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Karl Marx Uma Vida No Século XIX

O livro 'Karl Marx – A Nineteenth-century Life' de Jonathan Sperber explora a vida e o legado de Karl Marx, contextualizando suas ideias dentro do século XIX e suas interações pessoais e políticas. A obra analisa a polarização de opiniões sobre Marx, desde um defensor da transformação social até um responsável por aspectos negativos do mundo moderno, e destaca a importância de novas fontes de dados sobre sua vida. A biografia busca apresentar uma visão mais abrangente de Marx, considerando não apenas suas teorias, mas também sua vida privada e o contexto histórico em que viveu.

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Karl Marx Uma Vida No Século XIX

O livro 'Karl Marx – A Nineteenth-century Life' de Jonathan Sperber explora a vida e o legado de Karl Marx, contextualizando suas ideias dentro do século XIX e suas interações pessoais e políticas. A obra analisa a polarização de opiniões sobre Marx, desde um defensor da transformação social até um responsável por aspectos negativos do mundo moderno, e destaca a importância de novas fontes de dados sobre sua vida. A biografia busca apresentar uma visão mais abrangente de Marx, considerando não apenas suas teorias, mas também sua vida privada e o contexto histórico em que viveu.

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Título original em inglês: Karl Marx – A Nineteenh-century Life

Copyright © 2013 by Jonathan Sperber

Amarilys é um selo editorial Manole.

Editor gestor: Walter Luiz Coutinho


Editor: Enrico Giglio
Produção editorial: Luiz Pereira e Marcia Men
Capa: Axel Sande / Gabinete de Arte
Foto de capa: Wikipedia Commons
Conversão digital: MobileTag

ISBN 978-85-204-4690-4

Todos os direitos reservados.


Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, por qualquer processo, sem a permissão expressa
dos editores. É proibida a reprodução por xerox.

A Editora Manole é filiada à ABDR – Associação Brasileira de Direitos Reprográficos.

Edição digital – 2015

Editora Manole Ltda.


Avenida Ceci, 672 – Tamboré
06460-120 – Barueri – SP – Brasil
Tel.: (11) 4196-6000 – Fax: (11) 4196-6021
www.manole.com.br
[email protected]

Este livro contempla as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em
vigor no Brasil em 2009.
Este livro é dedicado à memória de meu pai.

LOUIS SPERBER
Sumário
Introdução

PARTE I: A FORMAÇÃO
Capítulo 1. O filho
Capítulo 2. O aluno
Capítulo 3. O editor
Capítulo 4. O refugiado político
Capítulo 5. O revolucionário

PARTE II: A LUTA

Capítulo 6. O insurgente
Capítulo 7. O exílio
Capítulo 8. O observador
Capítulo 9. O ativista

PARTE III: O LEGADO

Capítulo 10. O teórico


Capítulo 11. O economista
Capítulo 12. O homem
Capítulo 13. O veterano
Capítulo 14. O ícone

Agradecimentos
Fontes de referência
Notas
Bibliografia
Introdução

NO INÍCIO DO inverno de 1848, em Bruxelas, capital da Bélgica,


um homem de estatura baixa e ombros largos, com aparência ainda jovem,
apesar dos primeiros fios grisalhos já aparentes entre as mechas negras do
cabelo e da barba, sentava-se a uma mesa, em um apartamento
modestamente mobiliado. Como de costume, escrevia aos arroubos. Por
algum tempo, sua pena se movia sobre o papel em um garrancho quase
ilegível traçado com a mão esquerda; em seguida ele parava, levantava-se e
caminhava ao redor da escrivaninha, para depois retornar, riscar alguns
trechos do que escrevera e começar novamente. Os membros de sua família
– uma esposa poucos anos mais velha que ele, duas filhas pequenas e um
bebê, além de uma única empregada, cuja presença era testemunho vivo da
lacuna existente entre as expectativas sociais e a condição financeira de
seus patrões – deixavam-no sozinho com seu trabalho intelectual. Eles
sabiam que a entrega da obra para os editores estava atrasada, um problema
crônico no trabalho literário daquele homem.
Tratava-se de Karl Marx; e o texto, que já excedera o prazo de envio
ao Comitê Central do Partido Comunista, em Londres, deveria ser a nova
declaração política do partido, seu Manifesto comunista. Para muitos
historiadores e biógrafos de Marx, esse manifesto e os questionamentos
intelectuais e batalhas políticas aos quais ele se conectava eram
característicos de um indivíduo moderno e atualizado, do século XIX, que
refletiu criticamente a respeito do futuro e, para o bem ou para o mal,
ajudou a moldar esse futuro. Essa noção de Marx como um polêmico
homem contemporâneo aparece em uma das primeiras biografias escritas
sobre ele, publicada em 1936, e cuja leitura ainda vale o esforço. Karl
Marx: Man and Fighter [Karl Marx: homem e lutador], dos autores Boris
Nicolaiévski e Otto Manchen-Helfen, é raramente citada, pois seu título
costuma ferir as suscetibilidades atuais:

Durante décadas espalhou-se dissensão em torno de Karl


Marx, mas ela nunca foi tão amarga como nos dias de hoje. Ele
deixou impressa sua imagem no tempo como nenhum outro
homem logrou fazer. Para alguns, é um espírito maligno, o arqui-
inimigo da civilização humana, o príncipe do caos, enquanto para
outros, representa o líder adorado e de longa visão, aquele que
conduz a humanidade na direção de um futuro brilhante. Ao
mesmo tempo em que a Rússia, por um lado, situa seus
ensinamentos no plano das doutrinas oficiais do Estado, os países
fascistas, por outro, almejam vê-los exterminados. Nas áreas sob
a influência dos sovietes chineses os retratos de Marx são
estampados nas notas bancárias, enquanto na Alemanha os livros
por ele escritos foram queimados.1

Em uma perspectiva positiva, Marx é um profeta sagaz dos


desenvolvimentos sociais e econômicos e um árduo defensor da
transformação emancipatória do Estado e da sociedade. Em um ponto de
vista negativo, ele é um dos principais responsáveis pelas características
nefastas e perversas do mundo moderno.
Como sugere a passagem do livro de Nicolaiévski e Manchen-Helfen,
essas opiniões intensamente polarizadas a respeito de Marx refletiam os
conflitos mais importantes do século XX, que opunham, de um lado, os
regimes comunistas, e do outro, tanto os totalitários como os democráticos.
No entanto, mesmo após a extinção da maioria dos regimes comunistas, em
1989, ainda subsiste a idéia de Marx como nosso contemporâneo. Em 1998,
quando do 150o aniversário do Manifesto comunista, ele foi alvo de
frequentes referências que o colocaram na condição de profeta de um futuro
norteado pelo consumismo; o eminente historiador Eric Hobsbawn sugeriu
que o tratado de Marx e Engel, datado de 1848, anteviu a idade do
capitalismo globalizado. Era de se esperar que Hobsbawn, adepto do
marxismo, defendesse a validade do ideário que ele advogou ao longo de
toda a sua vida. Contudo, na crise econômica mundial de 2008, uma
manchete do jornal londrino The Times, um veículo de comunicação nem de
longe suspeito de qualquer simpatia com o comunismo, expôs em letras
garrafais: “Ele está de volta!”. O presidente francês representante da ala
política de direita, Nicolas Sarkozy, foi fotografado folheando O capital.
Aparentemente, o status de homem contemporâneo vinculado à figura de
Marx resiste à passagem do tempo.2
Aqui cabe perguntar como um ser humano mortal e não um mago –
Karl Marx, não Gandalf, o Cinzento – conseguiu antecipar o futuro em 150
a 160 anos. Uma análise mais criteriosa do próprio Manifesto comunista,
com sua ideia de ressurgimento da Revolução Francesa de 1789; sua
reiteração das teorias defendidas pelos economistas políticos do início do
século XIX; suas menções veladas tanto à filosofia de G. W. F. Hegel como
às novas ideias anti-hegelianas dos acadêmicos positivistas; e suas
referências de caráter privilegiado ao passado do próprio Marx e de outros
intelectuais que são hoje notas de rodapé da política europeia dos anos 1840
sugerem algo completamente diferente. A visão de Marx como um homem
atual cujas ideias definem os contornos do mundo moderno já se esgotou, e
é chegada a hora de uma nova interpretação que vê nele uma figura
vinculada a um passado histórico, cada vez mais distante de nossa época: a
idade da Revolução Francesa, da filosofia de Hegel, dos anos iniciais da
industrialização inglesa e da economia política daí decorrente. Talvez Marx
possa ser mais proficuamente compreendido como um personagem
retrógrado, que tomou os eventos da primeira metade do século XIX e os
projetou para o futuro, do que um intérprete previdente e confiante nas
tendências históricas. Essas são as premissas que alicerçam esta biografia.
Tais premissas são complementadas por uma extraordinária fonte
recente de dados a respeito da vida e do pensamento de Marx. Ela é a
edição crítica das obras completas de Karl Marx e Friedrich Engels, mais
amplamente conhecida pelo acrônimo alemão MEGA. Esse projeto
grandioso teve início na União Soviética, nos anos 1920. Seu primeiro
editor, o incansável David Rjazanov, foi preso em um dos grandes expurgos
de Stálin e, mais tarde, fuzilado, o que colocou um ponto final na primeira
fase do projeto. O trabalho foi reiniciado em 1975, sob o patrocínio dos
Institutos de Marxismo-Leninismo em Berlim Oriental e Moscou. Depois
de 1989, e do fim do comunismo na Europa oriental, o projeto continuou,
agora pela Academia de Ciências de Berlim-Brandemburgo, orientado pela
Fundação Internacional Marx-Engels. Os recursos financeiros da edição
vieram do governo da Alemanha unificada e, inicialmente, contaram com o
endosso do arquiteto da reunificação alemã, o chanceler conservador
Helmut Kohl, ele próprio, um historiador por formação. Essa empreitada
acadêmica em larga escala, ainda em ação nos dias de hoje, visa publicar
tudo o que Marx e Engels escreveram ao longo da vida, incluindo anotações
rabiscadas nas costas de envelopes. Ao contrário de outras edições menos
abrangentes dos trabalhos desses dois homens, essa a que nos referimos não
apenas traz as cartas escritas por Marx e Engels, como também aquelas
endereçadas a eles. Essa nova fonte não contém evidências indiscutíveis,
nem documentos que alterem completamente o que já se conhece a respeito
de Marx; porém, salienta centenas de pequenos detalhes que modificam de
forma sutil a imagem que fazemos dele.3
O projeto MEGA esteve, originalmente, envolvido em uma disputa
editorial mais ampla, da Guerra Fria, que contrapunha as ideias dos
herdeiros comunistas de Marx em Berlim oriental e em Moscou às de seus
patronos sociais-democratas ligados ao Instituto Internacional de História
Social, em Amsterdã, à Fundação Friedrich Ebert, em Bad Godesberg
[distrito de Bonn, ex-capital provisória da Alemanha ocidental] e à Casa
Karl Marx, em Tréveris. Ao contrário da maioria das polêmicas ocorridas
no período da Guerra Fria, essa produziu resultados proveitosos, entre os
quais, uma enxurrada de publicações originais, monografias com foco bem
definido e artigos acadêmicos repletos de detalhes preciosos que trouxeram
à luz um grande volume de dados sobre a vida e a época de Marx; dados
usualmente impressos em espaços pouco conhecidos e pouco utilizados ou
absolutamente inexistentes nas biografias anteriores.
Junto com essas novas informações a respeito da vida de Marx,
destaca-se a iniciativa de alguns historiadores em repensar a época em que
ele viveu. Normalmente fora do alcance do radar do público em geral, esses
trabalhos especializados reconceitualizam e repensam o século XIX,
fazendo-o de modo relevante para a compreensão das ideias do filósofo.
Estudos acadêmicos recentes minimizam a extensão e a importância da
revolução industrial, considerando que os conflitos entre classes sociais
foram apenas um dos aspectos na configuração do confronto político em
geral e dos movimentos socialistas e trabalhistas, em particular. Eles
salientam a influência duradoura e contínua das ideias e das formas de ação
política da Revolução Francesa de 1789, assim como o papel preponderante
desempenhado pela religião na interpretação do mundo, os consideráveis,
muito embora complexos e intrincados, efeitos do nacionalismo e a
importância da vida familiar e dos relacionamentos entre homens e
mulheres para a organização da sociedade. O desfecho de todas essas
investigações foi o delineamento de uma era bastante diferente da nossa.
Enquadrar Marx naquela época significa lembrar que “capitalismo”, de
acordo com ele, não era a versão contemporânea desse conceito; que a
burguesia criticamente analisada por ele não era a atual classe de
capitalistas globais; e que o significado de ciência e conhecimento contido
na palavra alemã Wissenschaft tinha conotações diferentes daquelas
associadas com seu uso moderno. Infelizmente, a prática comum de citar
palavras de Marx em traduções padronizadas que não fazem jus ao contexto
original de seus escritos costuma obscurecer seu significado. Neste livro,
recorri regularmente às versões originais dos escritos de Marx e desenvolvi
minhas próprias novas traduções: algumas das quais parecerão familiares, e
outras, bastante diferentes.
Os trabalhos sobre Marx costumam se concentrar em suas ideias e suas
teorias de caráter filosófico, histórico e econômico. Esta biografia, sem
dúvida alguma, terá muito a dizer sobre as teorias de Marx, mas as
descreverá dentro do contexto do tempo em que ocorreram e na forma de
intervenções sobre debates permanentes, e de comentários críticos a
respeito dos pensadores daquela época – e Marx se orgulhava de seu papel
de crítico. Alguns desses pensadores, tais como Charles Darwin, são bem
conhecidos hoje em dia; outros, como Bruno Bauer ou Moses Hess, não
gozam da mesma notoriedade. Essa exposição das ideias de Marx em seu
contexto contemporâneo inclui uma consideração a respeito dos textos
marxistas canônicos – Manifesto comunista, O dezoito de brumário de Luís
Bonaparte e O capital, por exemplo – mas também dá espaço para textos
menos conhecidos e frequentemente omitidos ou preteridos por serem
considerados idiossincrasias pessoais, tais como Herr Vogt [Senhor Vogt]
ou A história diplomática secreta do século XVIII. Interessantes por si
mesmos, esses trabalhos menos divulgados lançam nova luz sobre os textos
marxistas clássicos.
Para compreender as ideias de Marx, não é suficiente conhecer o
contexto intelectual em que elas germinaram; é preciso examiná-las dentro
do arcabouço mais amplo da vida do autor. Esta biografia discutirá, com
certo nível de detalhes, a vida privada de Marx: laços familiares, formação
e criação, o namoro e casamento com Jenny von Westphalen, seu
relacionamento com os filhos, os amigos e inimigos, e seus problemas
financeiros crônicos. Marx será descrito do ponto de vista de uma figura
pública: o extenso trabalho de jornalista – todo ele comumente ignorado ou
relegado a segundo plano –, as atividades políticas durante a revolução de
1848 a 1849 e depois dela, e o papel desempenhado por ele na criação e
extinção da Associação Internacional dos Trabalhadores, mais conhecida
por Primeira Internacional. O retrato da personalidade de Marx emana da
interação entre sua vida particular, suas ações públicas e suas formulações
intelectuais.
Este livro situa a vida privada e as ações políticas do autor, assim
como suas teorias, no contexto do século XIX. Desse modo, constitui um
retrato não apenas do próprio Marx, como também das inúmeras pessoas
que o cercavam. Duas delas são escolhas óbvias: o amigo leal, parceiro
político, colaborador intelectual e principal discípulo, Friedrich Engels, e
sua esposa e eterna amada, Jenny von Westphalen. Outros indivíduos são
menos conhecidos, mas possuem uma história intrigante para contar. Há
familiares, como os pais do autor, Heinrich e Henriette Marx, e as filhas
dele, Jenny, Laura e Eleanor. Os companheiros e rivais comunistas
constituem outro grupo fascinante – o sonhador Moses Hess e o
extravagante Ferdinand Lassalle. August Willich, oficial militar prussiano
que se converteu em comunista espartano, com estranha inclinação sexual;
Wilhelm Liebknecht, um seguidor fiel, que secreta e obstinadamente
conservava suas próprias opiniões. Entre os rivais e os aliados de Marx
encontram-se não comunistas e até mesmo algumas pessoas totalmente
contrárias a essa doutrina, tais como os democratas e revolucionários
nacionalistas de 1848 Giuseppe Mazzini, Gottfried Kinkel e Lajos Kossuth,
além do excêntrico político britânico pró-islamitas e antirrussos David
Urquhart. Pode-se dizer que a maioria dessas pessoas fazia parte do
movimento de resistência do século XIX: dissidentes, insurgentes e
inconformistas que atuavam fora dos círculos de privilégio, influência e
poder. O mundo desses personagens era também o de Marx.
Contudo, a vida do autor teve, também, pontos em comum com figuras
de grande poder e renome. Nestas páginas estarão o primeiro-ministro
britânico lorde Palmerston, o rei da Prússia Frederico Guilherme IV, o
imperador francês Napoleão III e o chanceler alemão Otto von Bismarck,
homens cujas ações e posições políticas afetaram profundamente a vida de
Marx e sobre os quais ele alimentava sua própria opinião mordaz. Figuras
proeminentes da ciência e do mundo acadêmico também moldaram a
história de nosso biografado: o mais importante seguidor de Adam Smith, o
economista David Ricardo e o eminente gênio científico do século, Charles
Darwin.
Procurando modelos para uma biografia capaz de posicionar um
indivíduo complexo no contexto de seu próprio tempo, considerei pouco
útil a utilização de biografias anteriores de Marx. Dois trabalhos
esplêndidos sobre importantes figuras do cerne da história europeia –
ambos bastante diferentes de Marx, e oriundos de um período histórico
também muito diferente – proporcionaram algumas ideias proveitosas: a
vida de Martinho Lutero, por Heiko Obermann, que retrata o arquiteto da
Reforma mais como um indivíduo do final da Idade Média do que uma
figura moderna; e a famosa biografia de Adolf Hitler escrita por Ian
Kershaw, que enquadra inequivocamente o ditador nazista dentro da era de
guerra total do século XX. Quando se trata do século XIX, dois excelentes
estudos de acadêmicos alemães (lamentavelmente, ambos sem tradução)
enfatizam a ação recíproca entre vida pessoal, profissional e política: a
biografia do notável fisiologista e ativista político Rudolf Virchow escrita
por Constantin Goschler, e a envolvente vida do sociólogo e economista
Werner Sombart, de autoria de Friedrich Lenger. A forma como esses
biógrafos abordaram a vida de seus biografados é interessante no caso de
Marx. Ele, sem dúvida, não foi um acadêmico, todavia, nutriu tal aspiração
em certo período de sua vida e sempre manteve muitos dos hábitos e das
práticas característicos dos literatos alemães do século XIX.4
É quase inevitável que um autor de qualquer livro sobre Marx, mesmo
os que o situam no contexto do século XIX, veja-se obrigado a dar uma
opinião sobre a relevância contemporânea desse personagem. Nesse
sentido, duas versões aparecem sob o título geral de “marxologia” ou teoria
marxista. Uma delas é uma tentativa de atualização das ideias de Marx com
o objetivo de torná-las mais relevantes, através de sua ampliação ou
reinterpretação à luz de movimentos intelectuais emergentes no período
compreendido entre a morte do autor, em 1883, e os dias de hoje, como a
psicanálise, o existencialismo, o estruturalismo e o pós-estruturalismo, entre
outros. A segunda versão é um estudo das próprias ideias de Marx no qual
são desconsideradas análises e acréscimos posteriores, de modo a
reconduzir o marxismo à sua pureza original: um projeto mais adequado a
seguidores de uma religião baseada em revelações do que a proponentes de
um modelo teórico pretensamente secular e racionalista.
Enquanto historiador, comprometido em circunscrever sua análise do
passado aos termos que lhe são próprios, sem a influência de concepções
atuais, eu considero essas versões da “marxologia” um passatempo
especialmente inútil. A vida de Marx, seu sistema de pensamento, assim
como suas lutas e aspirações políticas, são, antes de tudo, parte do século
XIX, um período da história humana que ocupa um lugar singular em
relação aos dias de hoje: nem tão distante e diferente como a Idade Média,
tampouco parte da memória viva como, por exemplo, o mundo da guerra
total ou dos regimes comunistas do bloco oriental, nos anos de 1945 a 1989.
De vez em quando, o século XIX emerge subitamente no presente com
assustadora limpidez e familiaridade. Um exemplo notório são as
revoluções de 1848, cuja rápida disseminação de um país para outro em um
lapso de poucos meses foi um dos eventos políticos mais importantes do
século XIX e que, no entanto, são conhecidas desde então apenas pelos
historiadores. De repente, essas obscuras insurreições ganharam atualidade
e se tornaram comuns no outono de 1989, com a sucessão de
acontecimentos que se alastraram pela Europa oriental comunista, ou no
início de 2011, quando varreram o mundo árabe. O mesmo pode ser dito a
respeito da relação entre a vida e o pensamento de Marx e o presente: há
momentos de proximidade, porém, com frequência muito maior, as
diferenças me impressionam – entre o mundo de Marx e o mundo
contemporâneo, ou entre o sistema de pensamento do filósofo e suas
aspirações políticas e os de seus sucessores no século XX, que se
autodenominaram “marxistas”.
Críticos do marxismo reconhecem em Marx um proponente do
terrorismo totalitário do século XX e o consideram intelectualmente
responsável pela Revolução Russa e pelos assassinatos em massa
patrocinados por Stálin. Os defensores do ideário marxista rejeitam
energicamente tais asserções e costumam vê-lo como democrata e
propositor de mudanças políticas emancipatórias. As duas formas de visão
se respaldam nas controvérsias em relação ao século XIX, trazidas à luz em
tempos recentes. Marx foi partidário de uma revolução violenta, e até
mesmo terrorista; porém, tratava-se de um movimento que guardava
semelhança mais profunda com as ações de Robespierre do que com
aquelas de Stálin. De maneira similar, partidários da economia ortodoxa
contemporânea, os assim chamados teóricos da economia neoclássica,
refutam as ideias econômicas de Marx como antiquadas e carentes de bases
científicas, enquanto os adeptos do pensador sugerem que ele conseguiu
compreender características fundamentais do capitalismo, tais como as
crises econômicas recorrentes, que fogem à capacidade de explicação dos
economistas ortodoxos. Sem dúvida, Marx compreendeu aspectos
essenciais do capitalismo – todavia, de um capitalismo que existiu nas
primeiras décadas do século XIX, e que é claramente distante das condições
atuais, tanto em seus elementos centrais como nos debates dos economistas
políticos.
Sendo Marx muito mais uma figura do passado do que um profeta do
presente, não um contemporâneo nosso, cabe questionar por que alguém
deveria escrever uma biografia dele, ou, uma vez que essa biografia exista,
entregar-se ao trabalho de lê-la. Uma resposta possível é que o próprio
século XIX ainda não perdeu seu fascínio e sua importância, mesmo sendo
parte de um passado cada vez mais distante. A explicação das ideias de
Charles Darwin continua sendo um assunto relevante, muito embora
Darwin carecesse dos modernos conhecimentos da genética. A vida e as
lutas de Mazzini e de seu homem de confiança, Giuseppe Garibaldi,
mantêm seu caráter intrigante, mesmo diante do fato de as questões
políticas cruciais para eles já terem sido há muito solucionadas. As
manobras diplomáticas de Bismarck e sua grande habilidade política atraem
atenção, a despeito de seu modelo – o mesmo das cinco grandes potências
europeias – estar obsoleto há quase uma centena de anos. No entanto, o
valor de um estudo do século XIX vai muito além das boas histórias que se
pode contar sobre ele. É precisamente devido à percepção do contraste entre
aquele século e o atual que a luz própria e singular do segundo se manifesta.
Estudar Marx no contexto de seu tempo, e não no nosso, é um recurso que
ajuda a iluminar nossa situação atual e constitui uma das maiores virtudes
intelectuais de uma biografia do filósofo nestas primeiras décadas do século
XXI.
Parte I

A formação
1

O filho

KARL MARX NASCEU em 1818, na cidade de Tréveris, região sudoeste


da Alemanha. Esse ano marcou o fim de três décadas de sublevações e suas
consequentes respostas contrarrevolucionárias que moldaram a vida de seus
pais influenciaram sobremaneira sua criação e educação e geraram paixões
e inimizades políticas que o acompanhariam ao longo de toda a vida.
Tréveris ainda existe, embora já fosse bastante antiga na época da juventude
de Marx; uma cidade fundada pelos romanos, a exemplo da maioria dos
centros urbanos nas fronteiras ocidentais da Alemanha. Ela atingiu seu
apogeu no século III da era cristã, quando brilhou por um breve tempo
como capital do Império Romano, mas sofreu um declínio praticamente
constante nos 1.500 anos seguintes. Ainda nos anos 1840, a cidade parecia
o espectro de uma civilização passada, com amplos espaços vazios dentro
de seus muros – alguns empregados para as atividades rurais e outros,
apenas vazios e abandonados –, testemunho eloquente de um passado
distante eclipsando um humilde presente.1
As transformações econômicas do mundo moderno pareciam ter
passado ao largo da cidade. A Tréveris dos séculos XVIII e XIX não
possuía indústrias; a estrada de ferro só chegou na cidade em 1860. O
comércio também inexistia; os camponeses da região montanhosa de Eifel e
Hunsrück, respectivamente ao norte e ao sul de Tréveris, castigados pela
pobreza, careciam de mercadorias que pudessem levar ao mercado. Um
pouco mais promissora, talvez, era a viticultura praticada no vale do rio
Mosela, onde Tréveris se localiza. Entretanto, durante um extenso período,
ao longo dessa época, a produção da vinha na região, quando não se
mostrava insuficiente, era vendida diretamente pelos produtores, sem passar
pela cidade nem pelos comerciantes.
O que restou para a cidade foi outro legado romano: o vínculo estreito
com a Igreja católica. Centro do cristianismo desde os tempos do domínio
de Roma, com um bispado lá estabelecido a partir do século III, a religião
católica estava profundamente enraizada em Tréveris, cujos habitantes
rejeitavam de forma veemente a Reforma. No entanto, os arcebispos da
cidade, no século XVIII, os quais eram eleitores e príncipes terrenos do
Sacro Império Romano, mudaram a capital para Koblenz, na região do rio
Reno, abandonando Tréveris com sua universidade decadente e seus
inúmeros monastérios. A moção do conselho da cidade de 1788 deixou
clara a falta de perspectivas econômicas: “Em Tréveris não há corte,
aristocracia, guarnições militares ou qualquer espécie de manufatura; as
poucas pessoas de bem e a universidade estão atualmente soterradas pelas
sublevações e têm muito pouca valia; nas atuais circunstâncias, carecemos
de fontes de subsistência e, portanto, prevemos, com toda a certeza, que o
número de cidadãos pobres, normalmente grande, tende a crescer ainda
mais”.2
As instituições sociais e políticas, tanto em Tréveris como na unidade
territorial do Eleitorado à que ela pertencia e no Sacro Império Romano, o
organismo governamental que mantinha frouxos laços de união entre
centenas de pequenos, médios e alguns poucos grandes Estados na Europa
central, a exemplo do que ocorria na Europa continental antes da Revolução
Francesa de 1789, obedeciam a uma organização que os historiadores
denominam “sociedade de ordens”. Nesse mundo sociopolítico, direitos e
privilégios, assim como deveres e restrições, não eram pertinentes a
indivíduos, e sim a grupos, dos quais só tomavam parte aqueles eleitos pelo
nascimento ou os seguidores de um credo religioso. Membros de grupos
diferentes possuíam direitos e privilégios muito diferentes; em geral
estabelecidos em títulos juridicamente vinculantes, tais como as
prerrogativas da burguesia católica da cidade católica de Tréveris para
exercer ofícios e negar aos protestantes residência na cidade. O clero
católico e os pequenos nobres residentes nas vizinhanças de Tréveris
contavam com uma concessão especial para cobrança de tributos feudais
dos camponeses cujas terras se situavam em suas jurisdições. Embora as
práticas da sociedade de ordens em Tréveris e seus arredores, de forma
semelhante ao que ocorria mais genericamente na Europa ocidental, não
fossem tão severas e implacáveis como no extremo oriente do continente,
elas estavam muito distantes das concepções de justiça e equidade vigentes
no mundo contemporâneo, ou mesmo no século XIX.
Dentro da sociedade de ordens havia um grupo específico cuja posição
legal era determinada por suas particularidades religiosas – a saber, os
judeus. Para os europeus do século XVIII, os judeus formavam uma
“nação” cujos membros se encontravam dispersos por toda a Europa. Essa
“nação” judaica não deve ser confundida com seu homônimo moderno, em
um mundo de nações-estado, já que os Estados europeus do período
anterior a 1789 eram patrimônio de seus governantes e não a manifestação
de uma comunidade orgânica nacional. Elas existiam, ao contrário, na
forma de um entre muitos grupos dentro da sociedade de ordens, cujo lugar
era garantido por seus próprios estatutos, embora esses tendessem a conter
mais deveres e restrições do que direitos e privilégios. Os judeus eram
forçados a pagar tributos e obrigações especiais a seus senhores pela
prerrogativa de residir no interior de territórios pertencentes a tais senhores,
e ficavam restritos a exercer ocupações profissionais em empresas
comerciais ou financeiras. Havia restrições frequentes quanto ao local de
residência dos judeus e a suas relações sociais com os cristãos. Hoje,
podemos dizer que os judeus foram vítimas de discriminações; porém, em
uma sociedade de ordens, na qual membros de grupos diferentes possuíam
direitos e privilégios diferentes, não existia um ideal de igualdade capaz de
garantir respaldo a queixas de tratamento discriminatório.3
De fato, era essa a situação em Tréveris, onde alguns dos habitantes
judeus pagavam o “dinheiro da proteção” e os “donativos anuais de ano
novo” aos príncipes-eleitores, enquanto outros os pagavam ao cabido da
catedral, às comunidades monásticas ou aos nobres locais, que eram seus
senhores supremos. O “regulamento dos judeus”, determinado pelos
eleitores, circunscrevia minuciosamente as perspectivas ocupacionais,
limitava a taxa de juros que os judeus podiam cobrar sobre os empréstimos
e regulamentava as transações financeiras por eles realizadas. Esse
regulamento estabelecia os impostos anuais a serem pagos pela comunidade
judaica e a tornava responsável pela arrecadação de tais impostos – um
procedimento típico de uma sociedade de ordens fundamentada em grupos,
e não em indivíduos. A população judaica da unidade territorial do
Eleitorado de Tréveris era reduzida e, em sua maioria, residente em
pequenas cidades e vilas. Essas pessoas viviam com parcos recursos,
ganhos nos negócios com gado. A comunidade judaica de Tréveris,
propriamente dita, era ainda menor, composta por cerca de uma centena de
indivíduos, pouco mais de 1% da população municipal. A exemplo da
própria cidade, essa comunidade era marginalizada e indistinta, sem termos
de comparação com os mais amplos e ativos assentamentos de judeus em
cidades situadas no oeste da Alemanha como Frankfurt, Worms ou Mainz.
Entre o povo judeu de Tréveris existiam, no entanto, algumas famílias mais
abastadas e com certa influência, comerciantes atacadistas ou outros
profissionais.4
Os antepassados de Marx pelo lado paterno têm suas raízes nesse
grupo, e ele próprio costuma ser descrito como descendente de uma longa
linhagem de rabinos de Tréveris. A exemplo do que acontece
frequentemente em relação ao conhecimento ordinário a respeito da vida de
Marx, também esse dado é uma meia verdade. Entre os ancestrais do
filósofo pelo lado paterno estão Aaron Lwow, um rabino de Tréveris, do
século XVII, e seu filho Joshua Heschel, líder religioso da comunidade
judaica da cidade entre 1723 e 1734. Essa linha genealógica termina com
Moses Lwow, filho de Joshua Heschel, rabino de Tréveris entre 1764 e
1788. Chaje, filha de Moses Lwow, também chamada Ewa, foi avó de
Marx. O marido dela, Mordechai ou Marx Lewy, não era de Tréveris; ele
veio da pequena Postolprti, na distante Boêmia, hoje República Tcheca.
Seus antecedentes mostram como a “nação” judaica se estendia para além
das fronteiras do Antigo Regime na Europa. Esse aspecto da vida dos
judeus também é observado na localidade da Europa ocidental em que Marx
Lewy residiu; a cidade de Saarlouis, não muito distante de Tréveris, um
posto avançado do reino da França, em sua porção oriental, conquistado nas
guerras de Luís XIV. Marx Lewy foi rabino da comunidade judaica da
cidade; em 1777, seu filho, Heschel (autodenominado Henri ou Heinrich,
em estágios diferentes de sua vida), pai de Karl Marx, nasceu também nessa
cidade.5
O Eleitorado de Tréveris, o Sacro Império Romano, a sociedade de
ordens e o lugar dos judeus nessa hierarquia social vieram abaixo repentina
e violentamente na década de 1790. A eclosão da guerra, em 1792, entre o
governo revolucionário da França e o Sacro Império Romano – na verdade,
entre a França e praticamente todas as potências europeias – colocou
Tréveris na linha de frente, da mesma forma que ela havia estado nas
guerras ocorridas ao longo dos 150 anos anteriores. Em 8 de agosto de
1794, o exército francês, lutando em nome de uma república revolucionária,
tomou de assalto as posições austríacas nas montanhas que circundavam a
cidade e, no dia seguinte, marchou sobre Tréveris. Os defensores austríacos
haviam batido em retirada e os príncipes-eleitores fugiram, abandonando os
fundadores da cidade à própria sorte. Trajando vestes de gala, eles se
apresentaram, e cerimoniosamente entregaram as chaves da cidade ao
general comandante francês.6
Ao contrário dos soldados dos reis da França que haviam
antecipadamente ocupado Tréveris visando tomar o território e obter
vantagens estratégicas em uma guerra mais ampla, as tropas da república
francesa revolucionária estavam determinadas a conciliar ocupação militar
com transformações políticas e socioeconômicas e a implantar sua
revolução, pela força das armas, nas terras que conquistaram. Isso viria a
ser, como o jurista Michael Franz Müller lembrou 25 anos mais tarde:

Uma convulsão quase total, que atingiu a constituição da Igreja e


do Estado, o relacionamento entre Igreja e Estado, a
administração da justiça, o comércio, as manufaturas e o trabalho
dos artesãos, os costumes e os princípios do pensamento nacional,
as artes e a ciência do cultivo da terra, e muito mais.7

Na verdade, Müller minimizou a extensão das agitações durante duas


décadas de domínio francês em Tréveris. Os conquistadores aboliram o
Eleitorado de Tréveris, separaram do Sacro Império Romano a cidade e o
território circundante e, em 1797, anexaram-no formalmente à república
francesa. Privilégios da sociedade de ordens, garantidos por decreto, foram
substituídos por um governo no qual todos os cidadãos tinham os mesmos
direitos perante a lei, e as bases da soberania passavam a ser os desejos da
nação e não mais as propriedades hereditárias de um monarca. As guildas
foram revogadas e a liberdade de trabalho instituída; as dívidas feudais se
extinguiram. As propriedades dos monastérios e da nobreza foram
confiscadas e vendidas em leilão – em Tréveris e suas vizinhanças, foram
cerca de 9.000 hectares (o uso do sistema métrico foi outro passo
revolucionário), ou 14% da área produtiva útil para a agricultura, incluindo
a maioria dos melhores vinhedos.
Embora implantadas pelos ocupantes, essas medidas conquistaram um
modesto nível de apoio dentro da própria Tréveris. Ao contrário das grandes
cidades da Renânia, tais como Colônia, Mainz e Koblenz, nas quais os
adeptos dos novos princípios revolucionários organizaram partidos políticos
e tentaram atrair o suporte da população, em Tréveris, os simpatizantes da
revolução importada eram pouco numerosos e menos organizados, sendo,
em sua maioria, intelectuais e antigos funcionários públicos graduados,
servidores do arcebispo/príncipe-eleitor e partidários do ideário reformista
do Iluminismo. Um desses homens foi Johann Heinrich Wyttenbach, que
abandonou o seminário de teologia em Tréveris ao tomar conhecimento da
rejeição de seus professores pelas ideias de Kant. Ele foi membro do clube
de leitura de Tréveris, no qual o pensamento iluminista era compartilhado,
até a época em que o Eleitorado, sob a alegação de ser potencialmente
subversivo, dissolveu-o. Décadas mais tarde, Wyttenbach viria a exercer
importante influência sobre o jovem Karl Marx.8
Os esforços dos ocupantes franceses e dos simpatizantes locais para
transformar a burguesia de Tréveris em cidadãos de uma república
revolucionária surtiram menos efeitos do que se esperava. A despeito da
publicação de jornais de cunho revolucionário, da organização de festivais
patrióticos e do plantio das árvores da liberdade, era evidente a falta de
entusiasmo com a nova conjuntura. Vivendo dos produtos da terra, o
exército revolucionário francês se abastecia com as provisões das áreas que
conquistava. Tão logo as tropas ocupantes libertaram Tréveris da tirania do
Antigo Regime, elas passaram a demandar da população da cidade a
enorme soma de um milhão e meio de livres, a título de contribuição pelo
esforço de guerra. Quando os habitantes não conseguiam levantar o
montante exigido, os franceses confiscavam todo o ouro e toda a prata que
encontravam, apoderando-se, inclusive, das fivelas dos sapatos do povo. No
final, para ter condições de atender às imposições, o governo municipal foi
obrigado a tomar um empréstimo; quase trinta anos mais tarde, em 1823, a
cidade ainda devia a deprimente soma de 56.000 táleres desse empréstimo.
Um conjunto de medidas ainda mais impopulares tomadas pelo novo
regime revolucionário foi decorrente de sua posição anticlerical. Rejeitando
uma Igreja Católica que tivera estreitos laços com a mesma sociedade de
ordens que os revolucionários queriam extirpar, eles optaram por criar sua
própria religião deísta, adequada para uma república de cidadãos iguais.
Desestabilizaram a Igreja católica, venderam os bens que ela possuía,
proibiram-na de realizar atos religiosos públicos e transformaram os muitos
monastérios em hospitais, alojamentos militares, prisões e depósitos de
munições. A catedral da cidade abrigou os barris de vinho que o exército
francês confiscou dos monges. Os habitantes profundamente católicos de
Tréveris boicotaram os festivais patrióticos da república e a nova religião
por ela instituída, e continuaram a participar das proibidas procissões de sua
fé mantida com convicção.
Napoleão Bonaparte, que pôs fim ao regime revolucionário na França,
adotou medidas com vistas à reconciliação dos habitantes de Tréveris, e
mais genericamente, da Alemanha ocidental com o governo francês. Após
as vitórias de Napoleão no campo de batalha, os exércitos franceses
partiram para as porções central e sul da Europa, levando suas contribuições
e libertando a burguesia de Tréveris do atendimento às exigências daquele
regime. A cidade passou a exercer funções administrativas no império
napoleônico na condição de sede da prefeitura, principal secretaria
administrativa do Departamento de Saarland e corte de apelação – essas
secretarias do governo proporcionaram receitas e trabalho, cuja carência o
conselho da cidade havia reclamado no final dos anos 1780. Quando
Napoleão, ao se declarar imperador, percorreu as linhas orientais de seu
reino, em 1804, foi recebido com grande comoção em quase toda parte,
inclusive em Tréveris. Talvez o aspecto mais importante da consolidação de
seu domínio tenha sido sua reconciliação com a Igreja católica, mediante a
assinatura de uma concordata com o papa, em 1801. O acordo não restaurou
a posição privilegiada da Igreja tal como existia no Antigo Regime; a maior
parte de suas terras permaneceu confiscada; na verdade, o imperador,
necessitando de recursos para suas guerras, apressou a realização de leilões.
Todavia, Tréveris voltava a ser a residência do bispo – um que de fato
morava na cidade, ao contrário de seu predecessor. Em 1810, os católicos
de Tréveris fizeram uma demonstração pública de fé, com uma exposição e
uma enorme romaria que arrastou dezenas de milhares de fiéis para celebrar
o retorno de sua mais preciosa relíquia sagrada, retirada da cidade na
surdina antes da chegada dos exércitos revolucionários, na década de 1790
–, o Manto Sagrado, a veste perfeita do Cristo crucificado, descrita no
evangelho de São João. A relíquia se encontra desde então em seu relicário,
na Catedral de Tréveris. As exposições públicas e as romarias se repetiram
em inúmeras ocasiões, a mais recente delas aconteceu em 1996.9
As agitações nas duas décadas dos governos revolucionário e
napoleônico geraram um período de intensa turbulência para a minoria
judia de Tréveris, período em que os judeus receberam a promessa
irresistível de vir a ter uma posição fundamentalmente diferente no Estado e
na sociedade, posição esta que foi sujeita a observação pública e análise
crítica, porém nunca concretizada. A promessa da revolução para os judeus
foi de abolição da sociedade de ordens, e sua substituição por um regime de
cidadãos livres e iguais, no qual a afiliação religiosa não tinha relevância do
ponto de vista político. Na qualidade de primeiro governador do
Departamento de Sarre, Joseph Bexon d’Ormechville declarou em 1801 que
“todas as distinções entre cidadãos, por conta da religião por eles
professada” eram “absolutamente contrárias aos princípios do governo”.10
Na teoria, as restrições do regime quanto às ocupações exercidas pelos
judeus, a seu local de residência e a suas relações com os cristãos, assim
como os impostos especiais que eram eles obrigados a pagar, deveriam
desaparecer; no entanto, na prática, em especial na interpretação dos
funcionários do Estado em nível local, essa extinção nunca ocorreu de fato.
A redefinição de propriedade política que acompanhou o novo
conceito de cidadania definido pela revolução estava de acordo com a nova
e revolucionária concepção de nação como fonte de soberania e sociedade
formada por cidadãos livres e iguais. Não havia espaço em tal conceito para
a nação judaica do regime anterior, um coletivo autônomo dentro da
sociedade de ordens. O exato significado para os judeus do fim dessa nação
do antigo governo nunca ficou claro, e esse tema foi motivo de
controvérsias durante a maior parte do século XIX. Para a comunidade
judaica de Tréveris, foi o imperador Napoleão quem deu a primeira resposta
a essa questão. Os judeus no reino de Napoleão deviam obedecer às normas
culturais da sociedade na qual viviam: abandonar suas leis de pureza ritual
quando servissem nas forças armadas; adotar nomes de família em vez de
fazer referência a si pelo sobrenome paterno; e organizar suas práticas
religiosas em um sistema de consistórios baseado no dos protestantes do
reino. Em um ato bastante polêmico, em 1808, Napoleão lançou seu
“decreto infame”, que exigia dos negociantes judeus, para que pudessem se
envolver no comércio, a obtenção de um “certificado de moralidade”, no
qual as autoridades atestavam a legitimidade das práticas empresariais por
eles adotadas, e a honestidade e transparência dos empréstimos de dinheiro
concedidos. Esse decreto estimulou os judeus a criar seus filhos para terem
ocupações mais “profícuas” e “produtivas” do que emprestar dinheiro ou
atuar como intermediários.
As condições impostas pelo imperador para a integração com a nação
francesa eram difíceis e controversas, gerando uma divisão nas classes
judaicas. Os judeus que viviam na área rural rejeitaram a ideia, mantendo-se
fiéis a suas práticas religiosas e a seu estilo de vida – padrões já
estabelecidos havia muito tempo. Em Tréveris, ao contrário, principalmente
entre as famílias mais importantes da comunidade judaica, as exigências de
Napoleão tiveram uma receptividade mais favorável. O rabino de Tréveris,
Samuel Marx, filho de Marx Lewy – a família optou, a partir daí, por adotar
Marx como sobrenome, motivo pelo qual os antepassados de Karl Marx não
o tinham – foi delegado do Sinédrio, a assembleia de judeus notáveis de
todo o império napoleônico, que criou um novo sistema de consistórios
judaicos em 1806. Sob a liderança de Samuel Marx, o Consistório de
Tréveris convocou os judeus do Departamento de Sarre para, na qualidade
de cidadãos leais à nação, servirem a seu imperador nas forças armadas,
evitarem a usura e negócios questionáveis e educarem os filhos visando o
aprendizado de um ofício. Um importante aliado de Samuel nessa tarefa foi
seu irmão mais novo Heinrich, que era secretário do Consistório.
Heinrich considerava seu trabalho árduo e frustrante. Ele era
responsável pela cobrança dos impostos devidos pela população judaica do
Departamento de Sarre, não apenas pelo trabalho no consistório e os
honorários de seu irmão, o rabino, mas também pelos débitos que os judeus
do velho regime do Eleitorado de Tréveris haviam acumulado para fazer o
pagamento anual dos tributos ao príncipe-eleitor. Os judeus que viviam nas
áreas rurais, além de verem ameaçado seu meio de subsistência pelo
abominável decreto de Napoleão, não eram, antes de tudo, suficientemente
prósperos e solidários às aspirações do consistório, e se recusavam a pagar
os tributos. Ao mesmo tempo, o consistório central, em Paris, despachava
uma enxurrada constante de ordens e solicitações de informações e de
fundos, queixando-se da incapacidade dos judeus da província em obedecer
a tais ordens. O consistório central era particularmente rigoroso com
Heinrich, e seus funcionários do alto escalão afirmavam que ele carecia de
conhecimento suficiente do idioma francês para desempenhar suas funções
de secretário do Consistório de Tréveris.11
Pior do que a dificuldade enfrentada por Heinrich e pelos membros do
consistório, em relação à administração napoleônica e às diferenças dentro
da população judaica, eram as atitudes dos habitantes cristãos de Tréveris e
arredores. De acordo com queixas feitas pelo consistório ao prefeito em
1811, os cristãos estavam reticentes em aceitar os judeus como seus iguais:
“basta ser denominado judeu para que se encontre rejeição em toda parte”.12
A identificação dos judeus com o novo regime, o qual, a despeito de todos
os aspectos problemáticos, prometia melhorar a condição desse povo,
significava que a oposição ao domínio napoleônico se voltaria contra os
judeus.
Aquele ano, 1809, fora particularmente difícil para o imperador.
Muitos de seus soldados soçobraram combatendo uma guerrilha na
Espanha, e os austríacos, uma vez mais, haviam se lançado à guerra contra
ele. Contando com número reduzido de tropas, Napoleão foi forçado a
ampliar o alistamento militar obrigatório, em uma ação que lhe rendeu
ampla desaprovação popular. Enquanto as áreas rurais eram tomadas por
motins contrários à convocação militar compulsória, os distúrbios em
Tréveris, onde gendarmes e soldados estavam posicionados, nunca
chegaram a acontecer – até 15 de agosto, quando os judeus estavam
decorando a sinagoga para a celebração do aniversário de Napoleão.
Naquele dia e naquela noite, multidões antagônicas se reuniram nas ruas,
agredindo os judeus e apedrejando as janelas da sinagoga. Os policiais
desapareceram, evidentemente satisfeitos com o fato de a hostilidade ao
regime ter-se voltado contra os judeus.13
Não se sabe ao certo o quanto essas dificuldades e evidente hostilidade
levaram Heinrich Marx a optar por deixar Tréveris por volta de 1811. No
entanto, parece provável que as frustrações inerentes a seu cargo e ao baixo
salário – equivalente ao de um professor primário, função notoriamente mal
paga –, mesmo presumindo-se que ele recebia pagamento regular, o que
provavelmente não ocorria, exerceram papel preponderante em sua
mudança para a cidade de Osnabrück, na província de Vestfália, no norte do
império de Napoleão. Heinrich trabalhou lá como tradutor da corte e tinha
planos de obter o cargo de notário – posição importante tanto naquela época
como ainda hoje, nos países que seguem a legislação romana, dentro da
qual os notários são responsáveis por grande parte do trabalho de redação
de contratos e testamentos, o que é feito pelos advogados nas jurisdições
regidas pela Common Law. Todavia, deixar Tréveris não significou deixar
para trás as manifestações de hostilidade aos judeus. O poder municipal de
Osnabrück se recusou a conceder a Heinrich uma permissão de domicílio
permanente, condição necessária para que ele pudesse se tornar um
notário.14 No início de 1813 ele se mudou novamente, retornando à Renânia
para estudar na escola de direito de Koblenz, fundada pelos franceses com o
objetivo de formar profissionais aptos a trabalhar com o novo sistema legal
que eles haviam criado. Cursando o currículo padrão, ele deve ter tido, em
dez meses, aulas de direito romano e uma introdução ao direito civil e
penal, além de um curso sobre processo civil e penal. Finalizando os
estudos, recebeu um “certificado de habilitação” – o nível mais baixo de
conclusão de curso oferecido pela escola e obtido apenas por um pequeno
número de alunos, essencialmente alunos mais velhos, de origem humilde e
sem condições de arcar com os custos de um curso completo, com duração
de três ou quatro anos.15
Para Heinrich Marx, a Revolução Francesa e suas consequências
representaram uma oportunidade de se libertar das limitadas condições
sociais e políticas existentes para os judeus na sociedade de ordens. Ele
deixaria de ser um membro da nação judaica para se transformar em um
cidadão francês, seguidor da religião judaica; não mais um agiota, mas sim
um cidadão produtivo, exercendo uma profissão legalizada – uma das
muitas proibidas para os judeus antes de 1789. A trajetória para consecução
de sua meta foi árdua: a maioria de seus companheiros judeus rejeitou a
nova definição dada por ele para judaísmo, e os habitantes cristãos de
Tréveris e Osnabrück não se mostravam dispostos a recebê-lo como
membro da classe de cidadãos livres e iguais. Seu imenso desejo de estudar
direito – marcado por declarações provavelmente falsas de ter estudado na
escola de direito de Koblenz, antes mesmo de lá estar matriculado, e de ter
cursado direito em Berlim, antes da fundação da Universidade de Berlim –
era maior do que sua capacidade de fazê-lo.16
Em novembro de 1813, Heinrich esteve perto de realizar seu objetivo,
mas acabou vendo-o se desfazer no caminho tortuoso da guerra entre as
grandes potências. Durante os dez meses nos quais Heinrich Marx esteve
estudando tranquilamente em Koblenz, o império de Napoleão, que havia
propiciado o modelo legal de suporte às novas possibilidades abertas para
os judeus, estava desmoronando. A arrogante decisão de invadir a Rússia,
tomada pelo imperador em 1812, encontrou sua punição no inverno de 1812
a 1813, quando a Grande Armée invasora foi destroçada. Embora Napoleão
tivesse reunido novos exércitos durante a primavera e o verão de 1813, os
aliados europeus derrotaram completamente as forças do imperador, na
famosa Batalha das Nações, em Leipzig, naquele outubro, forçando-as a se
retirar para o oeste, na direção das fronteiras da França. Heinrich Marx foi o
último aluno a concluir os estudos na escola de direito de Koblenz; apenas
seis semanas mais tarde, as tropas prussianas alcançaram e cruzaram o rio
Reno, colocando um fim ao domínio napoleônico sobre a Alemanha
ocidental.17

O CONGRESSO DE Viena de 1814-1815, que reorganizou a Europa após


a derrota de Napoleão, outorgou ao império prussiano Tréveris e a maior
parte da Alemanha, situada a oeste do Reno. As décadas iniciais do domínio
da Prússia mostraram-se extraordinariamente impopulares em Tréveris. Os
franceses, apesar de subversivos hereges, eram, pelo menos, subversivos
hereges católicos. O alto comando prussiano e seus principais oficiais e
generais eram protestantes e sua religião era vista pelos fervorosos
habitantes católicos com suspeita e hostilidade. As três primeiras décadas
de domínio prussiano foram marcadas por pequenos e grandes incidentes
nos quais os funcionários de governo do império protestante feriam as
suscetibilidades de seus subalternos católicos.
Razões de cunho espiritual se misturavam com outras mais profanas na
estimulação de hostilidades contra a dominação da Prússia. Na verdade, os
prussianos elevaram o valor dos tributos acima do já exorbitante da era
napoleônica. Os impostos sobre propriedades dobraram de valor, o que
provocou ressentimentos, pois as largas extensões de terras em mãos de
nobres proprietários nas províncias na região leste do reino da Prússia eram
livres de tributação. Um imposto relativo à entrada de alimentos dentro da
cidade elevou o preço dos gêneros de primeira necessidade. Na esteira da
implantação da aliança aduaneira dos estados alemães patrocinada pelos
prussianos em 1834, o chamado Zollverein, os vinhos do vale do rio Mosela
enfrentaram acirrada concorrência das regiões climaticamente mais
favorecidas, localizadas no sul da Alemanha, levando a uma queda
acentuada do preço dos vinhos. O imposto sobre o vinho, todavia, não
sofreu redução. Embora a derrota de Napoleão significasse um longo
período de paz para a Europa, os prussianos mantinham a prática do serviço
militar obrigatório, sendo sua política mais onerosa, visto que, ao contrário
dos franceses, eles não permitiam que os convocados comprassem um
substituto para servir em seu lugar.
O domínio da Prússia em Tréveris foi de natureza colonial: a
dominação opressiva de um governo estrangeiro, apoiado por uma
guarnição militar fortemente armada e envolvido em exploração econômica
destinada a favorecer os habitantes das províncias mais importantes da
Prússia oriental. O ajuste de contas em relação a esse regime viria com a
Revolução de 1848, quando os habitantes de Tréveris esmagaram o símbolo
da autoridade prussiana, expulsaram os cobradores de impostos, atacaram
os funcionários do governo, exigiram, escancarada e ruidosamente, que
Tréveris se separasse da Prússia e se envolveram em diversas brigas com
soldados da guarnição militar, numa escalada que terminou em uma
insurreição de grandes proporções, só reprimida depois que o general no
comando da fortaleza voltou suas artilharias contra a cidade e ameaçou
explodi-la.18
Ciente de alguns problemas que enfrentariam com a incorporação da
Renânia ao seu reino, os prussianos se mostraram surpreendentemente
conciliatórios ao dar emprego a antigos funcionários do regime
napoleônico. Johann Heinrich Wyttenbach, simpatizante do governo
republicano revolucionário da década de 1790, passou a maior parte da era
napoleônica como diretor do Collège de Trèves, a escola secundária de
Tréveris, na denominação adotada pelos franceses. Em 1815, ele assumiu a
diretoria da renomada escola secundária Gymnasium Frederico Guilherme.
Essa política de admitir no serviço prussiano antigos funcionários do
governo de Napoleão foi especialmente evidente no sistema judiciário.19
Tal política representou para Heinrich Marx a chance que ele
procurava. Em 1814, ele retornou para Tréveris e se estabeleceu como
advogado, sendo logo admitido para atuar perante a corte de apelação. Os
prussianos transferiram essa corte de Tréveris para Colônia, mas deixaram
em seu lugar um tribunal de nível intermediário, o Landgericht, no qual
Heinrich Marx continuou a atuar. A exemplo de outros graduados da escola
de direito de Koblenz, Marx lutava para conciliar o passado jurídico
napoleônico com a realidade do governo prussiano vigente, e encaminhou
um memorando às autoridades prussianas pedindo a manutenção do Código
Napoleônico como base para o sistema legal da nova província da Prússia,
na região do Reno. Essa foi uma questão calorosamente discutida durante
várias décadas; no final, o Código Napoleônico de Direito Civil vigorou nas
possessões prussianas do Reno até a introdução do Código Civil Alemão,
em 1900.20
O plano de Heinrich Marx apresentava, contudo, um problema: sua
religião. Ironicamente, esse problema surgiu em decorrência de medidas
tomadas pelo governo da Prússia com vistas a favorecer a situação dos
judeus sob seu domínio. Em 1812, o chanceler reformista prussiano
Príncipe von Hardenberg havia publicado um decreto de emancipação dos
judeus que viviam no reino da Prússia, concedendo-lhes liberdade de
residência e ocupação, além do direito de servir nas forças armadas. O
decreto deixou para decisão futura a questão da permissão aos judeus para
trabalharem como funcionários do governo. No final da década de 1810, o
governo prussiano havia se decidido contrariamente a essa permissão,
incluindo na categoria de funcionários do governo os advogados, como
Heinrich Marx, que exerciam a profissão em caráter particular.21
Marx esperava que, em seu caso, uma exceção pudesse ser feita e, de
fato, o comissário responsável pela reorganização do sistema judiciário na
Renânia recomendou que Marx e outros dois judeus que trabalhavam em
funções jurídicas tivessem permissão de mantê-las; porém, as autoridades
se recusaram a reconsiderar o caso, como parte de uma crescente
reviravolta conservadora na política adotada pelo governo prussiano. Em
tais circunstâncias, Heinrich Marx tomou a decisão de mudar de religião:
em algum momento entre o final da década de 1810 e o início da de 1820,
mais provavelmente no final de 1819, ele se converteu ao protestantismo.22
Algumas vezes os historiadores dão excessiva ênfase a essa decisão,
sugerindo até mesmo que Karl Marx desprezava profundamente o pai por
considerá-lo um traidor sem princípios, e reconhecem nesse desprezo do
filósofo pelo pai, um fator determinante de seu futuro radicalismo.23 Ainda
que nós ignoremos, com toda convicção, as evidências da devoção filial de
Marx, essa linha de raciocínio implica a projeção da identidade política do
século XX em uma era anterior. Na primeira metade do século XIX, a
conversão era uma opção costumeira para os judeus da Europa central,
interessados em tomar parte da vida pública. Existiram inúmeros exemplos
nas fileiras da esquerda e do centro do espectro político e até mesmo alguns
casos na ala direita. Uma das mais proeminentes figuras entre os
conservadores prussianos, Friedrich Julius Stahl, político, líder parlamentar,
teórico constitucional e importante influência intelectual sobre Bismarck,
era um judeu convertido. Na própria Tréveris, a maioria dos membros das
mais destacadas famílias da comunidade judaica do século XVIII havia se
convertido ao cristianismo nos anos 1830.24
Em agosto e setembro de 1819, nos tumultos Hep-Hep que eclodiram
na Europa central, os judeus, assim como suas empresas e suas casas, foram
alvo de ataques por parte da multidão revoltada. Embora disseminados por
todo lado, as cidades de Würzburg, Frankfurt e Hamburgo foram as mais
afetadas pela rebelião, que visava atingir os estabelecimentos varejistas cuja
propriedade, antes de 1789, não era facultada aos judeus, e expulsar esse
povo dos espaços públicos até então reservados apenas aos cristãos. Em
outras palavras, os amotinados pretendiam arrastar os judeus de volta à sua
condição de subordinados dentro de uma sociedade de ordens. Embora
inexistentes na vizinhança de Tréveris e quase irrelevantes na Renânia em
geral, os distúrbios eram a notícia principal, discutidos e retratados em
detalhes pela imprensa e, portanto, não existe a menor dúvida de que
Heinrich Marx tenha deles tomado conhecimento. Para alguém que, na
década anterior, dedicou sua vida a se libertar da conjuntura limitada da
sociedade de ordens e a aproveitar as novas possibilidades em termos de
ocupação profissional e cidadania, a perspectiva de se ver forçado a retornar
às condições do velho regime deve ter sido o impulso derradeiro para a
decisão de se converter em cristão.25
É possível argumentar que Heinrich Marx poderia ter-se mantido fiel a
seu judaísmo e renunciado ao exercício da profissão de advogado, embora
tal atitude se traduzisse em graves dificuldades econômicas para ele e a
família que acabava de constituir. Houve um jovem contemporâneo que deu
tal passo, o jurista Gabriel Riesser, de Hamburgo, principal defensor da
emancipação dos judeus na Alemanha durante a primeira metade do século
XIX. Depois de se graduar em direito pela Universidade de Heidelberg em
1826, Riesser foi impedido de advogar devido à sua religião. Como
represália, ele publicou um periódico, Der Jude (O judeu), devotado a
exigir direitos iguais para os judeus da Europa central. Riesser, contudo,
provinha de uma família muito mais abastada e bem relacionada que a de
Marx e tinha condições de arcar com o ônus de não praticar sua profissão.
Além disso, vivia na cidade-estado de Hamburgo, regida por sistema
relativamente liberal, e onde sua revista podia ser publicada, ao contrário do
que acontecia no reino da Prússia, submetido a leis intransigentes e censura
rigorosa.26
Uma questão mais interessante é por que Heinrich Marx, ao se
converter ao cristianismo, optou por se tornar protestante e não católico.
Outros membros das outrora importantes famílias judias escolheram o
catolicismo ao se converter, como fez irmão de Heinrich, Cerf (ou Hirsch).27
Deixar o judaísmo pelo protestantismo, em uma Tréveris profundamente
católica, significava trocar uma minoria por outra.
A resposta a essa questão nos conduz ao cerne da visão de mundo de
Heinrich Marx, visão esta que ajudou a moldar a percepção de seu filho.
Como se pode esperar de alguém que aceitou os princípios da Revolução
Francesa, no formato imposto por Napoleão, Heinrich era um convicto
defensor do Iluminismo. A filha mais nova de Karl Marx, Eleanor, relatou
após a morte de seu pai que Heinrich costumava ler em voz alta para o
jovem Karl os trabalhos de Voltaire. Podemos interpretar como desejarmos
essas reminiscências emprestadas; contudo, encontramos, também, escritos
de Heinrich para Karl, quando este último estava na universidade. Em tais
escritos, ele elogiava as convicções deístas de Leibnitz, Locke e Newton –
uma verdadeira trindade iluminista. Depois da morte de Heinrich Marx, um
notário inventariou meticulosamente sua biblioteca pessoal. Na lista,
predominavam leis de direito, mas havia, também, uma cópia de Os direitos
do homem, de Thomas Paine.28
Na Alemanha do início do século XIX, o protestantismo seria a
religião escolhida por um adepto das ideias racionalistas do Iluminismo.
Certamente, nem todos os teólogos protestantes, para não falar dos simples
pastores ou dos leigos, apoiava o Iluminismo e, no começo do século XIX
houve uma forte tendência contrária a ele: “o Despertar” (contemporâneos
costumavam empregar também o termo “Pietismo”), uma versão centro-
europeia da renovação da fé cristã. Entretanto, notava-se, em especial entre
os intelectuais protestantes da classe média, uma acentuada predominância
do desejo de conciliação do racionalismo e do empirismo da doutrina
iluminista com os dogmas de uma religião que se revelava. Sem dúvida,
havia católicos iluministas, tais como Joseph von Hommer, primeiro bispo
de Tréveris no governo prussiano, porém os que se opunham ao
racionalismo iluminista ganhavam força e influência na Igreja católica.
Heinrich Marx presenciou uma das primeiras manifestações públicas desse
grupo, a romaria ao Manto Sagrado de Tréveris, em 1810. A repetição desse
evento, em 1844, provocou uma reação enfurecida e generalizada entre os
racionalistas e os intelectuais iluministas da Alemanha.29
Essa conexão entre protestantismo e Iluminismo já podia ser
facilmente percebida nas ideias de Heinrich Marx alguns anos antes de sua
conversão. Em 1815, ele escreveu um memorando para as novas
autoridades prussianas da Renânia, apelando para que anulassem o
abominável decreto de Napoleão, prejudicial aos judeus. Nas linhas daquele
documento, ele observou que “o espírito moderado do cristianismo podia
ser obscurecido pelo fanatismo, e a moralidade genuína dos evangelhos,
corrompida por padres ignorantes”.30 Ambos os sentimentos e,
particularmente, a linguagem em que foram expressos – “fanatismo”,
“moralidade genuína dos evangelhos”, “padres ignorantes” –
reinterpretavam, em termos iluministas, as críticas dos protestantes ao
catolicismo, apontando na direção de um protestantismo iluminado e
liberal, não totalmente desvinculado do deísmo, que acabaria tornando-se o
cristianismo escolhido por Heinrich Marx.
Os protestantes de Tréveris estavam dispostos a receber o novo
convertido. Os funcionários prussianos protestantes, muitos dos quais
seguidores das doutrinas iluministas, governavam uma Renânia católica
insatisfeita e necessitavam reunir todos os aliados que conseguissem,
fossem eles católicos iluminados, tais como o bispo de Tréveris, ou o
advogado com passado napoleônico desejoso de renunciar à sua antiga
lealdade ao judaísmo. A permanência dessa disposição exigia que fossem
preservadas as conexões entre as ideias iluministas e racionalistas e entre a
Igreja Protestante e o Estado prussiano. Ao longo da existência de Heinrich
Marx, tal conexão se mostrou cada vez mais difícil, e durante a vida de seu
filho ela ruiu completamente.

EM 1814, HEINRICH Marx deu mais um passo, visando cumprir uma


pré-condição necessária para que se estabelecesse como advogado atuante:
ele se casou. Sua noiva, Henriette Presburg, onze anos mais nova, vinha de
Nijmegen, na Holanda, e descendia de uma família de judeus que, como o
nome indica, era originária da Hungria (da cidade de Pressburg, hoje
Bratislava, capital da Eslováquia) e se estabelecera na Holanda no século
XVIII, tendo sido bem-sucedida em suas iniciativas dedicadas ao comércio.
A irmã mais nova de Henriette, Sophie, casou-se com o empresário Lion
Philips, que se encarregou de administrar as finanças da cunhada depois que
o marido dela faleceu, tornando-se amigo e confidente do Karl Marx adulto.
Os netos de Sophie e Lion foram fundadores da empresa multinacional de
eletrônicos e equipamentos elétricos que leva o nome da família.31
Não se sabe ao certo como Heinrich e Henriette se conheceram. O
mais provável é que tenha sido por intermédio da mãe dele, Ewa, cujo
segundo casamento, cinco anos após a morte do primeiro marido, Samuel
Levi, foi com Moses Löwenstamm, rabino de uma congregação de falantes
do idioma alemão em Amsterdã. Se assim aconteceu, o casamento de
Heinrich e Henriette foi arranjado, uma prática comum entre os judeus de
classe média da Europa central até o começo do século XX.32
Henriette trouxe para o casamento o arrimo necessário para que
Heinrich tivesse condições de exercer a advocacia em Tréveris: um dote
substancial, que incluía 8.100 florins em dinheiro vivo, equivalente a cerca
de 4.500 táleres prussianos – montante bastante significativo, considerando-
se que o ganho anual de um trabalhador diarista ou um artesão pobre não
ultrapassava 100 táleres. Além do dinheiro, o dote compreendia todo o
enxoval da casa, que, décadas mais tarde, na época da morte de Heinrich,
compunha-se de 68 lençóis, 69 toalhas de mesa bordadas, 200 guardanapos
e 118 toalhas. Foi graças aos bens de sua esposa que Heinrich conseguiu
estabelecer a família e exercer a profissão – uma conjuntura muito comum
dentro da classe média alemã no século XIX. Em sua vida particular, Karl
Marx viria a rejeitar esse método e adotar para si próprio, assim como para
a esposa e a família, um caminho bastante diferente, pavimentado pela
insegurança financeira.33
Os historiadores e os biógrafos não dedicaram muitas linhas a
Henriette Marx, nascida Presburg. Eles obtiveram suas informações a partir
do próprio Karl Marx, que tinha no pai a referência familiar. Anos após a
morte do filósofo, sua filha Eleanor relatou que ele guardava profunda
devoção à memória do pai, sobre quem nunca se cansava de falar. Ele
levava consigo uma fotografia de Heinrich, tirada por meio de um
daguerreótipo, fotografia esta que a família colocou em sua sepultura.34 Não
se encontra qualquer indicativo de que Karl costumasse portar uma foto da
mãe. Muito pelo contrário; ele não se dava bem com ela, em quem via uma
filisteia, alheia às questões intelectuais. Marx discutia constantemente com
a mãe a respeito de sua herança, e não manifestou sinais de grande emoção
ao receber a notícia de sua morte.
A mãe de Marx costuma ser descrita como uma mulher inculta,
incapaz de falar, tampouco escrever, um alemão “correto”; alguém
totalmente devotada aos afazeres domésticos e obcecada com a saúde dos
familiares – “modesta, até mesmo primitiva”, “uma daquelas donas de casa
holandesas que viviam apenas em função da família”, ou “uma Mama
iídiche”.35 As cartas escritas por ela revelam um alemão cheio de erros, mas
considerando-se que seu idioma nativo era o holandês e que ela só começou
a aprender o alemão quando casou-se, aos 26 anos de idade, essa falta de
fluência não é de todo surpreendente. O esforço de Henriette para escrever
em uma língua estrangeira, apesar da deficiência revelada, demonstra um
nível acima da média em termos de conhecimento de leitura e escrita,
principalmente em se tratando de uma mulher da época em que ela viveu.
Sua constante preocupação com a saúde da família – assunto central de suas
cartas para Karl, quando este estava na universidade – é compreensível,
dado que seu marido e quatro de seus filhos morreram vitimados pela
tuberculose.36 Se Henriette vivia envolvida pelas atividades domésticas, com
seus lençóis, suas toalhas de mesa e seus guardanapos, e se recusava
peremptoriamente a conceder a Karl um adiantamento da parte da herança
que a ele cabia, o motivo era a preservação de seu dote, elemento central de
seu empenho em relação à família e ao casamento.
Henriette Marx foi uma mulher presa em meio a uma transformação
social: partindo da nação judaica de uma sociedade de ordens, alastrada
além das fronteiras dos estados europeus nos anos anteriores a 1789, até o
emergente mundo de nações-estado do século XIX, do qual os judeus
almejavam ser cidadãos. O pai de Heinrich Marx, Marx Lewy, viera da
Boêmia para ser rabino em Saarlouis e Tréveris, sem despertar estranheza a
ninguém. Todavia, na época, os judeus eram extremamente limitados em
sua vida pública e social. Heinrich Marx desejava desenvolver uma carreira
e uma vida pública na Prússia, um estado alemão, e sua esposa holandesa, a
despeito do significativo dote, não se enquadrava em tal mundo. Quando as
atitudes do governo prussiano forçaram Heinrich a se converter ao
cristianismo, a devoção de Henriette pela vida doméstica e sua versão de
religiosidade feminina judia voltada para a família também não estavam em
conformidade com a nova conjuntura. Henriette relutou bastante em se
converter, e resistiu em concordar com a conversão de seus filhos. Karl
Marx só foi batizado em 1824, cinco anos depois do pai, e Henriette acabou
aceitando o batismo no ano seguinte.37
Independentemente do grau de compatibilidade social, da tensão
religiosa ou do envolvimento romântico entre Heinrich e Henriette Marx, o
casamento dos dois foi muito fértil. O primeiro filho do casal, Mauritz
David, nasceu no final de outubro de 1815, pouco mais de um ano depois
das núpcias dos pais. Ele faleceu três anos e meio mais tarde, tendo sido o
único filho a morrer antes de chegar à adolescência – um fato
impressionante para a época e que Karl Marx, casado em circunstâncias
bem menos favoráveis do que o pai, não repetiu. Em novembro de 1816,
nasceu Sophia, a primeira filha de Heinrich e Henriette; em maio de 1818,
foi a vez de Karl. Agosto de 1819 foi palco do nascimento de Hermann e
outubro de 1820, de Henriette. Louise nasceu em novembro de 1821,
Emilie, em outubro de 1822, Caroline, em julho de 1824 e o último filho,
Eduard, em abril de 1826, poucos meses antes de Henriette Marx completar
38 anos. A família Marx teve nove filhos em um período inferior a onze
anos. Esse rápido ritmo de procriação não deixou espaço para práticas
anticoncepcionais, quase desconhecidas na Europa central daquele tempo, e
sugere que Henriette tenha contratado uma ama de leite para amamentar os
filhos, pois, tivesse ela própria assumido essa função, sua fertilidade teria
sido menor em virtude do período de amamentação.38
Heinrich conseguia prover o sustento de uma família em franco
crescimento porque sua carreira de advogado ia de vento em popa – um
sucesso na meia idade, depois de percorrer um longo e difícil caminho na
juventude. Em 1820, ele foi indicado como Advokat-Anwalt, o que lhe
garantiu condições de representar clientes em casos cíveis, bem mais
lucrativos do que os da alçada penal. Entre seus clientes encontravam-se
camponeses de diversos vilarejos das cercanias de Tréveris, além do próprio
governo municipal. As finanças familiares refletiam o sucesso de seu
trabalho como advogado. Um imposto especial cobrado dos cidadãos
abonados da cidade, cuja finalidade era gerar fundos para medidas adotadas
contra a epidemia de cólera de 1831 (Heinrich Marx representava uma rica
habitante de Tréveris que ajuizou uma ação contra a cidade justificando que
seus bens haviam sido supervalorizados) mostra que Heinrich contava com
uma renda anual de 1.500 táleres, renda esta que o deixava fora do grupo de
comerciantes, banqueiros e proprietários de terra mais ricos de Tréveris,
mas ainda assim, posicionava sua família entre os 5% do topo do ranking.
Heinrich aplicou os bens da família provenientes do dote de sua esposa e de
uma herança posterior em diferentes tipos de propriedade: uma casa em
Tréveris, um vinhedo com vista para cidade, empréstimos aos homens de
negócio da cidade e dos vilarejos vizinhos e 540 táleres em títulos do
governo da Rússia, no valor de 5% ao ano.39
A família desfrutava de respeito e riqueza. Em 1831, Heinrich Marx
foi agraciado pelo governo da Prússia com o título de Justizrat, conselheiro
jurídico, um cargo honorífico de grande reputação concedido pelas
autoridades, após minuciosa investigação, a advogados que gozavam de
elevado conceito. Ele foi membro do Casino, um exclusivo clube social de
Tréveris. Deixamos por conta de Louise, filha mais nova de Karl Marx, a
palavra final a respeito da posição ocupada por Heinrich Marx na sociedade
de Tréveris. Casada com um holandês proprietário de uma editora em
Cidade do Cabo, África do Sul, especializada em literatura de cunho
protestante, e extremamente constrangida de ser irmã de um líder
comunista, ela sempre enfatizava, para quem quisesse ouvir, ser
descendente de “uma respeitada e querida família de advogados de
Tréveris”.40
Não conhecemos muita coisa sobre a posição do jovem Karl Marx em
um núcleo familiar próspero e cada vez mais numeroso. Talvez as contínuas
gestações de sua mãe tenham impedido que ele desenvolvesse uma sólida
relação emocional com ela, prenunciando o futuro estranhamento entre mãe
e filho – embora as disputas que travaram pelas propriedades, após o
falecimento de Heinrich Marx, já fosse motivo suficiente para tanto. Depois
da morte de Marx, sua filha Eleanor relatou que, de acordo com os tios,
Karl, quando garoto, havia sido um “terrível tirano” que vivia dando ordens
para as irmãs.41 Como provavelmente uma das fontes de Eleanor foi a
mesma tia Louise que desaprovava a vida comunista do irmão, devemos
encarar com certa reserva essa e outras declarações feitas por ela. Há
indícios de que Karl não frequentou uma escola primária, tendo recebido
aulas particulares em casa. As aulas de redação, pelo menos, foram
ministradas a ele por um livreiro de Tréveris, Eduard Montigny.42
O jovem Karl Marx só se tornou conhecido em 1830, quando começou
seus estudos no Gymnasium de Tréveris. Essa escola secundária,
preparatória para a universidade, a joia da coroa em termos de educação na
Alemanha desde o século XIX até os dias de hoje, caracterizou-se, em sua
fase inicial, por privilegiar os clássicos, com a maior parte das horas de
estudo devotadas ao latim e ao grego.43 Não era, de fato, um currículo
atraente para adolescentes (exclusivamente rapazes, até o começo do século
XX), e gerações de intelectuais alemães sensíveis escreveram longas
queixas sobre a juventude perdida em entediantes memorizações de textos
sem significado, aulas conduzidas por professores pedantes e autoritários e
repletas de alunos carreiristas e ignorantes. As observações do dramaturgo e
crítico teatral Alfred Kerr fazem um resumo conciso de um rico e evocativo
conjunto de reclamações: “Três coisas – o relacionamento com os
professores, o relacionamento com outros alunos e o odor dos lavatórios –
podem ser sumarizadas em uma palavra: abominável”.44
Nunca saberemos o que Marx pensava sobre os lavatórios – naquela
época, externos às casas – mas todos os seus escritos, ao longo da vida,
carregados como são de frases em grego e latim e alusões aos clássicos,
sugerem que a experiência vivida naquela escola foi mais positiva do que a
de memorialistas queixosos. O valor atribuído por Marx aos clássicos e a
compreensão que ele tinha de sua relevância moderna ficaram evidentes
tanto em sua vida privada como na pública. Fevereiro de 1861 foi um mês
particularmente difícil para o filósofo. Sua renda foi afetada pela perda do
lucrativo cargo que exercia como correspondente europeu do jornal New
York Tribune; sua vida familiar foi sacudida pela morte recente da esposa,
vitimada pela catapora; e a decisão a respeito de seu futuro político
continuou indefinida entre retornar para a Alemanha e se envolver
novamente nos tumultos políticos que a agitavam, ou permanecer em
Londres, na qualidade de exilado. Nesse período de desgaste pessoal, ele
relaxava lendo, no original em grego, o livro de Apiano sobre as guerras
civis romanas, e traçando comparações entre as principais personalidades
da Roma antiga e seus contemporâneos europeus. A estrutura da instrução
de Marx impressionava tanto nos detalhes quanto no conteúdo. Wilhelm
Liebknecht, um dos fundadores do Partido Social Democrata da Alemanha,
íntimo amigo e aliado político, lembrava como, em 1850, Marx havia
ministrado uma aula sobre economia política para a Associação
Educacional dos Trabalhadores Alemães em Londres:

Marx procedeu metodicamente. Formulou uma proposição – a


mais curta possível – e explicou-a em uma longa explanação,
durante a qual tomou o maior cuidado para evitar todas as
expressões que pudessem fugir ao entendimento dos
trabalhadores. A seguir, solicitou aos ouvintes que fizessem
perguntas. Se não o faziam, ele os submetia a uma revisão, com
uma habilidade pedagógica tal que não permitia que qualquer
lacuna ou mal-entendido fugisse à sua percepção.45

É fácil observarmos, por esses comentários, que o estilo didático


empregado por Marx era o mesmo que ele havia vivenciado no Gymnasium.
A educação secundária de que Marx desfrutou estava ao alcance
apenas de um pequeno conjunto da população; na turma em que ele se
graduou, em 1835, havia 32 alunos, provenientes tanto de Tréveris como
das cidades e vilarejos da vizinhança. Seus colegas de classe se dividiam
em dois grupos, principalmente em função da religião. A maioria dos
católicos possuía antecedentes humildes e, em geral, almejava chegar ao
seminário de teologia de Tréveris e se tornar padre. Os sete protestantes da
classe, ao contrário, vinham de famílias de funcionários do governo, de
profissionais ou de oficiais do exército: eles tinham por objetivo a
universidade, para estudar medicina, administração pública ou direito.
Quarenta anos mais tarde, Marx viria a se lembrar dos alunos católicos de
sua turma como um bando de “camponeses tolos”, provavelmente ecoando
a mesma opinião de seus colegas protestantes, todos eles descendentes de
famílias mais abastadas e mais bem-educadas. O próprio Marx foi um bom
aluno, mas não chegou a ser brilhante. Ele recebeu notas altas nos exames
de alemão e latim, mas saiu-se mal em matemática.
Marx preferiu o francês, em vez do hebraico, como terceira língua
estrangeira, depois do latim e do grego. Essa escolha reflete o desejo de
Heinrich Marx de que seu filho se preparasse para uma carreira jurídica, no
lugar de uma teológica. Um ambicioso pastor protestante teria estudado o
idioma do Velho Testamento, porém, um advogado destinado a exercer sua
profissão na Renânia precisava conhecer a linguagem do Código
Napoleônico que era ainda, como defendido por Heinrich, a base do sistema
jurídico. Embora os planos de Marx tivessem se desviado para uma direção
completamente diferente daquela pretendida por seu pai, sua fluência no
idioma francês e seu conhecimento da cultura e da história da França –
ambos aperfeiçoados por longas estadas em Paris e Bruxelas – viriam a ser
um acessório importante em seu mundo intelectual.46
A experiência educacional de Marx foi influenciada por outro aspecto,
de caráter mais político. Embora o diretor do Gymnasium, Johann Heinrich
Wyttenbach, já não demonstrasse o mesmo entusiasmo radical dos anos
1790, quando trabalhara intimamente ligado aos residentes franceses (o
governo napoleônico fora para ele uma experiência chocante), as
autoridades prussianas estavam convencidas de que suas afinidades
políticas fundamentais não haviam se alterado, e que ele desejava manter os
professores mais novos sob controle. Diversos desses professores
defendiam causas subversivas – a união das diferentes monarquias da
Europa central em um Estado-nação alemão, a adoção de uma constituição
para o reino da Prússia e, talvez, até mesmo, um governo democrático e
republicano – ou a livre expressão de ideias, como fazia o professor de
ciências que foi acusado de enfatizar as diferenças entre descobertas
geológicas e revelações bíblicas. As autoridades suspeitavam que os
professores estavam doutrinando os alunos com essas ideias subversivas, e
tais suspeitas não eram totalmente sem fundamento. Alguns dos graduandos
do Gymnasium assumiram orientação esquerdista, entre eles o filho do
diretor, Friedrich Anton Wyttenbach, que foi preso em uma fortaleza devido
a suas ideias radicais e suas atividades. Ludwig Simon, filho de um dos
professores politicamente questionáveis, tornou-se um feroz oponente do
governo prussiano e representou a cidade de Tréveris na assembleia
nacional alemã durante a Revolução de 1848, na qualidade de eminente
membro da extrema esquerda dessa assembleia. Victor Valdenaire, da
cidade vizinha de Saarburg, foi outro ativista de esquerda na revolução do
meio do século.47
A escola não foi o único lugar no qual o jovem Karl Marx esteve
exposto a ideias politicamente questionáveis. Houve outra fonte, muito mais
próxima: seu lar. Em 25 de janeiro de 1834, seu pai, Heinrich, envolveu-se
em um notório episódio no Casino em Tréveris. Logo depois do jantar do
dia dos fundadores, um grupo de quinze membros, sentados em torno de
uma mesa, pôs-se a cantar canções revolucionárias: o hino nacional polonês
e o Parisienne, hino da Revolução Francesa de 1830, que depôs e substituiu
por um regime liberal um monarca conservador autoritário, não totalmente
diferente do rei da Prússia. O desabafo culminou com repetidas
interpretações da Marseillaise, acompanhadas por gritos, batidas na mesa e
agitação de um lenço tricolor, contendo imagens da luta de trincheira
ocorrida em julho de 1830, em Paris. Um oficial do exército prussiano que
presenciou a cena denunciou o grupo ao governo, gerando um escândalo.
Foram realizadas investigações, e lançadas acusações de subversão
revolucionária contra alguns dos participantes, embora todos eles tenham
sido, no final das contas, inocentados por um júri. O Casino foi dissolvido
e, em seu lugar, surgiram dois clubes sociais. Os sócios de um deles eram,
em sua maioria, oficiais do exército e funcionários do governo. O outro
clube contava, entre seus fundadores (incluindo Heinrich Marx), com os
burgueses mais estimados e abastados de Tréveris.
No curso das investigações, todos os acusados alegaram ter deixado o
recinto antes dos aspectos mais subversivos da cantoria. Foi dito, também,
que os cantores haviam consumido um volume de álcool maior do que o
recomendável. Se já houve uma cena à qual o ditado latino In vino veritas
se adequasse perfeitamente, foi àquela. Entre os cantantes estavam
comerciantes ricos, advogados, um notário, médicos, um professor do
Gymnasium e até mesmo alguns funcionários do baixo escalão do governo
– o tipo de gente de quem as autoridades prussianas dependiam para o
trabalho no regime colonial do oeste da Alemanha, onde deveriam exercer
controle sobre uma população de católicos descontentes, pertencentes a
classes inferiores. No entanto, mesmo os aliados dos prussianos, uma vez
minimizadas suas inibições, demonstravam desprezo por eles. Tal evento e
suas ramificações, dos quais Karl Marx, que tinha quinze anos na época,
provavelmente tomou conhecimento, assim como os compreendeu, devem
ter sido para ele uma revelação, tanto no que diz respeito ao governo
prussiano, como a seu pai. O protestante, bom prussiano, detentor orgulhoso
do título de Justizrat e respeitável e próspero advogado, mostrou-se, pelo
menos por um breve interlúdio regado a álcool, um simpatizante de ideias
diametralmente opostas ao regime autoritário da Prússia.48
Cerca de um ano e meio depois da explosão ocorrida no dia dos
fundadores, Marx concluiu seu curso e apresentou-se para o exame de
graduação, o Abitur. As dissertações que ele redigiu para as disciplinas de
religião e de alemão foram seus primeiros escritos a ser preservados. Como
se poderia esperar de um exame de graduação de um aluno de dezessete
anos, eles refletem em larga escala as ideias dos professores e dos adultos
com quem ele convivia. Entretanto, já revelam os primeiros lampejos de
suas próprias ideias e aspirações.
O assunto proposto para a dissertação de religião era “A união dos
fiéis com Cristo, de acordo com João, 15:1-14”. Marx iniciou-a com uma
abordagem dos povos pré-cristãos da antiguidade, e concluiu que, apesar do
progresso cultural, artístico e científico que experimentaram, eles nunca
conseguiram “se libertar dos grilhões das superstições e desenvolver
conceitos verdadeiros e dignos sobre eles próprios ou a Divindade”, além
do que, mesmo os princípios éticos e morais a que obedeciam nunca
estiveram livres de “uma mistura excêntrica de limitações desprezíveis.[...]”
E os antigos estavam cientes disso: “Até mesmo o maior sábio da
antiguidade, o divino Platão, fala, em mais de um instante, de um profundo
anseio por um ser mais elevado, cuja dimensão superficial satisfaz as
aspirações não saciadas em termos de verdade e de luz”. Tais aspirações,
sugere Marx, só poderiam ser atendidas através da união com Cristo, sem a
qual os homens são “amaldiçoados por Deus”, uma condição “da qual só
Ele tem condições de nos redimir”. A união com Cristo assume a forma de
amor passional por Ele, o que também transforma os homens em seres
melhores, conduzindo-os na direção do amor a seus irmãos. A consequência
é um comportamento probo, uma virtude que brota do “amor de Cristo, do
amor de um ser divino; e quando a virtude nasce dessa fonte de pureza, ela
aparece livre de todas as coisas; terrena e verdadeiramente divina [...] ela é
simultaneamente mais compassiva e mais humana”.49
A ideia do amor de Cristo libertando a humanidade de sua condição
pecadora era uma peça clássica da doutrina cristã; porém, a interpretação
feita por Marx torna evidente que a ele foi ensinada uma versão iluminista
do cristianismo. A superstição era um fardo que o mundo pré-cristão
carregava, fardo este que apenas Cristo poderia aliviar – e também era o
inimigo maior do pensamento iluminista. O anseio de Platão pela “verdade
e a luz”, um desejo que só Cristo poderia satisfazer, era outra indicação, já
que aqueles termos – “luz”, em particular – eram códigos empregados pelos
protestantes da Europa iluminista. Embora Marx tenha mencionado a
iniquidade e a depravação humanas cuja redenção só seria possível através
de Cristo, ele não se aprofundou no assunto; tampouco enfatizou a
experiência transformadora da redenção de Cristo que faz renascer o crente,
uma experiência que os pietistas alemães consideravam, em todos os
aspectos, tão fundamental à sua religião quanto seus congêneres
americanos. Tais sentimentos são evocativos da influência intelectual de
Heinrich Marx, de Johann Heinrich Wyttenbach, diretor do Gymnasium e
eterno defensor do ideário kantiano, e de Johann Ludwig von Westphalen,
conselheiro particular da administração distrital prussiana e amigo da
família. Por outro lado, as ideias do verdadeiro professor de religião de
Marx, um pastor protestante que era cético em relação ao Iluminismo e
tinha alguma simpatia pelo Despertar, ganharam menor destaque na
dissertação de seu pupilo.50
O tema do trabalho de Marx para a disciplina de alemão foi
“Observação de um jovem a respeito da escolha da profissão”. Ele começa
sugerindo que homens jovens devem fundamentar sua escolha em suas
disposições naturais mais profundas: “as convicções mais arraigadas, as
vozes mais íntimas do coração [...] pois a Divindade nunca deixa o mortal
completamente sem guias [...]”. Ele introduziu, então, dois grupos de
qualificações. Um deles, relacionado com a validade da voz interior de um
indivíduo; talvez sua inclinação para certa ocupação fosse apenas um
entusiasmo passageiro. Rapazes poderiam considerar a recomendação dos
mais velhos e mais sábios, tais como os próprios pais – uma sugestão que
Marx manifestou em uma frase e à qual nunca retornou. Acima de tudo,
esses jovens devem confiar na própria experiência, com vistas a verificar se
sua inclinação tem caráter duradouro.
Marx apontou, então, outro problema, decorrente da obediência ao que
dita o coração: “nossos relacionamentos em sociedade”. Nós poderíamos
imaginar que encontraríamos aqui o futuro socialista; porém, o exemplo
usado por ele foi a escolha de uma ocupação para a qual o indivíduo carece
de capacitação física ou de talento. Essa incapacidade para exercer a função
escolhida seria, além de vergonhosa, uma prova da inutilidade universal e
social de uma pessoa, responsável por conduzi-la ao desdém por si mesma,
“uma serpente que, enfraquecendo indefinidamente, corrói o peito, suga do
coração o sangue da vida e o mistura com o veneno do ódio pela
humanidade e o desespero”.
No entanto, e esse foi o ponto central da dissertação, não seria
suficiente optar por uma ocupação para a qual uma pessoa tenha tanto
inclinação como habilidade. Ao contrário, a função escolhida deve ser uma
que “proporcione mais dignidade; seja alicerçada em ideias de cujas
verdades estejamos convencidos; que ofereça o campo mais amplo no qual
atuar, visando à humanidade, e nos aproximar do objetivo universal, da
completude e da perfeição. Todas as ocupações são simples meios para se
realizar esse propósito”. Marx sugeriu que tal completude e tal perfeição se
viabilizam por meio da intersecção entre a satisfação de inclinações e
aptidões individuais e o aperfeiçoamento da condição humana:

A principal consideração que deve nos guiar na escolha de nossa


ocupação é o bem da humanidade, nossa própria realização. Não
devemos nos iludir pensando que esses dois interesses possam ser
conflitantes, que um deve destruir o outro. Na verdade, a natureza
do homem é de tal forma estruturada que ele só consegue atingir
sua perfeição quando age, em nome da realização, pelo bem-estar
do mundo que o cerca. Se ele apenas cria para si mesmo pode,
decerto, ser um renomado acadêmico, um grande sábio, um
excelente poeta, mas nunca um grande homem, verdadeiramente
completo. [...] Quando escolhemos uma profissão através da qual
possamos fazer o máximo pela humanidade, o fardo nunca
conseguirá nos derrotar, porque será um sacrifício em nome de
todos. Assim, não desfrutaremos de uma satisfação medíocre,
limitada e egoísta, porque nossa boa sorte será compartilhada com
milhões de pessoas, nossos feitos viverão em silêncio, mas seus
efeitos permanecerão pela eternidade, e nossas cinzas serão
umedecidas pelas lágrimas ardentes de homens nobres.51

Nessa dissertação podemos observar, além de um emprego excessivo


de metáforas, uma vez mais a influência de Johann Wyttenbach e das ideias
kantianas que ele professava. Outra influência importante foi exercida pela
majestosa figura literária alemã da época, Johann Wolfgang von Goethe,
cujos trabalhos traduzidos em poesias, romances, peças teatrais e conversas
pessoais reunidas articulavam os ideais de realização e perfeição como
objetivos da luta humana. Conhecidos por praticamente todos os ilustrados
falantes do idioma alemão, os trabalhos de Goethe eram leitura obrigatória
para os alunos do Gymnasium. O diretor, Wyttenbach, tinha convívio
pessoal com o renomado poeta.
Um aspecto dessa dissertação é a escolha dos exemplos de satisfação
individual feita por Marx: acadêmico, sábio e poeta. Ele não fez menções a
soldado, administrador, homem de negócios ou advogado – todas elas
profissões nas quais os jovens de sua classe social, na Prússia, aspiravam
encontrar a realização. A última foi a carreira escolhida por Heinrich Marx,
e pelo próprio Karl. As buscas de caráter intelectual e artístico por ele
mencionadas refletiam, por outro lado, a influência de Wyttenbach, que era
todas essas coisas, e cuja presença adquiria vulto no modesto palco de
Tréveris, muito embora não gozasse de grande relevância no ambiente
cultural mais amplo da Europa central. A busca da investigação intelectual
como meio de melhoria da condição humana foi um tema recorrente ao
longo de toda a vida de Marx – devemos apenas considerar sua permanente
insistência quanto à necessidade de a política comunista e as aspirações
comunistas para a humanidade serem fundamentadas em Wissenschaft,
aprendizado sistemático – e encontrou sua primeira e ingênua expressão
adolescente nessa dissertação.
Se as duas dissertações de graduação mostraram aspectos da educação
formal e intelectual de Marx, outra faceta dos textos deixa transparecer algo
de sua educação informal e política. Nesse mesmo ano, as autoridades da
Prússia, cansadas daquilo que viam como incapacidade ou má vontade de
Wyttenbach para se opor às correntes políticas subversivas, nomearam-no
como diretor adjunto da escola um homem chamado Vitus Loers, um
professor clássico, defensor de ideias conservadoras confiáveis. Essa
mudança foi uma afronta pessoal e um gesto político. Marx respondeu na
mesma moeda. Ele esnobou o novo diretor adjunto, recusando-se a fazer-lhe
uma visita de despedida, atitude em que foi acompanhado por apenas mais
um membro de sua classe de graduação. Pouco tempo depois de Marx
deixar Tréveris para iniciar os estudos na universidade, em novembro de
1835, houve um banquete em homenagem a Loers. Heinrich Marx estava
presente e observou que o comportamento de seu filho causara visível
contrariedade ao professor de inclinação direitista. Heinrich tentou
tranquilizar Loers, contando que Marx lhe fizera uma visita, porém ele,
Loers, estava fora do escritório. Durante o banquete, Heinrich também
esteve com Wyttenbach e o encontrou visivelmente desgostoso com a
afronta representada pela nomeação de Loers. Heinrich tentou acalmá-lo
também, comentando a admiração e a devoção nutridas por Karl em relação
a seu professor, o que lhe proporcionou certo alento.52
As duas atitudes tomadas por Heinrich Marx no banquete resumem
muitos aspectos dos primeiros anos de vida de seu filho. Karl Marx nasceu
e cresceu no seio de uma família que lutava para se libertar do ambiente
restrito e confinado da “nação” judaica na Europa da sociedade de ordens.
Os membros da família viriam a substituir esse ambiente por uma vida
fundamentada nas doutrinas do Iluminismo: uma abordagem racionalista do
mundo, uma religião deísta, uma crença na igualdade humana e nos direitos
fundamentais e o anseio de se tornarem cidadãos produtivos em uma
comunidade de cidadãos produtivos. Como mostraram as experiências do
próprio Heinrich, a trajetória para tal vida era tortuosa e difícil, repleta de
concessões, e afetada pelas vicissitudes da guerra e das revoluções, sobre as
quais os habitantes da pequena e marginal cidade de Tréveris tinham pouco
controle.
Ao seguir esse caminho, Heinrich havia se tornado primeiro um
cidadão francês partidário do imperador Napoleão e, depois, um prussiano
protestante, sendo que ambas as personalidades o distanciaram do ambiente
social profundamente católico de Tréveris. Ele teve acesso a uma riqueza
modesta e passou a gozar de certo respeito no meio social. Todavia, houve
incidentes, como a cantoria no Casino ou a afronta de seu filho a Vitus
Loers, que salientaram as dificuldades existentes para que alguém fosse
bom prussiano e partidário das doutrinas do Iluminismo. Talvez tenha sido
uma consequência das diferenças entre Heinrich e Karl ou, quem sabe,
apenas o contraste entre um cauteloso e reticente pai de família de meia
idade e um impetuoso adolescente, o fato de o primeiro ter tornado público
seu questionamento a respeito do domínio prussiano apenas em um
momento de embriaguez, enquanto o segundo o fez quando se encontrava
sóbrio.
Karl foi, sem dúvida, mais precipitado que seu pai em 1835; mas
devemos colocar em questão se ele era politicamente mais radical e se
desejava se opor à monarquia prussiana de forma regular e fundamental, em
vez de fazê-lo apenas em momentos específicos e em relação a questões
específicas. A resposta provavelmente é ainda não, e nós devemos analisá-
la em comparação com outro aluno e futuro revolucionário do Gymnasium
de Tréveris, Ludwig Simon. Simon estava um ano atrás de Marx e o tema
da dissertação de alemão de seu Abitur, em 1836, foi o amor pela terra
natal. Nesse trabalho, Simon reiterava que só a Alemanha poderia ser sua
terra natal, nunca a Prússia – um repúdio radical à monarquia, repúdio este
que estava em consonância com a atitude dominante em uma Tréveris
católica. Nem Heinrich, nem Karl estavam preparados para dar esse passo.
Podemos aprofundar um pouco mais essa comparação. Em 1848,
Simon era um revolucionário e permaneceu fiel às suas ideias
revolucionárias durante o exílio na França e na Suíça, onde viveu até sua
morte, em 1872. Porém, os ideais revolucionários de Simon refletiam
aqueles dos jacobinos da Revolução Francesa de 1789 – nacionalistas,
republicanos e democráticos, com provável inclinação a reformas sociais,
mas, certamente, sem oposição ao capitalismo ou à propriedade privada.
Enquanto esteve no exílio, Simon foi banqueiro.53 Karl Marx também seria
um revolucionário, compartilhando muitas das inclinações jacobinas de
Simon, um ponto sempre esquecido nas discussões a respeito das ideias e
aspirações revolucionárias de Karl; no entanto, sua concepção de revolução
envolveria a demanda por mudanças na estrutura econômica e nas relações
de propriedade. O caminho para harmonização entre a política dos
jacobinos e a economia comunista passava por uma forma nitidamente
prussiana de vida intelectual, que Marx encontrou em seus estudos
universitários. No outono de 1835, esse encontro ainda fazia parte do
futuro.
2

O aluno

QUANDO, EM OUTUBRO de 1835, Karl Marx desceu o rio Mosela,


indo de Tréveris a Koblenz e depois rumou para o norte em um vapor,
viajando pelo Reno em direção a Bonn para iniciar seus estudos na
universidade, é provável que tenha avistado o cometa Halley no céu. Para
os místicos, cometas pressagiavam grandes realizações; no entanto, Marx,
um racionalista convicto, rejeitaria qualquer conexão entre os sinais dos
astros e seu próprio destino. A realidade dos estudos universitários na
Europa central durante os anos 1830 respaldava tais percepções, sugerindo
para o novo aluno, em lugar de grandes façanhas, a perspectiva de um longo
e tortuoso caminho para consecução de seus objetivos em termos de
carreira, com resultados bastante incertos. Para que um rapaz jovem
chegasse a exercer uma carreira jurídica na Prússia, ou seja, antes de ter
condições de ser nomeado procurador do Estado, juiz ou advogado em uma
banca particular, era necessário que encarasse vários anos de estudo
universitário, além de estágio não remunerado e dois exames aplicados pelo
Estado. Durante uma década ou mais, o aluno de direito e aspirante a jurista
não contava com qualquer fonte de receita, de modo que seu sustento
dependia exclusivamente da família. Outras trajetórias profissionais para os
alunos, incluindo aquelas que conduziam a um cargo no Gymnasium ou na
universidade, eram, da mesma forma, longas, difíceis e estressantes.1
Enquanto a educação secundária e a superior haviam se expandido
consideravelmente nos estados alemães durante as primeiras décadas do
século XIX, a criação de cargos custeados pelo governo visando ao
emprego de um número crescente de graduados não aumentou na mesma
proporção. Entre 1820 e 1840, aproximadamente, a Prússia viu triplicar o
número de formados em direito que exerciam funções não remuneradas,
enquanto os cargos assalariados no sistema judiciário, em âmbito estatal,
experimentaram um crescimento de apenas 20%. Esse descompasso foi um
problema crônico na Europa central e recorrente em intervalos regulares ao
longo dos últimos dois séculos. Todavia, as dificuldades geradas pela
desconexão entre o número de graduados e de cargos financiados pelo
governo teve, provavelmente, seu pior momento nas décadas de 1830 e
1840. O lento crescimento econômico nos estados alemães atestava, por um
lado, que os governos careciam de receitas provenientes de impostos para
financiar a expansão do número de cargos disponíveis no serviço público
para os formados, e, por outro, que o setor privado, enfrentando tempos
difíceis, não tinha condições de oferecer alternativas adequadas.2
Os estudos jurídicos de Karl Marx exigiram assistência financeira de
longo prazo por parte da família. Até o início do século XX, as mulheres
não eram admitidas nas universidades alemãs, de modo que as irmãs de
Karl receberam uma espécie diferente de apoio, embora substancial do
ponto de vista financeiro – uma perspectiva que, segundo afirmação de
Heinrich Marx, “deixou-o de cabelo em pé” –, ou seja, um dote capaz de
lhes proporcionar um bom casamento. Hermann, irmão mais novo de Karl,
“um coração profundamente bondoso”, mas “desprovido de inteligência”,
como Heinrich o descrevia, não frequentou uma universidade e foi, em vez
disso, enviado a Bruxelas, para aprender o ofício de comerciante.3
O período entre 1835 e 1842, que marcou a transição de Marx da
adolescência para a vida adulta, foi dominado pelas dificuldades da carreira
que planejara e pela consequente dependência financeira de longo prazo em
relação à família. A simples perspectiva da dependência já era
suficientemente difícil para um jovem determinado como Karl, e os
conflitos com os familiares pareciam inevitáveis. Cerca de um ano depois
de sair de casa, as vicissitudes de seu caminho e os conflitos com a família
aumentaram demais, quase chegando ao limite.
Na qualidade de bom cidadão prussiano, Heinrich enviou seu filho
para uma universidade em Bonn. O governo da Prússia, em um ato de
integração e reconciliação política, fundara tal universidade em 1818, na
cidade junto ao Reno – naquela época, como hoje, na sombra de Colônia,
sua vizinha de maior extensão territorial, mais ao norte. Rapazes das classes
média e alta da Renânia, desconfiados de seus novos senhores e
potencialmente hostis em relação a eles, viriam a se converter em futuros
membros de uma elite provincial fiel depois de passar seus anos de
formação na companhia de estudantes que, em sua maioria, eram nobres
protestantes das províncias mais importantes na porção leste do império. Na
prática, essa associação de alunos da Renânia – em geral, liberais,
democratas ou católicos conservadores, porém simpatizantes das políticas
antiprussianas – com jovens nobres prussianos acabou promovendo mais
conflitos e exacerbações do que alimentando a fidelidade à Prússia.
Esses conflitos definiram os primeiros anos de Marx na Universidade
de Bonn. Ele assistia às palestras “com muita atenção”, conforme atestado
por seus professores, e tomava parte da liga dos poetas, um grupo de
rapazes (incluindo alguns futuros líderes revolucionários) que se
encontravam para discutir questões literárias e estéticas e para testar sua
capacidade de escrever poesias. No entanto, a principal atividade de Marx
era sua associação extracurricular com um círculo informal de estudantes de
Tréveris e de outras cidades no sudoeste da Renânia, cujos membros
passavam o tempo nas tavernas de Bonn, bebendo bastante e brigando com
outros alunos. Foram esses estudantes que deram a Marx, em virtude de sua
tez morena, o apelido “O mouro”, pelo qual seria conhecido entre os
amigos e os familiares, pelo resto de sua vida.4
Bebida, brigas, apelidos jocosos – tudo isso sugere a recriação de um
adolescente extemporâneo e apolítico; no entanto, as ações tinham um lado
político, já que as disputas opunham os estudantes de Tréveris àqueles das
províncias no leste da Prússia. Em um período de repressão política, muitos
dos cidadãos da Renânia, não apenas os estudantes universitários, faziam
das rixas com esses indivíduos uma forma de expressão de seu
descontentamento com o domínio prussiano. Marx foi escolhido como um
dos líderes do grupo de estudantes de Tréveris, e seu papel nos
enfrentamentos corporais culminou, durante o verão de 1836, na
participação em um duelo de sabre – uma antiga tradição nas universidades
alemãs, ainda praticada ocasionalmente nos dias de hoje – para defender a
honra dos cidadãos de classe média da Renânia contra os aristocratas do
lado oriental.5
O mau comportamento de Karl provocou a desaprovação de seu pai,
que via um desvirtuamento no rumo tomado pelo filho. Heinrich referia-se
aos duelos por meio de palavras sarcásticas; reiterava as advertências com
respeito às frequentes idas às tavernas; lembrava a Karl as expectativas da
família em relação a ele, “a esperança de que você possa, um dia, ser um
arrimo para seus irmãos e suas irmãs”. O pai criticava, também, a atitude de
Karl com o dinheiro da família – não porque Karl estivesse gastando
demais, como sugerem muitos relatos, mas sim devido à desorganização e
ao caos de sua prestação de contas:

Suas contas, caro Karl, são ao estilo Carl, desconexas e sem


resultados. De forma mais resumida e direta, apenas dispondo os
números regularmente em colunas, a operação seria muito mais
simples. Exige-se organização de um acadêmico, em especial de
um jurista pragmático.6

Heinrich acabou chegando à conclusão de que seria necessária uma


mudança de universidade. No final do ano letivo de 1835 a 1836, ele fez
uma declaração oficial: “Não apenas concedo a meu filho Carl Marx a
permissão para fazê-lo, como é meu desejo que ele se matricule na
Universidade de Berlim para dar continuidade aos estudos de direito e
administração pública que iniciou em Bonn”.7 A transferência para Berlim
viria a representar uma importante mudança na vida de Karl. Ele ficou mais
distante da família – a quatro dias de viagem por meio de diligência já que,
até os anos 1840, não havia conexão ferroviária entre a capital e as
províncias ocidentais da Prússia. Berlim, com seus trezentos mil habitantes,
cerca de vinte vezes a população de Bonn, era um mundo diferente daquele
da pequena cidade universitária junto ao Reno. Residir em Berlim foi a
primeira experiência de Marx em termos de sobrevivência em uma cidade
grande, o que se tornou a regra, e não a exceção, para o resto de sua vida.
Berlim ainda não era o centro industrial e financeiro que viria a ser
poucas décadas mais tarde. Fábricas movidas a vapor e uma força de
trabalho concentrada na indústria – até onde existiam – eram eclipsadas
pelo grande número de artesãos que labutavam em pequenas oficinas de
trabalhos manuais e pelos onipresentes Eckensteher, trabalhadores sem
qualificação que tinham licença do governo para permanecer nas esquinas,
aguardando o aparecimento de uma ocupação. Acima de tudo, a cidade era
a residência da realeza e sede do governo de uma das grandes potências
europeias. Ela contava com uma dinâmica vida cultural e artística:
sedutores teatros, óperas e balés; os aficionados pelas artes tinham à sua
disposição excelentes museus; amantes da música podiam assistir a
concertos no Singakadamie, o renomado coral da cidade, ou ouvir a
apresentação do virtuoso pianista Franz Liszt. Críticos musicais e teatrais
sarcásticos e um crescente grupo de humoristas sardônicos dissecavam os
ideais artísticos e criticavam severamente as ambições dos criadores e
consumidores das artes. A vida intelectual da cidade era abundante e
variada, porém concentrada em sua universidade. A exemplo da
Universidade de Bonn, a de Berlim também era uma instituição
essencialmente prussiana, mas conhecida por sua qualidade intelectual e sua
atmosfera acadêmica sóbria, discreta e rigorosa. Tais qualidades atraíam
estudantes curiosos de toda a Europa, entre os quais Jakob Burckhardt e
Søren Kierkegaard. Era a presença da corte e da burocracia estatal que
tornava possível essa efervescência intelectual e cultural; todavia, também
gerou distinta tensão entre um regime fundamentalmente autoritário e um
grupo de artistas e pensadores que possuíam ideias próprias.
Heinrich Marx, ao enviar seu filho a uma universidade na capital da
Prússia, estava confiando no lado discreto e rigoroso da vida intelectual da
cidade e da escola. Uma vez lá, Karl deixaria para trás seu ano pautado pelo
desregramento e retomaria um caminho sistemático e ordenado na busca de
seu objetivo. Naturalmente, a distância da família e muitos aspectos da vida
em uma cidade grande, ao criar distrações muito diferentes daquelas das
bebidas, das brigas, dos duelos e das finanças desorganizadas de Bonn,
poderiam se unir para frustrar as aspirações que Heinrich alimentava quanto
ao futuro de seu filho.
Os obstáculos no caminho do jovem Karl Marx e os desvios na
trajetória que o levaria a se transformar de aluno do Gymnasium em jurista
bem-sucedido, trocando a adolescência pela maturidade, espreitavam por
toda parte – até mesmo acidentalmente, na própria Tréveris, provocados
pelos Westphalen, amigos da família. Johann Ludwig von Westphalen era
um veterano burocrata estatal prussiano, um conselheiro do governo do
distrito de Tréveris. Ele e Heinrich Marx se conheciam bem; os dois
compartilhavam das mesmas ideias políticas liberais e monarquistas
constitucionais, embora favoráveis à Prússia, e das mesmas doutrinas
religiosa protestante e iluminista; frequentavam os mesmos círculos sociais
– ambos eram membros do Casino – e, provavelmente, mantinham um
relacionamento profissional, posto que Johann Ludwig era funcionário do
distrito encarregado das prisões, e Heinrich, um advogado, cuja prática
incluía a defesa de criminosos. Os filhos deles foram companheiros de
brincadeiras: Jenny, filha de Johann Ludwig com Sophie, de Heinrich
Marx; e Edgar, filho de Ludwig, com Karl. Quando os dois garotos
cresceram, eles frequentaram juntos o Gymnasium.
Em algum momento na adolescência de Karl, suas atenções se
voltaram para a colega de sua irmã, e ele começou a cortejá-la. A transição
de uma amizade de família para uma relação amorosa não foi fácil,
tampouco simples. Karl era o pretendente apaixonado e inoportuno, e
Jenny, o objeto relutante de suas atenções. Ela respondia às declarações de
amor de Karl, afirmando que gostava dele – um jogo de palavras, em
alemão: “Eu gosto de você”, era a tradução de Ich habe dich lieb, ao
contrário de “Eu te amo”, ou Ich liebe dich. Mais tarde, Jenny admitiu que o
comportamento impetuoso de Karl e as declarações intempestivas que ele
fazia deixavam-na assustada. Ela temia se entregar, admitir a si própria a
reciprocidade de seus sentimentos e acabar se perdendo de amor por ele,
para depois ver essa paixão esfriar no curso de seu relacionamento e
descobrir-se apaixonada por um homem que era “frio e retraído”.8 No verão
de 1836, quando Karl, aos dezoito anos, retornou de Bonn antes de partir
para Berlim, ela foi vencida pela insistência dele e os dois ficaram noivos.
Esse noivado, o começo de um duradouro compromisso mútuo, foi
retratado inúmeras vezes como um romance de conto de fadas, que uniu
uma bela jovem, “a mais bela garota de Tréveris”, a “rainha do baile”, uma
“princesa encantadora”, filha de um funcionário do alto escalão do governo
prussiano e descendente de uma distinta família aristocrática a um plebeu
cabeludo, de compleição escura e duvidosos antecedentes semitas – um
admirável triunfo do amor e da afeição sobre os preconceitos e as
diferenças sociais. Esse relato começou a circular enquanto Marx ainda era
vivo. Quando da morte de Jenny, em 1881, o obituário que Charles
Longuet, genro de Marx, escreveu no jornal francês Justice afirmava:
“Podemos imaginar que o casamento dela com Karl Marx, filho de um
advogado de Tréveris, foi marcado por dificuldades. Muitos preconceitos
precisaram ser vencidos, a maioria deles de caráter racial. Nós sabemos da
origem israelita do ilustre socialista”. Ao encaminhar essa nota para a filha
que tivera com Jenny, Marx bufou: “Toda essa história é simplesmente
inventada; não houve preconceitos a superar”; e acrescentou algumas
observações mordazes a respeito de seu genro, que considerava um
imbecil.9
A observação sarcástica de Marx merece atenção. As diferenças
sociais entre a família Westphalen e a dele eram bem menores do que
parecia à primeira vista, e o fato de Jenny ter aceitado o pedido de
casamento feito por Marx é mais compreensível quando se leva em
consideração as próprias perspectivas que a ela se apresentavam. Havia
alguns aspectos incomuns no relacionamento entre Marx e Jenny, até
mesmo subversivos em sua insurgência contra as ideias correntes de
masculinidade e quais relações eram adequadas entre homens e mulheres.
Tais aspectos geravam ceticismo e oposição quanto ao envolvimento das
duas famílias; todavia, as raízes dessa incredulidade residiam menos no
passado semita de Karl do que em seu futuro incerto.
Johann Ludwig von Westphalen era um antigo burocrata prussiano e
também um aristocrata que contava com o reconhecimento do governo e
garantira sua inscrição na lista oficial de nobres que viviam nas possessões
da Prússia na região do Reno. No entanto, quando examinada mais
detalhadamente, essa imagem de aristocrata prussiano e funcionário do alto
escalão do governo começa a se enevoar e dissipar.10
Nas primeiras décadas do século XIX, com o início da dissolução da
sociedade de ordens na Alemanha, a nobreza, que usufruía dos maiores
privilégios e direitos nessa sociedade, reagiu às mudanças que ameaçavam
sua posição por meio de um reagrupamento e uma reorientação. Os
aristocratas em cujas veias corria um sangue mais azul, aqueles com
condições de traçar sua genealogia até vários séculos atrás, começaram a se
autodenominar “nobreza primeva” (em alemão, Uradel), rejeitando
qualquer associação com a “nobreza de cartas-patente” (em alemão,
Briefadel) ou com a “nobreza a serviço do Estado” (em alemão, Dienstadel)
que, algumas vezes, insultavam pessoalmente, e cujo caráter nobre tinha
origem burocrática e datava de passado mais recente.11 Johann Ludwig von
Westphalen pertencia a essa segunda linhagem de nobres – seu pai recebeu
título de nobreza em 1764, seis anos antes do nascimento do filho, em
reconhecimento aos serviços prestados como secretário particular do duque
de Braunschweig.
Não apenas o status de nobreza de Westphalen pertencia a uma
duvidosa segunda classe, como seu passado era suspeitosamente
napoleônico. A exemplo do pai, ele iniciou a carreira burocrática no ducado
de Braunschweig; todavia, quando as terras desse ducado, junto com uma
grande porção do território da Prússia, foram incorporadas ao Reino da
Vestfália – um Estado alemão criado por Napoleão, em 1807, e entregue ao
comando de seu irmão Jerônimo – Westphalen se converteu em um
burocrata ao estilo francês, tendo sido subprefeito da cidade de Salzwedel
entre 1809 e 1813. Na esteira do colapso do domínio napoleônico na
Europa central, ele, assim como outros funcionários do governo de
Napoleão, foi transferido para o serviço estatal da Prússia, primeiramente
na própria Salzwedel, e depois em Tréveris, onde jamais ultrapassou o nível
de conselheiro da administração distrital prussiana. Houve muitas razões
para essa carreira interrompida, porém, sem dúvida, sua posição política foi
uma delas: assim como muitos sobreviventes da era napoleônica, entre os
quais Heinrich Marx, Johann Ludwig nutria simpatia pelas doutrinas
políticas liberais, incluindo a ideia de uma monarquia constitucional – uma
atitude que não contribuiu para o futuro de sua carreira burocrática.
Para concluir, Johann Ludwig von Westphalen casou-se duas vezes e
essas duas mulheres eram bastante diferentes. Sua primeira esposa, Lisette
von Veltheim, descendente de uma antiga família de nobres prussianos,
aqueles que se autodenominavam nobreza primeva, faleceu em 1807 em
virtude de complicações no parto. Cinco anos mais tarde, Ludwig se casou
com Caroline Heubel, oriunda de uma família de classe média, cujo pai, um
militar prussiano aposentado, era especialista em cuidados com equinos, um
“mestre dos estábulos”. Os filhos do primeiro casamento, crescendo sob a
influência da devota mãe e dos parentes aristocratas de Ludwig, tornaram-
se adeptos do Despertar e conservadores no aspecto político, ao passo que
Jenny e seu irmão mais novo, Edgar, filhos de Caroline, da mesma forma
que os pais, eram religiosos racionalistas e aderentes às correntes políticas
de esquerda. A diferença se mostrava mais marcante no filho mais velho de
Lisette von Veltheim, Ferdinand, em quem as inclinações religiosas dos
parentes se uniam a uma clara animosidade contra sua madrasta. Na década
de 1850, depois de debelada a revolução de 1848 a 1849, Jenny, Karl e os
filhos foram viver em Londres na condição de refugiados políticos,
enquanto o meio-irmão dela, Ferdinand, exerceu o cargo de ministro do
interior do governo prussiano, conhecido como o homem forte do
ministério governamental na época da reação.
Em vista desses aspectos da vida de Johann Ludwig von Westphalen,
as relações amistosas entre sua família e a de Heinrich Marx durante os
anos 1820 e 1830 não causam tanta estranheza, embora as descrições da
verdadeira natureza desse relacionamento não venham de relatos de
contemporâneos, mas de breves reminiscências do próprio Karl Marx, já
idoso, narradas à sua dedicada filha Eleanor. (Ela contribuiu para que
restassem poucos dados daquela época queimando, depois da morte dos
pais, a maior parte das cartas de amor trocadas por eles; apenas alguns
fragmentos sobreviveram). Karl costumava contar como Johann Ludwig,
em cuja companhia tinha por hábito passear, o havia tomado sob seus
cuidados quando ele ainda era um adolescente. Foi Johann quem apresentou
a ele as obras de Shakespeare, dando início a uma paixão duradoura. Essa
admiração pelo futuro sogro é frequentemente mencionada; por outro lado,
são menos assíduos os relatos dando conta da estima e consideração de
Jenny por Heinrich Marx. De fato, um dos contornos emocionais mais
interessantes do relacionamento entre Karl e Jenny foi o respeito e a afeição
que cada um deles sentia pelo pai do outro. Nesse, como em muitos outros
aspectos da vida emocional de Karl, a figura da mãe é deixada de lado.
Henriette, a esposa desajeitada e estrangeira de Heinrich, não tinha um bom
relacionamento com os Westphalen, e tampouco eles se importavam com
ela.12
Apesar dos sentimentos nascentes entre ele e Jenny, Karl se mostrou,
ao longo de todo o noivado, um amante ansioso e inseguro, manifestando
reiteradas dúvidas a respeito da fidelidade da noiva. Ele quase chegou a
travar um duelo devido a calúnias envolvendo o comportamento de Jenny e
vivia se queixando de que ela não lhe escrevia. A troca de correspondência
era importante porque, durante os cinco anos seguintes à data do noivado,
desde o verão de 1836, antes de Karl partir para a Universidade de Berlim,
até o verão de 1841, quando ele retornou para a Renânia trazendo seu
diploma, os jovens amantes só se encontraram pessoalmente uma vez – e
nesse encontro tiveram uma briga terrível, que por pouco não levou ao
rompimento. O contato entre os dois se deu quase exclusivamente por
intermédio de cartas, tendo havido momentos em que nem elas existiram, e
o relacionamento ficou apenas no domínio da imaginação.13
No entanto, Jenny permaneceu fiel a Karl durante os sete anos de
noivado. São comuns os comentários dando conta de que a devoção de
Jenny por um indivíduo questionável, apesar de ser ela objeto dos suspiros
de muitos rapazes – cinco anos antes de Karl pedi-la em casamento, Jenny
manteve um breve noivado com um tenente prussiano ‒ só pode ter sido
fruto de um amor verdadeiro. Esse fato também é parte do conto de fadas, e
tão acurado quanto o que diz respeito à superioridade social da família
Westphalen sobre a de Marx. As afirmações de que Jenny era a moça mais
bonita da cidade e rainha do baile, sem mencionar a princesa encantada,
foram feitas por seu marido, trinta anos após o evento, quando ele lançou
mão de todos os recursos para animá-la depois de um episódio de catapora
que quase a levou à morte e deixou cicatrizes em seu rosto. Jenny era, sem
dúvida, uma jovem atraente, conhecida por sua vivacidade e bondade,
embora na companhia de Karl tendesse a permanecer em embaraçoso
silêncio.14
Um aspecto da posição de Jenny costuma ser ignorado na maioria dos
relatos a respeito de seu relacionamento com Karl; ele está documentado
em uma única linha do dossiê de caráter confidencial que o Estado
mantinha sobre seu pai, assim como sobre todos os funcionários do
governo: “[Ele] não possui fortuna alguma”. Na primeira década do século
XIX, Johann Ludwig von Westphalen havia consumido todo o montante do
dinheiro da família que a ele cabia, tentando, sem sucesso, transformar-se
em latifundiário, fazendeiro por diletantismo e especulador imobiliário.
Após a derrocada, ele e sua família passaram a depender inteiramente de
seu salário de funcionário do governo e, depois da aposentadoria, em 1834,
de uma modesta pensão – soma equivalente a apenas três quartos dos
ganhos anuais de Heinrich Marx. Com isso, Jenny não teria um dote
substancial e, consequentemente, suas chances de conseguir um casamento
brilhante estariam comprometidas. Não havia como cogitar um rapaz
jovem, nem mesmo da elite de Tréveris – uma cidade que ela desprezava
por considerar insignificante, atrasada e sujeita à influência da Igreja; um
“lugar de lamentações, o velho ninho de padres carcomidos, com sua ínfima
benevolência”. A alternativa existente era seu antigo noivo que, além de
pertencer a uma classe bastante inferior de oficiais do exército, parecia se
tratar de um sujeito entediante.15
Karl Marx era uma escolha questionável, com duvidosas perspectivas
de futuro; contudo, contava com um lado estimulante, que apontava na
direção de possibilidades ousadas, muito além das fronteiras de uma
Tréveris tacanha e provincial e, assim, não parecia tão ruim em comparação
com outras alternativas. Tal atitude calculista podia parecer incompatível
com o perfil romântico dos jovens enamorados de então; entretanto, a
própria Jenny, “uma pessoa de caráter racional e inteligente”, dizia:
“frequentemente chamo sua atenção [de Karl] para que se atenha às coisas
externas, à realidade da vida, em vez de [...] se deixar levar pelo mundo do
amor para encontrar nele o consolo e a suprema felicidade”.16
Essas questões práticas habitavam a mente dos pais dos dois
enamorados e a reação desses pais aponta para o aspecto verdadeiramente
incomum e carregado de rebeldia do relacionamento do casal. Karl tinha
apenas dezoito anos na época, e não contava com meios de prover o
sustento da futura esposa – e ainda iria enfrentar cerca de uma década sem
qualquer renda antes de estar em condições de fazê-lo. Seus
contemporâneos acreditavam, com plena convicção, que rapazes oriundos
de famílias de classe média não deveriam sequer pensar em se casar até que
tivessem uma posição que lhes garantisse os proventos necessários para
sustentar uma família. Não havia nada de extraordinário em mulheres com a
mesma herança social de Jenny casarem-se jovens; porém, esperava-se que
elas se unissem a homens mais velhos, com condições de vida melhores e
mais estáveis. Decerto, os pais de Karl e de Jenny se enquadravam nesse
perfil, já que tanto Heinrich Marx como Johann Ludwig von Westphalen
tinham cerca de dez anos a mais que suas esposas. Um homem se casar com
uma mulher mais velha que ele – Karl tinha quatro anos a menos que Jenny
– representava um escândalo, pois violava as normas estabelecidas de
masculinidade e de relacionamento entre os dois sexos. Muito antes de
formular suas teorias comunistas ou absorver o ideário radical e ateu dos
Jovens Hegelianos, o pedido de casamento feito por Karl Marx foi sua
primeira rebelião contra a sociedade burguesa do século XIX.17
A exemplo de muitas outras rebeliões, essa também teve seus
momentos de hesitação. O próprio Karl tinha plena consciência da invulgar
diferença de idades; sua insegurança no relacionamento e sua dúvida em
relação à fidelidade de Jenny brotavam da suspeita de que ela, movida pela
razão, que indubitavelmente possuía, percebesse essa situação fora dos
padrões – apesar dos tempestuosos sentimentos românticos que ele era
capaz de demonstrar e, em dias favoráveis, despertar nela. A sempre prática
Jenny compreendia as dificuldades a que seu noivado estava sujeito, em
decorrência da falta de perspectivas do futuro de Karl. Uma carta na qual
ela trazia à tona esse fato – infelizmente não preservada – causou nele
grande perturbação, deixando-o à beira de uma crise nervosa.
A princípio, apenas os pais de Karl tomaram conhecimento do
noivado. Heinrich apoiou o jovem casal, tendo até mesmo agido como
intermediário enquanto seu filho esteve em Berlim. Henriette, embora não
colocasse objeções ao relacionamento, parece ter se mostrado mais cética.
Tais atitudes eram, talvez, um reflexo de seu próprio casamento,
convenientemente arranjado. Heinrich, por um lado, lamentava ter faltado
em sua vida a impetuosidade jovem e a atitude romântica que ele via em
seu filho, e Henriette, por outro, mostrava-se bem menos sensibilizada,
sobretudo devido ao vínculo com uma família que não gostava muito dela.
Jenny relutou em contar a novidade aos pais; porém, sem qualquer
justificativa. Depois que souberam, eles se mostraram bastante satisfeitos.
O pai dela, em especial, reagiu com entusiasmo à escolha de seu protegido,
declarando que se sentia “indescritivelmente feliz” pelo fato de sua filha
estar noiva de “um excelente, nobre e extraordinário” rapaz.
Apesar de todo o entusiasmo, Johann Heinrich entendia que o
casamento de Karl com sua filha ainda deveria esperar alguns anos, até que
o noivo conseguisse uma posição estável, com condições de propiciar a
Jenny o estilo de vida com o qual ela estava acostumada. Ele fez todas essas
observações sobre Marx em uma carta ao meio-irmão de Jenny, Ferdinand,
que, assim como outros parentes do ramo da família ligado à primeira
esposa de Heinrich, reprovava a opção não convencional da irmã por um
homem mais novo e, na melhor das hipóteses, com uma carreira incerta.
Especula-se que o passado judeu de Karl contribuiu sobremaneira para esse
ceticismo, embora se saiba que os evangélicos conservadores alemães não
se opunham, de maneira alguma, aos judeus que, como Karl, haviam se
convertido ao cristianismo. Um dos principais líderes desses evangélicos,
Friedrich Julius Stahl, era um judeu convertido. Mas a persistente oposição
dos parentes iria dificultar a vida de Jenny durante toda a duração do
noivado.18

QUANDO KARL INICIOU seus estudos na Universidade de Berlim no


outono de 1836, seu noivado colaborou para o aumento das dificuldades
inerentes à carreira que escolheu. Para se casar com Jenny, ele precisava
conseguir, o mais brevemente possível, uma posição estável. Seu pai não o
deixava esquecer tais circunstâncias, lembrando-lhe que “para o homem,
não há um dever mais sagrado do que aquele assumido em relação ao sexo
mais frágil”, e também “Você deve demonstrar a certeza de que, a despeito
de sua juventude, é um homem merecedor do respeito do mundo, um
homem que conquistará esse respeito agindo com determinação para
superar os obstáculos. [...]”. As cartas de Heinrich para o filho sempre
colocavam a difícil situação suscitada pelo noivado de Karl e Jenny como
uma questão relacionada à hombridade de Karl.19
As ações do filho de Heinrich, no entanto, não apontavam para uma
atitude viril de superação dos obstáculos, ou mesmo de um caminhar a
passos firmes na direção de sua carreira jurídica. Muito embora as festas e
as brigas que preencheram a maior parte do ano vivido em Bonn já fossem
coisas do passado, como seu pai desejava, Marx encontrou outras formas de
fugir ao rigoroso e estrito estudo das leis. Envolvido pelo dinâmico
ambiente cultural de Berlim, ele desenvolveu um profundo interesse pela
literatura, passando boa parte do primeiro semestre da universidade
escrevendo um “Livro do amor”, uma coleção de poesias românticas, que
enviou para Jenny. Karl tentou, também, escrever uma peça teatral, um
romance satírico e, depois, críticas teatrais, tendo empregado alguns
esforços para a publicação de um anuário a respeito desse assunto – sem
grande sucesso. Sobre tais trabalhos da juventude, pelo menos aqueles que
foram preservados (Karl queimou boa parte deles, em nome de uma bem
justificada insatisfação), quanto menos se falar, melhor. Aqui cabe uma
observação: os poemas dedicados a Jenny não eram apenas românticos, mas
Românticos – caracterizados por forte expressão particular de desejo e
paixão, e uma profunda comunhão com a natureza. Durante a maior parte
de sua vida, Marx rejeitou o Romantismo, tanto por razões políticas como
estéticas. Ele viria mais tarde a renegar suas poesias Românticas como um
vexame de juventude; entretanto, elas demonstram que sua visão de mundo
sofreu, de fato, decisiva influência do amor por Jenny.20
O maior desvio na trajetória de Marx na consecução de uma carreira
jurídica foi o encontro com as ideias do filósofo Georg Wilheim Friedrich
Hegel – de certa forma, tão intoxicantes quanto a cerveja que Marx
consumia em Bonn, e do ponto de vista emocional, tão estimulantes como o
amor do jovem por Jenny von Westphalen. O ideário hegeliano é
notoriamente complexo e intrincado; uma descrição apropriada requereria
(pelo menos) um livro inteiro, portanto, os leitores devem perdoar o esboço
sumarizado apresentado a seguir, para o qual foram selecionados aqueles
aspectos do pensamento do filósofo que viriam a estabelecer o fundamento
das ideias de Marx.21
O ponto de partida da filosofia de Hegel foram as críticas às ideias do
filósofo alemão do século XVIII Immanuel Kant e a posterior ampliação de
tais ideias. Essas duas notáveis figuras do idealismo alemão foram
solteirões convictos, casados com o mundo etéreo da filosofia. Eles eram
bastante diferentes no aspecto pessoal: Kant, retraído e austero, e Hegel,
dinâmico e sociável. Hegel enfrentou problemas em 1806 para concluir sua
Fenomenologia do espírito, em virtude do iminente nascimento de um filho
ilegítimo que teve com uma garçonete. Também no campo intelectual, o
raciocínio austero e rigoroso de Kant contrastava com as formulações
filosóficas complexas e rebuscadas de Hegel.
Profundamente impressionado com a epistemologia iluminista do
empirismo, a concepção intelectual de que um conhecimento apropriado
sobre o mundo só pode ser obtido por meio da percepção sensorial, Kant
levantou dúvidas quanto a existirem garantias de que nossas percepções
sensórias ofereciam um conhecimento adequado a respeito dos objetos de
tais percepções, as “coisas em si mesmas”, como disse ele. O filósofo
concluiu que não havia garantias; que não podemos conhecer as coisas em
si próprias, mas temos condições de investigar a natureza e a conformação
de nosso aparato perceptivo e, dessa maneira, adquirir certa forma de
conhecimento sobre ele, desvinculado das percepções, os célebres
julgamentos sintéticos a priori.
É certo que Hegel concordava com as observações de Kant a respeito
dos limites do empirismo, porém sentia que eles não iam suficientemente
longe. Por que assumir que havia apenas uma forma estática de
configuração perceptiva e que tal configuração era independente do objeto
de nossa percepção? Ele, ao contrário, identificava entre a configuração e o
objeto das percepções uma interação ou “dialética” – palavra que o próprio
Marx viria a empregar para caracterizar suas ideias, embora com frequência
menor do que fizeram seus seguidores. Na forma de pensar de Hegel, o
sujeito que percebe interage com o objeto da percepção e acaba abalando a
forma e o arcabouço das percepções do sujeito, em geral devido ao fato de a
interação conduzir a uma contradição interna no quadro de referências da
percepção. Essa autocontradição gera um novo arcabouço e, então, esse
processo interativo se repete novamente, engendrando outro arcabouço
perceptivo. Hegel afirma que, como consequência desse processo de
repetidas interações entre a estrutura de percepções do sujeito pensante e o
objeto das percepções, o sujeito acaba por reconhecer o objeto de suas
percepções que anteriormente era visto como estranho – “exteriorizado” ou
“alheio” em relação a si mesmo (conceitos hegelianos que viriam a exercer
papel importante no pensamento de Marx) – como parte ou, na verdade,
produto de si mesmo. A consciência de um sujeito em relação aos objetos
exteriores a ele acabaria por se transformar em uma versão ampliada da
autoconsciência. Outro resultado inteiramente correlato desse processo é
que o sujeito singular que percebe viria a compreender sua autoconsciência
como parte de um sujeito cósmico coletivo, desenvolvido ao longo de toda
a história da humanidade e que também alcançou a autoconsciência, o que
Hegel chamou de Espírito Absoluto ou Mente.
Existem duas ramificações dessa teoria filosófica que são relevantes
para a compreensão de sua aplicação pelos sucessores de Hegel, entre os
quais se inclui Marx. Um desses eixos repousa no fato de que Hegel
entendia a filosofia como um ramo imperialista do conhecimento, que
incorpora todos os outros, e cujos métodos e conclusões são reproduzidos
nessas outras formas de conhecimento e também os confirmam. O processo
intelectual de desenvolvimento de formas de percepção, desde as
percepções iniciais e irrefletidas até o Conhecimento Absoluto, o
autoconhecimento do Espírito Absoluto, realizou-se dentro da história da
humanidade. De maneira semelhante, formas de desenvolvimento lógico
encontravam paralelos na física do mundo natural e no entendimento das
leis, da política e dos governos. Onde quer que Hegel observasse um corpo
de conhecimento sistemático e organizado, o que os alemães denominavam
Wissenschaft, ele encontrava sua teoria filosófica. Nessa linha de
pensamento, ele foi extraordinariamente bem-sucedido e influente. No
período em que a influência de Hegel foi mais marcante, o segundo quarto
do século XIX, um grupo significativo de acadêmicos alemães – não apenas
no campo da filosofia, mas também no da história, das teorias jurídicas e
políticas, da história da arte, da linguística, do orientalismo e, talvez, em
especial, da teologia – adotou as formas de pensamento de Hegel.
Um segundo ponto é a interpretação de Hegel segundo a qual seu
sistema filosófico é autocomprovável. Se Hegel podia representar sua
filosofia como o auge do desenvolvimento sistemático, através de toda a
história, das formas mais elevadas do intelecto humano no que diz respeito
ao pensamento filosófico, então isso provava que sua filosofia era o auge de
todo o pensamento filosófico precedente. A autoconsciência se torna para
Hegel e seus seguidores, a prova mais contundente.
Embora sua linha completa de raciocínio possa parecer hoje
misteriosa, vaga e terrivelmente abstrata, ela causou forte impressão em
seus contemporâneos. Além de parâmetros para as pesquisas e os textos
acadêmicos, as ideias de Hegel se transformaram em uma forma de culto
religioso. Os jovens de formação racionalista, particularmente, para os
quais as doutrinas das religiões organizadas haviam perdido o impacto
emocional, sentiam-se fortemente atraídos pelo ideário hegeliano e
passavam por uma experiência de conversão, entregando-se a um êxtase
entusiástico ao se compreenderem como parte do Espírito Absoluto. Um
dos alunos de Hegel, Wilheim Vatke, escreveu para o irmão relatando que
abraçara as ideias de seu mestre: “Você vai me considerar insano, quando
eu lhe contar que vi Deus cara a cara, mas é verdade. O transcendente se
tornou imanente, o próprio homem é um ponto de luz na luz do infinito, e o
semelhante reconhece seu semelhante. [...] Ah, se eu conseguisse ao menos
descrever quão afortunado eu me sinto”.22
Essa expressão efusiva não era compatível com o estilo de Marx.
Entretanto, a carta que ele escreveu para o pai, em novembro de 1837, a
única daquele tempo na Universidade de Berlim que foi preservada, retrata-
o como mais um idólatra da doutrina de Hegel.23 Ela começa com uma
rajada de retórica hegeliana:

Há momentos da vida colocados como delimitadores à frente de


uma era exaurida mas que, simultânea e definitivamente, apontam
para uma nova direção.
Em tal momento de transição, nós nos sentimos compelidos a observar o passado e
o presente com os olhos aguçados do pensamento e, assim, adquirir consciência de
nossa posição verdadeira. De fato, a própria história do mundo mostra predileção por
tais retrospectivas e se percebe nelas, o que costuma marcá-la com a imagem do
retrocesso e da estagnação quando, na verdade, está apenas sentando-se em uma
poltrona para se analisar, compreender e abarcar espiritualmente sua própria obra, a
obra do Espírito.

Nessa introdução, Marx, em bom estilo hegeliano, identificou-se com


o feito histórico e terreno do Espírito que adquire consciência de si mesmo.
Em termos mais práticos, ele levou ao conhecimento do pai seu
desenvolvimento intelectual durante o primeiro ano na Universidade de
Berlim, assim como seu empenho no sentido de escrever uma filosofia do
direito fundamentada nas ideias de Kant. Marx explicou, no entanto,
reiterando as críticas de Hegel a Kant, que seus esforços haviam fracassado,
porque se basearam na ideia de que a percepção e a análise independiam do
objeto, “quando o sujeito circunda o objeto [...] [criando] categorizações
arbitrárias”, embora, como Hegel consideraria adequado, “a razão da coisa,
em si mesma, deve fazer um movimento autocontraditório à frente e
descobrir em si própria a unidade”. Marx descreveu, então, sua introdução
ao hegelianismo: “Uma cortina caíra, meu mais sagrado [sic] fora
destroçado, e novos deuses precisavam ser introduzidos [...]”. Ao travar
conhecimento com Hegel, “do princípio ao fim [...] cada vez mais
solidamente, eu me acorrentei aos grilhões da filosofia do mundo atual
[...]”. Depois de ser tomado por essa inspiração, Marx diz: “vaguei como
um louco pelo jardim, nas águas imundas do Spree [...] corri para Berlim e
desejei abraçar todos os trabalhadores sem qualificação que se postavam
nas esquinas”. Ele terminou essa carta em exaltado estilo literário,
explicando que estava escrevendo havia horas, eram quatro da manhã e sua
vela já se extinguira.
Ao desnudar a alma perante seu pai, Karl provavelmente não esperava
a resposta cruel e hostil que recebeu, resposta esta responsável pelo
desencadeamento de um período de crise em sua vida. Heinrich não estava
em bom estado de ânimo quando se sentou, em 9 de dezembro, para
escrever ao filho o que achava a respeito dessa nova convicção hegeliana
que ele manifestara. O que o enfureceu não foi o interesse de Karl pela
filosofia ou pela literatura em lugar da jurisprudência, ou as indicações de
que uma carreira acadêmica, e não uma jurídica, revelava-se no horizonte.
Karl, em sua longa carta dirigida ao pai, fora cuidadoso em preservar suas
opiniões e manteve-se durante todos os anos em que esteve na Universidade
de Berlim formalmente matriculado na Faculdade de Direito. Tampouco era
Heinrich contrário à possibilidade de seu filho vir a mudar de carreira. Ele
fora receptivo aos interesses literários de Karl, perguntando a si mesmo se a
literatura poderia ajudar seu filho a avançar mais rapidamente que outros
juristas aspirantes (como ele iria precisar, em vista do noivado com Jenny).
Ele chegou a sugerir que o jovem escrevesse uma ode à Prússia, para
celebrar o aniversário da Batalha de Waterloo. Heinrich estava, até mesmo,
aberto à ideia de seu filho ter como meta uma posição no mundo
acadêmico.24
Ao contrário, foi a sensível questão da falta de progresso do rapaz na
direção de uma adequada idade adulta o que despertou a fúria do pai. Karl
havia “assumido um compromisso muito sério para sua pouca idade, mas,
que por essa razão, exigia a renúncia voluntária de todas as outras coisas,
pelo bem de uma garota que [...] fizera um grande sacrifício [...] em relação
a seu futuro [...] acorrentando-se ao destino de um homem mais jovem”.
Entretanto, o que ele havia feito? Em Bonn, fora o “extravagante líder de
rapazes extravagantes”, e, em Berlim, seu desempenho era ainda pior.
“Desordens, incursões estúpidas por todas as áreas do conhecimento,
meditações tolas diante de uma sombria lâmpada a óleo; andanças
desvairadas com os cabelos desgrenhados e a camisola dos eruditos, no
lugar do desvario movido a copos de cerveja... Será aí, nesse laboratório de
erudição despropositada e sem sentido, que a colheita da qual você e sua
amada se alimentarão amadurecerá, que se recolherá a safra capaz de
satisfazer a suas obrigações sagradas?”
Nessa carta, Heinrich criticou duramente, pela primeira vez, a
perspicácia financeira de Karl, condenando-o não apenas pela
incompetência de sua escrituração contábil, mas também pelos gastos
excessivos. No entanto, mesmo aqui o alvo das críticas foi muito mais a
falta de organização e de progresso de Karl do que exatamente o
desgoverno nas despesas:

Como se nós fôssemos pequenos seres feitos de ouro, o filho do


Herr, contra todos os acordos, contra todos os costumes, dispõe
de 700 táleres em um ano, enquanto os mais ricos não conseguem
nem mesmo gastar 500. E por quê? Serei justo; ele não é um
perdulário, um esbanjador. Todavia, como pode um homem, que a
cada semana ou duas inventa novos sistemas [filosóficos] e
precisa fazer em pedaços os trabalhos anteriores, laboriosamente
criados, como pode ele se inclinar sobre questões sem
importância? Como ele pode se subordinar a ordens
insignificantes? Todos levam as mãos aos bolsos dele, e todos o
ludibriam [...] mas um novo pedido de dinheiro é imediatamente
escrito.

Por fim, Heinrich formulou a acusação: seu filho estava dissipando o


talento que possuía, consagrando seu intelecto a empreendimentos inúteis,
em vez de impulsionar sua carreira. “Meu perspicaz e talentoso Karl”
estava assoberbado; passava noites em claro em seu quarto, inventando e
rejeitando teorias filosóficas, “perseguindo a sombra da sabedoria”. Ele não
assistia a palestras, nem tomava seu lugar nos exames. Tampouco, como
aconselhara seu pai, fazia visitas a indivíduos influentes e bem
relacionados, capazes de ajudá-lo a dar um impulso à sua profissão. Em
resumo, Karl desperdiçava os recursos empenhados pela família para
mantê-lo, afastando-se da trilha que conduzia à idade adulta. Heinrich
concluiu ordenando ao filho que retornasse para casa no recesso da Páscoa
de 1838. Ele, de fato, exigiu que Karl colocasse seus assuntos em ordem até
lá. No início da carta, Heinrich admitira que seu mau humor era
consequência de uma contínua e inexorável tosse, que já o acometia há
aproximadamente um ano. Naquele verão, ele recorrera às águas de Bad
Ems, porém sem resultados. Nem Heinrich, nem seus médicos, que
atribuíam a tosse à gota, tinham conhecimento de que se tratava dos
estágios finais da tuberculose que o levaria a óbito. Um mês depois de
escrever essa carta, ele foi para a cama, e de lá não mais saiu.25
De fato, Karl esteve em Tréveris durante o recesso da Páscoa de 1838,
e essa foi sua única visita à casa da família ao longo dos quatro anos de
estudo na Universidade de Berlim. Enquanto uma Tréveris profundamente
católica celebrava a morte dolorosa de Cristo e sua gloriosa ressurreição, a
família de Marx atravessava uma fase de tormento. A visita deve ter sido
muito difícil para Karl, chegando a beirar o pesadelo. O pai, a quem ele
amava e respeitava apesar de todos os diferentes pontos de vista, jazia em
seu leito de morte. O encontro com Jenny, depois de um ano e meio de
separação, em vez de trazer alívio só contribuiu para piorar a situação
emocional de Karl. Pressionado, Karl e Jenny tiveram uma briga inflamada,
durante a qual ele a chamou de “garota rude e vulgar”, e ameaçou
manifestar sua reprovação junto ao irmão dela, Edgar, que era, na época,
companheiro de Karl em Berlim. Percebendo que estava para romper seus
laços com a mulher que amava, e de cujo suporte emocional agora
necessitava mais do que nunca, Karl se desculpou a tempo de evitar o pior.
Todavia, sua colérica explosão despertou em Jenny a dúvida quanto ao
futuro do relacionamento do casal, caso a paixão dele viesse a perder seu
alento. Após essa desastrosa visita, Karl partiu de Tréveris, em 7 de maio de
1838. Três dias depois, seu pai faleceu. Ele só recebeu a notícia da morte de
Heinrich quando já estava de volta a Berlim, o que o afetou profundamente,
conforme relatado por Edgar von Westphalen em uma carta para Henriette
Marx.26
Inúmeros biógrafos de Marx sugeriram que, naquela época, ele
também estava sofrendo de tuberculose, suposição baseada no resultado de
um exame físico de 1841 que o declarou inepto para o serviço militar
devido a episódios “repetidos de expectoração acompanhada de sangue”.27
Fosse verdadeiro esse fato, ele não teria vivido outras quatro décadas. A
expectoração com sangue pode ter sido consequência de um caso mais sério
de pneumonia ou de bronquite – ou talvez nem tenha ocorrido. Sabe-se que
tanto Heinrich como Henriette haviam providenciado atestados de médico
particular com o objetivo de enfatizar junto às autoridades militares a
debilidade física de Karl. Esse desejo de proteger o filho, poupando-o de
prestar o serviço militar, era bastante comum entre os indivíduos da classe
média alta na Alemanha daquela época; o novo ideal de serviço como um
dever patriótico para os jovens ainda avançava lentamente, em especial
entre os relutantes cidadãos renanos da monarquia prussiana. Escrever uma
ode em homenagem à glória militar da Prússia, como Heinrich sugerira a
Karl, era uma coisa; contribuir de fato com a causa dos militares era outra
bem diferente.28
Se a saúde física de Karl não foi afetada pela morte do pai, seus planos
e aspirações para o futuro certamente o foram. Todas as carreiras que ele
idealizara pressupunham a ajuda de um pai que contasse com polpuda
receita, da qual ele pudesse dispor de boa porção para sustentar o filho
durante alguns anos. De uma hora para outra essa possibilidade de suporte
não mais existia. A família Marx ainda possuía uma riqueza razoável,
oriunda de suas propriedades, principalmente do dote e da herança de
Henriette. Dez anos após a morte do marido, e depois de prover o dote de
três filhas, Henriette ainda tinha uma respeitável receita anual de 1.200
táleres.29 Esse montante, no entanto, não era suficiente para ela manter a si e
aos outros filhos e, simultaneamente, garantir a Karl o estilo de vida com o
qual ele havia se acostumado. Por isso, ele se voltou para sua herança, ou
seja, a parte a que tinha direito no espólio do pai.
Karl ainda era menor de idade quando o pai faleceu; contudo, o
Código Napoleônico (provocando a fúria das feministas do final do século
XIX) não concedia às viúvas a guarda dos próprios filhos. Desse modo, o
tribunal determinou um tutor para Karl: Johann Heinrich Schlink, um
advogado de Tréveris e colega de Heinrich Marx. Ele assumiu a difícil
tarefa de mediador entre o filho, que pressionava para receber sua herança,
e a viúva, relutante em gastar. Schlink foi um tutor formidável; ele chegou a
viajar a Berlim para se encontrar pessoalmente com Karl e ouvir suas
queixas. É bastante provável que um acordo temporário só tenha sido
possível pela mediação de Schlink. Em 1838, Karl recebeu de Henriette 160
táleres, supostamente para cobrir os custos da obtenção de seu doutorado.
Além disso, ela lhe emprestou 950 táleres para serem descontados da parte
a que ele fazia jus nas propriedades do pai, e como adiantamento da parte
das propriedades dela que ele iria receber quando ela falecesse.30
Tanto as controvérsias entre as viúvas e seus filhos por causa de uma
propriedade como acordos temporários semelhantes àquele estabelecido
entre Henriette e Karl eram aspectos comuns dos pactos relativos a
propriedades familiares, regidos pelo Código Napoleônico, no século XIX.
Nesse caso particular, no entanto, as circunstâncias do noivado de Marx e o
relacionamento entre as famílias Marx e Westphalen acrescentaram um
elemento de emoção e rancor à situação. Como justificativa a favor do
acordo temporário, Karl fez saber à sua mãe, por intermédio de seu tutor,
que, sem contar com os recursos necessários, ele não teria condições de
concluir os estudos e, portanto, não restaria a Jenny outra opção senão
abandoná-lo. Emprestar dinheiro a seu filho significava para Henriette ter
que manter sua relação com os Westphalen, que a haviam tratado com
desdém depois da morte de seu marido, recusando-se a lhe fazer uma visita
de condolências e a receber o irmão de Karl Marx, Hermann, quando ele os
visitou: “[...] você nunca fará o sacrifício moral por minha família, como
todos nós fizemos por você [...] e nunca poderá restituir o que nós todos
toleramos e sofremos por sua causa”, Henriette afirmou a Karl.31
Karl conseguiu obter dinheiro suficiente para pagar o resto de seus
estudos em Berlim, ainda que ao custo de crescente tensão entre ele e sua
mãe. Embora estivesse enfrentando dificuldades financeiras depois da
morte do pai, ele manteve a mesma vida desorganizada e descuidada de
antes. Em diversas ocasiões diferentes entre 1838 e 1840 ele contraiu
dívidas junto a um alfaiate, um comerciante de produtos de consumo e um
livreiro, e não teve condições (ou disposição) de pagar. Depois que Marx
deixou Berlim, os credores frustrados continuaram tentando receber, por
meio do sistema disciplinar da universidade.32
Todas essas medidas eram soluções temporárias para seus problemas
financeiros, assentadas na hipótese de que ele acabaria encontrando um
cargo estável e bem pago. Em parte como consequência de uma tendência
econômica geral, mas principalmente em virtude do radicalismo político e
intelectual de Marx, esse cargo nunca veio a se concretizar e, portanto, as
medidas temporárias do período de 1838 a 1841 transformaram-se em regra
ao longo do quarto de século seguinte. Karl continuou tentando compensar
a escassez de renda por meio de empréstimos tomados junto à sua mãe e à
família dela. Ele discutia com os familiares por causa de sua herança; supria
a carestia com uma receita irregular gerada por seus trabalhos escritos e
com uma miscelânea de fundos oriundos de dinheiro que as pessoas lhe
emprestavam ou, simplesmente, lhe davam.
Sem dúvida, Karl não tinha, em 1838, condições de prever essas
consequências de longo prazo. No curto prazo, no entanto, ele passou por
um período de realinhamento e mudanças, após superar o impacto
emocional e econômico causado pela morte do pai. Ele abandonou as
palestras na faculdade de direito e, gradativamente, deixou de lado os
planos para uma carreira jurídica. Pelo menos até parte do ano de 1839, ele
ainda se preocupava em proteger sua honra e a de Jenny; preparou-se,
inclusive, para um duelo com um cidadão de Berlim, talvez Werner von
Weltheim, meio-primo de Jenny, que o provocara, fazendo referências ao
primeiro breve noivado que ela tivera. Foi necessário o envolvimento de
Jenny, do irmão dela, Edgar, e de Eduard von Krosigk, primo da noiva de
Weltheim, para impedir que os dois jovens se encontrassem, pistola em
punho, a vinte passos de distância.33
Aos poucos, Marx conseguiu colocar sua vida em outro passo.
Pensando em uma carreira acadêmica, ele começou a trabalhar – a
princípio, sem um objetivo definido – na preparação de uma tese de
doutorado na qual pudesse aplicar os métodos de Hegel ao estudo da
filosofia da antiguidade. Ao mergulhar nos escritos dos antigos filósofos
gregos, o êxtase e o sentimento de reverência que o sistema de pensamento
de Hegel havia despertado nele começaram a se dissipar, frente à tarefa
muito mais árdua de escolher um tema para a tese e aplicar a textos
dispersos os conceitos de Hegel relativos a desenvolvimento filosófico.
Esses esforços sofreram intensa influência dos indivíduos que o
apresentaram à filosofia hegeliana.
Ao contrário de alguns de seus contemporâneos poucos anos mais
velhos do que ele, Marx não teve oportunidade de conhecer Hegel
pessoalmente, porque o filósofo morrera, em uma epidemia de cólera, em
1831. No entanto, durante treze anos antes de sua morte, quando lecionou
na Universidade de Berlim, Hegel fundou uma escola e arrebanhou um
grupo de discípulos particularmente numeroso na própria Berlim, mas
disseminado também por outras partes da Alemanha. Foram esses
discípulos que introduziram Marx aos mistérios do ideário do mestre.
Eduard Gans, professor de história jurídica em Berlim, exerceu uma
importante e quase sempre subestimada influência sobre Marx. Com
antecedentes pessoais similares aos de Heinrich Marx – ele se converteu do
judaísmo para o protestantismo para ter direito a uma cadeira de professor
–, Gans era um orador público arrebatador, a cujas palestras acorria um
grande número não apenas de estudantes, como também de indivíduos
letrados do público em geral. Ele reinterpretou as ideias de Hegel sobre o
desenvolvimento jurídico e político com uma inclinação ligeiramente à
esquerda, sustentando abertamente as liberdades civis garantidas pela
constituição e o governo parlamentar, pontos sobre os quais o próprio
mestre fora propositalmente vago. Ao contrário da maioria dos intelectuais
da Europa central, Gans gozava de boas relações pessoais e intelectuais na
França, incluindo Alexis de Tocqueville, o renomado intelectual liberal,
mais conhecido nos dias de hoje pela análise sagaz que fez da prática da
democracia na jovem república da América do Norte. Gans foi, também,
um dos primeiros alemães a observar com atenção os são-simonianos,
primitivos socialistas franceses que desenvolveram a ideia de propriedade
coletiva, em vez de privada, e do planejamento industrial e econômico, em
lugar do livre mercado. Ele compartilhava das preocupações dos são-
simonianos em relação às condições dos artesãos e da nascente classe
trabalhadora, muito embora rejeitasse tanto as ideias socialistas por eles
defendidas, como os conceitos de Hegel sobre o restabelecimento do
sistema de guildas, propondo, no lugar deste, as cooperativas de trabalho e
produção.
Marx costumava assistir às palestras de Gans, e o professor observou o
interesse com que o fazia. As ideias apresentadas nessas palestras causaram
nítida impressão no jovem Karl, e inúmeras passagens do Manifesto
comunista foram retiradas, quase literalmente, dos trabalhos de Gans. Este
último foi mentor e conselheiro na elaboração do documento; não tivesse
ele falecido em consequência de um derrame em 1839, aos 42 anos de
idade, a vida de Marx poderia ter tomado um rumo bastante diferente.34
Em vez disso, a principal influência intelectual para Marx, assim como
as conexões pessoais que viriam a dar uma conformação para seus planos
pós-universidade, vieram de um grupo disperso de filósofos, teólogos e
intelectuais contemporâneos independentes, conhecido como Jovens
Hegelianos.35 Vinculados em parte à universidade, mas também a elementos
importantes do ambiente cultural mais amplo de Berlim, esses Jovens
Hegelianos associavam uma especulação intelectual profundamente zelosa
a um estilo de vida ruidoso e boêmio, o que atraiu Marx e acabou por levá-
lo a assumir uma postura política radical. A juventude desse grupo era uma
referência ao mesmo tempo política, ideológica e cronológica. O termo
“Jovens” entrou para o vocabulário político europeu logo depois da
Revolução Francesa de 1830, e referia-se a uma transição geracional na
medida em que o radicalismo político, assim como os indivíduos que o
apoiavam, abarcava desde nostálgicas reminiscências dos dias de glória da
Revolução Francesa de 1789 até visionárias aspirações por mudança. O
exemplo pioneiro dessa transição foi a sociedade secreta “Jovem Itália”,
fundada pelo revolucionário italiano Giuseppe Mazzini, o mais proeminente
líder do radicalismo democrático e republicano, não apenas na península
italiana, mas, também, em todo o continente. Mais próximo do núcleo da
Europa central aconteceu o movimento “Jovem Alemanha”, que teve no
poeta Heinrich Heine seu membro mais conhecido, e cuja literatura, crítica
à sociedade, foi oficialmente proibida em 1835 pela nova Confederação
Alemã. Tanto Heine como Mazzini viriam a desempenhar papel importante
na vida de Marx. A Liga de Estados da Europa central conhecida como
Confederação Alemã foi criada pelo Congresso de Viena em 1815,
colocando um fim nas guerras napoleônicas, e se extinguiu em 1866, como
consequência das guerras para unificação alemã que acabaram por dar
origem ao Império Alemão dominado pela Prússia.36
O radicalismo dos Jovens Hegelianos emergiu quando eles
empregaram a um determinado Wissenschaft fundamental para a vida
acadêmica alemã – a teologia protestante – o programa de Hegel destinado
a aplicar os métodos e as conclusões de sua filosofia a todo e qualquer
Wissenschaft. Hegel havia inaugurado essa iniciativa, porém obtivera
resultados ambivalentes. A teologia hegeliana podia ser vista como uma
versão da ortodoxia religiosa. O estágio de desenvolvimento no qual o
espírito percebe o objeto como seu outro podia ser relacionado ao Deus do
Velho Testamento, desvinculado e diferente da humanidade; enquanto o
espírito que percebe seu objeto como uma forma de autoconsciência, e se
percebe como parte do Espírito Absoluto, correspondia à ideia cristã da
Santíssima Trindade. Havia no pensamento hegeliano outros aspectos muito
mais heterodoxos. A afirmação feita por ele de que a consciência que a
humanidade tem de Deus não passava da própria autoconsciência do Deus e
a alegação segundo a qual Deus não era nada sem Sua criação suscitaram
suspeitas de um panteísmo que ia contra a compreensão, particularmente
importante para os protestantes recém-convertidos da Alemanha, de um
Deus pessoal.
A incorporação da teologia dentro da filosofia promovida por Hegel
despertou, também, a suspeita dos pietistas, quando ele afirmou que a
filosofia expressava a verdade conceitualmente entendida daquilo que para
a religião era crença e representação. Os cristãos, para quem a crença
sentida no âmbito pessoal era o ponto central de sua fé e, sem dúvida, mais
importante do que a razão humana, viam essa como mais uma ideia
potencialmente subversiva.
Os Jovens Hegelianos tornaram tangível o potencial subversivo da
teologia de Hegel ao sintetizar as ideias racionalistas que vinham se
desenvolvendo entre os protestantes alemães desde o século XVIII, em
especial as investigações eruditas, hoje denominadas Alta Crítica da bíblia:
o estudo do Velho e do Novo Testamento como documentos históricos, e a
tentativa de verificar o que neles é uma representação empiricamente
correta dos eventos e da vida dos palestinos da antiguidade, e o que é
acréscimo posterior ou narrativa de fundo mitológico. O primeiro dos
Jovens Hegelianos que criou ondas teológicas foi David Friedrich Strauss,
da Universidade de Tübingen, antigo pastor protestante que foi a Berlim
com o objetivo de aprofundar seus estudos teológicos por meio das aulas
ministradas por Hegel e seus alunos. Strauss, em seu livro The Life of Jesus
Theologically Examined [A vida de Jesus analisada à luz da teologia], de
1835, afirma que as histórias sobre a vida e a morte de Jesus, contadas pelos
evangelhos, não eram relatos empíricos, mas sim projeções míticas das
esperanças, das crenças e das expectativas dos judeus na Palestina romana,
uma exteriorização e alienação da autoconsciência de seu grupo. Esse tomo
acadêmico explodiu como uma notícia bombástica na vida do público
erudito, tendo recebido acusações coléricas por parte dos ortodoxos e uma
calorosa acolhida dos entusiastas.37
Bruno Bauer, professor palestrante de teologia da Universidade de
Berlim, desenvolveu com mais profundidade e também contestou, em um
estilo eminentemente hegeliano, os insights iniciais de Strauss. Em seus
trabalhos, Critique of the Gospel of St. John [Crítica do Evangelho de São
João], de 1840, e Critique of the Synoptic Gospels [Crítica dos evangelhos
sinóticos], de 1841, Bauer afirmava que a descrição das escrituras cristãs
como a exteriorização, em forma mítica, da consciência de um grupo,
conforme apresentada por Strauss, ignorava a importância da
autoconsciência religiosa. Os autores de histórias sobre o evangelho se
apossaram do mito e o transformaram em uma expressão da
autoconsciência humana. O reconhecimento final dos Jovens Hegelianos
veio do filósofo e teólogo bávaro Ludwig Feuerbach, cujo livro Essence of
Christianity [Essência do cristianismo], de 1841, generalizou os insights de
Strauss e Bauer. Para Feuerbach, todas as religiões, e o cristianismo em
particular, eram expressões da consciência alienada que a humanidade tem
de si mesma como uma espécie. As características de uma divindade
transcendente, como o amor, a justiça e a misericórdia sem limites por ela
demonstrados eram, de acordo com Feuerbach, os melhores atributos da
humanidade enquanto espécie, e conferidos – em termos hegelianos,
exteriorizados e alienados – a um ser mítico e supremo.
No espaço de menos de uma década, desde meados dos anos 1830, até
meados dos anos 1840, os Jovens Hegelianos foram atingidos por uma onda
de especulações intelectuais, controvérsias teológicas e disputas políticas
que os converteram de indivíduos reconhecidos e aceitos em intrusos; de
moderados em radicais; de crentes em ateus. Marx foi apenas um entre os
muitos intelectuais Jovens Hegelianos envolvidos por essa onda, cuja
influência moldou seu pensamento, suas ações e sua vida pessoal.
Quando começaram seus estudos da religião, os Jovens Hegelianos, a
exemplo dos primeiros teólogos que desenvolveram a Alta Crítica, estavam
tentando reforçar e purificar sua crença, isolando, em bom estilo
protestante, os textos cristãos originais e autênticos contidos na mensagem
bíblica daqueles incluídos nas edições posteriores. O resultado não
intencional do conhecimento adquirido e sua expressão literária foi o
solapamento da fé, que se fez sentir, no início dos anos 1840, na conversão
de muitos dos integrantes desse grupo em ateus convictos e assumidos. Esse
ateísmo, contudo, possuía certos traços de religião, já que envolvia a
transferência do sentido de transcendência de Deus para a humanidade. Ao
descrever seus ideais como “antropoteísmo” e afirmar que “minha religião
não é religião”, Ludwig Feuerbach deu exemplos da religiosidade contida
no ateísmo dos Jovens Hegelianos.38
O caminho político desses jovens se assemelhava ao religioso. Eles
não apenas originalmente julgavam que suas ideias fossem uma reafirmação
da religiosidade protestante, mas também, pelo menos para os prussianos
entre eles, uma forma de respaldo à monarquia, articulando seus melhores
ideais e tradições. Arnold Ruge, professor de educação da Universidade de
Halle, idealizador dos Jovens Hegelianos e redator do periódico por eles
publicado, o Halle Yearbooks, afirmou que “a Prússia é o estado
protestante, e seu princípio é luz e erudição”.39
Essa conexão entre Prússia, protestantismo, racionalismo religioso e
Iluminismo é um indício do vínculo intelectual que cercou a conversão de
Heinrich Marx ao protestantismo e reflete o espírito dentro do qual Karl
Marx foi criado. A exemplo de Heinrich, os Jovens Hegelianos tinham boas
razões para ratificar essa conexão. Enquanto, por um lado, são bastante
exageradas as proposições de que o hegelianismo representava a filosofia
oficial do Estado prussiano, também é verdade que o antigo ministro de
assuntos religiosos e educacionais da Prússia, Karl von Altenstein, era
sensível às ideias hegelianas e foi patrono burocrático daqueles que as
afirmavam. Remanescente, sob vários aspectos, da era de reformas liberais
na Prússia no início do século XIX, a influência de Altenstein sofreu um
declínio nos anos 1830, e com sua morte, em 1840, qualquer tipo de
proteção que ele pudesse oferecer aos Jovens Hegelianos deixou de existir.
Esse foi, também, o ano em que subiu ao trono o novo monarca, Frederico
Guilherme IV, poderoso defensor do Despertar. Por essa razão, a política
educacional e cultural do governo prussiano se voltou consistentemente
contra o ideário hegeliano e seus proponentes. A resposta dos Jovens
Hegelianos veio na forma de uma guinada para esquerda, quando passaram
a colaborar com a oposição liberal da Prússia e a defender, com
determinação cada vez mais acentuada, as ideias democráticas e
republicanas.40
Tanto o desenvolvimento político como o religioso convergiram
negativamente para mudar as perspectivas dos Jovens Hegelianos. Eles
aspiravam ao cargo de professores nas universidades alemãs, e muitos deles
– incluindo Ruge, Bauer e Feuerbach – haviam dado os primeiros passos na
carreira acadêmica, assumindo a posição de professores palestrantes. O
concomitante radicalismo das ideias que defendiam e o crescente
conservadorismo da política governamental puseram por terra suas
aspirações: não havia espaço nas universidades alemãs de meados do século
XIX para ateus e democratas. Nenhum Jovem Hegeliano conseguiu obter
um cargo; eles foram empurrados para carreiras de escritores e jornalistas
independentes, ou outras ocupações financeiramente incertas. Alguns
encontraram seu caminho nas artes e nos círculos boêmios; outros se
tornaram ativistas políticos de esquerda e, na esteira do fracasso da
Revolução de 1848, passaram o resto de seus dias no exílio. Os Jovens
Hegelianos e, entre eles, Marx, em seu estilo singular, tornaram-se uma
geração perdida da vida intelectual alemã.41
Ludwig Feuerbach costuma ser considerado o Jovem Hegeliano cuja
influência sobre Karl Marx se fez sentir de modo mais marcante. Até
mesmo as pessoas que só conhecem vagamente a vida e as ideias de Marx
já ouviram falar de suas “Teses sobre Feuerbach”, em especial a renomada
tese final, de número onze: “Até agora, os filósofos se limitaram a
interpretar o mundo; a questão é modificá-lo”. Essas teses compunham um
volumoso conjunto de anotações e comentários escritos por Marx a respeito
das muitas leituras que realizou. Ao longo de toda a sua vida, ele nunca
tentou publicar tais teses ou divulgá-las para um público mais amplo. Elas
só vieram a ser impressas depois da morte do autor, quando Friedrich
Engels, na qualidade de testamenteiro da obra literária do parceiro,
encontrou-as entre os muitos papéis por ele deixados. Embora, sem dúvida
alguma, Marx tenha lido e aprovado os escritos de Feuerbach, os dois
homens nunca se encontraram ou trabalharam juntos em projetos
intelectuais ou políticos. Na verdade, Feuerbach rejeitou explicitamente o
empenho de Marx no sentido de uma colaboração mútua.42
Uma influência quase sempre desprezada, porém ainda mais
importante sobre o trabalho de Marx, veio de Bruno Bauer, outro Jovem
Hegeliano. Tal fato não é de todo surpreendente porque, ao contrário do
íntegro Feuerbach, Bauer era uma pessoa censurável. Os contemporâneos
viam nele um oportunista intelectual. Bauer iniciou sua carreira intelectual e
acadêmica na condição de hegeliano conservador, forte crítico de David
Friedrich Strauss e autor de um livro sobre o Velho Testamento no qual
afirmava a reconciliação da filosofia hegeliana com a ortodoxia religiosa.
Depois de poucos anos, Bauer havia se rendido à esquerda, convertendo-se
no mais radical dos Jovens Hegelianos, um ateu assumido e defensor das
ideias republicanas. Ele tinha, também, a reputação de ser um indivíduo
maldoso, além de arrogante e egocêntrico – Strauss nunca perdoou as
agressivas controvérsias iniciais, mesmo depois de Bauer ter mudado de
opinião e abraçado seus pontos de vista. O desenvolvimento intelectual e
político de Bruno Bauer, depois do fim da era hegeliana, fez muito pouco
no sentido de melhorar sua reputação: nos anos 1850 e 1860, ele se tornou
um conservador e ardoroso antissemita, um dos fundadores do
antissemitismo racial na Europa central.43
Há inúmeras controvérsias a respeito da exata extensão da influência
intelectual de Bauer sobre Marx; no entanto, a íntima relação pessoal entre
os dois e o papel exercido por Bauer na introdução de Marx à rede social
dos Jovens Hegelianos estão acima de qualquer dúvida. O primeiro contato
de Marx com os Jovens Hegelianos aconteceu durante o verão de 1837,
quando ele entrou para o Clube dos Doutores, um grupo de hegelianos de
Berlim cujo líder era, segundo relato do próprio Marx para seu pai, o
“professor palestrante Dr. Bauer”. O parceiro de Marx no anuário de crítica
teatral que ele propôs foi o cunhado de Bauer, Adolf Rutenberg. Em
eventos sociais do grupo, era comum ver Marx e Bauer isolados em um
canto, discutindo questões filosóficas. Marx foi um visitante assíduo na
casa de Bauer, e o irmão dele, Edgar, também tomou parte do grupo de
Jovens Hegelianos de Berlim. Uma das duas únicas aulas a que Marx
assistiu na Universidade de Berlim depois de ter abandonado seus estudos
de Direito foi um curso oferecido por Bauer sobre o profeta hebreu Isaías.
Em um dos derradeiros atos oficiais em favor dos Jovens Hegelianos,
o amistoso ministro de assuntos religiosos e educacionais von Altenstein
ofereceu a Bauer, em 1839, um cargo de professor palestrante de teologia
protestante na Universidade de Bonn. Bauer acabou permanecendo nessa
instituição, já que suas chances de assumir a posição de professor titular lhe
pareciam melhores ali do que em Berlim. Depois que partiu para Bonn, ele
e Marx trocaram correspondências por longo tempo. (Infelizmente, a parte
relativa a Marx não sobreviveu). Bauer começou a fazer planos para que
Marx fosse se juntar a ele em Bonn e, com esse objetivo em mente,
incentivou-o a concluir sua tese, elucidando-o quanto aos regulamentos da
Universidade de Bonn no que dizia respeito à habilitação para assumir uma
cadeira de professor palestrante; e chegou a sugerir algumas disciplinas que
Marx poderia lecionar. Os contemporâneos viam em Marx um protegido de
Bauer, o que, de fato, ele era.44
No entanto, antes que Marx pudesse ir se encontrar com Bauer em
Bonn, ele precisava concluir sua tese de doutoramento. Essa tese – na
clausura dos ambientes acadêmicos dos dias de hoje, seria uma peça sobre
história da filosofia – traçava um comparativo entre as teorias da natureza
encontradas nos escritos dos filósofos gregos Demócrito e Epicuro.45 Sem
entrar em uma longa exposição sobre a tese de Marx, já é possível
identificar nela o estágio de desenvolvimento pessoal e intelectual que ele
havia alcançado no final de seus estudos universitários.
Esse trabalho tinha um aspecto indiscutivelmente acadêmico: era
revisionista. Nele, Marx tentou desenvolver uma interpretação nova e
diferente, e derrubar pareceres eruditos estabelecidos havia muito tempo;
sem dúvida, uma atitude esperada de um Jovem Hegeliano iconoclasta. As
opiniões eruditas, além de defenderem a ideia segundo a qual os filósofos
gregos posteriores a Aristóteles eram epígonos, ou seja, meros discípulos,
carentes de coisas importantes para dizer, consideravam as teorias atomistas
de Epicuro como simples reformulação inferior das ideias originais do
antigo filósofo Demócrito. Marx se propôs a demonstrar que o atomismo de
Epicuro não apenas era original, como também mais importante e profundo
do que o trabalho inicial de Demócrito.
Os procedimentos adotados por Marx foram eminentemente
hegelianos. Argumentando que o ideário de Epicuro representava um
avanço no processo de desenvolvimento intelectual e na autoconsciência do
homem, concluiu ele:

Para Epicuro, o atomismo é, dessa maneira, com todas as suas


contradições, a ciência natural de uma autoconsciência que, na
forma de individualidade abstrata, apresenta-se como um
princípio absoluto. Tal ciência é implementada e aperfeiçoada até
as últimas consequências, ou seja, sua dissolução e sua oposição
consciente ao universo. Para Demócrito, ao contrário, o átomo
não passa de uma expressão objetiva universal da pesquisa
empírica sobre a natureza. Desse modo, o átomo, para ele,
mantém-se como uma categoria pura e abstrata, uma hipótese que
é o resultado da experiência e não um princípio dinâmico; e,
portanto, ambos ficam sem realização e deixam de determinar o
curso da pesquisa empírica natural.46

O ponto de vista hegeliano que Marx procurava provar (a linguagem


obscura e estranha que aparece no original em alemão é hegeliana também)
envolvia a percepção da forma filosófica do desenvolvimento dialético da
autoconsciência humana em termos da orientação intelectual do passado.
As ideias de Epicuro eram, para Marx, um estágio mais elevado de
pensamento, já que se encontravam mais próximas da opinião de Hegel a
respeito do movimento dialético da autoconsciência, opinião esta que se
opunha às concepções não dialéticas de Demócrito, segundo as quais os
conceitos relativos ao sujeito que pensa e percebe eram empregados para
categorizar o objeto de suas percepções, mas não apresentavam conexões
intrínsecas com ele. Esse contraste entre os dois pensadores gregos antigos
não se diferenciava muito das críticas de Hegel a Kant, e Marx se mostrou
um dócil pupilo do mestre hegeliano. Ele se revelou, mais precisamente, um
fiel Jovem Hegeliano, um discípulo das ideias de Hegel reinterpretadas por
seu professor e mentor Bruno Bauer, pois o que evoluía na conclusão de
Marx não era espírito, como Hegel teria afirmado, mas autoconsciência
humana, conforme sugere Bruno Bauer. Foi Bauer, também, quem
descreveu os filósofos gregos da era helênica como o ponto mais alto no
progresso dialético da autoconsciência.47
Outro aspecto bem diferente na posição de Marx é observado na
dedicatória que fez em sua tese ao “querido amigo paterno, Ludwig von
Westphalen”. Tal dedicatória continha diversas passagens elogiosas: “para
dar ao senhor [Westphalen] uma pequena prova de meu amor”; “por
admirar um homem mais velho que possui o vigor da juventude”; “um
argumentum ad oculus vivo de que idealismo não é ilusão, mas sim,
verdade”. É difícil saber até que ponto aquelas observações tinham o
objetivo de reforçar o consentimento dado por Westphalen para o
casamento de sua filha com Marx e até onde refletiam a forte admiração do
autor por seu tutor da infância – muito embora não exista razão para se
pensar que os dois motivos fossem conflitantes.
A dedicatória continha, ainda, uma divergência política e
religiosa/filosófica. Seguindo o exemplo de Bruno Bauer, Marx elogiou a
forma pela qual Westphalen “saúda o avanço dos tempos com o entusiasmo
e a sobriedade da verdade [...] nunca recua frente às sombras ameaçadoras
dos fantasmas retrógrados, e diante do céu com frequência escuro e
carregado de nossos tempos [...] ”. “Escuro” (em alemão, finster; tem
também a conotação de sinistro) e “avanço” eram códigos usados pelos
livres-pensadores da Alemanha para descrever seus ideais e a atitude de
seus devotos inimigos. Adotando esses termos, Marx estava proclamando
sua adesão à corrente dos livres-pensadores, da mesma forma que o fizeram
os Jovens Hegelianos.
No prefácio de sua tese, Marx levou mais longe seu apoio aos livres-
pensadores, articulando-o em estilo mais incisivo e rigoroso. Ele afirmou
que a “confissão da filosofia” é a “confissão de Prometeu” e citou as
asserções de Prometeu no grego original – o que, decerto, não seria um
impedimento para a compreensão por qualquer alemão instruído –; contudo,
sua tradução é “com uma palavra, eu odeio todo e qualquer deus”. Essa
confissão, reiterou ele, era também a confissão da filosofia, “seu próprio
adágio contra todos os deuses celestes e terrenos, os quais não reconhecem
a autoconsciência humana como a mais alta divindade. Não deve existir
nenhum deus além dela”.48 Também aqui Marx estava acompanhando Bauer
em uma crescente radicalização do pensamento dos Jovens Hegelianos, de
uma tentativa de purificação e justificação da teologia protestante para uma
caricatura dela própria, como torna evidente a irônica referência às
afirmações de monoteísmo dos Dez Mandamentos, indo do livre pensar ao
ateísmo.
Ao concluir sua tese, Marx precisava submetê-la. Após o falecimento
de Eduard Gans e a partida de Bruno Bauer, a Universidade de Berlim
tornara-se mais hostil ao pensamento hegeliano, em especial à variante
relativa ao livre pensar e ao ateísmo representada pelos Jovens Hegelianos.
De qualquer modo, na ocasião em que concluiu a tese, Marx já não era um
aluno em Berlim: seu período de estudos havia excedido o limite de quatro
anos definido pelo estatuto, e ele não solicitara uma prorrogação; assim,
fora excluído dos registros da universidade. Marx optou, então, por
submeter sua tese à Universidade de Jena, a única instituição alemã que não
exigia um período de residência nem uma defesa formal, na qual o
candidato ao grau de doutor se apresentava pessoalmente para a aceitação e
a aprovação da tese. Por essas razões, a taxa a ser paga para obtenção do
doutoramento era menor.49 Alguns analistas hostis classificaram o doutorado
de Marx como um diploma obtido pelo correio, o que parece bastante
injusto. Jena era uma universidade bem conceituada e não, como se diria
em linguagem moderna, uma fábrica de diplomas; e a tese de doutorado que
seu corpo docente aprovou foi um trabalho de considerável erudição e
conhecimento, escrito por alguém que demonstrava séria aspiração a uma
carreira acadêmica. A Universidade de Jena outorgou formalmente o grau
de doutor a Marx em 15 de abril de 1841.
Com o doutorado em mãos, Marx retornou para a Renânia em junho de
1841. Nas fronteiras ocidentais da Alemanha, ele possuía assuntos pessoais
– seu longo noivado com Jenny –, assuntos familiares ‒ a liquidação final
das propriedades de Heinrich Marx – e assuntos profissionais – ir atrás de
Bruno Bauer na Universidade de Bonn, onde planejava, seguindo uma vez
mais os passos de Bruno, iniciar sua carreira como filósofo/teólogo ou, mais
precisamente, um filósofo/antiteólogo. Bastaram apenas alguns meses de
residência em Tréveris e Bonn para que esses planos desmoronassem. A
vida de Marx sofreria uma reviravolta inesperada que o colocaria para
sempre fora da arena das investigações acadêmicas de cunho hermético e
intelectual, lançando-o no mundo bastante diferente do jornalismo
contestador e das controvérsias políticas.
3

O editor

O RETORNO DE Marx, em 1841, aos 23 anos, à região em que nascera,


marcou o início de sua vida adulta. Circunstâncias pessoais e tendências
políticas convergiram em uma combinação de aspirações frustradas e
esperanças alimentadas, contribuindo para as dificuldades e a precariedade
desse começo. Logo após seu retorno, a perspectiva da herança se dissipou,
deixando-o sem propriedades e sem renda. No exato momento em que
Marx procurava colocar os pés na academia, a conexão entre a filosofia
hegeliana e o Estado prussiano chegava ao fim; um fim sinalizado pela
demissão de Bruno Bauer – mentor, aliado político e amigo íntimo de Marx
–, de seu posto de professor palestrante da Universidade de Bonn, em
março de 1842, colocando um ponto final não apenas na carreira acadêmica
de Bauer como também na de seu protegido. Nesse interim, o contato
pessoal de Marx com sua noiva, depois de três anos de ausência, assumiu
uma feição bastante animadora. No entanto, o fato de Marx não possuir
bens, tampouco uma fonte de receita, lançava dúvidas sobre como ele e
Jenny poderiam algum dia se casar. Marx encontrou uma saída para essa
situação difícil: mudando, como fez a maioria dos Jovens Hegelianos, da
filosofia para as ações políticas e das aspirações por uma carreira
patrocinada pelo Estado, para a subversão do Estado prussiano.
OS FAMILIARES DE Marx se reuniram com um notário de Tréveris, em
23 de junho de 1841, para estabelecer uma divisão das propriedades de
Heinrich, um evento que pôs fim às expectativas de Karl por uma herança.
Depois de calcular, cuidadosamente, o montante dos bens de Heinrich,
subtraindo dele o valor do dote de Henriette e da herança proveniente da
família dela, e dividir o restante – a “propriedade oriunda da comunhão
conjugal” – entre a viúva e seus filhos vivos, cada um deles fez jus à grande
quantia de 362 táleres. Como Marx já emprestara de sua mãe mais de 950
táleres, não lhe cabia mais nada – mesmo considerando-se que os custos de
sua educação universitária não deveriam ser abatidos de sua parte na
herança.1
Marx descreveu, cheio de ressentimento, essa divisão das propriedades
da família. “Minha família, a despeito de sua riqueza, cria dificuldades para
mim, expondo-me às mais miseráveis condições”, escreveu ele para um
companheiro do grupo de Jovens Hegelianos, Arnold Ruge. Karl não
explicou mais precisamente o que eram essas “ações particulares
impiedosas e repugnantes”, contudo, em uma carta subsequente, endereçada
a Ruge, afirmou: “Eu tive... uma desavença com minha família e, enquanto
minha mãe viver, não tenho direito à minha fortuna”.2 Em termos jurídicos,
as reclamações de Marx não tinham fundamento e, como ele havia assistido
a aulas de Direito da família, na Universidade de Berlim, sabia
perfeitamente disso. A divisão das propriedades de Heinrich Marx entre sua
viúva e os filhos do casal obedeceu, nos mínimos detalhes, às
determinações do Código Napoleônico e os débitos de Karl ultrapassavam o
valor de sua parte na herança. Ele alimentava suspeitas de que sua mãe
estava escondendo alguns bens; no entanto, seu sentimento de injustiça,
conforme sugere a segunda carta a Ruge, devia-se mais à recusa da mãe em
conceder a ele um adiantamento relativo àquilo que deveria receber por
ocasião da morte dela. As suspeitas e as reclamações de Karl, tão
inabaláveis quanto a determinação de Henriette a se apegar ao dote e à
herança, distribuindo, de forma equitativa, esmolas para os filhos, viriam a
deteriorar para sempre sua relação com a mãe e os irmãos vivos.3 Em 1841,
como primeira consequência da divisão das propriedades de Heinrich Marx,
Karl continuou a depender da magnanimidade da mãe para se manter, até
que conseguisse um trabalho remunerado.
O caminho para esse emprego parecia passar por Bruno Bauer e pela
Universidade de Bonn. Assim sendo, durante quase todo o ano seguinte ao
retorno de Marx à Renânia, ele viveu naquela cidade universitária, onde
desenvolveu um trabalho voltado para sua carreira acadêmica, preparou sua
habilitação – a tese de pós-doutoramento, pré-requisito para obtenção de
uma cadeira de professor – e estruturou uma palestra sobre lógica. Bauer
planejava criar um novo periódico de filosofia, o Archives of Atheism,
colocando Marx como editor adjunto. Os planos estavam bastante
avançados, os contatos com potenciais editores em andamento, e os círculos
de Jovens Hegelianos alvoroçados com a notícia desse projeto audacioso. O
periódico nunca saiu do papel. No entanto, outro dos projetos de Bauer
conseguiu decolar; um panfleto satírico intitulado The Trumpet Blast of the
Last Judgment Against Hegel the Atheist and Anti-Christ [O clangor dos
trompetes do julgamento final contra Hegel, o ateísta e anticristo].
Adotando a posição de um cristão recém-convertido, Bauer classificou o
grande filósofo como fonte das ideias subversivas e hereges dos Jovens
Hegelianos. Marx foi erroneamente considerado coautor do panfleto. Na
verdade, ele trabalhou em uma continuação que Bauer planejava publicar,
uma obra a respeito das artes hegeliana e cristã, provavelmente destinada a
atacar o Romantismo alemão, impregnado de encantamento pela beata
Idade Média.4
Esse ateísmo agressivo foi proposital e pretendia gerar um escândalo –
a tática intelectual e política preferida dos Jovens Hegelianos.5 Deve-se
questionar, como fizeram os contemporâneos, se as provocações de Marx e
Bauer eram inteiramente compatíveis com os planos para uma carreira
acadêmica que os dois alimentavam, e se a criação do Archives of Atheism
era o procedimento mais adequado para um aspirante a professor de
teologia protestante.6 Bem consciente dessas questões, Bauer aconselhou
Marx a adotar uma postura cautelosa. Quando este último ainda se
encontrava em Berlim para finalizar sua tese, Bauer o orientou a apelar à
ajuda dos funcionários do alto escalão do governo prussiano, em defesa de
seu caso. Ele recomendou a Marx que fosse cuidadoso em relação às
pessoas com quem falava em caráter particular, em Bonn, e àquilo que com
elas comentava. Por fim, aconselhou-o a adotar exclusivamente termos
acadêmicos na formulação de sua tese, deixando de fora prólogos com
agressivo caráter ateu, pois tal atitude serviria apenas para fornecer “armas
[àqueles] que gostariam de mantê-lo por um longo tempo bem distante de
um cargo de professor na academia... Agora, não! Mais tarde, quando tiver
conquistado uma cadeira... você poderá expressar suas ideias da maneira
que bem entender”.7
Entretanto, Bauer não se mostrou inclinado a dar importância ao
próprio conselho. Mesmo enquanto Marx retornava da Renânia para
auxiliá-lo na universidade, ele vinha queimando suas conexões com o
governo prussiano. Por trás da decisão de Bauer identificava-se a mudança
na política do Estado, decorrente da morte do longevo ministro de assuntos
educacionais e religiosos, Karl von Altenstein, e do monarca Frederico
Guilherme III, em 1840. O velho monarca mostrara disposição em tolerar a
presença de hegelianos nas universidades e no serviço público da Prússia,
apesar de ser extremamente conservador e autoritário. Logo de início, os
cidadãos não tinham clareza quanto à postura que seu sucessor, Frederico
Guilherme IV adotaria. Parecia possível que ele fosse mais liberal que seu
predecessor; até mesmo o cético Bauer se propôs a deixar de lado suas
críticas. Muito depressa, tornou-se evidente que o novo governante da
Prússia era adepto do Despertar, um partidário das ideias culturais do
Romantismo e ardente defensor da sociedade de ordens vigente no período
anterior a 1789; nenhuma dessas atitudes atenderia aos anseios dos
seguidores de Hegel. O novo ministro de assuntos educacionais e religiosos,
Johann Eichhorn, implementou fielmente as ideias do mestre real.8
Essa viravolta anti-hegeliana da política oficial, em direção à direita,
serviu apenas para alimentar as provocações de Bauer. Ele rejeitou as
soluções de contemporização propostas por Eichhorn, tais como o retorno a
Berlim para desenvolvimento de pesquisa sobre a história eclesiástica, à
custa do Estado; uma transferência da faculdade de teologia para a de
filosofia; ou a candidatura a um cargo de professor de história eclesiástica.
Em vez disso, enviou ao ministro sua crítica dos evangelhos sinópticos,
acompanhada de um pedido para ser indicado como professor de teologia.
Escreveu a Arnold Ruge, relatando que só ficaria satisfeito “quando
conseguir a autorização para pregar publicamente, na qualidade de
professor, o sistema do ateísmo”. Na verdade, o que Bauer estava
procurando era ser visto como um mártir, muito embora de natureza ateísta,
o que acabou conseguindo, quando o governo prussiano finalmente o
demitiu de sua função de professor palestrante, em março de 1842, não
antes, contudo, de um contestável e burocrático memorando acadêmico
sobre esse caso vazar para a imprensa, provocando enorme escândalo no
seio das classes instruídas da Alemanha.9 Em uma jogada de despedida,
Bauer arrolou Marx em uma pública provocação de caráter ateu. Nas
proximidades da Páscoa de 1842, os dois partiram para o vizinho povoado
de Godesberg, um local muito procurado pelos habitantes de Bonn. Lá,
alugaram burros e galoparam através do povoado, parodiando a entrada de
Jesus em Jerusalém – um incidente que se espalhou de boca em boca nas
vizinhanças de Bonn, e foi realçado, poucos anos mais tarde, em um livro
publicado por Bauer sobre suas batalhas pessoais e políticas.10
Bauer havia retornado a Berlim para entrar com um recurso em relação
a seu caso. Contava com mínimas chances de vencer, mas, ainda assim,
parecia pensar que era legítima sua reivindicação por uma cadeira na
universidade, ponto de vista considerado inoportuno pelas autoridades,
conforme Ferdinand von Westphalen, na ocasião já bem estabelecido em
uma carreira burocrática, relatou a Marx.11 O relacionamento longo, difícil e
problemático entre a monarquia prussiana e as ideias iluministas, um
relacionamento fundamental para a carreira de Heinrich Marx e as
aspirações de seu filho, chegara ao fim. Uma versão radicalizada, jovem
hegeliana e ateia do Iluminismo e um Estado prussiano controlado por
conservadores devotos e ávidos por uma sociedade de ordens não podiam
coexistir harmoniosamente, mas apenas como inimigos inconciliáveis.
Com a demissão de Bauer e sua partida para Berlim, Marx ficou em
Bonn, sozinho e sem amigos. Não suportando a vida que passou a levar, ele
planejou uma mudança para a vizinha Colônia, a maior cidade da Renânia,
mas acabou desistindo de seus planos, alegando que “a vida lá é barulhenta
demais para mim, e todos os bons amigos não contribuem para uma
filosofia melhor”.12 No entanto, ele passara quatro anos e meio em Berlim,
que era quatro vezes maior do que Colônia, sem considerar que barulho e
bons amigos fossem um problema. Havia outros motivos em jogo: o
elevado custo de vida em Colônia e a limitada condição financeira de Marx.
Seus dilemas pessoais e as tendências políticas mais amplas haviam
convergido de um modo desagradável.

