Uma Historia de Amor e Recomeço
Uma Historia de Amor e Recomeço
2
Um conto em homenagem aos meus amigos, um que me
emprestou seu lindo nome para meu personagem, e o outro por me
surpreender desde a história de Ansel e Cecília.
Obrigada, Arthur.
Obrigada, Livingstone.
3
Capítulo Um
03 de novembro de 2017
A carta escrita pelo meu irmão queimava em minhas mãos. Mais de dez
anos depois, um país de distância e aquela maldita carta ainda me incomodava.
Estava sentado no escritório da fazenda observando aquele monte de papéis da
empresa. Eu não gostava de ficar na fazenda por tanto tempo, eu aprendi a ser um
homem urbano, sofisticado, dono do meu universo, mas seria hipócrita se dissesse
que a vista das minhas parreiras, um bom livro, talvez música ambiente e vinho
não me agradavam. Principalmente se puder desfrutar da companhia de alguma
bela dama.
Elas adoravam essa coisa de história familiar e eu não economizava nas
memórias dos meus avós, meus pais, as aventuras com meu tio nesta velha
fazenda. Um lugar bucólico com um lindo quintal para festas grandes, uma velha
árvore com balanço de pneu, cabana feita pelas nossas mãos onde brincávamos
quando criança. Esse apelo maternal sempre funcionava nas minhas conquistas.
Essas lembranças só me serviam para isso mesmo.
Olhando as fotografias nas paredes é quase impossível me reconhecer
ali. O adolescente que entregou o coração a mais cruel das mulheres não existia
mais. O garoto que venerava o irmão acima de tudo, que dividia planos de viajar
pela América sobre duas rodas morreu junto com Luna Pérez. Ela não só destruiu
um coração puro que a amava com devoção cega, como contaminou minha relação
com meu irmão gêmeo.
Olhando para essa fotografia onde Luna com seu cabelo loiro e rebelde
estava abraçada a mim e meu irmão, todos sujos de graxa após inúmeras
tentativas de fazer a motocicleta do tio Martín funcionar nunca percebi que apenas
Ansel não sorria de verdade. Neste mesmo dia ele tentou me fazer ouvi-lo sobre
ela e me deu a carta, mas eu era um tolo valente e apaixonado e não ouvi o meu
irmão, achava que ele queria me impedir de fugir para que no final das contas ele
não tivesse que assumir a maldita empresa da família. Eu era um sonhador que
planejava uma fuga perfeita para longe do escritório, um tolo apaixonado que
planejava a noite perfeita de amor com a mulher mais perfeita do mundo.
Eu a amava.
Ela me amava.
O que deu errado?
O telefone tocou e eu joguei a carta dentro da gaveta, não sabia como
4
ela foi parar no meio dos documentos da vinícola.
— Arthur falando. – Respondi assim que atendi.
Era a advogada morena e muito sensual com quem eu estava tratando
sobre um novo negócio. Além dos vinhos que produzia, decidi investir no ramo
de hotelaria tanto no litoral quanto no campo. Transformar parte da vinícola em
chalés e a casa grande em uma espécie de museu do vinho se mostrou tão
lucrativo quanto o resort. Claro que, quando tudo isso acabasse convidaria Lucía
para conhecer as delícias da culinária campestre e quem sabe um pouco de
diversão a dois.
Assim que desliguei o telefone e fui até a cozinha onde Tereza, minha
fiel e idosa cozinheira fazia sua mágica, me dei conta de algo. Seja lá como a
carta foi parar no meio das minhas coisas do trabalho, estar aqui hoje vendo
Tereza cozinhar cantarolando baixo me fez perceber que meu filho completaria
treze anos.
Aquilo fez um gosto amargo subir até a boca.
— Que cara é essa? – Tereza perguntou sem desviar o olhar das
panelas.
— Sabe que dia é hoje?
— Sou velha, não gagá. Hoje são três de novembro, há treze anos que
aquela lá morreu e que você não fala com seu irmão.
Meu irmão há um tempo tenta reconciliação, desde que se casou com a
brasileira e teve seu primeiro filho vem buscando uma reaproximação que não
estou disposto ou preparado para ter.
— Ele continua telefonando? – sentei junto a mesa farta de guloseimas e
quitutes caseiros de Tereza e fingi desinteresse na minha própria pergunta.
— Sim. Está preocupado com você, sente falta do irmão. Sabia que ele
casou e está muito feliz? – perguntou dissimulada, ela mesma havia dado a notícia
do casamento e da gravidez. – Sabia que Cecília, sua cunhada, está grávida
novamente? Eles querem…
— Não me interessa o que Ansel e a mulher querem. Não quero vê-los,
ou saber deles. Envio o cheque todo mês pertinente ao que lhe cabe. – Interferi na
fala de Tereza.
— Saiba que ele sente sua falta e nós dois sabemos que a culpa do que
aconteceu não foi dele. E quanto ao dinheiro ele está devolvendo, coloquei no
banco em nome dos filhos dele.
Claro.
Espera… filhos? No plural?
Esqueça. Ele não faz mais parte da sua vida.
5
— Prepare tudo, meus convidados começarão a chegar a qualquer
momento e eu preciso de tudo pronto. Arrume o quarto de hóspedes mais próximo
ao quarto principal, providencie tudo que está na lista.
— Já fiz. Enquanto você brincava de chefe no escritório do seu avô
mandei Euzébio comprar essas porcarias da sua lista.
— Que implicância com minhas amigas. – Provoquei a idosa com uma
piscadela.
— São vagabundas isso sim! A última ficou aqui um mês querendo me
fazer de escrava. Se quiser manter sua cama aquecida meu jovem Romeu, procure
com o coração e não com a carteira e os documentos.
Tereza, uma linda mulher no auge dos seus setenta anos, quando ficava
contrariada agitava a colher de pau enquanto cozinhava. Hábitos que nunca
mudariam.
— Que documentos, Tereza? Eu não pago por minhas companhias e não
dou carteirada para conseguir uma mulher. Está duvidando da minha capacidade
de conquista? – me fiz de ofendido e isso só agitou ainda mais a mulher com sua
colher de pau.
— Você sabe de que documentos estou falando seu menino atrevido.
Esse aí que você guarda dentro da calça. Seu irmão era o que não se importava
com os corações partidos das garotas que deixava para trás e você era o que o
alertava sobre camas quentes e corações vazios. E olha só quem vive uma vida
solitária e quem decidiu dar o coração nas mãos de uma boa moça.
— Não fale do que não sabe, Tereza. – Falei irritado. Eu dei meu
coração a quem julguei merecê-lo e no fim ela queria o que todas queriam. Meu
irmão.
— Eu vivi mais de quarenta anos antes de você nascer, não me venha
com essa de eu não saber das coisas. Continue se iludindo, culpando seu irmão e
vai acabar sozinho.
— Tenho você, não estarei sozinho.
— Não vou viver para sempre.
***
— Que delícia de vinho! – exclamou Lucía, a advogada.
Estávamos na área externa da casa grande. Quando meu irmão e eu
éramos pequenos e vínhamos para cá no natal nosso avô fazia questão
de acender uma fogueira, iluminava algumas parreiras com pisca-piscas
e mandava colocar uma enorme mesa de madeira. Eram bons tempos
aqueles.
6
— Obrigado, a fazenda Santa Fé depois que eu assumi definitivamente
todos os negócios da família prosperou tanto que diferente da época do meu avô
que apenas cultivava a uva para nosso vizinho produzir os vinhos somos agora
nós quem produzimos todos os tipos de vinhos a partir dos nossos cultivos.
— E é por isso que estamos aqui – falou um dos fornecedores. – O seu
progresso nos atraiu e a esse sucesso brindaremos. Todas as parcerias aqui
firmadas só mostram que trabalho duro e competência unem aos que nasceram
para ser grandes.
— Um brinde aos grandes! – Falei e todos os meus convidados
bebemos e comemos depois de assinarmos os últimos contratos. Meu resort e
minhas cabanas prosperariam, eu teria boas companhias e isso me bastava.
No final da reunião informal de negócios o único negócio que me
interessava era seduzir a advogada e esquecer que hoje meu coração estava
pesado de ressentimentos.
Ansel, Luna, a criança que nunca nasceu.
Chega!
Olhei para a morena que me olhava de volta cheia de desejos. Ela até
poderia disfarçar a volúpia dos demais, nunca de mim. A teria em minha cama e
seria inesquecível.
Para ela.
7
Capítulo Dois
8
se o tirei da concessionária havia 7 dias. Desde que sai da minha primeira
reunião com os fornecedores do meu resort eu estava enfrentando um trânsito
caótico com um carro que estava ficando sem forças e essa mulher numa Harley-
Davidson querendo me cortar na estrada. Ela era bem insistente e impaciente. E
como num passe de mágica o carro morreu me obrigando a encostar a margem da
via.
“Ajuda?”
“Tenho cara de quem pede ajuda para pessoas desconhecidas ou
mulheres?”
Ela desceu da motocicleta que fez questão de estacionar do outro lado
da pista. Esperou uns carros passarem velozes antes de atravessar a via e se
debruçar sobre minha janela.
“Que cruel”. – Fez cara de ofendida. – “Não tem problema pedir
ajuda seu babaca machista. Aproveita a oferta, sou ótima mecânica.”
“Meu carro tem seguro, serviço ao qual já solicitei apoio. Então, siga
seu caminho barbeira.”
“Não sou barbeira, você é que não é cortês suficiente no trânsito
para permitir que uma simples viajante ultrapasse seu carro novo, porém
inútil.”
Gargalhei da ousadia da forasteira. Uma mulher numa moto no meio da
estrada saberia mais do meu carro do que eu mesmo? Só no mundo dela.
“Façamos um acordo.” – Sugeri.
“Estou ouvindo”. – Sorriu se debruçando ainda mais na minha janela.
“Olhe meu veículo, diga qual o problema e conserte. Te pagarei o
preço que pedir.
Caso contrário, desapareça! Não tenho paciência para gente oferecida.”
Ela sorriu diabolicamente prendendo os cachos num coque fajuto, abriu
a porta do meu carro e me encarou.
“Vai sair sozinho ou precisa de ajuda?” Desci do veículo com as
chaves na mão.
“Se tentar roubar meu carro lembre-se de que ele tem seguro e um
bloqueador
via satélite e sua motocicleta está bem ali. Vou atrás de você.” – Sorri.
A garota me ignorou, deu partida no carro que apenas roncou. Abriu o
capô do veículo, mexeu numa coisa e noutra. A mulher foi até o próprio veículo
voltando em seguida com algum tipo de suporte, um galão. Mexeu em alguma
coisa na traseira do carro e me mandou assumir o volante.
“Dê partida.”
9
Contrariado, obedeci.
O traidor simplesmente funcionou. O carro despertou para vida.
“O que diabos você fez?”
“Na minha terra isso se chama colocar combustível. Carros não
fazem fotossíntese para se locomover. De nada.”
Eu não sabia o que mais me irritava: a presunção ou o fato de que fui
idiota por cometer o mais idiota dos erros – não abastecer o carro. Ela fechou o
capô e rebolando foi embora até a motocicleta.
“Não me deve nada, vizinho.”
“Fizemos um trato.”
