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FORGIONI, Paula Andrea. Contratos Empresariais. Teoria Geral e Aplicação. 4 Ed. São Paulo - Editora Revista Dos Tribunais, 2019. Pp. 23-44.

O documento apresenta a equipe editorial responsável pela obra 'Contratos Empresariais: Teoria Geral e Aplicação', destacando suas funções e responsabilidades. A obra, que já passou por várias edições, explora a definição e a importância dos contratos empresariais no contexto econômico e jurídico, ressaltando a interdependência entre empresas e suas relações contratuais. Além disso, discute a terminologia e conceitos relacionados a contratos no direito e na economia.

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(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Contratos Empresariais
Teoria Geral e Aplicação
Paula A. Forgioni
Prefácio: Natalino Irti

4.ª edição revista, atualizada e ampliada

1.ª edição: 2015; 2.ª edição: 2016; 3.ª edição: 2018.

© desta edição [2019]


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Fechamento desta edição: [07.03.2019]

ISBN 978-85-5321-399-3
1
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS

Sumário: 1.1 Atividade empresarial e contratos. Mercado e teia contratual – 1.2


Negócios empresariais, negócios jurídicos e contratos no direito e na economia – 1.3
As partes dos contratos empresariais – 1.4 Definição dos contratos empresariais.
A exclusão dos contratos com consumidores – 1.5 Contratos empresariais como
categoria autônoma – 1.6 O escopo de lucro presente em todos os seus polos
como marca e guia dos contratos empresariais – 1.7 Uma necessária digressão
histórica: os cismas das categorias contratuais e a consolidação dos contratos
empresariais.

1.1 Atividade empresarial e contratos. Mercado e teia contratual


Não se pode pensar a empresa de forma isolada. Essa visão confina o agente
econômico nas próprias fronteiras, desliga-o do funcionamento do mercado,
reduzindo impropriamente a análise. A perspectiva estreita não permite re-
conhecer o papel essencial desempenhado pelas relações estabelecidas entre os
entes que atuam no mercado.
A empresa não apenas “é”; ela “age”, “atua”, e o faz por meio dos con-
tratos. A empresa não vive ensimesmada, metida com seus ajustes internos;
ela revela-se nas transações. Sua abertura para o ambiente institucional em
que se encontra é significativa a ponto de parte da doutrina afirmar que “[o]s
modernos complexos produtivos não são tanto estoque de bens, mas feixes de
relações contratuais”.1 A empresa cristaliza-se em sua atividade de interagir;
a empresa é agente econômico.
É preciso adquirir insumos, distribuir produtos, associar-se para viabi-
lizar o desenvolvimento de novas tecnologias, a abertura de mercados etc.;
tudo exige que se estabeleçam relações com terceiros. Essa ação recíproca
[empresa – outros agentes] interessa ao Direito na medida em que dá a luz a
contratos e, consequentemente, a relações jurídicas.

1. Vincenzo Roppo, Il contratto, 56. Cf. Ronald Coase, The nature of the firm e Melvin
Eisenberg, The conception that the corporation is a nexus of contract, and the dual
nature of the firm.
24 | CONTRATOS EMPRESARIAIS

O mercado identifica-se com um emaranhado de relações contratuais,


tecido pelos agentes econômicos.2 Como se afirmou, “o mercado [...] é feito
de contratos, os contratos nascem do e no mercado”.3 Na dicção de Roppo, “na
economia moderna, é o contrato, acima de tudo, que cria a riqueza”.4
Constatou-se que, fosse o direito comercial baseado apenas em negócios
isolados, não passaria de uma “criança frágil”. O mercado organizado dá força
às transações. As regras e a praxe negocial, assim como o moto competitivo,
proporcionam amplo espaço ao gênio dos comerciantes e às suas contratações.5
Até pouco tempo, a doutrina atribuía menor importância à dimensão
contratual do ente produtivo, fazendo repousar o foco de análise no empresário
e em sua capacidade gerencial.6 “[A] centralidade do contrato e do mercado
são fenômenos recentes”.7 A empresa mostra-se como desdobramento dessa

2. Além de contratos, a empresa pratica atos jurídicos unilaterais [para definição de ato
jurídico, v. Marcos Bernardes de Melo, Teoria do fato jurídico. Plano da existência,
159]. São exemplo desses atos os votos proferidos pela pessoa jurídica em assembleias
de sociedades nas quais detenha participação. [V., a esse respeito, Giuseppe Sena, Il
voto nella assemblea della società per azioni, 13 e ss. e Pinto Furtado, Deliberações dos
sócios, 98 e ss.]. São outros exemplos a fixação de sua sede em determinado endereço
ou a divulgação de fato relevante ao mercado.
3. Giorgio Oppo, Categorie contrattuali e statuti del raporto obbligatorio, 48. No original:
“Il mercato – lungi dal sostituire il contratto – è fatto di contratti, i contratti nascono
dal e nel mercato. Non si possono disciplinare gli uni indipendentemente dall’altro
e viceversa; gli interessi che presiedono ai primi dagli interessi che fondano l’ordine
del mercato”.
4. Roppo, Il contratto, 56.
5. Cf. Roy Goode, Il diritto commerciale del terzo millennio, 58 e ss.
6. O Codice Civile de 1942, em seu art. 2.082, define a empresa a partir do conceito
individualista de empresário, colocando o foco não em sua interação com os outros
agentes econômicos, mas em sua capacidade [isoladamente considerada] de organi-
zação dos fatores de produção. In verbis: “È imprenditore chi esercita professional-
mente un’attività economica organizzata al fine della produzione o dello scambio di
beni o di servizi”. Essa linha foi seguida pelo art. 966, caput de nosso Código Civil,
que estabelece: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.
7. A frase encontra-se na abertura do livro de Paolo Gallo Contratto e buona fede. A
importância quantitativa e qualitativa dos contratos explode nos últimos anos. Uma
das razões é o pulular de direitos “especiais”, decorrentes do fenômeno da decodifica-
ção, estudado por Natalino Irti em sua clássica obra L’età della decodificazione. Sobre
a importância dos contratos comerciais na economia, bem como para sua definição
e princípios regentes, v. Fernando Araújo, Teoria económica do contrato e Marcia
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 25

perspectiva monista, de maneira que o centro de atenção não recai em sua


interação com outros agentes.8
É recorrente, na doutrina comercialista, a referência à “atividade”. Esta
menção não visa a destacar a interação da empresa com outras e sim o des-
dobramento da série de atos praticados pelo empresário na organização dos
fatores de produção. A própria definição de atividade, amplamente acolhida,
propugna que ela constitui uma “série de atos [praticados pela empresa] unifi-
cados por um escopo comum”.9 Com isso, o ponto cardeal acaba voltado para
o ente [que pratica atos], e não para suas relações com terceiros [celebração
de contratos].
Se, à época em que foi talhada, essa visão era justificável pelo destaque à
figura do empresário [= aquele que organiza], hoje pode ser considerada redu-
cionista, pois não atribui o devido destaque ao indispensável perfil contratual
do ente produtivo.
O vencedor do prêmio Nobel de economia de 1978, Herbert Simon, pro-
pôs a seguinte imagem: se representássemos cada agente econômico por um
quadrado e cada relação por uma linha, teríamos inúmeros quadrados, que
se interligam por número incontavelmente maior de traços.10 Forma-se uma
teia. Os riscos são as interações entre os atores do mercado, muitas das quais
se traduzem em contratos empresariais. Empresa, contratos e mercado são con-
ceitos indissociáveis.11

1.2 Negócios empresariais, negócios jurídicos e contratos no direito e


na economia
Embora o direito comercial não exija a certeza terminológica tradicio-
nal da dogmática civilista – pois a linguagem soberana é aquela empregada

