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Internal Colonialism and Neoliberal Coloniality in The Amazon

O artigo analisa como as políticas econômicas da Ditadura Empresarial-Militar no Brasil contribuíram para a dinâmica de colonialismo interno na Amazônia, resultando em conflitos sociais, degradação ambiental e desigualdade. A autora propõe refletir sobre a relação contemporânea do Estado brasileiro com a Amazônia como uma forma de colonialidade interna, interligada à colonialidade neoliberal. O estudo destaca a importância de reconhecer as resistências locais e as novas formas de exploração da região.

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Internal Colonialism and Neoliberal Coloniality in The Amazon

O artigo analisa como as políticas econômicas da Ditadura Empresarial-Militar no Brasil contribuíram para a dinâmica de colonialismo interno na Amazônia, resultando em conflitos sociais, degradação ambiental e desigualdade. A autora propõe refletir sobre a relação contemporânea do Estado brasileiro com a Amazônia como uma forma de colonialidade interna, interligada à colonialidade neoliberal. O estudo destaca a importância de reconhecer as resistências locais e as novas formas de exploração da região.

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DOI: 10.

53660/CLM-1769-23M10

Internal colonialism and neoliberal coloniality in the Amazon

Colonialimso interno e colonialidade neoliberal na Amazônia

Received: 2023-07-16 | Accepted: 2023-08-18 | Published: 2023-08-21

Mayane Bento
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1800-7548
Universidade do Estado do Pará, Brasil
E-mail: [email protected]

ABSTRACT
The objective of this paper is to analyze how the economic policies of the Brazilian Business-Military
Dictatorship imposed in the Amazon were responsible for consolidating a dynamic of internal colonialism
whose legacies are expressed in the perpetuation of social conflicts, environmental degradation and
socioeconomic and regional inequality. As a result, I propose to reflect on the characteristics of the
contemporary relationship of the Brazilian State with the Amazon as a relationship of internal coloniality,
linked to neoliberal coloniality.
.
Keywords: Amazon; Business-Military Dictatorship; Coloniality; Neoliberalism.

RESUMO
O objetivo deste trabalho é analisar como as políticas econômicas da Ditadura Empresarial-Militar
brasileira impostas na Amazônia foram responsáveis por consolidar uma dinâmica de colonialismo interno
cujas heranças se expressam na perpetuação de conflitos sociais, degradação ambiental e desigualdade
socioeconômica e regional. Como resultado proponho refletir as características da relação contemporânea
do Estado brasileiro com a Amazônia como uma relação de colonialidade interna, vinculada à colonialidade
neoliberal.
Palavras-chave: Amazônia; Ditadura Empresarial-Militar; Colonialidade; Neoliberalismo.

CONCILIUM, VOL. 23, Nº 15, 2023, ISSN: 0010-5236


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INTRODUÇÃO

Entende-se, há tempos, que no espaço geopolítico amazônico existe uma disputa


ontológica que opõe uma racionalidade utilitarista e excludente, à racionalidade das comunidades
autóctones, na qual “humanos e não humanos são, de fato, constituídos em conjunto e
constantemente recriam uns aos outros em relações de interdependência” (IORIS, 2016, p.165).
É a racionalidade do privado, versus a racionalidade do comum, o que à primeira vista pode
parecer um embate dicotómico, mas que em realidade manifesta-se como a racionalidade levada
em consideração no modelo de desenvolvimento imposto pelo centro capitalista e que ao mesmo
tempo esforça-se por obscurecer a pluralidade de visões do ‘o que é a Amazônia’ LOUREIRO,
2002.
Neste sentido, o objetivo deste trabalho é analisar como as políticas econômicas da
ditadura empresarial-militar brasileira endereçadas à Amazônia foram responsáveis por
consolidar uma dinâmica de colonialismo interno que se originou com a independência nacional.
Na sequência, é necessário identificar algumas heranças e novas formas de apropriação e
exploração da Amazônia contemporânea, sem descuidar da importância de refletir sobre as redes
locais de resistências.
Em face deste objetivo, uma análise extensiva de algumas categorias de análise torna-
se indispensável, tais como: colonialismo, colonialidade e colonialismo interno, apresentados nas
duas primeiras seções. Além destas categorias faz-se menção à elite orgânica local e
transnacional, que apesar de não ser detalhada extensivamente1 cumpre a função de primeira
beneficiada das políticas de exploração da Amazônia ao mesmo tempo que logrou e logra inserir-
se como anel técnico-burocrático determinado a influenciar o Estado brasileiro direta e
indiretamente.
Na terceira seção descrevo cronologicamente as principais políticas econômicas
implementadas de forma autoritária entre 1964 e 1985, bem como seus impactos ambientais e
socioeconômicos locais, com ênfase na unidade federativa paraense, escolhido como caso típico
e expressivo da violência impetrada pelo Estado brasileiro na Amazônia.
Na última seção proponho uma reflexão sobre a convivência entre as formas herdadas
de controle e exploração com as novas estratégias de apropriação da sócionatureza amazônica,
nos moldes do que podemos nomear de colonialidade interna e colonialidade neoliberal.
COLONIALISMO E COLONIALIDADE NA AMÉRICA LATINA

O colonialismo, entendido como uma prática de exploração e hierarquização social,


consolidou-se, na América, através da violência e desumanização sustentadas pela ideia de raça
(LEDA, 2015; ZAKS; SILVA, 2017). Esse colonialismo está na base constitutiva da modernidade

