Literatura afro-feminina brasileira:
uma forma de combate
ao silenciamento e ao racismo
por Fabiana dos Santos Sousa
RESUMO: O presente artigo faz uma abordagem do tema “De novas velhas
escravaturas” a partir de um estudo da literatura afro-brasileira escrita por mulheres. A
ideia é mostrar que as mulheres negras viveram – e vivem, visto que o preconceito
racial ainda persiste em nossa sociedade, o que configura um legado do processo
escravagista – por séculos sobre a escravidão do silenciamento e, através da literatura,
elas vêm lutando e conquistando um espaço na literatura brasileira a partir do qual
elas dão voz àquelas e àqueles que, por séculos, foram e continuam, mesmo que com
menor intensidade, a ser emudecidos e invisibilizados da história, o que configura a
persistência de novas velhas formas de escravatura. Através da arte literária, escritoras
afro-brasileiras vêm "borrando" o discurso oficial quando narram, a partir da suas
próprias óticas, a outra versão da história que foi "esquecida" pela ideologia
dominante.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura afro-brasileira; Mulheres negras; Combate ao
silenciamento e racismo.
ABSTRACT: This article approaches the theme of "New Old Slavery" from a study of
Afro-Brazilian literature written by women. The idea is to show that black women have
lived - and live, since racial prejudice still persists in our society, which is a legacy of the
slavery process - for centuries on the slavery of silencing and, through literature, they
have been fighting and conquering a space in Brazilian literature from which they give
voice to those who, for centuries, have been and continue, even to a lesser extent,
being muted and invisible to history, and in this way, a new form of the old slavery is
rendered. Through literary art, Afro-Brazilian writers have "blurred" the traditional and
official speech when they narrate, from their own perspective, the other version of
history that was "forgotten" by the dominant ideology.
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PALAVRAS-CHAVE: Afro-Brazilian literature; Black women; Fighting against silencing
and racism
Durante séculos as mulheres tiveram suas vozes silenciadas. Eram santas, quando
obedientes ao que lhes foi e é imposto pelo sexo dominante – socialmente construído
–, ou representavam o mal, quando subversivas a essa imposição. É o que afirma Mary
Del Priore citando Michelet quando diz que
a mulher, só teria papel benéfico neste processo [histórico] se dentro do casamento e
enquanto cumprindo o papel de mãe. Ao fugir da benfazeja esfera da vida privada ou, ao
usurpar o poder político como faziam as adúlteras e as feiticeiras, elas tornavam-se um mal.
(Del Priore 12)
Para as mulheres negras esse emudecimento foi e continua a ser mais cruel, pois
foram invisibilizadas e representadas apenas como corpos criados para o trabalho ou
para a atividade sexual, o que ainda acontece na atualidade, mesmo que com menor
intensidade. E aliado a esse sistema, tem-se a ausência significativa de escritoras
negras e o ocultamento de suas obras, provocando a invisibilidade também da sua
escritura, o que representa, pode-se dizer, um epistemicídio e uma abolição
inacabada. Mas elas lutaram e vêm lutando ao longo dos séculos, principalmente
através da literatura, contra o silenciamento da sua produção cultural/literária e pelo
fim, de fato, da abolição. Para tal, muitas vêm se tornando escritoras produtoras de
uma literatura própria, pautada em sonhos de emancipação, liberdade, autonomia e
pleno direito a uma alteridade positiva.
Considerando que é no espaço da literatura afro-brasileira que muitas escritoras
negras têm atuado e se destacado nacional e internacionalmente como escritoras, é
válido tecer algumas considerações acerca desta literatura a partir da ótica de alguns
estudiosos da mesma.
SOBRE A LITERATURA AFRO-BRASILEIRA
No que concerne ao conceito, conforme Eduardo Assis Duarte (2014), pesquisador e
professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e responsável pelo Portal
Literafro, há uma dicotomia que envolve o termo literatura negra: de um lado, há os
estudiosos que a defendem como aquela escrita pelo negro ou afrodescendente,
relacionando-a à “cor do autor”; de outro, há os que consideram a cor da pele como o
“menos importante”, como a escritora brasileira Benedita Gouveia Damasceno,
embora ela reconheça que há diferenças entre a poesia negra escrita pelo
afrodescendente e aquela escrita pelo branco. Concordando com Gouveia e tentando
explicar o porquê de tais diferenças, pensa-se que a escrita está ligada às experiências,
assim sendo, é impossível escritores negros e brancos escreverem do mesmo modo,
uma vez que um e outro experienciam o mundo de formas muito diferentes. Por mais
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que alguns brancos se solidarizem, estudem e defendam a causa negra, jamais
vivenciam ou vivenciarão o racismo, por exemplo, da mesma maneira que os negros e
isso se reflete nas suas escritas.
