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03735
ALFREDO PIMENTA
SITUAÇÃO
POLITICA
Conferencia realisada
no Saláo Nobre da Liga NaVal Portugueza,
na noite de 26 Fevereiro de 1918
1918
Livraria Ferreira
FERREIRA L.dá, Editores
132, 184, Rua Áurea, 736, 138
LISBOA
A SITUAÇÃO
POLITICA
Impren»a Libanio da Silva -Trav. do Fala-JSó, 24, Lisboa
ALFREDO PIMENTA (-)
A SITUACÁO
POLITICA
Conferencia realisada
no Salão Nobre da Liga NaVal Portugueza,
na noite de 26 Fevereiro de 1918
m
1918
Livraria Ferreira
FERREIRA L.da, Editorea
J3S, 134, Rua Áurea, 136, 138
LISBOA
íi
Bn4
^ Revolução de 5 de De:(embro encon-
.jLJL trou a sua sancção legal nas eleições
gerais de 28 de Abril do corrente anno. Não
tiveram essas eleições o caracter plebiscita-
rio, nem visaram a resolução do que continuo
chamando^ cada vei com mais fortes rabões,
o Equivoco Nacional: foram^ sim^ a consa-
gração do principio da Ordem, encarnado,
pessoalmente, no sr. Sidónio Pais. Dar um
outro significado a essas eleições é afirmar
uma deplorável má-fé ou uma lastimável
ignorância da psychologia nacional. As pa-
lavras da nossa conferencia que hoje se pu-
6 Conferencia de Alfredo Pimenta
blica não perderam da sua virtual oportuni-
dade. Osr. Sidónio Pais tem ao seu lado a
Nação inteira^ emquanto representar o prin-
cipio da Ordem, É a sua pessoa que nos dá
garantias de que esse principio é respeitado:
constatar isto^ é reconhecer os inabaláveis
sentimentos conservadores da Nação» E
como o regimen republicano que é diferen-
te da pessoa do sr. Sidónio Pais^ não me-
rece cojifiança á Nação ^ esta^ nas eleições
de 28 de Abril^ manifestando-se como se
manifestou^ deu provas evidentes do seu
sentir monárquico^ cercando os deputados
e senadores monárquicos de uma votação
bem significativa,
A situação politica só se esclarecerá defi-
nitivamente nodia em que a Nação puder
responder livremente á pergunta que se lhe
faça sobre as instituições politicas que pre-
fere. Por ora, sabemos isto apenas : a Na-
ção éconservadora, e aclama quem lhe ga-
rantir^ eficaimente e honradamente^ o prin-
cipio da Autoridade. Nada mais.
jo de Maio de igi8.
Sr. Presidente!
Minhas Senhoras!
Meus Senhores!
Escolhi para assumpto d'esta conferen-
cia a situação politica, porque, coniraria-
mente ao que pensa o maior numero das
pessoas, entendo que a situação politica
em Portugal, longe de se ter esclarecido^
está a tornar-se cada vez mais confusa ; e
entendo também que todos aquelles que
teem responsabilidades mentaes e podem
contribuir de alguma maneira para orien-
tar a opinião pública, devem vir às tri-
bunas das conferencias dizer da sua razão.
Não bastam os artigos dos jornaes e as
notas oficiosas do governo para se com-
8 Conferencia de Alfredo Pimenta
prehender a situação, e a apresentar à opi-
nião pública como ella deve sêr apresen-
tada.
E preciso, pois, repito, que aquelles que
tem o orgulho legítimo ou a vaidade, se
quizerem, de pensar por si próprios, e não
pela cabeça dos outros, venham, junto da
opinião pública, illustral-a, oriental-a e in-
dicar-lhe o caminho que deve sêr seguido.
A Revolução de 5 de Dezembro
a) FACTORES POSITIVOS E NEGATIVOS
A situação politica, creada com a revo-
lução de 5 de Dezembro^ é absolutamente
diversa da que existia antes. Vivia-se n'uma
tirania de mediocretes. Muitas vezes se fala
em ditadura tirana. Mas o que então ver-
dadeiramente existia era uma mediocracia
mesquinha dominando cinco milhões de
habitantes, o que era indigno de uma na-
ção com um passado como o nosso. Podía-
mos ter um César dominador e forte. Mas
A Situação Politica g
não era isso o que tínhamos. Havia, ape-
nas, pequeninos poderes anonymos e ocul-
tos que desapareciam á mais simples anali-
se, que se furtavam à critica séria que sobre
elles quizessemos exercer. Era qualquer cou-
sa de incómodo e de irritante, mas que não
provocava momentos de cólera, pois ape-
nas provocava o tédio. Fora dos partidos
republicanos, não havia ímpetos de raiva :
sentia-se aborrecimento. Bocejava-se.
O 5 de Dezembro representa assim uma
tentativa de salvar o regimen republicano.
Esse acontecimento teve factores positivos
e negativos. Os factores positivos foram o
Sr. Sidónio Pais, com a mocidade da Es-
cola de Guerra e os elementos que a esta
se juntaram ; os negativos foram os con-
stituídos pela atmosfera em que se vivia e
pela repulsa que o regimen republicano, em
sete annos de demagogia impune, soube
crear-se.
Por parte dos partidos monarchicos, exis-
tia a espectativa, não só em obediência às
ordens de El-Rei, mas também porque as-
sim o exigiam os superiores e sagrados in-
teresses daCausa monarchica — à qual con-
IO Conferencia de Alfredo Pimenta
vem que o regimen republicano liquide in-
teiramente as responsabilidades dos com-
promissos que contrahiu.
Se, antes de 5 de Dezembro, eu dissesse
aos que me escutam n'este momento que se
ia tentar resolver o problema da ordem e
que seria o Sr. Sidónio Pais que dirigiria tal
tentativa, ninguém me acreditaria, porque
ninguém o cathegorisava, ninguém o co-
nhecendo.
