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Duologia Pecado - Verônica Massimiliano

O documento é uma obra de ficção que narra a história de Philiph James Williams, um médico que suspeita que sua esposa, Kate, está o traindo. Ele procura a ajuda de um investigador misterioso, Senhor S, para descobrir a verdade, enquanto lida com sua vida profissional e os desafios emocionais que surgem. A trama se desenrola em um ambiente de tensão, ciúmes e dilemas morais.
Direitos autorais
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Duologia Pecado - Verônica Massimiliano

O documento é uma obra de ficção que narra a história de Philiph James Williams, um médico que suspeita que sua esposa, Kate, está o traindo. Ele procura a ajuda de um investigador misterioso, Senhor S, para descobrir a verdade, enquanto lida com sua vida profissional e os desafios emocionais que surgem. A trama se desenrola em um ambiente de tensão, ciúmes e dilemas morais.
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Copyright © 2019 Verônica Massimiliano

Capa: Angel Editorial

Revisão: Verônica Massimiliano

Diagramação: Angel Editorial

Esta é uma obra de ficção.

Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação da


autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência. Esta obra
segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.

Todos os direitos reservados.

É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer
meios (tangível ou intangível) sem o consentimento escrito da autora. A violação dos direitos autorais é
crime estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal 2018
Prologo
Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Capítulo 17

Capítulo 18

Capítulo 19

Capítulo 20
Capítulo 21

Capítulo 22

Capítulo 23

Capítulo 24

Capítulo 25

Capítulo 26

Capítulo 27

Capítulo 28

Capítulo 29

Capítulo 30

Capítulo 31

Capítulo 32

Capítulo 33

Capítulo 34

Capítulo 35

Capítulo 36

Capítulo 37

Capítulo 38

Capítulo 39

Capítulo 40

Capítulo 41

Capítulo 42

Capítulo 43
Capítulo 44

Capítulo 45

Capítulo 46

Capítulo 47

Capítulo 48

Epílogo
Prologo

— Sente-se! — apontou para a cadeira em frente à sua mesa. Fez uma


pausa imensa olhando profundamente para mim, analisando-me dos pés à
cabeça. — Quem é você? — arqueou a sobrancelha e respirou fundo.
— Me chamo Philiph James Williams.
— Hum! E posso saber o que você quer de mim? — Senhor S estava
envolto pela fumaça de seu próprio cigarro e seus dois acompanhantes
estavam imóveis num canto da parede, como duas muralhas.
— É que...bom....
— Pare de gaguejar rapaz! Aqui não aceito dúvidas ou embromações. Vá
direto ao ponto! — disse firmemente fazendo com que eu ajeitasse minha
posição na cadeira.
— Acho que minha mulher está me traindo! — Vi um riso sarcástico
surgir em sua boca.
— Ora, meu rapaz, então está no lugar errado e ainda me faz perder
tempo — Disse num tom um pouco mais elevado. — Devias procurar nos
classificados de jornal. Há muitos detetives de quinta categoria dispostos a
ganhar qualquer coisa para lhe provar se estás certo ou errado quanto à suas
suspeitas. Não sei nem como veio parar aqui! Pode ir embora! Não faço esses
serviços baratos!
— Dylan Wright disse que o senhor era o único que podia me ajudar.
— falei num tom um tanto exaltado e desesperado. Senhor S ergueu-se da
cadeira e bateu os punhos na mesa.
— Dylan? — Disse surpreso. — Não ouse brincar comigo rapaz. Se
Dylan te mandou então significa que você está me escondendo alguma coisa.
Não está aqui apenas pela hipótese de uma traição não é, Dr. Philiph?
— Estou desconfiado de que ela está interessada em meu patrimônio.
Somos casados com separação total de bens, mas há algumas semanas a
escutei falar ao telefone, uma conversa estranha, dizendo alguma coisa sobre
colocar as mãos em uma certa fortuna. Além disso, está estranha e não me
procura intimamente como fazia antes.
— Dr. Williams, em que sua esposa trabalha?
— É médica também, Dermatologista.
— Aonde trabalha?
— Trabalhamos juntos no Hospital Esmerald City, aqui mesmo em
Seattle — Senhor S percorria o cômodo que estava praticamente na
penumbra. Ficou alguns instantes pensativo.
— Certo! Escute bem. Vamos deixar uma coisa bem clara! Digamos
que eu lhe estenda a minha mão. Saiba que isso custará caro!
— Dinheiro não é problema. Diga seu preço! — Ele riu baixo.
Percebi sua face de superioridade. Com certeza era um homem misterioso.
Não parecia apenas um investigador comum.
— Se fizer negócios comigo, Dr. Williams, não haverá mais volta.
Você entende o que eu digo? Uma vez que eu começo vou até o fim!
— Faça o que for preciso! Tenho que descobrir quem é a mulher com
quem me casei!
— Espero que não estejas enganado. É de sua esposa que está
falando, essa vida é a lei do retorno, só recebemos aquilo que damos, se
estiver equivocado além de causar escândalo, perderá a esposa — assenti
positivamente.
— Muito bem, agora já pode ir, mas ouça com muita atenção! Não me
procure mais, não diga nada disso a ninguém e espere, que certamente
alguém irá procura-lo.
Saí daquele ambiente disposto a tudo, um certo medo me invadiu por
não saber onde tudo isso iria me levar, mas não podia voltar atrás.

— Me traga um uísque, com três pedras de gelo, Walter!


— Dimitriev! Mande redecorar minha cobertura em Seattle, providencie
também um Bugatti La Voiture Noire na cor preta.
— Mas senhor S, para que tudo isso? — Dimitriev você é pago para me
obedecer, por isso é meu empregado, caso contrário eu não lhe pagaria, então
seríamos amigos. Não me questione!
— Sim senhor!
— Ah! Dimitriev, ligue imediatamente para Lisboa, chame Madame
Mary. Diga que tenho um servicinho especial para ela!
Capítulo 1

O encontro com Senhor S me deixou um pouco receoso, me senti


entrando literalmente para uma espécie de máfia! O que me fez dormir muito
pouco de lá pra cá, esperando a tal pessoa entrar em contato comigo como ele
me explicou. E de modo particular, esta noite tive insônia e enxaqueca. Dei
um profundo suspiro na cama me espreguiçando, mas sei tenho que levantar,
preciso estar no hospital antes das seis horas da manhã. Graças a Deus, foi
uma madrugada sem intercorrências. Não houve nenhum chamado durante a
noite.
Estou um pouco exausto, mas a cirurgia é minha grande paixão. O ritual
que prepara o paciente para ser entregue em minhas mãos é fascinante. Na
sala de cirurgia somos vistos como heróis, semideuses. Salvamos vidas! Mas
eu, como tantos outros médicos somos seres comuns, apenas com grandes
responsabilidades e medos também. Se todos pudessem me ver agora,
chegariam a conclusão de que não passo de um simples mortal.
Olhei para Kate que ainda dormia ao meu lado e pensei em como as
coisas chegaram a esse ponto. Suspeitas, investigações...
Beijei sua fronte e separei algumas mechas de cabelo que recobriam sua
face. Ela se remexeu na cama. Mil pensamentos tomaram constante mim,
sempre fiz de tudo por ela, dei a ela uma filha! Em que momento eu deixei de
ser suficiente?
Tomei coragem, levantei sem fazer barulho e fui ao banheiro, tomei um
banho, me arrumei e saí sem ao menos tomar café, não daria tempo. Tenho
que avaliar meus pós—operários antes das 7hs da manhã e distribuir as
tarefas aos meus residentes.
Cheguei ao hospital e mal consegui entrar em minha sala quando meu
pager tocou: Emergência, Sala 14.
Saí correndo para a emergência. Nesses momentos a adrenalina me
mantinha com um fervor revigorante e me preparava para o que estava por
vir. Ao entrar na sala me deparei com um homem poli traumatizado, uma de
minhas residentes e duas enfermeiras. Dr. Francine, a residente que estava
sob minha supervisão me passou rapidamente o caso:
— Homem sem identidade, 50 anos e caucasiano, consciente, lesões
múltiplas, sinais vitais instáveis, foi atropelado por um carro em alta
velocidade. — Na emergência o jogo é muito rápido, ao mesmo tempo em
que tentamos instantaneamente entender o quadro o clínico do paciente temos
que executar os procedimentos necessários. Comecei o exame.
— Olá, sou Dr. Philiph e vou ajuda-lo, fique calmo! enfermeira,
Ultrassom portátil aqui agora, por favor!
— Thomas...
— Sr. Thomas, estou aqui para ajudá-lo —Tentava acalmar meu paciente
que estava muito confuso e dava sinais de piora. — Sérios ferimentos na
cabeça, quero uma TC de crânio e chamem Dr. Andrew, quero um parecer da
Neurologia. Vamos estabilizá-lo e levar para o centro cirúrgico. Chamem a
ortopedia!
— Dr. Philiph, o pulso caiu para 88. — nesse instante entrou na sala Dr.
Lucas, era Traumatologista. Pegou rapidamente o prontuário que estava
sendo atualizado pela enfermeira e viu os detalhes importantes.
— Lucas, as veias estão em colapso, preciso de um cateter central. —
disse de modo rápido, nós médicos temos que dançar conforme a música e
entender os passos um do outro.
— Faço agora! — disse de forma rápida.
— Não, não, a pressão despencou! Parada cardíaca!
— Comecem a massagem! — Esse é um momento crítico para um
médico, quando seu paciente dá sinais de que está indo embora. — Já temos
fibrilação! Apliquem um miligrama de adrenalina. Vamos lá, vamos lá!
— Desfibrilador! Carregue as pás em 300...afasta! De novo, carregue em
350...afasta! — Reaja Thomas! Reaja...
E por quase trinta minutos tentamos reanima-lo. Mas todo nosso esforço
foi em vão. Ficamos em silêncio por uns minutos. E no fim tive que dizer a
frase que mais odeio:
— Hora da morte 07:45.
Sou médico a mais de quinze anos e todas as mortes tocam de forma
peculiar meu lado mais humano. Não me envolvo emocionalmente com
nenhum de meus pacientes, mas as perdas me ensinam a reconhecer como a
vida é importante, me ensinam sobre a brevidade das coisas.
Depois dessa manhã agitada fui para minha sala, preciso atender os
primeiros pacientes da manhã. Encostei minha cabeça na poltrona, respirei
fundo, antes de atender a primeira pessoa. Quando ia chamar a porta de
minha sala se abre.
— Bom dia, meu amor! Por que não me acordou? teria vindo junto com
você. — Kate tinha o dom de ser doce quando queria.
— Não quis atrapalhar seu sono, estava tão linda dormindo. — mesmo
com a suspeita de uma traição, eu amava Kate de um jeito muito profundo.
Fico louco de ciúmes só de imaginá-la com outro homem.
Ela se aproximou, sentou-se em meu colo ficando de frente para mim.
Selei nossos lábios num beijo gostoso e demorado. A apertei forte contra o
meu corpo.
— Te amo! — disse como se essas palavras pudessem tocar seu coração e
tudo o que aconteceu e estava acontecendo fosse um grande sonho.
— Idem! — ela sempre usava essa expressão, nunca ouvi as palavras "eu
te amo" saírem de sua boca e se ouvi foram em ocasiões muito raras. Ela me
olhou, me deu um selinho e levantou.
— Tenho uma agenda cheia hoje na Dermatologia e ainda tenho que
realizar a abertura do Simpósio sobre Câncer de Pele. Tenho que ir amor!
Nos vemos na hora do almoço, ok! Hoje é o seu dia de buscar a Lu no
colégio!
— Pode deixar, nunca me esqueço! — lancei um beijo no ar e ela me
respondeu com outro e saiu da sala.
Ao terminar o que tinha que fazer pela manhã me preparei para sair e
buscar minha filha no colégio. Meu celular tocou.
— Alô!
— Dr. Philiph! É Dimitriev que está falando.
— Dimitriev? Pois não!
— Estou ligando a mando do senhor S.
— Sim, claro! Pode dizer. Achei que tivessem esquecido de um cliente.
— O senhor vai receber a visita de uma pessoa. Vai contar os detalhes e
é ela quem vai auxiliá-lo.
— Quem?
— Madame Mary!
— Madame? Espera... — desligou o telefone sem ao menos me deixar
terminar a pergunta. Achei muito estranho, agora vou ter que contar minha
vida para uma velha porque pelo nome é o que parece! Saí de minha sala e na
recepção do andar dos consultórios havia um aviso sobre uma reunião com o
conselho de admissão, o que me deixou irritado, eu fazia parte do conselho,
como não fui avisado disso? Mas decidi esperar até amanhã e ver o que é.
Então saí para buscar minha filha.
Capítulo 2

Residência dos Williams


— Papai, a mamãe está triste! — minha filha era muito sensível, pegava
as coisas no ar, mesmo para uma criança de sete anos.
— Luanna, sua mãe está um pouco cansada, minha filha! O trabalho dela
é um pouco exaustivo.
— Você ama ela? — por que será que pergunta de criança é tão difícil de
se esquivar?
— Vem cá! Senta no colo do papai. Claro que eu amo sua mãe, amo
vocês duas. Muito! Agora vai com a Aline, toma um banho e vamos esperar a
mamãe chegar. — Aline era uma excelente babá, cuidada muito bem da Lu.
Kate em toda sua trajetória como mãe demostrou muito carinho e atenção
durante os primeiros anos de nossa filha, mas de uns tempo para cá anda um
pouco relapsa e nossa babá é praticamente uma mãe.
Morávamos em uma bela mansão, toda em mármore italiano. Construí
tudo pensando nos gostos de Kate. Já eram quase seis horas da noite quando
ela chegou, sabia disso porque ouvi o barulho de seu salto alto.
— Oi, meu querido! — me cumprimentou com um selinho.
— Não voltou mais para o hospital? — perguntou curiosa.
— Minha consultas eram só pela manhã e não tive cirurgia; peguei a Lu
na escola, levei para passear e viemos para casa. Ela deve estar lá em cima
brincando com a Aline.
Jantamos os três juntos. Coloquei Lu para dormir e fui para meu quarto,
Kate estava no banho. Fiquei parado na porta observando. O box estava
embaçado pelo vapor, mas dava para ver sua silhueta fina. Era realmente
linda! Tirei minha roupa e entrei no box.
— Ai Philiph, que susto!
— Desculpa amor, foi sem querer. Não aguentei e tive que entrar. — Ela
sorriu maliciosa sacando minha intenção. Segurei seu cabelos molhados e
colei meu corpo com o dela. Nos beijamos demoradamente, a apertei contra
meu corpo, meu membro estava excitado e a água escorrendo contra nossos
corpos era quente, nos deixava com mais vontade.
— Não Philiph! Aqui no box não, sabe que eu não gosto. — disse me
empurrando.
— Kate, calma. Amor, vamos tomar nosso banho tranquilo! — estava
louco para fazer amor com ela. Mas esperei saímos do banheiro. Ela sempre
se perfumava para dormir, eu adorava cada uma de suas fragrâncias. Colocou
uma camisola branca e começou a pentear os cabelos. Me aproximei dela por
trás beijando sua nuca. Ainda estava excitado.
— Kate, faz amor comigo! — disse sussurrando em seu ouvido.
Um homem implorando para fazer amor com sua esposa era realmente o
fim. Kate era feitiço de minha alma. Ela ainda fazia sexo comigo, mas não
sentia amor envolvido. Porém, estava disposto a fazer com que esquecesse o
tal cara de quem eu desconfiava. Ela ficou de frente para mim e tirei a
camisola por cima, deixando-a só de calcinha.
A peguei no colo e delicadamente a coloquei sobre a cama. Beijei seu
corpo e ela correspondeu segurando meu rosto selando nossas bocas. Um
arrepio percorria meu corpo, ouvi ela gemer em meu ouvido, o que me
impulsionou a tirar sua calcinha, desci até seu ponto máximo e passei minha
língua, ela estava bem úmida.
Suguei seu sexo enquanto ela se contorcia. Subi beijando seu ventre e
abocanhei seus seios lindos. Kate puxava meus cabelos e com suas unhas
arranhava minhas costas. Não demorei, estava bastante ofegante, afastei suas
pernas e a penetrei com força, com desejo, ela arfou, sentia tanto amor por
essa mulher que faria qualquer coisa por ela.
Comecei a intensificar os movimentos enquanto ela arqueava o corpo
para trás. Nossas respirações estavam descompassadas, sentia que não ia
aguentar muito tempo. Ela gemia desesperada.
— Olha pra mim, olha Kate! — seus olhos se mantinham
fechados...como eu queria que olhassem para mim. Em quem será que estava
pensando? Quem roubara seu coração de mim? Sentindo meu membro quase
explodir chupei seu pescoço, sabia que era seu ponto fraco. Não aguentando
mais, ela gemeu alto, cheguei ao clímax logo em seguida. A abracei forte.
Nossos corpos tremiam e repousei por uns instantes em seus braços.
— Philiph, deixa eu levantar, querido!
— Fica só mais um pouco!
— Vou me lavar né.... — disse dando um risinho. Fui com ela e fizemos
nossa higiene.
Algumas vezes tive a impressão de que tinha nojo, mas pensei que fosse
apenas questão de preferência, há mulheres e homens que se higienizam logo
após a relação. Mas não tão rápido assim, pensei. Deitamos e logo ela se
virou ficando de costas para mim. Me aproximei e a abracei por trás, de
conchinha.
— Conversa comigo!
— To morrendo de sono, querido! Vamos dormir. — disse beijando
minha mão.
— Tudo bem, minha linda. Boa noite então. Te amo! — Escutei o som de
um beijo lançado no ar. Essa foi sua resposta a minha declaração de amor.
Mas eu era paciente. Tudo o que eu mais queria era estar nos pensamentos
dela.
Pela manhã, tomamos café juntos e eu fiquei incumbido de levar a Lu na
escola. Durante o trajeto percebi que minha adorada filha estava muito quieta.
Parei no acostamento para conversar um pouco com ela.
— Lu! O que está acontecendo com você? Está tão calada, logo você
minha menina tagarela.
— Papai, eu tenho medo de você e mamãe se separarem.
— Oh! Minha lindinha...porque está pensando nisso? Papai ama a
mamãe!
— Porque a mãe da Bruna também ficou cansada com o trabalho e deixou
o pai dela.
— Mas é diferente, princesa! Confia no seu pai. Mamãe e eu estamos
bem.
Abracei minha filha com um certo medo pela incerteza de meu
relacionamento com a mãe dela e então, seguimos até a escola. Criança sente
muito as coisas, é lamentável que ela sinta o clima que paira em nossa casa.
Quando enfim cheguei ao hospital, me dirigi a tal reunião do conselho da
qual não fui avisado com antecedência, só fiquei sabendo pelo mural de
avisos. Ao chegar na sala da diretoria me deparei com alguns colegas e com o
chefe da cirurgia, Dr. Henrique Duarte, um senhor de meia idade. O homem
mais respeitado deste hospital.
— Henrique, que reunião é essa? Por que não fui avisado antes? —
perguntei um tanto desapontado.
— Philiph, é um comunicado de última hora. Um reforço para a equipe.
Você vai ver, vai nos ajudar muito. — entramos na sala e Henrique deu início
a reunião.
— Bom, como todos sabem, Dr. Andrew, nosso neurocirurgião está de
aviso prévio, recebeu um convite para atuar na França e terminar seu
doutorado em doenças degenerativas. Mas é com grande honra que
receberemos em nossa equipe força extra. — todos na sala estavam surpresos
com a notícia, Andrew era um profissional impecável. Sua vida era a
pesquisa!
— Mas quem se juntará a nós? — perguntou Dra. Lúcia, a Cirurgiã. —
Por que para cobrir o enorme buraco que Andrew vai deixar tem que ser
brilhante.
— Garanto que brilho não vai faltar, Dr. Lúcia. Formação Acadêmica em
Stanford, Mestrado em Fisiologia, Doutorado em Biofísica Neural...acho que
esse currículo se encaixa muito bem em nosso hospital. Ah! E por falar nisso,
chegou! — disse apontando para a janela da sala que dava para a recepção do
andar onde estávamos. No corredor vinha uma mulher, que entrou na sala, e
já foi se desculpando simpaticamente. Para falar a verdade, era a mulher mais
linda e elegante que já vi. Acho mesmo que todos os homens da sala ficaram
boquiabertos e que as mulheres, bem, estas devem ter se sentido ameaçadas.
— Desculpem pela demora senhoras e senhores. Meu voo saindo de
Londres atrasou e o de Seattle ainda continua um caos. — Todos riram e
concordaram.
— Bem, deixe-me apresenta-la. — disse Henrique entusiasmado. — Esta
é Dra. Mary Moreau nossa nova neurocirurgiã. E vai estar conosco de agora
em diante. — Batemos palmas por alguns segundos.
— Eu me sinto muito honrada de estar aqui, Dr. Henrique tem
participação fundamental em minha formação profissional. Aos poucos vou
conhecer cada um, preciso de vocês! Espero que tenhamos um ótima
convivência.
A reunião demorou mais alguns instantes e todos cumprimentaram a nova
médica, inclusive eu. Saí da sala sem dar muita importância, que bom que
teríamos mais uma colega na equipe, mas sentiria muito a falta de Andrew,
era um grande colega. Fui até meu consultório, entrei para fazer alguns
relatórios pendentes. Quando alguém bateu na porta e prontamente entrou.
— Com licença, Dr. Philiph Williams! — A nova médica estava em
minha sala. Senti um certo nervosismo, acho que por sua beleza.
— Claro! Fique à vontade. — disse lhe apontando a cadeira na frente de
minha mesa. — Sente-se por favor!
— Não, estou bem assim. Vim até aqui para me apresentar direito.
— Não precisa se preocupar, você já se apresentou formalmente naquela
sala, seja bem vinda ao Hospital de Esmerald City Dra. Moreau. — levantei
de minha cadeira e estendi a mão para que ela apertasse, o que fez logo em
seguida.
— Mary Moreau é para nossos demais colegas. — a olhei sem entender.
— Para você é diferente.
— Como assim?
— Madame Mary, Dr. Philiph! A seu dispor.
Capítulo 3

Vi que esboçou uma face de estranheza quando me apresentei


pessoalmente. Me detive por uns instantes em analisá-lo dos pés à cabeça.
Ele certamente percebeu, mas disfarçou. Estava sem o jaleco do hospital e
pude ver que era um homem muito interessante.
— Você pode repetir por favor? — ele estava incrédulo, arqueei minha
sobrancelha e desfiz nosso aperto de mão. Odeio repetir o que já deixei bem
claro e em alto tom — O senhor ouviu muito bem. Sou a ajuda que esperava.
— falei séria e me sentei na cadeira esperando sua pose de espanto passar.
Cruzei as pernas de modo que minha saia que ia até os joelhos subisse um
pouco, deixando-as à mostra, me ajeitei no assento e passei a mão por meus
cabelos ajeitando lateralmente a mecha. Ele sorriu sem jeito.
— Madame Mary? — perguntou com uma risada sarcástica. Pendi a
cabeça e revirei os olhos, qual o motivo de tanto descrédito? Em seguida,
sentou-se em sua poltrona me encarando como se eu não fosse deste mundo.
— Veja bem, eu contratei um serviço particular, mas não quero ninguém
disfarçado de médico neste hospital. Isso aqui não é uma série investigativa,
não estamos em Criminal Minds, aqui é a vida real... — ele move as mão
como se falasse através delas, deve ser descendente de italianos, eles
costumam gesticular demasiadamente enquanto falam — Contratei um
detetive e ele disse que alguém iria me procurar, mas jamais poderia achar
que mandariam uma mulher como você! O que uma médica pode fazer por
mim? Aliás, você é médica de verdade? É crime falsificar um registro do
CRM, sabia? Avise o seu chefe, imediatamente, que exijo outra pessoa, de
preferência um detetive — disse dando ênfase no "um", percebi logo sua
visão machista das coisas, o que me causou uma inquietude fora do normal
— Isso é ridículo, serviço de quinta o de vocês — No fundo essa situação já
está me enchendo, ele fala demais, isso só me faz concluir que realmente o
sangue italiano flui em suas veias. Quando ele fez uma pausa aproveitei para
ir direto ao ponto.
— Acabou? Terminou seu pequeno discurso desnecessário? — ele me
olhou boquiaberto pelo atrevimento de minha fala. Colocou a mão em seu
queixo e respirou fundo. — Bem, depois deste comentário machista e
retrógrado e de ter gastado seu latim atoa, acho que já temos um belo indício
do porquê sua mulher possivelmente lhe trai. — ele me olhou furioso
apoiando as palmas das mãos sobre a mesa e erguendo-se um pouco do
assento. Não digeria o fato de que eu estava falando com ele no mesmo tom
— Que petulância é essa? Atrevida! Você entra na minha sala pra me
ofender? Quem você pensa que é? — levantou-se enquanto ainda indagava a
respeito minha conduta, parecia um pouco exaltado. O olhei com um ar leve e
discreto de desprezo. Que homenzinho insolente. Tive que interrompê-lo
antes que minha paciência findasse. Analisei minhas unhas vermelhas e
ajeitei o anel.
— Em primeiro lugar, abaixe seu tom de voz. Segundo, sente-se, não
quero ficar com torcicolo de acompanhar suas passadas nesta sala. E em
terceiro, meus serviços foram solicitados por esse motivo, a suspeita de uma
traição e talvez, muito talvez, a cobiça de seus bens! Estou certa ou errada?
— ele puxou a cadeira que estava ao lado da minha e ficamos de frente um
para o outro. Notei quando olhou para minhas pernas e rapidamente voltou a
me encarar. Era um belo exemplar da espécie, um homem muito bonito.
— Me perdoe se fui rude! Acontece que fui pego de surpresa...mas como
assim você é médica, detetive, o que mais você é? — ele aparenta
impaciência, isso está deixando as coisas mais interessantes. Esse é o lado de
meu trabalho que sempre admirei. Não gosto de marasmo.
— Tenho inúmeras facetas doutor, mas convém agora que eu seja apenas
a médica que vai investigar o seu caso clínico, se é que me entende!
— E posso saber como pretende fazer isso? — ele arqueou a sobrancelha
e aproximou mais anda sua cadeira, senti quando sua perna encostou na
minha, dava para apreciar seu bom perfume mesmo que a uma certa
distância.
— Não utilizo de métodos muito ortodoxos, mas garanto que terá o que o
que deseja. — ele começou a manifestar uma certa curiosidade, seus lindos
olhos azuis estavam instigados com a situação. Acho que ele nunca teve
nenhum momento de adrenalina, a não ser o que devia sentir no centro
cirúrgico.
— Espera, isso é muita loucura!
— Quer desistir? — me inclinei em sua direção e ficamos bem próximos,
ele desviou seus olhos para meus lábios por alguns segundos, mas
rapidamente voltou a si.
— Não, não quero! Mas talvez se eu fosse até a polícia seria mais fácil.
— virei minha cabeça lateralmente e respirei fundo, de forma reprovativa.
Depois voltei meu olhar para ele.
— Acha que vai ser mais fácil assim? Então vá, procure uma delegacia,
dê queixa de uma suposta traição e também diga a eles que você suspeita de
que sua esposa rica, bem sucedida, Dermatologista, dona de um clube
luxuoso esteja de olho em sua fortuna. — franziu a testa por me ouvir falar
como se eu já tivesse um dossiê de sua família.
— Como sabe de tudo isso? Com quem andou falando? — sua voz soou
meio rouca dando a ele um charme extremamente notável.
— Meu trabalho eu faço muito bem feito! Acredite em mim, eles iram rir
de sua cara e na certa, por sua insistência, eles começariam uma porca
investigação, que se desmancharia na semana seguinte e sua digníssima
esposa iria descobrir. Sabe do que eles vão te chamar?
— Pode parar por aí! Eu já entendi. Você é um muito petulante sabia! Eu
estou pagando caro pelos seus serviços. Exijo respeito e obediência! —
comecei a sentir um pouco mais de segurança em sua fala.
— Ora, ora! — não contive o riso de quem não acredita no que acabara
de ouvir. — Escute bem, patrão, se a polícia convencional for necessária eu
saberei a quem procurar. E quero que fique bem claro que não está lidando
com amadores. O senhor, de fato, está pagando uma pequena fortuna... —
decidi levantar e como estávamos bem próximos senti que meu busto quase
encostou em sua face, o que fez ele jogar seu corpo para trás num reflexo
rápido. Andei pela sala em direção a uma estante com livros de medicina e
alguns objetos decorativos que pareciam ser bem caros. — Mas muito
cuidado na hora de falar comigo! Não sou sua escrava e muito menos sua
serva — Segurei uma pequena estátua grega em minhas mãos — deusa Hera?
— perguntei sem olhá-lo, mirei cada detalhe da escultura, que por sinal, era
muito bem talhada. Esbocei um pequeno sorriso de satisfação. Ele me
observou atento — Hera tem um temperamento forte, é a deusa ciumenta e
vingativa do Olimpo, símbolo da monogamia, ela perseguiu e matou algumas
das amantes de seu esposo Zeus. É curioso ver que ela está em sua estante,
ainda por cima ao lado do deus Hades, que é seu irmão, e que a título de
curiosidade, era adúltero.
— Gosta de mitologia grega doutora? — perguntou vindo em minha
direção.
— Muito, é fascinante! A Grécia em si é magnífica.
— Hum! uma mulher como você, que diz ter múltiplas facetas, espero
que use todo seu talento para resolver meu problema. — disse pegando a
estátua de minha mão e colocando-a no mesmo lugar. Me pareceu ser um
tanto perfeccionista, homens dessa estirpe costumam ser irritantes — não
mecha no que não lhe pertence!
— Como queira, doutor. Então, tomo isso como uma aceitação de minhas
leituras! — caminhei em direção à cadeira onde estava sentada e abri minha
bolsa, tirei de dentro um cartão com meu telefone e entreguei em sua mão
junto com um envelope com um termo de responsabilidade para que ele
assinasse. Pegou o cartão olhou sem dar muita importância e depois abriu o
envelope.
— O que isso? — certamente tinha que me precaver e assegurar os
negócios de meus colegas.
— É um contrato, e estabelece que não devolveremos o seu dinheiro em
caso de desistência. Estabelece, também, seu sigilo absoluto quanto às
pessoas que irá conhecer e, por fim, seu silêncio quanto a qualquer aspecto de
nossos trabalhos.
— Me sinto um mafioso assim. — disse pegando a caneta que estava
sobre a mesa e assinou o contrato. Observei sua bela caligrafia, bem
incomum para um médico.
— Pronto, doutora Mary. O que mais quer de mim, minha alma? Porque
meu dinheiro você já tem. — Me olhou curioso esperando a resposta.
— Hum — fiz uma cara de desdém. — Um tanto quanto perturbadora e
dúbia sua pergunta, meu caro. Tente não usar duplo sentido em suas palavras,
vá direto ao ponto. Exatidão é uma qualidade bastante admirada em homens
de requinte. Mulheres gostam disso. — ele ficou quieto e acho provável que
tenha engolido seco pelo modo irônico como me olhou.
— Sei — disse revirando os olhos.
— Sua esposa está aqui hoje? — indaguei mudando de assunto. — Sim,
está no simpósio sobre Câncer de Pele no auditório principal. O evento
ocorrerá durante toda a semana. Por que? — seu ciclo de perguntas óbvias e
dos quais ele mesmo já sabe a resposta, me deixa exausta mentalmente.
— Preciso conhecê-la!
— Ficou louca? Você tem que investigar de forma discreta. Foi para isso
que contratei um detetive, se fosse para ser assim, escancarado, eu mesmo
faria!
— Ai! — disse entediada, passei a mão direita em minha face,
procurando uma forma mais simples de explicar para que ele pudesse
entender. Lhe faltava malícia, ele precisaria urgentemente aprender — Sua
ingenuidade é um pouco patética — tive que ser sincera — Diga então, que
ideia brilhante é essa de conhecer pessoalmente minha esposa — Não a
conhecerei apenas por mera formalidade — ele apenas me olhava de forma
séria. — Me tornarei a melhor amiga de sua esposa, farei com que ela confie
em mim, frequentarei sua casa, vou comer e beber com vocês, em pouco
tempo sua filha vai me chamar de "tia" e teremos uma relação maravilhosa.
Então, vou descobrir detalhe por detalhe de tudo o que ela pensa que pode
esconder. — vi que ele me olhou assustado como se eu fosse criminosa — Se
você der bandeira tudo vai por água abaixo! — falou encostando a mão em
meu ombro, gesto que não aprecio de um desconhecido — Não seja um
menino medroso doutor Williams, demonstre um mínimo de coragem.
Recuar diante de uma tarefa difícil é atestar fragilidade.
— Bom, vamos encerrar por aqui Madame! — senti uma certa arrogância
e uma raivinha em sua voz, se sentia ameaçado com minha presença e tinha
medo pelos meus planos
— Não use esse nome por aqui, entendeu bem? — fui enfática.
— E por falar nisso, Madame! — se atreveu a dizer mais uma vez —
Esse tipo de nome se remete a mulheres... — me aproximei rapidamente dele
de modo bem reprovativo e logo se calou sem terminar a frase
— Não ouse pronunciar tudo o que lhe vem à mente. — dei ênfase ao
ouse para que ele não esquecesse. — Não sou dessas. Guarde seus
pensamentos vulgares e impróprios para você — estava tão perto dele que
pude sentir sua respiração nervosa — eu sei muito bem honrar o que há entre
minhas pernas. E o senhor, doutor, sabe honrar o que há entre as suas?
Ele deu um passo para trás e se calou. Sentou em sua poltrona e apoiou
sua perna direita na coxa esquerda. Peguei minha bolsa e fui em direção à
porta. Puxei a maçaneta e olhei para ele uma última vez antes de sair da sala.
Ele estava com a ponta da caneta na boca e franziu de testa de modo que
ficou extremamente sexy
— Não me subestime Mary. Não sou tão bobo como você pensa — sorriu
maliciosamente.
— Espero mesmo que não seja!
Saí e fechei a porta pensativa, está na hora de acompanhar uma certa
palestra. Me dirigi até o auditório, que estava bem cheio. Sentei na última
cadeira discretamente. Ela estava explicando sobre Melanomas. Era muito
linda diga-se de passagem. Seu cabelo curto e degrade demonstra ter muita
atitude.
Sua linguagem corporal é misteriosa e pensei comigo mesma, como um
homem daquele estava sendo traído? Cheguei a três conclusões: primeiro, ele
a traiu também. Segundo, ela é só uma puta interessada em ficar mais rica e
terceiro, ele deve ser bem ruim de cama. Estava sorrindo sozinha de forma
discreta, de canto de boca, penso que tudo isso será incrivelmente excitante.
Capítulo 4

Depois de fazer minhas análises primárias sobre Kate, que por sinal
foram bem interessantes, saí do auditório e me dirigi ao RH para acertar os
últimos detalhes de minha admissão, a palestra se estenderia por mais um
tempo e eu precisava dar os primeiros passos. Já eram quase dez horas da
manhã quando recebi a chave de um dos armários que fica na sala dos
médicos, assim poderia guardar o uniforme do centro cirúrgico e alguns
instrumentos de trabalho.
Uma semana se passou desde que Philiph procurou por Senhor S,
imediatamente após seu contato fui informada de que havia um servicinho
especial para mim. Minha vida em Lisboa estava um pouco entediante, o que
me animava era apenas meu trabalho, ainda que eu amasse Portugal, sentia
falta de SeattleLondres. Apesar de que, sempre ganhava os casos especiais
indicados por Senhor S, que mesmo aqui em Londres, mantinha uma pequena
filial por assim dizer, em Lisboa. Então, desde aquele dia minha vinda para
Seattle foi acertada, inclusive minha vaga neste hospital, logo, algumas
coisas já estavam bem adiantadas, Dimitriev entrou em contato com um
velho amigo, que providenciou tudo.
Cheguei ao RH e fui extremamente bem recepcionada, assinei alguns
papéis e peguei meu jaleco. Uma coisa que eu amo é ver alguém vestido com
jaleco, além de muita formalidade chega a ser sensual. Enfim, fiz o que tinha
que fazer e resolvi dar uma volta pelo hospital para me familiarizar com
alguns setores, principalmente o centro cirúrgico.
Ao caminhar senti que alguns olhares se voltavam para mim à medida em
que eu andava e até ouvi um "que gostosa" quando passei perto da sala de
descanso do andar da Urologia — revirei os olhos.
— Hum — foi a única coisa que saiu de minha boca, esse tipo de elogio
vago é tão deprimente, continuei a caminhar pelos corredores de forma altiva,
com certeza a fala veio de um homem frouxo. Quero ver mesmo é coragem.
Mas pelo sim e pelo não, inflamou meu ego.
Olhei para meu relógio de pulso, um Rolex prateado, que já marcava
11hs, então, mudei a direção de meus passos e voltei calmamente para o
auditório, provavelmente a palestra de Kate já acabou e ela está se retirando.
Tem que ser agora!
Quando cheguei à porta, vi que um último ouvinte se despedia dela, e
finalmente ao sair, comecei a caminhar lentamente em sua direção. Ela estava
guardando algumas coisas dentro da bolsa, ergueu a cabeça ao ouvir os
passos, olhou direto para mim e deu seu pequeno sorriso gentil.
— Olá! Veio pegar a ficha de inscrição para o próximo simpósio?
— Na verdade não! — ela só me olhava, me aproximei e estendi a mão
para cumprimentá-la — Um pena que só pude acompanhar o final, me
interesso muito pelo assunto. Meus parabéns, uma organização impecável! —
ela amigavelmente apertou minha mão e sorriu
— Prazer, sou a doutora Mary Moreau! — Igualmente. Kate Williams. —
desfizemos o aperto de mão e sorrimos uma para a outra.
— De qual hospital você veio? — perguntou curiosa. — Deve conhecer
praticamente todos os médicos do Sant D´Angel.
— Deste mesmo — respondi de forma carinhosa. Ela precisa sentir que
sou amistosa. Quando disse que era do mesmo hospital que ela, me olhou
estranhamente.
— Me desculpe — sorriu um pouco sem graça com a situação — Mas,
não me lembro de você, acho que me lembraria, tão elegante! Bonita! — me
olhou disfarçadamente de cima a baixo. Pensei comigo: "olha mesmo
querida, pra nunca mais esquecer."
— É muita gentileza sua. Sou a nova Neurocirurgiã, seu colega
Andrew vai para França não é mesmo! Recebi o convite inesperado mas
maravilhoso de me juntar a vocês.
— Ah! Mas que coisa boa, seja muito bem-vinda! — veio me abraçando
e me recepcionou com dois beijos na face, aquele beijo bochecha a bochecha,
como toda mulher faz — Muito obrigada, estou honrada com o convite.
Espero fazer muitos colegas aqui.
— Vai fazer sim, sem sombra de dúvidas — Eu tenho que me estender
um pouco no assunto, não posso ficar presa à mera apresentação, ela precisa
ter uma doce e encantadora impressão de sua nova colega de trabalho. De
forma muito rápida reparei que usava uma mandá-la no pescoço. Decidi
bajular.
— Que lindo mandá-la! — ela segurou o pingente em sua mão.
— Obrigada, foi um presente do meu marido e de minha filha — Me
aproximei para ver melhor o que estava escrito e havia o nome dos dois no
pequeno objeto
— Adoro mandá-las! Eles são considerados símbolo de integração e
harmonia.
— Nossa, Interessante! Meu marido faz questão dessas delicadezas. Eu
confesso que sou meio desligada dessas coisas. — Ela conversa comigo de
forma leve e agradável, vai ser fácil me aproximar dela. Pelo visto faz o papel
de esposa relapsa. Ele deve lamber o chão que ela pisa
— Então, quer me acompanhar em café ou suco? Não vou almoçar tão
cedo hoje... — Claro que sim, aceito o convite.
Saímos do auditório e começamos a andar pelos corredores batendo um
bom papo sobre medicina. Quando passamos pelo corredor central do
primeiro andar, Philiph vinha pelo lado esquerdo, da ala do Pronto Socorro,
Kate nem notou que o marido passava por ali, me contava sobre o simpósio e
se distraía com isso.
Percebi quando ele parou de repente e derrubou os papéis que tinha na
mão, na certa quase teve uma síncope ao me ver caminhar ao lado de sua
esposa. Apenas sorri de canto de boca para ele, que ficou lá, paralisado.
Chegamos à lanchonete do hospital, o local estava um pouco vazio e
aproveitamos para sentar em uma mesa perto da enorme parede de vidro que
nos dava uma bela visão do mar. De fato, era um ambiente bem luxuoso, o
Esmerald City era considerado como o hospital privado de maior prestígio
em Seattle. O atendente, sem demora, veio anotar nossos pedidos.
— Bom dia! O que desejam? — disse de forma simpática — Eu vou
querer um suco de abacaxi com hortelã e uma porção pequena de salada de
frutas — Kate fez o pedido e reparei que parecia aquelas bonequinhas de
luxo, o movimento de suas finas e delicadas mãos, o jeito que mexia no
cabelo cor de mel enquanto falava, as unhas à francesinha e até o sotaque era
de mulher dondoca, um tanto fresca por assim dizer.
Devia ser bem fútil!
Olhava para ela e me lembrava do deus grego que era o seu marido, bem
que eles fazem um belo casal. Internamente o fato de saber que aquele
homem estava sendo traído me fez sentir vontade de dar na cara dela ali
mesmo. Odeio adultério. Realmente ela deve ser só uma puta querendo se
tornar mais puta ainda e milionária. Mas se dinheiro é o motivo da suposta
traição, não faz muito sentido, pelas informações que levantei eles são
riquíssimos. É óbvio que ela não está interessada apenas no dinheiro
— E a senhora, o que vai querer? — o rapaz simpático me tirou de
meus pensamentos rápidos
— Bem, eu vou querer uma vitamina de morango com leite sem lactose e
pode colocar umas raspinhas de gengibre por favor. E pode me trazer
também, uma salada de frutas, vou acompanhá-la — disse olhando para ela
que assentiu. O bom moço se retirou e enquanto esperávamos nossos pedidos
aproveitei para conquistar sua amizade definitivamente
— Fico tão feliz em conhecer uma pessoa bacana assim como você em
meu quase primeiro dia. É difícil encontrar um lugar onde os novatos sejam
tão bem recebidos — ela se agradou com o elogio.
— Que isso, nós mulheres temos que nos unir — ela sorriu como se
falasse de uma gangue feminina — Agradeço desde já!
— Mas me conta, você trabalhava aonde antes de vir para cá?
— Bem, eu trabalhava em Lisboa, Hospital dos Lusíadas. Adorava aquele
lugar, peguei excelentes casos por lá e foi através destes que escrevi meus
artigos em Estudos de Ondas Cerebrais — Ela me fitava fascinante e ouvia
atentamente tudo o que eu dizia.
— Ah! Portugal é um lugar delicioso mesmo, estive lá a uns dois anos,
levei minha filha em Portugal dos Pequenitos, uma pequena vila toda
construída com edificações bem pequenas, do tamanho deles.
— Conheço! Adoro Portugal! Mas — confessei. — Eu, se pudesse, me
mandava deste país, moraria em Montreal, mas Philiph, meu marido, só quer
saber das belezas cariocas. Praia, sol... não suporto esse calorão que faz por
aqui — disse fazendo uma cara antipática. Teria que aturar as frescuras dessa
mulherzinha. Ossos do Ofício! Decidi mudar de assunto pra variar.
— Então, você tem uma filha!
— Tenho, a Luanna, Lu como costumamos chamá-la — sorriu sem
mostrar muito os dentes. Que mãe que não se gaba demasiadamente de sua
cria? Ela, entretanto, não falou com entusiasmo.
— Quantos anos ela tem?
— Tem sete anos
— Que maravilha! A maternidade deve fazer muito bem a uma mulher,
não é mesmo?
— Fazer até faz, mas é algo tão cansativo! Filho suga toda nossa energia
sabia! — Ela passou a mão no rosto e suspirou, realmente não aprecia muito
o fato de ser mãe. Fiquei instigada e resolvi me aprofundar.
— Não queria ter filhos? — apoiou o cotovelo na mesa e inclinou um
pouco a cabeça repousando o queixo sobre a mão.
— Você se surpreenderia com o que somos capazes de fazer por um
marido! Mas amo minha filha! — as palavras diziam uma coisa e sua feição,
outra. De certa, engravidou por insistência do trouxa do marido ou para
prender o homem.
Olhou para a minha mão e percebendo que eu não usava aliança já tratou
logo de perguntar.
— Mas e você, não se casou? — acariciei minha mão no lugar onde devia
ter uma aliança. Suspirei.
— Não me casei, acho que prezei demais pela profissão. Acabei sozinha,
meu consolo é a cirurgia, casei-me com ela, sei que ela nunca vai me trair —
rimos de minha fala irônica. Tomamos nossos sucos e saboreamos as frutas, o
papo rendeu por quase uma hora. Vi que já eram quase meio-dia.
— A hora passou tão depressa! Adorei nosso papo — disse como quem
precisa ir embora.
— Oh, minha querida, nossa, foi um enorme prazer. Parece que te
conheço a anos — ela falava entre risos. Isso me deixou mais do que
satisfeita, estava aos poucos ganhando sua confiança
— Preciso ir finalmente para minha casa, cheguei de viagem e vim direto
para a reunião.
— Imagino, deve estar muito cansada! — Estou exausta, primeiro de
Lisboa para Londres e depois pra cá. Quando eu cair na cama só vou acordar
amanhã. Nos levantamos e nos despedimos formalmente
— Obrigada pelo prazer de sua companhia! — disse sorrindo para ela .
— O prazer foi todo meu. Nos vemos amanhã, literalmente no seu
primeiro dia
— Não vejo a hora! — Acenei com os dedos dizendo tchau, Kate ainda
ficou lá.
Fui em direção ao banheiro da sala dos médicos, precisava retocar a
maquiagem e me arrumar um pouco. O ambiente estava vazio e muito
silencioso. Entrei no banheiro, na verdade, era um grande vestiário feminino,
tudo de muito requinte, espelhos enormes, pias de mármore e torneiras com
sensor de movimento. Mexia um pouco nas mechas de meus cabelos quando
escutei vozes vindo da sala. Reconheci, era Kate e estava acompanhada de
outra mulher. Pareciam vir para o banheiro, rapidamente entrei em um box e
em silêncio escutei a conversa.
— Sinceramente Kate, do jeito que você fala, não sei como ainda aguenta
o Philiph
— Ai Júlia, o Philiph é um grude, as vezes dá uma vontade de dar um
choque de realidade nele. Só que ainda não é a hora de me separar
— Mas ele é romântico Kate, é o jeito dele! É seu marido. Ele morre se
você for embora
— Ju, ele é muito previsível, nossos momentos íntimos são um desastre,
ele é convencional, tudo "papai e mamãe", entende!
— Você já conversou com ele?
— Pra que? Duvido muito que ele me surpreenda! — As duas se
divertiam com a situação, e o marido traído era apenas um homem sem muito
"sangue nas veias". Preciso alertá-lo! Mulher feliz na cama é mais fácil de
investigar. Quando as duas finalmente saíram, fiquei mais alguns minutos só
para me certificar que não tinha perigo.
Me retirei da sala dos médicos e segui para fazer uma coisa que ainda não
tinha feito. Fui até a galeria de onde todos os médicos podiam assistir às
cirurgias, quando entrei vi que Philiph estava operando, nessas galerias
costumam haver sistemas de áudio, ouvimos e vemos em tempo real uma
operação apenas através de uma película de vidro.
Ele estava com capote cirúrgico e uma touca verde. Pelo vídeo
monitoramento vi que estava fazendo a troca de Válvula Mitral. Parecia ser
muito habilidoso com as mãos e seu traje de centro cirúrgico o deixava muito
sexy. Mas não fiquei até o fim, agora que dei um passo lento e cauteloso
tinha que ir para casa descansar.
Como ainda não estive no apartamento que Senhor S reservou para mim e
estou sem carro pois o mesmo está na garagem do condomínio, vou ter que
chamar um táxi. Estava prestes a sair quando meu celular começou a tocar,
olhei para o visor, vi que era doutor Henrique.
— Henrique! — sorri ao dizer.
— Oi minha querida, venha até minha sala, preciso lhe entregar algo
— Ok! — respondi e prontamente segui até a sala próxima à diretoria. Ao
chegar, bati levemente na porta e entrei. Henrique estava sentado em sua
poltrona e me olhou sorrindo.
— Entre! — Sentei-me na cadeira à sua frente — O que está achando de
nosso hospital? É do seu agrado?
— Henrique, você me conhece o suficiente para saber que sim — esbocei
um sorriso para que ele percebesse minha satisfação.
— Conheceu a dita cuja? — perguntou de uma vez
— Acabei de tomar um suco com ela
— Mas já? Você é rápida hein! — sorrimos com sua fala
— O que achou? — Calminha, estou me aproximando aos poucos, mas é
óbvio, ela trai o marido, só tenho que descobrir com quem. Os olhos dela não
brilham enquanto ela fala do esposo e é desanimada ao falar da filha e por
favor, parece uma bonequinha de porcelana inquebrável! Essa vai ser dura de
aturar, me parece extremamente supérflua — Ele ouvia atentamente minhas
conclusões prévias sobre Kate e balançava a cabeça positivamente
concordando com minhas afirmações.
— Mas e o Philiph? — Perguntou malicioso — O que achou dele? É
uma pena que esteja passando por isso, é o cara mais sensacional que eu
conheço
— Pra mim não passa de um bebê chorão — falei revirando os olhos —
Fica se rastejando aos pés daquele projeto de Barbie. E é medroso, acho que
ele não dá conta do serviço. A mulher teve que procurar outro
— Opa! calma querida, não subestime seu colega — Henrique me
repreendeu, devia saber de mais coisas sobre Philiph.
— Foi o que ele me disse antes que eu saísse de sua sala.
— Conheço Philiph desde que era meu residente e ele é médico a
mais de quinze anos. Sempre foi o garanhão desse hospital.
— Como é que é? — não acreditei no que estava ouvindo. Como assim?
Aquele homem que me pareceu tão fraco e inocente? — Mas a sete anos ele
conheceu Kate, se apaixonou perdidamente, ela engravidou muito rápido.
Casaram às pressas.
— Na Igreja? — perguntei curiosa, esses casamentos são difíceis de
anular, mas com a prova da traição nas mãos seria mais fácil.
— Eles se casaram no civil, ela não quis casar no religioso, mas se
dependesse dele ela teria casamento de rainha — Que mulher não quer um
belo casamento, ela parece do tipo que necessita sair em todas as colunas
sociais, muito estranho! Tenho que descobrir logo.
— O que você sentiu quando viu o Philiph? — descaradamente ele teve
que fazer esta pergunta
— Senti? — perguntei tentando ganhar tempo.
— Uhum! Te conheço bem, menina! Eu me lembro bem do que já te
aconteceu — Henrique sempre teve o dom de alfinetar a ferida.
— Fique tranquilo, aquilo foi a muito tempo, ele não era médico e nem
era cliente de Senhor S
— Sei! — ele disse sarcástico
— Parou por aqui né! — ele se inclinou da poltrona em direção à mesa
— Você como sempre é inflexível e durona
— Tá pra nascer homem que vai me dobrar!
— Se você está dizendo! — o olhei reprovativa. Ele então abriu uma
gaveta e retirou duas chaves que logo me entregou
— As chaves do teu apartamento e do carro. Dimitriev me entregou
ontem
— Que eficiência hein! É por isso que gosto de vocês! — lancei um
beijinho no ar e ele sorriu.
Conversamos bastante e Henrique decidiu me dar uma carona até o
endereço de minha nova residência. Estava ansiosa para ver o que me
esperava, minha casa em Lisboa era lindíssima e cheia de empregados,
Senhor S tinha muito bom gosto e sabia me agradar. Ao chegarmos em frente
ao prédio não pude conter a sensação de felicidade e fiquei boquiaberta
— Uau, Senhor S caprichou hein — Henrique disse olhando o belo
condomínio onde eu me instalaria. Nos despedimos e desci do carro, andei
um direção à recepção e prontamente me identifiquei — Esperava mesmo a
senhora — o moço gentil me entregou um envelope lacrado com a senha do
alarme e me desejou boa tarde.
Apertei o botão do elevador e subi até a cobertura, cheguei junto à porta e
vagamente abri, logo um sorriso me invadiu ao ver a maravilhosa decoração
do dúplex. É perfeito para mim! Entrei e olhei milimetricamente todo o local,
muito moderno, porém, com alguns móveis bem rústicos do jeito que eu
gosto.
Na sala havia uma enorme estante de mogno bem bonita e reparei em
algumas estátuas gregas que com certeza foram ideias de Senhor S. Quando
Dimitriev me levou até o hospital esta manhã fez questão de trazer minhas
malas e acertar um último detalhe, que pelo que percebo está em cima da
mesa de centro.
Uma linda caixa marrom. Me aproximei, abri e minha face de aprovação
foi instantânea. Nesse momento recebi uma mensagem em meu celular, era
um número que eu não conhecia ainda, o texto dizia:
"Preciso muito falar com você e tem que ser esta noite." Philiph.
Capítulo 5

Meu celular vibrou e vi que era Mary, sua mensagem dizia: Ok! Me
encontre em frente ao 5th Avenue Theatre às 20hs. Se não estiver lá nesse
exato horário, irei embora! Que mulher arrogante! Acabei de sair de uma
cirurgia, estou exausto e ainda por cima pago pelos seus serviços. Ela vai ter
que me respeitar!
Fui até o andar da Dermatologia, estava louco de curiosidade para ver
Kate e saber se ela falaria alguma coisa sobre seu encontro com a Madame.
Ao chegar, a secretária me informou que ela ainda estava com um paciente no
consultório, sem pressa, esperei por uns minutos, logo o tal paciente foi
embora e rapidamente entrei na sala.
— Oi amor!
— Oi querido! — me aproximei dela a puxei pela cintura apertando-a
contra o meu corpo, ela entrelaçou seus braços em meu pescoço e a beijei
delicadamente. Nossas línguas se chocavam de forma bem sensual. — ela
sabe ser boa esposa quando quer — senti que meus pelos começava a se
arrepiar. Puxei seus cabelos um pouco para trás para ter uma visão mais
privilegiada de seu pescoço e prontamente chupei. Ela gemeu em meu ouvido
e senti quando sua língua tocou o lóbulo de minha orelha.
— Ahw.
— Que delícia Kate! — falei sussurrando contra a sua pele. — mas antes
que eu pudesse intensificar os chupões ela rapidamente se esquivou dos
carinho.
— Não, aqui não Philiph, alguém pode entrar! — Eu sempre quis transar
no consultório — minha voz saiu um pouco rouca e tentei abraçá-la
novamente, mas ela se apartou mais uma vez.
— Kate você tá transando com outro cara? — Não aguentei, tive que
perguntar. Ela me olhou incrédula.
— Ficou louco Philiph! Qual o seu problema?
— Você não é mais a mesma, toda vez que te toco você parece que tem
medo, sente nojo, sei lá...
— Philiph, aqui é meu trabalho, nosso trabalho, para com essa
infantilidade!
— Ah Kate, me poupe! Todo mundo transa nesse hospital, na sala de
sobreaviso, no consultório, só você não quer transar com o teu marido. —
Meu sangue estava fervendo com a situação.
— Philiph por favor, em casa a gente conversa. — Sem paciência
naquele momento me dirigi em direção à porta para sair logo dali, estava
saturado.
— Hoje vou jantar na casa da mamãe, não me espera.
— Ok! — bati a porta com força, toda essa história está me tirando a paz
de espírito.
Fui direto para casa, aproveitei que Luanna estava na casa de minha mãe
e ia dormir por lá por conta dos primos que chegaram de viagem, aproveitei
para descansar um pouco. Subi até meu quarto e tomei um banho demorado.
Coloquei uma cueca box preta e fiquei deitado na cama pensando em
Kate. Mas ao mesmo tempo, um pensamento estranho surgiu e comecei a
lembrar de Mary, Mary, seja lá quem ela for.
Kate sempre foi o amor da minha vida e nunca me permiti olhar para
outra mulher com segundas intenções, mas senti um arrepio fora do normal
quando aquela mulher entrou em minha sala hoje pela manhã. Ela é
realmente lindíssima e tem um mistério em volta que não quero admitir mas,
me deixou excitado.
Dormi a tarde toda, acordei já eram 18hs, levantei e fui até nosso armário,
peguei um álbum de fotos recente e escolhi uma. Desci, tomei um bom café,
nessas horas Germana era a única pessoa que me aconselhava, ela era
governanta de minha casa desde que me casei e ela percebia muito bem o
jeito que Kate me travava.
Conversamos por um longo tempo na mesa do café e decidi voltar para o
quarto para assistir um filme e tentar me distrair. Estava ansioso demais para
o encontro com ela, o que é bem esquisito, ela me deixa um pouco nervoso.
Mas finalmente as horas passaram depressa e me arrumei para encontrá-la.
Tomei mais um banho, vesti uma calça jeans preta e uma blusa social
manga três quartos azul marinho, calcei o primeiro sapato mocassim que
encontrei e fui ao encontro da Madame.
Parei em frente ao 5th Avenue Theatre e seguidamente ela chegou num
belo Bugatti La Voiture Noire preto, como essa mulher tem bom gosto! desci
e me posicionei perto da janela do carro dela, que abriu logo em seguida,
pronunciando um "siga-me". Fui atrás até chegarmos em um beco, o que me
deixou muito assustado, pra onde essa louca está me levando? Descemos
então do carro.
— Que espécie de lugar é esse? — tive que perguntar.
— Você sempre faz tantas perguntas assim? Tire um pouco dessa sua
ansiedade! Venha! — Nos dirigimos até uma porta, que quando se abriu me
deu a visão de um segurança que mais parecia um armário, pelo visto ele sabe
muito bem quem ela é, pois deu passagem imediatamente.
Descemos por uma longa escada e reparei na roupa que ela estava usando,
uma calça preta colada ao corpo um salto alto bem fino e uma blusa de ceda
branca um pouco decotada, estava linda até demais. Chegamos a um bar
muito requintado, havia poucos clientes e pelo visto ninguém presta muita
atenção em quem chega. Sentamos numa mesa de canto e de forma rápida
nos trouxeram bebidas e aperitivos.
— Que lugar é esse? — É só um lugar privado, ninguém nos atrapalha.
Pode falar sem medo de que alguém te ouça, aqui nessa cidade as paredes
têm ouvidos.
— Como foi hoje com Kate? você quase me matou do coração. — falei
um pouco bravo com ela.
— Sua esposa é bem fácil de manipular e fale baixo, antes que os
seguranças achem que você é uma ameaça. — Trouxe um coisa pra você
olhar. — Tirei do bolso uma foto e mostrei a ela.
— Esse é o cara de quem eu suspeito, ele chega amanhã no hospital, está
vindo de Paris, estava em um congresso.
— Hum! Como ele se chama?
— Conrad Blavasty, é Cirurgião Plástico e é solteiro
— Está tenso doutor o que foi?
— Briguei com ela hoje!
— Pare com isso, agora não, se não põe tudo a perder!
— Ela me evita, quando a toco e beijo, não sei mais o que fazer!
— Eu estava certa — disse olhando em meus olhos. — Por isso lhe
trouxe um presentinho. — Ela tirou da bolsa um pequeno embrulho que
quando abri me fez ficar sem ração.
— O Kama Sutra? Tá falando sério? Ela sorriu maliciosamente.
— Sua esposa precisa de uns cuidados, acredite em mim! Vá para casa,
escolha algumas dessas posições, as melhores, se inspire e faça com ela ainda
hoje, preciso que ela fique boazinha pelo menos por dois dias, é o tempo que
eu preciso para lhe provar da traição.
— Você é louca, tá me incentivando a fazer sexo com minha esposa. —
ela inclinou um pouco a cabeça e fez-se de curiosa.
— Ué, com quem mais deveria de ser? — Não, ninguém! Eu sempre fui
muito convencional com a Kate, achei que ela não gostasse dessas coisas.
— Escute bem o que eu vou dizer. Toda, mas toda mulher, gosta de uma
pegada mais quente, de alguém que a domine.
— É assim que você gosta Madame? — ela olhou incrédula, mas riu no
final com certo desdém.
— O que eu gosto doutor Philiph, homem nenhum foi capaz de fazer. —
nesse momento, tomei o último gole da minha bebida, que desceu
queimando. Ela estava tão sexy, que mesmo com minha paixão avassaladora
por Kate, senti meu membro latejar ao ouvir suas palavras.
— Ai, vocês mulheres deviam dar graças a Deus pela nossa paciência em
tentar decifrar essas suas mentes perturbadoras.
— Acho bom você dobrar sua língua, Williams, nem toda mulher é como
sua querida esposa.
— Sei!
— Fique tranquilo, amanhã mesmo vou conhecer o Conrad e quem sabe
me aproximar dele de forma bem maliciosa.
— Tome cuidado, ele pode achar que você está interessada.
— Essa é a ideia! Vamos ver como sua digníssima vai reagir. —
Terminamos o nosso drink e saímos daquele recinto misterioso. — Faça ela
enlouquecer, quero ver o rosto dela brilhar amanhã. — sorriu de canto de
boca e entrou em seu carro.