APÓS CINCO ANOS de um relacionamento epistolar com Jenny, durante


o qual a existência do parceiro não passava de fruto da imaginação de cada
um deles, os dois apaixonados voltaram a se encontrar de fato no período
1841-1842. Eles não tinham, em hipótese alguma, condições de estar
sempre juntos, pois, após o retorno de Berlim, Karl estava vivendo em
Bonn, cuja distância de Tréveris era coberta por uma viagem de dois dias
por meio de navio a vapor. Entretanto, ele esteve com ela nas primeiras seis
semanas depois da volta de Berlim e, novamente, nas seis semanas entre o
inverno e a primavera de 1842 – quando o pai dela estava à beira da morte
–, além de ter feito uma breve visita naquele verão. Os dois também haviam
estado juntos no início do verão de 1841, ocasião em que Jenny fez uma
viagem pelo Reno, para visitar amigos da família em Neuss, ao norte de
Colônia, enquanto Marx vivia em Bonn. Em uma carta que escreveu a Karl,
naquela época, ela lhe contou que a mãe a proibira de se encontrar com ele,
a menos que fosse acompanhada pelo irmão Edgar, “para preservar a
decência interior e exterior”:

Ah, meu pequeno coração, que peso enorme caiu sobre minha
alma; um peso insuportável! Decência interior e exterior! – ah,
querido Karl, meu doce e único amado!
No entanto, Karl, eu posso, não me arrependo; eu fecho meus olhos, firmemente,
firmemente, e vejo então seus abençoados e sorridentes olhos – saiba Karl, nesse
pensamento, sou afortunada – porque sou tudo para você e, agora, nada mais para os
outros. Ah, Karl, sei muito bem o que fiz, e como eu posso ser desprezada perante todo
o mundo; eu sei muito bem e, mesmo assim, sinto-me feliz e afortunada, e não troco a
memória daquelas horas por tesouro nenhum no mundo. Elas têm para mim um valor
grande demais, e assim permanecerão para sempre. Porém, quando penso que devo
viver longe de você por tanto tempo, uma vez mais tão completamente rodeada pela
desventura e pelo tormento, sou tomada por um incontrolável estremecimento.13

Pode ser grosseira a atitude de um historiador que deseja descobrir os


segredos de uma donzela, mas é difícil entender nessa passagem outra coisa
senão a descrição – modesta, reticente, cheia de eufemismos, escrita, como
a poesia de Karl, no idioma cultural do Romantismo – de um
relacionamento sexual do casal. Não há detalhes de tempo e lugar, e
podemos suspeitar que foi um evento único, ou, na melhor das hipóteses,
repetido em raras ocasiões, já que os dois não tiveram muitos momentos a
sós, e Jenny não engravidou.
Sem dúvida, esse foi um passo extraordinário por parte dela. As
relações sexuais antes do casamento não eram, em hipótese alguma,
comuns na Alemanha do início do século XIX, embora, na verdade, fosse
um modelo em franca evolução, como evidenciam o crescimento
demográfico de filhos ilegítimos e a ocorrência cada vez mais frequente de
noivas gestantes. Essas práticas, porém, eram observadas na classe
trabalhadora, na população rural e, talvez, em raros círculos de artistas e
intelectuais boêmios de Berlim – entre eles, alguns Jovens Hegelianos. Era
um comportamento absolutamente inconcebível para a filha decente de um
funcionário do alto escalão do governo prussiano, em uma austera cidade
provinciana.14
Se Jenny violou todos os cânones da respeitável castidade feminina –
“desprezada perante todo o mundo” –, certamente o fez como demonstração
de seu amor por Karl e de seu compromisso para com ele – “tudo para você
e, agora, nada mais para os outros” –, depois dos longos anos de
distanciamento e de um noivado quase virtual. Tivesse Karl agido como os
cafajestes típicos dos melodramas do século XIX, ou, de maneira mais
prosaica, como os réus dos processos de paternidade do mesmo século XIX,
teria, talvez, abandonado Jenny, com algum discurso preparado a respeito
da impossibilidade de continuar ligado a uma mulher impura. No entanto,
Karl manteve o compromisso assumido com ela desde o dia do noivado. A
intimidade física não alterou aquele comprometimento, mas acentuou seu
dilema interior, por não ter um trabalho que lhe permitisse casar com a
mulher que amava. De acordo com o que Jenny salientou em sua reveladora
carta, ela se sentia atormentada pela inevitabilidade de “viver longe de você
por tanto tempo”, mas, a união permanente dos dois dependia de Karl
encontrar um emprego conveniente. Com a demissão de Bruno Bauer e o
fim das perspectivas acadêmicas de Karl, aquela separação parecia se
estender indefinidamente.
A SOLUÇÃO PARA Marx era aquela que outros Jovens Hegelianos
perseguiam naquele tempo: renunciando a uma carreira acadêmica a serviço
do Estado prussiano, ele viria a se converter em um escritor independente,
opositor daquele mesmo Estado. Durante a primeira metade de 1842, Marx
propôs diversos artigos a Arnold Ruge, parte dos quais era baseada no
trabalho que estivera desenvolvendo junto com Bruno Bauer nos seis meses
anteriores. Ruge, cujo Halle Yearbooks havia sido proibido pelas
autoridades prussianas, estabeleceu em Dresden, localizada no reino da
Saxônia e, portanto, fora da jurisdição da Prússia, um novo título: o German
Yearbooks. Revelando um padrão de conduta que viria a se tornar
embaraçosamente comum na vida de Marx, apenas um dos artigos
prometidos foi enviado de fato, e chegou com grande atraso. Ruge, apesar
do prejuízo que a negligência de Karl causou a seu cronograma de
publicação, demonstrou impressionante tolerância; um reconhecimento do
talento e das habilidades de alguém cujos escritos ele julgava compensarem
a espera. Marx se desculpou, alegando dificuldades familiares, mas também
admitiu que, daquela vez, estivera envolvido com o trabalho para outro
veículo de comunicação, um jornal recentemente fundado em Colônia, o
Rhineland News.15
O envolvimento de Marx com esse jornal foi o foco de seu
desenvolvimento intelectual, pessoal e político, uma ponte entre sua vida
passada e seus empreendimentos futuros. A afiliação ao jornal transformou-
o, de acadêmico em ativista – ou, mais precisamente, de um acadêmico com
inclinação ativista em um ativista com inclinação acadêmica. Isso o colocou
em contato com o ideário do comunismo e estabeleceu os alicerces de sua
autodesignação como comunista. Os trabalhos de Marx no Rhineland News,
em especial durante os quatro tempestuosos meses em que ele serviu como
editor informal, de meados de outubro de 1842 até meados de fevereiro de
1843, foi um período de intensos e produtivos esforços que o tornariam
conhecido, de maneira admirável, em três ambientes diferentes. O primeiro
foi o dos Jovens Hegelianos, e, mais amplamente, dos intelectuais radicais
de toda a Europa central. Para eles, Marx deveria deixar de ser apenas o
protegido de Bruno Bauer para se converter em um autor e polemista por
mérito próprio. Um segundo público era formado pelas autoridades
prussianas, para quem Marx se tornaria um agitador subversivo e sujeito a
perseguições e opressão. Marx e o reino da Prússia tornaram-se inimigos
mútuos, um conflito que perdurou até a morte do pensador. Finalmente,
Karl viria a conquistar um sólido reconhecimento entre os influentes
habitantes de Colônia, a metrópole da Renânia – não apenas dos nascentes
comunistas da cidade, ou de seus republicanos radicais, como também dos
liberais moderados; não só dos marginalizados intelectuais boêmios, mas de
profissionais, comerciantes, banqueiros e membros da câmara de comércio.
Todo esse reconhecimento, mesmo o de caráter negativo e hostil, teve
uma expressiva ação positiva sobre Marx, depois dos muitos anos de
batalha para encontrar seu caminho no mundo. Era notória sua satisfação
com a condição de jornalista polêmico e editor de um jornal combativo. Nas
duas décadas seguintes, tanto seu empenho para ganhar a vida, como seus
planos de engajamento político, ficaram concentrados nos projetos
jornalísticos. Atividade prazerosa, emprego, aspiração de melhoria do bem-
estar público – o jornalismo preenchia as pré-condições para escolha de
uma carreira, conforme Marx articulara em seu ensaio Abitur, de 1835,
muito embora agora revelasse um estilo mais implacável e controverso do
que aquele que descrevera em um idealismo kantiano emprestado de seu pai
e seus professores.

O RHINELAND NEWS surgiu da conjunção de diversas oportunidades.


Em primeiro lugar, a jornalística: fazer oposição ao monopólio do jornal
Cologne News na maior cidade da Renânia, conquistado em 1837 por meio
da compra de seu principal concorrente. Uma tentativa, em 1840, de criação
de um diário de notícias combativo, o Rhineland General News, fracassou,
apesar da licença de publicação concedida pelo governo da Prússia. Esse
concorrente potencial era entediante, limitado e, acima de tudo,
subfinanciado. Seus editores, depois de esgotarem os recursos próprios,
desejavam partir para uma nova empreitada, respaldada por uma subvenção
mais significativa. Para tanto, propunham a criação de uma empresa, cujas
ações seriam vendidas para alavancagem financeira do projeto.16
Em meados de 1841, eles apresentaram seus planos a Robert Jung,
jovem jurista descendente de uma abastada família de Colônia. Partidário
dos Jovens Hegelianos, Jung obteve a ajuda de Moses Hess, outro jovem
intelectual radical, filho de um rico comerciante judeu e refinador de açúcar.
A exemplo de Jung, Hess considerou intrigante essa ideia de um jornal
subvencionado pela venda de participação em ações. Além do mais, tal
ideia vinha ao encontro de seu interesse pessoal por uma carreira
jornalística. Hess, crítico das atitudes anticlericais e hereges dos Jovens
Hegelianos, era um socialista, ou comunista (os contemporâneos
empregavam os dois termos sem distinção), um dos primeiros alemães a
aderir ao ideário dos seguidores franceses de Henri de Saint-Simon e
Charles Fourier, para quem deveria existir uma sociedade na qual o
patrimônio privado fosse abolido e substituído pela propriedade coletiva.
Nos dias de hoje, pode parecer estranho que um comunista se opusesse ao
ateísmo, porém, em seus primórdios, o comunismo era permeado por uma
aura religiosa – se bem que em uma forma não convencional de
espiritualidade. Certamente, esse era o caso de Hess, que rejeitara o austero
judaísmo ortodoxo de seu pai, e se tornara aficionado pelas doutrinas
cristãs, sem, entretanto, converter-se ao cristianismo. Pode parecer ainda
mais estranho o fato de comunistas se envolverem com corporações; no
entanto, não era de todo incomum, nos anos 1840, que os socialistas
encarassem essa forma de empreendimento empresarial como um passo no
sentido do distanciamento da propriedade individual e familiar, tendendo
para a direção do coletivismo.17
Jung e Hess abraçaram entusiasticamente a proposta e se lançaram à
empreitada de reunir investidores. Havia dificuldades jurídicas para a
criação de uma corporação, portanto, eles se estabeleceram em uma forma
correlata de negócio, denominada Kommanditgesellschaft, que era
semelhante à sociedade limitada definida pela Common Law, na qual a
responsabilidade da maioria dos investidores ficava restrita ao investimento
feito por eles, enquanto uns poucos sócios comanditados estavam expostos
a um risco maior. Os três sócios comanditados eram Jung, Dagobert
Oppenheim, um banqueiro de Colônia, e Engelbert Renard, comerciante de
livros.18
A identidade dos investidores evidencia a segunda ideia em que se
apoiou a fundação do jornal: diferenças dentro da elite de Colônia. Muitos
dos investidores vinham de fora, haviam migrado para a cidade; eram
empreendedores dotados de espírito inovador, cuja atividade vinha abalando
os padrões estabelecidos da metrópole renana. Tais investidores tendiam a
encarar o Cologne News como porta-voz dos indivíduos que desfrutavam de
posições privilegiadas em Colônia, considerados uma camarilha, cujas
conexões questionáveis com o governo municipal atendiam a interesses
próprios. Havia no dialeto de Colônia uma expressão especial para definir
esse grupo: Klüngel, um termo ainda em uso hoje. Um número significativo
de forasteiros, tais como Gustav Mevissen, filho de um industrial, e Ludolf
Camphausen, banqueiro e presidente da câmara de comércio, eram
protestantes e, portanto, forasteiros de outra maneira, em uma das mais
católicas entre as principais cidades da Alemanha. Essa dinâmica
confessional ajudou a definir as atitudes do governo prussiano em relação
ao emergente Rhineland News. As autoridades não estavam, de forma
alguma, insatisfeitas com a possibilidade de um concorrente solapar a
liderança do Cologne News, porque este tinha a reputação de ser simpático
às opiniões pró-católicas e antiprussianas. O governador distrital de
Colônia, um prussiano, foi, na verdade, um dos primeiros a investir no novo
projeto.19
Finalmente, havia a política do jornal proposto. Os capitalistas que
apoiavam o Rhineland News eram políticos liberais, movidos pelo desejo de
destituir o juridicamente irrefreável, e autoritário, ocupante do governo da
Prússia, assim como sua burocracia de Estado. Visavam, também, a acabar
com os privilégios especiais da nobreza, uma reminiscência da sociedade de
ordens pré-1789. Para substituir esse regime, imaginavam uma monarquia
constitucional, cujos estatutos fundamentais deveriam garantir as liberdades
civis básicas, proclamar a igualdade de direitos perante a lei, e estabelecer
uma legislatura eleita por donos de propriedades (homens). O início da
década de 1840 foi um período no qual os liberais, no âmbito de todo o
reino da Prússia – mas, principalmente, na Renânia, uma de suas cidadelas
– intensificaram a campanha por uma constituição. Esses capitalistas
liberais não tinham o menor interesse em ver um jornal – que deveria ser
um veículo de seu ideário político – promover a abolição da propriedade
privada e, portanto, foram contra as aspirações de Hess, de ser seu editor.
As excentricidades pessoais de Hess – ele costumava ser visionário e, ainda
por cima, era um contestador notório – não contaram a seu favor. Em vez
dele, os acionistas procuraram um dos mais destacados economistas da
Alemanha, e proeminente político liberal, Friedrich List, que, entretanto,
recuperava-se de uma fratura na perna e não teve condições de aceitar a
proposta. A posição acabou ficando com um jornalista versado em
economia, Gustav Höfken.
Höfken se mostrou um editor inepto; entretanto, o problema que ele
representava estava muito além de suas parcas aptidões jornalísticas: residia
na incompatibilidade de sua ideologia com a daqueles que bancavam o
jornal. Colônia era centro financeiro e porto fluvial, uma cidade com
vocação comercial, cuja economia se concentrava em sua posição de centro
intermediador dos produtos provenientes da Alemanha, assim como do
mundo atlântico. Ao contrário de outras partes da Alemanha Ocidental,
Colônia contava com poucas indústrias. O livre comércio era
consideravelmente mais popular entre os homens de negócio da cidade, do
que eram as ideias protecionistas que List advogava e seu protegido Höfken
desejava tornar o cerne da política editorial do jornal. Com isso, ele entrou
em desacordo, tanto com os acionistas como com os sócios comanditados, e
acabou permanecendo no cargo de editor apenas durante algumas semanas,
desde o início das publicações, em janeiro de 1842.20
O problema alegado por Höfken para justificar a renúncia foi sua
recusa em aceitar a publicação de um artigo escrito por Bruno Bauer. A
saída do editor pavimentou o caminho para que os Jovens Hegelianos,
liderados pelo sócio comanditado Robert Jung, assumissem o comando. O
sucessor de Höfken no cargo foi Adolf Rutenberg, um Jovem Hegeliano de
Berlim, cunhado de Bruno Bauer. Bauer, que Jung descrevia como “nosso
mais admirável colaborador”, entusiasmou-se profundamente com a
oportunidade na política eleitoral e esperava encontrar no jornal um veículo
para suas ideias ateístas. Arnold Ruge e outros partidários dos pontos de
vista radicais do hegelianismo começaram a contribuir com artigos. Entre
esses colaboradores estavam diversos membros do Clube dos Doutores, que
haviam introduzido Marx ao hegelianismo, na época em que ele era um
estudante em Berlim.21

FORAM ESSAS ÍNTIMAS conexões que abriram espaço para a


publicação de artigos de Marx no Rhineland News. Dois longos ensaios
escritos por ele saíram nas edições da primavera e do verão de 1842. Foi a
primeira investida de Marx na esfera pública. Esses ensaios evidenciavam a
influência da educação clássica que ele tivera no Gymnasium, bem como da
argumentação hegeliana que aprendera na Universidade de Berlim. No
mínimo tão impressionante quanto o conteúdo de tais ensaios era seu estilo
– inflamado, sarcástico e polêmico, aspectos não encontrados nos escritos
anteriores de Marx. Essa mudança refletia a influência dos Jovens
Hegelianos em geral, e de Bauer, em particular, à medida que entravam em
crescente conflito com a monarquia prussiana. Marx agregou ao estilo dos
Jovens Hegelianos sua idiossincrasia, caracterizada pelo emprego de
analogias maldosamente cômicas e de uma opinião prática, anti-idealista e
quase cínica sobre política, dois traços distintivos que viriam a se tornar um
aspecto permanente de seus textos políticos.
O primeiro, e mais longo, dos dois ensaios, e o único a causar grande
impacto, tratava da liberdade de imprensa. Marx golpeava seus inimigos,
vinculando os argumentos utilizados por eles com uma arcaica sociedade de
ordens, com um Estado prussiano autoritário inclinado a apoiar essa
sociedade, e com tendências intelectuais que a defendiam. Ao contrário de
alguns Jovens Hegelianos, em especial Bauer, que revelavam crítica e
negativismo, o trabalho de Marx era também afirmativo, tecendo um elogio
à liberdade de imprensa, como parte de um louvor mais amplo à liberdade,
articulada em oposição à natureza da monarquia prussiana.22 Não apenas as
críticas de Marx, como suas asserções positivas, eram colocadas em termos
antiprussianos: uma vez mais, uma característica própria dos Jovens
Hegelianos, mas, também, um reflexo de sua educação na cidade de
Tréveris.
Marx começava com ataques ao governo prussiano, retratando a
argumentação do jornal oficial, o Prussian State News, como demonstração
de uma capacidade intelectual infantil – que valorizava e pressentia
fantasmas, e acreditava neles. (A passagem sobre fantasmas é significativa,
porque voltaria a aparecer, de forma ligeiramente diferente, no Manifesto
comunista). Tendo se livrado das autoridades prussianas, Marx voltou sua
atenção para o tema principal de seu ensaio, os debates sobre liberdade de
imprensa realizados na recém-instituída Assembleia Provincial da Renânia.
A própria natureza da assembleia fornecia para Marx uma munição
antiprussiana adicional. Pseudolegislaturas provinciais e sem poder, criadas
pelo governo da Prússia nos anos 1820, essas assembleias eram escolhidas,
discutidas e votadas segundo as normas da sociedade de ordens, sendo, a
alta nobreza, a baixa nobreza, os burgueses e os camponeses da província,
representados pelos deputados. Esse arranjo desagradava ao povo da
Renânia, onde, duas décadas de domínio francês, entre 1794 e 1814, haviam
eliminado a distinção jurídica entre diferentes grupos sociais. Até os anos
1840, as assembleias deliberavam em segredo, o que desvirtuava seu caráter
representativo, já que os eleitores não tinham condições de saber o que os
deputados por eles eleitos haviam dito nos debates, ou como tinham votado
as questões em discussão. A existência das assembleias, por si só, era uma
caricatura das aspirações liberais por um parlamento constitucional.23
Ao discutir a declaração de um orador representante da baixa nobreza,
segundo a qual a questão de publicação dos processos fora colocada pelo
governo nas “mãos da assembleia”, Max articulou as aspirações liberais por
uma legislatura efetiva e uma constituição que garantisse os direitos
fundamentais, tais como a liberdade de imprensa, com uma hostilidade
liberal à sociedade de ordens. Segundo ele, isso significava transformar um
direito fundamental – liberdade de imprensa – em privilégio de um
organismo constituído da sociedade de ordens, a Assembleia Provincial. “O
cidadão não quer entender seus direitos como um privilégio. Pode ele
considerar um direito a incorporação de novos grupos privilegiados a outros
já existentes?”. Na sequência, ele acrescentou sarcasticamente, “De acordo
com o orador [...] a província deve interpretar como direitos próprios as
prerrogativas da Assembleia Provincial; por que não, também as
prerrogativas de algumas classes de funcionários do Estado, da nobreza ou
dos padres?”.24 Aqui, Marx estava convertendo a liberdade de imprensa em
um dos direitos universais da humanidade expressos pela Revolução
Francesa e denunciando seus oponentes como lacaios do Estado prussiano e
defensores de uma obsoleta sociedade de ordens.
Marx colocou, então, as ideias de oposição à imprensa em um contexto
intelectual, apresentando essas ideias como exemplos do pensamento
político influenciado pelo Romantismo artístico e pelo olhar saudosista
dirigido à Idade Média:

Quando nosso orador da ordem dos cavaleiros, com uma


seriedade quase cômica, uma dignidade um tanto melancólica e
uma compaixão quase religiosa, desenvolve o postulado da
excelsa sabedoria da Assembleia Provincial e de sua liberdade e
independência medievais, os não iniciados se surpreendem ao vê-
lo assumir uma posição diferente no que diz respeito à questão da
liberdade de imprensa. Naquele ponto, ele desce da altaneira
sabedoria da assembleia para a completa falta de sapiência da
raça humana; da independência e da liberdade das ordens
privilegiadas, que recomenda acima, para a honrada escravidão e
dependência da natureza humana. Não nos surpreendemos em
encontrar, nos dias de hoje, a evidência de uma das muitas formas
de nobres cristãos, de feudos modernos, ou seja, dos princípios
românticos.25

Continuando em uma disposição hegeliana, ele denunciou os


pensadores românticos por entenderem que a liberdade, em vez de estar
“vinculada à essência da humanidade, à razão e, desse modo, ser comum a
todos os indivíduos”, é um privilégio particular de ordens sociais
específicas. Essa era uma versão dos direitos universais dos homens,
declarados pela Revolução Francesa, que a filosofia de Hegel enfatizava.
Marx usou também essa afirmação de que a liberdade de imprensa
constituía um direito universal dos homens, confirmada por uma
pressuposição hegeliana a respeito do desdobramento da razão na história
da humanidade, para criticar os partidários da liberdade de imprensa na
Assembleia da Renânia, particularmente seu principal proponente, o
banqueiro de Colônia, Heinrich Merkens. Este defendera a liberdade de
imprensa, descrevendo-a como um subproduto da liberdade de trabalho –
equiparando a liberdade de criar um jornal com a de abrir uma alfaiataria,
apesar das restrições às guildas. Marx elogiou a natureza prática das ideias
de Merkens, comparando-as favoravelmente com os projetos carentes de
espírito prático, propostos por muitos dos intelectuais alemães, projetos
estes que produziam diversas mudanças no domínio das ideias, mas
nenhuma no tocante à realidade social e política. Essa postura
autoconsciente e realista viria a ser o cerne dos futuros trabalhos de Marx.
Porém, tais comparações ofensivas entre o universo racional dos banqueiros
e a esfera abstrata dos intelectuais não avalizava as afirmações de Merkens.
Muito ao contrário, Marx ofereceu a eles uma resposta sarcástica,
talvez uma observação remanescente de seu trabalho inacabado sobre arte
cristã: “Rembrandt pintou a Mãe de Deus como uma camponesa da
Holanda, por que não poderia nosso orador pintar a liberdade em uma
forma conhecida e familiar para ele?”.26 Liberdade profissional e liberdade
de imprensa, prosseguiu Marx, eram exemplos de uma liberdade geral mais
ampla; no entanto, “não é totalmente errado que essa unidade despreze a
diversidade e, até mesmo, transforme uma espécie em norma ou em uma
esfera de outras espécies? Existe intolerância por parte de uma espécie de
liberdade que só se propõe a aceitar tacitamente outras, quando estas
renegam suas convicções e se declaram vassalas dessa espécie”.27 Marx
concluiu, em termos mais gerais, que os defensores da liberdade de
imprensa na Assembleia Provincial, nesse aspecto de forma semelhante
àqueles que a ela se opunham, não compreendiam que tal liberdade era um
exemplo dos direitos universais mais amplos da humanidade e só poderia
ser analisada em um contexto limitado e estreito.
Com críticas contundentes às limitações da liberdade de imprensa,
Marx acentuou o lado positivo, associando argumentação hegeliana,
analogias exuberantes e apartes irônicos, cujo objetivo era fazer um elogio à
imprensa livre:

A imprensa livre representa os olhos sempre atentos do espírito


dos homens, a confiança consubstanciada de uma pessoa nela
mesma, o cordão eloquente que conecta o indivíduo com o Estado
e o mundo, a cultura corporificada que transforma lutas de caráter
material em batalhas espirituais e engendra sua forma material
rudimentar. Ela é a confissão desimpedida de uma pessoa a si
mesma e, como bem sabido, a força da confissão conduz à
redenção. É o espelho no qual as pessoas se contemplam; e a
autocontemplação é a primeira pré-condição para o
conhecimento. É o espírito do Estado que pode ser vendido por
mascates de porta em porta, por um preço mais barato que o do
gás. É multilateral, onipresente e onisciente. É o mundo ideal que
transborda do mundo verdadeiro, e, como um espírito cada vez
mais rico, desperta de novo e flui de volta para ele.28

A argumentação descrevia a imprensa livre, em estilo hegeliano, como


a corporificação do espírito do povo – não uma corporificação alienada do
espírito, mas uma que se reconhecia como tal. Uma versão radicalizada das
ideias de Hegel também foi apresentada na descrição irônica, todavia séria,
de uma imprensa livre como multilateral, onipresente e onisciente; atributos
da divindade ou, na versão filosófica de divindade, segundo Hegel, Espírito
Absoluto. O enaltecimento de Marx à imprensa transformou-se em um
elogio à democracia – o governo do povo –, e em um ataque ainda mais
enfático ao demasiadamente autoritário Estado prussiano.29
Não causa surpresa o fato de o artigo ter sido bem recebido por
companheiros Jovens Hegelianos, tais como Jung e Ruge; no entanto, ele
atraiu também uma gama mais ampla de seguidores. Ludolf Camphausen
recebeu de seu irmão Otto, que na época iniciava uma destacada carreira no
serviço estatal da Prússia, uma carta na qual questionava, “Quem é o autor
do admirável artigo sobre os processos [relativos à liberdade de imprensa]
da Assembleia Provincial da Renânia? O que os deputados de Colônia
dizem sobre isso?”. O ministro prussiano do interior também se
impressionou, porém, de forma negativa, condenando o texto, que
classificou como um ataque subversivo ao Estado.30
O segundo, e bem mais breve, ensaio escrito por Marx para o
Rhineland News foi formulado em um tom mais defensivo, e tratava da
melindrosa questão do ateísmo dos Jovens Hegelianos.31 A motivação veio
de um importante artigo publicado no Cologne News, que denunciava seu
concorrente por publicar tal material e incitava os censores a proibir esses
insultos à sensibilidade religiosa. O Cologne News reagiu com habilidade,
apresentando seu endosso à censura como defesa da liberdade de imprensa
e afirmando que os excessos antirreligiosos dos Jovens Hegelianos
desacreditavam a própria causa da imprensa livre. Essa afirmação forneceu
subsídio para uma resposta mais ardilosa do que o ensaio sobre a liberdade
de imprensa. Marx não poderia apenas criticar um governo prussiano
impopular entre os católicos de Colônia e da Renânia; ele precisava,
também, serenar a sensibilidade religiosa desses católicos. O próprio Marx
tinha perfeita ciência do problema. Logo depois de concluir o artigo,
escreveu para Arnold Ruge, “No Reno, o elemento religioso é o mais
perigoso. A oposição adquiriu, em tempos recentes, o hábito imoderado de
levar às últimas consequências seu antagonismo à Igreja”.32
Marx afirmou que “o ódio da teologia protestante contra os filósofos”
era a razão da oposição das autoridades prussianas a Strauss e Feuerbach,
por estes ousarem “encarar os dogmas católicos como dogmas cristãos”.
Em outras palavras, não no ateísmo, mas em uma atitude pró-catolicismo,
residia o problema do governo prussiano e de seus porta-vozes, em relação
aos Jovens Hegelianos. Depois de apelar a santo Agostinho e salientar que o
papa se recusara a aderir à Aliança Sagrada – a liga contrarrevolucionária
dos Estados europeus que emergiram na esteira da derrota de Napoleão –, e,
desse modo, sugerir que os católicos, por razões religiosas, não eram em
hipótese alguma obrigados a dar apoio aos governos conservadores, Marx
partiu para a descrição do “Estado cristão” – expressão favorita dos
conservadores, na Alemanha –, como favorecedor de uma profissão de fé
cristã específica, a exemplo do que acontecia na Irlanda. Ele assim retratava
os católicos da Renânia como seres oprimidos por um governo prussiano
protestante, da mesma forma que os católicos irlandeses o eram pelo
governo protestante da Inglaterra; uma analogia popular entre os católicos
da Renânia, naquela época. Uma vez que o Estado garante direitos iguais a
diferentes profissões de fé religiosa, Marx sugeria que não era cristã, mas
sim filosófica, “a realização da liberdade fundamentada na razão [...] um
trabalho que a filosofia realiza”.33
Marx estava tentando retrabalhar e redefinir seus princípios políticos e
filosóficos, com o objetivo de atingir um público de católicos renanos
potencialmente hostil. Ao minimizar a importância do ateísmo dos Jovens
Hegelianos, ele enfatizava, em vez disso, para seu público de católicos
renanos, a oposição desse grupo a uma Prússia conservadora – e também
protestante –, e contestava, para esse mesmo público, os motivos dos
oponentes aos Jovens Hegelianos. Foi um exercício eminentemente
político, indicando uma mudança de rumo para os Jovens Hegelianos
radicais. Outra interpretação pode ser a de que o ensaio refletia o
pensamento de um indivíduo responsável por uma empreitada política bem
mais ampla – um editor de jornal, por exemplo.

TORNAVA-SE CADA VEZ mais evidente, no verão de 1842, que o


Rhineland News iria precisar de um editor mais capacitado. O arriscado
empreendimento de uma publicação de oposição granjeava uma hostilidade
crescente entre as autoridades do governo prussiano. As notícias dando
conta de que Rutenberg, notório Jovem Hegeliano, já sob vigilância policial
em Berlim, seria o novo editor, enfureceram o ministro do interior, levando-
o a declarar que, sob condição alguma, tal indivíduo teria permissão para
prestar serviço ao jornal. Assim, oficialmente, o editor continuou sendo o
próprio proprietário do jornal; no entanto, informalmente, Rutenberg
desempenhava o trabalho. Em maio de 1842, o ministro do interior exigiu o
imediato fechamento do Rhineland News por “propagar as ideias liberais
dos franceses” e ser um “organismo cabal de propaganda dos Jovens
Hegelianos [...] [que] professa as heresias do Halle Yearbooks, e defende a
opinião, segundo a qual, a filosofia contemporânea substituirá o
cristianismo”. O governador do distrito de Colônia e o governador
provincial da Renânia se manifestaram contra uma medida drástica,
temendo que ela pudesse impressionar negativamente o público letrado, até
mesmo aquelas pessoas que não compartilhavam das ideias defendidas pelo
jornal. Eles sugeriam que os abastados investidores poderiam contribuir
para uma moderação da política editorial ou, quem sabe, desistiriam de
financiar o déficit orçamentário e deixariam que o Rhineland News cerrasse
suas portas. Por fim, o governo central da Prússia acabou concordando em
esperar até dezembro por uma mudança de tom do editorial ou pelo
completo encerramento das atividades do jornal.34
Essa avaliação oficial não deixava de ter sua justificativa. O número de
leitores do Rhineland News vinha experimentando um crescimento
progressivo desde sua estreia; as assinaturas pelo correio, principal meio de
venda dos jornais, quase quadruplicaram, passando de 264 no primeiro
trimestre de 1842, para 1.027 no final do terceiro trimestre. Era um
desempenho respeitável, porém lamentavelmente eclipsado pelos números
do Cologne News, cuja tiragem de 8.500 exemplares excedia, de longe, a de
seu novo concorrente; a diferença era mais evidente na própria cidade de
Colônia, onde residia a maior parte dos investidores. Estes últimos estavam
começando a questionar a destinação de seu dinheiro, já que, durante os seis
meses de existência do Rhineland News, cerca de três quartos do
investimento feito por eles fora gasto, e, apesar disso, a tiragem do jornal
ainda estava longe de seu ponto de equilíbrio, de 2.500 assinaturas.35
A explicação usual da situação jogava a responsabilidade sobre Adolf
Rutenberg, retratado como um alcoólatra incompetente. Muitas dessas
opiniões negativas foram emitidas pelo próprio Marx, que, na qualidade de
sucessor de Rutenberg, não era uma testemunha isenta.36 Rutenberg tinha, de
fato, a reputação de bêbado inveterado, e atribuía-se sua demissão do cargo
de professor de geografia da Academia Militar Prussiana à conduta
dipsomaníaca que lhe era imputada. No entanto, teve suas realizações: a
circulação estava em alta. Rutenberg dedicou-se ao trabalho de recrutar
correspondentes e desempenhava bem a função de revisor de provas. O que
ele não conseguiu, entretanto, foi estabelecer rigorosas diretrizes
intelectuais para o jornal. Nunca escreveu um artigo sequer, e a política
editorial era fixada principalmente por Robert Jung e Moses Hess. Este
último havia desistido de seu processo jurídico e retornado ao jornal após a
renúncia de Höfken.37
Tanto Hess como Jung apoiavam Marx. De fato, Hess tinha um
elevado conceito a respeito dele. Os dois se conheceram em Bonn, no verão
de 1841, depois do retorno de Marx à Renânia. Após o encontro, Hess o
descreveu como “meu ídolo [...] ele combina a mais profunda seriedade
filosófica, com a mais aguda sagacidade; imaginem Rousseau, Voltaire,
Holbach, Lessing, Heine e Hegel unidos em uma pessoa [...] então, vocês
têm o dr. Marx”. O elogio de Jung foi menos entusiasmado – não poderia
ser diferente –, mas expressou a Marx seu aval a uma carta que recebera de
Eduard Meyen, um dos Jovens Hegelianos de Berlim, incentivando Marx a
trabalhar para o Rhineland News: “Não virá Marx logo a público e mostrará
o que de fato tem para dizer?”.38
Parece provável que Hess e Jung estiveram por trás da contratação de
Marx pelo Rhineland News, em meados de outubro de 1842. Marx não
substituiu Rutenberg no cargo de editor, como seus biógrafos costumam
afirmar. Ao mesmo tempo em que assinou um contrato de emprego – que
deve ter sido muito bem recebido por ele, em vista da premente necessidade
de encontrar uma posição, capaz de viabilizar seu casamento com Jenny –,
Engelbert Renard permaneceu na posição de editor oficial e Rutenberg
continuou trabalhando para o jornal, como revisor de provas e tradutor dos
artigos da imprensa francesa. Hess e Jung apoiaram a entrada de Marx, com
o objetivo de reforçar o papel editorial que desempenhavam; ele empregaria
o talento demonstrado em seus artigos sobre liberdade de imprensa, para
apresentar uma política editorial mais robusta e ativa, contribuindo para
manter o ritmo de crescimento da circulação e convencer os investidores a
renovar os investimentos no jornal.
Não há dúvida de que Marx tomou atitudes enérgicas quando passou a
integrar a equipe editorial, porém, não exatamente aquelas que Jung ou, em
especial Hess, tinham em mente. Os planos editoriais de Marx já estavam
demonstrados em uma carta, muito semelhante a uma candidatura a
emprego, enviada a Dagobert Oppenheim, em agosto ou setembro de 1842.
Ele planejava abrandar o tom do jornal. As “considerações teóricas gerais
sobre a constituição do Estado”, defendidas pelos Jovens Hegelianos,
seriam eliminadas, já que seu radicalismo político e as ideias hereges a ele
integralmente vinculadas estavam alienando “a maior parte dos livres-
pensadores racionais, que haviam assumido a pesada tarefa de lutar pela
liberdade, passo a passo, dentro dos limites constitucionais” – em outras
palavras, os liberais burgueses de Colônia e da Renânia que financiavam o
jornal, e cujo suporte posterior seria necessário para a manutenção do
negócio. Também no que dizia respeito às autoridades prussianas, uma
moderação de tom se fazia indispensável, para eliminar o perigo de “uma
censura aguçada ou, até mesmo, o fechamento do jornal”, destino que,
segundo observou Marx, havia anteriormente solapado jornais de oposição
radical. Para colocar em prática essa missão, era essencial uma mão
editorial forte, capaz de direcionar a ação dos jornalistas que trabalhavam
para o jornal, não deixando a cargo dos próprios autores o tom dos artigos.39
Uma vez nomeado para a equipe editorial, Marx se mobilizou para
colocar em prática seus planos. Cortejava, com assiduidade, os membros
liberais da burguesia, conseguindo que o presidente da câmara de comércio,
Ludolf Camphausen, escrevesse artigos com críticas ao tratamento dado
pelo governo prussiano ao financiamento da construção de estradas de
ferro, e que o médico Heinrich Claessen, um proeminente liberal de
Colônia, redigisse uma série sobre as reformas do governo municipal. Marx
trabalhou intimamente ligado a um dos jornalistas que Rutenberg havia
recrutado, Karl Heinrich Brüggemann, antigo estudante radical, com
inclinações para uma política mais moderada. Em colaboração com Marx,
Brüggemann escreveu diversos trabalhos que defendiam enfaticamente o
livre comércio e denunciavam o protecionismo, o que deixou bem clara a
posição do Rhineland News sobre essa questão, em contraste com a postura
vacilante e contemporizadora de outrora. O livre comércio foi a causa social
e econômica mais importante que o Rhineland News defendeu enquanto
Marx esteve envolvido com seu trabalho editorial, e a que causou a ele a
mais profunda impressão.40 Mesmo depois de assumir a bandeira do
comunismo, Marx manteve seu apoio ao livre comércio.
Os esforços de Marx para abrandar o tom dos Jovens Hegelianos do
Rhineland News, levaram-no a um embate com seus amigos da
universidade e seu patrono Bruno Bauer, a respeito da existência – ou
suposta existência –, em Berlim, de uma “Sociedade de Homens Livres”,
um grupo de Jovens Hegelianos que advogava em favor do ateísmo e
apelava aos patrocinadores para que abandonassem as igrejas cristãs. As
atitudes do grupo e seu hábito de demonstrá-las em meio a reuniões regadas
a álcool nas tavernas de Berlim já haviam causado embaraços para o
Rhineland News, no verão de 1842; e, em novembro daquele ano, o
principal orquestrador dos Jovens Hegelianos, Arnold Ruge, acusou os
Homens Livres de diletantismo e carência da seriedade moral necessária
para promoção de mudanças políticas na Alemanha. Marx, que concordava
plenamente com Ruge, partiu para a publicação de uma carta com críticas,
no mesmo tom, aos Jovens Hegelianos de Berlim, por seu “romantismo
revolucionário, sua dependência em relação ao próprio gênio, sua dúbia
busca da fama...”.41 Tanto Marx como Ruge esperavam que suas críticas
poupassem Bruno Bauer, a quem eles consideravam sensato demais para se
comportar de maneira tão despropositada; porém, Bauer se identificava com
os Homens Livres e escreveu uma dura e ofensiva resposta a Marx.
Tentativas posteriores de Marx e Ruge, no sentido de trabalhar com Bauer,
acabaram por se mostrar infrutíferas e, menos de dois anos após o
rompimento, Marx já se referia a Bauer como “meu amigo de longa data,
que hoje está afastado...”.42
Sem dúvida, esse rompimento envolvia questões de caráter pessoal:
Bauer, Ruge e Marx eram suscetíveis demais e se ofendiam facilmente. No
entanto, as controvérsias relativas aos Homens Livres indicavam uma
diferença de opiniões mais ampla e fundamental dentro das fileiras dos
Jovens Hegelianos, quanto ao real significado de ser radical. Para os
Homens Livres, o radicalismo estava associado ao estilo de vida e à rejeição
das convenções sociais, ambos exemplificados pela confissão pública de
ateísmo feita pelo grupo. Marx e Ruge, por outro lado, viam uma ligação
direta entre radicalismo e mudanças políticas; e, sem negar as críticas à
ortodoxia religiosa, feitas pelos Jovens Hegelianos, os dois procuravam
subestimar, em público, sua importância, tendendo na direção de uma
crítica das circunstâncias sociais e políticas que estimulavam e reforçavam
essa ortodoxia. As diferenças não eram insuperáveis e, havia uma clara
possibilidade de movimento entre os dois campos – Friedrich Engels, futuro
amigo e colaborador de Marx, fazia parte do grupo Homens Livres –, mas,
havia clara evidência do desenvolvimento de duas vias separadas e distintas
de radicalismo.43
A tarefa editorial mais delicada para Marx, na qual ele obteve pouco
sucesso, foi o relacionamento com o governo prussiano. Até mesmo o
caminho moderado que ele procurava trilhar desagradava as autoridades.
Como parte da nova política editorial em favor do livre comércio, o jornal
publicou um ataque ao protecionismo econômico da Rússia, salientando o
prejuízo que causava aos interesses prussianos. O governo entendeu o artigo
como uma crítica ao czar, amigo e aliado do rei da Prússia.44 Essa má
vontade oficial em fazer concessões ao Rhineland News fomentou em Marx
sua propensão a não se conter. Os dois artigos que ele escreveu a respeito
dos debates relativos às leis contra roubo de madeira, realizados na
Assembleia Provincial, foram tão hostis à assembleia, que levaram o
enfurecido governador provincial a exigir a demissão daquele editor
subversivo. Todavia, sem saber que Marx passara a comandar o jornal, o
governador acusou Rutenberg, que acabou perdendo seu emprego.45
Marx adquiriu o hábito de causar embaraço para os censores oficiais
da Prússia, normalmente burocratas de nível médio, sem formação
universitária, que tinham dificuldades para compreender os artigos do
Rhineland News. Eles costumavam cortar trechos bastante inocentes e
deixar que fossem impressos outros, mais subversivos, colocando o governo
na incômoda posição de condenar o jornal pela publicação de um material
que havia passado pela censura. Ciente desse problema, Marx trabalhava
ardilosamente, no sentido de enfatizá-lo. Com dissimulada inocência,
perguntou ao censor interno do jornal, o conselheiro da polícia Laurenz
Dolleschall, um homem cuja capacidade intelectual não chegava, nem
remotamente, perto da dos companheiros de Marx, quem poderia ter escrito
o artigo com ataques à Assembleia Provincial – uma observação sarcástica
que não demorou a se espalhar por toda Colônia. Certo dia, em um
movimento mais público, Marx se recusou a enviar as provas para
Dolleschall, forçando-o a deixar o baile do governador provincial, tarde da
noite, e ir buscá-las em seu apartamento. Marx gritou pela janela que, como
o jornal não seria publicado no dia seguinte, não havia provas a avaliar,
humilhando publicamente o censor.46
Marx manteve suas atitudes impertinentes, em um nível ainda mais
alto, enfrentando o governador provincial. Escrevendo em nome de Renard,
o editor oficial do Rhineland News, ele respondeu à condenação da nova
política do jornal pelo governador, apresentando-a como um projeto pró
Prússia, “ajudando a pavimentar o caminho do progresso, no qual a Prússia
lidera o resto da Alemanha...”. Longe de divulgar ideias favoráveis aos
franceses, o jornal lançava um “liberalismo alemão que, certamente, pode
não ser desagradável ao governo de Frederico Guilherme IV”. Na verdade,
continuou Marx, seu jornal era o primeiro a “trazer para a Renânia e o sul
da Alemanha, o espírito alemão do norte e o espírito protestante...”. Ao
contrário de ser antirreligioso, o Rhineland News seguia os passos de
Martinho Lutero, em sua oposição “aos dogmas da Igreja”. Tais
observações tinham suas raízes nas ideias que os Jovens Hegelianos haviam
abraçado em meados dos anos 1830 – ideias sobre o papel progressista do
Estado prussiano e suas íntimas conexões com a filosofia hegeliana. Na
década seguinte, quando o novo monarca, recém-convertido, pronunciou-se
contra Hegel e o progresso, e os Jovens Hegelianos se converteram em
republicanos e ateus, os comentários tiveram o tom de provocação – como
os contemporâneos de Marx entendiam muito bem.47
A nova política editorial colocada em prática por Marx se mostrou
extraordinariamente bem-sucedida. A tendência ascendente da circulação se
acentuou, atingindo 3.300 assinantes no final de 1843, bem acima do ponto
de equilíbrio. Estimulados pelo bom desempenho da circulação e atraídos
pelo novo conteúdo do jornal, os investidores manifestaram desejo de
aplicar um volume maior de capital.48 No entanto, uma questão bem
diferente era saber se as atitudes sarcásticas e provocativas de Marx
apaziguariam as autoridades prussianas – elemento fundamental dos planos
que ele tinha para o jornal.

DE ACORDO COM o próprio testemunho de Marx, foi durante o período


em que exerceu sua função editorial no Rhineland News que ele entrou em
contato, pela primeira vez, com a “questão social”; o debate a respeito da
condição das classes menos favorecidas, que contribuiu para a gênese de
suas ideias comunistas.49 De certo modo, é difícil discordar das próprias
reminiscências de Marx em relação a esse ponto. Embora ele tenha sido
anteriormente apresentado às teorias de Henri de Saint-Simon, por Eduard
Gans e Johann Ludwig von Wetsphalen, seus primeiros estudos mais
profundos do ideário socialista aconteceram no período em que viveu em
Colônia, no outono de 1842. Foi lá que Marx publicou suas observações
iniciais sobre o socialismo e o comunismo. Ele tratou publicamente, pela
primeira vez, das questões econômicas e sociais, nas duas séries de artigos
nos quais abordou os debates na Assembleia provincial da Renânia,
relacionados com uma nova lei relativa ao roubo de madeira, e as difíceis
condições econômicas de seu nativo Vale do Mosela. No entanto, a tentativa
de traçar uma ligação direta entre as investigações e os escritos iniciais e a
posterior teoria comunista de Marx, pode levar a conclusões bastante
capciosas.
Ao mesmo tempo em que esse ponto não aparece na maioria das
biografias sobre ele, Marx mencionou em suas reminiscências que os
debates a respeito de livre comércio e protecionismo foram uma importante
força propulsora de seu crescente interesse por economia. A postura em
prol do livre comércio que ele adotou nesse debate como editor do
Rhineland News também coloriu suas discussões sobre a labuta dos
viticultores do Vale do Mosela e de outros indivíduos das classes rurais
mais inferiores, na Alemanha Ocidental. Marx apontou como grandes
culpados pelas condições dessa gente, as políticas do governo prussiano e
as ações de seus funcionários – não os capitalistas, nem a economia de
mercado. Os pronunciamentos públicos iniciais que ele fez sobre o tema do
comunismo estavam longe de ser favoráveis; na verdade, foram
notadamente anticomunistas. A trajetória de Marx até o comunismo passou
por esse anticomunismo, pois a versão que viria a adotar foi determinada
por sua oposição a muitos dos aspectos do comunismo que ele aprendeu em
1842.
Moses Hess vinha comandando desde o verão daquele ano, em
Colônia, um círculo semanal de debates e um grupo de leitura que versavam
sobre o comunismo e as questões sociais. Tais grupos eram, na verdade,
uma estranha aglutinação de indivíduos. Havia Jovens Hegelianos, tais
como Robert Jung, e futuros ativistas do comunismo, entre os quais o
médico Karl d’Ester e o oficial de artilharia prussiano Friedrich (Fritz)
Anneke – ambos viriam a trabalhar com Marx durante a Revolução de
1848. Contudo, outros participantes não tinham uma posição tão à
esquerda: o filho de industrial e futuro líder político liberal Gustav
Mevissen, que, naquele tempo, além de amigo de Jung também cortejava a
irmã deste; o jornalista defensor do livre comércio, Karl Heinrich
Brüggemann (que viria a ser editor do Cologne News, em 1845, quando o
jornal passou a adotar um posicionamento político liberal); e o advogado
Gustav Compes, outro futuro político liberal de Colônia. É possível que o
presidente da câmara de comércio, Ludolf Camphausen, tenha sido um
participante eventual.50 Quando Marx se mudou para Colônia, em outubro
de 1842, para assumir a edição do Rhineland News, juntou-se a esse grupo
de discussão. A exata informação sobre o que era lido nas reuniões inexiste,
porém, é provável que as leituras abrangessem alguns dos socialistas
contemporâneos franceses, tais como, Victor Considérant, Pierre Leroux e
Pierre-Joseph Proudhon.51
O primeiro contato mais específico de Marx com as ideias comunistas
deixou nele uma impressão decididamente negativa. Ele entendeu a defesa
do comunismo como parte do radicalismo dos Jovens Hegelianos de
Berlim, radicalismo este, pautado pelo estilo de vida de seus partidários,
que ele rejeitava. A mordaz descrição que Marx fez dos artigos publicados
por esse grupo no Rhineland News, antes do início de suas atividades como
editor, é uma prova cabal de sua postura: “espuma de cerveja impregnada
de uma revolta global, contudo, negligentemente vazia de ideias e permeada
por alguma dose de ateísmo e comunismo (os quais os cavalheiros nunca
estudaram)...”. Depois de se tornar editor, deixou claro que não mais
aceitaria aqueles textos:

Eu declarei [aos Jovens Hegelianos de Berlim] que encarava o


contrabando dos dogmas comunistas e socialistas para dentro de
peças ocasionais de crítica teatral – uma nova visão de mundo –,
como inadequado, até mesmo imoral; e exigi um debate
completamente diferente, e mais profundo, a respeito do
comunismo, se há necessidade de uma discussão. Reclamei,
então, que a religião fosse debatida nas críticas das condições
políticas, mais do que as condições políticas serem criticadas na
religião [...] que, quando a filosofia fosse discutida houvesse
menos calúnias aos produtos do “ateísmo” [...] do que o conteúdo
da filosofia ser levado até o povo.52

Essa atitude cética, uma censura a seu aliado, Moses Hess, que
também tentara contrabandear ideias comunistas para os jornais,
caracterizou a apreciação pública inicial que Marx fez dessas ideias em um
artigo no Rhineland News de 16 de outubro de 1842. Esse foi seu primeiro
texto a ser publicado depois que ele assumiu a função editorial.53 O trabalho
gerou polêmica e denunciava o principal jornal da Alemanha, o Augsburg
General News, que havia acusado o Rhineland News de publicar dois
artigos em defesa do comunismo. Um desses artigos tratava da pobreza dos
trabalhadores que viviam em enormes prédios de apartamentos em Berlim
(um fenômeno ainda incomum no cenário social dos anos 1840) e exigia o
fim da propriedade privada como forma de solucionar a condição difícil
dessas pessoas. O outro trazia informações sobre uma conferência de
acadêmicos em Estrasburgo, na qual um dos oradores afirmara: “Hoje, a
classe média se encontra na posição que a nobreza ocupava em 1789;
naquele tempo, ela reclamou os privilégios da nobreza e os obteve; hoje, a
classe social que não tem posses exige fazer parte da classe média que está
agora no comando”.
Os temas dos dois artigos – que a condição dos trabalhadores só
poderia melhorar por meio da extinção da propriedade privada, e que uma
revolução dos trabalhadores contra a burguesia seria uma sequência lógica
da revolução da burguesia contra a nobreza – viriam a ser o cerne das
futuras teorias marxistas. Naquele tempo, ele apresentou uma resposta
diferente ou, mais precisamente, uma resposta com três partes, todas elas
revelando certo constrangimento em ter de defender os resultados de uma
política editorial do passado, que ele estava revisando. Uma delas tinha
como alvo tratar das condições reveladas pelos dois artigos e abandonar
qualquer discussão sobre as soluções. Marx destacou que a classe média
detinha o comando na maioria dos países da Europa Ocidental, conforme
admitido até mesmo pelos prussianos conservadores, e que os trabalhadores
na Inglaterra e na França vinham fazendo exigências em relação a essa
classe média. Ele observou, também, que as condições econômicas na
Alemanha eram difíceis, embora os exemplos empregados para demonstrar
sua opinião – “que a Alemanha carece de pessoas economicamente
independentes; que 9/10 dos homens jovens instruídos precisam se valer da
caridade do Estado para obter o ganha-pão para o futuro; que nossos rios
estão abandonados; que a marinha mercante se encontra em condições
miseráveis; que nossas cidades com vocação comercial, outrora prósperas,
já não mais florescem [...] que o excedente de nossa população vaga sem
esperança, naufragando como alemães em terras estrangeiras” –, em vez de
expressar ideias comunistas ou radicais, brotavam do arsenal de críticas
liberais às condições vigentes na Alemanha durante a década de 1840.
A segunda resposta tinha por objetivo voltar as acusações contra o
acusador. O correspondente do Augsburg General News em Paris propusera
ideias socialistas, afirmou Marx. Os reacionários – comparando
injustamente o moderado jornal da Bavária com a extrema direita –
apoiavam a restauração das guildas, um conceito comunista. Eles também
se opunham à divisão das propriedades fundiárias, endossando as ideias do
comunista francês, Charles Fourier. Esse argumento tu quoque parece, de
longe, a menos convincente das declarações de Marx.
Mais interessante e inesperado é o terceiro argumento. O Rhineland
News, defendeu Marx, não reconhecia no comunismo qualquer “realidade
teórica”, menos ainda qualquer esforço no sentido de uma “realização
prática”. Considerava a teoria muito mais nefasta que a prática. A
“implementação intelectual” das ideias comunistas seria o “verdadeiro
perigo”, pois tais ideias podiam “derrotar nossa inteligência, dominar
nossos sentimentos...”. Para enfrentar esse perigo, ele propunha um estudo
cuidadoso dos trabalhos de comunistas proeminentes, com o propósito de se
desenvolver uma “crítica fundamental” do ideário por eles defendido. Por
outro lado, “esforços práticos [de introdução do comunismo], mesmo o
empenho conjunto, podem ser respondidos por meio de canhões...”. O
homem que apenas cinco anos mais tarde viria a redigir o Manifesto
comunista estava, naquele momento, defendendo o uso do exército para
conter um levante de trabalhadores comunistas!
A rejeição de Marx pelo comunismo em 1842 torna-se muita mais
evidente quando consideramos a abordagem que ele adotou em relação às
questões sociais e econômicas daquela época: um diagnóstico hegeliano dos
problemas, associado à prescrição de uma solução antiprussiana. O
diagnóstico de Marx surgiu, sobretudo, nos dois artigos que ele escreveu a
respeito do debate na Assembleia Provincial da Renânia, sobre a nova lei
contra o roubo de madeira.54
A preocupação em relação ao roubo de madeira e à apropriação dos
produtos florestais por indivíduos que não detinham a posse das terras
alastrou-se por toda a Alemanha durante a década de 1840. Uma resposta
mais conservadora à situação era interpretá-la como uma onda de crimes
atribuídos à decadência moral das classes mais baixas e à acentuada
propensão ao crime demonstrada pelos indivíduos a elas pertencentes.
Outra resposta, menos comum, mas com nítidos contornos esquerdistas, era
imputar a culpa pelo problema à cruel e desumana atitude da administração
florestal do Estado. Ludwig Simon, companheiro de estudos de Marx, no
Gymnasium de Tréveris, que, em meados de 1840 exercia a advocacia nessa
cidade, fez o seu nome e iniciou uma surpreendente carreira política,
promovendo essa linha de argumentação no tribunal e defendendo os
violadores das leis florestais.55
Marx adotava uma postura diferente, que refletia suas experiências
pessoais e as influências intelectuais. Acompanhando de perto os passos de
seu professor em Berlim, Eduard Gans, ele via o roubo de madeira como
resultado das transformações na natureza jurídica da propriedade. Na era da
sociedade de ordens, as ordens privilegiadas detinham a escritura de direitos
especiais, enquanto os pobres exerciam seus “direitos consuetudinários”,
não escritos, de recolher certos tipos de madeira, particularmente aquelas
derrubadas pelo vento – galhos grandes e pequenos, caídos das árvores e
espalhados sobre o solo da floresta. Tal situação era possível, porque
naquele tipo de sociedade a propriedade tinha um “caráter variável”, que se
enquadrava parcialmente nas categorias de privado, comunitário, regido
pelo direito civil e regido pelo direito público, “como encontramos em
todas as instituições da Idade Média”. A Revolução Francesa havia alterado
a natureza da lei. Ela passou a ser escrita, baseada em códigos e
universalmente aplicável. Os direitos individuais à propriedade eram,
portanto, unitários e totalmente garantidos. No entanto, direitos
consuetudinários e não escritos, tais como o que garantia aos pobres a
condição de recolher madeira derrubada pelo vento nas propriedades
florestais de outros indivíduos, deixaram de existir. É possível que essa
interpretação quanto às mudanças no direito de propriedade também reflita
o fato de Marx ter ciência dos esforços legais envidados por seu pai. Entre
os clientes de Heinrich Marx, encontravam-se os aldeões de Thalfang,
localidade próxima a Tréveris, cujos direitos consuetudinários de uso ele
lutou, sem sucesso, para manter.56
Marx retratou essas mudanças por meio da representação hegeliana da
história humana como uma progressiva realização da razão. A legislação do
Antigo Regime era fundamentada na “interpretação”, uma forma
conceitualmente inferior de categorização, que surgia da percepção
empírica dos objetos específicos, concebidos em isolamento, uns em
relação aos outros. Por outro lado, o alicerce do novo sistema jurídico era a
“razão”, o sistema hegeliano de aquisição do conhecimento. “Os direitos
não mais dependem da eventual relação de correspondência entre costumes
e razão, sendo que, o próprio costume é agora baseado na razão, porque os
direitos são fundamentados nas leis [escritas e codificadas], e o costume
passou a ser a prática do Estado”.57
No entanto, tal desenvolvimento positivo deixou o pobre no frio
(literalmente, já que a madeira recolhida costumava ser usada para o
aquecimento, durante os meses de inverno). Marx propôs uma analogia
interessante, salientando que no processo da revolução, a propriedade dos
monastérios fora sequestrada e totalmente vendida, transformando-se em
propriedade privada – e os revolucionários “estavam corretos em fazê-lo”.
Os monges receberam compensações pela perda de suas propriedades;
contudo, o pobre, que possuía o direito consuetudinário de receber a
caridade dos monges, não teve qualquer compensação. “Uma nova linha
divisória foi traçada e eles destituídos de seus antigos direitos”.58
Como os pobres seriam ajudados nessa situação? O ensaio de Marx, de
fato, não oferecia uma resposta clara. Reagiu de maneira sarcástica à
sugestão dada pela assembleia, de se transformar em crime essa coleta não
autorizada da madeira derrubada pelo vento, e fez comentários ferinos sobre
a postura “monopolista” assumida pelos donos de florestas, que proibiam
crianças pobres de recolher e vender pequenos frutos. A proposição feita
por Marx, de que os proprietários de florestas poderiam processar os
camponeses que recolhessem madeira nas terras a eles pertencentes foi um
pouco menos sarcástica, pois, como admitiu, os catadores de madeira eram
muito pobres, e não teriam condições de arcar com os custos de uma ação
civil. A análise hegeliana da situação dos pobres, feita por Marx, não foi
acompanhada de qualquer solução para os problemas por eles enfrentados.
Na medida em que Marx tinha uma resposta para a questão da pobreza
durante o tempo em que trabalhou para o Rhineland New, esta resposta
esteve presente na série de artigos, escritos no início de 1843, sobre a
penúria dos viticultores do Vale do Mosela. Marx provinha da região do
Mosela, onde sua família possuía um pequeno vinhedo e, desse modo,
estava bem enfronhado no assunto. Os viticultores testemunhavam
acentuado declínio no preço dos vinhos, uma consequência que tanto os
historiadores daquela época como os posteriores atribuíram à criação, pelos
prussianos em 1834, do Zollverein, ou união tarifária de toda a Alemanha, o
que abriu o mercado de vinho da Prússia para a concorrência de
comerciantes do sul da Alemanha.59
Em seu primeiro artigo, não resta dúvida de que Marx acolheu esse
ponto de vista, porém, ressaltou a diferença na forma pela qual o governo e
a população expunham as causas. Para o governo, a situação resultava da
proteção de mercado usufruída pelos viticultores no período anterior a
1834, proteção esta que respaldava a elevação dos preços a níveis sem
precedentes, garantindo o gozo de “uma vida luxuosa nunca antes
conhecida”. O declínio dos preços dos vinhos abalou o mercado e os
vinicultores mais pobres perderam não apenas sua luxuosa condição de
vida, como, também, suas terras. Por outro lado, a associação de incentivo à
viticultura nos vales do Mosela e do Sarre, cujos membros eram, em sua
maioria, notáveis de Tréveris, apresentou a situação como consequência do
esforço e das iniciativas dos viticultores, que haviam investido em suas
terras e aumentado a produção, para depois serem arruinados pelas políticas
do governo prussiano, que os expuseram à concorrência estrangeira e não
reduziram a elevada carga tributária que pesava sobre eles, quando as
condições de mercado se tornaram desfavoráveis. De acordo com os
membros da associação, a crise atingiu indiscriminadamente pequenos e
grandes vinicultores.
Os comentários de Marx sobre essa situação visavam a salientar que os
funcionários do alto escalão do governo se viam como representantes do
bem geral, ou seja, dos interesses comuns dos habitantes do Estado
prussiano. Eles rejeitavam as opiniões contrárias dos viticultores, porque
estes últimos apenas defendiam seus interesses pessoais e exclusivos. Aqui,
Marx compartilhava da posição de Hegel, segundo a qual os funcionários
do Estado representavam a “ordem universal”, o grupo que conhecia as
necessidades de toda a sociedade. Todavia, apesar de não ter discordado
completamente desse ponto de vista, ele o modificou, ressaltando que os
funcionários se identificavam com o bem público que alegavam representar.
As críticas à avaliação destes últimos sobre o bem público tornaram-se
críticas pessoais. O funcionário “acredita que a questão da boa condição de
sua área diz respeito à qualidade de sua administração”. Eles não apenas
reagiram com considerável hostilidade à crítica, como entenderam que
estava errada: as medidas administrativas adotadas eram corretas e o
problema residia nos habitantes da região, que se mostravam incapazes de
mudar. Nessas observações estão as sementes do futuro conceito de
ideologia proposto por Marx: que as condições sociais dão forma às ideias
individuais, de maneira a fomentar o interesse do grupo social ao qual todos
pertencem.
Essa consideração a respeito da visão de mundo da burocracia
prussiana era também uma crítica, uma vez que apenas parecia representar
o bem geral, sendo, entretanto, incapaz de fazê-lo, em virtude do
egocentrismo prevalente em seu grupo. Não se sabe que medidas Marx teria
proposto para lidar com o progressivo empobrecimento dos vinicultores,
pois suas propostas ficaram reservadas para a última de uma série de cinco
artigos, e as autoridades prussianas proibiram a publicação depois de saírem
os dois primeiros. O segundo artigo explicava, de fato, como poderia surgir
uma solução: por meio de uma imprensa livre. Esse, de acordo com Marx,
seria o terceiro elemento entre a burocracia e os interesses exclusivos,
“elemento político, sem ser governamental e oficial [...] cívico e burguês,
sem estar imiscuído em interesses e necessidades particulares [....] Na
esfera da imprensa, a administração [estatal] e os administrados podem, em
igual medida, criticar seus pressupostos básicos e suas demandas [...] em
condições iguais, como cidadãos, não mais pessoas, mas com poderes
intelectuais”.60
Embora certamente hegeliano em natureza, esse argumento sobre o
poder da imprensa contra uma burocracia segura de si e resistente às críticas
públicas, também tinha suas raízes no arsenal de críticas liberais da década
de 1840 às condições da Europa Central. Marx citou, em particular, os
escritos de David Hansemann, um comerciante atacadista de lãs, da cidade
renana de Aachen, um proeminente liberal da Renânia e íntimo aliado do
liberal Ludolf Camphausen.61 A esse respeito, como em muitos outros, as
investidas iniciais de Marx na questão social revelam um indivíduo cético
em relação ao ideário comunista, mas ainda pensando as questões sociais e
econômicas segundo o modelo de um liberalismo do século XIX, pró-
capital e pró-livre mercado, muito embora, talvez, mais simpático aos
pobres do que muitos liberais defensores do livre mercado. Não há lugar
para dúvidas quanto à animosidade em relação ao autoritário governo
prussiano que influenciou suas considerações sobre as questões sociais e
econômicas.

AS AFIRMAÇÕES DE Marx, segundo as quais os burocratas prussianos


assumiram como críticas pessoais a eles, enquanto instituição, indicavam
notável visão de futuro. O governador provincial da Renânia, Justus von
Schaper, o funcionário do governo que demonstrava disposição em tolerar o
Rhineland News, havia sido anteriormente governador distrital de Tréveris.
Ele se sentiu ultrajado em virtude da insinuação feita por Marx, em seu
artigo sobre os viticultores do Vale do Mosela, de que os funcionários do
governo prussiano eram responsáveis pela difícil situação enfrentada por
aqueles produtores. Sua indiferença era um indicativo de que não restara
ninguém para defender o jornal contra a ordem de fechamento. Em um
decreto publicado em 21 de janeiro de 1843, as autoridades prussianas
anunciaram que o Rhineland News deveria suspender suas publicações no
início de abril.62
Aqueles que bancavam o jornal não estavam dispostos a aceitar a
determinação sem lutar; elaboraram uma petição, para a qual reuniram mil
assinaturas, a maior parte delas de indivíduos da elite de Colônia. Nessa
petição instavam as autoridades a anular o decreto. É sabido que membros
do Klüngel, os bem-relacionados detentores locais de informações
privilegiadas, como foi o caso dos mais devotos católicos de Colônia, cujos
sentimentos religiosos as tentativas de Marx não conseguiram conciliar,
recusaram-se a participar. Todavia, o maciço apoio da maioria da elite de
Colônia era um sinal de seu aval às políticas oposicionistas de Marx ao
governo autoritário da Prússia.63
Os ânimos se exaltaram em uma reunião extraordinária de acionistas,
realizada em 12 de fevereiro de 1843, na qual os investidores discutiram
alternativas para dar sequência aos negócios. Os debates se concentraram na
figura de Marx e na oposição à Prússia, representada por ele. Os sócios
comanditados, Jung e Oppenheim, apoiados por uns poucos oradores,
pressionaram pelo endosso às ações de Marx: era melhor permitir que o
jornal afundasse do que moderar o seu tom, na esperança de chegar a uma
conciliação com o governo prussiano. A maior parte dos investidores
apoiou, com certa relutância, a proposta da oposição: demitir o controverso
editor e esperar que tal atitude pudesse levar o governo a adotar uma
posição diferente. Ironicamente, essa estratégia já fora tentada pelo próprio
Marx, quando baniu o ateísmo e o comunismo das páginas do Rhineland
News, e sacrificou Adolf Rutenberg às autoridades. Contudo, essa reiteração
da estratégia de Marx obteve ainda menos sucesso do que na primeira
tentativa. Promessa de troca dos editores, veemente petição de Colônia,
clamor especial dos acionistas diretamente ao rei, delegação de acionistas
enviada a Berlim – nenhum recurso teve qualquer efeito, e o jornal acabou
encerrando suas atividades.64
Marx esteve presente na reunião de acionistas, mas tinha muito pouco
a dizer em sua defesa. Foi nesse encontro que se tornou conhecida uma de
suas fraquezas pessoais: ele não era um grande orador. Nas conversas
privadas, Marx conseguia causar uma poderosa e positiva impressão – e não
apenas nos adeptos mais próximos, como Jung e Hess. Saint Paul, o
sofisticado intelectual e último censor prussiano do Rhineland News, ficou
igualmente impressionado com as ideias e a personalidade do intelectual.
Falando de maneira ceceada, com um acentuado sotaque renano, Marx não
era capaz de causar a mesma impressão favorável na frente de um público
mais amplo.65
A perda da posição editorial foi outra frustração na carreira e na vida
pessoal de Marx após a conclusão de seus estudos na Universidade de
Berlim. O governo prussiano havia extinguido seu jornal; os investidores do
Rhineland News que o apoiavam, acabaram por abandoná-lo; e ele se via,
uma vez mais, para desprazer de seu relacionamento com Jenny,
desempregado. No entanto, o breve e tumultuado período durante o qual
Marx exerceu o cargo de editor de facto do Rhineland News revelou suas
aptidões jornalísticas e editoriais – seu talento polêmico, que inspirava os
amigos e enfurecia os inimigos, e sua capacidade de arrebanhar um
expressivo grupo de colaboradores.
Uma significativa parcela de um público mais amplo nunca chegou a
conhecer essas habilidades, devido à característica jurídica específica da
estrutura editorial do jornal. Os funcionários do alto escalão do governo
prussiano, aqueles que decidiram fechar o Rhineland News, atribuíam a
natureza subversiva deste aos Jovens Hegelianos em geral, e a Adolf
Rutenberg, em particular. Ironicamente, só depois de ler relatos da imprensa
a respeito da decisão que tomaram é que esses funcionários vieram a saber
da participação de Marx nos ferinos ataques às autoridades prussianas.66
Entre os notáveis de Colônia, entretanto, a influência de Marx foi marcante.
Eles se cotizaram para lhe oferecer suporte financeiro, nos anos difíceis que
se seguiram ao fechamento do Rhineland News. Wilhelm Weitling, alfaiate
e futuro rival de Marx na luta pela liderança do nascente movimento
comunista na Alemanha, viria, mais tarde, a ridicularizá-lo, dizendo: “Ele
deve sua influência a outras pessoas. Homens ricos fizeram dele um editor
de jornal; isso é tudo”.67 Eliminando o conteúdo cáustico do comentário de
Weitling, podemos observar que ele estava correto: muito embora nem
todos fossem exatamente ricos, os membros das classes média e alta de
Colônia – em outras palavras, o estrato burguês da sociedade, que Marx
viria a atacar mais tarde –, impressionados pelo jornalismo dinâmico e
vigoroso praticado por esse autor, e por sua franca postura política,
continuariam a apoiar suas ações ao longo de toda a década de 1840.
Eles de fato demonstraram essa opinião, cinco anos mais tarde, durante
a Revolução de 1848, o turbilhão político que varreu a Europa, em meados
do século XIX. Em abril daquele ano, Ludolf Camphausen foi nomeado
pelo rei da Prússia como primeiro – e último – primeiro-ministro liberal.
Ele prontamente ofereceu um cargo em sua equipe ao dinâmico jovem
editor do Rhineland News, que conhecera.68 Naquela ocasião, Marx havia
rompido com o liberalismo que apoiou em sua primeira importante incursão
no jornalismo. Respaldando metas bem mais radicais, deu início a uma
segunda, e maior, empreitada jornalística, o New Rhineland News, cujo
financiamento veio daqueles notáveis de Colônia que haviam testemunhado
o trabalho de Marx na metrópole, meia década antes.
O período entre 1842 e 1852 foi a década de Marx em Colônia. Desde
sua indicação inicial a um cargo editorial no Rhineland News, até a prisão,
acusação e condenação de seus seguidores no Julgamento dos Comunistas
de Colônia, a cidade continuou sendo uma fonte de suporte, e potencial
base de operações. Com exceção de cerca de seis meses entre 1842 e 1843,
e quinze meses durante o período revolucionário, de 1848 a 1849, Marx não
viveu em Colônia, nem na Renânia, nem na Prússia ou mesmo em um dos
Estados da Confederação Germânica. Ele viveu no exterior, como refugiado
político e exilado. Naqueles anos de banimento – tanto o autoimposto,
como o determinado pelas autoridades –, o horizonte intelectual de Marx se
expandiu, suas ideias políticas, sociais e econômicas experimentaram
acentuada radicalização, e o ambiente social de seus companheiros pessoais
e políticos passou por uma drástica transformação. Porém, ao longo de todo
esse interlúdio, nunca perdeu o contato com Colônia e se manteve na
mesma trajetória que inaugurou quando ainda estava lá.
4

O refugiado político

A LIÇÃO APRENDIDA por Marx, a partir de suas experiências no


Rhineland News, foi que não havia espaço para moderação dentro da
monarquia prussiana. Os esforços para apaziguar as autoridades foram
frustrantes. Ele escreveu para Arnold Ruge: “É difícil levar adiante os
deveres de um servo, mesmo pela causa da liberdade, e lutar com uma mão
atada às costas. Eu me cansei da hipocrisia, da estupidez de autoridades
rudes e de nossa predisposição em se curvar, adular, virar as costas e
procurar as palavras certas”.1 Marx queria dizer o que pensava, para
expressar as ideias radicais, democráticas e republicanas, comuns entre os
Jovens Hegelianos. Como sempre acontecia com ele, a expressão do
radicalismo significava o estudo e a análise de suas causas e de suas
consequências – um processo que conduziria a formulações ainda mais
radicais. Isso era impossível na Prússia e, mais ainda, dentro das fronteiras
da Confederação Germânica.
Seguindo o exemplo de muitos de seus contemporâneos, Marx decidiu
se tornar um refugiado político e residir em um lugar onde pudesse dizer o
que pensava sem temer censura ou leitores excessivamente críticos. Como
seu período no Rhineland News se aproximava do fim, ele começou a
buscar um trabalho em outro país. Uma possibilidade inicial em Zurique
não se concretizou, mas, em janeiro de 1843, o German Yearbooks de
Arnold Ruge foi proibido no Reino da Saxônia, cujas autoridades agiram
sob pressão do governo prussiano. Ruge propôs transferir sua publicação
para o exterior e empregar Marx como editor adjunto. Após negociações
que se estenderam pela primavera de 1843, Ruge, com o entusiasta apoio de
Marx, partiu para um empreendimento um tanto diferente, a fundação do
Franco-German Yearbooks, um periódico destinado a promover a
colaboração de radicais de língua francesa e alemã. Marx desejava que a
publicação saísse em Estrasburgo, mas Ruge insistiu que fosse em Paris. A
revista seria publicada em Zurique e distribuída a partir de lá por um
cidadão alemão e refugiado político radical, Julius Fröbel, figura
proeminente de meados do século XIX, e mais conhecido nos dias de hoje
por causa de seu tio, Friedrich, o criador do jardim da infância. Marx
receberia um respeitável, para não dizer milionário, salário de 550 táleres
por ano, acrescido de honorários para cada artigo escrito.2
O significado pessoal que essa iniciativa teve para Marx ficou evidente
em outra carta enviada por ele a Ruge, em março de 1843, quando os dois
estavam negociando o empreendimento editorial. “Tão logo tenhamos
finalizado o contrato, eu viajarei para Kreuznach e me casarei...”. O
problema que pairou como uma ameaça ao noivado durante sete longos
anos chegara finalmente a uma solução. Marx conseguira um cargo que lhe
permitiria sustentar sua noiva. O novo emprego estava longe de ser uma
benção completa: Jenny relutava em deixar o país; contudo, também para
ela, a oportunidade de se casar compensava todas as potenciais
dificuldades.3
Nessa carta a Ruge, Marx explicava que não viajaria a Tréveris para o
casamento, mas para a cidade balneária de Kreuznach, na confluência dos
rios Nahe e Reno, a nordeste de Tréveris, onde Jenny e a mãe viviam desde
quando o pai dela falecera. Uma semana antes das núpcias, Karl e Jenny
assinaram um contrato de casamento registrado em tabelião, um documento
breve, de uma página, contendo três cláusulas. A primeira estabelecia a
comunhão conjugal de bens, reiterando a disposição padrão do Código
Napoleônico. Por outro lado, a segunda cláusula modificava as disposições
do código, estabelecendo que heranças futuras seriam integradas à
comunhão conjugal de bens, em vez de se conservarem como propriedades
individuais do cônjuge herdeiro. Essa foi uma concessão feita a Jenny,
porque Karl esperava receber uma herança da mãe, enquanto Jenny não
tinha em vista qualquer legado dessa espécie. A cláusula final estabelecia
que as dívidas contraídas por qualquer um dos cônjuges, antes do
casamento, mantinham-se como responsabilidade do contraente, não
podendo ser lançadas contra os bens comuns. Essa foi outra concessão de
Karl, decorrente das dívidas que ele vinha acumulando desde a morte de seu
pai, cinco anos antes. Jenny, apesar de loucamente apaixonada por Karl, não
deixava de pensar com lucidez e senso prático sobre a futura vida conjunta
– a exemplo do que ela vinha fazendo desde o início do noivado. Com as
relações de propriedade definidas antecipadamente, como costumava
acontecer nos casamentos burgueses, a cerimônia já poderia ser realizada:
em 19 de junho de 1843, houve uma primeira cerimônia civil, como exigido
pelo Código Napoleônico e, em seguida, uma solenidade religiosa, na igreja
protestante de Kreuznach.4
Os recém-casados partiram para uma breve lua de mel, subindo o rio
Reno em direção à distante fronteira sudoeste da Alemanha com a Suíça.
Em duas semanas gastaram todo o dinheiro, um presente dado pela mãe de
Jenny, que deveria durar até quando Karl começasse no novo emprego.
Supostamente, deixavam o dinheiro nos quartos de hotel, permitindo que
amigos e conhecidos o tomassem emprestado e não devolvessem. Essa
história, reiterada pelos biógrafos, é baseada em relato de terceiros: trinta
anos após o acontecido, a filha mais velha de Karl e Jenny teria contado
para um amigo dele, o ginecologista dr. Ludwig Kugelmann, que passou a
história adiante, para sua filha Franziska, que, por sua vez, registrou-a em
papel. Na repetição da narrativa, a história se tornou um fatídico presságio
dos futuros problemas financeiros que acabariam por se abater sobre o
casamento, como consequência da atitude desregrada do casal em relação às
suas finanças. Eliminando dos relatos os acréscimos anexados ao longo dos
anos e nas contínuas repetições, revela-se algo bastante diferente: a falta de
condições da mãe de Jenny para oferecer à filha um dote adequado, capital
substancial que garantiria uma renda constante para o jovem casal, como se
esperava em qualquer casamento respeitável daquela época. Jenny de fato
recebeu o enxoval da casa que qualquer noiva honrada normalmente levava
consigo no casamento – roupa de cama e mesa, mobília, prataria –, contudo,
a maior parte da prataria tinha má qualidade, era antiga, ou estava
simplesmente gasta.5
Após a lua de mel, o casal retornou para Kreuznach e viveu com a mãe
e o irmão de Jenny, Edgar, até meados de outubro, quando partiu para Paris.
A íntima proximidade com a família não impediu que os recém-casados
escondessem a gestação de seu primeiro filho. Jenny engravidara no início
de agosto de 1843. Os primeiros meses do casamento proporcionaram a
Marx tempo livre para se dedicar ao trabalho intelectual que vinha
preparando desde a mudança de Bonn para Berlim. Um aspecto desse
trabalho veio a se transformar em uma característica marcante da maneira
pela qual Marx assimilava as informações: a leitura de textos e a redação de
resumos detalhados. Sem dúvida alguma, em uma época que ainda não
conhecia os digitalizadores, as fotocopiadoras e a microfilmagem, e as
máquinas de escrever estavam em seus primórdios, a sistemática elaboração
de resumos era a única forma de aquisição e armazenamento de
informações; no entanto, Marx sempre teve o hábito incomum de fazer
extensas anotações, geralmente muito mais extensas do que exigido pelo
projeto em andamento. A cidade balneária de Kreuznach contava com uma
excelente biblioteca municipal, criada pelos fundadores da cidade, para uso
dos muitos visitantes abastados e letrados que para lá acorriam com o
intuito de tomar suas águas. Marx soube usufruir desses recursos para fazer
anotações sobre a história dos Estados Unidos e dos principais países
europeus, assim como estudar alguns clássicos da teoria política, incluindo
trabalhos de Montesquieu, Maquiavel e Rousseau.6
Além de ler, Marx estava naquela ocasião escrevendo e preparando um
ensaio para o Franco-German Yearbooks, uma análise crítica do livro
Filosofia do direito, de Hegel. Ele já vinha, havia mais de um ano,
pensando em escrever uma crítica a respeito do principal trabalho sobre
política elaborado pelo mestre.7 O manuscrito, embora nunca terminado,
como tantas das maiores empreitadas intelectuais de Marx, foi sua primeira
incursão no campo da teoria, demonstrando os pressupostos em que se
baseava seu pensamento após o período no Rhineland News, e antes da
partida para Paris e dos encontros intelectuais e políticos na grande
metrópole europeia. A Crítica da filosofia do direito de Hegel é composta,
em sua essência, das reflexões hegelianas, e particularmente influenciada
pelo ideário do filósofo Ludwig Feuerbach, no que diz respeito às questões
políticas que Marx tratara quando editor do Rhineland News.
Feuerbach foi um dos Jovens Hegelianos que, junto com David
Friedrich Strauss e Bruno Bauer, dedicou-se ao estudo da teologia
filosófica. Ele defendia o ponto de vista segundo o qual a compreensão
humana da divindade envolvia a projeção – por meio de um processo de
exteriorização, esvaziamento e alienação – das características humanas
coletivas, em um ser supremo, imaginário. Tanto Feuerbach como Bauer
estenderam suas críticas da religião às ideias de Hegel, entendendo a
concepção hegeliana de um Espírito Absoluto, que era a força motriz da
natureza e da história humana como sendo, exatamente, o mesmo tipo de
projeção das características humanas coletivas em uma entidade imaginária
que os Jovens Hegelianos haviam identificado na religião. Feuerbach
discordava de Bauer e de outros Jovens Hegelianos em sua concepção sobre
o que era alienado nas ideias religiosas de divindade e no conceito de
Espírito Absoluto de Hegel: não exclusivamente consciência ou
autoconsciência, mas a raça ou a espécie humana em sua existência natural
e material – ou, como Feuerbach costumava afirmar, “sensória”. Feuerbach
era, em outras palavras, um materialista, que propunha uma versão
claramente biológica de materialismo, pois via a existência da espécie
humana, acima de tudo, como o resultado de relações sexuais.8
Marx, mesmo no auge de seu entusiasmo por Feuerbach, mostrava-se
cético quanto a esse materialismo naturalista, afirmando que ele “faz
excessivas referências à natureza e muito poucas à política”.9 Contudo,
Marx considerava as críticas de Feuerbach à ontologia de Hegel uma forma
promissora de crítica à política hegeliana. Feuerbach declarou que Hegel
havia confundido sujeito e predicado: o Espírito Absoluto, enquanto sujeito
da história, possuía características ou predicados da humanidade como uma
espécie, quando, na verdade, era exatamente a humanidade, enquanto
espécie, que provia as características do Espírito Absoluto. A análise crítica
de Marx estabeleceu um paralelo: Hegel descrevera o Espírito Absoluto
como o sujeito, e o Estado e a sociedade como seus predicados, quando, na
verdade, a determinação era invertida.
Essa linha de raciocínio pode parecer tanto obscura quanto abstrata,
porém nela Marx empregava uma argumentação filosófica para demonstrar
seu ponto de vista político. Ele demonstrou como a derivação das formas e
funções de governo a partir do desenvolvimento da Ideia, defendida por
Hegel, exaltava os poderes dos monarcas, robustecia a posição social e
política da nobreza fundiária e reforçava a autoridade dos funcionários do
alto escalão do Estado. Marx adotou palavras sarcásticas para se referir à
maneira pela qual Hegel convertera “o poder governante em uma emanação
do príncipe”, porque o príncipe representava a existência corporificada do
“sujeito da Ideia Absoluta”, em vez de ser aquele que é constitucionalmente
designado para chefe do executivo, o poder governante. Ele continuou,
alongando-se na discussão de como Hegel derivara do “princípio natural da
família” as propriedades herdadas da nobreza e os direitos desta a uma
representação parlamentar especial na Câmara dos Lordes. Sarcasmo
semelhante ele dirigiu à dedução filosófica de Hegel a respeito da origem
da posição privilegiada da burocracia estatal.10
Tais argumentos eram versões intelectualmente mais elaboradas das
opiniões polêmicas escritas por Marx quando editor do Rhineland News e
demonstravam, pela escolha dos alvos políticos, suas simpatias
republicanas e democráticas. No entanto, a ausência dos temas mais
importantes de sua futura linha de pensamento é, sem dúvida,
surpreendente. A Crítica da filosofia do direito de Hegel não continha
referências à economia política, à classe trabalhadora nem ao socialismo.
Encontra-se apenas uma débil indicação de suas futuras ideias em uma
longa passagem na qual Marx discute a natureza da democracia. Tal regime
de soberania popular deveria existir como uma república; contudo, uma
república, enquanto oposição à monarquia, não passava de “uma forma
abstrata do Estado”. Em vez disso, Marx afirmava que democracia era uma
forma de governo “cuja existência, cuja realidade, em sua base verdadeira,
pode sempre ser reconstruída, retroativamente, a partir do homem autêntico,
do povo autêntico, e é postulada como um produto desse povo”. A criação
de um governo democrático não dependeria apenas de uma configuração
adequada, mas também do relacionamento entre Estado e sociedade. Tanto
na monarquia como na república, observou ele, havia um contraste entre os
indivíduos, enquanto grupos privados comprometidos apenas com os
interesses próprios – “propriedade, contratos, casamento, sociedade civil” –,
e o Estado. Esta era a “forma de organização” dessas vidas privadas, a qual
era responsável por promover as leis universais que regem tais vidas, mas
que carece do mesmo conteúdo que essas vidas possuem, e estabelece as
diferenças entre os interesses específicos e privados dos indivíduos e a
legislação abstrata e universal do Estado. Uma democracia autêntica seria
“a verdadeira unidade do universal com o particular”, na qual o Estado é
“uma forma específica da existência das pessoas”. Escritores franceses da
época sugeriram que em tal regime o Estado – aquele que se posiciona em
defesa dos interesses comuns e universais, contra os específicos e privados
– “pereceria”. Essa extinção não seria um desaparecimento literal, nos
moldes do anarquismo, mas a criação de circunstâncias nas quais o Estado
“deixa de representar a totalidade”, isto é, não mais se opõe aos interesses
privados da sociedade civil.
Marx não deixou claro quais mudanças sociais seriam necessárias para
produzir tal Estado democrático, embora exista uma indicação em um
comentário feito por ele: “Propriedade etc., em resumo, todo o conteúdo da
legislação e do Estado são, com poucas modificações, os mesmos tanto na
América do Norte como na Prússia”.11 Conjugando essa comparação com as
observações de Marx, segundo as quais uma república era a forma abstrata
do Estado e carecia do necessário conteúdo da democracia, parece que a
opinião dele a respeito de democracia exigia algumas modificações –
embora, até este ponto, bastante indefinidas – das disposições existentes em
relação à propriedade.
Houve pelo menos três motivações intelectuais bastante diferentes por
trás dessa invocação específica da democracia; uma delas, claramente
hegeliana: a junção do universal com o particular era inerente ao conceito
de Espírito Absoluto. Mas tratava-se de uma versão das ideias de Hegel
modificada pela crítica da religião feita pelos Jovens Hegelianos. Dando um
tom político a Feuerbach, Marx argumentou que, do mesmo modo que a
divindade era uma representação exteriorizada da essência da humanidade,
e dela alienada, o governo era a própria forma exteriorizada e alienada da
humanidade. A religião ateísta de Feuerbach exigia que as características da
humanidade antes creditadas a uma divindade fossem outra vez
incorporadas à própria humanidade. De modo semelhante, na versão
marxista de democracia, os interesses públicos e o bem comum universal
deixavam de ser propriedade exclusiva de um Estado que se contrapunha à
sociedade. Em vez disso, deveria existir um regime no qual os interesses
específicos e privados da sociedade civil se articulassem simultaneamente
com o bem comum universal, já que ambos são manifestações do povo, a
base da democracia.
Marx atribuiu esse regime, no qual o Estado deveria “ser extinto”, aos
“novos franceses”, possivelmente fazendo uma referência indireta aos
socialistas franceses que ele estudou em Colônia.12 É provável que o
pensador do século XVIII, Jean-Jacques Rousseau, tenha sido outra fonte
francesa das ideias de Marx. Nítidas anotações em preto, nas margens dos
resumos de Marx sobre o Contrato social de Rousseau, enfatizam a
descrição traçada por este último a respeito da união entre interesses
privados e desejo comum.13 No ponto de vista de Marx, a unidade entre o
particular e o universal, e entre os interesses privados da sociedade civil e
os interesses comuns do Estado, em um regime democrático, não se
diferenciava dos conceitos de Rousseau, quando expressos em uma forma
hegeliana.
A maior parte da obra Crítica da filosofia do direito de Hegel consistia
na reiteração, em uma linguagem mais intelectual e uma forma mais
filosófica, dos temas sobre os quais Marx já havia se expressado em seus
artigos para o Rhineland News. As poucas passagens do manuscrito que
foram mais longe, na direção de uma nova organização do Estado e da
sociedade, para a qual ele ainda não tinha uma designação, e simplesmente
denominara “democracia”, apoiavam-se em um eclético grupo de fontes
intelectuais. A combinação das ideias de Jean-Jacques Rousseau e Ludwig
Feuerbach e, talvez, do socialista francês da década de 1840, Victor
Considérant, certamente merece a denominação de eclética. No entanto, tal
combinação conservou-se vaga e imprecisa, carecendo de conteúdo, detalhe
ou qualquer noção a respeito de como a nova ordem política e social
passaria a existir. Tudo isso só viria a emergir durante o período de um ano
e meio que Marx passou em Paris.
Arnold Ruge, acompanhado por Moses Hess, foi a Paris em agosto de
1843, dois meses antes de Marx, para dar os primeiros passos na
organização do periódico que pretendiam lançar. A descrição posterior de
Ruge sobre as esperanças que ele depositou nesse movimento dá uma clara
ideia da atração magnética exercida pela capital francesa sobre os
refugiados políticos radicais da Alemanha: “No final de nossa viagem,
encontramos o incrível vale de Paris, o berço da nova Europa, o amplo
caldeirão mágico no qual a história do mundo está efervescente e para fora
do qual, de tempos em tempos, ela volta a lançar borbulhas”. É possível que
Marx não tivesse empregado tal linguagem arrebatada, mas, decerto, ele
não passou incólume à atração e ao desafio da grande metrópole do
continente.
Paris era enorme. Ruge se lembrava de ter ficado no ponto mais
elevado da cidade, o topo de Montmartre, e observado à sua frente um
panorama urbano infinito: “Nós não conseguíamos abarcar com a vista,
toda a extensão que nos cercava; ela fazia um semicírculo, cujo extremo,
nos dois lados, ultrapassava nosso campo de visão [...] O que tínhamos
diante de nós, até onde os olhos podiam ver, era Paris [...]”.14 Com sua
população atingindo a casa de um milhão de habitantes, Paris possuía uma
ordem de magnitude maior do que a de cidades da Alemanha provincial,
como Tréveris ou Colônia, e superava em muito os cerca de 300.000
habitantes da Berlim que Marx conheceu em seus dias de estudante.
Além de serem superadas em número absoluto de habitantes, as
demais cidades da Europa central não tinham condições de competir com a
riqueza e a diversidade da vida cultural e intelectual da grande metrópole
francesa. Lá sobejavam todos os tipos de literatura: dos clássicos retratados
na Comédie Française, passando pelos escritos românticos de Victor Hugo
ou Jules Michelet, pelo realismo de Honoré de Balzac – por quem Marx
nutria profunda admiração –, até as formas populares de literatura
encontradas nos teatros do bulevar e nos trabalhos de grande sucesso do
romancista sentimental Eugène Sue – por quem Marx tinha enorme
desprezo. Não era menor a variedade existente no mundo da arte: dos
antigos mestres do Louvre, passando pelos realistas da vanguarda, tais
como Coubert, até os cartuns e as sátiras marcadamente politizados de
Daumier.
O trabalho de Daumier destacava o principal fator motivador da
mudança de Marx e Ruge para Paris: o papel da cidade como capital
daquele que ainda era, apesar das derrotas nas Guerras Napoleônicas, o país
mais rico, mais poderoso e mais influente do continente. A assim chamada
Monarquia de Julho, implantada na França depois da revolucionária batalha
nas ruas de Paris, em julho de 1830, era um regime constitucional e liberal,
no qual se observavam as garantias de liberdade civil fundamental que
Marx, no Rhineland News, havia defendido em vão, para a Prússia. Muito
embora em princípios da década de 1840 o governo francês se pautasse por
diretrizes mais conservadoras, e impusesse restrições à livre expressão de
ideias políticas, ainda assim esse conjunto mais limitado de parâmetros para
o debate político representava uma acentuada diferença em relação à
censura e à burocracia autoritárias vigentes na Prússia. Marcava maciça
presença em Paris todo o espectro político mais à esquerda – para não falar
dos grupos que declaravam estar juntos em outra dimensão política –, desde
os conservadores aos liberais pró e contra governo, passando por
democratas radicais e republicanos, até os socialistas pacifistas adeptos do
fourierismo e os comunistas revolucionários. Partidários de todas essas
linhas de pensamento articulavam suas opiniões abertamente na imprensa
periódica, nos debates parlamentares, nas associações legais e clandestinas
e nas reuniões públicas e privadas. Não apenas o vigor e os fóruns de debate
político em Paris eram mais amplos do que na Prússia, mas também os
círculos sociais nos quais esses debates ocorriam. Marx já havia se
envolvido com um pequeno grupo de intelectuais Jovens Hegelianos e, mais
tarde, quando editou o Rhineland News, com um grupo mais numeroso de
indivíduos notáveis, porém eminentemente burgueses, de Colônia. Em
Paris, ele conheceu ativistas políticos da classe trabalhadora e frequentou
tavernas na companhia de artesãos pertencentes a sociedades secretas
ilegítimas, assim como de membros de associações legais de interesse
comum.
Paris era a capital de todo o continente. Exilados políticos oriundos de
toda a Europa aglomeravam-se na cidade onde tinham condições de
expressar livremente suas ideias e alimentar a esperança de exercer sobre a
política pública um tipo de influência capaz de repercutir em sua terra de
origem. Esquerdistas e liberais da Península Ibérica e da Itália, da Polônia e
da Rússia, e dos principados danubianos de Moldávia e Valáquia, cerne da
futura Romênia, faziam parte da cena política parisiense. Há farta
documentação, em especial, dos contatos de Marx com os russos.15
A vida em Paris proporcionou a ele um íntimo relacionamento com os
radicais de outros países; todavia, ser um refugiado político significava ter
contatos novos e, quase sempre, bastante diferentes, entre os alemães. Eles
representavam o grupo mais numeroso de estrangeiros na capital francesa;
algo em torno de 60.000, em meados dos anos 1840, ou cerca de um em
cada dezessete parisienses. Muitos intelectuais alemães dissidentes viviam
na capital francesa, incluindo Jovens Hegelianos e outros radicais que Marx
conhecera em Berlim e Colônia; mas, além desses, ele estabeleceu outras
tantas novas relações. Dois exemplos bem conhecidos são o renomado
poeta e homem das letras, Heinrich Heine, cuja postura política oscilava
entre perspectivas liberais e mais radicais; e August Ludwig von Rochau,
estudante radical, no passado, e liberal não convencional em anos
posteriores, que viria a cunhar a famosa expressão Realpolitik. Entre os
intelectuais alemães em Paris encontravam-se algumas figuras
historicamente mais desconhecidas: esquerdistas veteranos, que atuaram
durante anos nas sociedades secretas radicais, tais como Jacob Venedey,
German Mäurer e August Hermann Ewerbeck.16 Marx transitou igualmente
nesses círculos.
Esses esquerdistas de longa data se reuniam com seus companheiros
intelectuais, mesmo com aqueles de outra inclinação política; mas também
compartilhavam da cena social com membros de um ambiente bastante
diferente: a expressiva maioria de habitantes alemães de Paris, formada por
artesãos assalariados experientes que se mudaram para a França, movidos
pela impossibilidade de encontrar trabalho na Europa central. Cerca de um
terço dos alfaiates, sapateiros e marceneiros – os três ofícios mais
numerosos, porém, mais mal renumerados – de Paris, naquela época, eram
alemães.17 Esses artesãos constituíam a maior parte dos membros das
sociedades secretas dirigidas por intelectuais tais como Ewerbeck e
Venedey; a exemplo de seus companheiros artífices em todo o continente,
eles participavam de sociedades de interesse comum, para se proteger
contra os riscos inerentes à sua existência proletária, principalmente as
enfermidades que provocavam desemprego. Assim como seus camaradas
franceses, eles estavam tendo contato, de maneira eclética e não sistemática,
com as ideias socialistas e comunistas, mesclando noções vagamente
compreendidas sobre oficinas coletivas, quase sempre extraídas de
recordações do sistema de guildas, com uma interpretação de fundo bíblico,
embora teologicamente dúbia, de justiça e equidade.18
Os elementos da evolução intelectual de Marx entre o outono de 1843
e o final do ano seguinte – em particular, a redefinição do futuro regime
ideal como comunista; as investigações baseadas nos trabalhos dos
principais economistas da época e a incorporação dos achados desses
estudiosos em sua nova visão de mundo; a identificação da classe
trabalhadora como o veículo das transformações políticas; e a reafirmação
da versão elaborada por Feuerbach sobre o jovem hegelianismo, para
ressaltar o processo do trabalho – eram conceitualmente diferentes de suas
experiências pessoais do passado na principal metrópole da Europa. Mas
Marx não se deixou levar por todas as coisas ou todas as pessoas que
conheceu em Paris. Mais velho e experiente, e com mais responsabilidade
do que em sua época de jovem e entusiasmado estudante em Berlim,
demonstrava então, mais do que em 1837, quando abraçou as doutrinas dos
Jovens Hegelianos, um discernimento muito maior quanto à avaliação das
novas correntes intelectuais e políticas com que tivera contato em Paris, e à
escolha de quais rejeitar. No entanto, é difícil deixar de lado a impressão de
que a vida em Paris exerceu um papel importante na definição dos
contornos do futuro de Marx.

KARL E JENNY chegaram em 11 ou 12 de outubro de 1843. Durante sua


estada de dezesseis meses residiram em diferentes endereços na rue
Vanneau, no elegante subúrbio de Saint-Germain.19 Logo no início, moraram
com Arnold Ruge e o poeta radical Georg Herwegh, e as respectivas
esposas. Alguns escritores encaram esse modo de vida, um tanto
ingenuamente, como uma comuna socialista, enganados pela irônica
descrição de Ruge, que o apresentava na forma de “um tanto comunista”.
Os planos de Ruge, nos quais se incluíam uma cozinheira e uma governanta
para o apartamento comunitário, assim como o fornecimento de todos os
gêneros alimentícios, tornando desnecessária a tarefa de comprar, foram
arquitetados principalmente para garantir aos refugiados políticos a
condição de “viver com mais economia”, uma circunstância nada
desprezível em uma cidade com um custo de vida tão elevado. As
discordâncias entre as esposas acabaram colocando um ponto final na vida
doméstica comunitária, e a família Marx se mudou para outro apartamento
situado logo abaixo.20
Pouco tempo depois da chegada da família Marx, Ruge caiu doente e,
portanto, Karl foi obrigado a assumir a responsabilidade pela edição do
Franco-German Yearbooks. Ele se atirou de cabeça na atividade, com a
mesma determinação que havia demonstrado quando editor do Rhineland
News, contudo, com menos sucesso. A porção francesa do Yearbooks
acabou desaparecendo, porque Ruge e Marx não conseguiram atrair
colaboradores franceses, apesar das diligências realizadas nos muitos
círculos esquerdistas de Paris. Embora eles, a exemplo de todos os europeus
letrados daquele tempo, soubessem ler francês com certa facilidade,
careciam de fluência na comunicação oral, o que dificultava a tarefa de se
fazerem entender.
A barreira da língua não era o único problema, pois Moses Hess, que
já estivera anteriormente em Paris e falava o francês um pouco melhor,
ajudava-os com a tradução. Havia, também, diferenças políticas e
intelectuais que tornavam a cooperação mais difícil. A maioria dos
socialistas franceses que os editores alemães encontravam rejeitava as ações
políticas como meio de viabilizar sua nova sociedade e preferiam, em vez
disso, a formação voluntária de comunas, sem a necessidade de
envolvimento em atividades subversivas ou a participação em lutas
revolucionárias. Além do mais, tais socialistas interpretavam seus planos
sociais e econômicos em termos religiosos: o comunismo era a autêntica
realização dos ideais do cristianismo. Os intelectuais alemães, radicais e
ateístas, subversivos metidos em confusão com as autoridades prussianas,
não tinham afinidade congênita com esses socialistas franceses. Percebendo
algumas dessas dificuldades, os editores desviaram sua atenção para os
líderes da oposição radical e não socialista Monarquia de Julho, homens
como o poeta Alphonse Lamartine e o advogado Alexandre Ledru-Rollin,
que viriam a exercer papel fundamental durante a Revolução de 1848. Eles
não tiveram, no entanto, maior sucesso em obter a colaboração desses
líderes. Havia um grupo da esquerda francesa que talvez pudesse ter sido
simpático aos refugiados políticos radicais: os notórios revolucionários, que
associavam uma atração pela herança do jacobinismo, inclusive o
anticlericalismo inerente a ele, com um crescente interesse pelas doutrinas
socialistas. No entanto, homens como Armand Barbès e Louis-Auguste
Blanqui, proeminentes conspiradores franceses revolucionários,
encontravam-se presos, em decorrência de suas tentativas de fomentar
insurreições e, desse modo, estavam impossibilitados de cooperar.21
Se, por um lado, falharam os esforços no sentido de recrutar autores
franceses para o Yearbooks, por outro, Marx conseguiu arregimentar um
número suficiente de colaboradores alemães, o que viabilizou a publicação
de uma edição dupla no final de fevereiro de 1844. Esta foi a primeira e
última edição. Ruge esperara, seguindo o exemplo do Rhineland News, criar
uma sociedade anônima para publicar a revista, porém não encontrou
investidores. O Franco-German Yearbooks, uma parceria financeira entre
Ruge e Fröbel estava seriamente descapitalizado22 – Marx foi convidado a
participar, mas não contava com recursos para investir na empreitada. Um
contratempo viria a destruir o empreendimento: quando as autoridades
prussianas confiscaram as cópias que chegaram à Alemanha, Julius Pröbel
desistiu da revista, e Marx e Ruge não conseguiram encontrar um substituto
para ele. Com o fracasso do negócio, começaram os desentendimentos entre
seus principais personagens. Ruge e Hess envolveram-se em uma maldosa
briga por uma pequena soma que o primeiro havia dado ao segundo a título
de adiantamento por um artigo nunca entregue. Ruge pagou a Marx, pelo
menos em parte, e não em dinheiro vivo, mas na forma de cópias do
Yearbooks – uma lição prática de economia, que Marx não deixou passar.
Depois disso, Marx e Ruge discutiram duramente e romperam relações. A
questão evidente entre eles foi o caso extraconjugal de Georg Herwegh,
outro membro do círculo íntimo do Yearbooks (ele estava mantendo uma
relação amorosa com a ex-amante de Franz Listz): Ruge denunciava a
imoralidade de Herwegh e Marx alegava que a vida pessoal questionável
daquele homem não deveria ser um empecilho para a colaboração política.23
Essa reviravolta nos negócios foi especialmente problemática para
Marx, pois ocorreu em um momento no qual seu número de dependentes
estava crescendo: Jenny deu à luz uma filha, em 1o de maio de 1844. A
criança recebeu o nome de Jenny e logo passou a ser conhecida na família
pelo apelido de Jennychen, “pequena Jenny”. A mãe levou a filha, com seis
meses de idade, para visitar a avó, que havia se mudado de Kreuznach, de
volta para Tréveris. Quando as duas chegaram a Tréveris, a pequena estava
semimorta, provavelmente porque a mãe, em vez de amamentá-la, vinha
alimentando-a com uma pavorosa papinha, a causa principal da mortalidade
infantil naquela época. O médico da família determinou que o bebê
necessitava de uma ama de leite, portanto, a filha de uma antiga empregada
da casa foi contratada. Na volta para Paris, Jenny levou a ama de leite, que
desempenhava, também, a função de empregada doméstica, além de falar
um pouco de francês.
Trajando modelos da última moda parisiense, “pela primeira vez mais
elegante do que todas as pessoas” em Tréveris, e exibindo sua filha, Jenny
fez grande sucesso e logo começou a receber visitas regulares de todos os
antigos conhecidos. Ela própria tomou “uma difícil iniciativa” e foi ver a
sogra. Para sua surpresa, o encontro com Henriette Marx deu-se na mais
perfeita paz. Satisfeita com as notícias a respeito do cargo do filho,
Henriette mostrou-se receptiva e amável com a nora, uma mudança
extraordinária em relação às experiências do passado. Em uma carta para
Karl, Jenny relatou: “O que não faz o sucesso ou, no nosso caso, a simples
aparência de sucesso que, com habilidade, eu fui capaz de demonstrar”.24
Jenny e Karl acolheram com grande satisfação a operação de
salvamento posta em prática pelos partidários de Karl em Colônia, que
levantaram a vultosa soma de 1.000 táleres e a ele enviaram “para
recompensá-lo, pessoalmente, pelos sacrifícios que você fez por nossa
causa comum”. Heinrich Claessen, o liberal de Colônia que comandou os
esforços, comparou Marx a Daniel O’Connell, o renomado líder
nacionalista irlandês, cujos seguidores reuniram um conjunto de
“assinaturas em âmbito nacional”, com o objetivo de garantir a ele a
condição de se dedicar, em tempo integral, à política. Assim, os estudos que
conduziram Marx na direção do comunismo foram financiados pela
burguesia de Colônia, mais uma evidência do renome local que conquistara
e da poderosa impressão causada por ele quando editor do Rhineland
News.25

SE O FRANCO-GERMAN Yearbooks fracassou como negócio e, também,


como intervenção política, os dois artigos escritos por Marx para a edição
dupla representaram um passo importante na conformação de sua visão de
mundo. Um desses artigos, “Introdução à crítica da filosofia do direito de
Hegel”, argumentava que a análise crítica da religião feita pelos Jovens
Hegelianos não deveria ser um fim em si mesma, mas conduzir a uma
crítica das condições sociais e políticas. Dessa maneira, Marx começou a
desenvolver, pela primeira vez, uma teoria que explicava como deveriam se
realizar as transformações políticas e sociais que ele imaginava. O segundo
artigo, intitulado “Sobre a questão judaica”, formulado como uma análise
do livro homônimo de Bruno Bauer era tanto uma crítica aos Jovens
Hegelianos como a primeira formulação pública dos ideais comunistas de
Marx.26 A conexão estabelecida por ele entre a crítica econômica e sua
discussão sobre a postura jurídica e social dos judeus gerou constantes
acusações de antissemitismo, as quais envolviam uma concepção
anacrônica de antissemitismo e judaísmo.
A “Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel” começava pela
confirmação da ideia de religião como uma expressão alienada da
humanidade despersonalizada, conforme defendida pelos Jovens
Hegelianos. Humanidade, contudo, prosseguia Marx, era “o mundo, o
Estado e a sociedade. Esse Estado e essa sociedade produzem religião, uma
conscientização do mundo ao avesso, porque o próprio mundo está de
cabeça para baixo”. A religião como expressão de uma existência humana
alienada era, simultaneamente, um protesto contra essa existência e um
consolo para ela, na célebre frase de Marx – tomada emprestado de Bruno
Bauer – o “ópio do povo”.27 Como resultado, afirmou Marx, a crítica
filosófica da religião ou as tentativas do Homem Livre em Berlim de
desenvolver um estilo de vida ateu não bastavam; carecia-se de uma crítica
das condições sociais e políticas que se articulavam em uma forma alienada
de religião. Se a filosofia havia anteriormente “exposto a estrutura sagrada
da autoalienação humana”, agora se fazia necessário “expor a autoalienação
em sua forma profana. A apreciação crítica do paraíso fica, desse modo,
transformada em uma crítica mundana; a crítica da religião, em uma crítica
da lei; e a da teologia em uma crítica da política”.
Tal julgamento crítico captava a semelhança entre as condições
vigentes na Alemanha – o Estado absolutista, a sociedade de ordens, os
românticos intelectuais e admiradores das antigas tribos germânicas ou da
Idade Média, e os juristas da Escola Histórica de Direito que justificavam
essas condições – e aquelas em vigor na França antes da Revolução de
1789. Desde então, a França, a Inglaterra e outros países do oeste europeu
haviam se transformado em monarquias constitucionais, caracterizadas pela
vigência de direitos civis básicos, igualdade perante a lei e de um poderoso
parlamento eleito, de modo que a manutenção, nos estados alemães, das
circunstâncias anteriores a 1789 era um arremedo arcaico e anacrônico da
situação precedente. Quando editor do Rhineland News, Marx havia
imaginado uma forma pacífica e gradual de transformação dessas
circunstâncias; agora ele concluía que sua eliminação, como aconteceu na
França, demandava uma revolução, ou como colocado por ele em uma das
muitas frases incisivas que empregou no ensaio, “a arma da crítica não pode
substituir a crítica das armas”.
Marx prosseguiu afirmando que uma reprodução, na Alemanha, das
condições de 1789, só poderia ter como consequência uma situação
semelhante à que vigorou na França pós-revolucionária dos anos 1840.
Desde sua chegada a Paris, ele esteve pessoal e intelectualmente em contato
com opositores a essa ordem pós-revolucionária, indivíduos estes que
haviam salientado as muitas deficiências sociais, econômicas e políticas que
atribuíam a ela. Uma revolução alemã, sugeriu Marx, deveria ir mais longe,
não se limitando a elevar a Alemanha “ao nível oficial das nações
modernas, mas fazê-la atingir o zênite humano, que é o futuro imediato
dessas nações”. Essa necessidade de exceder as revoluções passadas, para
virtualmente conduzir a Alemanha a assumir a liderança nas revoluções do
século XIX, a exemplo do que fizera a França no século anterior, soa como
um imperativo moral, amalgamado com uma pitada de orgulho nacional.
Contudo, a reviravolta final na argumentação de Marx, quanto à forma pela
qual essa revolução alemã deveria acontecer, eliminou o imperativo moral,
além de sublinhar a posição vanguardista da Alemanha, por meio de um
paradoxal destaque de sua natureza retrógrada.
Marx afirmou que uma “revolução radical”, que conduzisse a uma
“emancipação humana universal”, não era um “sonho utópico” para a
Alemanha; ao contrário, tratava-se da alternativa mais modesta em termos
de “revolução política”, ou seja, uma revolução nos moldes das revoluções
francesas de 1789 e 1830. A justificativa dessa afirmação foi o primeiro
exemplo público da teoria de Marx a respeito das classes sociais. Na visão
dele, uma revolução política exigia que uma classe dentro da sociedade
civil identificasse sua emancipação particular com a emancipação universal
da sociedade civil. Na Revolução Francesa de 1789, ele identificava esse
papel revolucionário na burguesia – uma imputação extraída dos autores
socialistas franceses que ele havia lido –, entretanto, negava que os
congêneres alemães contemporâneos tivessem condições de desempenhar o
mesmo papel. A burguesia alemã se recusava a representar os interesses
universais da sociedade civil, mas era apenas um entre numerosos grupos
sociais e políticos, incluindo a burocracia estatal, a nobreza e a monarquia,
todos eles competindo entre si para promover os próprios interesses. Essa
era uma crítica remanescente dos artigos escritos por Marx para o
Rhineland News a respeito dos debates sobre liberdade de imprensa, ocasião
em que denunciou os diferentes grupos da Assembleia da Renânia por
considerarem a imprensa livre um interesse particular, em vez de um
exemplo de articulação universal das liberdades civis.
Em seus artigos para o Rhineland News, relativos ao roubo de madeira,
Marx não havia conseguido identificar uma classe revolucionária. Agora,
chegava a seu critério mais importante: uma classe submetida a um fardo
tão grande, a condições tão difíceis, e à qual cabiam possibilidades de ação
tão restritas dentro do sistema político e socioeconômico vigente, que só
poderia conquistar sua emancipação por meio de uma inversão total de
todas as condições existentes. Isso ocorreria por intermédio da

Formação de uma classe ligada por laços radicais, uma classe da


sociedade civil, que [...] possui um caráter universal obtido por
meio do seu sofrimento universal, e não reivindica direitos
particulares, porque não é vítima de injustiças particulares, mas
de uma injustiça pura e simples [...] que não assume um
antagonismo unilateral em relação às implicações do sistema
estatal alemão, mas um antagonismo multilateral a seus
pressupostos; uma ordem social incapaz de libertar a si mesma,
sem libertar todas as outras ordens da sociedade, e que, em uma
palavra, é a completa ruína do homem, e portanto, só pode se
resgatar por meio do completo resgate do homem. Essa sociedade
decomposta em uma ordem [social] específica é o proletariado.28

Nesse parágrafo, a classe trabalhadora aparece como força de mudança


que atua nos bastidores e é o próprio sujeito da história. É o sucessor do
Espírito Absoluto de Hegel, da autoconsciência humana de Bauer e da
essência da espécie humana, conforme definida por Feuerbach. É possível
dizer que Marx inventou a classe trabalhadora por razões políticas: para
realizar as aspirações emergentes de seus confrontos frustrados com o
autoritário governo prussiano. As razões políticas de Marx foram moldadas
a partir dos esforços filosóficos empenhados pelos Jovens Hegelianos no
sentido de encontrar uma versão humana e material da unidade cósmica
proposta por Hegel para o desenvolvimento do Espírito Absoluto, e pelas
críticas dos radicais e socialistas franceses à ordem pós-revolucionária
vigente em seu país. A afinidade pessoal de Marx com a verdadeira classe
trabalhadora e com o sofrimento, as ações, as aspirações e as ideias a ela
inerentes mal estava começando quando depositou nessa classe suas
esperanças revolucionárias.
O ensaio terminava com uma discussão explícita da ligação
identificada por Marx entre suas aspirações político-filosóficas e a classe
trabalhadora: “A emancipação dos alemães é a emancipação do homem. O
carro-chefe dessa emancipação é a filosofia, seu cerne é o proletariado. A
filosofia não tem condições de se realizar sem a abolição do proletariado, e
o proletariado não pode se autoextinguir sem a realização da filosofia”. A
conclusão era uma articulação do projeto do Franco-German Yearbooks: “o
dia da ressurreição dos alemães será anunciado pelo cacarejar do galo
gaulês”. Uma futura revolução radical na França conduziria a uma
insurreição na Alemanha; ou talvez, como se pode imaginar, partindo de um
nativo de Tréveris, uma nova guerra revolucionária levada a efeito por um
governo revolucionário francês, nos mesmos moldes daquela dos anos
1790, produziria transformações revolucionárias na Alemanha.
O objetivo dessa revolução ainda mais radical, a “emancipação
humana universal” que ela traria em seu rastro, permaneceu vago. O outro
ensaio de Marx, publicado no Franco-German Yearbooks e intitulado
“Sobre a questão judaica”, começava a elucidar esse ponto, enunciando pela
primeira vez que, para ele, a emancipação humana envolvia o fim do
capitalismo. Ao fazer isso, Marx identificava o capitalismo com os judeus
de uma forma depreciativa, motivo pelo qual os críticos costumavam acusá-
lo de ser antissemita. As acusações causaram constrangimento para os
defensores de Marx, que se esquivavam cautelosamente de comentar o
ensaio.29 O problema com toda a discussão sobre esse trabalho é a quase
irresistível tentação de lê-lo à luz da história alemã do século XX, e do texto
nazista “Solução final para a questão judaica”. Compreender o que Marx
tinha em mente quando escreveu esse ensaio significa retirá-lo do contexto
dos regimes totalitários, dos extermínios em massa e do antissemitismo
“racial” do século XX, e recolocá-lo em seu contexto original, dos anos
1840 – em particular, a discussão a respeito da “emancipação” dos judeus
ou concessão a eles de direitos iguais perante a lei, e das ideias correlatas
dos teólogos liberais protestantes e dos filósofos Jovens Hegelianos sobre o
assunto.
O ensaio escrito por Marx era uma análise crítica, com comentários,
sobre os dois trabalhos de Bruno Bauer elaborados em 1843, nos quais o
intelectual se opunha à emancipação dos judeus. Tais trabalhos geraram
ampla controvérsia, e os comentários de Marx se tornaram um pequeno
fragmento de uma discussão de maior alcance que ele próprio acompanhou
de perto.30 A posição assumida por Bauer em relação a questão da
emancipação dos judeus parecia, pelo menos à primeira vista, sem
propósito. Na Europa central, grande parte da oposição a essa emancipação
vinha de conservadores políticos e religiosos, para quem, tanto os Estados
alemães, individualmente, como uma mais ampla nacionalidade alemã,
eram profundamente permeados pelos princípios do cristianismo revelados
de forma divina, o que impossibilitava aos judeus, que rejeitavam tais
princípios, serem cidadãos ou sujeitos com direitos iguais aos daqueles
cristãos ou, até mesmo, pertencerem à nação alemã. Podia-se esperar que os
Jovens Hegelianos, que viam tanto na revelação cristã divina como na
divindade cristã assim revelada expressões alienadas da autoconsciência da
humanidade, apoiassem a emancipação dos judeus.
Bauer, empregando sua interpretação hegeliana da religião, assumiu,
contudo, uma posição contrária. O cristianismo, afirmava ele, demonstrava
a autoalienação humana em sua forma mais contundente, já que a divindade
e a autoconsciência da espécie humana, exteriorizada e alienada, era Jesus
Cristo, um ser humano. Uma reflexão teológica a respeito do fato de que o
cristianismo entendia “o homem, uma consciência, como a essência de
todas as coisas”, conduzia, em última análise, ao Iluminismo e à crítica
hegeliana emancipatória da autoalienação humana na religião. Por outro
lado, prosseguia Bauer, na religião, o judeu “estava envolvido demais” com
“a satisfação das necessidades naturais [...] a limpeza, a purgação, sua
escolha religiosa e a purificação do alimento diário, para que tivesse
condições de pensar sobre o que é o homem”. Os judeus constituíam um
grupo peculiar e voltado para si mesmo. A observância do Shabat estava
reservada apenas a eles, que não consideravam errado deixar o trabalho
desse dia a cargo “dos servos ou dos vizinhos cristãos”, ou talvez, transferir
aos empregados cristãos a responsabilidade pelos negócios. Bauer se deixou
levar pela cólera nesse ponto, descrevendo as atitudes dos religiosos judeus
como “a mera engenhosidade do egoísmo”, como “cruéis e repulsivas”, ou
ainda, “hipocrisia”.31
De acordo com Bauer, essa atitude individualista e egocêntrica,
tornava os judeus incapazes de assumir uma potencial cidadania. Nem
mesmo episódios em que as ações judaicas demonstravam uma perspectiva
diferente – e Bauer se referiu explicitamente ao argumento de Gabriel
Riesser, segundo o qual os judeus haviam participado da sublevação
nacionalista alemã contra o governo de Napoleão – serviam para qualificá-
los, já que essas ações envolviam uma permissão arbitrária das leis judias
relativas à purificação ritual, e eram, portanto, hipócritas em si mesmas.
Ainda segundo Bauer, o judeu “é e sempre será um judeu, a despeito de ser
um cidadão e viver em relações humanas universais: sua essência judia e
limitada sempre prevalece sobre suas obrigações humanas e políticas”.32
Para Bauer, o cristianismo, mesmo sendo uma expressão da
autoalienação humana, pelo menos representava um passo adiante no
percurso rumo à emancipação humana. O judaísmo, por outro lado, não
passava de um histórico beco sem saída carente, nem mesmo
potencialmente compatível com a emancipação do homem. Essa conclusão
era a versão hegelianizada e radicalizada de um argumento contra a
emancipação, frequentemente enunciado pelos teólogos protestantes
liberais, o meio intelectual do qual emergiram os Jovens Hegelianos. Tais
teólogos liberais não podiam argumentar que o judaísmo era uma religião
inferior porque os judeus não aceitavam a divindade de Jesus, já que eles
mesmos também não reconheciam essa divindade. Ao contrário, eles
atribuíam ao aspecto ético a inferioridade do judaísmo em relação ao
cristianismo. A religião judaica, em vez de universalmente acessível, era
individualista e restrita a pessoas escolhidas. Ela privilegiava a realização
de práticas rituais, em lugar do exame de consciência e das decisões morais.
Os teólogos protestantes liberais da Alemanha continuariam a repetir essa
comparação preconceituosa durante o século XX. No curso das discussões
de meados do século XIX, a respeito da emancipação dos judeus, a posição
teológica desses liberais se politizou, tendo sido empregada para condenar
as práticas econômicas judaicas como mercenárias, imorais e exploradoras,
e afirmar que os indivíduos presos a uma fé egocêntrica e individualista não
tinham condições de assumir o papel de cidadãos de uma política mais
ampla, ao lado de pessoas que não compartilhavam de sua religião. Ambos
os critérios conduziram a uma oposição liberal à emancipação dos judeus.33
Essa atitude foi uma resposta à questão que ocupou grande parte da vida de
Heinrich Marx: qual deveria ser o lugar dos judeus, uma “nação” da
sociedade de ordens, depois que tal sociedade chegou ao fim?
Enquanto essa era uma difícil questão para Heinrich, seu filho, que
aprendera a teologia dos protestantes liberais, tanto na forma original, como
na versão secularizada dos Jovens Hegelianos, não encontrava dificuldade
em aceitar a interpretação, defendida por ela, do judaísmo como uma
religião historicamente retrógrada e eticamente inferior. Ele escreveu a
Arnold Ruge, em 1843, com o objetivo específico de comentar as atitudes
de Bauer, afirmando que “a fé israelita é repulsiva para mim”. No entanto,
as consequências políticas para Marx, em decorrência dessa opinião,
representaram uma contradição às atitudes de Bauer e dos oponentes
liberais à emancipação, em outras palavras, foram um endosso explícito da
igualdade de direitos para os judeus.34 Nesse ensaio a respeito da questão
judaica, Marx sugeriu que o mesmo raciocínio que concedia aos judeus
direitos iguais justificava a demanda de que a sociedade sofresse uma
transformação na direção do comunismo. Essa pode parecer uma conclusão
surpreendente, mas resultava da combinação dos estudos que Marx
desenvolveu em Kreuznach, sobre a história e a sociedade contemporâneas,
com suas atitudes quanto à religião, expressas em outro ensaio para o
Franco-German Yearbooks, e seus esforços no sentido de imaginar uma
futura ordem social e política, em um espaço além do mundo criado pela
Revolução Francesa.
Para chegar aonde desejava, em relação à emancipação dos judeus,
Marx se voltou para uma fonte episódica, os escritos de Alexis de
Tocqueville sobre os Estados Unidos.35 Naquele país, conforme observou o
viajante francês, florescia grande profusão de religiões, todas elas
desvinculadas de um Estado secular. Segundo Marx, essa “emancipação do
Estado em relação ao judaísmo, ao cristianismo e, em suma, a todas as
religiões” representava a “emancipação política dos judeus, dos cristãos e
das pessoas religiosas em geral”. Ao contrário de Bauer, que entendia a
emancipação em termos da similaridade das religiões com os ideais
modernos, iluministas, ateus e de inspiração pública, Marx via a realização
do ateísmo na secularização do Estado. O autor afirmou que, colocando ao
alcance dos adeptos de todas as confissões religiosas a condição de se
tornarem cidadãos, o governo eliminava a religião da política e da vida
pública, da mesma forma que (outra vez fazendo referência explícita aos
Estados Unidos), introduzindo o sufrágio universal, extinguia o papel da
propriedade na política.36
É claro que Marx não estava afirmando que os Estados Unidos dos
anos 1840 fossem um país comunista, ou mesmo ateu. Fiel ao pensamento
de Tocqueville, ele observou que, muito pelo contrário, na vida privada
tanto a religião como a propriedade tinham presença marcante. A proposta
dele era comparar as existências individuais na sociedade civil – diferentes
religiões e diferentes classes sociais, com diferentes porções e espécies de
propriedade – à posição universal de um Estado democrático, no qual todos
os cidadãos são iguais perante a lei e têm o direito de votar. Se Marx tivesse
parado nesse ponto, argumentando que a emancipação dos judeus fazia
parte da criação de um Estado democrático, e era um passo fundamental na
direção desse Estado, ninguém poderia tê-lo acusado de ser antissemita. No
entanto, não se contentou com a comparação entre um Estado que
representasse os interesses públicos universais – mesmo sendo este
democrático e republicano –, com uma sociedade civil, na qual diferentes
indivíduos e grupos, incluindo classes sociais com propriedades e
possibilidades pessoais em diferentes graus, perseguiam apenas os próprios
interesses. Em vez disso, tais condições, conforme Marx explicou em seus
relatos publicados e não publicados sobre a filosofia do direito de Hegel,
eram uma forma de alienação humana que ele estava buscando superar.
Foi aí que Marx introduziu a diferenciação entre “emancipação
política” e “emancipação humana”. A última forma, abolindo a
autoalienação humana dentro da sociedade civil e indo muito além das
ideias radicais da Revolução Francesa, representava a “emancipação da
humanidade em relação ao judaísmo”. Empregando a linguagem de
Feuerbach, Marx afirmou que estava interessado não tanto no judaísmo
enquanto religião, mas no “judeu verdadeiro”, em sua vida prática.
Reiterando a opinião hostil de Bauer, descreveu a “base terrena” dos judeus
como “necessidade prática, egoísmo”. O “culto terreno” dos judeus era “o
mercenarismo e a barganha”, e o “Deus terreno”, o dinheiro. “A libertação
em relação ao mercenarismo e ao dinheiro, e desse modo, ao judaísmo
prático e genuíno, seria a autoemancipação de nosso tempo”.
Ao identificar os judeus com o capitalismo, Marx identificou,
reciprocamente, o capitalismo com os judeus. Se egoísmo e necessidades
práticas eram princípios do judaísmo, eram, também, princípios da
sociedade civil. Tais princípios se articulavam na forma de dinheiro, “que é
a essência do trabalho humano e do ser que dele foi separado. Aquele ser
alienado domina o homem e este o idolatra”. Esse mundo alienado dos
judeus “atinge seu ponto mais alto com a completude e a perfeição da
sociedade civil, porém, a sociedade civil alcança primeiramente a perfeição
no mundo cristão [...] Assim não é apenas na Torá ou no Talmude que nós
encontramos a essência dos judeus de hoje, mas na sociedade
contemporânea [...] não apenas como a existência estreita e limitada dos
judeus, mas como a existência judaica, estreita e limitada, da sociedade”.
Marx sugeriu que o fim desse Estado de coisas aconteceria quando a
sociedade conseguisse abolir “a essência empírica do judaísmo, o
mercenarismo e seus pressupostos”, quando “o conflito da existência
individual sensorial com a existência da espécie humana for abolido”. A
última frase do texto diz: “A emancipação social dos judeus é a
emancipação da sociedade em relação ao judaísmo”.37
Nesse ensaio, Marx endossou explicitamente a ideia de judaísmo como
uma religião inferior do ponto de vista ético, e também as consequências
práticas dessa religião para a vida cotidiana, conforme enunciadas pelos
teólogos protestantes liberais e seus intérpretes Jovens Hegelianos. Ao
contrário deles, Marx não enxergava nessas ostensivas insuficiências morais
uma razão para negar aos judeus os direitos civis. Em vez disso, entendia
que a emancipação dos judeus implicava a realização dos direitos humanos
universais desenvolvidos nas revoluções francesa e americana, do século
XVIII, e interpretava esses direitos em termos hegelianos, a exemplo do que
fez com a maioria dos aspectos da política, da sociedade e da economia.
De fato, Marx empregou essa imagem negativa dos judeus como forma
de atacar o capitalismo. Ele não identificou o capitalismo, ou seus aspectos
mais negativos, com os judeus, como fazia a maioria dos antissemitas. No
entanto, ele entendia que esse sistema nascia das práticas econômicas dos
judeus. Tal percepção apareceu em outros escritos de Marx daquela época,
incluindo seus primeiros ensaios sobre economia, os chamados Manuscritos
de Paris. Neles, Marx acusava os capitalistas de estarem buscando
constantemente criar novos produtos, com o objetivo de ganhar o dinheiro
dos clientes. Para os capitalistas, escreveu ele, “todo produto é um engodo
que visa seduzir a essência do outro, seu dinheiro [...] toda necessidade
verdadeira ou possível é uma fraqueza que conduz as moscas para o mata-
moscas”. O capitalista “incita desejos patológicos [em seu cliente] e
desmascara todas as fraquezas que ele tem”, com o intuito de auferir
dinheiro proveniente da venda de seus produtos. Embora atualmente nós
possamos associar essa condenação com a propaganda e o capitalismo de
consumo, na Europa central de meados do século XIX, muito antes da era
do consumo, tais ataques costumavam ser impostos aos vendedores
ambulantes e agiotas judeus, acusados de explorar seus clientes
camponeses, “despertando neles [...] todo tipo de necessidade possível,
supérflua, inútil e imbecil...”.38
Essa visão do capitalismo como uma criação dos judeus, que não se
restringia só a eles e encontrara seu auge quando os cristãos assumiram as
atitudes capitalistas “judaicas”, era comum entre inúmeros contemporâneos
de Marx. Moses Hess havia enviado ao Franco-German Yearbooks um
ensaio sobre dinheiro, no qual sustentava um ponto de vista a respeito de
judeus, dinheiro e capitalismo, muito semelhante ao que Marx empregara
em seu texto. O trabalho de Hess não foi publicado no Yearbooks, mas
Marx teve a oportunidade de lê-lo antes de escrever seu ensaio sobre a
questão judaica. Hess comentara com Arnold Ruge que, depois da abolição
do capitalismo e da criação de uma nova sociedade comunista, seria
necessário submeter à guilhotina “apenas uns poucos [...] donos de
propriedades, banqueiros obstinados, judeus, capitalistas, proprietários de
terras e patrões” – radical identificação dos judeus com uma ordem social
capitalista. Outro dos conhecidos parisienses de Marx, Heinrich Heine,
descrevera Hamburgo, pujante centro comercial da Alemanha, como uma
“cidade de regateadores” habitada por “judeus batizados e não batizados (eu
chamo todos os habitantes de Hamburgo de judeus)...”.39
Marx, Hess e Heine tinham antecedentes judeus, embora todos tenham
se distanciado da religião judaica. Marx costuma ser descrito como um
judeu que desprezava sua origem, porém, seria difícil afirmar o mesmo
quanto a Hess e Heine, pois o último tinha uma atitude irônica e
desprendida em relação ao judaísmo, e o primeiro tornou-se proponente de
um protossionismo.40 Seria mais apropriado dizer que, na década de 1840,
todos os três viviam um tempo em que o significado de ser judeu era, antes
de tudo, interpretado em termos de afiliação religiosa ou militância em uma
“nação” da sociedade de ordens. Na porção final desse mesmo século, com
o surgimento das ideias darwinistas, a concepção de judeus como um grupo
biologicamente distinto, de ascendência comum, uma “raça” da qual se
fazia parte involuntariamente, viria a se tornar uma norma; contudo, seria
incorreto aplicar os paradigmas intelectuais dos anos 1880 e 1890 a um
período situado quatro ou cinco décadas no passado. Pelos padrões de
judaísmo de meados do século XIX, Marx era o menos judeu entre os três.
Fora batizado quando criança, e recebera uma educação protestante. Heine,
ao contrário, não foi batizado até a idade adulta, e Hess, embora tenha
rompido com o judaísmo ortodoxo de sua família, nunca se converteu ao
cristianismo.
A identificação traçada por Marx, entre judeus e capitalismo,
certamente forneceu munição para as posteriores atitudes antissemitas
dentro do movimento trabalhista e socialista, porém, há outro aspecto mais
importante de seu pensamento, para suas próprias aspirações políticas, que
o revelado por seu ensaio sobre a questão judaica. Marx acreditava que os
judeus enquanto cidadãos deveriam ter igualdade de direitos. A
emancipação desse povo era um objetivo pelo qual valia a pena batalhar,
além de um importante indicador de uma ordem política democrática.
Acreditava, também, que a passagem de uma ordem democrática e
republicana para uma comunista envolveria eliminar da sociedade aquelas
detestáveis características judaicas das quais os inimigos da emancipação
dos judeus lançavam mão para justificar a impossibilidade de permitir a eles
o exercício da cidadania. Havia certa desarticulação entre os propósitos
políticos iniciais de Marx – democráticos e republicanos – e seus objetivos
comunistas que ganharam espaço posteriormente. Essa desarticulação não
estava limitada à questão judaica e viria a permear suas aspirações políticas,
como enunciado no Manifesto comunista, exercendo influência marcante
sobre seus esforços por transformações políticas, desde a Revolução de
1848 até a Comuna de Paris, em 1871.

DEPOIS DE SEU rompimento com Arnold Ruge, Marx encontrava-se


politicamente abandonado à própria sorte em Paris. Poucos meses mais
tarde, quando sua esposa, levando a pequena Jenny consigo, viajou a
Tréveris para fazer uma prolongada visita à mãe, ele continuou, também na
esfera pessoal, dependente de si mesmo. Jenny nutria certa inquietação em
deixar o marido sozinho em uma cidade que primava pela reputação de
excessiva licenciosidade, porém, ela não tinha motivos para se preocupar.41
Na ausência da esposa, Karl deu sequência às suas atividades políticas,
“devorou” livros sobre economia e desenvolveu suas ideias comunistas. Seu
único contato pessoal importante não foi com uma corista, e sim com
Friedrich Engels.
Marx continuou frequentando os mesmos círculos dos quais fizera
parte antes da derrocada do Yearbooks. Ele manteve a ligação com os
intelectuais alemães em Paris, sendo bem-sucedido em angariar o apoio
deles, em especial de uma de suas figuras centrais, Heine, na contenda
contra Ruge.42 Marx buscou, também, contato com os socialistas franceses e
os refugiados políticos radicais de outros países. Foi nessa ocasião que ele
encontrou, pela primeira vez, o anarquista russo Mikhail Bakunin. Algumas
décadas mais tarde, os dois viriam a se tornar inimigos ferrenhos, vivendo
uma hostilidade provavelmente alimentada pelas memórias da antiga
amizade.
Marx intensificou suas conexões com as sociedades secretas dos
artesãos alemães. Ele relatou a Ludwig Feuerbach, em agosto de 1844, que,
duas vezes por semana, durante o verão, os líderes desses grupos haviam
lido, em alto e bom som, para seus seguidores, extratos do livro A essência
do cristianismo, do próprio Feuerbach. Muito embora Marx certamente
aprovasse a disseminação de ideias ateístas entre os artesãos radicais, não se
sabe ao certo se a iniciativa de fazê-lo partiu dele, pois, Hermann
Ewerbeck, um dos líderes da sociedade secreta, era grande entusiasta de
Feuerbach e acabou publicando uma tradução francesa do A essência do
cristianismo. Entretanto, o conhecimento de Marx a respeito das reuniões
secretas dessas sociedades sugere um progressivo envolvimento com elas.43
No início de 1844, um periódico quinzenal editado no idioma alemão,
denominado Forwards!, começou a ser publicado em Paris. Eram dois os
fundadores originais, uma dupla ambígua: um excêntrico diretor teatral e
um espião da polícia prussiana. No entanto, na primavera de 1844, líderes
da sociedade secreta e outros intelectuais de esquerda, incluindo Marx,
ganharam grande influência na política editorial dessa revista. Na esperança
de que a publicação de pequeno porte pudesse, pelo menos em parte,
substituir o Franco-German Yearbooks, Marx pressionou para que fosse
adotada uma política editorial socialista. Com essa finalidade, publicou um
ensaio no Forwards! sobre a insurreição dos tecelões silesianos – o
primeiro exemplo de um movimento de insurgência da classe trabalhadora
na Europa central –, e aproveitou a ocasião para reiterar seu ponto de vista a
respeito do proletariado como veículo de transformação política.44
Em 23 de agosto de 1844, algumas semanas antes de o ensaio de Marx
sobre os tecelões silesianos ser publicado, ele e Friedrich Engels
encontraram-se, pela primeira vez. Desse encontro surgiria uma
colaboração que perdurou por toda a vida, tanto na esfera pessoal como na
política. Tal parceria revela-se tão próxima, quando vista em retrospecto,
que os dois homens são invariavelmente descritos juntos: Marx &
Engels™, por assim dizer. Em parte, essa representação salienta a estranha
semelhança entre duas pessoas tão diferentes: um era alto e loiro, o outro,
baixo e moreno; um, pragmático, profissional e competente para ganhar
dinheiro, enquanto o outro transitava pelo domínio das ideias abstratas e
enfrentava permanente dificuldade financeira; um era filho de homem de
negócios e o outro, de advogado; um tinha antecedentes protestantes e o
outro, judeus, ou, conforme enfatizado em uma antiga era de pensamento
racial, um era nórdico e o outro, descendente de semita. Em uma causa
comum, a forma de superação dessas diferenças, dessas contraditórias
características pessoais, foi, pode-se dizer, quase dialética. A causa comum
foi cimentada por uma íntima amizade, que fez deles a dupla Damão e
Pítias do comunismo.45
A exemplo de tantos aspectos bastante conhecidos da vida de Marx,
esse retrato do vínculo vitalício entre os dois homens como um evento
inevitável desde o primeiro encontro, é uma meia-verdade que aplaina
diferenças pessoais e políticas e projeta o relacionamento dos últimos anos
sobre o período inicial de convívio. As informações a respeito do encontro
inicial de Marx e Engels são escassas – apenas retrospectivas escritas pelos
próprios protagonistas, em três parágrafos que podem, talvez, ser
considerados surpreendentes pela importância do evento, embora nenhum
dos dois fosse muito dado a escrever memórias. Outra evidência foi
eliminada: após a morte de Marx, suas filhas Eleanor e Laura destruíram
cartas que ele escrevera com críticas a Engels. Além disso, outras cartas
foram mantidas em segredo ao longo de décadas e só vieram a ser
publicadas no final do século XX, na nova edição da MEGA.46 Ao
examinarmos o encontro de Marx e Engels de forma mais detalhada, parece
que o contato inicial dos dois homens fez germinar um período de
cooperação intelectual e política, a qual, entretanto, não esteve livre de
percalços. Nos anos posteriores ao primeiro encontro, cada um deles seguiu
seu próprio caminho durante um longo tempo, e contemporâneos de Marx
consideravam que os amigos de Colônia eram os colaboradores mais
chegados a ele.47 O relacionamento entre Marx e Engels só se tornou
verdadeiramente indestrutível no começo dos anos 1850, quando ambos
viveram como refugiados políticos na Inglaterra. Foi, também, nessa época,
que algumas das contrastantes características pessoais dos dois apareceram
de forma incontestável; em especial, a figura de Engels como um
pragmático ganhador de dinheiro e Marx, um teórico sem recursos. Assim,
em vez de interpretar esse primeiro encontro como a quase milagrosa
atração de opostos que conduziu, inevitavelmente, a uma colaboração
permanente, parece mais conveniente buscarmos identificar quais foram os
impulsos que uniram os dois homens.
A iniciativa do encontro partiu de Engels. Nascido em 1820, na cidade
de Barman, no vale do Wupper, cerca de cinquenta quilômetros a leste de
Colônia, do outro lado do rio Reno, ele era filho de Friedrich Engels sênior,
proeminente fabricante de tecidos, em uma região que foi pioneira da
industrialização na Europa central.48 Naquele tempo, assim como hoje, o
vale do Wupper foi o lar de diversas tendências religiosas particularmente
marcantes dentro do protestantismo, e o pai de Engels era um notório
proponente secular do Despertar, a versão alemã da revivescência, cujos
alvos eram tanto a religião iluminista e racionalista que a Marx fora
ensinada, como a ortodoxia calvinista prevalente na área. Enviado, quando
jovem, logo após os estudos no Gymnasium, para aprender as práticas
comerciais na cidade portuária de Bremen, no norte da Alemanha, Engels se
viu atormentado por uma crise de fé, intensificada pela leitura dos trabalhos
dos Jovens Hegelianos. As diversas anotações, complementadas com
observações sarcásticas sobre o literalismo bíblico e os revivalistas alemães
que ele fez no trabalho de David Friedrich Strauss, A vida de Jesus, foram
preservadas e atestam seu afastamento da devoção religiosa na direção do
ateísmo.49 Ao contrário de Marx, para quem a transição de uma religião
racionalista e iluminista, para o ateísmo dos Jovens Hegelianos pode ter
sido tempestuosa do ponto de vista intelectual, mas foi serena no plano
pessoal, para Engels tal transição significou um doloroso rompimento com
seus antecedentes familiares, especialmente com seu pai.
A família devota e conservadora de Engels, ao contrário da de Marx,
não tinha reservas quanto ao filho servir no exército prussiano, e Engels
realizou seu serviço militar, em 1842, como reservista da artilharia baseada
em Berlim. A posição de soldado condizia com ele, que foi um estrategista
por toda a vida. Anos depois, seu apelido no círculo de Marx seria “O
general”. Enquanto esteve em Berlim, Engels foi um membro assíduo da
sociedade dos Homens Livres, e escreveu diversos textos para o Rhineland
News, dando seguimento à prática do jornalismo independente ocasional
que havia inaugurado quando viveu em Bremen.50 Depois de seu período de
um ano no exército, ele retornou ao vale do Wupper e, em uma visita a
Colônia, conheceu Moses Hess, que o convenceu das virtudes do
comunismo.
O pai de Engels enviou-o à Inglaterra para que se submetesse a um
treinamento comercial mais profundo, junto dos parceiros de negócio da
família em Manchester, e, também, para mantê-lo afastado de seus amigos
alemães, subversivos e ateus. O plano paternal saiu pela culatra: a estada
em Manchester serviu apenas para reforçar as afinidades radicais e
comunistas de Engels. Manchester era, conforme afirmação de um
contemporâneo, “Algodãonópolis”, o símbolo e centro global da revolução
industrial. A população dessa cidade industrial e provincial da Inglaterra era
tão grande quanto a da capital da Prússia, contudo, em vez das atrações
intelectuais e culturais de Berlim – o palácio real, a universidade e a
academia de ciências, a Opera House e a Singakademie –, Manchester
exibia centenas de fábricas de tecidos, cujas emissões envolviam a cidade
em uma densa nuvem de fumaça e poeira de carvão. Essa vasta comunidade
fabril gerava vultoso montante de riqueza, mas, também, uma gigantesca
miséria. O contraste entre as luxuosas propriedades rurais dos industriais,
banqueiros e atacadistas de algodão, e os cortiços dos bairros pobres, onde
moravam os operários das fábricas – ruas estreitas, imundas, permeadas por
dejetos e envoltas nas trevas perpétuas da poluição – deixavam patente
quais eram os grupos favorecidos pela riqueza e aqueles sujeitos à miséria.
Manchester era uma cidade marcada tanto pela luta como pelo sofrimento
da classe trabalhadora, onde os radicais ingleses, os cartistas, denunciavam
o governo plutocrático e exigiam o direito universal da humanidade ao
voto. Os sindicalistas lutavam, cotidianamente, para melhorar os salários e
as condições de trabalho; os socialistas propunham mudanças radicais em
toda a sociedade. Um ano antes da chegada de Engels, o proletariado fabril
da cidade havia se sublevado, no movimento denominado Plug Riots –
mistura de greve geral, insurreição e explosão de cólera pela existência da
classe trabalhadora – e só foi reprimida por meio da atuação maciça das
forças armadas.
Reunindo-se, após o horário de trabalho, com os diversos políticos
opositores da ordem vigente, Engels encontrou, por meio de sua amante e
futura companheira, uma imigrante irlandesa, operária e empregada
doméstica, chamada Mary Burns, um caminho informal de entrada na vida
da classe trabalhadora. Ele decidiu escrever um livro sobre suas
experiências, enfatizando o contraste entre ricos e pobres, com destaque
para a miséria e a exploração daqueles que trabalhavam nas indústrias e
produziam a riqueza capitalista: A situação da classe trabalhadora na
Inglaterra (publicado na Alemanha em 1845). Enquanto esteve em
Manchester, Engels continuou a enviar textos para o Rhineland News.
Devido a essa ligação, escreveu um artigo sobre economia política para o
Franco-German Yearbooks.51 Na volta de Manchester para casa, parou em
Paris, a fim de se encontrar com o editor do jornal e da revista que haviam
publicado seu trabalho.
O êxito do encontro foi muito maior do que o esperado. Engels
permaneceu na companhia de Marx por dez dias. Eles fizeram planos para
uma coautoria em um livro cujo propósito era criticar Bruno Bauer e seu
radicalismo vinculado ao estilo de vida. No entanto, a colaboração entre os
dois não se limitou à esfera intelectual. Engels, o solteirão, e Marx, que
levava uma vida de solteiro enquanto a esposa e a filha se encontravam em
Tréveris, frequentavam todas as noites um café no Quai Voltaire. O lazer
tinha um lado político, já que eles se reuniam com refugiados políticos
radicais da Alemanha e de outros países europeus. Um dos participantes
desses encontros sociais era Mikhail Bakunin, que levou Engels a uma
reunião da sociedade secreta de trabalhadores comunistas franceses.52
O bom entendimento entre Marx e Engels decorria de questões e
condições individuais específicas. Para Marx, Engels era um tipo de
colaborador bastante diferente dos anteriores. Até aquele ponto, ele, que
começara os estudos universitários muito jovem, tinha trabalhado
predominantemente com homens mais velhos e mais experientes, entre os
quais, Gans, Bauer, Hess, Jung, Claessen, Camphausen e Heine, indivíduos
que lhe propiciaram oportunidades intelectuais e profissionais. O exemplo
mais recente de tal patronagem, Arnold Ruge, não escondia o fato de que
considerava Marx seu protegido. Na esteira do conflito pessoal e político
em que se envolveram, Ruge passou a não fazer segredo também de sua
decepção e crescente indignação diante daquele que via como um
comportamento ingrato de seu pupilo.53
Com Engels, o relacionamento foi oposto. Ele tinha dois anos a menos
que Marx, além de menos experiência e conexões, e havia buscado um
contato com o notório editor do Rhineland News, por carta e pessoalmente –
outro exemplo do impacto causado por Marx durante os poucos meses em
que ocupou aquele cargo. Engels se tornou o protegido de Marx, e este
aproveitou a nova oportunidade para exercer o papel de mentor, um papel
que se ampliaria ao longo dos anos seguintes. Outro aliado político de
Marx, durante um longo tempo, Wilhelm Liebknecht, revolucionário de
1848 e um dos fundadores do movimento trabalhista da Alemanha,
lembrava como, durante o exílio dos anos 1850 em Londres, Marx, “dono
de uma vantagem de cinco ou seis anos sobre nós ‘jovens companheiros’
tinha consciência da total superioridade de sua maturidade...”.54
O trabalho conjunto com Marx deu a Engels a oportunidade de se
livrar de um agravamento de seu dilema existencial: um comunista em
treinamento para se transformar em eminente capitalista, dedicado ao
comércio e à fabricação de tecidos, e um ateu que vivia em um ambiente
doméstico de cristãos de fé renovada. As cartas que ele escreveu de Barmen
para Marx, depois do encontro inicial, são um eloquente testemunho desse
dilema. Havia nelas relatos triunfantes do progresso do comunismo no Vale
do Wupper e em Colônia. Entretanto, a vida pessoal de Engels era
miserável. Depois de trabalhar alguns dias “na fábrica de meu velho [...] é
terrível não apenas continuar sendo um burguês, como, ainda pior, ser
industrial, um burguês que se opõe veementemente ao proletariado”. As
atitudes pró-comunistas de Engels haviam “reacendido todo o fanatismo
religioso de meu velho”. Engels pai e todos os demais parentes deixavam
transparecer uma “maldita expressão divinal de tormento” em resposta às
ideias radicais do jovem insubordinado. “Você não imagina”, escreveu
Engels para Marx, “a maldade do cerco feito por esses cristãos, levado ao
extremo com suas investidas contra minha alma.”55 O aspecto pessoal e o
político convergiam na vida do jovem Friedrich Engels, à medida que sua
submissão aos princípios comunistas e ateus exacerbavam o difícil
relacionamento com um pai autoritário, e a perspectiva de se manter fiel a
esses princípios, com o apoio do velho e mais experiente Marx, garantia a
ele um modo de se desvencilhar de um ambiente doméstico cada vez mais
intolerável.

UMA PARCELA CONSIDERÁVEL dos esforços e da energia de Marx,


durante os nove ou dez meses entre o fracasso do Franco-German
Yearbooks e sua expulsão da França, foi devotada a trabalhos sobre
questões econômicas e filosóficas. Esses “Manuscritos de Paris”, ou,
“Manuscritos sobre economia e filosofia, de 1844”, só vieram a ser
publicados cerca de cinquenta anos após a morte do autor. Depois da 2a
Guerra Mundial, quando trechos desse trabalho foram amplamente
traduzidos, tornaram-se o centro de uma longa discussão acadêmica. Um
lado via os manuscritos como exemplo de um “jovem Marx” preocupado
com questões abrangentes, tanto no campo existencial como no filosófico,
contrastado por um Marx, mais velho e mais dogmático e positivista, para
quem aqueles interesses iniciais haviam sido sobrepostos, ou substituídos,
por questões econômicas mais circunscritas, e pela defesa de uma
inabalável luta de classes. O outro lado não discordava dessa cronologia,
porém, considerava o velho Marx o autêntico Marx, cujas percepções
teóricas marcaram o rompimento com seu antigo pensamento mais difuso e
excessivamente hegeliano e existencialista.56
Em retrospectiva, todo esse debate, alimentado por opiniões
terminantemente divergentes a respeito dos (ostensivos) regimes
comunistas do bloco oriental e pelas buscas de estilos de vida alternativos
dos anos 1960 não ajuda a elucidar as ideias de Marx. Ao assumir
distinções entre o jovem e o homem maduro, negligenciam-se os conceitos
hegelianos que permearam seus esforços intelectuais. A ideia de que os
Manuscritos de Paris tinham relação com uma alienação existencialmente
compreendida, só encontra respaldo em uma leitura bastante parcial desses
manuscritos, que ignora a ampla discussão das questões econômicas neles
contida – em partes que foram reconhecidamente deixadas de fora dos
populares extratos publicados na década de 1960. Ao contrário, uma
interpretação abrangente dos manuscritos revela o quanto Marx incorporou
em suas críticas à sociedade civil as leituras que fez de proeminentes
economistas do final do século XVIII e início do século XIX, assim como
deixa evidente sua defesa das transformações comunistas dessa sociedade.
Os manuscritos tratam de uma rica variedade de temas, nem sempre
intimamente relacionados, nos quais se incluem especulações materialistas
sobre a criação da raça humana, uma discussão das ideias de Shakespeare a
respeito do dinheiro e uma longa análise crítica, de cunho materialista e
“feuerbachiano”, dos escritos filosóficos de Hegel.57 Todavia, o cerne dos
manuscritos teve sua origem nas leituras que Marx fez em Paris, pela
primeira vez, dos clássicos sobre economia política escritos por Adam
Smith, James Mill, David Ricardo e Jean-Baptiste Say (o autor inglês, em
tradução francesa). Muito embora Marx tenha examinado os trabalhos de
uns poucos entre os primeiros críticos socialistas da ortodoxia econômica,
tais como Eugène Buret, a ampla maioria de suas observações, e das
correspondentes citações nos manuscritos, fundamentava-se na corrente
predominante de economistas pró-capitalismo.58 As conclusões inferidas por
Marx, a partir das ideias defendidas em tais trabalhos, denotavam um
profundo pessimismo em relação às condições do proletariado.
Comparando as três fontes de renda dos economistas clássicos –
remuneração do trabalho, lucro do capital e aluguel da terra –, Marx
concluiu que, aos salários correspondia a menor probabilidade de
crescimento, estando eles, normalmente, sujeitos a sofrer reduções até o
nível mínimo necessário para a subsistência. Ele explicou esse
desenvolvimento de diferentes maneiras: em termos da tendência do preço
dos alimentos a mudar com o salário, mantendo constante o poder de
compra deste último; com base na mudança, imposta pelos capitalistas, do
foco dos investimentos para fontes capazes de gerar lucros mais
expressivos, enquanto aos trabalhadores restava a opção de uma ocupação
específica e a ameaça de desemprego; e a partir da capacidade dos
capitalistas de transferir para os trabalhadores o ônus pelos pagamentos
líquidos ao setor agrícola. Depois dessa análise estatística, Marx realizou
uma análise dinâmica, citando Adam Smith, segundo quem, quando “a
riqueza da sociedade está em declínio [...] ninguém sofre suas
consequências mais cruelmente do que os trabalhadores”.59 Marx admitia
que o crescimento da riqueza social e a concorrência entre os capitalistas
por trabalhadores podiam contribuir para a majoração dos salários,
acarretando, contudo, o aumento das horas de trabalho, com o consequente
desgaste dos trabalhadores e o abreviamento de suas vidas. Ele observou,
também, que a riqueza social aumentada por meio da mecanização, a
intensificação da atividade fabril, a divisão cada vez maior do trabalho e a
concentração do capital – resultando na redução do número de capitalistas,
com os antigos capitalistas se tornando trabalhadores –, deveria reverter os
efeitos favoráveis para os operários de um crescente produto interno bruto,
como diríamos hoje. Uma vez mais citando Adam Smith, Marx ponderou
que o crescimento econômico acabaria atingindo um ponto final em uma
condição na qual os processos econômicos apenas se reproduzem sem
mudanças, com salários e lucros em nível baixo e a maior parte da renda
fluindo para os latifundiários. Nessa condição, o número de trabalhadores
se reduziria ao mínimo necessário e o excesso populacional pereceria.
“Desse modo, em uma condição decadente da sociedade, a indigência
progressiva do trabalhador, consumava-se no final como uma miséria
imutável.60
Os prognósticos traçados por Marx, a partir do trabalho dos mais
importantes economistas políticos de seu tempo, enfatizavam o lado
negativo das descobertas, mas não eram fundamentalmente diferentes das
próprias conclusões a que chegaram Smith e Ricardo. Ao contrário de
muitos dos atuais economistas, que se destacam por um inabalável
otimismo e preveem, com tanta frequência, um futuro de crescimento
econômico e ascendente prosperidade (pelo menos, se ninguém interferir
nas operações do livre mercado), a economia política do início e meio do
século XIX era a “funesta ciência” que antevia um futuro declinante ou, no
mínimo, estacionário – em especial, para as classes mais baixas –, futuro
este que a produtividade, em seus níveis mais elevados, e a eficiência
gerada pelos mercados livres poderiam retardar, mas, de forma alguma,
evitar. A esse respeito, Marx, com seu ponto de vista pessimista em relação
ao declínio dos salários para níveis de mera subsistência, à progressiva
concentração do capital, associada com a queda dos lucros e das taxas de
juros, e à crescente demanda dos latifundiários pela participação na renda
nacional, não divergia da economia política daqueles dias, mas expressava
um dominante parecer ortodoxo.61
Os prognósticos pessimistas de Marx podem ser observados nas
atitudes que tomou em relação a um contemporâneo menos ortodoxo, cujos
escritos ajudaram a moldar sua opinião a respeito da industrialização. Este
contemporâneo foi o radical alemão Wilhelm Schulz, amigo de Ruge e
Fröbel. O trabalho de Schulz, O movimento da produção – o próprio título
faz lembrar a versão de Marx sobre economia –, publicado em 1843, teve
significativa influência sobre os Manuscritos de Paris, influência
indiscutivelmente maior do que a do ensaio de Engels acerca de economia,
que foi publicado no Franco-German Yearbooks. Décadas mais tarde,
quando escreveu O capital, Marx continuou a enaltecer o trabalho de
Schulz.62 Este último explicava, em poderosos e evocativos detalhes, como
o progresso industrial na Grã-Bretanha e a concomitante expansão da
produção nacional caminhavam par a par com o empobrecimento e,
inclusive, com a deformação física da classe trabalhadora, decorrente da
labuta nas fábricas; e acusava de serem sofistas aqueles que tentavam
provar por meios estatísticos que os operários estavam alcançando uma
condição de vida melhor. Ele afirmou (com considerável impacto em Marx)
que, mesmo havendo um crescimento do salário real dos trabalhadores, a
sua pobreza relativa estava se agravando; isto é, a parcela da renda nacional
que a eles cabia encontrava-se em declínio.63
No entanto, Marx não acompanhou a posição de Schulz na defesa do
argumento de que a mecanização contribuía para uma redução da
quantidade de trabalho físico pesado que os operários tinham de realizar.
Tampouco, considerou ele a sugestão de Schulz, segundo a qual a criação
de cooperativas de trabalhadores poderia ajudar a mitigar a condição de
vida destes últimos. Decerto, Marx não concordava com os ataques de
Schulz ao ateísmo dos Jovens Hegelianos e com a demanda dele por
reformas sociais e políticas de inspiração religiosa.64 Na leitura seletiva que
fez do livro de Schulz, assinalando as passagens mais obscuras que
constituíam uma parte relativamente pequena do trabalho, Marx
demonstrou sua concordância fundamental com o ponto de vista dos
economistas políticos da corrente dominante – tanto o ceticismo quanto a
reformas que interferiam na operação do livre mercado, como a sombria
descrição da razão fundamental que inspirava a atividade econômica do
livre mercado.
Marx criticou os economistas da corrente dominante por terem
idealizado “leis” do desenvolvimento econômico, sem, no entanto,
“conceitualizá-las, ou seja, eles não apresentavam conclusões sobre como
avançaram a partir da essência da propriedade privada”. Tanto a
conceitualização como o desenvolvimento a partir de uma essência eram
aspectos determinantes para o projeto hegeliano de compreensão das
disciplinas intelectuais como parte de um sistema filosófico. Foi com esses
aspectos que Marx se ocupou na parte filosófica de seus manuscritos sobre
economia e filosofia, embora empregando uma versão própria da
reformulação materialista do ideário hegeliano, realizada por Feuerbach.
De acordo com observações de Marx, a economia política havia
revelado que “O trabalhador empobrece progressivamente, quanto mais
riqueza ele produz, quanto mais sua produção se expande e aumenta em
volume [...] A desvalorização do mundo do homem cresce em proporção
direta com a valorização do mundo das coisas. O trabalho não apenas
produz mercadorias; ele transforma em mercadoria, a si próprio e ao
trabalhador...”.65 Marx interpretou filosoficamente esse processo inter-
relacionado de enriquecimento da sociedade e empobrecimento do
proletariado, como uma alienação tripla.
Uma forma de alienação estava no esvaziamento (Entäusserung) dos
trabalhadores em prol do produto de seu trabalho – mercadorias e capital –,
produto este que se tornava estranho a eles e os subjugava. Esse processo
ocorria na economia “exatamente como na religião”, observou Marx,
reiterando a crítica da religião feita pelos Jovens Hegelianos, para quem ela
não passava da maneira pela qual a humanidade transferia sua essência para
uma divindade imaginária e se sujeitava a essa divindade: “quanto maior é
o volume de objetos que um trabalhador produz, menos ele possui e mais se
submete à dominação desse produto e do capital”.
Os trabalhadores não eram apenas privados do produto de seu
trabalho; o próprio processo do trabalho havia se tornado alienado. Há uma
tendência distinta dos séculos XX e XXI, na interpretação desse “trabalho
alienado” como uma forma de trabalho mecânico, repetitivo e monótono,
característico das linhas de montagem. Sem dúvida, não havia linhas de
montagem nos anos 1840, e Marx não teve contato pessoal com as
primeiras formas de trabalho repetitivo – tal como o da indústria têxtil, em
que os operários cuidavam das máquinas de fiar –, já que os trabalhadores
com quem conviveu em Paris eram artesãos qualificados, que trabalhavam
em pequenas oficinas, nas quais não havia maquinário movido a vapor.66
Marx afirmou, ao contrário, que o processo do trabalho era alienado e
exteriorizado, porque seu produto era alienado e exteriorizado: o trabalho
vinha a ser a “atividade da exteriorização”. Continuou ele: “A atividade do
trabalhador não pertence a ele; ela pertence a outro; é a perda da própria
identidade”. Marx também fez críticas a Charles Fourier por ter classificado
o “trabalho nivelado, dividido e, desse modo, sem liberdade” como
simplesmente a rejeição de “uma forma particular” e não de todas as formas
de trabalho, em uma sociedade capitalista. O conceito de Fourier parece
semelhante à concepção contemporânea de trabalho alienado como
enfadonho, não qualificado e repetitivo; contudo, Marx rejeitou esse
conceito especificamente, considerando-o uma interpretação inadequada da
alienação do processo de trabalho.67
A terceira versão de alienação que Marx diagnosticou, a partir das
conclusões sobre economia política, foi a alienação “da espécie humana” ou
da “essência da espécie humana” (em alemão, Gattungswesen). Essa era
uma noção ainda mais enigmática do que a alienação do produto do
trabalho ou a alienação do processo do trabalho. Essa formulação, como
aconteceu com frequência no trabalho de Marx desse período, originou-se
da crítica da religião feita pelos Jovens Hegelianos e da interpretação de
Ludwig Feuerbach daquilo que era alienado e externalizado, tanto em
termos das noções humanas da divindade, como da conceituação hegeliana
de Espírito Absoluto. Marx reinterpretou o conceito de Feuerbach e
escreveu a ele, em agosto de 1844, quando o trabalho dos manuscritos de
Paris já se encontrava bastante adiantado, para lhe dizer que os estudos por
ele realizados haviam proporcionado “a base filosófica do socialismo” e
que “o conceito de espécie humana [...] é o próprio conceito de sociedade”.68
“O trabalho alienado”, afirmou Marx, “alheia o homem de sua espécie;
converte a vida de sua espécie no instrumento de sua própria vida [...] a
atividade de toda a vida, a vida produtiva, só aparece como meio de
satisfação de necessidades; necessidade de preservação de uma existência
física.”69 Esse foi o desenvolvimento adicional de um ponto de vista que
Marx havia defendido um ano antes, quando, em sua análise crítica da
filosofia do direito de Hegel, comparou com os objetivos universais do
Estado os propósitos específicos dos indivíduos e das famílias na sociedade
civil. Em um sistema capitalista, o trabalho individual era alienado dos
interesses da espécie humana, compreendidos como uma sociedade; ele não
expressava tais interesses da espécie humana. O trabalho alienado,
continuou Marx, afastava “o homem do próprio homem”; era um trabalho
desvinculado da sociedade humana.
Ao traçar essa distinção entre o individual e o universal, Marx estava,
também, alterando o conceito proposto por Feuerbach de essência da
espécie humana, ou uma espécie intimamente relacionada a um amor físico
e reprodutivo, a outro, no qual a essência da espécie residia no trabalho
produtivo: “É, precisamente, na manipulação e transformação do mundo
objetivo que o homem se mostra um verdadeiro ser da espécie. Essa
produção é a existência de sua espécie laboral”. Conforme afirmado por
Marx em um ponto posterior do manuscrito, “Vemos como a história da
indústria e a realidade objetiva do desenvolvimento da indústria formam o
livro aberto do poder humano essencial...”. Marx desenvolveu a ideia de
que a base da existência humana na sociedade é o trabalho coletivo e
cooperativo, transformando produtos da natureza a partir das noções
apresentadas por Moses Hess, reinterpretadas à luz dos trabalhos no campo
da economia política clássica. Enunciado pela primeira vez nos Manuscritos
de Paris, esse conceito se manteria, pelo resto de sua vida, o cerne de sua
análise filosófica, histórica e econômica.70
Comunismo, como interpretado por Marx nos manuscritos de Paris,
era a extinção da alienação tripla do trabalho originada da propriedade
privada. Ao discutir as consequências da abolição da propriedade privada,
Marx procurou se distanciar do “comunismo bruto” e da “forma animal” de
comunismo, a comunidade de mulheres. (A acusação de que os comunistas
desejavam transformar a mulher em propriedade coletiva dos homens era,
no final da década de 1840, uma forma de ataque conservador ao
comunismo). Ao contrário, o comunismo de Marx continha mais elementos
hegelianos e filosóficos:

a abolição positiva da propriedade privada, como autoalienação


humana e, desse modo, como verdadeira apropriação da essência
humana pelo homem e para o homem [...] Essa forma de
comunismo é [...] a verdadeira eliminação do confronto entre
homem e natureza, e entre os próprios homens; a verdadeira
eliminação do confronto entre existência e essência, entre
objetivação e autoconfirmação, entre liberdade e necessidade,
entre indivíduo e espécie. É a solução para o enigma da história e
se conhece como tal.71

O comunismo de Marx era a forma materialista do Espírito Absoluto


de Hegel. Era também a nova versão, modificada por influência das leituras
que ele fez sobre economia política, do Estado “democrático” que, em sua
análise crítica de Hegel, ele havia descrito como um ideal político. Quando
descreveu o comunismo como a solução para o enigma da história, Marx se
referiu ainda a esse Estado democrático como a “solução para o enigma de
todas as constituições”. No comunismo, assim como nas descrições prévias
de um ideal democrático, a distinção entre atividades privadas específicas e
atividades humanas universais seria abolida.
A interpretação de Marx sobre sociedade e existência social foi
influenciada por suas experiências com os trabalhadores parisienses
radicais. Em uma passagem elucidativa, ele descreve como as reuniões de
operários comunistas pressagiavam uma futura sociedade comunista:

Quando os artesãos comunistas se reúnem, doutrina, propaganda


etc. são, inicialmente, o propósito de suas reuniões. Mas, com o
desenrolar dos encontros, eles se apropriam de um novo modelo:
a necessidade de uma associação; e, o que era um meio,
transforma-se em fim. É possível observar esse movimento
prático em seus resultados mais resplandecentes, quando se vê
uma reunião de trabalhadores franceses socialistas. Fumar, beber
e comer deixa de ser um meio de conexão e de relacionamento. A
sociedade, a associação e as conversas, que, por sua vez, têm a
sociedade como objetivo, são suficientes para eles. A irmandade
de homens não é uma falácia, mas a verdade, e a nobreza da
humanidade resplandece das figuras calejadas pelo trabalho.72

A descrição nitidamente romantizada da reunião de uma sociedade


secreta assinala um novo estágio na idealização que Marx fazia de uma
classe trabalhadora. Além do instrumento necessário para uma
transformação política revolucionária, conforme descrito por ele na
“Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel”, esses indivíduos
passavam a ser o grupo cujas práticas sociais representavam a futura ordem
social e política que Marx imaginava. As duas etapas no desdobramento de
sua percepção relativa à natureza e ao significado histórico do proletariado
refletiam suas experiências em Paris: os encontros com trabalhadores
socialistas e a intensa leitura dos economistas políticos.
O PROCESSO DE redação dos manuscritos sobre economia e filosofia
eliminou a incerteza das ideias de Marx e proporcionou a ele uma agenda
intelectual. Em uma introdução aos manuscritos, elaborada mais ao final de
suas reflexões, e não no início, ele anunciou sua intenção de escrever uma
série de pequenos textos, criticando os conceitos de “justiça, moralidade,
política etc.”, da versão composta por Feuerbach para a filosofia hegeliana.
Ele começou essa série de críticas com um trabalho curto sobre economia
política. No início de 1845, Marx assinou um contrato com Karl Julius
Leske, um editor esquerdista de Darmstadt, para escrever um livro, Uma
contribuição para a crítica da economia política. O trabalho proposto
despertou considerável interesse entre os indivíduos do círculo de relações
de Marx, em Colônia, e no meio dos socialistas de língua alemã em toda a
Europa.73
Esse plano para publicação da análise crítica de diferentes aspectos da
sociedade burguesa e capitalista, na Europa de meados do século XIX,
começando pela economia, não passou de um projeto que Marx perseguiu
até o final de sua vida. Essa era uma tarefa difícil para um autor que não
conseguia finalizar qualquer trabalho começado e, frequentemente, se
desviava de seus objetivos de longo prazo. Marx nunca foi além da crítica
inicial sobre economia política. As pesquisas e os escritos a respeito de
economia, a que se dedicou nas décadas de 1850 e 1860, culminaram no
colossal e, essencialmente, não concluído O capital, cujo subtítulo, “Para
uma crítica da economia política”, representava a primeira etapa de seu
projeto original.
Se o projeto teve um tímido início em 1845, não foram os hábitos de
trabalho de Marx os únicos culpados. Ao contrário, a culpa cabia ao longo
braço da monarquia prussiana, que se estendia para molestar seus inimigos
fora da jurisdição da Prússia. Os prussianos ameaçaram o editor de Marx
(que residia em Hessen, fora do território da Prússia) e o forçaram a obrigar
o autor a abrandar o tom das conotações políticas do livro e, no final das
contas, a cancelar o contrato. Tal ação procurava atingir o próprio Marx;
muito mais embaraçoso foi o resultado de uma ação movida pelo conde
Arnim, embaixador da Prússia em Paris, ação esta que tinha como alvo os
radicais alemães em geral. Arnim desejava que o governo francês
expulsasse um grupo desses radicais que havia publicado textos
antiprussianos. É provável que François Guizot, o primeiro ministro liberal
moderado da França, não pactuasse das demandas de um governo
conservador, tampouco endossasse suas atitudes em relação à liberdade de
imprensa; contudo, na qualidade de inimigo dos radicais e socialistas
franceses, ele também não aprovava a presença, na capital, de estrangeiros
que compartilhavam das mesmas opiniões. Depois de longas negociações,
Guizot concordou em emitir a ordem de expulsão para cinco alemães: o
fundador e redator em atividade do Forwards!, assim como Marx e Ruge,
redatores do extinto, mas claramente antiprussiano Franco-German
Yearbooks. O ministro francês do interior não sabia, na verdade, onde Marx
morava, para poder lhe entregar a ordem de expulsão, assim, o próprio
Marx compareceu voluntariamente ao escritório policial, depois que tomou
conhecimento dessa ordem por intermédio de outros dissidentes. Refugiado
em Paris, dedicado a seus estudos de história e economia política,
trabalhando no jornal esquerdista de língua alemã e acreditando que o
governo liberal francês dificilmente se renderia a seu reacionário congênere
prussiano, Marx não levou a sério a ordem de expulsão. Então, para sua
consternação, descobriu que tinha apenas uma semana para deixar o país.74
No final de janeiro de 1845, Marx partiu da França para a Bélgica,
acompanhado por um de seus admiradores de Colônia, Heinrich Bürgers,
que se encontrava em Paris para visitá-lo. Durante a viagem na carruagem,
através da região norte da França, Bürgers decidiu começar a cantar, “para
combater o estado de espírito ensimesmado e deprimido” que Marx
“procurava, em vão, melhorar”.75 Se Karl estava abatido por causa da
expulsão, sua esposa, que ficara, para finalizar os negócios da família em
Paris, achava-se estressada e furiosa. Logo no início da segunda gravidez,
com a pequena Jenny a reboque, ela percorria incessantemente a cidade,
tentando, em vão, recuperar o depósito relativo ao aluguel do apartamento,
e esperando, aparentemente com a mesma falta de êxito, organizar um
leilão dos móveis da família. “Eis as maravilhosas consequências dessa
infâmia governamental”, queixava-se ela para Karl.76
Não é difícil entender a cólera de Jenny, assim como a depressão de
seu marido; no entanto, o fato de ele ser o alvo do governo prussiano
evidenciava o crescente prestígio político que vinha adquirindo. Ao
contrário do que ocorreu na época do fechamento do Rhineland News,
quando as autoridades prussianas não sabiam com certeza quem era o
responsável pela política editorial do jornal, agora elas viam em Marx um
inimigo do Estado. Havia uma permanente ordem de prisão, que seria
imediatamente cumprida, viesse ele a pisar em território da Prússia.77 Não
satisfeito com isso, o governo prussiano, como revelam as demandas de seu
embaixador em Paris, estava determinado a fustigar e solapar a posição de
Marx, mesmo estando ele fora de seu alcance imediato.
Marx não conseguiu mais viver em paz como um refugiado político.
Se quisesse permanecer no continente e dar seguimento às suas atividades
intelectuais e políticas, teria de combater o governo prussiano, com o
objetivo de derrubá-lo. De que modo o engajamento em uma empreitada
antiprussiana poderia andar de mãos dadas com a postura pró-comunista
assumida durante os dezesseis meses em Paris, era uma questão que viria a
dominar os quatro anos e meio da vida de Marx que se seguiram à expulsão
da França, período em que se entregou de forma mais direta e intensa à
atividade revolucionária.
5

O revolucionário

A DINÂMICA VIDA noturna de que Marx e Engels desfrutaram em Paris


não viria a se repetir em Bruxelas. Naquela época, eram comuns
comentários dando conta de como a capital belga tornava-se “silenciosa,
logo no início da noite”.1 Diversões à parte, a mudança forçada de Paris
para Bruxelas parecia ter afastado Marx do centro político e intelectual do
continente, para lançá-lo na capital de um pequeno país, recém-fundado,
que se destacava pela fragilidade de sua independência. No entanto,
Bruxelas oferecia mais possibilidades do que se podia imaginar à primeira
vista. A capital da Bélgica foi o lar de Marx durante três anos, tendo sido o
local onde residiu por mais tempo no período entre a saída da Universidade
de Berlim, em 1842, e sua chegada a Londres, como refugiado político, em
1849. O tempo passado em Bruxelas ofereceu a Marx a oportunidade de
aprender a cartilha revolucionária. Lá, ele se preparou, nas esferas
organizacional, intelectual e política, para o papel que viria a desempenhar
no turbulento ambiente político da Revolução de 1848 a 1849. A exemplo
do que acontece com qualquer aprendizado, esse também teve sua cota de
passos em vão, duras lições e ações equivocadas. Contudo, à medida que
Marx adquiria conhecimento da arte revolucionária, e as condições políticas
se tornavam mais favoráveis, o valor desse estágio preparatório ficou mais
evidente.
MESMO EM UMA escala inferior à de Paris, os cerca de 250 mil
habitantes de Bruxelas nos anos 1840 criavam um ambiente urbano no
mínimo bastante expressivo. À semelhança da capital francesa, havia uma
colônia alemã formada por alguns intelectuais refugiados políticos e por um
numeroso grupo de artesãos. Também como ocorreu em Paris, refugiados
políticos radicais e liberais, provenientes de todo o continente, encontraram
um caminho que os levou a Bruxelas. A excelente biblioteca real propiciava
a Marx um recurso oportuno para seus estudos de filosofia e economia
política. A localização de Bruxelas, com fácil acesso a Colônia, Paris e
Londres, os três focos da atividade política de Marx, traduzia-se em
indubitável vantagem. Reconhecidamente, não havia a mesma cena
socialista de Paris. Conforme observado por um contemporâneo, “é preciso
uma lanterna para encontrar socialistas” em Bruxelas.2 Na Bélgica, cuja
independência da Holanda, em 1830, havia sido acompanhada pelo esboço
de uma constituição que garantia plenas liberdades civis, os católicos
conservadores, os liberais e os radicais propagavam pública e
veementemente seus pontos de vista.3
Em Bruxelas, Marx continuou e expandiu as atividades que havia
iniciado em Paris. Uma de suas temáticas era a intensificação do vínculo
com uma sociedade secreta de artesãos da Alemanha. Além disso, dedicou-
se com afinco a projetos de publicação destinados à recriação de um
periódico político dos refugiados, dentro da mesma linha editorial do
Franco-German Yearbooks. Seus esforços no âmbito intelectual, incluindo
o plano de um trabalho sobre economia política e os comentários filosóficos
e políticos inacabados a respeito de tendências no radicalismo alemão,
desenvolvidos em coautoria com Engels e Moses Hess, e mais tarde
conhecidos pelo título A ideologia alemã, estavam intimamente
relacionados a esses empreendimentos editoriais. Marx conheceu políticos
radicais, tanto belgas como refugiados oriundos de outros países, e se
associou a eles, atingindo o ápice de sua atividade pré-revolucionária, o
envolvimento com a Associação Democrática de Bruxelas, constituída no
final de 1847.
Embora semelhantes às suas atividades anteriores em Paris, as de
Bruxelas se mostraram mais intensas e cercadas de conflitos. Enquanto
lutava para definir os contornos do programa político e da orientação
revolucionária da principal sociedade secreta de refugiados alemães, Marx
entrou em choque com líderes potenciais do nascente movimento
trabalhista. Seu desenvolvimento teórico nasceu das inflamadas e
sarcásticas análises críticas que fez dos Jovens Hegelianos e dos intelectuais
socialistas. Quando vieram a público, essas críticas exaltaram os
antagonismos pessoais e políticos, provocando polêmicas e criando não
apenas seguidores mais fiéis, como inimigos mais ressentidos. Essas
controvérsias cada vez mais intensas interferiam na vida familiar de Marx,
particularmente na sempre sensível esfera das finanças, pois tornavam mais
difícil obter dinheiro e, consequentemente, o sustento da família. As
persistentes dificuldades financeiras, agravadas pela crise econômica que
atingiu a Europa entre 1845 e 1847, aumentaram a irascibilidade pessoal de
Marx, ampliando os conflitos em seus empreendimentos políticos e
intelectuais, o que, por sua vez, acabou gerando mais problemas para ele.
Em 1847, o amplo cenário político da Europa e a conjuntura da vida de
Marx passavam por uma crise.