“Tenha um bom dia.”
Fez uma reverência e com isto partiu para o lado oposto do meu
caminho.
10
mais sem educação ou senso que eles sejam.
Bufei internamente, não poderia perder esse negócio.
— Ok, me desculpe. Por favor, senhorita… bem, não sei seu nome
ainda, poderia ler minha proposta para iniciarmos nossa reunião? Posso pedir que
gentilmente sente-se – puxei a cadeira como um cavalheiro e lhe estendi a mão.
Ela aceitou a minha oferta e sentou com o envelope em mãos. – Podemos
continuar, por favor?
— Claro. – Ela sorriu e dessa vez foi um sorriso doce. Não falso,
verdadeiramente doce.
Louca.
— Meu nome é Valentina Córdoba, antes de qualquer coisa e isso você
já deveria saber. – Pegou o menu e correu seus olhos pelo encarte. – Vamos de
vinho ou sugere outra coisa? Realmente gostaria de beber algo.
Enquanto Valentina conversava com o nosso garçom eu pude olhá-la
bem. Apesar do jeans surrado, das botas de guerra e camisa do Aerosmith ela era
uma mulher bonita, olhos cor de avelã, cabelos ondulados presos num rabo de
cavalo bem feito. O castanho do cabelo combinava com a pele bronzeada pelas
horas de estrada naquela motocicleta velha e o sorriso lhe conferia uma mistura
de delicadeza e também deboche. Dependia de como ela usava essa arma. Esse
conjunto de características disparou um alerta para mim, apesar de não se
parecerem fisicamente era perigoso estar perto dela.
Perto o suficiente para despertar algo familiar, intenso.
— Acho que ele não se opõe, pode trazer. – Ouvi sua voz falando e
então percebi que estava a encarando grosseiramente. – Está tudo certo aí, senhor
esqueci de pôr gasolina no carro?
— O que? Nada, sigamos com a reunião. – Mudei o rumo da conversa.
– Preciso unir a sua fazenda a minha, suas terras não produzem nada há mais de
trinta anos e o valor que estou disposto a pagar cobre as dívidas que você precisa
quitar e ainda sobra para investir no que quiser.
Ela foleava as páginas da proposta com cautela, então olhou para mim.
— E o coração, onde fica?
— Como é? Acho que não entendi sua pergunta.
— O coração, senhor… – ela leu meu nome nos papéis e tornou a falar.
– Senhor Mastroiani, vejam só como está tão maduro e formal agora. – Ela sorriu.
– Meus avós viveram daquelas terras por anos, seus avós e os meus eram
parceiros comerciais. Existia gentileza e cooperação mútua entre eles. Aquele
lugar é o meu favorito no mundo todo, vivi minha infância e adolescência ali.
Bem, ali e no bar do Martín quando me mudei para Montevidéu. Não acho que
11
esteja pronta para me desfazer da única coisa que minha família me deixou. É
tudo sobre amor, vida e novas chances para um recomeço, estou buscando meu
novo ponto de partida. E você? Onde está seu recomeço? Se bem te conheço não
está onde queria estar. Em que põe o coração? Só falou em dinheiro e não foi
nada sutil. É esse tipo de homem agora?
Nossa comida foi servida naquele mesmo instante e eu nem me lembro
de ter pedido nada. Quando o garçom saiu ela saboreou um gole do seu vinho.
O que me irritou, ela me provocava e saia por cima.
— Adoro o que você faz. – Ela disse quando eu não consegui articular
nenhuma palavra e eu pisquei. O que? – O vinho.
Ah.
Mulher louca.
Pare de encarar a mulher.
— Você não se lembra mesmo de mim, não é? Mudei tanto assim?
A gente se conhecia? Porque me falou aquilo tudo mexendo em feridas
antigas.
— Desculpa, fiquei um pouco desnorteado agora. Do que você falava?
Aliás, quando a gente mudou de assunto?
Ela me encarou franzindo a testa.
— Está bem? – Ela então pegou na minha mão e apertou. Estava
preocupada. – Podemos ir embora se preferir, não me parece bem.
Foi o jeito dela de enrolar as ondulações do cabelo na ponta do dedo e
na forma como pegou a minha mão preocupada com meu súbito ataque de seja lá o
que deu em mim que me despertou uma memória antiga. Nas festas de Natal e nos
feriados ensolarados aqui na casa dos meus avós existia uma garota que brincava
conosco. Seria ela a queridinha da minha família e protegida do meu irmão?
— Nós brincávamos quando crianças?
— Sim, mas eu era muito mais próxima ao seu irmão. Você sempre se
manteve mais afastado quando brincávamos pelos parreirais, então começamos a
crescer e você só tinha olhos para a novata. Como era mesmo o nome daquela
loira meio vulgar? Laura? Luna? Enfim, meus pais e eu nos mudamos para
Espanha e só voltamos quando meus avós morreram. Você e o Ansel passaram a
andar de motocicleta por aí pegando geral e nem perceberam a minha volta. Virei
uma andarilha depois disso, só voltei por causa das coisas da fazenda que
precisam urgentemente da minha atenção.
— Você foi a primeira a me trocar pelo meu irmão, só mais uma na
lista. – Falei mais alto que o pretendido.
— Desculpa, eu fiz o quê? Você realmente está me assustando. Vamos
12
fazer o seguinte, vamos almoçar, conversar sobre coisas aleatórias. Vou levar sua
proposta para o hotel e prometo ler com carinho. Você está me assustando com
essa cara.
— Quando terei minha resposta, senhorita Córdoba? – Tornei a
comandar minhas emoções. Eu odiava quando minha mente divagava desse jeito.
— Breve. – Ela ergueu sua taça e brindou.
***
Me sentindo carregado fui até o cemitério local com um buquê nas
mãos. Nem sei porque me dei ao trabalho de ir até o túmulo de Luna e ainda com
as suas flores favoritas.
A lápide estava suja e malcuidada assim como os demais túmulos, mas
o dela parecia pior. Os pais de Luna Pérez mudaram-se para Argentina logo após
o sepultamento e duvido que tenham algum zelo pelo local onde estão os restos
mortais dela. Talvez por eu me sentir culpado pela nossa briga mesmo que eu
tivesse sido vítima dela me sentia na obrigação de cuidar desse lugar, afinal, eu
amei aquela mulher.
— Treze anos, hein? Teria me deixado conhecer a criança, Luna? Eu
tento, juro que tento não te culpar por tudo. Fico imaginando se você tivesse sido
honesta comigo hoje estaríamos aqui. Talvez eu fosse pai ou talvez tio e ser tio
não seria meu pior castigo, talvez fosse. Nunca vamos saber, não é?
De longe um idoso leva flores a um túmulo florido, provavelmente um
novo viúvo trazendo flores para sua amada esposa e isso me fez rir. O homem
tinha idade para ser meu avô e trazia flores para sua amada, eu trazia flores
porque uma pessoa do meu passado reacendeu ainda mais minhas lembranças de
pouco mais de uma década atrás. Eu trazia flores por culpa, raiva, pena, não só
dela. De mim.
Lembranças do fatídico dia me assaltaram naquele instante e isso só
comprimiu ainda mais meu peito. A dor sempre iria me consumir.
“Ela é boa demais para aquele cara”
“É um babaca, nem imagina com quantos já saiu.”
Eu estava ajudando ao tio Martín no bar durante o fim de semana, uns
caras que nunca vi estava fumando atrás do bar na hora que fui jogar o lixo fora.
Quando me viram começaram a rir.
“Frangote.” – Um deles disse e voltou a gargalhar.
“Falou comigo?” – perguntei enfezado. – “Porque se falou é bom se
retratar seu merdinha.”
“Olha, ele acha que pode contra nós.” – O outro rebateu se
13
empertigando. – “Agora volte para barra da saia do titio e deixe os homens
fazerem coisas de homem.”
“Oh, então vocês são homens? Dois bêbados drogados, isso sim é o
que são.”
“Uh, ele resolve tudo no diálogo. Não sabe nem ter uma briga de
verdade.”
“E nem comer a própria mulher!”
A explosão de gargalhadas foi constrangedora.
“Se soubesse ela não cairia na cama de qualquer um a todo
momento.”
“Arthur!” – meu tio apareceu com um taco de baseball na mão. “Para
dentro, aqui eu resolvo.”
***
“Arthur, chega. Eu não gosto dessa sua namorada. Você é meu irmão
e tem que me ouvir.” – Ansel parecia nervoso, andava de um lado a outro. –
“Termine com ela.” Meu irmão estava agitado e me abraçou. Foi nosso último
abraço.
***
— Boa noite, Tereza. – Cumprimentei minha cozinheira com um beijo
na testa.
— Quer comer menino? – Ofereceu.
— Não, obrigado. Vou tomar um banho e dormir.
— Dia ruim?
— Memórias ruins eu diria, boa noite.
Mal consegui dormir naquela noite. Não tanto pelo atrapalhado almoço
com Valentina, apesar do nosso reencontro no trânsito semanas antes e hoje no
restaurante não terem ido muito bem. Ela poderia dizer não a venda das terras da
fazenda falida da sua família pelo simples fato de eu ter sido rude com ela e bem
frio em relação a como conduzi a reunião. Mas o que mais me incomodou foram
as memórias que surgiram durante meu sono.
Luna estava em tudo.
Era nesta cidade onde Luna estava enterrada. Valentina nos conhecia e
me fazia lembrar de quem eu era e o que fazia meu coração acelerar, meu irmão
ainda tentava se reaproximar. Aprendi a ser um homem diferente, mais frio, mais
controlado e essa avalanche de memórias do meu passado estava me
desestabilizando. Eu precisava relaxar a mente e para isso nada melhor que
14
caminhar pelas minhas instalações e pela propriedade.
Focar em mais trabalho tinha me ajudado até aqui.
Assim que o dia raiou, vesti roupas apropriadas de montaria, selei meu
cavalo e cavalguei por onde minha visão encontrasse terra para pisar. Passava
das dez da manhã quando fui até minhas instalações.
— Patrão. – Cumprimentou meu enólogo assim que me viu.
— Como vai Antônio?
Enquanto andávamos ele me forneceu cinco garrafas dos nossos novos
vinhos para experimentar antes de lançarmos no mercado. Sentado sob a sombra
de uma árvore antiga comecei a provar e quanto mais provava, mais memórias de
treze anos atrás me assombravam.
“Eu não tive culpa! Eu juro, fiz tudo o que pude para salvá-la!” Uma
taça.
“Amo você, quando estou com ele é em você que eu penso. Quando ele
me toca, na minha cabeça é você quem me toca, Ansel. E já que você não me
ama preciso que outros homens me façam esquecer que não tenho você.” Cinco
taças.
“Eu nunca te trairia irmão. Sempre te falei para não confiar nela!
Nunca deixaria uma mulher entre nós, nunca colocaria na minha cama uma
mulher que é sua.” “Não acredito em vocês dois!” Duas garrafas.
“Luna, acorda pelo amor de Deus!” – Gritei desesperado estapeando
seu rosto
pálido. O carro de tio Martín já estava no fundo do lago, minha motocicleta
jogada no chão de barro. Meu coração batia tão frenético, tão assustado
vendo-a inconsciente por tanto tempo.
