FACULDADEDE EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA DO ESPÍRITO SANTO
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(Seção 1, P. 1) Códigoe-MEC 23038
A PRÁTICA DO CANTO CORAL ENQUANTO OPORTUNIDADE
DE APRENDIZAGEM MUSICAL: UM ESTUDO DE CASO
Michele Guckert – [email protected] (Autora do Artigo)
Pós graduação em regência
Schroeder/SC
2025
2
RESUMO
A problemática geral desta pesquisa consiste em refletir sobre como a prática do
canto coral pode contribuir para a aprendizagem musical. Para isso, será necessário
desvelar quais são as lacunas e as necessidades em termos de educação musical
que os integrantes sentem no coro, investigar quais são os saberes musicais que
aprendem durante os ensaios e como eles contribuem no processo de aprendizado
musical.
Metodologicamente, realizou- se um estudo bibliográfico, onde foram examinadas as
literaturas pertinentes à temática. Para a coleta de dados, foi feita uma pesquisa
qualitativa semiestruturada, trazendo um roteiro de questões.
Palavras-chave: Canto coral, educação musical, ensino, aprendizagem.
1.INTRODUÇÃO
Sobretudo durante as últimas décadas, o número de pesquisas e publicações
referentes à educação musical na prática do canto coral vem crescendo. O tema
deste projeto de pesquisa brota a partir da minha prática enquanto regente de um
coro amador a 4 vozes, ligado à uma igreja luterana no norte de SC, na cidade de
Guaramirim.
Esta pesquisa reflete sobre a prática do canto coral sob a perspectiva da educação
musical. Muitas pessoas encontram em coros a oportunidade de aprender música.
Não foi diferente também nos sujeitos entrevistados.
Os principais autores que subsidiaram a pesquisa foram Amato (2007 e 2009) que
reflete sobre algumas vertentes educativo-musicais e socioculturais do canto coral e
discute a importância da motivação no canto coral, Dias (2011) que aborda as
interações na aprendizagem musical no canto coral, Pais (2011) que investiga a
prática do canto coral como uma ferramenta para a formação vitalícia e integral do
ser humano e Cavalcante (2010) que procura compreender os processos educativos
entre os integrantes de um grupo vocal.
A metodologia utilizada foi de cunho qualitativo, aproximando-se de um estudo de
caso. Como técnica para a coleta de dados, utilizou-se uma entrevista
semiestruturada.
2.PROCESSOS EDUCATIVOS NO CANTO CORAL
Nas últimas décadas, têm surgido pesquisas que investigam tanto o
desenvolvimento de relações humanas como os processos educativos no espaço do
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canto coral. A reflexão sobre este último fará com que nos aproximemos com mais
propriedade da problemática proposta.
A maestrina Amato (2007) concebe o canto coral como sendo um espaço de
motivação, inclusão social, integração interpessoal, desenvolvimento de múltiplas
habilidades e competências por parte do regente e do coralista.
No tocante à motivação, Amato observa que ela é um processo contínuo no qual
elementos de diversas naturezas agem sobre os sujeitos, neste caso, os cantores.
Tanto os aspectos de administração, liderança, segurança física, como também a
responsabilidade, o crescimento e a realização pessoal influenciam no processo
motivacional. Para ela
O canto coral se constitui em uma relevante manifestação educacional
musical e em uma significativa ferramenta de integração social. Os
trabalhos com grupos vocais nas mais diversas comunidades, empresas,
instituições e centros comunitários podem [...] realizar a integração [...] entre
os mais diversos profissionais, pertencentes a diversas classes
socioeconômicas e culturais, em uma construção de conhecimento de si [...]
e da realização da produção vocal em conjunto, culminando no prazer
estético e na alegria de cada execução com qualidade e reconhecimento
mútuos [...]. (Ibid., p. 3)
A função social do coral diz respeito ao direito de participação das pessoas nesta
atividade, independentemente de sua classe social, origem ou grau de instrução.
Conforme a autora, “todos os indivíduos pertencentes a um coral encontram-se na
mesma posição de aprendizes, unindo-se na busca de objetivos comuns de
realização pessoal e grupal” (Ibid, p. 5). A integração inicia e acontece na medida
em que os esforços de cada participante são canalizados para um objetivo comum,
ou seja, para ações artísticas coletivas.
