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Filosofia Todos Os Modulos-1

O documento apresenta uma introdução à reflexão filosófica, discutindo a definição e a utilidade da Filosofia, além de delinear os principais períodos da Filosofia Ocidental. A Filosofia é descrita como uma busca pela sabedoria e um exercício de pensamento crítico, que desafia o senso comum e promove a indagação constante. O texto também destaca a importância de uma atitude filosófica e a necessidade de um estudo sistemático e coerente das ideias.
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
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Filosofia Todos Os Modulos-1

O documento apresenta uma introdução à reflexão filosófica, discutindo a definição e a utilidade da Filosofia, além de delinear os principais períodos da Filosofia Ocidental. A Filosofia é descrita como uma busca pela sabedoria e um exercício de pensamento crítico, que desafia o senso comum e promove a indagação constante. O texto também destaca a importância de uma atitude filosófica e a necessidade de um estudo sistemático e coerente das ideias.
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Filosofia

Material Teórico
Introdução à Reflexão Filosófica

Responsável pelo Conteúdo:


Profa. Dra. Andrea Borelli

Revisão Técnica:
Prof. Ms. Edson Alencar Silva

Revisão Textual:
Profa. Dra. Selma Aparecida Cesarin
Introdução à Reflexão Filosófica

• O que é Filosofia?
• Para que Filosofia?

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Discutir a definição de Filosofia, de conhecimento, Ciência e senso
comum. Além disso, discutiremos também os principais períodos
da Filosofia.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Introdução à Reflexão Filosófica

Contextualização
Vamos iniciar nosso trabalho contextualizando a importância da Filosofia por
meio de um texto de Karl Jaspers.

Leia com atenção!

O texto vale a pena!

Quando se fala em estudar Filosofia, não é raro nos depararmos com


perguntas como: Há uma utilidade para a Filosofia? Por que ela é tão
complexa? Karl Jaspers, um importante pensador alemão, responde
essa questão dizendo que estas são falsas perguntas, pois trabalham a
favor de uma “antifilosofia”, ou seja, um tipo de pensamento que im-
pede que a reflexão se contraponha à lógica que reduz tudo a fórmulas
prontas e acabadas questões cruciais para a nossa vida. Para ele “a
Filosofia aspira à verdade total, que o mundo não quer. A filosofia é,
portanto, perturbadora da paz”.

Ao se voltar para questões “que o mundo não quer” o pensamen-


to filosófico se transforma em algo que ora é evitado, ora é temido.
Evitado porque o conhecimento é enganadoramente associado a uma
atividade sem sentido, mas na realidade é algo que pode nos levar a
uma relação com o mundo muito mais profunda. E temido apenas por
aqueles que não querem que se pense livremente, pois é mais fácil ma-
nipular quem não questiona. Convidamos a utilizarem um antigo lema
latino que diz Sapere Audi! (Ouse saber!), ou seja, atreva-se a utilizar
o seu próprio conhecimento!

Karl Jasper

8
O que é Filosofia?
Essa pergunta permite muitas respostas...

Alguns podem apontar que a Filosofia é o “estudo de tudo” ou “o nada que


pretende abarcar tudo”.

Diante de tantas possibilidades, podemos iniciar nosso trabalho procurando o


significado da palavra, que é de origem grega.

Trata-se da junção de dois termos: philos que significa amizade, e sophia que
significa sabedoria; portanto, Filosofia é o amor pela sabedoria.

Philo = Sophia =
filosofia sabedoria
amizade

Figura 1

Considerando essa ideia, podemos dizer que a Filosofia indica um estado de


espírito, um desejo de procurar o conhecimento, cultivá-lo e respeitá-lo.

Segundo a tradição, foi o grego Pitágoras de Samos


que criou esse conceito. Pitágoras considerava que a
sabedoria absoluta era um privilégio divino, mas os
homens poderiam desejá-la e ao se dedicarem a obtê-la
tornavam-se Filósofos.

A Filosofia é uma criação grega. Foram os gregos que,


encantados com o mundo que os cercava e insatisfeitos com
as explicações de caráter tradicional, procuraram entender
os fenômenos com base na inteligência humana. Em suma,
Figura 2 - Pitáoras de Samos eles perceberam que o mundo poderia ser conhecido pelo
Fonte: Wikimedia Commons homem e, por isso, ensinado.

9
9
UNIDADE Introdução à Reflexão Filosófica

Para que Filosofia?


Marilena Chauí conta que quando você pergunta a um filósofo para que serve a
Filosofia, a primeira resposta será “Para não darmos nossa aceitação imediata às
coisas, sem maiores considerações”.
Explor

CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000, p.9.

O que ela quer dizer com isso?

Sua afirmação permite considerar que a Filosofia demanda uma atitude


diferenciada perante o conhecimento e as suas formas.

Trata-se da Atitude Filosófica.


Explor

• Atitude Filosófica
• Atitude crítica e pensamento crítico.

A atitude Filosófica é marcada por dois movimentos: a atitude crítica perante as


informações recebidas e o pensamento crítico, marcado por indagações rigorosas
sobre o mundo.

Esse tipo de atitude aponta a necessidade de observar o conhecimento como


algo em construção e que pode ser alterado, ampliado e, acima de tudo, criticado.

O filósofo grego Sócrates dizia que a atitude filosófica fundamental era aceitar
que: “Sei que nada sei”.

A atitude filosófica, portanto, é uma atitude de indagação constante e as


perguntas que marcam essas indagações são as mesmas, independente dos objetos
que a Filosofia pretenda conhecer.

Observe a imagem a seguir:

O quê?
Siginificação de algo.

Como?
Atitude Filosófica Estruturas e Relações que

Por quê?
Origem ou Causa das coisas

Figura 3

Por que pensamos?


10 Motivos
Aos poucos, a Filosofia volta as suas questões para o próprio pensamento, ou
seja, o pensamento passa a interrogar a si mesmo e esse movimento é chamado
de Reflexão.
O quê?
Siginificação de algo.
Explor

• Reflexão Filosófica = pensar o pensamento

Como?
Atitude
A reflexão Filosófica
filosófica é considerada radical, pois coloca
Estruturas em
e Relações quediscussão como é
possível a existência do próprio pensar e como isso realmente acontece.

A reflexão filosófica também procura observar Por quê? que estabelecemos


as relações
com o mundo e como essas se efetivam. Origem ou Causa das coisas

Observe a imagem:

Por que pensamos?


Motivos

O que pensamos?
Reflexão Filosófica Conteúdo

Para que pensamos?


Finalidade

Figura 4

Essas questões, contudo, não podem ser respondidas ao acaso ou com base em
opiniões pessoais. A Filosofia é uma Ciência que trabalha com raciocínios lógicos
e enunciados precisos.

No campo da Filosofia, o processo de pensar algo é acompanhado por um rigor


sistemático que garante organicidade, lógica e sentido a tudo que é postulado.

As respostas obtidas a essas questões, portanto, precisam formar um conjunto


coerente e sistemático de ideias que possa ser comprovado e demonstrado logicamente.

Filosofia: Conhecimento Sistemático

Coerência Relação entre ideias


Figura 5

11
11
UNIDADE Introdução à Reflexão Filosófica

Considerando o que já foi dito, voltamos à questão: Para que Filosofia?

Ora, a Filosofia nos ensina a pensar de forma crítica, a criticar o pensamento.

A filósofa Marilena Chauí aponta:


Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum, for útil;
se não se deixar guiar pela submissão às ideias dominantes e aos poderes
estabelecidos, for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da
cultura, da história, for útil; se conhecer o sentido das criações humanas
nas artes, nas ciências e na política, for útil; se dar a cada um de nós e à
nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações
numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos, for útil;
então, podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de
que os seres humanos são capazes.

A Filosofia Ocidental tem seu estudo dividido em grandes momentos, que


algumas vezes estão próximos à periodização utilizada na História, e algumas vezes
ficam bem distantes.

Os principais períodos são:

Filosofia Antiga – Século VI a.C. ao século VI d.C.


Esse período compreende os quatro grandes períodos da Filosofia greco-romana.

São eles:

Filosofia Antiga
Nome Período Característica
Séc. VI a.C. - • Mapear a origem do mundo.
Pré-Socrático ou Cosmológico
Séc. V a.C. • Mapear as causas das transformações da natureza.
Séc. V a.C. -
Período Socrático ou Antropológico • Mapear questões voltadas à questão humana como: ética, política.
Séc. IV a.C.
Séc. IV a.C. - • Sistematizar os conhecimentos sobre Cosmologia e Antropologia.
Período Sistemático
Séc. III a.C. • Tudo pode ser objeto da Filosofia

Séc. III a.C. - • Ocupa-se de questões sobre ética, do conhecimento humano e das
Período Helenístico ou Greco-romano
Séc. VI d.C. relações homem/natureza e natureza/Deus.

Os filósofos pré-socráticos são aqueles que vieram antes de Sócrates e tinham como
Explor

preocupação buscar entender a origem das coisas. O foco de reflexão era, portanto, o
mundo exterior, ou cosmológico. Entre os nomes de maior relevo estão Tales de Mileto
e Heráclito de Éfeso.

12
Filosofia Patrística – Século I ao século VII
Trata-se de um esforço sistemático de conciliação da Filosofia Greco-romana,
com o pensamento cristão e pode ser dividida em duas: a Patrística grega (ligada à
Igreja de Bizâncio) e a Patrística Romana (ligada à Igreja de Roma).

A Patrística terá como questão principal a conciliação entre a fé e razão e seus


autores vão introduzir no campo do pensamento a noção de que algumas verdades
foram reveladas por Deus; trata-se dos dogmas.

O termo remete à Filosofia cristã desenvolvida por padres ou pais da Igreja, nos primeiros
Explor

três séculos depois de Cristo. Daí o nome Filosofia Patrística.

Com isso, surge uma distinção desconhecida aos pensadores antigos, entre as
verdades reveladas por Deus (os dogmas) e as verdades da razão humana.

As verdades divinas são tidas, para esses autores, como mais importantes e
superiores ao pensamento racional humano.

Filosofia Medieval – Século XIII ao século XIV

Método da Disputa = Uma ideia seria considerada verdadeira ou falsa, dependendo da


Explor

força e da qualidade dos argumentos.

Trata-se do surgimento de uma Filosofia que pode ser considerada realmente


cristã. Suas questões centrais são: as relações entre Deus e o homem, a relação
entre fé e razão, a diferença entre o corpo e alma, o Universo como uma hierarquia
de seres e a subordinação do poder temporal ao poder espiritual.

A Filosofia medieval sofreu grande influência do pensamento neoplatônico e das


leituras árabes do pensamento de Aristóteles.

Outra característica importante era o método desenvolvido, conhecido por


disputa. Uma ideia seria considerada verdadeira ou falsa, dependendo da força e
da qualidade dos argumentos apresentados pelo autor.

O pensamento está subordinado ao princípio da autoridade, isto é, uma ideia


era considerada verdadeira, dependendo se estava baseada na opinião de alguma
autoridade reconhecida.

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13
UNIDADE Introdução à Reflexão Filosófica

Você Sabia? Importante!

O termo Filosofia Medieval tem início no período conhecido por Idade Média. Esteve
concentrada e desenvolvida em centros universitários e escolares. Daí também ser
conhecida por Filosofia Escolástica.

Filosofia da Renascença – Século XV ao Século XVI


Trata-se de um período marcado pela descoberta de novas obras de Platão e
Aristóteles, bem como a recuperação do trabalho de outros autores do mundo
greco-romano.

São três as linhas de pensamento no período:

Filosofia da Renascença
• A Natureza é um grande ser vivo.
• Homem como artífice de seu destino.
• O homem é parte da natureza e pode • Valorização da “vida ativa”, ou seja, a
participação política. • Destino determinado pelo
agir sobre ela.
conhecimento da política, das
• O homem pode conhecer os vínculos • Renascimento da liberdade política.
técnicas e da arte.
estabelecidos pelos elementos da
natureza e criar outros.

Filosofia Moderna – Século XVII a Século XVIII


Esse período é conhecido como Grande Racionalismo Clássico. Nenhum outro
período da história da Filosofia foi tão marcado pela crença na Razão. Conside-
rava-se que a razão seria capaz não só de conhecer a origem, as causas/efeitos
das paixões humanas e controlá-las, como também determinar o melhor regime
político para as sociedades e de mantê-lo racionalmente.
Explor

• Filosofia Moderna - Primado da RAZÃO

É um período marcado por três grandes mudanças de atitude intelectual.

Filosofia Moderna
• A Filosofia deve começar pela reflexão. • Tudo que pode ser conhecido é • A realidade é um sistema de
passível de ser transformado em causalidades racionais, rigorosas
• Indagar a capacidade humana de
conceito claro, distinto, demonstrável que podem ser conhecidas e
conhecer e demonstrar a verdade dos
e necessário. transformadas pelo homem.
conhecimentos.
• Natureza, Sociedade e Política
podem ser conhecidas totalmente,
pois são inteligíveis.

14
Filosofia da Ilustração ou Iluminismo – Século XVIII ao Século XIX
Esse período também crê no poder absoluto da razão e seus pensadores
consideram que ela “ilumina” o caminho humano.

O Iluminismo afirma que:

Filosofia da Ilustração ou Iluminismo


• A Razão permite • A Razão é capaz de progresso. • O Aperfeiçoamento da • Natureza é o reino das
conquistar liberdade, • O homem pode atingir Razão se realiza pelo relações necessárias e
felicidade social e política. a perfeição por meio do progresso das civilizações. imutáveis.
conhecimento, das artes, • As civilizações evoluem • Civilização é o reino da
da Moral e da Ciência. das mais primitivas para as liberdade e da finalidade
mais desenvolvidas produzida pelo homem.

Filosofia Contemporânea – Século XIX até os nossos dias


O pensamento filosófico atual é marcado pelas questões sobre a relatividade do
pensamento, a crítica à razão instrumental e a necessidade de perceber a pluralidade
das sociedades humanas.

Seus principais problemas são:

Coerência

História e progresso – A História é descontínua e não progressista.

Razão – Deve alertar para o perigo do pensamento instrumental. Trazer liberdade ao ser humano.

Filosofia – Afirmar sua posição de compreensão e crítica às Ciências.

Crítica às Utopias Revolucionárias – Somos capazes de criar uma sociedade mais justa?

Cultura – Pluralidade cultural.

Crítica à Razão. O que podemos realmente conhecer?

Interesse pela multiplicidade e pela diferença.

Figura 6

Os campos próprios de estudo da Filosofia.

15
15
UNIDADE Introdução à Reflexão Filosófica

Ontologia
Fundamento
últimos de todos
História da os seres Lógica
Filosofia Estudo Formas e regras
dos períodos do pensamento
Filosóficos verdadeiro

Filosofia da
Linguagem Epistemologia
A linguagem Análise crítica
como manifestação das ciências
da humanidade

FILOSOFIA

Estética Teoria do
Estudo das Conhecimento
Estudo das
formas a arte
modalidades de
e do trabalho conhecimento
artístico humano

Filosofia da
História - Estudo Ética
da dimensão Estudos dos
temporal da
experiência Filosofia Política valores morais
humana Estudo da
natureza do
poder

Figura 7

A Filosofia realizou seus estudos em diversas áreas e ao longo de sua existência,


como uma Disciplina do pensamento, foi capaz de desenvolver alguns campos de
estudo que lhe são próprios.

São eles:

O Conhecimento
As noções, que discutimos até agora, apontam que a questão central da Filosofia,
que envolve a crítica ao ato de pensar e, conectado a ele, ao ato de conhecer.

O conhecimento permeia todo o nosso cotidiano; por meio dele, sabemos como
nos portar, o que evitar, o que é adequado. Enfim, o conhecimento do mundo nos
garante um grande repertório de ações e pode ser percebido de duas maneiras:

Na primeira, o conhecimento é a relação estabelecida pela consciência do


observador e o mundo que o cerca e na segunda possibilidade, o conhecimento é o
conteúdo dessa relação. Trata-se, portanto, do saber adquirido e transmitido.

Quando interagimos com o mundo, criando o conhecimento, nunca o fazemos


despidos de conceitos anteriores, pois, ao longo da nossa relação com o mundo,
somos educados e absorvemos conceitos que nos permitem ampliar o saber que
temos. Trata-se de construir um edifício, em que cada um contribui com sua vivência.

16
Existem muitas formas de conhecer e, entre elas, destacam-se o Senso Comum
e a Ciência.

O Senso Comum
O senso comum é uma forma de conhecimento espontâneo que resulta das
experiências cotidianas dos indivíduos para resolver problemas. Nesse processo,
ele troca informações com seus contemporâneos e recebe informações de
gerações anteriores. Trata-se de um conhecimento empírico e fragmentário que
não estabelece relações com outros fenômenos.

Suas características centrais são:

Senso Comum

Saber Imediato Saber Subjetivo Saber Heterogêneo Saber Não Crítico

Observação Observação
Acúmulo não Não analisa
Confunde a Centrado nas sistemático de criticamente o
aparência com opiniões do informações conhecimento
o real indivíduo

Figura 8

É importante perceber que o Senso Comum pode ser considerado uma etapa
na construção do saber. Ele precisa ser substituído por uma abordagem crítica e
coerente, ou seja, o senso comum deve ser transformado em BOM SENSO. O
Bom Senso, segundo Gramsci é “o núcleo sadio do senso comum”.
Explor

ARANHA, Maria Lucia. Filosofando, Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1993, p 37.

Qualquer pessoa, se não privada de sua liberdade de pensamento, e se teve


condição de desenvolver sua atitude crítica, será capaz de autoconsciência, de
perceber criticamente o próprio pensamento e de analisar o mundo que a cerca.
Portanto, todos somos capazes de atingir o bom senso proposto por Gramsci e, a
partir dele, construir um conhecimento, fruto da crítica sistemática.

Como fazer isso?

É necessário assumir a postura de dúvida perante o mundo que nos cerca e


considerar que as informações, as quais recebemos, precisam ser alvo de crítica.
Dessa forma, entramos no mundo das Ciências.

17
17
UNIDADE Introdução à Reflexão Filosófica

A Ciência
Ao longo do tempo, podemos observar a existência de três formas de conceber
as Ciências ou noções do que é cientificidade. A primeira, chamada concepção
racionalista, tem sua origem no pensamento dos gregos e pode ser percebida até
o final do século XVII.

As características centrais dessa abordagem são:

Conhecimento racional,
dedutivo e
demonstrativo – tido
como real
Ciência – unidade
sistemática de Objeto científico é
postulados – natureza matemático = realidade
do objeto natureza e possui uma estrutura
as propriedades de matemática
seu objeto

CONCEPÇÃO
RACIONALISTA

Ciência – unidade
As experiências
sistemática de
científicas = verificar e
postulados – relações
confirmar as
de causalidade sobre o
demonstrações teóricas
objeto Objeto científico =
representação intelectual,
necessária, verdadeira e real
verdadeira das coisas –
corresponde à própria
realidade

Figura 9

Deve-se observar que, para essa perspectiva, a Ciência faz uma radiografia da
realidade. Ela definia um objeto e dele procurava deduzir os efeitos e propriedades
do fenômeno estudado, trata-se de uma abordagem hipotético-dedutiva.

Já a abordagem empirista era hipotético-indutiva, ou seja, criava suposições ao


objeto e, depois de realizar um conjunto de experiências, definia suas características
e propriedades.

A concepção empírica pode ser relacionada ao pensamento de Aristóteles e


pode ser rastreada até o século XIX.

18
Suas características centrais são:

A ciência é uma
interpretação dos
fatos, baseada
em observações
experimentos

A ciência é uma
Métodos
interpretação dos A CONCEPÇÃO
experimenta
fatos, baseada em EMPIRISTA
is rigorosos
experimentos

A experiência tem a
função de produzir
conhecimento

Figura 10

A concepção construtivista combina elementos vindos do empirismo e do


racionalismo e indica uma nova perspectiva para a noção de Ciência. Procura-se
explicar a realidade e não construir um raio X do mundo que nos cercam; trata-se
de um conhecimento que pode ser ampliado e corrigido. Trata-se da concepção de
Ciência que domina o conhecimento atual.

As características dessa concepção são:

O objeto uma
construção
lógico-intelectual

Modelos
Coerência entre os explicativos
CONCEPÇÃO construidos –
princípios que
CONSTRUTIVISTA observação e
orientam a teoria
experimentação

Os resultados
obtidos possam ser
alterados e alterem a
proópria teoria

Figura 10

19
19
UNIDADE Introdução à Reflexão Filosófica

Deve-se observar que, apesar de a concepção racionalista e a empirista terem


sua origem no pensamento grego, a concepção dos gregos do que era Ciências é
radicalmente diferente da nossa. Existem muitas diferenças; contudo, a que merece
destaque é a relação entre a Ciência e a Técnica.

No mundo grego, que era escravista, a técnica era considerada um saber inferior.
Ela estava ligada a práticas necessárias à vida e nada tinha a oferecer à Ciência nem
a receber dela.
Explor

Tecnologia é um saber teórico que pode ser aplicado praticamente.

