bem claro. Além disso, a altura ali
não tinha nada a ver, você atira muito mal. Tem uma péssima mira. Como
consegue fazer gol no hóquei? — Abraço o bastão. Ele fica mais irritado
ainda, seu olhar esfria muito mais e isso surpreendentemente o deixa… mais
bonito?
— EU CONSIGO PEGAR A PORRA DE UM UNICÓRNIO! —
grita.
— Tudo bem, cara. Cada um com seus desejos! — A voz do
Nicholas surge na porta da garagem. — Um desejo estranho pra caralho, mas
beleza.
— Ah, vão à merda vocês dois!
Kayden passa por mim e me viro, controlando o riso. Encaro o
Nicholas, com uma garrafa de cerveja na mão.
— O que fez com ele?
— Eu? Eu nada. Ele está irritado porque eu peguei o unicórnio para a
Caty. E talvez porque tivemos que fugir do parque. Que noite maravilhosa.
Suspiro e passo pelo Nicholas.
— Eu nem sei por que questiono. Vocês são doentes!
— Falou o cara supernormalzinho da cidade! — retruco, subindo as
escadas. — Piper, preciso de massagem na bunda! — grito em português.
Paro na porta do nosso quarto e ela me encara confusa. Entro e sorrio.
— Vou querer saber por que precisa de massagem na bunda? Você e
o Kay… Ai, meu Deus! — Arregala os olhos.
— Não. Eu não dei a bunda para o Kayden! — Faço cara de nojo.
Ela começa a rir.
— Então?
— Eu caí.
— Está bem?
— Não. Minha bunda dói. Preciso de massagem. Não entendeu?
Ela balança a cabeça e pega suas coisas na cama.
— Vou tomar banho. Depois vemos o estrago aí. — Me joga um
beijo e sai do quarto.
Escuto os gritinhos dela no corredor, com o Nicholas a arrastando
para o quarto dele. E já era minha massagem. Vou para a porta e fico olhando
o quarto do Nicholas, querendo atear fogo, por roubar minha massagista.
Merda, o meu celular!
Pego no bolso traseiro da calça e por sorte está inteiro. Tem uma
mensagem, um número desconhecido. Toda a alegria que eu sentia some.
Entro no quarto e jogo o bastão na cama, então tiro minhas botas. Fico
encarando a tela do celular, sem saber se abro ou não.
Sento-me no chão, encostada na cama, e respiro fundo. Um cacho
mais curto despenca sobre o meu rosto e sopro ele, tentando distrair o medo
do que encontrarei na mensagem dessa vez. Às vezes, sinto-me sufocada por
não poder falar disso com ninguém além da minha avó. Eu prefiro engolir
isso do que ter pessoas me olhando com pena, e me lembrando toda vez
disso.
O mais engraçado é que hoje o Kayden me ameaçou, mas seu olhar
era puro, não tinha maldade, e nem por um segundo me lembrei do passado,
do Kevin… Respiro fundo e continuo soprando o cachinho, até tocá-lo e
jogar por cima dos outros.
Vou abrir a mensagem, mas a sombra na porta me impede. Encaro o
poste diante dela, usando apenas a calça jeans com o cinto e o botão aberto, e
revelando o cós da cueca preta. Subo mais o olhar, e encontro o par de olhos
escuros me encarando, com a tela do iPad virado pra mim.
— Viu? A altura poderia interferir no ângulo de atirar naquelas
merdas e conseguir o unicórnio! Você é mais baixa!
— Eu não acredito… — Sorrio. — Eu tenho um metro e setenta. Não
sou baixa.
— Tenho um metro e noventa e oito. É mais do que eu! Eu poderia
conseguir o unicórnio para a Caitlyn, se eu fosse mais baixo. Aquela barraca
estava mal montada. — Bloqueia a tela do iPad e mordo o canto da boca,
querendo rir, mas lembrando que preciso conquistar esse idiota.
— Claro. Você conseguiria sim…
Me olha desconfiado. Até eu estranhei o que falei.
— Agora chega desse assunto. E nunca mais irei te ajudar em uma
fuga!
Assinto, e aguardo ele sair. Assim que deu as costas, puxo uma
almofada na cama atrás de mim e começo a rir nela. Até minha mente viajar
para onde não deveria, mas ele está fazendo isso. Kayden está desbloqueando
memórias que deveriam ficar para sempre ocultas.
— Kevin, está tudo bem perder. Era só um jogo para se divertir. E
você não perdeu sozinho, seu amigo perdeu também, e a noiva dele e eu
fomos as únicas ganhadoras. Vai, dá um sorriso! — Me aproximei dele, que
estava encostado na churrasqueira da área gourmet do apartamento do
casal de amigos dele, que estavam lá dentro rindo do final bobo do jogo.
Tentei enroscar os braços ao redor do seu pescoço e beijá-lo, mas
ele virou o rosto e abaixou os meus braços.
— Eu tô puto com a porra da sua ceninha, rindo e zombando de mim.
Caralho, deveria me respeitar mais na frente dos outros, Louise! — disse
entredentes e comecei a rir, sem acreditar.
— Está zoando, né? Porra, Kevin, ela estava rindo do noivo também.
Isso é só um jogo. Para de ser bobo!
Tentei beijá-lo de novo, mas dessa vez ele segurou o meu braço com
força e me empurrou para o lado, de um jeito bruto.
— Você sempre estraga tudo. Caralho! E ajeita essa porra de blusa.
Tenta me respeitar mais. Tem peitos enormes pra essa blusa. Às vezes parece
que prefere agir como uma garota sem classe alguma. Isso me faz repensar
demais se a gente tem futuro!
Franzi o cenho, sem acreditar no que ouvia.
“Ele não está falando sério. Nossa festa de noivado é na próxima
semana!”
Afasto a almofada e respiro fundo, lembrando-me da crise de
ansiedade que aquilo me causou. Era só mais uma na minha enorme coleção
de crises de ansiedade que ele me causava. Se ele fosse o Kayden, depois de
tanto que o atormentei hoje, talvez eu nem estivesse aqui, e hoje entendo isso.
Kevin era perigoso, ele feria com as palavras, mas começou também a usar as
mãos.
Não abro a mensagem, eu apago e me levanto, deixando o celular na
cama. Saio do quarto, angustiada e confusa, sem entender por que as
lembranças do Kevin surgem em alguns momentos com o Kayden. Isso
começou a ser algo novo.
Desço as escadas, e passo pelo Duke devorando a ração. Entro na
cozinha de onde vem barulho. Kayden está nela, fazendo um lanche. Abro a
geladeira e pego o leite e a caixa de cereal no armário ao lado dela. Pego uma
tigela também e colher, então me sirvo, e vou para a sala, onde me sento na
cadeira diante da mesa, e como apenas para tentar distrair meus pensamentos.
Esse ano seria o casamento. Talvez seja por isso que as lembranças
estão voltando. Kevin está mais persistente, e tudo isso está se somando no
meu interior.
Kayden entra na sala, e se joga no sofá com seu lanche e uma cerveja.
Liga a TV. Passa por alguns canais até estar em um sobre animais, e o
acasalamento deles. Meu Deus!
— Não deveria ser o seu irmão assistindo isso? Eu vou ter traumas
com essa cena!
— Nicholas estuda isso. Eu me divirto vendo. É engraçado para mim.
— Você é muito esquisito!
Ele ergue uma mão e me mostra o dedo do meio. Reviro os olhos e
foco no meu cereal. Levo uma colher à boca e fico encarando-o no sofá. É
estranho ver que agi com ele da mesma maneira que agia com o Kevin e ele
segue tranquilo, o máximo que fez foi ficar um pouco emburrado. Até mesmo
me fazer ter raiva de atletas, aquele imbecil conseguiu, porque ele sempre
dizia que era daquele jeito por causa do esporte que praticava. Eu por muito
tempo acreditei, fui burra!
Preciso parar de pensar nisso. Não arruinar a noite que foi tranquila,
exceto pelo palhaço colocando guardas na nossa cola. E tenho que focar no
que realmente importa agora, seduzir o estranho assistindo animais, e
conseguir que ele fique longe da minha vida.
— Valeu pela carona da fuga! — falo, e ele me olha por cima dos
ombros.
— Quê?
— Você ouviu!
— Sim, mas juro que acho que ouvi errado! Pensei em ter ouvido
você me agradecer.
Respiro fundo.
Sem ser rude…
Sem ser rude…
Ele se levanta do sofá, carregando o prato do seu lanche para a
cozinha. Fico brincando com os cereais na tigela, e só noto que ele retorna,
quando desvio rápido a cabeça, ao sentir sua mão perto, me tocando.
— Calma. Tinha um papel enroscado no seu cabelo. Devo ter sido da
sua queda. — Ele tenta controlar o riso, provavelmente temendo a morte.
Joga o papel na mesa e vai para o sofá.
— Você me assustou, idiota! Eu estava distraída.
— Percebi. Está com medo de que eu revide o bastão? — Me olha
por cima do ombro e ergue uma sobrancelha.
Não sorrio. Eu realmente me assustei. Eu só vi a sombra da mão dele
se aproximando e dedos tocando meu cabelo.
Levanto-me da cadeira, e levo a tigela para a cozinha.
Merda. Isso tinha parado. Esses gatilhos tinham parado! Não podem
voltar. Não podem!
Respiro fundo e saio da cozinha. Vou para as escadas. Preciso
descansar, é só isso.
— Louise, qual foi? Eu nunca revidaria. Estava só te provocando.
— Eu sei, Kayden! — respondo mais seca do que gostaria.
— Não parece. Você realmente se assustou porque toquei em você?
Desculpa! Eu não achei que iria se assustar. — Sua voz parece ter
preocupação, mas só quero sumir daqui.
Subo as escadas, não respondo. Vou para o quarto e me jogo na
cama. Agarro os travesseiros e respiro fundo. Mas um nó aperta na minha
garganta, e não consigo controlar o choro que começa a vir. Eu não chorava
mais pelo passado, e até isso voltou.
Por que tudo está se rompendo de novo?
Escuto passos pesados entrar no quarto, e tento controlar o choro,
enquanto escondo o rosto no travesseiro.
— Louise, vim em missão de paz. O que foi isso? Acha mesmo que
eu iria fazer alguma coisa com você?
— Kayden, sai daqui! — sussurro.
— Não. Está chorando? — Escuto-o se aproximar mais. — Porra,
está chorando! Louise…
— Sai daqui. Estou ótima!
— Não está. Você se assustou de verdade.
Sinto o seu peso abaixar o colchão ao meu lado. Ele tenta me tocar,
mas me encolho. Odiando ainda mais estar assim, tão indefesa e sabendo que
ele está assistindo essa merda.
— Louise, eu não vou te machucar. O que está rolando? — sussurra.
— Está chorando pelo susto, é isso? Me deixa entender o que está havendo.
Quer que eu chame a Piper?
— Deixa ela fora disso… — sussurro, sentindo falta de ar.
Meu peito sobe e desce rápido. Meu coração começa acelerar. Sinto
uma pressão no peito, seguido de uma dor. Sento-me rapidamente, buscando
o ar, sem conseguir olhar para o Kayden.
— Louise… Ei, me deixa chamar ela, vai se sentir melhor…
Nego rapidamente.
— S-sai daqui! — Ele tenta me tocar de novo, mas nego.
— Estou puto pelo unicórnio também. Eu assumo. E realmente nunca
fui escoteiro. Nem conseguiria. Coloquei fogo no acampamento de verão
tentando acender uma fogueira.
Ergo o olhar, enquanto tento respirar. Ele está me olhando.
— Mas foi engraçado a fuga, mas não quero repetir isso de novo,
minha bebê poderia sofrer danos na fuga.
Acabo sorrindo, fraco e involuntariamente. Aperto as mãos em punho
sobre o meu colo, então abro elas de novo. Repito esse movimento.
— B-brega o nome dela.
— Meigo! — revida. — Posso? — Indica para se aproximar e
assinto. — Por que quis aprender a atirar?
Puxo o ar, mas ele vem fraco.
— A-adrenalina. Amo sentir.
— E não podia ser outra coisa que você não pudesse usar contra
mim?
Sorrio de novo, ainda fraco, devido a dor no peito e a falta de ar.
Nego lentamente, e ele sorri de lado. Um barulho é ouvido no quarto do
Nicholas, a Piper está rindo. Perdi mesmo minha massagista.
— Eles se completam, né? Vivem no mundo deles. Isso é bom… Eu
acho.
— Por quê? Por que acha?
— Perdi minha esposa, que me daria cinco filhos, e moraríamos com
vacas no Texas, em uma enorme fazenda.
Reviro os olhos. Massageio o peito.
— Está doendo? — Assinto. — Confia em mim só para te ajudar e
fingimos que isso não aconteceu depois? — Encaro-o desconfiada. — Vai ser
bom, eu prometo.
— Por que q-quer me ajudar? — Tento de novo puxar o ar. Mas não
vem. — Droga… — Começo a ficar nervosa.
— Ficar nervosa, piora. Acredite, sei o que irei fazer. Vem cá.
Estende uma mão e fico receosa, mas preciso de ar. Preciso voltar a
respirar. Seguro sua mão. Ele me puxa com calma e vira meu corpo,
encaixando-me entre suas pernas. Minhas costas colam em seu peito.
— O que está…
— Xiu… Confia em mim. — Passa os braços ao meu redor,
apertando-me forte. — Fecha os olhos.
— Kayden…
— Fecha os olhos!
Fecho e engulo em seco. Ele enrosca as mãos nas minhas, prendendo-
as em seu abraço. Seu corpo começa a transmitir um calor diferente para
mim, e automaticamente meus ombros vão relaxando. Ele não fala mais nada,
fica quieto. Eu foco no som da sua respiração, mas também nas batidas do
seu peito nas minhas costas. Eu foco no cheiro do perfume, uma mistura doce
que me lembra chocolate, mas um leve frescor parecendo menta, misturado a
um sutil toque amadeirado. Ele tem cheiro de biscoito de Natal e chocolate
com menta. É acolhedor, diferente.
Meu peito parece que se abre e o ar vai saindo novamente, e tudo vai
voltando aos eixos. Puxo o ar e solto, e ele sai, levando o desespero junto.
Abro os olhos lentamente e encaro a parede da cabeceira da minha cama.
— Como sabia que isso iria funcionar?
— Dizem que tenho o melhor abraço do mundo.
— Ninguém fala isso — sussurro.
Ele ri baixinho.
— Quando eu era adolescente, comecei a ter crises de ansiedade. Era
assim que a minha mãe me acalmava e o Nicholas também. Me abraçavam
apertado por trás e eu focava no calor do abraço deles, isso me fazia ficar
bem.
— Eles ainda precisam fazer isso?
— Digamos que escolhi outros caminhos para me livrar de ansiedade
— seu tom contém deboche.
— Sexo e álcool — concluo.
— Vai por mim, se quer escolher esse caminho, é uma merda — ele
ri. Kayden parece que sempre faz piada sobre os seus problemas. Ele parece
que foge de algo.
Assim como eu…
— Obrigada.
Eu não quero que ele me solte. Isso está me acalmando, mas como na
noite do Ano-Novo, estou sentindo um frio na barriga, e isso me assusta. Me
afasto com calma, saindo do meio das suas pernas, e virando-me para ele,
sentando-me sobre as minhas pernas.
— Está melhor?
Assinto.
— Não conta para ninguém, por favor — imploro, porque é tudo o
que consigo agora.
— Pode deixar. Precisa de algo?
Continuar sendo abraçada.
— Descansar.
Ele concorda e se levanta. Caminha em direção a porta.
— Kayden… — chamo-o. Ele para e se vira, então me olha. —
Obrigada.
— Eu querer a sua partida e você a minha cabeça e isso me apavorar,
nunca me impediria de te ajudar. Fazer o quê, sou um eterno príncipe! —
Suspira.
Reviro os olhos, pego um travesseiro e atiro na sua direção. Ele sai
do quarto sorrindo.
Eu não queria dizer apenas obrigada. Eu queria dizer que ele
realmente tem o melhor abraço do mundo, mas a Louise nunca diria isso, não
para o Kayden, para aumentar o ego dele.
Sorrio e me deito na cama. Mais tranquila. Sentindo-me anestesiada.
Talvez seja mais fácil do pensei conquistá-lo. Kayden não é apenas um idiota
irritante, ele é uma pessoa que pode ser legal.
Ele deve ter me drogado. Só pode!
KAYDEN
Observo a vista da janela da sala. Não sei a hora, mas também não me
importa. Eu estou sem sono, e minha cabeça está pensando muito na cena que
assisti horas atrás. Muitos pensam que por eu ser o bobão, sou desatento, mas
eu observo bastante quando eu quero. Ela ficou com medo quando ergui a
mão para tirar o papel do cabelo dela, e o jeito que ela ficou depois… Merda,
tem algo rolando. E se estou sendo um idiota buscando coisas terríveis sobre
ela, e na verdade ela só está tentando recomeçar ou algo assim? Piper pode
estar certa, todos escondemos coisas e isso não nos torna monstros.
Mas existe essa curiosidade, eu preciso saber o que ela esconde,
porém, e se isso mexer demais com o que ela pode estar querendo deixar no
passado? E o lance dos pais dela? Até a Caitlyn notou. Louise não parece ter
uma boa relação com eles. E se eles machucavam ela? Droga, ela entrou em
pânico quando ergui a mão, parecia uma criança assustada, uma criança que
sempre recebe castigos resumidos a apanhar.
Louise tem deixado sinais escaparem, coisa que nunca havia feito
antes. Sinais de que de fato esconde algo, e agora me questiono se realmente
quero saber, porque parece que será como abrir uma caixa de Pandora, e
tenho problemas demais para lidar, para me meter em outros. Mas ela
também tem deixado um lado dela transparecer que nunca havia visto
também, e é uma vulnerabilidade. Eu acreditava que ela era fria o suficiente
para ser exatamente como o meu irmão. Mas não, ela quer mostrar que é
assim, fria, forte; entretanto, quando não quis que eu a aquecesse no Ano-
Novo, tentou fingir que estava bem quando sofria de dor pela cólica, e hoje
me pediu para não falar nada do que vi e nem chamar a Piper, ela mostrou
que tem muita farsa rolando por aqui.
Olho para a escada, vendo o meu irmão descer. Levo as mãos ao
bolso da calça e respiro fundo, voltando a encarar a janela.
— O que está acontecendo? — me questiona, parando na parede ao
lado da janela.
— Perdi o sono.
— Em algum momento já teve ele? — Encaro-o e ele leva as mãos ao
bolso da calça, assim como eu.
Sorrio vendo que estamos sem camisa, despenteados, e usando uma
calça preta.
— É divertido quando isso acontece. O lance dos gêmeos.
— Não é. É ridículo! — reclama e sorrio mais. — Está tudo bem,
Kayden?
— Tudo perfeito. Só não é mais perfeito que eu.
Ele respira fundo. Duke vem atrás do dono, e para ao lado dele,
sonolento. Nicholas se abaixa e dá carinho ao monstro de quatro patas.
— Isso nunca muda — fala.
— O quê?
— Sempre faz piadas quando quer fugir de assuntos, ou para evitar
entrar em alguma conversa que não quer. Sou seu irmão, Kayden, acha
mesmo que não te conheço? Pode usar essa tática com todo mundo, mas
comigo não. Está me evitando desde o dia que a Piper jogou as informações
sobre estar prestes a perder o time e tudo. Mas se eu quiser ir mais a fundo,
posso afirmar que o que aconteceu na casa dos Duncan também criou esse
muro que está criando entre a gente. — Se levanta e o Duke se deita aos seus
pés.
Engulo em seco e desvio o olhar.
— Não tem nada a ver, Nick. Não estou criando nenhum muro.
— Não? Então por que não me contou o que o reitor te disse? Achou
mesmo que isso não chegaria até a mim? Quando iria me contar que tem até o
baile da primavera para decidir tudo? Você se calou não apenas para o
capitão do time, mas para o seu próprio irmão. Porra, mal consegue me
encarar! Que merda está acontecendo? Por que não consegue dormir mais?
Acha que não ouço você andando pela casa de madrugada? Ou que suas
buscas para sexo e álcool aumentaram? Não tem frequentado a arena dos
White, e você amava ficar ali. Vivia na casa dos nossos pais, mas parece fugir
dali também. E sei que se alterou com o reitor e você nunca fez isso, mesmo
com todas as vezes que ele pegou no seu pé. Que merda está acontecendo?
Travo o maxilar e o encaro.
— Nada, Nicholas. Nada está acontecendo. Você finalmente está
vivendo a sua vida, a Piper te coloca na linha na maioria das vezes. Eu não
preciso mais ser sua sombra. Estou apenas aproveitando minha vida e nada
mais — minto. Eu minto para o meu irmão.
— Eu não sou idiota. Kayden, isso tem a ver com a Piper? Esse é o
problema?
— Pelo amor de Deus, claro que não! Nicholas, Piper é como uma
irmã, só isso. O que me lembra de avisar para transarem apenas no quarto.
Ainda estou traumatizado.
— E por que está assim? Eu não vou interferir em nada. Eu só
preciso saber se está bem, ou que vai ficar bem.
— Estou ótimo. É sério. Sobre a universidade e o time, é isso, mas
darei um jeito. Sempre dei, não é mesmo? — Forço um sorriso.
Ele balança a cabeça negativamente. Nicholas não é burro.
— Agora eu entendo a Piper… — Encaro-o, confuso. — Essa
expressão de quando minto é irritante pra caralho.
Leva as mãos ao bolso novamente e me dá as costas.
— Não estou mentindo, Nicholas.
— Vamos ver até onde vai essa merda. Acredite, se for explodir, me
chame, irei querer assistir isso de perto. — Ele sobe o primeiro degrau, e me
olha por cima do ombro. — Criou um hiperfoco nela, apenas para fugir dos
seus problemas.
— De quem está falando?
— Não é idiota. Sabe de quem estou falando. Ela virou seu hiperfoco,
apenas para fugir do seu próprio inferno. Se isso é estar bem, tudo ótimo, eu
realmente quero assistir sua explosão, Kay. Porque o que está guardando
deve estar te sufocando demais para focar na pessoa que você teme.
— Eu não vou explodir, Nicholas!
Ele ri de um jeito que odeio.
— Já está começando, né? Eu sei bem como é isso. Acredite, eu vou
amar assistir.
— Por que quer tanto ver essa merda? Pare de ser psicopata, porra!
— Porque finalmente verei você tomar as rédeas da própria vida e
parar de viver a vida de todo mundo, e de tentar ser o herói. E sabe o que
farei quando explodir? Nada. Eu vou assistir, beber, fumar e deixar rolar.
Essa coisa de cuidar de todo mundo, ser o herói, me irrita pra caralho. Pode
afundar o pau em quantas garotas quiser, beber até cair, criar um hiperfoco
nela, mas nada vai parar essa necessidade de ligar o botão do foda-se que está
sentindo. E o seu dedo está perto de apertar ele. No fundo, sabe disso. E tem
mais, a mãe e eu nunca te abraçamos para acalmar a sua ansiedade na
adolescência. Parece que está se tornando campeão de mentiras. Quantas
mais tem contado?
Ele volta a subir e o Duke o segue. Eu fico onde estava. Viro o rosto
para a janela e encaro a rua sem movimento nenhum nesse momento.
Eu só contei o que achei que a ajudaria confiar em mim naquele
momento. Eu não sabia que aquilo daria certo, mas foi o que pensei. Eles
tentavam me ajudar, mas eu fugia, eu sempre fujo. O telhado de casa virava
abrigo para esses momentos, assim como o meu quarto, onde me trancava, e
só saía quando o Nicholas invadia e me arrancava à força para reagir. Meus
pais queriam que eu falasse, explicasse o que estava acontecendo, mas eu não
sabia como fazer isso. Me colocaram na terapia por um tempo, mas parei
depois, o hóquei me acalmava e fazer piadas sobre tudo também.
Saio da janela e fecho a cortina. Apago as luzes e subo as escadas.
Exausto mentalmente. Entro no meu quarto e tranco a porta. Então me jogo
na cama, e fico encarando o teto, porque continuo sem sono, ainda mais
pensativo, e sei que, se eu dormir de verdade, irei sonhar com o meu irmão
morrendo, comigo não o salvando, com aquele dia terminando da pior forma.
Esmurro a porta do banheiro, cansado, o sono que não veio a noite
toda, chegou agora.
— Eu juro que, se você bater mais uma vez nessa porta, eu vou
quebrar ela na sua cabeça! — Louise grita. — Estou terminando, porra! — a
fala final sai em português.
— Para de me xingar!
— Como sabe se fiz isso se não fala português? — Sua voz é
abafada. Deve estar escovando os dentes.
— Porque não sou idiota. Sai logo, eu quero me arrumar.
— ESTOU OCUPADA.
— NICHOLAAAS! — grito para o meu irmão, que abre a porta do
quarto dele e me encara com ódio.
— Me grita de novo e eu te mato. Caralho, qual o problema dos dois?
— ARRUMA O BANHEIRO LÁ EMBAIXO! — falamos juntos.
— Por que não arrumaram? — Piper diz subindo as escadas. Encaro-
a. — Exatamente. Acho que no fundo amam brigar pelo banheiro e essa
interação caótica que vocês têm. Porque os dois poderiam ter tirado tudo do
banheiro e organizado e decidido quem ficava com qual banheiro. Eu tenho
nome para isso!
— Se falar amor, eu te jogo da escada! — Louise abre a porta e
aponta um dedo na direção da Piper.
Ela está com duas tranças no cabelo, feitas diretamente da raiz e elas
ficam para trás, embutidas. Os baby hair estão bem alinhados na frente e sua
maquiagem é impecável. Vejo uma pequena tatuagem na sua costela, porque
ela usa um cropped. Eu era cego pra caralho ou tinha medo de observar ela,
porque nunca notei as tatuagens. Sim, mais de uma, acabo de ver. A da
costela parece ondas do mar, e tem uma menorzinha no cós da sua calça
jeans, um diabinho. Eu sempre disse que ela era diabólica.
— Eu sou leitora, espera o quê? Vamos? — chama pela amiga.
Nicholas entra no quarto e soca a porta, provavelmente acordamos
ele do sono de beleza.
— O velhote poderia dar uma folga a mais, né? Cacete! — fala tudo
em português, não entendo nada. — Por que está me encarando igual a um
idiota?
— Você tem tatuagens!
— Tenho… Para de ser tarado e tira o olho do meu corpo!
Piper dá uma risadinha e passa por nós.
— Ela tem uma cobrinha perto da virilha.
— PIPER!
— É a minha favorita, depois da que tem mostrando o dedo do meio
embaixo do seio. São engraçadas! — Piper dá de ombros. Encaro-a e dou
uma piscadinha para ela.
— Garota, o que deu em você? Vou pegar meu casaco e vamos sumir
daqui. E você pare de encarar o meu corpo! — Louise me acerta com uma
escova que nem sei de onde surgiu.
Encaro-a, e eu até poderia chutá-la, mas está tão lindinha… Ela se
aproxima, com uma cara de rainha do inferno, me trazendo à realidade, a qual
corro para o banheiro e me tranco nele, com medo dela me chutar e eu rolar
as escadas.
Escuto sua risada e da Piper.
— Eu não fugi. Estou apertado!
Louise gargalha. Satã!
Tomo meu café, enquanto a Piper grita para a Louise ir logo ou vão
se atrasar mais.
— Nick não vai levar vocês?
— Ele está dormindo ainda. Passou a noite estudando.
— Pega o carro dele, então.
— Odeio dirigir aquele carro. É gigante. — Faz uma careta fofa.
Sorrio, e enfio um bacon na boca.
— Fica com o meu. Vou te dar as chaves e você pega ele nos meus
pais. Pode usar.
— Kay, não precisa…
— Precisa sim! Eu não aguento mais correr pra cima e pra baixo
nessa cidade e a pé! — Louise grita das escadas. — Cadê a chave?
— De onde essa garota veio?
Piper ri da minha pergunta. Mas é para se apavorar. De onde a Louise
surgiu?
— Tudo bem. Se for de boa para você, aceito emprestado, Kay. —
Piper sorri.
— Desde que você dirija e não certas pessoas! — Dou de ombros.
Louise me encara com raiva.
— Saiba que dirijo muito bem. Vai, cadê as chaves?
Reviro os olhos.
— Na mesa de cabeceira. Em alguma das gavetas.
Louise sobe correndo.
— Ela realmente cansou de andar a pé! — Piper diz.
— Ou vai apenas atear fogo no meu quarto.
Levanto-me às pressas e subo correndo. Pronto para lutar pelo meu
quarto, porque ela subiu animada demais.
Paro na porta, mas o que encontro me preocupa. Ela está pálida e
com o celular na mão. Louise ergue o olhar para mim e tenta esconder o
celular, mas já vi essa cena antes. Na noite que ela teve cólica. Puxo o
aparelho da sua mão. É uma mensagem, mas não entendo nada. Louise tenta
puxar, mas não deixo.
— Me dá isso! — diz entredentes.
— Não! Na noite da cólica estava com o celular. E pálida. Depois
ficou daquele jeito. E agora de novo. Que merda está escondendo?
— Não te interessa. Me dá isso, Kayden! — Sua voz está trêmula e
seus olhos marejados.
— É isso, né? Essa mensagem. Se trata de algo relacionado a essa
pessoa da mensagem, não é? A cólica daquela noite era por isso, a dor,
passava mal além dela, era algo muito mais além!
Meu peito sobe e desce rápido, seguro o polegar na tela para ela não
apagar. Talvez Nicholas esteja certo, Louise virou um foco para eu fugir dos
meus problemas. E agora tenho mais certeza de que ela esconde algo sério de
todo mundo. E preciso saber que merda está havendo!
Seleciono toda a mensagem, o celular no alto. Não a deixo pegar,
mesmo me pedindo para devolver com a voz chorosa. Tenta me segurar, mas
seguro firme o seu corpo.
— Kayden, larga essa merda… Eu faço o que quiser. Ok? O que
quiser!
Balanço a cabeça negativamente.
— Você realmente esconde algo, garota. Você está me propondo
fazer o que eu quiser só para eu não descobrir o que tem nessa mensagem.
Me diz, do que está fugindo no Brasil, Louise? Quem realmente é você?
— Só me dá, por favor!
Respiro fundo e mesmo que relutante, devolvo o celular. Ela segura e
se afasta, parecendo tonta. Pego a chave do carro e entrego a ela. Mas paro na
porta do quarto, fechando-a. Olho para ela, assistindo a ansiedade a atingir de
novo.
Existe uma bomba prestes a explodir e não apenas dentro de mim.
— Kayden… Eu n-não consigo… — Ela tenta puxar o ar.
Aproximo-me dela, e abraço-a por trás. Torcendo para isso funcionar
de novo. E querendo muito saber qual o segredo dessa garota. Ela não
reclama, não foge, só fica em meus braços. O celular em sua mão vibra de
novo, e ela olha.
— Eu não vou a-aguentar essa merda… — sussurra, quase sem
fôlego.
— Louise, ou me fala o que está acontecendo de verdade, ou vou
jogar sujo, e acredite, eu sei fazer isso! Olha o seu estado. É algo sério. E
saiba que eu sei ser igual ou pior que o meu irmão se necessário!
— LOUISE? — Piper a chama.
Louise balança a cabeça negativamente.
— E-eu… — Outra mensagem chega em seu celular. Só que dessa
vez, seu corpo amolece de vez, e preciso segurar ela mais firme. — Eu não
posso ir…
Levo-a até minha cama e sento ela. Pego a chave do meu carro e a
encaro.
— Eu vou dar um jeito. Mas na hora que eu voltar, vai me contar que
merda está acontecendo, ou eu vou abrir o jogo com a Piper e a Audrey e
falar como tem ficado ultimamente. Eu não faço ideia do que está
acontecendo, mas sei que é grave, e não vou ficar assistindo você passando
mal, entrando em crises, enquanto fica calada e não deixa ninguém saber.
Isso aqui é além de curiosidade, é questão de saúde já!
Ela nega lentamente, mas não fico para ouvir suas desculpas, só saio
do quarto pensando no que irei inventar para a Piper sobre a Louise não ir.
LOUISE
Kayden não pode saber a verdade. Ele não pode. Essa merda não
pode explodir agora. As mensagens, as duas mensagens acabaram com tudo.
Em uma, Kevin dizia que estava a caminho daqui no próximo final de
semana, já que tem competição em Nova York, e descobriu onde estou
vivendo. E na outra, minha avó me alertava para sumir daqui no próximo
final de semana, porque ouviu o Kevin dizer aos meus pais que viria para o
Alasca para conversar comigo, e que teria esse casamento ainda esse ano.
Não. Ele não pode vir. Eu não quero lidar com ele. Ainda não estou
preparada.
Abro a porta para sair do quarto do Kayden, mas dou de cara com ele.
Não diz nada, apenas entra me trazendo consigo e fechando a porta de novo.
Ele tem uma garrafa de água na mão.
— Falei que sua cólica voltou do nada, seguido de uma dor de
barriga. Acredite, foi o melhor que pensei. Não acho que a convenceu, mas
ela saiu e disse que conversaria com você depois. Agora precisa se acalmar e
vamos conversar.
Ele me senta de novo na cama, e largo o celular. Exausta. Sinto o
peito doendo e falta de ar ainda. Me entrega a garrafa e abro com as mãos
trêmulas, então bebo um pouco. Estou ferrada, ele não vai desistir. Kayden é
curioso demais. E eu dei muita coisa para ele pensar.
Ajeita-se na cama e me puxa para o meio da suas pernas, como da
última vez. Eu aceito, de novo. Seu abraço tem algo especial, algo que
derruba a frieza que aprendi a ter. E isso é bem preocupante. Me abraça
apertado, enquanto penso em como posso sair disso tudo. Bebo a água com
calma, goles curtos, molhando apenas os lábios. Então fecho e deixo-a
despencar ao meu lado.
— O que está de fato acontecendo? O que está vendo nesse celular a
ponto de ficar nesse estado? Ficou como na noite da cólica. E nunca me
deixaria estar tão perto assim, se não estivesse vulnerável o suficiente ou
exausta o bastante para não brigar, reagir, ou buscar formas de me matar.
Preciso pensar em algo. Ele não pode saber que fugi de um noivado
no Brasil, e muito menos de pais tóxicos o suficiente para aprovarem minha
relação com um cara que me agredia verbalmente, mas também me agrediu
fisicamente.
Respiro fundo, sentindo o ar voltar aos poucos, enquanto seu abraço
me aquece e relaxa o meu corpo.
— Meu pai vai vir na próxima semana. Não nos damos muito bem.
Só isso. — É o mais perto da verdade que posso chegar.
— Certo… Mas se a vinda dele te deixou assim, a relação de vocês é
algo complicado mesmo, né? Louise, ele te fez algo? Porque não dá para
acreditar que está assim apenas pela vinda de um pai que talvez não se dê tão
bem. Isso tem algo a mais.
Sério que ele vai ser esperto logo agora?
— Nossa relação é muito complicada. Kayden, esquece isso. Já estou
bem. Vou tentar trabalhar.
— E ele vem fazer o que aqui? — é direto, mas também ignora o que
eu disse.
— Não sei. Só disse que viria — sigo mentindo.
Ficamos em silêncio por um tempo. Fico pensando na mensagem, e
isso me traz um nó forte na garganta. O casamento seria esse ano. E se ele
não tivesse me agredido talvez eu tivesse me casado, continuaria cega sobre
suas atitudes abusivas. Eu fui cega por muito tempo. Minha avó tentava me
alertar, mas eu não ouvia. Era dependente emocional dele. Vir para cá foi
difícil, mas eu sabia que se eu pensasse demais, falharia. Precisava ficar
longe dele para aprender a me reencontrar, e entender que tudo aquilo era
errado, mas ainda me culpo por tudo, e me acho fraca o suficiente para fingir
ser forte, por vergonha de assumir que era uma idiota, frágil.
— Só vou ajeitar sua trança — ele me alerta, antes de tocar meu
ombro, e colocar minha trança para trás.
Franzo o cenho com seu alerta, mas então entendo: ele notou que me
assustei ontem com seu toque repentino.
Mordo o cantinho da boca, e encaro minhas pernas dentro da calça
jeans clara. O nó na garganta se intensifica. Tudo está vindo à tona e justo
para o cara que escolhi irritar só para manter longe e me distrair.
— Tem mesmo a tatuagem de cobrinha e mostrando o dedo? —
questiona, e sei que é para me distrair.
Forço um riso e assinto. Me afasto o suficiente para retirar a jaqueta
preta.
— Tenho algumas pequenas, não gosto de agulhas, mas fiz, porque
gosto de me arriscar. Só uma tem significado, as outras achei divertidas.
Afasto-me de vez e me viro de frente para ele, gostando de desviar do
assunto, porque isso me acalma. Fico sentada sobre os calcanhares.
— Vai me mostrar? — pergunta surpreso.
— Está curioso. Assume.
— Talvez! — Dá de ombros.
Reviro os olhos.
Inclino-me e aponto para as ondas do mar.
— Essa tem significado. Eu amo o mar, e lembra o nome da minha
avó, Marina. Em português, o nome do mar é mar!
— Entendo, Marina. Mar. Marina. — Seu sotaque deixa tudo fofo, e
odeio pensar que fica fofo.
— Isso. Agora essa aqui é a que mostra o dedo do meio. — Ergo o
cropped e meu seio, sem revelar demais, somente a tatuagem embaixo. Ele
sorri. — Tem essa aqui também… — Revelo a tatuagem de constelação do
meu signo, sagitário. — Meu signo.
Kayden se ajeita e se aproxima para ver melhor. Ele sorri.
— Disse que apenas uma tinha significado.
— Ai, não me estressa! — Ele ri. — O quê?
— Nada. Tem mais?
— Não vou te mostrar a cobra na virilha! Idiota. — Ele ergue uma
sobrancelha. — Certo, isso parecia melhor na minha cabeça.
Eu me ajeito e coloco o casaco de novo.
— São legais. Mas a do mar e a da constelação são as mais bonitas.
— Eu estava sóbria nelas, provavelmente. — Dou de ombros. —
Tem a do diabinho, é um emoji. — Desço uma parte da calça e revelo mais
ela, fica um pouco acima da calcinha.
— Qual é o seu problema? Você me assusta, juro.
— Eu sei, e isso me diverte!
Ele balança a cabeça e sorrio, sentindo-me muito melhor, em paz.
— Está melhor — diz e respiro fundo, sento-me direito sobre a cama.
— Parece que sim. Valeu.
— Não fiz nada demais.
— Poderia ter lido a mensagem. Sabe que tem a função de traduzir.
Mas não fez. Isso foi importante.
Ele balança a cabeça de novo. No fim, talvez esteja ganhando sua
confiança como eu planejava, e isso possa fazer com que pare de procurar
sobre a minha vida.
— Ainda vai para a arena?
— Sim. O velho não pode me demitir. Ele sonha em se livrar de mim,
não darei esse gostinho a ele. — Saio da cama e pego o meu celular.
— Quer uma carona?
Controlo o sorriso. É, estou conseguindo conquistar a confiança dele.
Algo de bom nessa merda toda está surgindo.
Assinto.
Meus braços estão ao seu redor, enquanto ele pilota por BTI. O vento
gelado nos atinge ainda mais intensamente, devido a velocidade da moto. Eu
queria estar ainda distraída. Que a adrenalina na moto continuasse mantendo
meus pensamentos desligados como ficaram no quarto do Kayden, porém
penso nas mensagens, e que semana que vem, Kevin pode destruir minha
vida de novo, e tudo que estou tentando construir do zero.
O ar volta a sumir, mais lentamente, entretanto, são indícios da
ansiedade me dominando mais uma vez. Engulo em seco, sentindo a minha
boca secar um pouco. Kayden para no sinal fechado, e sinto seus dedos
tocando as minhas mãos em sua cintura. Afrouxo o aperto, e puxo um pouco
das mãos, devo ter apertado ele demais. Provavelmente fiz isso devido a
ansiedade se aproximando e a exaustão de estar lidando muito com ela nos
últimos dias.
Ele puxa novamente minhas mãos para como estavam, e isso me traz
um frio na barriga.
— Tudo bem? — questiona quando vira sutilmente a cabeça.
— Sim!
O sinal abre e ele torna a acelerar. Já estamos perto da arena, em dois
minutos ou menos chegaremos. Mas a ansiedade parece não saber disso. O
medo começa a controlar ela. Tento pensar no parque de diversões, em
momentos com as meninas, na minha avó, qualquer coisa boa, mas não
funciona.
Quando a moto para em frente a arena, eu não consigo soltar o
Kayden. Lágrimas escorrem pelo rosto coberto pelo capacete. Minha mente
só pensa que semana que vem minha vida estará destruída de novo. Kevin vai
vir, ele vai mostrar para todos que fui culpada de tudo. Ele vai revelar que
enganei todo mundo. Todos vão me olhar com raiva, pena, mas as amizades
vão acabar, porque terei quebrado a confiança das meninas quando
descobrirem que nunca fui sincera sobre a minha vinda a Beyond The Ice.
Kayden segura as minhas mãos, mantendo-as ao seu redor. Ele está
sendo legal. É um idiota, mas um idiota legal. E até ele estou tentando usar só
para me livrar da verdade. Eu sou péssima. Kevin sempre teve razão. O
mundo precisa girar ao meu redor, sou mimada, e não sei fazer nada direito.
O choro se transforma em soluços. A ansiedade triplica. Aperto-o
ainda mais e ele segura mais forte minhas mãos. Tento tirar elas, não preciso
da pena dele. Mas ele impede. Ele vira o rosto, ergue a viseira do capacete e
me encara por cima dos ombros.
— Para onde quer ir? — Nego, envergonhada, sentindo-me
vulnerável. Ele ergue a minha viseira, mas meus olhos estão fechados. —
Olha para mim. — Nego de novo. — Louise, olha para mim, por favor. —
Sua voz é mansa. Gentil. Ele não deveria ser gentil, porque a gente não se dá
bem. E eu só quero me tornar próxima para ele parar de investigar a minha
vida. — Loulou… — Abro lentamente os olhos. — É, a Caty sabe mesmo
das coisas. — Ele sorri. — Para onde quer ir? Eu te levo. Ou podemos voltar
para casa, e você descansa. Nicholas saiu com o Micah. Ninguém vai te ver
assim, se isso for um problema.
— Por que está sendo tão legal comigo esses dias? Eu te a-assusto.
— Porque agora você precisa que eu seja legal. Eu seria um merda se
fizesse o contrário. Mas não se preocupe, sempre irei pensar em planos de te
mandar para o Brasil.
Sorrio sutilmente.
— Pra casa.
Ela assente e abaixa a minha viseira. Então se ajeita para nos tirar
daqui.
Entramos em casa, e o Duke não está. Foi passear com o dono e o
Micah. Meu peito ainda está dolorido e agora minha cabeça dói. Envio
rapidamente uma mensagem a minha avó dizendo que mais tarde ligo para
ela, afinal ela sempre me acalma.
— Precisa de algo? — Kayden questiona, ao se jogar no sofá.
Encaro-o, ainda mal. Então nego lentamente.
— Obrigada.
Dou as costas para subir as escadas, mas ele me para.
— Pizza sempre resolve esses dias ruins. E um dos meus filmes
também. Ou talvez ficar agarrada em mim te ajude. Isso pareceu te ajudar na
moto, sabe, quando me apertava forte.
— Está amando me ver frágil, né? Eu não vou te dar paz, garoto!
— Eu sei. Você é o Nicholas em versão feminina.
Mostro o dedo do meio a ele e me sento ao seu lado. Com vergonha
demais de dizer que além da pizza quero o abraço. Os filmes eu dispenso.
Mas ele parece ler minha mente, porque passa um braço pelos meus ombros e
puxa o celular do bolso.
— Qual os sabores?
— Sabores? Mais de uma?
— Lógico! Estamos falando de pizza, Satã!
— Eu vou esmagar suas bolas se continuar me chamando assim!
— Só porque não está bem, não irei te chamar assim. Mas só hoje!
Vai, escolhe um sabor e escolho outro.
Me mostra o aplicativo e aponto para um dos sabores.
— Ok. Sem pimenta. — Franzo o cenho. — O quê? Você tinha dito
que não curtia pimenta.
— E você lembrou disso?
— Claro. Para saber como me vingar pela cola com glitter no meu
xampu no ano passado. Acha que esqueci?!
Sorrio.
— Se apimentar alguma coisa minha, eu te mato. Eu juro que mato!
— Você me dá arrepios. Sa… Princesa!
— Prefiro satã.
— Princesa te incomoda?
— Muito. É coisa de menininha.
— Mas você é uma menininha.
— Não no sentido de princesinha, meiga, fofa… Nada de princesa.
— Isso te irrita mesmo, hein. — Ele sorri diabolicamente.
— Kayden, estou falando sério…
— Ok, princesa.
Respiro fundo, mas nem posso acertar suas bolas, ele puxa uma
almofada rápido e deixa sobre o seu colo, provavelmente imaginando o que
eu faria.
— Pede logo a pizza. E nada de filmes.
— Está bem, somente abraço.
— Não falei abraço.
— Eu falei sobre filmes, pizza e abraço. A pizza você aceitou, e o
abraço pelo jeito também, já que não quer apenas o filme.
— Qual o seu problema?! — Faço uma careta.
— Medo de você é um deles. Mas adoro abraçar.
— Eu odeio abraços! — Cruzo os braços.
— Não os meus. Assume que eles te acalmam.
— Não acalmam!
— Vamos ficar nessas discussões o dia todo? Vai me dar sono.
Inclino a cabeça para trás, ela segue doendo. Viro um pouco para o
lado, analisando o perfil do Kayden. Ele tem um belo perfil. Nariz fino,
mandíbula marcada, maçãs perfeitas. Cacete, os irmãos Spencer são mesmo
lindos. Começo a entender o alvoroço da BTIU sobre eles.
— Teremos pizza. — Me olha. — O que foi?
— Nada — pigarreio. — Apenas vendo o quanto exageram sobre sua
beleza. Nada demais.
— Como é?!
Ah, porra… Eu conheço esse tom. Lá vem o surto. Ao menos vai
distrair minha cabeça.
Ele leva três segundos para começar a falar o quanto estou errada. E
tentar me convencer de que isso é implicância, bullying e sei lá o quê mais,
porque começo a me perder e a ficar com sono. Então apenas ignoro, e nem
finjo estar prestando atenção.
KAYDEN
Acordo sentindo o celular vibrar no bolso da minha calça. Nem sei
que horas são e nem por quanto tempo apaguei. A única coisa que sei é que
fazia muito tempo que eu não dormia assim.
O corpo sobre mim, me usando de colchão, dorme parecendo um
anjo, coisa que ela está longe de ser.
Tento pegar o celular no bolso, mas não consigo, não com ela em
cima de mim. Ergo o pulso e vejo a hora, dormi por umas duas horas.
Seu perfume cítrico invade as minhas narinas quando ela se ajeita
sobre mim, e consequentemente quase arrebentando o meu pau com seu
joelho. Seguro sua perna me protegendo do perigo.
Encaro as caixas de pizzas no chão, e não sei como não passamos mal
por dormir logo após comermos uma enorme quantidade.
Eu poderia tirá-la de cima de mim, mas sei que ela precisa dormir.
Ela não está bem. Louise está à beira de um surto e isso fica mais claro a cada
instante.
Consigo pegar o celular quando ela puxa a perna e confiro as
mensagens. Alerta de festa da Fraternidade dos Alces, hoje, na casa da
fraternidade. As outras são de algumas garotas querendo saber se vou. Não
respondo ninguém.
— Pare de se mexer, porra! — Louise reclama.
— Sabe que está em cima de mim, né?
— Sei, Kayden! — responde como se eu fosse idiota. — Pare de se
mexer e me deixa dormir!
Ela sobe uma mão para o meu pescoço, mas tiro a mão dela. Região
perigosa demais para essa mão e unhas. Um deslize e ela me enforca.
— Posso me ajeitar ao menos?
— Não! — retruca e se ajeita, ainda mais confortavelmente. — Você
está duro, seu tarado! — Abre os olhos e me encara, irritada.
— Acabei de acordar. E você está se esfregando nele. Acredite, tem
coisas que não dá para controlar! — bocejo.
— Você é um imbecil, saiba disso!
Fecha os olhos de novo e ergo uma sobrancelha.
— Não vai se levantar?
— Não!
— Acabou de me chamar de tarado!
— E continua sendo, mas estou com sono. Fica quieto!
— Louise…
— Calado, garoto! — Cobre a minha boca. — Dorme! Calado eu até
posso gostar de você!
Reviro os olhos, querendo chutar ela.
Eu dormi de novo. Essa garota me deu sonífero, só pode.
Pisco algumas vezes me situando. Estamos no sofá ainda, dessa vez
os corpos enroscados um no outro, com seu rosto no meu pescoço, uma mão
em meu peito e a outra cobrindo seu rosto. Um dos meus braços está por
baixo do seu pescoço, e uma mão sobre a sua bunda. Ela ajeita a perna
enroscada entre as minhas.
Ao lado de fora escuto o barulho do carro do meu irmão. Olho para a
Louise e ela vai odiar saber que nos viram assim. Ela não está bem, merece
vivenciar esse momento de fragilidade e vulnerabilidade em paz. Sei disso
porque eu iria querer o mesmo, só para evitar explicações a qualquer pessoa.
Subo a mão e aperto sua cintura.
— Louise.
— Hm?
Controlo o sorriso.
— Nicholas chegou… — Escuto um latido. — E o demônio de
quatro patas também.
— Inferno… — resmunga irritada. — Será que uma jovem não pode
dormir em paz para amenizar a porcaria da dor de cabeça?
Se levanta, quase caindo em cima de mim, emburrada. Me olha
conforme me sento no sofá.
— Vai deitar, você está me apavorando com essa cara de assassina.
Porra, com sono consegue me assustar ainda mais.
— Ah, vai se ferrar. E esconde isso. Está enorme! — Aponta para o
meio das minhas pernas.
Encaro o volume grande que a calça marca.
— Está reparando demais, não? — provoco.
— Vai se ferrar!
Ela sobe as escadas, socando os degraus.
Nicholas entra com o Duke, quando começo a recolher as caixas de
pizza.
— Não vai pra festa? — pergunta. Encara as pizzas e me analisa por
inteiro. — Eu juro que se estiver com uma garota nua nessa porra e eu der de
cara com ela e isso chegar no ouvido da Piper e me trazer dor de cabeça, eu
corto essa sua porra fora.
Começo a rir.
— Estava com uma garota. Ela foi embora. E deixa o meu pau em
paz. Que tanto ameaçam ele? Porra!
Deixo as caixas na mesa e passo a mão pelo cabelo. Duke passa por
mim e rosna.
— Eu adoro o quanto ele nunca gosta de você
Nicholas passa por mim, indo para a cozinha.
— Ele é louco. Precisa dar um fim nele!
— Me sinto mais feliz em dar um fim em você! — Abre a geladeira.
— Não respondeu minha pergunta!
— Não sei. Talvez eu apareça por lá. Piper vai?
Assente apenas, sem me olhar. Aproveito para sair da cozinha e subir
as escadas, me assustando com o latido do Duke, que parece fazer de
propósito e rir quando olho. Psicopata peludo!
Entro no meu quarto e vejo as botas no chão e minha cama ocupada.
— Não era para deitar aqui! — Fecho a porta. — Eu sei que sou uma
tentação, gata, mas preciso tomar banho, me arrumar e privacidade. Tenho
festa e preciso decidir com quem terminarei a noite.
Ela ergue a cabeça do meu travesseiro.
— Você vai pegar essas pernas gigantes, mover até aqui e me fazer
dormir de novo. Não vai morrer por passar um dia sem meter esse pau em
alguém! Estou te fazendo um favor em garantir que ele não vai assar!
— Eu não vou perder festa e sexo, pra te fazer dormir. A paz acabou.
Cai fora, Louise!
Ela deita a cabeça e vira o rosto para o outro lado.
— Te deixo usar os meus produtos de skin care e esfoliantes. E te
mostro minha tatuagem na virilha.
Coço a nuca.
— Porra, isso é como oferecer doce a uma criança. Jogo sujo!
— Pegar ou largar!
Passo a chave na porta e me jogo na cama, ao seu lado. Ela encosta
em mim, e rio baixinho.
— Era só assumir que deseja mais do meu abraço. E eu ficaria se me
pedisse com jeitinho, sem precisar me oferecer nada em troca.
Abraço seu corpo por trás.
— Que bom. Ninguém toca nos meus produtos!
— Eu sempre uso.
— E por isso seus dias estão contados. E continua duro. Kayden!
Sorrio.
— Agora é exclusivamente por sua culpa.
— Como é?! — Vira o rosto e me encara irritada.
— Sua bunda está grudada nele. E ele passou tempo demais com
você colada em mim.
Vira o rosto me evitando.
— Você é um safado da pior espécie!
Vou mentir agora? É verdade. Não sou alheio ao quanto ela é linda e
gostosa.
— Está melhor? — questiono, preocupado.
— Kayden, não conta pra ninguém o que rolou. Por favor.
— Ok. Mas o que vai fazer quando ele chegar aqui?
Seu corpo tensiona. Respiro fundo e relaxo o meu para ela se sentir
mais confortável.
— Não sei… Posso te pedir mais uma coisa?
— Claro.
— Fica abraçado bem forte em mim até eu dormir de novo? Depois
pode ir se divertir. — Sua voz é baixa, abafada. Pela primeira vez vejo-a ser
tímida o suficiente para suavizar a voz.
Aperto seu corpo ao meu.
— Não vou a lugar nenhum.
— Por quê?
— Porque você me deu a opção de ir. Acredite, há muito tempo não
tenho tido opções. É a primeira pessoa a me permitir ter uma — confesso,
sem saber ao certo porque faço.
— Sua mão está no meu seio.
— Sua bunda no meu pau. Estamos quites!
— Meu Deus, não dá! Eu vou te matar!
Começo a rir, e ficar muito mais relaxado com ela, porque, pela
primeira vez, me sinto totalmente confortável e podendo ser eu mesmo ao seu
lado, sem medo, receios, desconfianças… Acho que estou começando a criar
confiança e entender que talvez tudo não passava de birra. Louise tem
camadas e gosto da que foi revelada a mim.
— Me prometeu que eu veria a tatuagem!
— No dia que conseguir tirar a minha roupa, verá. Ou seja, nunca!
— Isso foi um desafio? Não me desafia com isso. Não com isso! —
Sinto os meus olhos brilharem.
— Não foi um desafio. Já me arrependi de levantar bandeira branca e
querer ficar aqui!
Ela tenta se levantar, mas impeço.
— Sabe que posso conseguir isso em menos de vinte e quatro horas,
certo? — provoco.
Ela se solta dos meus braços e monta em cima de mim, apoiando as
mãos sobre o meu peito conforme se inclina totalmente. Perco a porcaria do
ar na hora.
— Conheço teu jogo. Acredite, posso dominar ele! — sussurra com
os lábios próximos aos meus.
Engulo em seco, observando seu rosto. Os olhos de boneca, assim
como a pele. Os lábios cheios e perfeitos.
— Já te falaram que parece uma boneca? — Ela ergue uma
sobrancelha. — E acredito que possa fazer isso, porque estou surpreso, mais
duro, e meus parabéns, acaba de me excitar, e isso vai ser uma enorme tortura
já que não terei festa e nem sexo. Me esfaqueia de uma vez, caralho!
Ela sai do meu colo, rindo e se deita.
— É tão fácil assim te seduzir?
Esse é o problema. Não, não é! Todo mundo acha que qualquer
garota me seduz rapidamente. Mas não funciono assim. Para transar, muitas
vezes me “obrigo” a ficar excitado, só para esvaziar a cabeça. Virou algo
automático. Não é mais prazeroso. É remédio para a cabeça apenas.
E bastou ela me pirraçar para eu ficar excitado normalmente. Sem ser
para aliviar o estresse.
Levanto-me e ela me olha.
— Vai sair? — Parece decepcionada.
— Não, Satã. Vou ter que dar um jeito nisso! — Aponto para o meu
pau.
— Está me zoando, né?! E disse que não me chamaria disso hoje.
— Acredite, eu queria estar! — respondo irritado. — E você voltou a
ser Satã!
Ela começa a rir. Respiro fundo e pego roupas para tomar um banho
gelado na porra do inverno!
Retorno e fecho a porta de novo. Nicholas está trancado no quarto
dele ouvindo música. Piper ainda não chegou.
Louise está sem o casaco e debaixo das cobertas, de costas para mim.
Apago a luz do quarto e caminho até a cama. Deito-me com cuidado e respiro
fundo. Quem diria que estaríamos assim!
— Preciso daquilo… — sussurro.
— Não dormiu ainda.
— Preciso muito daquilo, Kayden… — pede com a voz ofegante.
Sua crise de ansiedade está retornando.
Entro embaixo das cobertas e agarro o seu corpo. Mantendo-a firme
em meus braços.
Eu acabo de sentir ódio do seu pai. Porque se ele é capaz de fazê-la se
sentir assim, esse homem é um monstro. E estou começando a ter mais
curiosidade para saber que merda aconteceu na vida dela. E tendo certeza:
Beyond The Ice foi uma fuga para ela.
LOUISE
Tenho apenas duas opções para essa semana: vencer ela, ou ela me
vencer. E eu odeio perder.
Eu escolhi vencer e dar um jeito na bomba que pode explodir essa
semana se o Kevin de fato pisar nessa cidade. Me recuso a deixar a ansiedade
continuar me dominando. E é por isso que me vesti pronta para a guerra, se
eu morrer ou for presa no meio dela, que seja sendo uma perfeita gostosa.
Nos meus fones de ouvido, Glamourosa toca bem alto. Quero distrair
minha mente de tudo que aconteceu, inclusive dormir agarrada ao Kayden
Spencer e estar fugindo da Piper, que quer explicações do que viu, com sua
mente cheia de romance. Me arrepia só de pensar no que ela está imaginando.
Ela vem tagarelando às minhas costas, eu sei disso, não preciso nem
ouvir. Caminhamos pelo estacionamento da BTIU. Se joga na minha frente,
falando sem parar, mas realmente não ouço. Começo a cantar alto e vejo seu
rostinho ficar raivoso.
Sorrio.
Aponta discretamente as pessoas olhando. Encaro as líderes de
torcida e a galera do time de futebol. Rebolo até o chão no ritmo da música e
mostro o dedo do meio. Piper me puxa e me arrasta para dentro da
universidade.
Caminhamos até os armários, ela me solta e abre ele com raiva. Está
curiosa. Tudo é festa inicia, porque amo bastante os funks mais antigos.
Continuo cantando. Ela vai falando, mas realmente não estou ouvindo.
Aproximo o rosto do seu ouvido, cantando a música bem baixinho.
Ela me empurra.
— Relaxa, gata! — é o que falo, antes de me afastar, rindo.
Caleb, um idiota do time de futebol, passa e posso não estar ouvindo,
mas sei que fala alguma merda sobre mim. Mas sinceramente? Ele escolheu a
pessoa errada. Eu pauso a música e, puta merda, eu estava curtindo muito ela.
— O que ele disse, Piper? — Fico encarando-o passar e olhar por
cima do ombro.
— Agora você escuta?!
— O que ele disse, Piper?!
— Nem vale a pena. Caleb é um idiota.
— O que ele disse?! Se não falar, irei descobrir e vai ser pior.
— “Se ela rebolar assim no meu pau, pago dois dólares, é o que ela
vale”. Agora deixa isso quieto!
— Claro. Acha mesmo que irei fazer algo? Logo eu que resolvi ter
paz essa semana?
— Perfeito. Sem confusão. Ele só quer provocar. — Assinto. — Me
fala, o que aconteceu que dormiu no quarto do Kayden e agarrada a ele? Por
favor, me diga! Lembra que mandou eu registrar no cartório que isso nunca
aconteceria?
Aperto o play da música.
— TENHO AULA! — grito e caminho pelo corredor.
Observo para onde os idiotas do time estão indo e vejo que é para o
vestiário deles. Guardo os fones na bolsa, perdi o clima da música. Sigo eles.
Passo pelos meninos do hóquei.
— Eu conheço essa merda de olhar… Ela me assusta quando está
com ele. Vai eliminar alguém! — Elijah fala. Micah concorda com ele e Luke
balança a cabeça lentamente, provavelmente com medo de se manifestar.
Se tem uma coisa que aprendi desde que pisei nessa cidade, é nunca
mais deixar homem nenhum me rebaixar ou achar que pode falar qualquer
merda, apenas por eu ser mulher. Ou me tratar como uma qualquer apenas
por eu ser brasileira, que é uma pauta que prefiro nem entrar, porque me
estressa ainda mais e me transformo.
Entro no vestiário, abrindo a porta logo depois deles. Larry, o capitão
do time, me olha surpreso. Caleb e os outros que entram, sorriem,
principalmente o idiota.
— Errou o caminho, gata? — Larry pergunta, tirando a camiseta
como se isso me afetasse de alguma forma.
Observo ao redor e vejo uma bola. Me aproximo pegando-a e
brincando com ela em minhas mãos.
— O que foi, Pimentel? Querendo aprender a jogar ou como segurar
em bolas? — Caleb abre a boca.
Começo a rir e inclino o rosto para o lado.
— Vim testar minha mira.
— Mira? — Um deles pergunta, confuso.
— Sim! — Dou uma piscadinha.
A bola é dura, vai resolver. Então a lanço na direção certa, no meio
das pernas do Caleb, que cai no banco de madeira gemendo de dor. Os outros
urram. Me aproximo do imbecil.
— Uma pena seu pau estar detonado agora para eu descer rebolando
nele. Ah, e sobre os dois dólares, use para comprar um copo de gelo, esse
micropênis vai precisar. Ou acha que não sei da sua fama de “minhoca da
BTIU”? Ouse falar de mim mais uma vez, e o que irei acertar no seu pau é
um tiro!
Dou as costas e o filho da puta fica gemendo de dor, sem conseguir
falar. Saio do vestiário, sentindo-me revigorada de novo. Mas sou
interceptada por Nicholas e o trio fofoqueiro. Só pode ser brincadeira.
— Que porra rolou?
— Nada que uma boa bola de futebol americano não possa ter
resolvido. — Sorrio.
— Piper tinha certeza de que faria merda. — Nicholas ergue a mão e
bato nela. — Vai, some daqui.
— Se for quebrar ele novamente, por favor, deixe ele sem andar e
sem procriar. — Dou tapinhas em seu ombro.
— Ela me apavora! — Micah sussurra, mas ouço.
Bato o pé na sua frente e ele se agarra às costas do Nicholas.
— E é essa merda que é goleiro do time. Caralho! — Elijah retruca.
— Eu tentei matá-lo, mas você me impediu! — Nicholas justifica.
— Eu sou novo nisso. E meus pais podem me matar se eu me meter
em merdas! — Luke dá de ombros.
— Ai, que fofo. — Reviro os olhos e me afasto. — Sem filhos e sem
andar, Morcegão, não esqueça!
Eu odeio palestras.
Eu odeio palestras.
Eu odeio palestras.
Preciso sempre me lembrar disso, quando a Piper disse que vai ter
algo legal. Eu estava livre, antes da próxima aula. Eu teria uma hora livre.
Mas tive que ouvir sobre drogas.
— Por que o Nicholas não estava aqui? O maconheiro é ele!
— Louise! — Ela tenta não rir, mas falha.
— Porra, Piper, eu terei uma aula chata pra cacete. Acredite, eu
queria sumir em algum canto e dormir!
— Eu amo sua voz em português. Ela é mais delicada.
— Não vai me deixar menos puta. VIVA AS DROGAS! — grito em
inglês e ela me puxa, ficando vermelha.
— Pare de ser maluca. Vamos comer, pensa que tem alguns minutos
antes da próxima aula e fez pontos.
— Eu quero fazer pontos na sua cara. Piper, era uma horinha livre.
Uma horinha!
Enrosca o braço no meu e ri baixinho. O pior é que essa baixinha é
uma luz boa demais para mim. A palestra me distraiu mais ainda dos últimos
dias, principalmente nas partes que xinguei a Piper e toda a geração de filhos
que ela pode ter.
Entramos no refeitório e está bem lotado. Me aproximo da máquina
de café. Piper desenrosca do meu braço e bufa.
— Caleb está com a cara arrebentada… de novo! O que você e o
Nicholas fizeram?
— Eu? Dei carinho no pau dele. O Nicholas não fez nada, porque se
está vendo o Caleb, é sinal de que ele ainda anda e ele não deveria estar
andando.
Pego uma moeda no bolso e coloco na máquina. Pego um café, encho
de açúcar porque de amargo basta a minha vida, e dou um bom gole.
Nicholas se aproxima da gente.
— Ele ainda anda!
— Carregado.
— Já é um começo! — Dou de ombros.
Nicholas segura o rosto da namorada e a beija.
— Nick, sério?! Agora os dois viraram dupla em fazer merdas?
— Pequena, eu apenas fui dar um sutil recado. Mas o Elijah estava
cansado e queria descontar o estresse em alguém. E o Micah é sempre
goleiro, quis jogar em uma posição diferente dessa vez. Mas o Luke, esse
realmente se comportou em cem por cento, ficou vigiando a porta. Foi muito
azar o Caleb estar sozinho quando entramos, e os outros terem vazado e
deixado ele sozinho.
Engasgo-me com o café. O cinismo desse idiota é divertido!
— Vocês são loucos, ok? E corromperam o Luke! Ele era um amor.
— Como?! — Nicholas encara a namorada.
— Deixa o garoto vivo. Ela não vai sentar nele e nem ele olhar para
ela. Luke ama a própria vida. E por que você não estava na palestra de
drogas? Você precisa. Eu aguentei aquela porcaria com a sua namorada!
Piper ri baixinho, com as bochechas corando.
— Estava no hospital veterinário. Inclusive, tenho plantão hoje —
avisa a Piper. — Mas é isso, meninas. Usem drogas!
— Nicholas!
Ele dá uma piscadinha para ela.
— Eu tenho que ir. Porque o tempo livre que eu tinha foi roubado! —
Encaro a baixinha. — Me espere antes de ir embora. Preciso trocar o número
do meu celular e você vai comigo!
— Sem problemas. Tenho que pegar a Caty na escola hoje. Serei
babá. Audrey vai buscar o nosso autógrafo. A escritora do livro de fantasia
que estamos obcecados está na cidade. — Seus olhos brilham e o Nicholas
xinga.
— E por que não vai também? — questiono.
— Caty não pode ir e o Julian tem exames hoje e o pai dele precisa
estar presente, para avaliar tudo que os médicos dirão. Ela não tem com quem
ficar. E tenho trabalho na arena. Addie vai estar livre à tarde, aí vai lá por nós
duas.
— Eu fico com a pirralha e te cubro na arena.
— Sério?! — Assinto. — Eu te amo! — Me agarra.
— Viu, Nicholas. Sou amada. Ela não se joga em você e diz que te
ama.
— Não. Ela senta em mim falando que me ama.
Gargalho, e a Piper me empurra e se afasta do namorado também.
— Ai, eu odeio vocês. Juro!
Caminha toda atrapalhada e tímida. Ele sorri.
— Ama mesmo essa menina. Fode a vida dela, que eu te mando para
o inferno — alerto-o.
Ele me encara de lado e leva as mãos ao bolso da calça.
— E está pronta para me levar até lá?
— Quê?
— Está pronta para pisar nele de novo, Pimentel? — Sua voz é
sombria. — Alguém que já esteve no inferno é capaz de reconhecer outro
morador desse lugar.
Ele se afasta e engulo em seco. Aperto o copo de café na minha mão,
sentindo uma pequena ansiedade. Nicholas sabe… Claro que saberia. Ele
com certeza puxaria a minha vida. Mas nunca saiu nas notícias o motivo do
meu sumiço do Brasil. Entretanto, ele deve saber do noivado. Deve ter ido
nas fontes certas para buscar.
Saio do refeitório. Preciso focar em outras coisas, não posso voltar a
ter ansiedade, não aqui dentro da BTIU.
A arena está tranquila hoje, e nem está muito frio, o que ajuda mais.
Troquei meu número e preciso alertar a minha avó, farei quando sair daqui.
— Quando a mamãe voltar, te ajuda com as tarefas, tudo bem?
— É só pintar coisinhas, mamãe. A Loulou me ajuda, né?
— Claro, sou ótima em pintar. Precisam ver. Picasso não é nada perto
de mim! — Sorrio.
Audrey e Louise riem.
— Obrigada, Lou. Te amo! — Addie me joga um beijo.
— Eu também amo você! — Piper sorri para mim e enche a
bochecha da Caitlyn de beijos.
— Amo as duas. Agora vão logo.
— Ah, a comida. Tudo menos açúcar. Toda vez que ela consome
isso, essa menina não dorme! — Audrey orienta.
Caty dá uma risadinha. Audrey deixa um beijo na filha e sai agarrada
ao livro e a um enorme copo de cappuccino com caramelo e vanilla. E ainda
vem falar da garota, ela está elétrica com essa bomba.
Debruço sobre o balcão e vejo o olhar da Caitlyn para o gelo. Duas
adolescentes patinam com seus treinadores.
— Loulou, eu vou conseguir fazer tudo isso um dia?
— Você pode fazer tudo, desde que acredite em si mesma, Caty.
— O vovô e o papai dizem a mesma coisa. E a mamãe diz que farei
melhor que isso.
— E não mentiram. — Ela me olha e sorrio. — E aí, o que fez na
escola hoje? Tá com fome? Já vou adiantar: sou péssima babá.
Ela ri, se divertindo.
— Hoje teve filme, e a gente tem que pintar o desenho do filme. Mas
não pode ter glitter. A professora já veio me falar: “Nada de glitter, dona
Caitlyn!” — muda a voz, acho que imitando sua professora.
Começo a rir. Eu deveria chamar sua atenção, mas eu disse que era
péssima babá.
— Então, tá com fome? O que quer comer?
Ela fica pensativa, olhando o balcão, a parte de vidro onde os doces e
salgados estão.
— Bolo de chocolate!
— Fechado. Acho que sua mãe disse algo, mas esqueci… — Dou
uma piscadinha. — E para beber?
— Suco. Suco de laranja. Loulou, você tá muito linda hoje.
— Ah, obrigada. Você também. Amei seu penteado.
— Mamãe é muito boa neles. Vou pedir uma trança igual a sua
amanhã!
Sorrio. Eu amo trança. Repeti o penteado de ontem. Sirvo-a e ela se
ajeita no banco do balcão, tendo cuidado para não cair.
— Vai ficar linda.
Ela morde um pedaço do bolo e fica toda felizinha.
— Loulou, por que você tá tristinha?
Franzo o cenho.
— Não estou, Caty.
— Tá sim. Seu olhinho tá sem brilho, e não falou nenhuma palavra
feia ainda.
Forço um sorriso.
— Só estou cansada. E eu não falo palavras feias.
— Fala sim. Titia Piper, mamãe e papai, falam para não repetir
nadinha o que você e o titio Nick dizem. O vovô também.
— Acredite, infelizmente eles estão certos! — Suspiro e faço uma
careta. Ela ri. — Estou bem. Os últimos dias foram complicados. Mas vou
ficar bem, meu amor.
— Tó, bolinho de chocolate deixa a gente feliz! — Ela me oferece,
erguendo o garfo até a mim. Me inclino e ela coloca na minha boca. Mastigo
e sorrio.
— E você tem muita razão. É uma ótima conselheira!
— Eu sou poçocologa! Ajudo todo mundo.
— Você é o quê?! Caty, estou começando a achar que o meu inglês é
uma merda.
— Eu cuido da cabecinha. Já tenho um paciente, mas é segredo!
— Ah, você é psicóloga! — gargalho. — Garota, você é a melhor
pessoa dessa cidade. E quem é esse paciente?
— Segredo. — Enche a boca com bolo.
Garotinha esperta.
Ela termina de comer e beber o seu suco, enquanto atendo aos pais de
cada uma das meninas que acabaram de chegar.
Assim que termino, aproveito para recolher o prato do bolo dela e o
copo de suco. Pego-a no colo e levo até a mesa. Nos sentamos onde tem sua
mochila. Ela me mostra sua tarefa, e confiro. É para pintar algo simples, mas
usando as cores das numerações. Caty entende bem conforme explico, já que
ela está começando a ler ainda, tem dificuldades.
— Lou, como é no Brasil? É bonito?
Sorrio, encarando-a. Mesmo concentrada no desenho, ela conversa.
— É lindo, Caty. Eu morava de frente para o mar. Era perfeito ter
essa vista todos os dias.
— E aqui, é perfeito também? Eu gosto de ver neve.
— É… Mas é complicado. A vida adulta é horrível. Demore muito
para crescer, ok?
Ela ergue os olhinhos azuis e inclina o rostinho.
— Quem é a sua pessoa favorita?
— Minha avó. Adelaide Marina Pimentel. Ela morava aqui no seu
país, sabia? — Caty nega e fica entusiasmada. — Pois é. Mas ela foi morar
no Brasil muito jovem. Conheceu o meu avô, casou-se, teve filho, mas depois
de um bom tempo decidiu ficar morando só no Brasil. Ela ama muito o
Brasil, sempre teve brasileiros na família dela, inclusive a minha tataravó era
brasileira, e minha avó tem o nome dela, Adelaide Marina.
— Que nome bonito. Mas o Marina é bem legal. Marina… — Ela
testa e sorri.
— Também acho.
— E sua vovó não vem te ver?
— Ela queria, sabia? Mas não gosto que ela fique viajando sozinha.
— E você não pode ir ver ela, Loulou?
— Posso… Mas é bem complicado. Sinto saudade de casa e dela.
— Também tenho saudade da minha vovó Danielle, mas ela virou
floquinho de neve.
— Eu sinto muito, Caty.
Faço um carinho no seu rostinho e ela sorri.
— Lou, você vai embora?
— Como assim?
— A mamãe disse que você tá aqui porque estuda. Depois vai
embora?
— É o plano, meu amor.
Engulo em seco. Eu preciso ir. Eu sinto falta do meu país. Eu acho.
— Posso te pedir uma coisa?
— O que quiser! — Sorrio.
— Estuda pra sempre? Assim não vai embora. — Seu beicinho
treme.
— Caty…
— O titio Nick e o titio Kay também vão embora. Eu sei que vão. Eu
já ouvi eles falando com o papai sobre jogo, eles podem ter que ir morar
longe pra jogar hóquei. Aí você também vai quando não estudar mais. Não
vai não.
Puxo-a para o meu colo e abraço-a, sentindo um nó na garganta.
— Ainda temos bastante tempo. Não pensa nisso agora.
— É porque aqui não tem sua vovó, né? Se ela tivesse aqui, você
ficaria, Loulou?
Meu peito aperta. E a conversa com a mãe dela vem a minha
memória:
“Às vezes pensamos que lar é só estar com quem amamos, mas
precisa ser uma mão de via dupla. Você precisa se conectar com o lugar
onde estiver também, porque é ele onde vai viver, e precisa se sentir em paz
nesse lugar, antes de sentir paz nos braços de alguém.”
— Não sei… Realmente não sei, meu amor.
E se o Brasil for o meu lar apenas por causa dela? E se o que sinto
falta é dela e da cidade, mas não de viver ali? E se lá não for o meu lugar no
mundo e por isso fugi para tão longe? Eu penso em voltar, mas só penso
nisso para estar com ela, e aproveitar o calor, a música, a cultura, mas nunca
penso em ficar, porque na casa dos meus pais jamais ficaria, ali não é o meu
lar de verdade. Eu amava apenas a vista daquele lugar e a presença da dona
Adelaide. E se eu voltar e descobrir que cometi o maior erro apenas tomada
pela saudade?
Droga. Uma criança de sete anos acaba de piorar minha cabeça!
— Tá bonito?
— Está lindo! — Sorrio, vendo seu desenho.
Entro em casa bufando. Eu vou matar a Piper. Hoje eu mato. Ela
ainda não voltou. E tive que fechar toda a arena sozinha. Porque hoje era
folga de vários funcionários. Ela me odeia! Julian pegou a Caitlyn, ao menos
mantive a criança viva, depois de três pedaços de bolo.
— Duke, você vai ficar sem aquela pilantra! — Jogo a minha bolsa
no sofá.
A porta da sala se abre, a Piper entra e, assim que me vê, sorri.
— Em minha defesa, o bate-papo com a autora foi longo. E você
disse que iria me cobrir.
— VOCÊ NÃO AVISOU QUE EU TERIA QUE FECHAR TUDO
SOZINHA. E CONFERIR CADA LUGAR DAQUELA ARENA, E
RECOLHER A BAGUNÇA QUE AQUELAS DUAS PATINADORAS
FIZERAM NO VESTIÁRIO. EU VOU MATAR AQUELAS PIRRALHAS.
Piper passa correndo por mim. O Duke corre atrás dela e eu também,
assim que arranco um coturno, pronta para acertar nela.
— Vem aqui, sua praga! Você sabia que eu iria surtar. Conhece cada
maldito patinador que frequenta ali. Piper, eu vou acabar com você. Eu vou
atear fogo nesses livros, juro!
— LOUISE! — Acerto o coturno, mas passa raspando nela, nunca
iria acertá-la. Ela ri e corre para o quarto. — Duke, me protege!
— Se ele me morder, eu vou te matar! — grito.
Duke late, protegendo-a.
— Respira. Eu juro que vou te recompensar! — Ela encosta na
estante, agarrada ao livro e sua bolsa.
— Primeiro, a palestra; e depois isso. Garota, eu vou te enforcar!
Vou até ela, o Duke pula em mim e puxo um livro de capa dura da
estante.
— NÃO! NÃO! DUKE, PARA! — ela ordena e o cachorro obedece.
— Ok… Vamos conversar. Não precisa disso…
Encaro o livro, querendo acertar ele na cabeça dela.
— O que eu poderia fazer com ele, hein?
— LOUISE, NÃO. OK, EU VACILEI. DEVERIA TER FALADO
QUE ERA UMA PALESTRA LONGA E SOBRE DROGAS, E QUE AS
MENINAS DÃO TRABALHO E PRECISARIA CONFERIR A ARENA
INTEIRA, SOZINHA… EU ERREI, ME PERDOA! TE AMO. ME DÁ O
LIVRO! — implora.
— Vem pegar… — provoco.
Saio do quarto às pressas com ele. Ela corre atrás de mim,
provavelmente jogando as coisas que estava na mãos, sobre a cama, porque
escuto o barulho. Escuto barulho de uma das portas, o Kayden chegou. Desço
as escadas correndo, o Duke vem atrás latindo sem parar. Piper gritando meu
nome e pedindo o livro.
Escorrego no último degrau, mas me equilibro e pulo para o sofá,
depois pulo ele.
— ME DÁ! — Piper berra.
— Mas que porra é essa?! — Kayden grita. Duke avança nele. — Eu
nem fiz nada, seu louco!
— Ela pegou o meu livro, para se vingar de mim! — Piper explica.
Ambas estamos ofegantes.
— Ok, as crianças precisam explicar melhor. O que está rolando?
— Ela pegou meu livro. Só precisa saber disso. Pega o meu livro
dela! — Piper está irritada.
Ela se aproxima, mas fico sem saída, o Duke me cerca e sei que ele
dá a vida por ela. Entrego o livro a Piper, apenas por medo de levar mordidas.
— Ufa! — Ela sorri. — Isso é por não me contar o que rolou entre
vocês.
Abro a boca e arregalo os olhos.
— Você se vingou de mim? — Ela sorri abraçada ao livro. — EU
VOU TE MATAR, PIPER ROBERTS!
Pulo o sofá. Piper corre pelas escadas, gritando por socorro. Kayden
me segura, tirando as minhas pernas do chão. Tento me soltar.
— DESSA NOITE VOCÊ NÃO PASSA!
— Para de ameaçar a minha baixinha. Deixa-a em paz!
Ele me solta e só não vou atrás dela porque estou fadigada, e porque
o cão de guarda vai me devorar e o poste ao meu lado vai me impedir.
Caio no sofá, cansada. E pronta para eliminar uma amiga. Que garota
atrevida. Mas estou orgulhosa da travessura dela.
— E ainda dizem que quem dá trabalho sou eu! — Kayden sobe as
escadas.
Ouço-o falar com a Piper no segundo andar, defendendo-a. Reviro os
olhos. Ela me torturou o dia todo, porra.
Tiro o celular do bolso da calça, deu até calor essa agitação. Preciso
falar com a minha avó, deixar claro que ela não pode deixar ninguém em casa
saber do meu novo número. E que precisa me informar tudo que souber sobre
a vinda do Kevin.
E ainda tem a questão que o Nicholas pode saber que abandonei um
noivado. E se ele sabe, por que nunca contou nada? Por que não julgou o fato
de eu esconder isso? Por que confia em mim?
Ligo para ela, e torço para que esteja sozinha em casa.
KAYDEN
É impossível salvá-lo com vida. Está quente, muito quente. Tento
passar pelas chamas. Alguém está me puxando, me impedindo de ir.
— Me solta. Meu irmão. Eu preciso salvar o meu irmão! — grito.
Consigo me soltar e pular uma parte do fogo. Eu vejo o corpo dele…
Nicholas está caído. Me jogo em cima dele, gritando, mandando-o acordar,
mas ele não respira.
Ele não está respirando. Seus olhos estão sem vida.
Não.
Não.
Não.
Puxo seu corpo para mim e olho para o lado… Não… Piper e Caty…
Não! Não!
Uma parte do lugar desaba em cima delas, tomado pelas chamadas.
Grito desesperado.
Meu irmão…
Elas…
Acordo assustado, sentando-me rapidamente na cama. Estou
totalmente suado. Meu coração está acelerado e me sinto exausto.
— Ei, calma… Kayden… — Olho para o lado, assustando-me com o
toque em meu braço. — Sou eu, a Louise. Calma. Você estava sonhando. É
só um sonho.
Ela acende a luz e se aproxima de novo, sentando-se ao lado da cama,
segurando uma garrafa de água.
— O que…
— Bebe isso, vai!
Ela abre a garrafa e me entrega. Tomo um gole curto, mas não
consigo beber mais. Minha garganta parece estar fechada.
Louise pega a garrafinha, fecha e deixa na mesa de cabeceira. Passo
uma mão pelos cabelos, e estão ensopados. Eu estou totalmente ensopado.
Encaro-a, confuso, e sem entender como ela chegou aqui. Mas ela parece
entender minha confusão.
— Fui pegar água e quando passei pelo corredor escutei você
chamando o Nicholas, sua voz parecia aflita. Entrei e não demorou, você
acordou. Não é a primeira vez que ouço isso… Quando vai contar a ele sobre
os sonhos? É o dia do sequestro delas, né? Você sonha com aquele dia e com
o fogo, sempre grita por fogo.
— Lembra quando me pediu para não contar sobre o que anda
acontecendo com você?
Ela assente.
— Relaxa. Não irei falar nada. Vai tomar um banho, está muito
suado.
— Que horas são? — Deito-me de novo, exausto demais. Encaro o
teto, estou angustiado.
— Três horas da manhã. Está pálido, quer que eu chame o Nicholas?
Talvez te ajude… — Nego rapidamente. — Certo. Vou deixar a água.
— Obrigado. — Olho para ela e ela assente.
— Ela também tem pesadelos às vezes. Talvez devesse conversar
com ela sobre isso, então. Poderiam resolver isso juntos… Sabe, você e a
Piper — me aconselha.
Se afasta, e quando se aproxima da porta, me olha por alguns
segundos antes de sair do quarto. Fico mergulhado no silêncio mórbido, que
começa a piorar a sensação do pesadelo. Por isso não quero dormir, porque
essa merda sempre acontece.
Isso precisa parar. Eu preciso voltar a ter paz. Eles estão bem, e
minha mente tem que focar nisso.
Levanto-me para tomar um banho e ver se isso vai me ajudar a me
sentir melhor.
Retorno para o meu quarto, dez minutos depois, mas sou
surpreendido pela pessoa sentada na minha cama, agarrada ao bastão que
comprou no parque e ao seu boneco sinistro.
— O que faz aqui? — sussurro, conforme fecho a porta. — E por que
tem essas coisas? Pretende me matar? — Fico com a mão na maçaneta para o
caso de precisar de uma fuga.
— Para o caso de fazer piadinhas ou abusar da minha bondade, tenho
o bastão. E caso eu acabar te matando, tenho o KS para colocar no lugar do
seu corpo e convencer a todos que foi magia que te transformou em boneco.
— E isso é sua bondade?
Caminho até a minha cama. Me deito e ela se ajeita, cruzando as
pernas uma na outra, e colocando o boneco sentado em seu colo, enquanto
me cutuca com o bastão.
— Vou ignorar sua ironia, porque teve pesadelos, e sei que eles são
uma merda. Como está?
— Me sentindo um merda — suspiro, e coloco um braço atrás da
cabeça.
— Quer falar do pesadelo?
Nego lentamente e ela suspira.
— Louise, não precisa retribuir nada que te fiz. Vai dormir, está
tarde.
— Estou sem sono. E não estou devolvendo o favor. — Encaro-a de
lado. — Não sou um monstro por completo também. — Joga o boneco em
mim. Jogo ele longe. — Kayden!
— Isso é horrível!
Ela revira os olhos e sorri. Observo o que veste e é apenas uma
camiseta grande, branca. Os cabelos estão soltos e bem cacheados. Não tem
um amassado, nada. A camiseta não está amarrotada.
— Você não deitou até agora! — concluo.
— Claro que deitei. Acordei, busquei água e fiquei sem sono.
A ruguinha surge entre suas sobrancelhas, e ela dá de ombros.
— Mentirosa. O que estava fazendo acordada? Bruxaria?
Me acerta com o bastão e isso dói, mas se eu falar que está doendo,
ela vai me bater mais ainda, porque vai saber que está me torturando e vai se
divertir.
— Por isso odeio ser legal! — Ela vai descer da cama, mas sou mais
rápido e seguro sua mão, puxando-a conforme volto a deitar. — Que foi? —
Puxa a mão de volta.
— Fica, por favor.
Não quero ficar sozinho. Normalmente eu fugiria. Mas não hoje. Não
agora. Eu realmente preciso de companhia, porque não quero ter esse
pesadelo de novo, ou pensar nele hoje.
Ela fica me olhando desconfiada, mas então assente. Se levanta,
largando o bastão e começa andar pelo quarto, observando tudo. Para perto
das prateleiras com medalhas e troféus do hóquei, e onde tem algumas fotos.
— Você e o Duke? — Vira a foto para mim.
— Quando ele era bebê e não um demônio. Quando os dentes dele
não me devorariam.
Ela ri baixinho e coloca a foto no lugar.
— Nossa… Na adolescência era impossível diferenciar vocês dois.
Meu Deus! Quem é quem aqui? — Vira outra foto para mim e sorrio.
— Sou o de azul e o Nick o de branco. Realmente era difícil.
Trocávamos de sala e enganávamos os professores.
— Funcionava com seus pais?
— Não. Eles sempre foram bons em nos distinguir na adolescência e
na infância. Exceto pelas vezes que o meu pai passava do ponto com vinhos,
aí ele nos confundia e ainda confunde quando ocorre.
Sorri e coloca a foto no lugar.
— Deve ser legal ter irmão, principalmente gêmeo. Eu queria ter uma
irmã gêmea.
— Deus não castigaria o mundo assim!
— Imbecil!
Sorrio.
— Então sem irmãos?
— E sem primos de convivência. Meu pai era filho único, e os
parentes da minha mãe vivem longe e nunca foram próximos. Cresci sozinha!
— Dá de ombros e puxa um livro da mesa e folheia. — Cacete, você e a
Piper se odeiam? Que merda de cálculo é esse?
— Acredite, penso que me odeio desde que pisei nesse curso. —
Forço um sorriso.
Ela fecha o livro e deixa no lugar.
Então cresceu meio que sozinha. Curioso.
Continua mexendo nas minhas coisas e encontra outro livro.
— Alice no País das Maravilhas? — Vira o livro para mim e sorri.
— Piper me deu faz um tempo. Ela jurou que eu iria ler. Ela ainda
tem essa esperança.
Louise se aproxima da cama com o livro e uma expressão nova,
repleta de carisma e delicadeza.
— Não sou leitora como ela e nem como a Audrey. Mas quando
criança, minha avó lia muito esse livro para mim. Criei um carinho por essa
história. Mas então fui crescendo e nunca mais voltei ao País das Maravilhas,
e talvez esse foi o meu erro. Se eu tivesse voltado a ele, ele teria me lembrado
das boas lições que tem, e eu poderia ter ido por outros caminhos, quem
sabe? Esperança é a última que morre, não é o que dizem? — Força um
sorriso, é bem nítido. Franzo o cenho.
— E por que esse livro? Sua avó lia ele por algum motivo?
Ela suspira, folheando as páginas e noto a emoção tomando conta do
seu olhar.
— Nem todos tem uma família Spencer, Morris ou White… —
pigarreia. — Enfim, ela dizia que eu lembrava a Alice, corajosa, curiosa e
pronta para viver uma aventura. Deveria ler, acredite, é uma história boa.
— Reza a lenda que ela é esquizofrênica e vivia no hospício.
— É, sempre dizem isso de quem pensa ou age diferente do que
esperam.
Para em uma página específica e começa a ler:
“Você poderia me dizer, por favor, para qual lado devo seguir?”
— Isso depende bastante de aonde você quer chegar — respondeu o
Gato.
— O lugar não me importa... — disse ela.
— Então também não importa para qual lado você vai — afirmou o
Gato.
Sorri para a página do livro. É um sorriso bonito, sereno, diferente de
todos os outros que ela já deu.
— Parece gostar mesmo do livro.
— Sim. Havia até esquecido que sabia muitas coisas de cor.
— Fica pra você. Vai aproveitar bem mais que eu. Ele está até
empoeirado.
— Sério? Piper vai te matar. Quando se trata de livros, ela fica
maluca.
— Ela vai te ver lendo, ela ama qualquer um que leia perto dela.
Sorrimos.
— Obrigada.
Fica olhando o livro e parece relaxar.
— Leia em voz alta. Talvez eu durma, pelo tédio da história —
provoco.
— Idiota! Não tem nada de tédio. A história é muito boa!
— Está me encarando igual uma louca, exatamente como a Piper fica
quando falo dos livros dela.
— Isso não é qualquer livro. É um clássico, cheio de ensinamentos e
coisas para pensar!
Engatinha até mim e se deita ao meu lado, então vai para a primeira
página do livro.
— Ah, tem desenhos também. Por isso gosta dele. Sabia que estava
estranho você amar.
— Você nunca abriu? Você nem tentou ler?! — Abre a boca
chocada. — Passa com sua moto em cima de mim, vai doer bem menos. Isso
é quase um crime!
— Está me assustando com essa cara de assassina.
— Cale a boca! Vou ler, e você vai ver o quanto isso é perfeito!
Feche os olhos e sinta a história. Se você não sonhar seguindo um coelho, eu
não me chamarei Louise! Vai logo, não estou brincando!
Fecho os olhos, tomado pelo medo de ser morto. Ela começa a ler e
abro um olho e a encaro com ele.
— Então… Se quer que eu ame a história, ler em português não vai
trazer esse resultado.
Ela sorri sem jeito, e isso é fofo.
— Acabei traduzindo sem querer. Foi mal. Fecha os olhos. E pelo
amor de Deus, sua melhor amiga era para ter te ensinado português já!
— Eu sei algumas palavras, só para você saber! — Fecho o olho e
cruzo os braços.
— Brigadeiro, obrigado, te amo e olá, não conta!
— Como você… Esquece! Você é sinistra.
— Sinistro é esses músculos. Olha para esses gominhos! Você tem
que tomar bomba. Me recuso a acreditar que isso é só treino. Você vive
comendo besteiras!
Começo a rir e abro os olhos.
— Admirando, Satã?
— Fecha esse olho e a boca, ou vou fechar eles no murro. Vai logo,
ou não leio e você vai ficar aqui sozinho com seus pesadelos! Estou te dando
a chance de sonhar com coelho, chás, chapéus malucos e uma rainha de
copas.
— Ela eu conheço, vi no filme. Manda cortar as cabeças. Ela me
lembra você!
— Está me chamando de cabeçuda?! — Seu tom é de choque. Prendo
o riso e fico mudo, qualquer coisa que eu fale serei morto. — Você me
chamou de cabeçuda? Foi isso? A Rainha de Copas é cabeçuda!
— Não iria ler?
— Ao menos minha cabeça é maior que o seu pau. Babaca!
— Você já viu, então sabe que não é pequeno, e que não pode me
ofender com isso. Se quiser posso te lembrar do tamanho dele, e olha que
nem viu ele bem ativo. Ele sendo um belo lorde e ficando de pé para uma
dama, você só sentiu.
Me acerta com o livro.
— Você é nojento e parece um adolescente na puberdade. Como
consegue tantas garotas? Que merda usa para convencê-las? Quer saber?
Nem me fale, que eu vou me irritar com elas por cair no seu papo furado.
Vou ler, é a melhor coisa!
Dou uma risadinha.
Ela começa a ler, agora em inglês.
Acordo sentindo um peso sair de cima de mim. Não abro os olhos, sei
que é a Louise. Escuto ela se movimentar pelo quarto, provavelmente
recolhendo suas coisas.
Mais passos e agora mais distantes.
— O bobão é realmente bonito. Realmente entendo o surto de todo
mundo com esses gêmeos. — Controlo o sorriso que quer se formar. Ela
suspira e ouço o som da porta se abrir. — E ele realmente tem o melhor
abraço do mundo, o que é uma droga!
A porta se fecha e abro os olhos. O seu perfume está em mim, porque
me usou de colchão quando apagamos. Tem algo acontecendo, e não sei até
que ponto é bom, porque sentir medo dela era a primeira coisa que acontecia,
hoje… Olho para baixo e me vejo excitado.
Puxo o celular ao lado da cama. Preciso me levantar. Tenho treino
antes das aulas. Abro o navegador, e digito o nome dela, mas fico olhando a
barra de pesquisa e bloqueio a tela do celular.
Esfrego o rosto e encaro o teto.
Eu dormi bem com ela. O pesadelo não retornou. Pelo contrário, eu
sonhei com o maldito coelho correndo atrasado, enquanto eu corria em cima
da minha moto, seguindo-o. Mas acordei no instante que a Alice passava
correndo na minha frente e eu precisei frear. Mas não era a Alice da história.
Era outra Alice. Era a Louise. Ela era a Alice no meu sonho e estava
machucada, como se tivesse caído, e parecia triste.
Respiro fundo.
Eu acho que preciso sair e distrair a cabeça. Jogar conversa fora.
Estou enlouquecendo.
LOUISE
A biblioteca da cidade é um lugar bonito, com uma estrutura antiga,
assim como parte dos lugares aqui. Não está cheio e, segundo a Piper,
raramente está. Viemos aqui porque ela está procurando um livro sobre a
cidade, já que todos da BTIU foram emprestados, e disseram que ela
encontraria aqui, porque nem na internet ela encontrou.
Puxo um dos livros da prateleira, sobre grandes nomes que já
passaram por BTI. Folheio as páginas amareladas, o cheiro do papel é forte,
assim como a poeira.
— Será que achamos o chefe aqui? Ele tem cara de que fundou esse
lugar!
— Para! — Piper ri. — Mas acredito que, se ele for embora, parte da
cidade terá um prejuízo assustador.
— Tem um forte ponto. Levando em consideração que ele é um dos
ricaços daqui.
Guardo o livro e continuo seguindo a Piper. Ela nunca me chama
para comer depois do trabalho. É sempre para furadas.
Continuamos sua busca, corredor por corredor.
— Não é melhor pedir ajuda?
— Acredite, não. A senhorinha que está aqui hoje, nunca sabe nada e
tem um humor terrível. Odeio quando é ela que está tomando conta. Se esse
lugar estivesse mais organizado, seria mais fácil. Mas veja, tem livro de
política misturado a ciências. — Aponta para eles e suspiro.
— O papo está ótimo. Mas o que iremos comer? Já notou como o
povo aqui limita as refeições? Cara, no Brasil eu fazia várias refeições por
dia!
Ela ri baixinho.
— Podemos fazer algo juntas. Os meninos não vão estar em casa,
mas quero muito uma comida caseira, prefiro mil vezes elas.
— Não vão?
— Não. — Ela puxa um livro e folheia. — Sabe o terreno das festas?
— Assinto. — As obras começaram ano passado, mas como o novo hotel
será no nome dos meninos, eles precisam aprovar tudo também. Hoje teriam
uma reunião com os pais, para definir o que falta e assinar umas coisas.
— Entendi. Então teremos paz. Eu gosto disso!
Ela coloca o livro no lugar.
— Não é maluco pensar que quem vendeu esse terreno para eles foi a
imobiliária da sua família?
Reviro os olhos e ela sorri.
— Acredite, é castigo. Nem me lembre dessa merda.
— É admirável o carinho que tem por eles — provoca.
— Tão forte, né?
Concorda e rimos baixinho.
— Certo, vamos pedir ajuda. Cansei, e estou com fome!
— Nossa, até que enfim! — falo.
Piper enrosca o braço no meu e vamos até a senhorinha com cara de
assassina.
— Boa noite, senhora. Poderia nos ajudar a encontrar um livro? É
sobre…
— Não tem! — responde amargurada. Ergo uma sobrancelha.
— Mas eu nem falei sobre o que era! — Piper diz.
Ela ergue o olhar das suas palavras-cruzadas e o óculos de grau desce
para a ponta do nariz.
— Que livro, garota? Vamos, não tenho a noite toda!
— O livro sobre a história de Beyond The Ice.
— Não sei onde está. Como pode ver, o lugar está uma bagunça e eu
não irei procurar. E vamos fechar em quinze minutos! — A voz dela é digna
de quem fumou demais. E sua tosse diz que seu pulmão está lutando pela
vida.
— Não deveria ajudar, já que trabalha aqui? — pergunto e a Piper me
aperta. — O quê? Essa mulher está sendo rude!
— Ela é uma senhora… — Piper sussurra.
— Foda-se! — Volto a encarar a mulher. — Dá para ajudar a minha
amiga a encontrar o livro? Qual o seu problema? A garota foi gentil com
você!
— Louise! — Piper tenta me puxar, mas impeço.
A senhora me encara e parece ler a minha alma. É sinistro. Ela se
levanta do banco atrás do balcão. As mãos se apoiam sobre a base de madeira
escura. As unhas são gigantes. Piper e eu damos um passo para trás,
sincronizadas.
— Estamos fechados!
— Mas disse que fechava em quinze minutos! — Piper revida.
— Sumam daqui. Não tem livro nenhum! — grita.
— Eu vou agredir essa doida! — aviso a Piper.
— Ah, não. Não vai. Vamos, amanhã venho de novo.
— Estarei aqui ainda! — a mulher a desafia.
— O trabalho pode esperar, não é mesmo? — Piper sorri.
— Olha só pra ela, e eu levo a fama de bruxa? — Cutuco a Piper.
— Vamos! — Minha amiga me puxa, e levando em consideração que
a mulher puxou a bengala ao lado, eu acho que ela iria nos agredir.
— Eu disse que não dava para pedir ajuda a ela.
— Que porra foi essa? Ela é o quê? Uma bruxa poderosa?
— A senhora Morrissette odeia todo mundo da cidade.
— Vovó do Nicholas?
— Engraçadinha!
Rimos, e entramos no carro.
Estamos preparando macarrão com almôndegas, e isso me lembra
muito a minha infância. Minha avó arrasava nesse macarrão.
Preparo o molho, enquanto ela prepara as almôndegas, porque
quisemos elas feitas na hora.
— Ainda não acredito que ela se recusou a nos ajudar. Por mais
sinistra que ela seja. Eu preciso desse livro. Gosto de deixar os meus
trabalhos adiantados!
— Pede para o Nicholas, ele vai resolver. Eu me recuso a pisar ali de
novo. A mulher é maluca, porra. Estou morrendo de medo dela ter lançado
alguma maldição sobre a gente.
Piper ri.
— Nem pensar. Vai saber o que ele vai fazer com a mulher.
— Ela iria nos agredir com a bengala.
— Não iria.
— Acredite, gata. Ela iria! — Deixo o molho em fogo baixo, e levo a
garrafa de cerveja à boca. — Pode aterrorizar alguém da BTIU que esteja
com o livro.
— Não! — Enrola a última almôndega. — Darei um jeito de
conseguir esse livro. Alguém mais deve ter e pode me emprestar.
— O Grayson não tem esse livro perdido naquela casa gigante?
— Não. Eu perguntei a ele. Ele disse que a biblioteca que eles tinham
se limitou a pouquíssimos livros de uma coleção particular e nada que
envolva a cidade, por causa do estúdio que foi construído para a esposa, onde
ela praticava as coreografias.
Lava as mãos. Está frustrada. Mexer com os trabalhos dessa menina,
ou livros, acaba com o humor dela. E mexeram com os dois.
— A família Spencer não tem? Eles trabalham com turismo e
hotelaria. É impossível não terem.
— Verdade! Eu posso ver com os meninos. Eles podem perguntar aos
pais. Quando chegarem, pergunto. Não quero ligar e atrapalhar.
— Vai encontrar o livro. Ou…
— Ou?
— Podemos invadir a biblioteca e passar a noite procurando.
— Já pensei nisso, caso não encontrar o livro.
— Nem pensar. Eu estava brincando. Me recuso a passar uma noite
naquele lugar procurando livro. Acredite, quero noites divertidas, Piper.
Ela sorri animada.
Nem morta faço isso. É melhor os Spencer terem esse livro.
A família Spencer não tem o livro. Eles sabem tudo da cidade na
ponta da língua e todo mundo que trabalha com eles sabe também, logo não
tem. E a Piper poderia só interrogar eles, mas ela quer o bendito livro, virou
uma questão de honra conseguir.
— Eu não vou!
— Por favor. Preciso de você lá. — Cruza as mãos na minha frente.
— Piper, é só um livro. Os pais deles sabem a história. Pergunta!
— Não. Eu preciso das imagens, das questões das construções. Por
favor!
— Leva só eles!
— Eu tenho que ter alguém sensata além de mim.
— Invadir a biblioteca da cidade é sensato desde quando? Eu já me
imaginei sendo presa, mas por coisas importantes, grandiosas, não por invadir
uma biblioteca empoeirada e que tem uma velha sinistra trabalhando lá! —
Ela continua tentando me puxar do sofá.
Nicholas buzina ao lado de fora. Ele nem pensou duas vezes. Desde
que envolva algum crime, ou quebrar regras, para ele tudo bem. Kayden
acredita que a Piper foi drogada por mim e por isso teve essa ideia, e só vai
para poder dizer a todos que avisou que daria merda.
— Louise, você sempre quer aprontar. É sua chance!
— Leva a Audrey!
— Ela não pode ser presa, ela é mãe agora!
— E eu posso?
— Sempre quis.
— Não estou vestida para isso!
— Está gata!
Encaro o primeiro botão da minha calça aberto, porque comi demais.
— Não estou.
— Eu passo a viver para sempre no quarto do Nick, e vai ter espaço
para os seus produtos de cabelo, porque te darei uma estante para eles. E
quando chegarmos, faço brigadeiro só para você!
— Eu amo ser sua amiga! Vamos nos aventurar. Demorou para viver
apenas no quarto do Nicholas e me dar espaço!
— Ei, você me queria com você!
— Mora aqui, estamos juntas. Não me preparou para lidar com livros
espalhados pelo quarto todo, e muita luzinha para dormir!
— Ama elas!
— Jamais irei assumir!
Levanto-me e fecho o botão da calça. Duke se anima, mas não vai.
Aparentemente o Nicholas prioriza a vida dele. E alguém tem que ficar para
contar a história de como fomos presos, ainda que seja um cachorro.
Olho a hora no celular que puxo do bolso, conforme saímos da casa.
São dez horas da noite. O que eu não faço por amigos… E espaço para os
meus produtos… E pelo brigadeiro.
Nicholas para na parte de trás da biblioteca, que pega um pedacinho
da floresta. Teremos que ir andando até ela, no frio horrível. Eu vou matar a
Piper.
Meu celular começa a tocar, e todos me olham.
— O quê?
— Primeira regra: nada de barulho, porra! — Nicholas reclama.
— Nem entramos naquela merda ainda.
Reviro os olhos. Ele continua andando, e segurando a mão da Piper.
Kayden caminha atrás deles, mas mantendo uma certa distância, enquanto
reclama sobre ser preso com vontade de mijar.
Atendo a ligação, enquanto continuo parada no meio da rua. Sem
amor a vida, aparentemente.
— Não deveria estar dormindo? Aí são dez horas da noite. O que
está aprontando?!
— Credo, vó! Eu estou de pijama já. — Encaro os três caminhando
se aproximando da biblioteca. — Quase dormindo. — Controlo o riso. — O
que houve? Tudo bem?
O vento está forte e começa a nevar um pouco.
— Sei… Eu te conheço. E o barulho de vento não me engana. Mas
vou deixar para me irritar quando eu souber o que aprontou. Agora, eu
preciso te alertar: Ele vai mesmo, meu amor. Ele vai para os Estados Unidos
amanhã. Mas só vai conseguir ir até aí no sábado. E pior, pelo que ouvi,
sabe onde está morando. Sua mãe conseguiu o endereço entrando em contato
com a universidade. Você atualizou seu cadastro de moradia lá, e como eles
são seus pais, e confirmaram todos seus dados, e os deles, não viram motivos
para não informar.
Sinto minhas pernas cederem, mas consigo me manter firme.
— Vó…
— Respira, ok? Vamos dar um jeito. Só precisa sair daí.
— O problema não é apenas esse! Se o pessoal estiver em casa, ele
pode contar tudo para todo mundo.
— Talvez seja melhor contar a verdade a eles. Eles podem te ajudar.
— Não! Não quero ninguém me julgando, me olhando com pena. E
vão me odiar. Porque vão ver que escondi a verdade esse tempo todo. O que
eles precisam saber, já sabem. E está ótimo!
Ainda que o Nicholas saiba de algo do noivado, pois deve ter achado
na mídia, não sabe o motivo da minha vinda, o que aconteceu, como minha
vida virou um inferno no Brasil. E ainda é uma suposição de que ele saiba de
algo, eu posso estar louca e ter deduzido coisas.
Essa história tem que ficar e morrer no Brasil.
— E o que pensa em fazer? Infelizmente daqui não consigo fazer
nada. Tentei arrumar voos para ir aí, ficar com você, mas tudo estava
esgotado.
— Não se envolva nisso, vó. Eu vou dar um jeito, pensar em algo.
Preciso desligar. Não tente nada. Te amo!
Desligo antes que ela fale algo a mais. Respiro fundo, tentando
manter a calma e fingir que nada aconteceu.
