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Artigo Bioética

O artigo discute a transição da bioética principialista para a bioética de intervenção, abordando a necessidade de uma visão holística para resolver conflitos éticos na saúde. A pesquisa revisa conceitos fundamentais e propõe que a bioética de intervenção é mais adequada para lidar com a complexidade das questões contemporâneas. O objetivo é fornecer conteúdo bioético básico para profissionais de saúde, auxiliando na tomada de decisões frente a dilemas éticos.

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O artigo discute a transição da bioética principialista para a bioética de intervenção, abordando a necessidade de uma visão holística para resolver conflitos éticos na saúde. A pesquisa revisa conceitos fundamentais e propõe que a bioética de intervenção é mais adequada para lidar com a complexidade das questões contemporâneas. O objetivo é fornecer conteúdo bioético básico para profissionais de saúde, auxiliando na tomada de decisões frente a dilemas éticos.

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Saúde Indígena Tempus - Actas de Saúde Coletiva

Da ética principialista para a bioética de


intervenção: sua utilização na área da saúde
From the principlist ethics to the intervention bioethics:
its use in the health
Del principialistas a la ética de la intervención
bioética: su uso en la salud
Ana Flávia Viana Campello de Melo Bandeira Coêlho1 na tomada de decisão frente aos conflitos
Anelise Krause Guimarães Costa2 bioéticos que ultrapassam os conceitos da
Maria da Glória Lima3 bioética principialista, ainda hegemônica no
campo da saúde.
RESUMO
ABSTRACT
A Bioética da Intervenção preocupa-se
em discutir os conflitos éticos e problemas Bioethics Intervention worries to discuss
persistentes, com uma visão holística para ethical conflicts and persistent problems with a
além dos conceitos da bioética principialista. holistic view beyond the concepts of principlist
Este artigo tem por objetivo fornecer conteúdo bioethics. This article aims to provide basic
bioético básico para os profissionais da área de bioethical content for professionals in
saúde, por meio da exposição dos conceitos do health, through exposure of concepts and
principialismo e da bioética de intervenção com bioethics principlism intervention focusing on
enfoque nas necessidades contemporâneas. contemporary needs. To this end, we conducted
Para tal, foi realizada uma revisão bibliográfica a literature review based on textual readings
com base em leituras textuais sobre a bioética on principlist and intervention bioethics. The
principialista e de intervenção. O conhecimento advancement of knowledge of bioethics in
do avanço da bioética em suas concepções their theoretical conceptions can help health
teóricas pode ajudar os profissionais de saúde professionals in decision, facing the bioethical
1 Jornalista, Mestranda do Programa de Pós-Graduação conflicts that go beyond the concepts of
em Bioética da Universidade de Brasília. Colabora do principlist bioethics which is still hegemonic
Programa de Humanização em Saúde Arte na Medicina
da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de in the health field.
Pernambuco. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em
Humanização e Arte na Saúde da UPE. RESUMEN
2 Cirurgiã-dentista, Mestranda do Programa de Pós-
Graduação em Bioética da Universidade de Brasília.
Especialista em Odontologia em Saúde Coletiva; La Bioética de la Intervención se concierne
Especialista em Odontopediatria; Especialista em
a discutir los conflictos éticos y los problemas
Bioética e Especialista em Odontologia Legal
3 Professora Associada do Departamento de Enfermagem persistentes, con una visión holística más allá
da Universidade de Brasília.

Rev Tempus Actas Saúde Col // 239


de los conceptos de bioética principialista. A bioética é um importante instrumento
Este artículo pretende ofrecer contenidos para subsidiar a prática dos profissionais e
básicos bioéticos para profesionales en el os debates frente aos dilemas decorrentes
área de la salud, exponiendo los conceptos do progresso biotecnocientífico, suas
de lo principialismo y de la bioética de consequências e aplicações, fornecendo uma
intervención con enfoque en las necesidades variedade de metodologias éticas num contexto
contemporáneas. Con este fin, se realizó una interdisciplinar.
revisión de literatura sobre la base de las
lecturas textuales en bioética principialista y O principialismo tornou-se a mais conhecida
de intervención. El conocimiento de lo avanzo das teorias bioéticas da atualidade por lidar com
de la bioética en sus conceptos teóricos puede os conflitos morais tecnicamente, de forma
ayudar a los profesionales de la salud en la clara e objetiva, no sentido de proporcionar
toma de decisiones en relación a los conflictos uma rápida assimilação dos princípios aos
bioéticos que van más allá de los conceptos de profissionais de saúde, assegurando-os o acesso
la bioética principialista, todavía hegemónico a soluções rápidas no atendimento médico-
en el campo de la salud. assistencial e na pesquisa biomédica1.

