INÊS 249

Nunca antes
Presidente: Paulo Roberto Houch
Vice-Presidente Editorial: Andrea Calmon
Para apresentar esta edição de Grandes Líderes da H istória , em vez de dis-
[email protected] cursar sobre Lula, resolvi selecionar algumas frases contidas no genial livro de
REDAÇÃO Marcelo Tas, Nunca Antes na História deste País (Panda Books). Acompanhe:
Jornalista Responsável: Andrea Calmon – MTB 47714

COLABORARAM
NESTA EDIÇÂO: Thaise Rodrigues (edição e “O mínimo deveria ser de 1.100 reais se levasse em conta o valor real de 1939. Os que
revisão) e Claudio Blanc (textos)
recebem o mínimo deveriam receber pedidos de desculpas.” (outubro de 1998)
PROGRAMAÇÃO VISUAL
Coordenador: Rubens Martim

Programação Visual:
[email protected]
Fernando Lima Cunha
“Você pode fazer seu discurso político na hora que quiser. Você pode ter suas de-
finições ideológicas... Mas, na hora de governar, é pão, pão; queijo, queijo. Você
PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA nem sempre faz o que você quer.”(30/10/2003)
Coordenadora: Elaine Simoni
[email protected]

PUBLICIDADE “A democracia é um ambiente mais saudável para o crescimento. Pouco me inte-

Diretora Comercial:
Diretora de Publicidade:
Arines Garbin
Patrícia Massini
ressaria um aumento expressivo do PIB se isso implicasse, o mínimo que fosse, na
Executivos de Negócios: Daniel Giongo, José Mário Brito, redução das liberdades democráticas.” (22/01/2007)
Lea Naftal e Rodrigo Cortona
[email protected]

MARKETING “Quando a gente fala de improviso, a gente pode cometer um erro e falar uma pa-
Diretor de Marketing/
Assinaturas: Lúcio Flávio Baúte lavra imprevista. Mas, em se tratando de bobagem, é melhor a gente falar do que
Supervisora de Marketing: Jane Pinheiro
[email protected]
a gente fazer.” (19/07/2005)
CANAIS ALTERNATIVOS Luiz Carlos Sarra
DEP. VENDAS (11) 3687-0099 “A política é como uma boa cachaça: você toma a primeira dose e não tem como
[email protected]
parar mais. Só quando termina a garrafa.” (2008)
LOGÍSTICA E
ARMAZENAGEM Luiz Carlos Sarra
[email protected]
“Meu sucessor vai ter um problema sério: terá de fazer mais que um metalúrgico.
ADMINISTRAÇÃO
Diretora Administrativa: Jacy Regina Dalle Lucca
Não poderá passar à História como alguém que fez menos que um torneiro mecâ-
[email protected] nico.” (08/09/2008)
Coordenadora de
Suprimentos: Juliana Santos
[email protected]
Grande abraço,
CRÉDITO E COBRANÇA [email protected]

ASSINATURAS: [email protected]

Impresso por Prol

Distribuição no Brasil por Dinap
Distribuição em Portugal Logistica Portugal

Grandes Líderes da História é uma publicação do IBC - Instituto

Sumário
Brasileiro de Cultura Ltda. – Caixa Postal 61085 – CEP 05001-970
– São Paulo – SP – Tel.: (0**11) 3393-7777. A reprodução total ou
parcial desta obra é proibida sem a prévia autorização do editor. Sonho da presidência
Números atrasados com o IBC ou por intermédio do seu jornaleiro Longo caminho até o
ao preço da última edição acrescido das despesas de envio.
Para adquirir com o IBC – www.revistaonline.com.br, Tel.: (0**11) Notas Palácio do Planalto......................... 28
3512-9477 ou Caixa Postal 61085 - CEP 05001-970 - São Paulo - SP. A trajetória de Lula em pequenas
Compras pela internet: passagens........................................ 4 Primeiro mandato
www.revistaonline.com.br De 2003 a 2006.............................. 34
A Arte Antiga Editora tem a revista que você procura! Confira
De Garanhuns
algumas das nossas publicações e boa leitura. para São Paulo Mensalão e
ARTESANATO LEVE: • Arte em EVA • Arte em Fuxico Infância e juventude........................ 8 outras crises
ARTESANATO LINHA: • Ponto Russo
INTERESSE GERAL: • Conhecer Fantástico • Grandes Líderes
Escândalos e polêmicas ocorridos
da História O novo sindicalismo durante o governo de Lula.............. 38
DECORAÇÃO: • Paisagismo & Decoração
FEMININA TEEN: • Top Girl Especial Testes O envolvimento de Lula com o
GAMES: • Detonando • Play Games • Pro Games
ESPORTE: • Guia de Fórmula 1
movimento sindical......................... 13 Segundo mandato
De 2007 até hoje............................. 42
Aviso importante: A On Line Editora não se responsabiliza pelo
conteúdo e pela procedência dos anúncios publicados nesta Fundação do PT
revista, de modo que não restará configurado nenhum tipo de
responsabilidade civil em decorrência de eventual não cumprimento Nasce o Partido dos Trabalhadores.18 Lula por ele mesmo
de pactos firmados entre anunciantes e leitores.
Frases do líder político.................... 46
Início da
carreira política Filme
Primeiros passos na vida pública.... 23 Lula, o Filho do Brasil.................... 48
4
NOTAS

Lula em 06/08/1981
INÊS 249

AGÊNCIA GLOBO/ ANTÔNIO CARLOS PICCINO

 INÊS 249

A TRAJETÓRIA
DE LUIZ INÁCIO
“LULA” DA SILVA
Molusco sim, careca. Foi ele quem deu a Lula primeiro exemplar
Quando o metalúrgico Luiz Inácio da Silva despon- de um livro sobre política, O que é Constituição?
tou como líder das históricas paralisações da década de
1970, o antigo apelido – Lula – tornou-se tão popular Marketing
que acabou eclipsando o nome. Em 1982, quando con- Depois da derrota para Fernando Collor em 1989
correu ao governo de São Paulo, Lula incorporou ofi- e ao longo de duas outras campanhas fracassadas pa-
cialmente o apelido aos documentos. ra a Presidência da República, Lula começou a viajar.
Nas Caravanas da Cidadania de 1993 e 1994, andou
Maior votação pelo Brasil. Pelo mundo, apareceu como interlocutor
Luiz Inácio Lula da Silva chegou à Presidência da de personalidades internacionais como Fidel Castro,
República com a maior votação recebida por um brasi- François Mitterrand e Nelson Mandela.
leiro. Retirante nordestino, operário metalúrgico, fun-
dador da nova esquerda, sem diploma universitário, Chef
orador fluente que às vezes tropeça no idioma, ele tem Lula gosta de cozinhar. Embora viva de dieta – com
a cara do Brasil. pouco sucesso, vale ressaltar –, sua rabada com polenta
no fogão de lenha é famosa. O presidente não dispensa
Picolé uma cachacinha nos momentos de folga e é fã de Chico
Luiz Inácio Lula da Silva tinha 10 anos quando to- Buarque e Caetano Veloso.
mou um picolé pela primeira vez. Certa vez, quando
o pai, Aristides Inácio da Silva, distribuía sorvetes en- Declínio
tre os filhos do segundo casamento, Lula quase experi- A derrota de Lula para Collor nas eleições de 1989
mentou a delícia gelada. Mas, na vez de Lula, nascido marcou o declínio do ciclo de grandes mobilizações
do primeiro relacionamento, Aristides recusou e disse sociais, iniciado em 1978, e desencadeou a onda li-
como desculpa: “você nem sabe chupar’’ . beral conservadora.

Frei leigo Mais votado

Lula foi iniciado na política pelo irmão comunista Com 652 mil votos, Luiz Inácio Lula da Silva chegou
José Ferreira da Silva, o Frei Chico, que não é frade e, à Assembleia Nacional Constituinte como o deputado

GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 5

 NOTAS
INÊS 249

CRONOLOGIA DE LULA
1945
federal mais votado da História do Brasil. Assumiu em 1o Luiz Inácio Lula da
de fevereiro de 1987, aos 41 anos. Mas, contrariando ex- Silva nasceu em 27
pectativas, o deputado Lula teve um desempenho fraco. de outubro de 1945
no então distrito de Caetés, município
Apelido de Garanhuns, interior de Pernambuco.
É o sétimo dos oito filhos de Aristides
Quando deputado, Luiz Inácio apelidou o Congresso
Inácio da Silva e Eurídice Ferreira de
de ‘’vendilhão de ilusões’’.
Mello, apelidada de “dona Lindu”.

Recordista
Nas eleições presidenciais de 2002, Lula alcançou a
maior votação que um brasileiro já obteve e a segunda
maior no mundo, depois do norte-americano Ronald
Reagan, em 1984.

Viajante

1969
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva viajou Em 1969, o Sindicato
206.883 km a bordo do avião da presidência em 2005, dos Metalúrgicos
distância equivalente a 5,16 voltas ao redor do planeta de São Bernardo
pela linha do Equador. A estimativa é de reportagem do Campo e Diadema fez eleição para
publicada em janeiro de 2006 no jornal O Estado de S. escolher a nova diretoria e Lula foi eleito
Paulo. Em 2005, Lula visitou 25 países e presidiu du- suplente. Na eleição seguinte, em 1972,
as polêmicas reuniões de cúpula em Brasília. Segundo tornou-se primeiro-secretário. Em 1975,
o Estadão, as viagens no chamado Aerolula trouxeram foi eleito presidente do sindicato com
pouco ao Brasil: o País saiu derrotado em duas cam- 92% dos votos.
panhas por altos postos em instituições internacio-
nais e ficou sem o assento permanente no Conselho de
Segurança da Organização das Nações Unidas.

Marco histórico

1982
O historiador Eric Hobsbawn definiu a vitória do ex- Lula disputou o
sindicalista como “um dos poucos eventos do começo do governo paulista
século 21 que nos dá esperança para o resto deste sécu- como candidato do
lo”. Em Londres, em 14 de julho de 2003, o sociólogo PT e ficou em quarto lugar.
Anthony Giddens manifestou o otimismo que o presiden-

1983
te transformasse não apenas o Brasil, mas “o mundo”. Em agosto, fez parte
do grupo fundador da
Má fama CUT (Central Única
Surgiu na campanha de 1994, quando Lula dispu- dos Trabalhadores).
tava a presidência com Fernando Henrique Cardoso,
uma das comparações biográficas que mais enfurece-
ram Lula. Em evento de que participava Ruth Cardoso,
a empresária de teatro Ruth Escobar anunciou que os

1994
brasileiros teriam duas opções: “Votar em Sartre ou es- Na campanha pela
colher um encanador”. presidência em
1994, Lula era o
Querido pelo povo favorito até o lançamento do Plano
Real, em meados daquele ano. Em
Lula dirige-se ao povo falando de temas ausentes nos
agosto, Fernando Henrique Cardoso
discursos de José Sarney, Itamar Franco ou FHC. Tais
já ultrapassava Lula nas pesquisas. O
temas surgem naturalmente e estabelecem com a popu-
tucano venceu no primeiro turno.
lação laços que as denúncias e as ameaças de impeach-

1998
ment não conseguiram quebrar até agora. Certa vez, por Lula voltou a
exemplo, durante a inauguração de uma linha turística se candidatar a
de trem em Ouro Preto, Lula aproveitou a ocasião para presidente da
revelar seus conhecimentos de cachaça mineira e citou República e foi derrotado novamente
as infidelidades conjugais de Dom Pedro I. H por Fernando Henrique Cardoso.

6
 INÊS 249

1952 1957 -1963 1964

Em dezembro de A crise após o golpe
1952, dona Lindu, militar de 1964 levou
juntamente com Luiz Inácio a mudar de
os filhos, migrou para o litoral paulista Aos 12 anos, Lula conseguiu o primeiro emprego, passando por várias fábricas
viajando 13 dias num caminhão “pau- emprego, em uma tinturaria. Depois, até ingressar nas Indústrias Villares,
de-arara”. Foram morar em Vicente de foi engraxate e office-boy. Com 14, uma das principais metalúrgicas do
Carvalho, bairro pobre do Guarujá. Lula começou a trabalhar nos Armazéns País, localizada em São Bernardo do
foi alfabetizado no Grupo Escolar Marcílio Gerais Columbia, onde teve a carteira Campo, no ABC paulista. Trabalhando
Dias e completou o ensino fundamental. de trabalho assinada pela primeira vez. na Villares, ele começou a ter contato
Transferiu-se mais tarde para a Fábrica com o movimento sindical através

1956
Em 1956, a família de de Parafusos Marte e conseguiu vaga de seu irmão José Ferreira da Silva,
Lula mudou-se para no curso de torneiro mecânico do Senai conhecido como “Frei Chico”.
São Paulo e foi morar (Serviço Nacional de Aprendizagem
em único cômodo, nos fundos de um Industral). Os estudos duraram três
bar, no bairro do Ipiranga. anos e Lula tornou-se metalúrgico.

1974 1979 1980

Lula se casou com Em março, 170 mil Em 10 de fevereiro,
Marisa Letícia, com metalúrgicos pararam Lula fundou o Partido
quem tem cinco filhos. o ABC paulista. O dos Trabalhadores
carismático dirigente liderou, então, (PT), juntamente com outros sindicalistas,
assembleias no estádio de Vila Euclides. intelectuais, políticos e representantes

1978
Os participantes não se intimidaram de movimentos sociais, como lideranças
Foi reeleito presidente
diante do aparato policial. rurais e religiosas. Nesse mesmo ano,
do sindicato (98% dos
nova greve dos metalúrgicos provocou
votos) e, após 10 anos
a intervenção do governo federal no
sem greves operárias – em razão do
Sindicato de São Bernardo e a prisão
regime opressivo em vigor –, ocorreram
de Lula e de outros dirigentes sindicais
no País as primeiras paralisações.
com base na Lei de Segurança Nacional.
Enquanto esteve preso, sua mãe faleceu.

1984 1989 1992

Participou, como O PT lançou Lula A partir de 1992,
uma das principais para disputar a Lula atuou como
lideranças, da Presidência da conselheiro do
campanha das Diretas-Já, que República em 1989, após 29 anos sem Instituto Cidadania, organização
reivindicava eleições imediatas para eleições diretas para o cargo. Perdeu a não governamental criada após a
Presidente da República. disputa no segundo turno, por pequena experiência do Governo Paralelo,
diferença de votos. voltada para estudos, pesquisas,

1986
Foi eleito o deputado debates, publicações, formulação
federal mais votado de propostas de políticas públicas
do País para a nacionais e promoção de campanhas de
Assembleia Nacional Constituinte, com mobilização para conquista dos direitos
650.134 votos. de cidadania para todo o povo brasileiro.

2002 2007
Na última semana Inácio Lula da Silva foi eleito Presidente Lula falou em
de junho de 2002, a do Brasil vencendo José Serra (PSDB) estender o mandato
Convenção Nacional no segundo turno, por uma diferença do presidente
do PT aprovou a formação de ampla superior a 19 milhões de votos. da República; a revista americana
aliança política (PT, PL, PC do B, PCB Newsweek afirmou que Lula é a 18ª
e PMN). As alianças atraíram o voto pessoa mais poderosa do mundo.
dos empresários e dos evangélicos.

2006 2009
Embalado por uma campanha eficiente Explodiu o escândalo Luiz Inácio
na TV que explorava a imagem do do Mensalão; Lula comemorou a
“Lulinha paz e amor”, o petista manteve- teve sua imagem conquista do Rio
se na dianteira nas pesquisas. Em 27 arranhada, mas não foi envolvido de Janeiro para sediar as Olimpíadas
de outubro de 2002, aos 57 anos de, diretamente. Foi reeleito em 2006, com de 2016. E começou a preparar
com quase 53 milhões de votos, Luiz fácil vitória sobre Geraldo Alckmin. a campanha de Dilma Roussef.
Presidência do Brasil.

GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 7

 INFÂNCIA E JUVENTUDE
INÊS 249

DE GARANHUNS
PARA SÃO PAULO
A INFÂNCIA E A Por Claudio Blanc Algumas semanas depois do nas-
cimento do sétimo filho, Aristides

L
JUVENTUDE DE uiz Inácio da Silva nasceu na migrou para o Estado de São Paulo
pequena cidade de Garanhuns, em busca de melhores condições de
LULA FORAM interior de Pernambuco, em vida. São Paulo – então como hoje –
MARCADAS POR 27 de outubro de 1945. Era o sétimo
dos oito filhos de Aristides Inácio da
era o maior pólo de empregos do País,
atraindo milhares de migrantes de to-
SOFRIMENTO, Silva e Eurídice Ferreira de Mello, do o Brasil, principalmente do agres-
apelidada de dona Lindu. Pobre, te nordestino, assolado desde sempre
POBREZA E MUITAS quase miserável, o casal alimentava pela seca. Os migrantes nordestinos
as crianças com abóbora, farinha de que buscavam escapar das duras con-
MUDANÇAS mandioca e algum leite cedido pelo dições do semiárido costumavam vir
avô, dono de umas poucas vacas. antes de suas famílias, para encontrar

8
 INÊS 249

trabalho e se estabelecer. Depois, tra- para servirem de assento. Uma lona chupar”, argumentou. Aquela teria si-
ziam suas mulheres e filhos. Foi o que usada como cobertura ajuda a prote- do a primeira vez que o menino iria to-
Aristides Inácio da Silva fez. Em par- ger da chuva e da poeira. Foi na car- mar um picolé.
te. Ele não foi sozinho: trouxe uma roceria de um desses caminhões que De Vicente de Carvalho, dona
prima de dona Lindu, Valdomira dona Lindu e os filhos vieram para o Lindu e os filhos foram morar em
Ferreira de Góes, com quem acabaria Sul, numa viagem de 13 dias. Santos. Ainda aos 7 anos, Lula co-
constituindo família. Mas as dificuldades da viagem não meçou a trabalhar. Primeiro como
O menino Luiz, apelidado de Lula, foram amenizadas com a chegada. Em
só veio a conhecer o pai em 1949, aos Santos, descobriram que Aristides ti-
4 anos de idade, quando Aristides foi nha outra família. Ele e a prima de do-
visitar a família em Garanhuns para, na Lindu haviam tido filhos.
em seguida, voltar a Santos, onde tra- Provavelmente, Dona Lindu já es-
balhava como estivador no porto. tivesse desconfiada, mas a falta do
Em 1952, dona Lindu resolveu ir apoio esperado apenas piorou a pre-
ao encontro do marido e, sem avisá- cária situação da família. Ela e seus fi-
lo, migrou para São Paulo com os fi- lhos foram, então, morar em Vicente
lhos. A viagem foi feita em um pau- de Carvalho, bairro pobre do Guarujá,
de-arara, uma forma irregular de cidade vizinha a Santos, onde Aristides
transporte, ainda usada no Nordeste. vivia e trabalhava. Durante esse tem-
Suas origens remontam aos tempos po, Lula manteve certo convívio com o
em que quase não havia ônibus e as pai. Uma vez, quando o garoto já tinha
estradas eram muito precárias. São 10 anos, Aristides estava distribuin-
caminhões adaptados para trans- do sorvetes entre os filhos do segun-
portar passageiros. Sobre a carroce- do casamento, mas, quando chegou a
ria do veículo, tábuas são colocadas vez de Lula, ele negou. “Você nem sabe

