ECO, Umberto. Como se faz uma tese. 23 ed. São Paulo: Perspectiva, 2010.
Uma tese teórica é aquela que se propor atacar um problema abstrato, que pode já ter
sido ou não objeto de outras reflexões: natureza da vontade humana, o conceito de
liberdade, a noção de papel social, a existência de Deus, o código genético. Enumerados
assim, estes temas fazem imediatamente sorrir, pois se pensa naqueles tipos de
abordagem a que Gramsci chamava de “breves acenos ao universo”. Insignes
pensadores, contudo, se debruçaram sobre esses temas. Mas, afora raras exceções,
fizeram-no como conclusão um trabalho de meditação de várias décadas (ECO, 2010, p.
11).
Após a contestação estudantil de 1968, frutificou a opinião de que não se devem fazer
teses “culturais” ou livrescas, mas teses diretamente ligadas a interesses políticos e
sociais (ECO, 2010, p. 20).
Para alguns, a ciência se identifica com as ciências naturais ou com a pesquisa em bases
quantitativas: uma pesquisa não é científica se não for conduzida mediante fórmulas e
diagramas. Sob este ponto de vista, portanto, não seria científica uma pesquisa a
respeito da moral em Aristóteles; mas também não o seria um estudo sobre consciência
de classe a levantes camponeses por ocasião da reforma protestante. Evidentemente, não
é esse o sentido que se dá ao termo “científico” nas universidades (ECO, 2010, p. 21).
Um estudo é científico quando responde aos seguintes requisitos:
1) O estudo debruça-se sobre um objeto reconhecível e definido de tal maneira
que seja reconhecível igualmente pelos outros [...] Definir o objeto significa
então definir as condições sobre as quais podemos falar, com base em certas
regras que estabelecemos ou que outros estabeleceram antes de nós. (ECO,
2010, p. 21).
2) O estudo deve dizer do objeto algo ainda não foi dito ou rever sob uma óptica
diferente o que já se disse (ECO, 2010, p. 22).
3) O estudo deve ser útil aos demais [...] Um trabalho é científico se (observados
os requisitos 1 e 2) acrescentar algo ao que a comunidade já sabia, e se todos os
futuros trabalhos sobre o mesmo tema tiverem que levá-lo em conta, ao menos
em teoria (ECO, 2010, p. 22).
4) O estudo deve fornecer elementos para a verificação e a contestação das
hipóteses apresentadas e, portanto, para uma continuidade pública. Esse é um
requisito fundamental. (Fornecer provas para a sua hipótese e contribuir para os
próximos pesquisadores/as) (ECO, 2010, p. 23).
O bom de um procedimento científico é que ele nunca faz os outros perderem tempo:
até mesmo trabalhar na esteira de uma hipótese científica para depois descobrir que ela
deve ser refutada significa ter feito algo positivo sob o impulso de uma proposta anterior
(ECO, 2010, p. 24).
[...] vê-se que não existe oposição entre tese científica e tese política. Por um lado,
pode-se dizer que todo trabalho científico, na medida em que contribui para o
desenvolvimento do conhecimento geral tem sempre um valor político positivo (tem
valor negativo toda ação que tenda a bloquear o processo de conhecimento); mas, por
outro, cumpre dizer que toda empresa política com possibilidade de êxito deve possuir
uma base de seriedade científica (ECO, 2010, p. 24).
Para quem escreve-se a tese?
[...] uma tese é um trabalho que, por razões ocasionais, se dirige ao examinador, mas
presume que possa ser lida e consultada, de fato, por muitos outros, mesmo estudiosos
não versados diretamente naquela disciplina (ECO, 2010, p. 115).
Anunciar as perspectivas:
De início, definem-se os termos usados, a menos que se trate de termos consagrados e
indiscutíveis pela disciplina em causa. Numa tese de lógica formal, não precisarei
definir um termo como “implicação” (mas numa tese sobre a implicação estrita em
Lewis, terei de definir a diferença entre implicação material e implicação estrita). Numa
tese de linguística não terei de definir a noção de fonema (mas devo fazê-lo se o assunto
da tese for a definição de fonema em Jakobson). Porém, nesta mesma tese de
linguística, se empregar a palavra “signo” seria conveniente defini-la, pois dá-se o caso
de que o termo se refere a coisas diversas em autores diversos. Portanto, teremos como
regra geral: definir como todos os termos técnicos usados como categorias-chave em
nosso discurso (ECO, 2010, p. 116).
Como se escreve?
Nada de períodos longos. Se ocorrerem, registre-os, mas depois desmembre-os. Não
receie repetir duas vezes o sujeito. Elimine o excesso de pronomes e subordinadas
(ECO, 2010, p. 117).
A linguagem da tese é uma metalinguagem, isto é, uma linguagem que fala de outras
linguagens. Um psiquiatra que descreve doentes mentais não se exprime como os
doentes mentais. Não quero dizer que seja errado exprimir-se como eles: pode-se, e
razoavelmente, estar convencido de que os doentes mentais são os únicos a exprimir-se
como deve ser. Mas então terá duas alternativas: ou não fazer uma tese e manifestar o
desejo de ruptura recusando os títulos universitários e começando, por exemplo, a tocar
guitarra; ou fazer a tese, mas explicando por que motivo a linguagem dos doentes
mentais não é uma linguagem “de loucos”, e para tal precisará empregar uma
metalinguagem crítica compreensível a todos. O pseudopoeta que faz sua tese em versos
é um palerma (e com certeza mau poeta). De Dante a Eliot e de Eliot a Sanguineti, os
poetas de vanguarda, quando queriam falar de sua poesia, faziam-no em prosa e com
clareza. Quando Marx falava dos operários, não escrevia como um operário de sua
época, mas como um filósofo. Mas quando, de parceria com Engels, redigiu o
Manifesto de 1848, empregou um estilo jornalístico, de períodos curtos, muitíssimo
eficaz e provocatório. Diferente do estilo de O Capital, destinado a economistas e
políticos (ECO, 2010, p. 118-119).
“Dicas”:
Abra parágrafos com frequência. Quando for necessário, para arejar o texto; mas
quanto mais vezes, melhor (ECO, 2010, p. 119).
Escreva o que lhe vier à cabeça, mas apenas em rascunho. Depois perceberá que o
ímpeto lhe arrebatou a mão e o afastou do núcleo do tema. Elimine então as partes
parentéticas e as divagações, colocando-as em nota ou em apêndice. A finalidade da
tese é demonstrar uma hipótese que se elaborou inicialmente, e não provar que se sabe
tudo (ECO, 2010, p. 119).
Use o orientador como cobaia. Faça-o ler os primeiros capítulos (e depois, aos poucos,
o resto) com boa antecedência antes da entrega da tese. As reações dele poderão ser de
grande utilidade. Se o orientador for uma pessoa muito ocupada (ou preguiçosa) recorra
a um amigo. Verifique se qualquer pessoa entende o que você escreveu. Não se faça de
gênio solitário (ECO, 2010, p. 119).