Palavras-chaves: teoria ética, ética baseada Contudo, os princípios norteadores do


em princípios, princípios morais, bioética, principialismo mostraram-se insuficientes
moralidade, ética médica. para abarcar a complexidade dos problemas
persistentes nas questões sanitárias, sociais
Keywords: ethical theory, ethics based in e ambientais, sendo então proposta a
Principles, moral Principles, morality medical bioética da intervenção na década de 90,
ethics. como a mais adequada para lidar com as
diversidades socioculturais e os avanços
Palabras clave: teoría ética, principios biotecnicocientíficos.
éticos, la ética basada en princípios, princípios
morales, moral, la ética médica. Assim, este trabalho teve por objetivo
contextualizar e analisar as concepções
INTRODUÇÃO bioéticas do principialismo e da intervenção,
com enfoque nas necessidades contemporâneas,
Os avanços da ciência e da tecnologia e
de forma a fornecer conteúdo bioético básico
as notáveis transformações sócio/culturais
para os profissionais da área de saúde a fim
resultantes dessas conquistas impõem uma
de subsidiar a tomada de decisão frente aos
grande reflexão no campo da saúde, dada
possíveis dilemas éticos presente no campo da
as implicações na tomada de decisão frente
saúde.
à defesa da vida, ao enfrentamento das
desigualdades sociais e a sustentabilidade Trata-se de um artigo de revisão bibliográfica,
natureza/sociedade, baseada nos Direitos inicialmente a partir das discussões e leitura de
Humanos e na defesa da dignidade da pessoa artigos na Disciplina Fundamentos da Bioética,
humana. do Programa de Pós-Graduação em Bioética da

240 // Rev Tempus Actas Saúde Col


Universidade de Brasília, durante o período de diretrizes, passando a constituir o Código de
abril a julho de 2013. Textos de apoio e livros Nuremberg. Este documento é conhecido hoje
dos autores Beauchamp e Childress, e Volnei como Declaração de Helsinque e, embora não
Garrafa foram consultados para a delimitação tenha força de lei, serve para nortear todas as
do objeto de estudo, além de outras bibliografias pesquisas realizadas em seres humanos.
sobre o tema. Como também, foi realizada uma
consulta às bases de dados Lilacs, Pubmed e Em 1948, a Assembléia Geral das Nações
Medline, com o intuito de fazer uma revisão Unidas promulgou a Declaração dos Direitos
bibliográfica sobre artigos críticos à Teoria Humanos, contendo os princípios fundamentais
Principialista. Uma série de palavras-chaves do direito à vida e à liberdade inerentes a cada
foram utilizadas na consulta, como por exemplo ser3. No entanto, os países que promoveram
teoria ética, princípios éticos, ética médica, o julgamento em Nuremberg continuaram a
principialismo, Beachamp e Childress, ética praticar experimentos em seres humanos5.
baseada em princípios, moralidade comum,
Diante dos abusos morais, em 1966, o
conflitos éticos.
médico anestesista Henry Beecher publicou
1. Origem da concepção Bioética um artigo6 de grande repercussão internacional,
demonstrando a sua posição contra à violação
A bioética surgiu nos Estados Unidos entre o da dignidade da pessoa humana.
final dos anos 1960 e o começo dos anos 1970,
quando uma série de fatores histórico-culturais Neste contexto, o termo bioética, um
chamou a atenção para a ética aplicada, levando neologismo inventado no início da década de
a uma nova visão moral de mundo. Com o 70, nos Estados Unidos, pelo oncologista norte-
fim da II Guerra Mundial houve uma grande americano Van Rensselaer Potter, na sua obra
mobilização por parte das nações vencedoras Bioethics: a Bridge to the Future, apresentou
para impedir que as atrocidades praticadas uma visão global e holística da bioética com
pelos nazistas, nos campos de concentração, 5 Três fatos chocaram a opinião pública: 1) Em 1963, no
voltassem a acontecer4. O período Pós-Guerra Hospital Israelita de Doenças Crônicas, foram injetadas
células cancerosas vivas em doentes idosos; 2) De
foi marcado pelos movimentos sociais, 1950 a 1970, no hospital público de Willowbrook, em
como por exemplo, o movimento feminista, Nova York injetaram o vírus da hepatite em crianças
com limitações mentais; 3) Em 1972, foi realizado, na
de negros, indígenas, estudantil e pelos comunidade negra de Tuskegee no estado do Alabama,
movimentos culturais2. outro experimento que estava em prática desde os anos
30. Um grupo de 400 negros, infectados com sífilis,
foram mantidos sem tratamento durante 40 anos, com
Em 1947, as denúncias dos experimentos em a conivência do governo norte-americano. A pesquisa
estudou o desenvolvimento da doença, dos seus
seres humanos foram submetidas ao Conselho primeiros sintomas até a morte do indivíduo.
de Crimes de Guerra. O veredito do Julgamento 6 O trabalho de Beecher consistiu em separar 22 relatos
de experimentos que atentavam contra os direitos
de Nuremberg foi responsável por adotar dez humanos e as recomendações contidas nos códigos
4 Um dos experimentos tinha por objetivo entender internacionais que regulam tais pesquisas. Essas
como o corpo humano reagia à hipotermia. Cerca de 300 pesquisas foram divulgadas em um artigo de sua autoria,
pessoas foram mantidas dentro de um tanque de água publicado em 16 de junho de 1966, na revista científica
gelada por várias horas até que ficassem entre a vida e The New England Journal of Medicine, sob o título
a morte. Depois, eram reanimadas e novamente imersas Ethics and Clinical Research.
até à sua morte.