Atravesso a rua silenciosa, exceto pelo vento e o som dos meus
passos. Me aproximo da biblioteca, e faço o caminho que eles fizeram, entre
as árvores na lateral. Nicholas abre a porta e faz um sinal, pedindo para
esperarmos, e quando seu celular apita, dá sinal para entrarmos, e então fecha
a porta.
— Temos que ser rápidos. Não sei quanto tempo vão conseguir
manter o sistema de segurança daqui desativado. Usem lanternas do celular.
E não forcem portas fechadas, pode acabar tendo algum sistema interno, que
não seja ligado na prefeitura da cidade, que comanda isso aqui.
— Como tem acesso a isso? — Kayden sussurra.
— O Elijah já dormiu com uma das funcionárias de lá. E bastou uma
promessa de mais uma rodada de sexo, e ela conseguiu mandar desligar o
sistema de segurança daqui para uma pequena manutenção de última hora.
— E eu levo a fama de ser a peste dos irmãos! Puta que pariu! Tem
banheiro? Minha bexiga está me matando!
— Quem vai ao banheiro mijar na possível cena de um crime? —
questiono.
— Eu! A infecção urinária é terrível, só para você saber. Eu já tive!
Meu pau e minha bexiga pareciam que iam cair, de tanta dor e queimação!
— Informação demais! — Piper resmunga. — Vamos a busca. Aí, eu
vi isso em um livro, mas nele, eles invadiram uma prefeitura. É quase a
mesma coisa, essa biblioteca é da prefeitura! — Se anima, e vejo seu sorriso
com as luzes da lanterna que ilumina seu rosto.
— Você era uma santa. Esse cara te corrompeu.
— Esse cara é seu irmão, idiota. O irmão que vai te matar, porque
nas caixas tinha algumas medalhas antigas do hóquei! Filho da puta!
— Cara, minha bexiga está me matando. Infelizmente não poderei
ficar para essa conversa. — Kayden sai às pressas, quando o Nicholas dá um
passo na direção dele.
Rio baixinho, querendo me distrair mais com essa loucura, porém,
minha mente segue pensando na recente ligação.
Ele já sabe onde moro.
KAYDEN
Quero entender em qual momento da minha vida, invadir uma
biblioteca à noite, se tornou algo normal. Parece que ninguém mais tem
sanidade. Todos estão surtados, e pior, eu estou como eles, afinal, concordo
com tudo.
Caminho pelos extensos corredores desse lugar, buscando pelo livro
que a Piper precisa. Em outras épocas eu estaria vadiando por Beyond The
Ice. Agora busco por um livro. Puta merda. O lugar tem livros até o teto, só
para piorar tudo. É antigo, parece que estou dentro de algum filme antigo.
São dois andares de muitos livros.
O casal está buscando no primeiro andar, e estou no segundo. Louise,
não sei onde se meteu. Se ela ficar perdida para sempre aqui, irei considerar
uma recompensa do destino… Sorrio, por pensar nisso. O mais irônico é que
acho que realmente sentiria falta dela, o que é uma enorme loucura, levando
em consideração que ela me apavora, e que estou como um louco em busca
de saber mais sobre ela, qualquer coisa que comprove que nunca estive
errado e que ela esconde algo grave de todos, e pode nos colocar em risco.
Ilumino o caminho com a lanterna do meu celular, porque ainda tem
isso, temos que procurar o livro basicamente no escuro. Eu realmente preciso
muito dar um grande jeito na porcaria da minha vida. Os corredores do
segundo andar são menores, mas a bagunça parece pior por aqui. Passo a
lanterna por todo o lugar, e parece que a qualquer momento algo sombrio vai
surgir.
— Bu! — Uma voz baixa surge atrás de mim, e sobressalto,
derrubando o celular. O riso baixinho e vitorioso me irrita.
Pego o celular e coloco a lanterna sobre a Louise, que caminha para
uma saleta aberta da biblioteca, com enormes janelas, onde as luzes da rua
iluminam fracamente o lugar. Ela confere as pilhas de livros sobre a mesa.
— Ilumina aqui, a bateria do meu celular já era — pede.
Aproximo-me e deixo o celular apoiado em um dos livros, e começo
a procurar pelo bendito livro nessa pilha, junto com ela.
— Qual o lance real desse livro?
— Birra. A velha que cuida daqui é macabra — fala em português,
então me encara e suspira. — Piper deve estar com raiva porque a mulher que
cuida daqui foi rude e não quis ajudar a achar esse livro. Seus pais sabem,
mas óbvio que ela não iria querer ajuda. E ela precisa das imagens. Não tem
na internet, e todos da BTIU estão emprestados. Grayson não tem. Virou uma
caça aos ovos de ouro — explica em inglês agora.
— Senhora Morrissette? — pergunto. Louise apenas assente, não me
olha. Está focada na busca, ou fingindo estar. Desde que nos alcançou depois
de ficar para trás na rua, voltou estranha. — Ela é um amor.
— Segundo sua melhor amiga, ela odeia todo mundo.
— A mim ela ama! Ela já trabalhou em uma das bibliotecas da BTIU.
Piper deveria ter dito que era ela aqui, eu teria conseguido o livro.
— E pela falta de comunicação dos dois, eu estou sendo castigada,
que ótimo! Não tem nada aqui. E que porra é essa de livro sobre pênis? Isso
deveria estar aqui?
Olho para o livro e dou risada.
— Anatomia do pau. — Dou de ombros.
Ela revira os olhos e acaba dando um sorrisinho. Larga o livro e vai
até a estante perto da janela, a luz da lanterna do celular atinge um pouco
desse canto, e reforça a pouca luz vinda de fora.
Pego a pilha de livros no chão e coloco sobre a mesa, e começo a
olhar um por um. Alguns são muito antigos, não tem nada na lombada,
preciso abrir e ter certeza de que não é o livro. Ergo o olhar para onde a
Louise está, e ela parece inquieta. Alguma coisa está rolando.
Abre um livro e folheia. Troca o peso dos pés, provando que está
ansiosa, nervosa talvez. Fecho o livro e deixo de lado, sabendo que o livro
que a Piper precisa não está nesta pilha. Me aproximo da janela e confiro ao
lado de fora. Nenhum carro passa, e o vento é mais forte, fazendo os galhos
das árvores balançarem muito. Me afasto da janela e me aproximo da Louise,
encostando na lateral da estante imensa, e levando as mãos ao bolso da
jaqueta.
Ela coloca o livro no lugar e respira fundo.
— Piper nunca vai achar esse livro nesta bagunça. Este lugar está
horrível! — comenta.
— Mas ela quer tentar, e pelo livro e os estudos, ela dá a vida.
Observo-a encarar a estante. Seus braços cruzam, enquanto seus
olhos traçam prateleira por prateleira. Em algum momento observá-la se
tornou normal para mim. Eu tinha um plano, e vejo-o falhar todas as vezes
que vejo camadas serem reveladas. Louise está quebrada, e talvez nem ela
saiba disso.
— Pois ela deveria desistir — sussurra, e algo me diz que não fala
sobre a Piper e o livro.
— Você desistiria do que quer?
— Nem sempre vamos ter o que queremos. Essa é a vida.
— Acha mesmo isso? — Ela me olha agora, e vejo seu olhar perdido.
— Que a Piper tem que desistir de procurar o que ela quer, só porque está
difícil de encontrar?
— Acho que ficarmos falando aqui, não vai fazer esse livro aparecer.
— Tenta se afastar, mas impeço, segurando sua mão assim que descruza os
braços. — O quê?
— O que houve agora?
— Não sei do que está falando, Kayden.
— Sabe. Está estranha. Parece irritada ou frustrada com alguma
coisa. Talvez um pouco dos dois.
— E desde quando se importa em como estou ou deixo de ficar? — É
agressiva nas palavras.
— Tudo bem. Só tentei ajudar.
Largo sua mão e ela acompanha o movimento. Cruzo os braços, e não
desvio os olhos dela, fico esperando por algo que nem eu sei bem o que pode
ser. Ela fecha os olhos por poucos segundos e respira fundo.
— Só estou com alguns problemas. Você não tem nada a ver com
isso. Descontei na pessoa errada.
— Isso é um pedido de desculpas? — Sorrio de lado.
— Nunca vai saber! — Dá de ombros e vai se afastar de novo, mas
impeço mais uma vez. — O que foi agora? Eu não vou pedir desculpas. —
Puxo-a para os meus braços e abraço seu corpo. — O que pensa que…
— Xiu… Sabe que precisa dele. O que aconteceu lá fora? Tem a ver
com seu pai e a vinda dele?
Ela leva alguns segundos para responder, mas quando o faz, seu tom
não me parece tão sincero assim.
— É, por aí… — Seguro seu queixo e ergo seu rosto. — Para de me
olhar assim, ok?
— Assim como? — Ergo uma sobrancelha.
— Como se estivesse preocupado!
— Talvez eu esteja. Não sou um monstro. Sabe disso.
— Mas me quer longe.
— Mas jamais te quero mal… Quando ele chega?
Passa os seus braços ao redor da minha cintura e controlo o sorriso.
Largo seu queixo, e ela encosta o rosto no meu peito. Apoio o queixo no topo
da sua cabeça. Ela não fica tão baixa quanto a Piper perto de mim, mas ainda
assim é baixa para mim.
— Final de semana…
— E ele vai até em casa?
— Espero que não. Realmente espero que não.
Fico pensativo sobre tudo que consegui ler dela na internet. Sempre
muito confusa as traduções. Mas o pouco que vi, tem muita foto dela com a
família na internet. Parece família de comercial. Mas lembro que ela já dava
indícios de que não se dava bem com eles desde o jantar de aniversário de
casamento dos meus pais na nossa casa de campo, no ano passado.
Ela esconde bem mais coisas do que imagino, disso tenho muita
certeza.
— Então meu abraço é o melhor mesmo, né? — sussurro, mudando
de assunto para que se distraia.
— Acredite, já tive melhores!
— Mentirosa. Eu ouvi o que disse quando saiu às escondidas do meu
quarto.
Ela ergue o rosto, boquiaberta.
— Ouviu errado o que quer que eu possa ter dito!
Afasta-se, toda sem jeito e isso é novo. Rio baixinho. Sai da saleta,
voltando para a outra parte. Pego o meu celular e a sigo. Caminhamos pelos
pequenos corredores, até pararmos em um que diz ser sobre geografia e
história. Talvez esteja aqui. Se bem que tudo está misturado nesse lugar.
— O que teve aqui? Uma guerra? Porra! — reclama.
— Não sei, mas se a Piper não achar, BTI vai ter uma guerra. Essa
garota me assusta quando quer algo.
Ela puxa alguns livros para frente e fala em português, está xingando,
tenho certeza.
— Só pode ser brincadeira. Tem livros atrás desses! Eu desisto.
Nicholas que pegue esse livro de algum aluno na BTIU. Se ele quiser
espancar umas pessoas para ter a porra do livro, eu seguro a pessoa e ele faz
isso.
— Ninguém vai espancar ninguém. Pare de incentivar as merdas
dele. E nem deve ser tão ruim assim… — Olho atrás dos livros, e todos têm
outros livros atrás. — Caralho. Desisto. — Sento-me no chão e ela fica me
olhando. — O quê? Deixe-os acharem que procuramos. Porra, olha para tudo
isso.
— Eu avisei! — Chuta o meu pé e se senta ao meu lado. — E o que
faremos?
— Vamos esperar eles nos chamarem, e diremos que olhamos tudo
isso, livro por livro e nada.
— Seremos péssimos amigos.
— Ela também está sendo, nos fazendo roubar um livro!
— Tem um forte argumento, quem diria! — Puxa as pernas para si,
abraçando os joelhos.
Deixo o celular no chão, a lanterna para cima e respiro fundo.
— Antes eles nos chamavam para festas. Dava menos trabalho.
— Festas que sumiam e largavam a gente.
— E temos aí nossa desculpa perfeita para estarmos sendo péssimos
hoje. Lei do retorno! — Sorrio de lado e respiro fundo.
Ela balança os joelhos ansiosamente. Sua respiração vai mudando aos
poucos, agitando. Ela não me olha. Seu olhar está fixo na estante à frente.
Escuto passos no andar de baixo, Nicholas e Piper estão na busca ainda.
— No começo eu realmente a queria de outra forma — começo.
Louise me olha. — Mas quando nos aproximamos, era impossível querer a
Piper com outros olhos. Eu só via nela uma irmã então. Ela me distraía de um
jeito diferente, sabe? — Ela concorda. — Era fácil estar com ela.
— E agora não é fácil? — Sua voz está um pouco ofegante, resultado
da ansiedade crescendo dentro dela.
— Piper está trilhando o próprio caminho, e ela precisa disso, desse
espaço. Continuo amando e tendo ela como irmã, assim como tenho o Nick,
mas essa distância meio que tem trazido outras coisas que não deveria voltar.
— Tipo?
Encosto a cabeça na estante atrás da gente, e respiro fundo.
— Pensar demais. Está sendo assim com você também, né? Está
distante das meninas.
— Acha que estou?
— Todos estamos, princesa. Addie e o Julian se casaram, precisam se
adaptar a essa novidade, mas estão lutando pelo lugar deles no gelo de novo.
Eles querem os Jogos Olímpicos de Inverno, e eles vão ter, mas precisam se
esforçar mais. Nicholas precisa se formar e se destacar no hóquei para
conseguir um bom time porque ele vai estar preso a esse time até os vinte e
sete anos. Piper está se descobrindo e precisa fazer isso em partes, sozinha. A
vida de todo mundo está agitada demais.
Ela assente e respira fundo.
— Acha que ficamos para trás? Que sobramos?
Fico pensativo.
— Talvez sim… Talvez não… E você, o que acha?
Dá de ombros e encara os livros à frente.
— Acho que eles nos distraíam dos nossos problemas. E estar sem
eles, temos que lidar com tudo que estávamos fugindo. A vida adulta é
complicada. — Ela me olha e assinto.
Fixo os olhos em seu rosto, mas os seus lábios chamam a minha
atenção. O gloss sobre eles realça ainda mais o quanto são bonitos. Ergo os
olhos para o seu olhar e sinto uma coisa estranha, é algo novo, é algo difícil
de explicar.
— Talvez eu não tenha um problema. Disse nossos problemas —
sussurro, tentando tirar o foco de outra coisa.
— Você tem. Eu posso não saber todos. Mas dois deles eu tenho
certeza.
— É mesmo? Quais? — Engulo em seco.
Ela ajeita a postura, abaixando as pernas, e se virando totalmente para
mim.
— Vive a vida do Nicholas. É a sombra dele. Não sei se é uma coisa
de gêmeos, mas desde que cheguei aqui nesta cidade, eu vejo isso. Ele faz as
merdas, você o segue para acalmar as coisas, acalmar ele. Onde o Nicholas
está, você precisa estar. É além da conexão que vocês têm. É algo sobre um
cuidado diferente. Mas levando em consideração, que desde o ocorrido com o
Cameron, parece evitar o seu irmão, me parece que algo mudou.
— Não sou a sombra dele — respondo com um pouco de raiva.
— Que bom que pensa assim. Continue pensando até se tornar
verdade. Ninguém merece ser a sombra de ninguém. Além disso, são muito
diferentes para você ter que assumir uma responsabilidade que não lhe cabe.
— Diferentes? Somos literalmente gêmeos! — forço a brincadeira, só
para não me perder de mim mesmo.
— Na aparência? São. Na personalidade? Não… Nicholas é frio,
imbatível. Ele não pensa. Ele age. Impulsivo demais. E o que ele quer, ele
tem.
— Acha mesmo que nos conhece?
— Você é doce, mas um tipo de doce perigoso. Aqueles que podem
ou não nos surpreender. Você pensa, é calculista, observador de um jeito
diferente dele. Nicholas lê apenas o que lhe convém. Você lê tudo e todos.
Como se buscassem por qualquer coisa que fosse te dar um foco diferente. É
peculiar. Tem sentimentos. Prioriza todo mundo antes de si mesmo. E piadas
para você é uma rota de fuga.
Desvio o olhar e respiro fundo.
— Disse que sabia dois dos meus problemas. Falou apenas um.
— Sou seu segundo problema. — Olho para ela. Ela sorri, não tem
ansiedade mais presente. Ela está distraída. — Não saber tudo sobre mim, te
deixa curioso e nervoso. Virei um foco para você, e ainda que não assuma,
sei que tudo que eu disse é verdade.
— E como pode saber que é tudo verdade?
— Porque tenho um pouco de vocês dois, e sei bem do que estou
falando. E porque está me rondando desde que se afastou da Piper e do seu
irmão, até mesmo do Julian. Se não está curioso sobre mim, estaria o quê?
— Com tesão! — rebato, provocando. — Pode ser apenas tesão!
— Isso você sente até por uma porta, idiota!
— Porta não tem uma boca linda e chamativa — provoco mais, me
tirando do seu foco. Ela entreabre a boca, mas não diz nada. — O que foi?
Não sabe mais o que dizer?
Encaro sua boca e engulo em seco de novo. Louise é linda pra
caralho.
— Eu ainda irei te matar, acredite.
— Eu realmente acredito.
Ela vai se levantar, mas perde o equilíbrio, e puxo-a firme, segurando
seu corpo agora sobre o meu.
— Que fique claro que eu não queria fazer isso! — diz com raiva.
— Eu não disse nada. Além de que sua boca é linda. — Aperto sua
cintura, ajeitando-a sobre o meu colo.
Sua respiração se agita um pouco, pelo susto e talvez por estar sobre
mim.
— Nem pense…
— Não pensar no quê? — Passo a língua pelos lábios inferiores. —
Que estamos entediados, falando de problemas, ao invés de estarmos nos
pegando?
— Você é um enorme cretino!
— E você ainda não saiu do meu colo. Acho que quer estar nele.
Louise apoia as mãos nos meus ombros e se inclina, ficando
empinada sobre mim e agitando completamente o meu pau.
— Eu nunca vou te beijar.
— Tudo bem, eu beijo você e resolvemos o problema.
— O problema é que nunca faria isso se eu não pedisse ou
autorizasse. Lembra sobre a lista da sua diferença com o Nicholas? Ele age.
Você pensa.
Aperto os dentes um no outro com raiva. Eu odeio esse assunto. Eu
odeio essa porra dele parecer melhor em tudo. Seguro seu rosto ainda
próximo ao meu, com nossos lábios quase se tocando.
— Talvez não me conheça totalmente como acha.
— É mesmo? E o que seria capaz de fazer agora? — sussurra muito
mais ofegante.
Levo a mão a sua nuca, enroscando as mãos nos cabelos e impedindo
que ela afaste a cabeça. Seus lábios ficam entreabertos e seus olhos, presos
aos meus. A lanterna do celular desliga, escurecendo tudo, mas não me
impedindo de fazer o que quero. Colo nossas bocas, em um beijo que não
exala delicadeza, não quando minha língua entra em uma disputa acirrada
com a sua, e fica menos delicado quando as mãos que apertavam meus
ombros, deslizam para a minha nuca e cabelo. As unhas vão arrepiando
minha pele no caminho, e deixando meu pau tão duro, que fica dolorido.
Seu corpo se empina mais sobre mim, e minha mão aperta muito
mais a sua cintura, impedindo que ela saia de onde está. Ela se mexe,
rebolando sutilmente no meu colo. As respirações viram um ritmo
descontrolado, onde ainda que nada entenda, dá para sentir, e isso faz
arrepiar, mas excita muito mais. O sabor do seu gloss é doce, e ele se mistura
em nossas bocas, adoçando tudo e nos melando. Subo as mãos da sua cintura,
por dentro das roupas que usa em cima, e quando toco sua pele, visito a porra
de um belo paraíso. Sua pele é macia, delicada, perfeita. Eu a sinto se arrepiar
em minha mão, mas é o som do gemido baixinho saindo da sua boca e sendo
engolido por mim, que me desconecta da razão e ferra tudo de vez.
Levanto-me, com ela sobre meu colo ainda, com uma facilidade
incrível. Suas pernas estão ao meu redor, e agora seu corpo é encostado em
uma das estantes, e o impacto as faz balançarem, mas não nos para. Não me
para. Louise busca por ar e eu busco por mais dela. Eu devoro seu pescoço,
recebendo o gosto do seu perfume, uma mistura doce e apimentada, e esse
combina mais com ela. Ela geme mais, e puxa os meus cabelos. Exploro sua
pele, enquanto aperto seu pescoço agora. Toco a parte de trás do seu sutiã, e
desprendo, puxando-o para fora quando descubro não terem alças. Coloco no
bolso da minha jaqueta, então sorrio, mesmo sabendo que ela não vê.
— Vamos descer, procurar eles e sair daqui — aviso.
— O quê? Está me zoando? Começou essa merda, termina!
— Não aqui.
— Foda-se onde estamos! — Ela está irritada, não disfarça.
— Eu quero te ver. Quando eu transar com você, será admirando todo
o seu corpo, Satã, e não apenas sentindo ele.
— Talvez eu não queira mais nada depois! — retruca, nervosa.
— Vai querer.
— Como sabe?
— Porque odeia não ter o que quer.
Coloco-a no chão e tateio o chão por onde sei que o meu celular
estava. Ele descarregou.
— O que vai fazer com meu sutiã? Alguma magia macabra?
— Talvez. Para compensar o KS. Eu sei que ele sou eu. Por isso é tão
violenta com aquele boneco, urso, sei lá que porra é aquilo.
Ela ri com orgulho.
Conseguimos nos aproximar da escada, está bem escuro, então
seguro sua mão, e desço na frente, com cuidado. Ela para e me puxa.
— O quê?
— Que fique claro que odeio atletas. Isso foi um surto!
— Se te conforta, talvez eu nem seja mais um daqui um tempo.
Voltamos a descer as escadas, e buscamos pelo casal, procurando
pela luz da lanterna do celular deles. Encontramos no último corredor, mas
paramos abruptamente antes, ao ouvir os gemidos. Louise coloca a cabeça no
corredor iluminado pelo celular deles. E tampa meus olhos.
— Vai me agradecer. Agora me diz, ver ela transar com ele, é como
se ver transando com ela? Fiquei curiosa? — sussurra.
— Porra, vamos sair daqui. PAREM DE FODER!
— Xiu! — Louise me empurra rindo. — Quase fizemos o mesmo.
— Se eu não transo, ninguém deveria transar. Eu sou o líder da
putaria!
— Meu Deus, é incrível o quanto você consegue me fazer te odiar
sempre.
Saímos da biblioteca e ficamos vigiando, esperando o casal fodedor.
Louise ri e cruza os braços, está bem mais frio do que quando invadimos
aqui.
— Até nisso vocês têm sintonia. Isso sim é coisa de gêmeos.
— Vai à merda. Não transamos ao mesmo tempo.
— Pode não ter transado, mas teve a mesma ideia, no mesmo lugar e
ao mesmo tempo.
Olho feio para ela, mas ela nem se importa. Seus lábios tremem e
estão avermelhados e todo melado pelo gloss. Ela se aproxima,
provavelmente observando o mesmo que eu, só que em mim, porque começa
a limpar minha boca, com a manga da sua jaqueta.
— Me recuso que pensem que beijei você. Isso morre aqui, garoto,
ou quem vai morrer será você!
— São nessas horas que me lembro porque tenho pavor de você e
porque preciso te chutar para o Brasil.
— Sabe que levarei todos os meus produtos embora, certo? — Ergue
a sobrancelha, conforme se afasta.
— Certo, te mando para o Brasil, apenas com a roupa do corpo!
Revira os olhos, mas sorrio. Pelo menos está distraída, ainda que
tenha me resultado em um enorme tesão e desejo de beijar ainda mais sua
boca.
Louise é perigosa, muito mais do que eu imaginava e agora eu sei.
Ela seduz fácil, principalmente quando me olha assim, e se não fosse uma
tremenda loucura, eu diria que é exatamente o que está tentando fazer: me
seduzir.
O casal sai; a Piper vermelha e segurando o livro, sem conseguir nos
olhar e o Nicholas fingindo que nada está acontecendo.
— Então…
— Calada. Só fica calada! — Piper retruca para a amiga.
Louise joga a cabeça para trás e gargalha.
— Encontraram o livro… Só estou confuso, é da história da cidade,
ou kama sutra? Caralho, Louise e eu sofrendo em procurar o livro, e vocês
fodendo?!
Louise ri ainda mais, sabendo que não sofremos porra nenhuma.
Nicholas soca o meu braço, e em seguida tira um cigarro do bolso. É tão
experiente que desafia o vento, mas consegue acender essa merda.
— Está precisando foder, para parar de tomar conta de quando ou
onde transo com a minha namorada!
— Eu queria, mas vocês me arrastaram para cá.
Sinto o olhar da Louise sobre mim, mas permaneço focado no meu
irmão. Ele solta a fumaça na minha cara, me provocando, enquanto mexe no
celular. Uma sirene dispara dentro da biblioteca e todos olhamos.
— Mas o que…
— Um pouco de diversão, pequena. A polícia tem ficado muito
parada.
Balanço a cabeça negativamente e a Piper me olha.
— Não vou fazer nada. Nicholas não é a minha responsabilidade,
linda.
Pelo menos, não mais.
— É isso aí, gostei de ouvir. Não sou. Nunca deveria ter sido. — Meu
irmão diz e segura a mão da namorada, então caminham na frente.
Louise esbarra em mim, me cutucando com o cotovelo.
— Fica quieta.
— Eu acertei. Eu sabia que estava fugindo dele. Quer ter sua própria
identidade e não ser mais sombra ou babá de Nicholas Spencer.
— Eu disse para ficar quieta.
— E desde quando te obedeço? — Faz uma careta.
Nos aproximamos do carro e ela entra primeiro, entro em seguida e
meu irmão sai em velocidade.
— Roubamos um livro… Eu vou ser presa! — Piper entra em surto.
— Se for, espero que seu arrependimento seja por ter sido presa por
algo tão idiota — Louise provoca, e chuto seu pé. — Ai, porra. Nicholas, tem
como acelerar mais? Vou jogar o Kayden da janela.
— Não torra a porra do meu saco, vocês dois! — reclama. — Piper,
relaxa. Vai devolver depois que usar, te conheço.
— Vou. Eu sou péssima nisso.
— E vai assumir e pedir desculpas — ele fala e ri.
— Kayden, me ajuda! — ela me implora, virando o rosto para trás.
— Seu irmão não vai ajudar. Ele é péssimo.
— A senhora Morrissette me ama. Resolvemos isso depois.
— Ela não ama ninguém, idiota! — Nicholas reclama. — E é por isso
que adoro ela. Essa mulher é foda pra caralho.
— Ela me ama! Por que duvidam que ela me ama? — indago.
— Porque ela só te deixava fazer o que queria porque não calava a
boca na biblioteca da BTIU quando ela trabalhava lá. Então se ficasse lá
dormindo ou transando, não falava e não incomodava ela! Isso não é amor,
Kay — Piper fala e a Louise começa a gargalhar.
Nicholas liga o som em Aerosmith, ignorando a porra do caos.
Louise não para de rir, provavelmente da minha expressão de choque com a
informação da Piper.
— Isso não é verdade. Ela me ama. E vou provar isso! — Olho para a
Louise, que ri tanto que chega a chorar. — Eu vou provar!
— Espera, disse que ele ficava fazendo o quê na biblioteca? —
Louise para de rir na hora e muda a expressão, e essa expressão me assusta.
— PIPER, TOMA CUIDADO COM O QUE VAI RESPONDER,
EU TENHO UMA VIDA SÓ E SUA AMIGA NÃO ESTÁ AMARRADA!
— Transando e dormindo. Já viu o Kay usar a biblioteca para
qualquer outra coisa?
Louise me olha de lado e vejo um filme da minha vida, e minha alma
se despedindo de todos. Estou muito fodido. Principalmente quando sinto
uma mão sobre o meu pau, e ela não é gentil com ele, e pior, não posso gritar,
reagir. Só posso tentar tirar sua mão e suas unhas perigosas dele, enquanto o
ar sai do meu pulmão.
LOUISE
Acabo de ter uma prova de Política do Mundo e isso me fez repensar
se estou no curso certo. Eu estava muito maluca achando que não surtaria
com Relações Internacionais. Eu mal dou conta de manter uma relação com a
minha família, quem dirá com o mundo.
Mordo meu donut repleto de chocolate, porque é a única coisa capaz
de me acalmar nesse momento. Porque minha cabeça está entre matar o
professor que inventou a prova de última hora, me atirar na frente de um
carro por ter pedido para o Kayden continuar de onde ele tinha parado
naquela biblioteca infernal, e em sumir do planeta só para não lidar com o
Kevin e toda bomba que ele pode trazer para BTI.
Eu sinto que tudo está escorrendo por entre minhas mãos. De um
lado, tento seduzir Kayden Spencer para ele não saber da minha vida e não
concluir que menti sobre tudo e para todos; e do outro, tenho exatamente a
minha vida se jogando aos pés de todo mundo para se revelar. Eu queria
voltar para o ano passado, onde eu ainda parecia ter controle sobre tudo.
E agora estou excitada. Loucamente excitada. Desde que saí do Brasil
não dormi com mais ninguém. Todos os caras que encontro nas festas da
cidade não passam de pegação, porque eles me irritam o suficiente para eu
não querer levar isso além. Claro que não contei a ninguém, afinal, ninguém
precisa saber que o único tipo de relação sexual que tive na vida foi com o
idiota que estou fugindo, onde tudo era sempre sobre ele, e agora sei disso.
Certo, nem o chocolate do donut está me acalmando.
Eu queria paz, era só isso, e não deveria ser pedir muito. Meu celular
vibra no bolso da calça, e pego, para conferir qual a bomba da vez. Piper
pede para eu a encontrar no treino do hóquei. Mas isso significa encarar
Kayden Spencer, e desde ontem estou fugindo disso. Primeiro, porque nem
eu acredito que ele conseguiu me fazer mandar continuar com o que
começou; e segundo, porque estou desconfiada que estou dando muito na
cara sobre a tentativa de seduzi-lo, e preciso recalcular meu plano, se é que
será útil, talvez tudo vire uma enorme merda no final de semana mesmo.
Então eu minto para ela, digo que estou entrando em outra prova de novo.
Não é como se eu estivesse sendo sempre sincera com todo mundo.
Eu apenas sigo o caminho rumo ao campo de futebol americano,
onde sei que não tem treino deles hoje, e será bom sentir um pouco do fraco
sol que surgiu, em meio aos dias frios, isso não esquentou mais a cidade, pelo
contrário, mas só de senti-lo talvez reorganize minha mente.
Estou sentada em um canto da arquibancada, exatamente onde bate o
sol. O vento está agitado, e as previsões marcam que talvez tenhamos neve, e
que só iremos nos livrar dela no meio de fevereiro, até lá, será isso de dias
com frio, neve, pouco sol, às vezes chuva, e muito vento. Por falar em
fevereiro, só consigo pensar em como minha cidade vai estar para o
Carnaval, e isso com certeza me animaria muito. Eu amo o Carnaval.
Limpo minha mão depois de terminar o donut e jogo o papel dentro
da minha bolsa. Deixo-a ao meu lado e estendo as pernas sobre a
arquibancada branca. BTIU é bonita, na verdade, a cidade é linda. Tem seu
charme. E realmente ela foi feita para o inverno, a beleza de Beyond The Ice
se intensifica nessa estação. Eu posso não amar esse lugar como meus amigos
amam, ou não encontrar motivos para isso, mas tenho que admitir a beleza
que se estende por esse lugar. Não é para menos, cidade pequena, movida a
turismo, cheio de ricaços, claro que seria tudo impecável.
Levo as mãos ao bolso do casaco que uso, e fico observando o campo
gigante, muito bem-cuidado mesmo agora no inverno. Do outro lado, vejo
Leah Davis e todas as outras meninas líderes de torcida entrando. Vão ensaiar
pelo jeito. Alejandra e Agnes estão juntas, essas viviam correndo atrás do
Nicholas, nunca gostei de nenhuma delas. Alejandra, ouvi dizer que já foi
amiga dele, mas Nicholas tem a ignorado tanto que ela sumiu do caminho
dele, e claro que ele faria, ela está com aquelas que falam da garota dele, e ele
literalmente mataria para defender a Piper. O foco delas agora é Kayden
Spencer, junto da Angel, a queridinha da fraternidade dos Alces, a turma do
hóquei, e sei disso, porque onde o Kayden está, elas fazem questão de estar
para chamar atenção dele.
Eu realmente achava pejorativo demais o termo Marias-Patins, sei lá,
me passava uma vibe de diminuir as meninas por gostarem de atletas de
patins, afinal, nunca ouvi falarem o mesmo dos caras que correm atrás das
meninas que praticam hóquei e patinação. Mas essas aí não se ajudam, pelo
contrário, elas fazem questão de deixar claro que querem ele por ser atleta de
hóquei. Exceto Leah, essa joga em qualquer lado que trouxer benefícios a ela.
Errada não está. Eles fazem o mesmo com a gente. Mas ainda assim não a
suporto também. A verdade é que eu explodiria metade dessa gente, tendo
bons motivos para isso.
As líderes de torcida estão ensaiando, gritando letras, nomes, e sei lá
o que mais, nunca entendi nada disso. Lembro que quando fiz o ensino médio
aqui no país, queriam que eu entrasse para isso, fugi, claro. Angel, Alejandra
e Agnes assistem, na arquibancada do outro lado.
Do outro lado, vejo alguns dos jogadores de futebol entrar, entre eles
o capitão do time e o Caleb, todo arrebentado, e isso não me comove. Reviro
os olhos, sabendo que a paz que eu procurava acabou. Mas não vou sair,
ainda tenho um tempo livre antes da minha última aula.
Puxo o livro que o Kayden me deu da bolsa. Ajeito as pernas, e
debruço sobre elas, apoiando-o em meus joelhos. Abro na primeira página e
começo a reler Alice no País das Maravilhas, sabendo que será a melhor
coisa que eu poderia fazer do que prestar atenção nessa gente estranha.
Saio da minha última aula, sonhando com comida antes de ir para a
arena. Piper saiu mais cedo e já deve estar lá. Perdi minha carona, já que o
Nicholas tem hospital hoje, e já tinha avisado logo cedo, então não levaria
ela, ou seja, ela levou o carro do Kayden.
Pego meus pertences no armário logo de frente a sala que acabei de
sair, e fecho-o rapidamente, para sair logo do tumulto que está nesse lugar,
com a saída de muitos alunos nesse horário.
Aperto o passo, querendo sumir daqui. Então desço rapidamente as
escadas, e entro no corredor principal, logo de entrada. Esbarro em algumas
pessoas que reclamam, como se desse para passar tranquilamente nesse caos,
então educadamente dou o dedo a elas.
Finalmente consigo sair desse inferno conhecido como universidade.
E até gosto do vento na cara, respirar longe dessa gente. Olho para o lado
direito e vejo o reitor dentro de um terno péssimo, se achando um galã.
Alguém tinha que fazer algo pelo guarda-roupa desse cara e pelo bafo dele. E
a mãe do Cameron ainda transava com isso, ela devia se odiar demais.
Vejo-o falando com alguém e curiosa, observo para onde ele está
virado e é na direção de um dos Spencer, Kayden, que segue para a sua moto,
ignorando-o.
— O tempo está passando, garoto… Tique-taque! — o reitor grita.
Franzo o cenho, assistindo a cena. Kayden para perto da moto, parece
irritado, ignora até mesmo o Micah falando com ele.
O reitor se vira e me vê, então esboça um sorriso ridículo.
— Senhorita Pimentel! — me cumprimenta, e odeio o olhar nojento
que ele lança para mim e para algumas alunas. Babaca, infeliz!
— Mexer com o psicológico de alguém se qualifica como abuso,
correto, sr. Williams? Me ocorreu essa dúvida agora. Poderia me ajudar,
respondendo-a? — Ergo uma sobrancelha, sem desviar os olhos dele.
— Tenho mais o que fazer do que lidar com as dúvidas que deveriam
tirar com seus professores, senhorita. Com licença.
Ele passa por mim, fazendo questão de esbarrar, roçando o braço.
Controlo a vontade de me virar e socar a cara dele. Então encaro onde o
Kayden está. Ele sobe na moto. Me aproximo rápido, querendo entender que
merda está rolando, e por que ele está deixando o reitor o provocar.
— Kayden! — chamo-o ao me aproximar.
Ele respira fundo, segurando o capacete. Noto o quanto aperta firme
o objeto, mesmo usando luvas pretas.
— Agora não, Louise.
— O que está havendo? Ele está mexendo com a sua cabeça…
— AGORA NÃO, OK?! — grita irritado.
— Eu só quero tentar ajudar, eu não sou o seu problema. Ele é! Está
nervoso, acha mesmo que é a melhor solução pilotar? Está cheio de alertas
devido à neve que caiu de madrugada.
— CARALHO, JÁ DISSE QUE AGORA NÃO!
Ele coloca o capacete, e liga a moto tão rápido que até me
surpreendo. Gira com ela, e preciso dar um passo para trás, para não ser
atingida, então ele sai em alta velocidade, deixando-me em choque com sua
reação.
Engulo em seco, sentindo minhas mãos tremerem e flashes do
passado virem a minha memória. Balanço a cabeça, tentando ignorar e
caminho para longe da BTIU, mas sonhando em caminhar para longe de
Beyond The Ice e de todo mundo.
Sirvo a mesa onde o senhor Grayson toma café com o coreógrafo dos
seus patinadores, Brayden, e em seguida a mesa da avó de uma das garotas
patinando com a treinadora. Piper me olha como se estivesse com medo de
mim, mas não é só ela. O Brayden questionou se deveria tomar o café que
servi, e o sr. Grayson perguntou se poderia me dar um boa-tarde. Minha cara
deve estar péssima.
Encosto no balcão e olho para a arena. As crianças estão tendo uma
aula extra hoje, para a Audrey e o Grayson conversarem com os pais delas, e
ver se apoiam a ideia de uma apresentação delas para a primavera.
— Eu quero fazer comentários sobre o quanto as crianças estão
treinando lindamente, mas estou com medo de você me devorar — Piper
sussurra.
Respiro fundo e a olho de lado.
— Estou ótima, ok? Por que todo mundo está perguntando se pode
fazer algo ou falar alguma coisa comigo? Que merda!
Piper pigarreia e olho ao redor. Acho que berrei, porque todo mundo
me olha como se eu estivesse surtando. Eu não surto. Porra, não por causa
daquele imbecil.
Ela me entrega um café no copo lacrado.
— Quer que eu leve para a treinadora?
— Não. Eu estou ótima. Estou muito bem!
Pego o café e desço para o gelo. Vou até a treinadora, me desviando
das crianças patinando, e entrego a ela, que agradece receosa. Mas que
merda! Audrey me olha do outro lado, desconfiada, mas logo volta a atenção
às suas crianças.
Saio da pista antes que eu quebre esse gelo com a força do meu ódio.
A garota patinando tropeça bem na hora que estou olhando ao passar ao lado
de fora, pelos vidros de proteção, seu rosto está corado e ela olha para o outro
lado. Viro o rosto e vejo o Julian, mas não está sozinho, Kayden está ao seu
lado, e agora sei porque uma turma na arquibancada fica olhando também, e
sorrindo igual tontas.
Reviro os olhos. Passo por eles, sentindo o olhar do Kayden queimar
sobre mim.
— Louise, me traz um café, por favor! — Julian pede.
— Suba e pegue! Trabalho para o seu pai e a arena, e não para você!
Não olho para trás, mas sei que me encaram. Escuto quando falam
sobre mim:
— Acredite, não é com você o problema.
— Que merda você fez? — Julian pergunta.
Subo as escadas, pisando duro, e não sei como essa merda não treme.
O que ele quer aqui? Vai pilotar para o inferno com a supermoto
dele, porra! Babaca, arrogante!
KAYDEN
Eu sou um babaca.
Dessa vez eu realmente fui um. E pelo bem da minha vida, preciso
consertar essa merda. Ter a Louise como uma arqui-inimiga é perigoso
demais para a minha existência. E pelo jeito, não será fácil arrumar isso, já
que ela pareceu prestes a me assassinar quando me viu aqui na arena.
Respiro fundo, mudando a expressão assim que a Caitlyn agarra as
minhas pernas.
— Titio, eu vou ter uma apresentação.
— Eu ainda não aceitei! — Julian retruca.
— A mamãe e o vovô já deixaram! — Olha para ele, e ele revira os
olhos.
— Às vezes, me esqueço que perdi qualquer autoridade em cima
dessa garota!
Prendo o riso e ergo a garotinha que esticou e está mais pesada.
— E vai ser lindo. Está patinando muito bem. Está linda! — Beijo
seu rostinho e ela sorri.
— Vocês dois estão deixando elas tímidas, sabiam? — chama nossa
atenção.
— Princesinha, você sabe como levantar minha autoestima. Me fale
mais sobre isso!
Julian acerta minha nuca e começo a rir.
— Por sua causa tenho que buscar o meu café, e lidar com o Brayden
lá em cima, falando da nova coreografia que ele está pensando. Então cale a
boca e não arrume mais problemas.
Sorrio.
— Titio Kay?
— Oi.
— O que você aprontou?
Abro a boca.
— Por que eu teria feito algo?
— Por que você e o titio Nick sempre aprontam. — Aperta minhas
bochechas com suas mãos pequenas. — Aprontou o quê?! — Gruda o
narizinho no meu e me encara nos olhos, profundamente, como se estivesse
buscando respostas neles.
— Até a minha filha sabe que vocês só fazem merda! Eu realmente
vou afastar vocês dela!
Passa por nós, com a Caty rindo e me fazendo rir.
— Caty! — Sua mãe chama para ela voltar para a pista.
— Tenho que ir, titio.
— Vai lá, princesinha do gelo.
Coloco ela no chão, e ela me dá tchau ao se afastar, mas chamo de
novo por ela, não acreditando no que irei pedir, mas será a única que vai me
ajudar sem questionar demais.
— Libera a minha patinadora, Kay! — Audrey reclama.
— Calma, gata! — peço ao me abaixar na frente da Caitlyn.
Olho para todos os lados e ela ri.
— Você aprontou grandão, né?! — Sua risadinha é travessa.
— Talvez… — pigarreio. — Caty, talvez eu tenha chateado uma
pessoa que não merecia.
— Foi a Loulou!
Arregalo os olhos.
— Ela tá brava hoje. Nem brincou comigo. Tá muito brava!
— Ok, você me apavora mais que ela! — Pisco rápido.
— Titio, tem que pedir desculpa. O papai sempre pede desculpa pra
mamãe quando ele faz coisa errada. E dá presente. A mamãe ama docinhos, o
cappuccino dela… — Fica pensativa. — Flor, papai dá flor.
— Princesinha, não acho que isso vai funcionar com a Louise. Não
vou nem te dizer tudo que ela vai fazer com essas coisas, para não te
traumatizar desde criança.
Caty franze o cenho, curiosa.
— A Loulou ama praia, a vovó dela, chocolate, ela sempre come
coisa com chocolate, eu já vi um montão de vezes. — Gesticula com as mãos.
— Dá alguma coisinha que ela gosta, titio, mas tem que pedir desculpa! —
fala séria, parecendo até seu pai.
— Obrigado, princesinha. Se ela matar o titio, lembre-se de que te
amei muito!
Ela ri.
— Loulou é legal, tá! — defende. — E titio, eu acho que a Loulou
não tem segredo não.
— É mesmo, e por que acha isso?
Se tem alguém que observa todo mundo e sabe tudo é essa criança.
— Ela fala, só tem que perguntar. Loulou é sozinha igual você. Ela só
precisa de abraços quentinhos igual o Olaf ama.
— CATY! KAYDEN, SOME DAQUI! — Audrey berra e as crianças
riem.
— Tchau, princesinha. Bom treino!
Beijo sua testa e ela me dá um beijinho na ponta do nariz e vai para o
gelo, tirando a proteção dos seus patins. Que coisinha mais fofa, eu irei
morrer! Aulas virando treinos para futuras apresentações e, quem sabe,
competições... Caty está crescendo rápido demais e a ficha não para de cair.
Levanto-me e o Julian para ao meu lado de novo.
— O que foi?
— Olha a fofura dessa garota patinando. O tamanho do patins! Porra,
cara é fofo.
— Eu sei, fui eu que fiz ela! Ela é perfeita.
— Vá se foder! — Empurro-o de leve e ele sorri. — Mas acertou
muito.
Ele encara a filha e a esposa.
— Meu maior e melhor acerto.
— Certo, vou sair daqui ou vou chorar e não preciso dessa
humilhação.
— Está tudo bem? — Me avalia.
— Tudo perfeito no mundo de Kayden Spencer! — Forço um sorriso.
— Não chore pela minha ausência, eu sempre volto.
Afasto-me, mas ouço ele me xingar.
Chego em casa e dou de cara com a Piper na sala. Desde que saí da
arena não voltei para casa, estou fazendo isso somente agora. Ela está lendo,
deitada no sofá, com o Duke deitado sobre ela. Passo entre os sofás e ele
rosna.
— Eu ainda darei fim nesse cachorro igual fiz com as caixas do dono
dele.
Piper ergue o olhar do livro.
— Seu irmão te mata.
— Acredite, ele vai precisar entrar na fila. Já tem alguém no topo da
lista querendo isso. — Sorrio.
Jogo-me no sofá livre e deixo a sacola ao meu lado. Ela continua me
olhando, desconfiada.
— O que você aprontou? Conheço esse olhar.
— Por que sempre esperam o pior de mim?
— Porque você sempre entrega o que esperamos!
— Piper! — chamo sua atenção, mas acabo rindo. — Pois saiba que
não fiz nada — minto.
— Sei… — ela pigarreia e acaricia a cabeça do monstro em cima
dela. — Kay, um dos nossos professores disse que foi mal no teste de hoje. E
nem quis ficar para ver sua nota. Por que não me disse que precisava de ajuda
para estudar? Eu ajudava. Na verdade, não está me pedindo mais ajuda para
nada relacionado a BTIU. Está tudo bem entre a gente?
— Está tudo bem entre a gente, linda. — Sorrio. — E os professores
da BTIU estão mais fofoqueiros que qualquer outro morador dessa cidade. Eu
não fiquei porque já sabia qual seria a nota. E não vale mais a pena estudar,
Piper. No fim, acho que todo mundo já sabe o resultado.
— Não importa a gente saber, Kay, se não for um resultado que vai te
deixar feliz. Eu só torço para que saiba o que está fazendo. Pode perder o
time também se adiar sua formação. E você ama o hóquei.
Forço um sorriso.
— Pensa pelo lado positivo: darei oportunidade para outros fazerem
fama ali.
— Kay…
Dou uma piscadinha e me levanto do sofá. Duke fique atento, à
espreita.
— É… A Satã está por aí? Quero tomar banho em paz e ela sempre
inventa de usar o banheiro quando estou usando.
— Na verdade não.
— Não? — Franzo o cenho. — Ela não deveria ter vindo com você?
— Louise está esquisita. Nem quis carona. Falei que fecharia a arena
e ela disse que iria sair, e sumiu. Confesso que estou levemente preocupada
porque começou a nevar de novo. Enviei mensagens, mas não respondeu, ao
menos as mensagens estão chegando, então está em um lugar que tem sinal.
Mas não quero pirar, ela sabe se virar, espero. E espero também não receber
notícias que ela matou alguém, ela está bem estressada hoje. — Suspira. —
Ok, preciso ficar preocupada. Vou ligar para a Audrey para saber se ela sabe
de algo.
Pego a sacola e sigo rumo a porta.
— Não iria tomar banho?
— Esqueci de fazer uma coisa. Volto daqui a pouco. Nada de
aprontar em casa, mocinha. Se comporte! — provoco e ela me mostra a
língua. — Te amo!
— Também amo você!
Entro na garagem e pego o meu capacete. Olho para o outro e pego
ele também.
Paro a moto em frente à loja de chocolates da cidade, que tem um
espaço aos fundos, para aproveitar a paz do lugar.
“A Loulou ama praia, a vovó dela, chocolate, ela sempre come coisa
com chocolate…”
Se não temos praia em BTI, nem a avó dela, restou chocolate, porque
Louise odeia frio e deixa claro sempre que pode, não estaria ao ar livre. E não
tem nenhuma festa acontecendo na cidade hoje exatamente por causa do frio
e da neve mais intensa e os alertas. E na Audrey ela não estaria, não
espumando de raiva como estava.
Entro no lugar, me cumprimentam e questionam se preciso de ajuda,
mas nego dizendo que só estou procurando por algo, mas na verdade é por
alguém. Vou até os fundos, onde tem o espaço, e está vazio, exceto pelo
canto perto das plantas, onde quem procuro está e eu poderia chorar de
emoção por ter acertado, mas vou me conter.
Não nota minha presença. Está tomando uma caneca de chocolate
quente, com fones e estudando. Admirável ver ela parecendo tão doce,
inocente, calma. Olhando assim nem parece que me mataria com as unhas.
Deixo os capacetes no sofá perto da porta, com cuidado redobrado
para ela não me notar. Está de costas para mim, encolhida na poltrona. Os
coturnos estão no chão, e ela tem os pés cobertos pelas meias brancas, em
cima da poltrona. Grifa alguma coisa, em uma força excessiva.
Engulo em seco.
Tiro da sacola o que eu trouxe e caminho lentamente até ela. Seguro a
pelúcia pelas orelhas e desço na sua frente, me mantendo as suas costas. Ela
retira os fones e ergue a cabeça para a pelúcia.
— O que…
— Como sou mais apressado, eu vim na frente, para adiantar o
pedido de desculpas do Kayden, o príncipe mais lindo dessa cidade e o rei do
gelo — faço uma voz engraçada. — Ele foi um babaca e está muito
arrependido. Poderia perdoá-lo?
— Um coelho? Sério? E como sabia que eu estava aqui?! — Ela vai
se virar, mas impeço.
— Não sou qualquer coelho. Sou o coelho da sua história favorita!
Ele errou e sabe que fez merda. Perdoa ele, linda e maravilhosa Alice?
Ela puxa o coelho da minha mão e se vira. Sorrio e puxo a cadeira ao
lado. Viro-a, me sento de frente para o encosto, onde apoio os braços.
— Foi difícil achar esse coelho da Alice, sabia?
— Não muda de assunto. Como me achou aqui? Está me seguindo?!
— Me olha desconfiada.
— Claro que não. O psicopata é Nicholas. Eu apenas sou bom em
adivinhar as coisas… — Ela fica encarando o coelho. — Me perdoa, vai?
— Pelo quê? — Me olha e ergue uma das sobrancelhas.
— Eu fui rude com você na universidade. E quase te atropelei. Você
só queria ajudar e descontei meus problemas em você. Me perdoa.
Ela volta a encarar o coelho e tocando o reloginho preso em uma
corrente ao bolso dele.
— Como encontrou isso?
— Na cidade vizinha.
— Foi até ela para conseguir ele só para me pedir desculpas?
— Para você ver o meu medo em ser morto por você.
— Ouvir isso me deixa muito feliz! — Seu olhar me arrepia. —
Preciso pensar se te perdoo.
Entreabro a boca e ela dá de ombros.
— Está falando sério?
— Sim. Obrigada pelo coelho.
Eu fui em outra cidade atrás disso, coloquei minha vida em risco
vindo aqui e ela ainda vai pensar se me perdoa?
— O que preciso fazer para me perdoar? — Faço beicinho, isso
sempre convencia a Piper.
— Ai que fofo. Mas comigo não funciona. Você foi um escroto! Não
precisava agir daquele jeito, ok? E acredite, esse papo de que errou por gritar,
por ser agressivo de alguma maneira, e pedir perdão depois, já rolou muito
comigo e sabe qual foi o final? Trauma!
Ela se levanta e começa a juntar suas coisas, jogando na bolsa. Calça
os coturnos rapidamente e coloca a bolsa no ombro. Segura o coelho, se
afasta.
— Louise, espera — peço. — Por favor. Eu te levo. — Respiro
fundo.
Não responde, sai do lugar.
Que inferno de garota teimosa.
Levanto-me rápido, pego os capacetes e a sacola. Vou atrás dela.
Encontro-a encostada na moto, abraçada ao coelho e me encarando. Respiro
aliviado sabendo que não entrarei em uma discussão com ela sobre dar ou
não carona.
Entrego a sacola a ela, que guarda o coelho. Coloco meu capacete e
vou colocar o dela, mas ela puxa da minha mão e coloca ele sozinha. Abaixo
a viseira, sorrindo. Monto na moto e ela monta em seguida, fazendo questão
de deixar a sacola entre nós dois.
Birrenta.
Balanço a cabeça e ligo a moto. Acelero ela, e quando entro na
avenida do centro de BTI, acelero mais, dando um leve tranco na moto.
Louise não tem escolha, a não ser passar os braços ao meu redor rapidamente,
me apertando com força.
— Pare de me provocar! — grita.
Dou uma risadinha e ela aperta o meu pau, com raiva. Tiro sua mão
rapidamente. Rindo ainda mais. Acelero mais ainda, deixando os carros e as
motos para trás. Ela coloca as mãos por dentro do meu moletom, e sua mão
está congelada.
— Porra! — xingo e ela ri. — Isso vai ter volta! Foi golpe baixo.
Entrega-me o capacete, e coloco junto do meu em cima da moto.
Encosto na parede perto da porta. Ainda não abrimos ela para entrar na sala.
Louise toca a maçaneta e a observo.
— Quem fez isso com você?
Ela leva alguns segundos antes de me encarar.
— Do que está falando?
— Quem era a pessoa agressiva com você, que depois pedia desculpa
e resultou em trauma? É por causa dessa pessoa que se assustou no dia que
aproximei a mão do seu rosto enquanto estava distraída?
A cor dos seus lábios se perde um pouco.
— Ninguém fez nada. Está louco.
— Foi seu pai?
— Eu já disse, está louco.
— Não estou. A raiva de hoje foi por ter deixado uma pessoa fazer
isso com você de novo, não foi? — Seus lábios vacilam, assim como noto
quando ela engole em seco e o tremor em suas mãos. — Quem fez isso com
você, Louise? Quem te machucou?
— Se estiver usando alguma droga, pare. Está afetando sua cabeça!
Ela abre a porta e entra, só me dando mais motivos para buscar sobre
a sua vida. Não, ela não é a vilã, infelizmente, porque eu amaria estar certo.
Louise está fugindo de algo no Brasil… de alguém. Os sinais estão mais do
que claros. Ela se isola, ela tem crises de ansiedade, os sustos, o modo como
tentou menosprezar a dor que sentia pela cólica, tentando se fazer de durona.
E tem algo relacionado com a sua família. Louise só ama alguém dos
Pimentel e não são seus pais.
Entro em casa e vou direto para a cozinha onde ouço a Piper falar
com o Duke. Louise subiu. Piper me olha, como se estivesse cometendo um
crime ao dar dois biscoitos ao Duke.
— Não diga ao Nicholas que dei dois biscoitos ao Duke.
— Não direi, desde que me ajude com isso! — Puxo o celular do
bolso do moletom e pesquiso o nome da Louise e entrego a ela o aparelho. —
Traduza tudo!
— Kay, de novo isso… A Louise…
— A Louise está escondendo algo sério. Enquanto todos vocês
acham que devo deixar a vida dela em paz, porque ela tem que falar. A amiga
de vocês está definhando e ninguém está vendo! — digo baixo, mas firme,
irritado. Piper me olha assustada. — Acredite em mim, não tem mais nada a
ver comigo confiar ou não nela, muito menos comigo ter pavor dela me
matar. Não me faça perguntas, apenas traduza tudo. Eu sei que terei respostas
aí.
— O que está acontecendo com ela? Ela anda estranha, mas a Louise
sempre foi na dela! Onde ela estava? Ouvi a voz dela quando chegaram.
— Traduza tudo isso e prometo que não direi que foi você. Deixa que
o resto eu resolvo.
— Kayden…
— Piper, faça o que estou dizendo. Isso é sério!
Ela respira fundo e assente.
Algo me diz que a visita do pai dela tem algo a mais.
— Eu vou pesquisar tudo hoje, traduzir o máximo que eu conseguir e
te passo tudo. Meu português é bom em ouvir, mas péssimo em falar ou ler
tudo perfeitamente, não pratico muito, apenas com a Louise. Mas acho que
consigo coletar bastante coisa. — Me entrega o celular. — Espero que saiba o
que está fazendo, Kay, e não se arrependa de abrir a vida dela desse jeito.
Assinto e saio da cozinha.
Louise pode até me odiar, mas é pelo bem dela que todos aqui
deveriam saber a sua verdadeira história, antes que ela surte de vez. Sei bem
o que é esconder as coisas e isso nos afoga.
LOUISE
Minha aula do dia foi suspensa. A professora teve problemas
pessoais, e como era a única aula do dia, estarei livre até a hora que a
cafeteria da White's Arena Ice Skating abrir. A parte boa é que estou livre, a
parte ruim é que minha cabeça não para, e é impossível que pare, depois das
perguntas que o Kayden fez ontem. Devo estar deixando escapar algo,
preciso ser mais cautelosa.
Não dormi direito essa noite, sempre acabava acordando, a ansiedade
agitou demais minha cabeça, e quase recorri a algum calmante que me
colocasse para dormir. Mas nem da cama tive coragem de sair. Não ter aula
hoje foi uma tremenda recompensa depois de uma noite horrível.
A neve está intensa ao lado de fora, mas ainda não suspenderam
nada. É possível chegar nos lugares. Conferi o e-mail da suspensão das aulas
tarde demais, já estava arrumada, e agora estou com preguiça de me
desarrumar, e é por isso que me deitei assim mesmo. Acreditei que
conseguiria dormir um pouco agora, mas está sendo impossível.
Encaro o coelho em minhas mãos e sorrio, mas, ao mesmo tempo, me
julgo por estar sorrindo. Kevin era assim também, um escroto e depois
tentava me mimar e eu me culpava logo em seguida. E se o Kayden for igual?
Todos temos um traço tóxico, e se esse for o dele? Em alguns momentos me
culpo sim por estar tentando seduzi-lo ao meu favor, mas então me lembro de
que já fui enganada por um cara como ele, de sorriso fácil, carinhoso, e que
no final me machucou. E se seduzi-lo para ele deixar minha vida em paz, for
na real uma perfeita vingança, porque ele pode não ser o príncipe que todos
pensam ser também?
E se…
Minha vida está se resumindo a diversos “e se”...
— Quando eu perdi o controle de tudo? — Encaro o coelho, como se
ele pudesse responder. — Acho que você nunca teve essa sensação de sentir
o mundo ruir aos seus pés, e estar de mãos atadas, até porque você possui
patas. — Sorrio fraco. — Às vezes, eu queria fugir para o País das
Maravilhas, é muito melhor do que aqui.
Deixo o coelho ao meu lado e respiro fundo, encarando o KS nos pés
da cama. Chuto ele, com raiva, e ele voa pelo quarto.
— Espero que ele tenha sentido isso bem no traseiro.
É estranho essa sensação, mas pela primeira vez me sinto muito
sozinha. É como se estivesse sem ninguém para conversar, para aproveitar de
fato a vida. Eu amo a Piper e a Audrey, adoro o Julian, e os gêmeos me
distraem. A Caty é um caso à parte, aquela garotinha é única. Mas estou com
uma sensação de que aqui não é o meu lugar. Eu me sinto sozinha,
abandonada, angustiada, e isso é horrível. É como se eu estivesse tentando
me encaixar na vida dessas pessoas, quando parece que já possuem a vida
perfeita. Nunca me fizeram me sentir excluída, as meninas são incríveis, até
madrinha da Audrey eu fui. Mas é algo dentro de mim, uma sensação de…
Fecho os olhos e respiro bem fundo.
Uma sensação de querer ser a prioridade de alguém, a primeira
escolha, aquela pessoa que alguém corre para contar algo porque pensa nela
na hora. Ouvir que sentiu minha falta, saudade, e me abraça apertado. Sinto
falta de coisas que, na verdade, nunca tive antes, e achava que tinha com o
Kevin. Eu acho que ser durona o tempo todo está acabando comigo, porque
eu assumi essa personalidade para me livrar da antiga Louise, mas o preço
que estou pagando está alto demais.
Fugi do Kevin, mas também fugi de mim mesma, e estou sufocando.
Eu nunca tive melhores amigos, pais amorosos, um grande e
verdadeiro amor. Tudo que sempre tive foi minha avó, e isso me bastava, só
que desde o meio do ano passado, tudo está mudando dentro de mim, e esse
ano que deveria ser o melhor ano da minha vida, está trazendo todos os meus
medos e novas descobertas.
Desde que larguei o Kevin e vim para cá, eu estava confiante. Nada
me parava. Eu trazia medo às pessoas. Agora é como se elas me ignorassem,
e eu fosse invisível, entretanto, já não sei se eu estou criando tudo isso por
conta da bagunça que está na minha cabeça, ou se de fato está acontecendo.
Quando aconteceu tudo com o Cameron, as meninas e o Nicholas,
achei que estava bem — bom, estou melhor que eles. Mas naquele dia, todos
focaram no mundo deles, e isso me trouxe uma visão que me machucou: Eu
não sou o mundo deles. Não importava se eu tivesse falhado em não estar
com a Piper e a Caitlyn antes dele sequestrá-las. Não importou se eu tive que
ver tudo aquilo incendiar, enquanto tentávamos entrar para tirar eles, sem
saber se sairiam com vida. Não importava como eu estava psicologicamente.
E sinceramente? A mim também não importava. Eu só queria todos bem.
Foquei nisso. Só que eu me apavorei. Também temia o Cameron, porque eu
via nele o Kevin. Só que ninguém sabia. Mas também ninguém nunca me
perguntou como eu estava em assistir tudo aquilo. Ninguém tinha que fazer
isso, a prioridade eram as duas que foram raptadas, sempre serão elas, porém,
hoje eu vejo que isso machucou um pouquinho mais um lado meu já
machucado.
Viro de lado na cama e abraço o coelho, enquanto fico encarando
nada em específico, apenas deixo minha mente fazer o que tem feito de
melhor: me ferrar.
Às vezes, penso que o melhor que posso fazer é voltar ao Brasil. Meu
plano B era se eu não quisesse mais a universidade, focaria em ser
influenciadora digital, sempre amei moda, poderia trabalhar com moda nas
redes sociais, tenho um bom engajamento nelas, sendo uma pequena
influenciadora, sei que poderia crescer muito mais. Meu plano B jamais foi
voltar ao Brasil, pelo menos não agora, ainda que eu sinta saudade, muita
saudade mesmo. Só que no momento penso que voltar será o melhor, encarar
toda essa merda, ou ao menos tentar, e deixar todos por aqui viverem suas
vidas e ficarem em paz. Eles não precisam das minhas bagunças também, e
eu não preciso que me olhem com pena, porque esse olhar machuca. Já vi
muito isso nos olhos dos meus pais, eles me olham com pena, como se eu
estivesse arruinando a minha vida, como se eu fosse burra, inútil, e isso acaba
comigo.
Chega uma mensagem no meu celular. Puxo ele com preguiça,
trazendo para perto de mim e do coelho.
KS: Tá fazendo o quê?
Franzo o cenho, confusa.
Louise: Como é que você tem o meu número novo?
KS: Piper se vende facilmente por livros da wishlist dela. Está
fazendo o quê?
Insiste e reviro os olhos. Estou morrendo de preguiça de lidar com
ele, e de tentar fingir que estou bem, e principalmente de ter que tomar mais
cuidado em como agir, para ele não desconfiar de mais nada. Então ignoro.
Mas ele é persistente.
KS: Estou no treino, termina em uma hora. Me encontra aqui, vamos
conversar em um lugar, depois te deixo na arena. Traz o outro capacete que
ficou na garagem.
Fico em alerta com isso.
Conversar? Conversar sobre o quê?
Sinto o meu estômago revirar e a alma sair do meu corpo,
acompanhado de uma tontura e aperto no peito. Uma sensação ruim me
domina, não consigo pensar em nada bom vindo dessa conversa. Pelo
contrário, eu sinto que alguma coisa aconteceu e a culpa foi minha, pelas
respostas que dei a ele ontem.
Kayden não é burro, ele é observador.
Aguardo ele na saída aos fundos do rinque da BTIU. A ansiedade não
para de crescer, e por mais que eu finja estar tudo bem, não sei se estou
fazendo isso muito bem agora. Observo a porta do vestiário, ansiando com a
saída dele dali. Não estão mais no gelo.
Ouço a porta do vestiário abrir, logo em seguida vejo o Kayden
saindo, cabelos molhados, vestindo a jaqueta enquanto intercala as mãos
segurando o capacete. Ele se aproxima em passos firmes, e sem tirar os olhos
de mim. Isso acaba comigo, porque eu nunca vi esse garoto tão sério assim,
exceto quando aconteceu toda a merda ano passado. O olhar dele está frio,
lembrando exatamente o do Nicholas. Sua altura parece triplicar, e, pela
primeira vez, me sinto muito intimidada.
— Por que não foi até lá?
— Odeio atletas e cheguei agora há pouco.
Assente lentamente.
— Imagino que odeie mesmo. — Não sei se gosto do seu tom.
— Aonde vamos?
— Vai descobrir ao chegar lá. Vem.
Fico ainda mais desconfiada. Minhas mãos tremem segurando o
capacete que eu trouxe. Ele apoia uma mão nas minhas costas e nos leva para
o estacionamento.
Entramos na mansão Spencer, e se eu estava confusa, estou ainda
mais. Kayden estaciona a moto, e quando desliga, retiro as minhas mãos dele
e em seguida meu capacete.
— Casa dos seus pais?
Desço da moto, ele desce em seguida, tirando seu capacete. Segura o
meu e encara a mansão.
— Vem.
Vai na frente, mas não em direção à enorme casa. Ele para ao lado
dela, contornando-a. Para ser bem sincera, vim uma vez aqui, em um jantar
depois do dia de Ação de Graças, e tudo que vi foi a sala principal e a sala de
jantar. É uma casa linda, os Spencer têm bom gosto, exagerado, mas bom
gosto.
Acompanho ele, mantendo uma certa distância. Passamos por
algumas árvores, até estarmos no terreno aos fundos da casa. Kayden
caminha em direção ao que parece ser uma grande estufa. Paramos diante da
porta de vidro, tudo está coberto pela neve. Ele abre e concluo que é mesmo
uma estufa.
Entramos, sendo engolidos pelo cheiro das flores, plantas. Kayden
fecha a porta e o calor ao lado de dentro me faz estremecer depois de ter
estado na neve.
Deixa os capacetes na mesa de madeira repleta de ferramentas de
jardinagem.
— Uma estufa… Ok… Vai revelar que ama flores e plantas? —
Tento entender o que realmente está acontecendo.
Kayden caminha pelo corredor, olhando tudo, até se aproximar do
banco de madeira aos fundos, onde se senta e me encara.
— Todo mundo tem um lugar para onde foge quando não está bem.
Esse é um dos lugares que gosto de vir. Não se ouve nada do que acontece ao
lado de fora. Se está sol, vemos através dos vidros, se está nevando ou
chovendo, é a mesma coisa, mas nada acontece aqui dentro. Tudo para. E aí,
quando olho para todas essas plantas e flores de várias cores, tamanhos e
formas, que meu pai ama e tem tentado a todo custo ensinar minha mãe a
mexer nisso, eu apenas respiro melhor, porque aqui, nada disso fala,
incomoda, tudo aqui é paciente, leva tempo para crescer, é uma forma poética
de lidar com o silêncio, e ficar na presença dele sem se sentir tão sozinho.
Observo ao redor e me aproximo das rosas, repletas de espinhos. Ao
lado, em outro vaso tem uma flor branca, mas está morrendo, ao menos
parece estar. Leio seu nome, Cyclamen Persicum. Pelo jeito, já foi muito
bonita.
— Meu pai está tentando a todo custo manter essa planta viva aqui
dentro. Mas nada ainda. Já tentou manter dentro de casa, testar em alguma
varanda, não adiantou. Então trouxe de volta para cá. Ele é persistente. Acho
que é terapêutico para ele tentar entender as plantas, e como manter vivas
essas mais delicadas, principalmente no inverno rigoroso que temos. Muitas
no hotel da família foi ele que cuidou e as levou para decorar lá.
Olho para todas as outras, lindas. Porém tem mais três vasos dessa,
todas mortas.
— Ele é muito persistente.
— Muito. Quanto mais desafiador for para ele, mais terá a atenção
dele. Segundo minha mãe, foi assim que ela se apaixonou por ele. Perseguiu
ela por dois anos, e quanto mais ela esnobava ele, mais ele persistia.
— Foi vencida pelo cansaço. — Encaro-o agora.
— Provavelmente. Ele é irritante às vezes. — Sorri.
— Disse que aqui é um dos seus lugares. Tem mais?
Eu me aproximo, sentando-me no banco, coloco as pernas para cima
da madeira e me viro, ficando de frente para o Kayden. Ele recosta no banco
e estende as pernas, abrindo-as e respirando fundo.
— Vai ter que descobrir os outros. — Dá de ombros.
— O que quer conversar? Tenho certeza de que não é sobre plantas e
nem sobre seus pais. — Abraço os meus joelhos e respiro fundo.
Sinto medo do que ele vai dizer, mas coragem o suficiente para ao
menos ouvir e descobrir o que ele quer.
— Duas pessoas muito especiais para mim me disseram que eu
deveria perguntar, que se eu perguntasse você responderia.
— Mas?
— Mas eu sabia que nunca responderia, porque parece que tem partes
da sua vida que deseja manter secretas.
Engulo em seco.
— E isso nos leva ao quê? — Minha voz é baixa, receosa.
— Eu sempre achei que estivesse escondendo algo de todos nós. A
princípio, que era vilã, depois passei a achar que também poderia me matar, e
confesso que ainda continuo achando que pode me matar. Só que ontem…
— Kayden…
— Ontem eu sei o que vi. Fui atrás de saber mais. E eu descobri
coisas sobre sua vida.
— Você não tinha esse direito! — Minha voz sai dura, mas também
cheia de medo.
Levanto-me e caminho pelo corredor, pronta para sair daqui, sumir
dessa merda.
— Eu te beijei na biblioteca da cidade. A gente quase transou naquele
lugar. Mas está noiva. — Paro no meio do corredor, sentindo fraqueza nas
pernas. Apoio uma mão na mesa ao lado. — Eu não vou te julgar. Eu só
quero entender. Louise, por que não me disse que tinha alguém? Eu posso ser
muitas coisas, mas jamais me meteria com alguém que tenha compromisso
com outra pessoa. Por que escondeu de todo mundo que é noiva de um
lutador profissional, brasileiro, e que, inclusive, o casamento de vocês é esse
ano?
Minha mão escorrega da mesa, levando uma ferramenta ao chão. O
barulho parece acontecer em câmera lenta, assim como tudo ao meu redor.
Viro-me para ele, tentando reunir qualquer força que eu ainda possa ter,
mesmo sentindo que posso cair bem aqui na sua frente.
— Não. Estou. Noiva! — As pausas são intercaladas com minha
respiração agitando.
— Como não? As redes sociais dele tem foto dos dois, muitas por
sinal. — Faz uma expressão de raiva. — Tem fotos da enorme festa de
noivado. As notícias dizem que há pouco tempo você deletou tudo sobre os
dois das suas redes sociais, o que me leva a pensar o quanto todos aqui fomos
bem cegos, porque tinha tudo nas suas redes sociais, ou talvez tenhamos
apenas confiado em você, ao ponto de não nos aprofundarmos nela, já que
posta muita coisa, e afinal, quem esconde um noivado? Não existem notícias
de término. Ele fez afirmações recentes de que o casamento ainda vai
acontecer, e que, inclusive, ele está vindo buscar a noiva. Não é seu pai que
vem, é ele, o seu noivo! — A última parte sai entredentes, frio, me atingindo
mais ainda.
Balanço a cabeça, as lágrimas escorrem pelo meu rosto sem que eu
possa ter qualquer tipo de controle. Sinto o ar sumir cada vez mais dos meus
pulmões. Eu assisto minha vida voltar ao inferno.
— Não sou noiva…
— Louise, eu quero muito acreditar, mas porra, você escondeu isso
de todo mundo… Caralho, a gente quase transou! — grita, nervoso.
Levo uma mão ao peito, está doendo. Eu não consigo respirar. Tento
buscar o ar, mas não vem.
Ele sabe.
Ele sabe tudo.
Kayden se aproxima rápido e tento me afastar, mas minha perna
vacila muito e ele me segura.
— Louise, respira.
— N-não sou noiva dele…
— Respira. Está perdendo a cor.
— Não sou! — Balanço a cabeça rapidamente.
Ele me leva para o banco e me senta, então se abaixa a minha frente,
apoiando as mãos nas minhas pernas.
— Respira, olha para mim e respira!
Encaro-o, tentando puxar o ar. Eu sinto que tudo está fechando dentro
de mim. Meu coração está acelerado demais e meu peito dói.
Ele me olha com chateação, raiva…
Kayden me odeia agora, e todos também vão, porque eu escondi a
verdade.
É tudo minha culpa.
É sempre minha culpa…
— É tudo mentira… Eu não estou… noiva… d-dele… Precisa
acreditar…
— Ok… Respira, tenta acompanhar a minha respiração…
Nego rapidamente.
— É tudo mentira. Eu nunca traí ele… E-eu… Kayden… Eu não
consigo… respirar…
Ele se senta no chão e me puxa para o seu colo. Me aperta forte em
seus braços e tudo o que faço é chorar ao ponto de soluçar, de sentir o meu
peito ruir de vez. Eu sinto vergonha de mim mesma, medo, desespero. Meu
choro tem cansaço e destroços.
Mergulho na dor da minha alma, enquanto ele me aperta o suficiente
para eu sentir que está aqui. Me afundo nele, no seu cheiro, mas a dor é forte,
ela esmaga a minha alma.
Aquele desgraçado conseguiu, ele conseguiu destruir tudo sem ainda
precisar pisar aqui.
KAYDEN
A cena que assisto é assustadora. Eu já vi a Louise nervosa, ansiosa,
chorosa, mas jamais a vi nesse estado. Ela treme em meus braços, seu choro é
angustiante, é como se algo estivesse cortando uma parte de seu corpo a
sangue frio.
Piper me mostrou tudo que descobriu. No primeiro momento ri, achei
que ela estivesse brincando comigo. Mas quando olhei em seus olhos e vi o
choque, sabia que era real. Me mostrou alguns textos que traduziu, fotos que
conseguiu… E foi assim que descobrimos que ela é noiva. Louise Pimentel
tem um noivo no Brasil, e toda a questão por trás do seu noivado tem
mistério. Falam sobre eles estarem juntos desde os dezoito anos dela. A festa
de noivado foi enorme e luxuosa. O cara é um atleta renomado e muito
importante. Nas redes sociais dele tem diversas fotos com ela, em momentos
românticos, eventos, viagens… Porra, eu surtei vendo isso.
Claro que a Piper mandou eu pegar leve, conversar com a Louise,
tentar entender tudo primeiro, não julgar, porque tudo isso pode ser invenção
da mídia, mas tem fotos, tem vídeos, e o cara falou recentemente que vem
para cá buscar a noiva que estava estudando fora. Eu não pensei, a verdade é
essa. A gente quase transou, porra. Eu me senti parte de um jogo idiota. Só
que ver como ela está, muda tudo. Me traz angústia.
— Você não tinha o direito… É a m-minha vida! — sussurra quase
sem fôlego.
Respiro fundo.
— Vamos sair daqui, te levo para o meu antigo quarto, você bebe
uma água, se acalma e conversamos melhor, tudo bem? — Minha voz é mais
tranquila agora.
Ela nega lentamente.
— Não quero sair daqui!
— Tudo bem… Estou aqui, vai ficar tudo bem… Tenta respirar.
— O que v-você sabe?
— Louise, esquece essa merda agora. Precisa se acalmar primeiro,
por favor.
— Não! — grita, e se vira, tentando sair do meu colo, mas não deixo.
— O que você sabe?!
Seu olhar é de pavor.
— Que está noiva. Que o tal Kevin está a caminho daqui para se
casarem ainda esse ano. Vai retornar ao Brasil? Iria nos contar quando fosse
embora? — Ela nega rapidamente. — Desculpa… É que está confuso
entender! Eu esperava qualquer coisa, Louise. Qualquer coisa, menos isso.
Está grávida ou esteve? Falam disso também!
— Não! Você e ninguém daqui deveria saber dessa merda…
Ninguém…
Fecho os olhos por alguns segundos e a aperto em meus braços.
— Fiz merda, não deveria ter ido atrás da sua vida. Mas eu vi como
ficou, Louise, você está agindo como alguém com medo, assustada… Porra,
se assusta com meu contato às vezes. É óbvio que tem algo sério. Eu só
precisava entender tudo.
— Q-quem te ajudou?
— Não importa agora. Me deixa buscar água para você? — Nega
rapidamente. — Tudo bem. Não vamos falar disso então. Esquece essa
merda. É sua vida. Eu ultrapassei esse limite. Nunca imaginei que te deixaria
assim. Me perdoa.
Ela continua chorando, mais baixinho agora, enquanto ficamos em
silêncio. Realmente estou me culpando. Eu deveria ter pensado em uma
maneira mais tranquila de abordar isso. Mas eu fiquei dominado pela raiva,
de achar que ela iria me usar para se vingar de mim ou algo assim. Fui
egoísta, surtei. Deveria ter escutado a Piper, porra!
Acaricio suas costas e seu corpo vai relaxando mais, isso me
tranquiliza. Toco seu rosto com cuidado e acaricio sua pele macia, molhada
pelas lágrimas. Ela ergue o olhar, foco nos olhos escuros e no quanto não
existe luz neles nesse momento. Louise fecha os olhos e a ajeito melhor em
meu colo, como uma criança sendo acolhida.
— Não conta para ninguém, por favor… — implora. — Eu tentei a
todo custo esconder isso… Não me orgulho de ter mentido para vocês. Mas
as coisas são complicadas.
— O que eu preciso saber agora?
— Não existe mais noivado. Ele está vindo porque tem uma luta dele
no país e ele quer falar comigo, mas não quero falar com ele, porque não tem
o que ser dito.
— Preciso saber de mais alguma coisa?
— Ele que vai vir no final de semana. E provavelmente vai inventar
mil merdas. E ninguém pode saber o que éramos.
— E preciso saber o motivo desse mistério todo? — Nega com um
sutil aceno. — Eu vou te fazer mais duas perguntas, tudo bem? — Concorda.
— Esse relacionamento não acabou da melhor forma, certo?
— Por aí…
— Ele te machucou de muitas formas, não foi? — Ela volta a chorar
e esconde o rosto no meu peito. — Tudo bem. Já entendi.
Meu coração aperta e começo a ligar alguns pontos.
— Não conta…
— Não vou. O que quer fazer para se acalmar mais e esquecer essa
merda ao menos hoje?
— Não acho que tenha algo que possa mudar isso, Kayden.
— Posso tentar?
Dá de ombros e assente.
Ela acerta minhas pernas com o taco de hóquei e a olho pronto para
matá-la.
— Qual parte de que não sou o disco, não entendeu?
— A neve me deixou surda!
Trouxe ela para o lago da cidade, que virou uma enorme pista de
gelo, e reservaram uma parte para as crianças jogarem hóquei, mas elas
correram apavoradas com a Louise patinando igual uma maluca.
Tiro o disco dela e ela fica irritada, patinando até mim, mas sou
muito mais rápido. Miro o disco no gol improvisado, acertando, ela grita e
xinga irritada.
— NÃO REPITAM NADA DISSO! — grito para as crianças do
outro lado, nos vendo. — ELA É LOUCA!
Eles riem.
— Louca é teu rabo. Você roubou! — Tenta me acertar com o taco,
mas desvio.
— Como te roubei? Quem está roubando é você!
— Claro que não. Te agredi, era para estar no chão e eu fazendo
cesta!
— Gol — corrijo-a.
— Foda-se!
— Agressão não faz parte do nosso jogo — ironizo. Apoio o taco
sobre um ombro e patino passando por ela.
— HÓQUEI É EXTREMAMENTE AGRESSIVO!
— Marquei quinze pontos. E se bem me lembro marcou um porque
deixei, já que ameaçou morder o meu lord aqui embaixo!
— AAAAAH!
Ela se joga em cima de mim, nos levando para o chão. Gargalho, sem
acreditar que ela fez isso só porque está perdendo.
— Era para te relaxar, sabia? — Seguro suas mãos e tiro o taco delas.
— Não funcionou. Funcionaria se eu ganhasse e pudesse te espancar!
Pare de rir, cacete!
Ela me empurra para o lado e se levanta, ajeitando a roupa. Noto o
biquinho, e claro que isso me faz rir ainda mais. É bom ver ela assim, do jeito
que sempre foi, sem todo o drama mais cedo que a desestabilizou.
Levanto-me. Pego nosso tacos e entrego o dela.
— Serei seu goleiro. Se acertar o gol, consideraremos que ganhou o
jogo todo, ok? — Me olha desconfiada.
— E se eu ganhar, também vai me ajudar a arrumar o banheiro de
baixo para mim e vai bancar toda a reforma dele!
Engulo em seco, porra, estava pensando em deixá-la ganhar!
— Está bem!
Vou para o gol, aguardando-a pegar o disco e se posicionar. As
crianças do outro lado criam uma torcida para ela. Provavelmente ela os
apavorou tanto que estão com medo de torcer para mim, já que todos nessa
cidade sabem que sou um grande jogador de hóquei, bonitão, forte,
másculo…
— PORRAAA! — Caio de joelhos, choramingando. Eu vejo minha
vida e todos os meus sonhos irem embora. — Meu pau… — falo em um fio
de voz.
Louise gargalha e as crianças acompanham. Me distraí tanto que nem
vi quando ela mirou o disco no meio das minhas pernas. Dói… Dói muito.
Ela se aproxima, rindo ainda. Se abaixa à minha frente.
— Está até vermelhinho, coitadinho. Mas ganhei!
— Eu vou te matar! — Minha voz sai entredentes. — Saiba que pode
ter acabado com as chances de Beyond The Ice ser povoado por belas
crianças!
— Eu livrei a cidade de minis Kayden! Isso seria muito castigo para
esse povo. Vai, vamos comer algo e você paga. E não esqueci do banheiro.
— Não posso andar!
— Quer carinho? — Olho feio para ela, que ri mais.
Termino de tirar as tralhas do banheiro de baixo e colocar em um
canto da garagem. Depois irei dar fim em tudo, igual fiz com as outras caixas.
Nicholas que se dane. Ele começou com isso, trazendo Louise para cá.
— Pronto. Esse lugar precisa de ar, está fedendo a banheiro
fechado… — Paro na porta do banheiro. Vejo a Louise sentada em cima da
tampa da privada, segurando a cortina que tirei do boxe. Sua expressão é
séria e parece perdida em pensamentos.
Entro no banheiro e me abaixo a sua frente. Ela me olha e se assusta,
estava muito distraída.
— Acabou? Posso pensar na reforma e em todo gasto que você terá?
— Sorri, mas é forçado.
— O que houve? Está triste de novo. — Nega rapidamente. — Me
perdoa, não deveria ter pesquisado sobre você. — Solto uma lufada de ar. —
Me alertaram sobre isso, duas pessoas, e teimei! Porém, eu precisava saber o
que estava acontecendo com você. Antes era por birra, mas juro que virou por
preocupação.
— Eu tentei esconder isso por muito tempo, Kayden… Eu já sabia
que estava investigando sobre mim… — Franzo o cenho. — Não é sutil e vi
em seu computador. Deveria saber que uma hora ou outra encontraria toda
essa merda.
— O que quer fazer?
— Do que está falando?
— Final de semana ele vem. Quer lidar com ele, ou apenas sumir?
— Não precisa tentar me ajudar, não sou nenhuma coitadinha…
— Não acho que seja. — Sorrio com carinho. — Precisa aprender a
aceitar ajuda, Louise.
Observo seu semblante triste.
— Tanto faz… De qualquer maneira, ele vai vir, e não dava para
fugir dessa história toda por muito tempo. Só não queria que ninguém
soubesse de nada, agora já era…
— Vocês mantêm contato?
— Não — responde rapidamente. — Ele tenta, mas evito.
— Por isso trocou seu número.
— Não é como se fosse resolver por muito tempo. Eu só não quero
que ele veja ninguém, e nem que todo mundo saiba o que está rolando… E
eu… — Desvia o olhar.
— Não quer ver ele também. Me conta o que realmente aconteceu,
Louise. Me deixa te ajudar de verdade, por favor.
— Não. Kayden, eu quero ficar sozinha.
Levanta-se largando a cortina, e faço o mesmo para dar passagem a
ela. Ela sai do banheiro e fico vendo-a se afastar.
Esfrego o rosto e saio do banheiro. Sento-me na escada, tranquilo por
saber que o Duke não está, foi passear com seu dono. Louise conseguiu pedir
para a Piper cobrir ela na arena, e a Piper deve ter imaginado o motivo, mas
sei que ela vai ficar na dela.
— Kayden? — Olho por cima dos ombros e vejo-a no topo da
escada. — Obrigada por ter entendido e ter tentado ajudar, mesmo tendo se
metido onde não deveria. Eu senti raiva quando soube que estava querendo
saber da minha vida, e por um momento senti medo. Mas você não me olhou
como achei que faria, talvez por não saber tudo ainda, errei em fazer um pré-
julgamento sobre você quanto a isso… — Solta uma lufada de ar, longa,
cansada. — Mas, por enquanto, valeu...
Assinto lentamente.
— Te olhar com pena? Esse é seu medo, né? Te entendo… Jamais te
olharia assim, Louise. Jamais! Nós dois erramos. Eu deveria ter perguntado
desde o início, e você me dito que sabia que eu estava buscando sobre sua
vida. Teríamos poupado essa merda toda que aconteceu hoje. Também fiquei
puto, e pensei que estaria se vingando de mim e me usando mesmo estando
noiva… Desculpa.
Balança a cabeça e se vira para sair, mas então retorna.
— É que… — Coça a nuca.
Levanto-me e subo os degraus. Paro à sua frente e giro seu corpo,
apoiando as mãos em seu ombro.
— Te darei o melhor abraço do mundo. Serei um bom amigo hoje.
— Desde quando somos amigos?
— Desde o momento que vi que posso ter benefícios nessa amizade!
— Quê?! Olha aqui, seu escro…
— Mente poluída! — Dou uma risadinha, interrompendo-a. — Estou
falando dos seus produtinhos! Vamos.
— Nem morta. Não vai usar nada meu. Eu acabo com sua raça!
Kayden, eu juro que me vingo pelo que fez hoje!
Entramos em seu quarto e ela corre pegar o bastão e aponta para
mim. Fico parado na porta, entre correr e me fingir de morto.
— E então não terá mais o melhor abraço do mundo. E está me
devendo ver sua tatuagem na virilha e eles. Eu ficaria, e teria tudo, lembra?
Eu fiquei naquele dia.
— E quem disse que preciso de abraços? Vai se ferrar! E eu não
lembro de nada, sinto muito!
— Tudo bem então! Fui! — Viro-me e caminho pelo corredor.
— Kayden! — me chama a contragosto.
Retorno, controlando o riso pelo bem da minha vida. Paro na porta do
seu quarto e a encaro.
— Diz as palavras e fico.
Revira os olhos e se joga na cama com o bastão.
— Fica!
— Assim não. Pode fazer melhor que isso. — Cruzo os braços e
encosto no batente da porta.
— Não vou implorar.
— Não precisa. Mas pode pedir com jeitinho. Ser mais amorosa. —
Dou de ombros. — Estou esperando…
— Argh! Tá! — Se senta na cama. — Kayden, poderia por gentileza
usar seus braços gigantes e fortes, para ficar abraçado em mim até eu dormir?
— Teve um pouco de ironia, mas vou aceitar.
Descruzo os braços e entro no quarto. Me jogo em sua cama e puxo
Louise para mim. Ela solta um gritinho pelo jeito que faço.
— Então tenho braços gigantes e fortes? Minhas mãos também, já
viu? — Mostro para ela.
— MEU DEUS. AI. MEU. DEUS! ESTOU SENDO CASTIGADA
NESSA MERDA!
— Depende, pode se divertir em tudo de gigante que tenho. Não diria
que é castigo.
Ela tenta me agredir, mas não deixo. Começo a rir e ela acaba rindo
de raiva, mas ao menos ri.
— Você é um idiota. E acredite, já tive melhores que você!
— Ah sim, teve… Inclusive está fugindo de um deles, de tão melhor
que era!
— Você não disse isso… Sai daqui! — grita, parecendo bem nervosa.
— Perdão… Perdão… — me apavoro.
Ela começa a rir e fico sem entender.
— Ainda sei te atormentar. Que perfeito. — Sua risadinha é
engraçada.
— Porra! — Giro seu corpo e monto em cima dela, mantendo-a
presa. — Não brinca com isso. Já fiz merda demais hoje!
Ela sorri de um jeito diferente, doce.
— É incrível…
— O quê? Minha beleza?
— Não, idiota. É que… você… Esquece.
— Começou, termina!
Deito-me ao seu lado, e abraço seu corpo por trás, assim que ela se
vira.
— Situações semelhantes, resultados diferentes… — sussurra.
— Está falando de quê?
Ela nega lentamente e suspira. Ajeito seu cabelo e beijo seu ombro.
— Me perdoa, por favor… — sussurro.
— Está tudo bem. Minha avó me alertou, disse que eu deveria contar
tudo, mas neguei. Ela sempre tem razão.
— Ele era abusivo, não era? — arrisco, sabendo que ela pode me
enxotar, mas não consigo tirar essa história da minha cabeça.
— O Cameron e ele seriam ótimos amigos.
— Porra, princesa…
Aperto-a mais firme e beijo o seu pescoço. Fecho os olhos, sentindo o
meu estômago revirar de raiva. Eu sabia que algo assim estava no passado
dela, mas jurei que era com o pai e não com um noivo.
LOUISE
Olho para as pessoas dançando loucamente, bebendo, fumando,
transando, poucas conversam. Alguns se beijam deixando claro que isso vai
terminar de outro jeito. O ronco dos motores é audível do lado de fora da
floresta, onde tem as corridas.
As festas de Nicholas Spencer foram transferidas, acontecem em uma
parte da floresta de BTI agora. E esse lugar está cheio. Bebo a cerveja que
peguei e observo tudo atentamente. Músicas latinas dominam o lugar. Existe
uma enorme fogueira no centro de tudo, que, para um veterinário, ele ligou o
foda-se para os animais, mas não irei duvidar se ele disser que sabe que aqui
eles não ficam, porque o cara sabe tudo e isso me assusta as vezes.
Estou encostada no carro do Nicholas, ao lado tem a moto do
Kayden. Os únicos com seus veículos dentro da floresta. Piper está ao meu
lado, falando algo que, sinceramente, não estou prestando atenção. Na minha
cabeça apenas o som do relógio ecoa. Amanhã ele chega em Beyond The Ice,
não consegui pensar em nada para evitar esse encontro dele comigo ou com
qualquer outra pessoa.
Depois de tudo que aconteceu, e a verdade vir à tona ao Kayden, eu
sinto que tudo já era. Não adianta eu esconder mais nada, não tenho nada
mais a perder. Amanhã tudo isso acaba. Porque ele vai destruir tudo, como
sempre. Também sei que foi a Piper que ajudou o Kayden, não sou idiota, os
olhares que ela me lança às vezes entregam isso, ela é péssima escondendo as
coisas.
Eu vou ter que sumir de Beyond The Ice, porque o Kevin vai contar
para todo mundo o lado dele, e como vão acreditar em mim? Eu escondi
tudo. E sou mulher. A mulher sempre se fode nessa merda.
Dou um bom gole na cerveja, sentindo o vento arrepiar minhas
pernas descobertas, porque uso uma saia curtinha. O Nicholas está com os
amigos, mas seus olhos sempre se voltam para a Piper. Do outro lado vejo o
Kayden, ele está com uma garota, não tenho ideia de quem seja, mas já vi ela
algumas vezes pelo corredor da universidade, e para estar aqui, deve ser
muito próxima dos convidados do Nicholas. Reviro os olhos, assistindo-o
sorrir para ela, enquanto bebem juntos. Ele a deixa tímida, descubro vendo
que ela não para de mexer no cabelo.
— E eu falei tudo isso e você nem me ouviu!
Olho para a Piper e respiro fundo.
— Não ouvi. Sinto muito.
— O que está acontecendo? Nos últimos dias, você está muito aérea,
estranha. O que houve, Lou? Nem quer dançar, ou estar com algum cara por
aqui… Tem algo estranho.
Olho para a festa. Os olhos do Kayden se encontram com os meus.
Ele mantém a bebida firme em sua mão e a outra mão no bolso da calça. A
garota toca seu peito e ele desvia o olhar para encará-la.
Desde que ele descobriu tudo, não estou falando com ele. Ele me fez
dormir no dia, e depois não nos falamos mais. Eu não falei. Apenas pequenos
acenos; evitei ele a todo custo. Sinto-me envergonhada, desesperada.
Tiro o celular do bolso da jaqueta e encaro a tela. Meia-noite, o final
de semana chegou. Meus pais e ele vão estragar toda a minha vida de novo e
começa a contagem regressiva agora, a qualquer momento Kevin vai pisar
nessa cidade.
Você não tem mais nada a perder. Ele não está declarando que estão
juntos ainda? Seus pais não querem isso também? Faça o melhor show de
despedida, dê o fora da cidade e se deserda de vez dos Pimentel.
Respiro fundo mais uma vez e entrego o meu celular a Piper, já
desbloqueado. Ela me olha confusa.
— Está certa. Tenho que me divertir. Essa sou eu. Me acompanha e
filma.
— Hã? Do que está falando?
— Me acompanha e filma. Você faz isso muito bem. Não deixe de
pegar nenhum ângulo.
— O que vai fazer? — Seu olhar tem preocupação.
Sorrio e viro a bebida na boca, antes de jogar a garrafa vazia em um
barril velho.
— Me divertir, gatinha! — respondo em português. — Comece a
filmar a partir de agora, Piper.
Olho para todos, como um animal à espreita para atacar. Por cima do
ombro vejo a Piper fazendo o que pedi, curiosa, mas preocupada. Me
aproximo de um cara, que nem quero saber o nome. Ele me olha desconfiado,
isso mostra que realmente minha fama assombra o povo daqui.
— Posso? — peço pelo baseado em suas mãos.
— Tem certeza? — pergunta e assinto.
Pego e dou uma longa tragada. Nunca coloquei isso na boca, nem sei
a porra da reação que terei. Escuto a Piper me chamar, mas não olho. Solto a
fumaça. E sinceramente? O gosto não me atrai. Mas não é isso que importa.
Dou outra tragada, dessa vez sinto algo diferente, me relaxa um pouco, mas
acho que precisaria de muitos desse para ficar mais tranquila. Entrego o
baseado a ele novamente e dou uma piscadinha.
Olho ao redor, e bom, não tem nada muito melhor e disponível. Olho
por cima dos ombros e a Piper segue filmando.
— Louise…
— Só faça o que pedi, por favor! — respondo em português.
Encaro o cara a minha frente. E ele me avalia de baixo para cima e
esboça agora um sorriso malicioso.
— Solteiro? — Ainda que não fosse, tenho certeza de que diria que é.
— Por quê? Vai me beijar? — Leva o baseado à boca e solta a
fumaça para cima. Então torna a me encarar.
Reviro os olhos sabendo que o babaca é lerdo e vai demorar para ter
atitude. Então eu mesma faço. Beijo-o, e puta merda, da próxima escolho
melhor, esse beija mal. Nem uma pegada decente ele tem, mas só preciso
fingir que estou amando isso. Ele me empurra na árvore e nem isso ele faz
decentemente, puta que pariu. Mas finjo que tudo está perfeito. Tem que
convencer.
Ouço alguém gritar em meio a música, mas não entendo direito,
aumentaram o som e os sons dos carros correndo aqui perto piora tudo.
Entretanto, não tenho tempo de raciocinar nada, porque sou arrastada para
longe do cara.
— Qual é, Spencer? — o cara fala com o poste me segurando.
— Fica fora disso, porra! — Kayden alerta ele.
— Me solta, seu idiota! — xingo irritada.
Olho para a Piper e meu celular não está com ela. Ela está com os
olhos arregalados. Nicholas se aproxima rápido. Encaro a outra mão do
Kayden e ele está com o meu celular.
— O que você pensa que está fazendo?! — grito.
— EU? QUER MESMO PERGUNTAR ESSA MERDA PARA
MIM? É ASSIM QUE QUER RESOLVER TUDO? NÃO SOU IDIOTA.
SEI O PORQUÊ ESTÁ FAZENDO ESSA PORRA! VAMOS!
— EU NÃO VOU! — grito de volta. — ME LARGA!
— Não! — Olha-me firme, Kayden está muito irritado.
— Mas que porra está havendo? Kayden, solta ela!
— NÃO SE METE, NICHOLAS! — ele grita com o irmão. — ELA
SABE MUITO BEM QUE ESTOU LIVRANDO O RABO DELA DE UMA
MERDA MAIOR!
— Kay, calma! — Piper pede a ele.
Elijah e Micah se aproximam, mas nem abrem a boca, parecem
espantados. O cara que beijei correu. Bunda mole! Tento me soltar, mas o
Kayden tem mais força do que eu imaginava.
— Kayden! — Nicholas praticamente rosna. — Larga ela e explica
que merda está acontecendo!
— Fica. Fora. Disso! — fala pausadamente com o irmão.
Ele sai me arrastando, ferrando minha botinha muito linda e cara,
porque tropeço algumas vezes, só não caio, porque ele me segura muito
firme.
— ME SOLTA, CARALHO! — Irrito-me de vez.
— Não!
— Está dando um show. Para com isso!
— Acredite, estou sendo muito gentil. Porque essa porra dessa saia
está impedindo que eu seja um verdadeiro homem das cavernas e te jogue nos
ombros! — Seguro o seu braço e mordo. — Louise! — grita, ainda mais
irritado.
— ME SOLTA. E ESTÁ SENDO UM.
— Quer saber? Foda-se!
Ele me puxa mais rápido ainda, até estarmos na moto. Viramos a
atração dessa merda. Olho para onde Piper e Nicholas estão, e a Piper tenta
vir, mas o Nicholas impede. Micah e Elijah continuam boquiabertos.
Só pode ser brincadeira.
Ele monta na moto e me entrega o capacete. Não pego, dou as costas
para sair desse show, mas ele me puxa.
— Sobe nessa moto, ou juro que posso fazer pior do que essa cena!
Minha respiração está agitada pela raiva. Um remix de Danza
Kuduro toca bem alto em meio a toda essa confusão. Olho para as pessoas,
estão cochichando, chocadas com a cena, afinal, esperam isso do Nicholas e
não dele. Nem eu esperava isso dele.
Pego o capacete com raiva e monto na moto. Minha saia sobe mais,
mas dane-se.
— Pode me dar o celular ao menos?!
— Quando eu apagar essa porra de vídeo te dou!
Ele coloca no bolso.
— Para de se intrometer na minha vida, Kayden! Me deixa em paz!
Ele me ignora, ligando a moto e saindo tão rápido que as pessoas se
afastam correndo, com medo. Eu caio desta porcaria, mas não irei me segurar
nele. Não mesmo.
Saímos da floresta, com ele cortando os carros na corrida. Todos
gritando, mandando-o sair. Os competidores estão buzinando, mas ele não dá
ouvido. Kayden está pilotando como um louco. Seguro firme nas laterais,
sentindo o vento queimar minha pele à mostra nas pernas. Ele entra pela
contramão, faz uma curva tão insana, que por um momento penso que ele só
quer nos matar, mas o idiota sabe o que faz, e entramos na pista sentido o
centro da cidade.
Não vamos para casa. Ele está nos levando a outro lugar. Observo o
caminho, parece que estamos a caminho de sair da cidade. Franzo o cenho
quando ele entra em uma rua sentido a mansão dos Duncan, e esse lugar me
assombra ainda, é sinistro. Retorna por trás da universidade, uma rodovia
tomada apenas pela floresta as suas laterais. Estamos ainda nos limites da
cidade. E sei disso, porque assim que viramos à direita, tem uma placa se
despedindo de Beyond The Ice. Mas ele não sai, ele entra na floresta, nesse
limite. Franzo o cenho.
Estaciona a moto. Desce dela. A lanterna do seu celular ilumina
agora.
— É aqui que vai me matar?
— Acredite, vontade não me falta.
Desço da moto e deixo o capacete em cima dela. Ele segura minha
mão, me arrastando pelo caminho, ainda como um homem das cavernas. Eu
devo ser uma pena para ele, puta merda. O caminho iluminado pelo celular
dele, dá para uma subida.
— Eu juro que se estiver me colocando em uma trilha…
— Não vai fazer nada. Pelo nosso bem, fique quieta, Louise! Eu
realmente estou a um passo de explodir e te esganar.
Bufo sendo levada por ele. Se aparecer um bicho, eu dou o Kayden
como refeição, juro que dou!
Chegamos no alto. Não tão alto, mas o suficiente para ver uma parte
da cidade de cima, com as poucas luzes que iluminam tudo e a rodovia
principal que leva à entrada e saída de Beyond The Ice. O vento aqui é mais
forte e penso até em reclamar, mas levando em consideração que eu escolhi
essa saia, sem nenhuma meia, eu sabia que iria morrer de frio onde quer que
eu estivesse, mas pelo bom look eu resolvi fazer esse sacrifício, afinal, hoje
pode… Não, hoje vai ser meu último dia nesse lugar.
— Um dos lugares… — sussurra.
Olho para ele e entendo o que quis dizer. A estufa e este são um dos
lugares que ele foge para ter silêncio.
— Só esses dois?
— Não — responde seco e se senta em uma pedra alta.
Observo tudo e acabo me sentando ao seu lado, sentindo a minha
alma congelar, mas nego até a morte mostrar isso a ele. Já fui humilhada essa
noite. Desliga a lanterna do celular e guarda ele.
— Vai me falar que circo foi esse?!
— Xiu…
— Não faz xiu para mim! Você praticamente me raptou, ok?!
— Louise, pelo amor de Deus, cale a boca por cinco minutos!
Respiro fundo e encaro a paisagem. Kayden parece que vai explodir,
e por isso fico quieta. As chances de nos matarmos aqui são grandes.
Observo ao redor e solto o ar, deixando os ombros relaxarem.
Levanto-me e caminho até a beira do que pode ser um grande penhasco e
sento-me nele. Minhas pernas balançam enquanto observo o lugar que foi
uma boa fuga por um tempo. E agora pensar nisso me traz um nó na garganta.
Audrey falou sobre aqui ser o lar dela. Eu não sentia isso, até precisar
ir embora. Talvez eu estivesse tão focada em fugir de tudo, que agora pensar
em ir embora, me lembra dos bons momentos desde que pisei aqui, e tudo
isso vai acabar. Eu tinha uma chance de recomeçar, mas perderei isso em
algumas horas, sinto que não aproveitei como deveria.
Encaro o céu, e por um momento eu imploro por um milagre. Eu
queria deletar todo o meu passado. Minha vida poderia contar a partir do
momento que pisei nessa cidade. Tudo seria mais fácil.
— Acha mesmo que filmar e jogar na internet vai melhorar tudo?
Acha que isso é a melhor vingança? — A voz que ecoa atrás de mim, me traz
um arrepio diferente.
— Como sabe que eu iria fazer isso?
— Por que iria querer que te filmassem beijando e fumando aquela
merda de baseado? Nunca precisou disso nesse tempo todo aqui. Mas ele
chega nesse final de semana, e era só conectar os pontos, Louise.
Ouço ele caminhar até mim, então se senta ao meu lado. Olho para
ele, sua expressão é mais suave agora.
— Eu não sou sua responsabilidade, Kayden. Não pode transferir o
que fazia para o seu irmão. Eu não sou o Nicholas.
— Não. Agora vejo que ele me dava menos trabalho! — Solta uma
lufada de ar, com uma sutil fumaça saindo de sua boca por conta do frio.
O nariz e a boca estão bem vermelhos. E quando ele sorri sem revelar
totalmente os dentes, as covinhas se revelam, e isso me impressiona, porque
nunca as notei antes. Eu amo covinhas. Isso é sacanagem. Encaro a cidade de
novo e balanço a cabeça com raiva.
— Me dá meu celular.
— Não. Você não vai fazer isso. Louise, isso só vai piorar as coisas.
Quer mesmo enfurecer o cara que te trouxe em uma enorme fuga para cá?
Quer mesmo fazer isso com ele aqui na cidade? A gente nem sabe se ele já
não está em BTI. Pensa direito. Você está fugindo dele, porque teme ele. E
quer trazer mais fúria a esse idiota? Amanhã, o Nicholas vai estar em uma
feira veterinária na cidade vizinha. E eu tenho que assinar um monte de
merda para os meus pais, que viajaram hoje. Ninguém vai estar naquela casa,
além de você e a Piper. Eu entendo que está nervosa, com medo, mas…
— Eu não vou estar na casa, Kayden!
— Como assim? Quem garante que ele não vá na arena? A cidade é
pequena, todo mundo se conhece. Vão dizer onde está.
— Eu vou para Nova York. Irei comprar passagens assim que chegar
em casa, e irei no primeiro voo. Ficarei uns dias lá até decidir o que fazer. E
irei avisá-lo que não estou mais aqui. Acredite, vocês não vão querer lidar
com ele, ou com… Esquece. — Apoio as mãos nas minhas laterais, sentindo
o gelo do chão sobre elas.
— Louise, por que não consegue confiar que ninguém aqui vai te
julgar ou condenar? Porra, todo mundo é metido em várias merdas. E sempre
nos ajudamos. Não vai ser diferente.
Forço um sorriso e o olho. Seus olhos escuros me encaram, sérios,
mas acolhedores.
— Mas vão me olhar exatamente como não quero. E vocês já tem
merda demais para lidar. Estão tendo paz agora, não serei eu a estragar a
amizade perfeita de vocês.
Ele ri com ironia.
— Amizade perfeita? Precisa começar a olhar as coisas com outros
olhos. Nenhum de nós é perfeito e muito menos nossas amizades.
— Que seja. Ficar aqui foi um erro. Me envolvi demais com vocês, e
agora toda merda vai explodir em vocês também.
— Não somos ele, Louise… Eu não sou ele. Precisa aprender a
confiar, dar uma chance de te ajudarmos. Escondemos a verdade da polícia
ano passado. Todos nós, até as nossas famílias. Acha mesmo que sua história
iria nos destruir ou que iremos te julgar?
Fixo os olhos nas poucas luzes acesas na cidade.
