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O protocolo estadual de prevenção e manejo da hemorragia puerperal no Rio Grande do Sul visa reduzir a mortalidade materna, que é frequentemente causada por hemorragia pós-parto. O documento aborda a definição, causas, estratificação de risco e recomendações para o manejo eficaz da hemorragia, enfatizando a importância do acompanhamento pré-natal e a identificação rápida de fatores de risco. A hemorragia puerperal é classificada em primária e secundária, e seu tratamento deve ser baseado em evidências científicas para evitar complicações graves.

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O protocolo estadual de prevenção e manejo da hemorragia puerperal no Rio Grande do Sul visa reduzir a mortalidade materna, que é frequentemente causada por hemorragia pós-parto. O documento aborda a definição, causas, estratificação de risco e recomendações para o manejo eficaz da hemorragia, enfatizando a importância do acompanhamento pré-natal e a identificação rápida de fatores de risco. A hemorragia puerperal é classificada em primária e secundária, e seu tratamento deve ser baseado em evidências científicas para evitar complicações graves.

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SAÚDE DA MULHER

PROTOCOLO
ESTADUAL DE
PREVENÇÃO E
MANEJO DA
HEMORRAGIA
PUERPERAL
Conceitos e Ações

SECRETARIA DA SAÚDE DO ESTADO DO RIO


GRANDE DO SUL
Junho de 2022
GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
Governador: Ranolfo Vieira Júnior

SECRETARIA DA SAÚDE
Secretária: Arita Bergmann
Secretária Adjunta: Ana Lúcia Pires Afonso da Costa

Departamento de Atenção Primária e Políticas de Saúde – DAPPS


Diretor: Péricles Stehmann Nunes
Diretora Adjunta: Fernanda Torres de Carvalho

Departamento de Regulação Estadual – DRE


Diretor: Eduardo de Albuquerque Nunes Elsade
Diretora Adjunta: Laura Sarti de Oliveira

Departamento Estadual de Assistência Farmacêutica – DEAF


Diretor: Roberto Eduardo Schneiders
Diretor Adjunto: Simone de Fátima Pacheco do Amaral

ASSOCIAÇÃO DE OBSTETRÍCIA E GINECOLOGIA DO RIO GRANDE DO SUL - SOGIRGS


Presidente: Ana Selma Bertelli Picoloto

GRUPO DE TRABALHO/COORDENAÇÃO TÉCNICA

Ana Lucia Letti Muller – Hospital de Clínicas de Porto Alegre


Cristiano Caetano Salazar - Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Fernanda Barbosa – Área Técnica Saúde da Mulher/DAPPS/SES
Fernanda Niederauer Uratani – Diretora de Atividades Regionais Sogirgs
Gabriela Dalenogare – Área Técnica Saúde da Mulher/DAPPS/SES
Gisleine Lima da Silva – Coordenadora da Divisão das Políticas dos Ciclos de Vida/DAPPS/SES
Karen Chisini Coutinho Lütz – Área Técnica Saúde da Mulher/DAPPS/SES
Laura Sarti de Oliveira – Departamento de Regulação Estadual/SES
Marcella Pase Casasola - Médica Ginecologista e Obstetra
Nadiane Lemos – Departamento Estadual de Assistência Farmacêutica/SES
Paulo Sérgio da Silva Mario – Área Técnica Saúde da Mulher/DAPPS/SES
Teresinha Zanella - Hospital de Clínicas de Porto Alegre
“As mulheres não estão morrendo de uma doença que
não tem tratamento. Elas estão morrendo porque as
sociedades ainda não tomaram a decisão de que a vida
de cada uma dessas mulheres vale ser salva.”

Mahmoud F Fathalla
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 3

2 DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO 4

3 CAUSAS 5

4 ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO E PREVENÇÃO 6


4.1 Prevenção da hemorragia 8

5 DIAGNÓSTICO E ESTIMATIVA DA PERDA VOLÊMICA 9

6 MANEJO DA HEMORRAGIA PUERPERAL 12


6.1 Ações iniciais 12
6.2 Ressuscitação hemostática 14
6.3 Tratamento medicamentoso da hipotonia uterina 16
6.4 Tratamento da causa básica 18
6.4.1 Tratamento invasivo não-cirúrgico 18
6.4.2 Tratamento invasivo cirúrgico 20
6.5 Caixa de emergência hemorrágica e protocolos institucionais 25