Para Cuti, pseudônimo de Luiz Silva, escritor e poeta brasileiro contemporâneo e
um dos fundadores da série de antologias Cadernos Negros, é preciso destacar a
medida da relevância da “cor [assumida] do autor”, uma vez que “afro não implica
necessariamente negro” (38). Este crítico diz que o prefixo “afro” comporta também os
não negros como índios e mestiços, ou seja, pessoas que não passaram pela
experiência de sofrer o preconceito racista e, consequentemente, não trazem no corpo
a “identidade da herança africana” (38).
Para Luiza Lobo, escritora, tradutora e professora da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), o conceito de literatura negra não inclui a produção de autores
brancos, mas, concordando com o crítico inglês David Brookshaw, somente aquela
“escrita por negros” (apud Duarte conceito). Em contraposição, Duarte afirma que não
existe uma literatura cem por cento negra, visto que nem mesmo a África é única.
Já na visão de Octávio Ianni (2011), que foi sociólogo e professor brasileiro, a
literatura negra é aquela que tem o negro como tema principal.
Nas considerações de Maria Nazareth Soares Fonseca, professora da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMinas) e aposentada da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG),
na literatura dita negra ou afro-brasileira, as imagens do negro circulam com intenções que se
marcam pela autoconscientização e pela imposição de ampliar o espaço de visibilidade dos
negros e de seus descendentes, independentemente da cor da pele, do tipo de cabelo ou da
carnadura do corpo. (Fonseca 266)
Segundo Eduardo Assis Duarte (2011), o conceito de literatura afro-brasileira se
encontra em construção, mas é possível distinguir alguns elementos que o definem
como tal: o primeiro deles é a temática, que deve ter os negros, sua cultura, história,
religião e tradições como temas. O segundo é a autoria, que é bem complexa, pois
implica considerar fatores biográficos ou fenotípicos, e há quem defenda uma
literatura negra escrita por brancos, e, ainda, autores afrodescendentes que não
reivindicam para si essa condição. O ponto de vista, terceiro elemento, é visto por
Duarte como fator necessário para que a literatura seja aceite como afro-brasileira,
devendo apresentar uma visão do mundo voltada para os valores morais, éticos e
ideológicos que fundamentem a representação dos afrodescendentes, diferenciada da
cultura dos brancos, superando qualquer modelo imposto pelos europeus e
configurando-o com um discurso diferenciador. A linguagem é o quarto elemento
destacado pelo autor, devendo esta apresentar, no discurso afro-brasileiro, expressões
que denotem marcas linguísticas de proveniência africana. E, por último, vem o
público, que se afirma afrodescendente e tem o escritor afro-brasileiro como porta-voz
de uma determinada sociedade coletiva.
Frente às diversas concepções dos estudiosos da literatura afro-brasileira
expostas anteriormente e atenta à afirmação de Cuti ao dizer que “afro não implica
necessariamente negro” (38), algumas colocações vieram à tona: o que é ser negro/a?
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O que é assumir-se como negro/a e como fazê-lo? Considera-se somente a cor da pele
ou alguém de pele não negra é também negro? Ou o que vale são os traços físicos
característicos dos/a negros/as como cabelo, nariz, lábios etc.? Pensa-se que é preciso
considerar as características físicas, mas não se pode afirmar que isso somente seja
suficiente, uma vez que a cultura também parece indispensável neste processo, pois
“pessoas com características fenotípicas brancas, em função do seu envolvimento com
a cultura negra, podem considerar-se negras” (Ferreira 49). Mas o que tem a ver a cor
do autor com literatura? E diante da divergência percebida entre os estudiosos da
literatura afro-brasileira, no que se refere ao conceito, é possível compreender o que é,
de fato, a literatura afro-brasileira?
Tais questões são bem difíceis de responder, visto que, principalmente no caso
do Brasil, onde a origem racial da população é mestiça, a cor somente não é suficiente
para designar alguém como negro/a ou não, pois mesmo aqueles/as de pele escura
não são totalmente negros/as e o mesmo serve para aqueles/as de pele não escura.
Percebe-se que o ato de reconhecer-se como negro/a parece bastante complexo. A
cor do autor se faz problemática no contexto literário, na medida em que vivemos em
uma sociedade em que o racismo ainda permanece vivo no imaginário social, assim
sendo, ela pode, talvez, significar muito na hora de “eleger” um texto como literário ou
não, considerando as normas do cânone literário brasileiro.
Quanto à divergência de opiniões dos teóricos citados, pensa-se que isso se deve
ao fato de o conceito está em elaboração, em construção, como colocou Assis Duarte.
Diante da diversidade de aspectos relacionados ao termo negro e/ou
afrodescendente, cogita-se que a literatura afro-brasileira está longe de ter um
conceito único e definitivo, pois não se acredita que os pesquisadores chegarão a um
consenso definidor quando nem mesmo a própria África, que dá origem ao termo
“afro”, é singular. E, considerando o caráter multicultural e mestiço do Brasil, resultado
do processo colonial que alicerça sua formação identitária, talvez isso não seja
possível. Mas, ainda assim, acredita-se que a literatura afro-brasileira pode ser
compreendida como aquela que está engajada com a causa negra brasileira,
buscando apresentar o negro e sua cultura por outro viés, de cunho positivo, que
contradiga aquele, negativo, apresentado pela cultura branca dominante.
