Revista de Contabilidade e Organizações (2024), v.
18:e231688
Revista de Journal of
Contabilidade e DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.1982-6486.rco.2024.231688 Accounting and
Organizações Organizations
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Reflexões e tendências
Reflexões sobre o uso de inteligência artificial na contabilidade gerencial:
oportunidades, desafios e riscos
Reflections on the use of artificial intelligence in management accounting: opportunities, challenges, and risks
Marcelo Henrique de Araujoa , Edgard Cornacchionea
a Universidade de São Paulo – Brasil Copyright © 2024 FEA-RP/USP. Todos os direitos reservados.
1 INTRODUÇÃO
O célere desenvolvimento da Tecnologia da Informação (TI) tem sido uma força motriz na transformação
das práticas contábeis ao longo das últimas décadas, redefinindo processos, ampliando a capacidade de obtenção
e análise de dados, bem como fortalecendo o controle gerencial. Tal afirmação conecta-se diretamente à essência
da contabilidade gerencial, essencialmente dedicada à tomada de decisões no âmbito organizacional. Desde a
introdução dos primeiros sistemas computadorizados de registro financeiro até a disseminação dos conhecidos
sistemas integrados de gestão empresarial (ERP – Enterprise Resource Planning), a automação de tarefas
repetitivas e operacionais na contabilidade tem avançado significativamente. Essa digitalização não apenas
proporcionou melhorias na eficiência operacional, bem como tem provocado mudanças na atuação do contador,
demandando que esses profissionais desenvolvam novas competências e assumam papéis cada vez mais
estratégicos e consultivos nas organizações.
Atualmente, nossa sociedade convive com uma nova onda de digitalização em que as ferramentas de
Inteligência Artificial (IA) se destacam ao impulsionar um movimento de transformações radicais em diferentes
práticas dos negócios, em especial no campo da contabilidade (Lee, 2021; Ranta et al., 2023). Tal movimento é
amparado por densa reflexão legislativa, em várias jurisdições, que passam a produzir verdadeiros pactos sociais
para a saudável integração de tais tecnologias em nosso meio. Esse avanço tecnológico alinhado ao crescente
volume de dados tem oportunizado a emergência de tecnologias como aprendizado de máquina (machine
learning), big data, automação robótica de processos (robotic process automation) e processamento de linguagem
natural (natural language processing), as quais têm sido incorporadas às soluções contábeis, permitindo a
execução de tarefas com maior precisão e agilidade. Essas inovações não apenas geram ricos insights
anteriormente inacessíveis pelas abordagens tradicionais, mas também automatizam processos complexos,
liberando os contadores para se concentrarem em atividades de maior valor estratégico. Portanto, a IA está
remodelando a forma como os dados financeiros são tratados e utilizados, ampliando a eficiência e a relevância
das práticas contábeis no apoio à gestão organizacional.
Salienta-se que o debate sobre a integração das Tecnologias da Informação (TI) na contabilidade não é
um fenômeno recente. Desde a adoção dos primeiros computadores (mainframes) pelas empresas, a TI foi utilizada
para apoiar tarefas bem estruturadas, como o controle de registros financeiros e operações contábeis (Marakas &
O’Brien, 2013). No entanto, o cenário atual é marcado por transformações mais velozes, amplas e profundas,
impulsionadas pela IA. Se, no passado, a tecnologia estava centrada na automação de processos operacionais e
repetitivos, hoje ela se consolida como uma aliada estratégica. A adoção de soluções baseadas em IA tem
contribuído para intensificação da automação de tarefas, permitindo que processos complexos sejam realizados de
forma autônoma e com maior eficiência, assim como para a antecipação de cenários, a personalização de análises
em larga escala e a formulação de estratégias competitivas em tempo real.