Rev Tempus Actas Saúde Col // 241


uma proposta de desenvolver uma ética das e os seus cientistas, como Tom L. Beauchamp,
relações vitais dos seres humanos entre si e dos James Franklin Childres, utilizaram o termo
seres humanos com o ecossistema. Segundo Bioética num sentido diferente daquele de
o autor, é somente através do diálogo entre Potter (Global Bioethic). Para eles, a bioética
ciência e humanidades que será possível a não é a nova “ética científica”, mas sim a ética
construção de uma ponte para o futuro3. aplicada ao campo médico e biológico. Com
a publicação da Encyclopedia of bioethics,
Em 12 de junho de 1974, foi criada a publicada em 1978 pelo Kennedy Institute, o
Comissão Nacional para a Proteção de conceito de Bioética vem sendo utilizado para
Seres Humanos em Pesquisa Biomédica e indicar a reflexão sobre as questões éticas que
Comportamental7, formada por 11 profissionais se colocam em âmbito médico-biológico.
de diversas áreas. Após quatro anos, a
Comissão publicou o documento intitulado Em 1979, inicia-se uma fase de consolidação
Relatório de Belmont, divulgado em 1978, o da Bioética com a proposta de Beauchamp
qual apresentou princípios fundamentais para e Childress, autores norte-americanos da
a resolução dos conflitos éticos suscitados por obra Principles of Biomedical Ethics, que
tais experimentos. desenvolveram uma teoria de “ética aplicada”
denominada Teoria Principialista. Os
Nas seções seguintes serão apresentados os princípios, na concepção dos autores, servem
fundamentos da ética principialista, as críticas para nortear as pesquisas biomédicas e os
de diferentes autores a esta teoria e a Bioética argumentos nas discussões dos casos clínico-
da Intervenção como forma de responder assistenciais.
mais adequadamente as diversidades e as
desigualdades culturais, promovendo a análise A Teoria Principialista tem como referência
dos macroproblemas bioéticos persistentes ou os três princípios do Relatório de Belmont
cotidianos enfrentados por grande parte das - autonomia, beneficência e justiça, e mais
populações dos países subdesenvolvidos ou um quarto princípio, o da não-maleficência.
em processo de desenvolvimento, o que pode Os dois primeiros de caráter teleológico e os
subsidiar a tomada de decisão por parte de outros dois de caráter deontológico5:15.
profissionais de saúde sobre os dilemas éticos
vivenciados no campo da saúde. A Bioética principialista, anglo-saxônica
coloca em evidência a autonomia em relação
2. A Bioética e o Principialismo aos demais princípios, em razão de sua forte
conotação individualista, sendo mais centrada
Em 1971, fundou-se o Kennedy Institute for na resolução de dilemas e conflitos individuais
Study of Human Reprodution and Bioethics, na biomédicos.
Georgetown University de Washington (D.C.),
7 A Comissão Nacional para a Proteção de Seres 2.1 O princípio do respeito à autonomia
Humanos em Pesquisa Biomédica e Comportamental
visava responder as urgências referentes às novas Segundo a etimologia grega autonomia
questões conflituosas e problematicas e, investigar quais
os princípios éticos deveriam orientar experimentos em é a capacidade de se governar por si mesmo
seres humanos na pesquisa biomédica.

242 // Rev Tempus Actas Saúde Col


[autos (próprio) + nomos (governo)]. Significa Estes autores, baseados no Re
autogoverno, autodeterminação da pessoa latório Belmont9, argumentam que o
de tomar decisões que afetem sua vida, sua princípio do respeito à autonomia não
integridade físico-psíquica e suas relações deve ser aplicado a indivíduos com
sociais. Refere-se à capacidade de o ser humano autonomia reduzida, incapazes de agir
decidir o que é “bom” ou o que é o seu “bem- de forma suficientemente autônoma,
estar”8. Ou seja, é a capacidade de pensar, de por ainda lhe faltar a capacidade de
decidir e agir de modo livre e independente, discernir entre o bem e o mal, em razão
sem qualquer impedimento. de serem imaturos, inaptos, ignorantes,
coagidos ou explorados. De acordo
O conceito de pessoa autônoma pode ser com9:63, nas situações de autonomia
definido como: reduzida, os familiares ou responsáveis
legais ou os profissionais de saúde são
aquela que tem liberdade de pensamento,
os que decidem pelo paciente. Caso o
é livre de coações internas externas para
paciente opte por não decidir e escolha
escolher entre as alternativas que lhe são
a alternativa que o médico achar mais
apresentadas6:12-19.
adequada, ele já está exercendo a sua
autonomia.
O princípio do respeito à autonomia
difere do conceito de autonomia. Respeitar
As críticas apontadas após os
a autonomia das pessoas é um dever moral.
anos 90 a esta abordagem levaram ao
Significa reconhecer os valores, o pluralismo
desenvolvimento de outro fundamento
ético-social, aspirações e pontos de vistas de
- o princípio de respeito à autonomia
cada indivíduo e ainda propiciar as condições
do indivíduo. Engelhardt10, na obra,
para que as ações autônomas possam ser
The Foudations of Bioethics, descreve
realizadas7.
o princípio de respeito à autonomia no
ranking de prioridade, tendo como base
Beauchamp e Childress expõem que a
o pensamento filosófico do liberalismo
autonomia tem diferentes significados, tais
norte-americano na defesa dos direitos
como: autogoverno, direitos de liberdade,
individuais, rebatizando-o de princípio
privacidade, escolha individual, libredade da
do consentimento.
vontade, ser o motor do próprio comportamento
e pertencer a si mesmo8:137. Eles estabeleceram
A Declaração Universal sobre Bioética e
algumas regras morais mais específicas:
Direitos Humanos (DUBDH), no artigo 3º
assegura que a dignidade humana, os direitos
1) “Dizer a verdade”; 2) “Respeitar
humanos e as liberdades fundamentais devem
a privacidade dos outros”; 3) “Proteger
informações confidenciais”; 4) “Obter
consentimento para intervenções nos 9 O Relatório propunha que a autonomia teria como
pacientes” e 5) “Quando solicitado, ajudar os objetivo duas convicções éticas: 1) “os indivíduos devem
ser tratados como agentes autônomos e 2) as pessoas
outros a tomar decisões importantantes8:145. com autonomia diminuída devem ser protegidas” . Cf.
8 Cf Munõz DR e Fortes PAC, 1998. Garrafa, 2001.