Carla Pereira Ribeiro e Irineu Galeski Junior, Teoria geral dos contratos. Contratos
empresariais e análise econômica.
8. É possível reconhecer em Asquini compreensão estática do fenômeno empresarial.
Entre os perfis da empresa que cunhou, nenhum dá relevo à sua relação com outros
entes, debruçando-se, portanto, sobre a empresa isoladamente considerada. Entre-
tanto, isso não significa que Asquini deixe de referir a atividade de troca desenvolvida
pela empresa ou mesmo o desdobramento contratual de sua atividade. No entanto,
a linha cardeal da análise repousa sobre a empresa e não sobre suas relações [Perfis
da empresa, 109-26].
9. Nicola Rondinone, Lattività nel codice civile, 13.
10. Organizations and markets, 27 e ss.
11. Sobre a definição de mercado, v. Paula A. Forgioni, Direito comercial brasileiro. Da
mercancia ao mercado, 153 e ss.
26 | CONTRATOS EMPRESARIAIS

pelos comerciantes – vale a pena precisar alguns termos, cujo baralhamento


mostra-se prejudicial.
Contrato é “o negócio jurídico bilateral, ou plurilateral que sujeita as
partes à observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regu-
laram”, ou seja, o negócio “cujo efeito jurídico pretendido pelas partes seja
a criação de vínculo obrigacional de conteúdo patrimonial”, como sempre
ensionou Orlando Gomes.12
Tecnicamente, o contrato é espécie de negócio jurídico que, na autorizada
visão de Junqueira de Azevedo, traduz-se em “todo fato jurídico consistente
em declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos de-
signados como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade
e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide”.13
Mas, na tradição do direito comercial, o termo “negócio” vem muitas
vezes empregado no sentido de “transação” ou “negociação”. Trata-se, para
Ferreira Borges, de “termo de conceito prático”, ligado a “qualquer operação
mercantil”.14-15
De acordo com a linha comercialista, o “negócio mercantil” identifica-se
com as operações feitas pelos comerciantes e que se corporificam em contra-
tos. Empregamos, assim, a palavra “negócio”, no sentido de affare, em língua
italiana, ou affair, na francesa; ou business, para os norte-americanos.
Outra precisão terminológica que se faz necessária diz respeito ao sentido
que a palavra “contrato” assume hoje para os economistas. De acordo com a
noção transcrita por Williamson, contrato é “an arragement between two or
more actors supported by reciprocal expectations and behaviour”.16 Na defi-
nição de renomados economistas brasileiros, o contrato é “[u]m acordo entre
ofertante[s] e demandante[s], no qual os termos da troca são definidos”.17
Muitas vezes, os economistas referirão como contrato algo que, para os
juristas, estabelece outro tipo de vínculo. Por exemplo, na literatura eco-
nômica é comum denominar “contrato” a relação entre administradores e
acionistas das companhias – algo inconcebível para os juristas. “Assim, são

12. Contratos, 11.


13. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, 16.
14. Diccionario juridico-comercial, 327.
15. Cf., nesse sentido, os arts. 140, 165, 314 e 331 do Código Comercial de 1850 e o
art. 1.º do Dec. 737, do mesmo ano.
16. The firm as a nexus of treaties: an introduction, 3.
17. Farina et alii, Competitividade, mercado, Estado e organizações, 283.
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 27

considerados arranjos contratuais aqueles internos às firmas que definem


as relações entre agentes especializados na produção, bem como os arranjos
externos às firmas que regulam as transações entre firmas independentes,
podendo ser estendidos para as transações entre o Estado e o setor privado
[regulação]”.18 Para certos economistas, “a empresa [firm] é vista como um
conjunto de contratos entre os fatores de produção, sendo cada um desses
fatores motivado pelo autointeresse”.19
Em suma, economistas tendem a identificar a palavra “contrato” com
qualquer “maneira de coordenar as transações” ou, ainda “todas as relações que
criam vínculos de interdependência entre dois ou mais sujeitos”,20 adotando
terminologia não coincidente com a jurídica.

1.3 As partes dos contratos empresariais


O tráfico mercantil concretiza-se por meio dos contratos e, para compreender
o funcionamento do mercado, devemos caminhar por esse enredado. Uma vez
nele, emerge a questão: nessa teia, que papel cabe ao direito? Até que ponto ela
é formatada e/ou formata o regramento jurídico que a disciplina?
O primeiro passo para destrinçar essa articulação de relações é considerar
que a empresa celebra contratos com as mais diversas categorias de agentes
econômicos: consumidores, Estado, trabalhadores e assim por diante. A
compreensão de seu perfil contratual passa pela classificação desses acordos
conforme o sujeito que com ela se relaciona. Assim divisados vários grupos
de contratos, percebe-se que cada qual assumirá características específicas e
exigirá tratamento jurídico peculiar.
A atenção do comercialista recai sobre os contratos interempresariais, ou
seja, aqueles celebrados entre empresas,21 i.e., em que somente empresas fazem
parte da relação. Ao assim proceder, identificamos os contratos empresariais
com aqueles em que ambos [ou todos] os polos da relação têm sua atividade

18. Zylbersztajn e Sztajn, Direito e economia, análise econômica do direito e das organi­
zações, 104.
19. Eugene Fama, Agency problems and the theory of the firm, 289.
20. Bellantuono, I contratti incompleti nel diritto e nell’economia, 57.
21. Atualmente, a maioria dos autores contrapõe duas categorias de contratos empresa-
riais: aqueles celebrados com empresas e aqueles celebrados entre empresas. Nesse
sentido, cf. Carlo Angelici, La contrattazione d’impresa, 188-9. Fábio Ulhoa Coelho
identifica os contratos mercantis como os celebrados entre empresários [Curso de
direito comercial, v. 3, 5].
28 | CONTRATOS EMPRESARIAIS

movida pela busca do lucro. Esse fato imprime viés peculiar aos negócios jurí-
dicos entre empresários.
Por mais incrível que possa parecer, esse método de análise da realidade
do mercado descortina visão jurídica pouco usual entre nós, porquanto:
[i] considera como objeto do direito comercial apenas os contratos cele-
brados entre empresas [ou contratos interempresariais, i.e., aqueles em que os
partícipes têm sua atuação plasmada pela procura do lucro]; e
[ii] coloca em relevo a necessidade do esboço de teoria geral que leve em
consideração as peculiaridades dos contratos interempresariais no contexto
do mercado [i.e, que visualize a empresa na teia contratual em que se insere e
que ajuda a construir].

1.4 Definição dos contratos empresariais. A exclusão dos contratos com


consumidores
Os contratos com consumidores [ou “B2C”, na terminologia estaduni-
dense] não mais integram o direito comercial.22 A evolução e a consolidação
do direito do consumidor como ramo autônomo em relação ao civil e ao co-
mercial desautoriza a projeção dos contratos mercantis de forma ampla, como
se ainda abrangessem todos “i rapporti pertinenti ad un’impresa”, na linha da
doutrina tradicional.23
Outrora, do ponto de vista subjetivo, a presença de uma única empresa
[ou comerciante] na relação bastava para atribuir comercialidade ao contrato;24
hoje essa qualificação25 requer que o vínculo jurídico seja estabelecido apenas
entre empresas.

