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Anos JK - Texto de Vânia

O Brasil Republicano é uma obra em quatro volumes que analisa a história da democracia e cidadania no Brasil desde a Proclamação da República até o golpe civil-militar de 1964. Cada volume aborda diferentes períodos históricos, destacando a complexidade da construção da cidadania e os desafios enfrentados pela democracia brasileira. A obra busca contribuir para a reflexão sobre as peculiaridades da história republicana e a consolidação dos ideais democráticos no país.

Enviado por

Laura Sousa
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Anos JK - Texto de Vânia

O Brasil Republicano é uma obra em quatro volumes que analisa a história da democracia e cidadania no Brasil desde a Proclamação da República até o golpe civil-militar de 1964. Cada volume aborda diferentes períodos históricos, destacando a complexidade da construção da cidadania e os desafios enfrentados pela democracia brasileira. A obra busca contribuir para a reflexão sobre as peculiaridades da história republicana e a consolidação dos ideais democráticos no país.

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O BRASIL

REPUBLICANO
O tempo da
experiência democrática

og cM miga cia]
Lucilia de Almeida Neves Delgado
Ainda no alvorecer do século XXI,
temas como os da democracia, cidadania
e república surgem, em muitas
interpretações, ao mesmo tempo como
dilema e desafio que a sociedade brasileira
enfrenta em seu cotidiano.
Partilhando dessas preocupações foi
que planejamos e organizamos O Brasil
Republicano, em quatro volumes.
O primeiro, O tempo do liberalismo
excludente, tem início com o conturbado
período que se segue à Proclamação da
República e finaliza com a Revolução de
1930. O segundo, O tempo do nacional-
estatismo, volta-se exclusivamente para a
década de 1930 e o apogeu do Estado
Novo. O terceiro, O tempo da experiência
“democrática, resgata a prática da
democracia no Brasil que se abre com o
movimento queremista até o seu colapso
com o golpe civil-militar de 1964. Por fim,
O último volume, O tempo da ditadura,
preocupa-se com a época de mando dos
generais até a eclosão de movimentos
sociais no final do século XX.
Os autores dos capítulos são
historiadores que atuam em universidades
e instituições de pesquisa de diferentes
estados da federação e foram convidados
levando-se em conta os critérios de
pluralidade, especialidade e
reconhecimento acadêmico. Sob o prisma
da história política, social, cultural e
econômica, eles sugerem hipóteses
interpretativas que visam a contribuir
com o esforço reflexivo sobre as
peculiaridades da história do Brasil
República, destacando a atuação dos
sujeitos históricos que a construíram.
Com abordagens plurais e críticas,
esperamos que O Brasil Republicano, de
alguma maneira, possa contribuir para o
aprofundamento da democracia, da prática
da cidadania e da consolidação dos ideais
republicanos em nosso país.
Organizado por Jorge Ferreira e
Lucilia de Almeida Neves Delgado

O Brasil
Republicano
O tempo da experiência democrática —
da democratização de 1945 ao golpe
civil-militar de 1964

Livro 3

a
CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA
co
Rio de Janeiro
2003
CopyricHT O Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Neves Delgado, 2003

CAPA Sumário
Evelyn Grumach

PROJETO GRÁFICO
Evelyn Grumach e João de Souza Leite

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

O tempo da experiência democrática: da democratiza- APRESENTAÇÃO 7


T28 ção de 1945 ao golpe civil-militar de 1964 / organização
Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Neves Delgado
Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Neves Delgado. —
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
«— (O Brasil republicano; v.3)
” A democratização de 1945 e o movimento queremista (3) P
Contém filmografia Prof. Dr. Jorge Ferreira (UFF)
Inclui bibliografia
ISBN 85-200-0624-8

1. Brasil — História — 1889- . 2. Brasil — História —


/ Trabalhadores, sindicatos e política (1945-1964) 47
1945-1964. 3. Brasil — Política e governo — 1945-1964. Prof. Dr. Fernando Teixeira da Silva (Unimep) & Prof. Dr. Antonio Luigi Negro
4. Brasil — História - Revolução, 1964- .5. Cidadania, I.
Ferreira, Jorge. II. Delgado, Lucilia de Almeida Neves. (UFBa)
HI. Série.

03-2053 CDD - 981.063 Forças Armadas e política, 1945-1964: a ante-sala do golpe 97 P


CDU — 94(81)“1945/1964” Prof. Dr. João Roberto Martins Filho (UFSCar)
Fer
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou Partidos políticos e frentes parlamentares: projetos, desafios e conflitos na -
transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia
democracia 127 ? (? )
autorização por escrito.
Profa. Dra. Lucilia de Almeida Neves Delgado (PUC-Minas)

x Os amos JK: industrialização e modelo oligárquico de desenvolvimento -


ural n
Direitos desta edição adquiridos pela
EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA fa. Dra. Vânia Maria Losada Moreira (UFES)
Um selo da
DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOS DE IMPRENSA S.A.
Rua Argentina 171 — 20921-380 Rio de Janeiro, RJ — Tel.: 2585-2000
Do nacional-desenvolvimentismo à Política Externa Independente
(1945-1964) 195 o 0 )
PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL
Prof. Dr. Paulo G. Fagundes Vizentini (UFRGS) ;
Caixa Postal 23.052 — Rio de Janeiro, RJ — 20922-970

Impresso no Brasil
2003
O BRASIL REPUBLICANO

PCB: a questão nacional e a democracia 217 Apresentação


Prof. Dr. José Antonio Segatto (Unesp)

Ligas Camponesas e sindicatos rurais em tempo de revolução 241.


Prof. Dr. Antônio Torres Montenegro (UFPE)

Os novos experimentos culturais nos anos 1940/50: propostas de


democratização da arte no Brasil 273
Profa. Dra. Santuza Cambraia Naves (PUC-Rio/UCAM) Análises e interpretações relativas à história do Brasil republicano têm, na
maior parte das vezes, destacado uma questão recorrente: a de que a cons-
Crises da República: 1954, 1955 e 1961 9 trução e consolidação da cidadania e da democracia são, simultaneamente,
Prof. Dr. Jorge Ferreira (UFF) dilema e desafio que perpassam o cotidiano nacional brasileiro.
Dilema, pois a herança do passado colonial/patrimonial persiste sob di-
O governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964 =! V ferentes formas e graus ao longo da trajetória republicana, reproduzindo
Prof. Dr. Jorge Ferreira (UFF) manifestações de práticas autoritárias, tanto na esfera privada quanto na
pública.
BILIOGRAFIA GERAL 405 Desafio, pois a construção da democracia tem encontrado inúmeros fo-
cos de resistência que se manifestam sob diferentes formas de comportamento
FILMOGRAFIA 419 político autoritário, destacando-se os períodos ditatoriais, tanto o do Estado
Novo quanto o do regime militar, além das antigas, mas ainda usuais, práti-
OS AUTORES 427 cas de mandonismo local, que teimam em persistir, mesmo que no alvorecer
de um novo milênio possam parecer ultrapassadas.
PLANO GERAL DA COLEÇÃO 429 Na verdade, a democracia e a plena realização da cidadania no Brasil
apresentam-se como um dilema histórico ainda a ser decifrado e um desafio
a ser enfrentado.
Partilhando dessas preocupações foi que planejamos e organizamos
O Brasil Republicano, em quatro volumes. O eixo que interliga os diferentes
textos, com suas múltiplas abordagens e temáticas diversas, é a questão da
cidadania, analisada de ângulos e perspectivas pluralistas. Desta maneira, são
considerados tanto os movimentos e as ações de cerceamento e de limitação
da prática cidadã quanto os de resistência e luta contra a exclusão social e
contra as práticas autoritárias, em variadas experiências históricas. Sob o pris-
ma da história política, social, cultural e econômica, os autores sugerem hi-
póteses interpretativas que visam a contribuir com o esforço reflexivo sobre
O BRASIL REPUBLICANO

Benevides, Maria Vitória. 1981. A UDN e o udenismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Delgado, Lucilia de Almeida Neves. 1989. PTB: do getulismo ao reformismo. São Paulo:
Marco Zero.
——., 1994. “Frente Parlamentar Nacionalista: utopia e cidadania”. Revista Brasileira de
História (27). São Paulo: ANPUH,
——., 2001. Perfil Parlamentar: Tancredo Neves. Brasília: Centro de Documentação e
Informação-Coordenação de Publicações.
Ferreira, Jorge. 1999. “Quando os Trabalhadores Querem”. História Oral (1). São Pau-
lo:, ABHO.
—— (org.). 2001. O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civiliza-
ção Brasileira.
Hipólito, Lúcia. 1985. PSD: de raposas e reformistas. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Os anos JK: industrialização e modelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 1956. Constituição dos Estados Unidos do
Brasil — 1946 (publicação comemorativa, 1º decênio). Rio de Janeiro: IBGE. oligárquico de desenvolvimento rural
Motta, Rodrigo Sá. 1999. Introdução à História dos Partidos Políticos Brasileiros. Belo
Vânia Maria Losada Moreira
Horizonte: UFMG.
Souza, Maria do Carmo Campello. 1983. Estado e Partidos Políticos no Brasil (1930- Professora Adjunta do Departamento de História da Universidade
1964). São Paulo, Alfa Ômega. Federal do Espírito Santo.

154
“... da largura que a terra do Brasil tem para o sertão não trato, porque até
agora não houve quem a andasse por negligência dos portugueses, que sendo
grandes conquistadores de terras, não se aproveitam delas, mas contentam-se
de andar arranhando ao longo do mar como caranguejos.” (Frei Vicente de
Salvador, escrevendo em meados de 1627)
“Somos e continuamos a ser vários Brasis, em um só Brasil nem sempre ver-
dadeiro. (...) Em virtude de sua extensão e continuidade territorial, pode o
Brasil ser considerado um continente. Mas, sob o ponto de vista étnico, eco-
nômico, histórico e cultural, forma um arquipélago.” (Moisés Gicovatte,
geógrafo, em livro publicado em 1959)
“Sobre a cabeça os aviões/ Sob os meus pés os caminhões/ Aponta contra os
chapadões meu nariz.../ Eu organizo o movimento/ Eu oriento o carnaval/
Eu inauguro um monumento no planalto central do país.” (Caetano Veloso,
na canção Tropicália de 1967)

Juscelino Kubitschek de Oliveira foi, dentre todos os presidentes eleitos da


experiência democrática dos anos 1946-1964, aquele que mais se destacou
como homem público de ação. Tomou para si diversos desafios: governar
estritamente dentro dos limites constitucionais e democráticos; acelerar o de-
senvolvimento econômico, implantando novas indústrias e prometendo fa-
zer em cinco anos o que levaria cinquenta; e integrar a nacionalidade, antiga
aspiração herdada dos portugueses, construindo a nova capital e estradas que
da floresta amazônica, das chapadas do Oeste e das grandes cidades litorã-
neas convergiriam até Brasília, no Planalto Central do país. Resumia seu
governo com as idéias de movimento, ação e desenvolvimento. Seu maior
compromisso foi acelerar as transformações e o crescimento econômico do

