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A SIMPLICIDADE DO EVANGELHO, PR Aluizio Silva

O livro 'A Simplicidade do Evangelho' de Aluízio A. Silva aborda questões fundamentais da fé cristã, como a certeza da salvação e a relação entre fé e obras. O autor analisa passagens bíblicas, especialmente do livro de Hebreus, para discutir se um crente pode perder a salvação, argumentando que muitos que parecem crentes nunca realmente se converteram. A obra enfatiza a graça de Deus e a possibilidade de perdão para aqueles que se desviam, destacando a importância de um verdadeiro novo nascimento.

Enviado por

Carla Ingryd
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A SIMPLICIDADE DO EVANGELHO, PR Aluizio Silva

O livro 'A Simplicidade do Evangelho' de Aluízio A. Silva aborda questões fundamentais da fé cristã, como a certeza da salvação e a relação entre fé e obras. O autor analisa passagens bíblicas, especialmente do livro de Hebreus, para discutir se um crente pode perder a salvação, argumentando que muitos que parecem crentes nunca realmente se converteram. A obra enfatiza a graça de Deus e a possibilidade de perdão para aqueles que se desviam, destacando a importância de um verdadeiro novo nascimento.

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Copyright © 2024 Aluízio A.

Silva

Editora AMS

Editora associada à ASEC – Associação Brasileira de Editores


Cristãos

Diretor geral Aluízio A. Silva

Diretor executivo Radamés Adão

Diretor de Arte Robson Júnior

Impressão Gráfica Flex Gráfica

DIREITOS RESERVADOS É proibida a reprodução total ou


parcial da obra, de qualquer forma ou por qualquer meio, sem a
autorização prévia e por escrito do autor. A violação dos Direitos
Autorais (Lei nº 9610/98) é crime estabelecido pelo artigo 48 do
Código Penal.

Impresso no Brasil

Printed in Brazil

2024
A simplicidade do evangelho
Categoria: Vida cristã / Bíblia / Cristianismo

Copyright © 2024 Aluízio A. Silva


Todos os direitos reservados

1ª edição Janeiro de 2024


Revisão Maria Oliveira
Diagramação Robson Júnior
Capa Murilo Campos

Os textos das referências bíblicas foram extraídos da versão Almeida Re-


vista e Atualizada (Sociedade Bíblica do Brasil), salvo indicação específica.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Silva, Aluízio A., 2024


A simplicidade do evangelho / Aluízio A. Silva. – Goiânia:
Editora AMS, 2024
ISBN: 978-85-7929-215-6
1: Vida cristã 2: Bíblia 3: Cristianismo 4: Título
 CDD : 230/240

Índice para Catálogo Sistemático:


1: Vida cristã: Bíblia: Cristianismo 230/240

Editado e publicado no Brasil por:


Editora AMS
CNPJ: 48.702.378/0001-63
Av. Ville, nº 3572, Qd. 62, Lt. 02, Sala 4, Setor Moinho dos Ventos,
Goiânia - GO, 74371-580 – Brasil
Sumário
Capítulo 1 – O crente pode decair da fé e se perder? 7

Capítulo 2 – O crente que peca deliberadamente tem perdão? 17

Capítulo 3 – Você é justificado pela fé ou pelas obras? 29

Capítulo 4 – Quando começa o tempo do Novo Testamento, no


nascimento ou na morte do Senhor? 37

Capítulo 5 – Graça e verdade são coisas opostas? 45

Capítulo 6 – Você deve ser batizado nas águas para ser salvo? 57

Capítulo 7 – Você é salvo pela morte ou pela ressurreição de Jesus? 67

Capítulo 8 – Você pode decair da graça e perder a sua salvação? 71

Capítulo 9 – Deus pode apagar o meu nome do Livro da Vida ou pode


me vomitar da sua boca? 77

Capítulo 10 – Um crente pode perder a sua fé e se perder? 83

Capítulo 11 – Deus perdoa você aos poucos-, cada vez que você peca? 89

Capítulo 12 – Você precisa confessar cada pecado para ser perdoado e


purificado por Deus? 99

Capítulo 13 – Ananias e Safira eram salvos? 109

Capítulo 14 – O perdão do crente é condicional? 117

Capítulo 15 – Você deve se examinar antes de participar da Ceia do


Senhor? 131
CAPÍTULO

O crente pode decair


da fé e se perder?

U
m dos pontos mais resistidos quando pregamos o
evangelho da graça diz respeito à certeza da salvação.
As pessoas estão sempre perguntando como explicamos
essa ou aquela passagem. E de todas elas o texto de Hebreus 6 é
sempre o mais mencionado.
Quando pregamos a lei, as pessoas não se incomodam. Se de-
cidirmos pregar aos domingos sobre a comida permitida na lei, as
pessoas ficarão felizes. Entretanto, quando tocamos na graça de
Deus, a carne do homem se levanta, porque a carne deseja trazer
a santidade de Deus na sua própria força. A carne se levanta por-
que a graça dá toda a glória a Jesus e nenhuma glória ao homem.
Hoje, eu gostaria de expor o significado de Hebreus 6. É im-
pressionante que as pessoas ignorem as muitas passagens claras
8 A simplicidade so evangelho

das Escrituras para se prenderem a um ou outro texto obscuro,


mas mesmo essas passagens mais difíceis não contradizem o en-
sino claro da Palavra de Deus.
É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram ilumi-
nados, e provaram o dom celestial, e se tornaram parti-
cipantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de
Deus e os poderes do mundo vindouro, e caíram, sim, é
impossível outra vez renová-los para arrependimento, visto
que, de novo, estão crucificando para si mesmos o Filho de
Deus e expondo-o à ignomínia. Porque a terra que absorve
a chuva que freqüentemente cai sobre ela e produz erva útil
para aqueles por quem é também cultivada recebe bênção
da parte de Deus; mas, se produz espinhos e abrolhos, é
rejeitada e perto está da maldição; e o seu fim é ser quei-
mada. Quanto a vós outros, todavia, ó amados, estamos
persuadidos das coisas que são melhores e pertencentes à
salvação, ainda que falamos desta maneira. (Hb 6.4-9)

O contexto do livro
Para compreendermos essa passagem, a primeira coisa que
precisamos considerar é o tema do livro. O livro de Hebreus,
como o próprio nome diz, foi escrito para os crentes judeus que
viviam provavelmente em Jerusalém. Evidentemente, o livro foi
escrito para nossa edificação, mas não foi escrito para nós, antes
foi endereçado aos crentes hebreus.
O livro começa com a seguinte afirmação: “Havendo Deus,
outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais,
pelos profetas” (Hb 1.1). Quem são os pais mencionados aqui?
São os patriarcas. Eles foram os pais do povo judeu. Isso mostra
que tanto o autor quanto as pessoas destinatárias eram judeus.
O crente pode decair da fé e se perder? 9

Mantenha este contexto em mente: o livro foi escrito para


crentes de origem judaica; mas, entre eles, nem todos eram re-
almente convertidos e nascidos de novo, alguns tinham apenas
um entendimento mental de que Cristo era o Messias. E, entre
esses, alguns estavam voltando ao judaísmo.
O livro foi escrito entre os anos 63 e 65 d.C., portanto antes da
destruição do Templo de Jerusalém, que ocorreu no ano 70 d.C.
Alguns desses crentes acreditavam que Jesus era o Messias, mas
também iam ao Templo e parece que ainda ofereciam sacrifícios.
Eles não haviam crido a ponto de receber o novo nascimento,
mas tinham apenas um assentimento mental.
O livro de Hebreus, então, foi escrito para mostrar o quanto
o Senhor Jesus e a Nova Aliança são superiores a Moisés e à Ve-
lha Aliança. Ele é um livro de comparações e contrastes entre a
Nova e a Velha Aliança.
No capítulo 1, Cristo é comparado aos anjos e é feito superior
a eles. No capítulo 3, o Senhor é comparado a Moisés e também
é demonstrado ser superior a ele. Moisés era um servo na casa,
mas Cristo é o filho na casa. Muitos pregadores fazem parecer
que Moisés é superior a Jesus e que a lei é superior à graça, mas
isso não é verdade, e Hebreus nos mostra isso.
No capítulo 4, Jesus nos dá maior descanso do que Josué e,
nos capítulos 4 e 5, vemos que o sacerdócio do Senhor é muito
superior ao de Arão. No capítulo 7, vemos que a Nova Aliança
é superior e tem maiores promessas. Mesmo no capítulo 11,
depois de fazer uma enorme relação dos heróis da fé, o autor
finaliza dizendo que Deus providenciou coisas superiores para
nós. Por fim, o capítulo 12 mostra que saímos do monte Sinai,
10 A simplicidade so evangelho

que simboliza a lei, e chegamos ao monte Sião, que representa


a graça de Deus.

O texto fala de perda da salvação?


Creio que o capítulo 6 de Hebreus trata de pessoas que não
eram nascidas de novo, embora alguns pastores gostem de usar
esse texto para falar de perda da salvação. No entanto, os versos
4 e 6 dizem que é impossível que aqueles que caíram sejam re-
novados para arrependimento.
A verdade é que nenhum pastor realmente acredita dessa for-
ma, pois sempre fazem apelos nos cultos para que aqueles que
caíram venham à frente e se reconciliem com Deus.
Se esse texto estivesse falando de perda da salvação, teríamos
de admitir que quem caiu não pode mais ser restaurado. Assim,
se existisse perda da salvação, aquele que a perdesse não poderia
mais ser salvo.
É verdade que crentes podem cair e se desviar da fé, mas,
quando eles voltam para o Senhor, sempre há abundância de
graça e perdão. Haverá sempre o Pai esperando para fazer uma
festa quando o filho perdido volta para casa. Não existe tal coisa
como um crente cair tanto no pecado que não possa mais voltar.

Eram pessoas convencidas, mas não


convertidas
A verdade é que esse texto de Hebreus descreve uma situação
especial em que é impossível renovar para arrependimento certo
tipo de pessoa. Alguns crentes, provavelmente da igreja de Jeru-
salém, estavam voltando ao judaísmo, indo ao Templo e fazendo
O crente pode decair da fé e se perder? 11

sacrifícios de animais. Essas pessoas nunca haviam nascido de


novo, apesar de terem participado por um tempo da igreja.
O que deixa muita gente confusa é a descrição feita nos versos
4 e 5. A descrição parece se enquadrar apenas no caso de um cren-
te. No entanto, penso que essas pessoas estavam muito perto da
salvação, talvez mais perto do que qualquer outro pecador, porém
ainda assim não haviam nascido de novo. Vamos ver a descrição.
Em primeiro lugar, diz-se que aquelas pessoas foram ilumina-
das. Ser iluminado significa que a luz da verdade veio até a sua
mente. Elas entenderam a verdade.
Vamos usar o Tabernáculo para ilustrar esse ponto. O Taber-
náculo tinha três partes: o Átrio, o Lugar Santo e o Santo dos
Santos. O átrio ficava ao ar livre, portanto sua luz era natural.
O Lugar Santo era iluminado pelo candelabro. No átrio, ficava
o altar de holocausto, que alegoricamente aponta para a cruz.
Isso significa que, para compreendermos a morte de Jesus, não
precisamos de uma luz especial, a luz natural da nossa mente é
capaz de entender.
Contudo, para entender o significado de Cristo como o pão
da vida ou como o altar de incenso, precisamos da luz do can-
delabro, que aponta para o Espírito Santo. Uma vez dentro do
Tabernáculo, precisamos de uma luz especial, uma revelação
espiritual para entendermos as coisas de Deus.
Essas pessoas, às quais o texto se refere, foram iluminadas,
não com o candelabro, mas com a luz do entendimento natural.
Isso não é suficiente para levar ao novo nascimento. Uma pes-
soa pode entrar no culto, ouvir a pregação e depois dizer que a
palavra foi esclarecedora, iluminadora, mas não significa que ela
12 A simplicidade so evangelho

tenha aceitado a pregação. Muitos são iluminados, porém não


respondem com fé.
Judas seguiu Jesus por todo lugar. Ele era um dos discípulos e
até foi enviado pelo Senhor, em Lucas 10. Todos os discípulos ex-
pulsaram demônios e curaram enfermos, incluindo Judas. Mas nós
sabemos que, no fim, Judas nunca havia se convertido. Ele ouviu
os ensinos de Jesus, mas não creu, foi iluminado, mas não salvo.
O próximo ponto é que provaram o dom celestial. A palavra
central é “provar”. Eles provaram, mas não beberam. É verdade
que provar e beber parecem sinônimos, mas, em Mateus 27.34,
diz-se que deram ao Senhor vinho com fel, mas Ele, provando-o,
não o quis beber. Assim, vemos que provar nem sempre significa
beber. Esses provaram do Espírito, mas nós nos enchemos d’Ele
até sermos embriagados.
Creio que essas pessoas provaram, sentiram o sabor das coisas
do céu, mas não beberam. Você pode provar de uma comida e
rejeitá-la. Quando bebemos, nós assimilamos, mas quando apenas
provamos, podemos cuspir fora.
Eles também se tornaram participantes do Espírito Santo. Se
Judas curou enfermos e expulsou demônios, então, numa certa
medida, ele se tornou participante do Espírito Santo. Uma pessoa
que é curada de uma enfermidade prova do poder do Espírito
em seu corpo, mas isso não significa que ela tenha nascido de
novo. Em 1 Coríntios 7, Paulo diz que o marido incrédulo é
santificado pelo convívio com a esposa crente (1 Co 7.14). Esse
marido, embora incrédulo, pode ser santificado.
A Palavra diz, no verso 5, que eles provaram da boa palavra de
Deus. Aqui, mais uma vez, o princípio é o mesmo. Uma pessoa
O crente pode decair da fé e se perder? 13

que vem ao culto e ouve a pregação está provando da boa pala-


vra de Deus, mas ainda assim precisa exercitar fé para ser salva.
Por fim, essas pessoas experimentaram os poderes do mundo
vindouro, ou seja, do reino milenar. O reino só será estabelecido
quando o Senhor voltar, mas hoje, quando alguém é curado ou
liberto, está experimentando algo da próxima era, os poderes do
mundo vindouro.

E caíram
O verso 6 declara que, se essas pessoas caírem, ou seja, se
retornarem para a antiga religião judaica, é impossível outra vez
renová-las para arrependimento, visto que, de novo, estão crucifi-
cando para si mesmas o Filho de Deus e expondo-o à ignomínia.
Essas pessoas criam mentalmente em Jesus como Messias, mas
nunca vieram a Ele para serem salvas.
O ato de cair aqui não pode significar cair no pecado, pois o
contexto não trata de pecado. Baseado no contexto do livro, cair
aqui significa voltar ao judaísmo. Depois de crer em Cristo, al-
guns voltaram aos sacrifícios de animais e a todos os rituais da lei.

Quanto a vós outros, ó amados


Quanto a vós outros, todavia, ó amados, estamos persua-
didos das coisas que são melhores e pertencentes à salvação,
ainda que falamos desta maneira. (Hb 6.9)

O verso 9 começa com a expressão: “Quanto a vós outros,


todavia, ó amados [...]”. Veja que, do verso 4 ao 8, o autor usa o
pronome “eles” e “aqueles”, indicando que está falando de pes-
soas que não estão presentes, mas agora ele fala diretamente aos
14 A simplicidade so evangelho

irmãos presentes, a quem ele chama de amados. Sempre que se


usa a palavra “amados”, está se referindo aos crentes, aos irmãos.
E o que ele diz a respeito desses irmãos amados? Quanto a
vocês, estamos persuadidos das coisas que são melhores e perten-
centes à salvação. Isso significa que toda a descrição dos versos
anteriores não se refere aos irmãos.
Aquelas pessoas estavam em nosso meio, mas não eram dos
nossos (1 Jo 2.19). Eram como cães que voltaram ao próprio
vômito e como a porca lavada que voltou a revolver-se no lama-
çal (2 Pe 2.22).

A âncora da alma
Pois, quando Deus fez a promessa a Abraão, visto que não
tinha ninguém superior por quem jurar, jurou por si mes-
mo, dizendo: Certamente, te abençoarei e te multiplicarei.
E assim, depois de esperar com paciência, obteve Abraão a
promessa. Pois os homens juram pelo que lhes é superior,
e o juramento, servindo de garantia, para eles, é o fim de
toda contenda. Por isso, Deus, quando quis mostrar mais
firmemente aos herdeiros da promessa a imutabilidade
do seu propósito, se interpôs com juramento, para que,
mediante duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que
Deus minta, forte alento tenhamos nós que já corremos
para o refúgio, a fim de lançar mão da esperança proposta;
a qual temos por âncora da alma, segura e firme e que
penetra além do véu. (Hb 6.13-19)

Deus não precisa jurar, pois sua palavra é sempre verdadeira.


É impossível que Deus minta. Entretanto, para que tivéssemos
segurança, além de prometer, Ele ainda fez a promessa com
juramento.
O crente pode decair da fé e se perder? 15

A vontade de Deus é que tenhamos a promessa como âncora


para a nossa alma, mas a mentalidade geral é no sentido de deixar
o crente inseguro. Acreditam na mentira de que a insegurança
produz fidelidade. Na verdade, usam da insegurança para con-
trolar as pessoas.
Alegria e insegurança não podem coexistir. Se não houver um
ambiente de segurança, nunca teremos uma família alegre e feliz.
Como você pode se alegrar pela sua salvação se Deus o ameaça
todo o tempo de mandá-lo para o inferno? Uma mulher que não
tem segurança do amor do seu marido não consegue ter alegria.
Todavia, existe um pensamento de que, se os crentes tiverem
segurança, eles viverão no pecado. A verdade, no entanto, é que
a insegurança produz mais pecado.
Não existe contradição na Bíblia, mas há passagens mais cla-
ras do que outras. Nunca permita que uma passagem obscura
das Escrituras roube de você a alegria e a segurança de passagens
claras, como João 1.12, que diz: “Mas, a todos quantos o rece-
beram, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber,
aos que creem no seu nome”. Ou ainda João 10.28, que declara:
“Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arre-
batará da minha mão. Aquilo que meu Pai me deu é maior do
que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar”. Nenhuma
passagem das Escrituras pode contradizer essas afirmações claras
do Senhor Jesus.
16 A simplicidade so evangelho
CAPÍTULO

O crente que peca


deliberadamente tem
perdão?

A
vontade de Deus é que seus filhos venham a Ele cheios de
confiança e ousadia, sabendo que não há mais nenhuma
condenação. Toda condenação já passou e temos diante
de nós um futuro cheio de esperança por causa da graça de Deus.
Infelizmente, muitos irmãos não creem assim. Eles ensinam
que o crente pode perder a salvação, trazendo medo e insegu-
rança ao povo de Deus. Tais pessoas usam textos como Hebreus
10 para provar suas teses, mas precisamos sempre lembrar que
não há contradição nas Escrituras. Quando tiramos um texto do
seu contexto, podemos chegar a conclusões equivocadas. Assim,
vamos entender o texto de Hebreus 10 à luz do seu contexto.
18 A simplicidade so evangelho

Porque, se vivermos deliberadamente em pecado, depois de


termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não
resta sacrifício pelos pecados. (Hb 10.26)

Para compreendermos o contexto de Hebreus 10, vamos di-


vidir o texto na obra das três pessoas da Trindade descritas nele.
Primeiro, temos a vontade do Pai; depois, a obra do Filho; e, en-
tão, o testemunho do Espírito. Sem entendermos a obra completa
das três pessoas da Trindade, não podemos compreender Hebreus
10.26. Vamos ver cada um deles.

A vontade do Pai
Antes de entrarmos em Hebreus 10, precisamos ler o último
versículo do capítulo anterior.
Assim também Cristo, tendo-se oferecido uma vez para
sempre para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda
vez, sem pecado, aos que o aguardam para a salvação.
(Hb 9.28)

A salvação aqui não significa ser salvo da condenação do infer-


no, o que Cristo fez na sua primeira vinda, mas se refere à glori-
ficação do nosso corpo, que acontecerá por ocasião da sua volta.
A Palavra de Deus diz que Cristo se ofereceu de uma vez para
sempre, definitivamente, para tirar o pecado do seu povo. Na sua
volta, Ele não tratará do pecado no seu povo, porque isso já foi
feito de uma vez por todas. Do ponto de vista de Deus, quando
o Senhor Jesus levou os nossos pecados, Ele o fez definitivamente.
Assim, Ele aparecerá segunda vez não para tratar dos pecados,
mas para glorificar o seu povo.
Por causa disso, o verso 1 do capítulo 10 declara: “Ora, visto
que a lei tem sombra dos bens vindouros, não a imagem real das
O crente que peca deliberadamente tem perdão? 19

coisas, nunca jamais pode tornar perfeitos os ofertantes, com


os mesmos sacrifícios que, ano após ano, perpetuamente, eles
oferecem”.
A lei não pode tornar perfeitos os ofertantes. A palavra “per-
feito” não significa ser perfeito em suas ações ou ter perfeição
sem pecado, mas, de acordo com o contexto, a perfeição aqui
significa ter uma consciência perfeita, sã.
Seus atos podem não ser perfeitos, mas você pode ter uma
perfeita consciência. Suponha que você deve 10 mil reais a uma
pessoa. Cada vez que a encontra, você tem uma consciência de
dívida. Mas agora um amigo pagou a sua dívida, porém ele pagou
além, dando 100 mil reais ao seu credor. Da próxima vez que
encontrar o seu credor, você não sentirá medo e nem desconforto,
pois agora você tem uma consciência perfeita, que significa não
ter mais consciência de dívida. Foi exatamente isso o que Cristo
fez. O Senhor é muito maior do que a nossa dívida, mas Ele se
deu para quitá-la diante de Deus.
No verso 2, lemos: “Doutra sorte, não teriam cessado de ser
oferecidos, porquanto os que prestam culto, tendo sido purifica-
dos uma vez por todas, não mais teriam consciência de pecados?”
O argumento é que, se os sacrifícios da lei pudessem remo-
ver pecados, os ofertantes seriam purificados e não mais teriam
consciência de pecado. Todavia, uma vez que eles ainda tinham
consciência de pecado, isso é a prova de que o sacrifício de ani-
mais era insuficiente.
A lei não podia remover o pecado, mas o sacrifício de Cristo
é perfeito e definitivo, por isso não precisamos mais ter consci-
ência de pecado.
20 A simplicidade so evangelho

A lei era imperfeita porque, a cada ano, fazia-se recordação


de pecados, visto que é impossível que o sangue de touros e
bodes remova pecados (Hb 10.3-4). Mas a Nova Aliança não
recorda pecado, porque o sangue de Jesus tira o pecado e não
apenas o cobre, pois a promessa de Deus é que dos nossos pe-
cados Ele jamais se lembrará por causa do sangue (Hb 10.17).
O perfeito sacrifício de Cristo deve remover de nós toda cons-
ciência de pecado.
Por isso, ao entrar no mundo, diz: Sacrifício e oferta não
quiseste; antes, um corpo me formaste; não te deleitaste
com holocaustos e ofertas pelo pecado. Então, eu disse: Eis
aqui estou (no rolo do livro está escrito a meu respeito),
para fazer, ó Deus, a tua vontade. Depois de dizer, como
acima: Sacrifícios e ofertas não quiseste, nem holocaustos
e oblações pelo pecado, nem com isto te deleitaste (coisas
que se oferecem segundo a lei), então, acrescentou: Eis aqui
estou para fazer, ó Deus, a tua vontade. Remove o primeiro
para estabelecer o segundo. Nessa vontade é que temos sido
santificados, mediante a oferta do corpo de Jesus Cristo,
uma vez por todas. (Hb 10.5-10)

A Palavra de Deus diz que, quando o Senhor Jesus veio ao


mundo, Ele recebeu um corpo para fazer a vontade de Deus. A
vontade de Deus era acabar com as intermináveis ofertas pelo
pecado. Deus não estava satisfeito em apenas cobrir os pecados,
Ele queria removê-los, apagá-los para sempre. Assim, Ele remove o
primeiro, que é a lei, e estabelece o segundo, que é a Nova Aliança.
O Senhor disse que estava aqui para fazer a vontade de Deus.
A vontade de Deus era encerrar a Velha Aliança e estabelecer a
Nova. A punição do pecado foi realizada, o preço da redenção foi
pago. E é nessa vontade que temos sido santificados, mediante
a obra feita na cruz de uma vez por todas.
O crente que peca deliberadamente tem perdão? 21

Não somos santificados pela nossa própria obra ou obediência,


mas pela oferta do corpo de Jesus Cristo, não até o nosso próximo
pecado, como era na Velha Aliança, mas de uma vez por todas.
Essa é a vontade do Pai.

