Lilian Quézia Oliveira da Costa
Título Provisório : A docência e os Saberes
1a. versão
Trabalho realizado na disciplina: Didática II
Professora Doutora Patrícia Aparecida do Amparo
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Faculdade de Educação
2022
O presente ensaio tem como objetivo a análise acerca da discussão em relação à escola, e
saberes docentes formais e os chamados conhecimentos “práticos”, de experiências
formativas de vida e práticas cotidianas no âmbito escolar. Desse modo, cabe refletirmos do
que é constituído os saberes docentes e porquê essa atribuição é pertinente e constantemente
relacionada ao tempo de carreira dos professores?
Em primeiro âmbito, devemos entender os aspectos da constituição dos saberes. Afinal, o que
entende-se como saberes? De acordo com o pensador da educação, Dewey, o aprender é
próprio do organismo, chegando a ser condição de sobrevivência do organismo, ou seja,
sendo uma tendência natural do indivíduo o apreender. Esses saberes são estimulados na
formação primária, secundária e ao longo da vida acadêmica.
Nesse sentido, o professor indivíduo formado e socializado, obtém sua formação, a partir de
conhecimentos das disciplinas, domínio da filosofia, didática, e até mesmo da experiência
enquanto educador, suas práticas formativas de aprendizagem não se limitam ao campo
acadêmico, ao entrar em contato com o campo educacional e atuando em escolas, ou até
mesmo apenas estar em contato social com docentes na família, esses saberes são
estruturados compostos internamente e externamente, por isso a afirmação divulgada entre os
professores acerca do aprender a ser educador ter viés prático.
De acordo com as investigações de Tardif sobre a literatura norte-americana , tratam-se dos
saberes baseados no ensino a partir da designação Knowledge base, mobilizados por
professores eficientes durante a ação em sala de aula.
Em seu artigo Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério disserta:
“Num sentido amplo, designa o conjunto dos saberes que fundamentam o
ato de ensinar no ambiente escolar" (Tardif e Lessard 1999). Esses saberes
provêm de fontes diversas (formação inicial e contínua dos professores,
currículo e socialização escolar, conhecimento das disciplinas a serem
ensinadas, experiência na profissão, cultura pessoal e profissional,
aprendizagem com os pares etc.). É a esse segundo significado que está
ligada a nossa própria concepção.” ( TARDIF p. 212)
Dessa forma, a afirmação expõe diversificadas variações do saber e suas centralidades. Os
saberes não se limitam a conteúdos bem circunscritos que dependem de um conhecimento
especializado acadêmico, aos conhecimentos teóricos obtidos na universidade e produzidos
pela pesquisa na área da Educação: para os professores de profissão, a experiência de
trabalho parece ser a fonte privilegiada de seu saber-ensinar (TARDIF). Os Saberes
profissionais portanto remetem a diversidade e pluralidades à medida que são montados, no
próprio exercício do trabalho, conhecimentos e manifestações do saber-fazer e do saber-se
destacando assim, sua experiência na profissão como fonte primária de suas competências.
Na obra de Bernardine Evaristo “Garota, Mulher, Outras.” é apresentado a nós leitores a
relação constitutiva da formação e construção profissional através da trajetória profissional,
ou seja, o saber ligadas ao tempo e a prática (TARDIF). A personagem principal, Shirley, é
uma professora de história recém formada com visões claras do papel da educação e fortes
ideologias, no papel social institucional da escola nas transformações de realidades sociais,
econômicas e culturais, no qual teve grande impacto na sua vida pessoal a dando uma missão
de repetir o seu ciclo de mudança. Para a apresentação dessas pautas são utilizados artifícios
de embate internos, entre os professores recém formados e antigos ( Nova Ordem e Velha
Guarda), a respeito do ensino e seu caráter prático, assim como docência e seus desafios
inerentes à construção da missão pessoal da personagem, sobre igualdade e transformação,
onde é calejada pelo tempo, perdendo seu brilho e adquirindo uma espécie de sedação e
descredibilização da legitimidade escolar, ao mesmo tempo nutrindo- se de saberes
experimentados.
A percepção de conhecimento é temporal na obra, sendo o tempo o principal artefato da
relação pedagógica e concretização profissional da personagem. A estruturação de seus
saberes, são realizados no chão escolar. Nos seus primeiros meses de carreira, sofre por não
se assemelhar aos seus pares da Velha Guarda atuantes na área, por sua mocidade na carreira,
mesmo obtendo bons resultados nos exames com sua primeira classe.
Nessa perspectiva os agentes profissionais não validam apenas o conhecimento acadêmico,
lembrando de sua inexperiência e discrepância académica sentidas de forma diferente na
escola idealizada com a escola “real”. Este fato é visto nos primeiros parágrafos, acerca da
validação de docentes a seus pares de seu conhecimento, por tempo de carreira fator
determinante de conflitos com Penélope sua colega de trabalho.
“Metade dos alunos são tão estúpidos e mal comportados que deveriam ser
suspensos ou mesmo expulsos da escola.”
Shirley rebate e ergue a voz:
- Nós não devemos descartá-los, acredito numa construção de uma
sociedade mais igualitária para nossas crianças, nas quais sabem suas falhas
antes mesmo de terem chance de provar ao contrário. Se não os ajudarmos,
quem vai?”