Especificamente no contexto da contabilidade gerencial, a IA tem colaborado na automação de tarefas
repetitivas, como entrada de dados e reconciliação contábil. Além disso, a IA facilita a análise de fluxo de dados,
a projeção de cenários financeiros e a detecção de fraudes em demonstrações contábeis, bem como apoio ao
monitoramento de riscos e à análise de dados e obtenção de insights estratégicos que aprimoram a tomada de
decisão empresarial e, por consequência, interferem no desempenho organizacional.
Autor correspondente: Tel. (11) 3091-5852
E-mail:
[email protected];
[email protected]Av. Prof. Luciano Gualberto, 908 - FEA 5 - Butantã, São Paulo - SP, 05508-010, Brasil.
Editor responsável: Prof. Dr. Daniel Magalhães Mucci.
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Entretanto, para além dos benefícios esperados, a adoção de aplicações de IA no universo contábil requer
uma análise crítica, considerando os diversos desafios e riscos associados a essa inovação. Um estudo recente do
Institute of Management Accountants (IMA, 2024) aponta que a adoção eficaz da IA requer investimentos
significativos em infraestrutura tecnológica, além de iniciativas voltadas à capacitação de talentos, e à adaptação
da cultura organizacional para um ambiente mais orientado à tecnologia.
Além disso, questões éticas, como o viés algorítmico e as implicações da automação no mercado de
trabalho, reforçam a necessidade de uma análise criteriosa antes da implementação. Desafios adicionais envolvem
a conformidade com regulamentações sobre privacidade e segurança de dados, que estabelecem padrões rigorosos
para o uso ético e responsável da IA (IMA, 2024). Para que os benefícios da IA sejam amplamente alcançados, as
empresas devem adotar abordagens responsáveis e transparentes, assegurando que essas tecnologias promovam
avanços sustentáveis, respeitem os direitos dos indivíduos e contemplem as expectativas de todos os stakeholders.
À luz deste cenário, este artigo visa fomentar o debate sobre as implicações da adoção de aplicações de
IA para apoiar as práticas de contabilidade gerencial. Para além da exposição de potenciais oportunidades atreladas
a esse tipo de inovação, o artigo também busca refletir sobre os potenciais riscos e desafios que acompanham a
transformação contábil no contexto da IA.
2 UM OVERVIEW SOBRE A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Apesar do desenvolvimento da área de estudo relativa à IA ter se manifestado há décadas (logo após a
Segunda Guerra Mundial, notadamente atrelado à Conferência de Dartmouth e a Alan Turing), assim como as
reflexões sobre seus limites e influências na sociedade e profissões (Dreyfus & Dreyfus, 1986), a rápida
disseminação de soluções baseadas em técnicas de IA tem gerado profundas transformações em diversos setores,
ampliando suas aplicações e capacidades em um ritmo sem precedentes. Considerando a relevância dessa
tecnologia, é fundamental que os profissionais da área contábil e financeira compreendam suas características e
explorem seu potencial de forma estratégica, visando fortalecer sua atuação no contexto digital (IMA, 2024).
Com a popularização das aplicações de IA, o termo tem estado cada vez mais presente e, por
consequência, gerando uma grande variedade de definições. Para fins desta discussão, entende-se a IA como uma
área da Ciência da Computação dedicada ao desenvolvimento de sistemas e tecnologias capazes de simular
habilidades cognitivas associadas à inteligência humana, como aprendizado, raciocínio, reconhecimento de
padrões, resolução de problemas e tomada de decisões (Russel & Norvig, 2021; IMA, 2024). Todavia, mesmo que
situada na computação, as soluções de IA são aplicadas em diferentes áreas, elencando uma série de discussões
sobre as suas implicações.
Diante da grande abrangência de aplicações desta tecnologia, podemos destacar algumas subáreas
específicas dentro deste campo de IA, tais como o aprendizado de máquina, processamento de linguagem natural,
automação de robótica de processos, sistemas especialistas entre outras especialidades (Russel & Norvig, 2021;
Fotache & Bucșă, 2024). Vale ressaltar que essa divisão é fruto de uma forma de sistematização das frentes de
aplicações, embora exista certa sobreposição entre elas. O desenvolvimento contínuo dessas subáreas tem
ampliado as possibilidades de aplicação da IA em diferentes contextos de negócios, com especial destaque para a
contabilidade gerencial, que constitui o foco deste artigo.
