UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE LETRAS - FALE
Curso de Especialização em Língua Portuguesa: Teorias e Práticas de
Ensino de Leitura e Produção de Textos - PROLEITURA
GIULIA YOKOMIZO GIRARDI
TRABALHO FINAL: ANÁLISE DO GÊNERO CONTO
O TEXTO: CONSTITUIÇÃO E TIPOLOGIA
PROFA.REGINA PERET DELL’ISOLA
SOROCABA
2024
A partir da conceituação de gêneros como “formas verbais de ação social
estabilizadas e recorrentes em textos situados em comunidades de práticas em domínios
discursivos específicos” (MILLER, 1994), o presente trabalho visa apresentar uma análise de
elementos relacionados ao conto, dialogando diretamente com a ideia de que os textos de
determinado gênero têm papel agentivo no meio social, assumem lugar específico nos
domínios discursivos em que circulam e são constituídos por formas relativamente
estabilizadas, sendo possível, portanto, apresentar estrutura prototípica.
Para ilustrar as reflexões sobre o gênero conto, objeto específico de análise
selecionado é o texto “Lumbiá”, de Conceição Evaristo, disponibilizado na íntegra em anexo
a este trabalho.
Os critérios que norteiam o trabalho são: conceito, produtor, propósito,
enquadramento espaço-temporal, alocutário, possível influência, reação em resposta à leitura,
estrutura textual prototípica, mecanismos linguísticos e curiosidades.
1. Conceito
O gênero conto, segundo Da Silva (2009), é uma narração falada ou escrita de
extensão curta, de modo que a brevidade e a concisão se apresentam enquanto características
inerentes. A partir de um assunto único, o locutor visa, por meio do texto, causar um efeito ou
impressão em seu leitor, que deve ser construído de maneira a encaminhar a leitura a uma
revelação explosiva. Em geral, há um número reduzido de personagens, de espaço e de
tempo, mobilizados junto a mecanismos linguísticos para que a narrativa possua,
prototipicamente, início, meio e fim. Em relação ao objeto específico escolhido, faz-se
necessário conceituar, especificamente, o conto realista, que busca a verossimilhança natural,
construída por meio da escolha de palavras e recursos literários a fim de ocasionar maior ou
menor impressão de fidelidade.
2. Produtor
O enunciador típico do gênero é o contista, geralmente um escritor ou escritora que se
dedica a escrever narrativas do gênero conto. No entanto, considerando que este “transita
todo o tempo entre o oral e o escrito” (DA SILVA, 2009, p. 9), todo aquele que se propõe a
produzir uma narrativa de extensão menor, para contar um episódio, mesmo que no âmbito da
oralidade, é um contista em potencial.
Em relação ao objeto específico, a produtora do conto é Conceição Evaristo, linguista,
professora e escritora, preta, brasileira, de origem periférica, e que possui como temática
central narrativas de protagonismo negro, diante da realidade do Brasil.
3. Propósito
O propósito de um conto é, segundo Gotlib (1998), “causar um impacto imediato e
intenso no leitor, a partir da exploração da intensidade de um momento narrativo”. Em outras
palavras, o objetivo do gênero é atingir o leitor, por meio de uma narrativa concisa de um
momento específico localizado no tempo, levando-o a refletir ou sentir emoções específicas.
Nesse sentido, o conto “Lumbiá” busca impactar o alocutário, revelando a denúncia
de uma situação recorrente no país e apresentando empoderamento, resistência e o resgate da
tradição afro-brasileira. O propósito deste texto, pois, dialoga diretamente com o conceito de
escrevivência, proposto pela autora Conceição Evaristo, que visa o relato de suas memórias
pessoais e coletivas através da matéria escrita.
4. Enquadramento espaço-temporal
Remetendo civilizações antigas, pode-se hipotetizar que o ato de narrar tenha tido
suas origens “no contar de fatos cotidianos e também no guardar a ‘herança’ dos deuses” (DA
SILVA, 2009). Dessa forma, o conto é um gênero de caráter permanente, já que se faz
presente desde as primeiras civilizações de que se tem registro, de modo que o
enquadramento espacial se torna impossibilitado.