“Eu não trago boas notícias, ela infelizmente não sobreviveu, sinto
muito. O que o jovem rapaz é da moça?”
“Namorado” – Solucei inconformado.
“Então sinto duplamente sua perda. A jovem estava grávida, você
sabia?” Última garrafa.
Eu era um miserável, um maldito atormentado. Bêbado, sai tropeçando
nos próprios pés até chegar em casa. Entrei pelos fundos e encontrei Tereza
gargalhando e com ela Valentina. Ela estava linda, corada pelo vinho. Na
verdade, ela era simples e naturalmente linda e isso era perigoso.
— O que está acontecendo aqui? – solucei e tropecei até cair sentado
de qualquer jeito na cadeira. – Quem te convidou? Porque está com minha foto
nas mãos?
— Que educação é essa, Arthur? – Tereza me beliscou.
15
— Ai mulher, não sou mais um moleque!
— E, no entanto, está se comportando como um. Peça desculpas a
moça.
Olhei para a minha cozinheira e vi duas delas.
— Vou deixar vocês conversando, boa noite. – Tereza saiu devagar e
sumiu, mas não sem antes me lançar um olhar reprovador.
— Estamos bem? – ela me perguntou colocando a foto sobre a mesa.
Soquei a mesa com raiva vendo Luna na minha frente.
— O que você quer de mim Luna? Me enganar outra vez? Deitar na
cama do meu irmão e sem sucesso me procurar como prêmio de consolação?
— Ai essa doeu, mas eu não sou ela. – Ela pegou minha mão e apertou
mesmo estando assustada com a minha agressividade. – Eu sou a Valentina.
— Desculpe, dia ruim.
Seu toque não deveria me acalmar. Era bom sentir qualquer coisa de
novo.
— Todo mundo tem seus demônios, Arthur.
Peguei a foto do meu irmão e minha e encarei a nos dois ali, felizes,
cúmplices.
— Sinto falta de Ansel. É idiota eu dizer que gostaria de ter a vida que
ele tem agora: esposa, filhos, longe de um escritório?
— Não. Não é.
Num impulso acariciei a mão que me amparava e beijei o dorso.
— Preciso de férias. – Soltei sua mão, e cambaleante fui até o balcão
onde peguei uma caneca e me servi de mais vinho sob os atentos olhares da minha
vizinha.
— Porque acho que você precisa desabafar, hein?
— Tão astuta. – Zombei.
— Posso ouvir. Sei por exemplo dessa mágoa entre você e o Ansel.
Tire férias e vá atrás do seu irmão, seja lá a diferença entre vocês nada deveria
separar uma família.
— Está tudo rodando. – Reclamei.
— Vá dormir então, amanhã eu voltarei e a gente fala sobre a venda da
fazenda.
— Você não vai pilotar sozinha seja lá onde estiver hospedada. Me
ajude a não cair, está legal? Depois você escolhe um quarto de hóspede e dorme
lá.
Ofereci a mão e ela aceitou com aquele sorriso de deboche que eu
16
odeio, mas hoje não me importava. Joguei meu braço ao redor do pescoço dela
que me segurou como pode.
— Quanto você bebeu hoje? – Ela gargalhou tropeçando comigo nos
degraus da escada.
— Você é cheirosa.
— Nossa, é com essa cantada que pega as mulheres por aí?
Quando chegamos no quarto me joguei na cama ainda usando meus
acessórios de montaria. Minha ex-colega de infância caiu comigo e gargalhou
achando divertido meu estado deplorável.
— Deixa eu abrir a janela para que o ar fresco entre. – Ela se foi e
ficou vendo a lua prateada sobre as parreiras.
Tão linda.
— Posso desabafar também? – Ela perguntou sem me olhar. Qual o
problema dela?
Eu estava ali. A gente poderia transar para afogar as mágoas.
Ela me ignorou.
— Depois de tudo? Claro. – Deixa para lá, ela não ligava para mim.
Eu precisava ficar acordado. Não podia culpá-la por causa da outra.
— A fazenda dos meus avós está precisando de muitos reparos e
dinheiro não tenho, Arthur. Meu sonho era mesmo poder restaurar a fazenda e o
nome da família, ter um lar.
Te entendo…
— Você tem um irmão vivo, vá atrás dele. Nunca se desfaça dessa
fazenda por mais velha e sem atrativos que um dia venha a estar, tente juntar as
peças do quebra-cabeça que é a sua vida e vá ser feliz. Eu daria tudo para ter um
parente, eu não passaria tanto tempo viajando pelo mundo.
Sem perceber eu já estava a um passo daquela mulher, tão linda.
— Posso te abraçar?
A motociclista debochada se inclinou para me olhar e assentiu. Me
surpreendi com aquele abraço singelo. Era como um compartilhamento de dores e
anseios. Não ficou pesado suportar aquele fardo, nem para mim e nem para ela.
— Olhos avelã, posso pedir desculpas pelas minhas grosserias?
— Tudo bem, eu não guardo mágoa de ninguém muito menos de alguém
a quem sempre quis tão bem desde pequena. – Valentina beijou meu rosto de
forma tão casta que me desconcertou.
— Vou embora, boa noite.
Ela se afastou e antes de passar pela porta falei.
17
— Não vá. Pegue uma camisa minha, escolha um quarto e fique. Vou
ficar mais tranquilo em saber que está segura aqui comigo.
— Boa noite, Arthur.
18
Capítulo Três
19
— E eu queria que olhasse para mim e planejasse comigo o que
planejou com ela.
Foi por isso que aprendi a amar a vida sobre rodas. Você me deu um pouco
de liberdade.
Ri sem humor.
— E deixei que me tirassem a minha.
— E agora, o que faremos? – Ela perguntou me encarando curiosa e
divertida. – Chorar pelo leite derramado é burrice.
— Se eu comprar sua fazenda você vai embora e eu não vou ter quem
me chame de machista, idiota, nem quem me diga que estive errado ou que sou um
tolo por deixar minha única família longe.
— Então o que propõe? – Valentina balançou o corpo sobre os próprios
pés para frente e para trás como uma criança pequena ansiosa e eu sorri por
dentro. Tão pueril para uma grande pequena mulher.
— Vou fazer o mesmo pedido da noite passada. Fique.
— E a fazenda? Significa muito para mim, mas sabe que não posso
mantê-la.
— Vamos dar um jeito, amiga.
Valentina se aproximou e me beijou no rosto do mesmo jeito da noite
passada. Dessa vez foi um pouco demorado, diferente. Sempre que me tocava
algo em mim voltava a sentir, algo de ruim se estilhaçava, algo de bom se
regenerava.
— Obrigada.
— Eu não vou poder me conter.
— O quê?
— Preciso beijar você e saber que não sou o único a se sentir assim.
Dei um passo a frente e segurei sua nuca enredando seus cachos no
punho. Ela fechou os olhos e ofegante esperou pelo beijo que demorei a dar. E
falhei.
— Não consegue, não é? Está confuso e ainda bêbado. Eu não sou
prêmio de consolação, Arthur.
— Desculpe. – Pedi soltando-a do meu enlace. – Não quero que se
sinta obrigada a nada, nem a vender ou ter uma aventura comigo. Tem razão, você
não prêmio de consolação e precisamos estabelecer uma amizade aqui.
— Posso ser sua sócia ou sua parceira comercial – Valentina sorriu
com deboche.
— Odeio seu sorriso debochado.
20
— Odeia nada. – Ela piscou o olho para mim.
E estava certa, eu não odiava.
21
Capítulo Quatro
Deixei Valentina sozinha, dei muito no que pensar com meu surto. Eu
tinha muito no que pensar, sempre que precisava voltar aqui eu surtava de algum
jeito. Provavelmente o estresse, a ansiedade e principalmente a falta de uma noite
proveitosa e prazerosa com uma mulher que aquecesse o coração.
Mas o fato aqui era: eu estava impulsionado pela mágoa e frustração do
passado e para esquecer esse peso quase ataquei a mulher com quem pretendo ter
relações puramente comerciais pelo simples fato de que ela pertenceu ao meu
passado, porque ela apesar de ser amiga do meu irmão preferia a mim, e
definitivamente o fato daquela mulher com olhos cor de avelã ser sexy sobre duas
rodas e ser debochada.
Espera!
Eu a odiava até ontem antes dela se oferecer para ser minha amiga.
— Preciso transar até a exaustão. – Soprei irritado enquanto me servia
de um café forte.
— Falando sozinho filho?
Tereza andou devagar quase se arrastando até a mesa e se sentou
também se servindo.
— Desculpe. Cabeça cheia.
— Você quis dizer ressaca. – Ela zombou e fomos interrompidos por
uma Valentina com perfume de flores campestres e cabelos úmidos do banho.
— Bom dia. – Ela disse.
— Bom dia. – Respondemos. Quase não consegui olhar nos olhos dela.
— Tem bolo, café, pães, geleia querida, basta se servir. – Minha
adorável cozinheira indicou os itens na mesa.
— Tudo bem, já abusei da hospitalidade de vocês. Vou para o hotel e
mais tarde telefono para gente conversar sobre meios de nós dois termos o que
desejamos.
— Tem certeza? Fique. – Lá estava eu pedindo mais uma vez que ela
ficasse. – Você tem me ajudado mais do que eu a você. É justo que além de
hospedagem eu lhe dê o café da manhã, não quero que pense que sou um péssimo
anfitrião.
Valentina deu um sorriso gentil e sentou conosco, um pouco tímida no
começo.
Tereza balançava a cabeça como se percebesse que algo estava estranho,
algo entre nós.
22
— O patrão foi educado com você menina? Depois que eu sai? Deu
para conversarem sobre essas coisas de trabalho?
— Ah… hum, mais ou menos. – Valentina respondeu mordiscando sua
fatia de bolo.
— E eu me desculpei, Tereza. Agora pare de nos constranger.
***
— Obrigada pela refeição. – Valentina agradeceu montando na sua
motocicleta.
Por vários instantes eu esqueci dela, eu só tinha olhos para a Harley.
Pude vislumbrar minha adolescência ao lado do meu irmão e do nosso tio Martin,
ele nos ensinou a pilotar essas máquinas, era divertido passar horas na garagem
consertando a “Lola”.
— Já vi esse brilho no olhar antes. – Valentina estalou os dedos diante
do meu rosto. – Está reconhecendo ela?
— Reconhecendo quem? – Respondi encarando minha vizinha.
— Lola.
Sem chance!
— Que? Está de sacanagem comigo? Essa não pode ser a Lola de tio
Martin!
— Claro que pode. Martin me deu de presente, me ensinou a dirigir, me
ensinou tudo o que sei sobre mecânica.
Meus olhos deveriam mesmo brilhar.
— A quanto tempo aquele rapaz livre e aventureiro está preso? –
Perguntou referindo-se ao tipo de cara que eu costumava ser.
— Ele morreu.
— Junto com a Luna? Sem chance. Ele está na minha frente pedindo
para sair agora mesmo e dar uma voltinha, sabe? Para sentir a adrenalina circular
pelo corpo. – Valentina colocou as chaves na minha mão. – Volte a viver.
— Tem certeza? E se eu arranhar a sua motocicleta? Talvez eu nem
saiba como pilotar essa coisa.