O aprendizado de máquina (machine learning) é um desses subcampos de IA, cujo foco está no
desenvolvimento de algoritmos e modelos capazes de capacitar computadores a aprender a partir de um conjunto
de dados e realizar determinadas tarefas sem a necessidade de especificar regras pré-definidas (Fotache & Bucșă,
2024; Russel & Norvig, 2021). Essa abordagem permite que os sistemas analisem grandes volumes de dados,
identifiquem padrões e tendências, e usem esses insights para realizar tarefas como análises preditivas e suporte à
decisão (Ranta et al., 2023).
Com o crescimento exponencial da geração de dados (sejam dados estruturados ou não) e sua crescente
importância no ambiente empresarial, as técnicas de aprendizado de máquina têm provocado transformações em
diversos setores (IMA, 2024). Esse impacto é notável em áreas como predição de tendências de mercado,
identificação de fraudes, detecção de anomalias, monitoramento de parâmetros, personalização de serviços entre
outras (Zhou et al., 2024; Ranta et al., 2023; Appelbaum et al., 2017).
O processamento de linguagem natural (NLP – Natural Language Processing) trata-se de uma área
voltada ao desenvolvimento de soluções que permitam os computadores entenderem, interpretarem e gerarem
linguagem humana, no intuito de superar os desafios decorrentes da ambiguidade e imprecisão características da
comunicação humana. Essa tecnologia possibilita uma interação mais natural entre humanos e máquinas,
viabilizando, por exemplo, aplicações como análise de sentimentos, geração de relatórios automatizados e
tradução de texto (Fisher et al., 2016; Fotache & Bucșă, 2024; Russel & Norvig, 2021). Além disso, ao possibilitar
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a realização da análise de dados não estruturados, tais como textos e documentos, a NLP apresenta um diferencial
em relação a abordagens tradicionais restritas aos dados estruturados. Tais técnicas podem ser empregadas para
extrair informações relevantes de relatórios, notícias, mídias sociais e combinar com métricas quantitativas,
potencialmente contribuindo para uma visão mais abrangente da situação financeira da empresa (Fisher et al.,
2016; Ranta et al., 2023). Portanto, tais técnicas mostram-se de grande utilidade para a área de contabilidade, a
qual produz diversos documentos textuais destinados a comunicar uma ampla variedade de mensagens (incluindo,
mas não se limitando), ao desempenho financeiro corporativo e à avaliação da administração sobre o desempenho
atual e futuro da empresa (Fisher et al., 2016).
A automação robótica de processos – mais conhecida pelo acrônimo RPA do inglês Robotic Process
Automation – consiste em uma tecnologia que permite a criação de robôs (bots) de software (instâncias de software
pré-configuradas) a fim de realizar determinadas operações que imitam as ações humanas para automatizar tarefas
repetitivas, bem estruturadas e baseadas em regras (Zhang et al., 2021; Ranta et al., 2023). Deve-se destacar que
diferentemente do aprendizado de máquina que implementa uma abordagem orientada a dados (data-driven), o
RPA utiliza uma abordagem orientada a processos (process-driven), demandando a especificação das etapas e
regras de negócios previamente para a operacionalização da automação. Esses robôs podem ser facilmente
programados para interagir com vários aplicativos de software da mesma forma que os humanos, realizando tarefas
como entrada de dados, cópia e colagem de informações entre aplicativos e extração de dados de documentos. O
RPA pode ser aplicado para automação de tarefas como lançamento contábil, reconciliação de contas, automação
de processos de contas a pagar, cadastro de invoices e geração de relatórios (Lee & Tajudeen, 2020).