22. “Denomina-se contratos de consumo todas aquelas relações contratuais ligando um


consumidor a um profissional, fornecedor de bens ou serviços” [Claudia Lima Mar-
ques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 252].
23. Ascarelli, Corso di diritto commerciale, 381.
24. O art. 191 do Código Comercial determinava que seria “considerada mercantil a
compra e venda de efeitos móveis ou semoventes [...] contanto que nas referidas
transações o comprador ou vendedor” fosse “comerciante”.
25. Trabalha-se com a ideia de “qualificação”, da qual sempre se socorreu o direito co-
mercial para delimitação da chamada “matéria de comércio”. Explica Comparato que
a definição da aplicação da legislação mercantil encerra problema de qualificação,
“que é a definição de uma situação de fato perante o Direito, ou melhor, a sua iden-
tificação como o tipo ou modelo previsto como hipótese de incidência da norma”
[A cessão de controle acionário é negócio mercantil?, 246].
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 29

Inevitável a referência à discussão acerca da caracterização da pessoa


jurídica como consumidora, para efeitos do art. 2.º do Código de Defesa do
Consumidor, que dispõe ser consumidor “toda pessoa física ou jurídica que
adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. O empresário
ou a sociedade empresária, uma vez subsumidos à categoria de consumidor,
estariam sujeitos ao código especial e à lógica específica do sistema consume-
rista, corporificada naquele diploma.
O critério de diferenciação imposto pela letra da lei repousa na identifi-
cação da presença de um “destinatário final” na relação econômica/jurídica;
ao fim e ao cabo, tudo reside em interpretar a expressão “destinatário final”,
empregada pelo texto normativo.
A doutrina fende-se em finalistas e maximalistas. Para os primeiros, não
devem ser consideradas consumidoras as pessoas jurídicas que adquirem
produtos ou serviços utilizados em sua atividade profissional.26 “[A] pessoa
jurídica, para ser considerada consumidora, precisa adquirir bens ou serviços
a latere de sua atividade empresarial, circunstância fundamental para que seja
ela destinatária final e não simplesmente intermediária”.27
Os maximalistas, por sua vez, veem nas normas do CDC o novo regula-
mento geral do mercado brasileiro, destinado a abranger realidade mais am-
pla. Entendem que a caracterização da relação de consumo dá-se por meio da
aquisição ou uso de bem ou serviço na condição de destinatário final de fato,
por força de elemento objetivo, qual seja, o ato de consumo.

26. Nas palavras de Claudia Lima Marques, muito citadas pela jurisprudência nacional,
para a corrente finalista “[d]estinatário final é aquele destinatário fático e econômico
do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpre-
tação teleológica não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de
produção, levá-lo para o escritório ou residência, é necessário ser destinatário final
econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional,
pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído
no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida
‘destinação final’ do produto ou serviço”. “[C]onsumidor não seria o profissional,
pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais
vulnerável. Consideram que restringindo o campo de aplicação do CDC àqueles
que necessitam de proteção, ficará assegurado um nível mais alto de proteção pa­
ra estes, pois a jurisprudência será construída em casos onde o consumidor era
realmente a parte mais fraca da relação de consumo e não sobre casos em que pro­
fissionais-consumidores reclamam mais benesses do que o Direito Comercial já
lhes concede” [Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 254].
27. Newton de Lucca, Teoria geral da relação jurídica de consumo, 119.
30 | CONTRATOS EMPRESARIAIS

Para essa corrente, pouco importa se o bem será ou não empregado na


atividade profissional ou se o adquirente tem sua vida marcada pelo escopo
de lucro; ao invés, para assumir a classificação de “destinatário final”, inte-
ressa apenas que tenha retirado o bem da cadeia de consumo, utilizando-o ou
exaurindo-o.28
Diante disso, a extensão a ser atribuída ao direito comercial brasileiro
derivaria da interpretação do art. 2.º do Código do Consumidor. Teríamos sim-
plesmente substituído o “ato de comércio” pelo “ato de consumo”? Em muitos
aspectos, haveria mera reprodução de antiga discussão, quando indagávamos
se a aquisição de víveres pelo comerciante para a subsistência de sua família,
e não para o seu negócio, submetia-se às regras do direito comercial; falava-

28. Em 2004, a 3.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em criticável decisão por
maioria de votos, entendeu que “[a]quele que exerce empresa assume a condição
de consumidor dos bens e serviços que adquire ou utiliza como destinatário final,
isto é, quando o bem ou serviço, ainda que venha a compor o estabelecimento
empresarial, não integre diretamente – por meio de transformação, montagem,
beneficiamento ou revenda – o produto ou serviço que venha a ser ofertado a
terceiros”. Em sentido contrário, colocava-se a linha de acórdãos que, acolhendo
principalmente as lições de Newton de Lucca, entende que não devem ser subme-
tidas ao CDC as relações que envolvem empresas adquirentes de bens empregados
em seu processo produtivo. Como exemplo, destaque-se o REsp 264.126/RS,
julgado em 8 de maio de 2001, com relatoria do Min. Barros Monteiro. Contudo,
“desde 2005, o STJ definiu-se em favor da teoria finalista, no sentido defendido pela
doutrina majoritária, que criticava a equiparação do empresário ao consumidor,
por entender que desvirtuava a aplicação do CDC, idealizado para compensar a
desigualdade na relação de consumo. O leading case é o REsp 541.867 da Segunda
Seção do STJ. Afirma o texto, reiterado em várias ementas do Tribunal: “A aquisição
de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de
implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação
de consumo e, sim, como uma atividade de consumo intermediária” [rel. para
acórdão Min. Barros Monteiro, DJU de 16.05.2005]. No entanto, o mesmo STJ, em
diversos precedentes, adota a teoria finalista mitigada, a qual, nos dizeres da Corte:
“admite a incidência do CDC, ainda que a pessoa física ou jurídica não seja tecni-
camente destinatárias finais do produto ou do serviço, quando estejam em situação
de vulnerabilidade diante do fornecedor” [STJ, AgRg nos EREsp 1331112, Corte
Especial, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 02.02.2015]. Enfim, houve importante e
significativa evolução, ainda que, em alguns casos, a mitigação possa dar margem
à insegurança jurídica, na medida em que exige o exame da vulnerabilidade em
cada caso concreto, diminuindo a previsibilidade de sua aplicação” [Roberto Au-
gusto Castellanos Pfeiffer, em texto inédito, fornecido pelo autor]. Sobre o tema,
v. também Rodrigo Xavier Leonardo, Imposição e inversão do ônus da prova.
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 31

-se, então – lembramo-nos todos – dos “atos de comércio por dependência ou


conexão”.29
O baralhamento das fronteiras entre o direito comercial e o consumerista
deriva de questão prática ligada [i] ao ônus da prova nos processos judiciais e
[ii] ao foro competente para a propositura da ação contra o fornecedor.
Quanto ao primeiro aspecto, o art. 373 do Código de Processo Civil de
2015 determina que “[o] ônus da prova incumbe [...] ao autor, quanto ao fato
constitutivo de seu direito” e “ao réu, quanto à existência de fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito do autor”. O Código do Consumidor, por
sua vez, em seu art. 6.º, inciso VIII, sempre estabeleceu ser seu direito a inver-
são do ônus da prova “quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou
quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”.
Desse privilégio estariam excluídos os “não destinatários finais”, que seriam
obrigados a comprovar suas alegações nos estritos termos do art. 373 do Código
de Processo Civil. Contudo, deve-se considerar que o art. 373, § 1.º, do Códi-
go de Processo Civil abre a possibilidade de inversão do ônus da prova para
hipóteses além daquelas de hipossuficiência da parte. Dessa forma, mostra-se
cada vez menos necessário, para alcançar o benefício processual, “forçar” a
interpretação equiparando o consumidor ao empresário.
O foro privilegiado para os consumidores está previsto no art. 101, I, do
Código do Consumidor. Dessa forma, advogar a aplicação do diploma espe-
cial, em muitos casos, significa possibilitar ao agente econômico defesa mais
acessível e barata. Por essa razão prática, parte da doutrina tem se esmerado
para fazer subsumir os pequenos empresários à categoria de consumidor, jus-
tificando a aplicação do art. 6.º, VIII, e do art. 101, I, do diploma consumerista.
A confusão entre os contornos do direito comercial e do direito do con-
sumidor pode comprometer a percepção dos fundamentos do primeiro. As
matérias possuem lógicas diversas, de forma que a aplicação do Código do
Consumidor deve ficar restrita às relações de consumo, ou seja, àquelas em
que as partes não se colocam e não agem como empresa.
Ao contrário, se o vínculo estabelece-se em torno ou em decorrência da
atividade empresarial de ambas as partes, premidas pela busca do lucro, não