NO VERÃO DE 1845, Marx, na companhia de Engels, que havia se


juntado a ele em Bruxelas, fez uma viagem à Inglaterra, enquanto Jenny,
grávida do segundo filho, visitava a mãe em Tréveris.4 A motivação
principal da viagem foi a realização de uma pesquisa para a planejada
crítica de economia política e, portanto, a maior parte do tempo foi passada
em Manchester. Não se tem conhecimento a respeito de que aspectos dos
sonhos da burguesia e dos pesadelos dos capitalistas da cidade Engels
apresentou ao amigo. O que se sabe é que ambos percorreram as bibliotecas
públicas de Manchester, estudando os trabalhos dos economistas políticos
ingleses. Entre as abrangentes leituras de Marx estavam pioneiros da
economia política do século XVII, como William Petty e Charles Davenant,
além dos próprios contemporâneos, como John Stuart Mill, cujas
afirmações sobre comércio internacional Marx descreveu em seus
comentários, classificando-as de “belos absurdos”.5
No caminho de volta a Bruxelas, os dois permaneceram algumas
semanas em Londres, onde Engels apresentou Marx a radicais ingleses e
alemães que havia conhecido durante o ano em que trabalhou em
Manchester. Os alemães pertenciam à Liga dos Justos, a principal sociedade
secreta de exilados da Alemanha, constituída de várias centenas de artesãos
radicais experientes e de alguns líderes mais intelectualizados. Os membros
dessa sociedade, tanto os da classe operária como aqueles mais instruídos,
dividiam-se entre um radicalismo jacobino, na linha dos ideais de
Robespierre, e variações do socialismo predominante em Paris. Marx
participara desse grupo no período em que viveu na capital francesa; porém,
os líderes e ativistas mais obstinados desse movimento foram envolvidos na
tentativa de sublevação republicana de 1839 na França, e haviam deixado o
país, estabelecendo-se em Londres, onde se valeram do liberalismo da
política britânica para conseguir asilo. Em Londres, os líderes radicais
organizaram um novo ramo da sociedade secreta, o qual, em meados dos
anos 1840 havia se tornado sua mais ampla e ativa filial, abrigando o
comitê central do grupo no âmbito de toda a Europa. Com o objetivo de
facilitar suas atividades e recrutar novos membros, criaram também a
Associação Educacional dos Trabalhadores Alemães. Ao contrário da
sociedade secreta, essa associação era um grupo aberto ao público, um
florescente empreendimento que oferecia a seus associados – no auge,
chegou a contar com 700 – oportunidades de socialização, recreação,
educação para adultos e um fundo mútuo de benefícios para ajudá-los
quando acometidos por enfermidades ou vitimados pelo desemprego.6
A gestão dessas associações de artesãos ficava a cargo de um trio de
líderes alemães. Dois deles eram artesãos, o sapateiro Heinrich Bauer e o
relojoeiro Joseph Moll, nativo de Colônia. O terceiro, figura dominante
entre os três, era Karl Schapper, exemplar de um tipo social bastante
diferente que ganhara espaço na Europa durante a primeira metade do
século XIX: o revolucionário profissional. O envolvimento de Schapper
com o radicalismo político começou na época em que era estudante da
Universidade de Giessen, no início da década de 1830. Entre 1833 e 1839,
ele tomou parte em três diferentes conspirações e golpes revolucionários
fracassados, na Alemanha, na Suíça e na França, o último dos quais
motivou seu exílio em Londres. Alto e dotado de robusta constituição física,
exibindo um proeminente bigode negro, Schapper aparentava ser um
homem de ação. Ele dedicava sua vida às agitações políticas, passando
horas a fio em bares, na companhia de artesãos, preconizando a revolução e,
quando legalmente possível, usando sua competente oratória para defender
a mesma ideia em assembleias públicas.7
Ao contrário do que fez o próprio Marx, um sem-número de ativistas
marxistas do século XX, entre eles Lenin, adotou com determinação o
recurso às permanentes e obstinadas conspirações e agitações,
características distintivas do revolucionário profissional. Nem a conduta
profissional do autor, tampouco seus interesses acadêmicos, seu
comprometimento com a família ou as demandas financeiras que ela lhe
impunha se harmonizavam com essas condições. Seu encontro com um
desses revolucionários, no entanto, viria a lhe proporcionar uma ligação
decisiva com o grupo social que ele identificou como fundamental para suas
aspirações políticas.
As conexões políticas de Schapper iam muito além das comunidades
de artesãos alemães. Ele tinha vínculos com Giuseppe Mazzini, um dos
principais democratas radicais da Europa e incansável organizador de
grupos subversivos clandestinos. Além disso, trabalhava em íntima
proximidade com refugiados franceses radicais. A militância da Associação
Educacional dos Trabalhadores, que ele conduzia, embora alemã em sua
maioria, contava com alguns afiliados de outras nacionalidades, inclusive
escandinavos, holandeses, suíços e italianos, além de um “legítimo turco”,
um mulçumano de uma das províncias búlgaras do Império Otomano. É
provável que as conexões mais importantes tenham sido com radicais
ingleses, os cartistas, que conciliavam as demandas por um governo
democrático na Inglaterra, a ser garantido por um “estatuto do povo”, com a
agitação trabalhista que envolvia pelo menos alguns elementos socialistas.
Por intermédio de Schapper, ou de Engels, Marx conheceu em Londres
muitos desses radicais, entre eles Ernest Jones, que viria a se tornar um
aliado político por um longo tempo.
Os radicais ingleses estavam interessados na união dos partidários da
esquerda de diferentes países europeus ou, pelo menos, dos refugiados
políticos de orientação esquerdista provenientes de diversos países da
Europa, que residiam em Londres; uma ideia expressamente apoiada por
Karl Schapper. Durante sua estada em Londres, Marx e Engels tomaram
parte nos preparativos preliminares, embora a fundação, de fato, dos
“Democratas Fraternais” só tenha ocorrido em setembro de 1845, depois
que os dois retornaram para a Bélgica. Nos dois anos posteriores à viagem
para a Inglaterra, o foco das atividades políticas de Marx se concentrou nos
radicais alemães da Liga dos Justos e nos ingleses dos Democratas
Fraternais.8

EM ALGUM MOMENTO no início de 1846, Marx e Engels decidiram


criar uma rede de comunistas no âmbito de toda a Europa e, para tanto,
fundaram o Comitê de Correspondência Comunista. Do escritório central
do grupo, em Bruxelas, distribuíam panfletos e relatórios sobre teoria
comunista e economia política, e recebiam de seus correspondentes nos
Estados alemães, e em outras partes do continente, informações a respeito
das atividades em cada local. Muito embora essa rede reunisse
principalmente comunistas falantes do idioma alemão, eles não mediam
esforços para internacionalizá-la, tendo apelado para suas conexões inglesas
e tentado recrutar Pierre-Joseph Proudhon, um dos mais proeminentes
pensadores socialistas de Paris, um homem que desfrutava do convívio com
Marx.
O propósito de toda a empreitada foi a preparação de um congresso, no
qual os delegados pudessem se encontrar e arquitetar um programa político.
Algumas vezes ele era descrito como um congresso comunista e outras,
como democrático – não necessariamente uma diferença, já que, para
Engels, o comunismo era uma forma contemporânea de democracia. Não
estava bem claro se apenas os alemães participariam desse congresso, ou se
haveria representantes de diversas nações europeias. Depois que os
Democratas Fraternais passaram a fazer parte do plano e começaram a
fornecer sua principal infraestrutura organizacional, o que decerto
aconteceu em 1847, o congresso se tornou mais explicitamente
internacional e democrático em termos de orientação.9
As tentativas de organização do Comitê de Correspondência
fracassaram; o empreendimento nunca foi além do círculo de relações
pessoais de Marx. Houve correspondências ocasionais com comunistas da
Alemanha, porém, o teor geral de seus relatórios era desencorajador:
escassez de apoiadores, falta de dinheiro para suportar a empreitada, e
deficiência no delineamento e na implementação do projeto. Quanto aos
panfletos sobre questões teóricas e econômicas, que deveriam ser emitidos
de Bruxelas, apenas um chegou a ser publicado: um ataque a Hermann
Kriege, refugiado comunista alemão que vivia em Nova York. O tom da
denúncia expressa nos panfletos era tão veemente que os correspondentes
de Marx e Engels, partidários do ponto de vista político por eles defendido,
encontraram uma forma de torná-las positivamente incômodas em sua
extrema hostilidade.10
Apesar de todos os problemas enfrentados por Marx e Engels em seu
trabalho de organização, o interesse pelo socialismo e o comunismo não
parava de crescer na Alemanha, especialmente nas províncias ocidentais da
monarquia prussiana, onde surgiram, em meados dos anos 1840, diversos
periódicos devotados ao ideário comunista: na província do Reno, de onde
eles eram oriundos, o Mirror of Society e o Rhenish Yearbooks of Social
Reform; na vizinha província de Vestfália, o mais ostentoso Westphalian
Steamboat. Tanto Marx como Engels costumavam escrever artigos
esporádicos para essas publicações, entretanto, pretendiam fundar uma
revista própria, que se submetesse apenas ao controle dos dois, e que, a
exemplo do Franco-German Yearbooks, fosse publicada no exterior, fora do
alcance da censura. Imaginavam esse periódico como um dos produtos de
uma editora que também publicaria um conjunto de traduções para o
alemão de obras dos socialistas franceses e ingleses.11
Tais planos não representavam apenas a aspiração de Marx e Engels.
Nos bastidores atuava um terceiro personagem, Moses Hess, que havia se
mudado para Bruxelas no outono de 1845, com sua companheira, e residia
ao lado da família Marx. Cada um deles tinha relação direta com os outros
dois. Engels, por exemplo, conhecera Hess mais de um ano antes de cruzar
com Marx em Paris; o Mirror of Society havia começado como uma
colaboração entre Engels e Hess, sem o envolvimento de Marx. “O
triunvirato, Marx, Hess e Engels”, conforme o democrata alemão Karl
Heinzen os descrevia, era um grupo de trabalho formado por três parceiros
de igual capacidade. Cartas enviadas por radicais alemães, tais como
Hermann Ewerbeck e Karl Ludwig Bernays, de Paris, ou Wilhelm Weitling
e Georg Weerth, da Inglaterra, eram endereçadas aos três simultaneamente,
tratando-os como parte de um empreendimento conjunto. Ewerbeck
observou em uma carta que “Eu sempre escrevo para todos vocês”.12
Hess era uma figura essencial para os planos editoriais, porque tinha
reconhecida competência na criação de periódicos e em sua posterior
publicação. Ambas as revistas socialistas da Renânia foram fruto do
trabalho dele. Foi Hess quem negociou o financiamento das novas
publicações propostas, com dois capitalistas da Vestfália favoráveis ao
comunismo, que haviam oferecido suporte ao Westphalian Steamboat. Eram
eles, Julius Meyer, proprietário de uma fundição de ferro, e Rudolph
Rempel, atacadista de artigos de cama e mesa. Parecia que tinham chegado
a um acordo; no entanto, o empreendimento fracassou em junho de 1846. É
difícil saber exatamente o que aconteceu, mas um relato do próprio Hess
indica que um acordo fundamental entre ele, Meyer e Rempel fora apenas
verbal e, portanto, era provável que todos os envolvidos estivessem
escutando o que queriam ouvir – e dada a tendência de Hess a confundir
suas aspirações com a realidade, o resultado não causa surpresa.13
Marx não conseguiu conter sua cólera quando o projeto ruiu. Seus
amigos de Colônia atribuíram o que era, provavelmente, um caso grave de
bronquite, à agitação e à frustração que o assaltaram. Quando pôde deixar o
leito de enfermo, ele escreveu uma carta indignada a Meyer e Rempel,
acusando-os de não terem cumprido suas obrigações contratuais –
acreditando piamente em uma declaração de Hess. Os dois vestfalianos
responderam nos mesmos termos coléricos e a história da querela logo se
tornou conhecida nos círculos esquerdistas, com reflexos negativos sobre
Marx, que viu alguns de seus amigos e aliados se afastarem. Explicando as
atitudes dos radicais alemães em Paris, Hermann Ewerbeck informou a
Marx: “O ‘grupo’ perdeu todo o respeito do povo”.14
Marx continuou a procurar um editor, porém os profissionais de quem
se aproximava temiam as autoridades prussianas ou se sentiam inseguros
quanto à viabilidade da empreitada – dois problemas quase sempre
relacionados. Nos idos de 1847, ele já se dedicava a outro projeto: um
periódico sobre economia política, que seria financiado pela venda de
ações, nos mesmos moldes do Rhineland News. Marx estava ainda
cortejando potenciais investidores, quando a eclosão da Revolução de 1848
lhe deu a oportunidade de adotar ações políticas mais diretas.15
Em vista de todos os esforços que Marx dedicou a esses projetos
editoriais, e de sua ira quando fracassaram, pode-se imaginar o grau de
importância que tinham para ele. Essas publicações ainda potenciais,
diferentemente da associação do autor com os artesãos radicais refugiados
da Liga dos Justos, eram dirigidas a um público ilustrado e abastado.
Mesmo antes de sua mudança para Bruxelas, Marx já via o proletariado
como o grupo social no qual residia a chave de suas, cada vez mais
enfáticas, aspirações revolucionárias. A centralidade da classe trabalhadora
e a importância desta para as teorias de Marx só fizeram aumentar e ser
mais cuidadosamente justificadas durante o tempo que ele passou em
Bruxelas. Apesar do comprometimento com a classe operária, ele continuou
fiel a seu vínculo com a burguesia. Essas duas tendências viriam a aparecer
de forma muito clara nos principais trabalhos teóricos que Marx escreveu,
sozinho ou em coautoria, entre os anos de 1845 e 1847.

EXISTEM TRÊS IMPORTANTES trabalhos de filosofia e teoria social e


econômica associados com o período que Marx passou em Bruxelas: A
sagrada família; A ideologia alemã; e Miséria da filosofia. Comentários
sobre eles tendem a definir uma trajetória direta que conduz das tentativas
iniciais de Marx para articulação das ideias comunistas, em Paris, passando
pelos trabalhos desenvolvidos em Bruxelas, para chegar, mais adiante, às
posições incisivas e bem formuladas expressas no Manifesto comunista.
Sem dúvida, é possível traçar uma linha reta através dos textos de Marx
escritos em Bruxelas, no entanto, isso exigiria desprezar uma parte
expressiva de seu verdadeiro conteúdo, a qual abrange toda uma sinuosa
massa de polêmicas, com denúncias contendo amplo espectro de
argumentações mordazes, que vão da fúria à dúvida em relação aos
intelectuais Jovens Hegelianos e a outros pensadores comunistas. Com
muita frequência, essas polêmicas se transformavam em um fim em si
mesmas; outras vezes, eram uma forma de autocrítica velada, por meio da
qual Marx aprofundava seu desenvolvimento teórico, acusando outras
pessoas por expressarem ideias que ele próprio havia defendido
anteriormente.
Na verdade, o primeiro dos três trabalhos foi escrito em Paris e chegou
às mãos do editor em dezembro de 1844, mas só foi publicado pouco tempo
depois da chegada de Marx a Bruxelas. Atribuído, oficialmente, a uma
coautoria com Engels, o certo é que Marx havia redigido quase todos os
capítulos, com exceção de apenas alguns dos primeiros.16 O título genial,
embora canhestro, A sagrada família, ou a crítica da Crítica crítica contra
Bruno Bauer e consortes, deixava clara sua principal investida contra
aqueles Jovens Hegelianos que apoiavam um tipo de radicalismo
dependente do estilo de vida, enfatizando a crítica da religião revelada. O
trabalho tomou a forma de comentários hostis a respeito de artigos
publicados no General Literary News, um periódico criado por Bauer e seus
aliados, em Berlim, que sobreviveu por apenas um ano, até seu banimento
pelas autoridades prussianas.
Decerto, Marx e Engels tinham muito a criticar nos artigos e faziam
comentários sarcásticos sobre a incapacidade dos autores em traduzir
corretamente para o alemão frases em inglês ou francês, assim como sobre
o emprego excessivo de modificadores e a interpretação errônea dos textos
de materialistas franceses do século XVIII ou da dinâmica política da
Revolução Francesa. O amplo espectro das polêmicas manteve-se por
algum tempo. Um pequeno exemplo é a crítica que Marx fez, em três
oportunidades, aos escritos de Bauer sobre a questão judaica, crítica na qual
não acrescentou substancialmente nada mais do que já havia dito em seu
artigo a respeito desse assunto, publicado no Franco-German Yearbooks.
Ao ler o trabalho, um dos próprios amigos de Marx teve a impressão de se
tratar de uma censura indiscriminada, com detalhes excessivos, chegando
algumas vezes às raias da obsessão.17
O livro foi alvo de ampla análise nos periódicos literários alemães. Os
analistas concordaram que os autores eram partidários das ideias de Ludwig
Feuerbach; no entanto, não assimilaram as nuances: que Marx estava
projetando sua versão politizada, com inclinação trabalhista, do ideário de
Feuerbach. A sagrada família continha algumas passagens que destacavam
o trabalho no regime capitalista como exemplo da autoalienação humana,
sintetizando brevemente temas discutidos em maior profundidade nos não
publicados manuscritos de Paris. Marx, descrevendo-se como defensor do
“humanismo real” de Feuerbach, denunciava o “idealismo especulativo” de
Bauer, que privilegiava a interpretação das condições políticas, sociais ou
econômicas, como representação do desenvolvimento da ideia ou
autoconsciência humana, deixando de lado as condições humanas materiais
expressas nas lutas políticas e nas estruturas sociais e econômicas. Depois
de defender esse ponto de vista ao se referir à Revolução Francesa e ao
socialismo, Marx o ampliou. Acompanhando Feuerbach em sua crítica ao
Espírito Absoluto de Hegel, a qual interpretava o conceito de Hegel como
uma versão da autoalienação religiosa, Marx definiu como versão da
religião, a relação de associação estabelecida por Bauer, segundo a qual a
força motriz da história humana está na autoconsciência – ou, conforme
comentário sarcástico do próprio Marx, “O salvador religioso do mundo
está finalmente realizado no salvador crítico do mundo, Herr Bauer”.18
O propósito era ofender, já que Bauer se orgulhava de seu ateísmo.
Marx elevou o tom das condenações, acusando as ideias de Bauer de serem
“cristãs alemãs”, o que o colocava no mesmo campo dos conservadores
cristãos recém-convertidos da Prússia, como Frederico Guilherme IV e seus
seguidores – as mesmas pessoas que haviam torpedeado a carreira
acadêmica de Bauer. Apontar no ideário de Bauer fundamentos semelhantes
aos desses grupos era uma crítica injusta e feita com a intenção de empregar
doutrinas próprias do conservadorismo para denegrir um indivíduo de
inclinação esquerdista – embora de um modo do qual Marx discordava
veementemente, e não sem justificativa. Em suas polêmicas do período, ele
fez uso dessa tática de forma reiterada.
A sagrada família, refletindo suas origens parisienses, era
acentuadamente francófila. A descrição da Revolução Francesa como o
triunfo da burguesia sobre a nobreza e princípio de um sistema social-
econômico capitalista – uma ideia que não apenas os socialistas e os
radicais franceses, como até mesmo os liberais e moderados, haviam
reiteradamente proposto – era o cerne da visão política de Marx e de sua
crítica aos Jovens Hegelianos. A comparação injuriosa que ele fez entre a
manipulação especulativa dos conceitos econômicos levada a efeito pelos
Jovens Hegelianos, e as investigações dos socialistas franceses a respeito da
natureza da propriedade, do valor e do trabalho assalariado, indicava sua
preferência pela linha teórica francesa. Marx chegou a estabelecer uma
analogia do trabalho de Pierre-Joseph Proudhon, O que é a propriedade?,
no qual existe a célebre afirmação de que “Propriedade é roubo”, com o
equivalente de sua época a O que é o terceiro Estado?, do abade Sièyes, um
dos documentos inspiradores da Revolução Francesa de 1789.19 Essa
comparação foi uma versão preliminar de um dos conceitos políticos
fundamentais de Marx: o paralelo entre uma futura revolução socialista, por
meio da qual os trabalhadores poderiam destronar o reino da burguesia, e a
Revolução Francesa, que marcou a destituição, pela burguesia, do domínio
feudal da nobreza.
O segundo mais importante trabalho teórico de Marx durante o tempo
em que ele viveu em Bruxelas é conhecido pelo título A ideologia alemã,
muito embora, como demonstraram meticulosamente os pesquisadores da
nova MEGA, tal trabalho não existe e nunca existiu.20 O nome A ideologia
alemã, como título de um livro, aparece uma única vez em uma carta que
Marx escreveu para seu editor em 1847, anunciando que um dos volumes
de um trabalho composto por dois não seria impresso. Nos manuscritos
remanescentes, a linha “Ideologia em geral, e ideologia alemã em
particular” dá nome a um capítulo.
Essa anatomização de um título pode parecer minuciosa e pedante;
porém, é necessária, porque os manuscritos daquilo que é conhecido como
A ideologia alemã não se traduziram em um empreendimento
intelectualmente consistente. Eles evoluíram de forma errática desde o
momento de sua concepção, no final de 1845 e início de 1846, até serem
abandonados em meados de 1847, tendo, no curso desse período, agregado
e abrigado coautores, e apresentado diferenças em termos da argumentação
e dos métodos de publicação propostos. O trabalho começou como uma
colaboração entre Marx, Engels e Hess. Ele deveria conter uma análise
crítica dos Jovens Hegelianos radicais, junto com os trechos de A sagrada
família que seriam publicados como uma série de artigos na proposta
reedição do Franco-German Yearbooks. Parte dessa ênfase original se
manteve ao longo de todo o projeto; as críticas a um dos Jovens Hegelianos,
em especial, tornaram-se bastante extensas.
Com a ampliação dos manuscritos, Marx passou a considerá-los um
livro e, mais do que isso, um trabalho em dois volumes. O primeiro volume
deveria ser uma crítica mordaz aos Jovens Hegelianos; e o segundo, um
ataque igualmente feroz aos “Socialistas Verdadeiros”, um grupo de
intelectuais alemães que professavam o ideário do socialismo. Moses Hess
era, em diversos aspectos, o líder intelectual dos Socialistas Verdadeiros; e,
desse modo, um projeto que começou como uma colaboração entre Marx,
Engels e Hess, acabou se transformando em um ataque às ideias do último.
Como fora o próprio Hess quem apresentara Marx ao socialismo, e também
exercera sensível influência na concepção inicial de Marx sobre o assunto, a
denúncia dos Socialistas Verdadeiros não passava de uma forma velada de
autocrítica. Entre 1846 e 1847, circulou um manuscrito com o conteúdo dos
dois volumes propostos, mas Marx não conseguiu encontrar um editor
disposto a publicá-lo. Um pequeno extrato do segundo volume, contendo
um ataque ao Socialista Verdadeiro Karl Grün e publicado no Westphalian
Steamboat em 1847, foi a única porção do trabalho impressa enquanto
Marx viveu.
As etapas iniciais do livro, escritas no outono de 1845, eram uma
continuação das discussões materialistas, de caráter feuerbaquiano, a
respeito do texto A sagrada família. O trabalho descrevia um encontro de
membros da igreja – o “Concílio de Leipzig” –, no qual “santo Bruno” (isto
é, Bruno Bauer) denunciava Ludwig Feuerbach, o causador do cisma, assim
como os autores hereges de A sagrada família e seu companheiro ateu
Moses Hess. O título do capítulo era uma forma dissimulada de zombaria:
de fato, havia ocorrido um concílio da igreja em Leipzig, em 1845, que foi
uma reunião de protestantes alemães dissidentes com inclinação política
esquerdista e, em sua maioria, unitaristas.21 Como esse exemplo sugere, A
ideologia alemã começou nos moldes de um trabalho escrito, voltado a um
pequeno círculo de intelectuais bem relacionados entre si e conhecedores do
assunto, e salientava o comprometimento de Marx com esse grupo, mesmo
depois de estabelecidas suas conexões com Karl Schapper e os artesãos
alemães comunistas que viviam em Londres.
No final de 1845 e primeiros meses de 1846, o trabalho acabou
sofrendo uma viravolta curiosa. Marx e Engels se concentraram ainda mais
nas ideias de um membro do círculo de Bauer, um indivíduo chamado
Johann Schmidt – normalmente conhecido pelo apelido de Max Stirner –,
que havia conquistado a reputação de ser um crítico cruel da religião e
proponente de um radicalismo orientado pelo estilo de vida. A cerimônia do
casamento de Stirner com a feminista Marie Dähnhardt fora
deliberadamente projetada para ser um espetáculo escandaloso a fim de
demonstrar repúdio pelo vínculo entre casamento e religião. A solenidade
foi realizada no apartamento dele, em Berlim, em vez de em uma igreja; e o
clérigo responsável por oficiá-la se confundia com os convidados, que, por
sua vez, agiam como se estivessem em uma festa, sem prestar atenção ao
ritual. Depois do provocativo casamento, Stirner lançou um livro
igualmente provocativo, intitulado O único e a sua propriedade.
Enfurecendo os comunistas, bem como os Jovens Hegelianos com maior
inclinação política, o autor afirmou que o egoísmo deveria ser o princípio
ético mais elevado; que a capacidade intelectual e física dos indivíduos
equivalia à posse de bens; e que a revolução era inútil, porque as
verdadeiras transformações sociais e políticas só seriam possíveis por meio
da transformação da consciência dos homens.22
Marx e Engels ficaram obcecados por Stirner, e a porção do livro a ele
dedicada, que no início estava restrita a apenas uma pequena parte do
“Concílio de Leipzig”, extrapolou totalmente essas fronteiras. Eles
censuraram a ignorância de Stirner e denunciaram sua simpatia pelo
capitalismo, além de zombar do dialeto berlinense por ele falado. A maior
parte do que restou do manuscrito de A ideologia alemã faz referência
direta a Stirner – cerca de 65% das 517 páginas da obra completa em
idioma alemão –, uma atenção obsessiva por uma figura menor que faleceu
na obscuridade pouco tempo depois. Edições publicadas de A ideologia
alemã tendem a omitir quase por completo as críticas a Stirner; e desde
então, a opinião de Franz Mehring, o primeiro dos principais biógrafos de
Marx, segundo o qual esses textos eram “uma polêmica exagerada [...] que
[...] logo se degenerou em discussão de minúcias e em evasivas, algumas
vezes com caráter bastante pueril”, tem sido amplamente compartilhada.23
Um aspecto do trabalho de Stirner que obteve intensa repercussão
entre os Jovens Hegelianos, embora por um breve período de tempo, foi sua
crítica ao conceito de essência da espécie humana proposto por Feuerbach.
Enquanto o último havia afirmado que a divindade era a projeção da
essência da espécie em um ser imaginário, Stirner replicava que a essência
da espécie conforme entendida por Feuerbach, e o conceito de humanidade
em geral, era a projeção dos seres humanos em outro ser imaginário. Marx e
Engels rejeitaram as afirmações de Stirner; no entanto, apesar de criticá-las,
reconheciam que os conceitos de Feuerbach apresentavam algumas falhas.
Com isso, o capítulo sobre Stirner foi incorporando longas passagens com
críticas a Feuerbach. Finalmente, na primavera de 1846, Marx e Engels
decidiram criar um capítulo à parte com o material relativo a Feuerbach e
deram a ele o subtítulo “A ideologia alemã”, que se tornou a face conhecida
do trabalho não publicado. Foi nesse capítulo que Marx estabeleceu uma
clara distinção entre as suas ideias e as de Feuerbach (que haviam sido
articuladas anteriormente, de forma breve e vaga).24
Marx e Engels descreveram as características essenciais da
humanidade em termos da atividade econômica: “É possível distinguir os
humanos dos animais por meio da consciência, da religião, ou de outra
forma que se deseje. Os próprios seres humanos começam a se diferenciar
dos animais tão logo tenham começado a produzir seus meios de
subsistência [...] Ao gerar seus meios de subsistência, os humanos criam,
indiretamente, sua vida material”.25 A ideia de que a produção coletiva e o
trabalho conjunto em busca de meios de subsistência na natureza são o que
tornam humanos os seres humanos já havia aparecido nos Manuscritos de
Paris. Marx e Engels passaram, então, a detalhar essa ideia, enfatizando três
elementos da produção: as forças produtivas, que são a tecnologia e a
organização econômica; a divisão do trabalho; e as formas de propriedade.
Associados, esses três elementos da produção seriam a força geratriz das
classes sociais.
Essa produção material, de acordo com Marx e Engels, determinava as
ideias, a cultura, as formas de legislação e a política – todas elas unidas sob
o conceito de ideologia. A explicação dada por eles seguiu a mesma linha
adotada anteriormente nas críticas aos Jovens Hegelianos, segundo quem,
eram as ideias, e não as condições econômicas, a força transformadora da
história. No entanto, a exemplo do que ocorreu com a concepção que
entendia os seres humanos como produtores, esse comentário também foi
formulado com maior detalhamento e clareza:

Como ponto de partida, a produção de ideias – as representações


da consciência – é imediatamente entrelaçada com a atividade
material e com o intercâmbio material dos humanos, o discurso da
vida autêntica [...] O mesmo é verdadeiro em relação à produção
intelectual, já que ela é representada na linguagem da política das
leis, da moralidade, da religião, da metafísica etc. de um povo [...]
Assim, moralidade, religião, metafísica e outras ideologias, com
as correspondentes formas de consciência, não mais conservam
uma aparência de independência [...] Não é a consciência que
determina a vida, mas a vida que determina a consciência.26

A atividade econômica – a “produção das condições materiais da vida”


– descendia da Ideia Absoluta de Hegel, da autoconsciência infinita de
Bauer e do conceito de Feuerbach, que definia a essência da espécie
humana como a força transformadora da história, a partir da qual todos os
outros aspectos da história surgiam, em forma alienada e disfarçada.
Boa parte do capítulo era uma reexposição da história humana em
relação às transformações das forças produtivas, à divisão do trabalho e à
propriedade, abrangendo principalmente a história europeia, desde a
antiguidade clássica, passando pela Idade Média e pelo início da era
moderna, e chegando à Revolução Francesa e à metade do século XIX.
Marx e Engels concluíram que o curso da história conduzia a situações nas
quais as forças produtivas haviam se desenvolvido até um estágio tal, em
que qualquer desenvolvimento adicional “apenas produz perdas”. O mesmo
progresso histórico também gerou uma classe social “que precisa suportar
todos os fardos da sociedade” e que, em virtude de sua posição social,
adquiriu consciência da necessidade de uma revolução, acabando por se
levantar contra a classe dominante e destroná-la.27
Marx e Engels entendiam que esse processo ocorreria na época em que
viviam e conduziria à criação de uma sociedade comunista. Eles insistiam
que o comunismo não era uma ideologia: “Comunismo, para nós, não é
uma condição passível de ser criada, um ideal ao qual a realidade terá de se
acomodar. Chamamos de comunismo o movimento autêntico que extingue
o estado vigente das coisas”.28 Em termos dos três elementos da produção, o
comunismo deveria, sem dúvida, envolver a substituição da propriedade
privada pela posse comunitária. Nesse capítulo, Marx e Engels também
introduziram uma ideia, nascida de pensadores socialistas franceses, tais
como Saint-Simon, e articulada por Moses Hess (muito provavelmente a
origem da própria opinião de Marx a esse respeito), segundo a qual uma
sociedade comunista só seria possível depois do crescimento do processo de
industrialização e da evolução de um mercado global capitalista. O
comunismo, em outras palavras, não havia surgido como uma alternativa ao
longo de toda a história da humanidade (uma ideia difundida entre diversos
contemporâneos de Marx), mas nascia como consequência do progresso das
forças produtivas.29
Um aspecto particularmente notável do esboço de uma sociedade
comunista traçado por Marx e Engels foi a afirmação de que o comunismo
envolveria a extinção da divisão do trabalho. Em uma célebre passagem,
eles defendem esse ponto de vista, com uma linguagem incisiva e
inteligente:

Tão logo o trabalho começa a ser dividido, a cada indivíduo passa


a corresponder um campo de atividade determinado e exclusivo,
que a ele é imposto e do qual ele não tem condições de se livrar;
esse indivíduo é um caçador, um pescador, um pastor ou um
crítico, e assim deve permanecer se não quiser perder seu meio de
subsistência. Em uma sociedade comunista, por outro lado, cada
pessoa não possui uma categoria de atividade exclusiva, mas pode
aprender e ser treinada em qualquer ramo que lhe agradar; a
sociedade regulamenta a produção geral e, desse modo, permite-
me fazer hoje uma coisa e outra amanhã; caçar ao amanhecer,
pescar durante a tarde, pastorear à noite e, após o jantar, escrever
críticas, como eu bem entender, sem nunca me tornar um caçador,
um pescador, um pastor ou um crítico.30

Essa afirmação, provavelmente tomada de Charles Fourier, que


imaginava uma sociedade na qual os indivíduos se deleitariam com seu
trabalho e executariam as tarefas que mais os atraíssem, tem inspirado
frequentes comentários céticos. Parece difícil a compatibilização da
especialização exigida em uma sociedade industrial que, igualmente,
contém dificuldades internas evidentes: a regulamentação da produção
geral, pela sociedade, não estaria em desacordo com o desejo que cada
indivíduo tem de fazer o que bem lhe agrada? Os próprios autores, Marx e
Engels, usaram de ironia em sua afirmação, considerando-se que no futuro
imaginado pelos dois um comunista exercia, entre outras ocupações, a de
crítico, atividade que eles condenaram repetidas vezes em seu manuscrito,
atribuindo a ela o defeito de ser geradora de tolices inúteis.
A discussão a respeito da divisão do trabalho, no capítulo sobre
Feuerbach, foi complicada e multifacetada, um reflexo da natureza
incompleta dos manuscritos remanescentes. Em algumas passagens, Marx e
Engels relacionaram a divisão do trabalho à diferença de classes entre
trabalhadores e capitalistas, concluindo que a extinção dessa divisão de
trabalho conduziria à criação de uma sociedade comunista na qual não
existissem classes sociais. Em outro ponto, os autores observaram que,
como consequência da divisão do trabalho, o produto do labor se torna
independente daqueles que o criaram e se volta contra eles. A contraposição
entre os indivíduos e seu produto comum gerava o desejo por um interesse
comum, na forma do Estado, um “comunalismo ilusório”, que ocultava a
existência de diferentes e conflitantes interesses de classe.31 Essa afirmação
foi a continuação de uma linha de pensamento iniciada com a nova ordem
social e política descrita por Marx em sua Crítica da filosofia do direito de
Hegel, ordem na qual os interesses particulares dos indivíduos dentro da
sociedade civil e os interesses gerais representados pelo Estado
coincidiriam. A extinção da divisão do trabalho e, com ela, das diferentes
classes sociais e da propriedade privada, era uma reiteração que Marx fazia
desse desejo, embasado por seus estudos de economia política e pela
controvérsia em relação aos ataques de Max Stirner à concepção de
humanidade sustentada por Feuerbach.
Nesse capítulo sobre Feuerbach, Marx e Engels criticaram a noção do
filósofo a respeito de uma essência não histórica da espécie humana; porém,
o desenvolvimento de uma alternativa positiva a tal conceito sobrepujou a
própria crítica, que carecia da veemência, da cólera e do sarcasmo de outras
investidas contra os Jovens Hegelianos. Com o avanço progressivo do
manuscrito, surgiu um novo alvo das condenações, os Socialistas
Verdadeiros, grupo de intelectuais alemães favoráveis ao comunismo. Esse
movimento foi parte de uma reviravolta política mais explícita do projeto,
que incluía uma seção (não preservada) com críticas ao liberalismo na
Alemanha.32
A acusação de Marx e Engels aos Socialistas Verdadeiros correu em
paralelo aos ataques aos Jovens Hegelianos: eles imputavam aos dois
grupos a impropriedade de posicionar no centro do processo histórico os
movimentos intelectuais, em vez das lutas políticas resultantes das
condições sociais e econômicas que deram origem às suas ideias, o que,
para Marx e Engels era mais um exemplo de ideologia.33 Karl Grün, o
principal alvo da dupla, foi acusado de encarar religião e política como a
“essência do homem”, e de ignorar a “produção autêntica” – isto é, as
estruturas da economia e da produção. Grün e outros Socialistas
Verdadeiros foram acusados de ver na libertação do “homem” e no fim de
sua sujeição a uma condição de alienamento o propósito do movimento
socialista, seguindo os passos das teorias de Feuerbach, segundo as quais a
religião é uma alienação humana.34
O que provocou a ira de Marx e Engels foi o fato de os Socialistas
Verdadeiros insistirem na tese de que a Wissenschaft alemã era
indispensável para a transformação das doutrinas do comunismo e do
socialismo apresentadas na França e na Inglaterra, em teorias
filosoficamente autênticas e corretas. Para eles parecia absolutamente
perversa a ideia de tomar as críticas inglesas e francesas à economia e à
sociedade, e suas soluções políticas propostas, e transformar tudo em uma
questão de desenvolvimento conceitual. O socialismo verdadeiro não
passava de “uma transfiguração do comunismo proletário e dos partidos e
seitas, de certa forma correlatos, da França e da Inglaterra, no paraíso do
espírito alemão e [...] do sentimentalismo alemão”.35
Seguindo as odiosas comparações entre os teutos sonhadores e o sólido
pragmatismo dos vizinhos da Alemanha, traçadas pelos jovens autores
alemães, Marx e Engels citaram Heine, segundo quem, a Grã Bretanha
controlava as ondas, a Rússia e a França tinham a posse da terra e a
Alemanha mantinha incontestável supremacia sobre o “visionário domínio
dos sonhos”. Não surpreende a ligação estabelecida por Marx e Engels
entre a inclinação dos alemães por uma filosofia visionária e, econômica,
social e politicamente atrasada, com um país que carecia de indústrias e
instituições políticas modernas, de classes sociais bem desenvolvidas e de
um poderoso antagonismo de classes. A sociedade alemã ainda não estava
dividida em burguesia e proletariado, como ocorria na Inglaterra e na
França; a maioria dos alemães era constituída de Kleinbürger, pequenos
burgueses. O emprego dessa expressão na discussão relativa aos Socialistas
Verdadeiros foi o que viria a transformá-la em um epíteto político de
Marx.36
No entanto, o ideário anterior de Marx guardava extraordinária
semelhança com as ideias que, em A ideologia alemã, foram condenadas
como pequeno-burguesas. Nos Manuscritos de Paris, Marx havia
apresentado o comunismo como a recuperação da essência humana a partir
de sua existência alienada. Na “Introdução à crítica da filosofia do direito
de Hegel”, Marx afirmou que o coração da futura revolução comunista era o
proletariado e sua cabeça, a filosofia. Ele falou, também, a respeito das
vantagens da filosofia alemã para o desenvolvimento do comunismo. Em A
sagrada família, Marx e Engels definiram seu ponto de vista como
“humanismo real”, uma expressão cunhada por Feuerbach e utilizada pelos
Socialistas Verdadeiros.37
As ácidas críticas dos Socialistas Verdadeiros eram uma forma de
exteriorização e objetificação semelhante aos processos de alienação
explicados na filosofia hegeliana. Marx tomou suas próprias ideias
anteriores e as projetou em outros pensadores, conseguindo, dessa forma,
rejeitá-las sem ter de se autocriticar. Esse procedimento viria a ser repetido
em trabalhos futuros, particularmente em O dezoito de brumário de Luís
Bonaparte. Essa era a única forma de autocrítica que ele aceitava, pois lhe
permitia manter sua posição de indivíduo que explicitava a direção da
história humana.
A criação desses extensos manuscritos com críticas aos Jovens
Hegelianos e aos Socialistas Verdadeiros exigiu que Marx adiasse sua
planejada análise crítica sobre economia política. Conforme palavras dele a
seu resignado editor, Karl Leske, “pareceu-me muito importante enviar
antes de meu desenvolvimento positivo um artigo polêmico contra a
filosofia alemã e contra o socialismo alemão da maneira como existiu até
hoje [...] de modo a preparar o público [...] para [...] minha economia [...]”.38
No início de 1847, Marx voltou a tratar de economia, em Miséria da
filosofia, uma vez mais atacando criticamente seus contemporâneos; nesse
caso, Pierre-Joseph Proudhon.
Proudhon, um dos principais teóricos socialistas franceses dos anos
1840 (hoje em dia, ele costuma ser considerado anarquista, porém seus
contemporâneos o situavam no rol dos socialistas), deve à sua famosa
afirmação “Propriedade é roubo” o fato de ter se tornado uma figura
conhecida, admirada e odiada em toda a Europa. Convertendo-se de
provérbio em sistema, a grande obra de Proudhon, Sistema das
contradições econômicas ou filosofia da miséria, aplicou a filosofia de
Hegel aos princípios da economia política, com o objetivo de demonstrar as
contradições internas existentes em tais princípios. A resposta de Marx,
renomeando ironicamente o trabalho de Proudhon, pretendia ridicularizar
essas contradições a fim de evidenciar que Proudhon não havia
compreendido o conceito de economia política, em especial na forma
proposta por David Ricardo – principal discípulo de Adam Smith e figura
proeminente da economia pró-capitalismo – e, tampouco, havia entendido
Hegel.
Proudhon assegurava, por exemplo, que havia uma contradição entre o
uso de uma mercadoria e seu valor de mercado: quanto maior a colheita,
maior a quantidade de alimento disponível e maior sua serventia para a
humanidade, porém, menor o preço desse alimento. A réplica ferina de
Marx tinha por propósito destacar que a contradição de Proudhon não era
absolutamente uma contradição, já que o preço se formava a partir do
processo de oferta e demanda, e Proudhon discutira apenas a oferta, tendo
se calado a respeito da demanda. Um acentuado aumento da demanda teria
como consequência a escalada dos preços, apesar do aumento da oferta.39
Marx partiu, em seguida, para a análise de outros conceitos básicos,
derrubando a explicação dada por Proudhon quanto aos paradoxos na teoria
do valor-trabalho, à divisão do trabalho e ao uso das máquinas, ao aumento
do aluguel do solo em oposição à redução dos juros, e aos efeitos
potencialmente inflacionários da organização dos sindicatos e das greves.
Em cada um desses exemplos, Marx deixou evidente seu domínio dos
conceitos ricardianos básicos – a determinação do preço dos produtos pela
quantidade de trabalho dispendido em sua produção e o aluguel da terra
como a diferença entre o retorno das propriedades com maior e com menor
fertilidade.40
Se Marx demonstrava pouca paciência em relação à falta de
compreensão dos conceitos de Ricardo por Proudhon, essa paciência era
ainda menor quando se tratava da deficiência deste em compreender as
ideias de Hegel: em uma passagem de tom sarcástico, Marx caricaturou o
desenvolvimento filosófico de Proudhon no que dizia respeito aos conceitos
econômicos:

[...] uma razão impessoal [...] é forçada [...] a se posicionar, a se


contestar e se constituir – posicionamento, oposição, composição.
Em grego temos, tese, antítese e síntese [..] a fórmula sacramental
de Hegel: afirmação, negação, negação da negação [...] Aplique
este método às categorias de economia política e [...] você terá
categorias econômicas, conhecidas por todos, traduzidas em uma
linguagem pouco conhecida, na qual elas parecem terem
emergido, recém-formadas, saídas de uma mente de pura razão
[...]41

Um dos aspectos mais curiosos da história do marxismo é que tese,


antítese e síntese – a expressão usada por Marx para zombar do equívoco de
Proudhon ao interpretar Hegel – vieram a se tornar a quintessência da
metodologia de Marx.
De alguma forma, essa afirmação da interpretação errônea de Hegel
por Proudhon deu origem ao tema central de todo o trabalho. Marx,
empregando as ideias que ele e Engels haviam desenvolvido no manuscrito
sobre Feuerbach – mas nunca publicaram –, acusou Proudhon de privilegiar
os conceitos filosóficos abstratos na interpretação da economia, em
detrimento das verdadeiras condições materiais da produção. O trabalho de
Proudhon era na “velha maneira hegeliana [...] não uma história profana,
uma história dos homens [...] uma história sagrada, uma história das ideias
[...] o homem não passa de um instrumento que a ideia, ou a razão eterna,
explora para se desenvolver [...] Se for aberta a cortina dessa linguagem
mística, deve-se dizer que o senhor Proudhon revela a ordem na qual as
categorias econômicas são organizadas em sua mente”.42 Sem dúvida
alguma, Marx considerava que, na organização dessas categorias mentais,
Proudhon realizara um trabalho muito mais medíocre do que Hegel jamais
fizera; contudo, o desdém pela desorganização mental de Proudhon era
decorrente da crítica à sua priorização dos conceitos abstratos, ante a
produção material concreta, na interpretação da economia.
A exemplo das afirmações de Marx em A ideologia alemã, a crítica a
Proudhon era uma forma externalizada de autocrítica. Marx havia reiteradas
vezes se colocado como admirador das ideias de Proudhon, desde seu
tempo de editor do Rhineland News até a publicação de A sagrada família,
e havia tentado atrai-lo para seu comitê de correspondência comunista. O
projeto de Proudhon destinado a fazer uma análise crítica hegeliana da
economia política assemelhava-se muito com o que Marx tentara realizar
nos Manuscritos de Paris.
Embora Miséria da filosofia não tenha sido a análise da economia
política que Marx vinha prometendo desde 1845, foi a primeira vez que
vieram à luz os conceitos básicos da economia marxista, tais como, valor de
uso, valor de troca e modos de produção. Da mesma forma que A sagrada
família trouxe sumários breves e já publicados da teorização mais extensa e
complexa de Marx nos não publicados Manuscritos de Paris, Miséria da
filosofia contemplou versões mais breves e publicadas de diversas ideias do
capítulo não publicado de A ideologia alemã, a respeito de Feuerbach.
Havia um aspecto de Miséria da filosofia que o distinguia de trabalhos
anteriores de Marx: o livro foi escrito em francês. Ele atribuía a importância
intelectual dos círculos de socialistas e radicais parisienses com que havia
convivido antes de sua expulsão da capital francesa um significado tão
grande, que se via obrigado a interferir diretamente, escrevendo um livro
em francês (enquanto todos os intelectuais alemães tinham capacidade para
ler o francês, o inverso não era verdadeiro), solicitando ajuda para melhorar
o estilo de seu francês e pagando do próprio bolso o custo da publicação. O
objetivo de Marx nunca se realizou, porque o livro nunca chegou ao destino
pretendido; os editores ficaram com o dinheiro de Marx, mas não enviaram
as cópias gratuitas de divulgação para os líderes socialistas parisienses,
como ele havia pedido. Algumas cópias circularam de mãos em mãos entre
os intelectuais alemães que eram refugiados políticos em Paris.43
Marx revisou e expandiu a crítica materialista a Hegel e a ideia pós-
hegeliana de uma sociedade comunista que ele havia desenvolvido durante
os anos que passou em Kreuznach e Paris. Ele substituiu a essência da
espécie humana, de Feuerbach, por uma concepção dos seres humanos
como produtores coletivos que trabalham em formas distintas de
organização social e econômica, com níveis associados de tecnologia. Esses
aspectos, por outro lado, interagiam para gerar uma sociedade segmentada,
pela divisão do trabalho, em diferentes e antagônicas classes sociais. Um
futuro de caráter comunista e uma classe trabalhadora capaz de viabilizá-lo
por via revolucionária haviam sido vinculados, mais intimamente, à história
da Revolução Francesa de 1789 e às doutrinas da economia política – e nem
tanto às críticas feitas pelos socialistas a essas doutrinas, como a seus
defensores ortodoxos, em especial o economista inglês David Ricardo.
Marx alcançara esses resultados por meio de uma série de críticas de tom
cada vez mais ácido a seus contemporâneos, as quais eram implicitamente
dirigidas às suas próprias ideias anteriores, sugerindo que não eram
suficientemente realistas e úteis. Acima de tudo, seus esforços, no sentido
de fazer chegar sua progressiva objetividade teórica ao conhecimento de um
público formado principalmente por intelectuais alemães radicais e seus
congêneres franceses, revelaram-se um retumbante fracasso; em parte, em
razão das dificuldades de publicação, mas também como consequência de
seus problemas para formulação de uma explicação consistente de suas
ideias, e de seu pendor pela incitação de discussões veementes –
inteligentes e mordazes e, ao mesmo tempo, extensas e obsessivas – que
podiam se tornar um fim em si mesmo. Esse lado polêmico viria a aparecer
também nos conflitos pessoais e políticos nos quais Marx se envolveu ao
longo do ano de 1846.

O EMPENHO DE Marx para arregimentar apoio por meio de seu


planejado comitê de correspondência comunista e suas conexões com os
comunistas londrinos acabaram provocando o rompimento de seus contatos
com antigos correligionários políticos. Observadores simpatizantes
descreveram essas quebras de relações como etapas necessárias para a
promoção de maior objetividade teórica e unidade de ação. Correntes
contrárias, por outro lado, atribuíram-nas à inclinação ditatorial de Marx e a
seu desejo de converter aliados em subordinados. Certamente houve
elementos que justificavam os dois pontos de vista; contudo, eles refletiam
acima de tudo o empenho de Marx para estabelecer seu lugar entre os
refugiados alemães radicais que estavam sozinhos em países estrangeiros e,
em geral, enfrentando dificuldades pessoais e financeiras e a constante
pressão dos hostis governos prussiano e austríaco. Como esses refugiados
não contavam com uma organização consistente, as ações políticas
ocorriam por meio de relações pessoais informais, de modo que os conflitos
políticos eram, invariavelmente, levados para o campo pessoal. Três
embates importantes acompanharam a trajetória política de Marx em 1846 e
1847: com Friedrich Engels e Moses Hess; com Wilhelm Weitling; e,
finalmente, com Karl Grün.
O primeiro dos três, um episódio pouco conhecido que se desenrolou
no início de 1846, começou com um desfeito pessoal: os comentários
depreciativos de Jenny von Westphalen a respeito da amante de Engels,
Mary Burns, uma operária de Manchester. Era evidente a hostilidade de
Jenny por Burns, a quem ela descreveu para Karl como uma “mulher
mexeriqueira e ambiciosa, uma Lady Macbeth”. Dois anos mais tarde, bem
depois da reconciliação entre Marx e Engels, Jenny ainda insistia em se
sentar no lado oposto a Mary nos eventos públicos. Em contrapartida, ela se
comportava amigavelmente em relação à companheira de Hess, Sybille
Pesch, que também era oriunda da classe operária e passou longo tempo
com a família durante os meses em que viveu com Moses em Bruxelas.
Entre outras coisas, Pesch ajudou a cuidar dos filhos de Marx. Todavia, ela
era uma figura de passado duvidoso; corria o boato de que Hess a conhecera
quando frequentou um bordel em Colônia, no qual ela trabalhava. Hess,
ciente dessas questões, e tendo em vista os antecedentes de sua
companheira e as histórias contadas sobre ela, via na atitude de Jenny em
relação à Mary Burn o desprezo de uma mulher da elite por uma
trabalhadora que não conhecia seu lugar. Tanto Hess como Engels
culpavam Marx pela situação, afirmando que ele não agia como um
verdadeiro chefe de família, permitindo que suas opiniões fossem
contaminadas pelo preconceito de sua esposa.
O conflito rapidamente gerou ramificações políticas. Marx fez chegar
ao conhecimento de seus amigos de Colônia que Engels carecia da
capacidade intelectual para realizar o trabalho teórico e a crítica filosófica
com os quais estava envolvido. Essa avaliação foi acompanhada por
comentários sarcásticos a respeito da amante de Engels, em particular, e
dele próprio, classificado como o “amigo dos proletários” e o “varapau”.
Esse último adjetivo fazia uma denúncia irônica da origem prussiana de
Engels, pois os “varapaus” eram os soldados de mais de 1,80 m de altura
que Frederico Guilherme I, rei da Prússia no século XVIII, havia recrutado
para seu exército. Marx não tinha nada melhor a dizer sobre Hess, a quem
descrevia como uma “esponja”, um espiritualista sonhador incapaz de
exercer atividades políticas profícuas. Partiu dos amigos de Marx de
Colônia, Heinrich Bürgers e Roland Daniels, a afirmação segundo a qual
Hess “tinha a cabeça recheada de tolices” e desejava ser o “sacerdote
supremo” do comunismo. Esses comentários, entretanto, não passaram de
reflexos das próprias atitudes de Marx.44
Marx e Engels chegaram a uma reconciliação, provavelmente através
do trabalho de desenvolvimento do enorme capítulo sobre Max Stirner para
A ideologia alemã. Criticando aquele que denominava “são Max”, Engels
conseguiu romper com seu próprio passado – não apenas a amizade com
Stirner, que também era membro dos Homens Livres, como o entusiasmo
anterior pelo trabalho dele, que considerava, de forma um tanto estranha,
fonte da base teórica do comunismo – e demonstrar suas aptidões
filosóficas, para satisfação de Marx.45 O capítulo a respeito de Stirner,
totalmente desproporcional quando comparado com a porção restante dos
manuscritos que compunham A ideologia alemã, atendeu mais ao propósito
de restabelecer a amizade dos dois homens.
Hess, em contrapartida, não se reconciliou com Marx. Ele se preparou
para deixar Bruxelas, o que acabou fazendo no final de março de 1846, e foi
se dedicar a escrever para periódicos socialistas na Renânia; estes logo
viriam a ser proibidos pelo governo prussiano. O rompimento com Hess
não foi, de modo algum, total. O comportamento de Hess ao longo dos
meses seguintes – e, de fato, para o resto de sua vida – oscilou entre o medo
de Marx e a cooperação com ele. Todavia, o íntimo vínculo de trabalho, que
marcou o relacionamento dos dois no final de 1845 e início de 1846, havia
sido irrevogavelmente desfeito, e o breve tempo durante o qual o triunvirato
Marx, Hess e Engels exerceu influência, chegara ao fim.
O segundo importante embate de Marx com um socialista da classe
trabalhadora, Wilhelm Weitling, é mais conhecido. Alfaiate experiente,
Weitling era um dos artesãos alemães que vivia no exterior. Ele pertencia a
sociedades secretas de radicais e havia desenvolvido ideias de vaga
conotação socialista, com inspiração da heterodoxia cristã. Ao contrário da
maioria de seus companheiros artesãos, Weitling registrou suas ideias em
papel, tendo escrito dois livros – Guarantees of Freedom and Harmony
[Garantia de liberdade e harmonia] e The Gospel of a Poor Sinner [O
evangelho de um pobre pecador] – que fizeram dele uma figura influente e
bastante conhecida entre os refugiados políticos alemães. Sua prisão na
Suíça, por defender o ideário socialista, acrescentou uma auréola de
martírio à sua reputação.
Depois de atuar ativamente na Liga dos Justos, em Paris e Londres,
Weitling chegou a Bruxelas em 1846, para trabalhar com Marx, que já havia
escrito palavras cordiais a respeito dele. A colaboração entre os dois não
durou por muito tempo: ela se desfez logo em uma das primeiras reuniões
do Comitê de Correspondência Comunista, em março de 1846. Pavel
Annenkov, um refugiado russo que estava presente ao encontro, descreveu a
postura de Marx que, sentado à cabeceira da mesa, começou a cobrar de
Weitling, de forma veemente e crítica, uma justificativa para suas ideias.
Weitling se defendeu, insistindo que seu movimento estava dando esperança
aos trabalhadores quanto a uma solução para a miséria e opressão em que
viviam. Mas Marx o interrompeu, retorquindo que a disseminação de ideias
confusas e de esperanças duvidosas dentro da classe operária, promovendo
conceitos que careciam da essência de Wissenschaft, não passava de “uma
brincadeira vazia e inescrupulosa com pregação de sermões” e que
conduziria à ruína dos oprimidos. Os dois discutiram, e Marx, cada vez
mais enfurecido, deu um soco na mesa, levantou-se e gritou, “A ignorância
nunca ajudou ninguém!”.46
Esse episódio costuma ser citado como exemplo do desprezo de Marx
pela classe operária que ele supostamente desejava libertar e de sua
inclinação ditatorial e antidemocrática. Tais acusações foram levantadas
pela primeira vez pelo próprio Weitling, que propalou um relato segundo o
qual Marx, alegando uma suposta desonestidade por parte dos
trabalhadores, planejava eliminá-los da liderança do movimento comunista,
substituindo-os por intelectuais burgueses. Moses Hess, que não estivera
presente à reunião, mas recebera de Weitling uma carta sobre ela,
classificou o tratamento dado por Marx a Weitling de “nauseante” e
anunciou o fim de seu relacionamento político com ele. Sintomaticamente,
depois de alguns meses, Hess mudou de ideia e começou a tentar uma
reaproximação política.47
O que as reminiscências de Annenkov não esclarecem é por que
Weitling e Marx estavam gritando entre si. Weitling, em sua carta para
Hess, explicou as diferenças que os levaram a se defrontar: Marx insistira
na afirmação, “neste momento não se pode falar na realização do
comunismo; a burguesia precisa antes de tudo assumir o controle”. Essa foi
uma questão considerada por ele em seus escritos teóricos daquela época, e
associava o surgimento do comunismo ao desenvolvimento do setor
capitalista, ao contrário da ideia de Weitling, para quem o comunismo
sempre foi possível ao longo de toda a história da humanidade. Essa
questão também fora debatida pelos comunistas londrinos, que rechaçaram
o ponto de vista de Weitling. A viagem deste último a Bruxelas, para
trabalhar com Marx e Engels, tinha a finalidade de encontrar um novo
campo para suas atividades políticas, já que os antigos partidários na Liga
dos Justos haviam rejeitado suas ideias e sua demanda pela liderança.48
O próprio Weitling passava por uma situação difícil naquele tempo.
Ele havia falido, procurara emprestar dinheiro de Marx e dependia deste
para se alimentar. Mesmo depois do confronto no Comitê de
Correspondência, Weitling permaneceu em Bruxelas e continuou tentando
trabalhar com Marx e Engels. Quando essa alternativa se revelou
impossível, ele precisava de dinheiro para ir embora. Os recursos foram,
então, levantados por Moses Hess junto a amigos de Marx em Colônia.49
A desavença entre Marx e Weitling refletia a situação de insegurança
vivida pelos refugiados políticos, que careciam de suporte material e de
correligionários organizados, ao mesmo tempo em que lutavam para
conseguir uma posição de destaque em um movimento político radical. Os
motivos de Hess eram muito semelhantes. Enquanto se dizia chocado com a
insistência de Marx em criar uma doutrina reconhecida e rejeitar outros
pontos de vista, ele demonstrara, havia apenas alguns meses, quando os
dois ainda mantinham um bom relacionamento, entusiasmo pela ideia de
elaboração de um programa político comunista definitivo.50
Tal batalha por uma posição de destaque no nascente movimento
comunista ficou mais evidente no terceiro desses confrontos, com Karl
Grün, um dos Socialistas Verdadeiros. Embora relativamente desprezado
pelos historiadores, esse foi o mais amplo, público e controverso dos
embates de Marx naquele tempo. Antipatias e rivalidades pessoais se
confundiram com diferenças intelectuais e políticas. A despeito de um
acentuado componente de mesquinharia, as questões levantadas no
confronto seriam recorrentes dentro do turbulento ambiente político da
Revolução de 1848.51
A controvérsia começou pouco tempo depois da mudança de Marx
para Bruxelas, quando ele leu uma cópia do livro de Grün sobre o
movimento socialista e comunista na França e na Bélgica, livro este,
destinado a ser uma introdução para o público letrado da Alemanha. A
primeira reação de Marx apareceu na forma de comentários desdenhosos a
respeito de Grün, classificando-o de escritor diletante e picareta, e não um
autor sério. Hess, apesar de concordar com Marx nesse aspecto, levou ao
conhecimento de Grün essa opinião negativa. Marx não se contentou com
meros murmúrios e preparou um ataque escrito contra Grün, incorporando-
o à seção relativa aos Socialistas Verdadeiros, em A ideologia alemã, o que
acabou sendo a única parte do trabalho a ser impressa.
A desavença com Grün foi urdida nos meandros dos comitês
acessórios de correspondência comunista que Marx planejava estabelecer. A
carta a Proudhon, enviada em maio de 1846, convidando-o a ser o
correspondente de Marx em Paris, continha um post-scriptum, em que o
autor acusava Grün de ser um “cavalheiro da indústria literária, uma espécie
de charlatão que se dedicava a negociar com ideias modernas [...] Abra os
olhos em relação a esse parasita”.52 Dando sequência à iniciativa, Engels foi
enviado a Paris, em agosto de 1846, com o objetivo declarado de
estabelecer o escritório parisiense do Comitê de Correspondência; contudo,
o verdadeiro propósito era combater Grün entre os artesãos alemães nas
sociedades secretas.
Grün, no entanto, não era um miserável como Weitling ou sonhador e
indeciso como Hess. Ele se caracterizava por ser um escritor competente e
um político flexível, pronto e determinado a revidar os ataques. Presente em
Paris, e não exilado em Bruxelas, ele tinha condições de superar os
concorrentes para se aproximar de Proudhon; em parte graças a uma
poderosa bajulação pessoal. Proudhon rejeitou veementemente as
advertências de Marx sobre Grün e fez saber a Marx, que só cooperaria em
sua proposta rede comunista, se ele, Marx, ajudasse Grün a lançar uma
tradução para o alemão do livro Filosofia da miséria, do próprio
Proudhon.53 Em vez de concordar com as condições impostas pelo autor,
Marx atacou-o, escrevendo Miséria da filosofia, decisão que, naturalmente,
irritou os socialistas franceses. Proudhon anotou em sua cópia do livro de
Marx as palavras: “uma teia de vulgaridade, calúnia, falsificação e plágio”,
e se aproximou de Grün, que desenvolveu uma consistente reputação de
conselheiro e intérprete de Proudhon para o mundo falante do idioma
alemão. Para fortalecer sua posição junto aos artesãos alemães radicais de
Paris, Grün agiu, entre outras coisas, ciceroneando-os em visitas ao Louvre.
As reiteradas afirmações de Engels sobre seu sucesso em obliterar a
influência de Grün e afastar seus partidários foram acompanhadas por
frustradas observações da recorrência de tal situação. O comportamento
ditatorial de Engels, que chegou a uma briga de socos com um artesão de
inclinação política contrária, não contribuiu para a sua causa, tampouco
para a de Marx.54
Grün partiu para a ofensiva por meio das páginas do Trier News, um
jornal alemão que defendia doutrinas socialistas, e do Cologne News, antigo
adversário de Marx. Ele atribuiu a Marx a pecha de ser um “fiscal
aduaneiro e guarda de fronteiras das questões intelectuais, nomeado por sua
própria autoridade”, afirmando que ele só permitia a difusão de ideias
socialistas se as aprovasse, pois, caso contrário, tentava confiscá-las e
mantê-las fora de circulação.55 Respondendo a acusações segundo as quais
seu trabalho sobre o socialismo francês era superficial e vulgar, Grün
observou, em tom pejorativo, que ele havia, pelo menos, publicado um livro
amplamente lido, enquanto Marx não conseguira finalizar nenhum trabalho
importante. Em um conto para o Cologne News, Grün descreveu um sinistro
e patético “Dr. Ludwig” (indubitável caricatura de Marx), como um
fanático descabelado e descuidado, que era incapaz de sustentar sua família,
e cujos dogmas revolucionários levavam artesãos alemães honestos à
perdição.
O que exatamente Marx tinha contra Grün no aspecto político? O
ensaio publicado no Westphalian Steamboat considerava as ideias de Grün
coerentes com os Jovens Hegelianos e os Socialistas Verdadeiros, grupos
cuja política se baseava em concepções idealizadas da humanidade, em vez
de condições concretas da produção material. Outro tema político emergiu
aos poucos, articulado por Marx e Engels em escritos de caráter público e
em correspondências privadas. Ele defendia a ideia de que Proudhon e Grün
procuravam introduzir o socialismo por meio da criação de cooperativas de
trabalhadores financiadas por um banco estatal, sem uma revolução que
abolisse o capitalismo. O próprio Grün algumas vezes colocou a discussão
em termos semelhantes, contrastando seu plano e de Proudhon, por
reformas pacíficas, com as demandas de Marx por uma revolução violenta.56
Se o plano de Proudhon e Grün para extinção da economia de mercado por
intermédio de cooperativas de trabalhadores bancadas pelo Estado podia ser
chamado de reforma era outra questão; no entanto, a ideia por eles
defendida guardava semelhanças com a concepção dos Jovens Hegelianos,
do radicalismo como mudança de estilo de vida: os dois conceitos
envolviam transformações radicais fora da arena política, uma possibilidade
que Marx encarava como problemática, na melhor das hipóteses.
Diferenças ideológicas não explicam por completo a contundência dos
ataques de Marx a Grün, já que existiam muitos trabalhos de Grün sobre o
socialismo francês e belga, análogos aos de Marx. Grün acusava o regime
liberal da Bélgica de facilitar a exploração capitalista dos trabalhadores sob
o pretexto de proteção dos direitos civis; ele denunciou a concentração do
capital e o empobrecimento do proletariado e criticou os esforços de Fourier
e seus seguidores no sentido de levar os indivíduos abastados a financiar
seus planos socialistas. Grün preconizava a extinção do trabalho assalariado
e a conquista de poder político pelo proletariado; ele estabelecia uma
associação expressa de seu socialismo com o ateísmo.57 Sem dúvida alguma,
havia no livro muitas outras coisas que Marx rejeitava, porém, ele não teve
dificuldades em adotar e elogiar as opiniões de Wilhelm Schulz, cujo
conceito de reforma social cristã estava consideravelmente mais distante de
suas ideias do que do socialismo feuerbaquiano de Grün. Ao mesmo tempo
em que levava adiante sua campanha contra Grün, Marx também cooperava
politicamente com outros homens, a despeito de diferenças ideológicas,
como estava fazendo com Hermann Ewerbeck, em Paris, e Karl Schapper,
em Londres.
Não é possível deixar de observar o forte elemento de antipatia pessoal
na atitude de Marx em relação a Grün, uma aversão consideravelmente
mais acentuada do que em suas relações com outros rivais daquela época.
Ele expressou com todas as letras a acusação de que Grün não passava de
um impostor e oportunista. O ponto principal de seu ataque público contra o
livro de Grün era denunciar o autor como plagiador. Depois de, na esteira
do fracasso do projeto editorial, romper com os dois capitalistas
vestifalianos, Meyer e Rempel, Marx devolveu, furioso, o dinheiro que eles
haviam angariado em seu nome, comentando que não deviam confundi-lo
com Karl Grün – insinuando que Grün era um oportunista interesseiro
usando em benefício próprio recursos levantados para fins políticos. Marx
não era o único a pensar assim: diversos de seus correspondentes relataram
histórias semelhantes, e parece que Grün, pelo menos em alguns círculos,
primava pela reputação de falta de escrúpulos no trato com dinheiro.58
Há um elemento adicional que define a tempestuosa relação entre os
dois: suas expressivas semelhanças. Amigos, quando alunos da
Universidade de Bonn, ambos se mudaram posteriormente de lá para
Berlim. A exemplo de Marx, Grün era um acadêmico malsucedido, embora
seus interesses se dirigissem para a história da arte em vez da filosofia. Na
época em que escrevia para o Rhineland News, Marx tentara contratar Grün.
O jornal foi fechado antes que a contratação se concretizasse; todavia, Grün
fez seu nome escrevendo para o Mannheim Evening News, outro
proeminente jornal de esquerda. Assim como Marx, ele foi demitido de seu
cargo devido a pressões governamentais, e, seguindo a trajetória dele,
emigrou para Paris na condição de refugiado político. Lá, os dois
transitavam amigavelmente nos mesmos círculos, de modo que Grün se
surpreendeu quando soube dos ataques de Marx a ele. O plano de Grün, de
escrever um livro para apresentar as ideias dos socialistas franceses ao
público letrado alemão coincidia substancialmente com o projeto a que
Marx, Hess e Engels estavam se dedicando naquele mesmo período, projeto
este que visava editar traduções para o alemão de autores socialistas
franceses. As semelhanças iam mais longe. Da mesma forma que Marx,
Grün não era elegante, claro e meticuloso; também como Marx, ele
enfrentava dificuldades para sustentar a família. O conflito entre os dois
surgiu exatamente em decorrência das similaridades, pois ambos
procuravam ocupar o mesmo nicho no movimento socialista alemão: o de
um teórico capaz de promover o vínculo faltante entre o ideário francês e as
condições sociais da Alemanha. Contemporâneos de Marx, entre eles
correligionários do autor, entendiam que havia uma ligação total entre as
diferenças pessoais e as disputas políticas nas quais ele se envolvera. A
situação pessoal de Marx em Bruxelas também se tornava cada vez mais
difícil; tudo isso certamente alimentava o lado irascível de sua
personalidade e sua tendência a criar alternativas distintas e depois insistir
na escolha de uma em detrimento da outra.

TENDO SIDO EXPULSO de Paris por conclamação do governo


prussiano, Marx não se encontrava, em hipótese alguma, seguro em
Bruxelas. Ele deu às autoridades belgas garantias escritas de que não se
envolveria em atividades políticas, de modo a não oferecer aos prussianos
pretextos para sua extradição. No entanto, ao tomar conhecimento de que o
governo da Prússia planejava fazer exatamente isso, Marx, seis meses após
a chegada em Bruxelas, abriu mão de sua cidadania prussiana e comunicou
às autoridades da Prússia que pretendia emigrar para os Estados Unidos. Ele
esperava que os governantes ficassem satisfeitos com essa atitude e
deixassem-no em paz.59
Marx não partiu para os Estados Unidos, pois, na verdade, isso não
fazia parte de seus planos. A possibilidade de um novo pedido de extradição
continuou pairando sobre sua cabeça durante todo o tempo em que residiu
em Bruxelas. No entanto, tais ameaças, graves como devem ter sido,
assumiram um papel secundário frente à progressiva deterioração de sua
situação financeira. Em Bruxelas, as responsabilidades familiares
continuaram a aumentar. Laura, segunda filha de Marx e Jenny, nasceu em
26 de outubro de 1845; o mal-afortunado Edgar, no dia 2 de fevereiro de
1847. Com o intuito de economizar, Marx mudou-se, em maio de 1846, de
seu apartamento para um hotel com quartos mobiliados, o que significava
necessitar de menos empregados. Naquela época, e por todo o restante de
sua vida, a penúria financeira de Marx seria sempre uma pobreza
requintada; exceto em uma ocasião desastrosa, ele nunca pediu que Jenny
cuidasse da casa para ele, além do que, as frequentes gestações da esposa e
os episódios de enfermidade que a acometeram afastariam por completo
essa possibilidade. Karl e Jenny tiveram bastante sorte com suas
empregadas domésticas. A jovem de Tréveris que Jenny levara a Paris não a
acompanhou para Bruxelas, assim, a sogra de Karl encontrou uma
substituta entre as serventes da família Westphalen. A moça, que
permaneceu com o casal enquanto eles viveram, chamava-se Helene
(Lenchen) Demuth.60
Entretanto, Helene representava uma boca a mais a ser alimentada. A
perda da safra de batata, em 1845, e a terrível colheita de grãos do ano
seguinte fizeram os preços dobrarem, elevando o custo de todas as outras
coisas – um problema nada trivial, pois a receita de Marx não conseguia
acompanhar o aumento do custo de vida.61 Houve uma adicional e, talvez,
inesperada fonte de despesas para Marx: seu papel de aspirante a líder
político. Os aliados, assim como os potenciais correligionários, esperavam
contar com suporte financeiro. Marx financiou Weitling, mesmo quando
vociferava contra ele, e recebeu solicitações de dinheiro vindas de Karl
Ludwig Bernays e Hermann Ewerbeck, em Paris. Visitas de novos adeptos,
tais como o antigo oficial da artilharia, Joseph Weydemeyer, e do silesiano
Wilhelm Wolff eram sinais encorajadores e costumavam gerar
comemorações regadas a bebida; no entanto, obrigavam Marx a oferecer
acomodação a seus convidados.62
Enquanto as despesas aumentavam, a receita do autor só fazia
encolher. No início de sua estada em Bruxelas, os amigos e partidários de
Colônia e das vizinhanças continuaram a lhe enviar dinheiro, como fizeram
quando ele vivia em Paris. Contudo, a guinada de Marx na direção da
militância por um comunismo antiburguesia tornou-o relutante em depender
de recursos oriundos desses indivíduos. Conforme palavras dele em uma
carta para Joseph Weydemeyer, “Ainda existem em Colônia muitos
burgueses que provavelmente me adiantariam dinheiro por um prazo
preestabelecido. Acontece, porém, que essas pessoas se voltaram por algum
tempo para uma direção, em princípio, oposta à minha, portanto, eu não
devo neste momento me sujeitar a eles, de forma alguma”.63 A exemplo de
muitos intelectuais radicais da época, Marx tentou se sustentar trabalhando
como autor independente; todavia, a censura à imprensa na Alemanha
tornava praticamente impossível que ele conseguisse publicar seus textos.
Os poucos recursos ganhos por esse método não foram suficientes para os
gastos com a autopublicação de Miséria da filosofia. Marx recebeu algum
dinheiro da mãe e continuou a pressioná-la, sem sucesso, por um
adiantamento de sua parte nas propriedades familiares.64
Sua situação se tornava cada vez mais preocupante. Em maio de 1846,
ele havia penhorado as últimas peças de ouro e prata da família, além da
maior parte do enxoval de cama e mesa. Esse foi outro fator que motivou a
mudança para quartos mobiliados. No inverno seguinte, Marx recebeu a
visita de Stephan Born, tipógrafo experiente e um dos artesãos alemães
radicais que viviam no exterior, e viria a ser um importante líder operário
durante a Revolução de 1848. Alguns anos mais tarde, Born se lembrava de
ter conhecido o “pequeno e muito modesto apartamento, pobremente
mobiliado, em um subúrbio de classe operária em Bruxelas”, onde Marx
residia. Na ocasião dessa visita, Marx estava tentando não afundar,
lançando mão de algumas duvidosas notas promissórias. Engels, seu futuro
salvador nas questões financeiras, também se encontrava em situação
difícil, dependente de uma quantia mensal enviada por seu pai. Quando o
cheque não chegava, recorreria à casa de penhores ou mandava de Paris
para Marx um documento de entrega contra recebimento. Os outros aliados
esquerdistas de Marx não se encontravam em melhores condições. Ele
escreveu a Weydemeyer, “Vê-se pobreza e miséria por todos os cantos!
Neste momento, não sei mais o que fazer para me ajudar a superá-las”.65
Embora o próprio Marx negasse, é difícil acreditar que sua “miséria
privada”, como Moses Hess a definiu em relação ao rompimento com
Weitling, não estivesse diretamente vinculada a uma “disputa dentro do
grupo”.66 Decerto, os amigos e partidários de Marx o censuravam por suas
atitudes antagonistas e sua tendência a levar para a esfera pessoal as
diferenças políticas. Joseph Weydemeyer se chocou com o tratamento dado
por ele aos dois capitalistas vestifalianos, depois que estes se recusaram a
respaldar seu projeto editorial, acusando-o de desejar “levar esses conflitos
para a esfera do grupo; conflitos que são bastante pessoais e não têm
conexão com as questões de princípio [...]”. Weydemeyer foi mais longe,
enfatizando os antecedentes das dificuldades econômicas pessoais de Marx
e observando que ele rejeitara o dinheiro enviado pelos capitalistas,
recusando-se, em suas próprias palavras, a se envolver com “mendicância”.
Ao contrário, Weydemeyer salientou que o propósito do dinheiro era
socorrer “autores do partido que se encontravam em dificuldades
financeiras” decorrentes das restrições impostas pela censura política, que
os impedia de ganhar a vida com suas canetas. Não foram menos enfáticas
as críticas de Hermann Ewerbeck a “esse rompimento com a burguesia, que
pelo menos possui desejos nobres e o dinheiro” necessário para a
indispensável “publicação de seus textos”.67
A gravidade do embate com Karl Grün parecia até menos
compreensível. Hermann Ewerbeck censurou na atitude de Marx “o rancor
e o ódio contra Grün”, considerando injusto esse antagonismo político
calcado em motivos pessoais, em relação a alguém visto por ele como o
“Aristóteles do século XIX”. Heinrich Lüning, redator do Westphalian
Steamboat, não ficou satisfeito com o “tom demasiadamente ofensivo e
irascível” dos ataques contra Grün. Admitindo o caráter dúbio tanto das
ideias como da personalidade de Grün, Lüning ressaltou que, não obstante,
ele estava do mesmo lado que outros socialistas: “qual é a finalidade de se
atacar alguém com uma clava, quando essa pessoa trabalha, pelo menos em
parte, com os mesmos objetivos?”68
Os amigos costumavam atribuir às “demandas ditatoriais e ao tom
autoritário de Engels”, assim como à “sua arrogância e vaidade”, a culpa
pelos diversos conflitos pessoais em que Marx estava envolvido.69 Era
verdade que as intervenções de Engels frequentemente tornavam as coisas
piores, e que as cartas escritas por ele para Marx continham um excesso de
comentários desdenhosos e depreciativos a respeito de outros ativistas
políticos. No entanto, ele não foi responsável pelos conflitos de Marx, tanto
quanto potencializou a tendência deste a confundir as esferas política e
pessoal, uma inclinação exacerbada pela difícil situação financeira de sua
família e por sua precária posição política, na qualidade de refugiado e
aprendiz de revolucionário.
Fazendo um balanço das atividades de Marx até o final de 1846,
depois de quase dois anos em Bruxelas, o aspecto negativo se sobrepõe ao
positivo. Os esforços para reunir e organizar os comunistas de língua alemã
em toda a Europa foram suficientes para arregimentar apenas uns poucos
correligionários e geraram muito antagonismo pessoal. Os planos editoriais
e as tentativas de levar suas percepções teóricas aos intelectuais alemães de
esquerda foram amplamente frustrados. As conexões com os trabalhadores,
em cujo nome Marx falava, eram em geral estabelecidas por intermédio de
outros líderes intelectuais com quem ele nem sempre se encontrava de fato.
O próprio Engels expressou esse ponto de vista desencorajador, em
uma carta que escreveu de Paris para Marx, em novembro ou dezembro de
1846. Relatou suas frustrações com os partidários de Grün existentes entre
os artesãos alemães da capital francesa. Ainda não havia um “veículo” ou
uma publicação através dos quais Marx tivesse condições de levar suas
ideias ao conhecimento do público, e, portanto, ele e Engels continuaram
dependentes dos comunistas de Londres, os quais haviam deixado a
correspondência comunista de Marx “dormir na paz do Senhor”. Depois de
expor as diferenças com os artesãos comunistas alemães que viviam em
Londres, Engels observou que eles, sem dúvida, não teriam serventia.
“Esses camaradas vão se declarar o ‘povo’, o ‘proletariado’ contra nós, e
nos restará apenas recorrer a um proletariado comunista que na Alemanha
ainda precisa se formar”.70
Tais experiências eram típicas da frustração que afligia os refugiados
políticos radicais em toda a Europa. Era bastante difícil tentar ser um
revolucionário em uma situação da qual o comando é inabalavelmente
mantido pelas autoridades, e fazê-lo em um país estrangeiro tornava-se
ainda mais difícil. Os esforços se esgotavam em discussões infrutíferas, e o
antagonismo pessoal agravava as controvérsias políticas, desviando-as para
canais estéreis. Em 1847, a situação mudou rapidamente, à medida que os
pilares da ordem política começaram a se desestabilizar. Novas
oportunidades em termos de ações políticas se abriram para Marx, e ele teve
a chance de formular suas ideias e fazê-las circular em diversos fóruns
públicos. A eclosão da revolução, no início de 1848, ampliou
exponencialmente essas possibilidades, tornando claro que o doloroso
aprendizado revolucionário de Bruxelas, a despeito de todas as dificuldades,
fora um fecundo período de preparação.
Parte II

A luta
6

O insurgente

PRENUNCIANDO A CHEGADA da tempestade, os ventos ganharam


força e os céus escureceram. Os animais passaram a buscar abrigo e as
pessoas, inquietas, sentiam aumentar a pressão. O ano de 1847 foi repleto
de sinais da aproximação de uma tempestade revolucionária – não apenas
aparente, quando vista em retrospecto, mas evidente para os cidadãos
daquela época. Uma crise comercial, financeira e industrial – hoje, diríamos
uma grave recessão –, na esteira das safras perdidas nos dois anos
anteriores, abalou drasticamente a confiança da população no sistema
governamental vigente. Com a dissipação da confiança no status quo da
Europa, seus muitos e diferentes oponentes, aqueles que os contemporâneos
costumavam chamar o “partido do movimento”, redobraram e
intensificaram suas atividades oposicionistas. Paris, o centro continental, foi
palco de grandes assembleias políticas, travestidas, por motivos legais, em
grandiosos banquetes. Nesses “banquetes de campanha”, os líderes da
oposição falavam em favor de um direito democrático.
Essa forma de reunião se espalhou por toda a região urbana da França,
e os discursos pedindo reformas se misturavam cada vez mais a invocações
dos heroicos dias revolucionários de 1789 e 1793. Nas áreas situadas no sul
e no oeste da Europa, onde os governos absolutistas ainda reinavam, foi
dado um passo radical com a demanda pela mesma monarquia
constitucional que a oposição francesa vinha condenando. O rei da Prússia,
Frederico Guilherme IV, convocou suas Assembleias Provinciais para um
encontro conjunto em Berlim e acabou descobrindo que essa “Assembleia
Unida” estava dominada por liberais, que exigiam a outorga de uma
constituição. Semelhantes confrontos públicos, entre um monarca
absolutista e alguma forma de instituição representativa controlada por uma
oposição liberal, tornaram-se fenômenos amplamente conhecidos no ano de
1847, em cidades como Roma, onde uma assembleia consultiva dos Estados
papais reivindicou uma constituição, e Budapeste, onde a Assembleia
Húngara posicionou-se contra o Império Austríaco. Esses e muitos outros
presságios de uma iminente transformação política agiram como choques de
motivação, estimulando os esforços organizacionais e a formulação de
plataformas políticas. Nos Estados alemães, os radicais articularam seus
movimentos em Offenburg, e os liberais, em Heppenheim, em setembro e
outubro de 1847, respectivamente.
Marx via nesse surto de atividade política um bem-vindo alívio
temporário para a estagnação na qual seus esforços haviam naufragado no
final de 1846. Ele se envolveu de corpo e alma em duas diferentes
iniciativas de organização: a transformação da Liga dos Justos, baseada em
Londres, na Liga Comunista; e a criação de uma associação democrática
internacional, em Bruxelas. Essas duas novas organizações ofereceram a
Marx a oportunidade de fazer chegar a um público mais amplo as teorias
que ele vinha elaborando: para os democratas de Bruxelas, suas ideias a
respeito do livre comércio e as relações deste com o desenvolvimento do
capitalismo e de um proletariado revolucionário; para a Liga Comunista,
seu famoso manifesto.
Todo o empenho de Marx foi dirigido para o planejado congresso
democrático internacional, cuja realização tornava-se cada vez mais
provável em um ambiente de acelerada transformação política. No entanto,
a mudança chegou ainda mais rápida e drasticamente do que Marx
imaginava. A manifestação inicial aconteceu na Suíça, símbolo atual do
conservadorismo e da tranquilidade, porém, o mais esquerdista dos países
da Europa em meados do século XIX, e uma nação marcada por turbulência
e agitação. A vitória dos radicais na Guerra Civil suíça de 1847, decorrente
da inabilidade das grandes potências, em especial do Império Austríaco,
para intervir em nome dos menos numerosos conservadores suíços, foi o
primeiro sinal da revolução que se agigantava sobre a Europa. Logo em
seguida houve rebeliões no sul da Itália, no começo de 1848, e, depois, o
golpe decisivo: a derrubada da monarquia na França e a proclamação da
república, em Paris, no final de fevereiro. Ondas de insurgência
ultrapassaram as fronteiras da capital francesa e varreram o continente,
alcançando os Estados alemães, em meados de março.
Lançando mão de sua posição influente dentro da Liga Comunista,
recém-reorganizada, e de seus contatos de longa data em Colônia, Marx
dedicou seu escasso tempo à causa revolucionária. Durante pouco mais de
um ano, entre a primavera de 1848 e a de 1849, ele foi, pela primeira e
última vez em sua vida, um insurgente revolucionário: escrevendo em estilo
insolente e subversivo para o New Rhineland News; convertendo-se em
líder dos democratas radicais da cidade de Colônia e da Renânia prussiana;
tentando organizar a classe trabalhadora em Colônia e no âmbito de toda a
Alemanha; e fomentando reiteradamente a insurreição. Em todas essas
atividades, Marx promoveu de forma persistente a estratégia revolucionária
que imaginara pela primeira vez em seu ensaio a respeito da questão
judaica, e que viria a apresentar, em linguagem brilhante, no Manifesto
comunista. Pressionou por uma revolução democrática que destituísse a
autoritária monarquia prussiana. Ao mesmo tempo, pretendia organizar a
classe trabalhadora de forma que ela realizasse um levante comunista contra
o regime capitalista que ele esperava ser estabelecido por tal revolução
democrática. Na verdade, Marx estava propondo um duplo retorno da
Revolução Francesa: uma repetição, na Prússia de meados do século XIX,
da fase ocorrida no período 1789-1794, e também uma tomada do poder
pelos trabalhadores, no final dos anos 1840, nos mesmos moldes da tomada
do poder pela burguesia no final dos anos 1780. A realização simultânea
dessas duas iniciativas, como Marx descobriria em suas interações com
trabalhadores, democratas radicais e Socialistas Verdadeiros de Colônia,
mostrou-se consideravelmente mais difícil na prática do que na teoria.

EM FEVEREIRO DE 1847, os comunistas de Londres enviaram Joseph


Moll a Bruxelas, com o propósito de negociar com Marx e Engels a
reorganização da Liga dos Justos. Engels concordou em respaldar esses
planos e, em um congresso realizado em Londres, em junho daquele ano, o
grupo foi rebatizado como Liga Comunista. Marx não compareceu ao
encontro; seus interesses foram representados por Engels, na qualidade de
delegado do ramo parisiense, e por Wilhelm Wolff, seu aliado silesiano,
como delegado de Bruxelas. Marx alegou que sua insuficiência de recursos
financeiros o impedia de participar. Como ele havia conseguido dinheiro
para outros projetos daquela época, tais como a publicação da Miséria da
filosofia, é provável que tenha colocado em segundo plano o
estabelecimento de conexões mais próximas com os comunistas londrinos
ou, talvez, estivesse aguardando para ver o rumo que a planejada
reorganização tomaria.1
A despeito da ausência, Marx aprovou os resultados. A ênfase da Liga
deixou de ser uma conspiração revolucionária para se tornar propaganda
aberta; a organização se preparou para lançar seu próprio periódico. O
antigo slogan “Todos os homens são irmãos” foi substituído por outro,
idealizado por Karl Schapper: “Trabalhadores do mundo, uni-vos!” – uma
frase inseparavelmente associada a Marx. Novos estatutos anunciaram a
comunhão de bens como meta da organização. Uma “Profissão de fé
comunista”, redigida por Engels, primeiro rascunho ainda muito distante do
Manifesto comunista, transformou-se no programa político do grupo. A
Liga apoiou Marx em sua disputa com Karl Grün, acusando o último de ser
“cavaleiro da indústria literária e explorador dos trabalhadores”.2
Marx deve ter se juntado formalmente à Liga após a realização do
congresso, e se tornou presidente da “Congregação” de Bruxelas –
denominação dada pelos novos estatutos aos afiliados locais da Liga.
Seguindo a prática dos comunistas de Londres, seus congêneres de Bruxelas
fundaram a Associação Educacional dos Trabalhadores, cujo número de
congregados na capital belga, no outono de 1847, ficava na casa dos setenta
ou, no máximo, cem artesãos alemães. Mais ou menos na mesma época em
que estava estabelecendo sua associação com os comunistas de Londres,
Marx também encontrou um veículo para publicação de suas opiniões. Este
era um pequeno jornal de língua alemã, o German-Brussels News, muito
semelhante ao parisiense Forwards! e publicado por Adalbert von
Bornstedt, um dos editores do Forwards!. A opção por Bornstedt gerou
certa controvérsia, já que no passado ele havia sido um espião prussiano,
como era conhecido entre os refugiados e os radicais. Marx, no entanto,
considerou que a oportunidade de acesso – finalmente – a um jornal de
língua alemã não sujeito à censura, superava qualquer reserva que os
radicais pudessem ter em relação ao passado de Bornstedt. De acordo com
as palavras escritas por Marx a Georg Herwegh, “A oposição, em todas as
suas vertentes, prefere se sentir ofendida com o nome de Bornstedt [...] Irá
essa gente algum dia carecer de desculpas para sua inatividade?”. É difícil
deixar de perceber o desejo por ação contido nessa assertiva.3
Nem Bornstedt, tampouco o jornal por ele publicado, assumiu uma
posição peremptória a favor de Marx. O democrata alemão, e
anticomunista, Karl Heinzen, por exemplo, denunciou Marx e Engels nas
páginas do German-Brussels News. A resposta dos dois foi dada via
Manifesto comunista. No final de setembro, Bornstedt e outros radicais
alemães que viviam em Bruxelas se juntaram a democratas e refugiados
belgas para planejar uma assembleia pública, na qual seria fundada uma
sociedade democrática internacional, nos mesmos moldes dos Democratas
Fraternais de Londres. Quando a reunião foi anunciada, Marx se encontrava
fora da cidade, negociando com os parentes holandeses de sua mãe a
possibilidade de receber um adiantamento da parte que lhe cabia na
herança. Engels, protegendo a retaguarda na ausência do parceiro, estava
convencido de que o plano não passava de um complô orquestrado por
Bornstedt e seus simpatizantes, com o objetivo de solapar a liderança de
Marx na Associação Educacional dos Trabalhadores Alemães.
Devido à sua hostilidade permanente contra os companheiros de
inclinação esquerdista, é possível que Engels tenha exagerado os motivos
dos autores do plano; contudo, o sucesso de sua reação aos perigos
políticos, tanto os reais como os imaginários, demonstraram a eficiência do
braço da Liga Comunista em Bruxelas e de sua afiliada Associação
Educacional dos Trabalhadores. Com apenas 24 horas de antecedência, ele
e outros líderes do grupo mobilizaram trinta membros da associação dos
trabalhadores para que tomassem parte no encontro. Conforme acertado
antecipadamente, eles propuseram que Engels assumisse uma das vice-
presidências da recém-fundada associação democrática – uma honra
rejeitada por Engels em um primeiro instante “porque eu pareço jovem
demais”, mas por fim aceita. Quando Marx retornou a Bruxelas, Engels,
que voltou a Paris para dar sequência à sua campanha contra Karl Grün,
renunciou ao cargo em favor do parceiro.4
O nome desajeitado da organização recém-fundada, “Associação
democrática cujo objetivo é a união e a fraternidade de todas as pessoas”,
contradizia a flexibilidade e a energia que a caracterizavam. Contando com
pelo menos duzentos membros, a associação patrocinava reuniões públicas
regulares e irrestritas, que tratavam tanto de assuntos domésticos, tais como
a necessidade de uma representação mais democrática na Bélgica, como de
questões internacionais; por exemplo, a recriação de uma Polônia
independente. No final de 1847 e início de 1848, com a escalada das
tensões políticas na Europa, esses encontros chegaram a atrair cerca de mil
participantes. Marx foi o principal orador em uma reunião de janeiro de
1848, destinada à discussão do livre comércio e do protecionismo. Sua fala
de uma hora, em francês, foi aclamada (como registram as minutas) com
“vigoroso aplauso”, e com a decisão favorável ao financiamento de sua
publicação, na forma de um panfleto, o qual foi lançado poucas semanas
mais tarde.5
A dualidade da posição de Marx em Bruxelas, presidindo, por um
lado, a Associação Educacional dos Trabalhadores Alemães, e exercendo,
por outro, a vice-presidência da Associação Democrática Internacional,
mostrou-se vantajosa para suas relações com os comunistas alemães e os
ingleses radicais de Londres. A autoridade central da nova Liga Comunista,
baseada na capital da Inglaterra, insatisfeita com a repercussão entre os
afiliados europeus, do congresso para sua reorganização, decidiu realizar
uma segunda assembleia, em novembro de 1847. Os Comunistas Alemães
Residentes em Bruxelas, uma associação continental que apoiava
incondicionalmente o novo rumo da Liga, eram fundamentais para os
planos, e a liderança da Liga insistiu para que Marx estivesse presente nesse
encontro. Ele fez a viagem, embora sua situação financeira fosse mais
desesperadora do que nunca. Jenny e as crianças, todos doentes,
permaneceram em Bruxelas; Jenny se via “verdadeiramente acossada pelos
credores e passava por um constrangimento financeiro lamentável”. A
tentativa de Marx, no sentido de resolver a situação, revelava seu próprio
embaraço. De Londres, ele enviou uma carta a seu camarada russo, Pavel
Annenkov, solicitando um empréstimo de 200 francos para socorrer sua
família. Annenkov deveria mandar o dinheiro para Jenny sem deixar que
ela soubesse do envolvimento de Marx, e este último, pagaria o empréstimo
quando recebesse o adiantamento de sua parte na herança dos pais.
Desde o Primeiro Congresso da Liga, no mês de junho do ano anterior,
a situação política em Londres e Bruxelas havia se desenrolado de maneira
muito mais favorável do que as finanças familiares de Marx. Ele agarrou a
oportunidade e o resultado do Segundo Congresso representou outra etapa
na progressiva influência que ele exercia sobre o programa e a política da
Liga. Estatutos recém-adotados redefiniram os objetivos dessa associação:
derrubada da burguesia; governo exercido pelo proletariado; e extinção da
sociedade de classes e da propriedade privada – metas explicitamente
comunistas expressas nos termos empregados pelo próprio Marx. O
congresso delegou a ele poderes para redigir o programa da Liga, o qual
viria a se converter no Manifesto comunista. Enquanto esteve em Londres,
Marx, na qualidade de representante da Associação Democrática de
Bruxelas, negociou com os Democratas Fraternais o planejado congresso
internacional de esquerda. Foram estabelecidos acordos definitivos para
realização do evento em Bruxelas, no final de setembro de 1848, com um
encontro de avaliação programado para Londres em 1849.6
Ao contrário do ano anterior, 1847 foi muito exitoso para as atividades
políticas de Marx. Ele superou o isolamento e os erros prévios e estava,
então, relacionando-se com grupos que ofereciam múltiplas possibilidades,
em termos de ações políticas, e dentro dos quais mantinha posições-chave.
Bruxelas e Londres tinham a cobertura da autoridade central da Liga
Comunista, dos Democratas Fraternais, da Associação Democrática de
Bruxelas e da Associação dos Trabalhadores Alemães. Em Paris, Engels era
uma figura destacada na Liga Comunista e, em Colônia, existiam duas
assembleias da Liga; uma comandada por Roland Daniels e Heinrich
Bürgers, confidentes de Marx de longa data, e a outra, por amigos e adeptos
de Moses Hess, que, na época, havia se reconciliado com Marx. O German-
Brussels News era para este último um veículo de comunicação de seus
escritos. Além do mais, estava em andamento um projeto para publicação
de um periódico sobre economia política e a própria Liga Comunista
planejava lançar um periódico no início de 1848, tendo Wilhelm Wolff
como editor.7
O Congresso Democrático Internacional, em vias de se tornar
realidade, seria o apogeu de todos esses esforços políticos e pavimentaria o
caminho para as futuras ações políticas revolucionárias, do mesmo modo
que as iniciativas do partido do movimento estavam abalando a ordem
política europeia. Essas associações multifacetadas proporcionaram a Marx
a oportunidade de imprimir as ideias relativas a desenvolvimento
econômico, conflitos sociais e estratégias políticas, que ele vinha
amadurecendo desde que se mudara para Bruxelas, e as fascinantes
perspectivas de ação revolucionária propiciaram o contexto no qual ele
formulou tais ideias.
Em fevereiro de 1848, com a onda revolucionária ganhando força em
toda a Europa, mas ainda distante de seu auge, dois panfletos escritos por
Marx foram publicados pela Associação Democrática de Bruxelas e pela
Liga Comunista, respectivamente. Ambos refletiam seus anos de estudo,
assim como a formulação e reformulação de suas ideias, mas também
repercutiam as imperativas demandas de uma situação política que se
radicalizava rapidamente. Um desses panfletos, a versão impressa do
discurso sobre livre comércio que ele havia proferido, é bastante vago; o
outro, o Manifesto comunista, tornou-se a mais célebre das publicações de
Marx. Uma análise do conteúdo desses dois trabalhos revela o pensamento
e os planos do autor, às vésperas de uma revolução continental da qual ele
seria um partícipe determinado.
Entre os dias 16 e 18 de setembro de 1847, realizou-se em Bruxelas
um congresso internacional de economistas, no qual líderes da liga inglesa
contra a lei dos cereais, que acabavam de sair vitoriosos de uma batalha
pela isenção de tarifas sobre a importação de grãos, juntaram-se a seus
congêneres de todo o continente para exigir o livre comércio global. A
opinião desses líderes prevaleceu sobre a dos poucos adeptos do
protecionismo presentes no congresso. Marx se registrou para o encontro,
mas não teve oportunidade de subir à tribuna para proferir o discurso que
preparara, com base nos comentários feitos em janeiro de 1848 para a
Associação Democrática de Bruxelas. O discurso foi um exemplo
impressionante da transformação manifestada por Marx, passando da defesa
de uma ortodoxia econômica do livre mercado para a demanda por uma
revolução comunista.8
Proponentes da lei dos cereais de 1846 argumentavam que a extinção
das tarifas sobre a importação de grãos contribuiria para a redução dos
preços, melhorando, dessa forma, o padrão de vida dos trabalhadores. Em
sua resposta, Marx citou afirmação de David Ricardo, “o apóstolo dos livres
comerciantes ingleses, o mais destacado economista de nosso século”,
segundo a qual no decorrer do ciclo de vida dos negócios tal redução dos
preços dos alimentos provocaria cortes nos salários, fazendo desaparecer
qualquer tipo de ganho em termos de poder de compra. Os defensores do
livre comércio argumentaram também que o declínio dos preços dos
alimentos estimularia o consumo e elevaria a demanda, promovendo a
expansão da produção, o aumento do número de empregos e a elevação dos
salários. A resposta de Marx salientou que a indústria cresceria em razão de
um acúmulo de capital, ou seja, por meio da introdução de máquinas e do
aprofundamento da divisão do trabalho – cujo resultado seria observado na
redução do nível de emprego e dos salários. De acordo com ele, tal
fenômeno já ocorrera ao longo do quarto de século anterior, em Manchester.
A despeito da acentuada redução do número de operários da indústria têxtil,
acompanhada por depauperamento dos salários, os trabalhadores
produziram um volume bem maior de algodão. A concorrência mecanizada
da Inglaterra acabou com o trabalho manual de fiação e tecelagem na Índia:
“a musselina de Dacca, renomada em todo o mundo pela beleza e
homogeneidade de sua trama, foi, da mesma forma, suplantada pela
concorrência das máquinas inglesas”.
A argumentação de que o livre comércio empobrece a classe
trabalhadora, assim como todos os países subdesenvolvidos, enquanto
enriquece um pequeno grupo de capitalistas, dificilmente faz a política
parecer muito atraente. Embora Marx tenha acusado o protecionismo, lado
oposto do livre comércio, de ser “conservador” e um recurso do “Antigo
Regime”, ele enalteceu o livre comércio, considerado “destrutivo”. “Isso
invalida os velhos sentimentos nacionalistas e leva ao extremo o
antagonismo entre a burguesia e o proletariado. Em resumo, o sistema de
liberdade comercial precipita a revolução social. É somente nesse sentido
revolucionário, senhores, que eu voto em favor do livre comércio”.
Podemos apenas presumir o alvoroço que esse discurso teria provocado,
caso Marx tivesse ganhado a palavra no congresso dos economistas.
É fácil imaginar um socialista apoiando o protecionismo, como forma
de rejeição à primazia do livre mercado capitalista. Karl Grün, por exemplo,
descrevera as tarifas protecionistas como “socialismo no meio da política”.9
O próprio Marx não se opunha à interferência no livre mercado por si só.
Ele defendia veementemente os sindicatos de comércio e as greves,
acusando Proudhon por sua rejeição a tais recursos. No entanto, Marx se
manteve fiel ao livre comércio, uma doutrina que endossara com
determinação em seu período de pré-comunismo, quando editor do
Rhineland News, entre 1842 e 1843. Cinco anos mais tarde, continuava
apoiando o livre comércio, porém, sua motivação então era outra: encarava-
o como uma via para um comunismo iminente ou, segundo sua colocação
para os democratas de Bruxelas, uma revolução “social”. A iminência de tal
revolução foi o tema central do Manifesto comunista.
Em 1847, circularam diversas propostas diferentes para um novo
programa da Liga Comunista. Moses Hess, que na época residia em Paris,
havia submetido para aprovação um rascunho do programa; contudo,
Engels, conforme suas palavras exultantes para Marx, “preguei uma peça
diabólica em Mosi”, colocou esse rascunho em discussão sem o
conhecimento do próprio Hess, e encaminhou a revisão para Londres com o
endosso dos comunistas parisienses. “Naturalmente, demônio algum pode
saber disso, ou todos nós seremos postos para fora e haverá um escândalo
enorme”.10
Engels deu ao novo esboço por ele redigido o título de “Fundamentos
do comunismo”. A exemplo da primeira versão, essa também foi escrita nos
moldes de um catecismo. O emprego de formas religiosas em discussões
políticas era uma prática comum naquela época e visava à produção de
documentos destinados a atingir um público mais amplo; o Pai Nosso e o
Credo dos apóstolos eram, igualmente, muito usados com esse propósito. O
documento de Engels continha 25 questões, cada uma com a respectiva
resposta, mas já na quarta questão as respostas ficaram longas demais e não
se assemelhavam em nada às explicações de um catecismo. Com o
desenrolar do desenvolvimento do programa, a insatisfação de Engels
começou a se manifestar e, nas vésperas da partida dos dois para o
congresso de Londres, ele afirmou a Marx, “Eu penso que faríamos melhor
se abandonássemos a forma de catecismo e intitulássemos essa coisa de
Manifesto comunista”.11
O congresso da Liga em novembro de 1847 atribuiu a Marx a tarefa de
redigir a plataforma política revisada da organização. Como costumava
acontecer com frequência, ele teve problemas para cumprir o prazo, e a
autoridade central da Liga foi obrigada a lhe enviar, no final de janeiro de
1848, uma carta com ameaças, exigindo a entrega do documento dentro de
uma semana.12 Deve-se reconhecer o lado positivo do fato de Marx não ter
se apressado, pois o resultado foi uma verdadeira obra-prima da literatura: a
uma só vez, conciso, expressivo, elegante, marcante e sarcasticamente
divertido. Empregando a estrutura e os argumentos do texto “Fundamentos
do comunismo”, de Engels, Marx retrabalhou o argumento à luz de sua
própria história de vida. O manifesto resultante, embora tivesse o propósito
de falar em nome de um processo histórico objetivo, que conduzia
inexoravelmente a seu desfecho revolucionário, era uma profunda
expressão pessoal das experiências e do desenvolvimento intelectual de
Marx.13
O texto começava com a célebre afirmação de que o espectro do
comunismo assombrava a Europa e da consequente necessidade de que os
comunistas explicassem suas ideias. O passo seguinte não era, como se
poderia esperar, uma descrição das ideias comunistas, mas sim, um
delineamento da história humana, baseado na divisão da sociedade em
classes e nas lutas entre essas classes. Tratando principalmente da história
mais recente – o desenvolvimento do capitalismo e o surgimento de uma
burguesia capitalista –, o relato passava para as consequências econômicas,
sociais, políticas e culturais desse desenvolvimento, descritas em uma
linguagem memorável: “a idiotice da vida rural”, o desdém pelo
“proletariado estúpido [...] instrumento subornado da intriga reacionária”,
ou a afirmação de que a burguesia “produz, acima de tudo, seu próprio
coveiro. Seu declínio e a vitória do proletariado são duas ocorrências
igualmente inevitáveis”. Esse último pronunciamento trazia uma conclusão
culminante. Um capitalismo dominado por crises crescentes criara um
proletariado cada vez maior e mais empobrecido, um proletariado cujas
lutas de classes o empurravam na direção de uma derrubada revolucionária
da sociedade capitalista, do mesmo modo que a burguesia havia outrora
destronado o velho regime de sociedade de ordens. Toda essa seção do
documento era uma representação, em forma dramática e refinada, das
ideias desenvolvidas anteriormente no capítulo sobre Feuerbach, do A
ideologia alemã.
Só depois dessa revisão histórica Marx iniciou uma seção a respeito do
comunismo; porém, ela falava muito pouco sobre uma futura sociedade
comunista. Pelo contrário, o texto trazia uma exposição da análise relativa à
ideologia, contida no capítulo sobre Feuerbach. Ataques ao comunismo,
acusado de contradizer a justiça e a moralidade, eram respondidos com
refutações incisivas, segundo as quais “as ideias que governam uma época
são as ideias de sua classe governante”. Os valores morais tinham caráter
ideológico e se baseavam nos sistemas de produção vigentes, de forma que
o comunismo não se caracterizava como uma transgressão da justiça e da
moralidade, mas apenas da justiça e da moralidade capitalistas. Ainda na
mesma linha do capítulo relativo a Feuerbach, Marx afirmou que a defesa
do comunismo não era ideológica em si mesma, mas “a expressão universal
dos verdadeiros relacionamentos da luta de classes existente [...]”.
A análise da história sob o signo da luta de classes e os ataques às
acusações contra o comunismo constituem a porção mais conhecida e
frequentemente citada do Manifesto comunista. Embora baseado na
percepção de Marx a respeito das circunstâncias socioeconômicas e
políticas dos anos 1840, o texto foi escrito e é lido como um tratado
histórico e sociopolítico universal. Os 35% restantes do panfleto guardavam
uma relação mais específica com o tempo e o lugar e, portanto, recebem
menos atenção. Contudo, são fundamentais para a compreensão das ações
de Marx na Revolução de 1848 e do desenvolvimento de suas disputas
políticas. A seção relativa ao comunismo foi finalizada com um programa
de dez pontos para um futuro governo comunista. A seguir, vinha uma
análise de trabalhos de outros teóricos do socialismo e do comunismo,
dando a Marx outra oportunidade de atacar os Socialistas Verdadeiros e
enfatizar as diferenças entre sua interpretação do socialismo, em
comparação com a de seus contemporâneos. Uma conclusão breve trazia
uma visão geral das condições políticas na Europa e na América do Norte,
destacando o relacionamento dos comunistas com o “partido do
movimento”. O trabalho se encerrava com uma célebre bravata
revolucionária: “Podem as classes governantes estremecer pela ideia de
uma revolução comunista. Os proletários não têm nada a perder nessa
revolução, exceto as correntes. Eles têm o mundo a ganhar”. E então, foram
impressas e publicadas pela primeira vez, as palavras de ordem de Karl
Schapper: “Trabalhadores do mundo, uni-vos!”. Um comentário detalhado
do Manifesto consistiria, em si só, um livro, portanto, vou apenas tentar
mostrar alguns dos caminhos pelos quais Marx traduziu suas experiências
passadas e seu desenvolvimento intelectual em um programa político.
O clangor de trombetas do parágrafo introdutório anunciava o
“espectro, ou fantasma, do comunismo” assombrando a Europa, e
comparava, de forma insolente, essa “historinha” infantil de fantasmas com
a realidade do ideário comunista. Marx havia empregado essa exata
comparação em seu artigo de maio de 1842, no Rhineland News, a respeito
da liberdade de imprensa. Naquela ocasião, era o governo conservador da
Prússia o acusado de acreditar puerilmente em fantasmas, interpretando a
demanda por liberdade da imprensa como um “espectro francês”. Marx
havia colocado a comparação em termos filosóficos, contrastando a
ingenuidade e a crendice do governo prussiano, em uma percepção sensória
irrefletida, com os direitos humanos desenvolvidos filosoficamente com
base no espírito político hegeliano, mais avançado e maduro. O mesmo
contraste emergiu, em termos políticos, no Manifesto, porque as “potências
da velha Europa” interpretavam o espectro do comunismo de forma ingênua
e infantil. Contrapostos a essa percepção pueril – essa “historinha do
espectro do comunismo” – estavam os verdadeiros “pontos de vista,
objetivos e tendências” dos comunistas, que o Manifesto apresentava.14
Nessa introdução passional, Marx afirmava que os governos
conservadores da Europa acusavam a oposição política de ser comunista –
uma observação muito justa. Contudo, ele fez na sequência uma insinuação
estranha, segundo a qual os oposicionistas políticos radicais acusavam seus
oponentes conservadores de serem comunistas. Na Europa da década de
1840, tal postura dificilmente seria observada na oposição radical, mas era
algo que o próprio Marx havia feito. Quando editor do Rhineland News, ele
respondera a uma acusação do Augsburg General News, que classificara de
comunista sua política editorial, denunciando os pensadores conservadores,
apoiados ostensivamente pelos jornais de Augsburgo, como sendo os
verdadeiros comunistas.15
Um alvo particular da ira de Marx quando Jovem Hegeliano e editor
do Rhineland News, fora o governo de Frederico Guilherme IV da Prússia e
seus Românticos e recém-convertidos partidários cristãos conservadores,
movidos por forte simpatia pela sociedade de ordens prevalente no período
pré-1789. Uma importante, porém normalmente negligenciada,
característica da discussão promovida pelo Manifesto sobre as
consequências do capitalismo era a afirmação da natureza anacrônica e
amaldiçoada do governo prussiano e de seus proponentes. Conforme os
analistas costumam observar com frequência, o Manifesto incluía um elogio
à burguesia. Louvando seu “papel acentuadamente revolucionário”, Marx
admirava a brutal determinação da burguesia em destruir os sistemas social,
econômico e intelectual existentes e implantar os seus, caracterizados por
mudanças constantes. O discurso laudatório culminava com uma frase
célebre: “Tudo o que é sólido derrete no ar, tudo o que é sagrado é
profanado e o homem é finalmente obrigado a encarar, com sóbrio bom
senso sua verdadeira condição de vida e suas relações com os
semelhantes”.16 Uma vasta literatura de crítica cultural foi desenvolvida em
torno dessa afirmação de incessante e caleidoscópica transformação,
relacionando-a à cena cultural modernista e pós-modernista e às inovações
aparentemente sem fim e cada vez mais rápidas do capitalismo vigente no
final do século XX e início do século XXI. Quando algumas das outras
previsões de Marx, tais como o empobrecimento da massa trabalhadora,
não ocorreram de acordo com o imaginado, essa interpretação ajudou a
preservar sua reputação de profeta.17
No entanto, tal interpretação é baseada em uma tradução equivocada
do original alemão. A famosa frase que inicia o original, “Das stehende und
das ständische verdampft”, seria mais corretamente, se não de forma mais
elegante, traduzida como: “Tudo o que tem uma existência determinada e
todos os elementos da sociedade de ordens evaporam, tudo o que sagrado é
profanado e os homens são finalmente compelidos a encarar sua posição na
vida e suas relações mútuas, com os olhos da sobriedade”. A burguesia, em
outras palavras, derrotaria os prussianos conservadores que Marx combatera
enquanto editor do Rhineland News. O poder econômico gerado por meio
das máquinas a vapor dos capitalistas (“evaporar” em alemão é verdampfen,
contendo dentro de si Dampf ou “vapor”) colocaria um fim à anacrônica
sociedade de ordens que Frederico Guilherme IV e seus partidários
idealizaram. De acordo com a teoria da ideologia, de Marx, os correlatos
intelectuais e artísticos daquela sociedade, em especial a glorificação
romântica da devota Idade Média, também terminariam. Seu lugar seria
ocupado por uma visão de mundo secular e pelas percepções frias e
objetivas do realismo artístico, que já circulava entre os autores da jovem
Alemanha, com maior destaque para o amigo de Marx em Paris, Heinrich
Heine.
O embate de Marx com os prussianos conservadores foi incluído em
outra das análises do Manifesto, a respeito das características culturais do
capitalismo: o fim iminente das nações e do nacionalismo. “A idiossincrasia
nacional e os conflitos entre nações desaparecem gradativamente com o
desenvolvimento da burguesia, com o livre-comércio, o mercado global, a
uniformidade da produção industrial e as relações de vida correspondentes a
eles.”18 Essa passagem foi uma das previsões menos exitosas de Marx, em
vista da crescente importância do nacionalismo na Europa pré-1914, que se
iniciou com as violentas manifestações revolucionárias de 1848 e atingiu
um clímax de tortura e pesadelo durante a Primeira Guerra Mundial.
Entretanto, se relembrarmos os esforços organizacionais e as experiências
do próprio Marx nos meses que precederam a elaboração do Manifesto –
participando do congresso internacional dos economistas do livre comércio,
em Bruxelas, ou trabalhando com os Democratas Fraternais de Londres e a
Associação Democrática de Bruxelas, ambos alicerçados na cooperação
entre radicais de diferentes nacionalidades –, poderemos saber como se
originou um argumento nesses moldes.
A esse respeito, a atitude de Marx não se diferenciava muito da dos
radicais da Europa nos anos 1840; eles imaginavam diferentes movimentos
nacionalistas cooperando entre si contra o domínio antidemocrático e
monárquico. Contudo, Marx, assim como Engels, tinha uma opinião
notadamente negativa em relação a algumas vertentes do nacionalismo
alemão da década de 1840. Os dois encaravam com desdém os nacionalistas
que viam as florestas teutônicas anciãs ou a Idade Média como fonte das
qualidades nacionais e falavam a respeito de uma nação “cristã-alemã”.
Frederico Guilherme IV e seus partidários conservadores algumas vezes
optavam por favorecer esse tipo de nacionalismo alemão, contrapondo-o a
uma França revolucionária e herege. Tal nacionalismo, vinculado a
conservadores que ambicionavam uma sociedade de ordens, era para Marx
mais uma das relíquias do passado que o capitalismo eliminava.19
Nessas passagens, Marx reciclou os argumentos iniciais que ele havia
empregado quando Jovem Hegeliano editor de jornal e oponente
democrático do autoritário governo prussiano, passando a defender
propósitos revolucionários comunistas. Ele estava, também, reinterpretando
seu próprio passado Jovem Hegeliano, fazendo das causas que havia
sustentado exemplos do brutal, porém triunfante, progresso da burguesia
capitalista na Europa central. Retrocedendo ainda mais para seu passado,
ele trouxe à tona as ideias de seu professor em Berlim, Eduard Gans, para
evocar a história humana como uma história das lutas de classe. O cotejo de
um extrato das memórias de Gans com o Manifesto confirma essa
percepção.

Homens livres e escravos, aristocratas e plebeus, barões e servos, senhores das guildas e
empregados, em resumo, opressores e oprimidos vivem em constante conflito mútuo [...] na
Roma antiga, nós tínhamos aristocratas, reis, plebeus, escravos; na Idade Média, senhores
feudais, vassalos, senhores das guildas, empregados e servos [...] [Em] nossa época, a época da
burguesia [...] A sociedade se separa ainda mais em dois grandes campos inimigos, em duas
grandes classes, assumindo posições diretamente contrárias uma à outra: burguesia e proletariado.
(Manifesto comunista, de Marx e Engels)

Os temas hegelianos estavam também presentes em dois aspectos da


exígua discussão de Marx a respeito do comunismo. Ele empregou o
raciocínio hegeliano para fugir de um dilema teórico autorreflexivo: como
poderiam, ele e Engels, bons burgueses, tornarem-se comunistas, tendo em
vista que suas teorias vinculavam ideias e fidelidade política a padrões de
classe, e ligavam o comunismo à oposição do proletariado à burguesia? Em
sua resposta, Marx fez uma analogia com as origens da Revolução
Francesa, quando alguns nobres se juntaram à causa da burguesia. Ele se
referia ao episódio revolucionário ocorrido na Assembleia dos Estados
Gerais em junho de 1789, na qual alguns entre os nobres e os representantes
do clérigo dos dois primeiros estados se uniram ao terceiro estado para criar
a Assembleia Nacional. As evidências de uma iminente revolução do
proletariado, análoga à Revolução Francesa da burguesia, estavam no fato
de alguns burgueses terem se aproximado do proletariado: “uma parte dos
ideólogos da burguesia que caminharam na direção de um entendimento
teórico de todo o movimento histórico”. Essa era, sem dúvida alguma, uma
referência a eles próprios – Marx e Engels –, mas representava, também,
um tributo à concepção filosófica de Hegel, segundo a qual a
autoconsciência é a forma mais elevada de evidência, e a compreensão de
um processo implica transcendê-lo e deixá-lo para trás. Como Marx e
Engels eram capazes de entender seu relacionamento com sua classe social
e com o lugar dessa classe na história, eles conseguiam ir além das formas
burguesas de pensamento, às quais as teorias dos dois a respeito de
ideologia os relegavam, no final das contas, a se associar ao proletariado:
um nítido elemento hegeliano e idealista em uma teoria
autoconscientemente materialista dos conflitos socioeconômicos e políticos.
Outrora, senhores e escravos, novos aristocratas e plebeus, senhores feudais e vassalos se
colocaram uns contra os outros, e agora, é o homem ocioso e o trabalhador. Se fizermos uma
visita às fábricas da Inglaterra, encontraremos centenas de homens e mulheres, famintos e
empobrecidos, dedicados à tarefa de sacrificar sua saúde e seu prazer pela vida, apenas em nome
de manter uma existência empobrecida.
(Memoirs, de Gans)20

A única descrição de uma sociedade comunista no Manifesto era a


afirmação de que ela seria “uma associação na qual o livre desenvolvimento
de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos”. Essa foi a
última versão do ideal de uma organização social que conciliava os
interesses particulares com os interesses gerais do Estado e da sociedade,
ideal formulado pela primeira vez no ensaio não concluído de Marx, em
1843, sobre a Filosofia do direito de Hegel. Descrito, em termos
explicitamente hegelianos, como a reconciliação do universal com o
particular, esse ideal se manteve através do longo período que cobriu a
associação de Marx com o humanismo materialista de Feuerbach, sua
versão inicial e feuerbaquiana de comunismo, até chegar ao mais duro,
agitador, grandiloquente e inequivocamente não hegeliano Manifesto
comunista.
Se, por um lado, o Manifesto tinha pouco a dizer a respeito da futura
ordem comunista, por outro era bastante explícito quanto à forma de
consecução dessa ordem, e apresentava um programa de dez pontos para
um futuro governo comunista, extraído quase literalmente do rascunho de
programa elaborado por Engels para a Liga Comunista. As medidas
propostas incluíam ideias comuns à esquerda radical da década de 1840,
tais como um imposto de renda progressivo e outras tributações sugeridas
pelos socialistas franceses, como a extinção da herança de bens e a criação
de um banco estatal com monopólio sobre o crédito; propostas estas, em
hipótese alguma, exclusivamente comunistas.
A ideia do banco estatal era uma marca registrada de Proudhon,
indivíduo que Marx havia criticado violentamente. Podia parecer injusto o
fato de Marx criticar Proudhon ao mesmo tempo em que adotava suas
ideias, porém, para ele o aspecto fundamental das medidas socialistas
residia em seu contexto político. Proudhon imaginara uma forma tal de
instituição bancária, que vigorasse dentro de uma sociedade capitalista cujo
funcionamento obedecesse a princípios legais, constitucionais e
economicamente regulares, e não como parte de um cataclismo
revolucionário. O programa de dez pontos contido no Manifesto foi
elaborado com o objetivo específico de estabelecer os alicerces de um
governo revolucionário fundamentado na fase jacobina e radical da
Revolução Francesa de 1789.
Esse aspecto ficava evidente no quarto ponto do programa, “o confisco
das propriedades de emigrantes e rebeldes”, uma medida que os jacobinos
haviam colocado em prática com considerável sucesso. O modelo da
Revolução Francesa ficava ainda mais claro no rascunho de Engels, que
preconizava a expropriação das propriedades de grandes indústrias,
proprietários de terras e donos de ferrovias e estaleiros, oferecendo a eles
uma compensação na forma de assignats, o instrumento financeiro
implantado pela revolução.21 Mais pertinente ainda era a suposição de que
devia haver emigrantes e rebeldes em primeiro lugar. O programa de ação
do Manifesto, baseado nas experiências prévias do reinado do terror, a fase
mais radical da Revolução Francesa, no período de 1793 a 1794, tinha
como foco a revolução e a guerra civil. Quando residiu em Paris, Marx
estudou detalhadamente os acontecimentos dessa época, e tinha planos de
escrever uma história da Convenção, o parlamento revolucionário do
período. Também nesse ponto ele repercutia uma percepção radical comum
nos anos 1840, que entendia as revoluções futuras em termos dos grandes
modelos de ação revolucionária do passado.
A transição do capitalismo para o comunismo deveria ocorrer por
intermédio de uma sublevação revolucionária nesses moldes. Antes de
apresentar o programa de dez pontos, o Manifesto explicitava sua ideia
básica: “imposições despóticas sobre o direito de propriedade e as relações
burguesas de produção, através de medidas que parecem economicamente
insuficientes e insuportáveis, mas que no decurso do movimento se superam
[...]”. Se analisadas à luz da história da fase radical da Revolução Francesa,
as medidas propostas por Marx e Engels visavam ao confisco das
propriedades dos capitalistas. Isso deveria provocar agitação – daqueles
“emigrantes” e “rebeldes” –, mas também levar outros capitalistas a se
recusar a cooperar com o governo comunista, gerando uma crise econômica
que, por sua vez, justificaria a adoção de medidas ainda mais drásticas por
parte do governo – exatamente como os eventos que ocorreram na França
entre 1792 e 1794.
Marx e Engels diferenciaram nitidamente das formas concorrentes de
socialismo essa versão do comunismo, na qual a ênfase é colocada no
violento e revolucionário processo de criação de um regime comunista, em
vez de se concentrar na própria sociedade pós-capitalista. Eles denunciaram
o socialismo “reacionário”, expressão que usaram para se referir às críticas
conservadoras do capitalismo. Algumas dessas críticas circularam na
Prússia naquele tempo, em especial no Rhenish Observer, um jornal de
Colônia patrocinado pelo governo, que Marx havia atacado com
determinação nas páginas do German-Brussels News.22 Marx e Engels
deram um tratamento sumário ao socialismo “burguês” – o que nos dias de
hoje chamaríamos de reformismo social –, a melhoria das condições de vida
da classe trabalhadora dentro da sociedade capitalista existente. Havia ainda
uma discussão a respeito do socialismo “utópico crítico” praticado pelos
partidários de Charles Fourier, na França, e de Robert Owen, na Inglaterra,
os quais propunham a implantação de experimentos comunistas dentro de
uma sociedade capitalista. O ceticismo de Marx e Engels quanto a um
possível sucesso de tais medidas era amplamente compartilhado por alguns
de seus contemporâneos; até mesmo a ovelha negra, Karl Grün, alimentava
dúvidas inabaláveis a respeito da viabilidade desses métodos.23
Essas análises críticas de outras versões do socialismo foram extraídas
dos “Fundamentos do comunismo”, de Engels; porém, Marx adicionou uma
versão que não estava presente no rascunho de Engels. Era ela o Socialismo
Verdadeiro, a única forma de socialismo ou comunismo conhecida na
Alemanha, nas vésperas da Revolução de 1848. Marx manteve seus ataques
anteriores aos Socialistas Verdadeiros, pelo fato de substituírem as críticas
dos socialistas franceses à economia capitalista por uma linguagem
hegeliana, tal como, “a externalização e o esvaziamento da essência
humana”, conceitos que o próprio Marx havia empregado em sua fase de
Socialista Verdadeiro. Os partidários desse grupo também eram acusados de
serem filisteus alemães pequeno-burgueses, outro elemento temático
bastante difundido. No entanto, o Manifesto introduziu um novo foco de
ataques a esse grupo, acusando-o de patrocinador tácito ou declarado dos
governos absolutistas alemães.
Marx afirmou que o problema com a crítica dos Socialistas
Verdadeiros ao capitalismo residia no fato de eles se estenderem aos
aspectos políticos da sociedade capitalista: o Estado de direito, um governo
constitucional e representativo e as garantias de liberdade civil. Era
saudável denunciá-los como acessórios da exploração capitalista dos
trabalhadores, em países como a França e a Inglaterra que já possuíam
instituições políticas liberais. Nos Estados alemães, de que a Prússia era um
exemplo, onde, em 1847, a oposição liberal exigia energicamente uma
constituição, os ataques às instituições liberais apenas “atendiam aos
governos absolutistas alemães, com seu séquito de sacerdotes abomináveis,
professores secundários, nobres senhores de terras distantes e burocratas,
assim como de providenciais espantalhos que exorcizavam as ameaçadoras
aspirações de ascensão da burguesia”. Essa danosa investida foi retirada de
uma passagem semelhante, embora menos exuberante, do rascunho de
Engels; no entanto, lá ela foi empregada para descrever os beneficiários do
socialismo governamental conservador.24
A imputação da pecha de lacaios dos governos conservadores da
Alemanha aos Socialistas Verdadeiros era um novo tema das disputas de
Marx com outros intelectuais comunistas da Europa central, tema este que
ainda não havia aparecido em seus trabalhos publicados e não publicados.
A acusação foi levantada pela primeira vez pelo democrata anticomunista
Karl Heinzen. Ele denunciara todos os comunistas alemães, incluindo Marx
e Engels, cujas divergências com outros comunistas só eram conhecidas por
um pequeno círculo mais próximo a eles. Tanto Marx como Engels, que se
sentiram ultrajados pelas opiniões de Heinzen responderam energicamente
no outono de 1847, nas páginas do German-Brussels News.25 Ao mesmo
tempo em que, evidentemente, não se considerava alvo das alegações de
Heinzen, Marx desejava empregá-las contra os outros socialistas alemães,
demonstrando uma vez mais as raízes anticomunistas de seu comunismo,
ou, pelo menos, a forma pela qual se apropriou de temas anticomunistas
para atacar outras versões do comunismo.
Conforme destacado um século atrás pelo primeiro biógrafo de Marx,
Franz Mehring, essa acusação foi profundamente injusta: os Socialistas
Verdadeiros não eram patrocinadores contrarrevolucionários do governo
prussiano e, durante a Revolução de 1848, eles se colocaram como
inabaláveis proponentes de uma Alemanha democrática.26 A razão recém-
inventada no Manifesto comunista para condenar os Socialistas Verdadeiros
revela a postura política de Marx às vésperas da Revolução de 1848.
Acompanhando o raciocínio que ele havia proposto pela primeira vez em
seu ensaio sobre a questão judaica, Marx desejava uma revolução ao
mesmo tempo antiprussiana e comunista, uma dupla reprodução, por assim
dizer, da Revolução Francesa de 1789. O resultado da revolução
antiprussiana deveria ser um Estado constitucional e liberal, dotado de um
completo arsenal de liberdades civis e do Estado de direito.
De acordo com o exposto por Marx no Manifesto, essa era exatamente
a espécie de regime capitalista cujas características perniciosas ele estava
evidenciando e cuja abolição, ele defendia. Por que, então, dar-se ao
trabalho de lutar por tal regime – ou colocar a questão em termos de
estratégia política – se a organização de uma nascente classe trabalhadora
na Europa central por um futuro comunista fosse compatível com a
organização de uma revolução democrática antiprussiana? Na época em que
estava escrevendo o Manifesto, Marx vislumbrava a proximidade da
revolução, porém, não em um futuro imediato. Antes de tudo deveria haver
um congresso democrático internacional para reunir os radicais da Europa e
da América do Norte, traçar um programa político e delinear uma estratégia
política, fatores que ajudariam a tratar dessa questão. Em vez disso, tão logo
o Manifesto comunista foi impresso, em fevereiro de 1848, Marx descobriu
que a revolução por ele prevista eclodia por todos os lados.

É DIFÍCIL AVALIAR, nos dias de hoje, o impacto eletrizante da luta de


barricadas que tomou conta de Paris durante três dias, no final de fevereiro
de 1848, levando à derrubada da monarquia e à proclamação da república.
República é a forma padrão de organização governamental do início do
século XXI; nos Estados Unidos, o partido político conservador também se
denomina republicano. Contudo, em meados do século XIX, as repúblicas
eram formas de governo novas e ousadas; na Europa, pelo menos,
representavam as aspirações políticas dos adeptos da extrema esquerda.
Uma república francesa fora proclamada em Paris, pela última vez, no ano
de 1792; os resultados apareceram na forma de um reinado do terror e uma
guerra que varreu toda a Europa durante décadas. Não estava claro se
haveria um novo conflito revolucionário ou uma onda de repercussões
revolucionárias no âmbito da Europa; porém, a proclamação da república
tornou obsoletos todos os planos políticos anteriores e, para os adeptos de
uma revolução radical, como Marx, o resultado era uma acentuada escalada
da atividade política.
É possível que Marx tenha se dirigido às pressas para Londres, com o
objetivo de discutir a nova situação com os líderes da Liga Comunista. A
decisão da autoridade central da Liga, em termos da transferência de sua
sede de Londres para Bruxelas, justificava essa viagem. Líderes da Liga em
Londres, incluindo o trio Schapper, Bauer e Moll, fizeram os preparativos
para se dirigir ao continente, onde a ação revolucionária estava
acontecendo; nesse ínterim, a direção central da Liga foi deixada nas mãos
de Marx. Entretanto, nem ele, tampouco a liderança da Liga, puderam
permanecer em Bruxelas.
A proclamação da república em Paris foi interpretada como uma
ameaça ao status quo na Bélgica, trazendo à baila a perspectiva de uma
invasão pelo exército revolucionário francês, uma sublevação dos radicais
belgas, inspirada em seus congêneres franceses, ou das duas situações
simultaneamente. O governo belga encarava com extrema suspeição o
crescimento acelerado da Associação Democrática de Bruxelas, a qual já
havia criado um numeroso e atuante grupo de adeptos em Gent e ameaçava
se transformar no núcleo de uma insurreição republicana. Enquanto vice-
presidente da associação, Marx, um estrangeiro politicamente ativo que
poderia se converter em conveniente bode expiratório de uma agitação, já
se encontrava na mira das autoridades. A decisão apolítica de sua mãe, no
sentido de lhe conceder nesse momento um adiantamento da parte que lhe
cabia na herança, no valor de 6.000 francos franceses (cerca de 1.250
táleres prussianos) serviu apenas para ampliar as suspeitas das autoridades.
O dinheiro chegou a Bruxelas bem no final de fevereiro e a polícia belga se
convenceu de que seu propósito era a compra de armas para uma
insurreição.27
Com isso, Marx foi sumariamente instruído, em 3 de março de 1848, a
deixar o país em 24 horas. Não se dando ao trabalho de aguardar o final do
prazo, a polícia invadiu o apartamento dele naquela tarde e levou-o preso.
Quando Jenny, visivelmente perturbada e acompanhada dos principais
membros belgas da Associação Democrática de Bruxelas, chegou para falar
com o marido, também foi presa; “encarcerada”, como explicou Karl
enfurecido, “em uma sala escura junto com prostitutas”. Tanto Jenny como
Karl foram libertados no dia seguinte, e tiveram de partir imediatamente da
Bélgica, na companhia dos filhos, deixando para trás o mobiliário da casa e
todos os seus bens. Os pertences do casal, empacotados em seis caixotes de
madeira, pesando 405 quilos no total, só chegaram até eles oito meses mais
tarde, depois de uma longa odisseia burocrática.28
Enquanto a expulsão foi bastante perturbadora do ponto de vista
pessoal, ela representou para Marx uma oportunidade política de retornar a
Paris, que era naquele momento, mais do que nunca, a sede de um
movimento revolucionário disseminado por toda a Europa. O governo
provisório da República Francesa era dominado pela antiga oposição
radical, cujos líderes Marx e Engels haviam persistentemente estimulado.
Poucos dias antes da expulsão de Marx, com o adensamento do clima ao
redor dele, Ferdinand Flocon, ministro do governo provisório e objeto de
atenção especial por parte de Engels em 1847, emitiu um convite para que o
“bravo e leal Marx” retornasse à República Francesa, o “asilo para todos os
amigos da liberdade”. Marx aceitou com prazer. Em meados de março,
quase todas as principais figuras da Liga Comunista se encontravam em
Paris e, lá, a autoridade central poderia se reconstituir.29 Apenas uma semana
depois, a revolução atingiu as duas grandes potências alemãs. Na esteira das
lutas de barricadas em Berlim e Viena, os monarcas subjugados foram
obrigados a nomear governantes liberais, tornando possível o retorno dos
alemães radicais exilados à disputa política em seu país natal.
Um grupo numeroso de exilados alemães em Paris, liderado por
Adalbert von Bornstedt, o editor do German-Brussels News, e por Georg
Herwegh, propôs armar os artesãos alemães que residiam na capital
francesa, a maior parte desempregada em virtude da crise econômica do
período de 1846 a 1847, e fazê-los marchar sobre a Alemanha, formando
uma legião revolucionária, para lutar por uma república alemã.
Demonstrando uma lúcida opinião a respeito da situação política, opinião
esta que ele manteria ao longo de toda a revolução do meio do século, Marx
classificou essa proposta de aventura tola que culminaria em um grande
desastre. Ele estava coberto de razões quanto ao resultado da marcha da
Legião Alemã, cujos membros, boa parte dos quais desarmados e carentes
de provisões, mal conseguiram chegar à fronteira franco-alemã. Após
cruzar o Reno, eles foram prontamente dispersados, presos ou mandados de
volta para o exílio. Marx conseguiu convencer a Liga Comunista a se opor à
proposta, e grande parte de seus membros a se manter longe dessa duvidosa
aventura.30
Em consonância com considerações anteriores da Liga, e partilhando
da opinião de Schapper sobre esse assunto, Marx sugeriu o retorno pacífico
dos artesãos daquela associação à Alemanha. Os amigos de Marx no
governo provisório da república francesa ajudariam a custear as despesas da
viagem. Marx desejava que os membros da Liga, uma vez de volta à
Alemanha, fundassem associações de trabalhadores em diversas cidades,
naquele momento em que os novos governos liberais dos Estados alemães
haviam garantido a liberdade para organização de agremiações. Em última
análise, ele visava a uma rede nacional formada por tais grupos. A cidade
de Mainz, segunda maior da região do Reno, depois de Colônia, e lar de
muitos entre os artesãos mais atuantes da Liga Comunista, seria o núcleo
dos esforços organizacionais. Os membros da Liga naquela localidade se
proclamariam um comitê central provisório das associações de
trabalhadores alemães.
Para ele próprio e seus aliados políticos mais próximos, incluindo
Engels, Schapper, Wilhelm Wolff e outros destacados membros da Liga
Comunista, Marx tinha algo diferente em mente. Todos deveriam retornar a
Colônia, a cidade onde ele ainda contava com muitos simpatizantes, e lá
fundar um jornal radical, o New Rhineland News, uma continuação daquele
em que Marx, entre 1842 e 1843, fora um editor arrojado. Uma vez mais,
ele se envolveria em uma atividade pela qual ansiava há tempos: escrever
entusiásticos artigos para um jornal. Dessa vez, depois de instaurada a
liberdade de imprensa na Prússia, ele poderia expressar suas opiniões
abertamente e com toda a invectiva que havia, no passado recente, tentado
frear. Em meados de abril, Marx e a maioria de seus aliados já estavam em
Colônia, prontos para colocar os planos em ação. As ideias dele seguiam o
delineamento já esboçado no Manifesto comunista. O jornal preconizaria a
criação de uma república alemã revolucionária, uma versão germânica da
França entre 1792 e 1794; uma “revolução burguesa”, segundo a
terminologia empregada por ele. A rede de associações de trabalhadores em
âmbito nacional deveria respaldar tal iniciativa revolucionária, mas também
se prepararia para a próxima etapa na política, a revolução comunista dos
trabalhadores.31
Colônia, na primavera de 1848, estava profundamente mergulhada no
turbilhão revolucionário. Na metrópole renana, viam-se, por toda parte, as
cores preto, vermelho e dourado das bandeiras alemãs desfraldadas;
bandeiras outrora proibidas, até mesmo nos edifícios do governo prussiano.
O Café Royal, centro de encontro dos intelectuais de esquerda da cidade,
havia apressadamente substituído sua autodenominação monárquica por
Cafeteria Alemã de (Franz) Stollwerck. Os poucos conservadores pró-
Prússia, nessa cidade católica da Renânia cujos habitantes tinham então
liberdade para expressar seu ódio pelo governo colonial prussiano,
desapareceram. Todavia, os partidários liberais de uma monarquia
constitucional, os democratas pró-república e os católicos antiprussianos
conservadores participavam ativamente da vida pública. Esse era um
panorama político muito semelhante ao de outras grandes cidades no auge
do entusiasmo revolucionário, na “primavera dos povos”. Colônia
apresentava, contudo, uma diferença significativa: a existência de um amplo
e ativo movimento comunista. Membros da congregação das Ligas
Comunistas haviam mobilizado milhares de artesãos e operários da cidade
para invadir a prefeitura (levando intendentes municipais apavorados a se
jogar pelas janelas para fugir) e exigiram a criação de empregos para os
desempregados, a redução dos impostos para os trabalhadores e a concessão
ao povo da prerrogativa de estabelecer as leis.
Em Colônia e seus arredores, trabalhadores, artesãos e operários,
inspirados pela eclosão da revolução, agiam por conta própria, sem
qualquer disposição comunista específica. Eles realizaram reuniões públicas
e formularam suas reclamações e demandas. Alguns mais exasperados se
aglomeravam e ameaçavam seus empregadores, reivindicando melhores
salários e condições mais satisfatórias de trabalho. Houve ampla divulgação
de um motim envolvendo metalúrgicos experientes dos arredores de
Solingen, que atacaram e demoliram uma grande indústria de fundição,
cujos produtos baratos concorriam com suas mercadorias artesanais de
preço elevado.
Todas as coisas dentro e fora de Colônia pareciam se mover na direção
demandada pelas estratégias políticas de Marx: a Revolução Francesa se
reproduzia tanto no movimento contra a monarquia prussiana como no dos
trabalhadores contra a burguesia. Contudo, apenas algumas semanas após a
chegada de Marx, tornou-se evidente que os eventos não estavam
acontecendo exatamente como ele esperava. Os membros da Liga
Comunista em Mainz não se encontravam à altura da tarefa a eles atribuída,
de criar uma rede nacional de associações de trabalhadores. Um emissário
da Liga relatou em Colônia: “Em Mainz, identifiquei os primeiros sinais de
uma anarquia completa dentro da Liga; Wallau encontrava-se em
Wiesbaden; Neubeck, jogava dominó em um café, enquanto uma reunião
era marcada; Metternich (não é o Franz von Metternich, reacionário
chanceler austríaco deposto, e sim o revolucionário republicano alemão
Metternich), que confessadamente tem muito mais o que fazer, encara a
causa com a maior indiferença [...]”.32 A planejada federação nacional de
associações de trabalhadores, liderada por membros da Liga Comunista em
Mainz, nunca se concretizou.
Na segunda metade de 1848, Marx havia rompido seus vínculos com a
Liga Comunista. Muitos anos mais tarde, um membro da Liga, o produtor
de charutos, Peter Roeser, interrogado pela polícia prussiana, diria que
Marx havia extinguido toda a Liga na primavera de 1848. Houve acirradas
discussões entre historiadores quanto à veracidade dessa dissolução, e
existem fortes argumentos contra a suposição de uma extinção formal.33 É
extraordinário, no entanto, que não exista qualquer menção à Liga nos
pronunciamentos públicos de Marx ou em seus papéis pessoais do período
que abrange o auge de suas ações revolucionárias, desde junho de 1848 até
a chegada a Londres, no outono de 1849, na qualidade de refugiado
político.
As dificuldades de Marx com a Liga Comunista e com a organização
da classe trabalhadora, para a consecução de seu duplo objetivo
revolucionário, tornaram-se penosamente evidentes na própria Colônia. Os
comunistas dessa cidade, sob a liderança de Andreas Gottschalk, médico de
uma instituição beneficente municipal, ativista comprometido com a causa
e orador público com grande poder de persuasão, haviam sido, ao contrário
de seus congêneres de Mainz, muito atuantes. Eles não apenas promoveram
uma passeata que tomou de assalto a prefeitura, como também, pouco antes
da chegada de Marx, fundaram uma associação dos trabalhadores de
Colônia que gozava de enorme popularidade. Em seu auge, em junho de
1848, essa associação contava com 8.000 membros, cerca de um terço dos
homens adultos de Colônia.34
O grupo de Gottschalk aparentemente traduzia o exato modelo
desejado por Marx, porém, sua organização de trabalhadores suscitava mais
problemas do que benefícios. Havia uma questão de rivalidade pessoal:
Gottschalk, assim como Marx, sentia ciúmes de rivais potenciais e queria
vê-los bem longe da maior cidade da porção ocidental da Alemanha. Ele
acreditava que Marx deveria retornar do exílio para sua Tréveris natal e
Engels, para seu Vale do Wupper, onde poderiam se candidatar para a
eleição da recém-convocada Assembleia Nacional da Alemanha. A chegada
de Marx e seus aliados próximos, que formavam a autoridade central da
Liga Comunista, a Colônia era exatamente o que Gottschalk não desejava
que acontecesse. Em maio de 1848, ele renunciou a seu cargo na Liga,
deixando claro que não aceitaria ordens de Marx.35
O problema político estava intimamente relacionado com o pessoal:
Gottschalk era um Socialista Verdadeiro; amigo, pupilo e confidente de
Moses Hess.36 Seu mentor havia fugido de um confronto com Marx,
partindo de Colônia para Paris, pouco antes da chegada dele, mas
Gottschalk, na qualidade de líder influente da Associação de Trabalhadores,
estava em condições de levar adiante as políticas de Hess. A afirmação feita
por Marx no Manifesto comunista, de que os Socialistas Verdadeiros
trabalhavam pelos conservadores prussianos, atacando a oposição liberal,
era então colocada à prova na vida real. A recusa de Gottschalk em apoiar
as campanhas contra a monarquia prussiana promovidas pelos democratas
de Colônia se encaixava nesse quadro. Acima de tudo, a oposição de
Gottschalk aos liberais e aos democratas tinha um viés de esquerda; ele os
acusava de não serem suficientemente radicais ou revolucionários.
Gottschalk se recusou a cooperar com os democratas nas eleições para a
Assembleia Nacional da Alemanha, em Frankfurt, e para a Assembleia
Constituinte Prussiana, em Berlim; ambas realizadas no mesmo dia, em
maio de 1848. A despeito de sua enorme popularidade, ele não se colocou
como candidato comunista nessas eleições, tendo, ao contrário, as
denunciado como farsas da burguesia, e apelado a membros da Associação
dos Trabalhadores para que as boicotassem. Os principais beneficiários
desse bem-sucedido apelo de Gottschalk foram os devotos católicos de
Colônia, em sua maioria, conservadores pró-Áustria (um grupo que Marx
considerava a mais importante ameaça aos esquerdistas da Renânia), que
lideraram a votação, escolhendo o arcebispo da cidade para representá-los
em Berlim.
Em junho de 1848, o radicalismo de Gottschalk atingiu o ápice, com
sua demanda pela fundação de uma república dos trabalhadores na
Alemanha. No entanto, ele insistia em que qualquer ação destinada a tornar
realidade tal república, seria contraproducente. A maioria dos alemães,
afirmava ele, apoiava tal regime que, portanto, surgiria em um futuro
próximo, sem que houvesse necessidade de se empenhar maiores esforços.
O propositor de tais ideias era o mentor de Gottschalk, Moses Hess. Já em
1843, Hess havia afirmado a Arnold Ruge que uma maioria significativa da
população apoiava o comunismo e que uma sociedade comunista deveria,
em grande parte, emergir por conta própria.37 Marx, para quem o
comunismo era o resultado de um longo processo de organização, agitação
e luta política, culminando em insurreição, guerra civil e operação militar
em âmbito mundial, considerava nada menos que ilusórias essas opiniões a
respeito do surgimento pacífico e sem esforços de um regime comunista.
Marx obteve mais sucesso na fundação de um jornal político radical do
que na organização da classe trabalhadora. A ideia de restaurar o Rhineland
News já circulara em Colônia imediatamente após a abolição da censura à
imprensa pelo governo liberal da Prússia, e foi Moses Hess quem primeiro
se movimentou nesse sentido. No início de abril de 1848, Hess estava em
negociação com potenciais investidores, editores e correspondentes
estrangeiros; porém, logo depois de uma decisiva reunião de organização,
realizada em 12 de abril, um dia após a chegada de Marx a Colônia, este
último e seus correligionários assumiram a condução da empreitada. Hess
partiu pouco tempo depois para Paris e desempenhou um papel
insignificante nos bastidores políticos da Revolução de 1848. (A derrota de
Hess por Marx não ajudou o relacionamento deste com Andreas
Gottschalk). Parece provável que tenha havido uma presença maciça dos
seguidores de Marx na reunião; contudo, o resultado foi, também, um
reflexo da posição dele na cidade, em especial por conta da lembrança de
seu papel combativo como editor do Rhineland News, cinco anos antes.
A exemplo do que acontecera no caso do Rhineland News, o plano era
fundar o jornal por meio da venda de ações. Ao longo das seis semanas
seguintes, Marx e seus partidários trabalharam freneticamente para angariar
fundos e tirar o empreendimento do papel. Eles esperavam que o rico
progenitor de Engels contribuísse com um expressivo montante dos
recursos. Mas, o devoto e conservador Friedrich Engels pai, de acordo com
palavras de seu filho a Marx, “em vez de nos doar mil táleres, preferia nos
metralhar com mil projéteis”. No final, o dinheiro foi levantado: 13.000
táleres. Marx contribuiu com parte do adiantamento de sua herança que
recebera da mãe. Engels participou com uma soma menor, que deve ter sido
uma parcela substancial de seu módico patrimônio pessoal. A maior parte
dos recursos veio dos admiradores de Marx em Colônia e suas cercanias –
diversos proprietários abastados de pequenas empresas e profissionais
liberais, que não eram, em hipótese alguma, unanimemente radicais
esquerdistas, mas impressionados com o contundente editor do Rhineland
News e desejosos de dar a ele outra chance. A primeira edição do New
Rhineland News foi pontualmente lançada no início de junho.38
O jornal foi o principal fórum de ação política de Marx durante a
Revolução de 1848; ele e seus seguidores eram frequentemente
identificados pelos contemporâneos como “o grupo do Rhineland News”.
Complementando as atividades jornalísticas, Marx começou, no início de
julho, a participar de reuniões da Sociedade Democrática; o clube de
políticos radicais de Colônia que Gottschalk estigmatizara como burgueses.
Marx e seus aliados logo passaram a dominar os encontros do verão e do
outono e desempenharam um importante papel na definição da política
dessa sociedade; o incansável correligionário de Marx, Heinrich Bürgers, de
Colônia, que era membro do corpo editorial do New Rhineland News, foi
eleito para a vice-presidência do clube. Assim como seus companheiros
radicais de toda a Europa central, os democratas de Colônia procuravam
fortalecer o movimento, criando federações de clubes políticos em âmbito
regional e nacional. Marx e Engels foram figuras proeminentes em um
congresso dos clubes democráticos da Renânia prussiana e da Vestfália,
realizado em Colônia, no mês de agosto de 1848. Depois de algumas
desavenças com potenciais adversários, em especial o professor de Bonn,
Gottfried Kinkel (em certo ponto chegando a beirar a troca de socos), os
delegados do congresso escolheram Marx e seus correligionários para
ocupar a maior parte das posições no diretório da federação distrital dos
clubes políticos democráticos.39
No outono de 1848, Marx já era um revolucionário influente que
exercia o cargo de editor de um jornal em rápido processo de crescimento e
desempenhava papel preponderante na política radical, dentro da esfera
local e provincial. Ele almejava se tornar uma figura de destaque na cena
política nacional e o público leitor do New Rhineland News crescia
progressivamente dentro do país, como pode ser observado pelas cartas que
não paravam de chegar à redação, enviadas das províncias da Bavária, no
sudeste, de Greifswald, na região da Pomerânia ao norte, de Königsberg no
distante nordeste da Prússia e de todos os pontos da Europa central. Os
correspondentes escreviam sobre as lutas políticas em sua terra natal,
pediam conselhos políticos de Marx e solicitavam recomendações para
trabalho ou emprego. A atriz casada com o correspondente do jornal em
Viena chegou a pedir a interseção de Marx para conseguir um cargo na
companhia de repertório de um teatro alemão.40 Apesar da crescente
penetração de seu jornal, Marx se manteve acima de tudo uma figura
provinciana, um líder revolucionário do segundo escalão, não exatamente
no nível dos mais influentes e proeminentes políticos – os juízes da linha de
frente da Assembleia Nacional da Alemanha, em Frankfurt (entre os quais
se encontrava um ex-colega de Marx na escola em Tréveris, Ludwig Simon
e seu antigo patrono Arnold Ruge) e da Assembleia Constituinte prussiana,
em Berlim. Embora incapaz de definir diretamente o rumo dos eventos em
nível nacional, a dinâmica da revolução garantiu a Marx uma ampla
oportunidade de concretizar seu profundo desejo de promover uma
insurreição.
Na verdade, o New Rhineland News era, na prática, o jornal de Marx.
Ele fora contratado como “editor-chefe”, e o contrato de três anos lhe
garantia autonomia em termos editoriais e um salário anual de 1.500 táleres
– o cargo mais lucrativo de toda a sua vida, embora existam dúvidas quanto
a ele ter, alguma vez, recebido esse valor integral, devido às dificuldades
financeiras do jornal. Além de ter esse contrato editorial, Marx era,
também, um influente acionista e, portanto, criou para si uma posição
segura e autônoma, muito diferente daquela, precária e sem
reconhecimento, que ocupara no jornal predecessor, quando se viu à mercê
dos investidores.41 Os escritórios do New Rhineland News, que ocupavam
um andar inteiro no número 17 da rua Unter Hutmacher, no labirinto de
vielas do centro velho de Colônia, (os setores de composição e impressão
ficavam no andar térreo) tornaram-se o quartel general de Marx. Nesse
lugar, ele se dedicou à política de ataque aos mesmos inimigos e à busca
pela maioria dos mesmos objetivos que nortearam sua carreira no período
entre 1842 e 1843, com a diferença de que o fazia então de forma mais
aberta, veemente e radical.
O New Rhineland News lançava ininterruptamente uma rajada de
ataques após outra, denunciando a casa real da Prússia, seus funcionários
graduados e seus soldados. Conforme palavras do comissário de polícia de
Colônia, Marx “se permite lançar toda e qualquer calúnia contra nossa
constituição, nosso rei e nossos funcionários do mais alto escalão, em seu
jornal cada vez mais amplamente lido”. Apenas para dar um exemplo
daquilo que despertava a fúria dos bons policiais, consideramos um
importante artigo da edição de 9 de agosto de 1848. Escrevendo a respeito
da necessidade de cooperação entre os nacionalistas poloneses e alemães,
Marx afrontou, em um parêntese, o funcionalismo prussiano: “Onde seria
possível encontrar um cidadão da Renânia que nunca fez negócios com um
alto funcionário estatal recém-importado da velha Prússia, que nunca teve a
oportunidade de se deleitar com essa atitude pretensiosa e sem par de um
sabe-tudo, essa união de ignorância e infalibilidade, essa grosseria que não
tolera contradições! Entre nós, com certeza, esses cavalheiros velhos-
prussianos não têm [...] à sua disposição, porretes para nos bater e, em
virtude de tal carência, alguns morreram de desgosto”.42
Esperava-se que a Revolução de 1848 submetesse as monarquias
alemãs autoritárias ao controle parlamentar da Assembleia Constituinte
Prussiana, em Berlim, e da Assembleia Nacional da Alemanha, em
Frankfurt. Grande parte das palavras injuriosas do New Rhineland News
tinha como alvo esses parlamentos revolucionários, por não serem radicais
e deixarem de exercer a soberania popular e de subjugar as autoridades pré-
revolucionárias. A Assembleia Prussiana, cuja maioria liberal declarou que
seu propósito era “chegar a um acordo” com o rei a respeito de uma
constituição, em oposição à demanda dos radicais, que desejavam
autonomia para redigir por conta própria tal documento, costumava ser
pejorativamente denominada “assembleia do acordo” ou “buscadores de
acordo”. Em relação à Assembleia de Frankfurt, Marx escreveu, em
novembro de 1848, “O mais exato veredicto sobre ela já foi emitido –
ignorar suas decisões – e foi esquecido”. Essa denúncia foi escrita em uma
época de crise revolucionária na Prússia. No entanto, na atmosfera mais
pacífica do mês de junho de 1848, menos de duas semanas depois do
lançamento do jornal, Marx já havia publicado um importante artigo em
que denunciava as duas assembleias como Inkompetent – a expressão em
alemão que significava tanto incompetente como carente de autoridade e
jurisdição. Ele não tinha nada melhor a dizer sobre os novos governos
liberais dos Estados alemães, incluindo o primeiro-ministro da Prússia, o
antigo patrono de Marx, Ludolf Camphausen.43
Em um de seus primeiros artigos, Marx insistiu que, no lugar dessa
acanhada moderação política, o objetivo último dos democratas deveria ser
a “república alemã, única e indivisível”, uma frase significativa retirada do
slogan empregado pelos jacobinos no período do Reinado do Terror, da
Revolução Francesa. O Feuilleton (parte dos jornais europeus dedicada à
publicação de romances em capítulos ou outras matérias na esfera literária e
cultural) das edições dos dias 19, 21, 22 e 26 de junho do New Rhineland
News divertiu seus leitores com uma tradução alemã do julgamento de Luís
XVI diante da Convenção: julgamento que culminou, como todos sabem,
com a execução do monarca na guilhotina. Marx acusou os democratas
moderados da Assembleia Nacional de Frankfurt de desejarem uma
“república de filisteus provincianos, apartada de todas as atrocidades e
crimes que mancharam a primeira República Francesa, livre de sangue, e
desdenhosa em relação à bandeira vermelha [...] onde cada cidadão honesto
pode levar uma vida sossegada e pacífica repleta de bem-aventurança e
honorabilidade”. O sarcasmo consegue apenas salientar as próprias
aspirações de Marx no sentido de reproduzir na Alemanha dos anos 1840, o
jacobismo revolucionário da década de 1790.44
Marx explicou que uma república alemã indivisível surgiria, dos
“conflitos domésticos tanto quanto de uma guerra com o leste [...]”. A
guerra com o leste, isto é, com o czar, cujo domínio autocrático era visto
por todos os radicais – e Marx era uma figura emblemática a esse respeito
–, como o pilar da reação e da contrarrevolução na Europa, constituía o
elemento central da estratégia revolucionária de Marx. Uma luta
revolucionária tornara possível a revolução radical dos anos 1790; e Marx
entendia que uma nova luta revolucionária conduziria ao mesmo objetivo.
Relembrando os artigos do jornal, décadas depois da morte de Marx, Engels
afirmou que a guerra com a Rússia e a criação de uma república alemã
unida foram os dois assuntos principais. O tema da guerra com a Rússia foi
uma presença constante desde as primeiras edições até a última, em maio de
1849, que trazia a ideia de um exército revolucionário internacional
marchando sobre a Europa oriental, para desafiar o czar.45
O leitor pode observar que parece faltar algum aspecto nesse relato a
respeito da política editorial do New Rhineland News: o comunismo.
Embora ele fosse um segredo aberto naquele tempo em que todos os
editores eram comunistas, o jornal publicava poucas acusações contra
capitalistas, e causava estranheza a falta de cobertura em relação ao
nascente movimento trabalhista. A linguagem empregada pelo periódico,
intelectual e acadêmica, repleta de palavras estrangeiras e referências
literárias e históricas, dificultava o entendimento por parte de indivíduos
alfabetizados, porém pouco letrados, pertencentes às classes inferiores. Para
se ter uma ideia, no período da Revolução de 1848, os jornais costumavam
ser lidos em voz alta, para uma massa popular, por cidadãos mais instruídos
que tinham condições de elucidar pontos de difícil compreensão. Contudo,
o estilo inescrutável do New Rhineland News tornava essa tarefa
consideravelmente mais complexa. Ao contrário de outros jornais de
inclinação esquerdista em Colônia, destinados a um leitor comum, o
produto intelectualizado editado por Marx dirigia-se primordialmente a um
público letrado.46
Não foi apenas a falta de empenho que manteve a luta de classes fora
do New Rhineland News, como ficou evidente no verão de 1848. A estação
começou com a luta de barricadas, em Paris, conhecida pelo nome de Dias
de Junho; um combate que opôs as forças do governo republicano e a classe
trabalhadora da parte oriental da cidade. Enquanto a maioria dos
esquerdistas da Alemanha tratava o evento como uma tragédia, colocando
como antagonistas um governo republicano e o povo que deveria ser seu
mais categórico defensor, Marx e Engels enalteciam abertamente a
insurgência. Eles aplaudiram esse fracassado levante como um primeiro
passo na direção de uma futura revolução comunista, contra um regime
republicano que, na Alemanha, ainda era uma realidade muito distante.
Os democratas de Colônia rejeitaram as interpretações de Marx a
respeito do evento Dias de Junho e, depois de reiteradas críticas por parte
deles, o próprio Marx passou a repudiar seus escritos. Na reunião da
Sociedade Democrática de Colônia, em 4 de agosto de 1848, ele proferiu
um discurso no qual afirmava que só através do “uso de armas intelectuais”
é que os “interesses de classes específicas” poderiam chegar a “um
compromisso conveniente a todas as partes [...]”. Em vez da harmonia entre
classes, “a negação de concessões mútuas, assim como conceitos
desvirtuados do relacionamento entre as classes da população” haviam
levado Paris “a um derramamento de sangue”. Marx prosseguiu, acusando
de contrassenso a ideia de uma ditadura revolucionária em nome de uma
“classe única”, que seu antigo rival Weitling havia proposto em Colônia
poucas semanas antes. No lugar dela, um governo revolucionário deveria
ser constituído de “elementos heterogêneos” que “chegariam a um acordo
sobre a forma mais adequada de administração por meio da troca de
ideias”.47
Essa renúncia à luta de classes, ou mesmo uma condenação a ela,
partindo do homem que acabara de escrever o Manifesto comunista, havia
apenas seis meses, soa como puro e simples não marxismo. Os
compiladores marxista-leninistas da admirável coletânea de documentos a
respeito da Liga Comunista se recusaram a acreditar na autenticidade de tal
discurso e concluíram que Marx deve ter sido objeto de citação errônea.48 Se
assim foi, ele não fez qualquer movimento no sentido de corrigir a
interpretação equivocada. Muito ao contrário, seu discurso se encaixa muito
bem com a incansável política editorial antiprussiana do New Rhineland
News e com as tentativas do jornal para mobilização dos habitantes da
Renânia em apoio a uma política de destituição do autoritário governo
prussiano. As provocações e a exploração das hostilidades entre diferentes
classes sociais serviriam apenas para enfraquecer essa coalisão.
A ideia de deixar temporariamente de lado o anticapitalismo, em favor
de propósitos antiprussianos, foi um ponto sobre o qual Marx e seu rival
Andreas Gottschalk, um Socialista Verdadeiro, discordavam com toda
veemência. No início de julho de 1848, as autoridades prusssianas
prenderam Gottschalk com base em acusações flagrantemente forjadas, e o
mantiveram na prisão até seu julgamento e soltura final, em dezembro.
Enquanto Gottschalk esteve preso, Marx e seus correligionários, em
especial os comunistas de Londres, Joseph Moll e Karl Schapper,
movimentaram-se para assumir o controle da Associação dos Trabalhadores
de Colônia e transformá-la em um veículo de mobilização dos trabalhadores
em apoio a uma revolução antiprussiana. Eles empregaram as reuniões
como forma de instruir os associados a respeito de temas econômicos e
políticos. A maneira pela qual Schapper, o homem indicado por Marx para
a associação, desempenhou essa tarefa pode ser entendida a partir de um
relato escrito por um ressentido aliado de Gottschalk: “Neste ponto, o
cidadão Schapper proferiu um longo discurso sobre assuntos atuais, com
comentários de caráter histórico e estatístico que tomaram todo o tempo
restante da reunião, tendo acrescentado, no final, a promessa de fornecer
futuramente um panorama estatístico de todos os países, todos os povos e
todas as tribos da Europa”.49
A descrição hostil e divertida, que reflete o estilo eloquente de
Schapper, destacava a dificuldade de se tentar usar a Associação dos
Trabalhadores como um recurso educacional auxiliar para os democratas.
Os próprios operários não estavam interessados. Sob a direção de Marx e
seus aliados, o número de membros da Associação dos Trabalhadores de
Colônia chegou a um nível 90% inferior ao que atingira sob a liderança de
Gottschalk.50 As duas pontas da estratégia de Marx, que preconizava uma
dupla reprodução da Revolução Francesa – uma revolução democrática
contra a Prússia e a revolução dos trabalhadores contra a burguesia –,
tinham suas possibilidades. Já a combinação das duas se mostrava
impossível. Atacar o governo prussiano significava negligenciar os
antagonismos entre classes; cultivar a hostilidade dos trabalhadores em
relação à burguesia, por outro lado, traduzia-se na suspensão do trabalho
com outros democratas em Colônia e na Renânia. As crises revolucionárias
de setembro e novembro de 1848 proporcionaram a Marx a oportunidade de
colocar em prática o lado antiprussiano de seus planos revolucionários. Na
época da terceira e última crise da revolução, em maio de 1849, ele havia
abandonado essas tentativas e se voltado para a organização da classe
trabalhadora – tarefa deixada de lado desde o ano anterior –, uma decisão
com tendência a limitar seu entusiasmo insurrecional.
A crise de setembro de 1848 envolveu, da mesma forma que outros
aspectos das revoluções de meados do século XIX, uma questão de
nacionalismo: o levante dos habitantes alemães de Schleswig e Holstein –
dois ducados na região norte – contra o governo dinamarquês, cujo
propósito foi reivindicar a admissão dos ducados em um Estado-nação
alemão unificado. O governo liberal da Prússia colocou suas tropas em
apoio à insurreição; porém, sob forte pressão do czar, e ignorando os
protestos da Assembleia Nacional Alemã, o governo prussiano assinou um
armistício com os dinamarqueses, em setembro de 1848, e abandonou a
causa dos insurgentes. Essa era uma questão sob medida para os
esquerdistas da Alemanha, pois associava sentimentos nacionalistas,
oposição ao czar e objeção ao retorno dos conservadores ao poder na
Prússia. O que tornou essa situação particularmente explosiva em Colônia
foi sua ocorrência simultânea a uma briga de bêbados que opôs civis e
soldados da guarnição militar prussiana. Os soldados haviam perdido o
controle e marchado pelas ruas, atacando os transeuntes e quebrando
vitrines de lojas. Em vez de lutar contra os inimigos da nação, eles atacaram
os subalternos do monarca renano.
Marx, no retorno de uma viagem a Berlim e Viena, destinada a
arrecadar fundos e promover agitações, movimentou-se rapidamente para
tirar proveito da situação. Ele e seus amigos da Sociedade Democrática
convocaram um comício público para criação de um Comitê de Segurança
Pública em Colônia. O próprio nome já era uma referência à experiência
revolucionária vivida pela França durante o governo dos jacobinos, na
década de 1790. Após esse comício urbano, eles realizaram outro em
Fühlingen Heath, no povoado de Worrigen, ao norte da cidade, onde uma
grande multidão de sete a dez mil camponeses ouviu os oradores, entre eles
Friedrich Engels (Marx, que não se saia bem em discursos para grande
público, não estava presente), reivindicarem uma República Vermelha e
exigirem que os camponeses corressem para a cidade quando chegasse o
momento de um confronto com os soldados prussianos.
Em 25 de setembro, quando a polícia tentou prender diversos radicais
em Colônia, incluindo Engels e Joseph Moll, então presidente da
Associação dos Trabalhadores, esse momento finalmente chegou. Houve
tumultos e barricadas foram levantadas. A cidade se viu, por um breve
período, em estado de insurreição, contudo, ao anoitecer, as barricadas já
haviam sido abandonadas e as autoridades prussianas decretaram a lei
marcial. A Sociedade Democrática e a Associação dos Trabalhadores foram
fechadas e o New Rhineland News impedido de circular por doze dias. Esse
havia sido um momento genuinamente revolucionário, coincidindo com
levantes no extremo sul da Alemanha. O conjunto de eventos
categoricamente anti-Prússia e anti-Rússia decerto se encaixava nos planos
de Marx, muito embora a conotação nacionalista não encontrasse par na
alegação do Manifesto comunista, de que o nacionalismo caminhava para o
fim.51
Como consequência desse confronto, tanto Moll como Engels foram
obrigados a deixar o país às pressas, para evitar a prisão. Engels passou os
meses subsequentes vagando através da França e da Suíça, sem contato com
Marx durante a maior parte do tempo, totalmente sem dinheiro e, algumas
vezes, questionando seu próprio futuro. Os pais de Engels bombardeavam o
filho ausente com cartas, nas quais acusavam Marx e seus camaradas
comunistas e hereges de tê-lo abandonado e não mais se preocuparem com
ele. Essas missivas, cuidadosamente compostas por Elise, mãe de Friedrich,
com quem ele mantinha relações muito melhores do que com o pai, além de
conterem certa dose de verdade, trouxeram alguns resultados. Tanto os
investidores do jornal como diversos aliados esquerdistas de Marx,
incluindo Hermann Ewerbeck e o médico comunista de Colônia, Karl
d’Ester, defendiam um rompimento entre Marx e Engels, porque a
personalidade difícil deste último gerara constantes conflitos com a equipe
editorial. Marx fez todo o possível para assegurar a seu colega que,
qualquer coisa que tenha levado outros indivíduos de esquerda a pensar
“que eu poderia abandoná-lo, mesmo por um minuto, é pura fantasia. Você
continua sendo sempre meu intimus, como eu sou, assim espero, seu”.
Quanto às acusações feitas pela família de Engels, Marx as atribuiu ao pai
deste, um Schweinebund. Marx chegou mesmo a enviar dinheiro para
ajudar Engels, uma indicação de que o futuro fluxo de recursos monetários
entre os dois, no sentido oposto, não estava de forma alguma
predeterminado.52
A lei marcial em Colônia foi revogada em 3 de outubro; a Sociedade
Democrática e a Associação dos Trabalhadores voltaram a se reunir e o
New Rhineland News retomou suas publicações uma semana mais tarde. Se,
por um lado, havia perdido dois de seus aliados, pelo outro, Marx tinha os
recursos institucionais necessários para enfrentar a próxima grave crise
política, em novembro, quando Frederico Guilherme IV enviou o exército
para dissolver a Assembleia Constituinte da Prússia, em Berlim. Antes que
os soldados conseguissem realizar o desejo real, os deputados votaram a
favor de se convocar os cidadãos prussianos para que boicotassem o
pagamento de impostos até que seus representantes eleitos tivessem
condições de colocar em prática suas deliberações.
Com a Assembleia Constituinte finalmente atuando dentro de moldes
revolucionários, Marx entrou de corpo e alma na luta. Todos os dias, a
manchete do New Rhineland News proclamava: “Chega de impostos!”. Ao
contrário do que ocorreu nos eventos de setembro, que ficaram em grande
parte restritos a Colônia e suas vizinhanças, Marx usou sua posição na
diretoria da federação provincial de clubes democráticos, em novembro,
para organizar um boicote aos impostos e, simultaneamente, armar a
resistência ao governo prussiano em todo o âmbito da província do Reno,
com amplo suporte dos democratas da região e franca aprovação pública.53
A luta foi renhida. As autoridades levaram muito mais tempo do que em
setembro para restaurar a ordem; porém, no final, em dezembro de 1848,
essa resistência também foi vencida. Marx suspeitava que seria executado
devido a suas façanhas insurgentes, mas foi apenas indiciado por
incitamento à rebelião e pelo movimento de resistência às autoridades
governamentais.54

QUASE MEIO ANO se passou entre as crises revolucionárias de


novembro de 1848 e maio de 1849 e, naquele tempo, Marx foi obrigado a
encarar diversas situações difíceis. De certa forma, o indiciamento foi o
menor de seus problemas. O julgamento, em fevereiro de 1849, converteu-
se em enorme vitória. No discurso de autodefesa que proferiu perante o júri,
ele levantou uma cópia do Código Napoleônico e o distinguiu como o
sistema legal de uma “moderna sociedade burguesa”, contraposta a uma
sociedade de ordens, com sua monarquia absolutista e seus partidários entre
nobres senhores de terras e burocratas do governo. Marx continuou,
dizendo que a Assembleia Constituinte da Prússia, em sua decisão de
apregoar um boicote aos impostos, representava exatamente essa ordem
jurídica moderna contra o arbitrário decreto de dissolução assinado pelo
monarca e que, portanto, ao defender a Assembleia, ele estava agindo
dentro da lei.
Em seu discurso, Marx apresentou ideias expressas no Manifesto
comunista, no que dizia respeito ao relacionamento entre os sistemas
socioeconômicos e a lei, e as aplicou à política de seu tempo.
Estranhamente, esse uso público das ideias do Manifesto, durante a
Revolução de 1848, aconteceu diante de uma plateia burguesa em sua
essência, pois os jurados foram escolhidos dentre os maiores contribuintes.
O louvor ao Código Napoleônico, que era muito popular na Renânia,
pretendia, sem dúvida alguma, sensibilizá-los; contudo, esse enaltecimento
também refletia as lembranças que Marx tinha de seu pai, um convicto
jurista napoleônico, e de seus próprios estudos jurídicos em Bonn e Berlim.
Certamente, o objetivo de Marx foi alcançado, pois o júri o absolveu por
unanimidade – o que, reconhecidamente, aconteceu na maioria dos
julgamentos políticos realizados na Renânia durante a revolução do meio do
século e depois dela.55
Dois comandantes prussianos do baixo escalão alegaram que, depois
do julgamento, Marx se vangloriou, dizendo “agora, os tribunais não podem
me atingir”.56 Ele negou tais acusações, mas, durante o inverno e a
primavera de 1849, problemas financeiros, mais do que a perseguição
governamental, representaram uma ameaça maior para o New Rhineland
News. O jornal, cuja tiragem alcançara o respeitável nível de 6.000
exemplares, necessitava de fundos, e os investidores originais relutavam em
colocar mais dinheiro no negócio. A viagem realizada por Marx entre em
agosto e setembro, para arrecadação de recursos, havia conseguido levantar
2.000 táleres junto a nacionalistas poloneses que aprovavam sua postura
contrária aos governos da Rússia e da Prússia. No entanto, esse dinheiro foi
gasto rapidamente, e o período de vigência da lei marcial, quando o jornal
ficou impedido de circular, foi mais um severo golpe financeiro. Títulos
com vencimento de curto prazo foram emitidos, visando fechar o rombo nas
finanças, embora o objetivo principal dos compradores de tais títulos fosse
assumir uma posição política mais do que fazer um investimento lucrativo.
Logo no início de 1849, conforme palavras de Marx, “todos os
correspondentes e credores do jornal corriam no meu encalço”. Ele atrasou
o pagamento do salário dos tipógrafos; os proletários não podiam se
sustentar por meio de retóricas revolucionárias. Eles ameaçaram entrar em
greve e penduraram na oficina de composição uma enorme faixa em que se
lia: “Quando se trata de dinheiro, os sentimentos afáveis acabam”, um
comentário bastante conhecido que o líder da oposição liberal, David
Hansemann, empregara para denunciar o rei da Prússia. Entre a segunda
metade de abril e os primeiros dez dias de maio de 1849, Marx se
encontrava uma vez mais na estrada, atrás de recursos financeiros para o
jornal. Dessa vez, ele percorreu o norte da Alemanha, mas obteve pouco
sucesso. Por esse motivo, estava ausente de seu quartel-general político, em
Colônia, quando eclodiu a última crise revolucionária.57
Nas eleições de janeiro de 1849 para o parlamento prussiano, Marx
assumiu uma última vez sua estratégia contrária à Prússia, trabalhando em
íntima conexão com os democratas de Colônia. Ele se opôs veementemente
à proposta de Andreas Gottschalk, que fora libertado da prisão após seu
julgamento e absolvição no mês anterior, e estava de novo lutando por
candidatos distintos dos trabalhadores. Os correligionários de Gottschalk
(ele próprio se achava em Paris, na companhia de seu mentor Moses Hess)
travaram com Marx uma discussão acirrada a esse respeito, na Associação
dos Trabalhadores, e perderam. O líder do grupo terminou com um
comentário desagradável em que acusou Marx de querer fazer com que os
trabalhadores “fugissem do inferno da Idade Média, lançando-se
voluntariamente no purgatório de um decrépito domínio do capital” – em
outras palavras, através de uma revolução contra a Prússia, conduzindo a
um regime democrático-liberal capitalista frente ao qual os trabalhadores
deveriam, então, assumir uma posição contrária.58
Depois das eleições, que representaram uma vitória para os democratas
e para as estratégias de Marx, este último mudou de posição. Endossando o
estratagema de seu rival, ele anunciou, em abril de 1849, que, junto com
seus seguidores, estava abandonando o comitê democrático provincial e
propondo a criação de uma nova federação das associações dos
trabalhadores revolucionários. Pela primeira vez, seu jornal começou a
tratar de questões sociais, incluindo a impressão de uma palestra sobre
“Trabalho assalariado e capital”, na qual Marx relacionava as conclusões de
seus estudos sobre economia. Ele parecia estar em vias de abandonar sua
luta por uma revolução democrática de ampla abrangência contra a
monarquia prussiana, reservando seus esforços exclusivamente para a
organização da classe trabalhadora.59
Esse realinhamento ocorreu no exato momento em que eclodia a crise
final da Revolução de 1848 na Alemanha. Ele teve início com uma
importante ação não revolucionária: a feitura de uma constituição pela
Assembleia Nacional da Alemanha, em Frankfurt, que fez do rei da Prússia
o imperador da Alemanha. Essa colaboração com as autoridades pré-
revolucionárias – e uma autoridade particularmente reacionária – foi o real
motivo pelo qual Marx condenou a Assembleia Nacional em primeiro lugar.
Ele, a exemplo de outros democratas radicais de Colônia e de toda a
Alemanha, tratou a decisão com o maior desdém.
Ao contrário das expectativas de Marx, a decisão da Assembleia foi
rejeitada por Frederico Guilherme IV e apoiada pelo povo alemão.
Comícios em toda a Europa central, aos quais estiveram presentes membros
armados da guarda nacional e uma grande multidão de cidadãos,
endossaram a constituição e fizeram um juramento, prometendo lutar e
morrer por ela. Esse foi o momento de insurreição que Marx esperara desde
quando começara a publicar o New Rhineland News. No entanto, a
revolução democrática radical que imaginara só aconteceu depois que ele
rompeu com os democratas e passou a propor uma específica organização
política socialista da classe trabalhadora.
Em maio de 1849, houve uma rápida escalada das tensões na
Alemanha ocidental. O exército prussiano manteve Colônia sob rígido
controle; os soldados da guarnição militar voltaram sua artilharia para
dentro da cidade. Desse modo, não ocorreram insurreições na metrópole
renana, porém, ondas de protestos políticos logo começaram se manifestar.
Foram realizadas quatro diferentes reuniões de representantes dos clubes
políticos de toda a província, assim como uma assembleia ainda maior de
prefeitos e intendentes das cidades. O tom da maioria dos encontros foi
implacável: manifestações de apoio à Assembleia Nacional e sua
constituição, ataques aos soberanos prussianos e, até mesmo, a
reivindicação de independência da Prússia em relação à monarquia. Foram
registrados levantes nas cercanias de Colônia – na cidade universitária de
Bonn, ao sul, e em Düsseldorf, ao norte – e, também, em regiões mais
distantes como nos distritos dos tecelões do baixo Reno, no extremo norte,
e ao leste da província, entre os metalúrgicos de Solingen e Remscheid e os
trabalhadores da indústria têxtil do Vale do Wupper. Insurrectos da classe
trabalhadora ergueram barricadas por todo lado e milicianos entraram em
combate contra as tropas prussianas. Essas lutas foram parte de uma
insurreição mais abrangente que varreu um amplo arco, cobrindo as regiões
no centro, no oeste e no sudoeste da Alemanha.
Nessa atmosfera de sublevação revolucionária, o New Rhineland
News, longe de promover um levante, pregou cautela e ceticismo em
relação ao movimento político da “burguesia”. A nova federação provincial
das associações de trabalhadores – em sua maioria, provenientes de
vilarejos agrícolas às margens do rio Reno – recusou se envolver nos planos
insurrecionais. Engels, que havia retornado do exílio para Colônia, em
janeiro de 1849, para se submeter a julgamento e ser absolvido, não resistiu
ao apelo da rebelião, principalmente devido ao fato de ela ter eclodido em
sua terra natal, o Vale do Wupper. A presença de Engels não foi bem-aceita
– condição quase sempre atribuída às diferenças políticas entre ele e os
revoltosos, mas, acima de tudo, decorrente de sua personalidade pouco
diplomática. Engels alardeou que os insurgentes haviam tomado como
refém um banqueiro reacionário e muito religioso; ousassem os prussianos
atacá-los, ele fuzilaria o homem. Nomeado “inspetor das barricadas”,
Engels substituiu todas as bandeiras da Alemanha, nas cores preto,
vermelho e dourado, por outras totalmente vermelhas, após o que, o líder
dos insurrectos exigiu que ele deixasse a cidade.60
É difícil saber o que foi pior para o movimento revolucionário: a
relutância de Marx em agir, ou a excessiva vontade de Engels de fazê-lo.
Nenhum desses problemas obstruiu as ações das autoridades prussianas.
Frustradas pela recusa dos jurados em condenar Marx pelos ataques feitos
através da imprensa, elas buscaram, na primavera de 1849, outras medidas
capazes de silenciar aquele jornal radical. Espiões e agentes infiltrados não
conseguiram provar coisa alguma. No entanto, na crise de maio de 1849, o
ministro do interior recebeu um relatório acusando Marx de estar
profundamente envolvido em uma insurreição planejada – muito embora ele
estivesse mantendo cautelosa distância dos levantes que se disseminavam
por toda a Alemanha. Essa foi a desculpa que o governo procurava. Marx,
que havia renunciado à cidadania prussiana e não a recuperara, foi expulso
do país na condição de forasteiro indesejável.61
Com a expulsão de seu editor-chefe, o New Rhineland News encerrou
abruptamente suas atividades. A última e mais notável edição, datada de 19
de maio de 1849, foi impressa na cor vermelha da revolução. Alcançando
enorme popularidade, precisou ser reimpressa inúmeras vezes, atingindo, no
final, o expressivo número de 20.000 cópias. Preconizando a emancipação
da classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que profetizava um futuro
dominado pelo terrorismo e pela guerra com o czar, esse foi o ato derradeiro
de desacato dos insurgentes. No mesmo dia em que circulou a última
edição, Marx, acompanhado por sua família, Engels e outros aliados
políticos, partiu de Colônia, subindo o Reno na direção do sul,
provavelmente de vapor, em seu caminho de saída do território prussiano.62
Embora decerto não esperasse que esse afastamento fosse permanente, ou
de longa duração, o exílio viria a ser o destino de Marx pelo resto de sua
vida.
7

O exílio

MARX PARTIU DE Colônia apenas alguns dias depois que as tropas


prussianas sufocaram as insurreições nas províncias ocidentais do reino.
Analisando em retrospectiva, essas revoltas eram o epílogo das revoluções
do meio do século; no entanto, para os contemporâneos, as lutas
revolucionárias ainda estavam no auge, culminando em confrontos militares
cujo resultado era profundamente incerto. Em Baden e no Palatinado, a
região no distante sudoeste da Alemanha, junto ao rio Reno, os radicais
haviam tomado o poder e lutavam para formar um exército revolucionário
que combatesse em prol de sua causa. Os soldados húngaros, na qualidade
de forças de uma república independente que cortara todos os seus laços
com o Império Austríaco, haviam reconquistado Budapeste, derrotando as
tropas da monarquia de Habsburgo, e marchavam ao longo do Danúbio
rumo a Viena. Os radicais controlavam grande parte da área central da
Itália, incluindo os Estados papais. Assumindo o poder em Roma, eles
proclamaram uma república e forçaram o papa a fugir. Depois da partida de
Pio IX, o líder revolucionário Giuseppe Mazzini chegou, na companhia de
seu especialista em assuntos militares, Giuseppe Garibaldi, que já estava
organizando outro exército revolucionário.
Como todos os insurgentes compreendiam, o destino final da
revolução em todo o continente dependia do resultado das lutas políticas na
França. Naquele país, democratas e socialistas negociavam uma aliança,
procuravam novos adeptos e lutavam para recuperar o terreno perdido na
segunda metade de 1848. Se eles conseguissem retomar o poder, o peso
político e militar da nação mais poderosa do continente europeu exerceria
extraordinária influência a favor dos insurgentes. As batalhas da primavera
de 1849 se converteriam, então, na fase inicial de uma nova sublevação
revolucionária.
Imediatamente a partir da segunda metade de maio de 1849, e ao longo
dos três anos e meio seguintes, Marx tentou acompanhar essa onda
revolucionária, buscando transformar a estratégia comunista que havia
estabelecido em abril de 1849 em uma nova ou renovada deflagração
insurrecional. Em um processo doloroso e difícil, começando por sua
expulsão de Colônia, em maio de 1849, e terminando com o encerramento
do julgamento dos comunistas de Colônia, em novembro de 1852, Marx
assistiu à dissipação de suas esperanças por uma nova revolução. Sua
intransigente estratégia política acabaria por lhe ampliar o grupo de
inimigos e esvaziar o de amigos. Perdendo a última base de apoio na
Alemanha, ele deu início a um período sem-fim de mudanças de um refúgio
temporário para outro, vendo-se cada vez mais empobrecido e enfrentando
dificuldades cada vez maiores em sua vida pessoal e familiar. Dessa série de
derrotas surgiu uma nova teoria das precondições para a revolução e uma
obra-prima literária, O dezoito de brumário de Luís Bonaparte. Nesse
trabalho, Marx realizou uma autocrítica velada de suas próprias ações
durante a Revolução de 1848, mas também encontrou um modo de levar as
esperanças daquele ano até um futuro mais sombrio.

