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Trabalho Sociologia Da Edu - Eliani e Jackson

Este estudo analisa a implementação das Leis 10.639/03 e 11.645/08, que tornam obrigatório o ensino da história e cultura africana/afro-brasileira e indígena nas escolas brasileiras, e discute os desafios enfrentados para sua efetivação. Apesar da existência dessas leis, a pesquisa revela que ainda há uma significativa omissão na sua aplicação, perpetuando práticas racistas e discriminatórias no ambiente escolar. O artigo enfatiza a necessidade de ações concretas para promover uma educação que valorize a diversidade étnico-racial e combata o racismo estrutural.
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Trabalho Sociologia Da Edu - Eliani e Jackson

Este estudo analisa a implementação das Leis 10.639/03 e 11.645/08, que tornam obrigatório o ensino da história e cultura africana/afro-brasileira e indígena nas escolas brasileiras, e discute os desafios enfrentados para sua efetivação. Apesar da existência dessas leis, a pesquisa revela que ainda há uma significativa omissão na sua aplicação, perpetuando práticas racistas e discriminatórias no ambiente escolar. O artigo enfatiza a necessidade de ações concretas para promover uma educação que valorize a diversidade étnico-racial e combata o racismo estrutural.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

ELIANI MIGUEL
JACKSON FERREIRA

EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NUMA


PERSPECTIVA ESCOLAR: CAMINHOS E DESAFIOS

Vitória
2024
RESUMO
O propósito deste estudo incide na compreensão por meio de uma revisão bibliográfica, de que
forma as Leis 10.639/03 e 11.645/08, que respectivamente, determinam como obrigatórios na
educação básica, o ensino da história e cultura africana/afro-brasileira e indígena, estão ou não
sendo empregadas e/ou desenvolvidas nas práticas didático-pedagógicas e políticas no dia a dia da
escola. O intento dessas Leis busca promover um espaço escolar democrático, em que as
heterogeneidades etnicorraciais e indígenas estejam contempladas, a contar da estruturação do
currículo até pleitos efetivos e afirmativos contra as práticas preconceituosas, racistas e
discriminatórias que abarcam à crianças e jovens negros e indígenas, inseridos no contexto escolar.

Palavras-chave: Educação. Sociologia. Racismo. Diversidade Étnico-racial.

ABSTRACT
The purpose of this study is to understand, through a bibliographic review, how Laws 10.639/03 and
11.645/08, which respectively determine that teaching African/Afro-Brazilian and indigenous
history and culture is mandatory in basic education, are being used and/or developed in the didactic-
pedagogical and political practices of the school. The intent of these Laws seeks to promote a
democratic school environment in which ethnic-racial and indigenous heterogeneities are
considered, from the structuring of the curriculum to effective and affirmative claims against
prejudiced, racist and discriminatory practices that encompass black and indigenous children and
youth in the school context.

Keywords: Education. Sociology. Racism. Ethnic-racial diversity.

1 INTRODUÇÃO

No Brasil, os desafios para uma educação plena e igualitária, mostra-se um constante


desafio. Nesse sentido, embora proponham-se a serem marcos legais para a promoção de relações
étnico-raciais nas escolas, a efetiva implementação das Leis Nº 10.639/2003 e Nº 11.645/2008, que
tornam obrigatório o ensino de História e Cultura africana, afro-brasileira e indígena no ensino
fundamental e médio, ainda pouco presentes no cotidiano escolar, suscitam significantes discussões,
uma vez que, a realidade demonstra que, apesar de existirem, muitas vezes estas não são cumpridas.

Essas leis procuram atender à necessidade de construção de uma educação igualitária, rumo
a pedagogias que possibilitem a desconstrução de verdades estabelecidas e engendradas nos
currículos oficiais, nos livros didáticos e nas diversas práticas estabelecidas no cotidiano
escolar, por meio de discursos fundamentados em uma perspectiva colonizadora,
reprodutora de uma cosmovisão europeia, masculina, heteronormativa, elitista e
adultocêntrica (CORSINO; CONCEIÇÃO, 2016, p. 7).