A LITERATURA AFRO-BRASILEIRA ESCRITA POR MULHERES NEGRAS: A LUTA
CONTRA O RACISMO E O SILENCIAMENTO
No que se refere à literatura afro-brasileira escrita por mulheres negras, antes de
apresentar concepções acerca da mesma é preciso entender como as mulheres negras
vêm conquistando este espaço na sociedade brasileira.
Não é de hoje que as mulheres negras escrevem. Essa função já vem sendo
exercida por elas há alguns séculos. O pesquisador Elio Ferreira de Souza em seu artigo
A carta da escrava ‘Esperança Garcia’ de Nazaré do Piauí: uma narrativa de testemunho
precursora da literatura afro-brasileira aponta que, ainda no período colonial, escravas
já eram alfabetizadas, a exemplo, Esperança Garcia, do estado Piauí, Brasil, autora de
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uma carta datada de 1770 através da qual denuncia os maus tratos sofridos por ela e a
família e reclama por direitos ao Governador da Província do Piauí. A carta, segundo
Souza,
é certamente um dos registros escritos mais antigos da escravidão no Brasil, escrito pelo
próprio escravo negro, no nosso caso uma mulher negra e cativa, Esperança Garcia, o que
confere à narrativa epistolar citada acima o status de uma escritura da gênese literária afro-
brasileira (Souza).
Não se encontrou até o momento, nesta pesquisa, outro registro mais antigo
que pudesse representar a escrita afro-brasileira de autoria feminina, o que nos
permite ver Esperança Garcia como a primeira voz dessa literatura.
Eu Sou hua escrava de V.S. dadministração do
Capª m Ant° Vieira de Couto, cazada. Desde que
o Capªmpª Lá foi adeministrar, q. me tirou da
fazdª dos algodois, aonde vevia com meu marido,
para ser cozinheira da sua caza, onde nella
passo mt° mal. A Primeira hé q. ha grandes trovadas de pancadas
en hum Filho meu sendo huã criança q. lhe
fez estrair sangue pella boca, em mim não poço
esplicar q Sou hucolcham de pancadas, tanto
q cahyhuã vez do Sobrado abachopeiada;
por mezericordia de DsesCapei.
A segunda estou eu e mais minhas parceiras por
confeçar a tresannos.
E huã criança minha e duas mais por Batizar.
Pello q Peço a V.S. pello amor de Ds.
e do Seu ValimT°
ponha aos olhos em mim
ordinando digo mandar a Porcurador
que mande p. a Fazdª aonde elle me tirou
pª eu viver com meu marido e Batizar minha Filha
de V.Sa. sua escrava
EspPeranCaGarcia (Souza)
O reconhecimento dado à carta como “uma escritura literária afro-brasileira”
deve-se ao fato de apresentar elementos que condizem com os textos literários afro-
brasileiros atuais, como o tema relacionado à escravidão, o fato de a autora escrever
para requerer direitos e o de denunciar os abusos praticados por aquele que
representa a coroa de Portugal no Piauí. Explicar como Esperança Garcia foi
alfabetizada é muito difícil, uma vez que no período colonial brasileiro a escolarização
não era permitida a escravizados/as. Porém, estes/as utilizaram-se de várias formas e
circunstâncias para o letramento, como mostra Maria Helena Camara Bastos em seu
artigo A educação dos escravos e libertos no Brasil: vestígios esparsos do domínio do ler,
escrever e contar (Séculos XVI a XIX): algumas escravas, as mucamas, por exemplo,
acompanhavam as crianças de seus donos à escola, assim, tinham a chance de
aprenderem ouvindo as lições delas (Karasch 2000); muitos donos de escravos,
objetivando angariar um maior preço na venda dos escravos, ensinavam os filhos
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destes; outro meio através das escolas privadas vocacionais que, embora não se possa
afirmar que tais escolas ensinassem a ler e escrever, “é possível que alguns escravos
alfabetizados fossem instruídos por aqueles que os tinham treinado numa profissão”
(Karasch 297). Pode-se citar ainda as escolas informais criadas pelos próprios
quilombos, o aprendizado adquirido juntos às igrejas, a transmissão de um escravo a
outro daquilo que aprendiam com algum branco e, acredita-se, como ocorreu nos
Estados Unidos, segundo Angela Davis (2016), através do depoimento da ex-escrava
Jenny Proctor declarando que ela e as amigas pegavam as cartilhas Webster dos seus
senhores e, nas madrugadas, às escondidas, tentavam compreendê-las, meio que um
autodidatismo, e os que aprendiam ensinavam aos outros durante a madrugada às
escondidas.