157
O BRASIL REPUBLICANO OS ANOS JK: INDUSTRIALIZAÇÃO E MODELO OLIGÁRQUICO

“gigante adormecido” para transformá-lo em uma nação próspera em todos O NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO


os quadrantes de seu território e, sobretudo, para todos os seus habitantes.
O governo JK (1956-1961) foi, de longe, o mais bem-sucedido da expe- O perfil desenvolvimentista de Juscelino configurou-se bem cedo, quando
riência democrática. A administração Dutra, por exemplo, gozou de estabi- ainda era prefeito de Belo Horizonte e, depois, governador de Minas Gerais.
lidade política, mas, comparada à de JK, foi bem menos expressiva no campo Mas foi em sua campanha à presidência da República e, sobretudo, durante
do desenvolvimento econômico. As demais padeceram sob o influxo de cri- sua administração que o desenvolvimentismo ou nacional-desenvolvimen-
ses políticas e institucionais e nenhum dos presidentes em questão comple- tismo se consolidou como um estilo de governo e como um projeto social e
tou seu respectivo mandato — todos interrompidos por eventos dramáticos: político para o Brasil, cujos traços essenciais eram o compromisso com a
o suicídio de Getúlio Vargas, a renúncia de Jânio Quadros e o golpe político- democracia e com a intensificação do desenvolvimento industrial de tipo
militar que depôs João Goulart, em 1964. De um ponto de vista panorâmico, capitalista.
o governo JK foi quase uma “proeza”. À partir de um quadro social e po- Durante a campanha presidencial, Juscelino percorreu o país com as es-
lítico tenso e com interesses bastante divergentes, conciliou o processo de- tatísticas da produção de energia elétrica e transporte. Frisava a necessidade
mocrático e a intensificação do desenvolvimento de tipo capitalista. Não é de uma ampliação drástica desses setores, caso o Brasil desejasse dar um sal-
por mero acaso, portanto, que o quingiênio JK tenha recebido, posterior- to em sua produção industrial e integrar o bloco dos então qualificados “países
mente, o epíteto de “anos dourados” e que, ainda hoje, Juscelino Kubitschek desenvolvidos”. Seu slogan de campanha, “cinquenta anos em cinco”, sinte-
seja tido como uma espécie de modelo para vários políticos, defensores da tizava seu objetivo maior: acelerar o desenvolvimento nacional. Era um slogan
ordem capitalista e democrática para o Brasil. bastante sugestivo, pois prometia realizar em um mandato, então de cinco
Nesse capítulo, procuro explicar o governo JK a partir das inter-relações anos, o que levaria muito mais tempo. E, como observou um influente polí-
tico do período, José Joffily, essa
“linguagem do desenvolvimento”, matiza-
“ defendido e implementado por Juscelino, com dois« outros projetos impor- da por números, metas e estatísticas, não fazia parte do estilo da época. Não
tantes no período e que, além disso, faziam face ao programa juscelinista à esteve presente, por exemplo, nas duas campanhas presidenciais que antece-
direita e à esquerda do panorama político:? o ruralista, nitidamente conser- deram a de JK, isto é, as de Dutra e Vargas (Moreira, 1998a, p. 159).
vador e autoritário, e o nacionalista econômico, crescentemente reformista O programa de governo de JK assumiu integralmente a “linguagem do
e abertamente popular.? Essa linha de reflexão faz um recorte analítico e, desenvolvimento”. Mais conhecido como Plano de Metas, o programa era,
por isso, não esgota as diferentes dimensões da administração Kubitschek. na realidade, um documento essencialmente econômico. Dividia-se em 30
Em contrapartida, procura resgatar a dinâmica política do Brasil dos anos metas, distribuídas entre os setores de energia (metas 1 a 5), transporte (me-
JK. Resumindo a proposta desse capítulo, acredito ser pouco provável a com- tas 6 a 12), alimentação (metas 13 a 18), indústria de base (metas 19 a 29) e
preensão da especificidade do projeto nacional-desenvolvimentista, bem como educação (meta 30). A construção de Brasília só foi incorporada ao Plano de
a estabilidade política e institucional do período, sem a consideração dos mais Metas durante a campanha presidencial, mas rapidamente se transformou
importantes interlocutores políticos da época, cujas opiniões ficaram expressas em uma das prioridades de Juscelino. Ele situava Brasília, aliás, em lugar de
nos “outros” projetos sociais então em disputa. destaque, considerando-a “a grande meta de integração nacional” ou, ainda,
a “meta-síntese” de sua administração.
AA

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o CRCA (, g A Tomado em conjunto, o Plano de Metas visava aprofundar o processo de


Na CovÁ / industrialização. Incentivava, por um lado, os investimentos privados de

Dels “AU ren Trsro 188 ; 159


PN Aconmnês (a
ps: CO Dm 2) Km
O BRASIL REPUBLICANO OS ANOS JK: INDUSTRIALIZAÇÃO E MODELO OLIGÁRQUICO

capital nacional e estrangeiro, procurando ampliar o parque industrial. Por to Central, em 21 de abril de 1960. Aliás, passou a faixa presidencial a Jânio
outro lado, atacava os pontos de estrangulamento da economia, isto é, os Quadros em solenidade realizada na nova capital modernista, sempre tida
problemas estruturais que impediam o incremento industrial, prevendo gran- como uma meta delirante do presidente e impossível de ser realizada no pra-
des investimentos estatais na infra-estrutura nacional (Lafer, 1970, p. 78). zo predeterminado.
Tão marcante quanto a linguagem desenvolvimentista de JK foi a sua O sucesso de Juscelino em implementar as muitas e ambiciosas metas de
atuação como presidente da República. Ao contrário da prática de alguns seu plano de governo não passou despercebido. Em 1961, uma pesquisa do
candidatos a cargos da administração pública, que assumem compromissos e Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) buscou avaliar
metas e depois não cumprem, ou até mesmo realizam coisas muito diversas o quanto a população notou a intensificação do desenvolvimento promovi-
daquelas prometidas, Juscelino implementou passo a passo seu programa de da no qiinqiiênio JK. Realizada na Guanabara, a pesquisa apresentou núme-
governo, então considerado bastante ambicioso tendo em vista as condições ros significativos: 80% da população pesquisada afirmou que “o presidente
nacionais. As principais avaliações de sua administração são uníssonas em Juscelino acelerou de fato o desenvolvimento do país”, contra 12% que dis-
afirmar que a realização do Plano de Metas foi coroada de sucesso (Lafer, cordavam dessa opinião e outros 8% que não sabiam opinar sobre o assunto
1970; Benevides, 1979; Maranhão, 1985; Skidmore, 1979). (Moreira, 19984, p. 86).
De fato, o êxito na implementação do Plano de Metas foi inegável. As Para muitos contemporâneos de JK, aliás, o impressionante desenvol-
metas de energia e transporte, investimentos em infra-estrutura considera- vimento econômico justificava considerar o projeto nacional-desenvolvi-
dos indispensáveis ao aprofundamento da industrialização, alcançaram re- mentista como a “revolução industrial brasileira”. Contudo, o modelo de
sultados notáveis. Enquanto o plano previa a pavimentação asfáltica de 5.000 industrialização adotado por JK, à parte certa especificidade, baseado na
km de rodovias (meta 8) e a construção de 12.000 km (meta 9), em 1960 os maior presença do capital estrangeiro, não era algo novo no Brasil. Ao con-
resultados já tinham superado o previsto, pois foram construídos 14.970 km trário, o mesmo padrão já estava claramente em andamento pelo menos desde
e pavimentados 6.202 km. No caso da energia elétrica (meta 1), indicava-se o Estado Novo. Realizava-se, além disso, graças ao apoio político do Estado,
Co

: a elevação da potência instalada de 3 milhões de kw para 5 milhões. E, em no sentido de promover a produção interna de industrializados, que eram
“ 1960, 95,40% da meta haviam sido alcançados. A meta 27 estabelecia a im- mais frequentemente importados pelo país. Eis porque tal modelo recebeu a
plantação da indústria automobilística com capacidade de produção de alcunha de “industrialização substitutiva de importações” (Singer, 1984, p.
170.000 veículos, entre caminhões e automóveis. Em 1960, os resultados 214). Tal industrialização também não se esgotou com o encerramento do
do setor eram surpreendentes. A capacidade instalada permitia a superação governo JK ou com o fim da experiência democrática, pois no regime auto-
da meta fixada em 17,2% (Faro & Silva, 1991, p. 62-66). ritário iniciado em 1964 o modelo recobrou o fôlego, sendo, inclusive,
No conjunto, a ampliação do parque industrial multiplicou os empregos aprofundado (Singer, 1984, p. 225).
para os trabalhadores urbanos e ofertou, às camadas médias, novos produ- Ao perfil desenvolvimentista de Juscelino somava-se outro: o nacionalis-
tos de consumo, antes pouco acessíveis, pois caros e obtidos pela via da im- ta. Esse lado do presidente e de sua administração expressava-se também por
portação. Juscelino, por sua vez, tirou todos os proveitos políticos da execução meio de uma linguagem específica, defensora do desenvolvimento nacional,
do Plano de Metas. Visitava os canteiros de obras e, pessoalmente, inaugura- dos interesses nacionais, das forças nacionais, da integração nacional etc. Mas
va hidrelétricas e novas estradas, dirigindo modelos de veículos produzidos foi sobretudo a aliança política que JK estabeleceu com partes significativas
pela indústria automobilística instalada no país. E, para fechar com chave de do chamado movimento nacionalista que garantiu à sua plataforma política
ouro sua administração, inaugurou com todas as pompas Brasília, no Planal- o epíteto de “nacionalista”.

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O BRASIL REPUBLICANO OS ANOS JK: INDUSTRIALIZAÇÃO E MODELO OLIGÁRQUICO

Um dos setores mais próximos do presidente foi o Instituto Superior de aprofundamento do sistema industrial capitalista. Mais que isso, o sistema
| Estudos Brasileiros (ISEB), uma instituição ligada ao Ministério da Educa- democrático brasileiro era reconhecidamente frágil, pois ainda muito depen-
ção e um dos principais centros de produção e difusão do ideário nacionalis- dente do apoio dos militares e recorrentemente ameaçado por “opções” ou
ta durante a experiência democrática. O ISEB reunia intelectuais de prestígio “soluções” golpistas. Basta lembrar, por exemplo, que o próprio Juscelino e
como Roland Corbisier, Hélio Jaguaribe, Guerreiro Ramos, Álvaro Vieira seu vice, João Goulart, só conseguiram assumir os postos para os quais ha-
Pinto, Nelson Werneck Sodré, Cândido Mendes, entre outros. Era um cen- viam sido eleitos, pelo voto popular, graças ao “golpe preventivo” do gene-
tro ativo: publicava livros que marcaram época, realizava seminários em torno ral Lott, de 11 de novembro de 1955 (Skidmore, 1978, p. 194-197).
de temas polêmicos e, sobretudo, funcionava como um espaço de socialização Foi tendo em vista as incertezas do sistema democrático em geral e, em
entre políticos, intelectuais e estudantes. À instituição defendeu muito aber- particular, as dificuldades da democracia no Brasil, que os isebianos propa-
tamente a plataforma nacional-desenvolvimentista de JK. O presidente lavam a necessidade de produzir e divulgar a chamada “ideologia do desenvol-
apoiou, por sua vez, as atividades do ISEB, que teve sua “idade de ouro” vimento nacional”. O objetivo era sedimentar a aliança das “classes dinâmicas”
justamente no quingiiênio juscelinista (Toledo, 1982, p. 184-191). contra os segmentos políticos e sociais “arcaicos”. Roland Corbisier resumiu
da industrialização de tipo capitalista era inequívoca entre os bem tal perspectiva, quando afirmou que “não haverá desenvolvimento sem
isebianos. Eles viam, no entanto, enormes empecilhos à realização desse pro- a formulação prévia de uma ideologia do desenvolvimento nacional” (cita-
jeto social, a começar pela resistência das chamadas “classes sociais arcaicas” do por Moreira, 1998, p. 137). Em outras palavras, o desenvolvimento in-
ao processo de modernização e industrialização. Os setores “arcaicos” eram dustrial, sob a liderança política, social e econômica da burguesia, era um
definidos como um bloco heterogêneo, nascido e desenvolvido no contexto projeto apenas alcançável, na democracia brasileira, se fosse feita ampla pro-
daeconomia agrário-exportadora
que havia prevalecido
no Brasil desde o paganda ideológica, ca capaz ; de convencer proletários, camponeses e classe
-período
aproximadamente
colonial até a década de 1930, Inclufa, principal- média a apoiarem tal plataforma social e política.
mente, os latifundiários, os setores ligados ao comércio exportador e a clas- — Afirmar que os isebianos entendiam ser a propaganda ideológica funda-
se média tradicional. E, na avaliação isebiana, esses grupos não tinham o mental à defesa do capitalismo em um sistema democrático não significa di-
menor interesse no novo e ainda frágil modelo de desenvolvimento nacio- zer que eles pensavam que isso seria condição suficiente. Hélio Jaguaribe e
nal, baseado na indústria e no mercado interno. Roland Corbisier compartilhavam a idéia de que a reforma do Estado era
Diante da suposta resistência dos setores sociais “arcaicos” ao processo outra medida inadiável, se o objetivo fosse alcançar o “desenvolvimento
de industrialização, os isebianos pregavam a necessidade de uma “revolução nacionaf”. Buscavam, por meio da reforma, tornar o Estado menos acessível
democrático-burguesa no Brasil”, isto é, uma aliança dos “setores sociais àsd demandas clientelistas dos políticos tradicionais (“arcaicos”) e mais “téc-
dinâmicos” (burguesia, proletariado, camponeses e nova classe média), sob a nico”,>, isto é, capaz de
nico” je implementar políticas setoriais que dessem sustenta-
direção da “burguesia nacional”, para fazer face aos interesses “arcaicos” (leia- ção
ção à modernização e à industrialização (Moreira, 1998a, p. 140-142).
se agrário-exportadores e antiindustriais) (Moreira, 1998b, p. 335). Daí nascia Guerreiro Ramos e Álvaro Vieira Pinto desenvolveram um ponto de vis-
o segundo maior problema isebiano: como conseguir a união das “classes ta bem mais crítico sobre o problema. Perceberam, cada um a seu modo, que
dinâmicas”? Além do mais, como fazer isso em pleno sistema democrático? a defesa da industrialização de tipo capitalista, no contexto da democracia
À preocupação isebiana de compatibilizar capitalismo e democracia não brasileira, poderia exigir mais do que propaganda ideológica e reforma ad-
era descabida. Nas democracias, é o voto popular que elege os governos e ministrativa. Para eles, o capitalismo no Brasil não estava absolutamente as-
estes, por sua vez, podem ou não implementar políticas favoráveis ao segurado, pois da direita poderia partir a própria recusa do aprofundamento