Desse modo, o presente artigo por meio de uma pesquisa bibliográfica, propõe diversos
questionamentos, que evidenciam uma grave omissão por parte de órgãos e instituições públicas.
Uma das questões centrais consiste-se em: se existem as leis, por que estas não são cumpridas?
Onde está a fiscalização? E, sobretudo, qual seria o recurso basilar para assegurar que essas leis
sejam efetivadas?
Corroborando nesse contexto, para Cortesão (1999, apud CANDAU, 2012, p. 238), essa
omissão e/ou falta de fiscalização, buscam reforçar “a impossibilidade de reconhecer as diferenças
culturais presentes no dia a dia das salas de aula”. Sob essa perspectiva, nos cabe inferir que essa
falta de fiscalização se presta como um de seus objetivos centrais, e por consequência, à
perpetuação do racismo em suas múltiplas configurações, como o silenciamento e o apagamento da
memória e cultura afro-indígena, uma vez que, esse apagamento impede que a sociedade tenha
acesso pleno às oportunidades e ao conhecimento sobre esses povos, o que contribui para a
desigualdade e a exclusão.
Logo, mostra-se premente que medidas concretas sejam adotadas de modo a assegurar que
essas legislações sejam observadas, de forma fazer avançar e fomentar uma educação que
reconheça, considere e valorize a diversidade étnico-racial no/do Brasil.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 A PROPOSTA E A PRÁXIS: NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES RACIAIS E INDÍGENAS


NA CONJUNTURA EDUCACIONAL BRASILEIRA.

Conforme Bourdieu (1975), do ponto de vista histórico, no Brasil a educação formal revela-
se como um espaço de exclusões e propagação das desigualdades. Nesse contexto, a questão fulcral
não é se existe ou não escolha para a implementação dessas leis, mas sim, o fato de que elas hão e
devem ser cumpridas. Desse modo, para Alencar (2015), a urgência do ensino acerca das relações
étnico-raciais é evidente, e os professores e demais agentes educacionais, possuem respaldo legal
para sobrelevar e se dedicar ao combate ao racismo.
Nesse sentido, ainda segundo a autora, quando o ensino da história e das culturas africanas,
assim como das afro-brasileiras se torna obrigatório nos currículos escolares da educação básica,
cabe aos órgãos competentes requerer e assegurar que esse trabalho seja realizado de forma
estruturada e sistemática em todo o país, no mínimo do ensino fundamental até o ensino médio.
Corroborando, de acordo com Almeida (2008), isso inclui ações como a formação contínua
de professores, a produção de materiais didáticos adequados e a revisão curricular, elementos que
são fundamentais para a implementação efetiva dessas diretrizes. Para Gonzalez (1988), o Brasil é
um país profundamente racista, e as estruturas educacionais e os sistemas de poder público possuem
responsabilidade direta na perpetuação dessa realidade.
Ainda para a autora, embora tenhamos as leis e ferramentas necessárias para transformar
essa situação, como o arcabouço legal que visa combater o racismo e promover a igualdade racial,
muitas vezes elas não são utilizadas de forma eficaz, e o racismo estrutural perpetua-se por séculos,
trazendo consigo as heranças de um passado colonial, e isso se reflete na forma como a sociedade
brasileira foi erguida sob a lógica escravocrata, dado que, a própria língua portuguesa, com suas
expressões e construções, reverbera essa configuração social.
É imperativo que reconheçamos essa realidade e atuemos de maneira decisiva para
promover as transformações necessárias. E educação tem um papel crucial na desconstrução dessas
estruturas, mas para isso, é necessário que todos os atores envolvidos — educadores, gestores,
órgãos governamentais e a sociedade como um todo — assumam a responsabilidade e exijam que
as leis que promovem a igualdade racial sejam devidamente implementadas e fiscalizadas
(ARAÚJO; SILVA, 2005).
Nessa perspectiva, conforme os autores supracitados, um dos muitos exemplos que
reafirmam essa realidade é o racismo linguístico, que se instalou de forma silenciosa e permanece
presente em nosso vocabulário até os dias de hoje. Apesar dos mais de 20 anos da Lei Nº
10.639/2003, os avanços rumo a uma educação verdadeiramente antirracista ainda são poucos. O
Brasil carrega um racismo profundo, que se manifesta também em sua história linguística,
perpetuando preconceitos (GONZALEZ, 1988).
Há décadas, intelectuais têm se dedicado ao estudo das relações entre linguagem e racismo.
A antropóloga, historiadora e professora Lélia Gonzalez, por exemplo, já na década de 1970
chamava atenção para essa questão, definindo a língua falada no país como “pretuguês”. De acordo
com Gonzalez (1988, p. 70, apud Melo; Viana José de Mira, 2021, p. 1399):