Pelo exposto anteriormente, no que concerne às formas de aprendizagem dos
escravizados, pode-se afirmar que tanto os homens quanto as mulheres negras se
preocupavam em adquirir o conhecimento ainda no período colonial e que eles e elas
tinham consciência de que a educação era mais uma forte e eficiente arma que
poderiam usar na luta contra a condição miserável em que viviam, embora já usassem
outras como as revoltas, fugas, destruição de plantações, formações quilombolas etc.
Esperança Garcia não foi a única, “o poeta afro-baiano Luiz Gama (1830-1882), e
possivelmente, Luíza Mahin, provável mãe desse poeta, e outras raridades, que podem
ser considerados casos excepcionais de quem aprendeu a ler ainda escravo” (Souza,
n.d.).
A escravizada Esperança Garcia deixou impressa na carta a condição miserável
da vivência dos negros e negras durante um dos períodos que talvez seja o mais cruel
da história da humanidade, a escravidão, relatado pelas mãos daquela que sofreu três
vezes o preconceito por parte do colonizador, por ser mulher, negra e escrava.
Outra voz dessa literatura afro-brasileira escrita por mulheres é Maria Firmina dos
Reis, escritora maranhense afrodescendente, autora da obra Úrsula (1859), que,
segundo Eduardo Assis Duarte,
não é apenas o primeiro romance abolicionista da literatura brasileira, fato que, inclusive,
poucos historiadores admitem. É também o primeiro romance da literatura afro-brasileira
(Duarte Primórdios).
Autodidata, sua instrução fez-se através de muitas leituras – lia e escrevia francês
fluentemente (Mendes 19).
Em 1847, com vinte e cinco anos, Reis vence concurso público para a Cadeira de Instrução
Primária na cidade de Guimarães-MA, conforme registra Nascimento Morais Filho (1957) [e]
ao se aposentar, no início da década de 1880, funda, na localidade de Maçarico-MA, a
primeira escola mista e gratuita do Estado e do País. (Maria Firmina dados)
Porém, essa importante voz da literatura brasileira foi emudecida por aqueles
que buscaram retratar a historiografia literária do Brasil.
Esperança Garcia e Maria Firmina dos Reis são exemplos de que as mulheres
afro-brasileiras lutaram ferrenhamente para adquirir o saber e usaram a escrita como
uma arma na luta contra o silenciamento das mulheres afrodescendentes e o racismo
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por elas sofrido. Porém, foram silenciadas por este sistema. E, depois delas, a luta
continua ao longo dos séculos. Embora seja difícil encontrar registros sobre a
educação dos negros no Brasil, já que foram, em sua maioria, apagados pelo sistema
dominante, ainda assim pesquisas apontam que eles tiveram acesso à educação, em
estilo formal, mesmo antes da Primeira República. “Alguns trabalhos levantaram
informações sobre o Colégio Perseverança ou Cesarino, primeiro colégio feminino
fundado em Campinas, no ano de 1860, e o Colégio São Benedito, criado em
Campinas” (Cruz 28). Mariléia Cruz cita estudiosos que apontam a existência do
Colégio São Benedito, criado em Campinas, em 1902, para alfabetizar os filhos dos
homens de cor da cidade (Cfr. Maciel 1997; Barbosa 1997; Pereira 1999); ou aulas
públicas oferecidas pela irmandade de São Benedito até 1821, em São Luís do
Maranhão (Cfr. Moraes 1995). Cruz, citando pesquisadores da temática Negro e
educação, declara que
Outras escolas são apenas citadas em alguns trabalhos, a exemplo da Escola Primária no
Clube Negro Flor de Maio de São Carlos (SP), a Escola de Ferroviários de Santa Maria, no Rio
Grande do Sul, e a promoção de cursos de alfabetização, de curso primário regular e de um
curso preparatório para o ginásio criado pela Frente Negra Brasileira, em São Paulo
(Pinto1993; Cunha Jr. 1996; Barbosa 1997). Há também registro de uma escola criada pelo
negro Cosme, no Quilombo da Fazenda Lagoa-Amarela, em Chapadinha, no Estado do
Maranhão, para o ensino da leitura e escrita para os escravos aquilombados (Cunha 1999: 81).
Negro Cosme foi um quilombola que se destacou como um dos líderes da Guerra dos Balaios,
no Estado do Maranhão, entre 1838 e 1841. (Cruz 28)
Ainda conforme Cruz somente na segunda metade do século XIX é que se
verifica uma maior participação dos negros nas escolas públicas oficiais do Brasil.