O PARADEIRO DE Marx na segunda metade de maio de 1849 está


envolvido em certa dose de mistério. As evidências daquela época são
escassas e os relatos biográficos costumam aceitar, sem questionamento, as
memórias autojustificativas de Friedrich Engels.1 Todavia, a recriação dos
passos de Marx e Engels à luz das posições assumidas por eles
anteriormente, em especial o rompimento com os democratas em abril de
1849, esclarece uma obscura sequência de eventos.
Embora expulso da Prússia, Marx ainda podia permanecer legalmente
em outros Estados alemães, e foi isso o que ele fez nas duas semanas
seguintes. De acordo com o relato de Engels, ele e Marx viajaram para
Frankfurt, onde esperavam convencer a Assembleia Nacional a adotar ações
revolucionárias decisivas em apoio às insurreições no sudoeste da
Alemanha. Frustrados pela covardia dos democratas pequeno-burgueses, os
dois percorreram por conta própria os regimes insurrectos, mas encontraram
a mesma carência pequeno-burguesa de determinação revolucionária.
Quanto desse episódio realmente ocorreu – ou, pelo menos, ocorreu
como declarado por Engels? É de se imaginar com que disposição os
democratas receberam as propostas de Marx em favor de uma insurreição,
visto que ele acabara de condená-los por seus esforços insurrecionais. Uma
década mais tarde, Karl Emmermann, que havia comandado um batalhão de
atiradores de elite no exército dos regimes revolucionários do sudoeste da
Alemanha, relembrou as atitudes de Marx e de seu rival esquerdista, Karl
Vogt, na primavera de 1849: “Com certeza, eles sempre avançarão, com
chicote e aguilhão – uma necessidade para eles –, muito embora, sempre só
até o momento da ação; depois, reduzirão o ritmo novamente, porque ainda
é cedo demais, ou já tarde demais, ou talvez não seja adequado do ponto
visto político [...]”. Um jornal daquela época publicou relato em que Marx
dizia exatamente isso ao governo revolucionário do Palatinado. Engels, que
acabou se juntando ao exército revolucionário, sustentou que a participação
do parceiro foi uma coisa boa, pois de outra forma “todo o grupo de
vagabundos democratas” teria declarado que Marx e seus seguidores eram
“covardes demais para lutar” – uma acusação que importunou Marx durante
seu exílio em Londres, no início da década de 1850.2
Seguindo sua turnê pelos centros de insurgência, Marx e Engels, em
companhia da família do primeiro e de outros confidentes, rumaram para
Bingen, no grão-ducado de Hessen. Lá, foram presos pelas tropas hessianas,
levados para Frankfurt e liberados em seguida. Eles retornaram para Bingen
e permaneceram na cidade por alguns dias, até o começo de junho. O que
exatamente fazia o grupo de Marx nessa obscura cidade do Reno? Bingen
ficava na fronteira do grão-ducado de Hessen com a Prússia e era, também,
pátria de Julius Hentze, um ex-oficial radical do exército prussiano, junto a
quem Marx estava tentando arrecadar dinheiro. A associação desses dois
fatos leva à suposição de que Marx esperava voltar a publicar o New
Rhineland News fora do território da Prússia. Um dos poucos documentos
preservados daquele período é um comunicado da imprensa emitido em
Bingen, no dia 31 de maio de 1849, e assinado por todo o corpo editorial do
New Rhineland News. Esse documento sustentava que o West German
News, um jornal lançado pelo atuante democrata de Colônia, Hermann
Becker, depois da partida de Marx não era, como afirmado por Becker, o
sucessor do New Rhineland News. “O esclarecimento a respeito de quando
e onde o New Rhineland News reaparecerá, o corpo editorial abaixo-
assinado reserva para um relato mais detalhado”. Tal declaração sugeria que
Marx e seus amigos esperavam retomar a publicação de seu jornal.3
Esses planos nunca se concretizaram, provavelmente porque Marx não
conseguiu os recursos financeiros necessários e, no início de junho, o grupo
que havia se mantido unido nas duas semanas precedentes se desfez de
repente. Jenny foi com as crianças para a casa de sua mãe em Tréveris.
Engels voltou para o Palatinado, onde ridicularizou os insurgentes,
chamando-os de diletantes pequeno-burgueses, e zombou de tal forma dos
preparativos em andamento para combater o exército prussiano, já próximo,
que um grupo desses insurgentes o prendeu sob a acusação de ser um espião
a serviço da Prússia. Muitos anos mais tarde, depois que os prussianos
restauraram a ordem, as autoridades bávaras submeteram os revolucionários
a um julgamento de fachada e divulgaram uma peça de propaganda
provando que estes últimos haviam promovido o reino do terror no
Palatinado – prendendo, por exemplo, um redator inocente de um jornal
prussiano. Os funcionários do governo da Bavária desconheciam o fato de
que a sua vítima inocente do terror era ninguém menos do que o notório
comunista Friedrich Engels!
Mal-entendido das autoridades bávaras à parte, o incidente foi a
terceira vez em seis meses que os comentários imprudentes e as atitudes
exageradas de Engels causaram o afastamento de companheiros
esquerdistas. Reconhecido por um dos funcionários do governo
revolucionário, o médico comunista de Colônia, Karl D’Ester, Engels foi
libertado e se juntou ao corpo de voluntários armados comandado por
August Willich, outro ex-oficial radical do exército prussiano. Enquanto a
maioria dos soldados dos exércitos revolucionários – recrutas relutantes e
muito mal armados – fugia em vez de combater os invasores prussianos, as
unidades de Willich lutavam bravamente. Depois de batalhas no Palatinado
e em Baden, Engels acabou como refugiado político na Suíça, junto com
Willich e a maior parte dos soldados por este comandados. Do início de
junho até o final de julho de 1849, Engels e Marx, assim como os outros
membros do corpo editorial do New Rhineland News, perderam contato,
ignorando o paradeiro dos demais; e, frequentemente, temiam o pior.4
Marx foi para Paris, não como refugiado ou exilado político, como ele
insistiu publicamente, mas como representante do comitê central dos clubes
democráticos da Alemanha – o mesmo grupo de cujo diretório provincial
ele havia abdicado em abril de 1849.5 As condições na capital francesa eram
muito diferentes daquelas que Marx encontrara em sua última visita no mês
de abril anterior. Na esteira da derrota dos insurgentes parisienses da classe
trabalhadora, em junho de 1848 e, principalmente após a eleição de Luís
Napoleão Bonaparte, sobrinho do grande Napoleão, como presidente da
república, em dezembro, o pêndulo da política francesa havia se voltado de
forma acentuada para a direita. Especulações sobre o restabelecimento da
monarquia eram comuns. Os amigos franceses que haviam integrado o
governo provisório e dado a Marx as boas-vindas na primavera de 1848
foram banidos para a oposição.
Reunindo-se com pessoas de suas antigas relações, Marx descobriu
que elas tinham planos para retornar ao poder – um movimento que ele
entendia ser fundamental para revigorar a revolução, não apenas na França,
mas em toda a Europa. O conservador governo francês ofereceu à oposição
sua oportunidade ao enviar as tropas francesas para a Itália com o objetivo
de derrubar a república romana e trazer de volta o papa. Em 13 de junho de
1849, a esquerda parisiense comandou milhares de passeatas pelas ruas,
cujo propósito era protestar contra esse movimento. Os organizadores
estavam divididos quanto a realizar passeatas – demonstrações pacíficas de
oposição às políticas do governo, ainda bastante incomuns em meados do
século XIX – ou se empenhar no sentido de uma ação armada para
derrubada do governo. A maioria dos participantes estava desarmada;
contudo, em vez de tomar isso como um gesto de boa vontade, o governo
conservador respondeu com uma maciça demonstração de força,
dispersando os manifestantes e prendendo os líderes esquerdistas.
Diversos radicais alemães, inclusive os representantes dos governos
insurgentes com quem Marx mantinha íntimo contato, estavam
incontestavelmente envolvidos nas passeatas. Devemos nos perguntar se
Marx tomou parte desses eventos. Não há evidências inquestionáveis,
porém, um breve artigo que ele escreveu para um jornal alemão, com a
descrição de manifestantes desesperados atirando cadeiras às ruas para
impedir o avanço da cavalaria sobre eles, soa como o relato de uma
testemunha ocular.6
As esperanças iniciais de Marx em termos de uma nova onda
revolucionária dissiparam-se e ele fez planos para se estabelecer em Paris
por um longo tempo. Assim sendo, chamou Jenny e as crianças, apesar da
epidemia de cólera que se alastrava sobre a capital francesa e de suas
crescentes dificuldades financeiras. Jenny empenhou o que restava de suas
joias para garantir o sustento da família. A resposta de Marx a seus desafios
pessoais e políticos foi uma reprise de sua experiência anterior em Paris,
“uma empreitada literária e mercantil”, como ele mesmo escreveu para
Engels – em outras palavras, publicações no idioma alemão para circulação
na Alemanha, porém editadas fora do aparato repressivo dos Estados
alemães. Uma das possibilidades era uma antologia dos melhores artigos do
New Rhineland News; a outra, uma versão ampliada de “Trabalho
assalariado e capital”. Manter a ênfase em economia, um foco dos esforços
editoriais de Marx já às vésperas da Revolução de 1848, era uma proposta
para um periódico mensal sobre economia política. A exemplo do que
ocorrera em 1847, tais planos exigiam apoio financeiro de dentro da
Alemanha e, em julho de 1849, Marx e seus aliados se dedicaram à tarefa
de arrecadar os recursos necessários.7
O governo francês, como parte de sua política de isolamento dos
refugiados políticos subversivos, não tinha intenção de deixar Marx levar
esses planos adiante. As autoridades fizeram saber que ele só teria
permissão para permanecer na França se transferisse sua residência para o
distrito de Morbihan, uma região litorânea da Bretanha, remota e
profundamente conservadora. Residindo lá, Marx não teria contatos
políticos, tampouco meios de sustentar sua família, supondo que ele
sobrevivesse à mudança. Roland Daniels, o médico comunista que vivia em
Colônia, advertiu-o de que o departamento era “a mais insalubre faixa de
terra da França; úmida e lamacenta, exsudava febres; o Agro Pontino da
França”. Contrair malária seria a consequência inevitável de se viver lá.8
Quando Jenny se juntou a Karl em Paris, eles haviam discutido as
opções para seguir em frente e o plano original era seguir para Genebra. No
entanto, as dúvidas de Marx em relação à Suíça ganhavam força: o governo
daquele pequeno país, suscetível a pressões das grandes potências
contrarrevolucionárias, já começava a dispensar um tratamento mais rígido
aos refugiados políticos estrangeiros – uma tendência que se acentuaria no
decorrer de 1849 e 1850. Junto a outros tantos líderes e ativistas da
Revolução de 1848 que eram perseguidos, ele decidiu se mudar para
Londres, capital de uma grande potência isolada em uma ilha, na qual
vigorava uma política liberal no tratamento aos refugiados políticos.
Deixando os filhos e a esposa grávida em Paris por algumas semanas, Marx
chegou a Londres, via Bolonha, em 27 ou 28 de agosto de 1849.9
Naquela época, ele tinha 32 anos de idade, metade do que viveu.
Durante a juventude ele fez mudanças frequentes, entre 1835 e 1849, tendo
residido em Tréveris, Bonn (duas vezes), Berlim, Colônia (duas vezes),
Bruxelas e Paris (três vezes). Anteriormente, a Renânia esteve no centro de
suas perambulações, ancorada nas duas extremidades por Paris e Berlim, as
capitais das duas grandes potências que haviam estabelecido a configuração
da região e mantinham as chaves do destino a ela reservado. A mudança
para Londres significava romper com esse caminho e tomar o rumo de um
futuro diferente. A exemplo da maioria dos refugiados políticos que
tomavam o caminho de Londres, Marx não encarava as coisas dessa
maneira; ele ainda alimentava expectativas de um retorno iminente ao
continente, na sequência de um levante revolucionário renovado. Ainda em
1861, ele fazia planos para voltar à Alemanha. Nenhuma dessas
expectativas viria a se concretizar. Marx permaneceu no exílio em Londres
até o dia de sua morte.

RESIDIR EM LONDRES foi o auge da tendência de Marx a viver em


uma cidade grande. A capital inglesa era enorme; a mais populosa cidade
do mundo em 1850, com seus 2,4 milhões de habitantes. Cerca de 20 a 30
mil desses indivíduos eram imigrantes alemães: como em Paris, a maioria
artesãos, com uma mescla de intelectuais refugiados e grupos menores de
homens de negócio e banqueiros. Marx costumava conviver com as
comunidades de trabalhadores no East End, onde viviam muitos artesãos
imigrantes de origem alemã; ele buscava recursos financeiros e acordos de
negócio na cidade. Sua família morava em um conjunto de salas no Soho,
bairro de imigrantes, boêmios e favelados no centro de Londres;
posteriormente, mudou-se para a recém-formada comunidade suburbana no
norte de Londres. Em todas essas regiões diferentes, Marx se viu
pressionado por um aspecto da metrópole: o custo de vida
esmagadoramente elevado.
Ao contrário de um centro de ideias e artes criativas como Paris ou
mesmo Berlim, Londres era a capital da ciência. A biblioteca do Museu
Britânico guardava um acervo inigualável de conhecimentos. Sua rotunda, a
sala de leitura circular (nos dias de hoje, uma sala de exposições na qual os
turistas conhecem a cadeira preferida de Marx), logo viria a se tornar o lar
de Marx fora de sua casa. Novos desenvolvimentos no campo da medicina,
da química e da biologia, tanto aqueles produzidos nas faculdades e nos
institutos de pesquisa da cidade como os provenientes de outros locais,
eram assuntos tratados em publicações, palestras públicas e discussões
privadas. Capital política e administrativa do mais importante império
colonial de além-mar que existiu no mundo durante os três primeiros
quartos do século XIX, Londres era também o centro nevrálgico do
capitalismo global. As decisões do Banco da Inglaterra e o movimento dos
preços dos contratos financeiros na Bolsa de Valores de Londres
reverberavam ao redor do mundo. Notícias e informações chegavam
constantemente a Londres e de lá saíam organizadas por meio da imprensa:
na forma de publicações empresariais como a revista The Economist,
jornais para um público seleto, como The Times, e publicações populares
como o Daily Telegraph. Todos os principais jornais do mundo precisavam
contar com um representante em Londres, fato que acabou sendo a salvação
financeira de Marx nos anos 1850.
Em setembro de 1849, a mais notória característica da capital inglesa
era sua condição cada vez mais amplamente conhecida de capital dos
exilados da Revolução de 1848; um paraíso ultramar de políticas liberais e
tolerantes em relação a refugiados políticos provenientes de um continente
onde as forças contrarrevolucionárias ampliavam seu controle dia após dia.
Chegando a Londres, Marx se entregou às atividades políticas – começando
com a criação de um comitê de refugiados, cujo propósito era levantar
dinheiro para sustento desses exilados abandonados à própria sorte em uma
ilha estrangeira. Ele deu sequência às suas ações reativando a Liga
Comunista para que ela fosse o veículo de sua estratégia política, em rota de
crescente radicalização. Outra faceta do envolvimento político de Marx foi
a fundação de um periódico editado no exterior, mas publicado e distribuído
na Alemanha; um plano iniciado em Paris e concretizado em Londres. O
New Rhineland News: Review of Political Economy foi anunciado em
janeiro de 1850.
O título deixava evidente a ênfase cada vez mais acentuada que Marx
atribuía aos assuntos relacionados a economia, ao mesmo tempo em que
relembrava aos leitores o papel revolucionário desempenhado por ele no
passado recente. Fundamental para o novo trabalho político do autor era o
apoio de seus antigos aliados do tempo do New Rhineland News. Quando
estava pronto para deixar Paris, Marx cobrou insistentemente que Engels
fosse encontrá-lo em Londres. Seu amigo, então estabelecido na Suíça,
corria o risco de cair nas mãos dos prussianos e ser “fuzilado duas vezes”
por eles, devido ao papel que exercera nas insurreições no Vale do Wupper
e no sudoeste da Alemanha; Marx o relembrou desse perigo, afirmando-lhe
que, mesmo estando em segurança na Suíça, “você não tem condições de
agir”, enquanto, em Londres, “nós atuaremos juntos”.10 O governo francês,
no entanto, recusou-se a permitir que o subversivo Engels cruzasse seu
território. Em vez disso, ele foi obrigado a dar uma volta enorme. Viajando
na direção do sul, de Lausanne a Gênova, Engels tomou um barco para
Londres e, durante a viagem de cinco semanas, passou o tempo fazendo
esboços da costa espanhola e portuguesa. Ele chegou a seu destino em 12
de novembro de 1849.11
Ao longo dos cerca de dezoito meses seguintes, quase todos os
colaboradores políticos mais chegados a Marx fugiram do continente rumo
às ilhas britânicas, a ponto de Engels escrever, em maio de 1851: “Parece
que todo o New Rhineland News estará sentado junto em Londres quando
chegar o verão [...]”.12 Juntando-se a Ernst Dronke, Ferdinand Freiligrath,
Wilhelm Wolff e Karl Schapper (Joseph Moll havia caído, em uma batalha
contra os prussianos) havia outros comunistas, tais como os ex-oficiais
prussianos Joseph Weydemeyer e August Willich, além de um trio de
jovens intelectuais radicais: Wilhelm Pieper, Peter Immandt e Wilhelm
Liebknecht, refugiados políticos da Revolução de 1848 que haviam passado
para o lado comunista durante o exílio na capital inglesa. Esse era um grupo
com grande potencial de ação, desde que Marx conseguisse mantê-lo unido
sob condições difíceis e desfavoráveis.
O trabalho de Marx teve início com uma reunião realizada em 18 de
setembro de 1849, apenas três semanas após sua chegada a Londres. Dessa
reunião resultou a criação de um comitê de apoio aos refugiados políticos
alemães; esse comitê lançou um apelo por recursos financeiros, o qual
circulou na Inglaterra, na Alemanha e nos Estados Unidos. Dois artesãos
alemães, Heinrich Bauer e Karl Pfänder, membros da Associação
Educacional dos Trabalhadores Alemães, de Londres, e dois imigrantes
radicais juntaram-se a Marx na direção do comitê. Esse grupo estivera
intimamente ligado à Liga Comunista. O encontro ocorreu na sede da
Associação Educacional, situada na Great Windmill Street.13
Em novembro, o grupo passou a se chamar Comitê dos Refugiados
Social-Democratas. Durante seus dois primeiros meses de existência, ele
amealhou a respeitável soma de 36 libras, e garantiu suporte a quinze
diferentes refugiados. O ritmo da assistência ganhou força com o aumento
das doações, e o comitê realizou mais de quatrocentos pagamentos a
exilados entre novembro de 1849 e abril de 1850. As quantias eram
pequenas individualmente, porém satisfaziam a necessidades urgentes, uma
vez que os refugiados políticos da Alemanha enfrentavam tempos difíceis
em Londres – desemprego e condições precárias de habitação cuja única
opção algumas vezes se resumia a dormir nos parques ou nas ruas. Era uma
assistência de caráter altruísta, mas não deixava de conter certo aspecto
político. Marx mantinha uma lista de todos os favorecidos pela
benevolência do comitê, na esperança de que eles viessem a se somar às
fileiras de seus aliados em um futuro momento revolucionário.14
O trabalho do comitê de refugiados permitiu que Marx se
reaproximasse dos artesãos da Associação Educacional dos Trabalhadores,
aqueles que outrora foram os principais apoiadores da Liga Comunista e
que ele havia abandonado na primeira efervescência de entusiasmo
revolucionário durante a primavera de 1848. Essa decisão não agradou aos
membros da liga que permaneceram em Londres, em sua maioria
admiradores do estilo conspiratório que caracterizava a Liga dos Justos,
predecessora da Liga Comunista. No início de 1849, eles tentaram restaurá-
la na forma de um grupo clandestino e fizeram contatos com partidários que
continuavam no continente.15 Marx decidiu, então, endossar esses esforços,
uma reviravolta significativa em relação à sua postura anterior de defesa de
organizações políticas públicas e abertas. Entretanto, com as sucessivas
derrotas dos movimentos revolucionários na Europa continental no verão de
1849 e a crescente repressão política, o trabalho feito às escondidas passou
a ser a principal opção dos radicais. O plano de Marx visava à ampla
disseminação de um grupo clandestino com condições de emergir do
anonimato na esteira de uma nova eclosão revolucionária que ele esperava
ver acontecer em um futuro próximo.
As exatas circunstâncias da reconstituição da liga e da retomada por
Marx de seu cargo na autoridade central dessa associação foram mantidas
como um dos segredos da sociedade secreta; contudo, o outono de 1849
parece uma data plausível para o acontecimento, e o trabalho do comitê de
refugiados, um provável movimento inicial. A primeira evidência de uma
Liga Comunista restaurada data do começo de 1850 e vem de algumas
menções indiretas encontradas em cartas de Marx e Willich. Muitos anos
mais tarde, a polícia prussiana interrogou Peter Roeser, o fabricante de
charutos e ativista comunista de Colônia, que lhes falou a respeito de uma
carta enviada a ele por Marx, no início de 1850, sugerindo a fundação de
uma nova congregação da liga naquela cidade. A autoridade central
londrina reconstituída só veio a se tornar conhecida com a “Declaração de
Março”, de 1850, uma declaração dos princípios políticos e das
perspectivas em termos de futuras revoluções, a qual fora redigida por Marx
e Engels e enviada ao continente através de um emissário secreto, o mesmo
Heinrich Bauer que havia sido uma figura proeminente no comitê de
refugiados.16
A exemplo do que fizera em Bruxelas, Marx associou seu engajamento
com a Liga Comunista, no período entre 1849 e 1850, com o trabalho em
um periódico sobre economia política. O New Rhineland News: Review of
Political Economy foi projetado, assim como seu predecessor, para ser uma
sociedade anônima; contudo, impossibilitado de ter acesso a seus
correligionários de longa data em Colônia, Marx conseguiu um número
muito reduzido de investidores. A publicação começou com um capital
modesto.17 Georg Schuberth, o editor da revista em Hamburgo, “desfrutava
de uma reputação bastante duvidosa no mundo dos livreiros” – conforme
relatado por um amigo de Marx, o poeta e autor experiente Ferdinand
Freiligrath. Como previsto, Schuberth cobrou recursos financeiros
adicionais de Marx para iniciar a publicação, a qual ocorreu com atraso; a
distribuição dos exemplares foi caótica e atrasada. Mesmo contra as suas
obrigações contratuais, Schuberth insistia em receber adiantamento em
dinheiro dos livreiros; o representante de Marx em Hamburgo chegou a
considerar a hipótese de levá-lo à justiça.18
As vendas do periódico no varejo também foram problemáticas. Os
agentes locais não sabiam ao certo com quem deveriam negociar: se
diretamente com Marx ou com o editor Schuberth. Em Colônia, onde havia
expectativa de boas vendas, ocorreu um conflito entre dois agentes locais, o
que acabou dificultando o acesso dos assinantes às suas cópias.19 A primeira
edição era esperada para janeiro de 1850, porém no mês seguinte ela ainda
se encontrava na gráfica, e em março, os assinantes não haviam recebido
seus exemplares. As três primeiras edições mensais finalmente foram
lançadas em maio de 1850; contudo, de acordo com informações do agente
de Marx em Hamburgo, “Já estamos no final de junho e ainda não há
manuscritos [de edições adicionais]. As pessoas estão furiosas [...]”.20 O
plano original considerava a ampliação da produção, passando de edições
mensais para semanais e, quando as condições políticas permitissem, para
um jornal diário. Em vez disso, em razão dos problemas com impressão e
distribuição, a frequência da publicação foi reduzida. Em junho de 1850,
haviam sido publicadas quatro edições. Seguiu-se uma longa suspensão
temporária durante o verão e, então, saiu uma última edição, dupla, em
dezembro daquele ano. Marx esperava retomar a publicação em 1851, com
periodicidade trimestral, mas não conseguiu realizar seu intento.21
Por trás dessa tragicomédia havia uma deplorável realidade política: a
força cada vez maior da repressão e da contrarrevolução na Europa central.
O periódico foi publicado em Hamburgo, que era na época uma república
municipal independente, onde as ideias liberais tinham mais força e a
pressão do governo prussiano menos poder do que na maior parte da
Europa central. Todavia, mesmo lá se observava considerável relutância em
publicar os textos radicais de Marx. Uma alternativa potencial ao
problemático Schuberth era um tal Herr Koehler, mas ele só concordaria em
publicar a revista “se o tom não fosse muito exaltado”. Problemas
semelhantes surgiram na adesão de assinantes. Na cidade radical de
Düsseldorf, donos de tabernas se recusaram a permitir que os amigos de
Marx afixassem formulários de inscrição, temendo que as autoridades
cancelassem suas licenças.22 Marx reservava suas ideias mais subversivas
para os textos clandestinos; contudo, mesmo as formas mais moderadas de
radicalismo político publicadas no periódico eram difíceis de serem
defendidas publicamente na Europa central pós-revolucionária.

AS DECLARAÇÕES CLANDESTINAS de Marx nessa época tinham, de


fato, um caráter extremista, como demonstrava a Declaração de Março, de
1850, na qual ele descreveu sua nova estratégia revolucionária para os
membros da restaurada Liga Comunista.23 O documento começava com a
suposição de uma iminente sublevação revolucionária por toda a Europa,
“através de um novo levante independente do proletariado da França ou de
uma invasão da Sagrada Aliança contra a Babel revolucionária”. Essa nova
revolução colocaria no poder os “democratas pequeno-burgueses”, isto é, os
radicais das assembleias nacionais prussiana e alemã e os ativistas dos
clubes democráticos de 1848. Tais indivíduos, segundo Marx e Engels,
denominavam-se “vermelhos” e “republicanos”, mas os trabalhadores não
deveriam se deixar enganar, pois seu principal inimigo era exatamente essa
gente.
O programa político e socioeconômico de matiz radical dos
democratas conseguiria tornar a vida dos trabalhadores mais suportável
apenas temporariamente. Ele não promoveria a eliminação da propriedade
privada e a erradicação das classes sociais, tampouco conduziria à posse do
poder estatal pelos operários e à conquista de uma posição preponderante
para as “associações de proletários, não apenas em um país, mas em todos
os países hegemônicos do mundo”. Para atingir esses objetivos, os
trabalhadores precisariam “tornar a revolução permanente”.
Na revolução vindoura, os operários deveriam se organizar
independentemente dos democratas – daí a necessidade de restauração da
Liga Comunista. Além de organizados, seria necessário que eles se
armassem “com pederneiras, mosquetes, artilharia e munições”. Assim
preparados, teriam pela frente três tarefas principais. Uma delas era
expandir e aprofundar a violência revolucionária:

Os trabalhadores devem, acima de tudo, durante o conflito e


imediatamente após a batalha, neutralizar, tanto quanto possível,
os esforços envidados pela burguesia para acalmar a situação, e
forçar os democratas a colocar em prática sua atual máxima
terrorista. Eles precisam trabalhar para garantir que a agitação
revolucionária imediata não seja suprimida logo após a vitória da
revolução. Muito ao contrário, devem tentar mantê-la. Longe de
se opor a chamados excessos – exemplos de revanche do povo
contra indivíduos odiados ou edifícios públicos vinculados a
lembranças execráveis –, eles precisam não apenas tolerar tais
excessos, como assumir seu comando.

A segunda tarefa era fazer um lance maior que o dos democratas: no


lugar do imposto de renda progressivo que eles apoiavam, os comunistas
deveriam exigir um imposto tão grande sobre as maiores rendas “que as
grandes fortunas desapareceriam”. Os comunistas deveriam, além disso,
responder às demandas por governos próprios em nível provincial e local –
um tópico padrão da agenda política democrata – com reivindicações por
uma centralização revolucionária, “como ocorreu na França em 1793”,
durante o reinado dos jacobinos.
O terceiro ponto examinava a implementação de tais políticas. Marx e
Engels afirmaram que os trabalhadores precisavam ser politicamente
independentes e lançar “candidato dos trabalhadores” para concorrer contra
“os democratas burgueses” nas eleições. Os operários:

Precisam não se deixar subornar por slogans dos democratas, tais


como “ao fazer isso vocês estão dividindo o partido democrático
e dando aos reacionários a oportunidade de vitória”. O objetivo
último de todas essas frases é ludibriar e trair os trabalhadores [...]
Se os democratas adotarem desde o início atitudes decisivas e
terroristas contra os reacionários, sua influência, quando chegar a
eleição, será, de antemão, aniquilada.

Esse programa político radical trazia implícita uma autocrítica do


próprio Marx. As políticas por ele denunciadas na Declaração de Março –
opostas a ações individuais caóticas e violentas, cooperativas com os
democratas, ao mesmo tempo em que inviabilizavam a política dos
trabalhadores independentes e buscavam um programa político de esquerda
com concessões – refletiam as questões fundamentais às quais ele se
dedicou durante a maior parte do período em que foi editor do New
Rhineland News e membro da Sociedade Democrática de Colônia e do
diretório democrático provincial da Renânia. Andreas Gottschalk, o rival
esquerdista de Marx, e seu conselheiro, Moses Hess, foram os propositores
das políticas que ele passara a defender. A própria sentença que encerrava a
Declaração de Março, “A revolução em atividade permanente!”, fora
cunhada por Gottschalk em um artigo escrito em janeiro de 1849, no qual
ele acusava Marx de se opor a seus planos de lançar candidatos dos
trabalhadores para concorrer contra os democratas nas eleições ao
parlamento prussiano. Em abril de 1849, quando se retirou do diretório
democrata provincial e passou a defender um movimento político dos
trabalhadores, Marx estava adotando as ideias políticas de seu rival. Os
levantes inesperados de maio de 1849 interromperam a mudança de rumo
político do autor; esta que veio a se consumar no exílio.
Ao contrário do realismo de Marx, as ideias de Moses Hess a respeito
de política sempre envolveram marcantes elementos de fantasia. A
Declaração de Março, com sua rejeição a qualquer forma de cooperação
com os democratas não comunistas e sua percepção de uma revolução
iminente, marcada por ações mais radicais, mais violentas e mais terroristas
em face do crescente vigor da reação no continente, parece bastante
fantástica. Podemos nos perguntar, como sugerido por alguns biógrafos, se
essa visão revolucionária, tão diferente do realismo político anterior,
pretendia inspirar seguidores desmotivados ou conquistar artesãos da
Associação Educacional dos Trabalhadores aderentes às políticas
conspiratórias. No entanto, todas as declarações feitas por Marx naquele
tempo, tanto as de caráter público como as privadas, dão a entender que ele
endossava verdadeiramente esses pontos de vista extremos. Em
correspondência enviada a Joseph Weydemeyer em dezembro de 1849, ele
afirmou que esperava a eclosão de uma nova revolução, com força total,
depois de terem saído no máximo “três ou, talvez, duas edições mensais da
revista”, ou, como colocado por ele, até que “irrompa o grande fogo
global”.24
A revista adotava um tom mais moderado do que a Declaração de
Março; contudo, por trás de suas expressões mais comedidas escondia-se a
mesma intransigência. O ensaio de Marx intitulado “As lutas de classe na
França, de 1848 a 1850”, publicado nas três primeiras edições, era uma
história genial e brilhante da derrota das forças revolucionárias na França.
Em vez de falta de esperança, o texto afirmava que essas derrotas
prenunciavam uma vindoura revolução do proletariado – uma revolução tal
que se declararia “em atividade permanente”, criando uma “ditadura de
classe do proletariado” e “abolindo as diferenças de classe”, mas que
também combateria as potências contrarrevolucionárias europeias: “o novo
levante do proletariado na França, que coincidirá, sem demora, com uma
guerra mundial”.25
Ataques a radicais não comunistas eram outra característica da revista.
A quarta edição apresentou um artigo que denunciava um dos mais
proeminentes democratas da Alemanha, Gottfried Kinkel, adversário de
Marx na disputa pela direção do diretório democrático provincial da
Renânia durante 1848. Na primavera de 1849, Kinkel havia lutado contra os
insurgentes no sudoeste alemão e fora capturado pelas tropas da Prússia.
Julgado por uma corte marcial prussiana, ele tentou salvar a própria vida
apelando para o sentimento nacionalista do júri militar alemão. Marx
censurou-o por não tê-los desafiado a colocá-lo diante de um pelotão de
fuzilamento.26
Ao adotar essas posições extremas e ser intransigente em suas
demandas, Marx movia-se em uma corrente mais ampla da política do
exílio europeu. De refúgios seguros na Suíça ou na Grã-Bretanha, os
refugiados políticos esquerdistas aguardavam ansiosamente uma nova
revolução e guerra revolucionária, ao mesmo tempo em que promoviam
projetos políticos ainda mais radicais.27 Eles não conseguiam acreditar que
suas esperanças de 1848 e das lutas de 1849 tinham sido em vão, nem que
houvera categórica vitória de seus inimigos. Esses homens de esquerda se
entregaram à ideia de uma revolução ainda mais drástica em perspectiva,
revolução esta que os levaria, triunfantes, de volta ao poder.
Sonhos apocalípticos com um futuro revolucionário eram a única
alternativa de que os exilados dispunham para suportar as condições
miseráveis de sua existência. As circunstâncias da vida do próprio Marx,
considerando-se suas aptidões, sua formação e suas oportunidades,
situavam-no entre aqueles mais duramente atingidos pelas condições do
exílio. A mudança de um cargo relativamente bem remunerado de editor-
chefe do New Rhineland News para a posição de refugiado político sem
dinheiro marcou o início de um período de seis anos de pobreza desgastante
e esmagadora, responsável por crises pessoais e familiares, assim como por
uma profunda tragédia parental.
O nadir da miséria financeira de Marx começou imediatamente antes
de sua expulsão de Colônia. Ele havia empregado todos os recursos de que
dispunha, incluindo a última parte do adiantamento da herança de sua mãe,
para quitar as dívidas do New Rhineland News. O autor, que declarava ter
gasto 7.000 táleres nessa operação, expunha sua atitude como um sacrifício
pessoal – o pagamento de uma dívida de honra. Jenny colocou-se ao lado
do marido e defendeu com determinação suas ações. Ela as apresentou a
Joseph Weydemeyer como decisões corajosas e imbuídas de autossacrifício
tomadas por um homem honrado: “Para salvar a honra política do jornal, e
a honra civil dos correligionários de Colônia, ele assumiu sobre os próprios
ombros toda a carga, abrindo mão de sua máquina (a nova impressora do
jornal) e de sua renda; e, ao sair, tomou emprestado trezentos táleres para
pagamento do escritório recém-alugado, do salário atrasado dos redatores e
assim por diante – e foi expulso à força”.28
Parece bastante exagerada a alegação de Marx segundo a qual ele
gastou 7.000 táleres com despesas do jornal. Mesmo incluindo nesse
montante seu salário anual de 1.500 táleres como editor-chefe, durante três
anos, ele nunca recebeu nada próximo à quantia declarada. Marx usou, de
fato, todos os seus bens para liquidação do New Rhineland News, o que foi
para ele um peso considerável e indelével; contudo, a preservação da honra
era apenas uma parte de sua motivação. Quitando as dívidas, Marx tinha
condições de evitar os procedimentos jurídicos de uma falência, o que teria
exposto as finanças do jornal e seus apoiadores, colocando-os à mercê de
perseguições políticas e dificultando sobremaneira uma possível reabertura.
Um ano depois da expulsão de Marx de Colônia, o gerente empresarial do
New Rhineland News, Stephan Naut, ainda estava dando sequência ao
processo de encerramento dos negócios, pagando credores e buscando
receber dos devedores.29
Apesar de a ação eminentemente burguesa de pagar os débitos de sua
empresa ser apenas um pequeno passo na direção de uma revolução
comunista, ela deixou Marx sem recursos financeiros para poder se
sustentar. Acamado, em Londres, no começo de setembro, ele escreveu a
Ferdinand Freiligrath: “Encontro-me em uma condição verdadeiramente
difícil. A gravidez de minha esposa está em estágio avançado; no dia quinze
deste mês, ela deve partir de Paris e eu não sei como obter o dinheiro
necessário para custear a viagem da capital francesa até aqui”.30 De algum
modo, Marx conseguiu arregimentar os recursos para que a esposa e os
filhos fossem se juntar a ele em Londres; mas restava, então, o problema de
sustentar a família, prestes a aumentar. O filho do casal, Heinrich Guido,
nasceu em 5 de novembro de 1849 e a filha, Franziska, pouco tempo
depois, em 28 de março de 1851. A família se estabeleceu no Soho, um
bairro pobre no centro de Londres, onde residiam muitos refugiados; mas a
vizinhança miserável não ficava muito atrás. “As condições aqui”, de
acordo com palavras escritas por Jenny, “são completamente diferentes
daquelas da Alemanha. Todos nós seis vivemos em um quarto, com um
pequeno estúdio anexo, e pagamos, por semana, mais do que pela maior das
casas na Alemanha em um mês”.31
Os problemas familiares com relação às despesas se eclipsavam ante a
falta de receita. Exilados dotados de aptidões facilmente comercializáveis,
tais como médicos, engenheiros, ou aqueles com experiência em negócios
tinham melhores chances de conseguir um emprego. Artesãos e operários
podiam conseguir trabalho com baixa remuneração, porém escritores,
advogados e refugiados políticos com amplos antecedentes humanistas
enfrentavam grandes dificuldades. Alguns poucos afortunados conseguiam
dar palestras públicas ou ensinar alemão a britânicos curiosos; todavia, logo
havia candidatos demais para essas ocupações, e Marx, cujos
conhecimentos da língua inglesa ainda eram bastante rudimentares, não
pôde encontrar aí uma solução para seus problemas financeiros. Em 1856,
depois de sete anos da chegada a Londres, ele ainda temia que seu inglês
não fosse suficiente para a manutenção de uma conversa informal.32
Parte da ideia da publicação da revista era proporcionar a Marx e
Engels uma receita; contudo, as vendas fracas e as questionáveis práticas
financeiras e administrativas de seus sócios alemães conseguiram obter
míseros 130 táleres com as três primeiras edições. A Jenny restou apenas
apelar para a caridade alheia, sem o conhecimento de seu marido. Ela
escreveu a Joseph Weydemeyer, em Frankfurt, contando da desesperadora
situação da família, que precisava de todo e qualquer táler, e rogando a ele
que enviasse o dinheiro das vendas diretamente a ela, em vez de passar pelo
distribuidor em Colônia e o editor em Hamburgo.33 Marx tinha esperança de
conseguir junto ao editor um adiantamento relativo a um livro sobre
economia política; mas em uma atmosfera contrarrevolucionária, que se
adensava cada vez mais, o trabalho dele era politicamente venenoso.
Mesmo a oferta feita pelo autor, de escrever alguns verbetes sobre política e
economia política para a Brockhaus Publishers, na Grã Bretanha, editora
alemã líder na publicação de dicionários, manuais e enciclopédias – tanto
naquela época, como nos dias de hoje – foi rejeitada.34
Diversos refugiados políticos proeminentes se beneficiaram de fundos
arrecadados em nome deles; Marx, porém, embora trabalhasse com afinco
para levantar recursos e distribui-los a seus companheiros refugiados, era
orgulhoso demais para reservar uma parte para si. Reiterando uma posição
que defendera obstinadamente no tempo de Bruxelas, ele se recusou a
aceitar tal apoio, tendo, inclusive, repreendido um de seus correligionários
alemães, Ferdinand Lassalle, quando este fez circular um apelo por fundos
para ajudar Marx a se sustentar no exílio. Em um momento de particular
desespero, quando tanto a senhoria como o verdadeiro proprietário do
imóvel em que ele residia passaram a acossá-lo, apreendendo os pertences
da família no processo, Marx tomou emprestadas trinta libras do comitê de
refugiados – atitude que manteve em total segredo –, tendo, contudo,
devolvido o dinheiro “até o último centavo”, segundo palavras dele.35
As despesas da família eram vultosas e inexoráveis; sua receita, na
melhor das hipóteses, pequena e errática. Conciliar essas duas condições
implicava contrair novas dívidas. Marx começou a emitir notas
promissórias a serem recebidas de indivíduos que supostamente deviam
dinheiro a ele. Os credores se mostravam relutantes em aceitá-las e os
banqueiros, em descontá-las. Acaso Marx encontrasse alguém disposto a
receber as promissórias, ocorriam cenas embaraçosas na época do
vencimento, quando ele e seus amigos se viam obrigados a correr atrás de
dinheiro para honrar com o pagamento. Em uma ocasião particularmente
difícil, em março de 1851, Marx escreveu à sua mãe ameaçando retornar
para a Prússia e se deixar ser preso pela polícia, caso ela não cobrisse uma
nota promissória que ele havia assinado. Henriette não se deixou
impressionar, ciente de que a ameaça do filho não passava de um blefe.36
Em transações financeiras menos sofisticadas, Karl e Jenny começaram a
acumular dívidas – com lojistas, com a senhoria, no bar onde Marx bebia, e
com qualquer pessoa que lhes concedesse crédito. Essas dívidas também
acabavam vencendo, obrigando Marx a emitir mais notas promissórias ou
passar dias ou semanas “dando voltas” por toda a capital inglesa, atrás de
dinheiro para fazer um pagamento parcial. Os membros da família eram
empurrados para o trabalho; Edgar, o filho de seis anos de idade, sabia o
suficiente para dizer aos credores do pai, com um sotaque bem londrino:
“Não, ele não se encontra lá em cima!”.37
A brincadeira de Edgar soava divertida, mas Marx e sua família não
viam graça alguma em suas condições. Em junho de 1852, quando Karl
estava fora da cidade, Jenny descreveu assim para ele um dos periódicos
desastres financeiros:
Eu havia tomado a inabalável decisão de não atormentar você
constantemente com problemas de dinheiro, e agora estou aqui
outra vez. Contudo, Karl, eu não tenho de fato qualquer outra
saída. Marengo (a senhoria) me procurou e não está disposta a
esperar; ela me colocou em verdadeiro estado de pavor, tendo,
inclusive, penhorado nossos pertences. E, além dela, há o padeiro,
a governanta, o quitandeiro e o açougueiro – homem terrível.
Encontro-me em um estado tal, Karl, que não sei mais o que
fazer. Para todas essas pessoas, estou exposta como uma
trapaceira; preciso de ajuda [...] Karl, não posso permanecer aqui
mais um dia sequer. E para onde me resta ir? Se eu tiver que fugir
(dos credores), estaremos perdidos.38

O que fica evidente nesse apelo desesperado é a aflição excruciante de


Jenny por se ver obrigada a viver tomando dinheiro emprestado, e seu
temor de perder o último refúgio da família. O peso das emoções se faz
sentir mais forte devido ao fato de ela estar naquele momento na condição
de mulher sozinha, com seu marido e protetor temporariamente ausente. No
entanto, o próprio Marx demonstrava temor semelhante de perder a casa e
ser esmagado pelas dívidas.39
A carta de Jenny evidenciava a questão da pobreza entre indivíduos de
boa linhagem. Ela temia não apenas as dívidas, como também a desonra
decorrente da incapacidade de cumprir a palavra empenhada de que pagaria
os empréstimos. Embora não houvesse dinheiro para a compra de
alimentos, a família arcava com os custos de uma empregada, Lenchen
Demuth, e uma governanta para as crianças. Como costumava acontecer no
caso das pessoas refinadas que enfrentavam problemas financeiros, essa
situação representava uma decadência em relação aos anos revolucionários
em Colônia, quando a família Marx fora relativamente abastada, e tivera
condições, até mesmo, de emprestar dinheiro a seus conhecidos.40 A derrota
política dos revolucionários de 1848 e a expulsão de seus líderes foi, ao
mesmo tempo, uma derrota pessoal para Karl e Jenny. Isso tornou
particularmente cruel sua vida de pobreza em Londres e ajudou a alimentar
esperanças, cada vez mais fantásticas, de um levante revolucionário
renovado.
Os amigos e os aliados políticos de Marx conheciam bem a
precariedade de sua situação econômica e se perguntavam por quanto tempo
ele conseguiria fazer frente ao elevado custo de vida em Londres, com
pouca ou nenhuma fonte de receita.41 No verão de 1850, Marx e Engels
foram atrás de uma solução drástica para essas dificuldades financeiras, a
ideia de uma mudança para a cidade de Nova York. Havia motivação
política para tal decisão; contudo, as questões financeiras eram uma força
poderosa. Engels também se encontrava quebrado, tendo deixado de receber
a mesada regular que, desde 1844, os pais vinham lhe enviando. Suas ações
revolucionárias em Elberfeld e Baden foram a gota d’água. A própria mãe,
uma mulher sofrida, escreveu-lhe dizendo: “já que você escolheu um
caminho com o qual nós, em poucas palavras, não concordamos, não espere
nossa ajuda; em especial já sendo você um adulto capaz de ganhar o próprio
sustento”.42
Estranho quanto possa parecer, Nova York era, então, a terceira maior
cidade de população alemã, atrás apenas de Berlim e Viena. A maioria da
comunidade de imigrantes alemães, tanto lá como em outras cidades da
América, era formada por refugiados políticos radicais e trabalhadores
ativistas, entre os quais Marx e Engels esperavam encontrar apoiadores e
compradores de seus textos.43 Logo no início da década de 1850, boa parte
da atividade política de Marx e Engels aconteceu nos Estados Unidos. O
principal aliado de Marx na América era um jovem desenhista e arquiteto
chamado Adolf Cluss, que fora membro da Liga Comunista na cidade
renana de Mainz. Solteiro, na época, e beneficiário de um emprego seguro e
bem pago como desenhista mecânico no estaleiro da marinha em
Washington, D.C., Cluss defendia ardorosamente a causa de Marx entre os
imigrantes alemães nos Estados Unidos, sendo ainda mais incisivo nos
ataques aos inimigos de Marx, e apresentava relatos regulares sobre as
atividades deste e sobre a política americana em geral. Jenny escreveu a
Cluss: “Suas cartas inspiram grande alegria. Meu marido sempre diz: ‘se
nós contássemos com muitos companheiros como Cluss, conseguiríamos
realmente alguma coisa’”. No final, desviando-se do comunismo, Cluss
viria a se juntar aos republicanos – sob Lincoln, um partido político radical,
embora eminentemente pró-capitalista – e se tornou um destacado arquiteto
em Washington. Um dos edifícios por ele projetados é o que abriga, nos
dias de hoje, o Smithsonian Institution.44
O destino do aliado de Marx é, talvez, um indicativo do que teria
acontecido a ele e Engel, caso tivessem levado adiante os planos de
mudança para a América. Para outros alemães radicais do século XIX, a
viagem através do Atlântico foi uma jornada política de via única; nenhum
deles jamais voltou a desempenhar um papel de destaque na política
europeia. O fato de Marx não ter mudado para Nova York viria a ser um
importante divisor de águas em sua vida, comparável apenas à inesperada
morte de seu potencial mentor, Eduard Gans, em 1839.
A mudança para a América não se concretizou porque nem Marx, nem
Engels conseguiram levantar o dinheiro para a passagem em um
transatlântico. Engels informou à sua família que havia rompido com Marx
e os comunistas, e desejava mudar para os Estados Unidos com o objetivo
de entrar no comércio atacadista de algodão. Sua mãe, entretanto, temendo
que a proximidade com os radicais alemães em Nova York pudesse
reacender os velhos hábitos indesejáveis, propôs enviá-lo a Calcutá, para
trabalhar com um mercador alemão chamado Heilgers. Os familiares não
fizeram caso do medo que Engels manifestava de contrair uma febre na
Bengala tropical, argumentando que “seu corpo e seu estômago saudáveis e
robustos” o protegeriam.45
Marx se aproximou dos parentes holandeses da mãe, mandando Jenny
para junto de seu tio, Lion Philips, em Kaltbommel, em agosto de 1850.
Encharcada e irreconhecível à primeira vista, depois de uma travessia do
Canal da Mancha debaixo de forte tempestade, Jenny encontrou os parentes
do marido. Apesar de defender que Karl havia sido convidado a lecionar em
uma universidade em Nova York, o tio não se mostrou disposto a contribuir
financeiramente – decerto, outro adiantamento da futura herança que Karl
receberia por falecimento da mãe. Introduzindo na conversa “pequenos
comentários marginais de conotação judaico-cristã sobre o comunismo”, o
tio de Marx deixou claro que a família deste, tanto quanto a de Engels, não
se propunha a sustentar um radicalismo herege.46
A tentativa de mudança para Nova York afetou uma decisão tomada
por Marx e Engels alguns meses mais tarde, no outono de 1850. Engels,
jogando com seu declarado rompimento com o comunismo e a alegada
intenção de se dedicar aos negócios, propôs viver em Manchester, como
representante do pai. A família de Friendrich aceitou a proposta, muito
embora alimentasse dúvidas quanto à autenticidade de sua conversão ao
capitalismo. Chegando a Manchester, Engels verificou a contabilidade da
empresa e descobriu que os sócios do pai, os irmãos Ermen, o estavam
trapaceando. Suas informações privilegiadas logo o tornaram indispensável
para o pai e lhe garantiram a condição de obter uma receita potencialmente
lucrativa.47
Engels viria a ser, conforme palavras de Jenny, “um grande senhor do
algodão”, sem perder as características do “mesmo velho Fritz”.48 Em vistas
de sua profunda objeção pessoal e política a se converter em capitalista,
esse foi um sacrifício considerável; porém, garantiu seu futuro e ajudou
Marx e a família a encarar as dívidas e as despesas em Londres. A mudança
de Engels para Manchester teve como consequência uma divisão do
trabalho entre os dois homens. Marx, vivendo na metrópole global, atuava
como principal teórico e ativista; Engels, ganhando dinheiro na provinciana
cidade industrial, dava conselhos e oferecia o suporte financeiro que Marx
necessitava para fazer frente ao elevado custo de vida naquele centro de
atividade intelectual e política. Esse pacto cimentou uma parceria pessoal e
política; daquela época em diante, eles passaram a ser, para si mesmos e
para seus contemporâneos, “Marx e Engels”. As transferências financeiras
provenientes de Manchester – trivialmente na forma de ordens de
pagamento e, de modo mais pitoresco, como notas bancárias divididas na
metade e enviadas em envelopes separados – permitiram que Karl e Jenny
fizessem pagamentos parciais aos credores e, às vezes, mantê-los à
distância. Nos anos iniciais do trabalho de Engels, quando ele ainda estava
se estabelecendo, o suporte foi modesto, ajudando a levar a família de Marx
de uma situação financeira insustentável para uma apenas desesperadora.49

A POBREZA E a solidão do exílio foram profundamente ampliadas por


uma tragédia pessoal: Heinrich Guido e Franziska Marx viveram pouco
mais de um ano. A morte de Guido, em 19 de novembro de 1850, foi um
choque. Ele morreu “repentinamente, vítima de uma das convulsões que
tinha com frequência. Apenas alguns minutos antes, ainda estava rindo e se
divertindo”. Fica difícil estabelecer um diagnóstico póstumo da morte da
criança. É possível que o menino tenha sido acometido por uma meningite
ou sofrido uma morte súbita; as memórias da mãe descrevem o episódio
como pneumonia. Qualquer que tenha sido a causa, o falecimento do filho
foi um grande golpe para Jenny. Poucos dias depois, Marx escreveu a
Engels contando que Jenny, em estado avançado da gestação de Franziska,
“corre verdadeiro risco de sofrer um distúrbio emocional. Ela mesma
amamentou o bebê e fez todos os sacrifícios a fim de assegurar a existência
dele, em circunstâncias das mais difíceis. Além disso, pensa que o filho foi
vítima de nossa condição miserável, embora ele não tenha carecido de
cuidados”.50
Um profundo sentimento de decadência permeia esses comentários –
Jenny amamentando o bebê em vez de contratar uma ama de leite, e a
suspeita de que a pobreza do ambiente em que viviam tenha contribuído
para a enfermidade fatal de Heinrich Guido. Tais sentimentos se
intensificaram um ano e meio mais tarde, quando Franziska faleceu, à 1h15
do dia 14 de abril de 1852. A morte da filha, consequência de uma doença
respiratória (possivelmente coqueluche), ao contrário da do irmão, não foi
surpresa, pois ela passou a maior parte de sua breve vida adoentada. No
entanto, depois da morte de duas crianças pequenas no espaço de quatorze
meses, Engels expressou, em uma carta de pesar, a mesma preocupação que
afligia Karl e Jenny: “Lamento ficar sabendo que meus temores quanto à
sua menininha tenham tão rapidamente se confirmado. Se houvesse alguma
forma de sua família se mudar para uma área mais saudável e um
apartamento mais espaçoso!”.51 Quer as condições daquele bairro pobre e
daquelas salas apertadas tenham ou não contribuído para a morte das
crianças, o fato é que três dos quatro filhos nascidos em Londres faleceram
no nascimento ou ainda na infância, enquanto dois dos três nascidos em
Bruxelas sobreviveram até a idade adulta. A pobreza da família certamente
lançou uma pesada sombra sobre a morte de Franziska, pois Marx foi
obrigado a passar todo o dia do funeral da filha correndo atrás de dinheiro
para pagar o serviço funerário.52
Quase tão angustiante quanto a morte dessas crianças, foi um
nascimento na família. A criada, Lenchen Demuth, deu à luz um filho,
Henry Frederick (Freddy), em 23 de junho de 1851. O espaço
correspondente ao nome do pai, na certidão de nascimento, foi deixado em
branco, e Engels se apresentou para assumir a paternidade. Décadas depois,
em seu leito de morte, ele admitiu que agira assim atendendo a um pedido
de Marx, que era o verdadeiro pai, mas não queria ver seu casamento
naufragar. Duas das filhas de Marx, Laura e Eleanor, horrorizadas com o
relato, esconderam a informação, e a verdade só veio à luz na década de
1960. Mesmo nos dias de hoje, há céticos que se recusam a acreditar que
Marx tenha tido um filho com a empregada, havendo alguns, mais
excêntricos, para quem a carta com a confissão de Engels não passa de uma
armação fascista. Se a carta foi, de fato, forjada pelos fascistas, eles devem
ter tido acesso a inúmeros detalhes não publicados a respeito da vida
privada de Marx.
Na verdade, existem diversas evidências que corroboram o fato: os
comentários críticos de Jenny Marx, em suas reminiscências escritas quinze
anos mais tarde, sobre uma crise em seu casamento; correspondências
trocadas entre Marx e Engels, com referências indiretas ao assunto; e o fato
de que o filho de Lenchen tinha a tez escura como a de Marx,
completamente diferente da pele clara de Engels. Provas irrefutáveis foram
reveladas por novos documentos que vieram à tona nos anos 1990. Foram
cartas reunidas originalmente por David Rjazanov como parte do
levantamento de informações para uma edição completa dos trabalhos de
Marx e Engels. Após a prisão do editor, no grande expurgo, os documentos
ficaram escondidos durante seis décadas nos arquivos secretos de Stálin, até
o fim do comunismo na União Soviética. Eles revelam que Freddy Demuth,
quando adulto, tinha ciência da verdade a respeito da identidade de seu pai,
e que a confissão de Engels no leito de morte era bem conhecida entre os
líderes do Partido Social-Democrata alemão. Esses indivíduos não
duvidavam da autenticidade dos documentos e não hesitaram em ocultá-
los.53
Devido ao acanhamento do espaço de um quarto e meio no
apartamento do Soho em que a família vivia, é difícil imaginar quando e
como tal concepção ocorreu. Deve ter sido na época em que Jenny esteve
na Holanda, tentando arrecadar com os parentes de Karl o dinheiro que a
mudança para Nova York demandava; contudo, agosto de 1850 parece uma
data improvável, considerando-se que o nascimento aconteceu no final de
junho de 1851. Possivelmente, o ato ocorreu em algum momento de
desatenção, tarde da noite, ou, quem sabe, à luz do dia, durante uma saída
de Jenny para passear com as crianças. As circunstâncias emocionais da
concepção – uma ocorrência eventual, ou parte de um caso mais duradouro;
algum tipo de coerção, física ou não, por parte de Karl; ou um
envolvimento consentido por Lenchen – são completamente desconhecidas.
O bebê foi entregue para pais adotivos, destino típico de filhos
ilegítimos de empregadas domésticas no século XIX e, quase sempre, uma
sentença de morte. Todavia, Freddy Demuth sobreviveu e costumava visitar
a mãe biológica. As filhas de Karl nunca entenderam a presença do
visitante. É possível imaginar como as suspeitas de Jenny em relação ao
marido devem ter ganhado força à medida em que, naquele minúsculo
apartamento, ela via a gravidez de Lenchen avançar sem, entretanto, ouvir
dela palavra sequer sobre o homem responsável pelo fato. A confissão de
paternidade feita por Engels ajudou Jenny a reprimir suas dúvidas e
preservar seu casamento. A melhor maneira de se entender esse caso é
encarar a paternidade de Freddy Demuth como um daqueles segredos
familiares explícitos, dos quais todos têm ciência, mas que ninguém admite,
nem mesmo para si próprio. No final, Freddy viveu mais do que todos os
filhos legítimos de Karl, tendo falecido em 1929 sem deixar descendentes.

ALÉM DE TODA a incessante pressão financeira, da morte de dois filhos


e da quase dissolução de seu casamento, os primeiros anos de Marx no
exílio em Londres foram também um período de isolamento político e
pessoal. Após romper com os democratas não comunistas da comunidade
de refugiados políticos alemães, e depois com os comunistas, restaram a
Marx poucos seguidores: Weydemeyer e Cluss, na América; Engels um
pouco mais próximo, em Manchester; e dois círculos comunistas com dez a
vinte membros cada, em Colônia e Londres. As diferenças ideológicas
certamente desempenharam um papel importante nessas desavenças, mas, a
exemplo do que sucedeu nas turbulentas relações de Marx com Karl Grün,
cerca de cinco anos antes, as motivações pessoais e políticas estavam
intimamente entrelaçadas.
O rompimento de Marx com os democratas aconteceu no final de 1849
e início de 1850 e girou em torno da questão do apoio aos refugiados.
Convidado a participar de uma reunião destinada a criar um comitê
unificado de apoio aos refugiados, Marx respondeu acusando os
organizadores de terem deixado de convidar dois de seus correligionários,
Conrad Schramm e Ferdinand Wolff, assim como os trabalhadores “que,
havia anos, estavam à frente dos democratas alemães em Londres”.
Integrantes da esquerda, desconcertados, não entenderam por que Marx e
seus amigos não compareceram ao encontro solicitando então a inclusão de
outros indivíduos no comitê.54
Por trás dessas questões procedimentais havia outra, mais ampla,
relacionada à orientação política. Proeminentes exilados alemães
trabalhavam pela unificação de todos os refugiados políticos radicais que
viviam em Londres, um desejo compartilhado por refugiados de outros
países da Europa, e concretizado em 1851, com a criação de um comitê
central dos democratas europeus.55 Antes da Revolução de 1848, Marx havia
defendido tal política dentro do grupo Democratas Fraternais de Londres e
na Associação Democrática de Bruxelas; o Manifesto comunista propagava
que os comunistas “trabalham em toda parte pela união e pelo consenso dos
partidos democráticos de todos os países”. A reviravolta de Marx no sentido
de um radicalismo exclusivamente comunista, baseado em um grupo de
adeptos da classe trabalhadora, conduzia-o para a direção oposta: contra a
cooperação com os democratas “pequeno-burgueses” e a favor do
enquadramento destes na categoria de inimigos políticos.
Provocar uma disputa com os democratas refugiados em Londres
estava longe de ser a atitude ideal. A maioria dos exilados esquerdistas
apoiava os democratas contra os comunistas. Os primeiros chegaram a
fundar sua própria associação de trabalhadores, que atraiu adeptos entre os
comunistas da Great Windmill Street. Conforme relatado, talvez de maneira
um tanto exagerada, por um alemão que viajou de Londres para a Suíça no
início de março de 1850, apenas três meses depois do confronto relativo ao
comitê de refugiados, “Engels e Marx [...] estão excluídos de todos os
grupos de imigrantes e das associações de trabalhadores alemães”. No
mesmo relato August Willich era descrito como “o chefe dos comunistas
[alemães]” em Londres.56
Na primavera e no verão de 1850, houve uma rápida escalada das
tensões dentro da liderança da Liga Comunista, colocando Marx e Engels
contra August Willich e Karl Schapper. Em uma reunião entusiástica da
Autoridade Central da Liga, em 15 de setembro de 1850 – durante a qual
adeptos dos dois lados afirmaram, de maneira emocional e dramática, seu
desejo de morrer em ação revolucionária –, Marx e Engels arquitetaram a
transferência da Autoridade para Colônia, onde o comando estava a cargo
apenas de seus seguidores. Willich e Schapper, que contavam com o apoio
de uma expressiva maioria entre os artesãos comunistas alemães de
Londres, fundaram sua própria Liga Comunista e declararam que Marx e
Engels estavam expulsos de suas fileiras. Os seguidores dos dois líderes, em
Colônia, responderam com a expulsão de Willich e Schapper da Liga
Comunista original.57
Logo após a divisão da liga e a mudança de Engels para Manchester, a
Liga Comunista pró-Marx, em Londres, contava com apenas cerca de doze
afiliados, os quais se reuniam informalmente nas noites de quarta-feira, no
bar Rose & Crown, situado na Cross Street, no Soho. Os comunistas de
Colônia, então líderes oficiais da Liga, formavam um grupo com o mesmo
número de integrantes, embora politicamente mais ativo – desde que
conseguissem se manter longe das vistas da polícia prussiana. O próprio
Marx foi, pouco a pouco, renunciando ao ativismo político. Usando o cartão
de associado da notável biblioteca do Museu Britânico, que obteve em
junho de 1850, lá ele passava todos os dias, desde as nove horas da manhã
até sete da noite, estudando os trabalhos de economistas políticos como
John Stuart Mill e Samuel Lloyd, um especialista em questões monetárias.
Wilhelm Pieper contou a Engels, em janeiro de 1851, que “Marx vive muito
fechado em si mesmo. [...] Quando alguém se aproxima dele não é saudado
com cumprimentos, mas, com categorias econômicas.”.58
Para Marx e Engels, o distanciamento em relação a outros refugiados
políticos alemães era consequência da adesão a princípios políticos, um
ponto de vista rigorosamente endossado por historiadores marxistas e
leninistas, a partir de então. Desde a primavera de 1849, Marx encarava os
democratas “pequeno-burgueses” como indivíduos sem a necessária
inclinação revolucionária; somente um movimento com apoio da classe
trabalhadora poderia ser considerado autêntico em uma perspectiva
revolucionária. Não ser suficientemente revolucionário ou proletário estava
longe de expressar uma reprovação capaz de atingir Willich, Schapper ou a
significativa maioria dos artesãos alemães comunistas residentes em
Londres, que os apoiavam.
A motivação política de Marx para esse rompimento desviou para uma
direção oposta: Willich e seus adeptos eram revolucionários demais e
planejavam introduzir o comunismo por meios da violência – e, se
necessário, da força militar – em uma próxima revolução, que eles viam
como iminente. Marx, que estava igualmente convencido da iminência da
revolução, via nela apenas um primeiro passo de um longo processo para
consecução de um Estado e uma sociedade comunistas. Ele apontou uma
nítida diferença entre seu ponto de vista e o de Willich, na reunião da
Autoridade Central da Liga Comunista que levou à divisão da organização:
“Enquanto nós dizemos aos trabalhadores: vocês têm 15, 20, 50 anos de
guerra civil pela frente, para introduzir uma mudança das condições e se
tornar capazes de exercer o poder, [Willich e Schapper] dizem: nós
precisamos chegar imediatamente ao poder, ou nos restará dormir”.59
Embora para Marx essas diferenças ideológicas possam ter parecido
bastante evidentes, na prática, elas não passavam de um simples borrão.
Para qualquer pessoa fora da esfera da esquerda política, todos os planos
para uma nova e radical revolução, de democratas a comunistas, sem
distinção, soava igualmente extremo, como todo o universo de falantes de
alemão havia aprendido quando a polícia prussiana prendeu os
correligionários de Marx em Colônia e os colocou diante de um tribunal,
em 1852. Cidadãos comuns de inclinação esquerdista não viam distinção
entre as duas facções comunistas. Realizando buscas nas casas de
trabalhadores radicais, na Alemanha, a polícia encontrou material redigido
pelo grupo de Marx, assim como pelo de Willich e Schapper. Quando
explicou para seus adeptos de Colônia a diferença que existia entre ele e
Willich, Marx afirmou que a revolução seguinte conduziria a pequena
burguesia ao poder, mas seria acompanhada pela implantação de uma
“república social”, de um regime “social-comunista”, e, no final, um regime
“puramente comunista”. Nessa explanação, as diferenças entre o ponto de
vista de Marx e o de Willich pareciam mais uma questão de grau do que de
espécie.60
Qualquer que tenha sido a objetividade ideológica aparente na época
do rompimento de Marx e Engels com Willich e Schapper, esta se
desvaneceu dentro de poucos meses. Em novembro de 1850, Gottfried
Kinkel chegou à Inglaterra depois de sair de uma prisão prussiana em uma
fuga ousada, um movimento que fez dele um herói entre os refugiados
políticos radicais alemães na Europa e no América do Norte. Kinkel, que já
havia batido de frente com Marx durante a Revolução de 1848, ficou
estarrecido com os ataques contra ele publicados na revista deste último.
Ele e Willich deram início a uma íntima colaboração na política do exílio,
colaboração esta que levou as correspondências trocadas por Marx e Engels
a se encherem de referências a “Kinkel-Willich”, tratando como uma única
entidade a pequena-burguesia de esquerda carente de substância
revolucionária e os extremistas comunistas excessivamente
revolucionários.61
Os contemporâneos de Marx tinham outra explicação para as tantas
divergências políticas e rupturas nas quais ele se envolveu. Eles atribuíam
esses embates e rompimentos à sua personalidade. Conforme relatado por
um exilado político na Suíça, não foi “devido às suas doutrinas, mas sim a
uma incompatibilidade pessoal e invariável tendência à dominação” que
Marx e Engels foram excluídos de todos os círculos de democratas alemães
em Londres. Willich e Schapper deram uma explicação semelhante para os
motivos de seu rompimento com Marx e Engels. Não foi uma questão de
“princípios”, mas “puramente de personalidades”. Eles acusavam os dois
homens de “perseguirem de todas as formas imagináveis” qualquer pessoa
“não suficientemente independente para soprar de modo incondicional a
corneta dessa gente”.62
Decerto, os oponentes políticos de Marx respeitavam seu intelecto.
Armand Goegg, um proeminente democrata exilado, solicitou que Marx
contribuísse com um artigo para uma revista que ele estava editando, na
qual seriam publicadas as opiniões dos “25 membros mais considerados do
moderno Partido Democrata na Alemanha”. Até mesmo August Willich, em
seu inimitável estilo comunista-militar prussiano, tinha Marx em alta conta.
Os planos pós-revolucionários de Willich incluíam esta determinação: “O
cidadão Karl Marx é convocado a se apresentar em Colônia dentro de 48
horas e assumir a direção das finanças e da reforma social [...] O não
cumprimento desta ordem e qualquer resistência ou esforço no sentido de
questionar, assim como brincadeiras impróprias, serão punidos com a pena
capital”.63
As disputas entre a dupla Marx e Engels, de um lado, e os democratas
alemães exilados e os comunistas Willich-Schapper, do outro, foram
conduzidas, quase integralmente, por meio de insultos pessoais. Os
oponentes de Marx denunciavam sua arrogância intelectual e inclinação
tirana. Uma história dando conta de como ele e Engels compareceram
bêbados a uma reunião da Associação Educacional dos Trabalhadores e
foram obrigados a fugir para não apanhar dos proletários indignados,
ofendidos pelas atitudes de velado desdém intelectual, circularam em toda
Londres e chegaram à distante Cincinnati, uma cidade repleta de imigrantes
alemães. Houve reiteradas acusações, ventiladas tanto na imprensa alemã
como nos jornais de língua alemã dos Estados Unidos, de que Marx estaria
usando em benefício próprio o dinheiro levantado para o comitê de
refugiados – fundamentadas, provavelmente, nos rumores que circularam
quando ele tomou emprestado do comitê trinta libras para uso pessoal. Ao
contrário dos ataques à sua postura arrogante e desdenhosa, ou de sua falta
de popularidade entre os trabalhadores, questões de que Marx fazia pouco
caso, essas acusações o enfureceram de fato, pois ele tinha como ponto de
honra não aceitar donativos de outros, mesmo quando eram oferecidos
diretamente a ele. A referência a um único momento de fraqueza só fazia
aumentar sua indignação.64
Marx revidou nos mesmos moldes. Kinkel e Willich, junto com a
maioria dos democratas alemães no exílio, tentaram levantar um
“empréstimo revolucionário” entre os alemães que viviam na América,
empréstimo do qual os rendimentos deveriam ser aplicados em agitações
políticas na Alemanha e o principal, pago por um futuro governo
revolucionário. Esse plano, a despeito de todos os elementos fantasiosos, foi
bem-sucedido na arrecadação de dinheiro, e Marx não perdeu tempo em
acusar seus oponentes de terem colocado esses fundos nas próprias
carteiras. Além dessa apropriação indébita, Karl Schapper foi acusado de
fugir e se casar com a noiva de um dos membros da Liga Comunista.65
Contudo, foi August Willich, acima de todos, quem despertou a ira de
Marx:

Willich, apesar de sua ascendência de nobre filisteu [...] a


hipocrisia moral de um suboficial é tão comum [...] vigarista e
[...] conforme fui informado por um respeitável Filisteu,
trapaceiro no jogo de cartas. O indivíduo circula o dia todo pelos
bares [...] onde pode consumir de graça, e pagar trazendo novos
clientes, os quais ele entretém com seu provérbio estereotipado de
ardor por uma futura revolução [...] na qual ele já deixou de
acreditar [...] O sujeito é um vagabundo [a palavra alemã, muito
mais incisiva é Schmarotzer] indolente e ganancioso da pior
espécie [...]66

Essa imputação aos líderes comunistas da pecha de trapaceiros


indolentes que viviam às expensas dos trabalhadores, tem sido uma atitude
clássica do anticomunismo, desde meados do século XIX até hoje. O
emprego dessa vívida retórica por Marx para denunciar seu rival era
consistente com a utilização anterior que fizera do anticomunismo com
propósitos comunistas.
Esses conflitos partidários envolviam também ações legais absurdas.
Willich e Schapper processaram os correligionários de Marx pelo controle
de dezesseis libras da Associação Educacional dos Trabalhadores;
entretanto, o tribunal negou suas reivindicações. Os dois convenceram o
estalajadeiro Karl Göhringer, um associado da Liga Comunista, cuja taverna
em Londres era o bar favorito dos exilados radicais alemães, a permitir que
um dos seguidores de Willich processasse Marx por causa de uma dívida de
cinco libras. Mas a escaramuça teve seu lado mais sombrio e violento.
Conrad Schramm um dos seguidores de Marx, desafiou Willich para um
duelo. O desfecho do embate, realizado na Bélgica para evitar
impedimentos legais, foi Schramm caído ao chão sobre seu próprio sangue.
Ele teve sorte de sobreviver à troca de tiros com um soldado e experiente
atirador. Recuperando-se dos ferimentos, Schramm participou em fevereiro
de 1851, junto com Pieper, de um banquete em Londres, patrocinado por
exilados radicais da Inglaterra e do continente. Trabalhadores partidários de
Willich e Schapper que estiveram presentes no banquete reconheceram os
seguidores de Marx. Eles os seguiram naquela noite de inverno e, sob
raivosos protestos quanto ao uso dos recursos monetários da Associação
dos Trabalhadores, os agrediram com socos e chutes, aos gritos de “espião,
espião” e “Haynau, Haynau” (nome de um general austríaco reacionário
que apanhara de operários quando vagueava pelas cervejarias de Londres).
À meia-noite, Pieper apareceu no apartamento de Marx, desgrenhado e
sangrando.67
Esse conflito mutuamente destrutivo se tornou uma obsessão para
Marx e Engels, tendo permeado a correspondência trocada pelos dois e
contribuído para uma escalada da hostilidade por eles manifestada em
relação aos governos reacionários que mantinham, de fato, o poder na
Europa pós-revolucionária. Marx afirmou a Engels que os radicais exilados
eram “reles ladrões”, acrescentando, “Eu prefiro, em todos os aspectos, os
governos legítimos em vez dos provisórios [proclamados pelos radicais
exilados em Londres] [...]”. Ele conseguiu infiltrar um espião no comitê
encarregado da administração dos empréstimos revolucionários; este era um
de seus novos jovens correligionários, Peter Immandt, que lhe forneceu
detalhes comprometedores. Reunindo toda sorte de relatos hostis enviados
por seus partidários, Marx se ocupava com a preparação de um panfleto
polêmico cujo foco eram os seus inimigos. “Os grandes homens no exílio”,
uma coleção de histórias vulgares e anedotas maldosas, dirigidas em
especial a Gottfried Kinkel. Marx e Engels estavam cientes de que tal
publicação forneceria munição para os conservadores, mas planejaram
seguir adiante de qualquer modo.68
O panfleto proposto era uma tentativa desesperada no sentido de
ganhar apoio dentro da comunidade de refugiados políticos alemães, na
Europa e na América do Norte; contudo, os ataques contra seus dois líderes
mais populares, Kinkel e Willich, representavam uma batalha perdida. No
verão de 1851, circulou nos meios de refugiados de Londres uma história
segundo a qual, na esteira de um renovado levante político na Alemanha, o
primeiro ato de qualquer novo governo revolucionário seria colocar Marx
no paredão e fuzilá-lo. Este, por sua vez, chamava essa e outras histórias
semelhantes de “miasmas do pestilento esgoto democrático”. Marx sentia-
se desconcertado quando visitantes incautos repetiam tais enredos na frente
de Jenny, ainda abalada em virtude da morte do filho, do recente
nascimento de uma filha e do constante assédio dos credores da família. “A
falta de tato de algumas pessoas”, escreveu ele para Weydemeyer, “é, a esse
respeito, sempre colossal”.69
Não é possível deixar de assinalar um forte elemento de mesquinharia
e ego desmedido nessas controvérsias. Tal fato sempre conduz os
historiadores a ignorar as disputas, por considerá-las triviais e sem
importância, comparadas com os escritos e as ideias de Marx. Outros as
veem como exemplos da arrogância do autor e de sua intolerância em
relação a pontos de vista divergentes. Existe certa verdade nas acusações,
embora elas sejam mais cabíveis em se tratando de Engels do que de seu
amigo. No entanto, a personalidade de Marx não o impediu de trabalhar, em
1848, com indivíduos esquerdistas de diversas inclinações no New
Rhineland News, na Sociedade Democrática de Colônia e no diretório
democrático provincial. Ao contrário, os embates pessoais foram uma
consequência das difíceis condições do exílio político e da evolução do
ponto de vista de Marx quanto à revolução.
Ele não estava sozinho em sua mesquinharia partidária. A atmosfera
densa que permeava o ambiente dos refugiados políticos em Londres
contribuiu para as brigas políticas resultantes de uma excessiva
suscetibilidade pessoal. Os democratas alemães unidos, a quem Marx se
opunha, não mantiveram sua unidade por muito tempo. Duas facções hostis
– uma dirigida por Kinkel e a outra, por Arnold Ruge – emergiram ao longo
do período 1851-52 e brigaram acirradamente entre si, lançando mão de
acusações desmedidas.70
As diferenças partidárias dentro da Liga Comunista surgiram de outro
elemento da vida dos refugiados. Os líderes da maioria contrária a Marx e
Engels, Schapper e, em especial, Willich, eram exemplos da categoria
social dos revolucionários profissionais. Os comentários sarcásticos de
Marx a respeito de Willich vaguear pelos bares o dia todo, falando de
política, salientam o empenho deste último em provocar agitação constante.
Tais agitações duravam 24 horas, já que Willich, em geral usando uma faixa
vermelha em vez de um cinturão, residia em uma habitação coletiva junto
com artesãos alemães, em Londres; uma atmosfera de quartel paramilitar
condizente com o conceito de um embrionário exército revolucionário
defendido pelo ex-oficial prussiano. Ele era um político solteirão e
costumava declarar que só se casaria e constituiria uma família depois da
vitória de uma revolução comunista.71
A conciliação entre as convicções políticas e os desejos físicos
mostrou-se uma tarefa difícil para Willich. Ele dividia sua cama no
alojamento com uma sucessão de loiros e robustos artesãos autônomos. Sua
homossexualidade não era segredo para ninguém, mas pessoa alguma fez
objeção a ela ou tentou explorá-la politicamente. Quando Willich,
equivocado, interpretou um gesto de cordialidade da proprietária de um
salão londrino, a baronesa von Brüningk, como um convite de caráter
sexual, sendo posto para fora do lugar pelos empregados dela, essa
transgressão heterossexual correu de boca em boca entre os exilados
alemães. Willich enviou um mensageiro até Marx, implorando a ele que não
mencionasse essa indiscrição em seu panfleto sobre escândalos no exílio,
uma atitude bastante distante da que pregava o fuzilamento de Marx caso
ele fizesse piadas a respeito da revolução comunista de Willich.72
Além de evidenciar a diferença entre os dois grupos, o incidente
deixou claro que o revolucionário prussiano espartano era, também, um ser
humano. Embora os dirigentes dos dois lados fossem intelectuais de
abastados antecedentes, Schapper e Willich partilhavam de um mesmo
estilo de vida com os artesãos que constituíam a grande maioria da Liga
Comunista e dos refugiados políticos residentes em Londres. O fato de se
autointitularem homens do povo se mostrava politicamente muito mais
sedutor para a larga maioria dos artesãos alemães de Londres do que a
postura burguesa de intelectuais hegelianos adotada por Marx e Engels. As
investidas dos dois primeiros contra estes últimos, por serem arrogantes e
insultuosos em relação aos trabalhadores, além de “letrados e
semiacadêmicos”, tiveram sucesso.73
Marx e Engels não negavam os ataques lançados por Willich. Mesmo
antes da Revolução de 1848, eles já haviam estabelecido uma distinção
entre os artesãos alemães – politicamente imaturos, social e
economicamente subdesenvolvidos – e a futura classe trabalhadora em cujo
nome alegavam falar. Uma ampla popularidade era algo que eles
rejeitavam. Gustav Adolf Techow, antigo oficial do exército prussiano que
eles tentaram recrutar para a Liga Comunista como contrapeso a Willich,
relatou uma conversa que manteve com os dois:

Eu disse a eles que reconhecia a propriedade daquilo que


afirmavam a respeito da formação de um grupo político, mas [...]
o veneno pessoal que colocavam nesses ataques, os motivos
fundamentais que sempre assumiam [nos outros] como uma regra
suficiente, demonstram apenas erro e fraqueza – tudo isso deve
[...] aumentar o rol de seus inimigos mortais, permitir que seu
grupo seja identificado perante o público apenas pelos aspectos
pessoais de suas disputas e enfraquecer dentro do próprio grupo a
necessária confiança na abnegação de seus líderes [...] [Desde a
época do New Rhineland News] eles se distanciaram da
enfadonha, estúpida e afável forma de expressão germânica e
escolheram, em seu lugar, a sutileza e a clareza do francês [...]
Eles nunca lutaram por uma popularidade barata; muito pelo
contrário!74

Marx e Engels convertiam em virtude sua incapacidade de conquistar


adeptos. Entretanto, a inépcia em fazê-lo causava irritação. Naquela mesma
reunião, Marx contou a Techow que ele e Engels estavam a caminho da
América “e não se importavam se a miserável Europa perecesse”.75 Como
consequência de sua alienação, os dois amigos se agarraram ainda mais um
ao outro. As primeiras observações de contemporâneos a respeito do duo
político formado por Marx e Engels apareceram nas descrições do completo
isolamento em que eles se colocaram em relação a outros exilados políticos
em Londres, durante o início dos anos 1850.76
Se o isolamento do começo da década de 1850 selou a parceria dos
dois, também transformou as ideias de Marx acerca da eclosão da
revolução. Dada a força cada vez maior da reação política no continente
europeu e os estreitos limites da posição política de Marx entre os exilados,
tornava-se muito difícil manter a crença em um iminente levante
revolucionário, no qual ele tivesse condições de assumir um papel
relevante. Dentro desse cenário, Marx desenvolveu a ideia de que uma
revolução poderia surgir na esteira de uma cíclica crise econômica
capitalista. Considerando-se que essa ideia atravessou todo o século XX e
se mantém no século XXI como a quintessência do marxismo, pode parecer
surpreendente a percepção de que o próprio Marx não a havia cultivado por
longo tempo. O Manifesto comunista, por exemplo, tratou da crise
econômica e da revolução operária, mas não afirmou que uma seria origem
e precondição da outra. Os planos de Marx, no sentido de reproduzir a
Revolução de 1848 à medida que as forças contrarrevolucionárias
conquistassem vantagens, voltaram-se para um novo levante da classe
trabalhadora na França e para o envolvimento do governo revolucionário
surgido desse levante em uma grande luta contra as potências
contrarrevolucionárias. No final de 1850, ele ainda sustentava essa linha de
pensamento.77
Na última edição do New Rhineland News: Review of Political
Economy, escrita quando o isolamento pessoal e político de Marx se
consolidou, ele desenvolveu pela primeira vez uma conexão explícita entre
crise econômica e levante revolucionário. Uma revolução só seria possível
“quando ambos os fatores – as modernas forças de produção e o processo
burguês de produção – passassem a se contrapor”. Até que isso acontecesse,
“o pequeno conflito multiforme dos diferentes elementos do partido
continental da ordem”, assim como a “indignação moral e as proclamações
entusiásticas dos democratas”, não teriam efeito. “Uma nova revolução só
será possível na esteira de uma nova crise. A primeira, no entanto, é tão
certa quanto a última”. Essa passagem, escrita na ocasião em que Engels
mudou para Manchester com o objetivo de trabalhar na empresa do pai,
estabeleceu o tema principal da correspondência entre os dois parceiros ao
longo dos anos seguintes: a especulação sobre a eclosão de uma nova crise
econômica e a revolução que essa crise traria em seu rastro.78 A crença no
surgimento da crise tornou-se tão fundamental no pensamento dos
seguidores de Marx que a origem dela na política e a pressão dos primeiros
anos de exílio do autor acabaram por quase desaparecer.
NAS RECEPÇÕES PÚBLICAS e nas reuniões privadas dos comitês
políticos de exilados em Londres, ou em suas exaltadas discussões nos
bares, havia sempre a presença de espiões do serviço secreto dos governos
prussiano e austríaco. Os contatos clandestinos dos exilados com seus
correligionários na Europa continental não eram de todo incógnitos para a
polícia política dos Estados alemães. Esses agentes não se limitavam ao
papel de observadores passivos; eles se engajavam ativamente na ação de
moldar as posições políticas dos exilados, promovendo disputas internas
entre eles e incentivando-os a assumir uma posição favorável aos governos
contrarrevolucionários. Os refugiados políticos residentes em Londres
tinham vaga noção da presença de espiões da polícia; o próprio Marx foi
advertido diversas vezes. Contudo, a prática comum entre os exilados, de
denunciar seus rivais partidários como espiões da polícia, tornava-os
insensíveis à real presença de tais indivíduos em seu meio. A habilidade
desses agentes para se infiltrar nos grupos de refugiados, exercer influência
sobre eles e manipular seus conflitos acabou se revelando muito maior do
que os exilados imaginavam.79
Um dos residentes do quartel de Willich era um tal Charles Fleury –
nome verdadeiro, Carl Krause – um agente prussiano que apresentou
Willich a dois outros espiões disfarçados de refugiados radicais, Cherval –
nome verdadeiro, Joseph Crämer – e Wilhelm Hirsch. Em 1852, o próprio
Willich percebeu claramente que esses homens eram espiões, mas manteve
o relacionamento com os dois, na esperança de empregá-los como agentes
duplos; parte do papel que eles representavam envolvia convencer Willich
de que eram, de fato, agentes duplos. Um aliado mais distante de Marx,
Julius Hentze, fora recrutado pelos prussianos, porém, ao contrário do rival
comunista, foi o próprio Marx o objeto inicial dos agentes da outra grande
potência europeia. Dois desses agentes austríacos, Hermann Ebner e Jànos
Bangya, tinham vínculos estreitos com Marx e conseguiram desviá-lo para
uma direção politicamente mais receptiva ao governo em nome do qual
atuavam.
Ebner era um agente literário de Frankfurt, que fora apresentado a
Marx por um parente seu, Ferdinand Freiligrath. Alegando-se capaz de
encontrar um editor para o planejado livro de Marx sobre economia
política, Ebner lançou mão de bajulações para implorar ao autor que lhe
enviasse “pequenas histórias” a respeito das “condições da emigração em
Londres”; talvez, “algo picante” acerca de Lajos Lossuth, o exilado líder
dos nacionalistas húngaros. Nunca apareceu tal editor; todavia, Marx, com
o ego já alentado, e seguro quanto à intenção de Ebner, encaminhou a este
relatos hostis sobre os refugiados políticos de Londres – uma versão prévia
de seu planejado panfleto –, informações que o agente não perdeu tempo
em fazer chegar às mãos de seus superiores em Viena. Em um lance
particularmente fascinante de ironia histórica, em 1955, depois que os
soviéticos concordaram em colocar um fim à ocupação da Áustria e
reconhecer a neutralidade dela durante a Guerra Fria, o governo da
república austríaca presenteou o governo da União Soviética com os relatos
de Marx.80
Bangya, um coronel do exército revolucionário húngaro de Kossuth,
que fora forçado a fugir para a Europa ocidental após a derrota para as
forças austríacas e russas, em 1849, foi um agente muito mais ativo e
influente do governo austríaco. Bastante empreendedor em suas atividades
de espionagem, ele também se reportava ao governo prussiano e tinha
conexões com os monarquistas da França. Encantador e amável, entrou em
contato com Marx quando de seu retorno a Londres, proveniente de Paris,
no início de 1852, e rapidamente conquistou sua confiança. Bangya sempre
expressou sua alta estima por Marx, a quem elogiava como “o único
indivíduo alemão capaz”. Marx respondeu, oferecendo a ele uma
apresentação na Liga Comunista. Um rosto amigável para a família de
Marx, no isolamento de sua vida em Londres, Bangya convidava Karl e
Jenny para jantar e fazia visitas a Jenny nas ocasiões em que Karl se
encontrava em Manchester com Engels. A promessa feita por Bangya, de
fornecer recursos monetários para ajudar na quitação das dívidas da família,
foi um dos poucos sinais de esperança vislumbrados por Jenny, no
desespero de sua vida financeira.81
Apresentando-se como militante revolucionário, Bangya colaborou
politicamente com Marx, alimentando-o com ultrajantes informações
privilegiadas, em que este último sempre estava disposto a acreditar, acerca
de exilados democratas como Kossuth e Kinkel. O coronel explorou as
divergências entre as facções comunistas, relatando a Marx, de maneira
bastante caluniosa, que o grupo de Willich e Schapper enviara emissários ao
Magdeburgo com o propósito de atacar as ideias de Marx entre os
trabalhadores radicais daquela região. Bangya prometeu levantar dinheiro
para o autor e encontrar um editor disposto a publicar “Os grandes homens
no exílio”. Nenhuma das duas promessas se concretizou e as suspeitas a
respeito de Bangya tomaram vulto dentro do círculo de aliados de Marx, no
outono de 1852. Ernst Dronke e Wilhelm Wolff estavam convencidos de
que Bangya era um espião da polícia; a própria Jenny alimentava suas
dúvidas. Karl, no entanto, manteve-se fiel a ele, atitude que despertou a
fúria de seus amigos mais íntimos. “Marx não dá ouvidos a nada que se
diga” contra Bangya, Dronke informou a Engels, e “não faz muito tempo,
fez uma grande cena devido à minha falta de confiança nesse indivíduo”.
Wilhelm Wolff, concordando com Dronke, relatou a Engels: “O bárbaro
está cego e se sente ofendido pelo fato de eu, Dronke etc. [pensarmos] de
forma diferente e manifestarmos nossa opinião”.82
Foi a promessa de Bangya de encontrar um editor que o desmascarou.
As desculpas por ele apresentadas pelo não cumprimento foram aos poucos
se tornando menos convincentes e, quando ele supostamente encontrou um
editor em Berlim, cuja empresa não fazia parte do catálogo de editoras – um
belo trabalho de investigação realizado por Dronke, e devidamente
reportado a Engels –, a traição ficou evidente. Mesmo assim, passaram-se
alguns meses até que Marx deixasse de acreditar no empenho de Bangya
para se livrar da situação e reconhecesse nele um espião da polícia. O
incidente foi uma prova para a personalidade de Marx: a mesma suprema
autoconfiança que lhe tornou possível manter sua trajetória a despeito de
todos os contratempos afastou a maioria de seus pares e o isolou, deixando-
o vulnerável à bajulação de espiões astuciosos.83
O governo da Áustria se interessava por Marx em virtude do desprezo
que este demonstrava pelos democratas “pequeno-burgueses” do comitê
democrático central dos europeus exilados em Londres. As principais
figuras desse grupo radical pan-europeu eram o nacionalista radical italiano,
Giuseppe Mazzini, e o nacionalista húngaro Lajos Kossuth, que procuravam
dividir o Império Austríaco, separando dele o território italiano e o húngaro,
para formar os respectivos Estados-nação. Para os contemporâneos era clara
a convergência entre os oponentes de Marx e os da Áustria; acusações de
ser um agente pago pelos austríacos perseguiram Marx ao longo de toda a
década de 1860, e vêm sendo repetidas por historiadores de épocas mais
recentes.84 Ironicamente, a questão é que Marx não era um agente
remunerado. Os espiões austríacos lhe prometeram benefícios na forma de
contratos para publicação de livros e adiantamentos dos editores, porém,
não conseguiram cumprir as promessas. Tivessem as autoridades austríacas
sido um pouco menos mesquinhas e desejado, de fato, patrocinar a
publicação da coletânea de escândalos sobre os democratas refugiados
políticos, redigida por Marx, eles teriam instaurado a desordem entre os
inimigos e conquistado a íntima colaboração do autor. O fato de um
militante – revolucionário e permanente opositor dos governos autoritários
– ter chegado tão próximo de trabalhar para um dos mais reacionários entre
os governos europeus pós-1850 é uma prova de como as insuportáveis
condições de vida no exílio exacerbaram os elementos mais problemáticos
tanto da personalidade como da orientação política de Marx.
A MUDANÇA DA Autoridade Central da Liga Comunista para Colônia,
promovida por Marx em 1850, não foi uma decisão muito feliz. Logo no
início daquele mesmo ano, ele havia se posicionado de maneira bastante
crítica quanto à passividade e à inação dos comunistas de Colônia,
causando neles considerável descontentamento. No entanto, Colônia era o
último reduto de Marx, o único local em que ele ainda comandava um
admirável séquito de adeptos. Lá, seus seguidores repeliram os emissários
de Willich e Schapper, sob a alegação de que acreditavam em Marx, outro
exemplo de como o conflito entre as duas facções da Liga Comunista foi
norteado por questões pessoais.85
Os comunistas de Colônia se tornaram mais ativos no outono de 1850
e inverno de 1851, principalmente devido à participação de um novo
adepto, Hermann Becker, um democrata radical da cidade. Apelidado de
“Becker vermelho” (uma referência tanto à cor de seu cabelo como de seu
posicionamento político), ele era um orador e agitador político popular e
dinâmico, e estivera distante de Marx durante a Revolução de 1848. Marx,
por sua vez, contestou a alegação de Becker, segundo a qual seu jornal, o
West Germany News era o sucessor do New Rhineland News. Contudo, o
bem-sucedido jornal de Becker, a única voz democrática na Alemanha
ocidental em um período de crescente resistência, proporcionou cobertura
favorável a Marx e aos comunistas. Os planos de Heinrich Bürgers,
veterano apoiador de Marx em Colônia, de se unir à equipe editorial do
jornal foram frustrados pelas autoridades prussianas, que extinguiram a
publicação em julho de 1850. Depois disso, os comunistas de Colônia
passaram a ser a principal chance de Becker se engajar na política radical.
Muito embora ele e Marx concordassem em manter segredo de sua
afiliação aos comunistas, “para não prejudicar o relacionamento com os
clientes pequeno-burgueses”, Becker se juntou à Liga Comunista no outono
de 1850 e rapidamente passou a desempenhar um papel relevante. Ele
comandou uma delegação da Liga a Braunschweig, em maio de 1851, para
uma conferência com os democratas do norte germânico e preparação de
um congresso comunista secreto. Os novos vínculos de Becker com Marx
não se limitaram às atividades de caráter conspiratório. No começo de 1851,
Marx acertou com Becker a publicação do New Rhineland News: Review of
Political Economy e os dois fizeram planos para lançamento de uma edição
em vários volumes dos ensaios completos do autor. As intimidações a
impressores, levadas a efeito pelo governo prussiano, colocaram um fim a
esses esforços, embora não antes de o capítulo inicial do primeiro volume
de ensaios aparecer no mercado.86
Ainda que em pequena escala se comparadas aos eventos
revolucionários do período 1848-1849, essas ações foram impressionantes
em relação ao cenário de isolamento e empobrecimento de Marx em
Londres. Elas atingiram um final repentino e abrupto em maio de 1851
quando Peter Nothjung, alfaiate de Colônia e membro da Liga, foi preso na
estação ferroviária de Leipzig, carregando documentos clandestinos da Liga
Comunista, o que proporcionou às autoridades a possibilidade de prender os
últimos adeptos do comunismo em Colônia, no espaço de poucas semanas.
Eles foram mantidos na prisão durante os dezesseis meses seguintes e
finalmente levados a julgamento, em outubro de 1852, mediante acusação
de estarem conspirando para derrubada do governo.87
Os prisioneiros permaneceram em total confinamento nas escuras e
estreitas celas, com poucas oportunidades de se exercitar e respirar ar
fresco. Eles ficaram impedidos de receber a maioria das visitas, incluindo
seus advogados. Especialmente ultrajante para os contemporâneos, mesmo
aqueles não simpáticos aos comunistas, foi a imposição da presença de um
guarda armado quando o médico de Colônia, Roland Daniels, recebeu a
visita da esposa. Pelos padrões dos regimes totalitários do século XX – e,
devemos acrescentar, de alguns governos democráticos do século XXI –,
esse tratamento ostensivo a subversivos perigosos parece bastante brando.
Que os observadores da época não vissem dessa forma é um testemunho
dos modos tradicionais e cavalheirescos do século XIX.
As decisões quanto ao tratamento dispensado aos prisioneiros e à
transformação da prisão destes em uma importante questão política foram
tomadas por ninguém menos que o próprio Frederico Guilherme IV. Ele
queria um julgamento de fachada, no qual toda a culpa pela Revolução de
1848 fosse atribuída a uma conspiração subversiva secreta. Como parte de
sua política contrarrevolucionária, Frederico Guilherme promulgou, com
certa relutância, uma constituição para seu reino; contudo, as preparações
para o julgamento visavam distanciá-lo de seu papel de monarca
constitucional. Em vez de coordenar as ações junto a seu conselho de
ministros, conforme exigia a constituição, o monarca optou por trabalhar
com seus companheiros evangélicos que careciam de qualquer posição
oficial, principalmente com o diretor de uma escola para surdos-mudos em
Berlim. O monarca tinha seu agente secreto pessoal, Wilhelm Stieber, um
antigo detetive, com longa carreira na polícia, que foi vítima de reiteradas
acusações de prática de ações ilegais, chantagens e dos mais diferentes tipos
de abuso de poder – um homem que nutria, desde a Revolução de 1848, um
ressentimento pessoal contra Marx.88 Stieber recebeu ordens de produzir,
pelos meios que se fizessem necessários, provas de uma gigantesca
conspiração revolucionária, cuidando, no entanto, para que a figura do rei
prussiano fosse preservada. Tais esforços já estavam em andamento antes
mesmo da prisão de Nothjung, e a subsequente revelação da Liga
Comunista secreta proporcionou ao governante da Prússia a oportunidade
que ele desejava.
Alheio a essas maquinações no mais alto escalão do reino prussiano,
Marx creditou a prisão e o julgamento de seus correligionários às suas
divergências com os companheiros exilados em Londres. Ele culpou as
declarações ultrarrevolucionárias de Schapper e Willich, a cujo conteúdo
estridente atribuía o fato de a polícia ter sido alertada. Era difícil para Marx
fazer chegar até seus apoiadores as estratégias políticas que planejava para
o julgamento, pois a polícia prussiana espreitava à espera de suas cartas,
pronta para prender os destinatários; o que, por meio de uma indicação de
Jànos Bangya, acabaram conseguindo. As recomendações de Marx, parte
das quais chegaram até Colônia, instruíam os réus a apresentar Schapper e
Willich como conspiradores revolucionários que planejavam um violento
levante comunista. Por outro lado, Marx e seus adeptos não faziam
oposição ao governo da Prússia, mas apenas aguardavam que, na esteira de
uma crise econômica, eclodisse uma revolução para derrubá-lo. Só então,
eles constituiriam uma oposição comunista ao governo radical no poder.89
O julgamento dos comunistas de Colônia, que finalmente começou em
4 de outubro de 1852, estampou a primeira página dos jornais em toda a
Europa central. Na própria Colônia, enormes multidões se reuniram na
praça do tribunal, saudando os réus e ameaçando os guardas armados e os
soldados que os conduziam sob escolta desde a prisão. Para justificar sua
posição, a acusação apresentou os réus como subversivos perigosos, cuja
meta era destruir a religião – uma questão sensível na Colônia de maioria
católica. O promotor público enfatizou também que os comunistas
defendiam o confisco das propriedades dos capitalistas, um movimento
eficaz em se tratando de um corpo de jurados formado por um proeminente
produtor de açúcar de beterraba, assim como por destacados comerciantes e
membros da câmara do comércio. Revisitando todos os eventos
revolucionários que ocorreram em Colônia no período de 1848 a 1849, a
acusação, atendendo a um desejo de seu soberano real, vinculou os réus aos
esquemas secretos dos conspiradores comunistas. Para destacar os perigos
representados pelos acusados, o principal promotor agiu
melodramaticamente, deixando uma adaga sobre a mesa à sua frente ao
longo de toda a primeira semana do julgamento.90
Sem dúvida alguma, a estrela do caso foi o agente secreto do monarca,
que parecia ser, mais até do que os promotores públicos, a pessoa
responsável pelo processo. Etieber exibiu orgulhosamente um sortimento de
documentos secretos dos comunistas, que conseguira em Londres, roubados
dos escritórios do grupo de Willich e Schapper, por um de seus espiões.
Depois de relacionar detalhes de arrepiar os cabelos acerca da planejada
insurreição, Stieber contou como ele havia ajudado a polícia francesa a
prender os conspiradores em Paris; e fez um relato dramático a respeito da
agressão de que fora vítima em seu apartamento na capital francesa, na qual
sua esposa acabou ferida na luta corpo a corpo que se seguiu. A autoria do
ato foi atribuída a Cherval – na verdade seu agente provocador.91
Os onze acusados lançaram mão de diversas estratégias em sua
resposta. Uma delas, empregada pelo dr. Roland Daniels e também por
outros profissionais e intelectuais que se encontravam no banco dos réus
(entre eles havia um pediatra e um químico), era negar qualquer espécie de
conexão política. O interesse de Daniels pelo comunismo e sua extensa
correspondência com Marx, insistiu ele, tinha exclusiva natureza científica
e acadêmica. Três acusados – Peter Roeser, que havia confessado pertencer
a uma organização secreta, Nothjung e Heinrich Bürgers – seguiram as
instruções de Marx e, ao contrário dos seguidores de Willich e Schapper,
apresentaram seu grupo como sendo opositor de um futuro governo
revolucionário, em vez de inimigo da monarquia prussiana vigente. A
resposta da acusação foi apontar os documentos revolucionários escritos por
Marx, tais como o Discurso de Março (Marx admitiu, em caráter privado,
que ele era bastante comprometedor), e afirmar que as divergências entre as
duas facções comunistas eram estritamente pessoais. É do próprio Stieber a
afirmação: “a verdadeira diferença entre o partido de Marx e Engels e o de
Willich e Schapper consiste apenas na questão de quem será o ditador
depois de uma revolução bem-sucedida: Herr Marx ou Herr Willich [...]”.92
Entre todos os acusados, foi a defesa de “Becker vermelho” a que
revelou um caráter mais indubitavelmente político. Sem negar sua ligação
com Marx, repudiou a ideia de que pertencesse a um grupo secreto liderado
por ele, insistindo, ao contrário, na independência de suas ações e
descrevendo-se como um perseverante defensor da liberdade do povo, em
oposição à opressão prussiana. A estratégia de Becker foi semelhante à que
Marx empregara na ocasião em que esteve no banco dos réus, em 1849. No
entanto, ela desgostou a Marx e Engels, pelo fato de Becker ter rechaçado
seu vínculo com a Liga Comunista, embora os dois concordassem que esse
vínculo deveria ser mantido em segredo.93
Na esteira do entusiasmo inicial, o interesse público pelo julgamento
esmoreceu, porquanto as evidências mostravam que os acusados formavam
um pequeno grupo com capacidade limitada em termos subversivos,
realidade bem distante da imaginada por Frederico Guilherme IV, para
quem eles eram conspiradores onipresentes com influência em âmbito
continental. Especulações quanto a uma possível libertação cresciam, à
medida que os dois lados concluíam suas exposições. Foi então que Stieber
apareceu subitamente na corte pedindo para ser ouvido, e anunciou que seus
agentes acabavam de obter uma ata secreta da reunião de Marx com seus
correligionários, em Londres, provando que eles eram, de fato,
conspiradores revolucionários. Essa declaração incitou a ação de Marx. Ele
reuniu depoimentos de testemunhas juramentadas, devidamente
autenticados, que negavam o material da ata, demonstrando contradições no
texto – por exemplo, a data não coincidia com o dia habitual das reuniões
semanais de Marx em Londres. Acima de tudo, ele exibiu uma cópia de
manuscritos de Wilhelm Liebknecht, nos quais ficava evidente a diferença
em relação à letra do “Liebknecht” que supostamente redigira a ata
apresentada. Gastando até o último centavo que possuía, mais os fundos
disponibilizados por Engels (o amigo de Marx, Peter Immandt tentou
levantar dinheiro junto a um dos agentes de Stieber), Marx trabalhou “todo
o dia e varou a noite” para juntar o material e encaminhá-lo, por meio de
intermediários secretos (um deles, sem que ele soubesse, era o espião
austríaco Hermann Ebner) aos advogados de defesa em Colônia. Jenny
escreveu para Adolf Cluss: “Um verdadeiro escritório foi montado em
nossa casa. Há dois ou três escribas, alguns mensageiros e outros, que
reúnem os centavos para permitir que os escribas continuem a produzir
provas do mais ultrajante escândalo do velho mundo oficial. Em meio a
tudo isso estão meus três filhos leais, cantando, assobiando e quase sendo
derrubados pelo pai, que circula por todos os lados. É um turbilhão em
ação”.94
O advogado de defesa de Becker, Karl Schneider II, que fora
presidente da Sociedade Democrática de Colônia no período da Revolução
de 1848, já possuía uma amostra de texto manuscrito por Liebknecht e teve
condições de submetê-lo à análise do tribunal quando procedeu ao
interrogatório de Stieber. O policial secreto, alertado com antecedência,
lançou mão de hábil estratagema para se esquivar da situação, alegando não
ter sido Wilhelm Liebknecht quem redigira aquela ata, mas sim outro
homem, “H. Liebknecht”. A existência desse H. Liebknecht era tão
verdadeira quanto o resto da ata secreta: foram forjados pelos espiões de
Stieber, Hirsch e Cherval, que também eram confidentes de Willich. Veio à
tona que o rival de Marx tinha ciência de toda a falsificação, mas não a
revelara, o que fazia parte de sua estratégia de infiltrar os espiões prussianos
como agentes duplos. Quando soube do papel desempenhado por eles no
julgamento dos comunistas de Colônia, Willich, na companhia de Hirsch,
procurou imediatamente uma corregedoria de Londres, onde os dois
relataram, mediante juramento, a verdade dos fatos – frustrando a
expectativa de Marx, que esperava conseguir a expedição de um mandado
de prisão para Hirsch. Embora enviado a Colônia, o depoimento
juramentado de Willich nunca chegou à corte. Supostamente, o próprio
Hirsch viajou para Colônia, mas Schneider II se recusou a recebê-lo.
Existem dúvidas quanto a ter sido em nome de Willich ou de Stieber que
Hirsch viajou (caso essa viagem tenha de fato ocorrido).95
Marx e Engels estavam entusiasmados e aguardavam confiantes, como
escreveu o segundo, “que o assunto se encerre não com a condenação dos
réus de Colônia, mas com a prisão de Herr Stieber, por perjúrio e outros
crimes prussianos contra o ímpio código penal francês”.96 Ironicamente, os
dois comunistas, em cujo Manifesto afirmaram que a justiça e a lei não
passavam de meros instrumentos de interesses de classe, acreditavam que a
verdade prevaleceria no tribunal e a justiça triunfaria. Foram o devoto e
moralizador monarca e seus agentes quem ostensivamente afrontaram o
sistema jurídico, fazendo pouco caso da concepção de culpa ou inocência
de acordo com a lei e lançando mão de roubo, falsificação e perjúrio para
alcançar seus objetivos políticos.
Em 12 de novembro de 1852, no palácio da justiça fortemente
protegido por soldados, contra a fúria e a hostilidade de uma multidão de
espectadores, o veredito foi proclamado. A decisão do júri atingiu como um
golpe esmagador as expectativas de Marx e Engels. Sete dos onze acusados
foram considerados culpados e condenados a três a seis anos de prisão em
uma cidadela; eles tiveram de cumprir integralmente as penas. Os três réus
da classe trabalhadora, Roeser, Nothjung e o alfaiate Friedrich Lessner,
permaneceram no movimento operário depois de soltos. Roland Daniels,
embora tenha conquistado a liberdade, morreu poucos anos mais tarde,
vitimado por uma tuberculose que o acometeu ainda na prisão. Seu colega
de profissão, Abraham Jacobi, também libertado, emigrou para os Estados
Unidos e se tornou professor de medicina na Universidade de Columbia.
Tanto Heinrich Bürgers como Hermann Becker, depois de cumprir a
sentença, uniram-se à oposição liberal e democrática ao governo prussiano.
Em 1878, duas décadas depois de libertado da cidadela, Becker vermelho
foi eleito prefeito de Colônia – um tardio ato de revanche contra os
prussianos. Ele se mostrou um administrador municipal muito bem-
sucedido; durante seu mandato, a cidade se livrou de suas muralhas
medievais, substituídas por amplos bulevares que ainda hoje dão forma ao
espaço urbano.
As consequências do julgamento de Colônia foram palpáveis entre os
exilados radicais em Londres. A popularidade de Willich no meio dos
artesãos alemães, já em declínio, caiu vertiginosamente quando as provas
de suas antigas e íntimas conexões com os espiões prussianos vieram à
tona. A Liga Comunista de Willich e Schapper foi dissolvida, e o primeiro
tomou a prudente decisão de mudar para os Estados Unidos, onde foi
recebido com grande entusiasmo pelos refugiados políticos radicais. A
exemplo de muitos desses radicais, Willich entrou de cabeça na luta contra
a escravidão. Militar de grande bravura e habilidade, ele serviu no Exército
da União durante a Guerra Civil, e acabou sendo promovido a general de
divisão – o primeiro e último comunista a atingir um posto tão alto na
hierarquia das forças armadas americanas. Marx e Engels reuniram as
provas acerca da falsificação de Stieber e as esclareceram em um panfleto,
Uncovering the Scandals of the Cologne Communist Trial (Revelando o
escândalo por trás do julgamento dos comunistas de Colônia). Algumas
cópias foram impressas nos Estados Unidos e nunca chegaram à Europa;
milhares, impressas na Suíça, foram confiscadas, provavelmente com base
em denúncias feitas por Bangya à polícia, quando o editor tentou
contrabandeá-las através da fronteira para os Estados alemães. O panfleto,
que guardava muitas semelhanças com o “Os grandes homens no exílio”,
foi, uma vez mais, uma luta revolucionária em uma situação difícil. Na
quarta-feira posterior ao anúncio do veredito, em seu encontro semanal com
os correligionários de Londres, em um bar, Marx propôs que a Liga
Comunista fosse dissolvida. O acordo a que chegaram extinguiu o grupo.
Marx explicou sua decisão em uma carta endereçada a Engels: com a
condenação e prisão de seus seguidores de Colônia, todas as perspectivas de
efetivas ações políticas haviam se dissipado.97
O COUP D’ÉTAT de Luís Napoleão Bonaparte, em 2 de dezembro de
1851, pelo qual ele se converteu de presidente da república francesa em
primeiro-cônsul para, logo em seguida, tornar-se o imperador Napoleão III,
foi um duro choque para os exilados radicais residentes em Londres. As
esperanças que eles alimentavam de um renovado levante revolucionário
irradiado a partir da França desapareceram de súbito, deixando-os diante de
um futuro de incontestável reação e contrarrevolução. Tendo em vista sua
nova teoria sobre crise econômica e revolução, Marx, de certa forma,
assimilou melhor o impacto do que seus companheiros no exílio; mesmo
para ele, no entanto, a França continuou sendo o centro das expectativas
revolucionárias e, após algumas semanas do golpe de estado, ele já
começara a escrever uma análise a esse respeito. Marx tinha à sua
disposição vasta quantidade de material: seu próprio conhecimento
privilegiado acerca da política francesa; relatórios enviados por amigos
sobre o cenário; e uma detalhada cobertura da imprensa londrina. Planejada
originalmente para ser uma série de capítulos, a análise foi publicada nos
Estados Unidos, na forma de panfleto, pelos correligionários de Marx,
Weydemeyer e Cluss, e recebeu o título de O dezoito de brumário de Luís
Bonaparte.98
Marx partiu da derrota da causa revolucionária e a transformou em
uma obra de arte da literatura. N’O dezoito de brumário, sua escrita atingiu
o auge: mantendo o sarcasmo peculiar sob controle e não se perdendo em
acusações sem fim contra seus oponentes, ele dissimulou suas profundas
percepções com humor sagaz e estilo inteligente. Importantes aforismos
marxistas emergiram do panfleto, tais como “na primeira vez como
tragédia, na segunda como farsa” (baseado em comentário de Engels), “a
tradição de gerações mortas oprime como um pesadelo a mente dos vivos”,
“velha toupeira incansável” e muitos outros.99
A análise realizada no panfleto adotou a orientação expressa em As
lutas de classe na França, escrito dois anos antes, identificando os pontos
de similitude entre os movimentos políticos e as classes sociais. Marx
caracterizou socialistas e comunistas como representantes dos
trabalhadores; democratas não comunistas como expoentes da pequena
burguesia; republicanos e monarquistas moderados como representantes de
diferentes elementos da classe capitalista; e os conservadores, como
senhores de grandes latifúndios. Ao contrário do observado em seus
trabalhos anteriores, que trataram Luís Napoleão com desprezo (a exemplo
do tom adotado pela maioria dos contemporâneos), Marx teve de lidar com
a figura do futuro imperador. Ele o descreveu como um líder que possuía
seu grupo político exclusivo, grupo este associado por Marx a uma classe
social específica, os camponeses proprietários de pequenas fazendas da
França.
O trabalho se tornou, acima de tudo, uma profunda análise
retrospectiva da Revolução de 1848, um estudo de suas falhas no próprio
centro das aspirações revolucionárias de toda a Europa. Marx criticou os
esquerdistas franceses por considerarem 1848 uma repetição de 1789. Esse
foi o tema principal do célebre prefácio de O dezoito de brumário, no qual o
autor explicou como os movimentos revolucionários anteriores evocavam
ideais do passado, ressaltando de que modo Martinho Lutero havia se
retratado como o Apóstolo Paulo, e como os revolucionários franceses do
período 1789-1793 haviam tentado recriar a antiga República Romana. A
mesma ação, em 1848, revivendo a Revolução de 1789, só conseguiu
conduzir a um resultado lamentável e grotesco. O que Marx deixou de
mencionar, entretanto, foi que os políticos franceses radicais por ele
ridicularizados eram os mesmos indivíduos a quem ele incentivara durante
anos antes de eclodir a revolução. O apoio dessas pessoas havia viabilizado
sua mudança e a de seus aliados, de Bruxelas para Colônia, na primavera de
1848. A esperança de Marx pelo ressurgimento de um movimento
revolucionário no âmbito de todo o continente europeu assentou-se nesse
apoio. A própria estratégia política de Marx enquanto editor do New
Rhineland News e participante do movimento democrático alemão baseara-
se precisamente na evocação da Revolução de 1789. Além de uma
república alemã única e indivisível, ele também preconizara a luta
revolucionária contra a Rússia, glorificando e endossando as ações radicais
e terroristas dos jacobinos. Nesse aspecto, O dezoito de brumário foi um
exemplo particularmente radical da prática adotada por Marx, de fazer uma
autocrítica por meio de críticas aos outros.
Em As lutas de classe na França, a opinião de Marx a respeito de uma
revolução restaurada fundamentava-se nos eventos dos anos 1790 – levante
da classe trabalhadora, seguido por uma guerra entre a França
revolucionária e as potências europeias –, condição inviabilizada pelas
críticas feitas por ele à ideia do ressurgimento de revoluções passadas. Uma
nova revolução teria de romper com o passado em vez de manter as suas
tradições: “A revolução social do século XIX não deve colher sua poesia no
passado, mas sim no futuro. Ela não pode eclodir antes de se desfazer de
todas as superstições do passado”.100 A recusa de Marx em fazer revelações
explícitas em termos de uma futura sociedade comunista se ampliou,
passando a abranger, também, a transição revolucionária para esse futuro.
Se, por um lado, Marx não se mostrava disposto a especular a respeito
da natureza de uma futura revolução comunista, por outro, ele parecia saber
onde ela começaria. Em uma passagem, já na conclusão do trabalho, ele
descreveu a ação de Luís Napoleão com vistas a extinguir a legislatura
francesa e a divisão constitucional dos poderes, e permitir a concentração
de todo o poder do Estado burocrático da França nas mãos de um executivo
ditatorial. Marx apresentou esse processo em termos hegelianos, na forma
da lógica interna do desenvolvimento histórico, através da qual uma futura
revolução precisaria apenas concentrar seu foco em um único centro de
poder estatal. Quando ocorresse tal revolução, “toda a Europa se ergueria de
seu assento e gritaria com júbilo: “velha toupeira incansável!”.101 A
expressão foi emprestada de Hamlet – mais precisamente, da tradução
alemã padrão de Hamlet que Marx conhecera, quando jovem, pelas mãos de
Johann Ludwig Westphalen. Ela era, também, uma invocação implícita de
Mirabeau, um dos notáveis oradores da Revolução de 1789, cujos discursos
ferozes levaram seus contemporâneos a exclamar: “Leão fragoroso!” – uma
observação que Marx havia anteriormente citado em seus artigos de 1842
sobre liberdade de imprensa, no Rhineland News.102 O contraste entre o
violento rugido do poderoso rei da floresta e a silenciosa e paciente
preparação da pequena toupeira foi a forma encontrada por Marx para
salientar como as revoluções futuras se diferenciariam das prévias
expectativas de revolta, incluindo a dele.
O lugar onde se concentrava o poder estatal francês, onde a revolução
seria tão radical a ponto de toda a Europa ser forçada a se levantar e dela
tomar ciência, era, sem dúvida alguma, Paris. Considerando-se todas as
alusões de Marx a uma futura revolução completamente diferente, essa
passagem sugere que ele ainda esperava vê-la eclodir em Paris, seguindo o
mesmo padrão observado em 1789, 1830 e 1848. Já decorrida boa parte da
década de 1860, ele ainda vislumbrava Paris como o centro de uma decisiva
deflagração revolucionária. No final dessa década, começaram a aflorar
suas dúvidas acerca do epicentro parisiense de uma revolução mundial.
Quando a revolução finalmente atingiu Paris entre 1870 e 1871, com a
derrubada de Napoleão III e a criação, as lutas e a extinção da Comuna de
Paris, foram adquirindo consistência as dúvidas de Marx quanto aos efeitos
galvanizadores de âmbito continental e mundial de uma revolução
parisiense.
Ele escreveu O dezoito de brumário quando sua fortuna pessoal e
política atingia o nadir: as revoluções de 1848 haviam sido refreadas e suas
esperanças por um ressurgimento progressivamente se esvaiam. Marx
estava isolado e quebrado em Londres, cercado por refugiados políticos
briguentos. O panfleto expressava suas esperanças em termos de uma
transição de um presente reacionário e contrarrevolucionário para um futuro
revolucionário. O texto apresentava uma revolução fracassada como
necessária precursora de outra, exitosa. As expectativas não concretizadas
de 1850 não seriam realizadas; em vez disso, haveria uma revolução
diferente e, em grande parte, nova. A situação, naquele momento, era
desanimadora na superfície, porém, abaixo daquela fachada aparentemente
sólida, criada por uma ditadura militar contrarrevolucionária, uma pequena
toupeira começava a se manifestar.
No longo prazo, o artigo foi um dos trabalhos mais influentes e bem-
sucedidos que Marx escreveu; e não apenas entre seus correligionários. O
renomado antropólogo e filósofo Claude Lèvi-Strauss, que dificilmente
poderia ser considerado um discípulo de Marx, afirmou: “Raramente eu
abordo um novo problema sociológico sem, em primeiro lugar, estimular
meus pensamentos por meio da leitura de algumas páginas do O dezoito de
brumário [...]”.103 Como mensagem contemporânea de esperança e
inspiração revolucionárias, o panfleto não foi muito longe. Impresso em
Nova York, ele vendeu um pequeno número de exemplares entre a
população germano-americana; poucas cópias chegaram à Europa, e
fracassaram os esforços de Marx no sentido de imprimir uma edição no
continente europeu. O reduzido número de leitores de O dezoito de
brumário ficou profundamente impressionado com a análise desenvolvida;
contudo, a mensagem transmitida pelo texto não atingiu um grande
público.104 O isolamento do autor no exílio, junto com a condenação e o
encarceramento de seus seguidores em Colônia, marcou o fim de dez anos
de ativismo político. Em 1859, ele já estava fora das atividades políticas.
Para um revolucionário que interferiu ativamente nos eventos, chegando a
provocar sua ocorrência, ele acabou reduzido à posição de observador que
comentava com perspicácia as condições vigentes e procurava identificar o
menor sinal de uma mudança para melhor.
8

O observador

PARA MARX, O período entre meados da década de 1840 e o início dos


anos 1850 foi caracterizado por um intenso movimento de organização, pela
prática de um jornalismo inflamado e pelo desejo de insurreição, permeados
por acirradas polêmicas, recriminações envenenadas e rivalidades de caráter
pessoal e político. Ao gerar um turbilhão de contendas políticas, Marx
deixava evidente o fluxo mais amplo da história europeia. Nada exerceu
maior domínio naquela época do que as revoluções continentais de 1848,
precedidas por anos de confrontos crescentes e sucedidas por uma fase de
visões apocalípticas que prenunciavam uma revolução ainda mais violenta,
radical e abrangente.
Os sete anos que sucederam a fúria revolucionária, o período entre
1852 e 1859, mostraram-se diferentes. Os regimes autoritários, mais
destacadamente na França, com a ascensão de Luís Napoleão Bonaparte,
autointitulado imperador Napoleão III, assumiram o poder em violenta
resposta às rebeliões que agitaram a Europa continental. A oposição política
aberta foi marginalizada e suas versões radicais, totalmente extintas. Viveu-
se, como descrito pelos contemporâneos e por historiadores de épocas
subsequentes, uma “era de reação”. As prioridades pessoais de Marx
acompanharam as tendências históricas mais amplas dessa era. Protegido na
Inglaterra contra a repressão, um paraíso liberal fora do continente em uma
época reacionária, desalentado pelos resultados do julgamento dos
comunistas de Colônia e desgostoso com os conflitos do exílio, Marx se
retirou da vida política ativa. Em outubro de 1853, ele escreveu para
Engels: “Na próxima oportunidade, eu pretendo fazer uma declaração
pública informando que não tenho ligação com nenhum partido. Já não
estou disposto a me permitir, sob o pretexto de integrar um grupo, ser
insultado por todo tipo de imbecil partidário”. Embora Marx nunca tenha
feito essa declaração, ele certamente cumpriu os princípios nela implícitos,
abrindo mão de qualquer tipo de engajamento com artesãos alemães e
refugiados políticos europeus residentes em Londres – cujas atividades,
ainda que não completamente extintas, experimentavam acentuado declínio
nessa época.1
O próprio Marx viveu um estado de depauperamento durante a maior
parte dos anos 1850, vendo sua existência e sua energia se consumirem no
sustento da família, ao mesmo tempo em que enfrentava sérios problemas
de saúde e tragédias pessoais. Os contatos sociais minguaram
gradativamente, à medida que ele se retirava da política, recolhendo-se à
vida privada e familiar. Em dezembro de 1857, ele escreveu: “Excetuando o
círculo familiar, estou agora bastante isolado aqui. Os poucos conhecidos
raramente são vistos e, em geral, não se perde muito com isso”.2
Marx justificou essa passividade política em sua tese de 1850, segundo
a qual a revolução vindoura só eclodiria depois de uma crise econômica. No
intervalo entre revoluções, quando as ações políticas conseguiam muito
pouco, ele acabou escrevendo o livro sobre economia política que planejava
havia anos e, desse modo, armou-se intelectualmente para a próxima
deflagração insurgente.3 Todavia, em consequência da necessidade de
ganhar a vida e de seu estado emocional propenso a frequente depressão e
abatimento, ele fez pouco progresso nessa tarefa. Ao contrário, os esforços
intelectuais de Marx foram direcionados para o novo trabalho de jornalista
independente, que cada vez mais consumia seu tempo. Incapaz de mudar o
mundo, pelo menos temporariamente, como pretendia em suas teses sobre
Feuerbach, ele foi obrigado a se concentrar na interpretação desse mundo.
Em sua extensa carreira de jornalista, Marx emitiu comentários incisivos
acerca da política na Europa em uma era de reação, fez rigorosa análise das
condições comerciais e financeiras e avaliou o desenvolvimento de novos
negócios, sempre procurando identificar sinais da esperada crise
econômica. A elaboração das análises jornalísticas foi a única oportunidade
em que ele dedicou minuciosa atenção às condições na Ásia e abriu seu
pensamento para uma escala global.

AO LONGO DA década de 1850, a morte continuou a espreitar a família.


Jenny tinha 43 anos de idade quando deu à luz seu último bebê, em julho de
1857, depois de uma gravidez problemática e dolorosa. A criança nasceu
morta – um golpe brutal para a mãe, e também para Karl, que se viu
acossado por intenso sofrimento. Menções como quais “circunstâncias
diretamente conectadas” ao nascimento causaram uma “terrível impressão
em minha mente” ou que elemento no contexto do parto do natimorto era
uma “tortura” em sua lembrança continuam sem explicação; mesmo seu
amigo íntimo Engels não compreendia as referências.4
Talvez essas memórias dolorosas venham de uma tragédia ainda maior
– não a da criança natimorta, mas da inesperada morte de Edgar, um garoto
cheio de vivacidade e profundamente adorado, que faleceu aos oito anos,
em 6 de abril de 1855. A natureza de sua enfermidade – duração de um
mês, com dores de estômago, febre e melhorias temporárias seguidas por
recaída – sugere a ruptura do apêndice, embora não se possa descartar a
hipótese de uma tuberculose estomacal. À medida que o quadro de saúde do
amado “Musch” (“Mosca”) se agravava, o humor dos pais se tornava cada
vez mais sombrio. A morte do menino, logo no início da manhã, nos braços
do pai, foi um golpe insuportável. A mãe, as irmãs e Lenchen Demuth
soluçavam incontrolavelmente. Jenny não tinha condições de permanecer
nos desoladores quartos da Dean Street, no Soho; ela fugiu do local da
tragédia, sem, contudo, encontrar alívio para sua dor. Meses mais tarde, a
menor lembrança do ocorrido ainda lhe provocava o pranto. Não era melhor
o estado de espírito de seu marido, incapaz de dominar as emoções:

Naturalmente a casa está deserta e vazia depois da morte do


querido filho que era dela o alento e a alma. Não é possível
descrever o quanto eu sinto sua falta, em todos os cantos. Já
enfrentei toda sorte de infortúnio, mas agora conheço, pela
primeira vez, a face do verdadeiro sofrimento. Sinto-me
alquebrado. Afortunadamente, desde o dia do funeral tenho sido
acometido por uma dor de cabeça tão intensa que me impede de
pensar, ouvir ou enxergar.5

O falecimento do filho foi a maior tragédia na vida de Marx. No


funeral de Edgar, o amigo e aliado político do autor, Wilhelm Liebknecht
tentou consolá-lo, fazendo-o lembrar de sua esposa, suas filhas e seus
amigos. Marx, entretanto, à beira da perda total do controle, apenas
resmungou em resposta: “Vocês todos não podem trazer meu menino de
volta”. A morte de Edgar deixou Marx deprimido e desalentado durante os
dois anos e meio seguintes. De acordo com uma afirmação feita para
Engels, se ele não chegou ao extremo de se render ao desespero, foi apenas
graças à “lembrança do amigo e de sua amizade [...] e à esperança de que
juntos nós possamos ainda fazer alguma coisa sensata no mundo”.6
No lúgubre quadro da família, houve apenas um pequeno raio de luz: o
nascimento de uma filha, Eleanor, em 17 de janeiro de 1855. Os primeiros
meses de vida da garotinha foram difíceis e parecia que a esperava o mesmo
destino de Heinrich Guido e Franziska. Contudo, Eleanor, uma criança
precoce e cheia de energia, sobreviveu; o único dos filhos do casal nascidos
em Londres a ter tal sorte. Suas duas irmãs, cerca de dez anos mais velhas,
eram loucas por ela; e os pais, sentiam-se satisfeitos e orgulhosos. No
entanto, nem mesmo o florescimento de Eleanor, com toda a alegria que
proporcionava à família, era capaz de compensar a falta de Edgar.7

LOGO NO INÍCIO da década de 1850, Marx já era um jornalista


experiente, que escrevia regularmente para quatro jornais e duas revistas.
No período 1853-1862, ele empregou de maneira eficaz sua experiência
jornalística, escrevendo para seis jornais em diferentes países: Inglaterra,
Estados Unidos, Prússia, Áustria e, até mesmo, África do Sul. Ao contrário
de condições precedentes, esse trabalho foi realizado a pedido de jornais
que não estavam sob o controle ou a influência de Marx, tampouco, a
serviço de seus propósitos políticos. Os editores até que lhe deram
considerável liberdade; ele podia defender pontos de vista políticos e
desenvolver questões teóricas em seus artigos; todavia, o jornalismo deixara
de ser para ele uma forma de agitação política.
A importância do jornalismo de Marx ficou evidente no New York
Tribune, o principal jornal dos Estados Unidos na época, mais conhecido
nos dias de hoje por sua oposição à escravidão e por seu principal editor, o
expert político republicano Horace Greeley. O sócio de Horace, Charles
Anderson Dana, conhecera Marx em Colônia, em novembro de 1848, no
auge da crise revolucionária. Impressionado e encantado com Marx, Dana
manteve o contato com ele e, em 1851, ofereceu ao exilado político a
oportunidade de escrever uma série de artigos sobre a revolução do meio do
século na Europa central. Atarefado com as disputas contra seus
companheiros refugiados e com seu livro sobre economia política, e ainda
inseguro em relação à fluência de seu inglês, Marx passou a Engels a tarefa
de redigir o texto. Os artigos escritos por ele, em nome de Marx, tiveram
diversas reimpressões sob o título Revolução e contrarrevolução na
Alemanha.8
A série foi um grande sucesso, e Dana pediu que Marx, o autor
manifesto, escrevesse artigos regulares para o Tribune. A partir da segunda
metade de 1852, ele passou a escrevê-los sozinho. No princípio, seu
conhecimento de inglês não se mostrou suficiente para a tarefa e ele
precisou contar com a assistência editorial de Wilhelm Pieper; contudo,
com alguma prática ele adquiriu segurança na escrita nesse idioma, muito
embora o traço teutônico de sua prosa tenha permanecido durante toda a
vida. Marx terminava às pressas os manuscritos, com sua letra mal traçada,
e em seguida Jenny preparava uma cópia legível para ser despachada por
navio para Nova York. (Esse padrão de correspondência ocorreu antes do
estabelecimento de uma efetiva comunicação via cabo telegráfico
transatlântico, em 1866). Durante mais de uma década, Marx foi
remunerado por cerca de 487 artigos, muitos dos quais publicados no
Tribune como matéria de capa. Aproximadamente um quarto deles foi, na
verdade, escrito por Engels, que passou a contribuir com a escrita quando
os problemas de saúde de Marx deixaram-no impossibilitado de fazê-lo. No
entanto, Engels escreveu também artigos sobre questões militares, que eram
a especialidade do “General”.9
Marx encontrou outros veículos para divulgação de seu trabalho e
alguns textos foram publicados em jornais ingleses ligados à oposição
esquerdista. Parte desses trabalhos obteve maior repercussão quando de sua
reedição. Ele escreveu por um breve período para um jornal sul-africano de
língua holandesa, mas não conseguiu chegar a um acordo com o editor
quanto à remuneração. Durante nove meses, em 1855, Marx foi
correspondente de Londres do jornal de oposição New Oder News, na
Breslávia, função que deixou de exercer quando o governo prussiano forçou
o fechamento do periódico. Seu editor fundou o jornal vienense The Press
(predecessor do The New Free Press, um dos grandes jornais liberais da
Europa pré-1914), do qual Marx foi colaborador esporádico, no início da
década de 1860.10
Esses artigos representavam um volume de trabalho considerável. Para
obter material, Marx lia regularmente os principais jornais ingleses, boa
parte das publicações da imprensa francesa e alemã e alguns artigos
selecionados dos jornais italianos e espanhóis. Ele examinava com
minuciosa atenção os relatórios dos comitês do parlamento britânico
reunidos no Livro Azul, e vasculhava os volumes do Hansard, o registro
dos debates parlamentares. Marx chegou a redigir alguns relatos pessoais
acerca de debates a que assistiu na Câmara dos Comuns, assim como, sobre
manifestações populares no Hyde Park; contudo, seu jornalismo se
assemelhava mais aos textos dos colunistas atuais do que os de um repórter.
Os volumosos ensaios por ele escritos (que ocupam de cinco a dez páginas
quando impressos em coletâneas de seus trabalhos) continham extensos
comentários permeados por ironias peculiares e injúrias sarcásticas. O
volume completo de seus trabalhos jornalísticos é impressionante. Embora
o jornalismo seja examinado apenas superficialmente na maioria das
biografias, a extensão dos artigos escritos por Marx para jornais, entre 1853
e 1862, foi maior do que todo o conjunto da obra por ele publicada ao longo
de toda a vida. Na elegia sumarizando a vida do amigo, Engels enfatizou –
coberto de razão – a importância intelectual e política do jornalismo
praticado por Marx.11

SE O TRABALHO de cunho jornalístico constituiu, de longe, a maior


parte da obra publicada por Marx nos anos 1850, foi, também, a mais
lucrativa. A necessidade de prover o sustento da família e pagar as dívidas
acumuladas foi um fator importante. As cobranças por parte dos credores
continuaram até 1852-1853, quando Marx iniciou sua atividade de
correspondente. A casa de penhores era um recurso frequente. Além disso,
Engels enviava dinheiro sempre que podia. Jenny respondia ao amigo do
marido, contando: “Karl ficou muito feliz quando ouviu a profética batida
dupla do carteiro: ‘Voilà, Frederich, 2 libras, salvo!’, ele gritou”. No
entanto, Engels, às voltas com os próprios problemas financeiros, nem
sempre tinha condições de socorrer o companheiro, e, portanto, Marx era
forçado a procurar empréstimo junto à comunidade alemã, uma tarefa
bastante difícil, visto que a maioria das pessoas tinha perfeita ciência de seu
conceito de mau pagador.12
Com a continuidade e a expansão do trabalho nos jornais, a situação
financeira começou a melhorar. Sentindo-se mais otimista em relação às
suas perspectivas, Marx escreveu a Engels no final de 1853, para dizer que
lamentava não ter iniciado mais cedo sua carreira jornalística: “Se nós dois
– você e eu – tivéssemos podido contar com esse trabalho de
correspondente no momento certo, em Londres, você não estaria em
Manchester, atormentado pela contabilidade e eu não seria torturado por
minhas dívidas”.13 Com a entrada de mais dinheiro, a família começou a
sentir novamente pequenos sinais de conforto. Ao contrário do que sucedera
na época de Heinrich Guido, Jenny teve condições de contratar uma ama de
leite para Eleanor. A partir de 1853, eles passaram a comemorar o Natal
com grandes festas em estilo alemão, nas quais as crianças eram brindadas
com uma abundância de presentes. Wilhelm Liebknecht, em suas
reminiscências sobre Marx, descreveu os piqueniques dominicais da
família, em meados dos anos 1850. Em dias de tempo ameno, Karl, Jenny,
as crianças, a empregada e diversos convidados caminhavam por mais de
uma hora, da Dean Street, na direção norte, e depois a oeste rumo ao parque
Hampstead Heath, com Lenchen carregando em sua cesta uma vitela assada
e frutas. No parque, os apreciadores de piquenique compravam pão e
queijos, camarão, escargot e cerveja, faziam uma substancial refeição de
meio-dia e depois se sentavam para conversar ou ler os jornais de domingo,
enquanto as crianças brincavam. No penoso caminho de volta, cantavam
canções folclóricas, ou Karl e Jenny declamavam trechos de Shakespeare e
do Fausto, de Goethe. Era uma cena idílica, que dava testemunho de um
modesto ressurgimento, desde os grotões da pobreza no exílio.14
No outono de 1856, a família conseguiu mudar para uma casa nova: no
número 9 da Grafton Terrace, no distrito de Kentish Town. O aluguel de 36
libras por ano era relativamente aceitável, embora fosse decorrente da
situação ainda precária da casa, cujas divisões estavam inacabadas, e das
ruas não pavimentadas, que se transformavam em lodaçal por ocasião das
chuvas. Mesmo assim, era uma casa, e muito maior do que os quartos pré-
mobiliados do Soho. O dinheiro necessário para prover a residência de
móveis e utensílios domésticos veio principalmente de uma pequena
herança que Jenny recebeu de um tio falecido havia pouco tempo. Pela
primeira vez, em mais de sete anos, a família Marx possuía as próprias
mobílias, um rompimento com a vida sem raízes que levaram até então. A
nova moradia, a uma distância de três milhas a pé dos intelectuais alemães
refugiados do Soho e dos banqueiros da cidade, e, mais distante ainda dos
artesãos alemães residentes no East End, era outro indicativo do
distanciamento de Marx em relação aos exilados políticos e à vida social
correlata.15
A mudança pode ser vista como o ponto culminante de uma transição
em sua vida: da condição de pobreza no exílio à de chefe de família de
classe média e estabelecido. E ela poderia ser encarada dessa forma, não
fossem as permanentes crises financeiras. A família acabara de se mudar
para a nova casa, e Marx já precisou fazer um desesperado apelo a Engels
por recursos monetários. Este acabou se comprometendo a enviar cinco
libras por mês; porém, tal quantia não cobria todas as necessidades. Marx
continuou sua incessante busca por novas fontes de crédito que lhe
permitissem pagar as contas; uma tarefa difícil, considerando-se que os
credores anteriores ameaçavam confiscar os bens da família. Em julho de
1858, ele encaminhou a Engels outro desesperado pedido de ajuda, ao qual
anexou uma lista das despesas familiares e das dívidas que Jenny havia
contraído. Ele esperava consolidar todos os débitos através de um novo
crédito concedido por uma associação de poupança e empréstimos;
contudo, depois de pagar uma taxa de adesão de duas libras, foi rejeitado
como mau pagador. No final das contas, foi Engels quem assumiu o
empréstimo para ajudar Marx financeiramente.16
Depois de fechar um acordo com o New York Tribune, em 1856, pelo
qual recebia duzentas libras anuais como correspondente europeu, o
trabalho de jornalista passou a lhe proporcionar uma boa receita –
praticamente uma renda de classe média alta para a época. Levando-se em
conta a taxa de câmbio (cada libra inglesa valia cerca de 6,3 táleres
prussianos), a receita de Marx estava próxima da que seu pai recebia nos
anos 1830, embora o custo de vida na florescente capital da Inglaterra fosse
muito mais elevado do que na provinciana cidade da Alemanha. Em vista
da respeitável quantia auferida por Marx, seus biógrafos mais recentes
rejeitam a velha história da contínua e desesperada pobreza da família
durante toda a década de 1850 e consideram que raiz dos problemas fiscais
de Karl reside em sua extravagância e deficiente capacidade
administrativa.17 Há, sem dúvida, elementos que corroboram esse
argumento; no final dos anos 1850, a família Marx não mais enfrentava
uma desesperadora situação financeira como a que viveu no começo da
década. Todavia, um exame mais detalhado de seus débitos e créditos revela
tanto a limitação da receita como o aumento dos gastos da família, no bojo
da qual Jenny dirigia as finanças como cabia a uma respeitável esposa fazer.
A posição de correspondente europeu do New York Tribune não era tão
rentável quanto o salário poderia sugerir. O sistema para consecução de
pagamentos entre dois lados do Atlântico era uma tarefa enfadonha e cara.
Marx precisava emitir uma fatura ou letra de câmbio contra Dana e entregá-
la a um banqueiro em Londres. Este, por sua vez, encaminhava o
documento ao banco parceiro em Nova York, para ser cobrado do Tribune,
depois do que o pagamento era liberado e finalmente fazia o trajeto de volta
para chegar às mãos de Marx – depois da dedução de uma tarifa
substancial. Na primeira experiência de Marx com esse sistema, o processo
todo levou mais de dois meses, ao cabo dos quais ele descobriu que os
banqueiros não transacionavam com pequenas quantias e, portanto,
acumulavam as pequenas notas até que atingissem determinado volume,
para depois serem enviadas. Após esse teste, ele começou a emitir a fatura
só depois de ter escrito certo número de artigos cujo total somasse um valor
maior; mas isso significava ter que assumir novas dívidas para fazer frente
às despesas familiares no período. Ferdinand Freiligrath, o poeta e antigo
membro do corpo editorial do New Rhineland News, de longe o mais
conhecido dos aliados de Marx, havia fugido da Prússia e estava
trabalhando como banqueiro em Londres. Ele encaminhou Marx a
financistas que descontavam as notas e lhe davam o dinheiro, uma solução
cuja implicação era aceitar um valor menor do que o de face.18
Os pagamentos anuais de duzentas libras dificilmente cobriam todas as
despesas. A partir de novembro de 1857, em decorrência das dificuldades
financeiras enfrentadas pelo jornal depois da recessão daquele ano, esse
valor foi reduzido à metade. Tanto Karl como Jenny compreendiam a ironia
do fato: uma crise econômica havia tanto tempo esperada, que deveria
conduzir à deflagração de uma nova revolução, estava solapando as
finanças de sua família. Charles Dana, cuja correspondência demonstra uma
atitude simpática e amigável, deu de si o melhor para aliviar o golpe, tendo
aceitado tanto quanto possível o trabalho de Marx. Antes do corte ele havia
oferecido ao autor a oportunidade de receber recursos monetários adicionais
de outra de suas empresas do ramo editorial, escrevendo artigos para uma
planejada enciclopédia americana. Contando com a indispensável
assistência de Engels, Marx aceitou a oferta; porém o trabalho era
entediante e regido por rígidos padrões comerciais, além do que não
compensava toda a receita jornalística perdida.19
Se, por um lado, as receitas de Marx não eram tão vultosas quanto
podiam parecer à primeira vista, suas despesas, por outro, tinham um valor
muito superior ao que aparentavam. De longe, o que mais contribuiu para
esse acúmulo foi o pesado ônus das dívidas contraídas entre 1849 e 1853,
quando ele não contava com uma entrada regular de dinheiro, mas arcava
com despesas crescentes geradas por suas atividades políticas. Mesmo nas
ocasiões de maior otimismo em relação às suas perspectivas financeiras,
essa sobrecarga não deixou de atormentá-lo. Ele chegou a declarar, de
forma bastante otimista, que entre janeiro e setembro de 1854 conseguira,
com enorme esforço, reduzir o valor total dos débitos, de oitenta para
cinquenta libras; porém, em 1858 esse número já havia atingido mais de
cem libras. As velhas dívidas se repetiam. O recurso constante à loja de
penhores significava, do mesmo modo, juros sem fim; e a necessidade de
fazer dívidas na mercearia era outro problema. Mesmo após a mudança para
Grafton Terrace, Marx ainda devia dinheiro para lojistas do Soho. Surgiram
também novos débitos – em especial com o médico –, decorrentes da
gravidez de Jenny, dos caros tratamentos para as enfermidades dos filhos,
independentemente do desfecho que elas tiveram, e dos próprios problemas
crônicos de saúde que acometiam Marx. (Naquela época, as queixas de
hemorroidas, problemas do fígado e da vesícula biliar, e dentes estragados
encabeçavam a lista). Marx passou a maior parte da segunda metade de
1856 no norte da Inglaterra – no verão, com sua família, no vilarejo de
Camberwell, em Yorkshire; e no outono, na companhia de Engels, em
Manchester – escondendo-se do médico da família, dr. Jonas Freund. Este
último cobrava de forma particularmente violenta o dinheiro devido por
Marx, pois passava por graves problemas financeiros que o obrigaram a
pedir a falência dois anos mais tarde.20
Se havia um elemento de exagero nesses gastos, ele decorria do
desvelo de Marx para com Jenny e suas filhas. As serviçais (durante alguns
anos entre o final da década de 1850 e o início da de 1860, a irmã mais
nova de Lenchen, Marianne, juntou-se a ela) assumiam o trabalho físico de
conduzir a casa, para poupar Jenny, desgastada pelas gestações em uma
idade avançada e pela preocupação com a saúde dos filhos. O desgaste de
administrar o orçamento e evitar os credores já era muito para ela. Uma
residência ampla em um bairro melhor, longe da cólera que infestava o
Soho, afastou a esposa de Karl da constante lembrança da morte de Edgar.
Como não houvesse lá escolas públicas, mas apenas colégios de caridade
bancados pela igreja e destinados aos pobres, as filhas mais velhas – a
pequena Jenny e Laura – frequentavam uma escola particular para jovens
meninas de família. Karl e Jenny pretendiam criar as filhas dessa forma, o
que representava despesas adicionais com aulas de italiano e francês, além
de desenho e música.21 A confissão de Marx para Engels – feita, segundo
ele, com muita vergonha – de que em julho de 1858 toda a sua receita
jornalística extra não fora suficiente para evitar o aumento das dívidas,
continha um indício de autojustificativa. No entanto, ela também revela a
relação mútua entre suas finanças e sua devoção pela família:

Se eu desejasse adotar a direção da mais extrema redução de


despesas – isto é, tirar as crianças da escola, mudar para um
apartamento meramente proletário, abolir as serviçais, viver à
base de batatas – mesmo assim, o leilão de nossos bens não
geraria recursos suficientes sequer para cobrir os credores da
vizinhança e, desse modo, permitir nossa retirada para um refúgio
furtivo e secreto. A aparência de respeitabilidade que até agora
tem sido mantida é o único meio capaz de evitar uma completa
derrocada. De minha parte, eu convidaria o demônio para viver
em Whitechapel [uma vizinhança pobre na região oriental de
Londres], se isso me permitisse, finalmente, voltar a ter um
momento de paz e cuidar de meu trabalho. Quanto à minha
esposa, nas condições em que ela se encontra, tal metamorfose
traria perigosas consequências, e para as meninas, em fase de
crescimento, não seria adequado.22

No final, a receita obtida por Marx com suas atividades de jornalista –


algumas vezes respeitável, e outras, errática – não garantiu à família
condições de fugir de uma pobreza refinada, na qual foram obrigados a
viver durante muitos anos. Ao contrário, ela serviu apenas para elevar um
pouco mais esse patamar de pobres requintados.