DIVULGAÇÃO/ OTÁVIO DE SOUZA

Cena de Lula, o Filho do Brasil

GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 9

 INFÂNCIA E JUVENTUDE
INÊS 249

DIVULGAÇÃO/ OTÁVIO DE SOUZA

Cena de Lula, o Filho do Brasil

vendedor de amendoim, laranja e ta- Como não podia deixar de ser, diploma técnico. Antes de ter recebi-
pioca nas ruas daquela cidade. Ao em São Paulo, Lula continuou a tra- do seus títulos honoris causa de al-
mesmo tempo, fazia a escola primá- balhar. Aos 12 anos, conseguiu seu gumas universidades prestigiosas, es-
ria no Grupo Escolar Marcílio Dias, primeiro emprego numa tinturaria. se era o único diploma conquistado
onde foi alfabetizado. Também foi engraxate e office-boy. por Lula.
Em 1956, dona Lindu resolveu mu- Aos 14, foi trabalhar nos Armazéns A instabilidade resultante da cri-
dar-se para São Paulo com os oito fi- Gerais Columbia. Pela primeira vez, se após o golpe militar de 1964 levou
lhos. A partir de então, Lula pouco viu o rapaz teve a Carteira de Trabalho Luiz Inácio a mudar de emprego diver-
o pai, que veio a falecer em 1978. Na assinada. O início de sua trajetó- sas vezes. Nesse período, o metalúrgi-
capital paulista, a família passou a mo- ria profissional o levou à Fábrica de co passou por várias fábricas. Em uma
rar no bairro do Ipiranga, em um quar- Parafusos Marte. Ele, então, fez um delas, a Aliança, sofreu um acidente
tinho nos fundos de um bar. A pobreza curso de torneiro mecânico no Senai quando trabalhava no turno noturno.
em que viviam beirava a miséria. Dona (Serviço Nacional de Aprendizagem Seu colega cochilou e fechou a pren-
Lindu, porém, orgulhava-se de nunca Industrial). O curso durou três anos, sa transversal sobre sua mão esquer-
ter deixado sua prole passar fome. ao final do qual Lula obteve seu da. O descuido custou o dedo mínimo
do futuro presidente. “Acho que per-

O metalúrgico passou por várias fábricas. di o dedo por descuido médico”, dis-
se o presidente em entrevista ao repór-

Em uma delas, a Aliança, sofreu um acidente ter da Editora Abril, Josué Machado.
Segundo Lula, “a prensa pegou a me-

quando trabalhava no turno noturno. Seu tade [do dedo], então, pelo menos um
pedaço o médico poderia ter aprovei-

colega cochilou e fechou a prensa transversal

tado. Mas achou mais fácil dar anes-
tesia e cortar tudo”.
Finalmente, Lula foi trabalhar
sobre sua mão esquerda. O descuido custou nas Indústrias Villares, uma das
principais metalúrgicas do País, em
o dedo mínimo do futuro presidente São Bernardo do Campo, no pólo

10
 INÊS 249

industrial do ABC paulista. Foi na

Villares que começou a ter contato Quando Lula já tinha seus 10 anos, Aristides
com o movimento sindical, levado
pela mão de seu irmão mais velho, estava distribuindo sorvetes entre os filhos
José Ferreira da Silva, o Frei Chico.
do segundo casamento, mas, quando chegou
Casamentos e filhos
No curso de sedimentar sua vi- a vez de Luiz Inácio, ele negou. ‘’Você nem
da, em 1969, Lula se casou com
Maria de Lurdes, operária da indús- sabe chupar’’, argumentou. Aquela teria sido a
tria têxtil. Mas o casamento durou
pouco. Grávida, Maria de Lurdes primeira vez que o menino iria tomar um picolé
contraiu hepatite e veio a falecer. A
criança também não pode ser sal-
va. Viúvo, Lula foi buscar apoio em Metalúrgicas e de Material Elétrico das clínicas para onde o sindicato en-
um breve romance com a enfermei- de São Bernardo do Campo e caminhava seus associados. De acor-
ra Mirian Cordeiro, do qual nasceu Diadema. “Ele ainda era um peãozão, do com uma reportagem publicada no
uma menina, Lurian Cordeiro da mas um neguinho bonito, um gati- Jornal do Brasil em 1989, “razões de
Silva. Mirian e Lula se conheceram nho”, declarou Mirian em uma entre- trabalho e o então presidente do sindi-
em 1972, quando ele cuidava do de- vista em 1989. Quando se conhece- cato, Paulo Vidal, acabaram por apro-
partamento de INPS do Sindicato ram, ela trabalhava como atendente de ximá-los”. O namoro ia bem – Mirian
dos Trabalhadores das Indústrias enfermagem da clínica modelo – uma se lembra de muitas idas ao cinema e
de várias festas no sindicato – até que
a notícia da gravidez, que não esta-
va nos planos de ambos, abalou Lula.
Aristides, o pai O relacionamento continuou, “mas
muito espaçado”, contou Mirian,
Tanto Luiz Inácio como os irmãos tina, uma faca e uma lata de leite até que a menina nasceu “com dois
conservam uma imagem negativa de Mococa. Eram os móveis que a gente quilos e 600 gramas”, na clínica São
Aristides. O irmão mais velho de Lula, tinha. Nessa lata, ela guardava a broa Camilo. “Ele ficou superalegre”, de-
José Ferreira da Silva, mais conheci- para ele. clarou a enfermeira. Pagou todas as
do pelo apelido “Frei Chico”, disse em Fico pensando na coragem da mi- despesas, registrou a filha em seu no-
entrevista: “Não diria que era uma fi- nha mãe em deixá-lo, uma mulher me e passou a visitá-la com alguma
gura ruim. Era rude. Meu pai tinha um analfabeta, com oito filhos para criar.
frequência – “mas sem querer assu-
comportamento pouco recomendável. Penso também em como a vida do
mir um compromisso maior”, segun-
Muito bruto, não tinha carinho com os povo piorou. Meu pai era estivador e
do a mãe. Mirian, insatisfeita com a
filhos. Não deixava os filhos fazerem sustentava duas famílias, pagava dois
praticamente nada. Quando estava aluguéis. Trabalhava todo chique, de
situação, chegou a proibir que o pai
chegando a hora de meu pai chegar em terno e gravata. Minha mãe largou tu- visitasse a criança, mas a avó, dona
casa, era uma tortura para todos nós”. do e foi embora. Fomos morar num Beatriz, sempre dava um jeitinho.
Lula relembra as dificuldades que a barraco. Um dia, fomos ao cinema e, Esse antigo caso de Luiz Inácio
família tinha com o pai e a pobreza quando voltamos, as paredes do bar- foi apresentado ao grande público
que enfrentaram quando vieram ­para raco haviam caído. Mesmo isso não de forma deturpada em 1989 por
São Paulo: desanimava a minha mãe”. Fernando Collor, que disputava a
“Lembro pouco da minha infância em Os maus tratos que Aristides presidência com Lula. Na ocasião,
Pernambuco. Lembro da minha vida dedicava às suas mulheres e aos Mirian declarou que Lula a tinha
depois de chegar a Santos, quando filhos fizeram, como não podia abandonado grávida. No entanto,
vivíamos num lugar mais civilizado. deixar de ser, que ele terminasse de acordo com Luis Maklouf, em re-
Um dia, a mãe descobriu que a outra seus dias sozinho. Morreu em portagem no Jornal do Brasil de 26
mulher do meu pai ganhava mais 1978 de complicações causadas
de abril de 1989, “Lula nunca dei-
coisas que ela. Tinha uma quitanda e pelo alcoolismo e foi enterrado
xou de vê-la e [na época da campa-
o pai mandava entregar os alimentos. como indigente. Nenhuma de suas
nha para presidente de 1989] até a
Aconteceu de entregarem errado. A mulheres (em Vicente de Carvalho
mãe foi acumulando raiva. Meu pai corria o boato de que ele tinha sete) aproximou de seus quatro filhos”.
era bruto, ignorante. Quando minha quis assumir a responsabilidade Mesmo assim, Luiz Inácio evitava
mãe o abandonou, só tínhamos uma do corpo. mencionar Lurian. Maklouf con-
ta que, certa vez, o ator Antônio

GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 11

 INFÂNCIA E JUVENTUDE
INÊS 249

Fagundes “perguntou-lhe quantos Em 1974, Lula se casou nova- apareceu no sindicato. Ela foi buscar
filhos tinha e Lula, mesmo com a fi- mente, com a também viúva Marisa um atestado de dependência econô-
lha do lado, não a mencionou”. Ele Letícia da Silva. Em uma entrevista mica para internar o irmão. Eu tinha
respondeu, “tenho quatro” e acres- dada no início de sua carreira polí- dito ao Luisinho, que trabalhava co-
centou “todos homens”. tica, o atual presidente contou como migo no sindicato, que me avisasse
conheceu Marisa: “eu saía da casa sempre que aparecesse uma viuvinha
de uma namorada à meia-noite ou 1 bonitinha. Quando a Marisa apare-
Dona Lindu, a mãe da manhã e pegava um táxi na pra-
cinha de São Bernardo. Era o táxi de
ceu, ele foi me chamar”.
Naquela época, Lula era primeiro-
Em depoimento à revista Época, um velho. Um dia, não sei por quê, secretário e diretor do Departamento
quando foi eleito presidente pela pri- contei a ele que era viúvo. Então, de Previdência. Formal­ mente apre­
meira vez, em 2002, Lula afirmou so- ele me contou que tinha uma nora sen­tado, ele passou a telefonar para
bre dona Lindu: "Minha mãe simboliza muito bonita, e que o filho tinha si- Marisa. Então, descobriu que a ­nora
dignidade, comportamento ético. A do assassinado três meses depois do do taxista e a viúva eram a mesma
idéia de que não basta ser pobre, mi- casamento. Ele continuava muito re- pessoa. Seis meses depois, se casa-
serável, para ser bandido. Ela sempre voltado com a morte do filho e me ram. Lula assumiu a paternidade do
foi uma alentadora de esperanças, contou que a nora não ia mais se ca- primeiro filho de Marisa, Marcos, e
não desanimava nunca. Não lembro sar. Como tinha contado minha his- teve outros três com ela: Fábio Luiz,
de tê-la visto de mau humor. Mesmo tória para ele, de vez em quando [eu] Sandro Luiz e Luiz Cláudio. O Lula
nas situações mais complicadas, ti- pegava o táxi e ele desabafava, fala- daquela época gostava de futebol,
nha esperança. Isso foi o que sempre va do filho. E, às vezes, também fala- era fã de bangue-bangue e mal lia
inspirou a minha vida. Acreditar que a
va da nora (...) Nessa época, Marisa os jornais. H
gente sempre podia fazer mais, con-
quistar um espaço maior. Para isso, só
é necessário brigar”.
AGÊNCIA GLOBO/ SILVIO CORRÊA

Lula no velório de sua mãe, Dona Lindu, em 12/05/1980

12
 INÊS 249 SINDICALISMO

Lula na Assembleia dos Metalúrgicos de São Bernardo em 13/05/1979

AGÊNCIA O GLOBO/ ANTONIO CARLOS PICCINI

O NOVO
SINDICALISMO
E
A ATUAÇÃO DE m 1969, Luiz Inácio recebeu um convite inesperado.
Seu irmão, Frei Chico, que de religioso não tinha nada
LUIZ INÁCIO NO
além do apelido, não pode participar da diretoria do
COMANDO DOS Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e de
TRABALHADORES Material Elétrico de São Bernardo do Campo e Diadema e in-
DO ABC PAULISTA dicou o irmão mais novo para o cargo. De início, Lula não quis
aceitar, mas acabou cedendo a contragosto. Dessa forma, relu-
tante e por acaso, Luiz Inácio entrou no mundo sindical. Mal
Por Claudio Blanc sabia ele que a estrada o levaria à presidência do Brasil.
GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 13
 SINDICALISMO
INÊS 249

Com seu jeito franco e fala cati- os operários colocaram em prática a dias, mas foi o bastante para abalar
vante, Lula se revelou um líder nato. palavra de ordem “braços cruzados, as estruturas estabelecidas entre o
Nas eleições sindicais de 1972, tor- máquinas paradas”. Estado e os industriais.
nou-se primeiro-secretário. A partir Os trabalhadores sentiam-se in- O movimento encorajou uma sé-
de então, começou a mudar as con- justiçados. Na época, era o governo rie de greves, paralisando 280 mil
cepções sobre as práticas sindicais. O militar quem estipulava os aumen- trabalhadores de diversas catego-
novo primeiro-secretário assumiu o tos, e os salários dos trabalhadores rias durante os dois meses seguin-
setor de previdência social da entida- eram mantidos baixos. No entanto, tes. Laís Abramo, socióloga, dire-
de. Seu trabalho apontava uma lide- o ganho das empresas era conside- tora da Organização Internacional
rança promissora e renovadora. Em rável. Os militares agiam assim pa- do Trabalho (OIT) no Brasil e auto-
1975, foi eleito presidente do sindica- ra garantir o lucro dos empresários ra do livro O Resgate da Dignidade:
to com 92% dos votos. Lula passou – especialmente dos grupos multina- Greve Metalúrgica e Subjetividade
a representar 100 mil trabalhadores cionais, de quem esperavam receber Operária, observou que os grevistas
e foi tido como “líder orgânico”, al- transferência tecnológica. “foram homens e mulheres que tive-
guém com imenso poder para articu- Cientes dos lucros da Scania e ram a coragem de inventar caminhos
lar as bases, pois sua liderança é na- sem aumento de salário, os líderes naquele momento tão difícil”.
tural, espontânea e – principalmente sindicais propuseram a greve. Às 7h O esforço foi premiado. Quatro
– reconhecida pelos seus liderados. da manhã, quando começou o turno meses depois daquele 12 de maio, um
Em 1978, foi reeleito presidente. do dia 12, o pessoal da ferramenta- milhão de pessoas já tinham recebido
Estava no lugar certo na hora certa. ria, o coração da fábrica, manteve as reajustes acima dos estipulados pelo
Após mais de dez anos sem greves máquinas desligadas. governo. Mas o significado principal
operárias, os trabalhadores come- A repercussão política foi enorme. foi, segundo Lula, o resgate da dig-
çaram a se mobilizar contra os pro- A greve da Scania representava a re- nidade. “Os trabalhadores queriam o
blemas socioeconômicos resultantes tomada do sindicalismo no Brasil, em direito de andar de cabeça erguida”,
dos desmandos da ditadura militar. plena vigência do Ato Institucional como dizia o então líder sindical.
Foram as primeiras paralisações a nº 5, que cassou direitos e liberdades,
desafiar a ditadura. inclusive o de manifestação dos tra- No comando
Com o golpe militar de 1964, os balhadores. Os operários da Scania Durante as paralisações, à fren-
sindicatos e sindicalistas foram re- permaneceram parados durante dois te do Sindicato dos Metalúrgicos de
primidos. Entre outras medidas, a
Lei de Greve foi limitada e a esta-
bilidade no emprego foi substituída Working Class Hero: foi assim que a revista
pelo Fundo de Garantia. Em 1968,
em Osasco, São Paulo e Contagem, americana Newsweek chamou Luiz Inácio Lula
os trabalhadores se levantaram em
uma grande greve. Mas eram os da Silva, numa matéria publicada em 1979.
Anos de Chumbo, e os operários re-
primidos se calaram. Além de comandar as greves que desafiaram
Uma greve daquela magnitude
só voltou a acontecer durante a di- o regime, Lula foi um dos precursores do Novo
tadura na sexta-feira 12 de maio de
1978, na fábrica da Scania, em São Sindicalismo, o viés sindical independente que
Bernardo do Campo. Revoltados
com mais um holerite sem reajuste, buscaria orientar o sindicalismo a partir de então
Frei Chico
Zé Careca ou Ziza, conforme seus irmãos em que a ditadura militar endureceu
o chamavam – se tornou sindicalista desproporcionalmente a repressão. Em
ainda na década de 1960. Seus irmãos 1975, Frei Chico foi preso pelo governo
José Ferreira da Silva, o irmão mais ainda lembram das pregações que militar e passou 48 dias na prisão, onde,
velho de Lula, foi quem o levou a militar ele fazia ao regime militar. “Eles me conforme a prática dos militares, foi
no sindicato dos Metalúrgicos de chamavam de comunista e diziam que torturado. Depois de solto, passou a
São Caetano do Sul. Mais conhecido eu podia ser preso”, recorda ele. De atuar com mais discrição política. Com
pelo apelido que recebeu de seus fato, Frei Chico se filiou ao clandestino a abertura, no final dos anos 1970, se
companheiros, Frei Chico – que Partido Comunista Brasileiro em tornou presidente do Sindicato dos
também já foi apelidado de Zé Gordo, 1971, nos Anos de Chumbo, período Metalúrgicos de São Caetano do Sul.

14
 INÊS 249
Negociação entre metalúrgicos e patrões na Fiesp, em 15/03/1978

AGÊNCIA O GLOBO/ JOÃO BITTAR

Oposição à ditadura militar
Ainda que a sociedade civil, já no assumindo caráter estritamente
início da década de 1970, começasse informativo. Além disso, eram
São Bernardo do Campo e Diadema, a demonstrar preocupação com os monitoradas pela Secretaria do Trabalho.
aquele nordestino barbudo, de 34 limites à democracia impostos pelo Para tanto, arapongas buscavam se
anos e com um apelido estranho, de- regime, o movimento sindical, a Igreja infiltrar entre os sindicalistas.
Católica e a guerrilha armada foram Com o sindicato amordaçado, o
fendia um sindicalismo desatrelado
os setores a opor maior resistência à governo determinava os aumentos
do Estado, fora dos padrões sedi-
ditadura militar. Embora os sindicatos salariais, respeitando a data do dissídio.
mentados pelo peleguismo da épo-
tenham sido fechados e as lideranças No entanto, a tabela elaborada pelo
ca. Bradava orgulhoso que o movi- sindicais perseguidas, os trabalhadores sindicato – uma das primeiras conquistas
mento era dos trabalhadores. continuaram se reunindo em da organização – foi abolida: um sinal
“Nem eu nem meus colegas de di- assembleias, ainda que supervisionadas do engessamento do movimento
retoria tínhamos participado de uma pela Secretaria do Trabalho, a qual trabalhista, uma vez que apenas a classe
greve antes. Então, a gente não sabia nomeou interventores para os diversos patronal tinha voz, protegida pelo regime.
se pulava de alegria ou ficava com sindicatos. De acordo com Manoel dos Assim, os aumentos salariais eram
medo”, declarou Lula ao recordar o Santos, ex-diretor do Sindicato dos invariavelmente insatisfatórios.
momento. Com medo ou não, o líder Padeiros de São Paulo, “o período entre No entanto, com a abertura política
meteu-se em muitas greves naquele 1964 e 1968 foi de total estagnação trazida pelo presidente João
ano. Em entrevista à revista Playboy política. Acabaram-se as greves e as Figueiredo, a partir de 1979, e
de julho de 1979, Luiz Inácio fez um deliberações. Embora as assembleias pressionados pela crise econômica e
balanço das lições aprendidas: “com continuassem acontecendo, toda a inflação galopante os trabalhadores
articulação política havia sido subtraída desafiaram o regime, convocando
essas duas greves que fizemos em 11
desses encontros”. Dessa forma, greves e paralisações. Dessa forma,
meses, a classe [trabalhadora] se uniu
as assembleias sindicais acabaram davam um basta aos militares.
mais, surgiram novos líderes e os tra-
balhadores passaram a se interessar
mais pelo sindicato. Aprendemos que e foi saudado pela imprensa, por as- mais importantes que têm acontecido
melhor que uma luta só duas lutas. sociações empresariais e até pelo go- neste país”, disse o então embaixador
Vencemos: os trabalhadores redesco- verno. Em pouco tempo, tornou-se brasileiro em Paris, Delfim Neto.
briram sua força. E, pela primeira vez unanimidade nacional. “É um líder Surgia, assim, um novo líder po-
em 15 anos, dirigentes cassados fo- sindical sério, não tem nada de po- lítico no Brasil. A voz de uma clas-
ram chamados para negociar”. lítico, não vai querer faturar”, decla- se que teve força e coragem para se
Lula se tornou o mais importan- rou o empresário Luis Eulálio Bueno mobilizar. Alguém que talvez pu-
te líder sindical no País desde 1964 Vidigal à época. “É uma das coisas desse ter sucesso onde outros, como

GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 15

 SINDICALISMO
INÊS 249

Lamarca e Marighela, não tiveram e

ajudar no esforço da sociedade civil O Lula de 1978 desconfiava de políticos,
para derrubar o ditadura.
O Lula de 1978 desconfiava de proibia a entrada de estudantes em
políticos, proibia a entrada de estu-
dantes em assembleias operárias, re- assembleias operárias, recusava alianças
cusava alianças com a Igreja e prega-
va que “a solução dos problemas do com a Igreja e pregava que “a solução dos
trabalhador não está nos partidos,
mas em sua própria classe”. problemas do trabalhador não está nos
Novo Sindicalismo partidos, mas em sua própria classe”
A atuação de Lula e de outros
sindicalistas deu origem ao “Novo da Universidade Federal de Ouro trabalhadores, pessoas que não acei-
Sindicalismo”, uma abordagem sin- Preto (Ufop). “O novo sindicalismo tam esse tipo de exploração, que que-
dical diferente da vigente, a qual se agregava uma série de forças distintas rem participar da vida política do
caracterizava, nas palavras de Tânia entre si, mas que tinham em comum, País, que não viveram o populismo
Regina Exposito Ferreira, autora do entre outras coisas, o posicionamen- de Getúlio Vargas. São pessoas que
estudo O Processo Discursivo do to contrário àqueles outros setores os começam a acreditar nelas mesmas”.
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva quais classificavam como reformistas E conclui, pontuando a independên-
a Partir de Entrevistas a Alguns e/ou pelegos e que entravavam o de- cia do movimento: “são quadros de
Jornalistas, “pelo clientelismo e pelo senvolvimento da luta dos trabalhado- dirigentes sindicais que não tiveram
assistencialismo sindical que marca- res em busca de suas reivindicações”, nenhum compromisso com o sindi-
ram, durante anos, a vida da classe explica Santana. calismo de antes de 1964, pois surgi-
trabalhadora brasileira, movida por Outra característica do movi­ ram mesmo a partir de 1969”.
um regime antidemocrático”. men­to é que ele era sustentado por Muitos dos elementos do “Novo
“Este sindicalismo seria uma rup- uma classe trabalhadora jovem, li- Sindicalismo” partiram do que al-
tura com as práticas estabelecidas no vre das influências dos antigos ope- guns estudiosos chamaram de “in-
passado. Não um passado genérico, rários. Conforme o próprio Lula terpretação política”. O movimento
mas principalmente aquele demarca- declarou em 1979, “o que está exis- operário e sindical tinha consciên-
do pelo período 1945/1964”, observa tindo lá no ABC, principalmente em cia do seu papel de peso na oposição
Marco Aurélio Santana, pesquisador São Bernardo, é uma massa jovem de ao regime. O impacto da ação dos

AGÊNCIA O GLOBO/ HUGO KOYAMA

Lula distribuindo jornais na porta da Volkswagen em 05/04/1979

16
 INÊS 249

A prisão de Lula
foram mais rigorosos. Lula e mais 17 a pena veio a ser revogada pelo Superior
dirigentes sindicais foram presos no Tribunal Militar. A revogação foi resultado
Departamento de Ordem Política e do forte apoio da sociedade civil aos
No dia 1º de abril de 1980, cem Social (Dops), onde ficaram por 31 dias, operários do ABC, com a mobilização
mil encheram o estádio da Vila enquadrados na Lei de Segurança de representantes da Igreja Católica,
Euclides, desafiando o poder militar. Nacional. Mesmo assim, a intervenção não advogados, jornalistas, estudantes
Imediatamente, o Exército buscou arrefeceu os protestos, e a greve continuou e parlamentares da oposição. Mas
intimidar a manifestação. No dia 17 de por mais 41 dias. Lula foi julgado pela enquanto estava preso, Lula perdeu sua
abril, os trabalhadores voltaram a se justiça militar em 1981 e condenado a três mãe. Na verdade, dona Lindu morreu sem
mobilizar, mas dessa vez os militares anos e seis meses de prisão. No entanto, saber que o filho tinha sido preso.

trabalhadores atingiu a arena políti- o trabalhador é trabalhador, desacre- De acordo com Santana, passados
ca geral de forma a abalar o regime. ditando de um monte de coisas que o 20 anos, “o ‘novo sindicalismo’ se tor-
Com reivindicações precisas e con- tinham enganado durante muito tem- nou, através da CUT, o projeto mais
cretas, o “Novo Sindicalismo” apre- po. Ele acreditava, por exemplo, que duradouro da história do sindicalis-
sentou posições políticas não tolera- o governo podia fazer muitas coisas mo nacional, incorporando sua parce-
das pela ditadura. para a classe trabalhadora, porque la mais significativa”. Recentemente,
O discursodo“NovoSindicalismo” estavam muito marcadas na mente Lula lembrou a importância histórica
com relação a patrões, Estado e legis- do trabalhador as pseudobenevolên- do movimento sindical, em especial
lação se caracterizava pela radicaliza- cias de Getúlio Vargas”. No entanto, da greve de 12 de maio de 1978, para
ção que buscava combater a intransi- continua Lula, “hoje ele não acredita mudar as relações de trabalho. “Sinto-
gência dos empresários e as agruras mais nisso. Hoje, ele está acreditando me vitorioso porque vejo que as coi-
e os sofrimentos no “chão da fábri- nas suas forças”. sas estão acontecendo em nosso país”,
ca”. Com relação à ditadura, o movi- declarou na ocasião o atual presidente
mento mostrava a rejeição ao Estado da República.
autoritário que pouco, ou nada, fazia
pelos trabalhadores.
Lech Walesa Projeção política
Os proponentes do movimen- Na época em que Lula comandava Depois da vitória das greves, Lula
to também lutavam por liberdade e os trabalhadores nas greves que começou a falar na necessidade de
autonomia sindical, desatrelando o abalaram o regime militar, o bloco os trabalhadores criarem um partido
sindicato do Estado. Lula pregava: comunista do leste europeu começava próprio e estreou sua participação em
“o movimento sindical tem esse cor- a se desmantelar. Da mesma forma campanhas políticas, apoiando o can-
dão umbilical preso ao Ministério do como aconteceu no Brasil, foram os didato a senador pelo MDB, Fernando
Trabalho” e que é “preciso acabar operários que se ergueram contra os
Henrique Cardoso. Curiosamente,
com a contribuição sindical que atre- regimes totalitaristas. O movimento se
Lula entrou na política pela mão do
la o sindicato ao Estado. O sindicato iniciou na Polônia e se alastrou para
homem que o derrotaria duas vezes se-
os outros países da Cortina de Ferro.
ideal é aquele que surge espontanea- guidas em eleições presidenciais.
O polonês Lech Walesa entrou para a
mente, que existe porque o trabalha- Em 1979, Lula começou a tra-
história universal do movimento operário
dor exige que ele exista”. balhar pela criação de uma Central
em agosto de 1980 ao liderar a greve
Em entrevista à revista Cara a desencadeada no porto de Gdansk. Única dos Trabalhadores (CUT). O
Cara, em 1978, Lula comentou as Ativista sindical desde 1970, católico de governo militar reagiu cassando o
mudanças no sindicalismo brasilei- não perder missa, Walesa comandou no mandato da diretoria do sindicato
ro da época, especialmente sobre a segundo semestre de 1980 uma onda e, em maio, Lula foi preso e enqua-
busca, por parte de alguns dirigen- de greves que conquistou melhores drado na Lei de Segurança Nacional
tes sindicais, de tornar o sindicalis- salários e condições de vida para os por ''incitar à desobediência coletiva
mo independente “de uma vez por trabalhadores da Polônia, derrubou das leis e à luta de classes pela vio-
todas”. Para ele, “isso não acontecia, ministros e – fato impensável num país lência''. Os metalúrgicos entraram,
por exemplo, antes de 1964, quando comunista – organizou sindicatos livres mais uma vez, em greve, a mais du-
sabíamos que muitos movimentos da máquina do Estado. Walesa foi um
ra e difícil de todas. Lula passou 31
eram feitos por interesses políticos, dos fundadores do Solidariedade, a
dias preso. Sobre a experiência, de-
muitas vezes em benefício de quem primeira central sindical independente
clarou: “Não tenho medo de ser pre-
do mundo comunista, que reuniu 10
estava no poder e mesmo de quem so, torturado ou mesmo de morrer.
milhões dos 13 milhões de operários
não estava, mas queria chegar lá”. Meu único medo é o de falhar, por
poloneses. Em 1981, Walesa e Lula se
Lula notava que neste novo mo- engano ou por falta de bom senso,
reuniram na Itália.
mento haveria “a consciência de que com aqueles que confiam na gente.”

GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 17

 INÊS 249
PARTIDO DOS TRABALHADORES

FUNDAÇÃO
DO
Por Claudio Blanc

E
ra uma busca pelo autêntico exercício da
democracia. O próprio Lula conta que, du-
rante as assembleias nos estádios de futebol,
“eu ficava lá naquela trave lá, e a gente, na hora de
colocar em votação, a gente gritava: Olha, os com-
panheiros que são favoráveis à proposta da Fiesp,
por favor, levantem a mão. Ninguém levantava a
mão. E a gente falava: Os companheiros que são
contra a proposta da Fiesp, levantem a mão. E aí
todo mundo... Aqui foi onde a gente descobriu a
necessidade de dar um passo adiante, aqui foi on-
de a classe trabalhadora criou consciência política.
Aliás, eu acho que aqui é que começou o verdadei-
ro processo de democratização deste país, porque
foi aqui que a classe trabalhadora deu o seu grito
de guerra”.
No período da ditadura militar, os parti-
dos políticos haviam sido extintos, dando lugar
a duas agremiações, que funcionavam como pó-
los de apoio do governo militar, o Movimento
Democrático Brasileiro (MDB) e a Aliança para a
O SUCESSO DO MOVIMENTO Renovação Nacional (ARENA). Mas, depois das
greves do final dos anos 1970, conscientes da sua
GREVISTA DO FINAL DOS força política, os trabalhadores começaram a ide-
alizar a fundação de um partido que melhor os re-
ANOS 1970 LEVOU LUIZ presentasse. Em uma entrevista da época em que
INÁCIO A PENSAR NA Lula despontou como líder operário, ele descreveu
como deveria ser um partido para representar bem
CRIAÇÃO DE UM PARTIDO os trabalhadores: “esse partido deveria ter com-
promisso com as bases, ter trabalhadores. É o que
POLÍTICO PARA FAZER a gente está tentando criar. Um partido para todos
VALER A DEMANDA os que vivem de salário, não só operários, mas to-
dos os que trabalham”.
DOS TRABALHADORES Na apresentação do livro Lula, o Filho do Brasil,
de Denise Paraná, Antônio Candido observa a na-
tureza do PT como fruto de uma convergência di-
nâmica, em determinada conjuntura histórica, da
iniciativa sindical, de aspirações difusas cujo alvo é
a igualdade econômica e da liderança de Lula.
Com a oportunidade histórica, a liderança
do movimento operário se aliou a intelectuais,
membros do setor progressista da Igreja, políti-
cos da oposição e artistas, e fundou o seu parti-
do. Com as brisas da Abertura soprando, em 10

18
 INÊS 249

Lula durante lançamento do PT no Rio de Janeiro em uma igreja de Nova Iguaçu (30/09/1979)
AGÊNCIA O GLOBO/ JORGE MARINHO

de fevereiro de 1980, no Colégio

Sion, em São Paulo, foi criado o PT. Antônio Candido observa a natureza do PT
De acordo com o escritor Eduardo
Bueno, o PT surgia como “a ponta- como fruto de uma convergência dinâmica, em
de lança do movimento sindicalista
na região do ABC”. determinada conjuntura histórica, da iniciativa
Segundo Jorge Pinheiro, profes-
sor da Universidade Metodista de sindical, de aspirações difusas cujo alvo é a
São Paulo, “a ideia do PT surge en-
tão de quatro fatores: a nova realida- igualdade econômica e da liderança de Lula
de social; as mobilizações e lutas que
geraram uma nova experiência, não
somente sindical, mas democrática Mas a criação do PT passou por Dussel, “os dirigentes sindicais che-
e política; a falta de alternativas pa- grandes dificuldades. Conforme ex- garam à questão do PT através do
ra esta nova vanguarda, que neces- plica Pinheiro, autor da tese de dou- classismo, como mediação entre a
sitava se expressar politicamente; e torado O espectro do vermelho: questão sindical e política, o Partido
a possibilidade de se expressar atra- uma leitura teológica do socialis- dos Trabalhadores necessitou dos
vés das direções sindicais classistas e mo no Partido dos Trabalhadores, quadros políticos”. Estes quadros
correntes da esquerda socialista”. a partir de Paul Tillich e Enrique vieram da esquerda socialista e das

O socialismo dos socialismo que nós queremos se

definirá por todo o povo, como exigência
O socialismo que nós queremos não
nascerá de um decreto, nem nosso,
concreta das lutas populares, como
Trabalhadores
nem de ninguém. O socialismo que
resposta política e econômica global nós queremos irá se definindo nas
a todas as aspirações concretas que o lutas do dia-a-dia, do mesmo modo
Em discurso na Primeira Convenção PT seja capaz de enfrentar. Seria muito que nós estamos construindo o PT. O
Nacional do Partido dos Trabalhadores, fácil, aqui sentados comodamente, no socialismo que nós queremos terá que
que aconteceu em 27 de setembro recinto do Senado da República, nos ser a emancipação dos trabalhadores.
de 1981 em Brasília, Lula anunciou decidirmos por uma definição ou por E a libertação dos trabalhadores será
o caráter socialista do partido. “O outra. Seria muito fácil e muito errado. obra dos próprios trabalhadores”.

GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 19

 PARTIDO DOS TRABALHADORES
INÊS 249

comunidades eclesiásticas de base

para viabilizar o projeto de constru-
ção do Partido dos Trabalhadores.
“Os dirigentes sindicais desejavam
um partido, mas não sabiam como
construí-lo, e as esquerdas socialis-
tas e religiosas, na sua maioria in-
telectuais e estudantes, sonhavam
em encher suas pequenas organiza-
ções com trabalhadores fabris. O
Partido dos Trabalhadores possibi-
litou, então, num primeiro momen-
to, o encontro da necessidade com
a utopia”, sustenta. E dessa maneira
surgiu o PT.
A orientação política do novo par-
AGÊNCIA O GLOBO/ SEBASTIÃO MARINHO

tido era socialista-democrática. O

ideal por trás da fundação do partido
era o da construção de uma socieda-
de que expressasse a vontade de to-
dos os trabalhadores explorados pelo
capitalismo. Buscava também a cons-
trução de uma nova democracia, com
raízes nas bases da sociedade e sus- Lula discursa durante Congresso dos Trabalhadores na Indústria em 24/07/1978
tentada pelas decisões das maiorias,
isto é, das massas, e não pelos donos
dos meios de produção. E eram os tra- O presidente confessou à escritora
balhadores que deveriam promover
sua emancipação. Conforme declara- Denise Paraná que sua ascensão se deve às
conquistas da classe: “eu digo sempre que eu
va sua Carta de Princípios, “a eman-
cipação dos trabalhadores é obra dos
próprios trabalhadores, que sabem
que a democracia é participação or- sou o fiel resultado do crescimento da minha
ganizada e consciente e que, como
classe explorada, jamais deverá espe- categoria. Nem mais nem menos. À medida
rar da atuação das elites privilegiadas
a solução de seus problemas”. que ela avançava, eu avançava”
Embora de orientação de esquer-
Não ao comunismo da, o PT surgiu recusando modelos
que já estavam em decadência, como
Os modelos soviético e maoísta já comunismo. A sociedade desejava, o marxismo soviético ou o maoísmo.
eram decadentes no início da década de fato, o fim do regime militar, mas Tanto que, quando a questão da filia-
de 1980. Cerca de 15 anos antes, o ainda temia o comunismo. Quando ção ideológica do PT foi levantada em
próprio Che Guevara já recusava o Lula foi projetado a figura pública, a debate por Fernando Collor durante
comunismo soviético e buscava se partir da greve da Scania, em 1978, os a campanha presidencial de 1989,
alinhar ao maoísmo. No entanto, depois setores conservadores da sociedade o Lula respondeu que o PT "jamais de-
da Revolução Cultural de Mao Tse Tung, saudaram como líder de um movimento clarou ser um partido marxista".
que oprimiu duramente a população espontâneo de oposição ao regime. O próprio Lula colocou essa po-
civil, o regime maoísta também passou Contudo, nem a classe média nem a sição em uma entrevista à escrito-
a ser visto com desconfiança. Além elite desejavam que um trabalhador de ra Denise Paraná. “A verdade é que
disso, o PT não queria ser visto pelas esquerda assumisse posições como
nós tínhamos duras críticas ao so-
classes médias brasileiras como legislador municipal, estadual e, muito
cialismo real existente. A nossa bri-
um partido que buscava implantar o menos, nacional.
ga dentro do PT – depois da queda