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ser plenamente respeitados10. capacidade das pessoas que sofrem restrição
de sua autonomia em função da beneficência:
2.2 Autonomia e paternalismo o paternalismo fraco e o paternalismo forte13.
O paternalismo fraco é aquele que envolve
O paternalismo é exercido quando uma
pessoas com restrição de capacidade. Este
pessoa pratica uma ação, com intuito de atender
tipo de paternalismo é exercido sobre pessoas
ao melhor interesse de outra, porém sem o
incapazes de exercer a sua autonomia sob o
consentimento desta. Beauchamp e Childress11
ponto de vista jurídico e incompetente sob o
assinalam que quando uma ação médica
ponto de vista moral. O paternalismo forte
norteada pelo princípio da beneficência não
envolve uma ação do médico contra pessoas
se preocupar com a autonomia do indivíduo
plenamente capazes, violando o princípio
implicará ações paternalistas. Na visão dos
do respeito à autonomia sob a justificativa
autores, uma postura paternalista é aquela que
de que está exercendo o bem do paciente. O
determina limites à autonomia do indivíduo,
paternalismo forte é justificável quando quatro
nas situações de conflitos éticos, sendo
critérios são atendidos:
justificada a sua aplicação pelos princípios da
beneficência e não-maleficência. 1) paciente em risco, com dano previnível;
2) ação paternalistica previnirá o dano; 3)
O paternalismo médico tem sua tradição na
Benefício maior que os danos; 4) a ação com
medicina hipocrática, com um pensamento de
menor restrição de autonomia será a que deve
que somente o profissional de saúde poderia
ser adotada13:221.
realizar o cuidado e o tratamento do corpo do
paciente, uma vez que detinha conhecimentos 2.3 O Princípio da beneficência
científicos.
Beneficência significa fazer o bem (à
Na obra Ética y Vida, Gracia12 destaca que saúde física, emocional e mental). Ou seja,
o médico hipocrático adotava uma postura agir em benefício do outro. Na área da saúde,
paternalista, na medida que exercia uma refere-se a conduta médica de agir eticamente
relação de poder diante do paciente, já que este buscando o melhor procedimento para o
era visto como mentalmente incapaz de decidir paciente, na tomada de decisão, considerando
sobre a doença11. a minimização dos riscos e a maximização dos
benefícios14.
Beachamp e Childress12 descrevem duas
formas de paternalismo, de acordo com a Beachamp e Childress sugerem esclarecer os
10 Cf. Artigo 3º, da DUBDH da UNESCO, 2006. seguintes conceitos: Beneficência, que significa
Tradução brasileira sob a responsabilidade da Cátedra
Unesco de Bioética da Universidade de Brasília é fazer o bem. Benevolência, desejar o bem, e
Disponível: www.sbbioetica.org.br. benemerência merecer o bem. O princípio da
11 Engelhardt afirma que o paternalismo apenas
é aceitável quando existirem motivos plausíveis para beneficência tem como regra básica da prática
justificar uma falta ou diminuição da capacidade da médico-assistencial o bem do paciente, o seu
autonomia do indivíduo, como por exemplo as crianças
ou adultos com deficiência intelectual. Cf. Engelhardt, bem-estar e os seus interesses. A origem deste
1996. 13 Esta classificação foi proposta por Joel Feinberg, em
12 Cf. Beauchamp TL e Childress JF, 2002. 1971. Cf. 06.

