NINA LANE
Despertar
Tradução
ALEXANDRE BOIDE
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Copyright © 2013 by Nina Lane
A Editora Paralela é uma divisão da Editora Schwarcz S.A.
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,
que entrou em vigor no Brasil em 2009.
TÍTULO ORIGINAL Arouse
CAPA Paulo Cabral
FOTO DE CAPA © Felicia Simion/ Trevillion Images
PREPARAÇÃO Lígia Azevedo
REVISÃO Luciane Gomide e Marise Leal
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Lane, Nina
Despertar / Nina Lane ; tradução Alexandre Boide. —
1 a ed. — São Paulo : Paralela, 2018.
Título original: Arouse.
isbn 978-85-8439-103-5
1. Ficção de suspense 2. Romance norte-americano i. Tí‑
tulo. ii. Série.
17-11187 CDD-813
Índice para catálogo sistemático:
1. Ficção de suspense : Literatura norte-americana 813
[2018]
Todos os direitos desta edição reservados à
EDITORA SCHWARCZ S.A.
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Quero fazer com você o que a
primavera faz com as cerejeiras
Pablo Neruda
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parte i
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1
olivia
Ele não encostou em mim. Poderia — tinha o pretexto perfeito —,
mas não fez isso.
Preferiu se agachar para recolher meus papéis antes que o vento os
espalhasse. Preferiu pegar minha bolsa da calçada e perguntar se estava
tudo bem. Preferiu me proteger da rua movimentada enquanto eu re‑
movia a sujeira das palmas das mãos e tentava engolir o nó de frustração
entalado na garganta.
Preferiu simplesmente esperar. Tive a estranha impressão de que
seria capaz de esperar para sempre.
7 de agosto
Adesivos com castelos de areia, chinelos e sóis sorridentes co‑
brem as vitrines das lojas espalhadas pela Avalon Street. As pousadas es‑
tão abarrotadas, e os barcos preenchem a superfície do Mirror Lake
como estrelas no céu. Universitários lotam as mesas dos cafés, enquan‑
to turistas e moradores circulam pelo centro da cidade tomando sorvete
ou refrigerante. As crianças, bronzeadas, correm pelos caminhos que le‑
vam ao lago.
“Desculpa, moça.” O atendente cabeludo da barraquinha de bebidas
abre um sorriso constrangido. “Acabou a limonada.”
Ah, ótimo.
Afasto uma mecha de cabelos molhados de suor da testa e leio de novo
o menu escrito com giz.
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O sol está começando a se pôr, mas o calor ainda é de matar. Minha
meia‑calça grudou na pele e o elástico aperta minha cintura. Meus pés
estão doloridos depois de passar o dia todo espremidos dentro dos sapa‑
tos de salto. E, apesar de eu me recusar a olhar, tenho quase certeza de
que tem manchas de suor debaixo dos braços da minha camisa de seda.
“Um chá gelado, então.” Entrego dois dólares para o sujeito e pego
o copo plástico, enfiando um canudinho no buraco da tampa. Não gosto
muito de chá, mas o copo está gelado e a bebida provoca uma sensação
gostosa ao descer pela garganta.
Procuro por uma mesa na calçada, mas estão todas lotadas.
Pego minhas compras do mercado, coloco a bolsa no ombro e vou
andando pela rua esturricada pelo sol, me sentindo como uma inspeto‑
ra de colégio carrancuda no meio da multidão feliz de veranistas. Meu
rabo de cavalo afrouxa um pouco mais, de modo que mais mechas gru‑
dam no meu pescoço suado.
Minha casa. O pequeno apartamento de dois quartos sobre uma fi‑
leira de lojas com vista para a Avalon Street. A visão da sacada com gra‑
des de ferro fundido, cheia de plantas em vasos grandes e coloridos, me
provoca uma bem‑vinda sensação de alívio.
Aperto o passo, apesar da bolha no calcanhar. Assim que ponho os
pés no hall de entrada do prédio, largo as compras, tiro os sapatos e me
sento nos primeiros degraus da escada. Dou mais um gole no chá gela‑
do. Gotas de suor descem pelas minhas costas.
“Oi, bela.”
A voz profunda e masculina reverbera dentro de mim. Olho para o
alto da escada e vejo Dean parado lá. Os cabelos escuros estão bagunça‑
dos e a camisa está amarrotada, com as mangas arregaçadas até os coto‑
velos. O nó da gravata está frouxo e os botões abertos do colarinho ex‑
põem a pele bronzeada do pescoço.
Um calor ao mesmo tempo doce e picante me domina ao vê‑lo. A
combinação perfeita entre o professor genial e o objeto de desejo que se
manifesta nele sempre faz meu coração acelerar.
“Oi.” Abaixo a cabeça e dou um gole no chá.
“Pensei que você fosse trabalhar até mais tarde.” Ele desce as esca‑
das até onde estou sentada e pega minha bolsa.
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“Pois é.” Um nó se forma na minha garganta. “Fui demitida.”
Pelo amor de Deus, Liv. Não chora.
“Demitida?” Dean larga a bolsa e senta ao meu lado na escada. Ele
afasta os cabelos do meu pescoço grudento. “O que aconteceu?”
“Uma cagada da gráfica na abertura da exposição de hoje à noite. Er‑
raram o nome de uns doadores importantes, mesmo eu tendo mandado
a informação duas vezes por e‑mail e uma cópia em papel. O sr. Ham‑
mond pôs a culpa em mim mesmo assim.”
Detesto fazer o papel de vítima, mas é verdade.