29. Consideravam-se submetidos ao direito comercial os atos praticados pelo comer-


ciante para aviar sua atividade. É comercial “uma série de atos que o comerciante
pratica não no exercício normal da sua profissão, mas em virtude ou no interêsse
dêste exercício” [Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, 5. ed.,
v. I, 506].
32 | CONTRATOS EMPRESARIAIS

se deve subsumi-lo à lógica consumerista, sob pena de comprometimento do


bom fluxo de relações econômicas.30
Isso não significa que o empresário em posição de sujeição ao poder do
outro não seja digno de tutela. Todavia, essa proteção deverá se dar em confor-
midade com as regras e os princípios típicos do direito mercantil e não da lógica
consumerista, incompatível com as premissas daquele sistema. Desenvolve-se
a repressão ao abuso da dependência econômica no campo do direito antitruste
e do direito contratual empresarial.

1.5 Contratos empresariais como categoria autônoma


No Brasil, a expressão “contratos mercantis” nunca chegou a ser condena-
da ao ostracismo, pois vinha empregada pelo Código Comercial em seu Título
V [“Dos Contratos e Obrigações Mercantis”].
A doutrina habituou-se a comentar cada um dos tipos contratuais men-
cionados nos arts. 140 a 286 do referido Código e, com as décadas, foi-lhes
acrescentando outros que passaram a ser previstos na legislação esparsa ou
talhados pela prática dos comerciantes.
Nada muito além disso, pois a maioria dos autores não dedicava grande
esforço ao tratamento dos contratos comerciais como categoria autônoma,
regida por princípios peculiares, adaptados e esculpidos conforme a lógica
de funcionamento do mercado. No máximo, algumas referências às evidentes
especificidades dos negócios mercantis, desprezando-se talvez sua principal

30. Para Luiz Gastão Paes de Barros Leães: “quando a lei brasileira define como consu-
midor ‘toda pessoa física ou jurídica’ [à semelhança do que dispõem vários diplomas
alienígenas] [...], há que distinguir os bens adquiridos pela empresa, a título de
insumos, no exercício de sua atividade empresarial, dos bens adquiridos para uso
pessoal ou privado – for private usance – do consumidor, à margem de sua atividade
empresarial” [As relações de consumo e o crédito ao consumidor, 256]. Na mesma
linha, Fábio Konder Comparato: “O consumidor é, pois, de modo geral, aquele que
se submete ao poder de controle dos titulares de bens de produção, isto é, os em-
presários. É claro que todo produtor, em maior ou menor medida, depende por sua
vez de outros empresários, como fornecedores de insumos ou financiadores, por
exemplo, para exercer a sua atividade produtiva; e, nesse sentido, é também consu-
midor. Quando se fala, no entanto, em proteção do consumidor quer-se referir ao
indivíduo ou grupo de indivíduos, os quais, ainda que empresários, se apresentam
no mercado como simples adquirentes ou usuários de serviços, sem ligação com a
sua atividade empresarial própria. [...] [É] nessa perspectiva que faz sentido falar-se
em proteção do consumidor” [A proteção do consumidor: importante capítulo do
direito econômico, 477].
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 33

característica moderna: nos contratos empresariais, ambas [ou todas] as partes


têm no lucro o escopo de sua atividade.
Essa postura doutrinária reflete a realidade que circundava nossos autores:
as regras especiais dos contratos mercantis contidas nos arts. 121 a 139 foram
sendo sombreadas pela supressão de institutos como o “arbitramento”, pelo
advento do Código Civil e pela edição de regras que suplantaram a dicotomia
de jurisdições e as diferenças entre os processos civis e comerciais. Além dis-
so, as dissonâncias específicas entre contratos civis e comerciais foram sendo
limadas, restando poucas aparas, de importância mitigada.
Mesmo antes da entrada em vigor do atual Código Civil, a doutrina
brasileira encontrava dificuldade para classificar os negócios entre civis e co-
merciais; como admite Bulgarelli, “a distinção, na prática, entre os contratos
civis e mercantis perdeu muito da sua importância inicial, com a unificação da
Justiça [...]”.31 Assim, a necessidade de distinção advinha das “diferenças no
tratamento de certos contratos por ambos os códigos”32-33 e não de questões

31. Contratos mercantis, 38. A mesma observação é feita por Waldemar Ferreira [Tratado
de direito comercial, v. 8, 10].
32. Contratos mercantis, 38.
33. Inglez de Souza, de acordo com a realidade de seu tempo, destaca ser uma das prin-
cipais diferenças entre os contratos civis e os comerciais o fato que “os contractos
commerciaes se podem provar por qualquer genero de prova”. “Em resumo: as
distincções capitaes entre os contractos civis e commerciaes são: 1.º o caracter de
solidariedade de todas as obrigações mercantis collectivas. 2.º o caracter de onero-
sidade de todas as obrigações. 3.º a simplificação das formalidades que retardam
a perfeição dos contractos, ficando, em regra, reduzidas ao simples accordo das
vontades. 4.º a simplificação da prova” [Prelecções de direito commercial, 121]. Vê-
-se, assim, que, em exercício de comparação, os contratos comerciais são definidos
a partir de suas diferenças em relação aos contratos civis [a exceção está em Cairu,
que trata os contratos mercantis sem esse foco]. Esse método de análise será seguido
por toda a doutrina brasileira. Carvalho de Mendonça, o comercialista, faz repousar
a ênfase da distinção nos atos de comércio. “Contrato comercial é aquêle que tem por
objeto ato de comércio”, remetendo as especialidades de sua teoria geral à clássica
distinção entre direito civil e direito comercial [Tratado de direito comercial brasileiro,
v. VI, parte I, 449]. Waldemar Ferreira vê-la no critério da “profissionalidade de um,
se não dos dois contratantes”. As peculiaridades dos contratos comerciais residiriam
[i] na “simplicidade das fórmulas” e [ii] na existência de “outros contratos que o
tráfico mercantil tornou necessários” [Tratado de direito comercial, v. 8, 9]. Descartes
Drummond de Magalhães, fortemente influenciado por Inglez de Souza, entende que
as peculiaridades dos contratos comerciais estão, principalmente, na solidariedade,
na onerosidade, na simplificação dos meios de prova e na dispensa de certas formali-
34 | CONTRATOS EMPRESARIAIS

materiais. Destaca Fran Martins, “[r]egem a matéria das obrigações, de modo


geral, as normas do direito civil”.
Nessa linha, Teixeira de Freitas sustentava que as disposições gerais
referentes aos contratos mercantis, constantes do Título V do Código Comer-
cial, “forão só motivadas pela pobrêza do nosso Direito Civil Patrio34 [...], e
não porque – para os contractos em geral – hajão, ou devão havèr, disposições
excepcionaes no Direito Commercial. A prova está, em que são do Direito Civil
todas as disposições dos arts. 121 á 139, impostas no Cod. como de Direito
Commercial pelas costumadas exagerações dos aspectos parciaes. [...] De taes
exagerações, aliás destinadas ao bem das excepções do Direito Commercial,
resulta mal para as interpretações do Direito Civil, tirando-se-lhe o que lhe-
-pertence, e minando-se-lhe as bases de sua constante applicação”.35
Comparato chega a afirmar: “[t]emos, pois, que não há, propriamente,
contraposição de dois sistemas jurídicos distintos, em matéria de obrigações:
o do Código Civil e o do Código Comercial. O que há é um só sistema, no
qual os dispositivos do Código de Comércio aparecem como modificações
específicas das regras gerais da legislação civil, relativamente às obrigações e
contratos mercantis. A duplicidade legislativa aparece, tão só, no que tange a
essas regras de exceção, dentro do sistema global”.36
Por fim, Waldemar Ferreira: “não difere, com efeito, essencialmente, a
obrigação comercial da civil. Não se distingue a relação jurídico-comercial de
qualquer outra. A essência é sempre a mesma”.37
O problema é que a unificação do direito das obrigações trouxe consigo
o descaso pela teoria geral dos contratos mercantis.38 Uma vez que coincidiam
os regimes das obrigações civis e comerciais, não haveria mesmo razão para
estudar em separado os dois grupos de contratos, buscando singularidades no

