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Claudio Manoel

O trabalho analisa a natureza árcade do poeta Cláudio Manuel da Costa, focando no Soneto VII e suas reflexões sobre a metamorfose humana e social em um contexto de modernização. A pesquisa confronta opiniões divergentes sobre a importância do autor no Arcadismo brasileiro, destacando sua inovação e a intertextualidade com clássicos. A degradação da natureza e a frustração diante das mudanças sociais são temas centrais, evidenciando a relevância do poeta na literatura brasileira.

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O trabalho analisa a natureza árcade do poeta Cláudio Manuel da Costa, focando no Soneto VII e suas reflexões sobre a metamorfose humana e social em um contexto de modernização. A pesquisa confronta opiniões divergentes sobre a importância do autor no Arcadismo brasileiro, destacando sua inovação e a intertextualidade com clássicos. A degradação da natureza e a frustração diante das mudanças sociais são temas centrais, evidenciando a relevância do poeta na literatura brasileira.

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SONETO VII DE CLÁUDIO MANUEL DA COSTA: PERPLEXIDADE FRENTE

ÀS NOVAS (DES)NATUREZAS

Alexandre de Sousa Pessoa


Felipe Morais de Melo
DELEM – UFRN

RESUMO

Este trabalho discute a legitimidade da natureza árcade do poeta Cláudio Manuel da Costa a
partir das opiniões opostas de Amora (1974) e Coutinho (1968) e analisa, aos moldes de
Cândido (2000), seu Soneto VII – encontrado em seu mais famoso livro, Obras, de 1768 –,
no qual está presente o tema da metamorfose humana e social resultante da modernização
do sistema, tema cada dia mais manifestada e violentamente concretizado na vida moderna
(e pós-moderna). Serão apontadas, também, algumas das intertextualidades clássicas que
permeiam a produção poética do vate setecentista, a exemplo de Ovídio (1960) e de
Camões (1980). A riqueza de tensões que permeia o texto e as veredas nele existentes, que
possibilitam uma ligação com a biografia do autor e com o contexto histórico (a
historicidade do material estético), dão mostra da riqueza literária presente na produção do
autor, que não teve de se ater de modo taxativo às regras da escola literária vigente para
produzir, mas, através de sua inovação, revelou-se como o grande nome do início do
sistema literário brasileiro.

Palavras-chave: soneto VII, Cláudio Manuel da Costa, Arcadismo, modernidade.

Cláudio Manuel da Costa, juntamente com Tomás Antônio Gonzaga, Silva


Avarenga, Basílio da Gama e Avarenga Peixoto, é um dos mais importantes representantes
o grupo dos principais poetas do movimento literário que estava em voga na segunda
metade do século XVIII no Brasil. São conhecidos como os poetas mineiros, por todos eles
terem vivido em Minas Gerais, apesar dos anos de vida acadêmica e familiar passados em
Portugal, o que os tornava “homens de cultura” na época.
A poesia que eles produziam tinha um estilo muito menos exagerado, se
comparado com a das escolas anteriores, a barroca e a acadêmica. Tentavam, através de
uma linguagem freqüentemente simples, ausente dos excessivos rebuscamentos barrocos e
menos laudatória e idealista do que a dos acadêmicos, “reconduzir a poesia ao que
consideravam um bom gosto literário” (AMORA, 1974: 66). Em um Brasil colônia onde a
burguesia, dominadora do poder econômico, estava insatisfeita e tentava ganhar,
paulatinamente, terreno político, até então monárquico; e a sociedade, igualmente
descontente pela cobrança abusiva de impostos e pelo autoritarismo, começava a planejar
movimentos contra o absolutismo, o que culminaria na Inconfidência Mineira; esses
intelectuais começaram a criar poemas que trabalhavam com o tema da liberdade, da fuga
desse entorno burguês, que estava em embate com o poder despótico, para um ambiente
idealizado e bucólico como só a mitologia grega poderia imaginar: a Arcádia, locus
amoenus (um lugar ameno), um campo sublime. Todavia, Antônio Cândido afirma que essa
fuga é limitada, em nossos poetas árcades, pelo seu apelo nacionalista por criar poemas que
possuem aspectos temáticos distintos dos europeus (Cândido, 2000: p. 26).
Para Cândido (2000), é neste momento quando começa a expressão tipicamente
nacional da literatura brasileira, quando é constituído um “sistema literário”, já que existe
um público leitor para as produções das letras. Esse momento histórico setecentista do
Brasil foi marcado por uma recorrente temática, a da liberdade, que bem pode ser expressa
pela escritora modernista Cecília Meireles em seu Romanceiro da Inconfidência em que
diz:

Atrás de portas fechadas, / à luz de velas acesas, / entre sigilo e


espionagem/ acontece a Inconfidência. / Liberdade, ainda que tarde/ ouve-
se em redor da mesa. / E a bandeira já está viva/ e sobe na noite imensa. /
E os seus tristes inventores/ já são réus – pois se atreveram/ a falar em
Liberdade. / Liberdade, essa palavra/ que o sonho humano alimenta/ que
não há ninguém que explique/ e ninguém que não entenda (apud
NICOLA, 1985: 36).

Além da liberdade e da fuga para o campo, o Fugere urbem (fugir da cidade),


como escreveu o poeta romano Quinto Horácio; outras características comuns permeiam as
produções dos poetas árcades, como a constante figura da mulher, geralmente perdida e por
vezes traidora; as sublimes descrições da natureza; o uso de pseudônimos, o que revela um
poeta fingido, apresentado de modo bastante díspar do homem ordinário que vive no
mundo real; entre outras.
O poeta em questão, Cláudio Manuel da Costa, nasceu na cidade de Mariana,
Minas Gerais, e teve sua formação primária e secundária no Brasil, em Vila Rica e no Rio
de Janeiro respectivamente, partindo para Portugal onde cursou a faculdade de Direito. Foi
nas terras lusas em que iniciou seu labor literário com obras em que mostrava um maior
requinte poético, como Monúsculo Métrico (1751) e Números Harmônicos (1753). Suas
obras mais famosas foram lançadas quando já estava de volta ao Brasil, exercendo cargos
políticos. São elas Obras (1768), publicada primeiramente em Portugal e o poema épico
Vila Rica (1773). Porém são os cem sonetos que estão contidos em Obras que representam
sua produção mais significativa, por revelarem “seu drama moral e sentimental” (AMORA,
1974, p.69). Usava o pseudônimo de Glauceste Saturno. Devido ao caráter social de
algumas de suas produções e ao fato de ainda estar ligado à Inconfidência Mineira, é preso
no final da década de 80 e encontrado morto na prisão em 1789.
Diversas opiniões foram dadas acerca da importância ou não do autor para o
movimento árcade brasileiro. Professores como Antônio Soares Amora o põem em um
posto privilegiado, dizendo que “foi a Cláudio Manuel da Costa que ficamos a dever a
nossa definição em face do Arcadismo” (op. cit.: 66), tendo sido “um excelente lírico
(injustamente posto em segundo plano, em relação a Tomás Antônio Gonzaga), foi ainda o
iniciador e um dos mentores de nosso Arcadismo” (op. cit.: 69).
Já para Afrânio Coutinho,

Dos poetas inexatamente [grifo nosso] classificados como árcades


brasileiros, ou mineiros – já que não pertenceram, em conjunto, a
nenhuma arcádia, nem há neles, com exceção de Gonzaga, um cunho
predominantemente de Arcadismo, - é Cláudio Manuel da Costa o mais
próximo, cronológica e literàriamente, do seiscentismo e, ao mesmo
tempo, do Renascimento, através de uma forte influência de Camões
(COUTINHO, 1968: 320).