“Isso não está certo, Liv. Demissão sem motivo é…”
Ergo a mão para silenciá‑lo. “Esquece, Dean. Eu nem gostava do traba‑
lho. Hammond vivia dizendo que eu errava demais. O que não era verdade.”
“Vamos dar uma surra nele?”
“Vamos.” Meu gentil cavaleiro…
“Vem cá.” Ele me enlaça e me puxa para perto.
Apesar de estar com calor e suada, me aninho nele com um suspi‑
ro. Só de sentir seu peito forte já fico mais calma.
Dean solta meus cabelos compridos e passa os dedos pelas mechas.
Em seguida, começa a massagear meu pescoço. Aceitaria de bom grado
passar mais duas ou três horas sentada aqui.
“Estava tentando resolver o problema, mas ele disse para eu arru‑
mar minhas coisas e ir embora.”
“Azar o deles.” Dean roça os lábios na minha têmpora. Um arrepio
me percorre até os dedos dos pés. “Você falou que as obras que eles ven‑
dem são uma porcaria mesmo.”
“E são.” Dou mais um gole no chá. “Um monte de lixo colado em
telas. Eu poderia ganhar uma fortuna fazendo isso. E de repente até con‑
sigo mesmo. Olivia West, a artista da sucata.”
“Essa é a minha garota.”
“Enfim. O sr. Hammond era um velho babão mesmo.”
“Como assim?” A tensão se espalha pelo corpo robusto de Dean. “Ele…?”
“Não, não. Só quis dizer que ele era grudento. Ficava puxando o
saco dos clientes, rastejando aos pés deles, como um escravo medieval.”
“Servo, não escravo.” Dean dá uma batidinha com o dedo no meu
nariz.
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“Tá.” Abro um sorriso e o empurro para ficar de pé.
Ele pega minha bolsa e as compras. Apanho os sapatos e subo para
o apartamento arrastando os pés, mas minha ansiedade se desfaz assim
que entro e fecho a porta.
As janelas estão fechadas e o ar‑condicionado está ligado, o que dei‑
xa o interior do apartamento fresco e silencioso. Quando mudamos, co‑
loquei cortinas de um azul‑clarinho nas janelas, para complementar o
sofá azul‑marinho e as almofadas listradas. Com as paredes cor de cre‑
me, as colchas azuis e brancas e os batentes de madeira, nosso aparta‑
mento tem o aspecto de uma casa de praia bem arejada.
Jogo meus sapatos no closet e vou para o quarto tirar a roupa. Tomo
um banho rápido e frio e visto uma legging e uma camiseta.
Os nós nos meus ombros começam a se soltar. Sempre me sinto me‑
lhor em casa. Adoro a cama macia com edredom florido, a pequena cozinha
com a mesa de madeira que lixei e pintei de branco, as prateleiras cheias
de livros na sala de estar, a sacada curva com vista para a Avalon Street.
Seco os cabelos com a toalha e desembaraço com a escova. Apesar
de lisos, os fios são bem grossos e compridos, de um castanho‑escuro
que combina com meus olhos (“cor de café com leite”, como Dean me
diz em seus momentos mais poéticos). Decido não usar o secador, mas
deixo os cabelos soltos, porque sei que é assim que ele gosta.
Vou até a cozinha, encosto no batente da porta e observo enquanto
Dean põe a mesa para o jantar. Ele está com uma calça jeans e uma ca‑
miseta com o logo dos San Francisco Giants.
Meu marido é um homem bonito, mais parecido com um atleta do
que com um intelectual. Nove anos mais velho que eu, é alto, musculo‑
so e tem ombros largos, com os cabelos castanhos pontuados por char‑
mosas mechas grisalhas.
Dean tem lindos olhos castanhos, cor de chocolate, cílios compridos
e um rosto anguloso, com ossos salientes. A postura serena e a maneira
tranquila de falar demonstram sua autoconfiança e dignidade.
Nada disso é à toa, considerando seu currículo impressionante. Ba‑
charelado em Yale, ph.D. em Harvard, pós‑doutorados na Wisconsin-
Madison e na UPenn, pesquisador do Instituto Getty e palestrante con‑
vidado em universidades europeias.
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Dois anos atrás, ele recebeu uma oferta de emprego para trabalhar
na Universidade King’s, uma instituição privada de grande prestígio em
Mirror Lake. Hoje é coordenador do novo programa de estudos medie‑
vais, tem um bom salário e verba de pesquisa considerável.
Não me surpreende nem um pouco que ele seja um profissional tão
cobiçado.
Dean olha para mim e sorri. Meu coração dispara. Quando meu ma‑
rido me olha assim, com o afeto estampado no rosto, todas as suas dis‑
tinções ilustres se dissipam e ele se torna apenas um homem que me
ama e me deseja.
“Como foi seu dia hoje, professor?”, pergunto, chegando mais per‑
to para lhe dar um abraço de verdade. “Terminou seu artigo sobre o pe‑
cado medieval da paixão?”
Ele me dá um beijo no topo da cabeça. “Sobre a escavação e a arqueo
logia de uma cidadezinha originada por um castelo da ordem teutônica.”
Ah, claro.
Aperto sua cintura. “Hum. Está tentando me seduzir?”
“Hierarquia urbana.” Ele baixa uma das mãos grandes para apertar
minha bunda. Qualquer coisa que diga com aquela voz grave e profun‑
da me deixa com um frio na barriga. “Arquitetura vernacular. Análise
topográfica. Crescimento flexível.”
Dean se abaixa para levar o rosto ao meu pescoço, roçando delicio‑
samente a barba por fazer na minha pele, em seguida captura meus lá‑
bios com a boca.