7 RECOMENDAÇÕES FINAIS 26

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 27

ANEXO 1 - MODELO DE CONFECÇÃO DE UM BALÃO ARTESANAL 29

ANEXO 2 - CAIXA DE EMERGÊNCIA HEMORRÁGICA 30


ANEXO 3 - MODELO DE CHECK-LIST HEMORRAGIA PÓS PARTO 32
3

1 INTRODUÇÃO

A hemorragia puerperal ou pós-parto (HPP) ocorre em 5 a 10% das gestações e é a


principal causa de morte materna no mundo. A maioria dos óbitos por HPP pode ser evitada
pelo adequado acompanhamento no pré-natal, pela identificação dos fatores que causam
risco hemorrágico, pelo uso profilático de uterotônicos no terceiro período do parto e pelo
tratamento rápido e apropriado (OMS, 2018).
No Brasil, entre 2017 e 2018, a Razão de Mortalidade Materna (RMM) reduziu 8,4%
ao passar de 64,5 óbitos maternos por 100.000 nascidos vivos para 59,1, respectivamente.
Neste período, a Região Sul apresentou discreta redução de 0,7% (RMM de 38,5 para 38,2)
(BRASIL, 2021). Atualmente, segundo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da
Organização das Nações Unidas (ODS-ONU), a meta é reduzir a RMM para 30 óbitos por
100.000 nascidos vivos até 2030 (ONU, 2022).
Entre os 38.919 óbitos maternos ocorridos no Brasil, de 1996 a 2018, segundo o
último levantamento epidemiológico, as causas obstétricas diretas que se destacaram foram
a hipertensão (8.186 óbitos - 21%) e a hemorragia (5.160 óbitos - 13,2%), o que corresponde
a 34,2% dos óbitos maternos, a infecção puerperal (2.624 óbitos - 6,7%) e o aborto (1.896
óbitos - 4,9%). Já, as causas obstétricas indiretas que se destacaram foram: doenças do
aparelho circulatório (2.848 óbitos - 7,3%), doenças do aparelho respiratório (1.748 óbitos),
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) (1.108 óbitos - 4,5%) e doenças infecciosas e
parasitárias maternas (839 óbitos - 2,1%) (BRASIL, 2020).
A abordagem correta da anemia materna na gestação, o uso de ocitocina exógena
intramuscular no pós-parto imediato, a avaliação e a ação adequadas na suspeita de
hemorragia são fatores importantes para prevenção dos casos. Situações como
descolamento prematuro de placenta (separação prematura da placenta antes do parto) e
placenta prévia (implantação anômala da placenta no segmento inferior do útero)
acompanhada de acretismo são responsáveis por morbimortalidade materna e fetal. Podem
ser agravadas por manejo inadequado dos níveis pressóricos e não-avaliação das condições
de riscos no pré-natal. Fatores como cesariana prévia, cirurgias intrauterinas, obesidade
materna, paridade crescente, idade materna mais avançada e uso de substâncias psicoativas
podem estar associados (OPAS, 2018).
4

Neste contexto, identificamos, como uma estratégia de mitigação da mortalidade


materna no estado, a necessidade de informar e capacitar as equipes de saúde no que diz
respeito às condutas adequadas, com base em evidências científicas. O conhecimento sobre
como agir frente uma HPP e a velocidade com que são instituídas as medidas são
fundamentais para a redução da morbimortalidade.

2 DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO

A definição clássica de HPP é a perda sanguínea acima de 500mL após parto vaginal e
de 1.000mL após parto cesariana, ou ainda qualquer perda sanguínea do trato genital capaz
de causar instabilidade hemodinâmica. Definições atualizadas estabelecem como critério
diagnóstico a perda cumulativa de 1.000mL, ou sangramentos que resultem em
sinais/sintomas de hipovolemia nas 24h após o parto, independente da via de parto. Ainda
assim, uma perda superior a 500mL em um parto vaginal pode ser considerada como
anormal e alertar para a investigação.
Embora tais definições sejam muito utilizadas, o diagnóstico de HPP pode ser
problemático, pois o sangramento nem sempre é visível externamente ou pode estar
misturado com líquido amniótico e urina. Deve-se sempre lembrar que o potencial de
hemorragia maciça no pós-parto é considerável, pois ao final da gravidez o fluxo sanguíneo
da artéria uterina pode chegar a 500-700 mL/min, o que perfaz aproximadamente 15% do
débito cardíaco (OMS, 2018). A HPP maciça é classificada conforme o quadro abaixo:

Quadro 1 - Critérios de definição da hemorragia puerperal maciça.

CRITÉRIOS PARA DEFINIÇÃO DE HEMORRAGIA MACIÇA

Perda estimada ≥ 2.000mL em 24h

Necessidade ≥ 4U de Concentrado de Hemáceas

Queda ≥ 4g/dL na Hemoglobina

Distúrbio de coagulação
Fonte: FEBRASGO (2021)
5

A HPP é classificada como primária quando ocorre nas primeiras 24h após o parto e
corresponde à grande maioria dos casos. Quando ocorre após 24h e até 12 semanas após o
parto é considerada secundária, mantendo pico de incidência nas duas primeiras semanas de
puerpério. Na avaliação do sangramento após o parto, é essencial considerar que os
decréscimos hematimétricos são tardios e não demonstram o estado hemodinâmico atual da
paciente, refletindo as perdas sanguíneas apenas após 4h do início da hemorragia. Deve-se
considerar também que a hipervolemia gestacional retarda a manifestação dos sinais de
choque hipovolêmico, principalmente nas pacientes hígidas, cursando com alterações
hemodinâmicas relevantes somente após perdas superiores a 20-30% da volemia. Ademais,
em pacientes com anemia pré-existente, a perda de menores volumes pode resultar em
sequelas clínicas adversas precocemente. Tais modificações devem ser ponderadas para que
não ocorram atrasos na identificação e assistência efetivas (OPAS, 2018).

3 CAUSAS

O mnemônico dos quatro Ts (tônus, tecido, trauma, trombina) é bem estabelecido e


destaca as quatro principais causas de HPP. A atonia uterina é a causa mais comum, no
entanto, traumatismos do trato genital, retenção de tecido placentário ou distúrbios de
coagulação materna também podem cursar com HPP (OMS, 2018).
A atonia (“tônus”) corresponde a 70% dos casos de HPP e pode ou não estar
associada à retenção tecidual, pois distúrbios placentários como acretismo e descolamento
inibem a contração uterina efetiva. Os principais fatores associados à atonia são trabalho de
parto prolongado e HPP anterior, porém muitos outros fatores podem acrescentar risco. É
importante atentar que mesmo com o fundo uterino contraído, a atonia focal pode atingir o
segmento uterino inferior, principalmente em situações com dequitação anormal, o que
dificulta a avaliação através do exame abdominal. Embora a atonia difusa seja a causa mais
comum de HPP, a administração oportuna de drogas uterotônicas adicionais geralmente
cursa com bom controle do sangramento (OMS, 2018).
O trauma corresponde a até 19% dos casos e relaciona-se com lacerações vaginais,
cervicais, rupturas uterinas ou incisões cirúrgicas e costuma causar quadros mais graves do
que a atonia isolada. Lacerações cervicais e vaginais podem ser notadas apenas tardiamente,
quando o sangramento aumentado já está instituído e indica necessidade de exame do trato
6

genital inferior. As lacerações do corpo uterino podem ser transmiometriais ou incompletas


do miométrio internamente. A hemorragia de incisão é geralmente consequência da
extensão lateral da histerotomia e pode ser diagnosticada pela inspeção da incisão (OMS,
2018).