Segui direto pra casa e ao entrar, vi que Kate ainda não tinha chegado da
casa de sua mãe. Fui até meu quarto e sentei em uma poltrona para folhear o
livro. Como aquela mulher foi capaz de me dar este livro só pra me inspirar?
Ela deve ser daquelas que gostam de coisas bem quentes. Sorri ao pensar,
quando escutei as passadas na escada, rapidamente escondi o livro em baixo
do colchão da cama. Kate entrou no quarto.
— Desculpa por hoje! — ela se aproximou de mim e selou nossas bocas,
mordiscando meu lábio inferior — Isso me dá muito tesão. Coloquei as mãos
em sua cintura e a apertei.
— Senta aqui no meu colo. — disse dando duas batidinhas em minha
coxa.
— Deixa eu tomar banho e já volto. — se dirigiu até o banheiro e esperei
um tempo até que ela pudesse fazer sua higiene. Ainda no quarto, tirei a
roupa ficando só de cueca e entrei no banheiro, ela já estava desligando o
chuveiro e me pediu a toalha.
— Não, eu quero você assim! — ela me olhou sem entender.
— Philiph, a toalha, deixa eu me secar! — sem que ela falasse mais
alguma coisa a abracei pela cintura e a ergui do chão a levando para o quarto.
— Philiph, me solta to molhando todo o chão. — Ela batia em meus ombros
reprovando minha atitude.
— Fica quieta, caladinha... — se assustou quando pressionei seu corpo
molhado e nu contra a parede
— O que é que você tem? Ta maluco?
— Hoje você vai dar prazer pro teu homem, sem reclamar! — Olhei para
seus seios e abocanhei deliciosamente um deles, meus movimentos circulares
e rápidas passadas de língua no bico a deixaram amolecer em meu braços.
Senti quando entrelaçou suas pernas em mim.
— Philiph, ain. — sua voz já saia manhosa. — me deliciei com seus bicos
que já estavam duros de excitação. Beijei seu pescoço e literalmente deixei
um chupão delicioso, sei que é seu ponto fraco.
Num movimento rápido a coloquei em cima de minha escrivaninha
fazendo com que tudo que estava em cima caísse no chão. Fiz com que
deitasse e por uns instantes me detive e olhar pra ela que já estava ofegante.
— Abra as pernas e chame o teu homem, diga a ele o que você quer —
Kate estava incrédula, mas sua face era de satisfação. Ela abriu as pernas
lentamente, parecia um pouco receosa, sempre fui muito doce com ela. —
Peça! — Dei um leve tapa em sua coxa.
— Me chupa! — pediu baixinho
— Não ouvi! — Ela segurou minha mão que apertava sua coxa.
— Agora Philiph, agora. — Obedeci minha esposa, puxei a cadeira que
estava atrás de mim e sentei ficando de frente para sua intimidade.
— Coloque as pernas aqui. — ela posicionou as pernas na lateral da
escrivaninha deixando seu corpo totalmente arreganhado. Comecei a tortura.

Nunca vi Philiph assim, nunca me tocou desse jeito, voraz, sinto minha
intimidade toda encharcada e estou gostando muito disso. Fechei os olhos
para sentir e quase fui ao delírio quando sua língua quente passou fazendo
caminhos tortuosos pelo meu sexo.
— Aaaah — Gemi de prazer com seus movimentos que eram bem lentos.
Sugava e chupava como se tomasse uma bebida. Philiph levantou minhas
pernas de modo que elas pressionaram meu abdome e sua língua se deteve
em meu clitóris. — Ainnn mais rápido — minha voz já demonstrava todo o
meu prazer. Literalmente ergui meu quadril e apertei a mesa quando seu dedo
me invadiu. Ele faz movimento de entra e sai e sua boca me devorou numa
velocidade alucinante.
— Tá gostoso tá? — Eu mal consegui responder um mísero sim. Ele me
puxou de modo que fiquei sentada de frente pra ele.
— Não feche as pernas, abra! — foi enfático.
Agora senti que colocou dois dedos e enfiava bem fundo me fazendo
arquear o corpo para trás e meus seios à mostra ele começou a chupar.
— Vou fazer até você gozar!
— Philiph, eu não vou aguentar por muito tempo, mete logo. — ele
negou com a cabeça. — Seus dedos iam mais rápidos e senti sua língua
passar no lóbulo de minha orelha
— Aiiiiii! Me fode rápido. — pedi com veemência, ele estocava com os
dedos tão forte que meu corpo balançava junto com a mesa e o barulho
tomava conta do quarto.
— Geme pro teu homem! — ele disse pressionando seus lábios contra os
meus. — Põe a língua pra fora! — ordenou. — Abri minha boca e nossas
línguas começaram e se tocar de modo deliciosos, meu sexo estava muito
úmido, sabia que não suportaria por muito tempo tanta tortura.

Olhei para Kate, estava em êxtase com a situação, parecia desesperada.


Vendo que já estava demasiadamente ofegante e que logo iria gozar, a deitei
de novo e comecei a chupá-la com voracidade. Senti que puxou meus cabelos
com força e gemia coisas que eu não conseguia entender, estava ensandecida
e gemia em alguns momentos.
— Ooohhh. Eu vou... não consigo... — senti sua intimidade umedecer
mais ainda.
— Goza na minha boca, quero tomar tudo. — Apertei e dei uns tapas
fortes em sua coxa e mordisquei seu clitóris freneticamente. Sua respiração
descompassada deu lugar ao seu grito alto de prazer que ecoou pelo quarto
deixando meu membro rijo
— Aaaahhhhh. — Suguei com mais força e lambi a entrada de seu sexo,
seu líquido doce e quente escorria pela minha boca, era delicioso. Seu corpo
estava tenso com o tesão, e seus quadris se moviam desesperadamente
apertando minha cabeça contra suas pernas. Aos poucos, ela amolecia na
escrivaninha, e ainda apertava meus cabelos tentando se controlar. Me olhou
com desejo, como se não estivesse acreditando.
A puxei levemente contra mim e com muita excitação, me beijou de
forma inesperada, sua língua invadiu minha boca, suas unhas arranharam
minha costas causando um arrepio descomunal. Estava me agradecendo. —
Dei um leve aperto em seu rosto.
— Quem é teu homem? — ela permaneceu calada. Apertei mais. —
Quem o teu homem Kate?
— É você Philiph — Sorri malicioso. Ela já ia se levantando quando a
segurei.
— Onde você pensa que vai? — ela me olhou sem responder. — Agora
você vai me dar prazer! — Coloquei uma de suas mãos por cima de minha
cueca box, que por sinal já estava úmida com a excitação. A coloquei de pé e
me encostei na escrivaninha.
— Começa!
— Philiph, você tá diferente.
— Para de falar, agora faça o que estou mandando. — Ela me olhou com
a cara mais safada do mundo. Se aproximou de mim e com a mão levantou
meu pescoço passando a língua, foi beijando meu peitoral até em baixo.
Segurei seus cabelos sedosos só apreciando o carinho.
Ela parou quando chegou em minha intimidade, calmamente retirou a
cueca expondo meu membro que já estava duro e quase explodindo. Me
olhou antes de iniciar e passou a língua em seus lábios, o que me deixou
louco de prazer.
— Peguei meu membro comecei a passar devagar em seus lábios e gemi
desesperado quando sua língua tocou a cabeça do mesmo. — Aaaahhhhh
assim, chupa vai! — segurei forte seus cabelos dando leves apertos.
Fechei os olhos sentindo um prazer maravilhoso. Segurei sua cabeça e me
movimentei dentro de sua boca, senti suas unhas arranharem minhas coxas e
depois, as mesmas encontraram minha bunda apertando, isso está me
deixando louco.
Por um minuto, como num devaneio estranho, lembrei de Mary, balancei
a cabeça evitando imaginá-la. Nunca pensei em outra mulher durante o sexo
com Kate. Na hora espantei os pensamentos me concentrando em minha
esposa.
— É assim que você gosta? — parou de me chupar ao dizer.
— É assim mesmo, seja uma boa menina, quero foder sua boca.
— Fode! — Me desencostei da mesa e inclinei um pouco minhas pernas
me posicionando melhor, Segurei sua cabeça para que ela ficasse parada.
Comecei a me movimentar dentro de sua boca num movimento de entra e sai.
Inclinei minha cabeça para trás quase em transe com a sensação. Intensifiquei
os movimentos de modo que sua boca parecia rasgar.
Ela parava, segurava o membro e sugava forte.
— Hummmm, você vai beber do teu homem hoje! — Já não estava mais
aguentando, uma onda de prazer começou a me invadir, ia pulsando de meu
membro e subindo até meu ventre e rapidamente se espalhou pelo corpo
inteiro. Meu corpo estava formigando e não pude conter o nó no meu
estômago, sem força, explodi literalmente dentro da boca dela. — Toma tudo,
Aaaahhhhh — expirei tentando me manter em pé ainda segurando seus
cabelos de forma firme buscando apoio, pois minhas pernas estavam bambas
e meu corpo já cambaleava para trás. Ela engoliu tudo, nunca, repito, nunca
havia feito isso antes. Hoje ela foi uma mulher de verdade.
A ergui do chão, nós nos olhamos por um longo instante e a levei para o
banheiro, liguei a torneira para encher a banheira. Ao redor da mesma havia
uma bancada de mármore bem grande. Sentamos dentro da banheira ainda
vazia.
— Você tá maravilhoso hoje. — Disse passando a língua pelo meus
lábios.
— Ainda não acabou! — me olhou surpresa.
— Não? O que mais você vai fazer comigo?
— Levanta — Ordenei. Ela prontamente ficou de pé e a água já cobria
nossos calcanhares. Me posicionei atrás dela e Segurei sua perna esquerda a
apoiando na borda da banheira, isso facilita meu encaixe, inclinei sua cabeça
para frente e esfreguei meu membro em sua intimidade que novamente estava
úmida.
— Alii.... Hummm. — Ela colocou a mão para trás na esperança de
segurar meu membro, deixei, ela o acariciou, estava rijo de novo.
— Coloca você mesma, agora! — Ela segurou o membro próximo de sua
entrada e empurrou, a ajudei, mas tirei sua mão, ela, então, apertou seu seio e
com a outra mão se apoiou na parede.
Sem pensar mais, invadi bruscamente fazendo-a gemer.
— Aaaahhhhh…Philiph.
— Isso, gemi mais, geme meu nome, é assim que eu quero. — Com uma
mão segurei sua cintura e com a outra envolvi seu corpo na altura logo abaixo
de seu seio, me aproximei de suas costas e mordi calmamente.
— Oooohhhh, gostosa, safada.
— Fala mais! — ela pediu e prontamente obedeci.
— Então é assim que você gosta né, safadinha. Você quer que eu te foda
mais forte? — Quer... Que.... Suas palavras estavam muito entrecortadas e
não conseguia dizer mais do que isso. Gemia palavras desconexas e de forma
bem manhosa. A apertei mais ainda contra meu corpo e aumentei
demasiadamente as estocadas, sentia seu fundo de tão forte que estava nosso
sexo.
— Fode! Delícia — ela colocou as mãos para trás encontrando meus
cabelos, seus dedos passeavam por ele e desciam por minha nuca arranhando-
a — Essa posição a deixava muito sexy, e seu corpo belo e definido era
minha excitação. Estava quase louca, seu corpo estava muito quente e apoiou
sua cabeça no meu ombro.
Meu membro dava sinais de queria se libertar de novo, jorraria a qualquer
momento, mordi seu ombro a fazendo de forma deliciosa arfar e sem
aguentar mais amoleceu em meus braços e meu jato quente se derramou
dentro dela.
— Oooohhhh, Ahhhh. — Mal conseguia respirar direito e ainda a
segurava para que não escorregasse, estava sem força nenhuma. Fui
finalizando com movimentos lentos ainda dentro dela. Podia sentir um
choque percorrer toda a extensão de meu corpo. Finalmente, ajudei ela a
sentar na banheira e me coloquei por trás de seu corpo.
Ficamos colados um no outro por um tempo recuperando nossas
respirações e nossos batimentos cardíacos. Estávamos ali nos deliciando com
a sensação da luxúria. Saí de dentro dela que gemeu baixinho com a
sensação. Sentamos na banheira e sentimos a água morna deliciosa em nossos
corpos. Ela estava diferente, me acariciava e me beijava. Ficamos por uns
instantes em silêncio e pensei, tenho que agradecer a Mary.
Essa mulher realmente tem fibra.
Capítulo 6

No dia seguinte às minhas dicas para Philiph, acordei antes das seis da
manhã. Cheguei cedo ao hospital, fui a primeira a entrar na sala dos médicos,
como o local era bem espaçoso, sentei em uma das cadeiras da grande mesa
em formato oval que ficava ao centro.
Pouco tempo depois vi que a porta se abriu, era o doutor de quem Philiph
suspeitava, Conrad, era ainda por cima, mais bonito pessoalmente do que na
foto. Kate era uma puta com bom gosto! Tive que admitir. Ao me ver, fez
uma cara do tipo "quem é você"? Se aproximou de mim e gentilmente foi
logo se apresentando com um ar de muita sedução.
— Olá! — sua voz soou um tanto quanto sexy. Estendi minha mão que
prontamente ele segurou e deu um leve beijo sem desviar seus olhos de mim.
— Qual o seu nome? — perguntou sorrindo.
— Mary. — E o seu?
— Conrad. A seu dispor.
— Muito prazer, você é muito gentil. — sorri maliciosamente. Sem
demora, sentou-se na cadeira que estava ao meu lado e continuou o assunto.
— Estive fora por tão pouco tempo e quando chego encontro uma mulher
tão linda como você aqui! — sorri timidamente.
— Hoje é meu primeiro dia. Você elogia assim todas as novas médicas?
— Não, só as belas. — já vi que esse diz o que pensa, pelo menos tem
coragem, um ponto a seu favor, mas é amante, dois pontos a menos, logo
saldo negativo.
— Hum! — seu sorriso era lindo e seu porte muito elegante.
— Obrigada pelo elogio! — inclinei a cabeça e mexi no cabelo só para
provocar.
— Posso te levar por um tour pelo hospital, te apresentar o ambiente.
— Ah! Vou adorar! — Foi mais fácil me aproximar dele do que
imaginava.
Aos poucos, os demais médicos começaram a preencher o recinto,
conversavam, tomavam café, mas Conrad não saía de perto de mim. Um
pouco antes das sete da manhã Philiph e Kate apareceram de mãos dadas,
extremamente sorridentes, quando ele me olhou não pude conter a sensação
de dever cumprido, ele havia feito como o combinado.
Fez a lição direitinho! Pelo olhar dela vi que estava mansa. Pronta para a
captura. Entretanto, assim que me viu com Conrad sua feição mudou, então,
eu, como boa "nova amiga", simpaticamente acenei. Por dentro ela devia
estar se corroendo com a cena, pois Conrad estava muito próximo de mim e
não percebeu sua chegada.
— Kate! Que bom vê-la novamente. Adorei nosso café de ontem! — ao
ouvir o nome Conrad se assustou nitidamente. Ela disfarçou e o fuzilou com
os olhos, já Philiph me fitou como quem diz "você acertou em cheio!"
— Ai querida, eu que agradeço sua companhia! Que você tenha um ótimo
primeiro dia de trabalho! — me abraçou ao dizer.
— Esse é o Philiph, meu marido.
— Nós nos conhecemos ontem pela manhã, doutor Henrique nos
apresentou.
— É bom revê-la doutora. — Philiph apertou forte minha mão.
— Conrad, está de volta? Como foi de viagem? — Philiph perguntou só
para disfarçar sua vontade de esbofeteá-lo ali mesmo por conta da
desconfiança.
— Grande Philiph! — Conrad foi ao encontro de seu colega e deu um
abraço com tapinhas nas costas. — Foi excelente, o médico austríaco é
mesmo o deus da plástica! — conversávamos amigavelmente até que cada
um dos que ali estavam começou a seguir para seu respectivo setor.
Conrad foi o primeiro a nos deixar e Kate foi em seguida por conta de um
chamado em seu Pager. Ficamos sozinhos na sala, Philiph e eu. Ao ver que
não havia mais ninguém, ele, subitamente agiu de forma peculiar.
— Mary! — sorriu em êxtase e me deu um abraço inesperado, me
erguendo do chão.
— Philiph me põe no chão! — sem me obedecer, girou duas vezes
comigo no colo. — Philiph, me obedeça! Alguém pode entrar — falei séria
dando tapinhas em seus ombros até que me pusesse no chão
— Você é incrível sábia! Kate amou a surpresa. — o olhei incrédula.
— Ei, espero que não tenha esquecido de que o presente foi só para
amansar Kate, ela ainda te trai. Eu vou provar! — disse sussurrando com
medo de alguém entrar na sala. Ele me olhou desapontado.
— Mas ela esteve comigo ontem como nunca. — senti tristeza em sua
voz.
— Foi sexo Philiph, apenas sexo. Mulher gosta disso! — me olhou
reprovativo
— Você não sabe de nada, não me conhece. — disse irritado.
— Conheço o suficiente. — me aproximei dele. — É melhor tratar essa
situação de forma racional antes que se arrependa e atrapalhe meus planos.
Quer pôr tudo a perder?
Mal terminei de falar e senti meu pager vibrar e o de Philiph vibrou ao
mesmo tempo. Nos olhamos e rapidamente saímos os dois correndo pelos
corredores do hospital até a emergência. Fomos recepcionados com aventais
e as luvas de procedimento que foram entregues por dois enfermeiros.
Chegamos à porta de entrada para esperar uma ambulância que estava prestes
a entrar no estacionamento do Pronto Socorro e dois residentes cirúrgicos
estavam de prontidão.
— Qual é o caso? — perguntei a um deles. — O paramédico nos
informou por telefone, homem, 36 anos, lesão por arma de fogo no
hemotórax esquerdo e um possível traumatismo craniano. O paciente também
apresenta uma infecção por conta de um canal dentário. Ele assaltou uma
moça que ao conseguir se esquivar, o empurrou do terceiro andar do
apartamento dela. — nessas horas, mesmo que o ódio invada nossas mentes
temos que fazer de tudo para manter o paciente vivo, seja ele quem for.
Minutos depois, ao fundo, escutamos o barulho da sirene, a ambulância
estava entrando no estacionamento, a adrenalina já está dando seus primeiros
indícios em nossos corpos e tentamos respirar nesse momento, aguardando o
paciente que deposita toda confiança em nossas mãos, estando ele consciente
ou não.
Recepcionamos a ambulância e logo as portas se abriram, os paramédicos
já empurravam a maca para fora do veículo e passavam os primeiros sinais
vitais. Levamos a maca às pressas para uma sala da emergência e fizemos os
primeiros procedimentos.
Sem sombra de dúvidas, Philiph é um excelente médico, a forma como
trata o doente e suas mãos talentosas me fazem admirá-lo. Mas algumas
divergências entre nós profissionais, são comuns e conosco não foi diferente.
A certa altura ela apareceu
— Doutora Moreau, a questão não é essa! Eu preciso controlar a
infecção, se eu não operar ele morre de septicemia. — aumentou o tom de
voz para me contrariar
— Se o ventrículo cerebral se romper vai ser catastrófico, ele morre na
sua frente. Eu não vou deixar isso acontecer! — não posso permitir que ele
passe à frente de minha decisão. Os residentes e as dois enfermeiros olhavam
boquiabertos a situação, dois médicos brigando por um ponto de vista,
enquanto o paciente estava deitado na maca à nossa frente.
— Precisamos da opinião de um terceiro médico. — Doutor Fábio, chame
o doutor Henrique aqui agora.
— Sim senhor! — antes que o residente pudesse sair, Henrique entrou na
sala.
— Soube desse caso agora e decidir ver como estão se saindo.
— Doutor Henrique ela não pode tocar no meu paciente.
— Como não posso? — já sentia uma irritação pelo modo como Philiph
me travava, estava negligenciando minhas opiniões médicas.
— Doutor Philiph me passe o caso!
— Doutor Henrique, o paciente foi baleado no tórax e apresenta uma
infecção grave que eu preciso controlar, antes que pare o coração, os pulmões
e todos os órgãos.
— Doutora Moreau, prossiga com seu prognóstico. — Se ele operar, o
paciente sai com morte cerebral. Olhe as tomografias — apontei para o
aparelho onde estavam várias delas
— Há um grande abcesso comprimindo o ventrículo podendo causar
edema cerebral significativo e uma meningite grave.
— Os dois estão certos, mas estão com um bomba relógio nas mãos. Vão
ter que operar juntos, e na hora saberão o que priorizar. Levem esse paciente
para a sala de cirurgia, eu estarei lá. — olhei para Philiph e minha admiração
deu lugar a uma raiva que tentei com muita força controlar.
Nós direcionamos até o lavatório e fizemos nossa lavagem de mãos
cirúrgica enquanto o paciente estava sendo preparado na sala à nossa frente,
olhávamos por uma parede de vidro e um grande silêncio estava no meio de
nós, mas percebi que enquanto eu fazia a desinfecção das mãos ele me olhava
de lado, e ficou assim por um bom tempo. Quando percebeu que eu me
incomodei com situação saiu do meu lado e entrou na sala, passando por uma
porta automática. Sem demora, fui atrás e começamos os procedimentos.
Enquanto eu operava o cérebro tentando não deixar que o mesmo
enrilhasse, ele estava com as mãos dentro do tórax do paciente.
— Doutora Mary, como estamos indo por aí? — perguntou sem desviar
os olhos de sua função.
— A pressão intracraniana está diminuindo, só preciso de mais alguns
minutos.
— Droga, droga! — ele ficou nervoso. Olhamos para o monitor e os
batimentos cardíacos estavam despencando. — Há um sangramento enorme
na aorta e a infecção está se espalhando muito rápido — apesar de nossas
diferenças a minutos atrás, ele tomava decisões rápidas na mesa de operação,
tinha um olhar clínico impecável.
— Ele parou! — disse em alto bom som.
— Carreguem as pás! — Doutor Philiph não ouse chocar o paciente
agora, estou com as pinças dentro do cérebro dele.
— Não dá pra esperar! — as pás já estavam em suas mãos e seu
autoritarismo está me matando.
— Espera um segundo! — sem ao menos me ouvir, ele colocou as pás ao
redor do coração
— Tire suas mãos deste paciente agora Moreau
— Doutor Philiph, não!
— Carregue em 30.... — retirarei rapidamente as pinças antes que eu
fosse atingida pela descarga elétrica. — Ele chocou o paciente e praticamente
todo meu trabalho foi por água abaixo.
— Muito bem doutor Philiph, agora, por sua ansiedade em não esperar
um segundo teremos um paciente com algum dano cerebral que só vamos
descobrir quando ele acordar, se ele acordar.
— Mas ele está vivo, doutora. É isso o que importa! — falou com
arrogância me deixando furiosa.
— A que preço doutor Philiph? — a tensão estava forte e sem dar mais
uma palavra, terminamos de suturar nosso paciente e os residentes o
encaminharam para a UTI. Me dirigi até o lavatório para higienizar minhas
mãos. Deixei a água escorrer pelas mesmas e fechei os olhos tentando me
acalmar.
— Mary! — escutei sua voz rouca próxima de mim — Se usar esse nome
mais uma vez eu juro que parto você em tirinhas. — Desculpa! Eu não queria
agir daquele jeito lá dentro. — enquanto ele lavava as mãos, me encostei na
parede o observando. Respirei fundo antes de dizer o que estava entalado em
minha garganta desde o início da manhã.
— Escutei bem o que eu vou lhe dizer, não confunda as coisas. Nunca
mais fale comigo naquele tom! Sou tão médica quanto você. O que você fez
foi me desmoralizar na frente daquelas pessoas.
— Eu só estava fazendo meu trabalho. — sua feição ficava cada vez mais
bela enquanto se enraivecia.
— O seu trabalho? Tem certeza? — Espero que você fique mais calma,
eu te pago pra isso. — sua fala irônica me tirou do sério.
— Como é que é? Me paga? por isso não! Você não me paga para ser
médica. Logo percebi que você não sabe separar as coisas.
— Se não sabe trabalhar em equipe, fale logo, assim você sai desse
hospital e trabalha só como detetive ou posso simplesmente dispensar seus
serviços. — falou bem alto e se aproximou, me encurralando na parede, senti
um calafrio imenso quando seu corpo encostou no meu.
— Você é patético! Você não é meu dono, e aqui dentro eu não respondo
a você. Meu trabalho é sigiloso. Se quer desistir a hora é agora! — Ele apenas
me encarou atentamente sem dizer uma palavra sequer, por fim, saiu da sala.
Esperei um pouco para me acalmar e fui logo e seguida.
Me dirigi ao vestiário para tomar um banho. Me senti cansada daquela
situação e da cirurgia em si e depois do banho decidi dormir um pouco na
sala de sobreaviso. Me desliguei um pouco de Kate e dele também.
Por umas três horas adormeci tranquilamente, ninguém me chamou na
emergência, e minhas consultas estavam reservadas para o início da tarde. Ao
acordar, fiquei uns instantes na cama olhando para o teto do quarto, fechei os
olhos por um segundo relembrando o abraço de Philiph.
Seus braços me envolveram de uma forma tão maravilhosa, era mais alto
do que eu, logo me perdi envolvida em seu corpo. Senti na hora seu perfume,
pois o mesmo tomou conta do meu jaleco, impregnando o tecido. Ao pensar
nisso um riso brotou em meus lábios sem que eu percebesse, mas ao recobrar
a consciência, respirei fundo tentando não pensar nele, sou muito
profissional, não posso me envolver com um cliente.
Levantei e me arrumei de forma rápida, tinha que fazer uma visita ao
doutor Conrad sedutor. Pelo visto, Kate além trair também era traída, porque
pelo jeito que ele me tratou hoje era só estalar os dedos. Ao sair da sala de
sobreaviso fui em direção à sala dele.
O andar da plástica ficava em cima da Neurologia, um lugar muito bem
equipado, havia um centro de tratamento para queimados, um laboratório
para confecção de enxertos e um trabalho excelentíssimo para pacientes
bariátricos. Parei em frente à sua porta, bati discretamente, em menos de um
minuto ele veio me receber.
— Doutora Mary, mas que honra! Entre! — Segurou minha mão e
conduziu-me até o interior da sala.
— Obrigada! — Então, como está sendo seu primeiro dia?
— Ótimo! — tentei disfarçar minha pequena raiva de Philiph.
— Sente-se! — e como um bom homem, puxou a cadeira para que eu
sentasse. Esperei que ele desse a volta em sua mesa para que discretamente
levasse minha mão por debaixo da mesma. Coloquei um pequeno botão preto
bem no canto. Era um pequeno ponto de escuta. Eles não iam me esconder
nada.
Conversamos um pouco de forma bem descontraída quando ouvimos
batidinhas na porta e logo depois vimos Kate entrar na sala. Conrad tentou
disfarçar a saia justa e se remexeu na cadeira.
— Mary, você aqui! — ela deu um sorriso falso e aproveitei para
provocá-la.
— Kate, querida! Doutor Conrad está sendo um perfeito cavalheiro, vai
me mostrar algumas coisas aqui no hospital que ainda não conheço.
— Ah! Sim, que bom. — eles se olharam de forma tensa e eu, adorei a
situação, uma briguinha entre os dois pode ser o que eu preciso para reunir as
provas da traição, pelo visto tudo ocorrerá de forma rápida.
— Bom, já que está aqui, aproveito para lhe convidar para um jantar em
minha casa esta noite, às 20hs. Aqui está um papel com o endereço e meu
telefone — me levantei e sorri para ela.
— Vai ser um grande prazer. Preciso mesmo me socializar!
— O senhor também está convidado, doutor Conrad.
— Obrigado Kate...Kate. — ele cometeu um ato falho ao chamá-la muito
intimamente. Ela o encarou sem graça
. — Aceito seu convite, estarei lá. — Bom, eu preciso ir, tenho que
organizar umas coisas em minha sala, finalmente vou me instalar. — queria
sair logo dali, precisava escutar a conversa.
Me despedi dos dois e me retirei do recinto, só esperei fechar a porta para
apertar um minúsculo botão de um outro ponto que coloquei na orelha, os
cachos de meus cabelos cobriam perfeitamente o pequeno objeto. Caminhei
lentamente até minha sala ouvindo a conversa:
— Você estava muito animado com ela não acha não?
— Kate que isso! Eu só quis ser gentil!
— O inferno está cheio de gentilezas.
— Kate! amor, você sabe que te eu amo.
— Ela é legal sabia, deixa ela em paz, você é bem safadinho, te conheço
de outros carnavais.
— Vem cá delícia... Está gostosa hoje!
— Sai!
— Não faz assim... Você sabe que não resisto...
Kate vadia! Não terminei de ouvir tudo porque tinha outras coisas para
fazer, além de avaliar o pós-operário do meu paciente de hoje cedo. Tudo
ficaria gravado, agora só preciso de fotos.
O restante do dia foi bem agradável, minhas consultas foram bem
tranquilas. Agora preciso me organizar para a festa. Fui para a casa e
descansei um pouco antes de me arrumar. Quando o despertador tocou
levantei para me preparar, tomei um banho delicioso e demorado. Saí de
toalha mesmo pelo quarto, fui até meu closet e escolhi uma lingerie cor vinho
e de renda.
Coloquei um vestido azul marinho de comprimento acima dos joelhos e
decote em coração com uma alça média. Calcei um scarpin meia pata
vermelho e optei por uma maquiagem leve, porém valorizei bastante a área
dos olhos e um batom com cor bem discreta. Peguei uma pequena bolsa de
mão e segui para a mansão dos Williamss.
Ao chegar à propriedade, vi que a mesma ocupava praticamente uma
quadra inteira. O segurança autorizou minha entrada, então, segui pelo
caminho que levava até a mansão, que era de uma beleza extraordinária.
Muitas árvores e um jardim sem igual, havia uma fonte próxima à entrada
e rapidamente um manobrista veio ao meu encontro para estacionar o carro
no lugar adequado. Caminhei em direção à entrada e fui surpreendida por
uma criança. Uma menina muito linda com os olhos bem azuis.
— Oi! — disse simpaticamente.
— Oi boneca, você é a filha da Kate? — a menina esboçou um sorriso
imenso e segurou minha mão.
— Sim! Vem, vamos entrar, minha mãe está lá dentro. — segurei sua
mão pequenina e seguimos para o interior da casa. Estou ansiosa para ver o
que este jantar me reserva.
Havia muitos médicos, alguns dos quais já tinha conversado de ontem
para hoje. Dei um giro com meu olhar pelo ambiente e senti um pequeno frio
na barriga quando reparei que Philiph vinha em minha direção.
— Pelo visto a mocinha aqui fez as honras da casa! — disse pegando a
filha no colo.
— Luanna, essa é a nova médica do hospital. Mary, essa é a Luanna,
minha filha.
— Sua filha é um encanto.
— Obrigado. Lu, a Aline está te procurando, lembra o que a gente
conversou. Vai brincar lá em cima com ela. — ele colocou a criança no chão
que prontamente fez o que o pai pediu. Seu olhar se deteve em mim por um
pequeno espaço de tempo
— Está linda!
— Obrigada! — Sorri tentando não demonstrar o arrepio que senti ao
ouvir elogio.
— Me desculpa por hoje!
— Tá tudo bem Philiph, vamos deixar os assuntos do hospital no hospital.
— ele assentiu e em seguida Kate veio ao meu encontro. O jantar foi
maravilhoso, de muito requinte e bom gosto.
Após nos deliciarmos com o banquete, foi servido champanhe e caviar.
Todos se confraternizavam como grandes amigos e eu tentei de me enturmar
com todos. Conrad estava um pouco arredio e apenas me olhava, falou muito
pouco comigo, de certo, a adúltera lhe pôs contra a parede.
À certa altura do jantar, não vi mais Philiph em lugar nenhum, fazia
tempo até demais, porém achei que podia estar com os outros homens em um
grande escritório para onde se dirigiram muitos dos médicos, para tratarem de
negócios. Então decidi que estava na hora de partir.
Me despedi de Kate e dos demais convidados e finalmente saí da mansão.
Seguia em direção à minha casa pela avenida Vieira Souto, na praia de Alki
Beach mesmo. Já era quase meia noite, estava calmamente olhando o
calçadão, o trecho onde passei estava vazio, exceto por um homem bêbado
que estava sentado na calçada com uma garrafa de bebida nas mãos.
Freei bruscamente o carro quando espantosamente percebi que o homem
que estava ali era Philiph. Saí de forma rápida do carro olhando para ver se
ninguém observava a situação, mas não havia ninguém ali naquela hora. Me
aproximei dele, o mesmo não percebeu minha chegada pois estava
embriagado. Me abaixei ficando à sua altura
— Philiph? O que está fazendo aqui? Como foi que você saiu do jantar?
— segurei seu rosto para que ele pudesse me olhar.
— Mary? — perguntou olhando diretamente para mim. — Vai embora
daqui!
— Mas é claro que eu não vou embora! Você está ficando louco? As
pessoas podem te ver nesse estado!
— Danem-se todas elas!
— Olha pra mim, olha! — ele reluta em me olhar, deve estar
envergonhado. — Vamos embora daqui.
Fiz um esforço sobrenatural para levantá-lo do chão e mesmo com sua
ajuda é difícil, pois é muito alto e não se equilibrava direito por causa dos
efeitos da bebida. Depois de muita luta consegui colocá-lo dentro do carro no
banco de trás. Entrei no mesmo e olhei para ele que já estava deitado.
— Pra onde eu vou te levar? Philiph, acorda! — não respondeu a
nenhuma de minhas perguntas. Então, depois de um tempo tentando achar
uma solução, decidi fazer o impensável, levá-lo para meu apartamento.
Assim que cheguei, entrei na garagem e fiz o segundo esforço
sobrenatural para tirar aquele homem enorme do meu carro. Vou subir pelo
elevador de serviços para não ser vista com ele desse jeito. Conseguimos
chegar até o elevador e apertei o botão da cobertura.
— Madame! — Fala Philiph. — Eu sou tão ruim assim?
— Philiph, fica quieto! — o cheiro de bebida exalava por todo o elevador.
— Eu sou feio?
— Que?
— Olha pra mim! — ele segurou no meu rosto.
— Philiph, você bebeu demais. — começou a rir descontroladamente.
— Aposto que você está apaixonada por mim.
— Nem se eu estivesse morta, Doutor. — graças a Deus o elevador
chegou.
Entrarmos com muito custo em meu apartamento e querendo me aliviar
de seu peso, o joguei em cima do sofá.
— Fica aí! Vou arrumar o quarto de hóspedes aqui em baixo. — ele me
olhava como se estivesse arrependido, triste, desolado. Fui em direção ao
quarto, era uma suíte. Acendi as luzes do banheiro e quase dei um pulo de
susto ao escutar o barulho de Philiph caindo na cama atrás de mim.
— Philiph! Não, não...Levanta daí, tá sujando meu lençol!
— Ah! Que mulher chata, para de reclamar.
— Philiph, é sério, me dá sua mão. — com força fiz ele se sentar na
cama. — O banheiro tá ali, vai tomar um banho.
— Não quero não.
— Não é questão de querer ou não. Vai tomar banho sim, tá imundo e
fedendo a sarjeta! — ele começou a levantar, mas logo cambaleou, segurei
firme para que não caísse. — Me ajuda né, você é pesado.
— Você não é a menina super poderosa, madame, detetive, xerife,
boazuda, que sabe tudo, me ajuda então. — sua voz entrecortada soava de
forma engraçada. Estava muito bêbado. Entramos no banheiro e liguei o
chuveiro enquanto ele se apoiava na parede.
— Vou sair e você toma seu banho.
— Claro Madame! — subitamente ele entrou no box com roupa e tudo.
— Philiph, pelo amor de Deus, você está de roupa no meu box, tira
primeiro né.... Vai acabar com meu banheiro, to vendo! — inútil falar
qualquer coisas ele já está totalmente molhado.
Tentei segurar sua mão e bruscamente ele me puxou para junto de si.
— Não, tá me molhado! — literalmente gritei com a situação.
— O que eu faço agora? — ri com sua fala.
— Não consigo me equilibrar.
— Claro, de tanto que bebeu. — tive que me humilhar, nunca em toda a
minha vida tive que fazer isso. Jamais dei banho em criança quem dirá num
adulto como ele. Comecei a despi-lo, tirei primeiro o blazer e depois
desabotoei a camisa onde tive a visão de um belo peitoral, farto e grande.
Comecei a ficar sem graça pelo jeito com que ele me encarava.
— Para de me olhar assim!
— Não dá, você é muito linda! — o encarei.
— Coragem de bêbado não vale! Quero só ver quando a sobriedade
chegar.
O ajudei a tirar a calça e finalmente, quando tive que tirar sua cueca box,
deslizei a peça até conseguir tirá-la pelos pés, o olhei de baixo para cima e
seus olhos acompanhavam o movimento. Parei por um segundo, respirei
fundo, tive que processar a imagem porque senti minha boca literalmente
salivar. Seu membro era muito avantajado, fiquei em estado de transe ao
olhar. Ele está tão fora de si que não digere a situação. Coloquei pouco de
sabonete líquido em suas mãos e ele passava em seu corpo.
— Se esfrega.
— Passa nas minhas costas.
— Philiph você vai me pagar por isso.
— Eu sou rico.
— Calado! — tive que lavar suas costas. Minha mão massageava a
mesma e Philiph, cara de pau, não perdeu a oportunidade.
— Tá gostoso?
— Oi?
— Você tá adorando cuidar de mim!
— Mais uma palavra e te levo de volta pra sarjeta. — a água deslizava
abundante e eu já estava encharcada.
— Passa o shampoo. — joguei um pequena porção em sua cabeça, quase
pulei para conseguir alcançar. — Meu olho sua louca. Tá ardendo! — minhas
mãos se detinham em seus braços tentando não deixá-lo cair. Graças a Deus
tomou banho.
— Philiph, toma aqui a toalha!
— Não quero me secar.
— Ah! vai sim, nem pensar que você vai molhar o quarto todo. — Ele
pegou a toalha e mal passou em algumas partes, ficando as costas e o peitoral
molhados. — Vem eu te ajudo. Se apoia em mim.
— Calma eu vou cair!
— Já estamos chegando, a cama está bem ali.
— Cama?
— Sim. Quer dormir no chão?
— Você vai dormir aqui. — não segurei o riso.
— É óbvio que não!
— Poxa!
— Philiph, cala essa boca antes que eu me arrependa de ter te trago pra
cá, devia ter deixado daquele jeito! — ele se jogou na cama. — Se cobre. —
joguei o lençol por cima dele.
— Não, tá calor — reclamou
— Por favor, se cobre!
— Não! — tive que deixá-lo ali. Dormiu instantaneamente.
Peguei uma toalha e me sequei como pude. Sentei numa poltrona ao lado
da cama, coloquei meus cotovelos apoiados nos joelhos e repousei meu
queixo em minhas mãos. Olhei para ele, estava dormindo nu em minha
frente, seu corpo era esplêndido e minha cabeça começou a dar mil voltas,
fechei os olhos tentando apagar os pensamentos, mas eles vinham com muita
força.
Que homem é esse?
O que está acontecendo comigo?
Capítulo 7

Não consegui parar de olhar para Philiph, tentei, mas foi inútil. Me
aproximei da cama e sentei na beirada, minhas mãos se detiveram em seus
cabelos, acariciei os mesmos fazendo leves movimentos com os dedos.
Então, olhei para seu rosto adormecido e dei um beijo leve em sua testa. Ele
jamais saberia o que eu acabei de fazer.
Decidi, enfim, ir para o meu quarto tomar um banho e assim que a água
começou a cair, lembrei daqueles momentos no banheiro com ele, fiquei por
um bom tempo parada, deixando a água cair, nem me atrevi a colocar no
quente, nesse momento preciso de um banho gelado para me recompor.
Coloquei uma camisola branca de seda e absolutamente nada por baixo, então
resolvi cair na cama, estou exausta e logo apaguei. Meu celular costuma
despertar às cinco da manhã me lembrando a hora exata de levantar. O
mesmo começou a tocar desesperadamente, isso sempre me tira a paciência,
pois o barulho é estridente.
Mas dessa vez não foi só o barulho que mexeu com minha paciência.
Tentei me espreguiçar na cama quando senti um certo peso envolto à minha
cintura. No momento, ainda sonolenta, sem abrir os olhos, tateei e senti os
pelos de um braço pesado. Meu coração sofreu de taquicardia pelo pulo que
dei da cama quando senti o membro de Philiph, que estava rijo, encostando
em meu bumbum.
— Philiph! Perdeu o juízo? — ele deve ter dormido de conchinha comigo
a noite toda, tenho sono muito pesado e não notei sua presença durante a
madrugada. Ele acordou totalmente assustado e me olhou como se o mundo
fosse acabar.
— O que estou fazendo aqui? — passei a mão por minha testa e senti que
suava frio.
— Como se atreveu a deitar na minha cama e tocar em mim?
— Eu não lembro! — o efeito da ressaca ainda estava sobre ele, pois não
percebeu que estava nu.
— Philiph, olha pra você, meu Deus, por que você tá assim?
— Assim como?
— Philiph, isso aí é uma ereção? — olhou para seu membro que estava
extremamente ereto. Parecia mais um mastro!
— Você está excitado? — falei incrédula
— Não! — ele olhou rapidamente para seu membro e ficou bem corado
— Você abusou de mim Madame? — se cobriu com meu lençol.
— Como é que é?
— Você usou meu corpo? Eu fui molestado? — se irritou
— Era só o que me faltava! Eu fui praticamente sua babá ontem seu
bêbado!
— Eu me lembro de beber sim, de você me encontrar na estrada e me
ajudar...mas daí eu chegar ao ponto de vir pra sua cama? Conta outra!
— Ah! Claro, olha minha cara de tarada sexual! Como eu ia subir às
escadas com você? Me poupe doutor. Isso se chama álcool, meu bem.
Álcool!
— Eu sou muito bonito e você abusou de mim sim.
— Você é muito cara de pau mesmo. Desça e vá para o quarto onde
deveria estar, suas roupas estão secas, coloquei na secadora depois que você
foi dormir. Philiph! Está me ouvindo? — ele me olhou de cima a baixo
mordendo o lábio inferior.
— Você está muito bonita assim.
— Assim como?
— De camisola e sem nada por baixo
— Não seja inconveniente doutor. Agora vá! — segurei na porta me
apoiando e com a outra mão fiz gesto para dar passagem a ele. Rapidamente
se enrolou com o lençol e seguiu em direção à porta, mas antes de sair
segurou minha nuca e meu corpo tremeu, pensei que ia fazer uma coisa
inadmissível, mas me surpreendeu com um doce beijo na testa.
— Obrigado por tudo! — sorri tímida para ele e o mesmo desceu às
escadas. Fechei a porta e me encostei nela, um pouco sem ação.
Tomei um banho, me arrumei e desci para falar com ele, estava sentado
no sofá cabisbaixo. Me abaixei mais uma vez para falar com ele, assim como
naquela sarjeta ontem à noite. Segurei seu queixo fazendo com que olhasse
pra mim.
— Ei...vou preparar um café. Me espere aqui! — ele beijou minha mão
segurando perto de seu rosto e assentiu positivamente. Seus olhos azuis me
olharam com ternura e por uns instantes minha raiva por ele desapareceu. Fui
até a cozinha e fiz um café sem açúcar, daqueles bem fortes e para mim, fiz
um chá. Fui até a sala com duas xícaras na mão e sentei na mesa de centro
ficando de frente para ele, lhe entreguei a xícara com café.
— Obrigado! Ouça, quero que saiba que eu não sou aquele homem que
você viu ontem à noite!
— Philiph, me conte o que aconteceu! — ele ficou em silêncio por um
longo tempo antes de falar.
— Eu vi, Mary! Eu vi Kate aos beijos com aquele cara! — ele falava e
mexia no celular ao mesmo tempo procurando alguma coisa.
— Viu? Como? Onde?
— No jantar, um pouco depois de você chegar. — disse me mostrando o
celular. — E eu gravei.
— Você o quê? — o vídeo mostrava Kate aos beijos e amassos com
Conrad. Coloquei minha mão direita sobre a boca de forma a não acreditar no
que via.
— Por isso que bebeu daquele jeito?
— Sim!
— Eu sinto muito que tenha descoberto desta forma. Mas já está na hora
de te mostrar outra coisa. — levantei séria e fui até um cômodo que reservei
para ser meu escritório, ficava no primeiro andar mesmo. Voltei para a sala
carregando uma pasta preta em minhas mãos. — Philiph, não posso esperar
mais.
— O que pode ser pior do que uma traição, Mary?
— Isso aqui pode ser pior. — abri a pasta e tirei algumas fotografias,
papéis e um gravador com as conversas, coloquei espalhados em cima da
mesa de centro, deixei que ele olhasse uma por uma.
Analisou atentamente cada prova que lhe mostrei e por um bom tempo
permaneceu em silêncio até explodir
— Por que não me mostrou isso antes! — sua irritação foi evidente.
— Eu não podia, ia ser demais pra você. As coisas não aconteceram como
o previsto. — levantou e começou a dar passadas pela sala desesperado.
— Você mentiu pra mim!
— Não, eu não menti. Mas precisava de tempo para conseguir tudo isso.
— Ah! Sim, e como conseguiu todas essas provas em três dias? Como?
— respirei fundo até ter coragem de dizer.
— Senta aí!
— Não quero sentar.
— Por favor! — me aproximei e segurei seu braço. Sentamos um ao lado
do outro no sofá. — Philiph, pelas fotos, você pode ver que Conrad não é o
único! O homem que você vê é Armando Villar, suspeito de manter cassinos
clandestinos e de compactuar com fraudes em hospitais. Senhor S está atrás
dele a algum tempo e um de nossos detetives estava de tocaia quando viu
Kate com ele. Foi por isso que Dylan Wright te indicou os serviços de Senhor
S.
— Você também conhece o Dylan?
— Sim!
— Por que ela fez isso comigo? Justo eu que fiz tudo por ela, tudo.
— Você vai ter que ser forte, Philiph. Não precisa ser mais enganado! —
me olhou atentamente.
— E não vou! — disse muito sério
— O que pensa em fazer? Já são quase seis da manhã! — ele se levantou
rápido indo em direção à porta.
— Vou resolver isso!
— Philiph, tenha calma, cuidado com sua filha.
— Mary, eu não sou tão bobo quanto você pensa, a semanas entrei em
contato com meu advogado, ele já tem a papelada pronta, eu só precisava de
provas. Ela não valorizou meu amor, agora é hora de seguir em frente. —
saiu pela porta indo em direção ao elevador. Fui atrás.
— Philiph, você está sem carro! Como vai voltar pra casa?
— Enquanto fazia o café eu chamei um táxi.
— Ok! — hesitou em apertar o botão do elevador e caminhou de volta em
minha direção.
— Me perdoa por hoje!
— Não se preocupe com Isso! — ele segurou minhas mãos erguendo-as e
sobre elas depositou um beijo delicioso, o que me causou um certo suspiro
— Me preocupo sim, não sou um homem relapso. Foi um momento de
fraqueza, eu sei, mas não quero que tenhas uma má impressão de minhas
condutas.
— Não tenho, pode acreditar. — Seu olhar é tão penetrante que me perco
dentro deles. Por fim, entrou no elevador e saiu.

Saí do apartamento de Mary com raiva, dor, arrependimento e outros mil


sentimentos que me invadiam. Sabia exatamente o que tinha que fazer, por
mais duro que fosse! Havia mais de trinta ligações de Kate em meu celular e
certamente ela deve ter ligado para todos os nossos amigos.
O táxi me deixou na porta de casa, passei pelo portão principal e
caminhei lentamente até a mansão. No caminho comecei a lembrar da forma
como fui tratado por Mary.
— Madame! Madame! — pronunciei seu nome baixinho. O que está
acontecendo comigo? Estou prestes a me separar da mulher que julguei
sempre amar e minha boca chama pelo nome de outra?

Ao entrar em casa vi Kate sentada no sofá com o telefone nas mãos.