20
 INÊS 249

Carta de Princípios do PT
A Carta de princípios do PT é anterior nos órgãos de representação criados democráticas e por participação política.
ao Manifesto de Fundação do Partido pelas próprias massas trabalhadoras O PT afirma seu compromisso com a
dos Trabalhadores. Lançado na com vista a uma primordial democracia democracia plena, exercida diretamente
emblemática data de 1º de maio de direta. Ao anunciar que seu objetivo é pelas massas, pois não há socialismo
1979, o documento define, conforme organizar politicamente os trabalhadores sem democracia nem democracia sem
o nome, os princípios pelo qual a urbanos e os trabalhadores rurais, o PT socialismo.
legenda irá pautar sua atuação. A se declara aberto à participação de todas Um partido que almeja uma sociedade
Carta de Princípios do PT explica as camadas assalariadas, repudiando socialista e democrática tem de ser, ele
a necessidade de se fundar um toda forma de manipulação política das próprio, democrático nas relações que
partido que responda aos anseios massas exploradas, incluindo, sobretudo se estabelecem em seu interior. Assim,
da classe trabalhadora. “O PT (...) as manipulações próprias do regime o PT se constituirá respeitando o direito
surge exatamente para oferecer aos pré-64, o PT recusa-se a aceitar em das minorias de expressar seus pontos
trabalhadores uma expressão política seu interior, representantes das classes de vista. Respeitará o direito à fração e
unitária e independente na sociedade. exploradoras. Vale dizer, o Partido dos às tendências, ressalvando apenas que
E é nessa medida que o PT se tornará, Trabalhadores é um partido sem patrões! as inscrições serão individuais.
inevitavelmente, um instrumento (...) (...)
decisivo para os trabalhadores na luta O PT não pretende criar um O PT declara-se comprometido e
efetiva pela liberdade sindical”, propõe organismo político qualquer. O empenhado na tarefa de colocar os
o documento. Partido dos Trabalhadores define-se, interesses populares na cena política e
programaticamente, como um partido que de superar a atomização e dispersão das
Confira abaixo trecho da carta: tem como objetivo acabar com a relação correntes classistas e dos movimentos
de exploração do homem pelo homem. sociais. Para esse fim, o Partido dos
O PT proclama também que sua luta O PT define-se também como partido Trabalhadores pretende implantar seus
pela efetiva autonomia e independência das massas populares, unindo-se ao núcleos de militantes em todos os locais
sindical, reivindicação básica dos lado dos operários, vanguarda de toda de trabalho, em sindicatos, bairros,
trabalhadores, é parte integrante a população explorada, todos os outros municípios e O PT manifesta alto e bom
da luta pela independência política trabalhadores – bancários, professores, som sua intensa solidariedade com
desses mesmos trabalhadores. Afirma, funcionários públicos, comerciários, bóia- todas as massas oprimidas
outrossim, que buscará apoderar- frias, profissionais liberais, estudantes
se do poder político e implantar o etc. – que lutam por melhores condições A Comissão Nacional Provisória
governo dos trabalhadores, baseado de vida, por efetivas liberdades 1º de Maio de 1979

do muro de Berlim, isso mudou mui- o socialismo real. Só que a gente cri- aos movimentos de libertação nacio-
to, e mudou também porque tem ou- ticava já naquela época. Os setores nal". O "Plano de ação" para a polí-
tras correntes dentro do PT – era de esquerda que liam as cartilhas de tica externa buscava "Independência
porque a gente nunca aceitou o mo- Moscou achavam que nós éramos da Nacional: contra a dominação impe-
delo soviético como um modelo al- CIA. Hoje, eles fazem o discurso que rialista; política externa independen-
ternativo da sociedade, nós nunca nós fazíamos 20 anos atrás, mas não te; combate à espoliação pelo capital
aceitamos”, disse Lula. Ele recorda fazem autocrítica.” internacional; respeito à autodeter-
igualmente que “nós fazíamos críti- No plano internacional, a orien- minação dos povos e solidariedade
cas ao socialismo porque não admi- tação do PT levou, desde o começo, aos povos oprimidos". Conforme
tíamos uma sociedade socialista sem o partido a se alinhar com outras li- observa Almeida, “pela terminolo-
liberdade de expressão, sem direito deranças de esquerda da América gia e propostas de ação, nada, nes-
de greve, sem partidos políticos de Latina. O programa original do se documento, permitiria desvincu-
oposição. Eu já tinha estas informa- Partido dos Trabalhadores previa lar o PT dos conceitos e políticas de
ções todas. Não era possível você fa- uma "política internacional de so- uma típica plataforma dos partidos
lar em democracia com um partido lidariedade entre os povos oprimi- esquerdistas da América Latina no
só, com sindicatos sem poder fazer dos e de respeito mútuo entre as na- período clássico da Guerra Fria, o
greve, sem as pessoas poderem cri- ções que aprofunde a cooperação e que era, aliás, conforme a sua voca-
ticar o partido que estava no poder. sirva à paz mundial”. Dessa forma, ção afirmadamente socialista”.
Nessa época, a gente já fazia estas observa Paulo Roberto de Almeida, Desde o início, o partido se fez
críticas. Por isso, eu me sinto à von- do Instituto Rio Branco, “o PT apre- crítico aos social-democratas, con-
tade hoje. Hoje, é muito fácil criticar senta com clareza sua solidariedade forme atesta seu programa original:

GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 21

 PARTIDO DOS TRABALHADORES
INÊS 249

O que foi a
Abertura?
As eleições parlamentares de 1974
foram vencidas pelo MDB, o partido
de oposição comandado por Ulysses
Guimarães. Municiado com o apoio
público, o MDB aproveitou para tecer
duras críticas à política econômica.
O presidente militar Ernesto Geisel
reagiu com uma promessa de abertura.
De fato, derrotada a guerrilha que se
opunha ao regime, alguns setores
das Forças Armadas reconheciam a
necessidade de se voltar gradualmente
a um regime civil. Foi o início de um
processo lento e custoso. Aos poucos,
a ditadura começou a se abrandar. A
censura à imprensa foi gradualmente
diminuindo, ao mesmo tempo em que
as greves eclodiam. Conforme colocou
o escritor Jorge Caldeira, “de um lado,
os militares procuravam desmontar
a máquina de repressão. De outro,
cresciam os protestos estudantis”.
Mesmo assim, a promessa de abertura
não conseguiu evitar episódios como
DIVULGAÇÃO

o assassinato do jornalista Vladimir

Herzog, em 1975, nem da estilista Zuzu
Angel, cujo filho também havia sido
assassinado pela ditadura, em 1976.

Presidente do Partido, reeleito desde sua

fundação em 1980, Lula deixou o cargo em dos trabalhadores assalariados orga-
nizados, o que explicaria a facilidade

1987, reforçando o princípio do rodízio na

com que o partido, uma vez no poder,
adaptou-se à lógica da economia capi-
talista como um todo e à uma política
direção partidária. Desde então, tornou-se o econômica bastante ortodoxa”. De fa-
to, já na década de 1990, prefeitos pe-
presidente de honra do PT, levando o partido a tistas – entre eles o futuro Ministro da
Fazenda, Antônio Palocci – adotavam
conquistar, com ele, o cargo mais alto do País políticas neoliberais, até mesmo pro-
movendo privatizações.
"as correntes social-democratas não expansão norte-americana depois da Luiz Inácio foi um dos principais
apresentam, hoje, nenhuma perspec- Segunda Guerra Mundial, em lugar articuladores da fundação do PT.
tiva real de superação histórica do ca- do neocolonialismo que perdurou até Presidente do Partido, reeleito des-
pitalismo imperialista". Essa supera- o início desse conflito internacional. de sua fundação em 1980, Lula dei-
ção é a busca dos trabalhadores de No entanto, ao chegar ao poder, o xou o cargo em 1987, reforçando o
revogarem um modelo socioeconô- PT adotava as orientações capitalistas princípio do rodízio na direção par-
mico que implica não só na explora- defendidas por aqueles que criticava. tidária. Desde então, tornou-se pre-
ção do proletariado, mas na explora- Conforme observou um analista, “nú- sidente de honra do PT, levando o
ção das nações mais pobres pela mais cleo duro é composto por sindicalis- partido a conquistar – com ele – o
ricas. O termo “capitalismo impe- tas com uma preocupação, acima de cargo mais alto do País, o de presi-
rialista” refere-se especificamente à tudo, com os interesses corporativos dente da República. H

22
 INÊS 249INÍCIO DA CARREIRA POLÍTICA

A Constituição de 1988 teve a participação de 559 congressistas

DIVULGAÇÃO/ ACERVO ABR

PRIMEIROS ANOS
DA CARREIRA
POLÍTICA
DEPOIS DE PARTICIPAR DAS
ELEIÇÕES PARA O GOVERNO
DE SÃO PAULO EM 1982,
LULA LUTOU PELAS
DIRETAS JÁ E ATUOU NA
CONSTITUINTE DE 1988
GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 23
 INÍCIO DA CARREIRA POLÍTICA
INÊS 249

Ulysses Guimarães presidiu os trabalhos para a elaboração da nova Constituição

DIVULGAÇÃO/ ACERVO ABR

Por Claudio Blanc incorporado ao nome do futuro pre- que a projeção no quadro político na-
sidente. Era mais fácil identificar o cional. Plínio Sampaio justificou com

E
m 1982, o PT participou de candidato pelo apelido. propriedade os objetivos daquela
sua primeira eleição. O par- Lula e o PT eram, porém, es­trean­ campanha: “a candidatura para va-
tido já congregava 400 mil tes. As chances de ser eleito eram sa- ler busca a vitória eleitoral, mas não
mili­tantes em todo o Brasil e lan- bidamente pequenas. Conforme Plínio considera que esta seja o único objeti-
çou Lula candidato a governador de Arruda Sampaio, autor do estatuto vo justificativo da campanha. A can-
do Estado de São Paulo, concor- do PT, colocou na ocasião “estamos vi- didatura pra valer, sem renunciar à
rendo contra Franco Montoro, do vendo um período de transição que dá vitoria, não é uma candidatura pa-
PMDB. Era a primeira eleição de- lugar a um quadro eleitoral inteiramen- ra ganhar a todo custo. No seu con-
pois da abertura política. No entan- te novo e até certo ponto indefinido e, texto, a vitória pode vir a constituir,
to, a Lei Falcão, resquício do regime como é comum neste tipo de situação, conforme o decurso da campanha,
militar, não permitia o discurso dos tudo pode acontecer. Por isso, não se um resultado do esforço desprendi-
candidatos na televisão e no rádio. pode descartar a possibilidade de uma do, mas não constitui o único motivo
Os partidos políticos apresentavam vitória do Lula nas eleições de 15 de deste. A criação de uma força política
a foto de cada candidato, enquanto novembro, mas as probabilidades des- nova; a ampliação do numero de filia-
seu currículo e seu plano de governo te resultado são remotas”. Mesmo as- dos; a consolidação da estrutura par-
era lido por um locutor. Na época, o sim, o partido apostava em Lula. Ele tidária; a divulgação do programa e
número da sigla do PT era o 3, não era, segundo Plínio, “candidato pra da plataforma; a constituição de ban-
o atual 13. Os slogans usados foram valer”, isto é, “aquele que consegue ar- cadas parlamentares expressivas; a
“Vote no 3 porque o resto é bur- ticular em torno da sua proposta par- conquista de algumas prefeituras são
guês” e “Trabalhador vota em tra- celas ponderáveis do eleitorado”. resultados suficientes para justificar
balhador”. Também foi durante essa O esforço de Lula e do PT nessa uma campanha para valer”.
campanha que o apelido “Lula” foi ocasião buscava menos a vitória do O PT apostava em sua estrela

24
 INÊS 249

maior, acreditando que ele era o úni-

co candidato capaz de mobilizar to-
das as bases partidárias e de entusias-
A Constituição de 1988
mar, ao mesmo tempo, contingentes Desde 1964, o Brasil estava sob o instalada em 1º de fevereiro de 1987,
expressivos do operariado, dos traba- regime da ditadura militar e, desde sob presidência do deputado Ulysses
lhadores rurais e das classes médias. 1967, sob uma constituição imposta Guimarães, do PMDB. Os trabalhos
Mas a postura do candidato as- pelo governo. A Carta em vigor havia dos constituintes se estenderam por 18
sustava. A imagem do revolucioná- sido reformulada várias vezes, e de meses. O grupo majoritário era o Centro
rio, do “tipo Che Guevara”, se sobre- forma autoritária, durante o regime Democrático, também conhecido como
punha à do homem simples. A raiva militar e não expressava mais a nova "Centrão", formado por uma parcela dos
ordem política do País . Assim, ao parlamentares do PMDB, pelo PFL, PDS
no tom da voz, a postura e as roupas
longo do processo de abertura política, e PTB, além de outros partidos menores.
usadas reforçavam a figura do revo-
emergiu a necessidade de uma nova No início dos trabalhos do Congresso
lucionário em detrimento da do tra-
Constituição mais de acordo com os Constituinte, em busca de defender
balhador. Com uma plataforma radi- valores democráticos. Assim, os meses seus interesses, vários setores da
cal, Lula procurava se diferenciar dos iniciais do governo Sarney – o primeiro sociedade também contribuíram, através
políticos tradicionais que disputavam governo civil desde o Golpe de 1964 – de lobbies, com a Magna Carta. O
a eleição. De camiseta, o candidato foram pontuados por debates a respeito Congresso também recebeu inúmeras
pedia: “companheiro trabalhador, da convocação de uma Assembleia propostas formuladas pelos cidadãos
vote no 3 que o resto é burguês”. Constituinte. Havia, porém, divergências e apresentadas por meio de entidades
Mas o eleitorado, que acabava de sobre a nova carta magna. associativas, subscritas por pelo menos
sair de um período de ditadura mili- Os setores mais progressistas 30 mil assinaturas.
tar, de luta contra o comunismo, te- defendiam a formação da Assembleia A Constituição da República Federativa
ve medo – talvez fosse como pular da de representantes, eleitos pelos do Brasil de 1988, a lei fundamental e
frigideira para cair no fogo. Mesmo cidadãos, com a função única de suprema do Brasil, foi promulgada em 5
assim, apesar da falta de recursos elaborar a nova Constituição, pois de outubro de 1988. É a sétima a reger o
acreditavam que uma Assembleia Brasil desde a sua Independência. A nova
da campanha e dos preconceitos de
Constituinte exclusiva teria maior Constituição sedimentou a democracia
classe do eleitorado, Lula obteve 1
representatividade e soberania para brasileira. Entre outros avanços, a Carta
milhão e 200 mil votos.
elaborar a nova Carta. Mas acabou de 1988 determina a eleição direta para
prevalecendo o Congresso Constituinte, Presidente da República, Governador
Deputado isto é, os deputados federais e de Estado (e do Distrito Federal),
Após a derrota nas urnas, Lula e o senadores eleitos em novembro de Prefeito, Deputado (Federal, Estadual
PT adiantaram-se na campanha pe- 1986 acumulariam as funções de e Distrital), Senador e Vereador. A nova
las Diretas Já, organizando um co- congressistas e de constituintes. Constituição também determina uma
mício em novembro de 1983 e lan- A Assembleia Nacional Constituinte, maior responsabilidade fiscal e ampliou
çando um comitê suprapartidário composta por 559 congressistas, foi os poderes do Congresso Nacional.
que desencadeou a campanha no ano
seguinte. Lula procurou políticos de
vários partidos – entre eles, Leonel mobilização popular na história do apoderar de tal bandeira”, conforme
Brizola (PDT), Giocondo Dias (PCB) País. Lançada pelo PT, logo recebeu o observou o escritor Eduardo Bueno.
e Tancredo Neves – para tentar apro- apoio do PMDB – o partido modera- Na verdade, os dividendos políticos
var a proposta. E conseguiu. A cam- do de oposição, o qual deu origem ao favoreceram mais o PMDB do que o
panha pelas Diretas foi a maior atual PSDB – “faltando pouco para se PT. A campanha acabou sendo lide-
rada por Ulysses Guimarães, líder do

O PT apostava em sua estrela maior, PMDB, que por conta da sua atuação
foi apelidado de “Sr. Diretas”. Lula,

acreditando que ele era o único candidato embora tenha sido o articulador da
campanha e figura importante nos

capaz de mobilizar todas as bases partidárias comícios que tomaram as ruas de vá-
rias capitais brasileiras, acabou sen-
do ofuscado por Ulysses Guimarães
e de entusiasmar, ao mesmo tempo, e pelo PMDB.
Apesar do apoio de toda a popu-
contingentes expressivos do operariado, dos lação brasileira à campanha Diretas
Já, para se eleger um novo presiden-
trabalhadores rurais e das classes médias te por voto popular era necessário

GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 25

 INÍCIO DA CARREIRA POLÍTICA
INÊS 249

modificar a Constituição. E, para

tanto, era preciso obter o voto de dois
terços do Congresso, o qual, por sua
Primeiras expulsões do PT
vez, era liderado pelo PDS, o parti- Depois da derrota da emenda Dante de das elites e chamando a transição de
do ligado ao governo. A questão foi Oliveira, em abril de 1984, o PT tentou “transação”. Contudo, três, dos oito
resolvida com a proposta do deputa- retomar a campanha das Diretas, mas deputados federais petistas, contrariaram
do Dante de Oliveira, do PMDB de o movimento Tancredo Já tomava as a orientação partidária (Beth Mendes [SP],
Mato Grosso, de uma emenda cons- ruas com maior vigor. A direção do Airton Soares [SP] e José Eudes [MG])
titucional que introduzia as eleições partido orientou seus correligionários e votaram em Tancredo. Por conta disso,
a não comparecer ao colégio eleitoral, foram expulsos do partido, inaugurando o
diretas. Em 25 de abril de 1984, com
classificando-o como um “arranjo” primeiro expurgo da história do PT.
o Congresso cercado por tropas da
polícia militar, a emenda foi votada.
Para decepção dos brasileiros, foi mudavam de lado. Em 15 de janeiro de ocasião, assumiu a presidência.
derrotada por apenas 22 votos. de 1985, o Colégio Eleitoral elegeu Apesar estar longe de ser o candidato
No entanto, o movimento pelas Tancredo, que venceu com tranqui- dos sonhos dos brasileiros, ao deixar
eleições diretas proporcionou avan- lidade o candidato governista, Paulo o governo em 15 de março de 1990,
ços. Estava claro que a base de sus- Maluf. Depois de 20 anos com os Sarney tinha se tornado o presidente
tentação do governo militar estava militares no poder, o Brasil teria, fi- da redemocratização, aquele que deu
fragmentada. O golpe de misericórdia nalmente, um presidente civil. ao País uma nova Constituição.
veio com a candidatura do oposicio- O PT acabou não indo ao Colégio
nista Tancredo Neves, então gover- Eleitoral que elegeu Tancredo presi­ A Constituinte
nador de Minas Gerais. Percebendo dente da República, em 1985. Três de A primeira vitória de Lula e do
PT aconteceu nas eleições para a

Na luta pelas Diretas Já, Lula, embora tenha Constituinte. Em 1986, o líder sindi-
cal foi eleito o deputado mais votado

sido o articulador da campanha e figura do país com 652 mil votos. Dos 572
municípios de São Paulo, Lula recebeu

importante nos comícios que tomaram as ruas votos em 568, sobretudo nas regiões
industriais. Dessa forma, Luiz Inácio

de várias capitais brasileiras, acabou sendo Lula da Silva chegou à Assembleia

Nacional Constituinte no primeiro
dia de fevereiro de 1987, aos 41 anos.
ofuscado por Ulysses Guimarães e pelo PMDB Além de incorporar terno e gravata
ao novo visual, Lula estreava a chance
a mudança, muitos políticos governis- oito deputados federais do PT foram de tornar realidade os anseios da classe
tas mudaram de lado. “Queriam estar expulsos do partido porque decidi- trabalhadora. Mas, apesar das expecta-
ao lado do candidato cujo logotipo de ram votar na eleição indireta. tivas em torno do deputado, ele teve um
campanha era o mesmo dos comícios Mas o sonho da sociedade civil desempenho fraco. A culpa, segundo
das Diretas”, conforme notou o histo- seria frustrado. Em 13 de março, a Lula, era da estrutura do Congresso, o
riador Jorge Caldeira. apenas dois dias da posse, Tancredo qual apelidou de “vendilhão de ilusões”.
Tancredo de Almeida Neves era, passou por uma bateria de exames, “Milhares de pessoas votaram em mim
nas palavras de Eduardo Bueno, “o e os médicos constataram a existên- e estou aqui brigando pela Constituinte
típico político mineiro: calado sem- cia de um processo infeccioso agudo mais avançada possível. Este é o aspec-
pre que possível, reticente quando no abdômen. Tancredo tentou adiar to positivo. O negativo é que a estru-
necessário, corajoso em momento- a internação para depois da primeira tura de funcionamento do Congresso é
chave, capaz de guinadas oportu- reunião ministerial do novo governo, arcaica, é feita para não funcionar com
nas e eventualmente oportunistas”. marcada para o dia 17, às 17h. Mas a rapidez necessária”, declarou numa
Apoiado pela população, a campa- a reunião não aconteceu. Na noite do entrevista ao Jornal do Brasil, em 21
nha de Tancredo Neves deslanchou. dia 14, o quadro clínico indicava pos- de fevereiro de 1987.
Apesar de a escolha ser feita pelo sibilidade de parada cardíaca, para- Além da lentidão, Lula reclamava
Colégio Eleitoral, Tancredo fez sua da respiratória e morte, e Tancredo da superficialidade com que os pro-
campanha como se as eleições fos- precisou ser internado imediatamen- blemas eram tratados, da burocracia
sem diretas. Organizou comícios te. O presidente eleito faleceu em 21 e da falta de comprometimento da
chamando o público, o que, por sua de abril daquele ano, e o vice-presi- maioria dos deputados e senadores.
vez, atraiu políticos governistas que dente José Sarney, um oposicionista “Nunca imaginei que o nível fosse tão