O crítico chega a dizer que “tôda vez que Cláudio fugiu ao seu temperamento e
sacrificou no altar da Arcádia, travestindo-se, por força da moda, de pastor, perdeu em
qualidade a sua poesia, transformada em lugar-comum” (op. cit.: 324), além de mencionar
sua pobreza temática, restringindo-se aos “desencantos da vida e a ausência de Nize” (op.
cit.: 322).
Cláudio Manuel da Costa é pensado aqui como um importante poeta árcade, o
que nos leva, pois, a comungar, em parte, com o pensamento do professor Amora, já que,
através de uma linguagem bastante simples, o poeta trata de várias temáticas típicas do
movimento, como foi dito anteriormente; porém é exatamente na riqueza de tensões que
permeia suas obras que vemos sua maior importância, ou seja, não é um poeta que se
deteve ao estilo da época, mas sim, alguém que, além de se valer de estilos anteriores
clássicos e do próprio barroco, tão fortemente negado pelo arcadismo, também adiantou
traços de escolas que estariam por vir, como a Romântica, já que não raramente o amor é
visto de forma idealizada; e mesmo a Simbolista, na medida em que o meio externo,
geralmente a natureza, é digerido e recriado através da linguagem para falar de emoções
coletivas, relacionadas à insatisfação social e, mesmo, pessoal.
Para Antônio Cândido, o poeta mineiro representa uma síntese entre o
formalismo europeu, que ainda se expressa em sua obra, e a busca por adaptá-lo às
temáticas nacionais. Isso fez com que o poeta desenvolvesse um estilo próprio que tenta
disfarçar aspectos aprendidos na Europa, estilizando algumas das imagens desse continente
em virtude de uma predileção pelas imagens da sua terra natal. Quanto à autenticidade
desse tipo de criação, Cândido afirma

Não será excessivo acrescentar que, enquanto a maioria dos poemas


pastoris, desde a Antiguidade, tem por cenário prados e ribeiras, nos de
Cláudio há vultuosa proporção de montes e vales, mostrando que a
imaginação não se aparta da terra natal e, nele, a emoção poética possuía
raízes autenticas, ao contrário do que dizem frequentemente os críticos,
inclinados a considerá-lo mero artífice (CÂNDIDO, 2000: 85).

Faremos a seguir a análise de um de seus sonetos, que revela sua diversidade


estilística, como também sua polifonia, moderno termo bakhtiniano que tão bem pode ser
detectado neste poema do século XVIII. O poema é o de número sete e está em seu livro
mais famoso, Obras.

SONETO VII

Onde estou? Este sitio desconheço:


Quem fez tão diferente aquele prado?
Tudo outra natureza tem tomado,
E em contemplá-lo, tímido, esmoreço.

Uma fonte aqui houve; eu não me esqueço


De estar a ela um dia reclinado;
Ali em vale um monte está mudado:
Quanto pode dos anos o progresso!

Árvores aqui vi tão florescentes,


Que faziam perpétua a primavera:
Nem troncos vejo agora decadentes.

Eu me engano: a região esta não era;


Mas que venho a estranhar, se estão presentes
Meus males, com que tudo degenera!
(COSTA, 1996: 53-4)

Na primeira estrofe, o poeta deixa clara sua perplexidade diante de uma


natureza modificada; seu ethos está surpreso com o meio, apresentado de forma tão
diferente da de outrora, parecendo-lhe estranho, desconhecido. Na segunda estrofe ele
mostra que, por mais discrepante que lhe resulte o cenário, já estivera lá apreciando a fonte
e o monte e atribui ao progresso da sociedade a culpa por essa devastação ambiental.
Para Cândido,
A poesia pastoral, como tema, talvez esteja vinculada ao desenvolvimento
da cultura urbana, que, opondo as linhas artificiais da cidade á paisagem
natural, transforma o campo num bem perdido, que encarna facilmente os
sentimentos de frustração. Os desajustes da convivência se explicam pela
perda da vida anterior [...] (CÂNDIDO, 2000: 58).