244 // Rev Tempus Actas Saúde Col


princípio advêm da medicina grega e está que diz: Primum non nocere. Esta clássica
expressa no juramento de Hipócrates15, que expressão significa Em primeiro lugar, não
diz: cause dano16:94 , e propõe a seguinte afirmação:
“cria o hábito de duas coisas: socorrer (ajudar)
usarei o tratamento para ajudar os doentes, ou, ao menos, não causar danos. Esta máxima
de acordo com minha habilidade e julgamento é o dever ético básico da prática médica, apesar
e nunca o utilizarei para prejudicá-los. de os princípios não terem caráter absoluto e
hierarquia17:47.
O Princípio da Beneficência não revela
sinais de como distribuir o bem e o mal. Sugere Para os principialistas, as regras inferidas
promover o primeiro e evitar o segundo14. a partir deste princípio mostram que são
conceitos distintos sendo a não-maleficência a
A Declaração Universal sobre Bioética e
obrigação de não causar danos e beneficência
Direitos Humanos (DUBDH), menciona, no
a obrigação de prevenir os danos16.
seu artigo 4º acerca dos efeitos benéficos e
efeitos nocivos15 da beneficência. E, no artigo Cabe questionar se o princípio da não-
3º, parágrafo 2º preconiza: os interesses e maleficência é um novo princípio ou já
o bem-estar do indivíduo devem prevalecer incorpora o princípio da beneficência. Alguns
sobre o interesse exclusivo da ciência ou da autores defendem a união dos dois princípios
sociedade. ao entenderem que ao evitar o dano intencional
o profissional de saúde já está, na realidade,
1.4 Princípio da não-maleficência
visando o bem do paciente. Por este motivo
o princípio da não-maleficência é o mais
Beauchamp e Childress ressaltam que
questionável de todos. Para Frankena, o
para compreender melhor o sentido da não-
princípio da beneficência incorpora o da não-
maleficência é necessário esclarecer o conceito
maleficência ao significar não causar danos,
de dano. Estes autores afirmam que este
prevenir danos e retirar os danos ocasionados18.
termo é muito vago e pode significar injúria,
difamação, violação de direitos, tortura
Parte da controvérsia em relação à junção
psíquica ou física.
dos princípios da beneficência e da maleficência

O princípio da não-maleficência refere- 16 Os principialistas descrevem duas vertentes para


definir o termo dano associando ao princípio da não-
se a obrigação de não infligir mal ou dano maleficência, uma positiva e outra negativa. A forma
intencional ao outro, podendo ser encontrado negativa é predominante, pois o dever de não causar
dano parece ter maior peso moral do que um imperativo
no juramento hipocrático da ética médica, de beneficência. A não-maleficência em sua vertente
negativa é elaborada da seguinte maneira: não se deve
14 Cf. Frankena, 1963. causar dano ou mal. Deste princípio são derivadas
15 Na aplicação e no avanço dos conhecimentos regras específicas, como por exemplo: não matarás, não
científicos, da prática médica e das tecnologias que causarás dor ou sofrimento aos outros e não ofenderás.
lhes estão associadas, devem ser maximizados os Em sua formulação positiva, admite três regras, as quais
efeitos benéficos diretos e indiretos para os doentes, os se constituem no princípio da beneficência. São elas: (a)
participantes em investigações e os outros indivíduos deve-se prevenir o dano ou o mal; (b) deve-se evitar ou
envolvidos, e deve ser minimizado qualquer efeito nocivo recusar o mal; (c) deve-se fazer ou promover o bem. Cf.
susceptível de afetar esses indivíduos. Cf. Unesco, 2006. Beauchamp TL e Childress JF, 2001:14-64-115-226-
227.

Rev Tempus Actas Saúde Col // 245


pode ser atribuída a uma situação denomina efeito letal, o ato não é proibido pelo princípio
em inglês de Slippery Slope, que quer dizer um não matarás intencionalmente o paciente.
plano inclinado escorregadio.
1.5 Princípio da justiça
Slippery Slope ocorre quando uma
ação particular, aparentemente de menor O princípio da Justiça sugere a equidade no
repercussão, pode agravar-se e gerar um acesso aos serviços de saúde e na distribuição
conjunto futuro de eventos de crescente dos recursos. Assim, os sujeitos participantes de
malefício19:99. experimentos biomédicos devem ser tratados de
modo imparcial, por parte do pesquisador, sem
O princípio da não-malefiência aplica- discriminação social, de raça ou de qualquer
se nos casos de duplo efeito. Ou seja, a dois outro fator relacionado a sua identidade, uma
tipos possíveis de consequências produzidas vez que os benefícios alcançados devem
por uma ação em particular, sejam elas os ser obrigatoriamente distribuídos de forma
efeitos desejados e os efeitos indesejáveis, que equânime entre eles.
fundamentam o Princípio do Duplo Efeito ou
Regra do Duplo Efeito (RDE). Beauchamp e O Principialismo, fundamentado nas
Childress abordam que a RDE é utilizada para: tradições éticas utilitarista de Mill e Kant,
tem como referencial a Teoria Contratual
invocar a alegação de que um ato com dois de Justiça, de John Rawls, para explicar o
efeitos previstos – bom e nocivo (como a morte) conceito de justiça. Em 1971, ao publicar a
nem sempre é moralmente proibido, caso o obra A Theory of Justice, Rawls interpretou
efeito nocivo não seja o pretendido ou visado... o termo justiça relacionado à equidade, como
É uma tentativa de justificar as condições do sendo normas comuns que incluem direitos
principio da não-maleficência em situações iguais para todos os indivíduos sem quaisquer
nas quais um agente não pode evitar todos tipos de distinção20:336.
os danos e, ao mesmo tempo, atingir bens
importantes17. Na sua concepção, uma sociedade somente
será justa se:
A RDE18 admite o fornecimento de altas
doses de medicamentos com o objetivo de todos os valores sociais – liberdade e
diminuir o sofrimento de um paciente, mas oportunidades, ingressos e riquezas, assim
pode causar a sua morte. Tal regra, originada como as bases sociais e o respeito a si mesmo
das teorias éticas como os manuscritos de forem distribuídos de maneira igual, a menos
São Thomas de Aquino, preconiza que o que uma distribuição desigual de algum ou de
medicamento visa o alívio da dor e não a morte todos esses valores redunde em benefício para
do paciente. Não havendo intenção de um todos, em especial para os mais necessitados21.
17 Trecho extraído de Beauchamp TL e Childress JF,
2002: 229. A DUBDH, no artigo 10º sobre “Igualdade,
18 A RDE é aceita pela Igreja Católica e outras religiões Justiça e Equidade” descreve que:
desde a década de 1950, pois admitem utilizar este tipo
de argumentação para o tratamento de doentes terminais.
Cf. Beauchamp TL e Childress JF, 2002. A igualdade fundamental entre todos os