1
Para tanto ver Dreifuss (1981); Mathis e Farias Filho (2008) e; Farias Filho e Souza (2013).
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e do crescimento do capitalismo global. Por isso, para o coletivo Modernidade Colonialidade não
há que se falar em modernidade sem colonialismo e colonialidade.
Para Lugones (2008) o colonialismo não se materializou pela capacidade de conquista
do colonizador, nem em função dos poderes econômicos e políticos inferiores do colonizado, mas
antes, pela consolidação do discurso que considera o outro não europeu em estágio anterior da
história humana, entendida como unidimensional, atribuindo-lhe o adjetivo “primitivo”. É dessa
hierarquização social, fruto da ficção da “raça”, que então é criada, por vias de exploração, a
instituição da colonização (LUGONES, 2008). E a hegemonia da razão moderna e do capitalismo
são frutos dessa dinâmica.
O colonialismo foi, portanto, um sistema de controle, cuja dominação/exploração forjou
práticas discursivas específicas de subalternização violenta e autoritária dos povos que aqui
viviam, em quatro domínios: “(1º) através do controle da economia: impondo um sistema de posse
e cumulação (2º) da autoridade: impondo um modelo de organização social (3º) do gênero e da
sexualidade: impondo a heteronomatividade e o patriarcalismo como padrão (4º) do
conhecimento e da subjetividade: impondo como verdade apenas os dogmas e formas de
conhecimento europeus (MIGNOLO, 2017, p. 5).
No que tange ao colonialismo na América, este não inventou a escravidão, que há
tempos era usada como punição aos sobreviventes derrotados em guerra. A inovação, a partir de
1492, foi a escravidão racializada, posto que desde os primeiros contatos com a América a ideia
de raça foi produzida “para dar sentido à novas relações entre índios e ibéricos” (QUIJANO,
2005a, p. 18).
No mundo conquistado não existiriam mais Maias, Incas, Astecas, substituídos pela
identidade racial e colonial “índio”. Da mesma forma, dos sequestrados e arrastados para a
América, Ashantis, Zulus, Bacongos, Iorubas e outros, foram todos racializados como “negros”.
Estes, que mais tarde foram chamados de “africanos” eram uma cor conhecida desde os romanos,
sem que a ideia de raça fosse estabelecida como legitimadora da opressão. Essa nova identidade
histórica e geocultural que hierarquizou “brancos”, “índios”, “negros” e “mestiços” representa
para Quijano (2005b) a primeira classificação social global da história. Produzida na América e
mais tarde estendida a todos os membros da espécie, acrescentando-se os “amarelos”, “oliváceos”
e configurando-se em uma geografia do poder que conformou Europa, Europa Ocidental, Oriente,
Oriente próximo, África, Ásia, América etc.
Do mesmo modo, o colonialismo não fundou todas as formas de opressão. O padrão de
ordem social patriarcal, vertical e autoritário já era portado pelo conquistador ibérico. Conforme
tal, todo homem era superior a mulher, porquanto, toda mulher (ameríndia, negra ou mestiça), na
América, era colonizada duplamente (SANTOS, 2004). Também a divisão social do trabalho, em
marcha na Europa, não foi fruto do colonialismo, mas reestruturada conforme a lógica racial.
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O que o contato com a América inaugurou foi a articulação dos eixos centrais de
dominação da modernidade, conformados na relação colonial: raça, gênero e trabalho
(QUIJANO, 2010). A articulação entre esses elementos de classificação possuía dois propósitos
centrais: controle de produção de recursos e o controle da reprodução da espécie. O primeiro,
visava o controle da força de trabalho e dos recursos que institucionalizam a propriedade. O
segundo controla o sexo e seus produtos (descendência e prazer), também em função da
propriedade (QUIJANO, 2010). A raça apresenta-se como invenção para dominação, e na medida
que foi incorporada em função de ambos os propósitos (controle da produção e reprodução), a
autoridade foi organizada para garanti-la. Nesse contexto, a divisão social do trabalho foi na
verdade a divisão racial da população:
[...] os “negros” eram, por definição, escravos; os “índios”, servos. Os não-
índios e não-negros eram amos, patrões, administradores da autoridade
pública, donos dos benefícios comerciais, senhores no controle do poder. E,
naturalmente, em especial desde meados do século XVIII, entre os “mestiços”
era precisamente a “cor”, o matiz da “cor”, o que definia o lugar de cada
indivíduo ou cada grupo na divisão social do trabalho (QUIJANO, 2005a, p.
20).
No topo da hierarquia derivada do colonialismo, habitava o homem
heterossexual/branco/patriarcal/cristão/militar/capitalista/europeu e neste ínterim, o Sistema-
Mundo conformou-se como um todo histórico-estrutural-heterogêneo dotado de uma matriz de
poder colonial, e mais adiante, toda esta articulação heterogênea, conflitiva e descontínua, se
coadunou sob o primado do “Estado-nación”, “la familia burguesa”, la “racionalidad moderna”
(QUIJANO, 2014, p. 292). A caracterização desse momento histórico de exploração foi
sintetizada pela categoria “colonialidade” que é ao mesmo tempo lógica fundacional e herança da
matriz colonial de poder (QUIJANO, 1992).
Quijano (1992) desenvolveu essa compreensão, concebendo que o colonialismo
enquanto dominação política, cultural e social direta se encerrou formalmente na América no
século XIX. A colonialidade do poder, por sua vez, entendida como matriz de dominação,
perpetuou-se nas dinâmicas sociais do capitalismo e do Estado-nação na América, mas também
na África e na Ásia. Para Mignolo (2017) a colonialidade é o constitutivo mais obscuro e lógica
subjacente de modernidade.
A colonialidade não esgota, “obviamente, as condições nem as formas de exploração e
dominação existentes entre as pessoas. Mas não parou de ser, há 500 anos, seu marco principal”
(QUIJANO, 1992, p. 4). No cerne dessa lógica de transição do colonialismo formal à perpetuação
da colonialidade está a noção de que o “processo histórico da mudança não consiste na
transformação de uma totalidade histórica noutra equivalente, ou por saltos e rupturas”
(QUIJANO, 2010, p; 95).
Ou seja, ainda que a compreensão das dinâmicas de exploração modernas não possa
desconsiderar as heranças dos séculos de colonialismo e suas instituições, a mudança da
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descolonização afetou de modo heterogêneo os componentes do campo histórico de relações


sociais. E essa heterogeneidade histórica demanda compreender o caráter das continuidades e
descontinuidades presentes nas relações de exploração modernas em cada localidade.
Logo, a categoria colonialidade não determina que as dinâmicas sociais de disputa pelo
poder e exploração ocorram de forma fechada e imutável no sistema mundo, mas sim que as
relações de colonialidade compreendem, além das heranças do padrão de poder, a (re)produção
de novas formas de controle da economia, da autoridade, da natureza, da subjetividade e do
conhecimento. As partes que se movem, dentro da tendência geral da totalidade-histórica
estrutural da colonialidade/modernidade capitalista, tem, ou podem ter, uma autonomia relativa
frente a ela.
Por outro lado, o que garante à totalidade histórica-estrutural da colonialidade conviver
com as autonomias relativas das partes é a existência de um eixo comum de dominação, no caso,
a raça, o gênero e o trabalho. E esse eixo de dominação é fruto inarredável do colonialismo
(QUIJANO, 2010).
Nessa direção, Walsh (2012) faz uso das contribuições de Quijano, Fanon, Cesaire,
Maldonado-Torres e Lander ao caracterizar a colonialidade através de quatro áreas entrelaçadas
que atravessam todos os aspectos da vida: a colonialidade do poder, como referência a
hierarquização social derivada da racialização, essencial para a distribuição, dominação e
exploração da população mundial, servindo tanto à dominação social (autoridade) quanto a
exploração do trabalho sob a hegemonia do capital e da razão eurocêntrica; a colonialidade do
saber, como operação que desqualifica e desvalida outro conhecimento que não o do homem
europeizado, permeando os marcos epistemológico, academicistas e disciplinares; a colonialidade
do ser, que exerce a desumanização, inferiorização e subalternização, lançando as pessoas ao
campo da não existência em função da sua cor e raízes ancestrais, distanciando-os da modernidade
e; a colonialidade cosmogônica e da vida, que através da visão binária entre natureza/sociedade
descarta os sistemas milenares e integrados da vida – seu aspecto ancestral, espiritual e
cosmovisões que balizam a relação com a natureza -, visando acabar com os modos de vida
ancestrais indígenas e de raiz africana, e apropriar-se da natureza em prol das raízes europeia-
americanas e cristãs.
Face a essa perpetuação histórica, o Giro Decolonial defendido pelo coletivo
Modernidade Colonialidade apresenta-se como algo mais que uma reflexão teórica, engajando-se
rumo à práxis da teorização politizada e situada, a fim de construir algo distinto (WALSH, 2018).
O Giro Decolonial é interpretado como um movimento de resistência que visa “en
primer lugar, un cambio de perspectiva y actitud que se encuentra en las prácticas y formas de
conocimiento de sujetos colonizados, desde los inícios mismos de la colonización”
(MALDONADO-TORRES, 2007, p. 160), representando um reposicionamento epistemológico
frente à lógica da modernidade/colonialidade, que apesar de contemporaneamente sistematizado,
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origina-se desde as resistências coloniais. “En segundo lugar, [es] un proyecto de transformación
sistemática y global de las presuposiciones e implicaciones de la modernidad, asumido por una
variedad de sujetos en diálogo” (MALDONADO-TORRES, 2007, p. 160).
Posto que dentro da lógica eurocêntrica só seria possível falar em multiculturalismo ou
direito a diferença, quando todos estivessem domesticados pelo capitalismo, o termo
decolonialidade é pensado como um projeto de resistência teórico-política, uma alternativa de
fronteira e uma resposta transmoderna à modernidade ocidental. (MALDONADO-TORRES,
2007).
COLONIALIDADE E COLONIALISMO INTERNO