[...] “pretoguês” e que nada mais é do que marca de africanização do português falado no
Brasil [...]. O caráter tonal e rítmico das línguas africanas trazidas para o Novo Mundo,
além da ausência de certas consoantes [...] apontam para um aspecto pouco explorado da
influência negra na formação histórico-cultural do continente como um todo (e isto sem
falar nos dialetos “crioulos” do Caribe).
No artigo de Melo e Viana José de Mira (2021), intitulado “O Pretuguês em Sala de Aula:
Racismo Linguístico e as Práticas Pedagógicas da(o) Docente de Língua Portuguesa”, a definição
de “pretuguês” traz à tona a verbalização das influências africanas na língua falada no Brasil. Lélia
Gonzalez, como cientista social, observou a rejeição das marcas africanas em nosso idioma, embora
essas já estivessem profundamente incorporadas na língua. Um exemplo claro disso é a troca do “L”
pelo “R”, como por exemplo, na palavra “probrema” em vez de “problema”, uma característica
presente em línguas africanas, onde o som do “L” não existe. Quando essa troca ocorre no
português brasileiro, há uma correção imediata para a forma “correta”, refletindo o processo de
apagamento e deslegitimação dessas influências pelo sistema normativo da língua portuguesa.
Esse detalhe linguístico é um exemplo claro de como o racismo linguístico opera, ao
condenar como “erro”, aquilo que na verdade reflete a riqueza da influência africana na construção
do idioma. A imposição do português colonial como padrão a ser seguido reforça esse apagamento
(MARIANI, 2004).
No entanto, para a escritora, além de repensar termos, é crucial identificar as formações
discursivas subjacentes que sustentam essas práticas linguísticas discriminatórias. Mariani (2004)
caracteriza o que ela denomina de “colonização lingüística”, enquanto um sistema de opressão e
controle, que se produziria pelo:

[...] estabelecimento de políticas linguísticas explícitas como caminho para manter e impor
a comunicação com base na língua de colonização. Delimitando os espaços e as funções de
cada língua, a política linguística dá visibilidade à já pressuposta hierarquização linguística
e, como decorrência dessa organização hierárquica entre as línguas e os sujeitos que
as empregam, seleciona quem tem direito à voz e quem deve ser silenciado. A formulação e
execução de uma dada política linguística, no entanto, não impede totalmente a circulação e
o amalgamento das línguas e dos sentidos. (MARIANI, 2004, p. 31)