Que delícia. Seus beijos são sempre assim. Ele leva uma das mãos à
minha cabeça para incliná‑la e pegar minha boca inteira com a sua. A ex‑
citação surge dentro de mim de forma imediata e poderosa, eliminando
a frustração anterior enquanto aperto os lábios contra os dele e recebo o
toque quente de sua língua.
Com um gemido de prazer, Dean leva a outra mão até a parte infe‑
rior das minhas costas e me puxa mais para perto. Ponho a mão espal‑
mada sobre sua barriga lisa, enfiando os dedos na calça jeans. Quando
começo a explorar mais a fundo, ele segura meu pulso e solta uma risa‑
dinha rouca.
“Cuidado com o que vai começar, bela”, ele murmura.
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“Por quê?” Mas também estou com fome de comida, então me in‑
clino para trás para beijar seu queixo e me afasto devagar. “Então, o que
mais você fez hoje?”
“Trabalhei na apresentação para o congresso e nas palestras de verão.”
“Que congresso?”
“Não falei?” Ele franze a testa. “Em Atlanta. Vou ficar fora uns três
ou quatro dias em outubro.”
Ele estende a mão para pegar um copo no armário. A camiseta se es‑
tica sobre seu braço, e meu olhar se dirige para o local onde o tecido se
ergue de leve, revelando a base musculosa de suas costas.
“Desculpa, Liv”, ele diz. “Pensei que tivesse contado.”
Dou de ombros. “Não tem problema.”
Não tem mesmo, mas nunca passamos muito tempo longe um do
outro, a não ser quando ele participa de congressos ou viaja para fazer pes‑
quisa de campo. Nenhum dos dois gosta dessas breves separações, mas é
uma coisa que faz bem para nós — me dá uma chance de passar um tem‑
po sozinha, enquanto Dean se atualiza em sua área, descobrindo as novi‑
dades sobre o reino visigótico ou a poesia nórdica antiga.
Coisas que lhe interessam.
“Sobre o que você vai falar nesse congresso?”, pergunto.
“Sobre a cultura visual das Cruzadas. Estou pensando em montar
um curso a respeito.”
Eu me viro para abrir as embalagens da comida chinesa que ele
deve ter comprado a caminho de casa. Dean continua falando. Apesar de
gostar do tom de barítono de sua voz — como suas alunas também de‑
vem gostar —, não entendo muito do que está sendo dito, já que nunca
me interessei por história medieval.
Mas Dean diz que falar comigo ajuda a arejar seus pensamentos e
suas ideias. Então fico contente em deixá‑lo tagarelar, aproveitando a
sensação de ter uma plateia.
Sentamos para comer frango com gergelim e arroz frito, e eu narro
para ele os acontecimentos que levaram à minha demissão. Quando
Dean começa a falar em “rescisão unilateral imotivada”, eu me inclino
sobre a mesa para interrompê‑lo com um beijo.
“Temos coisas melhores para fazer com nosso tempo”, digo antes de
expulsá‑lo da cozinha para poder limpar tudo.
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Guardo o que sobrou da comida e lavo a louça, então vou para a sala.
Dean usa um dos quartos como escritório. Minha escrivaninha estreita
fica perto da janela, com vista para os telhados, as montanhas e a ampla
extensão do lago.
Ligo meu laptop e dou uma olhada em alguns sites de empregos.
Web designer. Não. Assistente paralegal. Não. Corretor de imóveis. Não. Pro‑
fessor de espanhol. Não. Soldador. Óbvio que não.
“E aquela biblioteca na SciTech?”, sugere Dean. Ele está deitado no
sofá, brincando com um pedaço de barbante.
“Já me candidatei. Me recusaram porque não conheço o sistema de
banco de dados deles.”
“Posso perguntar se tem alguma vaga lá na universidade.” Dean en‑
fia os indicadores no barbante para criar outra forma geométrica.
“Não.” Apoio o queixo na mão e entro em outro site de empregos.
“Vou encontrar alguma coisa.”
Vendedor. Caixa. Estoquista.
Não queria ter que trabalhar no varejo. Preferiria alguma coisa que
tivesse um futuro, mas minha falta de experiência me torna uma candi‑
data pouco atraente.
“Tem aquela livraria lá na Emerald Street”, digo, em um tom mais
tranquilizador. “Vou passar lá amanhã e perguntar se estão precisando de
alguém. Também posso fazer mais horas como voluntária no Museu His‑
tórico.”
“Com todo o tempo que você já trabalhou no museu, vai ser a pri‑
meira opção deles quando abrirem uma vaga”, pondera Dean. “E o mes‑
mo vale para a Biblioteca Pública.”
“Você acha?”
“Tenho certeza. Nesta época de férias tem um monte de estudantes
trabalhando. Você vai ter mais opções quando começarem as aulas.”
Talvez. Me sentindo meio para baixo, fecho o laptop e levanto da es‑
crivaninha. Dean joga o barbante sobre a mesa de centro.
“Vem cá, bela”, ele diz. “Você está precisando de um beijo.”
Vou até o sofá e me deito em cima dele com um suspiro. Dean é
muito gostoso. Tem um corpo incrível — esguio e forte, com um pei‑
toral que me faz ter vontade de me esparramar em cima dele como um
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gato tomando banho de sol. Ele segura minha nuca e cobre minha boca
com a sua.
A tristeza vai se desfazendo dentro de mim. Dean tem razão. Preci‑
so de um beijo, e tem que ser dele.
Sinto seus lábios quentes e firmes contra os meus e um arrepio per‑
corre minha pele ao sentir que suas mãos deslizam até meus quadris.
