Contemporânea
Contemporary Journal
3(8): 12096-12113, 2023
ISSN: 2447-0961
Artigo
A OUVIDORIA COMO INSTRUMENTO DE
GOVERNANÇA PÚBLICA
THE OMBUDSMAN AS AN INSTRUMENT OF PUBLIC
GOVERNANCE
DOI: 10.56083/RCV3N8-118
Recebimento do original: 17/07/2023
Aceitação para publicação: 17/08/2023
Josivan Rocha Josino
Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e Graduado em Ciências Contábeis
pela Universidade Federal do Ceará (UECE)
Instituição: Universidade Federal do Ceará (UECE)
Endereço: Avenida Doutor Silas Munguba, 1700, Fortaleza, CE – CEP: 60714-903
E-mail:
[email protected]José Célio Pessoa Fonteles
Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR)
Instituição: Universidade de Fortaleza (UNIFOR)
Endereço: Avenida Washington Soares, 1321, Edson Queiroz, Fortaleza – CE, CEP 60811-905
E-mail:
[email protected]Marcel Pereira Pordeus
Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas (PPGPP)
Instituição: Universidade Estadual do Ceará (UECE)
Endereço: Avenida Doutor Silas Munguba, 1700, Fortaleza, CE – CEP: 60714-903
E-mail:
[email protected]RESUMO: O presente artigo visa a discutir o papel da ouvidoria como
instrumento auxiliar dos controles internos e da gestão de risco, mecanismo
essencial para a execução de uma boa governança pública. Questão
fundamental debatida é a autonomia que a ouvidoria deve manter em suas
ações, em especial no momento da escolha do ouvidor. O escolhido pode
fazer parte dos quadros da instituição, porém não deve ter vínculo funcional
ou administrativo com autoridades que serão avaliadas pelo serviço de
ouvidoria, primando pela transparência e independência em suas análises
das reclamações, críticas e sugestões feitas pelo cidadão. Outra condição
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importante para o adequado funcionamento da ouvidoria é a existência de
controle externo à atividade, que a acompanha, controla e define novos
rumos para os trabalhos.
PALAVRAS-CHAVE: Ouvidoria, Governança, Justiça Social, Cidadania.
ABSTRACT: This paper aims to discuss the role of the ombudsman as an
auxiliary instrument for internal controls and risk management, an essential
mechanism for the execution of good public governance. A fundamental issue
discussed is the autonomy that the ombudsman must maintain in its actions,
especially when choosing the ombudsman. The chosen person may be part
of the institution's staff but must not have a functional or administrative link
with authorities that will be evaluated by the ombudsman service, striving
for transparency and independence in its analysis of complaints, criticisms
and suggestions made by the citizen. Another important condition for the
proper functioning of the ombudsman is the existence of external control of
the activity, which monitors, controls and defines new directions for the work.
KEYWORDS: Ombudsman, Governance, Social Justice, Citizenship.
1. Introdução
De acordo com conceituação do Banco Mundial (BM), governança é
o exercício da autoridade, controle e administração pública (World Bank,
1994). De forma mais expansiva, podemos afirmar que governança é a
maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos sociais
e econômicos de um país, visando ao desenvolvimento, implicando ainda a
capacidade dos governos de planejar, formular e implementar políticas e
cumprir funções.
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Indo mais ao encontro dos anseios da “res publica1”, governança
pública “compreende tudo o que uma instituição pública faz para assegurar
que sua ação esteja direcionada para objetivos alinhados aos interesses da
sociedade”2.
Nesse viés, para comentar sobre as funções da governança, o Guia
da Política de Governança Pública assevera que um dos principais papéis da
política de governança é “[...] garantir que a atuação pública seja tida como
legítima pelo cidadão, de forma a fortalecer o cumprimento voluntário de
regras sociais e a reduzir a necessidade de controles mais rígidos e
burocráticos” (2018, p. 22).