A retenção tecidual (“tecido”) corresponde a 10% das HPPs e exige identificação e


remoção. Deve-se considerar que, na quase totalidade dos casos, o espectro da placenta
acreta exige laparotomia e histerectomia, o que idealmente demanda assistência
programada e especializada, em local adequado (OMS, 2018).
A coagulopatia (“trombina”) perfaz apenas 1% das HPPs e contribui para o quadro
em pacientes com diátese hemorrágica adquirida ou hereditária. A doença de Von
Willebrand também aumenta o risco de HPP, pois os níveis do fator diminuem
consideravelmente após o parto. Em pacientes com sangramento intenso, a coagulopatia
pode ser resultado da HPP, em consequência da hemodiluição dos fatores de coagulação
restantes (OMS, 2018).
Além da elevada mortalidade, muitas pacientes que sobrevivem a um quadro grave
de HPP evoluem com sequelas físicas e/ou emocionais, resultados esses que podem ser
evitados por meio da abordagem precoce e efetiva (OMS, 2018).

Identificar a causa da hemorragia e controlar o sítio de sangramento é a medida mais


eficaz no tratamento da HPP. Evitar atraso pode impedir que a paciente evolua para o
choque hemorrágico e suas consequências agravantes como hipotermia, acidose e
coagulopatia.

4 ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO E PREVENÇÃO

Grande parte dos quadros de HPP, mais de 40%, ocorre em pacientes sem fatores de
risco. Excetuando-se o risco determinado pela placentação anômala, apenas uma pequena
proporção de mulheres, com fatores de risco, desenvolve realmente hemorragia. No Quadro
2 temos a classificação de risco hemorrágico, essa estratificação deve ser realizada para a
gestante no momento de sua admissão hospitalar (OPAS, 2018).
7

Quadro 2 - Classificação1 de risco para hemorragia puerperal.

BAIXO RISCO MÉDIO RISCO ALTO RISCO

Ausência de cicatriz uterina Cesariana anterior ou cicatriz uterina Placenta prévia ou inserção baixa ou
Gravidez única Sobredistensão uterina (gemelar, acretismo
≤ 3 partos vaginais prévios polidrâmnio, macrossomia, grandes Sangramento ativo importante e/ou
Ausência de distúrbios de coagulação miomas) instabilidade hemodinâmica na admissão
Sem história de hemorragia puerperal 4 ou mais partos vaginais prévios Descolamento prematuro de placenta
Corioamnionite Hemoglobina ≤ 8 com outros fatores de risco
PRÉ-NATAIS
Com história de hemorragia puerperal Plaquetas < 100.000 ou HELLP
Obesidade (IMC ≥ 35 kg/m²) Coagulopatias
Pré-eclâmpsia Múltiplos fatores de risco
Politransfusão prévia Sepse
Hemoglobinopatias

Mais de 6h de ocitocina Retenção placentária


Uso de sulfato de magnésio
Segundo estágio do parto prolongado
INTRAPARTO
Parto vaginal assistido
Cesárea de emergência

Identificação visível com a cor do grau Identificação visual do grau de risco + Identificação visual do grau de risco + acesso
de risco junto ao prontuário ou no acesso venoso + solicitação de PCT e venoso + solicitação de PCT e hemograma +
AÇÃO
quadro de controle das pacientes na hemograma (cor amarela no caso) reserva de hemocomponentes (cor vermelha
unidade (cor verde no caso) no caso)

Manejo ativo do terceiro estágio


GERAL Observação rigorosa por uma a duas horas em local adequado – manter pacientes de médio e alto risco em sala de recuperação
Estimular presença do acompanhante para ajudar a detectar sinais de alerta
Fonte: VALÉRIO (2017)

1
IMC, índice de massa corporal; PCT, prova de compatibilidade transfusional; HELLP, traduzido do inglês, hemólise, plaquetopenia e alteração das provas de função
hepática.
8

Os fatores de risco devem ser identificados no momento da admissão da gestante


(fatores anteparto), mas a estes somam-se fatores intra e pós-parto. A avaliação contínua do
risco permite uma aplicação de medidas de cuidado que se traduzem em uma redução dos
desfechos maternos desfavoráveis (NYFLOT, 2017).

4.1 Prevenção da hemorragia

A melhor estratégia de prevenção da hemorragia pós parto é o manejo ativo do


terceiro período do parto, conforme descrito no Quadro 3.

Quadro 3 - Medidas profiláticas para hemorragia.

Medidas de prevenção Características

Injetar 10 UI de ocitocina, via intramuscular [IM], logo após o nascimento,


em todos os partos (vaginais e cesarianas).
Opção de profilaxia endovenosa (em cesarianas): Administração de
Uso universal da ocitocina na “regra dos três” (administrar 3 UI de ocitocina, via
ocitocina após o parto endovenosa [EV], lentamente, em, no mínimo, 30 segundos, a cada três
minutos = 9 UI), seguido de dose de manutenção de 5UI/h (20 UI de
ocitocina diluídas em 500 mL de solução fisiológica [SF] a 0,9% a 125
mL/h) por 4 horas, em bomba de infusão contínua.

Clampeamento Realizar o clampeamento do cordão umbilical após intervalo de 1 a 3


oportuno do cordão minutos, na ausência de contraindicações (p. ex. gestante HIV+).
umbilical

Tração controlada do Associar a tração controlada de cordão à manobra de Brandt-Andrews


cordão umbilical (segurando o cordão com uma mão e gentilmente aplicando pressão
supra púbica com a outra mão, para estabilização uterina).