A obra do Filho
Ora, todo sacerdote se apresenta, dia após dia, a exercer o
serviço sagrado e a oferecer muitas vezes os mesmos sacri-
fícios, que nunca jamais podem remover pecados; Jesus,
porém, tendo oferecido, para sempre, um único sacrifício
pelos pecados, assentou-se à destra de Deus, aguardando,
daí em diante, até que os seus inimigos sejam postos
por estrado dos seus pés. Porque, com uma única oferta,
aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados.
(Hb 10.11-14)

No Velho Testamento, o sacerdote não podia sentar-se e pre-


cisava repetir todos os dias o mesmo sacrifício, que nunca podia
remover o pecado. Mas o Senhor Jesus fez a obra do sumo sacer-
dote, oferecendo um único sacrifício pelo pecado para sempre.
Depois, Ele sentou-se à destra de Deus, porque a obra estava
consumada, terminada. Essa é a obra do Filho.

O testemunho do Espírito Santo


E disto nos dá testemunho também o Espírito Santo; por-
quanto, após ter dito: Esta é a aliança que farei com eles,
depois daqueles dias, diz o Senhor: Porei no seu coração as
minhas leis e sobre a sua mente as inscreverei, acrescenta:
Também de nenhum modo me lembrarei dos seus pecados e
das suas iniqüidades, para sempre. Ora, onde há remissão
destes, já não há oferta pelo pecado. Tendo, pois, irmãos,
intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de
Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou pelo
22 A simplicidade so evangelho

véu, isto é, pela sua carne, e tendo grande sacerdote sobre


a casa de Deus, aproximemo-nos, com sincero coração, em
plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má cons-
ciência e lavado o corpo com água pura. (Hb 10.15-22)

O Espírito Santo testemunha que Deus não mais se lembra


dos nossos pecados e iniquidades para sempre, por causa da obra
que foi consumada de uma vez por todas, pois, onde há remis-
são, já não há oferta pelo pecado. Em outras palavras, o autor
de Hebreus está exortando que não há mais necessidade de ir ao
Templo oferecer sacrifícios porque os pecados foram removidos.
Não há mais necessidade de oferta pelo pecado.
Por isso, podemos ter “intrepidez para entrar no Santo dos
Santos, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele
nos consagrou pelo véu, isto é, pela sua carne” (Hb 10.19-20).
Andar pelo novo e vivo caminho significa que, quanto mais
andamos e nos aproximamos, mais vida temos. “E, assim, tendo
grande sacerdote sobre a casa de Deus, aproximemo-nos, com
sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purifi-
cado de má consciência” (Hb 10.21). Não precisamos mais ter
consciência de pecado, ou seja, uma má consciência, porque os
pecados foram removidos de uma vez por todas.
Assim, vemos que, pela vontade do Pai, a obra do Filho e o
testemunho do Espírito Santo, podemos ter plena certeza de fé.
A vontade de Deus é que nos aproximemos em plena certeza de
fé (Hb 10.22). A fé não lida com conjecturas e incertezas, e sim
com plena convicção. Mas como alguns podem ter plena certeza
de fé se nem certeza da salvação eles têm?
O crente que peca deliberadamente tem perdão? 23

O que significa viver deliberadamente no


pecado?
Então, chegamos ao verso 25, que exorta a não deixarmos de
congregar. Naqueles dias, congregar com a igreja e deixar de ir
ao Templo representava perseguição. Assim, aqueles que eram
apenas convencidos, e não convertidos, deixavam a igreja e vol-
tavam a sacrificar no Templo.
Logo depois, chegamos ao verso 26. Agora, porém, você pode
compreender o contexto. Em vez de observarem todos esses textos
de Hebreus 10, muitos vão direto ao verso 26.
Porque, se vivermos deliberadamente em pecado, depois de
termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não
resta sacrifício pelos pecados. (Hb 10.26)

O que significa viver deliberadamente em pecado? Se você


abandona Cristo e o sacrifício feito na cruz, abandona a congre-
gação dos filhos de Deus e volta aos sacrifícios do Templo, que
não podem remover pecados. Assim, você está voltando a viver
deliberadamente no pecado.
Evidentemente, essas pessoas não eram realmente convertidas,
mas conheceram a verdade de Cristo e mesmo assim voltaram ao
sacrifício de animais. Para elas, não resta mais sacrifício. Cristo
já fez tudo, não há mais sacrifício aceito por Deus no Templo.
Por que elas estariam vivendo deliberadamente no pecado?
Porque não estariam debaixo do sangue de Jesus. Quem está
debaixo do sangue não permanece no pecado, porque é conti-
nuamente purificado.
Um exemplo disso pode ser visto em 1 Coríntios 15, quan-
do Paulo combate o falso ensino de que Cristo não havia
24 A simplicidade so evangelho

ressuscitado. Ele diz: “E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa


fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados”. A lógica inversa é
simples: se Ele ressuscitou, nós não permanecemos no pecado.
Pelo contrário, certa expectação horrível de juízo e fogo vin-
gador prestes a consumir os adversários. Sem misericórdia
morre pelo depoimento de duas ou três testemunhas quem
tiver rejeitado a lei de Moisés. (Hb 10.27-28)

O livro de Hebreus foi escrito entre os anos 64 e 68 d.C. E,


no ano 70, os romanos destruíram a cidade e colocaram fogo no
Templo. Esse foi o fogo vingador.
Se aquele que rejeitava a lei deveria ser morto, imagine aque-
le que rejeita a graça! Há um exemplo no Velho Testamento de
alguém que rejeitou a lei de Moisés.
Mas a pessoa que fizer alguma coisa atrevidamente, quer
seja dos naturais quer dos estrangeiros, injuria ao SE-
NHOR; tal pessoa será eliminada do meio do seu povo,
pois desprezou a palavra do SENHOR e violou o seu man-
damento; será eliminada essa pessoa, e a sua iniqüidade
será sobre ela. Estando, pois, os filhos de Israel no deserto,
acharam um homem apanhando lenha no dia de sábado.
Os que o acharam apanhando lenha o trouxeram a Moisés,
e a Arão, e a toda a congregação. Meteram-no em guarda,
porquanto ainda não estava declarado o que se lhe devia
fazer. Então, disse o SENHOR a Moisés: Tal homem será
morto; toda a congregação o apedrejará fora do arraial.
Levou-o, pois, toda a congregação para fora do arraial, e
o apedrejaram; e ele morreu, como o SENHOR ordenara
a Moisés. (Nm 15.30-36)

Antes de mais nada, veja que na lei não havia perdão para um
pecado cometido deliberadamente, atrevidamente. Todo sacri-
fício era para o pecado involuntário ou por ignorância. Mas, na
O crente que peca deliberadamente tem perdão? 25

cruz, o Senhor nos colocou todos debaixo da categoria de pecado


por ignorância quando Ele disse: “Pai, perdoa-lhes, porque não
sabem o que fazem” (Lc 23.34).
Essa é a única ocasião em que se menciona que alguém come-
teu um pecado atrevidamente. E qual foi o pecado? Homicídio,
adultério ou desonrar os pais? Ele apenas apanhou lenha no dia
de sábado. O sábado era o dia do descanso.
Viver deliberadamente no pecado é não descansar quando
Deus já entrou no descanso. Deus descansa no sacrifício de Cristo
feito de uma vez por todas. Você descansa quando Deus descansa?
O pecado atrevido daquele homem foi se recusar a descansar. Esse
é o significado de viver deliberadamente no pecado. Não é algo
que um crente faça. É para aqueles que, mesmo tendo recebido
entendimento do evangelho, voltam as costas e tentam se salvar
por outros meios.
De quanto mais severo castigo julgais vós será considerado
digno aquele que calcou aos pés o Filho de Deus, e profanou
o sangue da aliança com o qual foi santificado, e ultrajou
o Espírito da graça? (Hb 10.29)

Toda essa descrição tem sido usada para dizer que se refere
àquele crente que cai no pecado repetidamente. Dizem que aquele
que peca deliberadamente ou conscientemente está calcando aos
pés o Filho de Deus, profanando o sangue e ultrajando o Espírito
da graça. Mas o que é ultrajar a graça? É não usar a graça voltan-
do para a lei ou usá-la cada vez que peca? Quem peca e recorre
à graça não a está profanando, mas aquele que acha que pode
ser aceito por Deus por seus próprios méritos está desprezando
a graça e calcando aos pés o Filho de Deus.
26 A simplicidade so evangelho

Pecadores que recorrem ao sangue honram o Filho de Deus,


mas crentes que acham que podem chegar ao ponto de não pre-
cisar do sangue desprezam a graça.
O texto se refere àqueles que resolveram voltar para os
sacrifícios do Templo. Ao fazerem isso, estão considerando
o sangue de animais igual ao sangue de Jesus e, assim, estão
pisando com o calcanhar o Filho de Deus. Eles insultam o
Espírito da graça quando desprezam tudo o que Deus nos dá
por meio da obra do Filho.
Para essas pessoas, não há mais sacrifício, pois o sacrifício de
Cristo foi completo e eterno. Nunca mais haverá outro.
O texto, porém, diz que essas pessoas foram santificadas. Então
elas eram crentes? Eu sei que perece estranho para alguns, mas
incrédulos podem ser santificados também. Um exemplo disso
pode ser visto em 1 Coríntios 7.
Porque o marido incrédulo é santificado no convívio da
esposa, e a esposa incrédula é santificada no convívio do
marido crente. Doutra sorte, os vossos filhos seriam impu-
ros; porém, agora, são santos. (1 Co 7.14)

Paulo diz que o cônjuge incrédulo é santificado pelo conví-


vio com o cônjuge crente. O mesmo acontece com aqueles que
ainda não se converteram, mas frequentam os nossos cultos. De
certa forma, eles são abençoados pelo convívio com os irmãos.
Ora, nós conhecemos aquele que disse: A mim pertence a
vingança; eu retribuirei. E outra vez: O Senhor julgará
o seu povo. Horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo.
(Hb 10.30-31)
O crente que peca deliberadamente tem perdão? 27

Esse texto é uma citação do cântico de Moisés em Deutero-


nômio 32.35-36. Nossa tendência é pensar que o povo a quem
o Senhor julgará é a igreja, mas, na verdade, trata-se de Israel.
Precisamos admitir que Deus tem uma aliança com Israel e eles
ainda são o seu povo. A igreja não tomou o lugar de Israel. Aqueles
que estavam voltando aos sacrifícios do Templo eram judeus que
acreditavam ser povo de Deus — e eram mesmo —, mas isso não
significa que eram salvos.
A doutrina de Cristo é central nos céus. Deus é muito sério
sobre o seu Filho. A forma como tratamos Cristo determina como
Deus nos trata. Se você recebe o Filho, Deus recebe você. Rejeite
o Filho, e Deus o rejeitará. Aceite o Filho, e Deus o aceitará. Se
levantarmos o nome do Senhor e sustentarmos o seu testemunho
nesta geração, Deus nos honrará.
Por fim, no verso 31, lemos que “Nós não somos dos que
retrocedem para a perdição; somos, entretanto, da fé, para a
conservação da alma”. Esse retroceder aqui, segundo o contexto,
é voltar ao judaísmo. Aqueles que voltaram se perderam.
28 A simplicidade so evangelho
CAPÍTULO

Você é justificado pela fé ou


pelas obras?

Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, in-


dependentemente das obras da lei. (Rm 3.28)

Verificais que uma pessoa é justificada por obras e não por


fé somente. (Tg 2.24)

S
omos justificados diante de Deus pela fé e pelas obras?
Não. O apóstolo Paulo faz um grande esforço para nos
explicar que não são as nossas boas obras que nos tornam
justos. Não. Antes, é se temos ou não fé na obra consumada de
Jesus o que realmente importa.

Se, no entanto, for esse o caso, então qual é o propósito da


lei e seus 613 regulamentos? Não é para salvar-nos. Romanos
deixa isso claro. Sob a lei, ninguém poderia fazer o suficiente
30 A simplicidade so evangelho

para justificar si mesmo aos olhos de Deus. Em vez disso, a lei


foi concebida para nos calar:
Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na
lei o diz para que se cale toda boca, e todo o mundo seja
culpável perante Deus, visto que ninguém será justificado
diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem
o pleno conhecimento do pecado. (Rm 3.19-20)

O propósito da lei é nos mostrar que temos um problema.


A lei é como um espelho, ela revela a sujeira do rosto da huma-
nidade. Todavia, assim como um espelho, ela não tem o poder
de nos limpar.
Como incrédulos, a lei nos tornou conscientes do nosso pro-
blema espiritual e da nossa necessidade de Cristo:
De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir
a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé. Mas,
tendo vindo a fé, já não permanecemos subordinados ao
aio. (Gl 3.24-25)

A lei diagnosticou o problema (morte espiritual), mas não


forneceu a solução (vida). Somente Cristo pode oferecer vida
(Jo 10.10). Ao aceitar o sacrifício de Jesus pelos nossos pecados
e a sua ressurreição como meio para uma nova vida, desfrutamos
de uma justiça diante de Deus que nada tem a ver com manu-
tenção da lei:
Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus teste-
munhada pela lei e pelos profetas. (Rm 3.21)

A verdadeira justiça é encontrada à parte da lei. E Deus não


tem parcialidade. Ele está disposto a justificar qualquer um
que creia n’Ele. Não importa a nossa formação e não importa a
Você é justificado pela fé ou pelas obras? 31

quantidade ou o tipo de pecados que cometemos, a justiça com


Deus é absolutamente gratuita.
Isso significa que precisamos nos esforçar para crer com força
suficiente? Não. Jesus disse que a fé do tamanho de um grão de
mostarda é suficiente (Mt 17.20). Ainda assim, podemos nos pe-
gar dizendo: “Oh, eu gostaria de ter mais fé!” Entretanto, não se
trata do tamanho da sua fé, e sim em quem a sua fé está colocada.
Então, pegamos aquela pequena fé do tamanho de um grão
de mostarda e a direcionamos diretamente para a morte e res-
surreição de Jesus Cristo. Isso é tudo o que precisamos para ser
justificados diante de Deus.

Estabelecer a lei?
Ainda existem algumas passagens que podem ser confusas.
Veja Romanos 3.31, onde Paulo pergunta:
Anulamos, pois, a lei pela fé? Não, de maneira nenhuma!
Antes, confirmamos a lei. (Rm 3.31)

O que significa “estabelecer a lei”? O ponto de Paulo é que,


quando optamos pela graça, estamos concordando que uma vida
baseada na lei é impossível. Dessa forma, estabelecemos o verda-
deiro e a impossível norma da lei. Ao escolher a justificação pela
fé, concluímos que a lei é um perfeito padrão que não podemos
cumprir. E não precisamos cumprir esse padrão, porque Cristo
fez isso por nós.
Imagine a lei e seus 613 mandamentos rigorosos sendo colo-
cados em um alto pedestal, tão alto que nenhum humano jamais
poderá alcançá-los. Quando a lei é apresentada como um padrão
inalcançável, isso é o que significa “estabelecer a lei”.
32 A simplicidade so evangelho

A verdade é que quem opta pela graça é o único que respeita


verdadeiramente a lei. Todos os outros estão apenas se enganan-
do enquanto escolhem a lei. Eles se classificam em uma curva,
agindo como se tivessem uma chance de cumprir a lei, quando
nenhum ser humano jamais conseguirá cumprir suas demandas
(Gl 3.11). A lei é uma proposição de tudo ou nada. Não temos
o direito de tratá-la como um sistema religioso do tipo “escolha
os seus mandamentos preferidos” ou de múltipla escolha (Gl
3.10-11; Tg 2.10).
Aqueles que optam pela graça são os únicos que respeitam
verdadeiramente a lei.

Justificado pelas obras?


Um dos desafios mais difíceis à ideia de que somos justifi-
cados pela graça através somente da fé está em Tiago 2.24. O
livro de Tiago afirma que somos justificados pelas obras, e não
somente pela fé.
A contradição entre a passagem de Tiago 2 e o que vemos em
Romanos levou Martinho Lutero a concluir que a epístola de
Tiago não pertencia à Bíblia. Pode-se entender por que Lutero
lutou, porque não há como evitar o fato de que Tiago usa a expres-
são “justificado pelas obras” três vezes em seu segundo capítulo:
1. “Não foi Raabe, a prostituta, também justificada pelas
obras?” (v. 25).
2. “Abraão, nosso pai, não foi justificado pelas obras?” (v. 21).
3. “Você vê que um homem é justificado pelas obras, e não
somente pela fé” (v. 24).
Você é justificado pela fé ou pelas obras? 33

Ao longo dos anos, muitos tentaram suavizar as palavras de


Tiago, alegando que ele se referia a:
1. Obras feitas após a salvação, as quais provam que nossa fé
original era legítima; ou
2. Uma justificação diante de outras pessoas, não de Deus,
enquanto outros olham para nossas obras.
O problema com ambas as interpretações é a pergunta inicial
de Tiago: “Isso pode salvar um homem?” Claramente, Tiago
não está falando sobre obras após a salvação, nem sobre ficar
bem aos olhos de outras pessoas. Não. Tiago está falando sobre
o processo de ser salvo ou ser justificado diante de Deus. Em
outras palavras, ele está respondendo à importante questão: O
que pode nos salvar?
A conclusão clara de Tiago é que existe um tipo de obra que
nos justifica diante de Deus (Tg 2.24-25). Talvez nossa confusão
sobre isso tenha origem em nossa religião protestante ou cató-
lica — do que seja a definição de “obras”. Assim que ouvimos
a palavra “obras”, presumimos que Tiago está se referindo a um
registro vitalício de obras. Isso não pode ser assim, porque Tiago
dá três exemplos claros do que ele quer dizer com obras. E pelo
menos dois de seus exemplos são eventos únicos:
1. Fazer o que é necessário numa situação.
2. Abraão oferecendo Isaque em um altar.
3. Raabe abrindo uma porta para os espiões.
Aqui, não há menção de um histórico de obras ao longo
da vida. Em vez disso, fazer o que é necessário em resposta à
34 A simplicidade so evangelho

mensagem de Deus é o tema em questão. Observe que Abraão


ofereceu Isaque apenas uma vez.
Da mesma forma, Raabe abriu a porta aos espias apenas uma
vez. Então, em vez de comportamentos acumulados durante um
longo período de tempo, o foco está na resposta única de um
indivíduo agindo pela fé na mensagem de Deus e fazendo o que
é necessário.
Em outras palavras, Tiago não está descrevendo um estilo de
vida obrigatório de obras. Em vez disso, ele está se referindo a
escolhas únicas que as pessoas fizeram por causa da fé. Tiago está
dizendo que, embora os demônios tenham uma compreensão
básica da doutrina (só existe um Deus etc.), uma resposta genu-
ína ao evangelho é necessária para ser considerado justo diante
de Deus. Ele está comunicando que uma chamada “fé” sem a
resposta à mensagem do evangelho é, na verdade, uma fé morta
e não salvadora.
Tiago 2 nunca teve a intenção de invocar um exame perma-
nente de nossas obras. Em vez disso, Tiago está simplesmente
dizendo que não podemos ser salvos por uma fé que não inclua
uma decisão de abrir a porta da nossa vida a Jesus Cristo e ofe-
recer-nos a Ele. No entanto, se você se ofereceu a Deus (como
Abraão ofereceu Isaque) e se você abriu a porta da sua vida
(como Raabe abriu a porta para os espias), então você cumpriu
o requisito de Tiago 2.
Tiago 2 nunca teve a intenção de requerer um exame perma-
nente de nossas obras.
Você é justificado pela fé ou pelas obras? 35

Nesse sentido, um sinal claro de fé é quando o novo conver-


tido pede para ser batizado. Obviamente, não é o batismo que
salva, mas ele é uma demonstração pública de fé.