Sendo o canto coral uma prática educativo-musical, nele podem ser desenvolvidos
desde trabalhos que visam criar uma maior consciência musical até momentos de
informações históricas, contextualização de obras e biografia de compositores.
Nesse sentido, a autora (2007) apresenta algumas ferramentas úteis para o
processo de ensino e aprendizagem musical dentro do canto coral, como a
inteligência vocal, a consciência respiratória e auditiva, a prática de interpretação, a
produção vocal em variadas formações, a utilização de recursos audiovisuais e a
apresentação de pesquisas e debates.
Desdobradas na prática, as ferramentas citadas acima dizem respeito a cuidados e
hábitos de higiene vocal, exercícios de respiração e afinação, compreensão do estilo
e período musical de uma obra, apreciação musical, discussões e pesquisas que
contribuam para a formação musical dos coralistas.
Amato (Ibid., p. 15) complementa ao afirmar que “Com essa ferramenta de ensino, a
educação musical do indivíduo passa a contemplar não apenas a aprendizagem
4
técnica musical exigida na performance do coral, mas também sua formação
artística geral”.
Vemos, portanto, que a educação musical que acontece no espaço do canto coral
passa a atender tanto a aprendizagem musical na performance como a formação
artística geral do coralista.
Um autor que se preocupou em compreender os processos educativos que
acontecem na atividade do canto coral foi Cavalcante (2010). Na pesquisa realizada
com um grupo vocal, ele identificou seis dimensões presentes no processo
educativo: a convivência, o planejamento em diálogo, a rotina dos ensaios, a
construção de saberes musicais, a escolha de repertório e a elaboração de arranjos.
Conforme o pesquisador,
[...] foi observado que interação e produtividade na apreensão de saberes
musicais foram elementos articulados na rotina do grupo. No caso do grupo,
isso ocorreu numa via de mão dupla, pois não somente a interação interferiu
positivamente na produção e rendimento dos integrantes como ocorreu o
inverso: o sentimento de realização sobre resultados palpáveis propiciou o
aumento da autoestima e consequentemente houve melhoria nas relações
interpessoais” (Ibid, p. 62)
Semelhante à Amato que falava da aprendizagem musical e artística geral,
Cavalcante também parece compreender os processos em duas direções, a
formação humana e a formação musical e, na pesquisa, observou o fato de os
saberes musicais estarem ligados e serem um meio para a construção de saberes
relacionais.
Cavalcante defende ainda que os saberes musicais são construídos não somente
para o entendimento de elementos da música ou para resultar em fazeres musicais,
mas também como um meio para a construção de saberes relacionais que “vão se
compondo no caminhar de uns com os outros, à medida que se tem contato com o
fazer artístico no espaço de interação” (Ibid., p. 93).
Quanto às interações que acontecem na prática do canto coral e seus
desdobramentos nas relações entre os envolvidos, tem-se a pesquisa de Dias
(2012). Ela observou em dois coros de adultos de que maneira as relações eram
construídas na aprendizagem musical tanto durante os ensaios como nas
apresentações e como se dava a construção de novas sociabilidades em seu
cotidiano. Segundo a autora,
Uma vez percebidas as interações nas práticas pedagógico-musicais entre
os coristas, chamavam-me a atenção o modo de o corista saber lidar com o
outro, respeitar a vez do outro, entender o modo de ser do outro. O
sentimento de pertença gerado nesse cuidado trazia uma interação para
além daquela gerada na aprendizagem musical. Essa visão me fez
compreender um pouco melhor de que forma as práticas pedagógico-
musicais também se constituem em práticas sociais, e que os exercícios de
interação aplicados no processo de ensino e aprendizagem musical coletiva
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alcançam desdobramentos em outros setores da vida cotidiana dos
envolvidos (DIAS, 2012, p. 9).
Em sua pesquisa, Dias (2012) constatou que as interações aconteciam a partir de
duas naturezas, a vertical e a horizontal. A primeira se remetia às relações de
liderança conduzidas pelas regentes, pela preparadora vocal e coreógrafa. Já a
segunda estava ligada às interações observadas entre os coralistas nos ensaios, e
entre coralistas e plateias, nas apresentações.
