Amanda Caroline Vieira Costa
Filosofia Contemporânea II - Prof Jean Soares
Vigiar e Punir - Foucault
Em 15 de outubro de 1926 nascia em Poitiers na França uma das mais
importantes referências do pensamento contemporâneo, Paul-Michel Foucault. O
filósofo que se debruçou acerca de diversas temáticas do mundo antigo ao
contemporâneo, balançou o século XX com suas polêmicas e estudos audaciosos.
Licenciado em Filosofia e formado em Psicologia, Foucault escreveu obras que
tratam de temas como a teoria queer, a sexulidade no decorrer da história, relações
de poder, disciplina, sistemas carcerários, patologias psíquicas, governabilidade,
controle social, entre diversos outros temas pertinentes, que colocaram seu nome
como parâmetro nas mais variadas áreas do conhecimento.
Um dos livros mais marcantes de Foucault, quiçá do século XX, é sua obra
Vigiar e Punir publicada no ano de 1975, hoje já conta com mais de 30 edições
desde sua primeira publicação. A obra apresenta o desenvolvimento das
ferramentas disciplinadoras do Estado e da sociedade no decorrer da história,
partindo desde os tempos em que justiça se fazia apenas com tortura e morte, até
os dias mais atuais onde o sistema prisional cumpre o papel coercitivo e
disciplinador visando o ordenamento social. Para além da reconstrução das formas
punitivistas, Foucault pretende com seu livro alertar acerca da crueldade do sistema
penal, que se disfarça em discursos de ressocialização e ordem.
Vigiar e Punir tem como objetivo mais visível desmontar o suposto
“humanismo” dos reformadores penais que, na esteira do Iluminismo,
propuseram a substituição dos suplícios pela prisão enquanto método
punitivo e ressocializador de delinquentes. (OLIVEIRA,Luciano. 2016, p 8)
O best-seller de Foucault foi dividido em 4 partes onde cada uma destrincha
sobre uma perspetiva de todo o sistema punitivo e carcerário: 1-SUPLÍCIO; 2-
PUNIÇÃO; 3-DISCIPLINA; 4-PRISÃO. Cada qual apresentando as ferramentas e o
desenvolver coerção por parte de gestores, tiranos e mesmo a construção da moral
punitivista.
A primeira parte, então, apresenta o Suplício. Como bem se sabe, por muitos
séculos a tortura e a pena de morte foram usadas publicamente como forma de
punição de crimes, evento então chamado de Suplício, do latim supplicium, -ii,
suplicação, oferenda, pedido, punição, castigo, o qual Foucault aponta como um
evento “físico-político”, que semanisfetava como agressão e espetáculo
discipinador. Além da tortura e humilhação do sujeito envolvido em algum crime, a
cerimônia tinha o intuito de evidenciar o poder do rei sob seus suditos ou do
governante sob seus cidadãos, deste modo, a condenação se relacionava
diretamente com o crime cometido, como por exemplo: se houvesse furto a pena
seria o corte das mãos do sujeito.
Ao final do século XVIII, o sistema penal passa a tomar novas formas, o
suplício não é mais o dispositivo principal para punição de delitos, mas sim a
privação da liberdade, maus tratos, trabalho escravo, bem como a privação de se
alimentar se tornam os meios de punir aos que cometem crimes, assim, a prisão se
torna a ferramenta coercitiva, ao passo que a liberdade se torna o cerne da punição,
não há mais tortura em público em grandes escalas. No entanto, ainda é o medo ser
punido, torturado publicamente que se mantém como ferramenta abstrata de
coerção.
A punição torna-se então a parte mais oculta do processo penal, o
que tem várias consequências: sai do domínio da percepção quase
quotidiana para entrar no da consciência abstrata; a sua eficácia decorre da
sua fatalidade e não da sua intensidade visível; é a certeza de ser punido, e
já não o teatro abominável, que deve desviar as pessoas do crime
(FOUCAULT, Michel. 2014 p 26)
Para Foucault as mudanças no sistema penal se justificam na acumulação do
capital e no desenvolvimento da propriedade privada, que se tornaram importante
tema para os sujeitos individualmente, bem como responsabilidade do Estado
assegurar.