— Qual é o seu problema? — ela gritou. — Philiph, aonde você estava?
Eu exijo uma explicação! — passei por ela silenciosamente e subi rápido as
escadas, ela veio em seguida atrás de mim. — Você sumiu a noite toda!
Deixou nossos convidados em uma situação muito complicada sabia? — fui
até o closet e peguei uma mala, voltei para o quarto e joguei a mesma em
cima da cama. — Pra que essa mala? — vendo que eu nada respondia me
segurou forte pelo braço me encarando. — Fala Philiph! — segurei suas
mãos e retirei meu celular do bolso, procurei pelo vídeo e entreguei para que
ela pudesse olhar.
Vi que sua face se transformou em segundos. Coloquei algumas peças de
roupa sem dobrar, alguns pares de sapatos, cuecas, documentos e fechei a
mala. Ela estava paralisada com o celular na mão.
— Philiph, eu posso explicar!
— Não, não pode não e nem eu quero. Ainda hoje você receberá os
documentos do nosso divórcio. Assine na mesma hora e devolva ao
advogado.
— Philiph, espera, vamos conversar. Eu não vou assinar coisa nenhuma!
— gritou.
— Vai sim, ou todo mundo vai saber a vadia que você é. Mundo moderno
esse né! Posso enviar esse vídeo para qualquer um.
— Você não seria capaz! — falou com tom de desaforo.
— Experimenta! — Desci com a mala pela escada e ela veio atrás,
aproveitei logo para dizer — Ah! E nem pense em colocar a Lu no meio
dessa história, ela não merece a mãe que tem.
— Não vai embora, vamos conversar!
— Cala a boca Kate, você me engana a muito tempo, infelizmente eu só
tive provas agora! — alterei a voz.
— Você está sendo injusto comigo!
— Eu injusto? Tudo o que um homem pode fazer por uma esposa eu fiz,
mas confiei na pessoa errada. Eu volto amanhã para ver minha filha! E você
tem dois dias pra deixar esta casa!
— Como é que é? Eu não vou sair da minha casa.
— Sua casa? Não seja ridícula. Você é a adúltera aqui. Qualquer juiz vai
concordar comigo. — sem que ela pudesse dizer mais alguma coisa saí
daquela casa, peguei meu carro e fui para um flat que havia comprado a uns
dois anos. Dirigi pelas ruas, assim que cheguei, deixei a mala num canto
qualquer e sem perder tempo, liguei imediatamente para meu advogado.
— Alô, Róger!
— Philiph, esqueceu do amigo aqui?
— Desculpa amigo, andei atarefado demais. Preciso daquela papelada pra
hoje!
— Do divórcio?
— Sim, leve esses papéis para que Kate assine. Preciso disso até o início
da tarde!
— Mas Philiph, calma, como você tem tanta certeza de que ela vai assinar
e ainda por cima hoje?
— Faça o que estou lhe pedindo. Ela vai assinar, com certeza!
— Como queira!
— Quando estiver com isso em mãos me avise...Róger, rápido com isso
ouviu, tem que ser hoje!
— Pode deixar! — desliguei o telefone e sentei na beirada da cama
inclinando meu corpo para trás de modo que minhas pernas ficaram não acho.
Passei as mãos pelo meu rosto para que a ficha caísse. Incrivelmente não
pensei em Kate, meu único pensamento foi ela, a Madame. Adormeci nessa
posição mesmo.
Depois que Philiph saiu de meu apartamento senti num certo vazio, e olha
que sempre fui acostumada a estar sozinha. Andei de um lado para o outro
lembrando dele.
— Tira ele da sua cabeça! — conversei comigo em voz alta. — Você
gosta de liberdade! Não queira se prender a ninguém. Ele é seu cliente!
Após a reflexão, segui para o hospital, estava atrasada, tinha uma
craniectomia marcada para o primeiro horário. Dentro do carro, as imagens
de Philiph passavam como um filme por minha cabeça e a música no rádio
que eu involuntariamente cantava me fazia lembrar exatamente do que havia
acontecido. Como se ela tocasse propositalmente.
E a medida em que ela tocava eu não conseguia conter o riso de canto
de boca, mas sei que jamais posso envolver os negócios com minha vida
pessoal. Tenho que resolver este caso rápido e ir embora o quanto antes.
O dia no hospital foi tranquilo, exceto pelo fato de que não vi Philiph em
nenhum momento, pelo que soube suas cirurgias foram adiadas para amanhã.
Kate também não apareceu, pelo visto as coisas esquentaram muito entre
eles.
No fim do dia, ao chegar em meu apartamento, entrei e fui direto para o
banho aliviar a tensão. Após essa seção de banho morno, escolhi uma lingerie
vermelha de renda e coloquei uma camisola bordô acima dos joelhos, era de
seda com alças finas. Vesti um hobby preto longo e dei um laço para
finalizar. Desci as escadas e procurei na estante da sala alguns CDs para
ouvir. Sempre tive predileção por música clássica, românticas e pop rock,
mas hoje, em especial, escolhi uma trilha sonora diferente, coloquei um cd
com músicas variadas de rock, que por sinal era uma seleção de músicas um
tanto eróticas. Como moro na cobertura, liguei o som aumentando um pouco
mais o volume, quero me distrair e a música é meu ponto de partida.
Minha sala é bem espaçosa com um grande tapete felpudo no centro do
cômodo, na parede há obras de Monet e Picasso e várias plantas ornamentam
o ambiente. Abri a porta de vidro que dava para a sacada e deixei a brisa
deliciosa do mar inundar o ambiente, o vento balançava meus cabelos e
respirei fundo sentindo o cheiro da maresia.
Aproveitei para ir até a cozinha, abri o armário retirando uma taça de
cristal, também escolhi em minha pequena adega um vinho chileno da safra
de 1987. Enchi a taça pela metade e me direcionei até a sala, estava convicta
de que iria saborear o vinho e as frutas com um maravilhoso fondue de
chocolate.
Olhei para o relógio de parede bem antigo, aquele de pêndulo que
distribui as badaladas pela casa à meia noite, o mesmo marcava 23h45min.
Suspirei minha solidão, cerrei os olhos sentindo a música tocar e senti uma
leve palpitação, a música faz isso comigo. Já estava em minha terceira taça de
vinho quando peguei meu celular para olhar qualquer coisa sem muita
relevância, me espantei quando vi dez ligações perdidas de Philiph.
Prontamente retornei, e não precisou chamar muito, pois ele logo atendeu.
— Mary!
— Philiph! Como você está? Não apareceu no hospital hoje! — falei
preocupada
— Você não atende esse telefone, senhorita! — sua voz soava ansiosa.
— Desculpa, não ouvi o celular tocar.
— Preciso muito te mostrar uma coisa! — suspirou
— Vou chegar cedo no hospital amanhã. O que quer me mostrar? —
perguntei curiosa.
— Não, preciso mostrar agora!
— Philiph, está tarde, já estou indo dormir!
— Sua mentirosa! — ouvi sua risada rouca pelo telefone.
— Por que está me chamando de mentirosa?
— Porque eu também gosto de Led Zeppelin! — parei boquiaberta ao
ouvir que tocava All of My Love e o som estava alto, ele certamente ouviu
pelo telefone.
— Está atrapalhado né, vou abaixar o volume!
— Não faça isso! — ordenou sério.
— Philiph, amanhã a gente conversa, ok!
— Madame! O cheiro de chocolate está maravilhoso!
— Ah! Estou comendo frutas com. — tem alguma coisa estranha, pensei.
— Philiph, como está sentindo cheiro de chocolate? Aonde é que você está?
— ficou mudo por um segundo.
— Esperando você abrir a porta! — fiquei atônita ao ouvir. Cheguei
próximo a porta e hesitei um pouco em puxar a maçaneta
— Mary! Oi! — emudeci e só ouvia sua voz.
Vagarosamente abri a porta e lá estava ele, parado com o braço escorado
na parede lateral e sua cabeça apoiada no mesmo, onde falava pelo celular.
Na outra mão segurava uma garrafa de champanhe rose. Nos olhamos
profundamente!
— Achei que me deixaria plantando neste corredor! — um sorriso
involuntário surgiu em minha face.
— Como você conseguiu entrar aqui? Como passou pela portaria?
— Isso não importa agora! Posso ou não entrar? — sua face é de
suplícios, dei passagem para que ele entrasse.
Fechei a porta e me encostei na mesma sentindo o nervosismo tomar
conta de mim. O encarei por uns segundos enquanto ele observava o
ambiente. Dava voltas pela sala analisando o local, se deteve em minha
coleção de discos antigos na estante e em especial, uma espada samurai que
ganhei de presente de Senhor S.
— Philiph, o que você quer me mostrar a essa hora?
— Olha! Você tem uma relíquia aqui — retirou a espada do suporte —
me aproximei rapidamente retirando a espada de sua mão.
— Não se deve mexer no que não é nosso, lembra? — ele sorriu
entendendo o recado.
— Não vai abrir a champanhe?
— Você quer beber a essa hora por que?
— Você está tomando vinho! — apontou para a taça que estava pela
metade na estante. O encarei desacreditando da situação.
— Fondue? Sério que você fez? — disse olhando para a mesa de centro
onde o suporte para Fondue estava aceso.
— Você gosta?
— Muito! — sorriu. Lhe entreguei um palitinho e ao lado do suporte
havia uma bandeja repleta uvas, morangos e kiwis.
— Usei chocolate meio amargo, creme de avelã e uma boa dose de
conhaque.
— Nossa! Deve estar muito bom. — espetou uma uva e a mergulhou no
chocolate. — Hummm! Isso é divino! — sorri de sua face ao saborear a
fruta.
— Não vai abrir a champanhe? — repetiu
— Espera! — Fui até a cozinha, peguei um pequeno balde com gelo,
depositei a garrafa dentro do refratário e voltei para a sala. Deixei o balde em
cima da mesa de centro com um protetor por baixo, não quero manchar o
móvel. Peguei uma outra taça de cristal e coloquei um pouco de vinho
entregando para ele. — Philiph, você poderia ter esperado até amanhã! Olha
meus trajes, daqui a pouco eu já vou dormir. — ele me olhou de cima a
baixo.
— Por que veio aqui a essa hora? — estendeu um envelope e me
entregou, abri um tanto receosa. Tirei umas folhas de dentro e comecei a ler.
— Seu divórcio? — falei alto, estava incrédula — Ela assinou? Philiph!
Como assim, ela assinou sem relutar?
— Não quero falar sobre isso!
— E sobre o que quer falar então? — ele se aproximou perigosamente
enquanto bebia um pouco de vinho.
— Eu vim falar sobre o motivo pelo qual eu bebi ontem.
— Eu sei Philiph, você já me disse isso. — ele tirou os papéis de minha
mão e colocou em cima do sofá, em seguida colocou a taça sobre a mesa de
centro
— Não foi só por causa da Kate!
— Então por que você fez aquilo? — me irritei seriamente e ele fez uma
longa pausa, entendeu a mão e ajeitou uma mecha de meu cabelo para trás da
orelha me proporcionando um sensação muito gostosa.
— Porque eu não consigo parar de pensar em você! Porque sua
presença mexeu comigo desde que eu te vi pela primeira vez. Porque eu
transei com minha esposa, mas involuntariamente era você quem eu desejava.
— suas palavras causaram em mim uma paralisia temporária e não consegui
me mexer, enquanto isso, seu corpo colava no meu.
— Philiph! Você se divorciou hoje!
— Madame! — olhou para o relógio de parede e em seguida falou
sussurrando em meu ouvido — Até que horas você vai continuar fingindo
que não está feliz em me ver? — um arrepio descomunal percorreu toda
extensão de meu corpo e meus batimentos cardíacos agora estavam
irregulares.
Apenas senti quando segurou fortemente em minha cintura me
empurrando em direção à porta de forma rápida. Soltei um grito abafado de
susto, pois o mesmo me ergueu do chão, pressionando minhas costas contra a
porta
— Philiph, eu não posso! — falei de olhos fechados com um pouco de
dor pelo modo como me encurralava.
— Olha pra mim! — me apertou mais. — Abra os olhos! — relutei — Eu
mandei você abrir! — nossos olhos se perderam um no outro. Sua respiração
estava descompassada. — Quer que eu vá embora? — Sua voz sexy está me
enlouquecendo.
— Não! — estava rendida naqueles braços e não queria sair dali, mesmo
que fosse inapropriado, pois é meu cliente.

A segurei firmemente em meus braços, seu cheiro está me inebriando.


Senti que entrelaçou as pernas em volta de minha cintura e comecei a me
deleitar com o perfume de seu colo, passei a língua na extensão de seu
pescoço roçando minha barba, ela se contraiu e medida em que seus pelos se
arrepiaram.
— Eu quero você! — sua voz saiu manhosa e a olhei com desejo.
— Repete!
— Eu desejo você. — nem acreditei no que acabei de ouvir.
— O que você quer que eu faça? — perguntei mordiscando seu lábio
inferior. Sua resposta à minha pergunta foi um beijo urgente onde nossas
línguas coordenam num ritmo muito sensual. Seus lábios carnudos e quentes
estão fazendo com que eu perca todo o juízo. — Que feitiço é esse que você
tem? — falei pressionando meus lábio contra a pele macia de seu pescoço.
— Vou te mostrar doutor! — meu membro literalmente enrijeceu ao
ouvir isso.
— Me põe no chão! Agora Philiph! — ordenou
— Para de ser mandona, eu te pago para me obedecer!
— Não vou falar duas vezes, Williams! — obedeci. Descolei nosso
corpos e a ajudei ficar em pé, ela segurou minha mão conduzindo-me para o
centro da sala. Pegou uma cadeira e colocou no meio do cômodo.
— Sente-se! — falou categórica.
— Pra que?
— Não faça tantas perguntas doutor. — simplesmente acatei. Ela se
direcionou até a estante onde estava o Home Teacher e começou a trocar de
música. Observei sua linda vestimenta de seda, seus belos cabelos soltos e
comecei a sentir um tremor ao lado dessa mulher. Depois de escolher a
música, caminhou em minha direção parando em frente. Enquanto isso a
trilha sonora nos dita o ritmo um pouco caliente, fazendo meu membro latejar
só de vê-la desse jeito.
— Ponha suas mãos em mim! — minha respiração já está fora de ritmo.
— Toque o meu corpo! Sinta-me! — pegou minha mão direita e calmamente
colocou em seu seio. — Aperta! — não consigo raciocinar muito, estou fora
de mim mesmo.
Apertei seu seio, que por sinal é muito macio, mesmo por cima do hobby,
enquanto isso, ela passa a língua por seus lábios desenhando os mesmos.
— Isso! Não para! — pediu com veemência. Continuei o movimento. Ela
levou minha mão até sua boca e lentamente chupou meu dedo indicador.
— Madame! — ela chupava e me olhava com tesão. — Humm, tira
minha roupa! — hesitei em tocá-la.
— Do quem tem medo Philiph? — não tive resposta para sua pergunta.
A puxei pela cintura deixando-a mais próxima de mim, entre as pernas,
desatei o laço de seu hobby e lentamente ela começou a descer o tecido desde
o ombro. A peça de roupa que de modo vagaroso caia pelo seu corpo, agora
me dava a visão da mulher mais perfeita que já vi em toda a minha vida. Ela
mesma tirou a camisola e sua lingerie vermelha me instigou a olhá-la com um
desejo desenfreado.
— Você é linda demais! — ela sorriu ao ver que eu estava hipnotizado
com a visão de seu corpo.
— Você quer me sentir? — sussurrou.
— Quero! Muito! — minha voz já saia como se eu estivesse desesperado
em possuí-la. Num movimento rápido, sentou-se em meu colo ficando de
frente para mim, suas pernas estavam juntas de meu quadril e por uns
instantes admirei aquela bela mulher em meu colo.
— Me faça enlouquecer! — estava sendo mandona. Está na hora de
mostrar a ela quem sou de verdade.
— Mary, agora é sua vez de ficar caladinha. — falei apertando sua
cintura
— Ahhh, Isso, me mostra o que sabe fazer doutor! — disse aproximando
seus lábios dos meus.
— Você me subestima. — sorriu maliciosamente com minha fala, seus
olhos verdes parecem que veem além das aparências, pois ela me olha muito
compenetrada.
Passei minha mão em seu ventre e subi acariciando sua pele macia até o
busto, ela inclinou o corpo para trás e ao mesmo tempo se remexia em meu
colo sentindo meu membro pressioná-la por cima da calcinha. Abri o fecho
de seu sutiã tomara que caia na parte da frente e tirei a peça de uma vez só.
Parei para observar seus seios lindos, ao mesmo tempo que sua cabeça
pendia para trás, deixando seu corpo ainda mais convidativo. Suas mãos
delicadas, agora seguravam meus braços dando leves apertos. Sem demora
abocanhei seu seio esquerdo.
— Aahh! — gemeu se contorcendo em meu colo. Passei minha mão por
trás e segurei suas costas para não cair. — Philiph! — falou meu nome entre
suspiros. Devorei os mamilos com mais propriedade e suas mãos cada vez
mais apertavam meu braços.
— Vem! — puxei-a para junto de meu corpo e quase mordi seus pescoço
de tanto desejo. Seus dedos se emaranhavam em meus cabelos e em seguida
arranhavam minha nuca causando sensações em meu corpo antes
inexploradas. Nossas bocas chocaram-se violentamente, estávamos os dois
ensandecidos de prazer em apenas sentir a pele um do outro. Uma devassidão
de luxúria começou a preencher o ambiente e a música nos proporcionava
muito prazer.
— Quero fazer uma coisa pra você! — mordeu o lóbulo de minha orelha
me fazendo apertar demasiadamente seu corpo.
— Faça! — ordenei. Ela se levantou, agora só estava de calcinha. Parou
em minha frente e apoiou sua perna direita em minha coxa esquerda e
começou lentamente a acariciar os seios, sua mão esquerda descia pelo ventre
em direção à sua intimidade e a outra apoiou na perna que estava em cima de
mim. — O que vai fazer? — perguntei eufórico
— Quero que você prove do meu gosto! — quase fui ao delírio quando
sua mão adentrou à calcinha, ela mordiscava o lábio inferior e sua boca
entreaberta mostrava todo o tesão que estava sentindo.
— Ahw, Philiph! — gemeu ao penetrar-se com um dedo. No ímpeto,
toquei seu seio. — Não, só olha! — falou séria. — ela está me deixando
louco com os movimentos lentos de sua masturbação em minha frente,
aumentando a cada segundo velocidade.
Acariciei meu membro por cima da calça só observando a cena. Ela fica
esplêndida excitada e seu corpo demonstra satisfação a cada toque seu, pois
percebo que o mesmo está tremendo. Não consigo controlar meu ritmo
respiratório, estou cada vez mais ofegante.
— Prove do meu gosto! — colocou seus dedos perto de meus lábio,
estavam úmidos de seu próprio sexo. Prontamente suguei sentindo o doce
veneno e gemeu baixinho esboçando um sorriso malicioso.
— Me dá sua mão! — sua pele clara estava um pouco vermelha pelo
calor.
— Vem! Entra! — passei meus dedos por sua intimidade que já estava
extremamente encharcada, enquanto sua perna ainda estava apoiada em
minha coxa eu a penetrei com dois dedos, seu gemido era manhoso,
intensifiquei os movimentos na intensidade da música quer tocava.
Aproximei-me dela para ter mais contato, mordisquei seu ventre enquanto
estimulava seu clitóris com o polegar, meu membro latejava dentro da calça.
— É só isso que você sabe fazer, doutor?
— Não me provoque Mary! — estava tão louca de prazer que não
conseguiu se equilibrar mais, pendeu o corpo para trás, mas rapidamente a
segurei levantando da cadeira na mesma hora.
Minhas mãos seguravam seu corpo delicado, sou bem mais alto do que
ela e dominá-la será muito fácil pra mim, apesar de que, ela está me deixando
sem forças para tomar as rédeas da situação.
— Fica parado!
— O que? — questionei
— Não se mexa. — começou a me despir lentamente, primeiro tirou o
blazer, em seguida desabotoou os botões de minha camisa expondo meu
peitoral, suas unhas passavam fazendo movimentos circulares e a essa altura
eu já não raciocinava mais, porém, o fato dela ser minha detetive não me
intimidou.
— Ahhh! Eu não vou aguentar essa tortura Mary! — suas mãos
procuraram o zíper de minha calça e logo ela desceu a mesma por minhas
pernas, me livrando dela. Fiquei apenas de cueca box. Ajoelhou-se e beijou
minhas coxas passando a língua por toda a extensão.
— Humm! — sua boca quente me alucina. Tentei buscar apoio em algum
móvel antes que eu pudesse perder os sentidos, senti um calafrio imenso
quando sua língua passou por meu membro mesmo estando de cueca. Num
movimento rápido tirou o único pedaço de pano que ainda restava em meu
corpo.
— Pede! — mordi meu lábio inferior.
— Safada!
— Seja homem Philiph, peça!
— Chupa o teu homem! — segurei forte seus cabelos.
— Meu homem?
— Você não será de mais ninguém.
— Não pertenço a ninguém Philiph! — apertei forte seus cabelos.
— Ai! — resmungou.
— Agora faça teu homem sentir prazer! — dei ênfase no "eu" para que
ela soubesse que a partir de agora será apenas minha.
Suas mãos faziam movimentos estimulando meu sexo.
— Sou só a detetive, Philiph! — sua língua passeou por meu membro.
— Madame! — falei alto.
— Me obedeça, está a meus serviços. — sem demora ela sugou meu
sexo. Eu estava literalmente grunhindo de prazer, comecei a me movimentar
dentro de sua boca empurrando meu membro o mais fundo que podia.
Sua boca é maravilhosa e a cada segundo que passa ela intensifica os
chupões, olhei para ela que retribuiu enquanto sugava meu membro.
Cambaleei para trás quando se deteve em chupar a cabeça do mesmo
passando rapidamente a língua, sem parar.
— Você é delicioso é Philiph! — disse entre chupões.
— Madame! Eu vou... — minha respiração estava descompassada e uma
sensação de tremor percorria meu corpo se concentrando no centro de meu
ventre. Ela me estimula com as mãos ao mesmo tempo que me suga
magnificamente. Sem poder me conter mais, flexionei as pernas ao deixar o
arrepios inundarem meu corpo.
— Madame! — literalmente gritei seu nome envolto a tanto prazer.
Minha pele formigava e derramei meu jato quente em sua boca, ela engolia
cada gota que saia de dentro de mim. Ao final de minha maior tortura, passou
os dedos como se limpasse os cantos da boca e sua face demonstrava
adrenalina e desejo.

Ver que ele se consume de desejos por mim é uma sensação fantástica.
Sei que estou perdendo o juízo e que não devo me envolver, mas tê-lo assim
tão perto de mim é excitante, me instiga a continuar. Senti seu líquido quente
escorrer pelos cantos de minha boca e apertei suas nádegas enquanto se
libertava.
— Mary! — disse manhoso me erguendo do chão e colando nossos
corpos. — O que você fez comigo? — nossos rostos estavam colados e senti
sua respiração ofegante, ele me fitava com desejo e seus lábios me beijaram
com volúpia, nossos lábios se chocavam violentamente e cada milímetro de
minha boca era explorada por sua língua. À medida em que me beijava, me
apertava contra seu corpo, quase me afogando dentro de seus braços. Quando
nos faltou ar, nossas bocas se apartaram e nos olhamos arduamente.
— Vou recompensá-la por sua boa ação comigo ontem. — ergueu-me
pela cintura e dirigiu-se para uma grande mesa que ficava próximo à varanda
da sala colocando-me em pé perto da mesma. — Vire de costas. — obedeci.
— Agora feche os olhos. — cerrou meu olhos com sua mão. Senti quando se
afastou um pouco de mim e depois seu corpo nu encostou no meu
novamente. — Relaxa!
— Ah — meu corpo deu sinais de delírio quando um pedrinha de gelo
deslizou por minhas costas. — Philiph, tá gelado!
— Se controla Madame! — suas mãos deslizavam por minhas costas com
o gelo, gemi enquanto ele mordia meu ombro e chupava minha nuca. Seu
membro roçava em meu bumbum e suas mãos deslizaram por minha
intimidade, pude sentir minhas pernas contraírem quando o gelo passou por
cima da calcinha. Minhas mãos procuravam seus cabelos por trás mesmo.
— Philiph, não faz isso, por favor! Não aguento. — bruscamente ele me
virou e me colocou sentada na mesa, me empurrou delicadamente até que
fiquei deitada, então, começou a tirar minha calcinha bom devagar enquanto
me olhava atentamente.
— Abra as pernas! Abra! — falou baixinho e de forma bem sensual. Abri
lenta e gradativamente. — Vem! — fiz sinal positivo para ele. — Você é
muito linda Madame. — achei que fosse literalmente ensandecer quando sua
língua quente se deteve em meu sexo alternadamente com o gelo que ele fez
questão de passar de forma lenta.
— Ohh. — estou perdendo os sentidos.
— Tá gostoso, Madame? — levantei um pouco o pescoço e o encarei
desesperada.
— Muito! — minhas palavras fizeram com que sua língua me devorasse
loucamente, seus movimentos rápidos e circulares em meu clitóris me
fizeram arfar de desejo. Ele me penetrou com a língua e não consegui manter
meus quadris quietos, arqueei os mesmos tentando me manter sóbria. Ele
segurava minhas coxas fortemente dando apertos. Não feche as pernas! —
pressionei sua cabeça com minhas pernas tentando controlar o tesão.
— Levante as pernas! — segurou minhas pernas erguendo-as juntas, isso
comprimiu minha intimidade deixando-me vulnerável às carícias. — Você
quer? — seu membro passou na parte úmida de me sexo e ele forçou a
entrada mas tirou rapidamente só para me provocar. Nem segurando na
lateral da mesa consegui me manter sóbria. Depois disso, voltou a me sugar
ferozmente.
Seus movimentos aceleraram de uma maneira voraz e não consegui ter
mais controle sobre meu corpo. Um nó no meu estômago estava prestes a sair
para me tirar a sanidade. Meu corpo deu sinais de loucura e gozo
— Philiph! — gritei segurando forte seus cabelos para me libertar em sua
boca. Arfei e um choque forte pairou em meu corpo me deixando muito
ofegante e inquieta com os calafrios que me percorriam enquanto Philiph
diminuía os movimentos de sua língua, estava me sugando para tomar todo o
meu orgasmo.
— Vem cá! — disse me puxando para perto de si.
— Eu quero você agora! — Philiph tinha um poder na voz que me
deixava ensandecida. — Me Fode doutor, com força!

Tomei seu líquido quente e doce me deliciando com a visão de seu corpo
nu se contorcendo de tesão.
— Philiph! — sussurrou ofegante. Puxei seu corpo para que se sentasse
na mesa, estava demasiadamente sem forças e me abraçou entrelaçando suas
pernas em volta de meu corpo. Dei leves beijos em seu pescoço e suas unhas
percorriam minhas costas me causando excitação.
— Madame! — chamei-a. A mesma estava com a cabeça deitada em meu
ombro.
— Oi! — voltou seu olhar para mim.
— Ainda não te possuí! — falei sério. Ela segurou minha cabeça com as
duas mãos e nos olhamos intensamente.
— Está cansada Madame? — riu com minha fala.
— Nunca! Estou louca para sentir você dentro de mim. — segurei-a em
meu colo ainda com as pernas envolta de minha cintura e caminhei até o
grande e espaçoso sofá da sala. Sentei no mesmo com ela em meu colo.
Desferi leves e firmes tapas em suas nádegas e ela me beijava o pescoço e o
queixo
— Levanta! — ordenei. Ficou em pé na minha frente. — Vire-se! —
ficou de costas para mim. — me aproximei de seu bumbum e mordisquei o
mesmo, passando minha língua para deixá-la excitada. Segurei meu membro
que já está excitado novamente e iniciei uma massagem de sobe e desce com
minha mão. — Senta! — fui categórico. — sem esperar muito desceu
lentamente em meu colo para que eu me posicionasse em sua entrada.
— Ahhhhh, Philiph! — gritou quando puxei bruscamente sua cintura para
baixo fazendo meu membro invadi-la de uma vez só.
— Ah! Mary! — ela subia e descia eufórica em meu sexo e acariciava os
seios ao mesmo tempo. Minhas mãos se detinham em sua cintura apertando-a
e auxiliando seus movimentos. Isso está me deixando maluco. Não posso
chegar ao prazer máximo sem penetrá-la de quatro.
— Não se atreva, Philiph! — disse ofegante quando tentei tirá-la de cima
de mim.
— Apenas me obedeça!
Sem nos desconectarmos a virei fazendo com que ajoelhasse em cima do
sofá apoiada na cabeceira do mesmo.
— Philiph, sem piedade! Não seja um anjinho aqui! — segurei forte seus
cabelos puxando sua cabeça para trás.
— Shii! Apenas sinta o teu homem, Madame! — sem dó comecei as
estocadas quase que insanamente e a música que ainda tocava me incentivou
a incendiar minha Madame de luxúria. Mary estava enlouquecida e gemia
desesperada como se estivesse sem ar, aumentei fortemente as estocadas
fazendo seu corpo sacudir. Senti que sua intimidade comprimia meu membro,
não aguentaria por muito tempo. Desferi um tapa suave mas com leve pressão
em sua negada e em seguida ela arfou.
— Doutor! Ohhhhhh — gritou alto apertando a cabeceira do sofá e em
seguida mordeu a mesma tentando aliviar a explosão de gozo. Ao vê-la assim
ensandecida e sentindo seu líquido quente atingir meu membro, cheguei ao
clímax quase que instantaneamente.
— Madame! — Gemi alto o seu nome ao libertar dentro dela. Meu corpo
tremeu enlouquecidamente sentindo que ela amolecia em meus braços. —
Minha Madame! — a abracei forte por trás beijando suas costas e ficamos
assim por uns instantes, depois me retirei de dentro dela que gemeu pela
sensação. Deitei no sofá e a puxei para junto de meu corpo, a mesma deitou
em meu peito acariciando-o com seus dedos. Nossas respirações ainda
estavam descompassadas, a brisa era refrescante em nossos corpos nus e o
cheiro de chocolate que inundava o ambiente era nosso doce perfume pela
noite.
—Philiph! — levantou a cabeça que repousava em meu peito e me
olhou.
— Oi! — ajeitei a mecha de seu cabelo para trás e sorri.
— Adoro quando você me chama de Madame! — disse contornando
meus lábios com seu indicador.
— Você é a minha Madame! Só minha! — Selei nossos lábios
suavemente num beijo sensual. A noite é apenas uma criança.
Capítulo 8

Mary adormeceu com meus afagos em seus cabelos e em seguida cochilei


também. Dormimos por quase uma hora. Mas a sensação foi de que se
passaram apenas alguns minutos.
— Amanhã acordo cedo, Philiph! — se levantou do meu colo
rapidamente me causando susto, se preocupou com a hora ao se dar conta de
que adormecera em meus braços, pois já eram quase duas da manhã.
— Calma, pelo que eu saiba você só opera às oito — me olhou pasma.
— Você olhou o meu horário?
— Tomei a liberdade e liguei para a enfermeira do setor! — ficou séria.
— Philiph! Não vamos misturar as coisas...fomos longe demais! —
procurava desesperada sua calcinha pelo chão e o restante de suas roupas.
— Espera! Está arrependida? — levantei e segurei seu braço puxando-a
para perto de mim.
— Eu trabalho pra você e recebo por isso, esqueceu? — senti sua
respiração ofegante.
— Eu sei Ma.... — disse lhe dando um selinho.
— Não me chame assim, ouviu bem! Não somos íntimos! — parecia
nervosa pelo que aconteceu.
— Mas você também quis! Vai negar? — me irritei.
— Não estou negando nada, Philiph! — sem pensar duas vezes a peguei
no colo. — Philiph, pelo amor de Deus, para!
— A noite ainda não acabou! — afirmei sério. Logo, ela começou a bater
suas mãos em meus ombros me reprovando.
— Philiph, eu vou gritar! Eu não quero ficar com raiva de você! — me
direcionei até a escada e comecei a subir.
— Vou adorar ouvir você gemer, mas só gemendo meu nome! — subir as
escadas com ela em meu colo é fácil, mas está se debatendo demais. —
Garanto que daqui a pouco não é raiva que vai sentir de mim! E pare de se
debater ou vou cair dessa escada com você!
— Você é louco!
— Você não me conhece mesmo, doutora Mary! — cheguei até a suíte da
Madame, como estava muito bêbado da última vez que estive aqui, não
percebi o tamanho majestoso do ambiente.
Parei na entrada com ela ainda em meu colo e observei uma porta que
dava para o banheiro e um certo detalhe me chamou muita atenção, espelhos
enormes, na verdade dois, o primeiro pegava toda a parede por trás da
cabeceira da cama e o segundo ficava na parede lateral da mesma, ao lado da
porta de vidro que dava para uma pequena sacada.
— Hum! Quer dizer que você gosta de transar se olhando no espelho?
— Eu só vou falar mais uma vez, me põe no chão, doutor Philiph!
— Claro! — a coloquei no chão e vagarosamente a empurrei para o
banheiro, a mesma não exerceu tanto esforço para me impedir, mas a cara
não era das melhores.
— Philiph, me escuta! Por favor! — ainda estávamos nus e nossos corpos
sentiam a pele um do outro. Entramos no banheiro e em seguida, pressionei
suas costas contra a parede dentro do box aproveitando para ligar o chuveiro.
— Diz que você não quer, Madame! — minhas mãos se entrelaçaram em
seus cabelos dando firmes apertos enquanto a água morna caía.
— Não pode ser assim Philiph!
— É mesmo? — passei minha língua pelo lóbulo de sua orelha e
mordisquei a mesma.
— Ainda não pode ser? — perguntei deslizando minha mão até sua
intimidade, que por sinal já estava úmida. Fiz movimentos circulares em seu
clitóris e passei minha língua por seus lábios. Senti ela se contrair com os
toques de minha mão.
— Huumm... você não me deixa raciocinar. — suas palavras saíam
entrecortadas contra meus lábios.
— Não precisa pensar muito. Abra as pernas!
— Não! — ela parece perder os sentidos, pois não compreende bem
minhas ordens. — coloquei minha perna entre as suas.
— Abra pro teu homem, agora! — relutou. Dei um leve tapa em sua
nádega.
— Aaahhh. Não faz assim! — ela ficava ainda mais convidativa com o
corpo molhado. Meu membro já dá sinais ávidos de ereção, então, segurei o
mesmo e comecei a passar levemente em seu sexo, como está rígido, facilita
os movimentos que faço como se fosse penetrá-la, estimulando sua excitação.
Ela abria as pernas lentamente me permitindo acariciá-la.
— Tá caladinha é? — sua boca entreaberta e seus olhos semicerrados
mostravam um sinal positivo para eu continuar. — Ponha suas mãos em meus
ombros. — ela obedeceu
— Doutor…Aaahh. — gemeu ao sentir meu chupão em seu pescoço. —
Vamos gastar a água toda do prédio!
— Eu pago! Dinheiro não é problema — segurei firmemente sua cintura e
a ergui do chão.
— Philiph! — disse apoiando sua testa na minha enquanto eu posicionava
meu membro em sua entrada e ela entrelaçava suas pernas em minha cintura.
— Fala Madame! — mordisquei seu queixo.
— Eu costumo viciar! — sua voz soava manhosa.
— É mesmo! — comecei a invadi-la lentamente.
— Posso ser a melhor e a pior coisa da sua vida! Ainda assim você quer
me possuir? — seus olhos verdes penetravam em mim como lâmina.
— Você é safada! Quero você assim mesmo
— Você não me conhece Williams. — penetrei fundo até sentir que não
dava mais. — abriu a boca mais não saiu nenhum som.
— Posso conhecer...huum! — Então seja homem agora! Mete logo e sem
medo. — mordeu o lábio inferior me deixando louco de tesão.
— Pede mais. — apertei suas nádegas tentando posicioná-la melhor.
— Mete, mete, gostoso. — então, sem piedade, comecei a invadi-la
bruscamente. Minhas estocadas iam tão fundo que seu corpo tremia por
inteiro.
— Aahh, pede pro teu homem lhe foder! — minha voz saía rouca e quase
inaudível pelo prazer que me consumia.
— Mais rápido! — ela segurou forte meus cabelos dando puxadas nos
fios. Insanamente a possuí com um desejo carnal avassalador, urgente.
— Quero fazer uma coisa que já experimentei e é bom.
— O que? — ela mal consegue pronunciar as palavras.
— Fica parada! — cessei os movimentos e sai com ela de dentro do box
ainda encaixada de mim. Caminhei lentamente para ela não cair. Cheguei à
beirada da cama e a deitei.
— Philiph! Meus lençóis! Estamos molhando tudo! — nem dei atenção.
— Levanta a perna. — coloquei sua perna esquerda em meu ombro e me
ajoelhei na cama fazendo com que ela deitasse de lado.
— Philiph! — me olhou desesperada suplicando.
— O quer você quer fazer, gostosa? — rapidamente, ela segurou em meu
membro e começou a manusear o mesmo numa massagem com leves
pressões em seu clitóris e depois por sua parte mais úmida. — Que delícia,
safada! Humm! — ver ela sentir prazer assim está me deixando ensandecido.
— Aaahhh! — ela aumenta a velocidade à medida em que a loucura da
luxúria lhe preenche. Sua mão direita já desforra a cama de tanto puxar
lençol.
— Coloca ele! — meu membro já estava tão rijo que certamente não
precisaria de muito tempo para me libertar dentro dela. Ela posicionou o
mesmo em sua intimidade e entrei sem deixá-la pensar. — Ahhhh! Philiph.
— Isso, geme pra mim! — pedi. Sua respiração está irregular. — Olha
pra lá. — é muito excitante nossa imagem no espelho, me deixa com mais
tesão. Ela pendeu a cabeça se contorcendo de prazer. — Não, continue
olhando pra lá! — ordenei. — nos olhamos através do espelho e nossa
excitação aumentava. Minhas pernas já estão quase dormentes, tenho que
aumentar o ritmo.
— Philiph! Eu vou gozar…. — senti que se contraiu ao máximo
aproximando ainda mais nossos corpos. Mordiscou o lábio arqueando o corpo
para trás e não segurou o grito. — Ooohhh. — bateu as mãos na cama
apertando a mesma puxando os lençóis para si.
Acelerei minhas estocadas, seu gozo me fez delirar e tê-la em meus
braços me dá uma sensação de posse que nunca senti por mulher nenhuma,
nem mesmo por Kate.
— Hum. — mordi sua panturrilha.
— Ahhhh — inclinei meu corpo em direção ao dela pressionando sua
perna contra o quadril.
— Olha pra mim! — me chamou enquanto eu lançava meu líquido quente
dentro dela. Ela me provoca passando a língua por seus lábios e eu tento
manter a sanidade.
Por uns instantes fiquei dentro dela até despejar minha última gota, me
movimentando devagar enquanto nos olhávamos fixamente. Depois, me
retirei e deitei ao seu lado. O silêncio no quarto era contrastado com nossos
ritmos respiratórios descompassados.
— Madame! — me virei ficando parcialmente por cima dela sem deixar
que sentisse meu peso. Chupei seu seio e subi com a língua passando por seu
pescoço e finalmente cheguei em sua boca.
— Chega Philiph, chega!
— Cansou né! — rimos de minha fala. Arrumei os travesseiros e a puxei
para cima deixando que ela se aconchegasse. Tirei o edredom molhado por
baixo dela e deixei apenas o lençol. Me deitei ficando de frente para ela.
Entrelaçamos as pernas e passei minha mão direita acariciando seu rosto.
— Dorme. — vi que ela estava exausta.
— Você é delicioso, doutor! — sorri lhe dando um selinho. Sem muita
demora dormimos assim mesmo, nus.
Em determinado momento da noite acordei e por um instante fiquei
observando Mary dormir. É realmente uma mulher belíssima. Olhei para meu
relógio de pulso e já marcava 05h. Me levantei tentando não fazer barulho,
não queria acordá-la. Tenho que ver minha filha e resolver umas coisas antes
de ir para o hospital. Tomei banho e me enrolei com a toalha pois minhas
roupas estão todas no andar de baixo. Deixei ela dormindo no quarto mesmo.
Na sala, nossas roupas estavam espalhadas e o fondue estava frio, as taças de
vinho ainda estavam pela metade e o champanhe, nem mesmo tinha sido
aberto. Por incrível que pareça, observei o ambiente e sorri tentando
processar tudo o que se passou até esse exato momento. Meu celular estava
sobre a mesa de centro e o dela, sobre a estante, vi, pois o mesmo começou a
vibrar insistentemente. Cheguei próximo para ver e havia uma mensagem de
texto na tela:
"Mary, hoje, no mesmo lugar de sempre. Nosso bar preferido! Às 23hs.
Não esquece, OK!" — Jorge
Minha feição não foi das melhores. Mas eu faria uma visitinha a ela às
23h. O bar deve ser o mesmo, tomara que seja. Se ela tem outro, eu quero
saber. Nem eu mesmo me compreendo por tal pensamento, as atitudes que
tenho tomado, a minha separação quase que instantânea de Kate ao saber de
tudo.
Achei que fosse me ajoelhar diante dela pedindo que me amasse, mas ao
contrário, dormi com uma mulher que conheci a três dias e que me fez sentir
coisas que jamais imaginei ser capaz de sentir. Por ora, não quero pensar
muito, só viver, quem sabe. Peguei as roupas dela do chão e subi para acordá-
la.
Me aproximei da cama e a olhei dormir, estava deitada de lado, com a
perna direita flexionada em direção ao abdômen. Me detive em olhar cada
pedaço de seu corpo até que não me contive e beijei sua coxa, subindo até
cheirar seu pescoço.
— Philiph! — ela se remexeu sonolenta e de forma vagarosa se virou,
ficando de frente para mim.
— Preciso ir! — ela assentiu com a cabeça.
— Precisamos conversar! — cerrei seus lábios com meu dedo indicador.
— Shii! Depois falamos. — assentiu.
— Nos vemos no hospital. — dei um selinho e tentei intensificar o beijo,
mas ela me conteve.
— Preciso levantar!
— Trouxe suas roupas. — ela vestiu apenas o hobby. — Vou te levar até
a porta. — descemos pela escada e ela abriu a mesma me dando passagem.
— Aonde você está morando? — perguntou arrumando a gola de minha
camisa.
— Tenho um flat. Vou ficar lá até ela sair da minha casa.
— Certo!
— Mary! Eu posso te ligar? — riu timidamente.
— Philiph, meu serviço como sua detetive ainda não acabou, lembra?
— Como iria me esquecer. — ela se apoiou na ponta dos pés e me deu
um beijo.
— Nos vemos depois. — sorri e finalmente saí de lá.

Em uma noite somente, Philiph me deixou um tanto dolorida. Ele parece


um pouco domador, gosto disso, mas realmente ele superou minhas
expectativas até demais. Ele sabe agradar uma mulher na cama. Kate estava
muito equivocada ou nunca explorou esse lado dele. Entretanto, tenho que
focar em meu trabalho, que certamente, não envolvi só o caso de Philiph, mas
sim, o do hospital, das fraudes e dos cassinos clandestinos e me envolver
agora só vai atrapalhar as coisas.
Meu pai sempre me diz para nunca brincar com a comida, e já que isso é
o meu ganha pão, tenho que tirar o cavalinho dele da chuva o mais rápido
possível. Ao fechar a porta, olhei para a sala e involuntariamente lembrei na
noite passada e da madrugada. Sorri mordendo o lábio inferior, mas balancei
a cabeça para afastar o pensamento.
Peguei meu celular e vi a mensagem que contava no visor, não acreditei
quando vi que era de Jorge, um grande amigo dos tempos da faculdade e que
eu não via a uns dois anos. Namoramos por um bom tempo depois de
formados, mas vimos que era mais amizade que desejo.
Respondi a mensagem dizendo que compareceria no local na hora
marcada. Em seguida meu celular tocou, era o Philiph, mas não atendi, deixei
tocar até cair. Ele ligou umas três vezes, para ser sincera, eu queria muito
atender, mas me contive, vai ser melhor assim. Depois, nunca paro em lugar
fixo, talvez eu volte para Lisboa e além do mais ele tem uma filha, não sei
lidar muito bem com crianças, geralmente elas não gostam de mim, a filha
dele foi uma raríssimas exceção.
Visto que, hoje é um dia especial, pois é meu aniversário e raramente
conto para alguém esse tipo de coisa, pouquíssimas pessoas sabem, quero
aproveitar ao máximo, além do que, o aniversariante do mês, no hospital,
ganha dia livre e um substituto vai operar em seu lugar, então, vou fazer tudo
o que tenho direito.
Mas uma vez meu celular tocou, mas dessa vez era Leticia, minha melhor
amiga.
— Oi minha querida! — sorri ao dizer.
— Feliz aniversário, Madame!
— Leticia! — a repreendi.
— Pode deixar, falei baixinho para ninguém ouvir. — Sei, te conheço de
outros carnavais, Vivi.
— Que saudades amiga! Fiquei muito feliz quando Dimitriev disse que
você estava em Seattle
— Ganhei de presente um casinho especial.
— Me conta, Mah.
— Te conto. O que acha de irmos a um certo clube de luxo. — Topo,
claro! Me passa o endereço!
— O nome é Williams, Club & Resort.
— Ok! Vamos sim!
— Que tal me encontrar lá às dez horas, podemos passar a manhã e à
tarde por lá, preciso de tratamento VIP hoje e de uma massagem deliciosa.
— Ótimo, colocamos o papo em dia.
— Certo então, até mais tarde!
— Até querida!
Preciso visitar o tal clube de luxo de Kate, tenho que ver com meus
próprios olhos seu declínio como esposa. Na hora marcada fui ao encontro de
Leticia, estava louca para vê-la. Encontrei a mesma na porta de entrada.
— Não acredito! Como você está linda! — proferiu as palavras sorrindo e
nos abraçamos fortemente.
— Oh minha querida, que saudade de você! Senti sua falta no Réveillon
ano passado em Lisboa. — caminhamos em direção a recepção.
— Não pude ir, desculpa, André me prendeu aqui em Seattle. Além do
mais, sempre passo essa data com você todos os anos né, queria uma folga.
— parei e a olhei reprovativa.
— Folga da sua melhor amiga?
— Meu amorzinho, não fica com ciúmes.
— Pois é, imagina como me senti sem minha cúmplice. — rimos com a
situação.
— André quis que eu conhecesse a família dele em Londres, aí passamos
o Réveillon lá.
— A queima de fogos é maravilhosa mesmo. — me lembrei de minha
juventude em Londres antes de ter tantas obrigações.
— E aí, como foi com a família dele?
— Foi tudo muito tranquilo.
— E quando vão se casar?
— Não minha querida, eu terminei com ele! — a olhei com espanto.
— Bem feito, deveria ter passado o ano novo comigo e aí teria conhecido
um belo português! — ela riu de minha fala.
— Você é a mulher mais sozinha que eu conheço, não dá espaço para
homem nenhum. Vai acabar só hein! — graças a Deus chegamos a recepção,
ela me atormentaria as ideia com esse papo.
— Mary! — belisquei seu braço.
— Aí, já entendi, Mary! — ela sempre esquece esse detalhe. Nos
aproximamos do recepcionista
— Por favor! Eu gostaria do tratamento VIP para o Spa para duas
pessoas. — ela tomou a frente e disse.
— Feliz aniversário, tudo por minha conta hoje, Madame! — sussurrou o
Madame para que eu não me irritasse.
— Adorei! — seguimos para o local indicado por uma funcionária que
nos mostrou todo o ambiente. Era muito luxuoso, Kate queria o dinheiro dele
pra que?
Começamos por uma massagem oriental com pedras quentes muito
relaxante. Em seguida optamos por uma sauna. Ficamos ali por um tempo
desejável e por fim fizemos as unhas e o cabelo. Pintei as unhas de vermelho
e cortei um pouco as pontas de meu cabelo, o que ressaltou meu cachos.
Depois de toda a sessão magnífica resolvemos tomar um suco em uma mesa
diante de uma das piscinas do clube. Sentamos e pedimos cada o sabor de
nossa preferência e conversamos durante muito tempo, até que uma pessoa
me surpreendeu.
— Mary! — era tudo o que eu queria naquele momento.
— Kate! — levantei e a cumprimentei.
— Você frequenta esse clube? — tentei disfarçar.
— Na verdade, esse clube é meu e de meu esposo.
— Sério, mas que coisa maravilhosa. Tenho que lhe dizer, adorei o local,
espetacular.
— Obrigada. — sorriu timidamente.
— Bom, essa é minha amiga Leticia Reigean. Leticia, essa é uma de
minhas colegas de trabalho, doutora Kate Williams!
— Ah! Encantada!
— Igualmente.
— Espero que o atendimento esteja agradando vocês.
— Está ótimo Kate! Sente-se conosco!
— Desculpa, é que tenho que resolver umas coisas com a administração
aqui. Mas, quero convidar as duas para uma festa aqui mesmo, no sábado.
Um baile de máscaras, o que acham?
— Acho Maravilhoso, estaremos aqui sim. — respondi.
— Que ótimo, então são minhas convidadas de honra. Vou colocar os
nomes na lista agora mesmo. No hospital te passo maiores informações.
— Está bem! — Kate se despediu de nós e seguiu para seus afazeres.
— Madame! — Leticia deu ênfase no nome. — Você é rápida hein. — a
olhei reprovativa. — Aposto que ela é seu caso especial.
— Por que o palpite?
— Ora, suas veias jugulares quase saltaram de seu pescoço quando ela
apareceu.
— Que droga, tenho que controlar minhas expressões.
— Bonita ela!
— É uma adúltera!
— Ui, o marido deve ser horroroso. — ele fez cara de desdém.
— Não é mesmo! Parece um deus nórdico.
— Tá apaixonada é!
— Que ideia maluca essa sua. Ele é o cliente! Por que acha isso?
— Você não me engana não sabia, seus olhos brilharam ao falar do deus
nórdico.
— Para de ficar me analisando. — me irritei e reprovei sua atitude.
— Desculpa, leitura corporal é minha especialidade! — rimos juntas.
Saímos do clube por volta de quatro horas da tarde. Enquanto Leticia se
preparava para ir ao um casamento como ela mesma disse, eu iria encontrar
Jorge e me distrair um pouco. Fui para a casa para descansar. Dormi e pedi
aos céus para não sonhar com Philiph. Ele é um pouco tarado! Só de pensar
nele fico excitada.
Às vinte e duas horas levantei e fui direto para o banho, saí enrolada na
toalha e fiquei olhando para a roupa que escolhi, estava sobre a cama. Optei
por um vestido vermelho tubinho acima do joelho e ainda por cima era
tomara que caia.
Calcei um sandália preta com salto agulha e prendi o cabelo deixando
apenas alguns fios cacheados delinearem meu rosto. Me maquiei, peguei
minha bolsa de mão e segui em direção ao bar. Dirigi meu Bugatti La Voiture
Noire preto, presente de Senhor S, ele sabia exatamente de meus gostos.
Quando cheguei ao local, entrei como de costume, mas desci uma
segunda escada que dava para um andar inferior, onde havia algumas salas
privadas e um pequeno bar. Olhei para todos os lados e não vi Jorge, me
assustei quando Leticia apareceu atrás de mim e me deu um susto daqueles.
— Leticia! O que você está fazendo aqui?
— Hoje é seu aniversário, minha querida!
— Eu sei, mas eu estava esperando o Jorge.
— Jorge me ajudou nisso. — sorri incrédula.
— O que vocês estão aprontando?
— Tá vendo aquela poltrona ali? — disse apontando para dentro de um
das salas privadas onde havia uma poltrona de veludo rosa.
— Sim!
— Vá até lá!
— O que tem lá?
— Seu presente! — ela sorriu maliciosamente.
— É um presente meu, da Lucia e da Débby.
— Cadê aquelas duas loucas?
— Estão em Seattle Agora vai, rápido. — caminhei lentamente até o
quarto e entrei. Havia a tal poltrona de veludo rosa, umas luzes de neon, um
refratário com champanhe em uma pequena mesa e uma caixa preta enorme,
de formato retangular e vertical, com uma maçaneta.
— Leticia! — olhei para trás mas não havia mais ninguém. Fechei a porta
e fui em direção à poltrona, sobre a mesma estava um bilhete que
dizia: Sente-se e aproveite! — de repente uma música começou a tocar e
prontamente sentei na poltrona, uma adrenalina percorreu meu corpo e me
senti um pouco nervosa.
Todas as luzes se apagaram, restando apenas o foco central. A música
sensual me fez arrepiar, era típica de danças eróticas feitas por…Meu
pensamento foi cortado quando a caixa se abriu. Fiquei boquiaberta quando
vi a surpresa.
— Não acredito Leticia! — falei alto espantosamente. Um homem
maravilhoso saiu de dentro da caixa trajando apenas uma cueca branca quase
transparente e um chapéu de marinheiro. Enquanto a música tocava,
era Erótica, da Madonna, ele caminhava lentamente em minha direção
segurando seu membro, que por sinal é enorme. Mordisquei meu lábio
inferior e senti minha intimidade se contrair quando ficou de frente para mim,
era jovem, belo, um corpo maravilhoso.
— Me dê sua mão! — disse com uma voz sexy. Estendi e ele me puxou
para junto dele. Senti seu membro encostar em mim totalmente rígido.
— Hoje você vai enlouquecer de prazer! — sussurrou e chupou minha
orelha me causando arrepios. Estou disposta a me divertir hoje e ele pode
resolver isso.
— Dance comigo! — colocou as mãos em minha cintura e aproximou
nossos corpos, então começamos um movimento bastante excitante. A
música rolava para o meu delírio
— Qual o seu nome? — perguntei quando ele segurou minhas mão e
colocou em cima de seu membro.
— Nossos nomes não importam, só importa é que hoje sintamos muito
prazer.
— Humm. — gemi quando sua língua passou por meu pescoço. — passei
minhas mãos por suas nádegas e apertei.
— Isso, aperta mais. — sua voz soava muito sedutora e ele tem uma
pegada que está me deixando louca. Comecei a sentir meu corpo incendiar à
medida em que nos movimentávamos conforme a música.
Ele me virou de costas bruscamente e começou a dançar comigo
segurando em minha cintura, de modo que mordia minha nuca. Comecei e
descer lentamente até no chão me esfregando em seu corpo. E ele fazia o
mesmo. Depois de um tempo assim, nos excitando, ele me fez sentar na
poltrona e começou sensualmente a tirar a única peça de roupa que havia em
seu corpo. Passei a língua em meus lábios e engoli a saliva, pois minha boca
encheu de água pelos movimentos que ele fazia.
— Segura e faça o que você quiser! — ele se aproximou de mim e logo
segurei seu membro que latejava em minha mão. Apertei levemente e iniciei
um movimento lento e progressivo.
— Ahhh! — sua cabeça pendia para trás e suas pernas estavam
flexionadas, ele só sentia o prazer.
— Quero chupar você inteiro! — falei manhosa, contudo, a lembrança de
Philiph veio forte, mas logo espantei ao começar a tortura no Gogo Boy. Me
deliciei com seu gosto, o rapaz é muito bem dotado e muito convidativo. Ele
segurou meus cabelos desfazendo o penteado. Agora meus cachos estão
soltos e leves.
— Levanta!
— Não terminei ainda! — fui enfática.
— Você vai adorar, gostosa. — levantei e ele começou a descer o zíper
do meu vestido na parte de trás, deslizando o mesmo por meu corpo, me
deixando apenas com a lingerie.
— Quero sua boca! — ele pediu de forma bem safada.
— Ela é sua! — nossas bocas se chocaram fortemente e nossas línguas
passeavam uma pelo boca do outro e se encontravam eroticamente, deixando
minha intimidade totalmente encharcada. Ele me beijava de forma urgente,
voraz, cheio de desejo e nossas mãos apertavam o corpo um do outro em
todos nos lugares.
— Vou fazer você gozar com minha língua. — puxou meu cabelo ao
dizer, em seguida, ele se ajoelhou em minha frente e passou a língua em meu
sexo por cima da calcinha.
— Aiiiinnn. — ele me acariciava com seus dedos e fazia movimentos
circulares por cima da lingerie.
— Quero ver você delirar. — suas palavras fizeram minhas pernas
contraírem de tanto tesão.
— Faça logo! — minha voz saiu ofegante. Quando ele colocou as mãos e
lentamente começou a descer minha calcinha me fazendo morder o lábio de
prazer, a porta se abriu bruscamente. Quase morri quando olhei para a pessoa
parada na porta.
— Que merda é essa aqui? — paralisei na hora!
— Philiph! — olhei para o Gogo Boy e senti meu rosto corar.
Capítulo 9

Na hora marcada na mensagem do tal Jorge, segui em direção ao bar onde


Mary e eu já havíamos nos encontrado. Antes mesmo que eu pudesse
manobrar o veículo no beco, a avistei entrando no local. Estacionei meu
carro, desliguei o motor e fiquei durante um bom tempo tomando coragem.
Em seguida, saí, o ambiente é muito escuro e até difícil de enxergar, pois a
única iluminação é proporcionada por duas lâmpadas que clareiam a porta de
entrada.
Bati e esperei por uns instantes até que a mesma fosse aberta, fui fuzilado
pelo olhar do mesmo segurança que me deixou um pouco nervoso. Ele
perguntou meu nome e pediu minha identidade, em seguida anotou os dados
em uma lista, logo depois, me deu passagem.
Estranhei, pois, quando estive aqui com Mary ele não fez tanta cerimônia.
Desci as escadas até o bar principal e comecei a olhar por todos os cantos,
mas não a vi em lugar nenhum, o bar está praticamente vazio, há um casal em
uma mesa no canto, umas três pessoas sentadas nas cadeiras em frente ao
balcão e dois homens numa sala ao lado jogando sinuca.
O recinto não é grande, ela tem que estar aqui. Notei que uma mulher
muito bonita está indo em direção ao balcão, ela acaba de sair de um corredor
bem longo. Estava falando ao telefone com alguém e rapidamente prestei
atenção na conversa quando ouvi o nome de Mary.
— Lara, ocorreu tudo conforme o combinado. Ele está lá embaixo com
Mary.
Eu nem precisei escutar toda a conversa, porque já era o suficiente, ela
está de caso com outro homem. Segui pelo longo corredor, discretamente, no
final do mesmo, há uma segunda escada bem íngreme, desci sem fazer muito
barulho e abri a porta, fiquei sem entender nada, pois era outro bar, menor do
que o de cima e que por sinal estava vazio, contudo, um som intenso saia de
dentro de uma das portas, deve ser uma sala privada. Me aproximei com um
certo receio, pois, a música que toca é bastante erótica. Algumas vozes são
audíveis, mas não consigo distinguir nada do que falam. Respirei fundo e
num impulso desesperado, abri a porta com toda força.
— Que merda é essa aqui? — senti literalmente meu sangue ferver pela
cena absurda que vi, Mary estava só de sutiã e com a calcinha praticamente
na altura de suas coxas, o rapaz com chapéu de marinheiro e ainda por cima,
nu, estava ajoelhado puxando a peça, certamente iria se aproveitar do corpo
dela até não querer mais.
— Philiph. — exclamou envergonhada. Assim que me viram, ele se
levantou de forma bem rápida ficando na frente dela, tentando esconder sua
seminudes. Tive que encarar aquele gigolô com o mastro rijo apontado em
minha direção. Passei a mão direita sobre o rosto tentando recobrar a
consciência, na esperança de ser apenas um delírio.
— Tá gostoso aí, Madame? — entrei lentamente pelo cômodo olhando
fixamente para eles.
— Philiph, sai daqui. — ela arrumou a calcinha em seu corpo e abaixou
para pegar o vestido do chão.
— Sai de perto dela. — ordenei que o rapaz se afastasse, minha voz soou
muito agressiva.
— Você conhece esse cara? — o insolente a indagou.
— Não. — ela finge não lembrar que transamos a noite toda. Senti ela
vibrar em meus braços e gemer descontrolada, como pode procurar outro
homem horas depois de se deitar comigo?
— Vista-se imediatamente. — cruzei os braços e esperei os dois tomarem
pelo menos um pouco de vergonha na cara.
— Quem você pensa que é pra falar com ela desse jeito? — senti uma
certa rispidez em sua voz, está tentando ser macho, é um garoto, não deve ter
nem vinte e cinco anos.
— Ela é minha mulher. — frisei o "minha mulher" para que ele
entendesse que o único homem da história aqui sou eu.
— Quê? Eu não sou nada dele. — ela exclamou.
— Ah, não? — a música alta que incentivaria a promiscuidade atrapalha
demais nossos diálogos.
— Desliguem a porra dessa música. — uma irritação fora do normal me
domina.
— Philiph, você ultrapassou todos os limites. — praticamente berrou.
— Eu não vou falar de novo, caí fora. — ele pegou a cueca e vestiu, até
se desequilibrou enquanto tentava se recompor.
— Olha, gata, não quero problemas aqui.
— Não, você não tem que ir embora. — ela implorou para que ele ficasse.
— Gata? Que intimidade é essa? — isso está me deixando irritado.
— Desculpa, gata, vou indo, Ok. Outro dia a gente se vê. — ele beijou a
mão dela e saiu em direção à porta, fechando-a.
Assim que fiquei a sós com ela despejei o que estava entalado em minha
garganta.
— Você não se dá o respeito não? — me olhou furiosa. — Como é que é?
— Você ia transar com ele? — tive que questionar o óbvio.
— Eu sou uma mulher livre, dona do meu nariz, não lhe devo satisfações.
— ela andou em minha direção com o dedo apontado para mim.
— Deve, deve sim, você trabalha pra mim, estou pagando muito caro
pelos seus serviços.
— Não sou sua escrava. — ela dizia enquanto terminava de ajeitar o
vestido em seu corpo.
De modo particular, ela está deslumbrante, seu traje vermelho é bastante
enlouquecedor, minha vontade mesmo é de possuí-la aqui para que saiba que
não precisa de um moleque. Para o meu alívio, a música sensual parou de
tocar deixando o ambiente um pouco mais tolerável.
— O que está acontecendo aqui? — ouvi uma voz feminina, quando me
virei, era a mulher bonita que estava falando ao telefone.
— Quem é você? — ela estava bem séria, pareceu não gostar nada de me
ver ali. Provavelmente, o gigolô foi avisá-la.
— Leticia, como é que este homem entrou aqui? — Mary não disfarça o
incômodo por me ver.
— Eu vim buscar a minha mulher.
— Sua mulher? — Leticia olhou boquiaberta.
— Não, eu não sou mulher dele. Tira ele daqui agora.
— Eu não saio daqui sem ela. — frisei.
— Ai, meu Deus. — Leticia começou a esboçar um sorriso malicioso. —
Até que enfim minha querida, achei que fosse envelhecer seca. Olha, você
tem todo o meu apoio. Pode levá-la.
— O que? — a Madame começou a ficar nervosa com a situação, abaixei
a cabeça e tive que rir do comentário da moça.
— Leticia, somos amigas. Você só pode estar brincando. — a moça
ignorou totalmente o comentário indignado.
— Você pode sair daqui com ela, mas use a porta da esquerda que fica ao
lado da escada, siga pela direita e pegue o elevador de serviço, vão chegar ao
estacionamento do mesmo jeito.
— Muito obrigado, a propósito, meu nome é Philiph.
— O prazer foi todo meu. Ela precisa mesmo de um homem de atitude.
— apertamos nossas mãos e Mary não conseguia pronunciar uma palavra
sequer, estava paralisada ao ver como penejávamos sua retirada estratégica
daquele lugar. Em seguida, a moça acenou com os dedos da mão direita e
jogou um beijinho no ar para sua amiga, nos deixando a sós na sala.
— Agora vamos. — estendi minha mão para que ela pudesse segurar e
me acompanhar, como uma verdadeira dama deve fazer com seu homem.
— Você é patético. — ela começou a rir histericamente me causando uma
certa estranheza e até incômodo.
— Philiph, o seu showzinho acabou, já teve seus cinco minutos de fama,
vai embora. — fiquei sério esperando que parasse de zombar de mim.
— Eu estou mandando, Mary. — Nem se estivesse de joelhos. — ela
afirmou em alto bom som, realmente está me tirando a paciência.
— Vou contar até três. — comecei a contagem regressiva e ela ainda
continua estática fazendo cara de deboche. Vendo que ela jamais me
obedecerá, decidi fazer o impensável, vou tirá-la daqui a força mesmo. Sem
que ela tivesse tempo nem de raciocinar andei rápido em sua direção e me
inclinei segurando suas pernas a erguendo do chão, seu corpo ficou apoiado
em meu ombro direito.
— Socorro. — ela começou a gemer desesperadamente.
— Para de gemer. — andei o mais rápido que pude com ela em meu colo,
passei pelo bar e cheguei à porta lateral da escada. Tentei segurá-la com um
braço apenas para conseguir girar a maçaneta, passei com ela e por fim,
chegamos ao elevador.
A essa altura, pelo fato de o bar só funcionar na parte de cima, mesmo
que ela grite ninguém conseguirá ouvir. Apertei o botão do elevador, meus
braços já estão cansados com o peso do corpo dela, mas assim que apertei, o
mesmo se abriu, já estava no respectivo andar, entrei com ela, enquanto ainda
se debatia e gemia colocando-a no chão.
Apertei o botão do respectivo andar e as portas se fecharam, respirei
fundo, a adrenalina está a mil em meu sangue, meus batimentos cardíacos
com certeza estão quase em arritmia, estou fazendo loucuras que jamais
sonhei em fazer.
— Eu vou matar você, Philiph. — se aproximou de mim batendo contra
meu peito, segurei seus punhos para que ela não pudesse me ferir e a
encurralei no canto do elevador.
— Shii. — ela reluta em olhar para mim, com uma mão apenas, segurei
seus dois punhos e com a outra, o queixo, exerci um contato firme para que
ela pudesse me olhar. Nossos rostos estão tão perto um do outro que posso
sentir seu hálito fresco. Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, a porta do
elevador se abriu, chegamos em uma parte do beco mais próxima ainda de
meu carro, o que facilita nossa fuga.
— Fica quieta. — sussurrei dando ordens para que ela não gemesse.
— Eu vou gemer e os seguranças vão acabar com você. — tanta
resistência me tirou completamente a paciência. Travei a porta do elevador
com o pé para que a mesma não se fechasse e visualizei o estacionamento,
que mesmo escuro, dava para ver muito bem onde estava estacionado meu
carro, uma Ferrari 458 preta.
Cerrei a boca dela com minha mão direita e saí arrastando-a até o veículo.
Ela se debatia, tentava pisar em meu pé com o salto da sandália, mas seu
corpo pequeno se perde dentro de meus braços, fui mais rápido e cheguei ao
carro, destravei as portas e literalmente joguei a Madame dentro do veículo
no banco de trás, tomei cuidado para não machucá-la, dei a volta e entrei,
acelerei o máximo que pude e poucos segundos depois, estávamos em alto
estrada.