Os dados observados pela pesquisadora apontam para uma educação musical que
não se restringe a aspectos musicais, mas que também leva em consideração as
relações humanas que são estabelecidas na prática do canto coral (DIAS, 2012).
Assim sendo, a participação em um coral diz respeito sim ao aprendizado musical,
mas não se resume nele. O aprendizado que acontece é muito mais amplo, porque
diz respeito ao estabelecimento de relações entre os integrantes do grupo.
Pais (2011) concebe a prática do canto coral como sendo uma ferramenta que
contribuiu para a formação vitalícia e integral do ser humano. A autora reflete sobre
o desenvolvimento de competências musicais, pessoais, sociais e culturais junto aos
coralistas do projeto “Aprender até Morrer”. O próprio nome do projeto já evidencia a
concepção de que a aprendizagem não se limita a determinada faixa etária, mas que
acontece durante a vida inteira.
De acordo com os dados obtidos, Pais conclui que as competências identificadas no
projeto contribuíram para a melhoria no desempenho vocal e na atitude performativa
dos coralistas. Além de uma renovação dos gostos musicais, sua pesquisa também
evidenciou um aumento da autoestima, a redução do stress e da ansiedade por
parte dos entrevistados, como vemos em sua afirmação:
Como consequência final, teremos a condução de um conjunto de pessoas
que através da música procura resolver problemas pessoais como: a
motivação, a auto-estima, novas aprendizagens, a convivência e a
integração dentro de um grupo social. Trata-se, portanto, de uma atividade
privilegiada, onde as diferentes relações interpessoais e de ensino-
aprendizagem, promovem o desenvolvimento vocal, musical, histórico,
estético, individual e colateralmente social (PAIS, 2011, p 10).
Percebe-se que música carrega em si vários elementos que, na medida em que são
potencializados, podem colaborar para o crescimento do coralista como um ser
humano integral. Cada vez mais as funções terapêuticas, sociais e de aprendizagem
se encontram interligadas também na prática do canto coral.
Na introdução do capítulo intitulado “Reflexões sobre aspectos da prática coral”,
constante na obra “Ensaios: olhares sobre a música coral brasileira”, o regente e
musicólogo Carlos Alberto Figueiredo, diz que
Cantar em coro deveria sempre ser uma experiência de desenvolvimento e
crescimento: individual e coletivo: o desenvolvimento da musicalidade e da
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capacidade de se expressar através da voz; a possibilidade de vir a
executar obras que tocam tanto no cognitivo quando no coração, ensejando
o crescimento intelectual e afetivo do cantor e de outros agentes envolvidos;
o desenvolvimento da sociabilidade e da capacidade de exercer uma
atividade em conjunto, onde existem momentos certos para se projetar e se
recolher, para dar e receber” (FIGUEIREDO, 2003, p. 5).
O autor aponta algumas relações que o regente estabelece na prática do canto
coral, a saber: a relação consigo mesmo e com o coro, a relação do regente com o
coro e o público, do regente com a partitura, do regente com o coro e a partitura
(FIGUEIREDO, 2003). Além do aspecto da formação, da preparação dos ensaios e
do desenvolvimento dos cantores, percebe-se que a função do regente compreende
também outras competências para além das musicais, pois existem outras situações
que perpassam um ensaio coral.
Para o autor (2003), o regente é um ‘agente modificador’ pois modifica os cantores,
a música e o público. No entanto, ao mesmo tempo em que ele é um modificador,
ele também é modificado pelos seus cantores, pela música e pelo público. Ao
contrário de uma relação unilateral, podemos ver aqui um movimento dialético, pois
ambos os sujeitos, o regente e o coral, se transformam mutuamente.
Na mesma linha, também o professor e regente Sérgio de Figueiredo (19-) menciona
o fato de competência musical por si só não ser garantia de êxito na aprendizagem.
Há de se considerar também a relação entre professor e aluno, e no caso de um
coral, a relação entre regente e coralista. No que diz respeito à função do ensaio do
canto coral, o autor mencionado faz uma clara distinção entre treinamento e
aprendizagem.