Você precisa entender


“Sim, mas meus pecados são tão grandes!”, você pode pensar.
Não, seus pecados são pequenos em comparação ao seu Salvador.
Seus pecados são pequenos. Seu Deus é grande. E Ele qualificou
você ao justificá-lo.
Abraão duvidou assim como nós. Ele não demonstrou fé
perfeita o tempo todo. Ele duvidou da promessa de Deus de
que teria um filho e até elaborou um “plano B” ao engravidar a
serva da sua esposa, Hagar. Ainda assim, veremos Abraão no céu.
Quanto a Raabe, ela era uma prostituta. Agora, aceite o fato
de que você também a verá no céu. Por quê? Porque ela creu em
Deus e girou uma maçaneta. Uma prostituta abriu uma porta,
então a veremos no céu.
Da mesma forma, a única obra que Deus exige de nós é crer
na mensagem do evangelho:
Respondeu-lhes Jesus: A obra de Deus é esta: que creiais
naquele que por ele foi enviado. (Jo 6.29)

O trabalho é crer. Se crermos, então podemos ter certeza de


que estamos salvos. O apóstolo João coloca desta forma:
Estas coisas vos escrevi, a fim de saberdes que tendes a
vida eterna, a vós outros que credes em o nome do Filho
de Deus. (1 Jo 5.13)
36 A simplicidade so evangelho

Não precisamos passar o resto dos nossos dias em dúvida. Se


abrimos a porta da nossa vida para Jesus Cristo — crendo em
sua morte para o perdão dos nossos pecados e confiando em sua
ressurreição para o dom de uma nova vida —, então podemos ter
certeza de que Jesus passou a habitar em nossa vida para sempre.
CAPÍTULO

Quando começa o tempo


do Novo Testamento, no
nascimento ou na morte
do Senhor?

Porque, onde há testamento, é necessário que intervenha a


morte do testador; pois um testamento só é confirmado no
caso de mortos; visto que de maneira nenhuma tem força
de lei enquanto vive o testador. (Hb 9.17)

[...] vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu


Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os
que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção
de filhos. (Gl 4.4-5)

Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo:


Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado
em favor de vós. (Lc 22.20)
38 A simplicidade so evangelho

A
bra sua Bíblia em Mateus 1 e volte uma página. O que
está escrito em letras maiúsculas?
Cerca de quatrocentos anos se passaram entre Ma-
laquias e Mateus. Você pode ver, então, porque a Bíblia chama
de NOVO TESTAMENTO.
Os editores colocaram essa página divisória entre os dois
livros. Ainda assim, embora Mateus 1 seja o início da história
de Jesus, Mateus 1.1 é realmente o ponto em que a era do Novo
Testamento começa? Na verdade, não.
Para entender isso melhor, vamos começar com o fato de
que as palavras “testamento”, “aliança” e “vontade” são todas
iguais em grego (diatheke). É por isso que hoje usamos a frase
“última vontade e testamento” para descrever o documento
legal que uma pessoa deixa para seus entes queridos após a sua
morte. Então, como isso é relevante para quando a era do Novo
Testamento realmente começou? Porque é uma morte, não um
nascimento, que é necessária para ativar um testamento. E é
por isso que o Novo Testamento — também conhecido como
Nova Aliança — começa com a morte de Cristo, não com o
seu nascimento.
Hebreus esclarece esse conceito dizendo que, onde há um
testamento, necessariamente deve haver a morte do testador,
pois um testamento só é válido quando os homens morrem,
visto que não pode entrar em vigor enquanto aquele que o fez
vive (Hb 9.16-17).
Assim como um testamento só entra em vigor após a morte
de quem o fez, o Novo Testamento também não entrou em vigor
até a morte de Jesus. Na verdade, mesmo a Antiga Aliança não
Quando começa o tempo do NovoTestamento, no nascimento ou na morte do Senhor? 39

entrou em vigor sem sangue. Moisés teve que aspergir sangue


sobre o rolo da lei e sobre todas as pessoas (Êx 24.8).
Em resumo, aqui estão três verdades paralelas: Uma última
vontade e testamento não entra em vigor sem a morte de quem
o fez. Da mesma forma, a Antiga Aliança não entrou em vigor
sem morte também. Finalmente, a Nova Aliança não entrou em
vigor até a morte de Jesus Cristo. Portanto, foi a morte de Cris-
to (não o seu nascimento) que introduziu o caminho da Nova
Aliança da graça de Deus.

Jesus nasceu sob a lei


Por meio da morte de Jesus, recebemos uma esperança melhor
na Nova Aliança (Hb 7.18-19).
A morte de Jesus trouxe uma aliança “superior” fundada em
“melhores promessas” (Hb 8.6).
Foi a morte de Jesus no Calvário, não o seu nascimento em
Belém, que deu início ao Novo Testamento. Como crentes,
traçamos a linha divisória da história humana na cruz, não na
manjedoura.
Foi a morte de Jesus no Calvário, e não o seu nascimento em
Belém, que inaugurou a era do Novo Testamento.
Isso nos ajuda a entender o que Paulo quis dizer quando es-
creveu em Gálatas que Jesus nasceu debaixo da lei:
Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu
Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os
que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção
de filhos. (Gl 4.4-5)
40 A simplicidade so evangelho

Pense nisto por um minuto: Jesus nasceu sob a lei. Até a sua
morte, Ele ministrou àqueles que estavam sob a lei (Gl 4.5).
Tanto Jesus quanto sua audiência nos quatro Evangelhos viveram
durante a era da lei da Antiga Aliança.
Jesus deixou clara essa divisão quando disse aos seus discípulos:
“Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado em
favor de vós” (Lc 22.20). Ele nos lembra de que a Nova Aliança
vem através do seu sangue, não do seu nascimento. É por isso que
podemos dizer com segurança que a cruz, e não a manjedoura,
é a linha divisória da história humana.

Implicações da linha divisória


Por que a linha divisória da cruz é tão importante? Uma razão
importantíssima é que isso nos ajuda a compreender melhor o
ministério de Jesus.
Nos Evangelhos, vemos Jesus falando de maneira dura com
algumas pessoas ao seu redor. Ele pede que arranquem os seus
olhos, cortem as suas mãos, sejam perfeitos, perdoem aos outros
antes que possam ser perdoados por Deus e vendam todos os seus
bens para entrar no céu (Mt 5.17–6.15; 19.21). Esses são padrões
impossíveis! No entanto, são as palavras de Jesus.
Então, como podemos reconciliar com a realidade? Enten-
dendo que Jesus nasceu sob a lei e estava falando para um públi-
co sob a lei, podemos atravessar a névoa da incerteza. Os duros
ensinamentos de Jesus foram deliberadamente preenchidos com
padrões impossíveis para se defender uma posição. Nenhum ser
humano pode viver de acordo com os verdadeiros padrões da
lei. E, para aqueles que presumiam que estavam fazendo um
bom trabalho, Jesus estava simplesmente revelando a verdade
Quando começa o tempo do NovoTestamento, no nascimento ou na morte do Senhor? 41

sobre o assunto. O espírito da lei era um padrão que eles nunca


poderiam alcançar.
Imagine que você visita o acampamento na base do monte
Everest e vê uma grande multidão de pessoas tirando selfies e se
gabando de que quase chegaram ao pico. Espere, o pico? Mas
eles estão ainda no acampamento base, é o começo da montanha.
Para completar, eles carregam equipamentos de má qualidade e
nenhum bom plano para atingir o pico.
Isso é exatamente o que os fariseus eram nos dias de Jesus. Eles
estavam sob a ilusão de que poderiam guardar a lei. E, através
dos duros ensinamentos de Jesus sobre o verdadeiro espírito da
lei, Ele estava revelando-lhes quanto esforço era necessário para
subir até o pico. Ele estava demonstrando claramente que eles
nunca conseguiriam fazer isso. O “monte Sinai” era uma monta-
nha que eles nunca conseguiriam escalar e precisavam enfrentar
essa realidade.

Discernindo a diferença
Isso significa que todos os ensinamentos de Jesus antes da cruz
eram relevantes apenas para as pessoas que viviam sob a Antiga
Aliança? Longe disso! Jesus também sabia exatamente o que
aconteceria através da Nova Aliança (em sua morte). Portanto,
seus ensinamentos não tinham todos um propósito único. Não,
seus ensinamentos foram projetados para fazer duas coisas muito
distintas: mostrar às pessoas a futilidade do antigo modo da lei
e prepará-los para um novo caminho de graça.
Às vezes, Jesus destacava o padrão perfeito e impossível da lei,
mas Ele falou de um novo reino, um novo caminho, um novo re-
lacionamento com Deus que estava por vir. Por exemplo, quando
42 A simplicidade so evangelho

ensinou sobre o relacionamento entre a videira e os ramos (“você


em mim” e “eu em você”) e a vinda do Espírito Santo (ver João
15 e 16), Ele descreveu claramente uma experiência que viria
depois da cruz.
Então, como podemos discernir quais dos ensinamentos de
Jesus revelam o verdadeiro espírito da lei e quais descrevem um
relacionamento da Nova Aliança com Deus? Tudo o que preci-
samos fazer é perguntar se Pedro, ou Tiago, ou João, ou Paulo
expuseram um conceito particular em suas instruções para as
igrejas do Novo Testamento.
Por exemplo, os apóstolos escreveram sobre a relação da vi-
deira e dos ramos com Cristo? Claro que sim! Há muitos casos
nas epístolas nos quais vemos o “Cristo em nós” e o relaciona-
mento “nós em Cristo” descrito. Os apóstolos falaram sobre o
crente sendo habitado pelo Espírito Santo? Novamente, sim. Há
muitas menções ao Espírito Santo e sua presença dentro de nós
ao longo das epístolas.
Agora, por uma questão de contraste, as epístolas nunca men-
cionam nossa necessidade de amputar partes do corpo em nossa
luta contra o pecado, ou como precisamos primeiro perdoar os
outros antes que Deus perdoe os nossos pecados, ou como pre-
cisamos vender tudo o que possuímos para entrar no Reino dos
Céus. Nada disso é mencionado nas epístolas.
Por que esses duros ensinamentos sequer são mencionados
nas epístolas? Porque Jesus os dirigiu contra os judeus orgulho-
sos e hipócritas de seus dias, a fim de enterrá-los sob os padrões
perfeitos e impossíveis da lei.
Quando começa o tempo do NovoTestamento, no nascimento ou na morte do Senhor? 43

Jesus nunca pretendeu que esses ensinamentos radicais e im-


possíveis fossem um tipo de “Evangelho Baseado na Lei de Moisés
2.0” atualizado para a igreja do Novo Testamento tentar seguir.
Não. Sua intenção era, na verdade, mostrar o quanto a huma-
nidade precisava de um caminho novo e diferente.

Foco na graça
Quando reconhecemos a cruz como a linha divisória que
separa a Antiga Aliança da Nova Aliança, os impossíveis ensina-
mentos de Jesus baseados na lei finalmente fazem sentido. Contra
o pano de fundo do verdadeiro espírito da lei, a graça de Deus
entra em foco total. Então, a verdade da Nova Aliança começa
a nos libertar de maneiras inesperadas.
44 A simplicidade so evangelho
CAPÍTULO

Graça e verdade são


coisas opostas?

Porque todos nós temos recebido da sua plenitude e graça


sobre graça. Porque a lei foi dada por intermédio de Moi-
sés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo.
(Jo 1.16)

A
Palavra de Deus diz que temos recebido da sua plenitude
e graça sobre graça. Aqui está sendo dito que, quando
certa graça é usada, logo depois vem outra graça e, quan-
do essa graça também é usada, então vem outra graça, e assim
por diante.
É como as ondas do mar na praia: quando uma onda vem,
logo outra vem sobrepondo-se à primeira incessantemente, in-
dicando que, uma vez que certa graça é usada, outra graça vem,
é graça sobre graça. É algo transbordante, que nunca se esgota.
46 A simplicidade so evangelho

Assim como as ondas na praia nunca cessam, Deus nos for-


nece onda após onda de sua graça! Recebemos da plenitude de
nosso Senhor Jesus. Toda vez que um suprimento de graça parece
acabar, outra onda de graça vem sobre nós.
Isso é o que significa receber “da sua plenitude e graça sobre
graça”. Há uma graça para tudo. Há graça disponível para cada
nível de sua vida, para cada estágio da sua caminhada.

A graça e a verdade estão do mesmo lado


O verso seguinte diz: “Porque a lei foi dada por intermédio
de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo”
(Jo 1.17).
A Bíblia afirma claramente que “a lei foi dada”. Algo pode ser
dado de longe, à distância; a pessoa recebe, mas aquilo foi dado
remotamente. Portanto, a lei é uma coisa.
No entanto, “a graça e a verdade vieram por meio de
Jesus Cristo”. “Vir” é algo pessoal, uma pessoa vem, mas
coisas são dadas.
Frequentemente, quando compartilho sobre a graça de Deus,
algumas pessoas resistem ao ensino. Em vez de ver de um lado
a lei dada por Moisés e de outro lado a graça e a verdade vindo
por meio de Jesus Cristo, eles dizem que a graça e a verdade
devem ser consideradas separadamente. Dizem que não se trata
apenas de graça, mas que também a verdade deve ser avaliada.
Eles separam graça e verdade.
Entretanto, a verdade é que aquilo que Deus uniu homem
nenhum deve separar. A graça e a verdade estão do mesmo lado:
elas vieram por meio de Jesus Cristo. A lei foi dada por Moisés.
Graça e verdade são coisas opostas? 47

A divisão não é entre graça e verdade, mas entre lei de um


lado e graça e verdade do outro.
A lei diz: “Faça, faça!” A graça diz: “Está consumado!” Des-
cubra o que foi realizado e caminhe para isso, flua para isso. A
salvação já foi realizada. O evangelho tem tudo a ver com receber
de Deus, começando na salvação, mas muitos querem fazer e dar
a Deus. Contudo, ninguém pode dar se primeiro não receber
d’Ele. Ninguém pode fazer nada para Ele sem entender primeiro
que tudo está consumado.
Ninguém duvida disso quando se trata de salvação, mas in-
felizmente muitos se esquecem de que devemos andar hoje do
mesmo modo que o recebemos (Cl 2.6). Isso vale para todas as
bênçãos. Na verdade, as pessoas que mais recebem são aquelas
que fazem muito, porque dão o que têm recebido.
A menos que você tenha recebido, você não tem nada para dar
ou fazer. Isso é o que significa “permanecer n’Ele”. Se você não
permanecer ligado ao tronco da Videira, nada poderá fazer. O
ramo não pode dar fruto por si mesmo. O fruto não é resultado
de esforço, mas de vida.
Assim como o ramo, você precisa relaxar. Não é você quem
provê, você não é a fonte. O Senhor Jesus é a fonte! Quanto mais
você descansa, mais a provisão flui. Jesus é a fonte de todas as
boas obras que podemos fazer. Devemos primeiro receber d’Ele.
Quanto mais descansamos em sua obra consumada, mais vemos
o seu suprimento fluindo em nossa vida.
Por um lado, a lei diz: “Eu me lembrarei dos seus pecados até
a terceira e a quarta geração (Êx 20.5), o que significa que Deus
48 A simplicidade so evangelho

visitará os seus pecados sobre os filhos e os filhos de seus filhos.


Assim era a lei.
Hoje, porém, a Nova Aliança da graça diz: “Não me lembrarei
mais dos seus pecados” (Hb 8.12). Deus está dizendo que nunca
mais se lembrará dos seus pecados! O que significa Deus não se
lembrar mais dos nossos pecados? Significa que Ele não se lem-
brará mais de visitá-los, ou seja, de nos punir por eles. Houve
uma mudança!
Segundo a lei, o filho pródigo, quando voltasse para casa,
deveria ser apedrejado por causa do tipo de vida que levava. Sob
a graça, o pai o viu e correu para ele. Talvez uma das razões pe-
las quais o pai correu foi para que outras pessoas legalistas não
encontrassem seu filho primeiro. O pai o alcançou e o beijou.
Sob a lei, Deus disse a Moisés, que foi quem deu a lei: “Tira
as tuas sandálias porque o lugar onde estás é santo” (Êx 3.5). Na
história do filho pródigo, o pai disse: “Calce as sandálias. Ele
tem o direito de estar na minha presença, ele tem o direito de
possuir a sua herança”.
Houve uma mudança de época! Você está debaixo da lei ou
da graça?

Graça e verdade são um


Esta é a verdadeira separação: de um lado, a lei; do outro, a
graça e a verdade. A separação não é entre a graça e a verdade.
No entanto, há quem diga que a graça e a verdade devem ser
separadas. Frequentemente, ouço pessoas dizendo: “Sim, deve-
mos aprender a graça, a graça é boa, mas também devemos ter
a verdade”. Para elas, a verdade é sempre algo duro, enquanto
Graça e verdade são coisas opostas? 49

a graça é como o lado suave de Deus. Eles dizem coisas como:


“Deus é amor, sim, isso é graça. Deus é bom, sim, isso é graça.
Mas a verdade é que Deus julga, Deus castiga”.
É verdade que chegará um tempo em que aqueles que rejeita-
ram o seu amor serão lançados no lago de fogo. Ele não permitirá
que entrem no céu, pois o céu é um lugar onde é preciso nascer
de novo para entrar. Se “esbofetearmos” a Deus dizendo-lhe que
não precisamos do seu Filho e que estamos bem como estamos,
sem Ele, estamos acreditando em uma mentira.
Embora seja verdade que haverá um julgamento final, essa
não é a “verdade” mencionada em João 1.17. “Graça e verdade”
não significa que a graça está de um lado e a verdade do outro.
Não as divida, elas são um.
Como eu sei que elas são um? Se você ler o versículo de João
1.17 no grego original, o verbo “veio” está no singular, então seria:
“A graça e a verdade veio por Jesus Cristo”. O que isso significa?
Que elas são um.
Dizer “a graça e a verdade veio” em vez de “a graça e a verdade
vieram” não faz sentido, a menos que sejam um.
Mas depois há sempre quem diga: “A graça deve ser equi-
librada com a verdade, isto é, com a severidade. Assim como
acontece com o seu filho: você o ama, você é doce com ele, mas
você também bate nele e o disciplina”.
Sabemos que isso é verdade, mas esse princípio não pode ser
aplicado aqui. A graça e a verdade indicam que toda a providên-
cia de Deus, toda a bondade de Deus é liberada por meio do
favor imerecido! Isso significa que você não merece, mas recebe
o suprimento!
50 A simplicidade so evangelho

A graça e a verdade se beijaram


Existe uma expressão ou frase que o povo judeu usa e que é
muito comum no Antigo Testamento: “Hesed ve emet”. Essa é a
expressão usada no Salmo 85.10, que é traduzida como “graça
e verdade”.
Encontraram-se a graça e a verdade, a justiça e a paz se
beijaram. (Sl 85.10)

“Hesed” significa “graça” e “veemet” significa “verdade”. Isso


nos mostra que, no Velho Testamento, a expressão “graça e verda-
de” também é usada. É a expressão “hesed ve emet”. Em João 1.17,
“graça” é “hesed”, “verdade” é “emet” e “ve” é a conjunção “e”.
Assim , “hesed ve emet” é igual a “graça e verdade” (só por
curiosidade, no grego, a expressão é “charis kai aletheia”).
Essa expressão é muito usada no Antigo Testamento e, sempre
que é usada, ela se refere a algo bom; não é usada para comparar
ou equilibrar a gentileza e a dureza de Deus.
Portanto, o que é “graça e verdade”? Elas são como pão e man-
teiga, ou melhor ainda, você pode dizer que é como se fossem
uma peça única: um pão de manteiga.
A palavra “verdade”, em João 1.17, é “aletheia” no grego, que
significa realidade. A graça estava no Antigo Testamento, porém
estava escondida, era como uma sombra — todas as leis eram
sombras no Antigo Testamento —, mas a graça-realidade veio
quando a Pessoa de Jesus veio.
Se você encontrar a Pessoa do Senhor, sabe o que acontece-
rá? Você experimentará a graça-realidade. Você experimentará a
Graça e verdade são coisas opostas? 51

graça na realidade, não mais nas sombras. Nosso Senhor Jesus é


a graça manifestada na realidade.

Receba hoje graça e verdade


Vamos ver alguns exemplos de graça e verdade (hesed ve emet)
escondidos no Antigo Testamento.
Infelizmente, nas versões portuguesas da Bíblia, essa expressão
às vezes é traduzida como “misericórdia e fidelidade” ou “benig-
nidade e fidelidade”, “bondade e verdade” ou “benignidade e
verdade”, mas, no original hebraico, se você verificar, está escrito
“hesed ve emet”.
Davi acabara de se tornar rei e ouvira dizer que o rei Saul havia
sido morto no monte Gilboa e seu corpo havia sido pendurado
desrespeitosamente pelos inimigos filisteus nas muralhas de Bete-
-Seã, junto com o corpo de seu filho (1 Sm 31). Ao saber disso,
ele quis fazer algo a respeito.
Então, alguém veio e lhe disse: “Davi, os habitantes de Jabes-
-Gileade subiram com muita coragem, removeram os corpos
da muralha e os enterraram, deram ao rei Saul um enterro
adequado”.
Davi ficou profundamente comovido com isso e disse aos
homens de Jabes-Gileade:
Então, enviou Davi mensageiros aos homens de Jabes-
-Gileade para dizer-lhes: Benditos do SENHOR sejais
vós, por esta humanidade para com vosso senhor, para
com Saul, pois o sepultastes! Agora, pois, o SENHOR use
convosco de misericórdia e fidelidade; eu vos recompensarei
este bem que fizestes. (2 Sm 2.5-6, grifo nosso)
52 A simplicidade so evangelho

Observe que aqui “hesed” (graça) é traduzido como “misericór-


dia”. Davi disse que o Senhor mostraria misericórdia e fidelidade
(hesed ve emet) para com eles.
Havia algo de que eles deveriam ter medo? Quando ele disse
essas palavras, eles não disseram: “Só precisamos de “hesed”, não
queremos “emet”.
Isso significa que devemos ser bíblicos, devemos nos firmar nas
Escrituras. “Hesed ve emet” não significa que a graça é boa, mas
a verdade é algo duro, severo. Aqui tanto “hesed” quanto “emet”
foram coisas que Davi usou para abençoar aqueles homens.
Além disso, Davi também disse logo em seguida: “Eu vos
recompensarei este bem que fizestes”. Então, foi uma coisa boa.
A expressão “hesed ve emet” aqui se refere ao favor imerecido de
Deus, e não a uma verdade dura e severa.
Jacó não tinha nada quando saiu de casa. Ele estava com
medo de que seu irmão o matasse porque ele o havia enganado
e recebido o direito de primogenitura, então ele saiu sem nada.
Muitos anos se passaram e agora ele tinha doze filhos, duas esposas
e algumas concubinas. Então ele voltou, Deus o abençoou com
uma grande família, muitos rebanhos, e foi isso que ele disse ao
Senhor em Gênesis 32:
E orou Jacó: Deus de meu pai Abraão e Deus de meu pai
Isaque, ó SENHOR, que me disseste: Torna à tua terra
e à tua parentela, e te farei bem; sou indigno de todas as
misericórdias e de toda a fidelidade que tens usado para
com teu servo; pois com apenas o meu cajado atravessei este
Jordão; já agora sou dois bandos. (Gn 32.9-10)

No texto hebraico original, “misericórdia e fidelidade” é “hesed


ve emet”. As duas coisas andam juntas. E não são algo para se
Graça e verdade são coisas opostas? 53

preocupar ou ter medo. Jacó dizia: “Não sou digno de ter “hesed
ve emet”.
E qual foi o resultado de “hesed ve emet” (graça e verdade)
mostrado a ele? O resultado foi prosperidade! Ele diz que, quan-
do passou o Jordão, tinha apenas um cajado, mas agora era uma
família numerosa e próspera. Quando a graça e a verdade se
manifestam, algo bom acontece com você!