— Amigo, isso é como respirar. Como andar de bicicleta, não tem
como esquecer.
Relutante subi e fiz o motor roncar, sentia meus dedos formigando de
expectativas.
Ofereci a mão para ela subir na minha garupa.
— Quando quiser chefe. – Ela disse segurando-me pela cintura com
23
tanta força e algo mais. Não era medo, era outra coisa.
Será mesmo que ela sempre me amou quando éramos crianças? Será
que ainda sente algo real por mim?
— Vamos lá.
Fiz a Lola ganhar ritmo pela fazenda, pilotar ainda era fácil e fazia
parte de mim. Então porque me neguei esse prazer? Porque me neguei preservar o
homem que eu era no homem que eu fui me tornando? A risada de Valentina foi me
despertando para a paisagem ao nosso redor, estávamos numa pista velha e reta e
eu nem percebi quando saímos da fazenda e seguimos para a cidade velha.
Valentina e eu estávamos no limite máximo da motocicleta e ríamos
juntos e era bom tê-la tão colada em mim.
Era bom ser livre.
Chegando ao limite da cidade fiz o retorno até a fazenda Esperança.
Desliguei o motor da Lola e Valentina desceu da minha garupa com o sorriso
maior do mundo e o meu sorriso imitou o dela.
— Isso foi incrível.
— Sempre que quiser, a Lola estará à disposição.
Valentina estava com o cabelo bagunçado pelo vento e nem isso
diminuiu a beleza dela. Pelo contrário, dava a ela um ar selvagem que contrastava
com as avelãs dos olhos e o castanho dos cabelos ou com o sorriso de agora. Não
era debochado, era de felicidade e pueril.
— Obrigado.
Assim que desci da motocicleta indiquei que ela fosse adiante e
entrasse na fazenda da família.
— Por que me trouxe aqui?
— Você se importa com esse lugar.
— Mais do que você possa imaginar. Dói só de pensar que vou vender
para você destruir esta casa que foi o meu lar, mas eu não tenho como pagar as
dívidas.
— Venda apenas as terras, fique com a casa grande. Posso mudar o
contrato de compra e venda, ajustar com o engenheiro e o arquiteto a planta dos
chalés. Se me vender suas terras eu farei com que nada te atrapalhe aqui na casa
grande.
— Porque está sendo legal comigo? – Valentina perguntou ao se sentar
nos degraus de acesso à varanda da casa.
— É o mínimo que posso fazer. – Por você ter sido legal quando não
merecei. – Todos ganham, pense nisso como uma transação comercial amiga.
— Então eu aceito vender as terras.
24
— Um belo acordo. – Estendi a mão para selar o contrato, Valentina
apertou de volta e deu um suspiro. – Quer almoçar?
Ela chegou o relógio de pulso e se espantou com as horas.
— Estou morta de fome, agora entendi o motivo.
— Volto já.
Subi novamente em Lola e dei partida na motocicleta, voei baixo até a
fazenda Santa Fé. Entrei pela cozinha e me deparei com Tereza pronta para ir
embora.
— Menino! Quer matar esta velha de susto?
— Você vai viver para sempre, eu já te disse. – Beijei-lhe o rosto
enrugado. – Agora me ajude a levar um pouco de comida para mim.
— Levar comida? Para onde vai?
— Fazenda Esperanza, Valentina e eu entramos num acordo e ela
venderá. Assim que assinarmos a papelada eu volto para Montevidéu para a
grande inauguração do resort.
— E a menina como fica? E a reforma que quer fazer aqui?
— Tenho empregados para isso, Tereza. Não vou desamparar você ou
ela, tudo continua como está. Só vou aparecer por aqui quando as obras estiverem
adiantadas.
— Eu pensei que… sei lá, esqueça essa velha esperançosa. Vou fazer
uma cesta de comidas para você.
Corri até um barracão onde meu avô guardava ferramentas e peguei
tudo o que achei que fosse necessário, coloquei tudo numa bolsa de viagem e me
certifiquei de guardar tudo no baú de couro que existia na motocicleta. Voltei para
Tereza e peguei as vasilhas com nossos almoços, talheres, copos e uma garrafa de
vinho.
— Obrigado, Tereza.
— Cuide-se, Arthur. Não viverei para sempre.
***
— Valentina?
Entrei na casa e o piso rangeu. Havia marcas de cupins por todos os
lados e muita poeira. As janelas e portas estavam abertas agora, um ou outro
móvel coberto por lençóis encardidos estavam espalhados pelos cômodos.
— Estou na cozinha. – Ela gritou.
— Muito trabalho para fazer, hein? – Surpreendi a mulher sentada no
balcão também de madeira no meio da cozinha.
25
— Sim, e o que trouxe para comermos?
— Tecnicamente não faço a menor ideia, Tereza fez os pratos.
Coloquei as vasilhas no balcão, os talheres e o vinho, sentei no balcão
assim como ela tinha feito e nos servi de vinho branco.
— Um brinde a minha vizinha debochada, porém amiga. Obrigado por
não me fazer sofrer para comprar sua fazenda. – Ergui meu copo.
— Um brinde a meu vizinho machista, assombrado e babaca, porém
amigo. Obrigada por ter tido consideração com meus sentimentos por esta casa. –
Ela ergueu seu copo tocando no meu.
Ofereci o salmão ao molho de maracujá e batatas e começamos a comer
relembrando coisas bobas da nossa infância. Foi leve, foi divertido até meu
celular tocar.
Lucía.
Pela minha cara Valentina percebeu que se tratava de uma outra mulher
e eu não queria mais fazê-la se sentir mal.
— Coisa do escritório de Montevidéu. – Menti e sai da cozinha. –
Arthur falando.
— Oi Artie, não me ligou desde nossa festinha particular e eu gostaria
de repetir a dose antes de voltar ao trabalho.
— Então, lembra aquele problema família? Ainda estou resolvendo,
mas te ligo assim que voltar ao resort. Pode ser?
Não se iluda mulher, pelo amor de Deus!
Detesto mulher pegajosa.
Voltei para cozinha e Valentina limpava nossa bagunça, estava séria.
— Está triste?
— Pensativa. Preciso procurar um emprego mais fixo, não dá para
viver como freelance o tempo todo. – Se mentiu, fez perfeitamente bem.
— Entendo. Hoje não é dia de melancolia, você me fez sorrir outra vez.
Pensei que não pilotaria mais e hoje eu fiz isso, nos acertamos quanto a fazenda e
estamos agindo como amigos. Deixemos o trabalho e as responsabilidades fora
destas paredes só por hoje, trouxe ferramentas para consertar algumas janelas.
Faça uma lista do que precisa.
Enquanto consertávamos o que era possível e listávamos as
necessidades de reparo fomos bebendo o vinho aos risos. Era tão bom ter com
quem dividir um sorriso ou um problema.
Valentina. Eu deveria tê-la notado antes de Luna.
— Posso perguntar o que exatamente aconteceu entre você e Ansel?
26
— Luna aconteceu.
Valentina parou de martelar e me encarou esperando por mais.
— Descobri que ela transava com todos, no calor do momento quando a
confrontei, Luna roubou o carro de tio Martín e fugiu da discussão. Eu corri atrás
dela na motocicleta e vi quando ela sobrou na curva e caiu num lago profundo.
— Meu Deus, foi assim que ela morreu?
— Sim, eu a resgatei ainda com vida, mas foi tarde demais e o médico
que nos atendeu no hospital lamentou a perda da mãe e do bebê.
— Jesus! – Valentina cobriu a boca, seus olhos arregalados. – Eu
lamento sua perda. Não sabia que ela estava grávida de um filho seu.
Sorri com amargura.
— Esse é o problema, Valentina. Não saber quem é o pai, poderia ser
de qualquer um inclusive do meu irmão e é por isso que não consigo falar com
ele.
Meu corpo sempre ficava trêmulo quando lembrava disso, atenta as
minhas emoções ela veio até mim e me abraçou para me consolar.
— Não sabia.
Tudo bem, você é que menos tem culpa nisso.
— Parte de mim sabe que ele não tem culpa, ele a odiava e me mandou
terminar com ela várias vezes. Só que para mim é doloroso acreditar na inocência
dele quando eu sabia que ele era mulherengo naquela época, quando eu vi Luna
usando apenas sutiã e calça jeans em cima dele, se oferecendo, dizendo que
pensava nele quando eu a tocava. Imagine ouvir da mulher que você ama que ela
precisava transar com homens mais experientes para esquecer a rejeição do meu
irmão.
Valentina tremia também, acho que chorava em silêncio sentindo a
minha dor.
— Por isso você se tornou nesse ogro, mas eu estou aqui agora. Quero
ser sua amiga.
Mas você me amava como uma mulher ama um homem.
— Como poderemos ser só amigos se eu tenho essa carência física e
emocional e você… bem, segundo meu irmão…
— O que seu irmão te contou?
— Que você me amava desde a infância.
— Nada mudou, Arthur. Só aprendi que você nunca me amaria, então eu
fui viver a minha vida. Mas, vamos focar no que importa – Ela me apertou e não
contive o impulso de cheirar seus cabelos ondulados. Tinha cheiro de morango. –
27
Você ama seu irmão?
Não respondi com palavras, apertei seu corpo duas vezes para que ela
soubesse que a resposta era sim.
—Telefone para ele e façam as pazes. Não deixe o fantasma da Luna
destruir sua relação com seu irmão. – Ela me beijou no rosto e se afastou. – Acho
melhor irmos embora.
— Desculpe. Desculpe não ter te dado importância antes, por não te
amado.
Ela sorriu sem graça e eu não gostei, preferia o riso debochado. Toquei
em seus lábios e moldei um sorriso a lá coringa. Valentina mordeu meu dedo e
isso me fez despertar para o momento. Eu queria estar com ela, estar dentro dela,
mas pelos motivos certos e não por carência ou pena. Ela avaliou a mordida e deu
de ombros se desculpando, no segundo seguinte eu a tinha escarranchada na minha
cintura respirando com tanta dificuldade quanto eu. Nossos lábios buscando e
nunca encontrando, seus dedos castigando meu cabelo, minhas mãos apertando,
sentindo.
— Só um beijo. – Ela pediu. – Sem culpa, sem cobrança, só hoje.
— E amanhã?
— Amanhã seremos os amigos que prometemos que seríamos, mas hoje
eu quero ser sua mulher.
Carreguei Valentina sem nunca desviar os olhos dela, coloquei seu
corpo sobre o balcão onde almoçamos no começo da tarde e trouxe seu corpo
ainda mais para o meu. Sem pressa alguma tirei sua camisa, beijei o canto da sua
boca. Tirei seu sutiã e beijei seus seios pequenos e redondos, ela arfou. Tirei sua
calça jeans e deitei seu corpo no balcão.
— Sem culpa?
— Sem culpa.
Beijei sua boca com delicadeza no começo, queria prová-la e sentir o
gosto do vinho na sua língua, mas a resposta que recebi dela foi algo mais
passional, algo mais íntimo. Beijá-la daquela forma foi o contato mais profundo,
íntimo, sedutor e completo que tive em anos.