O interessante é notar que o campo transformado “num bem perdido”, para a


maioria dos outros poetas pastorais, é algo que se perdeu na distância. A abordagem de um
campo degradado é algo inovador, uma vez que a degradação, normalmente, é representada
pela cidade. O poeta tenta fugir da cidade para o campo, mas o que fazer, quando o campo
também não existe mais? Neste caso, o sentimento de frustração, mencionado por Cândido,
se torna ainda maior. Cláudio observa a degradação causada pela mineração e discute, com
base numa preocupação estética da paisagem, os impactos causados ao meio ambiente.
Séculos depois, iremos ter uma discussão semelhante num poema de outro mineiro.
“Confidência do itabiriano”, de Carlos Drummond de Andrade, é a representação futura
dessa frustração já abordada pelo poeta árcade.

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.


Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
(DRUMMOND, 1983: 65)

Na terceira estrofe fica evidente o contraste entre a antiga natureza, totalmente edênica,
com toda sua “exuberância tropical”, como escreve Affonso Ávila (1978: 25); e a natureza
atual, tão pobre, abusada, usurpada. Por fim, na quarta estrofe ele assume a
responsabilidade por esses agravos naturais, mas não ele como ser único, individual, mas
como uma alegoria do meio, do ser humano, do bom selvagem, como diz Rousseau, que foi
corrompido pelo externo e sobre ele descarrega sua maldade.
O poeta mostra-se “tímido”, como ele mesmo diz no primeiro verso, por fazer
parte do grupo agente da transformação. Percebem-se, pois, duas mudanças nítidas nesse
poema: a mudança do ser, vinda em parte da ascensão burguesa e, mais recentemente, da
Revolução Industrial, com suas ideologias primordialmente focadas no lucro (ambas) e no
mecanicismo (principalmente no caso da Revolução Industrial; e a variação da natureza,
como vítima inevitável dessa primeira mudança.
Quanto à estrutura, o poema é um soneto, portanto segue seu modelo, dois quartetos
de rimas emparelhadas e dois tercetos com rimas cruzadas. Todos os versos são
decassílabos. Não há uma forte ocorrência de figuras de linguagem, o que condiz com o
Arcadismo, que propunha uma poesia de alcance maior, popular. Mesmo assim, pode-se
notar uma aliteração da consoante oclusiva alveolar surda /t/ no verso três, o que pode
sugerir o ruído de um machado, que dá nova forma à natureza: “Tudo outra natureza tem
tomado”; bem como algumas inversões simples como a do verso dois “Quem fez tão
diferente aquele prado?”, que não segue a ordem canônica sujeito + verbo + objeto +
predicativo, havendo uma permuta entre os dois elementos finais. Sua ordem básica seria:
“Quem fez aquele prado tão diferente”; ou pouco mais brusca como ocorre no verso cinco:
“Árvores aqui vi tão florescentes”, que em sua ordem direta seria “Vi árvores tão
florescentes aqui”. Vale dizer que as inversões estão a serviço do esquema das rimas do
poema, no caso em questão, um soneto, construído em alta realização por Cláudio Manuel
da Costa, não constituindo novidade escrever, como põe Cândido (2000: 89), que ele “é dos
maiores cultores desta forma em nossa língua”.
Há dois percursos de leitura que podem ser trilhados. O primeiro é o direto, o
que significa uma leitura da primeira estrofe em rumo à última. Nesse caminho vê-se uma
linha de elementos que gradativamente vão engendrando ou contendo os seguintes: na
primeira é o prado, que contém a fonte e o vale da segunda estrofe; o vale que contém as