Os sistemas especialistas são softwares projetados para emular o conhecimento, a experiência e as
habilidades de tomada de decisão de especialistas humanos em domínios específicos. Esses sistemas utilizam uma
base de conhecimento — composta por regras, fatos e heurísticas — e um mecanismo de inferência, que analisa
informações e gera conclusões ou recomendações de forma semelhante à de um especialista humano (Wagner et
al., 2002; Fotache & Bucșă, 2024).
Tais sistemas podem desempenhar papéis importantes em tarefas que demandam competências
específicas e conhecimento técnico especializado, como análise de risco de crédito, detecção de fraudes,
planejamento tributário e auditoria, fornecendo insights baseados em dados históricos e regras pré-estabelecidas.
No entanto, o desenvolvimento de sistemas especialistas eficazes apresenta desafios, como a aquisição e
representação do conhecimento de especialistas humanos e a necessidade de validação e testes para garantir sua
precisão e confiabilidade (Wagner et al., 2002).
3 APLICAÇÕES E OPORTUNIDADES DO EMPREGO DA IA NA CONTABILIDADE GERENCIAL
A Contabilidade Gerencial é uma área dedicada a fornecer informações financeiras e não financeiras aos
gestores, com o objetivo de apoiar a tomada de decisões, o planejamento e o controle dentro das organizações
(Fotache & Bucșă, 2024).
Entre as principais funções da contabilidade gerencial, podemos destacar a preparação de demonstrações
financeiras gerais e específicas, avaliação de desempenho corporativo, por unidades de negócio e produtos, suporte
ao planejamento orçamentário, apuração e análise de custos, suporte ao planejamento de preços, a implementação
e monitoramento de controles para o desempenho corporativo e a facilitação da gestão estratégica de custos,
visando o alcance de objetivos de longo prazo (Brands & Holtzblatt, 2015; Nascimento & Reginato, 2009; Zhang
et al., 2023).
Portanto, pode-se evidenciar que as práticas dos contadores gerenciais demandam capacidade de
processamento de uma grande diversidade de dados provenientes do ambiente interno ou externo à organização
visando a geração de informações (Zhang et al., 2023). À luz dessas características, a adoção de ferramentas de
IA pode colaborar na melhoria da eficácia e eficiência do processo de análise de dados e se posicionar como
potente aliada em processos de tomada de decisão e controle gerencial.
A seguir são apresentadas as áreas em que as aplicações de Inteligência Artificial podem colaborar com
as práticas e funções realizadas por contadores gerenciais. Para tanto, utilizou-se a classificação proposta por
Fotache & Bucșă (2024), a fim de explicitar possíveis oportunidades da integração das aplicações de IA na
contabilidade gerencial:
1. Aprimoramento da análise de dados e tomada de decisão: As aplicações de IA têm grande potencial
para melhorar a capacidade analítica das organizações, contribuindo para a tomada de decisão baseada em
informações e evidências (informed decision-making). O uso de sistemas especialistas e, em especial, técnicas de
aprendizado de máquina e de processamento de linguagem natural pode contribuir para análise de grandes volumes
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de dados financeiros e operacionais, identificar tendências, anomalias e oferecer recomendações para melhorar o
desempenho organizacional (Ranta et al., 2023; Fotache & Bucșă, 2024; Moll & Yigitbasioglu, 2019).
As técnicas de aprendizado de máquina e de processamento de linguagem natural podem ser
particularmente eficazes na exploração de dados estruturados e não estruturados, identificando padrões que podem
escapar à análise humana (Fisher et al., 2016). O emprego de tais técnicas pode permitir a exploração da grande
diversidade de dados textuais (e.g. notas explicativas de demonstrações financeiras, relatórios gerenciais etc.)
possibilitando, por exemplo, a quantificação de dados qualitativos e não estruturados para criação de novas
medidas e indicadores de performance (Ranta et al., 2023, Fisher et al., 2016).