— Mãos acima da cabeça e não se mova. – Ordenei. De olhos fechados
ela obedeceu permitindo que seu corpo e suas emoções tomassem conta daquilo.
Peguei o que sobrou do vinho e banhei seu corpo, Valentina gemeu
baixo se contorcendo quando sentiu meus lábios provando dos seus seios,
instintivamente abriu as pernas e me convidou a entrar. Continuei explorando seu
corpo com boca e língua até encontrar o tecido que lhe cobria. Retirei a calcinha
com uma lentidão torturante, absorvendo, desejando. Tirei a minha calça com tudo
28
me expondo.
— Olhe para mim, Valentina. – Ela obedeceu.
Derramei mais vinho a ponto de escorrer até o meio. Deixei minha
língua falar por mim quando a provei, Valentina segurou minha mão e entrelaçou
nossos dedos enquanto eu ia mais fundo sentindo o sabor do meu vinho e a
essência de Valentina. Era uma droga completamente viciante, a energia que
vibrava nela ressoava em mim. Castiguei seu corpo como merecia, com carinho,
com luxúria, Valentina vibrou, deu pequeno gritos, gemeu, girou os quadris contra
meu rosto e se libertou de um jeito afobado.
— Isso foi maravilhoso, Arthur. – Trazendo seu corpo suado para mim
novamente voltamos a nos beijar, a mão nada boba de Valentina me encontrou e
com a delicadeza que me beijava me castigava firmemente com o seu movimento
sobre meu corpo. – Esperei tanto por esse momento.
— Só vamos aproveitar… – hum gemi quando me apertou e ficamos ali,
nos observando arfar enquanto nos tocávamos. Ela desceu do balcão e se inclinou
sobre ele usando as mãos como suporte. – O que está fazendo?
— Só vem.
Beijei seu ombro, sua nuca, seus lábios e lentamente me encaixei nela,
deixei que ela ditasse o quanto aguentaria, até onde eu poderia ir.
— Isso… assim… – Gemeu e rebolou os quadris me recebendo. Não
contive minha voz, minhas emoções quando começamos a ir e vir juntos. Sem
pressa, sem vulgaridade.
O balanço dos seus seios, nossos corpos se chocando, eu poderia fazer
mil brincadeiras e daria prazer, sentiria prazer, mas não queria que se sentisse
usada e abusada. Isso não iria se repetir amanhã. Voltamos a brincar com nossas
línguas enquanto eu ia fundo dentro do seu corpo, minha mão livre aproveitou
para estimular. Valentina me sugava de todas as formas, boca, corpo, seus dedos
sobre os meus sobre sua feminilidade e então um grito meio chorado, muito
satisfeito de um segundo orgasmo que lhe proporcionei.
Seu sorriso fez tudo valer a pena.
— Você é maravilhosa. – Ofeguei abraçando-a. – Olha para mim, te
machuquei?
— Não me machucou. – Ela respondeu com o corpo tremendo junto ao
meu também trêmulo.
— Precisamos sentar. – Brinquei. Cambaleantes fomos até uma poltrona
velha
perto da janela.
Vimos o pôr do sol ali, calados, colados, curando as pequenas e
29
grandes feridas em silêncio e cochilamos. No melhor do meu sono senti uma mão
me tocando no rosto, abri os olhos e vi Valentina me fitando com uma fome voraz
nos olhos avelã.
— O que foi? – Cochichei.
— Ainda tenho tempo, a noite não acabou e eu quero mais.
Me mexi na poltrona e entendi o que ela queria dizer, percebi que
estava me tocando no lugar certo dessa vez. De joelhos no chão, ela me fez ver
estrelas apenas por me tocar e quando fiquei pronto para ela, Valentina nos
encaixou. Ela, mais uma vez, de costas para mim. Seu corpo encostou-se no meu
me dando a visão privilegiada dos seus seios com acesso rápido das minhas mãos
sobre eles, de olhos fechados deixei que ela me usasse. Valentina subiu e desceu,
me tocou enquanto me usava ao seu prazer e quando gozamos – juntos – ela se
encolheu nos meus braços até que dormiu e eu fiquei ali, tentando não me sentir
culpado por usá-la para curar minha solidão e talvez com isso alimentando a
ilusão de amor que sente por mim.
— Durma bem. Pelas próximas horas estamos seguros aqui. – Valentina
se aconchegou ainda mais e não demonstrou nenhum sinal que pudesse estar
acordada.
30
Capítulo Cinco
31
— Bem, eu preciso tomar um banho e aguardar minha equipe. Assim
que tiver em mãos os documentos selamos o acordo e faço o seu depósito.
— Sim, senhor chefe. – Prestou continência e partiu.
Entrei na casa e corri para meu quarto onde demorei no banho de
banheira. Era uma banheira bem rústica no meio do quarto, mas era o suficiente
para mim naquele momento. Para as coisas não ficarem mais estranhas com minha
vizinha eu precisava voltar o quanto antes para Montevidéu. Praticamente
adormeci na banheira e só percebi que meu corpo havia relaxado de uma noite
tensa de sexo praticamente em pé na cozinha e um cochilo apertado numa poltrona
porque meu telefone tocou em cima da cama.
Me enrolei na toalha e atendi sem ver o nome no visor.
— Arthur falando.
— Arthur meu irmão, sou eu. – Meu estômago afundou. – Sei que você
não quer aproximação nem nada, mas eu realmente preciso falar com você.
— Quem te deu meu número? Foi Tereza?
— Foi e não brigue com ela.
— O que quer? – Falei sério, porém com o tom de voz baixo.
— Quero me acertar com você, quero também que conheça minha
família, quero que venha conhecer minhas cafeterias. Sei que nosso pai tentou
fazer o lance do café funcionar, apesar de ser óbvio que as uvas eram o lance da
família. Mas, acho que ele ficaria orgulhoso de ver como as coisas fluem bem
para mim e infinitamente melhor para você aí.
Não respondi, não sabia o que falar.
— Eu não quero passar mais um aniversário longe do meu irmão, eu
preciso que ele conheça minha mulher e meus filhos. Já chega dessa merda toda,
entendeu? Eu estou precisando do meu irmão.
Pela primeira vez pude notar algo além de saudade na voz de Ansel e
não era o sotaque estranho com que ele falava.
— O que houve?
Quis saber preocupado com a oscilação na voz do meu irmão.
— Cecília está com um probleminha e não gosto de vê-la triste. Só de
pensar que nossa gravidez corre risco eu fico de cabelo branco.
— É muito grave? Precisa de dinheiro para tratá-la? Posso fazer um
cheque.
— Não quero seu cheque, quero dividir meus problemas com meu
irmão.
Silêncio.
32
— Podemos ser como antes? – Ele perguntou.
— Preciso desligar, Ansel. Se sua esposa precisar de ajuda médica me
deixe saber.
Desliguei sem cerimônia. Muitas emoções para processar e muito
trabalho precisando da minha atenção.
***
— Então ficamos acertados assim. – Falava com o dono do bistrô que
contratei para servi no coquetel de inauguração. Escolhemos os pratos de entrada,
os drinks, o prato principal por telefone. – Até mais, nos vemos em quinze dias.
Quinze dias até a grande inauguração.
Checando meu e-mail vá pude verificar a nova planta dos chalés e o
novo contrato. Prontamente enviei uma mensagem te texto para minha vizinha
informando sobre o novo contrato. E amante de uma noite só.
A melhor noite em anos.
Sem cobranças, sem culpa, só duas pessoas com um passado em comum
querendo afogar mágoas.
Abri a minha gaveta e encarei a carta de Ansel. Eu podia reviver
aqueles momentos outra vez só de tocar naquele papel amarelado. Praticamente
todos os personagens ganharam vida diante dos meus olhos ali.
33
Uruguai, 17/01/2005, 16 anos
“Estou te falando, ela é a mulher da minha vida!”
Estávamos na garagem do bar do tio Martín. Ele era considerado a
ovelha negra da família. Meu avô era dono de uma fazenda e lá ele produzia uvas
para produção de vinho da fazenda vizinha. – Valentina – Meu avô preparou meu
pai e meu tio para assumirem os negócios, meu pai assumiu a responsabilidade
imposta. Tio Martín não. Assim como nem eu e nem Ansel iríamos assumir o
trabalho que não queríamos fazer.
Ansel e eu éramos como tio Martín. Espíritos livres. Nossa vida era
sexo, drogas e Rock & Roll. Ou quase isso. Acampávamos na praia e bebíamos
até cairmos no chão de tanto rir de nossa embriaguez, gostávamos da atenção das
garotas e repelíamos quem não nos chamasse a atenção de volta – Valentina.
Ouvíamos histórias sobre aventuras na estrada, mulheres, confusões com a
polícia, a moral e os bons costumes. Queríamos ser como ele assim como todos
os nossos amigos também queriam. Mas tudo mudou quando a conheci. Luna
passou a ser meu tudo desde que veio morar próximo de nós ainda muito nova,
meu coração, meu espírito, meu prazer. Tudo era dela.
“Você só pode estar louco se acha que vou aceitar incluir uma mulher
nos nossos planos, Arthur!”
“Qual o problema de ela vir conosco? Ela virá na minha garupa e
não na sua, sou eu que vou bancar as despesas dela.”
Ansel jogou o que sobrou do seu cigarro no chão e pisou mais forte do
que o necessário para apagar o fogo já extinto.
“Está deixando uma desconhecida ficar entre nós, esses são nossos
planos. É coisa entre irmãos, Arthur. Eu ouvi coisas sobre ela e não acho uma
boa até saber com quem estamos lidando.”
“Falando assim parece que ela é uma criminosa.”
“Sabe de uma coisa, Arthur? Se faz tanta questão de levá-la faça você
sozinho essa viagem.”
Irritados como estávamos o melhor que fizemos foi cada um seguir seu
rumo. Jamais deixaria a mulher mais linda, extrovertida, aventureira e que me
amava para trás por causa de uma viagem de motocicleta com meu irmão.
Zangado, fechei a garagem e fui até o bar. A festa estava só no começo,
Ansel já estava com uma garota no colo. Os rapazes bebiam e jogavam dardos,
um grupo de garotas da escola chegaram juntas e começaram a dançar no meio do
salão. Mas, meus olhos eram apenas da Luna.
34
“Olha quem chegou.” – Ela falou e tragou em seguida o seu cigarro.
“O seu homem chegou.” – Falei beijando-a.
“Você ainda é um garoto.” – Ela respondeu me abraçando.
“Esse garoto aqui sabe fazer umas coisas bem legais no quarto.”
Ela riu alto e me beijou sem nenhum pingo de decência. Praticamente
demos um
show explícito de vulgaridade.
“Pelo amor de Deus, vocês dois! Vão para um quarto.” – Tio Martín
salpicou água gelada em nós. – “Já não basta tantos de menores aqui bebendo
escondido? Preciso realmente ter nos ombros a responsabilidade de uma
gravidez não planejada sob meu teto?”
Luna era mais velha um ou dois anos, bastante experiente e isso não me
incomodava, eu não fui o primeiro dela e planejava ser o último. Eu não era
nenhum santo antes dela, mas, mesmo assim, ela foi a minha primeira e seria a
única.
“Seu irmão me odeia, né? Olha como me encara.” – Ela falou e
mostrou Ansel nos fuzilando.