Abro a boca e solto um suspiro quando nossas línguas se enroscam. Ele
crava os dentes de leve no meu lábio inferior, provocando uma dorzinha
deliciosa que me deixa sem fôlego.
Eu me remexo um pouco, esfregando os seios contra o peito dele,
que aperta com mais força meu quadril antes de levar as mãos para o elás‑
tico da minha calça. Com um movimento suave, Dean enfia as mãos e se‑
gura minha bunda, apertando forte. Sinto o desejo tomar conta de mim.
“Eu…” Me ergo um pouco para vê‑lo, sentindo o sangue ferver ao
notar que seus olhos transbordam de luxúria. “Acho que estou precisan‑
do de mais do que um beijo.”
“Está mesmo.” Dean enfia as mãos por baixo da minha camiseta e
abre o fecho do sutiã com um gesto rápido antes de começar a acariciar
com força minhas costas nuas. “Vou cuidar de você.”
“Sei que vai.” Eu me jogo novamente sobre ele e colo minha boca
à sua.
Os beijos se tornam mais urgentes, e o corpo de Dean se contrai sob
o meu. Uma de suas mãos me solta para abrir o botão da calça jeans. Eu
me sento sobre suas coxas e observo o movimento apressado de seus de‑
dos. Meu coração dispara ao ver o volume no meio de suas pernas, prin‑
cipalmente porque conheço muito bem o que tem ali.
“Você estava pronto, só me esperando?”, pergunto, ofegante.
“Sempre.”
Saio de cima dele para tirar a calça jeans por suas pernas compridas.
Seu pau duro estica a cueca boxer, e eu o seguro em toda a sua extensão.
Faíscas percorrem meu corpo. Quero aquilo pulsando dentro de mim.
Respiro fundo e olho para Dean. Seus olhos estão mareados de te‑
são. Ofegante, ele aponta para meus seios.
Tiro a camiseta, arremessando‑a sobre o sofá junto com o sutiã. Dean
me percorre com o olhar, e meus mamilos enrijecem imediatamente.
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Com um único movimento, ele me pega pela cintura, e nós dois vamos
para o chão.
Ainda melhor que deitar em cima dele é sentir seu peso sobre mim,
seu corpo forte e poderoso. Ele agarra meus seios, esfregando os mami‑
los com os polegares antes de se curvar para abocanhar um deles.
Solto um suspiro forte e agarro seus cabelos. O calor vai descendo
pelo meu corpo. Me contorço até que ele tire minha calça junto com a
calcinha.
“Caralho, Liv, você está prontinha.”
Os dedos dele acariciam meu sexo úmido, enquanto esfrega o pau na
minha coxa. Uma onda de calor me domina dos pés à cabeça quando
Dean ajoelha entre minhas pernas abertas, tira a camisa e abaixa a cueca.
Ele abre a gaveta da mesinha de canto e pega uma camisinha. Minha
pulsação se acelera quando o vejo colocá‑la.
Dean me encara, com os olhos percorrendo toda a extensão dos
meus seios até o meu rosto. Ele estende a mão de novo e enfia um dedo
na minha boceta.
“Dean.” Eu me projeto para a frente para que entre mais fundo.
Um leve sorriso se forma no rosto dele. Com o polegar, Dean circun‑
da meu clitóris. O indicador entra voltado para cima e sai voltado para
baixo. Ele sabe exatamente como me tocar, e em questão de segundos es‑
tou arfando enquanto a energia do êxtase se acumula dentro de mim.
“Dean, eu estou…”
“Está o quê, bela?” Sua voz cheia de tesão tem um tom provocador.
“Quase…”, murmuro.
Ele se inclina sobre mim e cobre minha boca com a sua, passando a
língua pelos meus lábios. Agarro seus bíceps e me arqueio em sua dire‑
ção, ansiando pela explosão de prazer que parece tão próxima. Com mais
uma leve pressão de seu dedo, gozo com um grito, sentindo minha pele
quente se apertar em torno dele.
Com os tremores ainda me dominando, envolvo seus quadris com
as pernas e o puxo para perto. Ele mete com força, fundo, com a boca co‑
lada ao meu pescoço enquanto grunhe.
“Ah!” Eu me agarro às suas costas e levanto as coxas, absorta em seu
calor e na sensação de tê‑lo entrando e saindo de mim.
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Começo a me contorcer, desfrutando do magnífico prazer de ter
nossos corpos se mexendo em sincronia, na cadência de suas estocadas
firmes. Minha excitação chega ao ponto máximo outra vez, a fricção dos
corpos entorpece meus nervos, as investidas dele assumem um ritmo
mais lento, que indica a proximidade da liberação do seu prazer.
Enfio a mão entre nossos corpos para me tocar e ter mais um orgas‑
mo, então levo os dedos ao seu pau pulsando. Nossos olhos se encon‑
tram e fervilham um instante antes de Dean sair de dentro de mim, ti‑
rar a camisinha e começar a bater uma.
Fico louca ao ver os movimentos hábeis de sua mão, a tensão dos
músculos, a maneira como o polegar desliza pela cabeça úmida do pau.
Agarro meus seios, belisco os mamilos e começo a fazer movimentos
que sei que vão deixá‑lo maluco.
Dean solta um grunhido profundo, levando a mão até a base do pau
para gozar na minha barriga. Ainda ofegante, eu me apoio nos cotovelos
para vê‑lo ir até o fim. Depois do último pulsar, Dean apoia as mãos dos
dois lados do meu corpo e se inclina sobre mim para me beijar.
“Você tinha razão”, murmuro com a boca colada à dele. “Eu preci‑
sava de um beijo.”