A governança enquanto norma escrita surgiu recentemente no Brasil
a partir da instituição do Decreto nº 9203, de 22 de novembro de 2017, que
“[...] dispõe sobre a política de governança da administração pública federal
direta, autárquica e fundacional” (DL 9203/2017). Já no seu Art. 2º, o
decreto apresenta definições relevantes para o entendimento e
desenvolvimento da governança pública, a saber:
I - governança pública - conjunto de mecanismos de liderança,
estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e
monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à
prestação de serviços de interesse da sociedade;
II - valor público - produtos e resultados gerados, preservados ou
entregues pelas atividades de uma organização que representem
respostas efetivas e úteis às necessidades ou às demandas de
interesse público e modifiquem aspectos do conjunto da sociedade ou
de alguns grupos específicos reconhecidos como destinatários
legítimos de bens e serviços públicos;
III - alta administração - Ministros de Estado, ocupantes de cargos de
natureza especial, ocupantes de cargo de nível 6 do Grupo-Direção e
Assessoramento Superiores - DAS e presidentes e diretores de
autarquias, inclusive as especiais, e de fundações públicas ou
autoridades de hierarquia equivalente; e
IV - gestão de riscos - processo de natureza permanente,
estabelecido, direcionado e monitorado pela alta administração, que
contempla as atividades de identificar, avaliar e gerenciar potenciais
1
Res. Publica (Latim). Coisa de uso comum, de propriedade ou uso coletivo, de propriedade
do Estado.
2
(Brasil, Guia da política de governança pública/Casa Civil da Presidência da República –
Brasília: Casa Civil da Presidência da República, 2018. p. 15).
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eventos que possam afetar a organização, destinado a fornecer
segurança razoável quanto à realização de seus objetivos.
Fato relevante surgiu com a publicação do Decreto nº9901/2019, que
alterou o Decreto nº 9203/2017 e implementou o controle externo da
governança pública, com o surgimento do Art. 20-A, conforme observamos
a seguir:
Art. 20-A. Cabe à Controladoria-Geral da União estabelecer os
procedimentos necessários à estruturação, à execução e ao
monitoramento dos programas de integridade dos órgãos e das
entidades da administração pública federal direta, autárquica e
fundacional.
Tal novidade viria a se mostrar de extrema importância, haja vista o
controle pela CGU das ações dos entes públicos, que passaram a ser
monitorados pela fiscalização imposta por esse órgão público, que a rigor
monitora a qualidade e aderência à norma do trabalho exercido pelas
diversas instituições públicas.
Embora esses decretos tenham sido dirigidos em princípio às ações
ligadas à administração pública federal, os mesmos serviram de parâmetro
para a implementação da governança nas instâncias inferiores da
administração pública, em especial, nos estados e municípios. Como
exemplo, citamos o decreto nº 32.216/2017 do Estado do Ceará, que trata,
dentre outros, da implementação da governança pública, participação e
controle em todos os âmbitos da sua atuação, conforme Art.2º, o qual
transcrevemos abaixo.
Art.2º Os princípios norteadores da Gestão para Resultados no
Governo do Estado do Ceará, que devem guiar o comportamento
pessoal e organizacional dos integrantes do Governo do Estado em
todas as suas instâncias, são: I – Foco em públicos-alvo claros e
inequívocos:
[...]
II – Orientação para resultados, numa perspectiva de longo prazo;
III – Flexibilidade e agilidade administrativa;
IV – Valorização e comprometimento profissional com resultados;
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V – Governança pública integrada, convergente e colaborativa;
VI – Participação e controle social no governo; e
VII – Sustentabilidade fiscal e financeira.
No mesmo dispositivo, temos a definição das responsabilidades e dos
papéis dos administradores públicos, chamados de Alta Administração,
enfocando a necessidade do cumprimento dos princípios e das diretrizes da
governança por toda a administração pública, conforme observamos no Art.
6º, a seguir.
Art. 6º Caberá à alta administração dos órgãos e das entidades,
observados as normas e os procedimentos específicos aplicáveis,
implementar e manter mecanismos, instâncias e práticas de
governança em consonância com os princípios e as diretrizes
estabelecidos neste Decreto.
Logo, se observa que a autoridade do Poder Executivo quis com o
advento desse decreto disciplinar as ações de seus administradores no trato
da coisa pública, obrigando-os ao cumprimento de leis e normas e, ainda,
submetendo-os aos rigores dos princípios da legalidade, integridade e
transparência, sem prejuízo dos demais.