Como posso receber essas bênçãos?


Não te desamparem a benignidade e a fidelidade; ata-as ao
pescoço; escreve-as na tábua do teu coração e acharás graça e
boa compreensão diante de Deus e dos homens. (Pv 3.3-4)

A “benignidade e a fidelidade” no texto hebraico original é


“hesed ve emet”. É algo tão bom que o Senhor diz: “Amarre-as ao
pescoço; escreva-as na tábua do seu coração”.
Isso agora é uma realidade porque, na Nova Aliança, Deus
escreve graça e verdade em nosso coração (Hb 10.16).
Exponha-se a Jesus. A graça e a verdade vieram com Jesus
Cristo! Sempre que vamos ao Senhor em oração, não importa o
que estejamos orando, há uma transmissão de graça e verdade.
E, quando graça e verdade são transmitidas a você, coisas boas
acontecem em sua vida.
Isso também acontece na igreja em nível coletivo (porque há
uma unção coletiva na igreja). Você não vai ao culto por causa
de um pastor, um líder de louvor ou qualquer outra coisa, mas
por causa do Senhor Jesus. Você recebe a sua palavra e sai de lá
diferente, porque há uma transmissão de graça e verdade que às
vezes se manifesta na área de suprimento de recursos, às vezes
54 A simplicidade so evangelho

na forma de cura, às vezes se manifesta como bem-estar para sua


família ou trazendo relações harmoniosas onde antes havia brigas
e desentendimento. Enfim, coisas boas acontecem!
No versículo 4, está escrito que “acharás graça e boa compre-
ensão diante de Deus e dos homens”.
A Bíblia diz que precisamos nos concentrar no Senhor, expor-
-nos à graça e à verdade (hesed ve emet), aprender o máximo que
pudermos sobre a verdadeira graça, a graça na realidade. Quando
fazemos isso, encontramos favor diante de Deus e dos homens.
Quero contar outra história sobre o servo de Abraão em
Gênesis 24. Se você procura um parceiro para a vida, ouça com
atenção! Aqui diz o que você deve orar.
E não é só para quem procura um companheiro para a vida
toda, mas também quando você vai trabalhar todos os dias é por
isso que você deve orar também.
O servo de Abraão chegou ao poço, onde as mulheres iriam
tirar água, mas não sabia qual delas Deus escolheria para o filho
de seu senhor, Isaque. Então ele orou:
E disse: Ó SENHOR, Deus de meu senhor Abraão, dá-
-me, hoje, bom encontro e faze beneficência ao meu senhor
Abraão! (Gn 24.12, ARC)

A palavra hebraica para “bom encontro” aqui é “qarah”. Não


há problema em orar para que as oportunidades aconteçam, para
termos bons eventos, para que tenhamos sucesso. Ore isso todos
os dias. Ore isso antes de sair de casa. Antes de se envolver num
projeto, ore isso. Depois da escola, quando você está prestes a
entrar no mundo do trabalho, um mundo novo para você, ore
ao Pai pelo sucesso. Não deixe que as vozes lhe digam: “Oh, você
Graça e verdade são coisas opostas? 55

não deveria orar por prosperidade!” O servo de Abraão orou por


um bom encontro, orou para ter sucesso no que estava empreen-
dendo, e nós somos a semente de Abraão em Cristo. A bênção
de Abraão é nossa.
O servo orou: “Dá-me um bom encontro”, ou seja: “Dá-me
sucesso”. No caso dele, o sucesso foi encontrar a mulher certa
para Isaque.
E ele orou não apenas por um encontro feliz, mas também para
que Deus usasse “bondade” (hesed) para com Abraão, seu senhor.
O servo havia pedido a Deus que lhe desse um sinal quando as
mulheres chegassem ao poço: “Deus, aquela que vier e me disser
que vai tirar água para mim e meus camelos beberem será a certa”.
Você sabe quantos camelos ele tinha? E você sabe quanto
um camelo bebe? E eles estavam lá porque estavam com sede.
Aquela mulher teria que correr de um lado para o outro a fim
de pegar água e trazê-la para eles. A Bíblia realmente diz que ela
“se apressou” para trazer água para ele e os camelos (Gn 24.20).
O servo pediu um sinal, e ela cumpriu esse sinal, ao contrário
de todas as outras mulheres. Mas ele ainda não tinha certeza e
se perguntava: “Essa menina é da família certa? Não posso levar
alguém que não seja crente”. Então, ele perguntou à mulher: “De
onde você é?” Ela respondeu: “Sou filha de Betuel”.
Abraão havia lhe dado esta instrução: “Escolha uma mulher de
nosso círculo familiar”. Na época, eles se casavam dentro da tribo
dos crentes. Isso também é verdade para nós hoje. Nós nos casa-
mos dentro da tribo dos crentes. É aí que está a bênção para nós.
56 A simplicidade so evangelho

Quando o servo entendeu que Deus havia guiado seus passos,


disse estas palavras (essa é a primeira vez que aparece na Bíblia a
expressão “hesed ve emet”):
E disse: Bendito seja o SENHOR, Deus de meu senhor
Abraão, que não retirou a sua benignidade e a sua verdade
de meu senhor; quanto a mim, estando no caminho, o
SENHOR me guiou à casa dos parentes de meu senhor.
(Gn 24.27)

Aqui ele percebeu que sua jornada foi próspera, foi bem-
-sucedida, teve graça. Sabemos que sempre que “hesed ve emet”
aparece, nossos caminhos prosperam! Cada vez que graça e ver-
dade aparecem, somos bem-sucedidos! A graça e a verdade estão
do mesmo lado. Diferentemente do que muitos dizem, graça e
verdade não são conceitos opostos, a graça é a verdade!
CAPÍTULO

Você deve ser batizado nas


águas para ser salvo?

Porventura, pode alguém recusar a água, para que não


sejam batizados estes que, assim como nós, receberam o
Espírito Santo? (At 10.47)

[...] a qual, figurando o batismo, agora também vos salva,


não sendo a remoção da imundícia da carne, mas a inda-
gação de uma boa consciência para com Deus, por meio
da ressurreição de Jesus Cristo. (1 Pe 3.21)

H
á muita controvérsia em torno do batismo nas águas.
Alguns afirmam que ele é necessário para a salvação.
Todavia, em Atos 10, vemos um grupo de gentios que
recebeu o Espírito Santo. Ao descobrir isso, Pedro fica surpreso
porque esses gentios “sujos” (essa era a visão judaica) já tinham
ouvido o evangelho e crido. Então, Pedro anuncia que nada deve
impedi-los de celebrar com o batismo nas águas. Observe que a
58 A simplicidade so evangelho

salvação dos gentios — a habitação do Espírito Santo — veio


primeiro, e o batismo nas águas veio em segundo lugar. O ba-
tismo nas águas não era um requisito para receber o Espírito,
como alguns ensinam.
Porventura, pode alguém recusar a água, para que não
sejam batizados estes que, assim como nós, receberam o
Espírito Santo? E ordenou que fossem batizados em nome
de Jesus Cristo. Então, lhe pediram que permanecesse com
eles por alguns dias. (At 10.47-48)

O batismo nas águas é frequentemente associado ao arrepen-


dimento e à crença em Jesus Cristo para a salvação. No entanto,
relatos como este (e o ladrão na cruz que foi ficar com Jesus no
paraíso sem batismo nas águas) nos ajudam a verificar que ele
não é um componente essencial para a salvação. Em Atos 10, o
novo nascimento espiritual veio em primeiro lugar, e a celebração
na água veio em segundo.

Deus não enviou Paulo para batizar


Os crentes de Corinto estavam se dividindo e classificando
se eram de Paulo, Apolo ou Cefas se tivessem sido batizados
por eles. Tornou-se um símbolo de status para eles. É por isso
que Paulo pergunta: “Será que Cristo está dividido? Paulo não
foi crucificado por você, foi? Ou você foi batizado em nome de
Paulo?” (1 Co 1.13).
Eles haviam perdido o foco em Jesus Cristo e estavam dando
muita importância à água do batismo e, em particular, a quem
os batizou. Estavam se gloriando no nome de Paulo em vez de
engrandecer o nome de Jesus. É por isso que Paulo lhes disse que
Deus não o enviou para batizar, mas para pregar o evangelho (1
Você deve ser batizado nas águas para ser salvo? 59

Co 1.17). Se o batismo nas águas fosse necessário para a salvação,


então certamente Deus teria enviado Paulo para batizar. Mas é
ouvir e crer no evangelho que salva, não o batismo nas águas.
Paulo também disse: “Dou graças a Deus por não ter batizado
nenhum de vocês, exceto Crispo e Gaio” (1 Co 1.14). Por que
Paulo estaria agradecendo a Deus por não ter batizado muitas
pessoas? Isso é porque o batismo nas águas não contribui para a
nossa salvação, e quem nos batiza não afeta a visão de Deus sobre
nós. Imagine só, se Paulo tivesse batizado mais pessoas, quantas
mais facções e disputas teriam existido entre eles.
O resultado final é que, quer você tenha sido mergulhado em
uma piscina de água por 10 segundos, quer tenha sido aspergido
ou não, isso não determina o seu destino ou o seu valor aos olhos
de Deus. Não é sobre estar na água, é sobre estar em Cristo.

O batismo salva você?


Pedro escreve:
[...] o batismo, agora também vos salva, não sendo a re-
moção da imundícia da carne, mas a indagação de uma
boa consciência para com Deus, por meio da ressurreição
de Jesus Cristo. (1 Pe 3.21)

Então, sim, é verdade que Pedro diz que um tipo de “batis-


mo” nos salva, mas observe quão rapidamente ele esclarece. Não
é o batismo nas águas (a remoção da sujeira do corpo pela água)
que nos salva.
Em vez disso, é um tipo diferente de batismo. É estar imerso na
vida de ressurreição de Jesus Cristo, isso nos salva. Esse é um batis-
mo espiritual. Isso é o que significa estar “no Espírito” (Rm 8.9).
60 A simplicidade so evangelho

Quando somos colocados em Cristo, somos inseridos espiritu-


almente em sua morte, sepultamento e ressurreição (Rm 6.3-4).
É essa imersão espiritual em Cristo que resulta na regeneração,
nascer de novo do Espírito de Deus (Jo 3.6).
E quanto a Atos 2.38, onde Pedro diz: “Arrependei-vos, e cada
um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão
dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo”?
Alguns deram muita importância à palavra “para” (grego: eis)
nessa passagem, alegando que a água do batismo é necessária para
o perdão dos pecados.
Mas é importante notar que a palavra grega “eis” nem sem-
pre significa “a fim de obter”. Às vezes, pode significar “como
resultado de” ou “em vista de” ou “por causa de”. Dado o que
foi lido em outro lugar na mensagem do Novo Testamento a
respeito da salvação, parece mais provável que Pedro estava
apelando para que se arrependessem, acreditassem na men-
sagem do evangelho e fossem batizados nas águas por causa
do perdão encontrado através do nome de Jesus Cristo. Isso
é ainda apoiado pelo fato de Pedro dizer: “[...] e recebereis o
dom do Espírito Santo” (At 2.38). Novamente, de acordo com
o Novo Testamento, sabemos que o recebimento do Espírito
Santo acontece como resultado do arrependimento (mudança
de mente sobre a identidade e a obra consumada de Jesus) e
crer, não através do batismo nas águas (Gl 3.2).

Batismo na morte e ressurreição de Cristo


Por que há tanta confusão em torno do batismo nas águas?
Talvez porque muitos não entendem o batismo espiritual. Em
Romanos, Paulo pergunta:
Você deve ser batizado nas águas para ser salvo? 61

Ou, porventura, ignorais que todos nós que fomos batiza-


dos em Cristo Jesus fomos batizados na sua morte? Fomos,
pois, sepultados com ele na morte pelo batismo; para que,
como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória
do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida.
(Rm 6.3-4)

“Ou você não sabe?” é a pergunta de Paulo. Isto significa que


há muitos crentes que estão em Cristo, mas não entendem real-
mente o que significa estar em Cristo.
Estar em Cristo significa que passamos por uma cirurgia
cardíaca radical, uma troca de DNA espiritual que transformou
a essência do nosso ser, o nosso próprio eu. Nosso antigo eu foi
arrancado, espiritualmente levado para a cruz, crucificado e sepul-
tado. Então, fomos ressuscitados em Cristo para novidade de vida.
Isso é o que significa “nascer de novo”. Para nascer de novo,
primeiro você deve morrer. E foi exatamente isso o que aconteceu
com todos nós que estamos em Cristo.
O batismo é uma declaração de fé. Quando entramos nas
águas do batismo, estamos proclamando que morremos para o
pecado, para o mundo e para o diabo. Isso somente é possível
porque a morte de Cristo tornou-se a nossa própria morte.
Embora tenhamos nascido em Adão, fomos batizados para
dentro de Cristo. O significado do batismo é declarar que fomos
colocados dentro de Cristo.
Obviamente, para ter valor, o batismo precisa vir acompa-
nhado desse entendimento espiritual. O batismo é a cerimônia
que proclama o início de uma nova vida. É justamente porque
já nasci de novo que eu peço o batismo.
62 A simplicidade so evangelho

Dois nascimentos: natural e espiritual


Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade vos digo: se alguém
não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de
Deus. Aquele que nasce da carne é carne, e aquele que é nascido
do Espírito é espírito” (Jo 3.5-6).
O nascimento natural nos fez carne, alma vivente, mas o
novo nascimento nos faz espírito, ou seja, espírito vivificante
(1 Co 15.45).
Pois assim está escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito
alma vivente. O último Adão, porém, é espírito vivificante.
(1 Co 1)

O que é nascer da água? Quando Jesus deu a resposta a Nico-


demos, Ele o fez de maneira que Nicodemos pudesse entender.
Se água aqui tivesse um sentido profundo ou misterioso, Nico-
demos não poderia entender. Sabemos que João estava pregando
o arrependimento pelo batismo nas águas, por isso a referência
a água foi clara para Nicodemos. A água aponta para o batismo
e o arrependimento.
Romanos 6.3-4 nos diz que ser batizado é ser morto. O ba-
tistério é uma grande sepultura para o nosso velho homem. Ele
é a fronteira entre dois reinos.
Ou, porventura, ignorais que todos nós que fomos batizados
em Cristo Jesus fomos batizados na sua morte?

Fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo;


para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela
glória do Pai, assim também andemos nós em novidade
de vida. (Rm 6.3-4)
Você deve ser batizado nas águas para ser salvo? 63

Vamos chamar o reino das trevas de Trevolândia e o reino


da luz de Luzilândia. Sendo eu alguém nascido na Trevolân-
dia, estou debaixo da sujeição do rei de lá, o senhor Trevoso, o
diabo. Mas Deus deseja nos transportar para o outro reino, o
da Luzilândia (Cl 1.13).
Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou
para o reino do Filho do seu amor [...]. (Cl 1.13)

Ele não vai fazer isso apenas nos naturalizando. Por um


meio miraculoso, Ele nos mata na Trevolândia e nos ressuscita
em Luzilândia. Isso nos faz cidadãos do seu reino por nasci-
mento. Isso é nascer da água, ou seja, nascer pelo batismo de
arrependimento.
É também correto dizer que nascer da água é nascer pela Pa-
lavra de Deus. Jesus disse que suas palavras são espírito e vida,
e Tiago 1.18 e 1 Pe 1.23 nos dizem que a Palavra de Deus é a
semente do próprio Deus que foi colocada em nosso espírito
tornando-nos seu filho.
Pois, segundo o seu querer, ele nos gerou pela palavra da
verdade, para que fôssemos como que primícias das suas
criaturas. (Tg 1.18)

Pois fostes regenerados não de semente corruptível, mas de


incorruptível, mediante a palavra de Deus, a qual vive e
é permanente. (1 Pe 1.23)

E o que é nascer do Espírito? Todos sabemos que o homem


é um ser triúno: espírito, alma e corpo. O novo nascimento não
acontece em nosso corpo, nem em nossa alma, mas na parte mais
profunda, o nosso espírito.
64 A simplicidade so evangelho

O lugar adequado para o batismo


Não há nada de mágico no processo do batismo nas águas. É
uma celebração pública e um símbolo de sermos espiritualmente
crucificados, sepultados e ressuscitados para uma novidade de
vida em Cristo.
O batismo nas águas é importante, mas não causa nada. Pen-
se nisso. Comemorando um aniversário, não significa que você
acabou de nascer. Comemorar um aniversário de casamento não
significa você vai se casar. Você já nasceu ou já se casou muito
antes da festa. Você está apenas comemorando.
O mesmo acontece com o batismo nas águas. Renascemos do
Espírito de Deus. Nós nos tornamos a noiva de Cristo. Então,
por que não comemorar com o batismo nas águas? Mas isso não
significa que vamos nos tornar a noiva ou simplesmente renascer
naquele momento. Não, o batismo nas águas é uma celebração do
que já aconteceu. Ao entrarmos na água, estamos comemorando
que entramos na morte com Cristo. Quando somos levantados
da água, celebramos que fomos ressuscitados em Cristo para
novidade de vida. O batismo nas águas é uma celebração do
que já aconteceu.

Uma celebração de fé
O batismo nas águas deve ser respeitado e apreciado pelo
que é, mas não salva. Quando elevamos inapropriadamente o
ato do batismo nas águas e atribuímos-lhe mais importância
do que Deus tem dado isso, torna-se muito parecido com o
que a circuncisão era para os judaizantes na igreja primitiva.
Eles estavam exigindo que as pessoas fossem circuncidadas para
serem salvas quando Paulo estava claramente ensinando que
Você deve ser batizado nas águas para ser salvo? 65

“nem a circuncisão não é nada, nem a incircuncisão, mas uma


nova criação” (Gl 6.15). Da mesma forma, o batismo nas águas
não é nada comparado a ser uma nova criação. Estar imerso em
Cristo é o que importa. Estar imerso na água é simplesmente
uma celebração dessa realidade.
66 A simplicidade so evangelho
CAPÍTULO

Você é salvo pela morte ou


pela ressurreição de Jesus?

Porque, se nós, quando inimigos, fomos reconciliados com


Deus mediante a morte do seu Filho, muito mais, estando
já reconciliados, seremos salvos pela sua vida. (Rm 5.10)

S
e alguém lhe perguntasse o que a ressurreição significa para
você pessoalmente, o que você diria?
Talvez você diria que isso mostra o poder de Deus sobre
a morte. Entretanto, na época da crucificação de Jesus, Deus já
havia demonstrado o seu poder sobre a morte através de muitas
curas e milagres, incluindo a ressurreição de Lázaro. Portanto, a
ressurreição de Jesus é mais do que simplesmente uma demons-
tração do poder de Deus.
Muito do que ouvimos hoje sobre a salvação concentra-se na
cruz. Não é à toa que falhamos em compreender o significado
68 A simplicidade so evangelho

mais profundo da ressurreição. Antes da salvação, tínhamos dois


problemas: os pecados e a morte espiritual. Os pecados que co-
metemos eram apenas um sintoma do nosso problema central,
nossa morte espiritual.
Assim, tínhamos dois problemas, e Deus tinha duas soluções
para nós. Primeiro, a morte de Jesus e o sangue que Ele derra-
mou lavou os nossos pecados de uma vez por todas. Sim, a cruz
nos trouxe perdão. Mas, sem a ressurreição, ainda estaríamos
em Adão, espiritualmente mortos. Então, é a ressurreição de
Cristo que resolve o segundo problema, trazendo-nos uma nova
vida — sua vida (Rm 5.10). Em suma, somos perdoados pela
sua morte e salvos pela sua vida de ressurreição.
É por isso que 1 Pedro 3.21 diz que o batismo espiritual na
ressurreição de Cristo é o que nos salva.
É por isso que Jesus nos chamou de filhos da ressurreição:
Pois não podem mais morrer, porque são iguais aos anjos e
são filhos de Deus, sendo filhos da ressurreição. (Lc 20.36)

É por isso que Paulo diz aos coríntios que a ressurreição é a


espinha dorsal do cristianismo:
Porque, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não
ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e
ainda permaneceis nos vossos pecados. E ainda mais: os que
dormiram em Cristo pereceram. Se a nossa esperança em
Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes
de todos os homens. (1 Co 15.16-19)

Sem a ressurreição de Cristo, ainda estaríamos mortos. Por


causa da ressurreição, temos vida. Não estamos mais em nossos
pecados. Agora, estamos em Cristo. Por meio da cruz, Deus tirou
Você é salvo pela morte ou pela ressurreição de Jesus? 69

os nossos pecados. Por meio da ressurreição, Deus nos deu uma


nova vida n’Ele.

Cristo é a nossa vida


Jesus disse:
Ainda por um pouco, e o mundo não me verá mais; vós,
porém, me vereis; porque eu vivo, vós também vivereis.
(Jo 14.19)

Nossa nova vida espiritual é a vida de Cristo. Porque Ele vive,


nós vivemos. Estamos em Cristo e Ele está em nós. Sua vida é a
nossa vida. Colossenses 3.3-4 deixa isso ainda mais claro:
Porque morrestes, e a vossa vida está oculta juntamente
com Cristo, em Deus. Quando Cristo, que é a nossa vida,
se manifestar, então, vós também sereis manifestados com
ele, em glória.

Cristo não é apenas uma parte da nossa vida. Ele é a nossa


vida. Somos salvos porque Jesus vive e estaremos salvos enquanto
Jesus viver. Hebreus 7.25 coloca desta forma:
Por isso, também pode salvar totalmente os que por ele se
chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles.