Já a Ciência moderna está intimamente ligada à intervenção no mundo natural


e, nesse sentido, a Ciência moderna não se separa da questão técnica, pois no
mundo, o controle da natureza é considerado fundamental para a Ciência.

Na verdade, a Ciência moderna coloca em evidência a questão da Tecnologia, que


pode ser definida como um saber teórico, o qual é passível de ser aplicado praticamente.

A Filosofia, com sua atitude crítica, é a alma mater da ciência e permite ao


ser humano interferir no seu meio, procurando um mundo melhor, como aponta
Marilena Chauí:
Penso que quem busca a filosofia como forma de expressão de seu
pensamento, de seus sentimentos, de seus desejos e de suas ações,
decidiu-se por um modo de vida, um certo modo de interrogação e uma
certa relação com a verdade, a liberdade, a justiça e a felicidade. É uma
decisão existencial, como nos aparece com tanta clareza nas primeiras
linhas do Tratado da emenda do intelecto, de Espinosa. Essa decisão
intelectual, penso, não é possível a menos que aceitemos aquilo que
Merleau-Ponty chamou de “nossa vida meditante” em busca de uma razão
alargada, capaz de acolher o que a excede, o que está abaixo e acima dela
própria. Essa decisão, penso também, não é possível se não admitirmos
com Espinosa que pensar é a virtude própria da alma, sua excelência. O
desejo de viver uma existência filosófica significa admitir que as questões
são interiores à nossa vida e à nossa história e que elas tecem nosso
pensamento e nossa ação. Significa também uma relação com o outro
na forma do diálogo e, portanto, como encontro generoso, mas também
como combate sem trégua.
Explor

CHAUI, Marilena. A Filosofia como vocação para a liberdade. Estudos Avançados 17


(49), São Paulo: 2003, p.11.

20
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Bons e Maus Ensaios Filosóficos
HEPBURN, Ronald W. Bons e maus ensaios filosóficos.
https://goo.gl/Dz4qZr

Leitura
Como se lê um Ensaio de Filosofia
PRYOR, James. Como se lê um ensaio de filosofia.
https://goo.gl/Glt8tW
O que é Filosofia e por que Vale a Pena Estudá-la
EWING. A. C. O que é Filosofia e por que vale a pena estudá-la
https://goo.gl/ELgz7t

21
21
UNIDADE Introdução à Reflexão Filosófica

Referências
ARANHA, Maria Lucia. Filosofando, Introdução à Filosofia. São Paulo:
Moderna, 1993.

CHAUI, Marilena. A Filosofia como vocação para a liberdade. Estudos


Avançados 17 (49), São Paulo, 2003.

________. Convite à Filosofia. São Paulo, Ática, 2000.

22
Filosofia
Material Teórico
Aspectos da Filosofia Antiga e Medieval

Responsável pelo Conteúdo:


Profa. Dra. Andrea Borelli

Revisão Técnica:
Prof. Ms. Edson Alencar Silva

Revisão Textual:
Profa. Dra. Selma Aparecida Cesarin
Aspectos da Filosofia Antiga e Medieval

• Introdução
• A Filosofia Grega
• A Filosofia de Sócrates
• A Filosofia de Platão
• A Filosofia de Aristóteles
• A Filosofia Medieval
• A Patrística
• A Escolástica

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Discutir alguns aspectos da Filosofia no mundo Antigo, especialmente
entre os gregos;
· Conhecer alguns aspectos da Filosofia Medieval.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Aspectos da Filosofia Antiga e Medieval

Introdução
Olá!

Você conhece o quadro a seguir?

Trata-se de afresco de Rafael Sanzio, no qual são representados diversos Filósofos


gregos e a escolha desse tema, por uma pessoa da influência de Rafael e do Papa
Júlio II, reforça a importância do estudo da Filosofia Antiga e de sua presença na
sociedade medieval e moderna.

Observe o quadro e você vai reconhecer dois dos pensadores que vamos estudar!

Platão Aristóteles

Figura 1
Fonte: Adaptado de iStock/Getty images

A Imagem
A Escola de Atenas é um afresco de Rafael Sanzio, pintado entre 1509-1510.
Ele faz parte da decoração de um conjunto de quatro quartos que o Papa Julio II
encomendou ao artista.

O afresco está localizado no Museu do Vaticano, no quarto conhecido como Room of the
Explor

Segnatura. Você pode visitá-lo virtualmente no link a seguir: https://goo.gl/jgMSTo

8
A Filosofia Grega

Figura 2
Fonte: Istock/Getty images

A Civilização grega foi uma das civilizações mais marcantes da tradição ocidental.
Seu legado pode ser rastreado em muitos aspectos da nossa cultura já que
utilizamos prefixos e sufixos gregos para formar palavras; o conceito de democracia
para definir a participação política de um povo no governo; os conceitos
desenvolvidos por Tales de Mileto e por Pitágoras na Matemática e, finalmente,
estudamos Filosofia.
Afinal, que preocupações eram centrais para os Filósofos gregos? Quem são os
maiores representantes da Filosofia desse povo brilhante?
Antes de iniciarmos a discussão da Filosofia grega, é necessário observarmos
alguns elementos importantes do processo histórico grego. O nascimento da
Filosofia que representa a transição do pensamento mítico para o pensamento
racional, típico dessa Disciplina, está ligado ao surgimento da pólis, ou seja, da
cidade-estado.
O historiador Jean Pierre Vernant1 considera que a pólis é o marco inicial da
invenção da cultura grega. A cidade–estado grega era marcada pela existência de
uma praça central, a Ágora, onde se debatiam os assuntos de interesse comum, ou
seja, os assuntos públicos, e onde a figura central era o cidadão.
O cidadão é um participante dos destinos da cidade e goza de isonomia, ou seja,
ele tem os mesmos direitos que qualquer outro cidadão e sua riqueza ou posição
social não trazem nenhum privilégio perante a Lei. Deve-se observar, contudo,
que a cidadania era privilégio de poucos indivíduos, já que camadas importantes
da sociedade, como os estrangeiros, as mulheres e os escravos não gozavam de
nenhum direito.

1 VERNANT, Jean Pierre. As origens do pensamento grego. São Paulo: Diefel, 2002.

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UNIDADE Aspectos da Filosofia Antiga e Medieval

Figura 3
Fonte: iStock/ Getty images

A cidade de Atenas no seu apogeu, século V a.C., tinha cerca de meio milhão
de habitantes; contudo, somente 10% deles eram considerados capazes de exercer
a cidadania e decidiam os rumos da cidade em nome de todos.
E a Filosofia?
O nascimento da Filosofia grega é marcado pela transição da cosmogonia para
a noção de cosmologia.
A cosmogonia está ligada à explicação mítica e identificada com deuses e forças
da natureza.

Importante! Importante!

É importante assinalar, desde já, que a cosmogonia é também em si uma forma de


pensar o mundo e os seus problemas. Ela se apresenta como uma maneira válida de
se buscar explicações sobre as coisas que nos cercam. Contudo, se limita-se apenas àas
explicações de cunho mítico e religioso. É precedente, portanto, da observação filosófica.
Assim perguntas como estas: pPor que nascemos e morremos? Por que existe a noite e o
dia? São explicadas a partir da intervenção de algum herói ou deus.

No caso da cosmologia, a questão é diferente.


Observe o gráfico:

Cosmologia

Arché = princípio fundamental de todas as coisas

Figura 4
Fonte: Adaptado de iStock/Getty images

A procura do princípio fundamental das coisas vai marcar o pensamento da


maioria dos filósofos conhecidos como pré-socráticos; entre eles destacam-se
dois: Heráclito e Parmênides.
“Para os que entram nos mesmos rios, correm outras e novas águas. Não
se pode entrar duas vezes no mesmo rio.” (Heráclito)

10
Heráclito (544-484 a.C.) nasceu em Éfeso, na Jônia, onde hoje fica a Turquia. Sua
maior questão era entender a multiplicidade do mundo real e, ao contrário de seus
contemporâneos, não via contradição nas mudanças constantes que atingem todos.

Segundo Heráclito, o que vemos é um dado momento na trajetória de algo


e esse momento não é igual ao anterior e o próximo será diferente do atual. O
mundo é marcado pela instabilidade e pelo dinamismo.

Para Heráclito, o ser é múltiplo e composto de uma série de contradições internas


que marcam o seu desenvolvimento; nesse sentido, a harmonia atingida pelo ser é a
síntese dos contrários que compõem o ser. O pensamento de Heráclito influenciou o
desenvolvimento da lógica dialética que marca o pensamento de Karl Marx.
“O que está fora do Ser não é Ser; o Não-Ser é nada; o Ser, portanto,
é Um.” (Parmênides)

Parmênides (530-460 a.C.) viveu em Eléia, na Magna Grécia, onde hoje é a Itália.
Ele ocupou-se longamente em criticar as teorias de Heráclito, pois considerava
inaceitável a noção da contradição e propunha a ideia de que um “ser é” ou um
“ser não é”. Considerando essa noção, ele conclui que o ser é único, imutável,
infinito e imóvel; portanto, a noção percepção de mudança e movimento é uma
ilusão que só existe no mundo sensível.
Explor

Sofista = sábio. “Professor de Sabedoria”.

O que é realmente verdadeiro só existe no mundo inteligível, pois submetido ao


crivo da razão e ao que vamos chamar posteriormente de princípio de identidade
(algo é ou não é). Uma das consequências desse pensamento será a noção da
identidade entre o ser e o pensar, ou seja, as coisas são idênticas ao meu pensamento.

Protágoras

“O Homem é a medida de todas as coisas.”

O conhecimento não é divino.


O conhecimento é um exercício da
razão humana.

O conhecimento é fruto da razão humana.

Figura 5
Fonte: Adaptado de iStock/Getty images

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UNIDADE Aspectos da Filosofia Antiga e Medieval

A Filosofia pré-socrática é marcada pela presença de diversos pensadores que


ficaram conhecidos como sofistas. Os sofistas viveram o período áureo da cultura
grega, o século V a.C., e sua maior contribuição foi a sistematização do ensino nas
cidades gregas.
Foram os sofistas que formaram um currículo de estudos, em que se destacava
o ensino da Gramática, da Retórica, da Dialética, além de Matemática, Geometria,
Astronomia e Música.
Os sofistas mais importantes foram Protágoras, Górgias e Hipias, entre outros.
Os sofistas são contemporâneos de Sócrates, que os combatia ferozmente, aliás, foi
por causa dessa oposição que os sofistas ficaram conhecidos como enganadores.
Deve-se destacar que essa opinião foi difundida por seus opositores e muitos deles
eram filósofos excelentes, como Protágoras.

A Filosofia de Sócrates
“Só sei que nada sei!” (Sócrates)

Sócrates (470-399 a.C.) é considerado um dos maiores


filósofos da antiga Grécia. Ele não deixou nenhum
escrito e suas ideias foram divulgadas por seus discípulos,
especialmente Platão. Sócrates foi obrigado a cometer
suicídio, pois se indispôs com pessoas muito poderosas
e foi acusado de traição, de corromper a juventude
ateniense e de não acreditar nos deuses da cidade.
Ele parte do pressuposto de que o ponto inicial da
construção do conhecimento é reconhecer a própria
ignorância e só depois desse passo é que é possível iniciar
a procura pelo saber. Ele ficou famoso por seu método de Figura 6
construção do conhecimento. Fonte: Wikimedia/Commons

Método Socrático
Ironia = pergunta
Desmontar o conhecimento anterior
Reconhecer a ignorância
Maiêutica = parto
Construção do novo conhecimento

Figura 7
Fonte: Adaptado de Istock/Getty images

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Sócrates viveu um momento em que a Filosofia estava criando seus métodos e
vocabulário próprios e, em seus ensinamentos, utilizava palavras comuns, atribuindo
a elas um novo sentido. Um exemplo dessa ressignificação é o que acontece com
a palavra logos. Em grego, logos significa “conversa”, contudo, ele a utiliza no
sentido de conceito.
Quando Sócrates perguntava qual era o logos de algo, ele desejava conhecer o
conceito, ou seja, a definição de algo.

A Filosofia de Platão
Trocando ideias...Importante!
O Filósofo se livrou das correntes da doxa (opinião) e passou a se orientar pela episteme
(Ciência). Pensamento de Platão.

Platão (428-347 a.C.) viveu em Atenas e, além de ser o discípulo mais famoso
de Sócrates, foi o fundador de uma importante escola, a Academia.
Seu pensamento pode ser ilustrado pelo famoso “Mito da Caverna”, que se
encontra no Livro VII de A República, que é uma de suas mais importantes obras.
Platão imagina uma caverna onde todos os seres humanos estão acorrentados e
voltados para o fundo; nessa posição, eles só enxergam um reflexo das coisas que
existem no mundo fora dela. Aquele homem que conseguisse fugir de suas amarras
poderia ver os objetos reais que estão fora da caverna.
Para Platão, essa noção pode ser utilizada para explicar dois pontos de vista
importantes de seu pensamento: o epistemológico e o político. No que diz respeito
à epistemologia, o mito da caverna aponta para a característica do conhecimento,
ou seja, a sua teoria das ideias.

Teoria das Ideias

Mundo Sensível Mundo Inteligível

Acessível pelos sentidos. É o mundo É o mundo das Ideias. É o mundo real.


do movimento, da multiplicidade. Refere-se à intuição intelectual.

As ideias são unas, imutáveis e


Mundo Ilusório. Os objetos são
hierarquizadas. O Bem é a mais
“sombras” dos objetos reais.
importante e mais geral de todas.
Teoria da Participação: O Teoria da Reminiscência: os
Fenômeno só existe por fazer sentidos despertam lembranças.
parte da ideia, da qual é “sombra” Conhecer é lembrar.

Figura 8
Fonte: Adaptado de Istock/Getty images

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UNIDADE Aspectos da Filosofia Antiga e Medieval

Como é possível observar, Platão privilegia o mundo das ideias e confere a ele
uma existência real, pois para cada “sombra” que existe no mundo sensível, há
uma essência imutável no mundo das ideias.

A Filosofia de Aristóteles
Aristóteles (384-322 a.C.) nasceu em Calcídica,
uma região dependente da Macedônia. Seu pai era
Aristóteles traz as ideias
médico na corte de Felipe II e gozava de grande do céu para a terra.
influência, o que garantiu que Aristóteles fosse
mandado a Atenas para estudar.
Na Academia de Platão, ele se destacou como um dos alunos mais brilhantes do
mestre e, depois de sua morte, Aristóteles retornou a Macedônia e passou a educar
o futuro rei: Alexandre Magno.

Em 340 a.C., Aristóteles retornou a Atenas onde fundou o Liceu, sua própria
escola, que tinha esse nome por ser próxima ao templo de Apolo Lício.

Ao retomar a problemática do conhecimento, procura definir a Ciência como o


conhecimento verdadeiro, pois procura conhecer as causas e superar os enganos
da opinião e compreender a natureza do devir.

Sua Filosofia se baseia em três distinções fundamentais:


• Substância, essência, acidente;
• Ato, potência;
• Matéria, forma.

Aristóteles rejeita o mundo das ideias de Platão, fundindo o mundo sensível e o


inteligível ao conceito de substância. A substância é aquilo que é em si mesmo, ou
seja, o suporte dos atributos.

Substância:
aquilo que é
em si mesmo

Essência Acidente
Os atributos essências Os atributos que a
da substância. “Sem substância pode ou não
eles a substância não ter sem deixar de ser o
seria o que é” que é

Figura 9
Fonte: Adaptado de Istock/Getty images

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Contudo, esses conceitos não explicam as transformações que os seres/coisas
podem sofrer e, por isso, Aristóteles recorre às noções de forma e matéria.

• Matéria é o princípio indeterminado de que o mundo físico é composto.


• É caracterizada pela indeterminação.
• É pura passividade, contendo forma em potência.
• Forma é aquilo que faz com que uma coisa seja o que é.
• É um principio inelegível.
• É a essência comum aos indivíduos de uma mesma espécie.

Todo o ser tende a tornar atual a forma que tem em si como potência e, nesse
momento, Aristóteles faz uso dos conceitos de ato e potência.

• Potência é a ausência de perfeição.


• Potência é a capacidade de tornar-se algo e, para isso, precisa da ação de um ser
já em ato.
• O movimento é a passagem da potência em ato.
• O movimento é o ato de um ser em potência enquanto tal, é a potência
se atualizando.

Ao utilizar esses conceitos, Aristóteles supera pensadores como Platão e


Parmênides, pois aponta que, se pensar é lidar com conceitos universais, é também
pensar a coisa individual e suas transformações.
Outra questão da filosofia aristotélica que merece destaque é a ideia do Ato
Puro ou da Causa Primeira. Ao analisar a relação entre as coisas, ele observa que
em um determinado momento a razão de existência de algo não pode ser encon-
trada em si mesma. Isso acontece porque as coisas são contingentes e todo o ser
contingente precisa ser produzido por outro ser. O ser que inicia tudo é considera-
do imóvel, pois não pode ser movido por nada é puro ato, por não ser potência.

A Filosofia Medieval
A Idade Média é marcada por dois processos históricos relacionados ao império
Romano. Foi convencionado que seu início seria o ano de 476, quando Roma foi
tomada pelos germanos: trata-se da derrubada do Império Romano do Ocidente.
Já o fim da era medieval foi marcado pela queda da capital do Império Romano
do Oriente, a cidade de Constantinopla, tomada pelos turcos em 1453.
Por questões didáticas, costuma usar-se uma subdivisão temporal entre Alta e
Baixa Idade Média. A Alta Idade Média é o primeiro momento, entre os séculos V
e X e se trata do período em que se formaram os feudos, criaram-se as relações de
suserania e vassalagem, e o poder da Igreja floresceu. Já o período da Baixa Idade
Média, entende-se do século X ao século XV. A partir dessa época, novas ideias e
novas práticas levaram à decadência das instituições feudais.

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UNIDADE Aspectos da Filosofia Antiga e Medieval

Durante muito tempo, a ideia de Idade Média foi associada a atraso, a uma
época de “trevas” em que circulação de ideias era restrita e o pensamento artístico
e filosófico era inexistente.
Embora a cultura medieval fosse impregnada pela mentalidade religiosa, ela
floresceu, como se pode observar na arquitetura das grandes catedrais.
Da mesma maneira, diversos pensadores, ligados à Igreja, se esforçaram para
conciliar a religião cristã com a filosofia grega, em especial a de Aristóteles.

A Patrística
A Filosofia Patrística foi marcada pelos esforços de defesa da fé, por meio da
elaboração de textos que destacassem as relações entre a Fé e a Razão, que passa
a ser vista como uma auxiliar da Fé.

A razão está subordinada à Fé e sua função é criar mecanismos que provem as


relações com o divino e permitam a percepção da existência de DEUS.

O principal filósofo dessa corrente era Santo Agostinho, que foi Bispo de Hipona.

Aurélio Agostinho nasceu em Tagaste, província romana do norte de África, no


ano de 354, e somente se converteu ao Cristianismo em 386, por influência da
sua mãe e de Ambrósio, o bispo de Milão. Em 391, foi ordenado sacerdote e em
quatro anos tornou-se Bispo de Hipona. Faleceu em 430, durante a tomada de
Hipona pelos vândalos.

Seu pensamento é bastante influenciado pela filosofia Platônica.


“Creio para poder entender.” (Santo Agostinho)

Ele retomou a dicotomia que Platão


apresenta no que se refere ao mundo
sensível e ao mundo das ideias. Contudo,
ele substituiu o conceito de mundo das ideias
pelo conceito de ideias divinas.
As ideias divinas seriam apresentadas ao
homem por Deus e por isso seriam eternas e
verdadeiras. Ele criou a teoria da Iluminação.
Segundo essa noção, Deus ilumina a
razão e permite ao homem pensar de
maneira correta. Deve-se observar que a
Fé era muito importante e a verdade era Figura 10 – Aula em uma universidade
um atributo advindo dela, como você pode medieval – Iluminura – Século. XII
observar na declaração de Agostinho. Fonte: Wikimedia/commons

“Aquilo que a verdade descobrir não pode contrariar aos livros sagrados,
quer do Antigo quer do Novo Testamento.” (Agostinho, Bispo de Hipona)

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A Escolástica
A Escolástica foi a filosofia cristã que dominou o mundo medieval desde o final
do século IX, teve seu apogeu no século XVIII e entrou em decadência dois séculos
depois. Os pensadores dessa corrente continuam a considerar central a aliança
entre a fé e a razão; contudo, a razão mantém sua condição de “serva” da fé.

Durante muito tempo, o pensamento medieval foi marcado pelo pensamento de


Platão e a introdução da filosofia aristotélica foi lenta e marcada pela desconfiança,
pois a maior parte dos trabalhos de Aristóteles chegou aos sábios medievais por
traduções árabes.

No século XII, surge o trabalho de São


Tomás de Aquino que, trabalhando com
traduções gregas dos trabalhos de Aristó-
teles, realizou uma das sínteses mais inte-
ressantes do pensamento cristão com os
trabalhos desse autor: a filosofia aristoté-
lico-tomista.