— Eu também acreditei que ele era diferente de todos os caras do
mundo. Eu acreditei por muito tempo, Kayden. Não dá para confiar…
— Ok… Não posso falar por todo mundo que convivemos, mas
posso falar por mim. Sabe qual a diferença desse cara para mim? — Olho-o
de lado. — Ele faria qualquer coisa para te machucar, e eu faço qualquer
coisa para acabar com quem tentar fazer isso de novo com você.
Meu coração bate, mas tem algo novo, muda uma frequência. Faz um
salto que me assusta.
Nem com ele isso já ocorreu. É algo realmente muito diferente.
Desvio o olhar e encaro a cidade de novo, então engulo em seco,
confusa, ansiosa, com medo.
— Tem suas merdas, Kayden. Para de fugir delas para tentar me
ajudar. Eu não sou seu problema.
— Não era o meu problema, até eu saber que um filho da puta te
machucou.
— Não sou uma garotinha indefesa. — Engulo em seco, não posso
chorar de novo na frente dele. Chega disso.
— Não. Mas até garotas fortes precisam de ajuda às vezes, e está
tudo bem precisar.
— Você e minha avó seriam ótimos amigos — sussurro, a voz
embargando.
— Depende, ela tem bastões e bonecos sinistros?
— Ela é bem pior que eu.
— Ok. Não seríamos! — ri baixinho. — Me dá uma chance de
mostrar que pode confiar em mim, por favor? Só uma chance, é o que peço.
Se eu falhar, pode me moer com o seu bastão.
— E como acha que vai conseguir fazer isso? — Forço um sorriso.
— Começando com uma promessa.
— Qual?
— Sem mentiras a partir de agora. Seremos sinceros um com o outro.
— Ainda não posso falar sobre como tudo aconteceu antes…
— Eu sei. E esse assunto fica de fora da promessa. Vai contar tudo
quando estiver pronta. A base da confiança é a sinceridade, Louise, e se
tivermos isso, vai ver que não sou ele, e posso te mostrar o quanto aqui vai
ser seguro para você.
— Seguro? Me arrastou como um homem das cavernas, gritou,
pilotou surtado e me trouxe para o meio do nada. Começou muito mal,
Kayden Spencer.
— Na verdade, eu comecei certinho. Já te mostrando quem sou de
verdade. Nem sempre a paciência é o meu forte. Eu me obrigo muitas vezes a
ser paciente. Por isso os lugares secretos. Silenciar a minha mente me ajuda a
me acalmar.
Abro a boca, mas nada sai, então a fecho de novo.
E se eu confiar na pessoa errada de novo?
— Só vou te esquentar… — me avisa antes de passar o braço ao meu
redor e me puxar para ele. — Bom, tentar. Cadê o restante da saia? Eu juro
que posso ver o seu útero!
— E isso é um problema? — pergunto preocupada com sua resposta.
— Não, desde que não esteja um frio congelante. Se matar congelada
era uma das suas tentativas de fuga?
Kevin diria que sim, é um problema. E diria que eu estou parecendo
uma puta barata. Ele odiava essa saia.
— Então o problema com ela é só o frio?
— Por que eu iria reclamar de uma saia que posso ver tudo? Estou no
paraíso, Satã!
— Seu tarado! — reclamo e ele ri.
— Eu sou tarado? Beijou um chapado que não estava entendendo
nada!
— E que tem uma pegada péssima! — retruco desanimada.
Kayden ri.
— A minha é melhor?
— Não vou responder isso. Pode me jogar daqui se quiser, mas não
respondo.
— Acabou de responder. Sempre dizem que depois de mim, ninguém
é bom o suficiente.
— Ninguém diz isso!
— Claro que dizem. Eu sou incrível!
Reviro os olhos e tento me afastar, mas ele não deixa.
— Me solta, idiota!
— Antes, me promete uma coisa.
— Depende.
— Promete que não vai sumir por causa dele. Me deixe tentar
resolver isso esse final de semana.
— Vai estar ocupado. Eu dou um jeito.
— Não prometeu.
Fecho os olhos por alguns segundos. Realmente não tenho mais nada
a perder. Até mesmo o plano de seduzir ele para parar de investigar minha
vida, já era.
— O que pensa em fazer?
— Consegue folga no final de semana, o resto eu resolvo.
— O que vai fazer, Kayden? — insisto.
— Agora irei te deixar em casa e voltarei para a festa.
— Eu te mato! Me tirou dela!
Ele ri.
— Estou brincando. Vamos embora.
— Kayden…
— Vamos passar em casa, pegar umas coisas e vamos para a casa dos
meus pais. Ficará longe de casa esse final de semana. O restante deixa
comigo.
Penso em discordar, mas não tenho escolha. Eu estou sem saída,
Kevin e meus pais me deixaram sem ela.
— Se quebrar minha confiança, eu te espanco com o bastão, né?
— Isso aí!
Se levanta e me ajuda a levantar.
— Ok.
Caminho na sua frente, ajeitando a saia.
— Consigo ver sua bunda além do útero. Ok, agora vi problemas.
— Viu? — Sorrio, porque sei que o tom é de brincadeira. Eu consigo
reconhecer isso e me deixa feliz.
— Uhum. Acabei de descobrir que tenho tara nela.
— Meu Deus! Eu vou te jogar daqui.
— Sem ter comido ela antes? Aí é sacanagem!
— Kayden! — Abro a boca, chocada.
Ele ri e passa por mim.
— Seu espanto é engraçado. O quê? Acha que sou santo?
— Disse que era um príncipe, seu escroto e idiota!
— E sou, mas um príncipe totalmente proibido nos contos de fadas.
Me diz, é genética ou malhou para ter essa bunda? Ela já estava aí antes? Por
que nunca notei?
— Porque você tinha medo de me olhar. E estou ficando puta por
saber que não tem mais!
— Eu tenho. Mas consigo saber quando vai me matar ou não.
— Consegue? — Dou um passo na sua direção, provocando.
— Sim. Seu olhar entrega.
Fico sem ter o que falar. Só quero que essa noite acabe logo, é muita
informação. Encaro minhas botas, assim que ele acende a lanterna do celular
novamente.
— Me deve botas novas! — digo entredentes, com raiva e
congelando.
— Me fez revelar o meu lado ogro para todo mundo. Estamos quites!
Ele me leva para baixo, e evito dizer algo de novo, ou pensar, porque
matarei ele.
KAYDEN
Deixo as pizzas sobre a ilha da cozinha da casa dos meus pais. Louise
foi tomar banho, e sei que isso também é uma fuga para ela. A garota está
vivendo dias de inferno e, por mais que tente esconder, isso fica claro. Ela
também está tentando me evitar desde que eu descobri tudo, mas não vai
conseguir. Não agora que sei que de fato ela esconde algo, e é sério.
Abro a cerveja, dou um gole e respiro fundo debruçado sobre o
balcão. Trouxemos coisas para ela fazer brigadeiro, já que não tenho nem
ideia de como fazer isso, minha função é apenas comê-lo.
Encaro as janelas enormes que dão para o jardim dos fundos da casa
e isso me traz lembranças de todas as vezes que eu passava correndo lá fora,
com o Nicholas atrás de mim querendo me matar, e minha mãe ou os
funcionários gritando com a gente aqui de dentro, nos assistindo na tentativa
de assassinato que tentávamos um contra o outro. No final, ele e eu ríamos,
enquanto todos estavam estressados com nossas loucuras.
Sorrio.
— Alexa, tocar playlist Elvis Presley — falo com a que fica na
cozinha.
Ela anuncia que vai começar a tocar e não demora para a música tirar
o silêncio da cozinha. E isso me traz outra lembrança: minha mãe odeia a
Alexa, diz que ela nunca a entende e de pirraça meu pai colocou uma em cada
canto da casa para provocá-la.
Essa casa foi muito boa para mim. Nicholas e eu não crescemos com
traumas ou coisas assim. Muitos até pensam que ele ser maluco é por causa
de uma vida difícil. Mas não. Ele é assim, porque esse é ele. Meus pais
sempre nos apoiaram, mas também sei que se preocupam com o jeito dele
ser, e em como tudo que temos vai ficar se um dia acontecer algo com eles.
Taylor e Devin foram e são ótimos pais, mas se preocupam excessivamente, e
isso às vezes sufoca.
Foi aí que tudo desandou para o meu lado. Eu sempre fui mais
próximo a eles. Então sei cada medo que eles possuem com a gente, cada
expectativa… Eu sei tudo. Se eles vissem o que eu fiz hoje naquela festa, não
me reconheceriam, pois dizem que sou o equilíbrio na tempestade do meu
irmão. Mas, para ser sincero, não sei se sou, ou me obriguei a ser.
Hoje eu não pensei, eu apenas agi. Sabia que a Louise ferraria as
coisas, mas eu também sei que a raiva que me dominou ali não foi apenas
receio dela piorar tudo para si mesma, eu senti posse e corri proteger. Ela
acha que estou transferindo para ela o que eu fazia pelo meu irmão. Está
totalmente errada. Pela primeira vez, eu realmente estou escolhendo proteger
alguém, não me sinto obrigado, é diferente.
Por um momento acreditei no que meu irmão havia dito sobre eu
estar com hiperfoco nela para fugir dos problemas. No começo até poderia
ser. Só que agora é diferente. Eu escolhi estar ali, ouvir ela, proteger,
cuidar… Não preciso pensar em nada e em ninguém, além do que eu quero
fazer, e isso é bom. Realmente acho que por isso surtei hoje. Eu escolhi ela,
escolhi cuidar, escolhi estar com ela em qualquer situação, ainda que ela não
tenha notado, afinal eu mesmo demorei a perceber, entretanto, hoje eu
percebi isso, e juntou com a raiva pela loucura que ela iria fazer, pronto,
explodi.
— E não me arrependo… — sussurro.
Bebo mais da cerveja, então me sento sobre a ilha, sabendo que
desliguei todas as câmeras da casa, ou minha mãe assistiria isso e viria
correndo me espancar.
Burning Love começa a tocar, uma das minhas favoritas do Elvis.
Amo fazer show no banheiro com as músicas dele, e isso desde criança, o que
já deixava claro ao meus pais que eu era muito diferente do Nicholas, que no
banho adorava fingir que os bonecos haviam morrido afogados. Ele matou
meu Capitão América, isso foi imperdoável. Mas me vinguei, naquela noite
aprendi a me vingar. Detonei todos os pôsteres de jogadores de hóquei que
ele tinha, inclusive um autografado. E aprendi a correr muito, quase como o
Flash, porque naquele noite, ele iria me matar, tenho certeza. Nunca vi um
garotinho correr tanto como ele corria. Meus pais gritavam tentando nos
parar, e foi assim que nossa primeira babá pediu as contas. Derrubamos ela
durante a corrida insana da morte.
Bons tempos.
— Eu juro que se estiver dançando, e eu não puder filmar porque
ainda não devolveu o meu celular, eu vou te matar, não estou brincando! —
A voz surge da sala.
Encaro a entrada da cozinha. Louise surge de braços cruzados,
emburrada, utilizando uma camiseta enorme com a mão do Mickey dando o
dedo do meio.
— Perdeu um grande show, gata. Sinto muito! — provoco.
— Não é maluco de ter feito isso sem me deixar gerar conteúdo para
me vingar sobre hoje.
Aproxima-se da ilha, pegando as coisas que trouxemos para o
brigadeiro. Observo-a caminhar com as coisas para mais perto do cooktop. Já
tinha deixado uma panela nele para ela usar.
— Eu deveria ter conferido o alarme de incêndio, né?
— Não precisa. Se eu for colocar fogo em você, te levo para o
jardim. A casa é muito bonita e seus pais não merecem perder ela. Já você,
eles fizeram dois iguais, um não vai fazer falta.
— Bruxa, Satã! — Faço uma careta e me afasto ainda mais de onde
ela está.
— E com uma casa enorme para tornar dela meu centro de bruxarias
contra você!
Bebo a cerveja, começando a ficar preocupado. Não deve ter sido
uma boa ideia ficar sozinho com ela aqui. Os seguranças nunca me levam a
sério, e os outros funcionários estão de folga esse final de semana, já que a
casa estaria sozinha. Até meus pais chegarem, não terá nem meus ossos para
contar a história e levar essa maluca à prisão.
Desço de cima da ilha, deixando a cerveja sobre ela. Tiro o celular
dela do bolso e me aproximo da doida. Coloco ele na frente do seu rosto,
desbloqueando. Fico encostado ao seu lado, mas pronto para correr a
qualquer instante. Estendo as pernas para a frente, cruzando uma na outra.
Vou até sua galeria de fotos e vídeos.
— Cuidado, vai encontrar muitos nudes por aí!
— Sabe que isso me anima ainda mais, certo?
— É, às vezes me esqueço do quanto é um tarado idiota. — Me
mostra o dedo do meio, enquanto mexe sem parar na panela. — Acredite,
postar o vídeo seria muito bom!
— Não vai descer no nível dele, Louise. Não me estressa quando
Elvis está tocando. É pecado!
Posso não estar olhando para ela, mas sei que revira os olhos. Apago
o vídeo, ainda sem acreditar que a Piper apoiou essa loucura.
— Já apagou? Agora me devolve!
— Não… Cadê os nudes?
Passo as imagens, vendo que ela tem muitas fotos. Vou passando por
todas dela sozinha, outras com as meninas, Caty… Até chegar nas fotos de
quando ela não estava em Beyond The Ice. Então um monte de fotos no
Brasil começa a surgir.
— Você praticava esporte?! — questiono.
— Qual a surpresa?
— Pensei que seu único esporte era me torturar!
— Nesse eu tenho medalha de ouro!
Olho de lado para ela, que sorri animada. Reviro os olhos e volto a
olhar as fotos e vídeos. Tem várias fotos dela na praia, e bom… Fotos
perigosas demais para alguém como eu, principalmente quando ela está com
biquínis pequenos. Dou zoom em algumas, conferindo as tatuagens, mas nada
de conseguir ver a da virilha.
Passo por mais fotos, algumas são no que parece restaurante,
shopping e eventos. Mas também tem muitas dela com quem acho que seja
sua avó.
— Essa é a famosa vovó, então… — sussurro.
Sou puxado pela camiseta até estar perto dela. Mostro a foto a ela e
Louise concorda.
— Ela odeia tirar fotos e eu amava provocá-la com isso.
— São muito parecidas. É como te ver no futuro. Louise, você será
uma vovó gata!
— Claro que serei. Por isso me entupo de produtos de skin care.
Produtos esses que deveria manter as mãos longe! — Seu tom fica
ameaçador, mas nem me importo. Não deixarei de usar, não quando notei que
são bons.
Vou passando as imagens. Louise é muito fotogênica. Olhando suas
fotos ninguém diz que é uma maluca que vive ameaçando tudo e todos.
— Posso ser sincero sobre uma coisa? — Olho para ela, bloqueando
a tela do seu celular e deixando sobre a ilha. Ela concorda, sem tirar os olhos
da panela. — Sei que fotos e vídeos enganam muitas vezes, não definem a
verdade. Mas vendo seu olhar em cada uma dessas fotos e vídeos, não é o
mesmo que tem aqui.
— Como assim? — continua sem me olhar.
— Aqui em Beyond The Ice, seus olhos brilham, é algo diferente.
Ela termina o brigadeiro e se afasta de onde estava.
— Iremos comer aqui mesmo? — Ignora o que eu disse.
— Onde quiser, princesa.
Puxa uma banqueta e se senta. Pego uma cerveja para ela e paro ao
seu lado. Puxo as caixas de pizza e abro elas. Ela pega uma de queijo e dá
uma pequena mordida. Abro sua cerveja e pego a minha que estava aberta.
Dou um gole, então me viro, ficando com a lateral do meu corpo encostado
na ilha, e de frente para a lateral da Louise.
— Não deveria fazer dieta ou algo assim por causa do hóquei?
— Treino muito pesado exatamente por comer demais. E você, não
deveria parar de fugir de assuntos que envolve sentimentos?
— Você já deixou de fugir do lance do hóquei e do que vai fazer com
a universidade? Do contrário, me cobrará por algo que também faz. — Se
vira, ficando de frente para mim.
— Tem um forte ponto. — Sorrio e viro a bebida na boca.
Pego uma pizza e dou uma mordida.
— Por que foge desse assunto?
— Por que foge do seu assunto? — rebato.
— Não estamos chegando a lugar algum. — Dá de ombros e bebe um
pouco da cerveja.
Deixo a cerveja sobre a ilha e dou outra mordida na pizza.
— Ok, podemos fazer um jogo.
— Vai terminar comigo nua? Seus jogos com certeza não são
ingênuos!
Começo a rir e ela me olha feio.
— Não preciso de um jogo para tirar sua roupa, Louise. — Dou uma
piscadinha. — Apenas um jogo para aumentar nossa confiança um no outro.
Cada um fala algo que nunca contou a ninguém.
— Pode mentir. Como saberei que está sendo sincero?
— Exatamente. Confiança. Vamos ter que confiar um no outro.
— Beleza. Eu começo — diz e me encara desconfiada. — Sou
virgem ainda.
— Mentirosa.
— Confiança. Vamos ter que confiar um no outro.
— Louise!
Ela dá uma risadinha. É linda.
— Está bem. Começa então.
Fico pensativo sobre o que dizer, já que tenho sérios problemas em
me abrir com as pessoas também.
— Perdi a virgindade na adolescência e ela era mais velha que eu.
— Pior que não duvido. É sua cara fazer uma merda assim. — Sorrio.
Morde a pizza e fica mastigando lentamente, pensativa. — Perdi a virgindade
aos dezoito anos.
— Sério? — pergunto, surpreso.
— Vai ter que confiar.
— Eu acredito.
Ela não está mentindo, por isso me espanto. Ela não tem cara que
esperaria até os dezoito. Louise parece uma doida.
— Sua vez! — diz e bebe a cerveja.
Penso mais uma vez.
— Sinto inveja do meu irmão. — Forço um sorriso.
Louise se ajeita no assento e me cutuca com o pé, mas não fala nada
sobre isso.
— Ok… Elevamos o nível dessa brincadeira. Deixa eu pensar…
Certo, já sei… Eu não sinto nada pelos meus pais. — Seus ombros relaxam,
como se ela tirasse um peso das costas.
Franzo o cenho, mas não falo nada. Termino minha fatia de pizza. O
clima começa a pesar tanto, que nem mesmo o som do Elvis está resolvendo.
— Odeio quando me medem com a mesma régua que medem ao
Nicholas. Nunca se chega a uma conclusão que me agrada.
— Cacete, para de pesar o clima. Já sei… Não transo desde que saí
do Brasil. Pronto, pode rir! — Pega outro pedaço da pizza e morde.
— Rir? Eu estou quase chorando por essa tragédia… Certo, se vamos
partir para esse caminho, então lá vai… A maioria das vezes que transo, não
é porque realmente sinto prazer, me obrigo a sentir.
— Está zoando agora?! — diz rindo, e nego. — Como se obriga?
Kayden, você dormiu com metade dessa cidade.
— Eu uso sexo como rota de fuga. Não por total prazer. Esse é mais
um dos meus lugares secretos para silenciar tudo. — Dou de ombros, pego
outro pedaço de pizza e mordo.
— Estou chocada. Preciso te chocar também… — Fica pensativa,
mas noto quando o brilho do seu olhar some e o sorriso que surge é irônico.
— Se você rir disso, eu nunca vou te perdoar! — Concordo. — Eu nunca
senti orgasmo.
Fico em silêncio processando a informação por um tempo.
— Nunca?
— Nunca.
— Aquele filho da puta além de foder sua vida, nunca prestou para te
foder de verdade?
— Kayden!
— Ele nunca te deu um orgasmo? Nenhum outro cara deu? — Ela
desvia o olhar. — Não… Não me diga… Não! Louise, ele foi seu único
cara?! Eu vou me matar diante de você, se falar que ele foi!
— Onde ficam as facas? — Força um sorriso.
Largo a pizza, inconformado. Mando a Alexa parar o som.
— Está me dizendo que aquele desgraçado foi seu único cara na
cama e ele nunca te deu um orgasmo?
— Kevin tinha um lance, ok?
— Não o defenda! — grito, emputecido.
— Não estou defendendo. Sexo tinha que ser como ele queria, ou ele
não sentia prazer de verdade. Podemos mudar de assunto?
— NÃO! Louise, ele te obrigava a fazer coisas? Me responde! —
Travo o maxilar e sinto as minhas mãos tremerem de ódio.
— Não! Mas era sempre do jeito dele, o foco era ele. Quando eu não
queria, ele não insistia, só saía irritado.
— Louise, alguma vez foi prazeroso para você? Saiba que sua
resposta vai definir se serei preso ou não!
— Acho que sim! — Dá de ombros.
— Louise, pelo amor de Deus. Olha para mim! — Ela me olha, sem
graça. — Alguma vez foi prazeroso de verdade? Seja sincera, por favor.
— Que diferença isso faz? Não tenho mais nada com ele. Acabou
toda aquela merda.
Balanço a cabeça negativamente e respiro fundo.
— Me fala mais sobre como era a história de vocês, se abre comigo.
— Para você cometer um crime? Não!
— Certo… Então vamos voltar a pauta de que nunca teve um
orgasmo!
— Ou pode falar sobre você. Estou me abrindo mais do que eu fiz
com qualquer outra pessoa. E você? Nada!
Pego a panela do brigadeiro e duas colheres. Coloco ela perto da
gente, e levo uma colher à boca, com cuidado, ainda está quente.
— O que quer saber? Serei justo com você. Escolha o que quer saber
e serei sincero.
— Certo. Por que continua lutando contra a verdade sobre o que
realmente quer fazer? É nítido que ama o hóquei mais do que qualquer coisa.
— Amo. — Sorrio de lado.
— Então por que não foca só nele?
Passo a língua pelo lábio inferior, sentindo o gosto delicioso do
brigadeiro. Respiro fundo, encarando a colher por alguns segundos, então
olho para a Louise.
— Quando o Nicholas parou de tentar agradar todo mundo, e
resolveu ser quem ele queria ser, isso veio acompanhado dele deixar claro aos
meus pais que não se envolveria com nada ligado aos negócios de hotelaria e
turismo da família. Meus pais sempre souberam que ele amava veterinária e
hóquei, apoiaram, desde que ele assumisse as responsabilidades dele por
qualquer merda que desse no decorrer de suas escolhas. Nicholas seguiu em
frente, mas eu vi o olhar de desespero dos meus pais, porque tudo o que
temos é um legado da família. E eles me pediram para cuidar do Nicholas
nessa fase que ele tinha acabado de entrar. Por um tempo, achei que meu
irmão iria recuar um pouco, só que não. Nicholas continuou ligando o foda-se
para tudo, e a cada instante eu me sentia mais obrigado a cuidar dele, e ser o
equilíbrio para a vida dos meus pais. Eles não poderiam ter dois filhos
rebeldes por aí. Eu coloquei essa pressão sobre mim. Até estar tão envolvido
em manter o meu irmão controlado, que não percebi que estava assumindo
dois papéis nos negócios da família, o dele e o meu. Já era tarde, estava no
curso que faria sentido aos negócios Spencer, sendo a sombra do Nicholas, e
quem informava tudo aos meus pais de como as coisas estavam saindo.
Respiro lentamente e dou outra colherada no brigadeiro, então levo à
boca. Nunca falei disso com ninguém, e sinto esse peso sumir das minhas
costas. Foi bom, e isso me surpreende.
— Seus pais nunca notaram que ficarem perguntando do Nick te
afunda mais ainda na vida dele, e você deixa de viver a sua?
— Aparentemente não. Mas não os culpo. Eu nunca falo nada, eles
não teriam como saber.
— Kayden, os negócios da sua família são sonhos dos seus pais, não
seu. Se ama o hóquei e quer isso para a sua vida, tem o direito de ter isso.
— Meus pais aplicaram muita grana nos meus estudos e do Nick. E
meio que me envolvi demais nos negócios dos Spencer. Eu me coloquei
nessa situação, tenho que lidar com as consequências.
— Não é bem assim… — Sua expressão se torna chateada. — Eles
nunca te perguntaram quem você queria ser. Contribuíram sim em você se
tornar a sombra do seu irmão e ficar preso ao que não quer. Eles são ótimas
pessoas, adoro eles, mas, Kay, você mesmo assumiu que sente inveja do
Nicholas, e tenho certeza de que é por ele fazer o que quer da própria vida.
Ou é por causa da Piper? — noto seu tom mudar.
Não faço piadinhas por ela me chamar de Kay. Eu gosto do meu
apelido saindo da sua boca. Louise tem um sotaque sensual, fica bonito
quando ela fala meu apelido. Sorrio gentilmente apenas.
— O novo hotel que está sendo construído será meu e do meu irmão.
Nicholas nunca vai assumir nada. E não é pela Piper. Para com isso, eu a
tenho como uma irmã.
— E você não precisa assumir o hotel. — Desconversa da Piper. —
Kayden, se ama o hóquei, faça o que ama. Se eles entenderam o Nicholas,
vão te entender. Não precisa ser o filho perfeito, porque o Nicholas é o filho
rebelde. Não acho que vai trazer desgosto a eles. Vão ficar chateados?
Possivelmente. Desapontados? Acredito que um pouco. Mas se quer fazer
algo que ama, faça. Não se prenda a algo que não quer, apenas para agradar
os outros.
Pega um pouco do brigadeiro e leva à boca.
— Parece entender sobre o assunto de agradar as pessoas e não a si
mesma.
— Era assim com o Kevin e meus pais. Eu sempre tinha que pensar
no que eles iriam gostar e não no que eu queria. Do contrário, eram gritos,
brigas e, no final, eu sempre era a culpada. — Dá de ombros.
— O que seus pais pensam sobre essa relação e essa vinda pra cá?
— Me tiraram tudo. Bloquearam minhas contas, tiraram o meu carro
e tive que usar o sobrenome Pimentel para entrar na BTIU sem que eles
soubessem, ou teriam impedido antes. Minha avó me ajuda meio que às
escondidas… Isso te responde o que eles pensam sobre a minha vinda?
— Responde. E sobre sua relação com o tal Kevin? Eles fizeram o
que para cuidar de você?
Noto quando ela engole em seco, e isso me deixa com ódio.
— Eu vim para cá porque não estava me sentindo segura na minha
própria casa, na minha família. Te responde? — Força um sorriso.
— Responde. Infelizmente me responde, princesa.
Ela solta uma lufada de ar, e nós dois levamos o brigadeiro à boca.
Estamos deitados na minha cama, enquanto a Louise olha tudo ao
redor. Tomei um banho rápido para ficar de olho nela, com medo dela atear
fogo em tudo.
— Ama mesmo hóquei. Meu Deus! Vai ser sinistro dormir com esse
monte de homens me olhando!
Começo a rir.
— Eu exagerei na decoração. Minha mãe quer reformar meu quarto e
do Nicholas esse ano. Com reformar ela quer dizer: jogar fora nossas tralhas.
— Apoiadíssima. Eu jurava que teria várias mulheres nuas pelas
paredes.
— Claro que não. Sou um príncipe!
Olha-me de lado e se senta na cama, com as costas na cabeceira. Eu
me aproximo, me ajeitando entre as suas pernas e deitando em seu colo, com
as costas para o colchão e suas pernas as minhas laterais. Observo os
pôsteres, troféus e medalhas.
É, minha mãe tem razão. Precisa de reforma, mas tenho que proteger
minhas medalhas e troféus, ou o Nicholas vai se vingar neles, pelas caixas
dele que foram moídas pelo caminhão do lixo.
— Eu fingia cada orgasmo com ele… No fundo… — Sua voz falha.
Fico atento, nem me mexo, com medo de que ela pare de falar. — No fundo,
eu sentia medo do que ele faria. Quando conheci ele, não era assim. Kevin
era carinhoso, divertido, e foi amor à primeira vista. Ele me tratava como a
rainha do mundo dele, me levava às lutas, eu parecia o troféu dele. Minha avó
falava que não gostava da maneira que ele me olhava, me tocava, mas eu era
nova, dezoito anos, ignorava tudo pelo primeiro amor. A família dele é muito
influente no Brasil, e meus pais são amigos deles. Eu via nessa relação não
apenas amor, mas um meio de agradar os meus pais que sempre pareciam me
odiar. Enfim, errei feio. A família dele começou a se unir a minha nos
negócios, usaram marketing pesado, e o Kevin contribuiu com a imagem dele
como um grande lutador de MMA. Virou um grande negócio entre as
imobiliárias Pimentel e a fama da família dele.
Acaricio sua perna, tentando manter a calma.
— Sua avó parece ser uma grande pessoa.
— Ela é. Sempre acerta tudo. Ela nunca gostou dele. Mas eu me via
cada vez mais apaixonada por ele… Demorei a notar os sinais que ele dava.
Começou pela roupa que eu vestia. Sempre amei moda, me vestir como
gostava. E aí mudei o meu estilo para agradar ele, mas ainda assim nada
parecia bom, talvez não fosse mesmo…
— Não… Louise não faz isso. Não se culpe, por favor. — Aperto sua
perna com carinho.
Ela fica mexendo no meu cabelo molhado e respira fundo.
— Cada vez mais ele implicava com algo… Os sinais estavam lá,
mas eu não via… É melhor a gente dormir agora, Kay.
Não peço para que continue falando. Isso já foi um grande passo.
Estou feliz que ela tenha tido coragem de falar um pouquinho comigo.
Faço menção de sair do meio das suas pernas, mas ela impede.
Inclino a cabeça para trás e encaro-a.
— Vai ficar aqui essa noite?
— Quer isso? — Assente. — Então fico.
Saio do meio das suas pernas e entro embaixo das cobertas, ela faz o
mesmo, então a puxo para mim. Abraço forte ao seu corpo, inalando seu
cheiro, e relaxando cada vez mais.
— Vai ficar tudo bem, eu prometo.
Beijo o topo da sua cabeça e respiro fundo.
— Obrigada por me impedir de agir na loucura. Eu nem pensei que
isso traria desgosto até para a minha avó. Às vezes, me esqueço de que ela é
uma Pimentel, de tão boa que é.
Não respondo, fico abraçado nela e peço a Alexa para apagar a luz.
LOUISE
Acordei sem o Kayden na cama, mas sei que ele está aqui ainda,
porque escuto barulho na cozinha, conforme me aproximo dela. São sete
horas, e preciso dar um jeito de conseguir ficar longe da arena esse final de
semana, e tenho que ligar para a minha avó, ela vai ficar preocupada se eu
não der notícias. Seria mais fácil saber que horas o Kevin vai aparecer.
Parece até loucura pensar que ele vai aparecer. Desde o noivado, nunca mais
tive contato pessoalmente com ele. Isso me apavora.
Abrir-me um pouquinho com o Kayden, estranhamente me aliviou
um pouco, não totalmente, mas o suficiente para eu não estar surtando agora.
Entro na cozinha, e ele está colocando pratos sobre a ilha. Me
aproximo dela e respiro fundo, então o encaro.
— Então cozinha?
— Quando quero? Sim! — Sorri. — Bom dia, Satã.
— Nunca vai parar com isso, né?
Ele sorri de novo e serve meu prato com ovos e bacon.
— Estou sem fome…
— Tenta comer ao menos um pouco, por favor… Quero ter certeza
de que voltarei e estará inteira, e não caída pela casa.
— Vai demorar para voltar? — Sirvo-me com o café.
— Vou assinar os papéis que meus pais pediram, participar da
pequena reunião que terá, e fingir que prestei atenção em tudo. E depois
ficarei em casa para ver se ele vai aparecer hoje. Retorno depois. Entre hoje e
amanhã não terá ninguém em casa. Falei com o Nicholas agora cedo. Ele vai
levar a Piper para fora da cidade um pouco, aproveitar que tem a feira
veterinária e vai passar o fim de semana longe de BTI. E a arena não vai abrir
esse final de semana. Está livre, gata.
Franzo o cenho.
— Como assim, a arena não vai abrir? — Ele sorri. — Kayden, que
merda você fez?
— Apenas pedi ao Nicholas para fazer a arena ficar fechada esse final
de semana. Ele adora o serviço sujo, nem questionou o motivo. Ele deu uma
pane no quadro de energia. Eu amo o sr. White, e sinto muito pelo prejuízo,
mas foi por uma boa causa.
— Boa causa?! Kayden! O coitado do velho não tem nada a ver com
isso! — grito.
— Mas o Kevin pode ir até lá te procurar. Não quer que ninguém
tenha contato com ele. Essa foi a solução rápida.
Fico boquiaberta.
— Deu um prejuízo ao Grayson para me ajudar?
— Sim. Vai ter danos na pista de gelo sem o refrigeramento? Vai.
Mas ele pode superar isso. — Me dá uma piscadinha.
— Kayden… E o Nicholas topou sem questionar? Qual o problema
dos dois?
— Não finja que não faria o mesmo pela gente. É tão louca quanto.
— É, nisso tem razão. Além disso, ele não me deu um aumento
sequer. Será um castigo para ele! — Dou de ombros, mesmo morrendo de dó.
Eu gosto dele, é um rabugento, mas muito legal.
Kayden sorri.
— Agora come um pouco, princesa.
Assinto. Também não reclamo do apelido. Desisto.
Fico bisbilhotando as coisas dele, enquanto respondo as mensagens
atrasadas no celular.
— Sabia que é feio bisbilhotar as coisas das pessoas? — O som da
voz bonita me faz virar para a porta.
Kayden sai do seu closet. Me atrapalho com o celular, deixando-o
cair, pelo choque. Pego o aparelho e engulo em seco, com medo de babar.
Encaro-o, vendo ajeitar o paletó preto por cima da camisa branca que
tem os primeiros botões abertos.
Pelo amor de Deus. Isso é sacanagem das fortes! Puta que pariu.
— Gostou da vista, princesa? Tenho que ficar gostoso para a
reunião… Aprovado? — Suspira e se aproxima da mesa de cabeceira,
pegando o relógio e o celular.
Devo estar com cara de idiota. Mas Kayden Spencer e terno preto,
totalmente alinhado ao seu corpo, e deixando claro que custa muita grana, me
faz ficar desnorteada. Está ainda mais gostoso do que no casamento.
— Precisa ir assim?
— Uhum. Ordens dos chefes, vulgo meus pais. Disseram para eu ir o
mais vestido possível e tentar não chamar atenção ou perder o foco da
reunião.
Então ele vai fazer totalmente o oposto.
Ele se aproxima e estou preocupada de cair dura. Puta merda, isso é
algum castigo por tornar a vida dele um inferno, tenho certeza.
— Promete que vai ficar aqui e com o celular por perto? — Assinto.
Estou com medo de abrir a boca e entregar que estou falecendo. Ele sorri, e
isso não ajuda. — Eu vou fingir que não está quase morrendo por me ver
assim. Eu disse que sou um príncipe gostoso e lindo demais!
— Vai à merda. Está como qualquer outro cara ficaria dentro de um
terno: um tédio.
Afasto-me, morrendo por dentro. Porra, não. Ele ficou diferente. Ele
ficou muito mais gostoso. Me jogo na cama e finjo estar mexendo no celular.
— Nada de sair. Fique aqui.
— Eu já sei.
Ele sai do quarto. Deixo o celular de lado e encaro a porta. Levanto-
me às pressas, corro atrás dele, porque esqueci de pedir algo muito
importante.
Ele está descendo as escadas quando o chamo. Para no meio delas e
se vira para mim.
— Por favor, não faça nada idiota.
— Pode deixar. — Sorri.
— Kay, é sério. Por favor, não faça nada que vá se arrepender depois.
— Eu prometo não fazer.
Me dá uma piscadinha e torna a descer. Fico olhando-o pegar o
capacete em cima do sofá.
Ele vai de terno e moto. Isso é muita sacanagem mesmo.
Volto para o quarto, preciso de banho e falar com a minha avó.
Encaro minha avó do outro lado da tela. Ela está em seu quarto.
Como sinto falta dela… Meu Deus!
— Então temos um herói.
— Kayden não é um herói.
— Querida, acaba de me contar que ele te impediu de fazer uma bela
porcaria ontem. Que está te ajudando e que até desabafou um pouco com ele.
Eu o considero um herói. O tanto de tempo que desejei que fizesse isso com
alguém aí, acredite, só vejo ele como um príncipe em um cavalo branco,
fazendo minha neta reagir de novo!
— No caso, o tal príncipe sobe em uma moto e é um cretino!
— Moto? Ai, que delícia!
— Vovó!
Ela ri e isso me faz rir.
— Eu vejo algo novo nesses olhinhos. Esperança!
— Não começa, por favor…
— Meu raio de sol, como não falar disso? Não consigo me lembrar
da última vez que te vi com os olhos brilhando assim e sorrindo fácil. Está se
abrindo com as pessoas, coisa que não fazia. Está tentando recomeçar de
verdade.
— E que diferença faz? Kevin vai acabar com tudo. Vovó, esse meu
erro vai me perseguir a vida toda!
— Oh, meu solzinho lindo… Não diga isso. Não errou por amar, ou
por acreditar que ele te amava. Não se culpe por ter amado. O amor nos
cega às vezes, mas não é culpa nossa que outros não o retribuem da mesma
maneira. Kevin é um louco abusador, e você não tem culpa de nada.
Suspiro e me ajeito no sofá.
— Acha que um dia terei paz de novo e felicidade?
— Claro que vai! — Sorri e isso me abraça. — Pode ter tudo isso,
basta se permitir ter isso. Se esse rapaz, Kayden, está te ajudando a se abrir,
dá esse voto de confiança. Tenta de novo, se permita fazer isso. Nem todo
homem será o Kevin, e nem todas as pessoas serão seus pais.
Pisco rápido algumas vezes, não querendo chorar.
— Eu sinto vergonha… A senhora sempre esteve certa sobre ele e eu
não via isso. Eu fui tão burra…
— Ei, nunca mais diga isso! — me repreende. — Quem tem que
sentir vergonha, é esse maluco e seus pais! Você foi forte, mais do que possa
imaginar. Não foi burra, ninguém é burro por amar demais. Burro é quem
não valoriza esse amor. Não sinta vergonha, é a sua história, Louise, e ela
merece ser contada, porque assim como milhares de mulheres que passam
por isso, você só foi uma vítima.
— E se me julgarem? As pessoas sempre julgam, vovó… — Minha
voz embarga. — Elas olham torto. Elas acusam!
— Eu sei da sua verdade, você também sabe, e todo mundo que já
passou pelo que você passou, sabe também da sua verdade. Não está
sozinha, meu amor. Nunca esteve. Sua coragem te permitiu sair desse
relacionamento, dar um basta nisso. Ser corajosa nesse nível é para poucos.
— Ela sorri emotiva. — Louise, sua história pode inspirar muito mais do que
te envergonhar. No primeiro tapa, no primeiro instante que ele foi além do
que já fazia, você acabou com tudo. Muitas pessoas não conseguem, elas têm
medo ou esperança que tudo vai mudar. Você engoliu tudo isso e saiu. Foi
uma das atitudes mais corajosas que vi você ter. Se o olhar torto ou as
merdas que possam vir a dizer forem maiores que isso, então precisa se
perdoar muito, porque apontará um dedo a si mesma, e não deveria
continuar fazendo isso. Só existe um culpado, e esse culpado não é você,
nunca foi, nunca será.
Lágrimas escorrem pelo meu rosto. Meu peito se aperta.
— O Kayden não me olhou com pena como achei que faria.
Ela sorri e limpa as lágrimas no rosto.
— Que bom… Isso mostra que ele é uma ótima pessoa! Não temos
que sentir pena de você, mas enaltecer a sua coragem em enfrentar tudo isso
e sair de cabeça erguida. Eu tenho certeza de que eu jamais teria um terço
da sua coragem, em largar tudo que amava para recomeçar do zero. Isso que
fez não foi uma fuga, foi a esperança de conseguir algo bom depois de tudo.
Mordo o cantinho da boca, chorando sem parar.
— Estou com m-medo.
— Eu sei. E confessar isso também te torna alguém corajosa. Eu
queria poder fazer mais por você, mas a idade me limitando, o cansaço
batendo… Essa é a parte que mais me dói, sabia? — Volta a chorar.
— Só continue respirando, vovó, e então vai fazer a melhor coisa do
mundo para mim.
— Enquanto eu puder, continuarei respirando por você, meu raio de
sol. Eu prometo.
Assinto e choro ainda mais.
— Me perdoa por ter te deixado?
— Te perdoar? — Sorri em meio às lágrimas. — Eu sou grata por
ter feito isso. Esse lugar nunca foi para ser o seu lar. Pode amar o Brasil e o
Rio de Janeiro o quanto quiser, mas aqui nunca foi o lugar que te daria o
precisava. Estar longe, te torna corajosa, e uma Louise Pimentel corajosa
derruba o planeta.
Sorrio.
— Meu sinônimo de lar aí era a senhora, sabia? Agora vejo isso! Por
mais que eu ame o Rio, e toda nossa cultura, eu sinto apenas saudade, já da
senhora, eu sinto necessidade de poder abraçar de novo e não soltar nunca
mais. Me deixa te trazer para cá de novo, por favor? — imploro.
— Aí nunca foi o meu lar, meu amor. Sabe disso. Prova disso que foi
aqui que conheci o seu avô. Aqui eu sinto o meu lar, porque eu sinto ainda
ele e o vejo em cada lugar dessa cidade. Bartolomeu está no ar dessa cidade.
Além disso, comigo aí, nunca teria paz para viver e se aventurar. E acha
mesmo que eu iria perder a chance de tirar o juízo dos seus pais até o meu
último suspiro? Vão ter que me engolir e aguentar essa velha aqui.
Balanço a cabeça e sorrio. Enxugo o rosto na manga do moletom.
— Eu te amo muito — sussurro.
— Eu também te amo mais que tudo nessa vida. Até mais que minhas
plantinhas.
Sorrio.
— Acha que ele vai desistir depois desse final de semana?
— Se ele não fizer, você sabe o que fazer. E sabe também que passou
da hora de fazer isso.
— Eu sei… — Suspiro. — Obrigada por ser incrível sempre!
— É um dom!
Rimos e isso me faz relaxar mais. E me lembro de algo.
— Vovó, a senhora sabe algo sobre a planta Cyclamen Persicum?
Ela sorri muito animada, ama falar de plantas.
— Claro. Essa planta produz flores coloridas. É linda! O que quer
saber?
— Como manter ela viva aqui no Alasca?
— Ela é uma planta meia-sombra. Não pode ter um contato tão
direto com o sol. Ela se dá bem no frio, mas precisa ter paciência como
qualquer outra planta. Nunca pode ter o solo dela encharcado, ela precisa
de água, mas não afogada, sabe? Então umas duas vezes por semana pode
ser suficiente para regar ela. No inverno, como demora mais para o solo
secar, pode tomar mais cuidado em regar… Louise, está prestando atenção?
Não vai afogar a planta!
Controlo o riso e concordo.
— Estou, vó! E o que mais?
— Se for plantar ela em vaso, precisa misturar terras, pega terra de
jardim, essa comum, entende? — Concordo. — Então, aí mistura com
orgânica vegetal e areia média lavada. Por que não está anotando?!
— Minha memória é perfeita!
Mentira.
— Ela assume cores lindas, precisa ver. O branco é minha favorita.
— Suspira apaixonada pela planta. — Ah, preciso alertar que ela é tóxica
para pets. Não vai me deixar em qualquer canto, disse que a casa que mora
tem cachorro, né? Louise, não vai matar o cachorro!
Começo a rir.
— Credo, vovó!
— E proteja ela dos ventos. Ela é uma planta delicada. Perfeita para
germinar em estufas. Eu preciso de uma estufa! Vou aterrorizar seus pais
com isso, vão pagar tudo que te fizeram, comigo infernizando-os!
— Dona Adelaide Marina!
Gesticula me ignorando.
— Enfim, ela dura pouco tempo. Depois que floresce, ela dura uns
dois meses, talvez... E aí começa tudo de novo o trabalho com ela. Gosto
dessa planta por causa disso. É linda, delicada, mas exige paciência. Vai ser
perfeito ter ela, o perfume dela é relaxante, acolhedor. — Sorri apaixonada.
— O vovô te dava ela, né? — Começo a rir.
— Ele dava! Desde que tentou me dar rosas e montar ele mesmo o
buquê e se ferrou todo com os espinhos, ele encontrou essa e me deu.
Quando elogiei o perfume, ele passou a me dar essa todo mês. Nunca me
deixou plantar em casa, para poder me presentear.
— Você merece todas as flores do mundo, vovô fez bem! —
Sorrimos. — Te amo, prometo te informar qualquer coisa que aconteça. E
obrigada pelos conselhos e pela ajuda com a planta.
— Sempre vou te ajudar no que precisar. Inclusive vou te mandar
todas as dicas por escrito. Sei que não vai decorar nada. Te conheço!
Começo a rir.
É, ela me conhece bem.
Entro em casa. Eu sei que prometi não estar aqui. Mas são quase seis
da tarde, e o Kayden não deu uma notícia. Duke não está, ou teria vindo ver
quem chegou. Nicholas deve ter levado ele, já que a viagem é curta e não
levaria muito tempo dele no carro.
Abro a porta que dá acesso a garagem e a moto do Kayden não está.
Droga.
Sento-me no sofá para ligar para ele, mas escuto a moto estacionar
em frente em casa. Corro para a janela, puxando um pouco da cortina e
vendo-o descer dela e tirar o capacete. É, de terno e moto fica ainda mais
gostoso.
Passa as mãos pelos fios do cabelo, e se aproxima da porta de
entrada. Escuto-o encaixar a chave na porta, mas não destranca, porque já
está destrancada. Ele abre e viro-me de vez para a porta, me afastando da
janela.
— Eu juro que vou te matar! — Joga o capacete no sofá. — Qual
parte do fica longe daqui não entendeu?
— A parte toda? — Forço um sorriso. — Não deu notícias. Fiquei
preocupada! Pensei que teria feito merda.
— Não! Estava preso na reunião até agora. Parecia que não tinha fim
aquela merda. Ele apareceu?
— Cheguei agora. Acho que não.
Ele tira o celular do bolso.
— Pedi para o Nicholas deixar as câmeras de fora da casa ligadas.
Ele não apareceu… — Confere o celular. — Pode ter desistido.
— Duvido, ele não desiste fácil assim… — Aproximo-me da janela,
no instante que meu celular notifica uma mensagem da minha avó.
Vovó: Acabei de ouvir ele no telefone com seu pai. Está chegando na
casa. Fique longe de lá, ouça teu amigo!
Tarde demais, vovó… Respondo ela apenas um "OK".
Olho para o Kayden, sentindo um frio enorme na barriga e uma
sensação horrível.
— Está pálida… Era ele?
— Não! Ele ainda não conseguiu esse número. Era a minha avó. Ele
está chegando aqui.
— Sobe, vai!
— Kayden…
Ele se aproxima, segura meu rosto com ambas as mãos e olha no
fundo dos meus olhos.
— Sobe, fica quietinha lá em cima. Eu vou fazê-lo ir embora. Eu
prometo.
Assinto, mas engulo em seco.
Afasto-me e subo as escadas sentindo minhas pernas fraquejarem.
Entro no banheiro e fico nele, a porta meio aberta. Sento-me no chão, no
cantinho dela, onde sei que posso ouvir e tentar impedir qualquer loucura do
Kayden e dar um basta nessa merda, nem que para isso signifique sumir
daqui.
Deixo meu celular no silencioso e respiro fundo.
Parece uma eternidade até ouvir a campainha tocar. Meu coração
acelera de um jeito que acho possível ouvir as batidas fora dele.
Coloco a cabeça para fora do banheiro. Minha mão tampa a minha
boca, com medo de deixar qualquer som escapar.
A porta se abre e ouço a voz do Kayden perguntar quem é a pessoa.
— Kevin Figueiredo. Quero falar com a Louise. Sou o noivo dela!
O som da voz dele me arrepia e faz o meu estômago revirar. O medo,
as lembranças de tudo retornam e sinto-me voltando para tudo que deixei
para trás. Eu volto para o meio do furacão.
— Noivo? — Kayden questiona, o tom é de pura ironia.
Fecho os olhos, apavorada. Kevin odeia que sejam irônicos com ele.
— Sim. Cadê ela? E quem é você?
— Ah, claro. Kayden Spencer. E a Louise não está. Na real, ela nem
mora mais aqui e tem um tempo.
— Como ela não mora aqui? — Eu conheço esse tom, é de raiva, isso
nunca é bom.
— Não mora. Louise morou aqui por pouco tempo, depois se mudou.
— Para onde ela foi?!
— E por que eu deveria saber? Se me der licença, eu realmente estou
com pressa, estava de saída!
— Impossível ela não estar mais aqui. A universidade disse que ela
mora aqui! — Está mais alterado.
— Se você que é o noivo não sabe o paradeiro dela, é meio difícil
querer que a universidade ou eu saibamos!
— Olha, moleque, melhor não brincar comigo. Cadê a minha noiva?!
— grita.
Kayden ri.
— Moleque? Então. Se o noivo não sabe, por que o moleque saberia?
— Sai da minha frente!
Tranco-me no banheiro, com as mãos trêmulas, torcendo para a porta
sendo fechada não ter feito muito barulho. Aperto a mão na boca quando
começo a chorar, tento manter-me em silêncio.
— EU JÁ FALEI QUE ELA NÃO MORA MAIS AQUI, DÁ PARA
SAIR DA MINHA CASA, OU QUER FAZER ISSO DO JEITO DIFÍCIL?
— Qual o seu jeito difícil? Chamar a polícia? O que vão achar
quando souber que está escondendo minha noiva?
— Acha que preciso da polícia para te colocar para fora? Caralho,
você adora julgar as pessoas à primeira vista, né?
— LOUISE, CADÊ VOCÊ?! VAMOS, APAREÇA. CHEGA
DESSA BRINCADEIRA, AMOR. TEMOS QUE CONVERSAR! — grita
em português.
Meu corpo inteiro se arrepia ainda mais. Choro mais, apavorada. Eu
não quero ficar cara a cara com ele!
Escuto barulho nas escadas e o meu mundo inteiro desaba.
— Ela não mora mais aqui, sai da minha casa! Eu não vou falar de
novo, eu vou te colocar para fora e não serei gentil!
Kevin ri alto e odeio essa risada dele. Ela me assombra.
— Você? Sabe quem sou? Acha mesmo que consegue fazer isso? Só
saio daqui quando ela aparecer. Sei que ela está aqui, e ela vai me explicar
por que está em uma casa com outro cara!
— Eu vou te dar dois segundos para sair daqui. Não estou brincando.
Eu nem sei quem é você e nem pretendo saber. Está me atrasando para sair e
me incomodando pra caralho — Kayden diz, e sua voz tem muita raiva.
— Louise, aparece, porra! — Kevin insiste, falando português.
— Dois segundos se passaram! — Kayden o alerta.
Balanço a cabeça negativamente.
— E vai fazer o quê?! — Kevin o desafia.
Estão perto da porta do banheiro, as vozes estão aqui. Afasto-me com
cuidado dela e me levanto com mais cuidado ainda.
— Te apresentar a rua de novo e toda a hospitalidade de Beyond The
Ice! — A voz do Kayden não é amigável, me assusta também.
Balanço mais rápido a cabeça, desesperada. Kayden nunca
sobreviveria em uma briga com o Kevin. Só que escuto um soco, fecho os
olhos, sentindo o meu estômago revirar mais ainda. Eles não dizem mais
nada.
Meu Deus…
Um corpo é empurrado contra a porta e sobressalto assustada. Virou
uma briga. Pego o celular, preciso pedir ajuda, minhas mãos tremem muito.
De novo um corpo é empurrado e dessa vez a porta se abre em um baque.
Pulo para trás, soltando um grito. Kevin empurra o Kayden, e meu mundo
inteiro para, quando os olhos dele encontram os meus.
Depois de tanto tempo. Depois do que ele fez. Estamos um de frente
para o outro de novo.
— Eu sabia… Hora de voltar para casa, Louise!
— Não! — grito. Eu mesma consigo sentir o desespero no meu tom,
é audível.
Ele tenta entrar no banheiro para vir até a mim, mas o Kayden entra
na frente.
— Se tocar nela, vai ser a última coisa que vai tocar na porra da sua
vida! — O jeito que o Kayden o alerta, é como se fosse capaz de cumprir o
que acaba de dizer.
— Sai da minha frente. A brincadeira acabou. Ela vai comigo e vai
parar com essa porra de fuga!
— ELA NÃO VAI, PORRA! — A voz do Kayden parece um trovão.
Ela ecoa e faz tudo estremecer.
— Me deixa em paz… Para, Kevin! Acabou! Acabou! Me deixa em
paz, por favor… — Meu peito dói de tanto chorar. Eu me vejo implorando e
isso acaba comigo.
— Olha o que está fazendo com ela. Está acabando com ela. Louise
não vai sair daqui. Ou você sai da vida dela e a deixa em paz, ou farei com
que todo mundo saiba quem é o filho da puta que endeusam como lutador.
Não estou brincando. Acha que tem algum poder sobre ela? Não conhece a
influência do meu sobrenome e muito menos sabe do que sou capaz!
Kevin tenta acertar o Kayden, mas ele empurra o Kevin para fora. Os
dois entram em uma briga ao ponto de irem parar no chão.
— ELA É MINHA NOIVA. ACREDITE, ESSA BOCETINHA
NEM É TUDO ISSO E, AINDA ASSIM, É MINHA!
Balanço a cabeça enojada. Kayden inverte a posição, ele se
transforma, seu olhar escurece de uma maneira que assusta. Então seu punho
acerta o meio do rosto do Kevin, que não tem tempo de desviar.
Kevin o empurra, ele é sujo, começa a usar o golpe das lutas. Eles
rolam pelo chão, até se aproximarem da escada. Grito os mandando pararem,
mas eles não me ouvem. Kevin tenta empurrar o Kayden por ela, mas não
consegue.
— KEVIN, PARA! — grito. — DEIXA ELE!
— NÃO! ASSIM QUE EU ACABAR COM ELE, VAMOS PARA
CASA! CHEGA DESSA PORRA! — grita em português.
Eu preciso fazer algo… Eu preciso. Ele vai machucar o Kayden.
— Eu vou… Eu vou com você. Mas deixa ele, por favor… Deixa-o!
— imploro, sentindo minha voz falhar. Sai tudo em inglês, minha mente está
uma bagunça dos idiomas, tudo pelo nervosismo. — Eu vou embora com
você, mas não machuca ele, por favor.
Kevin se distrai por um instante, ele sempre amou me ver implorar,
desgraçado. Kayden aproveita para se soltar e o empurra. Kevin cai pela
escada. Kayden corre por ela, e quando o Kevin atinge o chão, ainda
acordado, Kayden o espanca. Chutes, socos, xingos, ele perde o controle.
Desço correndo a escada, tentando puxar o Kayden, mas ele parece
uma muralha.
— Kay, por favor, para! Não faz isso… Para!
Kevin tenta lutar contra, mas a queda o deixou tonto e os socos e
chutes pioram isso.
— KAYDEN! — grito e ele parece voltar a si, então me olha. —
Chega… Você não precisa disso, por favor…
— Você não vai com ele! Você não vai! — diz entredentes.
Ele ergue o corpo do Kevin, com uma força surreal. Arrasta ele até a
porta, ambos machucados, mas o Kevin muito mais. Kevin tenta revidar de
novo, mas o Kayden o empurra e ele cambaleia, caindo.
— É bom agredir alguém? É gostoso se sentir sem saída? Me fala,
qual a sensação de ficar desesperado por não conseguir reagir? — Chuta o
Kevin de novo. — Foi assim que a fez se sentir, não foi, filho da puta?!
Levo uma mão ao peito, assistindo a cena. Meu peito dói muito.
Kevin ri, sentando-se e cuspindo sangue.
— Foi isso que ela te falou? — Levanta-se, tonto. — Ela teve o que
mereceu! Ela não vale nada. Teimosa, adora se exibir ou se vestir como uma
puta. Ela não respeita o homem dela. Se faz de santa, mas não é uma. E você
é um otário que acreditou nas mentiras dela!
Nego com a cabeça.
É mentira.
Tudo mentira.
— Mentira… É tudo mentira… — sussurro desesperada. — Ele está
mentindo, Kay…
O Kayden não me olha.
Ele mentiu. Eu juro que ele mentiu.
— Some daqui. — Kayden está com muita raiva ainda. — Nunca
mais pisa nessa casa ou nessa cidade. Tudo que aconteceu aqui foi gravado,
cada maldito canto dessa casa está com uma câmera e elas têm áudio. Além
disso, ela tem um vídeo perfeito para acabar com sua vida também. Mais uma
tentativa de se aproximar dela, mais uma ligação, tudo isso vai parar na
imprensa mundial. E tenho certeza de que, quando cavarem mais a fundo, vão
encontrar mais podres contra você. Além disso, Louise está protegida pelas
leis desse país também, ela tem dupla cidadania, você não! E invadiu uma
residência, causando danos a ela. Tantos crimes em poucos segundos, que
vou me surpreender se um dia conseguir pisar nesse país de novo. Então, vou
te dar um conselho: Dá o fora, e deixa ela em paz. Porque agora ela não está
sozinha, e diferente da família dela, aqui ela tem muita gente grande,
influentes a níveis que você não é capaz de imaginar. Um telefonema, uma
imagem dessas câmeras vazadas, e sua vida estará acabada, e você atrás das
grades. Faça sua escolha!
Franzo o cenho, eu nunca contei a ninguém daqui. Todos acham que
sou nascida no Rio, como ele sabe que tenho dupla cidadania? E que história
é essa de câmeras aqui dentro?
Kevin me olha, existe muito ódio em seu olhar. Encolho-me,
encostando no sofá.
— Você é uma perda de tempo. Eu fodi minha vida no instante que
caí no seu papinho de puta! Sua desgraçada. Merece todo o pior da vida.
Você está acabando com a minha vida, e espero o pior para a sua. Uma hora
vai voltar ao Brasil, porque ninguém aqui vai te aguentar por muito tempo e
esperarei para ver seu fracasso, ver você sozinha e acabar com você! — fala
tudo em português.
— Você é louco! Eu tenho nojo de você! Nojo! — declaro, minha
voz rouca pelo choro.
— É tão covarde que não tem coragem de falar em inglês? —
Kayden fala, o ódio ainda em sua voz. — E tem mais, se fizer qualquer coisa
contra a avó dela, eu também fodo sua vida. Agora dá o fora, ou o papo da
polícia vai valer agora, e vou adorar ver sua vida se desgraçar diante dos
meus olhos.
Kevin cospe sangue aos pés do Kayden e me olha.
Um dia ele foi tudo para mim. Hoje sinto nojo, medo.
A beleza se foi.
Não existem boas lembranças mais.
Tudo acabou.
— Pode ficar com o meu resto. Faça bom proveito desse lixo todo
usado por mim.
— Foi mesmo usado? Na próxima vez que transar, certifique-se de
que sabe o que está fazendo. Lixo? Eu só vejo um aqui, e está com a cara
fodida na minha frente, e parece querer que eu faça tudo que falei que faria!
— Vai se arrepender. E quando enjoar dela, vai se lembrar do quanto
foi um idiota por defendê-la.
— Enjoar? — Kayden ri com raiva. — Precisa se esforçar tanto
assim para gostar de uma mulher, Kevin?! — Kevin dá uma passo na direção
dele e o Kayden continua rindo, cheio de raiva. — Me toca de novo, que
antes de acabar com sua carreira, eu acabo com a tua vida! E se tentar
qualquer gracinha antes de sair da cidade, saiba que tem muita gente em
alerta!
Kevin me olha, mas não consigo manter contato por muito tempo.
Não mais.
— Puta, desgraçada! Farei de tudo para a sua família esquecer que
você existe. Não vai ter um centavo deles. Eu vou fazer com que nunca possa
contar com eles, e todos naquela cidade vão saber quem é você! Vai ser uma
ninguém. Vai viver nas ruas, porque ninguém vai te querer por muito tempo,
acredite! Mulher fácil, homem enjoa rápido. Ele vai te foder e descartar.
Você só serve pra isso.
— Eu nunca contei com eles! Some daqui! — Olho para ele com
muita raiva.
Kevin dá as costas e sai cambaleando. Kayden entra fechando a porta
com um baque. E só então desabo de vez. Eu choro sentindo o meu corpo
vacilar. Ele me agarra, pegando-me no colo e me levando para o sofá com
ele. Um grito escapa e eu deixo tudo desmoronar.
— Calma… Respira, estou aqui. Acabou…
— Eu nunca fiz nada, Kay… Eu não fiz nada para ele, juro…
— Eu sei, princesa. Eu sei.
— Kay…
— Eu acredito em você! — Segura meu rosto com ambas as mãos. —
Eu acredito em você. Estou aqui e acredito em você!
Assinto e toco seu rosto, vendo o pequeno machucado perto da
sobrancelha. Então puxo suas mãos e vejo os machucados nela.
— Me perdoa… Isso é minha c-culpa — soluço.
— Para com isso…
Abraça-me apertado e me deixa chorar enquanto me acolhe.
— Estou com medo....
— Eu sei. Eu prometo criar o seu próprio País das Maravilhas só para
te ver sorrir e não sentir medo mais. Lá ele não vai existir, será só você e o
mundo perfeito.
Choro mais ainda, e dessa vez sou eu quem o aperto forte. Sem ele
saber, ele criou esse mundo para mim, no momento em que me defendeu da
pessoa que eu mais temia. Ninguém nunca fez isso por mim, e ele fez.
Kayden Spencer fez por mim o que eu nem sabia que precisava. E ele
conseguiu o que me pediu ontem: fazer eu confiar nele.
— Não tem câmeras aqui dentro!
— Não. Mas ele não sabe. Tem só lá fora.
— Como sabia que eu tenho cidadania?
— Pedi ao Nick para puxar toda a sua ficha na universidade. Queria
saber se tinha algo que nos ajudasse hoje.
— Ele vai voltar…
— Ele não vai. Enquanto você dormia, puxei a vida inteira dele. Ele
está prestes a assinar o maior contrato da carreira dele com um dos melhores
patrocinadores que ele poderia ter, e internacionalmente. Um deslize e ele
perde tudo. A carreira dele é a única coisa que ele parece amar. Ter esse
casamento seria um bom marketing para ele, por isso ele veio até aqui.
Encaro seu rosto, e ele enxuga minhas lágrimas.
— Fez tudo isso por mim?
— E faria ainda mais. Não vai voltar para o Brasil, e foda-se o
dinheiro deles. Sua avó pode até ajudar e ser muito boa, mas não quero mais
que pegue nada com ela. Isso vai ser bom para poupar ela de confusão com
eles também. Tem seu trabalho na arena, que sei que gosta dele, mas também
tem a mim, posso dar tudo que precisar e o que quiser. Esquece seus pais,
ele… Foque em si mesma agora. E quando quiser denunciar ele, acabar com
esse cara, eu vou estar ao seu lado, ok? E quando quiser me contar
exatamente tudo, eu vou te ouvir e odiar por não ter matado ele. Mas vou te
abraçar e cuidar de você.
— Por que é tão bom comigo? — Minha voz é baixa, quase
inaudível.
— Porque eu posso escolher ser assim com você, princesa. Agora
vamos para a casa dos meus pais. Sair daqui, espairecer, relaxar e deletar essa
porcaria da sua cabeça. — Acaricia meu rosto. — Vamos criar seu País das
Maravilhas. — Sorri de um jeito bonito, meigo.
Concordo. É tudo o que mais quero, sair daqui e esquecer de partes
desse dia.
KAYDEN
Limpo a minha mão, enquanto a Louise cuida do machucado na
minha sobrancelha. Ainda sinto que estou tomado pela raiva, mas não quero
focar nisso, não sabendo que ela precisa de atenção e cuidado.
— Eu pedi para não fazer nada do que fosse se arrepender — diz
baixinho.
— Eu não me arrependi.
Ela balança a cabeça negativamente. Tiro sua mão do meu rosto e ela
me encara. Ergo-a, colocando seu corpo na banqueta e me encaixando entre
suas pernas. Tiro o algodão da sua mão e coloco junto do que eu usava, sobre
a ilha da cozinha.
— Louise, eu não me arrependi de nada. — Seguro seu queixo,
erguendo seu rosto para me encarar. Os olhos inchados, o nariz um pouco
avermelhado.
— Mas se machucou! Ele poderia ter te matado. Ele é um lutador!
— Você precisa assistir aos jogos, com urgência. Isso que aconteceu
não foi nada. Já saí muito mais machucado do rinque, acredite. — Sorrio e
acaricio seu queixo.
— Eu odeio atletas e jogos. Vou ao hóquei arrastada pela Piper.
— Odeia por causa dele?
— Generalizo, eu sei. Mas peguei birra. Ele se esconde atrás do
grande lutador, atleta que todos dizem ser. Perdi a confiança. Para mim todo
mundo é sujo por trás da fama.
— Eu não sou assim. E posso garantir que nem todos são.
— Eu não vou assistir aos seus jogos. Além de tudo é chato.
— Hóquei não é chato! — Finjo estar ofendido. — Eu fico mais
gostoso jogando do que de terno. — Sorrio. — Vai, confessa que ficou
babando por mim assim.
— Nem morta! — resmunga e desvia o olhar.
— O que quer fazer para se animar? Temos uma adega cheia,
podemos pedir comida ou posso cozinhar algo para você. Podemos ver
filmes, séries. Faz tempo que não faço noite dos filmes. Piper vive me traindo
nelas, talvez eu devesse me vingar — brinco. Ela me olha. — O que quer
fazer?
— Banho, bebida, chocolate, e eu trouxe o livro… Se importa se eu
ficar relendo? Pode ver seus filmes esquisitos.
— Ei, eles são ótimos! — Faço uma careta. — E me importo sim.
Vai ler para mim também? Quero participar dessa leitura.
— Você não prefere seus filmes?
— Não. Você pode ler para mim, o que acha?
Ela concorda. Acaricio seu rosto, observando cada detalhe dele.
Louise é mais do que linda, ela é perfeita. É como olhar para uma deusa. Seus
traços são tão perfeitos, que parecem ter sido feitos no Photoshop.
— O que foi? Eu juro que, se estiver pensando besteira, eu arranco
seu pau. Estou uma merda hoje, mas ainda posso cometer um crime!
Começo a rir.
— Pior que não duvido. Mas não estou pensando besteira. Apenas
notando o quanto é perfeita.
— Ai, Kayden… Não precisa me bajular para me animar! — Tenta
afastar minha mão, mas não deixo.
— Eu vou te elogiar de novo e vai agradecer. É assim que deve ser.
Não estou te bajulando, apenas dizendo uma verdade. Você não precisa fugir
sempre que eu te elogio, surtar, ou ficar na defensiva. Às vezes, acredito que
não sabe o quanto é bonita, ou não aprendeu a receber elogios.
Desvia o olhar, sem graça. É fofo ver ela assim, meiga, sem jeito.
— Eu sei que sou bonita. Eu só…
— Só não está acostumada a ter um cara te elogiando assim. Olha
para mim, princesa. — Ela me encara, um sorriso se forma em meu rosto. —
Você é perfeita, linda. Parece uma deusa. Seu rosto parece que foi feito no
Photoshop de tão perfeito. Seu corpo é lindo, e acredite, agora que passei a te
olhar mais, sei do poder dele sobre mim, e garota, estou fodido. — Ela sorri
sem jeito. — E seu cabelo… — Olho para eles. — Todos os penteados que
usa são lindos, mas o seu natural, assim, desse jeito, cacheado, é maravilhoso.
— Obrigada — sussurra.
— Isso, bem melhor. — Beijo sua testa. — Vai tomar banho, daqui a
pouco subo com tudo o que pediu.
— Obrigada por estar sendo tão legal. Eu jamais pensei que logo
você faria tanto por mim.
— Eu também nunca pensei. Mas acho que temos muita coisa em
comum, e começamos a perceber, e ainda bem que não foi tarde.
Ela assente e desce o olhar pelo meu peito. Toca nas pequenas gotas
de sangue na camisa branca. Sobe o olhar, então me encara olhando
fixamente nos meus olhos.
— Estranhamente, está muito gostoso assim!
— Gosta dos caras maus? — provoco.
— Não de qualquer cara mau. Kevin, eu quero no inferno. Nicholas,
me irrita na maioria das vezes. Cameron já foi visitar o inferno… — Engole
em seco e noto. — É, tenho um tipo específico de caras maus que gosto,
normalmente eles são príncipes sempre, e maus quando necessário.
— Vou entender isso como: “Kayden, estou te achando um gostoso, e
você é meu tipo!”.
— Eu não disse isso!
— Nem precisa. Está nas entrelinhas! — me gabo.
Ela me empurra e desce da banqueta.
— Não chega nem perto do meu tipo.
— Sei. Vai tomar um banho e ficar limpinha para o seu tipo. Daqui a
pouco subo para você ficar abraçada no seu príncipe mau.
— Você não é meu tipo! — Se irrita, ficando nervosa, perdida. —
Nem se você fosse o último chocolate do mundo, seria meu tipo. Acredite.
Começo a rir e ela sai emburrada da cozinha.
Tomei um banho depois dela, para relaxar o suficiente e cuidar dela.
Louise não é de demonstrar sentimentos, sempre foi muito claro isso, e hoje
ela está fazendo isso, não posso colocar minha raiva a frente desse momento.
Entro no quarto agora, carregando duas xícaras que peguei da coleção
europeia da minha mãe. A garrafa de vinho veio direto da adega do meu pai.
Já os chocolates eram meus, sempre tenho doces espalhados por essa casa, ou
por onde eu fico.
Louise está sentada na minha cama, as pernas cruzadas, o livro da
Alice no País das Maravilhas em suas mãos, e os cabelos presos em um
coque, com alguns cachos soltos. Ela ergue o olhar do livro, me encarando,
mas seus olhos vão para as coisas que carrego.
— Xícara e vinho? Ele bateu forte em você?
— Eu mostraria o dedo a você, mas minhas mãos estão ocupadas.
Aproximo-me da cama. Ela pega as xícaras com cuidado, já que a
garrafa de vinho está aberta. Jogo os chocolates em cima do seu livro e me
sento na cama.
— Se me falar que nessa casa luxuosa não tem taças, eu vou
estranhar demais essa família! — Franze o cenho, conforme coloco o vinho
nas xícaras.
Deixo a garrafa no chão e encaro a garota olhando sua xícara branca
cheia de vinho.
— Estou apenas te dando o seu chá da Alice.
— Quê? — Me olha e sorrio.
— Eu prometi que te daria o seu País das Maravilhas. Não acho que
chá nos acalmaria depois de tudo.
— Chá sempre acalma.
— Mas não é gostoso como vinho. Fica quieta e me ouve! — Ela
toma um pouco do vinho, escondendo o sorriso por trás da xícara. —
Voltando… Eu prometi seu País das Maravilhas, começando por hoje. Só que
no seu País das Maravilhas, o chá virou vinho e as torradas, pães, bolos,
tortas, etc, viraram chocolates. Um upgrade para a modernidade.
Dou uma piscadinha e me deito de lado, com as pernas para fora da
cama, segurando a xícara para não tombar.
— Se usasse sua cabeça de cima mais vezes do que a de baixo, o
mundo seria um pouco melhor, sabia?
— Está me elogiando? — provoco e ela me mostra o dedo. — Agora
me conta… Como está se sentindo?
Ela solta uma longa respiração, e seus ombros caem um pouco.
— Pensativa. Achei que seria pior, mas ver ele e ouvir tudo o que ele
disse, me trouxe um sentimento de não culpa, sabe? — Assinto. — Hoje eu vi
de novo quem ele realmente era e isso me fez lembrar do porquê eu vim para
BTI, e foi bom lembrar.
Ela bebe mais do vinho e fico encarando o livro em seu colo. O cara é
um desgraçado, e sei que tudo que ele dizia em português a ela era alguma
merda. Eu realmente acho que teria matado ele bem ali, se ela não estivesse
assistindo tudo aquilo. Louise não precisaria de mais um trauma para a vida
dela.
Então faço o que faço de melhor em momentos assim.
— O que você quer fazer? Vai ficar lendo, babando por mim… Você
escolhe. Se for ficar me admirando, me avise, que fico nu e melhoro a sua
visão! — Ergo o olhar e ela me encara. — O quê? Estou tentando tirar o peso
desse dia.
— Querendo ficar nu? Kayden, deixa de ser um enorme cretino!
— Acho que tem medo de se apaixonar. Sou a pura perfeição! —
Dou de ombros, provocando mais, e ela sorri.
— Todo o ego e autoestima do mundo ficou em você. Porra!
Joga-me os chocolates e encara o livro. Ela passa os olhos pelas
linhas, lendo em silêncio, e sei que está me provocando, porque falei que ela
deveria ler para mim. Observo que ela não mentiu sobre esse livro a levar
para o mundo da Alice. Os ombros relaxam muito mais, o vinco na testa
some e a expressão se torna leve, mas o principal: seus olhos brilham.
— Qual o seu personagem favorito?
— Está me atrapalhando. Cale a boca, garoto!
Mordo o cantinho da boca e controlo o riso. Bebo o restante do vinho
na minha xícara e me sento, pegando a garrafa e enchendo ela de novo.
Retorno a garrafa para o lugar.
— A Rainha de Copas? Já disse que se parecem?
Ela ergue o olhar, pronta para me matar.
— O Chapeleiro, Kayden. O Chapeleiro é o meu favorito.
— O maluco? Faz sentido também. Mas você combina mais
mandando cortar a cabeça do povo! — Dou de ombros.
— Ai, meu Deus! O que você quer?! — Ela fecha o livro, irritada.
Dou uma risadinha, mas abafo o som com a bebida.
— Que leia alto. É falta de educação não ler para todos presentes. Eu
e todos os jogadores de hóquei na parede!
Ela vai me xingar, mas acaba rindo e ficando nervosa por ceder.
— Kayden, já te falaram que é hiperativo?
— Uhum. A psicóloga que eu ia. Acredita que já quiseram me dopar
para eu relaxar? Uma porra que eu deixaria. Nem combina comigo.
— Ah, é? E o que mais queriam fazer? Me diga que tem esses
remédios aqui, queria ver e jogar na sua goela!
— Satã! — Reviro os olhos. — Pois saiba que tem outras maneiras
de me acalmar.
— Um soco? — Ergue uma sobrancelha e bebe o restante do seu
vinho.
— Não. Qual o seu problema que tudo quer me agredir? Cursinho
com o Nicholas?
Faz uma careta e tira o livro do colo. Pega a garrafa e enche a xícara
de vinho. Então olha para a xícara e para a garrafa. Vira toda a bebida da
xícara em sua boca e essa vai para a mesa de cabeceira, e Louise assume a
garrafa.
— Não me julgue. E sobre querer te agredir, é que você é irritante.
— Acabou com o chá! Precisa de etiquetas, sabia? Desse jeito, nunca
seremos convidados pela realeza britânica para um chá!
Ela gargalha, é tão espontâneo, que ela mesma se surpreende e deixa
claro em seu olhar. Sinto algo diferente ao ouvir esse som e faço uma
descoberta: acabo de encontrar mais um “lugar” secreto que silencia minha
cabeça, e é o som do riso dela.
Viro de uma vez a bebida e me estico, deixando a xícara ao lado da
dela.
— Nunca seríamos convidados!
— Pessimista!
— Kayden, seríamos banidos da Inglaterra!
— As senhorinhas de Londres me adoram!
— Qual o seu lance com as senhorinhas que todas te amam?
— Eu sou um príncipe. Quando vai acreditar?
Puxo a garrafa da sua mão e dou um gole. Ela balança a cabeça
negativamente e recosta na cabeceira da cama, estendendo as pernas nuas.
Ela furtou uma camiseta minha e só veste ela. Fica pensativa de novo, se
perdendo na própria cabeça.
Aproximo-me, sentando-me ao seu lado, ficando exatamente como
ela. Inclina a cabeça para o lado e faço o mesmo, fixando nossos olhos.
— Minha avó acha que posso superar tudo isso e ela jura que você é
um príncipe no cavalo branco… Bom, em uma moto.
Sorrio.
— Sua vó é sábia! O que ele te falou?
— Não quero falar disso.
— Tem certeza?
— Tenho.
Suspira e bebe o vinho, então me passa a garrafa e bebo também. Ela
pega de novo e bebe mais. Fazemos isso algumas vezes, até o vinho ir se
espalhando dentro de nós. Sinto o rubor tomar conta das minhas bochechas
pela quantidade de vinho, mas com ela não é diferente, suas maçãs coram.
Nossos corpos relaxam.
Ela encara a garrafa em sua mão e fico observando-a. Talvez eu seja
mesmo um cretino. Depois de tudo que aconteceu, só consigo pensar em uma
coisa, e no quanto desejo isso agora. Pode ser o vinho colaborando? Claro.
Mas jamais fiquei tão relaxado e confortável com uma garota como fico com
ela. E porra, desde ontem, me abri com ela mais do que fiz com qualquer
outra pessoa. Louise consegue tirar de mim o que nem minha família e
amigos foram capazes.
Seus olhos se erguem na minha direção e preciso engolir em seco. Eu
constato que estou desejando essa garota.
— Por que está me olhando assim? — sussurra.
Passo a língua pelo lábio inferior e respiro fundo.
— Se eu te falar que estou morrendo de vontade de te beijar nesse
momento, serei muito cretino, levando em consideração tudo o que aconteceu
hoje? — Minha voz sai mais rouca do que eu pensei que sairia.
Ela fica me olhando, os olhos piscam algumas vezes, então encara de
novo a garrafa.
— Depende.
— De quê? — Encosto a cabeça na cabeceira.
— Quer me beijar porque deseja realmente isso, ou por que quer me
distrair e distrair sua cabeça? — Vira a garrafa de vinho na boca e me encara,
aguardando a resposta.
— Tudo. Te beijar também me distrairá. Eu estaria mentindo se
dissesse que não. Mas não é uma distração que busco, como sexo com outras
garotas. É algo natural. Foi assim na biblioteca. Seu beijo silenciou minha
cabeça.
Mais um “lugar” secreto que me ajuda.
— Acho que o vinho está falando por nós, Kayden…
— Por nós? — Olho-a de lado e sorrio.
— Por um instante eu pensei em dizer que poderia fazer isso.
— Mas?
— Acho que corremos o risco de não ficar apenas no beijo.
Sorrio ainda mais, e sei que é o meu sorriso cretino.
— E qual o problema? Culpamos o vinho no final de tudo.
Ela sorri sem jeito e deixa a garrafa com quase nada de vinho. O
barulho do vidro encostando no chão, onde ela a coloca, ecoa pelo quarto.
Respiro fundo e engulo em seco. Preciso me controlar e sair daqui
por ao menos cinco minutos. Ela tem razão, isso é o vinho. Desencosto da
cabeceira, pronto para sair da cama e respirar um pouco longe desse quarto,
que parece ter ficado muito quente.
Louise segura minha mão e acompanho o toque, então ergo o olhar
para ela.
— Culpamos o vinho no final — sussurra.
— Louise…
— Não me faça implorar. Perguntou o que eu queria fazer para
animar esse dia de merda. Estou pedindo para ficar aqui. E por pedir isso,
sabe o que estou dizendo…
— O vinho será o culpado — afirmo e ela concorda.
— Ninguém vai saber. Amanhã fingimos que nada aconteceu.
Silenciamos nossa mente. Uma noite, nada mais.
— Com isso não posso concordar.
— Como assim?
— Algo me diz que vai ser muito bom, que vamos lembrar e eu vou
querer mais!
— Kayden, não complica, por…
Puxo-a para mim, sem pensar demais. Agarro sua nuca e trago sua
boca para a minha. Tudo ao meu redor congela, todas as merdas das últimas
horas somem e apenas o gosto do seu beijo misturado ao vinho se tornam o
meu foco total.
Inclino-me sobre ela, me encaixando entre suas pernas, sem largar
sua boca, sem desconectar o que está sendo criado. Suas mãos sobem pelas
minhas costas nuas, até estarem na minha nuca, e então passearem pelos
meus cabelos. Aperto sua cintura nua, a minha camiseta que ela usa subiu
completamente.
Louise me empurra, ofegante e não sou diferente.
— Ok… Você sabe muito o que faz…
— Vou aceitar como elogio.
— O vinho. O vinho é o culpado!
— Repetir isso te ajuda em algo? — Desço o olhar para o seu corpo e
puta que pariu. — Se estiver ajudando, me avisa que irei repetir cem vezes.
— Ergo o olhar para ela e seus olhos estão vidrados em mim. Desço o olhar
de novo para o seu corpo, mas agora agarro suas coxas e aperto.
— Não está ajudando… — sussurra.
Encaro as coxas lisas, brilhosas, e sinto a maciez em minhas mãos.
Subo lentamente as mãos por elas, assistindo sua pele se arrepiar. Meus
dedos brincam ao deslizar, e então vejo em sua virilha o que ela tentou me
esconder.
— Existe a tatuagem de cobrinha.
— Foi um surto. — Sua voz é trêmula.
— Por que cobra?
— Um surto, eu disse.
Sorrio ao tocar a tatuagem. Louise estremece. Meu peito sobe e desce
em uma velocidade acelerada. Toco o tecido da calcinha branca, é pequena,
praticamente transparente. Ergo os olhos para a Louise e vejo seus lábios
entreabertos.
— Me manda sair daqui — peço, nem eu estou reconhecendo minha
voz. Ela nega lentamente. — Louise, é sua chance de me chutar nas bolas e
mandar eu sair!
Ela se senta direito, então fica de joelhos diante de mim. Apoia as
mãos nos meus ombros e foca os olhos nos meus.
— A gente vai culpar o vinho. Eu escolhi como quero me distrair
depois de tudo.
— Caralho!
Agarro novamente seu corpo. Uma dança de mãos inicia, e todo o
quarto é tomado pelos sons dos beijos e dos gemidos escapando das nossas
bocas. Jogo seu corpo na cama e ela solta uma risadinha. Puxo a camiseta
dela, sendo agraciado pela visão dela sem sutiã, apenas de calcinha, deitada
na minha cama.
— Temos um enorme problema!
— Qual? — questiona, sorrindo.
— Você é gostosa pra caralho, e acho que voltei a ser um adolescente
tarado!
Ela ri e isso me faz sorrir. Me inclino sobre ela, com meu pau
totalmente duro, pronto para se divertir, mas sabendo que preciso pensar nela,
e tornar tudo isso prazeroso ainda mais para ela.
— Vai ficar babando? — me provoca.
— Vou. Mas também precisa ser sincera comigo. Se quiser parar, a
gente para. Se algo te machucar ou incomodar, precisa me falar. E eu juro por
Deus, que se fingir um orgasmo, eu pulo dessa janela!
— Então acha que não é capaz de me dar um ao ponto de eu ter que
fingir com você também? — pirraça.
— Não. Na verdade… — Aproximo a boca do seu ouvido e sussurro:
— Sei que te darei um com a minha boca, outro com a minha mão e mais um
com o meu pau, nesse último, te farei chorar de tanto prazer, enquanto meto
em você até que não aguente mais.
Ela se engasga um pouco. Beijo seu pescoço.
— Chamamos de promessa de político esse tipo de papo no meu país!
— Veremos se aqui chamará assim também. O primeiro, é com a
minha boca, certo? — Finjo não lembrar do que falei.
— Você não…
Arrebento sua calcinha, e ela solta um gritinho. Puxo o tecido
jogando-o no chão.
— Já foi chupada, Louise? — Ela morde o cantinho da boca. — Não
sabe o quanto me deixa mais excitado em saber que serei o primeiro a fazer
isso em você.
Ela vai falar algo, mas se cala quando a puxo mais para mim e abro
completamente suas pernas. Sua respiração se agita o suficiente para me
entregar a sua ansiedade. Me ajeito, inclinando-me sobre sua boceta, e
sabendo que realmente não vai ser uma única vez, não tem como. Eu nem
provei e me sinto viciado.
Levo a boca à sua boceta, segurando firme suas pernas, para ela não
fechar. Meus olhos ficam focados nela, então observo o instante que minha
língua toca seu clitóris e como sua expressão se transforma. Suas mãos
agarram o tecido da cama, seus olhos fixam nos meus e seus lábios se
entreabrem. Meu pau cresce ainda mais vendo a cena.
Deslizo a língua por toda a sua extensão. Seu quadril se eleva um
pouco, seus olhos se fecham, e sua cabeça se inclina para trás. Repito o
movimento, e um gemido escapa da boca dela. Sorrio antes de chupá-la como
se fosse a última coisa que eu pudesse fazer nessa vida.
Devoro sua boceta, apreciando seu gosto e cada movimento do seu
corpo. Suas mãos apertam com tanta força o tecido da cama, que seus dedos
ficam esbranquiçados. Ela geme mais alto, os lábios se abrem mais, e é como
visitar o paraíso assistindo isso.
Aperto mais suas coxas ao chupar seu ponto mais sensível. Louise se
apoia nos cotovelos, me encarando desesperada. Ela tenta fechar as pernas,
mas impeço, continuo chupando-a. O cabelo se solta do coque, e quando ela
inclina a cabeça para trás, os cachos despencam como uma cascata. Eu queria
filmar isso e rever todos os dias.
— Kayden! — ela geme meu nome.
Nunca pensei que precisava ouvir ela gemer o meu nome e agora
preciso ouvir isso sempre. Continuo com a boca devorando sua boceta,
Louise geme sem parar, seu corpo fica trêmulo. O grito dela se torna
silencioso, minha boca recebe cada gota do seu gozo e não desperdiço nada.
Seu corpo despenca na cama. Afasto a boca da sua boceta agora toda
melada e sorrio. Inclino-me sobre ela e seus olhos estão dilatados.
— Isso é um orgasmo de verdade, princesa, e é uma honra
proporcionar ele a você! — Deixo um beijo rápido em sua boca.
Afasto-me sorrindo vendo-a toda perdida. Toco o cós da minha calça,
mas paro lembrando de algo. Louise me encara.
— Merda — sussurro.
— O quê?
— Camisinha!
— Vai me dizer que no quarto do senhor da putaria não tem?
— Não é meu atual quarto! — Ergo a sobrancelha. — Em casa tenho
um estoque. E aqui não é livro ou filme, onde sai camisinha de qualquer
canto!
— Ok… Pega leve, estressadinho! Tira a calça. — Encaro-a, sem
saber onde isso vai chegar, mas a cara dela é suspeita. — Vai. Tira!
Retiro a calça junto da cueca. Sua boca se abre e fecha algumas
vezes, rio.
— Eu disse que ele de pé é mais bonito ainda.
— Ok, o anticoncepcional que lute, não é mesmo? E… e-eu também!
— Arregala os olhos. — Você toma fermento, porra?!
— Não sabe o quanto isso foi um elogio para mim. Mas acho ele tão
tranquilo. Os anabolizantes do merdinha reduziram tanto o dele, que o meu te
chocou? — Não consigo evitar.
— Ele não usava.
— E eu sou feio pra caralho! Aqueles braços ridículos e as pernas de
frango? E a voz? Tô ficando irritado de novo!
Ela se senta na beirada da cama e sorri.
— Kayden, estamos nus. Acaba de me dar o meu primeiro orgasmo.
Quer mesmo falar dele?
— Não. Não mesmo!
Empurro seu corpo sobre a cama, e ela ri baixinho. Inclino-me sobre
ela, com nossos rostos perto um do outro, meu pau tocando sua barriga.
— Tem certeza?
— Tenho. Só pega leve. Isso vai me arrebentar!
Gargalho e ela me bate.
— Prometo não pegar leve e te arrebentar de um bom jeito.
— Kayden Spencer!
Beijo sua boca, calando-a. Louise se perde no meu beijo, tanto quanto
eu beijando-a. E agora sei que isso a faz calar e relaxar assim como faz
comigo. Encaixo-me entre suas pernas, deixando a cabeça do meu pau roçar
sua boceta. Ela estremece e geme baixinho.
Abaixo a cabeça e encaro seus seios. Médios, lindos, combinam com
ela. Passo a língua pelo bico de um, e depois pelo outro, endurecem mais, e
arrepiam ela. É um ponto sensível para ela, faço uma nota mental disso.
Aproximo a boca da sua, suas mãos apertam a pele dos meus ombros,
e suas pernas se ajeitam nas minhas laterais.
— Abre mais, princesa.
— Mais? — Assinto. Ela abre mais ainda as pernas. — Assim?
— Isso. Agora relaxa e confia em mim. E isso tem que ser prazeroso
para você também, entendeu?
Concorda.
— Se eu fizer algo que não goste, tem que me falar também, Kay!
— Algo que eu não goste? Tem algo que já quero dizer para que não
faça.
— O quê?
— Não fique pensando naquele filho da puta, e em como ele gostava
das coisas. Pensa no que gosta, e na gente. E tem mais uma coisa, não precisa
se conter para gemer, quanto mais quiser gritar e me chamar, mais vou amar
continuar te fodendo!
— Deixa de ser cretino!
Sorrio.
— Relaxa.
— Estou. Eu realmente estou!
— Isso é bom. — Penetro-a, não de uma vez, mas o suficiente para
sentir o quanto ela é pequena e o quanto é quente. — Relaxada vai poder me
socorrer, porque é hoje que morro nessa porra!
Ela aperta meus ombros, sua boca se abre, nossas testas encostam
uma na outra, e então entro totalmente dentro dela. Louise me abraça. Meu
rosto encaixa no seu pescoço, inalando seu cheiro divino. Sua boceta me
aperta… Não, ela me estrangula. Vou ter que ter o dobro de controle aqui.
Minha boca se abre e, quando ela se mexe, um gemido escapa. Aperto sua
cintura e com a outra mão controlo o meu peso sobre ela.
— Kayden… Eu acho que vou morrer…
Sorrio.
— Bem-vinda ao clube.
Movimento-me, não saio completamente, apenas o suficiente para
voltar a penetrá-la. Suas unhas apertam minha pele, e sei que ficará marcado.
Isso me excita mais ainda, como se eu já não estivesse excitado o suficiente.
Louise contorna minha cintura com suas pernas, e sei que ela quer
minha morte, porque vou mais fundo. Mordo a ponta da sua orelha, ouvindo
os gemidos que ela solta perto do meu ouvido. Não irei conseguir ir com
calma, caralho, está difícil manter qualquer calma aqui.
Ergo o rosto, aproximo do seu. Largo sua cintura e aperto seu rosto,
mantendo-o preso ao meu. Meu polegar desliza pelos seus lábios, inchados,
avermelhados. E olhando dentro dos seus olhos, a penetro mais forte,
observando suas reações, e garantindo que ela não vai me esconder nada.
Seus olhos brilham, ela morde a ponta do meu polegar e meu gemido vira
praticamente um rosnado.
Vou mais fundo, mais forte, ela geme ainda mais. Seus pés apertam
minha bunda, impedindo-me de me afastar. Sorrio, vendo que ela quer mais,
assim como eu.
— Me pede para parar se eu te machucar. — Ela assente apenas. —
Responde com palavras, Louise.
— Irei mandar parar!
Ergo suas mãos para cima e mantenho-as presa com a minha. Com a
outra permaneço apertando seu rosto, e com ela toda rendida para mim, eu a
fodo bruto. Seus seios balançam ao movimento, a cama faz barulho, a
cabeceira atinge a parede. Os gemidos viram gritos, e meu nome não para de
sair da sua boca, me enlouquecendo.
Meu pau mergulha dentro dela como se fosse o lugar ideal para ele.
Minha mente silencia, mas pela primeira vez sem me forçar a nada. O prazer
que me domina é diferente. Nem eu me reconheço.
Ela choraminga e, caralho, que cena perfeita.
— Kayden… Não para… — implora, está desesperada.
Vendo o suor brilhar na sua pele, sei que na minha não é diferente.
Seus olhos se fecham, e ela me aperta mais.
— Não vou parar… Olhos abertos. Quero seus olhos em mim,
Louise! — alerto-a.
Ela abre os olhos, pesados, lindos, totalmente focados em mim agora.
Vou mais fundo, mais forte. Abro a boca, gemendo cada vez mais. Aproximo
da sua, os gemidos sincronizados, os hálitos quentes misturados ao aroma do
vinho.
Eu vejo o momento que seus olhos reviram. Sinto quando suas pernas
vacilam. Sou esmagado dentro dela quando o seu segundo orgasmo se
aproxima. Seus olhos marejam, exatamente como falei que aconteceriam.
Louise chora de prazer. Vou mais forte, ultrapassando o limite que eu já fui
com qualquer outra. Ela grita, até começar a me chamar desesperada. Nossa
respiração perde o controle, meus batimentos cardíacos não são nada
diferentes. Meu pau pulsa no instante que solto suas mãos e ela me agarra.
Seu rosto se encaixa no meu pescoço e o meu no dela. Aperto forte seu corpo,
gozando dentro dela, enquanto ela se desmancha chorando no meu pau.
Continuo metendo, agora mais calmo, acalmando nossos corpos,
derramando tudo dentro dela, e sentindo seu gozo escorrer pelo meu pau.
Afasto o rosto do seu pescoço e puxo o seu para mim. Seus olhos se abrem e
ela me encara. Beijo sua boca, sabendo que estou muito fodido.
LOUISE
Acordo sentindo o calor e o peso do corpo do Kayden sobre o meu.
Acabamos pegando no sono depois de transarmos.
A gente transou!
Foi o vinho. Foi o vinho!
Mordo o cantinho da boca e acabo sorrindo. Nunca me senti tão bem
depois do sexo. Com o Kevin não era assim. Eu acho que eu fingia gostar de
tudo. Não consigo me lembrar de um momento bom quanto a isso.
Saio com certa dificuldade dos braços do Kayden e me sento na
cama, observando-o. Ele dorme completamente nu e é uma visão que merece
ser lembrada sempre. Ele tem razão de ter um forte ego. Ele sabe que é
bonito.
Observo seus ombros arranhados, e isso me faz sorrir. Levanto-me
com cuidado da cama, sem tirar os olhos dele. Sua mão tateia a cama, e seu
cenho franze. Controlo o riso. Pego um travesseiro e encaixo em seus braços,
fingindo ser eu.
Saio às pressas do quarto, entrando no banheiro e fechando a porta
com cuidado, mas sem trancar. Encaro meu reflexo no espelho, e realmente
com o Kevin nada era assim. Literalmente estou com cara de quem acabou de
transar. Meu cabelo bagunçado, os lábios inchados, ainda sinto o aperto da
sua mão em meu rosto, e as loucuras do seu pau dentro de mim.
Sorrio.
Fizemos uma loucura hoje. Mas pela primeira vez me senti
totalmente desconectada dos problemas. Foi algo novo… Especial.
Afasto-me do espelho e entro no boxe, pronta para tomar um banho
de novo e ficar pensando mais um pouco no que aconteceu.
É meia-noite, conferi no relógio do forno da cozinha. Saí do banho e
desci com o livro, chocolates, e usando uma nova camiseta do Kayden. Estou
sem sono, então fico aqui, comendo o que sobrou do brigadeiro, bebendo
água e lendo.
Envio mensagens a minha avó, ela precisava saber que estou bem.
Garanti que depois ligo e conto tudo. Audrey e Piper me enviaram mensagens
no nosso grupo, querendo saber se estou bem, porque estou sumida, respondi
que estou ótima, para elas irem transar e pararem de serem minhas babás.
Ganhei xingos da Audrey e emojis raivosos da Piper. Eu amo essas garotas.
Foco na leitura, sorrindo ao me lembrar das vezes que vovó lia para
mim.
“Quem é você?”, perguntou a Lagarta.
Não era uma maneira encorajadora de iniciar uma conversa. Alice
retrucou, bastante timidamente:
“Eu — eu não sei muito bem, Senhora, no presente momento — pelo
menos eu sei quem eu era quando levantei esta manhã, mas acho que tenho
mudado muitas vezes desde então.”
Mãos rodeiam minha cintura e sobressalto levemente.
— Sou eu — Kayden diz baixinho, rouco. — Por que não ficou lendo
no quarto?
Afasta-se, ficando ao lado da minha banqueta. É estranho me sentir
assim, porque nem ele ou qualquer outra pessoa já fez isso comigo, mas estou
tímida. Eu não sou tímida.
— Estava dormindo, preferi deixar a luz apagada e te deixar
descansar.
Observo-o, os cabelos molhados, a calça de moletom justa ao seu
corpo está bem para baixo, deixando totalmente à mostra o V.
Quando me tornei a garota que repara assim nele?
— Está com fome? — pergunta e não deixo de notar o olhar
diferente, é algo… quente.
— É, pode ser — pigarreio. — Quero dizer, estou.
Pelo amor de Deus, vou me matar se continuar assim!
Ele concorda e se afasta indo até a geladeira. Ele sempre foi muito
alto, musculoso? Porra, as costas dele são definidas. Kayden tem bunda. Ele
tem uma bela bunda. Eu vou voltar para o Rio e me jogar do Cristo
Redentor.
Eu me recuso a me tornar uma Audrey e Piper. Me recuso!
— Massa ou lanche? — Pisco algumas vezes, perdida com sua
pergunta. Do que ele está falando? — Louise? — Se vira para mim. — Quer
comer massa ou lanche?
— Lanche. Mais rápido. — Respiro fundo e ele assente.
Pego meu celular, busco o grupo de mensagem com as meninas.
Louise: Precisam me visitar no hospício. Estou louca! Prometam que
vão me visitar!
Bloqueio a tela do celular, e vejo mensagem da Audrey chegando
primeiro.
Audrey: E correr o risco de ser internada junto? Jamais! Por favor,
fique longe desse lugar!
Reviro os olhos. Péssima amiga.
Pips: Estou com a Audrey. Desde o último ano, cheguei à conclusão
de que não bato muito bem. Prefiro ficar longe de lá. Então, se não quiser
ficar sozinha por lá, não se torne paciente!
Belas vacas.
Encaro o livro, totalmente perdida, porque do nada surgiu vários
Kayden no meu País das Maravilhas. Ele estragou minha leitura. Cretino
infeliz!
Fico fingindo ler, como se ele não estivesse andando pela cozinha
preparando o lanche. O cheiro de sabonete, misturado ao seu perfume;
chocolate, menta e amadeirado, me faz quase prender o ar, porque nunca me
chamou tanta atenção como agora.
Tinha droga no pau dele. Eu tenho certeza.
Vinho filho da puta!
Ouço sua voz pedir para a Alexa tocar Imagine Dragons, e a
desgraçada da Alexa coloca Bad Liar. Deixa como som ambiente, de fundo,
piorando tudo.
E se eu sair pelada correndo pelas ruas? Serei presa e terei paz.
Mesmo perdida nessa bagunça louca em que me meti, não deixo de
notar algo: Depois de semanas, não estou com medo, me sentindo deslocada,
ansiosa, ou querendo fugir. Para ser sincera, acho que não me lembro quando
foi a última vez que fiquei por tantas horas em paz, que minha mente
desacelerou. E pensar nisso me dá vontade de chorar, porque a maior alegria
de uma cabeça que não para é quando ela silencia, desacelera, e notamos que
voltamos a respirar.
Solto o ar lentamente, notando que estou respirando. Respirando de
verdade.
— Suco, água, refrigerante, álcool… Escolhe. — Sua voz me puxa
para ele e o olho.
Então é assim… É assim que é ser cuidada por alguém que não seja
minha avó?
Olho para o meu celular, que vibra sobre a ilha, o prefixo é do Brasil
e conheço esse número. É de casa. Tenho certeza de que é meu pai. Ele
conseguiu meu número, sempre consegue. Já esperava por isso.
Cancelo a chamada, encaro o Kayden e então sorrio.
— Refrigerante. Chega de álcool hoje!
Ele sorri e assente, pegando a bebida na geladeira.
Olho para o meu celular de novo, e meu pai insiste, assim como a
Alexa que deve ter dado pane, porque entrou em repeat com a música.
Balanço a cabeça e noto o olhar do Kayden para o meu celular.
— É ele? — Seu tom muda.
— Não… — Suspiro. — É de um lugar… Um lugar que nunca foi o
meu lugar, e agora sei disso. E quer saber? — Desligo o celular e desço da
bancada. Encaro o Kayden e ele me olha atentamente. — Descobrir isso não
me assusta, pelo contrário, me traz paz.
Kayden me estende o prato com o lanche, a lata de refrigerante e o
copo. Ele se debruça sobre a ilha. Mordo o lanche e está perfeito.
Ele olha pelas janelas, está escuro ao lado de fora. Ao menos não
neva ou chove.
— Você iria mesmo voltar com ele? — Torna a me olhar. — Hoje,
quando disse que iria com ele, você iria mesmo?
Seguro a lata de refrigerante e nego.
— Nunca. Com ele eu não voltaria. Penso sim em voltar ao Brasil,
mas não com ele.
— Para morar?
Sorrio, descobrindo uma enorme certeza.
As meninas se preocupam comigo.
Nicholas sabia do noivado, ele deixou claro, e nunca contou.
Kayden se colocou em risco por mim.
Piper, mesmo me achando doida, embarca nas minhas loucuras.
O sr. White me deu um emprego porque confiou em mim, e aquele
velho não confia em muita gente.
Julian nunca recuou em deixar a Caitlyn comigo, ele confia na filha
dele comigo.
Audrey sempre tenta me aconselhar, sem forçar a barra.
Os pais da Audrey são as pessoas mais gentis e carinhosas que
conheci.
Os pais dos meninos nunca me fizeram sentir excluída.
E daí que naquele dia infernal ninguém questionou como eu estava?
Eles não precisavam. Porque agora vejo que eles ficaram, todos ficaram
comigo, porque ficamos juntos, e esse é o jeito deles demonstrarem afeto.
Eles nunca me culparam por eu não chegar a tempo para estar com
a Piper ou a Caitlyn e ter provavelmente evitado alguma loucura do
Cameron.
Todos ficamos juntos, e ninguém culpou ninguém.
— Não. Aqui pode não ter a minha praia favorita, as comidas que
amo, a cultura brasileira e o calor do Rio de Janeiro, mas tudo isso eu posso
ter visitando lá. Acho que eu ter nascido aqui já era um sinal. Os norte-
americanos precisam um pouco do meu caos.
Noto seus ombros relaxarem.
— Por que nunca disse que nasceu aqui?
— Vocês não confiavam cem por cento em mim, porque eu teria que
confiar em vocês?! — Arrasto a lata para ele. — Abre, minhas unhas vão
agradecer.
Ele abre e me entrega. Encho o copo e dou um pequeno gole.
— Justo. Mas disse que tinha nascido no Rio de Janeiro. Poderia ter
dito que nasceu aqui.
— Eu nasci aqui, mas mal fiquei, logo meus pais voltaram ao Brasil.
A primeira língua que aprendi foi o português. O inglês fui aprendendo com
minha avó. Meus pais me colocaram em um colégio bilíngue, e assim que fui
entrar para o ensino médio, vim para cá. Aí estudei aqui, e só então morei de
fato aqui, e usufruí bem da minha cidadania. Então meio que o Brasil sempre
foi minha primeira casa, e por isso falo que nasci e cresci lá. Cheguei lá
recém-nascida, literalmente. Um modo de falar. Com o tempo vai ver que no
Brasil temos mania de falar algo que não é bem aquela coisa, significa outra,
juro que a gente se entende na nossa loucura.
Ele sorri.
Mordo o lanche de novo e ele pede para a Alexa passar para outra
música.
— Agora confia?
— Transamos sem camisinha. Isso aqui foi o ápice da confiança para
mim!
Rimos e ele se afasta da ilha. Leva as mãos ao bolso da calça, e
encosta no armário atrás dele. Inclina um pouco a cabeça, sem tirar os olhos
de mim.
— Tem um bom argumento.
— Sempre tenho. — Dou de ombros.
— Como está?
— O lanche? — Franzo o cenho, e ele nega. — Estou bem, Kay. Eu
já disse, achei que seria pior, mas só me lembrou que fiz o certo, e…
— Não sobre ele… Sobre o que nós dois fizemos. Como está?
Engasgo-me com o lanche. Bebo um pouco do refrigerante. Kayden
sorri de lado, se ele soubesse o quanto é perigoso esse jeito dele sorrir, nunca
mais faria… ou faria, é a cara dele descobrir um efeito dele sobre alguém e
provocar.
— É… Bem?
— Está me perguntando? Devo me preocupar?
— N-não! — pigarreio. Bebo mais um pouco do refrigerante. —
Estou bem. Pronta para outra… Espera! Não! Não foi nesse sentido que eu
quis dizer… Eu… Ai, cacete.
— É bom te ver assim, toda desconcertada com uma simples
pergunta. Isso só me prova uma coisa.
— O quê?
Ele se desencosta do armário e vem até mim. Engulo em seco,
sentindo um frio na barriga. Para atrás de mim e inclina o rosto na direção do
meu pescoço, a boca ao pé do meu ouvido.
— Que toda essa pose de valentona, é uma farsa. Na verdade, é
tímida, cora fácil, é manhosa… É sim uma princesinha.
Afasta-se e preciso apoiar as mãos sobre a ilha, porque sinto as
pernas amolecerem. Ele sai da cozinha, sorrindo e pedindo para a Alexa
parar, como se não tivesse quase me desmontado de graça.
Eu sou malvada.
Sou brava.
Não sou tímida.
Não sou princesinha.
Idiota!
Passo pela sala com meu livro e celular, pronta para subir as escadas,
mas paro quando sou chamada. Me assusto, afinal a sala está toda apagada.
— Quer me matar do coração, idiota?
Ele ri baixinho. Vejo-o em um dos sofás, esparramado.
— Vem cá.
Não tem vinho agora. Precisa resistir, porque não tem o que culpar!
Afasto-me da escada e caminho até o sofá em que ele está. Tira o
celular e o livro da minha mão e coloca no braço do sofá. Me puxa pela
cintura e me derruba em cima dele.
— Kayden!
— Meu nome, princesa.
Acaricia meu rosto e me ajeita em seus braços.
— Temos que dormir.
— Temos o domingo inteiro livre nessa casa ainda, antes de
retornarmos para casa e voltarmos à realidade. Segunda tenho treino e terça
tenho jogo. Então tudo que preciso hoje, é relaxar, mas não dormindo.
— E quer fazer o quê? — sussurro.
— Bom, falta cumprir uma coisa das minhas promessas — sussurra
de volta.
— Kayden…
Ele me beija, e o pior, estou amando seus beijos. São brutos, mas ao
mesmo tempo doces o suficiente para acabar com o amargo da vida. Vira o
meu corpo, deixando-me de lado, com as costas em seu peito.
Sua boca viaja pelo meu pescoço e sua mão entra por baixo da blusa,
subindo pela minha barriga e terminando em meus seios. Ele vira o meu rosto
com a outra mão, e torna a me beijar, enquanto brinca com os meus seios. Ele
me excita, não que ele precise de muito para isso. O cretino sabe o que faz.