Massagem uterina após Vigilância da manutenção da contratilidade uterina no pós-parto


dequitação imediato.

Fonte: FEBRASGO (2021).

A prevenção farmacológica com ocitocina é a medida mais eficaz na profilaxia da HPP.


O esquema de 10 UI de ocitocina, via intramuscular, proposto pela Federação Brasileira de
Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), é o mais utilizado atualmente. Alertamos para o fato de que
as pacientes com trabalho de parto prolongado ou submetidas a indução com altas doses de
ocitocina são menos responsivas à ocitocina profilática (FEBRASGO, 2021; BERGHELLA, 2022;
ESCOBAR, 2022).
9

5 DIAGNÓSTICO E ESTIMATIVA DA PERDA VOLÊMICA

Para avaliar ou quantificar a perda sanguínea, pode-se utilizar a estimativa visual, a


pesagem de compressas, os dispositivos coletores e os parâmetros clínicos (ALVES et al.,
2020).
A estimativa visual da perda sanguínea é simples e rápida, porém é subjetiva e, em
geral, subestima as perdas volumosas, conforme a Figura 1.

Figura 1 - Parâmetros visuais para quantificação do sangramento presente em compressas


cirúrgicas, lençóis e poças.

Poça de 50 cm de diâmetro 500 mL

Poça de 75 cm de diâmetro 1.000 mL

Poça de 100 cm de diâmetro 1.500 mL

Cama com poça de sangue sobre o lençol Provavelmente menos de 1.000 mL

Hemorragia vaginal com sangue fluindo para o chão Provavelmente excede 1.000 mL
Fonte: OPAS (2018)

Os parâmetros clínicos, apesar de marcadores tardios (pois as alterações


hemodinâmicas costumam ser evidentes após perda de 20 a 30% da volemia), são bastante
10

úteis para determinar a gravidade do choque, avaliar a resposta à terapêutica e sinalizar a


necessidade de terapias adicionais.

A evidência clínica de choque, mesmo leve, já deve desencadear ações para controle e
manejo clínico por parte da equipe assistente.

O Quadro 4 descreve os sinais e sintomas clínicos utilizados na determinação e


classificação do choque.

O Índice de Choque (IC), obtido dividindo-se a frequência cardíaca pela pressão


arterial sistólica é um parâmetro facilmente calculado e que fornece informações
importantes sobre o prognóstico (FEBRASGO, 2021):

● IC ≥ 0,9: perda sanguínea significativa;

● IC ≥ 1: necessidade de abordagem rápida e agressiva; possibilidade de


hemotransfusão; considerar transferência se instituição sem banco de sangue;

● IC ≥ 1,4: necessidade de terapêutica agressiva com urgência; necessidade de


transfusão, provavelmente necessitará transfusão maciça;

● IC ≥ 1,7: preditor de admissão em unidade de tratamento intensivo, de


procedimentos cirúrgicos invasivos e de transfusão de 4 ou mais unidades de
concentrado de hemácias; provavelmente necessitará transfusão maciça.
11

Quadro 4 - Avaliação e Classificação do Grau de Choque

Avaliação do Grau de Choque

Grau de Choque
Parâmetros
Compensado Leve Moderado Grave

Sensório normal normal e/ou agitada agitada letárgica ou inconsciente

Perfusão normal pele fria, palidez pele fria, palidez, pele fria, palidez, sudorese e
sudorese retardo do enchimento capilar > 3
seg

Pulso (bpm) 60 - 90 91 - 100 101 - 120 > 120

PA Sistólica (mmHg) > 90 80 - 90 70 - 79 < 70

Perda estimada de volume 550 - 850 850 - 1.400 1.400 - 2.000 > 2.000
em ml (para mulheres de
70-100 Kg)

Calcular Índice de Choque2: se (FC / PAS) > 0.9 há alto risco de necessidade de transfusão maciça
Fonte: ATLS (2013)

2 FC, Frequência Cardíaca; PAS, Pressão Arterial Sistólica


12

6 MANEJO DA HEMORRAGIA PUERPERAL

O objetivo principal na HPP é garantir que a paciente obtenha controle do sangramento e


recuperação do choque em até 60 minutos – a chamada “hora de ouro”, em que a
sobrevida é inversamente proporcional ao tempo de recuperação do choque.

Dessa forma, em todos os casos em que houver persistência de sangramento apesar


das medidas de controle iniciais (ocitocina profilática, massagem uterina, clampeamento
oportuno do cordão) OU se houver choque, é indicada uma terapêutica agressiva precoce, a
fim de evitar morbidade e mortalidade materna (HENRIQUEZ, 2022). A Figura 2 apresenta
um modelo de fluxograma de Prevenção e Manejo da Hemorragia Pós-Parto.

6.1 Ações iniciais

● Monitorizar paciente: pressão arterial, frequência cardíaca, saturação de oxigênio.


Calcular o índice de choque, determinar a gravidade (grau do choque).
● Obter dois acessos venosos calibrosos (um para volume, outro para ocitocina e
demais medicações).
● Oxigênio: 8 - 10 L/min por máscara de Venturi.
● Manter massagem uterina bimanual
● Sondagem vesical de demora (para controle de diurese; diminui atonia)
● Aquecer paciente (manta térmica) e elevar membros inferiores.
● Coletar amostra de sangue para:
⮚ tipagem sanguínea/prova cruzada
⮚ exames laboratoriais: hematócrito, hemoglobina, creatinina, fibrinogênio,
tempo de protrombina, tempo de tromboplastina parcial ativado. Considerar
gasometria, caso o resultado seja mais rápido.
⮚ teste do coágulo de Weiner
13

Figura 2 - Fluxograma3 de Prevenção e Manejo da Hemorragia Pós-Parto

Fonte: FEBRASGO (2021) adaptados pelos autores.