dades [Curso de direito comercial, 61]. Na sua esteira, são as lições de Alfredo Russell
[Direito commercial, 353 e ss.].
34. Additamentos ao Codigo de Commercio, publicado em 1878, muito antes da promul-
gação do primeiro Código Civil brasileiro.
35. Teixeira de Freitas, Additamentos ao Codigo do Commercio, v. I, 522.
36. Novos ensaios e pareceres de direito empresarial, 251.
37. Waldemar Ferreira, Instituições de direito comercial, v. 3, 12.
38. Um dos manuais de direito comercial mais difundidos no Brasil, o Curso de direito
comercial de Rubens Requião, não contém capítulo referente aos contratos mercantis.
Igualmente, o Tratado elementar de direito commercial de Spencer Vampré e o Curso
de direito comercial terrestre de João Eunápio Borges.
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 35

funcionamento e na disciplina de cada um deles. Justificava-se, tão somente,


o estudo individual dos tipos contratuais.
Esse foi o caminho trilhado pela doutrina. Com o passar do tempo, à
medida que eram desgastadas as poucas diferenças que ainda restavam entre
os regramentos, menor se fazia a preocupação com a sistematização de uma
teoria geral dos contratos mercantis.
Na Itália, por longo período, a teoria geral dos contratos comerciais restou
estagnada e a própria existência dos contratos mercantis chegou a ser contes-
tada.39 A edição do Código de 1942 “fez com que, por longo tempo, a doutrina
dominante tenha entendido não ser compatível com a nova disciplina do código
uma distinção entre contratos civis e contratos comerciais”.40 Até hoje, assinala
Salvatore Monticelli, os contratos empresariais não costumam ser reconheci-
dos como categoria autônoma41 por boa parte dos autores peninsulares.
Arthuro Dalmartello, em pioneira obra editada em 1958, lutava para
comprovar que os contratos comerciais continuavam a existir, não obstante
a unificação de 1942.42 Sobre essa obra foi dito que “desafiou toda a doutrina
privatista”, que, após a unificação, havia “sepultado os contratos comerciais”.43

39. Cf. Giorgio Oppo, Principi e problemi del diritto privato, 204. Na Argentina, sustenta
Etcheverry que “[e]l contrato de empresa no existe como categoría típica contractual,
pues en torno de la empresa se producen actos y contratos de organización, contratos
internos y de explotación, contratos externos entre el empresario y outro empresario
o entre el empresario y el consumidor. La organización empresaria exceed el campo
unicontractual” [Contratos asociativos, negocios de colaboración y consorcios, 94].
40. “[H]á fatto si che per lungo tempo la prevalente dottrina abbia ritenuto non compa­
tibile con la sopravvenuta disciplina del codice [...] una distinzione tra contratti ci­
vili e contratti commerciali” [Salvatore Monticelli e Giacomo Porcelli, I contratti
dell’impresa, 1].
41. “[...] la stessa locuzione ‘contratti commerciali’ è stata per decenni espunta del
­lessico giuridico anche in funzione meramente descrittiva; al raggruppamento,
anche ­laddove ridenominato com l’adozione dell’espressione ‘contratti d’impresa’,
è stato negato spazio e considerazione nelle enciclopedie giuridiche e nei repertori,
negli indici dei manuali tanto ti diritto privato che di diritto commerciale” [I contratti
dell’impresa, 1]. Em idêntico sentido, Leopoldo Sambucci, Il contratto dell’impresa,
1 e Buonocore, Contrattazione d’impresa e nuove categorie contrattuali, “Premessa”.
Salienta este último autor que, por anos, a locução “contratos comerciais” foi expulsa
do léxico jurídico, como se pode comprovar pela ausência do verbete nas enciclopé-
dias jurídicas [exceção feita à Treccani], repertórios e, até pouco tempo, nos índices
dos manuais e direito privado e até mesmo de direito comercial [xxi].
42. Cf. I contratti delle imprese commerciali, 3-31.
43. Buonocore, Contrattazione d’impresa e nuove categorie contrattuali, “Premessa”, xix.
36 | CONTRATOS EMPRESARIAIS

Somente nos últimos anos a Itália vê renascer o interesse pelos contratos


mercantis.
Premidos pela influência do Codice Civile e pela centralidade do conceito
de empresário, os doutrinadores abrigam os contratos interempresariais e os
consumeristas na mesma categoria [“contratti dell’impresa” ou “contratti
commerciali”], ainda que reconhecendo as diferenças entre eles. A obsessão
pelo epicentrismo da empresa, e certa preocupação com a perda de importância
da matéria, talvez ajudem a explicar a tentativa italiana de atrair para a órbita
do direito comercial contratos que, a toda evidência, dele se despregaram.44-45
Essa postura [na Itália e entre nós] causa embaraço ao estudo sistemático
dos contratos comerciais; no campo do direito mercantil, é impossível construir
teoria geral que explique princípios e institutos assim diversos.
Como resultado, de duas uma: [i] ou se edifica teoria que confunde e
embaralha as fronteiras de institutos diversos;46 ou [ii] recorre-se à dogmática
civilista – encarregada de sistematizar a teoria geral dos negócios jurídicos.
Perde-se a oportunidade de trazer à luz uma teoria geral efetiva dos contratos
mercantis, que explique suas peculiaridades e seu funcionamento, calcada na
realidade do quotidiano.

44. Como exemplo dessa postura que assume como “dado unificante o conceito de
empresa”, cf. Astolfo di Amato, Interpretazione dei contratti d’impresa, 11 e ss.
45. Outro fator que talvez explique a recusa italiana de considerar os contratos com
consumidores independentemente dos contratos comerciais seria o mais tardio
desenvolvimento da doutrina consumerista. Em 1995, quando, no Brasil, o direito
do consumidor era forte realidade, Buonocore afirmava sobre o contexto italiano:
“Perché quello della tutela dei consumatori, contrariamente a quanto possa apparire
ad un osservatore superficiale, è ancora un tema esclusivamente riservato al dibattito
degli addetti ai lavori e non è ancora entrato in quello che io chiamerei il patrimonio
comune e visibile del diritto civile”. Segue, explicando que “solo una sparuta mino-
ranza degli indici analitici” de “pregevolissime opere” sobre instituições do direito
privado continham o item “consumidor”. “E potrebbe essere questa una veniale
omissione dei compilatori, se all’assenza del termine non corrispondesse anche o
un’assenza di trattazione del tema oggetto della nostra considerazione o, comun-
que, una trattazione assai episodica e fuggevole di esse, condotta sopratutto sotto
la specie della responsabilità del prodotto difettoso” [Vicenzo Buonocore, Contratti
del consumatore e contratti d’impresa, 2-3].
46. Buonocore pergunta-se, “con qualche plausibilità e con tutta la prudenza del ca­
so”, se a disciplina especial [do consumidor] não teria erodido a disciplina geral e
monolítica do contrato a ponto de legitimar uma dicotomia de categorias de con-
tratos, “e cioè quella dei contratti del consumatore e quella dei contratti d’impresa”
[Contrattazione d’impresa e nuove categorie contrattuali, 189].
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 37