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O BRASIL REPUBLICANO OS ANOS JK: INDUSTRIALIZAÇÃO E MODELO OLIGÁRQUICO

do sistema industrial e, da esquerda, a superação da burguesia como classe grama de Metas, era percebida como a implementação das principais idéias
dirigente. ,£ diretrizes defendidas pela instituição. E, de fato, tal avaliação não estava
O diagnóstico de incertezas fez com que Guerreiro Ramos sugerisse ser a de todo equivocada. O governo JK aprofundava, muito visivelmente, a indus-
defesa do capitalismo brasileiro matéria de “segurança nacional”. Tudo que trialização de tipo capitalista defendida pela instituição e ambos, ademais,
prejudicasse tal modelo de desenvolvimento — como partidos, grupos de usavam e abusavam da “linguagem nacionalista” para conquistar os corações
pressão e manifestações daé opinião plUlicA drteriam cota semiado Names, e as mentes de seus contemporâneos.
“sob mira de nosso aparelho de segurança” (citado por Moreira, 1998a, O eufemismo “desenvolvimento nacional” definia
projeto
o de indus-
p. 141). A posição de Ramos era clara, pois preferia sacrificar a democracia trialização do ISEB e do governo
governoJK, que
que ei
era, no entanto, liberal, burguês, |
em defesa do capitalismo. Radicalmente oposta foi a opção política de Vieira capitalista. Mas a “ideologia do des i ional” tudo na
“Pinto, para quem “... só estão credenciados para promover o desenvolvimen- versão juscelinista, ocultava a dimensão de classe subjacente ao projeto nacio-
to nacional aqueles que forem escolhidos pelas massas ou, em outras pala-
7 , [TR ae ce ER AR
nal-desenvolvimentista. Ofertava o “desenvolvimento nacional” como algo
vras, não pode haver solução política para os problemas brasileiros fora do de todos e para todos, cujo resultado final seria a transição do Brasil para o
voto popular” (citado por Moreira, 1998a, p. 140). mundo das nações ricas, modernas e portadoras de bem-estar social.
A reflexão isebiana sobre a tensão existente entre capitalismo e demo- |
cracia desnudava os diferentes interesses econômicos, sociais e políticos, então
em n jogo e em conflito, que potencialmente punham em risco o projeto so- OS PROGRESSISTAS E O MOVIMENTO NACIONALISTA
tes, tam
cial acalentado pelo grupo. Se os interesses industrialistas «eram fortes
À sustentação política e partidária do governo JK baseou-se na aliança entre
“ser contráriaja à industrialização. AÀ der
democratização, ocorrida a partir de 1946, O Partido Social Democrático (PSD), de Juscelino, e o Partido Trabalhista
tornava o cenário nacional ainda mais ma complexo. Estava permitindo a cres- Brasileiro (PTB), do vice-presidente João Goulart. O PSD tinha um perfil
cente participação e organização política popular, cujas aspirações e deman- conservador, nitidamente ruralista, enquantoo PTE
PTB defendia os interesses
das poderiam não coincidircom aquelas defendidas e esperadas pela burguesia trabalhistas,
E Com ea cobrado no meio urbano, À aliança PSD/PTB
e, menos ainda, dentro da visão isebiana, com os interesses da oligarquia rural. dava à administração juscelinista um aspecto de governo de “centro”, pois.
A ascensão das demandas populares, em um quadro político ainda fortemente combinava setores políticos com agendas bastante diversas.
marcado pela presença da elite rural conservadora, era EMEA desafio PO
um CROMO político O maior partido de oposição era a União Democrática Nacional (UDN).
bastante considerável. Disso não tinha dúvidas, aliás, nenhum intelectual ou A legenda combatia ostensivamente a herança política e ideológica de Getú-
político minimamente sensível e observador da experiência democrática. lio Vargas, claramente presente na aliança PSD/PTB. Defendia, ademais, o
As relações entre o ISEB e erno JK não devem ser simplificadas slogan da “moralidade pública” como a bandeira número um do partido.
apenas na idéia de cooptação. Os mais ativos intelectuais
intelectuais dadai instituição eram Conquistava, desse modo, eleitores urbanos sensíveis ao discurso da mo-
os E dana que formulavam e propagandeavam a tal ralidade política, mas, no interior, onde possuía também uma forte base
“ideologia do desenvolvimento nacional”. Eles mantiveram uma relação or- - turalista, disputava a hegemonia com o PSD (Benevides, 1981).
gânica com o presidente, com seu primeiro escalão e muitos outros ”Aoladodo PSDe da UDN, o PTB foi a terceira maior legenda do perío-
políticos e a JK, como a Ala Moça do Partido Social Democrático. A do democrático. No entanto, crescia em ritmo muito mais acentuado, em
plataforma industrialis! uscelino, exposta de forma exemplar no Pro- detrimento, aliás, dos demais partidos (Hippólito, 1985, p. 58-59; Delgado,

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O BRASIL REPUBLICANO OS ANOS JK: INDUSTRIALIZAÇÃO E MODELO OLIGÁRQUICO

sociais ee políticas fazia-se sobretus


das suas bases sociais
1989, p. 202).A À ampliação das «cias populares, como o voto do analfabeto, a revisão da estrutura agrária, a
extensão da legislação social e trabalhista aos trabalhadores rurais, o apoio à
atendiam sos s favorecidos da População. EN.bandeirara trabalhis-
estratos Tmmenos industrialização, a expansão dos serviços públicos e a reforma administrativa,
dd

ta repercutia entre.os setores populares das cidades, enquanto no campo se entre outras. Quanto a sua legenda, o PSD, afirmou Joffily: “Não se compreen-
ampliava a atuação do partido, organizando diretórios e Rd aa dia mais a existência de um partido voltado para o latifúndio, comprometido
são do sindicalismo rural (Hippólito, 1985, p. 191; Delgado, 1989, p. 203). com o Estado cartorial. Achávamos que tudo aquilo ia perecer mais cedo ou
“Seu crescimento no meio urbano € sua presença cada vez mais significativa mais tarde, e não queríamos que aquele barco soçobrasse às nossas custas
no interior incomodava as elites tradicionais e sinalizava uma maior radicali- também...” (citado por Moreira, 1998a, p. 160).
zação do panorama político nacional. “Para os progressistas, a sobrevivência da classe política no novo Brasil
e
Desse modo, à esquerda do cenário político e social, Juscelino tinha como quee despontava com a democratização de 1946 significava, entre outras coi-
principais interlocutores os chamados “grupos progressistas”, sobretudo os sas, atender certas demandas populares. E, se algo efetivamente unia, sem
políticos ligados ao PTB. Dentro do próprio partido, aliás, os progressistas maiores problemas, os chamados “grupos progressistas”, era o crescente in-
mais à esquerda organizaram-se no chamado “Grupo Compacto” que, de teresse e atenção que dispensavam ao que então se entendia por “desenvol-
acordo com seus membros, visava reunir os “nacionalistas convictos” em uma vimento sobre
bre bases nacionais” ou, mais resumidamente, “desenvolvimento
atuação mais ostensiva na defesa dos interesses dos trabalhadores (Delgado, nacional”. * Tendiam a agir politicamente como um bloco, tal como ficou exem-
1989, p. 205). plarmente evidente na constituição informal da chamada Frente Parlamen-
Mas os progressistas não estavam adstritos à legenda trabalhista. No pró- “tar
Nacionalista (FPN). Estabelecida em 1956, funcionou como um fórum
prio partido de Juscelino, de base abertamente rural, e na maiorx legenda de de debate e mútuo apoio de políticos tidos como radicais em seus partidos
oposição, a UDN, existiam também bém grupos de progressistas, como a “Ala “de origem n (Moreira, 1998a, p. 160).
Moça” do PSD e a “Bossa ÀNova” da UDN | (Hippólito, 1985, p. 144). Embo- Embora hoje a idéia de “desenvolvimento nacional” nos pareça ampla e
ra os elementos mais atuantes do PSD e da UDN fossem avaliados, dentro de imprecisa para qualificar um projeto social específico, o fato é que, para os
suas respectivas legendas, como segmentos radicais e quase dissidentes, foi contemporâneos do governo JK, o conceito tinha um sentido muito claro:
graças a eles que seus partidos passaram a encampar certas demandas popu- industrialização. Não se confundia, desse modo, com a idéia de um processo
lares. No plano mais geral, defendiam reformas sociais e modificações polí- de desenvolvimento baseado exclusiva ou prioritariamente no setor
ticas que os aproximavam dos parlamentares trabalhistas. agropecuário. Entre os segmentos mais radicais, significava também a mo-
José Joffily foi um exemplo típico de político progressista da era demo- dernização da sociedade nacional, via reformas profundas no sistema políti-
crática, construindo uma rede de relações com intelectuais, políticos de di- “co-eleitoral,na à administração ddo Estado, na estrutura agrári ão €
ferentes legendas partidárias e movimentos sociais em ascensão. Era membro nas relações i internacionais.
da Ala Moça, vice-presidente da Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) e "Desde o colapso econômico de 1929, ficou relativamente claro para se-
assíduo participante das reuniões políticas e acadêmicas do ISEB. Posterior- tores políticos e intelectuais importantes do cenário brasileiro o quanto era
mente, em um depoimento, Joffily explicou a razão de ser da Ala Moça. Para frágil a nação, justamente por ter-se sustentado em um processo de desen-
ele, o processo de industrialização, urbanização e democratização vivido então volvimento dependente do mercado externo, isto é, no modelo agrário-ex-
pelo país exigia uma adaptação do sistema partidário às novas demandas portador. O antídoto proposto para combater tal fraqueza da nacionalidade
sociais. No plano mais concreto, isso significava a incorporação de exigên- era, não por mero acaso, o desenvolvimento de uma indústria nacional, cujo