Observe que a duração da nossa salvação depende inteira-


mente da duração da vida de Jesus. Somos salvos por termos a
sua vida, e a sua vida é eterna.
A vida eterna não é um pacote de presentes que nos espera no
céu, é a vida que o homem deixou de ter no jardim do Éden e
nos foi dada por meio de Jesus. A vida eterna não é a nossa vida
prolongada ou uma vida que ficou melhor. A vida eterna é a vida
de Cristo. É a vida de ressurreição de Jesus Cristo que nos salva.
70 A simplicidade so evangelho

A salvação é uma pessoa


A salvação não é uma coisa. Não é um bilhete para o céu com
o seu nome nele. Não é apenas o seu nome sendo escrito no Livro
da Vida. Não, a salvação é uma pessoa — o Cristo ressuscitado
literalmente vivendo dentro de você.
Cristo morreu para nos dar o perdão dos nossos pecados, mas
o que muitas vezes não percebemos é que, quando recebemos a
Cristo, nós recebemos a sua vida de ressurreição. Como resultado,
agora nascemos de Deus (1 Jo 5.4) e nos tornamos participantes
da sua natureza divina.
Pelas quais nos têm sido doadas as suas preciosas e mui
grandes promessas, para que por elas vos torneis co-parti-
cipantes da natureza divina, livrando-vos da corrupção
das paixões que há no mundo. (2 Pe 1.4)
CAPÍTULO

Você pode decair da graça


e perder a sua salvação?

De Cristo vos desligastes, vós que procurais justificar-vos


na lei; da graça decaístes. (Gl 5.4)

D
ecair da graça? Parece que eles perderam a salvação. E
a maneira como o termo é popularmente usado tam-
bém não ajuda muito. Todavia, na epístola aos Gálatas,
decair da graça significa algo muito diferente: decair da graça é
cair da mensagem da graça de Deus e voltar para a lei.
Paulo escreveu o livro de Gálatas para diversas pessoas. Alguns
aceitaram o evangelho; outros conheciam a mensagem, mas não
a tinham aceitado. Alguns membros da comunidade da Galácia
flertaram com a ideia de salvação pela graça através da fé, mas
escolheram buscar a justiça com Deus através da observância
da lei. Em Gálatas 5, Paulo estava falando àqueles que “procu-
ravam ser justificados pela lei” (v. 4) e observa que eles estavam
72 A simplicidade so evangelho

planejando “receber a circuncisão” (v. 3). Claramente, isso sig-


nifica que eles eram incrédulos e não tinham ideia de como se
relacionar com Deus.
Como podemos ter certeza de que Paulo não estava falando
para crentes que haviam perdido a salvação?
Observe o contraste entre “você” e “nós” na passagem:
De Cristo vos desligastes, vós que procurais justificar-vos
na lei; da graça decaístes. Porque nós, pelo Espírito,
aguardamos a esperança da justiça que provém da fé.
(Gl 5.4-5)

A palavra grega para “desligar” aqui transmite que alguns dos


gálatas estavam separados de Cristo.
Em outras palavras, aqueles que buscam a justiça diante de
Deus por meio da observância da lei inevitavelmente afastam-se
da verdade do evangelho. Isso torna impossível que eles sejam
justificados diante de Deus. Portanto, esse não é um grupo de
crentes que perdeu a salvação. Em vez disso, é um grupo de
pessoas que foram influenciadas e finalmente persuadidas pelos
judaizantes a misturar a observância das regras do Antigo Testa-
mento com a verdadeira mensagem de salvação. É por isso que
Paulo separa a si mesmo e a seus irmãos crentes, “nós”, como
aqueles em Cristo que se achegam diante de Deus de uma ma-
neira diferente — pela fé, não pela as obras da lei.

A promessa de segurança de Deus


O Novo Testamento está cheio de evidências de que não
podemos perder a salvação. Jesus disse que a nova vida que
temos é eterna, não temporal, e nunca morreremos (Lc
Você pode decair da graça e perder a sua salvação? 73

20.36). Ele disse que ninguém pode arrebatar-nos da sua


mão (Jo 10.28-29). João nos diz que podemos saber que
temos a vida eterna com certeza (1 Jo 5.13). Não precisamos
nos perguntar. Paulo nos diz que fomos selados com o Es-
pírito Santo (Ef 1.13-14) e que nosso chamado nunca será
revogado (Rm 11.29). Deus nunca nos deixará e nunca nos
abandonará (Hb 13.5). Somos guardados pelo seu poder (1
Pe 1.5). Deus é capaz de nos salvar completamente porque
Ele sempre vive para interceder por nós (Hb 7.25). É por
isso que Jesus pode dizer com tanta confiança que de todos
que o Pai deu a Ele, nenhum se perderá (Jo 6.39).
O Novo Testamento está cheio de evidências de que não po-
demos perder a nossa salvação.
Não é a nossa promessa a Deus que nos assegura. Não é a
nossa dedicação, o nosso compromisso ou o nosso cumpri-
mento da promessa que mantém a nossa salvação. O livro de
Hebreus revela radicalmente que é o oposto disso. É a promessa
de Deus a si mesmo que garante a nossa salvação (Hb 6.13-20).
O autor de Hebreus fala da promessa assegurada entre “duas
pessoas imutáveis” que ancoram a nossa alma. Quais são essas
duas pessoas imutáveis? Deus e Deus.
Por isso, Deus, quando quis mostrar mais firmemente aos
herdeiros da promessa a imutabilidade do seu propósito, se
interpôs com juramento, para que, mediante duas coisas
imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, forte
alento tenhamos nós que já corremos para o refúgio, a
fim de lançar mão da esperança proposta; a qual temos
por âncora da alma, segura e firme e que penetra além
do véu. (Hb 6.17-19)
74 A simplicidade so evangelho

É impossível Deus mentir. Então, quando Deus promete a


Deus, você pode contar com isso.
E esse é o ponto principal. Nossa salvação está ancorada em
uma promessa que Deus fez a si mesmo:
Visto que não tinha ninguém superior por quem jurar,
jurou por si mesmo. (Hb 6.13b)

Deus não negará a si mesmo nem a você


Algumas das nossas perguntas mais comuns e persistentes
estão relacionadas à perda da salvação: “Mas e se eu cometer
suicídio?”, “Mas e se eu me divorciar?”, “Mas e se eu cometer o
mesmo pecado repetidas vezes?”.
Estas quatro palavras nos incomodam: mas e se eu. Contudo,
Deus já previu nossas preocupações.
Ele lidou com elas inteiramente por meio da Nova Aliança,
ancorando-nos a uma promessa que Ele fez a si mesmo. Não
mantemos ou sustentamos nenhuma parte da promessa de Deus
a si mesmo. Como crentes que estão para sempre em Cristo, a
pergunta “Mas e se eu...?” não precisa nos atormentar.
Em vez de perguntar: “Mas e se eu...?”, precisamos perguntar:
“Mas e se Deus...?”. Deus fez exatamente o que precisava fazer
para nos guardar para sempre. Ele prometeu a si mesmo que
nunca nos deixaria:
Se somos infiéis, ele permanece fiel, pois de maneira ne-
nhuma pode negar-se a si mesmo. (2 Tm 2.13)

Deus colocou o seu Espírito em nós. Ele não pode negar a si


mesmo. Então, Ele não nos negará! Isso tudo foi parte do plano
Você pode decair da graça e perder a sua salvação? 75

perfeito de Deus para nos assegurar para sempre em Jesus. E é


essa segurança em Jesus que nos inspira e motiva. A graça de
Deus, e não o temor de Deus, nos leva a depender d’Ele e viver
retamente (Tt 2.11-12).
76 A simplicidade so evangelho
CAPÍTULO

Deus pode apagar o meu


nome do Livro da Vida ou
pode me vomitar da sua boca?

O vencedor será assim vestido de vestiduras brancas, e de


modo nenhum apagarei o seu nome do Livro da Vida;
pelo contrário, confessarei o seu nome diante de meu Pai
e diante dos seus anjos. (Ap 3.5)

Assim, porque és morno e nem és quente nem frio, estou a


ponto de vomitar-te da minha boca. (Ap 3.16)

D
eus removerá o nome de alguns crentes do Livro da
Vida? Não. Apocalipse 3, na verdade, diz o contrário. É
uma passagem destinada a confortar aqueles que estão
em Cristo. O Senhor está fazendo uma afirmação de segurança,
e não uma ameaça.
78 A simplicidade so evangelho

Os que vencem estão vestidos com vestes brancas e o seu nome


não é apagado do Livro da Vida. Além disso, Jesus confessa o
nome deles diante do Pai.
Mas como vencemos? Afinal, todo o conforto dessa passagem
depende da condição de sermos vencedores. Então, como isso
é feito? Recebemos a resposta pelo mesmo autor e o mesmo
livro da Bíblia:
Então, ouvi grande voz do céu, proclamando: Agora, veio
a salvação, o poder, o reino do nosso Deus e a autoridade
do seu Cristo, pois foi expulso o acusador de nossos irmãos,
o mesmo que os acusa de dia e de noite, diante do nosso
Deus. Eles, pois, o venceram por causa do sangue do Cor-
deiro e por causa da palavra do testemunho que deram e,
mesmo em face da morte, não amaram a própria vida.
(Ap 12.10-11)

Como eles venceram? Eles venceram não pelo esforço huma-


no ou pelas suas obras religiosas, mas pelo sangue do Cordeiro e
pela palavra do seu testemunho. Em suma, eles creram na pessoa
e obra de Jesus Cristo.
O texto prossegue dizendo que eles não amaram a sua antiga
vida (morte espiritual em Adão). Eles a trocaram por uma nova
vida em Cristo. Se você é uma nova criação, isso também se aplica
a você. Você será sempre um vencedor por causa do sangue de
Jesus Cristo. E você sempre vai vencer porque o seu testemunho
inclui a fé que o salva em Cristo, que resultou na morte de sua
antiga vida e em uma vida totalmente nova em Cristo.
Porque você é um vencedor por intermédio de Jesus, seu
nome nunca será apagado do Livro da Vida. A vida eterna é
verdadeiramente eterna, e Jesus confessará o seu nome diante
Deus pode apagar o meu nome do Livro da Vida ou pode me vomitar da sua boca? 79

do Pai. Essa passagem não é uma ameaça, mas é cheia de con-


forto e segurança. Todo o objetivo da passagem é dizer que nós
crentes nunca seremos excluídos do Livro da Vida — nosso
Pai não faria isso com os seus próprios filhos. Essa é a verdade
que nos liberta! Essa passagem não é ameaçadora: é cheia de
conforto e segurança.

Vomitar você?
Assim, porque és morno e nem és quente nem frio, estou a
ponto de vomitar-te da minha boca. (Ap 3.16)

Acabamos de ver que Deus nunca apagará o nosso nome do


Livro da Vida. Mas e se, por causa da nossa falta de comprome-
timento, “perdemos o calor” ou até esfriamos em nossa espiri-
tualidade? Podemos acabar sendo vomitados da boca de Deus?
É isso que Apocalipse 3.14-22 está dizendo? Não. Primeiro,
observe nessa passagem que o problema é ser morno em vez de
frio ou quente. Sim, tanto frio quanto quente servem. Portanto,
essa passagem não é realmente sobre os perigos de ser frio. Aqui,
ser frio (ou quente) é uma coisa boa.
Água gelada é o que desejamos em um dia quente de verão.
Pegamos aquela bebida gelada porque a frieza tem um propósito
importante para hidratar ou refrescar. De forma similar, quando
está frio, tomamos um café, um chocolate quente ou um chá.
Aqui em Apocalipse 3, o objetivo é servir a um propósito, seja
ele ser frio ou ser quente. Afinal, para que serve a água morna?
Não esfria você quando está calor lá fora, nem esquenta você
quando está congelando.
80 A simplicidade so evangelho

Portanto, essa passagem não é sobre permanecer “quente” ou


“em chamas” para o Senhor, como alguns afirmam, e nem sobre
perder a nossa salvação. Em vez disso, trata-se de encontrar pro-
pósito e foco em Cristo. É sobre buscar algo que valha a pena na
vida. Que desperdício é ter Cristo vivendo em nós por décadas
a fio sem que a manifestação da sua vida e do seu amor torne-se
o nosso propósito e o nosso significado.

A geografia importa
O significado dessa passagem era muito claro para o povo de
Laodiceia, uma cidade num contexto muito específico.
Sua localização geográfica era interessante. Logo ao norte,
ficavam as fontes termais de Hierápolis. Ao sul deles, estavam
as fontes frias da cidade de Colossos. Mas Laodiceia não tinha
fontes. Na verdade, Laodiceia quase não tinha água para abas-
tecimento, então eles tinham que canalizá-la. Claro, a água
pode ter saído quente em Hierápolis, mas, quando chegava a
Laodiceia, estava morna. Por outro lado, a água em Colossos
pode ter saído fria, mas, quando chegava a Laodiceia, também
estava morna.
Deus usou essa imagem geográfica para mostrar à igreja de
Laodiceia que eles tinham uma séria falta de foco. Eles não eram
nem quentes nem frios, pois não serviam ao propósito para o
qual Deus os havia chamado.
Então, porque não eram nem quentes como a água de Hie-
rápolis, nem frios como a água de Colossos, Deus iria cuspi-los
de sua boca? Deus está dizendo que eles não servem para nada e
devem ser cuspidos assim como cuspiríamos água morna. Ainda
assim, não há nenhuma Escritura indicando que os crentes estão
Deus pode apagar o meu nome do Livro da Vida ou pode me vomitar da sua boca? 81

todos “na boca de Deus”. Em outras palavras, não há nenhuma


passagem onde a salvação seja equiparada com estar na boca de
Deus. Portanto, não há precedentes para pensar que ser cuspido
é sinônimo de perda da salvação. Essa passagem é simplesmente
sobre perda de propósito, não perda da salvação.

E muitos eram incrédulos


Muitos dos laodicenses sequer conheciam Jesus Cristo como
Salvador, embora estivessem frequentando a igreja. É por isso
que Deus chama alguns deles de “miseráveis”, “pobres”, “cegos”
e “nus” (v. 17). É por isso que Ele diz que eles precisam investir
nas riquezas espirituais que Jesus tem para dar-lhes (v. 18). É por
isso que Ele lhes diz “vistam-se” e “para que a vergonha da sua
nudez não seja vista” (v. 18).
Aqueles de nós que estão em Cristo não são espiritualmente
pobres, cegos ou nus. Temos riquezas espirituais em Cristo Je-
sus (Ef 1.3,18). Já nos vestimos de Cristo (Gl 3.27). Contudo,
muitos desses laodicenses eram espiritualmente pobres, cegos e
nus. Eles não haviam sido revestidos da justiça de Cristo. É por
isso que a passagem continua dizendo:
Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz
e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e
ele, comigo. (Ap 3.20)

Essa passagem é frequentemente usada hoje como um apelo


evangelístico, e com razão. Em seu contexto, pretendia alertar os
“mornos” laodicenses, porque muitos ainda não haviam aberto
a porta do seu coração a Cristo para serem salvos. Portanto, não
devemos perder de vista o lado evangelístico dessa passagem.
82 A simplicidade so evangelho

Seguro em seus braços


Deus nunca nos apagará do Livro da Vida e nunca re-
vogará a nossa salvação. Nada pode nos separar do amor de
Deus (Rm 8.38). E estamos seguros nos braços de nosso Pai
Celestial para sempre.
CAPÍTULO

10

Um crente pode perder a sua


fé e se perder?

Para apresentar-vos perante ele santos, inculpáveis e irre-


preensíveis, se é que permaneceis na fé, alicerçados e firmes,
não vos deixando afastar da esperança do evangelho que
ouvistes e que foi pregado a toda criatura debaixo do céu,
e do qual eu, Paulo, me tornei ministro. (Cl 1.22b-23a)

Por ele também sois salvos, se retiverdes a palavra tal


como vo-la preguei, a menos que tenhais crido em vão.
(1 Co 15.2)

S
em o contexto adequado, essas passagens que falam so-
bre “permanecer na fé” podem causar medo na mente
de um crente. Imaginamos que Paulo esteja se referindo
à vida do crente após receber a Cristo ou talvez dizendo que
devemos continuar ou segurar firmemente em Deus para per-
manecermos salvos.
84 A simplicidade so evangelho

Contudo, graças a muitos outros versículos do Novo Testa-


mento, sabemos que isso não é verdade. Em Hebreus 13.5, somos
informados de que Deus nunca nos deixará nem nos abandonará.
João 10.28 nos assegura que ninguém nos arrebatará da sua mão.
Sabemos que nada nos separa do amor de Deus (Rm 8.39), e que
Jesus é capaz de nos salvar completamente porque Ele sempre
vive para interceder por nós (Hb 7.25).
Com essas verdades essenciais em mente, o que Paulo quer
dizer quando exorta os colossenses a “permanecer” (Cl 1.23) e
quando instrui os coríntios a “reter a palavra” (1 Co 15.2)?

Permanecer na fé e reter a palavra


Quando lemos a Bíblia, inevitavelmente tendemos a trazer
para a mesa uma abordagem moderna. Então, nossa perspectiva
pode diferir dramaticamente de como a igreja primitiva pensava
ao ler o Novo Testamento. Um bom exemplo é o conceito de
“oração do pecador”, acompanhada pela suposição de que há
sempre um único momento memorável e definidor de salvação
para todos que chegam à fé em Cristo.
A ideia da oração de um pecador tem apenas cerca de duzentos
anos. Ela não é encontrada na Bíblia, mas acredita-se que tenha se
originado com os reavivamentos de tendas. As pessoas andavam
pelos corredores e repetiam uma oração sugerida pelo pregador
no palco. Depois que eles repetiam essas palavras, o pregador
declarava que eles haviam nascido de novo.
A “oração do pecador” é uma forma útil de expressar o nosso
desejo sincero de invocar o nome do Senhor para ser salvo. En-
tretanto, devemos lembrar que Deus ouve o nosso coração, não
apenas as nossas palavras. Quando se trata da salvação, é a nossa
Um crente pode perder a sua fé e se perder? 85

fé — e não apenas as nossas palavras — que mais importa para


Ele. Para algumas pessoas, esse momento de fé pode surgir repen-
tinamente. Para outros, porém, a salvação pode ser um processo
de ser exposto à verdade e crer nela ao longo do tempo. Podemos
não nos lembrar do dia ou da hora em que nascemos de novo. A
experiência do novo nascimento nem sempre inclui uma expe-
riência consciente de um “momento” de mudança. Pode ser um
período de tempo durante o qual alguém gradualmente passa a
crer. Sabemos simplesmente que, em algum momento ao longo
do caminho em nossa exposição à mensagem do evangelho, o
Espírito de Deus veio habitar dentro de nós.
Isso nos ajuda a compreender a perspectiva da igreja primi-
tiva para a qual Paulo estava escrevendo. Lá havia todos os tipos
de pessoas na vida da igreja naquela época: aqueles que criam,
aqueles que estavam nos estágios iniciais de conhecer a verdade e
alguns que haviam “provado” o evangelho, mas ainda não tinham
comido toda a refeição.
É falando a esses dois últimos grupos que Paulo diz: “[...]
se de fato permanecerdes na fé alicerçados e firmes, não vos
desviando da esperança do evangelho que ouvistes” (Cl 1.23).
Eles ouviram a mensagem até certo ponto, mas nem todos
mudaram depois disso. O evangelho lhes foi proclamado, mas
não foi recebido por todos eles. Alguns estavam até começan-
do a afastar-se. É por isso que Paulo os exorta a permanecer
centrados no evangelho e a não se desviar dele, porque não há
esperança em outro lugar.
Embora alguns já tivessem nascido de novo, outros estavam
a caminho do novo nascimento. No momento em que Paulo
dirige-se aos colossenses, alguns talvez tinham ouvido o evangelho
86 A simplicidade so evangelho

apenas uma vez; outros, muitas vezes; e outros ainda já haviam


recebido centenas de horas de ensino da verdade. Cada um deles
estava num estágio espiritual diferente, e Paulo não tinha como
saber em qual nível cada um estava espiritualmente. Como ape-
lo evangelístico, ele os exortou a continuar ouvindo, crendo e
apegando-se firmemente à verdade. Paulo sabia que, se continu-
assem, chegariam ao novo nascimento em algum ponto.
Nem a passagem “continuai” (Cl 1.22-23) ou “permanecei
firmes” (1 Co 15.2) é sobre os crentes estarem em risco de perder
a salvação. Em vez disso, tratam do processo da própria salvação,
que envolve diferentes quantidades de tempo e verdade para
cada indivíduo. A salvação é uma jornada progressiva de dife-
rentes comprimentos para receber o Espírito “ouvindo com fé”
(Gl 3.2). Em algum lugar ao longo do caminho, ocorre o novo
nascimento. Se reconhecermos a salvação como um processo ao
longo do tempo para muitos na era da igreja primitiva, então
passagens como essas fazem muito mais sentido.

Deus faz com que os crentes permaneçam


O ponto principal é este: não se trata de nós, das nossas pro-
messas ou da nossa capacidade de “continuar” ou de “manter-
-nos firmes”.
A nossa salvação não é assegurada pela nossa capacidade de
manter a fé em Deus. Lembre-se de que a Nova Aliança não é
uma aliança entre nós e Deus. Não, é uma aliança que Deus fez
consigo mesmo (Hb 6.17-19). Sob essa Nova Aliança, nossa
salvação é assegurada por Deus de um lado e Deus do outro.
Somos beneficiários de um pacto que não iniciamos e que não
Um crente pode perder a sua fé e se perder? 87

mantemos ou sustentamos. Portanto, Deus é quem garante que


continuemos n’Ele.
Não precisamos ser nossa própria âncora ou estabilidade.
Deus é nossa âncora. Deus é nossa estabilidade. Deus é nossa
esperança. Permanecemos salvos porque está dentro de nós o
poder de uma vida indestrutível (Hb 7.16), a vida de Jesus. 2
Timóteo 2.13 nos lembra de que Ele nunca negará a si mesmo.
E, porque Ele vive em nós, Ele nunca nos negará. Essa é a beleza
da Nova Aliança. Jesus Cristo é o fiador (Hb 7.22). É por isso
que podemos dizer com confiança: “Serei salvo enquanto Jesus
viver!” (veja Hebreus 7.25).
88 A simplicidade so evangelho
CAPÍTULO

11

Deus perdoa você aos


poucos, cada vez que
você peca?

Porque, com uma única oferta, aperfeiçoou para sempre


quantos estão sendo santificados. (Hb 10.14)

S
omos perdoados aos poucos, em parcelas, à medida que
pedimos perdão a Deus? Embora isso seja uma perspectiva
religiosa popular, não é realmente a verdade do evangelho.
As Escrituras são claras: somos perdoados de uma vez por todas
de todos os pecados.
Todavia, não é assim que funciona o perdão nos relaciona-
mentos humanos. Normalmente, devemos pedir desculpas um
ao outro, pedir perdão. Observe, no entanto, que, em nosso re-
lacionamento natural com as pessoas, não há sangue derramado
pelos pecados. Você não morreu pelos meus pecados, e eu não
90 A simplicidade so evangelho

morri pelos seus. Mas com Deus tudo é radicalmente diferente.