Mas o 5 de Dezembro apareceu, e quan-
do, na tarde d'esse dia, correu a boa nova
de que o Triunvirato tyranete encontrara al-
guém — que lhe fazia frente^ houve uma es-
perança como aquella que acolheu a tenta-
tiva do governo de Pimenta de Castro.
E na hora em que o Sr. Leote de Rego (que
tanto se louva de ter feito arrear a bandei-
ra alemã dos navios mercantes) teve de ar-
rear a sua bandeira de Comandante da Di-
visão Naval, o paiz respirou, — porque viu
dominada a demagogia, ou por que viu
efectivar-se o seu ideal e a sua aspiração ?
A Nação viu, com agrado, que se cami-
nhava para uma cousa melhor do que a
que estava, que se caminhava para a re-
A Situação Politica ii
solução do problema da ordem pública,
problema que há cincoenta annos está sem
solução e tem pervertido a alma da nação,
inutilisando-lhe todas as suas forças. Esse
problema que se espalhou por todos os pai-
zes, n'uns mais cedo, n'outros mais tarde,
surgio para nós, quando quizemos adaptar
a este paiz, uma nova constituição de vida
politica, que nunca chegou a aclimatar-se
e a vingar.
A situação que tinhamos em Portugal,
em 5 de Dezembro de 19 17, era lógica e
era a conclusão matemática de tudo o que
se tinha feito desde que se implantou entre
nós o constitucionalismo. Essa situação
tem raizes profundas, tem enormes raizes
no passado, mas começou a manifestar-se
accentuadamente, quando quizemos adap-
tar à Nação Portugueza um regimen para
que a sua alma nunca esteve preparada. E
a prova disto está em que todos nós respi-
ramos mais tranquilamente n^este regimen
dictatorial, porque, em Portugal, nunca se
têm tão garantidas as liberdades mais co-
mesinhas como quando há suspensão de
liberdades, . .
12 Conferencia de Alfredo Pimenta
Por mais que queiramos illudir-nos, por
mais que queiramos fallar nos immortais
principios, todos sentimos isto, todos pre-
ferimos oSr. Sidónio Pais, tendo na mão
todos os poderes do Estado, dos quais não
tem abusado, antes, talvez, não tenha
sabido usar inteiramente, — a termos a
centena de legisladores no Parlamento
e na Liberdade, porque n'este caso, nunca
sabemos quem toma a responsabilidade
de um acto que se pratica ou de uma
medida que se adopta, porque tudo foge
e desaparece deante do anonymato da
chamada Soberania Nacional. Se a inteli-
gência lúcida de um homem fez com que
se arregimentasse a seu lado a mocidade
da Escola de Guerra e se disciplinasse, de-
baixo do seu comando, uma determinada
força do exército, e eis os factores positi-
vos, o resto estava feito: era o ambiente
que o regimen republicano creou desde 5
de Outubro de 1910. Já antes os republi-
canos se tinham incompatibilizado com o
sentimento nacional, sancionando, se não
directamente, pelo menos indirectamente,
o regicidio, premiando um regicida nas
A Situação Politica j3
pessoas de sua família, e fazendo uma apo-
theose monstruosa, impossível em qual-
quer paiz civilizado de Europa.
b) SUA FUNCÇÃO NORMAL
Quando o triunvirato Aífonso Costa,
António José de Almeida e Norton de Mat-
tos foi vencido^ e o Sr. Sidónio Pais se en-
controu senhor d'este paiz, uma funcçáo,
principalmente, tinha o triumphador a exe-
cutar: constituir-se em dictadura militar,
necessária n'este paiz em que a disciplina
e a ordem são vocábulos sem sentido.
Somos um paiz absolutamente apaisa-
nado. Cada um de nós é um rebelde con-
tra as leis e contra a disciplina ; nos mais
pequenos actos da nossa vida, só estamos
bem quando afirmamos o que julgamos
sêr a nossa independência. A concepção
da Pátria é meramente negativa, provisó-
ria, ematerial. A colectividade apenas exis-
te para nos servir. Sob o ponto de vista
do regimen republicano, cada um dos re-
publicanos é-o á sua maneira, de modo
que a república de um não é a república
14 Conferencia de Alfredo Pimenta
dos outros. E é preciso, digamol-o entre
parenthesis, que entre os monárquicos não
suceda o mesmo . . .
Era necessária, pois, a dictadura militar
que não devia ter por fim fazer uma refor-
ma da Constituição, mas sim, exclusiva-
mente, pôr termo ao que eu chamo o Equi-
voco nacional. Porque nós temos vivido,
estamos vivendo n'um grande e perigoso
equivoco.
Há muito tempo que de um e outro lado
ouço dizer: ^A Nação está comigo^^; mas
não há maneira de se saber com quem a
Nação está. Quando aparece um triumpha-
dor, a Nação aclama-o. Mas o que signifi-
ca isso, se as turbas, as multidões, em Por-
tugal, são mais mutáveis, nos seus movi-
mentos e espansóes, de que a superficie do
mar na sua cor?
Eu não me deixo comover pelas mani-
festações das ruas e pelos vivas; o que
quero é vêr levantadas as forças vivas da
nação. Não são os lenços das senhoras
fluctuando nas janelas, não são as palmas
e os bravos que se dão nas salas ou nas
ruas, que dão força ao governo no poder.
A Situação Politica i5
Isso pôde até perturbar o espírito dos go-
vernos ou dos triumphadores, e inutili-
zar-lhes a acção.
A resolução do Equivoco nacional a que
me referi é a chave do problema portu-
guez. Emquanto não for resolvido, o pro-
blema da ordem está de pé. Resolvel-o mi-
litarmente era a funcçáo normal da revolu-
ção de 5 de Dezembro.
C) SUAS CONSEQUÊNCIAS PRATICAS
A revolução de 5 de Dezembro, no en-
tretanto, deu um governo heterogéneo, mes-
clado, que não se sabe se está integrado
no pensamento do seo presidente, nem se
sabe se tem ligação com este ou aquele
partido; deu um governo indeciso e inca-
racteristico, sem unidade de vistas e pare-
ce que sem unidade de finalidade.