Nesse ínterim, em seu Art. nº 17, o referido decreto apresenta uma
novidade para a administração pública: o sistema de gestão de riscos e de
controles internos, servirá para acompanhar, controlar e avaliar a eficácia
das políticas públicas e subsidiar a tomada de medidas saneadoras para os
problemas identificados.
O sistema de controle interno deve ser exercido dentro da própria
estrutura do órgão controlado, por meio de procedimentos e atividades
intersetoriais (de colaboração), com vistas à realização eficiente do sistema
e correta gestão da coisa pública. O sistema de controle interno veio
complementar atividades de controle já existentes, revelando-se importante
instrumento de gestão. É o conjunto de unidades, competências, relações,
práticas e procedimentos que fazem parte do modo de agir destes entes.
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Todos os órgãos que fazem parte da administração pública possuem
em maior ou menor escala uma política de controles internos aliada à gestão
de risco, haja vista que os órgãos públicos não vivem em função de si
mesmos, mas oferecem serviços a toda a sociedade e a ela precisam prestar
contas de suas ações.
Para isso, a política de gestão de risco é fundamental para que o
cidadão enxergue qualquer órgão público como sendo uma extensão dos
anseios da sociedade, haja vista que ele também é parte integrante dela.
Identificar os riscos inerentes à atividade pública e tratá-los da melhor
maneira possível se faz necessário para que o poder público preste contas
de suas atividades à população. Temos uma adequada definição desse
assunto em obra publicada pelo Tribunal de Contas da União – TCU, quando
este se reporta à matéria em comento, afirmando que:
[...] nos termos da ABNT NBR ISSO 31000:2009, que trata de gestão
de riscos, princípios e diretrizes, organizações de todos os tipos e
tamanhos enfrentam influências e fatores internos e externos que
tornam incerto se e quando elas atingirão seus objetivos. O efeito que
essa incerteza tem sobre objetivos da organização é chamado risco
(2014, p. 65).
Ademais, importante órgão internacional, a Australian National Audit
Office (2006) se reporta ao assunto afirmando que,
[...] os riscos-chave devem ser regulamentados, identificados,
avaliados, comunicados, tratados e monitorados, de modo que se
trata de componente que acaba por integrar todas as fases das
políticas públicas. A necessidade de identificá-los adquire ainda maior
relevância no caso de adoção de soluções inovadoras, eventualmente
necessárias para tratar problemas de maior complexidade, pois
permite minimizar e/ou tratar a ocorrência de falhas com potencial
de prejudicar a imagem da instituição e/ou da política pública” (
A.N.A.O, 2006 apud TCU, 2014, p. 63)3.
3
Brasil. Tribunal de Contas da União. Referencial para avaliação de governança em políticas
públicas/Tribunal de Contas da União, Brasília (Brasil, 2014, p. 63).
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Ratificando o entendimento quanto à importância da combinação
necessária entre a gestão de riscos e o controle interno, a mesma obra
arremata a questão dizendo que:
[...] em relação ao controle interno, a Instrução Normativa TCU
63/2010 o define como o conjunto de atividades, planos, métodos,
indicadores e procedimentos interligados, utilizado com vistas a
assegurar a conformidade das ações e a concorrer para que os
objetivos e metas estabelecidos sejam alcançados. O controle interno
é de responsabilidade das instituições responsáveis pela política
(2014, p. 64).
Um instrumento criado como auxiliar à política de controles internos
e à gestão de riscos, e, por conseguinte a governança pública foi a criação
das chamadas ouvidorias públicas, objeto desse trabalho, ferramenta que
viria posteriormente a se desenvolver com a valorização dos direitos do
consumidor, a qual teceremos comentários a seguir.
2. Origem das Ouvidorias Públicas
As ouvidorias tiveram origem no século XIX com o avanço dos direitos
do cidadão frente ao mercado industrializado, que paulatinamente vinha
explorando o trabalhador com suas frentes de trabalho de horas a fio
escravizantes, com a exploração da mulher, que trabalhava mais e percebia
menos4 que os homens (situação que permanece ainda hoje) 5, com a
4
Ver matéria: “Pesquisa do IBGE mostra que mulher ganha menos em todas as ocupações”.
AGENCIA BRASIL. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-
03/pesquisa-do-ibge-mostra-que-mulher-ganha-menos-em-todas-ocupacoes. Acesso em:
03 mai. 2023.