“Fico feliz em ajudar.”
Deitamos no chão, com as bocas ainda coladas, e Dean se ajeita para
que eu possa me aninhar junto dele. Experimento uma sensação delicio‑
sa — algo que só consigo vivenciar com o meu homem.
Houve um tempo em que eu não sabia que existiam pessoas como
o professor Dean West. Não havia ninguém como ele no bosque escuro
onde eu vivia, um lugar onde a noite chegava cedo e os ogros espreita‑
vam por trás das árvores secas.
Dean me puxa mais para perto, me envolvendo com o braço. Seu
corpo me protege. Eu me encaixo perfeitamente, como sempre, na late‑
ral do seu tronco.
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2
9 de agosto
Depois que Dean sai para trabalhar, dou uma limpada no aparta‑
mento e rego as plantas nos vasos da sacada, que é como uma pequena e
vistosa selva de violetas, gerânios, margaridas e cambarás. Em seguida
passo uma hora acomodada em uma poltrona ao pé da janela, folheando
a seção de classificados dos jornais.
Dançarina exótica. Encarregado de fábrica. Designer de sanduíches. Circu‑
lo um anúncio para “assistente de marketing” e outro para “cuidador de
animais”, embora não saiba nada sobre marketing nem animais. A quan‑
tidade de quadradinhos em preto e branco que anunciam profissões que
eu não sou apta para exercer ou então nem sabia que existiam (ajustador
de moldes) é desanimadora.
Jogo os jornais de lado com um suspiro. Depois que Dean e eu nos
casamos, eu queria ser seu ponto de apoio, seu porto seguro enquanto
ele se estabelecia na carreira. Fiz isso de bom grado por três anos, e gos‑
tei de transformar os apartamentos funcionais em que moramos — e
agora esta sobreloja em Mirror Lake — em lares calorosos.
Adorei ser a amada esposa do professor Dean West, vendo seu su‑
cesso e sua reputação crescer na academia. Não me incomodei de con‑
seguir apenas empregos temporários de meio período, porque preten‑
dia começar uma carreira assim que Dean conseguisse um cargo com
mais estabilidade.
Só que estamos em Mirror Lake há quase dois anos e até agora não
encontrei nada de bom: escrevi como freelancer em uma revista local
que fechou, fui rejeitada para várias vagas por falta de experiência, vi os
estudantes de agronomia da King’s trabalhando com jardinagem e me
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demiti de um emprego como caixa em uma loja de roupas para ser as‑
sistente em uma galeria de arte.
Mais um plano que deu em nada.
Depois de vestir um short e uma camiseta, ando alguns quarteirões
até a academia onde malho cinco… certo, duas vezes por semana. Trans‑
piro bastante em uma aula de aeróbica, tomo um banho e vou encontrar
uma amiga para almoçar.
Kelsey March é meteorologista na universidade, e nos aproximamos
por causa de Dean. Os dois têm o mesmo amor pelo trabalho científico
e se conhecem há anos. É uma das poucas pessoas que não fica babando
por ele, e esse é só um dos motivos para eu gostar tanto dela.
Kelsey está andando de um lado para o outro diante do restaurante
italiano em que combinamos de nos encontrar, digitando no celular
com movimentos acelerados.
Como sempre, usa um terninho feito sob medida com camisa social,
mas transmite a imagem de alguém que está com uma lingerie bem sexy
por baixo. Os cabelos loiros com luzes são curtos e lisos, cobrindo ape‑
nas as orelhas, e têm uma única mecha pintada de azul‑marinho, que ela
joga para o lado quando me vê chegar.
“Você está atrasada”, Kelsey diz, piscando por trás dos óculos de aro
fino.
“Estou nada. Seu relógio é que está adiantado.”
Ela aperta alguns botões no celular e me mostra a tela. “Está ajusta‑
do de acordo com o meridiano de Greenwich.”
“Porque você jamais ia se contentar com outra coisa.”
“Pode apostar.” Kelsey abre um sorriso e guarda o telefone na bolsa.
Entramos no restaurante e nos instalamos em uma mesa com sofás.
Examinamos o cardápio e fazemos os pedidos — frango ao molho mar‑
sala para Kelsey e ravióli de abóbora para mim.
“Ei, lamento pelo trabalho”, ela diz, enfiando um canudo no copo de
refrigerante. “Posso arrumar uma vaga no departamento de meteorolo‑
gia e oceanografia, se quiser.”
“Não, obrigada.” Sempre recuso as sugestões dela e de Dean de “me
arranjar” um emprego na universidade. Sei que não fazem isso porque
me consideram incapaz de me virar sozinha, mas eu ia me sentir assim
caso aceitasse esse tipo de oferta. “Já estou atrás de umas coisas.”
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“Se mudar de ideia me avisa”, diz Kelsey. “Os professores são um pé
no saco, mas no geral não é um lugar ruim para trabalhar.”
“Bom, com esse tipo de recomendação, não é à toa que não existem
filas de pessoas interessadas em trabalhar no departamento.”
Kelsey me lança um olhar como quem diz “não me provoca”. Retribuo
com um sorriso, porque ela sabe que eu jamais faria isso. Não sou louca.
“Ei.” Ela se recosta no assento e franze a testa. “É sério. Parece que o
tempo fechou para você mesmo.”
“O fato de você ter feito uma referência ao tempo já me alegra imen‑
samente.”
“Sabe de uma coisa, Liv? Você não precisa encontrar a carreira per‑
feita logo de cara”, ela argumenta. “Relaxa. Você não se formou em bi‑
blioteconomia?”