Giane Elisa Sales de Almeida e Claudia Maria Costa Alves em seu artigo Educação
escolar de mulheres negras: interdições históricas trazem informações relevantes sobre a
educação de mulheres negras de Juiz de Fora, Minas Gerais, entre 1950 e 1970, através
do depoimento delas. Das dez entrevistadas, “é possível perceber que somente duas
delas não tiveram sequer os estudos primários e, na outra ponta, somente duas
conseguiram concluir o ensino superior, uma delas tardiamente” (Almeida & Alves 85).
No que diz respeito àquelas que não frequentaram a escola, pela leitura do artigo,
observou-se que elas vieram da zona rural para “fazer companhia a crianças menores”
(Almeida & Alves 90) pertencentes a famílias da cidade – que não se importavam com
a educação dessas mulheres – e lá ficavam até construírem suas próprias famílias. O
que se pode entender é que o trabalho as impossibilitava de ir à escola formal.
“Estudava com os meninos [...] Fazia as contas [...] O nome, só” (Maria Conga 2008 apud
Sales & Almeida 90). Tal realidade não difere muito daquela vivida por milhões de
mulheres negras durante a escravidão e é um exemplo de que a abolição não se deu
inteiramente e, por isso, mesmo muitos e muitos anos após o estabelecimento da lei
Áurea no Brasil, ainda nos deparamos com situações que nos levam a crer que
vivemos novas velhas formas de escravaturas. Pois, assim como as mulheres negras de
Juiz de fora, os negros e negras escravizados eram também impedidos de acessar a
escola e, somente, às vezes, eram alfabetizados pelos seus donos, quando estes
queriam ou teriam algum proveito nisso, como colocado anteriormente.
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Por analogia aos dias atuais, é possível afirmar que os negros brasileiros
continuam a enfrentar dificuldades para adentrarem a escola, é o que aponta um
Estudo feito pelo Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas
das Relações Raciais (Laeser), instituto ligado ao Instituto de Economia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE-UFRJ): a taxa de analfabetismo entre os
negros é maior do que o dobro entre a população branca. Dos 6,8 milhões de
analfabetos em todo o país que frequentam ou tinham frequentado a escola entre
2009 e 2001, 71,6% são pretos e pardos (Taxa G12011), configurando a presença de
novas velhas escravaturas, o que ocorre por falta de mais políticas públicas que os
contemplem, ou por continuarem a viver em condições de muita ou extrema pobreza
e, por isso, precisam escolher entre estudar e trabalhar.
Diante deste rápido panorama exposto acerca da aquisição da instrução escolar
pelos afrodescendentes do Brasil, pode-se inferir que, mesmo nos contextos
colonial/escravagista e após estes, eles buscaram instruir-se do conhecimento
educacional, seja formal ou informalmente. Fato é que as pesquisas aqui apresentadas
contradizem o discurso dominante de que os negros eram incapazes de atingir um
nível intelectual que era esperado somente aos indivíduos pertencentes à “raça”
branca. Tal panorama se faz relevante porque nos ajuda a compreendermos como as
mulheres afro-brasileiras chegaram ao nível de produzir uma literatura própria e serem
reconhecidas como escritoras frente à academia científica brasileira e não brasileira.
Para falar desta literatura afro-brasileira escrita por mulheres, apresentaremos os
conceitos de algumas estudiosas de tal literatura. Para iniciar, vejamos o que diz
Moema Parente Augel:
A mulher negra brasileira ao escrever tematizando ela mesma a sua própria experiência, seus
próprios problemas, suas angústias, necessidades e desejos, explicitando, de uma forma ou
de outra, as marcas deixadas pela escravidão, pondo à nua a discriminação racial e social
sentidas na própria pessoa e nos que lhe são próximos, denunciando sexismo e machismo,
questionando a ligação amorosa entre negros e brancos, a dependência econômica, a
desigualdade social, a emancipação feminina, integrando o ficcional e o documental, a
escritora afro-brasileira está prestando uma relevante contribuição para corrigir e rever os
mitos e esteriótipos que estigmatizam a mulher negra, recompondo-se como pessoa. (Augel
2018)
Com base nas palavras de Augel, é possível afirmar que mulheres negras
brasileiras – como, por exemplo, Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus etc. –
escrevem para deixarem impressas suas vivências, bem como para denunciar os
séculos de silenciamento, a agonia e as humilhações sofridas e, ainda, clamar por
justiça. Através da escrita literária afro-brasileira, elas narram – a partir da sua ótica –
suas histórias e, dessa forma, garantem a materialização bem como a conservação da
memória das mulheres afrodescendentes do Brasil.
Para a professora e pesquisadora brasileira Ana Rita Santiago Silva (2013), tal
literatura
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se dimensiona, desse modo, pelas narrativas e textos poéticos com marcas de jogos de
resistência, de experiências, afetos e desafetos, sonhos, angústias e histórias de mulheres
negras. Nesse sentido, a escrita literária se justifica não apenas pela quebra da hegemonia e
supremacia masculina, mas também pelo enfrentamento de representações depreciativas de
repertórios culturais negros e de personagens femininas negras, pautadas em um passado
histórico escravizado, com libido e virilidade exacerbadas e caracterizadas com um perfil
subserviente. (Silva 178)
O enfrentamento a que Ana Rita Santiago Silva se refere é perceptível quando se
observa que muitas escritoras afro-brasileiras buscam construir e apresentar novos
perfis femininos à literatura brasileira, negando a imagem exótica, sensual, animalesca
e demoníaca construída e legitimada pelo discurso hegemônico literário brasileiro e,
dessa forma, deslegitimar tal discurso.