A integração de sistemas especialistas e técnicas de aquisição de conhecimento também pode aprimorar
significativamente o processo decisório na contabilidade gerencial (Wagner et al., 2002). Afinal, ao incorporar o
conhecimento de especialistas, esses sistemas podem fornecer orientação e suporte a contadores gerenciais,
especialmente aqueles com experiência limitada. Adicionalmente, ressalta-se que tais sistemas devem ser vistos
como apenas uma ferramenta adicional para apoiar os contadores gerenciais em seus processos de tomada de
decisão.
Em resumo, as aplicações de IA podem gerar previsões mais precisas e fornecer estimativas avançadas
de custos e lucros, promovendo uma compreensão mais profunda do desempenho organizacional e das tendências
futuras (Fotache & Bucșă, 2024). Além disso, essas tecnologias potencializam a geração de insights e o suporte à
decisão, ampliando significativamente o papel estratégico da contabilidade gerencial (Moll & Yigitbasioglu,
2019).
2. Automação de tarefas repetitivas: A automação certamente é um dos aspectos de maior atratividade e,
ao mesmo tempo, temor de quando se discute as implicações da digitalização nas organizações. Em particular, as
aplicações de IA podem colaborar significativamente com a automação de tarefas repetitivas no contexto da
contabilidade gerencial, otimizando processos e, consequentemente, liberando tempo dos profissionais para
atividades mais complexas e de maior valor agregado.
Dentre as subáreas de IA, as aplicações de RPA têm contribuído para lidar com tarefas repetitivas e que
consomem tempo e demandam pouca criatividade, tais como a entrada de dados, processamento de transações,
classificação de documentos, extração de dados e reconciliação (Eisikovits et al., 2024). Para além do ganho de
velocidade e eficiência no processo, o emprego dessas soluções também pode contribuir com a diminuição de
erros humanos, melhorando a precisão e confiabilidade dos dados contábeis.
Um estudo de caso apresentado por Zhang et al. (2021) sobre a implementação de RPA em uma empresa
de telecomunicações na Dinamarca demonstrou como a IA pode ser utilizada para automatizar tarefas repetitivas
em diferentes funções contábeis, como contas a pagar, conciliações financeiras e faturamento. Os resultados
mostraram que essa aplicação de IA não só aumentou a eficiência, mas também levou à internalização de tarefas
que antes eram terceirizadas, proporcionando maior controle sobre os processos. Tais achados se mostram
alinhados às conclusões de Asatiani e Penttinen (2016) que apontam que o uso de RPA pode colaborar na redução
de custos operacionais, aprimoramento de controle interno e melhorar a confiabilidade dos processos contábeis.
3. Monitoramento e geração de relatórios financeiros em tempo real: A capacidade analítica e de
automação obtida pelo uso de aplicações de IA também pode ser aplicado para proporcionar o acompanhamento
e elaboração de relatórios financeiros de forma instantânea, permitindo assim que as informações sejam acessadas
em tempo real. As aplicações de IA podem gerar relatórios de forma automatizada, tais como relatórios de
desempenho, fluxo de caixa, balanço patrimonial e demonstração de resultados, com dashboards interativos e
visualizações personalizadas (Kokina & Davenport, 2017).
Em particular, o emprego de técnicas de processamento de linguagem natural (NLP) pode impulsionar a
geração de relatórios automatizados, bem como realizar a análise com dados textuais. Com o uso dessa técnica, os
gestores podem obter insights valiosos e atualizados, fundamentais para compreender de forma mais precisa o
desempenho financeiro da organização. Além disso, o NLP se destaca como uma ferramenta poderosa para apoiar
decisões informadas e estratégicas (Fotache & Bucșă, 2024). O uso dessas aplicações pode ampliar a transparência
das informações, bem como viabilizar uma gestão proativa e orientada à tomada de decisões antecipada (Kokina
& Davenport, 2017).