“Sim. Trabalhei na biblioteca de artes da Universidade de Wisconsin
por um tempo, mas, quando casei com Dean e mudei para Los Angeles,
só tive uns empregos de meio período em lojas enquanto ele fazia a pes‑
quisa no Getty. E não abriu nenhuma vaga nas bibliotecas da King’s des‑
de que mudamos para cá.” Remexi um pouco na minha salada. “Hoje vi
um anúncio procurando uma dançarina exótica.”
Kelsey dá uma risadinha. “Topless ou nudez total?”
Quase engasgo com um gole de água. “Provavelmente a segunda op‑
ção”, digo, dando risada.
“Com certeza seu marido escreveria uma ótima carta de referência.”
Bato nela com meu guardanapo, mas depois admito: “Bom, isso é
verdade”.
Kelsey sorri, então nossa atenção se volta para a chegada dos pratos
principais. Ela passa manteiga em um pedaço de pão e diz: “Então, Liv,
será que você se importa se eu roubar o Dean no sábado, dia 25? Eu não
pediria se não fosse uma emergência”.
“Imagina. O que é?”
“Vai ter um jantar em homenagem a um professor que está se apo‑
sentando.” Ela espeta uma ervilha com o garfo. “Geralmente eu nem iria,
mas estou tentando conseguir verba para um projeto de modelo atmos‑
férico e preciso fingir que me importo.”
“Comendo medalhões ressecados?”
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“Comparecendo aos eventos. Se Dean estiver lá também, pelo me‑
nos não vou ter que ficar jogando conversa fora. Odeio isso.” Ela balan‑
ça negativamente a cabeça diante da indignidade da situação. “Vocês têm
planos para esse fim de semana?”
“Vamos ao cinema na sexta à noite. Fora isso, nada.”
Mudo o rumo da conversa para o projeto mais recente dela, então
falamos sobre livros e filmes, além de nossos planos para o restante do
verão.
Quando nos despedimos, vou a pé para o centro pela Emerald Street,
curtindo a brisa que vem do lago. Paro em um café para pegar um cap
puccino para viagem.
Apesar de ainda não ter conseguido me acertar profissionalmente,
estou contente por Dean e eu termos vindo para Mirror Lake. É uma tí‑
pica cidade média do Meio‑Oeste, com um lago cristalino cercado de
montanhas. No inverno, o lago congela, a neve cai e os universitários
mantêm a cidade viva. No verão, os turistas se aglomeram ao redor do
lago para nadar, fazer trilhas, andar de caiaque e acampar.
Na primavera, há um festival de teatro e um grande número de fei‑
ras de produtos agrícolas e de artesanato. Em meio às montanhas, a ci‑
dade tem uma atmosfera bacana e muita coisa para fazer.
Paro diante de um pequeno comércio espremido entre uma loja de
tecidos e um estúdio de ioga. Uma placa torta acima da porta revela o
nome da livraria, The Happy Booker, em uma fonte cor‑de‑rosa, enfei‑
tada com a imagem de uma loira voluptuosa de pernas compridas segu‑
rando uma pilha de livros. Um sininho toca quando entro.
Sou recebida por um silêncio empoeirado. As paredes são cobertas
de estantes repletas de livros, e há placas penduradas no teto anuncian‑
do os últimos lançamentos. As mesas frontais têm pilhas e pilhas de li‑
vros, e a prateleira de revistas fica perto do caixa. Uma passadeira de vi‑
nil feita para parecer uma estrada de tijolos amarelos mostra o caminho
serpenteante para o fundo da loja.
“Leões, tigres e ursos, minha nossa!”, diz uma árvore assustadora e re‑
torcida ao saltar de trás de uma estante, brandindo os galhos cobertos
de folhas.
Dou um grito e derrubo o café.
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“Ai, merda.” A árvore baixa os galhos e me encara por trás de enor‑
mes óculos roxos. “Desculpa.”
“Não, a culpa foi minha.” Com o coração disparado, pego lenços de
papel na bolsa e começo a limpar a sujeira. “Eu não deveria ter entrado
com um café aqui.”
A árvore vai até o balcão e volta com um rolo de toalhas de papel.
“Você não veio aqui para a festa do mágico, né?”
“Hã, não.” Olho para cima e vejo um rosto redondo e rosado me es‑
piando por um buraco no tronco. Maçãs de espuma vermelha balançam
nos galhos.
Ela me entrega as toalhas de papel. “Não consigo ajoelhar com esta
coisa, senão ajudaria você.”
“Claro.” Limpo o café da melhor maneira possível, então recolho o
copo e a tampa. “Onde eu posso…?”
A árvore estende um galho. Uma maçã vai ao chão. “Atrás do caixa.”
“Eu pago pela limpeza.” Jogo o copo no lixo e limpo minhas mãos.
“Então… Festa do mágico, é?”
“É.” Ela olha para o relógio e solta um suspiro, baixando as folhas
em sinal de desolação. “Comecei a anunciar há tipo um mês. Disse para
as crianças virem vestidas como seu personagem favorito de O Mágico de
Oz. Vamos ler algumas histórias, jogar uns jogos, comer uns doces. Sabe
como é, uma festa.”
“Parece ótimo.”
“Seria, se alguém aparecesse.” Ela arranca a parte superior da fanta‑
sia. Parece tão desanimada que é impossível não sentir pena.
“Quando vai começar?”, pergunto.
“Devia ter começado uma hora atrás. Achei que o folheto pudes‑
se ter sido impresso com erro, mas não.” Ela aponta um galho para a
vitrine. “Quinta‑feira às duas, é o que está escrito. Ei, você me ajuda a
tirar essa coisa? Estou vestida assim faz duas horas, quase morrendo
de calor.”