3
Legendas do protocolo: RL, ringer lactato; SF, soro fisiológico; CHAD, concentrado de hemáceas
14

6.2 Ressuscitação hemostática

● Infusão racional de líquidos. Administrar cristaloides aquecidos (soro fisiológico ou


ringer lactato) e avaliar a paciente a cada 500 mL.
● Não usar soluções colóides.
● Lembrar que a infusão rápida e excessiva de cristaloides pode aumentar o risco de
coagulopatia dilucional.
● Pacientes hemodinamicamente instáveis após a infusão de 1.500 mL de cristalóides,
se em vigência de sangramento ativo, devem ser avaliadas para hemotransfusão
imediata.
● Após a infusão de 2.000 mL de cristalóides, a ressuscitação deve continuar com
hemocomponentes.
● Iniciar transfusão com base nos parâmetros clínicos (não aguardar resultados de
exames se paciente instável ou se não houver resposta rápida e sustentada aos
cristalóides).
● Pacientes hemodinamicamente instáveis com perdas importantes devem receber
transfusão emergencial de dois concentrados de hemácias; se a prova cruzada não
estiver disponível, deve ser transfundido sangue O negativo.
● Diante de um choque grave (IC > 1,7), deve-se iniciar protocolo de transfusão maciça.
Considerar a proporção de concentrado de hemácias, plasma fresco congelado,
plaquetas na proporção de 1:1:1. Considerar a infusão de crioprecipitado na mesma
proporção.
● Abordagem agressiva da hipofibrinogenemia: níveis de fibrinogênio abaixo de 200
mg/dL apresentam valor preditivo positivo de 100% para HPP grave. Utilizar plasma
fresco congelado e/ou concentrado de fibrinogênio.
● Alvos clínicos e laboratoriais na transfusão de hemocomponentes:
⮚ Sangramento menor do que 50 mL/h por 2 horas;
⮚ PA sistólica > 90 mmHg (PAS);
⮚ Hb > 7 g/100mL ou Ht > 20%;
⮚ Local com possibilidade de realizar o tratamento definitivo

O Quadro 5 exemplifica os hemocomponentes recomendados, bem como suas doses


e indicações.
15

Quadro 5 - Hemocomponentes recomendados, indicações e observações

Componente Concentração ou Volume Indicação Observações

Concentrado de hemácias 250-300 mL/unidade -Melhorar oxigenação tecidual 1 unidade eleva Hb em 1-1,5 g/dL e Ht em
-Repor níveis hematimétricos (especialmente se Hb < 7) 3%

Plasma fresco congelado 180-200 mL/unidade -Sangramentos com INR > 1,5 ou TP > 1,5 vezes o valor Rico em fatores de coagulação (V, VII e VIII,
normal IX, XI), fibrinogênio e antitrombina III
-Reposição de fatores de coagulação
-Reversão de anticoagulação por antagonistas de vitamina
K
-Transfusão maciça

Concentrado de 50 mL/unidade -Sem procedimentos invasivos: 1 unidade aumenta a contagem de


Plaquetas Plaquetas < 20.000/mm3 com sangramento; plaquetas em 5.000 a 10.000/mm3
1 pool de plaquetas Plaquetas < 20.000/mm3 sem sangramento com fatores de
= 5 unidades risco
(± 250 mL) -Com procedimentos invasivos:
Plaquetas < 50.000/mm3 sem sangramento;
1 aférese de plaquetas Plaquetas < 80.000/mm3 com sangramento;
= 6-8 unidades Plaquetas < 80.000/mm3 em cirurgias de grande porte;
(± 350 mL) Plaquetas < 100.000/mm3 em neurocirurgia;
Transfusão maciça

Crioprecipitado 10-20 mL/unidade -Fibrinogênio < 200 mg/dL 1 unidade aumenta o fibrinogênio em 10
-Transfusão maciça mg/dL
Dose habitual adulto: 7 a 10 unidades

Concentrado de fibrinogênio 20 mg/mL (ampolas de 1 ou 2g, -Fibrinogênio < 100-100 mg/dL Dose habitual 70 mg/kg ou 2 g
reconstituídas em 50 ou 100 mL)

Fonte: BRANDÃO (2017)


16

6.3 Tratamento medicamentoso da hipotonia uterina

De acordo com estudos sobre o uso de medicamentos uterotônicos para o


tratamento da hipotonia uterina, recomenda-se (VALLERA et al., 2017; FEBRASGO, 2021;
PHUNG et al., 2021):

● Iniciar a ocitocina e o ácido tranexâmico ao mesmo tempo, já no início do quadro:


⮚ Infundir a ocitocina por um acesso (o dos medicamentos) e o ácido
tranexâmico por outro acesso (o mesmo que infunde volume).
⮚ Diante de resposta inadequada à ocitocina, a infusão sequencial de outros
uterotônicos é necessária, e o intervalo de tempo para a tomada de decisão
não deve ser superior a 15 minutos, uma vez que são medicamentos de ação
rápida.

● Ocitocina: fundamental para atendimento obstétrico, considerar transferência


imediata da gestante sem medicação disponível (DYER, 2011; FEBRASGO, 2021):

⮚ A intensidade da contração uterina não é proporcional à dose do


medicamento, mas os eventos adversos são dose-dependentes e relacionados
à velocidade de infusão.
⮚ Efeitos adversos:
▪ Leves: náusea, vômito e cefaléia;
▪ Graves: dispnéia, hipotensão, arritmia cardíaca, dor torácica/isquemia
cardíaca, intoxicação hídrica.
⮚ Não infundir bolus de ocitocina > 5 UI. Não infundir bolus rápido (< 30
segundos)
⮚ Não deixar "ocitocina a correr" no mesmo acesso usado para infusão rápida
de volume. Infundir ocitocina preferencialmente com uso de bomba de
infusão.
17

● Dose para tratamento de atonia uterina, tanto no parto como na cesariana: soro de
500 mL com 20 UI de ocitocina, a 10 UI/h (250 mL/h ou 80 gts/min), além da dose
profilática já administrada. Dose de manutenção de 5-10 UI/h (125 mL/h) por 4 horas;
considerar até 24h com 2,5-5 UI/h (67,5 mL/h).