Desce uma mão para o meio das minhas pernas, e constata que estou
sem calcinha.
— Está desfilando com essa camiseta pela casa e sem calcinha?
— Uhum.
— E se algum segurança entrar aqui?
— Por acaso eu iria abrir as pernas para ele ver que estou sem
calcinha? — Dou risada.
— Não me provoca, Louise!
Ele me toca. Ainda me sinto sensível, mesmo assim Kayden
consegue me desmontar. Ele me toca com seus dedos, enquanto sua boca
devora a minha, mordendo os meus lábios, e levando-me ao céu de novo.
Nunca pensei que ter orgasmos fosse de fato o que dizem. Não me
tocava, não tentava sozinha. Depois do Kevin, toda vez que tentei transar
com alguém ou pensei em me dar prazer, eu travava, porque lembrava de
tudo com ele. Enganei as meninas, que sempre acreditaram que, por eu ser
assim, dormia com vários caras, era toda desenrolada com sexo, mas na real,
isso virou um tabu para mim.
E agora estou aqui, presa nos braços de outro cara, que está me
enlouquecendo, e me fazendo sentir desejada de verdade.
Afasta nossas bocas e desliza dois dedos dentro de mim. Ergo uma
mão, tocando seu rosto e deslizando para os seus cabelos, puxo os fios. Sinto
seu pau cutucar minha bunda, enquanto a outra mão volta a brincar com os
meus seios.
Ele sobe o polegar para o meu clitóris, massageando lentamente.
Gemo conforme o calor vai consumindo meu corpo. É audível o som dos
seus dedos entrando dentro de mim e saindo lentamente. Mas é ainda mais
audível os seus gemidos roucos no meu ouvido. Puta merda, quem diria que
ouvir um homem gemer me enlouqueceria.
Remexo-me involuntariamente, meu corpo parece ter vida própria
nas mãos dele.
— Para de rebolar no meu pau, ou não vai voltar andando para casa!
Chamo por ele, sem saber para o quê. Empino-me mais, quando ele
intensifica os movimentos, e agora já conheço a sensação do que está
chegando. Isso é bom, é muito bom.
Meus pés apertam o sofá, minha mão puxa mais o seu cabelo, tento
fechar as pernas, mas ele me impede. Meu coração acelera, minha respiração
muda, e os gemidos viram choramingos desesperados. Sinto um calor
diferente subir pelas minhas pernas, um desespero para chegar a algum lugar.
— Kay… — chamo-o, desesperada.
Ele continua me tocando, e estou quase lá, falta pouquinho. Os
gemidos dele intensificam também. Leva uma mão a minha cintura,
apertando-a. Me empino mais um pouco, antes de sentir minhas vistas
ficarem nubladas e o meu grito se tornar silencioso. Eu gozo em suas mãos.
Kayden tira os dedos de dentro de mim e vira meu rosto para si.
— Três orgasmos em uma noite. Meus parabéns, Louise.
— Não deveria ser eu a te dar parabéns?
— Não. O parabéns é porque conseguiu me fazer gozar, só por
rebolar essa bunda no meu pau e por te ouvir gemer o meu nome.
Balanço a cabeça e ele me vira de frente para ele. Sorri antes de me
agarrar e me beijar de novo.
Pisco algumas vezes, sonolenta ainda. Olho para o lado e estou no
quarto, com ele agarrado em mim, dormindo. Nem me lembro dele me
trazendo para cá. Depois dele me dar o meu terceiro orgasmo, dormimos no
sofá.
Ao lado de fora escuto a chuva cair pela cidade e os trovões ecoarem.
Olho para o Kayden, e agora sei o que me despertou. Ele está agitado. Está
sonhando.
Merda.
Consigo me virar com dificuldade, porque ele me aperta. Fico de
frente para ele agora. Toco seu rosto com cuidado, com medo de acordar ele
no susto.
— Kayden… — chamo por ele. Ele diz coisas inaudíveis. Sua testa
está franzida. Ele parece nervoso. — Kay, acorda. Precisa acordar. É só um
sonho — sussurro.
Acaricio seu rosto, torcendo para isso ajudar.
— Kay? — Ele sussurra algo, mas continuo sem entender. — Ei,
bobão… Acorda, é só um sonho… — Continuo acariciando seu rosto. —
Kayden…
Finalmente seus olhos abrem lentamente e ele afrouxa um pouco dos
braços sobre mim.
— Oi… — sussurra, confuso.
— Estava sonhando. Kayden, precisa falar com o Nicholas. Tem que
contar sobre esses pesadelos… Era com aquele dia, não era?
Ele nega e respira fundo, se afastando e deitando-se de barriga para
cima. Esfrega o rosto e encara o teto. Apoio-me sobre os braços para encará-
lo.
— Não…
— Por que não quer falar disso com ele?
— Não… O sonho não era sobre aquele dia.
— Então? Já sei, alguém roubou o brigadeiro que sobrou, ou o Duke
destruiu seu quarto de novo? — tento brincar, amenizar a expressão
angustiada que ele está.
Ele nega e se senta, encostando as costas na cabeceira e respirando
fundo. Sento-me sobre as pernas, saindo debaixo das cobertas, e o encaro.
— O que houve? Está me preocupando. Com o que sonhou, Kay? Por
que está parecendo angustiado?
Inclino-me sobre ele, acendendo o abajur ao lado, e voltando a
posição. Noto seus olhos se desviarem um pouco, antes de me encararem.
— Eu sonhei com você. Você estava indo embora. Você deixava
Beyond The Ice, levando algo meu.
— Algo seu? Kayden, do que está falando?
— Não sei… Era confuso. Mas era algo importante… Mas também
estávamos brigando… Louise, eu…
— Ei…
Engatinho até subir em cima dele. Seguro seu rosto com ambas as
mãos e o encaro.
— Para com isso. Eu não vou embora. Eu não deveria ter dito no seu
idioma que iria com o Kevin. Kayden, eu estou aqui. Não fui e não vou a
lugar algum. Não precisa se desesperar achando que vou te permitir ter paz.
Ficarei aqui, te irritando e planejando sua morte, sempre!
Ele não sorri. Kayden leva a sério os seus pesadelos, isso é claro
desde os que ele tem com o irmão.
— Louise, se alguma coisa acontecer, algo mudar, você precisa me
falar, está me entendendo? Prometemos tentar confiar um no outro. O pouco
que te disse sobre mim, eu nunca falei com ninguém. Eu não sei como, mas
você consegue tirar coisas de mim. Eu prometo que sempre vou estar aqui
por você. Mas preciso que prometa a mesma coisa para mim, e que se algo
mudar, vai me dizer antes. Eu já tenho coisas para lidar, decidir, ficar
paranoico de vez na minha vida... Por favor, não me deixe no escuro sobre
nada entre a gente. Já basta minha vida sem solução no momento.
Franzo o cenho, mas assinto. Kayden parece desesperado. Ele parece
não querer me contar algo.
— Kayden, o que você sonhou?
— Eu já disse.
— O que eu levava de você? Você está me escondendo algo. — Ele
nega lentamente. — Kayden Spencer, que sonho foi esse? O que eu levava?
Por que está apavorado?
— Você levava o meu coração, Louise. Você o quebrava e levava.
Ai. Era melhor eu ter ficado sem saber.
Engulo em seco, respiro fundo e tento fingir que o clima não pesou.
— Para isso precisaria me dar ele, não acha? Kay, descansa. Está
exausto, só isso. — Toco o machucado na sua sobrancelha. Não está feio,
mas existe, e me culpo por isso.
Envolvo os braços ao seu redor e o abraço. Ele me abraça de volta.
— Estou aqui. E eu prometo que se algo mudar, eu vou contar. E que
antes de quebrar o seu coração, eu prefiro quebrar o meu, ok?
— Prefiro ninguém quebrado.
— Já somos, Kay. Somos corações corrompidos e quebrados.
Ele me aperta mais forte, no melhor abraço do mundo. Mas então me
afasta e fico olhando-o.
— Preciso de uma água. Vai descansar, Louise.
Respiro fundo e saio de cima dele.
— Louise? Agora sou só Louise? Não sou satã, não sou princesa, não
sou gata, não sou bruxa, não sou maluca? Vai ficar o tempo todo me
chamando pelo meu nome nesse tom sério? — Forço um sorriso.
— Eu só preciso de uma água. Só isso.
Ele se levanta e sai do quarto. Fico olhando para a porta.
Ele vai pirar por uma coisa que eu nem fiz? Só pode ser brincadeira
isso!
Salto da cama, quase caindo, porque me enrosco nas cobertas.
Acendo a luz do quarto e saio dele. Eu juro que daria espaço se fosse por algo
plausível. Mas ele está puto comigo por um sonho! Uma porcaria de um
sonho?!
Um sonho está tentando fazer minha caveira para o idiota!
Desço as escadas tão rápido, que até me surpreendo de não ter rolado
elas. O trovão que surge é tão alto, que me assusto.
— Nem vem, Deus. Ele começou, quando ficou puto comigo por um
sonho! Perdão, tô estressada agora.
Entro na cozinha e ele está bebendo a porcaria da água. Nada contra
ela, mas tudo está me irritando agora. Está de costas para mim.
— Louise, eu falei para descansar.
— Foda-se. Agora você vai me ouvir, seu idiota!
Paro às suas costas e cutuco ela quase quebrando meu dedo. Ele me
olha por cima do ombro.
— Louise…
— Louise, uma porra! Para você é princesa. — Ele revira os olhos e
esconde o sorriso atrás do copo. — Vira, não vou conversar com sua bunda!
— Ele se vira, e juro que, se ele continuar com essa cara de sonso, eu vou
cegar ele. — Você está bravo comigo por causa de um sonho que te fez uma
fofoca sobre mim? Primeiro, eu odeio seu sonho, porque ele é má influência,
está fazendo minha caveira para você. Segundo, você não vai destruir a
porcaria da única vez que tive paz em tanto tempo, por não pensar que
descobririam tudo, que o Kevin acabaria com minha vida, e que meus pais
me enlouqueceriam. Não, Kayden, você não tem esse direito. Me prometeu o
País das Maravilhas, só deveria ter informado que viria pronto para cortar
minha cabeça igual a Rainha de Copas, e tudo por uma doidice! E tem
mais… — Paro, notando ele prendendo o riso. — Está achando graça? Estou
aqui desabafando, dialogando educadamente, e está querendo rir?
— Está puta. Não tem nada de educada.
— Quer saber? Foda-se. Eu juro que, se eu for quebrar algo seu, será
o seu pau! Idiota!
Afasto-me para sair da cozinha, mas ele me agarra, deixando o copo
na pia e me abraçando por trás.
— Eu só queria beber água. Me acalmar e voltaria a deitar.
— Ficou me chamando de Louise sem parar!
— É seu nome, não?
— Você falou em tom sério! Me solta!
— Desculpa. Eu acordei desnorteado pelo sonho… É a primeira vez
que o pesadelo muda desde o ano passado. Me perdoa, não deveria ter ficado
bravo quando nada aconteceu, e era apenas um pesadelo.
— Achei frio. Você pode fazer melhor que isso! — Ergo uma
sobrancelha e ele sorri.
— Vai me imitar agora?
— Vamos, faça melhor que isso!
Ele me vira de frente para ele e segura o meu queixo.
— Princesa, coisa linda, perfeição do mundo, me perdoa?
— É, senti um pouco de ironia, mas vou aceitar!
Semicerra o olhar e me abraça. Passo os braços ao seu redor e respiro
fundo.
— Estou confiando em você, Kay. É uma confiança que nem com as
meninas consegui ter em cem por cento. Não me faça recuar. É a primeira vez
que tento, por favor.
— Desculpa, princesa.
— Quantas garotas você chama de princesa?
— Do nada? Isso me parece uma pergunta muito perigosa e não sei
se quero responder.
Controlo o riso.
Só queria saber, para ter certeza de quantas preciso matar. Eu passei a
gostar desse apelido idiota e só divido com a Caitlyn. Ele quer o coração dele
inteiro, eu quero exclusividade no apelido tosco.
— Quantas, Kayden?
Ele se afasta e sorri.
— Vamos dormir?
— Kayden Spencer!
— Oi, princesa linda!
— Parece apavorado! — Cruzo os braços.
— Estou. Está com uma cara de assassina. Lembra quando eu disse
que sei quando vai mesmo me matar? — Assinto. — Nesse momento sei que
vai me matar! — Ele dá um passo para trás.
Covarde!
— Responde. O Satã tenho certeza de que chama apenas a mim,
assim como todos que usa para me irritar. Mas o “princesa”, o seu único
apelido carinhoso para mim, quantas das suas garotas recebem ele? — Ergo
uma sobrancelha.
Ele me irritou com o sonho. Vou aterrorizar a vida dele com isso.
Coça a nuca e sorri mostrando as covinhas.
— Quantas? Sabe que não reparo? Sai naturalmente.
— Todas, você usa esse apelido com todas, não é, seu cretino?!
— Todas é muita gente.
— Não está se ajudando!
— Você nem curtia o apelido! Por que endoidou agora?
— Endoidei?
— Eu disse por que se importa agora? — pigarreia.
— Então vamos ter um acordo, já que estamos fazendo vários
ultimamente. — Aproximo-me, empurrando-o contra a ilha. Ele me olha com
medo. Tenho vontade de rir, mas me controlo. — Quer seu coração sempre
inteiro? — Assente. — E quer repetir o que fizemos hoje? — Deslizo a unha
pelo seu peito nu, até chegar no cós da sua calça.
— Estou querendo repetir agora. — Sorri.
— Então, posso até aceitar termos sexo, uma possível amizade surgir,
uma coisa de amizade colorida, sabe? E prometer cuidar ao máximo do seu
coração.
— Se? Vai, eu sei que tem um se. — Ergue uma sobrancelha.
— Se parar de chamar qualquer rabo de saia de Beyond The Ice de
princesa. Com a Caitlyn pode usar. Apenas com ela e comigo. Se eu
descobrir que usou com mais alguém, não terá sexo, brigadeiro, e convenço a
Piper nunca mais fazer para você, e juro que arranco seu coração com as
minhas próprias mãos e dou para o Duke comer!
— Nossa, é a coisa mais sexy que já me disse, sabia? Você adora me
dar tesão!
— Estou falando sério!
— Pior que eu não duvido.
Ele ri e me puxa pela cintura.
— E tem mais! Esse corpinho aqui é bem-cuidado, transamos sem
camisinha, confiei em você e você confiou em mim. Se meter o seu pau em
alguém, principalmente sem camisinha, acaba tudo, e acho bom me contar.
— Nunca transo sem camisinha. Só fiz com você.
— Eu deveria aplaudir?
— E você, quem me garante que seu belo corpinho cuidado, não se
contaminou com a raiva daquele frango assado?
Emendo uma tosse na risada, porque eu não acredito que ele vai
insistir que o Kevin é um frango.
— Não te contei? Kevin era paranoico com exames e me fazia fazer
junto. Principalmente quando falamos sobre ter filhos, e na loucura cedi em
ter antes do noivado. Um ano de tentativas, nada. Fiz vários exames, ele
também, mas nada. Acredite, eu estive em mais hospitais do que possa
imaginar. Ele começou a me culpar, acredita? Enfim, desde então todo ano
repito exames de rotina, virou autocuidado. Até que o desgraçado prestou
para algo.
— Claro, não era os anabolizantes que ele usa. E que porra, filhos
com ele? Seriam o quê? Um monte de franguinhos? O cara parece um frango,
Louise. A porra de um frango assado e atropelado em seguida!
— Ei, poderiam parecer comigo, tá!
— Aí estariam salvos. Mas Deus livrou o mundo de crianças que
teriam ele como pai. Amém! Preciso voltar à igreja depois disso!
— Idiota! — Acerto o seu peito. — Podemos não falar que meu ex-
noivo tóxico era um frango?
— Não dá. Eu lembro dele e sinto cheiro de frango! Eu deveria ter
matado ele. Teria poupado o mundo daquilo!
— Não deveria não! Para com isso… — Ele começa a imitar o som
da porcaria de um frango, parece com o que o Duke tem de brinquedo. —
Para, Kayden!
Começo a rir e me afasto.
— Você riu, viu só?! Riu daquele filho da puta.
— Eu ri de você fazendo esse som idiota. Mas sim, estou começando
a ficar mais leve falando sobre o que aconteceu.
Ele me puxa de volta para ele e ficamos abraçados. Quietinhos na
nossa bolha perfeita.
KAYDEN
Passo o disco para o Aidan, ouvindo os gritos do treinador e do
Nicholas. Aidan passa para o Luke, e esse manda ao Nicholas, que arremessa
para o gol, tendo o Elijah o ajudando.
Estamos treinando tem uma hora, e daqui a pouco teremos aula ainda.
— Venham aqui! — o treinador nos chama.
Aproximamo-nos dele, cansados, ofegantes, suados. Me apoio no
meu taco e retiro o capacete.
— Precisam de mais atenção perto do gol. Estão jogando um para o
outro, mas deixando brechas demais. O outro time pega vocês exatamente
nisso e marca antes. Isso aqui é hóquei e não chá da tarde. Sejam agressivos!
Micah se ajoelha no gelo, exausto.
— Eu não iria reclamar de tomar um chazinho agora. Estou morto!
— Luke sussurra para mim e controlo o riso.
— Somos dois… Acredite! — devolvo, apoiando o braço no ombro
dele.
— Capitão, preciso de você atento a esses detalhes. Amanhã tem jogo
e espero um bom resultado. Vamos jogar com um time muito inferior ao
nosso. Perder para eles, será coisa de iniciante a um nível ridículo.
— Claro, treinador! — Nicholas responde.
— Se dedicassem mais tempo ao jogo do que as farras, seríamos o
melhor time de hóquei universitário desse país! — continua com a bronca.
— A humilhação vem de brinde? — Elijah cochicha para mim.
— O clube das garotinhas vai continuar fofocando? — o sr. Allen
reclama.
— Isso é machismo! — rebato, nos defendendo. Ele nos olha feio.
Tiro o braço de cima do Luke. — Mas o senhor pode ser o que quiser. —
Sorrio.
Nicholas me olha de lado e sei que ele quer rir.
— Saiam do gelo, vou trabalhar com os reservas. Vocês me dão
gastura!
O treinador sai pisando firme. Me jogo nas costas do Nicholas, que
patina para fora do gelo, me arrastando.
— Estou acabado — sussurro, pisando fora do rinque.
— Estamos. — Retira o capacete e passa a mão pelo cabelo.
— Foi ruim o final de semana?
Pego a água que o Elijah me entrega. Bebo um pouco e encosto no
vidro de proteção.
— Não. Mas a Piper soube acabar comigo. — Cai sentado no banco.
Elijah e eu gargalhamos.
— Toma, bebe uma água, se hidrate. Se estiver sendo muito para
você, ouvi dizer que o Micah dá conta! — provoco ao entregar a água. Ele
ergue o olhar e me encara com ódio. — Não podia perder a piada.
— Sai daqui, filho da puta! — me xinga e sorrio.
— Vou nessa, ficou perigoso. — Elijah entra no vestiário junto dos
outros.
Começo a retirar os equipamentos antes de ir para o vestiário.
Nicholas bebe a água e começa a retirar os patins.
— Vou querer saber em que porra se meteu para precisar de favores
no final de semana e sumir com a Pimentel? Está com a sobrancelha
machucada e as mãos também!
Lembro-me de como foi o final de semana, e tirando a parte do ex
dela, foi tudo muito bem. Passamos o domingo inteiro comendo e transando.
Eu diria que foi um final de semana no paraíso se não fosse a parte ruim.
— Não.
— Não?
— Não.
— Agora são amigos? — pergunta desconfiado.
— É… Por aí… Tenho que ir. Tenho aula! Não chore pela minha
ausência.
Cutuco ele com meu taco e me afasto carregando minhas coisas.
— Kayden, toma cuidado com o que estiver se metendo. Já tem
merda demais para resolver!
Aceno apenas e continuo andando.
— Eu amo você, sabe disso, certo?! — insiste e paro na porta do
vestiário.
— Também amo você! — Sorrio e entro na bagunça do vestiário.
Estou parado ao lado da Piper, sem acreditar no quanto essa baixinha
é capaz de ser convincente. Estamos encostados no meu carro que deixei com
ela. Ela está abraçada ao bendito livro furtado, enquanto estou com as mãos
no bolso da jaqueta do time. Algumas garotas passam e me cumprimentam,
aceno sutilmente, mas foco na Piper.
— Por que apenas não devolve sem ela saber?
— Eu não vou conseguir! Eu vou morrer carregando essa culpa.
— Mentiu pelo seu namorado ano passado. Mentiu sobre algo grave.
E é o livro furtado que vai te encher de culpa?
— E se eu for para o inferno por causa disso?
Começo a rir.
— Eu já disse o quanto eu te amo? Piper, não vai ao inferno por ter
furtado um livro. Além disso, vai devolver!
— Por favor, vai comigo! O Nicholas se recusou. A Audrey nem
sonha com isso, e a Lou… — Franze o cenho e olha ao redor. — Cadê a
Louise?
— Como cadê ela? São amigas, não deveria saber da Satã?
— Eu vim com ela, mas não a vi o dia todo na universidade! E por
falar nela… Então passaram o final de semana juntos? — Sorri com as
bochechas corando.
— Não aconteceu nada. Só ajudei com algo que ela precisava.
E transamos como coelhos.
— Você? Vocês se odeiam!
— Sou uma boa pessoa. Tenho uma alma caridosa! — Suspiro.
Ela ri e balança a cabeça.
— Viraram amigos? — pergunta desconfiada.
— Você e o Nicholas parecem mais gêmeos que eu e ele.
Ela revira os olhos e respira fundo.
— Vai me ajudar? Por favor! Podemos fazer a noite dos filmes hoje,
e prometo não reclamar deles. — Faz uma carinha fofa. Eu odeio as carinhas
fofas dela.
— Ok. Te ajudo a devolver e aceito a noite dos filmes. Vai ser bom.
— Estamos meio distantes. Me perdoa, no fundo sei que tenho mais
culpa nisso. Minha vida está uma loucura, e…
— Está tudo bem, linda. — Puxo-a para mim e abraço. — Acho que
todo mundo está vivendo uma loucura.
— Quer conversar essa noite? Colocar para fora o que está
acontecendo nessa cabecinha?
Respiro fundo.
— Está tudo bem. — Beijo o topo da sua cabeça. — A noite de
filmes vai bastar. Vamos logo resolver isso do livro, porque depois irei correr
um pouco.
Ela concorda e se afasta. Pega o celular e tenta ligar para alguém.
— Ela não atende. Depois reclama que fica sem carona.
— Vou com a moto e você com o carro — aviso.
Ela assente e caminho para a minha moto. Tiro o celular do bolso e
envio uma mensagem a Louise. Nem eu a vi pela universidade hoje. Sinto um
pequeno pânico, e a porcaria do sonho que tive vem à minha cabeça.
Ela não foi embora. Não endoida, porra. E o idiota não faria nada,
não aqui!
Encaro a senhora que conta cada nota que entreguei a ela, porque
tivemos que pagar uma multa, já que a Piper resolveu contar o que fez.
— Duzentos e cinquenta dólares! — Bate as notas alinhadas sobre a
mesa.
— Eu achei que a senhora me adorasse, sabia? O que eu fiz a você,
sra. Morrissette? — reclamo desapontado.
Piper prende o riso ao meu lado.
— Eu não amo ninguém. Invadiram minha biblioteca, quem garante
que não roubaram mais nada?!
— Não roubei mais nada. Juro. Eu precisava do livro. Peguei e
devolvi. Não há dano a ele e nem ao local! — Piper diz.
Ela olha com raiva para a morena ao meu lado.
— Eu ainda acho que a senhora poderia ser mais gentil. É como ela
disse, devolvemos o livro! — Cruzo os braços.
— Que vocês roubaram. Eu odeio vocês. Eu odeio a gente dessa
cidade.
— Tecnicamente eu não sou dessa cidade… — Piper sorri.
— E ainda assim me fez te odiar! Odeio jovens! — rosna, e damos
um passo para trás.
Meu celular vibra no bolso e pego para conferir.
Satã: Esqueci o celular em casa. Estava presa em uma prova de
última hora. Quem morreu? Por que estão atrás de mim? Não matei
ninguém, ainda.
Sorrio mais tranquilo. Ela está bem e não fugiu. Eu realmente respiro
melhor agora, e é estranho isso.
Kayden: Piper estava atrás de você para te dar carona. Viemos
devolver o livro. A sra. Morrissette me ama. Deu tudo certo!
Tudo certo uma porra, perdi duzentos e cinquenta dólares.
Guardo o celular e olho a senhora que nos encara com ódio. Não se
fazem mais velhinhos como antes.
— Prometo que não farei mais isso. Me perdoa, senhora Morrissette!
— Piper diz.
— Não vai mesmo. Quero vocês longe daqui. Sumam. Vão, antes que
eu chame a polícia.
— Ok, ela tem um forte ponto para termos que sair daqui. Vamos.
— Mas ela não disse se nos perdoa!
— Piper, ela nos perdoou!
— Não perdoei! — a senhora Morrissette grita.
— Não está ajudando! — Encaro-a, e ela volta a contar as notas,
como se estivesse desconfiada da gente.
— Se não saírem daqui logo, eu vou tirar vocês com minha bengala e
chamarei a polícia. Jovens infernais! — rosna.
— Vamos! — Arrasto a Piper para fora da biblioteca, antes que a
velha nos morda. — Nicholas me paga. Ele arruma a namorada e eu banco as
loucuras! — Olho para a Piper que respira aliviada. Não consigo controlar e
começo a rir. — Você é maluca!
— Não sou. Mas roubamos um livro. Não tive paz. Se eu ganhar uma
boa nota no trabalho, não irei sentir que mereci. Foi com um livro roubado!
Abre a porta do carro.
— Piper, esquece o livro! — Pego meu capacete. — Noite de filmes,
não esquece!
— Não vou. — Sorri. — Obrigada, Kay!
— Não foi nada, prin… — pigarreio. — Linda! — Sorrio.
Ela entra no carro e subo na moto, ajeitando minha mochila. Espero
ela sair com o carro, então coloco o capacete e dou partida na moto.
Nicholas e Julian foram fazer uma trilha noturna. Me recusei, depois
de treinar hoje e correr, só quero descansar. E tem outra coisa também, estou
pensando muito sobre o final de semana, e sobre como vou resolver minha
vida. Amanhã tenho um jantar com meus pais, para falar de como foi a
reunião, e preciso me preparar psicologicamente para isso. E tenho jogo
também.
Louise me fez desconectar dos meus problemas esse final de semana,
mas agora tudo voltou. Não aguento mais os professores me olhando torto,
cochichando, ou as provocações do reitor. Estou pirando.
— Filme policial? — Piper resmunga. Traz a pipoca.
— Prometeu não reclamar! — lembro-a.
Ela se senta na minha cama, o quarto está escuro e a porta aberta.
Observo o Duke entrar, sorrateiramente.
— Ele não vai destruir nada, não é mesmo, Duke? Vai se comportar!
— ela diz a ele, que faz um barulho debochado.
Ele se deita no meio do quarto e fico atento. Não confio nesse
cachorro, ele é um psicopata como o dono dele. Me ajeito sentado,
arrumando os travesseiros nas minhas costas, apoiados na cabeceira.
— Esse cachorro é sinistro. Já notou como ele me olha? Parece que
vai me devorar.
— Ele quer fazer isso. — Ela dá de ombros.
— E diz isso nessa tranquilidade?
— Estou sendo sincera. Você é o tipo favorito de comida dele.
— Piper! — resmungo e ela ri.
— Vamos ver o filme. O Duke não vai fazer nada!
— Sei… — Dou play no filme, mas fico olhando o Duke. — Ele vai
me devorar!
— Para, Kay!
Ela ri e me oferece pipoca. Pego e coloco umas na boca. Fico
olhando o filme, tentando não pensar que tem um cachorro maligno no meu
quarto. Escuto passos no corredor, sabendo exatamente de quem se trata.
— Não chamou ela? — pergunto a Piper.
— Chamei, mas ela não quis. Disse que está exausta. E agora ela
pode participar? — Piper provoca.
— Ela sempre participa. Meio que se apossou da nossa noite dos
filmes! — Pego mais pipoca.
Piper ri baixinho.
— Confessa, você gosta dela. Lou é legal! Sabia que no começo eu
tinha medo dela também e sentia ciúmes dela por causa do seu irmão?
Olho-a de lado, surpreso.
— Difícil acreditar.
— Todos temos inseguranças, Kay. Eu tinha e tenho muitas. Mas ela
se mostrou ser alguém muito legal e especial.
É, eu sei, e por isso a queria aqui com a gente.
Meia-hora de filme e juro que quero me cegar. Mas nunca irei admitir
em voz alta que o filme é péssimo. Piper está se controlando para não
reclamar. Ela mesmo se prontificou em pegar as bebidas, só para se livrar do
filme um pouco, e quando retornou, veio na pior parte.
— Mas que belos efeitos especiais, né? — diz repleta de deboche.
— Perfeito, não é?! Digno de concorrer ao Oscar — provoco e ela
força um sorriso. Me controlo para não rir.
— Quantas horas ainda tem de filme?
— Uma hora! — Ergo uma sobrancelha, louco para ela surtar.
A careta que ela faz é impagável.
— Eba! — Escorrega pelos travesseiros, entediada.
Isso é pela grana e pela sra. Morrissette. Corromperam aquela
senhora e tive que lidar com o ódio dela. Tenho certeza de que ela já me
amou.
Puxo o celular e envio uma mensagem.
Kayden: Para de se isolar e vem aqui…
Penso que ela vai demorar para responder, mas a resposta vem
rápido:
Satã: Não estou me isolando. Aproveita com ela, faz tempo que vocês
não têm momentos juntos.
Kayden: Tem certeza de que não quer vir e reclamar do filme que eu
escolhi?
Satã: Sim. Valeu.
Franzo o cenho e bloqueio a tela do celular.
— Nicholas sabe que está no meu quarto, com tudo escuro, vendo
filme e estou sem camisa?
— Está vivo ainda, acredite, ele não sabe!
Começamos a rir e ela boceja.
— Eu estava com saudade da noite dos filmes — confesso e ela sorri
meiga.
— Eu também, Kay. E pensar que esse ano tudo pode mudar. Se você
e o Nick forem para algum time longe, não nos veremos com tanta
frequência.
— Se o Nicholas entrar para algum time esse ano, ele ainda vai estar
aqui, até tudo se oficializar e ele entrar para a temporada de jogos em
outubro. Terá um bom tempo com ele até lá. Além disso, ele nunca te
deixaria sozinha por aqui por muito tempo.
— E você? Não acha que vai entrar para algum time e estar na
temporada NHL?
— É complicado… Mas, independentemente do resultado, nós dois
estaremos por perto sempre que conseguirmos. E você logo termina a
universidade. Terá a Audrey, Louise, Caty e Julian por aqui, além dos meus
pais, o senhor White e os Morris.
— É, você tem razão. E tem os meninos do time, Eles terminam junto
comigo na universidade. — Assinto.
— Só não deixe o Nicholas saber que pensou nisso! — provoco e ela
ri.
— E por falar no sr. White. Que ideia maluca foi essa de você pedir
ao Nicholas para ela ferrar o quadro de energia? Conseguiram estabilizar
hoje, mas foi muita grana nessa brincadeira! Danificou a pista, e volta ao
normal apenas quarta-feira.
— Foi por uma boa causa, confia em mim! — Me olha desconfiada.
— Prometo que foi!
— Vocês são dois malucos, sério. Achei que você fosse mais sensato,
sabia? Kay, você era tão tranquilo, exceto pela quantidade de garotas que
você transa e por sua cara de pau.
— Não entendi, foi um elogio ou uma crítica?
— Um pouco dos dois, talvez!
Sorrimos.
Voltamos a olhar para o filme, que só piora. Piper boceja de novo, se
ajeitando mais ainda nos travesseiros. Ela vai dormir.
— No que deu o negócio da Lou? Conversou com ela? Eu estou
pensativa sobre tudo que li.
— Pensativa?
— Sim, Kay. Lou não se abre muito, você tem razão. Tenho medo de
estarmos realmente sendo totalmente alheios aos problemas dela. E se existir
mesmo um problema? E se você não estiver maluco?
— Vai dar tudo certo. Deixa comigo.
— Deixar com você?
— Sim. Eu comecei isso, não comecei? Posso resolver. Só continue
sendo incrível para ela. É tudo que ela precisa.
— É sério a situação, né? Eu sinto que tem algo sério.
Sorrio e bagunço seu cabelo.
— Lembra quando confiei em você e no Nick juntos e jamais tentei
impedir ou me meter? — Ela concorda. — Até tentei defender sua honra e ele
quase me matou. — Ela ri. — Então, confia em mim. Confia que também sei
o que estou fazendo. Eu sei que vocês nunca me levam a sério e, às vezes,
nem me escutam. Mas peço que dessa vez faça isso, por favor.
— Eu confio em você e te escuto, Kay, sempre. E sei que sabe o que
está fazendo. Só não quero que tente resolver algo, e deixe seus problemas de
lado também. Tente equilibrar as coisas, tudo bem?
Concordo.
Pego o celular de novo e envio uma mensagem para Louise:
Kayden: O que está fazendo de tão importante, que me irritar não é
prioridade?
Satã: Pelo amor de Deus, vai aproveitar a Pips e me dá paz!
Sorrio, imaginando sua carinha irritada. Quem diria que eu sentiria
falta de ver isso pessoalmente.
Kayden: Vem cá, princesa.
Satã: Não, idiota!
Kayden: Piper está quase dormindo, o Duke à espreita para me
devorar. Vai me deixar aqui, sofrendo?
Satã: Sofrendo? Está sofrendo? Isso é alegria para a minha alma.
Kayden: Satã!
Agora vem aqui, vai.
Te deixo reclamar do filme.
Piper logo vai sumir daqui com uma desculpa, só para dormir.
Satã: E eu sou seu banco de reserva? Vai se ferrar, Kayden!
Ajeito-me na cama e olho para o filme, a cena é com um efeito
especial ridículo. Eu sempre me supero na péssima escolha dos filmes. Olho
para a Piper, os olhos estão quase fechando, então olho para o celular.
Kayden: Eu não disse isso. Seja sincera, por que não quer vir? Piper
disse que te chamou.
Louise visualiza, mas não responde. Penso em ir até lá, mas prefiro
dar espaço e esperar para ver se ela responde. Duke se levanta e fico atento,
mas ele caminha para fora do quarto, sem tirar os olhos de mim.
Nunca mais fico sozinho com ele em casa. Cachorro esquisito!
— Não estou dormindo… — Piper sussurra.
— Sei. Imagine se estivesse!
— Estou bem acordada. Filme ótimo! — boceja.
Meu celular vibra e encaro ele. É uma mensagem:
Satã: Exatamente. Ela me queria na noite dos filmes. Sempre ela
convida. Só não quero mais participar de algo que só um me quer junto. É
um momento de vocês e não quero estragar mais. Sei que é importante para
os dois. Além disso, passamos o final de semana juntos, merece ter uma
folga.
Kayden: Vou fingir que não li nada disso. Louise, vem aqui, ou eu
vou te buscar!
Bloqueio a tela do celular e aguardo para ver se a teimosa vai vir
aqui. Aperto o botão para ver quanto falta do filme, e parece nunca acabar.
Olho para a Piper e seus olhos estão fechados, sua respiração leve.
Muito traíra. O filme tem suas qualidades, ainda não encontrei, mas
tem.
Olho para a porta, vendo Louise encostar no batente. Os cabelos
soltos, usando um short curto, colado ao seu corpo, branco, e uma blusa de
moletom da mesma cor.
— O que você quer? — sussurra.
Chamo-a com o indicador. Ela resmunga baixinho, mas entra no
quarto. Para ao meu lado da cama e cruza os braços. Puxo seu corpo e ela cai
por cima de mim.
— Kayden! — resmunga.
Sorrio, vendo-a fugir dos meus braços e se ajeitar ao meu lado,
ficando entre a Piper e eu. Piper abre os olhos lentamente e vira o rosto,
encarando a Louise.
— Você veio. Boa sorte com o filme! — boceja.
— É, eu vim… — Louise me olha de lado, e me mostra o dedo do
meio.
— Ninguém resiste aos meus filmes maravilhosos! — falo.
— São horríveis! — Louise retruca.
Piper ri baixinho. Ela se senta e se espreguiça.
— Vou ao banheiro. Já venho! Não precisa pausar, pelo amor de
Deus! — Levanta-se da cama, e praticamente corre do quarto.
Fico olhando para a porta e balanço a cabeça rindo.
— Ela não vai voltar. Você foi a chance de fuga perfeita para ela.
Estava odiando o filme e não podia reclamar. — Sorrio.
Olho para a Louise, que tenta escapar, mas impeço, segurando-a
firme nos meus braços.
— Eu não vou ficar vendo esse filme que com toda certeza é
péssimo!
Começo a rir e me inclino sobre ela, agarrando ainda mais o seu
corpo.
— Não queria vir por ciúmes? — provoco.
— Claro que não. Deixa de ser ridículo. Agora fala logo o que quer e
me solta!
— Deixa de ser marrenta, Satã! — Roço a boca na sua. — Por que
está sumida o dia todo? Está tudo bem?
Ela concorda, mas noto o olhar se desviar. Beijo sua boca, com
calma, tocando os lábios lentamente e fazendo-a se derreter embaixo de mim.
Suas mãos tocam meus braços e sobem lentamente até meus ombros.
— O que houve? — sussurro.
Seus olhos escuros se prendem aos meus, e agora ela está rendida,
relaxada.
— Só queria adiantar o trabalho que teria…
— Do que está falando? — Olho-a, confuso.
— Kayden, foi só um final de semana. Conseguiu o que queria. Estou
te poupando de me chutar.
— Mas… — Fecho os olhos por alguns segundos e respiro fundo,
controlando a raiva que começa a crescer dentro de mim. — Aquele
desgraçado ficou falando merdas para você, não foi? Ele ficou alimentando
suas inseguranças, era isso, não era? O que ele disse? Que eu te largaria? Que
te usaria? Fala, Louise!
— Deixa quieto, Kayden. Não temos nada. Não me deve nada. Foi
um final de semana. Só isso!
Seguro seu queixo, mantendo seu rosto preso ao meu.
— Eu não vou te chutar. Eu nunca chutei nenhuma garota, jamais
faria isso com você! Eu não sei que porcaria ele falou, mas posso imaginar.
Eu pedi para confiar em mim, não me parece que esteja de fato confiando.
— Kay…
— Não, vai me ouvir agora, caladinha e prestando bem atenção.
Passamos o final de semana juntos, conversando, nos abrindo, o sexo foi um
detalhe, apenas um detalhe. Se eu disser que não estou lembrando a cada
instante, e ficando duro toda vez que lembro dos seus gemidos, estarei
mentindo, mas, ainda assim, sei que o sexo foi apenas um pequeno detalhe. O
que importou ali, foi eu ver a Louise por trás da barreira de durona. Você
além de se abrir mais e me mostrar que não era nada do que eu julgava, me
fez colocar para fora coisas que eu nunca fiz. Então é isso o que mais me
importou. Achei que poderíamos tentar ser amigos, nos ajudar, estarmos aqui
um pelo outro. Desde o Ano-Novo estamos nos conectando, sabe disso. Não
impeça que uma boa amizade aconteça, só porque está pensando nas merdas
que o frango disse!
Ela sorri.
— Para de chamar ele de frango!
— Nunca!
Ela suspira.
— Está me assustando.
— Eu?
— Sim. Está me fazendo colocar sentimentos para fora, me
comunicar, chorar, querer abraços, sentir coisas novas e coisas que apenas
minha avó tinha de mim… Estou surtando!
Sorrio e acaricio seu queixo.
— Bem-vinda ao clube. Me sinto assim também, assustado. Mas quer
saber? Sou curioso o suficiente para saber no que isso vai dar.
— Promete me falar se eu te incomodar?
— Sempre me incomoda! — brinco.
— Não desse jeito, idiota!
— Eu entendi. Se eu me sentir incomodado por você, eu vou falar.
Duke começa a latir, entregando quem chegou. Louise tenta escapar,
mas não deixo.
— Quer fazer algo hoje?
— Kayden, o seu irmão vai ver nós dois. Eu não posso perder minha
versão brava e assassina que sempre tive com você! Precisam acreditar que
sou durona.
— Então responde! O que quer fazer? Sabe o que acho que todo
mundo aqui precisa? Uma noite de amigos. Todo mundo junto. Darei a ideia.
— Tá, agora sai! — Tenta me empurrar, mas não deixo. — Kayden!
Beijo-a de novo, encaixando-me entre suas pernas. Agarra meu
cabelo quando minhas mãos passam por baixo do seu moletom e tocam sua
pele.
— Eu viciei… — sussurro na sua boca.
— No quê?
— No seu beijo, no seu corpo, no seu cheiro… Viciei em você! Você
corrompeu a minha sanidade, sabia?
Sorri, e descobri que amo seu sorriso.
— Digo o mesmo! Dispenso a noite de amigos hoje.
— É mesmo? — Mordo seu lábio inferior.
— Não é para o que está pensando, idiota! — sussurra e acerta meu
braço, me fazendo rir. — Podemos dar uma volta, comer algo, beber, jogar
conversa fora? Eu amo eles, mas a Audrey não deixa passar nada, e a Piper
vai ficar tentando tirar algo de mim. Eu não quero isso, está sendo um passo
gigante fazer com você. E a Caty sempre nota quando estamos escondendo
algo. Não posso lidar com todo mundo hoje. Deixa para outro dia.
— E onde quer ir?
Ela me empurra para o lado e saio de cima dela. Se senta na cama e
me olha.
— Tem mais algum lugar secreto seu? Já me mostrou a estufa, o
penhasco no alto da cidade, confessou que o sexo era um, tem mais?
— Beijar você se tornou um! — Dou de ombros.
— Estou falando sério! — Me acerta com um travesseiro.
— Eu também! Chega dos meus lugares, vamos encontrar os seus, e
colocar eles dentro do seu País das Maravilhas. — Pisco para ela. — Onde
quer ir e tornar seu lugar secreto?
Ela fica pensativa, mas então suspira.
— Não é um lugar secreto, mas tem algo que eu amava ir no Brasil e
aqui nunca vou.
— Se tiver aqui, vamos.
— Podemos ir ao cinema, escolher qualquer filme idiota e depois ir
para a chocolateria da cidade, se trancar naquela saleta deles e jogar conversa
fora?
Sorrio e assinto.
— Se agasalha bem, vamos de moto.
— Não, vou de lingerie! — retruca, saindo da cama.
— Tão delicadinha. Me emociona! — ironizo.
Ela ri e me mostra o dedo do meio, então sai do quarto. Puxo meu
celular e confiro, tem algumas mensagens, existe um convite para uma festa.
Recuso todos, na verdade, recuso mentalmente. Salto da cama para me
arrumar e levar a princesinha marrenta para se distrair.
LOUISE
Olho para ele na saída do cinema e começo a rir sem parar. Kayden
me olha emburrado, e isso torna tudo mais divertido. Fazia tempo que não me
divertia no cinema.
— Você chorou em uma comédia romântica!
— Não chorei, sua Satã! Algo entrou nos meus olhos.
— Lágrimas! Lágrimas entraram neles.
Gargalho e ele me atinge com uma pipoca que ficou no saco de papel,
antes de jogar ele no lixo junto dos copos de refrigerante.
— Para de rir, Louise!
— Não dá, foi tão fofo. Olha, tenho fotos! — Tento mostrar, mas ele
se recusa a ver. — Chorou em um pedido de casamento. Eu vou morrer! —
Jogo a cabeça para trás, gargalhando muito.
— Eu vou te deixar voltar a pé!
— Ai minha barriga! — Tento respirar e limpo as lágrimas
escorrendo pelo meu rosto.
— Nunca mais te levo ao cinema!
— Vai sim. Quero mais cenas suas chorando! — Cutuco seu peito, e
ele segura minha cintura.
— Dá para parar de rir? É feio rir dos sentimentos das pessoas. Tá, eu
chorei. Não tenho culpa que você é o Alasca todo no inverno dentro de si! —
Faz biquinho emburrado. Meu Deus, ele faz biquinho emburrado.
— Eu nunca vou parar de rir. Socorro. Vou fazer xixi na roupa!
Ele me larga, emputecido e se aproxima da moto. Sobe nela e coloca
seu capacete, enquanto segura o outro.
Aproximo-me, quase morrendo de verdade depois de rir tanto, e
monto na moto. Coloco meu capacete e passo os braços ao seu redor.
— Se não parar de rir, te jogo para fora dessa moto e sumo com seus
produtos!
Prendo o riso abaixando a viseira do capacete, mas o riso silencioso é
pior, ele me tortura ainda mais. Explodo de vez. Kayden liga a moto e pilota
como um louco, bravo comigo.
Viemos para a chocolateria. Comemos tanta pipoca que não
queríamos mais nada de salgado, só queríamos um doce.
Pedimos um doce de Nutella e chocolate quente para cada um. A
saleta tem só mais um casal, mas a chocolateria está cheia. Estamos sentados
no pequeno sofá turquesa, comendo e bebendo.
Sorrio vendo o bigodinho que se forma nele com o chocolate quente.
Ele limpa a boca e morde o doce. Tento pensar apenas nesse momento e não
no Kevin. Tento focar também no final de semana e tudo de bom que
aconteceu, e não nas merdas que ouvi dele.
— Está pensando no meu choro? — pergunta.
— Na verdade, não! — Me ajeito no sofá, colocando uma perna
sobre a dele e encostando a cabeça em seu ombro. — Preciso falar com a
minha avó, contar tudo e ver se ela sabe de algo, sei lá, se o Kevin saiu da
cidade já.
Ele pousa uma mão na minha perna e acaricia.
— Amanhã tenho um jantar com meus pais. Quer vir, virar o foco e
me oferecer paz? — muda de assunto, e gosto quando ele faz isso.
— Infelizmente não vai rolar. Audrey chamou a Piper e eu para uma
noite das meninas. Era isso a mensagem que recebi no cinema. Pensei em
fugir, mas acho que podemos nos distrair sem que eu vire o foco. E amanhã
estarei muito melhor.
— Noite das meninas? Lembro de uma que terminou com o Nicholas
e o Julian indo socorrer vocês. — Bebe um pouco do chocolate e me olha de
lado.
— Vamos apenas para uma casa de stripper, nada demais… —
Suspiro.
Kayden me olha e me mantenho séria.
— Mentirosa!
— Como sabe que estou mentindo?
— Não conto meus métodos!
Sorrio.
— Faremos noite de vinhos, queijos, essas coisas. Bem capaz do
Julian chamar vocês para algo.
— Se eu conseguir escapar do jantar… — Solta o ar, cansado. —
Será um longo dia, jogo e jantar com meus pais.
— Acho que sei o que pode te livrar de assuntos que não queira. —
Me olha curioso. — Seu pai ama plantas e minha avó sabe como fazer a que
ele quer ter se manter viva.
— Pelo amor de Deus, me dê a receita, lista, seja o que for. Aceito
falar de adubo, só para não aguentar assuntos dos negócios Spencer!
— Sabe que não vai poder fugir disso por muito tempo, né?
— Sei… — Força um sorriso. — Tenho até o baile da primavera para
decidir minha vida — confessa, me surpreendendo. — Ou me salvo na
universidade, ou desisto. A verdade é essa. Se eu não me formar, também não
poderei continuar no time, não tenho escolhas. E se eu desistir, não continuar
no curso, chutar tudo esse ano, sei lá como meus pais vão reagir.
— Certo… Tem um problemão. Então é com isso que o reitor fica te
provocando agora?
— Basicamente… — Dá de ombros. — Ele também está adorando
ficar me comparando com o Nicholas. Acho que no fundo ele sabe que o
Nicholas aprontou com as fotos na sala dele no último trote, está descontando
em mim.
— Kayden, precisa fazer algo.
— Não tem o que ser feito.
— Claro que tem. Gosta do curso?
— Nem um pouco! — admite.
— Então dá um basta nisso. Não precisa esperar até a primavera, a
não ser que queira torturar o reitor. — Sorrio.
— E se eu chutar o curso e não conseguir um bom time? E se eu
chutar tudo isso em vão? Vai ser um desgosto duplo aos meus pais…
— Por que não entraria? Joga bem, não joga?
— Caralho, precisa mesmo ver os meus jogos. Eu jogo muito bem!
— Começo a rir.
— Ok, senhor joga bem! Então por que tem dúvidas de que vai
conseguir um bom time?
— Sei lá… Mas eu não posso fazer a escolha errada, porque será um
time que eu ficarei preso por um tempo.
— Mas se continuar insistindo na BTIU, pode não ter nem a chance
de chegar perto de um time, e se tornar profissional. O que pesa mais, Kay?
O medo da reação dos seus pais quando abandonar o curso, ou o medo de
achar que não conseguirá um bom time e por isso nem tentar? Pensa nisso.
Ele assente e morde o doce de novo, então limpa a mão e a boca.
— Tem bons conselhos. Deveria se aconselhar também.
— Aí não teria graça. Eu não poderia me rebelar com a vida! —
brinco e ele ri.
Mordo meu doce, e ele se aproxima roubando um pedaço. Puxo o
doce e ele sorri. Olho para o outro casal a nossa frente, o rapaz é bem tímido
e ela bem falante.
— Acha que vai rolar algo? Não acho que são oficialmente um casal!
— Kayden sussurra em meu ouvido.
— Talvez. Ele parece gostar dela. Mas vai precisar de atitude. Ela
não parece que tem.
— Atitude? Tipo assim? — Puxa o meu rosto e me beija. Fico até um
pouco tonta. Mas é o frio na barriga que me preocupa.
— Kayden!
— É para incentivar eles, princesa. Estou dando aula gratuita, a
próxima a gente cobra. Assim recupero meus duzentos e cinquenta dólares!
— Do que está falando?
— Promete não rir?
— Prometo. — Bebo um pouco do chocolate quente.
— A sra. Morrissette me odeia, e fez a Piper pagar a multa do roubo,
nos ameaçou e expulsou.
Cuspo o chocolate quente, assustando até o casal. Gargalho e o
Kayden me puxa, tampando minha boca. Bato os pés, desesperada com o
riso.
— Quieta! — sussurra em meu ouvido. — Desculpem, ela não tem
boas maneiras, a coitadinha está aprendendo a ter.
O casal sorri e volta a se olhar. Tento falar, mas não consigo.
— Se acalmou? — concordo, e ele tira a mão com cuidado da minha
boca. Aperto os lábios, com os olhos marejados. — Você é uma praga na
minha vida!
Largo meu copo e doce, e agarro ele, escondendo o rosto no seu
moletom preto, e gargalhando.
— P-Perdão!
— Não tem perdão. Quando quiser abraços e minha companhia vou
lembrar dos seus risos hoje!
— Kaaay! — resmungo. — Eu não tenho culpa que você garantiu
que ela te amava e se lascou!
— Ela me ama. Talvez não tenha me reconhecido.
— Não, ela te odeia. O Nick disse isso. Ele te avisou!
— Vai dar razão para ele? Quer saber? Vou tomar um ar!
Levanta-se e sai da saleta.
— Kay, vem cá! — digo entredentes.
E a marrenta sou eu?
Pego meu doce e saio às pressas da saleta dando tchauzinho para o
casal.
— Dá um beijão nela, cara! — grito por cima do ombro.
Ele se atrapalha todo, ficando um tomate. Mas a garota sorri animada
para mim. Salvei o dia, e ainda o Kayden acha que sou o Alasca por dentro?
Aproximo-me do emburrado, encostado na moto ao lado de fora.
— Não dei razão a ele!
— Terminou?
— Não acredito. Está com ciúmes porque falei que o Nicholas te
alertou? Você só chamou a Piper para a noite de filmes! Estamos quites.
— Porque você sempre participa. E essa conversa está nos tornando
dois adolescentes!
Como o restante do doce e sorrio. Me aproximo, ficando poucos
centímetros dele. Ele parece chateado com algo.
— Desculpa. Está em um péssimo momento em relação a ele, né?
Kay, do que de fato sente inveja do Nicholas, é só por ele ser quem ele quer
ser? Tem certeza?
Cutuco seu peito e chuto levemente seus pés com os meus.
— Se imagine tendo um irmão gêmeo, mas não importa o que faça,
ele sempre vai parecer melhor em tudo, na inteligência, nas atitudes, no jeito
de ser… Eu sou a sombra dele para todo mundo. Parece bobo dizer isso, eu
sei. Mas é como se em um mundo onde ele existe, ninguém me nota. Eu amo
ele com toda a minha alma, e faria e faço qualquer coisa por ele. Eu quero
sempre ele do meu lado. O problema não é ele. É como todo mundo parece
sempre achar ele melhor em tudo, e isso tá fodendo minha cabeça.
Abraço sua cintura e ergo a cabeça encarando seu rosto. Ele passa os
braços ao meu redor.
— Eu acho sim o Nicholas esperto, bom no que faz, mas vou te
confessar uma coisa que notei nas últimas semanas que nos aproximamos. —
Ele me olha atentamente. — Você tem muita coisa que ele não tem.
— Tipo?
— Sua paciência é quase um dom. O Nicholas já teria me matado. —
Sorrimos. — Você é amoroso, carinhoso, sorridente, ama abraços, cuidar das
pessoas, arrancar risos. Você traz a leveza que ele não traz. Kayden, tudo na
vida tem que ter um equilíbrio. Acredite, você é esse equilíbrio dessa
irmandade e é importante também. Mas também noto que tem escuridão aí
dentro, sabe ser mau, bruto, frio, bravo… Mas diferente dele, você tem esse
equilíbrio dentro de si. O Nick é só explosão. Ser apenas explosão tem riscos.
Eu sempre vou defender o equilíbrio entre o bem e o mal dentro da gente,
porque todos temos esses dois sentimentos. E você é uma das poucas pessoas
que já vi conseguir manter ambos e tornar perfeito. Todos notam você, eu
notei, não é à toa que te pirraço, me diverte, me distrai, me acalma… —
confesso o que não admitia nem para mim.
“As pessoas te notam, talvez seja você que precisa se notar mais,
olhar para si mesmo um pouco. Kayden, se olhe no espelho e se veja como
outro alguém, não apenas o gêmeo do Nicholas. Vocês são duas pessoas
diferentes, e chamam atenção cada um do seu jeito. Aqueles que dizem
merdas para você e te provocam, como o reitor, é porque no fundo sabem que
se te desestabilizarem, o Nicholas também cai, porque existe uma conexão
forte nessa irmandade, e vem de você, e os gêmeos surtando ao mesmo
tempo, essa cidade explode, e conseguem o que querem, que é afastar os dois,
e os dois distantes dão a eles o que tanto desejam: ambos fracos. E quer
saber? Eu prefiro mil vezes o gêmeo do ‘bem’ do que o explosivo, porque
tudo com você fica mais calmo, e todo mundo precisa de calma na maioria
das vezes, mais do que caos”.
Ele me abraça forte e beija o meu pescoço. Seus abraços estão se
tornando meu lugar favorito do mundo.
— Obrigado. Acho que esqueci da minha identidade, e isso está me
cegando.
— Me prometeu o País das Maravilhas. Te prometo lembrar o quanto
é importante, ok?
— Ok.
— Posso te pedir uma coisa? — falo baixinho.
— Claro.
— Dorme comigo essa noite? Não quero ficar sozinha. Eu pensei em
ir noite passada para o seu quarto, mas fiquei com medo de me expulsar.
— Dormir com você esses dias me deu tranquilidade. Senti sua falta
noite passada… Nunca te expulsaria, princesa.
Sorrio aliviada em saber disso. Aperto-o quanto consigo, e ele
retribui com um abraço quente, aconchegante, que silencia tudo ao redor.
Tenho medo de viciar nele também e perder tudo isso. Estou me
entregando a ele mais do que imaginei, e isso me apavora, mas não consigo
evitar. Kayden tem um imã que me puxa para ele, e isso me faz respirar. Foi
bom descobrir isso. Também entendi que todas as provocações, não era por
ele me irritar, mas porque atormentar ele me distraía. Desde que cheguei
aqui, Kayden Spencer acalmava minha cabeça sem nem ele saber ou eu
perceber, mas agora descobri, isso me intriga, mas também me faz querer
mais.
KAYDEN
O jogo está quase no final, mas estamos na frente. Entretanto,
exaustos. O treinador errou, errou feio. O time de Anchorage não veio para
pegar leve, os caras parecem que tomaram a fábrica de energético, estão em
uma adrenalina que, puta merda, minha coluna vai sentir as pancadas.
Nicholas entra em uma briga, e nem me meto, estou sentindo a minha
alma sair do corpo. Vamos vencer por pouca diferença. O treinador grita
tanto, que tenho certeza de que, ao sair do rinque, ele vai nos matar. BTIU
está toda aqui, e inclusive, Caitlyn, que vi com a Piper e a Louise.
A briga para, quando o camisa 12 entende que ou ele para ou o
Nicholas para ele para sempre. O jogo retoma, a gritaria das pessoas não
silencia o barulho estridente dos patins no gelo. Micah está a ponto de
desmaiar no gol, afinal os caras do outro time estão tentando muito mais um
gol.
Recebo o disco, e não sei mais se estou dando passadas rápidas, ou a
vida está me dando rasteiras. Passo para o Elijah, mas ele fica cercado e
precisa jogar para o Luke, o coitado não vai dar conta com o outro time todo
em cima dele. Nicholas e Aidan tentam abrir caminho para ele não ser
massacrado, Luke consegue passar o disco para mim.
O treinador apenas grita, para tentar, está acabando, falta pouco. Algo
me diz que o senhor Allen já entregou a alma para Deus. O camisa 93 do time
adversário vem com tudo para cima de mim, me jogando no vidro de
proteção. O disco sai do meu controle, e meu taco escorrega. A universidade
grita meu nome. Ergo o olhar para o merdinha.
— Agora fiquei irritado! Eu poderia ter quebrado meu belo dente!
Pego o taco e devolvo o empurrão no idiota, ele tenta revidar, mas
realmente fiquei muito irritado. Empurro-o mais uma vez, com tanta força,
que faz um estrondo no vidro de proteção, e não penso, apenas arrebento o
filho da mãe, que quase me fez sair banguelo daqui.
Ele tenta se soltar, mas não consegue. A BTIU está animada, amam
brigas. Tenta me dar uma rasteira, mas levo ele ao chão primeiro. Caio por
cima, arrebentando-o. A arbitragem para o jogo, e me tiram de cima do
idiota.
Se eu tivesse quebrado um dente, eu mataria o filho da puta.
O jogo retoma, faltando poucos minutos para terminar. Nicholas fica
na posse do disco e me olha dando um sinal. Ele tem as passadas mais
rápidas do gelo, mas ele sabe que tenho a melhor mira no hóquei — ainda
bem porque para unicórnios a história é outra —, e sei desviar melhor. Então
fazemos o que sabemos de melhor no gelo: jogamos entre irmãos, usando o
restante do time como apoio.
Ele passa por dois do outro time, se aproxima do Elijah, esse abre
caminho, amedrontando os outros dois adversários perto do gol. Luke e
Aidan cercam um dos jogadores. Um deles tenta ir para cima do Nicholas,
achando que ele vai tentar o gol final, ele gira o corpo, e freia com
brutalidade passando o disco para mim, esse vem com força, consigo
controlar a velocidade dele com meu taco, viro-me, desviando de dois que
vem para cima de mim, Elijah e Nick cercam eles, um entra na minha frente,
tentando me impedir, mas ele deixa uma brecha entre suas pernas, dou sinal
para o Luke sair de perto, e ele dá um toque ao Aidan. Então arremesso, o
goleiro não tem tempo de fazer nada, a velocidade que o disco vai é forte e
muito rápido, vemos apenas o vulto dele, e marcamos o gol final com gritos
ensandecidos da torcida diante da nossa vitória.
Patino para o vidro de proteção, exausto. Nicholas se aproxima
tocando seu taco no meu, em cumprimento. Ouço batidinhas atrás de mim,
sabendo de quem se trata. Os meninos entram em comemoração gritando sem
parar, enquanto me sinto um senhor de cem anos.
Preciso parar de comer doces e pizza.
Viro o corpo e coloco a mão no vidro, onde a Caty coloca uma mão.
Nicholas se vira e ela coloca a outra mãozinha, e ele coloca a dele, ficamos
como espelhos. Ela sorri animada. Mas quero chorar, porque antes ela
precisava de alguém segurando-a no colo para nos olhar pelo vidro, ou estar
na arquibancada. Agora ela consegue sozinha. Caty está crescendo rápido
demais.
Estamos sem os equipamentos, o uniforme para baixo, sem a parte de
cima. Bebemos água e fugimos do treinador. Os meninos foram para o banho,
mas Nicholas e eu viemos ver a Caty.
— Pra você, Terror! — Nick entrega a ela o disco.
Acredito que ela já faça uma enorme coleção deles. Pego-a no colo e
ela sorri.
— Quase morreram! — diz rindo.
Piper balança a cabeça, mas se aproxima do namorado e o beija.
— Antes era a minha camisa, eu ganhava os abraços, os beijos. A
traição nunca tem fim! — reclamo e a Piper ri.
— Titio, eu te dou beijinhos e abraços!
— Obrigado, princesinha. Você sim valoriza o seu tio, que quase
morreu!
Encho-a de beijos e ela ri, sentindo cócegas.
— Não deveria estar na escola? — Nicholas pergunta.
— Então… saí mais cedo.
Olhamos para ela e sinto meu estômago revirar.
— Caitlyn, o que você fez? — pergunto, sentindo as pernas
bambearem.
Piper solta um longo suspiro, não me acalmando. Caitlyn pede para ir
ao chão, e esse sorrisinho me arrepia. Louise se aproxima e entrega a pipoca a
Caitlyn. Não deixo de notar o quanto está linda, e em como me deixa
animado vê-la, as memórias do final de semana retornam e lembro-me do
som dos seus gemidos, a expressão ao gozar, seu corpo, cheiro… Estou
ferrado demais.
— Olha o que ganhei, Loulou! — Mostra o disco.
— Vocês vão dificultar a vida do cara que essa menina for namorar!
— diz.
— Ela não vai namorar! — Nicholas e eu falamos juntos. — Nunca!
As três nos olham e começam a rir.
— Para de ficar falando ao mesmo tempo que eu! — Nicholas me
acerta.
— Porra! Estou moído, idiota! — reclamo. — E a Caitlyn está
desviando do assunto. Por que não está na escola?
— Elas ainda não contaram? — Louise sorri de um jeito diabólico.
— Qual é? Eu só queria comemorar a vitória do jogo, por que nunca
temos paz?! — bufo.
Encosto no vidro de proteção e cruzo os braços, pronto para a bomba.
Mas não deixo de notar os olhares discretos da Louise para mim, encarando
meu peito nu e o jeitinho que ela tenta disfarçar. Olho-a de lado e ela desvia o
olhar, suas bochechas coram. Porra, Louise tímida assim me deixa ainda mais
maluco.
— Então… — Caty mastiga a pipoca e volto a atenção para ela. — A
titia Pips foi me buscar, porque teve uma enorme confusão na escola. O papai
ainda não sabe de nada, nem a mamãe. O vovô mandou a Piper me buscar.
Nicholas sorri animado. Olho feio para ele.
— Desembucha, o que você fez? — insisto.
Ela come sua pipoca, fingindo inocência. Encaro a Piper, que engole
em seco.
— A Caitlyn vai parar no internato. Dessa vez, o Julian manda ela
para um! — Piper diz.
— O que ela fez de divertido? — Nicholas ri.
— Eu não fiz nada! — a baixinha se defende.
— Fez sim! — Louise ri. — Já que as duas não contam, eu conto,
porque adorei. Estavam brincando de bola, um garoto acertou a amiga dela de
propósito, Caitlyn acertou ele… Com uma pedrinha, bem na testa. —
Nicholas começa a gargalhar e soco o braço dele. — O garoto ficou bravo e
aí virou uma guerra no lugar da brincadeira, as crianças entraram em uma
enorme briga, e precisaram sair mais cedo, e amanhã todos os pais vão ter
que ir até lá para uma reunião sobre o péssimo comportamento que os filhos
estão tendo. Eu não sei vocês, mas adoro essa garota!
Nicholas ergue a mão e a Louise bate na mão dele. Olho feio para os
dois.
— Gente, isso não tem graça. Poderiam ter se machucado feio. O
Julian vai ficar muito bravo! — Piper alerta.
— Ela tem razão. A Caitlyn acertou o garoto com uma pedra! A
gente está ferrado. Julian vai dizer que é culpa nossa. — Respiro fundo.
— Que garoto? O que o titio conversou? — Nicholas pergunta.
— Não! — Ela ri. — Ele tem medo de mim agora. Sempre que ele
vem me provocar, falo que vou chamar o meu titio bravo.
Olho de lado para o Nicholas, que está radiante.
— Para de ser assim, seu problemático. O Julian vai mandá-la para
longe da gente!
— Da gente não, dos dois! Eu nunca ensinei nada errado a essa
menina. Pelo contrário, sou a única que tenta colocar juízo nela além dos
familiares. E ela fez isso, porque alguém ensinou a ela que “bateu, levou!”.
— Piper olha feio para o namorado.
— Ela defendeu a amiga, estou do lado dela. Acho que essa escola
dela tem muito garoto idiota. Tem mais que ela espancar todos!
— LOUISE! — Piper e eu chamamos sua atenção.
Ela pega um pouco da pipoca da Caitlyn e dá de ombros.
— Senhorita Roberts! — o treinador chama pela Piper.
— Ai, preciso ir. Encontro vocês no estacionamento! — avisa a
Caitlyn e a Louise.
Piper vai até o treinador e o Nicholas fica olhando para a Caty.
— Titio Nick, tem algum plano? — Caty questiona e preciso me
controlar para não rir.
— Iremos falar com seu pai. — Se abaixa e deixa um beijo na testa
dela.
— Iremos? Não iremos não! Me tira fora dessa — aviso. — Julian
vai matar geral. Alguém tem que sobreviver para contar a história!
— Todos vamos impedir que ele surte! — Nicholas me alerta.
Reviro os olhos e a Caitlyn joga um beijo para ele, que se afasta.
— Vamos, pestinha!
— Ué, não vai dar parabéns pro titio Kay, Lou? Ele fez gol e quase
morreu esmagadinho!
Louise tropeça e ergo uma sobrancelha. Me abaixo ao lado da Caty e
abraço a Loirinha, colocando-a entre minhas pernas e roubando uma pipoca
dela.
— É, Lou, não vai dar parabéns? Eu quase morri e fiz gol!
— Não morreu. Está ótimo. Está me irritando. E foi você que fez o
gol? Nem reparei. Estava vendo vídeos no TikTok!
Fecho a cara na hora. Ela só pode estar de brincadeira.
— Mentira! Tava vendo sim, e ficou preotadinha com o tio Kay.
— Preocupadinha! — Louise a corrige. — E não fiquei não!
Sorrio e ergo uma sobrancelha. Caitlyn sorri, arteira.
— Ela não acha que o titio joga bem, é uma pena, Caty!
— Eu não disse isso!
— Então ele joga? — Caty provoca.
— Meu Deus, garota. Quantos anos você tem mesmo?
Caitlyn ri e beijo suas bochechas rosadas.
— A titia Piper não deu abracinho nele. Só eu. Tem que abraçar ele.
— É, tem que abraçar! — Faço beicinho e a Louise me olha como se
pudesse me matar com o olhar.
— Caitlyn, vamos! — Louise segura ela, afastando-a.
— É, tio Kay, eu te dou mais um abraço! — Ela se solta da Louise e
me agarra, derrubando algumas pipocas, mas segurando firme o disco.
— Você é tão gentil, princesinha. O mundo precisa aprender com
você! — Olho para a Louise, que faz uma careta.
Caitlyn volta para perto da Louise, que segura o disco para ela e sua
mão, então se afastam. Olho por cima dos ombros e sorrio para a marrenta,
que olha para trás.
Bato na porta do banheiro. Preciso terminar de me arrumar para o
jantar com meus pais, mas a Louise está trancada nele há horas. Piper já está
terminando de se arrumar para a noite das meninas, o Nicholas esperando-as
para dar carona, porque vai se encontrar o Julian, e provavelmente vão
resolver a bagunça da Caitlyn na escola. E eu estou querendo matar a
pirracenta trancada no banheiro.
— Não me apressa! — reclama.
— Louise, duas horas. Está aí duas horas! — grito. — Eu vou
arrumar essa semana o outro banheiro, chega!
— SE EU BORRAR MEU DELINEADO POR SUA CAUSA, EU
TE CEGO COM ELE!
Duke começa a latir pela gritaria, e nem o Nicholas mandando-o ficar
quieto resolve. Piper sai do quarto do meu irmão e suspira.
— Quanto mais insistir, mais ela vai te provocar!
— Eu vou matar sua amiga. — Esmurro a porta.
— ESPERA, SEU IDIOTA!
— Precisamos do outro banheiro. Nicholaaas, eu não aguento mais!
— Piper grita, descendo as escadas. — Duke, fica quieto!
O cachorro se cala.
— Que cachorro filho da puta. Eu sou seu dono! — escuto meu irmão
reclamar lá embaixo.
Não é dono nem de si mais, quem dirá do cachorro.
— Sai de trás da porta.
— Se você arrombar ela, eu juro…
Arrombo. Precisamos trocar essa porta, ela é uma merda.
Louise me olha, guardando suas maquiagens, e sinto realmente que
ela vai me matar.
— Estava pronta!
— Nunca estou. Sempre dá para melhorar uma coisinha. O que tanto
quer usar aqui? Só tem um cabelo curto para pentear! Eu mandei arrumar o
banheiro lá embaixo, não estaria aqui se lá estivesse funcionando!
Empurro-a para o lado e ela me acerta com o pente. Puxo ele da sua
mão.
— Duas horas. Com duas horas eu viajo, faço um banquete, transo
cinco vezes ou mais…
— Eu preciso de duas horas para ficar perfeita. Mas juro que com
dois segundos te mato!
Empurra-me, passando para o outro lado. Analiso-a, observando a
roupa que veste, a maquiagem, os acessórios, o cabelo impecável.
— Não era noite de vinho?
Ela sorri e ergue uma sobrancelha.
— E preciso ir desarrumada por isso? E por falar nisso, juro que se a
Piper vestiu apenas um moletom, mato ela. Separei o que ela deveria usar.
Essa garota tem roupas lindas! — Dá uma voltinha. — O que achou?
Cuidado para não babar!
— Está perfeita! — Sorrio. — Era o mínimo, duas horas trancada
aqui!
— Seu idiota!
Sai do banheiro carregando suas coisas e brava. Sorrio, mas não
deixo de observar sua bunda deliciosa.
— Gostosa! — provoco.
— Vai se foder!
Pego a chave da moto e a carteira, e não posso esquecer de trancar o
quarto, ou o Duke vai detonar ele. Nicholas está buzinando lá fora, alguma
das duas ou as duas estão enrolando e testando a paciência dele.
Apago a luz do quarto ao sair e dou de cara com a Louise saindo do
dela.
— Tem certeza de que é só noite de vinhos? Já viu o frio lá fora?
Está com um vestido branco, bem curto, colado ao corpo, de gola alta
e mangas longas. Carrega um casaco preto na mão e o celular.
— Não. Vamos esquiar também — ironiza. — Claro que é só noite
do vinho, ou acha que eu usaria um vestido assim para morrer de frio?
— Usou uma saia totalmente curta na festa do Nicholas e estava
muito frio.
— Eu estava revoltada com a vida.
Olho para as suas pernas, usa uma bota longa de salto, preta. Engulo
em seco.
Ela passa por mim, mas para no meio do caminho e retorna. Para a
minha frente, fica na ponta dos pés, porque mesmo de salto e sendo alta, é
baixa perto de mim. Beija meu rosto, deixando seu gloss nele.
— Nunca vai me ouvir repetir isso, mas jogou bem. Parabéns!
Sorrio. Guardo a chave e a carteira no bolso e agarro-a pela cintura,
colando nossos corpos. Seguro seu rosto e beijo na sua boca, parece que
quanto mais a beijo, mais sinto tudo mudar dentro de mim. Ela se apoia em
mim e minha mão desliza para a sua bunda, aprofundando o beijo. Meu
coração acelera, um frio surge na minha barriga e meu pau fica agitado.
— Agora sim! — sussurro.
— Agora sim o quê? — indaga ofegante.
— Me deu parabéns decentemente.
Ela revira os olhos, mas sorri.
Nicholas insiste na buzina, mas antes dela se afastar roubo outro
beijo, esse é mais rápido.
— Vai ficar nos seus pais?
— Pode me esperar na minha cama, ou na sua, estarei aqui para
dormir agarrado em você a noite toda de novo.
— Não sei se é uma boa ideia.
— Por quê? — Franzo o cenho.
— A última vez que bebi vinho, transamos.
Sorrio, e limpo o seu gloss na minha boca.
— E foi ótimo!
Ela sorri e desce as escadas.
— JÁ VOU, CACETE! — xinga o Nicholas.
Afasto-me do meu quarto, sorrindo igual um idiota. Desço as
escadas, e dou uma piscadinha para ela antes de abrir a porta da garagem.
Minha mente diz que esqueci de algo, mas não me importa, não depois do
beijo.
— Consigo ver sua calcinha! — provoco.
— Estranho, não utilizo nenhuma!
Abro a boca, mas ela sai às pressas, rindo.
Filha da mãe! Ela não é maluca de estar sem. Não mesmo.
Eu tinha um sonho hoje, ganhar o jogo e ter paz. Mas então a Caitlyn
apronta e joga a bomba para a gente, tenho um jantar com meus pais e a
Louise quer me enlouquecer.
Porra!
LOUISE
Audrey e Piper cortam os queijos, deixando tudo arrumado na tábua.
Organizo a mesa, com a ajuda da Caitlyn.
— O vovô ainda não contou! — sussurra.
— Ok. Vamos ver como contaremos isso. Temos que contar hoje,
Caty!
— Contar o quê? — Audrey questiona, vindo da cozinha trazer as
taças que pedi.
— Que estamos morrendo de fome e a Caty quer comer uns queijos
antes de dormir! — respondo e a Caitlyn dá uma risadinha.
— Sim, mamãe!
Essa garota vai dar muita dor de cabeça para todo mundo. Amo ela.
Audrey nos olha desconfiada, mas volta para a cozinha. Dou uma
piscada para a Caitlyn e organizo as taças na mesa.
— Come e vai dormir. Darei um jeito de amansar ela, e ela vai saber
amansar o seu papai.
— Tá bom, Loulou. — Me agarra pelas pernas e me abraça. — Você
tá muito linda.
— Obrigada, gatinha!
— O tio Kay vai morrer do coração!
— Caitlyn White! — chamo sua atenção e ela dá uma risadinha e
corre para o seu quarto.
Por falar nele, enviei as dicas da planta. Quem sabe ameniza o clima.
Volto para a cozinha e encosto na pia, observando as duas.
— Estávamos falando do quanto as coisas vão mudar. Esse ano não
terá o trote do Nicholas, e talvez eles nem estejam aqui para o Halloween.
Julian disse que seria o primeiro que a Caitlyn não passaria com eles. Acho
que vai ser complicado explicar isso para ela — Audrey suspira.
— Parece que ela não é a única que vai sentir falta — comento.
— Eu me acostumei em ter todos juntos, sabe? Halloween, Natal,
Ano-Novo, Ação de Graças, os aniversários… São os momentos que mais
ficamos juntos. Nossas vidas estão corridas, e meio que agora perderemos
parte da turma nessas comemorações.
Ela termina de cortar os queijos e a Piper de arrumar eles na tábua.
— Tento não pensar muito nisso, mas é inevitável. Nicholas e
Kayden não vão voltar depois do verão para BTIU. Vai ser estranho não ter o
trote, as festas do Nick, os dramas do Kay… Acho que ninguém aqui estava
pronto para as nossas vidas tomarem esse rumo — Piper lamenta.
— Eles já conseguiram algum bom time? — Audrey indaga.
— Teve olheiros no jogo de hoje. Mas o Nicholas está recebendo
alguns convites. Não comentem com ninguém. Dois times lançaram proposta
para ele, tem dois agentes loucos atrás dele, desde semana passada. Um time
de Nova York e outro do Canadá. Os dois são muito bons.
— Canadá?! — Audrey pergunta e Piper concorda. — E você está
bem com isso?
— Estou tentando não pirar. Eu sempre soube que o Nicholas se daria
bem e conseguiria um bom time para realizar o sonho da NHL. Só não pensei
que poderia ser no Canadá. Ele não quer tomar nenhuma decisão agora.
Deram um prazo para ele pensar com calma.
— Ele vai escolher o de Nova York. Ele nunca escolheria outro país.
Nicholas jamais te deixaria. Talvez depois que ele sair desse time e você
estiver longe da BTIU, ele pense no Canadá ou no que surgir em outro país,
mas não agora — falo.
Elas me olham e Piper sorri.
— Acha mesmo?
— Sim, Pips. Ele é louco por você. Ele pode amar o hóquei, mas
nunca colocaria o hóquei na frente de nada. Até porque ele vai se formar e é
um bom veterinário. Ele ama a segunda opção dele tanto quanto o hóquei. O
esporte nunca ficaria à frente de você. Além disso, tem o Duke, que não
ficaria longe de você e não aguentaria ir para o Canadá, Nicholas diz que ele
não aguenta nem viagens para a casa de campo, ele odeia, fica agitado, depois
indisposto e não seda ele sem necessidade, então… — Pego um pedaço de
queijo e mastigo lentamente.
— Louise tem razão. Nova York já será um grande limite para ele.
Duke com certeza terá que ficar, e com a dona dele, você. Nicholas tem duas
coisas muito importantes para ele nessa cidade, sair dela sem vocês dois já
será algo difícil para ele enfrentar, imagine em outro país? Ele trocaria o
hóquei pela veterinária só para ficar com você, tenho certeza.
Ela respira aliviada. Essa garota é tão obcecada por ele quanto ele por
ela.
— Vocês têm razão. Tenho que pensar positivo quando isso invadir
minha cabeça. Já o Kay… O hóquei é a frente de qualquer coisa para ele. Se
ele receber alguma proposta, eu acho que ele vai embora — Piper diz e faz
uma carinha triste.
— Ele vai conseguir se formar? Estava com problemas, certo?
— Sei lá, ele não se comunica nem comigo, nem com o irmão.
— E nem com o Julian. — Audrey suspira. — Jules está preocupado
com o Kayden, disse que ele anda muito distante e calado demais.
— Só espero que ele faça a escolha certa. Sabe, estamos falando do
Kay. Ele é meio doido.
— Vamos torcer. Ele e o Nicholas merecem um bom futuro.
Fico quieta, ouvindo tudo. Kayden só não se comunica, porque
provavelmente pensa que todo mundo vai zombar ou ignorar. Ele se sente
excluído e só não nota isso. Tratam ele como tratam a Caty e não percebem.
Não fazem na maldade, é que o jeito brincalhão dele não ajuda em nada, mas
agora vejo isso, entendo um pouco do que ele tenta dizer sobre ser a sombra
do Nick e ninguém o levar a sério, agem como se ele não soubesse tomar
uma decisão, duvidam da capacidade dele fazer uma boa escolha.
— Eu acho que ele sabe o que faz. — Me olham surpresas. — É isso
que ouviram. Do mesmo jeito que não questionam ao Nicholas em nada sobre
as escolhas do futuro dele, e só confiam que vai dar certo, deveria ser assim
com o Kayden.
— Está defendendo-o? Meu Deus, que mundo entramos? — Audrey
ri.
— Não, só acho que ele merece um voto de confiança. Se podemos
acreditar que o Nicholas vai escolher bem, por que temos que ficar na
incerteza sobre o Kayden? Não é “espero que ele faça uma boa escolha”, é
“ele vai escolher bem”. — Dou de ombros. — E podem parar de me olhar
com essas caras.
— Tem um lance entre eles! — Piper fala e Audrey arregala os olhos
e a boca.
— Não tem! — rebato.
— Dormem juntos direto, e ele a tirou da festa do Nicholas e
sumiram no final de semana!
— PIPER! — grito com ela.
Ela ri e Audrey continua chocada.
— A gente nem bebeu ainda, e acho que estou bêbada e ouvindo
coisas. — Audrey me encara.
Olho para a Piper, deixando claro com o olhar que irei matá-la essa
noite. Ela pega a tábua de queijos e vai às pressas para a sala. Audrey
continua me encarando. Saio da cozinha, ignorando os olhos azuis que estão
arregalados.
— Se tocarem nesse assunto de novo, eu mato as duas, levo o queijo,
a bebida e a Caitlyn comigo e sumo pelo mundo!
Jogo-me na cadeira e elas riem.
— Está bem. Não está mais aqui quem falou! — Piper diz.
Elas se sentam e a Caitlyn vem com seu caderno de desenhos, caneta
glitter, mudando totalmente o rumo da conversa, ainda bem.
Caitlyn pegou no sono e está no quarto dela dormindo. Eu estou
apresentando funks para a Audrey, já que a Piper vive ouvindo por minha
causa. Bebo mais um gole de vinho e incentivo ela a beber, quanto mais
altinha, mais fácil dela entender o lance da Caitlyn.
Rebolo descendo até o chão. A Piper está filmando tudo, rindo.
Audrey tenta me imitar, mas começa a rir.
— Como é toda flexível na patinação, e não tem molejo algum para
dançar um simples funk? — indago, horrorizada.
— Não tenho o seu gingado. O que posso fazer?
— Se solta, bebe mais um gole de vinho e relaxa. E, Piper, vou
cobrar direito de imagem! — aviso e ela ri. — Está postando, né? —
Gargalha mais. — Garota, eu vou te matar! — falo a última frase em
português.
— Eu estou chocada. Você dança muito bem — Audrey diz. — Vou
te contratar para as minhas coreografias solos e com músicas latinas. Quero
fazer algumas. Meu coreógrafo vai me matar por essa traição, mas você é
muito boa para o que penso em fazer em futuras apresentações.
Bebo mais do vinho na minha taça e rebolo na frente dela, roçando a
bunda em seu corpo.
— Cobrarei por hora.
Ela ri e me puxa, caímos juntas no sofá, quase derrubando o vinho.
Nós três rimos sem parar. Piper abaixa o celular e nos encara.
— Que noite gostosa! Precisávamos disso — Piper fala.
— Também acho. — Sorrio, e olho para a Piper e depois para a
Audrey. — Eu amo vocês, sabiam?
Piper vem até a gente e se joga em cima de mim. Ficamos agarradas.
— Eu amo a gente! — Audrey sussurra, falando meio mole. Santo
vinho!
— E esse amor é para sempre, certo?! — Piper pergunta e
concordamos.
— Já que estamos falando de amor… — pigarreio. Lá vai a bomba.
— A Caitlyn começou uma guerra na escola. Acertou um garoto com uma
pedrinha. Todos os pais foram chamados para tirar eles mais cedo, e amanhã
terá uma reunião, e o Grayson ainda não falou com vocês, mas vai falar, e
precisa acalmar o Julian, porque não sei se o Nicholas vai fazer isso muito
bem. Falei, tô leve!
Audrey se desgruda da gente, abre a boca e fecha algumas vezes,
então joga a cabeça para trás.
— Terei que acabar com o pai dela na cama, para ele não ter forças
de matar ela amanhã! Minha Floquinho vai me enlouquecer ainda.
Piper se engasga e dou leves tapinhas nas costas dela.
— Eu fiquei com ela hoje. Ela errou, mas precisam entender que ela
não começou isso sozinha. Foi uma confusão coletiva — Piper argumenta.
— Vai explicar isso ao Julian! Darei um jeito, mas vou conversar
com ela. Está difícil limpar a barra dela toda vez. Não tenho mais desculpas,
e daqui a pouco não terei mais uma vagina, porque toda semana ela apronta e
toda semana tenho que tirar o estresse do pai dela!
— Informação desnecessária! — Piper reclama e gargalhamos.
— Não que eu ache ruim, sabe… — Audrey sorri.
— Cretina! — Empurro-a com o ombro.
Piper sai de cima de mim e se senta entre nós duas.
— Às vezes, penso em como foi o começo de tudo. Eu fiquei tão feliz
em ter a Addie e morrendo de ciúmes quando você chegou, Lou.
— Eu? Ciúmes de mim?
— Sim. Toda bonita, mulherão, sabendo o que quer, chamando
atenção do Nicholas… Eu pirei. Mas logo vi que era coisa da minha cabeça.
Ganhei mais uma irmã!
— Todos temos inseguranças. Não é a única, gatinha! — Deito a
cabeça no ombro dela e a Audrey faz a mesma coisa.
— Eu amo nossa imperfeição. Todas cheia de defeitos, segredos, mas
somos incríveis… Vou chorar. É o vinho! — Audrey funga.
Piper e eu rimos.
Relaxo, porque elas são o que eu precisava depois de tudo. Kayden
está sendo incrível, mas eu precisava de uma noite com papos aleatórios,
bobagens, nada de bagagens, medos, traumas, só como tudo começou. Hoje
eu precisava delas.
— Que daqui dez anos esses momentos se repitam entre a gente. Se
enjoarem de mim, durmam, descansem, que é apenas cansaço — aviso.
— E tem como enjoar? Você sempre vem com uma nova maluquice,
inova todo dia! — Piper revida.
— Engraçadinha. Não fui eu que roubei um livro na biblioteca da
cidade!
— Jesus, invadiram a biblioteca? Por isso as notícias de alguma
invasão por lá? Eu deixo vocês um pouco livres, e aprontam? Pelo amor de
Deus! — Audrey se revolta, nos fazendo rir. — Jules tem razão, somos
péssima influência para a Caitlyn. Temos que prometer não trazer mais
nenhuma criança para esse grupo até termos responsabilidade, e sermos boas
influências! — choraminga, desesperada.
Toco minha taça com a dela, e a Piper ergue a mão, já que parou de
beber.
— Fechado! — Piper e eu falamos juntos.
Outra música inicia, e a Piper entra em um assunto sobre uma bebida
nova que chegou no Hot Coffee, mas eu no momento estou pensando no
Kayden, o que é bem estranho, mas gostaria de saber como estão as coisas na
casa Spencer.
Tiro meu celular do bolso do casaco e envio uma mensagem rápida a
ele:
Louise: Sobreviveu? As dicas da planta deram certo?
Bebo o restante do vinho e me levanto para pegar mais na mesa.
KS: Fui salvo por essa dica. Eu amo sua avó! Cortei rapidamente o
assunto sobre como estão as coisas na BTIU, falando que tinha visto essas
dicas. Senhor Spencer ficou uma hora falando de planta, e correu para a
estufa fazer tudo. Obrigado.
Sorrio.
Louise: Essa dica não vai durar muito. Uma hora precisa ser
sincero, sabe disso, né?
Encho minha taça, e a Piper pede mais um pouquinho de vinho.
Coloco para ela também.
KS: Eu sei, mas hoje não era o momento. Preciso decidir muitas
coisas. Obrigado, princesa.
Louise: Está com eles ainda?
KS: Não. Estou entrando no bar do resort para encontrar o Julian e
o Nick. Tudo bem por aí?
Louise: Tudo perfeito. Embebedei a Audrey e contei da Caitlyn. Se
virem com o pai dela!
Ele manda emojis chorando e isso me faz rir. As meninas me olham e
disfarço, fechando a cara. Pego as bebidas e entrego a da Piper.
— É a vez da Piper tentar dançar. Vamos, estou cheia de energia e
vinho! — Audrey diz.
— Por mim tudo bem. Posso passar a noite fazendo isso. E vamos
gravar uns vídeos juntas, quero voltar a alimentar meu TikTok, faremos umas
danças juntas.
— Ah não… — Piper resmunga.
— Ah sim! — Entrego minha taça a Audrey e puxo a Piper. — Tem
sangue brasileiro, então utilize ele!
Audrey grita um “WOW”, me fazendo rir.
Tiro a taça da Piper, entrego também a Audrey. Ela coloca tudo na
mesa de centro e vem dançar com a gente. Dessa vez posicionamos o meu
celular em um bom ângulo para nos gravar, e vira uma enorme bagunça de
risos, dança, sensualização e todo tipo de maluquice que o vinho pode
proporcionar, já que devoramos todo o queijo e estamos na terceira garrafa de
vinho.
KAYDEN
Algumas garotas tentam chamar nossa atenção, mas simplesmente
ignoramos, sim no plural, me incluindo. Pensei até que seria mais difícil fazer
isso, mas não está sendo, o que apenas afirma que sempre buscava por
mulheres e sexo, como um lugar secreto onde silenciaria minha cabeça,
porém, no processo disso, me obrigaria a estar com elas, a sentir prazer, e
assim fingir que isso estava de fato sendo perfeito.
Sinto o olhar dos dois na mesa e viro o rosto, então encaro-os.
— O quê? Admirando minha beleza?
— Somos iguais, idiota! — Nicholas responde.
— Mas sou mais bonito! — rebato e bebo um gole da minha cerveja.
Julian franze o cenho e balança a cabeça negativamente.
— Tem três garotas quase pulando nessa mesa, e você ainda está
aqui? Certo, que caralho está acontecendo? — Julian questiona.
Dou de ombros e olho de novo para a mesa ao lado, elas sorriem
timidamente e dou um aceno sutil apenas e um sorriso.
— Pronto. Satisfeito? — brinco, olhando para o loiro.
Ele bebe sua cerveja e apoia os braços sobre a mesa, então encara o
Nicholas.
— Não leio a mente dele só porque somos gêmeos!
— Eu não iria falar isso, imbecil! — Julian diz.
Dou risada e reviro os olhos.
— Deixem de ser idiotas. Eu só não quero ninguém hoje. Estou
exausto, o jogo foi puxado!
— Por falar nisso, ganharam? — Julian questiona.
Nicholas e eu assentimos juntos e nos ajeitamos na cadeira ao mesmo
tempo. Julian ri e o Nicholas xinga.
— Eu quase morri, mas vencemos!
— Não exagera, Kayden! — meu irmão rebate.
— Não é o que minha coluna diz! — Bebo a cerveja. — Não vai à
festa do time?
— Não. Amanhã tenho uma prova cedo. Estou fodido, preciso
estudar um pouco antes de dormir.
— É muito estranho saber que logo você é o nerd! — Julian faz uma
careta.
— Alguém tinha que estudar, ter um cérebro! — Nicholas me
provoca. Mostro o dedo a ele. — E a patinação e o casamento? Está sendo
tudo o que queria? — Olha para o Julian.
Ele assente e brinca com sua garrafa de cerveja sobre a mesa.
— Só sinto falta do tempo com vocês, e mais tempo com a minha
filha. Eu tenho medo de não estar sendo presente para ela o suficiente, e
acabar me tornando ausente como a Kristen foi para ela. Porra, nem contar a
verdade sobre a mãe dela eu consigo. Condenei tanto o meu pai depois da
morte da minha mãe, e estou me tornando frio e ausente como ele estava
sendo — desabafa.
— Para com isso, porra! Eu vou te dar um murro se não parar de
pensar essas merdas. Julian, olha tudo que faz e fez pela Caitlyn — Nick se
irrita.
— Cara, ele tem razão. Abdicou da sua vida no passado por ela, e
mesmo quando se perdeu no processo, tentou consertar as coisas. Caitlyn ama
você e tem orgulho. Acha mesmo que ela só quer patinar por causa dos avós?
Ela se inspira em você. E sobre a Kristen, no momento certo vai contar. E
cara, deu uma mãe muito melhor para ela, Caitlyn será eternamente grata.
Ele respira fundo.
— A Audrey faz muita coisa por ela, só tenho medo de estar
colocando responsabilidade demais em cima dela. Ela também tem as dores
dela, e estar comigo significa estar com a Caitlyn e toda bagagem com os
Duncan e tudo que o Cameron fez… Tem horas que entro em pânico, e aí
vem a ausência da minha mãe… Porra, por que a gente cresceu?
— Porque a vida é assim, Julian! Audrey sabia no que estava se
metendo. Se ela não quisesse toda essa bagagem, nunca teria aceitado se
casar com você. Vai fazer vinte e sete anos, é a crise dos quase trinta
batendo! — Nicholas provoca.
— Vai se foder! — Julian revida e rimos. — Mas uma coisa é certa…
— Encara a bebida. — Depois das Olimpíadas, ficarei mais uns três anos
patinando profissionalmente e encerro. Quero mais tempo com a Caitlyn, ela
vai fazer oito anos e sinto que parte da vida dela estive na pista de gelo ou
com a cabeça fodida.
— E como vai ser com a Audrey? E se ela quiser continuar
patinando? Prometeu ser sempre o parceiro dela — falo.
— A gente tem conversado muito sobre isso, e ela está amando dar
aula para as crianças, meu pai fala em se aposentar e queremos parar no auge
da nossa carreira, enquanto ainda estivermos bem e nos holofotes, para
terminar com a nossa imagem limpa e deixar um bom legado. Talvez eu
assuma a arena e meu pai me passe o bastão de treinador, e a Audrey me
ajude em tudo e continue com as aulas dela. Ele também não aguenta mais
ficar viajando para cima e para baixo, e está deixando de lado os
Empreendimentos White.
Encaro os dois, e o Nicholas pigarreia e me encara.
— Já que estamos falando do futuro… Eu recebi duas propostas para
dois times. Um no Canadá e outro em Nova York. Me deram um tempo para
pensar.
Engulo em seco.
— Porra, isso é muito bom! Mas Canadá? Sério? — Julian fala. — Se
você for e sumir da vida da minha filha e da minha, fodo sua vida!
Nicholas sorri, mas sem tirar os olhos de mim.
Certo, não esperava ouvir isso, estou feliz por ele, Nicholas merece
isso. Mas porra, Canadá? Outro país? A gente nunca ficou tão distante assim.
— Faz tempo que recebeu as propostas? — pergunto.
Ele nega lentamente.
— Ninguém sabe além da Piper. Não falei com nossos pais ainda e
nem com o treinador para ouvir o que ele pode me aconselhar. Queria falar
com vocês primeiro… Com você.
— Comigo? — Forço um sorriso. — Nicholas, faça sua escolha.
Sabíamos que uma hora esse momento iria chegar. Sonhamos com a NHL,
escolhe o melhor time para você.
Ele assente, então encara sua bebida.
— Quando nossas vidas começaram a mudar tanto? — Julian
questiona.
— Quando não encapou o pau e trouxe a Caitlyn ao mundo, já falei!
— Nicholas responde.
A deles está mudando, a minha está uma grande bagunça e, quanto
mais penso em resolver, mais parece que tudo desanda.
— E, ainda assim, não vivem sem ela! — Julian brinca.
— Não mesmo, e por isso vai segurar a onda com o que vamos te
contar! — Nicholas me chuta por baixo da mesa e franzo o cenho, então ele
me encara sério e entendo.
— Ah… Aquilo…
— Aquilo o quê? Caralho, o que a Caitlyn fez que não estou
sabendo?
— Amanhã vocês vão ser chamados na escola dela. Na verdade,
todos os pais!
— Porra, Nicholas, o que vocês fizeram?!
— Nada! — respondo rápido. — Dessa vez, ela fez tudo sozinha! —
Solto uma lufada de ar.
— Ela defendeu uma amiga, acertou um garoto com uma pedra, virou
uma enorme briga e saíram todos mais cedo. Resumindo: ela foi a Caty
Terror de sempre e deu muito orgulho ao titio aqui!
— Puta que pariu! Chega, ela vai ficar de castigo até completar
quarenta anos! — Julian se exalta.
— Respira…
— Respira?! — Ele me encara e me afasto um pouco da cadeira. —
A mãe dela sabe dessa porra? Eu juro que, se a Audrey estiver por trás disso,
eu tranco as duas numa torre!
— Deixa eu trancar a loira? — Nicholas sorri provocativo. Julian o
olha de lado, nervoso.
— Ninguém vai trancar ninguém! Pega leve, a Caitlyn não começou
com isso. Se analisarmos bem, ela defendeu uma pessoa e todo mundo entrou
na confusão. Você sempre nos defendia e a gente defendia você, e continua
sendo assim. Assume, Julian, a Caty é a nossa cópia e temos que aceitar —
falo.
— Kay tem razão. Caitlyn é o nosso espelho. Não tem para onde
correr.
— Tem sim, Nicholas. Internato!
— Nisso concordamos, onde não tenha meninos, e onde ela fique
sempre rodeada apenas de garotinhas! — Sorrio. — Vou ao banheiro, não se
matem!
Saio da mesa, rindo do surto do pai da baixinha. Eu disse que o
Nicholas era má influência, ninguém acreditou.
O banheiro estava cheio, demorei para conseguir usar. Retorno para a
mesa e o assunto ainda é a Caitlyn e o castigo que o pai dela quer dar e o
Nicholas não quer deixar. Mexo no celular, ignorando-os antes que sobre
para mim.
As meninas postaram algo nos stories, então entro para ver. Franzo o
cenho conferindo os vídeos, onde estão dançando. Louise deixou um link e é
do TikTok dela. Entro e vejo os vídeos que postaram lá também. Mas foco na
porra da Louise rebolando com aquele vestido infernal, dançando ao que
parece ser os funks que ela fica ouvindo. Tem um vídeo sozinho dela e sinto
minha alma sair do corpo. Ela abriu os comentários e tem um monte de
mulher comentando, mas também homens endeusando-a.
Eu vou morrer nessa porra.
Encaro os dois na mesa, com meu coração quase parando.
— Internato agora! Coloque a Caitlyn em um agora. — Me olham,
confusos. — Isso mesmo que ouviram, antes que ela se torne uma garota que
faz dancinhas com um vestido filho da puta!
— Que merda está falando? — Julian pergunta.
— Nada! Mas assim, já viram as redes sociais das mulheres de
vocês? Spoiler: Muita bunda!
Eles pegam os celulares, enquanto fico vendo o vídeo da Louise
dançando. Linda, maravilhosa, dança muito bem, mas tem algo estranho
rolando comigo, estou puto com isso, irritado.
— É a esposa, é a filha… Porra, que castigo longo é esse que estou
pagando nessa merda de cidade?! — Julian reclama.
— Sinto falta da época em que a Piper se escondia até da sombra
dela, me dava menos dor de cabeça! Caralho, quer saber, Kayden, nunca
namore, nunca arrume ninguém, se livre dessa porra.
Ergo a cabeça e encaro meu irmão.
— Quê? Falou comigo? — Meu peito está até doendo, estou
morrendo.
Nicholas xinga e vira de uma vez sua bebida, então acende um
cigarro.
— Sobre a torre, procure uma! — Julian diz entredentes para o meu
irmão.
Espero que sobre lugar para mais uma, porque jogarei Louise
Pimentel nela também.
São três horas da manhã, Nicholas buscou as meninas enquanto vim
direto para casa e me deparei com o meu quarto todo ferrado. Esqueci a porta
aberta. Ainda matarei o Duke, mas não hoje, porque alguém conseguiu me
irritar mais do que ele e isso é um enorme milagre.
O casal está trancado no quarto com o Duke, a praga que matarei
depois. Não vi a Louise ainda, mas a ouvi no andar de baixo, ela não subiu
ainda desde que chegou, e por isso ignorei o quarto e estou descendo para ver
o meu outro estresse.
A luz da sala está apagada, apenas a da cozinha está acesa. Louise
está perto da mesa de jantar, mexendo no celular, distraída. Aproximo-me
com calma, apenas a luz da cozinha ilumina um pouco a sala. Paro as suas
costas.
— Sou eu… — Puxo seu corpo, grudando suas costas em meu peito.
Louise ofega e deixa o celular cair sobre o seu casaco na mesa.
— Porra, que susto! Desceu voando? — sussurra.
— Por que não subiu ainda? — Meu peito sobe e desce rápido
demais.
— Estava bebendo água e parei para mexer no celular. — Inclina o
rosto para trás e sorri. — O que foi?
— Conferindo o que no celular? Os comentários nos vídeos?
Ela franze o cenho e morde o cantinho da boca.
— Por que parece irritado? Viu os vídeos? Está me vigiando,
Kayden? — Dá uma risadinha.
— Não me provoca!
— Achei que não tivéssemos nada e não se importasse com o que
faço ou visto!
Respiro fundo, tentando me acalmar. Seguro seu rosto, mantendo-o
inclinado para mim.
— Estava rebolando com esse vestidinho para a porra da câmera e
postou isso para milhares de pessoas. O vídeo viralizou!
— Ainda bem. Monetização!
— Louise!
— Deixa de ser careta! — Revira os olhos.
— Vou gravar um vídeo, só de cueca, vou postar. O que acha?
Ela fica séria, mas desvia o olhar.
— Pode fazer. Reposto, te ajudo a engajar! — responde irritada. —
Não é a mesma coisa, ok? Estou vestida, Kayden, o que tem demais?
— Que agora um monte de filho da puta sabe o quanto é gostosa e
vai ficar te desejando!
— Então sou gostosa?
— Ainda duvida?!
— Não, é que pensei que diria outra coisa.
— Não sou ele, caralho. Está mesmo sem calcinha?
Ela nega lentamente e ri. Rosno irritado e empurro seu corpo sobre a
mesa, deixando-a empinada. Curvo-me sobre ela, emputecido, e ela sorri.
Seguro sua cintura, estou ofegante.
— Kayden, foi só uma dancinha, se eu soubesse que iria te irritar,
teria feito mais vídeos… O que tem demais em dançar? — Ela rebola,
roçando a bunda no meu pau completamente duro. — Viu? Nada demais.
Acerto sua bunda com um tapa forte, e ela solta um gritinho e ri em
seguida.
— Eu fiquei puto, ok? Não por você, mas pelos comentários.
Caralho, estou irritado. Estou com ciúmes!
Beijo seu pescoço e ela fecha os olhos e geme baixinho.
— Kay, aqui não… Se um dos dois… — Subo seu vestido, vendo a
calcinha branca dentro da sua bunda. Aperto sua bunda e ela geme mais.
— Foda-se. Estou maluco desde a hora que vi os vídeos.
— É mesmo? — Rebola mais me provocando.
— Louise! — Seu nome sai entredentes.
Abro minha calça e abaixo ela e a cueca o suficiente para o meu pau
ficar para fora. Ela rebola de novo, encaixando-o no meio da sua bunda.
Acerto outro tapa e ela morde os lábios, controlando o grito.
Deslizo o dedo para dentro da sua calcinha e a safada está molhada.
Louise vai ser meu castigo na porra da vida. Puxo o tecido para o lado, o
suficiente para encaixar o meu pau na sua entrada. Aperto sua cintura com
uma mão e com a outra tampo sua boca. Aproximo a boca do seu ouvido,
entrando totalmente na sua boceta e abafando seu gemido alto.
— Eu vou te foder bem aqui, com você debruçada sobre a mesa e não
serei gentil. Fique quietinha, se não quiser que eles desçam, porque, se eles
fizerem isso, não irei parar, continuarei metendo em você, entendeu?
Ela assente.
Tiro a mão da sua boca, seguro sua cintura com ambas as mãos e faço
o que falei. Meto nela até o fundo, ela tenta controlar os gemidos,
desesperada, enquanto tenta também se segurar na mesa. Seu rosto fica
virado para o lado, seus olhos presos aos meus.
Os seus lábios estão entreabertos e sua carinha é de pura safadeza, ela
está adorando me ver assim. Aumento a velocidade, a mesa se arrasta um
pouco, mas não paro. Ela geme alto e acerto sua bunda para ela se calar.
Afasto mais suas pernas com a minha, as botas dela arranham o chão.
Sussurra meu nome, chamando-me.
Curvo-me sobre ela, e ela reprime um gemido, os olhos começam a
marejar.
— Rebola… Rebola agora, só para mim, Louise! — falo em seu
ouvido. Puxo seu cabelo, trazendo sua cabeça para trás.
Ela rebola quando paro de meter. Busca a minha boca, mas não a
beijo. Ela quer ajuda com os gemidos, não darei.
— Kayden, me beija, eu não vou conseguir controlar… Aaah…
— Quieta! — Meto forte e ela morde o lábio. — Sabe me provocar,
então vai aprender a ficar quieta. Se segura melhor na mesa!
Ela aperta as mãos na madeira. Aumento de novo a velocidade das
investidas nela, sentindo-a me apertar ainda mais do que já fazia. Encaro-a,
sua boca abre, a expressão dela muda, me deixa mais louco. Controlo-me ao
máximo para não gozar dentro dela, não é assim que vamos terminar isso
hoje.
— Kay… — se desespera.
— Quietinha!
Ela tampa a boca quando acerto de novo sua bunda. Suas pernas
tremem e sinto o momento que ela me aperta bem forte antes de aliviar a
pressão, gozando e melando ainda mais todo o meu pau. Saio rápido de
dentro dela, antes que acabe gozando. Viro-a rápido e a empurro para o sofá,
ela cai deitada, fraca. Apoio um joelho entre suas pernas e me inclino sobre
ela, segurando o meu pau. Aperto seu rosto com uma mão e massageio o meu
pau, liberando todo o meu gozo sobre sua barriga e boceta. Colo as nossas
testas, os lábios entreabertos, respirações agitadas, enquanto marco-a como
um animal, descontrolado, irritado, totalmente enciumado.
Afasto-me, subindo a calça e a cueca sem fechar nada. Encaro-a,
tentando me acalmar e recuperar o fôlego.
— Está marcando território? — sussurra.
— Desculpa, eu… Porra, vou te limpar!
Ela se senta e abaixa o vestido, sem limpar toda a bagunça que fiz
nela. Aproxima-se, apoiando as mãos no meu peito.
— Se eu soubesse que faria isso tudo… Teria postado mais vídeo
dançando. — Sorri.
— Louise, não ache isso engraçado. Saiu da porcaria de um
relacionamento de merda, não precisa de outro louco surtando.
— Ei… Não é ele, foi o que disse e sei disso. Ele jamais encostaria
em mim depois de um vídeo assim. Parei de postar vídeos que eu gostava,
porque ele me chamava de puta, era agressivo com as palavras e teria ficado
dias sem falar comigo, me maltratando. O ciúme dele era doentio, possessivo
de um jeito que eu não podia respirar, me machucava. Do seu, eu senti
coragem em provocar e nunca me senti tão mulher quanto me faz sentir
agora. Kayden, queria que pudesse ver como estava me olhando, era como
um leão prestes a atacar sua comida favorita, isso me enlouqueceu. Não me
ofendeu, pelo contrário, me deixou de pernas bambas, não me puniu me
privando de me sentir especial, ou de não sentir prazer também. Eu gosto do
príncipe que tem momentos maus. Tá, estava certo, você é o tipo de príncipe
mau que eu curto. Está satisfeito?