As ligações políticas de alguns dos mem-
bros do governo tiram-lhe toda a força
e homogeneidade^ e a singeleza de direc-
ção ede objectivo que devia ter, e mais do
que nunca é necessária.
i6 Conferencia de Alfredo Pimenta
A Nação e a Revolução de
5 de Dezembro
APOIO THEORICO E MESSIANISMO.
A atitude da Nação perante os resulta-
dos da revolução de 5 de Dezembro não
é nem podia ser aquilo que sonharam os
seus autores.
A Nação, perante a revolução de 5 de
Dezembro, fez o que é muito próprio do
povo portuguez : deitou foguetes, pôz ban-
deiras nas janelas, deo palmas, veio para
a rua dizer cousas bonitas, — toda a ex-
pansão do meridional satisfeito. Por toda
a parte, a pessoa do Presidente da Repú-
blica foi festejada. Estabeleceu-se uma ale-
gria tão grande, como se El-Rei D. Sebas-
tião tivesse voltado . .
Eu nunca fui homem que acompanhasse
as aclamações da multidão ; todavia, quan-
do o Sr. Sidónio Pais regressou da sua
viagem ao norte, foi ver a sua chegada.
Quando o vi entrar no Rocio, e assisti
ás aclamações que lhe faziam, eu senti que
A Situação Politica ij
era muito melhor que Ih^as não íiiçessem,
porque o colocavam tão alto que eu temo
pela boa conclusão da sua obra. Não era
um simples official de artilharia, comandan-
te de forças revolucionarias, que chegava :
era mais alguém, era personalidade mais
magestosa ; era quasi um César, faltando-
-Ihe só trazer Afonso Costa preso por uma
cadeia, como na antiga Roma se fazia aos
escravos. . .
Esta altura em que puzeram o Sr. Sidó-
nio Pais dá bem a nota do estado de alma
da Nação, da facilidade com que o paiz se
desvaria, e eu receio muito pelas pertur-
bações nervosas causadas pelas alturas
n'aqueles a quem as multidões tão alto er-
guem . . .
Esse entusiasmo indescriptivel era me-
ramente teórico e não passou disso; mas,
repito, não é só de aclamações, vivas, len-
ços e flores, que os governos necessitam
para realisarem a sua obra com energia e
decisão.
A Nação deve pensar bem que não é
d'esta forma que se resolvem as questões
pendentes, não é d'esta forma que se re-
i8 Conferencia de Alfredo Pimenta
solve o problema da nacionalidade a que
logo me referirei.
Longe de mim a intenção de empanar a
obra gloriosa de 5 de Dezembro, tanto mais
que nunca será sufficientemente grande a
gratidão que possamos e devemos affirmar
ao homem que conseguiu fazer uma cousa
que até ali ninguém tivera a coragem de
realisar: arrostar com Afonso Costa.
A situação era asim parecida com a que
nos offerece uma larga praça onde nume-
rosa garotada se apedrejasse e apedrejas-
se os transeuntes pacíficos e indefesos. Não
podiamos atravessar essa praça sem cor-
rer o risco de sermos atingidos pelas pe-
dras. Havia, é certo, uma esquadre de po-
licia mas
; os seus agentes não se arrisca-
vam a pacificar a praça e a garantir a in-
tegridade dacabeça aos que passavam. Por
fim, aparece um mantenedor da ordem com
seus agentes : é o Sr. Sidónio Pais : corre,
afasta, domina a garotada. EUa, porém,
existe ainda, embora longe, para lá das em-
bocaduras das ruas ... Só quando ella des-
aparecer, se poderá então dizer que a or-
dem está completamente mantida.
A Situação Politica ig
O prestigio do Sr. Sidónio Pais apoia-
-se n'um facto puramente negativo : o terror
do democratismo. A sua situação por ora
é apenas a de um mantenedor da ordem
que nos guarda, e a quem defendemos para
que nos guarde.
Ora não ha só o problema da ordem a
resolver : ha o problema financeiro, o pro-
blema económico e o problema internacio-
nal que é gravíssimo. Pôde o Sr. Sidónio
Pais resolvel-os ou resolver algum d^elles?
Não sei ; mas só a resolução certa de todos
elles ou de alguns lhe dará a categoria de
estadista, e colocará legitimamente n'um
alto pedestal aquém o conseguir. Para esse
desideratum, devemos reservar todas as
nossas energias.
Somos um povo messiânico. . . Mas por-
que não pôde ainda ser outro o apoio da
Nação? Porquê? Vamos vel-o.
20 Conferencia de Alfredo Pimenta
O regimen republicano
portuguez
a) A SUA ACÇÃO COMO ELEMENTO
DE DISSOLUÇÃO NACIONAL
O regimen republicano portuguez cavou
um grande abismo entre si e a nação ; tem
sido sempre, infatigavelmente, um elemen-
to de dissolução nacional, porque, ao pro-
clamar-se, olhou para a nação e perguntou :
qual é o principal problema a resolver?
A ordem pública ?, o pão ?, a situação inter-
nacional ?,o ensino ?, o trabalho ? Não ! O
primeiro problema, o fundamental, aquelle
em que todos têm os olhos, aquelle que
representa a aspiração collectiva e a má-
xima urgência, — é o da expulsão dos Jesuí-
tas !E começou-se por ahi. Andavam to-
dos os lares domésticos portuguezes desas-
socegados, inquietos ; todas as famiUas es-
tavam oprimidas, vivendo sob pesadelos
enormes, por falta de uma lei que estabe-
cesse o divorcio. E veio a lei do divorcio.
A seguir, surge a lei da separação e atraz
A Situação Politica 21
d'isto, a república nada mais nos deo que
constitua seo património e sua gloria, por-
que para mais não chegou o seu conheci-
mento da vida pública ... O resto é a mul-
tidão dos pequeninos expedientes, daquel-
las pequeninas providencias que vieram
atraz da lei do divorcio, da expulsão dos
Jesuítas e da lei da separação.
