Último recorte
Talvez os adultos, sóbrios sobre a vida, se recusam a ter animais, pelo simples motivo que é
saber a dor de perder. Eles perderam tudo. Começam a vida perdendo. Perdem a inocência, a
pureza, o cuidado paternal, perdem os dentes de leite, perdem tempo com amores vazios, e
em trabalhos inúteis. Como poderiam eles entender sobre algo que não seja a perda? Eu me
recuso a passar por isso de novo. Afasto e expulso, tudo e todos, para que eu, egoísta nato,
não me permita sofrer uma vez mais. Só tem uma coisa, caro senhor egoísta, que você
esqueceu. Você pecou, gravemente, ao esquecer sobre a essência do amor. Como poderia
alguém amar, sem que esteja disposto a sofrer? Eu devo me dispor a isso. Porém, dessa vez,
será diferente. Dessa vez, eu não perderei.
Me recuso a deixar morrer o sentimento, e fazer morrer lentamente a memória. Sacrificarei
minha sanidade, para tão somente manter a visão do seu sorriso diante de mim, pois, eu me
recuso! Me nego a aceitar o seu fim. Ao perder parentes, animais, e momentos de alegria, eu
perdi algo, substancial e profundo, coisas e pessoas, que me eram queridas, e me significavam
algo a mais ... porém, permitir que você se vá, não seria a mesma coisa. Perder você, seria me
perder, e, me responda querida, como eu poderia te amar, se você é o amor? Como
permanecer vivo, se você é a minha vida? Como baterá meu coração, se você o possui? Onde,
eu me pergunto, haverá espaço pra questionamento, quando as respostas estão claras, para
todos verem. Jamais me dispus a esconder o que eu sentia, pois, mesmo que minha boca
calasse, meus olhos brilhavam como olhos de uma criança, ao admirar seu primeiro nascer do
sol. Você é o meu sol. Você sempre será a minha melhor parte, meu lado bom de tudo aquilo
que sou. Sempre haverá em mim, algo tão bom e puro, que nasceu porque você plantou,
cuidou e fez florescer. Como eu ousaria simplesmente trancafiar você num porão escuro, ou
emoldurar fotos inúteis em quadros e te pregar na parede? Para quê? Para que você pudesse
ver eu "seguir minha vida"? Tolice! Eu me recuso a viver sem você. Aquele anel, posto em seu
dedo, demonstrou meu compromisso, eterno, em cuidar de você, mulher da minha vida. E
agora, achou mesmo que eu permitiria que algo tão banal fosse impedir meu amor? Eu,
homem de uma mulher só, jamais permitirei que ofendam a ti.
O sentimento sufocante, que abrasa meu peito, se chama saudade. Rasga e dilacera, fazendo
escorrer pela calçada, as minhas últimas gotas de amor próprio. Prefiro morrer humilhado, à
negar a mim mesmo a oportunidade, de revelar ao mundo que eu fui o último homem a ter
sentimentos. Maldito covarde, que sente medo de ser apontado, como aquele sujeito diferente,
que ousou ser único, em meio a um mar de iguais. Maldito covarde, enlouqueceu tão somente
por não conseguir expressar amor, em meio a uma multidão de ódio. Maldição. Talvez o ódio
não seja sobre mim, e sim de mim sobre os outros, por ter esperado encontrar um amor que
fosse compatível com aquilo que criei. Maldição. Sou um homem maldito, rastejando pelas
portas do paraíso, olhando para o abismo, de um coração vazio, que possui tudo, e não possui
amor. Maldição. Esse homem talvez seja eu, num futuro distante, amaldiçoado com a
enebriante névoa do amor próprio, fazendo-me acreditar que o amor já não existe. Maldição.
Maldito o homem que ama a tudo, menos aquele a quem merece seu amor. Maldição. Que sua
lápide esteja cravada sobre a terra, para que não possa saltar e correr pela cidade, expondo
seus pecados. Contente-se em ser devorado pelos vermes, já que em você não houve
disposição o suficiente para viver, pois não pode suportar um amor fantasioso que lhe foi
negado. Erga-se. Você é homem. Ninguém se importa com o que você sente. Mostre ao mundo
que você defenderá a verdade, apesar de sangrar por ela, viver por ela, morrer por ela. Morra.
Entregue de bom grado seus últimos suspiros, para que a próxima geração, possa ter um bom
exemplo de homem, covarde, que enlouquecidamente tentou amar a coragem, já que nenhum
outro amor lhe foi oferecido. Ame. Que o deleite de uma morte gloriosa, seja entregue ao
poeta, que descansará sabendo que viveu e entendeu, mesmo ao sofrer, que o verdadeiro
sofrimento, é recusar-se a amar.