Então, para apreciar o nosso perdão completo e definitivo, de-
vemos reconhecer a economia de Deus baseada no sangue para
os pecados.
Na economia de Deus, só há uma coisa que traz perdão. E
não é um pedido de desculpas, ou uma confissão: é o sangue.
Somente o sacrifício de sangue traz perdão (Hb 9.22). Jesus der-
ramou o seu sangue apenas uma vez. Ele nunca mais derramará
o seu sangue. Por que não? Porque funcionou da primeira vez!
Portanto, fomos perdoados de uma vez por todas de todos os
nossos pecados. Isso aconteceu quando Jesus disse: “Está consu-
mado” (Jo 19.30). Estamos tão perdoados agora como sempre
estaremos!

Perdoado para sempre


O perdão que recebemos de Deus não é um trabalho em an-
damento, mas algo verdadeiramente concluído:
[Jesus] não tem necessidade, como os sumos sacerdotes, de
oferecer todos os dias sacrifícios, primeiro, por seus próprios
pecados, depois, pelos do povo; porque fez isto uma vez por
todas, quando a si mesmo se ofereceu. (Hb 7.27)

Porque Jesus não está no céu morrendo repetidamente, não


estamos aqui na terra sendo perdoados repetidamente (Hb 9.25-
29). Sob a Antiga Aliança, os sacrifícios eram oferecidos dia a
dia. Sob a Nova Aliança, um sacrifício perfeito foi feito uma vez.
Portanto, não estamos sendo perdoados dia após dia, pecado por
pecado. Não, Deus perdoou todos os nossos pecados, uma vez:
Porque, com uma única oferta, aperfeiçoou para sempre
quantos estão sendo santificados. (Hb 10.14)
Deus perdoa você aos poucos, cada vez que você peca? 91

Pelo sacrifício único de Jesus na cruz, fomos perfeitamente


perdoados para sempre. Novamente, isso é não é como o nosso
sistema baseado em pedir desculpas nas relações humanas. No
perdão humano, nós perdoamos a alguém quando ele aparece à
nossa porta com um pedido de desculpas nos lábios, tristeza no
coração e algumas lágrimas nos olhos. Olhamos para as palavras
em nossos relacionamentos humanos. Mas Deus olha para o
sangue em sua economia.

Perdão de uma vez por todas


No Antigo Testamento, o sangue de touros e bodes não tirava
pecados (Hb 10.4,11).
Esses sacrifícios eram apenas uma sombra do sacrifício vin-
douro de Cristo e, de certa forma, serviram como lembrete anual
dos pecados (Hb 10.3). Então, o que Jesus Cristo fez na cruz
nunca havia sido feito antes. Ele veio para tirar completamente
os pecados por meio de um sacrifício perfeito. É por isso que
João Batista ficou tão exultante quando exclamou: “Eis o Cor-
deiro de Deus que tira o pecado do mundo!” (Jo 1.29). A ideia
de que os pecados passados, presentes e futuros poderiam ser
completamente eliminados foi algo que os judeus nunca expe-
rimentaram sob a lei.
Os católicos acreditam que estão sendo perdoados progres-
sivamente, ao longo do tempo, à medida que confessam e vão à
missa. A maior parte dos protestantes acreditam que estão sen-
do perdoados, aos poucos, à medida que pedem a Deus perdão
continuamente. Mas aqui está a verdade: qualquer sistema, seja
católico, seja protestante ou qualquer outro, que não leva em
conta o perdão de uma vez por todas e a purificação dos crentes
92 A simplicidade so evangelho

que já temos em Jesus Cristo é intrinsecamente falho. Sim,


qualquer sistema para obter progressivamente mais o perdão e a
purificação ignoram o sacrifício definitivo de Jesus.
Se aceitarmos tal sistema, estaremos essencialmente dizendo
que o sangue de Jesus é menos poderoso do que o sangue de
animais no Antigo Testamento. Pense nisto: um judeu do Antigo
Testamento ia ao Dia da Expiação uma vez por ano — e tinha
365 dias de pecados cobertos em um único momento.
Agora, se acreditamos que o sangue de Jesus só proporciona
perdão um dia de cada vez, o que estamos fazendo? O que esta-
mos dizendo sobre o Cordeiro de Deus? O sangue de Cristo não
é mais poderoso do que o sangue dos animais? Claro que é! E é
precisamente por isso que podemos crer que o sacrifício de Jesus
nos proporciona perdão e purificação “de uma vez por todas” (Hb
7.27; 10.10; 1 Pe 3.18). Os crentes não estão sendo perdoados
progressivamente. Somos pessoas totalmente perdoadas!

Imagine o oposto
Considere as consequências se o oposto fosse verdadeiro.
Imagine se você fosse perdoado pecado por pecado, diariamente,
enquanto confessa cada um ou pede perdão por cada um. Como
você poderia se lembrar de todos os seus pecados? E se você es-
quecer um pecado? E se você deixar um de fora? E se você morrer
com pecados não confessados em sua vida?
A verdade é que você cometeu milhões de pecados, mas pro-
vavelmente confessou apenas milhares. Isso significa que milhões
de seus pecados não foram confessados. Então, eles não são per-
doados? “Deus não se preocupa com aqueles que eu esqueci”,
poderíamos pensar. Se esquecermos, Deus esquece? Que tipo
Deus perdoa você aos poucos, cada vez que você peca? 93

de teologia é essa? Se isso fosse verdade, a amnésia seria a maior


bênção que poderíamos receber!
Jesus Cristo é o hilasterion (propiciação) pelos nossos pecados.
Isso significa que Jesus é o sacrifício completamente satisfatório.
Então, se o Deus do Universo está completamente satisfeito
com Jesus removendo os nossos pecados, não deveríamos estar
plenamente satisfeitos também?

Está consumado
Deus removeu nossos pecados tanto quanto o Oriente está
distante do Ocidente (Sl 103.12). Ele não se lembra mais dos
nossos pecados (Hb 8.12; 10.17). É por isso que, em todo o
Novo Testamento, vemos o nosso perdão expresso no passado:
Antes, sede uns para com os outros benignos, compassivos,
perdoando-vos uns aos outros, como também Deus, em
Cristo, vos perdoou. (Ef 4.32)

E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões


e pela incircuncisão da vossa carne, vos deu vida junta-
mente com ele, perdoando todos os nossos delitos. (Cl 2.13)

Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente,


caso alguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim
como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós.
(Cl 3.13)

Filhinhos, eu vos escrevo, porque os vossos pecados são


perdoados, por causa do seu nome. (1 Jo 2.12)

Esses textos dizem-nos que Deus nos “perdoou” e que nossos


pecados foram “perdoados”. Para entender isso melhor, conside-
re a seguinte pergunta: Quantos dos seus pecados estavam no
94 A simplicidade so evangelho

futuro quando Cristo morreu? Todos eles, certo? Sim. Então,


Deus olhou para a linha do tempo dos seus pecados — passado,
presente e futuro — e levou todos embora de uma vez. Deus não
fez distinção sobre o tempo de ocorrência.
Mas talvez você tenha aprendido que Deus o perdoou até o
dia da sua salvação. Depois disso, cabe a você manter “contas
acertadas” com Deus para permanecer perdoado e purificado
no futuro.
Isso não é verdade. Imagine se fosse! O sangue de Jesus perde
o seu poder no momento em que recebemos Cristo? O perdão de
Deus diminuiu após a salvação? Claro que não! Sob essa lógica, a
melhor abordagem seria esperar até seu leito de morte para rece-
ber a Cristo. Dessa forma, você não precisaria preocupar-se com
quaisquer pecados esquecidos, não confessados e não perdoados.
Além disso, considere como compartilhamos o evangelho
com os incrédulos. Dizemos-lhes que eles precisam se lembrar de
todos os pecados que já cometeram? Pedimos-lhes que nomeiem
esses pecados e confessem cada um? Em nossa evangelização dos
perdidos, pedimos uma contagem dos pecados antes que eles
possam ser salvos? Não.
Nós simplesmente dizemos a eles que Jesus morreu por todos
os seus pecados para que eles pudessem ser totalmente perdoados
de todos eles.
Essa verdade muda após a salvação? Uma vez que eles recebam
a Cristo, deveríamos dizer-lhes que o sangue de Jesus é agora me-
nos poderoso do que era antes de sua conversão? Claro que não!
Não deveríamos crer nesse ensino tolo. A verdade é que, com
uma única oferta, Jesus aperfeiçoou para sempre quantos estão
Deus perdoa você aos poucos, cada vez que você peca? 95

sendo santificados (Hb 10.14). Essa realidade poderosa não se


torna menos verdade ao longo da nossa vida.

O que fazer? Agradeça, mude, confie


A expressão “pedir perdão” não é encontrada em nenhuma das
cartas do Novo Testamento. Por que pediríamos a Deus que faça
o que Ele já fez? Em vez disso, devemos agradecer a Deus pela
obra consumada do Senhor na cruz. Nós rejeitamos o pecado de
forma que ele não reine em nossa vida (Rm 6.12). E confiamos
em Deus para obter sabedoria e novas maneiras de pensar e agir
(Tg 1.5). Contudo, no que diz respeito ao nosso perdão, ele re-
almente está consumado (Jo 19.30).
Como crentes, somos totalmente perdoados de todos os
nossos pecados — passados, presentes e futuros. Mas o pecado
é detestável, e nosso novo coração odeia o pecado (Rm 6.17).
Naturalmente desejamos experimentar algo maior, a expressão
de Jesus. Tristeza segundo Deus, arrependimento (afastamento
do pecado) e um desejo de “estar em paz com todos os homens”
(Rm 12.18) são respostas saudáveis para nós (2 Co 7.10). Mas
eles não nos tornam mais perdoados do que já somos.
Muitos confundem arrependimento com pedido de perdão.
No entanto, abandonar (arrependimento) o pecado não é a mes-
ma coisa que pedir a Deus que desça do céu para nos perdoar e nos
purificar de novo e de novo. Não, podemos abandonar o pecado,
mas saber que Deus já nos perdoou. Nós podemos abandonar
o pecado e agradecer a Deus pelo perdão que já possuímos em
Cristo. Arrependimento e pedido de perdão não são a mesma
coisa. E essa mensagem de perdão de uma vez por todas não é
antiarrependimento. É simplesmente pró-cruz.
96 A simplicidade so evangelho

Quem é muito perdoado ama mais


Alguns temem que essa mensagem de perdão total leve a mais
pecados. Eles imaginam que, depois de ouvir e crer no perdão
de uma vez por todas, os cristãos começarão a estabelecer re-
cordes mundiais de pecado. Vamos lembrar que muitos crentes
parecem estar pecando sem entender a mensagem do perdão
total. Então, talvez devêssemos considerar a possibilidade de
que a vontade de Deus, a graça incondicional, oferecerá um
resultado diferente.
Quando questionados se a mensagem do perdão total os
leva a pecar mais, muitos crentes responderão: “Não, eu não.
Eu sei melhor. Eu tenho Cristo vivendo em mim. Não estou
preocupado comigo. Estou apenas preocupado com outras
pessoas que abusam da graça de Deus”. Mas, se confiamos em
Cristo em nós, não deveríamos confiar em Cristo em outras
pessoas também?
Além disso, por que acreditamos que moderar o perdão de
Deus motivará as pessoas? Deus nunca nos motiva ao negar o seu
perdão. Essa seria uma motivação movida pelo medo.
A mensagem do evangelho é o oposto. Deus perdoou todos
os nossos pecados, e nosso estado perdoado é uma inspiração
para pensar e agir de novas maneiras que se ajustem a quem
somos como santos purificados: “Pois aquele a quem estas coisas
não estão presentes é cego, vendo só o que está perto, esquecido
da purificação dos seus pecados de outrora” (2 Pe 1.9).
O evangelho informa-nos que “a graça de Deus se manifestou
salvadora a todos os homens, educando-nos para que, renegadas
a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século,
Deus perdoa você aos poucos, cada vez que você peca? 97

sensata, justa e piedosamente” (Tt 2.11-12). E “aquele a quem


pouco é perdoado pouco ama” (Lc 7.47).
A graça de Deus nos instrui a negar o pecado e a viver re-
tamente. Os crentes que sabem que foram muito perdoados
amarão muito. Então, se simplesmente aceitarmos a palavra de
Deus em relação ao nosso perdão total, Ele nos guiará a uma
bela e nova experiência de negar o pecado e amar os outros.
98 A simplicidade so evangelho
CAPÍTULO

12

Você precisa confessar cada


pecado para ser perdoado e
purificado por Deus?

Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos


perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. (1 Jo 1.9)

S
erá que 1 João 1.9 altera a mensagem do perdão total?
Pode parecer que essa passagem está dizendo que, se um
crente não confessar todo e qualquer pecado, ele não será
perdoado e purificado por Deus. Se fosse esse o caso, o que acon-
teceria se nos esquecêssemos de confessar apenas um pecado? Nós
iríamos ao julgamento final confiando em nossa memória e em
nossa capacidade de confessá-los todos?
Há um problema gritante com essa interpretação. Para acre-
ditar, precisamos jogar fora todas as outras passagens do Novo
Testamento sobre o perdão “de uma vez por todas”.
100 A simplicidade so evangelho

A teoria do perdão em dois níveis


A má interpretação de 1 João 1.9 causa confusão e ansiedade
no corpo de Cristo. Muitos veem o versículo como uma “barra
de sabão” espiritual para a limpeza diária dos pecados. No en-
tanto, nenhum outro verso em qualquer das epístolas do Novo
Testamento parece sugerir, mesmo remotamente, que a confis-
são contínua do pecado é uma condição dada para que Deus
possa nos perdoar. Então, o que está acontecendo com 1 João
1.9? Antes de responder a essa pergunta, quero que você esteja
ciente de uma “solução alternativa” muito popular que muitos
empregam para conciliar 1 João 1.9 com o resto das passagens
do Novo Testamento sobre o perdão total do crente.
O texto de 1 João 1.9 é muitas vezes tirado do contexto para
apoiar uma crença errônea em um sistema de duas camadas do
perdão. É mais ou menos assim:

™ Somos totalmente perdoados de todos os pecados posi-


cionais, mas não realmente.

™ Somos completamente perdoados, de uma vez por todas,


judicialmente, mas não relacionalmente.

™ Somos totalmente perdoados e purificados do ponto de


vista forense, mas não experimentalmente.

™ Nossos pecados são perdoados e removidos para sempre


na contabilidade celestial de Deus, mas não na realidade.
Sob esse sistema de crenças falho, estamos totalmente per-
doados em algum sentido distante, mas não aqui e agora, onde
isso importa. Portanto, precisamos nos “apropriar” de 1 João 1.9
para “tornar real em nossa experiência o que já é verdade para nós
Você precisa confessar cada pecado para ser perdoado e purificado por Deus? 101

posicionalmente. Devemos trazer à mente cada pecado recente,


confessar cada pecado, pedir perdão por cada pecado e então ser
restaurados a um “estado experimentalmente perdoado e purifi-
cado” até que o próximo pecado ocorra. Além disso, se um crente
tem algum pecado não confessado, ele está “fora da comunhão”
com Deus. E suas orações podem ser impedidas de chegar a Deus
até que utilizem 1 João 1.9 para remover o bloqueio do pecado.

A verdade sobre 1 João 1.9


Será que Deus pretende que 1 João 1.9 seja uma barra de
sabão espiritual? Somos perdoados apenas no sentido celestial,
mas não aqui na terra, onde isso realmente importa? Claro que
não! Isso tornaria o sangue de Cristo menos poderoso do que o
sangue dos animais.
Lembre-se de que os judeus sentiam alívio real (experimental)
dos seus pecados após o Dia da Expiação. O alívio que sentiam
não era meramente “posicional”, ou “judicial”, ou “forense”.
Eles se sentiam melhor, no mundo real, porque o sangue de
touros e cabras foi derramado para expiar um ano dos seus pe-
cados. Quanto mais o sangue de Jesus Cristo nos dá alívio real
de nossos pecados, de uma vez por todas (Hb 10.10,14; 9.14)?
Então, do que realmente trata 1 João 1.9? Primeiro, observe
o “se” condicional no versículo. Esse “se” transmite que o perdão
de Deus depende inteiramente da confissão mencionada na pas-
sagem. Se fizermos a confissão descrita nessa passagem, seremos
perdoados e purificados “de toda injustiça”. Se não a fizermos, não
estaremos perdoados e purificados “de toda injustiça”. Em suma,
não há como fugir disso. Há uma condição que deve ser cum-
prida para que Deus nos perdoe e nos purifique de todo pecado.
102 A simplicidade so evangelho

Portanto, exatamente a que tipo de confissão João se refere


aqui? Que tipo de confissão é necessária para ser perdoado e pu-
rificado “de toda injustiça”? Não é uma confissão contínua de
cada pecado. Como veremos, trata-se de uma única confissão,
de admitir a própria pecaminosidade e reconhecer a necessidade
de um Salvador. É assim que nós, como seres humanos, somos
perdoados e purificados “de toda injustiça” na salvação.

O contexto do gnosticismo primitivo


O texto de 1 João 1.9 é um apelo evangelístico. Trata-se de
uma única confissão (admissão) de pecaminosidade para ser
salvo. Mas quem no mundo não estaria disposto a admitir sua
própria pecaminosidade?
A resposta curta a essa pergunta são os primeiros gnósticos.
Em 1 João, o apóstolo começa abordando diretamente as duas
primeiras heresias gnósticas de sua época: a falsa ideia de que
Jesus não era físico e a falsa ideia de que o pecado não era real
ou não importava.
É por isso que a carta começa com palavras físicas sobre
as interações dos discípulos com Jesus: ouvido, visto, olhado,
tocado (1 Jo 1.1-3). Essas palavras foram usadas por João para
destacar o fato de Jesus ser físico nesse sentido. João estava
combatendo os primeiros gnósticos aqui, os quais diziam que
Jesus nunca desceria tão baixo a ponto de assumir a forma hu-
mana. Portanto, eles alegaram que Jesus apareceu apenas com
a ilusão de que Ele era físico. Então, João estava esclarecendo
as coisas. Jesus era totalmente divino e totalmente humano.
Qualquer um que afirmasse que Ele não veio em carne não era
de Deus (1 Jo 4.3).
Você precisa confessar cada pecado para ser perdoado e purificado por Deus? 103

A segunda heresia do gnosticismo primitivo era que o pecado


não era real ou não tinha importância. Os gnósticos afirmavam
que, mesmo que o pecado fosse uma realidade, ele só ocorreria
no reino físico, não no espiritual.
Portanto, o pecado não é importante. Como resultado, mui-
tos gnósticos afirmavam não ter pecado (1 Jo 1.8) ou afirmavam
nunca ter pecado (1 Jo 1.10).
Com esse contexto, o significado de 1 João 1.9 é óbvio. João
pretendia que o versículo fosse um apelo evangelístico aos pri-
meiros hereges gnósticos. Ele estava simplesmente exortando-os
a ir para seus sentidos sobre a realidade do pecado. Se eles ad-
mitissem sua pecaminosidade (em vez de negarem isso), então
Deus os perdoaria e os purificaria “de toda injustiça”.
Em outras palavras, João não estava escrevendo sobre um per-
dão progressivo, um pecado de cada vez, distribuído, parcelado.
Não, João estava pensando no mesmo perdão “de uma vez por
todas” que vemos estampado em todo o Novo Testamento. Ele
estava convidando os gnósticos que negavam o pecado a admitir
sua pecaminosidade, receber a Cristo e n’Ele desfrutar de total
perdão e purificação de todos pecados.
Como podemos ter certeza de que o público-alvo de João
em 1 João 1.9 são os incrédulos? Claramente, João apela àque-
les que não tinham “a verdade” neles (1 Jo 1.8) e não tinham
“a palavra de Deus” neles (1 Jo 1.10). É importante notar que
o mesmo apóstolo nos diz que nós crentes temos a verdade em
nós para sempre (2 Jo 1.1-2). Portanto, a audiência de João em
1 João 1.9 são, de fato, os gnósticos negacionistas do pecado.
Eles não eram crentes. Eles nem estavam dispostos a admitir que
alguma vez pecaram. E qual é o primeiro passo para se tornar
104 A simplicidade so evangelho

um crente? Admitir a Deus que somos pecadores e precisamos


de um Salvador.

João realmente se dirige aos incrédulos?


Algumas pessoas têm dificuldade de aceitar a ideia de que
o apóstolo João se dirigiu aos incrédulos algumas vezes em
sua epístola. Entretanto, descobrimos que esse é o caso em
todo o Novo Testamento, como todos os apóstolos (Paulo,
Pedro, Tiago, João e o autor de Hebreus) expressaram às vezes
seu coração evangelístico, apelando para aqueles que ainda
estavam em dúvida sobre Jesus. Não deveria ser surpresa que
o apóstolo João tenha feito isso em sua primeira epístola, es-
pecialmente à luz das heresias infiltrando-se na igreja foi que
ele escreveu em 1 João.
No início de sua epístola, João observa especificamente
que muitos daqueles para quem ele está escrevendo ainda não
tinham comunhão com outros crentes, ou com Deus, o Pai,
ou com Jesus Cristo. Resumidamente, eles não eram regene-
rados, não eram nascidos de Deus, ainda não eram membros
do corpo de Cristo:
O que temos visto e ouvido anunciamos também a vós
outros, para que vós, igualmente, mantenhais comunhão
conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu
Filho, Jesus Cristo. (1 Jo 1.3)

João está se dirigindo a eles para que “também possam ter


comunhão”. Como poderiam esses incrédulos gnósticos que
negavam o pecado passar da morte para a vida? Primeiro, admi-
tindo que Jesus veio em carne; e, segundo, admitindo que eles
têm um problema genuíno de pecado que requer um Salvador.
Você precisa confessar cada pecado para ser perdoado e purificado por Deus? 105

A audiência de João no primeiro capítulo é ainda mais evi-


dente quando ele aborda explicitamente um assunto diferente
a um público diferente no Capítulo 2. João abre seu segundo
capítulo com “Meus filhinhos” (1 Jo 2.1), dirigindo-se direta-
mente aos crentes, e então escreve que nossos pecados “foram
perdoados por causa do seu nome” (1 Jo 2.12). Então, João
descreve o perdão dos crentes no passado e não faz menção
de qualquer condição que precisa ser atendida. Por que não?
Porque todo crente já admitiu sua pecaminosidade e já recebeu
perdão e purificação de toda injustiça. É precisamente assim
que “fomos perdoados” (1 Jo 2.12).