5
Equiparação de salário entre homens e mulheres, com a aprovação da Lei de Igualdade
Salarial, Lei nº 14.611, de 2023, teve origem no PL 1.085/2023 e foi sancionada pelo
presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em julho de 2023. A nova legislação torna
obrigatória a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para
a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função. Disponível em:
https://www.politize.com.br/igualdade-salarial-entre-homens-e-
mulheres/?https://www.politize.com.br/&gclid=Cj0KCQjwk96lBhDHARIsAEKO4xZIU4P_LiH
F6iMyhhI4IQxVUoLtwb2xJatmtG3eUSBK0fdb7u0f8i0aAgFsEALw_wcB. Acesso em: 20 jul.
2023.
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permissividade dos governos à existência do trabalho infantil, tendo como
pano de fundo toda a efervescência política à época, situação que favoreceu
a criação do primeiro “ombudsman”(representante do cidadão) na Suécia
(IPEA, 2021)6.
Na américa latina, o prenúncio da criação das ouvidorias se deu no
final do século XX, com a onda redemocratizante ocorrida nos países que se
libertaram dos regimes autoritários, como o Chile e a Argentina, tendo a
população desses e de outros países demonstrado o desejo não só de exercer
seu direito ao voto, mas também ao de reclamar, questionar, propor e
denunciar eventuais maus exemplos de atendimento prestado pelo serviço
público.
O Brasil passou boa parte dos anos 1960 a 1980 sob o jugo de uma
ditadura que amordaçava o cidadão, o qual não tinha permissão para sequer
questionar o pouco que lhe era permitido obter do serviço público. Essas
arestas somente começaram a ser aparadas a partir do processo de
redemocratização do país em 1983, em que foram abertas discussões a
respeito da possibilidade de as instituições passarem a estar abertas a
críticas, sugestões e mesmo receber denúncias através de canais alternativos
abertos ao cidadão. Para que esse trabalho fosse efetivo e não apenas “para
inglês ver”7, essas instituições precisariam ter independência e
imparcialidade garantidas para poderem funcionar com esse modelo de
atuação.
Foi nesse momento de retorno à condição de se pensar livremente
que surgiram os “ombudsman” no Brasil, tendo como precursor dessa
novidade, o jornal Folha de São Paulo, que implantou a figura do 1º
6
IPEA. Histórico das Ouvidorias. IPEA. Brasília, 2021. Disponível:
https://www.ipea.gov.br/ouvidoria/index.php?option=com_content&id=726. Acesso em:
28 abr. 2023.
7
Lei de 7 de novembro de 1831: “Declara livres todos os escravos vindos de fora do Império,
e impõe penas aos importadores dos mesmos escravos.” Conhecida como “lei para inglês
ver”. O efeito da lei foi contrário ao que ela almejava. Na verdade, nesse período aumentou
o tráfico ilegal de escravos oriundos de países da África para o Brasil.
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ombudsman em seu editorial em 1989, época em que já havia sido
sancionada a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
apelidada de “Constituição Cidadã”8 e em que posteriormente seriam criadas
outras normas emergentes, como por exemplo o Código de Defesa do
Consumidor (1990), o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), e o
Conselho Nacional do Idoso (1994), dentre outras.
Muitos jornais do mundo adotam ombudsman. Os dois países a darem
maior ênfase à função são os Estados Unidos e o Japão. No Japão, metade
dos jornais possuem “representantes dos leitores”. No Brasil, existem alguns
jornais com ombudsman. Os principais são a Folha de S. Paulo, O Dia, O
Povo (CE), Correio da Paraíba (PB) e Diário do Povo (Campinas-SP)”
(Observatório da Imprensa, 1998).
Diante de todas essas mudanças, as instituições públicas sentiram a
necessidade de promover espaços alternativos para que os cidadãos
pudessem reclamar, opinar, ou mesmo promover denúncias sobre o
atendimento recebido do serviço público, em alinhamento aos princípios
constitucionais da igualdade, responsabilidade e transparência, dentre
outros.