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O BRASIL REPUBLICANO OS ANOS JK: INDUSTRIALIZAÇÃO E MODELO OLIGÁRQUICO

florescimento deveria ancorar-se no mercado interno. A opinião de Gabriel (Lamounier, 1978, p. 356), quanto no ideário de partidos políticos tão di-
Passos, então deputado udenista por Minas Gerais e ativo militante nacio- versos como o integralista e o comunista. O Estado brasileiro, desde a revo-
nalista, é ilustrativa. De acordo com o parlamentar, “... um país só se liberta, lução de 1930, também teve um discurso bastante marcado pelo vocabulário
um país só progride quando transforma as próprias riquezas. O país mera- nacionalista, presente nas formulações de homens do porte de Getúlio Vargas,
mente exportador de matéria-prima é país fadado ao aniquilamento e ao Juscelino Kubitschek e João Goulart ou ainda, posteriormente, na ideologia
perecimento” (citado por Moreira, 1998a, p. 132). da segurança nacional do regime militar.
Além de defenderem a industrialização e de criticarem abertamente o Se nem todos os nacionalistas eram progressistas, já que a “linguagem
modelo agrário-exportador precedente, os progressistas ainda compartilha- nacionalista” continuou presente nos discursos de setores sociais e políticos
vam uma outra avaliação: identificavam a oligarquia Iatifundiária como o conservadores e até mesmo reacionários, quase todos os progressistas se
maior “vilão” nacional, pois consideravam-na capaz de inviabilizar o apro- definiam como “nacionalistas”.* Mas o ingrediente nacionalista, por si só,
fundamento do desenvolvimento industrial. Para eles, a elite agrária ainda serve muito pouco para qualificar e explicar os projetos sociais historicamente
era um bastião defensor da economia agrário-exportadora pouco interessa- em disputa no Brasil. Na realidade, funcionou mais para confundir as dife-
da na industrialização, e cujos latifúndios, além disso, inibiam a formação de “rentes propostas políticas em jogo, ao encobrir e dissimular as grandes di-
um mercado interno consumidor de industrializados. ferenças existentes, graças ao uso comum da “linguagem nacionalista”.
Os políticos progressistas, fossem eles reformistas sociais ou simplesmente Contudo, dificilmente podemos compreender a experiência democráti-
liberais interessados no aprofundamento do capitalismo industrial, eram ca e, mais particularmente, os anos JK, sem recorrer ao cada vez mais atuan-
unânimes quanto à crítica ao latifúndio. Presumiam que, na ausência de um te movimento. Para Caio Prado Jr., militante comunista, editor da Revista
processo distributivo de terras (reforma agrária), capaz de elevaro padrão Brasiliense (1955-1964), difusor do ideário nacionalista e, então, reconheci-
€ econômico das massas rurais, dificilmente a industrialização nacio- do como um dos mais importantes intelectuais do país, o nacionalismo dos
nal seria bem-sucedida, pois tornar-se-ia sufocada pela ausência de mercado anos 50 já era comparável, em termos de importância política e dimensão
interno consumidor (Moreira, 1998b, p. 349). Para o deputado petebista social, aos precedentes movimentos pela independência e pela abolição da
baiano Fernando Santana, por exemplo, a reforma agrária não era uma “exi- escravidão (Moreira, 1998b, p. 330). 0 MAC 9na
gência revolucionária”, mas antes uma medida de assistência à indústria, in- A avaliação de Caio Prado Jr. não era exagerada. No plano político, o
capaz de crescer pois estava “...sem meios de se desenvolver, uma vez que o movimento era plural, incorporando setores de várias legendas partidárias
seu mercado se tornou inelástico...” (citado por Moreira, 1998b, p. 349). como o PSD, a UDN, o PTB e o Partido Comunista Brasileiro (PCB), então
A defesa
industrialização
da e a crítica
ao latifúndio eram o que havia de na ilegalidade. Socialmente, organizava-se em pequenos e médios grupos de
mais comum entre os diferentes segmentos progressistas do período. A luta militantes que se multiplicavam, incluindo militares, operários, estudantes,
política e ideológica desses setores gerou a formação do que ficou conheci- intelectuais, sindicalistas, entre outros. Nos anos JK, portanto, o nacionalis-.
do como “movimento nacionalista”, um importante fenômeno social, polí- “mo era não apenas um ingrediente ideológico, mas também e fundamental-
tico e ideológico da experiência democrática de 1946 a 1964. Explicar a mente um movimento político e social em plena expansão.
natureza específica desse movimento é, no entanto, tarefa relativamente árdua. Como movimento social e político, começou a ganhar força em 1943,
O nacionalismo, como ingrediente ideológico, esteve presente em dife- quando desencadeou-se a campanha “OQ petróleo é nosso”, patrocinada pelo
rentes momentos da trajetória histórica brasileira. É possível reconhecê-lo, Clube Militar (Souza, 1993, p. 23). A campanha, com seu sugestivo nome,
por exemplo, tanto no pensamento autoritário da Primeira República procurou mobilizar a sociedade na defesa da exploração do petróleo, então

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O BRASIL REPUBLICANO OS ANOS JK: INDUSTRIALIZAÇÃO E MODELO OLIGÁRQUICO

recém-encontrado na Bahia, por empresas nacionais. Descartava-se, desse O lado mais reformista e radical do movimento, que aqui estamos qualifi-
modo, a alternativa da Shell, da Texaco ou de qualquer outra multinacional cando de nacionalistas econômicos, teve crescimento significativo durante
ser instalada no país para aquele fim. A criação da Petrobrás, em 1953, co- a administração juscelinista a ponto de, em 1960, romper com o nacional-
roou de sucesso as jornadas em defesa do petróleo nacional. Desde então,o desenvolvimentismo. A questão central do conflito foi, sem sombra de dúvi-
nacionalismo se identificou, cada vez mais, com a idéia de apoiar um proces- das, a presença do capital estrangeiro no processo de industrialização e
“so de desenvolvimento centrado nas “forças sociais e econômicas da nação”. desenvolvimento
da época.
Durante o governo JK, as questões que mais mobilizaram o movimento O financiamento do Programa de Metas foi, durante todo o governo de
nacionalista foram a industrialização, a presença do capital estrangeiro, a JK, um dos pontos frágeis e de mais difícil solução. O país não contava com
reforma agrária e o pacto sociale político que deveria orientar e sustentar o uma poupança interna capaz de arcar com os elevados custos da plataforma
processo de “desenvolvimento nacional”. A estes temas centrais seguiam-se governamental. No plano internacional, os empréstimos de governo a go-
outros, como a política externa independente e as reformas no sistema elei- verno, que prevaleceram no imediato pós-guerra, estavam francamente des-
toral, administrativo, educacional etc. Todas essas bandeiras nasciam ou de- cartados em favor da inversão direta de capitais em economias consideradas
rivavam-se da necessidade, sentida pelos membros do movimento, de prover promissoras. Diante desse quadro, Juscelino implementou grande parte do
a nação com um processo de desenvolvimento auto-sustentável. E, como Plano de Metas emitindo papel moeda ee incentivando a| instalação de multi-
vimos, tal desenvolvimento só poderia ser a industrialização ancorada na nacionais no país, o que resultou no aumento “inflacionário e na ampliação
demanda interna. Contudo a implementação concreta desse objetivo maior da presença do capital internacional al na economia brasileira (Malan, 1984,
e comum gerava uma série de tensões. p. 66 e 83). Essa opção juscelinista ficava, com o passar de seu governo, cada
Exemplo dos conflitos ocorridos foi a inexistência de um projeto social vez mais evidente, gerando fortes críticas de setores do movimento naciona-
único, já que o movimento se dividia claramente entre pelo menos duas ten- lista. De acordo com o deputado udenista pelo Ceará, Adail Barreto: “... nós
dências que disputavam a hegemonia política: o nacional-desenvolvimen- da Frente Nacionalista temos declarado em toda parte por onde andamos,
tismo, do ISEB e de JK,e oo nacionalismo econômico, da esquerda do período. aqui na tribuna da Câmara ou nas semanas nacionalistas feitas em diversos
No entanto, foram justamente o pensamento e a ação política dessas duas Estados: somos contra o capital colonizador, venha ele de onde vier...” (ci-
facções que deram um sentido concreto à idéia de “movimento nacionalis- tado por Moreira, 1998b, p. 345).
ta” da experiência democrática. Dito de outra forma, o nacionalismo dos A crítica contra a inversão direta de capital estrangeiro era intensa en-
anos 1946-1964, isto é, sua parte mais ativa e fundamental,
teve uma dimen- tre políticos, intelectuais, estudantes e sindicalistas do movimento nacio-
são claramente liberal, representada pelo nacional-desenvolvimentismo, e nalista. Qualificavam tais investimentos com epítetos nada elogiosos, como
outra popular, exemplificada pelo nacionalismo econômico. “capital colonizador”, e a opção juscelinista de “entreguista”, pois enten-
diam que a ampla participação do capital internacional atrelaria o desen-
Ge A ESA volvimento do país à lógica do “imperialismo”. No meio intelectual, aqueles
(DZ ato,
O NACIONALISMO ECONÔMICO PATAS 7Empo) que melhor articularam as idéias dos nacionalistas econômicos foram os
colaboradores mais ativos da Revista Brasiliense, como Caio Prado Jr.,
A plataforma industrialista e desenvolvimentista de JK teve ampla penetra- Heitor Ferreira Lima, Elias Chaves Neto, entre outros. Para Chaves Neto,
ção nos segmentos nacionalistas progressistas. Mas o apoio a Juscelino, em- por exemplo, era preciso defender um projeto de industrialização sobre
bora tenha sido bastante significativo, não se realizou sem críticas importantes. “bases nacionais”, pois o grande atrativo para as inversões diretas de capi-

170 171
PA
O BRASIL REPUBLICANO OS ANOS JK: INDUSTRIALIZAÇÃO E MODELO OLIGÁRQUICO

tal externo era os baixos salários pagos à mão-de-obra nacional. Além dis- bloco capitalista, liderado pelos Estados Unidos, quando do socialista, capi-
so, esses capitais taneado pela então União Soviética, para garantir uma industrialização
centrada antes nos interesses internos do que na bipolarização internacional
«-Viriam criar aqui, não uma indústria destinada a suprir as necessidades de da Guerra Fria.
consumo de nosso povo, mas com vistas à exportação dos seus produtos, Diferentemente de JK e dos isebianos, os nacionalistas econômicos assu-
entrosando-se o Brasil no sistema econômico das nações imperialistas, no qual
miam publicamente que a ampliação da participação do capital internacio-
o nosso povo desempenhará o papel de mão-de-obra mal remunerada, com
nal na economia brasileira poderia reproduzir, em novos termos, a
exceção daquela parte da burguesia nacional que terá unido os seus interes-
dependência nacional em relação aos países ricos e industrializados. Pior ain-
ses ao do capitalismo internacional (citado por Moreira, 1998b, p. 347).
da, uma industrialização dependente poderia liquidar com a chance do de-
senvolvimento brasileiro satisfazer os interesses das camadas populares. Desse
O projeto social dos nacionalistas econômicos da Revista Brasiliense era bas-
“modo, enquanto os colaboradores da Revista Brasiliense e vários políticos
tante diverso daquele defendido pelo nacional-desenvolvimentismo de Jusce-
nacionalistas criticavam o “capital colonizador” e a política desenvolvimen-
lino Kubitschek e do ISEB. Pregavam a aliança dos “setores sociais populares”
tista de JK, justamente por criar novos laços de dependência, os isebianos
(proletários, camponeses e progressistas) na defesa da industrialização e de
tomaram uma posição de conciliação com o governo: resumiam o problema
reformas estruturais, sobretudo a agrária, para viabilizar a elevação do pa-
da dependência fundamentalmente como um resultado da aliança dos lati-
drão social e econômico da população brasileira. O grande objetivo não era
fundiários agroexportadores com o mercado internacional.
simplesmente o aprofundamento da industrialização, mas a ampliação da
A dependência era, para os isebianos, uma característica da economia
qualidade de vida e de trabalho da maior parte possível da população rural e
baseada na exportação de produtos agrícolas, que dominou a trajetória do
urbana. Consideravam que as principais ameaças à consecução desse projeto
Brasil aproximadamente até a década de 1930. Não era uma possibilidade
político e social viria, no plano externo, dos interesses do grande capital in-
presente na etapa da “revolução democrático-burguesa brasileira”, que visa-
ternacional (“sistema imperialista”) e, internamente, da oposição dos lati-

4
va precisamente, segundo eles, acabar com a dependência externa e, portan-
fundiários e da burguesia local coligada aos interesses do capital estrangeiro.
to, com o caráter ainda “semicolonial” do país. Do ponto de vista isebiano,
Os nacionalistas econômicos enfrentaram de forma firme o problema do
se alguma ameaça ainda existia à reprodução da dependência e do caráter
impacto do capital estrangeiro sobre o desenvolvimento industrial brasilei-
“semicolonial” brasileiro, esta não partiria da burguesia nem tampouco da

et
ro, situando tal questão como um dos principais eixos de suas reflexões. Pre-
industrialização, mas dos ruralistas e do comércio exportador de matérias-
feriam, indiscutivelmente, os empréstimos de governo a governo. Desse modo, O
primas.
o Estado seria
oEstado seria o o grande
grande inve:
investidor nacional e manteria
ateria o o controle
controle sodre
sobre O.
o
Rd

Seja pela crítica à dependência, pelo apelo aos interesses populares ou


desenvolvimento econômico, desenvolvendo-se, no país, uma espécie de
Estad!