Ao mesmo tempo em que defende o treinamento como sendo necessário para
aquisição de condições mínimas para a realização musical, ele diz que a qualidade
desta depende de um mínimo de compreensão musical que, por sua vez, depende
de um treinamento com conteúdo, em outras palavras, da aprendizagem.
Figueiredo (19-, p. 4) complementa ao afirmar que, “Se o que for aprendido em uma
peça do repertorio não pode ser transferido para outras peças, é porque a
aprendizagem não foi eficiente e o que aconteceu foi um simples treinamento”.
A repetição de trechos, canções e exercícios são práticas presentes nos ensaios de
canto coral. No entanto, este treinamento não pode ficar enclausurado em si mesmo.
Ele precisa se desdobrar em aprendizagem. A aprendizagem será efetiva na medida
em que uma habilidade ou ação pode ser aplicada para outra situação neste espaço.
Já Mazzarin (2009) trata do canto coral sob a ótica da psicologia social da música. A
autora analisa o coro como representação social, investigando como cantores e
regentes interagem com as funções da música e apresentando o canto coral como
instrumento de ampliação do universo musical de seus cantores.
Conforme a autora (2009), os relatos informais de coralistas apontam para vários
aspectos, dentro os quais se destacam: a ampliação do universo musical bem como
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de conhecimento de repertório, a motivação para conhecer mais sobre música e
arte, a elevação da autoestima e a possibilidade de fazer novas amizades, visto que
estão em torno de um objetivo comum, a música e o repertório que realizam.
Não menos importante para a pesquisadora foram também os relatos que
apontavam para a qualidade e a saúde, já que o canto coral pode minimizar
sentimentos de solidão ou indiferença presentes na sociedade atual. Segundo a
autora, os relatos colhidos trouxeram consigo uma ou mais funções da música. Por
isso, é possível perceber que
o coro tem se mostrado mais que um espaço musical. Tem propiciado
relações de amizade, de crescimento, de motivação e de concretude de
metas e objetivos pessoais e grupais. [...] Os cantores sentem-se capazes,
mesmo tendo pouca experiência, quando juntos a outros percebem que é
possível “fazer música” e com isso permitir que todos possam fruir desta
arte também (MAZZARIN, 2009, p. 7).
Nesse sentido, observa-se que no espaço do canto coral ocorre um entrelaçamento,
por assim dizer, das funções da música, pois “os coros refletem em seus trabalhos
objetivos e funções não só musicais (Ibid., p. 7)”. Em outras palavras, os anseios e
as necessidades dos coralistas parecem ir além unicamente do conhecimento
musical. O espaço do canto coral apresenta-se, portanto, como uma possibilidade
tanto para a educação musical como para o exercício de outras funções da música.
3. ASPECTOS METODOLÓGICOS
Levando em consideração a problemática que trata da aprendizagem no canto coral,
esta pesquisa aproxima-se de um estudo de caso de cunho qualitativo.
No que diz respeito à investigação qualitativa, Bogdan e Biklen (1994), apontam o
ambiente natural como sendo a fonte direta dos dados e o investigador como o
principal agente na coleta desses dados. Em outras palavras, a vivência que as
entrevistadas possuem com o canto coral será a fonte da qual brotarão principais os
dados.
Os autores também atribuem aos investigadores que utilizam metodologias
qualitativas o interesse pelo processo em si e não propriamente pelos resultados. O
investigador interessa-se, acima de tudo, por tentar compreender o significado que
os participantes atribuem às suas experiências.
Para tal, a pesquisadora optou por uma aproximação1 à modalidade de estudo de
caso que, “... consiste na observação detalhada de um contexto, ou indivíduo, de
uma única fonte de documentos ou de um acontecimento específico” (MERRIAM,
1988 apud Ibid., p. 89). De maneira análoga, também Yin (2001) defende que, o
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O termo “aproximação” foi usado em virtude do estudo de caso demandar muito mais tempo de
pesquisa.
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estudo de caso permite uma investigação para se preservar as características
holísticas e significativas dos eventos da vida real. Neste caso, o contexto será o um
coro adulto misto.