No que toca à questão do conto “Lumbiá”, especificamente, o enquadramento
espacial torna-se mais definível: inicia-se com sua publicação na coletânea “Olhos d’água”,
em 2014, alcança mais leitores a partir do terceiro lugar no Prêmio Jabuti no ano seguinte e
acaba por se consolidar entre a população brasileira com a inclusão na lista de leituras
obrigatórias do vestibular da Unicamp, no ano de 2023.
Quanto ao enquadramento espacial, por se tratar de um gênero de tradição antiga, com
origens, inclusive, em textos como “Mil e uma noites” (GOTLIB, 1998), a circulação do
conto está consolidada e é, portanto, ampla, figurando entre jornais, revistas literárias,
internet, livros didáticos e livros literários.
O conto específico de análise está enquadrado no livro literário “Olhos d’água”, e,
desde 2023, ocupa também o contexto escolar, devido ao vestibular da Unicamp.
5. Alocutário
Levando em consideração o conto na modalidade oral, o alocutário prototípico é o
público geral, sem restrição de idade, escolaridade, região ou gênero; já os contos escritos
atingem diretamente a população alfabetizada, iniciando com as crianças, a partir de contos
de fadas, em geral.
Em relação à “Lumbiá”, a princípio, os alocutários foram os leitores de literatura
negra e de literatura brasileira; a partir da visibilidade adquirida com o Prêmio Jabuti, passou
a ser o público leitor brasileiro geral; e, desde 2023, professores e estudantes de Ensino
Médio.
6. Possível influência
O poder de influência do gênero é grande e intenso, como atestado por Edgar Allan
Poe: “durante a hora da leitura atenta, a alma do leitor está sob o controle do escritor. Não há
nenhuma influência externa ou extrínseca que resulte de cansaço ou interrupção”(POE, 1842,
apud GOTLIB, 1998, p. 31).
Em outras palavras, devido ao caráter conciso e breve da narrativa, a influência que o
enunciador exerce no alocutário é potencializada, já que há a mobilização de recursos
linguísticos que garantam a eficiência do cumprimento do propósito do autor.
Em “Lumbiá”, a influência possível toca à questão da representatividade negra como
construção de identidade, juntamente com a capacidade de convocar as pessoas e de falar na
sensibilidade do leitor. A própria autora, Conceição Evaristo, acredita que sua literatura
pretende “dar um soco no estômago ou no rosto de quem não gostaria de ver determinadas
temáticas ou de ver determinadas realidades transformadas em ficções.” (EVARISTO, 2020).
7. Reação em resposta à leitura
Considerando a potência já citada do gênero conto, as reações esperadas são sempre
de impacto, reflexão e na geração de emoções, no entanto, é importante que não se perca de
vista que diferentes perspectivas geram diferentes respostas, já que o conto, com caráter
íntimo e individual, ressoa de modo único em cada alocutário. Nesse sentido, “Lumbiá”
possui como reações esperadas a identificação entre leitor e personagem central, incômodo
pela situação apresentada, conscientização social, entre outras.
8. Estrutura textual prototípica
A estrutura prototípica do gênero conto pode ser elaborada a partir da adaptação do
modelo de superestrutura da narrativa histórica (TRAVAGLIA, 2007):
Em primeiro lugar, há a Introdução (apresentando um anúncio ou resumo); em
seguida, a Orientação (composta pelo cenário e pelo contexto); a parcela central é a Trama,
dividida em Complicação (formada por Episódio e Clímax), Resolução e Resultado. O final é
composto por Comentário, que pode fornecer uma avaliação, expectativa ou explicação, e
Epílogo, com fecho, coda ou moral.
9. Mecanismos linguísticos
O conto pode apresentar, em sua composição, tipos textuais diferenciados: narrativo,
descritivo e/ou dissertativo, que são mobilizados de acordo com as intenções do enunciador.