“As vezes, só as vezes eu…” – eu não conseguia nem completar meu
raciocínio. Estava começando a acreditar que Ansel estava com ciúmes da minha
garota. Ele a queria e não suportava a ideia de ela não corresponder porque me
ama.
“Esqueça”. – Ela falou. – “Vamos, pegue a motocicleta. Vamos para
algum lugar beber e transar.”
O bar era escuro, piso e paredes de madeira, mesa de bilhar, alvos em
todas as paredes, um jukebox tocando Johnny Cash e antes que pudesse ter me
levantado para ir embora com Luna, Ansel me olhou magoado.
Afastando aquela noite da minha cabeça, os personagens sumiram como
fumaça.
Meu celular tocou e lá estava a mensagem minha nova velha amiga:
“Assinamos amanhã? :p”
“Ok.”
Respondi e voltei para meu quarto, a fome já havia passado de qualquer
forma.
Agora eu precisava fazer as malas para amanhã voltar para casa.
35
Capítulo Seis
36
vou suar e preciso estar com roupas mais leves. Além do mais, quem se importa
com a roupa que eu uso? Com certeza não você.
Satisfeito idiota?
— Precisa de ajuda? – Perguntei.
— Vai me ajudar?
Ela parecia animada com a possibilidade de eu ajudá-la.
— Eu… – Fui salvo da pergunta de Valentina pelo telefone que tocava,
porém quem me salvaria de uma amante qualquer enchendo a paciência? – Arthur
falando. Oi, Laura.
Vi quando Valentina saiu, ela não era burra e sabia que se tratava de
alguma aventura minha. Onde ficou a parte do nosso acordo que dizia “sem
cobrança”?
Corri até ela e segurei pelo punho, logo meus dedos entrelaçaram os
dela, nossos olhos sem nunca desviar.
— Desliga. – Ela mandou e eu obedeci. – Prometeu sermos amigos e
sinto que estamos fazendo isso errado. Não posso ter ciúmes dos seus casos, não
posso te obrigar a confiar em mim para contar mais dos seus segredos. É melhor
eu ir e quando for seguro de novo poderemos nos ver.
— Acha que estamos correndo antes de engatinhar?
— Bem por aí.
— Desculpe pela grosseria, Ansel me telefonou e depois vi como meu
empregado te olhou. Não gostei. Não pense bobagens, eu não estou me
apaixonando. Eu gostei muito da forma como ficamos. Desde Luna eu não me
sentia emocionalmente ligado a nenhuma mulher mesmo que fosse uma aventura
de uma noite só e se eu dissesse que um dia foi suficiente e que não quero repetir,
mentiria. Mas, você merece respeito, merece mais do que ser meu prêmio de
consolação, merece mais.
— Mais o que? – Questionou firme.
— Mais carinho na cama por exemplo. – Respondi. – Fiquei
martelando porque raios não pude olhar nos seus olhos enquanto transávamos.
Você ficou de costas as duas vezes e eu me senti te usando e eu não sou homem de
usar as mulheres. Posso até ser rude, mas jamais trataria uma mulher como objeto.
— Vou responder a sua pergunta, Arthur. Eu não poderia olhar nos seus
olhos enquanto estávamos ligados carnalmente porque era apenas aquilo, sexo. Se
estivéssemos fazendo amor e você me olhasse nos olhos seria o meu fim, você
sempre terá o fantasma dela com você. Simplesmente não consegue viver sem a
lembrança de Luna. E você tem razão, eu mereço mais.
— O que sugere que façamos? – Perguntei.
37
— Faça as pazes com seu irmão e mande lembranças minhas a ele.
— Falei sobre nós, Valentina. O que nós devemos fazer?
— Viva com seu fantasma e eu vou seguir a minha vida.
Valentina ficou na ponta dos pés e me beijou no rosto, com sempre
fazia, mas algo estava estranho naquele beijo. Parecia uma despedida.
***
Andei de um lado a outro por quase uma hora, não sabia se deveria
ligar para ela ou deixá-la em paz. Comecei a andar pelos parreirais iluminados
pelo candeeiro que eu usava e foi então que decidi quebrar essa barreira com
Ansel. Voltei para o pátio onde tantas vezes minha família se reuniu e então
disquei para o número do meu irmão.
— Arthur? – Meu irmão perguntou com a voz enrolada.
— Te acordei?
— Acabei dormindo na papelada do trabalho, mal prego os olhos por
causa de Cecília. O que houve? Parece angustiado.
— Treze anos é tempo demais para dois irmãos ficarem brigados. Você
precisa de mim e eu de você.
— Então porque não vem até aqui conhecer a Cecília e o Andrés?
Poderia me ajudar a escolher os nomes das gêmeas.
***
Lá estava eu com cara de babaca esperando Ansel aparecer no
aeroporto. Eu mal podia crer que estava no Brasil e não em Montevidéu cuidando
da minha rede de hotelaria.
Quando estava a um passo de pegar o táxi e ir para o endereço no meu
GPS o idiota apareceu. Jeans velho, camisa de alguma banda ou filme idiota,
coturnos, o cabelo bagunçado e comprido, o sorriso de barrocas que minha mãe
adorava estampado como sempre. Com podemos ter a mesma cara e ser tão
diferentes?
— Se não fossemos idênticos eu diria que você é o Christian Grey. –
Ele chegou dizendo.
— Quem merda é Christian Grey?
— Um babaca de um livro que se veste como você e que deve ser um
pegador de primeira, afinal sou constantemente rejeitado pela minha mulher
quando ela está lendo aquilo.
— E como sabe que eu pareço com ele? – Perguntei realmente curioso.
— Sei lá, Cecília vive falando que eu deveria ser um pouco mais como
38
ele. Pelo menos no trabalho deveria me vestir melhor. – Ele parou e deu seu riso
costumeiro. – Essa conversa ficou tão esquisita?
— Nisso concordamos, principalmente porque sua preocupação está na
roupa que o tal veste e não no fato dele povoar a imaginação sexual da sua
mulher. – Debochei.
Sem esperar Ansel me puxa para um abraço forte, quando percebi
estava retribuindo e ficamos ali por muitos minutos.
— Desculpe por demorar tanto.
— Desculpe por não ter sido honesto, fiquei com medo de te magoar
quando descobri quem de fato Luna era. Eu deveria ter te protegido e não gritado
contigo.
— Vamos para casa, Cecília está louca para te conhecer.
Não demoramos nada para chegar no novo apartamento deles, um
garoto loiro sai correndo de uns dos quartos com um labrador atrás dele latindo e
abanando o rabo.
— Irmão, esse é o Andrés. – Ansel se abaixa e pega o garoto. – Filho,
esse é seu tio Arthur.
Meu sobrinho era exatamente como nós quando tínhamos a idade dele.
O moleque me observou com atenção e depois encarou o pai.
— Ele não papai? – Apontou para mim e meu irmão riu.
— Não filho, ele é seu tio e eu sou seu pai.
Sorri também. Mesmo tendo tantas diferenças como corte de cabelo,
roupas, o garoto percebeu que temos o mesmo rosto.
— Oi amiguinho. – Andrés não respondeu.
— Ele mal fala português, Arthur. Tenta um portunhol para vê se vocês
se entendem.
— Já deveria ter matriculado ele num curso de idiomas.
— Ele vai, cara. Ele é um Mastroiani, vai falar meu idioma.
Uma mulher delicada veio se arrastando de um dos quartos, apesar de
abatida ela era muito bonita.
— Rei Arthur, Cecília minha esposa. Amor, meu irmão Arthur. – Ele
colocou o
menino no chão e correu até a esposa para ajudá-la a caminhar.
A coisa parecia bem séria.
— É bom finalmente conhecê-lo. – Ela arriscou, mesmo com o sotaque
carregado foi de uma pronúncia perfeita.
Apertamos as mãos e nos sentamos no sofá. Já passava das três da
39
manhã quando me instalei no quarto de hóspedes para dormir. Ansel foi verificar
se estava tudo bem e me fez uma pergunta:
— Você sabe que Cecília está tendo uma gestação complicada, temos
duas garotas vindo aí e sinceramente não posso perdê-las. Eu morreria. Então, o
que te fez mudar de ideia sobre mim? Sobre nosso passado? Foi medo? Do que
tem medo irmão?
— Eu não sei.
Não era a resposta que ele queria ouvir, ele queria que eu dissesse que
tinha medo de perdê-lo. Isso jamais aconteceria.
Tínhamos o mesmo sangue. Eu o amava.
Ansel já estava na porta quando o interrompi.
— Eu te amo irmão. – Falei. – Desculpe se demorei tanto a entender o
passado.
— Sabe que o filho não era meu, não sabe?
— Você nunca a tocou. – Eu sentia aquela verdade no meu peito só de
olhá-lo nos olhos. –Só gostaria de saber se era meu.
— Não se torture, vamos aproveitar a família reunida. Ainda temos um
ao outro.
Sorri, Valentina disse algo desse gênero para mim.
— Me disseram isso. – Comentei já me deitando.
— Quem disse isso a você? Tereza? – O sacana sorriu com amor por
aquela cozinheira durona.
— Outra mulher.
— Hmmm conversa promissora. – O babaca jogou uma almofada em
mim. – Trabalho com nomes. Espera aí… É dela que está com medo? É por isso
que estava angustiado no telefone?
Ansel gargalhou.
— Está se apaixonando, Arthur? É disso que está com medo?
— Vá se ferrar e me deixe dormir.
— Preciso do nome da santa que está descongelando seu coração.
— Escuta – Encarei meu irmão. – Estou tentando esse lance de ser
amigo da Valentina, ok? Não força a barra.
— Quê? Tina? A minha amiga Valentina? Neta dos nossos vizinhos?
— Ela é só minha amiga.
— Eu só era amiga do seu irmão e ele já fez três filhos em mim. –
Minha cunhada apareceu no quarto atrás do marido e nem se deu ao trabalho de
fingir que não estava ouvindo a conversa. – Seja lá o problema entre vocês dois é
40
melhor resolver antes que apareça um Alessandro na vida dela.
Não entendi a referência ao tal Alessandro, mas pela cara de poucos
amigos de Ansel deu para deduzir.
— Tinha que trazer o nome daquele riquinho de merda na conversa,
amor?
— Ué, e estou mentindo?
— Vem, vamos deixá-lo dormir. – Contrariado, Ansel se foi e levou a
adorável e serelepe da minha cunhada com ele.
Formavam um bom par.
Um par.
A vontade de telefonar para Valentina e contar sobre o grande progresso
de estar com meu irmão era grande, dividir com ela aquele momento parecia
certo.
Peguei o celular para enviar uma mensagem, mas desisti no instante em
que visualizei seu nome da minha lista de contatos. Eu precisava dar um tempo
para gente. Eu estava me confundindo e iludindo a mulher.
— Grande babaca eu sou.
Joguei o travesseiro sobre o rosto e tentei dormir.
***
— Bom dia! – Meu irmão empurrou uma caneca fumegante de café. –
Meio amargo ainda é seu favorito?
— É. – Respondi de má vontade. Me remexi na cama e percebi que
tinha plateia, meu sobrinho curioso e o cachorro estabanado. – Algum problema
com sua mulher?