ainda pela plataforma das reformas sociais e políticas, o nacionalismo eco-


capitalismo esestatal. Mas na impossibilidade dessa opção, propuseram inú-
nômico foi a perspectiva das esquerdas
do período.As ligações entre os co-
Ae

meras políticas disciplinares aos investimentos diretos de capital: o controle


“Jaboradores mais frequentes dda Revista Brasiliense com o Partido Comunista
sobre a remessa de lucros, royalties e dividendos para minimizar o impacto
em

eram, por exemplo, evidentes, muito embora não se possa dizer que inteleç-
da drenagem de recursos para fora do país; a exclusividade de investimentos
ço q! em

tuais como Caio Prado Jr., Chaves Neto e Calil Chade refletissem a orienta-
estatais em setores estratégicos da economia, como o setor de energia; e a
ção oficial do partido (Moreira, 1998b, p. 342; Rodrigues, 1983, p. 412).
política externa independente, isto é, desvinculada dos interesses tanto do
Mas seria inexato afirmar que os nacionalistas econômicos fossem primeira-
Muçto paoniag
e
E

» die vanGAS Haga 172 173


” £ 2
Furo porco Ao:
E
O BRASIL REPUBLICANO OS ANOS JK: INDUSTRIALIZAÇÃO E MODELO OLIGÁRQUICO

mente e fundamentalmente partidários do ideário comunista. Setores do


] -No campo do movimento nacionalista, a popularidade de Juscelino fi-
movimento com idéias muito similares àquelas veiculadas na Revista eram | cou bastante clara durante as eleições presidenciais de 1960, O candidato
não apenas anticomunistas radicais, como também reformistas convictos. ) apoiado pelo movimento foi o general Lott, apresentado como a continuidade
Seixas Dória, deputado pela UDN e membro da Frente Parlamentar Nacio- | do projeto nacional-desenvolvimentista. Como afirmou Calil Chade, em
nalista, por exemplo, observou com satisfação que “...o Movimento Naciona- artigo publicado
na Revista Brasiliense, o presidente Juscelino foi defendido,
lista está, praticamente, destruindo o Partido Comunista” (citado por Moreira, então, como o “nacionalista número um ? do país, o que comprovava a ausên-
1998, p. 147). cia de discernimento crítico entre os projetos nacionalista e desenvolvi-
As importantes diferenças entre o nacional-desenvolvimentismo e o na- mentista, tão comum durante aquele período (Moreira, 1998a, p. 157). A .
derrotaeleitoral de Lott para Jânio Quadros foi um golpe duro parao mo-
políticos, sindicalistas e intelectuais que lutavam, ademais, pela liderança vimento. Instalou-se, logo depois, um processo de “autocrítica” » cujo resul-
política e ideológica dentro do segmentado movimento. A “linguagem na- tado final foi o rompimento entre “nacionalistas”"e€ “desenvolvimentistas”.
cionalista” em comum serviu, no entanto, para confundir a maior “Os nacionalistas econômicos reconheceram que o movimento tinha uma
| parte dosseus integrantes, que pairavam entre uma e outra alternativa, jul- feição 1 mais elitista do que popular. Seus principais membros ainda eram
gando-as, nmuitas vezes, como perspectivas semelhantes. Os editoriais da políticos, intelectuais, estudantes e sindicalistas, enquanto a maioria dos elei-
Revista Brasiliense insistiam, aliás, nas divergências e criticavam a falta de tores permaneciam alheios aos grandes temas defendidos pelo movimento.
discernimento sobre os distintos projetos sociais subjacentes aos ideários Era
necessário, de acordo com a “autocrítica” realizada, ampliar suas bases —
nacionalista e desenvolvimentista. Para Elias Chaves Neto, por exemplo, o sociais (Moreira, 1998a, p. 157). O desenvolvimentismo também ganhou,
governo JK tinha um caráter ambíguo, na medida em que se mostrava definitivamente, o epíteto de “entreguista”. Mesmo alguns intelectuais do
ISEB, que haviam atravessado todo o governo JK dando apoio explícito ao
.. nacionalista quando procura fomentar o progresso por iniciativa estatal ou toma projeto nacional-desenvolvimentista, dobraram-se frente ao discurso dos
medidas que visam proteger o nosso trabalhador e consumidor nacional; franca- nacionalistas econômicos. Em 1963, por exemplo, Cândido Mendes afirmou
mente antinacional quando, para atrair para o nosso País o capital estrangeiro do que *... a expansão industrial do país ressuscitou a relação de dependência
qual faz depender o desenvolvimento do País (cujo mérito atribui-se a si) se do- metropolitana” (citado por Toledo, 1982, p. 159).
bra a todas as imposições daquele capital (citado por Moreira, 1998a, p. 156). O movimento tornou-se um crítico feroz do “entreguismo juscelinista”,
propondo uma plataforma política abertamente reformista, “antiimperialista”
Escrevendo sobre a inauguração de Brasília, em 1960, Chaves Neto ainda e comprometida com as camadas populares. Ao término do governo JK, o
afirmou ser a capital modernista o “...símbolo de uma nova política que, como projeto nacionalista econômico — baseado na idéia de um capitalismo de.
uma psicose vai arrastando todos os brasileiros — a política desenvolvi- tipo estatal, na defesa dos interesses populares do cam
campo e das cidades e na
mentista.”(Citado por Moreira, 19984, p. 155). De fato, Juscelino Kubitschek crítica às novas formas de dependência rnascidas da industrialização — havia
era um sucesso de popularidade. Gozava do apoio do movimento naciona- se transformado na perspectiva | dominante dentro do sesegmentado movimento
lista e tinha, segundo pesquisa do IBOPE realizada na Guanabara, em 1961, nacionalista e superava, criticamente, o nacional-desenvolvimentismo. E, na
ampla aceitação popular. Apenas 9% dos entrevistados julgavam o governo tentativa de aumentar a inserção das idéias do movimento nacionalista entre
JK mau ou péssimo. Os demais 91% dividiram suas opiniões em ótimo (22%), as camadas populares, seus integrantes passaram a propor soluções aberta-
bom (35%), regular (31%) e não sabe julgar (3%) (Moreira, 1998a, p. 87). mente reformistas para os mais diversos problemas nacionais. Mas o auge

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desse processo ficou realmente visível apenas nas campanhas pelas “refor- A “grande meta de integração nacional”, composta por Brasília e pelo
mas de base”, durante o governo de João Goulart. cruzeiro rodoviário, funcionou, efetivamente, como um passo contundente
no processo de integração territorial e do sistema produtivo nacional. Bus-
cava senão romper, pelo menos aliviar um dos mais persistentes pontos de
O PROJETO RURALISTA estrangulamento do desenvolvimento rural e urbano, representado pela ca-
rência de vias de comunicação que sufocava o crescimento global do país.

4 —+
O sucesso de Juscelino Kubitschek na implementação do Plano de Metas A alternativa juscelinista de ampliação do mercado nacional consumidor
ficou particularmente evidente na condução da “operação Brasília”, isto é, e de superação dos entraves à circulação de pessoas, bens e mercadorias não

+
na construção e inauguração da nova capital e do “eruzeiso roroviáriors era a única proposta ventilada no período e nem mesmo a mais racional, do
composto pelas rodovias Belém/Brasília (2.000 km), Acre/Brasí ia (2.500 ponto de vista estritamente financeiro. Estimativas realizadas sobre os cus-
“km), Fortaleza/Brasília (1.500 km), Belo Horizonte/Brasília (700 km) e “tos de Brasília estabelecem cifras que variam entre 250 e 300 bilhões de cru-

+
Goiânia/Brasília (200 km). Embora a literatura crítica tenda a considerar zeiros, o que representou um gasto de 2 a 3% do PIB do período (Lafer, 1970,

+
Brasília uma obra faraônica, sem outra maior relevância do que fazer a pro- p. 210).A operação foi, contudo, o meio encontrado
por Juscelino de favo-

4
paganda simbólica e ideológica do nacional-desenvolvimentismo, dificil- -Tecer o desenvolvimento industrial,sem entrar em rota de colisão com os
mente poder-se-á compreender o governo JK sem a consideração da meta fortes interesses
da oligarquia rural e, mais que isso, de costurar a aliança

pg da
que, segundo a própria avaliação de Juscelino, sintetizava o “espírito” de política com aquele setor político e social, interessado em ampliar as frontei-

gogo ppt
sua administração. ras agrícolas em regiões até então apartadas do processo de desenvolvimen-
Um dos pontos de estrangulamento do desenvolvimento industrial, iden- to econômico nacional.
tificado pela equipe de JK, era a falta de comunicação entre as regiões indus- Os representantes políticos rurali o Congresso Nacional percebe-
trializadas do sudeste e as zonas agroprodutoras do interior. A ampliação do ram, rapidamente, as novas possibilidades ofertadas ao setor agropecuário,
parque industrial brasileiro dependia, de fato, de uma maior integração na- graças à implementação da operação Brasília. Definiram a obra como a “Nova
cional. No interior existia, em potencial, um importante mercado consumidor Marcha para Oeste”, que, ao seu modo, dava continuidade à penetração ao e %
de produtos industrializados, subaproveitado ou até mesmo não aproveitado, interior desencadeada, anteriormente, por Getúlio Vargas. Foram tenazes *,
devido à falta de meios e vias de comunicação. Sem este mercado consumi- defensores da medida e frequentemente frisavam o quanto a operação era L
dor, dificilmente o salto industrial, projetado pelo nacional-desenvolvi- fundamental para a articulação de um novo pacto tácito entre os interesses :
mentismo, alcançaria sucesso. rurais e industriais no Brasil, pois, graças à medida, novas perspectivas de
Do “interior” ainda vinham os alimentos indispensáveis à manutenção desenvolvimento tornavam-se disponíveis para ambos os setores (Moreira,
das cidades e parte importante da matéria-prima das indústrias. Desse ponto 1998a, p. 179). O deputado Cunha Bastos, da UDN goiana, resumiu muito
de vista, não era apenas a economia urbano-industrial que dependia do setor bem esse ponto de vista, quando em abril de 1956 fez o seguinte pronun-
pj

agropecuário. Este, por seu turno, teria melhores condições de crescimento ciamento:
justamente atendendo à demanda interna oriunda da intensificação da urba-
nização e industrialização. Eis porque as perspectivas de desenvolvimento A interiorização da capital (...) é a maior aspiração da hora presente. O alar-
rural ficariam também comprometidas, se a integração territorial e econô- gamento do mercado interno dará novas perspectivas à indústria nacional e
mica não fosse intensificada. um novo sentido de marcha para o Oeste, onde as terras são da melhor qua-
- ppa

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lidade, favorecendo ali a agricultura, a pecuária, a par da riqueza mineral do dades abertas pelo próprio processo em andamento. Buscaram, sobretudo,

4
solo. (...) A nação não deve continuar a carrear suas energias criadoras so- construir um novo pacto político para orientar o processo de desenvolvi-
mente para dois centros de economia vivos — Rio e São Paulo — deixando mento brasileiro, capaz de articular e harmonizar seus objetivos e reivindica-
paralíticos e desalentados milhões de brasileiros que trabalham e vegetam no ções com os novos e grandes interesses industriais.
interior do País. (...) O Brasil está farto dessa civilização e não pode conti- A avaliação ruralista sobre o sentido do Plano de Metas é ilustrativa. O

tt
nuar do litoral, virando as costas ao altiplano, ignorando seus graves proble- deputado França Campos, do PSD mineiro, definia o programa de JK como
mas (citado por Moreira, 1998a, p. 182).
“a nossa revolução industrial”, contrapondo-a com as experiências, então em

+
andamento, na Rússia e na China, já que, ao contrário do Brasil, aqueles países
O setor agropecuário nacional passava, então, por importantes transforma-

d+
seinidustriali sob zavam
regimes comunistas, liderados por Stalin e Mao Tsé-
ções, condicionando a diversificação dos interesses da oligarquia rural. Des- tung (Moreira, 1998, p. 183). A oligarquia rural não duvidava, portanto, das
de a crise de 1929, quando a exportação de produtos agrícolas sofreu forte fortes expectativas em redor da industrialização e da modernização e temia
refluxo, a economia brasileira entrou em franco processo de reestruturação.