O prenúncio do desenvolvimento da ideia de se criar uma ouvidoria
pública veio com a proposta vanguardista proposta pela Assembleia
Legislativa do Estado de São Paulo, que promulgou a Lei Complementar nº
826, de 20 de Junho de 1997, cujo teor versa sobre a criação da ouvidoria 9
da polícia do Estado de São Paulo, no âmbito da Secretaria de Segurança
Pública.
8
A Constituição de 1988 ficou conhecida como “Constituição Cidadã” pelos direitos que
passou a garantir para os brasileiros e pela retomada plena do processo democrático em
nosso País (Câmara dos Deputados, 2018). Disponível em: https://www2.camara.leg.br/a-
camara/visiteacamara/cultura-na-camara/atividades-anteriores/exposicoes-2018/o-brasil-
em-construcao-30-anos-da-constituicao-cidada. Acesso em: 05 jun. 2023.
9
Ver Art. 2º da Lei Complementar nº826/97. Disponível em:
https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei.complementar/1997/lei.complementar-
826-20.06.1997.html. Acesso em: 03 mai. 2023.
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No bojo da citada lei, já se observa a intenção do legislador em dotar
a ouvidoria da devida isenção, quando adota a figura do ouvidor
independente, como se observa em seu artigo 3º e seus respectivos incisos,
a saber.
Artigo 3º - A Ouvidoria da Polícia será dirigida por um Ouvidor da
Polícia, autônomo e independente, nomeado pelo Governador para
um período de 2 (dois) anos, entre os integrantes da lista tríplice
elaborada pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa
Humana - CONDEPE.
§ 1º - O Ouvidor da Polícia poderá ser reconduzido uma única vez.
§ 2º - O cargo de Ouvidor da Polícia será exercido em Jornada
Completa de Trabalho, vedada qualquer outra atividade remunerada,
com exceção do magistério.
§ 3º - O Ouvidor da Polícia não poderá integrar órgãos diretivos,
deliberativos ou consultivos de entidades públicas ou privadas, nem
ter qualquer vínculo com a Polícia Civil ou com Polícia Militar.
Nesse mesmo diapasão, a criação das ouvidorias públicas no Brasil foi
influenciada de forma mais ampla pela interpretação do texto da Emenda
Constitucional nº 19, de 1998, que propunha uma reforma administrativa e
do estado, e, num segundo momento, pela Emenda Constitucional nº 45, de
08.12.2004, que, dentre outras medidas, insere o Art. 103 “B” no texto
constitucional que institui as ouvidorias de justiça, conforme colacionado
abaixo.
Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze)
membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma)
recondução, sendo: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
61, de 2009)
[...]
§ 7º A União, inclusive no Distrito Federal e nos Territórios, criará
ouvidorias de justiça, competentes para receber reclamações e
denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do
Poder Judiciário, ou contra seus serviços auxiliares, representando
diretamente ao Conselho Nacional de Justiça (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004).
Por outro lado, a despeito de todas as iniciativas propostas por vários
setores e instâncias públicas, a criação, o funcionamento e a eficácia das
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ouvidorias como uma ponte na comunicação entre a sociedade e as empresas
públicas, as autarquias e demais órgãos do poder público, carecia mesmo
assim de uma visibilidade que a alçasse a um patamar maior de
representatividade junto ao olhar da sociedade.
Como se sabe, nas relações de consumo, mesmo com o apoio dos
PROCONS e de outras iniciativas semelhantes, como os DECONS, criados
pelo Ministério Público, a que mais apresenta desgastes é a de bancos X
consumidor bancário. Nessas relações, o cidadão usualmente é considerado
a parte hipossuficiente10, sendo protegido, em especial, pela Lei nº 8078/90
(Código de Defesa do Consumidor), em função principalmente do poder
econômico exercido por essas instituições.
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou
utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,
nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que
desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços.
[...]
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,
mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira,
de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter
trabalhista (grifo nosso).
E ainda sobre a situação de hipossuficiência do consumidor à qual o
chamado “consumidor bancário”11 é equiparado, o CDC lhe dá essa condição,
reforçada pela jurisprudência do STJ (Súmula nº 297), assim como boa parte
das situações em que lhe é concedido o direito à “inversão do ônus da
prova”12, como veremos a seguir.
10
Ver Art. 6º, VIII da Lei nº0078/90 – CDC. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 03 mai. 2023.