Diversos fatores corroboram para perpetuar a violência presente na linguagem ou racismo


linguístico. Existem diversas palavras e expressões que carregam a marca racista e devem ser
suprimidas do vocabulário. Muitas destas são exteriorizações empregadas de modo automatizado no
dia a dia de forma que sequer recebem atenção quanto à sua significação e/ou sentido, como
exemplos, temos: “a coisa tá preta”, expressão racista usada para se referir a uma situação
desagradável; “denegrir”, sugerindo o tornar negro ou escurecer como algo negativo quando usado
nesse contexto; “mercado negro”, no mesmo sentido, ou “mulata”, originário da palavra
mula(NASCIMENTO, 2019).
Ainda para o escritor, esses são só alguns dos exemplos desses termos pejorativos
implantados no palavreado diário da população e isso só se combate com educação antirracista nas
escolas, uma vez que, o combate ao racismo passa inevitavelmente pela desconstrução social de
todas as estruturas discriminatórias, incluindo a própria linguagem. Deste modo, seria possível pôr
fim a atos de violência verbal que reforçam estereótipos contra a população negra (NASCIMENTO,
2019). “O racismo, no entanto, apesar de disfarçado, continua na visão culturalista que também,
como em todo racismo, essencializa e torna homogêneos indivíduos e sociedades inteiras”.
(SOUZA, 2011, p. 57). Então, se reconhecemos o racismo no Brasil como um racismo de marca,
que vê primeiro o tom da pele e o cabelo, e se uma criança chega à escola e não encontra
referências da sua história em seu processo de escolarização, tampouco, seu amigo branco também
não conhece outras histórias e versões, cenas de discriminação racial serão facilmente vistas e
perpetuadas.
Em outras palavras, segundo Sousa (2001), podemos inferir que a escola enquanto
promotora da valorização das diversidades e da luta antirracista:

Está carregadíssima de exemplos lamentáveis. Para a construção de um autoconceito


favorável, é preciso que o ideal de ego não se mostre irrealizável, e fundamental para isso é
o resgate da beleza, poder e dignidade das diversas etnias africanas. À criança afro-
americana falta o modelo de Belo Negro. (SOUSA, 2001, p. 195).

Na maioria das vezes as práticas de discriminação na escola, nas mídias e sobretudo nos
livros didáticos, passam despercebidas pelas crianças negras, sendo absorvidas por estas quase de
forma subliminar, e exercendo sobre elas uma influência que se reflete diretamente em sua auto-
imagem (CAVALLEIRO, 2003).

No que tange ao livro didático, denunciaram-se a sedimentação de papéis sociais


subalternos e a reificação de estereótipos racistas, protagonizados pelas personagens negras.
Apontou-se a medida em que essas práticas afetavam crianças e adolescentes negros/as e
brancos/as em sua formação, destruindo a autoestima do primeiro grupo e cristalizando, no
segundo, imagens negativas e inferiorizadas da pessoa negra, empobrecendo em ambos o
relacionamento humano e limitando as possibilidades exploratórias da diversidade étnico-
racial e cultural (SOUSA, 2001, p. 65 e 66).