psp
que setores sociais e políticos mais afoitos adotassem a via revolucionária e
No plano mais global, deixou de ser predominantemente agrário-exporta- comunista para alcançar aqueles objetivos. Para França Campos, aliás, a indus-
dora, assumindo uma nova feição: a progressiva industrialização e a reorga- trialização juscelinista também possuía, por isso mesmo, um sentido político-
nização do setor agrícola, que passou a crescer de maneira expressiva para estratégico. Segundo suas próprias palavras: “Em boa hora soube o patriotismo
atender a demanda interna. de Juscelino Kubitschek arcar com a responsabilidade de fazer a nossa Revolução

e pg
Em fins da década de 1940 e princípios da década de 1950 as transfor- Industrial antes que o povo a fizesse...” (citado por Moreira, 1998a, p. 183).
mações da economia brasileira eram bem mais visíveis. A indústria já podia À elite rural brasileira dos anos JK não era menos clara e incisiva quanto
ser considerada o “carro chefe” do desenvolvimento e a agricultura voltada ao tipo de setor agrícola que queriam para o Brasil daqueles novos tempos.
para o mercado nacional, em termos de crescimento, era mais dinâmica do Em uma carta escrita por Afonso Alberto Ribeiro Neto, integrante do Con-
que aquela direcionada para a demanda externa (Ianni, 1988, p. 41; Szmrec-

pod A
selho Superior das Classes Produtoras, lida e defendida pela bancada ruralista
sányi, 1984, p. 116). Contudo o setor agro-exportador permanecia, extrema- na Câmara dos Deputados, encontramos o que podemos chamar de “cerne”
qe pois era aquele que trazia divisas ao país — indispensáveis, do projeto social defendido pelo setor, inclusive a definição que davam para
para promover a tão desejada industrialização nacional. A ascensão de
pe dedo pod
a tão debatida “reforma agrária”.
Juscelino ao poder, em 1956, com uma plataforma abertamente industrialista,
confirmava a nova tendência da economia e a diversificação de interesses
pego qd
Num país de possibilidades imensas como o Brasil, a reforma agrária tem que
dentro do bloco ruralista estava, então, muito mais consolidada. ter por objetivo a formação de grandes unidades altamente produtivas, dota-
Aqueles que produziam para o mercado interno percebiam o quanto a das de assessoria técnica moderna, grandemente capitalizadas. No Brasil onde
industrialização era importante para o setor, embora talvez ainda existisse tudo é grande, a agricultura não pode ser pequena, não pode ser limitada nem
um ou outro ruralista extemporâneo, propalador da “vocação essencialmente em hectares, nem em extensão: tem que ser agricultura moderna, baseada em
agrícola do Brasil”. Gostassem ou não da industrialização, das massas prole- unidades de produção em tudo e por tudo comparáveis às grandes indústrias.
tárias, do crescimento das cidades, da imprensa atuante, dos movimentos No Brasil, pois, reforma agrária não pode ser divisão de térras, retalhamento
sociais e da democratização, tudo isso já era fato concreto. Em lugar de luta- de propriedades: tem que ser muito mais que isso, tem que ser industrializa-
aqueduto

rem contra a maré, procuraram influir, disciplinar e aproveitar as oportuni- ção da agricultura (citado por Moreira, 1998c, p. 356).

178 179
O BRASIL REPUBLICANO OS ANOS JK: INDUSTRIALIZAÇÃO E MODELO OLIGÁRQUICO

ial ruralista não era antiindustrialista. Reconhecia os fortes nexos


O projeto social a equiparação do trabalhador do campo ao industrial e expropriação para
existentes entre crescimento da economia rural e intensificação do processo efeito de reformaagrária tinham, todos, um mesmo caráter: eram “subversi-
“industrial, preconizando, inclusive, a “industrialização da agricultura”, isto vos”. Para os membros da Associação, se “...o Congresso Nacional tentasse
Rê: a modernização da produção latifundiária de caráter ainda tradicional, a forçar essas reformas radicais sobre a nação, não só destruiria a classe de
maior capitalização do setor agromercantil e investimentos em infra-estru- proprietários rurais, como também desmantelaria irremediavelmente a |agri-
agr
tura, como estradas, frigoríficos, silos e armazéns, para garantir a expansão cultura e a pecuária nacionais e terminaria por provocar uma autêntica guer-
do setor. A esta expectativa de modernizar o sistema agropecuário nacional ra civil, jogando brasileiros contra brasileiros” (citado por Moreira, 1998c,
somava-se outra, de caráter mais conservador, que pode ser resumida na in- 356).
“Pp:
transigente perspectiva de garantir a continuidade da grande propriedade É uma simplificação, contudo, reduzir o projeto social ruralista à defesa
rural e de um conjunto de privilégios usufruídos pela classe social a ela ligada. da grande propriedade rural, pois, como vimos, a expectativa em torno da
O depu Lopes, durante um dos inúmeros debates sobre a refor- modernização do setor era considerável e deveria ser realizada com a cres-
ma agrária, afirmo uero dizer apenas que sou latifundiário e tenho or- cente integração territorial e econômica do sistema produtivo urbano e ru-
gulho de o ser” (citado por Moreira, 1998c, p. 355). A manutenção dos ral. Para setores mais atentos às agitações políticas e sociais do período, até
“latifúndios — muitos deles, aliás, não revestidos de todas as formalidades mesmo a desapropriação para efeito de reforma agrária era uma alternativa
Tegais - — era, para vários ruralistas,uma questão acima de qualquer nego- viável, desde que
je realizada por meio de uma indenização “ justa” e “prévia”,
ciação e representava uma rejeição inequívoca à reforma agrária distributiva tal como previa a constituição de 1946. O omtti
de terras. Outras reivindicações juntavam-se a esta, sobretudo o bloqueio de O sentido do conceito “prévio” estava claro para todos, até mesmo en-
três propostas ventiladas no período: o voto do analfabeto, o imposto terri- tre aqueles segmentos mais radicais da esquerda que se opunham ao próprio
torial progressivo sobre as grandes propriedades, que afetaria principalmente princípio da indenização. O mesmo, no entanto, não acontecia quando se
os latifúndios improdutivos, e o Estatuto do Trabalhador Rural, que esten- discutia a semântica da palavra “justa”. O debate sobre esse ponto era acalo-
“deria aos-homens.e mulheres do campo os diFEaE sociais « trabalhistas já rado, polarizando as opiniões de ruralistas e progressistas. Nem mesmo o
então conquistados pelos trabalhadores urbanos. critério do “valor histórico”, alternativa construída pelos moderados, inte-
O lado mais tradicional do projeto ruralista opunha-se, desse modo, às ressava aos ruralistas mais abertos ao diálogo. Enquanto valor ele preconiza-
principais propostas defendidas por nacionalistas e trabalhistas: a extensão va um índice que combinava a rentabilidade das propriedades rurais, na média
da legislação social e trabalhista à população do campo, à distribuição de dos anos anteriores à desapropriação, com o valor de tributação, a oligar-
ormeio da rtreforma agrária, aa inibição ao latifún-
pequenas propriedades ppor quia rural admitia, no máximo, o que eles chamavam de “valor de merca-
dio, sobretudo o improdutivo, | pela via fiscal e ademocratização das rela- do”, que, na prática, seria o valor proposto pelos próprios proprietários rurais
ções políticasno campo, já que a maioria dos virtuais eleitores rurais eram (Moreira, 1998c, p. 357).
analfabetos. Não restam dúvidas, ademais, sobre a disposição política da oli- O projeto social ruralista defendia, portanto, maior integração entre in-
garquia rural em defender seus interesses tradicionais, inclusive ameaçando dústria e agropecuária, a modernização da agricultura e, finalmente, aa ma-
romper com a ordem institucional e democrática, então em vigor. nutenção da grande propriedade rural. Excluía, contudo, a grande maioria
Em 1959, a Associação Rural de Lages, com o apoio da Associação Rural da poveiaio ra por pequenos p«posseiros e trabalhadores sem
da Pecuária do Pará, enviou uma carta ao Congresso Nacional, afirmando terra, Fazia isso a despeito de 70% dos brasileiros e brasileiras viverem, na-
que os projetos de leis que visavam o aumento progressivo do imposto rural, quele momento, no campo e em cidades com menos de dois mil habitantes
——

180 181
4d a
O BRASIL REPUBLICANO
OS ANOS JK: INDUSTRIALIZAÇÃO E MODELO OLIGÁRQUICO

(Patarra, 1984, p. 263). Defendia, em resumo, a grande propriedade rural A operação Brasília interessava à oligarquia rural sobretudo porque sua
no regime capitalista, pois, como afirmou o deputado Dirno Pires: “... o

Ad
implementação significava a oportunidade de ampliação das fronteiras pro-
problema da reforma agrária não é um problema de distribuição de terras. dutivas do setor. Contudo, as novas terras incorporadas à dinâmica da eco-
(-..) É mecanização da lavoura, é o crédito...” (citado por Moreira, 1998c, nomia nacional em expansão eram disputadas não apenas pelas oligarquias

6
p. 357). locais, mas também por pequenos posseiros, trabalhadores rurais sem terra e
Impossível compreender a lógica política da oligarquia rural, e de seu povos indígenas. Existiam, além disso, pelo menos dois projetos contraditó-

q
projeto exclusivista de desenvolvimento social, sem considerarmos um fato rios de organização fundiária para o país: o ruralista, baseado na grande
simples, porém fundamental: ela era plenamente ciente do peso e da impor- propriedade agromercantil, e o trabalhista e/ou nacionalista, ancorado na
tância social e política que detinha no Brasil dos anos JK. perspectiva de implantar a pequena propriedade pela via da reforma agrá-

e O
ria, graças à recolonização de áreas já ocupadas.
A colonização baseada na pequena propriedade, nas regiões definidas
INDUSTRIALIZAÇÃO E EXPANSÃO DO MODELO OLIGÁRQUICO como fronteiras agrícolas, foi assunto insuficientemente discutido no período.

|
DE APROPRIAÇÃO TERRITORIAL Isso, aliás, intrigou o deputado Castro Costa (PSD/GO), que criticou a negli-

od se
gência sobre a questão e interpelou: “...em vez de fazer a desapropriação de
Vistas em conjunto, as aspirações ruralistas não eram contraditórias ou in- terras na orla oceânica a fim de rechear os bolsos daqueles latifundiários que
compatíveis com o programa desenvolvimentista de JK. A oligarquia rural as detêm; em vez de fazer a desapropriação por interesse social ou utilidade
não se posicionava contra a industrialização, tal como imaginavam os isebianos pública, por que não vamos aproveitar a área que pode, inclusive, ser doada
e tantos outros políticos progressistas. Juscelino, por sua vez, tampouco ex- a todos os colonos brasileiros que queiram seu aproveitamento racional?”
cluía a oligarquia rural do grupo de apoio ao seu governo e, menos ainda, (Citado por Moreira, 1998c, p. 358.)
combatia seus interesses “arcaicos”. A idéia sobre a incompatibilidade entre O lugar absolutamente subalterno da colonização na agenda nacional do

444
o projeto nacional-desenvolvimentista e os interesses agrários era uma fic- período
o se deu, fundamentalmente, por razões políticas. A prioridade da
ção. E resultava, em grande medida, do desconhecimento sobre a real com- esquerda era
era a.a reforma agrária em regiões já conturbadas por conflitos so-
posição do setor rural nacional, interpretado como predominantemente ciaise isso por razões não apenas de caráter social e econômico, mas tam-
exportador, quando, na realidade, a parte mais dinâmica do bloco ruralista. bém por motivos de ordem política. Caio Prado Jr., por exemplo, julgava a
i
só poderia crescer atendendo à ampliação da demanda interna, provocada
colonização um grande equívoco. Para ele, antes de colonizar áreas ainda
pela própriaindustrialização. 5 EE
afastadas dos centros produtores, dever-se-ia proceder à recolonização de
“ Juscelino, ao contrário das expectativas dos setores progressistas, con- áreas já ocupadas, porém subaproveitadas. O que ele pregava era uma refor-
templou várias demandas ruralistas durante sua administração. O Plano de ma agrária capaz de, entre outras coisas, racionalizar o uso do solo, deixan-
Metas, principalmente o setor de alimentação e a operação Brasília, promo- do as frentes de expansão reservadas para a necessidade de desenvolvimento
via a expansão e a modernização do sistema agromercantil, ao prever a in- futuro do país (Lenharo, 1985, p. 39; Moreira, 1998c, p. 359).
tensificação do uso de fertilizantes e tratores, bem como a construção de Nem todos tinham posição tão clara e fechada como a de Prado Jr. e até
estradas, armazéns e frigoríficos. Mas foi sobretudo na implementação da mesmo confundiam frequentemente reforma agrária e colonização, julgan-
operação Brasília que os nexos e “diálogos” entre os projetos nacional- do-as assuntos senão iguais, pelo menos correlacionados. Embora tal avalia-
desenvolvimentista e ruralista se tornaram particularmente evidentes.
ção não estivesse de toda errada, é bem verdade que vários políticos e
182
183
pp
O BRASIL REPUBLICANO OS ANOS JK: INDUSTRIALIZAÇÃO E MODELO OLIGÁRQUICO