Desde ciclos, processos, mudanças e relações, o estudo de caso auxilia na
compreensão de vários fenômenos, sejam eles de ordem individual, organizacional,
social ou política. Por isso, também o canto coral enquanto fenômeno pode ser
investigado a partir de um estudo de caso.
Como técnica de coleta de dados será utilizada a entrevista semiestruturada.
Bogdan e Biklen (1994) referem-se à entrevista como uma estratégia utilizada para
recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao
investigador desenvolver uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam
aspectos do mundo.
Os autores ainda chamam atenção para o papel do investigador que, “não consiste
em modificar pontos de vista, mas antes em compreender os pontos de vista dos
sujeitos e as razoes que os levam a assumi-los” (Ibid., p. 138). Neste caso, a
entrevista constará de um roteiro de questões que poderão elucidar o objetivo da
pesquisa.
BOGDAN e BIKLEN (1994) ainda enfatizam que a entrevista evita perguntas que
possam ser respondidas com “sim” e “não”, visto que os detalhes serão revelados a
partir de perguntas que exigem uma maior exploração. Os dois autores também
mencionam o fato de que, numa pesquisa qualitativa, as entrevistas tanto podem ser
a estratégia dominante para a recolha de dados como podem ser utilizadas em
conjunto com outras técnicas como observações e análise de documentos.
3.1 O CORO
O Coro da Paróquia Evangélica de Confissão Luterana em Guaramirim teve início no
ano de 1926, tendo como regente Sr. Kurt Reimer. Estiveram à frente do coro o
pastor Riegel e sua esposa Erica, Sra. Gertrudes Claas, esposa do pastor Armando
Claas, Sra. Liara Roseli Krobot e, desde 2017, Michele Guckert, autora desta
pesquisa.
Atualmente, o coro conta com 24 vozes. Entre os cantores, estão presentes também
lideranças da comunidade, como do grupo de mulheres, crianças e grupo de jovens.
A integração de idades, gerações e as experiências com o canto coral garantem a
continuação do grupo que contribui na vida comunitária. Ano passado, o coro
comemorou seus 70 anos de fundação.
O coral divide-se em quatro naipes, a saber: sopranos, contraltos, tenores e baixos.
O repertório é escolhido pela regente e é composto por canções cristãs, populares
brasileiras e do folclore alemão. O grupo participa das celebrações promovidas pela
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comunidade eclesial, sua mantenedora, de eventos do município e de encontros de
coros.
O ensaio é desdobrado da seguinte maneira: aquecimento corporal e técnica vocal,
repertório, exercícios de teoria musical, avisos da coordenação e café conjunto. No
decorrer do ano, também são propostos momentos de confraternização e um
passeio anual de integração.
3.2 PROCEDIMENTOS
Levando em consideração a problemática proposta por esta pesquisa, a coleta de
dados aconteceu através de uma entrevista qualitativa semiestruturada, trazendo um
roteiro de questões.
As questões que perpassaram as entrevistas foram: idade, experiência com música,
motivos que o levam a participar do coro e a importância que esta atividade possui
na sua vida, dificuldades ou inseguranças, aprendizados no decorrer dos ensaios e
o sentido, de que maneira aprende e situações ou momentos que mais lhe chamam
à atenção.
4. APRESENTAÇÃO DOS DADOS
A análise das respostas focou em três categorias que sintetizam os dados coletados,
em diálogo com a literatura da área, a saber: o prazer de cantar, questões técnicas,
e questões relacionais. Os participantes apresentaram entendimentos diversos
sobre o canto coral e a possibilidade da construção de aprendizado.
61,5% dos entrevistados tem de 18 a 64 anos. Já 30,8% possui mais de 65 anos e
7,7% tem entre 13 e 17 anos. No que diz respeito à formação musical, um pouco
mais da metade dos entrevistados dizia nunca ter tido aula de música, mas, por
outro lado, sempre ter participado de grupos musicais como coro, banda, grupo de
louvor.
4.1 O PRAZER EM CANTAR: “É uma atividade em que me sinto bem,
aprendo e conheço pessoas”
Sobre a questão da importância que o coro possui na vida e os motivos que o fazem
participar, o elemento do prazer em cantar foi unânime e apareceu nas respostas.