Philiph dirige o carro compenetrado, está muito sério e por mais que eu
tente convencê-lo de que está agindo errado, nada do que eu diga ou faça vai
fazer com que mude de ideia. Passei para o banco da frente com o carro ainda
em movimento, quase caí por cima dele.
— Philiph, o meu carro. — sentei de lado olhando pra ele e para o
trânsito também, pois o painel já marcava quase cem quilômetros por hora.
Sem pensar duas vezes coloquei o cinto de segurança.
— Philiph. — chamei mais uma vez, só que com raiva e não obtive
resposta. Ele tirou a mão direita do volante e apertou um botão ligando o som
praticamente no último volume, nem observei qual era a rádio, mas o solo de
guitarra e o misto de blues da música, o incentiva a acelerar ainda mais.
— Eu quero descer, Philiph. Por favor. — implorei tocando em seu braço.
Ele me olhou de lado rapidamente mordendo o lábio inferior e voltou a
atenção ao trânsito. De repente, fitou o espelho lateral e mudou a marcha.
— Segura! — num reflexo, segurei no apoio do teto do carro, apenas
senti o quando o veículo fez uma curva violenta.
— Deus! — literalmente gritei de medo. Ele entrou em uma rua escura e
seguiu com o carro.
— Philiph, estou com medo de você. — meu coração parece que vai sair
pela boca. Ele engoliu seco, percebi que queria falar alguma coisas mais se
conteve.
Me assustei quando pisou no freio bruscamente fazendo um enorme
barulho com os pneus, nossos corpos quase foram lançados para fora, por
sorte estamos usando o cinto. Ele desligou o carro e bateu várias vezes com
as mãos no volante.
— Seu imbecil. — estou quase explodindo de ódio. Porém, ele me
encarou de forma profunda, apenas senti quando puxou forte minha nuca e
seus lábios se chocaram contra os meus de forma avassaladora.
No início, não correspondi, estava com raiva de sua atitude, mas não
consegui por muito tempo e logo me rendi, sua língua busca intensamente
todos os cantos de minha boca e quando colidi com a minha, sinto meu sexo
umedecer. Tentei me apartar do beijo para que pudéssemos conversar, mas
ele se jogou em cima de mim segurando meus braços ao longo de meu corpo,
não posso me mover por causa do peso que exerce sobre mim.
Dei um grito abafado de susto quando meu banco deslizou rapidamente
para trás até que fiquei deitada, o carro é espaçoso e ele conseguiu sair de seu
banco, ficando em cima de mim. Meus punhos foram dominados em uma
altura acima da cabeça e quase perdi os sentidos, pois sua língua começou a
passear firmemente em meu pescoço e depois em meu busto, ele consegue
abocanhar uma parte de meu seio que está amostra por causa do decote.
Mordi o lábio inferior quando senti o volume de seu membro por cima da
calça, pois ele faz questão de pressioná-lo contra minhas pernas, para sua
maior excitação. Meus pulsos já estão doendo por causa da pressão de suas
mãos, gemi protestando e ele cessou as carícias, me olhando fixamente.
— Você me enlouquece. — nossas respirações estão muito ofegantes.
— Philiph, para. — ele se mostra resistente a todo tempo e sei que seu
corpo colado ao meu não me deixa racionar direito, percebo que ele detém
um grande poder sobre mim, não consigo ser dona de minhas ações quando
ele me tem em seus braços. Suas mãos soltaram meus punhos e desceram
livremente pelo meu corpo até encontrarem a barra do meu vestido.
— Não é isso que você queria daquele moleque. — ele se ajoelhou no
assoalho do carro empurrando o banco para trás, o que causou um solavanco,
mas lhe deu mais conforto para ficar entre minhas pernas, levantou meu
vestido com força e em um movimento rápido, rasgou minha calcinha,
jogando o pequeno pedaço de pano desmembrado de lado mesmo.
— É isso o que você vai ter. — contornou os lábios com a própria língua.
— Gata. — abriu minhas pernas colocando-as apoiadas na lateral do banco e
puxou meu quadril para junto dele. Acho que estou ficando louca, pois não
me oponho a nenhum de seus atos dominadores.
— Philiph, o que você quer provar com isso? — ele colocou seus dedos
em meus lábios para que eu não falasse mais nada.
— Para de reclamar, só geme pra mim. — suas palavras me deixam
paralisada e exercem sobre mim uma força descomunal. — Quero ver se você
aguenta. — apertou meus seios com pressão e desceu acariciando minhas
pernas. — Hoje você vai implorar para que eu pare. — seus olhos estão
ensandecidos de luxúria e por um instinto selvagem, nunca vi esse olhar em
homem nenhum.
Um forte arrepio inundou meu ventre quando sua barba roçou em minha
coxa, ele sentiu o perfume de minha carne e lambeu a pele de forma faminta
até encontrar minha intimidade, abriu os grandes lábios com os dedos para ter
maior visualização e mordiscou o lábio inferior olhando pra mim.
— Humm. — fui levada ao delírio quando sua língua se deteve em meu
sexo, que por sinal já está bem úmido. Ele realiza um movimento lento e
firme no meu ponto cheio de nervos, depois entre os grandes lábios, subindo
e descendo com a língua, minhas mãos se detém em segurar o banco no apoio
da cabeça para tentar controlar minha respiração pesada, que contrastada
pelos gemidos, o estimula ainda mais.
— Ainn. — a sensação que sua língua me proporciona é arrebatadora,
sinto todos os pelos de meu corpo se arrepiarem, o que me excita a rebolar
em sua boca de tanto tesão. Meus quadris sobem e descem freneticamente,
meu juízo me condena, estou me envolvendo com meu cliente.
— Nenhum outro homem te tocará. — ele diz entre um chupão e outro.
Suas mãos deslizaram para dentro de meu vestido encontrando meus seios,
apertam e pressionam os mesmos por cima do sutiã, me levando a loucura.
Entre apertos e gemidos, percebi que desejo demais esse homem, um desejo
secreto, proibido, bem carnal, sua boca macia em contato com minha
intimidade me leva a um êxtase forte e uma vontade quase animalesca de ser
possuída por ele, meu corpo vibra a cada toque seu.
Soltei o apoio da cabeça e puxei forte seus cabelos.
— Ohhh. — grunhi quando ele literalmente sugou a entrada de minha
intimidade e me penetrou com a língua várias vezes, ele chupa e emite um
som como se estivesse saboreando um fruta fresca.
— Gostoso, ai, Philiph. — já perdi a noção de quem eu sou, quero apenas
me deleitar com o prazer que esse homem me proporciona. — Não para. —
minhas palavras já saem entrecortadas, o estado em que me encontro é de
quase desvario, sinto uma agitação imensurável dentro de mim, apenas com o
poder de sua língua.
Philiph abriu mais ainda as minhas pernas, a direita, está sendo
imprensada contra a porta e sinto um pouco de dor com isso, contudo, não
quero que ele pare e à medida que, intensifica os movimentos eu perco toda a
minha sanidade.
— Ahh. — ergui magistralmente meu quadril quando me penetrou com
dois dedos, seu braço esquerdo empurrou meu corpo para baixo para que as
estocadas fossem mais intensas.
— Meu Deus. — chamei suplicante. Minha cabeça está girando e o suor
escorre pelo meu rosto, o carro está desligado e as portas fechadas, apenas
uma pequena brecha dos vidros estão abertas, porém tudo está muito
embaçado por causa de nossas respirações, a noite está bem quente e o calor
que sinto dentro de mim está me fazendo ensandecer, nem ao menos nos
preocupamos de alguém nos ver ali.
— Quero beber o seu gozo. — falou desesperado me penetrando com
mais força, eu sentia seus dedos me invadirem insanamente e sua língua
frenética está preparando meu corpo para uma sensação de orgasmo
inimaginável.
— Fode, vai. — as palavras desconexas já tomam conta de mim, ele
acelerou os movimentos e mordiscou meu clitóris, foi quando deixei o
calafrio de minha espinha inundar meu corpo inteiro, me permitindo liberar o
nó preso em meu estômago, já não posso mais me conter.
— Ahhh. — gritei ao sentir uma explosão de prazer me consumir por
inteiro. — Oh, meu Deus! — puxei com mais força seus cabelos
pressionando sua boca contra minha intimidade e ele sugou
desesperadamente meu sexo, estava tão tomado pelo desejo que quase mordia
meus grandes lábios em busca de não perder nenhuma gota do meu líquido
quente, que agora escorre até entre minhas pernas. Meu corpo inteiro está
tremendo e formigando, cada pedaço de minha pele está incendiando de
prazer.
— Philiph...Philiph. — tentei pronunciar qualquer coisa com sentido, mas
não consegui, minha mente está a mil por hora e tento apenas recobrar e
consciência, depois do gozo meu corpo está um pouco fraco e nem sinto
direito minhas pernas.
— Perfeita. — ele sugava e me olhava ao mesmo tempo, ergui a cabeça
para vê-lo melhor, percebi o olhar de desejo sexual que ele tem. Minha
respiração ainda se encontra descompassada, mas quero senti-lo agora, não
posso esperar mais. Ele retirou os dedos de dentro de mim, tive uma sensação
de frisson e excitação extrema quando ele olhou para os próprios dedos bem
úmidos e depois para mim, sugando lentamente os mesmos, seus olhos
reviraram sentindo meu sabor.
— Hum, Madame! — apertou minha coxa direita deixando minha pele
clara demasiadamente vermelha.
— Eu quero mais. — implorei, ele se inclinou em direção à minha boca e
mordiscou meu lábio inferior.
— O que mais você quer, Madame? — ele parecia inalar o perfume de
meu prazer.
— Foder. — ele sorriu maliciosamente de canto de boca, me olhando
fascinado.
— Agora, Philiph. — ele fez uma pausa, eu queria beijá-lo mais uma vez.
— Não. — o encarei incrédula, ele saiu rapidamente de cima de mim e
voltou para o seu lugar.
— Está brincando comigo? — nem me deu atenção, ligou o carro e
retomou o caminho.

Liguei o ar condicionado na potência máxima, os vidros estão muito


embaçados e as gotas de suor já escorrem pelo meu rosto. Tirei o blazer com
o carro em movimento mesmo, o que me aliviou um pouco, pois minha
camisa está colada em meu corpo. Provar do gosto dela tem se tornado um
vício para mim e acho que ela tinha razão quando me advertiu, mas jamais
vou permitir que se aproxime de outro homem novamente ou não me chamo
Philiph James Williams.
Ela arrumou o vestido, ajeitou-se no banco depois de recobrar as forças e
parecia um pouco brava comigo.
— Eu vou descer. — ia abrir a porta com o carro ainda em movimento
quando segurei firme seu braço.
— Não ouse. — fui categórico. — Quer se matar? — pisei fundo no
acelerador e seguimos para um destino que só eu conhecia.
— Por que está me tratando assim? — se chateou pois não atendi seu
pedido.
— Relaxa, Madame. — ela passava as mãos ajeitando o cabelos
prendendo-os, deixando apenas alguns cachos ao longo das maçãs de seu
rosto.
— Pare de me chamar assim, para você eu sou doutora Mary. — nem
respondi, apenas dirigi por um longo tempo e durante o trajeto ficamos em
completo silencio, liguei o som num volume baixo, apenas a música
embalava o ambiente. Ela olhava pela janela de forma concentrada com a
cabeça encostada no apoio, um pouco pendida lateralmente, estava desligada
do mundo e de todos.
— Chegamos. — acionei o portão automático de uma de minhas
residências que fica próxima à praia de Seattle. Quando o mesmo foi aberto,
entramos com o carro.
A casa é cercada por muros gigantescos, quase uma fortaleza e é muito
bela por sinal, com uma varanda enorme na parte da frente, piscina deliciosa
e um ofurô perto da mesma, e o melhor, sem muitos vizinhos. Assim que
desliguei o motor ela destravou o cinto e saiu do carro batendo a porta de
forma muito violenta, eu saí logo em seguida, Mary se encostou na lateral do
carro e respirava profundamente em busca de ar. Cheguei perto dela, colei
nossos corpos e encostei minha testa na sua.
— Naquela hora, você disse que estava com medo de mim. — segurei
firme seus braços deixando-a sem saída. — A última coisa que quero, é que
tenhas medo.
— Acabou, Philiph. — olhou fundo em meus olhos. — Amanhã mesmo
me desligo de seu caso. — a apertei mais ainda.
— Se você queria sexo, era só pedir. — a pressão de meu corpo contra o
dela está me deixando excitado. — Você sabe que precisa de um homem. —
fui enfático.
— Eu não preciso de ninguém. — minhas mãos que antes seguravam seus
braços, agora se entrelaçam em seus cabelos desfazendo o penteado.
— Você acha que aquele projeto de homem daria conta do serviço? —
rocei minha barba em sua bochecha e sussurrei em seu ouvido.
— Acho. — ela teve a ousadia de dizer, a olhei mais uma vez.
— Nós transamos a noite toda e você foi procurar outro cara? — ela
desvia o olhar a todo momento. — Olha pra mim, doutora. — puxei seus
cabelos para trás, inclinando um pouco sua cabeça, o que meu deu uma visão
linda de seu pescoço.
— Eu faço o eu quiser da minha vida. — ela fica extremamente sexy
quando está brava.
— Não acredito nisso. — chupei seu queixo, sei que ela diz isso por que
está tentando fugir de mim. Desferi um tapa em seu quadril e sorri
sensualmente mordendo meu lábio inferior.
— Ai. Eu estou odiando você, Philiph. — ela está muito séria, nem
parece aquela mulher de minutos atrás que quase implorou para eu possuí-la.
Minhas mãos escorregaram por sua silhueta de forma bem firme.
— Diz na minha cara. — me afastei um pouco ainda segurando sua
cintura. — Você estava gostando de fazer aquilo com o Gogo Boy? — ela
tirou minhas mãos de sua cintura e me empurrou.
— Estava maravilhoso. — falou efusiva saindo em direção à casa, foi
quando me irritei e a puxei bruscamente pela cintura pressionando-a contra o
capô do carro, na parte da frente.
— Tira suas mãos de mim. — Deixei seu corpo inclinado em cima do
mesmo e entrelacei minhas pernas entre as suas, travei seus braços de modo
que ficaram abertos, ela está totalmente sem defesa.
— Vamos ver se depois do que eu vou fazer, você ainda vai atrás dele. —
Tentei beijá-la, mas ela desviava a cabeça de um lado para o outro.
— Você se acha não é Philiph?
— Não minha filha, eu sou, é diferente. — soltei seus braços e segurei
firme sua cabeça esfregando meu membro excitado em seu corpo.
— Eu consigo tudo o que eu quero. — ela riu debochada tentando tirar
meus braços.
— Menos o amor de sua querida esposa. — a olhei reprovativo.
— Ex-esposa. — falei sério.
— Eu não sou seu brinquedinho sexual, Philiph. — suas palavras saíram
um pouco pesadas, não está suportando a situação.
— Não sou homem de brincar. — emaranhei meus dedos em seus
cabelos, apertando-os.
— Você está com o orgulho ferido porque ela te traiu. — me irritei
ferozmente.
— Eu quero você pra mim. — exclamei severamente, ela me olhou séria
ao ouvir, ficou muda por alguns segundos.
— Você quer afogar suas mágoas em mim, Philiph. — falou baixinho,
respirei fundo tentando achar uma resposta convincente, mas o desejo que me
invade ao vê-la tão submissa é mais forte. Assim como rasguei a calcinha,
encontrei um modo de rasgar o vestido por inteiro, minhas mãos se detiveram
na parte do decote e fiz um movimento de rasgo, despedaçando-o e que por
mais que seja resistente, minha força foi capaz de acabar com o tecido.
—Você está louco? — ela tentou me empurrar, mais o peso de meu corpo
a deteve, o vestido estava rasgado e só tive o trabalho de tirar o resto por
baixo dela. Agora, ela está deitada sobre o capô frio do carro, apenas de sutiã
e salto alto.
— Estou. — olhei para ela ali naquela posição. — Louco por você. — ela
tentou levantar mais a detive.
— Tira seu sutiã. — ordenei. — Nem morta!
— Tira pra mim. — minha voz soou suplicante, estou cheio de tesão por
ela. Comecei a acariciar seu ventre e desci minha mão até sua intimidade, que
por sinal já está encharcada.
— Tira. — fiquei por um tempo acariciando seu sexo, ela fechou os olhos
apreciando o momento, sua boca estava entreaberta demonstrando todo o
prazer que sentia, passou as mãos por meu peitoral fazendo uma massagem
no mesmo, depois apertou firme meus ombros e suas mãos desceram até seu
busto, assim que abriu os olhou, me encarou sedutora e sorriu de canto de
boca.
— Isso, gata, gosto de você assim. — lentamente desabotoou o sutiã na
parte de frente me dando a visão de seus seios suculentos, a ergui um pouco
do capô e retirei a única peça que restava em seu corpo, me afastei um pouco
do carro para observar seu corpo totalmente despido, apenas de salto alto, sob
o céu estrelado e a noite quente.
— Linda, muito linda. — e sem aguentar mais, fiz com que ela deitasse
de novo, então, abocanhei seu seio esquerdo, estou tão alucinado que minhas
mãos apertam os mesmos com um pouco de pressão, enquanto mordisco
deliciosamente os bicos.
— Ahh. — ela gemeu aceitando a situação, fiz movimentos circulares ao
redor dos bicos e passei rapidamente minha língua nos mesmos. Fiquei
longos minutos nessa excitação para que a raiva dela cessasse por completo,
passei de um seio para o outro me deliciando com o perfume de sua pele
macia. Suas unhas arranhavam minha nuca e meu corpo se arrepiou por
inteiro. Firmei minha língua e desci, chupei cada centímetro de seu ventre até
chegar novamente em sua intimidade.
— Quero sentir você! — já ia abrir o zíper de minha calça quando ela
levantou, me segurou pelos braços e me virou, fiquei encostado no capô
praticamente sentado.
— O que vai fazer? — perguntei ao sentir sua mão encontrar o zíper da
calça.
— Me deliciar. — meu membro latejou dentro da roupa, essa mulher está
roubando todo o meu equilíbrio mental.
— Você não resiste a mim. — falei puxando-a para junto do meu corpo,
selei nossos lábios ardentemente e com muita volúpia, ela me puxa contra seu
corpo com muita vontade e suas mãos acariciam meu rosto como que
implorando pelo beijo.
Ela está entre minhas pernas e minhas mãos passeiam por suas costas e
apertam suas nádegas com pressão, ela inclina o corpo para trás e puxa minha
nuca para mais uma sessão de chupões em seu seios. Depois de sentir meus
toques ela selou nossos lábios novamente, nossas línguas travam uma batalha
quente e exploram a boca um do outro repletas dos desejos mais insanos.

— Isso é apenas sexo, doutor. — me detenho agora a abrir o zíper de sua


calça.
Peguei o resto de meu vestido que estava no chão e estendi formando um
apoio para os joelhos, em seguida, ajoelhei-me.
— Veja o que você faz comigo, Philiph. — sei que estou sendo domada
por meus instintos mais primitivos e vejo a excitação nos olhos dele, que
agora estão semicerrados de tanto tesão.
— Você não consegue mais resistir, doutora. — desci a peça de roupa
junto com a cueca box preta por suas pernas, retirando-as de uma vez só,
ficou apenas de camisa social de manga longa e seu mastro rígido avantajado
está à minha espera.
— Peça! — sinto que ele se apegou demais a mim e me sentir tão
desejada me faz muito bem. Analisei suas pernas másculas e maravilhosas,
seus pelos são lisos e macios, além de serem bem torneadas e mesmo por
cima da calça dava para ter uma visão excitante.
— Chupa o teu homem. — suspirou — Teu único homem. — sua face
demonstra satisfação ao ver que me disponho a lhe dar prazer.
— Não posso ser sua Philiph. — segurei seu membro com minhas mãos,
o mesmo está quente e pulsante, ele não tira os olhos de mim enquanto lhe
faço carícias com movimentos firmes e progressivos.
— Por que não? — mordeu o lábio inferior.
— Não posso me prender.
— Humm. — gemeu inclinando seu corpo para trás, deitando totalmente
no capô.
— Você ainda vai ser minha. — suas palavras saem entrecortadas e ele se
contorce à medida que minha língua passeia por seu membro.
— Escreve o que estou lhe dizendo, Madame. — ele tem certeza do que
afirma. Seus gemidos estão ecoando por todo o ambiente, sussurra coisas que
as vezes não entendo, sua respiração está descompassada e isso me estimula e
sugá-lo ainda com mais voracidade.
— Ohhh. — os dedos de suas mãos se emaranharam em meus cabelos,
enquanto aprecia o prazer.
Iniciei uma tortura deliciosa, o gosto de seu membro é doce, e ainda por
cima é muito apresentável, ele deve se cuidar muito bem, pois sua intimidade
é depilada em toda a extensão.
— Aiin, Mary. — sua respiração é ofegante. Repeti a tortura várias vezes,
colocando e tirando seu sexo de dentro de minha boca. Ele gemeu
ensandecidamente quando passei a língua por seus testículos de forma
delicada. Nesse momento, ergueu-se ficando sentado, voltou seu olhar para
mim, suas pupilas estão bem pequenas, parece enfeitiçado com a
concupiscência da carne.
— Delícia. — aumentei o ritmo de meus movimentos e seu membro está
bem vibrátil, insanamente o chupei, percebo que está prestes a gozar em
minha boca, pois suas pernas se contraem e suas mãos apertam e puxam
demais meus cabelos.
— Quero estar dentro de você agora. — disse puxando fortemente meus
braços me fazendo ficar em pé, cessando as carícias. Me virou de costas para
ele, mordeu minha nunca e me fez deitar no capô. — Levanta a perna. —
ordenou. Flexionei a perna direita para cima e ele a segurou. Deitei minha
cabeça de lado e esperei para recebê-lo. Senti que se aproximou de meu
ouvido e sussurrou.
— Hoje você é minha mulher. — posicionou o membro na entrada de
minha intimidade.
— Só hoje, Philiph. — ele ameaçou entrar, mas saiu.
— Diz que é minha mulher. — excitei em responder. Senti o peso de sua
não em minha nádega, pois desferiu um tapa forte, fiz uma expressão de dor
— Fala. — insistiu.
— Sou. — senti seu membro entrar e sair mais uma vez, estou ficando
ensandecida.
— Sou o que? — ele está sendo dominador, enquanto não respondo
corretamente sua pergunta ele me tortura, puxou meus cabelos para trás com
um pouco de força e desferiu mais um tapa em minha nádega, que já deve
estar bem vermelha.
— Ai. — senti minha pele formigar.
— Seja boazinha, Madame. Agora diga.
— Sua mulher. — ao ouvir o que queria, acariciou minhas costas.
— Ótimo, agora repita comigo. — seu autocontrole está revelando um
Philiph másculo, que Kate provavelmente jamais conheceu.
— Philiph é meu único homem. — repeti manhosa sua frase.
— Muito bem, agora diga: Vou obedecer e fazer tudo o que ele mandar.
— ele se empolgou demais, contudo, está se revelando um ótimo persuasor e
mais uma vez obedeci, repetindo tudo o que ele disse.
— Gostosa. — sua língua passou por minhas costas causando um arrepio
descomunal.
— Não judia, mete logo. — não aguento esperar mais.
— Continue assim, bem safada. — disse isso e senti quando seu membro
me invadiu com uma força fora do normal.
— Ahhhh. — quase levantei do capô ao sentir minha intimidade sendo
literalmente rasgada pela espessura e tamanho de seu membro.
— Quieta. — sua mão repousou sobre minhas costas me fazendo deitar.
A colisão de nossos sexos fazia um barulho alto e a rapidez com que ele
realiza os movimentos está me fazendo perder todas as forças.
— Ohhhh. — ele geme palavras desconexas com sua voz rouca me
fazendo delirar. Sua mão direita segura minha perna e os bicos duros de meus
seios se chocam com a lataria do carro.
— Devagar, Philiph. — minha intimidade se contrai à medida em que é
possuída por ele.
— Humm. — sinto um misto de dor e prazer, pois suas mãos seguram
meus cabelos e o tesão me invade enlouquecidamente. De repente, ele
diminuiu os movimentos me aliviando um pouco. Deitou seu corpo em cima
do meu e sussurrou em meu ouvido, mordiscando o lóbulo de minha orelha.
— Teu corpo me pertence. — saiu de dentro de mim e me virou num
movimento só, fiquei deitada de frente para ele, com as costas sendo
pressionada contra o capô.
— Deixa eu tirar sua camisa. — pedi, pois ele ainda usa a camisa social
de manga longa, quero tocar seu peitoral.
— Ainda não. — colocou minhas pernas apoiadas em seus ombros e me
invadiu mais uma vez, mas agora estamos nos olhando fixamente, enquanto
me preenche de prazer. O calor começou a me ensandecer mais uma vez, meu
corpo está molhado e o suor das minhas contas, agora fazem com que eu
escorregue um pouco do capô, ele tenta me segurar e isso faz com que as
investidas em meu copo sejam mais arrebatadoras.
Minhas mãos agora acariciam e apertam ambos os meus seios e vejo que
ele fica louco quando massageio os mesmos. Nunca, em toda a minha vida,
um homem fez comigo o que Philiph fez em apenas dois dias, ele está
invadindo cada pedaço de minha intimidade muito ferozmente.
— Madame. — Philiph repete meu nome várias vezes como se fosse uma
prece, como se sua vida dependesse da minha e nossos corpos já não
existissem um sem o outro. Suas mãos seguram minhas coxas para seu
melhor equilíbrio e sinto seu membro latejar dentro de mim prestes a se
libertar.
— Calma, Philiph. — ele não ouve meu pedido de clemência. Sinto as
paredes de meu sexo arderem pelo forte atrito. — Eu imploro, Philiph. —
nem consigo pronunciar as palavras.
— Vem cá. — saiu de dentro de mim e tirou minhas pernas de seu ombro,
me puxou para junto de si selando nossos lábios desesperadamente. Quando
nossos pulmões não aguentaram mais, apartamos nossas bocas.
— Quero você em cima de mim. — ele lentamente desabotoou sua
camisa e vagarosamente caminhou em direção à grama macia e aparada ao
lado do carro, era um belo jardim. Me aproximei e ele tirou a camisa,
estendendo-a, em seguida deitou. Prontamente me abaixei e passei minha
perna direita por cima dele, que logo firmou o membro para o meu encaixe
perfeito.
— Senta. — obedeci e sentei de uma vez só sem deixá-lo pensar.
— Ohhh. — ele geme e morde lábio inferior. Suas mãos se detiveram em
apertar minhas nádegas e dar leves tapas, enquanto eu cavalgo em cima dele,
essa posição o estimula a tocar em meus seios e puxar com bastante firmeza
os bicos endurecidos.
— Ai doutor. — a essa altura, já nem me importo mais se é meu cliente
ou não, estou prestes a sentir um gozo maravilhoso que me arrebatará a alma
e ele é um homem incrível, capaz de enlouquecer qualquer mulher. Comecei
a me movimentar o mais rápido que pude, ele se contorce em baixo de mim e
arqueia a cabeça para trás em busca de ar e também de se libertar.

Por incrível que pareça nunca senti tanto desejo por uma mulher como
sinto agora, nem mesmo por Kate, isso me amedronta um pouco, mas só de
tocá-la, tenho certeza de que estou destinado a esta mulher. Ela sobe e desce
em meu membro que já dá sinais ávidos de que vai se liberar.
Ela geme em meus braços e minhas mãos, agora, apertam seus seios. Ela
inclinou o corpo em minha direção ficando mais próxima de mim, segurei sua
nuca e olhei para ela, seus lindos olhos verdes parecem mudar de cor com
tanta euforia e excitação.
— Ahhh. — ela voltou posição original e olhou para o céu, ao mesmo
tempo suas mãos seguravam minhas coxas e eu observei seu corpo magnífico
ser todo meu, apenas meu.
— Madame, não vou. — sinto que estou queimando de desejo, a puxei
bruscamente para junto de mim e comecei a me movimentar em baixo dela,
ela ficou parada só para sentir meu sexo indo em direção ao dela, nossos
rostos estão muito próximos e agora nossos olhares não se desviam por nada.
Ela morde o lábio inferior e vira os olhos, sua boca entreaberta e a respiração
descompassada já mostram que vamos nos libertar ao mesmo tempo. Puxei
seus cabelos e mordi seu queixo investindo fortemente meu membro dentro
dela.
— Philiph. — ela gemeu alto e arfou.
— Ohhhhh. — tentava inclinar o corpo para trás e se livrar de meus
braços para cessar minhas estocadas, mas segurei-a fortemente. Sua
intimidade comprime meu membro me causando um calor intenso pelo corpo
inteiro. Não demorou muito e em seguida deixei meu jato quente ser liberado.
— Ahhh. — nunca estive tão enlouquecido de prazer, sinto choques em
meu corpo à medida que derramo até minha última gota dentro dela, seu
corpo está amolecendo aos poucos e já não tenho mais forças para coisa
alguma. Só consigo chamar por ela desesperadamente.
— Madame. — é só o que consigo dizer.
Ela se aconchegou em meus braços e permaneci por uns instantes dentro
dela, estamos muito ofegantes, afaguei seus cabelos e nos acalmamos aos
poucos.
Quando voltamos ao nosso estado normal, ela saiu de dentro de mim,
deitando ao meu lado na grama. Olhávamos o céu estrelado e o silêncio entre
nós já não era mais esmagador e sim nossa maior conversa. Ela encostou sua
cabeça em meu peito e me olhou, acariciou minha face e beijei sua mão.
Passados alguns minutos, levantei e a peguei no colo cuidadosamente. A
levei para dentro da casa, no quarto do primeiro andar. Tomamos um banho
morno delicioso, não fizemos nada, apenas sentimos a pele um do outro, nos
beijamos de forma suave e falamos qualquer coisa sem muito sentido.
Nossas mãos percorriam a parte que mais desejavam e nos olhávamos
intensamente enquanto a água nos aliviava do calor de nosso prazer. Ao sair
do chuveiro lhe entreguei uma toalha e me sequei também.
— Philiph, você rasgou minha calcinha e meu vestido. Como vou ficar?
— sorri e beijei sua mão.
— Me espere aqui.
Fui até meu carro e abri a porta malas, passei a tarde toda comprando
presentes íntimos pra ela e também dois vestidos que achei que combinariam
muito com seu tom de pele. Voltei com os embrulhos e quando entrei no
quarto ela estava perto da janela olhando as estrelas. Estava enrolada na
toalha e os cabelos ainda molhados.
— Isto é pra você. — ela me olhou curiosa e veio em minha direção.
— O que é? — sentou na cama e observou os pacotes, eram cinco.
— Abre. — disse lhe entregando um deles. Ela esboçou uma face de
satisfação e até de espanto. Quando abriu o primeiro embrulho sorriu
maravilhada para mim.
— Philiph, que linda. — comprei uma lingerie vermelha de renda,
calcinha bem pequena e sutiã tomara que caia. O tamanho não foi problema,
ela tem corpo pequeno e sedutor, tamanhos p ou m servem direitinho, trouxe
um de cada. Abriu os demais pacotes e inclusive os vestidos, um era preto
tubinho e o outro de seda estampado, este último para uma ocasião especial,
que ainda estou planejando. Ela ficou bastante contente com os presentes,
pois se levantou da cama e me deu um forte abraço e um beijo demorado e
suave.
— Obrigada pelos presentes. — passou a mão por meus cabelos.
— Ah Madame. — suspirei ao olhar para ela, como a essa altura do
campeonato pude sentir tamanho desejo por essa mulher a ponto de fazer as
loucuras que venho fazendo?
— Não me agradeça. — ela sorriu timidamente, está delicada comigo.
— Vamos comer algumas coisa. — olhei para meu relógio de pulso e já
marcavam duas horas da manhã.
— Agora? — me encarou assustada.
— Preciso repor minhas energias. — ela riu.
— Eu também, não como nada desde tarde.
— Vou vestir alguma dessas roupas.
— Não, fica só de hobby. — ela ficou boquiaberta.
— Sem nada por baixo? — falou curiosa.
— Você está perfeita assim. Segurei em sua cintura e fomos para a
varanda que fica em frente à piscina.
— Você gosta de comida Japonesa? — pela silhueta deve gostar de
comidas mais leves.
— Adoro. — ela está mais corada agora, mais leve ao falar, mais alegre,
isso me deixa muito feliz.
— Vou pedir então. — bem perto daqui há um delicioso restaurante
japonês de um grande amigo meu, funciona vinte e quatro horas, liguei, fiz os
pedidos e em menos de quinze minutos, chegou, fui atender de hobby
masculino mesmo. Colocamos a barca sobre a mesa em frente à piscina e nos
deliciamos com as iguarias e com uma deliciosa garrafa de vinho.
Foi uma noite agradável e percebi que ela, aos poucos está se
aproximando de mim, não só pelo sexo, pois essa é a segunda vez que a tenho
em meus braços, mas pelo contato emocional que estamos construindo, sem
que ela perceba ou admita. Ela sorri para mim de forma meiga e seus olhos
verdes brilham ao olharem os meus.
— Está cansada? — vi que suspirou um pouco, pois já são quase três da
manhã.
— Um pouquinho, é o fuso horário em relação à Lisboa.
— Você morava em Lisboa? — assentiu.
— Há muita coisa a meu respeito que você não sabe Philiph! — olhei
para ela e segurei sua mão.
— Ainda não sei. — beijei o dorso da mesma.
— Você não desiste mesmo hein! — ela segurou a minha mão que está
por cima da dela.
— Nunca. — sorrimos um para o outro.
— Philiph. — estava me levantando quando ela puxou suavemente meu
braço, olhei para ela.
— Ontem foi meu aniversário. — fiquei muito surpreso e um pouco triste
por não saber, talvez eu fui um pouco grosso com ela ou dominador demais,
contudo, Mary não disse nada sobre seu aniversário, apenas sentiu o prazer
da noite que acabamos de passar. Olhei para ela e sorri.
— Vem cá. — ela ficou em pé e a coloquei em meu colo.
— Já está virando rotina eu te segurar em meus braços. — ela me olhou
serenamente. — Vou ficar mal acostumada, doutor.
— Pois que fique. — sorrimos. Segui com ela até uma confortável e
espaçosa cadeira de balanço, que tanto me acolheu nos momentos em que me
senti só, por dúvidas da traição. Mas agora, estou aqui e não estou sozinho.
Sentei com ela e fiz com que se aconchegasse em meu colo.
— Deite sua cabeça em meu ombro. — ela deitou e encolheu as pernas
em meu colo. Sua mão esquerda acaricia meu ombro e depois meus cabelos.
Meu braço esquerdo segura suas costas e minha mão direita afaga sua coxa.
— Você é um bom homem Philiph. — sussurrou em meu ouvido, a
apertei mais ainda para se encolher em meu corpo e sentir o meu calor.
— Feliz aniversário, minha querida, minha Madame. — meus pés no
chão ditavam o ritmo da cadeira de balanço e a embalei em meus braços,
carinhosamente.
Capítulo 10

Sinto um peso em meus olhos, estou prestes a cair no sono, o ritmo da


cadeira de balanço estimula meu corpo a descansar. O doutor acaricia minha
coxa de forma bem delicada, enquanto o calor de seu colo me aquece e o
silêncio entre nós esvazia minha mente de qualquer coisa, somente por hoje,
não quero pensar em mais nada.
Acho que ficamos assim, juntinhos, por um longo tempo e acabei
dormindo, pois quando acordei, ele estava se levantando da cadeira, comigo
nos braços.
— Philiph, que horas são? — minha voz saiu embargada pelo sono.
— São exatamente quatro da manhã. — sua voz soou rouca e seus olhos
estavam bem vermelhos. Ele já não parecia aquele Philiph dominador de
momentos atrás, agora estava se mostrando um verdadeiro gentleman.
— Dormimos na cadeira de balanço? — enquanto eu o indagava, ele
entrava na casa e seguia para o andar superior.
— Você dormiu. — foi enfático. — Eu fiquei velando teu sono, não
queria deixar a cadeira parar de balançar. — o olhei pensativa, senti meu
coração palpitar ao escutar suas palavras, nunca recebi esse tipo de cuidado,
apesar de que, sempre tive belos homens aos meus pés e acho que acabei
afastando todos eles por causa de meu trabalho e das prioridades que
estabeleci na vida.
— Philiph, seus braços já devem estar doendo, me põe no chão.
— Eu te carrego quantas vezes for preciso. — disse afavelmente.
— Você é muito gentil, doutor. — ele subiu as escadas e caminhou em
direção à suíte principal, um quarto bastante amplo e arejado, muito bem
decorado e com uma sacada. Philiph, me colocou calmamente na cama e em
seguida, deitou-se ao meu lado, ficamos de frente um para o outro.
— Estou com frio. — o ambiente estava bastante gélido por causa do ar
condicionado o que fez meu corpo se contrair com os arrepios dos pelos
— Vou cobrir você. — ele nos cobriu com o edredom e aproximou
nossos corpos e pude sentir seu calor.
— Quantos anos, Madame? — perguntou-me. Sorri tímida para ele que
certamente me viu corar.
— "Quatro ponto dois." — ele esboçou seu melhor sorriso para mim e
passou a mão ajeitando um cacho de meu cabelo que cobria minha face,
segurei sua mão contra meu rosto e acariciei o dorso da mesma.
— Mary. — chamou-me. — Tenho um convite a lhe fazer. — sorriu
gostosamente ao dizer.
— Diga. — estou perdendo todo o juízo e todo o foco de meu trabalho, a
essa hora, deveria estar investigando outras coisas essenciais para este caso,
mas estou aqui com ele, meu cliente traído.
— Como hoje é domingo. — suspirou. — Passe o dia comigo. — hesitei
em responder e o sono já tomava conta de mim.
— Philiph. — toquei em sua face. — Você se lembra que a horas atrás eu
disse que tudo isso não passa de sexo. — falei com cuidado, mas seu olhar foi
reprovativo por minhas palavras.
— Lembro, doutora Mary. — disse desapontado.
— É melhor assim, Philiph. — tive que ser sincera com ele e nos olhamos
por um bom tempo sem nada dizer um ao outro, o cansaço, aos poucos, foi
tomando conta de nós e sem que pudéssemos perceber, adormecemos nos
braços um do outro.
Ao despertar, vi que estava sozinha na cama e o sol já despontava
avidamente, pois a luz preenchia o quarto pela porta de vidro da sacada que
estava com a cortina semiaberta. Me espreguicei tentando me livrar do sono,
dormimos bem tarde e isso acaba com minha rotina.
O relógio de pulso do Philiph estava sobre o criado-mudo e me assustei
muito quando vi que já eram quase nove horas da manhã, nunca dormi até
tarde, mesmo em dia de domingo, minha vida é muito regrada desde muito
nova. Philiph deve estar lá em baixo, então, levantei e fui direto para o
banheiro, tomei um ducha morna e escovei os dentes com a escova nova que
encontrei dentro do armário.
Saí enrolada na toalha e ao olhar para a cama, fiquei surpresa, vi que
sobre a mesma, constava um embrulho vermelho. Sem pensar duas vezes,
abri, dentro havia um perfume e uma loção hidratante para o corpo, ambos de
fragrância oriental, cujo aroma invade todo o ambiente de forma inebriante,
sorri ao ver o mimo que ele fez para mim.
Quando ia colocar um pouco do creme em minhas mãos para espalhar
pelo corpo, senti um sopro em minha nuca que me fez estremecer
instantaneamente, as mãos de Philiph apertarem minha cintura com firmeza.
Sua barba macia passeou por meu pescoço na parte de trás me causando
arrepios alucinantes e sua língua quente repousou no lóbulo de minha orelha.
— Bom dia. — ouvi sua voz rouca e bastante sensual como um sussurro.
— Bom dia, Philiph. — minhas palavras saíram manhosa, ele riu contra
minha pele e ainda por trás de mim, passou as mãos pelo meu ventre e subiu,
encontrando a ponta da toalha, no mesmo instante, ele desfez o enlace que
prendia a mesma em meu corpo, tentei impedir, mas não tive nenhum
sucesso, o tecido deslizou pela minha pele me deixando totalmente nua para
ele.
— Ponha o creme em minhas mãos. — ordenou e depois, mordiscou meu
ombro.
— Philiph. — protestei.
— Shi, obedeça, Madame. — enquanto ele beijava minha nuca, suas
mãos estendidas recebiam um pouco da loção corporal e uma sensação
deliciosa me invadiu quando iniciou uma massagem em meu corpo com a
mesma.
— Hum. — seus dedos fizeram traçados em minhas costas, primeiro em
meus ombros e depois, desceram por toda a extensão do meu dorso, quase
enlouqueci quando deslizou pelo meu bumbum dando ligeiros apertos, a
temperatura da loção é um pouco fria e contrastava com os toques quentes
que ele fazia em mim. Enquanto suas mãos dançavam sensualmente em
minha pele, ele sussurrava em meu ouvido.
— Eu sei que você me deseja. — só o som de sua voz faz minha
intimidade encharcar. — Que está louca por mim. — Joguei a loção em cima
da cama e minhas mãos encontraram seus cabelos por trás e puxei os fios
com precisão à medida em que encostava minha cabeça em seu ombro, nossa
diferença de altura me permite deitar e apreciar suas carícias.
— Philiph, não me provoque assim. — minha cabeça gira em delírios
enquanto suas mãos, agora, apertam meus seios puxando os bicos que já
estão bem rígidos.
— Ponha um pouco mais. — obedeci e me inclinei para pegar o frasco do
hidratante que eu havia jogado na cama, assim, pude sentir seu membro
extremamente duro em meu bumbum por cima da calça, e me esfreguei só
para provocá-lo.
— Olha o que você faz comigo. — disse ofegante apertando-me contra
seu corpo. Sem aguentar mais tamanha excitação, me virei para olhá-lo
melhor e me deparei com um charme sem igual. Philiph trajava uma camisa
gola polo azul clara, uma calça jeans preta que realçava suas pernas torneadas
e um sapato mocassim na cor marrom. Mordi o lábio inferior ao vê-lo tão
delicioso e sarado.
— Está lindo, Philiph. — ele se afastou e observou meu corpo despido
completamente, seus olhos semicerraram e esboçou uma face de satisfação e
desejo intenso, em seguida se aproximou novamente e voltou a massagear
minha pele na parte da frente. Suas carícias faziam meu sexo umedecer e ele
não tirava os olhos dos meus em nenhum momento. Suas mãos se detiveram
em meus seios e vagarosamente, ao mesmo tempo, nossos lábios roçaram um
no outro.
— Quero sua língua. — pediu com urgência, prontamente acatei, senti
que minha língua se chocou com a dele e não era um beijo comum, nossos
lábios mal se encontravam, mas nossas línguas sabiam exatamente realizar os
toques excitantes.
— Humm. — seu corpo colou no meu e seus dedos da mão direita
descerem até encontrar meu ponto cheio de nervos, nem ao menos tomamos
café da manhã e já quero me entregar a este homem, não consigo resistir, ele
já me domina o corpo. Então, antes que tudo possa acabar, vou deixar que ele
me tenha.
— Ahh. — ele chupou meu pescoço e praticamente senti seus dentes em
minha carne, enquanto isso, seus dedos fazem movimentos circulares ao
redor de meu clitóris.
— Tem certeza de que é só sexo, Madame. — indagou-me excitado.
— Sim. — mal conseguia pronunciar uma palavra sequer.
— Ok. — respondeu-me. Senti seu membro duro pressionar minha pernas
e coloquei minha mão por cima de sua calça, ele pulsava em minhas mãos.
— É assim que você gosta? — perguntei despretensiosa.
— Assim mesmo, aperta. — sua boca entreaberta entrega sua excitação
gloriosa.
— Então, já que é só sexo. — puxou forte meu cabelo. — Tira minha
roupa. — o olhei e sorri de canto de boca.
— Por que tirar sua roupa? — perguntei inocentemente.
— Por que eu quero te fazer minha agora. — seus dedos se emaranharam
em meus cabelos. — Antes do café da manhã. — sem conseguir me conter
mais, o beijei com volúpia, de forma avassaladora. Seu corpo ainda vestido
apertava o meu e num movimento rápido, tirei sua camisa expondo seu
peitoral e ao mesmo tempo que beijava o mesmo, aproveitei para desabotoar
sua calça.
— Ohh. — ele gemeu baixinho quando chupei seu pescoço. Percebo que
meu corpo está sob uma espécie de frenesi, pois um calafrio o percorre
desfazendo todos os sentidos que me mantém sã. Ele tirou os sapatos e me
abaixei tirando sua calça e a cueca box preta. Me detive a olhar para ele nu e
mais uma vez minha boca salivou.
— Você gosta do que vê? — perguntou malicioso, me puxando para junto
de si. Nossos corpos despidos estavam colados novamente.
— Talvez. — provoquei. Ele me virou e fiquei de costas para ele.
— Talvez? — questionou-me. Me empurrou em direção à cama e fiquei
de joelhos em cima da mesma. Senti seu membro roçar em meu bumbum e
suas mãos acariciavam cada parte de minhas nádegas, mordi meu lábio
inferior quando desferiu um tapa com pressão em uma delas.
— Ain. — abaixei literalmente meu tronco e fiquei empinada para ele.
— Talvez não é resposta, Madame. — começou a esfregar seu membro
ereto e duro em minha intimidade como se fosse me penetrar. — Humm,
molhadinha. — seu membro em atrito com meu sexo me causa calafrios, ele
esfrega o mesmo em meu clitóris compulsivo.
— Está pronta. — disse sensualmente.
— Ahh. — estou a ponto de morder os lençóis da cama.
— Mete. — pedi em voz alta.
— Acho que não, doutora. — sua resposta me deixou um pouco nervosa,
queria logo senti-lo dentro de mim para amenizar tamanho tesão.
— Acha? — indaguei desesperada, contraindo minha intimidade e
rebolando para ele, necessito de mais contato carnal, profundo.
— Sua indecisão sobre mim. — suas palavras saiam abafadas e
entrecortadas pela excitação, ele se inclinou sobre meu corpo, fazendo com
que seu membro friccionasse meu ponto de clímax de forma frenética. — Me
faz te castigar. — foi categórico.
Ela está extremamente sexy nessa posição, o que me deixa ainda mais
louco para possuí-la, mas seu jogo duro e incertezas me levam a tomar
decisões estratégicas. Seu quadril totalmente empinado em minha direção,
enquanto estou em pé na beirada na cama, me dá a visão de seu belo corpo
em êxtase, ela aperta o lençol da cama e puxa-os em sua direção.
— Por favor, Philiph, não faz isso. — disse séria, tentando controlar os
gemidos. Segurei sua cintura apertando-a. Meu membro está bastante rijo,
percebo que estou envolvido num prazer alucinante sem ao menos penetrá-la.
Seu ponto cheio de nervos está quente e o atrito que faço com meu membro
está enlouquecendo-a, me nego a invadi-la ou chupar seu sexo, sinto seu
corpo vibrar apenas com as investidas externas.
— Delícia de mulher. — ela ergueu o corpo ficando de joelhos na cama, a
segurei para não cair e ficamos assim, suas costas estão encostadas em meu
peitoral e ela aperta seus seios com as mãos ao mesmo tempo que mordisco o
lóbulo de sua orelha, enquanto isso, a tortura tira toda nossa sanidade.
— Abre mais. — supliquei com a respiração descompassada e ela abriu
mais as pernas. Já sinto um onda de tremores me inundar ao ver que ela está
com o corpo mole e gemendo desesperada.
— Ahw, Philiph. — choramingou. Entrelacei meus braços por debaixo
dos dela, segurando seus ombros, enquanto ela puxa com firmeza os bicos de
seus seios. — Philiph, mais rápido. — comecei a me movimentar de forma
eufórica, sua intimidade está muito encharcada e meu membro desliza por
ela, tornando o momento extasiante.
— Quero sentir você. — quase gritou, mas me nego agora, não vou acatar
seu pedido.
— Aguenta, doutora. — ela grunhiu protestando.
— Philiph, eu vou. — seu corpo bambeou. — Mete agora. — foi efusiva.
— Sinto muito, Madame. — sua respiração irregular, agora entre
gemidos, está me enlouquecendo, meu membro lateja e pulsa querendo
entrar, mas meu castigo ainda está valendo. — Goza para o seu patrão. —
pedi com veemência, seu corpo está tremendo, não vai aguentar mais.
— Patrão. — exclamou irônica, ela virou o rosto lateralmente e a beijei
ferozmente, puxei um pouco seu lábio e depois nossas línguas colidiram,
causando um choque imensurável em meu corpo, percebi que seus pelos
arrepiaram e ela se desesperou com a situação.
— Ah Deus. — falou contra meus lábios, colocou suas mãos para trás e
apertou meus cabelos com muita força.
— Ai, solte meus cabelos!
— Isso é para você aprender. — ela apertou mais ainda. — Pago muito
caro por você. — nem eu estou aguentando mais, esfreguei com rapidez meu
membro em seu ponto de clímax e por fim, ela perdeu as forças e arfou
deliciosamente gozando para mim.
— Ahhhh. — gemeu tão alto que o som ecoou pela casa inteira.
— Isso, goza pra mim vai. — senti seu líquido quente escorrer por suas
pernas e atingir meu membro. Ela pendeu o corpo para frente e logo a detive,
a abracei por trás e lambi sua orelha.
— Philiph. — chamou-me suplicando alguma coisa enquanto tentava
controlar os gemidos e os tremores pelo corpo. Então, a deitei de bruços,
olhei para Mary ensandecida de prazer, meu corpo clama por ela, estou louco
para penetrá-la, mas me contive e pedi.
— Vire-se. — com muito custo virou-se para mim, sua pele estava rubra
e suspirava com dificuldade controlando aos poucos os batimentos cardíacos,
passava as mãos pelo ventre como se tentasse controlar o calor que sentia.
— Você é linda, sabia. — ela sorriu timidamente. — Vem. — fez sinal
com a mão direita, me chamando.
— Shi. — iniciei uma carícia em membro estimulando-o lentamente.
— Doutor. — falou surpresa com minha atitude, então, vendo que eu não
iria obedecê-la, ela começou uma provocação excitante, lentamente abriu as
pernas e começou a passar os dedos em sua intimidade, os mesmos ficavam
bem úmidos com o gozo que acabara de ter.
— Ohh. — minha masturbação ficou mais ritmada e ao olhá-la naquela
situação, flexionei minhas pernas buscando apoio, meus olhos fixaram-se
nela, que com uma mão massageava um seio e com a outra, contornava seu
ponto de clímax.
Ela mordia o lábio, o que me levou a sentir um arrepio descomunal pelo
corpo inteiro, em silêncio, Mary me observava, esperando eu explodir de
prazer. Ao inclinar minha cabeça para trás em busca de ar, sabia que não
podia me conter, então, olhei novamente para ela em busca de me deliciar, o
ar praticamente me faltou por uns instantes e clamei pela Madame.
— Mary. — chamei-a desesperado para gozar em sua boca. — Vem,
agora. — ela sentou-se na cama e prontamente coloquei meu membro dentro
de sua boca e deixei o nó preso em meu estômago ser liberado com o jato de
minha libertação.
— Ahhh. — meu líquido começou a ser lançado. — Engoli. — ordenei
com minha voz embargada pelo frisson. Enquanto ela tomava tudo, minhas
pernas fraquejavam aos poucos, ela chupava meu membro em busca dos
últimos resquício de meu gozo. Segurei sua cabeça com minhas duas mãos,
mas dessa vez, acariciava seus cabelos de forma gostosa ao observá-la.