11
O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Súmula nº 297
do STJ, outubro de 2011.
12
No Brasil, o CDC, com o objetivo de equilibrar – material e processualmente – o vínculo
entre fornecedor e consumidor, estabelece o direito à inversão do ônus da prova quando se
constatar, no caso concreto, a hipossuficiência do consumidor ou a verossimilhança de suas
alegações (art. 6o , VIII) (Bessa; Leite, 2016, p. 141).
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Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
[...]
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão
do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério
do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente,
segundo as regras ordinárias de experiências (grifos nossos).
Com o advento da Lei nº 8036/90 (CDC), observou-se uma tendência
do aumento da judicialização das relações bancárias, que elevou
sobremaneira o número de processos judiciais relacionados a essa matéria,
os quais muitas vezes envolviam questões de fácil solução na relação Bancos
X Consumidor. No entanto, sentia-se a necessidade da presença de um órgão
mediador nessas contendas, que viesse a tratar de forma administrativa esse
assunto, desafogando o sistema judiciário. Tais questões levaram à
publicação pelo Banco Central do Brasil (BACEN) da Resolução BACEN nº
3477, de 25 de março de 2010, que dispõe sobre a necessidade de criação
de ouvidoria não só por cada banco atuante no país, mas também pelas
instituições financeiras regularmente autorizadas a funcionar em todo o
território nacional, conforme se lê a seguir.
Art. 1º As instituições financeiras e demais instituições autorizadas a
funcionar pelo Banco Central do Brasil devem instituir componente
organizacional de ouvidoria, com a atribuição de assegurar a estrita
observância das normas legais e regulamentares relativas aos direitos
do consumidor e de atuar como canal de comunicação entre essas
instituições e os clientes e usuários de seus produtos e serviços,
inclusive na mediação de conflitos
Art. 4º As instituições referidas no art. 1º devem designar perante o
Banco Central do Brasil os nomes do ouvidor e diretor responsável
pela ouvidoria.
Após o advento da publicação dessa resolução, o Banco Central do
Brasil (BCB) passou a centralizar o resultado das reclamações feitas pelo
consumidor às instituições financeiras, passando a controlar a qualidade das
respostas dos bancos a essas demandas.
A título de exemplo, segue abaixo, o “ranking” dos quinze bancos e
financeiras com maior número de reclamações feitas por consumidores
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Revista Contemporânea, v. 3, n. 8, 2023. ISSN 2447-0961
bancários junto ao Banco Central do Brasil – BCB. Participam
do Ranking: bancos comerciais, bancos múltiplos, bancos cooperativos,
bancos de investimento, filiais de bancos comerciais estrangeiros, caixas
econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento (SCFI),
instituições de pagamento e administradoras de consórcio. Esse
levantamento se refere às ocorrências registradas no 1º trimestre de 2023.
Tabela 1 – Ranking de Instituições por Índice de Reclamações.
Fonte: BACEN.
Disponível em: https://www.bcb.gov.br/ranking/index.asp?rel=outbound&frame=1.
Acesso em: 03 mai. 2023.
Com isso, o serviço de ouvidoria se popularizou, passando inclusive a
ser um diferencial competitivo para bancos e demais instituições financeiras
ter uma menor quantidade de reclamações de consumidores feitas
diretamente junto ao Banco Central do Brasil (BACEN), em virtude da
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Revista Contemporânea, v. 3, n. 8, 2023. ISSN 2447-0961
eventual incapacidade da instituição à qual o cliente é vinculado de resolver
as discussões ligadas às relações de consumo relacionadas a ele.
Após tal novidade no âmbito da relação consumerista e pela sua
inesperada visibilidade junto à sociedade, haja vista o caráter competitivo e
midiático do mercado bancário, diversos órgãos e instituições criaram suas
próprias ouvidorias, como instrumentos de controle interno e de gestão de
risco, que, com a participação ativa do cidadão, favorecem a eficácia do
processo de governança e controle nas instituições públicas e privadas.