● Ácido Tranexâmico: reduz a mortalidade por sangramento puerperal, especialmente


em cenários com poucos recursos. Não aumenta o risco de tromboembolismo
venoso.

⮚ Iniciar imediatamente quando diagnosticado o quadro de HPP (a cada 15 min


de atraso para administração da primeira dose de ácido tranexâmico, ocorre
redução de 10% no seu efeito hemostático). Não se recomenda seu uso após
três horas do início da HPP, pela baixa efetividade.
⮚ Dose: 1 g de ácido tranexâmico (4 ampolas de 250 mg/5mL) infundido
lentamente em 10 minutos (diluído ou não), iniciado logo no início do
diagnóstico da HPP, a despeito da causa. A dose pode ser repetida uma vez
entre 30 minutos e 24 horas, se necessário.

● Metilergometrina:

⮚ Efeitos colaterais: hipertensão; dores de cabeça; raramente náuseas, vômitos,


bradicardia, taquicardia, hipotensão, dispneia, tromboflebite, tontura e
diarréia.
⮚ Dose: 0,2mg IM, que pode ser repetida em 20 minutos. Em sangramentos
mais importantes ou continuados, pode-se repetir a administração a cada 4
horas, mais três doses (máximo de 1 mg em 24 horas).
⮚ Contraindicações:
■ Hipertensão ou pré-eclâmpsia
■ Doença vascular periférica (como fenômeno de Raynaud)
■ Medicações para HIV (inibidores de protease e da transcriptase
reversa)
18

● Misoprostol:

⮚ Dose: 800 mcg (4 comprimidos de 200 mcg) por via bucal ou oral (início de
ação em 7-11 minutos, duração 2-3 h) ou por via retal (início de ação em
15-20 min, duração 4h)
⮚ Poucas contraindicações ou efeitos colaterais (o mais comum é hipertermia).

6.4 Tratamento da Causa Básica

Além de estimar a gravidade do quadro, é essencial procurar definir a etiologia


hemorrágica (4T). Essas etiologias exigem tratamentos específicos, tais como uterotônicos
(atonia), curetagem uterina (restos ovulares), suturas (lacerações de trajeto), manobra de
reposicionamento uterino (inversão uterina), laparotomia para reparo ou histerectomia
(rotura uterina) e transfusão de hemocomponentes (coagulopatias).

6.4.1 Tratamento invasivo não-cirúrgico

Compressão uterina bimanual

Deve-se iniciar imediatamente para controlar a atonia uterina, enquanto se aguardam


a administração e o início da ação dos uterotônicos. É importante que a bexiga seja
esvaziada, para aumentar sua efetividade.

Tamponamento uterino com balão

Utilizado para controle temporário ou definitivo do sangramento relacionado à atonia


uterina, quando os uterotônicos falharam em controlar a HPP.
Prefere-se o uso de balões industrializados (de Bakri, B-Cath), uma vez que permitem
medir a drenagem e estimar a efetividade do controle da hemorragia. Na ausência desses, é
possível confeccioná-los artesanalmente com uso de sondas (de Foley ou nasogástrica) e de
condom masculino, dedo de luva ou outro dispositivo de látex (ver Anexo 1 - Modelo de
confecção de um balão artesanal).
19

Na hemorragia após o parto vaginal, insere-se o balão por via vaginal; na cesariana,
insere-se através da histerotomia (começando pela extremidade de entrada, que deve
ultrapassar o orifício cervical interno e ser apreendida pelo auxiliar na vagina). É necessário o
tamponamento vaginal para prevenir a expulsão do balão (devido ao colo uterino dilatado).
Preenche-se o balão com 300 a 500 mL de soro fisiológico. O balão deve ser retirado em até
24 horas, se paciente estável e drenagem inferior a 50 mL/h, esvaziando-o lentamente (cerca
de 20 a 50 mL a cada hora); preferir iniciar o esvaziamento durante o dia ou com equipe
completa preparada para atendimento de intercorrências. Manter antibiótico profilático
enquanto o balão estiver inserido (DARWISH, 2018).

Traje anti-choque

O traje anti-choque não-pneumático (TAN) está indicado em casos de instabilidade


hemodinâmica e/ou sangramentos vultosos com iminência de choque hipovolêmico e é
utilizado para pacientes que necessitam transferência para centros de maior complexidade
ou enquanto se espera por outra forma de intervenção, como transfusão, embolização e
procedimentos cirúrgicos. Pode-se citar como contraindicações para o uso do TAN: a
presença de feto vivo viável, doenças cardíacas graves, hipertensão pulmonar, edema agudo
de pulmão e lesões supra diafragmáticas (OPAS, 2018).
É constituído de seis segmentos: três para membros inferiores, um para a pelve e dois
segmentos abdominais (ver Figura). O TAN deve ser SEMPRE colocado de forma sequencial
iniciando pelo segmento 1 (membros inferiores) até o 6. Uma vez que os segmentos estejam
bem fechados em torno da parte inferior do corpo da paciente, o TAN reduz o fluxo
sanguíneo para essas partes, dirigindo-os aos órgãos vitais na porção superior do corpo.
20

Figura 3 - Traje anti-choque não pneumático - TAN

Fonte: VALÉRIO (2017)

A retirada também segue a sequência do segmento 1 para o 6, aguardando 20


minutos entre a liberação de cada segmento, para certificar-se da estabilidade
hemodinâmica (caso volte a ficar instável, o traje deve ser fechado novamente
respeitando-se a sequência do 1 para o 6).