Além disso, há a presença de figuras de linguagem (ambiguidades, metáfora, metonímia,
comparação etc), além do recurso comum dos diálogos, marcados ou não por pontuação. O
tempo verbal predominante, em geral, é o passado, com suas variações (perfeito, imperfeito e
mais-que-perfeito), mas pode ser escrito, também, no tempo presente. Quanto ao nível de
formalidade, varia muito entre o formal e informal, dependendo, novamente, da intenção do
autor.
No caso de “Lumbiá”, é um conto predominantemente narrativo, com grande
participação do tipo descritivo. As figuras de linguagem centrais para a construção do sentido
são metáfora, personificação, hipérbole, ironia, metonímia, comparação. Nessa narrativa, os
diálogos são marcados de maneira clara com pontuação, o travessão. É redigida em
linguagem formal, variando o uso dos tempos verbais entre pretérito perfeito e imperfeito,
com predominância deste último.
10.Curiosidades
Uma curiosidade interessante em relação ao gênero conto é a morte do autor Edgar
Allan Poe. Importante escritor, com destaque para seus poemas e contos de mistério e de
terror, Poe teve uma morte em circunstâncias suspeitas: após estar desaparecido por cerca de
uma semana. ele foi encontrado, no dia 3 de outubro de 1849, caído na sarjeta, com roupas
que não pertenciam a ele, gravemente ferido e delirante. Quatro dias depois, morreu no
hospital em que foi admitido, sem conseguir fornecer informações concretas sobre seu
paradeiro anterior ou sobre o incidente que o levou a ser encontrado naquelas condições.
Ainda que a causa oficial da morte seja um inchaço no cérebro, as circunstâncias do
falecimento permanecem misteriosas, refletindo, em sua própria vida, o mistério e o terror
que eram protagonistas de seus contos.
11.Referências
DA SILVA, Zacarias Eduardo. O conto ou a busca da estética plena da palavra. Nos
domínios dos Gêneros Textuais. Belo Horizonte: FALE/UFMG. 2009. p. 8-12
EVARISTO, Conceição. Olhos d’água. Rio de Janeiro: Pallas, 2016. p. 81-86
GEILING, Natasha. The (Still) Mysterious Death of Edgar Allan Poe. Smithsonian
Magazine. 07 de out. de 2014. Disponível em:
<https://www.smithsonianmag.com/history/still-mysterious-death-edgar-allan-poe-18095293
6/>. Acesso em: 28 de mai. de 2024.
GOTLIB, Nádia Batella. Teoria do conto. 8.ed. São Paulo: Editora Ática, 1998.
SANTANA, Tayrine et. al. CONCEIÇÃO EVARISTO – “A escrevivência serve também
para as pessoas pensarem”. Itaú Social, 09 de nov. de 2020. Disponível em:
<https://www.itausocial.org.br/noticias/conceicao-evaristo-a-escrevivencia-serve-tambem-par
a-as-pessoas-pensarem/>. Acesso em: 28 de mai. de 2024.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A caracterização de categorias de texto: tipos, gêneros e
espécies. Alfa: Revista de Linguística, v. 51, n. 1, 2007.
ANEXO: CONTO “LUMBIÁ”, DE CONCEIÇÃO EVARISTO (NA ÍNTEGRA)
Lumbiá
Lumbiá trocou rapidamente a lata de amendoim pela caixa de chicletes com a irmã
Beba. Fazia um bom tempo que estava andando para lá e para cá, e não havia conseguido
vender nada. Quem sabe teria mais sorte se oferecesse chicletes? E se não desse certo
também, procuraria o colega Gunga. Juntos poderiam vender flores. A mãe não gostava
daquela espécie de mercadoria. Dizia que flor encalhada era prejuízo certo. Sempre
amanheciam murchas. Amendoim e chicletes não. Lumbiá gostava da florida mercadoria em
seus braços. Tinha até um estilo próprio de venda. Ficava observando os casais. O momento
propício para empurrar o produto era quando o casal partia para o beijo na boca. Ele assistia
as bocas descolarem para oferecer a flor. Às vezes o casal se desgarrava, mas na mesma hora,
sem respirar, o par se fundia de novo. Lumbiá ficava por perto olhando de soslaio para a
mulher. E quando notava que ela estava toda mole e o homem derretido, o menino se punha
quase entre os dois, com a flor em riste, impondo a mercadoria. O caliente namorado enfiava
a mão no bolso, tirava o dinheiro e pegava a rosa, recomeçando o carinho. Às vezes, tão
distraído no beija-beija estava o casal que a rosa não era colhida das mãos do menino. E o
troco honestamente oferecido ao freguês cansava de esperar na mão do vendedor. Lumbiá
calculando o lucro da venda sorria feliz. Às vezes, o menino usava outro ardil para
impulsionar a venda. Chegava elogiando a mulher, dizia que ela era linda e que os dois iam
ser muito felizes. Havia casais que respondiam:
— Será? Estamos terminando agora!