É no contexto de consolidação da economia-mundo ocidental, eurocêntrica e capitalista


que se desenvolveu e perpetuou-se o que González Casanova (1995) e Stavenhagen (2014)
denominam de colonialismo interno, concomitante à dinâmica de colonialidade. Ou seja, o que
se observou a partir de alguns dos casos de independência latino-americana, sob a égide da
ascensão hegemônica e capitalista inglesa, foi que a relação colônia-metrópole se perpetuou na
forma da dependência internacional, mas também “repetiu-se dentro dos próprios países
colonizados, nas relações que se foram desenvolvendo entre uns quantos “polos de crescimento”
e o resto do país” (STAVENHAGEN, 1965, p. 161).
O colonialismo interno, que “só pôde surgir através do grande movimento de
independência das antigas colônias” (CASANOVA, 2002, p. 83), vincula-se diretamente ao
fenômeno de conquista e domínio, onde os povos nativos, primeiramente submetidos ao domínio
colonial, assim permanecem na formação dos Estados independentes, seja naqueles em que
ocorreu a revolução socialista, seja naqueles em que ocorreu a guinada do capitalismo, sofrendo
condições semelhantes às que ocorriam no período colonial ou neocolonial internacional
(CASANOVA, 2007).
Enquanto relação social de exploração e dominação entre grupos culturais heterogêneos,
o colonialismo interno tem a importância de situar-se como categoria de análise que contêm, mas
não se limita a, outros tipos de relação de dominação e exploração, como os da relação cidade-
campo, ou entre classes sociais. É justamente a heterogeneidade cultural que, historicamente,
produziu as conquistas de uns povos por outros, que permitiu ao colonialismo expor as relações
de exploração que opõe diferentes civilizações, diferentes formas de ver o mundo.
Inserida na totalidade-histórica da colonialidade, a dinâmica de colonialismo interno
também se articula de maneira diversa em cada realidade social, todavia, todas as formas de
colonialismo interno compartilham a condição de categoria complexa, que se apresenta em termos
de exploração através dos eixos de raça, gênero e classe.
Ocorre que nesses Estados independentes, de sociedade colonial, desenvolveu-se uma
consciência colonizadora nas elites nacionais que buscavam aniquilar e/ou explorar as identidades
autóctones. Territórios foram criados buscando abrir o país em frentes de invasão que colocaram
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em primeiro plano a indústria de extração. Submeteu-se à população local à trabalhos insalubres,


com pouca margem de segurança e baixos salários. Criaram regiões inteiras que dependem de
uma única companhia, que assume um poder de dominação “não somente corporativa, econômica,
para-policial, mas também psicológica, cultural, social, política, judicial” (CASANOVA, 2007,
p. 447). Romper esta dominação torna-se cada vez mais difícil à medida que a natureza, o trabalho
e o próprio Estado são privatizados, e, diante do desemprego como exclusão, cria-se como única
realidade a subalternização da sociedade.
A análise do colonialismo interno deve ser, portanto, holística. Ela envolve desde a
compreensão das perpetuações da colonialidade atrelada a conjuntura de colonialismo interno
locais, até as relações de força entre atores múltiplos, de nível intranacional, internacional e
transnacional, vinculados às demandas do mercado global. Como padrão de relação doméstica, o
colonialismo interno sustenta-se em um discurso de “questão nacional” que na verdade busca
opor-se a qualquer reivindicação de autodeterminação das minorias, podendo ser identificado não
apenas, mas principalmente nas periferias do capitalismo.
Nas periferias do capitalismo global, a ideologia de uma identidade nacional é forjada
para legitimar a conquista de territórios e o domínio de povos no intuito de dirimir poderes e
saberes concorrentes e possibilitar a preponderância do Estado e do mercado.
Nesse contexto, a elite nacional e os assimilados locais revelam-se beneficiários das
mais diversas formas de exploração, mesmo que comumente atuem em nome da democracia, do
nacionalismo, do progresso e da segurança nacional. Nesse ínterim, “a articulação dos complexos
militares-empresariais e políticos é fundamental” (CASANOVA, 2007, p. 449). “Dentro de suas
políticas cabem os distintos tipos de colonialismo organizado que se combinam, complementam
e articulam em projetos associados para a maximização de utilidades e do poder das empresas e
dos Estados que as apoiam" (CASANOVA, 2007, p. 450). Assim:
Em caso de conflito com o governo local ou com os trabalhadores e com
movimentos sociais e políticos, as “companhias invasoras” recorrem ao estado
provincial, ou ao nacional, e se estes não atendem seus interesses e demandas,
amparam-se nas “potências invasoras”. A lógica de que o que convém às
companhias convém à nação e ao mundo (o slogan conhecido diz: What is good
for General Motors is good for the World) impõe-se de cima para baixo entre
funcionários, diretores, gerentes e empregados de confiança, ou que aspiram
sê-lo. Corresponde ao sentido comum de uma colonização internacional que
se combina com a colonização interna e com a transnacional. Nela dominam
as megaempresas e os complexos empresariais-militares. Todos atuam de
forma “realista” e pragmática sobre as bases anteriores e iludem-se ou
enganam-se pensando que a única democracia viável e defendível é a dos
empresários, para os empresários e com os empresários (CASANOVA, 2007,
p. 447-448).
Como afirmou Braudel (1987, p.43) em um mundo que modernizou-se dividindo
privilegiados e subalternos, centro e periferias, “o capitalismo só triunfa quando se identifica com
o Estado, quando ele é o Estado” (BRAUDEL, 1987, p. 43). O Estado é produto e herdeiro do
capitalismo, foi disciplinado por ele, de modo que a modernidade se concebe sob o signo da
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desigualdade. Essa desigualdade não é passageira, não é uma etapa do progresso, é herança e
perpetuação da hierarquização social e subalternização, é projeto da lógica de acumulação que
violenta, empobrece, discrimina e exclui outras formas e sistemas de vida, que a despeito de tudo,
resistem. so, como alerta Santos (2004, p. 28) “devem ser consideradas ilusórias
COLONIALISMO INTERNO NA AMAZÔNIA NO PERÍODO DA DITADURA
EMPRESARIAL-MILITAR BRASILEIRA