“Claro.”
Penamos um pouco para descobrir a melhor maneira de liberá‑la do
tronco da árvore. Ela se inclina para a frente o máximo possível, esten‑
dendo bem os galhos. Eu os seguro e puxo. Um pouco depois, com al‑
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guns palavrões, ela faz força para um lado e eu para o outro, e no fim sai
como uma rolha de uma garrafa.
“Nossa.” Ela ajeita os cabelos suados para trás. “Agora sei como uma
sardinha enlatada se sente.”
Abro um sorriso e ponho a fantasia em uma cadeira. “Você é a dona
da loja?”
Ela faz que sim com a cabeça e estende a mão. “Allie Lyons.”
“Olivia West.” Aperto a mão dela. “Mas todo mundo me chama de Liv.”
“Bem‑vinda à Happy Booker, Liv.” Allie pega uma garrafa de água atrás
do balcão e bebe alguns goles. É uma mulher miudinha e bonita, com cabe‑
los ruivos volumosos e olhos verdes por trás dos óculos de armação roxa.
“Lamento por ninguém ter vindo”, digo.
“Ah, pois é, eu já deveria estar acostumada com isso. Ninguém veio
à festa do ursinho Pooh também, mesmo eu tendo trazido um apicultor
e abelhas de verdade.” Ela encolhe os ombros. “Você gosta de O Mágico
de Oz?”
“Na verdade, não. Morro de medo daqueles macacos voadores.”
Ela dá uma risadinha. “Eu também. Quer ficar um pouquinho na
festa mesmo assim? Tem cupcakes.”
“Adoro cupcakes.”
“Então vamos. Siga a estrada de tijolos amarelos.”
Eu a sigo pela passadeira de vinil até a seção infantil, nos fundos da
loja. Há algumas mesinhas redondas com cadeiras combinando, um ta‑
pete de “tijolos amarelos” diante de uma cadeira de balanço e uma mesa
repleta de comida.
“Pode se servir à vontade.” Ela aponta com o queixo para a comida.
“Ou vou ter que doar para… algum lugar.”
Pego um pratinho e encho com um cupcake de arco‑íris, um biscoi‑
to em formato de balão e um pedaço de bolo com confeitos vermelhos.
Para completar a orgia de açúcar, Allie me serve um copo de ponche ver‑
de-limão.
“Pode sentar.” Ela aponta para uma das mesas.
“Por que você decidiu ser uma árvore?”, pergunto, me ajeitando na
cadeirinha minúscula.
“Por causa das árvores lutadoras.” Allie se senta à minha frente com
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um prato de doces. “Lembra das macieiras que ficam bravas quando Do‑
rothy pega uma fruta?”
“Claro, mas por que uma árvore?” Tiro meu cupcake da forminha.
“Por que não a Dorothy ou a bruxa?”
“Ah, eu queria deixar esses personagens para as crianças, então es‑
colhi uma fantasia menos óbvia. Achei que fosse ter pelo menos meia
dúzia de Dorothys e bruxas correndo por aí.”
“Você fez propaganda na Biblioteca Pública?”, pergunto. “Faço tra‑
balho voluntário lá uma vez por semana. Sempre tem alguma programa‑
ção para crianças.”
“Sim, mas acho que esse é o problema. Todo mundo vai para lá em
vez de vir aqui. Passei três tardes na semana passada na beira do lago com
essa fantasia idiota distribuindo folhetos.”
“Vai ver ninguém percebeu que você era uma personagem de O Má‑
gico de Oz”, arrisco. “Podem ter pensado que estava promovendo alguma
festa bizarra num bosque.”
“Talvez.” Allie morde um biscoito. “Mas, enfim, desculpa ficar re‑
clamando. Em que posso ajudar? Está procurando algum livro?”
Apesar de já ter percebido que minha chance de conseguir um tra‑
balho aqui é mínima ou nenhuma, resolvo arriscar, porque não tenho
nada a perder. “Na verdade, estou procurando emprego. Queria saber se
tem alguma vaga aberta.”
“Ah. O movimento anda bem fraco, infelizmente.”
“Tenho bastante experiência no varejo. Posso cuidar da loja enquan‑
to você faz… divulgação.”
“Não é uma má ideia.” Allie enfia o último biscoito na boca e dá uma
boa olhada em mim. “Andei pensando em manter a loja aberta até mais
tarde no fim de semana, para aproveitar o movimento dos teatros, cine‑
mas e restaurantes. Se não se incomodar de trabalhar em horários aleató‑
rios, inclusive em fins de semana, e de ganhar muito pouco, então acho
que deu sorte.”
É bem longe do ideal, mas Allie Lyons parece legal. Gosto da loja ba‑
gunçada e da fantasia assustadora de macieira, além do letreiro cor‑de‑ro‑
sa mais apropriado para uma casa de massagens do que para uma livraria.
“Legal”, digo, levantando. “Quando posso começar?”
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***
“Coração, coragem, lar ou cérebro?”
“Quê?”
Estendo a bandeja de biscoitos que Allie insistiu que eu levasse para
casa. São retangulares e têm cobertura de açúcar com as palavras cora‑
ção, cérebro, lar e coragem.
Ofereço um de cérebro para Dean. “Acho que nem devia ter per‑
guntado.”
Ele pega e dá uma mordida. “Isso significa que não tenho cérebro?”
“Como falei, não precisava nem perguntar.”