O menino não se dava por vencido. Muito sério respondia:
— Não há grande amor sem problemas! Uma flor, uma rosa na despedida de vocês…
Vencia sempre. Feliz, Lumbiá e o amigo Gunga depois riam do beijo babado do
homem e da mulher. Ele sabia também que não era só homem e mulher que se beijavam.
Havia os casais, em que a dupla era formada por semelhantes. Homem com homem. Mulher
com mulher. Esses casais não se beijavam em público. Às vezes faziam um carinho rápido
nas mãos do outro. Raramente compravam rosas. As mulheres se aventuravam mais.
Compravam e ofertavam para a amiga presente. Lumbiá gostava muito de se aproximar dos
casais semelhantes. Gostava da troca carinhosa que ele às vezes assistia entre esses pares. O
beijo era depositado nas mãos, que escorregavam levemente na direção da palma da outra
pessoa, ou substituído pela leveza de uma flor sorriso que se abria na intenção de um lábio a
outro
Lumbiá tinha ainda outros truques. Sabia chorar, quando queria. Escolhia uma mesa
qualquer, sentava, abaixava a cabeça e se banhava em lágrimas. Sempre começava chorando
por safadeza, mas em meio às lágrimas ensaiadas, o choro real, profundo, magoado se
confundia. Nas histórias, que inventava nos momentos de choro para comover as pessoas,
tinha sempre uma dissimulada verdade. Um dado real da vida dele ou do amigo Gunga se
confundia com a invenção do menino. E enquanto chorava o pranto ensaiado para comover
os compradores, contava ora sobre a surra que havia levado da mãe, ora pela mercadoria que
estava ficando encalhada (e ele precisava retornar para casa com um bom resultado de
venda), ou ainda, pelo dinheiro, fruto de seu trabalho, que tinha sido tomado por um menino
maior... E aos poucos, em meio às verdades-mentiras que tinha inventado, Lumbiá ia se
descobrindo realmente triste, tão triste, profundamente magoado, atormentado em seu
peito-coração menino.
Havia, porém, uma ocasião em que nada ameaçava os dias gozosos do menino: o
advento do Natal. A cidade se enfeitava com luzes que brotavam de todos os cantos.
Lâmpadas como fogueiras incendiárias ateavam um falso fogo iluminário sobre as fachadas
dos prédios, sobre as árvores, das ruas, dos jardins públicos e privados. Entretanto, não era
esse pirotécnico espetáculo que seduzia Lumbiá. Nem o personagem Papai Noel gordo e
feliz, com o seu sorriso envidraçado dentro das vitrines. Das árvores de natal, não gostava dos
pinheiros iluminados e coloridos. Dos presentes expostos nas vitrines, principalmente os
embrulhados, tinha vontade de apanhá-los e amassá-los. Ficava irritado, sabia que tudo eram
caixas vazias. Só havia uma coisa que o menino gostava no Natal. Um único signo: o
presépio com a imagem de Deus-menino. Todos os anos, desde pequeno, em suas andanças
pela cidade com a mãe e mais tarde sozinho, buscava de loja em loja, de igreja em igreja, a
cena natalina. Gostava da família, da pobreza de todos, parecia a sua. Da imagem-mulher que
era a mãe, da imagem-homem que era o pai. A casinha simples e a caminha de palha do
Deusmenino, pobre, só faltava ser negro como ele. Lumbiá ficava extasiado olhando o
presépio, buscando e encontrando o Deus-menino.