Sob essa perspectiva, para Gomes (2003), a identificação física e representatividade são
elementos importantes na formação da identidade negra, “no processo de construção da identidade,
o corpo pode ser considerado como um suporte da identidade negra e o cabelo crespo como um
forte ícone identitário” (p. 173).
Ainda para a estudiosa, no contexto geral, em ambiente escolar as lembranças que foram
construídas se restringiam ao povo escravizado (nomenclatura empregada atualmente porque antes
era só povo escravo), que sofreu exploração, e ainda sofre, e que o continente Africano era o lugar
somente de mazelas. Para a autora supracitada, não aprendemos sobre reinos africanos, príncipes e
as princesas. Não aprendemos sobre a cultura, a música, as roupas, as comidas. Em muitos
momentos fomos ensinados, apenas sobre a África selvagem; savanas e muitos animais, uma
realidade, mas não somente esta (GOMES, 2003). Ao citar nossas “escrevivências” Evaristo (2007,
p. 20), caracteriza a ideia ou consciência que “compromete a minha escrita como lugar de
autoafirmação das minhas particularidades, de minhas especificidades”.
São escrevivências vividas, porém, muitas vezes não compartilhadas por outras crianças e
até mesmo os familiares e agora pessoas negras crescidas, destacamos as consequências de tudo
isso na estrutura psíquica dos indivíduos negros são incomensuráveis por falta de ferramentas
apropriadas (EVARISTO, 2007, p. 20).
Segundo Candau (2012), nas salas de aula as diferenças são invisibilizadas, negadas e/ou
silenciadas, nossa história foi apagada e retirada de nós e na escola – espaço pelo qual essa história
deveria ser devolvida – acaba por virar um espaço maior de segregação e desigualdades
desenfreadas, “a articulação da afirmação da igualdade com a de sujeito de direitos, básica para o
desenvolvimento de processos de educação […] está praticamente ausente das narrativas dos
professores” (p. 238).
No que diz respeito às mulheres na questão de raça, pesquisas demonstram números
alarmantes sobre as mazelas das quais mulheres são submetidas diariamente exatamente por não
terem conseguido vencer obstáculos, pelo caminho da vida escolar ou acadêmica (MARTINS,
2018). Nesse sentido, as opressões de raça, gênero e classe, quando se referem a mulheres pretas,
não se separam, mas a raça é o eixo determinante nas relações sociais. Ainda com base em Martins
(2018) inúmeras pesquisas demonstram que uma das principais barreiras socioculturais enfrentadas
por meninas é a discriminação racial. Suas histórias são nossas histórias. Como Dandara, como
Tereza de Benguela, como Esperança Garcia, como Maria Felipa de Oliveira, como Maria Firmina
dos Reis e tantas outras mulheres pretas que fizeram a história do nosso país.
Para o autor, não há como pensar uma educação antirracista, dentro do que prevê a Lei
10.639/2003, para obrigatoriedade das contribuições politicas, econômicas, culturais dos africanos
escravizados do Brasil e dos afro-brasileiros, no currículo da Educação Básica, sem trazer as
representações de lideranças femininas e a importância das mulheres negras na formação da
sociedade brasileira (MARTINS, 2018).
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existe uma enorme
desvantagem dos negros em relação à população branca no acesso e, principalmente, no que diz
respeito a permanência na escola e, meninas negras são as que mais sofrem com a evasão (exclusão)
escolar por falta do uso da abordagem interseccional na elaboração das políticas públicas. Os dados
divulgados pelo IBGE mostram que a evasão escolar de adolescentes no ano de 2018 era de 7,6%
no país, sendo maior no Norte e Nordeste, atingindo 9,2%. A diferença era maior entre pretos ou
pardos, somando 8,4% do que brancos, que somaram 6,1% (IBGE, 2019). Mais de 9 milhões de
jovens (pessoas de 15 anos a 29 anos) não concluíram a educação básica. O problema social, racial
e estrutural do país se escancara ainda mais com a pesquisa Juventudes fora da escola, que ouviu
1,6 mil jovens e desse total, sete em cada 10 são negros (2024).
Conforme Munanga (2005), apontada por 39,1%, o principal ensejo para os jovens terem
abandonado ou nunca frequentado escola, deve-se, sobretudo à necessidade de subsistência por
meio do trabalho, seguido pelo não interesse (29,2%). O autor ressalta essa lamentável contribuição
para o aumento das evasões escolares:

O que explica o coeficiente de repetência e evasão escolar altamente elevado do alunado


negro, comparativamente ao do alunado branco. Sem minimizar o impacto da situação
sócio-econômica dos pais dos alunos no processo de aprendizagem, deveríamos aceitar que
a questão da memória coletiva, da história, da cultura e da identidade dos alunos afro-
descendentes, apagadas no sistema educativo baseado no modelo eurocêntrico, oferece
parcialmente a explicação desse elevado índice de repetência e evasão escolares. Todos, ou
pelo menos os educadores conscientes, sabem que a história da população negra quando é
contada no livro didático é apresentada apenas do ponto de vista do “Outro” e seguindo
uma ótica humilhante e pouco humana [...] um povo sem história é como um indivíduo sem
memória, um eterno errante (MUNANGA, 2005, p. 16).