Heloisa Toller Gomes, pesquisadora brasileira, também tece suas considerações
afirmando que a escrita das mulheres negras tem peculiaridades que a destacam
dentro da própria literatura negra, ela funciona como uma ponte que liga as gerações
passadas e futuras através da transmissão do saber e experiência dessas mulheres:
Nas mais diversas regiões das Américas, dos séculos escravistas aos dias de hoje, e
manifestando-se principalmente na literatura poética, autobiográfica e ficcional, esta escrita
de mulheres exibe particularidades que a diferenciam e identificam dentro da própria
literatura negra. [...] A escrita da mulher negra é construtora de pontes. Entre o passado e o
presente, pois tem traduzido, atualizado e transmutado em produção cultural o saber e a
experiência de mulheres através das gerações. Do mesmo modo, pontes entre experiências
de autoras de diferentes idiomas e nacionalidade que possuem a paixão do narrar, a crença
na compreensão através da palavra, em suma, na capacidade que tem a palavra de intervir.
Assim, a palavra é por elas utilizada como ferramenta estética e de fruição, de
autoconhecimento e de alavanca do mundo. (Gomes)
Pela afirmação de Gomes, pode-se declarar que nessa literatura os discursos dos
personagens traduzem os pensamentos das autoras que discutem sobre a
problemática das mulheres negras e trocam experiências diversas que são
“resgatadas” e reunidas pela memória. Destarte, elas dialogam com o passado para
criar alternativas positivas, visto que é necessário modificar o presente com o intuito
de tentar mudar o futuro e reconstruir suas identidades.
Entre os problemas discutidos através dessa literatura está a representação
pejorativa das mulheres negras no discurso literário oficial brasileiro, que as apresenta
como escravas-corpos-objetos que servem apenas para procriar mais escravos e
satisfazer os desejos sexuais animalescos do seu senhor. Ressalta-se que esta é uma
visão distorcida da mulher negra, construída no período colonial escravagista pelo
sujeito branco masculino racista e sexista.
Para Conceição Evaristo,
Mata-se no discurso literário a prole da mulher negra. Quanto à mãe-preta, aquela que causa
comiseração ao poeta, cuida dos filhos dos brancos em detrimento dos seus. Na ficção, quase
sempre, as mulheres negras urgem como infecundas e por tanto perigosas (Evaristo
representação 53)
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Fato é que os escritores da literatura oficial brasileira retiraram das mulheres
negras o papel de mãe, de representante maternal da família afrodescendente. Dentre
tais literatos a autora exemplifica como deturpadores da imagem das mulheres negras
Gregório de Matos, Aluizio de Azevedo, em sua obra O cortiço (1890), Jorge Amado,
em Gabriela, cravo e canela (1958), Bernardo Guimarães, em A escrava Isaura (1875),
Jorge de Lima, em Essa negra fulô (1958), segundo Liliane Nogueira Monteiro.
Escritores que vêm a corroborar a afirmação de Maria Consuelo Cunha Campos ao
dizer que “o romance brasileiro oitocentista, em grande parte, ocupou-se em fixar
lugares sociais e raciais de mulheres − índias, brancas, pardas e negras – segundo um
projeto de nacionalidade hierarquizante e desigual” (Campos 3).
Fato é que surgem, à custa muita de luta, novas vozes na literatura brasileira que,
agora, munidas da caneta e das memórias vivenciadas – as quais o colonizador não
conseguiu apagar –, trazem à tona um discurso escrito que vai contradizer aquele que
foi inscrito a partir das relações de poder, poder este que beneficiava somente uma
classe, uma “raça” e a um gênero na sociedade, a saber, a elite branca masculina.
Ressalta-se que tais vozes falam a partir do lugar de mulheres e negras pertencentes a
uma classe da sociedade brasileira em que a maioria dos seus indivíduos é pobre.
Mulheres que, na condição de sujeito da sua própria historia, através da literatura,
assumiram o lugar de escritoras e tentam se autorepresentar. E da mesma forma,
contestam uma representação dominante, colonialista, racista e também sexista.