Penelope rebate, não sou assistente Social ! Acredito que você tem que estar
há mais de dois semestres no emprego antes de desafiar alguém com quinze
anos de Experiência “. (Shirley Bernardine Evaristo p.251)
O processo de lecionar, tanto na literatura quanto na realidade, portanto para os professores
de profissão, é provindo privilegiadamente da experiência de trabalho de seu saber-ensinar
(TARDIF).
O saber acadêmico inclusive por sua abordagem é criticado por não compreender do alto da
sua intelectualidade abstrata os dilemas escolares reais do chão de escola. A partir desta
discordância François Dubet realiza uma pesquisa que posteriormente viria a ser um livro
“Quando o sociólogo quer saber como é ser professor” relatando sua experiência como
professor ao longo de 1 ano, motivado pelas descrições e críticas “exageradas” dadas a ele
por outros professores a respeito da relação pedagógica. Dubet vivenciou as dificuldades da
profissão, experienciação do trabalho docente, a impossibilidade de trabalhar e as diferentes
singularidades dos alunos, onde realiza em uma medida drástica um golpe de estado,
compostos por punições, regras e ameaças, o que para ele moldou sua personalidade
profissional, ao ponto de senti-lo como um fracasso pedagógico e moral, mas que o permitiu
fixar uma ordem para controlar a relação desregulada.
François Dubet traz relatos acerca dessa relação de constante experiência prática vivida no
ambiente escolar, exemplificadas nos trechos a seguir;
“No final das contas, achei que a descrição que os professores entrevistados
faziam na pesquisa era bastante correta. Realmente, a relação escolar é a
priori desregulada. Cada vez que se entra na sala, é preciso reconstruir a
relação: com este tipo de alunos, ela nunca se torna rotina. É cansativa.”
(Fraçois Dubet, 1997)
“A gente tem o sentimento de que os alunos não querem jogar o jogo e é
muito difícil porque significa submeter à prova suas personalidades. Se eu
falo de charme, de sedução, não é por narcisismo, é de fato o que a gente
realmente experimenta. É uma experiência muito positiva quando funciona,
a gente fica contente; quando não funciona, a gente se desespera”. (Fraçois
Dubet, 1997)
Desse modo, o desenvolvimento da atividade ao longo do tempo é ao que parece a base dos
saberes docente, não anulando os adquiridos anteriormente por meios acadêmicos, mas os
validando, e juntando a partir da trajetória pré-profissional e prática, remetendo uma boa
parte do que os professores sabem sobre o ensino, sobre os papéis do professor e o ensinar
provindo de sua imersão de socialização, assim como de sua própria história de vida
remontado um saber de “tijolinhos” adquiridos ao longo da sua ação docente construindo seu
eu professor.
Em consonância a isso, ao conjunto de saberes e práticas, estão as circunstâncias do escolar ,
o caráter transformador e socializador presente no ensino, vistos ao decorrer do livro, podem
ser percebidos como a construção e desconstrução da esperança de shirley, na quais são
conflituosas na área sociológica em termos de estrutura social reprodutora de desigualdades
(Bourdieu) inerentes ao trabalho docente, que moldam saberes práticos do coração escolar,
construindo novas personalidades profissionais vistas em Shirley e Dubet em seu golpe de
estado. Esta alteração de comportamento pedagógico, segundo Tardif, é marcada na profissão
docente pelo escolar e suas rotinas, marcada por embates circunstâncias do coração escolar de
sua cultura escolar, seus programas escolares, burocracias, imposição de métodos, e verdade
parcial de sociedade democrática , tornando a casca do professor dura e mobilizada de sua
personalidade e formação profissional.
“ A carreira é também um processo de socialização, isto é, um processo de
marcação e de incorporação dos indivíduos às práticas e rotinas
institucionalizadas das equipes de trabalho. Ora, essas equipes de trabalho
exigem que os indivíduos se adaptem a essas práticas e rotinas, e não o
inverso. ( TARDIF, p 217)
Em síntese, os aspectos estruturantes de saberes são variáveis de caráter socializador e
experienciador que fazem parte do processo de formação do indivíduo que se estende por
toda a história de vida e comporta rupturas e continuidades. Entre esses saberes estão o
pedagógico, os disciplinares (golpe de estado), os curriculares (Shirley) e os Experienciais
(Dubet.
O professor ao longo de sua carreira constrói sua identidade profissional através desses
saberes, dentro de sua formação, formação experiencial, socializadores, determinantes por
limites incorporados e pré - condicionados de saberes primários oriundos anteriormente da
(família e ambiente de vida), assim como a socialização escolar enquanto aluno e prático na
carreira.
Logo o tempo, a carreira e experiência são imersos ao trabalho docente, mas também um
dado subjetivo por ter caracteres pessoais e sociais, o'que concluímos que contribui
poderosamente para modelar a identidade do trabalhador, quanto professor e a noção de
experiência que cerne a representação do domínio do saber ensinar, por tempo de carreira e
da reafirmação do conhecimento de si mesmo a medida que é uma história pessoal e social. O
saber docente é rico, múltiplo e complexo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
TARDIF, Maurice. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho
no magistério: Educação & Sociedade. Local: Scielo, Revista,
2000. 209- 244 p. v.1.
EVARISTO, Bernadine . Garota, mulher, Outras. 1. ed.
Companhia: Companhia das letras, 2020. 251 p. v. 1.
PERALVA, Angelina Texeira ; DUBET, Fraçois . Quando o
Sociólogo quer saber o que é ser professor: Entrevista com
Fraçois Dubet. 5. ed. Local: Espaço Aberto, 1997. 222-231 p. v. 1.