Tomás de Aquino nasceu em Roccasecca,


no sul da Itália, de uma família nobre: os
condes de Aquino. Iniciou a sua educação
na abadia de Montecassino e, em 1243,
ingressou para a ordem dos dominicanos.
Estudou em Colônia e Paris, retornando
à Itália alguns anos depois. Em 1265, foi
encarregado de organizar os estudos da
Ordem dos Dominicanos em Roma. Em
1269, foi para Paris, ocupando a cátedra
de mestre de teologia e, em 1272, volta-
ria à Itália para ensinar na Universidade de
Figura 11 – Escola da Catedral –
Nápoles. Morreu em 1274, quando se diri- Iluminura Italiana
gia ao Concílio de Leão. Fonte: Wikimedia/commons

Ele procurou mostrar que a razão humana e a fé são compatíveis e não


excludentes, já que a Filosofia é um dos mais poderosos instrumentos da Teologia.
É um fato que esses princípios naturalmente inatos à razão humana são
absolutamente verdadeiros; são tão verdadeiros, que chega a ser impossível
pensar que possam ser falsos. Tampouco é permitido considerar falso
aquilo que cremos pela fé, e que Deus confirmou de maneira tão evidente.
Já que só o falso constitui o contrário do verdadeiro, como se conclui
claramente da definição dos dois conceitos, é impossível que a verdade da
fé seja contrária aos princípios que a razão humana conhece em virtude
das suas forças naturais. (São Tomás de Aquino - Súmula contra os gentios)

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UNIDADE Aspectos da Filosofia Antiga e Medieval

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Filosofia Grega
Procure o link a seguir, no qual você encontrará as seguintes obras: Platão: A apologia
de Sócrates, O Banquete, Criton (o dever), Filebo, Fedon, Gorgias e o Sofista;
Aristóteles: Tópicos.
https://goo.gl/iGVllZ
Filosofia Medieval
Procure no link a seguir a seguinte dissertação e tese: Renata Vanessa Silva. A relação
entre verdade e conhecimento nas confissões de Santo Agostinho.
https://goo.gl/KNK1eA
Dia a Dia Educação
No site Dia a Dia Educação, do governo do Estado do Paraná, você encontrará sobre
São Tomás de Aquino.
https://goo.gl/8Vpkkp
Acropolis Virtual Tour
Você pode conhecer a Acrópole de Atenas, acompanhando o material disponibilizado
pelo Museu da Acrópole (em inglês).
http://acropolis-virtualtour.gr
Pathernon
Você pode, também, conhecer as obras do Pathernon, na apresentação produzida
pelo governo grego (em inglês).
https://goo.gl/yByF6R
Cultura e Civilização Medieval
Para conhecer um pouco mais sobre o mundo medieval, você pode acessar o acervo
online do Museu Britânico e do Metropolitan Museum de New York.
https://goo.gl/28YgB1

Leitura
Política de Aristóteles
https://goo.gl/sv6TiR
A Felicidade pelo Conhecimento em Agostinho
RUSSO, Alexandre Toler.
https://goo.gl/YuIOZL
Cultura e Civilização Grega
Para conhecer um pouco mais sobre a Mitologia Grega, você poderá ver uma
apresentação da Exposição Os Deuses Gregos – MAB/FAAP.
https://goo.gl/lT6KU8

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Referências
ARANHA, Maria Lucia. Filosofando, Introdução à Filosofia. São Paulo:
Moderna, 1993.

CHAUI, Marilena. A Filosofia como vocação para a liberdade. Estudos Avançados


17 (49), São Paulo, 2003.

________. Convite à Filosofia. São Paulo, Ática, 2000.

VERNANT, Jean Pierre. As origens do pensamento grego. São Paulo,


Diefel, 2002.

19
19
Filosofia
Material Teórico
Aspectos da Filosofia Moderna e do Iluminismo

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Avelar Cezar Imamura

Revisão Técnica:
Prof. Ms. Edson Alencar

Revisão Textual:
Profa. Dra. Selma Aparecida Cesarin
Aspectos da Filosofia
Moderna e do Iluminismo

• Introdução
• Contexto Histórico
• As Características do Pensamento Moderno
• A Revolução Científica
• O Racionalismo Cartesiano
• O Empirismo Inglês
• O Iluminismo
• O Criticismo Kantiano

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Nesta Unidade, vamos tratar do tema “Filosofia Moderna e
Iluminismo”.
· O estudo da Filosofia Moderna e do Iluminismo vai propiciar
melhor compreensão do nascimento de um novo modo de pensar
e de ver o mundo, que ainda é em grande parte o nosso modo,
mas que é muito diferente do modo de pensar da Antiguidade e da
Idade Média.
· Temos muitos pontos em comum com os pensadores modernos: o
uso da razão, a valorização da Ciência e da Técnica, a defesa da
liberdade, a luta contra as injustiças sociais e privilégios etc.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Aspectos da Filosofia Moderna e do Iluminismo

Introdução
Quando ligamos a TV ou sintonizamos em uma rádio para ouvir as notícias,
não raro o locutor nos apresenta um panorama sobre questões de várias notícias.
Entre elas é fácil nos depararmos com questões sobre política, saúde, economia e,
cultura, entre outras.

É por através dessa apresentação e pelos comentários feitos nesses programas


que ficamos sabendo dos assuntos mais relevantes que nos informam sobre o que
está ocorrendo em nossa sociedade. Essas novidades, geralmente, alimentam os
nossos bate-papos, sejam presenciais ou nas redes sociais. Nós ouvimos e opinamos
livremente sobre os assuntos dos quaisque tomamos conhecimento. Mesmo que
surja alguma discordância, em geral, argumentamos e damos bases às nossas
posições utilizando, em grande medida, o pensamento racionalmente estruturado.

Utilizamos uma estrutura de pensamento em que nos ajude a não nos


contradizermos, recheando-a de argumentações plausíveis. Assim, por exemplo,
opinando sobre questões de política e de saúde pública, invocamos a ideia de
“coisa pública, ou seja, de que o interesse do Estado deve estar pautado para
atender o interesse do povo”.

Contudo, o que não percebemos é que grande parte dessa estrutura de


pensamento foi elaborada na chamada “modernidade” e com contribuições
importantíssimas dos pensadores iluministas. Sendo assim, imagine viver sem o
apoio da Ciência, de governos baseados nas ideias de Democracia e República...
Seria muito mais complicado, você não acha?

O que buscaremos trabalhar nesta Unidade é como esses conceitos foram


surgindo e modificando a maneira de pensar o mundo no ocidente. Para tanto,
começaremos por entender o contexto histórico e social que possibilitou o
surgimento de outras formas de pensar fora dos ditames da Igreja Católica.

Feito isso, passaremos a examinar as características do pensamento moderno,


buscando verificar o papel da Ciência para o desenvolvimento de uma outaoutra
imagem de nós mesmos. Fecharemos a discussão apresentando as ideias e os
pensadores iluministas que mais contribuições apresentaram para o contexto de
progressão da Filosofia Moderna.

Contexto Histórico
Com a desintegração do Feudalismo na Europa, a partir do século XII, começa
a surgir um novo sistema econômico e social: o Capitalismo, e, também, uma
nova classe social começa a se desenvolver e a ganhar importância: a burguesia.
Esse período histórico chama-se História Moderna e vai do século XV ao
século XVIII.

8
As principais características desse período são:
• Predomínio do Capitalismo comercial, que vai comercializar especiarias do Orien-
te e também ser responsável pela era das grandes “descobertas” marítimas;
• Centralização do poder do Estado nas mãos de um rei;
• Criação de um sistema colonial, principalmente na América;
• Desenvolvimento progressivo do trabalho assalariado;
• Diminuição da importância e poder da Igreja Católica e das ideias religiosas;
• Grande produção artística e intelectual não religiosa (MOTA, 1986).
• É nesse contexto histórico que vai surgir e se desenvolver a Filosofia Moderna
e o Iluminismo.

As Características do Pensamento Moderno

Figura 1 – Leonardo Da Vinci, representando o período do Renascimento, Martinho Lutero,


representando a Reforma Protestante e Immanuel Kant, representando o racionalismo
Fonte: Wikimedia/commons

Na Idade Média europeia, a religião Católica era a base do pensamento, do


conhecimento e da legitimação do poder e da vida social. A fé e a revelação eram
o fundamento do pensamento religioso.

Com o Renascimento (séculos XV-XVI), o homem é posto no centro do universo,


o que coloca em questão o pensamento teocêntrico anterior. Com o surgimento
da Reforma Protestante (século XVI), há um questionamento dos dogmas da Igreja
Católica e também uma quebra da unidade religiosa.

9
9
UNIDADE Aspectos da Filosofia Moderna e do Iluminismo

Explor
A chamada Reforma Protestante foi liderada pelo padre e teólogo Martinho Lutero, em
1517. Lutero se rebelou contra as práticas vigentes na Igreja Católica e julgava que ela
precisaria ser reformada. O seu ato foi visto como uma blasfêmia, sua Reforma Religiosa
foi rejeitada internamente e só se concretizou com a fundação de uma nova religião cristã.
O seu ato obteve êxito em parte devido às suas ideias terem grande aceitação pública,
mas também por ter sido vista pela burguesia como oportunidade de seguir com as suas
práticas comerciais sem ser taxada de pecado por lucrar com elas e, por fim, pelos monarcas
estabelecidos no sacro Império Romano (região da Alemanha). Seguindo o exemplo de
Lutero, outros líderes trataram de dar maior ênfase a esse processo de ruptura e, entre eles,
podemos destacar João Calvino e o rei Henrique VIII.

Começa a nascer, então, o pensamento moderno. Ao critério exclusivo da fé


e da revelação, o indivíduo moderno opõe o poder da razão. Ao dogmatismo
religioso, ele opõe a possibilidade da dúvida (ARANHA & MARTINS, 2007).

Surge, desse modo, um pensamento crítico que questiona a autoridade religiosa.


Uma das características do pensamento moderno é justamente o racionalismo.

O racionalismo se traduz na atitude reflexiva frente à problemas diversos, sejam de ordem


Explor

religiosa ou técnica. Essa maneira de proceder com o conhecimento está refletida nos
trabalhos de grandes filósofos como o alemão Immanuel Kant. A sua maior característica
é, portanto, o estabelecimento de uma busca por uma postura racional e a ruptura com
questões guiadas apenas pela convicção da fé.

Só a razão é capaz de levar ao conhecimento, e uma das suas principais


preocupações é com o método. O método, ou a maneira de proceder com a
reflexão,, sempre foi objeto de discussão dentro da Filosofia, mas não com tamanha
intensidade como no século XVII (ARANHA & MARTINS, 2007).
O pensamento antigo e medieval partia da realidade inquestionável do objeto e
da capacidade humana de conhecer esse objeto. Na época moderna, o problema
não é saber se uma coisa existe ou não, mas se nós podemos conhecê-la (ARANHA
& MARTINS, 2007).
O pensador moderno começa duvidando de tudo. É na descoberta da
subjetividade (relativo ao sujeito) que se move toda a epistemologia moderna
(questões relativas ao conhecimento). O filósofo passa a se preocupar mais com o
sujeito que conhece do que com o objeto a ser conhecido.
Outra característica importante do pensamento moderno é o Antropocentrismo
(ARANHA & MARTINS, 2007). No pensamento medieval, predomina o
Teocentrismo (Deus é o centro de tudo), o homem moderno coloca a si mesmo
como medida das coisas e de sua consciência. Como contraponto à explicação
religiosa do mundo, surge a laicização (visão não religiosa) do pensamento, da
moral e da política.

10
Observa-se, também, que há uma valorização do saber ativo em oposição ao
saber contemplativo dos pensadores antigos e medievais. O conhecimento não
deve partir apenas das teorias ou filosofias, mas da própria realidade observada
e submetida a experimentações (ARANHA & MARTINS, 2007). Esse conheci-
mento deve ser utilizado para transformar o mundo. Dá-se a aliança da Ciência
com a Técnica.

A Revolução Científica
Um dos elementos que vai causar grande impacto e transformações na maneira
de pensar e no modo de ver o mundo foi a Revolução Científica do século XVII.
A Revolução Científica foi um movimento de ideias que compreende, mais
ou menos, o intervalo entre a publicação do livro Das revoluções dos corpos
celestes (1543), de Nicolau Copérnico, até a obra de Isaac Newton, Princípios
matemáticos de filosofia natural, publicada pela primeira vez em 1687 (REALE
& ANTISERI, 2003). As características principais desse movimento estão na
obra de Galileu, no século XVII, e encontram os seus pressupostos filosóficos nas
ideias de Descartes e Bacon.
A Revolução Científica deve ser compreendida como a expressão do nascimento
da nova ordem burguesa. As invenções e as descobertas são inseparáveis da nova
Ciência, pois para o desenvolvimento do Capitalismo, a burguesia necessita de um
conhecimento que investigue as forças da natureza a fim de usá-las em seu próprio
interesse e benefício. A ciência deixa de ser uma serva da Teologia, deixa de ser
um saber contemplativo para, em união com a Técnica, poder servir à nova classe
social (ARANHA & MARTINS, 2007).
O que mudou com a Revolução Científica?

A Transformação da Imagem do Universo


O elemento que desencadeou esse movimento de ideias foi a Revolução
Astronômica, que teve como representantes Copérnico, Tycho Brahe, Kepler e
Galileu e que acabaria confluindo na física de Newton.
Nesse período, temos a mudança da imagem do mundo. O modelo geocêntrico
(a Terra no centro do Universo) de Aristóteles/Ptolomeu é substituído pelo modelo
heliocêntrico (o Sol no centro do Universo) de Copérnico. Tycho Brahe elimina
a ideia de orbe (esfera) material que, na velha cosmologia, arrastava os planetas
com seu movimento e a substitui pela moderna ideia de órbita dos planetas. Kepler
realiza a passagem do movimento circular dos planetas, da velha cosmologia, para
o movimento elíptico. Galileu demonstra a falsidade da ideia de uma física terrestre
e uma física celeste e mostra que a Lua é da mesma natureza que a Terra. Newton,
com a sua teoria da gravidade, unificou a física de Galileu com a de Kepler (REALE
& ANTISERI, 2003).

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UNIDADE Aspectos da Filosofia Moderna e do Iluminismo

A nova teoria não apenas retirou a Terra do centro do Universo, mas também
acabou com uma teoria que hierarquizava os espaços dividindo-os em “mundo
superior dos Céus” e “mundo inferior da Terra”. Galileu geometrizou o universo
igualando todos os espaços. Ao descobrir a Via Láctea, contrapôs à ideia de um
mundo fechado e finito, da antiga cosmologia, a ideia de um universo infinito
(ARANHA & MARTINS, 2007).
A questão, no entanto, não era apenas científica, era também política. Era uma
luta entre duas concepções de mundo: a da Igreja Católica e a da Ciência. Galileu
foi obrigado a se retratar publicamente, a renunciar a sua teoria e foi recolhido à
prisão domiciliar.

A Transformação da Imagem do Homem


A imagem do homem até esse período é marcada fortemente por uma visão re-
ligiosa, bíblica, que o colocava no topo do Universo, como a criação mais perfeita
de Deus. Copérnico retirou a Terra do centro do Universo e, com ela, também o
homem. A Terra não é mais o centro do Universo, mas um corpo celeste como mui-
tos outros (REALE & ANTISERI, 2003). Ela não é mais o centro do Universo criado
por Deus e com isso o homem deixa de ser também o centro da criação divina.

O Novo Tipo de Saber


A Revolução Científica foi uma revolução na ideia de saber e de Ciência. A
Ciência deixou de ser uma intuição privilegiada de alguém iluminado e passou a ser
uma investigação e um discurso sobre o mundo da natureza.

Essa imagem de Ciência não surgiu de uma vez, mas apareceu progressivamente.
O seu modelo é o método científico de Galileu, que traz como consequência a
autonomia da Ciência em relação às afirmações da fé e das concepções filosóficas.
O discurso científico legitima-se porque surge com base nas experiências e nas
demonstrações. A Ciência torna-se Ciência Experimental. É por meio das
experiências que os cientistas conseguem obter proposições verda­deiras sobre a
realidade (REALE & ANTISERI, 2003). É essa nova imagem da Ciência, feita de
teorias controladas pela experimentação, que mostra o nascimento de um novo
tipo de saber.

Um aspecto importante da nova concepção científica é o mecanicismo. A


Ciência moderna compara a natureza e o próprio ser humano a uma máquina,
um conjunto de mecanismos cujas leis precisam ser estudadas e descobertas. As
explicações são baseadas em um esquema mecânico cujo modelo é o relógio
(ARANHA & MARTINS, 2007).

É excluído desse novo modo de ver as coisas todo raciocínio a respeito do valor,
da perfeição, do sentido e do fim dos objetos que até então dominavam a Filosofia
e a Religião.

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A Revolução Científica abriu caminho para os conceitos, os métodos, as
instituições e os modos de pensar relacionados com o fenômeno que chamamos
de Ciência Moderna e sua principal característica é precisamente o método,
que exige imaginação e criatividade das hipóteses por um lado e controle público
dessas imaginações por outro (REALE & ANTISERI, 2003). Em sua essência, a
Ciência é pública.

O Racionalismo Cartesiano
René Descartes (1596-1650) foi também
conhecido pelo nome latino de Cartesius ou
Cartésio, daí seu pensamento ser conheci-
do como cartesiano. É considerado o pai da
Filosofia Moderna e do racionalismo mo-
derno. Nas obras Discurso do método e
Meditações metafísicas trata do problema
do conhecimento.

O Método Cartesiano
No livro Discurso do método, Descartes
propõe quatro regras simples para separar o Figura 2
conhecimento verdadeiro do falso: Fonte: Wikimedia/commons

1. A primeira regra é a da evidência e que pode ser assim exposta: “não se


deve acatar nunca como verdadeiro o que não se reconhece ser tal pela
evidência” (Apud REALE & ANTISERI, 2003, p. 359);
2. A segunda regra é a de “dividir cada problema que se estuda em tantas
partes menores quantas for possível e necessário para melhor resolvê-los
(sic)” (Apud REALE & ANTISERI, 2003, p. 360). Descartes defende o uso
da análise (dividir o conjunto em partes) ou método analítico, que para
ele é o único que pode levar à evidência porque transforma alguma coisa
complexa em algo simples e permite ao intelecto compreender o seu objeto
com clareza;
3. A terceira regra é a de “conduzir com ordem meus pensamentos, começando
pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para elevar-se, pouco a
pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais complexos” (Apud
REALE & ANTISERI, 2003, p. 360). Para o conhecimento, a divisão do
conjunto em seus elementos mais simples não é suficiente porque teremos,
então, como resultado, um conjunto desarticulado e ininteligível de elementos.
É preciso proceder à síntese (ou método sintético), ou seja, recompor o todo
ou o conjunto com ordem e criar uma cadeia de raciocínio que se desenvolva
do simples ao complexo e que também corresponda à realidade;

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UNIDADE Aspectos da Filosofia Moderna e do Iluminismo

4. A última regra é “fazer sempre enumerações tão completas e revisões tão


gerais a ponto de se ficar seguro de não ter omitido nada” (Apud REALE
& ANTISERI, 2003, p. 361). A fim de evitar erros, é preciso proceder à
verificação de cada uma das passagens do método. Assim, verifica-se se a
análise é completa e depois se a síntese está correta.

Trata-se de regras simples para se chegar a qualquer tipo de saber científico e


por isso constitui um modelo de conhecimento.

A Dúvida Metódica
Podemos observar que boa parte do saber tradicional pretende ter como base a
experiência sensível. Como podemos considerar certo e inquestionável um saber
que tem sua base nos sentidos se eles, muitas vezes, revelam-se enganadores?

Descartes afirma no Discurso do método: “como os sentidos algumas vezes


nos enganam, supus que nenhuma coisa é tal como é representada pelos sentidos”
(Apud REALE & ANTISERI, 2003, p. 363). Embora boa parte do saber tradicional
tenha como base os sentidos, outra parte fundamenta-se aparentemente na razão
e no seu poder discursivo. Esse último princípio também não está imune ao erro e
à incerteza.

Não há nenhuma área do saber que se mantenha em pé, pois o alicerce em que
está baseado revela-se frágil demais. Nada resiste ao poder corrosivo da dúvida. A
dúvida é transformada em método. Descartes diz nas Meditações metafísicas:
“Suponho que todas as coisas que vejo são falsas (...), creio que o corpo,
a figura, a extensão, o movimento e o lugar não são nada mais do que
invenções do meu espírito. Então, o que poderá ser reputado verdadeiro?”
(Apud REALE & ANTISERI, 2003, p. 363).

A dúvida, nesse caso, quer levar à verdade, por isso é chamada de dúvida metódica.

A Certeza Fundamental
O filósofo tem como ponto de partida a busca de uma verdade primeira que não
possa ser colocada em dúvida e, por isso, converte a dúvida em método (ARANHA
& MARTINS, 2007).