Encomendada pelo Instituto de Referência Negra Peregum e pelo Projeto SETA (SISTEMA
DE EDUCAÇÃO POR UMA TRANSFORMAÇÃO ANTIRRACISTA) e realizada pelo IPEC
(Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), outro apontador alarmante se trata da pesquisa
“Percepções sobre o racismo no Brasil”, que identificou que o ambiente escolar, mostra-se como o
lugar onde os brasileiros mais afirmam ter sofrido a violência racial. Para 38% dos entrevistados, o
racismo foi sofrido em escola/faculdade/universidade; enquanto que para 29%, o racismo foi
sofrido no trabalho.
De acordo com Mariani (2004), quando essa violência parte de outros alunos, nós
entendemos que crianças e adolescentes reproduzem muitas coisas que aprendem na vida em
sociedade, com a família. Mas e quando a prática racista parte de quem deveria ser o agente
educacional que, em tese, possui o compromisso ético e profissional de combater o racismo na
escola?
Infelizmente, diversos casos são denunciados no Brasil, por exemplo na matéria do jornal
Correio Braziliense “Professora compara cabelo crespo a bombril em escola em Minas Gerais”,
casos assim são frequentes. Segundo Castilho (2004), faz-se urgente a iniciativa do poder público
na inserção de ações afirmativas nessa área. Sem investimentos e programas de incentivo escolar,
formação de professores à educação e atuais condições de vida desses jovens, suas trajetórias
acadêmicas estão totalmente comprometidas (CASTILHO, 2004).
Muitos são os desafios para novas perspectivas de resolução dessas problemáticas na
educação, não obstante a isso, temos novas problemáticas no que diz respeito ao cenário
educacional brasileiro, com seus desafios históricos, mostra disputas recentes que se acirraram com
o processo de educação resultante de uma tradição política, pouco ou nada laica por parte do
Estado.

No jogo político de disputa [...] há ainda os que se dedicam a escrever, defender e tentar
aprovar projetos de lei denominados Escola sem Partido ou Escola Livre, que preconizam
uma falsa neutralidade na educação e na prática dos/as educadores/as (GONÇALVES DA
SILVA; LIONÇO, 2019, p.181)

São projetos conservadores, impregnados de moralismos de cunho fundamentalista, que


reproduzem a falsa ideologia da democracia racial. Esses projetos desqualificam os povos indígenas
e a cultura afro-brasileira, sustentando que o 20 de novembro não deveria existir porque “somos
todos iguais”. Espalham-se por toda parte, minimizando as violências sofridas pelo racismo ao
reduzi-las a “mimimi”, essas forças conservadoras, não consideram a educação a partir de uma
perspectiva crítica […] enquadrando o pensamento crítico como “ameaça” (GONÇALVES DA
SILVA; LIONÇO, 2019, p. 185).
Nesse contexto, também conforme as autoras, mostra-se preocupante a influência desses
grupos fundamentalistas para a ascensão da educação, pois eles se infiltram em meio ao povo, com
as máscaras da religião e “moral” na incumbência de serem futuros representantes legislativos. São
pseudos políticos, com bases fortemente preconceituosas, cheios de ideologias religiosas
fundamentalistas, contra a verdadeira política de inclusão e desenvolvimento educacional. Diários
são os enfrentamentos ao racismo no Brasil.
Contudo, como futuros educadores, torna-se fundamental buscarmos conhecimento por meio
de formações e práticas, de modo a vislumbrar possibilidades de superação desses desafios, visando
tornar a igualdade racial uma realidade na sociedade.