246 // Rev Tempus Actas Saúde Col


seres humanos em termos de dignidade e de formal foi proposto por Aristóteles, quando
direitos deve ser respeitada de modo que todos afirmou que os iguais devem ser tratados
sejam tratados de forma justa e equitativa19. igualmente e os desiguais devem ser tratados
desigualmente. É formal porque não estabelece
Alguns autores compreendem o termo as circunstâncias específicas nas quais os
justiça ligado às relações entre grupos sociais, iguais devem ser tratados de modo igual e
preocupando-se com a equidade na distribuição não fornece critérios para que se determine
de bens e recursos considerados comuns, como se dois ou mais indivíduos são de fato iguais,
forma de igualar as oportunidades de acesso a simplesmente, afirma que, quaisquer que
estes bens20. sejam as circunstâncias relevantes em questão,
as pessoas que forem iguais, com respeito a
Beauchamp e Childress definem o princípio
elas, deveriam ser tratadas de modo igual.
de justiça como sendo uma expressão da
Contudo, Beachamp e Childress questionam
justiça distributiva, que seria uma distribuição
se há dúvidas quanto o significado do termo
justa, equitativa e apropriada na sociedade. A
igualdade e também dos critérios para sabermos
justiça distributiva refere-se, à distribuição de
em que situações os indivíduos são iguais.
todos os direitos (incluindo os direitos civis e
políticos) e responsabilidades na sociedade. O princípio de justiça material justifica a
distribuição igual entre as pessoas, oferecendo
Os autores defendem a eficácia do modelo
critérios ou características que permitam
de medicina preventiva em relação à medicina
distinguir o que seria um tratamento igual de um
curativa. Para os autores, as questões de justiça
tratamento desigual. Estes critérios consideram
geralmente são direcionadas a problemas
a distribuição baseada nas necessidades
relacionados à distribuição de seguros de
fundamentais, como exemplo21:
saúde, equipamentos médicos de alto custo
e compra de órgãos artificiais, quando na 1) a todas as pessoas uma parte igual; 2) a
verdade, deveriam ser pensadas políticas cada um de acordo com a sua necessidade; 3)
públicas de prevenção na assistência primária. A cada um de acordo com o seu esforço; 4) a
Eles sugerem aos gestores da área da saúde cada um de acordo com a sua contribuição (à
uma reavaliação da distribuição de recursos sociedade); 5) a cada um de acordo com seu
na tentativa de determinar as necessidades merecimento; 6) a cada um de acordo com as
médicas mais essenciais nas pesquisas e trocas de livre mercado.
terapias, e questionam se os traumatismos,
males e doenças deveriam ter alguma relação No entanto, os autores não definem qual o
de importância uns sobre os outros. critério mais adequado, mas reconhecem que
características como a raça, o sexo, a posição
Ao definir as condições de justiça dos atos social, por exemplo, não deveriam ser aceitas
sugerem dois princípios: a) o de justiça formal e como critério para a distribuição de recursos.
b) o de justiça material. O princípio de justiça
Apesar da atual discussão ética acerca da
19 Cf. artigo 10º, da DUBDH. 21 Trecho extraído de Beauchamp TL e Childress JF,
20 Cf. Kottow, 1995. 2002. p.356.

Rev Tempus Actas Saúde Col // 247


distribuição e equidade dos recursos, percebe- para a percepções e sentimentos morais não
se, na teoria principialista, que o princípio da verbalizados anteriormente, bem como meios
justiça assume um papel secundário, colocando para resolver os dilemas morais (...) 22:86.
em evidência o princípio da autonomia, apesar
dos principialistas considerarem que não existe A bioética anglo-saxônica possui uma forte
uma hierarquia entre os princípios. Portanto, conotação individualista, sendo mais voltada
questões políticas, econômicas, sociais e de para a resolução de problemas e conflitos
saúde são coladas em segundo plano e tratadas individuais biomédicos e de assimetria da
superficialmente por esta proposta de estudo. relação médico-paciente. De acordo com
este ponto será visto mais adiante. Garrafa, as questões éticas foram reduzidas
para a esfera individual criando obstáculos aos
3. Críticas a abordagem da bioética objetivos iniciais e históricos da bioética, que
principialista eram de proteger os mais vulnerados.