O JORNALISMO DE Marx no período 1853-1858 envolveu uma enorme


diversidade de assuntos, desde a revolução de 1854 na Espanha, às
peculiaridades de lady Bulwer-Lytton, que estava confinada em um asilo,
no qual ela e seus advogados alegavam ocorrer falsos diagnósticos de
insanidade. Três temas principais dominaram seus escritos: a Guerra da
Crimeia, de 1853 a 1856, e suas implicações para a política externa das
grandes potências, e a política doméstica da Grã-Bretanha; as condições e
os conflitos do Império britânico na Ásia, abrangendo a Segunda Guerra do
Ópio com a China, entre 1856 e 1860, o levante generalizado dos indianos
contra o governo imperial britânico, em 1857, e as implicações desses
conflitos para o capitalismo global; e as causas e consequências da recessão
mundial de 1857, acompanhadas daquilo que Marx esperava fosse uma
nova onda de revoluções na Europa. O tratamento dispensado para cada um
desses temas revela como ele detalhou sua teoria econômica e política e
testou-a em relação à intolerável realidade da era de reação.
Foi a reportagem a respeito da Guerra da Crimeia do período 1853-
1856 que transformou Marx em um proeminente jornalista, com uma
reconhecida ajuda de Engels, cujos artigos sobre táticas e estratégias
militares durante o cerco de Sebastopol, redigidos na condição de escritor
fantasma, foram particularmente dignos de nota. O público americano ficou
fascinado com os relatos acerca dos conflitos e desapontado pela publicação
de matérias mais amenas quando as hostilidades terminaram.23 O fascínio
por essa guerra é uma reação difícil de ser entendida atualmente. Quando
evocada de alguma maneira, nos dias de hoje, é lembrada pelo poema de
Tennyson, “Charge of the Light Brigade” [A carga da brigada ligeira], ou
pela enfermeira Florence Nightingale que cuidou dos soldados feridos,
enquanto, na verdade, o genuíno confronto militar, disputado em torno da
misteriosa “Questão do Oriente”, na periferia do universo europeu, e
concluído sem resultados efetivos, parece não apenas dúbio, como
irrelevante.
Os contemporâneos de Marx teriam discordado. A guerra foi o
primeiro conflito entre as grandes potências da Europa em quase quarenta
anos; de fato, desde a derrota final de Napoleão, em 1815. As Guerras
Napoleônicas haviam sido conflitos totais e generalizados, e suspeitava-se
por toda a parte que a nova guerra não ficaria reduzida a um limitado
confronto da Rússia contra França e Inglaterra, nas praias do Mar Negro,
mas, ao contrário, assumiria os contornos de um enfrentamento continental,
envolvendo todas as potências. Marx ouviu, pessoalmente, comentários de
sua sogra expressando preocupações nesse sentido. O filho adotivo dela e
meio-irmão de Jenny, Ferdinand von Westphalen, ministro do Interior de
um governo prussiano que se apegava precariamente a uma condição de
neutralidade, advertira-a a se preparar para o retorno de uma era de guerras
em escala napoleônica.24
Para os revolucionários exilados, a guerra tinha um significado
especial. Já no princípio da década de 1830, o líder dos refugiados políticos
poloneses, o conde Adam Jerzy Czartoryski, nutria a expectativa por uma
guerra que oporia, de um lado as potências liberais, Inglaterra e França, e
do outro, a conservadora Rússia, em uma disputa em torno do Império
Otomano, cuja situação na época e em um momento posterior engendrou a
chamada Questão do Oriente. Tal luta, pensava ele, ajudaria a Polônia a se
libertar do jugo czarista.25 Os contatos políticos do próprio Marx
concentraram-se nos refugiados políticos democratas da Polônia, e não no
aristocrata e politicamente moderado Czartoryski. Contudo, Marx
compartilhava das esperanças do conde quanto ao potencial político para
deflagração de uma guerra com a Rússia czarista.
No período 1848-1849, o autor pregou persistentemente uma luta
revolucionária contra a Rússia. Ele concebia essa guerra como uma
renovação da Revolução Francesa, opondo os franceses revolucionários,
com o apoio de insurgentes de outros países europeus, contra todas as
outras grandes potências, unidas em uma coalisão contrarrevolucionária.
Quando de sua chegada à Inglaterra, já eram grandes as esperanças de Marx
em relação a uma futura guerra com a Rússia que seguisse a linha
preconizada por Czartoryski; com o governo britânico adotando uma
política externa contrária aos russos. Ele esperava que o ímpeto no sentido
de uma reorientação partisse dos capitalistas ingleses, que abdicariam da
não intervenção nas questões continentais da Europa, com o propósito de
criar uma hegemonia comercial europeia e global.26
Tendo em vista a amplitude dessas expectativas, a Guerra da Crimeia
não poderia ter sido mais do que uma grande decepção. Ela não foi a luta de
um governo revolucionário, mas sim, do autoritário regime de Napoleão III
e de uma coalisão ministerial inglesa constituída de aristocratas do partido
Whig e moderados do Tory. Esses governos não se envolveriam em
conflitos generalizados, menos ainda em uma guerra revolucionária. Em sua
cobertura da Guerra da Crimeia, Marx atacou a falta de uma ação decisiva.
Com a escalada das tensões diplomáticas entre o reino czarista e as
potências ocidentais, no início de 1853, ele afirmava que os governos
britânico e francês não deveriam jamais forçar suas posições a ponto de
entrar em guerra. Quando esta realmente eclodiu, em outubro, Marx criticou
os ingleses e os franceses por não lutarem de fato, mas procurarem a paz
através de uma intervenção austríaca, uma negociação talhada para atender
a todas as demandas da Rússia e deixar a aliada Turquia abandonada à
própria sorte, nas mãos do czar. A invasão da Crimeia pareceu a Marx um
esforço tímido e militarmente ineficiente. Ele e Engels afirmavam com
frequência que se as potências ocidentais não alargassem as fronteiras do
conflito para além de uma guerra limitada no Mar Negro, as forças
superiores do czar infligiriam a elas uma derrota humilhante. Ainda no
verão de 1855, quando os exércitos britânicos e franceses que cercavam
Sebastopol já haviam tomado parte do anel externo das fortificações, Marx
e Engels persistiam em sua afirmação quanto à superioridade da Rússia e
sua melhor perspectiva de vitória.27
Pouca coisa desapontou Marx mais do que a covardia das atitudes dos
capitalistas ingleses. Longe de propor uma continuação mais resoluta do
conflito, ou apenas apoiar os planos do governo no sentido de uma guerra
mais limitada, os dois mais importantes parlamentares radicais
representantes dos industriais ingleses, Richard Cobden e John Bright,
assumiram uma decidida postura antiguerra. Eles defenderam a opinião de
que inexistia uma necessidade econômica que justificasse a guerra, assim
como, dela não resultaria qualquer benefício econômico. Tomado por
profunda frustração, Marx denunciou a “burguesia fomentadora da paz”,
uma expressão diametralmente oposta ao epíteto “fomentadores da guerra”
que seus discípulos do século XX impingiram aos políticos capitalistas.28
Em alguns aspectos, as ofensivas de Marx se propagaram na maré
mais ampla da opinião pública britânica. Políticos e jornalistas denunciaram
as políticas inconclusivas do governo. A exibição absurda da Força
Expedicionária Britânica na Crimeia desembocou na criação de uma
comissão parlamentar de inquérito e na renúncia dos governantes. O poder
sucessor, liderado pelo veterano político do Whig, Henry Temple, o
Visconde de Palmerston, prometeu uma continuidade mais efetiva da
guerra. Palmerston foi fiel à sua palavra. A sitiada Sebastopol caiu em
outubro de 1855, e, no ano seguinte, os russos fizeram um apelo pela paz.29
Neste ponto, Marx se afastou de boa parte da opinião pública britânica.
Ele estava cada vez mais convencido de que por trás de todas as táticas e
simulações da política externa adotadas pelo governo de sua Majestade
havia um fato deplorável: que o líder Whig e primeiro-ministro lord
Palmerston era, na realidade, um agente a serviço do czar. Marx manteve
essa afirmação tanto em seus trabalhos como jornalista do New York
Tribune, como em sua correspondência privada com Engels e outros aliados
políticos, mantendo essa postura durante boa parte da década de 1860.30
Após ampla análise de documentos parlamentares, Marx chegou à
conclusão de que as atividades de Palmerston como agente russo haviam
começado pelo menos um quarto de século antes, e que o propósito de suas
políticas em mandatos anteriores como ministro do governo fora trair os
interesses dos opositores da Rússia em todo o mundo, da Polônia ao
Afeganistão. A leitura de antigos panfletos no Museu Britânico levou Marx
à conclusão de que Palmerston estava longe de ser o primeiro traidor no alto
escalão, e que o suborno dos políticos do Whig patrocinado pela Rússia era
uma prática cujas raízes se encontravam há mais de um século atrás. Ele
delineou essas acusações em uma série dividida em doze capítulos escrita,
entre 1856 e 1857, para um jornal de Sheffield e um de Londres, ambos
intitulados The Free Press. Depois da morte de Marx, os artigos – apenas
fragmentos de um inacabado trabalho mais longo – foram reunidos por sua
filha Eleanor e reimpressos com o título The Secret Diplomatic History of
the Eighteenth Century [A história secreta da diplomacia do século XVIII].31
Os jornais nos quais Marx publicou suas opiniões estavam sob
controle de um político britânico, David Urquhart, uma figura estranha e
extraordinariamente fascinante. Urquhart personificava o que hoje
poderíamos denominar um “orientalista”; um indivíduo convicto de que a
sociedade e a cultura os povos islâmicos eram muito diferentes daquelas do
mundo ocidental e estranhas para ele. No entanto, ao contrário da maioria
dos orientalistas europeus do século XIX, que encaravam esse “outro”
oriental como inferior à Europa, Urquhart o considerava nitidamente
superior. Ele defendia a substituição do aperto de mãos pela saudação turca,
enaltecia os banhos e as vestimentas do povo turco e nutria profunda
admiração pelo monoteísmo islâmico. As ideias de Urquhart a respeito da
política doméstica guardavam a mesma peculiaridade de suas opiniões
sobre o Oriente Médio. Sua concepção acerca da política inglesa, a
necessidade de expurgar séculos de inovações normandas e restaurar no
Reino Unido suas antigas instituições anglo-saxônicas, deixava transparecer
um radicalismo do século XVII que parecia singularmente arcaico depois
da Revolução Francesa. O posicionamento de Urquhart em relação à Guerra
da Crimeia mostrava coerência com o restante de suas opiniões excêntricas.
Ele se opunha à guerra, mas não devido a uma orientação pacifista ou pró-
Rússia e anti-Turquia. Ao contrário, acreditava que todo o esforço de guerra
não passava de um blefe, cujo verdadeiro propósito era coagir os turcos –
capazes, sem dúvida, de se defender contra os russos – a fazer concessões
às demandas da Rússia. Nos bastidores dessa política, de acordo com
Urquhart, vislumbravam-se as atitudes traiçoeiras de ninguém menos que
lorde Palmerston.32
Depois de ler as acusações de Marx a Palmerston, no New York
Tribune, Urquhart viajou de Sheffield a Londres para se encontrar com o
autor. Nas manifestações contra a guerra, realizadas nas áreas industriais da
região central da Inglaterra e semeadas por Urquhart e seus seguidores,
foram feitos discursos dirigidos a Marx, com elogios às suas observações
mordazes. Este último começou a escrever artigos ocasionais para os jornais
de Urquhart, os quais foram reimpressos, na forma de panfletos, por um dos
adeptos do editor e acabaram vendendo mais de 15 mil cópias.
Discordâncias a respeito de uma remuneração adequada (Marx nunca
recebeu por esses panfletos reimpressos) limitaram a cooperação, muito
embora ela tenha sido, mesmo assim, digna de consideração – o maior
acordo político fechado por Marx em um período no qual ele procurava
evitar tais atividades.33
Se algum dia houve alguma prova de que a política gera estranhas
amizades, essa prova foi a colaboração entre Marx e Urquhart. Suas muitas
diferenças eram evidentes. O segundo não aceitava a demanda pelos
direitos da humanidade a um sufrágio universal, demanda esta levantada
pelos radicais ingleses mais modernos, os Cartistas, que representavam a
principal conexão de Marx com a política inglesa desde a década de 1840.
A convicção de Urquhart, segundo a qual a Revolução de 1848 fora
fomentada por agentes do czar, era combatida por Marx, ele próprio um
revolucionário de 1848 e veemente opositor da Rússia – um ponto de vista
defendido em suas conversas pessoais com Urquhart. Marx e Engels
alimentavam certa relutância em estabelecer com ele uma relação mais
próxima. Eles o consideravam, a exemplo da maioria da classe política
britânica, um excêntrico – ou, como definido por Adolf Clauss, discípulo
americano de Marx, em um artigo inspirado por seu mestre, um Don
Quixote moderno, cuja louvável atitude inicial anti-Rússia havia se
transformado em uma obsessão.34
Se Marx, a despeito de toda hesitação e do reconhecimento das
particularidades de Urquhart, aceitou trabalhar em colaboração com ele, foi
porque concordava com dois de seus principais preceitos: a russofobia e as
profundas suspeitas em relação a lorde Palmerston. Marx tinha os próprios
motivos para endossar essa posição; um exame de tais motivos revela
minúcias de sua orientação política em uma era desanimadoramente
reacionária.
A postura anti-Rússia foi fundamental para o posicionamento de Marx
antes e durante a Revolução de 1848, e, nesse aspecto, ele não se
diferenciava da maioria dos radicais europeus do meio do século XIX.
Como demonstrado pelas políticas do conde Czartoryski, o conflito contra a
Rússia era a opção preferida daqueles que procuravam subverter o status
quo político, e, nesse contexto, a Guerra da Crimeia parecia a oportunidade
ideal, visto que estreitava as relações dos radicais com a maioria anti-
Rússia. Nos cálculos políticos de Marx, a oposição à Rússia assumiu um
caráter ainda mais importante durante os anos 1850. Escrevendo em nome
dele, Engels chamou a atenção dos leitores americanos, em abril de 1853,
quando as tensões acerca da Questão do Oriente experimentavam
vertiginosa escalada. Engels afirmou que desde 1789

havia existido, na realidade, apenas duas potências no continente


europeu – a Rússia e o Absolutismo, a Revolução e a Democracia
[...]. Mas, se a Rússia conquistar a Turquia e sua força crescer
cerca de cinquenta por cento, ela se tornará superior a todo o
conjunto do resto da Europa. Tal evento seria uma indescritível
calamidade para a causa revolucionária. A manutenção do
Império Otomano, a interrupção do esquema russo de anexações,
é uma questão da maior importância. Nesse caso, os interesses da
Democracia revolucionária e da Inglaterra caminham de mãos
dadas.35

Esse objetivo de frustrar as intenções da Rússia por meio da


preservação do Império Otomano era fundamental para Marx, mesmo
estando em contraposição à sua simpatia pela revolução. Quando os
habitantes de Etólia e Épiro, falantes do idioma grego, levantaram-se contra
o domínio da Turquia no início de 1854, Marx desprezou os insurgentes,
classificando-os de “ladrões das montanhas”, cuja revolta era alimentada
por “intrigas russas” lideradas por “emissários moscovitas”; uma afirmação
intrigante para o autor do Manifesto, no qual ele proclamava o apoio dos
comunistas a todos os movimentos revolucionários. Marx rejeitou as
propostas de reforma do Império Otomano apresentadas pelos liberais
ingleses, pelas quais sugeriam a igualdade entre cristãos e muçulmanos ou o
estabelecimento de um Estado secular. Ele as definiu como a preconização
fantasiosa e impraticável de uma “perfeita revolução social”. A exemplo de
muitos ex-revolucionários de 1848, Marx assumiu uma posição mais
realista e centrada no poder, posição esta que recebeu de um antigo amigo
refugiado político de Paris, August Ludwig, a denominação de Realpolitik.36
A hostilidade de Marx em relação à Rússia fazia parte de uma atitude
mais abrangente adotada tanto pelos políticos ingleses como pelos
refugiados do continente. A convicção que ele compartilhava com
Urquhart, de que lord Palmerston era um agente do czar, parecia mais
incomum e peculiar. Na verdade, Palmerston, um idoso veterano da política
inglesa, que assumira pela primeira vez um cargo no governo em 1807,
havia acumulado uma porção significativa de inimigos ao longo das
décadas. Críticas felinas observavam, por exemplo, que sua incapacidade de
proferir discursos violentos era consequência de seu medo de deixar cair a
dentadura. Qualquer que fosse a acusação da maioria dos inimigos contra
Palmerston, a última coisa digna de crédito era ele ser um agente russo,
traidor da Inglaterra. De fato, a reputação tida por Palmerston, de indivíduo
patriota, era universal, e a denominação de “o mais inglês dos ministros”
uma alcunha comum nos anos 1850. Como era característico daquela época,
essa postura patriótica incluía o apoio a governos liberais e constitucionais
na Europa continental e um forte comprometimento no sentido de limitar o
poder da Rússia. De todos os ministros do governo durante a Guerra da
Crimeia, Palmerston foi o mais inclinado a defender medidas austeras,
considerando até mesmo a expansão da guerra, como o próprio Marx
preconizava.37
Em vista do posicionamento assumido por Palmerston, seus
contemporâneos classificaram de tolices de teorias conspiratórias as
acusações de traição levantadas por Urquhart. O endosso de Marx às
denúncias deste último, independentemente manifestadas, também não foi
bem recebido. Engels manteve um discreto silêncio, mas Ferdinand
Lassalle, principal aliado político de Marx, que havia permanecido na
Prússia e não fora indiciado no julgamento dos comunistas de Colônia,
mostrou-se abertamente cético. Depois de tomar conhecimento das provas
de Marx quanto à atuação de Palmerston como agente russo, Lassalle agiu
com astúcia, apontando a seu mentor político que o líder Whig era um
ambicioso seguidor do partido da guerra na Inglaterra, e que a maioria das
provas das políticas de Palmerston pró-Rússia em poder de Marx
demonstrava, na verdade, uma postura anti-Rússia. Lassalle prosseguiu,
recorrendo a experiências pessoais:

Não se pode desconsiderar o fato de que diplomatas que eu


conheço pessoalmente, que ao longo de um período de dez a
quinze anos mantiveram relacionamento com ele [Palmerston] e
que são tão corruptos a ponto de estarem afundados até o pescoço
em corrupção, não alimentem a menor suspeita de que ele foi
subornado, e, ao contrário, considerem-no um genuíno opositor
da Rússia. São, sem dúvida alguma, diplomatas especialmente
iniciados nos segredos da Rússia.38

De que maneira Marx chegou à conclusão de que o mais veemente


político inglês anti-Rússia era na realidade um agente russo? Ao contrário
de David Urquhart, Marx não era dado a teorias conspiratórias; no entanto,
endossou esta de corpo e alma. Sem dúvida, ele realizou extensas pesquisas
através do Livro Azul, dos debates parlamentares, das edições correntes do
The Times e de panfletos políticos publicados pela imprensa marrom do
século XVIII, encontrados na sala de leitura do Museu Britânico. O que o
levou a essa conclusão foi a interpretação de tais leituras à luz de suas
teorias a respeito de classes sociais e poder político, e as circunstâncias
daquela era reacionária.
Embora Marx visse o Reino Unido como o mais perfeito país
capitalista, ele identificava em sua burguesia uma grande relutância em
assumir a tarefa de governo, transferindo-a para as classes proprietárias de
latifúndios. Estas últimas eram, para Marx, divididas em duas facções: os
grandes latifundiários instruídos, que ele identificava com o partido Whig, e
os pequenos gentis provincianos, a base do partido Tory. Marx nutria,
inquestionavelmente, maior simpatia pelos membros do Tory, porque os
considerava um grupo “sempre conduzido pelos pobres que enriqueceram,
Pitt, Addington, Perceval, Canning, Peel e Disraeli”. O autor enaltecia o
irônico, genial e articulado Benjamin Disraeli, figura principal da oposição
parlamentar durante a Guerra da Crimeia, denominando-o “o mais talentoso
do atual parlamento”.39
Quanto aos aristocratas do Whig, Marx demonstrava apenas desprezo.
Eles eram hipócritas que se fingiam amigos do povo, ao mesmo tempo em
que promulgavam uma legislação reacionária: desde 1688, “todas as leis
dirigidas contra o povo foram colocadas em prática pelo Whig”. Os
membros desse partido careciam de princípios e abandonavam suas
opiniões fundamentais em nome de vantagens políticas, como fez
Palmerston, quando apoiou a Lei da Grande Reforma, de 1832, com o
principal propósito de limitar as reformas políticas. De acordo com Marx,
lorde John Russell, outra importante figura do Whig, que era tanto aliado
como rival de Palmerston, tomou a mesma atitude, quando retirou seu apoio
às Leis dos Cereais sob pressão da burguesia industrial.
Um observador mais favorável poderia ver essas ações como exemplos
de flexibilidade política e capacidade de comprometimento; no entanto,
para Marx elas representavam exatamente “toda a impostura que consiste a
essência do Whig”. Seus membros demonstravam a mesma hipocrisia e
falta de princípios nos assuntos internacionais. Segundo Marx,

Submetendo-se à influência estrangeira, [Palmerston] de fato se


opõe a ela em palavras [...]. Ele sabe como conciliar uma
abundante fraseologia com opiniões limitadas; como vestir a
política de uma classe média traficante da paz com a presunçosa
linguagem do passado aristocrata inglês; como parecer um
agressor na situação em que se submete, e um defensor, quando
trai [...]. Se os opressores sempre estiveram certos do ativo apoio
desse indivíduo, os oprimidos nunca careceram de uma grande
ostentação de sua generosidade retórica.40

Para Marx, a hipocrisia, a mentira e a corrupção consistiam a essência


da facção política que governava a Inglaterra – e necessariamente assim,
dada sua posição de grandes latifundiários aristocratas que administravam
uma sociedade capitalista burguesa. Ele identificava o líder desse grupo
como um traidor hipócrita, um homem célebre por seu patriotismo inglês,
embora, na verdade, cumprisse ordens do czar.
As experiências pessoais de Marx reforçavam sua inclinação em ver o
arrogante patriota inglês como um espião russo. Em um passado não muito
distante, ele próprio havia estabelecido um íntimo relacionamento com um
suposto revolucionário, que se revelou, para seu grande constrangimento,
um agente secreto a serviço dos governos austríaco e prussiano; Marx havia
espionado um policial prussiano que teceu uma teia de falsificações e
perjúrios em consequência da qual seus amigos e apoiadores acabaram na
cadeia. Justificando sua opinião a respeito de Palmerston, para um Engels
relutante em se deixar convencer, Marx escreveu em novembro de 1853,
apenas um ano após o encerramento do julgamento dos comunistas de
Colônia e depois de finalmente admitir que Jànos Bangya era um policial
espião:

Por mais curioso que isso possa lhe parecer, por meio de minha
precisa reconstituição das pegadas do nobre Visconde ao longo
dos últimos vinte anos, cheguei à mesma conclusão que o
monomaníaco Urquhart – Palmerston esteve vendido para a
Rússia durante as últimas várias décadas. [...] Nós dois juntos
negligenciamos demais esse ponto e é necessário saber com quem
vamos lidar. Toda a diplomacia reproduz em larga escala Stieber
Bangya e companhia.41

PARA MARX, UM importante e distintivo aspecto do capitalismo,


enquanto sistema econômico, era seu escopo global. O Manifesto comunista
havia proclamado o alcance universal da burguesia. No delineamento que
ele traçou nos anos 1850, de seu planejado trabalho sobre economia
política, havia sempre um capítulo de fechamento com uma análise do
mercado mundial.42 No entanto, apesar de toda a evocação daquilo que viria
a ser mais tarde denominado globalização, a própria análise histórica e
política de Marx se manteve nitidamente eurocêntrica. Ele dedicou atenção
especial aos desenvolvimentos nos Estados Unidos, porém, encarou a
república da América do Norte como um posto avançado além-mar da
cultura e da sociedade europeias. Os debates parlamentares britânicos
acerca de um governo adequado para a Índia e os conflitos imperiais dos
anos 1850, assuntos devidamente cobertos por Marx quando correspondente
do New York Tribune na Europa, ofereceram a ele a oportunidade de sua
vida para analisar as sociedades não europeias e o governo imperial
europeu. Suas reflexões revelaram muitos dos aspectos do pensamento
social e político do meio do século XIX, mas muito pouco das
interpretações dos marxistas do século XX, a respeito do imperialismo e do
capitalismo em escala global.
O interesse de Marx pelo Oriente começou, a exemplo do que
invariavelmente aconteceu com os intelectuais alemães do século XIX, com
a leitura da bíblia. Engels lhe escreveu, em maio de 1853, sobre um livro
que ele lera, escrito por Charles Forster, um crítico inglês da bíblia. Charles
classificava a genealogia de Noé descrita pelo Velho Testamento como uma
lista de tribos beduínas. Acompanhando a linha defendida por Forster,
Engels discutiu o antigo Oriente – desde os assírios até o surgimento do islã
– como produto das invasões beduínas. Marx, mais interessado nas
observações de Engels, comentou que a questão central para ele estava em
entender “Por que a história do Oriente aparece como a história da
religião?”. Sua resposta sustentava que no “oriente”, de que ele considerava
fazer parte a Pérsia, a Índia e o Império Otomano, não havia propriedade
privada da terra. “Essa é a verdadeira chave, até mesmo para o paraíso
oriental.”43
Em correspondências posteriores, Engels sugeriu que a principal razão
para a inexistência de propriedade privada era o clima árido, que tornava
um sistema de irrigação custeado pelo Estado uma necessidade para a
civilização. Marx concordou com ele, acrescentando que os impérios
orientais eram formados, principalmente, por uma miríade de pequenos
vilarejos, cada um dos quais com alguma forma de propriedade agrícola
coletiva, em geral abrigando uma produção especializada, de pequena
escala. Por meio dessa troca de cartas, foi desenvolvida a teoria básica de
Marx a respeito de governo, sociedade e economia na Ásia; discussões
futuras, a maioria incluída em seus rascunhos não publicados sobre
economia política, não introduziram mudanças significativas.44
A principal oportunidade de Marx para aplicação de suas teorias foram
seus artigos sobre o governo colonial britânico na Índia publicados no New
York Tribune apenas alguns dias depois da troca de correspondência com
Engels. A opinião formulada nos artigos foi extraída diretamente das ideias
desenvolvidas nas cartas.45 Ocupando a posição de mais importante
território sob domínio do Império Britânico, tanto no aspecto econômico
como no político, depois que este perdeu a maioria de suas possessões na
América do Norte e viu a escravidão abolida nas colônias do Caribe, a Índia
ainda não ocupava o lugar de joia da coroa da recente era vitoriana. Ela
ainda estava submetida a um governo exercido pela Companhia Britânica
das Índias Orientais, uma corporação privada, porém mantida pelo Estado;
remanescente arcaico do século XVIII, que era ao mesmo tempo uma
autoridade colonial, uma empresa de desenvolvimento comercial e
econômico e um bando de ladrões.
O retrato da Índia britânica traçado por Marx enfatizava, em momentos
distintos, esses diferentes aspectos do governo exercido pela Companhia
das Índias Orientais. Em 1853, ele retratou os britânicos como os mais
recentes de uma extensa linhagem de conquistadores, os quais exploraram e
saquearam brutalmente o “Hindustão”. Contudo, a “miséria infligida pelos
britânicos aos hindustanis é de uma espécie essencialmente diferente e
infinitamente mais intensa do que todo o Hindustão já foi obrigado a
enfrentar”. O governo britânico impôs uma revolução social capitalista,
introduzindo a propriedade privada da terra e desmantelando o sistema de
irrigação mantido pelo Estado. “A potência e a ciência da Grã-Bretanha
extirparam da face do Hindustão a união entre a indústria agrícola e a de
manufatura [...] afastando o Hindustão, governado pelos britânicos, de todas
as suas antigas tradições e de toda a sua história passada.”
No entanto, essa condenação do governo imperial britânico se
converteu em uma defesa de sua legitimidade. Marx explicou aos leitores
do New York Tribune, em seu patente inglês teutônico, que o afastamento da
Índia em relação a seu passado guardava aspectos positivos:

Agora, repugnante como possa ser para o sentimento humano


testemunhar a desorganização e o desmantelamento daquela
miríade de laboriosas e patriarcais organizações sociais não
conspurcadas pelo mal [...] e ver que seus membros estão, ao
mesmo tempo, perdendo sua antiga forma de civilização e seus
meios hereditários de subsistência, não devemos esquecer que
esses idílicos vilarejos-comunidade, com sua enganosa aparência
inofensiva, foram sempre o alicerce sólido do despotismo
oriental; que eles reprimiram a mente humana dentro do mais
restrito domínio de compreensão possível, fazendo dela uma
irresistível ferramenta da superstição [...]. Não podemos esquecer
que essas pequenas comunidades foram contaminadas por
diferenças de casta e pela escravidão; que subjugaram os homens
a circunstâncias externas em vez de elevá-lo a uma condição
soberana; que transformaram em destino natural
permanentemente imutável, um estado social em processo de
autodesenvolvimento.

Como tal civilização representava uma presa fácil da agressão externa,


“A questão, portanto, não é se a Inglaterra tinha o direito de conquistar a
Índia, mas se nós devemos preferir a Índia dominada pelos turcos, pelos
persas ou pelos russos, em vez da Índia dominada pela Grã-Bretanha”.
O que tornou os britânicos perversamente mais desejáveis como
conquistadores foi a extrema ruptura que eles levaram a uma paralisada
sociedade indiana, ruptura esta que seria acompanhada da criação de uma
ordem social e política mais dinâmica. Muito embora esse “trabalho de
regeneração dificilmente se desenvolva em meio a uma pilha de ruínas”, ele
já estava em processo. A propriedade privada da terra geraria o
desenvolvimento econômico; a construção de estradas de ferro fomentaria o
surgimento da indústria moderna. Entre a introdução de uma imprensa livre
e a implementação de um sistema europeu de educação superior, começava
a emergir uma classe de administradores e cientistas estatais. Os britânicos
estavam também criando para eles um futuro Estado: a unidade política, a
rede de telégrafo e um exército de todos os indianos, resultado do
colonialismo britânico, seriam a “condição sine qua non para a
autoemancipação da Índia, permitindo que ela deixasse de ser uma presa do
primeiro invasor estrangeiro”.
O acolhimento do imperialismo por Marx tinha muito pouco em
comum com a visão de seus aliados do século XX, que enfatizaram os
efeitos negativos, além de social e economicamente retardadores, de um
governo capitalista e colonial, enquanto guardavam uma opinião mais
favorável às sociedades pré-coloniais. Ao contrário, a ideia do autor
emergiu de debates de meados do século XIX, levados a efeito por
praticantes europeus – acima de tudo britânicos –, de uma nascente ciência
social. A exemplo de Marx, o sociólogo Herbert Spencer, o historiador
jurídico Henry Maine e o antropólogo Edward Tylor viam as sociedades
asiáticas como paralisadas e incapazes de promover o progresso que a
Europa havia alcançado; só a assimilação das instituições ocidentais poderia
capacitar as sociedades asiáticas para a mudança. No entanto, eles se
mostravam céticos quanto ao limite da transferência de tais instituições para
os países asiáticos. Mesmo Tylor, o mais otimista do grupo, identificava a
necessidade de uma constante infusão de ideias ocidentais.46
Marx certamente concordava com seus contemporâneos no tocante à
estagnação e incapacidade de mudança das sociedades asiáticas – uma ideia
afirmada por Hegel no princípio do século XIX, assim como por cientistas
sociais de períodos posteriores. Mas considerava também que a presença de
instituições capitalistas adequadas viabilizaria um avanço vigoroso dos
asiáticos. Ele citou um observador inglês, dizendo que “o fato de a grande
massa do povo indiano possuir uma notável energia industrial é bastante
adequado do ponto de vista da acumulação de capital e admirável em
termos da capacidade matemática da mente e do talento para os números e
as ciências exatas”. No entanto, como ocorrera na Europa capitalista, o
curso do progresso não seria tranquilo, tampouco sem percalços. “Alguma
vez na história a burguesia”, perguntou Marx, “engendrou o progresso sem
arrastar todo o povo para o sangue e a lama, para a miséria e a
degradação?”
A defesa do colonialismo britânico na Índia, expressa por Marx,
assemelhava-se muito ao apoio que em 1847 ele manifestou pelo livre
mercado, em virtude de seu efeito destrutivo, ao impulsionar o capitalismo
e, por meio dele, uma futura revolução. O governo imperial era, segundo o
autor, parte integrante do sistema capitalista, com seu projeto global de
“centralização do capital [...] intercâmbio universal fundamentado na mútua
dependência da humanidade [...] e [...] desenvolvimento das forças
produtivas do homem e transformação da produção material em dominação
científica dos recursos naturais”. Ele continuava dizendo que, no entanto, só
“quando uma grande revolução social tiver adquirido domínio sobre os
frutos da era burguesa, o mercado mundial e as modernas forças de
produção, e os submetido ao controle comum dos povos mais avançados,
unicamente então o progresso humano deixará de lembrar aquele
abominável ídolo pagão, a quem só satisfaz beber o néctar do cérebro dos
imolados”.
A última frase, veemente e altamente carregada de simbologia, que, no
final das contas, resume toda a compreensão de Marx quanto ao processo
histórico, era também a preconização de uma política colonial socialista,
aperfeiçoada e evoluída: observem a descrição de um futuro no qual o
mercado mundial estaria sob controle dos “mais avançados”, isto é, dos
“povos” europeus. Marx visualizava, de fato, a perspectiva de uma
derradeira revolução indiana pela independência nacional, conduzida por
meio da nova classe de capitalistas e profissionais que o domínio britânico
estava gradativamente criando. Em seus relatos de 1857, acerca da rebelião
do povo da Índia contra seu governo, tal burguesia indiana não estava em
evidência. Ao contrário, Marx ressaltou os aspectos mais parasitários da
Companhia das Índias Orientais.
O levante, que inicialmente pareceu capaz de expulsar os britânicos da
Índia, foi um enorme choque para os contemporâneos, promovendo um
debate de grande alcance a respeito de sua natureza e sua origem. O próprio
relato de Marx trazia à tona diversos assuntos desse debate público, tais
como a hostilidade islâmica ao domínio de uma potência cristã, e a
insurreição como consequência de uma conspiração antibritânica dos
governantes nativos. A despeito de toda crítica aos insurgentes, Marx
atribuiu a responsabilidade pela revolta à política colonial da Inglaterra,
política esta que ele denunciou em termos exatos.47
Em 1857, Marx se concentrou no ônus dos impostos; ele denunciou o
sequestro da propriedade, realizado diretamente pelas tropas britânicas e
indiretamente pela política do governo. Os ingleses, afirmou ele, eram
“conquistadores estrangeiros que haviam [...] ultrajado seus subalternos” –
retratando-os, neste sentido, como seres da mesma espécie que os
conquistadores precedentes. Marx sugeriu que essa extorsão levada a efeito
pelos britânicos ocorria, em grande medida, para benefício de pessoas
influentes e politicamente bem relacionadas – oficiais da Companhia das
Índias Orientais e servidores civis graduados – nomeados “alegadamente
em função de nível hierárquico e mérito, porém, na verdade, por
favorecimento”. Nesse grupo de corruptos havia homens de negócios que
desfrutavam de privilegiadas conexões políticas, acionistas da Companhia
das Índias Orientais e um número limitado de comerciantes britânicos,
controladores do “comércio exterior da Índia”. Apenas alguns “cidadãos
britânicos” eram beneficiados pelo governo imperial, enquanto os ingleses
pagadores de impostos arcavam com os custos, junto com os indianos, “e
deve-se duvidar se, no conjunto, esse domínio não ameaça custar até mais
do que jamais se imaginou ser possível”.48
Essa análise do colonialismo britânico não parece, em hipótese
alguma, “marxista”, e sim, um traço mais antigo (Marx indubitavelmente
teria dito pequeno-burguês) de radicalismo, que denunciava o governo
britânico pelo elevado valor dos impostos gastos em pródigas sinecuras
para aristocratas sem merecimento e funcionários corruptos. Na forma de
crítica ao Império Britânico, tal avaliação havia sido anteriormente
articulada por Cobden e Bright, os dois “traficantes da paz” representantes
do capitalismo industrial inglês tão desaprovado por Marx na época da
Guerra da Crimeia.49 A análise também subestimava exatamente aquilo que
Marx considerava o aspecto distintivo do governo britânico na Índia em
relação ao dos conquistadores precedentes, ou seja, suas consequências
revolucionárias do ponto de vista social.
Benjamin Disraeli, o líder do partido Tory cuja perspicácia política e
acuidade intelectual Marx admirava tanto, posicionou essas consequências
revolucionárias no centro de sua apreciação crítica do levante indiano.
Entretanto, Marx desapontou-se profundamente com o discurso de três
horas que Disraeli pronunciou na Câmara dos Comuns, no qual expôs suas
opiniões. Segundo Marx, o problema residia no fato de que as
consequências do domínio britânico delineadas por Disraeli – a saber,
abolição dos privilégios feudais e senhoriais dos nobres senhores de terras
da Índia, redução dos subsídios da Inglaterra aos príncipes nativos, e
confisco imediato do controle dos territórios em questão – eram aspectos
desse governo que ele apoiava, por considerá-los movimentos no sentido da
extinção de uma sociedade asiática inerte.50 A insurreição contra esse
governo era reacionária, por fazer oposição ao triunfo de um mercado
capitalista mundial que deveria conduzir ao socialismo. Marx guardava
veemente discordância em relação aos radicais ingleses que consideravam
os insurgentes indianos combatentes nacionalistas pela liberdade. Jenny
escreveu a Engels, referindo-se de maneira desdenhosa a Ernest Jones, que
“transforma todos os indianos em Kossuths e honra os patriotas da Índia”.51
Quando Marx se voltou a outros conflitos do Império Britânico na
Ásia, ele tinha menos ainda a dizer sobre o capitalismo enquanto sistema
econômico global. Ele discutiu a guerra da Grã-Bretanha contra a Pérsia,
em 1856, em termos do equilíbrio de forças na Europa, condenando a
política britânica anti-Pérsia, por promover o aumento da influência russa
na região.52 A Segunda Guerra do Ópio, de 1856 a 1859, foi inspirada por
razões capitalistas e colonialistas; suas raízes estavam na exportação ilegal
de ópio para a China, a partir das colônias britânicas na Índia, com o
objetivo de equilibrar o comércio deficitário britânico com o Império
Chinês, e evitar o escoamento das reservas de prata da Grã-Bretanha. Marx
conhecia bem as questões relativas à balança de pagamentos, que ele
abordou com detalhes em seus artigos sobre economia.53 Contudo, na
cobertura dessa guerra, ele salientou suas consequências diplomáticas,
interpretando, uma vez mais, as ações militares britânicas como
fomentadoras do aumento do poderio russo. Embora a guerra produzisse
resultados econômicos, Marx entendia que eles eram prejudiciais para o
capitalismo britânico, por bloquear o acesso da Grã-Bretanha aos mercados
chineses e estimular a China a vender seu chá e sua seda aos russos. Essa
ênfase nos resultados pró-Rússia da política britânica tinha relações com a
cobertura que Marx fizera da Guerra da Crimeia, uma vez que o arquiteto
das políticas chinesa e persa era o mesmo primeiro-ministro, lorde
Palmerston, que ele acusara de ser um agente secreto do czar.54
Apesar de Marx evocar o capitalismo como um sistema econômico
mundial, seu marcante interesse pelas consequências da política colonial
britânica era notadamente eurocêntrico, concentrado na política doméstica
inglesa e no equilíbrio de forças na Europa. Em parte, essa postura refletia a
natureza do imperialismo nas décadas centrais do século XIX, quando a
Grã-Bretanha era a única potência que possuía um extenso império colonial.
A criação de impérios europeus além-mar, com poder de concorrência, só
começou nos anos 1880, no final da vida de Marx. Contudo, o foco político
adotado por ele refletia também sua opinião a respeito da supremacia da
Europa e da América do Norte nas questões globais. No final de 1858,
quando se mostrava mais otimista do que em todos os anos anteriores em
relação à possibilidade de eclosão de uma revolução, ele escreveu a Engels,
abordando explicitamente a conexão entre o capitalismo global e a
revolução comunista na Europa, e fazendo-o de uma forma que não havia
antes empregado no tratamento dado aos eventos na Ásia:

A tarefa inerente à sociedade burguesa é a criação de um mercado


global [...] e da produção voltada para esse mercado. Como o
mundo é redondo, parece que esse processo chegou ao fim com a
colonização da Califórnia e da Austrália, e com a abertura da
China e do Japão. A questão difícil que nos cabe responder é: no
continente [europeu], a revolução é iminente e assumirá
imediatamente uma característica socialista. Não será ela
esmagada neste pequeno recanto, porque em um terreno mais
amplo o movimento da sociedade burguesa ainda mostra
tendência ascendente?55

Essa declaração especulativa foi a única passagem em que Marx


manifestou sua dúvida quanto à possibilidade de uma revolução socialista
na Europa continental ser subjugada pelo capitalismo anglo-americano
dominante em âmbito mundial. Tal revolução, a despeito de suas
expectativas, não chegou a ocorrer enquanto ele viveu. Ao contrário, coube
aos revolucionários comunistas do século XX, na Rússia, na China e em
Cuba, lidar com a questão por ele colocada resumidamente em 1858.

A REVOLUÇÃO RENOVADA, proclamada por Marx em 1850,


começaria com uma nova crise econômica. Tão logo expressa essa
previsão, ele passou a tentar vislumbrar os sinais de uma crise emergente,
tendo-os identificado em colheitas perdidas, na elevação das taxas de juros
e no declínio do mercado acionário. Marx não cuidou de ser prudente
quando alertou os leitores do New York Tribune acerca da “aproximação de
desastres econômicos e convulsões sociais”. Ele tornou pública a
informação de que a produção industrial britânica apresentava “movimento
acelerado de expansão, no exato momento em que os mercados estão se
contraindo”; tendo afirmado, em 1855, que “após poucos meses a crise
atingirá o nível mais elevado que já se observou na Inglaterra desde 1846”.
Ele questionou Engels a respeito das condições dos negócios e do giro do
mercado nas indústrias têxteis de Manchester, procurando sinais de uma
crise econômica, o que seu amigo foi ágil em lhe fornecer. Conforme
lembrava Wilhelm Liebknecht, a constante expectativa de Marx quanto ao
surgimento de uma crise econômica tornou-se uma piada recorrente entre
seus amigos e aliados em Londres.56
A crise havia tanto tempo esperada acabou ocorrendo em 1857;
iniciada nos Estados Unidos e depois disseminada por todo o mundo. Foi
uma expressiva retração econômica, que costuma ser considerada a
primeira recessão em âmbito mundial. Exultante com a expansão viral dos
problemas econômicos, Marx escreveu a Conrad Schramm, seu antigo
aliado da Liga Comunista, comentando “os efeitos com dimensão de
catástrofe da crise geral, os quais todo entendedor deve saborear [...]”.
Jenny acrescentou uma observação sobre o efeito dissipador que os
primeiros sinais de uma crise econômica produziram sobre o longo período
de melancolia e depressão em que Marx se encontrava desde a morte do
filho:

Embora a crise americana tenha sido logo sentida em nossa


carteira, já que Karl agora escreve apenas uma vez por semana
para o Tribune, em vez de duas [...] você pode imaginar muito
bem o excelente estado de espírito em que o Mouro se encontra.
Toda a antiga capacidade de trabalho, a calma e as boas maneiras
estão de volta, assim como o vigor e a animação que se perderam
durante anos, desde nosso grande infortúnio, a perda de nosso
filho amado, por quem meu coração estará sempre enlutado.57

Com o otimismo recém-restaurado, Marx se lançou de cabeça a uma


atividade renovada. Atarefado ao longo de todo o dia com sua
correspondência do jornal, ele trabalhava durante a noite para concluir seu
tratado de economia antes da iminente deflagração da revolução. As cartas
trocadas com Engels no período entre 1857 e 1858 transformaram-se em
previsões revolucionárias, incluindo possíveis relações dos insurgentes
alemães com a França revolucionária (os dois continuavam a acreditar que
uma sublevação em âmbito de toda a Europa começaria em Paris), e
observações irônicas acerca de como a crise econômica e política que se
assomava iria afetar a estabilidade doméstica que haviam alcançado depois
de anos de revoltas.58 Em uma passagem bastante conhecida, Engels contou
a Marx que estava se concentrando na prática de equitação e tiro,
preparando-se para a vindoura guerra revolucionária. Marx, bem mais
cético em relação à equitação (embora Engels não medisse esforços para
iniciá-lo no esporte e tenha de fato conseguido sentá-lo em uma sela por
duas horas um único dia), tentou acalmá-lo, afirmando “logo surgirão
oportunidades mais importantes para você arriscar o pescoço [...]. Não
acredito que a cavalaria seja a especialidade na qual a Alemanha mais
precisa de você”.59
Marx analisou as origens e a natureza da crise econômica de 1857,
tanto em seu trabalho para o jornal como em sua troca de correspondência
com Engels. Dois aspectos centrais dessa análise – o papel do crédito e das
transações financeiras internacionais – são particularmente interessantes,
porque ele não chegou a desenvolver uma discussão detalhada sobre
nenhum dos dois em O capital.60
Durante a década de 1850, as ideias de Marx a respeito do capitalismo
foram influenciadas pelo crescimento de uma nova espécie de instituição
financeira, o Crédit Mobilier: o primeiro banco corporativo do mundo; seu
capital foi levantado através da venda de participação acionária, em vez de
ser financiado pelos bens dos banqueiros. Uma inovação ousada dos irmãos
Pereire, que haviam sido, no passado, socialistas são-simonianos. A maioria
dos financistas daquele tempo nutria dúvidas a respeito desse novo tipo de
empresa e a encaravam como uma complexa forma de fraude. Às vezes,
Marx se mostrava inclinado a concordar. “Trapaça” passou a ser sua
expressão preferida para descrever o banco. As conexões íntimas dessa
instituição financeira com Napoleão III – cujo regime Marx, a exemplo de
muitos de seus contemporâneos, considerava fraudulento – só contribuíram
para lhe alimentar as suspeitas.61
Em outros momentos, Marx reconhecia legitimidade nas operações do
banco; um bom exemplo do capitalismo rompendo as barreiras na direção
da crise. Essa foi a opinião que se destacou em 1857. O banco investia
prioritariamente em corporações dos setores industrial e ferroviário, quer
subscrevendo ofertas públicas inicias ou adquirindo ações de empresas
existentes que participavam da Bolsa de Valores de Paris. O que intrigava
Marx em relação a essas operações financeiras era, como ele diria nos dias
de hoje, o poder de alavancagem financeira do banco. Os estatutos
permitiam que a instituição contraísse empréstimos de até dez vezes o valor
de seu capital. Tomado por euforia, Marx considerou que esses empréstimos
estabeleciam o cenário para a crise. Os investimentos alavancados do banco
aumentavam sobremaneira a capacidade produtiva da indústria francesa,
ultrapassando o potencial de compra do mercado. Além do mais, a
instituição investia seus fundos oriundos de empréstimos em ações cujo
valor poderia cair drasticamente durante uma crise econômica gerada pelo
excesso de produção decorrente dos investimentos alavancados, tendo como
consequência a impossibilidade de atender às demandas de seus credores.62
Engels interpretou a conexão entre alavancagem financeira e excesso
de produção, tomando como base suas observações da manufatura têxtil
inglesa, constituída por empresas familiares ou sociedades formadas por um
número limitado de sócios, em vez de sociedades anônimas. Essas
companhias, segundo observou Engels, emitiam letras de câmbio garantidas
por seus estoques de matéria-prima ou de produto acabado. Ele estimou
que, com os recursos gerados por esses créditos, uma “comunidade
mercantil” tinha condições de elevar seu capital e, desse modo, sua
produção, em cerca de 50%. As letras de câmbio representavam créditos de
curto prazo, mas eram continuamente roladas quando chegava o
vencimento, até que a crise econômica produzida pelo excesso de produtos,
excesso este decorrente da expansão da produção escorada no crédito,
levava os credores da empresa a exigir o pagamento dos empréstimos.63 A
base empírica dessa interpretação que atribui à alavancagem financeira
excessiva a origem de uma crise econômica nascera das experiências de
Marx e Engels com as ocupações burguesas. Não foram tanto as ideias
filosóficas de Hegel ou as teorias econômicas de Ricardo que alimentaram a
percepção dos dois, como foi o trabalho que desenvolveram como,
respectivamente, colunista de negócio e atacadista de algodão.
O segundo elemento da interpretação de Marx em relação à recessão
de 1857 também provém de seu trabalho como jornalista, ou seja, sua
análise da propagação internacional da crise, acompanhando a balança de
pagamentos. Essa crise se disseminou dos países credores para os
devedores, na medida em que os primeiros passaram a exigir, dos últimos, a
quitação dos empréstimos contraídos. Estes, por sua vez, eram obrigados a
cobrar os valores emprestados a outros, ou forçar seu banco central a elevar
as taxas de juros para manter dinheiro no país. O movimento do Banco da
Inglaterra, ao elevar a taxa de desconto para 9%, pareceu para Marx a
evidência de que a crise havia alcançado o coração do mundo capitalista e,
portanto, prenunciava a chegada de uma nova revolução. Embora ele
examinasse principalmente as relações de comércio e crédito entre os países
europeus, assim como com os Estados Unidos, sua análise denotava um
traço global. Marx analisou o persistente déficit da balança de pagamentos
entre os países da Europa e a China, em consequência do qual se
estabeleceu um fluxo de saída da prata da Grã-Bretanha e do continente,
elevando o preço desse metal em relação ao ouro. A elevação do preço da
prata refletiu diretamente na taxa de câmbio das moedas nos principais
países europeus, pois eles se baseavam em diferentes índices de relação do
ouro para a prata, e ajudou a configurar a disseminação da crise econômica
via balança de pagamentos.64
Grande parte do estado de espírito triunfante de Marx e Engels devia-
se à progressão da crise de um país para o outro. Marx escreveu a Engels
em outubro de 1857: “A crise americana [...] é admirável. O revés para a
indústria francesa foi imediato [...]. São originais e espirituosas as queixas
expostas pelos escritores ingleses de economia de que o comércio da
Inglaterra é sólido, enquanto os clientes externos têm uma frágil saúde
financeira. Como está a situação nas manufaturas de Manchester?”.
Engels respondeu: “O impacto retroativo na Inglaterra parece ter
começado [...]. Tanto melhor. O comércio, mais uma vez, está desaquecido
há três ou quatro anos. Agora temos uma boa chance”. Um mês mais tarde,
ele voltou para a Alemanha: “Em Hamburgo, a situação parece terrível [...].
Nunca houve um pânico tão total e acabado como em Hamburgo. Nada tem
valor, absolutamente valor nenhum, exceto a prata e o ouro [...]. Por
enquanto, Hamburgo se encontra comercialmente aniquilada. Os industriais
alemães [...] sofrerão uma vez mais um pesado golpe”.
“Muito embora depois dessa eclosão eu me encontre em dificuldades
financeiras, não me sentia tão confortável desde 1849”, Marx resumiu para
seu amigo.65 O que contribuía para essas expectativas eram os sinais de que
a era da reação na Europa estava chegando ao fim. Em 1858, Frederico
Guilherme IV da Prússia ficou mentalmente incapacitado e foi obrigado a
transferir as rédeas do Estado para as mãos do irmão, príncipe Guilherme,
que imediatamente destituiu os ministros de governo do período
reacionário.66
Tais desenvolvimentos políticos ajudaram a manter as esperanças de
Marx, apesar dos sinais de recuperação econômica cada vez mais evidentes
ao longo do ano de 1858.67 A tão esperada crise econômica não havia
estimulado uma nova onda de revoluções. Porém, alimentara as energias de
Marx, tirando-o do torpor e da depressão em que ele estava mergulhado
desde a morte do filho. No final dos anos 1850, assim como ocorrera no
início da década, o estado de espírito do autor parecia coincidir com a
tendência mais ampla da política europeia. A era da reação se esvanecera, e
a posição das grandes potências se tornara instável. Depois de um longo
período de hibernação, os movimentos de oposição política começaram a
despertar, entre 1858 e 1859; e Marx estava preparado para abandonar seu
papel de observador e assumir, uma vez mais, o de ativista político.
9

O ativista

O SOMBRIO IMOBILISMO da era reacionista, com seus regimes


autoritários, foi sucedido por doze anos de governos reformistas, dinâmicos
debates públicos e intensificação das lutas políticas, entre 1859 e 1871.
Questões de fundamental importância, que foram o estopim das revoluções
de 1848 – unidade nacional, governos constitucionais e democráticos, a
“questão social” – retornaram ao centro das atenções. Ao mesmo tempo,
veteranos da revolução do meio do século – sem dúvida, Marx estava entre
eles –, acompanhados por uma nova geração de ativistas, que despontava
gradativamente, ponderaram as possibilidades de ressurgimento de suas
causas anteriores e avaliaram as ações políticas que se fariam necessárias.
Nos anos posteriores a 1859, essa nova explosão de rivalidades políticas
acompanhou e influenciou as disputas das grandes potências pela
hegemonia, disputas estas iniciadas com a Guerra da Crimeia de 1853 a
1856. Elas continuaram e se intensificaram, atingindo o clímax no conflito
entre Prússia e França, no período entre 1870 e 1871.
Essas duas tendências, o reestabelecimento das possibilidades de ação
política e a continuidade dos conflitos entre as grandes potências,
constituíram o pano de fundo da própria orientação política de Marx. Seus
objetivos essenciais não se modificaram: a organização dos trabalhadores
para uma luta de classes que conduziria ao socialismo; a oposição ao
governo autoritário da Prússia; e a defesa de uma guerra revolucionária
contra o czar. No entanto, as novas iniciativas das grandes potências,
representadas por Napoleão III e Otto von Bismarck, e a paixão nacionalista
que eles estimulavam obscureceram as conexões, outrora claras, entre
guerra e revolução. Os meios políticos de Marx tornaram-se tão intrincados
quanto seus fins. Deveria ele manter sua residência e o ponto de
convergência de sua ação política na Inglaterra, ou retornar para a
Alemanha? Ficaria o foco de suas atividades políticas concentrado no
jornalismo, como ocorrera no passado, ou se deslocaria para as nascentes
instituições do movimento trabalhistas? Além dessas perspectivas
estratégicas, as próprias condições pessoais de Marx – o falecimento da
mãe, a enfermidade da esposa, o crescimento das filhas, a deterioração de
sua saúde e as desastrosas consequências da Guerra Civil americana sobre
as já instáveis finanças familiares – viriam a desempenhar um papel
decisivo em suas escolhas.

SE A GUERRA da Crimeia é apenas uma lembrança distante nos dias de


hoje, a igualmente significativa guerra no norte da Itália, em 1859, caiu em
completo esquecimento. Em abril daquele ano, os exércitos de Napoleão III
invadiram as províncias austríacas no norte da Itália, apoiados pelo aliado
do imperador, o pequeno reino de Piemonte-Sardenha. A derrota das tropas
dos Habsburgo pelos exércitos aliados, na sangrenta batalha de Solferino
em 24 de junho, marcou o fim de uma era reacionária e o princípio de um
novo tempo de agitação na política europeia, começando com as acaloradas
discussões em torno da própria guerra.
No período compreendido entre a Revolução Francesa e o final da
Guerra da Crimeia, os ativistas de esquerda, em geral, e os radicais alemães,
em particular, haviam interpretado as operações de guerra das grandes
potências em termos ideológicos, contrapondo as forças de transformação
àquelas do status quo. Esse novo conflito levantava uma questão: como
identificar o lado revolucionário e o contrarrevolucionário? Um tipo de
raciocínio entendia a guerra como um passo na direção da unidade nacional
italiana e da libertação do território da Itália do domínio estrangeiro – um
precursor e indicador de movimentos semelhantes por parte de húngaros,
poloneses e, certamente, alemães. A guerra foi dirigida contra uma Áustria
reacionária e os Estados alemães a ela aliados, que, de acordo com o
refugiado político radical Ludwig Bamberger, representavam a “cisão e
separação em Estados insignificantes; trevas, jesuitismo, reação e uma
maneira adúltera de agir, característica do domínio patriarcal da polícia”.
Porém, também era possível compreender a guerra como um ato de
agressão imperialista do governante francês e identificar nela a marcha
inicial de suas conquistas. Inspirando-se no exemplo de seu tio, ele investiu
sobre a Itália e a Alemanha e, portanto, uma intervenção na guerra por parte
da Áustria seria uma ação revolucionária contra a invasão estrangeira, e em
defesa da unidade nacional alemã. Jacob Venedey, outro refugiado político
radical, colocou a situação nestes termos: “Lute, sangre e vença pela
unidade alemã; e você trará o parlamento alemão unido de volta do campo
de batalha”.1 O debate acerca de como interpretar a guerra alastrou-se com
furor durante a primeira metade de 1859 entre os radicais exilados e seus
congêneres nos países de origem. Podiam, enfim, articular abertamente seus
pontos de vista, à medida em que a era reacionista chegava ao fim. Os
nacionalistas alemães se posicionaram dos dois lados do debate, contudo, o
peso do nacionalismo compartilhado entre eles compeliu-os para direções
políticas diferentes.
Marx e, em especial, Engels assumiram uma posição bastante clara
nessa controvérsia: eram veementemente contrários a Napoleão e exigiam,
com um discurso nacionalista, uma intervenção militar nos outros Estados
alemães do lado austríaco. Engels explicitou essas ideias em um panfleto
intitulado Po and Rhine [O Pó e o Reno], redigido com a aprovação de
Marx, e publicado anonimamente em Berlim. O texto argumentava que as
regiões ocidentais da Alemanha, ao longo do rio Reno, eram o próximo
alvo de Napoleão. A melhor defesa seria derrotar o imperador no rio Pó, ao
norte da Itália, antes mesmo que ele marchasse sobre o Reno. Tomar partido
do lado austríaco na guerra do norte da Itália representava uma oposição à
unificação nacional italiana e apoio ao tirânico domínio dos Habsburgo
sobre o extremo norte da península italiana, uma posição ingrata para Marx
e Engels, que haviam defendido com veemência, durante a Revolução de
1848, a causa da unidade nacional da Itália. Engels, a exemplo de outros
esquerdistas pró-Áustria e anti-França, argumentava que o apoio ao governo
dos Habsburgo era apenas temporário; um futuro regime revolucionário
alemão libertaria o território nacional italiano. A maior parte do panfleto de
Engels foi dominada pela afirmação categórica de que a posse do território
no norte da Itália não era necessária para a segurança militar da Alemanha.2
Esse intrincado argumento alinhava canhestramente os comunistas
revolucionários com o grupo de conservadores pró-Áustria e liberais
moderados, que eles desprezavam. A manobra política de Marx na situação
foi afirmar que Napoleão III agia como instrumento do czar. Os
revolucionários, que exigiam a dissolução do Império Austríaco, estavam
apenas colocando em prática um lance dos moscovitas, pois estes últimos
assumiriam os fragmentos do antigo reino dos Habsburgo e os
incorporariam em um Império Pan-eslavo.3 Na esteira da guerra de 1859,
Marx intensificou sua antiga oposição à Rússia. Ele ampliou sua
colaboração com David Urquhart, aparecendo na tribuna em encontros anti-
Rússia organizados em Londres por correligionários de Urquhart. Marx
chegou a se declarar parte de “uma guerra que nós, junto com os aliados de
Urquhart, estamos lutando contra Palmerston, Bonaparte e a Rússia; uma
guerra da qual participam pessoas de todos os partidos e todas as posições
sociais, em todas as capitais da Europa, tão distantes quanto Constantinopla
[...]”.4 A hostilidade de Marx contra a Rússia foi um aspecto importante das
formas de ação política nas quais ele se engajou desde 1859 até 1871, e de
todas as posições políticas que assumiu em relação às questões de seu
tempo.
OPINIÕES FERRENHAS TINHAM pouco valor se não pudessem ser
ouvidas; e a situação política, que se transformava rapidamente em toda a
Europa, tornava urgente que elas fossem ouvidas. “O destino da Alemanha
está em jogo”, Marx escreveu para Engels em maio de 1859. “O momento
chegará, e muito em breve, no qual será de vital importância que não apenas
nossos inimigos, mas também nós, possamos expressar nossa opinião [...]
na imprensa”.5 Nos três anos subsequentes, Marx fez três tentativas distintas
de levar suas ideias ao conhecimento de um público mais amplo de falantes
do idioma alemão. Todas acabaram fracassando, mas em todos os casos,
Marx recrutou novos aliados e sondou novas opiniões que viriam a produzir
frutos na segunda metade dos anos 1860.
Ao mesmo tempo em que partilhava com Engels suas opiniões acerca
da importância de fazer chegar à imprensa as ideias que defendiam, Marx
buscava a oportunidade de viabilizar esse propósito entre os alemães que
viviam em Londres. Ao contrário dos homens de negócio da capital inglesa,
assim como do antigo inimigo de Marx, Gottfried Kinkel, que em 1859
assumiu uma postura pró-Prússia e anti-Áustria, os artesãos comunistas da
Associação Educacional dos Trabalhadores apoiavam o recém-fundado
semanário de esquerda, Das Volk [As Pessoas]. Entre os associados desse
jornal destacava-se um grupo bastante heterogêneo de intelectuais exilados,
como o democrata antiprussiano do sul da Alemanha, Karl Blind, antigo
membro da Liga Comunista; o irmão mais novo de Bruno Bauer, Edgar, que
exercia também a função de espião da polícia dinamarquesa; e o importante
membro do círculo de jovens aliados de Marx, Wilhelm Liebknecht.
Em maio de 1859, Liebknecht informou a Marx que o jornal passava
por dificuldades financeiras, sugerindo que ele assumisse o controle. Entre
maio e agosto de 1859, o autor tomou para si essa tarefa. Ele e Engels
publicaram no periódico uma série de artigos tratando da guerra de 1859: o
heroísmo das forças austríacas traídas por seus incompetentes generais; o
perigo que Napoleão III e o czar representavam para a Alemanha; e as
políticas de inadequado caráter nacionalista impostas pelo governo
prussiano. Lançando mão de sua considerável experiência jornalística e
editorial, Marx se entregou à tarefa de converter o Das Volk em um negócio
viável e bem-sucedido, aumentando o número de assinantes, expandindo a
participação publicitária e organizando o caos da escrituração contábil e da
administração geral do jornal. Atraídos pelos artigos sobre diplomacia,
surgiram novos assinantes oriundos de círculos mais abastados e capazes de
compreender o intrincado estilo literário de Marx. Os custos das melhorias
superaram as receitas obtidas com as novas assinaturas e, ao contrário dos
empreendimentos jornalísticos anteriores de Marx, as perdas não foram
compensadas pela participação de acionistas ricos e bens particulares
(somente pequenas contribuições eventuais de Engels) e, portanto, no final
de agosto de 1859, os recursos financeiros do Das Volk haviam se esgotado
e ele saiu de circulação.6
Ao mesmo tempo em que o jornal fora um fracassado empreendimento
editorial, ele restabeleceu, pela primeira vez desde as polêmicas envolvendo
a Liga Comunista no início dos anos 1850, o contato de Marx com os
artesãos alemães em Londres e com a Associação Educacional dos
Trabalhadores. No outono de 1859, Marx proferiu palestras na associação,
sobre economia e outros assuntos, uma prática que manteve durante a
década de 1860.7 Esses contatos reatados com os artesãos alemães
residentes em Londres viriam a se mostrar muito úteis, em especial depois
da fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores, em 1864.

A VOZ MAIS destacada e ferina contra a Áustria no debate entre os


exilados radicais alemães era a de Karl Vogt. Proeminente intelectual e
figura destacada nas ciências, Vogt, o professor de zoologia da
Universidade de Genebra que logo se tornaria pioneiro do darwinismo na
Europa central, fora um líder da esquerda na Assembleia Nacional da
Alemanha, durante a Revolução de 1848. No auge dos confrontos
revolucionários, na primavera de 1849, o rebotalho radical da assembleia,
pouco antes de sua dissolução, apontara Vogt como um dos “Regentes do
Reino”, transformando-o em membro de uma espécie de governo nacional
revolucionário alemão no exílio. Em 1859, Vogt endossou secretamente a
ambiciosa guerra de Napoleão III e clamou a Prússia a agir na Alemanha do
mesmo modo que Piemonte agira na Itália. Essa drástica proposição,
partindo de um revolucionário veterano importante, foi bastante
controversa, estimulando tanto defensores apaixonados como opositores
enfurecidos.8
As ideias de Vogt eram a execração de Marx, um exemplo extremo
daquilo a que ele se opusera e que estava tentando combater no Das Volk.
Foi Karl Blind, um dos autores ligados ao jornal, quem levou ao
conhecimento de Marx que Vogt trabalhava para o imperador francês. Essas
acusações apareceram, então, no Das Volk e em um panfleto anônimo
supostamente escrito por Blind. Marx posicionou Wilhelm Liebknecht a
respeito do assunto, e este o divulgou em um artigo publicado pelo
Augsburg General News.9
Marx não estava preparado para a resposta de Vogt, cujos sentimentos
em relação a ele iam da discordância política à aversão pessoal – um legado
da Revolução de 1848, ocasião em que Marx lançara, por meio do New
Rhineland News, frequentes ataques contra Vogt e sua política, e Wilhelm
Wolff, aliado do autor, insultara Vogt e o desafiara para um duelo. Este
último processou o jornal de Augsburgo por calúnia e difamação e, em
seguida, concentrando seu fogo em Marx, lançou um panfleto cujo objetivo
era revidar as acusações. No início da década de 1850, reacendendo as
controvérsias entre os radicais exilados em Londres, ele acusou Marx de
estar a serviço do governo austríaco e de ter traído os radicais,
denunciando-os à polícia política alemã. Avançando ainda mais sua
ofensiva, ele declarou que Marx estava à frente de duas sociedades secretas,
a Bürstenheimer e a Schwefelbande, que se envolviam em falsificação e
ameaçavam entregar os exilados democráticos à polícia, com o propósito de
lhes extorquir dinheiro.
Se, por um lado, a corte rejeitou as ações legais de Vogt, devido a
detalhes técnicos, por outro, a primeira edição de seu panfleto se esgotou
quase imediatamente. As acusações feitas por ele foram reimpressas em
outros tantos veículos de comunicação, tais como o National News, de
Berlim, e o Daily Telegraph, principal jornal de grande circulação da capital
inglesa. Uma paródia da Schwefelbande chegou a sair em um carro
alegórico no desfile Mardi Gras de Breslau, em 1860. Os exilados radicais
alemães residentes em Londres prontamente se afastaram de Marx. Blind
negou que tivesse algum dia falado a ele sobre suas suspeitas em relação a
Vogt, ou redigido o panfleto contra este. Muito mais perturbadora foi a
atitude de Ferdinand Freiligrath, de longe o indivíduo mais conhecido do
círculo marxista, que se recusou, pública e privadamente, a lhe dar apoio.
Em um encontro pessoal, Marx se irritou e investiu aos gritos contra o
antigo companheiro. Embora a relação entre eles tenha recuperado um
mínimo de polidez, a amizade e a colaboração política chegaram o fim.10
Nessa situação cada vez mais difícil, Marx resolveu adotar a mesma
tática de seu inimigo e partir para a ofensiva. Escreveu um panfleto no qual
acusava Vogt de ser um agente do imperador francês e processou o National
News de Berlim por calúnia e difamação. A maior parte do tempo de Marx
em 1860 foi destinada à coleta de provas e preparação para uma ação
jurídica. Estendendo uma enorme teia de correspondências, dedicou longas
horas de escrita para a redação de sua réplica, o panfleto intitulado Herr
Vogt, que foi publicado em novembro de 1860.11
Os biógrafos de Marx, impacientes para ver seu herói concluir O
capital, trataram essa atenção concentrada em Vogt como, na melhor das
hipóteses, uma obsessão bizarra e totalmente sem propósito, e na pior delas,
um exemplo da tendência a transformar pequenas ofensas pessoais em
importantes questões de fundo político.12 Marx era melindroso quanto à sua
honra pessoal – embora essa fosse a regra e não a exceção dentro das
classes média e alta da Europa do século XIX –, porém, tal interpretação
ignora a própria história pessoal do autor e o ambiente político que
influenciou suas decisões.
As acusações de Vogt pareceram empurrar Marx para o mesmo tipo de
abismo em que ele esteve mergulhado no início da década de 1850, quando
a ampla maioria dos refugiados políticos alemães residentes em Londres o
desprezavam e faziam circular histórias odiosas sobre ele. Marx tentou
esconder de Jenny os problemas, temendo os efeitos da rememoração
daquele tempo marcado por extrema pobreza e isolamento político e social,
além do falecimento dos filhos. Ela se mostrou, no entanto, mais resiliente
do que o marido imaginava. Quando ficou sabendo das acusações
levantadas contra Karl, ela respondeu com indignação em vez de desânimo,
denunciando “a baixeza, a crueldade e a covardia” dos inimigos de seu
marido, e dos amigos que não se erguiam para defendê-lo.13
Esquecendo os traumas passados, as disputas políticas em curso
representavam um estímulo para Marx. O ataque a Vogt foi uma
intervenção no avassalador debate político que agitava os esquerdistas
alemães, acerca do adequado relacionamento entre um renascido
movimento nacionalista e as iniciativas militares e diplomáticas de
Napoleão III. Karl Blind levara ao conhecimento de Marx suas suspeitas em
relação a Vogt, no momento em que ambos se encontravam na tribuna de
um encontro dos correligionários de David Urquhart, cujo objetivo era
denunciar publicamente que a guerra de 1859 no norte da Itália fora
engendrada por uma conspiração russa. Ao atacar Vogt, Marx mirava nos
radicais alemães que se propunham a integrar a aliança franco-russa contra
a Áustria ou pegar uma carona para abandoná-la.14
Ele ainda visualizava um futuro de sublevações políticas no continente
europeu, nas quais esperava desempenhar um papel importante. Entretanto,
isso seria de todo impossível fosse ele pessoalmente comprometido pelos
ataques de Vogt. Marx só decidiu transformar suas diferenças com Vogt em
um conflito público depois de consultar Engels e Wilhelm Wolff. A
princípio, eles o aconselharam a ignorar a figura de Vogt e se concentrar na
economia política, mas acabaram concordando com Marx quanto à disputa
com Vogt ter se transformado em uma “questão do partido” mais do que um
desentendimento pessoal. Deixar as acusações sem respostas significava
obstruir as chances de futuras iniciativas políticas de caráter socialista.15
A campanha de Marx contra Vogt fracassou. Suas ações legais estavam
perdidas desde o início. De acordo com informações de seus contatos
políticos em Berlim, a honra pessoal de um subversivo radical não tinha
valor para os juízes prussianos: os tribunais recusaram a ele o direito de
abrir processos contra Vogt, uma decisão confirmada depois de reiterados
recursos.16 O panfleto anti-Vogt foi publicado e é um dos trabalhos
nitidamente não ortodoxos de Marx. A exemplo do A história diplomática
secreta do século XVIII, ele é omitido ou obtém, na melhor das hipóteses,
uma breve menção constrangida.
Herr Vogt decerto não é um notável trabalho teórico. Ele padece de
dois dos crônicos problemas literários de Marx: sua evidente tendência
acadêmica a se alongar em detalhes, reunindo material e não o comentando
(tanto Engels como Jenny se angustiavam por isso), e sua incapacidade para
se conter quando envolvido em discussões de caráter político.17 O furor dos
ataques pessoais feitos no panfleto era uma reminiscência do não publicado
“Grandes homens no exílio”, do princípio da década de 1850. No entanto,
Herr Vogt deixa evidente a posição assumida por Marx em um período
conturbado da história europeia no século XIX.
Fundamentando-se em um expressivo volume de provas que extraiu de
suas correspondências, Marx refutou incisivamente as acusações de Vogt.
Schwefelbande, ressaltou ele, era o nome de um grupo de artesãos alemães
de esquerda que viviam na Suíça e haviam se alinhado a Willich e Schapper
na disputa destes contra Marx e Engels pelo controle da Liga Comunista. O
Bürstenheimer era um grupo formado em sua maioria por estudantes
radicais refugiados da Revolução de 1848 e também baseado na Suíça. Essa
denominação fazia uma referência irônica ao inferno em que seus membros
viviam em decorrência das opiniões hereges manifestadas nas tavernas que
costumavam frequentar. Naquela época, a verdadeira ligação desse grupo
com Marx era bastante tênue: Wilhelm Liebknecht havia pertencido à
organização antes de conhecer Marx. Engels, quando exilou-se na Suíça em
1849, participava ocasionalmente das reuniões do grupo. Ele era uma
presença bem-vinda, pois sempre pagava as bebidas.18
Depois de esclarecer essas e outras acusações correlatas, Marx se
voltou a questões políticas mais atuais, atacando os planos de Vogt por uma
aliança revolucionária europeia que se uniria aos nacionalistas alemães, à
Prússia, à França e à Rússia, contra o Império Austríaco. Após denunciar a
ideia de uma cooperação dos revolucionários com a Rússia, ele salientou
que Vogt tinha em Luís Napoleão Bonaparte um aliado dos nacionalistas
alemães. Marx afirmou que Napoleão III defendia a anexação do território
alemão na margem esquerda do rio Reno, como compensação pelo apoio às
ostensivas iniciativas nacionalistas pró-Prússia e anti-Áustria. A relutância
de Vogt em aceitar as óbvias consequências de suas ideias demonstrava, de
acordo com Marx, que ele era um agente a serviço de Napoleão III.
Esse argumento, de que um Estado-nação alemão unido sob a
liderança da Prússia só seria possível por meio da cessão de territórios para
a França e a Rússia, representava uma opinião polêmica típica de autores
pró-Áustria no debate a respeito da guerra do norte da Itália. O
posicionamento de Marx se diferenciava pelo fato de ele ter conduzido essa
discussão em um contexto global, o que é fácil de ser percebido no
principal capítulo do livro, obscuramente intitulado “Dâ-Dâ Vogt”. Dâ-Dâ
foi um autor algeriano que apoiou o governo colonial francês, visando à
criação, por Napoleão III, de um Estado-nação árabe unido. A proposta de
Vogt, conforme argumentou Marx, era basicamente a mesma; apenas
substituía árabes por alemães. Nessa comparação, ao contrário de seus
correligionários mais recentes, o autor não reconhecia o imperialismo como
uma relação economicamente orientada entre os países capitalistas europeus
e os pré-capitalistas da Ásia e da África. Em vez disso, classificava
indistintamente o africano Dâ-Dâ e o alemão Vogt como instrumentos de
um imperialismo francês que se aproveitava, na mesma medida, do norte da
África pré-capitalista e da industrializada Renânia capitalista.19
Herr Vogt pode ser comparado com outro polêmico trabalho
antinapoleônico de Marx, O dezoito de brumário. A influência perene deste
último texto foi muito maior; transformou-se em uma obra canônica do
marxismo, enquanto o primeiro se perdeu na obscuridade. No entanto, na
época em que ambos foram publicados, Herr Vogt alcançou maior destaque,
tendo sido o trabalho mais lido e influente de Marx à época. Na verdade, na
disputa pela preferência da opinião pública entre o personagem Herr Vogt e
o panfleto Herr Vogt, o primeiro foi o indiscutível vencedor. Contudo, a
argumentação de Marx continha certa advertência secreta, conhecida dos
leitores que compartilhavam das mesmas suspeitas – e circulavam
amplamente nos círculos da esquerda – quanto a Vogt ser pago por Luís
Napoleão; o que, de fato, ocorria. Depois da deposição do imperador, em
1870, o novo governo republicano da França publicou as correspondências
e os registros secretos do monarca, entre os quais foi encontrado um
substancial pagamento de 50.000 francos, feito a Vogt em 1859. Marx
exultou ao ver confirmadas as suas suspeitas.20
O trabalho de Marx em sua disputa contra Vogt – não apenas o próprio
panfleto como uma extensa correspondência trocada por ele na preparação
que precedeu seu lançamento – lhe rendeu novos aliados políticos. Um
importante correligionário foi o veterano revolucionário alemão Johann
Philipp Becker, que desde 1830 tentava subverter a ordem estabelecida na
Europa central. Outros adeptos foram Viktor Schily, um democrata
refugiado político em Paris que, como Marx, era nativo da Renânia, e
Sigismund Borkheim, comerciante londrino e antigo membro da
Schwefelbande. Eles compartilhavam da suspeita de Marx em relação a
Vogt, assim como de sua hostilidade contra Napoleão e a Rússia e de seu
desprezo pelo Império prussiano.21 Os vínculos forjados na campanha de
Marx contra Vogt se mantiveram depois de 1864 e da fundação da
Associação Internacional dos Trabalhadores, ocasião em que esses homens
se transformaram em importantes aliados do autor em seus esforços para
aumentar a influência do grupo sobre o movimento trabalhista na Europa.

NAS COLUNAS DO Das Volk e nas páginas de Herr Vogt, a voz de Marx
era estridente; porém, sua ressonância era muito fraca. Conforme salientado
por Engels para seu amigo, no início do caso Vogt: “nós vimos mais de uma
vez que um jornal de refugiados ou um folheto alemão impresso em
Londres só consegue conquistar o público na Alemanha se o assunto se
mantiver em pauta durante pelo menos um ano. Não é possível estar
presente diretamente na Alemanha, em termos políticos ou polêmicos, em
nome de nosso partido”. Ciente desse problema, Marx havia flertado com
algumas soluções desesperadas, entre as quais, enviar, sob a proteção de um
pseudônimo, artigos ao New Prussian News – a voz dos evangélicos
conservadores prussianos de extrema direita –, denunciando os democratas
pró-Vogt refugiados em Londres.22
Marx esquivou-se de permanecer na posição de eterno espectador,
principalmente em um momento no qual as condições na Prússia mudavam
em grande velocidade, tornando possível, mais uma vez, as atividades
políticas radicais. Circularam especulações quanto à possibilidade de uma
anistia política; e ela foi anunciada, sem perda de tempo, após a morte do
monarca mentalmente incapacitado Frederico Guilherme IV, em janeiro de
1861.23 Os refugiados podiam então considerar a alternativa de retornar a
uma Prússia muito diferente daquele império autoritário da era reacionária.
O antigo regente, com a morte de seu irmão real Guilherme I, havia
nomeado ministros de governo de moderada inclinação liberal. Os
democratas e liberais militantes da Revolução de 1848 se uniram para
estabelecer um novo partido político, o “Partido do Progresso”.
Intimamente ligada a esse partido estava a Associação Nacional, uma liga
de liberais e democratas de toda a Europa, que preconizava a união dos
Estados alemães sob uma liderança prussiana – uma proposta com a qual
Marx não concordava e cuja articulação pública havia sido proibida em
época anterior. O Partido do Progresso colheu bons resultados nas eleições
para o parlamento prussiano, em 1861 e 1862 – talvez não tão bons, porque
sua representação parlamentar logo se chocou com o monarca e com os
principais generais que ele comandava, dando início a um período de quatro
anos de sublevações políticas conhecido como a Era dos Conflitos. No
final, esses confrontos entre o monarca e seu parlamento acabaram
beneficiando Otto von Bismark, nomeado primeiro-ministro da Prússia em
1862. Contudo, havia momentos em que o reino parecia estar no limiar de
uma revolução. E como Marx acabaria se envolvendo? Sua base política em
Colônia, que havia atendido tão bem a seus propósitos durante toda uma
década, desaparecera, dissipada pelo julgamento dos comunistas de
Colônia. Seus correligionários se dispersaram ou se juntaram ao Partido do
Progresso.24
As opções com que Marx ainda podia contar na Alemanha estavam
intimamente vinculadas a Ferdinand Lassalle. Nascido no seio de uma
família judaica de classe média, em Breslau, no ano de 1825, o sempre
controverso Lassalle fora um ardente agitador de esquerda na cidade renana
de Düsseldorf, no período da Revolução de 1848. Ele fizera parte do círculo
de correligionários de Marx – o “grupo do New Rhineland News”, de
acordo com definição de seus contemporâneos – e fora correspondente do
jornal, por meio do qual eram noticiados em detalhes suas rebeliões e seus
diversos choques com as autoridades prussianas. Depois da extinção dos
movimentos revolucionários em 1849, ao contrário de outros aliados
políticos de Marx, Lassalle não emigrou, tampouco foi preso, tendo se
mantido como um distante posto avançado do radicalismo no rio Reno – “o
único remanescente”, conforme escreveu ele para Marx em 1855 –,
tentando se defender em um ambiente de crescente repressão.25
No mesmo ano, ele se mudou para Berlim; um passo ousado e
desafiador, porque havia dúvidas quanto à polícia permitir que um notório
indivíduo subversivo lá residisse. Depois de prolongada batalha, ele
conseguiu obter a autorização de residência, graças à sua ligação pessoal
com Alexandre von Humboldt, famoso naturalista e filósofo, um erudito de
idade já avançada, que não apenas nutria simpatia pelo ideário de esquerda
como desfrutava da amizade do reacionário Frederico Guilherme IV.
Lassalle aproveitou sua estada em Berlim para publicar um detalhado
estudo a respeito do filósofo grego da antiguidade, Heráclito, um trabalho
que recebeu ampla aprovação por parte dos acadêmicos e lhe valeu a fama
nos círculos intelectuais de vanguarda na capital prussiana.
Foi Lassalle quem conseguiu para Marx o posto de correspondente do
New Oder News em Breslau e, posteriormente, do The Press, em Viena;
ambos editados por um primo do próprio Lassalle. Este último encontrou
em Berlim um editor disposto a publicar o primeiro resultado do extenso
estudo sobre economia realizado por Marx ao longo de décadas, Uma
contribuição para a crítica da economia política, e também, do trabalho de
Engels, Po and Rhine. Marx ouvia cuidadosamente os conselhos de
Lassalle acerca das questões políticas na Prússia e de seu processo contra
Karl Vogt. Lassale levantou a maior parte dos recursos financeiros para
publicação de Herr Vogt, tendo chegado a emprestar dinheiro para Marx em
uma ocasião em que este passava por um dos muitos períodos de
necessidade e Engels não se encontrava em condições de ajudá-lo.26
No princípio da década de 1860, ficou patente que a principal via de
acesso de Marx a uma renovada atividade política na Alemanha passava
necessariamente por Lassalle. Essa rota, porém, tinha seus problemas
específicos. Ao contrário da maioria dos aliados de Marx, Lassalle não lhe
acatava a autoridade intelectual. Ele prezava sua independência enquanto
teórico radical e pensador: era economista, estrategista político e um
filósofo que interpretava Hegel de acordo com suas próprias concepções.
Nos primeiros anos da década de 1850, quando os seguidores de Marx em
Colônia pediam orientações a respeito do futuro contorno da política
europeia e das possibilidades de um novo levante revolucionário, Lassalle
emitia suas opiniões em vez de pedir conselhos.27
As divergências políticas entre os dois homens ficaram particularmente
claras no período da guerra do norte da Itália. As opiniões de Lassalle o
colocavam no campo de Karl Vogt: ele via na Áustria o principal opositor
dos movimentos revolucionários na Europa. Seu próprio panfleto, The
Italian War and the Task of Prussia [A guerra italiana e a tarefa da Prússia],
rejeitava ações de resgate da Áustria na região norte da Itália em nome do
nacionalismo alemão. Em vez disso, Lassalle exigia que os prussianos
demonstrassem suas credenciais nacionalistas, seguindo o exemplo de
Napoleão III. Ele defendia o envio de tropas prussianas para o Norte, com o
objetivo de confiscar à Dinamarca os ducados de Schleswig e Holstein, com
sua população de maioria alemã, uma importante questão de unidade
nacional remanescente da Revolução de 1848. Em uma detalhada troca de
correspondência com Marx, ele rejeitou a análise desse último e defendeu
com veemência sua própria opinião, que contemplava a convicção quanto à
sinceridade de Karl Vogt, assim como o ceticismo em relação à presença da
mão do czar por trás dos confrontos diplomáticos e militares.28
Duas cartas verdadeiramente proféticas, escritas por ocasião da
Batalha de Solferino, faziam parte dessa correspondência. Lassalle fez
conhecer a Marx e Engels as perversas consequências de uma guerra
nacional contra a França, como eles preconizavam. Ele declarou que os
jornais de Berlim estavam promovendo “um ódio pútrido contra a França”.
Injetavam a própria “paixão através das veias nacionalistas, para chegar ao
coração das classes inferiores da população e dos democratas”. Os ataques
da imprensa se dissimulavam atrás da aparente motivação de atingir Luís
Napoleão, mas o verdadeiro alvo era o “desenvolvimento revolucionário da
França”. Na qualidade de refugiados políticos, Marx e Engels se
encontravam fora do alcance da opinião pública e ignoravam “quão pouco
‘desmonarquizado’ nosso povo está”. Segundo Lassalle, a maioria dos
prussianos rejeitava as ideias republicanas radicais, em nome da lealdade à
dinastia governante. Uma guerra nacional contra a França serviria apenas
para estreitar ainda mais os laços da dinastia Hohenzollerns com seus
mestres reais. Em 1870, as previsões de Lassalle viriam a se tornar
assustadoramente verdadeiras. Onze anos antes, elas marcaram profundas
diferenças entre ele e a dupla Marx e Engels. Todos os três apoiavam o
nacionalismo alemão e procuravam vincular esse nacionalismo à causa
revolucionária; contudo, os métodos empregados eram diametralmente
opostos – um desacordo em relação a temas de vital importância na época,
o que dificultava a cooperação política.29
Além das diferenças no âmbito da política, havia questões quanto à
personalidade e à vida particular de Lassale. Exibicionista, egocêntrico e
exagerado na encenação de suas ações, ele era uma figura profundamente
polarizadora, em quem os comunistas de Colônia, em 1850, não confiavam
e se recusavam a receber na Liga Comunista secreta. Eles reprovavam o
egocentrismo de Lassalle – “fofoqueiro e presunçoso”, era um comentário
comum a respeito dele – e temiam que fosse espião da polícia. O fato de ele
não ter sido condenado no julgamento dos comunistas de Colônia, ao
contrário de todos os demais amigos e aliados de Marx, serviu apenas para
alimentar essas suspeitas. Histórias acerca da ostentação com que Lassalle
exibia para os trabalhadores seus roupões de seda e seu luxuoso
apartamento chegaram aos ouvidos de Marx na época dos movimentos
reacionários. Seus informantes eram motivados por inveja e hostilidade
pessoal contra Lassalle. Isso, contudo, não tornava os relatos falsos.30
O aspecto mais polarizador da vida de Lassalle foi seu relacionamento
com as mulheres, em especial com Sophie, a condessa von Hatzfeldt, que
caíra na armadilha de um casamento com um homem violento. Durante os
anos 1840, Lassalle agiu para libertar Sophie da arapuca, vivendo com ela,
ajudando-a nos aspectos relativos ao julgamento do divórcio, mobilizando
sistematicamente o apoio público a ela, contra o marido, e, até mesmo,
providenciando o roubo de documentos incriminadores, cuja posse o esposo
detinha. Sua assistência acabou por colocá-la em contato com os círculos de
esquerda, nos quais ficou conhecida simplesmente como “a Condessa”, pois
não havia outras mulheres aristocratas favoráveis ao comunismo com quem
ela pudesse ser confundida. No período da Revolução de 1848, Marx
emprestara dinheiro à condessa; ele e Lassalle a protegeram contra a fúria e
a reivindicação do marido pela custódia do filho do casal, Paul, que anos
mais tarde viria a ser um dos principais diplomatas de Bismarck. Heinrich
Bürgers, outro comunista de Colônia, foi preceptor do garoto quando este
era adolescente. Em 1853, a condessa ganhou a ação do divórcio e recebeu
uma vultosa indenização, da qual presenteou Lassalle com uma generosa
parte. O valor era suficiente para lhe propiciar todos os roupões de seda e
todos os apartamentos ricamente mobiliados que desejasse, além da
condição de se dedicar à sua carreira intelectual e política sem
preocupações financeiras, uma posição afortunada com que Marx podia
apenas sonhar. Grande parte da hostilidade inspirada por Lassalle tinha suas
raízes no modo de vida não convencional a que ele se permitia. Não se
sabia o que era pior – ele ser um gigolô que vivia dos bens de uma abastada
senhora de idade, ou viver com uma abastada senhora de idade não sendo
gigolô (o que era o caso), pois não lhe fazia qualquer tipo de favor sexual.31
Em março de 1860, Lassalle convidou Marx para viajar a Berlim tão
logo uma anistia fosse anunciada, a fim de discutirem a fundação de um
jornal radical, uma continuação do New Rhineland News em um momento
de novas circunstâncias políticas. Dez meses mais tarde, com o anúncio da
anistia, ele renovou o convite.32 Marx ficou profundamente sensibilizado por
essa oportunidade de se unir de novo à luta, de levantar sua voz e fazê-la
ouvida em uma situação crítica, além de, uma vez mais, ter condições de se
engajar na forma de atividade política que ele melhor conhecia, a de um
obstinado editor de jornal. Seria necessário, no entanto, uma íntima
cooperação com Lassalle – uma pessoa de cujas opiniões Marx discordava
com veemência e em quem, a exemplo da maioria dos esquerdistas, não
conseguia confiar plenamente. A atitude pessoal de Marx em relação a
Lassalle fica evidente nas correspondências trocadas entre ele e Engels. Os
dois empregaram uma fantástica gama de injúrias antissemitas para
descrever o controverso ativista. Ele era “o pequeno judeu Braun”, um
“Itzig”, “Jacó, o Alcagueta”, “Isidor Berlin Blue Dye”. As cartas tinham
uma conotação particularmente comprometedora, mas também deixavam
entrever como Marx e Engels tratavam as faltas pessoais de Lassalle em
termos de estereótipos antissemitas: um ser vulgar, um voluntarioso novo-
rico ostentando seus robes de seda, alguém fútil, atrevido e desrespeitoso no
trato com as pessoas.33
A despeito de toda a sua antipatia pela pessoa de Lassalle, Marx não
podia rejeitar peremptoriamente a oferta feita por ele; residia aí sua única
possibilidade de retorno ao ativismo político. No entanto, os planos foram
interrompidos por uma crise familiar de sérias consequências. Em
novembro de 1860, Jenny contraiu catapora. As três filhas foram
imediatamente revacinadas e despachadas para a casa da família de
Wilhelm Liebknecht. Karl e Lenchen se revezaram dia e noite para cuidar
da enferma. Essa tarefa só foi aliviada depois que dez libras enviadas por
Engels viabilizaram contratar o auxílio de uma enfermeira. Embora as
cartas de Marx para Engels a respeito da enfermidade de Jenny sejam
lacônicas e resignadas, como convinha à sua educação clássica, até mesmo
uma ligeira leitura das entrelinhas revela que Karl estava fora de si com a
ideia de perder a esposa e ser incapaz de contemplar um futuro sem ela
depois de quase um quarto de século de vida conjugal. Ele tentava
desesperadamente afastar de seu pensamento a terrível perspectiva,
ocupando-se com a leitura de A origem das espécies, de Darwin, e
estudando cálculo. Na noite de Ano Novo de 1861, ficou claro que Jenny
sobreviveria, embora as cicatrizes deixadas pela doença em seu rosto
tenham permanecido durante anos.34
Com a melhora da saúde da esposa e o retorno das filhas, Marx
retomou a ideia da viagem a Berlim. Ele contava com um incentivo a mais
para voltar a ser colaborador de um jornal alemão: em fevereiro de 1861, os
editores do New York Tribune, exauridos pela iminente Guerra Civil em
solo americano, suspenderam os serviços de seus correspondentes
europeus.35 Marx perdia desse modo sua principal fonte de renda; a modesta
soma que ele recebia pelo trabalho de correspondente do jornal vienense
não era suficiente para compensar. Tornar-se redator de um jornal prussiano
era uma perspectiva sedutora tanto no aspecto político como pessoal.

MARX DEIXOU LONDRES no último dia de fevereiro de 1861, viajando


em primeiro lugar para a Holanda, com o propósito de negociar junto aos
parentes holandeses mais um adiantamento da herança de sua mãe. Depois
de quase três semanas de negociações, recebeu 160 libras como ajuda para a
quitação das dívidas. Na viagem para Berlim não houve problemas na
travessia da fronteira com a Prússia. (Marx temia ser detido, apesar da
anistia.) Após uma noite de viagem de trem, muito agradável “exceto pelas
seis horas e meia de atraso em Oberhausen, um pequeno lugar entediante”,
ele chegou à capital prussiana às sete horas da manhã de 18 de março; dia
do décimo terceiro aniversário da luta de barricadas de 1848.
Lassalle estendeu o tapete vermelho para seu hóspede. Houve jantares
elegantes, com convidados proeminentes, incluindo o idoso general von
Pfuel, que, na qualidade de primeiro-ministro na época da Revolução de
1848, havia desafiado as ordens do monarca para colocar em prática um
coup d’état. Marx descobriu no general um militar de 82 anos de idade
ainda em pleno vigor intelectual, radicalizado em sua idade avançada e
considerado pela corte um jacobino herege. Lassalle fez uma pequena
provocação àquela corte, levando Marx a uma ópera e acomodando o
notório subversivo bem ao lado do camarote real. Para ele, a apresentação –
um balé com três horas de duração – foi extremamente entediante, apesar de
o cenário tê-lo impressionado; “todas as coisas representadas com precisão
fotográfica”. O hábito de buscar publicidade, característico de Lassalle,
deixou sua marca, e o jornal oficial do Estado, o Prussian News, informou o
“retorno do antigo revolucionário à terra natal”. O que o jornal não noticiou
foi que o antigo revolucionário, ao examinar as condições políticas, em
especial a possibilidade de um embate entre a burguesia liberal e o
monarca, e entre a população civil e os militares, identificava a existência
das precondições para uma futura revolução. Marx foi incisivo com
Lassalle e a condessa na negociação, em Berlim, a respeito dos termos do
acordo para fundação de um jornal radical.36
A viagem não tratou somente de negócios. Marx partiu de Berlim para
a Renânia, onde visitou velhos amigos em Colônia, outros novos no Vale do
Wupper, e depois viajou a Tréveris para, pela primeira vez em quinze anos,
encontrar-se com a mãe. Durante a maior parte da década de 1850, a
comunicação entre os dois ocorrera apenas por meio dos parentes
holandeses e fora sempre provocada pelas demandas de Karl relativas a
adiantamentos da herança. A irmã de Marx, Emilie, a única dentre os filhos
que permaneceu em casa ao lado de Henriette, havia se casado em 1859, em
idade já avançada; pouco antes de completar 37 anos. Marx zombava do
marido dela, Johann Jacob Conradi, chamando-o de “suboficial prussiano”.
Na verdade, ele era funcionário graduado do governo prussiano, um
engenheiro especializado em controle de inundações e navegação fluvial.
Henriette mudara-se para a casa de Emilie e Conradi. Karl havia escrito
para a mãe, comunicando-lhe suas suspeitas quanto a um possível desejo do
casal em se apossar das terras que a ela pertenciam, após o que Henriette se
recusou a considerar qualquer outra possibilidade de adiantamento da
herança e, durante algum tempo, rompeu todo o contato com o filho.
Essas não eram as melhores circunstâncias para uma visita, que,
contudo, transcorreu surpreendentemente bem. Usando de diplomacia para
manter as conversas apenas no campo das amenidades, Karl passou os dois
dias em Tréveris colocando em dia os assuntos de família. Tudo leva a crer
que aproveitou a companhia do cunhado (pelo menos em se considerando
as cartas amistosas que Conradi lhe escreveu mais tarde) e encontrou a mãe
um pouco mudada em suas atitudes essenciais, apesar de envelhecida e
debilitada. Os comentários que Marx fez a Lassalle a respeito da visita, com
afirmações do tipo, “o que me interessou na velha senhora foi seu espírito
sutil e a inabalável consistência de seu caráter”, significaram, de certa
forma, um elogio tímido, que, pelo menos não demonstram a mesma
hostilidade presente nas referências dele à mãe durante diversas décadas. O
que ajudou a abrandar os sentimentos de Karl foi o fato de Henriette ter
“tomado a iniciativa” nas questões financeiras e rasgado as promissórias
das dívidas relativas aos adiantamentos, aumentando, desse modo, a parcela
do patrimônio que caberia a ele no futuro.37
Com as questões pessoais e políticas devidamente acomodadas, Marx
retornou para a Inglaterra em maio de 1861, levando consigo uma proposta
para iniciar naquele outono a publicação de um jornal alemão. Engels
chegou a Londres no final de maio e passou três dias discutindo com Marx
os termos dessa proposta; mas eles acabaram por rejeitá-la. Havia algumas
considerações pessoais – não tanto relativas ao próprio Marx, mas às
pessoas que o cercavam: suas filhas se mostravam avessas a uma mudança.
“A ideia de abandonar a terra de Shakespeare”, Jenny comentou com
Engels, “é terrível para elas, que aos poucos foram se tornando cada vez
mais inglesas [...]”. A própria Jenny guardava “poucas saudades da terra
natal; a ‘preciosa’ e amada Alemanha”, de acordo com suas palavras
sarcásticas. Ironias à parte, ela não queria que as filhas mais velhas, na
época duas jovens com dezesseis e dezessete anos, respectivamente,
frequentassem os mesmos círculos libertinos nos quais circulavam Lassalle
e a condessa. E Engels, sem cuja parceria Marx não se dispunha a assumir o
empreendimento jornalístico, não pretendia abandonar sua atividade
comercial e colocar em risco uma segurança financeira adquirida com tanto
sacrifício.38
Outro aspecto importante era o fato de Marx ter perdido sua cidadania
prussiana, sem a qual poderia ser expulso do país a qualquer momento,
como de fato já ocorrera em 1849. Enquanto esteve em Berlim ele deu
entrada em um processo para reabilitação de sua cidadania. Lassalle que
continuou essas negociações em seu nome depois do retorno a Londres,
irritava-se com a protelação das autoridades; ele invadiu diversas vezes os
escritórios do comissário de polícia de Berlim e do ministro prussiano do
interior exigindo explicações, sem jamais conseguir uma resposta franca e
direta para suas indagações. O comissário de polícia, conde von Zedlitz,
confessou a Lassalle que, embora não lhe coubesse fazer julgamentos sobre
o assunto, entendia que um indivíduo defensor de ideias republicanas, como
Marx, jamais se tornaria um cidadão prussiano.39
Todas essas eram dificuldades importantes, porém se eclipsavam ante
o problema de trabalhar com Lassalle. Este, por sua vez, insistia em fazer
com Marx uma parceria para coedição do futuro jornal, com prerrogativas
iguais no tocante à definição da política editorial. Quando questionado a
respeito da participação de Engels, Lassalle respondeu que se Marx
desejava contar com três editores-chefes, ele concordava, porém, sob a
condição de que Marx e Engels juntos tivessem direito a um único voto, de
forma que o dele, Lassale, não ficasse com um peso menor. Essa partilha
acentuava o problema: o jornal seria um empreendimento de Lassalle, com
dinheiro angariado junto a amigos e conhecidos dele em Berlim, ou doado
pela condessa. Marx não estaria no comando e muito provavelmente
acabaria desempenhando um papel secundário.40
As discussões continuaram durante o mês de julho de 1862, quando
Lassalle fez uma visita a Marx em Londres, onde permaneceu por três
semanas. Houve alguns momentos prazerosos, tais como uma excursão ao
Castelo de Windsor, acompanhada de um piquenique, de que participaram
Lassalle, a família de Marx e Lothar Bucher – outro refugiado político
democrata, que logo se tornaria agente secreto de Bismarck; contudo, a
visita em si acabou sendo um grande desastre pessoal e político. Lassalle
desembolsou ostensivamente seu dinheiro, gastando uma libra por dia em
charutos e táxis, motivo de irritação para Marx, que só fumava marcas
baratas e ia a pé para todo canto. A proposta feita por Lassalle, de ajudar a
família Marx financeiramente, levando Jenny para Berlim, onde ela seria
uma dama de companhia da condessa, podia até ter boas intenções, mas
enfureceu os pais da menina, para quem a virtude da filha corria o risco de
ser comprometida na convivência com a condessa e seus amigos, que diria
vivendo na mesma casa. Quase duas décadas mais tarde, muito depois da
morte de Lassalle, as mulheres da família Marx ainda guardavam
ressentimento dele. Houve uma passagem em que Lassalle consumiu
sozinho todo um assado que Lenchen havia preparado para servir à família,
em decorrência do que a criada fez saber a seu patrão que o visitante era um
“sujeito vaidoso e desonesto” e, portanto, não merecia crédito. Em uma
discussão política, provavelmente relacionada a Napoleão III, Lassalle se
expressou com tal estridência que os vizinhos acorreram para verificar se
estava havendo algum problema.41
A decisão de não perseverar com a ideia de lançar um jornal em
Berlim foi uma renúncia de Marx à sua convicção, alimentada desde o
início de seu exílio, em 1849, de que um dia retornaria à Alemanha para
retomar as atividades políticas. O exílio na Inglaterra assumira uma feição
tranquila e rotineira, uma conjuntura favorável demais para ser colocada em
risco por uma nova empreitada na Europa central. A questão que se
apresentava era se essa recusa em voltar representava uma rejeição mais
ampla do ativismo político. Marx continuou a trabalhar com afinco em seu
tratado sobre economia política; porém uma questão ainda exigia resposta:
ficaria ele satisfeito com seu papel de intelectual radical, ou deveria
procurar outro campo de ativismo político?

DEPOIS DE LANÇADO por terra o projeto de criação de um jornal em


Berlim, Marx se percebeu carente de um rumo bem definido para atingir
qualquer um de seus objetivos políticos. Enquanto as persistentes
dificuldades financeiras e os problemas de saúde cada vez mais acentuados
dominavam sua vida, ele só conseguia observar Engels e com ele se
lamentar; ao passo que outros partiam para a ação. As experiências de Marx
entre o verão de 1862 e o de 1864 reproduziram dolorosas reminiscências
de seus primeiros anos no exílio.
Os novos problemas com as finanças tinham uma origem bastante
simples: ele não contava com uma renda regular. Um novo breve contrato
com o New York Tribune terminou no final de 1861 e, logo depois, o patrão
de Marx, Charles Anderson Dana, desligou-se do jornal. O acordo pouco
lucrativo com o The Press, em Viena, sobreviveu apenas durante oito meses
depois de encerrado o contrato de prestação de serviços de Marx com o
Tribune.42 Mesmo quando ele tinha uma entrada regular de dinheiro, ela
cobria apenas os juros de suas dívidas e, uma vez encerrada tal entrada, a
situação se deteriorava rapidamente. Em 18 de junho de 1862, ele escreveu
para Engels:

Revolta-me discutir com você uma vez mais minha pobreza, mas,
o que me resta fazer? Minha esposa me diz todos os dias que seu
desejo é descansar na sepultura ao lado das crianças, e eu não
posso impedi-la, porque a humilhação, as torturas e os temores
gerados por essa situação são, de fato, indescritíveis [...] Como
você bem sabe, por experiência própria, existem despesas
correntes que precisam ser pagas em dinheiro. Elas decorrem de
nova penhora de itens feita no final de abril. Contudo, essa fonte
se encontra tão esgotada que, uma semana atrás minha esposa fez
a vã tentativa de levar alguns de meus livros. Estou pesaroso
demais por minhas pobres crianças, já que tudo isso está se
passando na temporada de exposições [a Feira Mundial de
Londres, de 1862], momento em que todos os conhecidos estão se
divertindo, enquanto elas são obrigadas a enfrentar os horrores,
para que ninguém as visite e tome ciência de nossas deploráveis
condições.43

Tudo isso parecia uma reprise cruel dos primeiros anos da década de
1850. Jenny passou por novas humilhações quando tentou evitar os
credores. Incapaz de manter as aparências, a família não podia receber
visitas. Uma das dívidas mais penosas era a da compra de um piano para as
filhas, feita em prestações. O cancelamento das aulas particulares de piano,
que visava proporcionar alguma economia, paradoxalmente tornou a
situação ainda pior. O professor ainda não recebera seu pagamento e a
suspensão dos serviços significava a obrigação de fazê-lo. Sem dúvida,
junto com essas dívidas havia outras relativas a itens mais essenciais: o
aluguel, o gás e “a padaria, a mercearia, a quitanda ou seja lá como todas
essas coisas infernais são chamadas”.44
Esses reveses foram de tal forma pesados que, no outono de 1862, o
filósofo e agitador político procurou, pela primeira vez em sua vida, uma
posição no mercado de trabalho. Parece que a posição foi arranjada pelo
primo holandês de Marx, August Philips, que desfrutava de vínculos
comerciais e pessoais com o diretor de uma estrada de ferro londrina.
Durante uma viagem de negócios à Inglaterra, no verão de 1862, Philips
mencionou o nome de Marx para seu amigo e incentivou o primo a se
candidatar ao emprego. Supostamente, Marx foi rejeitado devido à má
qualidade de sua caligrafia – que era execrável –; mas não deve ter sido só
esse o motivo. (Esse episódio tem escassa documentação.) Essa tentativa de
ajuda é um dos muitos exemplos da preocupação da família de Philips,
capitalistas bem-sucedidos, com seu errante parente comunista.45
Marx se achava, uma vez mais, forçado a tomar dinheiro emprestado
dos amigos e conhecidos. Engels, seu principal provedor de recursos,
também se via obrigado a contrair empréstimos, em consequência da crise
na indústria têxtil, que, por sua vez, decorria da Guerra Civil e da perda da
mais importante fonte de suprimento de algodão. A contínua pressão por
dinheiro exercida por Marx acabou irritando o amigo. A situação se tornou
insuportável em janeiro de 1863, quando os planos de emprego de Marx se
concretizaram e ele, que estava começando a trabalhar na ferrovia,
respondeu com novo pedido de dinheiro em uma carta na qual Engels lhe
comunicara o falecimento de sua amante Mary Burns. Este se enfureceu, e a
amizade dos dois, como só havia ocorrido por ocasião das desavenças em
Bruxelas, no ano de 1845, esteve a ponto de uma ruptura total. Ambos
recuaram e se desculparam, mas as finanças de Marx continuaram
insustentáveis.46
No final, ele encontrou uma salvação temporária ao receber duas
heranças. Uma delas, muito esperada, veio da parte da mãe, que falecera em
30 de novembro de 1863. Gravemente enfermo e acometido pela doença de
pele que o castigava naquele tempo, Marx saiu de seu leito e, levando
consigo dois enormes frascos de remédio viajou para Tréveris. Lá,
permaneceu por dez dias, mas pouco conseguiu resolver, porque as
propriedades se encontravam em inventário. Assim sendo, outorgou uma
procuração a seu cunhado, um sinal de que havia deixado de lado as antigas
suspeitas em relação ao marido de sua irmã. A morte de Henriette não
alterou de forma drástica a atitude do filho em relação à mãe. A carta que
Marx enviou de Tréveris para Jenny denotava certa nostalgia, mas apenas
quanto às recordações de sua adolescência e seu amor juvenil. Todas as
menções à mãe, tanto nessa carta como em outras, endereçadas a Engels,
diziam respeito apenas aos negócios – em grande parte, referências
depreciativas ao descuido da mãe com a documentação do testamento e à
incompetência do notário ébrio que a havia assessorado. Houve um único
comentário estranho: a observação de que Henriette falecera exatamente no
mesmo dia e na mesma hora em que 49 anos antes se casara com Heinrich
Marx, “como ela havia previsto”. Esse não era o modelo de percepção do
mundo característico de um racionalista, um homem de Wissenschaft. Tal
referência às aptidões paranormais de Henriette, na qual não se nota o
mesmo escárnio costumeiro do tratamento que ele dispensava às fraquezas
da progenitora, era apenas um débil indicativo de que a reconciliação entre
uma mãe obcecada pelas propriedades e seu filho errante, iniciada com a
visita dele em 1861, fizera algum progresso. Quando finalmente ficou
estabelecida a legitimidade do testamento e os parentes holandeses pagaram
a parte que lhe cabia no patrimônio da mãe, graças ao fato de Henriette ter
destruído as promissórias das dívidas assumidas por ele junto a ela, Marx
recebeu 7.000 florins holandeses, cerca de 580 libras.
Ao contrário da tão aguardada herança da mãe, o segundo legado foi
quase inesperado. O amigo íntimo e aliado político de Marx, Wilhelm
Wolff, faleceu no exílio, em Manchester, em 9 de maio de 1864, deixando
para o amigo cerca de 700 libras, a maior parte de seus bens. A entrada de
recursos financeiros permitiu que Marx quitasse suas dívidas e a família se
mudasse para uma residência nova, maior e mais luxuosa, no número 1 de
Modena Villas, em Maitland Park Road, no norte de Londres (cada uma das
filhas passou a ter o próprio quarto). Os biógrafos criticam esse gasto
desmesurado em um momento de futuro financeiro incerto; contudo,
mesmo uma poupança mais cuidadosa das duas heranças inesperadas não
teria sido suficiente para resolver o problema fundamental de inexistência
de uma receita regular. Mas, pelo menos, as dificuldades econômicas foram
adiadas por alguns anos.47
Ainda mais dramática do que os problemas financeiros de Marx foi a
repentina e acentuada deterioração de sua saúde. Próximo do final de
outubro de 1863 surgiu em suas costas um tumor, que acabou atingindo o
tamanho de uma mão cerrada, forçando-o a se locomover encurvado,
devido à impossibilidade de manter o corpo ereto. Após um mês de
medicação caseira, opção adotada para evitar despesas, o médico da família
foi finalmente chamado. Ele pediu que Jenny saísse do quarto e, com a
ajuda de Lenchen para segurar Karl, tomou seu bisturi e rasgou o tumor, do
qual jorrou grande quantidade de sangue e pus.48
Esse foi o início de um período (deve ter havido um breve episódio
anterior, nos anos 1850) em que Marx foi obrigado a conviver com seus
famosos carbúnculos – tumores recorrentes nas costas, nas coxas, nas
nádegas e na região genital, que o castigaram pelo resto da vida. O último
diagnóstico médico apontou uma enfermidade denominada Hidradenitis
suppurativa, uma moléstia autoimune, cujos efeitos são similares aos da
acne, porém em escala muito maior – tumores do tamanho de uma mão
cerrada, e não de pequenas espinhas; e destruição da camada superior da
pele, não apenas vermelhidão e cicatrizes. A doença causa muita dor,
desfigura a aparência do rosto e o tratamento, ainda nos dias de hoje, é
bastante difícil. Na época de Marx nada podia ser feito. O principal remédio
que ele usava, defendido enfaticamente por Engels e seus médicos, era um
composto à base de arsênico, uma “droga maravilhosa” da era vitoriana.
Certa vez, frustrado com a incapacidade dos médicos em curá-lo, Marx
tomou uma lâmina de barbear e extirpou por conta própria os tumores; por
um milagre, ele não desenvolveu uma infecção que o teria levado à morte.
O estresse costuma agravar os efeitos da doença, e Marx enfrentava,
sem dúvida alguma, pressões insuportáveis. Após anos de recorrência dos
tumores, Jenny chegou à conclusão – partilhada por Engels – de que o
excesso de trabalho, até altas horas da noite, e a falta de exercícios
adequados estavam agravando a condição de saúde de Karl. O remédio
sugerido pelos dois era a redução das horas e do ritmo de trabalho, o que
tornava ainda mais improvável que ele conseguisse assumir um papel
político ativo.49
Isso era duplamente frustrante porque as revoltas contra a política
vigente na Europa e no mundo, entre 1862 e 1864, exigiam uma
intervenção revolucionária. Para Marx e Engels, a mais importante, ainda
que mais distante, era a Guerra Civil Americana. Nutriam total simpatia
pela causa abolicionista defendida pelo norte, muito embora Engels,
vivamente impressionado pelos recursos militares dos generais sulistas – ele
considerava [Thomas Jonathan] Stonewall Jackson “de longe, o melhor
sujeito da América” – algumas vezes perdesse as esperanças quanto às
chances da União. Para Marx, as razões do amigo eram, “em grande parte,
determinadas pelo aspecto militar da questão” e não levavam em
consideração a importância, já havia tempos estabelecida, da superioridade
econômica e demográfica dos Estados do norte. Para fazer valer tal
superioridade, pensava Marx, deveria haver uma guerra revolucionária – e
as campanhas do Exército da União estavam mais próximas da guerra
revolucionária idealizada por Marx, do que qualquer outro conflito armado
ocorrido durante toda a sua vida.50
Mais perto de casa havia o levante polonês de 1863 contra o domínio
russo, movimento que desfrutou de larga simpatia por parte da esquerda.
Marx e Engels engrossaram o coro em prol da Polônia, e Marx começou a
escrever um ensaio a respeito da insurreição, cuja vitória potencial
descreveu como “a aniquilação da Rússia de hoje” ou, pelo menos, o fim de
sua “pretensão de dominar o mundo”. Entretanto, o poder malévolo do czar,
contando com ajuda do governo prussiano, derrotou os insurgentes – mais
uma prova, para Marx, das políticas reacionárias da Prússia e da oposição
dela ao nacionalismo polonês e alemão. Marx e Engels culparam pela
derrota do levante a recusa dos líderes aristocratas em adotar medidas
típicas de uma guerra revolucionária, considerando-os, nesse aspecto,
aquém dos padrões de Lincoln, Grant e Sherman. Em vez de mobilizar os
camponeses poloneses, esses líderes vincularam suas esperanças à dúbia
perspectiva de intervenção por parte de Napoleão III.51
Ainda mais próximos de Marx foram os conflitos e as disputas na
Alemanha. A luta entre os representantes do Partido do Progresso, no
parlamento prussiano, e o governo liderado por Bismarck assumia
contornos cada vez mais violentos, à medida que os parlamentares se
recusavam a aprovar o orçamento, levando Bismarck a tomar providências
como a instituição de uma cobrança ilegal de impostos, a tentativa de tirar
de circulação os jornais de oposição e a prisão dos líderes oposicionistas.
Em seus momentos de maior otimismo, Marx intuía a iminência de uma
revolução na Prússia, um conflito armado entre a burguesia liberal e o
governo autoritário.
A opinião de Marx sobre Bismarck dava forma a essa percepção. A
exemplo da maioria de seus contemporâneos, ele considerava o primeiro-
ministro prussiano um ultrarreacionário, um conservador cristão recém-
convertido que, assim como Frederico Guilherme IV, aprovava a sociedade
de ordens e um governo monárquico anticonstitucional. Bismarck havia, de
fato, iniciado sua carreira política segundo esses moldes. Durante a
Revolução de 1848, ele deu voz às suas opiniões extremamente reacionárias
de uma forma tão provocativa que chocou até mesmo o monarca, que nunca
se esquivara de provocações públicas. Mas o calvo e corpulento homem de
Estado prussiano havia mudado seu ponto de vista durante a era de domínio
reacionário. Ele compreendeu que repressão apenas não bastava, e que seria
necessário conquistar a opinião pública apoiando o nacionalismo alemão.
Bismarck o fez, abraçando uma causa radical e nacionalista da época da
Revolução de 1848. Em 1864, ele lançou uma guerra opondo todos os
Estados alemães, inclusive as grandes potências, Prússia e Áustria, à
Dinamarca, pela posse dos ducados de Schleswig e Holstein, ao norte. Marx
e Engels atribuíram a rápida vitória das forças alemãs sobre um exército
dinamarquês em nítida inferioridade numérica, seguida por uma conferência
de paz internacional para definição da situação do território em disputa, a
uma conexão contrarrevolucionária entre o governo prussiano e o russo.
Eles se manifestaram de maneira sarcástica a respeito da ideia de um
governo prussiano poder representar o nacionalismo alemão. Grande parte
da opinião pública da Europa central não compartilhava do ceticismo da
dupla.52
Mais surpreendentes para Marx foram as atitudes de Ferdinand
Lassalle. Em meados de 1863, ele fundou um partido trabalhista, a
Associação Geral dos Trabalhadores Alemães. Ao longo do ano seguinte,
ele viajou por toda a Europa central, desenvolvendo uma enorme campanha
de agitação e associação, organizando filiais locais do grupo e promovendo
sua plataforma para introdução de uma eleição democrática a ser
acompanhada pela concessão de crédito estatal para cooperativas de
produção dos trabalhadores. O ativista que se autoglorificava colocou-se
como centro dessas campanhas, realizando entradas sensacionais nas
cidades em que discursava. Em uma famosa ocasião, chegou a permitir que
os trabalhadores tomassem o lugar dos cavalos em sua carruagem.
Lassalle estava dando voz política a trabalhadores independentes; ao
fazê-lo, recuava em sua reprovação ao Partido do Progresso, tido por ele
como um grupo de democratas burgueses passivos e covardes. Ambos os
aspectos de sua persistente tentativa de inflamar a opinião pública eram
compatíveis com a postura de Marx e Engels, correspondendo a objetivos
políticos que perseguiam desde 1849. Por outro lado, a dramatização e a
glorificação pessoal das atividades de Lassalle pareciam dar relevo aos
piores traços de sua personalidade. Em seu desdém, Marx o promoveu de
“Itzig” para “Barão Itzig”. Os ataques ao Partido do Progresso, por sua
incapacidade em lidar com Bismarck, cada vez mais se matizavam de
louvor a este último, à medida que Lassalle avaliava a possibilidade de
rejeitar uma vinculação duradoura do movimento trabalhista com as ideias
democráticas e republicanas, em favor do apoio à monarquia prussiana.
Correram rumores – mais tarde comprovados – de que o agitador trabalhista
estava fazendo reuniões secretas com o primeiro-ministro conservador,
oferecendo-se para arregimentar forças contra o Partido do Progresso. Aqui
se apresentava, uma vez mais, a escolha embaraçosa com a qual Marx havia
se deparado no período de 1848 a 1849, entre se opor a um governo
prussiano autoritário, o que implicava promover uma organização além das
fronteiras de classe, ou organizar um movimento independente da classe
trabalhadora, que deveria, não necessariamente, ser hostil à Prússia.
Marx, por meio de relatórios encaminhados por Wilhelm Liebknecht,
que em 1862 retornara do exílio para Berlim, tinha pleno conhecimento das
atividades de Lassalle e das questões políticas delas decorrentes. Alguns
dos aliados de Marx, em especial Engels, cobravam dele um
pronunciamento franco, condenando Lassalle por ter estabelecido vínculos
estreitos demais com as autoridades prussianas. Nos círculos privados, ele
dirigia críticas destrutivas a Lassalle e seu partido trabalhista, mas se
recusava a fazê-lo publicamente. É provável que Marx tivesse aprendido a
lição ensinada por suas contendas anteriores contra seus inimigos, desde
Karl Grün a Karl Vogt, e decidido que disputas polêmicas com
companheiros socialistas e radicais eram inúteis. Ou, quem sabe, em vista
das dificuldades financeiras e da gradativa deterioração de sua saúde, ele
não estivesse em condição de ameaçar a liderança de Lassalle e, portanto,
uma vez mais, viu-se condenado à passividade política.53

O PERÍODO DE dois anos marcado pela inércia política e pelo


envolvimento com problemas pessoais terminou abruptamente em setembro
de 1864, devido a dois eventos bastante imprevisíveis. Um deles resultou do
desfecho trágico de um melodrama protagonizado por Ferdinand Lassalle.
Ele se apaixonou pela filha de um funcionário do alto escalão do governo
bávaro; e depois de galanteios infrutíferos, desafiou o noivo da moça para
um duelo e neste morrera, na Suíça, no último dia de agosto de 1864, ferido
por um tiro. Tudo isso fazia lembrar uma novela; porém, em consequência
dela, a Associação Geral dos Trabalhadores Alemães ficou sem um
presidente. A condessa e outras pessoas recorreram a Marx, na Alemanha,
mas ele recusou o pedido, lembrando que o fato de não ser um cidadão
prussiano poderia facilmente justificar sua expulsão do país. Contudo,
continuou envolvido com as questões relacionadas ao grupo e ao jornal por
este planejado – o primeiro jornal socialista diário da Alemanha, o Social
Democrat, que começou a ser publicado em Berlim no início de 1865.54
Embora, assim sendo, o envolvimento de Marx com o movimento
trabalhista da Alemanha tenha começado acidentalmente, ele foi uma
consequência lógica de seu passado de revolucionário radical, o principal
líder sobrevivente da Liga Comunista, além de mentor e inspirador teórico
de Lassalle. A segunda iniciativa política de Marx, em setembro de 1864,
que acabou lhe garantindo projeção internacional, foi ainda mais fortuita.
Ela brotou de um encontro público no St. Martin’s Hall, em Londres, em 28
de setembro de 1864, patrocinado pelos sindicatos trabalhistas britânicos e
pelas associações de trabalhadores franceses, com o objetivo de apoiar a
causa da independência da Polônia em relação ao domínio russo.
Um dos organizadores franceses, “um certo Le Lubez”, aproximou-se
de Marx, pedindo-lhe ajuda para encontrar em Londres um trabalhador
alemão que pudesse fazer um pronunciamento no encontro. Marx sugeriu o
nome do alfaiate Johann Georg Eccarius, membro da Associação
Educacional dos Trabalhadores Alemães, que havia assumido uma posição
pró-Marx nas disputas faccionais anteriores da Liga Comunista. A exemplo
do que já fizera em encontros anti-Rússia semelhantes, organizados por
David Urquhart, Marx permaneceu na tribuna durante a reunião, porém sem
se pronunciar. Nunca ficou totalmente esclarecido por que Victor Le Lubez
se aproximou dele, pois era um correligionário de Proudhon, com quem
Marx tivera sérios embates no passado. Talvez tenha sido a longa história
política de Marx, marcada por veemente posicionamento anti-Rússia e pró-
Polônia, que o transformou em um contato conveniente; ou, quem sabe, sua
ação, alguns anos antes, no sentido de organizar, com a ajuda da condessa,
um socorro financeiro para o veterano revolucionário francês Louis-
Auguste Blanqui.55
Qualquer que tenha sido o motivo do convite, ele teve consequências
de longo alcance, já que os participantes do encontro decidiram fundar uma
organização, a Associação Internacional dos Trabalhadores, cujo propósito
era patrocinar no ano seguinte um congresso trabalhista internacional, em
Bruxelas. O comitê organizador nomeou um subcomitê encarregado de
elaborar os estatutos, e este elegeu Marx como membro. Ele participava
apenas esporadicamente das reuniões, devido a seus problemas de saúde,
mas isso mudou quando Eccarius lhe levou ao conhecimento que os
seguidores de Giuseppe Mazzini, o democrata nacionalista italiano,
anticomunista convicto, com quem Marx partilhava um mútuo sentimento
de desprezo, estavam dominando o curso dos trabalhos.
Marx convidou membros do comitê para trabalharem em sua nova
casa o material relativo aos estatutos. A reunião na Maitland Park Road
avançou até uma hora da madrugada e foi suspensa por motivo de exaustão.
Marx redigiu, então, sua própria versão do documento e um “Discurso à
classe trabalhadora”, mais tarde conhecido como “Discurso de posse”, um
manifesto da nova organização – medidas aprovadas por unanimidade pelo
comitê organizador, em 1º de novembro de 1864.56
No final daquele ano, Marx havia encontrado o foco que desde 1859
procurava dar a seu ativismo político. A implicação imediata era um
distanciamento em relação às suas atividades anteriores como redator de
jornal, uma mudança da qual ele estava perfeitamente ciente. Em carta a
Joseph Weydemeyer, seu velho amigo que na época residia em St. Louis,
ele observou: “Embora eu tenha sistematicamente recusado, durante anos,
participar de qualquer ‘organização’, desta vez aceitei, porque está
envolvida uma questão da qual é possível surgir importante consequência”.57
A sede da “Associação Internacional” ficava em Londres, de modo que
Marx tinha condições de conduzir pessoalmente o desenvolvimento do
grupo e buscar estabelecer uma base permanente e segura para sua
organização provisória. Ao mesmo tempo, ele tentava levar seus amigos e
correligionários da Alemanha a se afiliarem ao movimento trabalhista que
lá nascia com a associação. Essa era uma tarefa marcada por rivalidades
pessoais, disputas faccionais, marcantes diferenças de opinião política e,
acima de tudo, pela maré crescente do nacionalismo e do estado de guerra
entre as grandes potências. Com todas as dificuldades, a empreitada
absorveu as energias de Marx e satisfez a seu desejo de envolvimento ativo
até que a Guerra Franco-Prussiana de 1870 a 1871 e a Comuna de Paris, de
1871, colocaram um ponto final no período da história europeia pós-1859.
A ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL dos Trabalhadores (AIT, na sigla
em português) é mais conhecida como a “Primeira Internacional”, uma
designação atribuída em retrospectiva, depois da criação da “Segunda
Internacional” ou Internacional Socialista de 1889, que ainda existe nos dias
de hoje, e da “Terceira Internacional”, ou Internacional Comunista de 1919,
extinta oficialmente em 1943. Contudo, uma tentativa de compreender a
AIT à luz dos desenvolvimentos futuros ofusca seu contexto
contemporâneo e, antes de qualquer coisa, o papel de Marx na organização.
Ao contrário dos dois últimos grupos, que eram ligas internacionais de
partidos socialistas ou comunistas, a AIT representava uma federação
aberta de sociedades de trabalhadores. A espinha dorsal do grupo era
formada por 23 sindicatos operários ingleses, com mais de 25.000
membros. No continente, esses sindicatos, quando não se encontravam em
situação ilegal, tinham uma organização bastante rudimentar; os afiliados
do continente representavam, em sua grande maioria, sociedades
beneficentes e educacionais de trabalhadores, assim como grupos mal
definidos e, na maior parte das vezes, com algum envolvimento em
conspirações. As sociedades continentais afiliadas, até a fronteira do
legalmente possível, reuniam-se em seções nacionais que se reportavam a
um gabinete central em Londres, conhecido como Conselho Geral.58
Ao contrário das duas sucessoras, a AIT não tinha uma orientação
política “internacionalista” em oposição a uma “nacionalista”. Ela foi
fundada em uma reunião de apoio a uma causa nacionalista popular, a
independência da Polônia em relação à Rússia. O próprio Marx não
considerava a Associação Internacional um grupo antinacionalista. Ele
rejeitava a ideia de transformação da AIT em um “governo central [...] da
classe trabalhadora europeia”, plano proposto, segundo ele, por seu
desprezado inimigo Mazzini. Quando alguns membros franceses do
Conselho Geral proclamaram a extinção das nações, Marx respondeu
ironicamente, para grande satisfação dos ingleses presentes, que “nosso
amigo Lafargue etc., que aboliu as nacionalidades, dirigiu-se a nós em
francês, isto é, um idioma que 9/10 do auditório não compreende”.59
Os planos de Marx para a Associação constavam de sua agenda do
Primeiro Congresso da AIT, realizado em Genebra, no verão de 1866,
depois que o governo belga obstruiu os planos originais para realização de
um congresso em seu país. As propostas de ação incluíam a defesa de uma
reforma social – redução da jornada de trabalho, limitação do trabalho de
mulheres e crianças, substituição da incidência indireta de impostos pela
taxação direta, enquete internacional a respeito das condições dos locais de
trabalho – e a aprovação de cooperativas de produtores e sindicatos
operários. Havia apenas dois pontos de caráter manifestamente político,
ambos extraídos de um repertório de radicalismo do século XIX: a
substituição dos exércitos permanentes por milícias; e “a necessidade de
aniquilação da influência moscovita na Europa [...] por meio da
reconstituição da Polônia em base social e democrática”.60
As ações mais efetivas da AIT, com grande repercussão pública e
apoio da classe trabalhadora, concentraram-se nas lutas trabalhistas. A
Internacional levantou fundos junto aos sindicalistas de toda a Europa para
respaldar as greves dos impressores e tipógrafos de Berlim, em 1865, dos
trabalhadores da indústria do bronze de Paris, em 1867, e dos operários da
construção de Genebra, em 1868. Em uma ação bem conhecida, os
membros da Internacional convenceram os artesãos alemães a não se
deixarem recrutar como fura-greve durante a paralisação dos alfaiates
londrinos em 1866. Essa intervenção, no sentido de impedir que os
trabalhadores de uma nacionalidade furassem as greves em outro país,
repetiu-se em inúmeras ocasiões e pode ser considerada a ação mais popular
da AIT e principal fonte de apoio de sua classe operária.61 Marx enfatizou
pessoalmente a efetividade da ação sindical contra os céticos que
advogavam a formação de cooperativas de produtores e afirmou que os
sindicatos não conseguiriam promover a elevação do valor do salário dos
trabalhadores. O ensaio “Valor, preço e lucro”, uma conhecida exposição de
ideias sobre economia que ele estava preparando para publicação em O
capital, foi lido para o Conselho Geral em junho de 1865, com o objetivo
específico de refutar essas posições socialistas, porém antissindicalistas.62
O êxito dos sindicatos, ou de qualquer outra espécie de organização da
classe trabalhadora, só seria possível em um ambiente político favorável,
conjuntura muitas vezes inexistente na Europa da década de 1850. Marx
endossou veementemente campanhas por direitos políticos mais
democráticos, na esperança de ampliar a representação parlamentar dos
trabalhadores. Ele se orgulhava, em especial, do destacado papel dos líderes
ingleses da AIT na recém-fundada Liga da Reforma, que preconizava o
sufrágio universal para os cidadãos da Grã Bretanha. Os debates na Liga,
assim como a baderna e os motins gerais que agitavam a vida política
britânica em meados dos anos 1860, eram um poderoso estimulante para
Marx, que, algumas vezes, percebia o nascimento de uma situação
revolucionária. O verdadeiro desfecho desses conflitos políticos, a
ampliação dos direitos políticos no projeto de lei da Segunda Reforma, de
1867, foi bastante decepcionante, mas Marx ainda nutria esperanças quanto
à eclosão de uma revolução, começando talvez na Irlanda.63
Apesar de todas as aspirações revolucionárias de Marx, a principal
oposição política na AIT surgiu exatamente de revolucionários de dentro de
seus próprios grupos, membros de sociedades secretas que encaravam a
infiltração da AIT como um passo na direção do incitamento de
insurreições no âmbito de toda a Europa. Revolucionários pertencentes a
sociedades secretas francesas acusavam reiteradamente os ativistas da
classe trabalhadora que haviam colaborado na criação da Associação
Internacional, de atuarem como agentes a serviço de Napoleão III ou, na
melhor das hipóteses, relutarem em enfrentar o governo autoritário do
imperador e defender abertamente uma república. Os esforços de Marx para
fazer a mediação entre os dois grupos, por meio de seu amigo Viktor Schily,
o refugiado político alemão que vivia em Paris, foram rejeitados por ambos
os lados. Quando as duas facções francesas colocaram em questão suas
diferenças diante do Conselho Geral, os membros ingleses dessa
organização concluíram que os franceses necessitavam, de fato, de um
governante autoritário como Napoleão III, para mantê-los na linha! No
final, a maioria dos membros da sociedade secreta abandonou a AIT, mas
manteve um pé em uma sociedade afiliada de refugiados políticos
franceses, em Londres, e fazia frequentes ataques a Marx e às posições
políticas por ele assumidas. Esses indivíduos se apresentavam como
internacionalistas e acusavam o nacionalismo polonês e anti-Rússia
defendido por Marx de ser reacionário e impregnado de um suspeito
nacionalismo alemão.64
Por outro lado, os mais importantes correligionários e fiéis aliados de
Marx na AIT figuravam entre os sindicalistas ingleses, que não eram, em
hipótese alguma, revolucionários nem socialistas. Em vista dessa aliança,
devemos nos perguntar se Marx estava conduzindo a Internacional na
direção de uma revolução ou de uma reforma. Ele julgava que apoiando a
organização sindical e pressionando por governos mais democráticos e
reformas sociais mais abrangentes, estaria estimulando o choque entre
trabalhadores e capitalistas, cujo desfecho, como sugerido no Manifesto
comunista, seria a revolução. Essa conexão entre reforma e revolução
passou a ser discutida dentro do movimento socialista já no apagar das
luzes do século XIX. Adeptos da reforma do capitalismo como um fim em
si mesma chocaram-se ferozmente com os propositores de ações
revolucionárias que conduzissem a um regime socialista. Os reformistas
eram apelidados de “revisionistas”, indivíduos que levavam a efeito
revisões das doutrinas marxistas da revolução. No entanto, a questão da
reforma em contraposição à revolução era inerente à estratégia política
preconizada por Marx na década de 1860; a AIT e a situação política da
época não perduraram por tempo suficiente para trazer à tona esse dilema.
O próprio Marx desempenhou um papel modesto na AIT. Ele foi um
dos 20 a 25 membros do Conselho Geral e secretário responsável pelas
correspondências para a Alemanha. Em 1866, não aceitou assumir a
presidência do Conselho Geral que lhe havia sido oferecida, afirmando que
o cargo deveria caber a um trabalhador. Pouco tempo depois, ele propôs,
com sucesso, a extinção total da função de presidente do Conselho Geral.
Apesar de toda a sua relutância, Marx foi, conforme declarado por ele
mesmo, “de fato, a cabeça de todo o negócio”.65 Ele preferia exercer sua
“influência nos bastidores”, elaborando documentos, apresentando
propostas nas sessões do Conselho Geral e realizando reuniões formais e
informais em sua residência, em Londres.66 Foi devido a esses encontros que
a segunda filha de Marx, Laura, conheceu e se envolveu com um membro
do Conselho Geral, Paul Lafargue (o mesmo Lafargue censurado por Marx,
por acreditar que não existiam nacionalidades), um estudante e ativista
francês que fora obrigado a fugir do país em virtude de sua oposição ao
governo de Napoleão III.67
Como Marx se sentia mais à vontade em pequenos grupos, o trabalho
nos bastidores era a forma mais eficaz para ele exercer sua influência. Além
do mais, essa solução lhe permitia compatibilizar sua disponibilidade de
tempo com o período de semanas e meses nos quais as repetidas
ocorrências de sua moléstia de pele o mantinham fora de ação. O principal
problema identificado por ele durante sua gestão à frente da AIT foram os
congressos gerais da organização realizados anualmente: Genebra em 1866,
Lausanne em 1867, Bruxelas em 1868 e Basileia em 1869. Dada a
informalidade dos procedimentos para afiliação à AIT, praticamente
qualquer pessoa podia se apresentar e, como os congressos aconteciam no
continente, os correligionários ingleses de Marx não costumavam
comparecer, como aconteceu com ele próprio, que só participou de um
congresso geral, em 1872. Os acordos de votação para os delegados eram
ad hoc e decididos individualmente por ocasião de cada congresso, com
resultados imprevisíveis. Marx sempre temia que ocorresse o pior e
respirava aliviado quando os encontros terminavam.68

A TENTATIVA DE liderar um movimento trabalhista alemão pós-Lassalle


a partir de uma localidade remota mostrou-se consideravelmente mais
difícil do que conduzir as políticas da AIT. Os problemas começaram com o
legado do próprio Lassalle. Em público, Marx manifestava grande
generosidade em relação à memória do amigo. Ele escreveu à condessa que
Lassalle havia “falecido jovem e triunfante, como Aquiles”, um comentário
prontamente propagandeado por ela. Marx também fez pronunciamentos
públicos com ataques aos democratas anticomunistas – “esses canalhas
pequeno-burgueses” e o “atrevimento covarde dos jornais burgueses” –, que
acusavam Lassalle de extrapolar sua posição pró-Prússia. Mesmo em
círculos privados, tanto Marx como Engels enalteciam Lassalle,
descrevendo-o como um de seus antigos camaradas de 1848, como aquele
que teve coragem para agir em defesa da classe trabalhadora.69
Nenhuma bajulação verbal, apesar de seu exagero, conseguia eliminar
a paixão pela Prússia entranhada na herança de Lassalle. Depois de sua
morte, surgiram relatos dando conta de que ele estivera planejando um
bizarro golpe político. Lassalle pretendia viajar a Hamburgo para proclamar
a anexação dos ducados de Schleswig e Holstein à Prússia em nome do
movimento trabalhista, alinhando-se uma vez mais às políticas do primeiro-
ministro Bismarck. Na medida em que os sucessores de Lassalle mantinham
e endossavam suas políticas em favor da Prússia, Marx não via condições
de trabalhar com eles.70
O impasse surgia da recusa dos líderes rivais dentro da Associação
Geral dos Trabalhadores Alemães em se afiliar à Internacional. Essa
dificuldade costuma ser interpretada como um conflito entre nacionalismo e
internacionalismo. O filósofo Isaiah Berlin, em uma muita citada, mas
pouco exemplar biografia de Marx, descreveu Lassalle como precursor dos
fascistas.71 Essa descrição das objeções que Marx fazia a Lassalle é uma
importante distorção da situação vigente na década de 1860. O próprio
Marx não se opunha integralmente ao nacionalismo alemão. Ao contrário,
sua versão particular de nacionalismo denotava, como havia sido desde os
anos 1840, uma veemente postura anti-Prússia. Para Marx, a monarquia
prussiana era subserviente ao czar, um aliado do imperador francês
Napoleão III, e oponente da criação de um Estado-nação alemão unido.
Já em 1869, Marx fez saber ao revolucionário francês Louis-Auguste
Blanqui que a unidade nacional da Alemanha “só poderá ser alcançada por
meio de uma revolução alemã capaz de abolir a dinastia prussiana, que foi,
ainda é, e sempre será submissa aos moscovitas”.72 Essa versão de
nacionalismo contrastava com aquela endossada por Lassalle e seus
seguidores, para quem a monarquia prussiana era o caminho para a unidade
nacional alemã – uma diferença de opinião debatida na Alemanha pelo
menos desde a guerra de 1859 no norte da Itália. No final, quando o Estado-
nação alemão foi criado no governo de Bismarck pela monarquia prussiana,
a versão antiprussiana do nacionalismo alemão tornou-se obsoleta; contudo,
em meados da década de 1860, esse não era, em hipótese alguma, um
desfecho previsível.
Foram essas divergências de opinião e as correlatas questões quanto a
trabalhar com o governo prussiano conservador de Bismarck contra a
oposição liberal e burguesa que tornaram tão difícil a cooperação de Marx
com o partido trabalhista alemão. “Becker vermelho”, antigo aliado e rival
de Marx em Colônia, que em meados dos anos 1860 era membro do Partido
do Progresso, levantou a discussão abertamente na imprensa: como
poderiam Marx e Engels, dois homens conhecidos por seu passado
revolucionário antiprussiano, manter o apoio a um grupo tão envolvido com
o regime autoritário de Bismarck? Mesclados a essas divergências políticas
surgiam os antagonismos pessoais. Os candidatos ao papel de sucessores de
Lassalle – entre eles a condessa; Johann Baptist von Schweitzer, editor do
jornal socialista de Berlim; e Bernhard Becker, antigo assessor de Lassalle e
escolhido deste – suspeitavam que Marx estivesse tentando fazer uso da
afiliação à AIT para conseguir o controle da Associação Geral dos
Trabalhadores Alemães. Essas suspeitas foram estimuladas por antigos
rivais de Marx, como o próprio Moses Hess, que havia sido correligionário
de Lassalle. Na qualidade de correspondente em Paris do Social Democrat,
Hess publicou artigos anti-Marx, ou textos que este interpretou como
ataques contra ele. Bernhard Becker, em um discurso proferido em
Hamburgo em março de 1865, declarou que o partido de Marx consistia em
três pessoas: o “Mestre”, Marx; seu “secretário”, Engels; e seu "agente"
Wilhelm Liebknecht.73 O contraste entre um líder de uma organização com
milhares de afiliados, e um teórico exilado com dúbia pretensão de
liderança política ficava evidente nessa afronta.
Em vista dessas correntes cruzadas, é surpreendente que Marx tenha
concordado em cooperar, mesmo por um curto período, com Schweitzer,
que era em sua avaliação de observador, o mais inteligente e mais bem
qualificado dos potenciais sucessores de Lassalle. Marx e Engels
escreveram alguns artigos para o Social Democrat, e Schweitzer, que tinha
Marx em elevado conceito, tentou diversas vezes lhe abrandar a indignação
quanto a artigos publicados no jornal, os quais ele, Marx, considerava
condenáveis. Os esforços de Schweitzer, desde o final de 1864 até fevereiro
de 1865, parecem ter surtido efeito, e Marx continuou trabalhando com ele.
O vínculo não foi rompido por Marx, mas por seu representante político em
Berlim, Wilhelm Liebknecht, que acusou Schweitzer de ser um simples
instrumento de Bismarck.74
No final de fevereiro de 1865, longe de conseguir promover a afiliação
do movimento trabalhista da Alemanha com a Internacional, Marx rompeu
sua ligação com ele, ficando com duas alternativas. Uma delas era seu
aliado Liebknecht, expulso de Berlim pelas autoridades prussianas por
incitar o movimento trabalhista a se opor ao governo conservador de
Bismarck. Liebknecht mudou-se para Leipzig, no reino da Saxônia, onde
funcionários graduados do conservador, porém pró-Áustria, governo saxão
o acolheram com hospitalidade e lhe concederam um visto de residência.
Lá, passou a agir no sentido de organizar um movimento trabalhista
antiprussiano. Marx podia ainda contar com um dos amigos que conquistara
em sua campanha contra Karl Vogt, o veterano revolucionário Johann
Philipp Becker. Convicto entusiasta da AIT, Becker, a partir de sua
residência em Genebra, organizou uma divisão formada por suíços falantes
do idioma alemão – as associações de trabalhadores nos Estados alemães
podiam se afiliar à Internacional por meio desse grupo suíço. Iniciado na
política de esquerda na época das sociedades secretas, Becker nunca perdeu
o entusiasmo pelas conspirações revolucionárias, o que fazia dele um aliado
embaraçoso para Marx dada a oposição deste último à presença de grupos
conspiradores na AIT. Contudo, durante os três anos seguintes, Becker e sua
organização foram o único meio disponível às sociedades de trabalhadores
alemães para afiliação à Internacional, o que proporcionava a Marx,
enquanto secretário responsável pelas correspondências para a Alemanha, o
contato com alguém com quem podia trocar informações.75

TODA ESSA ORGANIZAÇÃO estrutural, penosamente concebida, foi


para Marx, no final das contas, o caminho para uma sublevação
revolucionária. Os cinco anos turbulentos, entre 1866 e 1871, foram uma
época de cataclismos, o auge do período da história europeia iniciado com a
guerra do norte da Itália, em 1859. Políticas voltadas para as massas e
confrontos de caráter político assumiram uma dimensão não observada
desde a Revolução de 1848. No relativamente pacato Reino Unido, enormes
manifestações na Inglaterra, em prol da ampliação de liberdades
democráticas, conduziram à promulgação da Segunda Lei da Reforma,
enquanto, na Irlanda adquiriam vulto as agitações nacionalistas contra os
ingleses. No continente, a situação era ainda mais turbulenta: na França,
uma maré de assembleias e passeatas pró-república e contrárias a Napoleão;
na Romênia, um golpe levou ao poder novo governo nacionalista; na
Espanha, a revolução; sublevações no sul da Itália; e assembleias
nacionalistas do povo em todo o Império Austríaco. Na esteira dessa
baderna política, uma onda de greves varreu o continente, criando a
atmosfera perfeita para a Internacional promover sua causa. O período foi
também marcado por duas guerras que espalharam a destruição: em 1866,
entre Prússia e Áustria, e quatro anos mais tarde, entre Prússia e França.
Tais guerras desencadearam a fúria nacionalista, além do que
revolucionaram, em moldes inerentemente bismarquianos, os estados
alemães; subverteram o equilíbrio de poderes; e inspiraram a proclamação
da república na França e um efêmero regime revolucionário em Paris. Essas
águas se mostraram muito mais traiçoeiras para a Internacional, acabando
por colocar em questão os fundamentos do ativismo de Marx.
O levante teve início com Bismarck, que lançou uma campanha
diplomática na primavera de 1866, motivando a guerra entre a Prússia e a
Áustria, em junho daquele ano. Bismarck exigia a extinção da
Confederação Germânica, a liga dos Estados da Europa central criada pelo
Congresso de Viena. Ele queria vê-la substituída por um Estado-nação
alemão unido, incluindo um parlamento alemão eleito por sufrágio
universal. Personagens da época não acreditavam na possibilidade de o
primeiro-ministro conservador concretizar essas demandas, já que elas
representavam um endosso do programa radical e nacionalista dos
revolucionários de 1848. Temiam que uma guerra entre Prússia e Áustria,
decorrente da iniciativa de Bismarck, pudesse favorecer a tomada do
território alemão no Reno por Napoleão III. Quase todos os Estados
alemães de menor dimensão se alinharam à Áustria nos confrontos
diplomáticos e na guerra subsequente. Marx e Engels compartilhavam das
dúvidas e dos temores de seus contemporâneos, zombavam das credenciais
nacionalistas de Bismarck e entendiam que a política deste era ditada pela
Rússia, em obediência à França de Luís Napoleão. Eles previam a derrota
da Prússia na guerra e esperavam que ela conduzisse a uma situação
revolucionária – embora ambos duvidassem da coragem dos berlinenses
para se levantar contra o governo prussiano.
Em uma campanha militar que surpreendeu a Europa, as tropas da
Prússia, em desvantagem numérica, porém mais bem armadas e conduzidas,
conquistaram uma vitória decisiva sobre a Áustria e seus aliados, em apenas
seis semanas; uma operação tão rápida, que Luís Napoleão não teve tempo
para movimentar seu exército. Até mesmo Engels, o especialista militar de
Marx, ficou profundamente impressionado. Não menos atônico, Bismarck
levou adiante suas propostas revolucionárias. Ele extinguiu a Confederação
Germânica, anexou à Prússia diversos Estados alemães que haviam lutado
ao lado da Áustria, e uniu esse território prussiano expandido com os
Estados menores no norte da Alemanha, formando a nova Confederação
Germânica do Norte (apesar do nome, era mais um Estado federativo do
que uma confederação), com seu Reichstag, ou parlamento, eleito por
sufrágio universal. Nacionalistas e antigos revolucionários de 1848, junto
com membros do Partido do Progresso e da Associação Nacional, uniram-
se aos estadistas prussianos que tinham posto em prática suas ideias, ao
passo que eles próprios não haviam sido capazes de fazê-lo.76
Houve esforços no sentido de integrar Marx a esses grupos. Já no
outono de 1865, um dos agentes de Bismarck, Lothar Bucher, outro dos
revolucionários de 1848 envolvido com a restauração do movimento
trabalhista (Lassalle o havia nomeado como testamenteiro), ofereceu a
Marx um emprego de comentarista econômico da gazeta prussiana oficial, o
State-Advertiser. Este, informado por Wilhelm Liebknecht a respeito da
mudança de filiação política de Bucher, rejeitou a proposta. Em abril de
1867, durante uma visita que Marx fez a seu amigo alemão dr. Kugelmann,
em Hanover, depois de entregar nas mãos de seu editor em Hamburgo o
manuscrito do primeiro volume de O capital, as forças pró-governo
tentaram uma vez mais levá-lo a participar de um encontro com Rudolf von
Bennigsen, o líder da Associação Nacional e um dos mais proeminentes
nacionalistas liberais a passar para o lado de Bismarck. A reunião foi
organizada pelo aliado pertencente ao círculo privado de Bennigsen,
Johannes Miquel, antigo membro da Liga Comunista clandestina, que Marx
considerara um dos mais promissores entre seus correligionários. Não se
sabe ao certo se esse encontro com Bennigsen realmente aconteceu, mas,
sem dúvida alguma, Marx não estava preparado para fazer coro a Lassalle
em seu endosso às políticas prussianas em nome do nacionalismo alemão.77
Se, por um lado, Marx e Engels não se predispunham a participar do
grupo de revolucionários que passava a integrar as fileiras do primeiro-
ministro prussiano, eles sabiam, por outro, reconhecer um fato consumado
quando se viam diante dele: “devemos aceitar o rebotalho como ele é”,
escreveu Marx. Em vez de denunciar as novas condições políticas da
Alemanha, eles julgavam que o movimento trabalhista deveria explorá-las,
em especial os direitos democráticos nas eleições para seu parlamento.78
Decerto, Wilhelm Liebknecht encarava a situação da mesma forma.
Juntando-se a um jovem carpinteiro chamado August Bebel, então no início
de uma carreira política que em 1900 o converteria no líder patriarcal do
movimento trabalhista alemão, Liebknecht voltou-se para a federação das
sociedades educacionais de trabalhadores alemães e arrebatou a liderança
desse grupo aos liberais que o haviam fundado. Liebknecht e Bebel
concorreram a uma vaga no parlamento do norte da Alemanha e ambos
foram eleitos pelo distrito eleitoral da Saxônia. Marx ficou bastante
impressionado pela capacidade desses dois esquerdistas para auferir
resultados no parlamento, apesar de inferiorizados em número de votos. Ele
se impressionou particularmente com a emenda legislativa de Liebknecht
extinguindo as guildas e instituindo a liberdade de movimento. A emenda
asseverava o cumprimento do disposto na legislação prussiana anterior no
tocante ao limite de horas para o trabalho infantil e conseguiu apoio quase
unânime entre parlamentares reconhecidamente não socialistas.79
Contudo, havia um problema quanto a Liebknecht, no que dizia
respeito a Marx; acima de tudo o fato de ele conciliar movimentos
trabalhistas e políticas radicais. Liebknecht não fora eleito para o
parlamento como candidato dos trabalhadores, mas sim, na chapa do
Partido do Povo, um movimento político antiprussiano e democrático do sul
da Alemanha (Marx e Engels os denominavam “pequeno-burgueses”). Em
seus discursos públicos e no Democratic Weekly, o jornal do Partido do
Povo, do qual era editor, ele afirmava que as questões trabalhistas teriam de
ocupar uma posição secundária em relação aos problemas políticos, a luta
em favor da democracia, contra o autoritário governo prussiano. Liebknecht
de fato apoiava a causa dos monarcas – o rei de Hanover e o príncipe de
Hessen – depostos pelos prussianos depois da guerra de 1866. Tais
governantes, na opinião de Marx, não passavam de reacionários
ultrapassados, cuja saída da cena política não se deveria lamentar.80
Os seguidores de Lassalle, por outro lado, ao mesmo tempo em que
erguiam a bandeira da organização da classe trabalhadora como sua
principal missão política, não hesitavam em denunciar a burguesia e os
democratas pequeno-burgueses. Johann Baptist von Schweitzer, depois de
escrever a Marx para saudá-lo como “líder do movimento trabalhista
europeu”, lançou em 1869, no Social Democrat, uma série em doze partes
sobre o recém-publicado O capital, de Marx, tendo sido essa a mais
importante promoção jamais concedida ao trabalho. No entanto, as antigas
divergências de Marx em relação às políticas da Associação Geral dos
Trabalhadores Alemães, em especial o tácito apoio do grupo ao autoritário
governo prussiano, não desapareceram no novo ambiente político.81
Marx e Engels avaliavam a disputa entre os dois movimentos
trabalhistas em relação às fraquezas pessoais de seus líderes. Schweitzer, o
principal adepto de Lassalle, era muito “sagaz”, mas também um “canalha”.
Para Marx, Schweitzer possuía um traço verdadeiro: a “incompetência” de
Wilhelm Liebknecht. “Pequeno Wilhelm”, como Marx e Engels gostavam
de chamá-lo, “torna-se cada dia mais estúpido”.82 Ao expor essas opiniões
depreciativas, Marx personalizava um dilema de sua estratégia política de
longo prazo, evidente desde a década de 1840: a união dos movimentos
anti-Prússia e anticapitalismo. No período 1848 a 1849, não fora capaz de
juntar as duas formas divergentes de oposição; vinte anos mais tarde, elas se
converteram em partidos políticos independentes. Marx atribuía às
deficiências pessoais de seus líderes a incapacidade que eles demonstravam
de perseguir juntos esses objetivos antagônicos.
Em seu posto oficial de secretário da AIT responsável pelas
correspondências na Alemanha, Marx recusou assumir uma posição do lado
de um dos movimentos trabalhistas alemães, para grande contrariedade de
Liebknecht, que insistiu em seus apelos a ele pela denúncia pública dos
seguidores de Lassalle. No entanto, a despeito da recusa de Marx em se
posicionar publicamente, de todas as observações desagradáveis que fez
acerca de Liebknecht nas cartas endereçadas a Engels e de todos os
comentários positivos a respeito de Schweitzer e dos seguidores de
Lassalle, não existem dúvidas quanto ao fato de que via em Liebknecht,
Bebel e nos correligionários destes, o futuro do movimento trabalhista na
Alemanha. Marx entendia que os problemas relativos a estes seriam
solucionados se passassem a endossar o seu ponto de vista; a solução
divisada por ele para os problemas da Associação Geral dos Trabalhadores
Alemães era a dissolução do grupo.83
Perto do final dos anos 1860, parecia que as esperanças de Marx
estavam em vias de se concretizar. Em um congresso realizado na cidade de
Eisenach, no estado da Turíngia, em agosto de 1869, as associações
trabalhistas federativas de Liebknecht e Bebel se reorganizaram como
Partido Social Democrata Trabalhista, afiliando-se à Associação
Internacional dos Trabalhadores e, desse modo, rompendo com os membros
do Partido do Povo, que não aceitaram os objetivos socialistas do novo
grupo. Marx, em hipótese alguma, pôs um fim a seus comentários críticos
direcionados a Liebknecht e sobre ele; contudo, em suas avaliações acerca
do progresso do movimento trabalhista em toda a Europa, passou a se
mostrar otimista quanto aos desenvolvimentos na Alemanha. Marx e Engels
procuravam entender se a superioridade que sempre atribuíram aos
trabalhadores de Paris ainda se mantinha, ou se os alemães haviam
assumido uma posição de liderança na Europa continental.84

AS NOVAS CONDIÇÕES na Europa após a guerra de 1866 não


conseguiram alterar o envolvimento de Marx com a AIT e os maciços
esforços envidados por ele em prol da organização. Algumas vezes, no
entanto, em decorrência da constante tortura causada por sua moléstia de
pele e das recorrentes dificuldades financeiras, parecia ponderar a
possibilidade de se libertar dos compromissos. A proposta de Marx no
sentido de transferir o Conselho Geral da Associação Internacional, de
Londres para Genebra, passando assim para outras mãos as operações do
grupo – uma ideia que ele apresentou a Engels em agosto de 1868 e reiterou
de forma semelhante um ano mais tarde – decerto corrobora essa opinião.
No final, seu compromisso com a Internacional não foi rompido.85 De
qualquer modo, uma importante reversão das condições financeiras da
família, nos últimos anos da década, ajudou a tornar mais fácil essa decisão.
No período 1866 a 1867, Marx esgotou a herança que havia recebido
poucos anos antes; as recorrentes crises econômicas da família, somadas a
dívidas, despesas médicas, discussões com a esposa e apelos desesperados e
cada vez mais frequentes a Engels, entraram em pauta novamente. Depois
de alguns anos das costumeiras soluções temporárias, uma nova herança,
dessa vez recebida por Engels, finalmente garantiu uma solução definitiva.
Quando Friedrich Engels pai faleceu, em 1861, seus filhos, profundamente
ressabiados em relação ao irmão comunista, decidiram que a parte
concernente a ele do patrimônio do pai não incluiria a empresa de
manufatura têxtil da família, na Alemanha. Em vez disso, o dinheiro da
família investido na firma Ermen & Engels, estabelecida em Manchester,
em cujo escritório Engels trabalhava desde 1850, seria usado para assegurar
a ele uma parceria no negócio.86
Engels temia que pudesse estar sendo excluído das propriedades da
família e ludibriado com a dúbia promessa de uma sociedade; contudo, em
1864 ele se tornou sócio da Ermen & Engels. Cinco anos mais tarde,
vendeu sua participação na empresa para os irmãos Ermen, recebendo o
montante correspondente à transação, acrescido de um valor pela assinatura
de um termo de não concorrência; muito embora o homem de negócios
comunista não tivesse a menor intenção de abrir uma empresa concorrente:
ele queria se aposentar e dedicar seu tempo à política do movimento
trabalhista. O dinheiro recebido, mesmo depois da liquidação dos débitos
com sua família, era suficiente para não apenas viver dos juros, como quitar
as dívidas de Marx. Além do mais, Engels pôde levar ao extremo sua
generosidade, garantindo ao amigo uma receita anual de 350 libras. Este
último sentiu-se “bastante sensibilizado com sua enorme generosidade”,
que colocou um fim a três décadas de dificuldades financeiras crônicas,
inauguradas com o falecimento do pai em 1838.87
Na época em que as preocupações com dinheiro foram superadas,
Marx se via atormentado por duas questões fundamentais a respeito das
políticas da AIT. Uma, focada na política da Grã Bretanha, a nação
capitalista mais importante do mundo. Os verdadeiros resultados da
expansão dos direitos políticos promovida pela lei da Segunda Reforma, de
1867, revelaram-se decepcionantes: candidatos trabalhistas, concorrendo a
uma posição diante de um eleitorado mais democrático e constituído em sua
maioria pela classe trabalhadora, foram duramente derrotados nas urnas
pelos liberais moderados ou, até mesmo, pelos membros do partido Tory.
Acompanhando de perto os relatos de Engels acerca das eleições em
Manchester, Marx concluiu que uma importante razão para essa derrocada
política havia sido a rivalidade entre trabalhadores ingleses e irlandeses. Os
primeiros menosprezavam os segundos por considerá-los seguidores de
uma religião exótica e membros de uma estrutura colonial inferior. Para ele,
a solução do problema residia em uma revolução irlandesa – uma
perspectiva ampliada pelo rápido crescimento, no final dos anos 1860, dos
movimentos nacionalistas na Irlanda, depois de quase duas décadas de
inércia. Marx esperava que uma Irlanda independente, ou pelo menos
autônoma, modificasse toda a dinâmica da política da classe trabalhadora na
Inglaterra e em todo o mundo. Em 1870, ele escreveu: “Depois de lidar
durante anos com a questão irlandesa, cheguei à conclusão de que um golpe
decisivo contra a classe governante da Inglaterra (e isso é decisivo para o
movimento trabalhista em todo o mundo) pode ser negociado não na
Inglaterra, mas na própria Irlanda”. O que Marx tinha em mente era um
levante da população agrária, no qual os irlandeses arrendatários de terras,
movidos por torturadora lembrança do horror da grande escassez de 1846 a
1851, confiscariam a propriedade dos ricos senhores, que eram, por sua vez,
membros da aristocracia inglesa. Tal golpe à aristocracia inglesa na Irlanda
seria um importante passo na direção da revolução. “Eu estou convencido
de que a revolução social precisa necessariamente começar de baixo, ou
seja, da propriedade da terra”.88
O papel central de uma sublevação socialista dos trabalhadores em
Paris, chave das expectativas revolucionárias de Marx durante todo o quarto
de século anterior, estava dando espaço para uma ênfase no potencial
radical do nacionalismo irlandês e na força organizacional do movimento
trabalhista alemão. Essas duas novas perspectivas levantaram questões
acerca de futuros dilemas do movimento trabalhista que só viriam a se
tornar evidentes algumas décadas após o falecimento de Marx. Ao contrário
de Engels, com suas duas amantes irlandesas, ou do entusiástico apoio da
família Marx ao nacionalismo irlandês (a pequena Jenny e a adolescente
Eleanor eram partidárias particularmente apaixonadas), os trabalhadores
ingleses que disputavam trabalho com os irlandeses mostravam-se menos
entusiasmados. Do mesmo modo, os devotos trabalhadores católicos da
Irlanda não demonstravam a menor atração pelos objetivos políticos
endossados por Marx e seus aliados ingleses da esquerda, tais como as
campanhas do revolucionário italiano Garibaldi para confiscar o território
pertencente ao papado e agregá-lo a um Estado-nação italiano unido.89 O
apoio de Marx ao nacionalismo irlandês como forma de revolucionar a
classe trabalhadora da Inglaterra apontava na direção de um futuro
problema de longa duração do movimento trabalhista: os obstáculos que
diferenças religiosas, nacionais e étnicas impunham à solidariedade da
classe trabalhadora.
O outro importante problema enfrentado pela Internacional nos
últimos anos da década de 1860 foi o relacionamento entre Marx e o
anarquista russo Mikhail Bakunin. A disputa entre os dois, que sofreu
acentuado agravamento na década seguinte e acabou provocando o fim da
Internacional, integrou-se ao credo político dos anarquistas, contrapondo a
visão nitidamente libertária, descentralizada e antiestatizante destes à
postura autoritária e centrada no Estado defendida pelos marxistas. Esse
contraste, forjado nos confrontos políticos entre anarquistas, socialistas e
comunistas, durante as últimas décadas do século XIX e o início do século
XX, não era percebido com nitidez nos anos 1860. As próprias ideias de
Marx acerca de um futuro comunista, logo reveladas em seus escritos sobre
a Comuna de Paris, visualizavam um regime federalista e descentralizado; a
insistente afirmação de Bakunin, de que seus seguidores lhe deviam
obediência cega não parece indicar uma postura inteiramente antiautoritária.
Se havia um inevitável conflito entre comunistas e anarquistas, decerto
não ficava evidente no relacionamento entre Marx e Bakunin. Os dois
haviam sido amigos quando refugiados políticos em Paris, durante os anos
1840, e se alinharam no mesmo lado insurgente na Revolução de 1848.
Depois que Bakunin fugiu da Sibéria e retornou para a Europa na década de
1860, ele e Marx reestabeleceram o relacionamento. Em 1864, Marx
escreveu para Engels, contando que ficara bastante impressionado pelo fato
de ver em Bakunin “um dos poucos indivíduos que após dezoito anos não
regrediu, mas se desenvolveu ainda mais”. Quando Bakunin fixou
residência na Itália, Marx via nele um aliado político capaz de contrapor as
ideias anticomunistas de Giuseppe Mazzini entre as afiliadas italianas da
AIT. A atitude favorável de Marx no que dizia respeito à Bakunin foi
particularmente notável em vista de seu longo histórico de hostilidade e
desconfiança em relação à Rússia e a todos os russos.90
O motivo do rompimento entre eles foi a questão das sociedades
secretas. Bakunin, que sempre nutrira admiração por esses grupos, tentava
desde 1864 reunir os revolucionários socialistas europeus em uma
organização secreta. Em 1868, fez nova tentativa, por meio da criação de
uma Aliança Internacional da Democracia Socialista, que abrigava em seus
quadros muitos ativistas suíços da AIT, entre os quais se encontrava o
aliado íntimo de Marx, Johann Philipp Becker, um entusiasta de longa data
das sociedades secretas. Foi Becker, e não Bakunin, que propôs a afiliação
da Aliança à AIT. Contudo, tanto Marx como Engels acreditavam que
Becker agia apenas como um fantoche de Bakunin, o instrumento das
intrigas russas e pan-eslavistas. Marx não tardou a convencer o Conselho
Geral da AIT a rejeitar a ideia de associação de outra organização
internacional, especialmente uma instituída em bases clandestinas. Bakunin
concordou com a dissolução de seu grupo e com a entrada das filiais
nacionais deste na Internacional, na forma de seções afiliadas ordinárias, o
que ocorreu em 1869.91
Muito embora parecesse que a controvérsia fora resolvida de maneira
amigável, as divergências em termos de orientação política não foram
colocadas de lado com tanta facilidade. A oposição de Marx às políticas das
sociedades secretas e sua determinação em manter longe da AIT tais
organizações, encontrou nova fonte de inimizade em Bakunin. Os
refugiados russos e seus correligionários exerciam notada atividade na
Espanha e no sul da Itália, regiões da Europa onde os sindicatos e as
associações de trabalhadores existiam em número bastante reduzido e
prevaleciam as políticas das sociedades secretas. Os seguidores de Bakunin
foram gradativamente se convertendo na AIT daqueles países. Um choque
inicial entre os apoiadores das sociedades secretas, pró-Bakunin, e os
propositores da linha política defendida por Marx no Conselho Geral, anti-
Bakunin, sacudiu os afiliados franco-suíços da AIT, na primavera de 1870.
Entre acusações de manipulação de mandatos e reuniões abarrotadas, um
grupo expulsou o outro da Internacional. Quando os refugiados russos
levaram ao conhecimento de Marx o íntimo vínculo de Bakunin com Sergei
Netchaiev, o líder da sociedade secreta russa que havia mandado assassinar
um dos membros do grupo, com o intuito de adquirir controle dos bens que
ele possuía – um incidente notavelmente retratado por Dostoiésvki em Os
demônios –, Marx se convenceu ainda mais da perniciosa influência de
Bakunin.92
No congresso de 1870 da AIT, a possibilidade de um choque decisivo
com Bakunin e seus seguidores parecia iminente, portanto Marx
providenciou para que o encontro se realizasse em Mainz, onde a influência
de Bakunin não era significativa.93 Entretanto, o congresso nunca chegou a
se realizar, suplantado pelos confrontos militares que envolveram a França e
a Prússia e eram amplamente esperados desde a vitória desta última contra a
Áustria, em 1866. Marx e Engels avaliaram de perto os rumores e as
expectativas de guerra, à medida que tratavam das questões militares e
diplomáticas de forma mais geral. Suas especulações seguiram linhas bem
conhecidas: em uma perspectiva positiva, de que maneira a guerra deveria
conduzir à revolução; negativamente, como ela ampliaria o poder do czar.
No entanto, entre 1868 e 1869 concluíram que uma luta armada opondo
França e Prússia não estava próxima de eclodir.94
Consequentemente, a eclosão da guerra em julho de 1870 foi tanto
inesperada como lamentada. Jenny, a filha de Marx, em carta para o dr.
Kugelmann descreveu como a família havia “se surpreendido e ficado
indignada com o rumo que os eventos haviam tomado [...] O ressurgimento
do chauvinismo no século XIX é, de fato, uma farsa detestável!”95 De
acordo com o comentário de Jenny, ela, a exemplo de seu pai, via tal
conflito como um caso de agressão da França. Esse era um ponto de vista
corrente naquela época, na medida em que os cidadãos não tinham ciência
da ardilosa estratégia diplomática de Bismarck no sentido de forçar a
França a declarar guerra, para que a Prússia tivesse condições de lutar em
termos mais favoráveis.
Bismarck esperava que a declaração de guerra feita por Napoleão III
fosse recebida na Alemanha por uma onda de indignação nacionalista,
unindo toda a nação em apoio à monarquia prussiana. Suas expectativas
eram amplamente justificadas: em manifestações públicas, passeatas,
prédicas, editoriais da imprensa; em bares e tavernas; nas ruas, nos campos
e praticamente em todo lugar, os alemães se organizavam pela causa
prussiana; até mesmo aqueles que haviam sido derrotados e ocupados pela
Prússia poucos anos antes. Confirmando o cálculo preciso de Bismarck,
Marx e Engels se juntaram às fileiras nacionalistas alemãs. “Os franceses
merecem uma surra”, escreveu Marx para o amigo, quando eclodiu a
guerra. Observe-se que ele apregoava uma derrota humilhante dos franceses
e não apenas de seu imperador. Jenny von Westphalen, expressando a
opinião de seu marido de forma mais cabal e menos sofisticada, afirmou:
“Todos eles merecem ser derrotados pelos prussianos; pois todos os
franceses, mesmo aqueles das minúsculas comunidades onde vivem os
melhores, ainda trazem chauvinismo cravado nos recantos mais profundos
de seu coração. Agora, de uma vez por todas, eles serão destroçados”.
Enquanto os sentimentos de Karl e Jenny eram expressos nas
correspondências privadas, Engels tornava públicas suas ideias
nacionalistas. Ele assumiu a liderança na fundação de um comitê patriótico
de alemães em Manchester, comitê este que deveria levantar recursos para
levar ajuda aos soldados feridos; e se tornou secretário-tesoureiro da
organização. Em seu discurso programático proferido na abertura da
reunião de inauguração, ele proclamou, diante de quatrocentos alemães
residentes em Manchester, que o conflito significava “na França, uma
guerra do governo, e na Alemanha, uma guerra do povo”. Aquela não era,
continuou ele, “a primeira vez que a Alemanha lutava contra sua vontade
pela causa da honra e da independência”. O Elberfeld News publicou uma
reportagem sobre o inesperado patriotismo de seus subversivos filhos
nativos, para total espanto e consternação de Wilhelm Liebknecht, que
tentava induzir o Partido Social Democrata Trabalhista a denunciar
prussianos e franceses como agressores – isto é, adotar o ponto de vista que
Marx e Engels haviam defendido até serem varridos pela onda de
nacionalismo.96
Engels manteve essa opinião por várias semanas. A avaliação que fez
da brilhante estratégia militar de Helmut von Moltke, o chefe do Estado-
Maior da Prússia, e da audácia dos soldados alemães – “jovens valorosos” –
nos ataques de baioneta contra as trincheiras francesas, só serviu para
reforçar seu nacionalismo. Marx, no entanto, já começava a reconsiderar
sua opinião. Para ele, a guerra nacionalista de 1870, a exemplo do levante
nacionalista contra o domínio de Napoleão em 1813, estava assumindo um
tom político nitidamente reacionário:

“Jesus My Certainty” (Jesus, minha verdade), cantada por


Guilherme I, com Bismarck à sua direita e Stieber [o inimigo de
Marx desde o julgamento dos comunistas de Colônia era chefe da
inteligência militar alemã] à esquerda, é a Marselhesa alemã!
Assim como em 1812 e nos anos subsequentes. Os filisteus
alemães parecem positivamente encantados pela oportunidade de
tornar público, sem embaraços, seu inerente espírito de
subserviência. Quem sonharia com a possibilidade de, 22 anos
após 1848, uma guerra nacional na Alemanha assumir tal
expressão teórica!97

AS ADVERTÊNCIAS EXPRESSAS em carta por Ferdinand Lassalle em


1859, sobre o pernicioso efeito político de uma guerra contra a França,
estavam esquecidas havia muito tempo e jaziam em algum lugar, no meio
de uma pilha de papéis no atulhado escritório de Marx.
A declaração da AIT acerca da guerra, escrita pelo próprio Marx,
revela uma faceta desse estado de espírito alterado. Ela condenava
Napoleão III por iniciar o conflito, que descrevia como uma guerra
defensiva por parte dos alemães, um ponto ao qual Marx cobrava o endosso
de Liebknecht, Bebel e seus seguidores. Mas, além disso, a declaração
denunciava a ideia de uma guerra alemã de conquista; salientava que no
passado o governo prussiano havia cooperado intimamente com Luís
Napoleão Bonaparte; e fazia advertências, como se podia esperar de Marx,
a respeito das tramas do czar que espreitavam em segundo plano.98 Essas
ressalvas só foram confirmadas com a continuidade da guerra.
As batalhas se transformaram em sucessivas calamidades e
culminaram com a derrota do principal exército da França em Sedan, em
setembro de 1870, e a captura do imperador francês – deixando evidente
que ele não era um Napoleão, como havia sido seu tio. Para a França, a
única alternativa ao desespero era a revolução: a república foi proclamada
em Paris e o novo governo de defesa nacional deu início a uma guerra
revolucionária. Com o objetivo de arregimentar novos exércitos, seus
líderes fugiram da capital sitiada, para o sul do país; entre os envolvidos
nessa iniciativa estava o genro de Marx, Paul Lafargue, que, para
indubitável alívio dos pais de sua esposa, Laura, estabeleceu-se em
Bordeaux junto com ela e os filhos. Enquanto o governo francês se tornava
mais aceitável para Marx do ponto de vista político, Bismarck adotava
exatamente a política que ele havia condenado, exigindo a cessão dos
territórios da Alsácia e da Lorena.99
Naquele mesmo mês de setembro, Engels, já aposentado, mudou-se
para Londres com o propósito de se juntar ao amigo, o que colocou um fim
à extensa correspondência que os dois mantiveram durante os vinte anos
anteriores. Sem as evidências registradas em cartas, fica difícil o
rastreamento da mudança de opinião dos dois em relação à guerra. De
início, a proclamação da república fez pouca diferença: Marx sugeriu que
os membros franceses da AIT se mantivessem passivos e esperassem por
um tratado de paz antes de retomar as ações políticas e sociais. Ele
classificou de “absurda” a ideia defendida pelos membros da sociedade
secreta francesa que lhe faziam oposição, de se proclamar um governo
revolucionário ou “Comuna” em Paris. Contudo, já em meados de
setembro, Marx e Engels se mostravam apreensivos com respeito à guerra,
devido às notícias de que o governo prussiano havia detido os líderes do
Partido Social Democrata Trabalhista. No final do ano, renunciaram ao
nacionalismo anterior e se converteram em partidários da República
Francesa, passando a apregoar que, se os novos exércitos da França
conseguissem resistir por tempo suficiente, a pressão exercida por
britânicos e russos forçaria a Prússia a selar um compromisso de paz.100
Essa era, também, a avaliação do governo francês; porém, não se
percebia a iminência de vitórias militares, nem da intervenção das outras
grandes potências (oficialmente neutras, mas simpáticas aos prussianos),
em consequência do que os governantes assinaram um armistício em
janeiro de 1871. Permanecia ainda a questão específica de um tratado de
paz permanente. Com quem deveria Bismarck assinar tal tratado? Nem o
imperador, então prisioneiro de guerra, tampouco o governo provisório da
República Francesa tinham condições de reivindicar legitimidade política
para fazê-lo. Durante o armistício, suscitadas pela insistência de Bismarck,
foram realizadas eleições para uma Assembleia Nacional Francesa que teria
autoridade soberana para decretar o fim da guerra. Levadas a efeito em
fevereiro de 1871, as eleições conduziram à vitória dos monarquistas
conservadores, que favoreceram a consecução da paz, embora uma paz feita
de derrota. Foi acima de tudo em Paris que os radicais favoráveis à guerra
saíram-se vitoriosos.
A maioria dos habitantes da capital francesa se opunha à Assembleia
Nacional recém-eleita, antes mesmo de ela começar a se reunir na vizinha
Versalhes. Em 18 de março de 1871, os radicais proclamaram um novo
governo revolucionário em Paris, a “Comuna”, cuja heterogênea
congregação de apoiadores era formada por indivíduos de diferentes
vertentes políticas, como jacobinos nos moldes de Robespierre; social-
democratas da Revolução de 1848; socialistas de diversas inclinações,
incluindo ativistas da AIT; e um numeroso grupo de patriotas e partidários
da república. A Comuna de Paris, rechaçada por um hostil governo nacional
e cercada por tropas alemãs, encontrava-se em precárias condições desde o
momento de sua instituição. Ela procurava aliados onde quer que pudesse
encontrá-los, lançando, inclusive, repetidos apelos por apoio à Associação
Internacional dos Trabalhadores.101
Marx mantinha contato pessoal com os líderes da Comuna,
principalmente por intermédio de um comerciante alemão que fazia viagens
de negócio periódicas entre Londres e Paris. A correspondência existente é
esparsa: apenas duas cartas, em uma das quais prevalecem acusações a
inimigos de Marx na AIT, os revolucionários da “divisão francesa” da
sociedade secreta em Londres, que se haviam corrido a Paris para participar
da revolução. Na outra, escrita em meados de maio de 1871, dada a
iminência da extinção da Comuna, já que o governo nacional sediado em
Versalhes preparava a invasão de Paris, Marx sugeria que seus apoiadores
na capital francesa enviassem documentos vitais para um “local seguro”, ou
seja, Londres.
Nada disso significa um forte compromisso com o regime insurgente.
Em cartas endereçadas a Liebknecht e Kugelmann, datadas de abril de
1871, e em outras, de caráter retrospectivo, enviadas em junho de 1871 a
Edward Beesley, membro inglês do Conselho Geral, e uma década mais
tarde, para Ferdinand Domela Nieuwenhius, um socialista holandês, Marx
asseverava que, desde seus primórdios, a liderança da Comuna havia
perdido a oportunidade de adotar ações enérgicas. Ela poderia ter
confiscado os bens do Banco da França, enviado a Guarda Nacional de
Paris para marchar sobre Versalhes ou, pelo menos, fortificado as colinas de
Montmartre, para se defender de uma incursão das tropas leais ao governo
nacional. Tais ações teriam alterado o equilíbrio de forças entre os
insurgentes parisienses e o governo nacional, e promovido um acordo
negociado entre as partes.102
A atitude cautelosa de Marx em relação ao regime revolucionário de
Paris refletia, também, divergências dentro da própria AIT. Inúmeros
sindicalistas britânicos do Conselho Geral, a exemplo do que acontecia de
forma mais generalizada com a maioria da opinião pública de esquerda na
Inglaterra, apoiavam o governo da nova República Francesa, e não a
insurgente Comuna de Paris. Dez dias depois da proclamação da Comuna,
Marx se dispôs, na reunião do Conselho Geral, a redigir um discurso sobre
o assunto para a AIT; contudo, ele não tinha nada concluído nos dois meses
e meio seguintes.
Nesse ínterim, enquanto Marx hesitava, os inimigos da Comuna a
identificavam cada vez mais com a Internacional, em geral, e com ele, em
particular. O governo sediado em Versalhes atribuía as conspirações
subversivas da Internacional e de seu chefe Marx à existência da Comuna.
Foram criados documentos, grosseiramente forjados, evidenciando o papel
de Marx e da AIT. Rumores estranhos, tais como a alegação de que Marx
era secretário particular de Bismarck e manipulava em segredo a Comuna,
em nome de interesses da Prússia, tiveram ampla circulação na imprensa
francesa, e atravessaram o Canal. As acusações a Marx e à AIT atingiram
um clímax em junho de 1871, quando o governo em Versalhes despachou
tropas a Paris para exterminar seus opositores revolucionários. A opinião
pública na Inglaterra e em todo o mundo ocidental se chocou com as ações
dos insurgentes sitiados: o envio de mulheres armadas para o combate
contra o exército francês, o fuzilamento do arcebispo de Paris, tomado
como refém, e os incêndios provocados em edifícios, como medida de
defesa militar. De acordo com o Pall Mall Gazette, todas essas ações eram
obras do comunismo, da AIT e de Marx, “líder de uma ampla conspiração”.
Este último e Engels dispararam uma carta atrás de outra para a imprensa,
na maioria jornais ingleses e franceses, mas também para os austríacos, os
italianos e os americanos, denunciando a cobertura realizada por esses
veículos. Marx chegou a desafiar o editor do Pall Mall Gazette para um
duelo, caso não se retratasse das acusações. A despeito dessa indignação,
Marx se deleitava com sua notoriedade, tendo escrito para o Dr.
Kugelmann, dizendo-se “o homem mais bem caluniado e o mais ameaçado
em Londres”; e acrescentou depois, “isso realmente faz bem após um
entediante idílio pantanoso de vinte anos”.103
Foi com esse espírito que ele finalmente redigiu sua declaração para a
AIT sobre a Comuna, A guerra civil na França. O texto é uma das clássicas
peças polêmicas do autor, começando com uma violenta denúncia pessoal
do governo de Versalhes: seu líder, o veterano político liberal Adolphe
Thiers, era “aquele gnomo monstruoso”; e o ministro das relações
exteriores, Jules Favre, “vivia em concubinato com a esposa de um ébrio
residente de Argel”. Não foram apenas as falhas pessoais e morais do
governo em Versalhes que Marx denunciou, mas também uma associação
de corrupção e falta de patriotismo: no outono de 1870, seus integrantes
haviam agido no sentido de sabotar a contínua guerra contra os alemães e,
mais tarde, urdiram o recebimento de uma comissão sobre o empréstimo
levantado para pagamento da indenização de guerra à Alemanha, comissão
esta que só poderia ser paga depois de deposto o governo revolucionário
estabelecido em Paris.
Marx estabeleceu um contraste entre esse governo corrupto, que reunia
liberais burgueses, como Thiers, assim como reacionários, aristocratas e
membros do baixo escalão do parlamento, e a revolucionária Comuna de
Paris. A “maioria” dos integrantes desta “era naturalmente formada por
trabalhadores [...] representantes reconhecidos da classe operária”; seu
governo se dedicava à “Emancipação do Trabalho”, à “expropriação dos
expropriadores”, e ao “Comunismo”. Rompendo sua relutância de longa
data em especular a respeito de um futuro comunista, Marx descreveu o
regime como “o glorioso arauto de uma nova sociedade”. Toda a
administração estatal centralizada que havia caracterizado a França – com
sua burocracia, sua gendarmaria, seu exército permanente, seu sistema
judiciário e a igreja estabelecida – seria abolida. Batendo na mesma tecla
que seu rival anarquista Bakunin, Marx traçou um futuro comunista de
descentralização e democracia direta. A vida pública deveria ser gerida por
comunas eleitas localmente e confederadas no âmbito de toda a nação.
Funcionários eleitos ficariam comprometidos a cumprir o desejo de seus
eleitores, e seus cargos estariam sujeitos a imediata revogação se suas ações
desagradassem aos constituintes. Os membros da Comuna só receberiam o
salário de um trabalhador, de modo que o governo custaria pouco e os
impostos seriam baixos – uma proposta marcada por um radicalismo pré-
comunista mais antigo. No primeiro esboço, Marx chegou a empregar a
expressão “governo econômico” para descrever a Comuna, um slogan
usado pelos liberais e radicais ingleses defensores do livre mercado. A
separação entre a igreja e o Estado deveria ser um traço característico do
novo regime comunista, assim como a educação pública secular – mais
duas ideias radicais pré-comunistas e dois aspectos da Comuna
veementemente enfatizados por seus defensores ingleses não comunistas.104
Com esse governo, os trabalhadores realizariam o objetivo comunista de
instauração de “sociedades cooperativas unidas . . . controle da produção
nacional com base em um plano comum [...]”.
Essa descrição do futuro comunismo diferia dos planos anteriores de
Marx segundo os quais os comunistas assumiriam o comando do aparelho
estatal existente e o acionariam para atender a seus propósitos
revolucionários. Engels já havia especulado acerca da nomeação para os
quadros do governo revolucionário, de empregados do comércio capazes de
realizar um trabalho de governo mais eficiente do que os funcionários
estatais instruídos no tocante a legislação, típicos da burocracia alemã.105 A
polêmica representou decerto um rompimento com a postura assumida por
Marx menos de um ano antes, quando da eclosão da Guerra Franco-
Prussiana, ocasião em que ele fez a apologia de uma derrota da França e
denunciou explicitamente a ação revolucionária dos socialistas franceses,
chegando a classificar de “absurda” a ideia de uma Comuna de Paris. Desde
meados dos anos 1840, Marx considerava um levante socialista em Paris
como lance inicial de uma revolução europeia, e talvez mundial; no entanto,
no final da década de 1860 ele já não via em Paris a vanguarda do
socialismo e do movimento trabalhista. Seu ceticismo particular a respeito
da Comuna de Paris sugere mais uma sintonia com a nova postura por ele
adotada do que com seu louvor público pela cidade insurgente.
Marx sabia muito bem já naquela época o que a maioria dos
historiadores só veio a descobrir posteriormente: que a Comuna de Paris
não era um governo socialista. No primeiro esboço não publicado de A
guerra civil na França ele examinou de modo sistemático as medidas
tomadas pela Comuna, tendo encontrado entre elas apenas uma que talvez
pudesse ser considerada socialista e observou que as medidas destinadas a
beneficiar a classe média eram, no mínimo, tão frequentes e significativas
como aquelas reservadas aos trabalhadores.106 A força motriz que levou
Marx a associar a Comuna com o futuro comunista que ele imaginava,
foram os ataques iniciados pelo governo sediado em Versalhes e difundidos
pela imprensa em toda a Inglaterra, através do continente e nos Estados
Unidos, ataques estes que identificavam a Comuna com um regime
comunista subversivo e acusavam Marx e a AIT de serem seus
fomentadores.
O enaltecimento da Comuna de Paris como precursora de uma futura
sociedade comunista indicava o fim dos pacientes esforços de Marx, que
durante sete anos procurou consolidar a AIT. Isso significava romper com
os sindicalistas ingleses a ele aliados e base de sua autoridade no Conselho
Geral — aliados de que ele carecia urgentemente na disputa contra Bakunin
e seus correligionários, que haviam apoiado o governo nacional republicano
francês e rejeitavam uma insurreição revolucionária. Na melhor das
hipóteses, o futuro político de Marx era incerto; na pior, a decisiva
associação com os insurgentes parisienses colocaria um fim a seu período
de ativismo político. E é necessário questionar se a paciência de Marx com
seu papel na Internacional o estava desgastando, e se a dor e a incapacitação
física provocadas por sua incurável moléstia de pele dificultavam mais e
mais suas ações políticas. Em caso afirmativo, o objetivo cabal do A guerra
civil na França fora preservar a gloriosa ideia de uma revolução comunista
para um futuro no qual ele não tinha mais um papel a exercer. Nesse
sentido, o discurso na Comuna marcou o início do fim do ativismo de Marx
e de suas tentativas, na qualidade de veterano da Revolução de 1848, de
desempenhar um papel na política europeia durante o período de guerra e
cataclismo iniciado em 1859.
Parte III

O legado
10

O teórico

NAS DUAS DÉCADAS entre 1850 e 1870, Marx chegou à versão madura
de suas teorias filosóficas, sociais e econômicas. Quando pensamos nelas,
imaginamos um acadêmico barbado meditando durante horas a fio sobre
enormes volumes no Museu Britânico; porém, como regra geral, as
pesquisas teóricas de Marx ocorriam paralelamente a outras atividades que
demandavam um tempo muito maior: a política do exílio, o jornalismo, a
AIT, a necessidade de fugir dos credores, as enfermidades graves ou fatais
que acometeram seus filhos e sua esposa e, depois do início de sua moléstia
de pele em 1863, os cuidados com ele próprio. Com grande frequência o
trabalho teórico de Marx sofria interrupções de meses ou ficava restrito a
poucas horas disponíveis no avançado da noite.
Mesmo sem esses desvios, o ritmo do autor era lento e os textos
passavam por revisões constantes. Ele tinha dificuldade em levar para o
papel a versão final de seus pensamentos, portanto, não surpreende o fato
de nunca ter desenvolvido as análises críticas da sociedade e as disciplinas
intelectuais planejadas pela primeira vez em 1845. Causa frustração a
interpretação dos resultados de suas ponderações teóricas, muito embora
por motivos antagônicos em diferentes áreas do conhecimento. Os textos de
Marx sobre filosofia, sociedade e história, produzidos depois de 1850, são
fragmentados: trechos de trabalho jornalístico ou de suas correspondências,
passagens relevantes acerca de polêmicas na política e tratados sobre
economia. A despeito de planos mencionados ocasionalmente, nunca
desenvolveu um extenso trabalho teórico, o que levou os comentaristas e
intérpretes a se concentrar nos manuscritos que ele elaborou na década de
1840 – incompletos, mas, pelo menos substanciais. Por outro lado, o
problema com seus textos sobre economia era o excesso de material. Dois
livros foram publicados no período em que Marx viveu: Uma contribuição
para a crítica da economia política, de 1859, e O capital, Volume Um, de
1867. O último, como bem sabe qualquer pessoa que já o tenha tido nas
mãos, é extenso e denso. Além dos textos publicados na imprensa, Marx
deixou um legado de inúmeros manuscritos sobre economia, os quais
Engels classificou e editou nos volumes dois e três de O capital. Outros
manuscritos a respeito da história da economia política foram publicados
mais tarde com o título de Teoria da mais valia: os fisiocratas. No entanto,
a redução de uma massa de manuscritos a três livros, embora volumosos,
significa deixar de lado uma grande quantidade de trabalhos não
publicados, sem contar as extensas anotações de Marx sobre economia e as
muitas discussões a respeito de questões econômicas contidas em suas
correspondências.
Para decifrar esse labirinto intelectual, ao mesmo tempo fragmentado e
surpreendente, um guia bastante útil é a concisa descrição escrita por
Ferdinand Lassalle em 1851, sobre o Marx pensador: “Ricardo se tornou
um socialista; Hegel, um economista”.1 Logo no início de um período de
duas décadas de reflexão e desenvolvimento teórico, esse discípulo de
Marx, dotado de grande capacidade de observação, concentrou-se em dois
temas principais. Marx era, sem dúvida alguma, um seguidor de Hegel;
mas, o que significava ser um hegeliano depois de 1850, quando estava em
ascensão uma nova filosofia nitidamente não hegeliana – aquela do
positivismo? Esse novo desenvolvimento fez surgir um problema não
apenas para a filosofia em si, mas para o entendimento da história e da
sociedade humanas. O outro ponto do comentário de Lassalle destacava que
a compreensão de Marx a respeito de economia era moldada pelas ideias de
David Ricardo, o notável economista político inglês e principal discípulo de
Adam Smith. Nas duas décadas após 1850, se não mais além, Marx se
dedicou a elaborar sua versão da profundamente pessimista concepção de
Ricardo sobre o futuro do desenvolvimento capitalista. Ele criou a partir daí
um sistema de economia política demonstrando de que maneira uma
economia capitalista daria lugar, como resultado de sua dinâmica interna, a
uma sociedade socialista. Essa era, por si só, uma tarefa difícil, mas ainda
mais desafiadora pelo fato de ocorrer em um momento bastante diferente:
não na época dominada pelas crises, do início do século XIX, quando a
indústria chegava à Inglaterra, mas no período de prosperidade e acelerado
crescimento econômico dos 25 anos posteriores a 1850. Os esforços de
Marx para estabelecer sua versão do legado hegeliano, incorporando, ao
mesmo tempo, a tendência intelectual positivista daquele tempo, é o objeto
de estudo deste capítulo. A criação de uma versão comunista da economia
política de Ricardo em uma época bastante diferente daquela em que este
viveu e trabalhou, é o assunto do próximo.