Nos centros, nos comícios, nas batuques
partidários, onde se planeiam ataques e
ódios contra os monárquicos, foram esses
os problemas que unicamente preocupa-
ram toda a atenção dos grandes estadis-
tas e dos grandes legisladores de 19 10.
Não se fez uma obra positiva ; e até o que
podia ser bom por acaso, até isso nunca o
fizeram senão por mal . . .
No meu bairro está a construir-se um
edifício que é destinado à Maternidade.
Imaginam que esta Maternidade se está
erguendo por amor à mãe? Não; pois o
lugar é impróprio e detestável ; mas por-
que se estava levantando alli uma capella
ao Sagrado Coração de Jesus, vá de fa-
zer a maldade, de pregar a partidinha, de
pôr a nota mesquinha e irritante : arra-
22 Conferencia de Alfredo Pimenta
sam-se os alicerces da capella e ergue-se
a Maternidade. Não há uma só medida
que possamos dizer que seja ampla, gené-
rica e absolutamente bôa ;- todas tem um
fíindo antipático de maldade; em todas
ellas, há um bico de alfinete envenenado . . .
O paiz olhou o regimen republicano,
um pouco convencido de que chegara a
hora de viver tranquilo. Estava cançado
de luctas civis, de luctas politicas, de cam-
panhas de descrédito ; e o novo regimen,
em vez de procurar aproveitar a aura que
o bafejava, começou a provocar represá-
lias, ódios, invejas e más vontades, in-
compatibilisando-se de tal maneira com a
Nação, que, perante o movimento de 5 de
Dezembro, ella limitou-se às palmas, aos
vivas e aos apoiados, a isso que eu cha-
mo o apoio teórico.
b) o SEU NEGATIVISMO SYSTEMATICO
O regimen republicano é essencialmente
negativo. Para elle, só há um facto per*
manente : o perigo monárquico. Os repu<
blicanos dizem, repetem e decretam que a
A Situação Politica 23
Monarquia jamais volta a Portugal ; mas
desde manhã até à noite e de noite até
pela manhã, não pensam n'outra cousa
senão na volta da Monarquia a Portugal.
Se ella nunca mais volta, se a República
é amada por toda a Nação, se a Nação
quer a República, se a Nação é republica-
na, onde está o perigo monárquico ? EUes
bem sentem que tudo lhes é provisório, a
começar pelo chefe do Estado cujas fun-
ções são constitucionalmente provisórias. . .
Se um pobre camponio, um dia, no meio
das suas terras, ignorando ainda que já
está a República, solta um viva á Monar-
quia, logo no dia seguinte os jornaes re-
publicanos publicam telegramas em nor-
mando, afíirmando desconsoladamente que
a Monarquia foi proclamada na aldeia de
tal, e que a República está em perigo . . .
Se os partidos republicanos tivessem a
consciência tranquila e a certeza de que a
Nação estava contente com a República,
não andavam tão preocupados e aterra-
dos com o fantasma da Monarquia ! De
resto, todos elles sabem que ella voltará.
Um dos chefes republicanos mais céle-
24 Conferencia de Alfredo Pimenta
bres e que tem a vantagem de ser um vehe-
mente homem de bem, disse-me por mais
de uma vez, que a República era inadapta-
vel a Portugal. Mas disse-m'o a mim, e
não o diz em público, por falta de cora-
gem ehonradez cívica.
A falta de sinceridade e a negação sis-
temática da evidente verdade afastam o
regimen republicano da Nação, e fazem
com que esse regimen, ainda mesmo sob
a modalidade especial e sympathica que
lhe dá o Sr. Sidónio Pais não possa en-
contrar já,hoje, outro apoio que não seja o
apoio meramente teórico que está tendo.
C) A FALLENCIA DA SUA MENTALIDADE
E a que é devida toda esta situação que
se creou o regimen republicano ? É devida
aos maus instinctos ingénitos dos homens
que a servem? Não, porque a maior parte
d'elles apesar da agua-raz e das forcas que
promettem são incapazes de matar uma
mosca. O motivo é outro : é a fallencia da
mentalidade dos seus dirigentes. Ao olhar-
mos os seus espíritos, o que sentimos é a
A Situação Politica 25
impressão de que são espíritos fechados,
curtos, sem horizontes e janellas. Sentimos
que há uma urgente e absoluta necessida-
de de os naftalinisarmos, de abrirmos as
suas janellas e deixarmos entrar n'elles o
sol, a luz e o ar . . .
Leram um dia Rousseau, Lamartine,
Louis Blanc^ Guizot, e ficaram por ahi. E
no entretanto, quanto se tem andado já!
Entre a mentalidade d'elles e a da Eu-
ropa há um abismo !
O estrangeiro, estudando e analisando
o nosso paiz, no momento actual, fica es-
pantado de vêr estes pequeninos, estes mi-
croscópicos indivíduos manejando cinco
milhões de homens, e não comprehende
que possa sêr assim.
E chamam-nos reaccionários, atraza-
dos. Mas nós, os monárquicos, andamos a
par das modernas doutrinas sociais, não
desconhecemos os modernos processos
scientíficos, e não ignoramos as successi-
vas transformações doutrinarias e práticas
da Política; conhecemos a lição dos factos
dos últimos tempos ; e aproveitamos com
a lição da guerra ; emquanto que eles, os
26 Conferencia de Alfredo Pimenta
espíritos republicanos, paralíticos, fecha-
dos em 89, nada mais sabem, nada mais
vêm, nada mais aprendem*
Até já houve um chefe de partido que
chegou a dizer que êle, paizano, com um
exército disciplinado, venceria os alemães!
São espíritos arriérés^ incultos, primitivos,
inadaptáveis à vida moderna.