Ele veio à tona através de verbos como “gostar”, “adorar” e “ter paixão”. Conforme
um depoimento, “é o momento onde posso fazer algo que gosto e me sinto bem
fazendo”.
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Este gosto pelo canto já era um aspecto esperado, contudo, a dimensão que o canto
coral ocupa na vida dos entrevistados foi reveladora. Ao falarem do prazer que
sentiam em cantar, observou-se que o canto foi considerado um “lazer”, um “hobby”,
uma “oportunidade para conhecer pessoas” e “criar amizade”.
Ao refletir sobre o desenvolvimento do cantor e a mentalidade usada pelo regente,
Figueiredo ressalta que “A palavra-chave é prazer, mas não apenas no sentido
puramente de lazer, mas, principalmente, o prazer de estar desenvolvendo uma
atividade inteligente, que conduz ao crescimento” (2003, p. 10).
Nesse sentido, percebeu-se que o cantar é associado ao crescimento artístico, mas
também à qualidade de vida, especialmente ao bem estar, como se pode perceber
na seguinte afirmação: “... é uma excelente oportunidade de interagir com pessoas
de várias faixas etárias (...), além de ser uma ótima terapia para o corpo e a mente”.
As falas das entrevistas refletiram o cantar como sendo de suma importância para
suas vidas: “participar do coro me traz leveza, uma paz, uma calmaria que em
outras coisas não encontro”. Para o professor e regente Mathias (1986), o coral é
visto como sendo um instrumento social que busca uma identidade com valores
humanos significativos. Em outras palavras, os integrantes buscam a valorização da
própria individualidade, da individualidade do outro e o respeito às relações
interpessoais.
Dias, por sua vez, revelou em sua pesquisa que a participação de pessoas na
prática coral não diz respeito unicamente ao aprendizado da música. Segundo a
autora,
Evidentemente, as pessoas a buscam porque gostam de música, porque
aprendem a apreciar e vivenciar a música durante sua trajetória de vida,
mas, ao mesmo tempo, para fazer amigos, para saírem da solidão e,
sobretudo, para se sentirem parte de um grupo (DIAS, 2012, p. 9).
Assim, o prazer em cantar foi o principal elemento para o ingresso e permanência
dos cantores no grupo. Junto dele, vieram outras aproximações ligadas à qualidade
de vida e à saúde mental.
4.2 QUESTÕES TÉCNICAS: “Sinto dificuldade em entender as notas.
Mas consigo seguir a partitura, onde sobe, desce, aguento a respiração”
No que diz respeito às questões técnicas, em especial, à leitura de partitura, há de
se lembrar que a maioria dos participantes nunca teve aula formal de música, mas
sempre participou de algum grupo musical. Nesse sentido, é importante considerar o
fato que tiveram algum tipo de experiência com a música em maior ou menor
intensidade no ambiente familiar, eclesial, escolar, em corais e bandas típicas da
região.
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Embora uma minoria leia partitura em sua forma convencional, a maioria cria
hipóteses sobre os parâmetros de duração, altura e intensidade. Neste ponto, ao
falar sobre a leitura musical que os coralistas realizam nos ensaios, Figueiredo diz:
A experiência demonstra que cantores permanentemente estimulados a ler música durante os
ensaios desenvolvem essa habilidade de maneira espantosa. Além disso, o permanente
contato com uma partitura, durante o ensaio, permite que detalhes sutis da obra, tais como
durações de notas finais, colocação exata das dinâmicas, etc. não se percam. Acho muito
importante que um cantor possa executar um repertório de cor, nas apresentações ou em
momentos determinados de um ensaio. Mas, a meu ver, um ensaio inteiro de cor é um
permanente fixar de vícios (FIGUEIREDO, 2003, p. 13).
Outros entrevistados apontaram a escuta como importante na aprendizagem, ou
seja, precisam escutar a melodia, o ritmo e a letra da canção. “Não sei ler partitura,
mas dá para cantar em um coral prestando atenção, ouvindo as músicas e
cantando”.