Os autores Pessine e Barchifontaine expõem A partir dos anos 90, começaram a surgir
que o Principialismo se destacou pelo fato críticas quanto ao caráter universal dos
de traçar um esquema claro para uma ética princípios e às suas limitações na resolução
normativa que tinha de ser prática e produtiva22. dos problemas éticos persistentes ou
Para os autores, o principialismo tornou-se cotidianos, principalmente sócio-econômicos,
hegemônico no discurso bioético por várias sanitários e ambientais, verificados fortemente
razões, dentre elas destacam-se as seguintes: nos países periféricos do Hemisfério Sul.
Embora os princípios prima facies da proposta
Os primeiros bioeticistas encontraram, na principialista sejam válidos para prática de
ética normativa de seu tempo, o estilo dos conflitos biomédicos, a critica reside no seu
princípios, a via média entre a terra árida caráter universal, em razão de ser uma teoria
da metaética ou metafísica e as riquezas voltada para um contexto moral distinto dos
das visões da ética teológica, geralmente países periféricos23.
inacessíveis; 2) O Relatório Belmont foi o
documento fundamental que representou a No Principialismo a moralidade comum
necessidade dos responsáveis pela elaboração pressupõe a universalidade, mas, os
de normas públicas. Uma declaração principialistas concordam que esta é mutável.
simples e clara das bases éticas necessárias Ou seja, os princípios, as regras, as obrigações
para regulamentar à pesquisa; 3) A nova e os direitos não são padrões rígidos ou
audiência (...) foi introduzida nos dilemas absolutos que não admitem serem modificados.
éticos da época através da linguagem dos Os autores justificam a proposta, alegando que
princípios, que, mais do que tornar complexa, a moralidade é universal, mas não é absoluta
na verdade ajudou a entender, clarear, a pelo fato de as normas morais admitirem
chegar a acordos procedimentais em questões especificações, por meio de regras. Então, se
extremamente difíceis e polêmicas trazidas a moralidade é mutável, ela deveria mudar
pela tecnociência; 4) (...) Os princípios deram para todo o mundo. Entretanto, na realidade, as
a eles um vocabulário, categorias lógicas mudanças não ocorrem para todos ao mesmo

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tempo, logo, a moralidade comum não pode da Bioética são princípios penúltimos ou, por
ser universal. E é justamente esta a crítica que usar a expressão de Ross, ‘prima facies’ e, são
a corrente contrária defende. Para os críticos válidos, geralmente, de maneira relativa, a fim
não é possível estabelecer uma teoria moral, de que cada um destes venha a colidir com um
universal, como é a principialista, capaz de dos outros e nos obrigue a escolher qual entre
assegurar um consenso em um contexto de eles prioritariamente devemos satisfazer25:199.
pluralidade.
A Bioética Principialista também sofreu
Na visão do bioeticista Volnei Garrafa, críticas em razão do seu dedutivismo e por seu
em suma, as principais razões pelas quais a fundamentalismo diante do pluralismo cultural.
aplicabilidade da Teoria Principialista não
se adequa à realidade dos demais contextos 4. Bioética de intervenção
culturais estão relacionadas às seguintes
A Bioética Principialista de base biomédica
questões:
e reducionista, centrada na doença como
1) A restrição à concepção original “fenômeno individual” e na “assistência
Potteriana ao âmbito biomédico; 2) Não médica curativa” é considerada insuficiente
passariam de uma lista de valores a serem e ultrapassada. Em detrimento às críticas ao
aplicados à prática; 3) O modelo principialista Principialismo, em razão da pretensão de
não passa de construção “ad hoc” sem qualquer universalidade dos seus princípios, torna-
ordem sistematizada; 4) Os princípios com se necessário introduzir novos critérios,
frequência competem entre si; 5) A teoria seria referenciais e/ou elementos (bio) éticos, além
insuficiente para a análise contextualizada de dos quatro princípios, devem ser incorporados
conflitos que exijam flexibilidade para uma para a análise de conflitos morais que exijam
determinada adequação sociocultural; 6) A flexibilidade para um determinado contexto
teoria seria insuficiente para analisar os macro- cultural; quanto para os enfrentamentos de
problemas bioéticos persistentes e emergentes macro problemas bioéticos persistentes ou
enfrentados por grande parte da população de cotidianos na análise das questões sanitárias,
países com significativos índices de exclusão rompendo com o modelo hegemônico
social; 7) Maximização da autonomia em capitalista.
relação aos demais princípios prima facies; 8)
O contexto latino-americano requer uma
Categorias como responsabilidade, cuidado,
abordagem ética de estudo laica e plural,
solidariedade, comprometimento, alteridade
voltada para a proteção dos mais grágeis e
e tolerância ficariam de fora, além dos 4Ps:
vulneráveis26. Uma proposta epistemológica
prudência (diante dos avanços), prevenção
anti-hegemônica ao principialismo vem
(de possíveis danos), precaução (frente ao
sendo desenvolvida desde 1990, a Bioética de
desconhecido) e proteção (dos excluídos e
Intervenção, idealizada pelo bioeticista Volnei
dos mais vulneráveis) também não seriam
Garrafa, cuja finalidade é preencher a lacuna
contemplados pela teoria 24:130.
do Principialismo e relacionar o discurso
Bellino explica que os princípios gerais bioético com as questões sociais, econômicas,