Esta política das ilegalidades tem a ver, necessariamente, com as
novas formas de acumulação do capital e da propriedade. As infrações, que
antes eram toleradas ou sancionadas de formas descontínua, passam a ser
o centro da nova política, com a violação da propriedade em foco da
punição (BONFIGLI, Fiammetta. 2016 p 6)
À medida que o sistema penal vai se modificando, entra em questão a
segunda parte da obra de Foucault, a Punição. Como dito anteriormente, a
propriedade se torna parte importante nas mudanças das políticas coercitivas, neste
sentido, o intuito da privação da liberdade, bem como todas as torturas sofridas
enquanto enclausurado, objetivam a diminuição de crimes contra a propriedade
privada, ou seja, o mais importante é que o Estado assegure a propriedade de todos
os sujeitos, por meio da reclusão dentro dos presídio, como aponta Bonfigli (2016):
“Nesta situação, não há uma relação qualitativa estabelecida com a punição: o que
se relaciona com ela não é a atrocidade do crime cometido, mas a possibilidade de
que o mesmo se repita”. Para que isso ocorresse a publicidade se torna ferramenta
primordial no processo, visando a desromantização de que o crime compensa, o
tornando algo anormal, cometido apenas por selvagens, os quais devem ser
tratados, a fim de nunca mais usurparem propriedades privadas. Ainda é válido
salientar, que com as mudanças penais, crimes de caráter hediondo se tornaram
menos recorrentes, em compensação roubos e furtos aumentaram
exponencialmente.
Dando sequência a divisão da obra de Foucault, o próximo tópico diz respeito
à Disciplina. Como a própria palavra retrata, disciplina é o meio pelo qual se controla
os sujeitos, neste capítulo, então, Foucault apresenta quais os meios de se
disciplinar os indivíduos. Para o autor, o corpo sempre foi objeto de demonstração
de poder, ou seja, é por meio do controle dos corpos, que se domina uma ou várias
classes de indivíduos.
Ao passo que as mudanças penais acontecem, as técnicas de coerção do
corpo também mudam, ou seja, é preciso tornar os corpos dóceis, com intuito
principal de amenizar as violações de propriedades privadas, visto que durante a
modernidade o acúmulo de riquezas aumenta excessivamente se tornando pauta
principal, como já dito anteriormente, ou seja, o controle dos corpos é de principal
interesse da classe burguesa, que em maior parte detém as propriedades.
Ao contrário do que se pensa, existem outras instituições além do presídio
propriamente dito, responsáveis pelo controle e disciplinamento dos corpos, o
presídio é usado como a última instância reguladora da sociedade. Muito antes dela
escolas, ambientes de trabalho, quartéis, templos religiosos, cumprem o papel de
disciplinar e docilizar os cidadãos, seja em suas falas, gestos, vestimentas,
ideologias, assim, educa-se para que o burguês se mantenha no controle das
classes mais pobres.
A disciplina às vezes exige a cerca, a especificação de um local
heterogêneo a todos os outros e fechado em si mesmo. Local protegido da
monotonia disciplinas. houve um grande “encarceramento” dos vagabundos
e dos miseráveis; houve outros mais discretos, mais insidiosos e eficientes”
(FOUCAULT, Michel. 2014 p 122)
Para que as instituições disciplinadoras citadas acima sejam efetivas, é
necessário que haja um padrão em sua metodologia coercitiva. Para fundamentar a
estrutura utilizada por essas instituições, Foucault utiliza a teoria do filósofo inglês
Jeremy Bentham (1748-1832), que em sua obra O Panóptico (1791) apresenta um
modelo de presídio que seja construído a partir da premissa do ser observado,
sendo uma coerção abstrata, como aconteceu após a diminuição dos suplícios.
Neste caso, no entanto, o medo de ser punido troca de lugar com a certeza de ser
observado, o que limita qualquer tipo de ação criminosa.