Não há maneira de os fazermos com-
prehender que os povos têm que se adap-
tar a necessidades superiores às suas teo-
rias fantasistas ; não há maneira de con-
vencer esses espíritos, imbecilisados al-
guns, de que devem parar na sua experiên-
cia nefasta, de que devem parar na sua
teimosia criminosa, de que devem parar na
sua birra indigna^ e de que não devem ca-
var mais fundo a sepultura da Nação !
Nós tivemos uma serie de reis que, quais-
quer que fossem os seus defeitos e os seus
erros^ fizeram a Nação^ engrandeceram a
Nação, alargaram os seus domínios, acres-
centaram àglória do passado nova glória.
Não há maneira de convencer os espíritos
republicanos de que essa serie de reis nos
merece respeito e amor, e que a Nação in-
A Situação Politica 27
teira aspira e quer voltar às suas institui-
ções tradicionais.
Quando Portugal, pequeno como é^ sem
exército e sem marinha, vivia no regimen
monárquico, tinha uma situação interna-
cional invejável demonstrada pelas aten-
ções que nos dispensavam, com a sua pre-
sença, os soberanos das mais fortes nações
estrangeiras; e hoje, se queremos vencer
a antipatia europeia, temos que praticar
actos que não nos dignificam nem im-
impoem.
A República. . . a República. . . Temos
agora um governo digno de nós todos,
porque digno de todos nós se apresenta o
Sr. Sidónio Pais. Mas esta situação não é
eterna. Quando cair, será a ocasião de se
restaurar a Monarquia^ para não termos de
voltar ao demagogismo . . .
28 Conferencia de Alfredo Pimenta
A República nova
Há hoje uma forma republicana a que
o Sr. Sidónio Pais chama República nova.
Quer dizer: existe hoje o contrário do que
existia, há alguma cousa que nós ainda
não tinhamos visto.
Quero acreditar que estejamos n'uma
nova República e, pela minha parte, con-
fesso que contra esta nova República não
senti ainda a mais pequena animosidade
ou oposição.
Há quem se queixe. E julgo mesmo que
certas restrições atingem certos jornais. Eu
aplaudo. Não são doutrinários os jornais
que querem sair. São folhas impressas, ór-
gãos de insulto, de calúmnia ou de infâmia-
O governo não deixa que ellas saiam? Acho
que o governo faz muito bem! Isso não po-
de magoar o meo liberalismo. Porque eu re-
cordo-me muito bem de que quando foi do
governo Pimenta de Castro, esse governo
molle e bonacheirão, manso e lunático, ho-
nesto mas inexperiente, O Mundo, esse
A Situação Politica 2g
saudoso Órgão do republicanismo puro,
não se cançou de acusar o governo de estar
vendido à Hespanha. E o general Pimenta
de Castro com cuja amizade me honrei e,
me honro, como eu lhe chamasse a aten-
ção para a calúmnia, não quiz lêr, não
quiz saber, como não quiz saber de mui-
tas outras coisas. As consequências foram
o 14 de Maio! Não deixa o actual gover-
no preparar-se uma situação igual, prohi-
bindo estas gazetas de aparecer em pú-
blico Faz
? muito bem! Mas o governo tem
uma triplice função a desempenhar. Alem
da função superiormente politica e im-
portante para elle e para o regimen, de al-
terar as bases do actual sistema politico
republicano, tem ainda a função penal e
moral: penal, mandando para a Africa,
como o tem feito, os incorrigíveis, os reen-
cidentes do crime commum, sejam ou não
sócios do democratismo ; e moral, casti-
gando os abusos e os erros do partido
democrático e do governo transacto. Se
puder desempenhar estas funcçóes, é caso
para o felicitarmos . . .
Quanto ao aspecto politico da sua mis-
3o Conferencia de Alfredo Pimenta
são, levanta-se, actualmente, uma celeuma
enorme sobre se deve continuar o regimen
parlamentar ou deve adoptar-se o regimen
presidencialista. Como observador e criti-
co, acho interessante o assunto.
Entendo que nós, como monárquicos,
temos de nos manter alheios a essa ques-
tão. Somos o partido dos monárquicos,
— não somos ainda partido monárquico.
Não temos organisação definida^ embora
tenhamos a chave d'ella, que é o Rei.
O partido monárquico lançar na urna,
como monárquico, o seu voto, para a elei-
ção presidencial, é fazer uma afirmação
de principio republicano, e revogar a
base fundamental do seu doutrinarismo
monárquico. Mas se é preciso, para se
evitar um mal maior, impedir que o Sr.
Sidónio Pais saia do Poder, concorra-
mos individualmente a dar-lhe a força
precisa.
N'este caso, não é um partido monár-
quico que intervém, são os indivíduos mo-
nárquicos que o fazem. E uma ficção ne-
cessária.
Esta questão que se formula sobre regi-
A Situação Política 3i
men parlamentar e regimen presidencialista
é salutar, porque vai acostumando o paiz
a pôr de parte o regimen parlamentar, e
ensina a opinião pública a reconhecer a
posibilidade da existência de um governo
responsável e independente das tricas e
habilidades parlamentares. Eu comprehen-
do a reluctancia dos republicanos pelo pre-
sidencialismo.
Os republicanos, verdadeiramente^ não
podem ser presidencialistas, e por isso, faz
bem o Sr. Afonso Costa, do fundo do seu
exilio de Elvas, em protestar contra o pre-
sidencialismo, como o Sr. António José
d'Almeida que não sabe o que seja isso, ou
o Sr. Brito Camacho a quem o presidencia-
lismo não convém. A República ou é parla-
mentar, caminhando a passos largos para
o anarquismo, ou é presidencialista e, en-
tão, deixa de ser autêntica república. Os
presidencialistas não são republicanos pu-
ros, são republicanos monarchisados.
Oxalá triumfe o principio presidencia-
lista!
Quando fui evolucionista, nesse tempo
em que andei quatro anos a malhar em
32 Conferencia de Alfredo Pimenta
ferro frio, eu pedia uma republica presi-
dencialista com poderes vitalicios para o
chefe do Estado. Isso dá-me um tal ou
qual desejo de assistir á experiência.