pp pp ge
intelectuais deixaram de perceber a especificidade da colonização e, sobre- modelo oligárquico de apropriação territorial. Construiu Brasíliae o gigan-
tudo, sua importância para um país de dimensões continentais, com vastas tesco cruzeiro rodoviário, sem disciplinar a ocupação, posse e formação de
áreas ainda não integradas ao processo de desenvolvimento. propriedades rurais nas frentes ansão da sociedade nacional. Na prá-
De um ponto de vista panorâmico, a colonização não era assunto prio- tica, isso viabilizou o controle e o domínio da elite rural sobre os novos ter-
ritário ou tampouco explosivo. Os progressistas mostravam-se favoráveis à Fitórios ocupados, gerando, por um lado, um fortalecimento numérico,
colonização baseada na pequena propriedade, mas não articularam uma pro- econômico, social e político da oligarquia rural e, por outro lado, uma enor-

pp
posta clara e específica para dar encaminhamento ao assunto. Quanto aos me exclusão social de homens e mulheres pobres que habitavam interior.
O
ruralistas, eles gostavam de falar sobre colonização sempre que o tema da Se tomarmos como base o período entre a Revolução de 1930 e os dias
reforma agrária agitava seus respectivos estados, propondo-a como alterna- atuais,
- saltam aos olhos três grandes momentos, quando o Estado formulou
tiva muito mais viável e inteligente. Via de regra, no entanto, as terras dispo- políticas específicas de fomento à expansão da sociedade nacional: a1 Mar-
níveis sempre estavam localizadas em algum lugar alhures, mas nunca nos cha para Oeste, de Getúlio Vargas, a operação Brasília, de Kubitschek e,
estados dos ruralistas que debatiam o assunto. posteriormente, a colonização da Amazônia, do regime militar, que, aliás,
Estava claro, para Juscelino, que o apoio, a colaboração ou pelo menos dava continuidade e inspirava-se nas duas experiências anteriores. Não era
as relações amistosas entre os ruralista s fossem eles do PSD,
e seu governo, absolutamente por acaso, portanto, que os contemporâneos de JK qualifica-

epa top
da UDN ou de outras pequenas legendas existentes, exigiam medidas afir- vam Brasília como a “nova” Marcha para Oeste.
mativas e, mais que isso, inviabilizavam qualquer alternativa de reforma agrária Guardadas certas semelhanças e objetivos comuns, o fato é que as
e colonização conduzida pelo Estado. Tais pontos eram, para os ruralistas, similitudes entre a operação Brasília e aMarcha para Oeste eram mais ima-
inegociáveis, pois enquanto a primeira incomodava a oligarquia rural de re- ginárias do que reais. O que há de comum é que ambas só podem ser plena-
giões mais densamente ocupadas, a segunda desagradava profundamente mente compreendidas dentro do cenário da industrialização, projetado e
aqueles setores influentes das frentes de expansão agrícola. implementado tanto por Vargas quanto por JK. O aprofundamento indus-

to pg pot
Diante desse quadro, o programa de governo de JK omitiu-se de qual- trial exigia, simultaneamente, a ampliação do mercado interno consumidor
quer medida de organização fundiária, embora a reforma agrária fosse, ao de industrializados, bem como uma maior articulação física e econômica entre
Tado do debate sobre o papel do capital estrangeiro no processo de desen- o “interior” e o “litoral”, isto é, entre os setores agropecuário e industrial.
volvimento industrial, a segunda questão mais polêmica do cenário político A Marcha para Oeste pode ser definida como uma política de coloniza-
do período. JK evitou definir uma política agrária, aliás, a despeito também ção do meio-oeste, então consid um dos “vazios
era demográfi
do cos” do ter-
da ampliação dos conflitos fundiários e do crescimento dos movimentos so- ritório nacional.” Era baseada na pequena propriedade é na organização
ciais e políticos no campo, como as Ligas Camponesas que agitavam o Nor- cooperativa, não configurando-se, portanto, como uma política de reforma
tg

deste, a crescente organização do sindicalismo rural ou, ainda, outros tantos agrária, fundamentada na “desapropriação de latifúndios e posterior
movimentos rurais, inclusive armados, que surgiam no Sul, Sudeste e Cen- parcelamento e distribuição de terras (Lenharo, 1986, p. 46). No entanto, a
tro-Oeste.é crítica aos efeitos sociais e econômicos nocivos da grande propriedade rural
Avaliar as relações políticas entre o governo JK e a oligarquia rural ape- esteve sempre no horizonte da Marcha para Oeste (Lenharo, 1986, p. 20-
qe

nas da perspectiva das omissões em relação à reforma agrária distributiva de 23). Subjacente à realização daquele processo de colonização, existia a ex-
terras é uma redução, pois Juscelino fez muito mais pelos ruralistas do que pectativa de que fosse implantado nas frentes de expansão um padrão de
Ae pe

isso. Seu programa de governo apoi ito efetiva a expansão do ocupação territorial diverso do historicamente herdado, isto é, o modelo

184 185
O BRASIL REPUBLICANO OS ANOS JK: INDUSTRIALIZAÇÃO E MODELO OLIGÁRQUICO

oligárquico. Esperava-se, ainda, que o estabelecimento de pequenas pro- se às terras que estavam sendo o à dinâmica do desenvolvimento
priedades fosse capaz de conter € inibir o avanço dos latifúndios nas novas nacional, Lacerda salientou:“ - estaé zona pioneira que pioneira vai fican-
regiões em processo de ocupação e desenvolvimento. do nas mãos dos latifundiários «queterão agora cartórios bem mais próximos
Por várias razões, o novo modelo de apropriação territorial, baseado na para
grila
a sua gem” (citado por Moreira, 1998a, p. 187). E, de fato, era o
pequena propriedade e na organização cooperativa, fra u. Mas o objeti- que estava acontecendo.
atHºvo do programa de colonização de Vargas era claro. A Marcha para Oeste Pedro Ludovico, governador de Goiás, reconhecia a crescente e perigosa
2) visava combater a formação de latifúndios nas fronteiras agrícolas, ampliar a especulação fundiária em seu estado, resultante da realização de Brasília e
0 alte ” integração física € econômica da nação e transformar as condições de »vidae do cruzeiro rodoviário (Moreira, 1998a, p.181). O movimento camponês
V “ detratrabalho da população pobre do campo, tornando-os pequenos produto- armado, em Trombas e Formoso (Goiás) (Martins, 1986, p. 71-72), era um
res
res e€ proprietários rurais com capacidade de consumo de bens industriais. entre outros problemas relacionados com a expansão desordenada e selva-
A opção juscelinista foi bastante diversa. Se ele, tanto quanto Vargas, gem
* do modelo oligárquico de apropriação territorial então em curso. A
buscou uma maior integração nacional, graças à implementação de Brasília e mesma conjuntura conflituosa aprofundava-se no Mato Grosso. Lá, as víti-
do cruzeiro rodoviário, suas opções de organização fundiária e de ampliação mas da especulação fundiária, da grilagem e da formação e fortalecimento
do mercado interno foram radicalmente diferentes. Apoiou a apropriação de latifúndios eram, além de posseiros, trabalhadores sem terra, pequenos
espontânea do solo nacional, e a elevação dos níveis ocre econidmicos da proprietários rurais €os povos indígenas. Os episódios envolvendo os
população rural, via colonização, estava descartada. A ampliação do merca- Kadiwéu, que tiveram, no ano de 1959, a totalidade de suas terras úteis
do interno não seria produto, portanto, da colonização baseada na pequena iladas (Ribeiro, 1962, p. 111-112), nos dão uma pequena idéia da dimen-
propriedade, mas antes realizar-se-ia aproveitando-se uma demanda já exis- são dos problemas étnicos e sociais ocorridos no Mato Grosso com a inten-
tente, no interior, e ainda não saciada em função da ausência de meios e vias
de comunicação (Moreira, 1998a, p. 185-188).
sificação da integração nacional e da oligárquica
nova marcha para Oeste.
A expansão do modelo oligárquico de apropriação territorial nas fron-
Os maiores prejudicados pela opção juscelinista foram as populações teiras agrícolas era uma consequência do processo espontâneo de ocupação
politicamente frágeis e preexistentes do Norte e Centro-oeste. Posseiros, veitame mnômico do solo nacional que, embora estivesse sendo
populações ribeirinhas e povos indígenas assimilados ou ainda totalmente claramente induzido pelo Estado, não
não era, no entanto, minimamente regu-
isolados da sociedade nacional estavam não apenas desprotegidos, mas até lamentado. E, por isso mesmo, gerava inúmeras consegiiências nefastas: a
mesmo excluídos da “Nova Marcha (oligárquica) para Oeste”. Outros seto- especulação fundiária, grilagem,
a a formação de novos latifúndios,
o forta-
res ainda foram afetados, como, por exemplo, posseiros e trabalhadores sem Jecimento da grande propriedade e inúmeros conflitos étnicos, sociais e
terra de regiões mais densamente ocupadas. Na ausência de uma política de fundiários. Além do mais, tais problemas e conflitos não podem ser conside-
colonização, não tiveram chances de adquirir posse e propriedade rural nas rados desvios ou distorções da operação Brasília. Inseriam-se, ao contrário,
frentes de expansão agrícola.
Não por acaso Carlos Lacerda — político urbano, sem vínculo com a base
ga lógica do próprio processo de deseavolvimento deigadido pelo progra-
ma naci esenvolvimentista, baseado na ausência de uma política de
social rural, pertencente à oposição udenista e ferrenho adversário de JK — reforma agrária e colonização e no desmonte do Serviço. a Pr xteção a
criticava a ausência de uma política de organização fundiária associada à Índios (SPD. ç
operação Brasília, ironizando o tão decantado poder da futura capital dina- Criado em 1910 para integrar os índios na sociedade br
mizar o bem-estar social e econômico das populações rurícolas. Referindo- garantir a sobrevivência física de tribos ainda isoladas exister

186
187
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4
VACA » O BRASIL REPUBLICANO OS ANOS JK: INDUSTRIALIZAÇÃO E MODELO OLIGÁRQUICO
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dO 4
de expansão, o SPI viveu sua maior crise orçamentária justamente no quin- Aquilo que a crítica retrospectiva interpreta como “sucesso”, “proeza”
guênio juscelinista (Ribeiro, 1962, p. 35). Isso não apenas inviabilizou a efe- ou “habilidade” do governo JK — ou seja, realizar o aprofundamento do

+
tiva proteção e integração dos índios, mas acabou favorecendo a expansão desenvolvimento de tipo capitalista dentro dos parâmetros do sistema polí-
selvagem sobre tradicionais territórios indígenas, como, aliás, fica atestado tico democrático — serve não apenas para caracterizar o quingiiênio jusce-
no caso dos Kadiwéu e nos subsequentes conflitos de tribos amazônicas com linista, mas é também uma questão que, como vimos, inquietou Juscelino e
a sociedade nacional em expansão. Com o SPI praticamente inoperante, e parte de seus contemporâneos. Para o presidente e os setores que o apoia-
na ausência de uma política fundiária minimamente preocupada.com.as.po: vam, compatibilizar a implantação do Plano de Metas com a democracia foi
“pulações sertanejas, prevaleceu no interior e nas zonas de expansão da o maior desafio político do período. Mas Juscelino não se fiou apenas na
"sociedade nacional, como eraprevisível, “a lei do mais forte”. propaganda político-ideológica — tal como se propalava no ISEB — para
Em resumo,o nacional-desenvolvimentismo i incentivou a modernização garantir o maior apoio possível ao seu projeto de desenvolvimento. E, bem
da agricultura, a expansão das fronteirass agrícolas sobre bases oligárquicas ao contrário das idéias isebianas, não excluiu os ruralistas do pacto político
e, sobretudo, um modelo de industrialização q!que, ao se eximir de qualquer tácito que efetivamente sustentou sua administração.
política social reformista, criava laços estáveis entre os grandes interesses rurais Enquanto os isebianos discutiam a construção de uma aliança entre as
e urbanos. Vale lembrar, aliás, que a construção de um novo pacto entre os “classes dinâmicas” (burguesia, proletários, camponeses e nova classe média)
grandes interesses rurais e urbanos foi, precisamente, o centro e a maior para dar andamento ao processo de industrialização e modernização do país,
expectativa do projeto social ruralista durante os anos JK. o governo JK implementou o Plano de Metas com forte presença do capital
estrangeiro, associando os grandes interesses rurais e urbanos. Aprofundava
o processo industrial € incentivava a expansão e a modernização do setor
CIDADANIA E NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO rural em bases, contudo, oligárquicas. Durante a implementação do projeto
nacional-desenvolvimentista, simultaneamente reproduzia-se e ampliava-se
Na longa duração da história nacional, o governo JK aparece em um lugar o que se julgava de mais “arcaico” nasociedade: a grande propriedade rural
de destaque menos por ter simplesmente acelerado o processo industrial, e a classe social e política a ela ligada.
mas antes por ter feito isso de acordo com as regras do sistema democráti- À especificidade do governo JK e do projeto nacional-desenvolvimentista
co (Benevides, 1979, p. 21). Dito de outra forma, o que existe de realmen- só se torna efetivamente visível em suas profundas relações com o projeto
te inédito.durante o governo JK foi o aprofundamento do sistema capitalista ruralista. Este nada mais buscava do que a articulação, preservação e ampliação
de produção, sem o sacrifício do sistema democrático, como aconteceu an- dos grandes interesses rurais durante oprocesso de industrialização, pouco
tes, no Estado Novo, e depois, no regime autoritário político-militar de se importando, ademais, se o capital industrial era nacional ou internacio-
1964. nal
rurali
Julgar os stas como segmentos antiindustriais, como fizeram tan-
O bem-sucedido governo JK foi incapaz de evitar, no entanto, um certo tos progressistas, foi um grande erro de cálculo político, apenas compreensível
mal-estar e desapontamento. À cidadania, isto é, os direitos sociais, políti- pela ausência de uma visão crítica sobre as profundas transformações pelas
4