26
 INÊS 249

baixo. Nunca imaginei que a incapa-

cidade fosse tanta. Incapacidade de
diálogo, de articulação. Incapacidade
política. Nunca imaginei que fosse ta-
manha a capacidade para negociatas
e negócios sujos como os que a gen-
te vê. Chega a dar nojo”, atacou Lula
em dezembro daquele ano.
Antes de assumir a cadeira,
Luiz Inácio defendia reformas. Sua
“Constituição avançada” previa au-
tonomia sindical, direito irrestrito de
greve, redução da jornada de traba-
lho e reforma agrária. Propunha a
formação de frentes parlamentares
com deputados de outros partidos e
se comprometia a ir às portas das fá-
bricas e às estações de trem para con-
tar aos trabalhadores o que se passa-
va no Congresso.
Ao mesmo tempo em que Lula se
desiludia com o Congresso, as críti-
cas à sua atuação se multiplicavam.
“Apagado” era um dos termos usa-
dos para definir seu trabalho. Luiz
Inácio chegou a pensar em abando-
nar a Constituinte. “Fui eleito para
fazer valer alguns interesses dos que
AGÊNCIA O GLOBO/ OLÍVIO LAMAS

nunca tiveram nada neste país e esta

Constituição que se quer fazer pare-
ce não querer isso. Garanto que não
vou assiná-la nem legitimá-la”, afir-
mou Lula no fim de 1987.
A frustração com a Constituinte
foi tanta que, seis anos depois, Lula
afirmou que a sociedade não deveria Lula candidato a governador de São Paulo nas eleições de 1982 (15/11/1982)

confiar nos políticos, porque have-

Lula comenta a Constituinte de 1988 ria “pelo menos 300 picaretas no
Congresso”. O fato causou bastante
Em entrevista concedida ao jornal votou contra o texto final da Constituição polêmica na época.
Folha de São Paulo em outubro de porque não concordava com a A frustrante experiência como de-
2008, o presidente Luiz Inácio Lula da regulamentação posterior de uma série putado – tanto para Lula como para
Silva criticou as “soluções mágicas” de direitos sociais que estavam sendo seus eleitores – o fez desistir de se can-
propostas pelo PT em 1988. “O PT garantidos. Tínhamos convicção de que didatar novamente para esse cargo.
chegou ao Congresso com uma o que ficasse para ser regulamentado Enterrou as pretensões legislativas e
proposta de Constituição pronta e depois teria muita dificuldade para ser não mais se candidatou a deputado.
acabada [com] que, se fosse aprovada, implementado. Como de fato ocorreu. No entanto, a vivência daquele perío-
certamente seria muito mais difícil Mas, ao contrário do que alguns dizem
do foi crucial para o amadurecimen-
governar do que hoje”. por aí, nós assinamos a Constituição.
to político e representou um degrau a
Embora reconheça os avanços Eu era o líder da bancada e lembrei que
mais na escalada à Presidência. Sete
da Constituição de 1988, Lula e o trabalhamos três anos, participamos dos
PT votaram contra o texto final da debates, ganhamos algumas batalhas,
meses antes do término dos trabalhos
Constituição. Hoje, o presidente explica perdemos outras. Tínhamos de deixar o na Assembleia Nacional Constituinte,
a posição da seguinte forma: “o PT nosso nome na história e assinar”. Lula se lançou candidato às eleições
presidenciais de 1989. H

GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 27

 RUMO AO PALÁCIO DO PLANALTO
INÊS 249

O SONHO DA PRES
AS HISTÓRICAS E POLÊMICAS ELEIÇÕES DE 1989

Por Claudio Blanc

AGÊNCIA O GLOBO

A
s eleições presidenciais de 1989 foram um mar-
co na história recente do Brasil. Primeiro, por-
que pela primeira vez em mais de um quarto de
século, desde 1960 (portanto, antes do Golpe de 1964),
os brasileiros voltariam a escolher seu presidente. Em se-
gundo lugar, porque pela primeira vez na história do País
um candidato que não pertencia às oligarquias, genuíno
representante do proletariado, concorria ao cargo mais al-
to da nação. Lula representava a face de um novo Brasil.
O povo, por quem os tenentes se sublevaram em 1922;
o povo, por quem alguns revolucionários marcharam na
Coluna Prestes incitando a insurreição, tinha finalmente
um representante legítimo. E não era alguém da elite que
se pronunciava em favor dos excluídos, mas sim alguém
vindo do chão da fábrica, alguém que viajara de pau-de-
arara, alguém que poderia defender os interesses da classe
trabalhadora. Esse homem era Luiz Inácio Lula da Silva.
A eleição para presidente de 1989 também foi emblemá-
tica por trazer novas configurações sociais e políticas. Isso
fica claro ao se comparar o pleito à última eleição livre para
presidente acontecida antes da instalação da ditadura mili-
tar. O Brasil de 1989 e o de 1960 eram muito diferentes. Em
1960, apenas 30% da população vivia nas cidades; existiam
poucas estradas nacionais; a precariedade dos transportes e
das telecomunicações dificultava a interação entre cidades
e regiões; os jornais, o rádio (com algumas exceções, como
a Rádio Nacional do Rio de Janeiro) e a televisão funcio-
navam como veículos eminentemente locais; as transmis-
sões televisivas se restringiam a oito capitais (São Paulo, Rio
de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador,
Lula votando em São Paulo no segundo turno das eleições presidenciais de 1989 Fortaleza e Curitiba), com 18 emissoras e “cerca de 100 mil

28
 INÊS 249

AGÊNCIA O GLOBO/ SERGIO MARQUES

Lula durante campanha presidencial de 1989
aparelhos no Rio e em São Paulo”. Os País. Para tanto, o candidato propu-
circuitos culturais erudito – altamen- nha a criação de uma “mercado in-
te restrito – e popular eram, em ter-
mos sociais, muito distanciados, com
terno de massas”, que permitiria a
migração de grande parte das cama-
Lula em Campanha
débeis pontos de interlocução.
Vinte anos depois, em 1980, a po-
das mais pobres da população, is- - Frases
to é, das classes D e E, para a clas-
pulação já se tornara majoritariamen- se C. Tratava-se de projeto nacional
te urbana (67%) e a parcela economi- de desenvolvimento que pusesse fim “Brizola, para ser presidente,
camente ativa tinha quase duplicado “à tragédia nacional brasileira”. A é capaz de pisar no pescoço
da própria mãe”.

IDÊNCIA
Sobre o candidato Leonel Brizola, em 1989

“Ele deveria abandonar sua

candidatura e virar vendedor
de discos da década de 30”
Lula sobre o candidato Leonel Brizola, na
campanha de 1989

“Um dia vamos fazer a

reforma agrária neste país;
(93%). O setor secundário reforma agrária estava um dia a classe trabalhadora
da economia havia crescido também na pauta. Além
263% e o terciário, 167%, disso, o programa incor-
vai controlar os meios de
tornando o Brasil um país porava igualmente propos- produção deste país e deixar
urbano, industrial e de ser- tas dos ecologistas ligados de investir em armas”.
viços. Existiam 235 emisso- ao PT. Em entrevista ao Jornal da Tarde
ras de televisão, 25 milhões Com relação à política
de receptores, cinco redes externa, em 1989, o can-
nacionais e 94% da popu- didato Lula se identificava “Que a minha participação
lação estava potencialmente com a luta dos excluídos la- neste debate tenha servido
atingida pela televisão. O Brasil que se tino-americanos. Ele prometia adotar para mostrar que o famoso
preparava para escolher seu novo pre- uma "política externa independente
sidente era, portanto, um outro país. e soberana, sem alinhamentos auto-
caçador de marajás não passa
máticos, pautada pelos princípios de de um caçador de maracujás.”
A disputa autodeterminação dos povos, não-in- Falando de Collor, no último debate do
O fim da ditadura militar, em gerência nos assuntos internos de ou- segundo turno das eleições presidenciais
1985, trouxe à cena diversos novos tros países e pelo estabelecimento de de 1989
partidos políticos. No entanto, por relações com governos e nações em
serem relativamente novos, estavam busca da cooperação à base de plena
pouco mobilizados. Mesmo assim,
22 candidaturas à presidência foram
lançadas (veja box). Essa quantidade
mantém o recorde mundial de eleição
presidencial com mais candidatos.
“O Brizola acha que trabalhador é
Em sua primeira disputa pela pre-
sidência do Brasil, a principal carac-
importante quando bate palmas debaixo
terística do candidato Lula era sua
identificação com a luta dos opri-
do seu palanque, mas não aceita um
midos da América Latina. O can-
didato do PT apresentou programa
trabalhador como candidato”
de governo que previa a realização
de uma “revolução social”, buscan- (Lula respondendo a críticas do candidato
do beneficiar as classes oprimidas do Leonel Brizola, na campanha de 1989)
GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 29
 RUMO AO PALÁCIO DO PLANALTO
INÊS 249

Comício de Lula na Cinelândia durante a campanha eleitoral para presidente em 1989

AGÊNCIA O GLOBO/ OTÁVIO MAGALHÃES

igualdade de direitos e benefícios mú- Lula chegou a propor a "decretação de da coligação encabeçada pelo PT sur-
tuos". A Frente Brasil Popular, a alian- uma moratória unilateral para ‘solu- preendeu políticos há muito estabele-
ça partidária formada para apoiar a cionar’ a questão da dívida externa". cidos que disputavam a eleição, co-
candidatura de Lula, propunha, se A oposição a Lula era gritante, prin- mo Mário Covas e Leonel Brizola,
Luiz Inácio fosse eleito, adotar uma cipalmente por parte da classe empre- e chegou ao segundo turno contra
"política anti-imperialista, prestan- sarial. Mario Amato, então presiden- Fernando Collor, da coligação li-
do solidariedade irrestrita às lutas em te da Fiesp, chegou a declarar que “se derada pelo hoje extinto Partido da
defesa da autodeterminação e da so- Lula vencer as eleições, 800 mil empre- Reconstrução Nacional (PRN).
berania nacional, e a todos os movi- sários irão deixar o País”. A avaliação do governo Sarney pe-
mentos em favor da luta dos trabalha- Luiz Inácio foi para a disputa, lo eleitorado foi importante para de-
dores pela democracia, pelo progresso conforme o slogan da campanha, finir os resultados do primeiro turno
social e pelo socialismo". Para tanto, “sem medo de ser feliz”. O candidato das eleições. Isso porque houve grande

Os eleitores de Lula em 1989

A distribuição espacial dos votos para verdade, o bom resultado do candidato votos nessas áreas, e decidiu apoiar Lula
Lula revela que seus melhores desem- nessas áreas foi devido ao eleitorado das no segundo turno. No mesmo sentido,
penhos eleitorais no primeiro turno capitais estaduais e à existência de zo- o apoio de Covas, quarto colocado
de 1989 concentraram-se num bom nas industriais, a exemplo do Vale do Aço no primeiro turno, alterou o padrão de
número de capitais estaduais e em (MG), de Volta Redonda (RJ), e do ABCD, votação de Lula em São Paulo, sobretudo
Brasília. Além dessas áreas, o candi- na região metropolitana de São Paulo. no continuum urbano que vai de Santos
dato teve boas votações no Nordeste, No segundo turno das eleições de 1989, a Ribeirão Preto. Quanto ao Ceará, o
numa faixa mais próxima do litoral, que houve forte alteração na geografia eleitoral aumento das votações para Lula em
engloba o norte do Maranhão, o cen- do candidato, sobretudo em relação ao Fortaleza resultou tanto do apoio de
tro do Piauí, o Rio Grande do Norte, a Rio de Janeiro, sudoeste do Paraná, Brizola quanto do de Covas, que no
Paraíba, Pernambuco e o centro-norte Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Essa primeiro turno receberam boas votações
da Bahia. No Sudeste, Lula alcançou mudança ocorreu fundamentalmente nessa capital.
bons resultados no norte do Espírito decido à transferência de votos de Brizola, Fonte: Relatório As eleições presidenciais no Brasil
Santo, leste de Minas Gerais, sul do terceiro colocado no primeiro turno da pós-ditadura militar: continuidade e mudança na
geografia eleitoral, de Cesar Romero Jacob,Dora
Rio de Janeiro e leste de São Paulo. Na eleição, que conseguiu grande número de Rodrigues Hees,Philippe Waniez e Violette Brustlein

30
 INÊS 249

Candidatos e resultados do primeiro turno “A burguesia dá

Candidato
Fernando Collor de Mello (PRN, PSC, PTR, PST)
Votos
22.611.011
%
28,52
sopinha na escola
Luiz Inácio Lula da Silva (PT, PSB, PC do B)
Leonel Brizola (PDT)
11.622.673
11.168.228
16,08
15,45
e depois pergunta:
Mário Covas (PSDB) 7.790.392 10,78 por que pobre não
Paulo Salim Maluf (PDS) 5.986.575 8,28
Guilherme Afif Domingos (PL, PDC) 3.272.462 4,53 vota em nós?”
Ulysses Guimarães (PMDB) 3.204.932 4,43
Roberto Freire (PCB) 769.123 1,06 no horário eleitoral do candidato. Os
Aureliano Chaves (PFL) 600.838 0,83 jornais comparavam Luiz Inácio a
Abrahan Lincoln, buscando justificar
Ronaldo Caiado (PSD, PDN) 488.846 0,68
a origem popular de Lula igualando-a
Affonso Camargo Neto (PTB) 379.286 0,52
à do presidente norte-americano. Mas
Enéas Ferreira Carneiro (PRONA) 360.561 0,50
a imagem de líder sindical ainda assus-
José Alcides Marronzinho de Oliveira (PSP) 238.425 0,33 tava os patrões. Lula prometia suspen-
Paulo Gontijo (PP) 198.719 0,27 der o pagamento da dívida externa do
Zamir José Teixeira (PCN) 187.155 0,26 País. Empresários prometiam deixar o
Lívia Maria de Abreu (PN) 179.922 0,25 Brasil se ele ganhasse. E havia também
Eudes Oliveira Mattar (PLP) 162.350 0,22 forte resistência da classe média con-
servadora. “As pessoas me dizem que a
Fernando Gabeira (PV) 125.842 0,17
classe média tem medo de mim. O que
Celso Brant (PMN) 109.909 0,15
é ser classe média? Ir a um restauran-
Antônio dos Santos Pedreira (PPB) 86.114 0,12 te uma vez por semana? Tomar uma
Manoel de Oliveira Horta (PDC do B) 83.286 0,12 cervejinha de vez em quando com os
Armando Corrêa da Silva (PMB) 4.363 0,01 amigos? Ir à praia? Ora, isso é pra to-
Silvio Santos (PMB) 0† 0,0† do mundo”, dizia o candidato do PT.
Votos brancos 1.176.413 1,6 Nos últimos dias de campanha, Lula
Votos nulos 3.473.484 4,4
cresceu e encostou em Collor, que li-
derava todas as pesquisas.
TOTAL 74.280.909ª 100
Informações: † – candidatura impugnada. ª: eleitorado total = 82.074.718 / (abstenção = 7.793.809).
Fonte: Dicionário do Voto – Walter Costa Porto, Universidade de Brasília O famoso debate
Durante o segundo turno, a Rede
Resultados do segundo turno Globo de Televisão realizou um de-
bate entre os candidatos. No entan-
Candidato Votos % to, na edição do Jornal Nacional do
Fernando Collor de Mello (PRN, PSC, PTR, PST) 35.089.998 49,94 dia seguinte, o debate foi editado
Luiz Inácio Lula da Silva (PT, PSB, PC do B) 31.076.364 44,23 de maneira a mostrar que Collor ti-
Votos brancos 986.446 1,40 nha tido melhor desempenho do que
Votos nulos 3.107.893 4,42 Lula. Isso foi entendido por muitos
TOTAL 70.260.701ª 100
analistas como um ato de favoritis-
mo político a Collor, que mantinha
Informações: abstenção = 11.814.017.
Fonte: Dicionário do Voto – Walter Costa Porto, Universidade de Brasília um relacionamento próximo com
Roberto Marinho, dono da Globo.
rejeição ao governo, o que pautou as direita–esquerda, esse foi um fator a in- Chegou-se a afirmar que a vitória de
ações dos candidatos e partidos que fluenciar o voto da maioria dos eleito- Collor foi devida a esse debate. Mas
disputavam o pleito, fazendo que to- res com nível superior de escolaridade, o candidato do PRN fez uma joga-
dos se apresentassem como oposição. o que não aconteceu com o eleitorado da inesperada para desmoralizar
A avaliação de atributos pessoais, co- de baixa escolaridade. Lula. Ele passou a questionar a mo-
mo experiência, competência, hones- No segundo turno, o entusias- ral do seu opositor. Revelou a exis-
tidade e sinceridade, dos candidatos mo correu o País. Artistas participa- tência de uma filha que Luiz Inácio
também ocupou papel importante. ram ativamente da campanha de Lula, teve fora do casamento e convidou a
Quanto ao posicionamento na escala cantando o famoso jingle “Lula Lá”, ex-namorada de Lula, a enfermeira

GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 31

 RUMO AO PALÁCIO DO PLANALTO
INÊS 249

Mirian Cordeiro, a declarar que o

candidato a havia forçado fazer um
aborto e que lhe tinha admitido que
Brizola e Covas
odiava negros – mesmo tendo traços No início da campanha presidencial O então senador Mario Covas, candida-
obviamente mestiços. de 1989, Leonel Brizola, candidato to do PSDB, partido criado em 1988 a
Assim, a chance de vitória de Lula pelo Partido Democrático Trabalhista partir de um racha do PMDB, herdeiro
escapou no último debate. “O depu- (PDT), buscou unidade com o PT. No do MDB dos tempos da ditadura, ficou
tado do PT no dia 29 de dezembro entanto, em lugar de unir forças, os em quarto lugar, atrás de Brizola. No
de 1985 concedeu uma entrevista ao dois principais partidos de oposição segundo turno, o PSDB “afirmou des-
jornal Folha de São Paulo que diz as- seguiram caminhos separados. De fa- de o primeiro momento o seu repúdio à
sim: Lula defende até a luta arma- to, Brizola foi derrotado por Lula por candidatura Collor de Mello por se situ-
da. Eu sou contra a luta armada, eu uma diferença de 0,5% – cerca de ar no campo oposto ao que é próprio da
sou contra a violência”, disse Collor 400 mil votos, de um eleitorado, à épo- social democracia”, conforme o site do
ca, de 86 milhões. No segundo turno, partido, e recomendou aos seus elei-
no debate, mostrando o jornal com
Brizola apoiou Lula, transferindo seu tores que votassem em Lula, “embo-
a entrevista de Lula. Luiz Inácio per-
potencial eleitoral ao candidato do PT, ra ressaltando as diferenças substan-
deu, mas saiu da eleição com quase
o que lhe garantiu vitória larga no Rio ciais entre o programa do PSDB e os da
metade do total de votos e consagra- de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Frente Brasil”.
do como líder da oposição.