Corroborando com esse entendimento, Nassif (2009, p. 9) comenta que:
As transformações que vêm sofrendo as sociedades com os processos
midiáticos conduzem o cidadão a uma postura mais atenta e ativa em
relação aos problemas sociais. Por isso, devido aos influxos da vida
moderna e da pluralidade social, a pressão pela criação de
instrumentos de participação e de controle dos atos da administração
foi inevitável, sendo absorvida pela ordem constitucional
democrática. Nesse cenário, um dos instrumentos importantes para
a efetivação do novo modelo de governança são as Ouvidorias
Públicas.
Dessa forma, percebe-se que o ônus de lidar com reclamações
existente no início da implantação dos serviços de ouvidoria, deu lugar a um
cuidado e zelo constantes por parte da alta administração das instituições
públicas, haja vista o caráter sensível desse assunto para a conservação da
imagem da instituição perante a sociedade. Assim, hoje em dia, é motivo de
satisfação para qualquer órgão da administração pública ter seu serviço de
ouvidoria bem avaliado pela população, pois, além da obrigação legal de
manter atualizada a sua estratégia de governança e de fomentar a
disseminação do controle interno, demonstra ainda para o cidadão o zelo e
a responsabilidade com que esse assunto nela é tratado.
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3. Considerações Finais
A ouvidoria pública, antes de ser uma ferramenta auxiliar à
governança, que transita entre a gestão de riscos e os controles interno, é
um instrumento de comunicação que cria pontes entre as instituições
públicas e o consumidor de serviços públicos, o chamado cidadão-
consumidor.
É no serviço de ouvidoria que a população se apoia quando não
consegue ou é inadequadamente atendida por qualquer instituição ou agente
público, seja municipal, estadual ou federal.
O cidadão que se utiliza de serviços públicos tem na ouvidoria pública
um canal direto de comunicação com a instituição, sendo acolhido por área
segregada e independente da que o atendeu inicialmente, podendo para
tanto apresentar reclamação por um mau atendimento, fazer críticas à
atuação da instituição e de seus servidores e até mesmo denunciar eventuais
irregularidades que tenham ou estejam sendo praticadas no âmbito daquele
órgão público, além de poder tecer elogios.
No entanto, a ouvidoria pública, para exercer de forma plena seu
papel, precisa, dentre diversas qualidades e atribuições, acima de tudo ter
autonomia. Essa autonomia se dá principalmente na escolha do ouvidor e de
sua equipe, que não devem ser indicados diretamente pela direção da
instituição na qual irá atuar, mas sim por instância independente, sob pena
de não preservar a segregação de atividades, e, por conseguinte, a
transparência necessária de seus atos.
Logo, todos que fazem parte da ouvidoria pública devem conhecer
profundamente a missão da empresa e seus valores, ter conduta ética e
formação política adequadas, visando a cumprir seu papel de instituição
isenta e aberta as inovações.
Ademais, a ouvidoria, enquanto órgão independente, necessita
também estar articulada e integrada com as demais ouvidorias do sistema
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público. Eventos como reunião das chamadas “Faladorias Públicas”13, em que
são debatidos os problemas e as melhores práticas de controle, gestão de
risco e controles internos, além do acompanhamento sistemático das ações
de cada ouvidoria, representam excelentes oportunidades de
benchmarking14 sobre boas práticas entre as áreas envolvidas na gestão de
ouvidoria.
Dessa forma, sem ter a pretensão de dissecar o tema, mas sim
provocar um debate sobre essa importante ferramenta de controle e gestão
pública, entendemos que o papel fundamental da ouvidoria pública é
fomentar a justiça social, informando e estimulando a participação ativa de
seu maior cliente, o cidadão, preservando acima de tudo a sua autonomia no
trato das questões relacionadas às instâncias públicas, sem deixar de
apontar a sua imprescindível função na gestão de riscos e dos controles
internos, instrumentos fundamentais para o desenvolvimento da
administração pública.
13
Faladoria, um fórum virtual criado para fomentar o debate e a interação entre ouvidores
de todo o país (Cardoso; Neto; Alcântara, online). Disponível em:
http://desafios2.ipea.gov.br/participacao/images/pdfs/rito_130322_boletim_analisepolitico
_03_.pdf. Acesso em: 05 jun. 2023.
14
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https://periodicos.unipe.br/index.php/direitoedesenvolvimento/article/view/1103. Acesso
em: 03 mai. 2023.
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