cos, jurídicos e econômicos da população nacional, não teve um desenvolvi- quais passava o setor agropecuário nacional. E não seria exagero citarmos,
mento nem correlato nem comparável ao ritmo e à grandezado que aconteceu aqui, uma das hipóteses de Gramsci mais sugestivas para a problematização
no campo econômico. A maior parte da população continuou à margem dos do processo de modernização de sociedades com a presença de sólidos gru-
benefícios gerados pelo desenvolvimento e crescimento da economia. pos rurais — como era, aliás, a Itália de seu tempo e o Brasil dos anos JK:

188 189
OS ANOS JK: INDUSTRIALIZAÇÃO E MODELO OLIGÁRQUICO
O BRASIL REPUBLICANO

“...o partido dos grandes industriais é o partido dos proprietários rurais”


| do que real. A despeito disso, Juscelino prometera que, por meio de seu
governo, a “...aparência triste de um inválido esmorecido, com que Euclides

|
(Gramsci, 1990, p. 197).
Os interesses industrialistas eram inequivocamente fortes nos anos JK e da Cunha pintou o retrato de nosso sertanejo, tende a apagar-se do panora-
ma brasileiro” (citado por Moreira, 1998a, p. 32).

|
foram politicamente representados por vários progressistas instalados em
diferentes legendas partidárias. Se quanto a isso não restam dúvidas, é bem JK deixou de cumprir as promessas de desenvolvimento social que, via
verdade, também, que nem todos os interessados na industrialização defen- de regra, estavam associadas à idéia de aceleração da prosperidade econômi-
diam, necessariamente, interesses burgueses, como atesta O projeto naciona- ca. Não conseguiu elevar o nível de vida da população sertaneja, nem tam-
foi
precisamen
lista econômico. Além disso, te esta perspectiva de esquerda, pouco foi bem-sucedido em duas outras promessas empenhadas. Os desníveis
comprometida com os setores populares, que apresentou tendência de cres- de desenvolvimento regional não foram superados. Tal problema era sobre-
cimento no período. Dito de outra forma, não foi entre os “progressistas” tudo visível nas diferenças que separavam Nordeste e Sudeste e na destoante
que os grandes interesses industriais, nacionais ou internacionais, encontra- qualidade de vida da população do “interior” (campo) quando comparada à
ram acolhimento seguro, mas no “partido” dos proprietários rurais, isto é, do “litoral” (cidade), sem acesso à terra, à saúde, à educação, ao saneamento
no bloco ruralista, com representação política em diferentes agremiações, básico, aos plenos direitos políticos e à proteção da legislação social e traba-
inclusive nas duas maiores legendas partidárias do período: o PSD e a UDN. lhista. Também não foi superado o tão criticado “subdesenvolvimento” na-
A oligarquia rural, embora não fosse mais hegemônica nos mesmos ter- cional. O país, desse modo, a despeito de toda aceleração e crescimento da
mos que fora durante o Império e a Primeira República, estava longe de ser economia, não ingressou no bloco dos “países desenvolvidos”, permanecen-
um setor politicamente inexpressivo, passivo e refratário em relação aos gran- do nos limites da história de pobreza e de desigualdades sociais que até en-
des acontecimentos da época. Para além dos debates teóricos, políticos e tão caracterizavam (e ainda caracterizam) a trajetória nacional.
ideológicos que marcaram os anos JK, aE sustentação 4do projeto nacional- Juscelino Kubitschek foi, contudo, um presidentee democrático, um polí-
desenvolvi i e um pacto tácito andes interesses - tico habilidoso e um homem audacioso. Foii também o mais euclidiano de
rurais e o capital industrial, de origem nacional, internacional ou uma com- “todos os estadistas nacionais. Trilhou, passo àa passo, quase todas as suges-
o de ambos. É nos parâmetros desse pacto que se torna explicável a tões de Euclides da Cunha, para quem era necessária a intensificação artifi-
relativa estabilidade política do governo JK, a a intensificação da industriali- cial da ocupação do território nacional, por meio de grandes obras de

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zação e, também, um outro fenômeno pouco
uco notado por quase todos os es- engenharia que interligassem o “interior” e o “litoral”, Aliás, Euclides solici-
tudiosos desse período : a reprodução ampliada e modernizada da oligarquia tava o desenvolvimento e a integração da nacionalidade não apenas através
rural brasileira. de ações concretas, mas também por meio de um “ideal comum” que a todos
enquanto o pacto industrial-agrário do nacional-desenvolvimentismo orientasse (Sevcenko, 1985, p. 140-141). Até que ponto Juscelino reconhe-
conseguiu salvar a “frágil” democracia brasileira, sacrificou bastante a cida- cia os fortes nexos entre seu projeto social e as idéias de Euclides da Cunha
dania. A maior parte da população nacional, cerca de 70%,
70%, vivia
vir em zonas permanece uma questão aberta. Mas se o escritor não foi o grande mestre de
rurais. Para aquela gente comum e simples, osanos. JK foram n mais cinzado JK, com toda legitimidade poderia ter sido.
que dourado. Na ausência da reforma agrária, da colonizaçãoobaseadana Juscelino Kubitschek, o presidente euclidiano, também prometeu dispu-

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pequena propriedade nas zonas de fronteira agrícola e da extensão dos di- tar nova eleição e voltar, em 1965, com uma plataforma mais centrada na
reitos sociais e trabalhistas aos homens e mulheres do campo, qualquer pro- agricultura do que na indústria. O que exatamente ele pensava e queria com
jeção de melhoria das condições de vida da população rural era mais fictícia a nova proposta presidencial continua incerto. O que sabemos é que aquela

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REPUBLICANO OS ANOS JK: INDUSTRIALIZAÇÃO E MODELO OLIGÁRQUICO
O BRASIL

eleição jamais aconteceu. Ter sido impedido de concorrer às eleições e cum- BIBLIOGRAFIA

prir a palavra empenhada causou-lhe, além disso, enorme pesar e decepção.


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Paulo: Brasiliense.
sua cam-
1. O melhor exemplo é o presidente Fernando Henrique Cardoso, que abriu Bobbio, Norberto. 1995. Direita e esquerda: Razões e significados de uma distinção po-
panha eleitoral na televisão, em 1994, referindo-se a Juscelino Kubitsch ek e suas lítica. São Paulo: Unesp.
metas. Antes, em 1989, Afif Domingos fez o mesmo. Realizou sua campan ha presi- Camargo, Aspásia de Alcântara. 1983. “A questão agrária: crise de poder e reformas de
dencial aludindo, com fregiência, a JK, chegando a ir a Minas Gerais para manter base (1930-1964)”. In Fausto, Boris (dir.). O Brasil Republicano, vol. 3: Sociedade
contatos sobrenaturais com o ex-presidente falecido. e política (1930-1964). São Paulo: Difel. (Coleção História Geral da Civilização Bra-
2. Ostermos direita e esquerda estão sendo utilizados na acepção deNorberto Bobbio, sileira, tomo III).
para quem a linha divisória entre um e outro passa pela aspiração à igualdade, pre- Delgado, Lucilia de Almeida Neves. 1989. PTB: do getulismo ao reformismo (1945-1964).
sente nos movimentos de esquerda (1985, p. 16). ; São Paulo: Marco Zero.
3. Por projeto social, deve-se entender o ideário de desenvolviment o social, político e Faro, Clovis; Silva, Salomão L. Quadros. 1991. “A década de 50 e o Programa de Me-
econômico implícito ou explícito em discursos e nas praticas políticas dos atores tas”, In Gomes, Ângela de Castro (org.). O Brasil de JK. Rio de Janeiro: Fundação
passado (história) ,
sociais. Via de regra, os projetos sociais articulam visões sobre o Getúlio Vargas.
sobre o futuro (projeções de desenvolvimento) e sobre a conjuntu ra do presente. Fontana, Josep. 1998. História: análise do passado e projeto social. Bauru/SP: Edusc.
9-10).
Veja Rossi-Landi, Ferruccio (1985, p. 144) e Joseph Fontana (1998, P. Gramsci, Antonio. 1990. Poder, política e partido. São Paulo: Brasiliense.
se
4. Digo quase todos porque alguns progressistas, no sentido aqui enunciado, não Hippólito, Lúcia. 1985. De raposas e reformistas: o PSD e a experiência democrática
definiam como nacionalistas e nem propalavam tal perspectiva. Penso, sobretud o, brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Des-
em Mário Pedrosa, militante socialista e importante crítico de arte do período. Lafer, Celso. 1970. The planning process and the political system in Brazil. A study of
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se modo, é necessário estudar, com mais precisão, O ideário do Partido
Brasileiro, pois embora fosse um pequeno partido, reunia figuras de destaque. Quanto Lamounier, Bolívar. 1978. “Formação de um pensamento político autoritário na Primei-
crítico
a Mário Pedrosa, membro do PSB, não existe a menor dúvida: ele era um ra República”. In Fausto, Boris (dir.). O Brasil republicano, vol. 2: Sociedade e ins-
severo do nacional-desenvolvimentismo e de vários aspectos do ideário nacionalista. tituições (1889-1930). São Paulo: Difel. (Coleção História Geral da Civilização
an
$. Otermo “nacionalismo econômico” foi utilizado primeiramente por Paula Beiguelm Brasileira, tomo HI).
para se referir às idéias defendidas pela Revista Brasiliense tida como a expressã o teó- Lenharo, Alcir. 1982. Colonização e trabalho no Brasil: Amazônia, Nordeste e Centro-
rica das idéias de um grupo mais extenso e heterogêneo. Veja Paula Beiguelman (1989). oeste. Campinas: Unicamp.
e
6. Sobre as Ligas Camponesas, os movimentos sociais no campo, inclusive armados, Malan, Pedro Sampaio. 1984. “Relações econômicas internacionais do Brasil (1945-
a expansão do sindicalismo rural pode-se consultar, dentre outros autores, os textos 1964)”. In Fausto, Boris (dir.). O Brasil republicano, vol. 4: Economia e cultura
de Fernando Antônio Azevedo (1982), José de Souza Martins (1986) e Aspásia de (1930-1964). São Paulo: Difel, (Coleção História Geral da Civilização Brasileira,
Alcântara Camargo (1983). tomo HI).
7. Sobre o serao “vazios demográficos”, tão comum no vocabulário político e até Maranhão, Ricardo. 1985. O governo Juscelino Kubitschek. São Paulo: Brasiliense.
mesmo acadêmico do Brasil republicano dos anos entre 1930 e 1970, o leitor pode Martins, José de Souza. 1986. Os camponeses e a política no Brasil. Petrópolis: Vozes.
consultar o artigo “A produção histórica dos “vazios demográficos": guerra e chaci- Moreira, Vânia Maria Losada. 1998a. Brasília: a construção da nacionalidade. Um meio
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