Na França, embora exista um Código Comercial, o cenário não se mostra


muito diferente do brasileiro. Não se nega a existência da categoria dos contrats
commerciaux, mas para explicá-la os autores, no mais das vezes, limitam-se a
fazer uso da doutrina dos atos de comércio ou a lançar mão dos argumentos
que tradicionalmente justificam a autonomia do direito comercial.47 Diz-se
que os contratos mercantis estão sujeitos a regramento diverso por conta
das exigências de simplicidade, celeridade e de crédito, típicas do direito
empresarial.48
Ressaltou-se que direito comercial e direito do consumidor são regidos
por princípios peculiares diversos, submetendo-se a lógicas apartadas. É preciso,
então, distinguir as duas espécies de contratos para impedir a indevida aplicação
de princípios de um ramo do direito a outro, comprometendo o bom fluxo de
relações econômicas. Torna-se premente resgatar os contratos comerciais para
impedir sua absorção pelo consumerismo e o aviltamento da racionalidade
própria ao direito empresarial.
A grande discussão que, no passado, centrava-se na diferenciação entre
contratos civis e mercantis, hoje assume nova feição. O direito do consumidor
aflorou como ramo independente, sujeito às especificidades [ou princípios
peculiares] que lhe dão forma e conteúdo, tais como a vulnerabilidade do
consumidor no mercado de consumo e o “direito de não ser explorado”.49-50
Paradoxalmente, a consolidação do direito do consumidor tem levado
os contratos comerciais à sua “redescoberta” como categoria autônoma, me-
recedora de tratamento peculiar e distinto das regras gerais do direito civil e
do direito consumerista.

47. Cf., a título exemplificativo, Leon Lacour, Précis de droit commercial, 214 e ss. Na
mesma linha, Germain Brulliard e Daniel Laroche, Précis de droit commercial, 191.
O primeiro ponto destacado por esses autores, na esteira da doutrina tradicional,
é a aplicação aos contratos comerciais das regras gerais do Código Civil francês,
notadamente aquelas referentes à existência e à validade dos negócios, seus efeitos
e modos de extinção. Seguem, afirmando que as regras particulares dos contratos
comerciais “se justifient par les raisons mêmes qui expliquent l’existence d’un droit
commercial distinct du droit civil et qui peuvent se résumer em deux mots: rapidité
et sécurité”.
48. Cf. Jean Escarra, Manuel de droit commercial, 577.
49. Bulgarelli, Contratos mercantis, 24.
50. Para explicação dos vetores do direito do consumidor, cf. Antonio Herman Benjamin,
O direito do consumidor.
38 | CONTRATOS EMPRESARIAIS

A matéria incorpora, assim, nova e importante tripartição: [i] contratos


civis; [ii] contratos com consumidores; e [iii] contratos comerciais.51-52
Essa ideia foi esboçada entre nós por Waldírio Bulgarelli, ainda na década
de 80:
“Há, portanto, [...] de se distinguir hoje entre os contratos comuns,
firmados entre particulares, de igual ou equivalente posição econômica,
dos contratos entre empresas, e dos contratos dos particulares com as
empresas, sendo estes últimos, o alvo especial do chamado direito do
consumidor, que só agora começa a despontar entre nós”.53
Antônio Junqueira de Azevedo indica que os contratos apartam-se entre
“contratos empresariais” e “contratos existenciais”, que incluem os contratos
de consumo, contratos celebrados para viabilizar a subsistência da pessoa hu-
mana, compra da casa própria, contratos de trabalho e locações residenciais.
“Essa nova dicotomia é, a nosso ver, a verdadeira dicotomia contratual do séc.
XXI”. Trata-se de sistematização tão funcional para o nosso século quanto foi
no século passado a distinção entre os contratos paritários e os contratos de
adesão.54

1.6 O escopo de lucro presente em todos os seus polos como marca e


guia dos contratos empresariais
O diferenciador marcante dos contratos comerciais reside no escopo de
lucro de todas as partes envolvidas, que condiciona seu comportamento, sua
“vontade comum” e, portanto, a função econômica do negócio, imprimindo-lhe
dinâmica diversa e peculiar.
Por um lado, o contrato, singularmente considerado, perfaz determi-
nada operação econômica. Porém, quando imerso na empresa, revela-se como

51. “Alla distinzione tra contratti commerciali e contratti civili [...] sembra avvicendar-
si perlomeno una tripartizione: che corre dai contratti civili a quelli commerciali
passando atraverso i contratti dei consumatori” [Fabrizio di Marzio, Verso il nuovo
diritto dei contratti, 4].
52. “‘[I]l contratto del consumatore’ – inteso come contratto fra un consumatore e un
operatore economico professionale, relativo all’acquisto di beni o servizi forniti da
quest’ultimo – emerge come categoria autonoma e significativa del diritto contrattu-
ale. Questo è um dato acquisito ovunque, e da tempo” [Vincenzo Roppo, Il contratto
del duemila, 26].
53. Contratos mercantis, 24.
54. Natureza jurídica do contrato de consórcio [sinalagma indireto]. Onerosidade ex-
cessiva em contrato de consórcio. Resolução parcial de contrato, 356.
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 39

parte ou manifestação da atividade do ente produtivo. Assim, é inegável o im-


pacto da atividade da empresa sobre cada um dos negócios por ela encetados.55-56
Dizemos que a “natureza e o espírito do contrato” comercial são condi-
cionados pela “vontade comum” das partes, direcionada que é pelo escopo de
lucro que grava cada uma delas.
Nos contratos consumeristas, essa luta pelo lucro recai apenas sobre uma
das partes [a empresa fornecedora]; nos civis, pode inexistir [como no caso da
doação] ou aparecer de forma esporádica e mitigada em um dos polos que se
aproveitará economicamente do evento [locação, por exemplo].
De qualquer forma, mesmo nessas hipóteses, o escopo econômico não mar-
ca o contrato de forma tão incisiva como nos casos comerciais, pois a parte não
tem sua atividade, toda ela, voltada para o lucro, como ocorre com as empresas e
sua atividade profissional. O moto da empresa é diverso daquele do proprietário
de um imóvel que o aluga; enquanto toda a existência da primeira justifica-se
pelo fim lucrativo, o proprietário, embora deseje obter vantagem econômica
do negócio, não tem nisso sua razão de ser.

1.7 Uma necessária digressão histórica: os cismas das categorias con-


tratuais e a consolidação dos contratos empresariais
É conhecida a afirmação de Ascarelli no sentido de que o direito comercial
é uma categoria histórica e não ontológica.57 Assim, “a sua razão de ser perante
o direito civil não pode repousar sobre critérios lógicos, mas sobre critérios
históricos”.58 Somente podemos entender a essência do direito mercantil se
encararmos as razões históricas de seu nascimento, i.e., a gênese de seus “prin-
cípios peculiares”, de sua “especificidade intrínseca”.59

55. “[I]l contratto, pur destinato a regolare un singolo e specifico rapporto, rappresenta
anche uno dei momenti nei quali si realizza la più complessa attività dell’impresa: da
ciò, almeno potenzialmente, un’influenza su di esso del modo in cui questa attività è
stata programmata dall’imprenditore” [Carlo Angelici, La contrattazione d’impresa,
190-1].
56. Daí dizermos que o fim imediato das contratações é a satisfação das necessidades
econômicas das empresas, enquanto que o escopo máximo delas é sempre o lucro.
57. Cf. Corso di diritto commerciale, 79.
58. La funzione del diritto speciale e le trasformazioni del diritto commerciale, 4.
59. “È sempre solamente da un punto di vista storico, e cioè in relazione alle diverse
esigenze dei singoli momenti storici, che si può comprendere l’autonomia successi-
vamente rivendicata dal diritto del lavoro, dal diritto industriale, dal diritto agrario.
Diritti speciali tutti e che anch’essi si contraddistinguono per comprendere insieme
40 | CONTRATOS EMPRESARIAIS