Como nos lembra Wallerstein (2001) o mundo capitalista é que sempre buscou os
produtos das regiões externas a ele, não o contrário. E para a elite orgânica2 que subsidiava o
poder do Estado autoritário brasileiro em 1964, a Amazônia representava uma fronteira de
recursos a ser explorada. O discurso carregava consigo binômio do desenvolvimento e garantia
da segurança nacional, mas impôs uma modernização-conservadora pensada pela elite no poder,
interessada nos recursos naturais e na mão-de-obra de baixo custo (DREIFUSS, 1987;
LOUREIRO, 2002).
Ainda conforme essa mentalidade, o habitante da Amazônia era deslegitimado em sua
cosmologia, tradições e formas de relação com a floresta. Os povos da tradição, no quadro da
imposição da mentalidade dual homem/natureza eurocentrada, se apresentavam como maior
obstáculo para o uso da terra e a industrialização (SIMONIAN; SILVA; BAPTISTA, 2015;
LACERDA; VIEIRA, 2015; SANTOS, 2016). Para o regime militar, a floresta amazônica só
possuía valor quando derrubada, como demonstrou o uso legal do conceito de terra-nua (VTN)
do qual se fez uso para venda de terras cheias de biodiversidade a preços irrisórios, a fim de
incentivar a ocupação e o deflorestamento (LOUREIRO, 2014).
Assim como os portugueses, que após a conquista aguardaram alguns anos para iniciar
o processo exploração do Brasil, após o golpe militar, foi apenas em 1966 que o programa de
políticas públicas intitulado ‘Operação Amazônia’ reformulou as precedentes medidas de
intervenção na região.
No que tange às medidas burocráticas, cabe destacar que a Superintendência do Plano
de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) foi convertida em Superintendência do
Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e o Banco de Crédito da Amazônia (BCA) em Banco
da Amazônia (BASA), com a finalidade de gerir e financiar os projetos de colonização. E a lei nº

2
[...] se não todos os empresários, tecno-empresários intelectuais, burocratas e militares, “pelo menos uma
elite entre eles” deverá ter a capacidade de articular e organizar os seus interesses num projeto de Estado
para si e para a sociedade. E isto será feito, com a consciência de que seus “próprios interesses corporativos,
no seu presente e no seu futuro desenvolvimento, transcendem os limites corporativos de classe puramente
econômica” e tanto podem como devem “transformar-se em interesses de outros grupos subordinados”.
Estas elites são as que denominamos de elites orgânicas: agentes coletivos político-ideológicos
especializados no planejamento estratégico e na implementação da ação política de classe, através de cuja
ação se exerce o poder de classe (DERIFUSS, 1987, p. 24).
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5.174 estendeu os incentivos fiscais industriais, existentes desde 1953, aos empreendimentos
agropecuários
Em termos simbólicos, em dezembro de 1966 o Presidente Castelo Branco desceu o rio
Amazonas no navio Rosa da Fonseca, no sentido Manaus-Belém e lá celebrou a 1ª Reunião de
Investidores da Amazônia. A elite local ficou extasiada com o renascimento da Amazônia,
enquanto o presidente, apresentava como de interesse nacional às oportunidades de lucro fácil aos
capitalistas de fora da região. Na exaltação da racionalidade do planejamento econômico, em
nenhum momento esses projetos apareceram como sendo “financiados pelas classes
subordinadas, posto que são incentivos e subsídios governamentais” (LOUREIRO, 2014, p. 70).
A SUDAM elaborou o 1º Plano Quinquenal de Desenvolvimento da Amazônia (1967-
1971) e em 1967 foi criada da Zona Franca de Manaus, administrada pela Superintendência da
Zona Franca (SUFRAMA) (RIBEIRO, 2006). Também em decorrência da Operação Amazônia,
em 1966 foi criado o Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social do Pará (IDESP), que
inicialmente foi marcado por certa divergência entre as pretensões da tecnoburocracia regional e
o Governo Federal. Enquanto os militares discursavam para atrair maciços capitais, a elite
regional, em seus trabalhos técnicos, versava sobre atividades passiveis de exploração pelo capital
médio: madeira, mandioca, pecuária de corte, transporte, pimenta do reino, turismo etc.
(LOREIRO, 2014). Porém, isso era inviável para os interesses industriais que sustentaram o golpe
militar.
Para expansão do agronegócio, o Estado autoritário, em seu “planejamento de
ocupação”, adotou como prática permanente negligenciar a existência de grupos autóctones e
migrantes que já haviam incorporado inúmeras benfeitorias às terras que ocupavam na Amazônia.
O valor da terra-nua, garantiu que a negociação de terras fosse praticamente uma doação,
desconsiderando a floresta natural e o valor das benfeitorias existentes. A SUDAM negou
qualquer responsabilidade em constatar a existência de posseiros na região, atribuindo a
responsabilidade aos órgãos regionais que adotaram a prática comum, nas décadas de 1960, 70 e
80, de venda de uma mesma propriedade para compradores diferentes, gerando o descontrole dos
registros do Sistema Nacional de Cadastro Rural, a concentração fundiária e os conflitos no
campo, que se perpetuam-se na atualidade como herança dessa colonização interna da Amazônia
(IPAM, 2006; LOUREIRO, 2014).
O que se teve como resultado imediato da abertura econômica da Amazônia foi a
falência das pequenas industriais locais devido à concorrência com as do Centro-Sul do país. Esse
cenário foi agravado pela marcha de industrialização pesada, que se efetivou de forma
oligopolizada e com predominância de capital estrangeiro. Do total de investimentos para a
Amazônia, até 1975, a prioridade foram os equipamentos elétricos, mecânicos, de áudio, ótica
etc. Em nada beneficiou-se o consumo médio regional. Com a falência das empresas, criou-se
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mais um gatilho de transformação regional, que garantiu a extensão de isenções fiscais ao setor
do agronegócio (COSTA, 2012; BECKER, 1982).
Ainda em 1970, na gestão Médici, o decreto-lei 1.106 criou o Programa de Integração
Nacional (PIN), e estabeleceu como primeira etapa de suas metas a construção das rodovias
Transamazônica e Santarém-Cuiabá – sucedidas pelas Perimetral Norte, Porto Velho-Manaus e a
São Paulo-Cuiabá-Porto Velho. Para tanto, o Governo usou para os fins da reforma agrária 10 km
de cada margem de estada das unidades federadas da Amazônia Legal. Essa medida gerou o que
ficou conhecido como Polígono desapropriado de Altamira, no Pará. Foram expropriados do
estado 64 mil km² de terras, a “maior desapropriação de terras jamais efetuada por um estado
capitalista” (LOUREIRO, 2014, p. 152). Ainda que tenha aberto a região para novas pessoas,
mercadorias e informações, o impacto desses eixos de penetração sobre a região também foi
violento, principalmente pela rapidez com que se faz a penetração da “inovação” (BECKER,
1982, p. 67).
O programa também converteu o Instituto Brasileiro de Reforma Agraria (IBRI), no
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), então responsável pelos Projetos
Integrados de Colonização (PIC) e Projetos de Assentamento Dirigido (PAD), desapropriando
mais 6,4 milhões de hectares, somente no estado do Pará. As unidades familiares assentadas, eram
provenientes do Nordeste e Sul do país, estimuladas a deixarem suas terras para que a expansão
agroindustrial que ‘irrigaria o Nordeste’ e ‘mecanizaria a produção ao Sul’, subsidiados pelo
governo, não encontrasse maiores problemas e resistências populares. Essa estratégia foi vendida
sob o lema que marcou a década de 1970: “homens sem-terra (do Nordeste e Centro-Sul) para
terras sem homens (da Amazônia)” (LOUREIRO, 2014, p.155).
Em 1971 a repressão se estendeu. O decreto-lei nº 1.164 permitiu à União retirar dos
estados amazônicos o poder de jurisdição sobre as terras devolutas nas faixas de 100 km marginais
das rodovias federais. Foi mais um decreto-confisco. Mediante esse decreto, apoiado em
dispositivos da carta constitucional, a federalização do território foi apontada como uma questão
de segurança e desenvolvimento nacional. Foi a forma encontrada pelo governo para, em vez de
rever o modelo, acelerar o processo de ocupação e acumulação do capital, em resposta aos
conflitos prementes. O Pará foi o estado mais penalizado por essas medidas. Isso porque sua
geografia já o divide naturalmente, seja pelos grandes rios que o cortam e ou pelas estradas - em
maior número que nos demais estados amazônicos. A federalização acentuava ainda mais essa
fragmentação (LOUREIRO, 2014).
Além da motivação econômica, a pressa na ocupação “justificou-se também pelo temor
do surgimento de movimentos de guerrilha rural de base camponesa na região, de que se
começava a ter notícias a partir dos anos primeiros da década de 1970” (LOUREIRO, 2014, p.
125).
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O lançamento do 1º Plano Nacional de Desenvolvimento (1972/1974) deixou ainda