Rev Tempus Actas Saúde Col // 249


culturais e de saúde pública, além das questões ligados às relações sociais e com o ambiente.
éticas impostas pelo desenvolvimento Esta linha de estudo inclui no seu marco teórico
biotecnocientífico e referentes à relação e conceitual a noção da corporeidade, na qual
profissional-paciente. Fagundes et al 27 o corpo individual, visto na sua totalidade
assinalam que esta vertente parte do referencial somática, está ligado a um corpo social, sendo
utilitarista, defendendo o ponto de vista o prazer e a dor marcadores de intervenção
que questões sanitárias e sociais eticamente ética. Estes indicadores representam o grau
adequadas devem atender o maior número de de satisfação das necessidades dos indivíduos
pessoas, pelo maior espaço de tempo possível inseridos em um determinado contexto sócio-
e que resultem melhores consequências cultural, tornado possível a compreeensão da
coletiva27. relação entre o sujeito e o contexto no qual
se insere. Porto e Garrafa tecem a seguinte
No contexto atual, a saúde deixou de ser explanação:
um estado biologicamente definido, para ser
compreendida como um estado dinâmico, a escolha da corporeidade como marco
socialmente produzido28:163-177. A intervenção das intervenções éticas se deve ao fato de o
na saúde envolve não apenas à dimensão corpo físico ser inequivocamente a estrutura
objetiva, mas também aos aspectos subjetivos, que sustém a vida social, em toda e qualquer
relativos, portanto, às representações sociais de sociedade29::116.
saúde e doença.
O Sanitarista Giovanni Berlinguer coaduna
Segundo Porto e Garrafa esta proposta
29
com a proposta da Bioética da Intervenção
rompe com o modelo biomédico hegemônico, com relação à perspectiva epidemiológica, ao
individualista com uma visão hospitalocêntrica defender que a doença é socialmente produzida,
convergente com a bioética principialista. A em razão de circunstâncias históricas e
abordagem biomédica reduz as possibilidades culturais pelas quais impactam na vida social,
de intervenção na medida que lida com nas relações de produção e nas ambientais30.
processos físicos como a patologia, a
bioquímica e a fisiologia da doença e Os referenciais teóricos da Bioética da
nigligencia a leitura do indivíduo na sua Intervenção estão expressos na Declaração
totalidade e no contexto social onde se insere. Universal sobre Bioética e Direitos Humanos.
A Bioética da Intervenção defende a idéia que Percebe-se que essa linha de pensamento
a doença é socialmente produzida, em razão está preocupada e comprometida em
das circunstâncias históricas e culturais que ampliar as discussões éticas no campo da
determinam a vida social e as relações entre saúde e favorecer a construção de sistemas
os indivíduos e destes com o ambiente. Ao sanitários mais acessíveis às populações mais
se preocupar com os problemas macrosociais vulneráveis, refletindo sobre os diferentes
e conflitos éticos persistentes, a Bioética da contextos socioculturais, com base nos critérios
Intervenção defende o ponto de vista que “o de equidade, justiça e inclusão social. Nesta
corpo é a materialização da pessoa”, e seus perspectiva, incorpora novas categorias para a
aspectos físico e psíquico estão intimamente resolução dos conflitos éticos persistentes e do

250 // Rev Tempus Actas Saúde Col


cotidiano, como: persistentes e do cotidiano relacionados às
questões sanitárias, sociais e ambientais,
“responsabilidade”, “cuidado”, com uma visão holística para além dos
“solidariedade”, “comprometimento”, quatro princípios presentes na bioética do
“alteridade” e “tolerância, além da prudência principialismo. Esta linha de Estudo amplia as
(frente aos avanços tecnocientíficos), discussões éticas em saúde e pode favorecer
precaução (frente ao desconhecido), prevenção a construção de sistemas sanitários mais
(de possíveis danos e iatrogenias) e proteção acessíveis. Por ser consequencialista, solidária
(dos excluídos sociais, dos mais frágeis e e utilitarista, sustenta o ponto de vista que as
desassistidos) 31:112; 24 decisões e políticas sanitárias públicas e de
cunho sociais eticamente adequadas, são as
CONCLUSÃO
que atendem ao maior número de pessoas,
pelo maior espaço de tempo possível e que
O Principialismo possibilitou o diálogo
resultam em melhores consequências para a
acadêmico, no sentido de iluminar a proposição
coletividade.
de novas concepções bioéticas na atualidade.
Esta abordagem não é um modelo pronto e
O conhecimento do avanço da bioética em
acabado para a moralidade, mas funciona como
suas concepções teóricas pode ajudar melhor
um guia de ação voltado para nortear uma
os profissionais de saúde na tomada de decisão
ética biomédica. Os princípios constituem a
frente aos conflitos bioéticos para além da
ferramenta mais utilizada pelos bioeticistas em
bioética principialista, ainda hegemônica no
razão da sua operacionalidade e praticidade,
campo da saúde.
apesar de não serem absolutos e não terem uma
hierarquia, dado que todos têm valor prima REFERÊNCIAS
facie, e, portanto, contribuem, de certo modo,
para a resolução de conflitos morais e tomadas 1. Diniz, D, Vélez, ACG. Bioética Feminista:
de decisões no campo das práticas biomédicas. a emergência da diferença. Estudos Feministas.
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Artigo apresentado em: 07/10/2013
Universidade de Brasília, tese de Doutoramento
Artigo aprovado em: 25/11/2013
em Ciências da Saúde – área de concentração
Artigo publicado no sistema em: 03/12/2013
em Bioética (orientador: V. Garrafa). 2005:112.

Rev Tempus Actas Saúde Col // 253

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