Adicionalmente, as aplicações de IA podem ser empregadas para operacionalização de alertas em tempo
real, isto é, essa tecnologia pode ser empregada notificar os gestores sobre eventos críticos, como desvios
orçamentários, riscos de crédito e mudanças significativas nos indicadores de desempenho (Kokina & Davenport,
2017).
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4. Análise preditiva e gestão de riscos: As soluções de IA podem colaborar com contadores gerenciais
que buscam otimizar a análise preditiva e gestão de riscos, em particular no apoio a detecção e prevenção de
fraudes (Murphy et al., 2024). A capacidade dessas aplicações de lidarem com grande volume de dados, identificar
tendências e anomalias é de grande relevância para aferição de possíveis riscos e fraudes.
Nesse sentido, os algoritmos de aprendizado de máquina podem ser empregados a fim de construir
modelos preditivos capazes de projetar o desempenho financeiro futuro da empresa, assim como apoiar na
avaliação e identificação de potenciais riscos ao negócio (Fotache & Bucșă, 2024; Murphy et al., 2024). O estudo
de Zhou et al. (2024) demonstra o emprego de técnicas de aprendizado de máquina na construção de um modelo
para predição de fraude em demonstrações financeiras. Em complemento, Rahman & Zhu (2024) empregam
técnicas de aprendizado de máquina (ensemble learning algorithms) para detecção de fraudes contábeis no
contexto de empresas familiares da China. Esses exemplos evidenciam que o emprego destas técnicas de IA podem
oportunizar em termos de melhorias na previsão e identificação de casos de fraudes financeiras e contábeis.
Portanto, a análise preditiva impulsionada por IA pode proporcionar melhorias na gestão de riscos e no
planejamento estratégico na contabilidade gerencial (Fotache & Bucșă, 2024; Murphy et al., 2024).
4 REFLEXÃO SOBRE OS DESAFIOS E RISCOS
À luz da discussão realizada até esse momento, podemos afirmar que a IA tem um grande potencial de
provocar transformações nas práticas contábeis, notadamente na dimensão da contabilidade gerencial. Todavia,
além dos aspectos benéficos dessas mudanças, faz-se necessário uma compreensão dos diferentes desafios e riscos
associados à adoção dessas tecnologias no contexto das organizações (Eisikovits et al., 2024). Foram selecionados
os principais riscos e desafios, dado o escopo dessa discussão, os quais serão abordados a seguir.
4.1 Treinamento e competências
A rápida evolução da IA exige que os contadores se adaptem e aprimorem continuamente suas
habilidades. O desenvolvimento de habilidades analíticas para lidar com dados e interpretar resultados gerados
pela IA é essencial, reforçando a necessidade de implementar processos de upskilling e reskilling nas organizações
(IMA, 2024). A aprendizagem continuada sobre o campo de tecnologias de IA de forma a compreender suas
potencialidades e fraquezas será importante para que os profissionais de contabilidade permaneçam relevantes e
competitivos no mercado e saibam realizar uma implementação responsável e frutífera (IMA, 2024). Tais
habilidades são essenciais para que o adequado balanceamento homem-máquina aconteça, com a visão crítica do
contador servindo de base para a curadoria acerca dos resultados gerados pela IA.
Murphy et al. (2024) observam que é necessário realizar mais pesquisas sobre como a IA pode ser
integrada ao currículo contábil e como ela pode afetar o desenvolvimento profissional dos contadores. Nesse
sentido, Eisikovits et al. (2024) destacam que a IA pode levar à "deskilling", ou seja, a redução de habilidades
importantes, em especial quando em início de carreira (júnior), uma vez que algumas das tarefas desenvolvidas
por esses profissionais iniciantes (low-skilled) podem ser automatizadas e, eventualmente, deixar de existir.
Portanto, tal fenômeno pode afetar a trajetória de desenvolvimento desses profissionais ao longo de suas carreiras.