Mea culpa
A intervenção da mídia manifestou- segundo a emissora, estaria na Roberto Freire (30/08/1989),
se intensamente na eleição adoção do critério de equiparar a Ronaldo Caiado (31/08/1989),
presidencial de 1989. A imprensa disputa a uma partida de futebol, Paulo Maluf (01/09/1989), Aureliano
levantou temas que se tornaram mostrando os melhores momentos Chaves (04/09/1989), Luiz Inácio
centrais no pleito, como a de cada adversário. Se Collor teve Lula da Silva (05/09/1989), Leonel
desqualificação dos políticos, um desempenho superior ao de Brizola (06/09/1989), Fernando
do Estado e dos servidores Lula, conforme entendimento da Collor (07/09/1989) e Mário Covas
públicos, e os “marajás”(corruptos emissora, então ele deveria ser (08/09/1989).
que “mamam” na máquina enfatizado. A Globo, hoje, mudou No primeiro turno, Fernando Collor
governamental). E, na trilha dos a forma de expor os debates (PRN) saiu vitorioso, com 20,6 milhões
“marajás”, veio seu caçador, Collor, eleitorais. E, para evitar esse tipo de de votos (o equivalente a 28% do total).
amplamente apoiado pela mídia – favoritismo, a legislação também Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conseguiu
ele, que era dono de jornais e de mudou. Confira a seguir o texto que 11,6 milhões de votos (16,08% do total),
rede de televisão. a emissora mantém no Memória conquistando a outra vaga do segundo
A parcialidade da imprensa Globo sobre o assunto: turno numa disputa apertada com
ficou evidente em diversos Leonel Brizola (PDT), que obteve 11,1
acontecimentos na época. Um “Em 1989, os brasileiros foram às milhões de votos, apenas 454.445 a
deles foi a flagrante manipulação urnas para escolher o novo presidente menos (cerca de 0,5% do total de votos).
do debate entre os candidatos por da República. Era a primeira eleição Entre o primeiro e o segundo turno da
parte da Rede Globo. Por conta da presidencial pelo voto direto, depois de eleição, houve dois debates entre os
sua influência no resultado das 29 anos. O pleito foi bastante disputado. candidatos Collor e Lula. O primeiro foi
eleições presidenciais de 1989, Havia 23 candidatos, entre os quais realizado nos estúdios da TV Manchete,
a Rede Globo expõe sua história estavam os líderes dos principais no Rio de Janeiro, em 3 de dezembro. O
através de uma página denominada partidos políticos. segundo, no dia 14, foi nos estúdios da
Memória Globo (acesse em Antes do primeiro turno das eleições, TV Bandeirantes, em São Paulo. Os dois
http://memoriaglobo.globo.com/ a TV Globo realizou, no programa debates foram transmitidos na íntegra
Memoriaglobo/0,27723,5270 Palanque Eletrônico, entrevistas das 21h30 às 24h, por um pool formado
-p-21750,00.html). Aqui, a emissora com os dez principais candidatos pelas quatro principais emissoras de
busca justificar sua atuação. Ela à presidência. O programa tinha televisão do país: Globo, Bandeirantes,
defende a sua isenção, mas assume uma hora de duração e era gerado, Manchete e SBT.
que houve falha na cobertura, ao vivo, do estúdio de São Paulo. O No dia seguinte à sua exibição ao vivo
como a edição do segundo debate primeiro entrevistado foi Ulysses e na íntegra, a Rede Globo apresentou
no Jornal Nacional, favorável a Guimarães (28/08/1989), seguido duas matérias com edições do último
Fernando Collor de Mello. A razão, por Afif Domingos (29/08/1989), debate: uma no Jornal Hoje e outra

32
 INÊS 249

De forma geral, a derrota de Lula

para Collor em 1989 marcou o declí-
nio do ciclo de grandes mobilizações
sociais, iniciado em 1978, e desenca-
deou a onda liberal conservadora. O
liberalismo vê a liberdade individu-
al como seu maior objetivo. As diver-
sas formas de liberalismo diferem, po-
rém, no entender dessa liberdade. Para
o liberalismo clássico, a liberdade é a
ausência de coerção e repressão nas
relações entre os indivíduos de uma
sociedade. Já o liberalismo social en-
tende como liberdade a garantia de
empregos, educação e saúde por par-
te do governo. O liberalismo conser-
vador, de tendência direitista, coloca
ênfase na liberdade econômica. H

no Jornal Nacional. As duas foram

questionadas. A primeira por apresentar
um equilíbrio que não houve, e a
AGÊNCIA O GLOBO/ MARCELO CARNAVAL

segunda por privilegiar o desempenho

de Collor. Mas foi a segunda que
provocou grande polêmica. A Globo foi
acusada de ter favorecido o candidato
do PRN tanto na seleção dos momentos
como no tempo dado a cada candidato,
já que Fernando Collor teve um minuto e
meio a mais do que o adversário.
O PT chegou a mover uma ação contra a
emissora no Tribunal Superior Eleitoral. Comício de Lula na Calendária, Rio de Janeiro, em 13/12/1989
O partido queria que novos trechos
do debate fossem apresentados no
Jornal Nacional antes das eleições, que o desempenho de Lula tinha sido, daqueles que viram a sua edição no JN.
como direito de resposta, mas o recurso realmente, ruim (Imprensa , 06/1995) . Mas o episódio provocou um
foi negado. Em frente à sede da Rede Os responsáveis pela edição do Jornal inequívoco dano à imagem da TV
Globo, no Rio de Janeiro, atores da Nacional afirmaram, tempos depois, Globo. Por isso, hoje, a emissora
própria emissora, junto com outros que usaram o mesmo critério de edição adota como norma não editar debates
artistas e intelectuais, protestaram de uma partida de futebol, na qual são políticos; eles devem ser vistos na
contra a edição. No entanto, a própria selecionados os melhores momentos íntegra e ao vivo. Concluiu-se que um
liderança do PT, apesar de não admitir de cada time. Segundo eles, o objetivo debate não pode ser tratado como uma
a derrota, reconheceu que Lula não era que ficasse claro que Collor tinha partida de futebol, pois, no confronto
se saíra bem no confronto com Collor. sido o vencedor do debate, pois Lula de idéias, não há elementos objetivos
Como noticiou o Jornal do Brasil, antes realmente havia se saído mal. comparáveis àqueles que, num jogo,
mesmo da edição do Jornal Nacional ser Além disso, segundo o Ibope, a permitem apontar um vencedor. Ao
criticada, “um sentimento de frustração audiência total do debate – somadas condensá-los, necessariamente bons
marcara as avaliações que o comando todas as emissoras que compunham o e maus momentos dos candidatos
da campanha petista fazia sobre a pool – foi de 66 pontos, maior do que a ficarão de fora, segundo a escolha de
participação de Lula no debate com o do Jornal Nacional do dia seguinte, que um editor ou um grupo de editores, e
candidato do PRN” (JB , 16/12/1989). apresentou 61 pontos. Isso significa sempre haverá a possibilidade de um
Seis anos depois, em entrevista à que o número de pessoas que assistiu dos candidatos questionar a escolha
revista Imprensa, José Genoino afirmou ao debate na íntegra foi maior do que o dos trechos e se sentir prejudicado”.

GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 33

 PRIMEIRO MANDATO
INÊS 249

ENFIM,
PRESIDENTE
DEPOIS DE DUAS DERROTAS PARA FHC, LULA CHEGA AO PLANALTO

Por Claudio Blanc Mas Fernando Henrique venceu explica. No entanto, essa “caracteri-
em 1994 e deu início à Era FHC. zação não condiz de maneira eficien-

D
epois da derrota para Collor Entre uma campanha e outra, Lula te com a de alguém que almeja ocu-
em 1989, Lula ­ embarcou organizou o PT e tentou novamen- par um cargo com a importância da
numa caravana pelo País, a te em 1998, mas a derrota já era es- Presidência da República de um país”.
Caravana da Cidadania. A ideia era perada. O sucesso de FHC garantiu A análise de 29 fotografias da campa-
pavimentar sua nova candidatura à sua reeleição. nha de 1989 demonstrou que em ape-
Presidência da República. Mas, en- Em resposta, Lula e o PT atenu- nas cerca de 41% o candidato aparece
quanto Luiz Inácio viajava pelo País, aram suas imagens. Para a campa- de terno. No restante das fotos, está
o Brasil passava por crises – e con- nha seguinte, a de 2002, os assesso- apenas de camisa ou moletom. “Outro
sequentes mudanças – inesperadas. res de comunicação de Lula puseram ponto de destaque é que Lula é retra-
Collor sofreu impeachment, o vice um fim aos resquícios de rebelde – tado, na maioria das vezes, com a ca-
Itamar Franco assumiu e nomeou à Che Guevara – que ainda resis- misa aberta e para fora da calça, o que
o sociólogo Fernando Henrique tiam, e transformaram o candidato transmite a ideia de descompostura e
Cardoso seu ministro da Fazenda. no “Lulinha paz e amor”. O PT, por de uma imagem pouco preparada”,
FHC lançou o Plano Real, venceu o sua vez, bradou ser um partido éti- observa Noelle. A expressão facial de
dragão da inflação, que, como nas co, o único com verdadeiras preocu- Luiz Inácio, nessa época, também ten-
lendas medievais, assolava a popula- pações sociais. Para amenizar ainda dia a repelir os eleitores. “Em quase
ção desde o final da década de 1970, mais, Lula escolheu um empresário 76% das fotos, a expressão de Lula é
e se tornou candidato à Presidência. como candidato a vice. fechada e traduz preocupação”, infor-
Lula, favorito no início da cam- Imagem é tudo. Os eleitores es- ma a pesquisadora. Isso transmitiria
panha presidencial de 1994, viu colhem aqueles candidatos com os ao eleitorado “um ar de radicalismo e
impotente a ascensão de Fernando quais se identificam. Por isso, o “vi- ativismo irado”.
Henrique, fortalecido pelo sucesso sual” do candidato Lula mudou sig- Em 2002, a transformação é radi-
da nova moeda. O PT, então, passou nificativamente. A pesquisadora cal: da maneira de vestir ao sorriso no
a desprezar o plano. Acusou o Real de Noelle Oliveira propõe que isso fi- rosto, Lula se reinventa. A cor verme-
ser eleitoreiro e afirmou que não iria ca claro no estudo das fotografias de lha – eterna evocação à esquerda – é
além das eleições. Paradoxalmente, Lula nas campanhas de 1989 e 2002. pouco mostrada nas imagens. O can-
o ministro da Fazenda de Lula, “O estudo das imagens de Lula de didato também aparece ao lado de vá-
Antonio Palocci, pouco fez além de 1989 propõe a personificação de um rios políticos proeminentes, tanto bra-
seguir a cartilha do Real – em time personagem franzino, preocupado e sileiros como estrangeiros, entre eles
que está ganhando, não se mexe. com uma ligação popular presente”, seus ex-adversários FHC e José Serra.

34
 INÊS 249

Luiz Inácio liderou a campanha desde o início, recebeu adesões de empresários e prometeu fazer o País crescer

Em 2002, a transformação é radical: da

maneira de vestir ao sorriso no rosto, Lula se
reinventa. A cor vermelha– eterna evocação à
DIVULGAÇÃO/ ABR/ RICARDO STUCKERT/ PR

Luiz Inácio liderou a campanha

desde o início, recebeu adesões de
esquerda – é pouco mostrada nas imagens.
empresários e prometeu fazer o País
crescer, gerar dez milhões de novos O candidato também aparece ao lado de vários
empregos e efetivar a autonomia
operacional para o presidente do políticos proeminentes, tanto brasileiros
Banco Central e regras claras para
o mercado. como estrangeiros, entre eles seus
Embora Lula não tenha vencido
no primeiro turno, o PT conquistou a ex-adversários FHC e José Serra
maior vitória da história do partido,
elegendo a mais numerosa bancada Em Londres, o sociólogo Anthony Brasil. O presidente tem governado
de deputados federais (91) e dobran- Giddens manifestou o otimismo que um país com céu de brigadeiro – sem
do o número de senadores (10). Além o presidente transformasse não ape- qualquer nuvem ou turbulência mais
disso, o partido ainda elegeu dois go- nas o Brasil, mas "o mundo". O pre- séria – a não ser, claro, os escândalos
vernadores no primeiro turno. sidente do povo trazia esperança e relacionados à corrupção e a recente
No segundo turno, como era de se prenunciava uma nova era de enten- crise financeira internacional.
esperar, a vitória foi de Lula. A rea- dimento, na qual as massas teriam fi- A miséria no País caiu 27,7% no
ção no País e no mundo foi explosiva. nalmente sua vez. primeiro mandato do governo Lula
O historiador inglês Eric Hobsbawm (2006 em relação a 2002), segun-
definiu a vitória do ex-sindicalista co- Enfim, presidente do pesquisa da Fundação Getúlio
mo "um dos poucos eventos do co- Lula, desde que assumiu o gover- Vargas. Ao observar os números,
meço do século 21 que nos dá es- no do País em 2003, tem tido sor- o economista Marcelo Neri afir-
perança para o resto deste século". te – e talvez tenha trazido sorte ao mou que "Fernando Henrique (com

GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 35

 PRIMEIRO MANDATO
INÊS 249

quando o candidato prometia a ex-

tinção da fome no Brasil.
O programa começou como uma
tentativa de mobilizar a sociedade ci-
vil em favor dos pobres em estado de
miséria – uma realidade infelizmen-
te ainda muito presente no Brasil –
e garantiu elogios do mundo todo a
Lula, mas sofreu críticas internas.
Em 2003, o representante do Banco
Mundial para a América Latina e o
Caribe, David de Ferranti, criticou o

DIVULGAÇÃO/ ABR/ JOSÉ CRUZ

programa, sustentando que, com o
Fome Zero, o governo "não comba-
tia a pobreza e a desigualdade social".
Já a oposição considera o programa
um fracasso, pois o governo não seria
capaz de controlá-lo.
Lula, acompanhado do vice José de Alencar, concede entrevista à imprensa no Palácio da Alvorada O Fome Zero sofreu alterações
ao longo dos quatro anos. Hoje, não
o Plano Real, que reduziu em cerca social durante o primeiro manda- existe mais, tendo se transforma-
de 24% a pobreza no Brasil, durante to de Lula. Certamente, esta foi sua do no Bolsa Família. Esse progra-
seu primeiro mandato) e Lula vão fi- grande contribuição histórica. Com ma buscava transferir renda do go-
car na história na redução da pobre- base no PNAD (Pesquisa Nacional verno para famílias pobres, aquelas
za e desigualdade no País". por Amostra de Domicílios), a cuja renda mensal por pessoa está
O primeiro mandato de Lula te- Fundação Getúlio Vargas divulgou entre R$60,01 e R$ 120, e em extre-
ve bons índices: baixa inflação, taxa estudo mostrando que a taxa de mi- ma miséria (até R$ 60). Na verdade,
de crescimento do PIB entre 2003 e séria de 2004 teria caído em 8% com o Bolsa Família foi uma reformula-
2006 em média de 2,6 %, redução relação à de 2003. Ainda segundo a ção e ampliação do programa Bolsa-
do desemprego – que registrou sua PNAD, oito milhões de pessoas te- Escola, do governo FHC.
maior queda em 13 anos, em 2007 riam saído da pobreza (classes D e E)
– e constantes recordes da balança ao longo do governo Lula. Promessas quebradas
comercial. A indústria automobilís- Como acontece com qualquer po-
tica bateu seu recorde de produção Fome Zero lítico, algumas promessas do primei-
em 2005, e o salário mínimo teve Entre suas primeiras medidas, ro mandato de Lula ficaram no papel.
seu maior crescimento real, o que Lula anunciou um projeto social pa- A reforma agrária “pacífica, organi-
resultou na recuperação do poder de ra suprir a necessidade de alimenta- zada e planejada” foi um fracasso.
compra do brasileiro. ção das populações menos favore- Condenada pelos próprios aliados,
Durante a primeira gestão Lula, cidas. O Programa Fome Zero foi enfrentou o vexame trazido pela pro-
a liquidação do pagamento das dívi- a principal plataforma eleitoral de posta do líder do Movimento dos
das com o FMI foram antecipadas, o Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, Sem-Terra (MST), João Pedro Stédile,
que garantiu ao Brasil maior atenção
do mercado financeiro para investir
no País. Muitos, porém, afirmam que
as benesses do primeiro mandato se O primeiro mandato de Lula teve bons índices:
deveram não à competência do pre-
sidente ou de seus assessores, mas à baixa inflação, taxa de crescimento do
bonança financeira internacional e à
grande demanda por produtos primá- PIB entre 2003 e 2006 em média de
rios brasileiros por países da Ásia.
Apesar das críticas, seja pelos ven- 2,6 %, redução do desemprego – que registrou
tos favoráveis que sopraram no mun-
do ao longo de seu governo ou pe- sua maior queda em 13 anos, em 2007 – e
la verdadeira atenção aos problemas
sociais, é inegável o desenvolvimento constantes recordes da balança comercial
36
 INÊS 249

DIVULGAÇÃO/ ABR/ RICARDO STUCKERT/ PR

A primeira-dama
Marisa Letícia da Silva, esposa do Como o marido, Marisa vem do chão da
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fábrica. A primeira-dama começou a
chegou ao Palácio do Planalto com o trabalhar aos 9 anos como babá. Aos 13, influência para apoiar projetos sociais.
desejo de imprimir um novo perfil ao foi embalar bombons na fábrica Dulcora, No entanto, acabou escorregando de
posto de primeira-dama do Brasil. em São Bernardo, onde permaneceu até volta às sombras. Seu desempenho
Em 2002, pela primeira vez nas os 21 anos. como primeira-dama tem sido fraco.
campanhas de Lula, Marisa esteve Apesar de, até 2002, ter mantido Mesmo sendo difícil substituir Ruth
ao lado do marido o tempo todo e distância do circo da mídia e do Cardoso, cujo trabalho à frente
em todas as ocasiões. Para tanto, burburinho político, Marisa sempre da organização da sociedade civil
na campanha de 2002, ela, que é apoiou o marido em sua marcha – e dela Comunidade Solidária, criada no
descendente de italianos, passou por participou ativamente. Foi ela quem primeiro ano do governo Fernando
um remake. Sob a batuta do publicitário confeccionou a primeira bandeira do Henrique Cardoso, hoje transformada
Duda Mendonça, renovou seu guarda- PT – a tradicional estrela branca sobre na ONG Comunitas, resultou em
roupa, abarrotando-o com terninhos fundo vermelho – em fevereiro de 1980. mais de cinco milhões de pessoas
modernos, e fez um corte de cabelo que Quando Lula foi preso, em 1980, Marisa alfabetizadas e outras centenas
valoriza seu rosto. ajudou a organizar passeatas de mães e de milhares que se qualificaram
De acordo com o professor da disciplina filhos de metalúrgicos. O sindicato havia profissionalmente, a atuação
Imprensa e as Eleições Presidenciais sofrido intervenção, mas os membros de Marisa está muito aquém do
no Brasil, César Romero Jacob, do das famílias operárias não hesitaram esperado, especialmente por causa
Departamento de Comunicação em desafiar o governo militar. de sua origem, das dificuldades
Social da PUC-Rio, Lula teria, durante Marisa Letícia chegou até mesmo que enfrentou. Em sua posição, ela
a campanha, ao lado de Marisa a confeccionar camisetas para poderia fazer mais por aqueles que
passado a imagem de uma família arrecadar dinheiro para o PT. Sua casa enfrentam hoje os mesmos problemas
bem-constituída. “Provavelmente por transformou-se na sede do partido. que ela enfrentou.
esse motivo, por estratégia política, Ao se tornar primeira-dama do Brasil, A mídia chama Marisa Letícia de
Dona Marisa saiu das sombras para em 2003, atuou na organização não “primeira-dama reservada e discreta”.
se apresentar na vida pública ao lado governamental Ação Fome Zero, Na verdade, suas ações limitam-se
do presidente Lula, nas campanhas de assumindo a postura tradicional das a pouco mais do que acompanhar o
2002”, afirma Romero. primeiras-damas, que usam de sua presidente em suas muitas viagens.