Agarro sua nuca e beijo sua boca, dando a ela o que queria antes. Ela
passa os braços ao redor do meu pescoço, enquanto me inclino na sua
direção, agarrando seu corpo e voltando a me sentir excitado.
— Vai me enlouquecer.
— Esse é o plano desde que cheguei aqui, só agora notou? —
sussurra com a boca perto da minha.
Acerto sua bunda e ela sorri.
— Vamos subir, te quero na minha cama.
— Está bem. Vai me ajudar a responder os comentários?
Olho feio para ela, que ri e se afasta.
— Quer que eu responda? Vou adorar fazer isso, principalmente para
um que disse que tinha encontrado o amor da vida dele, mas ela ainda não
sabia.
— Nossa, que fofo, achei lindo. Lembra o nome? Vou mandar
beijinhos para ele!
— Eu vou te matar!
Ela sobe correndo as escadas, rindo baixinho.
Quando só pensávamos em nos matar apenas, era mais fácil. Eu vivia
muito mais apavorado e longe dela, sem saber o quanto o beijo dela é
gostoso, o quanto o sexo com ela é perfeito e o quanto estar com ela é
precioso. Era tudo mais fácil.
Apago a luz da cozinha e pego o casaco dela, então subo atrás do
meu tormento. A ideia da torre ainda é uma opção, com um porão para
trancar o Duke.
Louise está na porta do meu quarto, olhando o caos lá dentro.
— Ah, tem isso. Outro motivo para eu querer surrar sua bunda!
— Eu não deixei ele entrar! Mas aceito a surra na bunda!
Toco sua cintura, levando-a para o seu quarto. Ela acende a luz assim
que entramos.
— Esqueci a porta aberta, porque me distrai beijando você. — Fecho
a porta atrás de mim e passo a chave.
Louise tira as botas, e em seguida o vestido, ficando apenas de
calcinha, então vem até mim. Agarro seu corpo e respiro mais relaxado.
— Quer me matar, né?
— Tesão mata?
— Vamos descobrir, princesa!
Pego-a no colo e a levo para a sua cama.
— Achei que estivesse quebrado do jogo.
— Estou, mas não para você! Me fala, mudei sua opinião sobre o
hóquei e atletas?
— Sobre o hóquei, gostei quando vi o quanto realmente é agressivo,
isso me interessou, amei ver você ser arrebentado!
Sorrio, sabendo que está me provocando.
— E sobre atletas?
— Gosto de você agora, isso basta?
— Basta. E como basta gostar apenas de mim como atleta!
— Quem diria que era possessivo e ciumento, e olha que não temos
nada além de uma amizade com benefícios.
— Uma porra que não temos. Não me irrita.
— Temos? — provoca sorrindo.
— Não sei o que temos, mas temos!
— Então temos algo que não sabe o que temos?
— Isso está virando um trava-línguas! Usa a língua para outra coisa,
princesa!
Ela ri e beijo-a, amando vê-la assim, sem estar abatida, ainda que isso
signifique ela me gerar estresse e dor de cabeça.
LOUISE
Estou na arena, na minha pausa, enquanto falo com a minha avó e
xingo todo o inverno dessa cidade. Não aguento mais, quero a primavera, o
verão, estou surtando.
— Ele está bravo. Disse que não consegue falar com você.
— Bloqueei o número do meu pai, da minha mãe, os das imobiliárias
e o de casa. Não tem o que ser dito, vovó, e agora entendo isso. Não vai ter
casamento, não vai ter mais nada. Eu não quero contato com os meus pais, se
eu puder evitar, farei. Eles nunca foram presentes, só infernizam a minha
vida. Estou exausta!
— Entendo você e não te julgo, meu raio de sol. E depois do que me
contou sobre a ida daquele traste até aí, te apoio muito mais.
— A senhora viu o que ele soltou hoje na imprensa? — Rio de
nervoso. — Que terminou comigo, e deu diversas indiretas, que agora todas
as páginas de fofocas especulam que traí ele. Minhas redes sociais viraram
um inferno, eu tive que trancar todos os comentários de novo e o recebimento
de mensagens. E ainda disseram que fontes misteriosas próximas do casal
afirmam que ele foi surpreendido ao encontrar a noiva. Fontes uma porra, é
ele falando!
Cruzo os braços e encosto no carro do Kayden que a Piper está
usando.
— Fiquei sabendo, os funcionários da casa me contaram. Eu surtei
com o seu pai.
— Vovó, não se mete nisso. Ele é seu filho, infelizmente!
— Por isso mesmo tenho direito de falar. O Kevin chegou aqui
falando diversas asneiras e os seus pais aplaudindo. Ele disse que te
encontrou com outro, que você não respeitou o amor dos dois e que ele foi
agredido pelo rapaz que você estava.
— E não mentiu, foi agredido, e pensando bem, eu deveria ter
deixado o Kayden espancar ainda mais ele. Olha, estou irritada, pela primeira
vez não sinto medo, culpa, mágoa, eu sinto ódio, vovó, ódio! Estou levando
uma culpa que não é minha!
— Já disse para denunciar ele. Pode apostar que não deve ser a
primeira a passar isso nas mãos dele. E digo mais, do lugar que uma mulher
sai chorando, nenhuma outra ficará sorrindo.
— Eu sei. Tinha uma ex dele, ele dizia que ela era doida. Sei… O
único maluco é ele, filho da puta! Estou com muita raiva. E quer saber? Acho
que irei fazer uma visitinha ao Brasil!
— Nem pensar. Sossegue aí até a poeira abaixar. Está de cabeça
quente. Se acalme e pensamos no que fazer.
Bufo irritada e me afasto do carro.
— Estou de saco cheio. Eles estão conseguindo me fazer odiar a
cidade que amo, apenas por eles respirarem aí! Desculpa, vó, não merece
aguentar tudo isso, é do seu filho que estou falando também. Mas me perdoa,
eu sinto ódio dos meus pais, puro ódio!
— Eu não me importo, apenas me importo com esse sentimento
dentro de você. Não foque nele, porque o ódio nos destrói também, mas tem
todo o direito de estar sentindo tudo isso, Mônica e Domingos foram
péssimos com você. Que pais apoiam um abusador para continuar com a
filha?
— A porcaria dos meus! — Chuto a pedrinha no chão e quase
escorrego. — Vovó, eu preciso desligar, tenho que comer algo e voltar ao
trabalho, qualquer novidade me avise, tudo bem?
— Claro, meu raio de sol. Respira, come algo, bebe uma água e
juízo. Eu vou te avisar, e faça o mesmo. Não faça nada de cabeça quente,
sempre que fica brava, surta e não pensa nas consequências!
— Pode deixar. Te amo!
— Amo você mais que qualquer coisa.
Sorrio e desligo a chamada. O dia amanheceu péssimo hoje, Kevin
conseguiu ferrar todo o meu humor.
Festa da fraternidade no meio da semana, ou vai me ajudar, ou piorar
o estresse que estou. O dia foi péssimo na BTIU, na arena, em casa, em tudo.
Me isolei de tudo e todos, porque estava a ponto de explodir, e ninguém
merecia lidar comigo assim.
Minha avó pediu juízo, e vim procurar ele na festa dos Alces, eu devo
estar de brincadeira, até eu duvidei da minha capacidade de só fazer merda.
Estou em um canto, bebendo, e vendo todos dançarem, beberem e
jogarem. A festa é na casa da fraternidade, dentro do território da BTIU. Está
cheio, eu nem sabia que tanta gente fazia parte dela.
— Ainda acho que deveríamos ter ficado em casa, lendo!
— Está errada.
— Está com uma cara péssima, Louise! O que está acontecendo? —
Piper questiona.
Encaro a galera do hóquei, sendo atração no jogo de mirar a bolinha
nos copos e beber a bebida. As Marias-Patins só faltam se jogar aos pés
deles. Quem diria que eu amaria usar esse nome para elas.
— Estou? Estou me achando tão tranquila hoje!
— Espantou o reitor, fez o Duke se esconder de você, a Audrey evitar
a cafeteria, o Julian procurar outro canto para descansar e fez o Elijah correr.
Ah, e não posso me esquecer, fez o Nicholas ficar sem resposta para a patada
que deu nele. Acha mesmo que está tranquila?
Bebo a bebida horrível e assinto, sem tirar os olhos da bagunça do
outro lado. Kayden acerta e a Angel pula igual uma louca, os seios quase
saltando para fora do top brilhante.
— Que garota insuportável! — Balanço a cabeça.
— Quem? — Piper olha na mesma direção que eu. — Agnes,
Alejandra ou Angel? Espera, tem mais do outro lado da mesa… Quem?
— Angel. Que engraçado, o nome dela não me traz paz, anjos não
deveriam trazer paz? Se bem que um deles reina o inferno agora!
— Louise! — Piper me repreende rindo.
Inclino o rosto, vidrada neles. Agnes tenta se aproximar do Nicholas,
mas ele literalmente puxa o braço. Piper ri.
— Você pode rir da Agnes levando um fora, eu não posso comparar a
outra com o diabo?
— Louise, para! — Me cutuca. — Vai, o que está havendo? Está
muito irritada hoje. Desabafa, eu vou te ouvir.
Olho para a Piper, os olhinhos verdes brilhando em pura curiosidade.
— Problemas familiares, gatinha. Só isso — conto parte da verdade.
— Tem certeza?
— Tenho! — Solto uma lufada de ar. — Quer saber, vamos tomar
um ar? Esse ambiente está tóxico! — Olho para eles, e a Angel gruda do lado
do Kayden, que está prestando atenção no Luke tentando acertar a bolinha.
— Tóxico demais e não posso ser presa, não estou com a melhor roupa do
mundo para essa ocasião.
Piper ri, mas segura minha mão e saímos da festa, indo para o jardim
dos fundos, cheio de gente bebendo. Pegamos outra bebida, uma melhor, e
ficamos sentadas embaixo da enorme árvore, observando os idiotas da BTIU.
É, meu humor está uma droga e ainda bem que ninguém chega perto da Piper
por causa do Nicholas e o anel que ela utiliza dele, porque assim ela é o meu
escudo para espantar todo mundo e ser sociável apenas com ela.
— Deveríamos fugir, sabia? — falo. — Qual lugar sonha em
conhecer?
— Suíça. Amo livros de fantasia e lá me parece um lugar onde boas
fantasias aconteceriam.
Sorrio, eu já esperava que sua resposta teria a ver com livros.
— Eu tenho vontade de conhecer muitos lugares que ainda não fui,
mas fugiria para o Havaí, uma casa a beira-mar, ouvindo apenas o som das
ondas e desligando o mundo da minha cabeça. E sim, você amaria a Suíça. Já
estive lá, durante uma semana, é lindo.
— Já? Nossa, preciso conhecer! E sobre o Havaí, até eu queria,
principalmente por um pouco de sol, amo BTI, mas nem eu estou mais
aguentando o inverno, a sorte é que hoje está mais tranquilo. Passei uma
semana lá em um verão com meus pais, há muito tempo. Foi divertido.
— E eles? Como estão as coisas?
— Já não me ligam como antes, apenas uma vez ou outra para me
informar sobre algo ou ver se está tudo bem, mas também ligo uma vez ou
outra. Não odeio eles, Lou, só preciso respirar um pouco, sem eles me
sufocarem com a possessividade em me controlar como se eu ainda fosse
criança.
— Entendo. E está bem com essa distância?
— Não me julga, mas estou! — Solta o ar e bebe um pouco da
bebida.
— Nunca julgaria, acredite, entendo bem isso!
Bebemos nossas bebidas ao mesmo tempo, tendo nosso foco roubado
pelo pessoal entrando agitado na casa, falando algo sobre stripper ou desafio.
Eu nunca vi a Piper levantar-se tão rápido na vida.
— Vamos entrar!
— Ué, por quê? Com medinho das apaixonadas pelo capitão do time,
tirarem a roupa e se jogarem no colo dele?
— LEVANTA! — grita.
Engulo a risada e estendo a mão para ela me ajudar a levantar. Bebo
de uma vez a bebida, sendo arrastada pela Piper. Passamos pela lata de lixo e
jogamos os copos, o dela ainda cheio.
Ela desvia das pessoas com uma habilidade perfeita, enquanto
continua me puxando como se eu não pesasse nada.
E a que aterroriza todos sou eu?
Nos aproximamos da rodinha que se forma na sala, entre pessoas
sentadas nos sofás e ao redor deles.
Nicholas está debruçado sobre um dos sofás. Piper me solta e encosta
do lado dele, emburrada.
— Não vai participar disso!
Nicholas sorri e solta a fumaça do cigarro nela, provocando.
— E o que você vai fazer para me impedir?
— Eu irei participar e recusar o desafio apenas para tirar a roupa na
frente de todo mundo.
Arregalo os olhos e abro a boca. Nicholas me olha feio.
— Eu amo essa nova Piper. Eu apoio a vingança!
— Cale a boca, Pimentel. E não irei participar dessa porra, só estou
assistindo.
— Assistindo garotas ficarem nuas. Eu não deixava, Piper! —
provoco.
— Não tem porra nenhuma para fazer, Louise?! — Nicholas se irrita.
— Tenho, e estou fazendo, vendo a baixinha aí aterrorizar o bad boy
da cidade. Isso melhorou o meu dia em cem por cento.
Sorrio e ele tenta vir até a mim, mas a Piper impede. Ele iria levar um
belo de um soco, ela estragou meu plano de diversão. Faço uma careta para
ela e jogo um beijo para ele, provocando, e saindo de cena, até ficar
encostada perto da escada e vendo quem está perto do Micah, e quem
arrumou um jeito de se sentar ao lado deles.
Eu vou mandar essa Angel para o inferno junto com o líder supremo
dela, o capeta!
Cruzo os braços, me irritando de novo e sabendo que estou à beira de
um surto. Ontem ele surta por vídeos, hoje finge que não está vendo a garota
grudada nele a festa inteira. Eu vou parar na cadeia e nem estou vestida para a
ocasião.
Angel se levanta e tropeça, caindo em cima do Kayden, que tira a
atenção do Micah e a olha. Ela sorri, como se não tivesse fingido que
tropeçou. Meu coração acelera, por raiva misturado a ansiedade. Eu não
deveria estar irritada, não temos nada e nunca fiquei assim, nem pelo
desgraçado do Kevin. Kayden é assim, um chamariz de mulheres, não é como
se isso fosse novidade.
Ela sai do colo dele, voltando a se sentar ao lado, rindo, toda
espalhafatosa, agora que chamou a atenção dele. Provando que fingiu
tropeçar, já que voltou a se sentar.
Puxo algo na memória sobre ontem: “Não sei o que temos, mas
temos!”.
Kayden disse isso, não disse? Então se temos algo que ele não sabe o
que temos, sabe que a Angel está quase agarrando ele e continua fingindo não
perceber e deixando ela por perto, então tenho o direito de ser sonsa também,
e fazer ele provar disso um pouco, quer guerra? Vai ter guerra. Afinal, ele
não sabe o que temos, por que eu teria que saber?
Desencosto de onde estou e me aproximo de onde a brincadeira vai
começar. Sinto o olhar do Kayden sobre mim, mas finjo ignorar.
— Quem quer iniciar? Faremos sem a garrafa. Todos que quiserem
participar, vão participar. Só peço que quem não for brincar, erga as mãos,
para não ser escolhido para algum desafio — Elijah fala. Nicholas ergue a
mão e dou uma risadinha, ele me mostra o dedo do outro lado. Piper ergue
também e mais umas cinco pessoas repetem o gesto. Todos olham
atentamente. — Mais alguém? — Elijah insiste, olhando ao redor, e
acompanhamos seu olhar, até parar no Kayden, que acaba de erguer a mão.
Todo mundo se choca. — Não vai participar? Entendeu que é para não
participar, né?
— Não vou, Elijah. Continua! — responde com a voz irritada e me
encara, como se me avisasse para erguer a mão também.
Angel continua animadinha ao lado dele. Então apenas encaro os dois
e volto a atenção ao Elijah, líder da fraternidade, e que continua falando e
informando como funciona a brincadeira para quem não participou. A pessoa
desafiada que não cumprir o desafio, deve tirar uma peça de roupa a escolha
de quem o desafiou, os desafios podem envolver ações, verdades e tudo que
não for colocar ninguém em risco.
— Quem começar escolhe alguém para desafiar, e a pessoa escolhida
escolhe alguém e assim por diante. A brincadeira acaba quando todos tiverem
participado. Quem quer começar?
Ergo a mão. Elijah, que está ao meu lado, sorri e assente.
— Escolha a pessoa, Louise! E que comece a brincadeira. Abaixem
um pouco do som! — ordena.
Olho ao redor e paro o olhar sobre o Kayden, que está com os braços
apoiados sobre as pernas, inclinando para a frente e me olhando por cima.
Está bem irritado, fica nítido em seu olhar. Desvio o olhar e encaro a Angel.
— Te desafio a dizer com quem quer transar essa noite!
Ela sorri, fingindo timidez, e todos gritam ao redor. Passo o olhar
pelo Kayden, que balança a cabeça negativamente. Ergo uma sobrancelha e
volto a olhar para ela, sabendo exatamente o que ela vai responder e pronta
para ser alimentada ainda mais pela raiva.
— Era alguém que infelizmente não vai participar da brincadeira,
mas que espero que queira brincar de outra coisa. Kayden Spencer!
Todo mundo grita e balanço a cabeça negativamente.
— Não que seja um problema, Kayden repete o que gosta! — Micah
provoca.
Kayden o olha de lado, com mais raiva.
— Angel, sua vez, quem escolhe?
Ela olha ao redor e seus olhos pousam no Elijah.
— Escolho você, Eli. Te desafio a escolher qualquer pessoa dessa
brincadeira e tomar alguma atitude com ela, seja beijando, fazendo outras
coisas… tudo o que ela quiser e você também, mas publicamente, todos
teremos que assistir.
Olho para a Piper do outro lado, e ela abre a boca chocada ao me
encarar. Eu avisei que essa garota é do inferno. O pessoal grita, chamando
pelo Elijah, e ele olha ao redor, ansioso para escolher a pessoa com quem fará
isso, até seus olhos pousarem em mim e ele erguer uma sobrancelha.
Ele desvia o olhar para onde o Kayden está e olho discretamente,
vendo o Kayden balançar negativamente a cabeça, está muito irritado, é como
ver o Nicholas em puro ódio. Olho para o Elijah, que franze o cenho,
confuso.
Só pode ser brincadeira. O que esses gêmeos têm que os idiotas
obedecem a eles?
Elijah me olha e o desafio com o olhar. O pessoal grita para ele tomar
logo uma atitude e escolher a pessoa, então ele me puxa pela cintura e me
beija, não retribuo totalmente, porque não me afeta em merda alguma. Escuto
os gritos e valorizo a pegada que ele tem, mas não é nada comparada a do
Kayden, não me afeta em nada e me odeio por perceber isso.
Nos afastamos e ele sussurra no meu ouvido:
— Não me mata!
Acabo sorrindo, sabendo que ainda assim me teme. Mas é o
movimento ao lado que chama a minha atenção. Kayden se levanta do sofá e
se afasta. Olho para onde o Nicholas e a Piper estão. Nicholas olha para o
irmão e observa atentamente, enquanto a Piper fica me encarando,
desconfiada de algo. Desvio o olhar para o outro lado, enquanto o Elijah
escolhe a próxima pessoa e vejo o Kayden subir para o segundo andar da
casa. Angel se levanta e sei exatamente aonde ela vai, então sou mais rápida,
passo por ela, ligando o dane-se para a brincadeira e para o que vão pensar.
Passo pelas pessoas, até estar seguindo pelo mesmo caminho que ele
fez. Chego no segundo andar da casa, está vazio, é como se fosse um
território proibido e, pelo jeito, respeitam bem isso. Encaro o corredor e as
portas por ele, até ver uma luz acesa por baixo de uma delas. Aproximo-me e
acredito ser o banheiro. Paro na porta e testo a sorte, tocando a maçaneta e
torcendo para ser ele.
Abro a porta e espio, vendo-o em frente a pia, secando as mãos. Abro
de uma vez a porta e nossos olhos se encontram através do espelho.
— Terminou o showzinho? — questiona.
Encosto no batente da porta e fico olhando para ele.
— Terminou de fingir que a Angel não estava a noite toda grudada
em você e se jogando no seu colo?
— E aí a sua solução para resolver seu ciúme é participar da
brincadeira e ser beijada pelo Elijah?
Vira-se, afastando-se da pia. Ele passa por mim e respiro fundo.
— Kayden…
Para no meio do corredor e se vira para mim.
— O quê? Eu realmente não estou calmo para conversar agora,
Louise!
Eu preciso ouvir a minha avó, toda vez que não ouço, me ferro. Ela
fala que preciso parar de agir na raiva, que faço merda.
— Você ficou com ela a noite toda!
— Eu não fiquei com ela, Louise! Ela estava em cima de mim e de
todos os caras do time, assim como as outras. Porra, até em cima do Nicholas
ficaram, só que ele é bruto, ele tira elas, eu não sou ele, eu só ignorei. Mas se
isso não estava sendo o suficiente para você, chegasse em mim e falasse, se
comunicasse, eu teria falado com ela, dado um jeito, sei lá… O dia inteiro
está evitando todo mundo e eu respeitei seu espaço, só isso. Aqui na festa, eu
não fiquei por perto porque sabia que estava com a Piper e deixei vocês terem
um momento, enquanto eu estava focado nos meus amigos, no meu irmão, ao
ponto de ligar o foda-se para a Angel, porque não estava me afetando em
nada ela por perto, se me perguntar o que ela está usando, eu nem sei dizer,
porque não fiquei prestando atenção, esse é o nível! Era só ter falado, que eu
apenas ignorá-la, sem falar nada, não estava sendo o suficiente para você.
Fecho os olhos por alguns segundos. Fiquei cega de ciúmes, que
ignorei ele se divertindo com o pessoal e foquei apenas nela tentando chamar
atenção dele, por que talvez eu estivesse com inveja dela ter coragem de fazer
o que eu não estava fazendo, que era ficar perto dele.
— Ela fingiu cair no seu colo e perdi a cabeça de vez… — Cruzo os
braços e respiro fundo.
— Eu sei que ela fingiu. Eu já estava saindo dali, tinha avisado ao
Micah que não participaria da brincadeira e iria sair, então você quis
participar. Comunicação, lembra? A falta dela trouxe tudo isso. Deveria ter
falado comigo, se comunicado, surtado comigo e não se vingado por raiva.
Achou que depois eu iria fazer o quê? Revidar? Eu não sou o meu irmão e
não sou o Kevin… — Desvio o olhar. — Não precisa fazer loucuras para
chamar a minha atenção como deveria ser com ele, você a chama
naturalmente, só pelo fato de estar no ambiente. Eu vi cada lugar que foi com
a Piper, até mesmo na árvore. Eu notei cada vez que pegou uma bebida, para
ter certeza de que ninguém colocaria nenhuma merda. Eu estava de olho em
você, ainda que a Angel estivesse por perto, tentando chamar atenção, eu
estava focado em me divertir e saber se estava tudo certo com você, com
outras preocupações, e ela não fazia parte de nenhuma. Eu estava te notando
e não ignorando para focar nela, se isso passou pela sua cabeça também!
Ergo o olhar e ele respira fundo. Estou me sentindo envergonhada,
péssima.
— Ela disse que queria transar com você, o Micah provocou e você
não disse nada! Eu pirei mais! Errei, tá legal?
Ele respira profundamente.
— Eu estava ocupado demais, tentando me acalmar porque sabia que
você iria fazer merda, porque conheço seu olhar. Olha, eu preciso respirar,
estamos estressados e não vamos chegar a lugar algum conversando assim.
Ele se afasta, descendo as escadas.
— Parabéns, Louise! — sussurro para mim mesma.
Eu deveria ter surtado com ele, afinal Angel nem sabe o que rola
entre a gente, e nem a gente sabe de nada. Mesmo enciumado ontem, ele não
fez nenhuma merda e eu fui lá e dei um show. Eu deveria ter escutado a Piper
também, ter ficado em casa, desestressado, porque álcool, festa, ciúmes e
raiva acumulada, daria merda, fui ingênua em não prever.
Caminho pelo corredor e desço as escadas. A bagunça continua e
vejo o Kayden entrando na cozinha.
Encontro a Piper, que se joga em mim, me agarrando.
— Tudo bem?
— Tudo. Quer um conselho? — Olha-me desconfiada. — Continue
sendo sensata, mandando a real diretamente para o seu namorado, resolvendo
entre vocês. Esse negócio de vingança pública só dá certo nos livros que você
lê, ok?
— Ok… — responde confusa. — Bebeu o quê?
— Nada. — Forço um sorriso e olho para trás dela. — Quer ficar
olhando as pessoas e odiando ter saído de casa?
— Quero. Vamos nos sentar? Se for sentada, isso vai se tornar
radiante!
Sorrio e concordo.
Estamos sentadas no topo da escada, observando todo mundo na sala
e o modo que a brincadeira continua.
— Belos peitos! — Piper elogia falando da Agnes.
— Se não for silicone e forem duros naturalmente, me jogo dessa
escada agora.
Começamos a rir.
— O Luke vai morrer, parece que nunca viu peitos na vida! — Piper
diz e continuamos rindo.
— Coitado. Eu até que curto ele. Morre de medo de mim, eu me
divirto!
— Achei que odiasse atletas.
— Nem todos… — Suspiro, vendo o Kayden perto da porta, bebendo
e conversando com o irmão e o Blake, amigo do Nicholas, que vive
participando das corridas ilegais que fazem.
Kayden olha na nossa direção e seus olhos focam em mim, odeio o
pós-surto, porque eu fico manhosa, chateada, porque sempre dá merda, e
ansiosa. Deito a cabeça no ombro da Piper e ela entrelaça uma de nossas
mãos. Ele desvia o olhar.
— Vou fazer uma pergunta, não me mata e não precisa responder
com palavras. Aperte uma vez minha mão para “sim”, e duas para “não”. Ok?
— Olho para ela e aperto uma vez sua mão. Ela sorri. — Está rolando algo
entre você e o Kayden? — Aperto duas vezes. — Está mentindo para mim
agora? — Aperto uma vez e ela sorri animada. — Está gostando dele, né?
Respiro fundo e olho para ele, sentindo meu coração apertar de um
jeito bom. Aperto então uma vez sua mão.
— E está com medo? — Aperto uma vez de novo. — Me perdoa por
ter traduzido as coisas para ele? Já deve saber que sabemos tudo que está na
internet sobre o seu noivado. — Aperto uma vez. — Não vou te julgar, não
precisa me falar nada do que aconteceu no Brasil, só me promete que vai
deixar a gente continuar te amando e cuidando de você?
Ergo o olhar para ela, meus olhos estão marejando e aperto uma vez
sua mão, bem forte. Ela não me julgou, não sabe tudo, apenas o que tem na
internet, e pelo pouco que sabe, entende que menti, e ainda assim não me
julgou. Piper não me olhou diferente e isso me traz mais um pouco de alívio.
Eu errei em pensar que todos me julgariam, estava com medo, apavorada, e
no final, me sinto em casa, sim… Eu me sinto em casa com eles.
— Eu acho que vou para casa, tomar um banho, descansar. Não estou
no meu melhor dia e já causei demais. — Forço um sorriso.
— Quer que eu vá com você?
— Não. Fica, vai lá aterrorizar o Nicholas e me conta tudo depois,
porque me diverte o quanto causa pânico nele.
Ela ri baixinho e concorda. Amo que ela não força nada, ela entende
e dá espaço. Deixo um beijo na sua bochecha e sorrio de verdade agora.
— Obrigada.
Ela assente e me levanto, descendo a escada. Passo por algumas
pessoas e saio pela porta da frente, sentindo o vento da noite ficando mais
forte agora. Pego o celular para chamar um carro por aplicativo, mas sinto
alguém parar atrás de mim e reconheço o perfume e o calor da proximidade.
— Vai embora? — Kayden pergunta.
Viro-me e assinto para ele.
— Preciso dormir, vai por mim, é melhor.
— Vamos, eu te levo.
— Não precisa. Fica, vai aproveitar todo mundo, Kay, se divertir é
bom para distrair a cabeça.
— Então fica também.
— Não, eu realmente estou exausta. O dia foi uma loucura.
— Me conta o que está acontecendo. Se comunica comigo. — Toca o
meu rosto, dando carinho, e pronto, desabo. Meus olhos marejam, minha
boca treme. — Vamos para casa, princesa.
Abraça-me e assinto, passando os braços ao seu redor.
— Kevin espalhou várias merdas na mídia, estou recebendo ataques
infernais, e aí eu surtei, acumulou tudo, desculpa. Eu fiz merda!
— Vamos para casa, me conta tudo, e penso em formas de matar ele,
ok?
— Sem matar ninguém. Vamos. Eu quero deitar.
Afastamo-nos e ele apoia a mão nas minhas costas e nos leva até sua
moto. Sorrio vendo dois capacetes ao nos aproximar.
— Eu não vim com você.
— Não, mas eu sabia que retornaria comigo.
Sobe na moto e subo em seguida. Seguramos os capacetes.
— Ainda está chateado comigo? Se te conforta, não senti nada em
beijar ele, foi como não estar beijando — sussurro. — Me perdoa?
Reconheço que exagerei.
Ele vira o rosto e sorri. Aproxima a boca da minha e me deixa um
beijo nos lábios. Sinto um frio na barriga, algo que me aquece e me faz
estremecer. Meu coração dispara.
Eu gosto muito dele. O final de semana apenas desbloqueou o que
esse tempo todo eu posso ter criado um muro para evitar reconhecer o óbvio,
mas estava lá em cada provocação.
— Sentiu algo com o meu?
— S-sim.
— Então não estou mais tão chateado. Coloca o capacete, princesa.
Sorrio sutilmente e faço o que ele pede. Kayden coloca o dele e não
demora para sair com a moto em alta velocidade pelas ruas de BTI. Agarro
seu corpo e encosto a cabeça em suas costas, fechando os olhos e relaxando
totalmente só por estar grudada nele.
Ele desacelera tudo para mim. Kayden é meu lugar seguro.
KAYDEN
Observo a rua silenciosa e o escuro da madrugada. Estou sentado em
frente a porta. O capuz da blusa de moletom cobre a minha cabeça, enquanto
apoio os braços sobre os meus joelhos e quebro em pequenos pedaços um
graveto que achei no chão. Poderia estar dormindo, mas perdi o sono e vim
tomar um ar, ainda que congelante. Minha cabeça está acelerada demais e
isso me faz pensar em muitas coisas ao mesmo tempo.
Passos na sala, atrás de mim, fazem eu olhar por cima do ombro. O
isqueiro queima a ponta do cigarro preso em sua boca e apenas a luz do fogo
ilumina a sala. Ele coloca o isqueiro no bolso e caminha na minha direção,
até sentar-se ao meu lado e soltar a fumaça no ar.
— Não deveria estar na cama? — questiona sem me olhar.
Volto a quebrar o graveto e a encarar a rua.
— Perdi o sono. Precisava de um pouco de ar.
— Um ar negativo? Está começando a nevar.
Olho para as lâmpadas da rua e vejo a fraca neve, que começa a
despencar no chão de Beyond The Ice.
— Pois é. — Solto uma longa e lenta lufada de ar. — E você? Piper
te expulsou?
— Perdi o sono também.
Assinto e olho de lado. Seus olhos iguais aos meus me encaram,
enquanto ele bate o dedo no cigarro, derramando as cinzas no chão. Sopra a
fumaça para cima e respira fundo.
— O que foi? — pergunto.
— O que está acontecendo, Kayden? Fala comigo. Para de fugir do
seu próprio irmão. Me deixa te ajudar e entender que merda está havendo,
cara.
Desvio o olhar e encaro o graveto ficando pequeno em minha mão.
— Nada, está tudo bem…
— Eu sei quando está mentindo, e está fazendo isso agora. — Escuto
ele respirar fundo, cansado. — Eu sei dos seus pesadelos.
Aperto mais forte o graveto nas mãos, é automático. Ele se parte por
inteiro, despencando entre os meus dedos.
— Como?
— Eu ouvi algumas vezes e fiquei na porta do seu quarto, até ouvir
os gritos silenciarem. Piper também tem eles, mas com menos frequência que
você. Ela chama pela Caitlyn, você chama por mim, sempre por mim. O que
você sonha? — Balanço a cabeça negativamente. — Me fala. Seja sincero
comigo.
Engulo em seco, envergonhado.
— Com o dia do incêndio. Você morre nos meus braços, elas
morrem… Tudo dá errado e não consigo fazer nada, e termina sempre com
alguém tentando me tirar de lá, me chamando, uma voz diferente, talvez
minha consciência tentando me acordar do pesadelo.
— Eu não morri, Kayden. Elas não morreram. E isso não é sua culpa.
Nada daquilo foi sua culpa. A sua mente está te sabotando.
Balanço a cabeça negativamente e encaro o chão.
— Eu apenas assisti você matar o Cameron e quase morrer.
— Não. Você cuidou delas. Você protegeu elas, fez de tudo para a
Caitlyn não ver nada daquilo e você voltou para me tirar de lá, porque
acreditou que podia fazer isso e que eu estava vivo. Você se colocou em risco
por mim. Essa é a verdade e não a porcaria que sua mente está dizendo.
— Eu deveria ter impedido tudo isso… Era responsável por você. Se
eu tivesse te parado…
— Ele teria matado a Caitlyn e sumido com a Piper… Olha pra mim.
Kayden, olha nos meus olhos, agora. — Viro o rosto para ele e o encaro. —
Você não é responsável por mim e nunca deveria ter tentado ser. Eu sou o
responsável pelas minhas merdas, apenas eu. Somos irmãos, e está tudo bem
nos protegermos, mas não podemos assumir a responsabilidade das ações um
do outro. Precisa parar com isso e viver a sua vida. O silêncio dos nossos pais
sobre isso aumentou ainda mais esse instinto protetor que possui por mim.
Quando eu disse que não queria seguir o mesmo caminho que eles, que me
formaria no que eu queria e lutaria pelo hóquei até estar na NHL, e assim
seria responsável por todas as minhas ações e lidaria com toda e qualquer
consequência, foi também um aviso a você, mas parece que eu deveria ter
desenhado.
Desvio o olhar.
— Eu sou mais velho, mais sentimental, sou o seu equilíbrio, não
queria ver você se foder… Ainda não quero.
— Cinco minutos, Kayden. Por cinco minutos é o mais velho. Age
como se fosse por cinco anos. Para com isso! Sim, é sentimental, mas não é o
meu equilíbrio, não desse jeito. — Olho para ele novamente. — Você é
sentimento, eu sou explosão, isso é equilíbrio para os nossos pais, nossos
amigos. Eles precisam desse equilíbrio, ou seríamos duas bombas. Você é
meu irmão, mas também meu melhor amigo, é nisso que você é o meu
equilíbrio. Eu sinto falta do meu melhor amigo, do cara que eu corria atrás
para arrebentar, do que me irritava sem parar, mas que era carinhoso e me
ensinava a ser…
— E não aprendeu nada, é péssimo com carinho!
Sorrimos.
— Meu equilíbrio é ter você como amigo, conversar, falar merda,
sairmos juntos, brigarmos pra caralho. Eu sempre me senti o mais sortudo do
mundo, sabia? Porra, eu nasci junto com o meu melhor amigo. Eu dividi um
espaço minúsculo por meses com o idiota que viria ao mundo comigo. Como
pode nunca ter notado que isso era o meu ponto de equilíbrio e não você
tentando ser um pai para mim?
— Sério? Sou seu melhor amigo?
— Eu vou te dar um soco! Claro que é, porra. Eu amo o Julian, o
Micah, e o Elijah é um ótimo saco de pancadas. Mas você é o primeiro em
tudo para mim. Acha que ainda não decidi o time por quê?
— Por causa da Piper?
— Não, imbecil. Por sua causa. Eu não quero estar em um time onde
você não vai estar. A gente começou toda essa merda juntos. A NHL é algo
que sonhamos juntos. E, de repente, está jogando tudo isso fora… É como
estar me jogando fora também.
— Estou achando que quer chorar.
— Para de desviar o assunto, caralho! — Sorrio da sua raiva. —
Kayden, você não precisa agradar os nossos pais, porque me tornei o filho
rebelde deles. Eles ainda nos amam mesmo assim, ou já teriam me deserdado,
então não será você chutar a porra da BTIU e seguir o seu sonho que vai
matar eles. Eu não preciso de você limpando as minhas merdas, eu preciso de
você rindo delas e dizendo que me avisou, e principalmente, aproveitando
elas comigo, me xingando sem parar. Está tendo pesadelos porque se culpa
por aquele dia. Se eu morresse naquele dia, eu estaria em paz, porque elas
teriam você, e sei que faria tudo por elas. Esse é você, sentimento, carinhoso,
alegre, a porra de um irritante, lembra? — Assinto lentamente. — Não
parece. Eu olho e vejo preocupação em seus olhos, sorrisos forçados… Se
esqueceu de quem era para viver na minha sombra. Está deixando o medo te
corromper, e sabe a pior parte? — Nego. — Eu estou vendo o meu melhor
amigo definhar e não posso fazer nada, porque ele escolheu esse lugar e
parece que não quer sair de lá.
Viro o rosto e encaro a rua, a neve está intensificando.
— Estou apavorado pra caralho. Talvez eu tenha perdido tudo.
— Não. Se ainda quer a NHL, se quer estar nela comigo, sabe que
pode chegar lá, só precisa voltar a ser o jogador foda que era. O Spencer que
arrebentava o outro time e nunca era derrubado, exceto por mim, que sou
bem melhor!
Rimos e ele joga a fumaça em mim, me provocando.
— O reitor me deu até o baile de primavera para mudar minha vida
na BTIU. Estou cansado dele e daquele lugar, Nick.
— Aquele filho da puta ainda segue me irritando. Preciso acabar com
ele antes de sair da BTIU. Será meu último trote naquela merda, e será com
ele. Antes de eu pisar fora daquele lugar, darei um recado a ele, bem
memorável.
Balanço a cabeça negativamente.
— Não seja preso.
— Tentarei! E você, não foda mais sua vida por querer cuidar de mim
e ser perfeito aos nossos pais. Reage, ou eu vou socar sua cara até se lembrar
de que precisa construir sua própria história. E por falar nisso, por que não
arrebentou o Elijah?
Olho de lado para ele.
— Não sei do que está falando.
— Sabe, seu imbecil. Sabe! Eu estava pronto para assistir você
explodir. Está rolando algo entre você e a Pimentel. Vejo a porra de uma
coleira enorme no seu pescoço. Ela fez para te provocar. Ela faz merdas que
eu faria. Reconheci de longe isso.
— Ela não estava bem. Não iria piorar aquela merda toda.
— Viu? Somos diferentes. Então saia da minha sombra e viva! — Ele
se levanta e chuta minha bunda. — Entra, vai dormir e resolver sua vida.
Joga o cigarro no chão e pisa sobre ele.
— Obrigado. Eu te amo, Nick.
— Também amo você, Kay.
Respiro fundo, sentindo um alívio repentino invadir o meu peito e
desacelerar minha mente. Levanto-me e ele me empurra de leve.
— Eu não quis apavorar ela.
— É o merda do ex dela? — Olho para ele. — Eu sei. Quando ela
chegou, investiguei tudo que podia sobre ela, afinal estava grudando na Piper.
Sabia que ela estava fugindo do cara, ou ela nunca teria ocultado que era
noiva, e não estaria beijando caras nas festas da cidade, Louise não faz o tipo
que trai…
— É complicado. E claro que saberia, é um psicopata doente.
Ele sorri e sobe as escadas. Tranco a casa e subo também. Vou para o
meu quarto, que tive que faxinar por culpa do Duke. Louise está dormindo.
Quando chegamos, ela tomou banho, remédio para a dor de cabeça e dormiu.
Fecho a porta do quarto, tiro a blusa de moletom e o tênis, então me
deito. Ela sente minha presença, porque larga o travesseiro e vem até mim, se
aconchegando em meus braços. Sorrio igual um bobo. Deixo um beijo na sua
testa, sentindo sua respiração quente, lenta, no meu pescoço.
Estou à mesa, tomando café. Nicholas e Piper estão se matando no
andar de cima, porque um autor que ela adora quer fechar publicidade com
ela e a convidou para o evento do livro dele, e o Nicholas não quer deixar
porque ele não vai poder ir com ela. Não sei por que ele não deixa, o cara
deve ser um velhote gente boa.
Louise desce as escadas, rindo, arrumada, perfeita.
— Agora estou em paz. Estava quase vomitando com eles em amor
perfeito.
— Um autor está gerando entretenimento entre o casal. Isso que eu
chamo de sucesso.
— Não é qualquer autor. Ela me mostrou. O cara é bonitão, solteiro e
está muito amoroso com ela. Nicholas vai matar ele.
— Agora faz sentido essa briga.
— EU VOU E PROBLEMA SEU SE VAI FICAR COM RAIVA.
NICHOLAS, É TRABALHO! EU NÃO ESTOU INDO PARA UM
ENCONTRO!
— ELE NÃO PENSA ISSO, PORRA. NÃO VAI. PIPER, EU VOU TE
AMARRAR EM CASA!
Fecham a porta e até o Duke corre para baixo.
— Devemos nos preocupar?
— Não. Ele vai terminar amarrado e ela vai conseguir o que quer. Eu
nem sei por que ele insiste em tentar controlar ela. — Bebo o meu café e dou
de ombros. — Bom dia!
— Bom dia! — responde e olha pela janela. — Vai precisar do carro
hoje, a neve está forte. Não suspenderam nada?
— Não.
O Duke vai até o pote de ração e começa a comer, como se não fosse
um demônio de quatro patas. Come tranquilamente, enquanto os donos dele
se matam entre quatro paredes.
Levanto-me, terminando de tomar o café e sigo para a cozinha
levando as coisas e deixando dentro da pia.
Louise para na porta e a encaro.
— Não vai comer? — pergunto e ela nega.
— Estou sem fome. — Brinca com o anel em sua mão. — Está
chateado ainda, né?
— Na verdade? Não. Ontem eu estava chateado. Hoje, estou com
raiva.
— De mim?
— Do Elijah, por ter continuado quando alertei ele.
— Ele não teve culpa. Eu comecei com tudo isso. Desculpa. Eu vou
entender se quiser me ignorar, e fazer minhas malas e jogar junto comigo no
aeroporto para eu voltar ao Brasil.
Aproximo-me dela e seguro sua mão, trazendo-a para a mesa. Faço-a
se sentar e me abaixo ao lado da sua cadeira, apoiando as mãos em suas
pernas.
— Se eu fizer isso, não posso roubar mais os seus produtos. Vou ter
que te aturar, tudo por eles! — Revira os olhos e sorrio. — A gente precisa
resolver isso.
— Quer beijar alguém para se vingar também? — pergunta, noto a
angústia em sua voz.
— Não! Nada de beijar ninguém. Estou falando de nós dois. A gente
sabe que não é apenas pelo final de semana. Desde que chegou aqui, todas as
implicâncias, tudo que acontecia, tinha um motivo.
— Tinha?
— Não se faz de sonsa, Louise. Nem combina com você!
Ela respira fundo.
— Está bem, tinha algo. Implicar com você me distraía. Ainda me
distrai.
— O mesmo acontecia quando eu fazia isso com você. Eu gosto do
que acontece quando estamos juntos e o final de semana só provou isso.
Abrimos uma camada importante, que ocultamos por muito tempo. A gente
se dá bem junto e tudo fica melhor quando estamos implicando, ou colados
um no outro. Então vamos deixar rolar, deixar acontecer, vamos tentar.
— Kayden, eu sou toda fodida da cabeça, se bobear sou pior que o
Nicholas. Acredite, não quer isso.
— Eu quero. Eu quero muito isso. E eu amo sua cabeça. — Sorrio. —
Eu não quero você agarrada em outros caras, porra, estou irritado com isso.
Pela primeira vez, eu quero estar com alguém porque me sinto bem, não para
fugir de tudo.
Ela me encara e morde o cantinho da boca, então respira fundo.
— Vai enjoar de mim.
— Não vou. Eu prometo que vou cuidar de você, isso sim. Mas
precisamos nos comunicar de verdade para isso funcionar.
— Eu prometo tentar.
— E eu prometo arrebentar o Elijah.
— Não é o Nicholas.
— Mas agora é o ciúme falando.
Ela sorri, e me inclino puxando seu rosto para mim e beijo-a. Porra,
eu gosto dela… Eu gosto muito dela.
— Parece mais animado.
— Tive uma boa conversa, que me deixou pensativo de um jeito
bom. Me prometa que não vai mais fazer loucuras só para chamar minha
atenção. Você não precisa disso, princesa. Você já chama naturalmente.
— Chamo?
Concordo e beijo sua boca de novo.
— Chama. Me deixa cuidar de você, por favor? — Assente e respiro
muito aliviado. — Então começaremos com você parando de ver tudo sobre
esse cara, até decidir o que quer fazer, tudo bem? Te quero longe de notícias
sobre ele ou sobre você.
— Ok. Vai ser melhor mesmo.
— E agora quero que tente comer algo ao menos. Vou enfrentar o
casal maluco para pegar a chave do meu carro com a Piper.
Beijo de novo sua boca e me levanto.
— Eu sou maluca e ciumenta, e cheia de merda na cabeça, com pais
narcisistas e um ex-noivo abusivo. Ainda pode correr, Kayden.
— Nossa, eu só vejo qualidades. — Dou uma piscadinha para ela,
que me olha feio. — Eu literalmente parei minha vida por medo de magoar os
meus pais e por querer proteger o meu irmão. Me fodi na BTIU, e terei que
dar um jeito de recuperar o tempo perdido de tudo para conseguir um bom
time de hóquei. Meu irmão é um assassino e namora a minha melhor amiga.
Meu outro amigo teve uma filha com uma doida e nos meteu na maior
loucura com a família Duncan. Descobri que sou ciumento pra caralho, e
estou me controlando para não estourar e te assustar. Tenho ansiedade e
pesadelos malucos. Acha mesmo que tem alguém normal aqui? Nem o Duke
é normal.
Ela sorri e se levanta, então se joga nos meus braços e a abraço forte.
— Você é perfeito. Obrigada por ser assim.
— De nada!
— Essa é a parte que fala que sou também idiota!
Começo a rir e beijo seu pescoço então me afasto.
— É perfeita, Satã, e quero que vá comer e rezar pela minha vida.
Preciso das chaves do carro. Terei que ir até o campo de guerra.
— Eu não irei rezar. E perder a chance do Nicholas te bater? Jamais!
— Se senta na cadeira e enche o copo de suco. — Não me deixa dirigir
mesmo, só a Pips. Então que ela te acerte com a chave também.
Sorrio da ciumenta e subo as escadas, com o Duke vindo atrás. Que
ótimo, irei morrer pelo casal e serei devorado pelo animal. Só me ferro nessa
merda.
Bato na porta e o Nicholas grita.
— Quero a chave do meu carro, vim em missão de paz!
A porta se abre e ele me olha feio, passando por mim, irritado, quase
atropelando o Duke. Olho para a cama, Piper está sentada e sorrindo.
— Conseguiu o que queria, não é?
Ela me joga a chave do carro e pego no ar.
— Quando não consigo? E a Louise vai comigo. Audrey não pode ir
e não quero ir dirigindo sozinha para Anchorage. Vai ser no final de semana.
Vou na sexta. Ah, preciso da chave da casa de campo dos seus pais. Nicholas
não vai me dar, ele está puto.
— Me perdi na parte de quem vai com você ver o escritor destruidor
de relações! Ela não vai!
Piper ergue as sobrancelhas, surpresa.
— EU VOU! — Ouço a voz da Louise de boca cheia. — VAMOS
FALAR COM O GRAYSON HOJE.
— Não vai! Nenhuma das duas vai. NICHOLAAAS! — grito,
andando pelo corredor.
Desço às pressas as escadas, e encontro ele na sala, tomando café.
Piper vem atrás.
— Boa sorte em tentar colocar isso na cabeça da sua amiga! — ele
fala, irritado.
— As duas não vão. Em Anchorage? Sozinhas na casa de campo?
Um escritor bonitão? Cadê a foto do merdinha?
Piper me entrega o livro que tira da bolsa e me mostra a foto dele no
livro.
— Nada demais! — ela diz.
— Uma porra que não, Piper. O cara saiu do Photoshop. Ele está
destruindo essa casa, olha o clima pesando. Não vão! Louise nem gosta de
ler. — Gesticulo, apontando para ela.
— Claro que gosto!
— Alice no País das Maravilhas, e ele não escreveu a porra desse
livro! Não vai.
— Não é nossa culpa que sábado vocês tenham um jogo especial! —
Piper revida.
— Que você deveria estar trabalhando nele, é a media girl do time!
— Nicholas diz entredentes.
— O treinador me liberou. É um jogo beneficente, vão ter
profissionais para isso. E o sr. White vai fechar a cafeteria no final de semana
para a fiscalização anual. Tudo certinho. Ou dão a chave, ou peço aos pais
dos dois! — Piper diz. — Eu recebi o convite para o evento dele e a chance
de conhecer ele pessoalmente, eu vou e a Louise também!
Louise ri e olho feio para ela.
— Eu vou amar sair da cidade um pouco! E vejam, nem precisaremos
amansar o velhote do gelo! — Louise se levanta da mesa e sorri. Para na
minha frente, ficando na ponta dos pés e me deixa um beijo rápido na boca.
— Quando estão sérios, vocês ficam muito idênticos, já falaram isso?
— Eu sabia… BTI vai derreter! — Piper dá um gritinho animada.
Olhamos para ela.
— Calada… — Louise diz entredentes.
— Por que vai derreter? — pergunto.
— Porque a Louise disse que o dia que te olhasse diferente, BTI
derreteria. A neve vai acabar e dias de sol vão vir, esperem só!
— Eu vou te matar! — Louise grita.
Piper solta um grito e corre para fora de casa, e Louise avança para
cima dela, mas seguro a maluca.
— Sabe o que vai derreter? Minha paciência. Se você for ver esse
destruidor de lares, eu vou atear fogo nessa cidade!
— Consigo a gasolina! — Nicholas arrasta a cadeira com raiva. — E
eu disse que ainda iria explodir. Quem diria que era por um relacionamento!
— Meu Deus, vocês em dupla são irritantes! — Ela se afasta. — Vou
pegar minhas coisas. Iremos, e vocês não vão fazer porra nenhuma. É
trabalho, Piper está sendo reconhecida, e deveriam estar felizes. Ela ama
você, seu idiota! — Encara o Nicholas agora. — E nunca faria merda.
— Confio nela, não confio no escritor! — Nicholas diz.
— Argh! — Louise sobe as escadas, irritada. — Insuportável. É isso
que você é, seu morcego infernal!
Pego a mochila no sofá e fico encarando o Nicholas.
— “Ela ama você, seu idiota! E nunca faria merda”. Ela não falou
nada sobre nós dois. Que ótimo, eu posso me foder! — reclamo.
Nicholas dá de ombros e passa por mim. Louise desce as escadas e
me encara.
— O que foi agora?
— Continua.
— Com o quê, idiota? — Franze o cenho.
— “Piper ama o Nick e não faria merda. E eu também amo você, e
não farei merda!” — amanso a voz, imitando-a.
— Chega. Eu cansei. Eu preciso de um mês longe de você ou irei te
matar!
Ela sai irritada e olho para o Duke.
— Viu? Ela me ama. Só não sabe como dizer!
Ele late, irritado. Corro para fora de casa.
Piper entra no carro do Nicholas, socando a porta e fazendo-o respirar
bem fundo. Abro a porta para a Louise e aproveito para jogar minha mochila
no banco de trás. Ela entra no carro e fecho a porta.
Escritor bonitão… Que porra de escritor é esse? O cara está longe e
fazendo uma merda dessas?
Entro no carro e soco a porta.
— Desembucha! — fala enquanto colocamos o cinto. — Kayden, eu
estou indo pela Piper. Para de ser maluco!
— Eu estou ótimo. Está tudo bem. É a trabalho, não foi o que disse?
— Olho para ela e ligo o carro. — Então, confio nas duas! — Sorrio forçado
e começo a dirigir.
Confio nelas, não no meu ciúme. Ele não poderia ser feio ao menos?
Bufo irritado e escuto o risinho da Louise, mas nem falo nada ou ela
vai me provocar. Preciso me acalmar, e é maluco pensar que a Caitlyn seria
boa em me ouvir e aconselhar agora, para o titio dela não fazer merda.
Caralho, ela tem sete anos, o que tô pensando?
— Eu gosto de você, Kay. Sinto coisas por você, muitas coisas
desconhecidas. Acredite, o bonitão não me afeta em nada. Não vou quebrar
seu coração como no sonho.
— Pronto, agora estou pensando naquele sonho e você ficar
chamando-o de bonitão não ajuda. Caralho, Louise, não está ajudando!
Ela ri e olho para ela. Vira o rosto para a janela, mordendo o canto da
boca.
— Eu não sei o nome dele, chamo assim, porque a Piper chama!
Abro a boca e ela me olha assentindo.
— Piper? Que danadinha! — Louise começa a rir. — Piper Roberts
tem uma quedinha pelo escritor bonitão!
— Não como está pensando. Ela é muito fã dele. Só isso. E não é
cega.
— Eu vou focar no que estou pensando, porque posso irritar o
Nicholas com isso e fazer com que ele… — Sorrio animado, e paro de falar.
— Kayden, o que vai fazer?
— Nada!
Mas em Anchorage sozinhas elas não ficam. Não com o destruidor de
relacionamentos na cidade. Foda-se se estou explodindo e prestes a virar um
ciumento psicopata. Mas minha garota não vai ficar sozinha em uma cidade
com um filho da puta que está atraindo o caos para a nossa casa.
LOUISE
Eu vejo o sol, eu vejo um lindo e belo sol surgindo.
— Piper, estou arrepiada.
— Com o quê?
— O sol. O sol veio para Anchorage nos recepcionar. O mundo está
voltando ao normal. Tudo está ficando lindo de novo!
Apoio-me na janela da casa de campo dos Spencer. Chegamos tarde
da noite e caímos na cama. Não víamos a hora da semana passar e podermos
vir para aproveitar, porque falava da possibilidade de um final de semana
mais quente, com um pouco de sol por aqui.
— E o clima vai ser favorável. Temos que nos arrumar para irmos
tomar café em algum lugar, não tem nada aqui na casa. A Taylor está brava
que não avisamos com antecedência para ela abastecer a casa e mandar fazer
uma boa limpeza.
— Temos sol. Não precisamos de mais nada. Ele vai nos alimentar
com sua vitamina D.
— Você é esquisitinha, né? Faz sentido namorar o Kayden.
— Não estamos namorando.
— Para mim estão. Agora vai se arrumar, estou morrendo de fome.
— Vou. Vou me vestir lindamente para aplaudir o sol. Iremos
aplaudir ele!
— Não iremos. E sai da janela, parece uma doida!
Ela me puxa, me tirando do calorzinho dele. Ele tocou minha pele,
me deu carinho. Eu amo o sol.
— Piper, vou usar um vestido. Pode estar ventando, eu vou usar um
vestido. Foda-se o vento, eu preciso sentir o sol tocando minha pele. E você
também, está pálida, garota. Precisa de um bronzeado natural!
— Eu fico que nem um camarão. Nunca fico bronzeada.
— Sabia que tinha um defeito!
Caminho para o quarto que dividimos juntas.
— Isso não é um defeito — vem retrucando atrás e me fazendo rir.
— Menos conversa e mais ação, gata. Temos um sol e quero sentir
ele. Eu realmente acho que posso gozar de tão emocionada que estou!
— Louise!
— O sol, o calor, eles são o meu amor verdadeiro. Eu mato e morro
por eles, então se arruma, para prestigiar os meus amores! — Ela dá um
passo para trás, puxando a mala, com medo. — Agora, baixinha!
Ela cai sentada na cama e respiro feliz.
Eu amo muito o solzinho.
Encaro a cara de bobinha que a Piper faz, vendo o autor ler parte do
livro dele, uma parte bem picante. Estou tentando controlar o riso, mas os
suspiros dela não facilitam minha vida. Raymond — agora sei o nome dele
— tem uma voz sexy e ele sabe disso, porque parece intensificar ela só para
fazer esse bando de mulheres surtar. Cubro a boca com o folheto que deram,
quase morrendo da cara que todas elas fazem.
O que eu não faço por uma amiga!
— É perfeito!
— O texto ou ele? — sussurro.
— Claro que o texto!
— Sei… O Nicholas precisava estar aqui.
— Xiu! — Ela me acerta com o livro e começo a rir.
Ele termina de ler e todo mundo aplaude, inclusive eu, afinal o texto
é bom mesmo, tirando todo o teatro para ele ler e sensualizar com a voz.
— Agora poderemos fazer perguntas depois dessa leitura divina! — a
mediadora diz e a Piper é a primeira a erguer o braço.
Escorrego na cadeira, me escondendo atrás do folheto e chorando por
controlar o riso.
— Temos leitoras empolgadas por aqui! — a mediadora diz e todos
riem.
Piper me chuta e recebe o microfone para fazer a pergunta.
Piper está na fila para ganhar autógrafo, e estou ao seu lado, lendo as
mensagens infinitas do Kayden.
KS: LOUISE, EU PODERIA ESTAR MORTO, SABIA? E VOCÊ
NÃO SABERIA, PORQUE SUMIU O DIA TODO. O TEU HOMEM JOGOU
IGUAL UM FILHO DA PUTA, E NÃO TEVE UMA MENSAGEM DE
APOIO! UM PARABÉNS SEQUER!
KS: “Parabéns, meu príncipe. Vocês ganharam e conseguiram boas
doações. Olha só, tenho orgulho de você, meus parabéns”. PESSOAS
CARINHOSAS FALAM ISSO, SABIA?
KS: Estou dolorido, sofrendo, e levando fora a distância. Está
terminando comigo? É isso? Louise, sabia que a regra número um para estar
com um jogador de hóquei é nunca terminar com ele antes, depois ou
durante um jogo? Isso é CRIME e DESUMANO!
Reviro os olhos e sorrio. Então é meu homem? Droga, o que ele está
fazendo comigo? Por que tudo que ele me fala me faz suspirar e me sentir a
garota mais sortuda do mundo? Kayden mexe comigo e isso me deixa
pensativa, porque eu pensava que o que sentia pelo Kevin era especial, mas
hoje vejo que não, foi um erro apenas, eu confundi as coisas, nunca foi amor,
porque… Com o Kayden é e me sinto feliz. Desde que cheguei aqui, até
mesmo nas provocações, ele sempre me ofereceu carinho, porque esse é ele,
nunca me humilhou, maltratou ou desprezou. Provocava, e eu gostava disso,
gosto ainda. Mas sempre teve carinho, ainda que ele vá negar, talvez. Com o
Kevin não, desde o começo era tudo frio, eu me esforçava mais do que ele, ao
ponto de ter dependência emocional e confundir isso com amor.
— Olá, meninas! — o autor diz, assim que chega a nossa vez.
Bloqueio a tela do celular, que agora recebe ligação do Kay. Vou
falar com ele depois que sair daqui, ou a Piper me mata.
— Oi! — Piper responde toda sem jeito e entrega o livro a ele. —
Piper… Piper Roberts!
— Eu sei. Eu sou fã do seu trabalho e é a pessoa que quero trabalhar.
Achou mesmo que eu não a reconheceria?
Por que sinto que ela vai desmaiar?
— Ai, meu Deus… Estou nervosa, me desculpa. Eu amo seus livros.
Perdi as contas de quantas noites passei em claro lendo. Eles são perfeitos!
Noto o autor a encarar todo encantado, de um jeito bem diferente de
como encarou outras leitoras. Não acredito que terei que concordar com o
surto de Nicholas Spencer. Não é que o autor tá caidinho por ela também?
Ele nem disfarça.
— E eu perdi inúmeras noites acompanhando seu trabalho, Piper. É
incrível tudo que faz. Tenho amigos de profissão que sonham em trabalhar
com você e prometi tentar fazer essa mediação, já que sua agenda tem estado
superlotada. — Assina o livro dela e entrega sorrindo demais.
— Nossa, não sei nem o que dizer. Vai ser uma honra!
— Estarei na cidade até amanhã. Podemos almoçar juntos amanhã,
levo meu agente, e negociamos tudo. E assim nos conhecemos melhor. — O
sorriso dele aumenta, e o charme também.
— Claro! Quero dizer, pode ser… — Ela me olha.
— Na verdade, senhor autor, sou assessora dela e amanhã ela não vai
estar disponível, mas podemos tratar tudo por e-mail, pode ser? — Ele me
olha decepcionado, mas assente a contragosto. Olho para a Piper, que franze
o cenho. — Agenda cheia para amanhã, lembra, Roberts?
— É? É… Cheia! — responde confusa.
— Que pena, seria uma honra almoçarmos juntos. Mas podemos
fazer o acordo de tudo por e-mail. Obrigado por ter vindo! — Devolve o livro
a ela.
Ele se levanta e a abraça por cima da mesa. Balanço a cabeça
negativamente e reviro os olhos com o sorrisinho emocionado dela.
— Tchau! Livro ótimo! — Puxo ela e afasto da fila, porque atrás da
gente reclamam da demora.
Nos afastamos de todo mundo e ela me olha brava.
— O que foi isso?!
— Garota, ele estava te comendo com os olhos, acredite, esse almoço
seria sobre tudo, menos negociações. E você está tão emocionada por estar
com um autor que adora, que nem notou as olhadas dele para você.
— Nada a ver. — Faz biquinho, emburrada.
— Então por que ele está te olhando ainda, ao invés de focar nas
outras leitoras dele?!
Ela vira o rosto discretamente e me olha desesperada.
— Droga. Ele tem mesmo uma fama péssima sobre ser como os
cretinos que ele escreve. As duas ex-namoradas o detonaram. O Nicholas não
pode saber que estava certo sobre ele estar dando em cima de mim, ouviu?
Não pode! Bem que achei as mensagens bem íntimas, sabe?
Começo a rir e enrosco o braço no dela, tirando-a da livraria.
— Eu cobraria um bom valor para trabalhar com ele, só pela cara de
pau dele — digo, sentindo o sol nos abraçar. — Piper, temos sol ainda. Eu
amo a vida!
— E eu tenho autógrafo e irei trabalhar com mais um autor que
adoro! Eu amo minha vida também!
Rimos e caminhamos pelas ruas. Vamos almoçar como tínhamos
combinado e voltaremos para a casa dos Spencer para descansar então,
porque amanhã temos que ir embora.
— Foi bom sair de BTI. — Suspiro.
— Foi. E conseguimos pegar um bom clima no inverno de
Anchorage. Mas precisa me falar agora, não aguento mais essa curiosidade…
Você e o Kayden estão muito juntos, por isso estava brava com a Angel na
festa e beijou o Elijah, né?
Resmungo e choramingo.
— Nem me lembra da merda que fiz. Eu estava em surto por
problemas pessoais e ferrei as coisas.
— Ferrou mesmo.
— Piper!
— Não, estou falando isso por causa disso! — Ela tira o celular da
sua ecobag e me mostra um vídeo. — Kayden arrebentou o Elijah durante o
jogo hoje. Os dois discutiram e ele perdeu a cabeça. Micah já passou por isso,
sobreviveu. Elijah vai sobreviver! — Ela ri.
Abro e fecho a boca algumas vezes, mas fico sem saber o que falar,
por essa nem eu esperava. Mas vou matar o Kayden, ele não precisava fazer
isso. Se bem que ficou ainda mais gostoso assim, bravo… Foco, Louise! Ele
quase mata o Elijah.
Entramos em um restaurante perto da livraria, preciso de comida e
pensar em como esganar o Kayden.
Mais mensagem chega e claro que seria do Kayden.
KS: Passando para informar a hora e o local do velório de Kayden
Spencer! Será realizado em Beyond The Ice, na estufa de seus pais, para
virar adubo para as plantas do senhor Spencer.
Sorrio, e a Piper me olha.
— Kayden?
— Uhum.
— Agora sorri quando ele te manda mensagem? Estou no melhor dia
da minha vida, sério!
— Se continuar, eu vou contar ao Nicholas sobre o escritor bonitão
ter secado você e afirmar que ele estava certo sobre não querer você com esse
cara.
— Calei!
Nos cumprimentam e levam para uma mesa.
Kayden começa a me ligar, mas não tenho tempo de atender, o
celular desliga, descarregando. Agora ele pira de vez, mas bem feito. Ele
espancou o Elijah, e falei para ele não fazer nada, porque a culpa foi minha
que me meti na brincadeira.
KAYDEN
Nicholas deixa o Duke na casa dos nossos pais e apenas nossa mãe
está em casa no momento. Ela nos olha desconfiada e dou o meu melhor
sorriso.
— Deixem as meninas em paz. Deem um final de semana livre para
elas!
— Não dissemos que estamos indo atrás delas! — nos defendo.
Eu dei a ideia, quando o jogo terminou, alimentei a intuição maluca
do Nicholas sobre o escritor ser um safado, e ele caiu nessa. Louise não estar
me respondendo só me provou que estou certo. Elas podem ter sido
sequestradas pelo sr. Perfeito.
— Não? — Minha mãe nos encara, mas olha fixamente para o
Nicholas. — Eu pari vocês. Eu conheço essas caras. Há muito tempo não via
os dois aprontarem juntos. Querem saber? Estou nem aí. Se a Piper chutar
você, Nicholas, e a Louise ajudar a espancar os dois, eu vou rir!
Ela se senta elegantemente no sofá e cruza os pés. Duke se senta ao
lado dela, ganhando carinho. Ele sabe que os biscoitos dele dependem da
grana dos donos dessa casa, óbvio que ele iria agradar os meus pais.
— Ela não vai me chutar. Não estamos indo para a casa de campo,
mãe. Vamos viajar com os caras do time! — Nicholas me olha e assinto.
— Isso aí. Vamos passar o final de semana com eles.
Ela semicerra o olhar e nos avalia.
— Eu nem quero saber o que vão aprontar. Quanto menos eu sei,
mais anos de vida eu ganho. Só tenham juízo! — Solta uma lufada de ar,
cansada.
Nos aproximamos e deixamos um beijo em sua testa.
— Amamos você! — falo.
— Isso aí que ele disse. Vamos logo, idiota! — Nicholas diz.
— Eu também amo vocês.
Saímos da casa e sorrio animado. Nicholas olha para a moto.
— Eu não vou colar o meu pau na sua bunda!
— De carro vai levar mais tempo! Seis horas. De moto faremos isso
em quatro horas no máximo. E fica lindinho de capacete! — Pego o capacete
e estendo para ele. — Qual é, Nicholas, é pela Piper, está indo defender a
honra da sua bela donzela. Além disso, eu sou o único que sabe pilotar a
moto. E vai amar minha bunda, sempre foi mais bonita que a sua.
Ele me olha feio e dou uma risadinha. Puxa o capacete da minha
mão, com raiva.
— Eu nem sei por que estou ouvindo você!
— Porque me ama e porque está enciumado pela Piper.
— Sou o único enciumado nessa porra, né? Quem arrebentou o Elijah
e está querendo ir para Anchorage também?
— Em minha defesa, eu estava em um momento difícil no rinque! —
Subo na moto e coloco o capacete. Nicholas sobe atrás, irritado, xingando
sem parar e ajeitando a mochila em suas costas que tem algumas coisas
nossas. — Se segura, amorzinho.
— Vai logo com essa porra, filho da puta! — Coloca o capacete.
Abaixo a viseira do capacete, rindo do péssimo humor do Nicholas.
Estou ajudando-o a resgatar a garota dele e ele ainda acha ruim, porra.
Paro a moto dentro do terreno da casa, na porta de entrada. São nove
horas da noite e chegamos em quatro horas aqui, como eu previa. Tiro o
capacete e o Nicholas desce da moto primeiro, tirando o dele também e
alongando o pescoço.
A casa está toda apagada, o que é bem estranho. Desligo a moto e
desço dela, alongando o corpo.
— Espero que estejam dormindo — diz, irritado.
Ele abre a porta e entro logo atrás. Acendemos as luzes e vemos um
livro no sofá. Me aproximo e é do tal autor. Abro e tem um autógrafo.
— No evento elas foram, olha! — Mostro ao meu irmão que se
aproxima, jogando a mochila no sofá, e encarando o livro. — Fez até
coraçãozinho. — Nicholas rosna e se afasta, caminhando pela casa, enquanto
eu dou risada.
Ele chama por elas enquanto as procuro pela casa também, mas nada.
Tento os celulares e só chama.
— Elas não estão. O carro está nos fundos. Elas foram em algum
lugar perto — ele fala. — Tira a moto da frente da casa, esconde ela nos
fundos.
Olho para a sua cara e vejo exatamente o que ele quer aprontar.
— Nick…
— Um pequeno susto não fará mal a elas. Vou desligar o quadro
geral de energia da casa.
Balanço a cabeça, rindo.
— Que maldade, Nicholas Spencer… Que maldade! Amei.
Pego o capacete dele e saio animado da casa, e vou esconder a moto
como ele queria. Tranco-a na garagem e retorno para dentro da casa. Ele
tranca tudo e desliga o quadro geral de energia.
— Será que ainda tem aquelas máscaras de Halloween que usamos
em um que viemos para cá? — ele pergunta.
— Acho que em alguma gaveta do meu quarto, se a nossa mãe não
jogou tudo fora. Ela quer muito se livrar da gente.
Acendemos a lanterna do celular e vamos para o meu quarto levando
a mochila e indo procurar as máscaras. Encontramos facilmente na última
gaveta da cômoda, bem ao fundo. Duas máscaras do Pânico.
— Isso vai servir! — Ele sorri diabolicamente.
— Elas vão nos matar. Piper odeia essas coisas e a Louise é violenta!
— Mensagens não respondidas, coração em autógrafo, ligações não
atendidas, e sumiram, acredite, nenhuma das duas está em posição de sentir
raiva.
— Nem me lembra. Eu poderia estar morto, e aquela Satã nem se
importou!
— Então, acha ainda que não merecemos um pouco de diversão?
Sorrimos e saímos do meu quarto, voltando para a sala. Nicholas
fecha as cortinas de todas as janelas, deixando a sala um completo breu. No
mesmo momento escutamos um carro parar ao lado de fora. Nos
aproximamos da janela, abrimos sutilmente a cortina. As duas descem da
parte de trás do carro, usando vestidos, sandálias e uma produção completa
para quem foi se divertir.
Engulo em seco.
— Coloque a máscara, é hora do show! — Nicholas sussurra,
irritado.
Colocamos as máscaras e cada um vai para um lado da casa.
Desligamos as lanternas dos celulares e aguardamos as duas.
O som da chave na porta e os risos mostram que estão bem animadas.
Nicholas e eu ficamos em silêncio. A porta se abre e elas continuam rindo.
— Eu preciso tirar esses saltos, estão acabando comigo. E precisamos
retornar as mensagens e ligações dos idiotas, ou vão enlouquecer — Louise
fala.
Tarde demais, princesa.
— Ué, a luz não acende — Piper diz.
— Como não?
— Não acende. Deixa eu tentar as outras.
— Piper, nem brinca. Eu me acostumei com aquelas luzes que você
tem em casa. Dormir nesse breu vai ser pra morrer!
Vejo a lanterna do celular delas acender e dou um passo mais para
trás, com calma entro no meu quarto.
— Calma, pode ser o sistema de segurança. O Devin ama tecnologia,
ele instala em tudo. Deve ter dado alguma pane, mas podemos arrumar.
— Piper… — Louise sussurra e controlo o riso. — Eu não quero te
apavorar, mas sabe aquela sensação de estar sendo vigiada?
— Sei… O que tem? Louise, para!
— Juro. Tem algo nos vigiando, eu estou toda arrepiada, olha isso.
Sinto pares de olhos.
— Louise, meu coração vai sair pela boca! — Piper fala baixinho,
mas seu desespero é audível.
Ouço o som de um móvel se arrastar e elas gritam. Foi o Nicholas,
tenho certeza. Abro e fecho a minha porta, e outro grito delas.
— EU DISSE QUE EU ESTAVA SENTINDO COISAS. EU
SEMPRE ODIEI ESSAS CASAS AMERICANAS. ASSISTI FILMES DE
TERROR PARA SABER O QUE ACONTECE NELAS, E SABE O PIOR?
NO FINAL DIZIAM QUE ERAM BASEADOS EM FATOS! — Louise se
altera.
— Fala baixo! — Piper orienta. — A gente sai, chama a polícia e vai
ficar tudo bem. Sabe por que nos filmes de terror dá ruim? Porque o povo
nunca sai da casa.
— Depende, tem os que tentam fugir igual a gente e se fodem.
Sorrio.
Nicholas faz outro barulho e elas gritam de novo.
— Vamos logo, foda-se! — Louise grita e acho que puxa a Piper,
porque o barulho das passadas é como se corressem.
Nicholas me envia uma mensagem, mandando eu sair de onde estou e
ir para a sala. Não é para deixá-las saírem. Guardo o celular e vou para a sala,
conhecendo bem a casa para poder andar tranquilamente por ela sem luz.
— Passos… Passos… Piper, abre essa porra ou eu arrombo e abro!
— Estou tentando, mas minha mão não para de tremer… Droga, eu
nunca mais venho sem todo mundo para cá!
Nicholas caminha para a sala também, e continuamos em silêncio, e
agora entendo por que ele gosta dessas merdas, existe uma adrenalina
diferente nisso. É excitante.
Paramos atrás delas e a chave vai ao chão. Elas gritam sem parar,
encostando na porta. Nicholas acende seu isqueiro entre nós dois, iluminando
os quatro. Elas abrem os olhos lentamente e nós dois inclinamos as cabeças
para o lado.
— Eu não acre…
Louise vai falar, mas puxo-a para mim, colocando suas costas no meu
peito e tampando sua boca.
— Seus doentes! — Piper diz entredentes. — Quase mataram a
gente!
— Boa noite, pequenas travessas — Nicholas sussurra, puxando a
Piper e apagando o isqueiro. — Foi bom evitarem a gente o dia todo?
Piper tenta reclamar, mas a boca está tampada, sai apenas murmúrios.
— Diversas mensagens, ligações, nada… — sussurro. — Ficamos
preocupados, mocinhas!
— O que acha que devemos fazer com elas? — Nicholas questiona,
provocando.
— Não sei… Talvez amarrar? Intensificar a brincadeira? — Louise
tenta apertar meu pau. — Quebrar seu parque de diversões não vai resolver
nada, princesa.
— E pisar com o salto no meu pé, não está mudando nada, estou de
coturno, pequena! — Nicholas sussurra para a Piper. — E se a deixássemos
aqui, sem celulares, sem luz…
Elas murmuram mais irritadas.
— E perder a oportunidade de aproveitar com elas? Seria tão triste,
irmão…
— Tem razão!
Rimos ao mesmo tempo e deixamos as bocas delas livres.
— Eu juro que eu vou matar vocês. Um por um. Eu vou desmembrar
cada parte do corpo dos dois e dar aos porcos o que sobrar! — Louise diz
entredentes.
— E eu vou apoiar. Vou ajudar ela a fazer tudo isso! — Piper retruca.
— Vai mesmo? Adora quando te provoco assim, pequena. Está até
ofegante… Excitada.
— Vai se ferrar, Nicholas! — ela grita. — Acendam as luzes e parem
com essa merda!
— Querem mesmo isso? Ou querem aproveitar a raiva e se
divertirem, e, quem sabe, nos contar onde estavam? — Aperto mais ainda a
Louise em meus braços.
— Vai pro inferno, Kayden! — Louise diz, com a voz trêmula, não
de medo, eu conheço esse tremor.
— Podemos ir todos, agora mesmo, e fazer todo tipo de pecado que
existe nele — Nicholas diz e as duas ofegam ao mesmo tempo.
Meu pau ganha vida e a adrenalina intensifica isso tudo. Estou sem
controle, posso sentir. Tudo que penso agora é em como foder minha garota.
— Seu nojento! Não vão compartilhar a gente! — Louise fala baixo.
— E quem falou em compartilhar? — nós dois respondemos juntos.
Estou excitado pra caramba.
— Acendam as luzes. Chega dessa loucura! — Piper exige. —
Vamos esganar vocês, quase nos mataram do coração.
Sorrio.
— Tem certeza de que quer isso, ou quer experimentar algo novo,
Roberts? — Nicholas provoca ainda mais. Não sei o que ele faz, não dá para
ver, mas ouço-a gemer baixinho.
Louise se remexe em meus braços e aperto seu pescoço, ela geme
baixo.
— Querendo fugir? Agora que a brincadeira está ficando boa? —
sussurro em seu ouvido e deslizo uma mão por baixo do seu vestido, tocando
o meio das suas pernas. Ela ofega alto e geme timidamente.
— Vocês não vão fazer isso… — Louise sussurra. — A gente já
entendeu, estão putos. Pronto!
— Ela tem razão! — Piper ajuda a amiga.
— Acha que isso basta, Kayden? — meu irmão pergunta.
— Não. Não basta.
— Penso o mesmo.
Nicholas provoca a Piper de novo e ela geme mais. Deslizo a mão por
dentro da calcinha da Louise e a filha da mãe está molhada. Ela está gostando
disso. Trago-a comigo para o canto, onde sei que tem a parede, e grudo meu
corpo nela, apertando-a mais ainda em meus braços.
Ouço os outros dois andarem e um barulho no outro sofá. Hoje ouvir
eles não me enoja, pelo contrário, me deixa maluco, principalmente por ter
minha garota grudada em mim e excitada também.
— Vocês são loucos! — Louise sussurra.
— E vocês estão adorando! — respondo, minha está voz rouca,
excitada.
Ela se empina, me tirando o restante do controle e me fazendo gemer.
Massageio sua boceta, e Louise geme mais manhosa. Os gemidos do outro
lado da sala são ouvidos e isso vira um descontrole geral, e o tesão vai
aumentando. Tudo escuro, nada se vê, apenas se ouve.
Não falamos mais nada, apenas os sons dos gemidos e respirações
intensas são ouvidos. Louise se esfrega na minha mão, querendo mais. Meu
pau dói de tanto tesão. Inverto nossas posições e a empurro para a parede, de
costas para mim. Ela se empina, sabendo exatamente o que quero. O que
começou como uma brincadeira para assustar elas, virou um cenário de
descontrole no breu.
Abaixo minha calça e coloco meu pau para fora e encaixo na sua
boceta, arrastando sua calcinha para o lado. Louise grita de prazer.
Fodo-a contra a parede, os seus saltos arrastando pelo chão. Os
gemidos dela se misturam aos da Piper do outro lado. Isso é perfeito, o som
disso tudo torna a situação mais marcante. O cheiro de sexo começa a
predominar o ar.
Escuto o som do meu pau socando dentro da Louise, mas também os
movimentos brutos no sofá do outro lado da sala. Nunca pensamos em fazer
isso ao mesmo tempo, programado, mas, caralho, elas descontrolam a gente.
Foder a Louise ouvindo seus gemidos e os do outro casal me deixam maluco
de tesão. Arranco a máscara, o rosto suado, os cabelos também. Eu mergulho
ainda mais fundo dentro dela, ela me chama, alucinada. Acerto sua bunda e
ela grita.
Ela aperta meu pau mais que o normal e gemo quase morrendo. Os
sons se misturam, gritos, gemidos, desespero, tudo ao mesmo tempo, vindo
de todos os lados. Puxo seu cabelo e levo a boca ao seu pescoço, beijando e
chupando sua pele.
Ela me chama e ouço a Piper chamar o meu irmão.
— Goza… Goza pra mim… — sussurro no ouvido da Louise. —
Afoga totalmente o meu pau no seu gozo, princesa.
— Kayden… Meu Deus! — sussurra.
Entramos em orgasmos juntos, nós dois. Continuo socando dentro
dela, até derramar todo meu gozo em sua boceta. Piper berra do outro lado, e
o Nicholas geme com um rosnado.
Os gemidos silenciam, e apenas o som das nossas respirações
ofegantes é ouvido. Saio de dentro da Louise e subo a calça.
Viro seu corpo e ataco sua boca. Ela sorri em meio ao beijo.
— Ninguém precisa saber do que aconteceu aqui! — Piper diz,
ofegante.
Todos concordamos apenas, voltando à razão, mas sabendo que foi
uma loucura gostosa pra caralho.
Depois de tudo, é como se não tivesse acontecido, estamos
conseguindo agir normalmente. Tomamos banho, pedimos comida e agora
estamos na sala, a TV passando um filme qualquer. Louise e eu estamos em
um sofá, deitados juntos. Piper e Nicholas estão no outro.
— Por que não querem falar do autor? Estão desviando do assunto!
— Nicholas aponta o óbvio.
— Depois de quase nos matarem de susto, acham que é sobre o autor
que temos que falar? De quem foi a ideia de merda de querer nos assustar? —
Louise questiona.
— Ela tem razão, quase morremos! — Piper reclama.
— Não finjam que não terminou melhor do que esperavam! —
Nicholas retruca. — Agora fale, que porra estão escondendo?
Olho para a Piper, as bochechas dela coram. Encaro a Louise, que
sorri e me abraça, inalando o meu perfume.
— Não brincam… Nicholas estava certo? — Começo a rir. —
Espera, se ele estava… O que o filho da puta fez?!
— Eu vou matar aquele merda! — Nicholas se altera e Piper o agarra.
— Nem comecem! Ele é meio doido, mas um ótimo escritor. E não
aconteceu nada. Ninguém disse que o Nicholas estava certo! — Piper diz.
— O único que deve explicações aqui é você. Por que espancou o
Elijah? — Louise me olha, enfurecida.
— Espancar é uma palavra forte. Meu punho atingiu ele algumas
vezes. Foi acidentalmente, estava tentando matar um inseto! — Sorrio.
— Isso não tem graça. Eu já disse que eu entrei na brincadeira, ele
estava participando, só isso!
— A boca dele participou além do limite. Não acha? — Beijo sua
boca e ela me acerta no braço.
— Eu teria matado. — Nicholas ajuda. — Eu ainda penso em matar o
Micah.
— Por que sempre querem matar? — Piper pergunta. — Que droga!
— Porque é divertido! — Nicholas provoca mais e começo a rir.
Louise tenta me bater, mas aperto ela, controlando a maluca.
— Vocês são dois idiotas! — reclama e sorrio para ela.
— Agora falem, onde estavam? — pergunto.
— Em um teatro. — Olho desconfiado, mas não vejo mentira na
Louise.
— Teatro? Estão me irritando! — Nicholas reclama.
— Sim, teatro. Ela não mentiu. Está tendo uma peça, Alice no País
das Maravilhas. Louise quis ir e claro que topei, amo essa história. Foi muito
legal.
Fico olhando para a Louise.
— Foi sem mim? — sussurro.
Ela sorri e assente.
— Não estava aqui. Fui com a Piper e foi divertido.
— Foi divertido mesmo sem mim? Sem parabéns pelo jogo, não
responde minhas mensagens, foi ver a Alice sem mim, e disse que foi
divertido. Nossa, quer uma faca? Atinge meu peito com ela, vai doer menos!
Ela e a Piper riem.
— Parabéns, seu irritante! — Ela me beija. — Você é muito
dramático, sabia?
— Percebeu agora? — Nicholas e Piper falam juntos.
Faço uma careta para eles e agarro a Louise, apertando-a e fazendo
mais drama ainda sobre as traições dela em um único dia.
— Te deixo usar meus produtos quando voltarmos, moderadamente,
mas deixo. Vai me perdoar assim?
— Posso pensar… Os esfoliantes estão inclusos? — Analiso sua
expressão. Ela engole em seco.
— É… — Faz uma careta e começo a rir.
— Depois dessa, eu acredito no fim do mundo ainda esse ano! —
Piper diz.
— Não somos melosos assim, certo? Porra, que merda! — Nicholas
reclama. — Caralho, sumam daqui!
— São piores! — nos defendo.
— E sumam vocês! — Louise retruca.
Piper puxa o namorado do sofá ao se levantar e sai rindo.
— Quando voltarmos a BTI, a cidade nem vai existir de tão derretida.
— EU VOU TE MATAR, GAROTA! — Louise grita tentando sair
do sofá.
Piper solta um gritinho e corre para longe.
— Não corre, Roberts, quero saber o que o imbecil te falou. Eu vou
matar esse escritor!
Nicholas vai atrás da namorada, enquanto seguro a outra maluca em
meus braços.
— Então BTI derreteria se sentisse algo por mim? Como está sendo a
experiência de destruir a nossa cidade, princesa?
— Vai se ferrar, idiota!
Ela tenta se soltar de novo, mas não deixo. Beijo sua boca, entrando
no meu lugar favorito, o mundo que ela nos coloca: o nosso próprio País das
Maravilhas.
Dias depois…
LOUISE
Estou no refeitório da BTIU, ouvindo todo mundo à mesa falar sobre
o bendito baile de primavera que acontecerá no mês que vem, enquanto penso
que no Brasil está acontecendo o Carnaval e estou aqui, contando os dias para
ter um sol de verdade nessa cidade. Quem tem ânimo para falar de baile
quando o frio está insuportável? Estamos em fevereiro já, e parece que o
calor foi banido de Beyond The Ice.
Os dias que passaram, foram mais leves sentimentalmente falando,
mas estressantes com a universidade, muita prova, trabalho, e agora com isso
do baile da primavera, esse lugar tem cartaz e flor sendo espalhada por todo
lado, e isso está me irritando, porque é por causa dele que estamos tendo o
dobro de aulas e atividades, para adiantar tudo antes para a Spring Break, a
pausa de uma semana durante a primavera, ano passado nos deram mais dias,
bando de babacas.
Bebo um pouco de água, e fico olhando com tédio para o time de
hóquei, animado, fazendo planos para o baile e a pausa. Além de eu estar
cansada, estou péssima há uns dias, me sentindo mais cansada que o normal,
sonolenta, esfomeada, e com uma mudança de humor tenebrosa. Essa
universidade está me matando, eu sinto isso.
— Podíamos fazer uma viagem juntos, para a casa de campo dos pais
de vocês, o que acham? — Micah dá a ideia.
— Quero distância de vocês. Esqueçam viagem juntos! — Nicholas
corta o barato deles.
— Obrigada! — Sorrio, começando a me animar. — Alguém sensato
aqui. Vocês não cansam um dos outros não? Porra!
Piper dá uma risadinha e o Kayden sorri.
— Algumas pessoas gostam dos amigos, sabia? — Elijah fala e faz
uma careta para mim.
— Sério? E algum dos seus gosta de você?
Nicholas joga a cabeça para trás e ri. Kayden aperta minha perna e
dou de ombros, emburrada.
— Seu humor está pior do que nunca! — Luke reclama.
— É a falta do sol, ela está virando um monstro! — Piper diz.
A falta do sol, a falta de férias da BTIU, a falta de um bom
Carnaval… Está faltando muita coisa.
Agnes, Leah e Angel começam a vir na direção da nossa mesa.
— E esqueceram de novo as portas do inferno abertas! — reclamo.
Piper e Micah gargalham, e Nicholas emenda uma tosse na risada.
Kayden me olha feio e dou de ombros de novo e sorrio.
A voz açucarada da Leah é a primeira a cumprimentar todo mundo,
Angel e Agnes cumprimentam em seguida. Não respondo, estou com
preguiça até para falar, e meu estômago está uma droga, estou morrendo de
fome, mas ele está enjoado.
— E aí, já sabem quem vão chamar para o baile? — Leah pergunta.
— Estamos no ensino médio de novo e ninguém me informou? —
pergunto e recebo um chute no pé por baixo da mesa, vindo da Piper.
As três me olham com desdém e focam nos meninos de novo.
— Desde quando fazemos isso, Leah? — Nicholas responde.
— Eu já disse que amo o seu irmão? — cochicho para o Kayden.
— Quieta! — cochicha de volta e passa um braço ao redor dos meus
ombros, mas sorri.
— Credo, Nick. Luke, Micah, Elijah e o Kayden são solteiros,
poderiam muito bem fazer as honras — Agnes fala.
Olho de lado para o Kayden e ele me aperta mais.
— Não sou solteiro, Agnes!
— Ah, é… Sempre esqueço que está pegando essa aí.
Tento me levantar, mas o Kayden me mantém firme no banco e a
Piper prende o meu pé com o dela.
— Não estou pegando ela, Agnes. Estamos juntos e ela tem nome! —
Kayden responde mais sério, porém educado demais, eu tenho uma resposta
melhor.
— Que seja. Tem três de vocês, e tem três de nós! — Angel diz,
sorrindo.
Reviro os olhos, quase vomitando com tanta frescura e falta de amor-
próprio.
— Já temos quem levar, foi mal, meninas! — Elijah dispensa.
Elas olham chocadas.
— Quem?! — Leah pergunta, irritada.
— Com toda certeza vocês não são, já que vieram se humilhar para
serem convidadas! — falo e a Piper me chuta por baixo da mesa. — Ai,
cacete!
Olham-me irritadas e a Leah puxa as outras duas para saírem da
mesa. Todos à mesa me olham.
— O quê? Fui educadinha!
Começam a rir, e não entendo o motivo, fui um doce. Kayden
balança a cabeça e sorri, então segura o meu queixo e beija os meus lábios,
me fazendo acalmar.
— Não temos ninguém, mas na boa, melhor manter distância, essas aí
só dão dor de cabeça, chega! — Micah informa.
— Elas me assustam! — Luke faz uma careta e sorrio. — Mais do
que a Louise!
— Ah, que fofo, foi um elogio lindo! — Dou uma piscadinha para
ele.
Nicholas olha o celular e respira fundo, puxando o jaleco da cadeira e
a mochila.
— Tenho que ir. — Deixa um beijo na Piper e se levanta. Então olha
para o Kayden. — Leve o Duke para passear e o mantenha vivo, ou mato
você!
— Por que me odeia tanto? — Kayden resmunga.
— Porra, tenho aula, tchau! — Micah grita olhando o relógio. Ele
pega a mochila e corre.
Elijah e Luke se despedem e vão embora. Resta apenas Piper,
Kayden e eu na mesa.
— Eu tenho treino, nos vemos depois… — Kayden me beija de novo,
e nunca vou me cansar do friozinho na barriga que isso me causa. — Se eu
sobreviver.
— Melhor sobreviver, precisa levar o Duke para passear e nos gerar
entretenimento com ele te aterrorizando! — Piper diz.
Kayden deixa um beijo na testa dela e se afasta sorrindo. Deito a
cabeça na mesa e solto uma longa lufada de ar.
— Não está bem de novo, né? Louise, precisa comer melhor e
descansar um pouco, está estudando como louca.
— Fala para os meus professores. Eu vou abandonar essa merda —
bufo irritada e me levanto.
Sinto uma tontura, tudo gira e preciso me apoiar na mesa.
— Lou? O que foi? Ficou pálida!
— Uma tontura… Levantei-me rápido demais. Esquece a minha
próxima aula, preciso ir para casa descansar ou não aguentarei ir para a arena.
— Tenho só que entregar um trabalho, eu vou com você. Não vou te
deixar voltar assim.
— Estou bem, Pips. Não exagera!
Pego minha bolsa e engulo em seco, sentindo o amargo na garganta.
— Isso deve ser gripe. A Caitlyn estava gripada semana passada e
ficou com a gente, você deve ter pegado dela. Audrey está gripada também.
— Pode ser… Ela poderia me passar a herança dela, não a gripe! —
resmungo e ela ri.
Pega a bolsa dela e enrosca o braço no meu.
— Está melhor?
— Estou. Assim que pisarmos fora dessa universidade, estarei divina!
Não estou divina.
Não consigo ir para a arena, eu sinto que estou à beira da morte.
Mandei a Piper não abrir a boca para ninguém e inventar qualquer desculpa
na arena. Deitei-me no sofá e não consegui mais sair. O Kayden ainda não
chegou, e isso é bom, ou vai ser mais um dramático, já basta o sacrifício para
expulsar a Piper daqui.
É um mal-estar muito estranho. Há dias tenho sentido essa sensação
ruim, mas passa rápido, jurei que era o estresse com as coisas da
universidade, mas hoje não está passando e começo a pensar que não é
estresse algum, é que minha hora está chegando.
Duke está deitado perto do sofá que estou e ele nunca fica perto de
mim, dizem que cachorro sente as coisas, ele está sentindo minha morte, é
isso!
Meu celular toca e vejo o nome da minha avó. Atendo apoiando-o na
orelha e ficando quietinha para ele ficar equilibrado sozinho, porque estou
sem forças para segurá-lo.
— Olha só quem resolveu atender a vovó!
— Desculpa, vó. Esses dias estão uma loucura na universidade. Me
perdoa mesmo. Tudo bem?
— Comigo está tudo bem, tirando o calor infernal que está fazendo
nessa cidade e a loucura pelo Carnaval, tudo tranquilo. Me livrei dos seus
pais essa semana. Foram para Niterói, ainda bem. Não aguentava mais eles
perguntando de você, e quando iria aparecer para ao menos ser adulta e
assumir suas coisas. Xinguei os dois, brigamos, e foram viajar!
— Vovó! Pare de brigar com eles. Evite problemas, combinamos
isso, lembra? — Faço uma careta, sentindo uma azia.
— Combinamos? Não lembro. Mas, enfim, não está perdendo nada
nessa casa infernal. Agora me fala, eu conheço essa voz, está abatida,
estranha. O que está acontecendo?
Eu odeio o quanto ela me conhece, isso me espanta demais.
— Nada, estou apenas cansada. A universidade está me matando.
— Hum… Não me parece isso não. Brigou com o príncipe da moto?
Contei a ele que Kayden e eu estamos deixando as coisas rolarem.
Não nomeamos nada, apenas estamos deixando acontecer.
— Não. Ele está sendo perfeito, e é até irritante o tanto que ele é
perfeito. É a BTIU meu estresse.
— Tem certeza? Sua voz é de gente doentinha. Está comendo?
Bebendo água? Comendo comida caseira? Será que terei que ir até aí cuidar
de você?
— Nem pensar. Eu acho que peguei gripe, vó. Fiquei com a Caitlyn,
sabe a criança que vivo falando? Pois então. Ela estava gripada, já melhorou,
mas a mãe dela, a Addie, aquela amiga que tenho, também está gripada e
estou ficando mal. Acho que serei a próxima.
— Chá, muito chá, sopinha… Eu vou te mandar receitinha de tudo!
Melhor jeito de combater essa gripe é com receitinha de vovó. Faz todo
mundo aí tomar os chás e a sopa. — Começo a rir. — Estou falando sério.
Eu sempre soube que um bando de crianças juntas nunca seria bom! Não tem
juízo. Oh, céus.
— Vó, não somos crianças!
— Claro que são. Para mim são. Vou mandar as receitas e é para
fazer. Quero uma foto de tudo. Se você não fizer, Louise, eu vou até aí te dar
uns puxões de cabelo, está me ouvindo?
— Estou, dona Adelaide Marina. Me manda suas receitas e farei,
prometo!
— Eu sempre sinto quando tem problemas, é incrível isso! O que
está sentindo?
— Cansaço, tontura… Aí, vovó, estou morrendo!
— Não seja dramática. Não está! Isso é falta de comida, de
descanso. Vou mandar minhas receitinhas e vai te reerguer, e aumentar sua
imunidade. Faça todos tomarem o chá e a sopa, vão ficar novos em folha!
Sorrio.
Mudo de assunto, ouvindo-a falar de suas plantas, do crochê que ela
voltou a fazer, e disse que agora faz caminhada na praia. Ela não toca no
nome do Kevin e agradeço por isso. Ficar sem saber dele nos últimos dias foi
maravilhoso. Ela também afirma que vai mandar todas as receitas e me dá
mais uma bronca, antes de eu inventar que tinha coisas para fazer, ou ela não
iria desligar e iria passar horas brigando comigo.
Deixo o celular de lado depois da ligação, e fico olhando para a TV,
encarando o programa de confeiteiros que passa. Liguei a TV e deixei no
canal que estava e não tive forças para trocar. Perdi o controle no meio das
cobertas, então aprenderei a fazer doces, é o que me resta.
A porta da sala se abre e o Duke rosna, alertando que é o Kayden. Ele
deixa suas coisas no outro sofá e se aproxima do que estou, ignorando seu
rival no chão. Sua expressão é de preocupação.
— Eu vou matar a Piper. Ela está uma enorme fofoqueira! O que ela
te falou?
— Que estava passando mal e nem para a arena conseguiu ir. Deveria
agradecer por ela não querer te deixar sozinha aqui. O que tem? — Se senta
na beirada do sofá e toca meu rosto. — Não é febre. Está realmente com uma
carinha abatida. Louise, que porcaria comeu?
— Por que todo mundo acha que não me cuido? Você é atleta e se
entope de besteiras!
— Porque é maluca. O que está sentindo, princesa?
— É só cansaço e provavelmente gripe. Eu vou ficar bem, Kayden.
Minha avó me obrigou a tomar sopa e chá. Logo estarei bem. Ela vai mandar
a receita de tudo.
Acaricia meu rosto, está realmente preocupado.
— O passeio do Duke está cancelado, não vou te deixar sozinha aqui.
— Kayden…
Ele tira o celular do bolso e digita algo.
— Já avisei ao Nicholas. O que realmente está sentindo?
— Agora? Estresse, está me estressando!
— Louise! — briga comigo.
— Ok… Tontura, mal-estar, um pouco de azia… E muito sono! —
bocejo.
— Melhor ir ao médico…
— Nem pensar. Nem morta… Bom, morta não terei escolhas, mas
em vida tenho. Não. Logo ficarei bem, só preciso ficar quieta. — Ele respira
fundo, irritado. — Eu vou ficar bem, para de ser teimoso. Vai levar o Duke
para passear.
— Nem pensar. Está com uma cara abatida.
— Obrigada pelo elogio!
— Louise!
— Vou ficar bem, Kayden! Me deixa tentar dormir e aprender a fazer
doces! — me irrito, e tento me levantar, mas vem outra tontura e deito de
novo.
— Olha aí! Não está bem!
Se forma um nó na minha garganta e meus olhos começam a marejar.
— Eu estou morrendo. É isso!
Ele sorri e se curva sobre mim, abraçando o meu corpo.
— Não está. Mas é melhor ir ao médico.
— Não quero. Médicos adoram agulhas!
— Tem tatuagens e tem medo de agulha?
— Eu estava doidona quando as fiz, é diferente! — choramingo. —
Estou cansada, eu só quero dormir, Kay!
Ele franze o cenho, mas acaba sorrindo e assente.
— Quer que eu te leve para o quarto? — Nego. — Eu vou tomar um
banho, colocar a comida do demônio me olhando como se eu fosse a comida
dele, e venho ficar com você.
Concordo.
Ele deixa um beijo na minha boca, rápido, quente, perfeito, então se
afasta. Me encolho embaixo das cobertas, e fico quieta, salivando pelos doces
que fazem no programa, mas sentindo meus olhos pesarem até tudo ficar
silencioso e escuro.
Acordo meio perdida sem saber onde estou. Olho ao redor e esfrego
os olhos, até entender que estou na cama do Kayden, local que virou minha
cama tem dias, trouxe até o KS e o Coelho para cá. Sento-me na cama, estou
sozinha nela. Noto que uso apenas uma blusa de moletom dele. Estou sem
meus acessórios também. Puxo o Coelho e o KS, e volto a deitar, agarrada
neles, confusa, e ainda meio sonolenta.
A porta se abre e o Kayden entra olhando para a cama e sorri.
— Acordou, Bela Adormecida.
— Ainda não… Como vim parar aqui?
— Eu te trouxe quando todo mundo chegou, para dormir melhor.
Troquei sua roupa, tirei os seus acessórios e te deixei dormir.
— Todo mundo chegou? — Ele concorda. — Eu dormi tudo isso?
Kayden se aproxima da cama, tirando a coberta de cima de mim. Se
senta, bem ao meu lado e acaricia minhas costas.
— Sim. Você nem resmungou que te carreguei para cá. Estava
apagada. Mas precisa comer algo agora, e para o seu azar, minha mãe está
aqui, disse que ficou sabendo que a Audrey também ficou mal e que você
estava ficando.
— Eu ainda mato a Pips, juro!
Ele sorri.
— Ela quer te ver e trouxe sopa, que ela jura que ela fez, mas está na
cara que não.
— Kay, estou horrível. Agradece ela por mim.
— Tarde demais…
Escutamos ela subindo e me cubro às pressas.
— Kayden, ela vai me ver aqui e usando apenas um moletom seu!
— Todo mundo já sabe que estamos juntos, ela já deve desconfiar de
algo e está na hora de saber, tanto ela quanto meu pai. E ela deveria agradecer
por te encontrar vestida, porque normalmente sempre está nua na minha
cama.
— Falar das suas escolhas não quer, mas sobre nós, tudo bem?!
Ele ri. Batidas na porta me fazem sentar e implorar por um desmaio.
— Entra, mãe.
Taylor pede licença e entra, e tento ter o mínimo de dignidade.
Kayden se levanta, dando espaço para a mãe se sentar perto de mim. Ela está
elegante como sempre, muito bem-vestida, perfumada, maquiada, puro luxo.
— Então essa é a outra mocinha doente? Eu acho um absurdo que
sempre sou a última a saber de tudo da vida dos meus filhos e amigos deles!
Piper contou a Audrey sobre você, e a Audrey contou ao pai dela que estava
doente, e que você também estava, e encontrei com ele e ele me contou que
Caitlyn começou com a gripe, passou para a Audrey e você foi a nova vítima.
E sabe o pior? Devin passou nos White e o Grayson disse que já estava
sabendo, e estava preocupado com essa gripe passando para todos.
— Uau, essa cidade é fofoqueira! — Kayden cruza os braços e
balança a cabeça.
— Desculpa, Taylor… Eu realmente fiquei bem mal hoje, eu jurava
que antes era estresse da universidade. Está sendo puxado na BTIU!
— Oh, querida, imagino… Piper disse mesmo que as aulas estão
difíceis. Meus filhos não me contam nada! — Olha feio para o Kayden, que
sorri.
— É, Kayden… Não contam nada, não é mesmo?!
Taylor me olha e o Kayden me repreende com o olhar. Estou nem aí,
se eu tenho que ser o centro das atenções, ele também vai ser.
— E como se sente? Hudson disse que vai ver as duas, e se
necessário deverão ir para o hospital, que os colegas dele vão avaliar as duas.
Disse que a Dakota está brava, porque mandou vocês se cuidarem esses dias,
e estavam aproveitando os últimos momentos da estação de esqui. — Me
repreende com o olhar, assim como o filho fez.
Sorrio.
— Cansaço, tontura, azia… Uma sensação de morte, mas ficarei
bem! Ninguém precisa se preocupar.
— Sei… Estão comendo? Esse aqui atrás de mim só come porcaria, o
outro acha que cigarro é comida… Senhor, eu sinto que vou infartar! —
reclama e Kayden ri. — Não ria, garoto! Estou para matar todos vocês.
Somem e quando tenho notícias é que estão todos morrendo.
— Nicholas, Piper e eu estamos bem!
— Bem? Eu vou acabar com você, Kayden Spencer. Está namorando
a Louise e não me contou. Seu pai e eu somos sempre os últimos a saberem
de tudo!
Começo a tossir, me engasgando.
— Viu? Espantou ela. Namorar é uma palavra venenosa para a
Louise, ela passa mal, mãe!
Taylor me olha e nego, tossindo ainda, enquanto ela acaricia o meu
braço, tentando me acalmar.
— Vai ajudar o seu irmão e a Piper a arrumarem aquela mesa, vou
ajudar a Louise descer.
— Claro, mamãe! — Kayden sai, me deixando sozinha.
Filho da mãe!
Taylor me olha e balança a cabeça, então sorri. Os Spencer têm traços
característicos, é uma genética muito abençoada.
— Agora que o meu filho saiu, eu preciso te perguntar uma coisa,
querida, tudo bem?
— Claro… — Me recupero da tosse, e respiro fundo.
— Lembra que falamos que temos um terreno que compramos com a
imobiliária Pimentel, dos seus pais?
Sinto meu estômago revirar e engulo em seco.
— S-sim… Lembro.
— Isso nos mantém em contato com eles com frequência, e o Devin
acabou comentando que você morava com nossos filhos… — Travo o
maxilar e sinto a azia piorar. — Seu pai pareceu muito interessado em saber
de você, é como se ele não soubesse de nada, confesso que como mãe,
ouvindo a ligação, eu não gostei do tom dele, espero estar errada e me perdoe
se eu estiver sendo invasiva, mas queria saber se está tudo bem, porque
realmente achei agressivo o jeito dele falar, questionando muito sobre você.
Respiro fundo, e desvio o olhar.
— Taylor, eu…
— Se não quiser falar, eu vou entender. Mas isso ficou na minha
cabeça. Agora ele sempre questiona sobre você quando temos contato sobre
umas papeladas pendentes. Orientei ao Devin a mudar o rumo da conversa e
faço o mesmo quando trato de assuntos com eles. Faz tempo que quero falar
disso com você, e se não falasse hoje, não sei quando conseguiria, pois tenho
tido dias corridos demais.
Ergo o olhar, exausta dos meus pais, a um nível que quero que tudo
se exploda. Esconder as coisas não resolve nada. Eles sempre aparecem de
algum jeito, e não quero mais sair com a fama de filha desnaturada. Eles
precisam arcar com as consequências!
— Taylor, eu não falo com meu pai desde o Natal. Meu contato com
meus pais tem sido zero, a verdade é essa. Eu bloqueei todos os telefones
deles, e falo apenas com minha avó, a única que merece ser lembrada e
valorizada. Eu não sei o que ele falou para vocês, e de verdade? Não me
interessa saber, com todo respeito. Domingos e Mônica não valem nada.
Podem ser ótimos nos negócios, mas quer saber? Eu tomaria cuidado em
qualquer negociação futura com eles, principalmente se o novo parceiro deles
estiver junto, porque na hora que todo mundo descobrir que tipo de pessoas
narcisistas e abusivas eles são, vai sobrar para todo mundo que esteve com
eles. É tudo o que tenho para falar deles. Me desculpe se estou sendo rude
ou…
Ela me abraça, me surpreendendo e assustando.
— Eu sabia que não estava errada. Na hora, senti uma coisa estranha
no tom dele, e falei poucas vezes com sua mãe, e ela era fria ao falar de você.
Devin achou que fosse coisa da minha cabeça, mas meu coração de mãe me
alertava de que tinha problema. Sabe, eu tenho a Piper e a Audrey como
filhas, e desde que conheci você, senti um carinho enorme também. Vai ser
um prazer ganhar mais uma filha. Não se preocupe, tudo que me disse
morrerá aqui e me perdoe por tocar nesse assunto.