O POSITIVISMO SURGIU no princípio do século XIX, mas, somente a


partir de 1850, avançou rapidamente até atingir uma posição de destaque na
vida intelectual e cultural da Europa. Os positivistas, e muitos
contemporâneos que não adotavam esse termo, entendiam que o
conhecimento humano nascia de uma percepção empírica do mundo. Ao
contrário dos empiristas do século XVIII, cujas ideias foram duramente
criticadas por Kant e Hegel, os positivistas interpretavam o conhecimento
empírico como resultado de procedimentos científicos – experimento,
coleta organizada de dados e análise matemática –, em vez de simples
percepção sensorial. No início, as ciências físicas forneceram o modelo para
a epistemologia positivista, porém, depois da publicação do trabalho de
Charles Darwin, A origem das espécies, em 1859, a biologia evolucionária
transformou-se gradualmente em um padrão mais importante para a
aquisição de conhecimentos. Estudiosos daquela época tomaram esses
modelos científicos e os aplicaram a todas as disciplinas intelectuais, da
antropologia à crítica literária, passando pela sociologia; a compreensão da
história humana foi reformulada no que diz respeito aos estágios evolutivos
do avanço da ciência.2
Esse desenvolvimento representou para Marx um problema específico.
Seu socialismo era wissenschaftlich, porém, a Wissenschaft que ele tinha
em mente ao apresentar suas argumentações era o conhecimento hegeliano
adquirido na Universidade de Berlim e ainda intelectualmente dominante
nos anos 1840. A ascensão do positivismo nas décadas de 1850 e 1860
produziu uma espécie muito diferente de Wissenschaft. Marx, que junto
com Engels acompanhava de perto o desenvolvimento científico, tinha total
ciência dessa transformação intelectual. Poderiam as suas teorias continuar
sendo wissenschaftlich, ao mesmo tempo em que eram hegelianas, ou ele
deveria embarcar na onda positivista?
Para os antigos companheiros de Marx, os Jovens Hegelianos, a nova
vertente intelectual era perturbadoramente nítida. Marx guardava pouca
simpatia pelos argumentos por ela apresentados. No final de 1855, Bruno
Bauer visitou-o em Londres e, enquanto o anfitrião se entretinha escrevendo
para Engels, observou que “Na Alemanha — horrível, de fato! — nada
mais é adquirido e lido além de míseras compilações do campo das ciências
naturais”. Alguns anos mais tarde, Arnold Ruge anunciou que planejava
uma nova versão do German Yearbooks. De acordo com Marx, “Sua
principal tarefa é representar a luta contra o materialismo, na indústria e nas
ciências sociais, e também, contra a linguística comparativa, que germina
por toda parte; ou seja, contra todas as coisas para as quais o conhecimento
exato seja necessário”.3 Esses comentários revelam uma indisfarçável
natureza positivista, as atitudes de um homem que abandona sua prévia
submissão ao pensamento hegeliano em nome de uma nova visão de
mundo, norteada pelas descobertas empíricas das ciências.
MANIFESTO COMUNISTA (1848)

Na mesma proporção do desenvolvimento da burguesia, isto é, do capital, também se desenvolve


o proletariado, a moderna classe trabalhadora – uma classe de operários que só conseguem viver
se encontram trabalho, e só encontram trabalho se sua mão de obra produz aumento do capital.
Esses trabalhadores, que se vendem individualmente, são uma mercadoria, como qualquer outro
artigo comercializado, e estão, portanto, expostos a todas as vicissitudes da concorrência, a todas
as flutuações do mercado. [...] Na mesma proporção em que a repugnância do trabalho aumenta,
o salário diminui. Mais ainda, na mesma medida em que crescem o uso de máquinas e a divisão
do trabalho, aumenta também o peso da labuta [...]

Os pronunciamentos públicos de Marx, no período posterior a 1850,


deixavam transparecer um viés nitidamente positivista. Uma justaposição
da descrição do empobrecimento da classe trabalhadora, feita por ele no
Manifesto comunista, com uma análise similar realizada dezesseis anos
mais tarde, no discurso de posse da Associação Internacional dos
Trabalhadores, permite identificar de forma clara o avanço de uma
influência positivista.
O Manifesto descrevia um processo dialético no qual o trabalho é
convertido em seu oposto, o capital, e os trabalhadores são empobrecidos
pelo próprio trabalho, à medida que este é exteriorizado no capital por ele
criado. Dezesseis anos mais tarde, a dialética desaparecera, sendo
substituída por uma definição científica de subnutrição, complementada
pelo número necessário de grãos de nitrogênio e pelos resultados do
levantamento. A transição de uma forma de representação hegeliana para
uma positivista salta aos olhos.

DISCURSO DE POSSE (1864)

Dr. Smith, o parlamentar médico, asseverou que 28.000 grãos de carbono e 1.330 grãos de
nitrogênio consistiam a ração semanal capaz de manter um adulto normal [...] apenas uma linha
acima das fronteiras da inanição; e ele considerou além do mais que essa quantidade estava muito
próxima do nível de nutrição insuficiente ao qual a pressão da miséria extrema havia
verdadeiramente reduzido os operários do algodão [...] O resultado de sua pesquisa [...] os
tecelões da seda, as costureiras, os luveiros infantis, os tecelões de meias, e assim por diante,
recebiam uma porção média, nem mesmo a quantidade de carbono e nitrogênio “apenas
suficiente para evitar doenças [...] da população agrícola [...] mais de um quinto recebia menos do
que a porção considerada suficiente de alimentos contendo carbono [...] mais de um terço tinha
menos do que o suficiente em termos de alimentos nitrogenados [...]”.4

Muitos trabalhos eruditos mais antigos, e ainda influentes, que em sua


maioria não consideram os textos de matiz hegeliano dos anos 1840,
simplesmente tratam Marx como um positivista.5 No entanto, um exame
mais detalhado das respostas apresentadas por ele ao desenvolvimento nas
ciências físicas e naturais, depois de 1850, revela um quadro mais
complexo, no qual ele tanto aceitava como criticava os novos avanços
científicos. Marx acomodou suas pressuposições filosóficas a esses
avanços, sem abrir mão de suas bases filosóficas, as quais explicitou em
uma forma mais aceitável dentro da perspectiva de uma era positivista.
Um dos primeiros encontros de Marx com a ciência pós-1850 ocorreu
por intermédio de um amigo íntimo e aliado político, o médico de Colônia
Roland Daniels. Em 1851, antes de ser preso e condenado no julgamento
dos comunistas de Colônia, ele escreveu para Marx a respeito de um
trabalho teórico que estava preparando, Microcosm: Draft of a
Physiological Anthropology [Microcosmo: esboço de uma antropologia
fisiológica]. O ponto de partida de Daniels foi o mesmo adotado por Marx
nos anos 1840, a noção de ser humano sensorial, de Ludwig Feuerbach,
como base de conhecimento e desenvolvimento histórico. Contudo, para
Daniels, o homem sensorial das teorias de Feuerbach era um ser humano
fisiológico: “o organismo humano é e se mantém como meu indicador”. A
história e a sociedade eram fisiológicas, as respostas reflexas dos
organismos humanos aos estímulos provocados por seu ambiente. Seguindo
os passos de Feuerbach, Daniels desejava criar uma filosofia fisiológica –
um ateísmo científico, materialista e real – nitidamente diferente do ateísmo
filosófico e idealista dos Jovens Hegelianos. Daniels entendia o socialismo
em termos fisiológicos: “Juros [sobre empréstimos] é uma questão
indiferente para mim, mas não o é a pureza de meu alimento”. Uma
sociedade socialista deveria ter como objetivo elevar ao máximo a saúde
coletiva e individual de um povo, de acordo com critérios científicos.
Daniels sugeriu que as demandas socialistas podiam ser resumidas em uma
sentença: “Produção em conformidade com rígidos critérios científicos
exclusivamente em relação ao organismo humano”.
É lamentável que apenas a parte da correspondência do lado de
Daniels tenha sido preservada; mas, os comentários dele nas respostas de
Marx são elucidativos. Aparentemente Marx criticou-o, dizendo que
adotava uma abordagem “algumas vezes mecânica demais, algumas vezes
anatômica demais”, e que não era capaz de integrar a consciência humana
em sua explanação sobre a história ou de explicar como a sociedade, se
constituída de leis fisiológicas, poderia vir a ser modificada. Marx chegou a
afirmar que considerava Bruno Bauer mais wissenschaftlich que Feuerbach
– uma afirmação talvez surpreendente, dado o materialismo de Feuerbach e
o idealismo de Bauer.6 Todavia, essa atitude certamente é compatível com
uma rejeição ao positivismo. Os próprios trabalhos posteriores de
Feuerbach penderam para uma direção positivista, com críticas a Hegel por
afirmar que a verdade deve ser encontrada por meio de um processo
histórico dialético e não simplesmente estar ao alcance da percepção. Marx
demonstrou considerável interesse pelas ideias de Daniels – ele espalhou
nas cartas deste diversos sublinhados e grifos de menor importância –, mas
seu repúdio às explanações sobre história humana e sociedade, sobre os
fundamentos da filosofia, e os argumentos a favor do socialismo, baseados
em fisiologia científica, sugerem uma atitude cética em relação ao
positivismo.
Talvez fosse necessário algo mais convincente do que a filosofia
fisiológica de seu amigo para motivá-lo. A lógica indicava o notável evento
intelectual da era positivista, o mais significativo evento científico de todo o
século XIX, como fator natural de motivação. A publicação de A origem
das espécies não apenas revolucionou a ciência, como inspirou um
movimento de imitação e repulsa em virtualmente todos os aspectos da vida
cultural e intelectual da Europa. Como todos sabem, ou pensam que sabem,
Marx manifestou seu desejo de dedicar O capital a Darwin, e repetiu
diversas vezes que as descobertas daquele cientista confirmavam as que ele
havia feito acerca da sociedade humana. No entanto, ao mesmo tempo em
que reconhecia a validade científica das teorias de Darwin e as endossava,
em termos positivistas, pelo fato de respaldarem o ateísmo e a ideia de
progresso, Marx também lançava uma crítica hegeliana aos conceitos de
Darwin e demonstrava ceticismo a respeito da aplicação desses conceitos ao
estudo da história e da sociedade humanas.
O primeiro contato de Marx com o trabalho de Darwin ocorreu por
intermédio de Engels, que havia comprado um exemplar do A origem das
espécies na segunda semana depois de sua publicação, em novembro de
1859. Ele fez uma leitura rápida e entusiástica e relatou ao amigo que o
livro era “fantástico [...] até este momento nunca havia sido feita tal
extraordinária tentativa de provar o desenvolvimento histórico da natureza;
pelo menos não com todo esse sucesso”.7 Marx ainda levou um ano para
seguir a recomendação de Engels e ler A origem das espécies, o que acabou
fazendo no período em que tratou da esposa, acometida por um surto de
varíola. Ele afirmou para o amigo: “Embora desenvolvido em um estilo
inglês rudimentar, este é o livro que contém os fundamentos de nossas
ideias aplicados à história natural”. Em janeiro de 1861, Marx escreveu para
Ferdinand Lassalle, relatando que “o trabalho de Darwin é muito importante
e me serve como a base da história natural para a histórica luta de classes
[...]”. Uma vez despertado, o interesse de Marx pelas ideias de Darwin se
manteve durante anos. Frequentemente discutia a teoria evolucionária com
os amigos e aliados em Londres, além do que assistia a palestras e estudava
os escritos do mais importante divulgador de Darwin, Thomas Henry
Huxley, e lia com avidez autores que alegavam ter desenvolvido versões
melhoradas da ideia de seleção natural.8
Por esses dados seria fácil concluir que os trabalhos de Darwin
converteram Marx para a ideia positivista da ciência natural como base do
conhecimento. No entanto, havia nas atitudes dele um lado mais cético em
relação ao notável biólogo. Em junho de 1862, depois de reler A origem das
espécies, ele escreveu para Engels, dizendo:

no trabalho de Darwin, que examinei novamente, chama-me a


atenção ele dizer que está aplicando a teoria “malthusiana” para
as plantas e os animais, ignorando que o ponto central de Herr
Malthus é a aplicação de sua teoria a humanos – em progressão
geométrica –, e não a plantas e animais. É surpreendente como
Darwin reconhece entre bestas e plantas a sociedade inglesa a que
ele pertence, com sua divisão de trabalho, concorrência, abertura
de novos mercados, suas “invenções” e sua “batalha malthusiana
pela sobrevivência”. Ela é [...] uma reminiscência de Hegel, da
“Fenomenologia”, na qual a sociedade burguesa aparece como o
“reino animal espiritual”, enquanto em Darwin, o reino animal
manifesta-se como burguesia.9

Essa sumarização do trabalho de Darwin apontava para um lado


diametralmente oposto ao positivismo, no qual eram as ciências naturais
que forneciam um modelo para compreensão do mundo. Em vez disso, tal
sumário adotava o posicionamento hegeliano, segundo o qual a filosofia –
ou, na versão de Marx, uma economia política filosoficamente articulada –
teria condições de avaliar e criticar o fundamento conceitual de outras áreas
do conhecimento, inclusive das ciências. Com um exame mais detalhado da
questão, aumentou o ceticismo de Marx acerca das afirmações de que as
teorias de Darwin serviam de diretrizes para a economia e a sociedade.
Depois que seu genro, Paul Lafargue, encontrou-se, em 1869, com
Clémence Royer, tradutora dos textos de Darwin para o francês, e se
decepcionou com as credenciais capitalistas (senão esquerdistas e
anticlericais) por ela apresentadas, Marx lhe confessou que não o
surpreendia o fato de ela ser “burguesa”. Darwin havia transposto para a
natureza a luta pela sobrevivência observada no capitalismo laissez-faire
britânico, e, portanto, os darwinistas naturalmente identificavam aí uma
razão “para que a sociedade humana nunca se emancipasse de sua
bestialidade”.10
Marx passou a encarar o darwinismo como parte de uma tendência
positivista que estava solapando a posição das ideias hegelianas. Em um
posfácio bastante conhecido da segunda edição de O capital, ele expressou
sua desaprovação aos pensadores alemães contemporâneos que viam Hegel
como um “cachorro morto” e insistiu na validade do método dialético
hegeliano, o qual aplicara em sua crítica da economia política. Marx não
identificou publicamente esses pensadores alemães que tanto reprovavam
Hegel, porém, em uma carta endereçada a Engels, ele insinuou que o
problema começava com Feuerbach, “em cuja consciência pesa muita coisa
a esse respeito”. Em outra carta, dessa vez para seu amigo dr. Kugelmann,
ele fez referência nominal aos críticos. Entre eles se encontravam, o
economista Eugen Dühring e o famoso fisiologista e psicólogo
experimental Gustav Fechner, cujos experimentos com estímulos e suas
respectivas formulações matemáticas eram reminiscências das propostas de
Roland Daniels. Outros dois eram proeminentes darwinistas alemães:
Ludwig Büchner e Friedrich Albert Lange,11 ambos, homens de esquerda.
Lange era partidário do movimento trabalhista, que ele esperava explicar
com base nas linhas darwiniana e malthusiana. Contudo, a rejeição que
demonstravam pela dialética de Hegel em favor de uma interpretação
positivista do mundo, na qual as ciências biológicas serviriam de modelo
para o conhecimento e a ação social, despertou a ira de Marx.
Se essa era a opinião de Marx a respeito dos darwinistas, por que então
ele se mostraria disposto a dedicar O capital a Darwin? A resposta é
bastante simples: a história de que Marx pretendia dedicar O capital a
Darwin é um mito reiteradamente refutado, que parece, porém, virtualmente
inextirpável. Foi Edward Aveling, o amante de Eleanor, filha mais jovem de
Marx, quem escreveu uma versão mais popular das teorias de Darwin e
pediu a ele autorização para lhe dedicar esse trabalho. A resposta negativa
do cientista acabou embaralhada entre os papéis de Marx quando Eleanor os
organizou após a morte do pai.12
De fato, Marx tinha uma opinião favorável a algumas implicações das
teorias de Darwin. Ele as via como mais um golpe intelectual em favor do
materialismo e do ateísmo, um ponto sobre o qual contemporâneos
apoiadores e opositores de Darwin tendiam a concordar. Marx ficou
bastante decepcionado quando Thomas Huxley, feroz defensor das ideias
darwinistas, “abriu a porta dos fundos” para a crença religiosa, em um
discurso proferido em Edimburgo, em 1868, e se recusou a admitir as
implicações materialistas das ideias em nome das quais ele advogava.
Acompanhando com considerável interesse as pesquisas dos cientistas
alemães partidários de Darwin, tais como os zoólogos Gustav Jäger e Ernst
Haeckel, Marx observou que no trabalho deles “a célula como forma
primordial é abandonada” em favor de “aglomerados de proteínas”
encontrados nos registros fósseis. “Essa forma primitiva deve, na verdade,
ser esmiuçada até o ponto em que ela pode ser quimicamente manufaturada.
E eles parecem próximos disso.”13 Essa análise química dos organismos
vivos era compatível com a postura de alguém que em seus Manuscritos de
Paris, em 1844, já havia especulado a respeito de teorias materialistas sobre
a origem dos homens.
De modo semelhante, Marx ficou impressionado com o papel das
teorias de Darwin como prova científica da existência de progresso. Em
1866, ele leu Origin and Transformation of Man and Other Beings [Origem
e transformação do homem e de outros seres], trabalho de um geólogo
francês desconhecido, Pierre Trèmaux. Ele tinha em vista explicar a
evolução humana e animal como resultado de influências geológicas. Marx
considerou o trabalho de Trèmaux “um importante aprimoramento do de
Darwin”, acima de tudo, porque “o progresso, que em Darwin é puramente
acidental, é aqui necessário, com base nos períodos de desenvolvimento do
corpo da terra”. A crítica implacável de Engels a Trèmaux, considerado por
ele alguém que não compreendia Darwin e cujos “absurdos elementos
indicativos [...] são nove em cada dez baseados em fatos falsos ou
distorcidos”, não diminuiu a admiração de Marx pelo geólogo.14
Quando Engels planejava infiltrar análises de O capital na imprensa
alemã para estimular o interesse pelo tratado de economia de seu amigo,
Marx propôs que descrevesse o trabalho como uma prova de que “a
sociedade atual, examinada por uma perspectiva econômica, está gestando
uma forma nova e mais elevada”, e que “socialmente, este é o mesmo
processo gradual de convulsão que Darwin comprovou na história natural”.
Ele sugeriu que Engels explicitasse que os dois desenvolvimentos eram
abarcados pela “doutrina liberal do ‘progresso’”. Em dezembro de 1867, as
análises de Engels, incorporando as sugestões de Marx, foram devidamente
publicadas no The Observer, um jornal esquerdista (Marx diria
democrático-burguês) de Stuttgart.15
Os comentários de Marx acerca de Darwin e do progresso
demonstraram uma reflexão inteligente quanto ao aspecto do
relacionamento entre a teoria da seleção natural e a ideia de progresso. O
próprio Darwin tinha ciência de que sua explanação a respeito da forma de
adaptação dos organismos a seu ambiente em constante mutação não tratava
da questão de progresso ou aperfeiçoamento, e certa feita observou, em tom
sarcástico, que pelos critérios das abelhas elas eram um aprimoramento das
pessoas. A maioria dos contemporâneos darwinistas, no entanto, julgava
que seu herói havia demonstrado a evolução na natureza e justificado a
existência do progresso na história e na sociedade humanas, uma ideia
fundamental para os positivistas. Marx, ainda que confirmando sua versão
singular da ideia de progresso, também entendia que as teorias de Darwin
na verdade não a explicavam. Curvando-se à concepção positivista da
ciência, ele foi atraído pelas noções duvidosas de Trémaux, porque
forneciam uma explicação para o progresso. Em uma tentativa de vender
seu ideário econômico para um público democrata e liberal, que acreditava
fervorosamente na evolução, ele sugeriu que Engels vinculasse seu trabalho
a uma interpretação popular equivocada das teorias de Darwin,
interpretação esta centrada na ideia de progresso.
Nesse aspecto, Marx se revela um observador ambivalente do
positivismo pós-1850. Ao contrário de Bauer e Ruge, ele não empunhava o
estandarte hegeliano, resistindo abertamente a se render à tendência
positivista. Marx dedicava considerável atenção aos avanços científicos e
desejava se apropriar da crescente autoridade das ciências naturais para seu
programa político e suas teorias econômicas, sob a designação de
progresso. Contudo, ele também não se mostrava disposto a deixar de lado
as obstinadas críticas de Hegel aos conceitos científicos ou a concepção
hegeliana de que a verdade não se evidenciava empiricamente, mas, ao
contrário, emergia em um processo no qual estavam envolvidos o
desenvolvimento histórico e a reformulação conceitual. Não se sabe ao
certo de que maneira Marx faria a associação entre a modalidade hegeliana
de pensamento e a prioridade positivista das ciências. Provavelmente, tal
associação implicaria a ênfase em uma visão de mundo ateísta e
materialista. Nem o ateísmo, nem o materialismo eram aspectos necessários
do pensamento positivista e, decerto, não faziam parte da complexa
filosofia de Hegel; no entanto, eles podem ter proporcionado um caminho
para a convergência entre a dialética hegeliana e o positivismo das ciências
naturais.16 No posfácio da segunda edição de O capital, Marx asseverou que
na filosofia hegeliana a dialética residia no centro do intelecto e precisava
se assentar sobre os pés – isto é, ser transformada de idealista em
materialista. Essa afirmação, uma das mais célebres entre os enunciados
teóricos de Marx, apontava na direção de uma conciliação. Marx flertava
com a ideia de escrever um tratado sobre dialética, uma versão tardia dos
planos por ele alimentados nos anos 1840, de elaborar análises críticas
sobre diferentes ramos do conhecimento. Ele pretendia que esse tratado “se
desvencilhasse” da “forma mística” da versão hegeliana e discutisse a
questão da compatibilidade entre o pensamento de Hegel e a prioridade
intelectual positivista das ciências naturais. De acordo com o que Marx
escreveu em 1868 para um de seus admiradores, o artesão alemão Joseph
Dietzgen, ele iria redigir o texto depois de finalizar sua crítica de economia
política. Essa última nunca foi concluída e, portanto, o tratado filosófico
nunca foi escrito e Marx jamais formulou com precisão sua opinião madura
sobre o assunto.17

O POSITIVISMO ERA tanto uma teoria social como um programa


filosófico. Suas ideias tinham pontos concordantes com a teoria social
desenvolvida por Marx na década de 1840. Três questões principais
emergiam dessas intersecções. Para os positivistas, a história humana se
desenvolvia como uma sequência de estágios progressivos, indo de uma
forma inferior de civilização a outra mais avançada, ou, de acordo com o
guru positivista francês Auguste Comte, atravessando civilizações em cuja
forma de pensamento se observa a substituição progressiva do domínio da
superstição, pelo da religião e, por fim, o da ciência. (Reconhecidamente,
Comte considerava que a era científica carecia de uma nova forma de
religião, e que ele estava preparado para ser seu mais elevado sacerdote). A
opinião de Marx a respeito do desenvolvimento contraditório da civilização
humana por meio de diferentes modos de produção, que acabavam
desembocando no comunismo, possuía semelhanças marcantes com tais
formulações positivistas.
Nas ações sociais residia considerável interesse dos positivistas, em
especial Herbert Spencer, proeminente positivista inglês do século XIX e
um dos fundadores da moderna disciplina da sociologia. Em O dezoito de
brumário de Luís Bonaparte, Marx havia esboçado uma teoria de ação
social que enfatizava as relações entre as classes sociais, resultantes, por sua
vez, do modo de produção e da divisão do trabalho, de um lado, e dos
movimentos políticos e sua expressão intelectual, do outro. A maneira exata
pela qual Marx imaginava essas ligações é um fator importante para
compreensão de sua teoria social.
A proposição positivista das ciências biológicas como modelo para
aquisição de conhecimento havia criado uma nova categoria de
interpretação social, a “raça”; divisões biologicamente singulares dentro da
humanidade. Para Marx a principal forma de interpretação da sociedade
eram as classes sociais, inferidas da divisão do trabalho. No entanto, o
conceito de raça não era, de modo algum, estranho para ele e Engels; no
crescente interesse por essa forma arbitrária de divisão dos grupos
humanos, frequentemente estimulado pelas ideias darwinianas ou
pseudodarwinianas a respeito da seleção natural e da “sobrevivência do
mais bem adaptado”, encontrava-se outra questão que Marx precisava
resolver para acomodação de suas teorias a uma nova era intelectual.
MARX EXPRESSOU DUAS opiniões acerca dos estágios da história
humana na introdução de Uma contribuição para a crítica da economia
política, publicado em 1859. Nesse trabalho, as ideias que ele e Engels
haviam desenvolvido em seus escritos do final da década de 1840, mas
expressado apenas de forma fragmentada e polêmica, foram sintetizadas e
apresentadas como um compacto enunciado doutrinário:

Na produção social de sua vida, as pessoas entram em específicas


e necessárias relações de produção [...] correspondentes a um
específico estágio de desenvolvimento de suas forças materiais de
produção. A totalidade dessas relações forma a estrutura
econômica da sociedade, a verdadeira base existente, sobre a qual
é erigida uma superestrutura jurídica e política [...] O modo de
produção da vida material determina os processos sociais,
políticos e intelectuais da vida em geral. Não é a consciência dos
homens que determina seu ser, mas, muito pelo contrário, seu ser
social é que determina sua consciência. Em certo estágio do
desenvolvimento, as forças materiais de produção presentes da
sociedade entram em conflito com as relações de produção
existentes, ou com as relações de propriedade (as últimas sendo
simplesmente uma expressão jurídica das primeiras) [...] De
mecanismos de desenvolvimento das forças de produção, essas
relações se convertem em seus grilhões. Tem início uma era de
revolução social [...] devemos sempre estabelecer a diferença
entre o cataclismo material nos determinantes econômicos da
produção, que pode ser observado exatamente por meio das
ciências naturais, e as formas jurídicas, políticas, religiosas,
artísticas ou filosóficas, em resumo, ideológicas, nas quais os
homens tomam consciência desse conflito e o combatem [...] Em
um esboço rudimentar, os modos de produção asiático, antigo,
feudal e burguês moderno podem ser descritos como épocas
progressivas na formação econômica da sociedade. As relações
burguesas de produção constituem a derradeira forma antagônica
do processo social de produção [...] porém, as forças produtivas
que se desenvolvem no bojo da sociedade burguesa estão
simultaneamente criando as condições materiais para solução
desse antagonismo. Com essa formação social, a pré-história da
sociedade humana está concluída.18

Essa passagem continha não apenas uma, mas muitas representações


de estágios da história. A mais óbvia, e que costuma atrair a atenção dos
intérpretes, eram os diferentes modos de produção. Marx os descreveu
como “épocas progressivas”; sua sucessão é uma narrativa do constante
aperfeiçoamento da capacidade de produção dos seres humanos.
Marx havia idealizado o modo “asiático” de produção em artigos que
escreveu sobre a Índia, na década 1850, para o New York Tribune; todavia,
ele não vinculou o conceito a uma localização geográfica específica,
tampouco este estava relacionado a uma era particular da história da
humanidade. Marx encontrou o modo asiático de produção entre as antigas
tribos germânicas, na região montanhosa de Hunsrück, ao sul de Tréveris,
em sua juventude, e mais tarde, na Índia do século XIX e em partes do
império czarista.19 Diversos estágios da história podiam coexistir; o
progresso se dava em ritmos variados, dentro de partes do mundo distintas,
em momentos diferentes. Marx, a exemplo de seus contemporâneos,
entendia que o progresso econômico – ou, como ele diria, as forças
produtivas consumadas no modo burguês de produção – era mais
expressivo na Grã-Bretanha, nos países da Europa ocidental e na América
do Norte.
Herbert Spencer definiu dois amplos estágios da sociedade humana, o
“combativo” e o “industrial”, sendo o primeiro uma designação para todo o
passado pré-industrial e pré-científico, e o último, o marco de uma nova era
na história do mundo. Também Marx descreveu uma nova era emergente: o
fim da pré-história da sociedade humana, que ocorreria quando os
antagonismos da sociedade burguesa fossem resolvidos. Considerando-se
que pouco antes ele havia afirmado que os antagonismos sociais eram
resolvidos por meio de uma revolução social, a sentença de encerramento
da passagem que acabamos de citar era uma referência especialmente
explícita à vindoura revolução social, responsável por colocar um ponto
final na sociedade burguesa, viabilizando a instauração de um regime
comunista. Embora Marx pudesse ter descrito o comunismo como outro
estágio na evolução dos modos de produção, ele, ao contrário, considerou-o
um rompimento fundamental com toda a sociedade humana do passado,
uma nova era da qual todos os eventos precedentes representavam apenas
uma “pré-história”. Spencer foi, reconhecidamente, um libertário que
vociferava contra quase todas as ações governamentais: sua nova era da
história mundial representava uma versão idealizada das políticas
favoráveis ao livre mercado, características do capitalismo da era vitoriana.
O novo tempo da história do mundo, segundo Marx, só ocorreria quando o
mundo social que Spencer tanto admirava sofresse profundas
transformações. A despeito de todas as significativas discordâncias acerca
de quando o novo estágio da história humana deveria emergir e como a
sociedade nele compreendida seria configurada, ambos concordavam que
ele estabeleceria uma nova era científica, fundamentalmente diversa do
passado da humanidade.
Marx conhecia muito bem os trabalhos dos positivistas e não se
deixava impressionar por eles. Não surpreende o fato de ter avaliado os
escritos de Spencer como “insignificâncias econômicas [...] temperadas
com jargões pseudofilosóficos ou pseudocientíficos”. Ele guardava em
relação a Comte um conceito um pouco mais elevado, chegando a admitir
que o francês era competente nas sínteses; porém tachou essas sínteses de
“miseráveis se comparadas com as de Hegel”, e classificou de “excremento
positivista” o sistema filosófico de Comte. Havia inúmeros positivistas
ingleses no Conselho Geral da AIT – “toda a camarilha comtista”, como
Marx os denominava. Ele mantinha boas relações com o líder desse grupo
de ingleses, Edward Spencer Beesley, professor de história da Universidade
de Londres, a quem admirava pela diligente defesa da Comuna de Paris e
chamava elogiosamente de “homem capaz e ousado”. Além disso, Marx
considerava que o melhor do talento de Beesley podia ser observado nas
situações em que ele não estava seguindo as doutrinas positivistas.20 Apesar
de toda a distância que Marx mantinha dessas doutrinas, a figura de um
progresso realizado através de estágios definidos do desenvolvimento
histórico e a dupla divisão da história humana em uma era irracional
anterior e outra, posterior, de característica industrial e científica, continham
elementos nitidamente positivistas. Nos dias de hoje, alguém que visite o
Cemitério Highgate, no norte de Londres, pode ver a sepultura de Karl
Marx e a de Herbert Spencer colocadas uma em frente à outra – não
obstante as divergências intelectuais entre os dois homens, essa é uma
vizinhança não totalmente inadequada.

UM DOS ASPECTOS mais notórios da teoria social de Marx são os


comentários escritos na introdução de Uma contribuição para a crítica da
economia política, em que ele versa sobre a relação entre uma base
econômica e uma superestrutura política e ideológica. Esses comentários
representaram uma reformulação, em termos mais prosaicos e positivistas,
de uma célebre passagem poética de O dezoito de brumário de Luís
Bonaparte, na qual Marx explica a diferença entre os parlamentares liberais
apoiadores da dinastia de Orleans, na França, e os adeptos conservadores
dos Bourbon:
Sob os Bourbon, grandes latifúndios governaram, com seus
sacerdotes e lacaios; sob os Orleans, finanças vultosas, grandes
indústrias, vasto comércio, isto é, o capital, com seu séquito de
advogados, professores e elegantes oradores públicos [...] Dessa
forma, o que manteve essas duas facções separadas [...] foram as
condições materiais de sua existência [...] a rivalidade entre
capital e latifúndio. As memórias, as inimizades pessoais, os
medos e as esperanças, os preconceitos e as ilusões, as empatias e
as repugnâncias, as convicções, os elementos de fé e os
princípios, todos simultaneamente antigos, prenderam-nas a uma
ou outra casa real – quem negaria isso? Emergindo das diferentes
formas de propriedade, dos determinantes sociais da existência,
há uma superestrutura completa de sensações, ilusões,
modalidades de pensamento e visões fundamentais da vida,
singularmente moldadas. A classe conforma e configura essas
entidades e as consolida a partir dos fundamentos materiais que as
constituem e das relações sociais a elas correspondentes. Os
indivíduos, enquanto seres isolados, para quem elas fluem por
meio da tradição e do sistema de criação, podem se imaginar os
verdadeiros motivos e o ponto de partida de sua ação.21

Independentemente de ter sido formulado de forma poética ou


prosaica, esse resgate do conceito de base e superestrutura foi uma metáfora
poderosa e eficaz, mas que, ao mesmo tempo, deixou de explicar as
conexões entre estruturas sociais e interesses econômicos, por um lado, e
ideias e movimentos políticos, por outro. Elucidar essa conexão foi uma
preocupação dos correligionários de Marx, desde Engels, que em 1891
explicou essa passagem que acabamos de citar, dizendo que “em última
análise”, as estruturas econômicas eram fundamentais na determinação das
ações sociais e políticas.22 A explicação oferecida por Engels limitou-se a
apenas substituir uma metáfora por outra. Os marxistas e os neomarxistas
dos séculos XX e XXI, vivendo em uma época na qual as superestruturas,
na forma de movimentos políticos e meios de comunicação de massa,
tornaram-se complexas e labirínticas, debruçaram-se com afinco sobre o
problema. A diversidade e a riqueza intelectual das abordagens marxistas à
conexão entre base e superestrutura devem muito ao fato de o próprio Marx
nunca ter feito uma declaração definitiva acerca do assunto. Todavia, as
descrições apresentadas por ele, no jornalismo ou em discussões políticas,
acerca de ações sociais e políticas, sugerem algumas formas de percepção
dessa conexão e explicitam suas respostas à atmosfera positivista das
décadas posteriores a 1850.
Quando Marx falava a respeito de tal conexão, ele costumava
empregar as palavras “segredo” ou “mistério”, ambas oriundas do termo
alemão Geheimnis. Os segredos estavam na raiz das revoluções. Em um
discurso proferido em 1856, Marx proclamou: “a emancipação do
proletariado, que é o segredo do século XIX, é também da revolução desse
século”. Porém, existiam também segredos na raiz da oposição à revolução.
Ele escreveu para correspondentes americanos em 1870, dizendo que a
classe trabalhadora na Inglaterra estava “separada em dois campos
contrários: proletários ingleses e proletários irlandeses [...] Esse
antagonismo é o segredo da impotência da classe trabalhadora inglesa, a
despeito de sua organização. É o segredo da preservação do poder da classe
capitalista”.23
Em um relato mordaz da vida política britânica, escrito em 1854, Marx
informou aos leitores do New York Tribune que “o elemento oculto desses
ardilosos relatórios oficiais é o exato segredo da alternância entre os
partidos Whig e Tory no governo, cada um deles mais interessado em
preservar as condições de sucessão de seu oponente, do que em arruinar a
‘honra’ política mútua e comprometer o governo da classe dominante”.
Marx lançou mão do noticiário mais atual acerca da Revolução Espanhola
de 1854 a 1856 para afirmar que a classe média capitalista da Europa,
anteriormente inimiga do “despotismo militar”, passara a apoiá-lo no
momento em que os trabalhadores começaram a ameaçar o domínio da
burguesia. Disse ele, “esse é o segredo dos exércitos permanentes da
Europa, os quais serão, de resto, incompreensíveis para os historiadores do
futuro”.24 Os segredos, em todas essas passagens, encontravam-se na raiz
das grandes estruturas e das tendências em larga escala, porém, Marx os
identificava, também, em eventos individuais de menor porte, por exemplo,
os resultados das eleições parlamentares ou o coup d’état de Luís
Napoleão.25
O “segredo” em cada um desses exemplos constituía a lógica interior
do egoísmo coletivo das classes sociais e de seus efeitos nos movimentos
políticos e ideológicos. Nem sempre era possível concluir da explicação de
Marx para essa lógica interna se os membros da classe em questão estavam
envolvidos nesse segredo ou tinham consciência disso. Algumas vezes,
claramente tinham. Para Marx, as “classes governantes” da Inglaterra
jogavam, conscientemente, os trabalhadores ingleses contra os irlandeses,
“através da imprensa, dos púlpitos, de publicações jocosas; em resumo, por
todos os meios à disposição das classes dominantes”. Por outro lado, nas
descrições da ascensão do bonapartismo e seu governo militar despótico,
nas revoluções sociais do século XIX e, em especial, na formulação inicial
de O dezoito de brumário de Luís Bonaparte, a lógica interna do egoísmo
de classe coletivo não se fazia perceber, de modo consciente, entre os
membros da classe tomados individualmente.
O que tornava o segredo algo oculto? O sigilo em discussões sobre
política sempre traz uma conotação de conspiração, de alguma coisa
conscientemente escondida do olhar público. Marx empregou esse sentido
em seu panfleto acerca do julgamento dos comunistas de Colônia, que foi
uma denúncia da conspiração para punir os comunistas daquela cidade. A
palavra alemã Enthüllungen, presente no título, significa literalmente uma
denúncia ou revelação (normalmente traduzida de maneira um tanto errônea
como “descoberta”): a divulgação pública de uma conspiração secreta do
governo prussiano. Em suas discussões com Lord Palmerston, nos anos
1850, Marx empregou a interpretação de “segredo” como algo sigiloso,
relacionando uma extensa lista de alianças e ações secretas, e o evidente
papel do próprio Palmerston, que servia secretamente ao czar.
Esse era um significado oposto à interpretação de “segredo” como
representação da lógica interna do interesse particular de uma classe. Os
dois significados antagônicos estavam bastante evidentes no panfleto de
Marx acerca das relações exteriores dos britânicos no século XVIII, um
trabalho excepcional que os comentaristas frequentemente ignoram em
embaraçoso silêncio. O título pelo qual é conhecido nos dias de hoje,
História diplomática secreta do século XVIII, foi dado por Eleanor, filha de
Marx, para uma reimpressão publicada após a morte do autor. No entanto, o
título definido pelo próprio Marx, Revelações da história diplomática do
século XVIII, alcança o mesmo intento. No panfleto, Marx argumentava, em
seu inglês teutônico, que desde o princípio do século XVIII, os estadistas
responsáveis pela política exterior da Grã-Bretanha sempre foram
instrumentos subornados do czar. Para preservar seu cargo, eles eram
obrigados a recorrer a sigilo conspiratório.

Examinando com atenção esses documentos, há alguma coisa que


nos alarma mais do que o próprio conteúdo – em outras palavras,
sua forma. Todas essas cartas são “confidenciais”, “particulares”,
“secretas”, “muito secretas”; contudo, a despeito do sigilo, da
privacidade e da confidencialidade, os governantes ingleses
confabulam entre si sobre a Rússia e aqueles que a governam, em
tom de impressionante reserva, abjeta subserviência e escandalosa
submissão, que nos chocaria até mesmo nos despachos públicos
dos homens de Estado russos. Para encobrir as intrigas contra
nações estrangeiras, o segredo é recorrido [sic] pelos diplomatas
russos. O mesmo método é adotado livremente pelos diplomatas
ingleses, para expressar sua devoção a uma corte estrangeira.

Marx acreditava que a suposta política externa pró-Rússia era


decorrente de suborno e manipulação política, porque não expressava a
lógica interna do interesse coletivo das classes governantes inglesas. O
comércio com a Rússia, segundo salientou Marx, respondia por apenas 2 a
3% do comércio exterior britânico no século XVIII. As justificativas
explícitas da política, apresentadas em termos econômicos – o que Marx
(em sintonia com sua interpretação do vínculo entre base e superestrutura)
normalmente consideraria o “segredo” da política britânica – não passavam
de uma fraude com o propósito de ocultar o sigilo conspiratório do suborno
e da influência ilícita dos russos:

Naquele tempo, pelo menos se percebia no ministério, a


obrigação de inventar pretextos comerciais, embora sem valor,
para suas medidas relativas à política externa. Em nossa época, os
ministros britânicos lançaram essa carga sobre as nações
estrangeiras, deixando para franceses, alemães etc., a irritante
tarefa de descobrir as fontes mercantis secretas e ocultas de suas
ações. Lord Palmerston, por exemplo, toma uma atitude que
aparenta ser a mais danosa para os interesses materiais da Grã
Bretanha. Surge do nada um filósofo do Estado, do outro lado do
Atlântico, ou do Canal, ou no coração da Alemanha, que tortura
sua mente para descobrir os mistérios do maquiavelismo
mercantil da “pérfida Albion”, do qual se supõe Palmerston seja o
inescrupuloso e inflexível agente.26
É bastante fácil compreender qual é o caráter secreto do sigilo
conspiratório; porém, o segredo que Marx atribuía à lógica interna dos
interesses coletivos de classe não é assim tão evidente. Esse segredo residia
no fato de ele não saltar imediatamente aos olhos, em uma perspectiva
empírica, mas ser obtido por meio de interpretação teórica do mundo em
relação à centralidade das classes sociais resultantes do modo de produção e
da divisão do trabalho. Essa interpretação, de acordo com Marx, oferecia
uma explanação de alto nível para condições empiricamente discerníveis a
partir de uma simples percepção dessas mesmas condições; ou uma
avaliação positivista delas no que diz respeito às ciências naturais. A
prioridade da interpretação teórica para explicação de evidência obtida
empiricamente era uma herança hegeliana, mas continha características
mais amplas do programa epistemológico do idealismo alemão. Seu ponto
de partida se encontrava em uma afirmação de Kant, feita na introdução da
Crítica da razão prática, segundo a qual a revolução científica começou
quando Copérnico rejeitou a evidência empírica de que o sol girava ao
redor da Terra.
Um exemplo da crítica de Marx às formas de interpretação positivista
de seus contemporâneos foi sua atitude em relação ao matemático belga
Adolphe Quételet. Um dos mais notáveis cientistas sociais do século XIX, e
fundador da moderna disciplina da estatística, Quételet havia criado, em
reconhecido estilo positivista, aquilo que denominou uma “física social”, a
qual enfatizava a existência de ordens estatísticas na sociedade e na
economia. Marx tinha grande admiração pelo trabalho de Quételet, mas
também salientou que, embora tivesse demonstrado “de que modo até
mesmo as aparentes casualidades da vida social, em sua recorrência
periódica e suas médias periódicas possuíam um requisito interno”, ele não
havia “conseguido explicar esse requisito interno”.27 Os positivistas podiam
dispor de dados cientificamente obtidos e matematicamente organizados,
contudo, a interpretação de seus “requisitos internos” exigia uma análise
teórica.
Os estudos acerca de economia realizados por Marx, como veremos no
próximo capítulo, foram dedicados à exposição de segredos e mistérios,
demonstrando como as questões se revelavam diferentes quando
examinadas à luz da lógica interna do sistema capitalista, ao contrário do
que ocorria quando eram empiricamente entendidas na atividade do
sistema. Marx considerava essencial a exposição dessas conexões secretas
da lógica interna para criação da Wissenschaft, um acervo organizado de
conhecimentos. Em 1868, escreveu sobre esse assunto ao dr. Kugelmann,
denunciando os “economistas incultos”, um grupo que ele identificava com
os pró-capitalistas seguidores de David Ricardo, os quais julgava muito
mais superficiais do que o próprio mestre, do ponto de vista intelectual:

O economista inculto não possui a menor ideia de que as


verdadeiras relações cotidianas de troca e a medida do valor das
[mercadorias] não podem ser diretamente idênticas [...] E então, o
economista inculto acredita que fez uma notável descoberta,
quando, respondendo à revelação dessa conexão interna, insiste
em que as questões parecem diferentes em seu aspecto. Na
verdade, ele insiste em se manter apegado à aparência e encara
essa aparência como definitiva. Nesse caso, por que se importar
com a Wissenschaft?28

Nessa passagem com nítida conotação hegeliana, uma versão da qual


foi incluída no terceiro volume de O capital, publicado só após o
falecimento de Marx, observa-se, até mesmo, o emprego do termo
hegeliano “aparência”, com o propósito de evidenciar a insuficiência de
percepções empíricas que conduzam ao conhecimento. Nesse texto, Marx
apresentou um programa intelectual bastante diferente da concepção
positivista, segundo a qual o conhecimento é obtido empiricamente por
meio de procedimentos científicos. Se o delineamento das etapas históricas
traçado por Marx revelou-o em seu aspecto mais positivista, seu relato da
natureza da Wissenschaft envolvia uma afirmação do legado intelectual
hegeliano e certa dose de ceticismo em relação ao positivismo que o
substituiu como forma preponderante de pensamento. É possível dizer que o
segredo da descrição de Marx sobre ações sociais e políticas, no que diz
respeito à base e superestrutura, foi a permanente, e até mesmo renovada,
presença das ideias hegelianas.29

AS TEORIAS ACERCA de raça e os relatos históricos esquematizados


em relação às diferenças raciais foram se tornando gradativamente mais
comuns na Europa após a década de 1850. As teorias de Darwin, mas
também o crescimento da linguística histórica (os contemporâneos diziam
“filologia”), com sua representação do ariano, estimularam o
desenvolvimento das teorias raciais em uma época na qual a ciência
aparecia como modelo para aquisição de conhecimentos.30 A primeira
formulação fundamental das ideias racistas surgiu em 1853 com um tratado
do autor francês Joseph Arthur, conde de Gobineau, denominado Essay on
the Inequality of the Human Races [Ensaio sobre as desigualdades da raça
humana]. Bruno Bauer e Moses Hess, dois homens que representaram uma
importante fonte das ideias de Marx, abandonaram o idealismo hegeliano
anterior e se voltaram para os conceitos de raça. Sob a influência da Guerra
da Crimeia, Bauer se convenceu de que o futuro da Europa residia em uma
luta entre as raças eslava e germânica, sendo a segunda superior à primeira;
a essas ideias ele acrescentou a noção de que os judeus eram racialmente
estranhos para os alemães e, portanto, nunca chegariam a ser cidadãos
iguais em um Estado alemão. Hess compartilhava da convicção de Bauer
quanto à particularidade da raça judaica, mas usou esse convencimento para
argumentar em favor do direito dos judeus a seu próprio Estado-nação na
Palestina, o que fez dele o primeiro proponente do Sionismo.31
Marx conhecia bem as teorias relativas à superioridade racial e tinha
acerca delas uma opinião negativa. Ele leu com atenção o livro de Gobineau
e escreveu que “para tais pessoas é sempre uma fonte de satisfação ter
alguém a quem se imaginam com o direito de desprezar”.32 Marx praticava
aquilo que defendia, já que a carta foi escrita para seu genro Paul Lafargue,
cujos antepassados tinham raízes africanas. Consciente dos antecedentes
raciais de Lafargue, Marx o descreveu em cartas como “o Negrilho” e
“nosso Negro”. Ele não se abalava por ter a filha se casado com um homem
de origem heterogênea – pelo menos, o problema para Marx não estava na
origem de Lafargue, mas sim no fato de ele não contar com uma receita
regular. Escrevendo para o pai de seu genro, François Lafargue, a respeito
da política de reconstrução dos Estados Unidos após a Guerra Civil, ele
observou em um célebre comentário (otimista demais, quando examinado
em retrospectiva), que foi depois reproduzido em O capital: “Os
trabalhadores do norte acabaram por compreender plenamente que o
trabalho, na medida em que é estigmatizado na pele negra, nunca terá
liberdade na pele branca”. Marx se mostrava menos otimista em relação aos
Estados do sul, e observou que “o relacionamento dos brancos pobres com
os negros” era o mesmo dos trabalhadores ingleses com os irlandeses. Em
outras palavras, o sentimento de superioridade, fortemente estimulado pela
classe dominante, não permitia a solidariedade entre as classes – uma
conclusão difícil de se contestar.33
Pode-se questionar se os judeus estavam incluídos em tal especulação
racial, dado que eles eram cada vez mais entendidos como raça por Bauer e
Hess. Marx, a exemplo da maioria dos europeus de meados do século XIX,
parecia conceber os judeus em termos culturais e religiosos; os diversos
comentários mordazes sobre eles, observados em suas cartas, certamente
apontam nessa direção. Marx empregou certa vez uma linguagem com
conotação racial para descrever um judeu. Isso se deu em uma carta
endereçada a Engels, em 1862, depois da infeliz visita de Ferdinand
Lassalle aos marxistas de Londres. Marx, dado a intermináveis observações
antissemitas a respeito de Lassalle, escreveu na linguagem de difamação
racial:

Está agora completamente nítido para mim que, conforme


demonstrado pela forma de sua cabeça e pelo crescimento de seus
cabelos, ele [Lassalle] descende dos Negros que se juntaram à
marcha de Moisés para fora do Egito (se sua mãe, ou sua avó do
lado paterno, não se acasalou com um negro). Agora, essa
combinação de judaísmo e germanismo com a matéria negroide
básica deve dar origem a um produto singular. A agressividade
desse rapaz é também semelhante à de um negro.34

Esse foi um desagradável desabafo, mesmo pelos padrões do século


XIX. Além disso, demonstrava uma interpretação não racial de Marx em
relação aos judeus. A “combinação de judaísmo e germanismo” que ele
identificava em Lassalle tinha fundamento cultural e político – os esforços
de um homem descendente de família judia religiosa da Silésia para se
tornar proeminente figura da literatura e da filosofia alemãs e líder do
nacionalismo alemão. A reprovação biológica se referia à patente
ascendência africana de Lassalle, e essa carta revela um Marx cuja atitude
em relação à descendência africana diferia bastante da que adotara no
tocante à família de seu genro, ou em suas discussões acerca dos efeitos
corrosivos do racismo sobre a solidariedade da classe trabalhadora. Marx
endereçou essa carta a Engels na mesma ocasião em que as questões
relativas às perspectivas da União e da causa antiescravagista na Guerra
Civil arrebatavam profundamente sua atenção. Ela revela certa
incongruência entre a defesa pública que ele fazia de políticas antirracistas e
seus comentários privados a respeito de estereótipos raciais; ou talvez, o
alvo da hostilidade expressa na carta fosse mais o próprio Lassalle do que
os africanos.
Na maioria das vezes em que Marx e Engels consideravam as
diferenças raciais, não eram os judeus nem os africanos quem eles tinham
em mente, mas sim, os europeus, com especial destaque para os russos. Em
setembro de 1863, na ocasião do levante polonês contra o domínio russo,
Marx conheceu em Londres um refugiado político da Polônia, e o
descreveu para Engels:

O relacionamento mais interessante que travei aqui foi com o


coronel Lapínski. Ele é, indubitavelmente, o polonês mais
inteligente e criativo que já conheci – e, ao mesmo tempo, um
homem de ação. Suas afinidades pendem para o lado alemão,
embora seus modos e sua fala sejam típicos de um francês. Em
vez do duelo de nacionalidades, ele conhece apenas o duelo de
raças. Ele detesta todos os orientais, em cuja categoria inclui
igualmente russos, turcos, gregos, armênios etc.35

É provável que Marx tenha se impressionado com o coronel polonês,


mas não é possível saber ao certo se ele concordava com o outro nas
questões de raça, ou o que “raça” de fato significava para ele. Seria esse
conceito, no uso empregado por Marx, um grupo biológico específico, uma
espécie de agrupamento genérico de nacionalidades, semelhante à forma
com que os filólogos daquele tempo criavam famílias de linguagens, ou era
apenas uma descrição dos habitantes de determinada região? Quando
Engels escreveu para Marx, um ano antes, chamando Gottfried Kinkel de
“um renano padrão, com todos os preconceitos e toda a mente tacanha da
raça”, evidentemente a palavra não fazia uma referência às inerentes
características biológicas de Kinkel.36
Uma indicação do pensamento de Marx aparece em suas opiniões a
respeito da Rússia. De acordo com um livro sobre a questão polonesa,
escrito por um autor francês, Elias Regnault, Marx observou a Engels que
os russos originais eram “mongóis ou finlandeses [...] Eles não são eslavos;
não pertencem, de maneira alguma, à raça indo-germânica [...] O pan-
eslavismo na acepção russa é uma invenção do governo”. Marx mudou de
ideia depois de ler Pierre Trémaux, cujas inovações sobre a teoria
evolucionária de Darwin, ao contrário do que todos demonstravam, ele
reconhecia. Outra das vantagens do trabalho de Trémaux estava em que
“Em uma perspectiva histórica e política” ele era “muito mais importante e
mais rico do que o de Darwin. Para determinadas questões, tais como
nacionalidade etc., só aqui a base natural existe”. Como parte de sua teoria
acerca da influência da geologia na descendência biológica, Trémaux
afirmou que os russos eram, de fato, eslavos e não mongóis, porém, como
consequência de sua vida na “dominante estrutura basilar da Rússia, os
eslavos são tartarizados e mongolizados”. Marx observou que Trémaux
havia aplicado a mesma teoria à África, para demonstrar que “o tipo Negro
comum é apenas a forma degenerada de outra muito superior”.37
Com esses comentários, Marx parecia pender na direção de uma
explicação biológica ou geológica das diferenças entre nacionalidades – de
qualquer forma, uma explicação que vinculava a nacionalidade à
descendência, descrita em termos das ciências naturais. O objetivo em todas
essas diferentes categorizações raciais dos russos tinha caráter político:
mostrar que eram diferentes de outros eslavos e estranhos a eles. A ciência
deslegitimaria o “Pan-eslavismo”, a aspiração dos russos pela liderança do
mundo eslavo, e proporcionaria maior apoio à demanda polonesa por sua
libertação do domínio tirano da Rússia.
Ao mesmo tempo em que imaginava uma teoria das fases históricas
forjadas por diferentes modos de produção, Marx alimentava essas ideias a
respeito de raça. Devemos nos questionar sobre o relacionamento entre as
duas vertentes. Como se observa frequentemente no tocante ao pensamento
marxista acerca de questões filosóficas, históricas e sociológicas nesse
período, não existem registros escritos de um exame sistemático desse
problema, mas há alguns indícios interessantes. Eles residem em uma série
de artigos sobre Pan-eslavismo, que Engels escreveu em nome de Marx,
com estímulo e sugestões editoriais deste, para o New York Tribune, quando
a Guerra da Crimeia já se aproximava de seu final. Os manuscritos,
rejeitados pelo Tribune, não sobreviveram; contudo, foram preservados os
planos detalhados de Engels para a série.38
O projeto começa da seguinte forma: “Introdução geral. Romanos,
teutônicos e eslavos. Luta de dois mil anos entre os dois primeiros,
eliminados pela civilização, a revolução e a impossibilidade de um domínio
duradouro de uma tribo sobre a outra. Admissão dos eslavos como terceira
grande raça, demandando, entretanto, não apenas igualdade de condições,
como dominação da Europa”. Se essas anotações rudimentares de Engels
correspondem de alguma forma às ideias de Marx, então elas sugerem que
os dois homens entendiam as diferenças raciais principalmente como um
aspecto das sociedades pré-capitalistas. A permanente importância da
questão racial na Rússia viria a ser apenas mais uma demonstração do
atraso socioeconômico do reino do czar. Essa ideia de que o crescimento da
civilização burguesa reduzia a importância das diferenças raciais parece
muito semelhante à profecia expressa no Manifesto comunista, de que as
diferenças nacionais desapareciam em vista do crescimento do mercado
capitalista mundial – e tão acurada quanto.
As ideias de Marx acerca de raça estavam integradas a seu esforço
mais amplo no sentido de lidar com os novos desenvolvimentos científicos
e à crescente hegemonia intelectual de uma forma de teorização filosófica e
social baseada nesses desenvolvimentos. Não rejeitando, decerto, novas
tendências intelectuais, Marx buscava empregá-las na defesa de suas
concepções a respeito das bases filosóficas da percepção, dos estágios do
desenvolvimento histórico, da natureza de uma economia capitalista e do
relacionamento entre estruturas econômicas e ações sociais. Em certa
medida, começou a articular suas ideias na linguagem dessas tendências
intelectuais e, até mesmo, a identificar as duas entre si. Mas Marx, apesar
de adepto do positivismo, também fazia críticas a ele. A interpretação de
Wissenschaft, que ele absorvera em seus estudos de Hegel durante a
juventude, nunca o abandonou. Marx insistia em que o verdadeiro
conhecimento nascia da compreensão da lógica interna oculta dos
fenômenos empiricamente observáveis, e não simplesmente das próprias
observações empíricas, mesmo sendo elas realizadas por meio dos métodos
das ciências naturais. Essa era mais uma reafirmação da herança intelectual
adquirida de Hegel e do idealismo alemão, e uma rejeição das concepções
positivistas de conhecimento.

APÓS A MORTE de Marx, Engels se tornou seu intérprete mais notável, e


o ideário marxista teve nos textos de Engels, no final do século XIX e
princípio do século XX, seu principal veículo de disseminação. Foram
desenvolvidos muitos estudos, marcadamente conflitantes, a respeito do
grau de acuidade com que o trabalho de Engels representava as opiniões de
Marx. Autores que enfatizam as divergências intelectuais entre os dois
homens tendem a fazê-lo por meio de comparações entre o jovem Marx de
inclinação hegeliana, dos anos 1840, e o idoso Engels positivista, de quatro
a cinco décadas posteriores. Embora sejam esses os períodos nos quais
ambos produziram os relatos mais completos, tal comparação minimiza a
importância do desenvolvimento intelectual de Marx após o meio do século.
Proponentes de uma interpretação oposta, com o objetivo de estabelecer
uma concordância fundamental entre Marx e Engels, dão destaque especial
às passagens positivistas dos trabalhos mais recentes de Marx, omitindo ou
subestimando sua ambivalência em relação ao positivismo.39
Seria justo dizer que Engels sempre foi um positivista. Logo na
primeira carta que endereçou a Marx, em outubro de 1844, ele descreveu as
condições no Vale do Wupper, onde nascera, e para onde retornara depois
do ano passado em Manchester, e de sua visita com Marx a Paris. Engels
relatou como sua terra natal “experimentou um progresso muito maior, em
todas as dimensões, do que ao longo dos últimos cinquenta anos”. Ele
enalteceu o aspecto mais civilizado da sociedade, o crescimento da
oposição política ao governo prussiano, e observou que “A indústria
progrediu rapidamente [...] florestas inteiras são extirpadas e tudo se
encontra agora acima do nível da civilização alemã [...]”. Como parte desse
avanço, ocorreu o aumento do proletariado no Vale do Wupper. Se os
trabalhadores se desenvolvessem “de acordo com as mesmas leis que seus
correlatos ingleses”, logo se tornariam comunistas.40 O comunismo,
considerado como resultado lógico do progresso da indústria e da
civilização, ocorrendo através de estágios da história, em concomitância
com as leis naturais – nessa carta, o jovem Engels apresentava uma
concepção nitidamente positivista da sociedade. A única parte do programa
positivista não encontrada no texto foi o caráter normativo das ciências
naturais para outras formas de conhecimento humano. Ele seria
explicitamente formulado quinze anos mais tarde, quando Engels leu
Darwin.
O caminho até a acolhida de Darwin por Engels foi pavimentado por
seu crescente fascínio pelo progresso da ciência. Em uma carta carregada de
elogios, datada de 14 de julho de 1858, ele informou a Marx que
“inadvertidamente, o povo não possui a menor ideia acerca do enorme
progresso experimentado pelas ciências naturais ao longo dos últimos trinta
anos”. Tanto o “gigantesco desenvolvimento da química orgânica”, como o
aperfeiçoamento do uso do microscópio, “revolucionaram a fisiologia [...]
Todas as coisas [vivas] são células”. A física evoluiu no mesmo ritmo, em
especial a “correlação entre forças”, a transformação da energia cinética em
calor, de calor em luz e de eletricidade em magnetismo.
Engels compreendia com precisão duas das importantes tendências da
ciência em meados do século XIX: “a doutrina das células”, a ideia de que
os organismos vivos são compostos de células; e o estudo físico da força e
da energia, que se distanciava do foco newtoniano centrado na mecânica do
movimento das partículas. Na mesma carta, Engels estabeleceu uma relação
entre essas descobertas científicas e as ideias filosóficas de Hegel: “A célula
é o ente hegeliano em si mesmo e, em seu desenvolvimento passa
exatamente pelo processo hegeliano, até que, no final, a ‘ideia’, o respectivo
organismo completo, desenvolve-se a partir dela”. Engels continuou,
dizendo, “O velho Hegel apreciaria” conhecer os novos resultados da física,
a transformação de uma espécie de força em outra. Quanto aos resultados
da fisiologia comparativa, “O esquema hegeliano que trata do salto
qualitativo na ordem quantitativa é também muito interessante aqui”.41
Em 1865, Engels escreveu para o socialista alemão, Friedrich Albert
Lange, adepto das teorias de Darwin e Malthus, dizendo, “Já não sou um
hegeliano, mas ainda tenho grande devoção e apego ao colossal velho
amigo”. Ele admitiu o “contrassenso nos detalhes da filosofia da natureza”,
mas argumentou que “A moderna doutrina científica da interação mútua
entre forças da natureza [...] é apenas outra expressão ou evidência
particularmente positiva do desenvolvimento hegeliano de causa e efeito,
interações mútuas, força etc.”.42 Desse modo, Engels identificava Hegel com
o positivismo, convertendo seus métodos de pesquisa intelectual em
resultados de investigações das ciências naturais. A despeito de Marx ter
algumas vezes adotado ponto de vista semelhante, ele se mostrava mais
inclinado a contrapor os métodos de Hegel e do positivismo.
Se, em perfeito estilo positivista, Engels entendia que a filosofia
dialética era uma expressão das ciências naturais, ele também era capaz de
rejeitar as descobertas científicas quando elas contrariavam suas opiniões
filosóficas. Criticando a Segunda Lei da Termodinâmica, ele escreveu para
Marx: “Não é possível imaginar algo mais estúpido”. A ideia do equilíbrio
gradual das temperaturas, ou, como seria mais tarde formulado, do aumento
da entropia, conduzia a um mundo “que começa em absurdo e termina em
absurdo”. Muito embora a segunda lei fosse vista como “a mais refinada e
elevada perfeição do materialismo”, ela previa um resfriamento progressivo
do universo. Tal desenvolvimento implicava que “a condição de calor
original, a partir da qual as coisas se resfriam, absolutamente inexplicável,
até mesmo absurda, pressupõe um Deus”.43 Como, para Engels, a filosofia
abrangia ateísmo e materialismo e era pautada pelas ciências naturais, uma
ciência que levasse ao questionamento do ateísmo e do materialismo não
poderia ser considerada ciência.
Podemos imaginar a teoria social e filosófica do século XIX (em
especial a alemã) colocada ao longo de uma linha que tem em uma de suas
extremidades o ideário hegeliano: a posição intelectualmente hegemônica
da filosofia e a desconfiança quanto a evidências empíricas que não
tivessem sido submetidas à investigação e à crítica filosóficas. Na
extremidade oposta, estariam os positivistas, com sua priorização do
método científico e com uma forma científica de empirismo. A versão
madura das teorias de Marx, da maneira como podem ser reunidas a partir
de seus fragmentos, parece ter chegado a meio caminho dentro dessa linha,
embora em alguns exemplos ele estivesse muito próximo do extremo
positivista e, em outros, do hegeliano. Sem dúvida alguma, Marx
reformulou o idealismo de Hegel em termos materialistas e substituiu a
filosofia dialética hegeliana por uma economia política com inclinação
filosófica. Engels, ao contrário, situou-se muito mais na extremidade
positivista da linha. Apesar de suas referências a Hegel, a Wissenschaft por
ele proposta como fundamento do socialismo tinha as raízes no modelo
intelectual das ciências naturais, em seu estilo positivista do século XIX.
11

O economista

NA ESTEIRA DA recessão global de 1857, Marx começou a redigir seu


tratado de economia política, planejado havia muito tempo. A ideia desse
tratado fora concebida originalmente quando ele estudou pela primeira vez
os principais economistas políticos, em meados dos anos 1840, em Paris.
Nas décadas seguintes, explorando o acervo do Museu Britânico,
aprofundou seu domínio das teorias econômicas e estudou detalhadamente
evidências empíricas do desenvolvimento do capitalismo, registrando
alguns resultados de suas pesquisas nos comentários que escreveu sobre
negócios e finanças para o New York Tribune. Suas interpretações foram
inspiradas pelas ideias teóricas que havia concebido sob a influência do
positivismo e contra ele.
Os planos de Marx para seu tratado foram amplos e ambiciosos. Ele
iria submeter à crítica conceitual hegeliana as ideias dos mais importantes
economistas políticos da época – em especial Adam Smith e seu principal
discípulo, David Ricardo; mas também Thomas Malthus, Jean-Baptiste Say,
James e John Stuart Mill, além de outras tantas figuras de menor expressão.
A despeito de todas as suas discordâncias em relação a esses teóricos, Marx
endossava inúmeras das mais importantes ideias defendidas por eles, tais
como a determinação do valor das mercadorias por meio do trabalho
exigido para produzi-las, a tendência em uma sociedade capitalista de queda
da taxa de lucro ao longo do tempo e a relação entre o arrendamento da
terra e as diferenças nos resultados agrícolas. Sua análise crítica hegeliana
não refutou as propostas desses economistas tanto quanto reformulou com
maior precisão teórica e acuidade empírica as noções fundamentais que as
norteavam. Finalmente, Marx estabeleceu uma conexão entre suas teorias
acerca dos estágios da história humana e as tendências do desenvolvimento
econômico que Smith e Ricardo haviam identificado, traçando um
panorama abrangente que cobria o surgimento violento, o florescimento
hostil, o declínio marcado pelas crises e o aniquilamento revolucionário do
capitalismo.
Havia muito a ser feito, e os esforços iniciais de Marx, no final dos
anos 1850, converteram-se em uma odisseia teórica, empírica e matemática
de um quarto de século. Ao contrário do herói astuto de Homero, Marx
nunca alcançou uma Ítaca da economia política, mas continuou a vagar ao
redor de um Mediterrâneo intelectual, com poucas paradas de curta e longa
duração, em ilhas de publicação. Enquanto viajava, tanto o cenário
econômico do capitalismo do século XIX como o panorama intelectual do
pensamento econômico, transformavam-se em torno dele. A viagem
intelectual só terminou depois de sua morte. Na década seguinte, decifrando
a duras penas as letras mal traçadas de Marx e conciliando, mediante
incessante trabalho, os rascunhos de diferentes manuscritos e as extensas
anotações, Engels compilou e publicou o que restava do tratado
desenvolvido pelo amigo. Na ocasião em que foi publicado, a maioria dos
economistas vivia em um universo intelectual diferente daquele de Smith e
Ricardo; os esforços de Marx no sentido de reafirmar a ortodoxia
econômica de meados do século XIX apareceram quatro décadas mais
tarde, na forma de uma economia divergente e heterodoxa.
O rascunho inicial e não publicado de Marx, datado do período entre
1857 e 1858, é conhecido como Grundrisse (expressão alemã para “planta”
ou “projeto”), nome atribuído pelos editores russos que publicaram pela
primeira vez o manuscrito, em 1939. Essa tentativa preliminar, um volume
de oitocentas páginas, foi um trabalho diversificado, no qual se mesclavam
argumentos cuidadosamente estruturados, com comentários isolados;
passagens bem interligadas, com lampejos aleatórios; e questões retiradas
dos manuscritos de Paris, de 1844, com observações dos textos jornalísticos
de Marx, dos anos 1850. Apesar da natureza totalmente fragmentada e não
linear do manuscrito, ele continha tópicos primordiais de economia aos
quais Marx se dedicou pelo resto de sua vida. Alguns trechos do Grundrisse
apareceram no escasso Uma contribuição para a crítica da economia
política, publicado em Berlim em 1859, um trabalho considerado a ponta do
iceberg. O panfleto tratava fundamentalmente de dinheiro e das teorias
monetárias dos economistas, revelando muito pouco da riqueza temática de
seus predecessores não publicados.
Marx se dedicou com afinco a esse tratado de economia, na primeira
metade da década de 1860, produzindo esboços mais bem estruturados do
trabalho completo, no período entre 1861 e 1862, material que incluía uma
história do pensamento econômico (não encontrada nos manuscritos
posteriores), e finalmente publicado em separado como Teoria da mais
valia: os fisiocratas. Uma terceira versão do tratado, sem dúvida alguma a
mais clara e bem organizada, foi escrita entre 1864 e 1865. Ele havia ficado
extenso demais para ser publicado de uma só vez, portanto, Marx extraiu os
40% iniciais e os revisou minuciosamente visando à publicação. Esse
material se tornou o Volume Um de O capital, publicado em Hamburgo, em
1867. Nos anos 1870, Marx introduziu diversas modificações e correções
nesse trabalho, para a segunda edição em língua alemã, de 1873, e para a
edição francesa, publicada dois anos mais tarde. Uma versão em língua
inglesa, apesar dos esforços de Marx para encontrar um tradutor e um
editor, só foi lançada em 1887, depois de sua morte.
Todas essas edições impressas ainda deixaram inédita a maior parte do
planejado tratado de Marx. Ele esperava ter o restante do trabalho completo
pouco tempo após a publicação do primeiro volume e continuou a se
dedicar ao livro até o último ano de sua vida. No entanto, seus esforços no
período posterior a 1867 foram dispersos e fragmentados; quando Engels
reuniu, organizou e transcreveu postumamente os escritos de Marx, ele foi
obrigado a recorrer aos manuscritos da década de 1860. Os volumes dois e
três de O capital, conforme editados por Engels, foram publicados em 1885
e 1894, respectivamente; no entanto, o primeiro volume foi, em muitos
aspectos, escrito depois desses dois, e grande parte dos tópicos importantes
continha as derradeiras ideias e formulações de Marx.1
Sumarizar, criticar e inserir em um contexto histórico esse gigantesco
volume de material publicado e não publicado demandaria, por si só, um
livro – muitos livros! Espero que os leitores se satisfaçam com uma
descrição mais breve, começando pelas concepções hegelianas do trabalho
de Marx, para em seguida apresentar um delineamento dos principais
conceitos econômicos do autor e mostrar como esses conceitos evoluíram
até um diagnóstico do capitalismo do século XIX e um prognóstico de sua
morte final. Três aspectos fundamentais da teoria econômica de Marx – a
tendência de queda da taxa de lucro; o chamado problema da
transformação, a conversão de valores em preços no âmbito de toda a
economia capitalista; e a determinação dos preços agrícolas e do
arrendamento do solo – não foram publicados enquanto ele ainda vivia. A
luta de Marx com os problemas inerentes a esses fenômenos explicita a
relação entre suas ideias e as de seus predecessores e contemporâneos. Nos
últimos anos do século XIX, o crescente descontentamento com as teorias
de economia política existentes conduziu ao desenvolvimento de duas
versões novas e marcadamente opostas de economia: a “Escola histórica” e
a teoria da utilidade marginal neoclássica. As críticas formuladas pelos
adeptos dessas novas vertentes e a recepção alcançada pelas ideias
marxistas demonstram como elas foram influenciadas pelos predecessores
de Marx e pelo ambiente socioeconômico no qual eles viveram. Por outro
lado, foi muito menor a relevância do trabalho de Marx para as linhas de
desenvolvimento tanto da economia como da teoria econômica do final do
século XIX e do século XX.
O CAPITAL COMEÇAVA com a simples observação de que a base do
sistema econômico capitalista é o processo de produção e troca de uma
imensa quantidade de mercadorias úteis. (A palavra alemã Ware,
mercadorias para troca ou venda, costuma ser traduzida para o inglês como
“commodities”, uma opção um tanto equivocada, pois Marx não tinha em
mente o significado contemporâneo de commodities como produto
primário, mas sim o de mercadorias e serviços em geral.) Para que
mercadorias, com suas grandezas incomensuráveis – tecidos e grãos, por
exemplo – pudessem ser trocadas, era necessário que houvesse um padrão
comum de medida de valor; portanto, essa troca implicava a existência de
um moeda, que transformava escambo em venda; a troca da mercadoria por
dinheiro. De acordo com Marx, o que convertia o dinheiro em capital era a
comercialização de produtos com o objetivo de elevar o estoque de
dinheiro, em lugar da simples troca de um produto por outro. Ele
argumentou que essa espécie de permuta, capaz de aumentar a riqueza e o
valor, só era possível através da troca do dinheiro por um tipo específico de
mercadoria, a força do trabalho humano.
Todo o restante do Volume Um de O capital explicava, então, as
implicações dessa troca: sua relação com a jornada de trabalho; a
diferenciação dos tipos de capital promovida por ela; e seu papel na criação
de um valor excedente, o aumento da riqueza logrado pelos capitalistas,
como resultado da troca que realizam com os trabalhadores. Marx detalhou
a produção de valor excedente, incluindo uma pesquisa minuciosa do
sistema fabril, das mudanças na jornada de trabalho no emprego e na
estrutura do capital, e das tendências de longo prazo na distribuição da
renda decorrente do crescimento de uma economia capitalista. O
desenvolvimento desses conceitos e sua pesquisa empírica ocuparam a
maior parte do primeiro volume de O capital.
Ao mesmo tempo em que o valor excedente decorria das trocas entre
capitalistas e trabalhadores, ele ainda precisava ser concretizado – ou seja,
as mercadorias produzidas pelos trabalhadores tinham de ser vendidas no
mercado, para que os capitalistas realizassem seu lucro. Enquanto o
primeiro volume de O capital tratava de distribuição, o segundo foi
dedicado a um estudo sobre circulação, as atividades de compra e venda no
mercado. O terceiro volume retomou o processo de produção à luz dos
resultados da circulação. Esse trabalho versava sobre a transformação do
valor (cuja obtenção foi considerada no Volume Um), através da venda
(Volume Dois), em preço, e a relação dessa transformação com a queda da
taxa de lucro – os dois processos analisados no tocante à economia como
um todo, e não apenas nas empresas individualmente. No Volume Três,
encontravam-se, também, questões específicas, tais como moeda, crédito e
finanças, resultantes da intersecção entre produção e circulação, além de um
exame das formas de capitalismo, incluindo agricultura, mineração e
propriedade imobiliária urbana. O volume e o trabalho terminavam – ou
deveriam terminar, porque Marx nunca concluiu nem mesmo um esboço
dessa seção final – com uma explanação das diferenças entre a análise do
capitalismo feita por Marx e as de Smith e Ricardo, complementada por
uma referência à estrutura de uma sociedade de classes no sistema
econômico capitalista.
Essa forma de procedimento era fundamentalmente hegeliana. Alguns
autores compararam o tratado de economia de Marx com a Ciência da
lógica de Hegel.2 Um parâmetro de comparação mais adequado seria outro
dos trabalhos de Hegel, Fenomenologia do espírito, que parte de
percepções sensoriais simples e imediatas, e sobe através de uma hierarquia
conceitual de crescente complexidade, na qual cada patamar, mais
cuidadosamente elaborado do que o anterior, surge da imperfeição
fundamental daquele. O capital começava tratando das formas mais simples
da atividade econômica – a produção e a troca de mercadorias –, e
desenvolvia uma estrutura teórica de crescente complexidade, com cada
degrau emergindo a partir da inadequação de seu predecessor: entre outras
questões, o dinheiro precisava explicar como objetos carentes de um padrão
comum de medida podiam ser trocados; a natureza da força de trabalho
devia esclarecer como trocas iguais podiam gerar lucros; a análise da
circulação tinha de elucidar como o valor excedente obtido podia ser
concretizado. No final da análise aparecia uma complexa sociedade de
classes, com todas as suas desigualdades e sua tendência à autodestruição.
Uma parte essencial do processo de desenvolvimento conceitual e
histórico proposto por Hegel era o movimento da autoexteriorização e da
autoalienação – em uma palavra, alienação –, e a recuperação da capacidade
e da substância alienadas. Já nos manuscritos de Paris, de 1844, em sua
discussão acerca da alienação do trabalho sob o capitalismo, Marx havia
transformado as percepções de Hegel em uma explicação da economia
política. Passagens inteiras do Grundrisse se limitaram a reproduzir esses
pontos de vista, registrados em papel pela primeira vez quinze anos antes.
Em O capital, Marx não utilizou a linguagem da alienação e autoalienação,
mas abordou o “fetichismo da mercadoria”, a maneira pela qual o
capitalismo estabelecia uma separação entre o processo de transformação
do trabalho humano em um objeto, uma mercadoria ou um bem destinados
à venda, e os próprios trabalhadores que os produziam, exercendo poder
sobre a vida deles.3
Se o fato de Marx ter empregado em O capital o conceito de
fetichismo da mercadoria evidencia uma ligação com as ideias da década de
1840, a oposição que estabeleceu entre segredo e aparência, e a descrição
de conexão interna e lógica interna como a verdade em seu trabalho
econômico, eram um reflexo da metodologia que ele adotou depois de 1850
e da ambivalência de suas opiniões no tocante à interpretação positivista de
conhecimento, cada vez mais preponderante naquela época. Ao descrever o
fetichismo da mercadoria, Marx afirmou que “O caráter misterioso da
forma-mercadoria está, desse modo, no fato de que ela devolve para os
homens o caráter social de seu trabalho como características objetivas do
próprio produto-trabalho [...] e, assim, reflete também a relação social dos
produtores com seu trabalho total como uma relação social de objetos
existentes fora deles mesmos”.4 Essa passagem, remanescente da análise
filosófica dos Manuscritos de Paris, salientava a diferença entre aparência e
lógica interna. As mercadorias aparecem no mercado, são vendidas por
preços de mercado que se mostram independentes de controle individual;
mas essa aparência encobre a lógica interna do processo de trabalho, a
produção daquelas mercadorias por trabalhadores que perderam o controle
sobre os produtos de seu trabalho social.
Essa evocação do segredo como lógica interna de uma aparência
empiricamente percebida ficou mais evidente no terceiro volume, não
acabado, no qual Marx planejava condensar todo o seu sistema e compará-
lo com as ideias dos economistas políticos clássicos. No início desse
Volume Três, ele reiterava que valor era a forma oculta do lucro, que a taxa
de lucro e a ideia de valor oriundas do crédito eram ambas uma
“aparência”, enquanto a taxa de valor excedente consistia “o invisível,
porém o essencial a ser descoberto”. Marx considerava que ao estabelecer a
distinção entre taxa de lucro e taxa de valor excedente, ele havia “pela
primeira vez, revelado essa conexão interna”. Segundo ele, a oferta e a
demanda, determinantes do preço de acordo com os economistas burgueses,
eram apenas uma aparência, e não o valor real determinado pelo tempo de
trabalho, o que só podia ser encontrado por meio de um exame das
conexões internas do valor.5
Chegando à conclusão desse volume, e de todo o seu trabalho, Marx
analisou a ideia formulada primeiramente por Adam Smith e endossada por
seus correligionários, segundo a qual o preço de venda de uma mercadoria
era criado pelas receitas daqueles que a haviam produzido, e tais receitas
podiam ser decompostas em arrendamento da terra, lucro (ou juros) sobre o
capital e remuneração do trabalho. Marx descreveu essa ideia como “a
forma Trinitária que abarca todos os segredos do processo social de
produção”. Os segredos revelados por ele em seu estudo diziam que essas
categorias de receita não eram independentes, mas sim, em última análise,
os produtos do trabalho no sistema capitalista de produção. Marx afirmou
que os mais notáveis economistas clássicos haviam compreendido a
aparência das três formas de receita, mas permaneceram, em consequência
de seu posicionamento em defesa do sistema capitalista de produção,
“aprisionados no mundo das aparências que eles mesmos haviam
cuidadosamente desfeito”.6 Foi o envolvimento no trabalho hegeliano de
desenvolvimento conceitual que permitiu a Marx mostrar como a aparência
do sistema dependia da lógica interligada de sua operação interna.
A metodologia de Marx pode ser comparada com duas outras formas
comuns de investigação da realidade empírica adotadas pela ciência social.
Em uma, cujas raízes se encontram nos positivistas do século XIX, os
cientistas sociais postulam os diversos termos de seu modelo (nos dias de
hoje, em um estilo mais matemático, eles os denominam suas “variáveis
independentes”) e o empregam para explicar descobertas empíricas. Em O
capital, é certo que Marx desenvolveu um modelo de uma economia
capitalista, modelo este que, já no final do primeiro volume – sem
considerar os outros dois –, possuía muitos termos e conceitos. Contudo, a
origem de todos eles residia nas condições iniciais de mercadorias
produzidas e trocadas. Cada etapa do desenvolvimento continuava a partir
da inadequação da anterior para explicar aspectos diferentes e
empiricamente evidentes do capitalismo. Esse procedimento revelava a
lógica interna do sistema de um modo tal que as formas mais positivistas de
modelagem, começando com um número maior de termos, não eram
capazes de fazer.7
Há uma segunda versão de modelagem utilizada tanto por economistas
contemporâneos de Marx como pelos da atualidade. Essa versão emprega
um número reduzido de termos para produzir um modelo da realidade
econômica deliberadamente mais simplificado, revelando, desse modo, os
efeitos daquilo que os economistas consideram fatores fundamentais. Em
um passo seguinte, espera-se que os economistas tomem de volta os fatores
desprezados – mas sabe-se que não o fazem – e apliquem seu modelo
simplificado diretamente na prescrição de políticas. Esse procedimento não
difere do de Marx, exceto pelo fato de que os termos retomados por ele não
eram tanto modificações de suas premissas iniciais como consequências do
desenvolvimento conceitual dessas premissas, um aspecto nitidamente
dialético do modelo de investigação adotado por Marx.

A TEORIA ECONÔMICA de Marx foi fundamentada em cinco


diferenças conceituais: entre valor de uso e valor de troca; entre o uso do
dinheiro para troca de mercadorias e o uso do dinheiro para acumulação de
capital; entre trabalho e força de trabalho; entre capital constante e capital
variável; e entre taxa de valor excedente e taxa de lucro. Só depois de
estabelecer essas diferenças, com cada uma das quais, como é possível
esperar dos métodos de Marx, surgindo de sua predecessora, ele foi capaz
de desenvolver uma análise do capitalismo e profetizar o futuro deste, além
de distinguir essa sua versão daquelas oferecidas pelos economistas
políticos de seu tempo.8
A distinção entre valor de uso e valor de troca era conceitualmente
objetiva. Valor de uso representava o benefício subjetivo obtido por um
indivíduo a partir do consumo de um bem ou um serviço; e valor de troca, o
preço pago por esse bem ou esse serviço, no mercado. A troca exigia uma
medida comum de valor, ou dinheiro. Na cadeia de transações, o produtor
vendia a mercadoria que produzira, transferindo seu valor de uso para o
comprador; recebia o valor de troca desta na forma de dinheiro; e depois
adquiria outra mercadoria com esse dinheiro. Marx utilizou um exemplo no
qual um fazendeiro vendia o trigo que havia plantado e usava o dinheiro
apurado para adquirir linho de um tecelão, e este empregava o dinheiro da
venda do linho para comprar uma bíblia. A referência à compra de uma
bíblia e ao valor de uso espiritual a ela associado, além do tom irônico,
tinha o objetivo de ilustrar o relacionamento entre troca e divisão do
trabalho.9
De acordo com Marx, essa troca simples não caracterizava o
capitalismo, que, para ele, envolvia uma versão diferente do processo de
troca. Nessa versão, o dinheiro era empregado para aquisição de uma
mercadoria, cuja venda posterior propiciava um lucro, de modo que no final
da cadeia de transações existia mais dinheiro do que no início. Marx
afirmava que esse uso do dinheiro com vistas a aumentar o valor convertia
dinheiro em capital. No entanto, conforme ele observou, como poderia isso
acontecer se as mercadorias eram vendidas por seu valor de troca? De onde
provinha o valor extra – o “valor excedente”, como dizia Marx?
A resposta para essa questão levou-o a intervir em um longo debate
entre economistas políticos, acerca da teoria do valor-trabalho. Apresentada
pela primeira vez por Adam Smith, detalhadamente formulada por David
Ricardo e endossada no Princípios de economia política (1848), de John
Stuart Mill, obra-padrão sobre economia da época de Marx, essa teoria
afirma que o valor de uma mercadoria é estabelecido pela quantidade de
trabalho consumida para produzi-la.10 “Tempo de trabalho socialmente
necessário” era a expressão utilizada por Marx. O problema, como
salientam as críticas de Ricardo (e Marx, com seu excepcional
conhecimento de economia política, tinha total consciência desse
problema), era que tal medida de valor não se aplicava ao valor do próprio
trabalho. Não estava claro, do ponto de vista conceitual, como o trabalho
podia, ao mesmo tempo, ser medido e representar uma medida de valor.
Quando se tenta contestar essa objeção, afirmando que o valor do trabalho é
o próprio trabalho, tanto o valor da mercadoria produzida como o do
trabalho necessário para produzi-la passam a ser a mesma coisa. Essa
igualdade de valor significava que os capitalistas não podiam ganhar
dinheiro, a menos que – como alguns socialistas, entre os quais o antigo
rival de Marx, Proudhon, sugeriam –, ludibriassem sistematicamente os
trabalhadores, pagando a eles um valor inferior ao que seu trabalho fazia
jus. Marx rejeitava essa ideia e, em seu panfleto de 1859, explicou que
futuras publicações exporiam a solução para esse problema fundamental da
teoria do valor-trabalho.11
No Grundrisse, Marx abordou o problema inúmeras vezes, antes de
formular a solução que viria a adotar em seus textos sobre economia.
Segundo ele, o que os trabalhadores vendiam aos capitalistas não era o seu
trabalho, mas sim aquilo que primeiro denominou “aptidão para o trabalho”
e “capacidade de trabalho”, antes de cunhar a expressão “força de trabalho”.
O valor de troca da força de trabalho era o tempo de trabalho necessário
para produzir aquela força de trabalho – isto é, para manter os trabalhadores
e suas famílias ativos e trabalhando, garantindo seu padrão de vida. O valor
de uso da força de trabalho, por outro lado, residia no próprio trabalho, que
possuía a propriedade singular de proporcionar aumento do valor. A
explicação de Marx, formulada em termos do tempo de trabalho, a medida
contemporânea padrão de valor, dizia que os trabalhadores de uma indústria
têxtil – para tomar o exemplo de um estabelecimento fabril típico dos anos
1860 – trabalhavam doze horas por dia, na transformação de algodão bruto
em fios de algodão; e que os fios produzidos pelos operários em seis horas
– metade da jornada diária de trabalho – eram suficientes, quando vendidos,
para pagar seus salários, ou seja, compensá-los pela força de trabalho, assim
como para cobrir metade dos outros custos assumidos pelo empregador,
como o algodão bruto, o combustível para as máquinas, o calor e a luz dos
edifícios da fábrica e a depreciação das instalações produtivas. No entanto,
eles continuavam a trabalhar durante as seis horas restantes, e a produção
desse período, quando vendida, além de repor a outra metade dos custos do
empregador, agregava um valor excedente, o lucro dos capitalistas.
Em uma célebre passagem, carregada de sarcasmo, mas que também
refletia um veículo de expressão de sua filosofia histórica, Marx descreveu
essa venda de força de trabalho como “liberdade, igualdade, propriedade e
benthamismo”.12 Capitalistas e trabalhadores, as duas partes livres de um
contrato, fazem uma transação equivalente, com os segundos recebendo o
valor de troca justo por sua força de trabalho, e os primeiros, assumindo o
custo do valor de uso dessa força de trabalho. Cada um dos lados
comercializa o que tem para vender; os trabalhadores, sua força de trabalho;
e os capitalistas, seu dinheiro para os salários; e cada lado, como propunha
o filósofo utilitarista Jeremy Bentham, age em interesse próprio.
Marx acrescentou um atributo final a esses conceitos básicos: a
distinção entre diferentes tipos de capital. Os economistas contemporâneos
diferenciavam capital “fixo” de capital “circulante”, incluindo o primeiro as
estruturas e as instalações produtivas, e o segundo, a matéria-prima e os
produtos acabados. Marx endossava essa distinção e abordou-a com certo
nível de detalhes no Volume Dois, publicado postumamente, mas também
agrupou capital fixo e capital circulante sob a denominação de “capital
constante”. A esse capital constante, ele contrapôs o “capital variável”, o
custo da remuneração dos trabalhadores, uma ideia desenvolvida no
Grundrisse, a partir de um conceito da economia política de Ricardo, o
“fundo de salário”: a proporção da renda nacional disponível para
pagamento do salário dos trabalhadores. Marx submeteu o conceito a uma
torção hegeliana, definindo salário como capital, unindo conceitos
aparentemente opostos e destacando o papel central do trabalho na geração
de capital.13
A polarização entre capital constante e capital variável, estabelecida
por Marx, atendeu a outro propósito fundamental de sua teoria econômica,
particularmente relevante para a proposição central da queda da taxa de
lucro. Ele afirmava que o capital constante contido em determinada
mercadoria para venda não aumentava seu valor; o preço da matéria-prima,
do maquinário, das estruturas, do combustível etc., era simplesmente
repassado para os produtos acabados. Apenas o capital variável, a força de
trabalho humana, tinha condições de elevar o valor das mercadorias.14 Marx
diferenciava taxa de valor excedente (a razão entre o lucro dos capitalistas e
o custo do trabalho, assumido por eles) e taxa de lucro (a razão entre o lucro
dos capitalistas e o custo relativo tanto a trabalho, como a matéria-prima e
maquinário, ou, a trabalho vivo e morto, como ele algumas vezes descreveu
essas duas formas de capital). Muito embora a taxa de lucro correspondesse
à forma pela qual os próprios capitalistas calculavam o retorno sobre seus
investimentos, ela não passava de aparência, pois o lucro dos capitalistas
era determinado pela taxa de valor excedente.
Com essas diferenças conceituais devidamente colocadas, Marx estava
pronto para começar a explicitar sua teoria. Os capitalistas, estimulados
pela concorrência no mercado, lutavam para aumentar ou, pelo menos,
manter seus lucros; e dada a origem dos lucros no valor excedente, Marx
entendia que havia duas formas de consegui-lo. Uma, que denominou “a
extração do valor excedente absoluto”, representava o alongamento da
jornada diária de trabalho, de modo que os trabalhadores dedicariam uma
proporção maior de seu tempo de trabalho à geração de lucro para seus
empregadores capitalistas, e uma proporção menor para a produção das
mercadorias que, quando vendidas, pagariam seus salários. Nessa discussão
da extração do valor excedente, iniciada depois de exposto cerca de um
terço do conteúdo do Volume Um, Marx deixou de lado a forma de
raciocínio abstrato que empregara anteriormente, e começou a citar
referências empíricas. Empregando como principal fonte os Livros Azuis,
relatórios das comissões parlamentares de inquérito britânicas, ele pintou
uma imagem sombria da miséria e da exploração; de trabalhadores
exauridos e doentes trabalhando dia e noite, até mesmo crianças pequenas.
Marx narrou a história da lavadeira Mary Anne Walkley, em Londres, que,
esfalfando-se na limpeza dos vestidos das madames que se preparavam para
o baile da Princesa de Gales, em 1863, literalmente morreu de trabalhar.15
Ao mesmo tempo, essa exploração capitalista gerava resistência da
classe trabalhadora, resistência esta expressa na forma de campanhas por
uma jornada de trabalho garantida por lei, e nas demandas dos sindicatos
por jornadas menores.16 A teoria do valor excedente, proposta por Marx,
ajuda a explicar o fato de ele ter sido patrono da Associação Internacional
dos Trabalhadores e do sindicalismo. A defesa pelos sindicatos de uma
jornada de trabalho mais reduzida era um aspecto fundamental da luta de
classes, pois implicava a retomada pelos trabalhadores da porção do valor
que produziam, o que se refletia em redução do valor excedente assegurado
aos capitalistas e, consequentemente, do lucro por eles auferido. Essa era
uma ação de caráter reformista que atingia a raiz da fonte de lucros dos
capitalistas e apontava o fim do sistema capitalista.
Marx compreendia que a extensão da jornada de trabalho, mesmo não
havendo oposição da classe trabalhadora, acabaria esbarrando em
limitações físicas, a menos que todos os trabalhadores fossem se juntar a
Mary Anne Walkley na cova. A maior parte da análise de Marx concentrou-
se na obtenção daquilo que ele denominou “valor excedente relativo”,
criado pelo aumento da produtividade do trabalho. Mesmo que esses
trabalhadores mais produtivos devotassem a mesma proporção de seu dia de
trabalho à reposição dos custos de matéria-prima e equipamentos assumidos
pelos capitalistas, e à geração de lucros, eles produziriam mais mercadorias
durante essas horas e, assim, gerariam mais lucros. Marx considerava que
isso era “o impulso imanente e a tendência constante do capital no sentido
de elevar a força produtiva do trabalho [...]”.17 O propósito do capitalismo
estava em produzir mais e de forma mais produtiva.
O aumento da produtividade do trabalho resultava da expansão do uso
de máquinas. Os diversos exemplos apresentados por Marx a esse respeito
reproduziam condições da Inglaterra nos primeiros dois terços do século
XIX, a terra das máquinas a vapor, das fiandeiras e dos teares mecânicos.
De acordo com Marx esse fenômeno não era apenas contínuo, mas
progressivo. O maquinário, o combustível necessário para movimentá-lo e a
matéria-prima por ele processada constituíam uma proporção gradualmente
crescente das despesas dos capitalistas, quando comparadas ao dinheiro
gasto com o salário dos trabalhadores. Empregando a expressão usada por
Marx, a “composição orgânica do capital”, a razão entre capital constante e
capital variável, aumentava de forma contínua.18
As consequências desse fenômeno foram não apenas diversas como de
longo alcance. A ampliação das despesas decorrente da necessidade de
expansão do maquinário acarretava o fechamento de empresas menores,
estimulando a tendência de formação de grandes corporações capitalistas. O
crescimento do porte das empresas e do volume de produção exigia
mercados mais amplos – com abrangência mundial. Artesãos, tais como os
tecelões indianos, viram-se forçados a cerrar as portas de seus negócios e
seus países de origem converteram-se em fonte de matéria-prima. Os
emigrantes de países industrializados estabeleceram-se na Austrália e na
América do Norte, ampliando o mercado para as mercadorias
industrializadas e criando novas fontes de fornecimento de matéria-prima.19
O mesmo processo responsável pela geração de uma riqueza social
cada vez maior era, simultaneamente, o fator gerador do agravamento da
miséria do povo. A progressiva mecanização da produção se refletia na
redução da demanda por mão de obra nas empresas capitalistas, e suas
consequências eram sentidas na degradação dos salários dos trabalhadores
regularmente empregados e no aumento do número de empregos irregulares
e do nível de desemprego. Se eles não se juntassem à onda de emigrantes,
iriam, segundo célebre frase de Marx, engrossar as fileiras de um “exército
industrial de reserva”. Desse modo, o capitalismo criava uma condição
permanente de aumento da oferta de mão de obra. Por outro lado, a
amortização do custo das máquinas, cujo preço sofria elevação constante,
exigia que elas fossem operadas por períodos mais longos e, dessa forma, a
expansão da mecanização dos processos produtivos acabava provocando
aumento do desemprego e da jornada de trabalho daqueles operários que
ainda tinham um emprego.20
Marx sugeriu, também, que as flutuações no tamanho desse exército de
reserva eram a causa dos ciclos econômicos e da recorrência periódica das
crises comerciais. A relação entre causa e efeito não estava totalmente clara
nesse ponto, e parece mais lógico considerá-la de outra maneira,
entendendo o ciclo econômico como determinante do tamanho do exército
industrial de reserva: em tempos de prosperidade, os desempregados teriam
melhores condições de encontrar trabalho, e o tamanho desse exército
declinaria; enquanto, em época de recessão, com a escalada do nível de
desemprego, ele aumentaria. De qualquer modo, o Volume Um de O capital
deixou de apresentar uma teoria explícita acerca de ciclo econômico e crises
comerciais. Esse assunto foi objeto de discussão no Volume Três, publicado
postumamente, e sua abordagem distinguia-se, a olhos vistos, das
afirmações contidas no primeiro volume. Depois de ver frustradas suas
esperanças de eclosão de uma revolução, na esteira da recessão global de
1857, Marx minimizou a importância das crises para uma derrocada do
capitalismo.21
O que ele via como fator motivador do fim do capitalismo era o
contraste entre a riqueza criada pela crescente produtividade do trabalho,
promovida pelo aumento da composição orgânica do capital, e a miséria dos
trabalhadores, resultante do mesmo fenômeno. Em um capítulo intitulado
“A lei geral da acumulação capitalista”, Marx recapitulou, em tom
inflamado, a direção geral do processo estimulado pela crescente
composição orgânica do capital:
A lei, que [...] sempre mantém a superpopulação relativa ou o
exército industrial de reserva em equilíbrio com a proporção e a
força da acumulação, prende o trabalhador ao capital mais
inabalavelmente do que as correntes de Hefesto amarraram
Prometeu às rochas. A lei determina uma acumulação de miséria
correspondente à acumulação do capital. A acumulação de
riqueza em um extremo equivale, desse modo, à acumulação
simultânea da pobreza, do trabalho sofrido, da escravidão, da
ignorância, da brutalização e da degradação moral, na outra
extremidade, isto é, no lado da classe que gera seu próprio
produto na forma de capital.22

Depois dessa assertiva radical, Marx partiu para a apresentação de uma


prova empírica que a comprovava, empregando para tanto (a exemplo do
que acontece na maior parte do material contido nesse livro) os
desenvolvimentos na Grã-Bretanha, desde meados da década de 1840 até
meados dos anos 1860. Ele relacionou a expressiva expansão das
exportações, cujo valor aumentou de 58,8 milhões de libras, em 1847, para
188,9 milhões de libras, em 1866; o crescimento estável dos rendimentos
mais altos, de acordo com as estatísticas relativas ao imposto sobre a renda;
e o aumento da produção de carvão e de ferro. Essa evidência da ampliação
da produção capitalista e da acumulação era bastante conhecida por Marx,
pois ele havia escrito sobre o assunto para o New York Tribune, desde o
início dos anos 1850 e tinha o hábito de levar consigo cadernos de
anotação, nos quais registrava estatísticas econômicas.23
Contra esse cenário de crescente riqueza da burguesia, Marx
apresentou uma profusão de evidências da miséria e da pobreza da classe
trabalhadora. Os Livros Azuis citados por ele revelavam a existência de
sapateiros gravemente subnutridos e cidadãos londrinos que, sem condições
de arcar com o elevado custo dos aluguéis na metrópole, eram despejados
nas ruas. Esses livros denunciavam as condições de asilos de indigentes
superlotados, de trabalhadores rurais que labutavam em grupos de trabalho
nos quais mulheres e crianças limitavam os salários auferidos por homens
adultos e se viam frequentemente envolvidas em casos de gravidez precoce.
A dieta alimentar desses trabalhadores rurais, vítimas de maus-tratos, era
ainda pior do que a oferecida aos detentos nas prisões.
Os relatos de Marx se revelaram embaraçadores documentos da
exploração, da opressão e da pobreza; mesmo hoje, constituem uma leitura
bastante perturbadora. Mas, ao contrário das discussões acerca da
florescente produção industrial e da prosperidade das classes mais altas,
eles eram retratos estáticos da década de 1860, carentes de indicadores
capazes de revelar se as condições seriam então piores ou melhores do que
em anos passados. Marx sabia que a conjuntura havia se alterado na
Inglaterra desde os primórdios da Revolução Industrial, no início do século
XIX. Escrevendo a respeito das primeiras etapas da industrialização na
Rússia, durante a década de 1860, ele afirmou que no império do czar “tão
frutífero em todas as infâmias, as antigas atrocidades da aurora industrial na
Inglaterra conservam-se em pleno florescimento”.24 Essa denúncia era uma
admissão tácita de que tais atrocidades já não ocorriam na Inglaterra, ou
seja, de que as condições haviam melhorado durante os quarenta a sessenta
anos decorridos desde então.
Além de não levar em conta a mudança ao longo do tempo, o retrato
da miséria da classe trabalhadora, traçado por Marx, era também seletivo.
Sustentou sua opinião com descrições das mais pobres e indefesas entre as
classes inferiores do Reino Unido. Na Associação Internacional dos
Trabalhadores, Marx havia conhecido sindicalistas britânicos,
representantes de trabalhadores que desfrutavam de uma situação melhor, e
encontrara esses homens nas manifestações de que participou no Hyde Park
e na tribuna de encontros convocados por David Urquhart ou pela AIT;
porém, não incluiu tais trabalhadores nas descrições da condição de vida da
classe trabalhadora da Inglaterra, nos anos 1860.
Nos capítulos finais do primeiro volume, Marx traça um quadro do
empobrecimento da classe trabalhadora dentro de um panorama mais amplo
da história do capitalismo. Essa descrição começa com a “acumulação
original” ou “primordial” (os dois termos são interpretações melhores da
expressão alemã ursprüngliche Akkumulation, do que a tradução inglesa
padrão, “acumulação primitiva”, a apropriação do valor excedente pelos
capitalistas pré-industriais dos séculos XVI a XVIII. Antes do incremento
da força de trabalho produtiva pela introdução das máquinas, os capitalistas
obtinham valor excedente por meio de roubo travestido de legalidade:
confiscando as terras comuns dos pequenos proprietários rurais e
submetendo esses homens robustos à miserável condição de trabalhadores
sem terra, escravos explorados, colonos saqueados. Com essas observações,
Marx integrou às suas teorias econômicas comunistas as críticas ao domínio
britânico na Índia, entendido como um sistema organizado de roubalheira e
corrupção, as quais havia assimilado de radicais britânicos pré-socialistas e
publicado no New York Tribune. Depois de iniciada a revolução industrial,
essa espoliação escancarada foi substituída pela usurpação do valor
excedente aos trabalhadores por meio do emprego industrial.
Perscrutando o futuro, Marx reiterou as previsões que ele e Engels
enunciaram pela primeira vez vinte anos antes no Manifesto comunista. O
capital se acumularia em um número cada vez menor de mãos, à medida
que a demanda financeira exercida pela crescente composição orgânica do
capital forçava as pequenas empresas a fechar suas portas. A produção se
tornaria progressivamente centralizada e mecanizada, com vistas à
consecução de máxima eficiência. A produtividade aumentaria, do mesmo
modo que as conexões globais da economia capitalista de mercado. Todo
esse avanço seria uma característica de um futuro sistema econômico
socialista, já em desenvolvimento sob a égide do capitalismo. Ao mesmo
tempo, a lei geral da acumulação capitalista determinava que paralelamente
ao crescimento do capital, aumentaria

a massa de miséria, opressão, servidão, degeneração, exploração,


mas também a indignação de uma crescente classe trabalhadora
cada vez mais unida e organizada, e escolada pelos mecanismos
do próprio processo capitalista de produção. O monopólio do
capital se torna um instrumento de cerceamento dos meios de
produção que antes floresciam com o capitalismo e sob ele. A
centralização dos meios de produção e o caráter social do trabalho
atingem um ponto no qual se tornam incompatíveis com sua
estrutura capitalista. Ela explode. Chega a hora da propriedade
privada capitalista. Os expropriadores são expropriados.25

Essa passagem contundente, e muito citada, não marcava o fim do


Volume Um de O capital. Havia ainda algumas páginas nas quais era
abordado outro aspecto do futuro capitalista: um relato acerca de como a
crescente população das colônias inglesas as transformava gradativamente,
de ilhas de terra barata e prosperidade da classe trabalhadora em centros de
miséria e exploração capitalista, reproduzindo a condição da terra natal dos
próprios colonizadores. Enquanto a inclusão desse segmento final
representava um anticlímax depois da veemente evocação do fim do
capitalismo, a discussão a respeito do processo de colonização era não
apenas parte da interpretação de capitalismo por Marx, como um sistema
global, mas também do uso constante que fazia do desenvolvimento do
capitalismo na Grã-Bretanha como um modelo global. Seguindo a teoria
dos estágios da história que havia delineado em Uma contribuição para a
crítica da economia política, Marx identificava na experiência britânica o
exemplo de um processo universal de desenvolvimento capitalista que
outros países teriam de se esforçar para copiar e aprimorar. Logo no início
do livro, no prefácio da primeira edição do Volume Um, ele preveniu seus
leitores alemães acerca do uso de exemplos ingleses: “Venham os leitores
alemães a dar de ombros, como hipócritas, às condições dos trabalhadores
ingleses da indústria e da agricultura, ou a se acalmar movidos pelo
otimismo, pensando que na Alemanha a situação nem de longe é assim tão
crítica, então eu devo bradar a eles: De te fabula narratur!”26 Lançando mão
do latim para enfatizar a expressão “A história se aplica a você!”, Marx
afirmava que o exemplo inglês empregado em sua narrativa da expansão,
exploração, opressão e, no final das contas, autodestruição do capitalismo,
não constituía uma peculiaridade do reino da ilha, mas tratava-se de
orientação universal da história humana.

O DEMÔNIO, COMO diz o ditado, está nos detalhes, e a explanação mais


ampla da origem, da natureza e do destino de uma economia capitalista
global feita no Volume Um de O capital deixou inúmeras questões
fundamentais para publicações futuras. Em uma carta de abril de 1868,
endereçada a Engels, na qual apresentava em linhas gerais os planos para o
desenvolvimento de seu trabalho, Marx destacou a “tendência de queda da
taxa de lucro com o progresso da sociedade”, a dimensão ilusória de lucro
atribuída pelos capitalistas ao valor excedente e a “transformação de lucro
excedente em renda fundiária”.27 Desses três pontos, o central era a taxa de
lucro declinante, que ajudava a explicar os outros dois, além de demonstrar
a relação de Marx com os economistas políticos clássicos dos primórdios do
século XIX.
Uma constante preocupação de Marx, desde o primeiro rascunho de
seus tratados econômicos até as vésperas de sua morte, foi explicar, em
termos teóricos e empíricos, a tendência da taxa de lucro no longo prazo.
No Grundrisse, ele descreveu a lei da tendência de queda da taxa de lucro
como “a mais importante lei da moderna economia política, em todos os
aspectos [...] a despeito de sua simplicidade, ela nunca, até este momento,
foi intelectualmente compreendida [...]”. No Volume Três de O capital,
Marx deu um tratamento diferente a essa questão, descrevendo a tendência
de queda da taxa de lucro como “uma expressão específica do modo
capitalista de produção para o desenvolvimento progressivo da força de
trabalho produtiva da sociedade”.28 Como o aumento da produtividade do
trabalho era um fator essencial da explicação dada por Marx no Volume Um
para a obtenção de valor excedente relativo, e essa obtenção era
fundamental para sua teoria da autodestruição final do capitalismo, a análise
da queda da taxa de lucro constituía o cerne da interpretação marxista sobre
a vida e a morte do modo capitalista de produção.
Tanto no Grundrisse como em O capital, Marx não reivindicava para
si a invenção da lei da tendência de queda da taxa de lucro. Muito ao
contrário: entendia que sua análise explicava corretamente, pela primeira
vez, uma observação característica da economia política de seus dias. Fora
Adam Smith o primeiro a afirmar essa tendência. David Ricardo a havia
reformulado em um formato diferente e mais rigoroso, e ela foi, uma vez
mais, endossada no obra de referência de John Stuart Mill. Para os dois
últimos, essa tendência havia atingido um “estado estacionário”, no qual a
economia parara de crescer porque a taxa de lucro havia caído para um
nível tão baixo que novos investimentos deixavam de ser rentáveis – uma
conclusão que foi o pesadelo de Ricardo, e uma perspectiva quase utópica
para Mill.29 Os dois homens entendiam que a queda da taxa de lucro
culminaria em alguma forma de morte do capitalismo. Marx concordava
plenamente, embora sua versão de morte do capitalismo – um levante dos
trabalhadores conduzindo a um regime comunista – estivesse longe de ser
endossada por economistas políticos pró-capitalismo.
Na carta endereçada a Engels, na qual definiu os planos de trabalho
para o tratado de economia posterior ao Volume Um, Marx explicou que a
queda da taxa de lucro “resulta da ideia já desenvolvida no Livro Um, de
alteração na composição do capital com o desenvolvimento da força de
produção social. Esse é um dos grandes triunfos sobre [...] todas as
economias anteriores”. A análise básica de Marx, exposta no Volume Três,
era que a concorrência entre capitalistas os tornava mais produtivos, por
meio do gradativo aumento do número de máquinas, de modo que o valor
dos meios de produção – maquinário, estruturas, combustível, matéria-
prima – crescia progressivamente, quando comparado ao valor do trabalho;
ou, como afirmou Marx, a razão entre capital constante e capital variável, a
composição orgânica do capital, aumentava. Já que, de acordo com a teoria
do valor-trabalho só o trabalho teria condições de promover aumento do
valor ou de criar valor excedente, sendo o preço dos meios de produção
repassado para o custo das mercadorias produzidas, então, com a cada vez
mais acentuada composição orgânica do capital, a taxa de lucro – a razão
entre valor excedente e capital investido – tinha de cair.30
Marx desenvolveu sua ideia inicial em uma profusão de elaborações,
qualificações e formulações. Muitas delas foram explicitamente algébricas,
algumas refletindo até mesmo seus estudos de cálculo. Há uma fórmula, na
verdade não empregada por Marx – ela apareceu em seus manuscritos não
publicados, embora incorretamente, devido a um erro de cálculo –, porém
muito mais simples do que a dele, que mostra a ideia das afirmações do
autor, além de revelar os problemas de sua hipótese. Proposta pela primeira
vez por Samuel Moore, o tradutor para o inglês do Volume Um de O
capital, a quem Engels consultou quando da edição das seções mais
matemáticas dos manuscritos de Marx, a fórmula tem sido desde então
usada frequentemente por especialistas em economia marxista.31 A taxa de
lucro é o retorno sobre os investimentos, ou, na linguagem de Marx, a razão
entre o valor excedente (s) e a soma de capital constante, maquinário,
estruturas, matéria-prima etc. (c), com salários, ou capital variável (v). Esse
resultado equivale à taxa de lucro: . Moore propôs dividir o numerador
e o denominador por v, obtendo . O numerador dessa nova fração é o
valor da taxa de lucro, e o denominador, 1 mais a composição orgânica do
capital.
Marx queria dizer que, se a composição orgânica do capital (c/v)
crescia, à medida que máquinas mais dispendiosas eram empregadas na
produção, respondendo por um custo cada vez maior do que o do salário
dos trabalhadores, o denominador aumentava, de modo que a fração – a
taxa de lucro – tendia a zero. Isso é verdadeiro, mas apenas na hipótese de
que o numerador (s/v) – a taxa de valor excedente – permaneça constante
ou aumente em uma proporção menor do que c/v. Se o aumento da
composição orgânica do capital indicava simplesmente que os capitalistas
estavam empregando mais máquinas, mais matéria-prima, mais combustível
e construindo mais edifícios fabris, essa hipótese estaria correta; contudo,
seria errada se esse novo maquinário fosse mais produtivo do que o
existente ou do que a mão de obra não mecanizada que ele substituía. O
aumento de produtividade significava que os trabalhadores tinham
condições de produzir em uma jornada de trabalho menor as mercadorias
cuja venda pagaria seus salários, ficando uma proporção maior dessa
jornada dedicada à produção de valor excedente para os capitalistas; com
isso, o valor excedente se elevaria. Essa produtividade ampliada do
trabalho, no âmbito de toda a economia capitalista, foi um aspecto central
da análise de Marx.
A despeito dessas formulações mais canhestras e complicadas, Marx
estava ciente do problema e procurou solucioná-lo, como se vê nos
manuscritos que compunham o Volume Três de O capital; em outros
estudos manuscritos, muito mais algébricos, sobre a queda da taxa de lucro;
na correspondência trocada com Engels; e, implicitamente, em suas
discussões a respeito do valor excedente relativo, no Volume Um, de O
capital. Ele retomou diversas vezes o problema, tendo escrito equações pela
última vez em 1882, um ano antes de sua morte, e apresentado muitas
explanações e soluções, que não parecem tê-lo satisfeito totalmente.
Uma possibilidade estava em assumir que a taxa de valor excedente
permanecia constante ao longo do tempo e entre diferentes setores
econômicos, com relações diversas entre capital constante e capital
variável. Marx fez essa suposição algumas vezes; mas ele tinha ciência de
sua falta de acuidade, pois quando comparava países economicamente mais
desenvolvidos, tais como o Reino Unido, com outros, menos, como a
Áustria, ele assumia que a taxa de valor excedente seria maior nos
primeiros. Uma possibilidade correlata era que, considerando a economia
como um todo, a taxa de valor excedente podia crescer ao longo do tempo,
contudo, mais vagarosamente do que a composição orgânica do capital.
Essa, também, foi uma hipótese formulada sem o embasamento de qualquer
ponderação ou evidência.32
No final das contas, Marx julgou insatisfatórias essas soluções, como
pode ser observado em suas considerações sistemáticas, no Volume Três e
em manuscritos não publicados acerca das consequências opostas que
diferentes tendências no desenvolvimento da taxa de valor excedente e da
composição orgânica do capital produziam sobre a taxa de lucro. Ele
postulou outras explicações. Uma delas dizia que a introdução inicial de
maquinário mais produtivo deveria elevar temporariamente a taxa de valor
excedente, pelo menos para o capitalista pioneiro no emprego desses
métodos. Com a padronização de tais inovações produtivas, a concorrência
forçaria a redução de preço das mercadorias produzidas e, desse modo, o
lucro adicional seria zerado e a taxa de valor excedente voltaria para o nível
anterior. Outra consideração, aparentemente tomada de David Ricardo,
dizia que métodos mais eficientes e produtivos só teriam condições de
elevar a taxa de valor excedente se empregados na produção de mercadorias
para consumo pela classe trabalhadora. É fácil entender a lógica desse
raciocínio: se os produtos de consumo de massa fossem mais baratos, os
trabalhadores poderiam receber remuneração menor, sem prejuízo de seu
padrão de vida. Eles iriam, então, dedicar uma proporção menor da jornada
diária de trabalho à produção do volume de mercadorias necessário para
cobrir o custo dos salários, e uma proporção maior para a quantidade de
mercadorias cuja venda garantiria o valor excedente desejado pelos
capitalistas. Devemos refletir a respeito da limitação da produção de bens
de consumo. Para tomar um exemplo de uma importante transformação
tecnológica em andamento na época em que Marx estava escrevendo seu
tratado de economia, o conversor de Bessemer levava apenas quinze a vinte
minutos para converter em aço três a cinco toneladas de ferro gusa, um
processo que levava 24 horas em um forno de pudlagem. Tal aumento
expressivo da produtividade em um setor da economia responsável pela
produção de mercadorias não iria impulsionar a elevação da taxa de valor
excedente?33
No Volume Três, Marx discutiu tendências compensatórias, destacando
que, empiricamente, a taxa de lucro não havia apresentado queda ao longo
das três décadas anteriores. Ele observou que esse período experimentara a
introdução de setores de produção de mercadorias de luxo altamente
lucrativas, e que houvera economia no uso do capital: máquinas a vapor
mais eficientes, com menor consumo de combustível, por exemplo. O
comércio com as colônias e com os países subdesenvolvidos foi outro fator
que contribuiu para a manutenção da taxa de lucro em níveis elevados.
Marx, porém, ao contrário de seus sucessores, não via nesse comércio a
salvação do capitalismo. Adotando uma linha de raciocínio desenvolvida
por Ricardo, ele argumentou que a concorrência forçaria para baixo as taxas
de lucro inicialmente elevadas. De um modo mais geral, Marx considerava
o colonialismo uma fase primeva do capitalismo, a era da acumulação
primitiva pré-1800, quando os capitalistas obtiveram valor excedente por
meio da força e da violência; isso era menos relevante para uma era
industrial, na qual o valor excedente podia ser obtido por métodos mais
brandos.34
A mera variedade de explicações demonstra a dificuldade de Marx em
lidar com o conceito de queda da taxa de lucro. Muito embora o Volume
Um de O capital, escrito depois dos volumes dois e três, não trate
explicitamente dessa questão, muitas das opiniões finais de Marx sobre o
assunto estão nele contidas. Na explanação apresentada no Volume Um –
em especial na edição francesa e na segunda edição alemã da década de
1870 –, o aumento da produtividade foi tratado como resultado das
descobertas científicas e tecnológicas, sem uma necessária relação com
investimentos. Essa análise elimina o vínculo entre o elevado índice de
produtividade do trabalho e a progressiva composição orgânica do capital.
Outra análise consistia em avaliar se o aumento de produtividade seria
capaz de promover elevação simultânea da taxa de valor excedente, da taxa
de lucro e do salário dos trabalhadores. Marx concluiu que tal
desenvolvimento só seria possível em uma economia comunista, nunca em
uma capitalista – uma conclusão viável apenas quando se assumia que sob o
capitalismo a taxa de lucro cairia no longo prazo.35
Em um fragmento de um manuscrito mais recente, escrito depois de
1875, havia uma consideração final bastante diferente sobre a questão.
Nessa breve reflexão, Marx sugeria que os capitalistas mostrariam
relutância em introduzir maquinário mais produtivo e formas mais
eficientes de produção, porque, com isso, as instalações fabris existentes
ficariam obsoletas e a taxa de lucro sofreria redução. Caberia então ao
socialismo assumir a antiga tarefa capitalista e promover o aumento da
produtividade do trabalho. Essa é uma ideia interessante – e decerto
poderíamos inferir muitos exemplos de capitalistas relutantes em inovar
exatamente pela razão dada por Marx –, mas contrária a todas as ideias
anteriores de Marx acerca do assunto.36
Por fim, não havia evidências que comprovassem a tendência de queda
da taxa de lucro, uma lacuna digna de nota na análise de Marx a respeito do
futuro de uma economia capitalista. Embora a condição prevista por ele, de
um mundo capitalista no qual a riqueza crescia em uma extremidade e a
miséria na outra, não exigisse uma taxa de lucro declinante, a dinâmica
desencadeada por esse fenômeno era necessária em seu sistema para gerar o
resultado bipolar, com suas implicações revolucionárias; uma possibilidade
inevitável, sem espaço para lenitivos. Ao postular a queda da taxa de lucro,
Marx não estava desenvolvendo uma nova ideia, mas apenas reiterando o
que havia sido uma verdade incontestável da economia política desde a
publicação de A riqueza das nações, de Smith, nove décadas antes do
lançamento do Volume Um de O capital. Essa ideia emergira e ganhara
ampla aceitação no cenário britânico dos últimos anos do século XVIII e
primórdios do século XIX, no qual o rápido crescimento populacional
exercia pressão sobre recursos limitados, obstruía o aumento da
produtividade do trabalho e dificultava a introdução da tecnologia industrial
em seus estágios iniciais – um ambiente sombrio, muito diferente daquele
observado nas décadas mais prósperas da segunda metade do século XIX. A
visão de Marx acerca do futuro do capitalismo era essa versão transcrita do
passado do capitalismo, um olhar retrógrado compartilhado por muitos
economistas políticos de seu tempo.

A ECONOMIA POLÍTICA clássica enfrentou o problema de


compatibilizar a teoria do valor-trabalho com os preços de mercado. Marx
não acreditava que todas as variáveis economicamente relevantes fossem
determinadas pelo tempo de trabalho socialmente necessário; ele
considerava, por exemplo, que as taxas de juros eram consequência da
intersecção entre oferta e demanda. Ele afirmou que o preço das
mercadorias e a remuneração do trabalho (o preço da força trabalho-
mercadoria) resultavam do tempo de trabalho necessário, do ponto de vista
social, para a produção e reprodução dessas mercadorias; a fixação dos
preços pela intersecção entre oferta e demanda no mercado era apenas
aparência por trás da qual se encontrava a verdadeira determinação de
valor.37 Marx precisava expor essa aparência, explicando como a lógica
interna do valor conduzia à sua articulação na forma de preço.
Todos os economistas – uma minoria nos séculos XX e XXI –, que
rejeitam a ideia segundo a qual preço e valor são idênticos, defrontam-se
com esse “problema de transformação”, a conversão do valor em preço. A
principal representante de tal ponto de vista nas décadas mais recentes foi a
escola neo-ricardiana do economista italiano Piero Sraffa, cujos adeptos
conceberam complexas formulações matemáticas para esse problema de
transformação.38 As ideias de Marx eram muito mais simples; ele as
considerava mais fáceis de explicar do que a tendência de queda da taxa de
lucro.
Marx enunciou pela primeira vez sua solução para o problema da
transformação em uma carta a Engels, datada de 1862, e reiterou-a no
Volume Três de O capital. O ponto de partida da solução de Marx foi a
soma de toda a produção dentro de uma economia capitalista, seu capital
variável e constante e sua taxa de valor excedente. Isso geraria uma taxa de
lucro total que, de acordo com ele, por meio da concorrência entre os
capitalistas e da movimentação do capital de uma empresa para outra,
acabaria por se tornar geral. Como a taxa de lucro era estabelecida pela
composição orgânica do capital e pela taxa de valor excedente na economia
como um todo, em alguns ramos econômicos específicos, cuja composição
orgânica diferisse da média geral (Marx assumiu neste ponto uma taxa de
valor excedente constante no âmbito de toda a economia), as mercadorias
poderiam ser vendidas por um preço de mercado superior ou inferior a seu
valor. Marx denominou “preço de produção” esse preço formado pelo custo
do capital mais a taxa de lucro média, e identificou-o com o “preço natural”
de uma mercadoria, de Adam Smith; com o “preço de produção”, de David
Ricardo; e com o prix nécessaire dos economistas franceses do século
XVIII, os fisiocratas. Todos esses conceitos se referiam à forma de
conciliação da diferença entre valor determinado pelo trabalho e preço
determinado pelo mercado, segundo os respectivos economistas. A exemplo
da postura adotada no caso da tendência de queda da taxa de lucro, Marx se
posicionou em concordância com a tradição da economia política,
argumentando que seu trabalho oferecia a explanação correta para as
observações realizadas e as conclusões havia tempo apresentadas, mas não
devidamente compreendidas.39
Conforme salientaram os seguidores de Sraffa, a solução de Marx para
o problema da transformação é formalmente incorreta.40 Mas, além dessas
críticas, que implicavam o uso de técnicas matemáticas inexistentes no
tempo de Marx e muito acima de seu nível de conhecimento sobre a
disciplina, a solução por ele proposta parece estar em total desacordo com
suas observações a respeito das características fundamentais de uma
economia industrial e capitalista. Marx explicou que a taxa de lucro era
equalizada entre diferentes setores da economia por meio do fluxo de
capital daqueles menos rentáveis para os mais rentáveis. Seria de se esperar
que os capitalistas buscassem o lucro mais expressivo; então, o que fazia
um setor ser mais lucrativo do que outro? Em sua análise, Marx assumiu
que a taxa de valor excedente era a mesma no âmbito de todos os setores.
Em outras palavras, dada quantidade de trabalho produzia certo volume de
lucro. Se fosse esse o caso, o maior valor da taxa de lucro, determinada pela
razão entre o valor excedente e a soma de capital constante e capital
variável, seria obtido quando o capital constante apresentasse seu menor
valor. Na carta endereçada a Engels, na qual delineou sua solução para o
problema da transformação, Marx comparou uma fábrica de tecidos – pelos
padrões da década de 1860, o setor fabril mais fortemente mecanizado –
com uma grande oficina de alfaiataria, um trabalho especializado, sem o
uso de máquinas ou de energia a vapor, e afirmou que a segunda
representava um negócio mais rentável. No Volume Três, ele escreveu,
“Fosse o valor de c = 0, a taxa de lucro atingiria seu máximo”.41
A declaração explícita de que as empresas menos mecanizadas eram as
mais lucrativas soa empiricamente bastante questionável, quer se considere
o capitalismo do século XIX ou o de hoje. A solução de Marx para o
problema da transformação exigia que os capitalistas equalizassem a taxa
de lucro, transferindo fundos dos setores menos rentáveis da economia para
os mais rentáveis; no entanto, isso significava, dos mais mecanizados para
os menos mecanizados. É difícil visualizar como tal movimento de capital
poderia ser conciliado com as reiteradas e analiticamente importantes
observações de Marx a respeito da progressiva produtividade social do
trabalho e da crescente composição orgânica do capital. Uma solução
possível teria sido flexibilizar a suposição de que a taxa de valor excedente
era a mesma em todos os setores da economia. Se os setores mais
mecanizados possuíam uma taxa de valor excedente mais alta, então
poderiam ser mais lucrativos que os menos mecanizados, e o fluxo do
capital se daria na direção deles. Contudo, tal suposição solaparia a opinião
central de Marx, segundo a qual a queda da taxa de lucro era gerada por
uma crescente composição orgânica do capital. A análise marxista sobre a
relação entre valor e preço, o estudo pormenorizado de um problema
fundamental da economia política de seu tempo, acabou levantando outras
tantas questões acerca de sua opinião geral sobre o futuro do capitalismo.

KARL MARX E agricultura, juntos na mesma frase, soa bastante estranho.


O capitalismo de Marx tinha uma natureza urbana e industrial, repleto de
máquinas a vapor, estradas de ferro e fábricas de tecido. Suas cidades eram
florescentes e demograficamente densas; nelas pululavam cortiços
habitados pela classe trabalhadora. O futuro capitalista por ele imaginado
não se destacava por algum aspecto diferente; era apenas mais radical.
Comentários sarcásticos como a “idiotice da vida rural”, presentes no
Manifesto comunista, ou a comparação dos camponeses franceses com
sacos de batata, feita no O dezoito de brumário de Luís Bonaparte, não
sugerem qualquer expressão de sentimento em relação ao campo ou de
pesar pela deterioração do modo de vida da população campesina sob o
impacto de uma economia capitalista de mercado. Se Marx se importava
pouco com vida rural, as políticas dos governos comunistas do século XX,
alegando seguir suas doutrinas, tornaram essa impressão mais notória. Tais
governos revelaram uma forte, e às vezes absoluta, aversão genocida em
relação aos agricultores e instituíram políticas agrícolas que, em sua
maioria, resultaram em desastre.
Essa visão de uma aversão ou, na melhor das hipóteses, indiferença de
Marx em relação ao campo e seus habitantes ignora a evolução de seu
pensamento. Muito embora tenha vivido na maior cidade do mundo depois
de 1849, ele foi gradativamente se convencendo da importância da
agricultura para uma economia capitalista e do valor do conflito social no
campo para seus planos revolucionários. Em parte, desenvolveu essas ideias
por meio de um estudo abrangente dos trabalhos de economistas políticos
do século XVIII e princípio do século XIX – em especial os fisiocratas
franceses, além de Ricardo e Malthus – que viam na economia agrícola um
elemento essencial para a compreensão do funcionamento e dos padrões de
desenvolvimento da economia como um todo. As atividades jornalísticas de
Marx e seu envolvimento político também exerceram influência sobre suas
ideias. Ele escrevia com frequência para o New York Tribune acerca das
perspectivas da agricultura na Inglaterra e das condições do comércio de
grãos. Sua obsessão por Lord Palmerston abriu caminho para um estudo do
poder dos grandes proprietários de terra do partido Whig. Por intermédio de
sua associação com a AIT e das campanhas dos britânicos a ela afiliados
por direitos mais democráticos na Grã-Bretanha, assim como por meio de
suas conexões pessoais com o nacionalismo irlandês, Marx se conscientizou
da natureza do domínio dos senhores de terras na Irlanda e das ramificações
dessa dominação nas estruturas políticas e sociais da Grã-Bretanha, o centro
do capitalismo global.
Em razão de todos esses interesses, uma porção considerável de O
capital foi dedicada a polêmicas questões agrícolas da economia política da
época de Marx, em especial a natureza da renda fundiária, e o rendimento
das safras com suas perspectivas de ampliação. As investigações de Marx a
respeito desse assunto, assim como suas conclusões, nunca fizeram parte da
porção de O capital publicada durante sua vida. Isso se deu, em parte
porque ele estava convencido da importância dos temas relativos à
agricultura e continuou a aprofundar seus estudos sobre eles enquanto
viveu. No entanto, uma análise do material a respeito de agricultura
incluído no Volume Três destaca a relevância que os predecessores de Marx
tiveram na formação de suas ideias, e demonstra, em um contexto não
imaginado, os problemas emanados da opinião do autor acerca da queda da
taxa de lucro.
Marx dependia das condições na Grã-Bretanha não apenas para suas
análises do capitalismo industrial, como também do próprio capitalismo
agrícola. Ele apontou um pequeno número de aristocratas ou nobres
senhores de terra que arrendavam suas propriedades para agricultores
capitalistas, os quais, por sua vez, empregavam em seu cultivo um grande
número de trabalhadores rurais destituídos de propriedades. Esse modelo de
três classes – dono de terras, agricultor capitalista, trabalhador rural –
causou em Marx considerável impressão. Na seção de encerramento de O
capital, ele falou em “trabalhadores assalariados, capitalistas e proprietários
de terras, [que] constituem as três grandes classes da sociedade moderna
baseada no modo de produção capitalista”.42 Essa passagem difere bastante
daquela existente no Manifesto comunista, escrita cerca de quinze anos
antes, quando Marx e Engels explicaram que a sociedade capitalista estava
sendo dividida em duas grandes classes, a burguesia e o proletariado. A
inclusão de uma classe de proprietários de terra evidencia de modo
irrefutável a crescente importância da agricultura e da sociedade rural no
pensamento marxista.
Ele estava certamente consciente da existência de muitas outras formas
de produção agrícola, além do modelo britânico. Uma seção breve de O
capital tratava da agricultura dos pequenos camponeses na França e em sua
Renânia natal. Outra variante existia no centro-leste e no leste da Europa,
em especial no Império Russo após o fim da servidão, em 1861: uma
mistura de pequenos camponeses, trabalhadores sem terra e nobres
proprietários de terra, alguns dos quais comandavam o cultivo das próprias
fazendas e outros cediam seu uso para arrendatários. Nas sociedades de
colonizadores europeus do Canadá, da Austrália e dos Estados Unidos,
proprietários de terras e fazendeiros capitalistas eram a mesma pessoa.
Durante a maior parte da década de 1870, Marx estudou com afinco essas
duas formas de produção agrícola, mas nunca chegou a escrever uma
análise sobre elas.43
Quando os economistas políticos estudaram a produção rural na Grã-
Bretanha do princípio do século XIX, eles assumiram que a terra de boa
qualidade já havia atingido o máximo de sua produtividade para a
agricultura. Passaram, então, a se concentrar nos efeitos econômicos do
crescimento populacional. O prognóstico mais famoso, sempre citado desde
então, foi enunciado por Thomas Malthus. Já que as melhores terras
estavam sendo utilizadas no máximo de sua produtividade, a única forma
capaz de elevar o volume de produção agrícola era o cultivo de terras de
qualidade inferior, cuja safra renderia menos do que a das melhores e,
portanto, a oferta de alimentos cresceria menos do que a população. Se esse
processo não fosse controlado, o resultado final seria a fome em larga
escala.
David Ricardo, o principal oponente de Malthus, endossava apesar
disso boa parte da análise de seu inimigo. No modelo econômico de
Ricardo, a combinação de crescimento populacional e cultivo de terras de
qualidade inferior, não conduziria à fome, mas à elevação dos preços dos
alimentos. Os industriais capitalistas teriam de pagar mais a seus
trabalhadores, de modo que estes tivessem condições de se alimentar; em
decorrência do que, aqueles veriam seu lucro ser reduzido. (A exemplo dos
capitalistas de Marx, que não conseguiam elevar a taxa de valor excedente,
os de Ricardo não tinham condições de introduzir formas de produção mais
eficientes que lhes permitissem pagar salários mais altos sem deixar de
auferir lucros expressivos). No final, essa situação reduziria a zero a taxa de
lucro e conduziria ao “estado estacionário”, no qual os capitalistas paravam
de investir e a economia, de crescer. De acordo com a análise de Ricardo, a
elevação dos preços dos alimentos beneficiaria inicialmente os agricultores.
Porém, como eles eram arrendatários, teriam de oferecer mais aos
proprietários da terra pela oportunidade de lá produzir alimento e, desse
modo, os lucros crescentes fluiriam para as mãos dos senhores da terra, na
forma de aluguéis mais altos. A única saída para essa sombria situação, pelo
menos temporariamente, era a importação de gêneros alimentícios de outros
países, motivo pelo qual Ricardo defendia com veemência a revogação das
Leis dos Cereais, que impunham tarifas sobre a importação de grãos.
Depois de sua morte, ele se tornou um herói entre liberais, radicais e
capitalistas da Liga contra as Leis dos Cereais, os quais batalharam com
sucesso por essa revogação.44
Marx nutria grande admiração por Ricardo, a quem considerava “o
maior economista do século XIX” e denominava “o economista da idade
moderna”; no entanto, era menos entusiasta em relação ao rival de Ricardo.
O profundo pessimismo de Malthus quanto à possibilidade de progresso
humano em qualquer espécie de sociedade, seu extremo conservadorismo
político, seu apoio à aristocracia e sua vocação religiosa (Malthus era, por
profissão, um pároco anglicano) estimularam o desapreço de Marx. Em
uma extensa e particularmente venenosa nota de rodapé do Volume Um de
O capital, ele criticou o célebre ensaio de Malthus sobre população,
classificando-o de “plágio superficial de um aluno de colégio, recitado em
maldito e rançoso estilo sacerdotal, copiado de Defoe, Sir James Steuart,
Townsend, Franklin, Wallace etc., no qual não se observa uma sentença, por
mais simples que seja, pensada por ele próprio”. A crítica de Marx vai
adiante, dizendo que o medíocre e desonesto trabalho de Malthus “foi
recebido com júbilo pela oligarquia inglesa”, que buscava uma resposta
contrarrevolucionária para as avançadas doutrinas de Condorcet no tempo
da Revolução Francesa. Marx denunciou então os muitos párocos
anglicanos que se dedicaram ao passatempo de escrever sobre economia
política e comparou desfavoravelmente o trabalho deles com os escritos
econômicos de filósofos iluministas anticlericais, tais como Adam Smith.45
Mesmo na hipótese de Malthus ter de fato desenvolvido seu trabalho
com ideias roubadas, ainda assim elas precisavam ser refutadas, e Marx não
demorou em fazê-lo. Segundo ele, a superpopulação não era decorrente do
descompasso entre o acelerado ritmo de procriação das classes mais baixas
e o lento crescimento da oferta de alimentos; ao contrário, ela resultava da
progressiva mecanização dos processos produtivos, cujo reflexo era a
redução das oportunidades de emprego para os trabalhadores. De nada
adiantava melhorar as condições da classe trabalhadora por meio da prática
“Malthusiana” de controle da natalidade. (Malthus, a exemplo da maioria
dos conservadores cristãos, tanto daquela época como dos dias de hoje,
considerava a contracepção um expediente profundamente pecaminoso,
enquanto os livres-pensadores, como John Stuart Mill, a defendiam.) A
resposta dos capitalistas ao declínio do número de trabalhadores seria
ampliar a mecanização, em vez aumentar os salários. Todas essas ideias
“Malthusianas” envolviam, de acordo com Marx, a enganosa interpretação
das consequências sociais e econômicas da acumulação do capital, como se
elas fossem leis da natureza.46
A despeito de todos esses ataques pessoais a Malthus e da franca
rejeição às ideias dele, Marx ainda não conseguira conceber uma solução
para o problema de produção de alimento em quantidade suficiente para
uma população crescente. Sem uma reforma estrutural na agricultura,
conforme observou Engels em 1851, “Padre Malthus se mostrará correto”.
A solução residia na aplicação da ciência e da tecnologia à agricultura.
Poucos meses antes de compartilhar com Engels suas dúvidas a respeito de
Malthus, Marx leu na The Economist um artigo sobre a colocação de fios
metálicos formando uma área retangular dentro do solo, com o objetivo de
captar eletricidade da atmosfera e melhorar a fertilidade da terra. Intrigado
com essa possibilidade, ele a comentou em cartas endereçadas a Engels e
Roland Daniels, seu consultor informal de ciência. Entre 1878 e 1879, Marx
já se via acometido pela tuberculose em decorrência da qual viria a falecer;
mesmo assim, dedicou uma parcela substancial da energia que rapidamente
o abandonava, fazendo extensas anotações sobre a química na produção
agrícola, um interesse alimentado desde longa data. Qualquer indivíduo
enfronhado na economia política inglesa dos primórdios do século XIX
teria dificuldade em exorcizar o fantasma Malthusiano.47
Intimamente ligada à questão da adequação da oferta de alimentos
estava a natureza da renda fundiária. Nessa área da economia agrícola foi
Ricardo, e não Malthus, quem atraiu a atenção de Marx. Ricardo havia
concebido a teoria da renda diferencial: a ideia segundo a qual a renda da
terra equivalia à diferença entre a produção de uma porção de terra mais
fértil e uma menos fértil. Os agricultores recebiam o mesmo preço pela
safra produzida em qualquer pedaço de terra e, desse modo, os mais férteis
eram os mais cobiçados. Os arrendatários elevariam o valor do aluguel que
estavam dispostos a pagar aos proprietários pelo direito de cultivar aquela
terra, até o ponto em que o aluguel previsto se tornasse igual à diferença
entre o rendimento da safra naquele e no pior espaço de terra. Do lado
contrário às teorias de Ricardo estavam os adeptos do arrendamento
absoluto: a proposição segundo a qual o valor do aluguel de uma porção de
terra era igual ao retorno sobre o capital nela investido.
O repúdio de Marx à propriedade privada da terra era categórico e
mais veemente do que seu desprezo por outros aspectos da propriedade
privada capitalista. No Volume Três de O capital, ele observou:

Pelo ponto de vista de uma estrutura socioeconômica mais


elevada, a propriedade privada de alguns indivíduos específicos
sobre parte do globo parecerá tão ridícula como a propriedade
privada de uma pessoa sobre outra. Toda uma sociedade, uma
nação ou mesmo o conjunto formado por todas as sociedades
existentes, não detêm a propriedade do solo. São apenas
detentores usufrutuários e, na qualidade de bons pais de família,
são obrigados a passá-lo para as gerações seguintes em uma
condição melhor.48

Outros capitalistas, embora obtendo valor excedente à custa do


proletariado, pelo menos promoviam um aumento da produção da
sociedade, enquanto os senhores da terra simplesmente se assenhoravam do
valor excedente dos capitalistas, sem qualquer forma de recíproca: “O
capitalista é ainda um servidor independente no desenvolvimento de valor
excedente e produto excedente. O proprietário da terra, sem qualquer
envolvimento ativo, precisa apenas transferir dentro do próprio bolso uma
crescente proporção do valor excedente e do produto excedente”.49
Os senhores da terra, na visão de Marx, eram monopolistas e parasitas;
comparados a eles, os capitalistas chegavam a ser criaturas relativamente
admiráveis. Na discussão a respeito da relação entre os ingleses senhores da
terra e seus arrendatários capitalistas, Marx salientou que estes últimos
pagavam “tributo” aos senhores, os quais, por sua vez, usavam de
“chantagem” para lhes cobrar o aluguel e os “trapaceavam” – uma das
raríssimas passagens de O capital que demonstra comiseração pelos
capitalistas. (Marx escreveu na sequência que os arrendatários da terra
compensavam as perdas decorrentes do aluguel comprimindo o salário dos
trabalhadores rurais abaixo do mínimo necessário para a subsistência.) O
que tornava a situação ainda pior era a progressiva solidez da posição dos
proprietários da terra. A queda da taxa de lucro e, com ela, da de juros,
impulsionava o aumento contínuo e inalterável do preço da terra.50
Nesse aspecto, a atitude de Marx em relação aos proprietários da terra
se assemelhava à de Ricardo, inimigo declarado dos aristocratas e fidalgos
senhores da terra. Alguns entre os mais radicais seguidores de Ricardo, mas
ainda pró-capitalistas, carregavam a bandeira da nacionalização da terra.
Marx aceitava as ideias de Ricardo acerca de renda diferencial e chegou a
discuti-las mais detalhadamente. Segundo ele, a versão de Ricardo carecia
de maior alcance, pois dependia do uso de terras marginais para o cultivo;
ele argumentou que, ao contrário, qualquer diferença na fertilidade do solo
seria suficiente para geração de uma renda diferencial.51
Se, por um lado, Marx endossava a versão de Ricardo da teoria da
renda diferencial, por outro, também aceitava as ideias dos opositores de
Ricardo sobre a existência de uma renda absoluta. De fato, a influência de
Ricardo se estendeu ao endosso das teorias de seus opositores, porque a
teoria de Marx sobre renda absoluta nasceu da solução que ele propôs para
o problema da transformação, no qual estava envolvida a taxa de lucro
diferencial em diferentes ramos da economia capitalista. De acordo com
Marx, uma taxa de lucro média era gerada em decorrência do fluxo do
capital dos setores menos lucrativos para os mais lucrativos da economia, e
esses setores mais rentáveis estavam, de um modo geral, associados a uma
menor composição orgânica do capital.
Em comparação com a indústria, a agricultura era menos mecanizada e
mais rentável; portanto, o capital fluía para ela. Os proprietários da terra, na
teoria de Ricardo sobre renda diferencial, drenavam a diferença de
produtividade existente entre a terra mais e a menos produtiva. De modo
similar, os senhores da terra, na teoria da renda absoluta de Marx, drenavam
os lucros extraordinários, correspondentes à diferença entre a taxa de lucro
na agricultura e a taxa de lucro média em todas as empresas capitalistas. Tal
estado de coisas se mantinha até que a composição orgânica do capital na
agricultura fosse igual à média da composição orgânica do capital calculada
entre todos os setores da economia. Neste ponto, o fluxo do capital para a
agricultura era interrompido, já que sua lucratividade se equiparava à de
qualquer outro setor. A renda absoluta deixava de existir, embora subsistisse
a renda diferencial, refletindo a assimetria entre solos de diferentes níveis
de fertilidade.52
Essa cessação final da renda absoluta contradizia a afirmação feita por
Marx, em consonância com Ricardo, de que as rendas aumentariam ao
longo do tempo e os proprietários da terra absorveriam uma proporção
sempre crescente do valor excedente total. De que modo tal contradição
poderia ser solucionada? A resposta de Marx apontava para o papel da
fertilidade natural do solo: “o aumento da força social de produção na
agricultura apenas compensa o declínio da força da natureza, ou nem
mesmo o compensa [...] assim sendo, a despeito do desenvolvimento
tecnológico, o produto não se torna mais barato; ao contrário, evita-se que
ele fique cada vez mais caro”.53 Esse era um argumento fundamentalmente
Malthusiano, segundo o qual o melhor solo já estava sendo cultivado, e
cultivos adicionais ou métodos aperfeiçoados não teriam condições de
aumentar a produção agrícola em quantidade suficiente para acompanhar a
demanda de uma população crescente. Marx combinou sua análise da
agricultura em uma economia capitalista com duas de suas principais
asserções sobre o desenvolvimento do capitalismo: a equalização da taxa de
lucro no âmbito de toda a economia, uma necessidade em termos da solução
do problema da transformação; e a progressiva composição orgânica do
capital. A conclusão revelava um quadro contraditório para o qual uma
resposta satisfatória só seria encontrada em ideias emprestadas de um
economista cuja pessoa e cujas teorias ele desprezava.

A EXTENSA DISCUSSÃO apresentada em O capital a respeito da


economia no campo da produção agrícola, e a importância cada vez maior
que Marx atribuía à agricultura e à sociedade rural aponta na direção de
uma economia retrógrada, um tratado escrito nos anos 1860, norteado por
interesses e metodologias nascidos das condições vigentes nas primeiras
décadas do século XIX. Será que Marx, o profeta secular, não tinha nada a
dizer sobre o desenvolvimento futuro do capitalismo? Em algumas breves
passagens de O capital, em especial no Volume Um, ele abordou aspectos
da vida econômica que iriam adquirir considerável importância no século
XX e nos anos posteriores. Em consonância com o padrão habitual dos
escritos de Marx sobre economia, suas observações acerca de tais aspectos
da vida econômica foram perspicazes e peremptórias, mas não totalmente
proféticas.
Isso ocorreu, por exemplo, no caso das corporações, uma forma de
organização econômica encontrada nos anos 1860, principalmente no ramo
das estradas de ferro e das concessionárias de serviços públicos. (Quando
editou os escritos de Marx sobre corporações, para o Volume Três, Engels
acrescentou uma nota com respeito à notável expansão dessa estrutura de
empresa nas décadas de 1880 e 1890.) Mantendo a mesma veia crítica já
observada nos artigos jornalísticos que escreveu nos anos 1850 sobre o
Crédit Mobilier, Marx afirmou, em O capital, que a existência de bancos
como esse só seria possível na França, um país no qual “o sistema de
crédito e a grande indústria, não caminharam para a modernidade”. Em
países mais modernos, tais como a Grã-Bretanha ou os Estados Unidos, não
haveria espaço para eles. Longe de considerar as corporações financeiras a
vanguarda do capitalismo, Marx as via como marcas do atraso econômico.54
Ele entendia que tais corporações implicavam a disseminação da
propriedade de ações, do pagamento de dividendos (para ele, uma evidência
a mais do declínio da taxa de lucro), e da possibilidade de especulações e
fraudes com ações. Além disso, Marx tinha ciência daquilo que mais tarde
viria a ser a separação entre propriedade e controle, condição na qual
funcionários assalariados, do alto escalão administrativo, dirigiam empresas
cujos proprietários eram acionistas individuais com pequeno poder de
influência nas decisões de negócio. Em sua discussão a respeito dessa
separação, ele considerou tanto as corporações como as cooperativas de
trabalhadores, e nos dois casos enxergava a evidência do iminente
surgimento do socialismo. Nas corporações, o capital deixava de ser uma
propriedade dos indivíduos, para ser o “capital social, capital de indivíduos
deliberadamente associados [...]”. as corporações eram a “extinção do
capital como propriedade privada, dentro dos limites do próprio modo de
produção capitalista”. Na visão de Marx, longe de ser um novo estágio do
capitalismo, as corporações eram uma evidência de seu fim – uma ideia
concebida inicialmente por socialistas franceses do início do século XIX,
mais um sinal da natureza retrógrada das opiniões econômicas de Marx.55
Outro aspecto do capitalismo dos séculos XX e XXI é o crescimento
do setor de serviços na economia. Marx estava certamente cônscio da venda
de serviços e os incluiu na expressão alemã Ware – mais uma confirmação
da incompletude da tradução desse termo como “commodities”. Mesmo
distante do nível observado nos dias de hoje, os serviços ainda assim
constituíam uma parte significativa da economia do século XIX. O
comentário de Marx acerca dos trabalhadores do setor de serviços foi: “Da
prostituta ao Papa, há uma multidão de tal escória”. Em uma disposição
mais positiva, ele incluiu doutores e professores nesse grupo. Segundo suas
afirmações, tal trabalho era útil (algumas vezes, de qualquer modo), e as
pessoas com ele envolvidas produziam, mas não eram produtivas nos
termos de sua análise do capitalismo, pois esse trabalho não gerava valor
excedente. Em outras palavras, Marx via os trabalhadores do setor de
serviços como autônomos em sua maioria, e as transações realizadas com
eles, como exemplos de uma simples troca de mercadorias por dinheiro. Ele
incluía nesse rol os empregados do comércio, tais como auxiliares de
escritório e vendedores ambulantes, e considerava que as atividades por eles
desenvolvidas eram parte da divisão do trabalho entre capitalistas,
abrangendo também fabricantes, atacadistas, varejistas e financistas: todos
repartiam o valor excedente produzido pelos trabalhadores. A situação
comum dos séculos XX e XXI, na qual os capitalistas empregam
trabalhadores para realizar serviços em vez de produzir mercadorias, estava
fora do universo intelectual de Marx.56

OS CONCEITOS BÁSICOS da economia de Marx estavam tão


vinculados aos economistas do início do século XIX quanto às condições
econômicas desse período. O próprio Marx entendia que as teorias
econômicas pós-Ricardo eram, com pouquíssimas exceções, uma produção
de imitadores medíocres. Contudo, a terra de Smith, Malthus, Ricardo,
James e John Stuart Mill não tinha nada a dizer sobre o fato de Marx
estender e contestar as teorias econômicas desses homens. A barreira do
idioma era impenetrável: o único comentário em inglês sobre O capital,
divulgado enquanto Marx viveu, foi um parágrafo, parte de uma crítica a
respeito de 22 publicações diferentes em língua alemã. O crítico anônimo
conhecia muito pouco de economia política e parecia mais interessado em
um tomo erudito de poesia romena.57 O impacto intelectual dos tratados
econômicos de Marx foi maior na Europa central, onde os leitores falavam
a mesma língua na qual ele escrevia; no entanto, a maioria deles rejeitava o
mundo intelectual da economia política clássica que constituía o âmago do
ideário do autor.
O próprio Marx ficou profundamente frustrado pela falta de resposta a
seu primeiro trabalho, Uma contribuição para a crítica da economia
política. Ele oscilou entre acusar os economistas pró-capitalismo de se
envolverem em uma conspiração de silêncio destinada a abafar suas ideias,
e condenar seu editor por inépcia na divulgação do trabalho – ou, talvez,
por integrar a conspiração. Marx conseguiu atingir seu editor de Berlim
com as acusações e, desse modo, quando O capital estava pronto para ser
impresso, foi obrigado a procurar novo editor em Hamburgo. Muito embora
os biógrafos tenham feito coro à convicção de Marx quanto à falta de
interesse em seu trabalho inicial sobre economia política, essa opinião não
está totalmente correta. A edição do panfleto se esgotou após um ano da
publicação. Ele recebeu diversas críticas breves, escritas por renomados
economistas alemães daquele tempo e publicadas em periódicos
especializados em negócios e literatura, aos quais Marx não tinha acesso em
Londres.
Uma dessas críticas, tornada pública em Bremen, partiu de Viktor
Böhmert, proeminente jornalista e economista, defensor do livre comércio.
Ele enalteceu o estudo das teorias monetárias apresentado pelo trabalho,
mas criticou sua forma hegeliana de “tratar as ocorrências econômicas
como momentos de um processo dialético [...] um modo de expressão que
[...] ultrapassa as fronteiras daquilo que tem, por Deus, permitido
infelizmente que autores operem com a fraseologia hegeliana para compor
nosso bom idioma alemão”. Böhmert se admirava pelo fato de Marx não
empregar o “[método] antagônico, genuinamente empírico, de todas as
ciências naturais”. Essa avaliação acentuava o progressivo domínio do
positivismo no pensamento alemão e europeu pós-1850.58
O que alimentou a convicção de Marx na existência de uma
conspiração do silêncio contra ele foi a ausência de análises de seu livro nos
jornais diários da Alemanha. Para contornar tal situação, Engels, em
comum acordo com Marx, publicou críticas anônimas de O capital em
diversos diários alemães. Como estes não admitiriam uma crítica
abertamente pró-comunista, eles analisaram o tipo de perfil político que
Engels deveria adotar ao escrevê-las. A questão fundamental era incitar um
debate público na Europa central a respeito do trabalho de Marx.
Apesar de todos os esforços para estimular esse debate, Marx acabou
se frustrando uma vez mais, pelo silêncio dos principais jornais. Em 1867,
havia surgido um movimento trabalhista alemão que saudava com enorme
entusiasmo a obra de um economista socialista e pró-trabalho. Johann
Baptist von Schweitzer, a despeito de todas as divergências pessoais e
políticas com Marx, escreveu uma série de artigos, em nove partes, no
Social Democrat, fazendo uma descrição detalhada do conteúdo de O
capital, e tecendo profundos elogios à opinião nele apresentada. Johann
Most, um dos mais destacados sociais-democratas – mais tarde se tornaria
um anarquista e fugiria para os Estados Unidos –, escreveu, em 1874, um
conhecido resumo do trabalho de Marx, sob o título de Capital and Labor
[Capital e trabalho]. Embora incapaz de deixar de criticar, o próprio Marx
ficou impressionado com o livro; ele e Engels o editaram e revisaram, para
uma segunda edição publicada na cidade saxônia de Chemntiz, em 1876.59
Economistas alemães realizaram análises críticas de O capital, sempre
apresentando uma ardente defesa da propriedade privada, em contraposição
às doutrinas subversivas de Marx. No entanto, outra opinião foi
gradativamente surgindo, divulgada, a princípio, apenas de boca em boca.
Segundo essa corrente, economistas e outras profissões correlatas, tais
como servidores civis do alto escalão e estatísticos, eram favoráveis às
ideias de Marx. Ludwig Kugelmann relatou que O capital causara tal boa
impressão em um acadêmico de Berlim, que ele propunha indicar Marx
para uma cadeira de professor de economia política em uma universidade
alemã.
Com o passar do tempo, comentários mais favoráveis começaram a
surgir na imprensa, um movimento intimamente vinculado ao surgimento,
na Europa central, de um grupo de acadêmicos críticos das doutrinas da
economia política clássica. Conhecidos como a “Escola Histórica”, esses
economistas denunciavam a teorização abstrata de Smith, Ricardo e Mills;
eles propunham uma investigação empírica das condições do trabalho e das
empresas; uma discussão a respeito dos efeitos econômicos das instituições;
e uma análise das circunstâncias específicas, em uma perspectiva histórica,
do desenvolvimento do capitalismo em diferentes países e regiões. Em vez
de deixar a economia subordinada à ação do mercado, eles defendiam a
intervenção governamental, por meio de legislações concernentes a salários
e jornadas; inspeções das condições de segurança e saúde; e, com um
aspecto mais controverso, a criação de um sistema de seguridade social, a
restauração das guildas e a imposição de tarifas protetoras. Em razão da
defesa dessas medidas, eles acabaram conhecidos, na década de 1870, como
Kathedersozialisten, ou “professores catedráticos socialistas” –, um nítido
exagero, pois a grande maioria apoiava os partidos liberais e conservadores.
Alguns poucos, principalmente os mais jovens, com destaque especial para
o economista e sociólogo Werner Sombart (que mais tarde se tornaria
afamado pelo questionamento “Por que não existe socialismo nos Estados
Unidos?”), mostraram-se inclinados a apoiar o movimento trabalhista
socialista.60
Essa conciliação entre as ideias de Marx e as dos economistas alemães
era, essencialmente, um equívoco. Longe de rejeitar o raciocínio econômico
abstrato de Ricardo, Marx o endossava de forma categórica e idealizava sua
versão hegeliana para ele. Membros mais perspicazes da Escola Histórica
reconheceram muito antes esse aspecto. Uma das primeiras críticas
acadêmicas de O capital, escrita em 1869 por Hermann Roesler, professor
da Universidade de Rostock, elogiou as pesquisas históricas de Marx sobre
o desenvolvimento do capitalismo. Ela também condenou as abstrações
econômicas do autor, observando que a descrição da força de trabalho por
ele apresentada era “exatamente igual à representação que o Smithianismo
dela costuma fazer”, e que sua teoria do valor-trabalho fora concebida “com
Ricardo”, da mesma forma que “Smith, J. St. Mill” e outros daquela escola
haviam proposto.61
Em vista de suas veementes suspeitas em relação a qualquer medida
tomada por um autoritário governo prussiano e alemão, Marx não tinha
nada a dizer a respeito do arsenal de soluções econômicas custeadas pelo
Estado que a Escola Histórica sugeria. Antes de abraçar as ideias
comunistas, ele fora um defensor do livre comércio, e manteve essa posição
como crítico do capitalismo. Se tivesse de acontecer qualquer ingerência no
funcionamento do mercado, o que conduziria a um colapso do capitalismo,
ela deveria partir dos sindicatos e dos movimentos politicamente
organizados, e não de professores de economia e funcionários do Estado
alemão.62
Os membros da Escola Histórica não foram os únicos economistas do
final do século XIX a rejeitar o ideário da economia política clássica. Com
uma penetração mais ampla e mais bem-sucedidos em estabelecer um
séquito de seguidores na Europa e em todo o mundo, destacam-se os
teóricos da utilidade marginal, para quem o problema da economia política
clássica não residia em suas abstrações teóricas, mas sim nas abstrações
teóricas equivocadas. Esses economistas, cujas ideias constituem a base das
correntes dominantes da economia contemporânea, rejeitavam a teoria do
valor-trabalho, afirmando que o valor de uma mercadoria ou de um serviço
era determinado pela avaliação subjetiva dos consumidores quanto à
conveniência de adquirir itens adicionais desse produto ou serviço, em
detrimento de outros. Tal ponto de vista colocava lado a lado valor de uso e
valor de troca, conceitos que Marx se empenhara em separar. Segundo essa
interpretação, o valor estava intimamente vinculado ao preço de mercado, e
a intersecção entre oferta e demanda era o fator determinante do valor, não
o tempo de trabalho como Marx, em consonância com os economistas
políticos clássicos, afirmava.
A teoria da utilidade marginal encontrava-se ainda em
desenvolvimento na década de 1870. De acordo com o acadêmico russo
Maxim Kovalévski, então um visitante assíduo da família de Marx, este
último estava retomando seus estudos de cálculo para apresentar uma
resposta às ideias de um economista inglês, William Stanley Jevons, um dos
primeiros teóricos da utilidade marginal e adepto dessa matemática
avançada. Parece que Marx nunca chegou a registrar em papel suas
considerações a respeito dessa nova versão da economia; contudo, na época
em que todos os três volumes de O capital foram publicados, ela havia se
transformado na forma dominante de análise econômica. Na Alemanha, a
teoria da utilidade marginal conseguiu avançar muito pouco em relação à
Escola Histórica; em vez disso, foi a Áustria que se tornou o centro da
análise de utilidade marginal no mundo falante do idioma alemão e no
continente de forma mais geral. Eugen von Böhm-Bawerk, um dos mais
importantes economistas austríacos, escreveu em 1895 uma célebre crítica
às ideias de Marx, logo depois da publicação do Volume Três de O capital.
O ponto central dessa crítica foi a análise do problema da transformação
apresentada por Marx, a forma de comercialização das mercadorias, cujo
valor era determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para
sua produção e reprodução, por preço de mercado. Böhm-Bawerk salientou
que no trabalho de Marx essa transformação ocorria através do
estabelecimento de uma taxa de lucro média entre diferentes setores, por
meio da “concorrência”. O que era essa concorrência, perguntou o
economista austríaco, se não a interseção entre oferta e demanda no
mercado? Se era esse o caso, então preços e valores não seriam
determinados pelo tempo de trabalho, mas sim pela interação das
preferências dos consumidores no mercado, como afirmado pela escola da
utilidade marginal.63
Böhm-Bawerk não argumentava, como outros contemporâneos seus,
que Marx houvesse formulado de forma equivocada o problema da
transformação. Ele afirmava, isso sim, que a transformação de valor em
preços era conceitualmente impossível. Sua crítica denunciava que a
maioria dos economistas vivia em um mundo intelectual completamente
diferente daquele que Marx habitava. Isso decerto se aplicava a Adam
Smith, David Ricardo e James e John Stuart Mill, já que também eles
haviam fundamentado suas análises econômicas em uma teoria do valor-
trabalho. Böhm-Bawerk era um indivíduo suficientemente honesto para
admitir isso, mas a maior parte dos economistas “neoclássicos”, como
vieram a se tornar conhecidos os partidários da abordagem da utilidade
marginal, não se mostrava tão disposta a admitir as diferenças fundamentais
entre sua interpretação da economia e aquela dos icônicos pioneiros de sua
disciplina. Eles dissimulavam tais diferenças citando expressões, tais como
a “mão invisível”, cunhada por Smith, em geral completamente
desvinculadas de seu contexto original.64
No princípio do século XX, a economia de Marx havia assumido um
caráter heterodoxo, uma versão fundamentalmente diferente da economia
neoclássica dominante e, também em descompasso com a principal
alternativa a essa corrente majoritária, das ideias da Escola Histórica. As
concepções econômicas de Marx, no entanto, haviam encontrado um ninho
no florescente movimento trabalhista socialista dos primeiros anos do
século XX, como parte de uma recusa geral desse movimento em aceitar as
ideias da sociedade burguesa que ele criticava e rejeitava. Não era, em
hipótese alguma, o que o próprio Marx pretendera. Longe de se opor à
economia política dominante de seu tempo, fundamentada nas ideias de
Smith, Ricardo e seus seguidores, Marx a abraçara e havia promovido seu
próprio trabalho como uma versão mais avançada e acertada da abordagem
por eles proposta. Suas críticas foram, em geral, concentradas no grau de
relutância dos economistas políticos em desenvolver as próprias ideias até
as últimas consequências. Marx era um economista político ortodoxo que
rejeitava a maioria das críticas socialistas de Ricardo. Ele não desejava ver
seus artigos sobre economia confinados ao isolamento de um movimento
trabalhista que patrocinava uma contracultura ao mundo capitalista burguês
estabelecido; ele ansiava por um confronto público em renomados jornais,
revistas e periódicos acadêmicos daquela época, e se frustrou ao não
conseguir concretizar seu intento.
Os princípios econômicos fundamentais de Marx, suas ideias a
respeito das principais linhas do desenvolvimento econômico e sua
concepção quanto ao lugar de sua opinião econômica particular dentro da
esfera pública, foram forjados pelas tendências intelectuais e pelas
condições econômicas e políticas da primeira metade do século XIX.
Quando, uma década após sua morte, as ideias de Marx finalmente
ganharam penetração em um domínio público mais amplo, em parte como
consequência do incansável e meticuloso trabalho editorial de Friedrich
Engels, todas essas circunstâncias já eram outras. O que fora um dia uma
ortodoxia econômica, tornara-se para a corrente econômica dominante
obsoleta e carente de bases científicas; ou, se preferirmos, divergente e
heterodoxa. O que foi um dia o futuro dos desenvolvimentos econômicos
convertera-se em seu passado, e as hipóteses outrora comuns da sociedade
burguesa passaram a ser o valorizado domínio de um movimento trabalhista
distante dessa sociedade e hostil a ela.
12

O homem

NENHUM OUTRO PERÍODO nos permite examinar com mais minúcias


a vida pessoal de Marx do que os 25 anos entre 1850 e 1875. Durante esse
tempo, os desafios de ser pai e chefe de uma família em crescimento
coexistiam precariamente com as demandas impostas a um líder intelectual
e político. No final desse um quarto de século, ele se mostrava cada vez
mais afastado da vida política ativa. Os filhos que lhe restaram haviam
crescido, e dois deles, já casados, deram-lhe netos. Atormentado pela
enfermidade crônica que o acometia, ele envelhecera prematuramente, em
uma época na qual a medicina moderna e baseada em métodos científicos
tinha ainda um considerável caminho a percorrer na Era Vitoriana. Esse
período de 25 anos de vida adulta nos permite analisar Marx em seu aspecto
pessoal: marido e pai, amigo e inimigo, intelectual burguês, alemão e judeu.
As distinções entre vida pública e vida privada nunca são absolutas, e essa
reflexão corriqueira assume um duplo caráter quando se trata de uma figura
apaixonadamente engajada como era Marx.