Ele me levantou e me abraçou delicadamente por um longo tempo, como


se estivesse me agradecendo por alguma coisa, sem pensar muito, retribuí o
abraço e me deixei envolver por seus braços.
— O sexo com você é perfeito. — ele disse cessando o abraço e me
puxando para o banheiro. — Tudo o que eu faço é muito bem feito. — ele riu
de minha fala atrevida. Tomamos um banho rápido e depois, nos vestimos, eu
usei uma das lingeries e o vestido de seda estampado que ele comprou para
mim, era lindo, até os joelhos, decote reto e manga três quartos. Ele tem bom
gosto.
— Vamos tomar café. — já ia me direcionar para a porta, mas ele
segurou meu braço.
— Lá em baixo não, ali. — disse apontando para a sacada. Fomos em
direção a ela, era um local maravilhoso, toda a fachada era de vidro e
tínhamos uma visão da praia de Seattle, uma mesa para dois estava posta para
o café.
— Philiph, você fez tudo isso? — havia muita coisa gostosa sobre a mesa.
— Sim. — ele respondeu sorrindo.
— Ah, você pediu café da manhã. — não estava acreditando que ele tinha
feito tudo sozinho.
— Não acredita né? — puxou a cadeira para que eu sentasse.
— Dificilmente os homens conseguem ser tão eficientes assim. —
empurrou a cadeira e sentei, depois ele me olhou irônico.
— Não conheceu muitos homens decentes então. — disse ao sentar-se à
minha frente. Na mesa havia suco de laranja fresca, um bule com café e uma
pequena leiteira, pães integrais, mel, creme de ricota, salada de frutas, geleia
de damasco, queijo suíço, pêssegos e kiwis.
— A mesa está perfeita, Philiph. — ele me serviu um pouco de suco. —
Você fez tudo isso? — insisti.
— Acordei cedo, você estava dormindo tão lindamente. Minha
funcionária não vem dia de domingo, então, eu preparei tudo isso
especialmente para você. — fiquei estupefata pela atitude tão bonita, existem
homens raros que fazem isso, mas para suas esposas e não para uma
desconhecida.
Tomamos nosso café tranquilamente, falamos sobre o hospital, sobre
cirurgias e outros assuntos que envolviam medicina, depois, descemos até a
varanda próxima à piscina.
— Vamos dar um mergulho? — falou animado tentando me puxar para a
beira da piscina.
— Nem pensar, Philiph, acabamos de tomar banho. Além do mais, não
tenho biquíni ou maiô. — me virei de costas para ele e sentei numa poltrona
apreciando o dia ensolarado, enquanto ele estava paralisado me olhando.
— E quem disse que você precisa de biquíni ou maiô? — ele começou a
se despir na minha frente até ficar totalmente nu. A visão de seu corpo me
deixa fascinada.
— Não inventa, Philiph. — tentei ignorar minha vontade de pular junto e
sem me dar ouvidos, mergulhou de cabeça na piscina. Ao emergir, ficou
apoiado na beirada olhando para mim.
— Achei que fosse uma mulher de fibra, doutora. — me provocou. —
Não vai conseguir me convencer, Williams. — ri de sua tentativa frustrada.
— Você é fraca. — ele tenta me deixar irritada.
— Tudo bem. — tentei contornar a situação. — Se você não tirar essa
roupa agora, eu vou te jogar dentro da piscina. — sua voz soou séria.
— Tá pra nascer o homem que vai fazer isso, Philiph. — disse exaltada.
— Ok, Madame. — Philiph apoiou os braços na beirada e num impulso,
saiu da piscina vindo nu em minha direção.
— Se ousar fazer isso. — cruzei minhas pernas. — Considere-se um
homem morto. — ele riu sarcástico.
— Vai me matar de que? — falou sexy. — De amor? — senti minha boca
secar ao ouvir isso.
— Philiph, recomponha-se. — inclinei a cabeça e sorri delicada. — ele se
aproximou e puxou meus braços me fazendo ficar em pé. — Tá bom, Philiph,
está me molhando. — ele mordeu o lábio inferior ao me ver aflita. — Você
venceu. — não queria molhar o vestido, tinha que ir embora com ele seco. Ao
ver que eu acataria seu pedido, ele voltou para a piscina e se jogou pela
segunda vez.
Tirei toda a minha roupa e caminhei em direção à beirada, ele estava
mergulhando, mas dava para ver a silhueta de seu corpo mesmo submerso, e
sem demora, tomei coragem e mergulhei. A água estava um pouco fria, mas à
medida que envolvia meu corpo fui me adaptando à temperatura, a mesma
estava límpida e cristalina, me permitindo ver a imagem de Philiph
perfeitamente em baixo d'água.
Nos encontramos no fundo da piscina e nossos corpos cercavam um ao
outro sensualmente. Senti seus toques e retribuí passando as mãos em seu
corpo. Quando nos faltou ar, emergimos e nadamos até a parte mais rasa,
onde podíamos encostar os pés no chão e nos apoiamos na borda.
— Viu, não doeu. — ele me abraçou pela cintura.
— Pela sua insistência, Philiph. — respondi tentando não demonstrar
minha satisfação de estar ali, deixando um pouco o trabalho de lado, minha
vida de nômade, sendo apenas uma mulher comum. — Não vou ceder mais a
seus caprichos. — ele ergueu minhas pernas e eu mesma, as entrelacei em sua
cintura, contradizendo totalmente minhas próprias palavras.
— Para de fingir que você não quer isso tanto quanto eu, Madame. —
senti um choque imenso quando seu membro me invadiu sem eu ter a mínima
chance de pensar e imediatamente ele começou as estocadas, ele tinha pressa
de me possuir, era nítido em seu rosto, as investidas iam bem fundo e nos
beijávamos de forma intensa, quando nossas bocas se descolavam, ele sugava
meus seios e eu arranhava sua nuca, nunca fiz sexo dentro da água, é uma
sensação nova para mim e nós gemíamos como dois insanos.
— Ain. — senti minha intimidade se contrair e as paredes internas
comprimiam o membro rijo dentro de mim. Ele diz coisas sem sentido em
meu ouvido me incentivando e eu o desejo como se fosse nossa última transa.
Ele gemia eufórico e continuamente.
— Ahh. — estou prestes a sentir o segundo orgasmo da manhã, esse
homem quer me enlouquecer.
— Madame, eu. — antes de terminar a mísera frase, seu jato quente já
estava sendo lançado dentro de mim.
— Ohh. — deixei a sensação me invadir e gozei ao mesmo tempo em que
Philiph chupou majestosamente meu pescoço. Sorri ao experimentar o prazer
de nossos gozos e ele deitou a cabeça em meu peito, entrelacei minhas mãos
em volta de seu pescoço e fechei meus olhos buscando decifrar tudo o que
estava sentindo.
Philiph ficou dentro de mim por uns instantes, me beijava a boca e depois
me fitava, seu olhar era de quem tem medo de alguma coisa, acho que no
fundo ele sabe que isso é tão passageiro como a brisa que agora paira sobre
nós. Pouco tempo depois, saímos da água e tomamos uma chuveirada no
banheiro próximo à piscina, nos secamos e nos vestimos.
Entramos na casa e ele decidiu pedir o almoço, comida italiana, pelo visto
vou passar o dia com ele como era seu desejo. Após o almoço, fomos em
direção à sala de estar, para conversar mais sobre qualquer coisa.
— Aceita um pouco de vinho? — precisava mesmo de uma bebida para
encarar o turbilhão de sentimentos que insistem em tomar conta de mim e que
preciso rapidamente afastar. — Aceito. — respondi sentando no sofá.
— Seco ou suave? — questionou-me.
— Seco, por favor. — apesar de gostar mais do suave, o seco me deixa
com os pés na realidade. Ele foi até uma pequena adega, pegou uma garrafa
de vinho, duas taças e apoios para os copos, nos serviu e deixou a garrafa em
cima da mesa de centro. Saboreei a bebida e a mesma aguçou a curiosidade
de Philiph, pois ele tratou logo de perguntar.
— Posso te fazer um pergunta? — nos aconchegamos no sofá e ele se
aproximou de mim.
— Faça. — tive um pouco de receio pelo que viria.
— Por que te chamam de Madame Mary se seu nome é Mary Moreau? —
sabia que cedo ou tarde ele faria tal questionamento. O olhei e sorri sem
graça tomando mais um gole de minha bebida.
— Ai, Philiph. — suspirei. — Isso é particular. — ele acariciou meu
queixo com seu polegar.
— Se abre comigo. — insistiu. — Mary, você sabe tudo sobre minha
vida. — neguei com a cabeça.
— Philiph, eu sei o suficiente. — ele arqueou a sobrancelha direita.
— Deixa eu ser teu amigo. — pediu, realmente, eu não tinha muitos
amigos, Leticia é minha única amiga aqui em Seattle, Lara e Débora estavam
em Seattle e meu trabalho me transformava numa mulher um pouco solitária,
não me abria com ninguém, tudo em minha vida é muito sigiloso, pois tenho
que proteger os interesses dos meus colegas e a quem eu sirvo.
— Confia em mim. — pegou minha taça e colocou junto com a dele na
mesa de centro. Cruzei minhas pernas e sentei de lado olhando para ele.
— Está bem, Philiph. — decidi dar a ele um voto de confiança e contar
um pouco sobre mim.
— Tenho esse nome por causa de minha mãe. — dei uma longa pausa,
tentei me manter calma para não relembrar o passado com tristeza, ele me
olhava atentamente.
— Sua mãe? — falou baixo me indagando curioso.
— Ela era dançarina de uma casa noturna em Madri, foi lá que meu pai a
conheceu e ele se encantou por ela. Se chamava Mary, mas era conhecida
como Madame Mary pelos homens ricos que se aproveitavam do corpo dela.
Era jovem, bonita, meu pai era rico e bem mais velho do que ela, mas a
família dele não aceitava o fato dela ser de linhagem inferior e muito menos
por ser dançarina e garota de programa, se é que me entende. — ele assentiu
silencioso.
— Eles mantiveram um relacionamento às escondidas, ela achou que meu
pai se casaria com ela, que nunca mais seria objeto sexual nas mãos de
ninguém, até que ele optou por não misturar o sangue da família, foi covarde.
— à essa altura sentia minha voz embargar, respirei profundamente e retomei
a história.
— Mas eles não conseguiram evitar e ela ficou grávida, porém, não
contou a ninguém e decidiu ter a criança, depois que eu nasci, ela
simplesmente, me deixou nos braços de minha avó paterna e sumiu, nunca
mais se teve notícias dela. Eu sei apenas um trecho dessa história por causa
de minha tia, irmã de meu pai, nem ao menos me permitiram conhecer a
verdade por completo.
— Mas e seu pai? perguntou-me afagando minhas mãos.
— Meu pai é um homem indecifrável e calculista, misterioso ao extremo,
mas não posso mentir dizendo que nunca me deu afeto, tive carinho, mas fui
criada para rejeitar tudo o que é inferior a mim, pessoas, coisas, empregos,
tudo o que estiver abaixo do patamar da família Moreau. Minha avó me dizia
que eu estava sendo educada para me redimir do sangue ruim que corre em
minhas veias. — o olhar de Philiph era de compaixão e até uma certa pena,
me ensinaram que pena é um sentimento arisco e que eu não gosto sintam por
mim. Inclusive, não pretendo amar ninguém, esse sentimento só fere, por isso
fui instruída para nunca esperar nada de ninguém, nunca amar perdidamente
uma pessoa, sou assim, dona e senhora de minha própria vida e não há espaço
para mais ninguém nela.
— Meu pai me chama de Madame Mary, pois fisicamente, lembro muito
a minha mãe, tenho uma foto dela guardada em minhas coisas e porque, em
minha juventude dancei como ela numa casa noturna, para tentar me tornar a
filha rebelde que na verdade, nunca consegui ser.
— Nossa. — estava perplexo, suspirou fundo. — Jamais poderia imaginar
isso.
— Eu sei. — ele disse calmamente.
— Mas é médica e detetive, como isso é possível? — estava muito
curioso e eu precisava me abrir um pouco. — Philiph, meu pai e eu nos
mudamos de Madri para a Grécia quando eu tinha uns quinze anos, sempre
estudei em colégio interno, minha vida é regrada ao extremo, ele sempre me
incentivou a seguir o ramo do direito, é negócio de família, minha avó era
juíza e meu avô era investigador da Interpol, então, meio que por pressão
entrei na faculdade, me formei em advocacia e passei num concurso para
perita criminal, mas sempre sonhei em fazer medicina, então, larguei o
emprego do concurso para desgosto eterno de meu pai e fui para os Estados
Unidos, fiz medicina em Stanford e trabalho como autônoma para Senhor S
até hoje.
— Você é realmente uma mulher de mil faces. — sorri com seu
comentário.
— Minha vida é essa loucura, nunca paro em nenhum lugar fixo, sou
estável por dentro, mas por fora sou muito imprevisível. — ele esboçou uma
face de incômodo.
— Mas uma mulher precisa ter raízes. — suspirei.
— Já não tenho raízes a muito tempo, Philiph. — tomou mais um gole de
vinho e ficou girando o restante da bebida dentro da taça lentamente.
— Me fale sobre Senhor S, por que ele te mandou investigar meu caso.
— cedo ou tarde ele perguntaria sobre Senhor S.
— Philiph, desculpa, mas nossa intimidade só pode ir até aqui. — ele se
incomodou. — Mas sou seu amigo, se ainda acha que não sou, me deixa ser.
— frisou de novo.
— Amigo? — questionei. — Sim, amigo, ou você quer ser mais do que
isso? — fiquei boquiaberta com o atrevimento.
— Nossa relação é de negócios, você é meu cliente, Philiph. — falei
calmamente, me levantei e sentei numa poltrona ao lado do sofá. — E nada
mais, entendeu? — enfatizei.
— Acho que você já ultrapassou a barreira que separa essa formalidade,
Madame. — foi enfático. — Por que está dizendo isso? — indaguei.
— Porque uma detetive séria não geme nos braços de seu cliente e muito
menos conta de sua vida pessoal — o fuzilei seriamente sem acreditar em seu
comentário, pois me arrependi na hora de ter lhe contado sobre minha vida
pessoal. — Eu não devia ter confiado em você. — minhas palavras saíram
pesadas, não esperava ouvir isso dele por mais que fosse tudo verdade.
— É exatamente o contrário, Mary. — tentou se explicar.
— Está querendo insinuar alguma coisa? — me encarou irônico ou ouvir.
— Não, Madame, apenas seja honesta com você mesma. — seu tom de voz
mudou.
— Philiph, aonde você quer chegar? — me levantei de forma rápida e ele
veio em minha direção, colando nossos corpos. Ajeitou a mecha de meu
cabelo e me olhou fixamente.
— Você está apaixonada pelo seu cliente. — disse efusivamente, o
silêncio pairou entre nós por alguns momentos e depois, ri de sua fala para
tentar disfarçar, ele segurou meus braços me encarando. — Você já confia em
mim, se sente segura em meus braços. — me esquivei dele. — Philiph, não
ouse misturar as coisas. — passei a mão por minha testa e senti que estava
suando frio. — Você mente para si mesma. — sua irritação era aparente.
— Olha pra mim, Philiph. Só nos conhecemos a quatro dias, você está
agindo como um adolescente. — ele me fitou. — Foi no primeiro olhar,
Mary. — caminhou novamente em minha direção.
— Para agora. — ele não me ouviu. — Philiph, aquilo que eu disse ontem
era verdade, posso pedir para outra pessoa pegar o seu caso. — apertou forte
meus braços.
— Você não teria coragem. — seu semblante era de irritação.
— Você ainda ama sua esposa, Philiph. — falei séria. — Não. — ele se
contradiz no olhar. — Você está mentindo. — insisti. — Não ouse mentir
para mim, você ainda ama a Kate? — minha voz saiu alta e um pouco
entrecortada pela vontade de chorar que agora me invadia. Philiph me olhou
em silêncio e não conseguiu responder minha pergunta. Mas, eu já sabia
disso e sabia ainda, que eu não passava de uma distração para um homem
com o coração ferido, novamente.
Ele soltou meus braços e passou as mãos pelo rosto para recobrar a
consciência.
— É difícil para mim, Mary. — o encarei perplexa, meus pensamentos
estavam confusos e tudo o que tínhamos vivido nesses dias desmoronou. —
Eu ainda sinto amor por ela. — seu olhar era de pedidos de desculpas para
mim.
— Você só está me usando pra esquecê-la? — fiz a pergunta que na
verdade já era minha resposta. — Não, isso não. — foi enfático. — Ah, não?
— me segurei para não esbravejar. — Eu me sinto muito atraído por você,
não sei explicar.
— Eu não sou um objeto sexual, Philiph. — ele se aproximou novamente
de mim.
— Nunca pensei que fosse.
— É mesmo, então quando você quer transar comigo e diz que está
pagando por meus serviços está querendo dizer o que? — ele respirou
profundamente.
— Nada, Mary. — respondeu de forma curta.
— Eu não sou uma garota de programa, Philiph — falei com raiva indo
em direção à porta de saída.
— Você está me condenando por algo que eu não disse. — me puxou
pelo braço me fazendo olhar rapidamente para ele.
— Esquece tudo o que aconteceu entre nós. — disse tentando me livrar
de seus braços.
— Não faz isso comigo, Mary. — seu olhar era de suplício.
— Sou apenas a detetive, Philiph. Isso o que aconteceu entre nós jamais
voltará a acontecer. Ponto final. — praticamente gritei, ficamos atônitos
durante um tempo e percebi o quanto ele sentiu por ter dito certas coisas, mas
eu não podia voltar atrás em minha decisão, por mais que agora eu esteja
sentindo meu coração doer. Lembrei ainda que meu celular ficou no carro, só
estava com minha bolsa de mão e as chaves do carro.
— Chame um táxi. — pedi secamente.
— Por favor, deixa eu te levar em casa. — pediu.
— Não quero. — fui curta e grossa.
— Mary. — chamou-me suplicando.
— Não insista, Philiph.
— Por favor, me ouça. — ele segurou minhas mãos contra seu peito, eu
permaneci séria. — Olha pra mim. — desviei o olhar.
— Chega, Philiph. A partir de hoje, ou você me trata como sua detetive e
simplesmente colega de trabalho ou saio do seu caso. — seus olhos
começaram a marejar discretamente e ele soltou minhas mãos.
— Você está sendo injusta. — estávamos perto de uma janela que dava
para a parte da frente da casa, onde Philiph havia estacionado seu carro, ele
segurou a cortina que nos impedia de ver lá fora e fez um movimento lateral,
puxando-a. Pude ver meu carro ao lado do seu e olhei espantosamente para
ele.
— Você foi até lá pegar meu carro?
— Meu motorista particular veio até aqui atender meu pedido, foi de táxi
até o bar e trouxe seu carro, peguei a chave de sua bolsa assim que acordei
hoje cedo, me desculpe a intromissão, só quis fazer uma surpresa. — não
podia negar que tudo o que ele fez comigo até agora foi na intenção de me
agradar e isso me deixava com mais peso na consciência ainda, apesar de não
querer me submeter à seus caprichos de homem mal amado. — Agradeço. —
falei friamente, peguei minha bolsa e sem nada mais a dizer saí em direção ao
meu carro, ele não me seguiu, apenas acionou portão da garagem e em pouco
tempo já estava voltando para casa.
Quando cheguei em meu apartamento, estava um pouco cansada por tudo
o que aconteceu, abri a porta e quando fechei, fiquei encostada nela por um
tempo, pensando em minha briga com Philiph, mas meus pensamentos se
esvaíram quando senti um cheiro bem específico em meu apartamento, vi que
a luz de meu escritório estava acesa e vagarosamente caminhei até lá, o
cheiro de charuto cubano impregnava o ambiente desde a sala e quando parei
na porta, vi que minha poltrona estava virada de costas para mim, eu sabia
muito bem quem era.
— O que está fazendo aqui? — questionei séria. Aos poucos a poltrona
foi girando e eu pude ver sua imagem enigmática surgir por entre a fumaça,
estava de terno preto e com seu típico chapéu de detetive.
— Senhor S. — exclamei. — ele esboçou um sorriso discreto sem
mostrar os dentes.
— Mary. — pronunciou meu nome com ênfase. — Este apartamento é
meu, esqueceu? — levantou-se devagar, deu a volta na mesa e caminhou em
minha direção.
— Jamais me esqueceria. — ficamos cara a cara.
— Seus olhos estão um pouco vermelhos. — minha tentativa de não
chorar deu certo, segurei o máximo possível dentro do carro, não derramo
lágrimas na frente de ninguém e nunca derramaria uma lágrima sequer por
Philiph, mas a vermelhidão foi impossível evitar. — Dormi um pouco tarde,
só isso. — me expliquei.
— Veio saber do caso do doutor Philiph. — ele assentiu positivamente
com ar de ironia.
— Claro, mas antes. — colocou o charuto no cinzeiro e depois me olhou.
— Não vai dar um abraço no seu velho pai?
Capítulo 11

O encarei por uns instantes, não via meu pai a longos meses e sabia que
sua visita inesperada não era para ver somente como sua filha estava, era o
prenúncio de uma guerra.
— Não vai me abraçar? — ele insistiu e tirou o chapéu como um
cavalheiro. — Onde estão seus modos? — cheguei perto e fui recepcionada
calorosamente, fiquei alguns minutos cercada por seus braços enquanto
afagava meus cabelos, apesar de todos os defeitos, meu pai me conhece como
ninguém e isso me deixa desnuda em sua presença, sempre sabe o que se
passa comigo simplesmente pelo meu modo de agir e falar, até mesmo meu
olhar denuncia meus atos.
— Estou no meio da investigação, Senhor S. — disse quando nos
apartamos do abraço.
— Para você é pai. — pegou o charuto do cinzeiro, deu uma longa
tragada e andou pelo cômodo analisando meus livros na estante.
— Você ainda acha que depois de todos esses anos consegue mentir para
mim? — senti um certo temor, sem sombra de dúvidas, ele soube de meu
encontro com Philiph.
— Eu realmente não sei do que o senhor está falando. — dei as costas
para ele e caminhei em direção a sala.
— Não sabe? — ele me seguiu parando em frente à estante, olhou para a
espada samurai que ele mesmo havia me dado, tirou a mesma do suporte e a
desembainhou lentamente.
— Sabes, minha filha, a cada dia estás mais parecida com tua mãe. —
suas palavras saem acompanhadas da análise que ele faz do objeto talhado
em ouro.
— Não ouse falar da minha mãe. — me olhou incrédulo.
— Calada, eu ainda não terminei. — apontou a espada em minha direção.
— Pegue o lenço. — falou seco, um de meus lenços de seda está sobre sofá,
devo ter esquecido de guarda-lo. Peguei o mesmo sem esperar uma segunda
ordem, me aproximei dele sem dizer uma única palavra. — Estenda o lenço.
— estendi e ele posicionou a espada em baixo do mesmo. — Solte. —
respirei fundo e ergui um pouco mais o tecido, em seguida o soltei.
O pedaço de pano único caiu vagarosamente como se o tempo estivesse
parando, foi partido facilmente em dois como um fio de cabelo frágil. Olhei
para meu pai e em seguida sentei no sofá, abaixei minha cabeça deitando a
mesma sobre as mãos, os cotovelos estavam apoiados nos joelhos e senti
raiva de mim mesma.
— Mary, tens muito o que aprender ainda. — sua voz era firme como a
de um pai que educa sua filha.
— Tu eras tão ingênua quando criança, não entendia o significado das
coisas, mas te ensinei tudo o que sei — passei minha infância inteira sendo
criada para enxergar as entrelinhas, os gestos, a linguagem corporal e aos
poucos a inocência deu lugar à malícia e a um gênio indomável. — Mas
agora, tu deixas espaço para aquela criança voltar, onde está a mulher dentro
de ti? És uma Moreau, não és qualquer uma e está prestes a perder a guerra.
— alterou um pouco o tom de voz. Ele embainhou a espada novamente e se
aproximou, sentando-se na mesa de centro à minha frente. — Estás dividida.
— pegou o lenço partido nas mãos e segurou.
— Isso não é verdade, pai. — minha voz começou a embargar, ele
colocou a mão em meu queixo me fazendo erguer a cabeça.
— Não fostes feita para chorar. — me lembro deste mesmo gesto quando
era criança, ao me machucar e sentir dor, ouvia sua voz ou mesmo a de minha
avó a dizer "engoli o choro, não fostes feita para chorar, isso é para os
fracos." Acabei me tornando uma pessoa seca, uma hora, as lágrimas não
desceram mais, como se elas deixassem de existir em mim.
— Este homem vai fazer contigo exatamente o que o outro fez, vai te usar
e depois vai jogar fora. — a verdade costuma cortar como navalha. — Você é
superior a todos eles, Philiph não está à sua altura, nem mesmo para beijar o
chão que você pisa. — não suportando mais as palavras, levantei do sofá
pronta para dizer as verdades entaladas em minha garganta.
— De que adianta tanto orgulho? Tanta soberba? — gritei. — Eu não sou
melhor do que ninguém, para de me colocar num pedestal. — andei de um
lado para o outro controlando o nervosismo. — Já chega, pai, o Philiph não
significa nada para mim, suas informações estão equivocadas. — falei séria,
porém pausadamente.
— Acha que ele te ama? — perguntou-me rindo ironicamente. — Ele só
vai te jogar fora, como um objeto descartável. — o olhei com raiva.
— Como você fez com a minha mãe. — gritei mais uma vez ao afirmar,
minha coragem diante de meu pai me surpreendeu.
— Sua. — levantou a mão.
— Sua o que? Vai me bater? — ele hesitou, nunca senti sua mão pesar
sobre mim.
— Tua mãe era uma dançarina barata que se prostituía. É isso o que você
quer ser? — o fuzilei com os olhos.
— Está me chamando de prostituta? — questionei séria, ele me olhou
com pesar e respirou profundamente.
— Você é a pessoa que eu mais amo no mundo. — falou manso. — Mas
está agindo como sua mãe. — passou as mãos pelos cabelos grisalhos
ajeitando-os para trás. — Ela me amou de verdade, de todo o coração e eu a
destruí. — sua face era de arrependimento. — Não quero que encontres na
vida um homem como eu, fuja de homens assim. — engoli seco por suas
palavras, nunca o vi ser tão sincero.
— Você tem o mundo aos seus pés, só não entregue seu coração a
ninguém, esses sentimentos só fazem mal, seja dona de si mesma, tenha
autocontrole, Mary.
— Pai, eu não sou mais aquela garotinha. — exclamei serenamente. —
Eu não vou deixar ninguém me destruir, acredita em mim. — falei com
autoridade, engoli a vontade de chorar e lutei para aos poucos voltar ao meu
estado normal, me abraçou mais uma vez.
— Não me decepciones, se eu souber que está saindo com meu cliente eu
tiro você desse caso. — não querendo contrariá-lo, apenas me submeti mais
uma vez.
— Não vai ser necessário, eu nunca tive e nunca terei nada com o Philiph,
meus serviços são impecáveis e o senhor sabe disso. — senti raiva ao me
lembrar do que Philiph fez.
— Preciso que descubra se a Kate vai dar o golpe, o mais rápido possível,
ele está pagando um fortuna por nossos serviços. — disse ao cessar nosso
abraço.
— Fique tranquilo, tudo está dentro do prazo, ela não me escapa. — riu
maliciosamente.
— Você sempre consegue tudo o que quer, só não deixes meu orgulho
por ti morrer. — o olhei pensativa.
— Aprendi com você, querido pai, terás motivos de sobra para se
orgulhar. — ele não percebeu minha ironia, inclinou-se para pegar o chapéu
na mesa de centro e colocou o mesmo na cabeça.
— Eu preciso ir. — disse sério.
— Sua benção, pai. — beijei sua mão.
— Não se esqueça, Mary, eu tenho olhos em todo lugar, não brinques
comigo.
— Não quero confronto pai, só preciso que respeite meu espaço. —
olhou-me sério.
— Faça seu trabalho e não teremos problemas.
Senhor S foi embora logo em seguida me deixando sozinha com meus
pensamentos que insistem em permanecer em Philiph, mas tenho que me
comprometer com meu trabalho, nunca mais cairei na tentação.

Não consegui pregar os olhos a noite toda, quando dei por mim, já era
manhã de segunda-feira. Depois que Mary foi embora passei o restante do
tempo digerindo meu divórcio, os momentos íntimos com ela, tudo passou
por minha cabeça num turbilhão de medo, mas um só pensamento pairou em
minha mente como um vício, a Madame, nunca pensei que o dia terminaria
em discussões de perguntas que no momento eu não sabia responder.
Liguei o ar condicionado do meu carro e agora, dirigindo para minha
outra casa, pretendo reconstruir minha vida, a essa altura, Kate deve estar
saindo de lá, estipulei um prazo para que ela encontrasse outro lugar para
viver.
Quando cheguei, encontrei a mesma descendo as escadas com as malas.
Ela me encarou enquanto eu caminhava lentamente pela sala, sentei no sofá
extremamente cansado, não proferi uma palavra sequer.
— Dona Kate, deixa que eu levo pra senhora. — Marcos, meu motorista
particular se prontificou a ajudá-la. Enquanto ele levava as bagagens até o
carro, Kate se aproximou, eu estava de cabeça baixa, senti seu perfume
quando sentou ao meu lado.
— Preciso conversar com você? — ela pediu baixinho, a olhei tentando
buscar uma resposta para minha maior dúvida.
— Não temos mais nada para conversar. — respirou fundo.
— Por favor, é um minuto apenas. — relutei, mas assenti positivamente.
— Pode falar.
— Aqui não, lá em cima, alguém pode ouvir. — seu olhar era de suplício,
a acompanhei até nosso quarto.
— Philiph, deixa eu explicar. — disse ao fechar a porta do quarto, sentei
na cama para ouvir.
— Tem explicação? — indaguei contrariado.
— Foi um momento de fraqueza, eu errei. — fechei meus olhos e só
ouvia suas tentativas de me convencer de que era apenas uma aventura. —
Me perdoa, nós nos amamos. — abri meus olhos para olhá-la melhor. — Eu
te amo, Philiph. — pela primeira vez ouvi essas palavras de sua boca. Ela
caminhou vagarosamente em minha direção e parou de frente para mim.
— Não é possível que tenha deixado de me amar. — me empurrou
calmamente contra a cama e deitou em cima de mim sem deixar eu sentir seu
peso, não consegui esboçar nenhuma reação. — Você ainda me ama, eu sei.
— levantou e se ajoelhou entre minhas pernas, tirou a blusa de seda e abriu o
feixe de seu sutiã, deixando seus seios lindos à mostra, em seguida deitou
novamente em meu peito.
— Eu te amo. — suas palavras são doces, minha respiração está ofegante,
de repente senti seus lábios se chocarem contra os meus bruscamente, por uns
instantes deixei que ela me beijasse e correspondi, estou cercado por uma
sensação de desejo e medo, a final sempre quis essa mulher.
Virei meu corpo rapidamente ficando por cima dela, iniciamos um beijo
sensual e ardente, minhas mãos descem acariciando seu corpo, apertando-o
contra mim, meus dedos afundam em sua carne, deixando sua pele alva
bastante avermelhada.
Senti seu corpo tremer quando suguei seu seio esquerdo, meus
movimentos circulares com a língua a fazem gemer gostosamente, enquanto
massageio o outro, suas mãos apertam meus cabelos me incentivando a
continuar, mas algo dentro de mim estranhamente despertou minha
consciência, tirando-me do transe, comecei a me sentir desconfortável em
seus braços, como se na verdade, eu estivesse traindo uma pessoa, meu corpo
deixou de corresponder à sua carícias, o desejo que senti a poucos segundos
atrás se transformou em um incômodo profundo, parei de acariciá-la e a
encarei fixamente, nossas respirações estão descompassadas.
— O que houve? — puxei o lençol da cama e a cobri respeitosamente,
levantei e passei as mãos por meu rosto tentando entender minha reação.
— Philiph. — chamou-me.
— Não, Kate. — um sorriso de canto de boca brotou em meu rosto
incontrolavelmente. — Não era amor, minha querida. — ela me olhou pasma.
— Como é que é? — jogou o lençol de lado e levantou. — Mentiroso. —
segurou minhas mãos colocando ambas em seis seios. — Olha pra mim e diz
na minha cara que o que você sente. — prontamente retirei minhas mãos de
seu corpo. Peguei sua blusa que estava no chão e lhe entreguei.
— Para, Kate, nosso tempo passou. — falei tentando não magoá-la
mesmo depois de tudo o que ela me fez, parecia que um peso enorme saía de
minhas costas. — Eu te amei sim, lá atrás, no passado. — ela me encarou
furiosa.
— Eu não acredito, Philiph, nós fizemos amor aquele dia de um jeito tão
intenso. — me lembrei dos momentos com ela por incentivo de Mary.
— Depois, eu passei a ter medo. — prossegui sem dar muita atenção ao
assunto puxado por ela. — Eu me tornei obcecado, é essa a palavra certa. —
uma espécie de euforia tomou conta de mim como se tudo fizesse sentido. —
Meu amor se tornou uma doente obsessão. — ela me ouvia atônita. — Eu
estava doente, perdi toda a minha paz por sua causa. — ela colocou o sutiã e
vestiu a blusa.
— Não faz isso comigo, me perdoa, foi só um beijo. — ri ironicamente de
sua mentira.
— Eu posso até ter sido obcecado e doente, mas não sou idiota, eu sei de
tudo Kate, Conrad nem é seu único amante, você tem outros homens. Como
pôde transar com eles e se deitar comigo? — praticamente gritei.
— Eu errei Philiph, todos nós erramos. — sua voz começou a sair
embargada e com uma certa raiva.
— Eu sei, ninguém é perfeito. — ela balançava a cabeça positivamente.
— Então meu amor, me perdoa, eu te amo. — a olhei com remorso.
— Como eu quis ouvir isso de você, mas todas as vezes que aquele idem
saia de sua boca me doía aqui dentro. — bati punho direito fechado contra o
peito.
— Nós temos uma família, meu amor. — a encarei surpreso.
— Tarde demais para dar valor à nossa família, você nunca deu
importância pra isso. — Kate se descontrolou batendo contra meu peito
várias vezes.
— Sempre prezei pela nossa família. — segurei seus punhos.
— Prezou? — questionei furioso. — Prezou? — repeti. — Você acabou
com a nossa família, você acabou comigo. — me afastei dela, a mesma
chorava descontrolada, tentei não perder a paciência.
— E outra coisa, a Luanna fica comigo. — olhou-me indignada.
— Nem pensar, uma filha tem que ficar com a mãe.
— Eu não vou discutir isso, minha filha fica. — me irritei. — Aliás,
qualquer juiz vai me dar a guarda dela, só que eu não quero uma briga
judicial. Você pode vê-la quantas vezes quiser só que com minha autorização.
Entendeu?
— Não tira minha filha de mim. — pediu suplicante.
— Para com isso, não estou tirando filha de ninguém, a Lu só vai ficar
comigo, há muitos casais que compartilham a guarda.
— Então isso é tudo, Philiph? É assim que você vai terminar nosso
relacionamento de tantos anos? — até a voz dela está se tornando enjoativa.
— Não Kate, foi você quem fingiu um relacionamento esse tempo todo,
enquanto eu te amava. Mas agora eu só sinto pena de você.
— Pena Philiph? — indagou irritada. — Pena Kate, porque esses homens
com quem você sai não te amam, você vai ser uma eterna solitária. Agora sai
daqui. — apontei para a porta.
— Como vamos fazer com o clube, os imóveis? — ri indignado. — É só
nisso que você pensa não é Kate? Nossos advogados irão resolver essa
questão, não se preocupe. — apontei novamente para a porta, ela nada disse,
simplesmente saiu, respirei fundo, olhei para nosso porta retrato e o
arremessei longe, meu amor por ela acabou como aquele vidro estilhaçado na
parede. Vi que já estava atrasado para o hospital, tenho que me apressar, o dia
vai ser longo e preciso resolver algo muito importante.

Andei pelos corredores do hospital um tanto solitária, a imagem de


Philiph não sai da minha cabeça, não o vi na sala dos médicos na hora do
café, uma certa angústia paira sobre mim e quando terminei a refeição, saí
daquele ambiente, estava sufocada. Ao seguir para a minha sala o avistei de
longe entrando no centro cirúrgico, o quadro de avisos já me prepara para a
retirada de um tumor cerebral que já está invadindo o nervo óptico, então não
tenho horário certo para sair da sala de operações, provavelmente não
trocaremos nenhuma palavra hoje.
Segui para a minha sala, assim que entrei avistei sobre a mesa uma
pequena estátua grega de Afrodite. Embaixo da pequena escultura havia um
bilhete, senti meu coração vibrar ao ler as palavras.
"Me perdoa se eu te magoei, nunca pensei em libertar minhas dores em
teu corpo e muito menos curar minhas feridas às custas de teus carinhos.
Mas confesso que depois de tantos anos a maior alegria da minha vida foi
estar em teus braços." I.
Passei o dia todo pensando em cada palavra que ele me escreveu,
reconheceria sua letra em qualquer lugar, nunca me esqueci desde que o vi
assinar o contrato. Contudo, também não nos falamos no início da semana, o
encontrei pelo cirúrgico algumas vezes, mas não realizamos nenhum
procedimento juntos, nos cumprimentamos formalmente trocando uma ou
duas palavras de bom dia.
Nesse meio tempo, resolvi algumas coisas com Henrique a respeito do
faturamento do hospital, em busca de alguma falha na contabilidade, porém
nada encontrei, escutei conversas de Kate com Conrad através do ponto que
instalei embaixo de sua mesa, mas ambos só falaram sobre o divórcio e ela
não cansava de se gabar por ter se livrado do marido frouxo.
A semana passou depressa, daqui dois dias é o baile de máscaras, nessa
festa a casa vai cair para Kate, ela vai se arrepender de ter traído e talvez seus
casos extraconjugais possam até lhe fazer uma visita.
Como é noite de quinta-feira e costumo cozinhar para mim mesma, para
aliviar a solidão e especialmente hoje, para sanar a saudade que estou de
Philiph, fiz salmão grelhado ao molho de queijo branco, acompanhado de
salada de rúcula, palmito e arroz japonês. Somente a luz da sala de jantar
ilumina o ambiente e me faz companhia.
O sono não chega, estou a um bom tempo sentada na poltrona de minha
sacada visualizando o tempo bonito que faz lá fora, mal consegui comer
durante o jantar, nada desce por minha garganta. Olhei para dentro do
apartamento, para a sala em especial e me lembrei de meus momentos com
Philiph mais uma vez, porém saí do transe quando escutei a campainha tocar.
Senhor S deve estar de volta trazendo informações novas para mim. Fui em
direção à porta e abri a mesma, paralisei de espanto e surpresa.
— Por favor não me mande embora. — tremi por dentro ao ver Philiph
parado em minha porta, trazia a filha adormecida em seus braços apenas de
pijama e uma bolsa pendurada.
— Aconteceu alguma coisa? — tive medo e pensei que poderia ser
problemas com Kate.
— Posso entrar? — me olhou suplicante e ajeitou a menina em seus
braços por causa do peso.
— Entra. — dei passagem mesmo não querendo, ele rapidamente sentou
no sofá e acariciou o rosto da filha, pois a mesma fez menção de acordar, mas
logo se aquietou.
— O que houve Philiph? — sussurrei preocupada e sentei ao seu lado, ele
suspirou.
— Ela ainda é tão pequena para sofrer assim. — falou baixinho.
— Fala pra mim. — pedi, percebo que ele está aflito.
— Deixa eu ficar aqui esta noite. — seus olhos azuis trazem um certo
sofrimento e uma inquietude imensa, como se quisesse minha ajuda ou
mesmo me dizer alguma coisa. O olhei compassiva e em seguida fitei a linda
criança em seus braços, não soube o que responder.
— Philiph. — levantei do sofá atordoada com o pedido. — Aqui? —
questionei.
— Por favor, Mary. — sua face de desolação é evidente.
— Tudo bem, vocês podem ficar, mas Philiph, se ela acordar eu não
tenho nada dessas coisas de que criança gosta. — riu sem fazer barulho de
minha aflição.
— Minha filha só precisa de carinho. — sua voz saía serena.
— Coloca ela na cama, no quarto hóspedes. — seguimos para o quarto,
Philiph prontamente deitou a menina sobre a cama e a cobriu.
— Ela pode acordar assustada, essa casa é estranha para ela. — fitou
docemente a filha e lhe beijou a fronte.
— Ela tem sono pesado, passou o dia todo numa festa da escola,
provavelmente só acorda amanhã. — saímos do quarto e trancamos a porta.
— Você quer comer alguma coisa? — indaguei ainda sem entender nada.
— Não se preocupe comigo. — sinto que seu jeito controlador e durão
agora se esvai e o Philiph que agora vejo é totalmente diferente daquele
homem que me encurralou na porta, aqui nesse apartamento, até o som de sua
voz é suave, porém rouco.
— Philiph, eu preciso perguntar. — tive coragem. — Por que você veio
aqui? — me olhou fixamente por um tempo, depois andou pelo cômodo
pensativo, enquanto eu o observava atentamente.
— Porque eu me senti sozinho. — me encarou e eu o olhei boquiaberta.
— Veio aqui porque está solitário? — me irritei.
— Sim. — passei as mãos pelo meu rosto para digerir sua sinceridade.
— Eu só não te ponho para fora daqui em respeito àquela criança. —
apontei em direção ao quarto, enquanto ele caminhava em minha direção.
— Você não entendeu. — o timbre de sua voz me tira toda e qualquer
força para reagir, segurou minhas mãos firmemente na altura de seu peito.
— O que eu não entendi, Philiph? — falei firme.
— A verdade. — fez uma pausa. — É que eu me sinto sozinho sem você.
— senti seus lábios roçaram contra os meus. — Nada mais me preenche
desde que eu te conheci. — senti meu coração acelerar, minhas pernas estão
bambas, não consigo esboçar nenhuma reação, fechei os olhos com certa
força tentando não observar seu lindo rosto e nem ouvir suas palavras, como
se isso fosse possível.
— Philiph, nós já discutimos por isso. — abri meus olhos para olhá-lo.
— Não, nós falamos de minhas dúvidas. — segurou meus cabelos
penteando-os com os dedos para trás, sua presença exerce um grande poder
sobre mim, não consigo me afastar de seu corpo.
— Mas eu estou aqui para lhe falar da única certeza que eu tenho agora e
não importa se te conheço a pouco tempo. — mordiscou meu lábio inferior,
senti meu corpo estremecer e um calor subir pela minha pele, inundando-me.
— Que certeza é essa? — segurei seu rosto com as duas mãos, enquanto
ele encostava sua testa na minha, nossos olhares se perderam um no outro. —
Diz Philiph. — insisti, praticamente rendida a ele.
— A única certeza que eu tenho. — suspirou. — É que quero você pra
mim. — ao ouvir isso pensei que quisesse se aproveitar mais uma vez do meu
corpo, e me esquivei de seus braços, mas logo senti suas mãos me puxarem
de volta, colando nossos corpos.
— Mary, olha pra mim. — ergui a cabeça. — Eu não sou homem para
brincar com os sentimentos de ninguém. — passou as mãos carinhosamente
por meu rosto, inclinei o mesmo lateralmente para sentir seus toques de
forma mais intensa.
— Não consigo mais viver sem você. — me lembrei da visita de meu pai
e me soltei de seus braços ficando de costas para ele.
— Philiph, eu não posso, você é meu cliente, é antiético.
— Pode sim, basta querer. — me abraçou por trás. — Como eu te quero.
— sussurrou em meu ouvido. — Te quero tanto. — aos poucos me virei
ficando de frente para ele.
— Eu também te quero. — sorriu lindamente para mim. — Mas eu não
posso, Philiph, você ainda ama a Kate.
— Está enganada. — fui efusivo, entrelaçou sua mão direita em meus
cabelos e com a outra segurou minha cintura. — Aquilo não era amor. —
engoli seco.
— Como você sabe que não era amor? — seus olhos brilham para mim.
— Eu soube no exato momento em que você me deixou sozinho naquela
casa. — minha respiração findou por uns segundos.
— Você disse que eu era um bom homem, deixa eu te mostrar isso. —
pediu, nossos rostos se aproximaram sensualmente e senti sua língua adentrar
minha boca, meu orgulho caiu por terra nesse momento, eu realmente estou
entregue a ele, mesmo sabendo que posso me machucar mais uma vez.
O beijo foi ganhando intensidade, ele puxa com certa pressão meus
cabelos, enquanto arranho sua nuca no ímpeto do desejo que me invade. O
calor que senti a minutos atrás só aumenta, ele mexe demais comigo. Nossas
línguas colidem num ritmo excitante me deixando arrepiada, sinto que ele me
beija de um modo diferente, com carinho e ao mesmo tempo, de forma
avassaladora. Suas mãos apertam meu corpo contra o seu como se estivesse
com medo de me perder.
— Papai. — nos apartamos rapidamente do beijo quando ouvimos a voz
de sua filha a lhe chamar.
Capítulo 12

— Papai. — me assustei ao ouvir a voz de minha filha a chamar por mim.


Rapidamente me apartei dos braços de Mary, com certeza a Luanna
presenciou o beijo. Fiquei um pouco aéreo com a situação ao vê-la parada
atrás de nós, deve ter acordado assustada nesta casa que ela não conhece.
— Filha, o que houve? — me aproximei dela, que ainda está sonolenta e
em uma das mãos está sua boneca ruiva preferida. Minha filha esfrega os
olhos com os dedos das mãozinhas pequenas para enxergar melhor, me
ajoelhei para ficar à sua altura e segurei em seus braços, mas a mesma não
tira os olhos da Madame, a olha compenetradamente esboçando um tímido
sorriso sem mostrar os dentes, o que realmente me deixou sem entender nada.
— Lu. — chamei-a novamente.
— Por que estamos aqui, papai? — perguntou-me com sua doce voz.
— Meu amor, você se lembra... — não consegui terminar a frase, pois ela
interveio.
— É a moça que esteve no jantar na nossa casa. — Mary e eu nos
olhamos e minha filha se esquivou de meus braços se aproximando dela, em
seguida a chamou, a doutora então, vagarosamente se abaixou e minha filha
sussurrou alguma coisa em seu ouvido que eu não pude ouvir, mas notei um
lindo sorriso no lábios da bela mulher.
— Você é muito linda sabia? — a doutora fez o elogio de uma forma
meiga.
— Senta aqui. — disse acomodando-se no sofá, minha filha sentou, logo
em seguida, eu me coloquei ao lado dela, deixando-a no meio de nós. Suas
pernas pequenas não alcançam o chão e ela balança os pés com as pantufas
de ursinhos.
— Está com fome? — indagou a Madame.
— Não. — respondeu triste. As duas se olharam, e os cabelos de minha
menina foram acariciados pelas mãos de Mary.
— Não é hora de uma criança linda como você estar acordada. —
afirmou serena.
— Ela tem razão filha, você tem aula hoje. — completei a fala da médica,
já passava da meia noite.
— Perdi o sono, sonhei com a mamãe indo embora. Ela foi embora não é,
papai? — senti uma pontada aguda no peito, como vou explicar a ela que me
separei de Kate, apesar dela saber que isso acontece, percebia o clima em
nossa casa e por diversas vezes perguntou se eu iria me separar da mãe dela,
Luanna é muito madura para uma criança de sete anos.
— Meu amor, eu prometo que vou conversar com você, mas agora
obedeça ao papai — ela assentiu positivamente com a cabeça.
— Eu queria a Aline agora, ela me conta histórias pra dormir, vamos pra
casa. — suspirei, resolvi dar a noite de folga para a babá, é tão difícil ser pai.
Como médico, meu tempo é curto e já perdi muitos momentos bons com
minha filha, trabalho muito para lhe dar conforto, mas talvez eu falhe com o
principal e por mais que eu me esforce, a presença de uma mãe faz muita
falta.
— Eu sei contar histórias. — brincou a Madame com um sorriso
descontraído.
— Posso dormir com você. — os olhinhos de Luanna brilharam ao ouvir
e resolveu fazer logo o pedido.
— Minha filha, não viemos incomodar, assim você atrapalha o sono dela.
— a repreendi, Mary me olha pensativa, bastante enigmática.
— Claro que pode. — ela concordou, para minha surpresa.
— Obrigada. — a euforia da minha menininha é evidente, Kate jamais
permitiria isso, nossa filha dormir conosco.
— Não quero atrapalhar. — intervi, sei que negar algo a uma criança na
frente do pai pode ser constrangedor.
— Tudo bem, Philiph, não tem problema. — nos olhamos ternamente
antes que elas pudessem subir, eu fiquei no quarto de hóspedes no andar de
baixo, apenas pensando no beijo que dei em Mary antes de minha filha
aparecer.
Acomodei a garotinha em minha cama e fiquei ao seu lado, estamos
deitadas uma de frente para a outra. Nunca tive paciência com crianças,
nunca desejei filhos e não sei lidar com seres tão pequenos e travessos, as
vezes até rebeldes e irritantes, mas a meiguice desta menina me encanta e
mexe muito comigo, esse olhar que ela lança sobre mim é bondoso e puro,
são os mesmos olhos lindos do pai dela.
— Você gosta do meu pai? — sei que meu rosto corou instantaneamente
com a pergunta, o que digo a esta menina?
— O seu pai é um homem muito legal. — tento me esquivar da verdade,
pois nem mesmo eu sei em que rumo está minha vida e não costumo me
apegar a alguém, não entendo desse tipo de amor, a única vez que busquei
entender, eu me feri. — Ele é um grande amigo. — ela me olha séria.
— Eu já entendo essas coisas, eu vi vocês se beijando, não sou mais
criança. — ri baixinho com vergonha de mim mesma, é complicado explicar
coisas de adulto para uma jovenzinha como ela. Respirei profundamente até
encontrar a saída de onde ela me encurralou.
— Luanna. — mencionei seu nome suave.
— Há coisas que são difíceis de te explicar agora, mas quero que entenda
que gosto do seu pai, mas não somos mais do que amigos. — estou confusa
com o beijo, com a visita de meu pai, tudo isso está desviando meu foco do
verdadeiro sentido de minha vinda para Seattle. Nada pode atrapalhar meus
planos, por mais que o preço seja acorrentar meus sentimentos mais uma vez
e engavetá-los, sou mulher de desfrutar dos homens que quero a hora que
bem entendo, sem compromisso.
— Que tipo de histórias sua mãe conta para você? — mudei de assunto
assim que senti que sua face estava entristecendo.
— Ela nunca me contou histórias. — falou com a inocência de criança. —
E nunca me deixou deitar assim com ela. — a boneca de cabelos ruivos é
apertada contra seu corpo, mas sei que é ela quem necessita ser protegida e
abraçada.
— Sua mãe contava histórias pra você? — questionou-me passando sua
mãozinha em meu rosto.
— Não, eu não convivi com a minha mãe. — falei com pesar e meus
olhos marejaram.
— Mas eu sei uma história. — sorri ao dizer. — Quer ouvir? — esperei
pela reposta.
— Quero. — um sorriso esplêndido brotou em seus lábios e meu coração
estranhamente pulsou junto com ela. Deitei na cama ajeitando meu corpo.
— Deita aqui. — ela se aconchegou em meus braços e abraçou minha
cintura. Passei a mão por seus belos cabelos loiros e por um minuto, tentei
recordar a única história que ouvi quando criança e não foi de meu pai ou
minha avó e sim, dos lábios de uma das empregadas da casa que sempre me
via pelos cantos de forma muito solitária.
— Era uma vez. — iniciei a narrativa, ela estava atenta, silenciosa, sua
mão acariciava meu braço que estava entrelaçado ao dela. — Uma princesa
linda chamada Lis, que ganhou uma estrela de presente no dia de seu
aniversário, então, todas as noites, quando ela estava longe do seu amado, o
príncipe Atos, ela olhava para sua estrela no céu e sabia que não estava
sozinha, pois mesmo longe ele estava com ela, em pensamento. Um dia, Atos
desapareceu. A princesa sofreu muito e vendo tamanha dor, um mago deu a
ela uma chance de procurar por ele, a enviou até às constelações para que
através de sua estrela brilhante, ela pudesse ver onde ele estava. — a menina
permanecia concentrada, então prossegui. — Ela passou pela casa do Sol,
brincou com raios luminosos e com o filho do sol, o dia, mas eles não sabiam
onde o príncipe estava, logo, o Sol decidiu enviar a Lis para a casa de sua
velha amiga, Lua. Porém, ela e sua filha, a noite, disserem ter visto o príncipe
visitando outros planetas... — fiquei durante um bom tempo contando a
história, até perceber que a menina havia entrado em um sono muito
profundo.
Meu único pensamento é em como deixei as coisas chegarem a esse
ponto. Tem uma criança dormindo em meus braços e um homem dormindo
no quarto de hóspedes pelo qual tenho nutrido algo que eu não sei explicar e
talvez nem queira agora. Depois das coisas que me disse um turbilhão de
pensamentos me invadiu, preciso conversar seriamente com ele, mas a priori,
tenho que colocar meu trabalho em primeiro lugar.
Assim que acordei, avistei Philiph sentado na poltrona perto da minha
cama, estava com um sorriso bobo nos lábios e acabei sorrindo também, nos
encaramos de uma maneira diferente, ele parece ter mais de mil coisas
passando em sua cabeça agora. A criança ainda estava abraçada comigo. A
acordei com muito cuidado e quando abriu os olhos, tratou logo de perguntar.
— E a princesa Lis, ela encontrou o Atos? — ri descontraída, ela lembrou
da história.
— Eu prometo que termino de contar, mas não agora, seu pai vai te levar
para a escola. — Philiph e a filha tomaram café comigo, uma experiência
gostosa para ser franca, me senti até como se estivesse em uma família, nunca
tive a presença de meus pais juntos à mesa e passava maior parte do tempo
sendo criada por babas alemãs extremamente rígidas.
Tudo para mim sempre foi muito inflexível, então, ouvir suas risadas logo
cedo, trazem—me uma sensação bastante diferente de tudo o que já
experimentei na vida. Após o café, nos despedimos e Philiph levou a filha
para o colégio, combinamos de conversar sobre uns detalhes importantes do
caso que não podiam passar despercebidos antes da grande noite do baile de
máscaras. Segui direto para o hospital assim que eles saíram, me preparo para
uma cirurgia que me tomará o dia inteiro.
Uma paciente espera por mim, preciso ressecar um tumor que já está
pressionando seu nervo óptico. Entrei na sala de cirurgia e deixei os
problemas externos do lado de fora, só o que importa agora é esta vida que se
confiou a mim. As horas se passam que nem percebemos, quando nos damos
conta, já se foi o dia inteiro.
Estou literalmente exausta por causa da cirurgia, os poucos minutos que
consegui cochilar na sala de sobreaviso não pagam as dez horas que fiquei
com as mãos no crânio da minha paciente, a medicina é um sacerdócio e
ainda lidar com a investigação tem sido mortificante para mim, porém,
quando se ama as duas coisas é difícil ter que escolher por apenas uma.
Olhei meu relógio de pulso e vi que já são quase dezoito horas da tarde,
levantei e fui direto para o banho, preciso resolver muita coisa ainda.
Terminei de me arrumar e fui direto para a minha sala.
Já faz mais de quarenta minutos que estou a analisar uma conversa do
doutor Conrad através do ponto de escuta que coloquei embaixo de sua mesa.
Porém, é tudo muito emblemático, codificado e só vou ter certeza amanhã,
quando eu fizer uma surpresinha para ele. Porém, alguns trechos da conversa
me chamam atenção.
— Eu já disse que vamos entregar o dinheiro na semana que vem. — ele
fala com alguém pelo telefone, que com certeza não é Kate. — Avisa seu
chefe que eu vou conseguir as próteses sim, mas transportá-la s não vai ser
fácil e Kate não pode saber disso. — aposto que ele está envolvido com a
máfia das próteses.
Contudo já analisei todos o orçamento de matérias deste hospital e nada
encontrei, tem algo muito estranho acontecendo aqui. Logo em seguida, ele
desligou o telefone e fiquei a pensar no que eu poderia estar errando, que
detalhe passou despercebido por mim?
Antes de ir para casa, passei na sala de Philiph e pedi a ele que reunisse
toda a documentação de suas posses e de seu seguro de vida. Preciso de todos
os dados de seus contadores e de seus advogados.
A noite se fez presente, voltei para casa e descansei do dia exaustivo.
Quando acordei na manhã de sábado, imediatamente lembrei da tão esperada
noite, o baile de máscaras, levantei, tomei um banho e fiz minha higiene
pessoal.
Em seguida me deliciei com o café da manhã que pedi por telefone, pois
não tenho cozinheiras e só pessoas que veem limpar o apartamento alguns
dias da semana, passo mais tempo fora do que dentro de casa, por isso não
tenho empregados fixos. Fiz algumas ligações importantes e convidei alguns
amigos para irem à festa, precisarei de uma ajudinha extra para um certo
interrogatório.
Quando percebi que já havia feito tudo o que precisava e que pelo horário
tinha que me arrumar, fui direto tomar uma ducha bem relaxante. Entrei no
box, liguei o chuveiro e deixei a água morna percorrer meu corpo, o sabonete
líquido que passo em minha pele exala um cheiro delicioso de frutas cítricas
no ar.
Fechei um pouco os meus olhos lembrando-me de meus momentos com
Philiph, pois uma onda de calor me invadiu subitamente, encostei na parede
buscando apoio e permiti que a lembrança do dia em que me tirou a força dos
braços do Gogo Boy viessem em minha mente.
A cada detalhe que relembro, minha mão desce acariciando meu próprio
corpo, aperto meus seios quando penso que me fez enlouquecer de prazer
dentro do carro, devastando minha intimidade com sua língua firme e quente,
estava desesperado ao me sugar e gemia sentindo o meu gosto. Mas a cena
que me instiga a tocar meu sexo é aquela onde ele me invadiu num só ato em
cima do capô do carro.
A água morna se mistura à umidade entre minhas pernas à medida que
faço movimentos entorno de meu ponto de prazer lentamente, enquanto
aperto e puxo o bico rígido do meu seio. Os sons dos meus gemidos ecoam
pelo banheiro e a cada segundo que passa o ponto cheio de nervos entre
minhas pernas fica mais enrijecido e sensível, sinto meu corpo ficar sem
forças ao lembrar de sua voz rouca lascivamente me instigando.
Minha necessidade por Philiph já é aparente, quero sentir o prazer que ele
é capaz de proporcionar, tirando todas as minhas defesas, meu corpo
contradiz completamente as ordens de minha razão, ele deixou marcas em
meu corpo difíceis de sair, marcas de nosso sexo luxurioso. Nesse momento,
não consigo parar de pensar nele, preciso me aliviar antes que eu faça uma
besteira e acabe por procurá-lo.
Me penetrei com dois dedos e friccionei as pernas pelo tesão que
experimento, sinto os pelos do corpo se arrepiarem e minhas investidas são
rápidas, meus murmúrios se acentuam ensandecidamente e lembrar de sua
voz rouca é meu tormento sexual. Ao estimular meu ponto de clímax de
forma rápida, não me contive.
— Ohh. — gemi alto e deixei meu líquido quente escorrer pelas coxas.
Fiquei durantes uns minutos extasiada com a sensação, ainda mexendo ao
redor de meu sexo, experimentando os espasmos deliciosos causados pelo
gozo. Minha respiração descompassada denuncia meu alívio em explodir de
prazer pensando nele.
Saí do banheiro ainda com as pernas fracas, hidratei e perfumei minha
pele por um bom tempo. Depois, vesti a lingerie de renda preta e coloquei o
vestido longo tomara que caia, é um lindo tecido vermelho de cetim, cujo
modelo do decote em "v" realça maravilhosamente meu busto.
A abertura lateral em minha perna esquerda é bastante sexy e por fim,
optei por um scarpin vermelho, minha máscara é dourada e remonta os
tempos dos bailes nos palácios. Optei por uma maquiagem que iluminasse o
meu rosto, cores claras, porém com bastante brilho, na boca decidi usar um
batom vermelho bordô matte.
Paguei o presente que Senhor S deixou para mim quando reformou esta
cobertura e ajeitei em meu corpo num lugar estratégico. Numa bolsa de mão,
da mesma cor da máscara, coloquei um dos objetos da caixa junto com
alguns pertences, tomei a chave do carro em mãos e segui para a festa. Em
poucos minutos já estava a caminho do baile de máscaras.
Ao chegar, estacionei meu carro em frente ao clube, desci do mesmo, um
manobrista rapidamente veio ao meu encontro para levar o veículo para um
local apropriado. Caminhei em direção à portaria principal e logo avistei
Leticia, está lindíssima em seu belo vestido preto longo, nas mãos carrega
uma máscara prateada. Me aproximei dela que sorriu maliciosamente para
mim.
— Meu Deus, está vestida para matar. Apresento à sociedade carioca, a
dama de vermelho — falou me encarando de cima a baixo.
— Você não está diferente. — a cumprimentei com beijos na bochecha.
— Leticia, eu não esqueci o que você fez, vai me pagar. — lembrei do dia
em que deixou Philiph me tirar dos braços do dançarino.
— Eu te fiz um favor, deveria me agradecer e eu sei que você gostou,
caso contrário já tinha me matado. — sorrimos de seu comentário, na verdade
ela tem toda a razão. Seguimos para a recepção e verificamos nossos nomes
na lista, Kate já tinha reservado dois convites especiais para nós,
confirmamos e em seguida, nos direcionamos para o local da festa. Todos os
olhares são direcionados para nós, nossos trajes de requinte e sensualidade
chamam muita atenção. Por todos os lados há pessoas extremamente
elegantes, o lugar está perfumado com as fragrâncias caras usadas pelas
mesmas. A festa ocorre em uma área reservada ao redor de uma piscina
maravilhosa, dentro dela há algumas bolas vermelhas com lâmpadas de LED
e arranjos com velas.
Há também, inúmeras mesas decoradas cuja maioria está ocupada com os
mais prováveis tipos de milionários e pessoas influentes na política. Uma
mesa no canto está repleta de iguarias exóticas e os garçons passam
distribuindo as bebidas, os convidados interagem na pista de dança, onde a
música deixa o ambiente espetacular.
É inegável o bom gosto de Kate e Philiph. Peguei uma taça de champanhe
e comecei a caminhar lentamente pela festa ao lado de minha melhor amiga, é
difícil identificar algumas pessoas por causa das máscaras, mas uma em
especial me chamou atenção, era tudo o que eu queria.
— Leticia, é ele. — indiquei movimentando a cabeça, Conrad tirou a
máscara por um instante e vi quando Leticia mordeu o lábio inferior.
— É um homem muito interessante. — percebi sua malícia. — Você sabe
exatamente o que tem que fazer. — assentiu ao entender o recado. — Claro
que sei, vou usar todo o meu charme. — rimos discretamente.
— Quando eu estiver pronta vou te chamar pelo ponto de escuta. —
olhamos uma para a outra e ela sem pestanejar, andou em direção a ele.
Enquanto ela trabalha de um lado, eu tomo a bebida doce e observo a
movimentação. Percebo os olhares para mim e isso me deixa em êxtase adoro
sentir—me desejada. Girei meu olhar pelo ambiente e senti uma mão apertar
minha cintura. Dei um pequeno sobressalto.
— Ainda continua sentindo os mesmos arrepios. — um sorriso largo
surgiu em meus lábio ou ouvir a voz familiar.
— Que saudade de você, Walter. — a ajuda de que preciso chegou. —
Como sabia que era eu? — sorri o abraçando.
— Não há nenhuma outra mulher com um corpo maravilhoso e que se
vista assim. — deu uma pausa.
— Assim como? — questionei provocante.
— Assim, para me fazer perder a cabeça. — passou a língua delineando o
lábio de maneira excitante. Walter trabalha para o meu pai desde que eu
comecei, tivemos nossas loucuras juntos.
— O que acha de nós dançarmos antes de resolver aquele probleminha.
— ele sempre foi muito charmoso e resistir a qualquer um de seus pedidos
sempre foi difícil.
— E adianta dizer não. — passei a mão por seu peitoral.
— Você sabe que não consegue resistir a mim. — falou sussurrando
contra meus lábios.
— Eu mudei muito sabia? — tirei minha máscara por um estante e
também retirei a sua. — Estou mais exigente. — falei baixinho em seu
ouvido.
— Eu sei que cumpro todas as exigências, ainda lembro perfeitamente do
gosto do teu corpo. — assoprou em minha orelha e senti um leve encharcar
em minhas partes íntimas. De repente, ouvi uma música interessante.
— Vem, vamos dançar. — colocamos as nossas máscaras e o puxei pelo
braço, fomos para o meio da pista de dança, que está repleta no momento. A
música é bastante sensual e a batida eletrônica nos deixa alucinados à medida
em que o gelo seco começa a se espalhar, juntamente com os flashes de luz
branca do strobo, nos impedindo um pouco de ver com nitidez as outras
pessoas à nossa volta, tudo está em câmera lenta.
Walter e eu iniciamos uma dança deliciosa, nossas mãos percorrem
trajetos insinuantes, mas estou focada no meu trabalho, ansiosa para receber o
chamado de Leticia. Às vezes, ao girar meu corpo na pista tive a impressão
de ver Philiph olhando para mim, bobagem da minha cabeça, é impossível
ver quem é quem neste ambiente.
— Não foge de mim, deixa eu beijar tua boca. — sussurrou em meu
ouvido, a música está muito alta e atrapalha um pouco a comunicação.
— Walter. — o repreendi. — Se concentra no que viemos fazer. — sem
que eu pudesse reagir, ele me beijou, não consegui terminar a frase.
Instintivamente o retribuí por uns segundos, porém, nos apartamos do beijo
quando senti um esbarrão forte que me fez cambalear.
— Ei, preste atenção. — esbravejei tentando ver quem era, mas o vulto se
camuflou no gelo seco.
— Calma, é difícil mesmo ver com tudo isso. — ia ser beijada mais uma
vez quando ouvi a voz de Leticia a me chamar pelo ponto, entendi seu
código.
— Chegou a hora. — saímos da pista de dança e ele comunicou os
demais agentes que estavam espalhados pela festa. Seguimos em direção a
uma área afastada e sorrateiramente, como gatos, nos aproximamos do local
indicado por ela, eles estavam se beijando, Leticia é capaz de seduzir
qualquer homem com seus belos e cumpridos cabelos loiros e seus exatos um
metro e setenta.
Conrad estava de costas para nós o que não dificultou a ação, quando suas
bocas se afastaram, desferi um golpe sobre sua nuca que o deixou
inconsciente de imediato. Seu corpo caiu no chão e meus homens o levaram
para um lugar escuro, o vendaram, algemaram e amordaçaram e esperamos
alguns minutos até ele acordar. Ele não pode reconhecer a minha voz, por
isso Walter fará as honras.
— Acorda bela adormecida. — sem delicadeza nenhuma ele levou vários
tapas fortes no rosto para acordar. Ao voltar a si ele começou a se debater
desesperadamente.
— É melhor você ficar quietinho, para o seu próprio bem. — o timbre de
voz de Walter amedronta qualquer um. Eu permaneço calada ao lado de
Leticia e dois de meus homens vigiam nosso cerco. Conrad está prestes a
passar por uma tortura psicológica e física caso não queira nos ajudar, nossos
métodos não são muito ortodoxos, entretanto, são eficazes. Espero que ele
colabore com esta investigação.
— Eu vou retirar a mordaça, mas se gemer eu arranco suas vísceras com
você ainda vivo, entendeu? — disse Walter com a voz que mais parece a
morte, ao fazer sinal com a cabeça de que compreendeu o recado, a mordaça
começou a ser retirada vagarosamente. Estou em frisson, os jogos vão
começar.
Capítulo 13