Retribuo o abraço, meio sem jeito.
— Obrigada. Você e o Devin são incríveis.
— Somos? Lembra os meus filhos disso? Eles esquecem! — Se
afasta e sorrimos.
Kayden nos berra e o Nicholas manda ele calar a boca.
— Melhor irmos, ou vão se matar! — aviso e ela concorda.
— Passam os anos, e continuam como crianças. Mas nunca se
desgrudam. Fico pensando em como será esse ano, se seguirem rumos
diferentes.
Saímos da cama.
— Talvez não sigam… — Dou de ombros e ela suspira.
— Eu também acho isso, sabia? Só estou esperando o Kayden ser
sincero comigo e com o pai dele… Precisamos de uma longa conversa! —
Franzo o cenho e ela enrosca o braço no meu. — Eu sou mãe deles, acham
que escondem tudo de mim. Isso só funciona com o Devin, que se acha
esperto como eles.
Rimos.
Taylor foi embora só depois de fazer Piper e eu comer duas vezes a
sopa, e dar um sermão sobre a falta de reforma na casa. Nisso Piper e eu a
apoiamos, precisa mesmo de uma reforma.
— Está com uma aparência melhor — Piper diz, me vendo sair do
banheiro depois de um bom banho.
— Sim. E me sentindo renovada. A sopa foi ótima e dormir também.
Era cansaço, agora tenho certeza. Minha avó me mandou várias receitas, vou
comprar tudo amanhã e fazer. Me ajuda?
— Claro, adoro cozinhar. O Grayson ficou preocupado também, disse
que estava te vendo abatida há dias, bem antes da Caitlyn ficar doente.
— Que velhote intrometido!
Rimos e caminhamos para o nosso quarto juntas, onde a Piper deixou
apenas os livros, tudo dela está no quarto do Nicholas agora.
— Não lembro disso! Lembro apenas de estar cansada há vários dias,
mas de passar mal, foi essa semana!
Pego meu hidratante que deixei na cama, ainda estranhando ele estar
mais leve. Abro e arregalo os olhos.
— O quê? Bicho?
— Eu vou matar o Kayden! Ele está detonando as minhas coisas!
Ela começa a rir.
— Bem que eu o estranhei com seu cheirinho, mas pensei que era por
viverem grudados.
— Eu também! Eu vou matar ele. Onde ele se meteu?
— Na garagem, estava colocando umas caixas para fora, enquanto o
Nicholas levou o Duke para passear.
Pego meu bastão e passo por ela, levando o creme e minha arma.
Desço as escadas, com ela vindo atrás e me chamando, mas rindo.
Abro a porta da garagem e o Kayden carrega algumas caixas para
fora.
— Não contem ao Nicholas. O caminhão do lixo passa daqui cinco
minutos, temos que nos livrar do que sobrou e tem só coisa velha, ou ele vai
colocar tudo no banheiro de novo!
— Dane-se as caixas! Você acabou com o meu creme! Meu creme
favorito!
— O de frutas vermelhas? Ah, ele é perfeito. Deixa a pele macia!
Ele sai com as caixas e a Piper gargalha. Acerto sua bunda com o
bastão e ela solta um grito, mas continua rindo.
— Kayden, estou falando sério. Primeiro, meu sérum facial
hidratante. Depois acabou com um dos meus esfoliantes favoritos. Está
detonando meu sabonete. Até meus ácidos para a pele, está usando. Agora
meu hidratante corporal? Porra! Eu vou te matar!
Ele retorna e vou para cima dele com o bastão, mas ele pega outras
caixas, se protegendo.
— Em minha defesa, deixou eu usar. Lembra? Falou lá na casa de
campo!
— Eu falei para fazer você parar de drama pelo teatro! Está acabando
com todas as minhas coisas, seu idiota!
Acerto seu braço com o bastão e ele xinga.
— Isso dói, porra! Eu não estou acabando com tudo, ainda não usei
as máscaras, essas você escondeu bem! — Faz uma cara de frustrado.
— EU VOU ESCONDER BEM O SEU CORPO!
Tento acertá-lo de novo e pega na moto.
— Na moto não. Me espanca, mas deixa ela em paz! — implora.
— Para de usar minhas coisas, ou eu vou arrebentar sua moto!
— Não seria capaz… — Abre a boca.
— Testa a sorte! — Ergo uma sobrancelha, e ele me olha feio.
— Satã! — Se afasta levando as caixas, e resmungando.
Aproximo-me da Piper, irritada pelo meu creme, e ela chora de rir.
— Está explicado por que o rosto dele está perfeito. O garoto não tem
uma espinha, nada!
— Vi isso também! Sabe o que eu não vi? Meus produtos cheios!
Passo por ela, querendo matar o Kayden, mas sabendo que não posso,
porque é gostoso dormir com ele, e amo o carinho desse imbecil. Ele é útil!
KAYDEN
Estamos todos na casa dos Morris, para o aniversário da Dakota, mãe
da Audrey. Foi uma surpresa que o Hudson preparou. Bom, a Audrey já não
sei se está presente, ou apenas o corpo, porque a alma já se foi, isso tenho
certeza. Ela usa uma máscara, os olhos estão fundos e todos fugimos dela.
— Querida, fica sentada. Bem aqui!
— Longe de todo mundo, Julian? Longe de você?
— Com a melhor vista! — Ele pisca para ela, e ela o atinge com uma
almofada.
— Alguém precisa cuidar da Caitlyn agora que ela está melhorando.
Ficar perto dela não é bom! — Dakota defende o genro.
— Mãe!
— Filha, está péssima, parecendo morta! — Hudson diz.
— Pai!
Rimos, sem poder evitar.
— Eu estou ótima. Melhorei rápido. — Louise devora o seu terceiro
pedaço de bolo de chocolate.
— Notei e adquiriu um novo estômago também! — Nicholas
provoca.
— Fase de crescimento, idiota! — responde de boca cheia. — Vai
deixar seu irmão me afrontar? — me questiona.
— Aí você complica para mim, princesa. Tenho medo dos dois,
prefiro ficar em cima do muro! — Dou de ombros e ajeito na cabeça o
chapeuzinho de festa que a Caitlyn me deu.
— Homens… — Piper diz.
— Pois eu acho que a Audrey deveria ter ficado em casa, de repouso!
— Grayson retruca, do outro canto da sala, com a neta comendo bolo em seu
colo.
— Mamãe tá péssima! — Caty diz. A voz ainda fanha deixa-a mais
fofa.
Bebo a Coca-Cola e suspiro, estando ótimo. Pronto para comer todos
os docinhos da mesa, e depois quem sabe fazer da Louise meu outro doce.
Audrey espirra e os meus pais se afastam mais, me fazendo rir e o
refrigerante sair pelo meu nariz. Dói, isso dói! Nicholas ri e a Louise faz cara
de nojo.
— Esse aniversário parece até o pronto-socorro! — o pai da Audrey
diz.
— Por falar nisso, Hudson, eu e a Audrey não somos crianças para
querer nos examinar, sabia?! — Louise abre a boca, claro que iria abrir.
Ontem ele foi em casa examinar ela, usou orelhas engraçadas e
gravata colorida.
— Claro que são, não se cuidam exatamente como uma! — meu pai
rebate.
— Devin tem razão! — Hudson concorda. — Tenho especialidade
em Pediatria, sou médico de qualquer maneira. Mas cuidar das minhas
crianças me dá menos trabalho que de vocês. Está tomando as vitaminas que
mandei? — Olha para a Louise.
— Estou.
— Mentira! — respondo e ela acerta minha cabeça.
Julian ri.
— Está rindo do quê? Não consegue controlar a própria esposa. Ela
estava na arena hoje. Seu pai a expulsou, porque ela não te ouvia! —
provoco.
— Como é? Audrey Morris! — Dakota a repreende.
— White! — Caitlyn e Julian corrigem ela.
Dou risada e tento pegar um pedaço do bolo da Louise, mas ela me
nega. Que horror!
— Isso é culpa da Piper. Ela era a sensata, e nem ela vigia essas duas!
— Julian joga a culpa para a baixinha, que ergue o rosto do seu pratinho de
doces. — Você mesmo! Além disso, se tornou malcriada!
— Não sou sua filha e nem babá delas! — Piper reclama.
— Deixa ela em paz, Julian. Audrey é sua responsabilidade! —
Nicholas defende a Piper.
— E vocês são nossa responsabilidade, e todos estão errados! —
Grayson nos repreende, calando a todos.
— E depois eu que arrumo confusão… Ai… Ai… — Caty cantarola
o final e prendo a risada.
Olho para a aniversariante, e ela revira os olhos.
— Um aniversário bem tranquilo… — minha mãe diz e sei que quer
rir.
— Era para ser. Era só não trazer o Julian, porque já que ele não quer
ficar perto da esposa, que ficasse no inferno! — Olha para o sogro. —
Perdão, Grayson! Seu filho me irrita.
— Os dois me irritam, estamos vivendo o mesmo tormento! — ele a
responde.
Caitlyn gargalha se divertindo com a bagunça.
— Hora da torta de maçã? — Hudson pergunta.
— Sim, querido. E sem facas!
Gargalho e a Louise controla o riso. Piper morde o cantinho da boca e
meus pais balançam a cabeça negativamente. Nicholas me olha de lado e ri
baixinho. Julian me olha sério, puto. Audrey me mostra o dedo do meio e
tudo isso só me faz rir mais.
— Viu, titio Kay? A Loulou sorri da sua risada, isso é um segredinho
dela?
Paro de rir na hora e olho para a Caitlyn, balançando a cabeça
negativamente. Meus olhos arregalam.
— Do que ela está falando? — Louise pergunta.
— Nada!
— Ué, mas, titio, tínhamos que investigar, né? Ops! — se lembra que
pedi segredo, e arregala os olhos.
Sinto minha alma sair do corpo. Louise me encara com raiva.
— Você não fez isso… Kayden Spencer, por isso ela ficava me
perguntando coisas?! — Louise me espeta com o garfo e solto um grito.
— Usou minha filha para as suas merdas?! — Julian se revolta.
— Filho, não acredito que usou uma criança! — minha mãe reclama,
frustrada.
— Eu não usei! Caitlyn só me aconselha!
— Ela tem sete anos, porra! — Nicholas me olha como se eu fosse
maluco. — Eu tentei matar ele, vocês nunca deixaram, se virem! — fala com
nossos pais.
Levanto-me do sofá, pronto para correr.
— Eu sou a poçocóloga dele! — Caitlyn continua abrindo a boca.
— Eu disse que eles eram péssima influência para a minha neta! —
Grayson diz entredentes.
— Está falando do meu filho, Grayson! — meu pai tenta me
defender, e digo tenta porque ele logo diz: — Ok, nem eu consigo encontrar
defesa para ele ou para o Nicholas. Desisto!
Dou alguns passos para trás, e sorrio, desesperado, com todos me
olhando, mas principalmente com o papai maluco dela, e a louca com um
garfo na mão, vulgo, minha garota.
— Vou ao banheiro. Que festa incrível, espetacular e…
— A TORTA! — Hudson e Dakota gritam, mas é tarde demais.
Esbarro na Dakota e a torta vai ao chão. Hudson tentou pegar, mas
tinha coisas nas mãos. Meus pais escondem os rostos, Audrey gargalha se
engasgando com a tosse misturada aos espirros. Piper se esconde atrás da
almofada que ela puxa ao entregar o pratinho que tinha em mãos ao
namorado. Caitlyn arregala os olhos e tampa a boca. Grayson balança a
cabeça negativamente, como se estivesse prestes a fugir da cidade e fingir
que não conhece ninguém aqui. Julian ainda me olha como se fosse me
matar.
Encaro os Morris, e faço o que sei fazer de melhor: usar meu sorriso
cretino.
— Ah, querido, está tudo bem, eu não estava segurando direito e…
— Dakota, pelo amor de Deus, ele está te manipulando! — Louise
grita, irritada. — Ele está usando o sorriso dele para te deixar rendida.
Olho por cima do ombro para ela.
— Nossa, se tiver uma guerra me usa de escudo, né?! — reclamo.
— Eu te coloco na frente do canhão! Que história é essa de mandar a
Caitlyn me investigar?! — Sorrio para ela. — Comigo isso não funciona, não
mais, idiota. Sei dos seus truques. Fala!
— Primeiro vou ajudar eles. Fiz bagunça, princesa. Onde ficam as
coisas para limpar?
— Nos fundos, no último armário à direita, Kay — Hudson me fala.
Assinto e me afasto lentamente.
— Sabem que ele está fugindo, né? — Nicholas pergunta.
Aperto o passo para sumir da sala antes que eu vire picadinho nas
mãos deles.
Depois do aniversário caótico da Dakota, todos fomos embora, cada
um seguindo para a sua casa. O que ninguém pode negar é o tanto de
entretenimento que entregamos. Mesmo com toda a bagunça, nos divertimos
e foi uma tarde leve e especial.
Louise está voltando de moto comigo e estamos quase chegando
perto de casa, quando ela me aperta forte. Ela nunca faz isso, não desse jeito.
Ela dá tapinhas nas minhas costas, e jogo a moto para o acostamento,
parando-a. Ergo a viseira e olho para trás.
— O que houve?
Ela desce e tira o capacete. Noto sua boca pálida. Desligo a moto e
tiro o capacete, e pego o dela, colocando em cima da moto.
— Louise, o que houve? — insisto.
Ela respira fundo e se abana.
— Me lembre de nunca mais comer muito e andar de moto… Acho
que vou vomitar!
Controlo o riso, mas ainda assim preocupado. Realmente ela comeu
muito.
— Desculpa, eu deveria ter vindo mais devagar. Quer que eu compre
uma água pra você? Tem uma lanchonete na esquina.
Ela assente e encosta no poste, respirando fundo.
Ela bebe a água e a cor da sua boca vai voltando ao normal.
— Melhor?
— Sim. Nossa, eu realmente achei que iria vomitar.
Acaricio seu rosto e sorrio.
— Estamos quase chegando, vou pilotar mais devagar, tudo bem?
— Vai ser uma boa. — Bebe mais da água. — Eu exagerei na
comilança. Por que não brigou comigo?
— Eu tentei te alertar, me ameaçou!
— É a TPM, tenho certeza. Irei menstruar nos próximos dias…
— Gripe, cansaço, TPM… Eu ainda acho que deveria ir ao médico.
Hudson pediu para você ir se não melhorasse.
— Prometo que se não melhorar eu vou, ok?
Assinto, sabendo que ela está me enrolando.
— Sua avó já sabe que os chás e a sopa não estão ajudando? Quem
sabe, ela coloca juízo na sua cabeça, já que ninguém aqui está conseguindo.
— Nem morta eu diria a ela. Conheço dona Adelaide Marina, se as
sopas e chás dela não resolvem, ela declara como causa grave. Quando
piscarmos, ela aparece aqui!
— Seria ótimo, veria a dor de cabeça que me causa! — Cruzo os
braços e ela faz uma careta.
— Vamos para casa. Estou melhor!
Sei.
— Vamos!
Colocamos os capacetes e subimos na moto. Ela mantém a garrafinha
e abraça minha cintura. Ligo a moto e desta vez reduzindo a velocidade ao
sair com ela.
LOUISE
Kayden está treinando junto do restante do time, e Piper me chamou
para fazer companhia a ela enquanto gera conteúdos deles. Diferente dos
outros dias, hoje acordei muito bem, é como se eu não estivesse morrendo
antes, e quase fazendo um testamento para deixar claro com quem ficaria
minhas coisas.
Com certeza era o que eu pensava que poderia ser: cansaço desse
inferno de universidade.
Mordo a pontinha do meu picolé com casquinha de chocolate,
enquanto a baixinha vai falando sem parar no meu ouvido, mas meu foco está
totalmente em Kayden Spencer malhando. Os maquinários, a força que ele
usa, as veias ficando ainda mais marcadas em seu abdômen, braços e mãos...
Ele está sério, suado e xingando a cada vez que o personal do time, manda
ele intensificar.
— Pelo amor de Deus, está babando! — Piper me cutuca, irritada. —
Louise!
Pisco algumas vezes e a encaro, confusa.
— Oi?
— Estou falando com você e não está ouvindo, e agora está babando
pelo seu namorado.
— Não somos namorados.
Ela revira os olhos.
— Perguntei o que achava dessas fotos e vídeos. — Me mostra parte
do conteúdo feito.
— Pode apagar! — Franzo o cenho e mordo o picolé com raiva.
— Por quê? Ficaram ruins?
— Porque não vai postar o Kayden sem camisa, malhando e todo
suado! Ah, vai para o inferno. É conteúdo para o time ou para site adulto?!
Ela começa a rir.
— Sempre postamos esses conteúdos. Traz bastante engajamento,
principalmente no TikTok.
— Foda-se. Não vai postar! — Me viro, para me sentar no banco ao
canto, mas esbarro no treinador.
— Senhorita Pimentel, não deveria estar em aula?
— Que bom ver o senhor, sr. Allen. Estou dando folga! — Sorrio.
— A quem?
— Aos meus professores. — Ele me olha feio. — Em minha defesa,
ela me chamou. E ainda bem que vim. O senhor acredita que Piper Roberts
quer postar conteúdo sexual deles?
Ele arregala os olhos e a Piper balança a cabeça negativamente.
— Como é? Senhorita Roberts!
— É mentira, senhor. A Louise é maluca. Veja, é o conteúdo que
sempre fazemos dos treinos! — Ela mostra a ele, enquanto me olha de lado.
— Ela está com ciúmes do Kayden!
— Não estou com ciúmes do Kayden. Isso é uma baixaria. Não posto
nada demais e sou banida. Vocês postam essa baixaria e tudo bem? Que
machismo é esse nas redes sociais? Temos que falar disso. Mulheres não
podem fazer nada, e os homens podem ficar postando essas poucas
vergonhas?! — Mordo meu picolé, bem mais irritada.
Os dois me olham como se eu fosse maluca.
Kayden para ao meu lado, com as mãos no quadril, ofegante, e muito
gostoso.
— Qual foi a da vez? O que a Louise fez, treinador?
— Ela é louca e precisa ficar longe daqui. De preferência, estudando.
Senhorita Pimentel, dê o fora!
— Mas treinador, e o conteúdo? — pergunto.
— Que conteúdo? — Kayden insiste, e olha para a Piper, que desiste
de nós e se senta. — Que conteúdo?
— Sua namorada está atrapalhando o serviço da Piper! — o treinador
resmunga.
— Mentira! — Abro a boca, chocada.
Kayden nem me olha, ele apenas encara a Piper que concorda.
Traidores da pior espécie.
— Eu resolvo, senhor.
— Eu preciso me aposentar! — Ele passa por nós, resmungando e
mando beijinhos.
Kayden me vira para ele, enquanto degusto meu picolé.
— De novo isso?
— O quê? O picolé? É meu terceiro hoje e só Deus pode me julgar.
— Não! Você atormentando a Piper com o que ela pode ou não
postar.
— Ah... Os vídeos e as fotos que ela fez geram conteúdo adulto,
acredite em mim. Estou ajudando a sua imagem para conseguir chegar muito
bem na NHL. Deveria me agradecer!
— Ela é seu problema agora. Se vira. Eu cansei. Louise está me
enlouquecendo desde ontem!
Piper sai do banco, resmungando. Ela me convida e reclama. E a
maluca sou eu?
Kayden suspira e sorri.
— O que eu faço com você?
— Depende. Tenho muitas opções... — Mordo a casquinha de
chocolate e ele ri.
— Louise, ontem fez ela apagar tudo que fez!
— Claro, estava péssimo.
— Não estava!
Bufo irritada e me sento. Ele se abaixa na minha frente e olha para os
lados, antes de focar apenas em mim.
— Sabe o que eu acho? Que precisamos ter um tempo só nós, juntos.
Está surtando com as aulas, e isso não está te fazendo bem. Além disso, eu
amo doces, principalmente chocolate, e entendo que ame também, mas está
consumindo demais. — Tira o sorvete da minha mão. — Estava doente e
agora está se entupindo de sorvete. — Faço uma careta. — Vai para as suas
aulas, e prometo que te pego na arena depois e faremos algo só nós dois.
Engulo em seco, controlando a vontade de chorar. Por que agora virei
mais chorona que o normal?
— Promete?
— Prometo, princesa.
Assinto e pego de volta o picolé.
— Tudo bem, desde que no final da noite me coma com força,
podemos fazer o que quiser.
Kayden ri e se levanta. Ele se inclina sobre mim, me deixando tonta,
então segura o meu rosto com uma mão só e me beija.
— Fechado.
Sorrio animada com sua resposta. Depois de dias de merda, preciso
mesmo relaxar.
Kayden Spencer me trouxe para jantar fora, em um restaurante lindo,
com direito a mesa reservada, luz baixa, música ambiente, pessoas elegantes
e com comida brasileira. É um restaurante brasileiro, chiquérrimo, e que está
me fazendo quase chorar, por sentir o gostinho do Brasil.
É na cidade vizinha, viemos de carro porque está chovendo, e ele
disse que precisamos estar bem arrumados para o lugar que me levaria depois
do trabalho. Levei duas horas para me produzir, e ele sabe que valeu a pena o
estresse em me esperar.
— Kay, eu amei! — falo, sentindo-me acolhida nesse lugar. — Como
sabia que eu precisava sentir o Brasil assim?
Ele sorri e bebe um pouco da sua água com gás.
— A semana inteira falava que estava com vontade de comer comida
brasileira. Que estava com saudade da sua avó.
— Prestou atenção?
— Eu sempre presto a atenção no que fala.
— Exceto quando mando parar de usar minhas coisas.
— Exatamente!
Sorrimos.
Um garçom passa e pergunta em português, se precisamos de algo a
mais, mas nego, então ele se afasta pedindo licença. Todos são bem-
educados, e falam português, ainda que nem todos sejam de fato brasileiros.
Falei que era brasileira quando este me apresentava os pratos, e ele ficou feliz
com a oportunidade de testar o idioma comigo.
— Como irei saber se ele não está dando em cima de você? —
Kayden resmunga.
— Ele não está. Perguntou se queríamos algo, só isso.
Kayden olha desconfiado, me fazendo rir.
— Viu? Não sou a única ciumenta. E a Piper postou!
— Postou.
— Irei me vingar dela. Criarei um fake para ficar dando em cima do
Nicholas compulsivamente.
Ele ri e balança a cabeça.
— Sem fazer maluquices. Antes eu até me importava com cada
comentário, que recebo de centenas de garotas apaixonadas.
— “Agora eu só tenho olhos para você, princesa”. Que clichê! —
Bebo meu suco e reviro os olhos.
— Pode até ser clichê, mas é verdade. E por falar em uma grande
verdade, parece que as dicas da sua avó com a planta do meu pai, deram
certo. Ele falou para irmos ver. Precisamos passar na estufa na volta.
— Ótimo. Dona Adelaide está me infernizando para ter fotos. Ela
acha que matei a planta ou o Duke.
— O Duke?
Sorrio.
— Sim. Essa planta é venenosa para pet... — Os olhos do Kayden
brilham. — Nem pensar. Kayden, pelo amor de Deus, deixa o cachorro em
paz.
— Interessante... Sem o Duke, terei paz!
— Kayden Spencer, nem brinca com isso!
Ele ri e me dá uma piscadinha.
— Sou um príncipe, jamais faria algo contra ele.
Encaro-o desconfiada. Quando se trata desses dois juntos, espero de
tudo.
— Deveria parar de pensar em se livrar do Duke, e pensar em você e
no hóquei. Precisa falar com seus pais. O prazo está chegando ao fim, Kay!
Ela suspira e assente.
— Eu sei. Farei isso nos próximos dias. Eu queria falar tendo tudo
certo. Mas nem sei se vai rolar ter algum time. Aidan recebeu uma proposta,
fiquei sabendo hoje. Para entrar para a NHL na próxima temporada. — Faço
uma careta. — Ele é bom.
— Não entendo nada de hóquei, mas ele não é o melhor do time.
Além disso, ele era o melhor amigo do Cameron, eu espero de tudo vindo
dele para conseguir o que quer.
— É, eu sei, só que...
— Só que nada, Kayden! — Seguro sua mão em cima da mesa. —
Você vai conseguir um time também. Acredite nisso. Minha avó sempre diz
que tudo que acreditamos sermos capazes de possuir, então nada e ninguém
pode impedir, porque ninguém para aquele que tem fé em si mesmo e em
seus sonhos. Isso é o nosso maior poder.
Ele acaricia minha mão e sorri com carinho.
— Você é perfeita, sabia? Quem diria que estaríamos juntos?
— A Piper, a Caitlyn...
— É, elas sempre enxergam além — diz e assinto. — Obrigado por
acreditar que sou capaz.
— Não basta eu acreditar, você também precisa. Seu maior ato de fé
em si mesmo é falar com seus pais quando não tem nada certo ainda. Quem
sabe é surpreendido em seguida?
Sorrio e ele se inclina, beijando-me.
— Eu te... — Para de falar.
Sinto meu coração acelerar rapidamente e surgir um frio forte na
barriga. Abrimos os olhos lentamente.
O garçom se aproxima, nos interrompendo, mas trazendo uma
sobremesa, que não pedimos. Ele diz ser cortesia do restaurante e só
assentimos, quando explico para o Kay o que o garçom disse. Nos ajeitamos
na cadeira e o Kayden pigarreia.
— Ele está dando em cima de você!
— Não está! — Reviro os olhos e encaro a sobremesa. — É só uma
cortesia.
— Sei... — Ele pega um pedaço do pudim e leva à boca. — Não vai
provar a cortesia, princesa?
Nego lentamente. Meu estômago revira vendo o doce. Eu gosto de
pudim, não é meu favorito, mas nunca me senti enjoada vendo-o. Tiro os
olhos da sobremesa e bebo o suco, voltando a pensar no que ele iria dizer. Eu
sei exatamente o que sairia de sua boca e é estranho o quanto me deixou
chateada ele interromper, como se estivesse cometendo um erro ao dizer. Isso
nem deveria me importar, estamos juntos, sem nomear nada, e nos curtindo
da melhor maneira.
E se eu estiver apaixonada por ele? E se os ciúmes, a necessidade de
estar sempre com ele, não for mais uma coisa boba?
Engulo em seco, olhando-o, e sentindo meu coração acelerar ainda
mais. Ele aprecia a sobremesa.
Por que ele interrompeu? Será que ele iria dizer por dizer e ficou
com medo de que eu interpretasse errado? Será que sou só eu sentindo que
algo mudou?
— Tem certeza de que não quer?
Olho para o pudim e meu estômago embrulha.
— Tenho... — sussurro e forço um sorriso.
Sorrio vendo a Cyclamen branca, muito linda, outras na cor rosa e
algumas ficando rosa. O Devin investiu pesado nelas e minha avó tinha razão
sobre o perfume. É relaxante, gostoso.
— Ele pediu uma nova remessa delas assim que recebeu as dicas e
está cuidando como foi dito, e muito feliz — Kayden conta.
— São lindas. Eu diria que uma das mais bonitas daqui.
— Que bom que pensa isso. Esses dois são uma para você e outra
para a Piper, ele deixou separada. Queria entregar pessoalmente, mas ele e
minha mãe estão no hotel trabalhando ainda.
Sorrio emocionada.
— Para mim?
— Claro. Eu contei que foi sua avó que deu a dica. Ele quis agradecer
e mimar as garotas dos filhos dele.
Balanço a cabeça e toco as flores com muito cuidado.
— Eu amei. São perfeitas. Você o Nick têm sorte. Vocês têm pais
maravilhosos, sabia?
Ele me abraça por trás e apoia o queixo na minha cabeça.
— Eles pararam de te importunar?
— Sim. Bloqueei eles desde que o Kevin veio até aqui. — Fico
admirando a Cyclamen e solto um longo suspiro.
— Eu sinto muito por não ter tido pais que desejava ter, Louise. Mas
ainda bem que teve uma avó maravilhosa.
— Sim. Ela foi um grande presente.
— Sempre fala dela, mas nunca cita um avô. Sua avó foi casada?
— Sim! — Sorrio. — Eu não tive muito tempo de aproveitá-lo,
infelizmente. Mas pelo que ela conta, ele foi incrível.
— Ele era brasileiro?
— Sim! A família da minha avó foi uma enorme mistura de
brasileiros e norte-americanos. Por isso o nome dela não tem nada de
americano, exceto pelo antigo sobrenome que ela retirou ao casar-se com
meu avô. Vovó é negra, não foi fácil viver aqui, Kay. Ela sofria muito,
principalmente quando sabiam que ela vinha de uma família com latinos. No
Brasil não são flores, mas ela é muito mais feliz lá.
Ele suspira, chateado.
— E você, é difícil para você viver aqui?
— Nunca passei por nenhum racismo aqui. Mas alguns caras já foram
escrotos ao saberem que eu era brasileira, me tratando como se eu fosse uma
qualquer. Nada que minha delicadeza não resolvesse... — Dou uma risadinha.
— Não tem que rir, Louise. Isso é errado. Piper já passou por isso,
tratavam ela como puta. Isso é nojento.
— Esse é o mundo, não deveria ser assim, Kay, mas se formos focar
só nessas coisas, anulamos as coisas boas também. Ou vivemos, ou nos
rendemos. Enquanto não ultrapassarem o limite, só ignoro, ou revido do meu
jeito.
— Para mim, isso é um limite.
— Relaxa, meio que já coloquei medo na BTIU toda. Exceto no
idiota do Caleb.
— Como assim? — Vira-me de frente para ele e passo os braços ao
redor da sua cintura, enquanto ele me mantém presa a ele.
— Caleb é um idiota, e acha que pode fazer comigo o que faz com
todo mundo. No início do ano mostrei a ele do que era capaz, mas hoje mais
cedo voltou com as piadinhas, e se não fosse a Piper me impedir, eu teria
matado ele.
— Ele está mexendo com você também? É isso que ouvi?
— Kay, nem pensa nisso. Esquece que eu disse, ok? Estou bem! Me
prometa que não vai fazer nada.
Ele me olha e assente, mas não confio no seu olhar, prefiro não pesar
o clima.
— Me promete que vai me falar se alguém te destratar por causa da
sua cor ou por ser também brasileira?
Sorrio, achando fofo sua preocupação.
— Prometo! — Fico na pontinha dos pés e beijo seu queixo. — Você
iria amar o Brasil, sabia? — mudo de assunto, para distrair sua cabeça e tirá-
lo do foco desse assunto.
— Acha?
— Sim. Gosta de praia e sol, não é?
— Amo. — Sorri, relaxando a expressão.
— Temos praias lindas e muito calor em vários estados,
principalmente no verão. O Brasil é lindo, precisa conhecer o Rio de Janeiro,
as praias do nordeste, a região sul é perfeita, tem lugares que neva, sabia?
— Neva no Brasil? — Se choca e começo a rir.
— Sim. Tem lugares que as temperaturas ficam negativas. É na
região Sul do país. Não é algo que sempre acontece, é mais raro, mas quando
acontece vira atração turística para muita gente.
— Vai me mostrar todo o Brasil? — me pergunta de um jeito tão
especial, que me emociona.
— Quer conhecer ele comigo? — Ele concorda. — O Brasil é muito
grande. Acha que iremos sobreviver juntos o suficiente para conhecer ele?
— Acho que estaremos juntos por muito tempo, se você não me
matar!
Começo a rir e enrosco os braços ao redor do seu pescoço, fico na
ponta dos pés e beijo-o. Ele retribui do seu jeito, sexy, gostoso, perfeito.
Beijar o Kayden é como ir ao paraíso e viver. Me arrepia, e faz com que eu
fique rendida ao máximo.
Ele aprofunda o beijo, erguendo meu corpo e colocando sobre o
espaço vazio na mesa. Empurra as ferramentas de jardinagem e abre minhas
pernas, se encaixando entre elas.
— Kayden, se seus pais nos pegarem aqui, eu me mato! —
Interrompo o beijo, ofegante, e ele ri.
— Vão demorar. E preciso da minha garota agora.
— E sou sua por acaso? — Mordo o cantinho da boca.
— Restam dúvidas?
Ele me agarra beijando-me como um louco. Eu amo quando perde o
controle assim. Sobe o meu vestido, sem qualquer delicadeza, e não me
importo que vai danificar o tecido, eu só quero que ele faça o que tem que ser
feito. Os bicos dos meus seios começam a endurecer e sinto minha calcinha
molhar mais rápido que o normal. Um calor me consome totalmente, e o
tesão me domina em uma velocidade que nunca ocorreu.
Abro sua calça, desesperada, atrapalhada, fazendo-o sorrir no meio
do beijo.
— Ficou com pressa, princesa?
— Não sabe o quanto!
Tiro seu pau para fora, grande, grosso, delicioso. Ele me puxa para a
beirada da mesa, erguendo meu corpo o suficiente para puxar minha calcinha
e retirar ela, deixando-a ao meu lado. Seu dedo toca minha boceta e gemo
muito desesperada.
— Porra, já está pingando... Caralho, Louise!
Apoio as mãos em seus ombros, e ele encaixa o pau na minha
entrada. Seus olhos escurecem, e amo essa sua versão. Afunda dentro de
mim, e gemo alto, jogando a cabeça para trás, e sentindo a maravilha de ser
dele. Aperta minha coxa, e se movimenta, entrando e saindo da minha boceta.
Com uma mão, abaixa a parte de cima do meu vestido, descendo as
alças finas e expondo meus seios, empinados pelo amontoado de tecido
embaixo deles agora. Ele aperta um e grito de prazer, então larga minha coxa
e aperta o outro, e assim ele puxa os bicos, aperta, acaricia, brinca com os
meus seios, deixando-me louca.
Apoio as mãos nas minhas laterais, e deixo a cabeça pender para o
lado, focando os olhos nele, que geme para mim.
— Você é uma completa deusa...
Mordo o lábio inferior, sentindo ir bem fundo. Então subo as pernas,
apoiando os pés na beirada da mesa e ficando mais exposta para ele. Kayden
xinga e soca mais forte antes de chupar meus seios e meus gemidos viram
gritos de prazer.
— Não para... Kayden, não para! — imploro.
Ele aumenta o ritmo, a mesa e as ferramentas chacoalham, sua boca
sai dos meus seios, e se aproxima da minha, puxando-me pelo pescoço. Ele
não para. Nossas bocas estão abertas uma para a outra, os olhos fixos um no
outro, puxa um punhado do meu cabelo. Aperto-o sentindo o orgasmo
chegar, e ele urra de prazer. E quando atingimos o ponto máximo, eu grito
alto, lágrimas escorrem pelo meu rosto. Kayden continua me penetrando,
gozando, me enchendo. Eu sinto escorrer um pouco pelas minhas pernas,
misturando-se ao meu.
Beija-me, diminuindo o ritmo, até parar totalmente. Desço minhas
pernas, e ele abraça meu corpo, beijando-me, ainda dentro de mim. Enrosco
os braços ao seu redor, totalmente entregue a ele, sentindo-me em casa nos
seus braços. Sentindo que ele virou parte do meu lar, assim como essa cidade.
Afastamos lentamente nossas bocas, e seus olhos encontram os meus.
E vejo o brilho que eles possuem, as pupilas dilatadas, o carinho, mas
também, a posse. Kayden me olha com posse e, pela primeira vez, eu me
sinto bem vendo isso. Não é como o Kevin, é diferente. Tem brilho, tem
carinho, tem admiração...
Eu estou totalmente apaixonada por Kayden Spencer, o jogador de
hóquei por quem jurei que nunca iria sentir nada. Ele conseguiu quebrar um
gelo dentro de mim e me fazer sentir tudo diferente, ser a Louise que um dia
fui e que jamais acreditei que poderia voltar a ser.
Sai de dentro de mim, ajeitando-se, usando minha calcinha para me
limpar, antes de jogá-la em seu bolso e me ajudar sair da mesa, ajeitando meu
vestido. Puxa o meu casaco atrás de mim e me faz colocar. Fico olhando-o
sem perder nenhum detalhe. Meu coração aperta de um jeito bom, e sinto um
calor interno. Ele toca meu rosto e acaricia, franzindo o cenho, confuso e
sorrindo.
— O que houve, princesa? Por que está me olhando assim? Te
machuquei?
Porque acabo de descobrir que isso é amor, e não o que eu sentia
antes, e talvez eu estrague tudo ou não seja a pessoa certa para você.
— Nunca mude, Kayden. — Minha voz embarga. — Você ainda vai
ser o príncipe de alguém e essa pessoa vai ser a mais sortuda do mundo,
exatamente por estar com um cara assim, do seu jeito único de ser. E quer
saber? Eu vou invejar a garota que tiver seus sentimentos, mas parabenizar
ela pela sorte de ter tido você. O cara que abre a porta do carro, que pergunta
se está bem, que tem o melhor abraço do mundo, que cuida e protege, faz rir,
acalma, tem um sexo incrível, possui as melhores conversas e tem o sorriso
mais bonito do mundo. Essa garota terá muita sorte! — Enxugo rapidamente
a lágrima que escorre do meu rosto e sorrio sem graça. — Então, nunca
mude, porque vai ser uma droga um mundo onde você não seja você. A
garota que tiver seus sentimentos vai ser muito feliz, e espero que ela nunca
quebre o seu coração, ou eu a quebro, juro!
Ele sorri ainda mais e seus olhos brilham tanto, que me faz
estremecer.
— Já se deu os parabéns, Louise? — Franzo o cenho, enxugando
outra lágrima intrometida. — Você me tem por completo, princesa. Achei
que em um mês e alguns dias, perdi as contas, enfim, tivesse notado que você
me tem totalmente.
— Kay...
— Você tem meus sentimentos. — Me impede de continuar falando.
— A única garota que pode quebrar o meu coração, é você, então se não
quiser se agredir, é melhor não fazer isso. Eu só quero ser o seu príncipe. Eu
só quero você. Louise... — Roça os lábios nos meus. — Estou louco por
você. Mas acho que sempre fui, só estava focado em outras coisas, como
correr de você por medo. Mas, desde que nos aproximamos, eu entendi qual
era o medo em relação a você. Não eram as ameaças, era o seu olhar, ele me
fazia perder o controle, e ainda faz. Seu olhar me fazia ser eu de novo, me
fazia abrir os olhos e entender que eu precisava reagir. Seu olhar me faz
querer viver sendo eu de novo, e não mais a sombra de ninguém. Ele me
enlouquece, assim como a dona dele... — Sorrio chorando, e me odiando
estar assim. — Louise, eu sou seu, você é minha, e quero construir o seu País
das Maravilhas, só que agora fazendo parte dele, vivendo isso ao seu lado.
Não corre, não se apavora...
— Com o quê? — Minha voz está trêmula.
— Eu quero dar um nome a isso. Eu quero ser o seu namorado e
quero poder dizer que te amo, sem ter medo de te assustar. Não precisa me
dizer nada agora ou retribuir, eu só...
Beijo sua boca, chorando, entregando-me ao que de fato é o amor.
Quebrando todas as barreiras que restavam e abraçando a chance de
recomeçar de todos os lados. Eu me permito tentar de novo, e dessa vez com
um homem de verdade, um que me faz sorrir e não chorar, que me faz querer
viver e não desistir da vida. Eu me permito mais uma vez.
Sem medo...
Só tentar ser feliz de novo...
Só viver...
— Acho que isso é um sim — diz entre o beijo.
— Sim — respondo em português. — Sim! — falo agora em inglês.
— Quero namorar você. Quero ter um nome nessa relação. Quero tudo com
você. — Seguro seu rosto com ambas as mãos e deixo curtos beijos em sua
boca e ele ri. Olho em seus olhos e respiro feliz.
— Eu prometo cuidar do que se quebrou aí dentro e construir novas
memórias, até tudo que foi corrompido ser esquecido.
— E eu prometo te lembrar o quanto é incrível e que precisa acreditar
em si mesmo, sempre. Mas também prometo atormentar seus dias, sempre.
— Mais? Por que me odeia tanto?
— É meu gesto de amor!
Ele ri e me abraça, girando-me e me fazendo rir. E pela primeira vez
me sinto leve no amor, leve comigo mesma, e pronta para enfrentar
totalmente o passado e fazê-lo ficar onde deve, sem me atrapalhar mais no
presente, e nem se arrastar ao meu futuro.
Atingimos um vaso, que se espatifa no chão. Kayden me coloca no
chão e olhamos assustados para o vaso e toda a rosa dele espatifada no chão,
em meio aos pedaços do vaso. Encaramos a porta entreaberta, e se alguém
chegou pode ter ouvido o som do vaso se espatifando.
— Pego o presente que ele deu a você e a Piper, e você pega o meu
casaco. Vamos sair daqui, nossas vidas correm perigo.
— Não está brincando, né?
— Nem um pouco. Meu pai trocaria os filhos pelas plantas dele.
— Porra!
Pego o casaco dele e minha bolsa. Kayden pega as plantas e corre
para a porta. Saímos da estufa batendo a porta dela, desesperados, até sermos
pegos no flagra. A chuva amenizou e agora está muito fraca.
— Eu ouvi algo se quebrar lá dentro. O que fizeram? Kayden! —
Devin olha para o filho, fechando a porta do carro estacionado perto da
estufa.
— Nada. O senhor ouviu coisas... — Kayden tenta.
— Os dois lá dentro, agora!
Taylor sai do carro, rindo. Ela ergue as mãos e foge para a casa, nos
deixando à beira da morte.
Viramos nos calcanhares e retornamos lentamente para a estufa.
— O final de Romeu e Julieta foi mais digno! — Kayden sussurra
para mim.
— Com certeza ela morreu usando uma calcinha — sussurro de volta.
Kayden gargalha.
— Não deveriam rir. Deveriam estar apavorados. — Devin passa a
nossa frente e abre a porta da estufa. — Espero que não tenha sido nada...
MINHAS ROSAS!
Ele corre até suas flores e Kayden e eu ficamos na porta.
— Ele realmente ama isso.
— Eu disse... Eu distraio ele e você corre para o carro, e se em um
minuto eu não chegar lá, saiba que te amo! — Meu coração acelera. Ele me
olha e estou sorrindo. — O quê?
— Me ama. É gostoso ouvir isso.
— Estamos prestes a sermos mortos, focou nisso? Agora?
Assinto, sorrindo que nem boba. Ele me ama!
— Venham. Vão me ajudar a salvar o que destruíram e não adianta
arrumar desculpas. Além disso, já queria falar com você mesmo! — Devin
encara o filho.
— Foi o Nicholas!
Viro o rosto, rindo.
— Garoto... — Seu pai está prestes a matar ele, sinto. — Eu quero
saber como andam as coisas na BTIU. Almocei com o Nicholas hoje e ele me
falou sobre ele. Quero saber sobre você!
— Eu vou esperar no carro...
— Agora você fica! — Kayden diz entredentes para mim. — Como
assim, o Nicholas aceitou almoçar?
Que ótimo, ficarei viúva de namorado em menos de vinte e quatro
horas.
— Não aceitou. Ameacei aparecer na porta da BTIU se ele se
recusasse.
Começo a rir e emendo em uma tosse.
— Agora faz sentido! Sabe, pai, a Louise está cansada. — Kayden
me cutuca com o cotovelo, enquanto segura os vasos.
— Estou? Ah, estou... Muito... Sabe, bem cansada... E... — Olho para
o Kayden e respiro fundo. — Não estou, Kay. Chega, faz o que precisa
fazer... Eu vou esperar no carro.
Kayden solta uma lufada de ar e engole em seco.
— Não, quero você comigo. Vou conversar com eles.
Devin nos olha, atento, confuso, preocupado. Encaro o Kayden e vejo
seu olhar pedir por apoio. Assinto, porque ele merece isso e quero fazer isso.
Ele ficou ao meu lado quando precisei e continua ficando. Quero ficar ao lado
dele também.
KAYDEN
Eu não pensei que seria assim que eu iria conversar com os meus
pais, contar a verdade, mas a Louise e o Nicholas têm razão, preciso falar, ser
sincero de uma vez por todas e assumir a verdade sobre o curso, sobre o que
realmente desejo para o meu futuro, ainda que tudo esteja incerto. Enquanto
eu não me abrir com eles, ficarei preso e perdido no que fazer, e minha vida
continuará parada nesse sentido. Me resolvi com a Louise, porra, assumi que
a amo, porque realmente sei que a amo, que quero ela sempre comigo, e
quero dar o mundo de sorrisos e sonhos para ela, porque ela me faz bem, me
faz feliz e me faz lembrar de quem realmente sou. Então preciso resolver o
que ainda está empacado.
Observo meus pais na sala principal. Minha mãe bebe um chá,
enquanto meu pai aprecia um bom vinho. Louise não quis nada assim como
eu. Ela está sentada ao meu lado no sofá, calada. As plantas a nossa frente
parecem ter se tornado bem interessantes para ela, seu foco está preso neles.
— Esse suspense está me deixando mais nervosa, e esse chá não está
resolvendo. O que quer falar? Kayden, se me disser que serei avó, eu nem sei
o que faço com você, mas te manter vivo não é uma opção. Só tem vinte e
dois anos.
— Ele tem vinte e um, querida.
— Vinte e dois, pai. Irei fazer vinte e três. — Encaro-o, nada
incrédulo com sua falta de memória. Ele sempre erra a idade dos filhos. — E
não, mãe, não serei pai... Não agora. Penso em cinco filhos. Queria viver no
Texas com eles, mas, pensando por outro lado, eles precisam continuar
mantendo o legado Spencer em BTI. — Sorrio.
Meus pais me olham assustados, e sinto o olhar da Louise sobre mim,
e sei que de terror.
— Fale logo, antes que eu te mate! — meu pai diz.
Respiro fundo e me ajeito no sofá, curvando-me um pouco para a
frente, e apoiando os braços sobre as pernas, enquanto enrosco minhas mãos
uma nas outras. Encaro-os, sabendo que preciso fazer isso,
independentemente de ficarem chateados ou não.
— Eu não quero assumir os hotéis, a empresa de turismo, ou qualquer
coisa que inventem de abrir.
— Eu sabia! — minha mãe grita, vitoriosa, e olha para o meu pai.
Este a olha de lado apenas e ela se ajeita ao lado dele, apertando os lábios um
no outro, se calando.
— Como assim, Kayden? Não estou entendendo. — Meu pai franze o
cenho e bebe um bom gole do seu vinho.
Respiro fundo e engulo em seco.
— É isso... Não quero mais reuniões, papelada, eu não quero assumir
os negócios da família. Eu amo o hóquei e quero focar somente nele. Não
quero ter um plano B como o Nicholas. Porque o plano A precisa dar certo.
Eu sonhei com a NHL desde criança. Eu me via vencendo a Stanley Cup,
casando, construindo uma família e me aposentando anos depois, deixando
um legado como um grande jogador de hóquei. Eu não queria a Engenharia,
eu nem quero.
— Filho, mas você pode ter os dois...
— Não, pai. Não posso. Olhem pra mim. Eu não consigo focar na
BTIU. Minhas notas estão péssimas, recebi a porcaria de um prazo para
resolver tudo. Se eu não me formar esse ano, e tiver que fazer mais um ano
de universidade, não estarei mais no time, porque preciso de boas notas para
isso, e estarei jogando a chance de conseguir um bom time e viver do hóquei.
Eu sou grato por tudo que fizeram por mim. Nunca deixaram nada faltar a
mim e ao Nicholas. Sempre nos deram o mundo. Nunca nos negaram nada. E
exatamente por isso, sempre achei que tinha que retribuir vocês de alguma
forma, e quando o Nick se rebelou, me cobrei ainda mais em ser o filho que
queriam, que daria orgulho a vocês, mas me tranquei na sombra dele, me
tornei o pai dele e esqueci da minha própria história e dos meus sonhos. Eu
não posso mais continuar fingindo que tudo está bem.
Sou sincero. Falo de uma vez pelo medo de travar e adiar a verdade.
Encaro-os com medo do que verei em seus olhares e expressão, mas tudo o
que acontece é surpresa. Eles estão surpresos.
— Bom, eu imaginava que você não iria querer seguir nos negócios
da família, só não imaginava o quanto isso estava te afetando, Kay... —
minha mãe diz, calma, surpresa, e muito dócil.
— Está. Eu estava me sufocando. E quando aconteceu tudo aquilo no
ano passado, e quase perdemos o Nick, eu entrei em pânico, comecei a ter
pesadelos, a assumir uma responsabilidade por ele que não me pertencia. Eu
me perdi de mim mesmo ao ponto de precisar voltar a me lembrar de quem
eu era e quem eu queria ser. Conversei com o Nick, ele foi bacana, um bom
irmão como sempre e me aconselhou a falar com vocês, assim como a Louise
tem feito, me aconselhado a ser sincero e parar de fugir da verdade. — Olho-
a de lado e ela me encara, sorrindo gentilmente. Sorrio de volta, antes de
voltar a atenção para eles. — Pela primeira vez em muito tempo tenho me
sentido eu mesmo, e lembrei do que eu realmente queria, e o quanto estava
jogando fora o tempo na BTIU e fingindo para vocês que tudo estava bem.
Em pouco mais de um mês, essa garota aqui me fez abrir os olhos, e entender
que minha vida estava uma enorme bagunça e eu precisava consertar. Eu amo
vocês, mas preciso que entendam que não posso controlar o Nicholas mais,
porque isso significa parar a minha própria vida. E eu preciso do hóquei,
porque ele me faz muito feliz, é o meu sonho.
Solto o ar com calma, sentindo os meus ombros relaxarem, e um peso
terrível sair das minhas costas. Sinto que posso dormir agora mesmo,
relaxado, em paz, sem pesadelos, sem segredos, tudo voltando ao normal.
Meu pai pigarreia e deixa a taça de vinho na mesa de centro, perto
dos vasos. Minha mãe repete o gesto com seu chá, e eles se olham, antes de
voltarem a me encarar.
— É triste saber que nenhum dos meus filhos vai cuidar disso tudo
quando não estivermos mais aqui, mas se esse é o seu sonho, Kayden, vamos
te apoiar. Se quer sair da universidade e correr atrás do hóquei, tudo bem.
Iremos investir o que for preciso para conseguir um bom time. Só que precisa
prometer nunca mais nos esconder a verdade. Precisa dizer quando erramos,
porque agora... — Ele dá de ombros. — Sinto que errei demais com você, por
não ver que estava sufocado assim. Estive tão focado em trabalho, que não
me atentei aos sinais e você sempre deu muito deles.
Assinto lentamente.
— Querido, deveria ter sido sincero desde sempre. Como eu disse, já
imaginava que não iria querer assumir os negócios da família, só não sabia o
que sentia de verdade. Como sempre fez piada de tudo, se meteu com várias
garotas, farras, exibindo sorrisos... Realmente nunca imaginei que por dentro
estava assim. Nos perdoe por termos sido tão alheios e alimentado essa
responsabilidade que sentia pelo seu irmão. O Nicholas ter se tornado um
rebelde, nos deixou preocupados e nos decepcionou um pouco, mas iríamos
nos decepcionar ainda mais se ele tivesse continuado sendo quem não era
apenas para nos agradar, como você fez. Filho, sabíamos que estavam sendo
criados para o mundo e que em algum momento iriam fazer suas próprias
escolhas, é triste que não queiram cuidar dos nossos negócios, mas jamais
iríamos deixar de amar vocês, ou expulsá-los de nossas vidas por isso. — Os
olhos da minha mãe marejam e me odeio por fazê-la se culpar assim.
— Eu deveria ter dito, não teriam como adivinhar, sou bom em
esconder as coisas com piadas, farra, sorrisos... Fiz isso esses anos todos. —
Sorrio. — Ainda não sei se o hóquei vai dar certo...
— Vai dar! — Louise retruca baixinho do meu lado e sorrio, sem a
olhar.
— Enfim, não tenho nada certo ainda, preciso resolver as coisas na
BTIU, mas é isso, não quero mais. Sinto muito ter dito isso depois de estarem
construindo um hotel para o Nicholas e para mim.
Meu pai ri com ironia.
— Kayden, tudo que temos será de vocês no futuro,
independentemente de estar ou não agora no nome de vocês. A diferença é
que o novo hotel vocês vão receber todos os lucros desde já. É apenas uma
forma de aprenderem a administrar parte da fortuna Spencer.
— E aí comprei uma moto de trezentos mil dólares, provando que
não sabemos.
— TREZENTOS MIL DÓLARES? — Louise grita. Meus pais riem.
— Perdão. Perdão...
Sorrio olhando-a. Está indignada.
— Tem roupas, sapatos, bolsas de luxo.
— Cara, se você converter esse dinheiro para a minha moeda, eu
compraria o dobro das coisas que tenho, uma casa, um carro e ainda sobraria.
TREZENTOS MIL DÓLARES É MUITA GRANA EM UMA MOTO! —
Ela olha para os meus pais. — Perdão. Prometo não me intrometer mais!
— Pelo menos tem juízo. Alguém teria que ter nessa relação.
— Ela não tem juízo, pai. Ela é igual ou pior que o Nicholas!
— Ela se chocou pelo valor da sua moto, isso já me basta para
defendê-la! — Minha mãe dá de ombros. — E, além disso, ela é muito
estilosa e linda. Não consigo ficar contra!
Louise dá uma risadinha baixa e a olho de lado. Ela vira o rosto.
— Enfim... Me perdoem por desapontar vocês! — falo, ajeitando a
postura. — E me perdoem por demorar tanto a dizer a verdade.
— Filho, nós amamos você e só queremos seu bem, apenas isso.
Quer jogar esse esporte perigoso? Tudo bem. Desde que me prometa voltar
sempre inteiro para casa!
— Não a escute. Arrebente seu adversário, e entre para um bom time!
Ainda que eu ache que futebol americano é muito melhor!
— Devin! — minha mãe o repreende. — E depois fica nervoso que
os filhos não têm juízo!
Recosto no sofá e apoio uma mão na perna da Louise, acariciando a
pele nua que se arrepia. Sorrio para ela, aliviado por não fazer isso sozinho.
Ela me olha com orgulho, e é um dos melhores olhares que eu poderia
receber agora.
— Só espero que cuidem de tudo quando não estivermos mais aqui,
para que exista uma nova geração de Spencer, e nossos negócios se
mantenham em pé por mais algumas décadas. Desde que cuidem com
carinho, nem que para isso passem essa responsabilidade para pessoas
confiáveis, eu irei apoiá-los no que decidirem fazer com suas vidas — meu
pai diz.
— Obrigado! Eu amo vocês. Eu demorei a dizer tudo, pelo medo da
reação de vocês e agora vejo que não foi nada ruim como eu imaginei. —
Solto o ar, ainda mais aliviado. — E sobre uma nova geração, não falem isso
ao Nicholas, ele tem pesadelos com o papo de ser pai e casamento — brinco.
— Nós amamos muito vocês, só não quando nos dão fios brancos. E
sobre seu irmão, é melhor ele pensar em um futuro se pretende estar com a
Piper nele, porque jamais aceitaríamos que ele ficasse cozinhando essa
relação sem dar a ela um futuro, um sobrenome. Damos muitas liberdades a
vocês, mas jamais brinquem com o coração de uma mulher. E isso serve de
aviso a você agora, filho. Fico feliz que estejam juntos, Louise é uma jovem
incrível, inteligente, bonita, educada e com um sorriso encantador. Se em
algum momento pensar em traí-la, ou que não quer um futuro com ela,
termine essa relação, mas não a destrua, não a quebre.
“Eu aceito tudo, menos que o legado da nossa família seja manchado
por garotos que não valorizam suas parceiras. Nisso sou muito tradicional, e
nunca irei concordar com relações que fiquem anos na mesma, sem
planejamentos, sem pensar em construir algo juntos... Chamo isso de perda
de tempo para os envolvidos, mas principalmente a elas, porque mulheres
sempre vão sentir mais que nós, por serem mais sentimentais a tudo, ao ponto
de se machucarem muito mais. E se as machucarem, saibam que aí sim
morrerão para mim, porque com o coração não admito que brinquem.”
— Seu pai tem razão nisso. Falhamos com vocês em muitas coisas,
mas espero que tenhamos acertado em ensiná-los sobre responsabilidade
afetiva, e em valorizar a mulher que está com vocês. Se as escolheram, sejam
leais, amorosos, fiéis a elas. E se forem prendê-las anos a vocês, sem fazer do
jeito certo, não iremos apoiar. Assim como seu pai, sou tradicional nisso. Até
agora estão todos morando juntos, brincando, se divertindo e estamos
fechando os olhos. Mas no instante que acharmos que isso está indo longe de
demais e estão atrasando a vida delas, então iremos sim intervir. Piper é um
amor, carinhosa, romântica e merece alguém que veja isso sempre. Louise é
alguém especial para nós também, divertida, maluquinha, prestativa, uma
amiga e tanto... — Minha mãe a olha e sorri com carinho. Isso aquece meu
peito. — Ela merece alguém que vai valorizá-la como se deve. — Torna a me
olhar. — Se quebrarem elas, quebraremos vocês!
Olho para a Louise, ela tenta disfarçar os olhos marejados, piscando
algumas vezes, e desviando o olhar.
— De acordo com eles, temos que sair daqui noivos. Agendar o
casamento para o final de semana e os filhos para o próximo mês. Cinco.
Quero cinco.
— Vão ter quantos ela quiser ter também, garoto! Está achando que a
vagina dela é o quê? Uma caverna?!
— Pai!
— Devin!
— O quê? Ele quer fazer a menina parir cinco crianças. Quase
morremos para cuidar de dois. Já se imaginou com cinco filhos do Kayden
correndo por essa casa, no mesmo temperamento dele?
— Pelo amor de Deus, Louise, dois está ótimo, querida. Acredite em
mim. Tenho uma lista de tudo que ele fez que nos enlouqueceu, posso te
passar!
— Ela realmente tem — falo com a Louise, que me olha chocada. —
Ela anotava tudo, para se lembrar do porquê não queria mais filhos.
— Ainda anoto! Eu sempre anoto. Me arrepio toda vez que pego o
caderno.
— Virou um caderno? — Olho para ela.
— Virou. Ela já preencheu dez páginas, frente e verso, todas as
linhas, sem pular! Ah, dez páginas só dos seus problemas. Os do Nicholas
são quinze páginas — meu pai responde. — Ela fez uma capa.
— Com nossa foto? — Sorrio.
— Não, querido. Com a primeira vez que me fizeram chorar, quando
atearam fogo no porão, para brincar de bombeiros, aos cinco anos de idade.
Seu pai tirou foto do meu escândalo. Deixei na capa, para o caso de toda a
lista não resolver, e meu útero querer mais. A foto me fez desistir quatro
vezes.
Louise pisca rápido, muito assustada.
— Eu não quero nunca ter filhos com você. Deus me livre de passar
por isso! Eu prefiro pular do penhasco ao enfrentar essa loucura.
— Obrigado, acabam de destruir o meu sonho de ser pai! — Encaro
os dois, que dão de ombros e pegam suas bebidas, bebendo tranquilamente.
— A única coisa que quero nesse momento é que vão comigo para a
estufa consertar o que aprontaram! E obrigado, Louise. Sua avó é um gênio.
Preciso do contato dela.
Olho para a minha mãe, balançando a cabeça negativamente a
Louise, sem que o meu pai veja e sussurrando: “Ele é louco, não faça isso”.
— Eu... Claro, posso falar com ela... Minha avó vai amar.
— Eu gosto dessa garota! — Ele sorri orgulhoso. — Ah, temos que ir
para a estufa. Vão aprender a consertar o que destruíram.
Disso não terei como fugir também, e a Louise vai embarcar nessa
loucura comigo também. Estamos juntos e, segundo eles, temos que nos
casar, foi o que entendi e estou até pensando no terno que irei usar, fico
gostoso neles.
Entramos em casa. Nicholas está no sofá, desenhando, a Piper com as
pernas no colo dele, lendo, e o Duke nos pés dele... Espera aí, Nicholas está
desenhando?
— Desde quando desenha? — Tiro o casaco e a Louise deixa os
vasos na mesa.
— Não me enche o saco!
— Eu adoro o bom humor dele! — Louise sorri. — Um vaso é seu!
Seu sogro te mandou!
Piper olha e sorri.
— Que lindo!
— Por que você desenha e eu não sabia que desenhava?
— Cadê as porras das minhas caixas do banheiro?! — Nicholas fecha
o caderno e me encara, furioso.
Louise se debruça no encosto do sofá e ri. Piper sussurra um “ferrou”.
— Caixas? — Coço a nuca.
— Sim, Kayden. Caixas. As minhas caixas. Tinha equipamentos de
hóquei lá, fotos, coisas do meu curso, fotos, tinha muita coisa lá!
Fodeu.
— Então, cara, sabe, é uma história bem engraçada, sabe? Você vai
até rir...
— Estou rindo agora? Está me vendo rir, filho da puta!
Nicholas se levanta correndo e corro puxando a Louise para a minha
frente.
— Não vai machucar uma garota, não é?
— É a segunda vez que joga minhas coisas fora. Tira ela da sua
frente!
— Não! Está muito estressado... Veja, o Duke está latindo.
Coitadinho, está agitando o demônio.
— Eu vou te matar. Tira ela da sua frente, porra!
— Está me usando de escudo? — Louise ergue a cabeça.
— Não, princesa. Estou te abraçando porque te amo!
— Ele ama ela! — Piper grita.
— Calada, Roberts! Vai ser a última pessoa que esse merda vai amar.
— Ele encara a Louise. — Sai da frente dele!
— Depende. Eu até queria que matasse ele, mas esse idiota é legal,
um cara incrível e disse que me ama. Sabe o quanto está em falta um amor
sincero no mundo? — Ele dá um passo na nossa direção. — Está me
desafiando? Está mesmo fazendo isso?! — Louise se estressa.
— Não. Estou mandando sair da frente dele! — O olhar dele é frio.
Eu o conheço. Nicholas está mesmo irritado.
— Pega leve com ela, porra! — falo sério, parando de brincar. Tiro
ela da minha frente. — Joguei, e jogaria de novo. Aquelas merdas estavam lá
há tempos. Nossa mãe tem razão, temos que reformar essa merda. Não temos
espaço para nada. Ou comprarmos uma casa nova e muito maior, com uma
jaula para o Duke!
— Eu não preciso de defesa. Eu preciso matar esse idiota! — Louise
avança para cima dele, e seguro-a. — Me solta. Ele me desafiou, e quis
mandar em mim. Eu vou acabar com a vida dele. Triturar as bolas dele.
— Não vai tocar nas bolas dele! Fica quietinha aqui! — Aperto-a em
meus braços.
Piper se levanta, ficando na frente do Nicholas e mandando o Duke
ficar quieto.
— Kay tem razão. Tá, ele jogou tudo fora, mas ou reformamos aqui e
arrumamos espaço, ou teremos que jogar mais coisas fora, doar, sei lá. Não
temos espaço, os cômodos são pequenos.
— Doa ele para o inferno! — Louise retruca, encarando o Nicholas.
— Vivo constantemente lá, não preciso que me doe. Se quiser te
arrumo uma vaga também, bem no colo do capeta!
— Não vai mandar minha garota para o colo de quem tem chifres.
Caralho, dá para os dois pararem?!
— Então alguém deveria fechar a porta do inferno, ele está liberando
muita gente de lá, veja, te liberou!
— Louise! — chamo sua atenção e empurro o Nicholas, que avança.
— Chega os dois! Nunca se mataram assim, o que está rolando?! —
Piper grita.
Louise se afasta, subindo irritada. Nicholas respira fundo.
— Satisfeito, porra? Qual o seu problema?
— O meu? Ela está louca. Está surtando comigo à toa, caralho. Não
mandei ela se intrometer nos meus problemas com você. É só ela ficar na
dela, que fico na minha. Se ela está incomodada, que suma dessa porra! Eu a
chamei para cá, posso tirá-la!
— Essa casa é minha também, Nicholas! — grito com ele.
— Você nem a queria aqui!
— Chega! Parem os dois. Ela está ouvindo tudo isso, tenho certeza!
Louise não está bem, ok? Ela está estranha, diferente, tem alguns dias...
Peguem leve, ninguém aqui sabe por que ela está assim. Nicholas, vai
resolver suas merdas sozinho, está descontando nas pessoas erradas!
— Do que ela está falando?! Quer saber, foda-se. Vou ver a Louise.
Passo por ele, esbarrando em seu ombro e o empurrando. Subo as
escadas e vejo a luz do quarto dela acesa, a porta aberta. Paro na porta,
vendo-a jogar as malas em cima da cama.
— O que está fazendo?
— Indo embora, não é o que seu irmão quer?! E como ele disse, você
nem me queria aqui. Vou resolver o problema de todo mundo!
— Louise, para com isso!
Ela começa a pegar suas coisas e jogar na mala. Piper entra e me
olha, então olha para as malas.
— Louise?
— Me deixa em paz, Piper! Vai lá com o seu namoradinho dos
sonhos!
— Louise... Não faz isso! O Nicholas foi um escroto e todo mundo se
alterou, só isso! O problema dele não é você, eu prometo. Por isso ele estava
desenhando, ele só faz isso para espairecer.
— Foda-se. Eu vou embora! — Ela joga mais coisas na mala.
— Louise, me escuta! — falo mais alto, segurando seu braço. Ela me
encara, está tomada pela raiva. — Para com isso. Temos que entender que
merda aconteceu. Estava tudo bem e, de repente, todo mundo surtou. Eu
conheço o Nicholas, tem algo acontecendo e ele acaba fazendo merda. Me
deixa resolver isso, e se acalma também.
— O Kay tem razão, Lou. Calma. Você e ele nunca se implicaram de
um modo que machucasse, era mais tranquilo e ultimamente tudo vira farpas
entre vocês. Hoje passou dos limites e temos que resolver, e não fugir, ok?
— Eu não tenho culpa das merdas dele. Eu...
Seu corpo inteiro amolece e puxo-a para os meus braços, vendo-a
perder a cor.
— Louise! — grito.
— Lou? — Piper se desespera.
— Eu... Eu... — tenta falar, mas não consegue.
Louise apaga completamente. E sinto meu mundo parar.
LOUISE
Encaro o médico a minha frente, depois de mandar todo mundo sair,
porque já é ridículo terem me trazido para o hospital por eu ter desmaiado por
míseros segundos. Eles ficarem todos grudados em mim, como se eu
estivesse à beira da morte, é pior ainda.
— Doutor, é ridículo terem me feito fazer exame de sangue. Qual a
necessidade? Foi só um desmaio. Posso ir embora, beber um chá e tudo certo.
Não estou morrendo! — Sorrio, levantando-me da maca. Ele me analisa. —
Não estou, né?
Ele olha os papéis em suas mãos e sorri.
— Na verdade, não está, senhorita. E o exame foi bem necessário. Eu
o solicitei, pois com todos os sintomas que seus amigos disseram que tem
tido e com o desmaio, eu só precisava confirmar uma coisa.
— Que estou morrendo?! — Volto a me sentar na maca.
— Não. A senhorita está grávida.
Começo a rir... Não, eu gargalho da piada do médico.
— Grávida? Eu? Nunca!
— Senhorita, os exames confirmaram isso. Posso até repeti-los se
quiser. A senhorita está grávida. As mudanças de humor, desmaio, azia,
sonolência, fome em excesso, enjoos, cansaço além do normal... Nada disso é
gripe ou estresse como a senhorita disse. Está grávida.
— Grávida?! — Arregalo os olhos.
Eu sinto minhas mãos começarem a tremer quando ele assente
sorrindo ainda e me estendendo um papel, como se eu fosse entender
qualquer coisa nele. Meu estômago começa a revirar e meu coração acelera
tão rápido, que as batidas me trazem uma sensação estranha. Pego o papel,
ele treme muito, porque eu estou tremendo muito.
— A senhorita precisa se acalmar se não quiser passar mal de novo.
— Doutor, eu... — Olho o papel, sem entender nada nele, apenas o
“positivo” circulado. — É impossível... Eu tomo anticoncepcional e já tinha
tentado outras vezes, e nunca... Não tem como! — Encaro-o e ele sorri
gentilmente.
— Nenhum método contraceptivo é cem por cento eficaz,
principalmente se não estiver o usando de forma correta. — Ergue uma
sobrancelha, como se estivesse vigiando minha vida.
Eu tomo, mas preciso admitir, que às vezes esqueço, mas tenho
certeza de que tenho tomado certinho esse ano... Espera, não... Não... Eu
falhei com ele algumas vezes esse ano. Estava tão maluca com tudo
acontecendo que esqueci, notei mesmo a cartela com alguns. Mas seria muito
azar falhar bem agora. Eu sempre fui meio esquecida e nunca deu em nada,
nem quando eu fiquei quase um ano sem, tentando engravidar do Kevin, na
loucura que ele colocou na minha cabeça de termos filhos. Impossível que,
por causa de falhar algumas vezes com o remédio, agora tenha engravidado.
Meu Deus, quando foi isso? Espera, deve ser com base na minha
última menstruação, certo? Alguns dias depois dela, eu estive com o Kayden
e transamos pela primeira vez. Depois disso, eu deveria ter menstruado e
nada. Porra, como não notei que minha menstruação estava atrasada? Ela
sempre foi regular. Eu deveria ter notado. Tiro o celular do bolso e confiro o
aplicativo que marco meu ciclo menstrual.
— Porra... — sussurro em português.
Estou atrasada.
Será que foi na primeira vez com o Kayden? Isso tem um mês e
pouco... Ai, minha cabeça. Estou muito confusa.
— A senhorita está bem?
— Eu... Doutor, eu já posso ir? Por favor, não deixe nenhum deles lá
fora saber.
— Claro. Precisa repousar, bastante água e comer direitinho.
Assinto, descendo da maca e quase correndo. Caminhamos até a
porta, ele vai falando sobre marcar consulta, me informar melhor sobre tudo
da gravidez, mas juro que não foco em nada do que ele diz, fica tudo jogado
no ar. Ele abre a porta, e damos de cara com o Nicholas e, pela expressão
dele, ouviu tudo.
— Está grávida?!
— Fala baixo! Cadê o seu irmão e a Piper?
— Ela foi no banheiro e ele foi buscar um café. — Ele olha para o
médico. — Ela está grávida?
O médico me olha, confuso. O coitado não sabe o que responder.
— Obrigada, doutor.
Puxo o Nicholas, nos afastando da porta e empurrando-o para o
corredor. Ele puxa o papel da minha mão e confere.
— Louise, que porra é essa? Como assim, está grávida?!
— Não quer que eu te explique como se fica grávida, né?!
Ele me olha chocado, irritado, não sei, estou tonta.
— O Kayden tem que saber. Você não vai esconder essa criança dele.
Eu ouvi você mandar o médico não contar nada.
— Claro que ele vai saber. Mas preciso de um tempo, ok? Seu irmão
se declarou para mim hoje e assumiu aos seus pais que quer o hóquei.
— Assumiu?
— Sim! Eu não posso jogar essa bomba em cima dele, e além disso...
Droga, eu vou acabar com a vida dele com essa notícia. Kayden vai me
matar. Eu falei que tomava o remédio, e não prestei para fazer essa função
direito!
Ele respira fundo e me entrega o papel.
— Ele sonha em ser pai. Sempre sonhou. Ele não vai te matar.
Kayden vai assumir essa criança, ou eu o mato.
Encosto na parede, dobrando o papel e respirando fundo.
— Nicholas, precisa me deixar contar. Não pode contar a ninguém,
nem a Piper!
— Tudo bem. Desde que independentemente da sua escolha em
manter ou não essa criança, vai deixá-lo saber! — me alerta e assinto. —
Porra, por isso está insuportável!
— Obrigada pelo elogio! — Guardo o papel no bolso da jaqueta. Me
troquei antes de vir para o hospital, me agasalhei melhor.
— Caralho, de quanto tempo está?
— Não sei. Mas se eu for me basear pela minha última menstruação,
então é dela para cá. Mas algo me diz que foi na primeira vez com seu irmão.
— Aquele fodido te engravidou de primeira? Só pode estar de
brincadeira com a minha cara!
— Eu realmente acho que foi nela. Porque foi depois disso que
comecei a me sentir estranha, cansada demais, com muito sono, fome, enjoos,
azias e querendo matar todo mundo, e tendo uma enorme birra com você.
Nicholas, o que eu faço? Você não tem noção do inferno que é a minha vida
no Brasil. Eu não posso colocar uma criança dentro da minha família,
entende? — Me viro para ele, gesticulando muito, desesperada. — E eu não
posso acabar com a vida do Kayden. Ele está tentando resolver o futuro dele
e uma criança agora vai...
— Não é na sua família que vai colocar essa criança, é na nossa, ok?
E não vai foder a vida do Kayden com isso. Tendo uma criança ou não, ele
vai conseguir jogar hóquei. Louise, se os dois quiserem a criança, conseguem
fazer isso acontecer. Não vai estar sozinha e muito menos ele. A gente criou a
Caitlyn, com certeza faremos o mesmo por esse bebê! Surtar agora não vai
resolver nada. E eu conheço meu irmão, ele vai pensar em quartinho,
presentes e todas as formas de mimar essa criança e você. O Kayden é louco,
mas sensato, vai assumir.
Começo a chorar, assustada. Ele me puxa para si e me abraça.
— O que está fazendo?
— Te abraçando, Louise! Desculpa. Peguei pesado hoje. O problema
não eram vocês. Era outra merda. Está com a gente agora, e o que decidir
estaremos ao seu lado. Só não esconda isso dele por muito tempo. Kayden
precisa saber!
Assinto, afastando-me e enxugando o rosto.
— Eu não vou tirar. Disso tenho certeza. Isso nunca.
— Tudo bem. Ninguém vai te pedir isso, eu prometo, tudo bem?
Concordo, respirando fundo. Kayden e Piper se aproximam, nos
encontrando.
— Oi, princesa. Como está? Estávamos procurando vocês. O que o
médico disse? — Kayden me avalia, segurando o copo de café.
— Parece ainda abatida — Piper comenta.
— Cansaço e estresse. Eu disse. Vamos? Preciso só descansar.
Kayden franze o cenho e encara o irmão.
— Vamos. Ela tem que descansar! — Nicholas diz.
Kay e Pips ficam nos olhando, mas assentem. Kayden apoia as mãos
nas minhas costas e me guia pelo corredor.
— Nenhum remédio? — Kayden questiona.
— Não. Só repouso. — Sorrio, encarando-o.
— O que está me escondendo? Por que o Nicholas estava com você?
Engulo em seco.
E se ele me odiar? Me culpar? E se o Nicholas estiver errado dessa
vez?
— Veio me pedir desculpas. Sentiu remorso por termos discutido e
eu ter desmaiado.
— O Nicholas pediu desculpas? Sentiu remorso?
Assinto, sabendo que isso o deixou mais desconfiado ainda. Mas hoje
eu preciso descansar a cabeça, e pensar em como contar isso a ele, sem que
ele pense que precise adiar alguma coisa na vida dele.
Entramos no carro do Nicholas. Fico atrás com a Piper, quieta,
pensativa.
— Coloquem os cintos. Principalmente você, Louise! — Nicholas diz
em um tom autoritário.
— Ok. — Puxo o cinto, colocando, sem resmungar. Piper e Kayden
me olham, surpresos. — O quê?
— Obedeceu a ele — Piper diz.
— Sem reclamar? — Kayden pergunta. Dou de ombros. — Ok, o que
você injetou na minha namorada?
Nicholas dá uma risada muito irônica e começa a dirigir.
— Acredite, não fui eu que injetei nada nela! — Nicholas responde e
chuto seu banco.
Olho pela janela, torcendo para chegarmos logo em casa, eu poder
dormir e amanhã pensar em como resolver tudo isso.
Apoio uma mão na minha barriga.
Grávida. Eu estou grávida. Isso que eu chamo de plot.
Kayden estende um braço para trás, apoiando na minha perna, e
dando carinho. E me sinto péssima por ainda não conseguir contar o que o
médico disse, e o que o papel no meu bolso comprova.
Eu não quero perdê-lo, mas também não quero que isso o atrapalhe
de alguma maneira, porque não vou desistir do bebê, isso não. Disso eu tenho
total certeza, ainda que eu não vá saber manter essa criança viva.
Meu Deus, esses dias bebendo, surtando... Eu vou ser a pior mãe do
mundo, e ainda tem a minha avó. Nunca poderei dizer isso por telefone, terei
que ir pessoalmente até ela, porque ela vai ter um treco. É isso, eu vou matá-
la do coração. E tem os pais do Kayden, eles não vão aceitar isso fácil.
Droga, que tremenda confusão.
— Está bem mesmo? — Piper segura minha mão e olho para ela,
quase chorando.
Estou em um nível agora, que ouvir essa pergunta me leva ao
desespero pelo medo de começar a chorar do nada. Então escolho assentir
apenas, porque se eu abrir a boca choro.
KAYDEN
Estou na escada, assistindo a cena que se desenrola na sala,
totalmente incrédulo. Piper desce e puxo-a para o meu lado, para que me
garanta que não estou enlouquecendo.
— O quê? — sussurra.
— Veja. Ela não queria comer. O Nicholas colocou comida no prato
dela, e mandou ela comer.
— E ela aceitou?
— Veja com seus olhos. Ele apenas olhou para ela, e ela sentou e
começou a comer. E não acabou aí. Ele ofereceu a ela mais suco, e a serviu.
— Nicholas Spencer a serviu? — Piper pergunta incrédula.
— Sim. Eu juro que pensei que estava vendo coisas, por não ter
dormido nada a noite, vigiando-a, para ter certeza de que estava bem.
Piper e eu ficamos olhando para eles, agindo como se fossem as
pessoas mais dóceis do mundo e os melhores amigos da vida toda.
— Os dois podem descer e comer logo para irmos? — Nicholas diz,
sem nos olhar.
— Como ele sabe que estamos aqui? — pergunto a Piper.
— Não sei. Ele sempre sabe essas coisas. Me assusta.
— Ele tem pacto.
— Com os seres de luz?
— Acredite, linda... O pacto dele é com o que tem chifres. Vamos.
Descemos as escadas. Com medo de estarmos em um sonho maluco.
Nos sentamos na mesa, nos servindo.
— Não sei a hora que irei sair da BTIU, temos treino em dois
horários hoje — Nicholas diz a Piper.
— Sem problemas. Vai usar o carro hoje, Kay?
— Não. Vou de moto. Pode ficar com ele. Irei conversar com o
treinador depois, então também não sei a hora que irei sair de lá.
Sirvo-me, mas sem deixar de observar a Louise, inquieta, estranha
demais.
— Então vamos no seu carro. Bom, se a Lou não for de moto com
você.
— Eu vou com ele...
— Ela vai com você, Roberts! — Nicholas diz.
Piper e eu nos olhamos e olhamos para a Louise. Ela olha para o
Nicholas, e de novo ele a encara seriamente, erguendo uma sobrancelha.
Louise suspira cansada.
— Vou com você, Pips.
— Vai? — Piper questiona.
— Não vai comigo? — Franzo o cenho.
— Não. Quero melhorar logo... — Olha para o Nicholas, parecendo
irritada. — Ele tem razão. Tenho que ir com a Piper.
— O Nicholas tem razão? — Piper questiona, segurando o copo
cheio de suco no ar, perto da boca.
Louise assente, encarando o próprio prato. Encaro o sofá, onde o
Duke brinca com o osso dele. Ele rosna para mim, quando seus olhos
encontram os meus. Tudo normal com ele. Então se ele ainda me odeia, isso
não é um sonho.
— Tudo bem, então... — Encaro ela e depois o Nicholas. — Tudo
bem...
Eu devo ter bebido e não lembro. Só pode!
Não irei conseguir falar com o senhor Allen hoje. Ele foi embora
assim que o segundo treino acabou. E o dia todo esteve ocupado. Caminho
pelos corredores da BTIU. As aulas de hoje foram mais do mesmo para mim:
não prestei atenção em nada, apenas sorri e acenei. A melhor aula foi com a
Piper, porque acabo me divertindo com ela tentando me fazer focar.
— E lá vai ele, andando pelos corredores tranquilamente, como se
não estivesse prestes a perder tudo isso. Espero que tenha entendido, sr.
Spencer. O seu tempo está acabando. O baile da primavera está quase aí.
Ouço a voz atrás de mim e paro no corredor, segurando a mochila
presa em um ombro. Viro-me, lentamente, e o vejo, parado na porta de sua
sala, e sorrindo como um idiota.
— Acho que o senhor tem mais coisas para se preocupar do que
comigo. Imagine só se espalham por aí o que a mulher do senador de BTI
anda fazendo no tempo livre. Foi ela que vi saindo de sua sala mais cedo, às
pressas? Agora que não tem mais o filho, me pergunto o que ela queria...
— Eu acho melhor você tomar cuidado com suas insinuações,
Spencer!
— Ou vai fazer o quê? — Nicholas sai do corredor ao lado. —
Gostaria de saber o que vai fazer, sr. Williams. Estou curioso! — Para ao
meu lado, acendendo um cigarro.
— É proibido fumar dentro deste lugar! — diz entredentes, nervoso.
— É mesmo? E quem se importa. Sabe o que deveria ser proibido?
Assediar alunas, e fazer abuso psicológico com alunos. Ops... Acho que é
proibido e é um crime. — Nicholas leva o cigarro à boca e solta a fumaça no
ar.
O reitor ficar vermelho de raiva e entra em sua sala, socando a porta.
Olho para o Nicholas, que dá de ombros.
— Assediando alunas? Que merda é a essa?
— Sim. Esse filho da puta anda esbarrando nelas, passando a mão, se
aproximando demais. Precisa ver como olha para elas. Nojento do caralho!
— Não me espanta. Um cara que se sujeita a fazer tudo que os
Duncan querem. — Balanço a cabeça negativamente. — Vai para casa?
— Vou. Tenho que dar banho no Duke, vou levar ele para a casa dos
nossos pais para fazer isso.
— Nenhum petshop o aceita ainda?
— Não. Aquele filho da puta aterroriza todo mundo. É o meu garoto!
Saímos rindo da BTIU.
— Agora fala, por que estava nervoso ontem e descontando em mim
e na Louise? Qual era o problema?
Nicholas nega lentamente.
O vento balança as árvores da universidade. Alguns alunos estão
andando por aqui e acenam aos nos ver.
— Fala de uma vez!
— Esquece. É só algo que me deixou puto.
Nos aproximamos das nossas vagas. Assim que ele para em seu
carro, pega meu capacete que está dentro do seu veículo e me entrega. Não
insisto em perguntar, ele vai enrolar e não vai dizer, e para não fazer isso é
algo que vai me irritar também, e se pode me irritar, é merda grande.
Paro no sinal, aguardando-o abrir, enquanto observo as pessoas no
centro da cidade. Fiz o caminho contrário, para poder me encontrar com o
Julian na arena. Ele ainda está treinando sozinho, Audrey segue suspensa dos
treinos devido a gripe, e vou irritá-lo um pouco, e troquei o caminho para
pegar menos trânsito e me ferrei, não resolveu nada. BTI continua cheia e
isso só vai mudar no final do mês, quando a temporada de inverno encerrar.
Ergo o olhar, encarando o lado oposto ao que eu olhava, e preciso
erguer a viseira do capacete, para ter certeza de que não estou vendo coisas.
Tiro o celular do bolso rapidamente e tiro uma foto, guardando-o em seguida.
Mas que porra é essa?!
Acho que agora sei por que o meu irmão estava irritado, porque
acabo de ficar. Buzinas me fazem baixar a viseira do capacete e acelerar a
moto.
Filhos da puta.
Entro na arena, indo direto para a pista de gelo, onde ele está
treinando. Seu pai me olha e aceno, então ele faz uma careta e foca no filho.
Sempre muito bem-humorado, ainda bem. Mas sei que me ama.
Julian se vira, girando-se, e seus olham focam em mim. Ele termina
os movimentos e pede uma pausa ao pai.
— Dez minutos, depois volte ao gelo — Grayson o alerta e sai da
pista e ofereço a ele uma piscadinha e sorriso. — Dez minutos, e suma daqui
depois.
— Sabe que sou o Kay e não o Nicholas, certo?
— Sei, e os dois sempre atrapalham meus treinos. Um castigo que
carrego desde a infância de vocês!
Passa por mim, me viro para o filho dele, que se aproxima da entrada
da pista, cansado, e me encara.
— Seu pai está ficando um velho sem sentimentos!
Julian sorri e aponta para a garrafa de água no banco. Pego e entrego
a ele. O cara está com as bochechas rosadas, suado e bastante ofegante.
— O que quer aqui? Não marcamos nada... Eu acho!
— Não marcamos. Eu não posso mais vir ver meu amigo?
— Não! — Bebe sua água lentamente. — O que quer?
— Podemos conversar longe daqui? Tem gente demais na pista e ao
redor.
Olha-me desconfiado, mas concorda.
Sai do rinque, sem colocar protetores nos patins, sabendo que seu pai
odeia isso. Tem coisas que não mudam, e ele implicar com o pai é uma.
Nos sentamos no corredor que dá acesso ao vestiário. Ele deixa a
garrafa ao seu lado do banco, e desamarra os patins, afrouxando-os.
Penso em como falar disso, mas sei que a melhor maneira é ser
direto.
— Foi no centro da cidade?
— Fui.
— Quando?
— Ontem. Levei a Caitlyn ao pediatra.
— Ela está bem? — Me preocupo na hora.
— Consulta de rotina. O que foi? — Se ajeita encostando na parede.
— Não viu nada por lá? Com certeza estava lá desde ontem, porque
tenho certeza de que é o motivo do estresse do Nicholas.
— Está falando sobre a cidade lotada e parecendo um inferno, ou o
outdoor enorme com a foto do Cameron e da Kristen, falando da ONG que
vão abrir em nome dele, e que será liderada por ela?
— Ok... Você viu! Eu vi hoje aquela merda. Cara, temos que fazer
algo. Eles estão provocando, Julian!
— E por isso mesmo não faremos nada. É o que querem. Eles sempre
vão arrumar um jeito de tirar nossa paz, a minha paz. Acha mesmo que a
Kristen participar dessa merda e estar na foto é à toa? Os Duncan sabem que
a Caitlyn não sabe toda a verdade sobre a verdadeira mãe dela, e ainda podem
usar isso contra a minha família, já que agora eles não têm mais o Cameron e
as merdas dele, que geravam deslizes e nos favoreciam. E o Brad virou
Senador. Ele está mais poderoso do que nunca. É briga séria, e não vamos
nos envolver nisso. Não quando pode afetar todo mundo, principalmente a
cabeça da minha filha.
— Julian...
— Kayden, não! Eu sabia que você e o Nicholas veriam, e iriam
querer fazer algo, mas não vamos fazer. Deixem eles jogarem o jogo sujo
deles.
— Porra, a Caty vai ver o rosto dele enorme naquela merda e da
mulher que ela nem sabe que é a mãe dela, e não faremos nada? Só pode estar
de brincadeira!
— Não faremos! Se fizerem alguma coisa, eu vou tirar de vocês o
que tanto amam, que é o acesso a Caitlyn. Eu jogarei sujo nesse nível. —
Fecho a cara e encaro o chão, irritado. — Não estou brincando, Kayden! Eu
entendo, acha mesmo que não quero tirar aquela merda, arrebentar a cara do
Brad e acabar com a vida da Kristen por aceitar isso? Ela pode não querer a
Caitlyn, mas ela não tem o direito de jogar sujo assim. Mas não vamos fazer
nada. Eles querem isso, querem que vamos para cima, e das últimas vezes
terminou da pior forma. Não dá para repetir esses erros. Ainda mais depois
do que aconteceu. Acha mesmo que eles não sabem que mentimos? Que tem
algo que não contamos sobre o dia do sequestro? Quer mesmo foder até seu
irmão? Não vamos fazer nada. E se algo acontecer a eles ou aquele outdoor,
eu saberei que foram vocês, e não irei pegar leve, e vou cumprir minha
palavra em afastar ela de vocês. Eu tiro a Caitlyn de BTI!
Respiro fundo e esfrego o rosto, antes de encará-lo.
— Então vamos deixar eles provocarem? É isso mesmo que quer?
— Não é o que eu quero. É o que tem que ser feito. A Caitlyn vai
saber a verdade sobre como veio ao mundo e quem de fato foi a mãe dela,
mas quando eu estiver pronto para contar, e quando ela também estiver
pronta para saber. Não irei permitir que eles façam o que eu tenho que fazer,
e tudo para se vingar porque provocaram e reagimos. Tive que aprender da
pior maneira que revidar a eles não é a melhor escolha. Eles precisam pisar
em falso sozinhos. Uma hora isso acontece. Por enquanto só continuamos
assim, desejando o pior a eles!
Assinto, frustrado com isso. Estou cansado das provocações deles. Os
Duncan infernizam a todos, mas quando se trata dos White, eles jogam sujo.
Tem uma criança na jogada, e nem isso faz com que coloquem a mão na
consciência.
— É... Nicholas tem razão — falo.
— Sobre o quê?
— Kristen é uma grande vadia!
Ele concorda e rimos.
— Obrigado. Eu sei que quer proteger ela. Eu vejo isso. Mas
precisamos ser sensatos dessa vez. Ao menos uma vez temos que pensar
antes de agir. O Nicholas sabe então?
— Acredito que sim. Estava furioso ontem.
— Vou falar com ele. Sei fazê-lo me ouvir.
— Vai ameaçar sobre levar a Caitlyn para longe da cidade.
— A única coisa que o pararia!
Concordo.
— Pela Caitlyn ficarei quieto. Apenas por ela. Porque se afetasse
somente a gente, daríamos um jeito. Mas ela não merece passar por mais
nenhuma merda por causa deles.
— Obrigado! — agradece mais uma vez.
Ficamos conversando mais um pouco, antes do Grayson mandá-lo de
volta para a pista.
Subo para a cafeteria, encontrando as três amigas, e o lugar um pouco
cheio. Audrey está muito melhor na aparência, mas emburrada por estar
longe da pista. Encosto no balcão, ao lado da Audrey, e ela me olha de lado.
As outras duas sorriem.
— Vou correr risco se perguntar por que está me olhando assim?
— Precisa convencer meu marido e meu sogro que posso patinar!
Estou ótima!
— Sua voz está fanha, o nariz todo assado, e ainda que parecendo
melhor, seus olhos seguem mortos. Não vou convencer ninguém.
Piper olha irritada para a Louise, que estende a mão, ganhando
cinquenta dólares. Fico confuso. Louise se inclina sobre o balcão e me dá um
selinho e agradece.
— Sua amiga afirmou que você cederia ao pedido da Addie. Eu tinha
certeza que não faria, porque é preocupado demais quando se trata de
cuidados com os outros — Louise explica, guardando a nota no bolso.
— Sou mesmo. Ela nem deveria estar aqui!
— Estou bem aqui. Não fale como se eu não estivesse, Kayden! —
Me dá um cotovelada de leve. — Eu não aguento mais repouso! — Apoia a
mão no rosto e o braço no balcão, amassando a cara.
Sorrio.
— Ela é teimosa, nunca vai sarar totalmente se continuar assim! —
Piper resmunga. — É mais fácil cuidar da Caitlyn do que de vocês!
— Por falar nela, ela está calminha demais desde a última vez que
aprontou na escola com a pedra! — falo.
Olhamos para a Audrey e ela ri.
— Na escola está mesmo. Já em casa... Inventou de decorar o quarto
dela por conta própria, uma grande surpresa. Ela espalhou cola glitter por
toda a parede, eu nunca vi tanto glitter na minha vida. E pior, desenhou os
avós, o pai... e eu! Julian não pode tirar, está tudo lá. Nem ele teve coragem.
Mas ela vai ficar uma semana sem os glitter dela. Afinal, o sofá branquinho
ganhou pingos da cola glitter, provavelmente na correria dela esconder tudo
antes de chegarmos para nos mostrar a enorme surpresa. Ela enrolou a
Wendy que estava olhando-a, garantiu que iria ficar quietinha no quarto. Até
que a Wendy encontrou várias colas no sofá e pegadas com glitter no
corredor até o quarto do anjinho.
Começo a rir.
— Eu amo essa menina!
— Quer para você? O Julian vai doar ela e não vai demorar! —
Audrey ri. — Eu ainda tomei bronca.
— Você riu de tudo! — Louise e Piper concluem juntas e a Audrey
gargalha.
— Sim! Nunca vi ele tão vermelho de raiva. Acabei rindo, tirando
toda pose de pai bravo. Foi um caos. Ele dormiu na sala com raiva,
acreditam? Também não dormi no quarto, dormi com a Caitlyn e sua parede
cheia de glitter.
— Audrey tem razão. Não temos maturidade. Caitlyn será a única
criança desse grupo eternamente a partir de agora! — Piper ri.
— Como assim? — pergunto rindo.
Louise se atrapalha com o celular na mão.
— Preciso ir ao banheiro. Fui! — Ela se afasta tão rápido que
ficamos olhando.
— O que deu nela? — Audrey pergunta.
— Não sei. Louise sendo Louise! — Piper dá de ombros.
Fico olhando para elas, confuso com a fuga da Louise.
— Caitlyn não será a única criança. Quero filhos. E temos sim
maturidade, só entramos muito no mundinho da Caty. — Dou de ombros.
— A Louise sabe que quer ter filhos? E quando iriam contar para
mim que estão namorando? Eu soube pela Piper! Estão me escondendo tudo.
Se eu morrer, espero que sintam muito remorso! — Audrey reclama.
Olho para a Piper.
— Escapou! Eu estou feliz, tá? Eu acertei que acabariam juntos. Eu
amo acertar! — Faz uma carinha fofa e balanço a cabeça sorrindo. Odeio não
conseguir brigar com ela.
— Estamos namorando, loirinha. Meio que não deu tempo de falar
com ninguém. Ontem a pedi em namoro. E foi uma loucura.
— Fiquei sabendo do hospital. Ela está bem mesmo?
— Parece que sim. Hoje acordou muito melhor! — respondo.
Piper tenta se afastar do balcão, porém seguro o seu braço.
— O que sabe? — Audrey pergunta.
— Nada! — Piper se solta.
— Piper! — chamo sua atenção.
— Está bem! Ela não sabe que vi. Louise estava vomitando no
banheiro da BTIU. Entrei lá, e escutei alguém vomitando, vi os pés dela por
baixo da porta. Me escondi na cabina ao lado e a vi saindo, confirmando que
era ela.
— Vomitando? Por que não me contou?! — pergunto.
— Porque eu achei que ela tinha falado!
— O que de fato ela tem? O médico falou? — Audrey pergunta. —
Por muito menos achei que estava grávida, mas era gripe.
— Ela não está grávida! — falo. — Ela teria me dito. Louise não me
esconderia isso!
— É, Kay tem um ponto. E ela não esconderia da gente, certo? —
Piper pergunta.
Louise retorna e olhamos para ela. Ela fica nos olhando.
— O quê? Por que estão me olhando? — Fica desconfiada e para ao
meu lado. Avalio-a. — O que foi? Estão esquisitos e me assustando!
— Nada... — respondemos juntos.
Ela não está. Ela já saberia e eu também, correto? Correto!
LOUISE
Termino de passar máscara no meu rosto. Os cabelos presos, faixinha
de orelhas mantendo os fios para trás e meu roupão roxo, é desse jeito que me
encontro em paz, sem querer guerra com ninguém, depois de mais uma
manhã vomitando às escondidas e escondendo de todos que estou grávida,
exceto do insuportável do Nicholas Spencer, o qual não para de ficar me
olhando para me torturar.
Eu passei o dia pensando em como contar ao Kayden. Hoje já é
sexta-feira, e não sei como falar, entrar no assunto. Estou pirando. Mas de
segunda-feira não passa. Isso eu tenho certeza. Eu vou ter coragem.
Ajeito o vasinho de flor que coloquei sobre a pia e então olho o
banheiro, todo arrumadinho e decorado do meu jeito. Não o de baixo, o de
cima. Kayden ainda não resolveu o problema do banheiro de baixo e passou o
dia fora. Mal nos vimos hoje. Resultado? Tive paz na mente e ideia. Comprei
várias coisinhas para o banheiro quando saí do trabalho, para deixá-lo mais
feminino possível. Quero ver o Kayden surtar, ao ponto de aceitar que precisa
arrumar o de baixo para mim. Detalhes roxos e rosa, flores, cheirinho
adocicado... Vai ser um prazer tirar ele do sério.
Primeiro, eu precisava de entretenimento. Segundo, precisava distrair
minha cabeça da novidade. Atormentar ele sempre resolve.
Escuto o Duke latindo e uma voz xingando-o, mandando-o sair de
cima e dar paz. Sorrio animada, encarando o meu reflexo no espelho. Fecho a
gaveta da pia, onde tem outra faixa, e fecho a máscara, deixando-o dentro de
uma das gavetas. Apago a luz e saio do banheiro, indo para o meu quarto,
terminar de organizar minhas roupas, depois do banho, e pronta para rir do
surto dele. Piper e Nicholas saíram, foram comer fora, ou se comerem, não
sei ao certo. Estava pensando em coxinha e caipirinha quando ela comentou o
que fariam.
Escuto passos no corredor, e o Kayden vai direto para o quarto dele.
Ele tinha treino, iria fazer trilha com os meninos e correr um pouco, algo
assim. Quando ele falou comigo sobre a agenda entediante dele que envolvia
muito exercício, eu sonhava com a minha cama, também não prestei muita
atenção.
Ele sai do quarto, e se eu não estiver errada, vai entrar no banheiro
para tomar banho e vai vir até aqui me xingar. Começo a rir já imaginando a
cena. Escuto a porta dele se fechar e a do banheiro abrir. Vou para a porta do
meu quarto, e aguardo o surto, animada.
Duke se aproxima, sentando-se na minha frente e me encarando. Ele
está grudado em mim a semana toda.
— Vou te gerar entretenimento, me agradeça mordendo-o!
Duke coloca a língua para fora e parece sorrir.
Aguardo o Kayden reclamar, mas nada. O som do chuveiro sendo
ligado me traz alerta de pânico.
— Ele ficou cego?!
Entro no meu quarto e o cachorro me segue. Fico olhando para a
cama cheia de roupas, me arrependendo de ter começado a arrumar minhas
coisas, mas também confusa.
— Ele não deve ter reparado atentamente, está muito cansado, é isso.
Fico falando sozinha, aguardando o surto que vai me fazer feliz.
Quase trinta minutos depois e nada. Terminei de organizar minhas
coisas e minha máscara já está seca no rosto. Saio do quarto, o Duke fica
nele, dormindo. Paro na porta do banheiro, o chuveiro já está desligado.
Só pode ser sacanagem!
Bato na porta, sem acreditar que ele ainda não reclamou. A porta se
abre, e sinto a minha alma sair do corpo, não por ele estar só de calça, sem
camisa, e sendo o gostoso de sempre. Mas por estar com a minha outra faixa
de orelhinhas, e com a máscara rosa em seu rosto.
— Eu não acredito! — Arregalo os olhos.
Ele se vira para o espelho e sorri.
— O quê?
— Minhas coisas... Está usando minhas coisas, e está feliz! Não era
para estar feliz!
— Como não estaria? O banheiro está cheiroso, bonitinho e ganhei
mimos!
— Não são para você. — Olho para a máscara aberta na pia. — Essa
máscara é minha. Essa faixa que está usando é minha... — Olho para o boxe.
— Usou meu sabonete! O banheiro está com cheiro dele. Kayden!
— Oi, princesa?
— Minhas coisas. Você tinha que odiar toda a decoração. Eu
coloquei flores espalhadas pelo banheiro! — Me frustro.
— Deveria? — Me encara confuso. — Como eu iria odiar algo bom?
Já disse, tudo limpo, cheirosinho e com mimos para mim!
— Não são para você, idiota! O banheiro está todo feminino, tinha
que odiar.
— Nunca odiaria. Divido com você, é seu também. E falhei em não
arrumar o lá de baixo ainda. É justo que queira um banheiro mais confortável.
E se te fez bem arrumar, então tudo bem para mim, princesa.
Sinto os meus lábios tremerem, mas me recuso a chorar e me
humilhar nesse nível.
— Para de ser fofo, idiota!
Ele ri e me puxa pela cintura.
— Olha como estamos lindinhos. Vai, faz biquinho. Vamos tirar uma
foto. Não temos foto juntos e somos um casal. Sou do tipo que quer mil fotos.
— Não irei fazer bico e nem tirar foto. Estou puta!
Ele pega o celular em cima da pia e olha para o espelho.
— Vai, biquinho!
— Não vou!
— Como não? Está brava por que gostei do que fez? — Ele começa a
rir. — Louise!
Reviro os olhos.
— Tira logo a foto e me solta! E sem ficar rindo, idiota!
Faço a porcaria do bico e ele tenta controlar a risada, os lábios
trêmulos, mas faz nossa foto no espelho. Me afasto irritada, assim que ele
abaixa o celular, escutando-o rir atrás de mim e me chamar.
— Satã, vem aqui!
Entro no meu quarto, irritada e decepcionada. Eu não sei mais irritar
ele. Não sou mais a mesma!
Como os sucrilhos na cozinha. É madrugada, e me deu muita fome,
eu realmente fui acordada por ela, tenho certeza. Saí da cama do Kayden de
fininho, e parecia uma foragida pela casa, até terminar na cozinha, comendo
sucrilhos, depois de tomar um copo de suco, comer metade do pacote de
biscoitos.
Ainda não acredito que o Kayden gostou do banheiro. Ele passou a
noite toda rindo, toda vez que me olhava, porque aparentemente gero
diversão a ele quando estou irritada. Da próxima vez coloco bomba, para
explodir assim que ele abrir a porta do banheiro.
— É melhor contar a ele! — Sobressalto com a voz.
— Cacete, Nicholas! — sussurro, virando-me e quase tendo um
infarto. — Quer me matar?
— Conta para ele... — Olha para a pia. — Comeu tudo isso? Porra.
Conta logo, alguém precisa te controlar!
— Não preciso de ninguém me controlando. Eu senti uma pequena
fome, ok?
— Pequena? Louise, não me irrita. Fala a verdade ao Kayden, ou eu
vou contar! Seu namorado precisa te parar. É um perigo cuidando dessa
criança sozinha, porra.
— Claro que não sou! Seu machista de merda!
— Foda-se o que pensa. Conte a ele. Louise, ele é o pai. Está
demorando demais para saber que a namorada está esperando um filho!
Encho a boca de sucrilhos, irritada.
— Eu vou contar! — respondo de boca cheia. — Sabe o que acho?
— Não me interessa saber!
— Que é fofoqueiro e não está aguentando segurar o segredo! —
Engulo todo o sucrilhos que estava na boca.
— Não fale merda, se eu fosse já teria contado do seu ex-noivo há
muito tempo! — Deixo a tigela na pia e levo a mão à boca. — O que foi
agora? Não vai escapar da verdade...
— Eu vou...
Não tenho tempo de correr para o banheiro. Eu apenas curvo o corpo
e coloco tudo para fora, bem no chão da cozinha. Eu odeio vomitar, tenho
desespero disso. Então me ver vomitando, me faz vomitar mais. Fecho os
olhos, colocando mais uma vez tudo para fora. O som não ajuda. Sinto um
braço me amparando. Tento empurrá-lo, mas ele é forte.
— Está pálida e ficando fraca.
Respiro fundo, abrindo os olhos e evitando olhar o chão. Meus olhos
estão marejados.
— Nicholas... — começo a chorar. Eu tenho horror a vomitar.
Minhas mãos tremem.
— Está tudo bem. Esquece essa merda. Vou te levar para o banheiro
para se limpar, ok? — Assinto. — Se acalma. Está tudo bem!
Ele me leva até o banheiro, me ajuda a me limpar, traz até água para
mim e espera eu escovar os dentes para conseguir beber. Fico sentada sobre a
privada depois, fraca ainda.
— Eu vou limpar...
— Esquece isso. Eu limpo. Louise, fala com ele, o Kayden tem que
passar por cada uma dessas fases com você. Ele é o pai, e eu que estou sendo
castigado te vigiando, porra!
— É o tio! Se quiser ser padrinho, vai ter que cuidar muito mais de
mim.
— Não me tira do sério, caralho. Conta a verdade.
— Tá bom! Eu vou contar. Mas agora só quero deitar...
— Vou te deixar na porta do quarto e limpar seu presente da
madrugada, porque o pai está lá, dormindo tranquilamente, e eu me fodendo!
— Dou uma risadinha. — Não tem graça!
— Tem sim. Você é protetor também. Se preocupa. Do seu jeito
escroto, mas se preocupa. Nicholas Spencer tem sentimentos pelas pessoas
além da Piper, isso que eu chamo de bizarrice da madrugada. Uma enorme
descoberta para mim.
— Eu vou te afogar na privada!
— Não faria isso. Estou grávida. Não é tão escroto!
Ele ergue uma sobrancelha e me desafia. Paro de sorrir na hora.
— Vou te levar até a porta do quarto. Só dorme e some da minha
frente.
Nicholas me deixa na porta do quarto e dou tchauzinho antes de
entrar e trancar a porta. Um dos abajures está aceso, Kayden sabe que me
acostumei com as luzes que a Piper tem em nosso quarto. Caminho até a
cama. Subo nela, só então me dando conta de como estou: camiseta e
calcinha, que com certeza quando me curvei vomitando apareceu tudo. Que
beleza!
Enfio-me embaixo das cobertas e o Kayden abre os olhos,
lentamente.
— Tudo bem? — sussurra.
— Sim! Tudo ótimo. Belo. Mágico. Dorme!
Ele me vira de costas para si, agarrando ao meu corpo. Sua mão
pousa na minha barriga, por baixo da camiseta. Me arrepio e sinto um frio na
barriga.
Mal sabe ele que está com a mão onde cresce uma criança. Uma
criança dele.
— Eu te amo — fala em meu ouvido, a voz rouca e sonolenta, o ar
quente saindo da sua boca.
Outro frio na barriga surge, mas seguido de calma, relaxando meu
corpo depois do que aconteceu na cozinha e me fazendo sentir protegida,
cuidada e realmente amada. Ouvir de novo que ele me ama me faz entender
que não foi nada da minha cabeça, ele disse isso na mansão Spencer e está
afirmando o que disse. Às vezes, acho que não mereço esse amor dele.
Kayden é perfeito demais para qualquer pessoa, até mesmo para mim.
Aconchego-me mais em seus braços, ainda sem conseguir dizer as
palavras, mas sabendo que meus sentimentos por ele são fortes o bastante
para amá-lo, mas preciso que saia naturalmente, eu preciso estar pronta para
dizer isso a outro homem, ainda que esse homem seja ele, o cara mais
perfeito que eu poderia conhecer.
Apoio a mão sobre a sua em minha barriga.
Espero que me ame o suficiente para ficar depois que eu disser a
verdade sobre o que realmente o médico disse.