árvores da terceira; e, por fim, é revelado o homem, como o menor fruto da natureza. No
entanto, é esse menor elemento que abre sendas para a segunda leitura, da quarta para a
primeira estrofe. Essa segunda alternativa revela o homem como um ser tão pequeno, mas
que pode ocasionar a devastação do grande meio em que vive. A quarta estrofe mostra o
homem, que devasta as árvores, ocasionando o “progresso” mencionado no oitavo verso e
que culmina na mudança total da primeira. São ciclos bem opostos, bem barrocos, que
coexistem no poema: o primeiro no qual a grande mãe-natureza abriga seu filho; e a
segunda em que este, como Brutus, apunhala seu gerador, iniciando pelos pequenos
membros até chegar a seu todo. É interessante perceber como o meio-ambiente vai sofrendo
mutações à medida que o ser humano as sofre; é uma função matemática: a natureza se
move em função do homem, pois é este, com seus males, que está na chave de ouro do
poema, para qualquer das leituras efetuadas.
Também se pode falar de um paralelismo ou de uma simetria nas estrofes, já
que todas elas possuem uma quebra, marcada pelos dois-pontos nas três primeiras estrofes e
pelo ponto e vírgula na quarta. Essa quebra está ligada ao câmbio que há entre passado,
como era o ambiente, e o presente, marcado por um posicionamento ou conclusão do poeta
ante a nova realidade.
Essa mudança contemplada pelo “eu” pode ser relacionada com uma passagem
da vida de Cláudio Manuel, que vai para Coimbra em 1749 e só retorna ao Brasil cinco
anos depois, em 1754. Então, podemos supor que essa metamorfose citada pelo poema
esteja ligada com sua própria alteração, já que volta de Portugal muito mais
intelectualizado; e com a mudança que houve no Brasil durante esse período. Uma prova
textual dessa interpretação é a citação de uma fonte no verso cinco, que pode estar
relacionada com o Ribeirão do Carmo, uma das provas de amor à terra canarinho, segundo
Ramos (1979: 38), que fez inclusive o poeta escrever as “Fábulas do Ribeirão do Carmo”.
Essa fonte também pode ser vista como reflexo da influência clássica, fazendo referência à
lenda de Narciso, um belo jovem que se apaixonara pelo seu reflexo em um lago e acaba
morrendo solitário afogado de tanto se contemplar, muito semelhante ao poeta,
desamparado e reflexivo por admirar sua imagem, porém assustado com o reflexo, não
encantado. Esse verso, além de poder fazer inferência ao Ribeirão, pode estar imbricado de
um sentido maior, que o de sua existência de abandono amoroso, melancólica, que pode ser
confirmada através dos sonetos em que “chora” pela falta de sua amada Nize.
Os embates que ocorrem na poesia em questão revelam uma tensão barroca no
poema. Tensão que é marcada entre o presente e o passado; entre o cultural e o natural; e
tensões internas a esses elementos, já que a cultura, o homem, o “eu” se mostram mutáveis,
assim como a natureza. Tais tensões podem ser notadas de forma explícita nas rimas dos
dois tercetos, entre “florescentes” e “decadentes”, na terceira estrofe e “era” e “degenera”,
ficando claro o conflito, de natureza tanto interna quanto externa, que permeia o soneto.
Cláudio Manuel da Costa é um poeta que sofre fortes influências camonianas e
de poetas clássico, como mostraremos a seguir através de alguns excertos de Camões e de
Ovídio que tratam da mesma temática abordada nesse soneto ou que remetem ao
movimento árcade como um todo.