mais evidente que, para a elite orgânica, a Amazônia não passava de uma riquíssima fronteira.
Em termos institucionais, o PND Serviu para institucionalizar o PIN e reformar o programa de
distribuição de terras (Proterra). Em termos práticos, era mais do mesmo: anúncio de justiça social
com acesso à terra, mas benefício real à técnicos-burocratas e empresários. Dessa vez o
alinhamento da elite regional foi imediato. A elite local, logo soube como expandir seus ganhos
frente ao planejamento centralizado do Estado, à medida que novas-velhas formas de relações de
trabalho eram refundadas, como a “peonagem, assalariamento com remuneração aviltada e o
trabalho escravo” (LOUREIRO, 2014, p. 108).
O estímulo a migração e a proletarização forçada afetou a estratificação social dos que
já residiam e daqueles que chegavam à Amazônia. “No decorrer do processo migratório,
desaparecem justamente as categorias de vínculos mais estreitos com a terra, cujos membros se
transformaram principalmente em assalariados temporários, mas também em posseiros e
pequenos comerciantes” (BECKER, 1982, p. 144). A colonização fez surgir também uma nova
categoria que servia como mercadores de mão-de-obra: os gatos.
Até 1980 foram poucas as categorias que mudaram de status social na fronteira
amazônica. Dentre os que melhoraram de vida, tratavam-se, “basicamente, de pessoas que já
detinham posses em terra ou capital nas regiões de origem – os comerciantes e grandes
proprietários/comerciantes - e que enriqueceram graças à apropriação de mais terra ou à função
comercial de intermediação com as cidades mais desenvolvidas do Centro-Sul do país”
(BECKER, 1982, p. 145).
Dentre os colonos, as populações do Nordeste foram as que apresentaram crescente
empobrecimento relativo. “Por outro lado, a migração mais rica, do Sudeste, de onde provém a
maioria dos comerciantes, [acusou] melhoria significativa de status, conseguindo efetivamente
novas oportunidades na fronteira” (BECKER, 1982, p.147).
Além da sujeição a uma estratificação social rígida, é importante reforçar aqui o real
sentido dessa proletarização que assume caráter central no caso de colonização interna da
Amazônia. Conforme Dardot e Laval:
A proletarização significa que homens caem numa situação sociológica e
antropológica perigosa, caracterizada por falta de propriedade, falta de reservas
de toda natureza (inclusive laços familiares e de vizinhança), dependência
econômica, desenraizamento, alojamentos de massas semelhantes a casernas,
militarização do trabalho, distanciamento da natureza, mecanização da
atividade produtora, em resumo, uma desvitalização e despersonalização
gerais (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 128).
A crescente proletarização na Amazônia em condições indignas demonstra que:
[A] apropriação da natureza entre os diversos blocos de capitais e
segmentos da sociedade constituiu, desde o início, para o Estado e o
capital, um alvo mais importante do que o desenvolvimento econômico
mencionado nos planos elaborados pelos órgãos e agências de
desenvolvimento (LOUREIRO, 2014, p. 105).
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Logo, tirar do amazônida o acesso à terra assemelha-se à mesma estratégia da Lei da