O INTERESSE DE Marx em meditar acerca da humanidade surgiu depois


da visita que ele fez a Karl Schapper em seu leito de morte, em abril de
1870. Nos estágios finais da tuberculose, Schapper recepcionou seu antigo
aliado e rival “com uma delicadeza verdadeiramente notável”, conforme
palavras do próprio Marx a Engels. Enquanto a esposa e o filho estiveram
presentes no quarto, Schapper falou em francês a respeito de sua morte
iminente, para poupá-los dos detalhes. Fiel a seus princípios, ele zombou de
Arnold Ruge, que retomara o ateísmo dos Jovens Hegelianos e proclamara
sua crença na vida após a morte, e também declarou sarcasticamente que se
isso fosse verdade, “a alma de Schapper golpearia a alma de Ruge no
além”. Ele se sentia orgulhoso pelo fato de sua família contar com
assistência, apesar de suas precárias condições financeiras: a filha estava
casada, o filho mais velho possuía negócio próprio, os meninos mais novos
eram aprendizes de ourives e a esposa, sua herdeira. Schapper pediu a Marx
“‘Conte a toda a nossa gente que eu me mantive fiel a meus princípios [...]
Durante a era reacionária, eu tinha muito o que fazer, provendo o sustento
de minha família. Vivi como um trabalhador diligente e morro como
proletário’”. Profundamente impressionado pela tolerância e pela conduta
de Schapper, Marx observou que “O genuíno traço masculino de seu caráter
aparece agora mais uma vez de forma clara e extraordinária”.1
O traço masculino da personalidade de Schapper estava em ele ser um
indivíduo de princípios e coragem, fiel às suas ideias comunistas e ao
ateísmo a elas relacionado, não permitindo que o medo da morte iminente
abalasse suas convicções. A vida do próprio Marx personificava esses
conceitos. Também ele se mantinha fiel a seus princípios, mesmo nas
situações em que a conveniência pudesse ditar o contrário. Marx não temia
enfrentar a morte, em especial quando se via impelido a desafiar para um
duelo aqueles que colocavam em dúvida sua honra. Tais desafios não
ficaram restritos à fase ruidosa da adolescência, nem à do jovem amante
melindroso, tendo subsistido durante sua vida adulta. Acompanhado por
Ferdinand Freiligrath e Wilhelm Wolff, ele irrompeu na redação de um
semanário londrino de língua alemã, em 1851, e desafiou para um duelo o
editor, que o havia acusado de se apropriar indevidamente de fundos do
comitê de refugiados. Vinte anos mais tarde, então com 53 anos de idade,
Marx desafiou outro editor para um duelo, por conta de afirmações feitas na
imprensa de que ele se encontrava por trás das manifestas atrocidades da
Comuna de Paris. Mesmo tendo o duelo na conta de um recurso arcaico
remanescente do feudalismo, Marx o considerava uma forma de
“reafirmação dos direitos individuais” em uma sociedade burguesa e, desse
modo, um recurso algumas vezes necessário. O apoio de Marx a essa
categoria de expressão da masculinidade guardava coerência com uma
atitude muito comum dentro da classe média instruída da Alemanha, um
hábito profundamente entranhado na sociedade, que se manteve até quando
o morticínio da Primeira Guerra Mundial subverteu as ideias anteriores
acerca do significado de uma coragem que desafia a morte.2
A coragem de Schapper e a solidez de seus princípios estavam
arraigadas na vida familiar. Como homem, ele era o chefe da família e
sustentara a esposa e os filhos da melhor maneira possível. Ser marido fiel e
pai amoroso – um homem que não só comanda a vida familiar como provê
o sustento dos dependentes nela abrigados – era outro traço essencial da
masculinidade que Marx buscava seguir.
O casamento com Jenny von Westphalen, que começara com a
cerimônia de núpcias em Kreuznach em 1843, e terminara com o
falecimento dela em 1881, foi o eixo da vida de Marx. A exemplo do que
acontece com qualquer casal que vive uma união duradoura, os dois
conheceram momentos de discussões e desentendimentos, “o verme que se
insinua em todo casamento”, conforme palavras de Jenny. A maior parte de
tais divergências era motivada pela questão monetária, tendo sido mais
frequentes nas épocas de crise financeira. Algumas vezes, as brigas
chegaram a ser mais sérias e levaram Marx a se lamentar por ter se casado.
Em diversas ocasiões ele confessou suas queixas a Engels. Em 1858,
escreveu afirmando: “Não há estupidez maior para as pessoas com
aspirações universais do que casar e, desse modo, abrir mão dos próprios
desejos em nome da insignificante miséria da vida doméstica e privada”.3
No entanto, para todos os observadores, Karl e Jenny traduziam a
imagem do casal amoroso e devotado. As cartas de amor de um Karl adulto
dão testemunho de sua devoção. Uma delas, escrita em 1856, quando a
esposa estava em visita à mãe em Tréveris, sintetiza o amor de Karl por ela,
o lugar que ela ocupava em sua vida e as ideias que ele alimentava a
respeito de relacionamentos amorosos entre homens e mulheres:

Grandes paixões que, devido à proximidade de seu objeto,


assumem a forma de pequenos hábitos, crescem e uma vez mais
atingem seu tamanho natural através do mágico efeito da
distância [...] Meu amor por você, tão logo você se afasta,
desponta como [...] um gigante, no qual todas as forças de meu
espírito e todas as qualidades de meu coração se comprimem. Eu
me sinto novamente como um homem, porque sinto uma grande
paixão. As muitas perspectivas diferentes nas quais estamos
envolvidos pelos estudos universitários, e pelo
autoaperfeiçoamento intelectual moderno, e o ceticismo, por meio
do qual necessariamente observamos os problemas com todas as
impressões subjetivas e objetivas, destinam-se a nos fazer
pequenos e fracos, queixosos e indecisos. Mas o amor, não o do
ser humano feuerbachiano, não o do metabolismo de Moleschott,
não o do proletariado, mas o amor do ser amado, ou seja, você,
converte o homem outra vez em homem.4

Não devemos procurar muita reflexão teórica em uma carta de amor;


porém, nela Marx estabelecia para o amor romântico uma posição singular,
desvinculada e além dos limites das ações políticas, da avaliação acadêmica
e da luta de classes. O amor nutria sua vida, apartando-o das dúvidas e
incertezas, dos compromissos e das ambiguidades que definiam seu
engajamento político e intelectual. Sua união com Jenny lhe permitia ser
decidido e objetivo, em resumo, ser nada menos do que um homem adulto
em sua plenitude.
Levado por essa disposição interior, Karl poderia facilmente ter
restringido a vida de Jenny apenas à esfera doméstica, como era frequente
acontecer com as mulheres da classe média na Europa e na América do
Norte, no século XIX. Ele poderia tê-la apartado de sua vida intelectual e
política. Contudo, evidentemente não foi isso o que ocorreu. Jenny era
secretária ou amanuense de Karl; ela copiava os manuscritos do marido em
letra de mão e organizava as correspondências quando ele estava adoentado.
Conforme observou Karl logo depois da morte da esposa, ela demonstrava
um “interesse apaixonado” por suas estratégias políticas e suas formulações
teóricas; mas não nos é possível saber ao certo se Jenny o ajudava a
concebê-las, principalmente porque Laura e Eleanor Marx queimaram a
maior parte da correspondência dos pais depois que eles faleceram. As
fragmentadas memórias da própria Jenny, escritas em 1865, ocasião em que
Marx fora visitar os parentes holandeses, abordavam o marido e as causas
que ele defendia, mas se concentravam nas dificuldades e nos prazeres da
vida familiar.5
Uma prole numerosa foi parte integral da vida daquela família, e Marx
se sentia orgulhoso de sua virilidade e dos filhos que ela lhe permitiu gerar.
Um importante motivo do desprezo que ele e Engels demonstravam em
relação a Moses Hess era a debilidade sexual deste, provavelmente uma
impotência, que levou a esposa a ter uma vida promíscua, na companhia de
amantes.6 A masculinidade do homem era intimamente associada à sua
capacidade de procriar, e o peso dessa equiparação acabava recaindo sobre
as mulheres; Jenny, por exemplo, enfrentou sete gestações. A prática de
controle da natalidade, que começou a se tornar comum na maioria dos
países europeus durante a metade de século posterior à morte de Marx, foi
inspirada, em parte, pelo desejo de rompimento dessa associação entre
masculinidade e número de descendentes.
Jenny e Karl certamente sabiam da existência de métodos
contraceptivos. Em agosto de 1844, quando visitou a mãe em Tréveris, na
companhia do primeiro filho do casal, ela escreveu a Karl, que se
encontrava em Paris: “Pequeno Karl, por quanto tempo a bonequinha
brincará sozinha? Eu desconfio, eu desconfio, que quando papai e mamãe
estiverem juntos outra vez, vivendo sua comunhão marital de bens, logo
uma dupla assumirá a cena. Ou devemos nós começar a fazer isso pelo bom
método parisiense?”.7 A exemplo do que se observa com a maioria das
questões acerca do comportamento íntimo em tempos passados, não é
possível saber se Karl e Jenny experimentaram o “bom método parisiense”
(muito provavelmente a prática de coito interrompido) e não conseguiram
sucesso, ou simplesmente rejeitaram a alternativa. Em vista das seis
gestações de Jenny nos onze anos posteriores à carta, uma das duas
possibilidades deve ter ocorrido.
Na opinião de Marx, masculinidade significava paternidade. Os pais
burgueses do século XIX suportaram por longo tempo críticas perversas –
considerados dominadores, tirânicos, insensíveis, desalmados e, até mesmo,
violentos. Friedrich Engels e Moses Hess, ambos confidentes de Marx,
foram obrigados a enfrentar esses pais tiranos. Na melhor das hipóteses, os
pais burgueses apareciam como figuras autoritárias e distantes, envolvidos
em seu trabalho e indisponíveis para os filhos. Estudos históricos mais
recentes, no entanto, tendem a reabilitar esses pais, ressaltando que pelo
menos alguns deles – mesmo os alemães e suíços, incapazes de deixar
transparecer seus sentimentos – brincavam com os filhos e se mostravam
fisicamente carinhosos e emocionalmente acessíveis.8 Marx era, decerto,
essa espécie de pai. Pessoas que privavam da convivência com a família,
assim como os próprios filhos, teciam comentários a respeito do amor e da
afeição demonstrados por ele, observando que Marx costumava brincar com
suas crianças, além de ler e contar histórias para elas. O desconsolo que
sobreveio ao falecimento dos filhos evidencia um amor paternal bastante
presente. Marx deleitava-se intensamente com a companhia de crianças –
não apenas seus filhos, mas todas as crianças. Wilhelm Liebknecht, assíduo
frequentador da casa da família de Marx nos anos 1850, lembrava-se deste
como “o mais terno dos pais”:

Seria necessário desfrutar da convivência de Marx com seus


filhos para se ter uma ideia real da profundidade de seus
sentimentos e da natureza pueril desse herói da Wissenschaft. Em
seus momentos livres, ou quando caminhando, ele os trazia a seu
lado, brincava com eles, praticando os passatempos mais
extravagantes e dinâmicos – em resumo, era uma criança entre
crianças. Em Hampstead Heath nós brincávamos de “cavalaria”:
eu colocava uma das filhas pequenas em minhas costas, Marx a
outra; e nós competíamos em salto e trote – e, de tempos em
tempos acontecia uma pequena batalha dos cavaleiros.9

Memórias e reminiscências costumam sentimentalizar o passado. No


entanto, as cartas de amor que Marx escreveu para suas filhas quando
estava com Engels em Manchester, e as respostas por elas enviadas, ainda
mais apaixonadas por terem sido redigidas no inglês formal de colegiais,
testemunham os laços de afeição que os unia.10 Uma das muitas coisas que
Marx desaprovava em seu genro Charles Longuet era aquilo que entendia
como negligência deste em relação aos filhos.11
Todos os três filhos de Karl e Jenny que sobreviveram eram mulheres.
Ele não fazia segredo de sua preferência por descendentes do sexo
masculino e, após o nascimento, em 1851, da filha Franziska, que teve uma
vida bastante efêmera, ele escreveu para Engels, “Minha esposa
infelizmente deu à luz uma garota e não um menino”.12 Mas, depois da
desoladora morte do filho Edgar, as meninas passaram a ser tudo o que Karl
possuía. Sua determinação era fazer delas jovens damas honradas, e para
tanto lhes proporcionava aulas de francês, italiano, pintura, piano e canto. O
futuro das filhas justificava a resistência de Karl em reduzir as despesas
familiares: “um arranjo doméstico puramente proletário [...] estaria de
acordo, se eu vivesse sozinho com minha esposa, ou se as meninas fossem
garotos”, explicou ele a Engels. Em meados dos anos 1860, ocasião em que
o dinheiro fluiu mais livremente, Karl elevou seus gastos com Jenny e
Laura, então jovens adultas, permitindo que elas participassem de bailes e
festas.13
No tocante a esses fatores, a criação e a vida social das filhas de Marx
reproduziam o padrão típico das famílias de classe média instruídas do
século XIX, tanto na Alemanha quanto na Inglaterra.14 Algumas
particularidades da vida delas, no entanto, foram um tanto incomuns. A
formação educacional na escola secundária foi excepcionalmente esmerada,
considerando-se, em especial, que em meados dos anos 1860 um total de
apenas mil alunas na faixa de doze anos frequentava a escola secundária em
Londres. As filhas de Marx faziam aulas de ginástica e se exercitavam
trajando as escandalosas calças de esporte propagandeadas pelas feministas
do século XIX. Ao contrário da prática vigente naquele século, de educar as
filhas para serem beatas, mesmo que livres-pensadoras no ambiente
doméstico, Karl e Jenny criaram as suas dentro do mesmo ateísmo sem
disfarces praticado por eles. Karl não escondia sua satisfação em conversar
com elas sobre política. A filha mais velha, Jenny, começou já na
adolescência a trabalhar como secretária do pai, substituindo na função a
envelhecida e fatigada mãe. Ela também escrevia para jornais de inclinação
esquerdista, expressando sua simpatia pelo nacionalismo irlandês.15
As filhas de Marx estavam sendo preparadas para um digno
matrimônio burguês, que lhes garantisse condições de desempenhar o
mesmo tipo de papel que a mãe desempenhara para o marido: criando no lar
um ambiente pautado pela cultura e pelas artes, administrando a vida
doméstica e tendo filhos, mas, também, compreendendo as aspirações
políticas esquerdistas do marido e respaldando-as. Marx tinha certa
dificuldade em contrabalançar esses diferentes aspectos da vida que
desejava para as filhas. Laura, a mais bonita das três (ao contrário das
irmãs, ela puxou mais pela mãe do que pelo pai), envolveu-se em 1866 com
Paul Lafargue, um estudante radical francês que vivia no exílio e era
membro do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores.
Marx deixou muito claro que a futura segurança financeira de sua filha
deveria ser prioritária em relação a qualquer acordo político ou atração
emocional. A carta formal que ele escreveu ao aspirante a noivo de sua filha
foi um estridente – e ensurdecedor – tiro de advertência. O texto começava
com algumas palavras relativas ao excesso de intimidade:

Se você pretende manter seu relacionamento com minha filha,


terá de abrir mão de sua conduta costumeira de “cortejador” [...]
O hábito de uma intimidade exagerada será ainda mais impróprio
na medida em que os amantes residirão na mesma vizinhança
durante um período difícil e necessariamente longo de privações e
expiação [...] Em minha opinião, o verdadeiro amor é expresso
com reserva, moderação e, até mesmo, na timidez do amante em
relação ao objeto de sua paixão; mas definitivamente, não se
manifesta na liberação da paixão e das demonstrações de
prematura intimidade. Se você justificar-se valendo-se de sua
natureza crioula, então tenho o dever de interpor minhas razões
entre sua natureza e minha filha. Se você não sabe como
expressar seu amor a ela em uma forma adequada ao padrão
londrino de liberdade, terá de se contentar em amar à distância.
Depois de deixar perturbadoramente claro que Lafargue deveria
manter as mãos distantes de sua filha, Marx prosseguiu, abordando as
questões financeiras:

Antes dos acertos finais de seu relacionamento com Laura, eu


preciso ter algumas informações importantes acerca de suas
condições econômicas [...] Você sabe que eu consagrei toda
minha fortuna à causa revolucionária. Não me arrependo; muito
ao contrário. Se eu tivesse que iniciar minha carreira novamente,
faria o mesmo. Apenas não me casaria. Até onde estiver ao meu
alcance, desejo proteger minha filha dos abismos em que a vida
da mãe dela foi despedaçada.16

Na carta, Marx citava explicitamente a própria vida; contudo, as


referências implícitas eram no mínimo tão importantes: seu longo noivado
com Jenny e o (suposto) relacionamento sexual pré-marital do casal; e suas
convicções de que as mulheres não deveriam ser submetidas às
adversidades do engajamento político e da luta de classes, convicções estas
nascidas das dificuldades que a esposa foi obrigada a enfrentar na miserável
vida no exílio durante a década de 1850, e na recorrência de tal situação
após o fim de seu contrato de correspondente do New York Tribune. Poupar
a esposa das privações de sua vida era para Marx um dever dos homens e
um traço de seu amor romântico; nesse aspecto, a carta enfurecida
endereçada ao noivo da filha reflete sua frustração em não ter sido capaz de
realizá-lo.
Marx não apenas enviou cartas exasperadas. Com o objetivo de afastar
Laura de seu amante apaixonado, ele chegou a considerar a possibilidade de
mandá-la para um internato; e cerca de três meses após a redação dessa
carta teve um inflamado encontro com Lafargue.17 A despeito da relutância
de Marx, os dois se casaram e permaneceram juntos por quase 45 anos. (As
apreensões do pai quanto ao potencial de ganho de Lafargue se mostraram
corretas; porém, assim como o próprio Marx, o casal contou com o socorro
de Engels.) Cinco anos depois do casamento de Laura, Jenny Marx casou-se
com outro refugiado político francês, Charles Longuet, muito embora Marx
tenha levantado as mesmas objeções quanto à escolha da filha, como fizera
com a irmã. O matrimônio de Jenny foi, no entanto, bastante breve, pois ela
faleceu prematuramente, em 1883.
Apesar das furiosas objeções do pai, a vida de Jenny e Laura Marx
atendeu às expectativas dele. Já com Eleanor, isso não aconteceu. Dez anos
mais jovem do que as irmãs, ela foi mantida em casa durante a maior parte
da década de 1870, para tomar conta dos pais envelhecidos – destino
comum dos filhos mais novos no século XIX. A vida de Eleanor foi
influenciada por um fenômeno que adquiria expressão no final do século
XIX, o ideal de uma “nova mulher” que teria uma carreira profissional
antes do casamento, ou como alternativa a ele, e cuja sexualidade poderia
ser manifestada mais livremente do que no auge da Era Vitoriana. Eleanor
demonstrava publicamente esse comportamento, sentando-se sozinha em
restaurantes, lendo os jornais e fumando cigarros. Depois de experimentar
inúmeras opções de carreira profissional, como o teatro, o jornalismo e a
politica de esquerda, além de alguns amantes, ela acabou arrastada ao
suicídio, em 1898, por seu último amante, Edward Aveling, um cafajeste
ordinário digno de um melodrama vitoriano. O trágico fim de Eleanor, em
comparação com a vida pessoal menos turbulenta de suas irmãs, confirma
que as conflitantes aspirações de Marx para suas filhas (ambas esposas e
ativistas políticas, subordinadas aos maridos, mas intelectualmente
autoconfiantes) eram inconciliáveis, pelo menos nos círculos boêmios
vanguardistas, do final do século XIX.18
Como já vimos, havia outra mulher na vida familiar de Marx, além de
sua esposa e das filhas: era, sem dúvida alguma, a criada Lenchen Demuth.
Ela lhe dera um filho, que, no entanto, ele nunca foi capaz de reconhecer.
Wilhelm Liebknecht deixou uma curiosa descrição do lugar dessa mulher
na família de Marx:

Lenchen exercia [...] uma espécie de ditadura [...] E Marx se


curvava a ela como um cordeiro. Há um ditado segundo o qual
ninguém é um grande homem para seu servo. Para Lenchen,
Marx certamente não o era. Ela teria dado a vida por ele, pela
senhora Marx e pelas crianças, uma centena de vezes – de fato,
entregou sua vida a ele –, mas Marx nunca conseguiu
impressioná-la. Ela o conhecia, assim como conhecia seu humor e
suas fraquezas, e era capaz de persuadi-lo com facilidade.
Estivesse ele mal-humorado, esbravejando e ensandecido a ponto
de inspirar nos outros o desejo de estar bem longe, então Lenchen
entrava na toca do leão e, se ele rugisse, lembrava-lhe o teor da
lei, com tal autoridade, que o leão se tornava manso como um
cordeiro.19

Em seu estrato mais superficial, essa passagem oferece um retrato


cômico de um mundo virado ao avesso; uma criada, a pessoa situada na
base da hierarquia doméstica, exercendo ascendência sobre o patriarca da
família. Em outro nível, para expressar essa situação de modo mais claro,
pode-se entender uma renúncia voluntária de Marx à sua autoridade
patriarcal. Ele aceitava, de livre vontade, ser persuadido por Lenchen
Demuth a deixar de lado o mau humor. Quando Liebknecht escreveu suas
memórias, em 1896, ele fazia parte da liderança do Partido Social
Democrata Alemão, cujos membros havia pouco tempo tinham tomado
conhecimento da verdade tão bem guardada a respeito da paternidade de
Freddy Demuth. Com isso em mente, uma leitura mais minuciosa, porém
velada, do retrato do relacionamento entre a criada e seu patrão, conforme
traçado por Liebknecht, pode sugerir a descrição de uma subordinada que
conhece um segredo de seu superior, e com isso tem o poder de influenciá-
lo como ninguém mais seria capaz. Não havia indícios de que Lenchen
fizesse uso de seu domínio sobre Marx com o objetivo de chantagear. Na
verdade, ela morreu muito pobre. Contudo, o segredo dentro do ambiente
familiar deve ter sido uma sombra pairando permanentemente sobre a
autoridade patriarcal de Marx.
As atitudes privadas de Marx a respeito de homens e mulheres não
diferiam de sua postura pública sobre a questão. Ele apoiava a participação
feminina na política: as mulheres eram livres para se associar à AIT, e Marx
as convocava a integrar o quadro de associados – muito embora, o convite
se dirigisse apenas às esposas de seus amigos, principalmente o dr.
Kugelmann e Engels. Como Marx se orgulhava em salientar, havia uma
integrante do sexo feminino no Conselho Geral, a livre-pensadora inglesa
Harriet Law. Ela costumava se alinhar às opiniões de Marx, e este aprovava
seu posicionamento franco, talvez não totalmente feminino, de bater com
firmeza sobre a mesa quando defendia as observações por ele colocadas. No
entanto, o comentário de Marx segundo o qual “O progresso da sociedade
pode ser avaliado com precisão pela posição que o sexo frágil nela ocupa
(incluindo as feias)” combina um visível apoio aos direitos femininos com
certo desdém pelas mulheres.20
Os esquerdistas dos dias de hoje censurariam essas atitudes,
classificando-as de machismo repugnante; e as feministas do final do século
XX e deste início do século XXI, unidas, não demonstram uma
receptividade calorosa a Marx ou às suas ideias. Elas manifestam, algumas
vezes, uma disposição mais favorável em relação a Engels, que tentou, no
livro A origem da família, da propriedade privada e do Estado, escrito no
período final de sua vida, integrar as questões femininas à doutrina
marxista. A vida particular de Engels e seu concubinato com as operárias de
Manchester, Mary e Lizzie Burns, sugerem um comportamento mais livre
do que o casamento digno e burguês de Marx e as atitudes deste no tocante
às filhas. No entanto, segundo relatado pelo tipógrafo Stephan Born em
suas memórias, os trabalhadores e artesãos que conheciam Engels
guardavam dele certo ressentimento, por considerarem seu relacionamento
com as operárias mais um exemplo da exploração sexual das trabalhadoras
de fábrica por um capitalista. As opiniões do próprio Engels acerca de
sexualidade são reveladas em uma carta endereçada ao amigo de Marx,
Ludwig Kugelmann, o ginecologista de Hanover. Aconselhando o doutor a
fazer cavalgadas para manter a saúde, ele dizia: “Você, na qualidade de
ginecologista, deve satisfazer à Wissenschaft [cavalgar], porque a
ginecologia está de fato mais intimamente associada com cavalgar e ser
cavalgado. Em todos os aspectos, um ginecologista precisa estar firme
sobre a sela”.21
O tom malicioso desse comentário predominava entre os solteiros mais
jovens do círculo de Marx: Wilhelm Pieper, Wilhelm Liebknecht, Adolf
Cluss e, com certa diferença, Ferdinand Lassalle. Todos eles desfrutavam de
uma ampla gama de relacionamentos sexuais diversos com prostitutas e
mulheres da classe trabalhadora e, também, contraíram doenças venéreas;
contudo, acabaram se casando – exceto Lassalle, que foi morto em um
duelo pelo noivo de sua pretendente.22 Essas alternativas do século XIX ao
enfadonho e patriarcal matrimônio de Marx e às preocupações deste no
tocante à castidade de suas filhas parecem bem menos sedutoras nos dias de
hoje.
No meio dos comunistas alemães de meados do século XIX houve um
casamento entre iguais: Fritz e Mathilde Franziska Anneke. Ele era oficial
do exército prussiano convertido ao comunismo e ela, uma jornalista
política independente – uma função ainda incomum e assertiva demais para
uma mulher. Durante a Revolução de 1848, os dois tiveram participação
ativa entre os comunistas de Colônia, editando, em conjunto, um jornal
popular de esquerda, além do que, tentaram manter a neutralidade nas
disputas entre Marx e Andreas Gottschalk. Depois de combater ao lado dos
governos insurgentes do sudoeste da Alemanha, na primavera de 1849
(Mathilde Franziska causou furor juntando-se ao marido no campo de
batalha), eles emigraram para os Estados Unidos, onde mantiveram seu
ativismo de esquerda. Fritz foi um opositor apaixonado do escravismo e
lutou no Exército da União durante a Guerra Civil, enquanto Mathilde
Franziska se tornou franca defensora dos direitos das mulheres e
provavelmente teria desempenhado um papel importante entre as feministas
americanas, não fosse por sua recusa, como ocorria com muitos refugiados
políticos alemães de esquerda, em aprender o inglês. Da mesma forma que
os esquerdistas daquele tempo, Fritz era contrário à teoria da origem
microbiana das doenças. Por uma questão de princípio político, ele se
recusou a permitir que os dois filhos fossem vacinados contra a varíola;
tragicamente, ambos morreram em consequência da doença.23
Os filhos de Marx, ao contrário, receberam a vacina, e foram depois
revacinados quando sua esposa contraiu a varíola. O casamento deles não
foi uma sociedade política de iguais, e sim um relacionamento no qual lhe
coube um papel patriarcal dominante. Diferentemente de Fritz Anneke,
Marx estabelecia uma dissociação entre seus princípios políticos públicos e
sua vida privada, para sorte dos filhos. O próprio comportamento de Marx
no sentido de lidar com as manifestações de masculinidade próprias do
século XIX pode parecer machista e impróprio pelos padrões atuais, em
especial quando se considera o tratamento dispensado por ele a Lenchen
Demuth. No entanto, comparado com muitos de seus contemporâneos, ele
demonstra ter abraçado as melhores alternativas ao alcance de um marido e
pai pertencente à classe média anglo-germânica de meados do século XIX.
SE POR UM lado Marx era uma figura cordial, jovial e hospitaleira, por
outro, tinha atitudes coléricas, sarcásticas e hostis. Ele se mostrava um
amigo fiel e sincero, mas, também, um inimigo veemente e abominável. As
pessoas podiam passar subitamente de uma categoria para a outra, como
aconteceu com Bruno Bauer, Moses Hess, Arnold Ruge e Ferdinand
Freiligrath. As relações de Marx com Ferdinand Lassalle poderiam ter tido
o mesmo fim, não fosse sua morte prematura. Essas transições radicais
aconteceram com mais frequência na época em que Marx era jovem, mas
ele já ultrapassara a casa dos quarenta anos quando rompeu a amizade com
Freiligrath, e já tinha idade avançada quando, em meados dos anos 1870,
terminou de forma abrupta e repentina uma amizade íntima e cordial com o
dr. Kugelmann.24
Essas eram atitudes de uma pessoa movida por emoções fortes, tanto
positivas quanto negativas; um traço da personalidade de Marx acentuado
pela constante pressão das décadas de exílio que ele viveu. Eram, também,
atitudes de um homem que, quando na casa dos trinta anos, não estabelecia
distinção entre amizades pessoais e afiliação política. No período entre as
décadas de 1850 e 1860, Marx elaborou uma lista com os nomes dos
membros de seu partido, e ele e Jenny criaram outra na qual enumeraram os
amigos; os dois grupos eram compostos pelas mesmas pessoas. Jenny tinha
amigos fora do círculo da política, mas Marx não; e as novas amizades que
ele travou por meio da AIT, sem considerar os futuros genros, eram seus
aliados políticos.25
Friedrich Engels era pessoal e politicamente mais próximo de Marx do
que qualquer outro amigo. A dependência de Marx em relação ao apoio
financeiro e emocional de Engels é bastante notória hoje, mas já era de
conhecimento de seus contemporâneos. O próprio Marx não escondia a
satisfação em demonstrar publicamente sua opinião a respeito do amigo e
companheiro. Discorrendo sobre membros de seu “partido”, em 1853, Marx
declarou que Engels era “o único de quem se pode esperar apoio verdadeiro
[...] um autêntico compêndio universal, capaz de trabalhar a qualquer hora
do dia ou da noite, quer ébrio ou sóbrio, rápido como o demônio na escrita e
na compreensão”. Sete anos mais tarde, Engels havia assumido a posição de
“alter ego” de Marx. Na época em que O capital foi publicado, o auge do
trabalho intelectual de sua vida, ele expressou ao amigo sua gratidão e
admiração. Em fevereiro de 1866, Marx escreveu: “Caro garoto; em
qualquer situação eu sinto, mais do que nunca, a felicidade de tal amizade
que existe entre nós. Você sabe bem que nenhum relacionamento tem um
valor muito grande para mim”. No ano seguinte, após entregar seu
manuscrito para o editor, ele assegurou a Engels, “Sem você, eu jamais teria
finalizado o trabalho; e lhe garanto que sempre oprime minha consciência,
como o peso dos Alpes, o fato de, principalmente para me ajudar, você ter
permitido que todas as suas forças admiráveis se dissipassem e fossem
corroídas nas atividades comerciais. Ainda por cima, você foi obrigado a
suportar, junto comigo, toda a minha desprezível miséria”.26
Se por um lado, os benefícios desse estreito relacionamento foram
incontestáveis, por outro, tiveram custos significativos. Um aspecto central
do vínculo que ligava os dois homens era a tendência a denegrir terceiros;
não apenas os inimigos políticos, mas também os potenciais amigos. A
correspondência trocada por Marx e Engels está repleta de comentários
maldosos e hostis a respeito dos companheiros socialistas, desde Karl Grün
e Moses Hess, passando por August Willich e Ferdinand Lassalle e
chegando a Johann Baptist von Schweitzer e Wilhelm Liebknecht, sem
mencionar radicais não comunistas e democratas. Podemos apenas imaginar
o que Marx e Engels disseram um ao outro quando se encontraram frente a
frente. A troca de comentários hostis, observações maldosas e histórias
libidinosas e escandalosas sobre companheiros da esquerda os aproximou,
mas também aumentou o isolamento pessoal e político dos dois.
A amizade madura tomou a forma de uma união estreita de dois
indivíduos contra o mundo. O lugar de cada um deles nesse relacionamento
aparece em duas diferentes reminiscências. Wilhelm Liebknecht escreveu
que

Marx era o mais acessível dos homens, além de animado e afável


nas relações pessoais. Engels era mais grosseiro. Havia certa
aspereza militar em suas maneiras, o que despertava oposição e
contradição, enquanto Marx demonstrava, na companhia dos
outros, algo extraordinariamente cativante. Na redacão do “New
Rhineland News”, tudo caminhava sem percalços quando Marx lá
estava. Nas oportunidades em que Engels assumia o lugar dele, os
conflitos surgiam imediatamente [...] conforme [...] me relataram.
Eu, pessoalmente, entrei em conflito com Marx apenas duas
vezes; e com Engels, os embates eram frequentes.27

Henry Hyndman, o intelectual socialista inglês que conheceu Marx


quando este já estava no final da vida, escreveu sobre o relacionamento dos
dois: “Logo de início, prevaleceu o lado agressivo, intolerante e
intelectualmente dominante de sua personalidade; apenas mais tarde o traço
solidário e afável subjacente ao rude exterior se tornou aparente”. Engels
carecia dessas características amigáveis, sendo “exigente, desconfiado,
invejoso e inclinado a atribuir excessiva importância ao valor de troca do
dinheiro que tinha sempre à mão nas relações com aqueles a quem
ajudava”.28
Essas duas lembranças ressaltam um ponto comum: comparado a
Marx, Engels era uma pessoa difícil, que mantinha precárias relações com
os companheiros de esquerda. É possível que seu modo de agir tenha se
tornado mais moderado com o passar dos anos, em especial depois que os
aliados políticos de Marx tentaram expulsá-lo da política na década de
1840. Contudo, o acesso de Engels a essa política se deu através de Marx.
Havia um acordo tácito entre os dois: Engels dava suporte a Marx, e este
garantia ao primeiro um lugar no movimento trabalhista, do qual ele seria,
de outra maneira, impedido de participar.
Seria injusto dizer que os dois amigos viam em seu relacionamento um
instrumento para consecução de suas ideias. O prazer que cada um sentia na
companhia do outro ficava evidente para aqueles que os conheciam e
representou um tema constante nas reminiscências da dupla. A preocupação
mútua era observada não apenas no reconhecimento recíproco, mas nos
reiterados conselhos médicos que trocavam entre si. Um bom exemplo é a
recomendação de Engels a Marx acerca de como tratar a doença autoimune
que o acometia. Ele sugeria desde a ingestão de um composto de arsênico
até a redução do estresse da vida diária. Em 1857, ao tomar conhecimento
da persistente enfermidade de Engels (possivelmente uma mononucleose),
Marx deixou de lado todos os seus afazeres e correu ao Museu Britânico
para pesquisar as opiniões médicas mais recentes sobre o assunto. Ele
sugeriu ao amigo que tomasse ferro, e acabou sendo ouvido, apesar da
preferência de Engels pelo óleo de fígado de bacalhau. Nenhum dos dois
remédios conseguiu fazer muito pela saúde de Engels – exceto pelo fato de
o sabor odioso das substâncias ter ajudado a esquecer temporariamente o
sofrimento –, porém, as discussões contribuíam para fortalecer os vínculos
de sua amizade.29
Mesmo assim, a posição de Engels no movimento comunista esteve,
durante dezoito anos, integralmente vinculada ao dinheiro que ele ganhou
trabalhando para a Ermen & Engels, em Manchester. Esta deve ter sido uma
ocupação desagradável, mas foi relativamente lucrativa no início e, depois
que ele se tornou sócio, gerou frutos abundantes. É possível que Engels
tenha se sentido tentado a renunciar a seu radicalismo para se concentrar
nos negócios, como tantos de seus contemporâneos da Revolução de 1848
haviam feito; tal opção teria sido catastrófica para Marx.
O caso amoroso de Engels com Mary e Lizzie Burns, uma vida secreta
envolvendo um apartamento clandestino compartilhado com duas mulheres
da classe trabalhadora, bastante distante de sua opulenta residência, valia a
ele uma má reputação. Esse fato o impedia de assumir um casamento mais
adequado do ponto de vista social e que provavelmente o teria afastado do
amigo e da política radical praticada pelos dois.30 As irmãs Burns ajudaram
Engels, o capitalista de vida sedentária, a se manter como fiel amigo e
aliado comunista de Marx. No entanto, o relacionamento com elas foi
entremeado por um grave rompimento da amizade entre Marx e Engels, nos
anos posteriores à mudança deles para a Inglaterra.
As correspondências de Marx para Engels eram repletas de relatos a
respeito da esposa e dos filhos, e as de Engels continham reiteradas
perguntas sobre a família. Ele também trocou cartas com Jenny von
Westphalen, escritas em uma linguagem mais formal do que as endereçadas
a Marx; ele se expressava no respeitoso Sie da segunda pessoa do alemão,
em vez do du informal. Contudo, até o falecimento de Lizzie Burns, as
cartas de Engels raramente continham menções às irmãs Burns, e as de
Marx, com duas breves exceções de uma frase cada uma, nunca deram
atenção à existência delas. Em suas diversas visitas a Manchester, ele deve
ter encontrado as irmãs, mas não fez referências escritas a elas.31
Tal comportamento foi, sem dúvida alguma, uma deferência a Jenny
von Westphalen, cujo desapreço por Mary Burns tinha suas raízes no
primeiro encontro das duas, em Bruxelas, no ano de 1845. A atitude de
Marx no sentido de reverenciar tanto a esposa como o melhor amigo se
manteve inalterada durante décadas; mas acabou ruidosamente quando, na
época do falecimento de Mary Burns, em janeiro de 1863, em resposta à
carta na qual Engels comunicava a morte da companheira, Marx se limitou
a solicitar dinheiro. A incapacidade do amigo em demonstrar consternação
chocou Engels, que se portara de modo tão diferente quando do falecimento
dos filhos de Marx e da grave enfermidade que acometeu a esposa deste.
Até mesmo os “filisteus conhecidos” de Engels demonstraram “mais
compaixão e amizade” pelo falecimento de Mary do que Marx foi capaz de
fazer.
Depois do encerramento de seu contrato de correspondente do New
York Tribune, as finanças de Marx haviam atingido outra vez o fundo do
poço, e a aparente falta de consternação pela dor do amigo decorria, em
parte, da tensão emocional que abalava seu casamento. Jenny acusava o
marido de permitir que o orgulho o dominasse e o levasse a esconder de
Engels a desesperadora situação financeira em que eles se encontravam.
Sem o conhecimento de Karl, ela escreveu uma carta a Wilhelm Wolff, em
Manchester, suplicando-lhe algumas libras que pudessem ajudar no
pagamento das contas; essa atitude enfureceu Marx, para quem a carta
solapava sua autoridade de chefe da família. Jenny lançou mão desse apelo
por dinheiro em resposta aos planos do marido, que pretendia cortar
drasticamente as despesas familiares para resolver as dificuldades
financeiras. Desde o verão anterior ele flertava com a ideia de abdicar da
casa em Kentish Town. As duas filhas adolescentes, Jenny e Laura,
encontrariam trabalho como governantas; Lenchen Demuth seria demitida;
e Karl, a esposa e Eleanor, a filha de oito anos, mudariam para um pequeno
apartamento em um projeto habitacional modelo voltado à classe
trabalhadora. A vida de toda a família seria abalada; porém, nenhuma delas
mais do que a de Jenny que, pela primeira vez desde que se casara, seria
obrigada a assumir as tarefas domésticas.
A família Marx recebeu a notícia da morte daquela que havia muito
tempo era companheira de Engels no mesmo dia em que um oficial de
justiça os visitava para confiscar os bens dados como garantia do
pagamento do aluguel; um sinal de que Karl havia fracassado em suas
obrigações. Com isso, Jenny se via frente à perspectiva de uma vida típica
da classe trabalhadora, sem direito a criados. Demonstrar condolência nessa
hora, em relação à mulher da classe operária por quem sua esposa nutria
desprezo estava além do que Marx se sentia capaz de fazer. Ao escrever a
carta para Engels, solicitando dinheiro, ele, evidentemente, tomava o lado
da esposa e não o do amigo.32
A solução do rompimento da amizade exigia um realinhamento das
relações entre as duas famílias. O suporte financeiro de Engels conjugado a
uma herança providencial se traduzia na possibilidade de a família de Marx
manter o seu lar; as filhas mais velhas não precisariam trabalhar como
serviçais da alta sociedade, continuando desimpedidas à espera de um
marido; e a mãe não seria obrigada a abrir mão da criada. Em contrapartida,
eles passaram a tratar com mais solicitude a companheira de Engels. Depois
que Lizzie Burns tomou o lugar da irmã na vida deste, Marx mudou seu
procedimento e começou a expressar sua atenção a ela nas cartas
endereçadas ao amigo; e este, a incluir notícias sobre ela nas respostas
enviadas a Marx. Até mesmo Jenny Marx se rendeu e enviava saudações a
Lizzie nas cartas escritas para Engels, atitude inconcebível no tempo da
irmã, Mary Burns.33 Quando Engels e Lizzie se mudaram para Londres, em
1870, Marx e seus familiares se reuniam socialmente com o casal. Algumas
concessões mútuas na família permitiram que Karl conciliasse os dois
relacionamentos pessoais mais importantes de sua vida, assim como suas
obrigações de amigo e patriarca.

O GRANDE OPOSITOR da burguesia era nitidamente burguês em sua


vida privada. Em vez de fazer observações contrárias e sarcásticas quanto a
essa questão, como fariam críticos mais recentes das ideias marxistas, ou
considerar irrelevante essa conexão para os conceitos políticos e
econômicos de Marx, como costumam fazer seus defensores, parece mais
profícuo entendê-lo como um burguês anglo-germânico do século XIX. Ele
era uma figura de seu tempo, um homem que endossava os ideais culturais
e comportamentais da burguesia, lutava contra eles e os modificava para
adequá-los às suas condições particulares.
Ser burguês significava possuir propriedades, renda e segurança. Marx
carecia das três coisas, e essa carência representava um constante peso
morto em sua vida. Pouco antes de completar meio século, ele escreveu
para Engels:

Em alguns dias, farei cinquenta anos. Se aquele tenente prussiano


lhe disse: “Já há vinte anos em serviço, e ainda um tenente”,
então eu posso dizer: meio século em minhas costas e ainda um
pobretão! Quão certa minha mãe estava! “Se Karrell tivesse ao
menos acumulado capital, em vez de...”34

Há dúvidas quanto a Henriette Marx ter de fato feito esse comentário,


citado com muita frequência, pois ela faleceu quatro anos antes da
publicação de O capital e provavelmente antes mesmo de o tratado
econômico de Marx ter recebido esse nome. A descrição que ele faz da
mãe, cuja pronúncia holandesa converteu “Karl” em “Karrell”, evoca uma
mulher de estirpe, que chegou a Tréveris, proveniente de Amsterdã, levando
consigo seu dote; uma proprietária de casa e vinhedo, lençóis e toalhas de
linho. Ela manteve rigoroso domínio sobre os bens que Marx desejava e só
foram liberados depois de sua morte. Tal lembrança enfatiza o sentimento
de fracasso que o acompanhava por sua incapacidade de adquirir e
preservar bens e renda para ele próprio e, principalmente, para sua família.
Em um nível mais atávico, Marx considerava esse um fracasso típico da
burguesia. Três anos antes do quinquagésimo aniversário do marido, Jenny
confidenciou a Engels que ele passava as noites em claro pensando sobre o
futuro de privações que a perda de seu cargo no Tribune impingira à
família:
O pior disso tudo é que durante o tempo todo, mesmo quando
castigado pelas dores mais lancinantes [causadas pela moléstia de
pele] ele tem de lidar com seus temores relativos a dinheiro. Eu
vejo agora, pela primeira vez, quão seriamente ele se preocupa
com o assunto. Desde os negócios com a América [o fim do
contrato com o New York Tribune] e o esgotamento de todas as
fontes regulares de subsistência, ele não tem descanso. Noites
inteiras, essa questão não lhe sai da cabeça.35

A carência de bens e de renda era vergonhosa – o mundo não podia


saber. Em termos práticos, tivesse a família Marx deixado de manter as
aparências, os credores teriam exigido a devolução dos valores
emprestados. Mas algumas espécies de dívida, em especial o recurso à
penhora de bens, eram motivo de desonra – um expediente usado pela
classe trabalhadora, não por burgueses respeitáveis. Em vez de procurar
pessoalmente o proprietário da casa de penhores, Karl e Jenny deixavam a
tarefa a cargo de Lenchen.36
Jenny von Westphalen se encarregava das transações com os lojistas e
mantinha a contabilidade doméstica. Ao contrário de Karl, ela conhecia a
situação precisa das finanças familiares. Quando Engels, em 1868,
proporcionou uma receita regular para os Marx, ele começou com uma
parcela inicial integral, para liquidação de todos os débitos. Veio à tona que
Jenny havia escondido de Karl uma dívida de 75 libras, que ela esperava
conseguir quitar com o dinheiro da economia doméstica. Quando Marx
descobriu o subterfúgio da esposa, declarou que “É evidente que as
mulheres sempre precisam de um tutor para administrar seus negócios”.37
Marx entendia que dever dinheiro era uma vergonha para ele, enquanto
homem, pois revelava sua incapacidade de sustentar a família; porém, não
considerava vergonhoso para sua esposa, enquanto mulher, atestar que não
estava administrando a casa com economia e eficiência.
A vergonha no tocante às finanças familiares se mesclava com a
atitude contestável de Marx em relação ao noivado de sua filha Laura com
Paul Lafargue. Ele tentou esconder dos pais de Lafargue sua condição
financeira, fazendo esforços desesperados no sentido de conseguir os
recursos necessários para oferecer à filha algum dote – qualquer dote. A
incapacidade para fazê-lo era outro sinal de seu fracasso em se adequar aos
padrões burgueses.38 A convicção transmitida por algumas interpretações,
segundo a qual Marx era negligente quanto às suas dívidas e dava pouca
importância às suas dificuldades financeiras – ideia algumas vezes retratada
como uma rejeição das atitudes burguesas em relação ao dinheiro, outras,
como uma rejeição ao suposto interesse judeu pelo dinheiro – guarda pouca
semelhança com os sentimentos de culpa e vergonha que ele nutria, devido
a seu endividamento crônico e sua dificuldade em obter uma receita regular.
Os contemporâneos entendiam que um profissional ou acadêmico
burguês enfrentava tempos difíceis em sua juventude, e as condições da
vida de Marx antes dos trinta anos foram semelhantes às daqueles jovens de
sua classe social – reconhecidamente exacerbadas pela morte prematura do
pai, pelo casamento invulgarmente precoce e por seu engajamento político.
Os homens daquela época costumavam experimentar uma melhora
gradativa de suas condições de vida à medida que envelheciam; e Marx não
contrariou a regra, a despeito das dificuldades adicionais decorrentes do
exílio em outro país a partir dos 31 anos. Contudo, a perda do cargo no New
York Tribune arruinou o êxito econômico da família. A maioria dos
burgueses, tanto no mundo acadêmico quanto no profissional, não passava
por esse revés da meia-idade. No caso de Marx, o malogro se refletiu na
forma de uma profunda perda da autoconfiança, que ele deixou evidente na
ocasião de seu quinquagésimo aniversário.
Outra forma de analisar a situação de Marx é considerar as
oportunidades financeiras disponíveis para os ativistas de esquerda naquele
tempo. Nos primeiros dois terços do século XIX, os líderes da esquerda
eram tipicamente escritores – jornalistas e autores autônomos, que
agarravam toda e qualquer oportunidade de se sustentar com a pena, fosse
ou não em conexão direta com a política. Nos anos 1860, estava em curso
um movimento em que proeminentes autores esquerdistas se convertiam em
líderes da esquerda, na qualidade de funcionários de um partido político –
uma ocupação que, a despeito de todos os seus problemas, oferecia mais
segurança e remuneração melhor do que a ingrata missão de um escritor
autônomo. Marx sempre se recusou a assumir uma posição de liderança
dentro da AIT, principalmente remunerada, e, portanto, não passou por essa
transição. Mesmo que estivesse disposto a fazê-lo, os grandes partidos
políticos de esquerda ainda davam seus primeiros passos na época em que
ele viveu, e careciam de uma massa de associados pagantes que pudesse
sustentar políticos profissionais de tempo integral.
Havia outras possibilidades para a obtenção de receita, tais como
apelar publicamente por suporte. Os amigos de Ferdinand Freiligrath
procederam dessa forma na Inglaterra, em 1867, depois que ele perdeu seu
cargo de bancário. O apelo circulou na Alemanha e entre os emigrantes
alemães em todo o mundo, acabando por render mais de 30.000 táleres.
Marx considerava tal recurso um espetáculo repugnante. Sua atitude é
resumida com mais propriedade em um comentário da pequena Jenny que
ele citou com muito orgulho: “se o pai dela fizesse alguma coisa semelhante
àquela, ela declararia publicamente que ele não era seu pai”.39 Marx julgava
esses apelos uma forma de dependência em relação à caridade, e se aferrava
com determinação ao ideal de independência pessoal que era coerente com
a interpretação vitoriana de masculinidade.
Heranças providenciais ajudaram a preencher temporariamente
algumas lacunas, mas nem a família Marx, tampouco a Westphalen, possuía
riqueza suficiente para deixar um legado capaz de prover o sustento
permanente de um núcleo familiar. O que restava como ocupação burguesa
eram os negócios e, nesse sentido, o breve flerte de Marx com o mundo
empresarial acabou antes mesmo de começar. Em vez disso, havia a receita
oriunda dos negócios de Engels, da qual mesmo contra sua vontade, Marx
dependia. Ele fez saber a Engels, em 1865: “Eu lhe garanto que preferia ter
meus polegares cortados a escrever esta carta para você [pedindo dinheiro].
É verdadeiramente excruciante permanecer dependente durante metade de
uma vida”.40
De qualquer modo, Marx nunca fez comentários sobre sua
dependência em relação a uma receita oriunda da exploração capitalista dos
trabalhadores da indústria têxtil Ermen & Engels, que recebiam um
tratamento melhor do que a maioria, mas ainda assim eram trabalhadores
explorados. Isso já não era verdade no tocante a seu amigo, que sugava todo
o valor excedente. Em 1865, quando Marx e Engels estavam em disputa
contra o sucessor de Lassalle, Johann Baptist von Schweitzer, Engels
advertiu Marx de que os correligionários de Schweitzer diriam: “O que
deseja aquele Engels, o que ele tem feito todos esses anos, como pode ele
falar em nosso nome e nos dizer o que devemos fazer, quando o sujeito se
estabelece em Manchester e explora os trabalhadores etc.”.41 As reações
previstas por Engels parecem pouco prováveis, já que envolviam os
seguidores de Ferdinand Lassalle, que, com seus robes de seda vermelha,
sua dúbia relação com uma condessa e as frequentes viagens aos balneários
da Suíça não era exatamente a imagem da probidade proletária. Muito ao
contrário, esses traços refletiam o sentimento de culpa de Engels em virtude
de seu envolvimento com um capitalismo que ele odiava e desejava
aniquilar. Um dos grandes sacrifícios que Engels fez por Marx, aceitando
tomar parte no negócio têxtil de sua família, foi renunciar à consciência
limpa quanto à sua forma de ganhar a vida.
UM ASPECTO ENFATIZADO em estudos recentes sobre a burguesia
alemã do século XIX – não esquecendo a notória dificuldade em se
encontrar uma tradução exata para a expressão alemã Bürgertum – diz
respeito à influência das convenções culturais na formação daquele grupo
social. Tais convenções incluíam o compromisso com a dedicação e o
esforço permanente, além de uma vida familiar pautada pelo decoro e
provida dos mais avançados instrumentos da cultura.42 O respeito a essas
convenções culturais caracterizou a vida privada de Marx, muito embora
algumas vezes de um modo diferente.
Marx era dotado de uma extraordinária capacidade para o trabalho. Ele
dedicava cerca de doze horas de seu dia à leitura dos Livros Azuis no
Museu Britânico e escrevia um grande volume de artigos e reportagens para
o New York Daily Tribune. As longas horas passadas nas reuniões do
Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores e os
volumosos manuscritos de seu tratado de economia eram, também,
testemunhos de sua labuta. Entretanto, apesar de toda essa dedicação ao
trabalho, os importantes projetos intelectuais de Marx nunca se converteram
em realidade ou, chegaram apenas a render frutos incompletos. Os crônicos
problemas financeiros, sem dúvida alguma causadores de transtornos, e a
progressiva deterioração de sua saúde dificultaram bastante a conclusão de
seu trabalho. Contudo, havia ainda alguns traços da personalidade de Marx
que tendiam a se contrapor a seus melhores esforços.
Um importante aspecto era a natureza indisciplinada de sua vida
desregrada. A letra mal traçada e pouco legível e o impenetrável caos de
livros e papéis (algumas vezes até para ele mesmo) que reinava em seu
escritório atestavam esse fato. Ele ficava acordado até altas horas da noite, e
depois dormia até meio-dia. O trabalho era periodicamente interrompido
por explosões frenéticas. Depois de dias e noites escrevendo, a prostração o
acometia e ele passava por um período de inatividade forçada. Tal
procedimento não contribuía para a consecução de projetos de larga escala.
Na verdade, a composição escrita de Marx seguia um padrão
extraordinariamente irregular. Em um costume herdado dos parentes
holandeses, os quais tiveram oportunidade de vê-lo trabalhar em seu tratado
de economia quando ele esteve em visita ao tio Lion Philips, “tão logo
acabava de escrever alguma coisa, Marx tinha o hábito de se levantar e
caminhar ao redor da mesa, acelerando o passo a cada volta, até que algo
lhe ocorria e ele então sentava novamente para continuar”.43
A manutenção de um ritmo constante e sem afobação não é a única
maneira de se ganhar uma prova, e as pessoas que trabalham aos trancos e
barrancos podem conseguir muito. Mas havia ainda outro traço da
personalidade de Marx que dificultava a conclusão de seus
empreendimentos de grande escala. Era sua obstinação em atingir a
perfeição, seu sentimento de que sempre havia um último fragmento de
informação a ser encontrado e a necessidade de reescrever, à luz dessas
novas descobertas, tudo o que já fora previamente redigido. Críticas a esse
método de trabalho perseguiram Marx durante toda a vida. Em 1844,
Arnold Ruge comentou: “Ele lê muito; dedica-se com afinco incomum ao
trabalho e possui um talento aguçado [...] mas não conclui seus projetos;
sempre interrompe o que está fazendo e mergulha mais uma vez em um
enorme emaranhado de livros”. Trinta e cinco anos mais tarde, Friedrich
Engels, que considerava extremamente frustrante esse modo de operar do
amigo, confessou-lhe: “Eu incineraria com prazer as publicações russas
sobre as condições da agricultura, publicações estas que, durante anos,
impediram você de finalizar O capital!”44
Se a versão de Marx para a ética de trabalho da classe média alemã
possuía permutações tortuosas singulares, sua vida doméstica seguia um
padrão mais convencional. Tanto ele como Jenny não abriam mão de um
ambiente familiar pautado pelo decoro e pela conformidade com os padrões
éticos da sociedade: ausência total de brincadeiras apimentadas ou canções
maliciosas. Karl se sentia muito embaraçado quando, em um grupo de
homens e mulheres, levantava-se um assunto com conotação sexual, por
mais remota que ela fosse. É fato que a correspondência dele com Engels
continha muitas menções desse tipo, além de revelações dos escândalos
libidinosos envolvendo seus inimigos políticos; contudo, essas questões não
deveriam ser discutidas publicamente diante de mulheres e crianças. As
duas filhas mais velhas de Karl quando adolescentes, já chegando aos vinte
anos, sentiam-se incomodadas com o excesso de cuidados dos pais. Depois
que Laura se casou com Lafargue e deixou a casa paterna, Jenny, sem o
consentimento, e nem mesmo o conhecimento dos pais, empregou-se como
tutora, visando se libertar da rigorosa atmosfera do lar e das ordens cada
vez mais rabugentas de sua mãe.45
A imagem pública de Marx, na maturidade, era a de um senhor
burguês honrado e ilustre, como demonstram dois divertidos incidentes da
década de 1860; um deles destaca sua respeitabilidade perante os alemães e
o outro, perante os ingleses. Em 1867, depois de se certificar da publicação
de O capital, Marx retornava de navio de Hamburgo para Londres. A
bordo, ele conheceu uma “Fräulein alemã” que apelou para sua ajuda. Ela
iria tomar o trem na Inglaterra e não sabia o que fazer com a bagagem, pois
era um domingo e os carregadores não tinham permissão para trabalhar aos
domingos naquele país. Como um cavalheiro, Marx a ciceroneou em
Londres até a partida do trem. Revelou-se depois que a jovem era Elisabeth
von Puttkamer, sobrinha de Bismarck, “uma garota culta e cheia de vida,
porém aristocrata e preta-e-branca [as cores da Prússia] até a ponta do
nariz”. Ela ficou surpresa ao descobrir que o prestativo cavalheiro era um
notório subversivo; todavia, o simples fato de uma jovem aristocrata ter se
aproximado de Marx para pedir ajuda diz muito a respeito da imagem que
ele exteriorizava.46
No ano seguinte, retornando para casa após uma visita a Engels em
Manchester, Marx descobriu que havia sido eleito para um cargo de
importância legal secundária, mas de grande honorabilidade: guarda da
sacristia da Igreja de São Pancrácio. Marx e Engels não conseguiram conter
os risos ao tomar conhecimento desse cargo com absurda conotação feudal,
e se divertiram profundamente com o conselho dado por um conhecido de
Marx sobre tal nomeação: “Eu lhes diria que sou um estrangeiro e que eles
deveriam beijar meu traseiro”. Porém, conforme informado por esse
conhecido, o cargo “era uma distinção bastante valorizada pelos filisteus de
São Pancrácio”, isto é, pelos vizinhos burgueses de Marx. O fato de o terem
escolhido para essa honraria diz muito acerca da opinião que tinham sobre
ele.47
Dignidade e decoro andavam de mãos dadas com o apreço do núcleo
familiar por um elevado nível cultural. Marx admirava os clássicos da
literatura: Dante e Cervantes, Goethe e Shakespeare. Os trabalhos de
Shakespeare eram, conforme palavras de Eleanor, “a Bíblia de nossa casa”.
Aos seis anos de idade, a exemplo das irmãs mais velhas, ela já havia
aprendido extensas passagens das peças shakespearianas. Na qualidade de
graduado de um Gymnasium alemão, Marx mantinha o interesse pela
cultura da antiguidade clássica, lá cultivado, e lia, no original, os
dramaturgos gregos antigos. Ele não era um classicista esnobe e apreciava
também a literatura de uma geração mais próxima da sua, em especial os
escritores realistas: Sir Walter Scott e Alexander Pushkin, Alexandre
Dumas e Honoré de Balzac. Ele tinha menos interesse pelos romancistas
realistas alemães (é sabido que o melhor deles, Theodor Fontane, só
começou a escrever ficção após a morte de Marx), mas admirava bastante o
trabalho de seu antigo amigo Heinrich Heine, cuja poesia e cujos contos
representavam uma forma primitiva de realismo literário. Como vimos
anteriormente, as filhas de Marx receberam aulas de música, e ele próprio,
além de grande admirador de Bach, conhecia bem os trabalhos dos músicos
clássicos; no entanto, não parece que o papel da música na vida da família
Marx tenha tido a mesma importância que teve para a maioria os alemães
cultos do século XIX.48
Muito ao contrário dos intelectuais esquerdistas dos séculos XX e
XXI, Marx não demonstrava interesse pela vanguarda artística, nem por
qualquer espécie de cultura popular. Ele se acalmava embalado por
Shakespeare e Bach, não com a ficção vitoriana popular ou com as canções
tocadas nas casas de espetáculo. A despeito dos esforços de Engels no
sentido de convencê-lo a cavalgar, Marx não era adepto de nenhuma forma
de exercício, exceto fazer longas caminhadas. Seu único passatempo
importante era o reconhecidamente intelectual xadrez – um jogo ao qual ele
dedicava longas horas de estudo e algumas vezes se entregava com
obsessão. É sabido que ele tinha um estilo muito agressivo e combativo de
jogar.49
Os hábitos burgueses do próprio Marx contrastam sobremaneira com
os de seus amigos íntimos. Seus garranchos ilegíveis e, a julgar pela
inclinação da letra, traçados com a mão esquerda, eram o oposto da escrita
limpa e precisa do escriturário Engels. As horas regulares de trabalho
observadas por Engels e sua conduta sistemática e metódica no tocante à
composição dos textos políticos eram diametralmente opostos aos
procedimentos de Marx, com seu trabalho até altas horas da noite e os
surtos de esforços intensos acompanhados por semanas de enfermidade
incapacitante. A aptidão de Engels não apenas para ganhar dinheiro como
para administrá-lo, excedia em muito a de seu amigo.
O contraste entre o estável homem de negócios e sua desleixada
contraparte teve momentos burlescos. Em 1870, Engels alertou Marx de
que suas cartas estavam sendo interceptadas e lidas pela polícia. Quando
elas chegavam a Manchester, não tinham os quatro cantos do envelope
impecavelmente dobrados e selados e, portanto, o selo poderia ter sido
quebrado e o envelope dobrado outra vez sem esmero. Apesar de reiterados
avisos, Max nunca respondeu, levando a crer que os envelopes
negligentemente selados eram uma evidência de sua própria falta de
cuidado e não das maquinações de uma vigilante força policial.50
Muito mais sério foi o efeito dos hábitos de trabalho de Marx sobre seu
tratado de economia. Na primeira carta endereçada e ele, Engels lhe pediu:
“cuide que o material que você reuniu esteja logo espalhado pelo mundo”.
Seguiu-se ao longo de décadas um fluxo constante de advertências e
lembretes, todos sobre o mesmo tema: Conclua o trabalho! Quando Engels
iniciou a edição póstuma de O capital, ele só lamentava não ter feito mais
pelo trabalho: “Tivesse eu sabido e o teria atormentado dia e noite até que
tudo isso estivesse terminado e impresso”. O que Engels tratava com
naturalidade, para Marx se transformava em considerável dificuldade.51
O inverso se observava em casa, onde Marx impunha a mais rigorosa
disciplina. A austera família de Karl e Jenny era a antítese do arranjo
doméstico lasso e descontraído de Engels com as irmãs Burns. (Nenhum
filho jamais nasceu dessas uniões, e deve-se questionar se Engels sabia
proceder de acordo com o “bom método parisiense” ou se havia problemas
de fertilidade envolvidos.) Em 1868, depois de acompanhar o pai durante
breves visitas a Engels, Eleanor Marx preocupou sua mãe, ao anunciar que
preferia viver com ele em Manchester a viver no enfadonho ambiente da
casa dos pais. Em 1869, então com quatorze anos, ela passou quatro meses
na companhia de Engels e Lizzie Burns e, nesse período fez uma rápida
viagem à Irlanda. A visita foi o ponto alto de sua juventude. Em um cálido
dia de verão Eleanor viveu uma experiência particularmente agradável. Ela,
Lizzie Burns e a sobrinha desta, que trabalhava como criada da casa,
passaram o dia todo deitadas no chão, trajando um leve vestido de algodão
e uma anágua, sem espartilhos nem sapatos (pelos padrões vitorianos, quase
nuas), e bebendo vinho e cerveja. Naquela noite, Engels chegou “caindo de
bêbado”. Era inconcebível imaginar Jenny von Westphalen deitada sobre o
chão, parcamente vestida, bebendo na companhia de Lenchen Demuth – e o
patriarca da família conivente com o espetáculo.52
MUITO EMBORA ISSO fosse lugar-comum, é verdade que a burguesia
do século XIX era uma classe média posicionada entre a aristocracia e a
classe trabalhadora – e as atitudes de Marx no tocante a classes, como
reflete sua vida pessoal, eram reveladoras. Karl Vogt o acusava de invejar
veladamente a nobreza, mas tais acusações parecem bastante improváveis.
No início dos anos 1850, Marx declarou que ministros de um governo
aristocrata e reacionário eram preferíveis aos democratas pequeno-
burgueses; mas, essa declaração deve ser vista mais como uma crítica aos
democratas do que um elogio à aristocracia. Seria estranho de fato, que
alguém criado na Renânia burguesa, cujos habitantes não lamentavam, em
hipótese alguma, a ausência da aristocracia da região, expulsa pela
Revolução Francesa, manifestassem atração pela nobreza. Nos textos sobre
renda fundiária e agricultura, de O capital, em suas estranhas teorias a
respeito de Lord Palmerston e da aristocracia do partido Whig, e em seu
ódio pelos Junkers, os nobres prussianos proprietários de terra, um pilar da
monarquia prussiana que tanto desprezava, Marx demonstrava extremo
desdém por essa classe social. Na verdade, uma atitude incompatível com
alguém que sentisse atração, secreta ou não, pelas elites hereditárias
europeias. Marx havia se casado com uma mulher pertencente a certo tipo
de nobreza sem expressão, que em seu cartão de visitas (indispensável para
qualquer dama honrada daquele tempo) se descrevia como “Senhora Jenny
Marx, nascida Baronesa von Westphalen”. Ela foi advertida pelo marido a
evitar a distribuição indiscriminada de tais cartões, porque os inimigos
políticos poderiam usá-los contra ele.53
Mais relevante para o líder comunista eminentemente burguês era o
relacionamento com a classe trabalhadora. Mesmo no auge de sua atividade
política na Alemanha, Marx não deixava de ser um jornalista com trânsito
dentro dos círculos burgueses. Tal condição se manteve no exílio, em
especial após a divisão da Liga Comunista, em 1850. Os trabalhadores que
o visitavam em casa, para resolver questões relacionadas às atividades da
AIT, davam conta da receptividade polida e amigável por parte de todos os
membros da família: o pai intelectual, a mãe detentora de título de nobreza
e as filhas comprometidas e cheias de vida. Não afetava suas relações com a
classe trabalhadora, o fato de Marx fazer parte de um tipo especial de
burguesia – um homem erudito e culto, uma figura de respeito,
principalmente na Europa central –, ao contrário de Engels, um capitalista
burguês.54
Na vida privada, principalmente em sua correspondência com Engels,
Marx fazia críticas mordazes à classe trabalhadora. Ambos se referiam aos
trabalhadores organizados em sociedades beneficentes e educacionais, em
sindicatos e nos nascentes partidos políticos socialistas – aqueles que mais
se aproximavam do ideal de proletários com consciência de classe
concebido por eles –, como die Knoten, que em tradução livre significa “os
nós cegos”. Não era um tratamento amigável e refletia a frustração dos dois
por não conseguirem atrair a adesão de apoiadores para sua linha política.
No entanto, a opção por creditar esse malogro à estupidez dos
trabalhadores, deixava transparecer um vestígio de preconceito burguês e de
desdém por operários braçais menos instruídos e menos inteligentes.55

A FORÇA DO que hoje denominamos identidade étnica e religiosa foi


sempre um ponto cego na teoria política e social de Marx, muito embora, na
qualidade de político pragmático – jogando os católicos da Renânia contra o
governo protestante da Prússia no período 1848 a 1849, ou tentando fazer
uso do nacionalismo alemão como meio de retornar à vida política, depois
de 1859 –, ele desejasse explorar essas identidades. Duas versões delas
desempenharam papéis distintos na vida privada de Marx. Uma era óbvia
para ele e seus contemporâneos: ele foi um alemão que passou os últimos
34 anos de vida exilado no estrangeiro. A outra, mais sutil: sua ascendência
judia. Algumas vezes percebida, embora de formas diferentes, outras vezes
totalmente despercebida, essa foi uma noção que tanto o próprio Marx
como seus contemporâneos tiveram surpreendente dificuldade em
compreender.
Marx se identificava como alemão, em geral de um modo irônico e
zombador, falando sobre “nós teutos”, e sobre seu vínculo de descendência,
lamentável, mas inevitável, com o povo alemão e a nação alemã. A
exemplo do que ocorrera com seus companheiros exilados políticos, a
duradoura residência na Grã-Bretanha desvaneceu sua filiação alemã e
gradativamente o tornou mais inglês. Contudo, às vezes a diferença entre o
modo britânico e o alemão de fazer as coisas salientava o lado alemão de
Marx.56
Como economista, ele considerava a Grã-Bretanha um país capitalista
modelo: eficiente, preciso e produtivo, enormemente superior a uma
Alemanha caracterizada pela procrastinação no trabalho e por produtos de
má qualidade. Esse comportamento se manifestava também em sua vida
privada. As desculpas de Marx a seu editor em Berlim, Franz Duncker, por
tê-lo acusado de ter retardado deliberadamente a publicação de Uma
contribuição para a crítica da economia política, era uma denúncia da
conjuntura do mundo dos negócios na Alemanha: “Em primeiro lugar, eu
estive de fato ausente da Alemanha durante muito tempo, e me habituei às
condições existentes em Londres; portanto, não consigo compreender
devidamente o ritmo das transações empresariais alemãs”.57 (Essa relação
entre especificidades nacionais e eficiência econômica parece ter-se
invertido ao longo dos 150 anos subsequentes.)
Algumas vezes, Marx sentia certo ressentimento em vista dessas
comparações. Em 1860, o ministro austríaco das finanças, Karl Ludwig von
Bruck, cometeu suicídio em resposta às acusações de corrupção levantadas
contra ele. Para um crítico ferino da situação alemã, Marx se revelava
surpreendentemente suscetível às respostas inglesas, como demonstram
suas palavras para Engels:

Seguramente, o inglês agora nos hostiliza, por causa de Bruck.


Antes de ontem, um sujeito me aborreceu com isso outra vez e
perguntou: “Agora, o que você diz do suicídio de Bruck?” “Eu lhe
direi senhor. Na Áustria, os patifes cortam o próprio pescoço,
enquanto na Inglaterra eles cortam a carteira do povo”.58

Esses ressentimentos tiveram intensa repercussão na década de 1850,


provavelmente durante a Guerra da Crimeia. Certa noite, Marx, Edgar
Bauer e Wilhelm Liebknecht participaram de uma peregrinação pelos bares.
Depois de considerável consumo de bebidas, chegaram a um
estabelecimento no qual um grupo da ordem Odd Fellows – trabalhadores
membros de uma Lodge inglesa – estavam bebendo. Logo de início o
encontro transcorreu tranquilamente e brindes entusiásticos foram
levantados, sugerindo uma reunião de “Junkers russos”, já que, como
destacou Liebknecht, a maioria dos ingleses não sabia diferenciar Prússia e
Rússia. No entanto, aos poucos os humores foram se transformando e Edgar
Bauer acusou os ingleses de ser um grupo de “esnobes”, acompanhados de
um ébrio, Marx, que começou um discurso arrebatado elogiando a
Wissenschaft e a música da Alemanha. Liebknecht lembrava-se de tê-lo
ouvido declarar que nenhum outro país havia dado ao mundo talentos da
música como Mozart, Handel, Haydn e Beethoven. A Alemanha se
encontrava muito à frente da Inglaterra, e a miserável condição econômica e
política que ela atravessava era o único fator a impedi-la de ocupar a
dianteira em relação a todos os demais países, como um dia viria a
acontecer. Liebknecht comentou, também, que nunca ouvira Marx falar
inglês tão bem. O grupo dos Odd Fellows ali reunido manifestou sua
insatisfação, voltando-se contra os convidados com gritos de “Estrangeiros
malditos!”. Mal conseguindo escapar a uma surra, os três refugiados
políticos correram para a rua, onde passaram a atirar pedras nas lâmpadas a
óleo, sendo obrigados a fugir novamente para evitar serem presos pelos
policiais que surgiram para verificar a causa do tumulto. Tais sentimentos
de mágoa nacionalista, normalmente disfarçados, podem ajudar a explicar
os rompantes de Marx no início da Guerra Franco-Prussiana.59
A despeito desses contratempos, Marx foi gradativamente
internalizando a influência inglesa ao longo das décadas de 1850, 1860 e
1870. Frases em inglês começaram a pulular em sua correspondência, muito
embora seja bastante exagerada a ideia de que as cartas que ele trocou com
Engels fossem uma Torre de Babel multilíngue. Marx empregava em suas
cartas frases no idioma inglês, da mesma maneira que o fizera com o
francês antes da mudança (e também depois), com o principal propósito de
enfatizar e expressar conceitos breves que exigiriam uma exposição mais
longa e complicada em alemão. A gramática e a sintaxe de seu texto
mantiveram um inconfundível traço alemão e diferiam consideravelmente
da escrita anglicizada de suas filhas, para quem era mais tranquila a
expressão nas formas escrita e verbal do inglês ou, até mesmo, do francês.
O conhecimento de francês do próprio Marx, adquirido na infância em
Tréveris, era mais profundo e completo do que o do inglês.60
Não tendo conseguido jamais receber de volta a cidadania prussiana,
Marx era um indivíduo sem pátria. Em 1869, ele aventou pela primeira vez
a ideia de mudar sua nacionalidade legal, naturalizando-se cidadão
britânico, o que facilitaria e tornaria menos arriscadas as viagens para o
continente. Ele levou cinco anos para submeter uma solicitação formal com
esse objetivo, que foi rejeitada. Tal fato ocorreu depois do evento da
Comuna de Paris, e o governo de Sua Majestade não estava disposto a
conceder proteção ao notório e ameaçador arquiteto daquela célebre
manifestação de extremo radicalismo. Muito ao contrário de sua generosa
política de concessão de asilo político, os governos britânicos do século
XIX foram bastante restritivos quanto à naturalização de estrangeiros e à
outorga a eles dos direitos políticos domésticos.
O longo intervalo de tempo entre a concepção inicial dos planos e a
real submissão da solicitação reflete certa relutância em assumir nova
nacionalidade. Marx só se dispunha a considerar a possibilidade porque as
mudanças na lei facilitavam a renúncia à cidadania britânica depois de sua
obtenção. Ele confessou a Engels: “Não sou ainda um britânico livre.
Resiste-se, sem dúvida, a esse tipo de coisa, desde que as circunstâncias
vigentes sejam aceitáveis”.61

NINGUÉM DESCONHECE O fato de que Marx era judeu. E os judeus


imaginam que ele também o soubesse, e que compreendesse o judaísmo nos
termos dos séculos XX e XXI. Como Marx carecia de tal concepção mais
moderna, ele costuma ser acusado de antissemitismo. Em vez de reiterar
essas acusações, ou as respostas algumas vezes rebuscadas dos defensores
de Marx, parece mais profícuo considerar as atitudes dele em relação aos
seus ancestrais judeus e a maneira pela qual outras pessoas percebem sua
ascendência judia à luz das interpretações do século XIX no tocante ao
significado de ser judeu.
A correspondência de Marx estava repleta de julgamentos desdenhosos
acerca dos judeus. Ele frequentemente acusava as pessoas judias de serem
gananciosas e usurpadoras, mas seus comentários sarcásticos (como já
vimos) também incluíam um vasto espectro de observações antissemitas,
que não apenas denegriam os judeus, classificando-os de dominadores e
intrusos, como os julgavam em desacordo com os padrões clássicos de
beleza e de voz melodiosa: “aquele som gutural, com o qual pessoas de bem
são, de certa maneira, amaldiçoadas”.62 Essas observações vieram à tona nas
descrições que Marx fez de Ferdinand Lassalle, mas ele as repetia com
frequência em relação a indivíduos muito menos importantes. Comentários
como esse, tecidos por uma pessoa de ascendência judia, costumam ser
atribuídos a uma aversão pessoal ao judaísmo, acompanhada por uma
negação da própria ancestralidade judia. No entanto, Marx era franco a
respeito de sua ascendência e nutria por ela certo orgulho despropositado.
Essa atitude foi mais claramente expressa em suas cartas para o tio
Lion Philips, uma pessoa que Marx admirava muito e em quem encontrou,
depois de adulto, a figura de um pai. Ele escreveu para Philips em 1864,
para comentar o estudo de um orientalista holandês, segundo o qual os
Cinco Livros de Moisés não foram escritos pelo herói bíblico, mas sim
depois que os judeus retornaram do cativeiro babilônico para a Palestina.
Em sua carta, Marx afirmava: “Desde que Darwin provou nossa
descendência comum a partir dos símios, dificilmente qualquer choque, seja
o que for, pode abalar ‘nosso orgulho por nossos ancestrais’”. Em outra
carta para o tio, datada de quatro anos antes, Marx havia falado sobre
“nosso camarada tribal Benjamin Disraeli”.63 Essas duas cartas sugerem
uma irônica identificação de Marx com sua ascendência judaica, uma
atitude não diferente da do próprio Disraeli.
Nesse contexto, as experiências de Marx em uma viagem de Londres
para a cidade balneária de Karlsbad, em 1875, são reveladoras. Um dos
passageiros que deixava Londres na mesma cabine do trem em que ele
viajava era um “pequeno judeu-alemão”, um mercador a caminho de
Berlim, onde faria negócios. Escrevendo a Engels, para fazer um relato
sobre a viagem, Marx foi cruel ao comentar aspectos como: a pronúncia
alemã com inflexão iídiche de seu companheiro de cabine, as dúbias
transações de negócio que o levaram a ser ludibriado em 1.700 libras e os
igualmente dúbios planos do indivíduo no sentido de obter o dinheiro de
volta. A descrição é uma crítica estereotipada de um judeu inculto e
ganancioso.
Na parada em Frankfurt, a caminho de Karlsbad, Marx conheceu
Leopold Sonnemann, o editor do principal jornal de esquerda da Alemanha,
o Frankfurt News. Os dois trataram da possibilidade de uma cooperação
política entre os socialistas e os democratas radicais. Na qualidade de
jornalista e editor experiente, Marx exprimiu grande admiração pelo
sucesso de Sonnemann com seu jornal, sucesso este que podia ser atribuído
às virtudes capitalistas do periódico, considerado “a melhor publicação
voltada para a bolsa de valores e o comércio, na região sul da Alemanha”.
Sonnemann era judeu, mas em vez de criticá-lo, Marx manifestou seu
respeito por esse “homem do mundo”.64
O que diferenciava os dois homens na opinião de Marx certamente não
era a ancestralidade, nem o envolvimento deles com o capitalismo,
tampouco sua religião. Ao contrário, eram os vínculos culturais que eles
deixavam transparecer através de seus discursos, da aparência física e das
atitudes em relação ao mundo. A rejeição de Marx por seu companheiro de
viagem – ou mais precisamente, a relação causal que ele estabeleceu dessa
rejeição com a afiliação religiosa e cultural do indivíduo – revelava, por
certo, intolerância, mas refletia, também, uma interpretação
fundamentalmente cultural da identidade judaica.
Tal interpretação era usual entre os contemporâneos de Marx. Seus
correspondentes não hesitavam em fazer em sua presença comentários
adversos sobre os judeus e, evidentemente, não percebiam nisso um insulto
a ele. Poucos foram tão extremados como o refugiado político radical
alemão Albrecht Komp, que em 1859 escreveu sobre seus planos de deixar
Nova York, “esse Eldorado dos Judeus”, e retornar para a Alemanha; mas
havia menções hostis aos judeus nas cartas de Engels e Jenny von
Westphalen – duas pessoas que conheciam muito bem as atitudes e a
ancestralidade de Marx.65
Essa concepção segundo a qual ser judeu representa, acima de tudo,
uma questão de afiliação religiosa e cultural, era observada de forma
acentuada nas atitudes dos contemporâneos em relação ao judaísmo de
Marx, ou à ausência dele. Seus inimigos políticos o condenaram algumas
vezes nos seguintes termos: Ruge, Proudhon e Bakunin fizeram acusações
nada lisonjeiras acerca da natureza semita e dos antecedentes de Marx.
Houve, também, diversas ocasiões, como os duelos, nas quais Marx foi
tratado de um modo tal que o fazia parecer nitidamente não judeu.
Considerava-se que os judeus careciam da honra pessoal responsável por
motivar os homens a se bater em duelo: eles não eram, como diziam os
alemães, “satisfaktionsfähig”. A própria participação de Marx em um duelo
e seus desafios para um encontro no campo da honra apontam para uma
identidade diferente ou, pelo menos, refletem seu desejo de se apresentar de
qualquer maneira, exceto como um judeu.66
No ambiente privado, Arnold Ruge de fato acusava Marx de ser judeu,
mas, em Two Years in Paris [Dois anos em Paris], seu ajuste de contas
público com os comunistas alemães, ele dirigiu os ataques a Moses Hess, a
quem chamou de “rabino comunista” (uma frase que os historiadores
alemães sempre gostam de citar) e, com o propósito de apresentar Hess
como um judeu ganancioso e sem consciência, contou histórias a respeito
do envolvimento dele com contrabando de charutos da Bélgica para a
França. Tais acusações não existiram no tratamento que Ruge dispensou a
Marx em seu livro. Nele, nenhuma palavra foi dita a respeito do judaísmo
de Marx; muito ao contrário, o texto explicava pesarosamente como o
outrora valoroso colega de trabalho havia sido seduzido pelas ideias
comunistas.67
O inimigo de Marx, Wilhelm Stieber, junto com outro policial político,
publicou o indiciamento do julgamento dos comunistas de Colônia, sob o
fantástico título As conspirações comunistas do século XIX. A ela foi
anexado um dicionário biográfico de 128 páginas, cuidadosamente
organizado em ordem alfabética, a respeito dos comunistas da Alemanha. A
nota policial “procurado” na entrada relativa a Marx descrevia-o como
alguém que guardava “na fala e na aparência, certa reminiscência de sua
descendência judia”. A descrição também afirmava que seu pai fora um
funcionário graduado das minas de carvão da Bacia do Sarre controladas
pelo Estado prussiano, um erro amplamente difundido, que apareceu em
inúmeros obituários de Marx. Seria difícil imaginar outra ocupação mais
intimamente associada aos gentios.68
Todas essas concepções a respeito de Marx estavam de acordo com a
interpretação de judaísmo vigente em meados do século XIX. De fato, elas
possuíam certo componente somático, observado nos comentários acerca
das características externas dos judeus, mas mesmo tal componente podia
dizer respeito tanto à linguagem como à verdadeira morfologia corporal. No
entanto, tais concepções estavam essencialmente vinculadas à afiliação
religiosa e às práticas culturais. Nesse aspecto, Marx não parecia judeu. O
surgimento do pensamento racista sobre os judeus, que ganhou expressão
durante a década de 1870 e estava de certa forma relacionado à expansão
dos conceitos darwinistas acerca da sociedade humana, viria a alterar as
opiniões dos observadores. A ênfase nos traços “semitas” de Marx,
encontrada nas reminiscências favoráveis escritas sobre ele, desde os anos
1870 até o início do século XX, dá testemunho dessa mudança de atitudes.69
Mesmo alguns dos primeiros antissemitas da Alemanha não
consideravam Marx um judeu a ser evitado. Quando Bruno Bauer, que já
pregava mais amplamente as ideias racistas em relação aos judeus e às
nações europeias, visitou a Inglaterra no final de 1855, ele passou horas em
discussões amigáveis com Marx, acerca do Ciência da lógica, de Hegel.70
Mais admirável ainda foi o encontro de Marx com Wilhelm Marr, não
exatamente o primeiro proeminente racista antissemita da Alemanha, mas o
homem que cunhou a expressão “antissemitismo”. Jornalista em Hamburgo,
como profissão, Marr estivera politicamente associado a Ferdinand Lassalle
(uma estranha conexão para um antissemita embrionário) e tomou parte do
inusitado plano de Lassalle para proclamação da anexação de Schleswig e
Holstein à Prússia, em nome do movimento trabalhista. Marx foi
apresentado a Marr em 1867, quando esteve em Hamburgo acompanhando
a publicação do primeiro volume de O capital. Ele comentou que Marr “em
suas maneiras pessoais [...] é um Lassalle traduzido para termos cristãos,
mas, naturalmente, vale muito menos”. Nessa descrição podia haver um
indício da postura de Marr em relação aos judeus e, talvez, da opinião
negativa de Marx quanto a ela, mas não sugere qualquer confronto épico
entre eles.71
A esse respeito, a vida privada de Marx se revela bastante
convencional para seu tempo. Ele era patriarcal, recatado, burguês,
laborioso, independente (ou tentava ser), culto, respeitável e alemão, com
uma nítida pátina de antecedentes judaicos. Nenhuma dessas características
fugia ao comum para a classe média daquela época. Alguns aspectos da
vida privada de Marx, tais como seu evidente amor pelos filhos, os hábitos
de trabalho bastante desregrados, o apoio ao livre pensamento, até mesmo
para as mulheres de sua vida, e as emoções fortes, reveladas tanto na
amizade como na malquerença, poderiam tê-lo deslocado para um lado do
espectro, mas muito pouca coisa fugia radicalmente ao padrão comum. O
único traço da aparência convencional de Marx capaz de denunciá-lo como
radical era o crônico fracasso financeiro. Mesmo nessa condição, a família
dava o melhor de si para manter as aparências e, com a ajuda generosa e
constante de Engels, conseguia ser mais convencionalmente burguesa. Sem
dúvida, a verdadeira questão diz respeito a por que alguém deveria esperar
que vida privada e postura política pública se fundissem. A resposta pode
estar no fato de que a demonstração privada do comprometimento público
se tornou, no século XX, uma medida da autenticidade de um indivíduo, o
que nunca foi na época em que Marx viveu.
13

O veterano

DURANTE OS DOIS anos seguintes à extinção da Comuna de Paris,


Marx disputou sua última batalha: um confronto feroz pelo controle da
Associação Internacional dos Trabalhadores. A disputa foi fisicamente
desgastante e demandou muito tempo; porém, junto do trabalho de
recrutamento de delegados para um duelo político com seu rival anarquista
Bakunin, e de distribuição de panfletos contra ele, Marx se dedicou à
segunda edição de O capital em alemão e em francês. Os esforços
combinados foram excessivos para sua saúde debilitada. Em 1873, ele foi
acometido por extrema prostração física e se viu obrigado a suspender o
trabalho durante meses, enquanto procurava tratamento médico. Depois de
recuperado, afastou-se dos embates, deixando a cargo de Engels e de seus
genros as relações diárias com os radicais e os nascentes partidos
socialistas, passando a cultivar o papel de consultor e fonte de sabedoria
política, muito embora, dada sua personalidade irascível, o polêmico feroz
algumas vezes prevalecesse sobre o sábio ancião. Esse papel político estava
de acordo com a imagem pública de veterano associada com Marx depois
de 1870: protagonista dos notáveis e longínquos levantes de 1848,
permanente defensor da classe trabalhadora e profeta de um futuro
revolucionário e comunista que ele não viveria para ver. A vida privada de
Marx ao longo da última e implacável década de sua existência tem relação
direta com a pública. Ele foi um avô apaixonado, um marido dedicado
durante a enfermidade fatal que vitimou sua esposa e, finalmente, um viúvo
idoso que, acometido por gradativa deterioração da saúde, contemplava a
própria morte.

A COMUNA DE Paris fez de Marx uma figura pública com um destaque


que ele nunca havia conhecido. Seu enérgico panfleto em defesa do regime
insurgente atraiu para ele a atenção de ativistas socialistas e radicais de toda
a Europa. Em setembro de 1871, revolucionários italianos reunidos em um
banquete em Roma levantaram um brinde a “Carlo Marx, o incansável
instrumento” da classe trabalhadora. Nas imediações dali, na pequena
cidade de Macerata, uma sociedade de trabalhadores escolheu seus três
presidentes de honra: Garibaldi, Mazzini e Marx. Em vista do desapreço
que Marx e Mazzini cultivavam entre si, essa não foi uma decisão
ideologicamente coerente; contudo, o fato de Marx ter sido colocado em pé
de igualdade com os heróis da esquerda italiana era um indicativo de seu
prestígio público.1
Sua visibilidade ultrapassava os círculos de esquerda. Um repórter do
New York World, engajado na moderna prática da entrevista jornalística,
colheu declarações de Marx exatamente um mês antes da extinção da
Comuna. A biografia de Marx foi a matéria de capa da edição de 11 de
novembro de 1871 do Illustrated News de Paris e o artigo, incluindo o
retrato do biografado, caracterizado como “líder da Internacional”, foi
publicado nos jornais ingleses, espanhóis, italianos, alemães e americanos.
Os anos derradeiros da década de 1870 testemunharam uma nova onda de
interesse pelo revolucionário envelhecido. A rainha Vitória enviou um
mensageiro pessoal, dono do impressionante nome Sir Mountstuart
Elphinstone Grant Duff, para se encontrar com Marx no início de 1879.
Uma biografia dele apareceu em uma coleção holandesa sobre a vida de
homens notáveis, uma espécie de Quem é quem da época, e dois diferentes
periódicos britânicos, de literatura e interesse geral, o The Contemporary
Review e o Leaders of Modern Thought, publicaram pequenos esboços da
vida e do ideário de Marx. Em uma ocasião em que ele se encontrava no
litoral com a família, jornalistas americanos o procuraram na casa de
Maitland Park Road e em Ramsgate, com o objetivo de entrevistar o
veterano revolucionário.2
Marx se sentia lisonjeado por ser alvo de tamanha atenção, mas se
irritava com as diversas incorreções existentes nos relatos biográficos e com
a má vontade em levar a sério suas ideias. De longe, o mais elaborado
desses textos, escrito pelo jornalista escocês John Rae (que mais tarde viria
a escrever sobre a vida de Adam Smith), continha um relato muito
inteligente da raiz Jovem Hegeliana do desenvolvimento intelectual e
político de Marx. O ensaio era parte de uma série informal sobre o
pensamento socialista na Alemanha. Ao contrário de outros dois artigos de
Rae incluídos nessa série, igualmente inteligentes, o de Marx não continha
qualquer descrição de suas ideias acerca de economia, contribuindo, desse
modo, para que em um país que havia inventado a economia política, ele
continuasse a se ressentir de uma frustrante falta de atenção. Por estranho
que pareça, o próprio Rae iniciou seu ensaio sobre Marx observando
exatamente esse fato.3
Mesmo depois de uma década da extinção da Comuna de Paris, o
governo revolucionário que experimentara uma existência breve na maior
cidade da Europa continental ainda era uma fonte de fascínio e horror, e o
permanente interesse por Marx estava intimamente relacionado ao seu
manifesto vínculo com a Comuna. As descrições baseadas em encontros
pessoais, as entrevistas dos jornais e o relatório secreto para a rainha Vitória
enfatizavam essa conexão de um modo distorcido. A aparência pessoal de
Marx era a de um acadêmico alemão de idade avançada, em sua biblioteca
entulhada de livros; um velho cavalheiro honrado, de fala polida, um avô
afetuoso que brincava na praia com seus netos. Conforme palavras de Grant
Duff, “toda a expressão, mais agradável do que o contrário, não é, em
hipótese alguma, a de um senhor que tem o hábito de comer criancinhas em
seus berços”. No entanto, esse mesmo homem, como observavam os
relatos, apoiava a Comuna e promovia permanentemente planos de
sublevação. Tais imagens contraditórias eram o retrato de um veterano
revolucionário.

SE, POR UM lado, a Comuna de Paris foi a causa da grande difusão da


imagem pública de Marx, ela foi também a origem da luta pelo controle da
AIT, disputa que levaria à extinção da entidade. A Guerra Franco-Prussiana
e os subsequentes levantes revolucionários tornaram impossível a
realização do planejado congresso da AIT em 1870 e, também, do encontro
do ano seguinte. Marx propôs que, em vez de um congresso, fosse realizada
uma conferência: uma reunião informal de delegados provenientes de
quaisquer filiais da Internacional que tivessem condições de enviá-los. O
encontro ocorreu em setembro de 1871, em uma sessão fechada, e não
foram divulgados para a imprensa os relatórios dos trabalhos.4 Oficialmente,
o objetivo principal era tratar das questões organizacionais. Além de
reiteradas as recomendações anteriores da AIT no sentido de que suas
seções reunissem informações estatísticas sobre os locais de trabalho, foi
aprovada a criação de seções exclusivamente femininas e projetada uma
estrutura organizacional padrão, em que cada uma das seções locais de cada
país deveria enviar representantes para um “Conselho Federal” de âmbito
nacional; nome nascido da Comuna, na qual as ideias federativas tiveram
grande poder de influência. A conferência criou um Conselho Federal para
a Inglaterra, uma inovação organizacional singular; anteriormente cabia ao
Conselho Geral tratar das questões inglesas.5
Todas as sociedades afiliadas à AIT deveriam ser entidades
regionalmente sediadas ou sindicatos; não havia permissão para seções com
orientação política, uma proposta cujo alvo eram os anarquistas partidários
de Bakunin. Para não deixar dúvidas quanto a esse ponto, a conferência
também determinou que o Conselho Geral deveria expulsar qualquer
afiliado vinculado à Aliança Internacional da Democracia Socialista, antigo
pelotão de frente de Bakunin. Além do mais, a conferência se declarou
contrária às sociedades secretas, mesmo naqueles países nos quais a
perseguição governamental havia tornado impossível o funcionamento
regular das afiliadas da AIT. A convenção adjudicou o litígio entre os
grupos pró e contra Bakunin, que se declaravam representantes da AIT
junto aos cidadãos suíços falantes de francês; porém, o comitê encarregado
de julgar as reivindicações opostas, reunido na casa de Marx, demonstrou
tal predisposição a favorecer as associações contrárias a Bakunin, que Paul
Robin, representante das entidades pró-Bakunin, abandonou furioso o
recinto, gritando, “Eu desprezo vocês”.6
A conferência emitiu uma única, porém bastante extensa,
recomendação de cunho político. A classe trabalhadora só poderia atuar
como uma classe “organizando-se na forma de um partido político,
diferente de todos os antigos partidos formados pelas classes possuidoras de
propriedades, e oposto a todas elas [...]”. Parece difícil entender que
mudança radical essa proposta representava. Na época da realização da
conferência, a Alemanha era o único lugar onde existia alguma coisa com a
conotação do proposto partido dos trabalhadores – duas, na verdade; os
correligionários de Lassalle e os de Bebel e Liebknecht. Eles não tiveram
representantes na conferência, e Marx não demonstrou muita confiança nas
atividades políticas de nenhum dos dois grupos. Os sindicalistas britânicos,
com os quais ele havia mantido uma aliança estreita desde a fundação da
AIT, em 1864, eram mais adeptos do Partido Liberal – de inclinação
definitivamente oposta à do recomendado partido dos trabalhadores. Na
verdade, Bakunin e seus seguidores anarquistas se opunham a qualquer
espécie de partido político. A resolução foi para eles uma violenta bofetada.
A natureza radical da decisão acabou complicada pelo processo por
meio do qual ela foi tomada. Os delegados da conferência eram, em sua
maioria, membros do Conselho Geral, havendo uns poucos dispersos:
apenas os belgas afiliados à AIT enviaram uma delegação de fato. Novos
membros do Conselho Geral foram cooptados pelos já existentes; essa foi a
maneira pela qual Engels, logo após sua mudança para Londres, associou-se
ao Conselho, tornando-se seu correspondente para Itália, Espanha e
Portugal. Inúmeros refugiados da Comuna de Paris, para quem Marx se
empenhava em arrecadar dinheiro – as experiências vividas no período de
1849 a 1850 haviam lhe mostrado a ligação entre ajudar refugiados
políticos e recrutar apoio –, também foram cooptados para integrar o
Conselho. O fato de as decisões da conferência serem tomadas em sigilo
contribuíram para a imagem de arbitrariedade e irregularidade dos
procedimentos realizados.7
O que impeliu Marx a dar esse passo radical, fadado a provocar
veemente oposição? Engels, com sua longa experiência em tais manobras
de bastidores, havia inicialmente proposto a ideia de uma conferência em
lugar de um congresso. O receio de Marx quanto à influência de Bakunin e
seus correligionários, empenhados em organizar seções da AIT na região
sul da Europa, não diminuíra. As ações do líder anarquista durante a Guerra
Franco-Prussiana, quando ele apareceu em Lyon, declarou abolido o Estado
e propôs a incineração dos certificados de propriedade, faziam aumentar a
preocupação de Marx com a possibilidade de uma pessoa com tais ideias
assumir o controle da Internacional.8
Um movimento antianarquista não precisaria envolver mudanças
radicais na política. Analisando retrospectivamente os eventos de muitos
anos antes, Engels levantou a hipótese de que, desde o nascimento, a AIT
fora uma mistura de grupos politicamente heterogêneos que tinham o desejo
de trabalhar em conjunto. Porém, os efeitos revolucionários da Comuna de
Paris estimularam “todas as tendências” dentro da AIT a explorar o impacto
daquele levante em benefício próprio, e a trabalhar para modificar a
natureza fundamental da associação. Engels lançou mão de um expediente
oportuno e excluiu da deliberação os “comunistas alemães” (ele e Marx)
que desejavam “continuar trabalhando com base no antigo e abrangente
programa”.9 No entanto, a decisão da Conferência de Londres, que
demonstrava apoio aos partidos dos trabalhadores, colocava-se em total
oposição à política anterior. Na esteira da Comuna de Paris, Marx e Engels
tentavam reformatar radicalmente a AIT. A possibilidade de fracasso de
suas iniciativas, com a consequente dissolução da organização, era um risco
que Marx estava preparado para assumir.
A decisão secreta da Conferência de Londres não se manteve incógnita
por muito tempo: um membro do Conselho Geral, o alfaiate alemão
residente em Londres, Johann Eccarius, não tardou em vazar as
deliberações para a imprensa. Eccarius fora, durante longo período, aliado
de Marx e Engels na Associação Educacional dos Trabalhadores
Comunistas Alemães, em Londres, e os dois intelectuais burgueses haviam,
no decorrer das décadas, garantido a ele ajuda financeira, além de lhe
prestar assistência quando ele esteve doente, e indicá-lo para um cargo
remunerado na AIT e outro, de jornalista. Ao contrário de Marx e Engels,
Eccarius nutria certa simpatia pelos sindicalistas ingleses e pelas relações
destes com o Partido Liberal. Sua postura independente podia ser entendida
como um exemplo de maturidade de uma classe trabalhadora capaz de
escolher as próprias posições políticas, e que não mais se subordinava às
ideias dos intelectuais burgueses. Marx e Engels, como seria possível
imaginar, não compartilhavam da mesma opinião; eles interpretaram as
ações de Eccarius como insulto pessoal e exemplo de uma completa
ingratidão, tendo rompido todo e qualquer contato com ele.10
Mas, uma vez tornada pública a decisão da Conferência de Londres, a
oposição a ela se disseminou por toda a AIT. Grupos de anarquistas, tais
como os membros pró-Bakunin das seções suíças falantes de francês e os
das recém-formadas seções italianas e espanholas, que sofriam a influência
de Bakunin, criticaram as decisões e exigiram que o Conselho Geral fosse
destituído de seus poderes. A Federação da Bélgica, que não estava sujeita
ao controle de Bakunin e seus correligionários, também reivindicou a
realização de um congresso pleno da AIT com o objetivo de revisar as
deliberações da Conferência de Londres.
Todas essas foram iniciativas tomadas pelos países de língua francesa
ou latina, e suas declarações de oposição ao Conselho Geral continham
referências a uma maligna influência prussiana – em outras palavras, a
Marx e Engels, nenhum dos quais, a despeito de sua origem, era exatamente
pró-Prússia. Tais afirmações, somadas à tendência dos afiliados suíços da
AIT a se dividirem em falantes de alemão, favoráveis ao Conselho Geral, e
falantes de francês, contrários às linhas desse conselho, sugeriam que as
tensões nacionalistas provocadas pela Guerra Franco-Prussiana poderiam
contaminar a organização internacional dos trabalhadores. Outros afiliados,
claramente não latinos, entre os quais se encontravam seguidores de
Ferdinand Lassalle, tanto na Alemanha, como no meio dos trabalhadores
alemães em Londres, fizeram coro às críticas levantadas contra as decisões
da Conferência de Londres. Marx e Engels acolheram com prazer a
contradição de um grupo conhecido por apoiar o governo prussiano e
preconizar a ajuda estatal às cooperativas de produtores que trabalhavam
em conjunto com anarquistas opositores do Estado; mas, a satisfação dos
dois não diminuiu a oposição. Os líderes sindicalistas britânicos, aliados de
Marx desde longa data, mostravam-se cada vez mais inclinados a apoiar
essa oposição: muito embora não tivessem nada de anarquistas, eles não
apoiavam os partidos políticos da classe trabalhadora, em virtude de sua
antiga associação com os liberais. A recém-criada Federação Britânica
rapidamente se converteu em um centro de ideias contrárias ao Conselho
Geral.
Poucos meses depois da Conferência de Londres, Marx se viu frente a
uma rebelião total contra a nova direção que ele havia planejado para a
Internacional. Embora mantivesse, junto com seus amigos, o controle do
Conselho Geral, a posição dele nas sociedades afiliadas era bastante incerta,
já que muitos de seus potenciais aliados políticos haviam se desligado: os
sindicalistas britânicos na oposição, e as seções francesas declaradas ilegais
pelo governo conservador que sucedeu à Comuna. Os correligionários
alemães de Liebknecht e Bebel não haviam enviado delegados à
Conferência de Londres, tampouco quitado as mensalidades junto ao
Conselho Geral, nem demonstrado qualquer interesse em futura afiliação à
AIT, o que levou um Marx frustrado a estabelecer correspondência com um
grupo local em Berlim, apenas para ter alguma influência sobre as
condições na Alemanha. Ao contrário da passividade e das deserções dos
antigos partidários de Marx, os seguidores de Bakunin se dedicavam com
afinco à organização de novas seções na Itália e na Espanha.11
Um congresso da Internacional cujo objetivo era decidir o futuro da
organização não poderia ficar sujeito a obstáculos. Os primeiros oito meses
de 1872 testemunharam uma febre de atividades tanto por parte dos
partidários de Marx como dos de Bakunin, no sentido de reunir apoiadores
capazes de garantir o controle no congresso vindouro. Marx atacou
primeiro, com seu polêmico The Purported Schisms in the International [As
supostas cisões na Internacional], oficialmente endossado pelo Conselho
Geral em sua reunião de 5 de março de 1872. Um documento de peso,
arrematado com observações venenosas e discussões sobre escândalos
pessoais, o texto atribuía a Bakunin e seus seguidores a responsabilidade
pela introdução de táticas das sociedades secretas na AIT. O documento
relatava, com certo prazer, a história das relações íntimas de Bakunin com
Netchaiev, o revolucionário russo psicopata. Bakunin e seus
correligionários rebateram acusando Marx de ser um burguês que fumava
cigarros em sua quinta londrina, enquanto os trabalhadores na Europa
lutavam pela própria liberdade. Eles o classificaram de alemão autoritário e
afirmaram que sua facção dentro da AIT era totalmente dirigida por judeus.
Bakunin, em um relato não publicado na época, declarou que Marx era o
homem de frente em uma conspiração internacional dos judeus.12
Depois que as denúncias mútuas definiram o cenário, os dois lados se
voltaram para o controle do congresso por iniciar. Marx estava determinado
a explorar ao máximo a autoridade legal do Conselho Geral, com vistas a
estabelecer a localização do congresso. Genebra foi a escolha inicial;
Johann Philipp Becker, antigo aliado de Marx na cidade, assegurou a ele
que teria condições de reunir um número suficiente de apoiadores dentro da
classe trabalhadora, para derrotar os partidários de Bakunin, tentassem eles
tomar o controle do congresso pela força. Essa não era uma precaução
totalmente absurda, já que, em agosto de 1872, os correligionários de
Bakunin haviam atacado Nikolai Utin, um exilado político russo pró-Marx,
nas ruas de Zurique, golpeando-o quase até a morte. No final, Marx decidiu
que Haia seria a localidade mais indicada, considerando-se sua proximidade
com a Alemanha e o Reino Unido, de onde ele esperava receber delegados
amistosos, e sua distância das terras do Mediterrâneo, base dos apoiadores
de Bakunin. Na reunião de 11 de junho de 1872, o Conselho Geral escolheu
convenientemente a cidade holandesa e definiu a primeira segunda-feira de
setembro como data para convocação do congresso.13
Muito antes de estabelecidos a data e o local, Marx e seus aliados já
estavam firmemente engajados no trabalho, tentando garantir a obtenção da
maioria dos delegados. Itália e Espanha eram os foros mais complicados,
porque a maior parte de suas seções tinha sido fundada havia pouco tempo
pelos anarquistas. Engels, o secretário do Conselho Geral para os dois
países, tinha apenas um conhecimento rudimentar dos idiomas neles
falados. Na correspondência trocada por ele com essas seções revelava-se
nitidamente uma tendência à imputação de acusações difamantes a seus
líderes pró-Bakunin. Marx também contava com representantes pessoais no
sul do Mediterrâneo. Seu genro Paul Lafargue fora forçado a fugir para a
Espanha como forma de se livrar da perseguição do governo francês,
devido a seu apoio à Comuna. Lafargue manobrou habilmente e conseguiu
tirar bons frutos de uma situação desfavorável, reunindo o maior número
possível de apoiadores de seu sogro. Na Itália, Marx dependia de Theodor
Cuno, um jovem engenheiro alemão que trabalhava em Milão, e foi logo
expulso do país pelo governo italiano. Para Cuno, esse foi o começo de uma
odisseia política duradoura, na qual ele acabaria como membro de uma
comuna multirracial de esquerda na Louisiana, durante os anos 1930; mas
sua expulsão da Itália, sessenta anos antes, privou Marx dos meios
necessários para recrutamento de apoio.14
Marx e Engels contavam com outra alternativa para atingir seu
objetivo: levar o Conselho Geral a negar a afiliação das seções italiana e
espanhola sob a alegação de que, além de não pagar suas mensalidades, elas
não haviam respeitado as regras da AIT. Os anarquistas se indignaram com
essa manobra política, mas Marx se defendeu, alegando que tais poderes
haviam sido outorgados ao Conselho Geral pelo Congresso da AIT na
Basileia, em 1869, com o entusiástico apoio de Bakunin e seus
correligionários, como eles pesarosamente reconheceram. É provável que
eles tenham apoiado a proposta porque esperavam assumir o controle do
Conselho Geral e empregá-la em benefício próprio. Ao adotar essa
estratégia, Marx contava com o que hoje chamaríamos de uma disputa de
credenciais, esperando solapar a legitimidade das delegações anarquistas.
Engels admitia a possibilidade de risco nesse movimento, porque os
afiliados alemães da AIT, cujos votos eram fundamentais para Marx,
também não haviam quitado suas mensalidades.15
Marx se empenhava em cultivar o apoio dos refugiados franceses da
Comuna de Paris que residiam em Londres, a maioria dos quais seguia as
ideias de Louis-Auguste Blanqui, veterano revolucionário francês e
entusiasta das sociedades secretas: condição distante do ideal para a causa
de Marx, porém, de qualquer modo, contra Bakunin. Os afiliados da AIT
nos Estados Unidos também foram alvo dos apelos de Marx: “Esse
congresso decidirá a vida ou a morte da Internacional”, ele escreveu para
Friedrich Adolph Sorge, companheiro revolucionário de 1848, que vivia
então em Hoboken, Nova Jersey. “Você e pelo menos mais um, ou dois,
precisam comparecer”. As seções impossibilitadas de enviar delegados
deviam, em vez disso, mandar representantes nomeados por procuração, de
forma a garantir os votos em Marx e seus amigos. Como a participação no
congresso, mesmo para os potenciais delegados oriundos dos países
europeus, muito mais próximos de Haia do que Nova Jersey, era sempre um
enorme problema financeiro, Marx propôs que grupos de afiliados
amistosos outorgassem procurações a ele e seus aliados. Engels patrocinou,
com recursos próprios, os custos de viagem dos delegados da Inglaterra
simpatizantes de Marx.16
No final do verão de 1872, crescia a percepção de que Marx havia
derrotado Bakunin estrategicamente. Os anarquistas jogavam com duas
alternativas: boicotar por completo o Congresso de Haia em favor de um
encontro próprio a ser realizado em Neuchâtel, ou marcar presença na
Holanda, sendo derrotados em número de votos e partindo, em seguida,
para a Suíça. A despeito dos presságios favoráveis, Marx estava
determinado a não deixar espaço para o acaso. Ele participou pessoalmente
do Congresso, munido de quatro votos: um, na qualidade de delegado do
Conselho Geral, e os demais, por meio de procurações das seções de Nova
York, Leipzig e Mainz. Engels o acompanhou, a exemplo de Jenny, que
assistiu às sessões do Congresso, sentada ao lado da filha Laura. Era a
primeira vez que Marx participava de um congresso da AIT; ele se recusara
veementemente a tomar parte de congressos dos partidos trabalhistas
alemães, embora recebesse convites tanto dos seguidores de Lassalle como
dos de Bebel e Liebknecht. O Congresso da AIT realizado em Haia, em
setembro de 1872, foi a única vez em que Marx deixou a Inglaterra para
participar de uma reunião política desde que lá chegara em 1849, como
refugiado – uma clara indicação da grande importância que ele atribuía ao
encontro.17
O próprio Congresso foi um grande espetáculo. Jornalistas, que
cobriam os trabalhos, aglomeravam-se nas galerias dos espectadores. Os
delegados da AIT vacilavam entre a satisfação pela atenção do público e a
suspeita de que os homens da imprensa cumprissem o papel de espiões da
burguesia. O governo holandês, temendo que a concentração de
revolucionários pudesse gerar perturbação da ordem pública, posicionou
soldados praticamente em todas as esquinas da capital. Apesar desses
cuidados, não houve uma nova edição da Comuna. Tudo ocorreu na mais
perfeita ordem, como se poderia esperar de um evento na Holanda. Os
delegados foram acompanhados em toda parte por multidões de
espectadores. Como Haia tinha a reputação de ser uma cidade muito
conservadora e religiosa, não surpreende o fato de algumas pessoas terem
sido abertamente hostis; outras, apenas manifestaram curiosidade; e, para
espanto dos delegados, algumas se mostraram bastante amigáveis, e
cantavam a Marselhesa.18
Os correligionários de Marx realizaram convenções antes e depois das
sessões, no Hotel Picot; os de Bakunin, na falta de seu líder, que não
compareceu ao Congresso, reuniram-se no Café Nacional. Logo nas
primeiras sessões, nos dias 2 e 3 de setembro, as disputas de credenciais
penderam para o lado de Marx, muito embora os anarquistas estivessem
“correndo desenfreadamente de um lado a outro, gritando e esbravejando
por interrupções [...] Um deles, Cyrille, apresentando-se com chapéu sobre
a cabeça diante do presidente, gesticulava dramaticamente e, gritando como
se suas veias fossem estourar, precipitou-se para fora”. Thomas
Mottershead, um líder sindicalista inglês dedicado ao ofício de tecelão da
seda, que fora durante longo tempo aliado de Marx no Conselho Geral, e
havia pouco tempo rompera a relação com ele, acusou um dos delegados
contestados, o jornalista Maltman Barry, de não ser “um líder reconhecido
dos trabalhadores ingleses”. Como Mottershead manteve-se bêbado no
decorrer de todo o Congresso, é possível imaginar que estivesse
cambaleante ao fazer tal denúncia. Marx retrucou, sem perda de tempo,
considerando essa acusação uma honra, “pois quase todos os líderes
reconhecidos dos trabalhadores ingleses estavam vendidos para Gladstone,
Morley, Dilke [isto é, os líderes do Partido Liberal], e outros”.
O insulto declarado de Marx a seus antigos aliados da AIT foi uma
ação radical, mas, também uma evidência de que ele tinha o encontro sob
controle. Seus candidatos às cadeiras do Congresso superaram com folga os
dos seguidores de Bakunin. A votação das questões críticas – reafirmação
do direito do Conselho Geral para suspender a inscrição das sociedades
afiliadas, condenação da Aliança Internacional da Democracia Social, de
Bakunin, e expulsão dos quadros da AIT, deste e de seu auxiliar direto, o
anarquista suíço James Guillaume – garantiu a Marx uma vitória por larga
margem de votos.19
Então, em 7 de setembro, penúltimo dia do Congresso, Marx provocou
uma comoção geral. Engels se levantou e propôs a mudança da sede do
Conselho Geral para Nova York. Os delegados permaneceram em atônito
silêncio: “Algum tempo se passou antes que alguém conseguisse levantar e
tomar a palavra. Foi um coup d’état, e cada um olhava para seu vizinho,
buscando romper o encanto”. Esse relato de jornal, escrito por Maltman
Barry, um delegado pró-Marx, traduz muito bem a enorme surpresa causada
pela aparente incongruência da proposição de Marx no sentido de transferir
a autoridade central da AIT para o outro lado do Atlântico. Tal mudança a
colocaria a grande distância das ações do grupo e de suas afiliadas
europeias, especialmente depois de Marx ter derrotado os oponentes
anarquistas e reafirmado o papel de liderança do Conselho Central dentro
da AIT. A transferência do Conselho Geral para longe de Londres foi
aprovada por uma estreita margem de 26 votos a favor e 23 contra, com
nove abstenções. Em uma segunda votação, trinta eleitores escolheram
Nova York como nova sede do Conselho Geral, contra 14 votos a favor de
Londres e 13 abstenções.20
Críticos, como Accarius, consideraram a mudança uma impostura: “a
caixa central da Internacional estará pendurada em um hotel do 10° distrito
em Nova York, e [...] o centro das ações, [na casa de Marx] em Maitland
Park, Haverstock Hill [...]”. Ele, de fato, estava certo. Marx e Engels
enviaram instruções detalhadas a Friedrich Adolf Sorge, a principal figura
do Conselho Geral de Nova York, sobre as resoluções que deveriam ser
aprovadas. Eles se recusaram a lhe encaminhar os registros necessários para
o funcionamento do Conselho Geral; o envio de tais documentos, de acordo
com Engels, não passava de mera “formalidade”.21
Reconhecidamente, o Conselho Geral de Nova York não tinha muitas
atividades a realizar. As federações belga, espanhola, inglesa e italiana,
assim como a suíça de língua francesa, não aceitaram se corresponder com
ele. Alguns desses grupos permaneceram dentro da AIT, enquanto outros se
juntaram à organização de Bakunin. O governo francês proibira o
funcionamento da Internacional e prendera os delegados que compareceram
a uma reunião dos afiliados franceses realizada na cidade de Toulouse, no
sul do país. Os correligionários de Lassalle atuavam contra a AIT dentro do
movimento trabalhista alemão e entre os trabalhadores alemães de Londres.
Nem a AIT oficial, sediada em Nova York, como tampouco os diversos
grupos locais e nacionais que rejeitavam a autoridade do Conselho Geral de
Nova York, e a contraorganização de Bakunin, permaneceram em atividade
por mais de uns poucos anos. No final da década de 1870, todos os
remanescentes da AIT já haviam sido extintos.22
A transferência do Conselho Geral para Nova York não foi uma
decisão irrefletida. Já no final dos anos 1860, Marx flertava com a ideia de
transladá-lo para fora de Londres. Nos dias que antecederam ao Congresso
de Haia, ele não escondia seus planos de renunciar ao cargo no Conselho
Geral e se dedicar à finalização de seu tratado de economia. Marx via a si
mesmo como uma figura central na AIT, um ponto de vista partilhado por
seus contemporâneos: tanto os favoráveis a ele como os opositores. Sem
sua orientação, ele temia que a organização pudesse cair nas mãos dos
defensores da política de sociedades secretas que ele desprezava; portanto, a
planejada renúncia devia ser acompanhada do desmantelamento, ou ao
menos, da minimização da importância da Internacional. Muito embora em
público ele negasse reiteradamente essa interpretação, as intenções de Marx
estavam bastante evidentes para os observadores no Congresso, e ele
próprio chegou a reconhecê-las em conversas privadas com um refugiado
da Comuna de Paris, que atuava como espião na polícia francesa.
Os historiadores costumam comparar essa decisão com outra, tomada
por Marx em 1850, quando ele despachou a Autoridade Central da Liga
Comunista de Londres para Colônia; também esse um movimento que
levou à morte da organização. Ele tomara tal atitude porque seus oponentes,
comandados por Willich e Schapper, haviam conquistado o controle da Liga
Comunista em Londres. Por outro lado, Marx obteve êxito em manter o
controle da AIT no Congresso de Haia, em 1872, embora,
reconhecidamente, tenha lançado mão de maquinações questionáveis para
tal fim, estabelecendo uma aliança com os blanquistas franceses, um grupo
de apoiadores das sociedades secretas, cujas ideias a respeito de política
eram fundamentalmente opostas às dele. A transferência do Conselho Geral
para Nova York, de acordo com essa linha de raciocínio, foi um golpe
preventivo, com o propósito de extinguir a AIT enquanto ela ainda se
encontrava sob o comando de Marx, impedindo desse modo, que os
anarquistas, que se organizavam ousadamente no sul da Europa, e os
revolucionários blanquistas das sociedades secretas, tomassem o controle.23
Esse ponto de vista explica muita coisa; porém, é incompleto em
alguns aspectos, como demonstra o relacionamento de Marx e Engels com a
AIT após a transferência do Conselho Geral para Nova York. Eles
mantiveram os esforços no sentido de levar a organização a tomar decisões,
continuaram a se corresponder com as poucas seções leais e, até mesmo,
prepararam a participação em um congresso da AIT planejado para 1873
em Genebra – pelo menos até se tornar evidente que os únicos participantes
seriam grupos da Suíça, e desse modo, o Congresso não seria em hipótese
alguma internacional. Por que, então, todo esse empenho, se o objetivo da
transferência para Nova York era a extinção da AIT?
Uma resposta pode ser encontrada na carta de Engels para Sorge, na
qual ele se recusa a enviar os documentos do Conselho Geral. Esses
documentos, de acordo com ele, “são absolutamente indispensáveis na
batalha contra os dissidentes [isto é, os correligionários de Bakunin]; para
embasar as respostas às mentiras e às difamações propaladas por eles”.
Depois do Congresso de Haia, Marx trabalhou com afinco na elaboração de
um longo panfleto, oficialmente patrocinado pelo Congresso, no qual ele
detalhava o relacionamento da Aliança Internacional da Democracia Social,
de Bakunin, com a AIT. O trabalho acabou se transformando em um ataque
fulminante contra Bakunin, contendo descrições com detalhes chocantes da
conexão dele com Netchaiev, de suas ideias pan-eslavistas e de sua
associação secreta com o czar.
Marx, pensando em termos da Europa depois do final da Guerra
Franco-Prussiana e da extinção da Comuna de Paris, visualizava o princípio
de uma nova era de reação, semelhante à que havia tomado de assalto o
continente na década de 1850. A AIT não teria condições de atuar
efetivamente, de modo análogo ao que sucedera aos revolucionários de
1848 nos dez anos subsequentes. Ele escreveu a Sorge no final de setembro
de 1873, dizendo que nessas circunstâncias, “torna-se bastante profícuo que
a organização formal da Internacional se retire para os bastidores nesse
momento [...] de forma que nenhum idiota [...] ou aventureiro [...] tome a
liderança e comprometa a causa”. Marx e Engels se mantiveram fiéis a esse
ponto de vista durante toda a década de 1870 e nos primórdios da de 1880;
eles sempre consideraram que qualquer restauração da Internacional dentro
das condições políticas prevalentes seria não apenas inoportuna como
provavelmente se traduziria em mais prejuízos do que benefícios.24
Desde a extinção da Comuna de Paris, e no decorrer dos três anos
posteriores, as políticas de Marx tiveram como alvo a criação de um legado:
a identificação da Comuna com suas ideias acerca de uma revolução
comunista; o estabelecimento de um elo entre a AIT e a Comuna; e o
alinhamento da Internacional com sua versão de política revolucionária da
classe trabalhadora. Marx tinha em mente que tal linha política poderia
conduzir à eliminação da AIT; entretanto, ele via na própria imagem do
grupo seu principal valor para futuros revolucionários, e não nas
possibilidades cada vez mais comprometidas de ação junto aos então
existentes. Essa postura condizia com o comportamento de um homem para
quem a idade avançada e a saúde debilitada tornavam gradativamente mais
difícil o cumprimento de todas as desgastantes tarefas no âmbito político e
intelectual. Os projetos públicos e os interesses na esfera privada
convergiam para uma tácita admissão de que a revolução comunista que
Marx planejara, e pela qual lutara no decorrer das três décadas precedentes,
não iria acontecer ainda durante sua vida. A exemplo da organização para
cuja criação e cujo desmantelamento sua participação foi decisiva, o valor
da vida e da obra de Marx estaria em seu legado para o futuro.

NO FINAL DE junho de 1872, Jenny Marx descreveu as pressões de


tempo que seu pai sofreu enquanto se preparava para o Congresso da AIT
em Haia. Uma reunião especial (além dos demorados encontros regulares)
do Conselho Geral se estendeu desde as quatro horas da tarde até uma da
manhã. Nos momentos em que estava livre dos afazeres da AIT, ele se
dedicava à análise das provas para a segunda edição alemã de O capital e à
revisão da tradução para a edição francesa. Mesmo depois do encontro na
Holanda, e da transferência do Conselho Geral para Nova York, Marx ainda
se via bastante ocupado, envolvido com as denúncias contra Bakunin e os
anarquistas, e com o trabalho da edição francesa de O capital.25
Sua saúde se deteriorava a olhos vistos. Ele sofria com uma insônia
permanente; no período do Congresso de Haia, praticamente não dormiu.
Para Adolf Hepner, um delegado alemão presente ao Congresso, a
fisionomia envelhecida de Marx fazia-o parecer bem mais velho do que
Engels. Terminado o Congresso, novos sintomas começaram a surgir:
persistentes episódios de vertigem e frequentes dores de cabeça terríveis.
Wilhelm Wolff apresentara sintomas semelhantes antes de sofrer um
derrame fatal, em 1864, e Engels temia que o mesmo destino estivesse
reservado para Marx. As queixas que ele manifestava são uma evidência
clínica de um avançado quadro de hipertensão, e, portanto, as suspeitas de
Engels provavelmente tinham fundamento. Marx acabou cedendo à
insistência de Engels e consultando um antigo médico do amigo em
Manchester, Eduard Gumpert, por cujo conhecimento da medicina guardava
profundo respeito. De acordo com as ordens do doutor, Marx poderia
escrever no máximo quatro horas por dia. Para plena recuperação de sua
saúde, ele precisaria passar uma temporada longa em uma estação
balneária, bebendo a água mineral da localidade; um tratamento médico do
século XIX, muito popular entre os indivíduos de classe média e alta.26
Marx seguiu as recomendações, contando, como de costume, com a
ajuda financeira de Engels. Em setembro de 1874, ele viajou para Karlsbad,
na província austríaca da Boêmia, hoje Karlovy Vary, na República Checa,
em companhia de Eleanor, que também estava enfrentando problemas de
saúde. Marx viajou quase incógnito, para evitar chamar a atenção das
autoridades austríacas. Em vez de se registrar no hotel como Dr. Karl Marx,
o que lhe teria garantido um desconto no valor da diária cobrada dos
hóspedes, ele optou por fazê-lo como Charles Marx, rentista de Londres. O
valor terapêutico das águas termais sulfurosas da estância balneária pode
ser questionável, contudo, o repouso prolongado, complementado por
longas caminhadas diárias na cidade e através dos bosques e das colinas
circundantes proporcionaram um distanciamento benéfico das controvérsias
políticas e das extensas noites dedicadas à escrita, em Londres, sem falar do
ar desta cidade, asfixiante e carregado de poeira de carvão. Marx retornou
para Karlsbad em 1875 e chegou de volta em Londres “completamente
mudado [...] forte, revigorado, animado e saudável”, conforme palavras de
Engels. A viagem se repetiu em 1876. Em 1877, acompanhado por sua
esposa e pela filha Eleanor, Marx escolheu uma estância balneária menor,
Bad Neuenahr, na Renânia.27

A DESPEITO DA acentuada melhora de sua saúde, Marx não retomou o


ativismo político e os imensos esforços intelectuais de sua antiga vida,
assumindo mais o papel de conselheiro e observador. Suas sugestões
deixavam entrever não apenas novos elementos da visão de mundo que
caracterizou o último período de sua vida, como também, a permanência de
seu pensamento político e de suas ideias sobre o futuro. As evidências sobre
as ideias de Marx nessa época são mais escassas do que nas fases
anteriores, porque, ao contrário das décadas de 1850 e 1860, ele já não
estava engajado em disputas políticas, nem se dedicava regularmente ao
jornalismo. Engels vivia em Londres, a apenas alguns passos de distância;
desse modo, a extensa correspondência trocada por eles, uma rica fonte de
consulta sobre as opiniões de Marx, foi substituída por conversas diárias no
escritório deste último ou, quando o tempo colaborava, em caminhadas pela
Hampstead Heath.
Havia algumas questões pelas quais Marx nutria profundo interesse e,
em relação a elas, existe uma profusão de evidências. Uma delas era a
perspectiva de nova guerra entre as grandes potências – uma possibilidade
que rondou o continente a partir do fim da Guerra Franco-Prussiana, em
1871, muito embora tenha levado 43 anos até finalmente eclodir. Durante a
Revolução de 1848 e nas duas décadas seguintes, Marx mostrou uma
postura belicosa, e encarava uma grande guerra na Europa como um
estímulo à revolução e um processo necessário para radicalização das
revoluções. Nos anos 1870, ele se tornou mais cético quanto a essa
perspectiva, temendo que uma guerra nesses moldes tivesse consequências
políticas reacionárias, “uma inútil exaustão das forças em um período mais
longo ou mais curto”, era como ele definia a situação. Engels era mais
radical e declarou que uma guerra como essa “seria nosso maior infortúnio;
ela poderia atrasar por vinte anos o movimento [socialista na Alemanha]”.28
A Rússia, desde longa data a ovelha negra para Marx, apresentava-se a
ele como exceção às suas dúvidas. Da mesma forma que a Guerra da
Crimeia, de 1853 a 1856, contrapondo as potências ocidentais à Rússia em
nome do futuro do Império Otomano, fora o mais importante evento
político da era reacionária, uma nova guerra pelo destino do Império
Otomano na Europa no final dos anos 1870 despertou o interesse de Marx.
Essa guerra começou com levantes do povo eslavo dos Balcãs contra o
domínio particularmente violento e surpreendente dos turcos na Bulgária
Otomana. A esquerda europeia em geral, e os veteranos da Revolução de
1848 em particular, entusiasmaram-se com a revolta búlgara de 1877, que
representava o primeiro movimento de sublevação no continente depois da
extinção da Comuna de Paris.
Já Marx não manifestou o mesmo entusiasmo. Ele e Engels viam os
insurgentes dos Balcãs, contrários ao domínio otomano, como instrumentos
do movimento pan-eslavo que desejava expandir a influência russa. Esse
posicionamento ganhou ímpeto quando o czar declarou guerra ao sultão e
enviou seus exércitos para os Balcãs, com o objetivo de libertar os cristãos
do domínio muçulmano e depois tomar Constantinopla, a capital otomana.
Essa Guerra Russo-Turca desencadeou uma acirrada disputa na política
inglesa. Os liberais, liderados por William Gladstone, assumiram uma
posição nitidamente anti-Turquia e passaram divulgar os massacres de
milhares de cristãos pelos soldados islâmicos que tentavam suprimir a
insurreição – os “horrores búlgaros”, em linguagem contemporânea. Contra
eles se levantaram os conservadores terminantemente contrários à Rússia, e
seu veterano líder Benjamin Disraeli, que salientava de forma ofensiva o
ódio nacionalista. Os esforços dos membros do partido Tory no sentido de
ganhar o apoio popular para seus planos gerou a expressão “jingoísmo”.29
A exemplo do que ocorrera durante a Guerra da Crimeia, Marx
assumiu uma postura veementemente contrária à Rússia. Entretanto,
passado um quarto de século, ele não mais contava com suas plataformas
públicas dos anos 1850: o New York Tribune e os jornais, os panfletos, e os
encontros públicos dos seguidores de David Urquhart, falecido em 1877.
Mas Marx ainda possuía outros meios para exercer sua influência. Ele tinha
condições de transmitir informações para Keyes O’Cleary, nacionalista
irlandês membro do parlamento, determinado a sabotar os liberais.
O’Cleary tomou a palavra na Câmara dos Comuns e perguntou a Gladstone,
que exigia do Império Otomano a realização de reformas, por que ele não
fazia a mesma exigência ao Império Russo – e depois apresentou uma lista
detalhada de perversidades existentes no reino do czar, lista esta que Marx
recebera dos refugiados políticos russos. Marx informou a seus
correligionários na Alemanha que a “imprensa da classe trabalhadora não
está dando atenção suficiente à Questão do Oriente”; ele forneceu a
Wilhelm Liebknecht um conjunto de tópicos que lhe garantiram o
embasamento necessário para, durante o debate no parlamento, atacar as
atitudes de Bismarck que Marx via como uma inclinação pró-Rússia
perniciosa à política alemã.30
A conduta de Marx no tocante às políticas britânicas da década de
1870 guardava muitas semelhanças com aquela de vinte anos antes. Muito
embora não acusasse Gladstone de estar a serviço do czar, ele desprezava os
liberais e os classificava de lacaios da Rússia, gente que “grita e brada pela
glória do Czar, libertador dos povos [oprimidos]”. Por outro lado, ele nutria
grande admiração pela postura de Disraeli contra o Império Russo, e só
lamentava que os nobres conservadores do gabinete de Disraeli assumissem
uma posição pró-czar, e não lhe permitissem o pleno exercício de seus
talentos. Marx se enfureceu quando Thomas Burt, um trabalhador, membro
do parlamento e integrante do Partido Liberal, votou desfavoravelmente à
dotação militar proposta por Disraeli e destinada à preparação das ações
contra os russos. Marx se surpreendeu com o fato de um “representante
direto dos mineiros, e ele próprio um trabalhador das minas” ser capaz de
“deixar seu exército em apuros”, enquanto burgueses esquerdistas, tais
como John Bright, criticado por Marx nos anos 1850 por carecer de espírito
marcial, abstiveram-se de dar um voto antimilitar, abandonando às pressas a
Câmara dos Comuns.31
Inspirado pelas opiniões dos grupos organizados, sobre a guerra com a
Rússia, Marx assumiu uma atitude mais francamente pró-conservadores.
Ele era um veemente apoiador do nacionalismo irlandês e inimigo visceral
do domínio senhorial inglês na Irlanda, duas questões sobre as quais os
conservadores tinham posições absolutamente contrárias. Não obstante, ele
criticou os esforços de Gladstone no sentido de melhorar a condição dos
arrendatários de terra irlandeses e firmar um compromisso com os
nacionalistas da Irlanda, classificando-os de tímidos, na melhor das
hipóteses, e completamente fraudulentos, na pior. Os dois principais
contatos britânicos de Marx durante seus últimos anos de vida, o jornalista
Maltman Barry e o extravagante intelectual Henry Hyndman, mantinham
estreitas relações com os membros do Tory. Um dos últimos comentários de
Marx a respeito da política britânica, registrado em uma carta para sua filha
Jenny, datada de abril de 1881, menos de dois anos antes de sua morte,
cobria de elogios os brilhantes oradores conservadores do parlamento, entre
os quais Lord Randolph Churchill, cujo filho Winston tinha na época sete
anos de idade. O futuro anticomunista radical ficaria, sem dúvida alguma,
surpreendido, tivesse ele sabido da admiração do patriarca comunista por
seu pai.32
A inclinação de Marx pelo partido Tory já se manifestara na década de
1850, mas ela se acentuou quando da recusa dos sindicalistas britânicos da
AIT em abandonar os liberais por um partido dos trabalhadores. A postura
de Marx contra a Rússia, nos anos 1870, também refletia as posições por ele
assumidas desde longa data, mas evidenciava uma nova quinada, seu
crescente entusiasmo com a perspectiva de revolução naquele país.
Estimulado pelo crescimento da oposição ao regime do czar e pelos
próprios contatos pessoais com radicais russos, Marx esperava que uma
derrota militar na Guerra Russo-Turca de 1878 ou uma retirada humilhante
diante da oposição das outras grandes potências conduzisse a um estado de
comoção no reino do czar. Mesmo depois do final da guerra e da solução da
consequente crise diplomática – que, na verdade, levou a um recuo
desonroso da Rússia, em decorrência das políticas de Disraeli –, Marx
continuava a vislumbrar uma revolução russa no horizonte.
Essas revoluções viriam a acontecer na Rússia como consequência de
derrotas de guerra: para os japoneses em 1905 e para a Alemanha em 1917;
a última delas terminando com a tomada do poder pelos bolcheviques, um
partido político que apoiava as ideias de Marx. A revolução que ele
esperava ocorrer por volta de 1880 era diferente; uma reprodução, no reino
do czar, daquilo que sucedera na França um século antes. De acordo com
Engels, o que ele e Marx esperavam na Rússia era, “Em primeiro lugar, da
corte transparente e constitucional; mas isso é 1789 diante de 1793”. Marx
nutria grande expectativa quanto a uma ampla ramificação europeia de uma
revolução na Rússia. “Dessa vez a revolução começa no leste”, escreveu ele
entusiasticamente para Friedrich Sorge, em outubro de 1877, “o até aqui
intacto reduto e exército de reserva da contrarrevolução”. As consequências
de uma revolução russa ficariam particularmente evidentes na Europa
central: “Derrota da Rússia, revolução na Rússia – a sentença de morte da
Prússia”. Neste ponto, Marx ainda considerava as políticas dos anos 1850,
ocasião em que o reino da Prússia, a menor e militarmente mais frágil entre
as grandes potências, dependia do czar, cuja derrota na Guerra da Crimeia
anunciara o começo do fim da era da reação. Depois da vitória da Prússia
sobre a França, no período 1870-71, e da subsequente fusão de todos os
Estados alemães em um Império Germânico, poderoso no âmbito militar e
diplomático, e dominado pelos prussianos, os autoritários governantes
alemães, como Bismarck, não mais careciam do apadrinhamento do czar.
No mínimo, o outro lado da moeda.33
A opinião de Marx a respeito dos últimos desdobramentos econômicos
também refletia a influência dos anos 1850, em especial seu
desapontamento com as consequências da recessão global de 1857. A
década de 1870 testemunhou o ressurgimento de crises econômicas em
larga escala em toda a Europa e na América do Norte: colapso da bolsa de
valores, seguido por uma grave e profunda recessão, com explosão do nível
de desemprego e crescente inquietação dos trabalhadores, tal como as
greves ferroviárias e os motins promovidos por desempregados, que
atingiram todo o território dos Estados Unidos em 1877, e que Marx
observou com grande interesse. Essas ocorrências de acentuada retração
econômica foram o prelúdio de um período de vinte a 25 anos marcado por
recessões frequentes e mais graves, pela deflação dos preços e pela redução
do ritmo de crescimento da economia, o que economistas e historiadores
costumavam denominar (o termo saiu de moda em anos mais recentes) a
Grande Depressão do século XIX.34
Surpreendentemente, Marx não considerava essa sequência de crises
econômicas a crise do capitalismo que ele havia profetizado com tanta
frequência. Ao contrário, ele as via como crises “parciais”, das quais o
episódio final ainda residia em um futuro distante, possivelmente depois do
fim de sua vida. Marx esperava mesmo que a crise econômica dos anos
1870 não fosse tão grave, porque temia que uma crise “prematura”
garantisse ao capitalismo uma nova perspectiva. Em vez disso, ele
concentrou sua atenção nos efeitos da deflação para a agricultura. A queda
dos preços agrícolas, de acordo com Marx, conduziria a um acirramento das
lutas de classe entre latifundiários, arrendatários capitalistas da terra e
trabalhadores agrícolas na Grã-Bretanha, solapando o pilar fundamental da
sociedade e da política locais. Esse foco na sociedade agrícola britânica e
seu lugar dentro de uma potencial sublevação do mundo capitalista Marx já
havia adotado nos anos de maior prosperidade do final da década de 1860.35
O difícil ambiente econômico do último quarto do século XIX estava
em sintonia com uma grande expansão dos impérios coloniais, além de tê-la
estimulado. Os anos 1880 testemunharam a “competição renhida pela
África”, conforme afirmações de contemporâneos. Discípulos mais recentes
de Marx, incluindo Lenin, Rosa Luxemburgo e Karl Kautsky, viriam a
colocar o imperialismo no centro de suas análises do capitalismo; porém, o
próprio Marx, a exemplo do que ocorrera com seus escritos sobre
imperialismo nos anos 1850, não distinguia essa conexão. Ele viveu para
ver a ocupação britânica do Egito (na época, uma província autônoma do
Império Otomano), em 1882, um dos primeiros passos na disputa pela
África. O último comentário de Marx sobre assuntos públicos, registrado
em uma carta que ele endereçou a Eleanor apenas dois meses antes de sua
morte, dizia respeito a esse movimento imperialista. Ignorando as questões
financeiras, tais como o dinheiro devido pelo governo egípcio aos
estrangeiros detentores de títulos, os problemas econômicos e estratégicos
relacionados ao Canal de Suez, ou mesmo a ideia de um grande Império
Britânico na África – que ele descreveu, sarcasticamente, como devaneios
–, Marx concentrou sua atenção na Rússia. Ele afirmava que não havia
interesses da Grã-Bretanha envolvidos: a política do governo liberal de
Gladstone era “apenas o instrumento de outros astutos maquinadores não
britânicos”, os russos, para quem a ocupação britânica do Egito justificaria
a tomada, por eles russos, de outra província otomana, a Armênia. Essa
avaliação, da qual Engels partilhava, era parte de uma antiga suspeita de
Marx em relação à política russa e da acusação, igualmente antiga, que ele
dirigia ao Partido Liberal, entendido como objeto a serviço do czar;
contudo, diferia bastante da interpretação dada pelos futuros marxistas aos
empreendimentos de risco imperialistas.36

ATÉ POUCO TEMPO antes de sua morte, Marx continuava envolvido


com os movimentos revolucionários então em andamento, e com os
nascentes partidos socialistas do continente. Suas relações com os
socialistas alemães, franceses e russos revelam a forma como ele assimilou
as experiências políticas de toda a sua vida – ancoradas, mais do que
qualquer coisa, pelas revoluções de 1848-1849 – e as aplicou às condições
políticas que surgiram na Europa nos últimos 25 anos do século XIX.
A mais importante e expressiva dessas iniciativas políticas envolveu os
socialistas alemães. Marx e Engels se diziam internacionalistas; segundo
afirmação do próprio Engels, ele e Marx eram “representantes do
socialismo internacional”, que “pertencem ao partido alemão pouco mais do
que ao francês, o americano ou o russo [...]”. Apesar de todo seu
internacionalismo, eles não tinham como negar uma conexão pessoal com o
movimento trabalhista alemão: “Nós apreciamos todas as vitórias
conquistadas na Alemanha, tanto quanto em outros lugares, e até mais,
porque o partido alemão se desenvolveu desde seus primórdios em
subordinação a nossas posições teóricas”.37
A criação de um Estado-nação alemão em 1871, reunindo em um
Império Germânico federalista a Prússia e antigos reinos antiprussianos, tais
como a Saxônia e a Bavária, eliminou qualquer justificativa para a
existência independente dos lassalleanos pró-Prússia da Associação Geral
dos Trabalhadores Alemães e do antiprussiano Partido Social Democrata
Trabalhista, comandado por Liebknecht e Bebel. A intensificação das
perseguições aos dois partidos socialistas, promovidas pelas autoridades do
governo alemão, que já não os viam como instrumentos da política de
unificação nacional, fazia a ideia de uma fusão parecer cada vez mais
plausível; uma ideia veementemente endossada pelo íntimo aliado de Marx,
Wilhelm Liebknecht.
Representantes dos dois grupos se reuniram e estabeleceram um
programa comum destinado a ser o precursor do congresso da unidade, que
se realizaria na cidade turíngia de Gotha, no final de maio de 1875. Marx e
Engels só ficaram sabendo dessa decisão, tomada sem qualquer
participação deles, através dos jornais. Era bastante desagradável o fato de
seus seguidores apoiarem uma ligação com os correligionários de Lassalle,
em termos que Marx e Engels consideravam favoráveis a este último, e
fazê-lo respaldados em um “programa [...] pernicioso e desmoralizante,
conveniente apenas para a canonização dos objetos de fé de Lassalle” –,
algo insuportável. Depois de uma minuciosa discussão com Engels, Marx
redigiu extensas críticas e as enviou à Alemanha, para circularem entre as
lideranças do partido. A análise crítica foi acompanhada de um ultimato: se
o congresso da fusão tivesse seguimento, nas bases do programa
esquematizado, “Engels e eu publicaremos uma breve declaração,
informando que nos distanciaremos desse programa e que não temos nada a
ver com ele”.38
As críticas de Marx, “Notas marginais sobre o programa do partido dos
trabalhadores alemães” e “Crítica do programa de Gotha”, como são
conhecidas agora, apresentavam uma violenta condenação dos elementos
constituintes das ideias de Lassalle contidas na minuta do documento. Por
estranho que pareça, um dos principais aspectos da cólera de Marx
guardava grande semelhança com o Manifesto comunista: as afirmações
existentes no programa, de que os meios de produção constituíam um
“monopólio da classe capitalista” e que, comparadas com a dos
trabalhadores, as outras classes formavam “uma massa reacionária”. O
próprio pensamento de Marx sofrera mudanças no quarto de século desde o
lançamento do Manifesto, e ele passou a reconhecer a importância cada vez
maior da classe de latifundiários para a sociedade capitalista. Em sua
crítica, ele observava que “na Inglaterra, o capitalista quase sempre não é
nem mesmo o proprietário das terras nas quais sua fábrica se localiza”. Essa
censura contundente, no entanto, continha também um aspecto político.
Marx entendia que o programa proposto dava continuidade aos esforços de
Lassalle por uma “aliança política com os inimigos feudais e absolutistas da
burguesia”, sua tentativa de afagar Bismarck e o autoritário governo
prussiano.
O aval do programa à oposição de Lassalle aos sindicatos e seu apoio
às cooperativas de produtores financiadas pelo Estado, eram também
abomináveis para Marx. Os sindicatos representavam os meios através dos
quais os trabalhadores tinham condições de confiscar aos capitalistas parte
do valor excedente que haviam produzido para esses mesmos capitalistas.
As dúvidas de Marx no tocante às cooperativas seriam ainda maiores caso
fossem essas cooperativas patrocinadas pelo regime autoritário de
Bismarck. A repulsa de Marx em relação ao governante estava intimamente
associada ao ataque à rejeição do internacionalismo expressa pelo Programa
de Gotha, rejeição esta traduzida na insistência de que a classe trabalhadora
deveria lutar por sua libertação “dentro do contexto do Estado-nação
contemporâneo”. Tendo partido do homem que acabara de dissolver a AIT e
opunha forte resistência à sua restauração, isso pode soar estranho, mas
Marx entendia a declaração como mais uma concessão a Bismarck, que
havia submetido o nacionalismo a seu controle político.
Embora a crítica tratasse acima de tudo dos elementos lassalleanos
contidos no Programa de Gotha, Marx em hipótese alguma poupou as ideias
de seus próprios seguidores, Bebel e Liebknecht. Ele tinha pouca coisa
positiva a dizer sobre as demandas políticas do programa: o “estado livre” –
circunlóquio para uma república democrática, uma exigência que não podia
ser legalmente expressa na Alemanha de Bismarck – era “nada, exceto a
ladainha democrática universalmente conhecida, o sufrágio universal, a
legislação direta [por iniciativa popular], as liberdades civis, a milícia
popular etc. Simples eco do burguês Partido do Povo [...]”. Marx estava
insatisfeito com a preconização de uma educação pública livre, igual e
financiada pelo Estado, o que ele entendia ser mais uma concessão ao
autoritarismo. E as demandas por liberdade acadêmica e liberdade de
consciência não passavam de “velhos bordões do liberalismo” e, mesmo da
constituição prussiana –, não exatamente matéria para o programa de um
partido trabalhista revolucionário.
A “Crítica do programa de Gotha” foi a última em uma série de
afirmações da estratégia revolucionária de Marx, série esta iniciada três
décadas antes com o ensaio “Sobre a questão judaica”. Uma revolução na
Europa central envolveria uma dupla repetição da Revolução Francesa de
1789, ambas promovendo a destituição do autoritário Estado prussiano e a
organização dos trabalhadores, visando exigir a instauração de um regime
comunista. Marx sempre denunciou a existência de movimentos radicais
que realizariam uma dessas empreitadas revolucionárias, mas não as duas.
Nos anos 1860, ele havia investido contra os lassalleanos anticapitalistas,
porém pró-prussianos, e contra os seguidores antiprussianos, mas muito
pouco anticapitalistas, de Liebknecht e Bebel. A fusão promovia a junção
dos piores atributos das duas linhas, “um compromisso entre essas duas
versões da crença em milagres, igualmente distantes do socialismo”.
A despeito do ultimato de Marx e Engels, o congresso da unidade foi
devidamente realizado em Gotha, tendo fundado o Partido Social
Trabalhista da Alemanha e adotado a minuta do programa. Marx e Engels
não consumaram a ameaça de repudiar o partido recém-unificado,
supostamente porque a imprensa burguesa e os trabalhadores haviam
interpretado de forma errada o caráter do programa, entendendo-o como
socialista e revolucionário em vez de confuso e retrógrado; mas, na
verdade, essa argumentação não passou de mero pretexto. Marx não estava
preparado para condenar o partido que ele via como seu legado, muito
embora, em críticas posteriores ele tenha sempre acusado Liebknecht de se
comprometer com os lassalleanos e aceitar elementos duvidosos nas fileiras
socialistas.39
Marx ficou bastante impressionado com o desempenho do partido
unificado nas eleições nacionais de 1877, quando este conquistou o dobro
dos votos anteriores dos socialistas e emergiu como uma significativa voz
política contra Bismarck. O Chanceler de Ferro estava mais do que pronto
para enfrentar o desafio dos socialistas. Explorando duas tentativas
fracassadas, em 1877 e 1878, de assassinato do idoso imperador alemão
Wilhelm I, e lançando a culpa nos terroristas socialistas (na verdade, os dois
assassinos eram assaltantes mentalmente doentes), Bismarck intimidou os
liberais e os católicos do parlamento, forçando-os a aprovar uma lei que
bania o Partido Social Trabalhista e proibia a defesa pública de suas
doutrinas. Não se vivia então a era do nazismo, durante a qual os partidos
trabalhistas foram proscritos e seus líderes jogados em campos de
concentração. No século XIX, uma época mais cortês, o Partido Social
Trabalhista foi banido, mas a candidatura de socialistas para o parlamento
não o foi, e a propaganda socialista, que de outra forma seria ilegal, podia
ser disseminada impunemente se fizesse parte de uma campanha eleitoral.40
Muito embora os historiadores se consolem pelo fato de a perseguição
aos socialistas alemães, promovida por Hitler, ter sido muito mais brutal do
que a de Bismarck, para os socialistas alemães do século XIX a brutalidade
foi um fato. Eles procuraram formas de responder à nova situação
desfavorável. Um líder do partido, Johann Most, fugiu do país e, agindo no
exílio com o apoio da Associação Educacional dos Trabalhadores
Comunistas de Londres, defendeu a imediata e violenta deposição do
governo alemão. Marx e Engels viram nesses apelos um convite ao
massacre dos trabalhadores pelo exército, mas limitaram-se a uma mera
demonstração de arrogância em relação aos artesãos alemães que viviam
em Londres, por seu apoio a tais ideias estúpidas.41
Marx encarou mais seriamente a proposta da liderança do partido para
que se iniciasse a publicação de um jornal diário na Suíça, porém
considerou menos propícia a política editorial sugerida, uma crítica
veemente às aspirações revolucionárias dos socialistas. Membros do corpo
editorial em Zurique afirmavam que, enaltecendo a violência da Comuna de
Paris e exigindo um confronto com os capitalistas, os socialistas haviam
atirado a classe média liberal nos braços de Bismarck e de sua política
reacionária. Os editores defendiam a renúncia a uma revolução violenta, e
preconizavam a reforma do capitalismo em vez da introdução do
socialismo, a cooperação no lugar da luta de classes e a conquista do apoio
de toda a sociedade em vez do exclusivo apelo à classe trabalhadora. Esse
programa guardava forte semelhança com o que mais tarde seria
denominado duplo “revisionismo”, a revisão das doutrinas de Marx
relativas à luta de classes e à revolução socialista. Eduard Bernstein, autor
de Socialismo evolucionário, a bíblia dos revisionistas do início do século
XX, foi, duas décadas antes, um dos membros do corpo editorial do jornal
no exílio.
Lenin iniciou sua carreira política denunciando o revisionismo, que,
portanto, tornou-se um aspecto bem conhecido do marxismo. Em 1879, a
ideia de um partido trabalhista voltado para reformas era para Marx uma
atitude política estranha, bastante diferente das formas anteriores de
socialismo, organização trabalhista e política radical a que ele havia feito
oposição. Lassalle propusera estabelecer uma ativa organização dos
trabalhadores contra a burguesia, embora desejasse obter para tanto a ajuda
do reacionário governo prussiano. Os sindicalistas ingleses não tinham
interesse por um partido trabalhista independente, e se associaram aos
liberais. Os democratas e os republicanos antissocialistas da década de 1840
também não eram simpatizantes de um partido trabalhista.
Marx considerou as propostas tão perniciosas quanto inovadoras; no
outono de 1879, ele e Engels encaminharam aos líderes do Partido Social
Trabalhista Alemão uma circular com críticas a elas. Nessa circular, os dois
veteranos de Londres empregaram sua experiência de 1848 para definir as
novas políticas: elas eram idênticas àquelas propostas na revolução do meio
do século por democratas pequeno-burgueses, democratas burgueses e
Socialistas Verdadeiros – três grupos que não se entendiam. Esse esforço no
sentido de descartar um novo fenômeno, recusando-o como uma repetição
de outros já desacreditados era um sinal da dificuldade intelectual de Marx
e Engels em lidar com a proposta; entretanto, não os impediu de fazer uma
ameaça:

Até onde nos cabe há apenas um caminho aberto. Nos quase


quarenta anos passados até aqui, nós destacamos a luta de classes
como a força motriz fundamental da história, e especialmente a
luta de classe entre a burguesia e o proletariado como a poderosa
alavanca das modernas sublevações sociais; não nos é possível
acompanhar pessoas que desejam eliminar essa luta de classes do
movimento [...] Se a organização do novo partido assumir uma
postura compatível com os sentimentos burgueses e não os
proletários desses senhores [os membros do corpo editorial], não
nos restará nada a fazer, desgostosos como estaremos, a não ser
protestar publicamente contra isso e deixar de lado a
solidariedade com a qual até agora apresentamos o partido alemão
em relação aos estrangeiros.

A liderança do partido tratou essa advertência com mais seriedade do


que fizera no caso relacionado ao Programa de Gotha, e despacharam
August Bebel e Eduard Bernstein para Londres, em 1880, em uma tentativa
de convencer os veteranos revolucionários de que o jornal de Zurique não
estava negligenciando a luta de classes. Os emissários foram bem-sucedidos
em seus esforços, e Engels começou a escrever para o jornal; naquela
ocasião, os problemas de saúde enfrentados por Marx e sua esposa o
impossibilitaram de participar.42
Esse episódio sugere o desenvolvimento gradual de uma nova
formulação revolucionária. Durante décadas, Marx havia tentado,
frequentemente com considerável dificuldade, conduzir os radicais alemães
entre a exclusiva oposição ao autoritarismo prussiano e a exclusiva
oposição ao capitalismo. No final dos anos 1870, ele tentava orientar os
democratas sociais entre as demandas de Most por uma revolução imediata
e as ideias de Bernstein no tocante a um movimento trabalhista
fundamentalmente reformista. Isso, também, foi para os líderes socialistas
uma corda bamba difícil de ser transposta, muito embora grande parte dessa
travessia viesse a ser feita por uma geração posterior, quinze a trinta anos
depois da morte do próprio Marx.
Marx lidou com o movimento trabalhista alemão emitindo ultimatos
enfurecidos e exigindo a adesão a uma linha política específica. Seu
relacionamento com o movimento trabalhista na França foi bastante
diferente. Na esteira da vitória eleitoral e parlamentar dos apoiadores do
regime republicano de governo sobre os monarquistas, no final da década
de 1870, os socialistas franceses começaram a se organizar politicamente. A
anistia de 1880, concedida aos participantes da Comuna, permitiu que os
exilados retornassem, entre eles os dois genros de Marx, e passassem a se
envolver na política socialista.
Os socialistas franceses fundaram diversos partidos e facções;
partidários de um dos grupos, liderados por um homem chamado Jules
Guesde, tornaram-se conhecidos como “marxistas”. Embora esse termo já
tivesse sido empregado anteriormente, em geral com conotação pejorativa,
para fazer referência aos correligionários de Marx nas lutas pelo controle da
AIT, a designação dada pelos seguidores de Guesde foi o primeiro uso
positivo e sustentável. Marx não aprovava ver seu nome associado com esse
grupo de supostos apoiadores, e fez saber a Paul Lafargue, de acordo com
lembranças de Engels, “o certo é que eu mesmo não sou um marxista”. Ele
também contou a Engels que, no outono de 1882, quando visitava a família
na França, sua estada fora prejudicada por tanto por “marxistas” como
“antimarxistas” doutrinários. Os dois homens entendiam as divergências
entre os socialistas franceses, principalmente como um produto da
idiossincrasia, da vaidade pessoal e das discordâncias doutrinárias obscuras
e desnecessárias. Encontrando-se pessoalmente com esses socialistas
durante visitas à família em 1881 e 1882, Marx os incentivou a deixar de
lado tais divergências. Em contraposição, os exilados de Londres tratavam
as discordâncias entre os socialistas alemães como questões importantes de
princípio político, uma atitude diferente que atestava o envolvimento
político e o investimento pessoal de Marx e Engels no movimento
trabalhista alemão.43
Diferentemente do caso na Alemanha, as intervenções de Marx no
movimento trabalhista francês atenderam a uma solicitação dos próprios
socialistas franceses. Isso também era verdadeiro no tocante ao
relacionamento de Marx com os socialistas na Rússia, embora
circunstâncias semelhantes envolvessem um país bastante diferente. Marx
vivera na França, conhecia bem o idioma francês e, durante décadas,
considerara a França – Paris, em particular – fundamental para seus planos
relativos a uma revolução global e um futuro comunista. A Rússia, por
outro lado, era para ele o inimigo, o regime czarista que agia no sentido de
eliminar os movimentos revolucionários na Europa e em todo o mundo. A
oposição à Rússia era uma das poucas arenas políticas na qual Marx estava
disposto a trabalhar com pessoas de ideias muito diferentes, tais como
David Urquhart. Suas suspeitas em relação à Rússia se estendiam aos
revolucionários russos, os quais ele insistentemente tachava de agentes do
czar ou pan-eslavistas, indivíduos que lançavam mão de ideias radicais e
nacionalistas para expandir o domínio czarista na Europa oriental. No
período final de sua vida, a opinião de Marx acerca das revoluções nos
Balcãs e da Guerra Russo-Turca de 1877-78 exemplificava seu ponto de
vista. O acadêmico russo Maxim Kavalevsky, visitante assíduo da
residência de Marx em Londres, em meados dos anos 1870, lembrava-se de
que as atitudes dele no tocante à Rússia “não diferiam, na essência, do
preconceito dos revolucionários de 1848 [...] que viam a Rússia apenas
como baluarte de toda sorte de reação e agente sufocador das revoluções
democráticas e liberais”.44
Contudo, o interesse por Marx e suas ideias cresceu rapidamente na
Rússia. Os acadêmicos do país ficaram intrigados com o Uma contribuição
para a crítica da economia política e aguardavam com ansiedade a
publicação da parte principal do tratado de Marx sobre economia. A
primeira tradução publicada de O capital foi no idioma russo. À medida que
um movimento revolucionário de oposição ia ganhando corpo nas
províncias centrais do império czarista no decorrer da década de 1870,
principalmente entre estudantes universitários expostos em seus estudos ao
ideário marxista, os partidários desse movimento começaram a se voltar
para Marx em busca de conselhos.
Logo de início, ele ficou perplexo com a receptividade favorável a
suas ideias em um país que ele criticara reiteradamente. No final da década
de 1860, com a percepção de que as sociedades rurais representavam um
fator cada vez mais fundamental para suas aspirações revolucionárias, a
Rússia despertou sua atenção. Ele estudou com afinco as relações sociais e
econômicas na agricultura daquele país, para compor as seções relativas a
renda fundiária e lavoura, do planejado segundo volume de O capital. Nos
anos 1870, Marx estabeleceu conexões políticas mais sólidas com os
revolucionários russos, tanto os refugiados da Comuna de Paris como os
exilados anti-Bakunin residentes na Suíça. Algumas correspondências,
bastante cautelosas, frequentemente escritas em inglês e contendo nomes e
endereços falsos, começaram a ser trocadas entre o socialista veterano em
Londres e os potenciais insurgentes russos. O caminho até a casa da
Maitland Park Road passou a ser o itinerário habitual de exilados políticos e
acadêmicos russos que viviam no exterior.45
Em 1881, Vera Zasulich, agindo em nome de um grupo de refugiados
russos na Suíça, enviou uma carta a Marx, tratando da prática costumeira
entre os camponeses russos, de manter suas terras em comunidade. Em vista
da análise realizada em O capital, sobre o fim do feudalismo e o
desenvolvimento da agricultura capitalista na Europa ocidental, os
refugiados revolucionários tinham interesse em saber qual seria o futuro
pós-revolucionário dessa forma de propriedade: as terras agrícolas teriam de
se transformar em propriedade privada, como na Europa ocidental, ou
haveria a possibilidade de manutenção da propriedade coletiva em alguma
espécie de sociedade comunista do futuro? Marx já havia sido questionado
a esse respeito por um comitê revolucionário clandestino em São
Petersburgo e identificara nessas questões complicadas implicações.
Uma possuía cunho teórico. Seu modelo dos estágios da história,
esboçado em Uma contribuição para a crítica da economia política,
estabelecia um processo universal de evolução social, pelo qual todos os
países deveriam passar, muito embora em ritmos e tempos diferentes. Marx
considerava a propriedade coletiva da terra agrícola na Rússia um estágio
anterior e mais primitivo de sociedade, observado nas antigas tribos
germânicas e nas sociedades asiáticas que avançavam lentamente. Engels,
em especial, mas também Marx, sempre zombou da ideia, algumas vezes
proposta pelos radicais russos, de que a propriedade coletiva da lavoura no
império czarista constituía uma forma única e preciosa de sociedade, uma
espécie de dádiva dos russos para um futuro comunista. Para Marx e
Engels, a manutenção dessa forma de propriedade da terra era uma prática
arcaica e retrógrada; e seu enaltecimento, politicamente pernicioso, parte de
um reacionário esquema pan-eslavo.46
A resposta de Marx à carta de Zasulich passou por cinco longos
esboços diferentes – um esforço considerável em um momento no qual sua
energia física se dissipava, o que demonstra a importância atribuída por ele
ao tema. No final, a resposta se limitou a uma breve nota, afirmando que a
transição na Europa ocidental ocorrera da propriedade privada feudal da
terra para uma propriedade privada capitalista e que, portanto, não se
aplicava por analogia à Rússia. A comunidade camponesa deveria ser o
“sustentáculo da regeneração social da Rússia”, mas apenas na condição de
que, em primeiro lugar, “as influências deletérias que a acossavam por
todos os lados” fossem “eliminadas”. A maneira exata pela qual essa
condição se realizaria foi especificada um ano depois, quando Marx e
Engels escreveram um breve prefácio para uma edição russa do Manifesto
comunista, no qual observaram que, se a revolução russa era o indício de
uma “revolução proletária no ocidente”, os dois movimentos deveriam ser
complementares, e a propriedade privada da terra poderia “servir de ponto
de partida para um desenvolvimento comunista”.47 Tais formulações,
reminiscências de especulações feitas por Marx e Engels a respeito da
reestruturação dos impérios coloniais pelos regimes socialistas da Europa
ocidental, sugerem que os dois continuavam entendendo como retrógrada a
conjuntura russa. Elas eram, também, uma referência para um futuro
improvável, já que na época em que o prefácio foi escrito, Marx se
mostrava entusiasmado com a possibilidade de uma revolução na Rússia,
mas entendia que o movimento social trabalhista na Europa ocidental estava
em um estágio relativamente primitivo de desenvolvimento. Ficava difícil
enxergar como uma revolução russa poderia coincidir com um levante
trabalhista na Europa ocidental.
Nessas formulações complicadas e reiteradamente ressalvadas, Marx
se esforçava por encontrar uma forma de compatibilização de suas
consagradas teorias sobre o desenvolvimento social, com seu interesse cada
vez mais acentuado pelo potencial revolucionário da sociedade rural, e com
seu desejo de manter boas relações com os revolucionários russos. No final,
ele se mostrou ambíguo. Os futuros revolucionários russos trataram as
formulações de Marx como predições a serem interpretadas com o objetivo
de fazer de seu país o ponto central de uma revolução comunista global,
que, considerada toda a ambiguidade do autor, certamente não traduzia sua
maneira de ver as coisas.

AS REFLEXÕES DO velho Marx a respeito das possibilidades de uma


revolução na Rússia eram apenas um dos aspectos das ideias por ele
defendidas, já no final de sua vida, sobre a revolução e um futuro
revolucionário pós-comunista. Alguns elementos dessas ideias estavam
presentes desde longa data. A opinião de Marx acerca de revolução, por
exemplo, sempre teve como modelo a fase jacobina da Revolução Francesa.
Ele raramente empregava a expressão “camaradas”, a nova designação dada
aos companheiros socialistas, cujo uso fora iniciado pelos seguidores de
Ferdinand Lassalle; e quando o fazia, lançava mão de um estilo irônico,
colocando-a entre aspas. Em consonância com a boa prática jacobina, ele
era na AIT sempre o “Cidadão Marx”. Outro indicativo dos ideais
revolucionários de Marx é observado na saudação de encerramento da
maioria de suas cartas para Engels; a palavra francesa Salut. A palavra em
si, apenas um termo comum da língua francesa, era também a forma
abreviada da saudação jacobina, Salut et Fraternité. Em cartas para outros
esquerdistas, Marx empregava a expressão completa, ou sua versão alemã,
Gruß und Handschlag.48
Se o eco do regime jacobino de 1793 permaneceu no vocabulário
revolucionário de Marx durante toda a sua vida, assim também aconteceu
com seu posicionamento em defesa de uma transformação política por meio
da deposição violenta dos governos existentes. Houve exceções ocasionais,
especialmente no discurso que ele proferiu em um banquete e em um
encontro público em Amsterdã no dia seguinte ao encerramento do
Congresso da AIT realizado em Haia, em 1872. Nesse pronunciamento, do
qual não existem registros escritos e que só é conhecido através de resumos
publicados em jornais holandeses, Marx afirmava que na maioria dos
países, os trabalhadores teriam de tomar o poder mediante uma revolução
violenta, mas em outros – Reino Unido, Estados Unidos e, talvez, Holanda
–, eles conseguiriam chegar ao poder por meios pacíficos e legais. Ele havia
abordado essa questão no ano anterior, em uma entrevista que concedeu ao
jornalista americano, R. Landor, do New York World. Landor havia sugerido
que, em vistas da longa história de mudanças políticas pacíficas na Grã-
Bretanha, os trabalhadores poderiam conquistar o poder sem revoluções.
Em sua resposta Marx afirmou:

A esse respeito, não sou tão otimista quanto você. A classe média
inglesa tem se mostrado sempre bastante disposta a aceitar o
veredicto da maioria, desde que ela conte com o monopólio do
poder votante. Mas, lembre-se, tão logo ela se perceber derrotada
naquelas questões que considera vitais, veremos aqui uma nova
guerra entre escravos e proprietários.49
A conquista pacífica do poder pelos trabalhadores, que Marx sugeria
ser possível em alguns poucos países, seria apenas o prelúdio de um
confronto violento iniciado pelos capitalistas derrotados nas urnas, do
mesmo modo que os sulistas donos de escravos haviam principiado uma
guerra civil quando os antiescravagistas foram eleitos nos Estados Unidos.
Se, por um lado, o posicionamento de Marx em defesa de uma
revolução violenta se manteve inalterado, por outro, ele também estava
disposto a considerar novas formas de ação revolucionária. Suas ideias no
tocante a essa questão sofreram forte influência dos revolucionários russos,
que haviam iniciado uma campanha terrorista cujo objetivo era o
assassinato de autoridades do governo. Desferindo ataques a chefes de
política e governadores das províncias, com projéteis e explosivos, as
operações culminaram com o assassinato do czar Alexander II por um
homem-bomba, em 1881. Marx apoiou veementemente as ações terroristas
e tratou com escárnio outros grupos dentro do movimento revolucionário
russo, para quem a organização e a propaganda de cunho político deveriam
ser prioritárias. Essas simpatias pró-terrorismo eram compartilhadas por
apenas alguns poucos de seus contemporâneos na Europa ocidental e na
América do Norte, entre os quais se encontravam Victor Hugo, Mark Twain
e o abolicionista americano Wendell Phillips. Mas a posição assumida pelo
próprio Marx não foi a de preconizador de ações terroristas como uma
estratégia revolucionária universal. Ele apoiava a adoção de tais ações
apenas contra a autocracia czarista, um regime que havia abolido as
liberdades civis e qualquer possibilidade de atividades políticas explícitas.
Mesmo no tocante ao nominalmente constitucional, porém autoritário
Império Germânico, que impunha rígidas restrições a qualquer tipo de
manifestação política explícita e legal, Marx se opunha a ações terroristas.
Todos na Maitland Park Road se chocaram com a notícia da tentativa de
assassinato do imperador Wilhelm I, temendo que os socialistas estivessem
por trás dessa ação e que tais medidas pudessem desencadear perseguições
implacáveis.50
Outro traço mais novo das ideias de Marx, em paralelo a seu apoio
restrito ao terrorismo revolucionário, foi sua disposição em tecer
comentários públicos sobre as instituições de uma futura sociedade
comunista. Desde os anos 1840, ele assumia uma postura de recusa a tratar
desse assunto, e criticava duramente os companheiros socialistas que o
faziam. No entanto, em “Crítica do programa de Gotha”, ele delineou um
brevíssimo esboço de alguns importantes aspectos econômicos de um
regime comunista, fundamentado em especulações a respeito da teoria do
valor-trabalho que ele desenvolvera pela primeira vez nos rascunhos
preliminares, e não publicados, de O capital.
Marx afirmava que, nos estágios iniciais de uma sociedade comunista,
o valor-trabalho seria representado diretamente: os trabalhadores não
receberiam pagamento em dinheiro, mas em notas expressas em unidades
de tempo de trabalho. O pagamento corresponderia às horas trabalhadas
após dedução de um “fundo comum” para investimentos e manutenção, e
poderia ser utilizado para a compra de mercadorias, elas próprias
precificadas de acordo com o tempo de trabalho. “A mesma quantidade de
trabalho que [o trabalhador] dá à sociedade em uma forma, ele recebe em
outra”. Marx refletia acerca dessa ideia, havia pelo menos duas décadas;
desde as observações que fez no Grundrisse sobre a proposta são-simoniana
de criação de um banco que emitisse notas cujo valor fosse expresso em
unidades de tempo de trabalho.
Para Marx, essa fase inicial do socialismo era igualitária apenas na
medida da remuneração; outras formas de desigualdade ainda persistiriam.
Essas não espelhariam uma desigualdades de classe, porque todos seriam
trabalhadores. Alguns indivíduos trabalhariam por mais tempo e com maior
esforço (o tempo de trabalho, segundo Marx, não era medido apenas em
horas, mas também em intensidade) e receberiam mais notas de tempo de
trabalho. Outros teriam de sustentar a família com um valor de pagamento
igual ao dos solteiros. Essa situação caracterizava “violações”, que,
contudo, eram “inevitáveis” na fase inicial de uma sociedade comunista.
Elas só deixariam de existir depois de eliminada a “subordinação servil dos
indivíduos à divisão do trabalho” e do fim da “oposição entre trabalho
físico e intelectual”. Somente nessa fase posterior do comunismo, na qual
“trabalho não é apenas um meio de vida, mas a primeira necessidade da
vida”, e na qual a produtividade do trabalho atinge níveis de
desenvolvimento sem precedentes, poderia a “sociedade registrar em sua
bandeira: de cada um, segundo suas aptidões; para cada um, segundo suas
necessidades!”.
Essa visão de um futuro comunista refletia as especulações de Marx,
na década de 1840, a respeito da extinção da divisão do trabalho. Certa vez,
em uma visita que ele fez ao Dr. Kugelmann, outro visitante presente
zombou dos aspectos utópicos dessa ideia, perguntando-lhe quem
engraxaria as botinas nesse seu “estado do futuro”. Marx respondeu
friamente, “Você”; uma réplica cortante que, no entanto, deixou a questão
sem resposta.51 Nos textos de Marx sobre economia, desde o Grundrisse até
a segunda edição alemã de O capital, escrita apenas alguns anos antes da
“Crítica do programa de Gotha”, ele apresentava uma explicação diferente
para a extinção da divisão do trabalho através da redução da jornada diária
ao mínimo. A ampliação da produtividade da sociedade reduziria a
quantidade de tempo gasto no trabalho isolado e dividido, deixando mais
tempo para o “desenvolvimento das habilidades dos indivíduos na arte e na
Wissenschaft”. Tal visão de um futuro socialista corporificava os valores de
uma burguesia alemã culta do século XIX, burguesia esta que era membro
de um grupo social apreciador da arte e da Wissenschaft. Desde a época de
Marx, o tempo de lazer nas sociedades economicamente avançadas
experimentou significativa expansão, mas a maioria das pessoas não
emprega esse tempo livre para os elevados propósitos que ele imaginava.
No último período de sua vida, Marx substituiu a ideia utópica de extinção
total do trabalho isolado e dividido por outra, de uma humanidade devotada
a atividades artísticas e cultas.52
Quando Marx esperava que surgisse essa sociedade comunista? Ele
nutriu expectativa quanto a algumas revoluções que considerava iminentes.
Em setembro de 1877, ele chamou a atenção de seu partidário na América,
Adolph Sorge, sobre a proximidade de uma revolução russa: “Se a Mãe
Natureza não nos for particularmente desfavorável, nós conheceremos o
júbilo!” Três anos e meio mais tarde, ele congratulou sua filha Jenny pelo
nascimento do filho Marcel, afirmando que o recém-nascido e seus
contemporâneos “têm diante de si o período mais revolucionário que os
homens jamais viveram. O desditoso agora é ser ‘velho’ e conseguir apenas
prever, em lugar de vivenciar”. Essa opinião não permaneceu como um
segredo de família, porque mais ou menos na mesma ocasião ele comentou
com o ultrarrevolucionário refugiado político alemão Johann Most, “Não
verei o triunfo de nossa causa, mas você é suficientemente jovem e ainda
pode viver para testemunhar a vitória do povo”.53 A revolução que Marx
esperava eclodir a qualquer momento era a deposição do czar, cuja
consequência seria o fim da monarquia prussiana. Isso representaria o
desfecho da Revolução Francesa de 1789 na Europa oriental e central, com
a extinção dos governos autoritários e o estabelecimento de regimes
democráticos e republicanos, ainda que capitalistas e burgueses. Os novos
eventos, como Marx esperava desde o Manifesto comunista, abririam
espaço para uma situação de organização e agitação mais intensas da classe
trabalhadora. Seu neto testemunharia o auge revolucionário e comunista
desse estado de organização e agitação, a segunda repetição de 1789; mas o
próprio Marx não viveria para tanto.
A IDEIA DE revolução alimentada por Marx durante os últimos dez anos
de sua vida continuou dominada por fortes emoções: excitação pela
perspectiva da proximidade de levantes na Europa oriental e central; e
profundo pesar pela percepção de que ele não viveria para ver a sublevação
comunista que preconizou ao longo de décadas. Por outro lado, sua vida
privada nos anos 1870 foi plácida e gratificante. Suas duas filhas mais
velhas estavam casadas e longe da casa paterna, e Eleanor, que trabalhava
como professora, algumas vezes se ausentava; portanto, em 1874, Karl e
Jenny se mudaram do número 1 para uma residência menor no 41 da
Maitland Park Road. Embora já não vivessem na mesma casa, as filhas não
se distanciaram, pois os maridos, que se tornaram refugiados políticos em
decorrência da Comuna de Paris, não podiam retornar para a França.
Charles Longuet ensinava francês em uma faculdade e Paul Lafargue, com
o suporte financeiro do sogro, abandonou a prática da medicina e entrou
para o ramo de negócios, passando a atuar na impressão de gravuras de arte.
A empresa faliu e, depois de desagradáveis disputas jurídicas com os sócios
de Lafargue, ele foi financeiramente socorrido por Engels.
Todos os filhos de Lafargue morreram ainda na infância. Charles
Longuet e sua esposa Jenny tiveram, nos dez anos de casamento, seis filhos,
quatro dos quais chegaram à idade adulta. Os descendentes de Marx a partir
deles vivem atualmente na França. O primeiro filho sobrevivente de
Longuet, Jean-Laurent-Fréderick, nascido em 1876 e conhecido no seio
familiar como Johnny, era para Marx a “menina de meus olhos”. Todas as
brincadeiras infantis em cuja prática Karl se deliciava com os filhos, ele
repetia com os netos. Jenny von Westphalen também se deleitava “Quando
ele [Johnny] é trazido no carrinho de bebê, todos se adiantam e o saúdam
com júbilo, querendo ser os primeiros a recebê-lo; a velha vovó vai à
frente”.54
Circunstâncias políticas favoráveis colocaram um fim nesse idílio
familiar. Com a anistia de 1880, Charles Longuet retornou à França para ser
redator de um jornal dirigido por Georges Clemenceau – lembrado nos dias
de hoje como o primeiro ministro que conduziu o país a uma vitória na
Primeira Guerra Mundial; mas foi no início de sua carreira política um líder
da extrema esquerda, que Marx pretendera converter ao socialismo. Karl e
Jenny flertaram com a ideia de mudar para Paris e poder permanecer junto
dos netos, mas Jenny não viveu tempo suficiente para realizar esse desejo.
No final da década de 1870, ela se sentia cada vez mais doente e as viagens
para o litoral e as estações balneárias não contribuíram para sua melhora.
No verão de 1881, com um diagnóstico de câncer, ela se viu
indefinidamente presa ao leito, sob os cuidados de Lenchen Demuth e Karl.
Com grande esforço, Jenny conseguiu realizar uma viagem a Argentueil,
fora de Paris, e passou três semanas com a filha e os netos, antes do retorno
final a Londres.55
No outono de 1881, com sua esposa já à beira da morte, Marx caiu
gravemente enfermo e quase não se levantava da cama. Quinze anos mais
tarde, sua filha Eleanor recordou, em uma passagem citada com muita
frequência, um dos últimos encontros de seus pais: “Eu jamais esquecerei a
manhã em que ele se sentiu suficientemente forte para ir até o quarto de
minha mãe. Unidos eles eram jovens outra vez – ela, uma garota amorosa e
ele um rapaz carinhoso, começando a vida juntos –, não um homem velho
consumido pela doença e uma mulher idosa cuja morte é iminente; e diziam
adeus para o que restava de suas vidas”. Em seus últimos dias de vida,
Jenny von Westphalen ganhou alma nova ao ver, recém-saída da gráfica,
uma cópia do ensaio no qual Ernest Belfort Bax enaltecia o trabalho de seu
marido, e ao tomar conhecimento de que, apesar das perseguições do
governo alemão, os socialistas haviam mantido nas eleições nacionais de
1881 as posições já conquistadas – lembranças do homem e das causas por
ele defendidas, aos quais ela havia devotado sua vida. Com as dores físicas
do câncer aliviadas graças a generosas doses de morfina, ela faleceu em 2
de dezembro de 1881.56
Marx estava enfermo demais para acompanhar o funeral da esposa.
Engels declamou uma elegia, que terminava com uma confissão de fé
herege:

O lugar em que nos encontramos é a melhor prova de que ela


viveu e morreu em plena convicção do Materialismo ateu. A
morte não lhe causava terror. Ela sabia que um dia teria de
retornar, corpo e mente, ao seio daquela natureza de onde nasceu.
E nós, que agora acabamos de acomodá-la no local de seu último
repouso, saudemos sua memória e tentemos ser como ela.

Mais conhecido do que o discurso de Engels à beira da sepultura é seu


comentário a Eleanor no dia em que a mãe dela faleceu: “O Mouro também
morreu”. Talvez seja mais adequado deixarmos a última palavra para Marx,
sua citação favorita de Epicuro, o tema de sua tese de doutoramento: “A
morte não é um infortúnio para o falecido, mas sim para aqueles que a ele
sobrevivem”.57
Marx viveu exatamente um ano, três meses e doze dias a mais que a
esposa. Naquele tempo, sua saúde estava em franca debilitação, com apenas
alguns breves e ocasionais momentos de melhora. Quase até o final sua
capacidade intelectual permaneceu ativa e ele acompanhava os eventos
correntes, quer fossem as reuniões do Partido Liberal na Inglaterra, as
perspectivas de revolução na Rússia ou os primeiros experimentos de
transmissão de energia elétrica. Ele chegou até mesmo a tomar algumas
iniciativas em termos de trabalho político e intelectual – encontrando-se
com líderes socialistas franceses para mediar as disputas entre eles, e
preparando a terceira edição alemã de O capital –; porém, a saúde cada vez
mais debilitada tornava esses esforços mais breves e menos efetivos. Marx
foi obrigado a deixar a cargo de Engels sua vasta correspondência com os
líderes do Partido Social Trabalhista Alemão. Mesmo as caminhadas diárias
na companhia de Engels passaram a exigir um esforço muito grande, e
Marx respondia com palavras ásperas à indicação de exercícios e ar fresco
feita pelos amigos.58
Ele tinha sintomas como respiração acompanhada de dores; tosse
crônica que foi se tornando progressivamente mais violenta e penosa,
provocando vômitos, hemorragia e rouquidão, além de dificultar a fala; e, já
no final, perda do apetite e dificuldade para deglutir. Todos esses sintomas
pareciam ser consequência de uma tuberculose, a doença causadora da
morte de seu pai e de quatro de seus irmãos. Talvez fossem os mesmos
micróbios, já que eles podem permanecer latentes no corpo durante
décadas. Marx também se queixava de fraqueza em um dos lados do corpo,
de incapacidade para escrever empregando gramática e grafia corretas e de
perda de memória: é possível que ele tivesse sofrido um pequeno derrame,
em decorrência de sua elevada pressão arterial. Os tratamentos médicos, a
exemplo do que ocorreu em outras enfermidades de Marx, só tornaram as
coisas piores. Foram empregados o inevitável arsênico e substâncias
químicas inflamatórias para provocar pústulas na pele e eliminar o líquido –
um tormento inútil. A vaporização de água mineral sulfurosa pelo menos
promovia uma sensação mais agradável. Na mesma época em que Marx
estava sendo submetido a todos esses tratamentos infrutíferos, o notável
biólogo alemão Robert Koch isolava o bacilo da tuberculose e descobria a
causa da doença.59
Os médicos atribuíam a enfermidade de Marx às más condições
climáticas e acreditavam que a melhor opção de cura seria ar seco e
temperatura amena. Seus últimos anos de vida foram uma longa odisseia.
Ele passou o inverno de 1881-82 na Ilha de Wight e os três meses seguintes
em Argel. Viajou depois para Mônaco e o sul da França, ficou o último
verão na companhia de Jenny e dos netos em Argenteuil, fez uma visita à
Suíça no outono, retornando no final para a Ilha de Wight. Os biógrafos
costumam observar que o prometido tempo ameno parecia nunca se
materializar: o frio e a chuva fora de estação perseguiram Marx em sua
viagem em busca de sol. Como os médicos vinculavam sua recuperação a
um clima adequado, os temores de Marx, manifestados a Engels, de que
nunca encontraria um bom tempo, e suas instruções no sentido de que as
filhas não viessem a saber desses temores eram uma forma pela qual ele
dizia ter ciência da inevitabilidade de uma morte iminente. O objetivo
supremo de suas viagens era seu ocaso.60
As viagens eram as únicas ocasiões na vida de Marx em que ele
deixava o norte da Europa, e sua estada em Argel, capital da colônia
francesa e destino preferido dos franceses acometidos por doenças do
pulmão, causou-lhe uma impressão excepcional. Para ele, as paisagens
exóticas do norte da África eram fascinantes: a vista do mar, as colinas, as
montanhas cobertas de neve ao fundo, a profusão de flores, mesmo no
inverno. Marx ficou intrigado com a população nativa – um homem
apelidado de “O Mouro”, encontrando mouros verdadeiros pela primeira
vez. Se seu neto Johnny pudesse conhecer esses habitantes: “como meu
pequeno favorito ficaria atônito com os mouros, os árabes, os berberes, os
turcos, os negros; em resumo, por essa Babel e seus costumes (a maioria
dos quais são poéticos), nesse mundo oriental [...]”.61
Mas Marx não seria Marx se não tivesse ido além da fascinação
europeia pelo exotismo do Oriente, para tecer observações críticas a
respeito das condições sociais e políticas ali vigentes. Seu guia na sociedade
colonial foi um juiz da corte de apelações, um homem chamado Fermé, que
fora deportado para a Argélia devido à sua oposição a Napoleão III e se
casara com uma mulher árabe. Ele contou a Marx o hábito da polícia de
torturar os presos árabes com o intuito de forçá-los a confessar, enquanto os
juízes supostamente não sabiam de nada. Fermé também explicou que,
quando um árabe era condenado por assassinato, os colonizadores franceses
“exigem que em troca meia dúzia de árabes inocentes tenham a cabeça
cortada só um pouquinho”. Tal atitude, na opinião de Marx, era típica dos
colonizadores europeus: “Os britânicos e os holandeses, no entanto,
superam os franceses em matéria de vergonhosa arrogância e pretensão, e se
mostram um Moloque atroz e raivoso como retribuição às ‘raças
inferiores’”.
O aliado político de Marx, David Urquhart, sempre nutriu admiração
pelos turcos por sua honrada tolerância e seus costumes sociais. As atitudes
de Marx em relação aos árabes de Argel eram semelhantes. Ele os admirava
pelo comportamento nobre e pela capacidade de aparentar dignidade
mesmo quando vestidos com farrapos ou cavalgando um asno. Marx
enaltecia a “Absoluta igualdade em seu relacionamento social [...] não de
riqueza ou posição, mas de personalidade”, observando com certa simpatia
“o ódio contra os cristãos e a esperança de uma vitória decisiva sobre esses
descrentes [...]”. Ao contrário de Urquhart, Marx não se posicionava
incondicionalmente a favor dos mulçumanos. Ele sabia que a população
africana negra de Argel fora escrava dos árabes até ser libertada pelas
autoridades coloniais francesas, e julgava que, apesar de toda sua dignidade
pessoal, sua igualdade social e todas as suas aspirações anticoloniais, os
árabes da Argélia “irão para o inferno sem um movimento revolucionário”.62
Ao deixar Argel, Marx retornou para o sul da França e, dentre todos os
lugares, passou vários dias em Monte Carlo. Os casinos com seus prósperos
jogadores e os grupos de belas mulheres, de condessas a cortesãs,
transmitiam tanto exotismo como os mouros de Argel. A falação contínua
dos jogadores, acerca de um “sistema” capaz de quebrar a banca, lembrava
a Marx nada mais do que os “internos de um hospício”. Ele fez uma
analogia que seus seguidores (e não apenas eles) repetiram inúmeras vezes:
“Com tudo aquilo, um casino é apenas uma brincadeira infantil se
comparado à bolsa de valores!”.63
O restante da viagem foi mais trivial. Durante os três meses passados
em Argentueil, Marx se sentiu suficientemente bem para permanecer horas
brincando com os netos, percorrer o trajeto de trem até a vizinha Enghien, e
lá se submeter aos tratamentos com águas sulfurosas, e fazer longas
caminhadas. O subúrbio de Paris era o preferido dos impressionistas para
suas pinturas ao ar livre e pode-se imaginar que Marx, no decorrer dessa
visita, ou com a esposa agonizante no ano anterior, tenha cruzado com
Monet nas margens do Sena. Houve depois uma viagem à Suíça, em
setembro de 1882, na qual ele contou com a companhia de Laura, pois
então já se sentia debilitado demais para viajar sozinho.64
No estágio final de sua jornada, um retorno à Ilha de Wight no inverno
de 1882-83, Marx recebeu em 11 de janeiro a devastadora notícia da morte
de sua filha Jenny, que ainda contava menos de quarenta anos, vitimada por
um câncer na bexiga. Esse foi um golpe arrasador: Marx retornou a Londres
para morrer. Ele sofreu um declínio acentuado nos últimos dois meses de
vida, perdendo não só o apetite como a condição de engolir, de modo que
no final, subsistiu apenas à base de leite reforçado com rum. Ele ainda lia,
mas, com a redução da capacidade de concentração, o foco das leituras
passou da economia e dos eventos correntes para os romances e, por último,
os catálogos dos editores. Os suores noturnos e a febre eram sinais da
inabalável progressão de sua enfermidade, muito embora os médicos
continuassem acreditando que, se o tempo melhorasse, Marx ainda poderia
sobreviver.65
A exemplo das muitas evidências da vida de Marx, a notícia de sua
morte foi dada por Engels. Depois que o amigo retornou da Ilha de Wight,
ele havia criado o hábito de caminhar até o número 41 da Maitland Park
Road todas as tardes. No dia 14 de março de 1883, ele foi recebido por
Lenchen Demuth, que, banhada em lágrimas, contou-lhe que Marx, sentado
em seu escritório depois do almoço, havia perdido a consciência. Engels
entrou e descobriu que seu amigo havia parado de respirar.66 Foi um final
sereno para uma vida repleta de emoções fortes e apaixonadas, de
convicções defendidas com ardor, de grandes aspirações e reveses
igualmente grandes, de adversidades e de lutas.
14

O ícone

O FUNERAL FOI um evento modesto. Apenas um punhado de


pranteadores se reuniu três dias após a morte de Marx: além de Engels, lá
estavam Eleanor, os dois genros, dois amigos que ele conhecera em
Manchester por intermédio de Engels, ambos cientistas, e Wilhem
Liebknecht, que viajara para Londres procedente do continente, para
representar os sociais-democratas alemães. Uma pequena delegação da
Associação Educacional dos Trabalhadores Alemães de Londres foi
conduzida por Friedrich Lessner, um dos acusados no julgamento dos
comunistas de Colônia, que havia mudado para Londres depois de cumprir
sua sentença e se tornar um leal aliado de Marx dentro da AIT e entre os
artesãos alemães. Os próprios integrantes da Associação dos Trabalhadores
estavam envelhecendo e ficando menos numerosos; desde a Guerra Franco-
Prussiana e a dissolução da Internacional, o relacionamento de Marx e
Engels com eles ficara abalado. A ausência da maioria dos associados fez
do funeral um acontecimento intimista; limitado apenas a familiares e
amigos –, que foram também, tanto na morte como na vida de Marx, seus
aliados políticos.
Ao contrário do funeral de Jenny von Westphalen, a cerimônia fúnebre
de seu marido teve um cunho predominantemente político. Telegramas de
condolências enviados por socialistas franceses, russos e espanhóis foram
lidos em voz alta. Liebknecht fez um pronunciamento, repetindo a
confissão de fé ateia que Engels havia apresentado no funeral de Jenny.
Enquanto naquela feita Engels enfatizara a vida privada de Jenny, em
especial suas convicções ateias diante da morte, o discurso de Liebknecht
ecoou uma nota diferente – uma afirmação de ateísmo na vida pública,
associando Wissenschaft e política. Ele declarou que a Wissenschaft tornaria
a humanidade liberta de Deus. A ciência natural era o primeiro passo nessa
libertação; porém, a ciência da sociedade que Marx criara e tornara
disponível para o povo acabaria por destruir o capitalismo “e, com ele, os
ídolos e os senhores da terra, que, enquanto vivessem, não permitiriam a
morte de Deus”. O discurso de Liebknecht terminou com um juramento
junto ao túmulo, convocando os ouvintes – nem tanto os pranteadores ali
reunidos, quanto os leitores do jornal clandestino dos sociais-democratas,
no qual o pronunciamento foi impresso – a se comprometerem a seguir o
caminho pelo qual Marx os havia conduzido, até atingirem o objetivo final.
Engels proferiu um apropriado discurso fúnebre. Ele salientou em
Marx o perfil de um homem da Wissenschaft. Ao contrário do
pronunciamento de Liebknecht, no qual estavam evidentes os ecos dos
Jovens Hegelianos, Engels evocou uma Wissenschaft positivista,
fundamentada nas ciências naturais. Em uma passagem marcante e muito
citada, ele comparou Marx com o herói da ciência naquela época: “Assim
como Darwin descobriu a lei do desenvolvimento da natureza orgânica,
Marx descobriu a lei do desenvolvimento da história humana”. Depois de
apresentar Marx como um cientista que, mesmo em seus últimos dias ainda
se interessava pelos avanços mais recentes nos estudos da eletricidade,
Engels descreveu o amigo como “um revolucionário, acima de tudo.
Participar de uma forma ou outra do desmoronamento da sociedade
capitalista e das instituições governantes por ela criadas, tomar parte da
libertação do proletariado moderno [...] essa foi a verdadeira profissão de
sua vida”. Para ilustrar sua afirmação, Engels descreveu com alguns
detalhes o jornalismo praticado por Marx e a participação dele em
associações em Paris, Bruxelas e Londres, culminando com a Associação
Internacional dos Trabalhadores, “o clímax de todo” o seu trabalho.
Estranhamente, Engels se calou a respeito do principal período de atividade
revolucionária de Marx, de 1848 a 1849. Ele concluiu com uma brava
apoteose: Marx foi “o homem mais odiado e mais difamado de seu tempo”,
vítima constante de ataques por parte dos governos burgueses, enquanto era
“honrado, amado e pranteado por milhares de companheiros
revolucionários, desde as minas da Sibéria, atravessando por toda a Europa
e a América, até a Califórnia [...]”.1
Marx foi sepultado no mesmo jazigo que a esposa, no cemitério de
Highgate. O túmulo original possuía apenas uma modesta laje; o busto em
tamanho muito maior do que o natural que hoje encima a sepultura só foi
colocado lá pelo (hoje extinto) Partido Comunista da Grã-Bretanha, em
1956. O gigantesco busto é a prova física da transformação de um ser
humano vivo em um ícone, uma representação perene de ideias, posições
políticas e identidades, muitas das quais estavam apenas superficialmente
relacionadas à verdadeira vida do personagem. As elegias a Marx foram um
estágio preliminar nesse processo de transformação; na verdade, Engels já
ensaiava tal retrato durante os últimos anos em que Marx viveu.2 Embora os
panegíricos evidenciassem esforços intencionais no sentido de moldar a
imagem de Marx, o processo também se realizou ao acaso, sem um controle
consciente.
Os obituários de Marx publicados nos jornais de toda a Europa e da
América do Norte poucos dias depois de sua morte revelavam, em uma
nova forma, importantes aspectos de sua imagem futura. Um deles era a
figura de Marx como homem da ciência e autor de um trabalho definitivo
sobre economia política. A imprensa socialista certamente enfatizou essa
característica de sua vida, mas mesmo os noticiários antissocialistas
destacaram a qualidade e o grau de influência de sua erudição econômica. O
Arbeiterzeitung (Jornal dos trabalhadores), jornal dos imigrantes
socialistas alemães de Chicago proclamou: “O que Darwin foi para as
ciências naturais e John Buckle [o historiador positivista inglês, defensor da
ideia de evolução] para a ciência da história, Marx foi para a ciência da
economia política”.
Muito menos ruidoso do que o primeiro, um segundo tema refletia os
antecedentes semitas de Marx. Os jornais britânicos e holandeses
abordaram seu antepassado judeu; um periódico da Espanha descreveu-o
como descendente de uma família judia espanhola, com um inconfundível
semblante mediterrâneo, enquanto para um de Turim ele era “um dos tipos
mais bem-apessoados de eslavos judeus”. O jornal da comunidade judia de
São Petersburgo qualificou-o como “um dos filhos mais talentosos do povo
judeu”, filiação também observada pelo American Israelite de Cincinnati,
muito embora em termos menos entusiásticos.
Permeando virtualmente todos os obituários destacava-se a ideia da
vida revolucionária de Marx – em especial seu engajamento com a
Revolução de 1848 e seu papel na AIT, com as conexões desta na Comuna
de Paris. Escritores mais hostis do ponto de vista político observaram que
todas as aspirações revolucionárias de Marx terminaram em fracasso: os
prussianos haviam suprimido a revolução do meio do século; a AIT fora
dissolvida. Os relatos mais favoráveis o comparavam com outros
revolucionários de meados do século XIX, tais como Mazzini e Garibaldi,
cujas aspirações também haviam sido frustradas, ou apenas parcialmente
satisfeitas. Eles observaram que enquanto a AIT sucumbira ao duplo golpe
da perseguição governamental e das intrigas faccionais, seus princípios se
mantiveram inabaláveis, para orientar o movimento trabalhista no futuro.
Um resumo sucinto foi oferecido pela mais inesperada fonte, o nacionalista
cubano e líder anti-imperialista José Martí. Depois de participar de um
encontro público em memória de Marx, em Nova York, ele escreveu que
Marx “identificava em todas as pessoas aquilo que ele levava consigo: a
rebelião, os mais elevados ideais, a luta”.3 Esses três aspectos dos obituários
de Marx – cientista, semita e revolucionário intransigente – viriam a ser
desenvolvidos de forma muito mais detalhada através das décadas que se
seguiram, criando dele uma imagem petrificada.
A pessoa de Marx retratada como um revolucionário que se pautava
pelos princípios científicos foi em grande medida uma criação de Engels,
movido pelo desejo de perpetuar o ideário do amigo da maneira como ele o
entendia. A obra de Engels teve início em meados da década de 1870, como
parte de outra intervenção na política do movimento trabalhista da
Alemanha. Dessa feita, o propósito era combater a influência de um
professor de economia da Universidade de Berlim, Eugen Dühring, que se
dedicava ativamente a criticar as ideias de Marx. Em seu processo de
desligamento da política rotineira, Marx permitiu que Engels se incumbisse
da polêmica, muito embora se mantivesse nos bastidores, contribuindo com
conselhos a respeito das questões econômicas. O resultado final, com o
pesado título Herr Eugen Dühring’s Revolutionizing of Wissenschaft [A
revolução da Wissenschaft por Herr Eugen Dühring], mais conhecido
resumidamente como o “Anti-Dühring”, representou, no estilo próprio de
Engels, uma acusação desagradável e impopular. O texto foi publicado em
capítulos no principal jornal do Partido Social Democrata. Líderes do
partido, cientes das reações contrárias ao artigo, tomaram o cuidado de
manter certa irregularidade no cronograma de publicação, dando
preferência às ocasiões nas quais o jornal tivesse o menor número possível
de leitores, opção que enfureceu Engels.4
Contudo, o trabalho não se limitava apenas a atacar Dühring; ele fora
projetado com o intuito de promover uma imagem positiva das ideias de
Marx. Em 1880, uma seção foi reimpressa como um artigo independente
intitulado, “O desenvolvimento do socialismo desde a utopia até a
Wissenschaft”, ou, conforme o título de sua versão em inglês, “Socialismo:
utópico e científico”. Nele, Engels apresentava as ideias de Marx como uma
ciência positivista, análoga à biologia de Darwin, equiparando a evolução
dos estágios dos modos de produção na história humana ao progressivo
desenvolvimento evolucionário das espécies na história natural, ambos
baseados na mesma imprescindibilidade cientificamente determinada. Essa
versão do ideário marxista foi absorvida por toda uma geração de
intelectuais socialistas e líderes políticos que entraram na vida pública nos
25 anos derradeiros do século XIX. Karl Kautsky, o teórico e líder socialista
austro-germânico, que se tornou conhecido como o “Papa do socialismo”, o
mais importante dos intelectuais marxistas do início do século XX,
afirmava que nenhum outro trabalho havia contribuído tanto para seu
entendimento das ideias de Marx quanto o “Anti-Dühring”. De acordo com
Kautsky, sua forma de compreender O capital e outros importantes
trabalhos de Marx foi decisivamente influenciada pela interpretação dada a
eles por Engels.5
A influência de Engels na conformação daquilo que viria a ser
denominado “marxismo” foi, portanto, considerável. Norman Levine, autor
de um estudo provocativo, embora em certos pontos um tanto exagerado,
acerca das diferenças entre as ideias de Marx e as de Engels, chegava
mesmo a sugerir que uma parte substancial do “marxismo” era, na verdade,
um “Engelismo”.6 Não é necessário que concordemos com a argumentação
de Levine, para afirmar que a versão concebida por Engels para as ideias de
Marx tendia a aplainar a ambivalência do próprio Marx a respeito do
positivismo, e a passar por cima da crítica hegeliana que ele fazia sobre a
interpretação conceitual das ciências naturais. Seus escritos iniciais, mais
hegelianos, que podiam oferecer uma visão diferente de seu universo
intelectual, ou estavam já há muito tempo fora dos catálogos editoriais e
raramente disponíveis, ou ainda, encontravam-se em formato manuscrito e
incógnitos.
Esse estado de coisas foi mais do que um subterfúgio temporário,
porque os doze anos decorridos entre a morte de Marx e a de seu amigo
testemunharam o desenvolvimento, pela primeira vez na história europeia,
de um movimento trabalhista de massa. Dezenove partidos socialistas e
trabalhistas foram fundados na Europa entre os anos 1880 e 1896, somados
a federações de sindicatos em âmbito nacional. Tais grupos contavam,
literalmente, com milhões de seguidores. Os partidos políticos patrocinaram
a criação de uma “Segunda” Internacional, em 1889, com número de
associados, estabilidade organizacional e influência internacional muito
superiores àquilo que a AIT jamais imaginara ter. Assumindo no lugar de
Marx o papel de consultor e conselheiro experiente, Engels trabalhou
estreitamente ligado aos líderes dessas diferentes organizações socialistas,
tanto em seus estágios iniciais como quando elas começaram a se
transformar em movimentos de massa.
A associação entre um movimento trabalhista de massa e líderes
políticos e intelectuais que absorviam as ideias de Marx a partir dos textos
de Engels converteu o marxismo em ideologia e movimento político. A
posição ocupada pelo ideário de Marx em diferentes partidos socialistas
europeus foi mais cabal nas porções central e oriental do continente; no
ocidente, as ideias conflitantes de anarquistas e sindicalistas dos países do
Mediterrâneo, e a inabalável hegemonia do Partido Liberal no Reino Unido,
não conseguiram, de forma alguma, eliminar esse marxismo emergente;
porém, restringiram sua influência. Todavia, por toda parte Marx era
evocado em discursos, artigos de jornal e panfletos; retratos do profeta
barbudo se tornaram uma paisagem comum.
A influência das ideias de Marx, conforme enunciadas por Engels, foi
particularmente acentuada na Alemanha e no Império Austro-Húngaro.
Nesses espaços, a versão positivista e darwiniana de suas teorias ajudou a
solucionar o problema com o qual o próprio Marx havia se deparado em sua
carta aberta de 1879 para a liderança do Partido Socialista Alemão. Como
poderiam os socialistas estabelecer um equilíbrio adequado entre as
demandas implausíveis por uma ação revolucionária imediata, e o abandono
das aspirações revolucionárias e das lutas de classe em favor de reformas na
sociedade capitalista existente e de conciliação entre as classes sociais?
Como o grande ímpeto dos desenvolvimentos socioeconômicos e políticos
se deslocava, movido pela inevitabilidade científica, na direção do
socialismo, não havia necessidade de uma escalada dos perigosos desafios
revolucionários a uma ordem vigente pesadamente armada, ou de abandono
dos princípios socialistas por meio da aceitação de compromisso com
outros partidos políticos pelas reformas. Essa política, formulada em
apaixonados detalhes teóricos por Karl Kautsky, transformou-se em uma
forma de coexistência de movimentos trabalhistas de massa, claramente
revolucionários, com impérios autoritários no centro da Europa. Sob a
influência dos sociais-democratas alemães, o maior, mais bem organizado,
mais rico e mais influente dos partidos socialistas, essa política foi
progressivamente assumindo a função de princípio operacional da Segunda
Internacional.7
No Império Russo, mais distante para o lado do leste, o mesmo
marxismo com inclinação positivista passou a desempenhar um papel
fundamental também no movimento socialista, muito embora ele fosse lá
interpretado não apenas como justificativa para uma passividade política,
mas como estímulo a iniciativas revolucionárias radicais, em um regime
carente das instituições governamentais constitucionais existentes na
Europa central. Lenin, o líder das células mais radicais do movimento
socialista russo, era, em todos os aspectos, um positivista que costumava
citar reiteradamente o “Anti-Dühring” e outros escritos tradicionais de
Engels, ao mesmo tempo em que defendia a utilização de medidas drásticas
para deposição do governo czarista. Depois que ele e seus bolcheviques
tomaram o poder, na esteira do caos social e político gerado pelo impacto
de uma guerra total no estado russo e pela falta de preparo da sociedade
para enfrentar os desafios, eles fundaram a Terceira Internacional
Comunista. Para ela, adotaram a iconografia marxista e o marxismo
positivista e “científico” do movimento trabalhista europeu de final do
século XIX e início do século XX, disseminando-a por todo o globo.
Enquanto, por um lado, tanto os partidos comunistas como os socialistas do
século XX se identificavam como marxistas, por outro, era a interpretação
de marxismo dada por Engels que eles tinham em mente, o que representa
um ponto tão significativo quanto outros, em um estudo das doutrinas
denominadas “marxismo”. A contestação intelectual desse marxismo,
nascida de um conhecimento mais amplo dos textos de caráter hegeliano
escritos por Marx antes de 1850, textos carregados de um estilo
existencialista, teve início nos anos 1920. Tal contestação atingiu um grau
de maturidade intelectual na última terça parte do século XX, coincidindo
com o fim dos partidos políticos marxistas.