Ele sorriu abertamente e eu não me lembrava da última vez que vi
aquele sorriso.
— Ela sugeriu que tivéssemos um momento só nosso, mas não quero
deixar ela só. Essa história de deslocamento de placenta e essa coisa de colo
aberto, seja o que for me deixa doido.
Ansel estava sério de repente, pegou o moleque loiro no colo e o beijou
na testa.
— Aquela mulher, nossos filhos, você, são tudo o que prezo nessa vida.
Treze anos
sem você e com essa mágoa me comendo por dentro foi um castigo por um
crime que nunca cometi.
— Eu sei, me desculpe. Perdi a cabeça na época. – Me sentei na cama e
bebi o café. Aquele selvagem ainda sabia como fazer meu café. – Temos muitas
41
merdas para falar e acho uma boa trocar café por vinho e alguns petiscos.
Podemos ficar aqui mesmo, assim não precisará deixar sua esposa só.
— Vou deixá-lo tomar um banho, são quase dez da manhã e encomendei
comida brasileira então trate de esquecer suas merdas refinadas.
Após o banho chequei meus e-mails e trabalhei um pouco mesmo que
por celular.
Não podia evitar pensar nela, mas fomos bem claros na última conversa.
Uma babá ficou responsável por Andrés e o cachorro, Cecília ficou no
quarto com vários livros para ler e Ansel e eu nos espalhamos pela sala vendo
futebol e colocando a última década em dia.
— Você e Valentina, hein? Finalmente olhou para pessoa certa. – Ele
ergueu a cerveja e tilintou contra a minha garrafa.
— Não é o que pensa.
— Então explica para mim.
— É complicado. – Dei de ombros. – É melhor tentarmos sermos
amigos apenas.
— Ela nunca quis ser só sua amiga. Como se reencontraram?
— Ela meio que caiu de paraquedas na minha vida. Sabia que tio
Martín deu a Lola para ela? Foi incrível sentir o vento na cara, acelerar nas
pistas. Eu, desde que enterrei Luna não pilotei mais e andar na garupa ainda é
muito bom.
Abri um sorriso largo e nem percebi até que Ansel jogou um amendoim.
— Que cara de bobo é essa? Valentina fez você pilotar outra vez?
— E me fez vir até aqui. – Admiti. – Era isso ou remoer nossa última
briga.
— Espera, vocês brigaram? Tipo, coisa de casal?
O brilho nos olhos e o sorriso escroto no rosto do meu irmão indicava o
quão ferrado eu estava.
— Eu amo aquela tampinha! – Ansel gargalhou.
— Corremos antes de engatinhar e agora fico pensando nela, nas brigas,
no tipo de amigo que quero ser para ela… Só que essa merda toda explode bem
na minha cara quando lembro de como nós… Sabe? Encaixou.
— Encaixou? – Quase sussurrou de tão empolgada. Parecia uma
adolescente. – O beijo? O sexo? Case-se com ela! Ninguém mais vai fazer você
ficar assim de novo. Sério, eu amo aquela baixinha ainda mais.
Ansel era um grande filho da mãe.
— Eu ouvi isso, Ansel! – Cecília gritou do quarto.
42
— Desculpa amor! Você entendeu errado, volta para seu livro aí!
Eles eram hilariantes e incríveis juntos.
— Devo mandar mensagem? Só para saber se ainda somos amigos? –
Perguntei bebendo um pouco mais da cerveja artesanal.
— Olha, se você se importa com a fato de estarem brigados e se ela te
fez tão bem a ponto de te fazer vir até o Brasil recuperar o nosso tempo perdido e
se você sente falta dela é burrice sua não ter mandado uma mensagem de bom dia
ou perguntado se ela está tendo um bom dia de trabalho. Sei lá, surpreende com
um jantar legal ou mande flores.
— Ela está esperando uma atitude legal da sua parte, Arthur! Deixe de
ser idiota e vá atrás dela antes que outro faça isso! – Cecília gritou.
— Mulher, para se ficar ouvindo nossas conversas! – Ansel ralhou de
brincadeira.
– E se você mencionar um certo italiano nessa conversa eu vou dormir na
casinha do Kowalski até Antonieta e Joaquina nascerem!
Wow.
— Ansel Mastroiani, as gêmeas não terão esses nomes de gente velha!
– Gritou em resposta.
Eu gargalhei daquela cena idiotamente hilária, eu queria aquilo.
— Vocês se amam muito.
— Você não imagina o quanto!
Uma Cecília corada e descalça usando um vestido de grávida apareceu
no corredor com passos lentos, o olhar preocupado e amoroso do meu irmão caiu
sobre ela e magia aconteceu ali. Eu podia ver os corações voando pela sala.
— Sente-se aqui, amor. – Ansel ajudou-a a se sentar na poltrona gigante
e deixou a tevê no mudo.
— Arthur, sou mulher. Vou te ajudar, se você foi babaca com ela peça
desculpas todos os dias até ela ceder. Se você não sabe o que sente é melhor
refletir antes de agir, não se iludam e nem se machuquem. Se quer ser amigo dela,
aja como um. Amigos se telefonam, amigos ajudam na limpeza da casa, fazem
favores sem esperar nada em troca.
Chame-a para irem ver um filme, andem de moto juntos se é o que gostam de
fazer.
— Motocicleta. – Corrigimos imediatamente Cecília que revirou os
olhos.
— Tudo bem. Vou corrigir os erros. – Agradeci e presenciei um gesto
de amor onde
43
meu irmão massageava os pés da minha cunhada, paparicando com carinho a
mulher e as gêmeas.
— Gêmeas, hein? – mudei de assunto.
— Cecília é católica e se recusou a dar esse título a outra pessoa que
não fosse você irmão.
— Título?
— Quer ser padrinho do Andrés?
Eu não sabia o que dizer.
— Tem certeza?
— Temos. – Agora foi a vez de eles falarem em uníssono.
— É claro que aceito.
Meu irmão veio me abraçar aqueles abraços demorados e cheios de
significados. Pensei que fossemos discutir até a exaustão para fazer as pazes, mas
no instante que baixei as armas a reconciliação foi quase imediata.
Ao longo do dia demos risadas, contamos piadas, tirei sarro sobre o tal
Alessandro quase ter roubado a mulher dele e no meio da diversão meu telefone
vibrou.
Era ela. Valentina.
44
Capítulo Sete
45
“?”
“Sua fachada rude. Te faltava amor e agora você tem até um sobrinho
que te ama. Não sei quem é mais fofo nessa foto.”
“Não me faltava amor, eu me negava a receber e eu agora entendo a
diferença. Mudando de assunto, como foi seu dia? Amigos perguntam dessas
coisas, não é?”
“Foi maravilhoso, consegui um emprego fixo!”
“Fico feliz. Aproveitando quero te convidar para o coquetel de
inauguração do resort em dez dias. Onde você vai morar? Posso te pegar de
carro.”
“Veremos se merece saber onde moro… Talvez eu vá ao seu coquetel
se gente chique.”
Isso foi um flerte?
“Te pego às 17h, próxima sexta-feira e não se atrase.”
“Haha não disse onde estou morando, como pretende me achar?”
“Vou te achar pelo cheiro.” Eu não esqueci do teu cheiro.
Amiga.
***
— Hora de dizer adeus, Arthur. – Cecília segurava a barriga como se
fosse um tesouro. Me aproximei e abracei minha cunhada. – Você faz muito bem
ao seu irmão, nunca o tinha visto tão radiante, tão completo como agora.
— Eu sei, me sinto igual. – Falei tão baixo quanto ela.
— Seja lá o que aconteceu entre vocês dois, enterra e siga em frente. E
se for tentar algo como o que eu e ele temos que seja com essa amiga. – A danada
piscou e se afastou. – Seu irmão disse que ela é uma boa pessoa, exatamente o
tipo de pessoa que você merece. E daí que você só a enxergou de verdade agora?
Não é tarde demais, só depende de vocês.
— Está bem.
Encaro um irmão desconfiado.
— O que você fazia agarrado na minha mulher? E fofocando como duas
velhas.
Que feio, que feio meu irmão!
Ansel me abraçou forte e disse muito mesmo não dizendo nada.
“Se cuida”
“Não se afaste de novo.”
“Seja feliz.”
46
“Eu amo você idiota.”
— Também amo você idiota. – Respondi me afastando dele.
— Como sabe que eu pensei isso?
Revirei os olhos. Esse lance de gêmeos que sentem o que o outro sente
é quase verdade. Quase.
— Cuida do meu afilhado. – Apertei o garotinho nos braços, sentiria
saudades dele.
– Tchau, Andrés. Cuide das suas irmãs por todos nós.
O movimento no aeroporto era tranquilo, vi meu irmão e sua família
ficando para trás a cada passo que eu dava para o portão de embarque. Faltavam
três dias para a grande inauguração e eu só pensava em revê-la. Saquei o celular
e digitei uma mensagem:
“Estou voltando para casa. Estou com saudades… espero que isso
seja coisa de amigos porque é verdade. Podemos conversar sobre a viagem?”
Ela não respondeu. Precisei desligar o aparelho sem uma resposta.
Aquilo era um mal sinal? Aquilo deveria significar alguma coisa?
Voltei para Montevidéu ainda sem resposta de Valentina. Eu estava
ansioso no trabalho, tudo tinha que sair perfeito, mas esse distanciamento dela
estava me deixando frustrado.
O que eu fiz de errado agora?
Na hora do almoço optei por ir a um restaurante grego que
particularmente eu odiava, mas ia só para ver as pessoas e as paisagens da Grécia
retratadas nos vitrais. Era um almoço solitário até eu perceber uma risada
familiar.
Valentina.
Ela estava com um homem, muito próximos eu diria. Próximos até
demais e eu me senti incomodado. Ela não tinha tempo para retornar minhas
mensagens, mas tinha tempo para sorrir e até gargalhar em um restaurante
sofisticado ao lado de outro homem?
E por falar em sofisticação, ela estava linda usando um terninho creme,
calça do mesmo tecido e cor até o tornozelo. Calçava um belo par de saltos e uma
bolsinha a tira colo. Os cabelos e os olhos continuavam sendo os meus favoritos.
Olhos avelãs sempre marcados por um delineador e os cabelos ondulados
elegantemente penteados.
Chamei o garçom e pedi que enviasse uma taça de vinho, o da minha
vinícola obviamente. Assisti de longe ela ficar confusa e seu
acompanhante fechar o semblante. Quando finalmente me notou ficou
confusa e depois resolutiva. Levantou e veio caminhando com classe e
47
muita determinação no olhar.
— Olha quem voltou. – Ela disse.
— Olha quem não responde minhas mensagens.
A expressão brincalhona deu espaço a uma culpada.
— Eu perdi meu celular.
— Algum problema aqui? – O tal que estava com ela apareceu para nos
interromper.
— Não da minha parte. – Respondi tranquilamente.
— Arthur, este é meu chefe Arturo. Chefe, este é meu amigo Arthur.
— Muito prazer. – Respondeu e logo pôs a mão no cotovelo de
Valentina para fazêla se apressar e também para me mostrar posse. – Temos que
ir.