Sobre o uso da partitura e a memória auditiva, Pais aponta tanto para as vantagens
como as desvantagens de ambos e, com base em sua pesquisa, faz um alerta:
Convém equilibrar as duas competências a memória e a visualização. [...] pode-se
depreender que a aprendizagem coral não é submissa a uma única técnica, mas
sim, ávida de um regente, que recorrendo a vários mecanismos de aprendizagem
tira o melhor partido da produtividade do seu coro (PAIS, 2011, p. 44).
Além da criação de estratégias motivadoras na prática do canto coral, Mathias
(1986) sugere algumas etapas na organização do ensaio a fim de que o processo de
ensino e aprendizagem seja facilitado, a saber: Introdução com preparação
psicológica, objetivo e mensagem; Preparação técnica com relaxamento físico e
mental, relacionamento humano, desenvolvimento da musicalidade, aquecimento,
leitura de partituras, apreciação; Desenvolvimento do repertório; Conclusão;
Avaliação e avisos finais.
Sabe-se da importância de ter certa rotina e organização no ensaio do coro. Cada
regente o faz e o adapta conforme as necessidades da realidade. Existem, no
entanto, momentos que não deveriam ser pulados, como o aquecimento e a técnica
vocal. Conforme um participante, “Os exercícios são a parte principal para a leveza
da voz”. Muito mais que simplesmente repetir exercícios abstratos e prontos, é
necessário criar a consciência do quanto são indispensáveis para o canto. “Os
exercícios antes de cantarmos. Algo que faz diferente sempre e traz segurança na
hora de apresentar”.
Já Amato, ao falar das etapas e atividades propostas em um ensaio, considera que
elas “permitem que se constitua um melhor ambiente humano no coro e que o
indivíduo foque-se na atividade, aliviando suas tensões, o que gera um melhor
resultado no processo de ensino-aprendizagem” (Amato, 2009, p. 6). A fala de um
entrevistado aponta para este fato: “Os maestros e regentes que conheci tem
bastante paciência, fator que ajuda aqueles que querem cantar sem ler partitura”.
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A partir do relato dos cantores e dos autores consultados, observou-se que as
pessoas não aprendem de um único jeito. Enquanto alguns possuem uma inclinação
maior à escuta e à repetição, outros se atém à visualização de gestos, da partitura e
até mesmo prestando atenção aos outros cantores: “Durante a parte de técnica
vocal e quando a maestrina "corrige" os nossos erros ou dos outros naipes”. Por
último, mas não menos importante, os participantes parecem mobilizar várias
habilidades no processo de aprendizagem.
4.4 QUESTOES RELACIONAIS
Outra característica notada nas entrevistas como sendo importante no canto coral
diz respeito à integração do grupo. “Já vem de família (...). Fizemos amizades,
conhecemos naipes diferente. E quando dá aquela harmonia no final do canto, isso
me faz bem”.
Na mesma direção, ao propor exercícios que visam à integração dos coralistas
pertencentes a um grupo coral, Mathias enfatiza que essa integração deve
acontecer não somente no aspecto sonoro, mas também no relacionamento
interpessoal. O autor completa afirmando que, “A integração dos sons será maior a
partir do momento em que as pessoas estiverem integradas socialmente”
(MATHIAS, 1986, p. 88).
Sendo o canto coral uma atividade que reúne pessoas de diferentes faixas etárias,
níveis de formação e classes sociais em torno do prazer de cantar, há de se lembrar
de que a individualidade de cada integrante está a serviço do grupo como um todo.
O relato de um entrevistado aponta para esta questão: ““Aprendi que precisamos de
várias vozes. Todos são importantes independentemente do tipo físico,
personalidade e característica da pessoa. E saber que eu posso cantar e ajudar o
grupo”.
No tocante à dimensão individual e coletiva no canto coral, Figueiredo (19-) ressalta
que cada indivíduo deve estar apto para realizar sua tarefa e ao mesmo tempo deve
abrir mão dessa individualidade em favor da realização do grupo. As falas dos
entrevistados podem ilustrar a afirmação do autor: “Aprendemos a conviver em
grupo, respeitando as dificuldades e limitações de cada um”,
O mesmo autor (2003) ainda compreende cada ensaio como sendo único, visto que
depende de variáveis como: número de cantores presentes, disposição física,
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mental e psicológica de cada cantor e do regente, condições climáticas e mudanças
de local.