Por fim, outro aspecto relevante no debate em relação ao desenvolvimento de competências está ligado à
resistência à adoção tecnológica. O estudo de Zhang et al. (2023) aponta que muitos profissionais não estão
psicologicamente preparados para essa mudança, apresentando resistência e pessimismo com sua capacidade de
aprender e se adaptar neste ambiente digitalizado.
4.2 Vieses e aspectos éticos
O viés algorítmico é uma preocupação relevante que pode afetar a precisão e a justiça das decisões
tomadas com base em sistemas de IA. Afinal, as aplicações de IA são treinadas com dados históricos que podem
conter imprecisões ou preconceitos, podendo resultar em decisões enviesadas. Logo, isso pode gerar análises e
ações que perpetuem desigualdades e discriminações existentes, especialmente em áreas como gênero, raça e etnia
(Eisikovits et al., 2024). Sendo assim, torna-se um requisito que os contadores estejam atentos e reconheçam esse
desafio e busquem adotar medidas visando garantir que os sistemas de IA sejam justos, transparentes e não
discriminatórios. Além disso, é fundamental que os contadores gerenciais exerçam julgamento profissional ao
utilizar sistemas de IA, a fim de minimizar o impacto desses vieses nas decisões (Zhang et al., 2023).
Em relação à contabilidade financeira, os procedimentos da contabilidade gerencial apresentam maior
flexibilidade e diversidade. Essa particularidade torna a contabilidade gerencial mais propensa a enfrentar dilemas
éticos na implementação e na utilização da inteligência artificial. A utilização da IA pode prejudicar o
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aprimoramento do discernimento profissional dos contadores gerenciais, bem como diminuir ou até mesmo
eliminar o ceticismo e a reflexão ética fundamentais no processo decisório (Zhang et al., 2023).
Além disso, as interações humanas com a IA podem abrir margem para que contadores gerenciais
manipulem os resultados, o que gera riscos éticos significativos. Por exemplo, a pesquisa de Zhang et al. (2023)
aponta que profissionais especificam parâmetros ao gerar relatórios gerenciais utilizando sistemas de IA, como a
avaliação e atribuição de níveis de risco para cada caso identificado pelo sistema. Dessa forma, há um risco ético
relevante nesse processo, pois os contadores podem optar por descrever o risco de maneira que os beneficie
pessoalmente. Consciente deste tipo de risco, existe um esforço entre diferentes associações para estabelecer um
código de conduta claro e de diretrizes éticas no uso da IA. Por exemplo, a Association of Chartered Certified
Accountants (ACCA) elaborou frameworks específicos sobre ética no uso de IA conectando essa questão a tópicos
como ESG (Governança Ambiental, Social e Corporativa). Essa proposta sugere práticas como promover a
transparência no uso de IA, assegurar a qualidade e a confidencialidade dos dados e implementar políticas éticas
específicas para IA. Além disso, enfatiza a necessidade de treinamento contínuo para entender as implicações
éticas do uso da tecnologia na contabilidade (ACCA, 2021).
Por fim, mesmo diante da relevância e criticalidade dessa temática, convém ressaltar que há uma carência
de estudos que se aprofundem sobre a compreensão das implicações éticas da IA na contabilidade (Murphy et al.,
2024).
4.3 Segurança e privacidade de dados
A segurança e a privacidade dos dados são preocupações centrais na adoção da IA na contabilidade
gerencial. Com o uso intensivo de grandes volumes de dados financeiros e operacionais, frequentemente contendo
informações sensíveis, surgem vulnerabilidades significativas. Essas vulnerabilidades levantam questões sobre a
proteção adequada dos dados e sua utilização ética e responsável. Assim, a implementação de controles rigorosos
e a conformidade com regulamentações de proteção de dados, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)
no Brasil, são passos fundamentais para aumentar a segurança e construir confiança no uso da IA (Eisikovits et
al., 2024)
Adicionalmente, tecnologias como RPA também podem apresentar riscos específicos. Conforme
destacado por Eulerich et al. (2022), a facilidade de uso da RPA permite que funcionários criem bots
personalizados para tarefas repetitivas. No entanto, essa flexibilidade pode dificultar o controle e o monitoramento
centralizado, gerando potenciais falhas de segurança. Por exemplo, bots mal configurados ou com permissões
excessivas podem expor sistemas críticos a acessos não autorizados.