Solto o ar, sentindo o calor dos seus braços me aquecerem e se
tornarem o melhor lugar do mundo para mim. Kayden já me dá o País das
Maravilhas em muitos detalhes, mas é nos seus braços que me sinto
realmente dentro desse lugar.
KAYDEN
Corro pelo lago de BTI junto do Nicholas e do Duke. Eu esqueço que
fazer isso com ele é tortura, porque o Nicholas parece nunca perder o fôlego.
Já diminuí o ritmo e o próximo passo é parar e desmaiar.
Hoje o dia está mais quente, sem neve caindo, e toda neve que restou
pelos lugares começou a derreter. No lago não pode mais patinar, o gelo já
está derretendo, alguns animais já estão aparecendo pela cidade, saindo de
seus lugares de proteção devido ao longo período de inverno. Provavelmente
os dias quentes vão chegar antes da primavera.
— Vejam só, eles treinam longe da universidade! — Paramos de
correr, ainda bem. Olhamos para o lado de onde a voz vem vindo e é o nosso
treinador, o sr. Allen.
Duke começa a latir e o Nicholas olha para ele e o manda sentar.
— Veio correr, treinador? — pergunto, com o pouco de fôlego que
me restou.
— Não! Apenas uma caminhada matinal. Mas foi bom encontrar os
dois!
— Não sei que merda o Nicholas fez, mas sou inocente! — Solto o ar
e recebo um tapa na nuca, vindo do meu irmão.
— Aconteceu algo, senhor? — Nick pergunta.
— Eu iria falar na segunda-feira, mas já que os encontrei aqui, já irei
adiantar o assunto. O time de Nova York que quer você, Nicholas, falou
comigo, eles querem os dois. — Me encara.
— Os dois? — perguntamos juntos.
— Isso. Conversei com eles, falei do desempenho do Kayden e que
sempre jogaram juntos, de modo inseparável. Eles assistiram alguns jogos
que enviei a eles. Já estava de olho nos dois, mas falaram primeiro com o
Nicholas, porque é o único que sempre deixou claro o interesse em seguir
com o hóquei depois da universidade. Eles perguntaram muitas coisas sobre
vocês, e como o Kayden não decide a vida dele, focaram no que decidiu. Mas
me perguntaram de novo... — Ele me olha agora. — E eu dei esperança a
eles. Vão assistir o próximo jogo. Está nas suas mãos agora, garoto.
Sorrio, feliz, animado. Olho para o Nicholas, e ele sorri de volta, e
assente. Encaro o treinador.
— Eu queria mesmo falar com o senhor. Não vou continuar na BTIU.
Não irei me formar. Até o baile da primavera, irei sair. Eu quero focar no
hóquei, é o que sempre amei.
Ele ri.
— Até que enfim, achei que tinha apanhado demais no rinque ao
ponto de perder de vez o juízo. Sempre foi claro que amava, mas vivia
indeciso.
— E o senhor acha que devo aceitar a proposta desse time? Ficarei
preso a eles até eu completar vinte e sete anos... Nós dois ficaremos! — Olho
para o Nicholas. — Ah, já decidi por você, vai comigo para Nova York.
Nicholas me olha lado, mas acaba balançando a cabeça e sorrindo.
— Quero ouvir sua opinião também. Devemos aceitar? O senhor nos
fez crescer como jogadores desde que entramos na BTIU. Confiamos na sua
opinião! — meu irmão diz.
O sr. Allen tenta se fazer de durão, mas seus olhos brilham,
marejados, e ele pisca algumas vezes tentando esconder.
— É, chegaram cheios de marras, moleques, achando que sabiam
tudo... Me deram trabalho, mas são meus melhores jogadores em anos. Não é
um time qualquer, são os New York Rangers. Os caras vão perder dois
jogadores ao mesmo tempo na temporada do ano que vem da NHL. Vão ter
muito tempo para se prepararem e entrarem com muita garra para o time. Vão
poder acompanhar eles na temporada que inicia esse ano, estudar o time. Eles
têm vários títulos da NHL, estão no top 10 dos melhores times em vários sites
e principalmente na opinião do público, e vieram até aqui assistir vocês, em
busca de talentos ocultos, e dentre todos os jogadores no rinque, os olhos
deles estavam nos dois. Eles já sabiam o que buscavam e vocês tinham o que
eles queriam. Se eu acho que devem aceitar? Com toda certeza. Se querem o
hóquei, se querem realizar esse sonho, estão com tudo nas mãos.
Sorrimos e assentimos.
— E querem me assistir de novo... — sussurro.
— Querem, garoto. Se quer isso, mostre do que é capaz. E não
percam essa chance. Muitos sonham com ela, e nem todos conseguiram ter.
Não desperdicem isso, é a chance da vida de vocês. Arrumem uma boa
equipe, posso passar ótimos contatos para vocês, agentes, equipe de
marketing, relações públicas... Montem a própria equipe dos dois, é o
conselho que dou também, nada melhor do que trabalhar com quem
confiamos em cem por cento, e que pode tornar vocês estrelas do hóquei. Vão
para Nova York e tornem o Madison Square Garden a casa de vocês. Sei que
os verei em todos os jornais, revistas, sites... Eu sempre acreditei nos meus
jogadores, mas acredito ainda mais nos dois. Façam história, e
principalmente: amadureçam. Vão precisar disso para jamais deixar a fama
subir à cabeça de vocês.
— Obrigado, senhor! — agradecemos juntos, e o Nicholas me olha
de lado.
— O senhor foi e continua sendo um grande treinador! — Nick diz e
ele se emociona.
— Vou sentir falta de vocês. Me estressam, acabam com a minha
paz, mas vou sentir falta dos gêmeos mais famosos de BTIU e dessa cidade.
Ele se aproxima mais e abraça cada um de nós.
— Obrigado por dar a eles esperança sobre mim! — agradeço ao nos
afastar.
— É uma honra ajudá-los a ir tão longe. Bom, agora vou aproveitar o
meu final de semana, já cansei dos dois! Até segunda-feira!
Ele se afasta e vemos quando enxuga os olhos. Rimos e o Nick se
abaixa para brincar com o Duke. Viro-me para os dois, sentindo-me
completamente feliz.
— Então vamos para Nova York — suspiro, sentindo um frio na
barriga.
— Parece que sim! — Ele sorri.
— E ele? Não vai poder levar ele. Nossa vida será corrida quando
estiver na temporada de jogos.
— Ele vai ficar. Tem nossos pais, tem a Piper, e sempre voltaremos,
aqui é e sempre será nossa casa, Kayden. E ele sabe que sempre vou voltar
para ele.
— Acho que até eu irei sentir falta desse demônio! — Abaixo-me
para brincar com ele, mas ele rosna. Levanto rápido, me afastando. — Não
vou. Esquece. Vai ser uma paz ficar longe dele!
Nicholas começa a rir.
— Sabe o mais engraçado? Se adoravam quando ele era bebê.
— Claro, os dentes dele não eram afiados.
Ele se levanta e desembola a coleira do Duke presa em seu braço, e
prende no cachorro.
Começamos a andar para voltarmos para casa.
— Eu vi o outdoor no centro da cidade. Foi isso que te enfureceu, né?
— Foi. Eu queria queimar aquela porra.
— Julian te ameaçou em tirar a Caty.
— É... Por aí...
Começo a rir.
— Ele fez o mesmo comigo. E meio que agora, nós vamos perder
ela... Essa parte dói. — Forço um sorriso. — Ficaremos longe de todo mundo
durante um tempo.
— Ainda temos esse ano, e até a próxima temporada para nos
dividirmos entre eles e o time. Depois, vamos dar um jeito. A gente sempre
dá. E você vai ser o que mais vai precisar dar um jeito.
— Do que está falando?
Ele nega e ri.
— Kayden, precisamos de uma casa maior.
— Precisamos. E aquela está muito velha. Uma reforma ali nos
deixará meses ou anos fora daquele lugar. Deve estar tudo ferrado. — Ele
concorda.
— Assim que assinarmos os contratos e resolvermos tudo, temos que
comprar uma casa grande. Com um quintal para o Duke.
— Eu pensei em uma jaula, mas tudo bem...
— Estou falando sério, imbecil. As meninas vão ficar, elas têm a vida
delas aqui. Podemos continuar todos na mesma casa. As duas ficarão boa
parte sozinhas, serão a companhia uma da outra.
Começo a rir.
— Assume que não sabe morar em uma casa que eu não esteja nela!
— brinco.
— Vai se foder!
— Eu concordo com tudo que disse. Podemos todos continuar
morando juntos, mas em uma casa bem grande, e com segurança para elas.
— De preferência longe do centro da cidade e de todo o inferno que
esse lugar vira na temporada de inverno.
— Sabe que vai ter que lidar com muita gente quando ficar famoso,
certo? — pergunto.
— Não vou. É para isso que tenho você e vamos para o mesmo time.
Me represente. Temos a mesma cara, é a mesma merda.
— Nicholas!
Ele resmunga. Às vezes tenho vontade de socar a cara dele, porra.
Entramos em casa, e escutamos barulho na cozinha.
— A loira tá aqui. A casa nova tem que ser anti-Audrey! — Nicholas
reclama tirando a coleira do Duke, que corre beber água.
— Eu ouvi, idiota! — Audrey resmunga da cozinha. — Ainda estou
longe das aulas e dos treinos. Elas estão me fazendo companhia.
Entramos na cozinha. Estão cozinhando.
— Passou um furacão aqui? — pergunto, olhando a bagunça. —
Hmmm... Que cheiro bom. Eu amo vocês! — Me emociono em saber que irei
comer depois desse castigo que foi correr com o Nicholas.
Elas riem. Vou me aproximar da Louise, mas ela se afasta.
— Nem vem, está nojento! — reclama. Faço uma careta para ela.
— Cadê o Julian e a Caitlyn? — Nicholas pergunta.
— Caitlyn foi passear com meus pais, que estavam de folga. Julian
ficou treinando, mas daqui a pouco vem para cá. E os dois, estavam fugindo
da polícia?
— Não. O dia que eu fugir deles de novo, é porque dei um fim em
você.
— Nicholas! — Piper e eu chamamos sua atenção.
— Ele me ama, só não admite! — Audrey dá de ombros. — Kayden,
está animadinho... Conheço essa cara. O que rolou?
— Pelo amor de Deus, não aprontaram, né? Prometeram que iriam só
correr! — Piper choraminga, desesperada.
Louise ri, cortando o tomate.
— Não. Mas talvez estejam falando com os novos membros do New
York Rangers — falo, e elas ficam me olhando sem entender. — Um dos
grandes times de hóquei da NHL... Porra, estão zoando com a nossa cara, só
pode!
— Entendemos, sabemos que time é... Só estamos em choque. É
sério? Os dois? Como? E não tinham ido correr? — Piper pergunta, surpresa.
— Fomos, pequena. O treinador nos encontrou e deu a notícia. Ainda
não é nada oficial, mas se o Kayden conseguir entrar mesmo, ao que tudo
indica, ele vai, estaremos juntos!
Elas começam a gritar, e a Louise larga a faca na pia e se joga em
cima de mim. Seguro a maluca, que enrosca as pernas ao meu redor.
— Eu sabia, seu idiota! Eu disse que você teria um time.
— Ainda não é oficial.
— Cale a boca! — Ela me beija, me fazendo sorrir, e ter certeza de
que escolhi amar a pessoa certa.
Coloco-a no chão, e a Piper se afasta do meu irmão.
— Eu abraçaria vocês, mas ficam reclamando da minha gripe, e...
— Vem logo, Morris! — Nicholas a chama.
Audrey o abraça e depois vem até mim.
— Parabéns. Já deu tudo certo. Vocês vão brilhar! — Ela sorri.
— Obrigado. O Nicholas não vai agradecer, mas finjam que ele fez!
— Dou de ombros.
— Vou tomar banho e ficar alguns minutos longe de você. Já me
cansou! — Ele sai da cozinha, irritado.
Dou uma piscadinha para elas, e sigo ele, pronto para irritá-lo e fugir,
se eu tiver forças nas pernas ainda.
LOUISE
A notícia sobre o Kayden me deixou muito feliz, mas também
apavorada. Ele vai passar mais tempo em Nova York, tenho certeza, e agora
com a gravidez... Droga, eu não posso dar essa escolha a ele, não posso.
As meninas conversam, apenas sorrio e aceno, sem conseguir prestar
atenção. Eu preciso contar a verdade a ele, ainda que isso signifique ele
escolher o hóquei apenas. Claro que isso vai me destruir, mas não posso
esconder, Nicholas tem razão. Eu tenho que ser sincera.
— Eu já venho! — falo saindo da cozinha, sentindo os olhares delas,
mas precisando de uns minutos sozinha.
Subo para o segundo andar. Kayden está no banho, então vou para o
seu quarto, sentando-me em sua cama e observando tudo ao redor, enquanto
tento acalmar a minha cabeça.
Métodos falham.
Todo mundo poderia se confundir, falhar algum dia com os remédios
também.
Ficou um ano sem, tentou ter filhos com o Kevin, e deu errado, agora
não queria, tentou se proteger, mas deu tudo errado, e está tudo bem.
Fico repetindo essas coisas na minha cabeça, tentando acalmar ela.
Minha mente é o que mais me prega peças, e preciso aprender a mudar isso.
Respiro fundo, agradecendo não estar enjoada como pela manhã ou
de madrugada. Isso pioraria muito as coisas. Eu não posso colocar ele em
uma situação de escolha, mas o Kayden tem que saber antes de assinar o
contrato, antes de qualquer outra coisa, porque ele vai receber esse contrato,
ele vai ser chamado oficialmente.
Kayden entra no quarto, me assustando. Está apenas de toalha. Ele
me olha e sorri, então fecha a porta atrás de si.
— Veio admirar seu homem? — provoca.
— Não... Vim respirar um pouco.
— Respirar? O que houve? Passou mal de novo? — Ele me analisa,
se aproximando de mim. — Você e as meninas discutiram?
— Não para nenhuma das duas perguntas. Só muita coisa na cabeça.
Cruzo as pernas em cima da cama.
— Tem certeza?
— É... Está muito feliz com a notícia do time?
— Sim! — Senta-se ao meu lado e deita o corpo para trás, deixando
as pernas apoiadas no chão. — Ainda que não esteja nada certo, me trouxe a
resposta que eu precisava.
— Resposta para o quê?
— De que eu estava fazendo a coisa certa. E irei estar com o Nick,
sonhamos em fazer isso juntos, e finalmente teremos essa chance. A conversa
com meus pais, tudo que o treinador nos disse hoje, a decisão de sair da
BTIU... Pela primeira vez me sinto fazendo coisas por mim, não mais para
agradar ninguém. São minhas decisões e estou me sentindo leve com isso.
Sorrio fracamente.
— Isso é maravilhoso. Está aprendendo a pensar por si mesmo. Estou
feliz que esteja feliz, Kayden. O hóquei é a coisa mais importante para você,
não é? E agora vai ter ele totalmente para si, isso é incrível! — Brinco com
um pedaço de linha se soltando da colcha sobre a sua cama.
— Ele não é a única coisa importante, Louise. Isso é um modo de
falar. Minha família, amigos... Eles viriam em primeiro lugar sempre.
— Mas o hóquei tem a maior parte do seu coração, acertei?
— Não. Alguém tirou ele desse espaço e encaixou ele em outro
canto, um canto médio, mas suficiente.
Meu coração dispara e sinto um nó se formar na garganta.
— Kay...
Ele se senta meio de lado, me encarando.
— Eu sei o que deve estar pensando. Louise, ainda que eu vá para
Nova York...
— Você vai, Kayden! Eu te mato se não for.
Ele sorri.
— Eu ainda estarei aqui pela gente. E vai demorar para passar longos
dias longe de BTI. Existe muita burocracia, etc. Ainda assim, estaremos
juntos. Eu quero estar com você, independentemente de estar jogando longe
de casa ou não. E nunca pediria para largar nada para ficar comigo, porque a
minha rotina vai ficar insana durante os jogos. Eu te quero bem aqui, com
suas amigas, todo mundo que te ama e vai cuidar de você para mim, quando
eu estiver longe. E eu sempre vou voltar para casa.
— Claro que vai, só para me fazer dividir o banheiro! — brinco,
tentando conter as lágrimas.
— Não é dessa casa que estou falando. Você é a minha casa. Eu
sempre vou voltar para você. Eu prometo. Enquanto me quiser, eu vou estar
aqui. Eu te amo, não brinquei quando disse isso. Nesse tempo juntos, você
me fez voltar a ser quem eu sempre fui, e entender que nada do que eu vivia
estava me fazendo bem. Mesmo cheia de problemas, sempre me puxou para
fora das minhas merdas, fosse com as implicâncias ou com o seu lado doce
que só se revela para quem a olhar de verdade. — Segura meu queixo e
desvio o olhar, com os olhos embaçados. — Olha para mim, princesa. —
Retorno o olhar e mordo o cantinho da boca. — Eu te amo, ok? — Assinto e
ele sorri.
Aproxima a boca da minha e seus lábios tocam os meus. Me beija,
me deixando presa no mundo perfeito, o nosso País das Maravilhas. Sua mão
desliza para a lateral do meu rosto e o beijo se aprofunda, arrepiando-me, e
me dando um forte frio na barriga.
Afasto-me, rapidamente, deixando-o confuso e me levanto da cama,
tonta.
— O que foi? — Franze o cenho.
— Kay, eu preciso te contar uma coisa!
— Está me preocupando. Por que se desesperou e correu? O que quer
me contar?
Meu peito sobe e desce e tento recuperar o fôlego.
— Precisa entender que isso pode acontecer. Você sabe que pode.
Nada é cem por cento seguro. Além disso, eu estava passando por mil coisas,
me baguncei toda e...
— Louise, respira. Não estou entendendo nada. Do que está falando?
— Ele sorri. — Senta aqui, se acalma.
— Não! — Balanço a cabeça negativamente. — Eu estou grávida. É
isso. Pronto, falei. Seja o que Deus quiser!
Encaro-o, quase desmaiando de nervosismo. Kayden fica me
olhando, os lábios levemente entreabertos, mas completamente imóvel.
— E caso tenha dúvidas, estou grávida de você. Não sei se pode ficar
confuso e...
— Está grávida?
— Ótimo. Está falando. Sim. Estou grávida, e nesse momento estou
surtando. Eu não sabia como te falar. Mas sabia que iria te contar até
segunda-feira. Mas então você chegou com essa notícia, e eu precisava te
contar antes de qualquer decisão que fosse tomar. Não que eu espere ou
queira que escolha ficar, participar da gravidez... Ah, vale dizer que irei
seguir com ela. Se bem que preciso marcar consulta, o médico disse e...
— Louise, espera! Desde quando sabe disso?
— Desde o dia que desmaiei e fomos ao hospital.
— Está me escondendo isso desde o hospital? Quem mais sabe?
— Olha que engraçado... O Nicholas. Ele ouviu o médico. Implorei a
ele para não contar... Por que não está rindo?
— Está me dizendo que o Nicholas já sabia, e está me contando só
agora?
— Kay, nem ele deveria saber. Ele ouviu tudo e não tive escapatória.
Eu não consegui contar antes, estava ensaiando como fazer isso. Eu nunca
planejei engravidar e...
— Está de quanto tempo?!
— Não sei... Mas acho que foi desde a nossa primeira vez, naquele
final de semana. Depois disso minha menstruação atrasou, e os sintomas
estranhos começaram a surgir... Enfim, não era gripe, mas...
— Está me dizendo que está grávida desde aquela vez, ficou
bebendo, andando de moto comigo, pulando igual uma louca em cima de
mim, comendo muito mal e que o Nicholas sabe primeiro do que eu, o pai da
criança? É isso que está dizendo?
— Quando você fala assim, fica pior do que eu pensei... Kay, eu juro
que não iria te esconder. Só precisava me preparar. E não quero que tenha
que escolher entre o time e eu.
— Senta! — ordena, sério.
Sento-me, pronta para ele surtar, tudo isso acabar, eu ter que sumir
daqui e sofrer pelo resto da minha vida.
Kayden se levanta, esfregando o rosto.
— Ficou bebendo, andando de moto, sendo louca, enquanto grávida!
— Vou abrir a boca, mas ele ergue um dedo. — E o Nicholas já sabia, e não
me contou nada também.
— Kayden, eu não sabia. Vamos anular o passado, que tal?
— Não. Não essa parte do passado. Deveria ter me contado no
hospital. Piper disse que andou vomitando... Ela e a Audrey duvidavam que
você esconderia uma gravidez delas. Eu duvidei que esconderia de mim!
— Em minha defesa, o Nicholas só sabe porque foi um intrometido.
Eu queria te contar primeiro. E como assim, estavam falando de mim?
— Não mude ou inverta o assunto! Porra... Grávida?!
Assinto. As minhas mãos não param de tremer.
— Agora entendi a piada do idiota sobre injetar coisas em você e o
papo da casa muito grande, e que eu iria ter que estar aqui. Que filho da puta!
— Sorri.
— Ele é um idiota! Não ouve ele. O Nicholas é como o seu sonho,
meu inimigo! Kay, eu não queria esconder, e nem faz tantos dias que
descobri. Eu vou entender se surtar, quiser me culpar...
— Ficou maluca? Não fez a criança sozinha, Louise! E eu não sou
ele. Eu não vou surtar com você, não vou te culpar... Espera, no primeiro
final de semana? Eu acertei de primeira? Caralho, eu sou muito bom!
Fico encarando-o.
— Está brincando com a minha cara? Estou desesperada, Kayden!
— Por quê? Louise, eu sempre quis ser pai. Já pensou vir gêmeos? —
Se anima.
— Kayden, não está me acalmando!
Ele se senta ao meu lado.
— É claro que vou assumir a criança, você... A gente precisa casar.
— Não precisamos. Não estamos no século XIX.
— Claro que precisamos. Aliança dourada e tudo. E um quartinho
lindo, ou dois...
— Não é gêmeos!
— Não?
— Não... Não sei... Não! Para de me enlouquecer. Kayden, entendeu
que estou falando sério? Estou grávida!
Ele sorri e assente.
— Entendi, princesa. E estou pensando em quartinhos, roupinhas,
roupinhas de hóquei... Se for uma garotinha e vir com sua carinha, estarei
fodido, vai me dar dor de cabeça com os caras. Se bem que se me puxar,
também, sou bonito pra caralho. Mas assim, precisamos pensar em um
convento!
— Não precisamos. Precisamos pensar no agora. O que vamos fazer,
Kayden?! — Me altero.
— Cuidar de vocês. — Me responde como se fosse óbvio. — Achou
que eu faria o quê? Surtaria, sumiria e te largaria com a criança?
— É... Acho que sim... Kayden, é impossível que não esteja surtando.
— Estou apenas pelo Nick saber primeiro e saber que estava bebendo
e sendo louca enquanto grávida. Mas, porra, eu provavelmente ganhei um
time e fui presenteado com uma criança. Isso que eu chamo de presente
adiantado de Natal.
— Kayden, eu não acredito que vai pegar leve! Eu estava pronta para
fazer uma enorme cena!
Ele me deita na cama, rindo e volta a me beijar silenciando-me e me
fazendo respirar de novo.
— Eu amo você... Vamos fazer isso juntos, e vamos fazer dar certo.
Quer mesmo seguir com a gravidez? — Assinto. — Perfeito... Porra, muito
perfeito. Caralho, já vou começar a povoar BTI com a nova geração dos
Spencer... Espera, temos que contar aos meus pais e precisamos tomar
cuidado, eles vão nos matar!
Começo a rir ao mesmo tempo que chorar.
— Por que você é desse jeito? Kayden, como pode ver tranquilidade
em tudo?
— Estamos juntos, esse é o nosso País das Maravilhas, nele podemos
tudo.
Ele desce o corpo até o seu rosto estar na minha barriga. Sua boca a
toca, em um beijo carinhoso. Seus olhos se erguem e não acredito no que
vejo. Kayden está emocionado.
— Kayden, eu estava apavorada.
— Eu sei, acha que não estou? Nesse momento estou pensando em
como serei o melhor pai do mundo para essa criança e o melhor futuro
marido para você.
— Não vamos casar! Para de ser maluco, cacete.
— Vamos. Sabe que vamos... — Encara a minha barriga. Ergue a
blusa e beija de novo ela. — Oi, meu amor. Aqui é o papai, e talvez você não
esteja entendendo nada, porque viveu dias perigosos, mas sua mamãe é louca,
porém juro que ela é um amor na maioria das vezes. Eu prometo manter essa
casinha segura, nem que eu tenha que amarrá-la. E prometo tentar ser a
melhor pessoa para você... Para vocês.
— Me recuso a chorar... Para! — Pisco rápido, chorando mais.
— O mundo aqui fora é uma merda, mas dá para se divertir muito.
Ah, e a outra voz masculina que andou escutando é só seu tio, dizem que ele
é a minha cara, mas sou mais bonito. — Começo a rir. — Vamos fazer isso
dar certo. É uma promessa!
Enche minha barriga de beijos, fazendo cócegas, então sobe me
beijando de novo.
— Vai dar certo, não vai? — sussurro.
— Vai, princesa. Mas antes vou matar o Nicholas por ele não ter me
contado.
— Não... Ele limpou o meu vômito. Isso já foi castigo.
Kayden gargalha.
— Eu amo muito essa criança!
Ele me abraça, beijando-me mais uma vez. Sua toalha se abre e o
beijo esquenta, nos agitando.
— Kayden, foi assim que terminei grávida...
— Agora já está, podemos abusar ainda mais!
— Idiota!
Ele ri e me agarra, me fazendo soltar um gritinho, mesclado a risos.
Meu maior plot não é a gravidez, é o Kayden. Todos os dias ele me
surpreende. Eu nunca sei o que esperar, mas ele sempre me oferece algo que
eu não esperava, mas que me choca de um jeito bom.
Vai dar certo, Louise. Só acredita, e foca nisso. Não é o Kevin, isso
acabou, mas sabe o que precisa fazer.
— Kay — gemo, quando ele beija o meu pescoço.
— Quietinha, princesa. Vou cuidar de você antes de sairmos desse
quarto.
Claro que vai, independentemente de qualquer coisa Kayden Spencer
é um cretino.
KAYDEN
Eu vou ser pai, e não posso contar a ninguém até ela fazer os
exames.
É com esse pensamento que interajo com os meus amigos quando
descemos, depois de fazê-la gozar no meu pau.
Eu vou ser pai.
Caralho, eu realmente lancei isso ao universo brincando que seria pai
de cinco crianças e viveria no Texas. Tirando o Texas e as cinco crianças,
vem aí uma. Ainda estou sem acreditar que foi de primeira. Se isso for
confirmado, o tempo de fato bater com a primeira vez que transamos, eu vou
nos considerar um casal muito fértil e que temos que tomar cuidado, ou as
cinco crianças vão existir, se bem, que eu amo crianças, e elas seriam minhas.
Coisinhas lindas, fofas e minhas.
— Por que está sorrindo como um idiota? — Julian questiona.
— Ainda pensando no que o treinador falou — minto, aproveitando
que ele já sabe da novidade.
Claro que estou muito feliz sobre a questão do time. Porra, são os
New York Rangers, mas eu serei pai, terei uma coisinha linda só minha, isso
para mim vale mais que uma Stanley Cup para mim.
Nicholas me olha desconfiado. Irei torturar ele, para que ache que
não sei, e fique surtando pelos cantos. Péssimo irmão. Porra, como pode ficar
de boca fechada sobre isso?
Mas pensando agora, eu bem que achei que a Louise estava ficando
diferente. Se tem um corpo que reparo muito bem, e conheço cada detalhe, é
o dela. Os seios mais inchados, o pé da barriga mais alto. Louise tem seios
médios, bonitos, deliciosos, mas estava parecendo inchados. E ela sempre
teve a barriga muito lisa. Pensei que era menstruação, ou algo assim, já que
as mulheres falam que ficam inchadas e tudo mais... Porra, as mudanças de
humor, Louise não é de chorar à toa, e ela chora por tudo agora, além de
comer muito, muito mesmo. Os sinais estavam há semanas então, começaram
minimamente, até explodirem.
Gripe... Uma gripe de perninhas!
Dou uma risadinha e os dois me olham.
— O quê? — pergunto.
— Ele está piorando com o tempo. Talvez as pancadarias no hóquei
estejam fazendo isso a ele! — Julian fala.
— Engraçado, muito engraçado! — Faço uma careta.
— Ou é de nascença! — Nicholas provoca.
— Dois idiotas — retruco e eles riem.
As meninas dão risada de algo que conversam no sofá, e olho,
observando a Louise. Ela está mais sorridente e com um brilho novo.
Realmente parece feliz, tranquila, e espero que ela sempre se sinta assim,
principalmente agora. Meu desejo no momento é que ela denuncie o Kevin e
me diga tudo que ainda esconde sobre ele, para eu saber lidar com ela em
cada momento. Eu quero cuidar dela, saber onde pisar, tocar, ou como agir
em cada situação. Ela ainda tem gatilhos, medos, e quero poder ajudar a curar
tudo isso, como ela me ajuda a confiar em mim mesmo de novo.
Descobrir que a amo não foi difícil, bastou eu notar que o mundo
com ela é melhor do que viver ele de modo solitário. Eu quero que ela sinta
isso comigo também. Sem querer estamos construindo uma família em cima
da que já temos com todo mundo.
— Podíamos sair, fazer algo todos juntos — Audrey sugere. —
Aproveitarmos juntos, porque depois será ainda mais difícil. Os gêmeos
viajando sem parar, as apresentações e competições voltando... Acho que
devíamos fazer uma viagem ou algo assim. Um final de semana e tornar ele a
comemoração dos rumos que nossas vidas estão tomando.
— Addie tem razão. Tudo vai mudar, e não sabemos nem se teremos
tempo juntos no verão, ou se conseguiremos estar juntos no Halloween, tudo
está mudando rápido demais — Piper diz.
— Elas têm razão. Eu já teria que viajar mesmo! — Louise dá de
ombros e franzo o cenho. Ela me encara. — Preciso ir ao Brasil, ver minha
avó... — Me dá um olhar diferente, e entendo. Ela quer falar pessoalmente da
gravidez.
— Isso mesmo... Poderíamos todos ir. Arrumamos nossos
documentos no final do ano passado, antes do meu casamento, lembram?
Prometemos ir ao Brasil com a Piper e a Lou em algum momento.
Poderíamos ir, um final de semana, aproveitar, algo rápido, mas sair um
pouco dos Estados Unidos.
Audrey diz algo que de fato acho que nem lembrávamos mais.
Regularizamos tudo, em surto de que esse ano iríamos ao Brasil com elas, e
tanta coisa tem acontecido, que simplesmente ninguém mais tocou no
assunto.
— Eu topo! — falo.
— Só precisamos ver com quem deixar a Caitlyn, se meu pai estiver
ocupado, e a Audrey precisa ver as aulas dela, já que estará livre para voltar a
treinar semana que vem, e dar as aulas. Por mim tudo bem. Vai ser bom sair
da cidade, e do país.
Nicholas solta a fumaça do seu cigarro e assente.
— Deixo o Duke com os meus pais. Mas acho um final de semana
pouco, vai ser cansativo. Teríamos que ter mais dias livres para irmos e
voltarmos sem atropelar as coisas.
— Nicholas tem razão. São várias horas de viagem. Vamos perder
alguns dias de aula, mas dou graças a Deus, não aguento mais! — Louise diz.
Nicholas dá risada.
— Se completam, né?! — Piper fala o que provavelmente meu irmão
pensou.
Sorrio, e faço um sinal para a Louise vir até a mim. Ela sai do sofá e
se senta em meu colo, apoiando os braços na mesa. Coloco a mão por baixo
da sua camiseta, discretamente, e fico dando carinho em sua barriga.
— E aí, quando vamos? Estou animada! — Audrey pergunta.
— O mais rápido possível, ou seja, ainda esse mês — Julian
responde. — Ou fazemos isso, ou nada feito depois, porque vamos ter várias
coisas para lidar, e durante a pausa que terão na primavera, Audrey e eu
estaremos ocupados com apresentações, e terá a das crianças que a Caitlyn
vai participar.
— Não temos jogo marcado por agora, e não tenho hospital. Falo
com o treinador, e explico que é uma viagem importante, e o Kayden
precisará ir também.
— Eu consigo folgas no time, porque tenho muito conteúdo pronto. E
já entreguei tudo que tinha para entregar da BTIU, agora é mais revisão,
algumas atividades simples, porque estão focados no baile da primavera —
Piper fala.
— Só temos um problema! — Louise diz. — O Grayson tem que nos
liberar. Serão vários dias longe da arena!
Todos viramos para o Julian e o encaramos.
— Claro que sobraria para mim essa merda. Darei um jeito com ele.
Comprem as passagens, vejam o hotel e resolvam tudo isso com a Audrey.
Com meu pai, me viro.
— E para onde iremos no Brasil? — Audrey pergunta, sorridente.
— Eu preciso estar no Rio de Janeiro, já que é lá que minha avó
mora. Mas se quiserem ficar em outro lugar, depois nos encontramos...
— Nem pensar. Vamos para o Rio de Janeiro, sempre quis conhecer!
— Audrey decide por todos.
— Por mim tudo bem. Vou amar viajar para o Brasil de novo. E nada
melhor do que ir para o Rio de Janeiro com uma carioca! — Piper sorri para a
Louise.
Beijo as costas da minha namorada.
— Perfeito, então iremos para o Brasil! Precisamos ver as passagens,
hotel, tudo! — Louise se anima.
Ela vira o rosto me encarando e dou um sorriso a ela.
— Tudo bem isso? Tem certeza? — sussurro.
— Sim. É por ela. E prometi te mostrar o Brasil — sussurra de volta.
— Te amo — sopro as palavras para ela, e vejo seu rosto corar e o
brilho dos seus olhos aumentar. Todos os outros ficam falando sobre a
viagem, enquanto nós dois nos perdemos no nosso mundo. — Mas temos que
resolver aquilo antes. Não vamos viajar sem resolver.
— Eu sei. Também quero saber como está... Segunda-feira já vamos
resolver.
— Ok. E tem mais uma coisa.
— O quê?
— Lá, eu não quero você na casa deles para ver ela. Isso eu não vou
aceitar. Te quero longe deles e de onde ele vai estar, ainda mais agora.
Ela sorri com carinho.
— Eu sei, lindo. Eu também não quero ter que pisar lá, darei um jeito
de me encontrar com ela longe de lá. — Me beija.
— Lindo, é? — Sorrio.
Ela revira os olhos rindo, e foca no pessoal, enquanto ajeita sobre o
meu colo.
Audrey e Julian já foram embora. Nicholas e Piper foram para o
quarto, e Louise e eu nos trancamos no meu. Ela está lendo Alice no País das
Maravilhas, sentada entre as minhas pernas, apenas de calcinha e sutiã,
depois de ter tomado banho. O quarto está quente, delicioso para estar assim
com ela. Acaricio sua barriga, ainda bobo com a notícia.
— Não está focando na leitura.
— Não, desculpa. Ainda estou pensando na notícia que me deu.
Ela fecha o livro e inclina o rosto para trás, me encarando.
— Se arrependeu de dizer que quer fazer isso junto comigo?
— Nunca! Jamais me arrependeria, Louise. Não fala algo assim.
Ela ri.
— Fica lindo bravo.
— Eu sou lindo de qualquer jeito.
— Meu Deus... Que essa criança não puxe sua autoestima exagerada.
Começo a rir e beijo o seu pescoço.
— É a primeira vez que terei algo de fato meu. Não sabia que
precisava ter, até agora...
— Eu ainda estou assustada, mas desde que o médico deu a notícia,
eu sabia que ficaria com o bebê. Talvez uma parte minha quisesse ter algo
seu para sempre, mesmo que não fôssemos para sempre.
— Seremos. Aprenda, princesa: Os homens Spencer são para sempre.
Nunca entramos de cabeça em algo para desistir. Não existe essa opção.
Ela se vira, sentando-se sobre o meu colo, de frente para mim. Agarro
sua cintura e encaro-a.
— Obrigada por ter ficado, e por enfrentar isso comigo. Eu sei, é sua
obrigação, e todo esse papo sensato, mas muitos não cumprem a obrigação.
Eu estava com muito medo, ainda estou, mas com outras coisas, outros
pensamentos, não mais em fazer isso sozinha.
— Prometo acompanhar essa gravidez ao máximo que eu puder. Se
eu de fato for para o time, não sei como vai ser antes de entrar oficialmente
para jogar, mas tenho certeza de que será burocrático, muitas idas a Nova
York, mas tentarei sempre voltar às pressas. E quando estiver jogando,
sempre que eu tiver um tempo livre, será de vocês, eu prometo.
— Ei, precisará de um tempo só para você também. Vamos ficar
bem. E, além disso, teremos muitas pessoas por aqui. Uma coisa de cada vez,
é o que estou tentando pensar desde que te contei.
Concordo e ela me beija.
— Só fico preocupado em saber que vai estar na universidade durante
a gravidez, com aquele bando de loucos. Precisa prometer para mim que vai
tomar cuidado.
Ela sorri de um jeito que conheço, e isso me arrepia os cabelos na
nuca.
— Sabe o que pode focar agora? Em me fazer gemer um pouquinho...
Estou morrendo de tesão.
— Não muda de assunto. O que está pensando?
— Em sexo.
— Louise!
— Em nada. Apenas alguns pensamentos, mas ir ao Brasil vai me dar
certeza sobre tudo. Agora foca em mim, estou só de lingerie no seu colo, dá
para me comer?
— E essa é a mãe do meu filho. Puta que pariu, essa criança vai
precisar de tampão de ouvidos com frequência.
Louise gargalha, quando agarro-a e inverto as posições, mas logo o
riso se transforma em gemidos, quando a beijo, esfregando-me entre suas
pernas.
LOUISE
Saber que eu estava grávida foi um choque. Passar com a médica,
fazer exames, e comprovar em cem por cento que tem uma criança crescendo
dentro de mim, e que de fato foi na primeira vez que transei com o Kayden,
que ela surgiu, deixa tudo ainda mais assustador. Estou quase de cinco
semanas, rumo a dois meses de gravidez, e vivi loucamente as últimas
semanas, bebendo, surtando... Droga, eu poderia ter matado essa criança, meu
Deus!
Mais exames, infinitas consultas foram marcadas, e fui autorizada a
viajar para o Brasil, local este que acabamos de pisar no hotel, que, por falar
nele, é nada mais e nada menos do que o Copacabana Palace. Eu falei
brincando sobre ele, e mostrei as meninas que estive em eventos aqui, isso foi
para os meninos “vamos ficar nesse”. Eles reservaram.
Mas enfim, ainda estou pensando que estou grávida, e foi a gravidez
que me trouxe para o Brasil de novo, para contar a minha avó, e posso
simplesmente matar ela com isso. Eu sempre pensei quando teria coragem de
pisar aqui de novo, em nenhum dos meus pensamentos envolvia eu estar
grávida e ter que dar a notícia a dona Adelaide Marina. Como irei dizer a ela?
“Oi, vovó, estou grávida, isso mesmo, será bisavó agora. Tenho várias
vitaminas para tomar, um monte de exames para fazer, e detalhe, ninguém
além do irmão do pai da criança, o pai e a senhora sabem, então vamos
manter segredo disso, até contarmos a todo mundo em Beyond The Ice. Ah, e
acredita que irei completar dois meses no final de semana? Isso mesmo, e
vivi loucamente antes de saber da gravidez, pois é...”. Não, definitivamente
não posso falar assim.
Foco em nos apresentar na recepção, informando os dados de todo
mundo, para nos levarem aos nossos quartos. Estamos no mesmo andar, e
todos combinaram de não saírem sem mim ou a Piper, para sobreviverem
sem o português, ainda que a Piper fale menos, ela entende tudo.
Todos estão bobos, não param de olhar tudo, entregando que
realmente não são daqui. Audrey e Kayden parecem crianças, tivemos que
brigar com os dois do aeroporto até o hotel, por ficarem agitados, se jogando
para fora da janela do carro, praticamente, enquanto o motorista mandava
todos ficarem de janelas fechadas, por questões de segurança.
Minha avó já sabe que estou aqui, está desconfiada de problemas e
preocupada, eu também estou, não quero que os meus pais saibam que estou
no Brasil e no Rio, porque sei que vão falar para o Kevin, e não quero e não
posso lidar com isso agora. A médica foi clara, preciso evitar o estresse
durante toda gravidez, mas principalmente nesses três primeiros meses, já
que quase dois deles, vivi normalmente, bebendo igual doida, e surtando. O
desmaio foi por conta do estresse, e isso não pode ficar se repetindo. Além
disso, ela identificou uma leve oscilação na minha pressão arterial, devido a
ansiedade e toda bagunça hormonal que vivi, então preciso repouso sempre
que possível, paz, tranquilidade, além de uma boa alimentação. Encontrar os
três é ir contra tudo o que foi pedido, e quero manter a criança bem protegida,
longe do inferno que eles são.
Nos levam para o nosso andar, enquanto outros levam nossas malas.
A cidade está cheia, mês do Carnaval, e mesmo que ele já tenha passado, a
agitação continua. Os bares, as ruas, praias, cheias, em plena madrugada. O
calor marca presença lá fora, ainda, e os turistas aproveitam a cidade seja a
hora que for. Só de sentir o cheiro do mar, o calor, e ver minha cidade, foi
como sentir um abraço acolhedor da minha gente. Posso até ter nascido nos
Estados Unidos, mas sempre irei me considerar nascida e criada no Rio,
porque eu amo essa gente, essa cidade maravilhosa.
Podem falar o que for, mas o Rio de Janeiro é lindo, e morar onde as
pessoas tiram férias era a melhor parte de viver aqui, e agora entendo. Voltar
aqui me trouxe uma alegria imensa, mas estar com meus amigos, o Kayden,
deixou mais especial. Rio é o meu lar cultural, o pedacinho de onde minha
avó vive, mas agora tenho um lugar para chamar de lar de verdade, de onde
quero viver de verdade, e não é mais aqui. Nunca pensei que o Brasil seria o
lugar que eu passaria férias, mas aconteceu, e estou amando, desde que
aceitei que lar é onde construímos bons momentos, raízes, histórias, e BTI é
esse lugar para mim.
Kayden e eu entramos no nosso quarto. Todos estamos muito
cansados, porque tivemos que ir até Anchorage, já que na cidade vizinha não
tinha voos. Fizemos uma viagem de seis horas de carro até lá, e depois ainda
uma longa viagem de avião. Pegamos o voo na quarta-feira à noite, um dia
antes do que prevíamos, porque não contávamos que teríamos duas escalas, e
isso levaria mais tempo de viagem, e com um dos voos atrasados, resultou
chegarmos de madrugada no Rio, e pisarmos no hotel às 5h da sexta. Eu nem
lembrava que tinha sido tão cansativo chegar no Alasca, que viver a
experiência de voltar de lá para o Brasil, me deixou um lembrete: viajar para
o Brasil agora apenas quando o bebê for adulto e poder me carregar nos
braços, ou tivermos um jatinho particular.
Assim que o funcionário larga as nossas malas e nos deseja boa
estadia, eu me jogo na imensa cama, macia, linda, cheirosa.
— Não faz isso! — Kayden briga comigo.
É o que ele tem feito nos últimos dias. Brigado sem parar comigo,
como se eu fosse uma criança.
— Xiu... Eu preciso dormir. Eu preciso fechar meus olhos e dormir!
— Em inglês, Louise!
— Ah, sim... Meu cérebro entrou em território conhecido. Eu disse
que preciso... — bocejo. — Dormir.
— Banho primeiro, princesa. Tome um banho, coloque algo
confortável, e precisa comer, então te deixo dormir.
— Nem pensar! — Sento-me na cama. — Kayden, eu só preciso
dormir.
Ele se aproxima da cama, tirando meus tênis, meias, e massageando
meus pés.
— Banho primeiro. Estava reclamando que queria banho e comer
algo fora do aeroporto. Lembra do que a médica disse: só autorizaria a
viagem longa, se garantíssemos que iria comer, descansar bem e repousar.
Até tudo que está alterado melhorar, você precisa pegar leve. Assinamos um
termo de responsabilidade, Louise!
— Kayden, pelo amor de Deus, eu só preciso dormir!
— Banho, agora!
— Puta que pariu! — xingo em português.
— Me xingar não vai mudar em nada. Vai tomar banho e comer algo
primeiro.
— Não sabe se te xinguei.
— Sei, eu sei sim. Quando está nervosinha sempre xinga em
português, sua expressão e entonação mudam. Vai para o banho, vou pedir
algo decente para você comer.
Faço uma careta e saio da cama, empurrando-o.
— Eu vou fazer um inferno da sua vida, acredite em mim. Está me
impedindo de dormir!
— Já tem feito, Satã. Me deixando louco com suas teimosias, é o
maior inferno na minha vida. — Me dá um sorrisinho presunçoso.
— Argh! VOCÊ É INSUPORTÁVEL, IDIOTA! — grito em
português.
— Eu te amo. — Me dá uma piscadinha, me irritando mais ainda.
Entro no banheiro, que é bem gigante, lindo, e tem banheira, mas se
eu tomar banho nela, eu durmo, tenho certeza, então ficarei com o chuveiro.
Saio do banho, enrolada na toalha e sonolenta. Sento-me na cama,
exausta, querendo dormir, mas, se eu não comer, ele não vai me deixar
dormir. Eu deveria ter impedido dele ficar na sala comigo enquanto a médica
me dava um monte de ordens. Desde que ele descobriu e fomos na médica,
foram vários exames, ordens e mais ordens, até a viagem acontecer, e ele
decorou tudo, e está me enlouquecendo.
Ele larga o celular e me encara do sofá.
— Qual mala precisa?
Nego lentamente. Não quero nenhuma, do jeito que estou irei dormir.
Bocejo.
— Pediu a comida? — Ele assente. — Nada pesado, né? Kayden, se
eu colocar alguma comida pesada na boca, eu vomito na hora. Estou cansada
demais.
— Uma salada de frutas e um iogurte. Imaginei que não iria comer
nada pesado.
Caio deitada para trás, abrindo os braços como o Cristo Redentor.
Ainda tem isso, eles querem conhecer o Cristo, o Pão de Açúcar, a
Biblioteca, praias... Pela primeira vez, eu só queria praia e nada mais. Parece
que nunca irei me recuperar do cansaço que estou. Eles sabem que temos que
embarcar domingo à noite? Será que lembram disso? Por que mesmo dei a
ideia de todos virem? Eu os amo, mas eles não entendem que estou
carregando um serzinho que está exigindo muito de mim, uma jovem senhora
de vinte e três anos.
Kayden dá uma risadinha.
— O que foi?
— Quem diria que algo te mudaria tanto.
— Eu não mudei.
— Manhosa, chorona, resmungando sem parar, sonolenta,
esfomeada, mimada...
— Eu não sou nada disso. Seu filho que é! Sou o reflexo dele.
— Não é não.
— Vai mesmo discutir com uma senhora grávida?
— Não é senhora.
— Não. Sou uma adolescente. Eu considero isso gravidez na
adolescência, tá?!
Kayden ri ainda mais.
— Assim que comer e dormir, seu humor vai mudar e vai querer sair
correndo pela cidade, e me deixar maluco. Depois que come e dorme,
melhora.
— Está insinuando que estou te dando trabalho, seu idiota? Isso é um
grande bem feito para você. Se não tivesse me engravidado, não estaria
lidando comigo assim!
— Eu acho perfeito.
Viro o rosto, encarando-o no sofá.
— Eu te odeio, juro!
Ele sorri e me joga um beijo. Cretino!
Acordo sentindo-me ainda preguiçosa. Espreguiço-me, empurrando o
lençol branco e macio, sentindo o sol bater em minhas pernas vindo da
sacada com as portas abertas. Kayden passa por elas, saindo da sacada. Seus
olhos focam em mim e um sorriso lindo surge em seu rosto. Sorrio e viro-me,
ficando de barriga para cima.
— Acho que o paraíso deve ser parecido com isso.
— Com o Rio? — pergunto.
— Não, com você deitada nessa cama, totalmente nua.
Mordo o cantinho da boca.
— Pois saiba que esse paraíso você não terá, não depois de ter me
feito comer e tomar banho, quando eu só queria dormir.
— E dormiu muito bem!
Aproxima-se da cama, se inclinando sobre mim, e beijando minha
barriga e depois meus lábios.
— Acho que posso passar os próximos três dias deitada aqui com
você. Está fora do castigo!
Ele ri.
— Nem pensar. Todos estão esperando a gente para comer, e estou
com fome. Temos que sair e aproveitar. Está um sol incrível lá fora.
Viro-me de bruços e resmungo contra o travesseiro, ganhando um
tapa na bunda.
— Kayden, eu vou ficar morando aqui. Você está acabando com
minha tranquilidade.
— Eu te levo na mala. Não é maluca de ficar aqui sem mim. —
Recebo outro tapa na bunda, e isso me faz rir e soltar um gritinho.
— Então bate em outro lugar, e paro de resmungar.
— Louise Pimentel!
— Pelo amor de Deus, esquece o Pimentel. Me dá arrepio. Amo meu
avô, mas o filho dele me traumatizou.
— Casa comigo e usa o Spencer.
— Não vou casar com você.
Ganho outro tapa na bunda, e esse arde.
— Você vai. Sabe que vai. Agora vai se arrumar e ficar bem linda
para aproveitar sua cidade. Sentia falta daqui, não sentia? Agora pode
aproveitar. — Abraço o travesseiro, e respiro fundo. — O que está havendo,
princesa? Não quer estar aqui? Quer ir embora? Fala comigo. Lembra?
Comunicação, confiança, prometemos isso um ao outro.
Ele se senta na cama, ao meu lado, acariciando minhas costas, em um
carinho gostoso que me arrepia. Fico olhando o sol que atinge ao quarto.
— Eu quero estar aqui, estou ansiosa para encontrarmos minha avó
amanhã. Mas estou com medo. Eu não quero encontrar o Kevin ou os meus
pais. Essa cidade pode ser grande, mas parece que quando temos que fugir,
ela se torna pequena. Muita gente conhece minha família e a dele. Não vai
demorar para a notícia de que estou aqui corra a cidade. É ingênuo eu pensar
que eles não vão saber, e não vão me procurar. Kevin não vai deixar barato,
ele odeia perder, e meus pais vão apoiá-lo... Eu só queria focar nas boas
lembranças daqui, mas em todas eu estive sozinha, ou com minha avó, e
foram tão poucas vezes que as tive, que agora pensando, eu nem sei por que
queria tanto voltar, eles conseguiram destruir o meu Rio para mim.
Ele se inclina sobre mim, beijando o meu rosto e respirando fundo.
— Mas não veio sozinha. Estou aqui, nossos amigos também.
Viemos para descansar, fugir um pouco do excesso de responsabilidades em
BTI. Foque na gente, na sua avó e em se divertir com todos nós aqui, e,
principalmente, foque em se distrair por você e por nosso bebê, meu amor.
Sorrio, sentindo o meu coração aquecer de um jeito diferente.
— Eu amo quando fala assim.
— Assim como?
— Carinhoso. Você é carinhoso de um jeito que chega a dar vontade
de chorar. Mexe com a gente. Eu amo isso. É um bom equilíbrio para mim.
— Então foque em mim. E se tudo ficar ruim, basta falar e voltamos
para o hotel, te coloco dentro do meu abraço e te protejo de tudo, tudo bem?
— Promete se esconder comigo se eu precisar fazer isso?
Ele sorri.
— Eu fugi com você de um palhaço de parque de diversões. Acha
mesmo que eu não faria mais fugas ao seu lado? Eu disse que te amo, e vou
fazer de tudo por você e por nosso bebê, que, pelo amor de Deus, temos que
saber o sexo logo, nada de suspense.
— Somos ansiosos demais para isso. Nunca daria certo!
Começamos a rir. Ele beija o meu pescoço, me arrepiando mais
ainda.
— Vou me arrumar. — Me viro. — Kayden, não podemos falar para
a minha avó que engravidei de primeira. Ela vai me matar se souber que não
nos cuidamos de cara, ok? Ela precisa acreditar que sou responsável.
— Eu nem conheço ela pessoalmente, e acho que ela não vai
acreditar.
— Cadê a sua fé, idiota?
— Tivemos ela no lugar do anticoncepcional, e deu no que deu.
— Para a sua informação, eu estava tomando, falhei uma vez ou
outra. Eles falham, sabia? A médica explicou. E, além disso, fiquei um ano
sem usar com aquele desgraçado, e não engravidei.
— O que prova que o Frango não podia ter filhos, provavelmente os
anabolizantes foderam ele.
Balanço a cabeça, rindo, e ele me beija. Batidas na porta nos
lembram de que temos pessoas nos esperando.
— Vamos... — sussurro.
— Ok, podemos voltar mais cedo, para eu te foder nessa cama.
— Agora quer voltar mais cedo?!
Ele sorri e se afasta, saindo da cama. Levanto-me, passando por ele e
ganhando outro tapa na bunda, enquanto xingo quem espanca a porta,
sabendo que é o Nicholas ou o Julian.
KAYDEN
Estamos na nossa primeira parada, o Cristo Redentor, devido ao
horário que poderíamos vir visitar, e sabíamos que nos próximos dias não
daríamos conta. Está bem cheio, mas ainda assim não tira a beleza do lugar.
Desde que pousamos aqui, fico impressionado com tudo. As praias, as
pessoas, a música, a comida, é tudo perfeito. Todos estamos registrando os
momentos por aqui, e já aconteceram fotos em grupo e em casal aqui e em
vários lugares que vimos pelo caminho.
Nicholas está ao meu lado, enquanto a Louise está explicando
algumas coisas a Audrey e ao Julian, e a Piper vai adaptando algumas coisas
para o inglês, que a Louise não sabe como explicar sem ser do jeitinho
brasileiro.
— É... Está tudo bem? — questiona.
Assinto, ajeitando os óculos de sol no rosto.
— Por que não estaria?
Ele dá de ombros e encara a cidade do alto.
— Tudo bem entre vocês dois?
Controlo a vontade de rir. Ele ainda não sabe que já sei sobre a
gravidez. Enquanto não contarmos a todos, irei torturar para que pense que
ela me esconde, e fique irritado, porque ele me escondeu também.
— Ótimos. Em completa lua de mel sem casamento — provoco.
Ele ajeita os óculos de sol e fecha a cara. Viro o rosto, controlando a
vontade de rir.
— Louise e Piper, por que temos que voltar para o Alasca mesmo? —
Audrey questiona e as meninas riem.
— Porque tem a Caty, a patinação e toda sua família lá?
— Porque ganhar em dólar é bem melhor, acredite! — Louise
responde.
Audrey começa a rir.
— É lindo aqui! — Julian comenta, observando tudo.
— E vocês estão roubando a cena do lugar... — Piper sussurra para a
gente. — As mulheres não conseguem disfarçar. Poderiam ficar naquele
canto? Assim consigo essa parte livre para tirar uma foto com o Cristo sem
ninguém por perto, porque elas vão seguir vocês!
— Piper! — Audrey chama sua atenção, mas rindo. — Se bem que...
ela tem razão. Já sabemos como conseguir ótimas fotos nos pontos turísticos.
Vamos jogar vocês três em um canto, onde vão ficar admirando, e longe do
ângulo que queremos nossas fotos, assim fica vazio para nós.
— Não somos ponto turístico! — Nicholas reclama.
— Eu adoraria ser!
— Como é, Kayden? — Louise abaixa um pouco os óculos escuros.
— Repete só para eu testar o que acontece se eu te jogar daqui de cima!
— Falei brincando, princesa. Uma pequena brincadeirinha. — Puxo-
a, agarrando por trás e beijando seu pescoço.
— Idiota.
— É pecado me xingar no Cristo.
— Pecado é irritar uma pessoa como eu... Sabe bem o que estou
dizendo! — diz entredentes.
Acaricio sua barriga e sorrio.
— O que mais iremos ver? Eu aceito conhecer tudo. É lindo essa
cidade! — Addie pergunta.
— Podemos dar uma volta por Copacabana, apresento a coxinha a
vocês, algo que estou morrendo de vontade de comer, e amanhã podemos ir à
praia, pegar um sol, tomar um matte e comer um biscoito globo, precisam
experimentar, é até pecado vir para o Rio e não apreciar algo tão carioca. E
claro, irmos na biblioteca. — Os olhos da Piper brilham nesse momento e
todos riem.
— Eu vi que tem uma famosa escadaria! — Addie diz.
— Sim! Escadaria Salerón. Tem duas, mas a que ouvi você falando
para a piper é essa. Podemos fazer tudo isso amanhã, acordamos cedo e
aproveitamos. A única coisa é que, à tarde, estarei com minha avó. Então
realmente teremos que aproveitar tudo cedo. Hoje meio que está tarde para
muitas coisas. Mas podemos ir em algum barzinho, restaurante bacana.
— Tem muitos amigos por aqui? — Julian pergunta a Louise, e sinto-
a ficar tensa em meus braços.
— Os que eu achava que tinha, acreditem, melhor não conhecerem.
— Ela força um sorriso.
— Então vamos, para comer a tal... O que mesmo estava com
vontade? — pergunto a ela, mudando de assunto.
— Coxinha!
— Vontade, é? Muita vontade, Louise? — Nicholas provoca.
— Muita, não faz ideia, Morcegão! — ela revida.
As meninas e o Julian olham para eles sem entender. Isso vai ser
ótimo, principalmente quando ele souber que já sei faz alguns dias e até ao
médico já fomos, confirmando que ela está de fato bem grávida e que fará
dois meses amanhã. Foram dias de muitos exames e médicos, apenas para
resolvermos tudo rápido, antes de viajarmos.
Todos experimentam a coxinha em uma lanchonete perto do nosso
hotel. Amamos, o sabor é delicioso. A Louise devorou duas e disse que não
queria mais sentir o gosto, porque começou a enjoar, então foi tomar um ar
nas mesinhas ao lado de fora, alegando que faria uma ligação, mas dizendo a
verdade para mim. Piper já conhecia o sabor da coxinha, e está amando
relembrar. Audrey quer contrabandear para BTI, e o Julian está explicando
por que ela fazer isso é maluquice. Nicholas está apoiando-a no contrabando,
e a Piper tentando convencer aos dois que pode tentar fazer em casa, sem
ninguém fazer loucuras, e eu depois de comer duas coxinhas também, estou
olhando para a minha namorada pensativa ao lado de fora. Está cheio o lugar,
a cidade toda está. O local toca samba de acordo a informação dada pela
Louise.
Aproveito a distração de todos com a coxinha e saio da mesa, indo
até ela. Me aproximo, e ela nem nota minha presença. Apoio as mãos em seus
ombros.
— Sou eu, amor. — Ela inclina a cabeça para trás e sorri. — Tudo
bem?
Ela bate na cadeira ao seu lado e puxo-a, sentando-me e apoiando
uma mão em sua perna desnuda. Louise está usando um vestido curto, verde,
que está lindo nela, marcando sua cintura e mais largo em baixo. Realçou a
cor de sua pele e o tom escuro dos seus olhos.
O pôr do sol nos ilumina, deixando a vista da cidade mais bonita.
Estamos de frente para a praia, na mesma calçada do hotel, e ela encara as
pessoas passeando, dançando, cantando a música que toca na lanchonete. Sua
mão toca a minha e ela brinca com meus dedos, soltando um longo suspiro.
— Já corri muito nessa praia, e já andei muito nessas ruas. Sabe
aquele prédio ali? — Aponta e encaro a torre alta, bonita. — Onde morei
antes de ficar noiva. É onde meus pais e minha avó moram. Eu morava
algumas quadras daqui depois que me mudei. Todos os dias eu vinha até aqui
praticar esporte, correr na areia, tomar um banho de mar, e vinha exatamente
aqui comer uma coxinha depois de todo exercício. — Dá uma risada
preguiçosa. — E hoje, tudo isso aqui que achei que me traria alegria, está me
trazendo medo. Todo mundo que me olha, eu já penso que sabem quem sou,
que a qualquer momento verei os três, ainda que minha avó tenha me dito
agora por mensagem, que meus pais foram viajar para São Paulo a trabalho e
voltam domingo. Eles literalmente destruíram tudo isso para mim. Eu fico
olhando e apenas lembrando de tudo de ruim que aconteceu e me fez sair
daqui.
— Princesa...
— Não, Kay... É bom lembrar de tudo isso, sabia? — Me olha e sorri.
— Me faz entender que não foi culpa minha. Não fui eu que estraguei as boas
lembranças daqui, foram eles. E fiz o certo em ir embora. Agora entendo isso.
Eu queria tanto voltar, estar aqui, mas agora a única coisa que me importa
além do sol, do calor e da comida daqui, é a minha avó, que está bem ali,
naquele prédio. Não me sinto mais em casa aqui, é uma sensação de medo,
não pela cidade, já me acostumei com a vida no Rio... — Ela ri. — Medo de
esbarrar com eles, de ter que lidar com pessoas que me fizeram tão mal.
— Quer voltar para o hotel? Andamos muito no sol, precisa
descansar. — Acaricio seu rosto.
— Não. Está tudo bem. Vamos entrar, ficar com eles, nos divertir,
porque é isso que me distrai e é isso que tem me feito bem desde que saí do
Rio.
Sorrio, vendo o carinho que ela realmente tem por todos nós e o
quanto seus olhos brilham ao falar da gente.
— Antes, preciso admitir uma coisa.
— O quê?
— Eu estava com medo de vir.
— Por quê? — Fica surpresa e sorrio.
— Estava com medo de que você chegasse aqui e não quisesse mais
voltar para BTI. Estava com medo de perder você e nosso bebê. Sempre
deixou claro a sua saudade do Brasil. E era nítido o quanto não se sentia em
casa em BTI. Eu fiquei com medo.
Ela se inclina, segurando meu rosto com ambas as mãos e me beija.
— Em outro momento, talvez eu realmente ficasse. Mas descobri que
lar é onde nos sentimos bem, e onde temos pessoas que nos faz sentir em
casa. Kay, lá eu tenho uma família de verdade, e estou começando uma nova.
Claro que sinto falta de muita coisa daqui, mas não o suficiente para me fazer
largar tudo lá... Não mais.
Beijo-a, sentindo o meu peito aliviar e o receio diminuir.
— Te amo. — Abraço-a e ela beija o meu pescoço. — Não faz isso.
Não sabe o quanto estou tentando me comportar desde a hora que colocou
esse vestido, que está deixando seus seios e bunda mais evidentes.
Ela ri.
— Que bom. Fiz de propósito.
Claro que fez, está tentando me matar. Essa garota é satânica.
O jantar foi cancelado. Louise estava muito enjoada, e ainda está
quente lá fora. Eu tentei alertar a teimosa que precisamos voltar para ela
descansar, e pedi para ela pegar mais leve com as comilanças, mas depois da
lanchonete, ela quis tomar sorvete e ficamos andando na praia. Chegamos no
hotel, ela correu para o banheiro e ficou vomitando. Tomou um banho,
deitou-se e acordou algumas vezes enjoada, com azia.
A desculpa que demos foi que me deu enxaqueca forte. A sorte é que
a viagem foi tão cansativa, que, mesmo que tenhamos descansado quando
chegamos, os passeios hoje nos cansaram também, e todos optaram por
descansar para aproveitar desde cedo a cidade amanhã.
Aproveito para ficar vendo as fotos que fizemos hoje, enquanto a
Louise dorme esparramada na cama, agarrada ao lençol e travesseiros. As
fotos ficaram lindas, o cenário ajuda muito. As fotos com ela são as minhas
favoritas, e uso uma de papel de parede no celular, a nossa no Cristo. Louise
é perfeita, mas é nítido o quanto seu sorriso e olhar estão mais iluminados
desde que ela se abriu comigo.
Batidas na porta me fazem sair do sofá, e deixar o celular de lado.
Encaro a cama e ela continua dormindo. Abro a porta com cuidado, para o
rapaz não ver minha namorada totalmente nua dormindo na cama.
— Aqui está o que o senhor pediu.
— Muito obrigado. Vocês foram incríveis.
— Foi um prazer poder ajudar ao senhor!
Tiro uma grana do bolso e entrego a ele, afinal, merece. Agradece
todo tímido e se retira. Pedi um favor da equipe do hotel e foram muito
gentis, fizeram exatamente o pedi. Abro a sacola com cuidado e sorrio.
Carrego tudo até a cama, deixando ao lado da Louise, e agora pronto para
tomar banho, já que tudo chegou antes dela acordar.
Entro no quarto no instante que ela está acordando. Se espreguiça e
esfrega os olhos, antes de piscar algumas vezes e abri-los. Seus olhos pousam
em mim e um sorriso surge em seu rosto.
— Melhor? — pergunto.
— Sim. Muito melhor. Nunca mais me deixe comer tanto.
— E vai me escutar?
— Talvez não.
Reviro os olhos e me aproximo da cama. Ela se senta, olhando as
coisas ao seu lado, e depois me encara. Sorrio, achando engraçado a confusão
em seu rosto.
— Garanto que não é para mim — falo.
Ela pega o buquê de rosas vermelhas e inala o cheiro, sorrindo. Olha
para a sacola e pega, deixando o buquê sobre o seu colo. Abre a sacola, e
retira a caixinha de dentro.
— Kayden, quando conseguiu tudo isso?! — Sua voz é trêmula. —
Meu Deus, que fofo! — Tira os sapatinhos da caixinha. — Droga, eu odeio
ficar chorando! É tudo lindo, as flores, o sapatinho, mas não estou
entendendo por que está me mimando assim?
— Mimando vocês dois. Disse que perdeu as boas lembranças daqui,
e quero te dar boas lembranças antes de irmos. E isso não é tudo! — Saio da
cama e vou até a minha mala de mão, pegando a pequena caixinha e levando
até ela. — Piper disse que aqui vocês têm tradição de dar anel de
compromisso mesmo quando o assunto é namoro. Comprei antes de virmos
para o Brasil.
Sento-me na cama de novo e abro a caixinha, mostrando o anel a ela,
com pequenas pedrinhas roxas, sua cor favorita.
— Ai, meu Deus! Por isso ela me pediu um anel meu.
Concordo sorrindo.
Tiro o anel da caixinha e coloco em seu dedo.
— Eu prometi te dar o País das Maravilhas e vou cumprir isso.
Ela se inclina, deixando o buquê de lado e jogando-se em meus
braços. Puxo-a para o meu colo, vendo as lágrimas escorrerem por seu rosto.
— Eu ainda não consigo acreditar que a pessoa que eu mais
implicava é a pessoa que está me reconstruindo.
— Ainda implica, Satã!
— E você ama isso!
— Amo! Não está errada. Eu amo muito isso!
Ela me beija, enquanto meus braços a apertam sobre mim.
— Eu amei... Obrigada. As flores, o anel, o sapatinho... Eu ainda
estou surtando pela gravidez. Não caiu a ficha.
— Eu sei. — Sorrio.
— E ainda assim, está tornando tudo especial.
— Só quero te ver sorrindo sempre, Louise, apenas isso.
Voltamos a nos beijar. Eu farei qualquer coisa para que cada lágrima
que ela derramou de raiva, medo ou tristeza, se transformem em lágrimas de
alegria. Essa garota se tonou parte de mim, e não quero perder essa parte.
Ela se esfrega em meu colo, sobre meu pau duro, pronto para receber
a dona dele. Abre o roupão que uso e o beijo vai se intensificando à medida
que o tesão vai crescendo. Sua boceta agora se esfrega no meu pau e o atrito
nos faz gemer. Aperto sua bunda, sentindo meu pau encaixar no vão da sua
boceta e roçar seu clitóris.
Largo sua boca e deslizo a língua pelo bico do seu seio, vendo o
outro endurecer, enquanto suas mãos apertam meus ombros e sua cabeça
pende para o lado direito. Seus lábios se abrem, e quando deslizo a língua
para o seu outro seio, ela geme. Meu pau vai molhando com toda sua
lubrificação. Rebola nele, e aperto mais a carne da sua bunda.
— Monta nele, Louise. Devora meu pau.
Ela morde o cantinho da boca e aperta os meus ombros, ao se erguer
o suficiente para encaixar ele na sua entrada. Vai descendo pela base,
apertando-me e enlouquecendo com seu calor. Tão apertada, tão quente...
Porra, que perfeita. O som do seu gemido é quase uma bela melodia e sua
expressão é uma obra de arte.
— Controla, faz do jeito que quiser — ordeno. — Depois, irei te
foder de quatro!
Outro gemido, agora mais alto, quando ela começa a subir e descer
em cima de mim, e o som dos movimentos preenchem o quarto. Seus seios
balançam com o movimento, pesados, ainda mais apetitosos. Abocanho um,
chupando, sugando, mordendo e ouvindo-a gemer sem parar e implorar por
mais.
Desço o polegar para o seu clitóris, e massageio enquanto ela devora
toda a extensão do meu pau. Chama por mim, parecendo bem desesperada,
enquanto crava as unhas em minha pele. Aperta-me forte e xingo tomado
pelo prazer. Vou desacelerando a massagem no clitóris, vendo que ela está
perdendo o controle.
— Kayden, não... Continua, por favor... Por favor... — implora,
chorosa.
— De quatro, agora! — Tiro-a do meu colo, suas pernas estão
bambas, mas consegue subir na cama e ficar de quatro. Arranco meu roupão
de vez. — Bem empinada, rosto na cama, pernas abertas!
Obedece-me, ficando do jeito que mandei. Apoio uma perna no
colchão e seguro seu quadril com uma mão, enquanto vou encaixando meu
pau com a outra. Ela geme quase chorando. Seguro-a firme, com ambas as
mãos agora, e começo a me movimentar, indo fundo, penetrando-a forte,
enquanto ela grita de prazer na cama. Encaro sua bunda linda, gostosa, e não
resisto, acerto um tapa, ouvindo Louise gritar.
Seu rosto está colado com a lateral no colchão, sua boca aberta,
gemendo, e seus olhos abertos, me encarando. Encaro meu pau entrando e
saindo dela, molhado, pingando por ela.
— Caralho, sou viciado em ver o meu pau te devorar, Louise!
Rebola... — Acerto sua bunda, parando de me mexer. Ela rebola nele. Jogo a
cabeça para trás e gemo alto, rouco, insano. Me curvo sobre ela, agarrando
seu cabelo. — É apenas minha, entendeu? — Ela assente. — Responde com
palavras, Louise! — ordeno.
— Sua... Apenas sua, Kayden! — Sua voz é manhosa.
— Muito bem... Boa garota!
Largo seu cabelo e me ajeito, voltando a penetrá-la. Aumento a
velocidade, encurtando os movimentos. Os gemidos dela viram gritos, ela
chora tomada pelo prazer. Meu pau incha, ela me aperta muito forte, o
orgasmo nos atinge forte, e perdemos o controle, gozando como malucos. Ela
termina primeiro, mas eu continuo colocando cada gota dentro dela,
assistindo escorrer por suas coxas de tão cheia que fica.
— Kayden... — choraminga.
Continuo entrando e saindo, mais lento agora.
— Calma, está acabando. Quero tudo dentro de você!
Saio de dentro dela quando termino, e caio ao seu lado. Louise se
esparrama e olhamos para a bagunça na cama. As rosas se espalharam, a
caixinha do anel quase caindo e o sapatinho é um sobrevivente. Sorrimos e
puxo-a para os meus braços, ainda ofegantes.
— Estragamos o buquê.
— Te compro outro, te compro um por dia.
Ela sorri cansada. Seus olhos brilham para mim.
— Preciso de um banho.
— Eu te dou banho, princesa. Mas antes, fica aqui mais um pouco e
deixa eu te beijar mais. Eu amo o gosto do seu beijo.
Ela ri baixinho e roça os lábios nos meus.
— Deixa de ser tarado! Sua sorte é que estou um tesão maluco.
— É mesmo? — provoco. — Aguenta mais uma rodada?
—Vai ter que descobrir.
Dou risada, agarrando-a por inteiro e beijando sua boca linda.
LOUISE
Aproveitar a manhã e a tarde com o pessoal foi uma ótima distração.
Desde que vi a mensagem da minha avó pedindo para nos encontrarmos na
casa dos meus pais, que não tem ninguém lá e será melhor, porque ela estava
muito cansada, não pude dizer não. Eu não quero ter que pisar lá, mas nunca
forçaria minha avó cansada a vir me ver, ainda que estejamos na mesma rua,
pertinho.
Ir a praia, colocar um biquíni, enlouquecer o Kayden com ele,
aproveitar para irmos todos na Biblioteca Nacional também e na Escadaria, e
relembrar desses lugares que frequentei pouquíssimas vezes quando morava
aqui, e xingar o Julian por ele não ter curtido o matte e ao Nicholas por ter
odiado o biscoito globo, foi divertido, muito divertido mesmo, ainda que eu
realmente quase tenha matado os dois, e o Kayden precisou me segurar,
enquanto as meninas riam. Só que agora, enquanto todos eles foram conhecer
o Pão de Açúcar com a Piper jurando que vão sobreviver com ela, o Kay está
abraçado em mim, esperando eu me acalmar, antes de pisar na casa deles de
novo.
Estamos no quarto de hotel. Tomei banho, me arrumei, estou ansiosa
para ver ela, mas ir até lá, ainda que eles não vão estar, me traz medo,
ansiedade.
— Louise, eu a busco. Trago até aqui. Não quero que você vá até lá.
— Não. Para ela me fazer ir até lá, é porque está realmente bem
cansada, Kay. Minha avó é a pessoa mais disposta do mundo. Provavelmente
se aventurou em algo e a exaustão bateu. Eu consigo, eu só preciso...
— Respirar. Precisa respirar — sussurra para mim. — Ainda assim
essa história de ir até lá me deixa irritado, amor.
Assinto, sentindo os seus braços me apertarem mais um pouquinho.
Ele beija o topo da minha cabeça, enquanto vou focando nele, no perfume
que me lembra biscoito de Natal de chocolate com menta.
— Vou rever ela, matar a saudade, e contar que estou grávida, e te
apresentar a ela. Só isso. Eles não vão estar lá e nem o Kevin.
— Eu sei, princesa.
— Posso fazer... Podemos. Eu preciso de você lá, por favor, não fica
bravo.
— Está bem.
Meu coração vai se acalmando, e vou relaxando no melhor abraço do
mundo. Kayden acaricia minha barriga e isso me faz sorrir mais calma.
— Posso atear fogo naquele lugar?
— Não. Vai colocar você, nosso bebê e sua avó em risco.
— Ok. Tem razão.
Ele sorri e beija o meu rosto.
— Sempre tenho.
— Nem sempre. Quero o meu bastão, posso te espancar com ele.
— Está mais calma, viu só?
Assinto e me viro, ficando de frente para ele. Enrosco os braços no
seu pescoço e fico na ponta dos pés, abraçando-o. Ele se inclina na minha
direção e retribui o abraço.
— Obrigada por ser tão incrível. Vamos, estou pronta.
— Vamos.
Deixa um beijo na minha testa e se afasta, pegando nossos celulares.
Segura minha mão e sorri. Eu amo seu sorriso.
— Ela vai te amar.
— Claro que vai. Todos me amam.
— A sra. Morrissette não te ama.
— Ela me ama. Ela só esqueceu disso. Velha maluca!
— Kayden! — começo a rir. — As pessoas podem não gostar de
você, está tudo bem.
— Claro que não. Eu sou amável!
— Alguém tem problemas em não ser aceito...
— Claro que não. As pessoas que tem problemas.
— Kayden Spencer!
— Tá bom... Talvez eu tenha um pouquinho.
Começo a rir.
— Foi muito mimado, né, garoto?! — Ele dá um risinho. — É isso!
Era uma criança bem mimada. Por isso tem esse ego e autoestima do
tamanho do mundo, e quer que todo mundo te ame e dê atenção, e é
enciumado com as pessoas que tem. Seus pais faziam isso com você. Com
certeza elogiavam sem parar, mimavam com vários presentes, elogiavam sua
aparência e te fizeram acreditar que era dono do mundo e de todo mundo, e
que todo o universo iria te amar!
— Mas deixei de ser bem rápido. Virei uma peste e me fodi. Era só
bronca e castigo depois. Esqueceram rápido quem era o príncipe deles! —
desabafa, resmungando.
Gargalho saindo do quarto, e ficando ainda mais leve.
— Mas o lado mimadinho ficou.
— Muito engraçadinha! — Fica bicudo, me fazendo rir mais ainda.
— Kayden, se essa criança puxar isso de você, eu irei enlouquecer!
Porra, não posso lidar com dois mimadinhos! Então não a mime!
— Não sou mimadinho!
— Sei... Ah, mais tarde irei sair com as meninas apenas. Vamos dar
umas voltas, se divertir. Quero apresentar uns lugares para elas. — Me olha e
controlo o riso.
— Sem mim? Vai sair para se divertir sem mim? Achei que iria
aproveitar o Rio comigo! Claro, o pai é sempre o último a saber de tudo, até
dos passeios da mãe... O que mais vai fazer? Ah, claro, vai me informar só na
hora, né?
Começo a gargalhar entrando no elevador.
— Viu? É mimado, ciumento e muito dramático! Estava brincando,
idiota.
Faz uma careta, irritado.
— Não sou, inferno! Apenas sei que sou amável, bonito e quero
cuidar o tempo todo das minhas duas pessoas favoritas no mundo.
— Ai, que fofo, mimadinho! — pirraço.
— Está me irritando!
— Eu sei e estou amando. Te chamavam de príncipe, né?
— Sim. O mais lindo do mundo! — Gargalho sem parar. — Para de
rir!
— Não dá! Teve todos os brinquedos do mundo também. E com
certeza falavam “não tem ninguém no mundo que não ame você, Kayden”.
— Príncipe. Substitui por príncipe... Porra, tá, fui muito mimado
antes de assumir de vez o lado encapetado, ok? Satisfeita? E sim, vou mimar
nosso filho.
Paro de rir na hora.
— Não vai mesmo. Eu te mato! Não estou brincando. Criança
mimada é terrível. Nem vem, Kayden!
— Veremos! — Sorri.
— Kayden!
A porta do elevador se abre. Ele sai andando na frente, enquanto vou
xingando-o atrás.
— Vão achar que é louca!
— Kayden, temos que conversar. Eu errei, juro que não te provoco
mais com isso. Mas nada de mimar o bebê. Pelo amor de Deus. Eu não vou
suportar lidar com alguém igual a você em casa. Um já basta. Kayden, vem
aqui! Que porra de perna longa é essa? Uma passada sua são cinco minhas.
Volta aqui! — Aperto o passo e agarro o braço dele. — Vamos negociar, faço
qualquer coisa se prometer não estragar nosso filho! Você vai ficar jogando
fora e eu que terei que lidar com um mini você! Isso é castigo.
Ele ri.
— Qualquer coisa? — Seu olhar muda.
— Não vou te dar minha bunda.
— Era um boquete, mas já que falou da bunda, estava querendo ela
mesmo...
— Eu vou te matar! — digo entredentes.
— Não vai. Não vive sem mim.
— Eu te dava medo — choramingo.
— Ainda dá!
— Não como antes! Eu vou chorar... Que ódio!
— Não como antes. Que calor... Eu amo o calor! — suspira quando
chegamos ao lado de fora do hotel. — Sobre nosso acordo...
— Esquece a minha bunda!
— Por quê? Tão gostosa.
— Meu Deus. Vamos focar na minha avó, ok?
— Tá bom. Vovó primeiro, bunda depois!
Meu Deus, esse vai ser o pai do meu filho. Estou muito ferrada.
Minha avó liberou nossa entrada, porque até meu cadastro foi
retirado da portaria, e ainda que me conheçam, seguem as ordens de
segurança do prédio. Vim apertando a mão do Kayden até entrarmos na sala e
eu ser totalmente engolida pelas lembranças nesse lugar. Olho ao redor,
quadros meus foram retirados, mas nada mudou além disso. Tudo está do
mesmo jeito, luxuoso, mas frio, sem cara de lar.
— Bonito... — Kayden sussurra.
— É odioso! Eu odeio esse lugar.
— Já que falou... É frio, pesado aqui!
— É... Vem!
Caminhamos, pisando no chão brilhoso de pedra preta. Chamo pela
minha avó, parando no corredor dos quartos. Encaro o extenso corredor
decorado com um quadro caríssimo. Largo a mão do Kayden, e passo pelas
portas, até estar onde era o meu quarto. Ele me segue, sempre olhando tudo.
Abro a porta e está destrancada. Acendo a luz, encontrando tudo mudado.
— Eles nem disfarçam o quanto me odeiam! — Dou uma risada com
raiva, mas sentida também.
— Era seu quarto?
— Era. Mesmo depois que fui morar com o Kevin, permanecia
intacto esse lugar. Agora virou mais um escritório do meu pai, como se ele
precisasse de dois nesse lugar.
Puxo a porta, socando com raiva.
— Louise...
— Vovó! — grito por ela, ignorando-o.
Voltamos para a sala, no instante que vejo-a vindo da cozinha.
— Oh, meu Deus! Estava cuidando do bolo... Meu raio de sol!
Corro até ela, abraçando-a apertado. Vovó não mudou nada, está do
mesmo jeitinho que a deixei. O mesmo perfume, os cabelos brancos, o sorriso
acolhedor... Ela está aqui. Ela continua aqui. Começo a chorar, enquanto ela
me acolhe.
— Meu amor, senti tanto a falta desse abraço. — Sua voz é chorosa e
seu corpo treme como o meu, em meio ao choro.
— Eu senti tanto sua falta... Droga, foi um inferno ficar longe da
senhora!
— Eu sei... Eu realmente sei! Mas precisamos nos acalmar, tem um
gostosão nos olhando e sorrindo lindamente.
— Vovó!
Nos afastamos e enxugo o meu rosto, assim como ela faz com o dela.
— Esse é o príncipe da moto?
— Sim, e vai precisar voltar a usar seu inglês. Ele não fala nada em
português. Preciso dar umas aulas — falo em inglês.
— Por ele? Por ele falo até em mandarim e nem sei falar mandarim!
— Meu Deus... Ignora ela! — imploro ao Kayden.
— Ignorar quem está me idolatrando? Jamais. Oi, sra. Pimentel. É
um prazer em conhecê-la. Sou o Kayden... Kayden Spencer — ele fala meio
sem jeito, é fofo.
— Ah, deixa disso, garoto. Apenas Adelaide ou Marina. Me dê um
abraço.
Ele se aproxima, abraçando-a. Vovó é baixinha, então some nos
braços dele.
— Como é forte e cheiroso! Menina, até que enfim arrumou quem
preste!
— Meu Deus... Vó! Lembra, controlar a língua?
Kayden se afasta rindo.
— Ela me lembra você — ele me fala.
— Ah, cale a boca, idiota!
Sorrio, toda boba em estar com ela.
— Criei ela para ser minha cópia. Quando eu não existir mais, ela vai
assumir meu legado!
— Papo de morte não! — reclamo.
— Estou com ela nisso, Marina.
— Jesus... — Vovó abre a boca. — Que voz! Querida, Deus abençoe
seu atual bom gosto.
Fecho os olhos por alguns segundos, sentindo o meu rosto queimar.
— Ok... Sinto cheiro de bolo! — mudo o rumo da conversa.
— Sim... De cenoura com brigadeiro — ela responde olhando para
ele.
— Estou aqui, vó!
Kayden dá uma risadinha.
— Que menino lindo! E disse que tem dois, né? Dois iguais... Ah, se
eu fosse mais jovem! Se eu tivesse os peitos lá em cima de novo...
— Chega! O bolo!
Agarro-a, impedindo que abra a boca de novo. Kayden nos segue
rindo.
— O que eu fiz? — me pergunta baixinho e em português.
— Abriu a boca! Vovó, nada de tarar ele, ok?
— Impossível... Que gostoso. Fez bem, muito bem em ir para os
Estados Unidos. Largou aquele da canela fina por um altão, moreno,
gostoso... Que abraço... Querida, já sentiu o abraço dele? Que quente, que
acolhedor... Deus abençoe o útero da mãe dele e honre o mundo com mais
desse. Só tem mais um mesmo? Tem certeza?
— Ai, meu Deus! Eu sabia que o efeito Spencer te afetaria. Eles têm
dessas coisas. Vovó, por favor, poupe minha vida. Eu vou me jogar da sacada
se continuar.
— Está bem... Está bem... Não irei mais falar nada! — Ergue as mãos
em rendição.
Um pedaço de bolo depois, e ela está literalmente contando toda a
minha infância a ele. Eu desisto, é isso. Pego outro pedaço de bolo e devoro,
antes que eu esgane essa senhorinha boca aberta. Os dois ficam rindo da
minha cara, porque viraram cúmplices. Vamos ver se ele vai continuar dando
bola para ela, quando ela o espancar por ter me engravidado.
— Sabe o que eu quero saber? Cadê os funcionários? — mudo o
rumo da conversa dos dois.
Ela serve mais o Kayden, que aproveita, porque ama brigadeiro e
amou o bolo.
— Expulsei todo mundo. Não queria que ninguém falasse para os
seus pais.
— Eles vão saber. Tem acesso as câmeras.
— Não tem! Vieram arrumar ontem e não resolveu. Deu algum
problema na rede, sei lá... Não entendo dessas tecnologias. Eu acho ótimo,
odeio saber que tem coisas me vigiando.
Sorrio e respiro fundo.
— E como estão as coisas por aqui? Parece que nada mudou, exceto
pelas minhas fotos que sumiram e meu quarto. — Levo o garfo cheio de
cobertura à boca.
— É... — Bebe um gole do seu café e respira fundo. — Isso
aconteceu depois que o traste retornou e disse a eles que não trouxe você,
porque havia traído ele com o gostosão aqui, que não o honrou... Toda aquela
palhaçada que lhe contei.
Assinto. Encaro o Kayden, que sorri de lado para mim. Estamos
sentados na cozinha mesmo, aproveitando o sol que entra pela janela.
— E ele continua vindo aqui? Continua existindo parceria da
imobiliária da famía dele com a nossa?
— Olha, querida, sabe que isso tem dado uma confusão enorme?
Kevin está muito revoltado. Não aceita que te perdeu. Seus pais estão
tentando manter os negócios em primeiro lugar, mas parece difícil. A família
dele quer acabar com todo o acordo, falam que o filho foi muito humilhado.
Mas eles são bem influentes, se falarem que não existe mais parceria com as
nossas imobiliárias, as especulações vão iniciar.
— E como a senhora está com isso? É o legado do vovô indo para o
ralo com toda merda que os três estão fazendo.
— Triste, mas ainda mais triste por ver o quanto o meu filho está
cego. Às vezes me pergunto onde errei na criação dele, sabe? Eu não o
reconheço mais, essa é a verdade.
Toco sua mão sobre a mesa e acaricio.
— Sinto muito — sussurro. — Não foi sua culpa. Esse é o caráter
dele, vó.
Ela assente.
— Mas quero saber de você. Como estão as coisas? Melhorou da
gripe? E as aulas?
Encaro o Kayden, e ele desvia o olhar, comendo o bolo e sorrindo.
— Passei a amar aquele lugar irritantemente frio. Fiz amigos, como a
senhora já sabe. E estou aprendendo a ver tudo por outros ângulos. Sobre as
aulas, um saco... Confesso que tenho me estressado muito esse ano com elas.
E isso é até uma das coisas que quero conversar com a senhora.
— O que houve? Vai me dizer que eles te prejudicaram lá? Seria
muita covardia tirarem isso de você também!
— Não... Se acalma. Não! — Sorrio. — Mas a senhora sempre soube
que eu tinha um plano B. A universidade era a minha fuga, ainda que eu
gostasse do que havia escolhido.
— Sim! — Ela sorri e encara o Kay. — Ela amava mesmo moda.
Vivia postando nas redes sociais. Tinha muita gente acompanhando-a. Às
vezes me postava, eu gerava fama a ela. Sou muito querida, sabe?
Kayden começa a rir.
— Claro que é. Não imagino quem não possa amá-la.
Meu Deus... São iguais!
— Então! — Eles me olham. — Eu ainda tenho esses seguidores.
Postei uns vídeos bobos com as meninas e rendeu muito engajamento, antes
de eu precisar trancar todos os comentários por causa do que o Kevin saiu
espalhando. Mas pode dar certo. Eu ainda amo o plano B e acho que é o que
realmente me faria muito feliz. Estou me encaixando em tudo em Beyond
The Ice, exceto na BTIU. Sei lá, eu sinto que ainda que eu goste do curso, ele
foi uma fuga, e não quero mais viver da fuga. Sei que ainda terei que lidar
com os ataques, mas com ou sem o Kevin, eles sempre irão existir. E penso
no futuro em cursar algo na área da moda.
Kayden está surpreso, mas sorridente, e minha avó age da mesma
maneira.
— Se esse brilho que está nos seus olhos for se manter, faça seu
plano B, querida! Há muito tempo, eu não via esse brilho. Para ser sincera, eu
o vi assim que coloquei os olhos em você.
— Então não vai me deserdar também? — brinco.
— Nunca! Enquanto eu respirar, vai continuar sendo minha neta.
Sorrio, feliz, sabendo que, se tem aprovação dela, então tudo dará
certo. Encaro o Kayden.
— Desculpa, eu precisava falar disso com os dois juntos. Não fica
chateado.
— Estou surpreso, mas não chateado. Além disso, vai me poupar
ataques cardíacos, sabendo que estará lá sozinha, e... — Ele olha para a
minha avó e para mim.
Respiro fundo.
— O que está havendo? — ela questiona.
— E essa é a outra coisa que tenho que contar, e foi o que realmente
nos trouxe aqui. Eu precisava falar pessoalmente...
— Está me assustando, Louise. Vamos, garota. Fale!
— Não pode pirar, e precisa prometer que vai manter a calma — falo.
Franze o cenho e olha de mim para o Kayden.
— Já vi tudo... Não acredito. É isso que estou pensando? A gripe...
Claro! Está grávida?!
Assinto lentamente. Ela nos olha e o Kayden assente como eu.
— Eu juro que foi um acidente. Eu estava tomando remédios.
— Você é esquecida. Tem memória boa apenas para as suas
maldades e traquinagens. Meu Deus! Um bebê... Eu serei bisa?!
— Sim... — sussurro.
— Jesus. Vai ter um bebê... Um bebê dele?
— Um bebê meu! — Kayden responde orgulhoso.
— A criança vai ser linda. Com esses pais... Mas espera, a Louise
mãe? A Louise não sabe nem tomar remédio. Jesus, terei que morar com
vocês. Eu preciso vigiar essa menina. Espera, está comendo? Eu sabia que
precisava fazer mais comida. Vou já preparar algo... E acidente? Fez o quê?
Caiu no pênis dele? Me poupe!
— Vovó! Se acalma — peço, rindo. — Vó, respira!
— Estou respirando. Estou respirando totalmente... Um bebê?
— Sim, Marina. Um bebê, mas precisa se acalmar. Quer uma água?
— Kayden pergunta a ela.
— Não, querido... Meu Deus, serei bisa! — Ela começa a chorar.
— Vovó, se acalma... — Levanto-me rindo.
Paro ao seu lado, abraçando seus ombros e beijando seu rosto.
Kayden segura sua mão, acariciando e sorrindo.
— Eu vou cuidar dela, eu prometo. Vou cuidar dela e do bebê. Pode
ficar despreocupada! — Kayden fala com carinho e acho lindo isso.
— Vai, né? Vai cuidar bem deles, certo? — Kayden assente. — Eu
vejo coisa boa no seu olhar. Ela já sofreu muito, não merece mais dor. E
agora com um bebê, precisa de carinho e cuidado em dobro.
— Eu prometo fazer isso. Eu prefiro me machucar a machucar ela.
Eu amo sua neta, Marina. E eu vou fazer de tudo para fazê-la feliz. É a minha
promessa a você.
Minha avó assente.
— Se não cumprir te mato! — diz a ele, e ele ri.
— Ele já está cuidando, vovó. Kayden é diferente. Eu prometo. E ele
vai ser o melhor pai do mundo para esse bebê.
— Claro... Ele vai... Meu Deus, minha criança tendo uma criança! —
Toca minha barriga com carinho. — Louise, prometa que vai se cuidar.
— Prometo! — Sorrio emocionada.
— Meu Deus... Eu preciso viver até conhecer essa criança.
— Para com isso, vovó. Vai viver muito ainda! Tem que me prometer
que vai viver muito, dona Adelaide Marina!
Ela sorri e beija minha barriga com carinho, me fazendo chorar. Olho
para o Kayden, que agora acaricia o braço dela.
— Claro que vou. Tenho que ensinar essa criança a se manter viva
nas suas mãos!
Kayden ri e o olho feio.
— MÃE?! — uma voz grita da sala.
Afasto-me rápido da minha avó, enxugando as lágrimas e me
apoiando na cadeira dela.
— Não acredito! — minha avó sussurra, nervosa.
Kayden me olha e acho que entende, porque se levanta na hora,
ficando ao meu lado.
— Não... Não... — sussurro.
— Calma, querida. Calma. Não pode se estressar — vovó pede.
— Ele não pode saber. Eu não quero que ele saiba da gravidez! —
alerto-a.
— ADELAIDE, CADÊ VOCÊ? CHEGAMOS! — é a voz da minha
mãe agora. — CADÊ OS FUNCIONÁRIOS DESSE LUGAR?! — reclama.
Os passos começam a intensificar, meu coração acelera. Aperto a
cadeira com força. A mão do Kayden acaricia minhas costas. Engulo em
seco, quando ambos entram na cozinha, e acho que o choque é geral, porque
ficam parados, me encarando.
— Estou aqui. Dispensei os funcionários! — minha avó diz, fria,
séria.
— Agora sei por quê. O que essa garota faz na minha casa?! — meu
pai grita.
— Sua casa não! Nossa. Tudo que comprarem com o dinheiro dos
lucros da imobiliária é meu também. Ainda não morri para achar que tem
posse de tudo! — ela rebate ao filho.
— Quem é esse? Ah, só pode ser brincadeira. Sério? Trouxe o seu
amante para dentro de casa, Louise?! — minha mãe grita.
— Ele não é meu amante! — respondo em inglês. O Kayden vai
saber, ele precisa saber onde se meteu, porque ainda dá tempo de correr.
— Claro, só fala inglês. O otário a quem você usou para trair o seu
noivo! Está pensando que aqui é o quê? O bordel onde deve ter se metido,
Louise?! — Meu pai fala em inglês. — E você, garoto? Acha que está
fazendo o quê aqui? Veio pedir a mão dela para mim? Saiba que ela tem um
noivo, um grande idiota que a ama e está pronto para perdoá-la.
— Perdoá-la? O senhor vai me desculpar. Mas acho que confundiu as
cosias, não?!
— Como é?! — Minha mãe pergunta, totalmente irritada.
— Isso mesmo que ouviram. Sou Kayden Spencer, o namorado da
filha de vocês. É uma pena nos conhecermos nessas circunstâncias, mas fica
difícil ser educado, quando atacam ela dessa maneira!
Meu pai ri com raiva e se aproxima, ficando no meio da cozinha.
Minhas mãos tremem e sinto um gosto amargo na boca.
— Namorado? Ela tem um noivo. Um noivo que ela largou!
— Porque ele não prestava, Domingos! — Minha avó grita, se
levantando da mesa, e fazendo a mim e ao Kayden darmos um passo para
trás, mas sem ele tirar a mão de mim.
— A senhora está maluca. Uma completa desequilibrada! — minha
mãe reclama com ela.
— Não fale assim da minha avó. A única desequilibrada nessa merda
é você... Ou melhor, os dois. Eu não tenho nada com aquele desgraçado. Eu
vim nessa casa apenas para ver ela e nada mais. Eu nem queria encontrá-los,
porque não tinha a mínima vontade em vê-los e continuo não tendo! Vamos,
Kayden!
— Vamos? Acha que é assim? Aparece depois de um longo tempo,
com um outro cara, trai o seu noivo, e acha que pode sair sem ouvir nada?
Ele já sabe quem de fato é você? Sabe o quanto ferrou nossas vidas e fez o
Kevin sofrer?! Falou a ele o quanto é uma ingrata? Hein, Louise? Falou o
quanto desonra a porra dessa família?! — meu pai berra.
— Eu ingrata? Fiz o Kevin sofrer? — Balanço a cabeça lentamente.
— Pra mim chega dessa merda. Eu olho para vocês dois e sinto sabe o quê?
Nada! Eu não sinto nada... Ou melhor, sinto nojo, raiva, ódio! Se merecem...
Vocês dois e aquele desgraçado.
Afasto-me do Kayden, deixando um beijo na bochecha da minha avó.
— Louise... — minha avó tenta falar, mas impeço.
— Eu te amo, se cuida, ok? Vamos mantendo contato! — Puxo o
meu celular da mesa.
— Eu te amo, meu raio de sol. Se cuida e me perdoa!
— Não tenho que te perdoar! Mas preciso sair daqui, vó. Agora! —
Ela assente. Passo por ela. — Vamos, Kayden!
Passo pelo meu pai, mas ele me puxa, segurando o meu braço com
força.
— Ainda não acabamos, sua mimada!
— Me solta! Não encosta em mim! — grito irritada.
— Eu sou seu pai, vai aprender a me ouvir e respeitar!
— Me solta!
— Solta ela, agora! — Kayden se aproxima, tirando a mão dele de
mim e me puxando para si.
— Sabe com quem está falando, garoto?! — Minha mãe se aproxima,
olhando para ele como se fosse a rainha do mundo.
Kayden sorri.
— Estão tão cegos pela raiva que não entenderam quem de fato sou...
Spencer. Filho de Taylor e Devin Spencer. O grande negócio que fecharam
com eles, o terreno em Beyond The Ice, sabiam que é para o meu hotel e do
meu irmão? Então, sei bem com quem estou falando. Mas não, eu não me
importo com quem são. Não quando ferraram a cabeça da filha de vocês e
não a protegeram como deviam! Acho que os únicos que deveriam se
preocupar com quem estão falando são os dois. Uma ligação, preciso de
apenas uma curta ligação e vão ter que devolver cada centavo investido no
terreno. E se manchar com os negócios Spencer é complicado, temos muita
influência no mercado internacional, e meus pais adoram a filha de vocês.
Imagine se souberem que a futura oficialmente nora deles, está sendo
humilhada pelos pais? É, não vejo isso como uma coisa boa...
Meus pais olham chocados e com muita raiva para nós dois. Meu
peito sobe e desce, ansioso, com medo, raiva, agonia de ainda estar na
presença deles.
— Não seria capaz...
— Senhor Domingos, é esse seu nome? — Kayden debocha. —
Tente segurar ela mais uma vez. Encoste um dedo nela, sem autorização dela,
e farei questão de acabar com todo o negócio internacional de vocês. Devem
estar acostumados com aquele merda, que com toda certeza não a protegia, e
podiam ser narcisistas com ela. Mas eu protejo e não vou deixar que
continuem fazendo um inferno da vida dela! Espero que tenham entendido.
Caminha levando-me com ele. Olho para trás, para a minha avó, e ela
sorri, parecendo feliz por mim.
— Acabou. Não adianta ela tentar, sua avó não vai te mandar mais
nada. Acabou! E nunca mais vai usar nosso sobrenome para nada! — meu pai
diz entredentes.
— Não quero, acredite, é uma paz não precisar ser associada aos
dois!
— Ela realmente não precisa. Darei a ela tudo o que ela precisar e
muito mais. E sobrenome, está falando do Pimentel? Com todo respeito a sua
mãe, mas o legado de vocês parece bem fracassado, já que dependem de um
lutador de merda para conseguir alavancar a fama que provavelmente está se
perdendo. Acredite, o sobrenome que ela terá, ela compra até o de vocês,
incluindo o dele! — Kayden está frio humilhando-os, jogando sujo, indo
além.
— Vai casar-se? É isso mesmo, menina?! — minha mãe questiona.
— Não faço mais parte dessa família, Mônica, não devo satisfações
sobre o que farei ou não. E mais uma coisa, avise ao protegido de vocês que
acabou, eu darei um basta em tudo isso. Chega!
— Você não vai fazer nada. Você sabe que ele não teve culpa. Está
sendo ridícula! — meu pai grita.
— Ele teve, Domingos. Ele teve toda a culpa, e você está tendo
também. E querem saber? Eu também cansei! Arrumem uma casa para mim
em Beyond The Ice, dane-se. Seu avô vai me entender. Eu quero ficar longe
dessa casa! — minha avó grita.
Olho assustada para ela e eles também.
— A senhora não vai a lugar algum!
— Está impedindo uma senhora de sair? Cárcere privado,
Domingos?! — rebato, irritada com a forma que ele fala com ela. — Vó,
arruma suas coisas. Vai voltar comigo para os Estados Unidos. Esses dois
têm que ficar aqui, queimando sozinhos, porque para mim estão mortos! E
juro que, se tentarem nos impedir de arrumar as coisas dela, eu chamo a
polícia, que era o que eu deveria ter feito desde quando tudo aconteceu!
— Se for com ela, esquece que sou seu filho! — Meu pai a olha.
Minha avó enxuga o rosto e nega lentamente.
— Impossível, porque te coloquei no mundo. Mas saiba que entre ela
e você, eu a escolho. Sempre irei escolher ela. E espero que seu pai não esteja
sofrendo de onde estiver, vendo no que se transformou. Ele teria muito
desgosto. — Minha avó me olha agora. — Vá na frente. Vou arrumar tudo
com calma, e já compre minhas passagens. Eu amo esse lugar, amo lembrar
do seu avô aqui, mas não posso mais ficar, tudo tem um limite. E ouvir tudo
isso de novo foi o meu limite.
— Tem certeza? Eu te espero. Estou pouco me importando com eles!
— falo com a voz embargada.
— Vai, não te quero mais nenhum segundo aqui. Amanhã nos
encontramos.
Assinto e encaro eles.
— Amanhã buscamos você! — Kayden diz a ela. — Eu prometo. E
não viremos sozinhos.
— Vamos... Esse lugar já está me sufocando! — peço ao Kayden.
Ele me tira do apartamento, e só quando estamos na calçada, eu me
permito chorar desesperadamente, tomada pela raiva, até começar a vomitar
completamente enjoada. Kayden cuida de mim, e o porteiro, que sempre foi
um amor, nos ajuda, trazendo água, papel-toalha, e dizendo para eu não me
preocupar, que ele jogará uma água ali ou a equipe de limpeza do prédio.
Kayden me ampara em seus braços, estou fraca, tonta.
— Me perdoa... Eu deveria ter uma família perfeita, te oferecer uma
viagem incrível para cá, e tudo saiu de controle... Eu só te meto nas minhas
merdas e...
— Xiu... Para com isso. — Segura meu rosto. — Se acalma, está
pálida, acabou de vomitar e passar por muito estresse. Eu não vou a lugar
algum se está pensando nisso. Te amo, e agora te amo ainda mais. Vamos
para o hotel, vou cuidar de vocês...
Assinto, fraca, e bebo a água que o porteiro me deu.
KAYDEN
Louise está em meus braços, depois de ter dado banho nela e ela estar
mais calma. Na TV passa um programa local, ela disse ser novela em um
canal famoso. O som está baixinho e o quarto tomado pelo silêncio. Utiliza
uma camiseta minha, que fica grande em seu corpo, os cabelos presos em um
coque alto e o corpo relaxado em meus braços. Estamos na cama e ela não
quer ficar longe de mim, está com medo de que eu a deixe, é isso que eles
causam nela, essa sensação de abandono.
Traço caminhos em sua barriga por cima da camiseta, dando carinho,
enquanto escuto sua respiração baixa. Ajeito minhas pernas e ela se encaixa
ainda mais entre elas. Com o polegar acaricio sua bochecha, e às vezes deixo
beijos no topo da sua cabeça. Suas costas em meu peito me passam o calor do
seu corpo e gosto de senti-lo.
— Acha que vai ser o quê? — pergunta baixo, mais calma, com a voz
cansada.
— O bebê?
— Sim.
Sorrio e solto a respiração. Ergo a camiseta e encaro sua barriga.
— Eu acho que será menino.
— Eu também.
— Mas vou amar o que vier — sussurro e deixo um beijo na sua
bochecha, inclinando o rosto, e logo em seguida volto a posição anterior,
encosto o corpo na cabeceira da cama. — Como está se sentindo? Quer
comer algo? Precisa das meninas?
— Não. Quero ficar aqui, quieta, com você. Mais tarde, talvez eu os
queira. Agora só quero você. E não estou com fome, Kay.
— Tudo bem... Mas me promete que vai tentar comer algo antes de
dormir?
— Prometo.
Ela volta a ficar quieta, olhando a TV, enquanto acaricia minha
perna, mantendo uma das mãos sobre a barriga.
— Kay?
— Oi, princesa.
— Não conta para ninguém o que aconteceu, por favor. Sei que vão
querer saber por que minha avó está indo embora com a gente, mas temos
que inventar algo. Não quero ficar revivendo mais nada que envolva aqueles
dois.
— Tudo bem. E temos que pensar em um lugar para ela. Ela pode
ficar com a gente até encontrarmos.
Louise ri baixinho.
— Ela não suportaria um dia. Provavelmente vai ficar no hotel ou
pousada até arrumar uma casa. Minha avó gosta de paz. Por mais que ela seja
maluca, no fim do dia ela só quer as novelas mexicanas dela, que encontra
perdidas no Youtube, ou filmes clássicos, e enquanto assiste fica fazendo
crochê, cuidando das plantas ou fazendo diversas receitas deliciosas. No
fundo, eu já sabia que ela não estava mais aguentando ficar ali, só não queria
me preocupar.
— A gente vai cuidar dela. Eu vou ajudar, não quero que se preocupe
com isso.
— Está tudo bem. Vovó tem muita grana guardada. Acho que ela
sabia bem quem era o filho. Ela acha que não sei, mas, quando morávamos
juntas, eu via os comprovantes de um banco diferente. Além disso, várias
vezes que me enviava dinheiro, não era da conta principal, acho que se
atrapalhava e enviava da dela. Se duvidar, ela tem mais que os meus pais, já
que ela é ainda a principal dona de tudo, ela manda e desmanda, e essa é a
maior raiva deles.
— Ainda precisam da assinatura dela para tudo.
— Exatamente. Ela sempre foi esperta e muito boa em identificar
pessoas boas ou ruins.
— Eu a adorei.
— Só porque ela ficou babando por você.
— Também! — Sorrio. — Mas porque ela me lembra você.
— Sempre diziam isso, que eu parecia mais filha dela do que da
minha mãe — suspira. — Ela quer ir embora para me vigiar também. Tenho
certeza. Duvida que manterei a criança inteira. — Dá uma risada.
— Me sentirei em paz, quando estiver longe então.