Deve ser retirado somente nas seguintes condições:

● Sangramento menor do que 50 mL/h por 2 horas;


● PA sistólica > 90 mmHg;
● Hb > 7 g/100mL ou Ht > 20%;
● Local com possibilidade de realizar o tratamento definitivo.

6.4.2 Tratamento invasivo cirúrgico

Suturas compressivas

Para controlar a atonia, promovendo a compressão entre as paredes de diferentes


segmentos do útero. A sutura mais conhecida e utilizada é a de B-Lynch. Outras suturas
21

também bastante utilizadas são a de Hayman (na forma de "suspensório" simples) e a de Cho
(múltiplas suturas quadrangulares), conforme demonstra a Figura 4.

Figura 4 - Tipos de Suturas Hemostáticas

Fonte: MATSUBARA (2013)

Abaixo, o passo a passo da Sutura de B-Lynch (Figuras 5, 6 e 7), mais utilizada.


Lembramos de utilizar um fio forte, mas absorvível, para evitar complicações tardias
decorrentes de apreensão de alças intestinais:

1. Utilizar uma agulha grande com fio absorvível nº 1 ou 2 para entrar na cavidade
uterina em A e sair da cavidade em B.
2. Fazer uma alça (tipo “suspensório”) com o fio de sutura passando pelo fundo do
útero e entrar novamente na cavidade uterina pela parede posterior em C (na mesma
altura de B).
3. A sutura deve ser tracionada firmemente nesse ponto. Sair da cavidade uterina pela
parede posterior em D, fazer novamente uma alça pelo fundo uterino retornando
para a porção anterior do útero, entrar novamente na cavidade no ponto E, tornando
a sair da cavidade em F.
4. As pontas livres do fio em A e F são amarradas de maneira segura para comprimir o
útero.
5. Sutura de B-Lynch modificada: seguem-se os mesmos passos, mas já com a incisão
uterina fechada.
22

Figura 5 - Passo a passo da Sutura de B-Lynch

Fonte: HCPA (2021)

Figuras 6 e 7 - Ilustração da Sutura de B-Lynch (D e E)


23

Fonte: SIBAI (2011)

Ligadura arterial - hipogástricas e uterinas

A ligadura das hipogástricas é uma técnica efetiva no tratamento da HPP grave que
parece não afetar negativamente a restauração das menstruações e a fertilidade futura
(cerca de 85% de ocorrência de gestação depois do procedimento); entretanto, exige um alto
grau de treinamento do cirurgião. As complicações potenciais da ligadura das artérias
hipogástricas são hematoma, lesão ureteral, laceração da veia ilíaca, ligadura acidental da
artéria ilíaca externa e claudicação intermitente por isquemia do músculo glúteo.
A ligadura das artérias uterinas, que provê 90% do suprimento sanguíneo do útero, é
uma alternativa de intervenção relativamente simples, com menos risco de ligadura dos
vasos e ureteres. Pode ou não ser associada à ligadura do ligamento útero-ovárico e também
parece não comprometer a fertilidade e os desfechos obstétricos futuros.
Em cenários onde é disponível um radiologista intervencionista ou cirurgião vascular,
é possível realizar a oclusão do fluxo sanguíneo arterial com balões (oclusão intermitente
das artérias hipogástricas, ilíacas comuns ou aorta), ganhando tempo que se possa
efetivamente controlar o sangramento. A paciente precisa estar estável
hemodinamicamente. A cateterização pode ser realizada profilaticamente antes de cesariana
planejada em casos de suspeita de placenta acreta (menor risco de perda sanguínea e
24

coagulopatia). A cateterização arterial seletiva para embolização (geralmente das artérias


uterinas) pode também ser adotada.

Figura 8 - Ligadura de Artéria Uterina

Fonte: BELFORT (2022)

Histerectomia puerperal

Utilizada como último recurso para controle do sangramento na HPP. A histerectomia


puerperal por vezes é a única alternativa eficaz em casos de atonia grave com coagulopatia
de difícil reversão. Em pacientes com HPP grave por placenta acreta/increta/percreta difusa
ou por extensa ruptura uterina não se deve postergar a histerectomia.
A histerectomia pode ser total ou subtotal, na dependência da situação clínica e
cirúrgica. Os desfechos adversos maternos tendem a ser menores após a histerectomia
subtotal (16%) do que na histerectomia total (30%). A histerectomia subtotal é efetiva para
controlar com sucesso hemorragias por atonia, mas a histerectomia total é melhor para
sangramentos do segmento inferior do útero ou do colo.
25

Cirurgia para controle de danos

É uma estratégia de tratamento para pacientes críticos. Opta-se por realizar uma
hemostasia temporária a fim de permitir a restauração volêmica, correção dos distúrbios de
coagulação e/ou tratamento da disfunção dos órgãos na paciente o mais rápido possível. Nas
pacientes com evidência clínica de coagulopatia após a histerectomia, tem sido proposto
realizar o empacotamento pélvico com compressas sobre múltiplos sítios de sangramento e
com laparotomia recoberta (preferencialmente) com curativos a vácuo. O tratamento
definitivo é realizado após a estabilização da paciente, que, em geral, ocorre entre 2 e 5 dias
da abordagem inicial.