Para mitigar esses riscos, é essencial que os profissionais da contabilidade invistam em treinamento
contínuo para o desenvolvimento de competências relacionadas aos controles internos para segurança de dados,
normativas de proteção de dados, princípios de governança de dados, visando fomentar o uso responsável e eficaz
na contabilidade gerencial.
Destaca-se que a não conformidade pode acarretar sérias consequências legais e prejudicar
significativamente a reputação da organização (Zhang et al., 2023).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discussão apresentada neste artigo busca estimular uma reflexão aprofundada sobre as implicações da
adoção de aplicações de IA na contabilidade gerencial. Embora a integração entre tecnologia da informação e a
área contábil não seja uma novidade — desde os primeiros computadores até os modernos sistemas de informação,
esses recursos têm sido amplamente empregados em práticas e processos contábeis — o potencial disruptivo das
soluções baseadas em IA apresenta a possibilidade de transformar significativamente o cenário contábil. Esse
contexto reforça a necessidade de um debate abrangente e crítico sobre os impactos e as oportunidades associados
a essas mudanças.
A integração da IA na contabilidade gerencial apresenta vasto potencial para transformar práticas e
processos, promovendo avanços na análise de dados, automação de tarefas repetitivas, monitoramento financeiro
em tempo real, análise preditiva e gestão de riscos. Essas aplicações não apenas aumentam a eficiência e precisão
das operações, mas também ampliam o papel estratégico da contabilidade gerencial no suporte à tomada de decisão
e à gestão organizacional. Em contrapartida, desafios relacionados à formação de competências, viés algorítmico,
ética, segurança e privacidade de dados evidenciam a necessidade de uma abordagem criteriosa e responsável na
implementação dessas tecnologias.
Um dos aspectos centrais no debate sobre a IA está relacionado ao seu papel no futuro do trabalho. A
automação promovida pela IA, embora transforme profundamente a profissão do contador, levanta reflexões
Revista de Contabilidade e Organizações (2024), v.18:e231688
importantes sobre seus impactos no mercado de trabalho. Por um lado, estudos alertam para os riscos (WEF, 2023)
que a digitalização representa para empregos menos qualificados na contabilidade, intensificando a necessidade
de requalificação profissional (IMA, 2024). Por outro, novas oportunidades de carreira surgem, demandando o
uso intensivo de ferramentas baseadas em IA cada vez mais sofisticadas. Nesse contexto, destaca-se a relevância
da inteligência colaborativa (Wilson & Daugherty, 2018) — a colaboração entre humanos e máquinas —, onde a
expertise crítica e o julgamento humano complementam a capacidade analítica da IA. Essa sinergia não apenas
mitiga os desafios da automação, mas também impulsiona a evolução contínua da profissão contábil, assegurando
um uso estratégico e ético da tecnologia no ambiente empresarial.
Em conclusão, é essencial que os contadores gerenciais se adaptem a essas mudanças, aprimorando suas
habilidades e conhecimentos para trabalhar com IA e se concentrando em tarefas que exigem julgamento humano
e experiência. Ao adotar soluções baseadas em IA, os contadores gerenciais adicionam um catalisador importante
ao processo de transformação em consultores estratégicos de negócios, potencialmente agregando mais valor às
suas organizações.
REFERÊNCIAS
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Como citar este artigo
Araujo, M. H., & Cornacchione, E. (2024). Reflexões sobre o uso de inteligência artificial na contabilidade
gerencial: oportunidades, desafios e riscos. Revista de Contabilidade e Organizações, 18:e231688. DOI:
http://dx.doi.org/10.11606/issn.1982-6486. rco.2024.231688