Dentro e fora da comunidade?


Anteriormente, mencionei que 1 João 1.9 é frequentemente
usado como combustível para a afirmação de que os crentes
ficam “entrando e saindo da comunhão com Deus” com base
em seus pecados. Mas o Novo Testamento não nos ensina
que os crentes “entram e saem” da comunhão com base no
desempenho recente.
O uso da palavra “comunhão” no Novo Testamento revela
que ou estamos em comunhão (salvos) ou fora da comunhão
(perdidos). Não há como entrar e sair da comunhão com Deus.
Então, se vamos escolher o pecado, temos que escolher
o pecado enquanto ainda estamos em comunhão com Deus
(unido com Cristo). Talvez seja por isso que pecar não é tão
“divertido” como antes. Agora estamos conscientes dos dese-
jos do nosso novo coração e da presença constante de Cristo
dentro de nós.
106 A simplicidade so evangelho

Nossas orações impedidas?


Os pecados também não impedem Deus de ouvir nossas
orações. Embora essa seja uma ideia popular em alguns ensinos
cristãos, não é realmente a verdade do evangelho. Afinal, como
nossos pecados poderiam impedir Deus de ouvir nossas orações
se Ele tirou nossos pecados e não se lembra mais deles? Talvez
seja simplesmente uma distorção de 1 Pedro 3.7 que tenha le-
vado a essa crença:
Maridos, vós, igualmente, vivei a vida comum do lar,
com discernimento; e, tendo consideração para com a
vossa mulher como parte mais frágil, tratai-a com dig-
nidade, porque sois, juntamente, herdeiros da mesma
graça de vida, para que não se interrompam as vossas
orações. (1 Pe 3.7)

Aqui, Pedro está se referindo ao relacionamento entre mari-


do e mulher. Ele está dizendo que um marido deve honrar sua
esposa e tratá-la com compreensão para que os dois não fiquem
amargurados um com o outro. Se eles são amargos um com o
outro, então suas orações juntos provavelmente serão prejudi-
cadas. Não é provável que um casal constantemente brigando e
brigando ore juntos com frequência. Então, essa passagem não
tem nada a ver com Deus não ouvir nossas orações por causa dos
pecados que cometemos.

A linha divisória de 1 João 1.9


O apóstolo João nunca pretendeu que 1 João 1.9 dissesse que
o perdão de Deus é concedido em parcelas. Nem João (ou qual-
quer apóstolo) comunicou que somos totalmente perdoados em
certo sentido (posicionalmente), mas não em outro (na verdade).
Você precisa confessar cada pecado para ser perdoado e purificado por Deus? 107

Finalmente, não estamos entrando e saindo da comunhão com


Deus, e nossas orações não são impedidas de chegar aos ouvidos
de Deus. Embora esses erros sejam encontrados em alguns en-
sinamentos populares hoje, eles contradizem a evidência bíblica
do perdão total e da união com Cristo.
Na realidade, 1 João 1.9 é um convite ao antigo gnóstico
que negava o pecado para obter perdão e purificação de todos
os pecados. Soa familiar? Não pouco a pouco, mas “de uma vez
por todas” (Hb 10.10,14).
Portanto, 1 João 1.9 não é sobre os crentes sendo progres-
sivamente perdoados à medida que tentam lembrar e confessar
cada pecado. Não, 1 João 1.9 é sobre a purificação de uma vez
por todas “de toda injustiça” que uma pessoa recebe na salvação
(Ef 1.7; Cl 1.14; 2.13).

Somos contra a confissão?


Essa visão contextualizada de 1 João 1.9 significa que, de alguma
forma, somos contra a confissão? Não somos anticonfissão, somos
apenas pró-Calvário. Jesus disse: “Está consumado” (Jo 19.30). Ele
quis dizer isso, somos pessoas completamente perdoadas. Então,
vamos confessar nossos pecados uns aos outros e orar uns pelos
outros (Tg 5.16). Vamos admitir nossa transgressão para com
Deus, afastando-nos do pecado. Todavia, admitir não nos traz
mais perdão e limpeza.
Deus não está descendo do céu para nos perdoar e nos pu-
rificar cada vez que admitimos um erro. Não existe um sistema
contínuo para permanecer perdoado e purificado. Lembre-se de
que, “sem derramamento de sangue, não há perdão” (Hb 9.22).
Jesus derramou o seu sangue uma única vez.
108 A simplicidade so evangelho

Funcionou da primeira vez. Não há necessidade de repeti-


ção. Como resultado, somos verdadeiramente perdoados, de
uma vez por todas!
CAPÍTULO

13

Ananias e Safira eram


salvos?

U
ma das perguntas que me fazem mais frequentemente
é sobre Ananias e Safira. Muitos querem saber como
eles ficaram debaixo de condenação se estamos hoje
debaixo da graça. Alguns enxergam neles uma evidência contra
o ensino do evangelho da graça.
Entretanto, certo homem, chamado Ananias, com sua
mulher Safira, vendeu uma propriedade, mas, em acordo
com sua mulher, reteve parte do preço e, levando o restan-
te, depositou-o aos pés dos apóstolos. Então, disse Pedro:
Ananias, por que encheu Satanás teu coração, para que
mentisses ao Espírito Santo, reservando parte do valor
do campo? Conservando-o, porventura, não seria teu? E,
vendido, não estaria em teu poder? Como, pois, assentaste
no coração este desígnio? Não mentiste aos homens, mas
a Deus. Ouvindo estas palavras, Ananias caiu e expirou,
sobrevindo grande temor a todos os ouvintes. (At 5.1-5)
110 A simplicidade so evangelho

Essa história é realmente assustadora, e ela parece dar apoio


àqueles que ensinam que, quando quebramos a lei, podemos mor-
rer. Isso faz com que muitos irmãos vivam com medo da morte.

Seja livre do medo da morte


Isto, pois, que os filhos têm participação comum de carne
e sangue, destes também ele, igualmente, participou, para
que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da
morte, a saber, o diabo, e livrasse todos que, pelo pavor
da morte, estavam sujeitos à escravidão por toda a vida.
(Hb 2.14-15)

Pela sua morte, o Senhor destruiu aquele que tinha o poder


da morte. Não é que o diabo deixou de existir, mas seu poder
foi anulado pela morte do Senhor na cruz. Toda escravidão é
baseada no medo da morte.
A Palavra de Deus diz claramente que a lei traz a morte. Em
1 Coríntios 3.7-9, diz que a lei é um ministério de condenação
e morte gravado em pedra. Sabendo que a lei produz morte, o
que faz o diabo? Ele procura levar o crente a viver pela lei para,
dessa forma, trazer acusação e condenação. Ele diz ao crente
que, cada vez que faz algo errado, ele deve esperar que algo ruim
aconteça como punição. Por causa disso, as pessoas até mesmo
esperam pela morte.
O poder da morte está na acusação e na condenação. Se
você aceita a condenação, o inimigo ganha espaço e o subjuga
pelo medo. Quando aceita acusação, você entra debaixo do
poder da morte.
Nós vivíamos sujeitos à escravidão por causa do medo da
morte, então hoje precisamos receber uma revelação de Deus
Ananias e Safira eram salvos? 111

que nos livre do medo da morte. É certo que o Senhor Jesus fez
algo para nos libertar. O que Ele fez? Pela sua morte, Ele destruiu
o diabo. A palavra “destruir” aqui não significa aniquilar, mas
significa destituir o diabo do poder que ele tinha.
E ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede
de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça
que procede de Deus, baseada na fé; para o conhecer,
e o poder da sua ressurreição, e a comunhão dos seus
sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte.
(Fp 3.9-10)

A justiça própria é aquela que procede da lei. Quando tenta-


mos produzir a nossa própria justiça pela nossa obediência, esta-
mos agindo baseados na lei. Paulo, porém, diz que ele não tem
justiça própria, mas somente a que é mediante a fé em Cristo, a
justiça que procede de Deus, baseada na fé.
O resultado disso é que podemos conhecer o Senhor e o
poder da sua ressurreição. Por que ainda somos tão pobres no
conhecimento de Cristo? Por que experimentamos tão pouco
do poder da ressurreição? Simplesmente porque a justiça da fé
não tem sido pregada.
Alguns, no entanto, rejeitam o ensino da graça porque se
apoiam no exemplo de Ananias e Safira. Vamos ver se a história
deles realmente se aplica a nós.

Ananias e Safira não eram crentes genuínos


Alguns ficam impressionados com o fato de Ananias e Safi-
ra ofertarem e estarem na igreja. Para essas pessoas, essa é uma
evidência de que eram crentes. Isso, porém, não deveria nos sur-
preender, pois mesmo hoje nem todos os que frequentam nossos
112 A simplicidade so evangelho

cultos são realmente nascidos de novo. Sempre houve incrédulos


no meio de crentes.
Se Ananias era crente, então nós temos um problema, pois ele
caiu morto sem ter a chance de se arrepender. Romanos 8.1 diz
que agora não há mais nenhuma condenação para os que estão
em Cristo, todavia Ananias caiu morto. A única resposta possível
é que Ananias e Safira não eram crentes verdadeiros.
Por que eu ouso afirmar que Ananias e Safira não crentes ver-
dadeiros? Baseado no fato de que, todas as vezes que um crente
é mencionado no livro de Atos, ele é chamado de discípulo ou
homem de Deus. Mas, quando fala de um não convertido, sem-
pre se refere a ele apenas como homem.
Todas as vezes que o livro de Atos se refere a um crente, ele o
chama de discípulo. Mas, quando se refere a um descrente, ele é
chamado apenas de homem. Em Atos 5.1, Ananias é chamado
apenas de homem. Vamos ver algumas provas dessa verdade no
livro de Atos.
Em Atos 9, Deus manda que outro Ananias vá até Paulo, mas
esse Ananias é chamado de discípulo.
Ora, havia em Damasco um discípulo chamado Ananias.
Disse-lhe o Senhor numa visão: Ananias! Ao que respon-
deu: Eis-me aqui, Senhor! (At 9.10)

Em Atos 9, quando se menciona Tabita, diz-se que ela era


uma discípula. Isso mostra que os crentes genuínos são sempre
chamados de discípulo em Atos.
Havia em Jope uma discípula por nome Tabita, nome este
que, traduzido, quer dizer Dorcas; era ela notável pelas
boas obras e esmolas que fazia. (At 9.36)
Ananias e Safira eram salvos? 113

A respeito de Timóteo, a Palavra de Deus diz que ele também


era um discípulo.
Chegou também a Derbe e a Listra. Havia ali um discípulo
chamado Timóteo, filho de uma judia crente, mas de pai
grego. (At 16.1)

Muitos discípulos são mencionados em Atos 21 e até mesmo


um velho discípulo.
E alguns dos discípulos também vieram de Cesareia co-
nosco, trazendo consigo Mnasom, natural de Chipre, velho
discípulo, com quem nos deveríamos hospedar. (At 21.16)

Todavia, quando se trata de pessoas não convertidas, o livro


de Atos sempre se refere a eles meramente como homens. A
respeito de Simão, o mágico, a Escritura o chama simplesmente
de homem.
Ora, havia certo homem, chamado Simão, que ali prati-
cava a mágica, iludindo o povo de Samaria, insinuando
ser ele grande vulto. (At 8.9)

Em Atos 10, Cornélio é chamado de homem, pois ainda não


havia se convertido. Apesar de ser piedoso e dar muitas esmolas,
ele ainda precisava ouvir o evangelho para ser salvo, por isso o
anjo mandou que ele buscasse a Pedro.
Morava em Cesaréia um homem de nome Cornélio, cen-
turião da coorte chamada Italiana. (At 10.1)

Em Listra, havia um homem paralítico. Ele seria salvo depois,


mas, antes de ser salvo, é descrito apenas como um homem.
Em Listra, costumava estar assentado certo homem alei-
jado, paralítico desde o seu nascimento, o qual jamais
pudera andar. (At 14.8)
114 A simplicidade so evangelho

Depois de tudo isso, você pode comprovar, em Atos 5, que,


quando se menciona Ananias e Safira, diz-se que havia um ho-
mem com sua mulher. Nada se diz de serem discípulos ou cheios
do Espírito. Como base nisso, defendemos que eles não eram
mesmo convertidos e a experiência deles não se aplica a nós que
fomos regenerados.

A mistura da lei com a graça


Os nomes na Bíblia têm significado. Veja, por exemplo, Za-
carias e Isabel, pais de João Batista.
O nome Zacarias significa “Deus se lembra”, e o de sua esposa,
Isabel, significa “promessa de Deus” ou “aliança de Deus”. Esse
casal deu à luz um filho chamado João, que significa “Deus é gra-
cioso”. Não é maravilhoso que o Novo Testamento comece com
a história de um “Deus que se lembra” (Zacarias), aliançado com
sua “promessa” (Isabel), para trazer sua graça sobre todo homem?
O nome Ananias tem o mesmo significado de João. A dife-
rença é que, em João (Iohannes), o nome de Deus aparece no
começo e, em Ananias (Ananiah), o nome de Deus aparece no
fim, mas significa o “Senhor é gracioso” ou “graça do Senhor”.
Deus mandou que Ananias, um discípulo, fosse até Paulo,
restaurasse a visão dele e o batizasse. De maneira que a primeira
pessoa que Paulo viu depois de convertido foi a “graça de Deus”,
o significado de Ananias. Foi a graça de Deus que abriu os olhos
de Paulo. É a graça que nos dá luz e revelação da verdade.
No entanto, em Atos 5, temos um Ananias casado com Sa-
fira. O nome Safira se refere à pedra com esse mesmo nome. O
Talmud, livro das tradições judaicas, diz que Deus escreveu a lei
Ananias e Safira eram salvos? 115

em tábuas de safira ou lápis-lazúli. Se é assim, podemos dizer


que Safira representa a lei. Ananias significa a graça de Deus,
ele estava casado com Safira, que simboliza a lei. O resultado da
mistura entre a lei e a graça é a morte.
O que traz morte à vida igreja é a mistura da graça com a lei.
As pessoas acreditam que a graça precisa ser equilibrada com a
lei e, quando acrescentam a lei, o resultado é morte. Talvez hoje
não vejamos muita morte física, mas é possível perceber muitas
igrejas que estão mortas.
Tudo sobre a lei tem a ver com você olhando para si mesmo.
Mas tudo sobre a graça tem a ver com você vendo Jesus.
Você consegue perceber a gravidade da mistura da graça com
a lei? Você não vai encontrar nas igrejas um ensino exclusivo da
lei. Você sempre vai ouvir um ensinamento combinando um
pouco de graça com a lei. Você vai ouvir coisas como: “Você
foi salvo pela graça, mas agora precisa se esforçar para guardar
os mandamentos”. Eles temem que o ensino da graça se torne
desequilibrado, então resolvem balanceá-lo com a lei. Entretan-
to, ao fazerem isso, estão mudando o evangelho e tornando-o
impotente para mudar a vida das pessoas.
Os crentes confessam sempre que foram salvos pela graça de
Deus, no entanto vivem procurando merecer, com suas boas
obras, as bênçãos de Deus. Quando fazem algo bem feito, eles
esperam ser abençoados, mas, quando falham, amontoam cul-
pa sobre si e esperam ser punidos. Foram salvos pela graça, mas
vivem pela lei. Isso é mistura. Deus odeia a mistura.
Evidentemente, não podemos definir uma doutrina baseados
no significado dos nomes, mas certamente eles são uma evidência
116 A simplicidade so evangelho

que não pode ser ignorada. Ananias e Safira são colocados para
nós como exemplo e advertência, mas eles mesmos não eram
crentes genuínos.
CAPÍTULO

14

O perdão do crente é
condicional?

Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também


vosso Pai celeste vos perdoará; se, porém, não perdoardes aos
homens as suas ofensas, tampouco vosso Pai vos perdoará
as vossas ofensas. (Mt 6.14-15)

Por isso, vos declaro: todo pecado e blasfêmia serão perdo-


ados aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não
será perdoada. (Mt 12.31)

Se alguém vir a seu irmão cometer pecado não para morte,


pedirá, e Deus lhe dará vida, aos que não pecam para
morte. Há pecado para morte, e por esse não digo que
rogue. (1 Jo 5.16)

M
uitos de nós estamos familiarizados com a oração do
Pai Nosso. Quando, porém, a recitamos, a maioria de
nós não chega à sua conclusão: se você perdoar aos
118 A simplicidade so evangelho

outros, Deus lhe perdoará; mas, se você não perdoar aos outros,
Deus não vai lhe perdoar.
Esse é um anúncio surpreendentemente condicional sobre o
perdão de Deus. Então, as palavras de Jesus na oração do Pai Nos-
so negam o perdão total conquistado por meio da cruz? Se não
conseguirmos perdoar, isso significa que não somos perdoados
por Deus? E como ficaríamos quando morrermos e enfrentar-
mos o julgamento se tivermos pecados não perdoados quando
“o salário do pecado é a morte” (Rm 6.23)?
Antes de respondermos à pergunta do Pai Nosso, vamos
relembrar a base para Deus perdoar todos os nossos pecados: a
obra consumada de Jesus Cristo na cruz. Deus não esperou que
perdoássemos a outras pessoas primeiro. Ele não prometeu nos
perdoar apenas se fôssemos bons com os outros. Tanto Efésios
4.32 quanto Colossenses 3.13 nos convidam a perdoar porque
Deus já nos perdoou.
O perdão de Deus não se baseia no desempenho do crente.
Não está condicionado à nossa capacidade de perdoar aos outros
primeiro. Não, Deus decidiu perdoar e libertar-nos de qualquer
coisa que devíamos a Ele muito antes de perdoarmos a alguém.
Ao fazer isso, Deus modelou para nós como seria iniciar o
perdão, independentemente do comportamento do destinatário.
Não somos chamados a esperar até que os outros “mereçam” o
nosso perdão antes de nós lhes perdoarmos. Da mesma forma,
Deus não espera que perdoemos adequadamente aos outros antes
de distribuir perdão para nós. Não, Ele perdoou os nossos peca-
dos — de uma vez por todas — para que pudéssemos aprender
a transmitir perdão incondicional àqueles que nos rodeiam.
O perdão do crente é condicional? 119

Não conseguimos fazer trocas com Deus


Se Deus tirou nossos pecados, perdoou-os e não se lembra
mais deles, por que Jesus está dizendo aos seus ouvintes que não
serão perdoados a menos que perdoem aos outros primeiro?
Lembre-se de que essa passagem faz parte do Sermão da
Montanha. Jesus proferiu esse sermão para um público judeu
antes da cruz. Nesse mesmo sermão, Jesus expôs o verdadeiro
espírito da lei, pedindo-lhes que amputassem partes do corpo
em sua luta contra pecado, acertassem-se com os outros antes
de oferecerem seus sacrifícios de animais nos altares e fossem
perfeitos como Deus.
Portanto, o ultimato que Jesus deu aqui em relação ao perdão
não foi diferente. Foi concebido para mostrar às pessoas a futi-
lidade de ganhar o perdão de Deus através do seu desempenho
em perdoar aos outros. Um relacionamento condicional com
Deus é um beco sem saída.
Imagine se ninguém fosse perdoado, a menos que primei-
ro perdoasse a todos. Então, se algum crente morresse mesmo
com uma pitada de falta de perdão para com outra pessoa, ele
encontraria Deus guardando seus pecados contra ele também.
Isso simplesmente não se encaixa em toda a Escritura, a qual
nos assegura que nossos pecados são perdoados e não são mais
levados em consideração (Rm 4.8; Hb 9.28).
O duro ensinamento de Jesus sobre o perdão serviu para expor
o espírito perfeito e impossível da lei. Mas nós crentes vivemos
sob uma nova aliança de graça introduzida na cruz (Hb 9.17; Gl
4.4-5). A cruz significa que fomos perdoados de todos os pecados
— passados, presentes e futuros.
120 A simplicidade so evangelho

Nosso perdão de Deus não depende de perdoarmos aos outros.


Na verdade, é exatamente o oposto. Somos instados a perdoar aos
outros porque Deus já nos perdoou (Ef 4.32; Cl 3.13).