2.1.1 A educação para as relações étnico-raciais nas escolas: caminhos e desafios

Conforme Luiz (2013), a educação para as relações étnico-raciais nas escolas desempenha
um papel vital na construção de uma sociedade mais igualitária, inclusiva e consciente, visto que ela
é fundamental para combater o racismo, valorizar a diversidade e promover a paz e a justiça social.
Corroborando nesse sentido, para Gonçalves da Silva e Lionço (2019), houve um avanço
significativo no campo normativo brasileiro, especialmente no que tange à inclusão de temáticas
étnico-raciais. No entanto, esse avanço ainda é pouco conhecido devido à ausência dessa temática
na formação inicial das professoras (es).

2.1.2 Acenando caminhos para uma educação étnico-racial nas escolas

De acordo com Munanga (2005) é crucial estudar as lutas de resistência em relação aos
processos históricos, a fim de que não perpetuem os esquemas concebidos pelo pensamento
autocentrado. Devemos abrir os olhos para outras forças capazes de nos mobilizarmos. No estudo
da cultura afro-brasileira e africana, é fundamental questionar por que uma criança de 10 anos pode
associar a cor negra à escravidão, ou por que uma aluna do 9º ano confunde servidão com
escravidão, por isso, “estudar africanidades brasileiras, diz respeito ao direito dos descendentes de
africanos, assim como de todos os cidadãos brasileiros, à valorização de sua identidade étnico-
histórico-cultural” (MUNANGA, 2005, p. 157).
Desde a promulgação da lei 10.639/2003, formações para professoras(es) em exercício tem
sido propostos chamando atenção para o racismo latente em nossa sociedade, de forma que
professoras(es) possam identificar situações de racismo e trabalhar no sentido de superá-las como
aponta Luiz (2013):

A escola através das(os) profissionais que nela atuam, precisa trabalhar para a reeducação
das relações étnico-raciais para que negras(os), indígenas e outros grupos que se sintam
discriminados tenham suas raízes valorizadas por meio do reconhecimento enquanto
cidadãos, sem deixar de ser o que são histórico e culturalmente. Por meio dessa reeducação,
professoras(es) poderão identificar práticas de discriminação racial no contexto escolar e
assim combatê-las (p.31).

Realizada por Gomes (2012), a pesquisa intitulada “Práticas Pedagógicas de trabalho com as
relações étnico-raciais na escola na perspectiva da Lei nº 10.639/03”, demostrou que o
envolvimento da gestão é condição fundamental para o desenvolvimento de um trabalho contínuo e
de maior enraizamento sobre a problemática do racismo. Sob esse prisma, a pesquisa também
apontou que estes resultados são mais expressivos quando se tem uma gestão democrática e
participativa.
Ainda conforme a pesquisa, independentemente do grupo social e/ou étnico-racial a que
atendem, é importante que as instituições de educação reconheçam o seu papel e, função social de
atender às necessidades dos alunos constituindo-se em espaço de socialização, de convivência entre
iguais e diferentes e suas formas de pertencimento, como espaços de cuidar e educar, que permita os
alunos explorar o mundo, novas vivências e experiências, ter acesso a diversos materiais como
livros, brinquedos, jogos, assim como momentos para o lúdico, permitindo uma inserção e uma
interação com o mundo e com as pessoas presentes nessa socialização de forma ampla e formadora
(GOMES, 2012).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apontamos diversos desafios ao longo do artigo, mas o principal é reconhecer o racismo


como um elemento estruturante da sociedade brasileira. O combate ao racismo é uma
responsabilidade de todos, e não apenas da população negra. Estamos cientes das legislações que
orientam e promovem a educação para as relações étnico-raciais, assim como o ensino da história e
cultura africana e afro-brasileira. No entanto, é crucial questionarmos como tem sido o nosso acesso
a materiais, bibliografias, livros, literatura e artigos sobre este debate, tanto dentro quanto fora das
escolas. Esses recursos estão realmente presentes em nossas bibliotecas?
É nesse contexto que, a meu ver, enquanto coautora deste estudo, acredito na necessidade de
uma Educação Antirracista, uma vez que:

Isso me faz lembra, que por toda a minha infância escolar, naquela época, não me recordo
de histórias infantis no qual os personagens eram negros. Desenhos animados e os clássicos
nas fitas cassetes também não faziam esse papel, e quando falamos da televisão, esse
cenário piora. Minhas e (nossas) referências na infância em nada se pareciam com a gente e
ainda reforçaram o sentimento de que algo estaria errado. Era difícil uma criança negra
crescer se amando, quando tudo que é apresentando se mostra o contrário, formando um
belo conceito e que de belo, que nada se parece com ela. Fase que era pra eu ser somente
mais uma criança, só isso e não uma criança do gênero feminino preta ou a “neguinha de
cabelo carapinha”. Que se sentia rejeitada pela maioria dos professores, não recebia a
atenção nos deveres de casa ou um “Coraçãozinho” ou “Estrelinha” no canto do caderno
como visto. Os professores durante o ensino fundamental simplesmente não se
interessavam ou se aproximavam de mim. Até pouco tempo, sem letramento racial ainda
me subjugava feia e fora dos padrões de beleza convencionais. O racismo é realmente
cruel! (ELIANI MIGUEL, coautora do estudo)

Entendemos que esse debate carece não apenas abranger, mas envolver toda a comunidade
escolar — gestores, equipe pedagógica, profissionais terceirizados, estudantes e professores — para
que possamos contribuir de maneira efetiva para a construção de uma sociedade antirracista.
4 CONCLUSÃO

Acreditamos, ao menos em parte, ter conseguido vincular o debate sobre as relações étnico-
raciais ao cotidiano escolar e integrá-lo às diferentes disciplinas que compõem o currículo. No
entanto, precisamos assegurar que haja uma formação inicial adequada (papel das universidades) e
continuada (papel das gestões municipais e estaduais), de forma colaborativa, para assegurar a
efetivação do debate sobre esse tema crucial.
Nesse cenário, é fundamental ampliar a compreensão em relação ao continente africano, não
apenas como o berço da humanidade, mas também como espaço de civilizações e impérios que
contribuíram significativamente para a história global. É necessário discutir como a colonização
desestruturou o continente, apagando seu papel como produtor de pensamentos e conhecimentos,
além de reconhecer que os africanos escravizados eram sujeitos que dominavam diversas
tecnologias.
Além disso, é importante expandir o espectro das datas comemorativas, como o dia 21 de
janeiro no qual se comemora o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, dado o impacto
do racismo religioso, e reforçar o valor das datas locais que são essenciais para as populações
negras e indígenas. As diferentes manifestações culturais e religiosidades, como o Candomblé, a
Umbanda, os Quilombos, a Capoeira, o Samba e as culturas locais (Congo, Jongo e Ticumbi, dentre
outros), bem como as organizações e lideranças negras, devem ser valorizadas e trazidas para o
cotidiano escolar. Como aponta Gomes (2017, p. 42), “[...] o Movimento Negro, enquanto forma de
organização política e de pressão social – não sem conflitos e contradições – tem se constituído
como um dos principais mediadores entre a comunidade negra, o Estado, a sociedade, a escola
básica e a universidade.”
Portanto, essa luta não se restringe a uma área do conhecimento, mas deve ser tarefa de
todas as disciplinas, das humanidades às ciências biológicas e exatas. Desse modo, mostra-se
imprescindível que todos os profissionais da educação se sintam responsáveis por enfrentar os
desafios educacionais de forma coletiva, transcendendo suas áreas específicas, para construirmos
uma sociedade verdadeiramente igualitária.

REFERÊNCIAS

ALENCAR, M. G. de. A Lei 10.639/03 e o ensino de Sociologia: possibilidades e


impossibilidades de desvendamento das muitas nuanças das relações raciais no Brasil.
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