Todas essas ações são possíveis a partir do texto literário que atua como espaço
onde são recriadas tais experiências, uma vez que
é na literatura enquanto espaço mnemônico que os autores negros recriam os mitos
necessários para se enraizar como sujeitos autóctones. A reapropriação do espaço via
memória, portanto, possibilita a colocação do afrodescendente na sua própria história. A
renomeação do seu lugar e da sua história significa reconstruir sua identidade, tomar posse
de sua cultura. (Walter 63)
Se o texto literário é o lugar onde a memória é reconstituída, ele é, do mesmo
modo, o local a partir do qual muitas escritoras negras brasileiras atuam na luta pela
igualdade racial, de gênero e de classe, usando a escrita literária como via de
reconstrução de suas histórias, suas representações sociais e culturais.
Tal literatura apresenta o uso de uma linguagem despida dos “contratos de fala”
dominantes que, realizado por mulheres negras, ganha sentido de insubmissão, como
afirma Conceição Evaristo:
Em se tratando de um ato empreendido por mulheres negras, que historicamente transitam
por espaços culturais diferenciados dos lugares ocupados pela cultura das elites, escrever
adquire um sentido de insubordinação. Insubordinação que pode evidenciar, muitas vezes,
desde uma escrita que fere as “normas cultas” da língua, caso exemplar o de Carolina Maria
de Jesus, como também pela escolha da matéria narrada. (apud Duarte 275).
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Pelo discurso de Evaristo no excerto anterior, pode-se reconhecer a literatura
escrita por muitas mulheres negra como uma forma de empoderamento, posto que
através dela “mulheres invisíveis” ganham voz e autoridade para denunciar os
descasos do sistema dominante para com as classes e “raças” desprivilegiadas – o que
pode ser explicado pelo sistema de colonização e escravidão que alicerçaram a
construção da sociedade brasileira – e reivindicar direitos sociais quando, por
exemplo, as escritoras invocam suas memórias para ficcionalizar situações reais vividas
pelos negros e negras brasileiros hoje em dia, como faz Evaristo na obra Becos da
Memória (2006).
Maria da Conceição Evaristo de Brito é de origem humilde, mineira, nascida em
Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, em 1946. Na década de 1970 mudou-se para o Rio
de Janeiro, onde se graduou em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e onde trabalhou como professora da rede pública de ensino. Cursou o
mestrado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1996) e doutorado em
Literatura Comparada na Universidade Federal Fluminense (2011).
A autora iniciou-se como escritora literária na década de 1990 como
colaboradora dos Cadernos Negros e, desde então, vem se destacando cada vez mais
de tal forma que já teve sua obra traduzida para diversas outras línguas no contexto
internacional e já conquistou o tradicional prêmio da literatura brasileira, Prêmio
Jabuti 2015. Concorreu a uma vaga na Academia Brasileira de Letras (ABL), em 2018,
primeira mulher negra brasileira a conseguir isso, mas não foi contemplada. Sua obra é
composta por romances, poemas e contos. São elas: Ponciá Vicêncio (2003), Becos da
memória (2006), Poemas de recordação e outros movimentos (2008), Insubmissas
lágrimas (2011), Olhos d’água (2014) e História de leves enganos e parecenças (2016).
Tais produções têm se tornado objetos de estudo de inúmeros pesquisadores
brasileiros e de não-brasileiros, como Claire Willians. Porém, considerando o campo
literário brasileiro, Evaristo é ainda uma escritora que se encontra às margens deste
campo, uma prova disso é o fato de ter sido rejeitada pela ABL. Os motivos? Talvez
pela condição de ser mulher, negra e descendente de escravizados, ou o fato de usar
uma linguagem próxima da oralidade em seus textos, o que fere os moldes definidos
pelo sistema literário dominante, ou, ainda, o fato de colocar como personagem e
tema principais da sua obra o negro e sua cultura. Ou será porque ela seria a primeira
mulher negra a ocupar um lugar na ABL e isso significaria uma grande ruptura no
sistema da ABL? Fato é que Evaristo traz à tona uma literatura que vem a questionar o
sistema literário brasileiro dominante.
No que diz respeito à obra Becos da memória (2006), Evaristo narra as tragédias
vividas por seus personagens, os quais são vítimas do desfavelamento, mais uma
injustiça social sofrida por eles e que é posta como problemática central da obra.
Olhando para o passado e apoiada nas suas experiências e naquelas vivenciadas pela
maioria dos negros no presente e tomando-as por base, a escritora analisa e
(re)constrói ficcionalmente, a partir de uma visão crítica, tais experiências, e o que se
percebe é que há muitas semelhanças.
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Maria-Nova [...] lembrou-se da fome que passara desde o momento que nascera. A mãe
sempre contava que a mamadeira dela era água e fubá, muitas vezes sem açúcar. [...] Muitas
vezes ela se alimentava das sobras que vinham da casa das patroas da mãe e da tia. Dias havia
que ficavam sem comer quase nada. [...] A mãe trabalhava tanto, assim como havia outros
que trabalhavam demais. [...] A condição de vida era única, a indigência em grau maior ou
menor existia para todos. (Evaristo becos 146)
A descrição da situação de fome experienciada por Maria-Nova e os demais
negros narrada no trecho anterior lembra as narrativas que retratam o tratamento
dado aos negros no período escravagista, principalmente a parte em que fica explícito
que os negros se alimentavam, muitas vezes, dos restos de comida que vinham das
casas dos patrões. Entende-se resto de comida como sendo lavagem, ou seja, comida
para porcos, que não são seres humanos, indigentes, mesma condição dada aos
negros e negras na escravidão.