— Está duvidando da minha capacidade de manter o nosso filho
vivo?
— Nunca... — pigarreio. — Só um pouquinho...
Dou risada e beijo sua testa. Encaramos a TV, é divertido ouvir o
idioma local sendo falado por várias pessoas. Tem sotaques diferentes, e
parecem estar sensualizando ao falar, é tudo meio cantado. É bonito.
— Estou com fome agora.
Sorrio.
— E o que quer comer?
— Um hamburguer gigante!
— Sério? Louise, não pode ser algo mais saudável?
— Vai comer saudável?
— Na verdade, eu quero experimentar a pizza daqui.
— Então por que não posso ter hamburguer e pizza?
— Queria só o hamburguer, já quer a pizza? — pergunto e ela inclina
a cabeça para trás, me encarando.
— Estou com fome. Eu fico perigosa com fome. Grávida e com
fome, eu fico duplamente perigosa. Preciso de um hamburguer gigante e
pizza! Ah, e de chocolate. Preciso muito de chocolate.
— Está bem. Darei tudo o que quer, mas só hoje! Precisa pegar leve,
lembra do que a médica disse?
Sorri feliz. Ela sempre fica feliz quando o assunto é comida e dormir.
— Tenho que comer mais saudável, evitar muita gordura... blá-blá-
blá... O bebê quer pizza, hamburguer e chocolate, não vou negar comida ao
meu filho, Kayden!
Semicerro o olhar, encarando-a.
— Vai usar disso?
Ela sorri diabólica e assente.
— Barriga cheia, mamãe feliz e papai vivo!
Reviro os olhos.
Louise aplica uma máscara no meu rosto. Comemos muito,
principalmente ela, e me admira ainda não ter colocado nada para fora,
exatamente pelo excesso de comida.
— Quando é o próximo jogo? — me pergunta.
— Em breve. Definiram um, o treinador nos avisou por e-mail.
— Está ansioso?
— Se estou ansioso porque isso vai definir minha vida? Nem um
pouco, tranquilo!
Ela sorri e desliza a máscara pelo meu nariz, lentamente.
— Vai dar tudo certo. Talvez eu esteja lá, torcendo por você.
— Talvez? É sua obrigação levar essa criança para ela já aprender o
que é um bom esporte! — Sorrio.
— Coitado, vai sofrer desde o ventre...
Faço cócegas na sua cintura e ela ri. Se ajeita sobre o meu colo e
continua aplicando a máscara azul no meu rosto.
— Pronto, terminei!
Afasta-se e fecha a tampa do produto, saindo do meu colo e deixando
a pequena espátula sobre ela, enquanto cruza as pernas sobre a cama.
— Por que a sua é verde e a minha azul? Tem veneno na minha, né?
— Tem. Vai cair seu rosto! — Ela sorri, enquanto me ajeito na cama.
— Satã!
Ela dá um sorrisinho mais contido e solta uma lufada de ar.
— Tudo aconteceu depois do noivado. Na verdade, a realidade bateu
na minha porta depois do noivado.
— Princesa, não precisa falar disso agora...
— Eu quero, Kay. Preciso falar disso agora. Não quero guardar mais
nada de você. Por favor, me deixa falar.
— Tudo bem... Continue, amor.
Solta outra lufada de ar e se ajeita na cama.
— Kevin sempre foi meio agressivo em atitudes, mas era muito mais
nas palavras. Mas ele nunca havia partido para a agressão física comigo. Até
depois do noivado. Eu estava exausta, muita coisa tinha acontecido e estava
lidando com tudo sozinha. Não era para ser uma grande festa, eu queria algo
pequeno, mas ele, a família dele, meus pais... Nossa, tornaram tudo um
grande e assustador evento, repleto de imprensa, gente que eu nem conhecia e
que tinha que sorrir e agradecer as felicitações. Eu estava exausta.
— Vem cá... — Estendo a mão, trazendo-a para o meu colo, de frente
para mim. — Continue, por favor.
Ela concorda e tira a mecha do meu cabelo, que cai sobre a minha
testa, jogando-a para trás.
— Então a festa acabou, e meu Deus, ainda bem que havia acabado.
Dias depois, poucos dias, uns quatro mais ou menos, ele tinha que viajar para
uma luta fora do país e queria eu fosse. Mas eu estava exausta física e
psicologicamente. Sabia que não seria apenas a luta, ele iria para eventos, sair
com amigos e eu não estava no clima. Precisava descansar a cabeça. Acho
que, no fundo, eu estava exausta da gente, sabe? — Assinto lentamente. —
Eu estava cansada de tudo, só não queria admitir. Eu sentia que precisava
dele, porque na minha visão era a única forma de eu ter alguém por mim além
da minha avó. Era o único jeito de amenizar a minha vida com meus pais.
Nossa, eu estava pirando.
— Parece cansada só de lembrar disso.
— Acredite, eu tenho pesadelo em lembrar do quanto eu estava
exausta naquela época. Mas eu disse não. Eu sempre acabava cedendo a tudo
que ele queria: “Ter filhos? Vamos lá, eu tento. Mudar meu jeito de me
vestir? Tudo bem, se vai te deixar feliz. Evitar o vôlei na praia porque meu
instrutor te deixava enciumado? Ótimo, faço isso pelo bem da nossa relação.
Não vou rir alto, isso te incomoda. Tudo bem, estou exausta hoje, mas vamos
transar. Eu odeio a forma como me exibe para os amigos como se eu fosse
um troféu, mas tudo bem, eu digo sim para isso também”. Eu sempre falava
sim, não contrariava, porque eu sabia que ele se estressaria.
Respiro fundo, tentando controlar a raiva que começa a me dominar.
— Eu juro que estou tentando manter a calma, mas está ficando
difícil. Louise, ele era extremamente abusivo!
Assente fracamente.
— Sim. Mas para mim estava tudo certo. Até eu dar um não e ser
firme com isso. Kevin insistiu, disse que eu precisava ir, mas falei que não
iria. Estava cansada. Pela primeira vez bati o pé e não fui. Ele ficou sem falar
comigo durante uma semana, o tempo que ficou longe. Não respondia minhas
mensagens, não atendia minhas ligações, eu sabia que estava vivo pelas
notícias e pelos meus pais. Ele me ignorou e eu me culpei, me arrependi,
achei que estava sendo errada, ele era o meu noivo, eu tinha que apoiá-lo. Eu
sempre me culpava por todas as vezes que ele ficava assim, porque ele me
fazia entender que a culpa era minha.
— Mas não era, Louise!
— Não era, e agora eu sei. Então ele voltou de viagem, chegou muito
tarde em casa, eu estava preocupada. Sabia que o voo dele chegaria de manhã
e não tinha notícias. Naquele dia eu sentia algo ruim, pensei que algo tinha
acontecido a ele, eu só não pensava que a coisa ruim aconteceria a mim assim
que ele pisasse em casa. — Respira fundo. — Eu estava na sala, assistindo
TV, tentando distrair a cabeça... — Olha para baixo, desviando o olhar. —
Kevin chegou muito bêbado, ele estava de uma maneira que nunca tinha
ficado antes. Chegou acendendo as luzes, falando alto, largando as coisas em
qualquer lugar, bastante alterado. Levantei do sofá, assustada, e vi ele, estava
irreconhecível. Então eu perguntei o que estava acontecendo, em nenhum
momento eu gritei, surtei, nada... Kay, eu só perguntei o que estava
acontecendo...
— Eu acredito em você. Acredito em cada palavra sua! — Aperto sua
cintura e ela ergue o olhar, assentindo.
— Então, ele veio até mim. Gritando, me xingando sem parar,
dizendo várias coisas, muitas nem dava para entender. Eu vi que ele estava
muito bêbado e disse que era melhor ele tomar um banho, dormir e no dia
seguinte conversarmos, que estava muito tarde, e conversar daquele jeito não
era a melhor coisa. Sai da sala, fui para o quarto e ele veio atrás, xingando,
tropeçando, falando que eu fiquei para traí-lo. Ele estava louco! — Engole
em seco. — Eu sentia que precisava sair dali. Meu sexto sentido me alertava,
ele dizia para eu sair, correr, fugir dali. Mas não dei atenção, tentei ignorar,
achei que era só o medo por nunca ter visto ele tão bêbado daquele jeito.
Sentei na cama, ele continuou gritando, me ofendendo. Eu o mandei parar, ir
tomar banho e descansar. Insisti nisso. Pareceu por um segundo que ele havia
me escutado. Eu agradeci mentalmente por isso. Ele se afastou, seguiu para o
banheiro. Eu achei que tinha acabado...
— Louise...
— Não, eu vou falar tudo. Eu consigo falar tudo. Agora eu consigo!
— Concordo, sentindo a raiva crescendo em mim cada vez mais. — Peguei o
celular, minha avó estava me ligando, mas ignorei. Então a porta do banheiro
abriu, bem na hora. Pensei que ele tinha esquecido de pegar algo, continuei
sentada na cama e o medo crescendo. A sensação ruim não parava. Eu olhei
por cima do ombro, e não sei bem como, mas ele veio com muita velocidade
para cima de mim. Eu não lembro direito de muita coisa a partir dai, muita
coisa meu cérebro talvez tenha bloqueado pelo trauma. Ele me empurrou na
cama, prendendo meu corpo com o dele.
“Mandei-o parar com isso, sair de cima de mim. Ele apertava forte
meu corpo, doía muito. Ele era muito forte. Então ele acertou meu rosto. Foi
um tapa forte, estralou, mas não doeu na hora. Eu entrei em estado de choque
completamente. Ele tentou acertar de novo, mas o celular tocou mais uma
vez, bem naquela hora. Eu não sei como pensei nisso na hora, mas gritei
falando que era o meu pai. Kevin saiu de cima de mim na hora, mas antes
chutou a cama, quebrou a parte que ele fez isso.”
— Puta que pariu... Louise, que merda! Como saiu de lá? Me fale que
nada mais aconteceu ali, que conseguiu sair!
— Consegui... Atendi o celular, era a minha avó. Eu fingi falar com
meu pai e fingi que ele precisava de mim em casa naquela hora. Eu falava
encarando o Kevin, estava em choque. Ele me olhava transtornado e, quanto
mais eu falava no telefone que estava indo até o meu pai, minha avó me
questionava o que estava acontecendo, desesperada, e o Kevin começava a
quebrar coisas pelo quarto, alterado, até se trancar no banheiro, onde
quebrava mais coisas. Eu não pensei muito, saí correndo do quarto. Peguei a
chave do carro, a ligação em algum momento caiu, não lembro em qual. Eu
não peguei elevador. Eu estava com medo de demorar a chegar e ele vir atrás.
Desci lances e mais lances de escadas, eu não olhava para trás, e não sei de
onde arrumei fôlego. Quando cheguei no estacionamento, corri para o meu
carro, entrei e saí em alta velocidade do prédio. Meu celular tocava de novo,
era minha avó ligando, mas não podia atender. Quando cheguei à casa dos
meus pais, os dois não estavam e foi melhor assim.
Passo uma mão pelo cabelo, tirando-a do meu colo. Ela fica sentada
na cama, conforme ando pelo quarto, tentando me acalmar.
— Quando cheguei e vi minha avó, desabei, saí do choque e a dor no
rosto veio, ardia também, muito. Queimava. Minha avó estava assustada,
perguntando algo sobre o meu rosto, sobre estar sangrando. Eu até então não
sabia que ele tinha machucado para sangrar. O anel dele cortou meu rosto.
Minha avó tentava me acalmar, queria chamar a polícia, ela sabia que tinha
sido ele, dizia que sentia que algo ruim estava acontecendo. Kevin tinha
acesso ao apartamento, estava com medo dele ir atrás de mim, então me
tranquei no quarto da minha avó com ela. — Louise ri com raiva. — Ela tem
uma cômoda antiga, daquelas de madeiras pesadas. Não sei de onde tirei
forças, mas empurrei aquela cômoda até a porta. Nos trancando lá dentro.
Minha avó precisou me dar calmantes para eu dormir.
— Porra. Eu vou matar esse desgraçado!
— Não, Kay! — Ela sai da cama e vem até a mim, parando a minha
frente. — Não vai. Se acalma, por favor!
— Como não? Louise, olha o que ele fez!
— Eu sei... E pior, no dia seguinte os meus pais chegaram e ele
estava lá. Eu estava em pânico, não queria ele perto de mim. Estava com
medo, me culpando, envergonhada por tudo. Meus pais o defenderam.
Disseram que ele estava bêbado, que eu o tirei do sério. Eu juro que eu queria
ter morrido naquela hora. Kevin me pediu perdão, disse que perdeu o
controle, que me amava, que aquilo nunca iria acontecer de novo... Mas eu
não conseguia olhar para ele, eu só lembrava do que ele tinha feito. Aquele
tapa meio que acendeu tudo que estava na escuridão. Eu lembrava de cada
coisa que ele fazia, me dizia... Eu sabia que não teria como ficar ali, precisava
fugir, sumir, acalmar minha cabeça. E foi então que fui parar em BTI. Na
verdade, na cidade vizinha primeiro. Eu precisava recomeçar, precisava
distrair a cabeça, foi então que entrei para a BTIU. No dia que consegui
emprego na arena, foi exatamente no dia que o meu pai me ligou e me
humilhou de todas as formas, bloqueou meu dinheiro, me tirou tudo.
— E eu fui um tremendo filho da puta com você o tempo todo!
Porra... Eu...
— Ei... Não! Pelo contrário, implicar com você me distraía. Eu não
pensava nas ligações, eu não me culpava e não sentia vontade de perdoar o
Kevin. Implicar com você me fazia entender que eu precisava me reerguer e
aprender quem eu era, porque tinha me esquecido de quem de fato eu era. E
contar tudo isso hoje me traz uma paz que você não imagina. Eu já nem
choro mais, sabe por quê? Eu não era culpada. Não foi a bebida, não foi o
estresse... Ele fez aquilo porque ele é assim. Meus pais não me defenderam
porque eles são assim, e não porque eu tinha culpa. Nenhuma mulher tem
culpa. Nada vai justificar uma agressão. Nada! E você me ensinou isso,
Kayden.
— Eu? — Engulo em seco.
— Sim! — Ela sorri. — Quando me deu carinho, mesmo eu sendo
escrota. Quando não me culpou, por não ter chegado a tempo até a Piper e a
Caty no dia do sequestro. Quando me levava para casa depois das festas,
mesmo que fosse o Nicholas mandando você fazer isso. — Desvio o olhar. —
É sério, Kayden! Você cuidou de mim quando ninguém parecia notar que eu
estava morrendo, me afogando na minha dor. Você voltou no Ano-Novo.
Você foi buscar remédio para mim, para uma simples cólica que aumentou
pelo estresse. Me abraçou, dividiu comida comigo. Me livrou de me rebaixar
ao nível dele, quando me tirou daquela festa. Me deu um coelho, a droga de
um coelho que você deve ter tido muito trabalho para encontrar. Me deu um
final de semana especial. Você ficou quando eles tinham me deixado.
“Você cuidou de mim, quando tudo que eu sabia sobre amor era
errado. Você me mostrou que do jeito que eu era tratada pelo Kevin nunca
havia sido certo. Kayden, você notou que entrei em pânico quando me
assustou aquela vez, e agora sempre que estou distraída me alerta sobre estar
por perto. Me elogia, e é cheio de ciúme e manha, mas de um jeito
diferente...”
Beijo-a, pouco me importando com as máscaras em nosso rosto. Eu
só preciso beijá-la um pouco, respirar, saber que ela está bem mesmo.
— Eu estou feliz agora, me sentindo em paz... E pronta, Kay, porque
me sinto segura. O jeito que me defendeu dos meus pais hoje. A forma como
me protegeu do Kevin e do carinho que teve com a minha avó... Estou pronta
para amar de novo, amar de verdade, e fazer o que eu já deveria ter feito há
muito tempo. Eu vou fazer uma denúncia contra ele, eu vou expor, chega! Ele
pode fazer isso com várias outras mulheres, e quero impedir, quero alertar
elas. Eu quero ter o nosso bebê sabendo que fiz o certo, que tentei tornar o
mundo um pouco melhor, denunciando um agressor. Eu quero fazer a minha
parte, eu quero fazer tudo o que não fiz... Eu... — Ela me olha, agora com os
olhos marejados e um sorriso lindo no rosto. — Eu te amo, Kayden Spencer,
e quero namorar você, ter esse bebê com você, torcer por você em cada jogo
sem entender nada, mas sempre ficar puta quando te agridem, e torcer para
você voltar logo para casa quando estiver longe, porque vou estar precisando
do seu abraço, já que provavelmente estarei surtando. Droga, eu quero tudo
com você, porque agora eu sei que isso é amor, e...
Ergo-a em meus braços, suas pernas enroscam ao meu redor, e beijo-
a de novo, acalmando-me ainda mais e sentindo o mundo desacelerar.
— Eu te amo! Eu te amo, Louise!
— Você me dá o melhor País das Maravilhas, sempre me deu isso,
mesmo quando éramos puro ódio!
— Eu nunca mais vou deixar ninguém te machucar. E vou estar ao
seu lado em tudo que quiser fazer contra ele.
— Obrigada. Vou precisar! Eu te amo, e quero viver cada nova
loucura com você. Pela primeira vez me sinto eu de novo. Eu respiro, e eu
amo respirar. Mas vamos buscar ajuda, Kay. Eu quero isso também. Eu quero
terapia, e você também precisa, para desacelerar um pouco.
— Faremos tudo junto, eu prometo! Droga, eu prometo qualquer
coisa desde que estejamos juntos, ok?
Assente, rindo, e me beija de novo.
— Como é bom contar isso e não chorar, não entrar em pânico,
porque me sinto segura. Kayden, agora quero chorar porque me sinto leve,
mas preciso tirar essa máscara. Precisamos tirar!
— Está bem mesmo?
— Nenhuma mulher que passa por isso fica bem rapidamente, é um
dia de cada vez, e estou aprendendo a viver esses dias de cada vez. Aceitando
tudo que aconteceu, respirando fundo e entendendo todos os dias que a culpa
não foi minha, em nada, e com sua ajuda, isso fica um pouquinho mais fácil.
É... — Fecha os olhos e sorri ao respirar fundo. — Fica sim!
Sorrio, levando-a ao banheiro, para nos limpar. Limpamos cada parte
do nosso rosto e nos secamos. Louise se vira para mim, os lábios perdendo a
cor.
— Agora eu vou vomitar!
Sorrio e ajudo-a, quando ela se joga sobre a privada e começa a
colocar tudo para fora. Acaricio suas costas, cuidando dela.
— Viu? Consigo lidar com isso. No filme, eu estava comendo!
Ela me olha de lado, como se eu fosse maluco em tentar conversar
com ela vomitando. Ela volta a colocar tudo para fora até não ter mais o que
colocar. Fecha a tampa da privada e se senta em cima. Dou descarga e me
abaixo a sua frente, entregando a toalha para ela limpar a boca.
— Juntos em tudo.
— Juntos... Ai, eu odeio vomitar...
Começa a chorar e acolho-a, ainda pensando em tudo que ela contou.
Louise foi forte, ela não imagina o quanto foi forte. Ela não fugiu, ela se
salvou, é diferente. Minha garota é mais forte do que pode imaginar.
LOUISE
Observo o jogo acontecer. Desde que retornamos para BTI, tudo tem
sido ainda mais corrido, entre encontrar uma casa para a minha avó — meu
Deus, conseguimos, e ela está amando mobiliar —, exames médicos,
universidade, trabalho, o Kayden se preparando para o jogo de hoje. Foi
loucura, e jurei que algum momento não daria nada certo, mas aqui estamos,
assistindo ao jogo dele, e até Audrey, Caty e Julian conseguiram vir. É um
jogo importante para o Kayden e todos sabem disso. É hoje que ele pode
receber a maior proposta da vida dele.
Como a pipoca, ansiosa. O jogo está ainda mais violento que o
normal, aparentemente o time que estão jogando é bruto, e os gêmeos
viraram o foco deles, todos ficam em cima. Kayden e Nicholas já brigaram
com dois adversários e, segundo a Piper, isso é ótimo para eles, porque o
pessoal do time que está assistindo aos dois vai ter certeza de que escolheu
bem o Nicholas e vai querer o Kayden. Desde que meu namorado termine
inteiro essa merda, eu aceito tudo.
— Gooool! — elas gritam, todos gritam, eu não, minha boca está
cheia de pipoca.
— Viu, Loulou? Meus titios são muito bons! — Caitlyn se gaba por
eles e sorrio, engolindo a pipoca.
— Eles são... Quando isso acaba? Eu não estou podendo passar
nervoso... — Vejo um jogador indo para cima do Kayden. — SEU FILHO
DA PUTA, É A SEGUNDA VEZ JÁ!
— Louise! Calma, respira... Calminha! — Piper tenta me acalmar.
— Calma, esse idiota não está vendo-o não? Que porra é essa? Ai,
estou tonta...
Julian enfia mais pipoca na minha boca.
— Com ela cheia, controla a língua e poupa a minha filha do que
fala!
Cuspo as pipocas nele e a Caitlyn ri. Audrey vira o rosto disfarçando.
— Deveria estar defendendo seus amigos!
— Estão apanhando, isso me diverte! — Dá de ombros.
— Acho que dessa vez não ganham. Estão empatados e o jogo quase
acabando! O outro time parece prestes a matar eles para marcar logo e acabar
— Audrey resmunga, roendo as unhas.
— Quanta energia positiva, Addie. Está vendendo-a? Quero comprar!
— ironizo.
Ela ri e aperta minha perna.
— Desculpa, estou ansiosa também!
Piper registra tudo, e tenho certeza de que a maior parte envolve
violência. Coloco a mão sobre a barriga, discretamente, para poupar o meu
bebê de assistir essa merda, se bem que ele pode aprender a espancar os
valentões. Dou leves batidinhas na barriga.
Se puder ler mentes, saiba que quero que aprenda toda essa
violência para espancar os valentões! Será o orgulho da mamãe...
Olho para o rinque quando todo mundo se levanta. Largo a pipoca,
entendendo o motivo, e levanto junto. BTIU vai tentar marcar e falta
segundos para acabar. Pulo junto das meninas. Julian pega a Caty no colo.
Ela grita sem parar. Elijah marca, ele marca e a porcaria do jogo termina. Eu
grito como todo mundo, porque esse inferno acabou e posso ir para casa
dormir, e meu namorado terminou inteiro!
— Vamos, vamos! Temos que sair daqui antes que vire um inferno
para sair! — Piper grita, rindo, e sai puxando a Audrey, que me puxa.
Julian vem atrás, com a Caitlyn gritando para todo mundo que é
sobrinha do Nick e do Kay. Ela merecia um cachê pelo marketing.
Os meninos mal conseguiram respirar quando o jogo acabou, porque
muita gente foi até eles, inclusive o treinador e alguns outros caras, que
achamos ser o pessoal do time de Nova York. Audrey e Julian já foram para
o Hot Coffee, todo mundo resolveu comemorar lá, para matar a saudade dos
velhos tempos que frequentávamos ali. Piper está aguardando o Nicholas e
postando tudo nas redes sociais, se mantendo tranquila, como se a maior
mudança da vida deles não estivesse prestes a acontecer. Eu queria estar
plena assim, mas não consigo. Kayden precisa muito disso.
Ajeito minha jaqueta vermelha, ao sair do banheiro, e caminho pelo
corredor. A torcida toda já saiu, mas ao lado de fora é possível ouvir a
bagunça que ainda fazem. Tem vários jogadores aqui e a Piper segue na sala
do treinador trabalhando. Vejo o Nicholas saindo do vestiário. Ele me encara,
está suado, ainda de uniforme.
— Piper? — pergunta.
— Na sala do treinador. Seu irmão?
— No gelo.
— Sozinho? — Ele assente e isso não me passa uma boa sensação.
Engulo em seco.
Nicholas olha para os lados e depois para mim.
— Seu prazo acabou. Disse que falaria com ele sobre aquilo!
Assinto, controlando para não rir. Nicholas ainda não sabe que o
Kayden descobriu.
— Vou falar... — Mordo o cantinho da boca, e ele me avalia. — Vou
contar tudo... — pigarreio.
— Aquele filho da puta já sabe, e está me provocando porque não
soube primeiro! — afirma e assinto. — Então ele vai assumir.
— Sim. Estava certo. Não espere que eu repita isso.
— E vão contar quando para todo mundo?
— Depois que falarmos com seus pais. Mas no momento só estou
preocupada com o seu irmão. Por que ele está no gelo sozinho? Deu ruim?
Foi isso, né? Não aceitaram ele? Você decidiu?
Ele ajeita o piercing no nariz e respira fundo.
— Vai lá e descubra. Sobre mim, é... Talvez eu tenha aceitado.
— Talvez? Nicholas, para de ser enigmático. Eu estou você sabe o
que, não me estressa!
O imbecil me ignora e vai atrás da namorada. Respiro fundo, ansiosa
e com medo de como irei encontrar o Kayden.
Caminho lentamente até o rinque, meus coturnos parecem até terem
ficado mais pesados. Observo tudo, as arquibancadas uma bagunça de copos,
papel, que provavelmente limparão em breve. No gelo vejo o Kayden. Está
de uniforme, mas sem o restante dos acessórios. Ele está encostado no vidro
de proteção, dentro do rinque, e olhando para algum ponto específico a sua
frente. Olha para trás, e assim que seus olhos focam em mim, patina se
aproximando, mas quando entro na pista de gelo, ele para, me aguardando.
— Cuidado, Louise! — me orienta e assinto.
Caminho até ele, com calma para não escorregar. Paro a sua frente,
avaliando sua expressão, mas ele parece muito tranquilo. Apoio as mãos em
seu peito e ergo o rosto. Seu sorriso surge, e é lindo como sempre.
— Parabéns. Está inteiro?
— Pronto para outra! — Agarra minha cintura e sorrio. — Tudo bem
com vocês? Eu vi a senhorita pulando igual maluca, mas não consegui ir até
lá, isso virou uma loucura.
— Estamos bem. Ele ou ela já precisa entender que a mamãe é
maluca. — Sorrio. — Mas e aí, alguma novidade?
— Nenhuma, princesa...
— Kayden, eu sinto muito... Eles não sabem o que perderam. Você é
incrível. Vai conseguir alguma coisa, e além disso... — Ele dá uma risadinha.
— O quê?
— Eu estava brincando. Temos novidade!
— Ai, seu idiota! — Acerto seu peito. — Qual? Conta logo! O
Nicholas ficou fazendo suspense também. Ah, e ele já sabe que você
descobriu a gravidez.
— Que pena, eu iria torturar ele hoje. Até ele explodir e abrir a boca.
— Kayden, foca! E aí, o que rolou? Conseguiu um time?
Ele assente. Abro a boca em choque.
— Seu namorado será em breve o próximo jogador do New York
Rangers!
Grito, agarrando-o. Kayden me segura pela cintura, me erguendo.
Apoio as mãos em seus ombros, e encaro-o, controlando para não chorar,
porque aparentemente tenho feito muito isso.
— Eu te amo! — sussurro.
— Eu também amo você e temos que resolver nossa vida agora!
Inclino-me, beijando-o, e ele me aperta em seus braços, mantendo-se
firme sobre os patins. Abraço-o conforme vai descendo o meu corpo. Ele
olha para os lados antes de inclinar e deixar um beijo na minha barriga, me
fazendo suspirar. Ele está ainda mais carinhoso e protetor.
— Temos que falar com seus pais!
Ele ajeita a postura e assente, me encarando.
— Faremos isso antes de encontrar o pessoal, e já contamos a eles
também.
— E amanhã temos jantar na nova casa da minha avó. Ela quer todos
nós lá.
— E temos que conversar sobre o time, princesa. Mas em casa.
— Por que parece preocupado? O que não está me contando?
— Relaxa. Nada que não possamos lidar... Eu espero.
— Kayden...
— Vamos para casa, e conversaremos antes de irmos para os meus
pais, tudo bem?
Assinto, mas não insisto. Kayden segura minha mão e saímos da pista
de gelo. Ele deixa um beijo na minha boca.
— Vou trocar de roupa, irei tomar banho em casa.
— Vai logo então. Está me deixando ansiosa sobre o que quer falar.
É sobre a gente?
— Nos envolve, amor. Mas respira, nada de pirar.
— Já estou pirando!
— Calma, ok? Eu já venho. Senta aqui e fica me esperando.
Como se eu tivesse outra escolha. Que merda ele quer falar?
Nicholas e Piper estão no Hot Coffee com o pessoal. Kayden está
terminando de se arrumar, enquanto fico na sala, encarando o Duke e sendo
encarada de volta. Acaricio a barriga, porque tenho feito muito isso
ultimamente. Estou tão acostumada a tudo dar errado quando uma onda de
coisas boas vem, que já espero pelo pior. Estava tudo tão calmo, que agora
estou com medo. Minha avó vive me alertando sobre isso, que preciso parar
de esperar o pior só porque algo bom aconteceu, que as coisas não são assim
também.
Minha avó está aqui, estou prestes a resolver minha vida entre ser ou
não universitária, grávida, namorando uma pessoa incrível, tendo amigos de
verdade, dei um basta nos meus pais, cortando de vez os laços e não me
arrependo disso, com coragem de dar um basta no Kevin também... Droga,
muita coisa boa, não tem como eu não pensar que o pior pode estar a
caminho.
Kayden desce as escadas, encara o Duke e ele late para ele.
— Isso já é implicância!
Duke late de novo e ele xinga o cachorro antes de se virar para mim.
— Qual é a bomba? Não quer mais essa relação? Vai embora e não
vai voltar? Só fala de uma vez, Kayden!
Ele ergue uma sobrancelha. Senta-se ao meu lado no sofá, virado de
lado, ficando de frente para mim.
— Por que sempre acha que vou te deixar?
— Meio que o meu histórico não me ajuda a pensar o contrário. —
Olho-o de lado, e respiro fundo. — Fala logo!
— Não vou te deixar... Eu não quero isso. Jamais pensei nisso. Mas
vai depender de você também, princesa.
— Do que está falando? — Viro-me para ele.
— Eu não respondi ainda do time.
— Kayden!
— Eu vou responder, tenho até o final do próximo mês para
responder. Tanto eu quanto o Nicholas. Escolhemos não responder até
conversarmos com você e a Piper. Cada um com sua namorada.
— Ah, pronto. O chute no rabo será em dupla!
— Louise! — chama minha atenção e respiro fundo. — Não é nada
disso. Mas eles conversaram bastante com a gente, para nos preparar antes de
irmos a Nova York resolver tudo. Assinar esse contrato com eles vai nos
prender até os vinte e sete anos. Ou seja, estaremos presos a eles por um
tempo.
— E isso quer dizer?
— Quer dizer que entraremos na próxima temporada, quando encerra
o contrato de dois jogadores deles. Mas esse ano e até a próxima temporada
do ano que vem, seremos preparados, tanto em treinos, quanto na parte
burocrática. Será mantido segredo até anunciarem que os dois jogadores do
time vão sair no final da temporada que inicia esse ano. Então Nicholas e eu
seremos anunciados. Depois disso é muita coisa envolvendo a mídia.
Assinto lentamente.
— Entendi. Mas onde eu e a Piper entramos?
Ele sorri da minha ansiedade. Eu odeio quando ele faz isso, porque
não entende que ela está em dose dupla. Tenho certeza de que o bebê virá
com ela e estou sentindo por nós dois.
— Esse ano ainda ficaremos por aqui, indo algumas vezes para Nova
York. Às vezes, iremos nos ausentar por alguns dias, uma semana, talvez um
mês. Mas não será sempre. Porém, quando estivermos jogando, isso vai
mudar. Durante a temporada, estaremos sempre jogando, viajando, e nossa
casa será sempre o último lugar que estaremos. Vai ser puxado. Não
poderemos estar sempre aqui. Princesa, eu preciso ter certeza de que vai ficar
bem quanto a isso. Eu não quero estar jogando, viajando, sem saber que
estará bem aqui, que será tudo bem para você estar em um relacionamento
com alguém que passará tanto tempo longe de casa. Com o nosso bebê, vai
complicar para você ficar me acompanhando. Eu acho que podemos fazer
isso dar certo, mas preciso saber se você também acredita nisso. Eu te amo, e
sempre vou priorizar suas escolhas também, ainda que eu esteja com medo de
você desistir da gente agora.
Solto o ar e prendo uma mecha do cabelo atrás da orelha.
— Eu vou te matar! — Acerto a almofada nele. — Eu pensei que era
algo mais grave. Kayden, pelo amor de Deus, é óbvio que eu já imaginava
isso. É loucura os dois pensarem que tanto eu ou quanto a Piper precisamos
ouvir isso para decidirmos sobre vocês. Não será mais um time de
universidade. É algo sério agora, profissional. Lógico que seria assim. E está
tudo bem, Kay. Eu nunca deixaria você porque não vai poder estar todos os
dias comigo e com nosso filho. Existem videochamadas, mensagens, fotos,
vídeos e poderemos estar com você em alguns jogos, não prometo todos
porque sou uma jovem senhora bem cansada. — Ele ri. — Mas você vai
voltar, terá férias, espero. E podemos fazer isso dar certo.
— Tem certeza?
— Claro! Não vai se livrar de mim tão fácil, seu idiota!
Ele me abraça apertado e fungo seu cheirinho.
— Obrigado por não desistir. Eu nem sei o que faria, mas
provavelmente eu largaria tudo, porque você e nosso filho são prioridade
agora.
— Não largaria nada, eu jamais deixaria. Eu te espancaria se fizesse
isso. Confia em mim, vai dar certo. Vamos fazer isso dar certo. Só precisa me
prometer uma coisa.
— O que quiser.
Nos afastamos, mas ele fica segurando minha mão.
— Que sempre vai voltar para casa. Que sempre vamos ler Alice no
País das Maravilhas. Que sempre vamos nos entupir de pizza e chocolate.
Que sempre vai me abraçar mesmo quando eu estiver sendo uma maluca. E
que sempre que precisar ir para seus lugares secretos, vai me levar, mesmo
que seja para ficarmos em silêncio juntos, eu quero estar lá com você, como
sempre está aqui por mim.
— Prometo tudo isso e muito mais. Eu faço qualquer coisa por
vocês... — Me agarra. Beija minha boca, deixando-me tonta e completamente
rendida. — Eu te amo pra caralho, sabia? — Segura o meu rosto.
Sorrio e assinto.
— Eu sei.
Ele volta a me beijar.
— Então iremos para o time... — sussurra na minha boca.
— Jogador de hóquei profissional... Quem diria, eu nem suportava
atletas e estou grávida de um!
— Vai casar com um.
— Não vou!
— Me beija, que assim não me tira do sério!
Começo a rir, mas ele me silencia, beijando-me.
Encontramos seus pais na estufa. Taylor está bebendo um café e
Devin cuidando das suas plantas. Assim que nos veem nos cumprimentam, e
Taylor me abraça, já que não está toda suja de terra.
— Daqui a pouco vende tudo que temos e vai vender flores e plantas!
— Kayden diz e seu pai faz uma careta, bem parecida com as que ele faz.
— Isso aqui me relaxa. Depois de dois filhos, muitos negócios e um
novo hotel sendo construído, tudo que preciso é de paz.
— Como é gentil sobre os filhos. Até me comove! — Kayden
provoca mais e ele sorri.
— E por que estão aqui? Não iriam comemorar com os amigos?
Ganharam, já fiquei sabendo! Parabéns, filho! — Taylor sorri.
Kayden retribui o sorriso, mas me olha de lado. Forço um sorriso.
Não tenho como não estar preocupada. Não quero que isso abale a relação
deles. Chega de pessoas brigadas com pais por aqui.
— Parabéns! Foi um jogo difícil? Era para termos ido, só chegamos
agora. Está um inferno na construção do novo hotel. Mas os engenheiros
estão resolvendo. Ainda assim, são gastos além do orçamento! — Devin
lamenta.
Kayden esboça um sorriso bonito e suspira.
— Foi sim, mas conseguimos. Mas eu queria falar de outra coisa, na
verdade, disso e de outra coisa. Porém sobre o hóquei, Nicholas e eu
combinamos de falar juntos, provavelmente amanhã.
Seus pais se entreolham e desvio o olhar por alguns segundos,
pensando em uma rota de fuga.
— Está me deixando confusa, Kayden! — Taylor coloca sua xícara
sobre a mesa de madeira. — O que está acontecendo? O que os dois
aprontaram?
— Relaxem, sobre o hóquei está tudo muito bem... Não que a outra
coisa não seja algo bom... — Me olha quando o encaro. — Quer tentar?
— Eu? Os pais são seus! — digo entredentes.
— Vão ser seus futuros sogros!
— Vão casar? — Meu pai pergunta.
— Não! — respondo rápido.
Eu vou matar o Kayden.
— Ainda não! — ele revida.
É, eu vou mesmo matar ele.
— Então? — Taylor nos observa, está bem curiosa.
Fico olhando para ele bem séria, pronta para matá-lo se não falar de
uma vez.
— Está bem! — Coça a nuca e respiro fundo. — Louise está grávida.
A ferramenta da mão do Devin cai sobre a mesa, fazendo um
estrondo. Sua boca se abre, mas nada sai. Já Taylor não esboça nenhuma
expressão. Eu sinto meu coração acelerar e o bebê parece sentir o clima,
porque um fraco enjoo começa a surgir repentinamente.
— Foi um acidente... Não totalmente, mas... esquece, não tenho o que
justificar! — Ergue as mãos em rendição.
— Grávida? Ela está grávida? Eu vou ser avó? Jesus! — Taylor leva
uma mão ao peito.
— Seremos avós... O Kayden engravidou a Louise. Ele compra uma
moto, larga a faculdade, engravida a menina... — Devin encara o filho. — Se
não fosse a falta de tatuagens, eu diria que é o Nicholas, eu esperava tudo isso
dele!
— É meu jeito de ser único — tenta uma piada, mas dou um beliscão
nele. — Ai! — resmunga.
— Agora não... — sussurro. Encaro os pais dele, e respiro fundo
antes de falar qualquer coisa: — Eu sei, é um choque, mas...
— Vocês têm que sair daquela casa velha — Taylor me interrompe.
— Precisam de uma casa maior, bonita, arejada. Está de quanto tempo?
Como assim, serei avó? Eu pareço com avó? Não tenho nem ruguinhas!
— Vive de botox, querida — Devin fala e Kayden dá uma risada,
mas recebe outro beliscão meu, resmungando de novo. — Grávida... Kayden
vai ser pai! Meu Deus, preciso de uma bebida.
— E eu preciso me sentar. Estou tonta! — Taylor esfrega a testa.
Devin larga o avental, limpa as mãos no pano e caminha em direção a
porta, a esposa o segue.
— Venham, os dois! — ele diz e bem autoritário.
Encaro o Kayden, e esse dá de ombros. Droga, eles vão nos fritar
vivos!
— O que podem fazer? Nos colocar de castigo? — brinca.
— Sério que consegue fazer piada nesse momento?!
— Eu sempre consigo! É um dom.
Eu o mato assim que sairmos daqui!
Eles nos encaram como se fôssemos malucos, o que não duvido que a
gente seja levando em consideração que essa criança surgiu em um momento
de álcool e muito sexo. Estamos na sala, com o Devin bebendo um uísque e a
Taylor sentada nos observando.
— Não sei por que estão assim... Vou assumir a criança, estamos
juntos, está tudo certo.
— Aí que está o problema. É maluco! Tem medo do Duke, Kayden...
Do Duke! Como vai manter uma criança viva e a mãe bem-cuidada? —
Taylor se desespera.
— Eu sei que o jeito que ele contou não foi o mais tranquilo, e
também sei que somos jovens, que temos pouco tempo de namoro... Eu
entendo tudo, porque entrei em pânico quando descobri e fiquei com medo de
contar a verdade a ele, e a vocês... Eu só tinha uma certeza, que assumiria
essa criança, independentemente do que acontecesse. Eu entendo se ficarem
decepcionados comigo, mas não fiquem com o Kayden. O filho de vocês está
sendo incrível, um dos melhores seres humanos que já conheci. Ele não
hesitou em nenhum momento. Kayden está cuidando de mim e do bebê, sem
deixar de lado as outras responsabilidades dele como resolver a vida na
BTIU. Ele é um homem incrível, eu posso garantir a vocês. — Sorrio, mesmo
receosa.
Kayden apoia a mão na minha perna e acaricia.
— E nem paguei ela para fazer toda essa propaganda.
Devin e Taylor suspiram ao mesmo tempo e se ajeitam no sofá à
nossa frente.
— Então é isso. O que podemos fazer além de apoiar e amar muito
vocês, e ajudar no que precisarem? — Devin diz. — Tanto você quanto seu
irmão estão fugindo dos planos que tínhamos para vocês, mas eram os nossos
planos e não seus. Sempre nos deram fortes emoções, não sei por que
pensamos que agora seria diferente.
Kayden sorri e assente.
— Está chorando, mãe? — Kayden questiona e a olhamos.
— Estão crescidos. E a ficha caiu bem agora.
— Mãe... — Kayden se levanta indo até ela. Abaixa-se a sua frente e
acaricia seu rosto. — Estamos aqui ainda, sempre vamos estar. Nunca
perderíamos a chance de estressar vocês, nem mesmo o Nicholas, ainda que
ele seja mais na dele. São etapas e, acredite, estou amando-as.
Sorrio assistindo a cena. Eu quero ser assim com o meu filho, ter essa
troca, diálogos, broncas, mas, claro, sempre tentando superar e resolver tudo.
Eu quero uma família exatamente assim, igual a eles, ou igual aos Morris,
talvez os White, eu quero isso, algo que nunca tive.
— Está de quanto tempo? — Devin pergunta a mim.
— Quase três meses. Desde que descobrimos os dias parecem estar
voando e com eles as semanas, e...
— E foram viajar ainda assim?! Ficaram malucos? Que porcaria de
médicos foram esses que autorizaram?!
— Só fomos porque já estava com quase dois meses, tudo muito bem.
A médica não queria deixar, mas autorizou depois de confirmar todos os
exames e desde que eu seguisse todas as recomendações. Assinamos alguns
termos e deu tudo certo, ainda bem! — Sorrio.
— Casa... Temos que ver uma casa e... Meu Deus, como fomos
rudes! — Taylor empurra o filho e vem até a mim.
— Foram? Me empurrar é ser o quê? — Kayden resmunga.
Levanto-me e ela me abraça.
— Parabéns, querida. Vamos apoiar, dar muitas broncas nas loucuras
de vocês e amar essa criança, ainda que eu esteja em completo choque.
Meus olhos marejam.
— Obrigada — sussurro sem jeito.
Ela se afasta e vai até o filho, abraçando-o agora que ele está de pé.
Devin larga a bebida e me abraça também.
— Uma tremenda surpresa, mas o que seria da vida sem elas? Está
tudo bem com você? Precisa de algo, querida? — me pergunta.
Agora sei de onde os meninos herdaram a preocupação e cuidado.
Mas também de onde o Kayden herdou o drama, agora que sua mãe chora
nos braços dele, implorando para ele nos manter vivos.
— Estou bem... Estamos bem! — Nos afastamos e ele sorri. — É
tudo novo, mas vamos fazer dar certo.
— Vamos! — Kayden diz e sorri.
Taylor segue nos braços do filho, enquanto enxuga as lágrimas.
— Ah, minha avó planejou um jantar amanhã, estão convidados. E
ela está ansiosa para conhecer sua estufa, Devin!
Ele sorri muito animado.
— Finalmente alguém que me entende nessa cidade. Fui falar de uma
planta com o Grayson e ele achou que eu falava da planta do hotel!
Rimos e ele bufa frustrado.
— Ficam para comer conosco e comemorar essa grande surpresa? —
Taylor pergunta.
— Hoje não, mãe. O pessoal está esperando a gente. Mas obrigado
por compreenderem e nos apoiarem.
Devin se aproxima dele enquanto a Taylor se afasta.
— E tínhamos como fazer o contrário? Estamos aprendendo a ouvir
mais vocês. Todos estamos crescendo juntos, filho!
Abraça o filho e pisco algumas vezes, ainda me controlando para não
chorar. Eu sinto que essa criança vai nascer entre pessoas tão incríveis e terá
uma sorte linda.
Hoje aparentemente é o dia de contar sobre a gravidez, falar muito
sobre ela, mas com o pessoal, não tem por que enrolar, é só soltar a bomba, e
eu fiz isso, e estão há cinco minutos nos encarando, como se fôssemos ETs.
Como meu donut de chocolate, não deixando Kayden pegar ele,
porque já devorou os dele.
— Então na barriguinha da Loulou tem um bebê?
Expliquei a Caty que o pato tinha colocado um bebê na minha
barriga. Me corrigiram dizendo ser a cegonha. Eu prefiro o pato.
— Isso aí, princesinha. Não vai mais ser a única criança, vai ter outra
para brincar com você. — Kayden sorri carinhosamente.
— Se vier outra menina, vou ter porte de arma nessa porra! —
Nicholas reclama.
— A boca! — Audrey e Piper chamam sua atenção.
— Loulou, ele ouve? — Caty está entusiasmada.
Olho para o Kayden e ele me encara de volta.
— Se vira com essa! — Mordo o donut.
— Ele ainda é muito pequeno, meu amor. Mas se quiser falar, pode
falar. O titio conversa com ele sempre. — Kayden se sai melhor que o
esperado.
Caitlyn sorri e inclina a cabecinha para a minha barriga. Kayden a
segura melhor em seu colo para ela não cair.
— Grávida. Grávida faz tempo e escondeu da gente! Por que nos
odeia, Louise?! — Audrey resmunga.
— Não odeio. Eu escondi do pai também.
— E o Nicholas sabia. Por que ele sabia e o pai ou eu não?
— Por que deveria saber, Ken Patinador? — provoco o Julian e ele
me olha bravo.
— E agora não posso ser rude porque ela está grávida! — diz
entredentes.
— Bem-vindo a porra da minha vida! — Nicholas retruca.
— A boca! — Audrey e Piper reclamam de novo.
— Estamos ferrados. Temos que proteger a Caitlyn das loucuras dos
três. Agora temos mais um bebê para fazer isso! — Piper se desespera.
— Que três? — Kayden pergunta.
— Você, Nicholas e Louise!
Começo a rir.
— Sou tão tranquila... Vai comer?! — Aponto para a torta no prato
do Nicholas. — Foda-se. Eu quero!
Puxo o prato.
— A boca! — Julian me repreende.
— Vai brigar com uma grávida? — pergunto.
Caitlyn gargalha.
— Eu vou ter um... O que mesmo vou ter? — Olha para o pai.
— Primo, Floquinho. Ou prima. Não sabemos se é menina ou
menino. Mas será como um primo para você.
— Isso! Vou ter isso que o papai disse. Até que enfim, vocês tão
ficando velhinhos e chatos!
— Não estamos velhos! — Nicholas se irrita. — Somos os mesmos
de sempre!
— São não, titio — responde rindo.
Controlo o riso ou ele me tira a torta, tenho certeza.
— Parabéns. Vamos ter um bebê, é isso! — Audrey sorri, saindo do
choque.
— Não aprendeu nada comigo... — Julian encara o Kayden.
— Na verdade, aprendeu e repetiu. Meteu o pau desencapado e
resultou em um bebê.
— Que pau, titio Nick?
— Nicholas! — Piper grita com ele. — E a gente nem usa também.
Poderia sermos nós!
Gargalho e o Kayden me olha de lado, controlando o riso.
— Dá para não falarem disso perto da minha filha?!
— O que é pau? — Caty insiste.
— Nada, filha. Nada! Seu tio é péssimo! — Audrey fala.
— Já saibam que todos estão escalados para serem babás no futuro —
Kay diz.
— Babás? Eu vou garantir que prove do mesmo que fizeram comigo.
Eu juro. Vão pagar cada vez que tornaram minha vida um inferno!
— Nunca tornamos! — Kayden se defende.
— Expulsos da escola da Caitlyn, ensinam a ela tudo que não presta,
ameaçaram um colega dela e tiram minha autoridade sobre ela!
Kayden faz uma cara de desespero.
— Foi tudo o Nicholas! Faça com os futuros filhos dele!
Nicholas ri ironicamente.
— Acham mesmo que, se um dia eu tiver, vai ficar perto de vocês?
— Claro que vai. Se for comigo, vai! — Piper revida.
— Se for com você? Vai ser com você! — Nicholas diz sério.
Julian olha para a Audrey.
— Nem vem. A Caitlyn vale por mil. E eles já estão procriando
demais... — Audrey olha para mim e o Kay e sorri. — Amo vocês, parabéns
de novo.
Agradecemos, mas sem deixar de rir da cara do Julian.
— Conversamos depois. Agora quero mais!
— Obrigada, foderam minha vida! Ai, merda... Filha, não...
— Já sei, mamãe, não posso repetir. Vocês precisam tomar cuidado,
eu nunca posso repetir nada.
Kayden enche ela de beijos e ela gargalha.
— Amanhã jantar com minha avó! — aviso.
Eles já a viram desde o Brasil e amaram ela. Caty adorou, porque ela
a enche de doces desde que pisamos aqui.
— Vamos ficar devendo essa, Lou. Temos patinação amanhã em
outra cidade. Não sei que horas voltamos — Addie lamenta.
— Eu posso ir ver a vovó da Lou? — Caty pergunta.
— Pode, amor — Audrey autoriza e ela fica feliz.
Caitlyn pula para o meu colo, me fazendo largar a torta. Me encara,
de frente para mim.
— Loulou, você ainda vai gostar de mim agora que vai ter uma
criança só pra você?
— Ai, meu Deus... Claro. Eu ainda vou gostar muito de você,
gatinha. Eu prometo!
Ela sorri e olha para o Kay.
— Você também, titio?
— Sim, princesinha. Sempre iremos continuar amando nossa
primeira criança.
Ela solta um “ufa” nos fazendo rir. Me abraça e retribuo. Caitlyn tem
um abraço gostoso, repleto de amor.
— Mais um Floquinho, Loulou.
Meus olhos marejam. Olho para o pessoal e eles assentem.
— Mais um Floquinho, gatinha. Ele vai amar ter você para aprender
tudo.
— Eu vou poder brincar com ele?
— Claro! — Kayden responde.
Ela fica abraçadinha em mim. Audrey faz beicinho com a cena. Piper
deita a cabeça no ombro do Nick, enquanto o Kayden passa um braço pelos
meus ombros e acaricia os cabelinhos loiros da Caitlyn.
— Contem comigo para tudo. Você e o Nicholas fizeram muito por
mim e a Caitlyn, é hora de a retribuir — Julian diz.
— Essa criança será amada e protegida, como foi com a Caitlyn. É a
minha promessa a vocês dois! — Nicholas também fala.
Audrey e Piper me olham e sorriem emocionadas, e sei que estão
como eu, se abrirem a boca agora, choram. Beijo o rostinho da Caty e pisco
algumas vezes controlando a vontade de chorar quando ela desce a mãozinha
para a minha barriga e começa a dar carinho.
— Amo vocês! — Kay diz e todos assentem.
Acho que estamos todos pensando a mesma coisa: Tudo está
mudando, mas sempre estaremos juntos, como tudo começou.
KAYDEN
Nicholas e eu encaramos nossos pais no jantar na casa da Marina.
Todos estão na sala e nós quatro em um canto da cozinha, conversando.
— Então conseguiram o time! Meu Deus... Quando vão nos preparar
para nos dar notícias? — meu pai pergunta.
— Precisa disso agora? — Nicholas retruca.
Eles o olham, e ele sorri de lado.
— E vão juntos... Não se desgrudam mesmo. Eu estou feliz, mas
preocupada. E as meninas? O bebê? Vão se mudar? Vão para Nova York? —
Minha mãe se desespera.
— Não. Conversei com a Louise e faremos do nosso jeito. Ficaremos
em BTI.
— O mesmo com a Piper. Elas vão ficar. Vamos comprar uma casa
maior, mais segura. Elas vão ficar e sempre estaremos aqui no tempo livre —
Nicholas explica.
— Vão continuar morando juntos? — meu pai indaga.
— Sim, porque elas vão ser companhia uma da outra quando não
estivermos. Por isso precisamos de uma casa maior. O demônio do cachorro
dele precisa de espaço, e nada mais cabe naquela casa. Precisamos de uma
casa com mais quartos, maior, com um quintal, até porque terá uma criança
agora e não sabemos o que o futuro reserva.
Meus pais se entreolham e nos encaram.
— Deixem isso com a gente — minha mãe fala. Encaro meu irmão e
ele dá de ombros. — Vai ser nosso presente em relação ao time e ao bebê.
Não mexam no dinheiro de vocês, bancaremos tudo, não toquem no dinheiro
de vocês.
— Não vou nem fazer charme! — Dou de ombros e bebo um gole do
vinho.
— Depende de onde vão arrumar essa casa. Não queremos no centro,
onde vira um inferno na alta temporada.
— Tudo bem, resmungão! — minha mãe diz. — Longe do centro.
— E o que precisam com o time? — meu pai questiona.
— O nosso treinador está nos ajudando nisso, o time está sendo bem
bacana também, nos explicando tudo, indicaram um agente que o treinador
conhece e aprova também. No mais precisamos de bons advogados para ler
tudo antes de assinarmos — falo.
— Deixem comigo, tenho ótimos contatos! — meu pai fala.
— Eu vou te matar, Piper! — escuto a Louise gritar.
— Você sempre quer me matar!
— É, ela sempre quer matar você, Pips! — Caty diz rindo.
— Ninguém vai matar ninguém. Louise, senta agora! Está grávida,
tenha juízo! — sua avó grita.
Meus pais me olham e respiro fundo.
— Vou controlar minha dor de cabeça conhecida por Louise
Pimentel.
— E ainda achavam que eu seria a maior dor de cabeça de vocês! —
Nicholas provoca.
— Você ainda é! — meu pai reclama. — Aquele seu cachorro comeu
o meu sapato. Na próxima vez que ele for em casa e fizer isso, eu sumo com
ele!
— Alguém que me entende! Obrigado, pai!
Recebo um tapa do Nicholas assim que termino de falar.
— Ele é um doce! — minha mãe defende o demônio.
Reviro os olhos e saio da cozinha. Na sala tem uma Louise
emburrada, a Caitlyn rindo e a Piper se protegendo grudada na Adelaide.
— Dá um jeito! — Marina aponta para mim. — Controla essa garota!
— Eu? Já tentou? Ela é assustadora! — resmungo.
Nicholas vem para a sala com os meus pais.
— Me controlar? A Piper é uma peste! — Louise reclama e se
levanta.
— Eu só fiz um pequeno comentário.
— Um pequeno? Você garantiu que pode vir gêmeos, porque o pai é
gêmeo! Quase me matou!
Piper ri e sorrio para ela.
— Eu já pensei nisso — falo.
— Eu também — Nicholas comenta.
— Todos nós! — Sua avó se manifesta.
— Eu não. Seria castigo para a menina. Coitada. Só eu sei o que
passei! — minha mãe suspira. Encaramos ela, que sorri.
— Vão todos defender a loucura dela? Sério isso? — Louise segue
irritada.
— Princesa, senta, por favor!
— Não vou sentar!
— LOUISE, SENTA! — Nicholas engrossa a voz.
Louise se senta reclamando. Olho para ele.
— Obrigado. Me ensina? Não consigo ser rude com ela e a Piper! —
falo e o Nicholas me xinga.
— Eu não terei gêmeos, parem de me apavorar!
— Loulou, quer brincar de glitter? Eu trouxe, assim fica feliz!
Piper ri e Adelaide Marina a cutuca para ela parar.
— E eles vão morar juntos. Deus nos ajude! — Meu pai cai sentado
no sofá.
— Eu quero, Caty. Que tal pintarmos a cara da Piper! — Olha igual
uma assassina para a amiga. — Eu ainda vou te pegar, baixinha. Acredite!
Abaixo-me na direção da Caitlyn e sussurro em seu ouvido:
— Os glitters. Pegue os glitters, Caty!
— Pode deixar, titio!
Ela corre em direção a sua bolsa. Sento-me ao lado da Louise,
observando tudo.
— A casa está ficando linda! — comento.
— Está, né? Preciso de plantas! — Olha para o meu pai e o sorriso
dele fica gigante.
Piper corre para o Nicholas, ficando longe da Louise.
Meu pai e a avó da Louise começam a falar de plantas, enquanto o
Nicholas e a Piper cochicham sobre algo de vídeos, provavelmente ela quer
que ele grave mais vídeos com ela. O pior de tudo é que ficam muito bons.
Caitlyn retorna com sua bolsa, jogando em meu colo. Minha mãe sorri e
acena sobre o papo das plantas. Olho para a Louise e ela respira fundo, então
se ajeita no sofá.
— Está enjoada, amor? — pergunto a ela.
— Um pouco... Preciso ir no banheiro.
— Eu vou com você!
— Fica. Estou bem. — Olha para a Caitlyn e entendo que não quer
preocupá-la.
Levanta-se, indo até o banheiro. Piper a olha e depois me olha.
— Vou lá. Se eu não voltar, saibam que ela me matou!
Piper vai atrás da amiga e meu irmão se senta ao meu lado.
— Titio, tenho novas bonecas e precisam de tatuagens!
— Suas bonecas já são tenebrosas, e ainda tatua elas! — Estremeço.
— São lindas! — Caty as defende.
— Ele é um bundão! — Nicholas provoca.
Chuto seu pé, enquanto ajudo a Caty tirar as coisas da bolsa.
— Verde pro titio Nick, roxinho pra você...
— Por que roxinho para mim?
— É a cor favorita da Loulou, ué!
Sorrio. Essa garota é incrível. Tira o caderno de desenho da bolsa e
entrega ao Nicholas, que estranhamente sabe desenhar.
— O que quer?
— Um castelo gigante. Depois desenho todo mundo nele! E aí a
gente pinta com os glitters.
— Por que ama tanto glitter, meu amor? — pergunto a ela.
— Porque eles brilham. E amo tudo que brilha!
Estamos todos em casa depois de termos deixado a Caitlyn na casa
dela. A avó da Louise é sempre um amor de pessoa, e é bonito ver o quanto
ela faz de tudo para estar com a neta.
Tudo está indo pelo caminho certo e isso me desacelera, não me
deixa desesperado, com medo de nada dar certo mais. Eu consigo ver o
futuro, pensar em coisas positivas, e sonhar de novo, isso é bom demais.
Nicholas está no notebook, digitando algum trabalho ou algo assim.
Piper e Louise estão na sala, conversando, e invadi o quarto dele para passar
um tempo com o imbecil que já me chutou duas vezes, só porque deitei na
sua cama.
— Ainda pensa em se vingar do reitor? — Fico jogando a almofada
no ar e agarrando-a quando retorna, enquanto balanço uma das pernas
apoiadas no chão.
— Não.
— Não?! — Agarro a almofada e o encaro. — Não vai me dizer que
virou santo do nada.
— Não. Ele saberia que fui eu, e consequentemente foderia a vida do
Julian e da Caitlyn também. Vou respeitar a decisão do Julian de não
mexermos mais com os Duncan. Ele falou sério sobre tirar a Caitlyn da
cidade se eu tentasse algo. Não quero isso.
— Sabe que acho que ele está certo? Agora que me tornei pai, é
desesperador saber que algo pode acontecer ao seu filho. Entendo ele engolir
muita merda de novo só para proteger ela. Dane-se que o reitor tem sido um
merda comigo, não vale ferrar a Caitlyn e o pai por vingança. A BTIU vai
acabar esse ano, não teremos mais que lidar com ele, não é nossa
responsabilidade mais. Só espero que as alunas sendo assediadas abram a
boca, isso não dá para ficar em silêncio.
Respiro fundo e meu irmão assente.
— O Elijah é líder da nossa fraternidade, vai tentar conversar com os
líderes das outras e chegarem em algum acordo de abrir proteção a essas
meninas que estão passando por isso, para que possam denunciar. É o
mínimo.
Ele fecha a tela do notebook e deixa de lado.
— Então é isso. Vamos deixar aquela universidade... Sem trotes, sem
revidar nada que o reitor fez, sem fraternidade, sem festas... Então é isso que
é ser adulto? — Faço uma careta e ele ri.
— Se quisermos levar o hóquei a sério, sim. Teremos que ser o tipo
de adulto responsável.
Respiro fundo e assinto.
— E como pensa no futuro com a Piper? Os pais dela ainda são um
pé no saco. Eles me adoravam, sabia?
Nicholas revira os olhos e me chuta de novo.
— Eu namoro ela, não os pais dela. Tolero eles em respeito a ela, só
isso. Piper é adulta, pode fazer as próprias escolhas.
— O discurso mudou rápido, né?
— Vai se foder! — xinga me fazendo rir.
— E o futuro? Pensa em algo além com ela? Cara, você sabe, ela está
nessa de ser mais liberal, soltinha... Mas ela é a Piper. A nossa Piper, a garota
dos livros de romance sendo eles cheio de putaria ou não! — Sorrio ao
brincar sobre os livros dela. — Carinhosa, gentil, que suspira com histórias
de amor. Ela vai querer mais, e você está pronto para ter mais? Ou isso vai
acabar com o fim da universidade? Amores universitários podem durar,
sabia? Basta os envolvidos quererem.
— Eu não sei... Não planejo muito o futuro. Mas sei que não vejo
minha vida sem ela. Isso basta por ora.
— Não vai me fazer a mesma pergunta?
— Eu já sei sua resposta. Está sonhando com um casamento, várias
crianças!
— Me conhece mesmo! Bom garoto! — Dou tapinhas na sua perna.
— Não sente falta da sua vida de antes? As farras, festas sem parar?
Nego lentamente e sorrio.
— Nem um pouco. Era tudo uma fuga. Esse tipo de fuga não me
fazia bem de verdade e entendi isso. Eu não sou o cara das farras eternas.
Estou bem sem elas.
— New York Rangers... Somos dois filhos da puta! Conseguimos
essa merda.
— E ainda diziam que destruiríamos BTI e nos afundaríamos na
destruição.
— Quase fizemos isso, Kayden!
— Bobagem. Fomos príncipes!
Ele sorri e balança a cabeça.
Ouvimos o Duke gritar fazendo seus sons malucos. Cubro a cabeça
com a almofada. Nicholas dá risada.
— Faz isso parar. Ele é insuportável, porra! — reclamo com a voz
abafada pela almofada.
— Não está me incomodando.
— NICHOLAAAS! ELE FICOU POSSUÍDO! — Louise grita. —
FODEU, ENTROU NO QUARTO DO KAYDEN!
Salto da cama.
— Eu vou matar ele. Hoje eu mato!
Saio correndo do quarto do meu irmão. Nicholas corre atrás, me
impedindo de matar seu cachorro, mas todos sabemos que ainda farei isso.
— Deixa eu pegar o tênis... Duke... — Piper tenta.
— EU VOU MATAR ELE! — berro e o Nicholas continua me
segurando no corredor.
Louise fica rindo, assistindo a cena. Duke para de gritar e sai
correndo com o meu tênis. Solto-me do Nicholas e corro atrás do cachorro.
— SE MACHUCAR ELE, EU TE MATO! — Nicholas grita.
— Por que tudo envolve morte? Gente, precisamos ir a uma igreja,
sério! — Piper resmunga.
Corro a casa como um louco atrás do meu tênis, mas o merdinha do
Duke corre muito.
— DUKE SATANÁS SPENCER, ME DÁ O MEU TÊNIS! — berro
e ele sobe as escadas correndo para o quarto do dono. Nicholas entra na
frente da porta, me impedindo de passar. — MEU TÊNIS. PEGA MEU
TÊNIS, OU NÃO VAI ENCONTRAR ELE VIVO AMANHÃ!
— E esses são o pai e tio do meu bebê. Piper, por que não me
mandou usar camisinha? — Louise resmunga.
— Porque você não saiu dizendo “olha, vou transar com o Kayden e
sem camisinha”!
— Tem razão. Nas próximas vezes, eu te aviso e você me lembra do
porquê não devo fazer mais filhos com um louco.
Tento entrar no quarto do Nicholas, ignorando as duas no corredor.
— Eu quero meu tênis.
— Eu vou pegar, mas fica longe do meu cachorro ou vou enfiar o
tênis no seu rabo!
Empurra-me e me afasto irritado. Nicholas entra no quarto fechando
a porta, e fico aguardando meu tênis. Encaro de lado as duas me olhando.
Louise balança a cabeça negativamente e a Piper ri.
— Não podem me julgar, vivem se matando e a gente tendo que
controlar as duas.
— Dói, né? — Louise pergunta.
— O quê? — indago, puto e cansado por correr atrás do Duke.
— Pegar as coisas dos outros sem permissão. Eu sei bem como é
isso! — Sorri diabolicamente.
Inclino a cabeça de lado.
— Não... Satã! — Dou um passo na sua direção e ela dá um passo
para trás. — Você deixou ele entrar no meu quarto de propósito e só alertou
para se passar de inocente!
— Talvez... Pode ser! — Cruza os braços, birrenta.
— Louise, porra!
— Fica usando minhas coisas, e hoje deixou o Nicholas mandar em
mim, e apoiou a loucura de todo mundo sobre eu ter gêmeos. Só revidei um
pouco. Poderia ter feito pior... Ainda posso fazer pior!
— É... Eu vou te esganar!
Ela corre, passando por mim e se trancando em seu quarto.
— NÃO CORRE! — Piper e eu gritamos.
Louise gargalha dentro do quarto. Encosto na parede, então encaro a
Piper.
— Poderíamos ter casado um com o outro. Viveríamos no Texas.
Não estaríamos passando por nada disso. Onde erramos?
— Nos apaixonamos por dois malucos! — Piper dá de ombros.
Nicholas sai do quarto trazendo o meu tênis todo destruído.
— Eu disse que traria, só não as condições que ele viria!
Louise abre a porta do quarto e, quando vê o tênis, gargalha mais
ainda.
— Vem, te compro uma pizza e faremos noite do filme, só nós dois...
Está precisando, papai do ano!
Piper me arrasta escada abaixo.
— Eu namoro uma psicopata. Meu irmão é um psicopata. Existe um
cachorro psicopata... Piper, eu vou ficar na frente da moto, acelera ela e a
deixa vir para cima de mim!
Ela dá uma risadinha.
— Respira. Uma pizza vai te acalmar. Já sabia que ela era maluca
como o Nicholas.
— ESTAMOS OUVINDO! — Louise berra do andar de cima.
— Se eu chorar, não conta para ninguém! — lamento me jogando no
sofá, enquanto a Piper ri.
Eu estou ferrado com aqueles três lá em cima!
Meses depois...
LOUISE
Leio as notícias no Brasil enquanto Marina mama em meu seio.
Estamos em seu quartinho, na casa nova, que conseguimos nos mudar ontem,
dois dias antes do Halloween. Piper e eu tivemos ajuda de todos aqui, porque
infelizmente os meninos estão em Nova York e só retornam na próxima
semana.
Os últimos meses foram de altos e baixos, porque decidi de fato
denunciar o Kevin, e tive apoio do Kayden e minha avó. Claro que não
ficaria totalmente em sigilo, e a mídia está falando muito disso. Senti-me em
paz em expor meu lado da verdade publicamente, e principalmente em ser
acolhida pela justiça ao ponto de não precisar ir até o Brasil para isso. Mas
ver Domingos e Mônica, pessoas estas que nem consigo chamar de pais mais,
simplesmente apoiando ele e dizendo que me rebelei contra a família foi um
baque. Isso me trouxe um afastamento de vez da BTIU, porque precisei de
repouso absoluto, ou acabaria tendo minha filha antes do tempo. Eu já iria
sair da BTIU, mas meio que tudo se adiantou.
O que me ajudou a passar por tudo isso foi estar com pessoas que
amo, as distrações com a nova casa, terapia que estamos fazendo, e a
novidade de saber que teríamos uma menina, só uma, graças a Deus.
Realmente fiquei traumatizada com o papo de gêmeos. Marina veio para
tornar tudo perfeito, e claro que carregaria um dos nomes da minha avó, o
que trouxe muito choro para ela e quase um infarto pela emoção.
Nesse tempo, também me distraí com o contrato do Kayden, a
animação dele com isso e com nossa filha. Kayden nos mima de todas as
maneiras, e está revoltadíssimo por não estar aqui com a gente essa semana,
que ela completou um mês. Por isso poupei ele de saber sobre as notícias, que
voltaram a falar do caso. Kevin não pode chegar perto de mim mais, nem
citar meu nome e tem perdido muitos contratos, e isso o revoltou. Está
falando muita besteira, e desde que foquei nas minhas redes sociais, falando
de moda e rotina, e conquistando um público muito maior, provavelmente o
revoltou. Mas sei que a revolta maior é saber que tive uma filha e estou bem.
O processo contra ele continua na justiça, afinal ele tem me difamado
e não deixei barato, não mais. Quero que minha filha cresça entendendo que
nós mulheres que passamos por isso não podemos nos calar, temos que
denunciar, ir na justiça, tentar de tudo, por mais que exista medo, às vezes
vergonha, não muda que somos vítimas, e caras como ele precisam pagar
pelo que fazem. Quero que a Marina cresça sabendo que a mãe não se calou,
e nenhuma mulher deve se calar.
Olho para ela, ouvindo o barulhinho que faz, e ajeito meu seio em sua
boca. Marina puxou a fome dos pais, é esfomeada demais, desesperada, e nos
primeiros dias sofri para amamentar, mas essa fase passou, ainda bem.
Bloqueio a tela do celular, deixando de lado as notícias, e fico olhando para a
minha bonequinha, ou Coelhinha como seu pai a chama, por causa da Alice
no País das Maravilhas. Sempre que ela estava agitada na minha barriga, era
só ler o livro em voz alta e ela se acalmava. E ela tem fascinação pelo meu
coelho, basta colocar na sua frente e ela fica vidrada olhando.
Deixo o celular no braço da poltrona lilás e acaricio seu rostinho. Ela
é minha cópia. Chega a ser bizarro, é como me ver bebê. Minha avó vive
chamando-a de solzinho, por ser igual a mim. Marina virou a nova protegida
de todos, até mesmo da Caty, que não quer saber mais de ninguém, só da
Marina, exceto agora, que está emburrada em casa porque não quer
comemorar o Halloween sem os tios, se negou.
Seus olhinhos vão fechando lentamente e isso me faz sorrir, porque,
mesmo quase dormindo, ela segue mamando, e se eu tirar, vai acordar e
começar a resmungar. Tão pequena e tão mandona. Kayden diz que ela sou
eu nisso, mandando em todo mundo, nego até a morte.
Meu celular começa a tocar e o nome do Kayden surge na tela. Sorrio
ao atender e deixar no viva-voz em um volume baixo.
— Oi, princesa. Tudo bem?
Nos últimos meses, ele e o Nicholas tem se dividido entre Beyond
The Ice e Nova York. Confesso que sinto mais falta do Kay do que pensei
que sentiria. A casa fica silenciosa demais sem as loucuras dele, até o Duke
parece ficar depressivo sem ter com quem implicar.
— Oi. Estou bem. Como está? Tudo bem aí?
— Está tudo bem. Estou com saudade das minhas meninas. Como a
princesinha está?
Sorrio, olhando para ela.
— Mamando e dormindo.
— Quero chegar logo aí. Tudo bem com a casa? Está do jeito que
queríamos? E o quartinho dela, tudo finalizado?
— Está perfeito. E saiba que a Caitlyn já deu os primeiros glitters
para ela.
— Jesus!
Damos risada.
— Por falar nela... Caty se recusa a comemorar o Halloween.
— Como assim? Ela ama o Halloween!
— Mas não quer comemorar sem vocês. Prometemos que usaríamos
as fantasias que ela escolheu, que faríamos aqui na casa nova, minha avó
também tentou convencer ela, todo mundo tentou... Nada!
Desde a primeira apresentação no gelo que ela teve na primavera —
foi lindo demais —, decidiu quais seriam as nossas fantasias e agora se
recusa a comemorar.
— Vamos ver o que podemos fazer... Princesa, preciso desligar. —
Escuto uma barulheira ao fundo. — Nos falamos depois. Qualquer coisa me
liga. Amo vocês!
— Amamos você. Não aprontem, ou Piper e eu matamos vocês!
Ele dá uma risadinha e desliga.
Os meninos já foram anunciados, desde que os jogadores que vão sair
do time anunciaram as suas saídas. Então virou uma loucura, está em todos os
jornais, todo canto da internet, e todo assédio que sofriam, piorou agora. Para
duas namoradas ciumentas, isso está sendo um prato cheio para paranoias.
Marina dorme de vez e retiro o seio de sua boca, ajeito-o dentro do
sutiã e confiro se ela não vai resmungar, mas não faz. Vejo a Piper surgir na
porta, sorrindo toda boba.
— Ela já dormiu? — Faz beicinho e assinto. — Eu vim para fazê-la
dormir.
Virou uma enorme disputa de quem a faz dormir, quem dá o banho,
quem fica com ela. E quando digo enorme, é enorme. Audrey, os Spencer,
minha avó, os Morris, até o Grayson, e de quebra tem o tio, o pai e a Caitlyn.
Se ela falasse, xingaria todo mundo, tenho certeza, porque eles são insanos.
— Nada em relação amanhã? — sussurro e ela nega frustrada.
— Nada, Caty segue irredutível. Sem Nicholas e Kayden, sem
Halloween.
— Essa sabe o que quer! — falo e a Piper assente.
— Fiz comida pra gente. E sua avó e a Taylor chegaram.
Sorrio.
— Tudo bem, daqui a pouco desço. Obrigada.
— Nem perguntaram por nós, apenas pela Mar. Viramos nada, Lou!
— Viramos!
Ela ri e sai do quarto. Fico olhando para a bonequinha em meus
braços. Eu preciso manter ela viva. Foram nove meses na primeira
temporada. Essa é a segunda temporada. Estou ferrada.
Marina está com a Taylor e minha avó desde que acordou. Piper e eu
viemos até a arena rapidinho. Eu saí da arena, na verdade, fui mandada
embora pelo velhote. Grayson disse que não me queria aqui, queria eu
repousando. E quando eu disse que poderia voltar depois, ele disse que não,
que eu iria aproveitar minha pequena. No fundo, ele sabe que não precisaria
da grana tendo o Kayden, mas nunca iria aceitar ficar dependendo dele para
tudo ou da minha avó, e foi assim que foquei nas redes sociais, e estão
rendendo lucros, bons lucros. E penso sim no próximo ano fazer um curso de
moda e marketing, para fazer disso um negócio ainda mais profissional.
Vídeos de rotina e arrume-se comigo são os mais virais que tenho. E a Piper
tem me ajudado nisso, ela ama essas coisas de redes sociais.
— Ai, sinto falta desse lugar! Era bom xingar todo dia e reclamar dos
clientes.
— Ainda xinga todo dia. Todo mundo achou que era apenas os
hormônios da gravidez, mas você só estava sendo você!
Começo a rir e dou uma piscadinha para ela. Vemos a baixinha loira,
de agora oito aninhos, patinando bem emburrada. Já deveríamos ter previsto
que tudo daria errado no Halloween quando eles conseguiram estar aqui no
aniversário de todo mundo, menos no dela, além disso, no verão não puderam
fazer muita coisa juntos, os meninos estavam focados na formatura do
Nicholas e contratos. Ela ficou muito chateada.
Audrey pede uma pausa as suas alunas, e mostra para Caitlyn que
estamos aqui. Ela vem patinando, até parar na entrada da pista e cruza os
bracinhos. Não tem como negar de quem é filha. Fica a cara do Julian quando
emburrada.
— Não tem Halloween, titias!
Olho para a Piper e dou de ombros.
— Caty, você ama o Halloween. Não pode deixar de fazer o que ama
só porque os seus tios não vão estar — Piper tenta mudar a decisão dela.
— Posso sim. Fiz aniversário e eles não estavam! O Halloween é
nosso...
Abaixo-me, quase morrendo, porque me sinto uma grande sedentária
depois da gravidez, e meus seios cheios de leite pesam demais, tudo pesa.
— Caty, nem sempre eles vão poder estar aqui. Lembra que no verão,
mesmo sem eles ficarem muito com você, todos nos divertimos? — pergunto.
Piper se abaixa ao meu lado, para ficar também da altura dela.
— Lembro.
— Comemoramos o aniversário deles, o meu, do seu papai e mamãe,
tudo juntos. E você já sabia que talvez eles não poderiam estar no seu. Eles
precisam saber que vai ficar bem quando eles não estiverem aqui, Floquinho
— Piper explica.
— Eu sei... O papai e a mamãe já falaram isso. Mas eu tô com
saudade!
Sorrimos e seguro sua mãozinha.
— Que tal a gente pelo menos tentar comemorar o Halloween sem
eles? A Marina vai precisar da prima dela. É o primeiro Halloween dela.
Ela me olha, se animando um pouquinho mais. Audrey nos olha ao
fundo, curiosa.
— Ela já tem até fantasia. Todos já temos. Vai desistir logo agora?
Podemos pegar muitos doces e não vai ter que dividir com o Kay! — Piper
fala.
Caty sorri.
— Mas vou guardar pro tio Kay. Ainda sou a poçocóloga dele.
— E sempre vai ser. Acredite, ele sempre vai precisar dos seus
conselhos. Sempre... Que Deus te ajude! — Sorrio.
— Então podemos tentar te animar? — Piper pergunta.
— Tá bom... A Marina não pode ficar sem Halloween.
— Não pode. Ela precisa aprender como isso aqui funciona. E você é
a melhor pessoa pra ensinar ela. E por falar nisso, ela quer uma festinha do
pijama hoje. Que tal dormir lá em casa? — pergunto.
— Sério?! — Anima de vez.
Piper e eu nos entreolhamos.
— Seríssimo. Vai pedir para a sua mamãe! — Piper fala.
Ela patina igual maluca até a mãe. Piper e eu nos entreolhamos, e
batemos a mão uma na outra.
— ELA DEIXOU! — Caty grita e a Audrey joga beijos para nós.
Nos levantamos e enrosco o braço na Piper. Julian se aproxima,
surgindo do nada.
— Ela parece animada. O que fizeram?
— Se animou em mostrar o Halloween a Marina. O que me lembra
que precisamos de decoração de Halloween, merda! Eu sou uma péssima mãe
e tia!
— Tem várias coisas sobrando em casa. Peguem lá — Julian diz. —
Não é péssima mãe, só é novo isso. E como ela está?
— Dormindo e mandando em todo mundo. É isso o que aquela
bebezinha de um mês é capaz de fazer.
Ele e a Piper sorriem.
— Faremos o Halloween em casa. Vai ser bom para a Caty, ela vai se
sentir mais perto dos meninos e tem o Duke e a Marina. Ah, e ela vai passar a
noite em casa, festinha do pijama.
— Claro que vai, e claro que só estou sabendo agora.
Sorrimos e encaramos ela patinando com as outras crianças. Audrey e
Julian tem feito de tudo para ter tempo para ela, principalmente agora que
intensificou as apresentações deles e treinos.
— Ela está crescendo... — Piper choraminga.
— Não começa. Ela é só um bebê ainda!
— Não, e você sabe que não é mais, Ken Patinador! — falo.
Ele retruca irritado e se afasta. Ele e os meninos precisam aceitar que
ela está virando uma linda garotinha, e que daqui a pouco será uma
adolescente.
Faço um penteado na Caitlyn, enquanto a Piper tem a Marina nos
braços. Duke está de tutu rosa e o Nicholas morreria se visse ele assim. Na
TV passa Frozen. Tem brinquedos espalhados pela sala, coisas de desenho,
pizza, coisas de maquiagem e penteados. Está uma loucura, mas uma loucura
legal, ao menos Caty está se distraindo.
— A casa é bonita. Gigante igual do vovô Grayson, e bonita.
Sim, ela é gigante. Taylor e Devin não economizaram no luxo.
— E amanhã podemos decorar ela para o Halloween. O que acha de
nos ajudar? Seu pai deu várias coisas! — Piper diz.
— Vai ser legal.
— Terminei, gatinha!
Ela olha no espelhinho e sorri.
— Tá lindo, titia Lou!
Passei mesmo a ser a titia dela também. Gosto disso.
Caitlyn sai do meu colo e deita no chão, pegando suas coisas de
desenhar.
— Quando a Marina vai poder desenhar?
— Vai demorar um pouco ainda! — respondo sorrindo.
— Vou ensinar ela tudo sobre glitter. Ela vai amar glitter.
O melhor é que fica claro que ela não vai ter opção. Terá que amar o
glitter. Que minha filha ame, ou a Caitlyn vai pirar.
Depois de muita comilança, desenhos, maquiagens e penteados,
Caitlyn dormiu e Marina também. Piper e eu caímos no sofá, exaustas. Nos
entreolhamos e deitamos a cabeça uma no ombro da outra.
Levamos duas horas para fazer a Marina dormir. Do nada, a garota
ficou agitada. Caitlyn estava com uma energia enorme.
— Não somos mais jovens.
— Não, Pips. Já era — falo em português. — Agora estou sentindo
falta do Rio, uma praia, caipirinha, coxinha, podrão... Eu já estou odiando o
frio de novo. Por que o verão passou tão rápido? Já está tudo marrom lá fora,
frio, chuvoso, ventando. Se começar a nevar, eu me mato. Eu sinto que já
nevou o suficiente ano passado e início desse ano.
— Esse ano vai se livrar da neve. A Marina é muito novinha, tem que
ficar quentinha e dentro de casa — responde em inglês.
Sorrio emocionada.
— Com lareira e chocolate quente. Ai, biscoitos, sopas... Quente,
tudo quente! E por falar em quentes, seus pais vão vir final do ano? O clima
ainda continua pegando fogo entre vocês?
— Nos vimos no meu aniversário. Final do ano vão viajar a trabalho
por causa do meu pai. Não está tenso mais, porém continuam não aceitando
que eu esteja morando com o meu namorado, que o Nicholas seja o meu
namorado... Essas coisas de sempre.
— Onde erramos com os nossos pais?
— Não sei...
— Ao menos ainda tem os seus. E eu que deletei os meus da minha
vida? — começo a rir.
— Louise, não fala assim!
— E dou graças a Deus que fiz isso.
— Será que sabem da neta?
— Não mostro ela. Sabem que eu estava grávida, saiu em tudo
quanto é lugar, quando revelei nas redes sociais no meio do ano. Mas no que
depender de mim nunca terão contato com ela. Marina merece coisa melhor.
Já tem muita gente especial, não precisa deles.
Piper assente e suspira.
— Por falar em redes sociais, tenho recebido muitas propostas para
participar de eventos literários, e de alguns times.
— Sério? Isso é incrível! Vai aceitar alguma?
— Não sei. Quero me formar primeiro. Falta pouco. Depois decido o
que farei da minha vida. Um desgosto a mais ou a menos aos meus pais não
fará diferença. Gosto da Engenharia.
— Mas ama muito mais os livros e as redes sociais.
— Exatamente! Ah, e editei seu último vídeo. Ficou lindo!
Os vídeos que ela me ajuda envolvem publicidades que consegui. Ela
recebe por isso também, afinal estamos falando de Piper Roberts, a pessoa
que arranca fortunas para ser babá da Caitlyn, quem dirá de mim, que vivo
ameaçando-a. Ela se vinga muito na hora de dar seu preço.
Ficamos olhando para a TV agora desligada, criando coragem para
ajeitar toda a bagunça antes de dormirmos. Temos uma pessoa que virá
limpar a casa para nós uma vez na semana, começa semana que vem. Comida
nos viramos, Piper e eu gostamos de cozinhar, nos distrai.
— Fica calmo demais sem eles! — diz.
Duke se espreguiça no chão, ainda de tutu. Então volta a dormir.
— Fica. Isso que ainda não estão jogando. Imagine quando os jogos
começarem.
— Nem me lembre. Já basta a BTIU sem vocês.
— Como está lá?
— Uma porcaria como sempre. Mas agora aprendi abrir a boca e
ninguém ousa mexer comigo, todos ainda temem o Nicholas também.
Rimos.
Nossos celulares tocam. Pegamos e desbloqueamos a tela ao mesmo
tempo. É no grupo com a Audrey.
Addie: Liguem a TV no jornal. AGORA!
Piper e eu nos entreolhamos, preocupadas. Puxo o controle e ligo a
TV, colocando no canal do jornal. Então atingimos puro choque
imediatamente, quando assistimos ao que passa.
“O Senador Brad Duncan e sua esposa foram mortos na noite
dessa quarta-feira em sua residência. Três homens armados invadiram a
mansão da família em Beyond The Ice e balearam contra eles. A polícia...”
Deixo no mudo e olho para a Piper.
— Se comemorar vai para o inferno!
— Quem iria comemorar isso, Louise?!
— Foda-se, eu vou!
— Louise!
— Alguma merda eles fizeram para receber isso. Vindo deles, isso
não foi à toa. Esses são os mesmos que abriram uma ONG e distribuíram
outdoors dela pela cidade, para provocar os White, cheio de fotos do
Cameron. São os mesmos que ameaçaram os White por anos, e todos aqueles
que eram contra eles. Uma hora a casa iria cair.
— Droga, não consigo ficar triste!
Respondo a Audrey:
Louise: Foram tarde! Piper e eu não estamos nem um pouco tristes.
Addie: Que Deus nos perdoe. Eu também não e, pela cara de
paisagem do Julian e do Grayson, nem eles. Mas essa cidade vai virar um
inferno. Bem na véspera do Halloween. Já era sair para pegar doces.
Louise: Nem quando morrem dão paz. Puta que pariu!
Piper me acerta o braço e dou uma risada.
— Não acha que os meninos...
— Não! Não... Não, né? O Julian com cara de paisagem? O Grayson?
E cadê o Nicholas e o Kayden, que ainda não falaram nada? — Piper diz.
— Ok, eu não quero ser namorada de presidiário!
— Isso só é sexy nos livros.
— Que porra de livros anda lendo? Quero a lista desses!
Ela dá uma risada, mas logo paramos de rir, quando sai um chorinho
da babá eletrônica.
— Eu vou lá! — falo.
— Vou começar a arrumar isso aqui. Os meninos vão triplicar a
segurança dessa casa depois disso.
Faço uma careta.
— Seis seguranças, e sistema de câmeras e alarmes em todo canto.
Acha mesmo que precisamos de mais?
— Acredite, isso vai virar uma fortaleza. Beyond The Ice era
tranquila e olhe o que virou. E moramos afastadas do centro, perto da
floresta. Mais muros vão surgir.
Reviro os olhos e vou até a minha filha. Pior que a Piper tem razão.
Eles já encheram de muros e sistema de segurança, isso que atrasou nos
mudarmos. Agora com esse assassinato ao senador e a esposa, ferrou. Não
vou me surpreender se eu vir a SWAT vigiando a casa para nos proteger.
Entro no quartinho da Marina e vou até o seu bercinho.
— Oi, meu amor. Mamãe está aqui... — sussurro.
Pego-a, ninando-a em meus braços. Marina não dá trabalho, é muito
boazinha, mas essa semana está complicado, está acordando muito à noite.
Escuto uma movimentação no andar de baixo e latidos do Duke.
Franzo o cenho, mas se a Piper não gritou, tudo bem, eu acho. Continuo
ninando a Marina, até ouvir ela brigar com o Duke e a movimentação subir.
Viro-me para a porta, vendo as duas muralhas entrando no quarto.
— Eu avisei que ela está fazendo a Marina dormir. E vocês estão
imundos do aeroporto, não vão pegar a menina! — Piper briga com os dois.
Duke entra no quarto também, mas é tão inteligente que o Nicholas
precisou ensinar uma única vez que, onde a Marina estiver, ele não pode ficar
sendo maluco, que agora ele fica quietinho perto dela.
— O que estão fazendo aqui? — sussurro.
— Estávamos vindo quando liguei. Surpresa! — Kay sorri.
— Vocês são malucos! — Piper resmunga.
— Caitlyn queria a gente. Não iríamos deixar ela sozinha no
Halloween, já fizemos isso no aniversário dela. E é o primeiro Halloween da
Marina, preciso ensinar algumas coisas! — Nicholas fala. — E que porra é
essa de tutu no meu cachorro? Eu vou esganar aquela Terror, caralho!
— Não vai ensinar nada e nem esganar ninguém! — Kayden briga
com ele. — Deixa minha filha e a Caty em paz!
Nicholas ri e me olha, sorrio.
— Apenas boas travessuras! — Nicholas rebate e o Kayden o olha de
lado.
Kayden vem até nós duas e me dá um beijo, então sorri para a nossa
garotinha.
— Vou tomar um banho e depois serei todinho de vocês.
Marina começa a chorar, ouvindo a voz do pai. Tento acalmar ela.
— Parabéns, imbecil. Espantou ela! — Nicholas reclama.
— Eu deveria ter te jogado do avião, sabia? — Kayden retruca.
— Saiam daqui! E ela está chorando porque quer o pai. Ela
reconhece a voz dele. Somem! — Piper puxa o namorado e chama o Kayden.
— Já estou indo... Já fui mais bem recepcionado em casa — Kayden
sai resmungando e dou risada.
Olho para o Duke, ele se deita. O tutu se esparrama.
— Você também, Duke! — Piper o chama.
Ele se levanta, resmungando e sai do quarto. Olho para a minha filha
e suspiro.
— Mar, a paz acabou. E pior, acho que até você ama essa bagunça.
— Toco a pontinha do seu nariz.
Sorrio para a minha garotinha e tento fazê-la dormir de novo.
KAYDEN
Marina dorme em meus braços, enquanto vejo o meu irmão encher a
casa de doces, já que sair na cidade é impossível, cheio de imprensa e polícia
espalhada. A morte dos Duncan não trouxe nenhum baque a nós dois,
escutamos no rádio do carro a caminho de casa, a nossa nova e bela casa.
Se tem uma coisa que aprendi é que colhemos o que plantamos. Eles
só colheram toda merda que fizeram. Essa cidade ficará mais limpa agora e
não tenho remorso algum em pensar isso.
— É para me foder essa merda. Por que eu tinha que ser um coelho?!
— Nicholas reclama, se coçando todo.
— Porque eu já era o Chapeleiro maluco, Marina e Louise, a Alice.
Poderia ser pior, poderia ser o Dumbo. — Olho para o Julian no canto da
sala, bebendo e puxando a fantasia o incomodando. Ele está puto.
Olho para o Duke e ele está fantasiado de rena do Papai Noel.
Controlo o riso. Todos estão ridículos. Eu sou o menos pior entre eles. As
meninas estão lindas: Caitlyn, de Rapunzel. A Piper é a Moana; e a Audrey, a
Barbie. Ainda não consigo entender como Louise, Audrey e Piper conseguem
deixar suas fantasias sensuais. Deve ser de propósito, só pode. Desde quando
a Alice usa microvestido? Ou a Moana está quase usando um biquíni? Porque
mal tem pano ali. E que porra de Barbie é essa de top e micro short rosa?
— Titio, está lindo de coelho! — Caitlyn ri.
Ela ficou muito feliz assim que acordou e nos viu. Sempre iremos
fazer qualquer coisa por nossas meninas.
— Não lembro do coelho fumar! — Louise diz, entrando na sala e
vindo até a mim.
Ela se senta na minha perna livre. Ainda não acredito que estamos
vivendo tudo isso juntos. Isso é bom, muito bom.
— Esse é moderno. Fuma, bebe e mata, quer ver? — Nicholas se joga
no sofá, terminando de espalhar os doces. — Está tudo pronto, Caty Terror,
come tudo!
— Nada de comer tudo! — Julian retruca.
Piper vem para a sala.
— Todo mundo fugiu do nosso Halloween. Tenho certeza de que é
para evitar as fantasias da Caty! — Piper diz, sentando-se ao lado do
namorado.
Caitlyn ri.
— Vou pegar os doces com a Marina. Ela já acordou? — pergunta
animada.
Olho para a minha princesinha em meus braços e seus olhinhos
abrem lentamente, como se tivesse ouvido a prima.
— Acordou. Vão, a casa está lotada de doces! — falo.
— É, que eu espalhei. Porque não fez porra nenhuma! — Nicholas
reclama.
— Seu humor está pior. É a idade! — revido.
— É a coceira. Essa merda coça muito!
Piper dá uma risadinha.
— Pensa positivo, dessa vez não vai se estressar com a gente saindo.
A cidade tá cheia de confusão — Piper diz e ele a olha de lado, soltando a
fumaça no rosto dela.
— Porra, esqueci da Marina. Olha, só estou me fodendo nesse
caralho!
— A BOCA! — falamos juntos para ele.
Caitlyn pega seu baldinho e um baldinho da Marina, que vai virar
meu, afinal a filha não come, mas o papai pode comer.
— Cheguei. Eu levo ela, eu levo ela! — Audrey corre pegar a minha
filha. Louise e eu damos risada. — Vamos, Caty, hora de procurar todos os
doces e, principalmente, os azedos que o Nick escondeu.
Nicholas apaga o cigarro, ainda se coçando muito. Piper vai atrás da
Audrey, pronta para registrar tudo, tenho certeza, porque já tirou uma foto de
todo mundo junto, e dos casais, assim que ficamos prontos.
— Alguém precisa defender minha filha quando as três começarem a
puxar ela querendo um pedaço da menina! — Louise diz rindo.
Ela se levanta e fico olhando-a. Louise está ainda mais linda, gostosa
e me deixando maluco. Porra, preciso logo da minha garota. Julian se
aproxima, se jogando no sofá. Suas orelhas gigantes de Dumbo acertam o
Nicholas e começo a gargalhar. Duke corre atrás das meninas.
— Ao menos algo bom nesse Halloween. A notícia dos Duncan.
— Não foram vocês, certo? — Julian nos olha, desconfiados.
— Bem que eu queria, mas não deu tempo! — Nicholas sorri.
— Sou pai, fiquei responsável.
Olho para o Nicholas e ele dá uma risadinha.
— Que merda fizeram? — Julian questiona.
— Nada! Com os Duncan nada, mas espero que apodreçam no
inferno junto do filho! — Nicholas diz.
É, com os Duncan nada. Mas pedi ajuda do Nicholas para foder mais
ainda a vida do Kevin. No que depender de mim, ele não vai lutar mais, não
vai ter mais nada e nem o dinheiro dele ou da família vai mudar alguma
coisa. Nicholas tem uns contatos, e nosso sobrenome ajuda muito. Bastou
algumas ligações, meu irmão não questionou nada, apenas ajudou. Kevin vai
viver na merda, porque ninguém toca nas minhas garotas, ou ataca elas com
as palavras, sem se foder comigo. Sou um príncipe quando quero, mas não
mexa com os meus, que eu fodo um por um. Mesmo com a justiça em cima
dele, ele segue falando merda e jogando indiretas sobre a minha filha. Vamos
ver se ele vai continuar falando quando perder tudo. Isso vai ser um grande
recado aos pais da Louise, que, se continuarem, serão os próximos.
— E como está com relação a isso? — pergunto ao Julian.
— Bem. Muito bem. Foda-se, estou muito bem mesmo. Foderam
demais minha família, e tenho certeza de que mexeram com outras pessoas
também. Aí está o resultado. Eu disse que uma hora viria. Bastava esperar.
Assentimos. Escutamos os risos das meninas e olhamos na direção
que elas foram.
— Voltam quando para Nova York?
— Como adiantamos várias coisas, agora só no final de novembro,
mas ficaremos longe apenas por uma semana, e depois voltamos para casa.
Depois das festas começamos a treinar pesado e fazer uma bateria de exames,
então passaremos mais tempo longe de casa — Nick responde.
— Estão gostando do agente e do time?
— Sim! — respondemos juntos e nos ajeitamos no sofá na mesma
sincronia.
Julian bebe o restante de sua bebida. Nicholas me olha com raiva
como se eu tivesse culpa.
As meninas retornam, com a Caitlyn com a boca toda azul e a Piper
fazendo careta do doce que mastiga.
— Estou evitando doces! — Audrey mente quando a filha oferece o
doce azedo a ela.
— E eu estou amamentando!
Louise vem para o sofá que estou, e se senta ao meu lado, entregando
os doces da Marina. Na sala tem muitos ainda, mas fica para depois, minha
barriga vai agradecer. Olho para as duas e sorrio como idiota. Perfeitas.
Marina é a mãe todinha, não tinha como não ser perfeita.
Marina começa a chorar.
— Fome... — Louise sussurra. — E fralda. Já venho!
Levanta-se. Tiro o chapéu maluco, e me levanto, indo atrás dela,
enquanto a Caitlyn enfia o doce azedo na boca do Nicholas assim que ele se
distrai, e ele xinga, fazendo-a gargalhar. Duke tenta roubar alguns, mas
recebe bronca da Piper.
Subimos para o quartinho da Marina que está lindo, todo decorado
com o tema da Alice no País das Maravilhas de um jeito delicado.
Troco ela, enquanto a Louise se senta no pequeno sofá no quarto,
apoiando as pernas na poltrona. Termino com a Marina, e levo-a para a mãe.
Sento-me ao lado delas, e assisto minha garota amamentar nossa princesinha,
enquanto dou carinho na mãozinha dela. Ergo o olhar para a Louise e sorrio.
— O que foi?
— Está linda. A Alice mais linda desse mundo. — Ela revira os olhos
e sorri sem jeito.
Olho para o canto do quarto e vejo o bastão e o Coelho. Sorrio. Ela
segue meu olhar e dá uma risadinha.
— O KS era demais para deixar aqui.
— Ele me assusta. Podemos queimá-lo?
— Não. Espanco ele quando estou com saudades de você.
— Então assume que ele é o meu boneco de vudu?
— Por aí...
— Satã!
Ela sorri lindamente.
Marina fica no berço. Louise deixa a babá eletrônica ligada e saímos
do quarto, deixando a porta aberta. Duke nunca destrói nada da Marina. Pelo
jeito ele só odeia a mim. Puxo minha garota no corredor, agarrando seu
corpo.
— Eu te amo.
— Eu também te amo, idiota.
Aperto seu rosto e beijo sua boca. Eu sinto meu corpo inteiro
esquentar, e todo desejo reacender. Ela aperta as mãos nos meus ombros,
quando aperto seu corpo.
— Estou com saudade — sussurra.
— Eu também, princesa... Porra, muita saudade!
— Só mais um pouquinho.
Abraço seu corpo, beijando seu pescoço.
— Estarei contando os dias. — Acerto sua bunda e ela ri.
— Para, vamos acordar ela. Vem, temos que descer, ou seu irmão vai
queimar tudo, está espumando de raiva pela fantasia.
Começo a rir e ela me arrasta para baixo.
Depois de comer muito, fazer muita bagunça, todos ficaram lá
embaixo, enquanto eu subi para ver a princesinha que começou a resmungar
no berço. Estou sentado com ela na poltrona, admirando a perfeição que ela
é. De tudo de bom que aconteceu esse ano, Marina Spencer liderou o topo da
lista.
— O papai te ama muito, minha Coelhinha linda. Eu prometo sempre
estar presente em sua vida, ainda que esteja longe. Você e a mamãe são tudo
para mim, e vou proteger vocês para sempre.
— Disse que a faria dormir de novo... — Louise sussurra.
Olho para a porta vendo-a entrar, descalça, os cabelos cacheados
jogados para o lado, o vestido da Alice cinturando bem seu corpo, que depois
da gravidez realçou suas curvas. Os seios fartos quase saltando para fora do
decote. Nosso anel de namoro brilhando em seu dedo.
Porra, eu ganhei na loteria.
Ela se senta no braço da poltrona e sorri para a nossa filha.
— Estava admirando-a. Fizemos bem essa menina. Fizemos com
muita vontade. Marina é linda demais!
Louise ri e revira os olhos.
— Que ela não tenha sua autoestima. Vai ser insuportável se tiver.
— Quero mais! — Faço beicinho, provocando.
— Daqui alguns anos pensamos nisso! Muito anos... Tipo, daqui dez
anos!
— Então vai estar comigo daqui dez anos?
— Achou mesmo que eu te daria paz? Kayden, eu vou atormentar sua
vida enquanto eu viver!
— Que bom. Mais que sua obrigação!
Ela acerta de leve meu braço, mas sorri.
— Seus pais e minha avó vêm mais tarde ver ela. E amanhã os
Morris vão vir almoçar aqui, com a desculpa de que o Hudson precisa sempre
examinar ela, ele faz isso quase todo dia, só para ver ela. — Rimos. — E o
Nicholas já disse que ele vai cuidar dela de madrugada. Eu juro que, se ele
me acordar na brutalidade para dar leite a ela, eu vou acabar com a vida dele!
— Será que ela vai nos confundir quando começar a entender mais?
— Não. Ela vai ver a sombra ruim do Nicholas e vai ver que a do pai
brilha e do tio espanta.
— Louise!
Ela dá de ombros e rimos. Eu amo essa garota, mesmo sabendo que
sua língua ainda pode nos meter em encrenca.
— Quer descer? Fico com ela, ou a levamos.
— Não. Quero ficar um pouco com as duas, sozinho.
— Tudo bem?
Sorrio e assinto.
— Tudo perfeito, princesa. Ah, na minha mala tem vários presentes
para ela e você. E tem alguns da Caitlyn, para ela não começar a ficar
enciumada.
— Kayden, precisa parar de trazer um monte de presente sempre que
viaja. Já temos tudo!
— Não vou parar. — Reviro os olhos e encaro a minha filha. —
Avisa a mamãe que ninguém controla o papai?
— Para de ensinar coisa errada a ela.
— Estava ensinando a ela a nunca tocar nos seus produtos de
skincare e cabelo. Fez isso na maternidade!
— Ela vai ser cacheada também, entrei em pânico. Eu sei o quanto
gasto com meu cabelo. E se ela puxar seu espírito de furtar produtos, aí que
irei me ferrar mesmo.
Balanço a cabeça incrédulo.
— Por que mesmo namoro uma maluca?
— Porque ama essa maluca. Confessa, animo sua vida! Sou seu
maior entretenimento, bobão!
— Não posso nem negar.
— Não pode.
— Vamos casar?
— Não!
— Mas eu quero!
— Não vamos. Kayden, faz ela dormir!
Começo a rir e encaro a Marina. Dou carinho em seu rostinho e ela
parece suspirar, e dane-se quem disse o contrário, minha opinião é o que vale.
Seus olhinhos vão fechando com o carinho que dou. Louise nos observa e
solta um suspiro.
— Obrigada.
— Pelo quê, princesa?
— Por criar o nosso País das Maravilhas em Beyond The Ice. Hoje
sei que não teria lugar melhor para isso.
Olho ao redor, vendo tudo da Alice e suspiro também. Olho para as
minhas garotas. É, elas valem até mais que o time para mim.
— Eu amo o que criamos.
— Eu também.
— Para sempre vou amar, Louise.
Ela assente e beija o meu rosto, então sussurra em meu ouvido:
— Vamos.
— Vamos? — Olho para ela.
Ela morde o cantinho da boca. Franzo o cenho.
— O que quer dizer?
— O que tanto pede para fazermos?
— Transar? Foder sua bunda?
— Kayden! — Revira os olhos. — Também... Qual a segunda coisa
que pede?
— Casar.
— Então...
— Está falando sério?
Ela sorri e deixa outro beijo na minha bochecha, então se levanta.
— Vou descer, já te dei muito da minha companhia.
— Louise, volta aqui, não pode falar isso e correr! Louise...
Ela sai rindo do quarto. Fico olhando para a porta e em seguida para a
nossa filha.
— Sua mamãe vai me matar, se não for de medo, será do coração!
Marina abre os olhos, mas estão pesados, então os fecha. Sorrio, mas
a movimentação ao lado de fora chama a minha atenção. Todos estão aqui,
com a minha futura esposa de braços cruzados, encostada no batente da porta,
sorrindo, depois de fugir. Faço um sinal para a Caitlyn vir e ela corre,
sentando-se no meu colo, e encostando a cabeça no meu peito.
Olho para as princesinhas e depois para todo mundo. Porra,
acertamos muito. Mesmo com tudo que aconteceu, chegamos até aqui,
errando, errando muito mesmo, mas sem desistir um dos outros. Todos fomos
corrompidos de alguma maneira, relacionamentos, perseguições, medos,
traumas... E, ainda assim, demos a volta por cima, porque é isso que sempre
fazemos.
Beyond The Ice é o nosso lugar, e sempre vai ser. Porque aqui temos
tudo o que precisamos.
ESSE NÃO É O FIM DO
UNIVERSO DE BEYOND THE
ICE,
AGUARDEM...
NÃO SE CALE, DENUNCIE, PEÇA
AJUDA!
Violência doméstica e familiar contra a mulher: Ligue
180 e 190
Agradeço primeiramente a Deus por tudo que sempre faz por mim.
É sempre um prazer escrever Beyond The Ice, mas escrever ele na
companhia da pessoa certa, é ainda melhor. Então, obrigada Jojo, por ter sido
a pessoa que sempre esteve comigo, desde o início da ideia desse universo, e
não soltar minha mão em nenhuma etapa. Você é muito importante para mim,
e ter você comigo tão conectada nessa série, me deixa no paraíso. Obrigada
por tudo, te amo ao infinito e além.
Obrigada a todo mundo que trabalhou arduamente para tornar esse
livro especial, inclusive minha assessora, Larissa, que tem sido paciente com
minhas loucuras, surpresas e me apoiado muito. Sem vocês, nada disso teria
acontecido e não estaríamos aqui, no terceiro livro.
É uma loucura pensar no quanto foi difícil o processo de escrita e
lançamento dos três livros, mas o quanto “Corrompidos” foi muito pior, não
pelo livro, mas tudo que acontecia ao meu redor. Se eu narrasse cada
acontecimento, daria uma saga de puro drama, mas o que me manteve firme
além de Deus, foi escrever Kayden e Louise, os dois me teletransportavam
para longe dos problemas e me faziam respirar. Engraçado como tudo tentava
me corromper, mas eles me faziam respirar. Que ironia do destino! Eu amo
todos os livros, todos os personagens dessa série, mas KayLou se tornaram
mais do que especial, porque eles vieram quando mais precisei desacelerar e
me ensinaram a frear.
Sou grata por tudo, inclusive pelos leitores, que, sem vocês, a Incour
nunca existiria. Eu espero que “Corrompidos” possa fazê-los respirar e se
desligar do mundo um pouco, como ele fez comigo.
Então, fiquem com o meu até logo.
Com amor,
Deby.
Deby Incour é uma escritora guarulhense que começou a escrever no
Wattpad na adolescência quando tinha dezesseis anos e desde então segue
nesse caminho da escrita, agora publicando seus livros na Amazon Brasil,
onde se tornou uma das autoras best-sellers da Loja Kindle.
Apaixonada por romances, começou com livros mais tranquilos e
hoje se aventura em romances adultos e por diversos gêneros literários.
Escrever é além de uma profissão para ela, é como sua terapia.