Ele me dá um tapinha na bunda, que logo se transforma em um ca‑
rinho. Dou uma mordida em um biscoito de coragem e me acomodo ao
lado dele no sofá. Em teoria, Dean está vendo um jogo de beisebol, mas
pelo jeito o tapa na bunda lhe deu uma ideia melhor, porque ele me en‑
volve com o braço e começa a acariciar meus seios.
“Você não precisa trabalhar?”, pergunto, me ajeitando para que ele
possa me pegar melhor. “O curso de verão termina na semana que vem.”
“Já está tudo pronto. Me dá um beijo, bela.”
Viro a cabeça para me render à sua boca quente e açucarada. Minha
pele inteira se esquenta. Dean enfia a mão por baixo da minha blusa e
abre meu sutiã, apoiando o peso dos meus seios na mão espalmada.
“Ah, espera.” Guardei as datas do curso de verão na cabeça porque
esperava que algumas vagas surgissem quando os estudantes fossem via‑
jar antes do início do semestre, no fim de agosto. Agora algo me vem à
mente, e eu me afasto de Dean. “Espera. Preciso ver uma coisa…”
Vou andando até o quarto, com a mão na barriga. Por mais que mi‑
nha vontade seja tirar a roupa agora mesmo, não quero ter nenhuma
surpresa desagradável. Abaixo a calça e a calcinha para ver como estão as
coisas. Nada. Ótimo.
Volto para a sala de estar, então me detenho. Viro para a cozinha e
dou uma olhada no calendário, fazendo as contas de cabeça.
Sinto um tremendo frio na barriga.
“Liv?”
“Já vou.” Estou tensa quando volto para a sala de estar. Dean está
deitado no sofá, absolutamente delicioso com a barba por fazer e os ca‑
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belos grossos e ondulados. A camiseta está um pouco levantada, revelan‑
do uma parte da musculatura rígida da barriga. As mãos dele já estão so‑
bre a braguilha da calça jeans.
“Pronta?”, ele pergunta.
“Hã…”
Ele apoia a mão no sofá e senta. “‘Hã’ o quê?”
“Minha menstruação não veio.” Esfrego as mãos nas coxas. “Ne‑
nhum sinal dela ainda.”
Algo cintila em seus olhos, mas não consigo identificar o quê.
“Está atrasada quanto tempo?”, ele pergunta.
“Uma semana e meia.”
“Não é muito.”
“Sou bem regulada. Nem me dei conta com toda a história de de‑
missão e procura de emprego…”
Nós nos olhamos. O silêncio pesa.
“Nenhuma camisinha furou nem nada do tipo”, digo por fim.
“Mas nem precisa. Às vezes gozo sem.”
“Nunca dentro de mim.”
“Mas perto o bastante.” Ele fica de pé e abotoa a calça. “Vou até a far‑
mácia comprar um teste.”
“Não é cedo demais para detectar?”
“Não custa tentar.” Ele põe os sapatos, pega a chave e sai.
Levo a mão à barriga outra vez. Somos cuidadosos no uso da cami‑
sinha. Mesmo durante minhas breves e malsucedidas tentativas com a
pílula, Dean sempre usava preservativo. Eu avisei antes de me casar com
ele que não queria ter filhos. Ele entendeu meus motivos e não tentou
me convencer do contrário.
Vou até a janela e olho para a rua. Um grupo de adolescentes aos ri‑
sos passa diante do apartamento, a caminho do lago. Um casal com dois
filhos entra em uma sorveteria. Um homem mais velho passa por eles,
com um cão na coleira.
Depois de mais ou menos quinze minutos, a porta abre. Dean me
entrega um saco de papel. Espio lá dentro e vejo o teste de gravidez.
“A embalagem diz que detecta resultados com seis dias de atraso na
menstruação”, ele diz.
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“Acho que vou fazer, então.” Olho bem para ele. Por que aquela ex‑
pressão tão indecifrável? “E se der positivo?”
“Aí a gente conversa.” Ele me dá um apertão de leve no ombro e
aponta com o queixo para o quarto. “Vai lá.”
Entro no banheiro e fecho a porta. Tem dois testes na caixa. Pego
um e ponho o outro no armário debaixo da pia. Minhas mãos tremem
quando tiro o palitinho e desdobro o papel com as instruções.
É tudo bem simples e direto. Como estou nervosa, não tenho di‑
ficuldade de fazer xixi. Quando termino, tampo o teste e coloco sobre
a pia.
Três minutos, é o que diz nas instruções. Tento não olhar para a ja‑
nelinha dos resultados, mas acabo hipnotizada por ela, como se fosse
uma bola de cristal. Uma linha rosa‑claro aparece. Meu coração dispara.
Duas linhas significam positivo.
Continuo olhando. A linha fica mais escura.
Uma linha, não duas.
Meu coração continua acelerado.
“Liv?”
Respiro fundo e amasso o pacote vazio e as instruções. Depois de jo‑
gar tudo no lixo, abro a porta. “Negativo.”
O alívio no rosto dele é visível. “Ótimo.”
Ótimo?
Verifico o teste outra vez. Com certeza, apenas uma linha. Jogo o
teste no lixo e lavo as mãos. “Que susto, né?”
Passo por Dean e sinto seu olhar sobre mim enquanto vou até a co‑
zinha. Tiro uma pizza do congelador e acendo o forno.
“Ei.” As mãos quentes de Dean pousam no meu pescoço. “Tudo bem?”
“Tudo.”
Mas não sei se está mesmo e não entendo por quê.
Decido dar uma longa caminhada pela cidade nesta manhã. Dean
costuma acordar primeiro, mas não foi o caso hoje. Nem me lembro da
última vez que isso aconteceu. Coloquei uma calça de moletom, uma ja‑
queta, calcei os tênis e desci as escadas.
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