Terra de 1850 – que limitou o acesso à terra aos escravos libertos - de cercear alternativas e
condicionar estes povos às dinâmicas produtivas dos grupos econômicos que se instalavam na
Amazônia.
Destarte, nos anos finais do “milagre econômico”, o II Plano Nacional de
Desenvolvimento (II PND) (1975-1979) do governo Geisel estabeleceu o Programa de Polos
Agropecuários e Agro Minerais da Amazônia (Polamazônia), que visava promover
aproveitamento agropecuário, mineral, agroindustriais e florestal da região, fundamentado na
teoria dos polos de desenvolvimento. Foram selecionados 12 polos sob jurisdição da Sudam. No
Pará eram: Carajás, Trombetas, Altamira e Marajó. Para Loureiro (2014) o Polamazônia foi uma
forma já usual que a administração pública tinha de retirar recursos de programas anteriores, nesse
caso, do Proterra e do PIN.
Conforme afirma Loureiro (2014), desde o início da colonização, o grande interesse do
Estado e do mercado internacional era o minério de Carajás, cuja mina de ferro passou a ser
exploradas pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) em parceria com o capital estrangeiro.
Esse empreendimento concentrou vultuosos recursos públicos, comprometendo severamente os
que se destinavam ao Poloamazônia, que acabou servindo apenas para sustentar relações
clientelistas.
Com o aumento de pedidos de pesquisa e lavra dentro das terras indígenas, dentre eles
7 pedidos feitos pela CVRD para o território dos Xikrin, e a valorização das novas áreas, criou-
se um verdadeiro mercado especulativo imobiliário, os conflitos foram intensificados sem que o
Estado poupasse índios, posseiros e ribeirinhos.
Ocorre que, tanto a constituição de 1946, quanto o Estatuto do índio (Lei Federal nº
6.001) possuíam dispositivos legais que obrigavam a demarcação de terras, o que, contudo, foi
sumariamente descumprido. Em vez disso, “em 1983, através do decreto-lei nº 88.895, a União
autorizou a atividade de empresas de mineração em terras indígenas” (LOUREIRO, 2014, p. 236),
posto que Código de Mineração vigente (artigos 27, 57 e 87) estabelecia a prevalência da atividade
sobre qualquer uma outra na região. Ou seja, a mineração na Amazônia está acima da lei, da
população e sempre que possível, do próprio Estado. Em 1986 já havia 7.000 pedidos de pesquisa,
40% concedidos entre 1984-1985.
A mineração, além de ser atividade incompatível com trabalho agrícola, utiliza áreas de
dimensões hercúleas, que geram conflitos e deslocamentos, além de degradação ambiental. A
situação indígena se agravou, principalmente desde 1983, quando o decreto nº 88.985 passou a
permitir a mineração em suas áreas. A coordenação nacional de geólogos estimava, ainda em
2014, que 1/3 das áreas indígenas da Amazônia foram atingidas pela atividade e mais 2.000
requerimentos aguardam aprovação (LOUREIRO, 2014). Esse cenário foi sumariamente
agravado com a gestão Bolsonaro, a partir de 2019, principalmente através da tentativa de
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aprovação do Projeto de Lei 191/2020, que regulamenta a exploração mineral e garimpeira nas
terras indígenas (BENTO, COLARES, NUNES, 2022).
Em continuidade à cronologia, o II PND marcou uma nova etapa no esforço de
colonização da Amazônia. Essa fase de Grandes Projetos, iniciada em 1980, compreendia, em
essência, a potencialização de grandes empreendimentos propostos pelo Governo Federal,
implementados com a parceria estrangeira. Em 1988, 29 empreendimentos já haviam sido
implementados. Além do enorme potencial mineral, o Projeto Grande Carajás parecia estratégico,
pelo conjunto de vantagens comparativas derivadas da grande massa florestal, útil para fabricação
de carvão, o insumo básico da produção de ferro gusa, no entanto representou de forma mais
ampla uma transferência da atividade extrativa/energética dos grandes centros econômicos para
periferias como o Brasil. O Banco Mundial foi um grande encorajador e planejador do projeto. E
o conjunto de empreendimentos recebem até hoje, isenções fiscais (LOUREIRO, 2014). Já as
carvoarias, hoje, são objeto de sérias denúncias de trabalho escravo na Amazônia.
É importante notar que a capacidade de implementação dos grandes projetos, a essa
altura dos anos 1980, derivava da disponibilidade de petrodólares, ou seja, agravavam o quadro
de endividamento externo do país. Ainda que o Brasil comportasse o oitavo parque industrial do
mundo, sob a crescente hegemonia do capital financeiro, a desnacionalização e desregulação da
economia trouxe como principal resultado uma crise econômica e social na qual o Brasil foi
inserido pelo regime empresarial-militar (FILGUEIRAS et al, 2010).
Nos últimos anos do regime empresarial-militar, em função da crise que se desvelava,
o III Plano Nacional de Desenvolvimento foi seriamente afetado pelos cortes de financiamento
público e não conseguiu alcançar os objetivos propostos pelo governo. Sudam e Sudene foram
paulatinamente sendo esvaziadas de suas atividades, quando ainda em “1980, o governo
demandou uma desvalorização do cruzeiro frente ao dólar na ordem de 30%”, como forma de
potencializar as exportações para fins de pagamento do endividamento externo (PONTE, 2010,
p. 133). A Amazônia brasileira seguia permeada por novos colonos, fazendeiros, grileiros e
grandes empresas fruto de grandes projetos, integrando-se à economia brasileira como
fornecedora de matéria-prima à divisão internacional do trabalho.
Nos anos finais do regime militar até a transição para a redemocratização, a Amazônia
perdeu 10,5% de sua cobertura vegetal. No estado do Pará (1970-1991) a perda foi de 13% da
2 2
cobertura vegetal. Em 1970 havia 65,9 mil km desmatados, em 1991 a área já era de 146 mil km
(FEARNSIDE, 1995).
Souza (2016) constata que não foi no período colonial que a América Latina se tornou
significativamente mais desigual que os países desenvolvidos, essa peculiaridade ocorreu no
século XX. Tal qual na Amazônia, a crescente perda de nivelamento social foi promovida por
modelos econômicos impostos, foram efeitos imediatos das investidas de controle sobre a
economia, a autoridade e a natureza.
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No mais, a desigualdade que permeava a sociedade brasileira se fez agravar na


Amazônia com a expropriação da terra e exploração da população local. É patente, portanto, que
não apenas os desdobramentos dos conflitos sociais, mais também a intensa incidência de
exploração do trabalho na região é fruto inalienável do regime militar que através do uso do Pará
como porta de entrada para a Amazônia, fez desse estado o infeliz campeão em número de
trabalhadores resgatados e estabelecimentos inspecionados sob denuncia de uso de mão-de-obra
escrava do Brasil (PADILHA e QUADROS, 2015; FERNANDES e MARIN, 2007).
É neste sentido que podemos afirmar que o regime ditatorial logrou consolidar uma
efetiva relação de colonialismo interno de ocupação e exploração da Amazônia. A tratativa com
a região incluía a inferiorização, desumanização e subalternização dos povos locais, com prática
de aculturação para indígenas e escravidão corrente da população campesina, ambos
desterritorializados e proletarizados à serviço dos grandes projetos e grandes empresas que
migraram para e região.
Essa fase da relação com a Amazônia permite-nos compreender que quem conquistou
foi o Estado, mas a serviço do mercado capitalista ocidental. E, portanto, a violência, a degradação
ambiental e a desigualdade socioeconômica conformam as heranças mais diretas da ralação de
colonialismo interno do Estado Empresarial-Militar com a região.
Não apenas para a Amazônia, também para o Brasil e a América Latina, os regimes
ditatoriais foram verdadeiros projetos de instabilidades, que visaram articular os eixos de
dominação do trabalho, da raça e do gênero a partir de um novo condicionamento dos países
periféricos, qual seja, o sistema de endividamento essencial para a guinada neoliberal.
COLONIALIDADE NEOLIBERAL E RESISTÊNCIA NA AMAZÔNIA

O fim do colonialismo formal não significou o fim das relações de poder coloniais. A
literatura afirma que, no pós-independências, o mundo moderno inseriu-se em uma dinâmica de
colonialidade que se vincula intrinsecamente à acumulação capitalista. Da mesma forma, o fim
do regime empresarial-militar brasileiro que concretizou a relação de colonialismo interno com a
Amazônia, não a tornou livre da exploração, em verdade integrou-a, ainda que de forma truncada,
à economia nacional e ao capitalismo globalizado, rearticulou os eixos de exploração nos moldes
de uma colonialidade interna diretamente vinculada a colonialidade/modernidade capitalista, que
consolidou, aos finais do século XX, a hegemonia da economia neoliberal. E é esta nova fase que
podemos denominar colonialidade de caráter neoliberal.
O vínculo entre a colonialidade interna - que baliza a relação contemporânea do Estado
brasileiro com a Amazônia – e a colonialidade neoliberal se dá primordialmente pela atuação da
elite orgânica. Composta por empresários, técnicos e políticos que Dreifuss (1987, p. 24) resume
como “agentes coletivos político-ideológicos especializados no planejamento estratégico e na
implementação da ação política de classe” e cujo empenho é transformar seus interesses
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puramente corporativos, em senso comum, ou seja, convertê-los em interesses de outros grupos