Nesse sentido, as falas “a união de uma só voz para uma bela apresentação” e
“técnica vocal, repertório, ajudam a perder a vergonha de cantar” refletem também
para importância dos ensaios, visto que é o momento formal no qual o grupo está
reunido tanto para o fazer musical como para a discussão e a tomada de decisões
sobre aspectos implícitos em cada performance.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tratando-se de uma aproximação a um estudo de caso, visto que ele demandaria
muito mais tempo, esta pesquisa procurou investigar um grupo específico, a partir
das pessoas entrevistadas. As reflexões que brotaram desta pesquisa chamam a
atenção para a existência de questões que vão além da música e que podem
contribuir para a aprendizagem no contexto do canto coral.
Contudo, o tema não se esgota nesta pesquisa. Ela foi uma tentativa de achegar-se
com mais propriedade ao tema a partir dos autores consultados e das próprias
entrevistas realizadas. Muito além de meramente confirmar os pressupostos que se
possuíam a respeito da problemática, os autores trabalhados proporcionaram uma
reflexão à luz da educação musical,
Nesta pesquisa, portanto, foi possível exercitar um diálogo entre os pressupostos da
pesquisadora, a fundamentação dos autores trabalhados e o relato dos
entrevistados. E é neste movimento que o conhecimento também vai se construindo:
a prática questionando a teoria e vice-versa.
Sendo a pesquisadora a regente do grupo investigado, não houve empecilhos para a
realização da pesquisa. Ao contrário, o fato de conhecer os entrevistados, mesmo
que fosse somente a partir do espaço do canto coral, talvez fizesse com que o
acesso a eles fosse facilitado.
Ao mesmo tempo, há de se dizer também que, caso a pesquisa fosse realizada com
outro grupo do qual a pesquisadora é regente, ou mesmo com outro grupo no qual
não ocupa esta função, as respostas também seriam diferentes ou apontariam ainda
para outros aspectos.
No cenário da educação musical em geral, o canto coral vem ganhando espaço.
Mas também para mim, e agora ouso escrever na primeira pessoa, esta pesquisa foi
importante. Ela transcende o nível intelectual ou da consciência ao brotar e se
desdobrar na minha própria prática enquanto processo de ensino e aprendizado,
não deixando também de criticá-la.
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Como prática de cunho educativo, o canto coral comporta tanto a dimensão artística
como o rigor e a disciplina. Nesse sentido, pode-se perceber que a aprendizagem
musical, a rotina de ensaios, o desempenho nas performances não são alheios ao
prazer e ao bem estar físico e mental.
O ensaio de um grupo de canto coral é composto por vários momentos. Não se
passa o ensaio cantando do início ao fim. Por consequência, é de suma importância
fazer uso consciente de cada etapa e dos elementos que a perpassam: palavras,
sons, silêncios, gestos, sensações e associações. Todos estes momentos estão
canalizados para o desenvolvimento musical em algum nível, mesmo num grupo tão
diversificado em termos de experiências formais ou não.
Como os sujeitos desta pesquisa fazem parte de um coro amador, não fazendo
música profissionalmente, há de se lembrar de que a atividade coral é uma entre
muitas outras atividades em suas vidas. Certamente, os integrantes de um grupo
coral amador possuem outras prioridades e obrigações.
Logo, é importante considerar o fato de que as exigências, sobretudo as musicais,
precisam ser dosadas pelo regente, a fim de que o canto coral não passe a ser uma
atividade desgastante e desmotivante, colocando em jogo a própria permanência
dos integrantes.
Embora a responsabilidade possa ser partilhada, cabe ao regente conduzir os
ensaios de maneira agradável, sem precisar abrir mão de objetivos e exigências,
desde que sejam adequados e coerentes com seu grupo.
Assim sendo, não menos importante é a particularidade de cada grupo. Esta faz
com que o regente aplique estratégias motivacionais diferenciadas. Faz-se
necessário que as motivações sejam condizentes com a faixa etária, com as vozes e
com os objetivos de um grupo.
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