O filósofo começa duvidando de tudo. Descartes só interrompe o processo de


dúvi­das diante da constatação do próprio eu que duvida. Se duvido, penso, se
penso, existo.

“Penso, logo existo” (cogito ergo sum). Esse é o fundamento para a


construção de sua filosofia. Não posso duvidar da existência de meu próprio
pensamento. Portanto, o fundamento do novo saber é o sujeito humano (cogito),
a consciência racional.

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O Racionalismo
Com Descartes, temos uma valorização da razão e da racionalidade. Com ele,
estabelece-se o princípio do sujeito pensante (racional) como fundamento de todas
as evidências. Acentua-se o caráter absoluto e universal da razão que, partindo
do cogito, e só com suas próprias forças, descobre todas as verdades possíveis
(ARANHA & MARTINS, 2007). Daí a importância de um método de pensamento
como garantia de que as representações e imagens da razão correspondam de fato
aos objetos a que se referem e que são exteriores a ela.

O Empirismo Inglês
A palavra empirismo vem do grego empeiria, que significa “experiência”. O empirismo, ao
Explor

contrário do racionalismo, destaca o papel da experiência no processo do conhecimento.

Francis Bacon
Francis Bacon (1561-1626) foi o filóso-
fo da época industrial e pai do empirismo
moderno, pois pôs em evidência o signifi-
cado do papel das descobertas científicas
para a vida humana. Seu lema “saber é
poder” valoriza o conhecimento instrumen-
tal, aquele que possibilita a dominação da
natureza pelo homem.
Para Bacon, em Novum Organum, a
observação e a experimentação são ele-
mentos fundamentais no processo de conhe-
cimento. “Ministro e intérprete da natureza,
o homem faz e entende o que observa da
ordem da natureza, com a observação das
coisas ou com a obra da mente; ele não sabe
nem pode nada mais do que isso” (Apud
REALE; ANTISERIREALE & ANTISERI, Figura 3
2003, p. 333). Fonte: Wikimedia/commons

Bacon na obra Novum Organum também valoriza a experiência como


parte importante no conhecimento. Segundo ele, o procedimento da pesquisa é
composto de duas partes: “a primeira consiste em extrair e fazer surgir os axiomas
da experiência, a segunda em deduzir e derivar novos experimentos dos axiomas”
(Apud REALE; ANTISERIREALE & ANTISERI, 2003, p. 341). A teoria deve,
então, nascer da experiência e as novas experiências nascerem da teoria.

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UNIDADE Aspectos da Filosofia Moderna e do Iluminismo

Teoria dos Ídolos


O interesse de Bacon pelo método da Ciência se revela na obra Novum
Organum (Novo órgão), em que “órgão” é entendido como instrumento do
pensamento. Contrapõe ao método dedutivo (que vai do geral para o particular) a
eficácia da indução (do particular ao geral) como método para novas descobertas
científicas e começa seu tra­balho pela denúncia dos preconceitos e falsas noções
que dificultam a compreensão da realidade, aos quais chama de ídolos (ARANHA
& MARTINS, 2007).

Assim, a primeira função da teoria dos ídolos é a de tornar os homens conscientes


das suas falsas noções que lhes criam obstáculos no caminho para a verdade. Quais
são esses ídolos? Na obra Novum Organum, Bacon enumera quatro tipos de
ídolos que aprisionam a mente humana: ídolos da tribo, ídolos da caverna, ídolos
do foro e ídolos do teatro.

Os ídolos da tribo
“Alicerçam-se na própria natureza humana, na própria família humana
ou tribo. (...) O intelecto humano é como um espelho desigual em relação
ao raio das coisas: ele mistura a sua própria natureza com a das coisas,
que deforma e desfigura” (Apud REALE & ANTISERI, 2003, p. 335).

Com isso, o intelecto humano é levado a supor nas coisas uma ordem bem maior
do que aquela que realmente se encontra nelas. O intelecto finge correspondências
e relações que na realidade não existem. Quando encontra alguma ideia que o
satisfaz, o intelecto humano procura validá-la. Isso ocorre porque o homem crê
que é verdadeiro o que ele prefere. Isso significa que muitos dos nossos enganos
deri­vam da nossa tendência ao antropomorfismo.

Os ídolos da caverna
“Derivam de cada indivíduo. Além das aberrações comuns ao gênero
humano, cada um de nós tem uma caverna ou uma gruta particular na
qual a luz da natureza se perde e se corrompe, por causa da natureza
própria e singular de cada um, por causa da sua educação ou conversação
com os outros, por causa dos livros que lê e da autoridade dos que admira
e honra ou por causa da diversidade de impressões” (Apud REALE &
ANTISERI, 2003, p. 336).

Isso significa que muitas das nossas ilusões têm sua origem no indivíduo, na sua
educação e nos seus hábitos.

Os ídolos do foro.

Escreve Bacon:
“Há também ídolos que, por assim dizer, dependem de contato ou dos
contatos recíprocos do gênero humano; nós os chamamos ídolos do foro”
(Apud REALE & ANTISERI, 2003, p. 336).

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A relação entre os homens ocorre por meio da linguagem e das palavras, mas os
nomes são colocados nas coisas segundo a compreensão popular e basta isso para
perturbar o intelecto. Por causa das palavras, os homens são assim, muitas vezes,
arrastados a inúmeras e inúteis controvérsias e fantasias.

Os ídolos do teatro
“Penetraram no espírito humano por meio das diversas doutrinas
filosóficas (...). Pois todos os sistemas filosóficos foram acatados ou
cogitados como fábulas preparadas para serem representadas no palco,
boas para construir mundos de ficção e de teatro” (Apud REALE &
ANTISERI, 2003, p. 337).

Encontramos muitas fábulas teatrais, não somente nas filosofias, mas também
em muitos princípios ditos científicos que se afirmaram pela tradição, fé cega ou
desleixo das pessoas.

A teoria dos ídolos de Bacon pode ser considerada como antecessora do


moderno conceito de ideologia (falsa consciência), desenvolvido principalmente
por Karl Marx (REALE & ANTISERI, 2003).

Os ídolos eram aparências ou preconceitos que criavam obstáculos para o


verdadeiro conhecimento e que podiam ter como origem o indivíduo e a sociedade.
A ideia da sociedade como fonte de erros do conhecimento, posteriormente abriu
a possibilidade para uma abordagem sociológica do próprio conhecimento.

O Iluminismo

Figura 4
Fonte: Wikimedia/commons

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UNIDADE Aspectos da Filosofia Moderna e do Iluminismo

Escritores europeus do século XVIII provocaram verdadeira revolução intelectual


na história do pensamento moderno. Suas ideias eram marcadas pela importância
que atribuíam à razão. Eles rejeitavam a tradição e procuravam explicação racional
para o mundo.

Filósofos e economistas procuravam novos meios para proporcionar a felici-


dade aos homens, atacavam a injustiça, os privilégios e a intolerância religiosa.
Essas novas ideias conquistaram novos discípulos a quem pareciam trazer uma
nova luz, a do conhecimento e por isso esses pensadores eram chamados de ilu-
ministas (ARRUDA, 1974). O lema dos iluministas é “tenha coragem de servir-te
da tua própria inteligência” (sapere aude!).

Para os iluministas, somente o crescimento de nossa consciência pode libertar


nossas mentes de sua servidão espiritual, servidão aos preconceitos, aos ídolos e
aos erros evitáveis (REALE & ANTISERI, 2003). Os iluministas comportam-se
como um exército na luta contra todos os pré-juízos. Para eles, a única fonte da
verdade é a razão humana e fazem da tradição seu objeto de crítica. Não é a
tradição, mas sim a razão, a fonte última da autoridade.

O Iluminismo foi filosofia hegemônica da Europa no século XVIII, embora não


fosse um movimento cultural uniforme. Ele é uma Filosofia otimista. É a Filosofia
da burguesia em ascensão e que luta e trabalha pelo progresso. “Algum dia, tudo
será melhor – eis a nossa esperança”, dizia Voltaire (Apud REALE & ANTISERI,
2003, p 666). E o iluminismo coloca na base desse progresso espiritual, material e
político o uso crítico e construtivo da razão.

O século XVIII é o século das revoluções burguesas (Revolução Industrial


e Revolução Francesa) que sofreram influência do Iluminismo. A influência
do Iluminismo se estende por toda a Europa e também nos movimentos de
independência na América.

A Razão dos Iluministas


A razão dos iluministas é uma defesa do conhecimento científico e da técnica
como instrumentos para a transformação do mundo e da melhoria das condições
espirituais e materiais da humanidade (REALE & ANTISERI, 2003).

A razão dos iluministas é a razão que encontra o seu modelo na Física de Newton
e que não procura a essência dos fenômenos. Ela não se pergunta, por exemplo,
qual é a causa ou a essência da gravidade, mas partindo da experiência procura
as leis do funcionamento do fenômeno e as submete à prova e por isso a razão
iluminista é de uso público (REALE & ANTISERI, 2003).

Trata-se da razão limitada à experiên­ cia e controlada pela experiência. A


razão dos iluministas, porém, não fica confinada aos fatos da natureza, como em
Newton. A razão dos iluministas não considera excluído nenhum campo de inves­
tigação, é razão que diz respeito à natureza e, ao mesmo tempo, também ao
homem (REALE & ANTISERI, 2003).

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Tornando-se livre de qualquer sujeição e capaz de procurar soluções para seus
problemas com base em princípios racionais, o ser humano estende o uso da razão
a todos os domínios humanos, o político, o econômico, o moral e o religioso.

A Crítica às Superstições Religiosas


O Iluminismo é um movimento laico em relação aos mitos e às superstições re-
ligiosas. A atitude cética e até irreverente é traço característico do Iluminismo, filo-
sofia que pode ser vista como parte do processo de secularização do pensamento
(REALE & ANTISERI, 2003). Embora se tenha desenvolvido um viés materialista e
ateu no interior do iluminismo francês, a filosofia iluminista é a filosofia do deísmo,
que é a religião racional e natural que admite a existência de Deus.

Como diria Voltaire, “para mim é evidente que existe um Ser necessário,
eterno, supremo e inteligente – e isso (...) não é verdade de fé, mas sim de razão”
(Apud REALE & ANTISERI, 2003, p. 671). E, é claro, que se são somente essas
as verdades religiosas que a razão pode aceitar, então, as doutrinas, os ritos, as
histórias sagradas e as instituições das religiões são frutos das superstições, do
medo e da ignorância dos homens.

Como os Iluministas Divulgaram as “Luzes”


As ideias iluministas não penetraram nas massas populares da Europa no
século XVIII. Em linhas gerais, as classes populares permaneceram indiferentes
ao movimento enquanto os iluministas conseguiam difundir as novas ideias nas
camadas intelectuais e entre a burguesia avançada de toda a Europa.

A capacidade de divulgação dos iluministas foi um acontecimento surpreendente


e exemplar na história cultural europeia. Na verdade, os philosophes (como eram
chamados os iluministas) não tiveram ideias filosóficas muito originais, nem criaram
grandes sistemas teóricos. Entretanto, eles se consideravam mestres de sabedoria
para todos. É compreensível que tenham enfatizado a divulgação de suas opiniões
para torná-las eficazes. E os meios usados para acelerar a circulação das ideias
iluministas foram academias, a maçonaria, os salões, a Enciclopédia, as
cartas e os ensaios (REALE & ANTISERI, 2003).

A Enciclopédia
O empreendimento mais representativo do iluminismo francês é a obra coletiva cha-
mada Enciclopédia. Os colaboradores mais destacados foram Diderot e D’Alembert e
também Voltaire, Condillac, D’Holbach, Montesquieu, Rousseau e outros.

A Enciclopédia foi uma grande obra política e social, um instrumento de


difusão da cultura crítica, que pretendia romper com o saber tradicional anterior
e que se abriu para a história, para a sociedade e para o saber técnico-científico
(REALE & ANTISERI, 2003).

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UNIDADE Aspectos da Filosofia Moderna e do Iluminismo

Vejamos os objetivos que inspiravam essa grande obra.

No verbete “Enciclopédia” da própria obra, podemos ler: “O objetivo de uma


enciclopédia é unificar os conhecimentos espa­lhados sobre a face da terra e
expor o sistema e transmiti-lo aos que virão depois de nós, para que as obras dos
séculos passados não fiquem inúteis para os séculos posteriores (...). Percebemos
que a Enciclopédia só podia ser tentada em um século filosófico e que esse século
havia chegado” (Apud REALE & ANTISERI, 2003, p. 695).

O Criticismo Kantiano
Immanuel Kant (1724-1804) nasceu na
Ale­manha. Foi o pensador mais significativo
da época moderna. Realizou na Filosofia
uma revolução que ele equiparou, em virtude
de sua radicalidade, à revolução realizada
por Copérnico na Astronomia (REALE &
ANTISERI, 2003). O período entre 1770
e 1781 constituiu momento decisivo na
formação do sistema kantiano. De sua
reflexão, surgiu a primeira crítica (Crítica da
razão pura, 1781), à qual se seguiram as
outras obras da maturidade, particularmente
a Crítica da razão prática (1788) e a Crítica
Figura 5
do juízo (1790). Fonte: Wikimedia/commons

Na obra Crítica da razão pura, Kant questiona se é possível uma “razão pura”
independente da experiência, por isso seu método é conhecido como criticismo
(ARANHA & MARTINS, 2007). Kant, diferentemente dos filósofos anteriores,
questiona a existência da realidade e duvida que as ideias da razão correspondam
a essa realidade.

Kant coloca a razão em um tribunal para julgar o que pode ser conhecido
legitimamente por ela e que tipo de conhecimento não tem fundamento. Com isso,
pretende superar a dualidade racionalismo/empirismo. Condena os empiristas
(tudo que conhecemos vem da experiência dos sen­tidos) e, da mesma forma, não
concorda com os racionalistas (tudo quanto pensamos vem do nosso intelecto)
(ARANHA & MARTINS, 2007). O conhecimento deve ser composto de juízos
univer­sais racionais, da mesma maneira que derivar da experiên­cia sensível.

Para superar essa contradição, Kant explica que o conhecimento é constituído


de matéria e forma. A matéria dos nossos conhecimentos são as próprias coisas

20
e a forma somos nós mesmos, os sujeitos. Para conhecer as coisas, precisamos da
experiência sensível, mas essa experiência não terá validade se não for organizada
pelas formas da nossa sensibilidade, que são a priori (anteriores a qualquer
experiência) e condição da própria experiência. Para conhecer as coisas, temos de
organizá-las a partir da forma a priori do tempo e do espaço. Para Kant, o tempo
e o espaço não existem como realidades externas, não estão no objeto, são antes
formas que o sujeito põe nas coisas (ARANHA & MARTINS, 2007).

Quando observamos a natureza e afirmamos que uma coisa “é isto”, ou “aquela


coisa é causa de outra”, ou “isto existe”, temos, de um lado, coisas que percebemos
pelos sentidos, mas, de outro, algo que lhes escapa, isto é, as categorias de
substância, de causalidade, de existência. Essas três categorias (e outras) não
vêm da experiência, mas são colocadas no objeto pelo próprio sujeito que conhece
(ARANHA & MARTINS, 2007).

Kant também conclui não ser possível conhecer as coisas tais como são em si
mesmas, ou seja, o noumenon (a coisa-em-si) é inacessível ao conhecimento.
Somente podemos conhecer os fenômenos, palavra que, etimologicamente, signifi-
ca “o que aparece”. Kant inova a filosofia ao afirmar que a realidade não é um
dado exterior ao qual o intelecto deve se conformar, mas, ao contrário, o mundo
dos fenômenos só existe na medida em que “aparece” para nós sujeitos (ARANHA
& MARTINS, 2007). Portanto, de certa for ma, o sujeito é parte integrante do
processo de construção do conhecimento.

Kant se depara com dificuldades insolúveis ao questionar as realidades da


metafísica, como a existência de Deus, a imortalidade da alma, a liberdade, a
infinitude do universo. Para Kant, todo conhecimento é constituído pela forma a
priori do intelecto e pela matéria fornecida pela experiência sensível. Os objetos da
metafísica não podem preencher essa segunda exigência; não temos experiência
sensível de Deus, por exemplo.

Decorre dessa constatação a impossibilidade do conhecimento metafísico,


portanto, devemos nos abster de afirmar ou negar qualquer coisa a respeito dessas
realidades. Trata-se de um agnosticismo (etimologicamente a, “não”, e gnosis,
“conhecimento”). Somos agnósticos quando consideramos a razão incapaz de
afir mar ou negar a existência de Deus. O agnosticismo não se confunde com
o ateísmo, pelo qual negamos afirmativamente que Deus exista (ARANHA &
MARTINS, 2007).

Tal como Copérnico, que disse que não é o Sol que gira em torno da Terra,
mas é o contrário, a Terra que gira em torno do Sol, também Kant afirmou que o
conhecimento não reflete o objeto exterior, mas é o próprio intelecto que constrói
o objeto do seu saber. Nesse sentido, Kant realizou uma revolução copernicana no
campo da teoria do conhecimento (ARANHA & MARTINS, 2007).

21
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UNIDADE Aspectos da Filosofia Moderna e do Iluminismo

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Vídeos
O que é Ciência?
https://youtu.be/ZYz0O8gFbyQ
Filosofia da Educação – Descartes
Para conhecer um pouco mais sobre o filósofo.
https://youtu.be/M3oLEGlzs6k
O Iluminismo e as Revoluções Burguesas
https://youtu.be/QQUYI-QlSEk

Leitura
Isaac Newton
Para conhecer a biografia de Newton.
https://goo.gl/zvBxAA
Galileu Galilei
Para conhecer a biografia de Galileu.
https://goo.gl/1W5gOH
Descartes
Para conhecer um pouco mais sobre o filósofo.
https://goo.gl/yPX4mF
Bacon
Para conhecer um pouco mais sobre o filósofo.
https://goo.gl/iyTePW
Iluminismo do Século XVIII
Para conhecer um pouco mais sobre o filósofo Voltaire.
https://goo.gl/t8xlwk
Kant
Para conhecer um pouco mais sobre o filósofo.
https://goo.gl/7h6FQc
https://goo.gl/T5HIYC

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Referências
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando:
introdução à Filosofia, 3.ed.rev. São Paulo: Moderna, 2007.

ARRUDA, José Jobson de A. História Moderna e Contemporânea. São Paulo:


Ática, 1974.

MOTA, Carlos Guilherme. História Moderna e Contemporânea. São Paulo:


Moderna, 1986.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do humanismo a


Kant, 6.ed. São Paulo: Paulus, 2003. v. 2.

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23
Filosofia
Material Teórico
Aspectos da Filosofia Contemporânea do Século XIX

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Avelar Cezar Imamura

Revisão Técnica:
Prof. Ms. Edson Alencar Silva

Revisão Textual:
Profa. Dra. Selma Aparecida Cesarin
Aspectos da Filosofia
Contemporânea do Século XIX

• Introdução
• Quadro Histórico
• Características do Pensamento do Século XIX
• O Nascimento das Ciências Humanas
• O Positivismo de Comte
• O Idealismo de Hegel
• O Materialismo de Marx

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Tratar do tema “Filosofia Contemporânea do século XIX”.
· Perceber que a Filosofia se entrelaça com a Ciência, passando de sua
aliada à sua crítica.
· Analisar o lugar habitado pela Filosofia Contemporânea e perceber
que ela ainda é a nossa Filosofia.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Aspectos da Filosofia Contemporânea do Século XIX

Introdução
A Filosofia Contemporânea do século XIX é uma Filosofia que se entrelaça
com as teorias científicas e com o desenvolvimento das Ciências em geral. Então,
podemos dizer que a Ciência adquiriu um significado filosófico.

Muitas vezes, a Filosofia exaltou exageradamente a Ciência, procurando adequar


os seus princípios e métodos à ela. Só que Filosofia não é Ciência. No século XX,
vimos muitos horrores causados pelo desenvolvimento científico, como a bomba
atômica, as armas químicas e bacteriológicas, a destruição ecológica etc. A Filosofia
torna-se, desse modo, crítica da Ciência.

O lugar habitado por essa Filosofia Contemporânea é o mundo industrial, em


que se tornam cada vez mais evidentes as conquistas científicas. A microbiologia,
por exemplo, debelou as doenças infecciosas e se ampliaram as aplicações da
eletricidade, do telefone, do rádio, do radar etc.

Podemos ver, portanto, que essa Filosofia ainda é a nossa.