Houve um ano em que uma notícia correu: a loja Casarão Iluminado, uma tradicional
casa especializada em vendas de iluminárias, abajures, etc., ia armar um presépio no interior
da loja. Seria o maior e o mais bonito da cidade. E foi. Lâmpadas piscas-piscas, estrelas
pendentes por fios finos e quase invisíveis iluminavam magicamente a paisagem, como se
fosse um céu aberto sobre a manjedoura em que estava o Deus-menino. Animais pastavam
mansamente sobre a relva, rios amenos cortavam os vales, que circundavam a cabana
natalina. Os Reis Magos, os dois brancos, caminhavam um pouco abaixo da estrela-guia. O
Rei Negro, aquele que parecia com o tio de Lumbiá, caminhava sozinho um pouco atrás, mas
com passos de quem tinha a certeza de que iria chegar. A mãe e o pai de Jesus piedosos
resguardando o Deus-menino. Toda a cidade comentava a beleza e a semelhança do presépio
com a cena bíblica que narra o nascimento de Jesus. Lumbiá atento ouvia todos os
comentários e aguardava a oportunidade de visitar a Belém instalada no interior da loja
Casarão Iluminado. Havia, entretanto, um problema. Estava proibida a entrada de crianças
sozinhas e para ele era quase impossível esperar pelo dia em que a mãe pudesse levá-lo,
acompanhá-lo até lá. Na semana anterior Gunga, Beba, Beta, e outros já haviam feito
algumas tentativas vãs.
Enquanto isso, o tempo corria. Lumbiá já tinha visto todos os presépios das
redondezas. Em cada um seu coração batia descompassadamente quando fitava o
Deus-menino. Tinha feito várias tentativas de entrar no Casarão, o vigilante vinha e o
enxotava. O menino não desistia, ficava rondando de longe, adivinhando a beleza de tudo, do
outro lado da calçada. Era um entra-e-sai intenso. A televisão e um jornal tinham falado sobre
o presépio, que tinha sido feito por um grande artista.
O dia caminhava para seis da tarde, vinte e três de dezembro. O menino aguardava ali
desde as nove da manhã. Em sua viagem costumeira do subúrbio para o centro da cidade, se
distanciou de Gunga e da irmã. Tinha flores nas mãos, rosas amarelas. Havia combinado com
o amigo que venderiam flores, mas aquelas ele daria para o Menino Jesus e também poria
algumas nas mãos do Rei Baltasar. Fazia frio, muito frio, era um dia chuvoso. Tinha a roupa
colada sobre o frágil corpo a tremer de febre. A loja já estava para fechar. As vendas tinham
cessado desde o dia anterior. O Casarão Iluminado abrira naquele dia só para visitação
pública ao presépio. Precisava chegar até lá. Como? Já tinha feito várias tentativas, sendo
sempre expulso pelo segurança. Ia arriscar novamente. Em dado momento aproximou-se
devagar. Ninguém na porta. Mordeu os lábios, pisou leve e, apressado, entrou.
Lá estava o Deus-menino de braços abertos. Nu, pobre, vazio e friorento como ele.
Nem as luzes da loja, nem as falsas estrelas conseguiam esconder a sua pobreza e solidão.
Lumbiá olhava. De braços abertos, o Deus-menino pedia por ele. Erê queria sair dali. Estava
nu, sentia frio. Lumbiá tocou na imagem, à sua semelhança. Deus-menino, Deus-menino!
Tomou-a rapidamente em seus braços. Chorava e ria. Era seu. Saiu da loja levando o
Deus-menino. O segurança voltou. Tentou agarrar Lumbiá. O menino escorregou ágil,
pulando na rua.
O sinal! O carro! Lumbiá! Pivete! Criança! Erê, Jesus Menino. Amassados,
massacrados, quebrados! Deus-menino, Lumbiá morreu!
EVARISTO, Conceição. Olhos d’água. Rio de Janeiro: Pallas, 2016. p. 81-86