Faço pois votos por que a nação se ha-
bitue ádiminuição das funções e atribui-
ções do parlamento, e entendo que os mo-
nárquicos devem, individualmente dar
todo o apoio e aplauso, escrito e falado, ao
principio presidencialista, que é o mais
benéfico e salutar dentro das doutrinas re-
publicanas.
Esta Republica nova tem um ambiente
conservador e tem por cooperadores os
elementos monárquicos. E, por conse-
quência, uma republica de caracter para-
doxal, contra a qual os verdadeiros repu-
blicanos se apresentam em acto de hosti-
lidade, não tendo ainda entrado no cami-
nho das violências, porque teem medo;
mas fal-o-hão, quando virem que o sr. Si-
dónio Pais enfraquece. Mas como os po-
vos não se governam com instituições
paradoxais, esta situação tem que se es-
clarecer. Quando se esclarecerá? Não sa-
bemos. Ninguém o sabe.
A Situção Politica 33
Os monárquicos e a Republica
nova
Qual deve ser a atitude dos monárqui-
cos perante a republica nova?
Antes de 5 de dezembro, havia duas
correntes caracterisadas : a corrente con-
servadora ea corrente demagógica.
Agora, aparece-nos em campo uma ter-
ceira corrente que cria uma situação com-
plicada porque isto que está já não é Re-
publica, não sendo ainda a Monarquia.
Já não é Republica, porque lhe falta Afon-
so Costa. Ainda não é a Monarquia, por-
que lhe falta o Rei. Ora a nossa atitude é
clara.
Antes de 5 de dezembro, diziam os re-
publicanos que os monárquicos desobede-
ciam ás ordens do Rei, porque este lhes
ordenava se colocassem ao lado dos go-
vernos no que respeita á guerra, e os mo-
nárquicos não o faziam, — acusação calu-
niosa, aliás, como é sabido.
Mudou-se de situação, e veio um go-
3
34 Conferencia de Alfredo Pimenta
verno que não nos insulta, que não nos
maltrata e que mantém a ordem, e nós
com muito mais facilidade, agora, cumpri-
mos as ordens do Rei, e damos apoio a
esse governo. -Se antes da revolução de 5
de dezembro, fervia pancadaria rija nos
monárquicos porque estes não apoiavam
os governos democráticos e da sacrilega
união sagrada, agora, ferve a mesma rija
pancadaria porque apoiam um governo
honesto e de honradas intenções.
Os republicanos são curiosos : dão aos
monárquicos, em Portugal, direito de ci-
dade e de existência, com a condição de
serem ou afonsistas, ou almeidistas, ou
camachistas ; simplesmente monárquicos,
monárquicos tout court, monárquicos pu-
ros, não os admitem, os republicanos.
N'este paiz, dão-se cousas que só n'este
paiz são possíveis!
Ora nós não podiamos e não deviamos
adoptar deante do actual governo outra
atitude que não fosse a que adoptamos,
porque nós não somos desordeiros, e per-
deríamos todo o nosso prestígio politico,
dando uma prova de falta de senso e falta
A Situçáo Politica 35
de patriotismo, se nos collocasemos numa
situação anarquista e destruidora, perante
o Sr. Sidónio Pais. As forças vivas da na-
ção diriam que éramos anarquistas, por-
que estávamos contra todos os poderes.
Apoiamos francamente e dedicadamente
este governo, porque este é um governo di-
ferente de todos os outros. Apoiar este
governo, e n'este momento, é nosso dever,
não porque elle nos traga a Monarquia,
mas porque nos traz a Ordem.
Fazer a Monarquia. . .
Se dependesse de eu abrir a minha mão
o proclamar-se, agora, a Monarquia, eu
fechal-a-ia e pediria a toda a gente que
m'a apertasse bem, a fim de que, n'esta
ocasião, a Monarquia se não fizesse, pois
que, actualmente, não nos convém. Ella
há de vir no momento oportuno, porque
não depende da vontade d'este ou d'aquel-
le, a evolução de acontecimentos políticos
e sociais dessa natureza.
O apoio ao Sr. Sidónio Pais é lógico e
legitimo, porque elle está cumprindo com
os nossos deveres internacionaes, com
aquelles deveres a que nos ligam tratados
36 Conferencia de Alfredo Pimenta
seculares, obra dos Reis e do Passado ; e
ainda porque o Sr. Sidónio Pais está res-
tabelecendo aordem dentro das condições
que lhe são possíveis com a existência das
instituições republicanas. Mas este apoio
que nós lhe damos, e a que eu chamo me-
ramente teórico e aplauditivo, não pode
ir alem, porque não poderá o Sr. Sidónio
Pais nem ninguém, seja quem for! fazer es-
quecer aos monárquicos o que o regimen
republicano tem feito em Portugal, e lhes
tem feito a elles, como eu nunca poderei
esquecer o que me fizeram os democráti-
cos — em insultos, em aggravos, em ofen-
sas e aggressões. Receios de uma consoli-
dação republicana, só os terão os espíri-
tos superficiais.
É preciso levar ao espírito dos monár-
quicos a convicção de que a Monarquia
não pode e não deve vir somente pelos
erros dos republicanos; deve vir e há-de
vir, sim, pela força da sua própria consti-
tuição, porque o organismo da nacionali-
dade se integrou na forma monárquica e
e só a ella se adapta. A Monarquia há de
vir porque é uma conclusão lógica dos
A Situação Politica 3j
acontecimentos, e não está no poder dos
demagógicos afastal-os, como não está no
poder contrário apressal-os. Eu prefiro que
ella venha depois de um grande período
de paz, de ordem, de socego e de progres-
so, dentro da República, a que venha so-
bre os ódios fomentados pelos democráti-
cos. Eu prefiro que a Monarquia venha
quando a situação social portugueza esteja
mais ou menos regulada, a que venha neste
momento em que se encontram ainda vivas
todas as questões difíceis que uma longa
indisciplina impune agravou. Nós todos que
amámos a nação devemos estimar e desejar
que, dentro da forma republicana, se apla-
nem todas as dificuldades, de modo que a
Monarquia possa receber o paiz no melhor
estado possível.