Quadro Histórico
O Capitalismo já era uma realidade no século XIX. Na segunda metade do
século XVIII, ocorreu a “Era das revoluções” burguesas. A partir de 1760, ocor-
reu na Inglaterra a 1ª. Revolução Industrial, que transformou radicalmente o
modo de produzir as mercadorias, criou as fábricas e também o proletariado
moderno (operário).
Com a Revolução Francesa de 1789, a burguesia tomou o poder e criou um
mundo à sua imagem e semelhança, proclamando aos quatro cantos do mundo o
seu lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” e a “Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão”. A Revolução Francesa inaugura um novo período histórico
chamado História Contemporânea, que se estende até os dias atuais.
As principais características desse período, segundo Arruda (1974) são:
• Industrialização da Europa;
• Crescimento das cidades (urbanização);
• Importância crescente da Ciência para a sociedade e para o pensamento;
• Expansão do trabalho assalariado;
• Lutas econômicas e políticas entre a burguesia e o proletariado;
• Nascimento da ideologia socialista, que se opõe à sociedade capitalista;
• Grande imigração de europeus para a América.

É nesse contexto histórico que vai surgir e se desenvolver a Filosofia Contempo-


rânea do século XIX.

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Características do Pensamento
do Século XIX
O elemento mais importante e que condicionou o pensamento e a Filosofia do
século XIX foi o desenvolvimento das Ciências. Para demonstrar a sua eficácia,
a Ciência e a Técnica tornam-se aliadas e provocaram grandes transformações
na sociedade.

A exaltação desse novo saber levou à ideologia do Cientificismo, segundo o


qual a Ciência é considerada o único conhecimento verdadeiro e o método das
Ciências Naturais o único válido, devendo ser estendido a todos os campos do
pensamento e da atividade humana. O Cientificismo procurou também romper
com as explicações abstratas e metafísicas dos fenômenos e tinha a convicção
de que a Ciência e a técnica poderiam resolver os problemas da humanidade
(ARANHA; MARTINS, 2007). A principal corrente cientificista foi o positivismo
de Auguste Comte (ver a seguir). Essa postura vai ser criticada no século XX com
o desenvolvimento das Ciências Humanas.

O progresso da Ciência não se faz de maneira linear. O avanço se faz pela


descoberta de novos problemas e de novas maneiras de solucionar os antigos. A
astronomia, por exemplo, permaneceu basicamente newtoniana.

O século XIX foi o ponto de partida radical em alguns campos do pensamento,


como na Matemática; do despertar de Ciências até então pouco desenvolvidas,
como a Química; da criação de novas Ciências, como a Geologia e de desen-
volvimento de ideias revolucionárias nos campos da Sociologia e da Biologia
(HOBSBAWM, 1979).

As transformações provocadas pelo desenvolvimento das Ciências começaram


a destruir a compreensão do universo como uma máquina (Descartes), uma sólida
construção teórica baseada na estrutura de causa e efeito ligando os fenômenos
(HOBSBAWM, 1988). Esse modelo mecânico de Universo começou a ruir no final
do século XIX.

Com o desenvolvimento de uma nova imagem do Universo, cada vez mais é


necessário descartar a intuição e o bom senso como fundamentos da Ciência. De
certa forma, a natureza tornou-se menos natural e mais incompreensível.
“O silêncio desses espaços infinitos me apavora”. PASCAL, Blaise.
Pensamentos. Aforismo 206. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 95.
(Coleção Os Pensadores).

O processo de separação entre a Ciência e a intuição pode ser ilustrado por


meio da Matemática. Na Geometria, apareceram novas formas de fenômenos com
o desenvolvimento da geometria não euclidiana (Lobachewski e Riemann) que deu
um golpe na intuição e a sua pretensão de fundamentar axiomas e postulados.

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Uma solução começou a ser adotada, que era libertar a Matemática de qualquer
ligação com o mundo real e transformá-la na elaboração de postulados, que
deveriam ser definidos de modo preciso e obrigados a não ser contraditórios entre
si (HOBSBAWM, 1988). Essa separação entre Ciência e intuição vai se agravar
com a Física relativista de Einstein, no século XX.

O Nascimento das Ciências Humanas


No século XIX, o homem (objeto de conhecimento quase exclusivo da Filosofia)
tornou-se objeto da Ciência. Surgiram, então, as Ciências Humanas: a Sociolo-
gia, a Psicologia e a Antropologia. As razões do desenvolvimento de explicações
científicas para a atividade humana estavam em parte nos problemas sociais que
a sociedade europeia enfrentava, trazidos pela industrialização, pela urbanização
e pela expansão imperialista no mundo. Tais razões estavam também na grande
aceitação do pensamento científico no mundo ocidental. Se a Ciência tinha grande
credibilidade, por que não utilizá-la para o conheci­mento do homem? O resultado
foi um desenvolvimento extraordinário dessas Ciências, de seus métodos e de suas
teorias (COSTA, 1998).

Dificuldades no Estabelecimento do Método das


Ciências Humanas
Enquanto as Ciências da Natureza têm como objeto algo que é externo ao
indivíduo que conhece, as Ciências Humanas têm como objeto o próprio sujeito
cognoscente. Assim, podemos supor as grandes dificuldades encontradas pela
Sociologia, Psicologia e Antropologia para estudar com imparcialidade aquilo que
diz respeito ao próprio sujeito (ARANHA & MARTINS, 2007).

Foram muitas as dificuldades enfrentadas pelas Ciências Humanas para


estabelecer o seu método:

1) A complexidade inerente aos fenômenos humanos1 (psíquicos, sociais ou


econômicos), que resistem às tentativas de simplificação; 2) Outra dificuldade da
metodologia das Ciências Humanas encontra-se na experimentação2. Não que
isso seja impossível, mas é difícil identificar e controlar os diversos aspectos que
influenciam os atos humanos; 3) Outra questão refere-se à matematização3. Após
o nascimento da Física de Galileu, supunha-se que a Ciência seria mais rigorosa
quanto mais fosse matematizável. Esse ideal é problemático com relação às
Ciências Humanas, cujos fenômenos são essencialmente qualitativos; 4) Temos,

1 Principalmente se considerarmos que o comportamento humano depende de múltiplas variáveis, tais como:
hereditariedade, meio, impulsos, desejos, memória, bem como da ação da consciência e da vontade.
2 Há de se considerar que na experimentação pode ocorrer o falseamento dos resultados.
3 Há de se considerar que quando é possível aplicar a Matemática, são utilizadas técnicas estatísticas, com resultados
sempre aproximativos e sujeitos a interpretação.

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ainda, a dificuldade decorrente da subjetividade. As Ciências da Natureza aspiram
à objetividade, que consiste na separação radical entre o sujeito e o objeto no
processo de conhecimento; na capacidade de lançar hipóteses testáveis por todos e
no não envolvimento emocional e intelectual do cientista com o seu objeto. Mas, se
o sujeito que conhece é da mesma natureza do objeto conhecido, parece ser muito
difícil evitar a subjetividade; 5) Finalmente, se as leis das Ciências da Natureza
supõem o determinismo (as mesmas causas produzem os mesmos efeitos), como
fica a questão da liberdade humana? Por haver regularidades na natureza é possível
estabelecer leis e por meio delas prever a incidência de um acontecimento. Como
isso seria possível nas Ciências Humanas se admitirmos a existência da liberdade
humana? (ARANHA & MARTINS, 2007).

O Positivismo de Comte
No ambiente cientificista da Europa do século XIX, desenvolve-se o Positivismo,
cujo principal representante foi o pensador francês Auguste Comte (1798-1857).

O Positivismo representou um amplo movimento do pensamento que dominou


grande parte da cultura europeia (em suas manifestações filosóficas, políticas,
pedagógicas e literárias), de 1840 até as vésperas da Primeira Guerra Mundial
(REALE & ANTISERI, 2003).

Nessa época, a Europa transformou-se rapidamente numa sociedade industrial e


foram muitos os efeitos dessa revolução sobre a vida social: o emprego das desco-
bertas científicas transformou o modo econômico de produção; as grandes cidades
se multiplicaram; rompeu-se o antigo equilíbrio entre a cidade e o campo; aumen-
tou a produção e a riqueza; a Medicina dominou as doenças infecciosas. Houve
muito entusiasmo em torno da ideia de progresso humano e social, já que, de agora
em diante, possuíam-se os instrumentos para a solução de todos os problemas.
Para o pensamento da época, esses instrumentos eram a Ciência e suas aplicações
na indústria, o livre comércio e a educação (REALE & ANTISERI, 2003).

O processo de industrialização e o desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia


constituem as bases do meio sociocultural que o Positivismo interpreta e exalta.
É bem verdade que os grandes problemas da sociedade industrial vão logo surgir
– desequilíbrios sociais, lutas pela conquista de mercados, condição de miséria do
proletariado, exploração do trabalho do menor etc. O positivismo não ignorava
esses problemas, mas pensava que eles logo desapareceriam com o crescimento do
saber, da educação popular e da riqueza (REALE & ANTISERI, 2003).

Segundo Giovanni Reale e Dario Antiseri, o Positivismo apresenta alguns traços


comuns que nos permitem a sua identificação como movimento de pensamento:
1. O Positivismo defende a supremacia da Ciência: nós conhecemos
somente aquilo que as Ciências nos dão a conhecer, pois o único método
de conhecimento é o das Ciências Naturais. Assim sendo, desconsideram-

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se todas as outras formas do conhecimento humano que não possam ser


comprovadas cientificamente. Tudo aquilo que não puder ser provado pela
Ciência é considerado como pertencente ao domínio teológico-metafísico.;
2. O método das Ciências naturais (identificação das leis de causa e efeito)
não vale somente para o es­tudo da natureza, mas também para o estudo
da sociedade;
3. O Positivismo não apenas afirma a unidade do método científico e a supe-
rioridade desse método para o conhecimento, mas também coloca a Ciên-
cia como o único instrumento em condições de resolver todos os proble-
mas humanos e sociais que até então haviam atormentado a humanidade;
4. O Positivismo é uma Filosofia otimista que nasce da crença no progresso
humano e social, rumo ao bem estar generalizado em uma sociedade
pacífica e solidária;
5. A positividade da Ciência leva o Positivismo a combater as concepções
idealistas e espiritualistas da realidade, concepções que os positivistas
rotulavam como metafísicas (2003).

A Lei dos Três Estados


Comte diz na sua obra Curso de Filosofia positiva (1830-1842): “Estudando
o desenvolvimento da inteligência humana (...) creio ter des­coberto uma grande
lei fundamental (...). Essa lei consiste no seguinte: cada uma das nossas principais
concepções e cada ramo dos nossos conheci­mentos passam, necessariamente, por
três estágios teóricos diferentes, o estado teológico ou fictício, o estado metafísico
ou abstrato e o estado positivo ou científico” (Apud REALE & ANTISERI, 2003,
p. 299). Além disso, a lei dos três estados é uma Filosofia da História que se
apresenta como o esquema de evolução de toda a humanidade.

No estado teológico, os fenômenos são vistos como produtos da ação direta


de seres ou forças sobrenaturais (fetichismo, politeísmo, monoteísmo); no estado
metafísico, são explicados em função de essências, ideias ou forças abstratas;
finalmente, no estado positivo ou científico, as ilusões são superadas pelo
conhecimento das leis invariáveis que regem os fenômenos (REALE & ANTISERI,
2003). Para Comte, o estado positivo corres­ ponde à maturidade do espírito
humano e da humanidade.

Em comunidades tribais, por exem­plo, a queda dos corpos é atribuída à ação dos
deuses. O metafísico Aristóteles explica a queda pela es­sência dos corpos pesados,
cuja natureza os faz tender para baixo. Galileu, espírito positivo, não indaga o
porquê, não procura as causas, mas se contenta em descrever como o fenômeno
ocorre. Se­gundo Comte, “todos os bons espíritos repetem, desde Bacon, que
somente são reais os conheci­mentos que repousam sobre fatos observados” (Apud
ARANHA & MARTINS, 2007, p. 140).

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A Sociologia
Comte achava que a Europa do século XIX já estava no estágio positivo. Os
métodos teológicos e metafísicos não eram mais empregados por ninguém na
área da Ciência, exceto no campo dos fenômenos sociais. Por isso, ele dizia que
a Filosofia positiva deveria submeter a sociedade à rigorosa pesquisa científica
(REALE & ANTISERI, 2003). Comte inventou a palavra Sociologia.

Para Comte, não se podem resolver crises sociais e políticas sem o devido
conhecimento dos fatos sociais e políticos. E é por essa razão que ele vê como
tarefa urgente o desenvolvimento do que ele chamou de Física Social Para o autor,
a Sociologia é pensada de maneira semelhante às outras Ciências, como uma
Ciência de observação, e recebe a denominação de Física Social, justamente por
lidar com fatos que têm origem no mundo social.

A Ciência para Comte tem como objetivo a pesquisa das leis invariáveis
dos fenômenos. O conhecimento dessas leis é necessário para prever e a
previsão é necessária para orientar a ação do homem sobre a realidade (REALE
& ANTISERI, 2003).

Para passar de uma sociedade em crise para a ordem social, há necessidade do


conhecimento. Esse conhecimento é feito de leis elaboradas com base nos fatos.
Desse modo, é preciso encontrar as leis da sociedade se quisermos resolver suas
crises. Diz Comte: “É na previsibilidade racional do desenvolvimento futuro da
convivência social que se pode resumir o espírito fundamental da política positiva”
(Apud REALE & ANTISERI, 2003, p. 301).

Comte, divide a Sociologia em estática social e dinâmica social4. A estática


social estuda as condições de existência comuns a todas as sociedades em todos os
tempos, a família, a divisão do trabalho etc. Ele também chama a estática de ordem.
Por seu turno, a dinâmica social consiste no estudo das leis de desenvolvimento
da sociedade. Ele chama a dinâmica de progresso e sua lei fundamental é a dos
três estados. O estado teológico é o da supremacia do poder militar (é o caso do
Feudalismo, por exemplo); o estado metafísico começa com a Reforma Protestante
e termina com a Revolução Francesa; o estado positivo corresponde à sociedade
industrial (REALE & ANTISERI, 2003). O positivismo teve grande influência
também no Brasil, inspirando vários pensadores. Uma prova contundente desta
influência são As palavras ordem e progresso expostas na bandeira nacional,
inegavelmente de inspiração positivista.

4 Nas palavras de um de seus admiradores ilustres, John Stuart Mill, “Enquanto as leis derivadas da Estática Social são
estabelecidas pela análise e comparação dos diferentes estados de sociedade sem levar em conta a ordem de sua
sucessão, a consideração dessa ordem é, ao contrário, predominante no estudo da dinâmica social, cujo propósito é
observar e explicar as seqüências dos estados sociais.” MILL, John Stuart. A Lógica das Ciências morais. Tradução
de Alexandre Braga Massella. São Paulo: Iluminuras, 1999.

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A Religião da Humanidade
Em sua última grande obra, o Sistema de política posi­ tiva (1851-1854),
o objetivo de Comte de regenerar a sociedade com base no conhecimento das
leis sociais assume a forma de religião, na qual Deus é substituído pelo amor à
Humanidade. A Humanidade é o ser que transcende os indivíduos. Ela é composta
por todos os indivíduos vivos, pelos mortos e pelos que ainda não nasceram (REALE
& ANTISERI, 2003).

Comte sustenta que a religião da Humanidade deve ser uma cópia da estrutura
religiosa católica. São dois os dogmas da nova religião: a Filosofia positiva e as leis
científicas. Os ritos, os sacramentos, o calendário e o sacerdócio são necessários
para a divulgação da nova religião. Há um batismo secular, uma crisma secular
e uma extrema-unção secular. O anjo da guarda da religião da Humanidade é a
mulher (isso se deve à idealização de Comte de sua amada Clotilde de Vaux). Os
meses terão nomes significativos na religião positiva (por exemplo, Prometeu) e os
dias da semana serão consagrados a cada uma das sete Ciências. Serão construídas
templos laicos (institutos científicos). Um papa posi­tivo exercerá a sua autoridade
sobre os membros da religião que irão se ocupar do desenvolvimento das indústrias
e da utilização prática das descobertas científicas. Na sociedade positiva, os jovens
serão submetidos aos anciãos e o divórcio será proibido. A mulher torna-­se a
protetora e fonte da vida sentimental da Humanidade. A Humanidade é o “Grande
Ser”; o espaço o Grande Ambiente e a terra o Grande Fetiche. Essa é a trindade
da religião positiva (REALE & ANTISERI, 2003). Foram criadas várias igrejas
positivistas no mundo todo.

Figura 1
Fonte: Wikimedia/Commons

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O Idealismo de Hegel
O alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) foi o principal represen-
tante do idealismo moderno.

O ponto de partida para entender Hegel é a sua afirmação de que a realidade


não é substância (coisa), mas sim sujeito, ou seja, pensamento, espírito. Ele afirma
isso no seu livro Fenomenologia do espírito: “segundo o meu modo de ver (...)
tudo depende de entender e expressar o verdadeiro não como ‘substância’, mas sim
de entender e expressar o verdadeiro como ‘Sujeito’” (Apud REALE & ANTISERI,
2003, p. 101). Por isso Hegel é considerado um filósofo idealista. Dizer que a
realidade não é substância e sim sujeito e espírito, significa dizer que é atividade,
que é processo, que é movimento.

A Dialética Idealista
Dialética, substantivo feminino. Em sentido bastante genérico, oposição, conflito
originado pela contradição entre princípios teóricos ou fenômenos empíricos. A
ideia central da dialética é que a realidade é movimento. Tudo o que existe contém
em si mesmo o princípio da sua destruição e posterior transformação em algo
diferente. Para Hegel, a dialética é uma lei que caracteriza a realidade como um
movimento incessante e contraditório, que pode ser expresso por três momentos
sucessivos (tese, antítese e síntese) que se manifestam simultaneamente em todos
os pensamentos humanos e em todos os fenômenos do mundo material.

Como ponto de partida da dialética, Hegel encontra a Ideia pura (tese). Esta,
para se desenvolver, cria um objeto oposto a si, a Natureza (antítese), que é a
Ideia alienada, o mundo desprovido de consciência. Da luta desses dois princípios
opostos nasce a síntese, o Espírito, ao mesmo tempo pensamento e matéria,
isto é, a Ideia que toma consciência de si por meio da Natureza. (ARANHA &
MARTINS, 2007).

Hegel destaca que a dialética não é privilégio do pensamento filosófico, mas


está presente em toda realidade: “Ora, por mais que o intelecto comumente solicite
a dialética, não se deve pensar de modo algum que a dialética seja algo presente
somente na consciência filosófica: ao contrário, o procedimento dialético pode se
encontrar em toda outra forma de consciência e na experiência geral. Tudo aquilo
que nos circunda pode ser pensado como exemplo da dialética” (Apud REALE
& ANTISERI, 2003, p. 108). Por exemplo, a semente deve transformar-se no seu
oposto para tornar-se uma árvore, ou seja, deve “morrer” como semente.

Ao explicar o movimento gerador da realidade, Hegel desenvolve uma dialética


idealista. No sistema hegeliano, a razão não é um modelo a ser seguido, mas é a
própria estrutura da realidade e do pensamento. Na Filosofia do Direito, Hegel
escreveu: “Tudo o que é real é racional e tudo o que é racional é real” (Apud
REALE & ANTISERI, 2003, p. 104).

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Na Filosofia posterior a Hegel, desenvolveu-se a ideia de que a razão é histórica


e se transforma a partir dos conflitos e contradições sociais. Algumas vezes, os
pensadores reafirmam o caráter determinante da razão e reforçam o idea­lismo;
outras vezes, criticam esse idealismo e enfatizam as contradições sociais e políticas
como determinantes do processo que provoca a mudança da própria razão
(ARANHA & MARTINS, 2007).

O Materialismo de Marx
Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) foram os criadores
de uma teoria da História, o materialismo histórico, e de uma Filosofia, o mate-
rialismo dialético. Marx foi um dos pensadores que mais influenciou o século XX
com a sua doutrina comunista e que foi adotada por vários países como Rússia,
China, Cuba etc.

O Materialismo Dialético
Para o materialismo dialético, o mundo material é anterior à consciência, ao
pensamento. A maté­ria é a origem da consciência e a consciência é um produto
da matéria. O movimento é a propriedade fundamental da matéria e exis­ te
independentemente da consciência humana. É uma visão oposta ao idealismo
(ARANHA & MARTINS, 2007). Marx defende que seu método não se assemelha
ao de Hegel, argumenta o seguinte:
“Meu método dialético não só é fundamentalmente diverso do método de
Hegel, mas é, em tudo e por tudo, o seu reverso. Para Hegel o processo
do pensamento que ele converte inclusive em sujeito com vida própria,
sob o nome de ideia, é o demiurgo (criador) do real e esse, a simples
forma externa em que toma corpo. Para mim, o ideal, ao contrário, não é
mais do que o material, traduzido e transposto para a cabeça do homem”
(Karl Marx, palavras finais da 2. ed. t. I de O Capital).
Online: <https://goo.gl/HTT1Yv>.

O mundo não é uma realidade estática e sim uma realidade dinâmica de


elementos que se interagem. O movimento dialético se faz pela contradição entre
elementos opostos que vai resultar na criação de um novo elemento. A consciência
humana, mesmo condicionada pela maté­ ria e pela História, não é passiva: o
conhecimento da realidade material possibilita a liberdade da ação humana sobre o
mun­do (ARANHA & MARTINS, 2007).