O método de análise sugerido por Ascarelli é indispensável para a real


compreensão da categoria dos contratos comerciais; seu reconhecimento como
categoria independente exige que sejam tomados em perspectiva histórica.
Sem embargo das interessantes e atuais discussões sobre a existência de
direito comercial em Roma,60 sigamos as lições de Goldschmidt61 e admitamos
que apenas por volta do século XII o direito mercantil solidificou-se como
ramo autônomo.62 Se antes todos os contratos estavam sujeitos à disciplina
civilista – baseada no direito romano –, aqueles comerciais começam a dela
desprender-se, assumindo regras [e jurisdição] próprias. O surgimento do di-
reito comercial faz com que os negócios mercantis sejam apartados dos demais.
Tem-se um primeiro cisma, que faz nascer a clássica dicotomia do direito privado:
direito civil e direito comercial.
A revolução industrial traz a afirmação do dogma do livre mercado e
também reações causadas pela primazia dessa lógica.
No final do século XVIII, haviam se solidificado os princípios liberais
enformadores da generalidade dos contratos: individualismo, liberdade de
contratar e presunção de igualdade entre as partes.63 O mercado se faz possí-

norme di diritto pubblico e di diritto privato, per avere, quali diritti speciali, una
esistenza che é storicamente determinata, per comprendere um ambito che è a volte
a volte diverso” [La funzione del diritto speciale e le trasformazioni del diritto com-
merciale, 5].
60. Cf., sobre a existência do direito comercial em Roma, Pietro Cerami e Aldo Petrucci,
Lezioni di diritto commerciale romano; Feliciano Serrao, Impresa e responsabilità a
Roma nell’età commerciale; Pietro Cerami, Andrea di Porto e Aldo Petrucci, Diritto
commerciale romano.
61. Storia universale del diritto commerciale, 60 e ss.
62. “Un sistema speciale del diritto marittimo e del diritto commerciale fu invece crea­
zione italiana nella primavera della nostra civiltà comunale [Tullio Ascarelli, La
funzione del diritto speciale e le trasformazioni del diritto commerciale, 3]”. No
mesmo sentido, praticamente a totalidade da doutrina italiana e brasileira.
63. A lição de Orlando Gomes há de ser sempre lembrada: “A moderna concepção do
contrato como acordo de vontades por meio do qual as pessoas formam um vínculo
jurídico a que se prendem se esclarece à luz da ideologia individualista dominante
na época de sua cristalização e do processo econômico de consolidação do regime
capitalista de produção. O conjunto de ideias então dominantes, nos planos eco-
nômico, político e social, constituiu-se em matriz da concepção do contrato como
consenso e da vontade como fonte de efeitos jurídicos, refletindo-se nessa idealização
o contexto individualista do jusnaturalismo, principalmente na superestimação do
papel do indivíduo. O liberalismo econômico, a ideia basilar de que todos são iguais
perante a lei e devem ser igualmente tratados e a concepção de que o mercado de
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 41

vel porque o sistema jurídico presume a igualdade dos contratantes que, no


exercício de sua liberdade, estabelecem trocas entre si. “O contrato surge como
uma categoria que serve a todos os tipos de relações entre sujeitos de direito
e a qualquer pessoa independentemente de sua posição ou condição social”,
explica Orlando Gomes.64
Mas o funcionamento do mercado liberal gera disfunções [efeitos autodes-
trutíveis, “falhas”, “externalidades negativas”], que levam à desestabilização do
sistema. Daí o inteligente arranjo implementado pelo direito, intervindo para
neutralizar e evitar crises. A proteção dos “direitos sociais” dos trabalhadores
mostra-se imperativo para perpetuar o tráfico mercantil. O “interesse geral do
comércio” exige que o fator trabalho continue desempenhando seu papel no processo
produtivo, dando seguimento ao processo de acumulação de capital.
A relação entre patrão e empregado – i.e., entre empresa e empregado –
deve ser isolada e tratada de maneira especial, arrefecendo, de certa forma, os
princípios liberais do tráfico.65 Exige-se que os negócios jurídicos com empre-
gados passem a obedecer a princípios peculiares, que reconheçam e lidem com
a hipossuficiência do trabalhador. Há um “particularismo do negócio jurídico

capitais e o mercado de trabalho devem funcionar livremente em condições, todavia,


que favorecem a dominação de uma classe sobre a economia considerada em seu
conjunto permitiram fazer-se do contrato o instrumento jurídico por excelência da
vida econômica” [Contratos, 7].
64. Orlando Gomes, Contratos, 7.
65. Para Ascarelli: “Il superamento del liberalismo e dell’individualismo economico è
oggi ovunque nella realtà delle cose. Nel diritto privato è stato naturalmente innazi
tutto nel diritto del lavoro che, fin dalla fine del secolo XIX, la concezione liberale e
individualista è stata sottoposta a uma critica serrata ed a trasformazioni profonde”
[La funzione del diritto speciale e le trasformazioni del diritto commerciale, 8]. No
mesmo sentido, Cesarino Júnior: “É lugar comum nas obras de direito do trabalho a
afirmação de que o individualismo, proprio da Revolução francêsa, proclamando a
igualdade, a liberdade contratual entre o patrão e o operario, havia apenas garantido
a êste [...] o direito de... morrer de fome. Com efeito, a desigualdade das condições
econômicas dos dois contratantes, se traduzia sempre ou quase, na aceitação pela
parte mais fraca, o operário, das condições danosas que lhe eram impostas pelo mais
forte, o patrão, que podia esperar o empregado que se sujeitasse ás suas imposições,
enquanto o operario, não dispondo de outros recursos que não a sua força de trabalho,
devia sujeitar-se a aceitar as condições propostas, por mais bronzeas que fossem.
Daí, naturalmente a necessidade de uma legislação especial, a atual legislação social,
feita, como acentuou notavel civilista, com a preocupação de proteger a parte mais
fraca” [Natureza jurídica do contrato individual de trabalho, 30].
42 | CONTRATOS EMPRESARIAIS

básico regulado pela legislação do trabalho [que] justifica as inovações nos


métodos, nos critérios e na própria técnica que distinguem o Direito do Tra-
balho do direito comum”.66
No Brasil, o apartar das relações trabalhistas assume traços característi-
cos, derivados da resistência liberal. Relata-se o veto presidencial a leis que,
no início da República, procuraram garantir alguns direitos aos trabalhadores:
“Segundo o princípio de igualdade perante a lei, a locação de serviço
agrícola deve ser regulada pelos princípios de direito comum e não por
um regime processual e penal de exceção.
Nas sociedades civilizadas a atividade humana se exerce em quase todas
as formas sob o regime do contrato.
Intervir o Estado na formação dos contratos é restringir a liberdade e a
atividade individual nas suas mais elevadas e constantes manifestações, é
limitar o livre exercício das profissões, garantidas em toda a sua plenitude
pela [...] Constituição.
O papel do Estado nos regimes livres é assistir como simples espectador
à formação dos contratos e só intervir para assegurar os efeitos e as con-
sequências dos contratos livremente realizados. Por essa forma, o Estado
não limita, não diminui, mas amplia a ação da liberdade e da atividade
individual, garantidos os seus efeitos. [...]
O trabalho humano foge sempre à regulamentação, procurando pontos
onde ele pode exercer-se livremente”.67
De início, as relações entre capital e trabalho eram disciplinadas pelo
Código Civil de 1916 como locação de serviços [art. 1.216 e seguintes].68 A
ideia base calca-se no liberalismo, pressupondo que as partes, inclusive o em-
pregado, disporiam de liberdade para negociar/aceitar os termos contratuais.69