A IDENTIFICAÇÃO DE Marx com sua ascendência judia, reconhecida


tanto por ele como por seus contemporâneos, desvaneceu-se ao longo de
sua vida, principalmente como resultado da ideia disseminada de que os
judeus eram um grupo que, em essência, distinguia-se por suas filiações
culturais e religiosas. Como já vimos, o próprio Marx costumava rejeitar
veementemente essas filiações. Em seus (escassos) momentos de mais
brandura, ele se referia a elas com ironia. O surgimento das concepções
sociais darwinistas sobre a história e a sociedade humanas, no último quarto
do século XIX, conduziu a uma visão diferente dos judeus; vistos como um
grupo caracterizado por uma descendência biológica comum. Nos últimos
dez anos de vida de Marx, essas opiniões já podiam ser percebidas quando,
por exemplo, os entrevistadores observavam seus traços semitas, as pessoas
os evocavam em suas memórias e o obituário de sua esposa abordava as
dificuldades do noivado de Jenny von Westphalen com o jovem Karl Marx,
dificuldades estas decorrentes da ancestralidade “israelita” deste último.
Nas décadas posteriores ao falecimento de Marx, tais opiniões foram
gradativamente ganhando força e adquirindo intensa conotação política. O
antissemitismo tornou-se cada vez mais popular nos círculos de direita, no
exato momento em que um novo oponente dos direitistas conquistava seu
lugar ao sol: partidos socialistas em rápido processo de crescimento e os
movimentos trabalhistas, empunhando imagens de Marx e se dizendo
inspirados pelo ideário marxista. Em tais circunstâncias, fazia sentido que
os inimigos de direita dos partidos socialistas e do movimento trabalhista
dessem destaque para a descendência judia de Marx. Um exemplo extremo
do paroxismo dessa tendência intelectual e política foi Adolf Hitler, que
deixou patente seu ódio mortal ao marxismo judeu; mas a identificação
hostil, racial e politizada de Marx com os judeus foi amplamente
disseminada nas primeiras décadas do século XX.
Um exemplo menos conhecido pode ajudar na compreensão. Em 1932,
os economistas alemães e austríacos alinhados com a teoria da utilidade
marginal se reuniram em uma conferência realizada em Dresden, sob o
reflexo da Grande Depressão, para afirmar a superioridade de sua
abordagem econômica sobre as ideias da Escola Histórica e dos marxistas.
Um dos participantes, Friedrich von Gottl-Ottlilienfeld, professor de
economia política da Universidade de Berlim, criticou o trabalho de Marx,
classificando-o de “solução cabalística para o problema do valor”.
Independentemente da opinião que se possa ter a respeito de O capital, é
difícil vê-lo como exemplo do misticismo judeu medieval – a menos que a
identidade racial judia de Marx seja tomada como evidência.8
A identificação de Marx como judeu não partiu apenas de inimigos de
suas doutrinas, mas, pelo menos na mesma medida, de seus partidários. O
centro nevrálgico desse evento foi o Império Russo, corroído, como ele
suspeitara em seus últimos anos de vida, pelo crescente descontentamento
com as condições sociais e políticas. Em uma percepção de mundo
diferente da de Marx, as demandas dos nacionalistas e dos socialistas, em
especial entre as nacionalidades não-russas do império, eram coincidentes e
não conflitantes. Um número de judeus desproporcionalmente grande,
membros de um grupo que nutria forte ressentimento em relação ao
governo czarista e revelava uma inclinação cada vez mais acentuada a se
ver como parte de uma nação (ou mesmo uma raça) mais do que uma
religião, reconhecia e aceitava as ideias socialistas. Eles consideravam o
homem que criara tais ideias um indivíduo do grupo, uma espécie de herói
do povo judeu, se assim se desejar.
Como se poderia esperar, essas ideias eram particularmente fortes
entre os seguidores do Bund, o partido socialista judeu do Império Russo.
Um dos fundadores desse movimento socialista judeu, Aron Liberman,
originário de Vilna, declarou: “No espírito de nosso povo, os grandes
profetas de nosso tempo, como Marx e Lassalle, foram educados e criados”.
Na Revolução Russa de 1905, o jornal do Bund anunciou que “o
proletariado judeu já recebeu [uma Torá política] de Karl Marx e seus
correligionários”.9 Os judeus que se associaram, também em número
desproporcional, aos partidos socialistas que se diziam representantes de
todas as nacionalidades do império do czar, também entendiam sua afiliação
política como forma de fugir a uma identidade étnica e nacional; entretanto,
a renúncia a essa identidade foi mitigada pelo fato de identificarem como
um dos seus o fundador do movimento que apoiavam. Tais opiniões, assim
como os judeus da esquerda que as expressavam, foram se integrar ao
movimento comunista na Europa e na América do Norte. Eles costumavam
se manifestar de forma velada ou por meio de comentários informais, dada
sua completa incompatibilidade com a linha adotada pelo partido oficial,
sem falar da crescente hostilidade da USSR em relação aos cidadãos judeus
nas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial.10
O destacado papel que os judeus desempenharam no mundo social e
político da revolução do século XX e na mente dos inimigos mais ferrenhos
daquela revolução, associado a uma interpretação de que ser judeu
significava possuir uma natureza biológica imutável, conferiu ao icônico
representante e fundador titular desses movimentos revolucionários um
traço notadamente judeu. Mas apenas em retrospectiva. Certamente, Marx
não se via como um herói do povo judeu – para dizer o mínimo –, e os
decepcionados esquerdistas judeus do século XX sempre se frustraram a
esse respeito. No entanto, a posição inversa, que identifica Marx como um
antissemita do século XX, quer por uma convicção nazista ou stalinista,
gera conclusões problemáticas, já que ignora o contexto do século XIX no
qual as opiniões do filósofo – expressas em seus escritos sobre a Questão
Judaica ou nos comentários hostis sobre os judeus, ao mesmo tempo
inequívocos e obscuros, espalhados em sua correspondência – estavam
inseridas.

A PERCEPÇÃO DO alinhamento de Marx com os preceitos da ciência


social positivista moldada segundo as concepções das ciências naturais se
reflete em suas próprias ideias, embora pareça bastante injusto negligenciar
suas dúvidas a respeito das posturas científicas positivistas e os pilares
hegelianos nitidamente antipositivistas de grande parte de seu pensamento.
Definir Marx como judeu, seja com intenções amistosas ou hostis, é uma
atitude que foge quase completamente à percepção que ele tinha de si
próprio e que seus contemporâneos tinham sobre ele – sem falar de uma
interpretação mais ampla do que significa ser judeu –, um entendimento que
prevaleceu durante a maior parte de sua vida. Por outro lado, uma
interpretação muito mais próxima da realidade é a que o coloca como um
indivíduo intransigente e inflexível, um revolucionário opositor da ordem
social e política vigente.
É importante compreender que uma significativa parcela daquilo que
era revolucionário e intransigente na personalidade de Marx não estava
ligada à sua postura em defesa do comunismo. Embora o casamento de
Marx com Jenny von Westphalen tenha acabado por se desenrolar segundo
linhas bastante convencionais, a corte arrebatada de um rapaz jovem a uma
mulher mais velha, que carecia de um dote, era uma contestação daquilo
que a burguesia alemã entendia como uma relação decente entre homens e
mulheres. A aversão de Marx pelas monarquias absolutistas e autoritárias e
pelos aristocratas, burocratas e oficiais militares, através dos quais elas
exerciam seu poder – aversão observada acima de tudo na feroz hostilidade
que ele demonstrava em relação ao reino da Prússia e ao Império Russo –
foi a principal força motriz de suas atividades revolucionárias no período de
1848 a 1849, assim como do apelo popular de sua orientação política na
época. O repúdio de Marx à Prússia e à Rússia não se abalou durante toda a
sua vida, mas tomou algumas vezes um curso peculiar, como no caso de seu
apoio às teorias conspiratórias de David Urquhart no tocante aos Whigs
ingleses e ao czar. Ao contrário de seus companheiros revolucionários de
1848, Arnold Ruge e Ferdinand Freiligrath, que se reconciliaram com o
reino da Prússia quando este se revelou o artífice da unidade nacional
alemã, tendo inclusive aceitado receber uma pensão concedida por
Bismarck, Marx nunca tolerou a Prússia e alimentou até o fim de seus dias a
esperança de que ela não sobrevivesse. Seus últimos anos de vida foram
alentados pela expectativa da destituição do poder reacionário do czar, não
por meio de uma guerra de longo alcance que as potências ocidentais
relutavam em empreender, mas por um levante revolucionário dentro da
própria Rússia.
Muito embora a maioria dos radicais de 1848 tenha no final das contas
chegado a bons termos com os desenvolvimentos políticos das duas décadas
seguintes, houve aqueles que permaneceram fiéis às suas aspirações de
outrora. Giuseppe Mazzini e Giuseppe Garibaldi são dois exemplos; e
alguns autores de obituários de Marx o comparavam a eles. O líder
nacionalista húngaro Lajos Kossuth foi outra figura das revoluções de 1848
que se manteve intransigente e irreconciliável. Ele nunca aceitou o domínio
da Áustria sobre sua terra natal, mesmo depois de os húngaros
conquistarem autonomia, em 1867, tendo, assim como Marx, permanecido
no exílio pelo resto de sua vida. Mazzini, Garibaldi e Kossuth eram, sem
dúvida, nacionalistas; mas seu apelo deve ter ficado restrito aos membros
dos grupos nacionais a que pertenciam, em especial, à medida em que, no
decorrer do século XIX, os nacionalismos na Europa se tornavam cada vez
mais etnocêntricos e mutuamente hostis.
No entanto, não se deve exagerar na ênfase dada a esse ponto.
Mazzini, assim como Garibaldi, possuía uma reputação revolucionária que
transcendia as fronteiras da Europa e chegava ao outro lado do Atlântico,
além de uma autoridade icônica de igual alcance.11 Por outro lado, Marx foi
durante décadas uma figura política demasiado alemã, muito embora, como
aconteceu com frequência na primeira metade do século XIX,
profundamente envolvido com a política dos refugiados fora da Alemanha.
Seus planos no período posterior a 1859, no tocante a um retorno político,
tinham como foco a Alemanha e as questões do nacionalismo alemão.
Foram apenas seu envolvimento com a Associação Internacional dos
Trabalhadores Alemães – de alguma forma muito mais com a dissolução do
grupo do que com sua fundação – e seu posicionamento em defesa da
Comuna de Paris que lhe garantiram notoriedade internacional. Depois da
morte de Marx, o apelo de seu ideário ganhou vulto em âmbito mundial,
simultaneamente ao crescimento do movimento trabalhista de massa na
Europa; enquanto a atratividade de outros veteranos intransigentes de 1848
retrocedeu para os limites das fronteiras nacionais.
As aspirações comunistas de Marx, originárias das ideias hegelianas a
respeito da eliminação de distinções entre indivíduos e sociedade civil,
entre oprimidos e opressores, entre os trabalhadores e o produto alienado de
seu trabalho, foram certamente tão drásticas e radicais quanto qualquer
outra consideração que ele possa ter feito em relação à Rússia e à Prússia.
No entanto, muitas das ideias mais radicais de Marx sobre uma sociedade
do futuro não foram publicadas – os manuscritos de Paris, o assim
denominado A ideologia alemã, e o Grundrisse –, ou tiveram restrita
circulação privada, como ocorreu com a circular de março de 1850 para a
Liga Comunista, e com o “Crítica do programa de Gotha”. Outros escritos
foram breves e enigmáticos, a exemplo de passagens acerca do aumento da
produtividade em uma sociedade comunista, acrescentadas à segunda
edição de O capital. Algumas vezes, Marx fez de fato declarações radicais a
respeito de um futuro sob a égide do comunismo, como no Manifesto
comunista, cujos comentários finais versavam sobre atitudes de desdém dos
comunistas destinadas a dissimular seus verdadeiros objetivos, ou no New
Rhineland News, no qual defendeu o levante dos trabalhadores parisienses
em junho de 1848, ou ainda, no A guerra civil na França, em que ele
descreve a Comuna de Paris como modelo de uma sociedade do futuro.
Porém, na maioria dos mais importantes eventos de prática política radical,
em Colônia durante a Revolução de 1848 a 1849, e na AIT, Marx se
mostrou muito mais relutante em fornecer um retrato de um regime
comunista e optou por minimizar a importância da defesa que fazia do
comunismo ou simplesmente ocultá-la por trás de uma linguagem ambígua.
A revelação pública de suas aspirações comunistas marcou o final de dois
períodos de atividade política exacerbada, sinalizando que a ideia de
abandonar todas essas atividades passava a integrar seus planos. Por outro
lado, sua hostilidade em relação à Rússia e à Prússia nunca chegou a ser
aplacada.
Marx também nunca hesitou quanto às suas aspirações por uma dupla
recorrência da Revolução Francesa. Em primeiro lugar, ele imaginava uma
reprodução nas porções central e oriental da Europa, no século XIX, do
ocorrido na França do século XVIII, quando da derrubada da monarquia
absolutista. Sua visão incluía uma repetição do mesmo regime
revolucionário republicano no estilo jacobino e uma guerra revolucionária
de largo alcance. Na sequência, ele antevia uma revolução do século XIX
análoga em sua dinâmica social à Revolução Francesa. A derrubada da
monarquia fora acompanhada da substituição da sociedade de ordens
pré-1789 por uma sociedade capitalista de donos de propriedades,
dominada pela burguesia; a revolução social deveria conduzir do
capitalismo ao comunismo e substituir o governo da burguesia por um do
proletariado. Marx imaginava diversas estruturas intelectuais e políticas que
estabeleceriam a conexão entre essas duas revoluções, mas sua
implementação se mostrou problemática na prática. A exata configuração
das duas revoluções imaginadas e o relacionamento entre elas tendiam a se
alterar ao longo do tempo. A crescente importância das tensões dentro das
sociedades agrícolas, observada nos planos de Marx para uma revolução
anticapitalista é, sem dúvida alguma, extraordinária. O que permaneceu
inalterado foi o símbolo da Revolução Francesa e de seus grandes
momentos, em 1789 e 1793, como imagem e também modelo. Marx
compartilhava essa orientação com companheiros revolucionários de seu
século, mas o emprego do modelo da Revolução Francesa marcava uma
evidente disposição retrógrada em seu pensamento, uma tendência a
imaginar o futuro com o olhar voltado para o passado.
Contudo, se as fontes inesgotáveis de aspirações revolucionárias de
Marx estavam nitidamente enraizadas em seus anos de formação durante a
primeira metade do século XIX, tais aspirações e a obstinação com que ele
as sustentava, fossem elas abertamente expressas ou dissimuladas por uma
questão de objetivos táticos, podem representar a chave da imorredoura
repercussão de suas ideias. É surpreendente observar como defensores de
tantas causas tão diferentes foram atraídos pelo homem e suas doutrinas, ou
aquilo que eles imaginam serem essas doutrinas. Líderes dos movimentos
trabalhistas de massa dos primórdios do século XX na Europa, proponentes
da destituição violenta da autoridade do czar, núcleos da revolução
comunista global, ativistas anti-imperialismo na Ásia, na África e na
América Latina, de meados do século XX, e jovens intelectuais
descontentes na sociedade de consumo da Europa ocidental e da América
do Norte, nos anos 1960, foram todos marxistas.
Também os líderes dos regimes comunistas do século XX, na Europa e
na Ásia, proclamaram-se marxistas. Seus planos para arrancar do
subdesenvolvimento econômico os países que governavam e transformá-los
em futuras nações industrializadas e produtivas, de forma drástica, violenta
e totalitária, sofreriam uma completa guinada genocida, como ocorreu na
USSR de Stalin e na China de Mao. Essas campanhas dos regimes
marxistas fazem lembrar nada mais do que as descrições apresentadas por
Marx em seus escritos sobre a brutal modernização da Índia colonial pelos
britânicos ou dos relatos encontrados em O capital, acerca da primeira fase
cruel da acumulação capitalista primordial. A história posterior desses
regimes revelou um despotismo burocrático, que guardava muitas
semelhanças com os reinados da Prússia e do czar, que Marx tanto
desprezara.
Todos esses marxismos atraíram a hostilidade dos defensores do status
quo capitalista, que, mais de duas décadas depois de desmantelado o
supostamente marxista bloco oriental, continuam a projetar seu ódio contra
eles e seu pretenso criador. As verdadeiras ideias e práticas políticas de
Marx – desenvolvidas no contexto do início do século XIX: a era da
Revolução Francesa e suas consequências, da filosofia de Hegel e seus
críticos Jovens Hegelianos, dos primórdios da industrialização na Grã-
Bretanha e das teorias sobre economia política que daí emergiram –
tiveram, no máximo, apenas conexões parciais com aquelas que os amigos e
inimigos de seus últimos dias encontraram em seus escritos. De certo modo,
as verdadeiras conexões intelectuais foram irrelevantes. A natureza
ardentemente irreconciliável, inflexível e intransigente de Marx foi o
aspecto de sua vida que, até os dias de hoje, tem provocado o mais
profundo e ressonante apelo, e gerado as mais ferinas críticas e a mais
veemente oposição.
Agradecimentos

A EXEMPLO DO que fazem os acadêmicos, apresentei partes desse


trabalho na forma de palestras públicas ou comunicacões a conferências em
instituições como Universidade de Tennessee, Universidade de Vanderbilt,
Universidade de Leipzig, Universidade de Giessen, assim como na
conferência anual da Associação de Estudos Alemães e no grupo de estudos
de historiadores alemães da área de St. Louis. Nesses e em outros locais,
recebi críticas e conselhos de muitos colegas acadêmicos, entre os quais,
Celia Applegate, Harald Bluhm, Warren Breckman, James Brophy, Markus
Denzel, Steven Hochstadt, Kenneth Ledford, Suzanne Marchand, Jennifer
Miller, Jerry Muller, Warren Rosenblum, Mark Ruff, Corinna Treitel, Meike
Werner, Jonathan Wiesen e John Williams.
Devo um agradecimento especial aos doutores Brian Johnson e Lindall
Perry do Boone Hospital Center, pela ajuda extraordinária; eles,
generosamente, colocaram sua experiência médica à minha disposição.
Prestaram-me uma ajuda inestimável as pessoas que concordaram em ler as
versões iniciais do manuscrito e fornecer sugestões decisivas para seu
aperfeiçoamento. Jürgen Herres, da MEGA, não se limitou a isso; ele
também descobriu, enterrados no subsolo da Academia de Ciências Berlin-
Brandenburg, materiais imprecisos, mas de indubitável utilidade. Friedrich
Lenger, da Universidade de Giessen, contribuiu, como vem fazendo há
quase três décadas, com excelentes recomendações sobre o livro.
Christopher Clark, do St. Catherine’s College, em Cambridge, e Helmut
Smith, da Universidade de Vanderbilt, colocaram à minha disposição seu
trabalho rigoroso e erudito de leitura. Colegas da Universidade de Missouri
leram meus manuscritos, e deixo aqui registrado meu agradecimento pelos
comentários e pelas críticas de John Frymire, Abdullahi Ibrahim, John
Wigger e, em especial, Steven Watts, biógrafo mestre. Robert Weil, da
Liveright/W. W. Norton foi um editor sério e rigoroso. Ele desempenhou
um papel fundamental para o aperfeiçoamento do manuscrito que submeti
para aprovação, e devo admitir que sou o único culpado por não aceitar
todas as suas sugestões. Faço a mesma observação em relação a todas as
pessoas citadas anteriormente: elas são merecedoras de uma parcela dos
elogios que qualquer leitor possa desejar fazer ao livro; contudo, as
censuras dos leitores devem ser dirigidas exclusivamente a mim.
Minha esposa, Nancy Katzman, nunca tomou notas ou digitou meus
manuscritos, mas tem sido, por um bom quarto de século, uma fonte de
amor e inspiração.
Este livro é dedicado à memória de meu pai, Louis Sperber.
Fontes de referência

A MAIS EXTENSA, abrangente e erudita versão dos trabalhos de Marx e


Engels é a Karl Marx/Friedrich Engels Gesamtausgabe, citada nas notas
com o título de MEGA. Os volumes distribuídos entre 1975 e 1990 foram
editados pelo Instituto de Marxismo-Leninismo de Moscou e de Berlim
oriental, e publicados pela editora Dietz Verlag, de Berlim oriental. Edições
mais recentes foram publicadas pela Fundação Internacional Marx Engels e
publicadas pela Akademie Verlag, de Berlim.
A MEGA, depois de mais de 35 anos de trabalho, ainda não está
finalizada; portanto, para acesso a alguns escritos e algumas
correspondências de Marx é necessário recorrer a outras edições menos
abrangentes e menos eruditas. Ao contrário da MEGA, na qual todo o
material está impresso no idioma em que foi originalmente divulgado, as
edições mais antigas são monolíngues, com tradução do material para os
respectivos idiomas de publicação. Como a maior parte do trabalho de
Marx foi escrita em alemão, a mais profícua das edições antigas é Karl
Marx Friedrich Engels Werke, 39 vols., mais 2 suplementos, editada pelo
Institut für Marxismus-Leninismus beim ZK der SED (Berlim oriental:
Dietz Verlag, 1956-77), abreviado nas notas como MEW. Para o material
originalmente escrito em inglês, eu utilizei a edição em inglês dos trabalhos
de Marx e Engels, Karl Marx, Friedrich Engels: Collected Works, 50 vols.
(Nova York: International Publishers Co.; Moscow: Progress Publishers,
1975-2004), abreviado nas notas como MECW. Existem três edições
diferentes das obras completas em francês, nenhuma das quais está acabada
(cf. Attali, Karl Marx. P. 548). Empreguei a versão da Editions Sociales
(Paris 1945- ) como fonte das cartas cujo original foi escrito em francês
(citada como MEC), e seu volume de Poverty of Philosophy, publicado em
1961 (citado como MδP).
Existem outras três coleções de documentos úteis para uma biografia
de Marx. Uma delas é uma coletânea de materiais relativos à Liga
Comunista, Der Bund der Kommunisten. Dokumente und Materialien, 3
vols., editada pelo Instituto de Marxismo-Leninismo de Moscou e de
Berlim oriental (Berlim oriental: Dietz Verlag, 1970-84), citada como BδK.
Outra é a coleção alusiva ao Congresso da AIT de 1872: The Hague
Congresso of the First International September 2-7, 1872, 2 vols.: Vol. 1,
Minutes and Documents; Vol. 2, Reports and Letters, publicada pelo
Instituto de Marxismo-Leninismo de CC do PCUS (Moscou: Progress
Publishers, 1976-78), citada nas notas como HCFI. Finalmente, com relação
à história do Rhineland News e às atividades políticas de Marx em Colônia,
uma fonte de referência particularmente providencial é Rheinische Briefe
und Akten zur Geschichte der politischen Bewegung 1830-1850, 3 vols.:
Vol. 1 e Vol. 2, parte 1, editados por Joseph Hansen (Bonn: Peter Hanstein
Verlag, 1919-42); Vol. 2, parte 2 e Vol. 3, editados por Heinz Boberach
(Colônia & Bonn: Peter Hanstein Verlag 1976; Dusseldorf: Droste Verlag,
1998); essas citações estão abreviadas como RhBA.
Notas

INTRODUÇÃO

1 Boris Nicolaievsky e Otto Maénchen-Helfen, Karl Marx: Man and Fighter, trad. Gwenda
David e Eric Mosbacher (Filadélfia: J.B. Lippincott Company, 1936). Uma biografia
consagrada de Marx, e um excelente trabalho, é Karl Marx: A Biography, 4a ed.
(Houndmills, Basingstoke: Macmillan, 2006), de David McLellan. Algumas das mais
importantes e mais notórias biografias de Marx são: Isaiah Berlin, Karl Marx: His Life and
Environment, 4a ed. (Oxford: Oxford University Press, 1978); Leopold Schwarzschild, The
Red Prussian: The Life and Legend of Karl Marx, trad. Margaret Wing (Nova York:
Charles Scribner’s Sons, 1947); Francis Wheen, Karl Marx: A Life (Nova York: W.W.
Norton, 2000); Robert Payne, Marx (Nova York: Simon & Schuster, 1968); Jacques Attali,
Karl Marx, ou l’espirit du monde (Paris: Librarie générale française, 2007); Wolfgang
Schieder, Karl Marx als Politiker (Munique: Piper Verlag, 1991).
2 Eric Hobsbawm, ed., The Communist Manifesto: A Modern Edition (Londres: Verso,
1998), 17-18; http://www.guardian.co.uk/books/2011/jan/16/eric-hobsbawm-trist-hunt-
marx; acessado em 27/1/11.
3 James Brophy, “Recent Publications of the Marx-Engels-Gesamtausgabe (MEGA)”,
Central European History 40 (2007): 523–37.
4 Heiko Oberman, Luther: Man between God and the Devil, trad. Eileen Walliser-
Schwarzbart (New Haven: Yale University Press, 1989); Ian Kershaw, Hitler: A Biography
(Nova York: W.W. Norton, 2008); Constantin Goschler, Rudolf Virchow: Mediziner –
Anthropologe – Politiker (Colônia: Böhlau Verlag, 2002); Friedrich Lenger, Werner
Sombart 1863-1941 Eine Biographie (Munique: C.H. Beck, 1994).

PARTE I: A FORMAÇÃO
CAPÍTULO I: O FILHO

1 Sobre a história da cidade de Tréveris, ver Heinz Heine et. al., eds., 2000 Jahre Trier, 3
vols. (Tréveris: Spee-Verlag, 1985-96); mais resumidamente, Eric David, “Trèves: De la
capitale d’empire à la ville moyenne; Une ville moyenne frontalière dans la perspective des
occupations françaises successives”, Revue d’Allemagne 26 (1994): 69–81.
2 Citada em Klaus Gerteis, “Sozialgeschichte der Stadt Trier 1580-1794”, em 2000 Jahre
Trier 3: 61.
3 De modo mais geral, sobre os judeus no antigo regime da Europa, ver David Vital, A
People Apart: The Jews in Europe 1789-1939 (Oxford: Oxford University Press, 1999), 1-
25, ou Jonathan Israel, European Jewry in the Age of Mercantilism, 1550-1750 3a ed.
(Londres: Valentine Mitchell & Co., 1998), 165-166.
4 Cilli Kasper-Holtkotte, Juden im Aufbruch. Zur Sozialgeschichte einer Minderheit im
Saar-Mosel-Raum um 1800 (Hanover: Hahnsche Buchhandlung, 1996) é uma monografia
modelo acerca dos judeus de Tréveris e vizinhanças, no final do antigo regime e na época
da Revolução Francesa.
5 Heinz Monz, Karl Marx Grundlagen der Entwicklung zu Leben und Werk (Tréveris: Nco-
Verlag, 1973), 215-218; encontramos em Manfred Schönke uma árvore genealógica dos
ancestrais de Marx pelo lado paterno, Karl und Heinrich Marx und ihre Geschwister:
Lebenszeugnisse – Briefe – Dokumente. (Bonn: Pahl-Rugenstein Nachfolger, 1993), 6-8.
Samuel Levi mudou-se mais tarde para Tréveris, e lá se tornou rabino.
6 Sobre os vinte anos de ocupação francesa de Tréveris, existe a excelente coletânea de
ensaios e catálogos de exposições, Elisabeth Dühr e Christl Lehnert-Leven, eds., Unter der
Trikolore Sous le drapeau tricolore Trier in Frankreich – Napoleon in Trier Trèves en
France – Napoléon à Trèves 1794-1814, 2 vols. (Tréveris: Städtisches Museum
Simeonsstift, 2004); um bom panorama em Michael Müller, “Die Stadt Trier unter
französisscher Herrschaft (1794-1814)”, em Kurt Düwell e Franz Irsigler, eds., Trier in der
Neuzeit, Vol. 3 de 2000 Jahre Trier, 377-398. Qualquer outra declaração não citada
explicitamente a respeito de Tréveris na época do domínio francês é baseada nesses dois
trabalhos.
7 Citado em Hans-Ulrich Seifert, “Dialektik der Abklärung–Literarische Gegenentwürfe
und deutsch-französische Wchselbeziehungen unter napoleonischer Herrschaft (unter
besonderer Berücksichtigung der unveröffentlichten Korresondenz zwischen Charles de
Vilers und Johann Hugo Wyttenbach)”, em Dühr e Lehnert-Leven, Unter der Trikolore 1:
473.
8 Gabriele B. Clemens, “Die Notabeln der Franzosenzeit”, ib., 1:105-180.
9 Elisabeth Wagner, “Die Rückführung des Heiligen Rockes nach Trier und die Heilig-
Rock-Wallfahrt im Jahre 1810”, ib., 1:419-432; Wolfgang Schieder, Religion und
Revolution. Die Trierer Wallfahrt von 1844 (Vierow: SH-Verlag, 1996).
10 Citado em Kasper-Holtkotte, Juden im Aufbruch, 200.
11 Com detalhes admiráveis, ib., 190-433.
12 Citado em ib., 383.
13 Ib., 341-344, 414.
14 Heinz Monz, “Neue Funde zum Lebesnweg von Karl Marx’ Vater”, Osnabrücker
Mitteilungen 87 (1981): 59-71; Schönke, Karl und Heinrich Marx, 122-127.
15 Luitwin Mallmann, Französische Juristenbildung im Rheinland 1794-1814. Die
Rechtsschule von Koblenz, (Colônia: Böhlau Verlag, 1987), 104-125; Schönke, Karl und
Heinrich Marx, 127-131.
16 Alegações de Heinrich ter estudado Direito, muito provavelmente falsas, mas sempre
reiteradas nas biografias de Marx, ver Kasper-Holtkotte, Juden im Aufbruch, 383 e
Schönke, Karl und Heinrich Marx, 123.
17 Mallmann, Französische Juristenbildung, 122.
18 Em relação à Tréveris nas décadas iniciais do domínio prussiano e durante a revolução
de 1848, ver Elisabeth Duhr, ed., “Der Schlimmste Punkt in der Provinz: ” Demokratische
Revolution 1848/49 in Trier und Umgebung, (Tréveris: Selbstverlag des Städtischen
Museums Simeonstift, 1998); Manfred Heimers, “Trier als preußische Bezirkshaupstadt im
Vormärz (1814-1848)”, em Düwell e Irsigler, Trier in der Neuzeit, 399-419; Jonathan
Sperber, Rhineland Radicals: The Democratic Movement and the Revolution of 1848-1849
(Princeton: Princeton University Press, 1991), 154, 181-183.
19 Clemens, “Die Notablen der Franzosenzeit”, em Dühr und Lehnert, eds., Unter der
Trikolore, 1: 106, 178-179; Monz, Karl Marx, 160-168; Karl-Georg Faber, “Verwaltungs-
und Justizbeamte auf dem linken Rheinufer während der französischen Herrschaft”, em
Max Braubach, ed., Aus Geschichte und Landeskunde: Forschungen und Darstellungen
Franz Steinbach zum 65. Geburtstag (Bonn: L. Röhrscheid Verlag, 1960), 350-388.
20 Schönke, Karl und Heinrich Marx, 148, 153-161; Mallmann, Französische
Juristenbildung, 176-178; Sperber, Rhineland Radicals, 38-39, 117-118; Jonathan Sperber,
Property and Civil Society in South-Western Germany 1820-1914, (Oxford: Oxford
University Press, 2005), 9-10.
21 Suzanne Zittartz-Weber, Zwischen Religion und Staat: Die jüdischen Gemeinden in der
preußischen Rheinprovinz 1815-1871, (Essen: Klartext Verlag, 2003), 63-74.
22 Monz, Karl Marx, 243-245. A data exata não é conhecida, porque o pastor protestante
de Tréveris, contrariando os padrões prussianos, era bastante leniente em relação à
manutenção dos registros de batismo.
23 Ver, por exemplo, Jerrold E. Seigel, Marx’s Fate: The Shape of a Life (Princeton:
Princeton University Press, 1978); mais amplamente, Yuri Slezkine, The Jewish Century
(Princeton: Princeton University Press, 2004), 63, 83.
24 Wilhelm Füssl, Professor in der Politik: Friedrich Julius Stahl (1802-1861), (Göttingen:
Vandenhoeck & Ruprecht, 1988); Kasper-Holtkotte, Juden im Aufbruch, 432.
25 Stefan Rohrbacher, Gewalt im Biedermeier: Antijüdische Ausschreitungen im Vormärz
und Revolution (1815-1848/49), (Frankfurt e Nova York: Campus Verlag, 1990), 94-156.
26 Uri R. Kaufmann, “Ein jüdischer Deutscher: Der Kampf des jungen Gabriel Riesser für
die Gleichberechtigung der Juden 1830-1848”, Aschkenas: Zeitschrift für Geschichte und
Kultur der Juden 13 (2003): 211-236.
27 Kasper-Holtkotte, Juden im Aufbruch 432; Schönke, Karl und Heinrich Marx, 429-469.
28 Schönke, Karl und Heinrich Marx, 294-296, 342; MEGA 3/1: 290-291. O único traço
do passado judeu de Heinrich encontrado em sua biblioteca pessoal foi um “Livro hebreu”
não especificado em outros contextos.
29 Lucian Hölscher, Geschichte der protestantischen Frömmigkeit in Deutschland
(Munique: Verlag C.H. Beck, 2005), 215-218; Christoph Weber, Aufklärung und
Orthodoxie am Mittelrhein: 1820-1850 (Munique: Ferdinand Schöningh Verlag, 1973);
Wolfgang Schieder, Religion und Revolution.
30 Schönke, Karl und Heinrich Marx, 142.
31 Jan Gielkens, Karl Marx und seine niederländischen Verwandten (Tréveris: Karl-Marx-
Haus, 1999), 32-63. Ao contrário do que afirmam muitos biógrafos, o cidadão de
Bratislava, pai de Henriette, não foi um rabino.
32 Monz, Karl Marx, 229-230; Schönke, Karl und Heinrich Marx, 4-5; Marian Kaplan,
The Making of the Jewish Middle Class: Women, Family and Identity in Imperial Germany,
(Nova York: Oxford University Press, 1991), 85-99.
33 Schönke, Karl und Heinrich Marx, 291, 300. A respeito dos dotes e seu papel nos
casamentos, ver Sperber, Property and Civil Society, 21-31; Kaplan, Making of the Jewish
Middle Class, 93-98.
34 Schönke, Karl und Heinrich Marx, 358.
35 Essas e outras citações semelhantes, em Gielkens, Karl Marx und seine
niederländischen Verwandten, 33-34.
36 MEGA 3/1: 292, 294-295; Monz, Karl Marx, 230-238.
37 Schönke, Karl und Heinrich Marx, 188; Kaplan, Making of the Jewish Middle Class,
64-81.
38 As datas relativas à família são de Monz, Karl Marx, 230-238. Sobre a prática da
amamentação por amas de leite, ver Kaplan, The Making of the Jewish Middle Class, 48-
49.
39 Monz, Karl Marx, 255-258, Schönke, Karl und Heinrich Marx, 166, 170, 175, 180,
188-191, 201, 209, 217-219, 221-224, 297; Jürgen Herres, “Cholera, Armut und eine
‘Zwangssteuer’ 1830/32: Zur Sozialgeschichte Triers im Vormärz”, Kurtrierisches
Jahrbuch 39 (1990): 161-203.
40 Ib., Gielkens, Karl Marx und seine niederländischen Verwandten, 105; Hans-Joachim
Henning, Das westdeutsche Bürgertum in der Epoche der Hochindustrialisiesrung 1860-
1914 (Wiesbaden: Franz Steinver Verlag, 1972), 51-52, 470-472.
41 Wheen, Karl Marx, 8.
42 Monz, Karl Marx, 297; MEGA 3/2: 471.
43 Karl-Ernst Jeismann, Das preußische Gymnasium in Staat und Gesellschaft 2 vols.
(Stuttgart: Klett-Cotta, 1996).
44 Citado em James C. Albisetti, Secondary School Reform in Imperial Germany
(Princeton: Princeton University Press, 1983), 47.
45 Wilhelm Liebknecht, Karl Marx zum Gedächtniß. Ein Lebensabriß und Erinnerungen.
(Nuremberg: Wörlein & Comp., 1896), 38; MEGA 3/11: 380.
46 Monz, Karl Marx, 297-316.
47 Ib., 160-178.
48 James Brophy, Popular Culture and the Public Sphere in the Rhineland 1800-1850
(Cambridge: Cambridge University Press, 2007), 100-102; Schönke, Karl und Heinrich,
Marx, 230-231; Monz, Karl Marx, 135-137.
49 MEGA 1/1: 449-452.
50 Monz, Karl Marx, 173-74.
51 MEGA 1/1: 454-457.
52 Ib., 3/1: 291-292; Monz, Karl Marx, 172-173.
53 Christian Jansen, “Der politische Weg des Trierer Paulskirchenabgeordneten Ludwig
Simon (1819-1872) gegen den Strom des nationalistischen 19. Jahrhunderts”, em Guido
Müller e Jürgen Herres, eds., Aachen und die westlichen Rheinlande und die Revolution
1848/49 (Aachen: Shaker Verlag, 2000), 279-308.

CAPÍTULO 2: O ALUNO

1 Christina von Hodenberg, Die Partei der Unparteiischen. Der Liberalismus der
preußischen Richterschaft 1815-1848/1849 (Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1996),
103-128; Jeismann, Das preußische Gymnasium, 2: 340-342.
2 Hodenberg, Die Partei, 105-107; Sperber, Rhineland Radicals, 70-72.
3 MEGA 3/1: 301.
4 MEW 35: 466.
5 Peter Kaup, “Karl Marx als Waffenstudent: Burschenschafter an seinem Lebensweg”,
Darstellungen und Quellen zur Geschichte der deutschen Einheitsbewegung im
neunzehnten und zwanzigsten Jahrhundert 15 (1995): 141-168; Brophy, Popular Culture
and the Public Sphere, 216-252.
6 MEGA, 3/1: 293, também 296-297
7 Ib., 299.
8 Ib., 3/1: 319-320, 331, 337.
9 MEW, 35: 241-242.
10 Sobre a família Westphalen, ver Monz, Karl Marx, 319-345; e Lutz Graf Schwerin von
Krosigk, Jenny Marx Liebe und Leid im Schatten von Karl Marx 2a ed. (Wuppertal: Staats-
Verlag, 1976), 161-216, dos quais é proveniente a maioria dos relatos seguintes.
11 William D. Godsey, Jr., Nobles and Nations in Central Europe: The Imperial Knights in
the Age of Revolution 1750-1850 (Cambridge: Cambridge University Press, 2004), 50-71;
Heinz Reif, Westfälischer Adel 1770-1860: vom Herrschaftsstand zur regionalen Elite
(Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1979), 188, 551 n. 35.
12 MEGA, 3/1: 332-333, 347-378.
13 Ib., 3/1: 331, 740; ver 396.
14 Ib., 3/1: 337-338; MEW, 30: 643.
15 MEGA, 3/1: 332; Schwerin von Krosigk, Jenny Marx, 26-30; Monz, Karl Marx, 330.
16 MEGA, 3/1: 306, 338.
17 Karen Hausen, “‘…eine Ulme für das schanke Efeu’. Ehepaare im Bildungsbürgertum.
Ideale und Wirklichkeit im späten 18. und 19. Jahrhundert”, em Ute Frevert, ed.,
Bürgerinnen und Bürger: Geschlechterverhältnisse im 19. Jahrhundert (Göttingen:
Vandenhoeck & Ruprecht, 1988), 85-117.
18 MEGA, 3/1: 45, 300-304, 306, 318-320, 347-348; Schwerin von Krosigk, Jenny Marx,
39; Heinrich Gemkow, “Aus dem Leben einer rheinischen Familie im 19. Jahrhundert.
Archivalische Funde zu den Familien von Westphalen und Marx”, Jahrbuch für
westdeutsche Landesgeschichte 31 (2008): 498-524.
19 MEGA, 3/1:301, 303.
20 Ib., 1/1: 483-703; 3/1: 9-17, 318; Manfred Kliem, Karl Marx und die Berliner
Universität 1836 bis 1841, (Berlim oriental: Humboldt Universität, 1988), 26-29.
21 Na vasta literatura sobre Hengel e seus correligionários, um trabalho particularmente
útil é o de John Edward Toews, Hegelianism: The Path Toward Dialectical Humanism,
1805-1848 (Cambridge: Cambridge University Press, 1980).
22 Citado em Ib., 91; para a esplêndida discussão de Toews a esse respeito, 89-94.
23 Carta em MEGA, 3/1: 9-18.
24 Ib., 3/1: 17, 303-306, 309-310, 315-317, Kliem, Karl Marx und die Berliner Universität,
16.
25 MEGA 3/1: 311, 315, 323-330.
26 Ib., 3/1: 331; Gemkow, “Aus dem Leben”, 520-521.
27 Monz, Karl Marx, 233; Kliem, Karl Marx und die Berliner Universität, 33; McLellan,
Karl Marx, 27-28; MEGA, 3/1: 360.
28 MEGA, 3/1: 297, 330; Ute Frevert, A Nation in Barracks: Modern Germany, Military
Conscription and Civil Society, trad. Andrew Boreham e Daniel Brückenhaus (Oxford:
Berg Publishers, 2004), 50-56.
29 Gielkens, Karl Marx und seine niederländischen Verwandten, 138-140.
30 Kliem, Karl Marx und die Berliner Universität, 20, 25.
31 Sperber, Property and Civil Society, 21, 36-37; MEGA 3/1: 347-348.
32 Kliem, Karl Marx und die Berliner Universität, 65-66.
33 Ib., 54-55; Schwerin von Krosigk, Jenny Marx, 217-219; MEGA, 3/1: 338.
34 Hans Günther Reissner, Eduard Gans: Ein Leben im Vormärz (Tübingen: J.C. B. Mohr,
1965); Reinhard Blänker, Gerhard Göhler, e Norbert Waszek, eds., Eduard Gans (1797-
1839): Politischer Professor zwischen Restauration und Vormärz. Leipzig: Leipziger
Universitätsverlag, 2002.
35 Sobre os Jovens Hegelianos, além do trabalho de Toews citado acima, ver Warren
Breckman, Marx, the Young Hegelians and the Origins of Radical Social Theory:
Dethroning the Self (Cambridge: Cambridge University Press, 1999) e, em especial,
Wolfgang Eßbach, Die Junghegelianer. Soziologie einer Intellektuellengruppe (Munique:
Wilhelm Fink Verlag, 1988).
36 Eßbach, Die Junghegelianer, 30-31 e n. 48.
37 Marilyn Chapin Massey, Christ Unmasked: The Meaning of The Life of Jesus in
German Politics (Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1983); Franz Courth,
“Die Evangelienkritik des David Friedrich Strauß im Echo seiner Zeitgenossen. Zur
Breitenwirkung seines Werkes”, em Georg Schwaiger, ed., Historische Kritik in der
Theologie: Beiträge zu ihrer Geschichte. (Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1980), 60-
98.
38 Peter C. Caldwell, Love Death and Revolution in Central Europe: Ludwig Feuerbach,
Moses Hess, Louise Dittmar, Richard Wagner (Nova York: St. Martin’s, 2009) é uma
excelente porta de entrada para o mundo intelectual de Feuerbach.
39 Citado em Heinz-Herman, Brandhorst, Lutherrezeption und bürgerliche Emanziaption:
Studien zum Luther- und Reformationsverständnis im deutschen Vormärz (1815-1848)
unter besonderer Berücksichtigung Ludwig Feuerbachs (Göttingen: Vandenhoeck &
Ruprecht, 1981), 72. “Luz” era uma senha empregada entre os protestantes liberais alemães
como referência à defesa que eles faziam das ideias racionalistas e iluministas.
40 Ib., 73-90; Stephan Walter, Demokratisches Denken zwischen Hegel und Marx. Die
politische Philosophie Arnold Ruges (Dusseldorf: Droste Verlag, 1995), 99-143.
41 Eßbach, Die Junghegelianer, 66-78.
42 MEGA 3/1: 58-60, 416-420.
43 Surpreendentemente, ainda não existe uma biografia completa de Bruno Bauer. Porém,
no que se refere a suas ideias e suas conexões com Marx, ver Zvi Rosen, Bruno Bauer and
Karl Marx: The Influence of Bruno Bauer on Marx’s Thought (The Hague: Martinus
Nijhoff, 1977); Ruedi Waser, Autonomie des Selbstbewußtseins. Eine Untersuchung zum
Verhältnis von Bruno Bauerund Karl Marx (1835-1843) (Tübingen: Francke verlag, 1994);
Junji Kanda, “Die Feuerbach-Rezeption des jungen Marx im Licht der Junghegelianismus-
Forscshung”, em Ursula Reitemeyer, Takayuik Shibata, e Franceso Tomasoni, eds., Ludwig
Feuerbach (1804-1872) Identität und Pluralismus in der globalen Gesellschaft (Nova
York: Waxmann Münster, 2006), 105-115; Petra Linzbach, “Die konservative Orientierung
Bruno Bauers nach 1848”, em Lars Lambrecht, ed., Osteuropa in den Revolutionen von
1848 (Frankfurt: Peter Lang, 2006), 169-181.
44 MEGA 3/1: 17, 335-336, 340-346, 349-350, 352-359; Waser, Autonomie des
Selbstbewußtseins, 11, 84; Rosen, Bruno Bauer, 127; Wheen, Karl Marx, 256-257.
45 MEGA 1/1: 9-91; um comentário a esse respeito se encontra em Peter Fenves, “Marx’s
Doctoral Thesis on Two Greek Atomists and the Post-Kantian Interpretation”, Journal of
the History of Ideas 47 (1986): 433-452.
46 MEGA 1/1: 58.
47 Kanda, “Die Feuerbach-Rezeption des jungen Marx”, 106-107.
48 MEGA 1/1: 11-14.
49 Kliem, Karl Marx und die Berliner Universität, 60-62, 80-81.

CAPÍTULO 3: O EDITOR

1 Schönke, Karl und Heinrich Marx, 307-309. Sobre as práticas relativas a heranças, ver
Sperber, Property and Civil Society, 36-63.
2 MEGA 3/1: 28, 43.
3 Gielkens, Marx und seine niederländischen Verwandten, 135-140; MEGA 3/2: 311-312,
365-367.
4 MEGA 3/1: 353, 358, 751; Rosen, Bruno Bauer, 62-63, 128-131; Waser, Anatomie des
Selbstbewußtseins, 27.
5 Eßbach, Die Junghegelianer, 290-295.
6 Arnold Ruge, Zwei Jahre in Paris (Leipzig: Verlag von Wilhelm Jurany, 1846), 2:55.
7 MEGA 3/1: 342-343, 349-350, 352-353, 358.
8 David Barclay, Frederick William IV and the Prussian Monarchy, 1840-1861 (Oxford:
Clarendon Press, 1995), 52-122; Wolfgang Büttner, “Friedrich Wilhelm IV im Blickpunkt
zeitkritischer Vormärzliteratur”, Forum Vormärz Forschung 10 (2004): 195-207; MEGA
3/1: 349-350.
9 Eßbach, Die Junghegelianer, 124-131 (citado em 128); Toews, Hegelianism, 308-319.
10 Bruno e Edgar Bauer, Briefwechsel zwischen Bruno Bauer und Edgar Bauer während
der Jahre 1839-1842 aus Bonn und Berlin (Charlottenburg: Verlag von Egbert Bauer,
1844), 192.
11 MEGA 3/1: 25.
12 Ib., 3/1: 24, 26.
13 Ib., 3/1: 366-367.
14 John Knodel, Demographic Behavior in the Past: A Study of Fourteen German Village
Populations in the Eighteenth and Nineteenth Centuries (Cambridge: Cambridge
University Press, 1988), 185-294.
15 MEGA, 3/1: 21-30; 370, 372, 375.
16 Sobre a fundação e o desenvolvimento inicial do Rhineland News, ver Edmund
Silberner, “Moses Hess als Begründer und Redakteur der Rheinischen Zeitung”, Archiv für
Sozialgeschichte 4 (1964): 5-44, e Edmund Siberner, Moses Hess: Geschichte seines
Lebens (Leiden: E.J. Brill, 1966), 1-102.
17 Christopher Johnson, Utopian Communism in France: Cabet and the Icarians 1839-
1851 (Ithaca: Cornell University Press, 1974), 93-95; Edward Berenson, Populist Religion
and Left-Wing Politics in France, 1830-1852 (Princeton: Princeton University Press, 1984),
36-51; Silberner, Moses Hess, 7-9, 20-21, 23-28, 72-74.
18 Joseph Hansen, Gustav Mevissen: ein rheinisches Lebensbild 1815-1899 2 vols.
(Berlim: Georg Reimer, 1906): 1: 246.
19 Ib., 1:246; RhBA 1:466.
20 Götz Langkau e Hans Pelger, Studien zur Rheinischen Zeitung und zu ihrer Forderung
nach Handesfreiheit und Grundrechten im Deutschen Bund (Tréveris: Karl-Marx-Haus,
2003); RhBA 1:15-16, 571-581; Hansen, Mevissen, 1:250-251.
21 Hansen, Mevissen, 1:251-252; Hans-Martin Sass, “Bruno Bauers Idee der Rheinischen
Zeitung”, Zeitschrift für Religions- und Geistesgeschichte 19 (1967): 321-332.
22 O ensaio foi publicado no suplemento de diversas edições do Rhineland News, de 5-19
de maio de 1842. Foi reimpresso em MEGA 1/1: 121-169.
23 RhBA 1: 844.
24 MEGA, 1/1: 134-135.
25 Ib., 1/1: 139-140.
26 Ib., 1/1: 159.
27 Ib., 1/1: 161.
28 Ib., 1/1: 153.
29 Ib., 1/1: 169.
30 Ib., 1/1: 991-992; RhBA 1: 344.
31 Publicado no suplemento das edições de 10, 12 e 14 de julho de 1842 do Rhineland
News e republicado em MEGA 1/1: 172-190.
32 Ib., 3/1: 29.
33 Ib., 1/1: 182-188.
34 RhBA, 1: 318, 324-326, 338-341.
35 Ib., 1: 353-354, 368 n. 1; MEGA 3/1: 374.
36 McLellan, Karl Marx, 42; Wheen, Karl Marx, 36; MEGA 3/1: 30-32, 37.
37 RhBA, 1: 381 n. 1, 330-331, 341-342, 345-346, 361, 389; Silberner, Moses Hess, 106-
18.
38 Silberner, Moses Hess, 96; MEGA 3/1: 373.
39 MEGA 1/1: 31-32.
40 RhBA 1: 373, 388; Langkau e Pelger, Studien zur Rheinischen Zeitung, 30-94.
41 Eßbach, Die Junghegelianer, 214-226 (excelente relato); MEGA 3/1: 37-39, 379-383;
773.
42 MEGA 3/1: 64, 386-387, 391, 406.
43 Para a análise a partir do ponto de vista de Marx, ver MEGA, 3/1: 37-39.
44 Langkau e Pelger, Studien zur Rheinischen Zeitung, 240-332.
45 RhBA, 1: 375-3 76, 389.
46 Ib., 1: 353 n. 1, 374-3 75, 389; Wheen, Karl Marx, 46; MEGA, 3/1: 33.
47 MEGA 3/1: 33-36, 250; RhBA, 1: 389.
48 RhBA, 1: 368-369, 384, 397, 410.
49 MEGA 2/2: 99-100.
50 Hansen, Mevissen: 1: 264-266; Silberner, Moses Hess, 119-121; RhBA, 1: 411.
51 Ver MEGA 1/1: 240.
52 Ib., 3/1: 38.
53 Ib., 1/1: 237-240, 1032-1037.
54 MEGA 1/1: 199-236.
55 Sperber, Rhineland Radicals, 76; Dirk Blasius, Bürgerliche Gesellschaft und
Kriminalität (Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1976); Heinz Reif, “‘Furcht bewahrt
das Holz.’ Holzdiebstahl und sozialer Konflikt in der ländlichen Gesellschaft 1800-1850 an
westfälischen Beispielen”, em Heinz Reif, ed. Räuber Volk und Obrigkeit (Frankfurt:
Suhrkamp Verlag, 1984), 43-99; Bernd-Stefan Grewe, Der versperrte Wald:
Ressourcenmangel in der bayerischen Pfalz (1814-1870). Colônia e Viena: Böhlau Verlag,
2004), 215.
56 Heinz Monz, “Der Waldprozeß der Mark Thalfang als Grundlage für Karl Marx’ Kritik
an den Debatten um das Holzdiebstahlgesetz”, Jahrbuch für westdeutsche
Landesgeschichte 4 (1977): 395-418.
57 MEGA 1/1: 206.
58 Ibid, 1/1: 207.
59 Ib., 1/1: 296-318; Annette Winter-Tarvainen, “Moselweinkrise und Revolution von
1848”, em Dühr, ed., “Der schlimmste Punkt in der Provinz”, 439-451.
60 MEGA 1/1: 313.
61 Alan Kahan, “Liberalism and Realpolitik in Prussia, 1830-1852: The Case of David
Hansemann”, German History 9 (1991): 280-307.
62 RhBA, 1: 399-400, 402-409, 472 n.2; 489-90.
63 Ib., 1: 412-416, 422-225, 463, 468-469.
64 MEGA 1/1: 434-443, 1171-1181; RhBA, 1: 471-472, 492-975, 503-505.
65 RhBA, 1:473; Liebknecht, Karl Marx zum Gedächtniß, 35-36, 41.
66 RhBA, 1: 472-473.
67 BδK 1:308.
68 MEGA 3/10: 346.

CAPÍTULO 4: O REFUGIADO POLÍTICO

1 MEGA 3/1: 43.


2 Ib., 3/1: 43-44, 389, 393, 399-400, 406, 412, 538-539; Walter Grab, Dr. Wilhelm Schulz
aus Darmstadt. Weggefährte von Georg Büchner und Inspirator von Karl Marx (Frankfurt:
Büchergilde Gutenberg, 1987), 234-248; Paul Nerrlich, ed., Arnold Ruges Briefwechsel und
Tagebuchblätter aus den Jahren 1825-1880, 2 vols. (Berlim: Weidmannsche
Buchhandlung, 1886), 1:295-296, 301, 303, 307, 310-312.
3 MEGA, 3/1: 44, 397.
4 Monz, Karl Marx, ilustração 19; Helmut Elsner, “Karlz Marx in Kreuznach 1842/43
Daten – Personen –Kreuznacher Exzerpte”, em Marion Barzen, ed., Studien zu Marx’s
erstem Paris-Aufenthalt und zur Entstehung der Deutschen Ideologie (Tréveris: Karl-Marx
Haus, 1990), 110-137; Schöncke, Karl und Heinrich Marx, 843-847.
5 Franziska Kugelmann, ‘Kleine Züge zu dem grossen Charakterbild von Karl Marx”, em
Mohr und General, Institut für Marxismus-Leninismus, ed., 3a ed. (Berlim oriental: Dietz
Verlag, 1970), 297; McClellan, Karl Marx, 62; Wheen, Karl Marx, 52; MEGA 3/3: 690.
6 As notas registradas por Marx, conhecidas como Glosas de Kreuznach, foram publicadas
em MEGA 4/2: 9-278.
7 Ib., 3/1: 22.
8 Caldwell, Love, Death and Revolution, 28-31.
9 MEGA 3/1: 45.
10 Ib., 1/2: 54-58, 96, 114-119; da mesma forma, 1/2: 8-9, 11, 14-15, 40, 88-89, e
especialmente, 125-126.
11 Ib., 1/2: 30-33.
12 Ver os comentários do editorial em ib., 1/2: 633-634.
13 Ib., 4/2: 96.
14 Ruge, Zwei Jahre in Paris, 1:4, 47.
15 Ver Gerhard Lippold, “Marx und die Tolstois in Paris”, Beiträge zur Geschichte der
Arbeiterbewegung 45 (2003): 9-26.
16 Birgit Bublies-Godau, “Parteibildungsprozesse im vormärzlichen Exile: Die deutschen
Auslandsvereine in Paris”, e François Melis, “August Hermann Ewerbeck–Vermittler
demokratischer sozialistischer und kommunistischer Ideen zwischen Frankreich und
Deutschland im Pariser Exil”, ambos em Forum Vormärz Forschung 10 (2004), 87-147 e
268-295, respectivamente.
17 Lloyd S. Kramer, Threshold of a New World: Intellectuals and the Exile Experience in
Paris, 1830-1848 (Ítaca e Londres: Cornell University Press, 1988), 25-27 e em outros
trechos.
18 Wolfgang Strähl, Briefe eines Schweizers aus Paris 1835-1836 editado por Jacques
Grandjonc, Waltraud Seidel-Höppner e Michael Werner (Vaduz: Topos Verlag AG, 1988).
19 Em relação a esses e, salvo indicação contrária, outros detalhes da época em que Marx
viveu em Paris, ver, Jacques Grandjonc, “Zu Marx’ Aufenthalt in Paris: 11. October 1843 –
1 Februar 1845”, em Marion Barzen, ed., Studien zu Marx’ erstem Paris-Aufenthalt und
zur Enstehung der Deutschen Ideologie (Tréveris: Karl-Marx-Haus, 1990), 163-212.
20 MEGA 3/1: 412; ver, Wheen, Karl Marx, 62; McClellan, Karl Marx, 73.
21 Grandjonc, “Zu Marx’ Aufenthalt”, 178-202.
22 Ruges Briefwechsel und Tagebuchblätter, 1:313-315, 327, 343, 352.
23 Grandjonc, “Zu Marx’ Aufenthalt”, pp. 181-182; Ruges Briefwechsel und
Tagebuchblätter, 341-345, 349-354, 358; MEGA 3/1: 426-427, 432-433; McLellan, Karl
Marx, 89.
24 MEGA 3/1: 428-431.
25 Ib., 3/1: 426-427, 432-433, 437-438, 440-442. Poucos meses mais tarde, os
correligionários de Marx em Colônia enviaram uma quantia adicional de 800 francos, cerca
de 115 táleres.
26 Os textos se encontram em MEGA 3/1: 170-183 e 141-169, respectivamente.
27 Rosen, Bruno Bauer and Karl Marx, 140-141.
28 MEGA 1/2: 181-182.
29 Recomenda-se consultar dois críticos ferozes: Dagobert Runes, ed., A World Without
Jews by Karl Marx (Nova York: Philosophical Library, 1959); e Paul Lawrence Rose,
Revolutionary Anti-Semitism in Germany from Kant to Wagner (Princeton: Princeton
University Press, 1990), 295-305, e os outros tantos exemplos aqui citados. Partidários
ligeiramente constrangidos incluiriam McLellan, Karl Marx, 78-79; Wheen, Karl Marx,
55-57; Allan Megill, Karl Marx: The Burden of Reason (Lanham: Rowman & Littlefield,
2002), 142-148.
30 Bruno Bauer, Die Judenfrage (Braunschweig: Druck und Verlag von Friedrich Otto,
1843); idem., “Die Fähigkeit der heutigen Juden und Christen, frei zu werden”, em Georg
Herwegh, ed., Einundzwanzig Bogen aus der Schweiz (Zurique e Winterthur: Verlag des
Literarischen Comptoirs, 1843), 56-57; Nathan Rotenstreich, “For and against
Emancipation: The Bruno Bauer Controversy”, Leo Baeck Institute Yearbook 4 (1959): 3-
36; o interesse do próprio Marx nos debates fica evidente em MEW 2: 91-95, 99-104, 112-
125.
31 Bauer, “Die Fähigkeit der heutigen Juden”, 59-61.
32 Ib., 57.
33 Discordância com a emancipação: Dagmar Herzog, Intimacy and Exclusion: Religious
Politics in pre-Revolutionary Baden (Princeton: Princeton University Press, 1996), 53-72;
Reinhard Rürup, Emanzipation und Antisemitismus (Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht,
1975), 56-64. Um exemplo contemporâneo de um conhecido teólogo liberal protestante:
Heinrich Paulus, Die jüdische Nationalabsonderung nach Ursprung, Folge und
Besserungsmitteln (Heidelberg: Universitätsbuchhandlung von C. F. Winter, 1831); uma
tradução para o inglês, de trechos desse trabalho, pode ser encontrada online em
http://germanhistorydocs.ghi-dc.org/sub_document.cfm?document_id=436, acessado em
13/03/09. Em relação à postura teológica de liberais protestantes de época posterior, ver:
Uriel Tal, “Theologische Debatte um das ‘Wesen’ des Judentums”, em Werner E. Mosse e
Arnold Paucker, eds., Juden im Wilhelminischen Deutschland 1890-1914 (Tübingen: J.C.B.
Mohr, 1976), 599-632. Essa conduta está fielmente, se não idiossincraticamente, refletida
em Bauer, Die Judenfrage, 9, 11-12, 17, 21, 31-35, 37-38, 40-41, 43, 46-47, 52.
34 Carta em MEGA 3/1: 45-46.
35 Marx mencionou o On Democracy in America, de Tocqueville, mas citou
explicitamente o trabalho do colaborador de Tocqueville, Gustave de Beaumont, cujo
romance, Marie, é mais conhecido nos dias de hoje principalmente devido à discussão que
faz a respeito da escravidão e das relações entre raças, do que por seu relato sobre o lugar
da religião na sociedade americana.
36 MEGA 1/2: 147-148.
37 Ib., 1/2: 164-169.
38 MEGA 1/2: 279-280; Margit Naarmann, “Ländliche Massenarmut und ‘jüdischer
Wucher.’ Zur Etablirung eines Stereotyps”, em Ludger Grevelhörster e Wolfgang Maron,
eds., Region und Gesellschaft in Deutschland des 19. und 20. Jahrhunderts (Vierow: SH-
Verlag, 1995), 128-149, here, 144.
39 Silberner, Moses Hess, 184-192; Ruge, Zwei Jahre in Paris, 1:34-35; Michael Werner,
“Börne, Heine Gans: Drei deutsch-jüdische Intellektuelle zwischen Deutschland und
Frankreich im Spannungsfeld von Akkulturation, Politik und Kulturtransfer”, em Blänker,
Göhler, e Waszek, eds., Eduard Gans, 46.
40 Siegbert Prawer, Heine’s Jewish Comedy: A Study of his Portraits of Jews and Judaism
(Oxford: Clarendon Press, 1983); Silberner, Moses Hess, 388-427.
41 MEGA 3/1: 440-441.
42 Arnold Ruges Briefwechsel, 1: 352-353, 362-366; MEGA 3/1: 264. Não se deve dar
excessiva importância à proximidade do relacionamento de Marx com Heine; ver Jeffrey L.
Sammons, Heinrich Heine: A Modern Biography (Princeton: Princeton University Press,
1979), 260-265.
43 MEGA 3/1: 65, 484, 489-490, 496-497; Melis, “August Hermann Ewerbeck”, 277-278;
Arnold Ruges Briefwechsel, 1:359, 382.
44 MEGA 1/2: 445-463, 555-566; Ruge, Zwei Jahre in Paris, 1:145-146; Jacques
Grandjonc, Marx et les communists allemands à Paris 1844 (Paris: François Maspéro,
1974).
45 Em Liebknecht, Karl Marx zum Gedächtnis, 6, ou Lafargue, “Persönliche Erinnerungen
an Karl Marx”, em Mohr und General, 342, é possível ver essa imagem em formação.
46 Grandjonc, “Zu Marx’ Aufenthalt in Paris”, 199-200; McLellan, Karl Marx, 256;
MEGA 3/1: 506-508, 513-515.
47 Um exemplo preliminar da ideia da separação entre Marx e Engels encontra-se em
MEGA 3/2: 336.
48 A biografia mais recente de Engels, Tristam Hunt, Marx’s General: The Revolutionary
Life of Friedrich Engels, (Nova York: Henry Holt & Company, 2010) representa uma boa
introdução e interpretação.
49 MEGA 2/1: 388-433.
50 Ib., 3/1: 339-360, 425-426.
51 MEGA, 3/1: 437-450, 467-494; Edgar Bauer, Konfidentenberichte über die europäische
Emigration 1852-1861, ed. Erik Gamby (Tréveris: Karl-Marx-Haus, 1989), 57 e, em
especial, Hunt, Marx’s General, 74-112.
52 Grandjonc, “Zu Marx’ Aufenthalt”, 199-202.
53 Arnold Ruges Briefwechsel, 344, 351, 354.
54 Liebknecht, Karl Marx zum Gedächtnis, 36.
55 MEGA 3/1: 262, 272-273.
56 Alguns exemplos da literatura mais ampla sobre esses tópicos devem incluir Bertell
Ollman, Alienation: Marx’s Conception of Man in Capitalist Society, 2a ed., (Cambridge:
Cambridge University Press, 1976); István Mészáros, Marx’s Theory of Alienation 3
(Londres: Merlin, 1972); ou Louis Althusser, For Marx, trad. Ben Brewster (Nova York:
Pantheon Books, 1969).
57 Os manuscritos encontram-se em MEGA 1/2: 189-444; as passagens em questão estão
em 273-274, 284-285, 292-306, 319-322, 397-418, 435-437, 439-444.
58 Fragmentos de economistas em ib., 4/2: 301-579.
59 Ib., 1/2: 195, 871-872.
60 Ib., 1/2: 202.

61 Ver Eric Roll, A History of Economic Thought, 4a ed. (Londres: Faber, 1973), 184-192,
201-111; Terry Peach, Interpreting Ricardo (Cambridge: Cambridge University Press,
1993), 104-131.
62 Wilhelm Schulz, Die Bewegung der Produktion. Eine geschichtlich-statistische
Abhandlung, editado por Wilhelm Kade (Glashütten em Taunus: Verlag Detlev Auvermann
KG, 1974), uma reimpressão da edição original publicada na Suíça em 1843. Em relação à
Schulz e sua influência sobre Marx, ver Grab, Dr. Wilhelm Schulz, esp. pp. 257-291.
63 Ver, Schulz, Bewegung der Produktion, 60-68 with MEGA 1/2: 333-336.
64 Schulz, Bewegung der Produktion, 69-72, 172-178.
65 MEGA 1/2: 234-235.
66 Engels, depois do ano que passou em Manchester, certamente tinha ciência do trabalho
repetitivo realizado na indústria têxtil, contudo, seu ensaio sobre economia impresso no
Franco-German Yearbooks revelava grande entusiasmo quanto à possibilidade de
mecanização da produção, e não dedicou palavra sequer aos efeitos negativos do trabalho
feito pelas máquinas.
67 MEGA, 1/2: 238-239, 387.
68 Ib., 3/1: 63.
69 Ib., 1/2: 240.
70 Ib., 1/2: 241-242, 271; Zvi Rosen, Moses Hess und Karl Marx (Hamburg: Hans
Christians Verlag, 1983), 137-158.
71 MEGA, 1/2: 263.
72 Ib., 1/2: 289.
73 Ib., 1/2: 325-326, 701; 3/1: 458, 465, 490, 492, 503, 514, 532; 3/2: 200, 265, 270.
74 Ib., 3/1: 516, 851-852; Grandjonc, “Zu Marx’ Aufenthalt in Paris”, 202-203.
75 Citado em François Melis, “Heinrich Bürgers”, em Helmut Bleiber, Walter Schmidt e
Susanna Schütz, eds., Akteure eines Umbruchs: Männer und Frauen der Revolution von
1848/49 (Berlim: FIDES-Verlag, 2003), 145.
76 MEGA, 3/1: 453-454.
77 Ib., 3/1: 434.

CAPÍTULO 5: O REVOLUCIONÁRIO

1 Karl Grün, Die soziale Bewegung in Frankreich und Belgien: Briefe und Studien,
(Darmstadt: Druck und Verlag von Carl Wilhelm Leske, 1845), 25.
2 Ib., 17.
3 Bert Andréas et. al., eds., Association Démocratique ayant pour but l’union et la
fraternité de tous les peoples: Eine frühe demokratische Vereinigung in Brüssel 1847-1848
(Tréveris: Karl-Marx-Haus, 2004), 19-51.
4 MEGA 3/1: 479-481, 840; 4/4: 555-559.
5 As notas se encontram em ib., 4/4; Comentários sobre Mill estão em 329.
6 Em relação a essa sociedade secreta, aos grupos de artesãos que ela patrocinava e à sua
transformação na Liga Comunista, a coletânea em 3 volumes dos documentos, Der Bund
der Kommunisten: Dokumente und Materialien, contém vasto material. Uma narrativa foi
feita por Martin Hundt, Geschichte des Bundes der Kommunisten (Frankfurt e Berlim:
Peter Lang, 1993); um excelente e breve relato em língua inglesa está em Christine Lattek,
Revolutionary Refugees: German Socialism in Britain, 1840-1860 (Londres e Nova York:
Routledge, 2006), 22-41.
7 Neue Deutsche Biographie, http://mdz10.bib-bvb.de/zend-bsb/pdf_download.pl
(acessado em 19/05/09).
8 Lattek, Revolutionary Refugees, 23, 33-35; Andréas, et. al., eds., Association
Démocratique, 52-56; MEGA 3/1: 463, 832, 3/2: 322-323; BδK 1: 242, 244-253.
9 MEGA 3/1: 513, 525-526 3/2: 7-8, 15, 205-206, 219, 253-254, 378; Andréas, et. al., eds.,
Association Démocratique, 108-114; BδK, 1:303-308, 401, 432.
10 MEGA 3/2: 12-15, 30-32, 34-3953-59, 199-201, 212-214, 219-223, 250-255, 274-278,
305-307, 317-320, 347; BδK 1: 322-336, 386-388.
11 Dieter Dowe, Aktion und Organisation. Arbeiterbewegung, sozialistische und
kommunistische Bewegung in der Preußischen Rheinprovinz 1820-1852 (Hanover: Verlag
für Literatur und Zeitgeschehen, 1970), 63-93; MEGA 3/1: 270-271, 460, 513-514, 532-
533; 3/2: 9-10, 23.
12 MEGA 3/1: 259-260, 484-488, 496-499; Silberner, Moses Hess, 235.
13 Além das fontes citadas em n. 11, ver Silberner, Moses Hess, 212-226, 235-237; MEGA
3/2: 9-10, 25, 185, 189, 193, 208, 225-226, 233-234, 238, 248-249.
14 MEGA, 3/2: 243-245, 270, 272-273, 284, 286-287, 289-291.
15 Ib., 3/2: 40, 46-47, 51, 85-86, 106-108, 116-117, 269-270, 332, 343, 354-355, 374, 385.
16 Ib., 3/1: 261, 269, 446-449, 458.
17 MEW 2: 12-16, 53, 59-81, 91-141, 172-223; MEGA 3/1: 271-272, 458.
18 MEW 2: 37-39, 51-52, 55, 59-63, 85-91, 112-125, 143-151; Wolfgang Mönke, Die
heilige Familie Zur esten Gemeinschaftsarbeit von Karl Marx und Friedrich Engels
(Glashütten in Taunus: Verlag Detleve Auvermann, K.G., 1972), 183, 188. 190, 196-197,
202, 211, 241-242, 262, 280.
19 MEW 2: 23-56, 125-131.
20 Em relação a esse e aos detalhes seguintes, ver MEW 3:37-39; Inge Taubert, “Wie
entstand die Deutsche Ideologie von Karl Marx und Friedrich Engels? Neue Einsichten,
Probleme und Streitpunkte”, em Barzen, ed., Studien zu Marx’s erstem Paris-Aufenthalt, 9-
109; idem., “Manuskripte und Drucke der ‘deutschen Ideologie’, (November 1845 bis Juni
1846). Probleme und Ereignisse”, MEGA Studien 3 (1997): 5-31. Existem informações
adicionais sobre os outros ensaios nessa edição do periódico.
21 MEW 3: 78-100; Sylvia Palatschek, Frauen und Dissens: Frauen im
Deutschkatholizimus und in den Freien Gemeinden 1841-1852 (Göttingen: Vandenhoeck &
Ruprecht, 1990), 27-30.
22 Eßbach, Die Junghegelianer, 292 e outras passagens; “Max Stirner”, em The Stanford
Encyclopedia of Philosophy, online em http://plato.stanford.edu/entries/max-stirner/
09/06/09.
23 Franz Mehring, Karl Marx: The Story of His Life, trad. Edward Fitzgerald (Atlantic
Highlands, NJ: Humanities Press, 1981), 110; ver McClellan, Karl Marx, 139; Wheen,
Karl Marx, 94-95. O material que compõe The German Ideology ainda não foi publicado
na MEGA; algumas passagens relativas à Stirner encontram-se em MEW 3: 103, 116, 161-
163, 206-214, 218-219, 228-242, 318-319, 321, 334-338, 365. A reabilitação de Stirner no
século XX, como precursor de Nietzsche e pioneiro do libertarismo não foi prevista por
seus contemporâneos.
24 MEW 3: 13-77.
25 Ib., 3: 21.
26 Ib., 3:26-27.
27 Ib., 3: 69.
28 Ib., 3: 35.
29 Ib., 3:35-36; Rosen, Moses Hess und Karl Marx, 68-69, 169-170, 172-173.
30 MEW 3:33.
31 Ib., 3: 31-35, 50-61, 65-68, 74-76.
32 Ib., 3:441; MEGA 3/2: 193.
33 MEW, 3:442.
34 Ib., 3:442-443, 453, 455, 475.
35 Ib., 3:442; também, 447, 453, 455, 475-477.
36 Ib., 3: 443, 449, 457-458.
37 Silberner, Moses Hess, 226-233.
38 MEGA 3/1: 23.
39 Ver MδP, 43-54, com Pierre-Joseph Proudhon, Système de contradictions économiques,
ou philosophie de la misère, 2a ed. 2 vols. (Paris: Garnier Frères, 1850) 1: 65-80.
40 MδP, 54-79, 134-151, 160-175.
41 Ib., 115, 118.
42 MEGA 3/2: 72.
43 MEGA 3/1: 112, 118-119, 121, 361, 372, 377, 697.
44 Ib., 3/1: 506-507, 513-14, 517-518; Silberner, Moses Hess, 166-171, 236; Stephan Born,
Erinnerungen eines Achtundvierzigers (Leipzig: Verlag von Georg Heinrich Meyer, 1898),
73-74.
45 MEGA 3/1: 251-253, 259.B
46 BδK 1:303-305.
47 MEGA; 3/2: 37a 38, 208, 211, 217, 219, 270.
48 BδK, 1:307a 308; Lattek, Revolutionary Refugees, 28-31; MEGA 3/1: 477.
49 MEGA 3/1: 462ª 463, 485-486; 3/2: 185 a186, 208, 211, 217-218 .
50 Ver ib., 3/1: 513 com Silberner, Moses Hess, 257a 258.
51 Para as relações de Marx com Grün, ver Dieter Deichsel, “Die Kritik Karl Grüns: Zur
Entstehung und Überlieferung von Teil IV des zweiten Bandes der ‘Deutschen Ideologie,’”
MEGA Studien 3 (1997): 103-153; James Strassmaier, Karl Grün und die Kommunistische
Partei 1845-1848 (Tréveris: Karl-Marx-Haus, 1973); Eckhard Trox, Karl Grün (1817-
1887) Eine Biographie (Lüdenscheid: Stadtmuseum Lüdenscheid, 1993), esp. 49-56.
52 MEGA 3/2: 8.
53 Ib., 3/1: 205-207, 228.
54 Ib., 3/2: 34-36, 43, 51-61, 136, 203, 654-655; Paul Thomas, Karl Marx and the
Anarchists (Londres: Routledge, 1980), 211.
55 MEGA 3/2: 334-335.
56 Ib., 3/2: 35-36, 43, 78.
57 Grün, Die soziale Bewegung, 6, 20, 22, 244, 305, 380, 433, 445, 447.
58 MEW 3:480-498, 509-520; MEGA 3/2: 26, 36, 216, 227-228, 233, 256-257, 279, 334,
342, 347.
59 MEGA 3/1: 266, 279-280, 713-715; 3/2: 159; Bert Andréas, Jacques Grandjonc e Hans
Pelger, “Karl Marx’ Ausweisung aus Paris und die Niederlassung von Marx und Friedrich
Engels in Brüssel im Frühjahr 1845”, em Barzen, ed., Studien zu Marx’ erstem Paris-
Aufenthalt, 213-243.
60 MEGA 3/2: 10; Heinrich Gemkow, “Helena Demuth (1820-1890). Ein Leben im
Schatten anderer. Vom Kindermädchen in Trier zur Hasdame in London”, em Irina Hundt,
ed., Vom Salon zur Barrikade: Frauen der Heinezeit (Stuttgart e Weimar: Verlag J.B.
Metzler, 2002), 415-424; Jenny von Westphalen, “Kurze Umrisse eines bewegten Lebens”,
em Mohr und General, 206-207.
61 MEGA 3/2: 17.
62 Ib., 3/1: 484, 509, 531.
63 Ib., 3/1: 266, 270, 458, 460, 503; 3/2: 10, 225, 234.
64 Ib., 3/2: 360, 365-367, 375-376.
65 Ib., 3/1: 283, 3/2: 10, 29, 90, 125, 328, 337-339; Born, Erinnerungen eines
Achtundvierziegers, 67.
66 MEGA 3/2: 211.
67 Ib., 3/2: 272, 284; também, 290.
68 Ib., 3/2: 202, 346-347.
69 Ib., 3/2: 273, 282, também 211, 341.
70 Ib., 3/2: 67.

PARTE II : A LUTA
CAPÍTULO 6: O INSURGENTE

1 MEGA 3/2: 90, 327; BδK, 1: 452-457; Lattek, Revolutionary Refugees, 38-41.
2 BδK 1: 466-487, 501-524.
3 Ib., 1: 497, 622-623; MEGA 3/2: 96, 358; Andréas et. al., eds., Association
Démocratique, 90-92; Silberner, Moses Hess, 273.
4 Andréas et. al., eds., Association Démocratique, 88-105; MEGA 3/2: 99-105, 110.
5 Andréas et. al., eds., Association Démocratique, 106-132, 473-478, 489, 508-527.
6 BδK, 1: 528-542, 579-583, 616-618, 624-640; MEGA 3/2: 119-121, 125; Lattek,
Revolutionary Refugees, 40-41.
7 Hundt, Geschichte des Bundes der Kommunisten, 339-340; MEGA 3/2: 368, 374.
8 Discurso em Andréas, et.al, eds., Association Démocratique, 509-527.
9 Deichsel, “Die Kritik Karl Grüns”, 131 n. 135.
10 BδK, 1: 538; MEGA 3/2: 115.
11 MEW 4: 361-380; MEGA 3/2: 122.
12 MEGA 3/2: 384.
13 Entre as várias edições do Manifesto comunista e os diversos comentários sobre ele,
destacam-se dois: John Toews, ed., The Communist Manifesto by Karl Marx and Friedrich
Engels with Related Documents (Boston: Bedford/St. Martin’s, 1999) e Gareth Stedman
Jones, ed., The Communist Manifesto (Londres e Nova York: Penguin Books, 2002.)
Minhas traduções foram fundamentadas em MEW 4: 461-493.
14 Ver MEW 4:461 com MEGA 1/1: 124-125.
15 MEGA 1/1: 237-240.
16 Em Towes, ed., The Communist Manifesto, 68.
17 Para uma conhecida descrição de Marx como profeta da modernidade: Marshall
Berman, All That is Solid Melts into Air: The Experience of Modernity (Nova York: Simon
& Schuster, 1982); uma mais recente encontra-se em:
http://www.bookforum.com/inprint/107_10/6686, acessado em 27/01/11.
18 MEW, 4:479.
19 MEGA 1/1: 33, 51-52. 125, 352-353. 1/2: 172; 3/2: 41-42, 96, 141, 564; MEW 3: 46
20 Ver MEW 4: 462-463 com Myriam Bienstock, “Die ‘soziale Frage im französisch-
deutschen Kulturaustausch: Gans, Marx und die deutsche Saint-Simon Rezeption”, em
Blänker et. al., eds., Eduard Gans, 169.
21 MEW 4:373
22 Ib., 4: 191-203.
23 Ver Grün, Die soziale Bewegung, 212-213, 244, 252, 306.
24 Ver ibid, 4:378 e 487.
25 Ib., 4: 309-359; Heinzen desenvolveu posteriormente suas críticas em Die Helden des
teutschen Kommunismus. Dem Herrn Karl Marx gewidmet (Bern: Druck und Verlag von
Jenni, Sohn, 1848), esp. 1, 13-14, 17, 20-21, 25, 39-40, 51, 62, 74, 104.
26 Rosen, Moses Hess und Karl Marx, 115.
27 A respeito da situação e dos eventos subsequentes, Andréas, et. al, Association
Démocratique, 133-141, 633-694; Westphalen, “Kurze Umrisse”, 207-209.
28 MEW 4: 536-538; MEGA 3/2: 408, 420, 481, 1023.
29 MEGA 3/2: 112-113, 118-119, 127, 389; BδK 1: 713-714, 721-723.
30 MEGA 3/2: 136, 141, 147; BδK 1: 729-730; Ulrike Ruttmann, Wunschbild-Schreckbild-
Trugbild: Rezeption und Instrumentalisierung Frankreichs in der Deutschen Revolution
von 1848/49 (Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 2001), 104-117.
31 Sperber, Rhineland Radicals, 297; Dowe, Aktion und Organisation, 139; MEGA
3/2:142, 149; BδK, 1: 741-743, 749, 751-752, 770-771.
32 MEGA 3/2: 442.
33 Dowe, Aktion und Organisation, 250-253.
34 Klaus Schmidt, Andreas Gottschalk: Armenarzt und Pionier der Arbeiterbewegung Jude
und Protestant (Colônia: Greven Verlag, 2002); Sperber, Rhineland Radicals, 223-231.
35 BδK 1:738, 782.
36 MEGA 3/2:21, 374; Silberner, Moses Hess, 17, 100, 193, 271, 285-286
37 Sperber, Rhineland Radicals, 178, 224-228, Ruge, Zwei Jahre in Paris, 34-35.
38 François Melis, “Zur Gründungsgeschichte der Neuen Rheinischen Zeitung. Neue
Dokumente und Fakten”, MEGA Studien 5 (1998): 3-63; MEGA 3/2: 152; 3/7: 199, 209.
39 Marcel Seyppel, Die Demokratische Gesellschaft in Köln 1848/49: Städtische
Gesellschaft und Parteienstehung während der bürgerlichen Revolution (Colônia: Janus
Verlagsgesellschaft, 1991), 125-131; Sperber, Rhineland Radicals, 190.
40 MEGA 3/3: 121, 123, 125, 133, 149, 151, 193-194, 200, 209, 222-223, 288, 297, 332-
333.
41 Gemkow, “Aus dem Leben einer rheinischen Familie”, 523; François Melis, “Eine neue
Sicht auf die Neue Rheinische Zeitung? Zur Edition der MEGA2-Bände I/7-9”, Beiträge
zur Marx-Engels-Forschung n.s. (2005): 121-140; MEGA 3/2: 164.
42 Sperber, Rhineland Radicals, 212; MEW 5:324.
43 MEW 5:63, 6: 44, 218-220.
44 Ib., 5: 42, 225.
45 BδK 1: 796, 798; MEW 5: 82, 94, 104-15, 202, 293-299, 397; 6: 146-150, 286, 431-
433,506; MEGA 3/11: 161; Sperber, Rhineland Radicals, 268-269.
46 Jonathan Sperber, “‘The Persecutor of Evil’ in the German Revolution of 1848-1849”,
em Jeremy D. Popkin, ed., Media and Revolution: Comparative Perspectives (Lexington:
University Press of Kentucky, 1995), 98-114.
47 MEW 5: 112-153; RhBA 2/2: 345; Seyppel, Die Demokratische Gesellschaft, 129-131;
Sperber, Rhineland Radicals, 301-302.
48 BδK, 1: 1122.
49 Freiheit Arbeit (Colônia) Vol. 1 no. 2, 18 Jan. 1849; ver Sperber, Rhineland Radicals,
229.
50 MEGA 3/3: 608; Sperber, Rhineland Radicals, 228-231.
51 Seyppel, Die Demokratische Gesellschaft, 216-238; Sperber, Rhineland Radicals, 314-
321.
52 MEGA 3/2: 163-165, 169-170, 476, 488, 494-495, 500-501, 516, 527-529; François
Melis, “Friedrich Engels’ Wanderung durch Frankreich und die Schweiz im Herbst 1848:
Neue Erkenntnisse und Hypothesen”, MEGA-Studien 2 (1995): 61-92; Silberner, Moses
Hess, 296-297; Liebknecht, Karl Marx zum Gedächtniß, 110.
53 Por exemplo, MEGA 3/2: 168.
54 Ib., 3/3: 591; Sperber, Rhineland Radicals, 322-336.
55 MEW 6: 240-257; Dowe, Aktion und Organisation, 229; Sperber, Rhineland Radicals,
264-265.
56 MEGA 3/3: 17, 277.
57 Ib., 3/2: 164, 3/3: 10-11,19-22, 187-190; François Melis, Neue Rheinische Zeitung
Organ der Demokratie: Edition unbekannater Nummern, Flugblätter, Druckvarianten und
Separatdrucke (Munique: K.G. Saur, 2000), 35-36; Bauer, Konfidentenberichte, 28.
58 Citado em Schmidt, Andreas Gottschalk, 122; ver MEGA 3/3: 255.
59 MEW 6: 397-423; Sperber, Rhineland Radicals, 351-354, 360-364.
60 Ib., 378-379.
61 Dowe, Aktion und Organisation, 229-230.
62 MEW 6:503-506, 519; Melis, Neue Rheinische Zeitung, 11, 36-38.

CAPÍTULO 7: O EXILADO

1 MEGA 1/10: 37-118.


2 Ib., 3/3: 30; 3/10: 1136; Sperber, Rhineland Radicals, 458; ver também as observações
defensivas de Marx, em 1850, citadas em Carl Vogt, Mein Prozess gegen die Allgemeine
Zeitung (Genebra: Selbstverlag des Verfassers, 1859), 141-156.
3 MEGA 3/3: 23, 52, 361-362, 804; MEW 6: 523.
4 MEGA 3/3: 26, 30, 32, 36, 485, 727.
5 Sperber, Rhineland Radicals, 421-423, 457-458, 465; MEGA 1/10: 5.
6 Sperber, Rhineland Radicals, 410-411; MEW 6: 527-528; MEGA 3/3: 25.
7 MEGA 3/3: 27-29 36-37, 39, 43, 361, 725, 727
8 Ib., 3/3: 36-37, 40, 44, 372, 817-818, 823; Herbert Reiter, Politisches Asyl im 19.
Jahrhundert (Berlim: Duncker & Humblot, 1992), 201-206.
9 MEGA, 3/3: 44, 48, 628-629, 725, 728, 823; 75-78; Reiter, Politisches Asyl, 216-274.
10 MEGA 3/3: 44.
11 Ib., 3/3: 49, 830; 1/10: 6-12.
12 Ib., 3/4: 109.
13 Ib., 1/0: 553-554,
14 Ib., 1/10: 555-559, 563-565, 569-575; 3/3: 65-66, 76-77, 80, 402-403, 509, 512, 547,
554, 570, 3/5: 36, 97; Lattek, Revolutionary Refugees, 50; Bauer, Konfidentenberichte, 29.
15 BδK, 1: 969-970; Lattek, Revolutionary Refugees, 46-47.
16 MEGA 3/3: 60, BδK, 2: 11, 81-82, 445; Lattek, Revolutionary Refugees, 55-56; BδK,
2:614-621.
17 MEGA 1/10: 560-561; 3/3: 435, 461.
18 Ib., 3/3: 439, 491, 517, 557, 686, 707-708, 3/4: 13.
19 Ib.,3/3: 439, 449, 455, 464, 515, 518, 548, 555, 572
20 Ib., 3/3: 491-492, 494-495, 572, 603.
21 Ib., 3/3: 94, 656, 665, 668, 686; 1/10: 447-448, 990-992.
22 Ib., 3/3: 75, 415, 496, 477.
23 Ib., 1/10: 254-263.
24 Lattek, Revolutionary Refugees, 56-59; MEGA 3/3: 51.
25 MEGA 1/10: 119-196, citados em 140 e 192.
26 Ib., 1/10: 318-320; para outro exemplo de críticas aos democratas radicais, ver ib., 1/10:
202-204.
27 Christian Jansen, Einheit, Macht und Freiheit. Die Paulskirchenlinke und die deutsche
Politik in der nachrevolutionären Epoche 1849-1867 (Düsseldorf: Droste Verlag, 2000),
172-196; Reiter, Politisches Asyl, 274-283.
28 MEGA 3/3: 27, 733.
29 Ib., 3/3: 363, 376, 385, 500-501, 571.
30 Ib., 3/3: 48.
31 Ib., 3/3: 735.
32 Ib., 3/4: 143, 3/8: 45; Rosemary Ashton, Little Germany: Exile and Asylum in Victorian
England (Oxford: Oxford University Press, 1986), 16-24.
33 MEGA 3/3: 82, 85, 538-539, 563, 733-735.
34 Ib., 3/4: 355, 444, 473, 509; 3/5: 184, 305, 472, 3/6: 12.
35 Ib., 3/3: 372, 374-378; 3/6: 197.
36 Ib., 3/3: 87-88, 555, 563, 567, 588, 614, 647, 653; 3/4: 83-84, 158, 290; 3/5: 163;
3/6:16.
37 Ib., 3/4: 5, 84, 170; 3/5 163; 3/6 11-12, 50, 452, 554.
38 Ib., 3/5: 411.
39 Ib., 3/6: 11-12.
40 Ib., 3/4: 555
41 Ib., 3/4:520.
42 Ib., 3/3: 417.
43 Stanley Nadel, Little Germany: Ethnicity, Religion, and Class in Nova York City, 1845-
1880 (Urbana: University of Illinois Press, 1990); Bruce Levine, The Spirit of 1848:
German Immigrants, Labor Conflict and the Coming of the Civil War (Urbana: University
of Illinois Press, 1992).
44 MEGA, 3/4: 161, 167-168, 204-205, 276, 415, 3/5: 143, 145-146, 182, 237, 411-412,
468;3/6: 5, 12, 566. Sobre esse interessante indivíduo, ver, http://www.adolf-cluss.org/,
acessado em 01/12/11; MEGA 3/5: 486-567 contém correspondências de Cluss, que dão
uma boa noção de suas aptidões e atividades políticas.
45 MEGA, 3/3: 617-618. Nos textos de Marx e Engels restam apenas alguns fragmentos
que evidenciam os planos que eles traçaram sobre a mudança para Nova York: ib., 3/3: 82,
87, 513-514, 564, 582, 624, 628, 660; 3/4: 103; também, um relato de contemporâneos
reimpresso em Vogt, Mein Prozess, 141-156.
46 MEGA 3/3: 621-623; Westphalen, “Kurze Umrisse”, 214-215.
47 MEGA 3/3:105, 108, 702; 3/4: 141, 291-293, 312-313, 396-371, 432, 464; 3/5:123-124;
Hunt, Marx’s General, 183, 187-188.
48 MEGA 3/3: 99.
49 Para alguns exemplos iniciais daquilo que se tornaria uma prática duradoura: ib., 3/3:
93, 95; 3/4: 5, 31, 33, 39, 96, 99, 109, 111, 141, 151, 161, 170, 199, 234; 3/5: 40, 43, 45,
65, 68, 78, 92, 111, 125-127.
50 Ib., 3/3: 91-92; Westphalen, “Kurze Umrisse”, 215..
51 MEGA 3/5: 89, 92; Westphalen, “Kurze Umrisse”, 217.
52 MEGA 3/5: 96.
53 Wheen, Karl Marx, 171-176; Heinrich Gemkow e Rolf Hecker, “Unbekannte
Dokumente über Marx’ Sohn Frederick Demuth”, Beiträge zur Geschichte der
Arbeiterbewegung 43 (1994): 43-59.
54 MEGA 3/3: 57, 445.
55 Lattek, Revolutionary Refugees, 49-54; Jansen, Einheit, Macht und Freiheit, 185-193.
56 Citado em Christian Jansen, ed., Nach der Revolution 1848/49: Verfolgung, Realpolitik
Nationsbildung: Politische Briefe deutscher Liberaler und Demokraten 1849-1861
(Düsseldorf: Droste Verlag, 2004), 42.
57 BδK 2: 253-256; Lattek, Revolutionary Refugees, 67-82, 110.
58 MEGA 3/4: 17; ver também, ib., 3/3: 566, 1306, 3/4:140, 3/6: 58; Bauer,
Konfidentenberichte, 85.
59 MEGA 1/10: 578.
60 Ib., 3/3: 740; Karl Bittel, ed., Der Kommunistenprozeß zu Köln 1852 im Spiegel der
zeitgenössischen Presse (Berlim oriental: Rütten & Loening, 1955), 111-112.
61 MEGA 3/5: 157, 190; 3/6: 37-38, 74-75; 3/6: 107; Bauer, Konfdentenberichte, 37.
62 Jansen, ed., Nach der Revolution, 42; Carl Wermuth e Wilhelm Stieber, Die
Communisten-Verschwörungen des neunzehnten Jahrhunderts, 2 vols. em 1 (Hildesheim:
Georg Olms Verlag, 1969), 1: 267.
63 MEGA 3/3: 669; 3/4: 76-77, 302.
64 Ib., 1/10: 491-492; 3/3: 77-78, 582; 3/4: 84, 307; 3/5:166; 3/6: 186, e, em especial, 1/10:
491-492; Jansen, ed., Nach der Revolution, 205.
65 MEGA 3/3: 650; 3/4: 147-149, 187, 706; 3/5: 191; 3/6: 37-38, 110
66 Ib., 3/4: 138-139; da mesma forma, 3/5: 191; 3/6:74-75.
67 Ib., 3/3:92, 96, 641-643, 878, 3/4: 46-50, 57-58, 63, 234, 240-241, 555; 3/5: 209; Lattek,
Revolutionary Refugees, 73-74, 111, 126-127.
68 MEGA 3/4: 14-16, 31, 66-67; 3/5: 38-39, 60-61, 68, 82, 85, 106, 111, 115-116, 159-160,
176-175, 178-179, 188, 394, 401, 405-406, 409, 473 773; 3/6: 37-38; 1/11: 221-311.
69 Ib., 3/4: 164.
70 Jansen, Einheit, Macht und Freiheit, 189-190; Lattek, Revolutionary Refugees, 83-109;
MEGA 3/6: 554.
71 MEGA 3/5: 96, 135-136; BδK 2: 255; Lattek, Revolutionar Refugees, 70.
72 MEGA 3/5: 127, 129-130, 135-136, 140, 151, 171; Westphalen, “Kurze Umrisse”, 212.
Em “The Great Men of Exile”, Marx fez apenas menções, em forma literária, às escapadas
sexuais de Willich: MEGA 1/10: 300-301.
73 Lattek, Revolutionary Refugees, 69-82; Bauer, Konfidentenberichte, 27, 29-30, 32.
74 Vogt, Mein Prozess, 141-156; fragmentos da carta foram reimpressos em BδK, vol. 2.
75 Vogt, Mein Prozess, 141-156; ver MEGA 3/4: 37, 41-43.
76 Jansen, ed., Nach der Revolution, 88, 205, 241.
77 MEW 6: 148-150; MEGA 1/10: 302-303.
78 MEGA 1/10: 467; 3/4: 157-158, 213, 235; 3/5: 6, 93, 110, 183, 185-186; 3/6: 27.
79 Ib., 3/3: 584; 3/5: 285. Sobre a questão dos espiões e os agentes do governo são
particularmente elucidadores: Jürgen Herres, “Der Kölner Kommunistenprozess von
1852”, Geschichte in Köln 50 (2003): 133-155; Ingrid Donner, “Der Anteil von Karl Marx
und Friedrich Engels an der Verteidigung der Kölner Kommunistenprozeße 1852”, Marx-
Engels- Jahrbuch 4 (1981): 306-344; e também, Ernst Hanisch, Karl Marx und die
Berichte der österreichischen Geheimpolizei (Tréveris: Karl Marx Haus, 1976); e Lattek,
Revolutionary Refugees, 154-156.
80 MEGA 3/4: 247, 255-258, 355, 473, 490, 502-503, 782; 3/5: 440-441; 3/6: 224, 266.
81 Ib., 3/5: 38, 307, 342, 382, 390, 395, 411-412, 470-471; 3/6: 269, 272, 277
82 Ib., 3/5: 191, 342, 798, 3/6: 37-38, 288, 303 390-391, 411-412, 438, 474, 496.
83 Ib., 3/6: 41, 48, 68, 81, 83, 98-99, 111-113, 288, 294, 303, 324-327, 338.
84 Hanisch, Karl Marx, 18-30; Vogt, Mein Prozess, v-viii.
85 MEGA 3/3: 571, 586, 646, 650, 672.
86 Ib., 3/3: 94, 502-504, 533-535 3/4: 85, 104, 117, 121, 300-301, 322, 326, 334-335, 344,
368, 373, 375, 385; 3/6: 106; Herres, “Kölner Kommunistenprozess”, 142; Seyppel, Die
demokratische Gesellschaft in Köln, 284.
87 Sobre o julgamento dos comunistas de Colônia, ver os artigos de Donner e, em especial,
Herres, na nota 79; detalhes adicionais em Bauer, Konfidentenberichte, 76-97.
88 MEGA 3/2: 178, 548-549.
89 Ib., 3/4: 128, 138-139; 3/5: 85; 3/6: 553. 3/7: 31.
90 Ib., 3/6: 259-260; 3/7: 217; Bittel, Der Kommunistenprozeß, 53, 55, 63, 68, 112,153-
156, 158, 224, 248-249.
91 Bittel, Der Kommunistenprozeß, 92-103, 119-126, 167-170, 182-188.
92 Ib., Der Kommunistenprozeß, 103 (citado), também 59-62, 67-69, 81-82, 84-90, 160,
179, 188-200, 239-241, 243, 247-248, 255-259, 284-285; MEGA 3/4: 146.
93 Bittel, Der Kommunistenprozeß, 73-80, 137, 143, 145, 212-234, 291-294; MEGA 3/6:
46, 83, 106, 555.
94 MEGA 3/6: 352, também 52-54, 56-58, 61, 67-68, 70, 557; Bittel, Der
Kommunistenprozeß, 119-126, 135-136, 167-170.
95 MEGA 3/6: 85, 286, 299-300; Bittel, Der Kommunistenprozeß, 135-136; Lattek,
Revolutionary Refugees, 155-156; Bauer, Confidentenberichte, 97.
96 MEGA 3/6: 66, também 86.
97 Ib., 1/11: 363-422; 976; 3/6: 51, 55, 78, 88 132-133, 407, 412-413; Donner, “Der Anteil
von Marx und Engels”, 318-319; Lattek, Revolutionary Refugees, 156-158.
98 MEGA 3/4: 259-260, 263-274, 276; 3/5: 56-59, 251-252, 255-258; 1/11: 686-690.
99 Texto em ib., 1/11: 96-189. Duas análises literárias são: Zvi Tauber, “Representations of
Tragedy and Farce in History on Marx’s The Eighteenth Brumaire of Louis Bonaparte”, Tel
Aviver Jahrbuch für deutsche Geschichte 29 (2000), 127-146; Martin Harries, “Homo
Alludens: Marx’s Eighteenth Brumaire”, New German Critique 66 (1995): 35-64.
100 MEGA 1/11: 101.
101 Ib., 1/11: 178; também 110, 179; sobre as indicações literárias, Harries, “Homo
alludens”, 53-55.
102 MEGA 1/1: 128.
103 Claude Lévi-Strauss, Tristes Tropiques, trad. John e Doreen Weightman (Londres:
Jonathan Cape, 1973), 57.
104 MEGA 1/11: 690-696; 3/5: 409, 432; 3/6: 241.

CAPÍTULO 8: O OBSERVADOR
1 MEGA 3/7: 32, ver também 154-155; Lattek, Revolutionary Refugees, 159-182.
2 MEGA 3/8: 215, da mesma forma 223.
3 Ib., 3/4: 41-43, 3/6: 138, 154.
4 Ib., 3/8: 90, 99, 109, 115, 123, 128-131.
5 Ib., 3/7: 189, também 182-188, 197, 205; Liebknecht, Karl Marx zum Gedächtniß, 74-75.
Meus agradecimentos ao Dr. Brian Johnson do Boone Hospital Center, por suas análises
retrospectivas.
6 MEGA 3/7:189; também, 197; 3/8: 211; Liebknecht, Karl Marx zum Gedächtniß, 74.
7 MEGA 3/7: 166, 178, 182; 3/8: 107; 3/9:122, 126, 174; Liebknecht, Karl Marx zum
Gedächtniß, 75; Chushichi Tsuzuki, The Life of Eleanor Marx, 1855-1898: A Socialist
Tragedy (Oxford: Clarendon Press, 1967), 9-13.
8 MEGA 3/3: 591; 3/4: 170, 183, 185; 1/11: 3-85.
9 Ib., 3/5: 163-164, 3/6:11, 118, 133-134, 180, 3/7: 13, 24-25, 55, 300; 3./8:109;
Westphalen, “Kurze Umrisse”, 222; Adam Tuchinsky, Horace Greeley’s New-York
Tribune: Civil War-Era Socialism and the Crisis of Free Labor (Ítaca e Londres: Cornell
University Press, 2009), 104-107 e outras passagens. Os artigos escritos para o New York
Tribune foram republicados em MEGA 1/11-14, e MECW 14-18.
10 MEGA 3/7: 54, 162-164, 209, 346, 472, 496, 526; 3/8:33, 71, 262, 272, 596-597; 1/12:
393-442; 1/13: 18-26. Os artigos escritos para o New Oder News estão em MEGA 1/14.
11 MEGA 3/7: 195, 198; 1/13: 368; 1-14: 444-445, 529; 1/25: 408.
12 Ib., 3/6: 103, 129, 521 3/7: 5, 26, 31, 62, 91, 98, 119, 452, 521; 3/8: 35, 323-324.
13 Ib., 3/7: 54.
14 Ib., 3/7: 182; Liebknecht, Karl Marx zum Gedächtniß, 70-73.
15 MEGA 3/8: 45, 48, 53, 65; 3/9: 129.; 3/10: 181; Westfalen, “Kurze Umrisse”, 221-222;
Bauer, Konfidentenberichte, 224.
16 MEGA 3/8: 65-67, 72, 74-75, 88, 90, 127, 3/9: 60-62, 115, 136, 169, 221; 3/9: 44, 48.
17 McLellan, Karl Marx, 242-244; Wheen, Karl Marx, 180-185.
18 MEGA 3/6: 203, 207-208; 3/7: 5, 13, 31, 62, 138, 262, 276, 285; 3/8: 285; 3/10: 289.
19 Ib., 3/7: 219, 525; 3/8: 103-105, 118-119, 148-149, 192-193, 211, 496; 3/8: 193; 3/9: 8,
11-12, 15, 25, 40, 531.
20 Ib., 3/6: 203, 3/7: 69, 119-120, 126-128, 133, 138, 156, 158, 201-202, 209, 216, 223,
817-818; 3/8: 107, 323-324; 3/9: 53, 122, 129-130, 134; 3/9: 186-192, 196-200, 220, 224,
235, 386.
21 Ib., 3/7: 138; 3/8: 107; Francis Sheppard, London 1800-1870: The Infernal Wen
(Berkeley e Los Angeles: University of California Press, 1971), 211, 217-218, 234-235.
22 MEGA 3/9: 188-189.
23 Ib., 3/7: 55, 300; 3/8: 281.
24 Ib., 37: 58, 62; de forma mais geral, Olive Anderson, A Liberal State at War: English
Politics and Economics during the Crimean War (Londres: Macmillan, 1967), 1-28.
25 Hans-Henning Hahn, Aussenpolitik in der Emigration: die Exildiplomatie Adam Jerzy
Czartoryskis 1830-1840 (Munique: Oldenbourg Verlag, 1978), esp.191-201, 207-117.
26 MEGA 3/3: 35, 40, 43, 51-52.
27 Ib., 1/12: 83, 181-184, 229-230, 235, 243-244, 549-556; 1/13: 14, 56-57, 84-85, 89-90,
292, 268-299, 370-374, 398, 532; 1/14: 61-65, 88-93, 117, 194, 243-245, 268-271, 296-
301, 411-415, 425-426, 452, 455-459, 546-549, 567; 3/6: 133.
28 Ib. 1/12: 336, também 358-359, 468, 1/13: 35-36, 41-42.
29 Anderson, A Liberal State at War, 33-93.
30 MEGA 1/12: 357-386, 564-565; 1/13: 16, 184-185; 1/14: 652 3/7: 44, 53, 85, 242; 3/8:
85-86; 3/9: 218-219; 3/11: 19-20, 24; MEW 30: 371.
31 MECW 15: 27-96; também MEGA 1/14: 785-788.
32 Anderson, A Liberal State at War, 139-152; “David Urquhart”, Dictionary of National
Biography; Miles Taylor, “The Old Radicalism and the New: David Urquhart and the
Politics of Opposition, 1832-1867”, em Eugenio Biagini e Alastair J. Reid, eds., Currents
of Radicalism: Popular Radicalism, Organised Labour and Party Politics in Britain, 1850-
1914 (Cambridge: Cambridge University Press, 1991), 23-43.
33 MEGA 3/6: 130-131; 3/7: 56, 65, 94, 110, 298, 390, 526; 3/8: 6, 19, 36-37, 39, 43, 54-
55, 66, 107, 523, 596-597; 3/9: 94; 3/11: 18; Liebknecht, Karl Marx zum Gedächtniß, 56-
57; Bauer, Konfidentenberichte, 164-165.
34 MEGA, 1/12: 632-633, 1165.
35 Ib., 1/12: 80.
36 Ib., 1/13: 90-91, 121-122; Jansen, Einheit, Macht und Freiheit, 260-265; Natascha Doll,
Recht, Politik und “Realpolitik” bei August Ludwig von Rochau (1810-1873) (Frankfurt:
Vittorio Klostermann, 2005).
37 Jonathan Parry, The Politics of Patriotism: English Liberalism, National Identity and
Europe, 1830-1886 (Cambridge: Cambridge University Press, 2006), 145-157,195-205,
213-219; K. Theodore Hoppen, The Mid-Victorian Generation 1846-1886 (Oxford: Oxford
University Press, 1998), 198; David Brown, Palmerston: A Biography (Londres: Yale
University Press, 2010).
38 MEGA 3/7: 372-373; também 331.
39 Ib., 1/12: 68; 1/13: 81, 359 1/14: 330-331, 367.
40 Ib., 1/12: 358-359. De uma forma mais geral, para as opiniões de Marx sobre os Whigs,
e seus artigos a respeito de Palmerston e Russell, 1/12: 357-385; 1/14: 575-602; também
3/6: 133-134.
41 Ib., 3/7: 44.
42 Ib., 3/9: 63, 121-125.
43 Ib., 3/6: 174-176, 179-184; Suzanne Marchand, German Orientalism in the Age of
Empire: Religion, Race, and Scholarship (Nova York: Cambridge University Press, 2009).
44 MEGA 3/6: 189, 198-200; Bipan Chandra, “Karl Marx, His Theories of Asian Societies
and Colonial Rule”, Review 5 (1981): 13-91.
45 Ver, em especial, MEGA 1/12: 166, 169-73, 248-253.
46 Ricardo King Sang Mak, The Future of the Non-Western World in the Social Sciences of
19th Century England (Frankfurt: Peter Lang, 1999), 87-173; ver também, Andrew
Zimmermann, Anthropology and Antihumanism in Imperial Germany (Chicago: University
of Chicago Press, 2001), 38-61.
47 Salahuddin Malik, 1857 War of Independence or Clash of Civilizations? British Public
Reactions (Karachi: Oxford University Press, 2008); MECW 15: 329, 363.
48 MECW 15: 336-341, 349-356; também MEGA 1/12: 179, 217-219; MECW 15: 575-579,
587.
49 Philip Harling, The Waning of ‘Old Corruption’: The Politics of Economical Reform in
Britain, 1779-1846 (Oxford: Clarendon Press, 1996); Parry, The Politics of Patriotism,
184-191.
50 MEGA 1/12: 231; MECW 15: 309-313, 546-549.
51 MEGA 3/8: 458.
52 MECW 15: 177-180, 293-296. Marx tinha ciência do perfil religioso da monarquia persa
e demonstrou possuir conhecimento detalhado a respeito das diferenças entre o islã sunita e
xiita.
53 Ib., 15: 123-129.
54 Ib., 15: 219-225, 232-235, 16: 13-16, 50, 86; MEGA 3/9: 218-219.
55 MEGA 3/9: 218-219.
56 Ib., 1/12: 151-153, 332, 337-339, 344, 445-447, 493-494; 1/14: 37-41, 166-169, 262-
263; 3/6: 125, 151, 153-154; 3/7: 18-19, 34-35; 3/8: 8-9, 58-61, 64; Liebknecht, Karl Marx
zum Gedächtnis, 31.
57 MEGA 3/8: 211-212.
58 Ib., 3/8: 13, 53, 61, 210-211, 221, 223-224; 3/9: 73, 77, 104-107.
59 Ib., 3/8: 197, 3/9: 65, também 148.
60 MECW 15: 109-116, 130-138, 301-304, 400-412; MEW: 30: 639.
61 MEGA 1/12: 153, 3/8: 48-49, 115, 210; MECW 14: 657; 15:8-18, 289-292, 357-359,
499-503.
62 MEGA 3/8: 115; MECW 15: 19-24, 133, 270-277.
63 MEGA 3/8: 217-218; MECW 15: 413-418.
64 MEGA 3/8: 48-50, 53, 202-204, 229-230; MECW 15: 117-129, 379, 387-390.
65 MEGA 3/8: 184, 191, 193, 207; também, 99, 132, 161, 194-199, 198-199, 210, 216-217,
219-220; 3/9:75.
66 Ib., 3/9: 155, 221-222, 255-256; MECW 16: 54-58, 65-81, 96-109, 115-128.
67 MEGA 3/8: 235; 3/9: 9-10, 14, 77, 81, 215-216, 218-219; MECW 15: 560-565.

CAPÍTULO 9: O ATIVISTA

1 Citado em Jansen, Einheit, Macht und Freiheit, 304-305; em relação à discussão, de


forma mais genérica, ib., 288-315, e Harald Biermann, Ideologie statt Realpolitik:
Kleindeutsche Liberale und auswärtige Politik vor der Reichsgründung (Düsseldorf:
Droste Verlag, 2006), 78-118.
2 MEW 13: 225-268; MEGA 3/9: 322-324.
3 MEGA 3/9: 275, 298-299, 332, 341, 427-428; 3/10: 102-103.
4 Ib., 3/11: 19-20.
5 Ib., 3/9: 427-428, 430.
6 Lattek, Revolutionary Refugees, 192-207; MEW 13: 376-379, 384-397, 402-404, 410-
416, 428-439, 450-467; MEGA 3/9: 428-432, 435-437, 469, 479-480, 482-483, 504-506,
509-510, 513-515, 520-521, 537, 539-547; 3/10: 289; Bauer, Konfidentenberichte, 507-
508, 519-520.
7 Lattek, Revolutionary Refugees, 203; MEGA 3/10: 74, 179-177, 325; MEW 31: 412;
32:92.
8 Jansen, Einheit, Macht und Freiheit, 294-298.
9 Lattek, Revolutionary Refugees, 207-214.
10 MEGA 3/9: 481; 3/10: 6-8, 36-38, 46, 49, 56-57, 66, 68, 73-77, 82-83, 87, 96-98, 109-
111, 113, 115, 117-119, 130-131, 133-134, 164, 175-179, 178, 186-184, 193-194, 218, 220,
224, 231-235, 237-238, 244-248, 276-278, 316, 319-321, 324-330, 744, 815; 3/11: 141,
251; Vogt, Mein Prozess, esp. 138-141; Bauer, Konfidentenberichte, 543-544.
11 MEGA 3/10: 195-97, 199-200, 203-8, 211-17, 231-33, 252-58, 274-75, 280-96, 314-1,
337-48, 411, 457-58, 462-63, 472, 474, 479, 484-8, 505-7; 3/11: 730-38.
12 McLellan, Karl Marx, 289; Wheen, Karl Marx, 238.
13 MEGA 3/10: 116, 194, 383.
14 Ib., 3/10: 96.
15 Ib., 3/10: 175-76, 180-181, 188.
16 Ib., 3/10: 370, 509-510, 561; 3/11: 135-136, 208.
17 Ib., 3/11: 112-113, 245.
18 Ib., 1/18: 58-135; 3/10: 247.
19 Ib., 1/18: 157-2013/11: 180, 188, 196, 218.
20 Jansen, Einheit, Macht und Freiheit, 141-145; MEGA 3/10: 457-458; 3/11: 69, 218, 270-
271, 361, 373, 1034, 1205-1207; MEW 31: 668; 33: 203-206, 213-214, 220-221; Bauer,
Konfidentenberichte, 586-587.
21 MEGA 3/10: 214-217, 245-248, 350-358, 439-440, 490-491; 3/11: 53, 67, 84, 100, 103;
3/13:110.
22 Ib., 3/10: 180-181, 187.
23 Ib., 3/10: 115, 170; 3/11: 293, 301, 310-12, 315, 319-20, 322, 902-3.
24 Christopher Clark, Iron Kingdom: The Rise and Downfall of Prussia, 1600-1947
(Cambridge, MA: Harvard University Press, 2006), 513-517; MEGA 3/10: 316-317, 379-
380; 3/11: 156, 161, 380; Melis, “Heinrich Bürgers”.
25 MEGA 3/7: 422; a melhor biografia dessa figura controversa: Shlomo Na’amann,
Lassalle (Hanover: Verlag für Literatur und Zeitgeschehen, 1970).
26 MEGA 3/7: 158-159; 3/8: 514; 3/9:56-58, 96, 113, 130, 227, 322-323, 331, 349-350,
359-360, 369-370, 373, 375, 379-380, 468; 3/10: 43, 76-77, 93, 99, 189, 166, 179-180,
184, 192, 211; 3/11: 485-486, 492-493, 581, 1221.
27 Ib., 3/3: 377, 404-407, 693, 3/5: 270, 421.
28 Ferdinand Lassalle, “Der italienische Krieg und die Aufgabe Preussens”, em, Ferdinand
Lassalle Gesammelte Reden und Schriften Eduard Bernstein, ed., 12 vols. (Berlim: Paul
Cassirer, 1919-20): 1: 23-112; MEGA 3/9: 291, 298-299, 411-416, 422-423, 467-468, 481,
484-489; 3/10: 42-43, 79-80, 102-103, 167-170, 178, 191-192, 298-301, 397-370, 396-398,
570, 573; 3/11: 19-20, 148-151, 167-170.
29 MEGA 3/9: 467-468, 485-487.
30 Ib., 3/3: 465, 535, 3/4: 356, 364, 404-405; 3/6: 359-360, 397; 3/7: 244-245, 247; 3/8: 5,
553-554; 3/10: 302-306.
31 Ib., e 3/3:34.
32 Ib., 3/10: 372; 3/11: 324.
33 Em relação às alcunhas antissemitas: ib., 3/9: 166, 324-325, 329-330, 334, 507, 3/10:
180, 206, 231-232, 3/11: 23, 46, 64, 67-68, 158-159, 347-348, 615-616, 1074; MEW 30:
252; para a opinião de Marx quanto à personalidade de Lassalle, no que diz respeito a
estereótipos antissemitas, MEGA 3/11: 460-461.
34 MEGA 3/11: 223, 225, 227, 229-231, 233, 236-237, 248-250, 259-260, 266, 270-271,
295.
35 Ib., 3/11: 334, 360, 417, 463.
36 Ib., 3/11: 379, 389-390, 402-404, 407, 439-440, 458-461, 463, 469-471.
37 Ib., 3/9: 219, 229, 246; 3/11: 236-237, 419, 458-461, 463 Schönke, Karl und Heinrich
Marx, 759-768, 773-778, 784-785.
38 MEGA 3/11: 422-423, 457, 480.
39 Ib., 3/11: 400-401, 410-413, 417, 426-432, 434, 437-478, 446, 499, 502-503, 512, 515-
517, 539.
40 Ib., 3/11: 460-461, 468.
41 MEW 30: 249, 252, 257-259, 269-270; MEGA 3/13: 565; Westfalen, “Kurze Umrisse”;
em Mohr und General, 233-234; Eduard Bernstein, “Erinnerungen an Karl Marx und
Friedrich Engels”, em ib., 503-504; Gemkow e Hecker, “Unbekannte Dokumente”, 58.
42 MEGA 3/11: 572-573, 581-583, 588, 598; MEW 30: 223-224, 227, 230, 275, 263, 621,
639-641.
43 MEW 30: 249.
44 Ib., 30: 214, 216, 226, 227, 242, 247, 257, 269-270, 316, 656.
45 Gielkens, Marx und seine niederländischen Verwandten, 75-76, 178-179; MEW 30:
287, 639-641.
46 MEW 30: 218, 260-261, 272-273, 309-319.
47 Ib., 30: 376, 380-381, 390; 394-398, 417, 419, 643-644; Wheen, Karl Marx, 266;
Gielkens, Marx und seine niederländischen Verwandten, 62; Monz, Karl Marx, 285-291.
48 MEW 30: 691-694.
49 Ib., 30: 382, 386; 31: 174, 176, 178, 182-83, 186; MEGA 3/7: 108; 3/13: 54, 56, 80, 305,
470; MEW 31: 176, 184-185, 203, 212-213, 514, 589-590, 595-596, 32: 5, 21-22, 42, 228-
229, 390-391, 426, 705-706; S. Shuster, “The Nature and Consequence of Karl Marx’s
Skin Disease”, British Journal of Dermatology 158 (2008): 1-3;
http://www.mayoclinic.com/health/hidradenitis-suppurativa/DS00818, acessado em
28/09/10; James C. Whorton, The Arsenic Century: How Victorian Britain was Poisoned at
Home, Work and Play (Oxford: Oxford University Press, 2010), 229-261. Meus
agradecimentos ao Dr. Lindall Perry do Boone Hospital Center, por seus conselhos
abalizados sobre dermatologia.
50 MEW 30: 254-259, 271, 284, 287, 291-292, 294, 298, 300, 354, 361-362, 429-430;
MEGA 3/13: 432.
51 MEW, 30: 324-329, 337-338, 340, 371-372; Karl Marx, Manuskripte über die Polnische
Frage (1863-1864), ed. Werner Conze e Dieter Hertz-Eichenrode (‘S-Gravenhage: Mouton
& Co., 1961), 93. O relevante volume do MEGA relativo a esse ano ainda não foi
publicado. Em 1980, o Instituto de Marxismo-Leninismo de Berlim oriental planejava a
impressão do manuscrito como suplemento de sua edição dos trabalhos de Marx e Engels,
mas o governo da Alemanha oriental rechaçou a publicação de um ensaio no qual o
fundador do comunismo fazia ataques à Rússia pela repressão de uma revolução polonesa,
na ocasião em que o governo da USSR pressionava pela extinção do Solidariedade na
Polônia comunista.
52 MEW, 30: 289, 30, 333, 347-378, 353-354, 374-375, 384-387, 408, 421-423, 649-651;
Clark, Iron Kingdom, 523-531.
53 MEW, 30: 274-278, 345, 347-378, 351, 356-358, 360, 368-369, 375, 377, 402, 407,
432-433, 630-637.
54 Ib., 30: 427-429, 432-433; MEGA 3/13: 3-4, 7-8, 35-36; de forma mais genérica, 3/13:
3-256.
55 MEGA 3/11: 464, 500, 508, 554-555, 570, 593-596 3/13: 4, 7, 41-44.
56 Além das fontes citadas na nota anterior, ver Henryk Katz, The Emancipation of Labor:
A History of the First International (Westport, CT: Greenwood Press, 1991), 1-14; Julian
P.W. Archer, The First International in France 1864-1872 (Lanham, MD: University Press
of America, 1997), 1-24; Henry Collins e Chimen Abramsky, Karl Marx and the British
Labour Movement (Londres: Macmillan & Co., 1965), 14-55.
57 MEGA 3/13: 91.
58 Ib., e Margot Finn, After Chartism: Class and Nation in English Radical Politics, 1848-
1874 (Cambridge: Cambridge University Press, 1993), 222-223; Archer, First
International in France, 28; Eugenia Stépanova e Irina Bach, “Le conseil général et son
role dans l’association internationale des travilleurs”, em La Première Internationale:
l’institution, l’implantation et le rayonnement, ed. Denise Fauvel-Rouif (Paris: Centrale
Nationale de la Recherche Scientifique, 1968), 50-71; MEGA 1/20: 14-15; 3/13: 83, 177,
181-184, 239, 268, 598-599.
59 MEGA 3/13: 42; MEW 31: 228-229.
60 MEGA 1/20: 187-188; mais detalhes em 224-235.
61 MEGA 1/20: 449, 505-506, 508, 511; 3/13: 395-398, 401, 409, 433-434; MEW 31: 215-
216, 282, 516; 32: 59, 367.
62 MEGA 1/20: 143-186; 3/13: 466-467, 482-483.
63 Finn, After Chartism, 234-261; MEGA 3/13: 430, 611-612; MEW 31: 197-198, 232,
242-243, 398-400, 493, 495.
64 Boris Nicolaevsky, “Secret Societies and the First International”, em Milorad M.
Drachkovitch, ed., The Revolutionary Internationals, 1864-1943 (Stanford, CA: Stanford
University Press, 1966), 36-56; Archer, First International in France, 28-35, MEGA 1/20:
111-114, 121-125 302, 304, 306-307, 3/13: 207-208, 279-284, 326-337, 341-344, 388;
MEW 31: 169, 495-496; 32: 97, 99, 114-115, 130-131, 190, 580-581.
65 MEGA 3/13: 326; MEW 31: 254, 355-356; 32: 17-18.
66 Marx empregou diversas vezes a expressão “nos bastidores” para descrever suas
atividades na AIT: MEW 31: 232, 530; 32: 540.
67 MEGA 3/13: 429, 561; MEW 31: 247, 253.
68 MEGA 3/13: 510; MEW 31: 169, 204-205, 346-47, 524-525, 529-530; 32: 134, 143-144,
147, 342-344, 346-347, 492-493, 558-559.
69 MEW 30: 429, 432-433, 673; MEGA 3/13: 16, 69, 71, 74-79, 82, 84-86, 124, 127, 265.
70 MEGA 3/13: 122, 133-134, 180-183, 187-188, 94-95, 197-200, 232. A respeito do
contexto pós-Lassalle e do movimento trabalhista na Alemanha, na segunda metade da
década de 1860, ver, Thomas Welskopp, Das Banner der Brüderlichkeit. Die deutsche
Sozialdemokratie vom Vormärz bis zum Sozialistengesetz (Bonn: Verlag J.H.W. Dietz
Nachfolger, 2000), 38-44.
71 Berlim, Karl Marx, 156.
72 MEW, 32: 608-610; da mesma forma, 30: 335; 31: 521.
73 Citado em Silberner, Moses Hess, 520; da mesma forma, 518-519; MEGA 3/13: 167-
168, 887-888.
74 MEGA 1/20: 60-69; 3/13: 52-54, 56, 58, 64-67, 70, 74, 83, 87, 137, 161-163, 181-185,
203-205, 211, 229, 232, 235-238, 241, 247-250, 254-256, 264.
75 MEGA 3/11: 305-307; 3/13: 493, 540-541, 544, 554-555, 589-590, 605, 609, 1158-
1159; MEW 31: 492-494, 498; Roger Morgan, The German Social Democrats and the First
International 1864-1872 (Cambridge: Cambridge University Press, 1965).
76 MEW 31: 197-198, 200-4, 206-211, 214-221, 226-224, 230-231, 233-236, 514-545;
Biermann, Ideologie statt Realpolitik, 202-238; Clark, Iron Kingdom, 531-546.
77 MEGA 3/13: 565-566; MEW 31: 290-291, 294; 33: 228-229.
78 MEW, 31: 240-243.
79 Ib., 31: 352, 362, 371-372, 497-498, 563, 565, 573-574. 32: 295, 315-316.
80 Ib., 31: 240-241, 391, 393, 402, 411-412, 573-574; 32: 12-13, 22-24, 28, 64, 68-69, 151,
161-162, 177-178, 183, 187-188, 278-279, 334-35, 341, 356, 360, 380-381, 493, 503, 543,
548, 581, 726, 743-744.
81 Ib., 32: 76, 141, 155, 158-159, 161-162, 173, 187-188, 212, 219, 221, 252, 281, 293,
313, 339-341, 386, 541, 546, 568-574, 764-766.
82 Ib., 32: 80, 219; da mesma forma, 289-290, 331-332, 343, 346, 581.
83 Ib., 32: 127-128, 160, 164-165, 168-173, 179-180, 270-271, 297, 329, 331-332, 313,
347-349, 620-621, 745, 768-769, 772.
84 Ib., 32: 367-368, 608-610, 679-680.
85 Ib., 32: 131-134, 357-358.
86 MEGA 3/11: 356-357; MEW 31: 167-169, 180, 182, 208, 216, 242, 250, 254-259, 262-
264, 277-278, 307, 309-311, 318, 321-323, 337, 355-356, 361, 392-393, 401, 403, 520-
521; 32: 37-38, 43, 47-48, 62-63, 105, 114, 116, 118, 124, 136-137, 141, 147-148, 167,
172, 193, 197, 205, 209.
87 MEW 30: 419-420, 425; 32: 214-218, 625-628.
88 Ib., 31: 376, 380, 396, 399-340, 412-413; 32: 205, 207, 209, 378-379, 392-393, 409-
410, 449, 542-543, 638, 656, 667-669.
89 Ib., 31: 392; 32: 454, 700, 703, 712, 716.
90 MEGA 3/11: 605; 3/13: 25, 214-215, 388, 430-431; 3/13: 43; MEW 31: 337-339, 594;
32:190.
91 Wolfgang Eckhardt, “Bakunin und Johann Philipp Becker: Eine andere Prespektive auf
den Beginn der Auseinandersetzung zwischen Marx und Bakunin in der Ersten
Internationale”, Internationale wissenschaftliche Korrespondenz zur Geschichte der
detuschen Arbeiterbewegung 35 (1999): 66-122.
92 MEW 32: 474-475, 482-484, 498, 520-521.
93 Ib., 32: 503-505, 507, 509, 513, 799.
94 Ib., 31: 251-251, 283-284, 298-299, 378; 32: 31, 32, 88, 608-610.
95 MECW 43: 563.
96 MEW 33: 5, 675, 716; MEGA 1/21: 1056-1061.
97 MEW 33: 8-9, 12, 15-17, 23-24, 30, 35, 39-42, 51-53.
98 Ib., 33: 49-50; MEGA 1/21: 245-249.
99 Geoffrey Wawro, The Franco-Prussian War: The German Conquest of France in 1870-
1871 (Cambridge: Cambridge University Press, 2003); MEW 33: 55, 176-179, 203-204.
100 MEW 33: 54-58, 61-62, 64-65, 146-148, 153-157, 162-165, 167-168, 176-176, 182-
183, 191-192.
101 Quanto a esse evento sobre a Comuna de Paris e a relação desta com Marx e a AIT,
ver, Robert Tombs, The Paris Commune, 1871 (Londres e Nova York: Longman, 1999);
Robert Thomas, “Enigmatic Writings: Karl Marx’s The Civil War in France and the Paris
Commune of 1871”, History of Political Thought 18 (1997): 483-511; Collins e Abramsky,
Marx and the British Labour Movement, 185-210.
102 MEW 33: 200-201, 205-206, 216-217, 226-230; 35: 160.
103 Ib., 33: 193-195, 196, 203-204, 238, 244, 252; MEGA 1/22: 174-177, 227-272.
104 MEGA 1/22: 59; Royden Harrison, ed., The English Defence of the Commune 1871
(Londres: Merlin Press, 1971), 150, 229, 250, 277.
105 MEGA 3/4: 155-156.
106 Ib., 1/22: 45-50.

PARTE III: O LEGADO


CAPÍTULO 10: O TEÓRICO

1 MEGA 3/4: 377.


2 John W. Burrow, The Crisis of Reason: European Thought, 1848-1914 (New Haven: Yale
University Press, 2000), 31-56; Andreas Daum, Wissenschaftspopularisierung im 19.
Jahrhundert, 2a ed. (Munique: R. Oldenbourg Verlag, 2002), 2-5. Quanto às ideias dos dois
mais proeminentes positivistas, ver J. D. Y. Peel, Herbert Spencer: The Evolution of a
Sociologist (Nova York: Basic Books, 1971) e Arline Standley, Auguste Comte (Boston:
Twayne Publishers, 1981).
3 MEGA, 3/7: 224. 3/8: 203.
4 Ib., 1/20: 4;MEW 4: 468-469.
5 Um clássico a esse respeito é Jacques Barzun, Darwin, Marx, Wagner: Critique of a
Heritage (Boston: Little Brown & Company, 1941).
6 Essa fascinante correspondência encontra-se em MEGA 3/4: 308-309, 336, 339-341, 345-
346, 361-363, 386, 391-392.
7 Sobre o trabalho de Darwin e o impacto que ele causou, ver Michael Ruse, The
Darwinian Revolution: Science Red in Tooth and Claw, 2a ed. (Chicago: University of
Chicago Press, 1999); Thomas Glick, ed., The Comparative Reception of Darwin (Austin:
University of Texas Press, 1974); Alfred Kelly, The Descent of Darwin: The
Popularization of Darwin in Germany 1860-1914 (Chapel Hill: University of North
Carolina Press, 1981); e Daum Wissenschaftspopularisierung, 300-316.
8 MEGA, 3/10: 127, 770; 3/11: 270-271, 316; MEW 31: 586-587; 32: 229; Liebknecht,
Karl Marx zum Gedächtniß, 50-51.
9 MEW 30: 249.
10 MECW 43: 217.
11 MEGA 2/8: 55; MEW 32: 17-18, 685-686; também 202-203.
12 Wheen, Karl Marx, 363-369.
13 MEW 32: 206, 229.
14 Ib., 31: 247-249, 256-257, 259, 530; para mais informações sobre Trémaux, e uma
análise contemporânea de suas teorias, ver http://philsci-archive.pitt.edu/3881/, acessado
em 21/10/10.
15 MEW, 321: 403-405; MEGA 1/21: 38-40.
16 Daum, Wissenschaftspopularisierung, 286-299.
17 MEW 32: 538-539, 547; MEGA 2/8: 55.
18 MEGA 2/2: 100-101.
19 MEW 32: 42, 51-52, 650.
20 Ib., 31: 224, 233-234; 32: 91, 302-303; 33: 162, 228-229; Collins e Abramsky, Marx
and the British Labour Movement, e outras passagens.
21 MEGA 1/11: 121.
22 MEW 39: 206.
23 MECW 14: 655-656; MEW 32: 670.
24 MECW 14: 15: 102; da mesma forma, MEGA 1/12: 531.
25 MEW 15: 453-454.
26 MECW 15: 38, 57-59, 62.
27 MEW 32: 596; também, MEGA 1/12: 26, e Alain Desrosières, The Politics of Large
Numbers: A History of Statistical Reasoning, trad. Camille Naish (Harvard: Harvard
University Press, 1998), 73-91.
28 MEW 32: 552-554.
29 A passagem de O capital encontra-se em, MEGA 2/15: 792.
30 George Mosse, Toward the Final Solution: A History of European Racism (Nova York:
Harper & Row, 1978).
31 Linzbach, “Die konservative Orientierung Bruno Bauers nach 1848”; Silberner, Moses
Hess, 404-418.
32 MECW 43: 449.
33 Ib., 42: 316; MEC 8: 333; MEW 32: 198; MEGA 2/8: 301. O aliado americano de Marx,
Adolph Cluss, escreveu em 1853 uma carta bastante interessante sobre esse ponto – MEGA
3/6:515-519.
34 MEW 30: 259.
35 Ib., 30: 372.
36 Ib. 30: 289; da mesma forma MEGA 3/13: 31-32.
37 MEGA 3/13: 483; MEW 31: 247-249.
38 MEGA 1/14: 789-95; 3/7: 227, 235-239, 241-242, 246, 843; 3/10: 362.
39 Para exemplos ilustrativos dessas posições contrárias, ver Norman Levine, The Tragic
Deception: Marx Contra Engels (Santa Barbara: Clio Books, 1975) e John Stanley e Ernest
Zimmerman, “On the Alleged Differences between Marx and Engels”, Political Studies 33
(1984): 226-248.
40 MEGA 3/1: 244-245.
41 Ib., 3/9: 182; da mesma forma, MEW 31: 303-304.
42 MEGA, 3/13: 362-364.
43 MEW 32: 286-287. A leitura da explanação de Engels sobre por que os matemáticos não
entendem de cálculo, é igualmente árdua: ib., 35: 23-25.

CAPÍTULO 11: O ECONOMISTA

1 Michael Krätke, “‘Hier bricht das Manuskript ab.’ (Engels) Hat das Kapital einen
Schluss? Teil I”, Beiträge zur Marx-Engels-Forschung n.s. 2001: 7-43; MEW 34: 307. A
introdução feita pelo editor nos volumes da série 2 de MEGA, contendo os escritos de
Marx sobre economia, inclui discussões detalhadas da história publicada e manuscrita
dessas discussões.
2 Ver, por exemplo, Mark Meaney, Capital as Organic Unity: The Role of Hegel’s Science
of Logic in Marx’s Grundrisse (Dodrecht: Kluwer Academic Publishers, 2002) ou Enrique
Dussel, Towards an Unknown Marx: A Commentary on the Manuscripts of 1861-1863,
trad. Yolanda Angulo (Routledge: Londres e Nova York 2001).
3 MEGA 2/1: 226, 440, 697-699.
4 Ib., 2/8: 100-101.
5 Ib., 2/15: 40, 46, 160, 190.
6 Ib., 2/15: 789, 804-805; para a explanação do próprio Marx sobre o lugar do Volume 3
nesse trabalho, ver MEW 32: 70-75.
7 O genro de Marx observara esse aspecto de seu pensamento: Lafargue, “Persönliche
Erinnerung”, em Mohr und General, 332-34.
8 Essas distinções são tratadas em MEGA, 2/8: 63-237.
9 Ib., 2/8: 130.
10 David Ricardo, Principles of Political Economy and Taxation, ed., Michael P. Fogarty
(Londres: J.M. Dent & Sons, 1960), 5-24; John Stuart Mill, Principles of Political
Economy, 2 vols. (Nova York: D. Appleton & Company, 1864) 1: 563. Muito embora Mill
seja conhecido hoje como um filósofo politico, para seus contemporâneos ele era, acima de
tudo, um economista.
11 MEGA, 2/1: 75, 455-456, 474; 2/2: 138-139; 2/3.3: 1020-1028; 2/3.4: 1300-1301, 1313-
1314, 1357-1358; 2/8: 506-507; Noel Thompson, The People’s Science: the Popular
Political Economy of Exploitation and Crisis 1816-1834 (Cambridge: Cambridge
University Press, 1984), 87-106.
12 MEGA, 2/8: 191.
13 Ib., 2/1: 301, 305; 2/8: 210-221.
14 Ib., 2/8: 378.
15 Ib., 2/8: 259-260, mais genericamente, 237-280.
16 Ib., 2/8: 280-303.
17 Ib., 2/8: 318.
18 Ib., 2/8: 574-575, 585-590.
19 Ib., 2/8: 438-439, 714-722.
20 Ib., 2/8: 585-608.
21 Ib., 2/8: 594-595; 2/15: 245-255.
22 Ib., 2/8: 606.
23 Ib., 1/12: 276-277, 491-496; 2/2: 608-611; 3/7: 169; MECW: 255-261, 430-434, 521-
526, 560-565.
24 MEGA, 2/8: 529.
25 Ib., 2/8: 712-713.
26 Ib., 2/8: 44.
27 MEW 32: 70-75: uma importante exposição resumida dos aspectos fundamentais do
pensamento econômico de Marx na maturidade.
28 MEGA 2/1: 622; 2/15: 211.
29 Ricardo, Principles of Political Economy, 70-72; Mill, Principles of Political Economy,
2: 290-322; para as observações de Marx a respeito das teorias de Smith e Ricardo, ver
MEGA 2/1: 625-630; 2/3.3: 1049-1093; 2/15: 211.
30 MEGA, 2/15: 210-211.
31 Leon Smolinski, “Karl Marx and Mathematical Economics”, Journal of Political
Economy 81 (1973): 1189-1204, esp. 1196-1197. Os manuscritos com conteúdo algébrico
encontram-se em MEGA 2/14; as equações relevantes, na p. 3.
32 MEGA 2/8: 527-528, 567; 2/15: 222.
33 Ib., 2/8: 318; 2/15: 203; Ricardo, Principles of Political Economy, 80; David Landes,
The Unbound Prometheus: Technological Change and Industrial Development in Western
Europe from 1750 to the Present (Cambridge: Cambridge University Press, 1969), 255.
34 MEGA 2/8: 704; 2/15: 229-235; Ricardo, Principles of Political Economy, 77-78.
35 MEGA, 2/8: 315-18, 501-2.
36 Ib., 2/15: 258. Em uma passagem relevante, Marx fala sobre mercadorias precificadas
em marcos, a moeda do Império Germânico unido, só introduzida em 1875; portanto, o
texto deve ser posterior a essa data.
37 Ib., 2/15: 347-348.
38 Para uma visão geral dos trabalhos desses economistas e sua conexão com as teorias de
Marx, ver ib., 2/15: 875-910; alguns relatos em língua inglesa aparecem em Ricardo
Bellofiore, ed., Marxian Economics: A Reappraisal. Essays on Volume III of Capital, 2
vols. (Houndmills, Basingstoke: Macmillan, 1998), esp. os ensaios do Vol. 2.
39 MEW 30: 263-67; MEGA 2/15: 155-198.
40 Eles observam que, de acordo com Marx, a transformação de valor em preço só ocorria
no “preço de produção”, no preço de venda das mercadorias, nos “resultados”. Marx
negligenciava o fato de que as “entradas”, o capital, fixo e variável, necessário para
fabricação das mercadorias, foram originalmente resultados, e precisavam ser
transformadas de condições de valor em condições de preço. Esse tipo de transformação
simultânea múltipla requer o emprego de múltiplas equações lineares e matrizes algébricas.
41 MEW 30: 264; MEGA 2/15: 83; formulações mais antigas, MEGA 2/1: 634-635.
42 MEGA, 2/15: 856, também 607.
43 Ib., 2/14: 448-54; 2/15: 606-7, 779-88; MEW 32: 403-404.
44 Thomas Malthus, An Essay on the Principle of Population, ed., Anthony Flew (Londres:
Penguin Books, 1970), 100; Ricardo, Principles of Political Economy, 64-76, 80; Donald
Winch, Riches and Poverty: An Intellectual History of Political Economy in Britain 1750-
1834 (Cambridge: Cambridge University Press, 1996), 350-371.
45 MEGA 2/8: 578-579.
46 Ib., 2/8: 590-601.
47 Ib., 3/4: 106-107, 113-114, 183, 356; MEW 31: 178-179, 183; 32: 5-6, 51-52; Anneliese
Griese, “Die geologischen, mineralogischen und agronchemischen Manuskripten. Ein
Beitrag zu ihrer wissenschaft-historischen Einordnung”, Beiträge zur Marx-Engels-
Forschung n.s. 2006: 31-48. A opinião de Engels sobre Malthus era semelhante à de Marx:
ver MEGA 3/13: 362-364; MEW 35: 150-51.
48 MEGA 2/15: 752.
49 Ib., 2/15: 626, da mesma forma, 608, 612-613.
50 Ib., 2/15: 611-617.
51 Ib., 2/15: 627-722.
52 Ib., 2/15: 725-749, esp. 736, 738-739, 742, 748-749.
53 Ib., 2/15: 744.
54 Ib., 2/15: 428-429, 595; também, MEW 34: 53.
55 Ib., 2/15: 427, mais genericamente, 426-432. Essas seis páginas sobre corporações da
edição de MEGA do Vol. 3 de O capital devem ser comparadas com as 160 páginas que
tratam de agricultura e renda fundiária, para que se possa ter uma ideia da importância
desses temas para Marx.
56 Ib., 2/1: 196, 484; 2/8: 484; 2/15: 285, 293-295. A criação e a formação protestantes de
Marx, sua simpatia esquerdista pela unidade nacional italiana e sua visão de mundo ateia
contribuíram para a opinião indistinta que ele mantinha a respeito da Igreja Católica e de
seu líder, Papa Pio IX, uma figura profundamente conservadora do ponto de vista
intelectual e político.
57 [Anônimo], “German Literature”, Saturday Review of Politics, Literature, Science and
Art vol. 24, no. 638, 18 Jan. 1869: 96-98; MEW 32: 535.
58 Inge Schliebe e Ludmilla Kalinina, “Rezensionen des Marxchen Werkes, ‘Zur Kritik der
politischen Ökonomie aus dem Jahre 1859”, Beiträge zur Marx-Engels-Forschung 1
(1977): 103-123; MEGA 3/9: 437, 442-443, 471, 474, 477, 491, 495, 522, 532-533, 539;
3/10: 31, 42-43.
59 MEW 31: 345-346, 370, 377-380, 384-386, 388-389, 403-405, 563, 567-68, 573-574,
577; 32:9-10, 41, 91-92, 134-135, 186-187, 459, 536-567, 546, 550-551, 554, 589; MEGA
1/21: 3-14, 38-45, 68-74; 2/8: 737-787, 1368-1373.
60 MEW 31: 290-291, 391, 575; 32: 8, 11-12, 30, 187, 459, 538, 749; Erik Grimmer-
Solem, The Rise of Historical Economics and Social Reform in Germany 1864-1894
(Oxford: Clarendon Press, 2003); Albert Schäffle, Kapitalismus und Socialismus mit
besonderer Rücksicht auf Geschäfts- und Vermögensfragen (Tübingen: Verlag der H.
Laupp’schen Buchhandlung, 1870), 308-361; 413-428; Lenger, Werner Sombart, 78-114.
61 Johannes Siemes, “Karl Marx im Urteil des sozialen Rechts”, Der Staat 11 (1972):376-
388.
62 Sobre as dúvidas de Engels quanto aos projetos de segurança nacional nascentes, ver
MEW 32: 369-370.
63 Heinz Kurz, “Marginalism, Classicism and Socialism in German-Speaking Countries,
1871-1932”, em Ian Steedman, ed., Socialism and Marginalism in Economics 1870-1930
(Londres: Routledge, 1995), 7-86; Eugen von Böhm-Bawerk, Karl Marx and the Close of
His System trad., Alice McDonald, ed. Paul Sweezey, (Nova York: H. Wolff, 1949), esp.,
86-98; Kowalewski, “Erinnerungen an Karl Marx”, em Mohr und General, 391.
64 http://delong.typepad.com/sdj/2009/11/yet-another-note-on-adam-smiths-invisible-
hand-what-it-is-and-what-it-is-not--by-adam-smith.html, acessado em 06/01/10.

CAPÍTULO 12: O HOMEM

1 MEW 32: 485.


2 MEGA 3/5: 157; 3/6: 47, 73; 3/9: 168-169; 3/10: 757; Ute Frevert, Men of Honour: A
Social and Cultural History of the Duel, trad., Anthony Williams (Cambridge: Polity Press,
1995).
3 MEGA 3/9: 75; da mesma forma, 3/7: 120.
4 MEGA 3/8: 31-32; Westphalen, “Kurze Umrisse”, em Mohr und General, 212; Eleanor
Marx-Aveling, “Karl Marx Lose Blätter”, em ib., 277-279; Lafargue, “Karl Marx”, em ib.,
338-340.
5 MEW 35: 247-248; Westfalen, “Kurze Umrisse”, em Mohr und General, 204-236.
6 MEGA 3/2: 27-28, 38; 3/3: 28; 3/4: 24; 3/8: 46-47; 3/11: 422-423; 3/13: 415-416, 430,
445; MEW 31: 400.
7 MEGA 3/1: 441.
8 Gunilla Frederike-Budde, Auf dem Weg ins Bürgerleben: Kindheit und Erziehung in
deutsche und englischen Bürgerfamilien 1840-1914 (Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht,
1994), 151-166; Albert Tanner, Arbeitsame Patrioten – wohlanständige Damen: Bürgertum
und Bürgerlichkeit in der Schweiz 1840-1914 (Zurich: Orell Füssli Verlag, 1995), 226-235;
Anthony Fletcher, Growing Up in England: The Experience of Childhood, 1600-1914
(Londres: Yale University Press, 2008), 129-148.
9 Liebknecht, Karl Marx zum Gedächtnis, 61, 63; Marx-Aveling, “Karl Marx Lose
Blätter”, em Mohr und General, 271-277; Paul Lafargue, “Persönliche Erinnerungen”, em
ib., 336-338.
10 MEGA 3/6: 464-467, 3/7: 419; 3/13: 157-158, 491; ver também, 3/5: 381-382.
11 MEW 35: 80-81.
12 MEGA 3/4: 85; da mesma forma, 3/7: 166; MEW 34: 388.
13 MEGA 3/8: 107; 3/9: 188-189; 3/13: 510; MEW 31: 215-216, 307; Westphalen, “Kurze
Umrisse”, em Mohr und General, 228.
14 Fletcher, Growing Up in England, 23-36, 244-258; Ira Spieker, Bürgerliche Mädchen im
19. Jahrhundert: Erziehung und Bildung in Göttingen 1806-1866 (Göttingen: Volker
Schmerse, 1990).
15 MEGA 3/13: 147, 429; MEW 30: 342; 31: 392, 586-587; 32: 670; MECW 43: 449, 552-
555, 558-560; Lessner, “Erinnerungen eines Arbeiters an Karl Marx”, em Mohr und
General, 187; Sheppard, London 1800-1870, 237.
16 MEC 7: 308-309.
17 MECW 42: 313; MEC 7: 334.
18 Tsuzuki, The Life of Eleanor Marx, e outras passagens; Kugelmann, “Kleine Züge”, em
Mohr und General, 312; Sally Ledger, The New Woman: Fiction and Feminism at the Fin
de Siècle (Nova York: St. Martin’s 1997).
19 Liebknecht, Karl Marx zum Gedächtnis, 69.
20 MEGA 3/13: 183, 239; MEW 32: 597, 82-83.
21 Born, Erinnerungen eines Achtundvierzigers, 74; MEW 31: 569; Hunt, Marx’s General,
303-309.
22 MEGA 3/4: 373; 3/7: 13, 18, 129, 235; 3/8:6-7; 3/9: 156, 232.
23 Wilhelm Schulte, “Fritz Anneke, geb. 1818 Dortmund-gest. 1872 Chicago. Ein Leben
für die Freiheit in Deutschland und in den USA”, Beiträge zur Geschichte Dortmunds und
der Grafschaft Mark 57 (1960): 5-100.
24 Kugelmann, Kleine Züge zu dem grossen Charakterbild”, em Mohr und General, 315-
316.
25 MEGA 3/6: 134, 139; 3/8: 223-224; 3/11: 469; MEW 30:655; Westphalen, “Kurze
Umrisse”, em Mohr und General, 219, 223-225.
26 MEGA 3/7: 38; 3/11: 227; MEW 31: 182-183, 298-299; Lafargue, “Persönliche
Erinnerungen”, em Mohr und General, 342-344; Kugelmann, “Kleine Züge”, em ib., 285.
27 Liebknecht, Karl Marx zum Gedächtnis, 110; similarly, Paul Lafargue, “Persönliche
Erinnerungen an Friedrich Engels”, em Mohr und General, 480.
28 Henry Hyndman, The Record of an Adventurous Life (Nova York: Macmillan &
Company, 1911), 256, 259.
29 MEGA 3/8: 123, 127, 132-133, 139-142.
30 Hunt, Marx’s General, 201-202.
31 MEGA 3/4: 13; MEW 30: 304-305, 308.
32 MEW 30: 269-70, 312-316, 319.
33 Ib., 33: 676.
34 Ib., 32: 75.
35 MEGA 3/13: 470-471.
36 Westphalen, “Kurze Umrisse”, em Mohr und General, 222-223; Liebknecht, Karl Marx
zum Gedächtniß, 69; Sperber, Property and Civil Society, 120.
37 MEW 32: 343-344.
38 Ib.,31: 343, 355-356; 32: 33, 38.
39 Ib.,30: 301, 307, 385; 32: 26.
40 MEGA 3/13: 510.
41 Ib., 3/13: 232; Hunt, Marx’s General, 189.
42 Jürgen Kocka, ed., Bürger und Bürgerlichkeit im 19. Jahrhundert (Göttingen:
Vandenhoeck & Ruprecht, 1987); Manfred Hettling e Stefan-Ludwig Hoffman, Der
bürgerliche Werthimmel: Innenansichten des 19. Jahrhunderts (Göttingen: Vandenhoeck &
Ruprecht, 2000).
43 Gielkens, Marx und seine niederländischen Verwandten, 79; MEW 32: 385.
44 Ruge, Briefwechsel und Tagebuchblätter, 343; Paul Lafargue, “Persönliche
Erinnerungen an Friedrich Engels”, em Mohr und General, 482, 487.
45 Liebknecht, Karl Marx zum Gedächtniß, 64-66; Lessner, “Erinnerungen eines
Arbeiters”, em Mohr und General, 186-187; MEW 32: 217-218.
46 MEW 31: 550-551.
47 Ib., 32: 107-109.
48 Liebknecht, Karl Marz zum Gedächtniß, 42; Eleanor Marx-Aveling, “Karl Marx Lose
Blätter”, em Mohr und General, 273-274; Kugelmann, “ Kleine Züge zum dem grossen
Charakterbild”, em ib., 282, 290-291, 297; Lafargue, “Persönliche Erinnerungen”, em ibid,
323-325; MEW 34: 416.
49 Liebknecht, Karl Marx zum Gedächtniß, 66-68; Lafargue, “Persönliche Erinnerungen”,
em Mohr und General, 328-329; para um resultado que subsistiu de uma partida de xadrez
jogada por Marx, ver Wheen, Karl Marx, 389.
50 MEW 32: 464, 469-70, 493-494, 506.
51 MEGA 3/1: 245; 3/4: 41-43, 90; 3/6: 139; 3/13: 205, 432, 497; MEW 31: 176, 178, 246,
283, 292; 32: 22, 426 ; Hunt, Marx’s General, 297-298.
52 Tsuzuki, Life of Eleanor Marx, 23-24; MEW 32: 97, 131.
53 Vogt, Mein Prozess, 141-156; MEW 30: 671-672
54 Lessner, “Erinnerungen eines Arbeiters”, em Mohr und General, 186-188; Lafargue,
“Persönliche Erinnerungen”, ib., 339; Anselmo Lorenzo, “Bei Karl Marx”, ib., 375-380.
55 MEGA 3/7: 26; 3/9: 294, 428-429, 431, 506, 541-542, 547; 3/10: 180-181, 207; 3/13:
227, 232, 256, 481, 519; MEW 30: 340, 345, 357-358; 31: 290-291, 374; 32:28, 369-370,
380-381; ver também, Kugelmann, “Kleine Züge”, em Mohr und General, 305.
56 MEW 30: 370; 31:183; ver Ashton, Little Germany, e outras passagens.
57 MEGA 3/9: 477.
58 Ib., 3/10: 552.
59 Liebknecht, Karl Marx zum Gedächtniß, 82-84.
60 Kugelmann, “Kleine Züge”, em Mohr und General, 296, 309; MEW 34: 268.
61 MEW 32: 283, 288-289; Andreas Fahrmeir, Citizenship: The Rise and Fall of a Modern
Concept (Londres: Yale University Press, 2007), 67-68; Wheen, Karl Marx, 356-357.
62 MECW 43: 293. Outros exemplos incluem MEGA 3/4: 158, 231; 3/6: 201, 207-8;
3/7:158; 3/9: 293; 3/11: 6-7, 157, 403-404; 3/13: 157-158, 612-613; MEW 31: 368; 34: 96.
63 MEGA 3/13: 90; MEW 30: 655.
64 MEW 34: 8-9.
65 MEGA 3/6: 27, 724-726; 3/7: 145-146; 3/9: 401; 3/10: 70-71; 3/13: 31; MEW 32: 7,
433.
66 McLellan, Karl Marx, 78; Frevert, Men of Honour, 113-115; Rainer Wirtz,
“Widersetzlichkieten, Excesse, Crawalle, Tumulte und Skandale”(Frankfurt: Ullstein
Verlag, 1981), 130-145.
67 Ruge, Zwei Jahre in Paris, 35-44, 139-140. A postura de Ruge em relação à Hess
parece semelhante à de Marx em relação a seu companheiro de viagem em 1875.
68 Wermuth e Stieber, Die Communisten Verschwörungen, 79-80.
69 Lafargue, “Persönliche Erinnerungen”, em Mohr und General, 328; Hyndman, Record
of an Adventurous Life, 248; MEGA 1/25: 430.
70 MEGA 3/7: 224-26.
71 MEW 31: 550; Mosche Zimmermann, Wilhelm Marr: The Patriarch of Antisemitism
(Oxford: Oxford University Press, 1986).

CAPÍTULO 13: O VETERANO

1 MEW 33: 286, 367-368.


2 MECW 44: 576; MEW 33: 697; 35: 159, 247-248; MEGA 1/22: 451-458, 1/25: 429-443;
John Rae, “The Socialism of Karl Marx and the Young Hegelians”, The Contemporary
Review 40 (1881): 585-607.
3 Rae, “The Socialism of Karl Marx”, 585; John Rae, “The Socialists of the Chair”, The
Contemporary Review 39 (1881); 232-248, e “Ferdinand Lassalle and German Socialism”,
ib., 39 (1881): 921-943.
4 MEGA 1/22: 594; de forma mais geral, sobre a conferência, ver Katz, The Emancipation
of Labor, 88-95; Thomas, Marx and the Anarchists, 320-322.
5 MEGA 1/22: 339-346.
6 MECW 44: 266
7 MEW 33: 252, 270.
8 Archer, The First International in France, 267-269.
9 MEW 33: 642.
10 Ib., 312: 195; 33: 453-454, 472-476; MEGA 3/9: 305-306, 310-311, 316, 319, 364;
Westphalen, “Kurze Umrisse”, em Mohr und General, 337.
11 Katz, The Emancipation of Labor, 96-114; Collins e Abramsky, Karl Marx and the
British Labour Movement, 232-234, 251-259; Thomas, Karl Marx and the Anarchists, 321-
322; MECW 43: 266-270; MEW 33: 287-288, 309-311, 314-315, 322-323, 332, 367-368,
377, 392, 484-485, 777-778; MEC 12: 133-134.
12 MEW 33: 397, 498; 18: 7-51; Thomas, Karl Marx and the Anarchists, 322-326; Katz,
The Emancipation of Labor, 99-100; HCFI 2: 438.
13 MEW 33: 463, 512-14; HCFI 2: 329, 333-336, 355, 362-365, 377-378, 440-448.
14 MEW 33: 357, 364-366, 367-368, 379, 387-393, 395-396, 404-407, 426, 446-448, 451,
458-459, 488-490; HCFI 2: 373-376, 389-391, 626-633.
15 MEW 33: 364-366, 367-368, 372-373, 388-390, 406-407, e esp. 512; HCFI 2:175, 228.
16 MEW 33: 491, 494, 497-498, 518-519; HCFI 2: 378, 380, 387-388. 396, 398, 401, 410-
411, 435, 449-450, 457-459, 483-484, 491-492, 498-499.
17 MEW 32: 141, 160-162, 331-332; 33: 518-521; HCFI 1: 332; 2: 63, 150, 247, 504-506,
513; Para informções mais gerais, sobre o Congresso, ver Katz, The Emancipation of
Labor, 128-136.
18 HCFI 2: 37-38, 68-71, 90-91, 104, 148, 150, 509.
19 Ib., 1: 29-46, 70-72, 100-106; 2:39-48, 57-59, 65-66, 74-77, 83-88, 100-101, 146-149,
153-155, 220-225, 228-231, 236-243, 261-279, 505, 510-512, 516, 519-520.
20 Ib., 1: 77-81; 2: 59-63, 88-89. Reportagens de jornal apresentaram resultados da eleição
ligeiramente diferentes daqueles das atas oficiais.
21 Ib., 2: 89; MEW 33: 572-574.
22 MEW 33: 537-541, 551-558, 564-567, 581-587; Katz, The Emancipation of Labor, 141-
144.
23 MEW 33: 477, 501; MEC 12: 76, 134; HCFI 2:354, 522; Archer, First International in
France, 297-299; McLellan, Karl Marx, 381.
24 MEGA 1/24: 163-283; MEW 33: 579, 582-583, 597, 606, 609, 614; 34: 2-22, 212-213,
226-228, 35: 159-161, 274-276.
25 HCFI 2: 354; MEW 33: 585-587.
26 HCFI 2: 526; MEW 33: 75-76, 95, 593-594, 607, 627; David Blackbourn, “Fashionable
Spa Towns in Nineteenth Century Europe”, em Susan Anderson e Bruce Tabb, eds., Water,
Leisure & Culture: European Historical Perspectives (Oxford: Berg Publishers, 2002), 9-
21; http://www.mayoclinic.com/health/high-blood-
pressure/DS00100/DSECTION=symptoms, acessado em 04/03/11.
27 MEW 33: 110-113, 116-117; 34: 6-8, 10-11, 23-27, 52-55, 156-157, 193, 201, 243-244;
Tsuzuki, Eleanor Marx, 36-38.
28 MEW, 33: 628, 635; 34: 81, 105, 107-108, 317-319, 431, 463-464.
29 Béla Király e Gale Stokes, eds., Insurrections, Wars and the Eastern Crisis in the 1870s
(Boulder: Social Science Monographs, 1985); Hopken, The Mid-Victorian Generation,
622-627; MEW 34: 20, 27-28, 212-216, 525.
30 MEW 34: 13, 15, 42-44, 209-211, 217-218, 256-257, 267-268, 317-319.
31 Ib., 34: 320-321; também, 28, 236, 244, 317-319.
32 Ib., 34: 351-357; 35: 31, 80-81, 178-180, 187, 244, 295-297; Kowalewski,
“Erinnerungen an Karl Marx”, em Mohr und General, 384; Collins e Abramsky, Marx and
the British Labour Movement, 239; Hyndman, Record of an Adventurous Life, 208-225.
33 MEW 34: também, 48-49, 107-108, 162-163, 245-246, 295-297, 316, 437, 445-446; 35:
32, 408, 433, 437.
34 Ib., 34: 59, 63.
35 Ib., 34: 145, 607; 35: 121, 123, 415; MECW 45: 344, 354-355; 46: 31-32, 40.
36 MEW, 35: 422, também, 104; opiniões de Engels: 92-94, 358.
37 Ib., 34: 420-421, 356: 442-443; também 33: 467; 34: 129-130.
38 Ib., 34: 125-131, 137-138; MEGA 1/25: 9-25; Welskopp, Banner der Brüderlichkeit, 44-
48, 705-711.
39 MEW 34: 54, 156, 159, 413.
40 Ib., 34: 242-243; Vernon Lidtke, The Outlawed Party: Social Democracy in Germany,
1878-1890 (Princeton: Princeton University Press, 1966), 55-78.
41 MEW 34: 15, 107-108, 302-303, 380, 382-383, 390-391, 410-411, 440; Lidtke, The
Outlawed Party, 107-117.
42 MEW 34: 92, 94-95, 105, 107-108, 305, 379-380, 385-386, 390-393, 410-414, 417-422,
429-430, 432-433; MEGA 1/25: 171-185; August Bebel, “Der Kanossagang nach London”,
e Eduard Bernstein, “Erinnerungen an Karl Marx und Friedrich Engels”, ambos em Mohr
und General, 490-493, 495-502; Lidtke, The Outlawed Party, 89-93.
43 HCFI 2: 517; MEW 34: 285, 591; 35: 27-28, 40-41, 100, 109-111, 120, 228-234, 388-
389; Bernard H. Moss, The Origins of the French Labor Movement 1830-1914: The
Socialism of Skilled Workers (Berkeley e Los Angeles: University of California Press,
1976), 71-135.
44 Kowalewksi, “Erinnerungen an Karl Marx”, em Mohr und General, 388.
45 MEW 32: 174, 566-567; 33: 469; 34: 78-79, 162-163, 169-172, 207-208, 219-220, 238,
477; 35: 191-193, 195, 408; MECW 46: 60-64; MEGA 1/25: 969-970; Kowalewski,
“Erinnerungen an Karl Marx”, em Mohr und General, 381-404; Bruno Naarden, Socialist
Europe and Revolutionary Russia: Perception and Prejudice 1848-1923 (Cambridge:
Cambridge University Press, 1992), 51-65; Derek Offord, The Russian Revolutionary
Movement in the 1880s (Cambridge: Cambridge University Press, 1986), 1-35.
46 MEGA 1/14: 790; 3/8: 58; MEW 32: 42, 197, 437, 443-444, 650; 34: 217-218; MECW
44: 487; Naarden, Socialist Europe and Revolutionary Russia, 41-48, 65-68.
47 MEGA 1/25: 217-242, 295-296, 823-824.
48 Ib., 3/13: 83; MEW 31: 525; 32: 670; 33: 311 34: 308, 311; 35: 442-443.
49 HCFI 2: 34, 637; MEGA 1/22: 457-458.
50 MEW 34: 174-175, 527-528; 35: 178-180; Naarden, Socialist Europe and Revolutionary
Russia, 68-75; Kowalewski, “Erinnerungen”, em Mohr und General, 398.
51 Kugelmann, “Kleine Züge”, em Mohr und General, 288.
52 MEGA 1/25: 14-15; 2/1: 86-89, 103-104, 581-582; 2/8: 501-502.
53 MEW 34: 296, 35: 186; Philip Foner, ed., When Karl Marx Died: Comments in 1883
(Nova York: International Publishers, 1973), 106.
54 MEW 34: 44-45, 343, 526; McLellan, Karl Marx, 389-390; Izumi Omura, ed., Familie
Marx privat: Die Foto- und Fragebogen-Alben von Marx’ Töchtern Laura und Jenny
(Berlim: Akademie Verlag, 2005), xxvii-xxviii, 481; Liebknecht, Karl Marx zum
Gedächtnis, 63-64.
55 MEW 34: 52, 315, 422, 432, 440, 454, 477, 616; 35: 7, 11-13, 16, 100, 177, 194, 201,
226; MECW 45: 353; 46: 30, 60-61, 91; Hyndman, Record of an Adventurous Life, 254;
Bebel, “Der Kanossagang nach London”, e Bernstein, “Erinnerungen an Karl Marx und
Friedrich Engels”, em Mohr und General, 493, 504.
56 Liebknecht, Karl Marx zum Gedächtnis, 87-88; MEW 35: 240-241, 247-248, 250, 274;
MEGA 1/25: 292.
57 MEGA 1/25: 287-288; Liebknecht, Karl Marx zum Gedächtnis, 88; MEW 35: 460.
58 MEW 35: 31-32, 40-44, 104-105, 112-113, 120, 124, 132, 140-141, 243, 247, 255, 265-
273, 295-296, 334-336, 337-343, 356-358, 781; MECW 46: 52-54.
59 MEW 35: 45-46, 50-51, 53, 64-66, 71-72, 75, 83, 99, 105, 123, 132, 140-141, 256, 288-
289, 293, 354, 397, 421; MECW 43: 338 Lessner, “Erinnerungen eines Arbeiters”, e
Kowalewski, “Erinnerungen an Karl Marx”, em Mohr und General, 193 e 400;
http://www.emedicinehealth.com/tuberculosis/page3_em.htm, acessado em 14/03/11; um
agradecimento especial ao Dr. Brian Johnson do Boone Hospital Center por seus conselhos
abalizados sobre diagnósticos.
60 MEW, 35: 40, 45, 56, 61, 64-65, 69, 99, 262, 295; Wheen, Karl Marx, 377-378.
61 MEW 35: 41-42, 54, 293-294, 296, 305-311; MECW 46: 230-232.
62 MEW 35: 41-42, 54, 57-58, 299-300, 305-311.
63 Ibid, 35: 28-29, 328-329.
64 Ib., 35: 71-72, 75-76, 80, 85, 91, 95, 111, 331.
65 Ib., 35: 371, 395, 397-398, 424, 445, 451; MECW 46: 440-441, 456; Liebknecht, Karl
Marx zum Gedächtnis, 89.
66 MEW 35: 457, 459-461.

CAPÍTULO 14: O ÍCONE

1 MEGA 1/25: 407-413; MEW 34: 295-297; 35: 462.


2 MEW 35: 228-234, esp. 232-233.
3 Foner, ed., When Karl Marx Died, 75-77, 96, 137, 108, 125, 159, 166, 180, e outras
passagens.
4 MEW 34:14-15, 36, 39-41, 209, 217, 239, 263-264, 285-286, 315-316, 366, 420-421;
Welskopp, Banner der Brüderlichkeit, 712-722.
5 MEGA 1/27: 131-216, 223-482, 587-626; Hunt, Marx’s General, 289-295.
6 Levine, The Tragic Deception, 228 e outras passagens.
7 Geoff Eley, Forging Democracy: the History of the Left in Europe, 1850-2000 (Oxford:
Oxford University Press, 2002), 62-99; Gary Steenson, After Marx, Before Lenin: Marxism
and Socialist Working-Class Parties in Europe, 1884-1914 (Petersburgo: University of
Pittsburgh Press, 1991); Hunt, Marx’s General, 317-345.
8 Kershaw, Hitler, 150-152; Kurz, “German-Speaking Countries”, em Steedman, ed.,
Socialism and Marginalism in Economics, 74; também, Slezkine, The Jewish Century, 181.
9 Jonathan Frankel, Prophecy and Politics: Socialism, Nationalism and the Russian Jews,
1862-1917 (Cambridge: Cambridge University Press, 1981), 33, 253.
10 Slezkine, The Jewish Century, capítulos 2-4; também, Johannes Rogalla von
Bieberstein, ‘Jüdischer Bolschewismus’ Mythos und Realität (Dresden: Edition Antaios,
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