subordinados, ou mesmo em interesse nacional.
Assim, enquanto a colonialidade interna se expressa nas assimetrias regionais e
socioeconômicas entre Amazônia e o restante do Brasil e se materializa na perpetuação de
políticas neoextrativistas3, insustentáveis e violentas, a colonialidade neoliberal expressa-se na
instrumentalização da raça, gênero e trabalho como formas de hierarquização social em benefício
do capital seja ele nacional ou internacional. Ou seja, a colonialidade neoliberal enquanto
estrutura e a colonialidade interna enquanto reprodução local da colonialidade do poder, do ser,
do saber e das cosmologias orientam-se para a modernização-conservadora da Amazônia
conforme as demandas da razão neoliberal.
Uma importante característica da colonialidade neoliberal está na capacidade de
articulação transnacional da elite orgânica, e seus associados nacionais, em reproduzem a
dinâmica de exploração da Amazônia através da perpetuação de uma elite duradoura local, que
consolida o controle da autoridade e cuja finalidade é o controle da economia através de
sucessivas imposições de grandes projetos e de um padrão de desenvolvimento econômico
Neoextrativista, que exclui os interesses das comunidades locais, visando subalternizá-las como
forma de restrição social e condicionamento à dinâmica do capital. Assim logram assestar suas
redes de controle sobre a natureza, os conhecimentos locais e encampar um sistema insustentável
de desflorestamento, ampla degradação socionatural e, claro, o lucro.
No curso dessa dinâmica, a crise que assombra a sociedade contemporânea não é apenas
econômica ou ambiental. Torna-se patente a relação crítica e insustentável do capitalismo
neoliberal com as democracias, posto que o capitalismo neoliberal não tem compromisso com a
liberdade, com a inclusão e com o desenvolvimento. E a despeito da noção que nos leva a pensar
o mercado capitalista como uma relação atômica, ou mesmo natural entre vendedores e
consumidores racionais, sua mais tácita evidência tem sido a consolidação de desigualdade,
monopólios das cadeias produtivas, determinação de preços, mas também de políticas que
deturpam até mesmo os elementos procedimentais da democracia representativa liberal.
Destarte, crise democrática, degradação da socionatureza e violência sistêmica são
expressões da colonialidade que se perpetua na sociedade moderna, mas apara além das heranças,
novas formas de controle e exploração tomam forma em um mundo neoliberal.
Se por um lado é imprescindível reconhecer que a agenda socioambiental logrou espaço
no debate público internacional, principalmente a partir das grandes conferências ambientais
dirigidas pela Organização das Nações Unidas, por outro, as transformações do capitalismo
neoliberal têm possibilitado o encontro de novas formas de apropriação da natureza e do trabalho

3
Ver: Maristella Svampa (2019).
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na Amazônia, ao mesmo tempo em que convive com as velhas formas de exploração. Em uma
perspectiva crítica e realista acerca da região, Gonçalves (2017, p.20) argumenta que:
Sob esse magma de significações imaginárias que funda a sociedade
capitalista moderno-colonial, cabe à Amazônia a condição de estar a
serviço dos desígnios das relações de poder e das visões de acumulação
de capital e do desenvolvimento de suas forças produtivas com a função
de supridora de recursos naturais, como a geopolítica do sistema mundo
capitalista moderno-colonial impõe aos
continentes/países/regiões/lugares coloniais, sobretudo aos
grupos/classes sociais em situação de subalternização nessas diferentes
escalas. Esse é o pano de fundo sobre o qual uma nova (nova?) chave de
leitura é imposta, mais uma vez de fora, desde finais dos anos 1960 e,
sobretudo, desde os anos 1970: a chave ecológica. Essa nova (?) chave de
leitura se aproxima de velhas perspectivas conservacionistas, com fortes
raízes nos EEUU, que busca a criação de áreas protegidas seja em função
de seu valor científico e/ou estético (parques nacionais, reservas
biológicas etc.) que tem na UICN (União Internacional de Conservação da
Natureza) sua principal instituição internacional, mas também pelas
oportunidades de ser transformada em novas commoditties da economia
verde pelo capital financeiro. Essa nova (nova?) chave de leitura tem nos
capitais das novas indústrias ligadas à engenharia genética e de novos
materiais um de seus suportes e, mais recentemente, reinventada pelo
capital financeiro. De certa forma, esses novos setores do capital
industrial têm uma relação diferente com as fontes de matéria-prima, por
sua valorização do material genético (biodiversidade, germoplasma), ao
contrário dos setores tradicionais, que põem a floresta abaixo, agora para
o avanço da pecuária, para qualquer monocultura. E, mais recentemente,
pelo capital financeiro com sua enorme avidez para inventar mercadorias
fictícias que só existem para ampliar a circulação-acumulação de uma
economia especulativa, como o mercado de carbono e seus bônus e ônus.
(GONÇALVES, 2017, p.20).
Diante dessa reflexão é possível notar que, no ideal do cidadão moderno, a natureza,
que antes representava apenas um estoque de recursos – por muitas vezes entendida como
empecilho a ocupação e ao desenvolvimento – precisou da tecnologia, da economia verde, e da
difusão de termos como o do desenvolvimento sustentável, para ter seu valor existencial
reconhecido pelo mercado, e com ela, a importância se estendeu às comunidades tradicionais, que
passaram a adquirir a função de guardiões do que poderá, mais tarde, ser apropriado pela
biotecnologia, engenharia genética etc.
Essa lógica sinaliza que a destruição da diversidade biológica, da fauna e da flora
regional só será repensada, ainda que parcialmente, pela política nacional e internacional, quando
a natureza se converter, conforme a mentalidade privatista e individualista eurocêntrica, em
reserva de recursos para a nova fase do capitalismo. E os intermediários desse saque premeditado,
podem vir a ser justamente, como mostra a história, a elite local articulada aos interesses
econômicos transnacionais.
Escobar (1995) denominou de pós-moderna, essa nova fase de capitalização da
natureza, mais adequada aos avanços tecnológicos e que impõe um duplo desafio aos movimentos
de resistência: construir formas alternativas de produção ao mesmo tempo que resistem a essa
dominação simbiótica da natureza.
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Note-se que o capitalismo de exploração não é suplantado, na verdade a mercantilização