— Ótimo, presta atenção que eu só vou falar uma vez. — advertiu Walter
grosseiramente. — O que a Kate está planejando contra o doutor Philiph? —
o homem permanecia calado. Walter retirou sua arma e passou o cano da
mesma pela garganta de Conrad. — É melhor você cooperar, porque eu sei
que você é um ladrãozinho de merda assim como ela. — falou grosso.
— Eu não sei de nada! — falou assustado e trêmulo, não pode se mexer,
pois está amarrado, e nem enxergar por causa da venda.
— Ah, não sabe? — riu pressionando a arma contra o membro do
homem.
— Não, por favor, não faz isso, eu nem sei do que você está falando. —
um tapa foi desferido contra sua face.
— Seu otário de merda. — eu observo a cena ao lado de Leticia, ela sorri
maléfica, adora esses​ tipos​ de interrogatórios.
— Tragam o saco preto. — ordenou Walter, Conrad começou a se
debater e tentava a todo custo se soltar. — Você tem uma opção, apenas. —
Walter puxou violentamente o cabelo do homem. — Me contar o que você
sabe sem esconder nada ou eu posso acabar com seu esquema de tráfico de
próteses hospitalares. Imagina só, chamar os federais, estampar essa tua cara
de bosta na tv, ainda por cima corno, ou você acha que a sua doce Kate só
tem você. — Conrad estava aterrorizado.
— Eu não sei de nada. — perdendo a paciência, o saco preto foi posto em
sua cabeça, a imagem é agonizante, seu corpo se contrai inteiro em busca de
ar e escuto seus gritos abafados. Alguns segundos depois, o saco foi retirado,
ele inspirou o ar desesperadamente. — Para, por favor. — falou ofegante, eu
já percebia o nervosismo de Walter, e os demais homens conosco faziam a
guarda do local.
— Acho que vou fazer um visitinha à dona Paula, sua querida mãe. —
disse Walter de forma amedrontadora.
— Socorro. — novamente o saco foi colocado, mas dessa vez por mais
tempo.
— Vai falar agora, filho da puta? — o instrumento de tortura foi retirado,
Conrad já está sem forças, se continuar se recusando, a tortura pode ser
maior. Odeio ameaças, mas é o único jeito.
— Que tal eu visitar sua irmã em e sua sobrinha!— ajoelhei perto Walter
e mostrei-lhe a hora apontando o dedo na tela do celular. — O seu tempo está
se esgotando e a minha paciência também, pela segurança e bem estar
daqueles que você ama, fala agora! — o saco ia ser posto novamente quando
o homem protestou.
— Eu falo, mas pelo amor de Deus, não faz mal pra minha família. —
nos olhamos satisfeitos.
— Excelente decisão, Conrad. — exclamou Walter, o homem hesitou um
pouco, mas começou o discurso.
— Kate quer o seguro de vida do Philiph, vale muito, milhões. Ela tem
uma procuração que ele assinou sem ler pensando que era coisas da escola da
menina. — pausou.
— Continua. — ordenou Walter. — Ela está esperando alguma
oportunidade, eu não sei, tem alguma coisa haver com um cassino, mas ela
não sabe que eu sei. Juro que só sei disso, eu juro. — nos olhamos mais uma
vez e assentimos positivamente.
— Onde está essa procuração? — ele engoliu seco e não falou. — Você
tem cinco segundos para me dizer. — fazíamos sinal para isso acabar logo.
— Quer ir pro saco de novo? — insistiu ao questioná-lo.
— No cofre, no banco, ela vai pegar o dinheiro e transferir para uma
conta nas ilhas Cayman. — senti raiva instantaneamente, aquela víbora
maldita está armando um golpe dos grandes, ela não é amadora.
— Você cooperou bastante, mas ainda vou exigir mais de você. — Walter
colocou um pequeno celular no bolso do terno de Conrad. — Ouça com
muita atenção, você vai ligar pra mim deste telefone que eu coloquei no seu
bolso, aperte o um, é o número de atalho. Você vai se virar e descobrir em
que banco está a procuração, você tem dois dias para fazer isso, e mais, não
tente me enganar, eu sei de cada passo seu todos os dias, sei os lugares que
frequenta e com quem fala, sei onde você mora, eu sei até a hora que você
levanta pra urinar de madrugada. Tenho olhos em todo lugar, então, não faça
nenhuma burrada ou você e sua belíssima família sofrerão as consequências.
— mostrei a hora mais uma vez. — Nossa brincadeirinha acabou, que pena!
Você vai ir embora, a festa já era pra você, se der bandeira eu acabo com a
tua raça. — Conrad, ainda amarrado e vendado, foi levado por nossos
homens até um banheiro masculino longe de onde estávamos e mais próximo
da festa, e lá foi deixado com ordens de sair apenas quando recebesse uma
ligação pelo telefone. Esperamos uns dez minutos para voltar para baile.
— Essas intimidações me deixam eufórica. — Walter e eu rimos da fala
de Leticia. — Você é uma maníaca por tortura. — falei irônica.
— Você pode me torturar o quanto quiser, eu deixo. — ele falou safado.
— andávamos por um lado diferente de onde havíamos abordado Conrad, um
ambiente próximo a duas piscinas olímpicas.
— Você é um tarado, Walter, me trocou muito fácil por ela. — ele riu.
— As duas podem me torturar, vou adorar sofrer nas mãos de vocês. —
rimos os três. — Olha, eu quero curtir a festa, me deem licença, podem
continuar com seus joguinhos sexuais. — ela falou maliciosa.
— Vai Leticia, depois te encontro na festa. — ela concordou e saiu em
direção à música que tocava, nos deixando a sós.
— Finalmente, estava louco pra ficar sozinho com você. Toda essa
agitação não me deixou terminar de fazer isso. — me puxou e me beijou sem
eu ter tempo de me esquivar, seu beijo é gostoso, ele é muito atraente. É
difícil resistir a ele, entrelacei meus braços entorno de seu pescoço e
intensifiquei o beijo.
— Espera. — me afastei dele.
— Vamos pra festa. — falei caindo na real, ele me olhou pervertido.
— Você é gostosa. — ri divertida.
— Tudo bem, vamos dançar. — ele convidou estendendo a mão.
— Claro, só preciso fazer uma ligação, vai indo que depois te encontro lá.
— ele assentiu e me deixou sozinha. Caminhei em direção a um banheiro
feminino, precisava retocar o batom e ligar para Dimitriev.
Quando ia abrir a porta do banheiro, senti meu braço esquerdo ser puxado
firmemente e minha boca ser tampada com certa pressão. Em frações de
segundos, uma descarga de adrenalina foi liberada em meu sangue,
preparando meu corpo para lutar ou fugir.
Tento me debater freneticamente, ainda segurando minha bolsa de mão,
afim de me desvencilhar das mãos fortes que me prendem, mas em vão, a tal
pessoa é muito mais forte do que eu e não consigo ver seu rosto, pois me
arrasta, enquanto estou de costas para ela.
Preciso controlar esse princípio de desespero que fervilha meu corpo e
agir com autocontrole, já passei por situações semelhantes e até piores.
Com o salto do meu scarpin, pisei com toda força que tenho no pé de meu
dominador e ouvi um horrível grunhido de dor agonizante, seus braços
fraquejaram e o empurrei, corri poucos metros até uma área menos isolada,
tentei além de correr, pegar algo que trouxe comigo e inclinei meu corpo para
tal, porém, fui impedida antes que pudesse clamar por socorro, o sequestrador
me puxou pela cintura e no ímpeto, desferi um golpe com meu cotovelo em
seu estômago, o fazendo gemer de dor novamente, mas nem isso o deteve.
Estou sendo levada para uma área muito escura do clube, ninguém vai me
ouvir, pois o local da festa é oposta a este. Com esforço, consegui afastar sua
mão de minha boca, meus lábios doem pela força que é exercida sobre eles,
tentei gemer por ajuda, mas todas as minhas tentativas são frustradas.
— Shi. — falou efusivamente próximo ao meu ouvido, um gelo afugenta
meu estômago, nego para mim mesma o pavor que infelizmente me atinge.
De repente, meu corpo foi pressionado contra alguma superfície rígida e
ouvi o barulho do destravamento de uma porta eletrônica, provavelmente é
aquelas que necessitam de um cartão magnético. Fui empurrada para dentro
de um ambiente escuro, não consigo enxergar nada, apenas ouvi a porta por
trás de mim ser fechada bruscamente.
Não me movi com medo de esbarrar em alguma coisa ou me machucar,
quando fiz menção de me virar e tatear algo para conseguir apoio, senti mãos
fortes segurarem meus ombros, no reflexo, quis usar um dos golpes que
aprendi em artes marciais, porém, fui encurralada contra a parede, o
indivíduo girou meu corpo e fiquei de frente para ele, minha mascara foi
arrancada, e finalmente a luz foi acesa, tentei ver quem era, mas antes que eu
pudesse, ele afundou seu rosto em meu pescoço, senti sua boca se mover
contra a minha pele até meu ouvido, então, falou mais uma vez.
— Como ousa beijar outro homem na minha festa? — perguntou firme.
Uma sensação de alívio e ira pairou sobre mim quando reconheci a voz.
— Philiph! — exclamei com os nervos à flor da pele — Ficou louco? O
que você está pensando? — puxei seus cabelos fazendo ele olhar para mim e
retirei sua máscara. Sinto minhas pernas bambas pelo susto. Philiph me
trouxe para um quarto de descanso da área do Spa, estive num desses com
Leticia uma vez, no dia do meu aniversário.
— O que ele é seu? — insistiu ríspido apertando meus braços. — ri
ironicamente de sua fala.
— Você acha mesmo que eu lhe devo esse tipo de explicação? —
questionei tentando me afastar dele.
— Eu vi ele passando a mão em você, se aproveitando. — ele me
pressiona tanto contra a parede que mal consigo respirar, segurou minhas
bochechas e falou tão próximo de mim que senti seu hálito de champanhe. —
Você adora fazer esse jogo comigo, não é? — me encurralou ainda mais. —
Se oferecendo para qualquer um. — posso notar sua ira só pelo olhar, o
mesmo está com os micro vasos dilatados, contrastando o vermelho do
sangue com seus olhos azuis. — Você queria transar com ele depois da festa?
Mesmo depois de tudo o que eu te disse? — seu rosto está rubro como o meu
vestido.
— O corpo é meu, doutor, já sou bem crescidinha. — minhas palavras
saem falhadas pela falta de ar, porém, ele se calou ao me ouvir. — Philiph,
me deixa sair daqui, minha amiga está lá fora, vai sentir minha falta. — tento
empurrar seus braços, mas seu perfume está me inebriando, tirando minha
concentração.
— Eu não admito que você seja tocada por outro homem. — falou
maliciosamente, suas mãos desceram acariciando minha silhueta e seus dedos
afundaram em minha pele.
— Ah. — protestei pela força que exerceu ao me apertar, e suas mãos
continuam delineando meu corpo, parece que estou sob efeito do "cheiro dos
hormônios" que ele exala, como uma toxina me levando à loucura.
— O que é isso? — disse quando sua mão desceu por minha perna
esquerda, encontrando o que eu estava escondendo. Por uma distração de
Philiph, consegui me livrar de seu aprisionamento e corri pelo cômodo, mas
ele logo me alcançou. — O que você está escondendo? — perguntou ao me
jogar na cama.
— Philiph, me solta agora ou eu vou gritar. — falei nervosa.
— Pode gritar, daqui ninguém vai te ouvir. — falou rindo irônico. — O
que você tem aí? — lutamos um pouco, medindo forças e eu perdi, meus
pulsos foram dominados com apenas uma de suas mãos, na altura acima de
minha cabeça, e com a outra, puxou a barra de me vestido, o peso de seu
corpo sobre o meu me impede de mover um músculo sequer. Philiph me
encarou de maneira espantosa ao ver o que eu trazia comigo.
— Você está armada? — questionou-me sem acreditar ao ver meu coldre
de panturrilha, preso nele há uma pistola semiautomática austríaca, ele retirou
o coldre e jogou no chão. Com a descoberta, ele está boquiaberto e sem
perceber, aliviou a tensão de meus pulsos e me livrei, em seguida, entrelacei
minhas mãos envolta de seu pescoço, tentei uma estratégia para sair daquela
situação.
— Ele é meu ex noivo. — o provoquei chupando seu lábio inferior. Antes
que ele pudesse recuar, invadi sua boca num beijo avassalador, ele gemeu
gostosamente contra meus lábios e sua língua logo passeou por minha boca.
Enquanto nos beijávamos, passei minha mão direita sobre a cama em
busca de minha bolsa. Quando a encontrei, puxei Philiph pela nuca para que
ele pudesse beijar meu pescoço e com isso, desviar sua atenção, assim ele o
fez, detive meus olhares na bolsa, abri o fecho do botão de pressão e retirei de
dentro um par de algemas, as escondi embaixo do travesseiro.
Num impulso, nos virei e subi em cima dele, acariciei seu peitoral ao
mesmo tempo em que ele apertava minhas coxas, inclinei meu corpo para
beijar sua boca, quando ele me virou de maneira inesperada, dominando
meus braços mais uma vez, com apenas uma de suas mãos.
— O que temos aqui? — questionou sedutor, tirando as algemas que
tentei esconder. — Acha que eu nasci ontem? — balançou as algemas em
minha frente.
— Eu te explicou, mas sai de cima de mim, está me esmagando. — pedi
de forma serena.
— Tenho outros planos agora. — disse lascivamente. Meu braço
esquerdo foi preso com a algema na grade da cama mesmo com minha recusa
corporal.
— Não faz isso, para! — um nervosismo percorreu meu corpo.
— Eu quero você agora. — sua face repleta de luxúria não o deixa
enxergar mais nada. Vi quando desfez o nó de sua gravata e sem esperar
mais, prendeu minha outra mão com ela, me debater na cama não adiantou,
estou impedida de me defender. — Philiph, me tira daqui, por favor. —
supliquei. Estou totalmente submissa a ele. — Socorro. — gritei o mais alto
que pude. Ele se colocou entre minhas pernas e se aproximou de meu rosto.

— Até quando vai mentir pra mim? – indaguei segurando suas bochechas
com apenas uma mão, fazendo seus lábios formarem a vogal “o”. – Seu corpo
clama por mim. – meu dedo indicador que está apertando sua bochecha,
deslizou sobre seus lábios, contornando-os.
– Seus lábios silenciosamente imploram. – coloquei o dedo dentro de sua
boca, instantaneamente senti sua língua iniciar a sucção deliciosa, esbocei um
sorriso maroto. – Até seus pensamentos me pertencem. – seu olhar
modificou, me fita agora como se estivesse possuída pelo desejo. – Como não
te fazer minha? – questionei retirando o dedo da sua boca. Fiz o mesmo
deslizar sobre seu queixo, pescoço, colo, até chegar ao seu decote.
Ela se reservou ao direito de ficar calada, mas pelo que conheço dela, isso
é temporário. Intercalei meu olhar entre seus olhos verdes e o seu busto
avantajado, inclinei-me para baixo buscando um contato maior com sua pele,
mordisquei seu queixo, e em seguida seu pescoço, vi ela se contorcer e arfar
deliciosamente, a mesma tentou se debater, porém foi em vão.
— Me solta! – ordenou como se tivesse algum direito de mandar em mim
neste momento. – Isto é uma ordem! — sua voz soou séria o que me fez
sorrir divertido.
— Quer mesmo que eu te solte? – perguntei a olhando fixamente.
— Huhum. – murmurou após alguns longos segundos.
— Você precisa aprender a mentir, Madame. – sussurrei contra os seus
lábios sem beijá-la. – Porque a conheço muito bem. – segurei seu queixo com
o polegar.
— E sei que está completamente excitada. — suguei seu lábio
demonstrando meu domínio sobre ela. – Agora pare de ficar querendo
resistir. – introduzi minha língua dentro da sua boca sem ao menos pedir
permissão, em seguida retirei a mesma, quando ela fez menção de que iria
sugar. – Você não vai conseguir. – espalmei seus seios me fartando.
— É? – ela mordeu o lábio totalmente sexy, contornando o mesmo com a
língua. – Creio que não sejas homem o suficiente para me fazer delirar,
doutor. – disse altamente provocativa.
— Não me provoca. – falei sério o suficiente para que ela compreenda
que não estou brincando.
— Gosto de homem viril e imponente, do tipo que me faz gozar antes
mesmo de me penetrar. — ela me olha com certo desdém. — Capaz de me
fazer ter mais de dois orgasmos em uma única noite — falou sarcástica. —
Você sabe bem que não sou mulher de um homem só, conheço vários e tenho
qualquer um aos meus pés. — soltou um beijinho no ar, hoje seu humor está
irritante, ela sabe que assim está me atingindo. — Só preciso estalar os dedos,
e tenho o que eu quiser, a sabor dos meus interesses e reconheço quando um
homem só fala e nada faz. — revirou os olhos me deixando ensandecido de
raiva.
— Cala essa boca. – disse furioso e a beijei roubando toda sua sanidade,
fazendo nossas línguas se digladiarem nos deixando sem ar. O beijo foi
intenso e a força com que nossos lábios coordenam, certamente só me fez
ficar mais excitado. Quando o ar nos foi necessário, nos afastamos.
— O que vai fazer comigo se eu não calar? — respirou ofegante. — Só
estou falando a verdade. Não sabia que te doía escutar que não é homem
suficiente para me fazer gozar, Philiph. – seu tom de voz é totalmente
desafiador. O que me enraiveceu desanimadamente. Segurei seu vestido e
utilizando de um grau maior de força o rasguei, permitindo-me vislumbrar
sua pele sedosa e sua lingerie magnífica de cor preta. – Enlouqueceu? — sua
expressão de surpresa me deixou completamente encantado. – Como vou sair
daqui? – indagou tentando em vão se soltar, vê-la submissa é maravilhoso.
— Sair daqui? – com mais cuidado, retirei sua lingerie, ela tentou se
recusar, fechando as pernas, mas a dominei e retirei a minúscula calcinha que
escondia minha parte favorita, não rasguei o tecido, simplesmente para poder
apreciar detalhes de seu corpo.
— Acha mesmo que pretendo te deixar sair daqui? – sorri pervertido
mostrando meu verdadeiro interesse.
Assim que consegui deixá-la nua, apreciei silenciosamente cada parte do
seu corpo exposto para mim, aproveitei também para tirar seu scarpin. Meu
membro está totalmente enrijecido, seu olhar para mim é um mistério, mas
seu contentamento é um fato incontestável.
Lentamente comecei a retirar minha camisa desabotoando botão por
botão, seu olhar seguia cada movimento meu, ela moveu as pernas
demonstrando sua excitação com o que está vendo. Ela esticou sua perna na
medida que conseguia, e seu pé encostou em meu abdômen, aproveitou-se da
situação e acariciou o local, deslizando suavemente seu pé.
A posição era favorável à mim, pois me permitiu visualizar toda sua
intimidade. Deixei ela realizar a carícia que não posso negar, estou gostando,
desabotoei minha calça com um pouco de dificuldade, ela lentamente
deslizou sobre meu corpo e a joguei longe com o pé mesmo. Fiz o mesmo
trabalho com a cueca box.
— Não tem receio de alguém escutar? – sua voz soou maliciosa. Segurei
seu pé que estava acariciando meu corpo. – Posso fazer um escândalo. – sorri
malicioso, sei que ela não está blefando.
— Faça. – beijei seu pé, ela fechou os olhos, abaixei sua perna.
– Geme. – beijei sua panturrilha. – Mas geme muito alto. – beijei a parte
interna de sua coxa, instantaneamente, ela uniu suas pernas em volta do meu
pescoço buscando mais contato comigo, estou agora ajoelhado na cama
inclinado com os lábios quase encostando em sua intimidade. – Para que
todos fiquem sabendo que a grande Madame. – beijei por último seu sexo. –
Só delira de prazer com o seu homem. — ela soltou uma sonora e gostosa
gargalhada, não a olhei mais, concentrei toda minha atenção para sua
intimidade, passei a língua por toda sua extensão me deliciando, sentindo sua
umidade doce.
— Ahw. – ela gemeu baixinho quando a penetrei com a língua iniciando
uma série de movimento circulares dentro dela. – Ahw. – desta vez soou mais
alto o seu gemido, ela apertou minha cabeça com suas coxas. – Faz gostoso. –
ela ordenou, segurei suas pernas as afastando, aproveitei e as ergui deixando
assim um espaço maior. — Oooh. – gritou quando comecei a sugá-la com
força e desespero, fiquei​ um bom tempo dando este prazer à ela.
— O que pensa que está fazendo? – indagou séria e ofegante quando
parei de sugar sua intimidade, ficamos em silencio durante alguns segundos,
segurei seu rosto com apenas uma de minhas mãos, fazendo ela me olhar
fixamente.
— Essa noite você vai é minha. – minha voz soou séria e determinada,
ensandecido, a beijei, surpreendendo-a, pois por alguns instantes, ela ficou
sem reação, mais não demorou muito e senti seus lábios se moverem com
uma pressão fora do comum, nosso beijo ganhou mais intensidade.
Lentamente fui deixando que ela sentisse o meu peso até que fiquei
totalmente sobre o dela, nossos corpos se procuravam feito loucos, querendo
um se fundir ao outro. Parei bruscamente de beija-la fazendo nossos lábios
soarem um barulho, ela ficou me olhando sem entender.
— Quero te ver implorando por um beijo meu. — afirmei sugando em
seguida seu lábio inferior com voracidade.
— Você pode se arrepender, doutor. – disse controlando a sua respiração.
— Não vou me arrepender de ter você. – sorri sensualmente para ela.
— Sabe que vou me vingar, não é Philiph? – disse ofegante quando sentiu
que mordisquei seu queixo.
— Sou todo seu, minha querida, pode fazer o que quiser comigo. – a
observo, ela não tem ideia do quanto fica sexy com os lábios entreabertos
— Disso eu sempre soube. — falou convencida. Voltei a me aproximar
do seu corpo quente, mergulhando meu rosto em seu pescoço, distribuindo
chupões enlouquecedores. — Nenhum homem foi capaz de me deixar assim
como você está me deixando. — sorri satisfeito contra sua pele ao ouvir os
murmúrios.
–É? — perguntei passando minha mão por cima de sua intimidade
molhada. — E como eu te deixo? – questionei sedutor acariciando-a.
— Louca, completamente lou...ca — gaguejou quando sentiu meus dedos
se afundarem na sua pele sensível.
— Você me pertence, Mary. – seus olhos esbanjam luxúria, fiquei em pé
e seu corpo ficou embaixo do meu.
— Me solta. – pediu manhosa. Ela é irresistível, seu olhos sobre mim
parecem​ dizer muitas coisas, quero decifrar cada enigma por trás deles.
— Você vai se comportar? – ela assentiu que sim com um rosto safado. –
E se estiver mentindo? – perguntei descendo da cama.
— Não confia em mim? – a olhei e pensei por alguns segundos. – Hum?
– sem responder, lentamente comecei a desamarrá-la.
— Se trair minha confiança, sofrerás as consequências. – minha voz soou
bruta, mostrando minha liderança nesse nosso envolvimento.

Particularmente, ele está irresistível hoje, não tenho forças e nem quero
me desvencilhar de seus braços, ele me faz esquecer qualquer homem, aos
poucos, sinto que estou perdendo minha identidade, estou submissa, e nem
mesmo as inúmeras obrigações que tenho, tiram meus pensamentos, que
confesso, estão todos dominados por ele.
– Vira. – disse com um tom mandão, sorri e fiz o que ele me pediu. Senti
suas mãos acariciando minha bunda, mas logo após o carinho, senti um tapa
com força no mesmo local.
— Ahhh. — o local formigou por alguns instantes, e ele desferiu mais
alguns tapas. – Aarh. — eu gemia feito louca sem me preocupar se alguém
poderia estar nos ouvindo, mais neste local não há mais ninguém, todos
devem estar no baile. Philiph parou a sessão de tortura e começou a distribuir
beijos por minhas nádegas, me agradando de uma maneira descomunal.
— Animada? – indagou em meu ouvido, logo após, sugou minha nuca.
Rebolei em seu membro como resposta à sua pergunta.
– É todo seu. – disse puxando meus cabelos. Fiquei de joelhos na cama de
frente para ele.
–Então me pega agora, pega do jeito que você quiser. — ele puxou meus
cabelos e grudou nossos corpos, o fiz deitar na cama, sentei em sua barriga
passando as unhas em seu abdome.
– Mas agora quem manda sou eu. – disse em seu ouvido mordendo
levemente o local, subi minha mão emaranhando os fios de seus​ cabelos​,
continuo beijando seu pescoço e tento encaixar meu corpo no dele. Perdi-me
nas nossas caricias até que senti seus lábios beijarem os meus me roubando a
sanidade, ele faz isso com maestria.
— Philiph. – protestei mais uma vez, ele gemeu deliciosamente me
satisfazendo, segurei seu membro quente e nos encaixei por completo. –
Humm, você fica cada segundo mais gostoso. – falei manhosa ao senti-lo
entrar em mim vagarosamente.
Comecei a me movimentar, suas mãos firmavam meus seios, depois
desciam pela minha cintura apertando o local, me fazendo cavalgar cada
segundo mais depressa, apoiava-me em seu peitoral e observava sua face de
êxtase. Minutos se passaram, seu membro latejava dentro de mim e eu ouvia
seus gemidos deliciosos, então comecei a diminuir o ritmo para que ele não
se derramasse.
— Que mulher má, assim eu vou ser obrigado a castigar você. – sorri
mordendo meu lábio inferior.
– E o que você pretende fazer comigo? — ele sorriu perverso.
— Vou te foder gostoso. — e antes que eu pudesse protestar, ele nos
virou e me puxou, meu corpo foi jogado sobre o tapete felpudo do quarto do
Spa, sem me machucar. Tentei segurar com firmeza o tapete, estava pronta
pra ser dilacerada. Seus dedos passearam pelo meu ventre deixando-me​
completamente arrepiada. — Tão linda. — olhei tentando saber o que ele
fazia, com uma das mãos ele segurava seu membro ereto, com a outra, ele
afastava minha pernas, arfei o sentindo roçar a cabeça de seu membro em
meu clitóris freneticamente.
– Ooh. – gritei manhosa.
— Isso, geme mais. — ele enfiou a cabeça de seu membro e parou. —
Geme pra mim. — um tapa inesperado foi dado na minha coxa direita.
– Não me tortura, eu quero agora! – ordenei, e empinei meu quadril à
procura de mais contato, e ele tirou e colocou a ponta inúmeras vezes
tentando me provocar.
– Você quer ser minha? — resmunguei um "uhum" já impossibilitada de
raciocinar. — Então pede. — sussurrou no meu ouvido. — Mas pede, por
favor para mim.
– Por favor — ele se retirou. — Ahh. – gemi protestando.
– Por favor, o que? — senti quando seu membro se encaixou na minha
intimidade.
— Por favor, me faça sua. — disse desesperada e derrotada.
– Assim? — ele perguntou me rasgando por dentro, me preenchendo por
inteiro.
– Humm, isso. — grunhi satisfeita, seus movimentos começaram lentos,
como se quisesse me mostrar tudo que eu havia perdido durante essa semana
que se passou. — Isso, assim. — gemia e dizia palavras desconexas.
— Mais rápido, Philiph. — precisava senti-lo mais fundo, ele começou a
me penetrar lentamente para me ver implorar.
– Como você quiser, mas isso vai te custar caro, você só vai gozar quando
eu quiser. — mordi os lábios me contendo para não protestar, e então, ele
colocou as mãos uma de cada lado do meu quadril e enfim tomou um ritmo
frenético, nossas intimidades se chocavam e o meu corpo acompanhava seu
ritmo avassalador.
Seus dedos escorregaram para o meu clitóris e o acariciava, me deixando
ainda mais louca, se é que isso era possível. Entrelacei minhas pernas envolta
de sua cintura e puxei seu corpo para mais junto do meu.
— Philiph. — chamei por ele dengosa, meu corpo já ansiava pelo maior
prazer, minha pele queimava e nossos corpos suavam a cada investida. Olhei
para ele, está muito ofegante, sua pele demasiadamente vermelha.
— Gostosa. — passou a repetir insanamente. — Só minha. — segurou
forte meus cabelos. — De mais ninguém. — vi seus olhos revirarem, num
movimento rápido, saiu de dentro de mim e gemeu majestoso.
— Ahhh. — tremeu ao gozar em meu ventre, seu jato quente me
lambuzou, e sorri vendo sua satisfação, ele deu alguns apertões finais em seu
membro até derramar a última gota.
Passei meus dedos no local e os trouxe até a boca, lambi os mesmos
sentindo o gosto dele. Philiph desabou em cima de mim, aconchegando-se em
meu corpo sem deixar eu sentir tanto o seu peso, queria ficar abraçada com
ele, acariciando suas costas, seus cabelos.
– Ahw, como teu corpo é maravilhoso — declarou ainda deitado sobre
mim. — Agora eu vou cuidar de você. — o duplo sentido na sua voz me fez
tremer, fiquei olhando para ele, prendi minhas pernas em sua cintura mais
uma vez, impedindo que nossos​ corpos perdessem o contato, e ele balançou a
cabeça em sinal de negação e nos afastou.
– Philiph eu quero você. Agora! – protestei alto, eu queria levantar e fazer
o que eu tinha vontade com ele, mas antes que eu pudesse realizar meu desejo
ele chupou intensamente minha intimidade, como nunca havia feito antes. —
Oooh. — prendi o ar sentindo sua língua brincar na minha entrada. — Hum,
chupa gostoso vai. — falei manhosa, mordi os lábios tentando me controlar,
mas ele voltou a aumentar o ritmo em que me sugava, fazendo com que o nó
no meu ventre crescesse cada vez mais. — Ahh eu, eu vou. – tentei me
expressar, puxava seus cabelos e ao mesmo tempo o empurrava para ir mais
fundo com a língua.
–Vem, goza pra mim. – meu suor já escorria pelo rosto, e nada mais me
importava, puxei seus cabelos com intensidade, e segundos depois não
aguentei, gozei gloriosamente em sua boca.
— Philiph. — falei seu nome ao me libertar, ele gemia sugando meu
líquido, como se fosse um doce. Chupou até o fim, até minhas pernas
adormecerem e minhas mãos deixarem de tencionar seus cabelos, pois eu já
não tinha mais força alguma.
–Meu Deus. — soltei o ar relaxando meu corpo.
–Ainda não acabamos, minha querida, isso foi só o começo. – o olhei e
arranhei seu abdômen.
— Você achou que eu iria me contentar apenas com isso? – ajoelhei no
tapete ficando na mesma altura que a dele.
— E você aguenta mais? – indagou me olhando fixamente, em seguida
me beijou.
— Para nós, a noite está apenas começando. – ele disse entre o beijo, nos
afastei e puxei sua nuca em direção ao meu seio esquerdo, coloquei o mesmo
em sua boca, instantaneamente ele começou a sugar.
— Madame. — chamou-me.
— Hum. — disse aérea sentindo sua boca me devastar.
— Vamos pra minha casa? — pediu ofegante e desviou o olhar para mim,
o encarei, Philiph é o tipo de homem que sabe ser másculo e sensual, bruto as
vezes e ao mesmo tempo doce, jamais alguém me olhou como ele me olha.
— Sua casa? — perguntei.
— É. — respondeu acariciando meu corpo.
— Sua filha está lá, Philiph. — adverti.
— Minha filha te adora. — ri serena ao ouvir.
— Ela é uma fofa, mas prefiro não ir para a sua casa. — ele beijou meu
pescoço.
— Então vamos pra sua, não vamos voltar pra festa mesmo. — o olhei
reprovativo.
— Por falar nisso, essa não é a primeira vez que você rasga uma roupa
minha. — falei séria e ele riu. — Como vou sair daqui? — questionei.
— Eu compro outro vestido, eu compro o que você quiser. — me
abraçou. — Vou te tirar daqui e vamos pra sua casa. — assenti, Philiph me
deu um hobby que estava dentro de um dos armários, o vesti e ele se
arrumou.
— Me espera aqui vou buscar o seu carro. — entreguei a chave do
veículo e ele o buscou no estacionamento, levou o mesmo para uma saída
privativa nos fundos do clube, entrou e me tirou do quarto, segui com ele sem
problema algum, ele tinha acesso a tudo, entrei no meu e em seguida, ele fez
o mesmo.
— E o seu carro? — perguntei curiosa.
— Amanhã venho buscar. — respondeu puxando minha nuca e me
beijando.
— Você me deixa louco, sabia? — sussurrou contra meus lábios.
— Sei. — falei sensualmente determinada.
— Sabe também que jamais fará o que fez hoje na festa, não sabe? — me
fitou sério.
— Só depende de você, doutor Philiph. — falei de maneira excitante.
— Você é minha, minha mulher. — apertou minhas bochecha com uma
mão apenas.
— Sua mulher? — provoquei
— Só minha. — disse baixinho. — Minha. — repetiu. Sorri mordendo o
lábio inferior, liguei o rádio, deixei a música alta rolar e seguimos para a
minha casa.
Capítulo 14

Quando entramos no apartamento dela, me lembrei da última noite em


que estive aqui com minha filha e de nosso assunto inacabado. Era como se
eu estivesse chegando em minha própria casa, uma sensação que ainda não
tinha experimentado até este momento. Élinor está usando o hobby que dei
para ela depois que rasguei seu vestido, ri internamente lembrando este
detalhe, lhe devo muitas roupas.
– Você me espera aqui Philiph, eu preciso de um banho – falou indo em
direção à escada. – Abri uma garrafa de vinho pra gente – apontou em
direção ao bar para a prateleira com as bebidas, apenas acenei com a cabeça
positivamente.
Ela seguiu em direção ao quarto e sentei no sofá, estou bastante pensativo
esta noite, encostei minha cabeça no encosto do móvel e respirei
profundamente. Durante uns minutos fechei os olhos e recordei de como
minha vida era antes disso tudo estar acontecendo, mas minha inquietude me
fez ir até o quarto dela.
Subi sem fazer nenhum barulho, entrei no local, as luzes estavam
apagadas e só a iluminação do banheiro clareava o ambiente, me desfiz de
meus trajes e silenciosamente entrei no banheiro, a vi de costas dentro do
Box, está imóvel, parada com as mãos envolta do corpo numa espécie de
abraço, a água cai delineando sua bela silhueta.
Sorri ao observar esta cena e sem notar minha presença, abri a porta do
box com muita cautela, o barulho da água caindo abafou o leve ranger da
porta, entrei e abracei-a por trás carinhosamente, beijando seu ombro.
– Nossa, Philiph, já é a segunda vez que você me assusta hoje – falou
muito irritada empurrando meus braços e me assustei com seu tom de voz.
– Calma! Me desculpa, eu não vou fazer nada, só queria ficar assim –
falei calmo, mas notei que ela está um pouco receosa, arredia, eu não sei o
que é, conhecendo seu temperamento, resolvi não perguntar o que havia
acontecido, mesmo depois de nosso momento de prazer a pouco tempo atrás.
Puxei-a delicadamente pelo braço, a virei de costas para mim e acariciei
seu corpo, Mary deitou sua cabeça em meu ombro, apreciando meus
cuidados, afastei um pouco seus cabelos molhados e beijei seu pescoço, ela
se encolheu ainda mais em meus braços e suspirou.
– O que você está fazendo comigo, Philiph? – beijei sua bochecha.
– Cuidando de você – sussurrei em seu ouvido e a virei de frente para
mim.
– Você sabe que eu não vou ficar aqui por muito tempo, não quero te
machucar – falou firme, porém triste.
– Não precisa ir, minha querida – beijei a ponta de seu nariz e depois sua
fronte.
– Eu não quero te causar nenhuma dor, Philiph – nossos corpos molhados
em contato me deixam cada segundo mais desejoso por ela.
— A pior dor que você pode me causar é ir embora – a encostei contra a
parede. – Fica comigo, eu quero tanto te ter só pra mim. – rocei minha boca
por seu pescoço e sua pele arrepiou. – Não precisa buscar nada lá fora, eu te
dou tudo, estou totalmente entregue a você – a aperto contra meu corpo só
para sentir a paz deste momento, mas esta foi passageira.
– Eu não sou mulher de me apegar, Philiph – me empurrou pelos ombros,
mas a segurei pela cintura.
– Mas eu me apeguei a você, de todas as formas possíveis – falei
carinhoso.
– Eu sempre fui sozinha, gosto da minha vida, acho melhor que seja
assim – disse séria me afastando de seu corpo.
– Eu preciso tanto de você, não sabe o quanto tem sido importante para
mim. Eu tenho pensado tanto em nós dois – ela negou com a cabeça.
– Para de ser insistente, Philiph, eu odeio pessoas assim – a olhei
decepcionado, entendendo quais eram suas verdadeiras intenções. Silenciei e
engoli seco o soco no estômago por suas palavras insensíveis. Finalizei meu
banho antes dela terminar, me enxuguei com a toalha e saí do banheiro.
Coloquei minhas roupas e desci, sentei no sofá esperando-a para me despedir.
Assim que ela desceu vestida em um hobby rosa me olhou e sorriu como se
nada tivesse acontecido. – Vou abrir a garrafa de vinho para nós – disse indo
em direção à cozinha, mas a interrompi.
– Não precisa eu já estou indo embora – me olhou espantada.
– Como assim vai embora? – dei algumas passadas pela sala tomando
coragem para dizer. – Eu te fiz uma pergunta – insistiu.
– Quem você pensa que eu sou Mary? – fui categórico
– Que tom de voz é esse, Philiph? Você nunca me chamou assim, por que
isso agora? – perguntou confusa.
– É o seu verdadeiro nome, não é? – ironizei. – Há quanto tempo você já
não é mais a Mary? Parece que ainda vive controlada pelo seu pai e pela sua
família, mas não é mais uma criança – apontei o dedo. – Você vive pra
investigar, sempre escondida, usando um pseudônimo para os seus clientes –
me encarou surpresa.
– Para de dar voltas, para de me analisar – apontou de volta.
– Você não sabe nada sobre mim, sobre a minha vida, não tem o direito
de dizer estas coisas – foi enfática.
– Não preciso saber muito da sua vida pra entender que você vive presa
dentro de si mesma, ama o seu trabalho e a sua vida, porém vive sozinha e
com medo de deixar as pessoas se aproximarem de você – ajeitei o nó de
minha gravata, a mesma está me sufocando pela situação.
– Aonde você quer chegar com isso, patrão? – falou alto ironizando. –
minha cabeça já está a ponto de explodir.
– Acha que eu estou aqui simplesmente por causa do seu corpo bonito? –
esbravejei
– Philiph, do que você está falando? – A Madame se aproximou de mim e
me esquivei.
– Eu entendi o seu jogo e não quero mais fazer parte disso – falei de uma
vez e fui em direção à porta, mas ela me puxou pelo braço.
– Para, por que está me tratando assim? Há uma hora estávamos
transando e agora você surta – tirei seu braço do meu.
— É exatamente por isso, é só disso que você gosta e não importa que
seja eu, porque você transaria com qualquer outro sem problema nenhum.
Primeiro aquele moleque que estava tirando sua roupa naquele bar, depois o
cara na festa que certamente te levaria pra casa dele e agora eu. É só isso que
você tem na cabeça? – perguntei furioso, instantaneamente sua mão pesou
forte sobre minha face e cambaleei para trás.
– Eu nunca vou me esquecer dessas palavras, pode dizer o que está
entalado na sua garganta, vai em frente. O que você pensa sobre mim? – a
voz dela embargou e pela primeira vez eu a vi chorar, não fez isso nem
quando me contou um pouco de sua história, passei as mãos em meu rosto
sentindo o mesmo arder pelo forte tapa.
– Eu não estou pensando em nada, mas você não enxerga – falei com
pesar, meu coração apertou ao ver as lágrimas descerem por seu rosto.
– O que eu não enxergo Philiph? Que eu estou descumprindo meu
verdadeiro papel nessa história? Que eu perdi totalmente o foco dessa
investigação? Que você me domina do jeito que quer como todos os outros
caras? – pausou e respirou. – Você não é diferente de nenhum deles, por que
no fim das contas eu acabo sozinha como sempre fui – gritou a última parte e
silenciamos. Eu senti a angústia dela e isso me fez mal
– Eu não sou como eles, eu só queria te entender – falei baixo. – Você
não tem que me entender, eu só estou fazendo o meu trabalho – falou ríspida
e enxugou as lágrimas.
– Seu trabalho não é se deitar comigo – a segurei pelos braços. – Mas
você não pode negar que senti alguma coisa por mim – senti sua respiração
ofegante em meu rosto.

