Vivemos num tempo marcado por muitos medos, um tempo em que se extinguiram e anestesiaram
as grandes esperanças das ideologias e das utopias secularizadas. O nosso tempo é muitas vezes
colocado sob o sinal da crise, ou mesmo do fim. A precariedade do presente e a incerteza do futuro
alimentam medos que habitam a nossa convivência, enfraquecem a confiança, paralisam a
insurreição das consciências. O papa Francisco pede com insistência para que se combatam e
vençam os medos como antídoto decisivo para o fechamento num horizonte individualista,
asfixiante, dobrado sobre si, e por isso absorvido num vórtice de egoísmo.
Mergulhado nesta situação, o cristão sofre hoje a tentação de refugiar-se antes de tudo numa
espiritualidade sedutora, cativante e eficaz, uma espiritualidade que consiste em apresentar a
salvação como bem-estar individual. Estamos diante de um teísmo ético, terapêutico, que procura
harmonia e bem-estar quotidiano, e aspira ao conforto interior. O primado é concedido a um Deus
“Energia”, à oferta de um moralismo ditado pela antropologia, à salvação como paz e calma
interior. E é assim que a esperança, precisamente porque está encerrada em dimensões individuais,
já não é esperança, e muito menos a cristã: ou se espera por todos, ou não se espera! Mas então,
que esperança anunciar na missão cristã?
A Boa Nova que os cristãos são chamados a dar à humanidade é só a do amor oferecido de
maneira incondicionada, um amor que nunca é merecido. Em extrema síntese, é este anúncio, feito
com autoridade: «Viste um homem, viste um irmão? Viste Deus» (palavras de Jesus transmitidas
por Clemente de Alexandria).
Mas na missão, que esperança? Talvez esta seja a coisa mais difícil hoje para o cristianismo e para
a missão. Toda a história da Igreja, com efeito, está marcada pelo testemunho da caridade, em
particular com os pobres e os doentes. Nunca ninguém duvidou desta capacidade da caridade,
mesmo hoje e mesmo nas nossas Igrejas. Mas que esperança damos aos homens e às mulheres de
hoje?
Aquilo que nos é pedido é encontrar o outro enquanto ser humano, irmão ou irmã em humanidade,
igual em dignidade. Trata-se de ir ao encontro do doutro, procurando discernir a sua necessidade,
escutando o seu sofrimento, a sua invocação, até delas cuidar numa relação hospitaleira marcada
pela gratuidade. Esta caridade vivida decide da pertença a Cristo.
Certamente que os cristãos são chamados a dar uma forma prática, concreta, à solidariedade, à
igualdade, à justiça. A caridade cristã exige sempre uma opção pela humanização em absoluta
gratuidade, sem ânsias de evangelização ou de autoconservação da Igreja.
A conceção cristã da caridade é eversiva e pode ser «anormal» (palavras de Paul Valadier, jesuíta),
no sentido de permanecer surda às vozes mundanas, à miragem das audiências, e distancia-se
daquilo que na história é vencedor e mais facilmente comprovado. Não se trata de cristãos fora do
mundo, mas no mundo de outra maneira, no mundo sem ser do mundo; sem medos e sem exigir
serem vencedores.
Estou cada vez mais convicto de que devemos partir da narração cristã por excelência: o amor
vence a morte. Nas diferentes culturas humanas acabou sempre por se pensar, de várias formas,
num duelo entre amor e morte, “eros” e “thanatos”, os dois inimigos por excelência. Não é por
acaso que o Antigo Testamento, no Cântico dos Cânticos, afirma que o amor pode combater a
morte, mesmo que não chegue ao ponto de dizer que dela é vencedora. Detém-se na expressão:
«Forte como a morte é o amor».
Mas o anúncio cristão testemunha exatamente a este propósito a inaudita novidade de Jesus Cristo:
tendo amado até ao extremo, até ao fim, tendo vivido praticando o bem e gastando a vida pelos
pobres, os sofredores, os oprimidos, os excluídos, os descartados da sociedade e os pecadores, não
foi presa da morte. Deus ressuscitou-o porque não era possível que aquele amor vivido se
perdesse. Assim podemos entender as palavras ditas por Pedro em Jerusalém, no primeiro discurso
após o Pentecostes: «Não era possível que a morte o tivesse em seu poder».
Forte como a morte é o amor, mais forte do que a morte foi o amor vivido por Jesus. Este é o
anúncio cristão, que devemos endereçar também aos não cristãos, aos não crentes, fazendo-lhe
compreender que a ressurreição é verdadeiramente o núcleo incandescente de toda a nossa fé em
Jesus Cristo. A morte não é a última palavra, é isto que nós devemos saber comunicar dentro do
nosso anúncio evangelizador. Só assim tornaremos Cristo não num mestre de humanidade ou de
espiritualidade, mas aquele que é capaz de salvar realmente as nossas vidas.
Eis alguns traços radicais daquilo que deveria ser a nossa fé, a nossa caridade e a nossa esperança,
para que possa germinar o impulso missionário. Estou convencido de que apenas indo às raízes, e
vendo bem aquilo que falta hoje à Igreja, poderemos sair desta situação de esterilidade e de crise
de fé. E se a fé é débil, também o é a missão. Admitamo-lo, os problemas são muitos: a cidade é
cada vez mais pós-cristã, nós somos uma minoria na sociedade, envolvidos pelo reino da
indiferença em relação a Deus e à Igreja, mas não é por isso que se desvanece a esperança, a qual
poderá fazer germinar no futuro sinais que possam verdadeiramente estar marcados pela fé, pela
esperança e pela caridade.
É-nos pedida uma grande conversão, talvez semelhante àquela que o cristianismo do primeiro
século teve de realizar para abrir-se do judaísmo a todos os gentios da Terra.
Hoje mais do que nunca somo chamados a ser sinal do do amor de Deus num mundo sem
esperanças, a conver