— Um minuto e já te encontro lá fora. – Valentina o dispensou. –
Preciso de um minutinho apenas.
Posso fazer muita coisa em um minuto.
Quando o babaca sumiu de vista ela se sentou diante de mim.
— Está com raiva de mim?
— Realmente perdeu o celular?
— Banheiro feminino do barzinho.
— Então estamos bem. – Respondi segurando sua mão sobre a mesa. -
Estamos bem?
— Ainda somos amigos? – Ela questionou e eu assenti. – Conheceu
alguma mulher no Brasil?
Vi um lampejo de insegurança nela.
— Minha cunhada é uma pessoa adorável e maluca. – Rimos. – Quer
jantar comigo amanhã? Aí conversamos sobre o resort, sobre os chalés, sobre
meu irmão e a família que está construindo.
E sobre nós. Por favor, diga sim.
Ela pegou um guardanapo e rabiscou algo.
— Aluguei um quarto nessa pensão, sabe como é. Eu voltei para o país
tem pouco tempo, tive um contratempo com um vizinho sobre a cerca da minha
casa velha… Essas coisas.
Sorri e peguei o papel.
— Compre um telefone. – Disse me pondo de pé. – Não dá para
conversar por bilhetes de guardanapos de papel toda vida.
— Ogro.
Ela sorriu.
48
— Debochada.
Sorri e lhe beijei no rosto e por um milésimo de segundo quase mudei
de ideia só para lhe dar um beijo de verdade.
— Esteja pronta as 18h30.
— Devo me vestir como? Chique? Jeans e camiseta?
Ah esse sorriso debochado… — Como preferir.
Ela assentiu e se foi. Voltar para minha casa foi mais tranquilo depois
de uma tarde de trabalho mais produtiva, saber que estava tudo bem entre a gente
era bom e de alguma forma me ajudava a manter o foco.
***
Em vez de ir buscá-la preferi enviar um motorista com um bilhete meu
em um carro alugado. Eu ficaria exatamente aqui a sua espera.
Madruguei no resort para me certificar que tudo estivesse finalmente no
lugar antes da inauguração no dia seguinte, aproveitei para repassar os planos:
surpreender Valentina com o motorista, trazê-la ao meu hotel e recepcioná-la com
flores, jantar, conversar sobre tudo. Ser amigos.
Obviamente o hotel estava vazio de funcionários, então quando as
portas de vidro se abriram e revelaram uma Valentina usando sapatilhas
vermelhas discretas, um vestido também vermelho e de alças finas, simples, na
altura do joelho com um discreto decote, porém atraente e o cabelo antes
ondulado e agora completamente liso e jogado de um único lado sobre o ombro
esquerdo para mim foi como se uma orquestra estivesse tocando ao nosso redor.
Valentina sorriu apesar de visivelmente desconfiada. Peguei o buquê de
Astromélias coloridas e aguardei pacientemente seus passos até chegar diante de
mim.
— Para você. – Ofereci.
Encantada, ela recebeu as flores.
— O que está aprontando?
— Por que eu aprontaria?
— Motorista, flores, jantar exclusivo antes da inauguração do hotel…
Ou está querendo me seduzir ou pedir perdão.
Prefiro a primeira opção.
— E não posso deixar de notar como sempre está elegantemente bem-
vestido.
— Ora, obrigado. Você também está lindamente bem-vestida. Gosto
quando me surpreende, por exemplo: nos reencontramos e você usava jeans,
camisa do Hard Rock Café e coturno, quando nos vimos no restaurante estava
49
elegantíssima e agora está tão… tão… não sei se a palavra seria romântica. Eu
não entendo de conceitos de moda, eu entendo de gostar ou não e eu
definitivamente gosto do que vejo.
— Uau. Acho que quer me seduzir e não vai usar balas de pequeno
calibre.
— Minha artilharia é pesada… Tina.
— Ahh eu odiava quando Ansel me chamava assim. – Ela fez uma
pequena careta.
– Como foi a viagem?
— Vamos para a cobertura, jantaremos lá.
Fechei as portas principais do hotel e rumamos até o elevador, ela
parecia confortável e brincalhona. Não economizou em brincadeiras e piadas até
chegarmos ao último andar. Providenciei que ele fosse apenas para meu uso
pessoal, mesmo tendo uma casa achei interessante ter um andar só para mim,
elevador privativo, piscina, varanda. De lá tinha vista panorâmica da praia,
privacidade e conforto.
— Nossa, essa é sua casa nova?
— Com toda certeza. – Respondi orgulhoso, todo o apartamento era
requintado, sofisticado e prático. – Os clientes vão pensar “nossa! Quem é o cara
que mora na cobertura?” sabe como é, um pouco de luxo não faz mal a ninguém. –
Brinquei oferecendo a cadeira para que se sentasse.
Nossa mesa estava posta na varanda, champanhe, frutos do mar,
algumas frutas. O ambiente estava completamente iluminado para não dá a má
impressão que a trouxe aqui para ter sexo. Claro que não fecharia essa porta
ainda, se ela quisesse e a noite nos conduzisse a tal ato aproveitaríamos. Se ela
não desse brecha para o assunto eu manteria a conversa o mais distante possível
deste tema.
— Falando sério agora, estou pensando em alugar minha casa e ficar
permanentemente aqui.
— Vai facilitar a administração dos negócios e se você se sentir
exausto pode vir para cá admirar o mar.
— Exatamente.
Servi o champanhe e depois o jantar enquanto conversávamos sobre a
viagem, sobre a nova vida do meu irmão e até rediscutimos meus projetos para a
vinícola.
Tudo ia muito bem até ela me encarar nos olhos e então despejar tudo.
— Já percebeu que desde que nos reencontramos estamos implicando
um com o outro, as vezes receosos e sempre buscando no outro a certeza se ainda
50
somos amigos ou se estamos bem? Vou ser bem direta. Eu não sei se estamos bem
ou se somos amigos. Amigos não desejam uns aos outros, não da forma como te
desejo Arthur. Sei que da sua parte é mais um passatempo inofensivo, algo mais
superficial. Comigo é diferente, eu sempre te quis. Vi uma oportunidade quando
soube que você queria comprar a minha fazenda e fui movida pela curiosidade. –
Ela bebeu mais um gole e me deixou chocado com tamanha sinceridade, então
voltou a falar. – Queria saber o que aconteceu ao meu vizinho de infância por
quem eu morria de amores desde os nove anos de idade, ele ainda seria o tipo de
cara apaixonado pela vida, dedicado a mulher que conquistasse o seu coração?
Quem é Arthur Mastroiani hoje? Porque o cara que conheci definitivamente está
perdido entre o passado e o presente, então se eu quero ter o direito de seguir em
frente e deixar essa coisa de amigos que estão bem de lado e partir para a mulher
que sempre te amou e que está pedindo uma chance... Sério, o que eu preciso
fazer? Nós não enganos ninguém, Arthur. Essa merda de ser só amigos está
fazendo a gente pisar em ovos, na primeira quase discussão eu te mandei para
outro país e você foi, tudo bem que terminou sendo algo que eu insistiria que
fizesse. Você e seu irmão merecem estar juntos, mas isso não vem ao caso agora.
Eu quero você, sempre quis e quero ter a chance de te conquistar e fazer você
feliz. A pergunta é: o que você quer?
Valentina atirou a queima roupa sem dó e nem piedade.
— Meus sentimentos por você não são tão rasos quanto pensa. Eu não
te amo, ainda não, mas gosto de quem sou quando estou com você. Você me fez
lembrar das coisas boas da minha adolescência, você me fez ver que o passado
estava ferrando comigo e o preço além de relacionamentos vazios e frios eu
estava perdendo minha família, a única que me restou.
— Então eu sou apenas uma amiga com benefícios? – Havia medo e
decepção naquela pergunta.
— Não, você é mais e merece mais. Merece que eu te acorde no meio
da noite para fazer amor com você, merece receber mil beijos e ouvir o quão
especial você é. – Fiquei de pé e ofereci a mão como um cavalheiro que era, ela
aceitou e então começamos a dançar mesmo sem música. – Não é exatamente
difícil se apaixonar por você e eu realmente quero tentar ser quem você esperou
por tanto tempo eu só não sei como não te decepcionar.
— Basta não trazer o nome ou a memória dela para nossa vida. Basta
me respeitar como mulher, como amiga, como sua amante porque o resto
sinceramente não dá para prever. Vamos vivendo e sentindo e deixando as coisas
acontecerem. No final disso tudo seremos um casal ou não, mas ao menos você
me deu aquilo pelo qual esperei.
— E se não der certo? – Perguntei inseguro.
51
Eu era a pessoa que deveria ter o coração protegido, eu era o mais
frágil.
— Então vivemos a história que a vida escreveu para nós e eu não vou
me arrepender. Então, o que me diz de tentar?
— Eu digo para que fique na minha vida pelo tempo que desejar ficar.
O sorriso que recebi foi arrebatador e o beijo que lhe dei foi o mais
carnal, faminto e o mais revelador em muitos aspectos.
Eu estava reivindicando Valentina e ela estava se doando a mim.
Eu estava pedindo para que ela cuidasse de mim como eu sempre
desejei cuidar de outro alguém.
Nos amamos na minha cama até o dia amanhecer, olhos nos olhos, mãos
unidas e dedos entrelaçados. Foi íntimo, foi profundo. Duas almas se entregando,
dois corpos famintos transbordando desejo e cumplicidade.
Era um começo e um recomeço de duas histórias que no final era uma
só, sempre foi. Era a nossa história.
52
Epílogo
53
grande. – Agora se ficarmos nessa vamos acabar sem roupas, perdidos um no
outro e temos um batizado ainda hoje e eu não posso ser uma madrinha suja de
tinta e cheirando a suor e sexo. O que meu afilhado vai pensar de mim?
— Vai pensar que é muito sortudo por ter uma madrinha tão linda.
Ansel esperou Cecília receber autorização médica para viajar e vieram
todos para Fazenda Santa Fé. Eles queriam que Manuela e Letícia nascessem aqui
junto de Tereza, de mim, de Valentina, eles queriam dar a esta fazenda uma
família, ser abrigo e morada – ser um lar de novo.
— Vai ser bom administrar os chalés. – Ela falou ainda me encarando.
– Quando bater a saudade de você posso pilotar a Lola até a praia e podemos
ficar juntos. E quando você cansar da praia pode dirigir seu carro devidamente
abastecido até a vinícola e poderemos ficar aqui na minha casa velha e
devidamente reformada.
— Ah é? E o que faríamos nessa casa velha devidamente reformada? –
Questionei.
— Beber vinho, tirar a roupa e fazer amor aqui no chão, diante da
minha lareira e será inesquecível.
— Gosto como pensa.
— Gosto quando age.
E mais uma vez éramos um homem e uma mulher descobrindo como era
bom amar alguém e ser correspondido. O beijo foi sedutor, o toque foi sutil,
fundir nossos corpos nus era quase uma sublime redenção.
Isso era fazer amor.
54
Table of Contents
ÁGATHA FÉLIX
UMA HISTÓRIA DE AMOR E RECOMEÇO
Obrigada, Arthur.
Capítulo Um
03 de novembro de 2017
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Uruguai, 17/01/2005, 16 anos
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Epílogo
55