Assim sendo, o modelo proposto por Bentham deveria seguir as seguintes
demandas: 1- ser composto por dois prédios, sendo um interno e outro externo; 2- o
prédio externo deve ser construído em formato circular, ala na qual os presidiários
devem permanecer, sem que sejam capazes de ver as celas de outros presidiários
ou mesmo manter qualquer tipo de comunicação; 3- o prédio interno deve ser
construído em formato de torre, este que deverá ser ocupado pelos carcereiros.
Como já dito, o objetivo desse formato é que os presidiários sintam-se
constantemente observados, mesmo que a observação de fato não exista, apenas a
abstração de ser observado é válida neste modelo.
[..] que este aparelho arquitectónico seja uma máquina de criar e sustentar
uma relação de poder independente de quem o exerce; em suma, que os
reclusos estejam presos numa situação de poder de que eles próprios são
os portadores. Para isso, é simultaneamente de mais e de menos que o
prisioneiro seja incessantemente observado por um vigilante: de menos,
porque o essencial é que saiba que está a ser vigiado; de mais, porque não
precisa efetivamente de ser vigiado. (FOUCAULT, Michel. 2014 p 262)
É válido salientar, que este modelo é adaptado para vários outros ambientes,
como já dito anteriormente, o uso de câmeras, de vigias, guaritas policiais e mesmo
a presença de um sujeito superior à você, como por exemplo a estrutura de uma
sala de aula, que se compõe por fileiras de cadeiras, nas quais os alunos
permanecem sempre olhando para a cabeça de seus colegas ou para o professor
(superior) em aula.
Prosseguindo para a parte final intitulada Prisão, Foucault apresenta a prisão
como a síntese de todos os outros métodos disciplinadores e coercitivos, dos mais
antigos aos mais atuais, ou seja, a prisão tem o intuito de “reparar” tudo aquilo que
ela não foi capaz de disciplinar nas diversas instituições anteriores à ela. Por meio
de métodos agressivos e violentos, busca organizar e disciplinar os detentos, como
já se fazia por meio da regulação de nossas performances, dos nossos gestos,
ideologias, pela constante demonização pública de criminosos, entre diversas outras
ferramentas regulatórias presentes nas mais diversas instituições.
Após a apresentação dessa grande análise e obra de Foucault, é possível
concluir o fracasso do sistema prisional e mesmo cultural, que busca por meio da
moral e do judiciário nos privar de nossas escolhas e liberdade, sem que haja
efetividade alguma na coerção por meio da violência ou mesmo sucesso na
privação de liberdade, ignorando qualquer tipo de ressocialização legítima daqueles
que já foram encarcerados, sendo o Brasil uma das referências mais claras deste
fracasso.
Referências
- BONFIGLI, Fiammetta. Vigiar e punir. Nascimento da prisão. Rev. Electronica
Direito Sociedade, v. 4, p. 295, 2016.
- OLIVEIRA, Luciano. Relendo vigiar e punir. Olhares Plurais, v. 1, n. 14, p. 5-30,
2016.
- DE ARAUJO, Luis Guilherme Nascimento. Vigiar e Punir: poder, punição, disciplina
e indústria. Primeiros Escritos, n. 9, p. 249-255, 2018.
- FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Nascimento da prisão. Tradução de Pedro Eloí
Duarte. Lisboa Edições 70, 2014.
- PÓVOAS, Lorena. Vigiar e Punir - Resenha Crítica. Jusbrasil. Salvador Ba, 6 de
abril de 2020. Disponível em:
<https://lorepovoas.jusbrasil.com.br/artigos/828900881/vigiar-e-punir-resenha-
critica>. Acesso em: 12 de março de 2021.
- FRAZÃO, Dilva. Michel Foucault. Ebiografia. 8 de março de 2019. Disponível em:
<https://www.ebiografia.com/michel_foucault/#:~:text=Michel%20Paul%20Foucault
%20nasceu%20em,“Doença%20Mental%20e%20Psicologia”.> Acesso em: 10 de
março de 2021.