moderna da natureza e do trabalho e a apropriação pós-moderna, são ambas uteis e necessárias
ao capital. A primeira como garantia dos imperativos de acumulação presente e a segunda como
garantia de acumulação futura. No Brasil, especificamente, “as elites rurais e reacionárias jamais
foram dramaticamente varridas de cena [...]. Ao contrário, a simbiose tradicional que conectava
os oligarcas tradicionais ao Estado tem sido reforçada por uma perversa 'modernização'"
(EVANS, 2004, p. 97).
Cabe aqui deixar evidente que as medidas de combate às mudanças climáticas e aos
riscos ambientais perpassam pela manutenção de florestas, principalmente as tropicais. Esse é um
esforço civilizacional e respaldado cientificamente. O que Escobar e Porto Gonçalvez trazem à
luz é a importância de refletir criticamente às novas formas de mercantilização da natureza que,
disfarçadas de práticas sustentáveis, permanecem cerceando o debate plural e impondo uma
racionalidade utilitarista sobre as cosmologias locais.
É indispensável reforçar que a integração forçada e determinística da Amazônia ao fluxo
de capitais internacionais é confrontada pelas múltiplas formas de resistência histórica local. Mas
a consolidação de redes de resistência que atuem de forma transnacional vêm sendo gestada, de
forma mais sistemática, aproximadamente desde os anos 1980. E em contexto de
transnacionalização do capital, a luta também há de ser transnacionalizada, sem que se perca o
protagonismo local (FONSÊCA, 2018).
A importância de criação dessas redes também implica em demonstrar que a resistência
não se confunde com postura passiva, assume vínculo direto com a construção de uma outra
existência, de uma sociedade mais justa, plural, igualitária e equitativa. Para tanto, (re)existência
opõe-se diretamente a falta de compromisso com a verdade ou qualquer dos revisionismos
históricos que tentam hierarquizar e deslegitimar a possibilidade de uma convivência da
humanidade.
Resistir é manter-se existindo, ocupando espaços, entendendo e reagindo à razão
moderna-ocidental colonial e neoliberal. É compreender que a Amazônia não é atrasada ou anti-
moderna, menos ainda anticientífica. A Amazônia é parte constitutiva da modernidade, possui
uma multiplicidade de racionalidades e modos de vida, fundamentais para as populações locais,
para biodiversidade regional, bem como para a construção e refundação decolonial da
modernidade.
Decolonizar o conhecimento, a sociedade e a forma como de monetariza a natureza é
também decoloniazar a ciência, tornando-a capaz de integrar o conhecer e o viver, que vai muito
além da racionalidade instrumental, utilitarista e individual. Sob essa estrutura, decolonizar a
Amazônia demanda um diálogo entre o conhecimento científico e outras racionalidades. Faz-se
necessário resgatar a ciência do seu comprometimento com o capital, e partir para uma
democratização da ciência, nas bases de uma ecologia de saberes como defende Santos (2009).
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Nesses termos, estaremos mais próximos de sair do maniqueísmo que antagoniza ciência e
tradição, rumo a um conhecimento completo, que não renuncie aos rigores metodológicos, mas
que não se limite à monocultura disciplinar e a estratégias descontextualizadas.
Esses esforços possuem como finalidade pôr em prática ações e decisões balizadas na
interculturalidade, mas esta não se reduz a um movimento funcional ao sistema de mercado, útil
para dirimir conflitos e vender produtos “verdes”. A interculturalidade é um projeto, um processo
a se construir, que precisa envolver a guinada econômica, social e epistêmica dos povos (WALSH,
2012).
Retomando a ideia primeira deste trabalho, quando ouvimos falar em crise ambiental, é
importante ter em mente que ela é fruto da incapacidade da modernidade/colonialidade de criar
mundos sustentáveis. Fruto de uma separação dicotômica entre homem/natureza,
civilização/outros. É a própria expressão da contradição do capital e da hierarquização social
colonial.
Para tanto, o pensamento ecológico e transmoderno implica em crítica à falácia
desenvolvimentista, na luta em prol das multiplicidades culturais, econômicas e ecológicas,
vincula-se à preocupação epistemológica que busca o respeito ao modo de pensar e as
especificidades de povos baseados no lugar (ESCOBAR, 2010). Partindo desses pressupostos,
qualquer que seja a teoria ou projeto de desenvolvimento socioespacial aplicados a regiões como
a Amazônia, eles não podem furtar-se de ser politicamente situados, abertos e interculturais
(SOUZA, 1997).
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em face do objetivo de analisar a relação do Estado Brasileiro com a Amazônia, torna-


se importante rememorar aqui que, no âmbito da colonialidade que perpetuar-se como a outra
face da modernidade, o Estado brasileiro consolidou com a Amazônia uma longa relação de
colonialismo interno, que se concretizou com o regime empresarial-militar, como um
colonialismo interno de ocupação e exploração.
O que substância esse padrão de relação, para além da exploração irracional de recursos
e da violência estrutural é a completa desarmonia do planejamento nacional, sob os parâmetros
do capitalismo, com a convivência e o diálogo junto à população amazônida. O colonialismo
interno efetivado pelo regime autoritário, foi uma verdadeira guerra assimétrica
intercivilizacional, que em busca de alcançar um projeto ocidentalizante, foi incapaz de
compreender outas formas de racionalidade.
Por sua vez, a guinada à razão neoliberal converteu-se em componente da totalidade
histórica de colonialidade. É qualificativo contemporâneo desta, e o que logramos chamar de
colonialidade neoliberal.
Neste contexto, velhas e novas formas de exploração da Amazônia se coadunam
atendendo tanto aos interesses imediatos de exploração da natureza quanto aos interesses futuros
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de reserva de capital natural, que entre seus beneficiários inclui elites econômicas extrativistas
locais, atores nacionais e mercados internacionais. Nesses moldes, as desigualdades regionais
brasileiras sinalizam que a integração da Amazônia à economia nacional e internacional, serviu
antes para perpetuar uma colonialidade interna no âmbito da colonialidade neoliberal.
Na base, o fator determinante desse processo segue sendo a lógica da racionalidade
eurocêntrica e capitalista, que monolítica, captura ciência e modos de vida para uma finalidade
utilitarista, individualista, de acumulação privativa do trabalho, da natureza e da própria vida. E
para isso, dissemina a tese de povos atrasados, primitivos e desprovidos de racionalidades
legítimas, violentando a todos que divergem desse padrão de apropriação do mundo.
Decorre, no entanto, que esta razão, incapaz de viver em harmonia com a terra e os
recursos disponíveis, tem avançado à revelia de si mesma e levado à implosão da própria
hegemonia e da democracia ocidental. O desafio em decoloniazar a Amazônia, e as periferias que
seguem nas amarras da colonialidade neoliberal, está em justamente conceber que esse modelo é
parte do projeto de hegemonia da razão utilitarista do mercado neoliberal, quer siga sendo
perpetuado pelos interesses do ocidente em declínio ou asiáticos em ascensão.
Por isso, os movimentos e conflitos sociais subestatais, fruto da colonialidade, do
colonialismo interno e dessa sociabilidade colonial, precisam existir, resistir e de capacidade de
articulação e de agência global, como forma de ganharem força e visibilidade.
Esse espaço supra e intraestatal precisa ser alcançado para uma co-realização de
solidariedade de diversas etnias, diversas classes, que reintegre humanidade/terra, culturas do
mundo periférico, não como anulação ou homogeneização, mas por incorporação partindo da
Alteridade (DUSSEL, 2005), da ecologia de saberes (SANTOS, 2004) e da socialização do poder,
ou seja, a ação de “la devolución a las gentes mismas, de modo directo e inmediato, del control
de las instancias básicas de su existencia social: trabajo, sexo, subjetividad, autoridade”
(QUIJANO, 2014, p. 325).
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