que exigiu o fim do Ministério do 2005. O IBGE também apontou o nacional. Lula garantiu que seria
Desenvolvimento Agrário. aumento do trabalho infantil, em “capaz de prevenir a violência, repri-
A criação de 10 milhões de em- 2005, contrariando uma tendência mir a criminalidade e restabelecer a
pregos também não se concretizou. de 13 anos em ritmo de redução. De segurança dos cidadãos e cidadãs”,
A frase de efeito usada por Lula na 2004 para 2005, cerca de 202 mil para que as pessoas pudessem “vol-
campanha de 2002, “criar empre- crianças entre 5 a 14 anos passaram tar a andar em paz pelas ruas e pra-
gos será a minha obsessão”, não deu a trabalhar no Brasil, o que repre- ças”. Quem se lembra dos ataques do
em nada. Dos 10 milhões de empre- sentou um aumento de 10,3%. crime organizado em maio de 2006,
gos prometidos, Lula não conseguiu Durante o primeiro mandato, em São Paulo, e também no Rio de
cumprir nem a metade. O programa Lula se comprometeu a fazer “as Janeiro, sabe que esta promessa tam-
Primeiro Emprego também não saiu reformas que a sociedade brasilei- bém não foi cumprida.
do papel, só atendendo a 0,5% dos ra reclama” – as da Previdência, tri- O primeiro mandato assistiu
jovens que pretendia ajudar. butária, política e da legislação tra- igual­mente à luta do presidente – o
Mesmo assim, de acordo com o balhista. As duas primeiras foram mesmo Lula que afirmara que “ser
Dieese, o desemprego caiu paula­ti­ até iniciadas, mas acabaram parali- honesto é mais do que apenas não
namente a partir do segundo ano sadas pouco depois. roubar e não deixar roubar” – pa-
do primeiro governo Lula. Em São Em 2003, o presidente prometeu ra se manter distante dos escândalos
Paulo, a taxa de desemprego ficou segurança pública mais eficiente. A surgidos com a revelação do esque-
em 19%, em 2002, e aumentou ain- sociedade brasileira espera por isso ma de corrupção do PT, comprando
da mais no ano seguinte, chegan- até agora, assistindo impávida a ca- favores políticos com mesadas e sexo
do a 19,9%, mas caiu para 18,7%, da vez mais atrocidades. A violên- e superfaturando ambulâncias para
em 2004, e baixou para 16,9%, em cia urbana já se tornou um cancro as prefeituras do País. H

GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 37

 CRISES POLÍTICAS
INÊS 249

DIVULGAÇÃO/ ABR/ JOSÉ CRUZ

O MENSALÃO E
OUTRAS CRISES
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA ENFRENTOU UMA SÉRIE DE
ESCÂNDALOS POLÍTICOS EM SEU PRIMEIRO MANDATO

38
 INÊS 249

Por Claudio Blanc credibilidade de Palocci, e o ministro a quem caberiam efetivamente as

acabou sendo demitido por Lula. principais decisões – uma espécie de

A
primeira delas estourou em superministro. Dirceu acabou sendo
fevereiro de 2004, envolven- Mensalão demitido por Lula.
do ex-assessor da Casa Civil O caso Waldomiro Diniz foi o Mais uma vez, o governo mano-
Waldomiro Diniz, flagrado em vídeo fio pelo qual se puxou a meada que brou rapidamente, criando a CPI do
negociando propina com um empre- revelou a corrupção envolvendo o Mensalão. Buscando “fazer fuma-
sário do ramo de jogos. PT, ministros e assessores de Lula. ça” e embaraçar possíveis oposito-
Apesar do escândalo, manobras No centro do problema, estava o res, a CPI almejava, sim, investigar
políticas por parte do governo no Mensalão. A crise estourou em maio as denúncias sobre o esquema de pa-
Congresso impediram a criação ime- de 2005, com a revelação de uma fita gamento de propina a parlamenta-
diata de uma Comissão Parlamentar de vídeo mostrando o ex-funcionário res, mas também as acusações so-
de Inquérito para investigar as pos- dos Correios, Maurício Marinho, bre a gestão anterior, de Fernando
síveis implicações do caso. Assim, a negociando propina com empresá- Henrique Cardoso, sobre compra
CPI dos Bingos só foi instalada no rios interessados em participar de de votos para a aprovação da emen-
final de junho de 2005. uma licitação. No vídeo, o funcioná- da da reeleição. Convenientemente,
As investigações da "CPI do Fim rio da estatal dizia ter o respaldo do em novembro de 2005, a comissão
do Mundo", como foi apelidada, fo-
ram aprofundadas e se estenderam DIVULGAÇÃO/ ABR/ JOSÉ CRUZ

a outras denúncias contra o gover-

no, como a suposta ligação entre o
assassinato do prefeito Celso Daniel
(PT) e o esquema de financiamento
de campanhas; as irregularidades na
Prefeitura de Ribeirão Preto durante
a gestão de Antonio Palocci; e a sus-
peita de doação para a campanha de
Lula pela máfia do bingo.
De acordo com o caseiro
Francenildo Costa, ouvido pela CPI
em março de 2006, Palocci frequen-
tava uma mansão em Brasília usada
por lobistas para fechar negócios sus-
peitos e promover festas com pros-
titutas. A "República de Ribeirão
Preto", como o lugar era conhecido,
teria sido alugada por ex-assessores
de Palocci. O ministro também foi O presidente do PTB e ex-deputado federal, Roberto Jefferson
acusado de, durante sua gestão co-
mo prefeito de Ribeirão Preto, co- deputado federal Roberto Jefferson encerrou seus trabalhos sem aprovar
brar "mesadas" de até 50 mil reais (PTB-RJ). um relatório final e sem aprofundar
mensais de empresas que prestavam E, se a melhor defesa é o ataque, devidamente todas as investigações.
serviços à prefeitura. Com esse di- Jefferson decidiu atacar o governo. Segundo o presidente da CPI, se-
nheiro, Palocci recheava os cofres do Para se garantir, ameaçou indireta e nador Amir Lando (PMDB-RO), o
seu partido, o PT. veladamente outros envolvidos, até principal motivo para o encerramen-
O depoimento de Francenildo então insuspeitos. O deputado co- to dos trabalhos da comissão foi “a
acabou detonando outra crise. Logo meçou por denunciar um suposto falta de vontade política”. Ainda se
após ter sido ouvido pela CPI, o sigi- esquema de pagamento de mesada tentou estender a comissão. Foram
lo bancário do caseiro foi quebrado a parlamentares da base aliada em protocoladas na Mesa do Congresso
ilegalmente. A Polícia Federal sus- troca de apoio político. as assinaturas de 148 deputados em
peitou que Palocci fosse o mandan- As acusações de Jefferson derru- apoio à prorrogação dos trabalhos
te da quebra do sigilo. É claro que, baram, entre outros, o ministro-che- da CPI do Mensalão, mas o mínimo
com tudo isso, o então ministro da fe da Casa Civil, José Dirceu, tido exigido era de 171.
Fazenda não poderia sair incólume. pela imprensa como o verdadeiro ho- Paralelamente à CPI do Mensalão,
As revelações da CPI enlamearam a mem forte da administração federal, funcionava a CPI dos Correios,

GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 39

 CRISES POLÍTICAS
INÊS 249

DIVULGAÇÃO/ ABR/ VALTER CAMPANATO

Antonio Palocci: credibilidade enlameada pela CPI O relator da CPI dos Sanguessugas, senador Amir Lando, apresenta o relatório final dos trabalhos
DIVULGAÇÃO/ ABR/ FÁBIO RODRIGUES POZZEBOM

criada logo após o flagra em Maurício

Marinho e cujo objetivo era investi-
gar as denúncias de corrupção nas
estatais, mais especificamente nos
Correios. A CPI dos Correios reve-
lou o esquema de distribuição de re-
cursos a parlamentares para bancar
DIVULGAÇÃO/ ABR/ FÁBIO RODRIGUES POZZEBOM

despesas de campanhas eleitorais.

O esquema de distribuição de pro-
pina foi apelidado de "valeriodu-
to", por conta do nome de seu ope-
rador, o empresário Marcos Valério
Fernandes de Souza.

Sanguessugas
Em 2006, estourou outro esque-
ma de corrupção descoberto pe-
O sócio-proprietário da empresa Planam, Luiz Antonio Vedoin,
la Polícia Federal envolvendo fi-
em depoimento no Conselho de Ética da Câmara
guras do Congresso Nacional e do
Executivo: a máfia das ambulâncias.
A CPI dos Sanguessugas, como foi empresa da família era chefiada por que preparavam emendas que eram
apelidada, foi aberta após denún- Darci José Vedoin e Luiz Antonio apresentadas por deputados e se-
cia que partiu do próprio governo. A Vedoin, pai e filho, e tinha infiltra- nadores. O texto era aprovado no
Controladoria-Geral da União aler- dos na Câmara dos Deputados, no Congresso Nacional e a assessora
tou, então, a Polícia Federal sobre as Ministério da Saúde e na Associação do Ministério da Saúde, Maria da
irregularidades. de Municípios do Mato Grosso. Penha Lino, teria a incumbência de
A PF iniciou as investigações em A quadrilha entrava em conta- aprovar o convênio e facilitar a libe-
2004 e, com o auxílio da Receita to com os prefeitos interessados ração do recurso.
Federal, identificou 22 empresas- através de José Wagner dos Santos, A empresa Planam, de propriedade
fantasmas montadas para dar verniz que propunha entregar uma ambu- da família Trevisan Vedoin, montava
legal às concorrências para a venda lância completa antes de o prefeito as ambulâncias e as entregava ao pre-
das ambulâncias. consegui-la pelos trâmites normais. feito, superfaturando em até 110% a
A quadrilha desmontada pela PF, Com isso, o prefeito ficaria livre de operação. Além dessas irregularida-
que fraudava a venda de ambulâncias toda a burocracia e não teria de fa- des, a Planam entregava um veículo
para prefeituras em diversos Estados zer nenhum esforço. Se o prefei- sem os equipamentos necessários pa-
do País, era chefiada pela família to concordasse, a quadrilha acio- ra atendimentos de emergência. No
Trevisan Vedoin, em Mato Grosso. A nava assessores de parlamentares total, a quadrilha teria movimentado

40
 INÊS 249

R$ 110 milhões desde 2001 e entre- de 2006, a Polícia Federal apreen- Godoy, que negou as acusações, mas
gue 1.000 veículos. Todos os inter- deu vídeo, DVD e fotos mostrando acabou exonerado. O PT também ne-
mediários recebiam propina. o candidato do PSDB ao governo de gou que o dinheiro fosse do partido.
A CPI também descobriu que a São Paulo, José Serra, na entrega Após o episódio, outros nomes
quadrilha já começava a operar ou- de ambulâncias da máfia dos san- ligados ao PT começaram a ser re-
tro esquema - dessa vez, em licita- guessugas. O material contra Serra lacionados ao dossiê. E cabeças ro-
ções de equipamentos para inclu- teria sido entregue pelo empresário laram. A crise derrubou o coorde-
são digital. O delegado responsável, Luiz Antônio Vedoin, líder do es- nador da campanha à reeleição de
Tardeli Boaventura Cerqueira, ga- quema e um dos sócios da Planam, Lula, Ricardo Berzoini, presiden-
rantiu ter encontrado indícios de li- a Gedimar Pereira Passos, advogado te do PT, que foi substituído por
citações fraudulentas nessa área. e ex-policial federal, e a Valdebran Marco Aurélio Garcia.
Padilha da Silva, filiado ao PT do Também caíram o ex-secretá-
O Dossiê Serra Mato Grosso. rio de Berzoini no Ministério do
Quinze dias antes das eleições Gedimar e Valdebran foram presos, Trabalho, Oswaldo Bargas, coorde-
em São Paulo, com R$ 1,7 milhão, en- nador de programa de governo da
quanto esperavam por um emissário campanha, e Jorge Lorenzetti, ana-
Ricardo Berzoini: envolvimento com o Dossiê Serra
de Vedoin, que levaria o dossiê con- lista de mídia e risco do PT e chur-
tra o tucano. O emissário seria o tio rasqueiro do presidente. Os dois te-
do empresário, Paulo Roberto Dalcol riam procurado a revista Época para
Trevisan. A pedido de Vedoin, o tio oferecer o dossiê.
entregaria o documento a Valdebran Valdebran disse ter recebido
e Gedimar. Os quatro envolvidos fo- uma parcela do dinheiro de um
ram presos pela PF. "Expedito", que teria tomado parte
Em depoimento, Gedimar disse na montagem e divulgação do docu-
que foi "contratado pela Executiva mento. Assim, o ex-diretor do Banco
Nacional do PT" para negociar a do Brasil Expedito Afonso Veloso,
compra de um dossiê contra Serra. acusado de envolvimento com o dos-
DIVULGAÇÃO/ ABR/ VALTER CAMPANATO

Gedimar informou ainda que o pa- siê, foi afastado da instituição.

cote também continha uma entre- Finalmente, em São Paulo, o
vista acusando Serra de envolvimen- candidato ao governo Aloizio
to na máfia. Ele acrescentou que seu Mercadante (PT) removeu o coorde-
contato no PT era alguém de nome nador de comunicação da campanha
"Froud ou Freud". O depoimento Hamilton Lacerda, que teria articu-
acabou atingindo o assessor especial lado a publicação da reportagem da
da Presidência da República, Freud revista IstoÉ contra Serra. H

Como funcionava o Mensalão

Soares perderam suas posições. O
escândalo revelou uma face do PT que
fez muitos – de eleitores a militante –
De acordo com as denúncias, o Rural, os quais quitava com o dinheiro se sentirem traídos. Conforme afirmou
Mensalão era um esquema de recebido dos doadores. Frei Betto, amigo histórico de Lula,
corrupção no qual congressistas O esquema foi revelado pelo presidente em entrevista ao jornal O Estado
aliados ao PT recebiam uma mesada – o do PDT, o deputado federal pelo Rio de S. Paulo em 24/08/2005, “nem
"Mensalão" – de R$ 30 mil do tesoureiro de Janeiro, Roberto Jefferson. Lula foi sob os anos da ditadura a direita
do partido de Lula, Delúbio Soares, informado sobre o Mensalão pelo próprio conseguiu desmoralizar a esquerda
em troca do apoio dos deputados nas Jefferson. Segundo este, quando soube, como esse núcleo petista fez em tão
votações de interesse do governo. O o presidente chorou. Há, porém, quem pouco tempo. Na ditadura, apesar
empresário Marcos Valério, dono de diga que Lula sabia de tudo. de todo o sofrimento, perseguições,
duas agências de publicidade, a SMP Apesar de ter sido instaurada uma prisões, assassinatos, saímos
& B e a DNA Propaganda, recebia os Comissão Parlamentar de Inquérito, o de cabeça erguida e certos de
depósitos destinados ao PT, ocultando relatório final do caso não foi votado, que tínhamos contribuído para a
doações irregulares. Para repassar e o escândalo acabou em pizza. No redemocratização do país. Agora,
ao partido as doações recebidas das entanto, o então ministro-chefe da não. Esses dirigentes desmoralizaram
empresas, Valério contraía empréstimos Casa Civil, José Dirceu, o presidente do o partido e respingaram lama por toda
junto ao Banco do Brasil, BMG e Banco PT à época, José Genoíno, e Delúbio a esquerda brasileira.”

GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 41

 SEGUNDO MANDATO
INÊS 249

LULA LÁ PELA
SEGUNDA VEZ
DEPOIS DE SER REELEITO, O PRESIDENTE ENCAROU A CRISE
INTERNACIONAL E COMEMOROU A EXPLORAÇÃO DO PRÉ-SAL

DIVULGAÇÃO/ ABR/ JOSÉ CRUZ

Diante da ameaça da crise econômica mundial, Lula demonstrou confiança, garantindo que a economia brasileira “estava blindada”

42
 INÊS 249

Por Claudio Blanc A aparente moderação resultava, países desenvolvidos até 2021. O pla-
na verdade, dos desgastes do primei- no prevê medidas a serem aplicadas

A
corrupção e os escândalos que ro mandato. Lula reassumiu, aos 61 até 2010. Entre elas, está a criação de
envolveram o PT no primeiro anos, já sem o entusiasmo que evo- um índice para medir a qualidade do
mandato de Lula foram cen- cou quando chegou ao Planalto pe- ensino e de um piso salarial para os
trais nas eleições de 2006. Embora os la primeira vez. Apesar do enorme professores de escolas públicas.
escândalos não apontassem direta- prestígio e aceitação popular, ele não Na área da segurança, foi criado
mente o presidente, eram indicações deixou de sofrer arranhões por conta o Programa Nacional de Segurança
óbvias de que seu governo estaria en- dos escândalos que derrubaram seus com Cidadania (Pronasci), que pre-
volvido em instâncias de corrupção. principais auxiliares diretos, entre vê “articular políticas de segurança
Dados de pesquisas do Estudo ele os ex-ministros Antonio Palocci com ações sociais”. Entre as medidas,
Eleitoral Brasileiro (Eseb) revelavam e José Dirceu e o presidente do PT, o Pronasci promete, até 2012, valori-
que 30% dos eleitores brasileiros jul- Ricardo Berzoini. zar os policiais, reestruturar o siste-
gavam a corrupção e os escândalos o Mas Lula voltou com fôlego no- ma penitenciário e assistir os jovens
principal tema da campanha. Apenas vo, querendo deixar o passado para entre 15 e 24 anos que estão à beira
10% dos entrevistados achavam que trás e mostrar a que viera. Começou da criminalidade e os reservistas que,
as questões sobre a economia eram o segundo mandato lançando, em 22 pelo seu conhecimento de armas,
mais importantes. de janeiro de 2007 – poucos dias de- possam se ver tentados a integrar o
Apesar dos indicativos de que o pois da posse, portanto – o Programa crime organizado. O programa prevê
eleitorado brasileiro estava conscien- de Aceleração do Crescimento (PAC), investimentos de mais de 6,7 bilhões
te do possível envolvimento do presi- um pacote de medidas para acelerar de reais até o final de 2012.
dente da República nos esquemas de
corrupção bancados pelo PT, Lula se
reelegeu no segundo turno, em 29 de
outubro de 2006, com 60,83% dos vo-
Lula reassumiu, aos 61 anos, já sem
tos. No primeiro turno, o resultado foi
igualmente muito bom. Lula conquis-
o entusiasmo que evocou quando chegou ao
tou 46.662.365 votos ou 48,61%.
A "contabilidade democrática
Planalto pela primeira vez. Apesar do enorme
vertical”, isto é, a capacidade que o
eleitor tem de punir os representan-
prestígio e aceitação popular, ele não deixou de
tes que não correspondem às suas
expectativas, não foi exercida. Mas
sofrer arranhões por conta dos escândalos que
por que eleitores conscientes reelege-
riam um governo envolvido em tan-
derrubaram seus principais auxiliares diretos
tos escândalos de corrupção?
Lucio R. Rennó, professor da o crescimento econômico do País. O Mas, apesar das promessas, a reali-
Universidade de Brasília, busca ex- programa previa investimentos de dade era outra. A tranquilidade econô-
plicar a questão: “tanto no primeiro mais de 500 bilhões de reais para os mica que garantiu tantas benesses ao
quanto no segundo turno, o desempe- quatro anos do segundo mandato e governo Lula no primeiro turno dava
nho do governo Lula em outras áre- incluía uma série de mudanças admi- sinais de que os ventos mudavam. No
as e sentimentos quanto ao PT foram nistrativas e legislativas. Prometia um início de 2007, a taxa de desempre-
mais importantes e serviram de escu- crescimento do PIB de 4,5% em 2007 go nas seis principais regiões metro-
dos para protegê-lo”. Assim, o povo e de 5% ao ano até 2010 – metas que, politanas do País passou de 9,3% em
brasileiro fechou os olhos e demons- a julgar pelos resultados de 2007 e janeiro para 9,9% em fevereiro. De
trou aprovação pela performance so- 2008, até agora ficaram na promessa. acordo com o IBGE, nesse período,
cioeconômica que o País experimen- No início do segundo mandato, houve aumento de 136 mil pessoas no
tou sob a administração Lula. Lula também dirigiu sua atenção a contingente de desocupados.
No dia da posse, Lula desfilou em duas áreas de responsabilidade do Mesmo assim, mais uma vez, a
carro aberto e assumiu mais uma vez governo criticamente falhas: a educa- sorte sorriu para Lula. A descober-
o posto. No entanto, dessa vez, as ção e a segurança. Lançou, em abril ta de jazidas petrolíferas no litoral
comemorações tiveram menos gla- de 2007, o Plano de Desenvolvimento de Santos trouxe a promessa da au-
mour. Não houve nem mesmo con- da Educação (PDE), cujo objetivo é tossuficiência desta commodity vi-
vidados estrangeiros, nem o tradi- investir em capital humano, nivelan- tal. Mais que isso. De acordo com
cional jantar no Itamaraty. do a educação brasileira com a dos o relatório Global Trends 2025: A

GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 43

 SEGUNDO MANDATO
INÊS 249

Transformed World, produzido pe-

lo Conselho Nacional de Segurança A descoberta de jazidas petrolíferas no
dos Estados Unidos e lançado no fi-
nal de novembro de 2008, “as des- litoral de Santos trouxe a promessa da
cobertas de petróleo na Bacia de
Santos – com potencial de conter autossuficiência desta commodity vital. Mais
uma reserva de dezenas de bilhões
de barris – podem tornar o Brasil, que isso. O Brasil pode se tornar, depois de
depois de 2020, um grande exporta-
dor de petróleo”. O documento vai 2020, um grande exportador de petróleo
além: “cenários otimistas, os quais
ostentam uma estrutura legal e regu- 2008, o presidente brasileiro afirmou país para que o Brasil tenha um as-
latória atraente ao capital estrangei- que a crise econômica não iria atrapa- sento permanente no Conselho de
ro, projetam a produção petrolífera lhar o Natal do País. E, de fato, ao me- Segurança da ONU e para incremen-
em 15% do PIB por volta de 2025”. nos o Natal, a crise não atrapalhou. tar parcerias com nações africanas, o
Sem dúvida, o santo de Lula é forte. Mas, na verdade, o Brasil não es- presidente brasileiro criticou o prote-
tava - e não está - tão imune ao pro- cionismo de alguns países, diante da
Nuvens de tempestade blema. A resposta de empresas de crise financeira internacional. "Não
Apesar de todos os desenvolvi- diversos setores – especialmente au- podemos atuar sozinhos contra os
mentos positivos, de o Brasil des- tomobilístico –, abaixando conside- efeitos de uma turbulência que golpeia
pontar como potência emergente, de ravelmente os preços de seus produ- sobretudo as mais fortes economias do
oferecer tecnologia em biocombus- tos para aquecer o consumo, é um planeta. O comércio é certamente par-
tíveis, do bom resultado econômico indicativo da crise. O aumento da te da solução. O protecionismo, em
da Era Lula, nuvens de tempestade taxa de desemprego é outro – e mais contrapartida, só servirá para agravar
se armaram no cenário internacio- crônico – reflexo. a crise econômica", sustentou Lula.
nal. Desde 2008, os EUA enfrentam Lula foi à luta, fazendo o que faz Para nosso presidente, um acordo
a mais grave crise financeira em 30 de melhor: discursando e negocian- na Rodada Doha da Organização
anos, mergulhando o país e outros – do. Desde que foi eleito, em 2002, Mundial do Comércio (OMC) poderia
principalmente da Europa Ocidental ele não desceu do palanque. Seus dis- trazer sangue novo à economia global.
– em recessão. cursos ganham aliados “no verbo” e Lula enfatiza que os países em desen-
Diante da ameaça, Lula demons­ conquistam simpatias no Brasil e no volvimento têm buscado novas dire-
trou confiança. Bradava que a econo- mundo. E é dessa forma que tem ten- ções com o aumento do comércio. Da
mia brasileira “estava blindada”, que tado vencer a crise. mesma forma, os investimentos entre
o sistema bancário nacional e as fi- Em fevereiro de 2009, em visita à países do Hemisfério Sul têm atenu-
nanças eram sólidos. Em outubro de Namíbia, onde foi pedir apoio àquele ado o "impacto perverso da recessão
que se alastra mundialmente". Em um
rasgo que lembra seu tempo de líder
DIVULGAÇÃO/ ABR/ WILSON DIAS

sindical, Lula afirmou na Namíbia

que "não basta reformar as regras do
comércio internacional. Precisamos
buscar um sistema de governança glo-
bal mais democrático. Os processos
decisórios não podem continuar con-
centrados nas mãos de poucos, igno-
rando-se as aspirações dos países em
desenvolvimento e das grandes econo-
mias emergentes".
O presidente reforçou essa retó-
rica ao receber o primeiro-ministro
Gordon Brown em Brasília, em mar-
ço de 2009. “A crise [econômica inter-
nacional] foi causada por comporta-
mentos irracionais de gente branca de
olhos azuis, que antes pareciam saber
O presidente do Senado, José Sarney, o presidente da Câmara, Michel Temer e Lula
de tudo, e, agora, demonstram não

44
 INÊS 249

Lula comemora o primeiro petróleo extraído da camada pré-sal

DIVULGAÇÃO/ ABR/ RICARDO STUCKERT

saber de nada”, afirmou o presidente o eixo de poder das grandes potên- mais elementar da volta à normalida-
na coletiva dada pelos dois chefes de cias ocidentais”, conforme colocou de democrática do seu país. O golpis-
Estado. Imediatamente, um jornalista a jornalista Isabel Fleck. Ao receber ta agiu cinicamente, deu um golpe no
britânico perguntou ao presidente se Ahmadinejad em Brasília no final de país e convocou uma eleição quan-
não havia um viés ideológico na afir- novembro de 2009, Lula pisou no ca- do ele não tinha o direito de convo-
mação. “Não existe nenhum viés ide- lo dos principais líderes mundiais ao car eleição. Eles poderiam ter feito as
ológico. Existe a constatação de um afirmar, “nós defendemos que o Irã coisas com a maior normalidade, vol-
fato. Acompanhando os índices eco- tenha o direito de desenvolver o enri- tava o presidente, convocava eleições.
nômicos e de desemprego, o que per- quecimento de urânio para produção A volta à normalidade a Honduras é
cebemos é que, mais uma vez, grande de energia, portanto, para fins pací- tudo o que nós queremos. O resto é o
parte dos pobres do mundo, que ainda ficos, da mesma forma que o Brasil seguinte: não dá para fazer concessão
não estavam sequer participando do está desenvolvendo". a golpista".
desenvolvimento causado pela globa- Mas se no caso do Irã o presidente Apesar das contradições, denún-
lização, são as primeiras vítimas. Vejo brasileiro reconheceu a legitimidade da cias e escândalos, Lula entra no úl-
o preconceito que se estabelece contra eleição, sua postura com relação ao gol- timo ano de seu governo com apro-
imigrantes nos países mais desenvolvi- pe em Honduras é exatamente o opos- vação da maioria da população. De
dos”, disparou Lula. to. O Brasil – e Lula – tomou o golpe acordo com o presidente norte-ame-
Mas, em busca de desenvolver de Honduras como uma oportunida- ricano, Barack Obama, Lula é o “po-
novos parceiros, Lula tem arrisca- de de se projetar como mediador regio- lítico mais popular da Terra”. Sem
do nadar contra a corrente. É o caso nal. O Itamaraty apoiou o presidente dúvida, ele governou o Brasil com céu
da proximidade com o Irã. Enquanto deposto, Manuel Zelaya, promovendo de brigadeiro: em um dos períodos
os principais líderes mundiais conde- até mesmo sua volta a Honduras ao lhe de maior prosperidade da história do
nam o regime antidemocrático do garantir refúgio no consulado brasilei- País. Seu maior desafio agora será ele-
país, o qual recentemente considerou ro. Os golpistas não aceitaram reem- ger seu sucessor. Mas, independente-
o resultado de uma eleição suspeita possar Zelaya, mas concordaram em mente de seu sucesso, a história se
de ter sido fraudada, Lula se aproxi- estabelecer novas eleições. Contudo, lembrará de que foi na era Lula que o
ma de Teerã. Na verdade, o presiden- ao contrário do que fez no caso do Irã, Brasil se firmou na sua posição de lí-
te brasileiro se sente lisonjeado com Lula não reconheceu as eleições. Em der regional, uma posição que Lula se
o esforço de Mahmud Ahmadinejad Lisboa, no início de dezembro de 2009, esforçou por encarnar ao longo de to-
de buscar no Brasil um “companhei- o presidente brasileiro explicou que do o seu governo e que, sem dúvida, o
ro para sua empreitada de deslocar “Honduras desrespeitou o princípio projetou internacionalmente. H

GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 45

 FRASES
NOTAS
INÊS 249

DIVULGAÇÃO/ ABR/ WILSON DIAS

LULA POR
ELE MESMO Por Claudio Blanc

Nunca imaginei que o nível (do Congresso) Fui eleito para fazer valer alguns interesses
fosse tão baixo. Nunca imaginei que a dos que nunca tiveram nada neste país e
incapacidade fosse tanta. Incapacidade esta Constituição que se quer fazer parece
não querer isso. Garanto que não vou
de diálogo, de articulação. Incapacidade
assiná-la nem legitimá-la” (final de 1987)
política. Nunca imaginei que fosse tamanha a
capacidade para negociatas e negócios sujos Em 1993, Lula afirmou que a sociedade não
como os que a gente vê. Chega a dar nojo deveria confiar nos políticos, porque haveria
(dezembro de 1987) “pelo menos 300 picaretas no Congresso
46
 INÊS 249

Sobre a data de nascimento, conta Lula: “Até ameaças à paz em tantas regiões, demonstram
hoje, é a maior polêmica porque meu pai me que o sistema multilateral deve se adequar aos
registrou no dia 6 de outubro. Mas prefiro desafios do século 21. Aos poucos, vai sendo
acreditar na memória de minha mãe, que diz descartado o velho alinhamento conformista
que nasci no dia 27”. Coincidência feliz: 57 anos dos países do Sul aos centros tradicionais.
depois, os dois turnos da eleição que decidiria Discurso na Assembleia da ONU
o futuro presidente do Brasil aconteceriam em setembro de 2008
nestes mesmos dias 6 e 27 de outubro.
Quando se aposentarem, por favor, não
A elite sabe que sou um vencedor. Uma criança fiquem em casa atrapalhando a família. Tem
nordestina que não morreu de fome até os 5 que procurar alguma coisa para fazer.
anos já venceu na vida. Um nordestino que
desembarcou de um pau-de-arara, fugindo da Falar de doença mental não deve ser difícil para
seca, e não virou marginal é um vencedor. No meu ninguém (...) sabemos que o problema não atinge
governo, um filho de encanador vai disputar vaga apenas os que já foram identificados como
na universidade com o filho de uma empresária pessoas com algum problema de deficiência,
de teatro, como a senhora Ruth Escobar. porque a dura realidade é que todos nós temos um
pouco de louco dentro de nós. Todos nós. Quem
O ônus da cobiça desenfreada de alguns não acreditar, é só fazer uma retrospectiva do seu
não pode recair impunemente sobre os comportamento pessoal nos últimos dez anos.
ombros de todos. A economia é séria demais Ao assinar o Estatuto do Idoso,
para ficar nas mãos dos especuladores. A no dia 1º de outubro de 2003
ética deve valer também na economia. Uma
crise de tais proporções não será superada Estou vendo aqui companheiros portadores de
com medidas paliativas. São necessários deficiência física. Estou vendo o Arnaldo Godoy
mecanismos de prevenção e controle, e total sentado, tentando me olhar, mas ele não pode me
transparência das atividades financeiras. olhar porque ele é cego. Estou aqui à tua esquerda,
Discurso na Assembleia da ONU viu, Arnaldo? Agora, você está olhando pra mim...
em setembro de 2008
Não é mérito, mas, pela primeira vez na
O Muro de Berlim caiu. Sua queda foi entendida história da República, a República tem um
como a possibilidade de construir um mundo presidente e um vice-presidente que não têm
de paz, livre dos estigmas da Guerra Fria. Mas diploma universitário. Possivelmente, se nós
é triste constatar que outros muros foram tivéssemos, poderíamos fazer muito mais.
se construindo, e com enorme velocidade.
Muitos dos que pregam a livre circulação Cheguei à Presidência para fazer as coisas
de mercadorias e capitais são os mesmos que precisavam ser feitas e que muitos
que impedem a livre circulação de homens e presidentes antes de mim foram covardes
mulheres, com argumentos nacionalistas, e até e não tiveram coragem de fazer.
fascistas, que nos fazem evocar, temerosos,
tempos que pensávamos superados. Um Aprendi a contar até dez, apesar de só ter
suposto ‘nacionalismo populista’, que alguns nove dedos, que é para não cometer erros.
pretendem identificar e criticar no Sul do mundo, Um erro em qualquer outro governo é mais
é praticado sem constrangimento em países um erro. No nosso, não pode acontecer."
ricos. As crises financeira, alimentar, energética, Durante o lançamento do Plano Safra
ambiental e migratória, para não falar das para a Agricultura Familiar
GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA | 47
 FILME
INÊS 249

O FILHO DO
BRASIL
Por Claudio Blanc

Q
uando a jornalista Denise Paraná fazia pesquisas pa-
ra a biografia do presidente Lula que seria sua tese de
doutorado em história pela USP, percebeu que a epo-
peia era “um roteiro de filme mal escrito, porque tudo se en-
caixa”. De fato, a vida de um predestinado como Lula sempre
rendeu ótimo material para o cinema. E o carisma do presiden-
te que começou a vida como retirante e engraxate, e que veio
a liderar o Brasil em uma de suas melhores fases, não poderia
deixar de ser explorado pela sétima arte. Sucesso garantido. DIVULGAÇÃO/ OTÁVIO DE SOUZA
DIVULGAÇÃO/ OTÁVIO DE SOUZA

DIVULGAÇÃO/ OTÁVIO DE SOUZA

48
 DIVULGAÇÃO/ OTÁVIO DE SOUZA
INÊS 249

DIVULGAÇÃO/ OTÁVIO DE SOUZA

GR ANDES LÍDERES DA HISTÓRIA | LULA

|
49
 FILME
INÊS 249

sua vida. O elenco soma 130 atores

e 3.000 figurantes.
O filme, que custou cerca de
R$ 18 milhões e não teve nenhum
apoio de entidades públicas, já causa
polêmica, uma vez que estreia em ano
de eleições presidenciais. Sem dúvida, o
governo tem interesse que Lula, o Filho
do Brasil seja um sucesso. Articuladores
do PT esperam cristalizar a imagem do
presidente como “um brasileiro que su-

DIVULGAÇÃO/ OTÁVIO DE SOUZA

perou todas as dificuldades para se tor-
nar um vitorioso”. De acordo com um
petista histórico, “é importante para o
eleitor visualizar a importância históri-
ca da chegada de Lula no poder e ma-
nutenção de seu projeto”. Leia-se: “o
filme serve par alavancar a candidatu-
ra de Dilma Rousseff”.

Por conta do viés eleitoreiro do filme, Por conta do viés eleitoreiro do fil-
me, as partes polêmicas da biografia

as partes polêmicas da biografia foram foram convenientemente colocadas de

lado. A mais óbvia é o caso que Lula

convenientemente colocadas de lado. teve com Mirian Cordeiro, mãe de

Lurian. De acordo com a produtora

A mais óbvia é o caso que Lula teve com Paula Barreto, isso se deveu a “um pro-
blema jurídico”. Segundo a produtora,

Mirian Cordeiro, mãe de Lurian "havia cenas no filme referentes ao

relacionamento entre Lula e Mirian,
mas, como a Mirian não nos deu au-
Não é de estranhar que foi essa Paraná, Fernando Bonassi e Daniel torização, tivemos que cortar todas as
história que Luiz Carlos Barreto, o Tendler. A direção ficou a cargo de referências a ela."
Barretão, patriarca do clã Barreto de Fábio Barreto, que leva em seu cur- Paula Barreto discorda de que
cineastas, escolheu para fazer o úl- rículo uma indicação ao Oscar por Lula, o Filho do Brasil tenha espíri-
timo filme de sua carreira: Lula, o O Quatrilho. No elenco, estão no- to "eleitoreiro". Seu pai, o produtor
Filho do Brasil, baseado no livro ho- mes como Glória Pires, no papel de Luiz Carlos Barreto faz coro. "Não
mônimo de Denise Paraná. Filmado Dona Lindu, a mãe de Lula; Juliana fizemos um filme sobre um político
em dois estados (Pernambuco e São Baroni, que interpreta a primeira- ou o presidente da República, mas
Paulo), sete cidades e 70 locações, dama, Dona Marisa; e Rui Ricardo sobre um homem comum, sua famí-
entre 20 de janeiro e 18 de março Diaz, que encarna Lula. O presiden- lia e a extraordinária capacidade de
de 2009, o longa foi feito delibera- te também é interpretado por ou- superar dificuldades," enfatiza o ide-
damente para emocionar e para que tros atores nas diferentes fases de alizador do projeto. H
pessoas comuns possam se espelhar
e sonhar. Lula, o Filho do Brasil vi-
sita os pontos mais significativos da
trajetória humana de Lula, do sertão
Lula, O Filho do Brasil Cléo Pires - Maria de Lurdes da Silva
Juliana Baroni - Marisa Letícia
Lula da Silva
de Pernambuco natal à periferia de
n ELENCO n Direção: Fabio Barreto
Santos, onde cresceu, e por fábricas Rui Ricardo Diaz - Luiz Inácio Lula n Fotografia de Gustavo Hadba,
e sindicatos do ABC paulista, onde da Silva (adulto) n Direção de arte de Clóvis Bueno
passou por transformações pessoais, Guilherme Tortólio - Luiz Inácio n Figurinos de Cristina Camargo
como a perda da primeira mulher e Lula da Silva (adolescente) n Roteiro de Daniel Tendler,
do filho, até se tornar o líder sindi- Glória Pires - Eurídice Ferreira Denise Paraná e Fernando Bonassi
cal que se destacou na histórica gre- de Melo (Dona Lindu) n Música de Antônio Pinto e
ve de 1978. Lucélia Santos - Professora de Lula Jaques Morelenbaum
O roteiro é assinado por Denise

50
INÊS 249