66. Orlando Gomes e Elson Gottschalk, Curso de direito do trabalho, XIII. Esses autores
identificam em dois pontos as especificidades da relação jurídica nuclear do direito do
trabalho: [i] o predomínio do fator humano que origina, para uma das partes, dependência
pessoal e [ii] o impacto dessa relação no sistema econômico globalmente considerado,
“tornando-se algo mais do que um simples vínculo entre duas pessoas” [XII].
67. Arnaldo Süssekind, Délio Maranhão e Segadas Vianna, Instituições de direito do tra-
balho, 57-8.
68. Havia poucas leis protetivas, relatadas por Arnaldo Süssekind, Délio Maranhão e
Segadas Vianna, Instituições de direito do trabalho, 58 e ss.
69. Orlando Gomes e Elson Gottschalk afirmam que a matéria recebeu, no Código Civil,
“um tratamento no puro estilo clássico romanista” [Curso de direito do trabalho, 7].
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 43

Em 1938, ainda se noticiava a incipiência da proteção trabalhista no Brasil e a


ausência do reconhecimento do “contrato de trabalho”.70
Mas aos poucos se estabelece entre nós a concepção da “hipossuficiência”
do trabalhador, na expressão que se acredita cunhada por Cesarino Júnior.71 A
legislação especial assiste, a partir dos anos trinta, a uma “intensificação febril”
e à adoção da regulamentação internacional do trabalho, sob os auspícios da Or-
ganização Internacional do Trabalho [OIT].72 A influência da obra de Hauriou,
com sua teoria das instituições, é marcante.73 Merece incontestável destaque
a promulgação da CLT, quando a empresa é identificada com o empregador.
Ao primeiro grande cisma dos contratos mercantis, sucede um segundo:
decotam-se os contratos trabalhistas, firmando nova categoria autônoma.
Seguindo no tempo, a preservação do mercado exige que seja conferida
proteção especial aos consumidores. Em sua essência, o movimento que então
se verifica não difere daqueles que relatamos: mais uma vez, ocorre a separação
de um conjunto de relações econômicas, porque assumem funcionamento
peculiar. A esses negócios [contratos consumeristas] é impressa lógica diversa,
apartada daquela do corpo da qual se desprendeu.74

No mesmo sentido, Cesarino Júnior destaca que a própria expressão “locação de ser-
viços” é mera tradução da locatio ou conductio operarum do direito romano [Natureza
jurídica do contrato individual de trabalho, 18].
70. Cesarino Júnior, Natureza jurídica do contrato individual de trabalho, 23 e ss.
71. “Aos não proprietários, que só possuem sua fôrça de trabalho, denominamos hipos-
suficientes. Aos proprietários, de capitais, imóveis, mercadorias, maquinaria, terras,
chamamos auto-suficientes. Os hipossuficientes estão, em relação aos auto-suficientes,
numa situação de hipossuficiência absoluta, pois dependem, para viver e fazer sua família,
do produto de seu trabalho. [...] Há uma troca entre os bens excedentes dos ricos e os
serviços dos pobres. O lugar em que geralmente se opera esta troca é a emprêsa [...]. [...]
A hipossuficiência absoluta se caracteriza pelo fato de o indivíduo depender do produto
do seu trabalho para manter-se e à sua família” [Direito social brasileiro, 25-6].
72. Os diplomas mais relevantes desse período e sua disciplina constitucional são ano-
tados por Orlando Gomes e Elson Gottschalk, Curso de direito do trabalho, 7.
73. “As grandes linhas dessa teoria são as seguintes: uma instituição é uma ideia de obra
ou empresa que se realiza e dura juridicamente em um meio social; para a realização
dessa ideia, organiza-se um poder que avia os órgãos necessários; de outra parte,
entre os membros do grupo social interessado na realização da ideia, produzem-se
manifestações de comunhão dirigidas por órgãos de poder e regradas por procedi-
mentos” [La teoría de la institución y de la fundación, 39-40].
74. Retomemos a lição de Antonio Herman de V. Benjamin: “A adaptação de soluções do
‘liberalismo clássico’, produzidas em uma realidade econômica inteiramente diversa
da atual, deixou de levar em conta que ‘fenômenos de massa’ não comportam remé-
44 | CONTRATOS EMPRESARIAIS

Todos esses cismas e rearranjos são realizados [pelo Direito] em torno


do status das partes. Os contratos mercantis despregam-se do direito comum
porque deles participa um comerciante; os trabalhistas, porque envolvem em-
pregado e os consumeristas porque na relação há consumidor.
As interações e iterações que acontecem no mercado hão de ser agrupadas
segundo os sujeitos que delas participam, pois é em virtude deles que as relações
jurídicas acomodar-se-ão em torno de princípios comuns. Ou seja, na ordem
jurídica do mercado, as relações são disciplinadas de acordo com o “status”
das partes.75 Na atualidade, apenas as relações interempresariais submetem-se
ao parâmetro mercantil.

dios individualistas, alicerçados em ideias sem qualquer conexão com a sociedade


de consumo. Princípios como os da liberdade contratual, da liberdade de comércio,
da não intervenção do Estado no gerenciamento do mercado, da responsabilidade
do fornecedor apenas por culpa, assim como as normas rígidas de legitimidade ad
causam e de prova, foram formulados para regrar relações sociais de feições diversas
da relação de consumo. [...] Mas por que esse despertar legislativo? Primeiro porque
o surgimento da sociedade de consumo propiciou o aparecimento de relações jurídi-
cas antes desconhecidas. Ou, se preferirem, permitiu o aparecimento de ‘formas de
manifestação’ singulares para as relações jurídicas clássicas [compra e venda, locação,
mútuo]. Em segundo lugar, a mesma sociedade de consumo, pela massificação de suas
relações e pelo fortalecimento da empresa, criou uma situação de ‘vulnerabilidade’
para o consumidor” [O direito do consumidor, 49-50].
75. É inegável a tendência, referida pela melhor doutrina italiana, da consideração do
status das partes pelo ordenamento jurídico para fins da disciplina das relações das
quais participam. Por exemplo, Buonocore: “[...] la prima linea di tendenza, che
meglio sarebbe considerare come pressupposto generale di tutte le costatazioni che
seguiranno, è, dunque, quella dell’emergere nella legislazione speciale di una disciplina
diferenziata dei contratti, indotta dalla qualità, o, se si vuole, dallo status delle parti”.
E, mais adiante: “É stata, però, la legislazione speciale a dare novella, e decisiva, rile-
vanza – direta o indiretta – allo status delle parti contraenti, dettando una disciplina
differenziata rispetto a quella generale dei contratti contenuta nel codice civile: l’aspetto
fortemente innovativo dei provvedimenti sta sia nella circostanza che tale disciplina
differenziata non riguarda un singolo rapporto ma la generalità dei contratti stipulati
da un imprenditore o comunque gruppi omogenei di contratti, sia nella circostanza
[...] che nei nuovi provvedimenti viene presa in considerazione e disciplinata non solo
la posizione dell’imprenditore, e cioè il contraente ‘forte’, ma anche quella dell’‘altro
contraente’, e cioè l’interfaccia dell’imprenditore” [Contrattazione d’impresa e nuove
categorie contrattuali, 120]. Para complementação da ideia do autor, v. Ainda “Contratti
del consumatore e contratti d’impresa”, especialmente 20 e ss. Mais recentemente,
Guido Alpa, analisando a realidade da disciplina da União Europeia sobre os contratos,
afirma: “dobbiamo distinguere allora i contratti tra imprenditori [o professionisti], e
i contratti conclusi con i consumatori” [Il contratto in generale, 577].

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