O liberar perdão é um sinal do novo


nascimento
Diferentemente de outros pregadores da graça, vejo aqui o
Senhor nos mostrando que precisamos demonstrar que realmente
nascemos de novo e recebemos a graça perdoando aos outros.
Paulo disse que a base para perdoarmos é que Deus, em
Cristo, nos perdoou. Nós perdoamos porque primeiro fomos
perdoados.
Antes, sede uns para com os outros benignos, compassivos,
perdoando-vos uns aos outros, como também Deus, em
Cristo, vos perdoou. (Ef 4.32)

Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso


alguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim como
o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós. (Cl 3.13)

O Senhor coloca na oração do Pai Nosso uma condição para


demonstrar que nascemos de novo. Não é um tipo de troca com
Deus do tipo “eu perdoei, então agora posso ser perdoado”.
É verdade que o Senhor ensinou essa oração antes da obra
do Calvário e Ele não disse nada sobre orarmos no nome d’Ele
como faz no fim do seu ministério (Jo 16.24). Mesmo assim,
na oração, o Senhor ensina os discípulos a chamar Deus de Pai.
Isso nos mostra claramente que essa oração é para nós que somos
filhos. Somente filhos podem fazer essa oração. Somente os que
estão em Cristo foram feitos filhos de Deus.
O perdão do crente é condicional? 121

O Senhor não diz: “Perdoa as nossas dívidas porque perdoa-


mos aos nossos devedores”. E nem diz: “Perdoa-nos com base no
fato de que perdoamos aos nossos devedores”. Então, não existe
uma troca aqui ou merecimento envolvido.
O que encontramos na oração do Pai Nosso é aquilo que é
ensinado em Mateus 18.23-35, onde lemos a parábola do credor
incompassivo que não se dispôs a perdoar ao seu conservo, em-
bora ele mesmo tivesse sido perdoado pelo seu senhor.
Na parábola, um servo se apresenta para prestar contas diante
do rei. Sua dívida era equivalente a vários bilhões de reais. Não
tendo como pagar, clamou ao rei, que, compadecendo-se dele,
perdoou toda a sua dívida.
Saindo dali, aquele servo encontrou um conservo que lhe devia
mil reais e, agarrando-o, o obrigava a pagar. O conservo fez como
ele diante do rei e pediu misericórdia, mas ele o lançou na prisão.
Vendo isso, seus companheiros ficaram tristes e relataram o
ocorrido ao rei, que mandou chamá-lo e disse-lhe: “Você não
deveria ter se compadecido do seu servo como eu me compade-
ci de você?” E lançou aquele servo na cadeia até que pagasse a
dívida. Veja que a dívida permanecia.
O que você acha que levou aquele servo a tratar o conservo
daquela forma? Creio que foi o pensamento: “O rei me perdoou
porque eu sou bom, mas você não merece perdão”. Aquele servo
presumiu que o perdão do rei era pelo merecimento dele. Isso
significa que não havia recebido pela graça. E só há salvação se
for pela graça.
A atitude daquele servo de não querer perdoar apenas mostra
que ele não cria que o que havia recebido era perdão. Assim, essas
122 A simplicidade so evangelho

palavras de Jesus meramente ensinam que a prova de que você e


eu fomos perdoados é que perdoamos aos outros. Se pensarmos
que os nossos pecados são perdoados por Deus, mas nos recusa-
mos a perdoar ao nosso semelhante, estamos nos enganando a
nós mesmos. Isso prova que jamais entendemos o perdão gracioso
que recebemos. O homem que sabe que foi perdoado em virtude
do sangue derramado por Cristo e nada mais é o indivíduo que
sente a compulsão de perdoar aos outros. Ele não consegue evitar
ou resistir. Recebemos um novo coração e não conseguimos nos
endurecer no ressentimento.
João diz que aquele que odeia seu irmão ainda está em trevas
e nunca viu a Deus (1 Jo 2.9). Quem odeia nunca nasceu de
novo, e creio que a primeira expressão do ódio é o ressentimen-
to. Depois do ressentimento, vem todo tipo de coisa ruim, mas
o ressentimento é a primeira manifestação do ódio. Uma pessoa
que se recusa a perdoar nunca nasceu de novo.
Não estou dizendo que um crente ocasionalmente não fica
ressentido, mas que ele não consegue viver nessa condição e por
isso acaba liberando perdão. Contudo, existem aqueles que se
recusam terminantemente a perdoar. Sobre esses, não se pode
dizer que, de fato, tenham nascido de novo.
Assim, o que o Senhor nos mostra na oração é o crente re-
generado dizendo que realmente crê na graça. Quando penso a
respeito do amor de Deus na cruz, imediatamente abro o meu
coração para perdoar. Eu creio que fui perdoado das minhas dí-
vidas, por isso eu perdoo a todos os meus devedores.
O Senhor não está dizendo que Ele me perdoará como eu
perdoo, mas Ele diz que, se entendo o perdão que recebi, não
vou negar perdão àqueles que me devem.
O perdão do crente é condicional? 123

O amor firme de Jesus


Um dos objetivos do Sermão da Montanha é revelar o ver-
dadeiro padrão da lei, a impotência do homem e a hipocrisia de
todos que presumem ter alguma justiça própria.
Tenho certeza de que os ouvintes mal conseguiam terminar a
oração se percebessem o que estavam dizendo: “Senhor, perdoa-
-me da mesma forma que eu perdoo aos outros”. Aquilo era uma
faca na garganta deles. Creio que esse era o efeito que Jesus que-
ria. Só filhos conseguem fazer essa oração. Se um ímpio faz essa
oração, ele está se condenando, autorizando Deus a mandá-lo
para o inferno, pois ele é escravo da amargura e do ressentimento.
Ele diz: “Deus, eu o autorizo a me tratar como eu trato aqueles
que devem”. Sério isso.
A oração em Mateus 6 expõe a hipocrisia daqueles que são
cheios de justiça própria, que nunca poderão receber o perdão
de Deus por próprio merecimento.
Mas hoje estamos do lado de cá da cruz. E, deste lado da cruz,
você como crente pode dizer com confiança que está perdoado
de todos os seus pecados passados, presentes e futuros.
Você não está perdoado porque perdoou a outras pessoas
primeiro. Você está perdoado porque Cristo morreu por seus
pecados (Rm 5.8).
Deus foi o iniciador e você respondeu. Ele cancelou sua dí-
vida. Agora, você perdoa aos outros porque Ele já o perdoou
completamente e para sempre.

Estamos do lado de cá da cruz


Muitos mestres ensinam que essa oração não se aplica mais a
nós porque o Senhor falou isso antes de ir para a cruz e realizar
a redenção.
124 A simplicidade so evangelho

Eles dizem que Jesus está estabelecendo uma condição para


aqueles que querem ser perdoados por Deus. De fato, é algo tão
importante que o Senhor menciona na oração e depois repete
no fim para esclarecer qualquer dúvida.
Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também
vosso Pai celeste vos perdoará; se, porém, não perdoardes aos
homens as suas ofensas, tampouco vosso Pai vos perdoará
as vossas ofensas. (Mt 6.14-15)

Se realmente o Senhor está propondo aqui uma troca — faça


sua parte perdoando aos outros primeiro e Deus fará a parte d’Ele
perdoando-lhe —, então temos, na verdade, um princípio da lei.
Sabemos que a lei foi dada para mostrar o pecado, então, nes-
se caso, o Senhor quer apenas ajudar o homem a entender sua
impotência de alcançar o padrão de Deus perdoando livremente.
Creio que, depois de fazer essa oração, aquele que o fazia
com entendimento percebia rapidamente que estava pedindo a
Deus para condená-lo. O ímpio honesto sabe que não consegue
perdoar. E, ciente dessa fraqueza, ele pode clamar pelo perdão
gracioso do Senhor. Creio que todo o Sermão do Monte é uma
forma de o Senhor mostrar a nossa impotência em cumprir a lei.
Depois da ressurreição do Senhor, tudo se fez novo e hoje
somos perdoados livremente. Sim, você e eu somos chamados
a perdoar às pessoas, mas não para merecer o perdão de Deus.
Em vez disso, somos convidados a passar para outros o mesmo
perdão que Deus nos deu. Qual veio primeiro? o perdão de Deus
para os nossos pecados ou o nosso perdão para outras pessoas.
É com base nisso que muitos pregadores da graça dizem que
essa oração não pode ser aplicada a nós, pois é antes da cruz, antes
O perdão do crente é condicional? 125

que o perdão de uma vez por todas fosse dado no Calvário. En-
quanto isso, Efésios e Colossenses contêm instrução para a vida
debaixo da Nova Aliança, depois da cruz.

Nossos pecados “serão” perdoados?


Se estamos verdadeiramente perdoados de todos os nossos pe-
cados passados, presentes e futuros, por que Tiago 5 usa uma frase
condicional “se” e depois diz que uma pessoa será “perdoada”?
E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará;
e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados. Con-
fessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos
outros, para serdes curados. Muito pode, por sua eficácia,
a súplica do justo. (Tg 5.15-16)

Observe que a única condição aqui é que os pecados devem


ser cometidos antes que possam ser perdoados. O quê? Sim,
Tiago está assegurando à igreja que, se uma pessoa (hipotética)
cometer (um hipotético) pecado, este será perdoado. Quando?
Quando o pecado é cometido. Somos criaturas do tempo. Vive-
mos no tempo, e Tiago 5.15 nada mais é do que uma passagem
destinada a confortar o crente: “Se pecados forem cometidos,
eles serão perdoados quando forem cometidos”.
Alguns podem argumentar: “Mas, no versículo seguinte, Tiago
diz: Portanto, confesse os seus pecados uns aos outros, e orai uns
pelos outros para que sejais curados” (Tg 5.16). Então, claramente
precisamos confessar cada pecado para sermos perdoados”.
Primeiro, a confissão aqui não é uma confissão a Deus. É uma
confissão aos outros crentes.
Segundo, o propósito da confissão não é ser perdoado por
Deus. É para que outros possam orar por nós e para a nossa cura
da luta contra o pecado.
126 A simplicidade so evangelho

Confessar nossas lutas aos irmãos de confiança pode ser sau-


dável e valer a pena, mas não é uma tarefa fácil.
A única condição dada ao nosso perdão aqui é que os pecados
devem realmente existir. Se existirem pecados, eles serão perdoa-
dos. Quando? Quando eles forem cometidos. Por quê? Porque a
obra consumada de Jesus Cristo apagou todo registro dos nossos
pecados — passados, presentes e futuros. Nossos pecados não
são levados em conta (Rm 4.8; Hb 10.17).

Blasfêmia: o pecado imperdoável


Mas e a blasfêmia contra o Espírito Santo? Se os pecados dos
crentes são perdoados — de uma vez por todas —, por que nos
disseram que existe um tipo de pecado que não será perdoado?
Aqui está a passagem em questão:
Por isso, vos declaro: todo pecado e blasfêmia serão perdo-
ados aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não
será perdoada. (Mt 12.31)

Em Mateus 12, Jesus é acusado de operar milagres pelo


poder de Satanás. Aqueles ao redor d’Ele estavam rejeitando
sua identidade e seus milagres. Ao fazer isso, eles insultaram o
Espírito Santo.
Eles estavam atribuindo a obra do Espírito a Satanás. Isso é
o que significa blasfemar contra o Espírito Santo. Trata-se de
rejeitar a pessoa e a obra de Jesus.
Existe uma aplicação para nós hoje? Sim, quando o Espírito
Santo testemunha tudo o que Jesus tem feito através da cruz e da
ressurreição, podemos aceitar ou rejeitar essa convicção do Espí-
rito. Aceitar a verdade sobre Jesus resulta em salvação, enquanto
O perdão do crente é condicional? 127

rejeitar a verdade sobre Ele resulta em permanecermos mortos


em nossos pecados.
Portanto, esse tipo de blasfêmia ainda é um pecado imperdo-
ável hoje. Por quê? Porque, se rejeitarmos a identidade, morte e
ressurreição de Jesus, então como esperamos encontrar perdão
em qualquer outro lugar? Não há perdão fora de Jesus.
Um crente, porém, não pode cometer esse pecado de blasfê-
mia. Já aceitamos a obra consumada de Jesus na cruz e através
da ressurreição. É o incrédulo que rejeita a identidade e a obra
de Cristo e permanece imperdoável.
Deus deseja perdoar, mas nós, humanos, temos uma escolha
a fazer. Deus não se imporá sobre nós. Há um dom gratuito
de perdão e nova vida para aceitar. E não há outra maneira
de obtê-los fora de Jesus Cristo. Logicamente, é por isso que
a rejeição desse dom gratuito da salvação deixa alguém num
estado de ser imperdoável. Um crente não pode cometer este
pecado de blasfêmia.

O suicídio é um pecado imperdoável?


Muitos afirmam que o suicídio é um pecado imperdoável,
usando este versículo:
Se alguém vir a seu irmão cometer pecado não para morte,
pedirá, e Deus lhe dará vida, aos que não pecam para
morte. Há pecado para morte, e por esse não digo que
rogue. (1 Jo 5.16)

Imagine se o suicídio fosse imperdoável para um crente. Aí


está você, tão incrivelmente deprimido que, num momento de
total desespero, você tira a própria vida. Então a resposta de Deus
128 A simplicidade so evangelho

à sua dor é arrancar a sua salvação? É inacreditável para mim que


alguns realmente ensinem isso!
Deus nos diz que devemos sofrer com aqueles que sofrem
(Rm 12.15). O Espírito de Deus encarna isso em seu tratamento
para conosco. É por isso que Ele é chamado de nosso Consola-
dor. Portanto, se Deus não está nos rejeitando quando estamos
desanimados, então o que João quer dizer com “um pecado que
leva à morte” e não orar por esse pecado?
Primeiro, João não está falando sobre se uma pessoa é perdoada
ou não. Não, o perdão não é mencionado. Em vez disso, trata-se
de saber se vale a pena orar sobre um determinado assunto. O
foco está na oração, não no perdão de Deus.
Segundo, lembre-se de que existe um pecado imperdoável:
a descrença em Jesus. O pecado da incredulidade leva à morte.
Como? Se rejeitarmos o dom da salvação, permaneceremos espi-
ritualmente mortos, sem esperança de vida eterna. Simplesmente
não há alternativa fora de Jesus Cristo. Então, é isso o que João
quer dizer com “um pecado que leva à morte” (v. 16).
João está se dirigindo a um público cheio de crentes e en-
ganadores. O objetivo de sua carta é distinguir entre os dois.
Nesse sentido, João está dizendo que o pecado da incredulidade
em Jesus faz com que alguém permaneça na morte espiritual. E
não podemos orar para que as pessoas saiam da morte espiritual
e para uma nova vida. Eles próprios devem escolher responder
à mensagem do evangelho. João observa que não devemos “pe-
dir isso” (v. 16). Claro, podemos orar para que eles possam ser
expostos ao evangelho. Podemos orar para que Deus abra novos
caminhos a fim de que a mensagem seja ouvida por eles, mas
O perdão do crente é condicional? 129

Deus não forçará sua entrada na vida de alguém. Deus bate à


porta, mas Ele não vai derrubar a porta.
Por outro lado, o que significa para Deus “dar vida” a alguém
que está cometendo um pecado que não leva à morte? Isso se
refere a um verdadeiro crente que está lutando contra um pe-
cado (como todos nós fazemos às vezes). A questão é que Deus
pode agir e age dentro dos crentes como nosso Conselheiro,
nosso Consolador, nosso Guia para a verdade e nosso Doador
de Vida. Ele nos inspira a pensar novos pensamentos e agir de
maneira nova.
Portanto, nossos irmãos e irmãs em Cristo podem orar por
nós nesse sentido. Eles podem orar para que os olhos do nosso
coração sejam abertos para ver Jesus não mais plenamente como
nossa vida em cada circunstância.
Em resumo, essa passagem não trata de suicídio ou mesmo de
morte física. É sobre incredulidade e morte espiritual. João está
dizendo que não podemos orar para que os incrédulos entrem
no reino de Deus. Em vez disso, eles devem escolher abraçar
Jesus como Salvador.
O perdão do crente não depende da nossa capacidade de
perdoar aos outros primeiro. Nosso perdão não se perde quando
cruzamos alguma linha imaginária. Não, nem mesmo suicídio. A
verdade poderosa é que não há linha em relação à graça de Deus.
Uma vez que estamos em Cristo, estamos n’Ele para sempre (Hb
7.25; 10.14).
130 A simplicidade so evangelho
CAPÍTULO

15

Você deve se examinar


antes de participar da Ceia
do Senhor?

Por isso, aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor,


indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor.
Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, coma do
pão, e beba do cálice; pois quem come e bebe sem discernir
o corpo, come e bebe juízo para si. (1 Co 11.27-29)

A
s luzes se apagam e uma música solene começa a tocar.
Você é convidado a examinar o seu passado recente para
ver se não há nenhum pecado escondido.
De onde veio esse costume? Ele deriva de uma única frase em 1
Coríntios 11: “Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim,
coma do pão, e beba do cálice” (v. 28). Essa frase é citada em
igrejas ao redor do mundo como a motivação para o autoexame.
Somos ensinados a inclinar a cabeça e confessar os pecados dos
132 A simplicidade so evangelho

últimos dias, semanas e até meses desde a celebração da nossa


última Ceia do Senhor. Só então seremos dignos de comer o pão
e beber o vinho, depois de nos “qualificarmos” por meio dessa
confissão e limpeza.

Examine-se?
Foi isso que Paulo realmente quis que os coríntios fizessem?
Absolutamente não. Paulo pede esse exame em resposta a um pro-
blema específico que ocorria dentro da igreja de Corinto. Naquela
época, a igreja primitiva não distribuía pedaços de pão do tamanho
de croutons e copinhos de suco de uva do tamanho de dedais.
Não, eles se sentavam para comer uma refeição inteira juntos.
Então, por que era necessário aos coríntios fazer aquele exame?
Alguns deles chegavam cedo para devorar toda a comida. Outros
estavam bebendo todo o vinho. E o resultado era que as pessoas
mais pobres da igreja apareciam apenas para descobrir que não
havia mais nada para eles. Isso tornou aquele evento uma cele-
bração desrespeitosa do corpo e sangue de Jesus.
Sem compreenderem esse contexto, muitos líderes hoje exi-
gem que cada crente examine sua vida e vejam se há pecados re-
centes para que possam participar da Ceia. Quem conclui tal coisa
perdeu a visão de todo o propósito da Ceia do Senhor. Por quê?
Porque aqui está a ironia: não precisamos ser perdoados e purifi-
cados antes da Ceia do Senhor porque todo o propósito da Ceia
é para nos lembrar de que já estamos perdoados e purificados.

Somos indignos?
A Palavra de Deus nunca diz que os coríntios eram indignos.
Diz que eles estavam participando da Ceia do Senhor de maneira
Você deve se examinar antes de participar da Ceia do Senhor? 133

indigna. São duas coisas muito diferentes. Todos os crentes são


santos, justos, redimidos e, portanto, dignos (no sentido de ser
qualificados) para participar da Ceia do Senhor, mas a forma
como escolheram celebrar a Ceia era irreverente ou “indigna”.
Em 1 Coríntios 11.18, descobrimos que havia “divisões” entre
eles. No início da mesma epístola, lemos que eles estavam dis-
cutindo sobre quem havia batizado cada um deles. Eles estavam
usando seu batizador como símbolo de status (1 Co 1.13-15).
Então, não é nenhuma surpresa que eles também estivessem
brigando na Ceia do Senhor.
Porque, ao comerdes, cada um toma, antecipadamente, a
sua própria ceia; e há quem tenha fome, ao passo que há
também quem se embriague. Não tendes, porventura, casas
onde comer e beber? Ou menosprezais a igreja de Deus e
envergonhais os que nada têm? Que vos direi? Louvar-vos-
-ei? Nisto, certamente, não vos louvo. (1 Co 11.21-22)

Alguns chegavam cedo e bebiam todo o vinho. Outros co-


miam toda a comida. Eles estavam agindo como bêbados e glu-
tões, pois não deixavam nada para aqueles que chegavam mais
tarde. Claramente, essa era a “maneira indigna” como eles estavam
participando da Ceia do Senhor.
Obviamente, isso dificilmente aconteceria nos dias de hoje,
com o minúsculo copo de suco de uva e o único pedaço de pão
que as igrejas oferecem a cada participante. Mas dois mil anos
atrás, a igreja se reunia regularmente para uma refeição inteira.
Tudo isso acontecia porque estavam divididos em facções e
julgando uns aos outros. E, ao fazê-lo, eles estavam desrespeitando
o corpo e o sangue de Cristo. É por isso que Paulo os instruiu a
examinar o que eles estavam fazendo.
134 A simplicidade so evangelho

O Senhor Jesus o qualificou


A admoestação de Paulo não teve nada a ver com os crentes
não serem perdoados ou não estarem qualificados para partici-
par da Ceia do Senhor até que fossem submetidos a um exame
e ritual de limpeza.
No entanto, em muitas igrejas hoje, somos solicitados a incli-
nar a cabeça em introspecção para purificar-nos pessoalmente a
fim de sermos “qualificados”. E, se não conseguimos nos quali-
ficar, nós somos convidados a não participar.
A verdade, porém, é que estamos para sempre qualificados
pelo sangue de Jesus para participar da Ceia do Senhor.

Juízo ou disciplina?
Um segundo mal-entendido em relação a 1 Coríntios 11
também prevalece hoje. Alguns afirmam que Deus feriu os co-
ríntios com doença e morte por causa de sua irreverência à mesa
do Senhor. Essa crença decorre de um mal-entendido desta única
frase na passagem:
Eis a razão por que há entre vós muitos fracos e doentes e
não poucos que dormem. (1 Co 11.30)

Sim, alguns pensam que Deus feriu os seus próprios filhos


para torná-los fracos” e “doentes”. Alguns chegam ao ponto de
acreditar que Deus matou os crentes de Corinto, citando a ex-
pressão daqueles que dormem.
Embora eu mesmo acreditasse dessa forma no passado, hoje
não creio mais assim, porque essa interpretação contradiz a ver-
dade do evangelho. Hoje eu creio que os coríntios estavam fracos
e doentes porque não estavam desfrutando dos benefícios do pão
Você deve se examinar antes de participar da Ceia do Senhor? 135

e do cálice. O cálice é para perdão, mas o pão é para cura. No


momento de receberem cura, estavam agindo de forma irreve-
rente e indigna invalidando o poder da Ceia. Deus não é a causa
de sua fraqueza, doença ou morte.
Porque, se nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julga-
dos. Mas, quando julgados, somos disciplinados pelo Senhor,
para não sermos condenados com o mundo. (1 Co 11.31-32)

Observe que o julgamento não é do Senhor, mas a disciplina,


sim. Aqui, Paulo está dizendo que, se os coríntios simplesmente
julgassem o seu próprio comportamento com mais sabedoria, não
seriam julgados por aqueles ao seu redor. Eles precisavam anali-
sar seus motivos: “Estou sendo egoísta? Estou sendo divisivo?”
Se os coríntios fizessem essas perguntas, não acabariam sendo
julgados pelos seus pares. Deus pode usar outras pessoas para nos
disciplinar. O ponto de Paulo aqui é que poderíamos evitar coisas
desnecessárias se simplesmente nos julgássemos corretamente em
nossa própria tomada de decisões.
No entanto, graças a Deus que Ele investe em nossa vida dia-
riamente com sua disciplina amorosa. Deus nos disciplina e nos
treina para o futuro, não nos pune pelo passado. Essa é uma das
muitas coisas que nos diferencia como santos do mundo caído
e condenado que nos rodeia.
A disciplina de Deus é treinamento para o futuro, não puni-
ção pelo passado.

A solução: esperar um pelo outro


Essa passagem não é sobre Deus descendo do céu com um
martelo e declarando os coríntios culpados e depois punindo-os
136 A simplicidade so evangelho

com doença e morte. E como Paulo conclui? Observe que ele


não diz: “Então, meus irmãos, apaguem as luzes e examinem suas
transgressões, a fim de serem purificados e qualificados para par-
ticiparem”. Em vez disso, aqui está a solução que ele lhes oferece:
Assim, pois, irmãos meus, quando vos reunis para comer,
esperai uns pelos outros. Se alguém tem fome, coma em
casa, a fim de não vos reunirdes para juízo. Quanto às
demais coisas, eu as ordenarei quando for ter convosco. (1
Co 11.33-34)

Essas foram as observações finais de Paulo porque a verdadei-


ra questão era que eles não estavam esperando uns pelos outros.
Com isso em mente, Paulo oferece uma solução simples para todo
o problema. Aqueles que podem devem comer em casa primeiro
para não se reunirem só para ofender e julgar uns aos outros. Afi-
nal, deveria ser uma celebração, não um festival de julgamento.
Então, aqui está uma conclusão simples. Na próxima vez que
você vir o pão e o vinho oferecidos em uma igreja, celebre com
confiança, respeito e gratidão, sabendo que seu Salvador, Jesus
Cristo, já lhe perdoou, limpou e qualificou totalmente.
Você deve se examinar antes de participar da Ceia do Senhor? 137

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