Se devemos apoio ao Sr. Sidónio Pais,
no problema da ordem pública, é porque
não temos outro caminho a seguir, porque
esse é o problema fundamental portuguez,
sem a resolução do qual todas as tentativas
de resolver os outros são estéreis. Sobre o
problema da ordem, sempre assim pensei.
Eu nunca tenho de me arrepender do
38 Conferencia de Alfredo Pimenta
que a este respeito preguei n'outros tem-
pos, porque, por muitos que fossem os
meus exageros e desvios, uma cousa nun-
ca fiz : foi defender actos de desordem,
de violência, ou de anarquia ; coloquei-me
sempre no ponto de vista de um homem
com responsabilidades de governo. Acima
de tudo, primeiro que tudo, a ordem —
que se baseia na educação.
Eu não quero só instrucção, não; o que
quero é educação. Não ensinem o povo a
lêr, emquanto não estiver bem educado,
porque se sabe lêr, sem ser educado, co-
meça adisparatar.
O povo que não está educado, se sabe
lêr, aprende a fazer ingredientes e máqui-
nas explosivas, praticando todas as toli-
ces possíveis e imagináveis, querendo imi-
tar os lunáticos e fantasistas que aparecem
pela Europa a propagar desordens e toli-
ces. Quando o povo tiver bem profundo o
sentimento da ordem, então que aprenda
a lêr à vontade. É preciso que o povo não
deixe de ser criminoso somente por medo
ao código ou à polícia. Cada vez que se
funda uma escola, ergo as mãos ao
A Situação Politica 3g
ceu, porque nós só sabemos deseducar,
só sabemos fomentar a indisciplina e a
desordem, só sabemos ensinar lêr o que
não deve sêr lido, e se não sabe compre-
hender.
Nós temos partidos anarquistas, sindi-
calistas e socialistas que ignoram o que
são essas doutrinas e que, com a sua falta
de educação, ao lerem Kropotkine, um
pobre príncipe exilado que está agora na
Rússia a vêr a prática dos seos dizeres,
dão no roubo e no assassinato.
Eu assisti a alguns dos desvairamentos
e aos excessos e aos roubos que ultima-
mente se deram nas ruas da cidade.
Querem saber o que vi os assaltantes
roubar e usar? Não era só o bacalhau, o
feijão ou a batata que lhes pudessem ser-
vir para a alimentação; eram serpentinas
e máscaras de Carnaval que espatifavam,
garrafas de Champagne e de licores que
não podiam beber, porque o seu paladar
não está preparado para tais bebidas, eram
botas de luxo, sapatos de luxo que não po-
diam calçar, — emíim a exibição do crime,
na sua forma mais hedionda.
40 Conferencia de Alfredo Pimenta
E até ouvi que mercieiros houve que
tendo tirado das suas lojas os géneros que
tinham, íingindo-se roubados^ iam depois,
comprar aos desgraçados das ruas os gé-
neros saqueados para os venderem por
aho preço ! Aqui têm o que é a falta de
educação !
Apesar das falsas ideias dos tribunos
inflamados que advogam a instrução, eu
continuo pois a pedir para este povo edu-
cação, educação e educação; e só depois,
é que pedirei a instrucção.
Trata-se de um povo em que cada um
quer ser independente, em que cada um
só pensa em mandar e não obedecer, por-
que ninguém pensa em que é muito mais
nobre obedecer do que mandar, exorbitan-
do, ou sem capacidade para o mando.
Apoiado o governo no problema da or-
dem, temos que lhe dar apoio também no
problema da guerra. A entrada de Portu-
gal na guerra, para mim, é ainda hoje um
mistério e se não é um hluff^ é, pelo menos,
um problema que precisava sêr muito es-
clarecido. Convenço-me d'isso pela relu-
tância que tem havido na publicação de
A Situação Politica 41
certos documentos, e na apresentação de
certas condições. Mas, houvesse o que
houvesse, a verdade é que estamos ligados
à Gran-Breianha, por efeito de tratados
antigos e que não datam, se não estou em
erro^ do regimen republicano^ e temos que
cumprir aquilo a que nos comprometemos.
No problema da guerra há, pois, que dar
força ao governo para que elle continue a
obra estabelecida pelas condições espe-
peciaes em que se encontrava a nação.
Mas o problema de que fundamenta-
mente nos separamos do governo, e peran-
te o qual nos encontramos, portanto, em
campos opostos, é o que eu chamo o pro-
blema da Nacionalidade.
O Sr. Sidónio Pais demonstrou pelas
suas palavras, e o seu governo também o
demonstrou por actos, que se deixa em-
balar muito pelas quimeras impossíveis,
pois quer normalisar a vida politica da na-
ção fazendo ingressar os monárquicos na
República. Não pode ser ! Deante das pa-
lavras proclamadas pelo chefe do Estado,
devemo-nos manter na maior reserva e na
mais firme espectativa.
4^ Conferencia de Alfredo Pimenta
E a conhecida reforma da lei da Sepa-
ração destruio as ilusões que podessemos
ter alimentado.
Não nos é possível ingressar na Repú-
blica, porque somos monárquicos, porque
a República não se adapta ao sentimento
nacional, porque a nação tem oito séculos
de tradições monárquicas, porque os ensi-
namentos da politica europeia nos indicam
que as nações são tanto mais fortes quan-
to mais forte é o seu regimen monárquico,
e porque na Europa (a guerra o mostra) o
principio democrático está sendo vencido
pelo principio monárquico. A Rússia é o
exemplo vivo.
Por outro lado, a reforma da lei da Se-
paração não foi feita em homenagem
à Egreja, mas sim, como o próprio re-
latório confessa, para fazer desaparecer
uma arma que se manejava contra a Repú-
blica !