Outra observação a fazer do excerto anterior é que as “patroas” nele citadas são
brancas – “Ditinha olhou para a patroa [...]. Muito alta, loira [...]”(Evaristo becos 94) –, o
que evidencia a semelhança da desigualdade existente entre mulheres brancas e
negras durante a escravidão, em que aquelas eram patroas e estas escravizadas. Há
também similitude no que se refere ao espaço habitado por cada uma dessas
mulheres no período escravagista e hodiernamente: “Não era grande a distância entre
a mansão da patroa e o barraco de Ditinha. O bairro nobre e a favela eram
vizinhos”(94). As mulheres negras escravizadas entravam na Casa Grande (da
patroa/zona nobre) para servir – lavando, passando, cozinhando etc. – e, depois de
uma jornada de muito trabalho, retornavam à senzala (barraco/favela) para dormir,
assim como faz Ditinha. É coincidência tamanha semelhança? A mudança se deu
apenas na nomeação (de escrava para empregada, senzala para barraco/favela, casa
grande para mansão/bairro nobre)?
No que se refere aos estereótipos negativos e positivos relacionados à aparência
física da mulher branca e da mulher negra, nota-se que a autora faz uma crítica ao
velho pensamento de que a primeira é provida de beleza enquanto a segunda não,
fazendo lembrar que tal pensamento ainda permeia a sociedade atual:
Olhou-se no espelho e sentiu-se tão feia, mais feia do que normalmente se sentia. [...] (Ditinha
detestava o cabelo dela). [...] Como D. Laura era bonita! Muito alta, loira, com os olhos da cor
daquela pedra das jóias. [...]. Olhando e admirando a beleza de D. Laura, Ditinha se sentiu
mais feia ainda. Baixou os olhos envergonhada de si mesma. (Evaristo becos 93-94).
A ideia de que a mulher bela é aquela que tem pele branca, cabelos lisos e
loiros e olhos claros foi criada e disseminada pelo europeu no período
colonial/escravatório e ainda permanece viva no imaginário social, o que faz com que
muitas mulheres negras sofram por tal preconceito e se sintam como Ditinha. Prova
disso são os concursos de beleza realizados no Brasil e no mundo que elegem, na
maioria das vezes, mulheres brancas.
Pelas análises realizadas anteriormente, é possível dizer que a obra Becos da
memória (2006) traz inúmeras situações que, embora fictícias, assemelham-se com a
realidade vivenciada por grande parte dos negros brasileiros da atualidade e, da
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mesma forma, com aquela experienciada por milhões de negros durante o período
escravatório. Isso nos leva ao questionamento: Vivemos novas velhas formas de
escravatura?
CONCLUSÕES PRÉVIAS
Diante do exposto neste artigo, pôde-se constatar que as mulheres negras brasileiras
vêm, há séculos, lutando por igualdade racial, de gênero e de classe. Para isso, após
alcançarem o saber, apoderaram-se da caneta e da escrita literária e, utilizando-se das
artimanhas desta, ficcionalizam o contexto em que vivem os afro-brasileiros
hodiernamente, criando personagens que narram seus modos miseráveis de vida e,
aproveitando-se de suas vozes, denunciam o preconceito racial que persiste na
sociedade brasileira com novas roupagens e, da mesma forma, o descaso das
autoridades no que diz respeito a esta situação, muitas vezes desumana, em que
vivem os afrodescendentes no Brasil. Com isso, escritoras negras brasileiras, como
Conceição Evaristo, por exemplo, deixam evidente as velhas novas formas de
escravatura que aprisionam a maioria dos negros brasileiros em favelas/senzalas, em
sub-empregos, em situação de indigência, dentre outros. Assim, elas escrevem para
continuar a combater as formas institucionais escravagistas da atualidade, que ainda
se sustentam baseadas no racismo que se faz persistente na contemporaneidade.
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Fabiana dos Santos Sousa cursa o doutoramento em Materialidades da Literatura na
Universidade de Coimbra (UC/Portugal). Estudou mestrado em Letras-Literatura pelo
Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual do Piauí (UESPI/Brasil). Cursou
Especialização em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) pela Universidade Federal do
Piauí (UFPI/Brasil). Cursou Especialização e em Letras: Português e Literatura pelas
Faculdades Integradas de Jacarepaguá (FIJ/Rio de Janeiro/Brasil). Tem experiência de
trabalhos com a Educação Básica e Educação Superior e Pós-graduação.
[email protected]
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