Nunca pensei que este momento fosse chegar, no fundo não percebi que
estava adentrando em uma área onde me perdi uma vez, e decidi por mim
mesma nunca mais voltar.
Ainda me recordo das ameaças de Senhor S, sei que ele cumpre tudo o
que promete. Antes que aconteça o pior, prefiro não dar esperanças a Philiph
e muito menos sair da minha zona de conforto onde encontro segurança, além
do mais não posso confundir atração sexual com algo a mais.
– Eu não sinto! – falei cada palavra pausadamente — ele me olhou
incrédulo.
— Olha pra mim, fala isso olhando nos meus olhos — segurou meu
cabelo e o puxou. — Eu sei que você sente — falou rouco e roçou os lábios​
nos meus.
— Engano seu, não quero nada que vá além de sexo com você – ele me
olhou transtornado e soltou meus braços, nunca senti uma sensação de
tristeza tão grande quanto agora, isso é estranho para mim, pois sou uma
pessoa que não abre espaço para estes sentimentos que enlaçam os homens
uns aos outros. – Eu deixei isso claro desde a primeira vez que nós transamos
– ele riu irônico passando as mãos pelo rosto para recobrar a consciência. –
Até te acho uma boa detetive, mas você mente muito mal. Não acredito que
não perceba isso – gesticulou mencionando nós dois. – Você está mentindo
para si mesmo, até uns dias atrás amava sua ex mulher, o que houve com esse
sentimento todo, simplesmente colocou numa gaveta e guardou para
choramingar depois? – Philiph negou. – Eu já disse a você, aqui mesmo nessa
sala que eu refleti. O que eu sentia por ela não era amor, eu a vi na festa e
nada mudou dentro de mim – falou efusivamente.
— Eu cometi um erro muito grande, eu não podia ter me envolvido com
você, Philiph — retruquei.
– Acha que eu sou idiota? Acha que eu não entendo essas coisas, eu sei
que o que você sente por ela não acaba assim – seu olhar para mim é de
desespero. – Caramba! – gritou e me assustei. – Eu estou aqui tentando te
dizer que eu gosto de você, que eu me importo – me irritei mais ainda com
ele, pois já ouvi essa conversa em outro momento da minha vida.
– Será que ainda não entendeu que eu não quero me envolver? – abri os
braços indignada.
– Eu não te enganei, eu fui clara o tempo inteiro. Você nunca respeitou
meu espaço, eu prezo pela minha liberdade, você é insistente, sufocante e o
sexo é bom. É por isso que eu me deixei levar, mas só por isso – as palavras
saíram como uma navalha cortando minha garganta. Ele encarou-me em
silêncio e repleto de tristeza
– Tudo bem – falou baixinho. — Eu peço perdão por minhas atitudes, eu
não sabia que estava sendo tão inconveniente – respirou profundamente. – A
partir de hoje nossa relação será estritamente profissional, logo essa
investigação chega ao fim e você vai embora – olhei para o alto procurando
as palavras que eu queria dizer, mas elas não saiam.
– Nossa amizade não acaba Philiph – tentei reverter um pouco todas as
coisas duras que disse pra ele, mas palavras lançadas não voltam mais.
– Eu não posso ser só seu amigo, eu não quero, então é melhor que eu não
seja nada – falou entrecortando as palavras.
– Não faz isso, Philiph, pelo amor de Deus – supliquei.
– Como pode ser tão fria? – de certa forma ele tem razão.
– Deixa eu te explicar algumas coisas, quando você ouvir talvez me
entenda – pedi calmamente.
– Não se sinta obrigada a dizer nada, já entendi. Eu preciso ir, mais antes
que eu vá eu preciso dizer uma coisa – me olhou de um jeito como jamais
nenhum homem me olhou. – Eu nunca vou esquecer o dia em que te vi pela
primeira vez naquela sala de reuniões do hospital – sua voz embargou um
pouco, mas ele engoliu a vontade de chorar. – Eu te achei a mulher mais linda
e elegante que já vi em toda a minha vida – paralisei com suas palavras. –
Recordo da nossa conversa em minha sala – ele sorriu triste. – Guardei na
memória os seus gostos musicais quando ficamos juntos pela primeira vez,
aqui nesta sala – olhou em volta – O seu vinho preferido, o gosto pelo
chocolate. Do seu rosto lindo ao acordar, você é muito mais bonita ao natural
– tentei disfarçar, mas não consegui conter as lagrimas, deixo as mesmas
caírem enquanto ele fala. – Eu queria tanto te conhecer mais, ser seu amigo
sim, mas principalmente ser o seu amor – senti um gelo no estômago ao
ouvir. – Se o seu erro foi ter se envolvido comigo, o meu foi aprender a amar
você – me olhou profundamente.
– Eu não pedi para amar, mas eu descobri que amo – fiquei boquiaberta. –
Eu sei que eu não deveria dizer isso agora, mas não vai fazer diferença pra
você, não é? – percebo que mal consigo respirar. – Eu queria ter esperado
tudo isso passar – ele se aproximou de mim. – Eu já tinha planejado tudo.
Queria te levar para a minha casa em Angra – parou em minha frente sem me
tocar. — Jantaríamos a luz de vela, porque eu sou um homem com gostos
antigos – riu tímido com as próprias palavras. – Depois eu dançaria com você
e no meio da música eu diria isso sussurrando em seu ouvido. – ele segurou
forte o choro. – Eu só estou lhe dizendo isso com um único propósito –
pausou. – Mostrar que eu não sou como você falou. Não sou o tipo de cara
que deseja apenas sexo. Com esses tipos você pode sair, se divertir, transar e
voltar para casa depois, para este apartamento vazio ou pro seu mundo em
Lisboa. Mas comigo, além de um amigo, você teria um homem de verdade,
um confidente. Eles te oferecem sexo, mas nós poderíamos fazer amor – quis
tocar seu rosto e ele se esquivou, indo em direção à porta.
– Philiph, eu – não pude concluir, pois ele interrompeu.
– Fica bem, Madame – sorrio pouco sem mostrar os dentes e saiu pela
porta. Quando ele fechou a mesma, tive uma sensação que nunca havia
sentido antes, corri até a cozinha, precisava de água, pois minha garganta
parece queimar.
Peguei um copo no armário, abri a geladeira e tirei uma garrafa de vidro,
mas minhas mãos trêmulas deixaram a mesma cair no chão, deixando cacos
de vidros espalhados por todos os lados. Uma raiva me invadiu e lancei o
copo na parede com toda a força que tenho, busco o ar para respirar e não
encontro.
O que esse homem fez comigo? Fiz um esforço enorme para digerir nossa
briga, a declaração que ele fez e minha mente dói ao pensar que ele sofre por
mim, e que no fundo eu vou sentir os efeitos disso. Fui até meu escritório e
abri uma pequena gaveta da escrivaninha, olhei várias vezes para o conteúdo
dentro dela e resolvi que precisava.
Tirei um maço de cigarros, na verdade, não fumo há alguns meses, mas
sempre deixo em minha gaveta para momentos de muito estresse. Dirigi-me
até a sacada e uma dor terrível me acompanhou, sentindo a fumaça desta
droga lícita a me devorar. Estou com medo de que ele faça uma besteira pelo
modo como saiu daqui. Será que tomou um taxi? Onde está agora?
Não consigo ficar em paz, voltei para sala e procurei por meu celular,
revirei tudo, tirei todas as almofadas do sofá e as joguei no chão, nada. Subi
até o quarto e me deparei com o mesmo em cima da cama. Disquei várias
vezes o número de Philiph, mas chamou até cair e isso está me matando por
dentro.
Mandei mensagens, mas ele não respondeu a nenhuma delas. Voltei para
a sacada, precisava fumar outro cigarro, há um conflito interno que me
dilacera a alma neste momento. Estou acostumada a levar minha vida pessoal
da maneira mais descompromissada possível, saio para me divertir, a única
coisa que realmente eu levo a sério é o meu trabalho.
Mato e morro por ele, assim que fui ensinada, “não deixe nada atrapalhar
sua carreira, amores passam, carreira não”. Nunca fui adepta do
sentimentalismo, de carinho e amor, tudo o que se aproxima disso e que foge
de meros encontros casuais para sexo, devo evitar para não sofrer desilusões,
só passei por isso uma vez na vida e decidi nunca mais passar por isso outra
vez.
Já se passou bastante tempo desde que Philiph saiu daqui, perdi a conta
de quantos cigarros fumei. Fui até o pequeno bar no canto da sala e olhei para
minha prateleira de bebidas, peguei uma garrafa de uísque e abri, levei a
garrafa até a altura de minha boca para ingerir o primeiro gole, mas meu
celular tocou.
Larguei a garrafa em cima do balcão e corri para atender, havia deixado o
mesmo em cima do sofá depois das inúmeras tentativas de me comunicar
com ele. Respirei aliviada ao ver o número na tela.
– Philiph, por favor vamos conversar! — falei afobada.
– Me ajuda pelo amor de Deus, tem sangue pela casa toda, a babá está
morta e minha filha sumiu – gelei por completo por seu desespero.
Capítulo 15

– Philiph, já estou indo pra aí – corri para o meu quarto enquanto ainda
falava com ele.
– Minha filha sumiu – ele chora pelo telefone e sinto um aperto no
coração difícil de explicar.
– Philiph – chamei por ele, mas o mesmo se revolta e fala coisas
desconexas. – Para! – gritei para que ele saísse do transe. – Em dois minutos
eu estou aí, vou levar ajuda – ouvi sua respiração pesada.
– Mary, minha filha é tudo o que eu tenho, eu não vou me perdoar se
alguma coisa acontecer com ela – nunca o senti tão desesperado.
– Philiph, me escuta! – pedi tentando acamá-lo. – Quem está aí com
você? – deixei o celular no vibracall e coloquei uma calça jeans preta, a
primeira que encontrei, vesti uma blusa branca e uma jaqueta de couro preta.
– Eu acho que tem mais gente morta na casa, tem muito sangue. Os
seguranças não estavam na guarita. Agora estou no jardim da frente – peguei
a chave do meu carro, minha pistola austríaca com as munições e saí de meu
apartamento.
– Saí daí agora, Philiph! – fui efusiva.
– Me espera do lado de fora da casa. Confia em mim! – desliguei e
rapidamente liguei para Walter e Senhor S, acionando o Código Vermelho.
Dirigi em alta velocidade, já é madrugada e há pouco policiamento nas ruas.
Meus pensamentos me levam há alguns suspeitos, mas por ora prefiro não
me pronunciar, uma raiva imensa está tomando conta de mim ao lembrar a
doce criança que é a filha dele.
Onde está?
A machucaram?
Eu vou até o inferno atrás dela.
Quando manobrei o veículo na rua da casa de Philiph, o avistei sentado
na calçada, estacionei o carro e ele ergueu a cabeça. Desci do carro e andei
rápido até ele.
– Eu estou aqui – abaixei diante dele e vi seus olhos muitos vermelhos,
hoje, além da filha, sei que sou um dos motivos.
– Você está todo sujo de sangue – sua camisa está suja, assim como suas
mãos.
– Philiph! – segurei seu rosto com as duas mãos, ele está aéreo.
– Eu tentei ajudar a Aline, ela tinha um corte enorme na garganta, não
dava pra estancar – suas palavras saem trêmulas. — Ela agonizou na minha
frente, tentava falar e não conseguia – Philiph pressionou as mãos contra a
cabeça, buscando apagar a cena que viu. – Minha filha deve estar com medo,
com fome e até mesmo ferida. Eu não aguento mais essa tragédia na minha
vida – eu ia dizer mais alguma coisa, quando dois carros chegaram com toda
velocidade, eram Walter, Leticia e alguns de nossos homens especialistas em
sequestros e perícia criminal. Todos desceram de seus respectivos carros e se
aproximaram.
– Ok, vamos entrar ao meu comendo – todos empunharam suas armas
devidamente carregadas e os peritos já traziam seus aparatos para análise do
local.
– A casa parece vazia, mas não sabemos se algo pode nos surpreender,
então estejam preparados. – Philiph ouvia tudo atentamente ao meu lado.
– Vasculhem cada centímetro desta casa, se houver uma folha nesse
jardim fora do lugar eu quero saber – fui enfática.
– Walter, você entra pelos fundos com seus homens – apontei. – Leticia,
você cobre as laterais da casa. Roger, Carlos e André vocês vão com ela —
ordenei e todos assentiram positivos. – Rony, você vem comigo, vamos
entrar pela frente – o homem se aproximou, ele é nosso contato fiel na polícia
federal. – É uma honra trabalharmos juntos outra vez – apertamos as mãos.
– Honra maior será mais uma resolução de nossos casos – completei ao
lembrar—me de todas as nossas investigações em conjunto. – Lembrem-se,
olhem os detalhes, os pormenores. Quem levou a criança certamente deixou
alguma pista e eu a quero – olhei séria para todos.
– Quero os telefones grampeados, as imagens das câmeras de vídeo da
casa e das que estão voltadas para a rua – olhei para Philiph e notei sua face
abatida, amedrontada. Olhei a hora em meu relógio de pulso e o mesmo
marca duas e meia da manhã. – Podem entrar! – autorizei e cada grupo saiu
em direção ao seu local de investigação. – Você fica comigo – o encarei
demonstrando confiança. – Todos os nossos contatos já foram acionados,
estão todos em busca da sua filha. Quem a levou não vai fazer mal a ela –
segurei suas mãos de maneira firme.
— A Kate ainda não sabe. O que eu vou dizer a ela, que simplesmente a
nossa filha sumiu, que eu a perdi – neguei com a cabeça.
– Você vai falar com ela, mas não nesse exato momento – não quero dizer
a ele o que se passa por minha cabeça, só digo algo quando tenho certeza.
– Precisamos entrar! – fui categórica e nós três entramos observando cada
mero detalhe a nossa volta. Na parte da frente da casa está tudo do mesmo
jeito, mas quando subimos os primeiros degraus da casa, pude ver os rastros
de sangue, provavelmente uma pessoa foi arrastada aqui.
– Que merda essa? – perguntou Rony e olhamos na direção que ele falou.
– Isso é? – não terminou sua fala, seguimos o caminho marcado por
pegadas ensanguentadas. Pelo tamanho das mesmas, provavelmente devem
ser de um homem que calça acima de quarenta.
Elas levam para a lateral da varanda da frente da casa, onde há uma porta
que dá acesso direto à sala, não sendo necessário passar pelo hall de entrada,
empunhei minha arma e apontei para frente, pronta para atirar em quem quer
que fosse. Rony fez o mesmo e Philiph segue atrás de nós.
– Quem faria uma barbaridade dessas? – Rony abafou o som da própria
boca, ficamos os três perplexos com a cena.
– Não, não – Philiph repetiu desesperado ao ver seu cachorro morto e
suas entranhas espalhadas.
– Por que alguém faria isso? Eu nunca fiz mal a ninguém – falou com
falta de ar.
– Rony, me dá um minuto, pode ir entrando, vamos em seguida – ele
assentiu que sim. Encostei Philiph na parede e segurei seu rosto. Vejo sua
palidez, ele exala medo e angústia.
– Ei! – chamei firme por ele, o mesmo me olhou abatido. – Eu preciso
que seja forte, pela sua filha e por você também – olho para este homem
totalmente desolado e tudo o que pensava sobre ele se esfacelou, não há
intenções dúbias em seus olhos, ele não os desvia de mim, sem sombra de
dúvidas, é digno e está sendo injustiçado.
– Cadê a minha filhinha? Ela é a única coisa boa que me resta – limpei
suas lágrimas com meus polegares.
– Eu vou trazer sua filha de volta, eu tenho certeza absoluta de que ela
está bem. Confia em mim! – pedi serena.
– Você confia, Philiph? – insisti firme, ele silenciou por uns instantes,
mas quebrou o silêncio.
– Eu confio em você, é uma boa detetive, uma boa médica – puxou o ar. –
Só precisa... – fomos interrompidos pelo barulho do mini walkie-talkie preso
em minha calça.
– Na escuta – respondi.
– É melhor dar uma olhada aqui, é mais grave do que eu pensava – a voz
de Walter amedrontadora nos deixou apreensivos.
– Qual sua posição? – indaguei.
– No jardim dos fundos, perto das árvores – desliguei o transmissor e
segui com Philiph para os fundos, desviamos do pobre animal destroçado e
ao passar pela sala, visualizei a babá morta no meio do corredor que leva até
a sala de jantar.
Eu já presenciei muita tragédia e maldade em minha profissão, mas essa
me choca principalmente pela suspeita que carrego comigo, meu desejo é de
estar errada, mas não costumo me embrenhar em equívocos. A mais sangue
na cozinha, o lugar está destruído, há utensílios de porcelana por todo o
ambiente, a luminária está com a luz baixa e o rastro de sangue deixa no ar
um cheiro enjoativo de ferrugem.
– Ah, meu Deus! – quase não consegui pronunciar as palavras ao olhar o
que meus colegas apontavam.
– Mary, que loucura é essa? – a voz de Philiph saiu incrédula e trêmula.
Nem mesmo eu que pensei ter visto de tudo na vida, jamais cogitei a ideia
remota da cena que vejo à minha frente.
Os dois seguranças da casa estão enforcados na árvore, a corda no
pescoço de um deles tem um nó de marinheiro, quem fez isso não queria
nenhuma falha. Os peritos de minha equipe já fotografavam todo o local, e
posso notar e semblante pálido e assustado de Philiph, daria qualquer coisa
para ele não presenciar isso. Suas mãos afrouxam o nó da gravata e ele parece
esboçar ânsia de vômito. Andei até a árvore para olhar de perto a barbárie.
– Olhe para as unhas – disse Leticia apontando uma lanterna para as
mesmas.
– Estão quebradas e roxas, houve muita luta corporal aqui. Eles tentaram
proteger a casa – um dos homens transparece uma face de agonia, o medo da
morte o assolou até o último segundo de sua vida. Ambos estão muito
machucados.
— Há marcas de unha até no queixo, certamente, além das escoriações
causadas pela corda, deve haver muitas lesões pela tentativa de livrar-se dela
– a tensão do ambiente é grande, minha boca já sente o gosto amargo do
suspense e tudo à minha volta tem o cheiro do perigo.
– Olhando o traçado do sangue, eles foram espancados na cozinha e
arrastados até aqui – Dimitriev se aproximou dizendo.
– Esses homens têm porte físico de atletas de alto rendimento. O da
esquerda deve ter um metro e oitenta e aproximadamente noventa quilos –
analisou. – O da direita, um metro e noventa e uns cem quilos – completou. –
É necessária a força de no mínimo três homens para imobilizar um deles,
enquanto o outro deve ter assistido o enforcamento esperando a sua hora –
um de nossos investigadores disse analisando a cena. – A grama está
amassada nesses três pontos próximos ao galho que recebeu as cordas. As
pegadas aqui no jardim e acredito que na casa também, devem ter sido feitas
por homens que calcem entre quarenta e dois e quarenta e quatro – enquanto
ele falava, a brisa gélida da madrugada entorpecia o ambiente, espalhando o
odor fétido do sangue. Tudo é caos por aqui.
– Mary! – ouvi o grito apavorante de Philiph, olhei para trás e o vi
caminhando em direção ao caminho de flores que enfeitam toda a
propriedade. Seus passos são desorientados, ele olha para o chão e põe as
mãos na cabeça em sinal de assombro, corri em sua direção quando ele
começou a gemer.
– Luanna! – olhei para o chão e notei o que o havia deixado assim. Há
muitas mechas de cabelo loiro espalhadas pelo chão, parecem ter sido
arrancadas pela raiz. Próximo a elas está uma sapatilha lilás, como um
calçado que é deixado para trás numa fuga ou sequestro. – Filha –
choramingou o nome e agarrou-se a um objeto que não consigo ver o que é,
ao ajoelhar-se na grama, abraçou o próprio tronco deixando seu choro
carregado de magoa sair.
Aproximei-me e me coloquei a sua altura; pude notar sua dor ao proteger
com todo a afeto a bonequinha ruiva da pequena criança, um dos muitos
objetos nesta casa manchados pelo vermelho do massacre. O abracei de lado
e ouvi seu lamento, o apertei contra meu corpo e beijei seus cabelos. Aquele
homem robusto, durão, agora está em estado de choque e meu coração sofre
com ele. É como se um pedaço de mim também tivesse sido arrancado.
– Mataram minha filhinha! – Philiph embarga as palavras, as mesmas
saem entre soluços e gemidos de dor. Sua cabeça está deitada em meu busto e
as lagrimas caem em minha roupa.
– Ouça bem o que eu vou lhe dizer – chamei sua atenção para mim. Ele
me olhou de lado e seus olhos vermelhos deixam cair sua angustia.
– Sua filha não morreu, eu vou trazê-la sã e salva nem que seja a última
coisa que eu faça na minha vida! – frisei convicta de minhas palavras. – Isso
é uma promessa! – nos olhamos, algo em mim diz que coisas piores estão
para acontecer. Como eu queria que meu sexto sentido estivesse errado, mas
ele não costuma falhar – pensei tristemente.
– É a boneca preferida dela – disse olhando em volta, buscando com o
olhar perdido uma possível resposta.
– Fique firme, eu estou do seu lado e sua filha espera isso de você –
enfatizei.
– Que Deus me dê forças, eu sinto que morri por dentro – passou a mão
em seu peito.
– A Lu precisa de você – alisei seus cabelos.
– Eu também necessito – afirmei e senti seus olhos azuis pesarem sobre
os meus.
– Vamos achar a sua filha e por seus bens em segurança – sua respiração
foi longa e profunda.
– Eu não quero nenhum centavo desse maldito dinheiro se minha filha
não estiver viva. De que vai valer tudo isso? – ouvi sua indignação. – Olha
isso – mostrou a boneca. – Por que alguém machucaria uma garotinha? Por
que isso tudo está acontecendo comigo? Por que minha família desmoronou?
– as perguntas atropelam umas às outras, porém não quero dizer a ele tudo o
que penso sobre este acontecimento em particular, vou esperar o momento
oportuno.
– Vem comigo – falei suave. – Levanta desse chão! – levantei e estendi a
mão. – Eu vou estar ao seu lado, mas você tem que me ajudar – intimei. Os
demais agentes vasculham a propriedade inteira em busca de pistas, enquanto
Rony está no interior da casa analisando o cenário e grampeando os telefones.
– Seja forte, Philiph – chamei mais uma vez e ele ergueu-se com dificuldade,
ainda segurando a boneca na mão. Entramos na residência e notamos os
demais estragos.
Passamos pela cozinha em estilhaços, a sala está em desordem e mais
uma vez olhei para a babá caída no chão. Pelas marcas roxas no corpo,
certamente foi esmurrada antes de ter seu pescoço cortado, sangrou
lentamente, o que me leva a concluir que estava em estado de letargia, pelo
tanto que apanhou, quando teve sua garganta ferida. Os outros empregados da
casa só veem na segunda de manhã.
— Apaguem as luzes agora – Dimitriev ordenou sério, e assim que as
luzes foram apagadas, vimos por toda parte as inscrições na parede com tinta
fluorescente. “Ela vai pagar por você sua vagabunda”, “O sangue de um
inocente”, “Eles sabem”, “Tortura e dor”.
As outras paredes estão marcadas com outras inscrições que intimidam e
que me fizeram sentir uma sensação horripilante que nunca experimentei
antes. Philiph não consegue esboçar mais nenhuma reação, isso me preocupa
demasiadamente.
O IML não tardou, os corpos foram fotografados de todos os ângulos
possíveis, assim como a casa toda. Leticia entrou em contado com nossos
agentes externos que fazem a patrulha nas redondezas, os guardas nas
fronteiras já estão avisados de um sequestro e das características da criança, e
internamente peço para que minha intuição sobre ela estar viva, se confirme.
Há tanta movimentação na casa que não percebi a ausência de Philiph,
mirei os quatro cantos do andar de baixo e nada. Subi as escadas em direção
ao segundo andar, que incrivelmente está intacto, nenhuma cômoda revirada
ou sequer uma joia roubada. Nem mesmo o cofre da casa foi violado.
Reparei em uma luz saindo de um dos quartos e caminhei até ele. Ao
olhar para o cômodo, vi Philiph sentado na cama da filha, cabisbaixo e
solitário. O porta-retrato com a foto dos dois é seu consolo para esta noite
tenebrosa. Entrei e puxei uma cadeira que está no canto do quarto, sentei de
frente para ele.
– Eu sou um péssimo pai, Mary – nunca ouvi sua voz tão amargurada.
– Não diga isso, você é o pai mais carinhoso que eu já vi – ele não me
olha, apenas engoli seco a afirmação.
– Como um pai não percebe isso? – disse ao entregar—me algumas
folhas repletas de desenhos, analisei um por um. São desenhos de uma
criança solitária, afastada das demais, chorando e, geralmente, não há sol e
flores, mas noites e tons escuros. As poucas palavras escritas com a letra
peculiar de uma criança mostram a garotinha atenta e sensível que é a filha
dele.
“Papai está triste hoje”, “Papai Noel, pede pra mamãe me contar uma
história”, “Não quero mais ir pra escola."
O encarei sem saber o que dizer.
– Esse é novo. Olha! – me entregou outro papel e sorri emocionada com o
desenho. A imagem ilustra duas pessoas trocando um selinho, a menina do
desenho tem cabelos encaracolados e na lateral da folha li as frases: “Papai
ficou feliz hoje”, “A namorada do papai”, “Queria uma mamãe
assim”. Chorei ao notar que no desenho também havia um sol, pela primeira
vez, seu desenho era colorido.
Capítulo 16

Enquanto a doutora olha o desenho eu a observo, as palavras duras que


ouvi de sua boca ainda ecoam em meus ouvidos, latejam como a verdade que
eu não queria saber. Senti uma estranheza ao notar o restante do quarto de
minha filha, as prateleiras onde ficam os outros brinquedos estão
praticamente vazias.
– O que será que houve com as outras bonecas? – sussurrei meus
pensamentos.
– O que disse? – perguntou enxugando as lágrimas que lhe caem de forma
discreta. Ela quer demonstrar uma fortaleza que acredito não possuir. –
Minha filha adorava os brinquedos, mas esse quarto está vazio – por um
minuto me dei conta do que acabei de dizer, como um “estalo” de
consciência.
– Você ouviu o que eu acabei de falar? – ela assentiu triste.
– Me referi à Luanna como se ela tivesse morrido – puxei com força o ar
para que este pudesse preencher meus pulmões cansados de tanto chorar, a
falta de ar me fatiga.
– Ela adora, é a palavra certa – Mary completou ao chegar mais perto de
mim. – Sua menininha está viva, Philiph! Viva! Eu vou trazê-la de volta –
acariciou meu rosto e fez menção em me abraçar, mas segurei seus braços a
impedindo.
– Não faz isso, faz só o seu trabalho – falei sério.
– Philiph, por favor – a interrompi.
– Só encontra a minha filha, sua única obrigação é essa – minha voz saiu
ríspida.
– Eu não queria que as coisas entre nós tivessem chegado àquele ponto –
pronunciou as palavras pesadamente, as mesmas saem embargadas. – Deixa
eu te explicar uma coisa, por favor – implorou angustiada.
– Só me dirija à palavra se essa tiver relação com a minha filha, caso
contrário fique bem longe de mim – apontei o dedo.
– Pela consideração que tem por mim, só escuta – juntou as mãos como
se fizesse um pedido, uma prece.
– Minha consideração por você morreu, sendo assim, ponha-se no seu
lugar – ela protestou.
– Caramba, Philiph, não faz isso comigo! – a encarei furioso.
– Quer saber, você tem toda razão – dei passadas pelo quarto.
– Me envolver com você foi um erro, olha a minha vida agora. Achei que
você fosse competente – esbravejei.
– Mas até agora não resolveu nada do meu caso, a Kate pode dar um jeito
de roubar todo o meu dinheiro e minha filha pode estar morta – gritei. –
Então eu não tenho como ter consideração por você, Mary, Mary, seja lá
quem você for – gesticulei em sinal de dúvida e ela chorou, senti uma
pontada no peito ao direcionar toda a minha fúria e desapontamento sobre
ela, saí do quarto escutando seu choro lamentoso que me doeu até a alma. A
deixei em prantos, mas parte de mim chorou com ela. Peguei meu celular e
disquei o número de Kate, ela precisa saber que nossa filha desapareceu.

Um misto de dores recai sobre mim de forma avassaladora, olho o quarto


da menina, o desenho, e estranhamente, é como se uma parte de mim tivesse
sido arrancada também. Pelo jeito como ele me tratou, sinto um grande aperto
em meu coração, algo que nunca senti antes e não podia imaginar que era tão
ruim assim.
Entrei no banheiro do quarto da criança e liguei a torneira da pia, lavei
meu rosto e olhei para o meu reflexo no espelho, não me reconheço mais
como A Grande Madame, a destemida, e tantos outros adjetivos que
atribuíram. Por dentro eu não passo de uma mulher excepcionalmente
comum, nada de extraordinário há em mim.
Porém, há tempos atrás eu não estava tão dividida, tão frágil. Foquei em
minha imagem no espelho, porém meus olhos se detiveram em um ponto no
quarto atrás de mim, volvi meu corpo e caminhei em direção a um armário
embutido na parede.
Na porta há inúmeros desenhos feitos à mão, na própria madeira branca,
todos extremamente desconexos, bem escuros, mas a figura que mais me
chamou atenção foi a de uma “casa com outra casa pequena dentro dela”, abri
o armário e observei as prateleiras com acessórios infantis: tiaras, laços,
caixinha de joias.
Em outra parte, inúmeras roupas nos cabides e na parte debaixo os
sapatinhos delicados. Já ia descer para me juntar aos outros quando reparei
em um baú rosa de tamanho médio na parte de baixo, tentei abrir, mas está
fechado.
Vasculhei as caixinhas, gavetas e não encontrei nenhuma chave. Busquei
desviar meus pensamentos destes pormenores e decidi dar procedimento ao
que é importante, não posso me preocupar com isso agora. Fechei os olhos,
relaxei os ombros, me recompus e saí do local, desci as escadas e observei
Philiph ao telefone num canto afastado da casa, pela sua feição sei que está
dando a notícia a alguém. Respirei fundo e fui em direção a Walter.
– Como andam as coisas? – indaguei.
– Já fotografamos tudo, cada centímetro da casa – explicou apontando.
– O IML já levou os corpos – falou analisando as fotos das vítimas na
câmera.
– Não tenho boas notícias – Leticia se aproximou dizendo.
– O que aconteceu agora? – indaguei com medo. – Recebi uma notícia
através do nosso informante na polícia rodoviária – ela pausou a frase.
– Fala! – ordenei impaciente, porém entendi seu recado quando vi Philiph
se aproximar.
– Kate está vindo pra cá, ela ainda estava no clube – sua face esboça
desolação, está aflito e pode desabar a qualquer momento. – Doutor Philiph,
quantos carros o senhor tem na garagem? – Rony questionou ao se juntar a
nós.
– Neste exato momento apenas um, o outro ficou no estacionamento do
clube. Mas por que a pergunta? – questionou intrigado.
– É uma garagem típica americana e fechada, contudo está vazia, há
marcas de pneus por todo o chão, eles levaram seu carro e pelo visto saíram
em alta velocidade – o clima de tensão ao nosso redor é pior do que a própria
morte, cujo cheiro está por toda parte. – Por favor, venha comigo, preciso de
algumas informações – Rony chamou Philiph que prontamente o seguiu.
– Leticia o que foi que você descobriu? – insisti mais nervosa.
– Vem comigo! – me puxou pela mão e fomos até o jardim.
– To aflita, me diz logo! – segurei seu braço e ela olhou repreendendo
minha ansiedade.
– Se controla você está no comando aqui. O que está havendo? – foi dura
nas palavras.
– Eu estou bem, como sempre estive. Por que esta pergunta agora? –
rebati.
– Ah, por favor, Mary, não subestime minha inteligência e a de ninguém
lá dentro. Todo mundo já percebeu o clima entre vocês dois – desviei o olhar.
– Vá direto ao ponto, não é hora de falarmos da minha vida pessoal e
muito menos da dele – ela chegou mais perto. – É do máximo interesse dele,
e agora do seu, eu percebo o quanto o sumiço dessa criança te deixou abalada
– senti um gelo na barriga. – Fale logo o que é. Isto é uma ordem! –
categorizei. Ela olhou em volta, respirou fundo e prosseguiu.
– Há uns vinte quilômetros daqui, numa estrada bem deserta um corpo foi
encontrado – engoli seco.
– Um corpo? – meu coração acelerou. – Qual a descrição? – ela hesitou. –
Pelo amor de Deus, Leticia! – supliquei angustiada. – Não dá pra saber muita
coisa ainda – explicou. – Como assim não dá? Eles só te disseram isso? –
questionei irritada.
– Não dá pra identificar o corpo a olho nu – andamos para uma área no
jardim onde ninguém pudesse nos ver.
– O corpo foi queimado – coloquei as mãos sobre a boca desacreditada do
que acabara de ouvir.
– Aparentemente é uma criança, sete a oito anos – tentei controlar minha
respiração. – Dá pra saber pela arcada dentária – falei temendo minhas
próprias palavras. – Estou esperando o retorno dele, tinha acabado de checar
a cena e me ligou – olhei para o céu sem saber nenhuma oração, mas meus
pensamentos estão todos com a linda garotinha. – Se gosta mesmo desse
homem, é melhor permanecer forte por ele, não é hora de desabar – ela falou
tentando me acalmar. Tremi de cima a baixo quando o celular dela tocou.
– Pode falar! O que você descobriu? – pediu receosa. Ela permanece em
silêncio enquanto recebe as informações, Leticia sabe disfarçar muito bem o
que está sentindo, sua face não demonstra nenhum tipo de reação, sabe ser
imparcial, fria e até dissimulada. Sabe jogar e conhece as táticas, coisas que
talvez eu tenha desaprendido.
– Ok, obrigada! – desligou o telefone e esperei pela resposta
ansiosamente, ela olhou para o chão e ficou em silêncio, depois me olhou. –
O corpo encontrado é de uma criança, aparentemente sete ou oito anos, nove
no máximo. Eles suspeitam que seja de uma menina porque acharam um
sapatinho lilás perto do local – algo dentro de mim morreu com a notícia.
– Não Leticia! Não pode ser – meu estômago embrulhou e entrecortei as
palavras. – Não pode ser a filhinha dele. Tem o exame de DNA da arcada
dentária para saber quem é o indivíduo – fui esperançosa, mas ela negou com
a cabeça.
– Ai é que está toda a face macabra da história. – suspirou ao dizer.
– Do que você está falando? – meu corpo inteiro sente os calafrios desta
noite fria e do medo que se apodera de mim, medo esse que nunca senti antes
com tamanha magnitude.
– Os dentes foram arrancados ou simplesmente a criança não tinha dente
nenhum – não aguentei o baque da notícia, minhas pernas perderam as forças
e sentei na grama apoiando meus cotovelos nos joelhos para suportar a
terrível ânsia que sobe e desce por minha garganta. Leticia sentou ao meu
lado, segurou minha mão e me amparou. – Você sempre me ensinou a nunca
tirar conclusões precipitadas sobre nada, vamos esperar pelo resultado final,
eles vão tentar fazer outros testes, analisar mais vezes – olhei lateralmente
para ela.
– Mas eu te ensinei também a enxergar o óbvio, a não duvidar das
circunstâncias, a desconfiar de tudo – falei triste e sem forças.
– Grande paradoxo isso! – apertou minha mão e chorei recostando minha
cabeça em seu ombro.
– Ele está me odiando, Leticia. Eu descobri que sou um completo
fracasso – se eu pudesse descrever as sensações que estou sentindo agora, eu
poderia muito bem dizer que se assemelham àquelas como quando não
encontramos mais nenhuma saída na vida.
– Olha pra mim! – disse séria segurando meu queixo.
– Você não é um fracasso, é a melhor investigadora que eu conheço. Uma
pessoa incrível! Tudo o que sei eu devo a você – seu tom de voz firme tenta
me convencer.
– Eu falhei com ele, Leticia! Eu não tive forças para resistir e acabei me
envolvendo. Agora acontece isso com filha dele e ainda por cima, não
consegui pegar a Kate – me angustiei e minha amiga me olhou pensativa.
– O que você sente por ele? – suei frio com a pergunta.
– Eu não sei explicar o que sinto, mas ele disse que me ama e eu falei as
piores coisas do mundo pra ele – entrecortei as palavras.
– Você está apaixonada, Madame – encostou a cabeça na minha.
– Eu sempre me blindei contra isso, eu não nasci para essas coisas, meu
pai tem toda razão – falei com pesar.
– Não se pode conter esse tipo de coisa, é mais forte do que a gente. Já
está na hora de enfrentar seu pai, você parece uma garotinha assustada que
nunca se impõe e veste uma capa para parecer quem não é – explicou
carinhosa, porém de forma enfática.
– Mas agora ele não quer olhar na minha cara, me quer longe e no fundo
tem toda razão. A forma como eu sempre encarei os homens, o
relacionamentos me fizeram achar que ele era como todos os outros – senti
minha cabeça quase explodir com tanta reviravolta. – No início era só sexo e
muita loucura, mas eu já percebia algo diferente, e comecei a negar para mim
mesma. Depois eu já estava contando sobre a minha vida e dormindo com ele
– fechei os olhos e lembrei especialmente no dia em que Philiph cuidou de
mim e me fez dormir na cadeira de balanço.
– Isso explica tudo, não é só paixão e no fundo você sabe, mesmo
dizendo que não nasceu pra isso – Leticia antecipou-se.
– Acho que eu estou amando e estraguei tudo – finalmente fui sincera e o
peso das palavras me fez cair na real. – Eu amo aquele homem. É isso o que
tem aqui dentro – declarei baixinho para mim mesma. – É amor sim – sorri
com misto de tristeza, alegria e me permiti soltar as lágrimas libertadoras, as
últimas, para continuar firme e forte por ele. Ficamos um tempo no jardim até
que eu pudesse me recuperar, mas voltamos rapidamente para o interior da
casa quando vimos um carro ao longe, na portaria.
– A Kate chegou – anunciei em alto e bom tom. – Rony, você se
encarrega de passar o caso – apontei para ele e lhe entreguei minha arma e o
mini walkie-talkie para não chamar atenção. – Os demais sejam discretos, eu
quero mais agilidade nesta investigação – completei e Philiph se aproximou
de mim. – Ela vai achar estranho te ver aqui, o que eu falo? – questionou
tremendo pelo nervosismo. – Deixa que... – não concluí minha fala ou ouvir
Kate gemer.
– Philiph!!! – entrou pela porta principal aos berros. Todos pararam para
observar a cena, a mulher caminha em direção a ele a passos largos e com um
semblante de sofrimento profundo. – Cadê a minha filha, Philiph? O que
você fez com a minha filha? – enfurecida, ela se jogou para cima dele
batendo várias vezes e fortemente em seu peito com os punhos fechados. Ele
tenta se esquivar segurando seus punhos, mas Kate está ensandecida.
– Eu nunca faria mal à nossa filha! – Philiph a segurou seus braços e
gritou.
– Então onde ele está? Você nunca soube cuidar da Luanna! – ousou dizer
alterando a voz. – Você me critica senhor correto, mas sempre foi um pai
ausente – apontou o dedo.
– Isso é mentira, sua hipócrita. Você nem sonhava com a maternidade, a
nossa filha não teria nascido se não fosse por insistência minha – falou alto e
num tom bem agressivo. – É até em aborto você pensou quando estava
grávida, acha que eu não sei? Eu não sou idiota! – se enfureceu.
– Eu odeio você, Philiph! – a mulher se encheu de raiva e o atacou com
socos novamente.
– Calma Kate! – Walter e eu a seguramos, ela chora descontroladamente,
se debate e quer se soltar.
– Mary? O que você está fazendo aqui? – perguntou muito confusa, se
afastou de nós e olhou em volta à cena toda, o sangue da babá ainda no chão,
as pessoas verificando o ambiente.
– O que fizeram com a minha filhinha? – indagou chorando e meu sexto
sentido vacilou. A mulher sentou no sofá, exaurida e sem forças.
– Se acalme, eles vão achar a sua filha – sentei ao seu lado e segurei sua
mão.
– Você não deveria estar na festa? Eu te vi de longe e com ela inclusive –
apontou para Leticia. Minha mente em questão de segundos formulou uma
resposta.
– Logo no início da festa eu recebi um chamado da emergência, um
acidente com trauma torácico e cranioencefálico. Tive que sair correndo e o
doutor Philiph também foi avisado. Leticia foi um anjo, eu estaria com a
roupa da festa até agora se ela não tivesse providenciado essa – falei
naturalmente e ela me ouvia atenta. – Meu carro estava no fim do
estacionamento, como o dela estava do lado de fora eu peguei carona, saímos
às pressas – completou Philiph.
– Passamos umas duas horas na sala de cirurgia e na volta, a doutora
Mary me deu uma carona. Quando chegamos, a guarita estava vazia, o portão
aberto, entramos e encontramos isso aqui – passou a mão pelos cabelos
penteando-os para trás.
– Quem faria uma coisa dessas? Por que levariam a Luanna? – à medida
que Kate articula as palavras eu fico a duvidar de minha própria intuição. Por
sua expressão, gestos e tom de voz, chego à conclusão de que ela pode ser
inocente deste sumiço. Mas se ela não está por trás disso, quem está?
– Me acompanhe um instante, senhora, preciso colher algumas
informações – Rony intimou Kate que o obedeceu. Os dois seguiram para um
canto isolado da sala e Philiph me olhou por alguns segundos, é como se ele
me chamasse, como se implorasse por ajuda, só que ao mesmo tempo seu
coração se endureceu para mim. A essa altura do campeonato, todas as
equipes de busca fazem varreduras pela cidade, os telefones grampeados
apenas esperam por algum telefonema com pedido de resgate. Reparei em
Leticia admirando os porta-retratos em uma estante da sala, me aproximei
dela quando vi Philiph se retirar da sala e se trancar em um cômodo, que
provavelmente pode ser um pequeno escritório ou biblioteca.
– A garotinha é linda! – exclamou serena ao contemplar a criança
abraçada ao pai. – É tão meiga e doce – sorri ao lembrar quando dormiu
juntinha comigo ouvindo a única história que sei.
– Quando passou a gostar de crianças? Até onde sei você não suporta
nenhuma delas – afirmou efusivamente.
– A Lu é diferente, Leticia, eu não sei explicar o que acontece, eu só vi
essa menina duas vezes e ela mexeu muito comigo – ela olha atenta para
todas as fotografias, como se buscasse algo.
– Acho que futuramente você terá uma escolha a fazer! – encarou-me ao
dizer.
– Que escolha? – perguntei confusa e ela voltou a analisar as imagens.
– É esse tipo de pergunta que eu não esperava – Leticia está me
estudando, logo eu que lhe mostrei o caminho da investigação
comportamental e psicológica.
– Eu não consigo te enganar, eu to sofrendo. Se aquele corpo for
realmente dá Luanna o mundo dele vai acabar e eu estou com medo do que
vai se passar dentro de mim – declarei.
– Eu sei, pode contar comigo, eu estou aqui para te dar forças – segurou
minhas mãos de maneira firme.
– Obrigada por tudo! – agradeci. Kate conversava com Rony e
posteriormente se aproximou de nós. – Philiph ama esses porta-retratos, se
pudesse enfeitaria a casa com fotos dela, mas só deixamos esses, as outras
fotos estão todas em um álbum que ele fez questão de montar – pegou um
deles na mão e beijou a foto.
– Obrigada por seu apoio, Mary! Por estar aqui – me abraçou e retribui.
– Achei que ficar aqui fosse o certo, afinal de contas você me
recepcionou tão bem e tem sido tão amável. Foi a primeira pessoa que me
acolheu naquele hospital – ela sorriu com minha fala.
– Eu gosto de você, é uma pena que tudo isso esteja acontecendo e eu não
consiga te dar toda atenção – Leticia se afastou um pouco e vi que digitava
alguma coisa no celular. – Que isso, Kate! Agora não é momento para me dar
atenção, tem que pensar na sua filha! – ela assentiu positiva e suspirou.
– Eu não estava aqui, Philiph e eu nos separamos, nem deu tempo de te
contar. Nada disso teria acontecido se eu estivesse com a menina – senti
amargura em sua voz.
– Não se culpe pelo que aconteceu, seja forte – encorajei e notei Roger,
um de nossos homens, se aproximar.
– Com licença! – olhamos para ele.
– A senhora poderia me fornecer uma foto recente da criança, uma que
esteja só ela – pediu. – Eu tenho várias no álbum, vou pegar – Kate saiu em
direção ao andar de cima, mesmo divorciada de Philiph, esta casa ainda tem
traços dela, além de saber onde está cada mínimo detalhe.
– Uma foto dessas serve, por que quer outra? – Roger questionou curioso.
Olhei para ela sem entender.
– Eu mandei uma mensagem para ele pedir isso a ela. Se eu pedisse não
teria cabimento, sou só sua amiga, doutora Mary – falou baixinho ao ver que
Kate voltava com o álbum em mãos. Prontamente ela abriu e escolheu uma
foto, entregando a mesma ao homem.
– Que linda ela é! Eu posso ver o álbum? – Leticia perguntou fazendo-se
de encabulada.
– Claro que sim – sem pestanejar, Kate entregou o álbum com a capa de
veludo lilás. Leticia sentou-se no sofá e começou minuciosamente a ver foto
por foto.
– Vamos! – chamou Rony.
– Sim! –respondeu ela. Philiph saiu da sala onde permaneceu trancado
por um tempo, estava com os olhos mais vermelhos e com aspecto cansado, o
relógio já marca quatro e meia da manhã, exatamente duas horas após a
ligação de Philiph avisando-me do ocorrido.
– Doutor Philiph, preciso que fique aqui porque alguém pode entra em
contato por telefone – Philiph concordou.
– A doutora Kate vai comigo até a delegacia prestar depoimento formal
ao delegado e depois será a sua vez – os dois ouviam atentos os avisos.
– Por favor, eu posso te pedir um favor? – ela voltou-se para mim.
– Se estiver ao meu alcance! – falei calma.
– Eu sei que você está cansada por causa da cirurgia e depois veio direto
pra cá, mas seria demais se eu te pedisse para ficar aqui? Eu preciso de uma
amiga! – estranhamente ela fez o pedido.
– Eu vou ficar aqui, vocês terão todo o meu apoio – ela respirou aliviada
e agradeceu, logo após se direcionou até a saída com Rony. Ele deixou minha
arma e o transmissor com Leticia, discretamente. Depois de alguns minutos
me aproximei de Leticia e sentei ao seu lado.
– Por que essa fixação pelas fotos da menina? Aquelas já serviam – falei
sem entender sua atitude.
– Aquela mulher por um momento me pareceu convincente, mas há algo
de errado. O tom que ela usa para falar da filha é estranho e olha essas fotos –
me mostrou algumas fotografias.
– Ela é a minha primeira suspeita, Leticia e foi por isso o Rony a levou.
Sinceramente, se aquilo não foi reação de uma mãe que se preocupa, então
ela é ótima atriz. – recordei do dia em que a conheci, sua indiferença
disfarçada ao falar da filha e o modo fútil como avaliei sua postura.
– Essas fotos são bastante reveladoras para quem tem um olhar clínico –
me espantei ao observar as imagens, a maioria delas são de viagens ao
exterior, entretanto a criança sempre fica ao lado do pai ou em seu colo,
esboçando um sorriso alegre. Nas poucas fotos com a mãe, o sorriso não é o
mesmo e a face de Kate é peculiar, projetada e até mesmo falsa.
– Isso só reforça os desenhos que vi no quarto da Lu – nos encaramos.
– Essa pobre criança deve ter mais traumas psicológicos do que gente
acredita – disse Leticia ainda olhando foto por foto.
– Olha isso aqui – uma das imagens mostrava Kate apertando o braço
frágil da filha, há mais pessoas na ocasião e talvez ela achasse que tal gesto
passaria despercebido, pois estão um pouco mais afastadas.
– Maldita! – sussurrei com raiva.
Os peritos já se organizam para lavar todo o material colhido para análise.
A casa inteira foi vasculhada e até o menor dos fios de cabelo foi coletado
para posterior análise. Observei Philiph sair em direção à varanda da frente,
levantei-me para ia atrás dele, quando mais uma vez o telefone de Leticia
tocou, causando-me um grande mal-estar.
– É ele novamente – ela disse concentrada. Fez sinal para que eu
esperasse e se retirou por uns minutos. Sinto um gosto muito amargo em
minha boca, um pavor tenta me paralisar. Olhei para uma foto em específica,
estava solta no álbum, Philiph e a filha estão um jardim com grama bem
verde, ela está de vestidinho vermelho e um laço branco no cabelo.
Ele está abraçado com ela, consigo vislumbrar o brilho no olhar dos dois,
os mesmos lindos olhos azuis. E a menina está com a bonequinha ruiva.
Peguei a foto e guardei no bolso interno de minha jaqueta. Estremeci ao
reparar Leticia voltar para perto de mim, porque desta vez ela demonstra
certa apreensão. Não perguntei sobre a ligação, não tive coragem, só fiquei
em silêncio e a deixei falar.
– Além do sapatinho lilás eles acharam um dente de leite no local ainda
com resquícios de sangue, como se tivesse caído há pouco tempo. Sobre a
grama que ficou intacta, onde o fogo não alcançou, há gotas de sangue e eles
recolheram esse material. É preciso que o Philiph colha uma amostra para o
teste de DNA – minha respiração findou e por incrível que pareça não chorei,
apesar de meus olhos marejarem, mas um ódio tomou conta de mim e senti
vontade de matar Kate.
– Aquele homem lá fora vai morrer de tristeza quando eu disser isso –
olhei em direção à varanda.
– Mary, são suspeitas, ele vai fazer um teste. Toda aquela cena, o corpo, o
sapato, podem ter sido forjados por ela – advertiu minha amiga.
– Forjado ou não é só olhar a sua volta, não temos provas concretas de
que foi Kate, mas o massacre que encontrei aqui nunca vi em lugar nenhum.
Ela é fria, calculista e matar a própria filha seria fácil – respirei fundo.
– Eu só não entendo o porquê disso tudo, se é o dinheiro que ela quer,
matar a Luanna anularia as chances de um pedido de resgate – fui
interrompida.
– Agora não é hora de especular tanto, você tem que falar com ele sobre o
teste e inclusive da suspeita que temos da ex esposa! – levantei do sofá, tomei
coragem, segui para a varanda e acabei esbarrando com Philiph no hall de
entrada.
– Alguma notícia? – perguntou sem me olhar.
– Precisamos conversar – falei calmamente.
– É sobre a minha filha? Se não for eu não tenho mais nada pra falar com
você – busquei forças para dizer, mas travei no momento, quando ele foi
ríspido, se desviou de mim, porém o puxei pelo braço.
– Espera! – pedi. – É sobre o caso sim – Philiph me olhou amedrontado.
– O que houve? – olhei fixamente para ele e engoli seco. Como falo isso
pra ele? – O que aconteceu com a minha filha? – perguntou enfático se
aproximando de mim e me assustei. – O que houve com a Lu? – segurou
firme meus braços e balançou meu corpo no desespero.
– Calma, eu preciso explicar – supliquei e notei seus olhos marejarem, ele
começou a repetir freneticamente a pergunta “fala o que aconteceu?”, mas
paralisei na hora, por fim ele repetiu mais uma vez.
– Fala o que aconteceu, Mary? – esbravejou apertando meus braços.
– Eu não sei! – gritei na mesma intensidade que ele.
– Solte-a imediatamente! – olhamos para a entrada da porta e suei frio
quando vi Sónier passar pela entrada. Philiph me soltou e encostou-se na
parede tentando recobrar a consciência.
– Você não seguiu os meus conselhos – meu pai está acompanhado de
Dimitriev e outros dois seguranças, que só pelo tamanho eu tenho medo. –
Que vergonha! – desabafou balançando a cabeça negativamente. A voz
mansa de meu pai torna a conversa ainda mais misteriosa e Philiph me olhou
intrigado com a situação.
– Tudo o que eu lhe ensinei foi em vão, é tão estúpida quanto a sua mãe!
– falou num tom grosseiro e misterioso.
– Aqui não é hora e nem lugar, Senhor S – nesse momento Leticia se
aproximou juntamente com Walter.
– Ainda ousa em me dar ordens – a tensão está aumentando, me sinto
despedaçada por dentro, ele sabe justamente o meu ponto fraco. – Ao invés
de fazer o seu trabalho, você acha mais interessante transar com seu cliente –
suas palavras me acertaram como navalha e senti todos os olhares em cima de
mim.
– Você não tem o direito de falar assim com ela, meça suas palavras. Está
na minha casa! – Philiph encarou meu pai de maneira séria e tomou a frente
para me defender, pois eu não consigo pronunciar uma palavra sequer.
– Olha como fala comigo, doutor Philiph – Sónier falou efusivo. – É com
o sumiço de sua filha que deve se preocupar e não se meta no que não lhe diz
respeito – meu pai se aproximou de Philiph.
– Não interessa, respeite a minha casa e quem aqui estiver – rebateu com
semblante de indignação. – Então fale com respeito com ela – apontou o dedo
e meu pai riu baixo e irônico.
– Eu sei bem como devo ou não falar com a minha filha – pairou sobre
nós um silencio mortal por uns segundos, Philiph me olhou mais uma vez
incrédulo com a informação.
– Filha? – perguntou surpreso.
– O que mais você não sabe sobre ela, doutor? – indagou para me deixar
mais constrangida.
– Chega Senhor S! – pedi envergonhada.
– Isso não é assunto para discutirmos agora – olhei para os demais à
minha volta.
– Podem continuar o que estavam fazendo, isso aqui não é um espetáculo
– ordenei, mas eles se intimidaram com a presença de Senhor S e ninguém
saiu do lugar.
– Venha comigo, vou lhe passar as informações do caso – tentei sair do
desconforto desta pressão que fazem sobre mim.
– Não se preocupe mais com o caso – o olhei tentando entender o que
acabara de dizer.
– Como assim? – olhei para Philiph com receio do que estava por vir.
– Você está fora deste caso – anunciou em alto e bom tom e senti um gelo
percorrer meu corpo.
– Pegue suas coisas e vá embora imediatamente. A partir de agora quem
assume o caso sou eu! – decretou sem volta. Olhei mais uma vez para Philiph
e seus olhos pareciam suplicar pelos meus, mas agora eu nada posso fazer.
– Me perdoa! – pedi baixinho e em seguida caminhei em direção à porta.
Capítulo 17

Peguei meu carro e saí da mansão do doutor Philiph James Williams.


Estou dirigindo muito acima da velocidade permitida, mas isso agora pouco
importa, pois só consigo pensar nos olhos dele ao me fitar antes que eu
pudesse sair. Acho que ele não vai me perdoar pelas coisas duras que eu
disse, e é descomunal a angustia que sinto, não sei como isso vai passar!
Em qualquer outro caso eu não teria ficado assim, mas percebo o quão
vulnerável eu estou sentimentalmente, estou presa a ele. Faço algumas
ultrapassagens perigosas pelo caminho e ouço algumas buzinadas eufóricas, o
que me faz acelerar o carro ainda mais.
Alimento um ódio visceral pela Kate e fico a cada segundo imaginando as
maldades que ela fez com a filha, o jeito baixo com que tratou Philiph e sua
face dissimulada de vítima, de boa mãe.
Em pouco tempo, cheguei a meu apartamento, mas sei que não vou
conseguir ficar aqui com as lembranças que tenho de Philiph, e
principalmente o que fizemos nesta sala em nossa primeira vez juntos.
Segui na direção do pequeno bar, a garrafa de uísque ainda continua em
cima do balcão, deixei ali quando recebi o chamado dele. Peguei a mesma e
uma mini garrafa de vodka, além disso, guardei no bolso da jaqueta um maço
de cigarros que está sobre a mesinha de centro.
Desci pelo elevador de serviços e passei pela recepção, se o porteiro me
dirigiu alguma palavra eu não escutei, ainda são cinco da manhã e já é
perceptível uma claridade discreta no céu, mas ainda não amanheceu
totalmente. Atravessei a rua sem olhar muito para os lados, andei pelo
calçadão, até uma parte deserta da praia, há muitas pedras desse lado e
poucos banhistas se aventuram.
Não me preocupei em estar de sapato fechado, caminhei vagarosamente
até encontrar um local escondido entre as pedras. Sentei na areia e recostei
em uma delas, abri a garrafa de uísque e tomei gole por gole até chegar ao
fim, fiz o mesmo com a vodka e mais uma vez, fumei vários cigarros até
notar que meus pulmões e minha garganta não aguentavam mais.
Meu estômago já dá sinais de ânsia, não como nada desde ontem à tarde,
também não comi nada na festa e só bebi. Passei a sentir meus olhos pesados
e uma sonolência me entorpece, meu raciocínio lento pelo álcool já não me
permite ter forças para nada, só tive tempo de olhar a fotografia que estava no
bolso da minha jaqueta.
Deitei na areia e admirei com uma saudade imensa as duas pessoas da
imagem antes de adormecer aqui mesmo, abracei a foto contra meu peito e
fiquei à mercê da brisa e do barulho do mar nesta praia deserta.

Estou em choque com tudo o que está acontecendo, e ainda mais agora,
ela me olhou pela última vez antes de sair do hall de entrada e pediu perdão.
Eu começo a sentir medo, muito medo, porque por mais triste que tenha sido
nossa discussão, nada do que eu sinto por ela mudou, nesse olhar de adeus eu
realmente percebi o quanto ela faz falta. Quando Mary está aqui eu sinto
segurança e ela está sob os meus olhares.
E ainda que tenha me rejeitado, essa era a única maneira de me manter
conectado a ela. Com o sumiço de minha filha e o afastamento dela do caso,
estou sendo tomado por uma tristeza profunda, as duas pessoas que amo
verdadeiramente agora estão longe de mim. Todos nós paralisamos um pouco
ao vê-la sair, seu porte altivo e comandante deixava o ambiente vivo, se
assim posso dizer.
Nesse momento, unindo minhas últimas forças, andei em direção à minha
pequena biblioteca que faço também como escritório; entrei e fechei a porta.
Há um sofá de couro preto na lateral onde sentei quase despejando meu corpo
cansado e sem esperanças. Cerrei meus olhos e recordei o dia em que visitei
Mary em seu apartamento depois de nossa briga, eu levava minha filhinha no
colo ainda adormecida.
Naquele dia, Mary roubou cada um dos meus pensamentos, era a imagem
dela que eu via em todas as coisas e pessoas. Eu não poderia ficar em paz
sem falar com ela, por isso quase acordei a Luanna ao tirá-la da cama, estava
dormindo enroladinha em sua coberta, a paguei no colo e me dirigi até o
apartamento da Madame. Elas dormiram abraçadas, pois foi a cena que
encontrei pela manhã quando cheguei ao quarto.
Acomodei-me numa poltrona próxima à cama e admirei as duas até que
acordassem, estive um bom tempo a pensar sobre minha vida e no tamanho
do amor que me envolveu ao olhar as duas tão aconchegadas uma na outra.
Parecíamos uma família feliz no café da manhã, eu daria tudo o que tenho
para ter mais dias como aquele. Daria cada centavo deste maldito dinheiro!
Tive que sair deste hipotético sonho quando ouvi batidas na porta.
– Pode entrar! – autorizei.
– Doutor Philiph, precisamos conversar! – olhei para a amiga dela parada
na porta, fiz gesto para que entrasse. A mulher puxou uma cadeira próxima à
mesa e sentou-se de frente para mim. – Eu não vou adiar o assunto e muito
menos enrolar – a mulher é séria, tanto quanto Mary quando a conheci.
– Eu não sei se estou preparado para ouvir o que quer que seja – falei
exausto, encarando-a.
– Doutor Philiph, escute bem, preciso que o senhor colha uma amostra de
sangue para um teste de DNA – meu mundo desabou ao ouvir.
– Teste por quê? – perguntei assombrado por meus fantasmas de medo,
minha respiração descompassou na hora.
– A policia rodoviária encontrou um corpo, acham que pode ser de uma
menina, além do mais precisam que o senhor reconheça um objeto, um
sapatinho mais precisamente – não consegui esboçar nenhuma reação.
– O que aconteceu com o corpo da criança? Eu sou médico – um peso
enorme paira sobre meu corpo e nenhum músculo consigo mover.
– Foi carbonizado – ela disse com pesar. Uma lágrima caiu por meu rosto
instantaneamente e tudo a minha volta tomou um aspecto enegrecido, sem
vida, sem ar. E assim fiquei por vários minutos.
– Minha filhinha morreu – sussurrei baixinho e aos poucos o choro
dolorido foi caindo por meu rosto, o som tomou proporções altas e minha
agonia espalhou-se pelo cômodo e certamente por fora dele também.
– Por favor, não tire conclusões precipitadas! – falou tentando me
consolar.
– Não quero lhe dar falsas esperanças, mas pais de outras crianças
desaparecidas também vão fazer o teste – eu não consigo parar de chorar,
porque dentro de mim eu sei que é a minha menina. – Ela me prometeu –
exclamei chorando de dor e encolhendo meu corpo. – Ela disse que tinha
certeza que a Lu estava viva, ela disse – afrouxei o nó da gravata para respirar
melhor.
– Ela mentiu, ela me enganou – olhei para ela ao dizer.
– Doutor Philiph, como eu disse, é um teste – segurou minhas mãos.
– Por favor, não a julgue desta forma – pediu calmamente. Levantei
desesperado e saí do escritório sem ouvi-la até o fim, me dirigi rapidamente
para o jardim, pois preciso respirar com urgência. Coloquei as mãos em
minha cabeça, apertando-as em meus cabelos e olhei para o céu.
– O que eu te fiz pra você me castigar assim? – esbravejei de raiva e
indignação contra os céus por essa desgraça. – Ela era só uma criança e você
deveria ter cuidado dela – abracei meu próprio corpo.
O ar não entra direito em meus pulmões, dei passos desnorteados até a
lateral da casa onde construí um pequeno playground e uma casa de bonecas,
ao lado, perto de uma árvore, pendurei dois balanços. Sentei em um deles e
observei o jardim à minha frente, a casa, toda a beleza e luxo que tanto lutei
para fornecer à minha família. Abaixei minha cabeça por uns segundos até
que ouvi mais uma vez a voz de Leticia, ela sentou no balanço ao meu lado.
– Nessas horas eu não tenho palavras de consolo, eu busco ser bem
realista, doutor – respirei profundamente tentando conter o choro.
– Você não tem filhos, não pode saber como é – a olhei de lado. – Perdão,
eu não quis parecer insensível, só estou dizendo para se manter forte – disse
suave.
– Colha a amostra, precisamos tirar esta dúvida, não temos cem por cento
de certeza. Sua filha pode estar viva! – lembrei das palavras de Mary.
– Ela disse que minha filhinha estava viva e eu acreditei. Eu confiei nela e
agora ela saiu do caso porque simplesmente o pai pediu e ela obedeceu como
se fosse uma criança! – minhas palavras mal saem corretamente.
– Não a culpe pela esperança que ela tem, Mary gosta muito da sua filha e
não faria falsas promessas. É muito competente no que faz, mas é ser humano
como nós – explicou me fazendo refletir.
– Ela acha que eu quis brincar com os sentimentos dela, me aproveitar.
Ela não devia ter dito aquelas coisas pra mim – ela negou com a cabeça.
– Não é bem assim, doutor Philiph. Ela tem os motivos dela para ser
desconfiada de tudo. Aprendemos a nunca dar certeza absoluta para um
cliente, mas fazer o nosso trabalho com excelência. Porém, eu posso atestar
com todas as letras que ela gosta de você e sei que toda essa situação é
complicada pra ela. Senhor S a tirou do caso porque ela está muito envolvida
com você, e nada disso ajudaria nas buscas de sua filha – fiquei pensativo, e
alternadamente, as lembranças dela e da Lu passam em minha cabeça.
– Vamos supor que você tenha razão – enxuguei as lágrimas, meus olhos
ardem pelo choro. – Que diferença isso faz agora, se é nesse momento que eu
mais preciso dela! Eu sou louco pela Mary – declarei e Leticia me olhou
compassiva.
– Ela sabe do que você sente, então espere esse dia nebuloso passar e vá
falar com ela. Não se desespere! – me olhou firme e disse como se fosse
fácil.
– Chega de sofrimento! Tudo o que eu ouvi dela foi o suficiente para
saber que é melhor eu me afastar. Eu vou colher a amostra – engoli o choro e
tirei forças de onde não tinha para sair do balanço.
– Vamos acabar logo com isso! – ordenei.
– Uma equipe do laboratório vai vir aqui, vamos esperar eles chegarem e
isso não deve demorar muito, depois nós temos que ir ao IML – assenti
positivo, por fora, eu tento demonstrar um pouco mais de coragem, mas por
dentro estou destruído. Segui para o interior da casa e me deparei com os
agentes conversando com Senhor S, que assim que me viu, caminhou em
minha direção.
– Há uma coisa que o senhor precisa ver – falou misterioso descemos até
o porão de minha casa e me deparei com uma caixa repleta de bonecas
desfiguradas, todas riscadas, com os rostos amassados e as roupinhas
rasgadas
– Minha filha ama essas bonecas, eu não estou entendendo o porquê elas
estão assim – falei chocado com a cena.
– Doutor Philiph, sua ex mulher já maltratou sua filha? – Senhor S
indagou e o olhei indignado.
– Não! – rebati. – Ela podia ter todos os defeitos como mãe, mas nunca
encostou um dedo na Luanna – completei.
– Então sua filha estava passando por algum tipo de transtorno,
certamente foi ela que fez isso com as bonecas – neguei com a cabeça,
desacreditando. Saímos do porão e fiquei durante um tempo ouvindo as
instruções de Senhor S, suas suspeitas sobre Kate, mesmo que sem provas.
Investigações demoram e não sei por quanto tempo mais vou suportar
esperar por notícias, por algum pedido de resgate. O dia está amanhecendo e
não preguei o olho um minuto sequer, não aguento mais ver os investigadores
ligando para os informantes espalhados pela cidade, nas instituições. Nada sei
sobre minha filha, dois técnicos do laboratório vieram até aqui e colheram
uma amostra do meu sangue para análise.
– Temos que ir ao IML – Senhor S disse sério. Saímos de minha casa em
direção ao local que eu mais temia. Ao chegarmos, fui direto reconhecer o
objeto.
O homem trouxe uma sacola transparente com o pequeno sapatinho lilás,
que para a morte da minha esperança era o par do que havia ficado caído no
jardim. Não tive forças para reagir, olhei mil vezes para o sapatinho e pensei
na última vez em que dei um beijo de boa noite em minha filhinha.
"— Dorme bem, papai te ama! — beijei a fronte de minha filha.
— Quando a gente vai na casa da Mary de novo, eu gostei tanto dela! —
falou docemente.
— Eu vou levar vocês duas para um passeio bem legal, eu prometo — ela
sorrio ao ouvir.
— Você gosta dela? — perguntou.
— Papai gosta sim, muito! — respondi.
— Ela pode ser sua namorada — ri do comentário.
— Torce pelo papai — pedi.
— Eu vou torcer — nos abraçamos. Cobri minha filha com o cobertor
rosa, seu preferido e caminhei em direção à porta.
— Papai! — chamou-me.
— Oi meu amor — fiquei atento.
— Eu te amo — declarou.
— Quando eu crescer vou ser médica como você — sorri encantado com
minha menina.
— Eu vou ser o pai mais orgulhoso...também te amo! — falei emocionado
e deixei o quartinho dela."
Retornei à realidade cruel, volvi meu corpo e voltei para o carro de
Senhor S. Não consigo chorar, algo travou dentro de mim. Voltamos para a
mansão e permaneci calado dentro do carro, não há mais força vital dentro de
mim. Ele me explicava os dois lados da moeda e de como tudo podia ser uma
armadilha, cena forjada e que tínhamos que esperar por contato. O corpo
pode não ser de minha filha, mas só o exame irá dizer. Nada é mais
angustiante e desesperador quanto essa espera.