Sempre a defeza egoista da República !
Em homenagem à Egreja e ao sentimen-
to católico da nação, o regimen republica-
no devia rasgar completamente a lei da
Separação. Não comprehendo como o re-
A Situação Politica 43
gimen republicano quer resolver a questão
religiosa, sem ouvir a Egreja.
Em 19 IO, havia algum conflicto entre o
Estado e a Egreja? Não. Havia um regi-
men concordatário bom ou máu, não o
discuto. Se não havia conflicto, porque
foi o regimen republicano levantá-lo? Po-
dia decretar que não reconhecia a reli-
gião católica, e o Estado passava a vi-
ver independente d'ella, como vive inde-
pendente de quaesquer academias ou as-
sociações. Queria o Estado alterar as
suas relações com a Egreja? Entendia-se
com as suas autoridades superiores. O que
não se comprehende é que um regimen que
não é católico se disponha a reformar as
cousas da Egreja.
A reforma da lei da Separação restabe-
leceu a permissão do uso de hábitos tala-
res e deo aos seminários liberdade para
regularem e dirigirem o seu ensino inter-
no ;mas dizer que isso resolve o problema
religioso em Portugal não é verdade. Só
se resolverá inteiramente o problema reli-
gioso, quando à Egreja católica forem da-
das regalias e privilégios especiais em face
44 Conferencia de Alfredo Pimenta
das outras religiões, porque seria de uma
ingratidão profunda esquecer os múltiplos
serviços que se devem á Egreja católica.
De resto, isto está mais ou menos no espí-
rito público.
Logo depois de 5 de Outubro, houve
muitos aplausos à propaganda anti-cleri-
cal, mas a nação, hoje, está convencida de
que o perigo clerical é uma lenda, e que a
Egreja é um elemento insubstituível de pon-
deração e ordem.
Conclusões.
A nossa aspiração é a Monarquia e, por
isso, temos que estar preparados para ella.
Não sou revolucionário nem conspirador.
O sentido das minhas palavras é muito ou-
tro. Não tenhamos illusóes, nem esqueci-
mentos :a situação do Sr. Sidónio Pais não
é eterna e, quando ela findar, ou regressa
Afonso Costa ou temos uma Monarquia.
Os monárquicos têm pois que estar pre-
A Situação Politica 45
parados, náo para colocarem nas janelas
as bandeiras azues e brancas, mas para
estabelecerem nas suas fileiras uma disci-
plina segura e uma obediência plena e ab-
soluta ao Rei.
A Monarquia só pôde ser eficaz, só pôde
trazer a normalidade e a tranquilidade ao
paiz, quando não houver no pensamento
de cada um de nós, resíduos republicanos,
preocupações liberalistas, aspirações de-
mocráticas ou fantasias e quimeras de
1789 ; só pôde ser eficaz e trazer a norma-
lidade, quando olharmos para o símbolo
da nossa causa e dos nossos princípios, e
lhe obedecermos inteiramente; quando
formos como que um exército que só é
perfeito quando obedece ao seu general;
quando puzermos o Rei acima das nossas
dissenções pessoaes, e tão alto que só o
vejamos pelas suas altas qualidades de
magestade perfeita, e de supremo e legíti-
mo representante da nação ; tão alto como
êlle nunca esteve durante os oitenta annos
de constitucionalismo. A Monarquia só
pôde ser eficaz e trazer normalidade, quan-
do o Rei se não veja obrigado a tirar o
4S Conferencia de Alfredo Pimenta
poder a um para contentar outro, a dar o
poder àquelle para contentar aquelFoutro ;
quando não fizermos chegar aos ouvidos
do Rei, e nem mesmo aos últimos degraus
do seu trono, as nossas questões pessoaes,
as nossas birras e os nossos despeitos e
quando fizermos com que não haja outra
cousa senão servidores da nação. E para
isto que entendo que todos nos devemos
preparar.
Os novos, que não teem ainda a inteli-
gência estragada pelos vícios doutros tem-
pos, que não viram directamente tudo
quanto se passou antes do advento da Re-
pública, devem levar ao espirito dos mo-
nárquicos a consciência da necessidade
d'esta orientação. Os velhos que assis-
tiram, e muitos foram cúmplices, ao que
se passou, e os que não são nem velhos
nem novos, todos esses devem seguir os
novos.
Foi com os novos que o Sr. Sidónio Pais
se encontrou e é também com os novos que
a Monarquia se há de encontrar.
Eu pertenço a uma geração de sacrifi-
cios, a uma geração de victimas, que nas-
A Situação Politica 4j
ceo ouvindo as maiores acusações sem
provas, e bebeo essas campanhas negati-
vas edifamatórias como bebemos a água
que nos dão ou recebemos o ar que respi-
ramos. Os novos teem de se agrupar e fa-
zer d'este paiz, uma nação com um poder
político que seja legitimo e autêntico, cuja
força, disciplinada, se estenda do exército
à indústria e do operariado ás academias,
na orientação que eu levo e que levam os
meus amigos integralistas.
Só quando a nação atingir esse período
encontrará a sua hora de salvação e nova
grandeza.
Não se seduzam pelas velhas teorias da
Liberdade, Egualdade e Fraternidade que
seduziram os nossos pães e com que nos
embalaram na infância. Estudem, pensem
e reflictam, não se deixando levar por qui-
meras risonhas de outros tempos. Olhem
para o que se passa por essa Europa fora,
vejam o que é a disciplina, a organisação,
a submissão ao poder, o que é o respeito
ao mando, o que são as forças organisa-
das deante de forças improvisadas. Vejam
tudo isso e aprendam em tudo isso.
48 Conferencia de Alfredo Pimenta
Quando a Nação Portugueza concentrar
em si o máximo de energia e o máximo
de disciplina, a nação se salvará. Contri-
buamos todos para que esse momento não
tarde.
Tenho dito.
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