O Materialismo Histórico
Marx escreveu no Prefácio de Para uma crítica da economia política, que o
materialismo histórico parte da tese segundo a qual “não é a consciência dos homens
que determina o seu ser, mas, ao contrário, o seu ser social que determina a sua

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consciência” (Apud REALE & ANTISERI, 2003, p. 104). Isso o leva a estabelecer
a relação entre estrutura material da sociedade (economia) e o que ele chama de
superestrutura (as ideias morais, filosóficas, religiosas, o Estado e a política).
Marx diz que as diversas formas de consciência são condicionadas ou justificativas
da estrutura econômica da sociedade, de modo que, se muda a estrutura econômica,
haverá transformação correspondente na superestrutura ideológica. A história
humana pode ser dividida em períodos relativamente longos de acordo com a
estrutura do modo de produção: Comunismo Primitivo; Modo de produção asiático;
Escravidão Clássica; Feudalismo; Capitalismo e cada uma delas corresponde a uma
superestrutura diferente (REALE & ANTISERI, 2003).
Em A ideologia alemã, pode-se ler: “a produção das ideias, das representações,
da consciência (...) está diretamente entrelaçada à atividade material e às relações
materiais dos homens” (Apud REALE & ANTISERI, 2003, p. 194). Os homens
podem se diferenciar dos animais pela religião, pela consciência ou pelo que se
quiser, mas eles começaram a se distinguir dos animais quando começaram a
produzir os seus meios de subsistência. E aquilo que os indivíduos são depende
das condições materiais da produção econômica. A essência do homem, portanto,
está em sua atividade produtiva.
O materialismo histórico é a aplicação do materialismo dialético ao campo
da história, é a explicação da história por fatores materiais (econômicos
e técnicos). O senso comum procura explicar a história pela ação dos grandes
personagens (heróis), das grandes ideias e até pela intervenção divina. Marx inverte
esse processo: no lugar das ideias, estão os fatos materiais; no lugar dos heróis, a
luta de classes. Não nega, com isso, que o ser humano tenha ideias, mas as explica
pela estrutura material da sociedade (REALE & ANTISERI, 2003).

A Luta de Classes
No Manifesto do partido comunista, Marx e Engels escrevem: “A história
de toda a sociedade até aqui é a história de lutas de classes. [Homem] livre e
escravo, patrício e plebeu, barão e servo [Leibeigener], burgueses de corporação
[Zunftbürger] e oficial, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em constante
oposição uns aos outros, travaram uma luta ininterrupta, ora oculta ora aberta,
uma luta que de cada vez acabou por uma reconfiguração revolucionária de toda a
sociedade ou pelo declínio comum das classes em luta.”. O motor da história para
Marx é, portanto, a luta de classes. Opressores e oprimidos é o que Marx vê no
desenvolvimento da História humana. E a nossa época, a época do Capitalismo,
não eliminou a luta de classes, pelo contrário, simplificou, visto que toda a sociedade
vai se dividindo cada vez mais em dois grandes campos adversários: a burguesia e
o proletariado.
Por burguesia, Marx entende a classe dos capitalistas modernos, proprietários
dos meios de produção e empregadores de assalariados. Por proletariado, ele
entende a classe dos assalariados modernos que, não tendo meios de produção
próprios, são obrigados a vender sua força de trabalho para viver (REALE &
ANTISERI, 2003).

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Para Marx, “a burguesia não apenas fabricou as armas que a levarão à morte,
mas também gerou os homens que empunharão aquelas armas: os operários
modernos, os proletários” (Apud REALE & ANTISERI, 2003, p. 199). Em lugar
de operários isolados e em concorrência, o desenvolvimento da grande indústria
cria organizações de operários conscientes de sua própria força. A burguesia,
portanto, produz os seus coveiros, a sua decadência e a vitória do proletariado são
processos inevitáveis.

O Comunismo
O Feudalismo produziu a burguesia. E a burguesia, em seu desenvolvimento,
produz o agente histórico que a levará à morte, isto é, o proletariado. Marx diz que,
fatalmente, a produção capitalista vai gerar a sua própria negação e, assim, teremos
a passagem da sociedade capitalista para o Comunismo, uma sociedade sem
propriedade privada e, portanto, sem classes, sem divisão do trabalho, sem
alienação e, sobretudo, sem Estado (REALE & ANTISERI, 2003).
Explor

Garotos Podres, A Internacional: https://youtu.be/vYHSHY0r1is

Marx não chega a desenvolver uma teoria


completa de como será a nova sociedade
comunista, só diz que será por etapas. No
início, ainda haverá certa desi­gualdade entre
os homens. Mas depois, quando desa­parecer
a divisão entre trabalho manual e trabalho
intelectual e quando o trabalho for uma
necessidade social e não meio de vida dos
indivíduos, então, a nova sociedade “poderá
inscrever sua bandeira: de cada qual segundo
a sua capacidade, a cada qual segundo as suas
necessidades” (Apud REALE & ANTISERI,
2003, p. 202), escreve Marx na Crítica ao
programa de Gotha.

A realização dessas medidas deveria ser a


fase intermediá­ria da transição da sociedade
burguesa para a sociedade comu­nista. Depois
haveria o “salto para a liberdade”: então, “à Figura 2
Fonte: Wikimedia/commons
velha sociedade burguesa, com suas classes e
antagonismos entre as classes, sucede uma associação em que o livre desenvol­
vimento de cada um é condição para o livre desenvolvimento de todos” (Apud
REALE & ANTISERI, 2003, p. 203).

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Vídeos
Karl Marx (1/3) - Clássicos da Sociologia
https://youtu.be/89LD2a1n8vA
Karl Marx (2/3) - Clássicos da Sociologia
https://youtu.be/JryegAZEi70
Karl Marx (3/3) - Clássicos da Sociologia do professor Cássio Diniz
https://youtu.be/yw08F6QVKMg

Leitura
A Ideologia Alemã
https://goo.gl/cuQFiP
Manifesto do Partido Comunista
https://goo.gl/2P4dJ3
Prefácio da Fenonemologia do Espírito
https://goo.gl/uBRw9z
Discurso Preliminar sobre o Espírito Positivo
https://goo.gl/q5jxjd

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Referências
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando:
introdução à Filosofia, 3.ed. rev. São Paulo: Moderna, 2007.

ARRUDA, José Jobson de A. História Moderna e Contemporânea. São Paulo:


Ática, 1974.

COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à Ciência da sociedade. 2.ed. São Paulo:


Moderna, 1998.

HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções (1789-1948), 2.ed. Rio de Janeiro:


Paz e Terra, 1979.

______. A era dos impérios (1875-1914). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Romantismo até


nossos dias. 6.ed. São Paulo: Paulus, 2003, vol. 3.

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Filosofia
Material Teórico
A Crise da Razão

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. André Luciano

Revisão Técnica:
Prof. Ms. Edson Alencar Silva

Revisão Textual:
Profa. Dra. Selma Aparecida Cesarin
A Crise da Razão

• Crise da Racionalidade
• A Constatação da Irracionalidade
• A Fenomenologia
• A Escola de Frankfurt
• Mannheim: entre o Caos e o Autoritarismo

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· A crença na razão iluminista, herdeira da tradição filosófica grega,
como instrumento de compreensão da realidade e de construção
de uma sociedade justa, capaz de livrar a Humanidade de todas as
mazelas, sofre severas críticas, já ao final do século XIX.
· O que fazer quando a razão não cumpre suas promessas, quando, ao
menor vacilo, “seu sono produz monstros”.
· Assim, veremos quais os fundamentos da crise, bem como as
críticas à razão; os caminhos propostos por diversos pensadores
para a busca do conhecimento, para o progresso da ciência e da
Humanidade, num momento em que a própria razão parece elevar
a irracionalidade humana.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE A Crise da Razão

Introdução
“A razão pode lutar corpo a corpo com os terrores, e derrubá-los.”
(EURÍPEDES)

A crença na capacidade da razão, como


redentora de todos os males, já estava pre-
sente na Filosofia grega. Alguns autores
afirmam ser certo que a Filosofia e a razão
nascem juntas. Tal crença ganha novo fôle-
go com o Renascimento1 e atinge seu ápice
com a Ilustração. Nesse sentido, durante os
séculos XVIII e XIX, assim como parte do sé-
culo XX, ela marca toda uma geração de in-
telectuais que nasceu e teve seu desenvolvi-
mento intelectual sob a égide do Iluminismo,
do Império da Razão. Tal geração acreditava
que a humanidade, pela Razão e Ilustração,
caminharia para a plena realização e concre-
tização do Homem.

A Ilustração ou Esclarecimento caracteriza-se pela


defesa da Ciência e da Razão contra a fé, o dogma
religioso e a superstição.
A Enciclopédia foi uma obra coletiva organizada
por Diderot, composta por 20 volumes, que tinha Figura 1 – Imagem que ilustra a
a pretensão de conter a totalidade dos saberes contracapa da Enciclopédia de Diderot,
existentes. Tratava-se de uma obra aberta ao pro- mostrando a Verdade sendo descoberta pela
gresso indefinido dos conhecimentos humanos. Ciência e pela Razão e iluminando a todos
Fonte: Wikimedia Commons

O movimento iluminista depositava imensa fé na capacidade de a humanidade


utilizar-se da Razão e assim progredir. Para os intelectuais desse tempo, a história
estaria em um contínuo e permanente progresso em que reinaria a Razão.

O mundo todo caminhava para se tornar um local harmônico e pacífico. Marx,


por exemplo, acreditava que a razão era não só um instrumento de apreensão da
realidade, mas, também, de construção de uma sociedade mais justa, capaz de
possibilitar a realização de todo o potencial de perfeição existente nos seres humanos.

1. Cabe lembrar da importância durante este espaço temporal do pensamento cartesiano e o desenvolvimento do cogito
como afirmação do poder da razão para o estabelecimento de verdades, assim como o método cartesiano que acaba
por definir e empoderar o desenvolvimento e a especialização das Ciências.

8
Devemos atribuir à Revolução Francesa, que tem origem na efervescência
promovida pela burguesia contra o regime absolutista da nobreza francesa,
alimentada pelo movimento de ideias da Ilustração, o triunfo da confiança na
razão e na capacidade de o conhecimento levar a Humanidade a um patamar
mais alto de progresso, regenerando o mundo por meio da conquista da natureza e
promovendo um ideal de felicidade aqui na Terra. Esse ideal tornou-se bandeira e
símbolo do movimento de crítica social, cultural e política que marca o Século das
Luzes, o século XVIII. Tal movimento de ideias, que alcança seu ponto culminante
com a Revolução Francesa, e o novo quadro sociopolítico por ela configurado,
terá um impacto decisivo na configuração do conflito que se estabelece entre o
legado da tradição e as forças da Modernidade, entre os valores tradicionais e os
valores concebidos sob a égide da razão2.
Valores e instituições que antes eram considerados parte da natureza humana,
de um ponto de vista supra-histórico, passam a ser entendidos como frutos da
convivência humana. Com o tempo, nenhum tema seria considerado menos
nobre ou escaparia à ânsia de entendimento: o Estado, as religiões, a família e
a sexualidade, a moral, a divisão do trabalho, os modos de agir, as estruturas das
sociedades e seus modos de transformação, a justiça e a violência, entre outros.
A razão passa a ser vista como a luz que, promovendo a liberdade do indivíduo,
orienta sábios e ignorantes em direção à verdade.

A ideia de liberdade passou, então, a conotar emancipação do indivíduo da


autoridade social e religiosa, conquista de direitos, e autonomia frente às instituições.
A burguesia europeia ilustrada acreditava que a ação racional traria ordem ao
mundo, sendo a desordem um mero resultado da ignorância. Educados, o seres
humanos seriam bons e iguais. A ideia de que o progresso era uma lei inevitável
que governava as sociedades consolida-se e vem a manifestar toda a sua força na
Filosofia do século XIX.

Crise da Racionalidade
As primeiras críticas à razão ou à visão iluminista da razão ocorrem ao final do
século XIX e se voltam contra seu caráter universalista e abstrato. A Modernidade,
capitaneada pela razão, propunha valores, modos de pensar e de agir, concepções
de mundo etc., como valores universais, ou seja, válidos e aplicáveis a todas as
sociedades humanas em qualquer situação.

Nessas formulações, abstrai-se qualquer referência a um contexto histórico,


político e social de significado a tais conceitos. Frente à famosa afirmação “Todos os
homens são iguais”, caberiam as seguintes perguntas, entre tantas outras possíveis:
quais homens? Iguais em quê?

2. É importante lembrar que que uma das consequências da Revolução Francesa foi o inicio de uma grande e drástica
mudança na sociedade europeia, pois é o mesmo período que marca os primeiros passos para a Revolução Industrial,
o início do mundo das fábricas, indústrias e das divisões de classes na prática.

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UNIDADE A Crise da Razão

“A subjetividade é a verdade”. Com essa frase, Kierkegaard afirma que o que existe
realmente não é o conceito de indivíduo, e sim, o Indivíduo concreto, vivendo aqui e
agora, decidindo sua própria existência.

A racionalização começa a devorar a Razão. E os homens deixam de ser


concebidos como indivíduos livres ou sujeitos. Passam a obedecer à aparente
racionalidade do Estado, da Burocracia e do Mercado. O ideário iluminista cometeu
a loucura de pensar que a Razão não somente é necessária, mas suficiente.

A ruptura do Racionalismo começa no século anterior, com David Hume (adepto


do Ceticismo) e Immanuel Kant (adepto do Criticismo). Esses questionamentos
com relação à essa crença na racionalidade, somados à influência do movimento
romântico na consideração do humano como totalidade (razão, sentimentos e
desejos) e não parte (razão), provocam reformulação na ideia que se faz do homem
e, por consequência, nos pensadores citados a seguir, sendo que alguns filósofos
do século XIX têm influência marcante na crítica à modernidade: Schopenhauer,
Kierkegaard e Nietszche.

Segundo Schopenhauer (1788 - 1860),


o mundo é gerado a partir da representa-
ção que fazemos dele. Captamos o mun-
do e ele é entendido por meio de formas
puras de representação (espaço, tempo e
causalidade). Conhecer os fenômenos pela
razão, não nos faz encontrar o sentido
das coisas, para isso precisamos fazer uso
do sentimento.

Ao atribuir o conhecimento do mundo a


partir da subjetividade, Schopenhauer co-
loca o corpo do homem como instrumen-
to de conhecimento estando submetido à
causalidade como todos os outros corpos.
Entretanto, o corpo humano é instrumen-
to de conhecimento, o que nos permite in-
Figura 2 – O mundo é fenômeno,
vestigar as causas de nossas ações. (ARA-
é o que aparece para nós
NHA & MARTINS, 2013, p. 154) Fonte: Wikimedia Commons
Explor

https://goo.gl/0nKF9C

10
Sören Kierkeggard (1813-1885)
é considerado precursor do Existen-
cialismo, foi crítico severo da filoso-
fia racionalista. Na filosofia iluminista,
universalista, o individual e particular
explicam-se pelo geral. Desse modo,
para Kierkegaard, na filosofia moder-
na, “desde Descartes até Hegel, o ser
humano não é visto como ser existen-
te, mas como abstração, reduzido ao
conhecimento objetivo. Na verdade,
porém, a existência subjetiva é irre-
dutível ao pensamento racional, e por
isso mesmo possui valor filosófico fun-
Figura 3 – Kierkeggard damental.” (ARANHA & MARTINS,
Fonte: Wikimedia Commons 2013, p. 154).

Em Kierkegaard, há um forte sentimento de irredutibilidade do indivíduo, de sua


especificidade e do seu caráter insuperável de sua realidade. Não devemos buscar
o sentido do indivíduo numa harmonia racional que anula as singularidades, mas,
sim, na afirmação radical da própria individualidade. A individualidade não deve,
portanto, ser entendida primordialmente como um conceito lógico, mas como a
solidão característica do homem que se coloca como finito perante o infinito. A
individualidade define a existência.

A crítica de Nietzsche (1844-1900)


não é à razão, ou à Ciência como saber,
naquilo que ela se mostrava criativa,
mas como conhecimento do que é
verdadeiro, universal, com leis e causas
válidas para toda a Humanidade e,
portanto, como princípio de igualação
pela busca do que é comum e regular
a todos. “Para ele, o conhecimento
não passa de uma interpretação, de
uma atribuição de sentidos, sem jamais
ser uma explicação da realidade”
(ARANHA & MARTINS, 2013, p. 155).
Todo conhecimento é atribuição de Figura 4 – Para Nietzsche, não se trata mais
sentido e, dessa forma, específico a um de procurar o conhecimento da verdade, mas,
determinado momento, ou aos valores sim, de interpretar um fenômeno
que são promovidos ou ocultados. Fonte: Wikimedia Commons

11
11
UNIDADE A Crise da Razão

O pensamento de Nietzsche se orienta no sentido de recuperar as forças


inconscientes, vitais e instintivas subjugadas pela razão durante séculos. Os efeitos
dos sentimentos e valores modernos, são a massificação e a repetição. Em um
trecho do prólogo de Assim falou Zaratustra, vemos a visão nietzschiana do
homem das modernas sociedades de massa, nas quais a capacidade do ser humano
para agir espontaneamente é substituída pelo simples comportamento, em sua
monótona previsibilidade repetitiva e normatizada:
“Nenhum pastor e um rebanho! Cada um quer o mesmo, cada um é o
mesmo, e quem sente diferente vai por sua própria vontade para o asilo
de loucos. ‘Antes o mundo todo estava errado’, dizem os mais sutis, e
piscam ... Temos pequenos prazeres para o dia e pequenos prazeres para
noite: mas respeitamos a saúde. ‘Nós descobrimos a felicidade’, dizem os
últimos homens, e piscam” (NIETZSCHE, 2004, p.8).

A Constatação da Irracionalidade
Já no século XX, o pensamento dito “pós-moderno” sofreu a influência
da filosofia nietzschiana, com seu perspectivismo, e também dos filósofos citados
anteriormente, que procuraram desvendar as ilusões do conhecimento daquela
razão toda poderosa da modernidade.

Com a Primeira Guerra Mundial, vem à tona, para grande parcela dos
intelectuais formados na tradição iluminista, o outro lado da moeda: os resultados
“não desejados do progresso da Ciência e da Razão”. O mundo mostra-se, na
verdade, um caos. Nunca antes tamanha brutalidade do homem contra o homem
havia sido vista. A questão que a Filosofia e diversos filósofos se colocavam era:
como poderia haver tamanha violência no reino da Razão?

Figura 5 – Guernica foi produzida por Pablo Picasso, em 1937, representa a violência em virtude de um
bombardeio aéreo feito pelos alemães durante a Guerra Civil Espanhola à localidade de Guernica, no país Basco,
no dia 26 de abril de 1937. Reproduz a atrocidade das vidas estilhaçadas e dos corpos revirados do avesso
Fonte: Wikimedia Commons

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O mundo não tem mais sentido e mostra-se completamente diferente do que era,
nada mais tem o seu lugar definido. Se no passado não havia por que questionar
o mundo, pois ele era “sensato”, naquele instante não há o que ser questionado
porque nada é certo.

Para Lyotard (1924 - 1998), o pós-moderno representa a incerteza sobre aqueles


que procuraram explicar a realidade de modo absoluto e universal. A constatação
de que a Razão, o Progresso e a Ciência não trariam a emancipação humana
não é nova, no entanto, encontramos essa relação ambígua com a Razão e suas
possíveis consequências devastadoras anteriormente, por exemplo, na obra do
espanhol Goya (1746-1828), pintor que celebra e eleva a razão engendrada pelo
Iluminismo, mas que presencia a violência da guerra e das barbáries promovidas
em nome da razão, com a invasão francesa.

A razão não é capaz de refrear na Humanidade seu lado obscuro:


“O homem é assediado pelas trevas (...) A razão é atacada pela loucura
congênita dos homens e pela própria condição humana (...) A razão pode
ser objeto de uma aspiração voluntária, mas Goya nos mostra que os
horrores de que somos feitos são tanto mais perenes quanto são, para
nós, irresistíveis” (COLI, 1996, p. 310).

A Razão Ilustrada não gerou sociedades justas, livres e fraternas como se


imaginava. Nem todas as suas promessas foram cumpridas. Sua racionalidade
tecnocientífica não transformou os homens em seres mais humanos. Se a Razão
não pode mais nos fornecer um “porto seguro” capaz de nos proteger-nos
contra as adversidades das ideologias, dos dogmatismos e das manifestações da
irracionalidade (fundamentalismos, racismos, integrismos, etc.), somos obrigados a
viver num mundo sem horizonte fixo e sem fundamento.

O que matou e mata milhões é a convicção de possuir a verdade e a vontade de


impô-la aos outros. O homem ocidental matou em nome de Deus, em nome de
princípios nazistas, stalinistas e até científicos (racismo). O sono da razão produz
monstros; quando dorme a razão não há mais luz.

A razão ilustrada não transformou os homens em seres mais humanos.