6.5 Caixa de emergência hemorrágica e protocolos institucionais

Recomenda-se que todas as instituições trabalhem na construção multiprofissional


de um protocolo para o atendimento das situações emergenciais relacionadas à hemorragia
materna. Este protocolo deve conter os itens essenciais que compõem a caixa de emergência
hemorrágica (Anexo 2) e um check-list (Anexo 3) que poderá ser implementado respeitando
as condições de cada instituição.
26

7 RECOMENDAÇÕES FINAIS

Vale destacar a importância de manter o compromisso político com mulheres, o que


passa por oferecer acesso aos serviços de saúde, onde sejam submetidas a manejo clínico
adequado na atenção ao parto, diminuindo assim riscos como HPP. Importante considerar
que o tratamento da paciente com HPP não se encerra com a estabilização dos sinais vitais e
controle do sangramento. Nas mulheres que foram transfundidas, a tromboprofilaxia deve
ser instituída pelo risco aumentado de tromboembolismo.

Documentar a ocorrência e manejo da HPP cuidadosamente no prontuário e inserir a


informação de HPP na nota de alta da paciente, pela possibilidade de recorrência em
gestação futura, são formas de aumentar a segurança da paciente e a qualidade da
assistência.

A falsa ideia de que a operação cesariana é um procedimento isento de riscos precisa


ser repensada e suas indicações devem ser respeitadas e seguidas. A maioria dos casos de
morte materna por hemorragia no estado do RS nos últimos dois anos foi decorrente do
sangramento puerperal em pacientes submetidas à cesariana.

Os resultados do Women Trial (2017) mostram porque é tão importante manter


políticas públicas para a promoção e proteção da saúde das mulheres, crianças e
adolescentes. Novas descobertas, como a da utilização do ácido tranexâmico, oferecem
estratégias eficazes para redução das mortes em cenários onde os riscos enfrentados
durante a gravidez e o parto são maiores. Agora é um momento para acelerar e não diminuir
a ação global para alcançarmos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização
das Nações Unidas.
27

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, A.L.L. et al. Hemorragia pós-parto: prevenção, diagnóstico e manejo não cirúrgico.
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https://www.febrasgo.org.br/images/pec/CNE_pdfs/FPS---N5---Novembro-2020---portugues.
pdf. Acesso em: 29 mai. 2022.

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ATLS working group. Advanced trauma life support (ATLS®): the ninth edition. J Trauma Acute
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BRANDÃO, P. F; MACEDO, P. H. A. P; RAMOS, F. S. Hemorrhagic shock and trauma: brief


review and recommendations for management of bleeding and coagulopathy. Rev Assoc
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(CGIAE/DASNT/SVS). Mortalidade Materna do Brasil. Boletim Epidemiológico (Semanas
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BRASIL. Ministério da Saúde. Mortalidade proporcional por grupos de causas em mulheres


no Brasil em 2010 e 2019. Boletim epidemiológico, Brasília (DF), v. 52, n. 29, p. 1-24, 2021.
Disponível em:
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletins-epide
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28

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Geneva: World Health Organization; 2018. Disponível em:
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/277276/9789241550420-eng.pdf. Acesso
em: 29 mai. 2022.
29

ANEXO 1 - MODELO DE CONFECÇÃO DE UM BALÃO ARTESANAL

Fonte: Rotinas em Obstetrícia. 7th ed. Artmed (2017).


30

ANEXO 2 - CAIXA DE EMERGÊNCIA HEMORRÁGICA

Material Quantidade

Protocolo/check list Um fluxograma e um check list plastificadas disponíveis no kit

Jelco (abocath) 16 ou 14 Duas unidades de cada

Jelco (abocath) 18 Duas unidades

Seringas Duas unidades de 5 mL


Duas unidades de 10 mL
Duas unidades de 20 mL

Agulhas Quatro unidades de 40 x 12 mm


Quatro unidades de 25 x 8 mm

Máscara facial oxigênio + látex Uma unidade de cada um

Sonda vesical de demora Duas unidades - Kit de sondagem vesical


1. Bandeja estéril para o procedimento com cubas e
pinças;
2. Campo estéril e um campo fenestrado;
3. Um par de luvas estéreis;
4. Um par de luvas de procedimento;
5. Compressas ou luvas de banho;
6. Clorexidina degermante;
7. Clorexidina aquosa 2%;
8. Uma sonda vesical, duas ou três vias de calibre
adequado;
9. Xilocaína geleia 2%;
10. Dois a três pacotes de gaze;
11. Uma seringa de 20 ml;
12. 15 ml de água destilada;
13. Fita adesiva microporosa hipoalergênica;
14. Uma agulha de aspiração (40×12)

Bolsa Coletora de Diurese Uma unidade

Soro fisiológico a 0,9% Dois frascos de 500mL

Equipo de soro Duas unidades

Balão de tamponamento Uma unidade


intrauterino*

Tubos de coleta de sangue Tubos adequados aos exames preconizados:


Um azul
Dois vermelhos
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Dois roxos

Facilitadores Pedidos de exames já preenchidos e pré-aprovados


Medicamentos

MEDICAÇÕES

UTEROTÔNICAS

Ocitocina (5UI/mL) 06 ampolas de 1 mL

Metilergometrina (0,2 mg/mL) 02 ampolas de 1 mL

Misoprostol 200μg/comprimido 06 comprimidos

ANTIFIBRINOLÍTICA

Ácido tranexâmico 250μg/ampola 04 ampolas

* Se indisponível balão de tamponamento intrauterino, disponibilizar, no kit, material necessário


para confecção de um balão artesanal.
Seringa 20 ml
Sonda foley n°14 ou 16
Seda fio para sutura
Condom masculino (camisinha)
Tesoura para cortar embalagem/fio
Pinça para fechar a saída da sonda conforme imagem abaixo
Fonte: adaptado da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Recomendações assistenciais para
prevenção, diagnóstico e tratamento da hemorragia obstétrica. Brasília (DF): OPAS; 2018.
32

ANEXO 3 - MODELO DE CHECK-LIST HEMORRAGIA PÓS PARTO

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