Árvore, cujo pomo, belo e brando,


natureza de leite e sangue pinta,
onde a pureza de vergonha tinta,
está virgíneas faces imitando;

nunca de ira e do vento, que arrancando


os troncos vão, o teu injúria sinta;
nem por malícias de ar te seja extinta
a cor, que está teu fruto debuxando.
(CAMÕES, 1980: 170)

Indo o pastor todo embebido


na sombra de seu doce pensamento,
tais queixas espalhava ao leve vento
cum brando suspirar da alma saído:

<<A quem me queixarei, cego, perdido,


pois nas pedras não acho sentimento?
Com quem falo? A quem digo meu tormento
que onde mais chamo, sou menos ouvido?
(op. cit.: 22)

Por isso com razão lhe hão dado cultos


Caudaloso Ladon, Ménalo ingente,
Toda essa Arcádia enfim, terra que à lua
Foro se atreve a pleitear de antiga.

“Da Arcádia foragido aos lácios campos


Veio Evandro, trazendo os pátrios deuses.

“Nesse tempo, o lugar, onde hoje surge


Do universo a cabeça, a altiva Roma,
Era um páramo agreste... árvores... ervas...
E a longe a longe... algum tugúrio. Chegam.

- “ Parai – grita de Evandro a Mãe pressa-


Eis o sitio fadado ao vasto império!... [ga.-
Aqui!... estas soidões! -
(OVÍDIO, 1960: 277)

Por esses fragmentos, fica evidente como os poetas clássicos abordaram temas
como os que estão sendo tratados por Manuel da Costa e alguns de modo bastante
semelhante. Podem-se ver elementos da natureza sendo louvados; os sentimentos de solidão
e eterno questionamento do poeta e a invasão da natureza pela civilização, representada em
Ovídio pelo império de Roma.
Posso encerrar essa análise citando os quatro passos usados pelos poetas
árcades “para reconduzir a poesia ao que consideravam um bom gosto literário” (AMORA,
1974: 66), distanciando-se do exagero barroco que, por vezes, ofuscava o leitor. Através
destes passos, pretendemos demonstrar que esse poeta pode, sim, ser considerado um poeta
árcade: o primeiro deles é a “imitação” dos poetas clássicos, o que já foi comprovado; o
segundo é o uso de uma linguagem simples, o que está bem claro no poema; o terceiro é o
acréscimo de elementos nacionais para que não possa haver plágio dos clássicos, o que está
presente na fonte que provavelmente se refere ao Ribeirão do Carmo e, por último,
elementos efetivos do poeta, o que está expresso pela perplexidade do ethos com ele
mesmo.
Cláudio Manuel da Costa, além de seu caráter intertextual, foi antecessor de
características próprias de movimentos posteriores, como o romântico e o simbolista,
quebrando, assim, a clássica delimitação de fronteiras entre gêneros literários, quebra
natural dos grandes artistas, que sempre estavam à frente de sua época. Essas suas
inovações não diminuem seu valor como poeta árcade, mas enriquecem sua produção,
atestando ainda mais seu brilhantismo lírico. E, sobretudo, mesmo que não tratemos de
“literatura engajada”, o que talvez seja uma adjetivação adequada a certa produção dos
poetas árcades, podemos, nesses tempos de difícil relação do homem com o meio ambiente,
de proporções oceânicas se comparadas ao pequeno Ribeirão do Carmo, pensar se nosso
papel é, simplesmente, o de ver tudo se transformar em poema e ficarmos, diante de tais
versos, numa atitude de apática contemplação desse mutante mundo, cujas transformações,
cada dia mais, tornam-se prolíficas no processo industrial de geração de tão floridas
desnaturezas.

REFERÊNCIAS

AMORA, Antônio Soares. História da Literatura Brasileira. 8. ed. São Paulo: edições
saraiva, 1974.

ÁVILA, Affonso. O poeta e a Consciência Crítica. São Paulo: Summus, 1978.

CAMÕES, Luis de. Lírica Completa II. Prefácio e notas de Maria de Lurdes Saraiva.
Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1980.

CÂNDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 6. ed. Belo


Horizonte: Itatiaia, 2000.

COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Editorial Sul


Americana, 1968.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Obra poética de Carlos Drummond de Andrade (19
livros de poesia). Vol. 1. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1983.

NICOLA, José de. Literatura Brasileira: das origens aos nossos dias. São Paulo: Scipione
Autores Editores, 1985.

OVIDIO. Os Fastos. HORÁCIO. Sátiras. Tradução de Antônio Luís Seabra e Antônio


Feliciano de Castilho. Prefácio de João Batista Melo e Souza. São Paulo: W.M. Jackson
INC., 1960.

RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. Do Barroco ao Modernismo: Estudos de poesia


brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Livros técnicos e científicos, 1979.

COSTA, Cláudio Manuel da; GONZAGA, Tomás Antônio e PEIXOTO, Alvarenga. A


poesia dos inconfidentes: poesias completas de Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio
Gonzaga e Alvarenga Peixoto/ Org. Domício Proença Filho; artigos e notas de Melânia
Silva de Aguiar... [et.al.] – Rio de janeiro: Nova Aguilar, 1996.

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