A verdade deve estar em vigília constante:


“Isso pressupõe um esforço áspero de vigília, enquanto a noite, o
obscuro, o monstruoso existem por direito natural, prévios de qualquer
racionalidade. Ao invés do triunfo do pensamento verdadeiro da razão,
da claridade que invade para sempre o universo, o que se descobre é uma
predominância invencível das trevas” (COLI, 1996, p. 310).

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UNIDADE A Crise da Razão

Por outro lado, diversos pensadores impõem-se uma missão: estabelecer,


novamente, com o auxílio da Razão, um novo sentido para o mundo, uma nova
noção de civilização, de valores. Estão apavorados frente ao caos irracional, fruto
da Modernidade, e frente à possibilidade de conflitos ainda mais devastadores.

A Fenomenologia
A corrente filosófica que chamamos Fenomenologia surge ao final do século
XIX e seu principal representante é Edmund Husserl (1859-1958).

A palavra “fenômeno” em grego significa “o que aparece”: tudo que aparece


aos sentidos e à consciência. A Fenomenologia pode ser definida, portanto, como
reflexão sobre um fenômeno ou aquilo que se mostra. Em uma definição mais
adequada: uma reflexão sobre aquilo que se mostra, para sua consciência. Para a
Fenomenologia, as coisas mostram-se ao ser humano, que busca dar significado
e sentido ao fenômeno. “Contra os empiristas (como Locke), a Fenomenologia
afirma que não há objeto em si, já que um objeto é sempre para um sujeito que lhe
dá significado” (ARANHA & MARTINS, 2013, p. 157).

Husserl estabelece polêmica com ou-


tra corrente filosófica influente ao final do
século XIX, o Positivismo. Para os positi-
vistas, os fatos são coisas que existem ex-
teriores aos seres humanos e que devem
ser apreendidas do mesmo modo por to-
dos. Os positivistas, herdeiros da tradição
cientificista do Iluminismo, acreditam no
conhecimento objetivo e universal, aces-
sível a todos do mesmo modo.

Enquanto o Positivismo queria garan-


tir a possibilidade de um conhecimento
científico cada vez mais neutro, despoja-
do de subjetividade e distante do homem,
a Fenomenologia propõe a retomada da
“humanização” da Ciência, com nova re-
Figura 6 – Para Husserl, todo objeto é um dado da
lação entre sujeito-objeto e homem-mun-
consciência, que lhe atribui sentido e significado
do, considerados inseparáveis. Fonte: Wikimedia Commons

Para Husserl, os fatos existem, mas não são importantes em si; o ser humano
não se interessa por eles, mas pelos sentidos que são dosatribuídos a eles. Como
relação, por exemplo, a pergunta que várias Ciências se fazem: o que é a verdade?
Husserl diz que a verdade, do ponto de vista humano, reside no sentido e não
no fato. Cada pesquisador, ao se debruçar sobre a verdade, estará preocupado
e, desse modo, atento somente àquilo que lhe faz sentido, tudo mais é deixado

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de lado. Cada um descreverá alguns aspectos da verdade, não a Verdade em si.
Não é possível, assim, o conhecimento absoluto e universal proposto pela razão
iluminista, apenas conhecimentos referidos a um determinado sujeito:
“A fenomenologia critica a filosofia tradicional por desenvolver uma
metafísica vazia e abstrata, voltada para a explicação. Ao contrário, a
fenomenologia tem o próprio ser humano como ponto de partida de
reflexão. Ao buscar o que é dado na experiência, descreve ‘o que se
passa’ efetivamente do ponto de vista daquele que vive uma determinada
situação concreta” (ARANHA & MARTINS, 2013, p. 157).

A Escola de Frankfurt
O Instituto de Pesquisa Social foi fundado em 1924, em Frankfurt, na Alemanha.
Entre seus mais renomados componentes estão pensadores como Marx Horkheimer,
Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Walter Benjamin, Erich Fromm e Junger
Habermas, esste último pertencendo à segunda geração da Escola. Em Frankfurt,
tais autores desenvolveram a chamada Teoria Crítica, que unia conhecimento e
transformação histórica; em oposição à chamada Teoria Tradicional, que opunha
teoria e prática. Estavam, portanto, interessados na integração entre Filosofia e
análise social, em explorar as possibilidades de transformar a ordem social por
meio da práxis (prática, ação concreta).

Figura 7 – Membros do núcleo fundador do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt


Fonte: Wikimedia Commons

Leitores de Marx, Nietzsche e Freud, entre outros, para os teóricos frankfur-


tianos, a razão não deve ser tomada como um ideal transcendente, que existe
fora da História. A verdade não é imutável ou absoluta, o que não significa
negar qualquer valor a ela sucumbindo ao Relativismo total.
Cada momento histórico tem sua própria verdade, porém não há uma
verdade que possa persistir através dos tempos universalmente, como queriam os
iluministas. A verdade não está fora de uma sociedade dada, já que é definida por
suas particularidades:
“Concluem que a razão, exaltada tradicionalmente por ser ‘iluminada’,
também traz sombras em seu bojo, quando se torna instrumento de
dominação.” (ARANHA & MARTINS, 2013, p. 158).

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UNIDADE A Crise da Razão

Em seu livro Dialética do esclarecimento, Horkheimer e Adorno identificam


as causas que levaram os seres humanos a seguir o caminho da barbárie e ao
fracasso do projeto de autonomia da Razão. Demonstram como a Razão, ao
invés de promover as luzes, a emancipação, o esclarecimento e o progresso da
Humanidade, converte-se em uma ‘razão instrumental’, que promove a imagem
ilusória que o ser humano tem de si como senhor da natureza. “Esse tipo de
racionalidade, em última análise, tem visado à dominação da natureza para fins
lucrativos, colocando a Ciência e a Técnica a serviço do capital.” (ARANHA &
MARTINS, 2013, p. 158).

A razão serviu como meio pelo qual se produziram os princípios teóricos


necessários para serem criadas as condições técnicas necessárias à instrumentalização
da natureza.
“O ambiente em que a técnica adquire tanto poder sobre a sociedade
encarna o próprio poder dos economicamente mais fortes sobre a mesma
sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria
dominação, é o caráter repressivo da sociedade que se auto-aliena (sic)”
(HORKHEIMER & ADORNO, 2004, p. 9).

Mannheim: entre o Caos e o Autoritarismo


É interessante, neste momento, retomarmos o
exemplo de Karl Mannheim (1893-1947), pensador
que, de certo modo, expõe, ao longo de sua obra, a
crença na razão e a consequente desilusão quanto às
suas realizações e possibilidades.

Em suas primeiras obras, ainda na década de


1920, Mannheim acredita na Democracia promovida
pela Razão. Para ele, cada um dos vários grupos
sociais presentes em uma sociedade possui uma
ideologia própria, que expõe parte da verdade, da
totalidade e oculta outra. Cada grupo, de acordo
com seus interesses, posição social, econômica, Figura 8 – Mannheim afirmava
religiosa etc., vê a realidade de um modo particular. que todo conhecimento está
O grande propósito do intelectual é promover o arraigado em seu contexto social
debate político racional entre esses diversos grupos, Fonte: Wikimedia Commons
em que cada um exporia a sua parte da verdade. Desse modo, por meio de uma
síntese entre as diversas ideologias, seria possível encontrar o melhor caminho a ser
seguido, em que cada grupo, agindo racionalmente, por meio do debate político,
abriria mão de parte de seus anseios para o melhor desenvolvimento do todo.

16
Com os acontecimentos que marcavam a história da Alemanha, na década de
1930, Mannheim vê-se obrigado a abdicar de seu sonho inicial de uma República
na qual o debate político racional entre os diversos grupos prevaleceria. O mundo
mostra-se cada vez mais irracional, o obscurantismo toma conta da sociedade alemã,
na qual Mannheim vivia. Para o autor, a ideologia, nesse momento, é extremamente
irracional, não há a possibilidade de diálogo entre as forças contrárias.
[...] podemos, às vezes, duvidar do que está certo ou errado, e isto pode
ser aceito como coisa natural. Mas quando prevalece uma ansiedade
de massas, porque a comoção ideológica geral elimina toda base sadia
para a ação comum, e quando a gente não sabe onde está, nem o que
deve pensar a respeito dos problemas mais elementares da vida, então
se pode falar, com razão, de uma desintegração espiritual da sociedade
(MANNHEIM, 1972, p. 23).

Nesse quadro, Mannheim vê a necessidade de direcionar a tendência


democratizadora para tentar evitar um de seus prováveis resultados:
“As ditaduras só podem surgir nas democracias: tornam-se possíveis
devido à maior fluidez introduzida pela democracia na vida política. A
ditadura não é a antítese da democracia: é um dos modos possíveis
encontrados por uma sociedade democrática para tentar resolver seus
problemas” (MANNHEIM, 1974, p. 141-2).

A Democracia, ao ampliar os grupos que participam da arena política, pode criar


entraves ao processo decisório, “o curto circuito do processo político pode entrar,
então, numa fase ditatorial” (MANNHEIM, 1974, p. 142). Com o sufrágio universal
e a consequente possibilidade de acesso de diversos grupos na participação política,
a elite política, já amplamente familiarizada com a realidade política e ciente do que
realmente poderia ser feito, portanto, sem entrar em esquemas utópicos e sem se
perder em devaneios, perde sua homogeneidade.

Com efeito, com a Democracia plena:


“Grupos ainda não familiarizados com a realidade política assumem de
repente certas funções políticas. Isso leva a uma discrepância característica:
camadas e grupos cujo pensamento político se orienta para a realidade
têm que cooperar ou lutar com pessoas que estão vivendo sua primeira
experiência política – pessoas cujo pensamento ainda se encontra num
estágio utópico” (MANNHEIM, 1974, p. 142).

Isso se mostra como um mercado livre, em que cada grupo coloca sua opinião
e, assim, o indivíduo confunde-se pelas pressões das unidades rivais sem conseguir
discernir sobre qual caminho é mais positivo. Sendo assim, um dos grandes
problemas da Democracia, para o autor, está em repartir o poder comum, e
também no fato de que o voto, da massa “irracional”, pode ser manipulado por
partidos ou grupos de pressão.

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UNIDADE A Crise da Razão

A tão esperada democracia da Razão mostrou-se falsa, o irracionalismo e o


conservantismo desvirtuaram o ideal de democracia política. O que surge é uma
democracia do impulso, “como agora se pode ver claramente, a democracia não
é necessariamente um veículo de tendências racionalizadoras na sociedade – pelo
contrário, ela bem pode funcionar como órgão da expressão desinibida de impulsos
emocionais momentâneos” (MANNHEIM, 1974, p. 143).

Mannheim vê-se frente a um grande paradoxo. Por um lado, a sociedade


democrática é positiva, pois viabiliza a plena autonomia do indivíduo. Contudo,
esse processo tem sua face negativa, pois a sociedade democrática ao mesmo
tempo induz a massificação desse indivíduo. Ao mesmo tempo em que amplia a
liberdade, “a democracia também desenvolve poderosos mecanismos sociais para
induzir o indivíduo a renunciar a sua autonomia” (MANNHEIM, 1974, p. 143).

Para o indivíduo, se, de um lado, a democracia alimenta a liberdade, estimulando


a autonomia, de outro, também pode induzir o desenvolvimento de mecanismos
sociais de renúncia da autonomia, no anonimato que o indivíduo consegue na massa.

Como consequência, a Democracia costuma ser destruída, não pelos seus


inimigos, mas por fatores de autoneutralização que ocorrem dentro de sistemas
democráticos: a coesão social seria prejudicada se todos buscassem influenciar as
decisões públicas, o que faz com que toda sociedade democrática desenvolva recursos
neutralizadores dessas tendências, que são potencialmente antidemocráticos.
“Quanto mais a técnica nos liberta da força arbitrária da natureza, mais
nos enredamos na rede de relações sociais que nós próprios criamos”
(MANNHEIM, 1974, p. 193).

Como vemos, Mannheim é um caso exemplar da crise da razão. O terror


que a possibilidade do caos lhe desperta faz com que sua crença na Democracia
plena acabe. Ao fim da vida, já não acredita na possibilidade de existência da
Democracia em grandes comunidades, na qual o grosso da população foi ou,
invariavelmente, será massificada pelas técnicas sociais devido à desagregação
dos valores. Nesse momento, Mannheim não vê com bons olhos a participação
de todos os grupos sociais no processo político, pois a interferência das massas
“irracionais” simplesmente levaria ao fim da Democracia. Sendo assim, assume
uma clara posição elitista quanto ao processo político e decisório. A decisão política
deve estar nas mãos de um pequeno grupo que atuaria “racionalmente” frente à
realidade, para resolver, da melhor maneira possível, os problemas que surgissem.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Kierkegaard
Para conhecer um pouco mais sobre o pensamento do filósofo, acesse o site:
https://goo.gl/3REhY
Nietzsche
Para conhecer um pouco mais sobre o pensamento do filósofo, acesse o site:
https://goo.gl/mnmZK5
Fenomenologia
Para conhecer um pouco mais sobre esse pensamento filosófico, acesse o site:
https://goo.gl/h1e0sE
Fenomenologia e existencialismo: articulando nexos, costurando sentidos
https://goo.gl/kNT6ld
Escola de Frankfurt
Para conhecer um pouco mais sobre essa escola filosófica, acesse o site:
https://goo.gl/chdVGs
Mannheim
Para conhecer um pouco mais sobre o pensamento desse autor, acesse o site:
https://goo.gl/DTkni5

Vídeos
Especial Nietzsche - Viviane Mosé - Café Filosófico
https://youtu.be/wszgKT2zS-c
FRIEDRICH NIETZSCHE I “Além do Bem e do Mal” (Human, All Too Human) I Documentário
https://youtu.be/vLcvjBys5hk
Aula 31 - Filosofia e Sociologia - Escola de Frankfurt - A Dialética do Esclarecimento - Parte I
https://youtu.be/yJIF3QldGKk

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UNIDADE A Crise da Razão

Referências
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando:
introdução à filosofia. 5ª Ed. São Paulo: Moderna, 2013.

BELLO, Ângela Ales. Introdução à fenomenologia. Bauru: Edusc, 2006.

BENJAMIN, Walter; HABERMAS, Junger; HORKHEIMER, Max; ADORNO,


Theodor W. Benjamin, Habermas, Horkheimer e Adorno. São Paulo: Nova
Cultural, 1983. Coleção Os Pensadores.

COLI, Jorge. “O sono da razão produz monstros”. In: NOVAES, Adauto. A


crise da razão. São Paulo: Cia das Letras, 1996.

HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W. “A indústria cultural: o Iluminismo


como mistificação das massas”. In: ADORNO, Theodor W. Indústria cultural e
sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

JAPIASSU, Hilton. A crise da razão no ocidente. Pesquisa em Educação


Ambiental, [S.l.], v. 1, n. 1, p. 27-41 , dec. 2006. ISSN 2177-580X. Disponível
em: <http://www.revistas.usp.br/pea/article/view/30007/31894>. Acesso
em: 15 dez. 2016.

MANNHEIM. Liberdade, poder e planificação democrática. São Paulo:


Mestre Jou, 1972.

MANNHEIM, Karl. Sociologia da Cultura. São Paulo: Perspectiva/Edusp, 1974.

NIETZSCHE, Friedrich. Assim falava Zaratustra. Rio de Janeiro: Vozes, 2004.

SIMÃO, André Luciano. Mannheim e seu tempo: entre o caos e o


autoritarismo. Disponível em: <http://www.fatea.br/seer/index.php/janus/
article/viewFile/40/43>. Acesso em: 19 dez. 2016.

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Filosofia
Material Teórico
Ética e Cidadania

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Andrea Borelli

Revisão Técnica:
Prof. Ms. Edson Alencar Silva

Revisão Textual:
Profa. Dra. Selma Aparecida Cesarin
Ética e Cidadania

• Introdução
• Os Valores
• A Moral e o Ato Moral
• Ética: Algumas Considerações Filosóficas
• A Questão da Liberdade: Algumas Considerações

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Vamos finalizar nosso estudo de Filosofia, discutindo um tema muito
importante no mundo atual: a questão da Ética e da Cidadania.
· Nesta Unidade, discutiremos alguns aspectos iniciais desse problema
que sempre aparece nos noticiários.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Ética e Cidadania

Introdução
Você é ético?

Vamos fazer um teste?

Leia o texto a seguir e se lembre de que essa é uma situação fictícia, criada com
o objetivo de promover reflexão.

“Imagine que você é um repórter fotográfico de uma importante Agência de


notícias. Seu trabalho o leva para todos os lugares do mundo e, em uma dessas
viagens, você é enviado para cobrir uma das maiores enchentes da história humana.

Num determinado momento, você se depara com um grupo de pessoas ilhadas


e prestes a serem levadas pela enxurrada. No grupo, você reconhece três pessoas:
Hitler, responsável pelo Holocausto; Pinochet, ditador chileno que conduziu uma
das ditaduras mais violentas do mundo (lembre-se de que estamos em uma situação
fictícia) e seu vizinho, aquele cara que faz da sua vida um inferno.

Você é o único que pode salvá-los...

Contudo, se você não fizer nada, vai tirar uma sequência de fotos que lhe
garantirão riqueza e fama. Afinal, todos vão querer ver celebridades morrendo.

Considerando todos os princípios da ética, responda a questão.

Você tiraria fotos coloridas ou em preto e branco? ”

Obviamente, isso é uma brincadeira.

Contudo a discussão da Ética e da Cidadania é de vital importância para o


mundo moderno e esse é o tema de que trataremos nesta Unidade.

Algumas afirmações tornaram-se lugar comum no mundo atual: “As pessoas


não têm valores”; “Os jovens não sabem o que é Moral”; “Os políticos não têm
Ética”; “Temos de lutar pela Cidadania”.

Valores, Ética, Moral, Cidadania...

Esses conceitos são utilizados de maneira indiscriminada e sem que as pessoas


tenham noção do que eles realmente significam. É necessário saber o que realmente
é um Ato Moral, qual o sentido de Ética e de Cidadania.

Vamos discutir esse assunto nesta Unidade.

8
Os Valores
Ao entrar em contato com algo, uma árvore, por exemplo, fazemos uma série
de observações em nossa relação com o objeto: sua cor, seu cheiro ou sua beleza.
Essas observações são os juízos.

Observe:

1º) Realizamos um Juízo de Realidade: quando


partimos do fato de que a árvore existe..

2º) Realizamos Juízos de Valor: quando atribuímos uma


qualidade que mobiliza nossa atração ou repulsa.

Figura 1
Fonte: Adaptado de iStock/Getty Images

Atribuímos valor às coisas todo o tempo e isso marca a nossa relação com o
mundo. Eles podem ser de utilidade, beleza, morais (bem e mal), econômicos.

Trocando ideias...Importante!
“Desse modo, os valores podem ser lógicos, utilitários, estéticos, afetivos, econômicos,
religiosos, éticos” (ARANHA & MARTINS, 2013, p. 171).

Contudo, o que é valor?


Valor

Do grego áxios, “valor”.

Axiologia trata da relação entre os


objetos e os seres que os aprecia.

Algo possui valor quando não


nos deixa indiferentes.

Figura 2

Os valores são, em um primeiro momento, herdados do mundo cultural em


que vivemos, ou seja, aprendemos com os outros o que é belo e o que é feio;
aprendemos a andar, correr e brincar. Portanto, é importante perceber que os
valores são construídos coletivamente e variam de acordo com a cultura que os
gestou. Eentre os diversos tipos de valores, estão os éticos ou morais.

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UNIDADE Ética e Cidadania

A Moral e o Ato Moral


Os conceitos de Moral e Ética são, muitas vezes, utilizados como sinônimos,
aliás, possuem uma etimologia semelhante, apesar de designarem coisas diferentes.
“[...] ambos referindo-se a um conjunto de regras de conduta consideradas
como obrigatórias. Tal sinonímia é perfeitamente aceitável: se temos dois
vocábulos é porque herdamos um do latim (moral - mos, moris) e outro do
grego (ética - ethos) duas culturas antigas que assim nomeavam o campo
de reflexão sobre os ‘costumes’ dos homens , sua validade, legitimidade,
desejabilidade, exigibilidade” (LA TAILLE, 2006, p. 25).

Moral Ética
Origem Latina Origem Grega
mos, moris ethos
“maneira de comportar regulada pelo costume.” “costume”

Em sentido amplo, a Moral é o conjunto de regras de conduta que um grupo


admite como ideais numa determinada época e a Ética é a parte da Filosofia que se
ocupa da reflexão sobre as noções, as quais fundamentam a vida moral.

Observe que a Moral é perpassada por duas importantes dimensões: a pessoal


e a coletiva, pois os atos humanos são marcados pela dinâmica entre a liberdade
pessoal e a pressão coletiva; entre a aceitação e a recusa das normas criadas
socialmente.

A criação do mundo Moral leva à reflexão sobre os atos cotidianos e levanta a


problemática do Ato Moral.

É normativo
Ato Moral
As normas que determinam o “dever ser”.

É fatual
São os atos humanos que se realizam.

Amoral = foge da norma. Moral = de acordo com a norma.

É voluntário e livre
É um ato de vontade que busca um objetivo.

É responsável É solidário
É um momento de ação livre e consciente. Reciprocidade entre os envolvidos.

É obrigatório – cria um dever


A consciência moral obriga a ação – Autonomia (autodeterminação).

Figura 3

10
Estabelecidas as características do Ato Moral e determinado que a Moral é fruto
da ação coletiva humana, podemos iniciar as considerações sobre a questão da
Ética, ou seja, as reflexões que a Filosofia propõe sobre a vida moral.

Ética: Algumas Considerações Filosóficas


Os filósofos antigos consideravam que a vida moral era marcada por um
constante choque entre os nossos desejos e a nosso razão. Nesse período, a vida
ética era educar as paixões e orientar a vontade no rumo do bem e da felicidade.

A finalidade da Ética, no mundo antigo, era observar a harmonia entre o caráter


do sujeito ético e os valores da sociedade.

Os homens de bem querem o bem de uns e outros, do mesmo modo. E por serem homens de
Explor

bem são amigos dos outros, pelo que os outros são. Esses são assim amigos de uma forma
suprema. Querem para os seus amigos o bem que querem para si próprios.»
Ética a Nicômaco – Aristóteles.

A Ética expressa não somente os anseios e problemas de cada época, mas


expressa a organização política, social e religiosa de uma cultura, de um povo. O
comportamento moral é próprio do homem como ser histórico, social e prático,
isto é, como um ser que transforma conscientemente o mundo que o rodeia.

A Ética filosófica procura orientar e encontrar soluções para os problemas


básicos das relações entre os homens. Desde a Grécia Antiga até a Contempora-
neidade, a Ética foi discutida e elaborada por muitos filósofos.

Sócrates racionaliza a Ética e preconiza uma concepção do bem e do mal e


da areté (da virtude). Com Platão, a Ética ganha espaço na política. Assim como
Platão, Aristóteles fala do homem político, social, condenado a viver na pólis
(cidade-estado grega). Para ele, o homem deve cultivar a “justa medida”, que é o
conjunto das virtudes éticas, pela qual são administrados os impulsos e as paixões.
A justa medida se traduz em um habitus e, portanto, constitui a personalidade
moral do indivíduo.

Com a decadência das cidades-estado gregas, a reflexão da ética filosófica toma


novas direções: de uma Moral da pólis, racional, para uma Moral do universo,
ligada à natureza. Assim, o estoicismo (representado por Sêneca) e o epicurismo
(por Epicuro) tomam a natureza (a física) como referência para a Moral.

Para o estoicismo, Deus é a “razão final” do Cosmo. Nada acontece que não
esteja determinado por ele. E é para ele que todo indivíduo é destinado. Portanto,
o bem supremo é viver de acordo com a natureza. O homem é protagonista de sua
vida, pois não há determinações divinas em suas ações. Por isso, o “bem viver” se
resume na procura do prazer espiritual.

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UNIDADE Ética e Cidadania

Na Idade Média, preconizada pela ruína econômica política da sociedade, a


religião cristã confere coesão social nesse mundo diluído e exerce um poderio
religioso-moral que irá conduzir à reflexão intelectual dessa época. A filosofia cristã
se baseia nas verdades reveladas para estabelecer o princípio regulador da Ética.
Se antes a referência da Moral era a pólis (para Aristóteles), o universo (para os
estóicos e os epicuristas), agora Deus é a suprema verdade em que tudo é orientado:
a Moral e a perfeição.

Trocando ideias...Importante!
Ainda que a Filosofia estivesse a “serviço” da Teologia, como se acreditava, Agostinho e
Tomás de Aquino resgatam a Filosofia Grega em suas vertentes platônica e aristotélica e
submetem-na a um processo de cristianização.

A noção dever criada pela ética cristã apresentou um problema interessante


para os filósofos modernos. Na Modernidade, a Ética se estrutura dentro de uma
corrente Racionalista. O homem torna-se o centro das reflexões, enquanto que a
religiosidade perde prestígio diante da Ciência Moderna. Isso nos leva a situar este
marco no século XVII, resposta da Revolução Científica galileiana e das evoluções
filosóficas protagonizadas por Descartes e Hobbes.

Na história da Ética, o paradigma mecanicista conduzirá o pensamento ético até


a filosofia kantiana da moral. A Filosofia e a Ética moderna nascem para pensar a
constituição e a forma como o sujeito conhece e é capaz de assumir o novo destino
histórico da razão, de pensar a natureza da realidade”: o dever ser.

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Considerando que o Ato Moral deve ser autônomo, como ele pode ser um
dever? Dois grandes filósofos tentaram responder esse dilema: Rousseau e Kant.

Rousseau defende que o fundamento da moral está na própria natureza humana,


no coração dos homens, no qual eles encontrarão os critérios do bem e do mal.
Qualquer homem, que consultar sua consciência, necessariamente vai encontrar
uma solução para seus dilemas morais.

· A Consciência Moral e o dever são


inatos. São a “voz da Natureza” e o
“dedo de Deus”
· Nascemos bons e puros, a ação da
sociedade nos corrompe.
· A Noção de dever Moral somente nos
faz lembrar nossa natureza original.
· Ao obedecer ao dever moral, obe-
decemos a nós mesmos, aos nossos
sentimentos e emoções, e não obede-
Figura 4 – Retrato de Jean-Jacques Rousseau cemos à razão que nos faz perversos.
(1753), por Maurice Quentin de La Tour
Fonte: Wikimedia Commons · A Razão torna a sociedade perversa

Em Kant, a ética filosófica atinge o seu auge: parte da concepção de um factum da


oralidade, em que preconiza um sujeito individual, livre e autônomo. A “máxima”
de seu postulado ético está no imperativo categórico: “Age de maneira que possas
querer que o motivo que te levou a agir se torne uma lei universal”.

· Kant reafirma a importância da razão para uma


postura Ética.
· Somos egoístas, ambiciosos e cruéis e por isso pre-
cisamos da Razão para escolher uma vida moral.
· A Razão Prática é a liberdade como instrumento
de criação de normas e princípios éticos.
· A noção de dever deve ser aplicada a toda a
ação moral.
· O dever é um imperativo categórico. Ordena in-
condicionalmente.
· A ação moral deve ser pautada por três máximas:
1) determina o que todo o ser humano deve fazer;
Figura 5 – Retrato de Immanuel 2) determina que todos os seres humanos sejam o
Kant – século XVIII
Fonte: Wikimedia Commons objetivo da ação; 3) determina que a ação moral
criacrie o reino humano dos fins.

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UNIDADE Ética e Cidadania

Os pensadores modernos assumem A tese de que todos os homens possuem,


em todos os tempos e lugares, a mesma natureza fundamental, ou seja, partilham
essencialmente, da mesma racionalidade e dos mesmos instintos e interesses
básicos, portanto a solução apresentada por ambos apresenta semelhanças.

O dever de cumprir o ato mora


Rousseau Kant
está dentro de nós. É nossa natureza.

Figura 6
Fonte: Wikimedia Commons

O pensamento de Rousseau e de Kant sobre a questão da Ética foi alvo de duras


críticas de outro grande nome da Filosofia: Georg Wilhelm Friedrich Hegel.

Para Hegel, “o Espírito é o indivíduo que constitui um mundo tal como ele se
realiza na vida de um povo livre”. O ambiente social está constituído por uma
Consciência que determina seus valores normativos. Esses valores, compreendidos
na autoconsciência, compõem os elementos “ditos” para um indivíduo, ou seja, o
Espírito inserido numa dimensão social.

·· Os seres humanos são históricos e


culturais e sua moralidade resulta
da necessidade reguladora da vida
em comunidade.
·· A vida ética é o acordo e a harmo-
nia entre a vontade do indivíduo e
a vontade coletiva.
·· Ser ético é portar-se de acordo com
as regras morais da sociedade em
que vivemos, internalizando-as.
Isso é um ato racional.
·· A crise de uma sociedade pode ser
Figura 7 – Retrato de Hegel (1831),
por Jakob Schlesinger notada quando suas normas pas-
Fonte: Wikimedia Commons sam a ser transgredidas.

Os autores que analisamos, até o momento, tratam a Ética com um elemento


que é fruto da razão humana voltada ao bem geral. Contudo, esses pensadores
receberam críticas e, entre elas, estão os chamados “mestres da suspeita”, Marx e
Nietzsche, que põem em relevo a ética filosófica tradicional. A reflexão ética toma
um novo direcionamento: desenvolvido em uma representação da economia para
Marx e na cultura para Nietzsche.

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Segundo Nietzsche:

· A moral racionalista é fruto do pen-


samento dos fracos e ressentidos
que temem a vida, os desejos e as
paixões. É a moral dos fracos que
pretende escravizar os fortes.
· É preciso instituir uma Moral dos
senhores ou a Ética dos Melhores.
Essa moral é fundada na vontade
de potência.
· O modelo da Vontade de Potência
é encontrado nos guerreiros bons e
belos do mundo antigo.
· A força de potência gera uma violên-
cia purificadora e nova, além de li-
Figura 8 – Retrato de Nietzsche
(1889/1900), por Hans Olde berar o desejo humano que foi repri-
Fonte: Wikimedia Commons mido por uma sociedade de fracos.

O pensamento de Nietzsche tem o mérito de apontar a hipocrisia e a violência da


moral vigente, trazendo de volta um ideal de felicidade que a sociedade dominada
por preconceitos destruiu. Nietzsche estava convencido de que o homem necessita
para viver de um sentido para a vida e, por isso, viu a sua tarefa numa reavaliação
dos valores, segundo a qual os homens deveriam ser o sentido da vida na própria
vida. Ao invés de obedecer aos valores dados (valores suprassensíveis), o homem
criaria seus próprios valores.

A crítica de Marx à Moral é parte integrante da que faz ao Capitalismo e pode


ser localizada na crítica que o autor estabelece à ideologia burguesa. Sua natureza
ética compreende-se melhor se nos lembrarmos do seu conceito de ideologia.

Marx define ideologia como falsa consciência ou representação falsa da realidade.


Segundo ele, numa sociedade na qual vivem exploradores e explorados, é a Moral
da classe dominante que predomina. Os valores, como liberdade, racionalidade
e felicidade, são hipócritas, porque são irrealizáveis numa sociedade fundada na
divisão do trabalho.

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UNIDADE Ética e Cidadania

·· A ideologia representa as crenças


de uma determinada classe social.
Pode ser utilizada como instrumen-
to de dominação que age pelo con-
vencimento, alienando a consciência
humana e mascarando a realidade.
·· Os valores éticos vigentes – liberda-
de, igualdade, racionalidade, busca
pela felicidade etc. – são irrealizá-
veis na sociedade vigente.
·· A sociedade atual é baseada na
violenta exploração do trabalho e a
maioria das pessoas não tem condi-
ções concretas de atingir esses ideias.
Figura 9 – Karl Marx – John Jabez Edwin Mayall -
International Institute of Social History
·· Somente a mudança da sociedade
Fonte: Wikimedia Commons permitirá que a Etica se realize.

A Questão da Liberdade: Algumas


Considerações
Um dos conceitos éticos mais conhecidos e discutidos é a liberdade. Trata-se de
um conceito utilizado e discutido por vários pensadores ao longo da História e por
nós, o tempo todo.
Explor

A questão central da primeira concepção de liberdade é a centralidade do indivíduo.

Contudo, o que é Liberdade?

Vamos buscar alguns sentidos desse termo. Liberdade é uma palavra originária
do latim “liberare”, que significa a pessoa que pode dispor de si mesma, que não
está sujeita a ninguém. A questão da liberdade relaciona-se a várias dimensões do
ser humano: a sua racionalidade, do seu todo psicológico, social, cultural e político.

O conceito de liberdade foi entendido e utilizado de maneiras muito diferentes


e nos mais diversos contextos da literatura filosófica dos gregos até o presente. A
primeira grande teoria sobre a liberdade foi apresentada por Aristóteles em sua obra
“Ética a Nicômaco” e muitas das suas concepções foram retomadas por Sartre.

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· A liberdade se opõe ao que é con-
dicionado externamente e ao que
acontece sem escolha voluntária.
· É considerado livre aquele que tem
em si mesmo o princípio para agir
ou não.
· A liberdade é o poder absoluto da
vontade para se determinar.

Figura10
· A liberdade é a ausência de cons-
Fonte: Wikimedia Commons trangimentos externos ou internos.

“Nas coisas de fato, nas quais o agir depende de nós; e quando estamos
em condições de dizer não, podemos também dizer sim. De forma que se
cumprir uma boa ação depende de nós, dependerá também de nós não
cumprir uma ação má” (Ética a Nicômaco, III).

· A liberdade é uma escolha incondi-


cional que o próprio homem faz de
seu ser e seu mundo.
· Conformar-se, ceder, aceitar ou lutar
são escolhas do indivíduo.
· Estamos condenados à liberdade.
· Somos agentes livres e respon-
Figura11 – Jean Paul Sartre –
Foto do jornal argentino Clarín (1983) sáveis para criar ou perder nossa
Fonte: Wikimedia Commons própria felicidade.

“Com efeito, sou um existente que aprende sua liberdade através de


seus atos; mas sou também um existente cuja existência individual e
única temporaliza-se como liberdade (...) Assim, minha liberdade está
perpetuamente em questão em meu ser; não se trata de uma qualidade
sobreposta ou uma propriedade de minha natureza; é bem precisamente
a textura de meu ser [...] (SARTRE, 1998, p. 542/543).

A questão central dessa concepção de liberdade é a centralidade do indivíduo.


Essa concepção afirma que todo o indivíduo é racional, assim como a sociedade, e
que é livre quando age em conformidade com a Lei e para o bem comum.

A segunda concepção de liberdade foi inicialmente desenvolvida na Grécia


Clássica pelo Estoicismo (século IV a.C.), ressurgindo no século XVII, com Espinoza,
e no século XIX, com os filósofos alemães Hegel e Marx.

Nela é conservada a ideia aristotélica de que a liberdade é a autodeterminação,


assim como a ideia de que é livre aquele que age sem ser forçado nem constrangido
por nada ou por ninguém e, portanto, age impulsionado espontaneamente por
uma força interna ao seu próprio ser.

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UNIDADE Ética e Cidadania

No entanto, diferentemente de Aristóteles e de Sartre, esses filósofos não situam


a liberdade no ato de escolha realizado pela vontade individual. Eles a colocam
na atividade de cada um como parte de um todo necessário. Necessário, aqui, é
aquilo que age apenas pela força interna de sua própria natureza. O todo pode ser
a natureza (no caso dos estoicos), a substância (no caso de Espinosa) ou o espírito
como história (no caso de Hegel).

Em qualquer dos casos, natureza, substância e espírito são a totalidade como


poder absoluto de ação. Como nada exterior obriga a natureza, a substância ou
o espírito agir, eles são livres, pois agem, apenas por seu poder interno. Essa
concepção considera que a liberdade do indivíduo é tomar parte ativa da sociedade
e isso significa conhecer as condições e causas que determinam a nossa ação e não
ser um fantoche dessas condições.

Uma terceira grande concepção


filosófica de liberdade afirma que não
somos um poder incondicional de
escolha, mas que nossas escolhas são
condicionadas pelas circunstâncias
naturais, psíquicas, culturais e históricas
em que vivemos, pela totalidade natural
e histórica que estamos situados. Não
se trata de liberdade de querer alguma
coisa e sim de fazer algo, agir para
mudar as circunstâncias.

A noção de liberdade como possibi-


lidade objetiva (Merleau-Ponty) consiste
na capacidade para perceber tais possi-
bilidades e no poder para realizar aque-
las ações que mudam o curso das coisas,
dando-lhe outra direção, outro sentido. Figura 12 – Merleau-Ponty
Fonte: Wikimedia Commons

Com o seguinte quadro: “O que é então a liberdade? Nascer é ao mesmo


tempo nascer do mundo e nascer no mundo. O mundo está já constituído,
mas também não está nunca completamente constituído. Sob o primeiro
aspecto, somos solicitados, sob o segundo, somos abertos a uma infinidade
de possíveis.” (ARANHA & MARTINS, 2013, p. 199)

O possível, portanto, é aquilo que nós criamos por nossa própria ação. A liberdade
é, simultaneamente, a consciência das circunstâncias que nos cercam e as ações que
realizamos no intuito de superar essas circunstâncias e chegar à felicidade.

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Cidadania: Uma Possibilidade de Felicidade e Liberdade?
A liberdade sempre é associada à cidadania. Contudo, do que trata a cidadania?
Na obra Política, Aristóteles discute o que se pode entender por cidadania e a
define assim:
“Um cidadão integral pode ser definido por nada mais nem nada menos
que pelo direito de administrar justiça e exercer funções públicas, algumas
destas, todavia, são limitadas quanto ao tempo de exercício, de tal modo
que não podem de forma alguma ser exercidas duas vezes pela mesma
pessoa, ou somente podem sê-lo depois de certos intervalos de tempo
prefixados; para outros encargos não há limitações de tempo no exercício
de funções públicas (por exemplo, os jurados e os membros da assembleia
popular).” (ARISTÓTELES. Política. 3.ª ed. Brasília: UnB, 1997. p. 78).

Ainda pensando sobre a concepção de cidadania, observe o quadro de Eugène


Delacroix, A Liberdade guiando o povo, pintado em 1830.

Figura 13 – A liberdade segundo Delacroix


Fonte: Wikimedia Commons

O quadro foi pintado, em 1830, para comemorar o aniversário da Revolução


Francesa, que é considerada um marco da construção da cidadania no mundo
contemporâneo.

Em complemento ao que foi dito anteriormente pela definição de Aristóteles, o


jurista brasileiro Dalmo Dallari1 define cidadania da seguinte forma:
“A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a
possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo.
Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e
da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do
grupo social”.

1. DALLARI, Dalmo. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998, p.14.

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UNIDADE Ética e Cidadania

No final da Idade Moderna, come-


çam a surgir diversos questionamentos
entre os intelectuais sobre os privilégios
que a nobreza e clero insistiam em man-
ter sobre o povo.

Nesse momento, começam a des-


pontar pensadores que marcariam a
luta pela conquista da cidadania, como
Rousseau, Montesquieu, Diderot, Vol-
taire e outros. O novo paradigma polí-
tico elaborado na Modernidade rompeu
Figura 14 – Esta imagem produzida na França, nos com os modelos tradicionais da Antigui-
anos de 1790, ilustra como a população via a sua dade e da Idade Média. Com base em
condição. Nela, podemos perceber o povo carregando uma postura realista, deram destaque
a nobreza e o clero nos ombros ao sistema de forças que atuam de fato
Fonte: Wikimedia Commons
na sociedade e no poder.

Esses pensadores defendiam o fim dos privilégios e os ideais de liberdade e


igualdade como direitos fundamentais do homem e tripartição de poder. Essas
ideias dão o suporte definitivo para a estruturação do Estado Moderno.
Deve-se observar que a cidadania encontra-se em permanente construção, trata-
se de um objetivo perseguido por aqueles que procuram liberdade, mais direitos,
melhores garantias individuais e coletivas. O exercício da cidadania plena pressupõe
diversos fatores.

Cidadania significa:

Ter consciência que todo


direito envolve um dever.

Promover dignidade, para todos.

Ter liberdade de opinião, e assumir


a responsabilidade por seus atos.

Ter liberdade de ir e vir, e por


dever defendê-la para todos.

Votar de forma consciente e ser votado.

Fiscalizar a ação do estado, de forma


a promover o bem comum.

Ter participação ativa na comunidade.

Figura 15
Fonte: Wikimedia Commons

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Portal Direitos Humanos
Esse site reúne um conjunto de serviços e informações sobre o tema no Brasil e no mundo.
http://www.dhnet.org.br
Núcleo de estudos da cidadania, conflito e violência urbana – UFRJ
Site acadêmico que tem textos, mapas e estatísticas sobre o tema, com destaque para a
questão da violência urbana.
http://necvu.tempsite.ws
Cartilha de Educação para cidadania -– Assembleia Legislativa de MG
Este site tem um conjunto de textos simples e bem escritos sobre o tema.
https://goo.gl/BCe7d1
Programa Ética e cidadania – MEC
Esse site apresenta um programa de educação para a cidadania. Existe um conjunto de
textos sobre ética, inclusão e outros temas que podem ser salvos em pdf.
https://goo.gl/Ir1ehn
Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento -– PNUD Brasil
Site institucional do programa da ONU para o desenvolvimento humano. Destacam-
se os dados sobre a cidadania no nosso país.
https://goo.gl/MPKGUc
Biblioteca Virtual de direitos humanos da USP
Trata-se de um site institucional que reúne documentos importantes sobre o tema e
apresenta links para diversos sites oficiais sobre o tema.
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Leitura
A ética dos antigos e a ética dos modernos
BERTI, Enrico. A ética dos antigos e a ética dos modernos
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UNIDADE Ética e Cidadania

Referências
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