– Acorda Mary! – ouvi uma voz ao longe chamar por mim, mas mal
consigo abrir os olhos, tentei pronunciar alguma coisa, mas não consegui. –
Anda, vamos embora daqui – senti meu corpo ser puxado e me colocaram
sentada, porém não tenho forças para me equilibrar, alguns tapas de leve são
dados em meu rosto na tentativa de me acordar e aos poucos abri meus olhos,
mas a claridade cegou-me por alguns segundos.
– O que foi que você fez? Olha o seu estado – a pessoa me repreende, e
seja lá quem for não consigo distinguir.
– Philiph – chamei tropeçando nas palavras.
– Ele não está aqui, sou eu, doutor Henrique. Vou levar você pra casa –
ouvi um homem balbuciar alguma coisa, ele me ergueu usando de sua
máxima força e me carregou no colo.
Literalmente apaguei durante o trajeto, lá no fundo ouvi murmurinhos de
pessoas falando, entretanto minha cabeça está pesada e tudo dói.
– Não! – protestei travando a voz quando senti uma água fria cair sobre
mim, me debati agitada, abri meus olhos e enxerguei dois vultos rodando,
tudo está rodando.
– Vai ficar aqui sim! – uma das vozes disse.
– Segura as pernas dela – imobilizaram minhas pernas e tive que aguentar
a água gelada por um bom tempo.
– Leticia! – segurei o rosto dela quando finalmente a reconheci, mesmo
que de forma bem embaçada. – Você quase mata a gente de susto! – falou
brava. – Me tira daqui! – me irritei e tentei levantar, mas a cabeça latejou. –
Olhe naquelas gavetas, me traga uma toalha – ela pediu para uma pessoa em
pé do lado de fora do Box, não posso levantar a cabeça e não sem quem é.
– Vou procurar pela casa e ver se ela tem glicose para aplicar na veia – a
voz é de um homem, me esforço para identificar quem seja. Aos poucos
minhas roupas foram tiradas peça a peça e o frio deixava o momento horrível.
Resistir é impossível, suporto tudo sem energia sequer para argumentar.
Quando finalmente a água parou de cair, meu corpo foi enrolado numa toalha
e meu cabelo foi secado com outra, andei com dificuldade pelo quarto, as
duas pessoas me seguram para eu não cair e me deitaram na cama.
– Não achei nada apela casa, mas vou dar isso a ela – levantaram minha
cabeça.
– Bebe tudo – abri a boca e senti gosto doce, virei o rosto para recusar,
mas tive que tomar até o fim, pois eles me forçaram.
– Eu cuido dela agora – com dificuldade, Leticia colocou roupas em mim.
Minutos depois ouvi a outra voz.
— Você precisa voltar antes que o Senhor S descubra – por mais que eu
tentasse olhar na direção da voz masculina, a pessoa andava pelo quarto e
tudo estava sem nitidez. Por que não reconheço a voz dele?
– Aquele homem está arrasado pela filha e por ela – meu cabelo foi
afagado com carinho e ouvi parcialmente a conversa, mas não decodifiquei a
mensagem. Tentei relutar, porém apaguei e não ouvi mais nada.
Quando acordei, senti um cansaço monstruoso me invadir, a ressaca me
pegou brutalmente, mas para minha sorte, a dor de cabeça foi embora, sinto
apenas muita sede e demorei um pouco para perceber que estava em meu
próprio quarto. Levantei e me assustei, pois o relógio sobre o criado mudo já
marca cinco horas da tarde.
Segui para o banheiro e tomei um banho frio para ficar mais disposta. Me
sinto um pouco tonta, meu estômago está vazio e preciso comer alguma
coisa. Coloquei um vestido confortável e fui para a sala, preciso falar com
Leticia. Estranhei encontrar doutor Henrique dormindo no meu sofá.
– Henrique – touquei seu braço e prontamente ele acordou.
– Está se sentindo bem? – perguntou preocupado.
– Estou bem sim – respondi sem graça. – Por que está aqui? – indaguei
com as vagas lembranças de Leticia me ajudando.
– Você estava pensando em se matar? Quase entrou em coma alcoólico!
Eu fiquei um bom tempo tentando te acordar naquela praia – falou seriamente
e me sentei ao seu lado. – Você tem ideia do que foi receber uma ligação da
Leticia às quatro e meia da manhã me contando aquelas coisas? Eu saí
correndo do hospital e quando cheguei aqui, o porteiro disse que você havia
saído em direção à praia com garrafas de bebida – me repreendeu
duramente. – Estava fedendo a álcool e literalmente na sarjeta – a primeira
memória que veio em minha mente foi do dia em que encontrei Philiph no
mesmo estado que eu.
– Eu perdi o controle... – tentei me explicar.
– Você é uma mulher adulta e é médica no hospital onde eu sou o chefe
da cirurgia. Eu posso muito bem mandar você embora por justa causa.
Bêbada e exposta a qualquer coisa naquela praia – abaixei a cabeça ao ouvir,
sei que estou errada.
– Eu só queria parar de pensar – desabafei.
– Parar de pensar nisso? – indagou e esticou o braço pegando alguma
coisa na mesinha ao lado do sofá.
– Pela primeira vez eu falhei – falei quando ele me mostrou a foto do
Philiph e da filha.
– Eu sabia que você ia se interessar por ele – disse convicto.
– Eu não pedi por isso, mas foi inevitável – o encarei sem conseguir
esconder a verdade.
– E o que você pretende fazer? – questionou curioso.
– Nós brigamos feio aqui nesta sala, eu disse muitas coisas ruins pra ele,
tive que mentir e deu tudo errado – suspirei.
– Philiph é um homem bom, justo – sofri mais ainda por ouvir a verdade
dos lábios de Henrique.
– Seja lá o que aconteceu entre vocês, espero que as coisas se resolvam –
tentou me consolar. – Ele não quer mais me ver, está decepcionado comigo e
tem toda razão – embarguei as palavras.
– Estou com vergonha de mim mesma e não posso mais ficar aqui em
Seattle, eu vou voltar para Londres. Fique tranquilo, vou cumprir aviso
prévio e enquanto isso te ajudar a achar um substituto para a neurocirurgia –
Henrique ficou abismado com minha decisão, mas ele sabe que assim como
meu pai, eu não volto atrás.
Quatro meses depois
Se passaram quatro meses tudo aconteceu, eu tinha notícias de Philiph
através de Leticia. Ele colheu o material para o exame e esperava o resultado.
Ninguém entrou em contato, não houve nenhum pedido de resgate e Philiph
reconheceu o sapatinho da filha que foi achado no local do crime, mas como
muitas cenas de crime são forjadas, os investigadores decidiram esperar pelo
resultado do teste.
As provas de que Kate tem uma procuração com a assinatura de Philiph
não foram encontradas e Conrad, que torturamos na festa, através do telefone
que foi fornecido a ele, ligou para Walter e disse que Kate tinha uma conta
em um banco em Seattle, que não é prova suficiente.
Ela não deixa pistas, só suspeitas e isso não colabora muito. Seu
depoimento foi coerente, o que me deixou bastante confusa; Philiph também
prestou depoimento e se ausentou nesses três dias do trabalho. Voltei à minha
rotina no hospital, espero que esse mês passe logo para que eu possa voltar à
minha vida em Lisboa, onde todo esse sofrimento não fazia parte de mim.
Depois de uma manhã e tarde pesados no centro cirúrgico, estou indo
relaxar um pouco na sala de sobreaviso, são quase sete horas da noite, mas no
caminho fui surpreendida com doutor Henrique.
– Eu sei que está cansada, mas venha até minha sala, por favor – o encarei
exausta.
– É mais algum paciente? – perguntei.
– Não – respondeu.
– Só me acompanha – pediu com semblante sério. Caminhamos até sua
sala e nos acomodamos nas poltronas.
– Que cara é essa, Henrique? Aconteceu alguma coisa? – indaguei com
meus pensamentos voltados para uma pessoa apenas.
– O teste de DNA deu positivo, era a filha dele – minha respiração foi
cortada por uns instantes.
– O que? – minha voz quase não saiu.
– O resultado saiu hoje de manhã, eram quase sete horas. O funeral está
saindo da casa dele agora em direção ao cemitério.
Capítulo 18

– Diz que é mentira? – respirei fora do ritmo com a pancada da notícia.


– Infelizmente não! – falou com pesar, não consegui conter a angustia que
me invadiu, comecei a chorar na frente dele, que sentou ao meu lado para me
consolar.
– Por que você não me avisou quando soube da notícia? – entrecortei as
palavras, bastante entristecida.
– Você estava em cirurgia o dia inteiro, eu não poderia arriscar a vida dos
pacientes – no fundo ele tinha razão, mas nada me acalmava. A ideia de saber
que Philiph, por mais que não quisesse me ver, ficou sozinho velando o corpo
da filha, me dilacera a alma. Eu prometi que traria a filhinha dele de volta.
Jamais terei coragem de olhar em seus olhos novamente.
– Em qual cemitério ela vai ser enterrada? – perguntei enxugando as
lágrimas.
– No que fica em Seattle – respondeu com semblante abatido.
– Há essa hora o cortejo está saindo da casa dele – completou para
permear meu coração de culpas e dores.
– Quem falou com você? – indaguei.
– Foi a Leticia, não eram nem sete horas da manhã – por um bom tempo,
Henrique me deu apoio como nunca meu próprio pai fez. Conteve o meu
desespero e indignação pela morte da inocente criança. Tudo o que se passa
em minha mente são as cenas de Philiph no cemitério, chorando sem alento
algum.
– Ele deve estar se sentindo muito sozinho – murmurei em meio à
sofreguidão.
– Ele está com a família agora, tem amparo dos amigos – tentou
tranquilizar—me.
– Eu preciso ir até lá! – levantei afoita, porém ele negou com a cabeça e
segurou meu braço, impedindo meu ato impulsivo.
– Não é uma boa ideia, ainda mais pela briga que você me falou –
advertiu. Tive que concordar com ele, minha presença deixaria as coisas mais
difíceis.
Henrique e eu conversamos sobre perdas inestimáveis. Não conheci
minha mãe e meu pai me criou como se eu fosse uma estranha no ninho.
Contudo, sei que essas dores são ínfimas perto das que Philiph está sentindo.
Depois desse dia exaustivo e da pior revelação de todas, fui para minha casa.
Meu pai não fala comigo desde minha expulsão do caso e Leticia está nas
investigações. As coisas não pararam pela morte da Luanna, porém, sem
provas concretas contra Kate a respeito de seu interesse no seguro de vida do
Philiph e, somente com as evidencias da traição, é bem provável que este
caso seja arquivado por Senhor S e só a polícia padrão de continuidade.
Meu pai é um excelente detetive, mas creio que Kate é ardilosa e
planejava isso há bastante tempo. Sua mente perversa e psicopata distorce
todas as coisas boas que dizem sobre ela. Contudo, sem provas, nada pode ser
feito. Ela se camufla no meio de nós e não se sabe qual será seu próximo
passo.
Quando cheguei a meu apartamento, reparei no ambiente vazio de
tudo, creio que até de mim mesma, sinto-me uma casca oca e cansada. A
única coisa que fiz foi tomar um banho e dormir para esquecer um pouco da
vida. No dia seguinte, levantei bem cedo, só preciso estar no hospital às oito.
Tomei um café da manhã rápido e saí.
Parei numa floricultura que fica a poucos metros de minha casa e comprei
um buquê de rosas brancas e lírios. Coloquei com cuidado no banco de trás e
fui em direção ao cemitério. Não demorei a chegar, adentrei e um rapaz que
ali trabalhava me informou o local do último enterro. Andei cerca de um
metro a leste e me deparei com um túmulo todo rodeado por granito preto,
tirei os óculos escuros e visualizei a lápide com o nome e uma foto da
garotinha. Depositei as flores em cima do túmulo e suspirei de remorso.
– Me desculpa. Eu não consegui te ajudar – limpei as lagrimas que caíram
por minha face. – Eu nunca tive oportunidade de te contar o resto da história,
mas a princesa Lis encontra o príncipe Atos sim, ele viajou até a casa de
Órion só para buscar a estrela mais brilhante para ela. Eu tenho certeza que
daí você pode ver os dois brilhando todas as noites – jamais vou esquecer o
dia que dormimos agarradinha uma a outra.
E enquanto eles tomavam café da manhã comigo, senti uma felicidade
imensurável dentro de mim. Parecia muito bom ter uma família. Permaneci
em silêncio olhando para a foto dela na lápide e pedindo perdão. Saí do
cemitério em direção ao hospital e no caminho só conseguia pensar no doce e
meigo sorriso da menina.
Recordo-me com afabilidade que ao presenciar o beijo ela se aproximou
de mim e sussurrou em meu ouvido “Você podia ser a nova namorada do
papai, eu deixo.” Eu não tive coragem de ver o Philiph depois de tudo
ocorrido e cumprir o aviso prévio é minha última tarefa no hospital.
Desliguei-me totalmente do caso, principalmente dos meus pensamentos. O
que tiver que ser, será. Confio no trabalho da minha equipe. Pedi a Leticia
que não me mandasse notícias dele, e pelo que sei a raiva que ele tem por
mim só aumentou.
Levei minha vida totalmente concentrada no trabalho e nos pacientes.
Chegava cedo ao hospital e ficava depois do horário nos laboratórios ou
realizando trabalho voluntário na clínica filantrópica. Tudo para não ficar
sozinha e mergulhar nas lembranças devastadoras que insistem em andar de
mãos dadas comigo.
Quando me dei conta do tempo, passaram-se vinte dias desde que pedi a
demissão e desde que tudo aconteceu. Restam só dez até que eu volte para
Lisboa. O novo neurocirurgião chegará dois dias antes de minha partida, e
nesse tempo me encarregarei de mostrar como as coisas aqui funcionam.
Durante esse período, além viver do trabalho para casa, fiquei entorno de
uma completa solidão e mesmo cercada por tantas pessoas nesse ambiente,
estou completamente deslocada. Até a bela e esplendorosa paisagem de
minha sacada já não traz brilho aos meus olhos.
Kate se ausentou do hospital assim como Philiph. Doutor Conrad se
mantém bastante recluso em seu trabalho com cirurgia plástica e na direção
do hospital. Preciso sair logo deste país, pois não há mais nada que me
prenda aqui, não sinto mais o gosto de nada. Sei que perdi minha identidade e
não sou nem de longe a mulher altiva que andou pela primeira vez nas
galerias de cirurgias, segura de si e de suas decisões. Olhei para meu relógio
de pulso e vi que já estava perto de acabar o expediente.
Andei pelos corredores do hospital de Esmerald City com a pressa de
quem quer chegar o mais rápido possível em casa, ainda mais hoje que estou
sem carro e tenho que tomar um táxi. Porém, parei num pequeno canto da ala
norte que dispõe de um belo jardim, para atender meu celular que vibrava
insistentemente, olhei o visor e não identifiquei o número.
– Alô! – atendi.
– A mesma voz doce de sempre – instantaneamente reconheci a voz. Ela
jamais passaria despercebida por mim mesmo que se passassem dez ou
quinze anos.
– Fernando? – espantei-me e percebi as pernas bambearem.
– Pelo visto ainda se lembra de mim – encoste-me na parede para não
cambalear ou esboçar uma reação de fúria aqui neste ambiente onde o
silêncio impera absoluto. – Eu vim passar uma temporada em Seattle,
gostaria muito de te reencontrar – disse naturalmente como se fosse uma
grande amnésia não pensar em tudo o que já fez.
– Eu não posso e não quero, seja lá quem te passou meu número foi
inconveniente. – fui ríspida e um tremor contraiu meu músculo cardíaco.
Contrai o cenho e um filme da enorme decepção que este homem um dia me
causou passou diante de meus olhos.
– Calma, só achei que depois de tanto tempo nós pudéssemos nos
encontrar sem ressentimentos. Amadurecemos Mary – respirei fundo.
– Você faz parte do meu passado, não guardo rancor, só não tenho
vontade nenhuma de ter contato – categorizei. – Passar bem! – desliguei o
telefone, ainda chocada com a ligação.
Como ele me encontrou depois de todos esses anos? Como teve coragem
de me ligar? Caminhei para minha sala ainda atordoada e comecei a arrumar
minhas coisas, guardei os pertences dentro da bolsa e ajeitei alguns papéis na
gaveta. Deixei a mesa livre de todos os exames, sentei na poltrona e apoiei os
braços na mesa, deitando a cabeça sobre eles. Maldito telefonema que me
deixou desconfiada e nervosa. Após alguns minutos.
Peguei minhas coisas e fui em direção à saída do hospital. Um taxista já
está à minha espera, pois já havia solicitado seus serviços. Não demorou
muito para estacionar em frente ao meu prédio. Nem mesmo o único trecho
engarrafado conseguiu prender minha atenção, nada mais tem gosto ou
atrativos aqui.
Paguei e desci do veículo, dei passos largos até a portaria principal,
porém, com assombro, deparei-me com um homem segurando um buquê de
flores. Por alguns instantes voltei no tempo. Seus olhos se puseram sobre
mim, não posso acreditar no que estou vendo.
– Está ainda mais bonita que antes – engoli amargas as palavras. Seus
olhos e cabelos negros como a noite lhe conferem a beleza rústica que me
encantou há anos atrás
– Eu não estou acreditando nisso! – falei com ira. – Primeiro meu número
de telefone, agora o endereço da minha casa – esbravejei. – Quem te passou
estas informações? – indaguei com repulsa.
– Você não mudou nada desde nossa última conversa – falou num tom
malicioso e irônico aproximando-se de mim. – Estou aqui em missão de paz
– ergueu as mãos e uma delas segurava um pomposo buquê. – Todos nós
cometemos erros no passado, eu só estou aqui para rever uma velha amiga –
ri sarcasticamente de sua fala.
– Uma ex amiga... Totalmente – rebati de uma só vez sem paciência
alguma.
– Não precisamos repetir os mesmos erros do passado – o encarei
incrédula pela petulância.
– Qual a parte do eu não te quero na minha vida e muito menos te dar oi
no meio da rua você não entendeu? – categorizei. Tenho ânsia só de olhar
para ele, embrulha meu estômago e passeia por minha garganta o gosto
amargo do fel. Eu havia esquecido o que era o sentimento de rancor, mas vê-
lo esta noite trouxe uma parte do meu passado que tentei por muito tempo
esquecer. É por ele meu medo iminente de me apegar a alguém.
– Faz um favor – gesticulei e passei as mãos por meus cabelos tentando
ter calma.
– Dispenso as flores, não há necessidade dessa cerimônia. Eu não quero
reatar nenhum tipo de contato – apontei grosseiramente. – Você é indiferente
para mim – enfatizei o “indiferente”, Fernando me olha como há anos atrás.
Sedutor, mas no fundo cínico. E sei que tudo o que sai de sua boca são
promessas falsas. Típicas de um homem cafajeste.
– Caramba, pela primeira vez na vida eu estou sendo sincero. Eu só quis
rever uma velha amiga. Não precisa me tratar assim – dramatizou e silenciei.
Olhei fixamente para comprovar se estava pleno de suas faculdades mentais.
Apesar de Fernando continuar sendo um belo homem, contra esse tipo, estou
vacinada. – Uma mulher como você não recusaria estas flores. Aceite, por
favor. – implorou penteando os belos cabelos lisos com os dedos da mão
esquerda.
– Não faça essa desfeita! – estendeu a mão com o buquê e fiquei
estupefata pelo seu atrevimento.
Eu estava pronta para responder à altura de seu caráter subversivo,
quando no momento em que tudo conspira para que pensem errado sobre
você, gelei ao notar que outro homem que nunca mais pensei em rever estava
olhando para mim. Ele caminhava em minha direção com um pequeno
embrulho nas mãos no instante em que visualizou a cena do buquê.
Paralisei como um soldado golpeado a fio de espada na guerra e minha
respiração faltou por alguns segundos. O que será que ele pensou sobre mim?
Talvez o mesmo que já disse outras vezes. O homem olhou decepcionado a
me ver com Fernando.
– Não vai aceitar as flores? – Fernando perguntou impaciente. Notei com
pesar a face de Philiph se enfurecer, dei passos em sua direção, mas ele deu
meia volta e entrou no carro, arrancando com o mesmo antes que eu pudesse
dizer uma mísera palavra. O barulho dos pneus em atrito com o asfalto foi
estridente, o que chamou a atenção dos pedestres e até dos motoristas nos
veículos que passavam por aqui.
Entrei em desespero instantâneo, porém por milagre o taxista que me
trouxe ainda estava parado com o carro, ele combinava uma corrida com
outro passageiro e decidi interromper abruptamente.
– Por favor, siga aquele carro – eles me olharam assustados. – Senhora,
preciso atender este cliente – não deixei que ele terminasse de falar.
– É caso de vida ou morte. Me ajuda! – falei aflita e o rapaz cedeu a
corrida para mim.
– Tudo bem, pode ir – sem me importar com Fernando olhando minha
atitude sem nada entender, entrei no carro e pedi para o motorista acelerar. Eu
já tinha perdido as esperanças de encontrar o carro dele, mas por sorte
paramos em um sinal de trânsito e vi seu carro mais à frente. Há muitos
veículos e nós estamos atrás, quando a luz ficar verde nos perderemos de
vista.
– Não tire os olhos dele – pedi um pouco alterada.
– Por que estamos seguindo aquele carro? – questionou o motorista
quando o sinal abriu, ele acelerou e fez uma ultrapassagem para ficarmos
mais próximos de Philiph.
– Eu preciso reparar um erro – falei prestando atenção no trânsito. Philiph
dirige em velocidade alta e tenho medo do que possa acontecer. Peguei o
celular e disquei o número dele várias vezes, contudo chamou até cair. Nesse
tempo todo que passei longe tentei esquecê-lo, mesmo com tentativas
frustradas. Seu número ainda continua em minha agenda.
– Atende Philiph – falei em voz alta.
– Segura, moça – fez a maior pressão que pode sobre o pedal do
acelerador e guiou o carro até conseguir acompanhá-lo lado a lado. Com
absoluta certeza seremos multados. Eu estava na direção de sua janela e abri
o vidro para gemer por ele.
– Para, Philiph – bati na lataria do táxi para fazer barulho. O vidro da
Ferrari é escuro e não consigo ver sua reação, mas sei que é a pior. – Para
esse carro! – esbravejei. Estamos literalmente em uma perseguição em plenas
ruas de Seattle. Os demais veículos desviam de nós, livrando os caminho para
loucos passarem.
Segurei no apoio do teto quando o motorista fez uma curva muito fechada
para seguir o doutor. Philiph faz manobras perigosas e internamente peço aos
céus que o protejam. Suei frio assim que ele passou na frente de uma enorme
carreta que buzinou ferozmente demasiados segundos. Quem dirigia
certamente se irritou com a atitude inflacionária dele. Ao longo do caminho
só ouço buzinadas frenéticas não só para o carro de Philiph, mas para o
taxista também.
Tenho a impressão de que estamos em uma corrida clandestina onde
nunca se leva em consideração os riscos de desfechos trágicos
– Eu não posso fazer isso, dona. Aquele homem está querendo se matar –
falou com receio e diminuiu a velocidade do carro.
– Não! – protestei alto e veementemente. – Ele precisa de ajuda e eu
também. Acelera isso agora – ordenei efusiva e ele voltou a pisar no
acelerador. De repente, Philiph entrou em uma rua isolada e o seguimos. Não
sei a quantos quilômetros ele está, mas tenho a sensação de que o carro onde
estou está prestes a sair do chão.
– Que droga! – berrou o taxista ao frear violentamente.
Capítulo 19

Segurei-me no assento do carro, enquanto reduzimos de forma brusca a


velocidade. Sem reação nenhuma, vejo o carro de Philiph fazer ziguezagues
pela rua e girar entorno do seu próprio eixo muitas vezes. Por fim, parou
bruscamente e de qualquer jeito no acostamento, quase chocando-se contra o
muro.
Quando paramos por completo, notei que havia um cachorro no meio da
estrada, estava intacto e com certeza Philiph desviou dele. Meu coração está
saindo pela boca e todo o meu corpo adormeceu momentaneamente. Tirei a
primeira nota em dinheiro de dentro da bolsa e sem cerimônias, joguei em
cima do motorista.
Saí do táxi e corri em direção ao veículo para constatar se ele havia
sofrido alguma escoriação. Há marcas circulares no asfalto, causadas pelo
atrito dos pneus e o odor fétido de borracha queimada está por toda parte.
Joguei minha bolsa no chão e, desesperada, bati contra o vidro. É bem escuro
e não consigo enxergar nada do lado de dentro.
– Philiph, abre essa porta! – puxei a maçaneta e a mesma está travada.
– Philiph! – gritei e bati mais uma vez, para o meu alívio ouvi o barulho
do destravamento. Eu mesma abri a porta, ele está estático e torporizo, com
as mãos grudadas no volante.
O puxei pela camisa para o lado de fora, com raiva e ao mesmo tempo
aliviada. Ele está aéreo digerindo o susto repentino, se apoiou no carro e
segurei seu rosto com as duas mãos, encarando-o.
– Não faz mais isso, pelo amor de Deus – ele respira rápido e seus
batimentos estão descompassados. – Olha pra mim, você está me ouvindo? –
bati de leve em seu rosto para tirá-lo do estado de letargia e tateei seu corpo,
averiguando possíveis lesões. Ele me olha de um jeito estranho, não me toca
e muito menos respondi às minhas perguntas. – Fala alguma coisa! – pedi
preocupada. O motorista do taxi ainda está à minha espera, então decidi
dispensá-lo.
– Pode ir embora! – falei alto.
– Não vou deixá-la sozinha aqui, é perigoso – neguei com a cabeça.
– Não há problemas aqui, pode ir – completei. Olhei para Philiph que já
estava se recompondo, mas antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa ele
se afastou de mim. – É melhor fazer o que ele disse e voltar para junto do seu
namorado – senti que ele está amargurado comigo, ficou de costas e cruzou
os braços.
– Não é nada disso, eu posso explicar – fui até ele, firmei as mãos em
seus ombros e o virei para mim – Se eu te disser o que aconteceu você vai
entender – juntei as mãos e supliquei.
– Você não me deve explicações. Aliás, eu não sei por que eu fui atrás,
você não muda – gesticulou com raiva e puxou o ar com força para dentro de
seus pulmões. Desviou de mim e encostou-se no carro novamente,
prosseguindo com as palavras de repulsa – É muito fácil para você descartar
as pessoas, senhorita, afinal de contas você me deixou sozinho lá atrás
quando eu mais precisei – entrecortou as palavras e sua face esboçou um
ressentimento brutal.
– Philiph, você não me ouve, deixa eu falar – o encurralei contra o
veículo e o encarei.
– Depois do que eu vi hoje foi o fim – declarou sério e senti uma forte
punhalada em meu peito.
– Philiph, aquele homem não representa nada para mim – é notório que
exala tristeza e desvia o olhar a todo instante para me repelir.
– Eu não tenho que ouvir isso, doutora – foi categórico, mas não me
importei com sua ira e decidi continuar.
– Faz parte do meu passado, eu não o vejo há anos. Quando cheguei do
hospital ele estava lá embaixo à minha espera – riu de minha fala deixando-
me incomodada e sem alternativas para lidar com tamanho desdém pela
minha verdade.
– Claro, eu vou fingir que acredito em tudo o que você diz – falou
debochado.
– Eu nunca menti pra você, Philiph e não estou fazendo isso agora –
retruquei tentando fazer​ com que ele acredite em mim. – Meu pai não é o
único culpado por esse meu gênio, aquele homem um dia me fez mal e não
sei como ele me achou agora, descobriu meu telefone e endereço. Eu nunca
teria nenhum tipo de contato com ele – ouvi o barulho do táxi a se afastar de
nós, indo embora. Cansou de esperar. Talvez tenha pensando que é apenas
uma briga de casal e não quis se intrometer. Estamos a sós nesta rua deserta.
– Por tudo o que você mais ama na vida, acredita em mim – implorei mais
uma vez e ele me olhou em silêncio.
Foi como se eu tivesse tocado em uma ferida aberta, sangrante. É difícil
entender o que se passa com ele agora, seus belos olhos azuis estão sem vida
– Tudo o que eu mais amava na vida morreu – paralisei quando ele falou, um
nó em minha garganta se fez presente e inclinei minha cabeça em sinal de
rendição.
– Sabe por que eu estava indo até o seu apartamento? – perguntou um
pouco ríspido. Fiz sinal de negativo com a cabeça e ele declarou. – Porque eu
não suporto mais ficar longe de você, dói demais – bateu no peito com o
punho fechado.
– Philiph! – falei emocionada.
– Eu decidi quebrar o orgulho e ir até lá – gesticulou.
– Eu pensei que eu tivesse perdido a vontade de viver, mas eu lembrava o
tempo inteiro que você ainda estava aqui e me dei conta de que eu precisava
te procurar – ele fala em meio à revolta e a dor.
– Mas como sempre tem outro homem na jogada. Por que você é assim? –
questionou indignado. Philiph pensa o pior de mim.
Sei que minha vida parece errônea com os homens, e de certa forma eu
me diverti e aproveitei o máximo que pude, porém ele não credita nas minhas
palavras.
– Eu posso até ser insistente e sufocante como você falou, mas é que tem
tantas coisas boas dentro de mim e eu queria dar tudo a você. Eu posso ter me
precipitado e. – o interrompi, sorri com suas palavras e meus planos para
esquecê-lo esvaíram-se todos. Foi impossível resistir e a vontade imensa que
eu estava dele falou mais alto.
– Pelo menos uma vez acredita em mim – aproximei-me ainda mais e o
fitei de perto. Seu rosto não esconde a decepção, sinto-me péssima por muitas
coisas que já disse a ele e pelo mau juízo que fiz de seu caráter como homem.
Apesar de não ter muita fé em relacionamento nenhum, algo me prende a
Philiph. Pela segunda vez ele se afastou, renegando-me – Eu já cansei de
surpresas desagradáveis. Estou cheio de tentar ser um bom homem – deu
passadas pela rua nebulosa, enfurecido e inconsolável.
– Pessoas boas só se decepcionam – concluiu pesadamente.
– Você é a melhor pessoa que eu conheço, não fala isso – tento acalmá-lo
de todas as formas. Estamos em uma rua sem saída e pouco iluminada, à
mercê de qualquer tipo de violência. Philiph parou de costas e distante de
mim, colocou as mãos dentro do bolso da calça e calou-se. Fiquei durante um
bom tempo lutando internamente contra inúmeras vozes gemendo e dizendo
o que tenho que fazer.
Percebo que estou entre a cruz e a espada, entre a prisão e a liberdade. Há
certas palavras que querem brotar de meus lábios e tenho medo de libertá-la
s, pois não sei aonde estas irão me levar. Travei meu corpo, não consigo
mover um centímetro sequer. Meu coração está disparando, certamente existe
uma ligação forte pela qual eu estou aqui, uma força maior colocou-me mais
uma vez diante dele. Logo eu que pensei que viajaria para Lisboa sem vê-lo
nunca mais por causa da vergonha e de minhas falhas na investigação. As
palavras estão em minha garganta, elas querem sair e insisto em prender cada
uma delas. Não suportando mais guardá-la s comigo, soltei-as na brisa gélida
que pairou sobre nós.
– Philiph, daqui alguns dias eu estarei partindo para Lisboa. Estou indo
embora – contei a notícia e vi quando ele abaixou a cabeça.

Não sei mensurar o que senti quando visualizei aquele homem lhe
entregando um buquê de flores. Experimentei o gosto do ciúme e de uma
inquietação perturbadora. Nem mesmo a descoberta da traição de Kate me
deixou tão descontrolado. E agora está revelação de que está indo embora
derrubou o último pilar que ainda me mantinha em pé.
– Eu sei que não quer chegar perto de mim agora, mas eu não posso ir
sem dizer a você que eu não estou mentindo. Aquele homem não é nada meu.
Foi tudo uma enorme coincidência estarmos todos no mesmo lugar – falou
angustiada e meu corpo enrijeceu-se, o medo surgiu em mim no mesmo
instante. – Você pode não acreditar em mim a respeito de muita coisa, mas eu
peço que acredite hoje – foi enfática e pelo timbre e equilíbrio de sua voz não
há resquício de mentira nem palavras dúbias saindo de sua boca. Estremeci
ao escutar seus passos lentos e receosos em minha direção, o barulho do salto
alto e o modo como anda são difíceis de esquecer.
– Por que vai fazer isso? Por que vai embora? – indaguei inquieto,
evitando olhá-la para não padecer.
– Porque não há mais nada que me prenda em Seattle – pude ouvir seus
suspiros ao dizer. – Você era o único motivo para eu estar aqui e olha aonde
cheguei – embargou as palavras e senti um vento frio passar por nós, a noite
já declina há muito tempo e a cada segundo tudo aqui fica mais arriscado. –
Eu não posso mais continuar neste país, tudo me lembra você e eu só cometi
erros – balancei a cabeça negando a afirmação, decidi que seria melhor
ficarmos cara a cara. Não foi confortável e muito menos consolador observar
sua face abatida – Todos os erros foram meus, mas os cometi na intenção de
acertar – declarei e ela me olhou compreensiva, com os grandes olhos verdes
a me desnudar por inteiro. Sua pose durona, no fundo ainda se mantém, mas
há uma mulher diferente emergindo dela.
– Estas são suas últimas palavras para mim? – perguntei e aguardei por
sua resposta.
– O que mais posso dizer senão verdades? – rebateu exausta e passou as
mãos pelos braços para conter o frio que arrepiava os pelos.
– Há mais de uma verdade fora a que ele não é nada seu? – questionei e
Mary quis dar mais um passo em minha direção, porém hesitou. É bem
provável que experimente o medo de que eu me afaste pela terceira vez.
– Tem... Só que é um pedido – respondeu acanhada e mirou-me na
expectativa.
– Fala – estendi a mão dando a vez a ela secamente. Para o meu
nervosismo e ansiedade ela fez um instante de silêncio profundo e assim
ficamos por longos minutos. A doutora entrelaça as próprias mãos buscando
encorajamento para o que possivelmente quer dizer. Eu aguardo a olhando
fixamente. Abriu a boca para emitir alguma frase e recolheu-se, entretanto
olhou para o alto, investiu-se de destemor e resolveu fazer o pedido.
– Me abraça, eu estou morrendo de saudade – pediu baixinho e tomado
pela vontade que guardei durante todo esse tempo, fui ao encontro dela com
ardor, suas mãos logo envolveram minha nuca e a abracei, aniquilando minha
raiva. Apertei-a contra meu corpo e notei seu coração bater mais rápido.
– Não vai embora para Lisboa, fica comigo – implorei ofegante
segurando seu rosto e dei vários beijos por sua face.
– Eu não posso te perder também, não vou aguentar – entrecortei as
palavras, fiz carinhos em seus cabelos e olhei para ela.
– Achei que não quisesse me ver depois de tudo o que aconteceu –
confessou tímida.
– Eu sempre quis, eu fiquei chateado com as suas palavras para mim
naquele dia – abaixou a cabeça com vergonha, mas a ergui tocando seu
queixo. – Mas eu fui até lá porque o que eu sinto é verdadeiro, eu não sou
homem de brincar com os sentimentos dos outros – passei meus dedos pelas
maçãs de seu rosto.
– Eu sei... Eu sei – assentiu positiva e beijei sua fronte.
– Por favor, diz que não vai embora. Eu preciso tanto de você – meus
olhos marejaram e esperei pela resposta. Por uns instantes emudeci, foi então
que ela tomou coragem para dizer.
– Se ainda me quiser eu não vou mais – enrubesceu e a cerquei em meu
corpo, cheirando seus cabelos. Beijei a pele macia de seu pescoço e acariciei
suas compleições pequenas e delicadas.
Suas mãos acariciavam meus braços e com saudades de sua boca, avancei
contra seus lábios fervorosamente, recordando seu gosto perfeito. Nossas
línguas digladiaram-se desejosas uma da outra e cada vez que nos
aconchegávamos, espasmos deliciosos subiam por meu ventre. Eu já estava
novamente inebriado com o perfume de Madame Mary.
Emaranhei meus dedos em seus cabelos e os puxei para trás, prensando-a
contra a lateral do carro. Nem nos preocupamos com os prováveis perigos do
local onde estamos. Suguei seu pescoço e desci até o busto parcialmente
descoberto pelo decote, ela gemeu mordiscando o lóbulo de minha orelha e
paramos o beijo com selinhos, apreciando nossas respirações se tornarem
uma só.
– Vamos sair daqui? – perguntei preocupado – Vamos, mas estou sem
carro, você vai ter que me levar – sorri contido quando ela falou. – É claro
que eu levo, seu táxi te deixou na mão – a presenteei com um beijo rápido,
peguei sua bolsa do chão, abri a porta de trás e depositei no banco. Fechei a
mesma e decidi fazer um convite.
– Me faz companhia hoje – segurei suas mãos próximas de meu rosto e
esfreguei os lábios sobre o dorso.
– Faço! – assentiu ajeitando a gola de minha camisa – Você me fez muita
falta todos esses dias – suspirei ao dizer.
– Me perdoa pelas coisas que falei. Eu estava nervoso e com medo de
nunca mais te ver – inclinei a cabeça ao sentir seu toque a me afagar,
aproveitando a sensação.
– É você quem precisa me perdoar Philiph... De muitas coisas. – encostei
minha testa na dela e afundei minhas mãos em sua cintura. – Você é a única
coisa boa que me resta. Eu sou louco por você! – o tom de minha voz saiu
grave e meu timbre, rouco. A doutora me abraçou ao ouvir, beijando meu
peitoral várias vezes.

Um peso foi retirado de minhas costas e ele me acolheu sem nada mais
pedir como recompensa, a não ser companhia. Beijá-lo novamente foi meu
amparo e refúgio. Nem em meus devaneios e desvarios mais insanos pensei
que me renderia a um homem dessa maneira.
– Por enquanto estou morando naquela casa de praia que um dia te levei.
É um pouco longe, mas é melhor para mim – compreendi seus motivos
mesmo sem os ter revelado. – Eu preciso passar no meu apartamento para
pegar algumas coisas – ele concordou e seguimos viagem. Subi sozinha até a
cobertura e fiz uma pequena mala com o essencial para um dia ou dois. Desci
e ele colocou no porta-malas.
No caminho para a casa de praia, o trânsito estava tranquilo e havia
poucos carros por causa do horário, recostei-me em seu braço e assim ele
guiou o carro sem pressa. Quando parávamos em algum sinal ele cheirava
meus cabelos e beijava minha mão que estava entrelaçada à dele. Mesmo em
silêncio eu podia sentir que ele conversava comigo através de gestos.
Ao chegar, descemos do carro, pegamos as coisas e entramos na casa,
coloquei minha bolsa numa poltrona e o observei, estava bastante calado.
Depositou a mala perto do sofá e sentou. Fui até ele.
– Eu estou muito feliz por estar aqui – ele me olhou de lado ao ouvir.
– O que seria de mim agora sem você? – me abraçou de lado
perguntando.
– Eu tenho uma coisa para te mostrar – se levantou e foi em direção à
porta de entrada. Minutos depois voltou com uma caixinha rosa.
– O que é? – perguntei.
– Abre! Está um pouco amassada do lado de fora porque joguei com raiva
dentro do carro, mas o conteúdo está intacto – sorri com seu pedido calmo.
Desfiz o laço e abri. Não tive reação. Somente encantei-me.
– Philiph é lindo! – vislumbrei o cordão de ouro cujo pingente é uma
menininha. Dentro da caixa havia um papel. Desdobrei e vi que era um
desenho, a imagem era de dois adultos e uma criança no meio, todos de mãos
dadas. Estava escrito perto dos respectivos desenhos “papai”, “eu” e
“mamãe 2.” – No dia que saímos saiu da sua casa, eu levei a Lu na escola e
quando fui buscá-la ela disse que queria muito te dar um presente. Foi ela
mesma que escolheu. Estávamos só esperando um momento certo – engoli
com força a vontade de chorar.
– Eu nem sei o que dizer – não encontrei palavras que pudessem
expressar o que eu estava sentindo.
– Não diz nada, eu tenho certeza que de onde quer que minha filha esteja
ela deve estar feliz agora – esboçou um sorriso que logo foi apagado pela
lembrança da filha.
– A Luanna foi a única criança que eu amei. Só nos vimos duas vezes,
mas foi o suficiente – falei recordando dela.
– Eu percebi uma afinidade, ela falava em você a cada cinco minutos.
Estava alegre e eu te agradeço por isso. As professoras dela me entregaram
uma porção de desenhos nos quais ela estava ao seu lado. Ela desenhou
direitinho os seus cachinhos e em todos eles ela te chamava de mamãe – o
abracei na tentativa de encontrar um pouco da garotinha no pai dela, Luanna
era a cópia fiel de Philiph. Os mesmos olhos e o mesmo sorriso lindo. Ele
tirou o cordão da caixinha e pôs em volta do meu pescoço.
– Ficou lindo! – suspirou ao olhar.
– Não vou tirar mais – falei e beijei o pequeno pingente. Guardei o
desenho dentro da caixinha e coloquei a mesma na mesinha de centro à nossa
frente. Ficamos ali por um bom tempo abraçados e sem dizer uma palavras
sequer.
– Está com fome? – perguntou limpando os olhos que a milésimos de
segundos, marejaram. – Um pouco – admiti. – Vem, vou preparar o jantar
para nós dois – me puxou pelo braço e o segui.
– Tem certeza? Eu posso pedir comida – idealizei. Não queria dar
trabalho e talvez ele estivesse fazendo isso só para me agradar.
– Isso me distrai, assim eu não penso em outras coisas e você nunca
provou da minha comida – andamos em direção à cozinha, mas paramos ao
passar pela mesa de jantar. É grande e bem antiga, contrastando com a
decoração moderna da casa
– Não imaginei que soubesse cozinhar – Philiph ainda vive o luto, porém
está calmo e isso me deixa um pouco aliviada.
– Há muitas coisas sobre mim que você não conhecesse. Pode não
parecer, mas sou um bom homem – segurei seu rosto e o encarei.
– Não quis dizer o contrário. Eu sei que você é um bom homem, tenho
provas – falei convicta. Não entendi o porquê paramos aqui ao invés de
seguirmos para a cozinha e para minha surpresa, seus olhos puseram-se sobre
mim e percorreram meu corpo de cima a baixo. Aproximou-se perigosamente
e fechou os olhos, vi quando inalou o perfume que exala de minha pele e
embriagou-se dele.
– Esse seu cheiro – falou com desejo.
– Eu preciso sentir você, não posso esperar mais nenhum minuto – mal
tive tempo de processar sua atitude, senti uma pressão contra meus lábios e
ele os roubou, atiçando em mim sensações que ficaram perdidas desde nossa
última vez. Que falta senti de suas grandes mãos a me apertar em pontos
estratégicos, de sua pegada viril e da forma como ele se importa em me dar
prazer. De repente, me sinto loucamente excitada e eufórica por estar com
ele. Philiph me prendeu contra a mesa e me abraçou.
– Eu achei que eu fosse enlouquecer sem você – afundou o rosto em meu
pescoço e se aproveitou de minha pele. Acariciei seus cabelos e sorri ao
perceber que meu coração estava disparado. – Eu estava sozinho e ficava te
imaginando aqui comigo. Sentia seu perfume por toda a parte e me tocava
pensando nas nossas loucuras – suas palavras eram doces e ao mesmo tempo
impregnadas de luxuria.
– Como você imaginava? – perguntei ofegante com os apertões que ela dá
em minha cintura.
– Eu imaginei nós dois junto. Você como minha mulher, gemendo
embaixo do meu corpo – mordi o lábio inferior visualizando sua boca
provocante.
– Isso tudo ainda está de pé? – vi seus olhos brilharem e desde que
cheguei, foi a primeira vez que sorriu animado.
– Está! Você aceita? – senti um frio violento no estômago ao ouvir tal
pedido.
– Aceito – declarei e o puxei para um beijo intenso. Nossas bocas se
chocaram e sua língua me explorou por inteira, de um jeito muito feroz. Seu
membro rijo que é prensado contra meu corpo, causa-me calafrios
descomunais a ponto de me deixar lamuriando contra sua boca. Este homem
está arrancando toda a minha sanidade. A abstinência que provamos durante
este afastamento fez o desejo aumentar drasticamente.
– Eu te amo, mais do que imaginava – segurou minha cabeça com as duas
mãos e encostou a testa na minha. Passei o polegar sobre seus lábios macios,
delineando os mesmos.
– Fala de novo – mordisquei seu queixo e arranhei sua nuca.
– Eu amo você, Madame – repuxou meu cabelo e gemi pelo modo como
me pegou.
– Aahh – afastou a cadeira da cabeceira, travou minhas costas contra a
mesa e protestei pela dor que senti. Respirei desratizada, meu pescoço foi
loucamente abocanhado e Philiph deixou ali chupões enlouquecedores que
me fizeram amolecer em seus braços.
– Philiph! – clamei manhosa o seu nome, sentindo minha calcinha
umedecer quente entre as pernas.
– Sentiu minha falta? – pressionou minhas bochechas e firmou meu rosto,
deixando-me imóvel.
– Eu te desejo todos os dias desde que te conheci – murmurei baixinho
cravando as unhas em seus braços quando desfez a pressão em meu rosto, ele
me comprime tanto que o ar me falta em níveis absurdos. Estremeci quando
sua mão direita afundou em meu ventre e subiu até apertar meu seio. Ele fez
o mesmo com a outra e busquei apoio na mesa atrás de mim, dando-lhe livre
acesso ao meu corpo.
– Agora você é só minha Mary – respirou fora do ritmo e decretou
autoritário em meu ouvido. Apenas senti quando segurou a barra de minha
blusa e a puxou com pressa. Levantei os braços para facilitar e nos livramos.
– Somente sua, doutor – sensualizei as palavras, abrindo o fecho de meu
sutiã na parte da frente. As mãos dele puseram-se sobre meus quadris e me
colocou sentada sobre a mesa num impulso rápido. Abriu bruscamente
minhas pernas e puxou-me, colidindo seu mastro rijo contra minha
intimidade.
Olhou-me compenetrado e em transe, vislumbrando tudo o que ele mais
desejava à sua inteira disposição. Encaramo-nos excitados e seus olhos azuis
estão acinzentados pelo frisson. Philiph abraçou meu corpo e sorri satisfeita
com sua boca a devastar meus seios.
Minhas coxas são massageadas por suas mãos e cada vez que mordisca os
bicos durinhos, e em seguida, faz movimentos circulares com a língua, sou
levada à loucura, para um lugar fora de meu próprio corpo. Estou tão
entorpecida com os efeitos dos hormônios que agora são lançados em meu
sangue, que não consigo raciocinar.
– Humm – grunhi quando ele espalmou meus seios, apertando-os como
nunca antes havia feito.
– Diz que você estava com saudades – supliquei ao inclinar minha cabeça
para trás e segurei seus cabelos, enquanto ele se aproveita de mim. Meu sexo
lateja ávido, pulsa intensamente e tenho que cerrar os dentes para suportar a
tortura. Passei as mãos por suas costas puxando sua camisa, não foi difícil,
pois sua euforia se mistura com a minha e tirou-a o mais rápido possível.
Toquei seus ombros fortes e másculos, deixando Philiph me devorar com os
olhos. Minhas unhas desceram arranhando seu peitoral, depois abdome e
notei quando todos os pelos dele se arrepiaram.
– Você é uma mulher muito gostosa – declarou sexy e rouco.
– Eu vou fazer você sentir o tamanho da minha saudade – de maneira
desesperada ele abriu o botão de minha calça e a puxou, juntamente com a
calcinha. Fiquei nua e ele me olhou como se fosse à primeira vez.
Os olhos semicerrados acompanhavam os toques que distribui em minha
intimidade completamente encharcada. Ele segurou minha mão, levou a
mesma perto de sua boca e sugou meus dedos​, saboreando meu doce néctar
viciante. Arrepios alucinantes percorreram meu corpo no momento em que
acariciou o membro por cima da calça, apertando o mesmo.
Posso admirar audaciosamente que está bem marcado no tecido justo em
suas pernas torneadas.
– Eu vou te mostrar como eu quero matar essa saudade, doutor – falei
intrépida, deitei apoiando minhas costas na mesa fria e tomei um pequeno
choque térmico que logo foi aliviado pelo calor que me invadiu.
– Então mostra para o seu homem – coloquei as pernas nas laterais e
afastei os joelhos, estou vulnerável nesta posição e assim ele pode fazer o que
quiser comigo.
– Eu quero sentir você com toda força dentro de mim – mais uma vez
deslizei os dedos da mão direita em minha umidade e passei a mesma na
parte interna de minhas coxas, lambuzando a pele sensível. Estou tão
molhada que diria ter gozado só com os beijos que ele já me deu.
– Você é o único homem que me deixa assim – confessei tomada pelo
frenesi de ver que ele me olha com a boca entreaberta, engolindo a própria
saliva que paira na boca. – Porque eu adoro o jeito como você faz – arqueei o
corpo para trás apenas em me tocar intimamente. Meu ventre sobe e desce em
um ritmo acelerado e sorri de forma lasciva ao perceber que ele já havia
retirado a calça e descia lentamente a cueca box, libertando seu membro
avantajado.
– Quem é o seu único homem, Madame? – desferiu um tapa vitorioso na
lateral de minha coxa e gemi alto pela dor momentânea.
– Olhe meu corpo doutor, sou frágil em suas mãos e só você tem poder
sobre mim – estas palavras foram suficientes para Philiph apoiar suas mãos
em meus joelhos e forçá-los contra meu abdome. Meus pés não tocavam mais
a mesa e busquei auxilio nas laterais quando ele escorregou a língua firme e
quente sobre mim
– Oohh – passei a lamuriar e meu barulho fazia eco na casa, girei a cabeça
de um lado para o outro e ergui os quadris ao deliciar—me com sua língua a
me penetrar.
– Faz gostoso vai, mata a minha vontade – ataquei os cabelos dele com as
mãos e os repuxei com alvoroço.
– Ain – protestou, sugando-me com mais rapidez. Sua língua fricciona
intensa e em movimentos circulares meu sexo.
Quase perdi a consciência ao ser invadida por seus dedos, ele faz isso
profundamente, de maneira que me levantar daqui vai ser difícil. Não tenho
mais forças para repuxar seus cabelos, e sei que minha pele vai ficar marcada
pela sua fome.
– Philiph, me faz gozar – mandei apertando sua cabeça no vão entre
minhas pernas, só para aproveitar ainda mais a sensação de êxtase. Sinto que
estou prestes a regozijar—me, pareço leve e flutuante, mas assim que tudo
em mim se contraiu, comecei a puxar o ar com os últimos resquícios de
energia que me resta. E quando ele concentrou-se fielmente em meu ponto de
prazer, permiti entregar meu corpo ao desejo mais visceral que o ser humano
pode desfrutar. – Aahh – gemi alto e desesperada. Ergui a cabeça para
observá-lo tomar todo o meu prazer até a última gota e visualizei sua face em
deleite com meu gozo. Ele lambe não só meu sexo como também as coxas,
não desperdiçando nada de minha libertação.
– Meu Deus – clamei ao relaxar meu corpo. Seus beijos subiram por meu
ventre acalmando minha euforia. Meus músculos ainda buscam relaxamento
e minhas carnes tremem. Fechei os olhos, mas os abri em seguida ao ser
levantada por ele.
– Você é a maior loucura da minha vida e também a maior prova de
minha sanidade – ouvi o tom de mistério no timbre de sua voz e sem realizar
muito esforço, tirou-me de cima da mesa e me colocou-me em pé, de costas
para ele. Meu corpo foi inclinado com o peso de sua mão e deitei. Empinei
meus quadris em sua direção e fechei as pernas aproveitando as fricções que
ele fez em mim com seu membro duro. Estou extremamente sensível e ele faz
movimentos como se fosse me penetrar. Mordeu minhas costas e minha nuca,
levando-me a um estado de dependência de seu corpo. Sua tortura me deixa
aflita e espalmei as mãos sobre o tampo da mesa, esticando meus braços ao
longo de minha cabeça.
– Philiph – minha voz saiu mais grave e ele emaranhou sua mão em meus
cabelos, tencionando-os para trás sem muita delicadeza.
– Prova que você merece ser o meu homem, mostra para mim tudo o que
prometeu – mandei efusivamente e de forma súbita, fui invadida sem dó e
nem piedade. Joguei meu corpo para frente e fiquei na ponta dos pés para
aliviar a pressão colossal que ele fez dentro de mim.
– Aahh – gemi buscando a melhor posição para aguentar seu membro
espesso e enorme abrir as paredes de meu sexo, alargando-me
gradativamente. Ele me abraçou por trás e por alguns segundos ficou imóvel.
Senti seus dentes em meus ombros e aos poucos ele foi me invadindo de
maneira abrupta. Passou a se movimentar com rapidez e gemia gloriosamente
como música para meus ouvidos. À medida que ele me possui, um sorriso
maravilhoso surge em meus lábios para me lembrar que ele é realmente o
homem perfeito para mim.
– Que delicia Philiph – declarei manhosa rebolando em seu membro
sensualmente.
– Isso... Mexe gostoso, Madame – desferiu tapas em meu bumbum e
mordi o lábio com a sensação. O corpo dele está praticamente sendo jogado
em cima do meu, levei minha mão para trás e encontrei seus cabelos, puxei
para perto de mim e logo ele chupou minha nuca.
– Porra, Madame – investiu forte, meus quadris foram erguidos e saí do
chão por um breve momento.
– Aahh – sua boca passeava em mim deixando chupões e marcas que me
farão lembrar esse dia para sempre. No desespero, ele segurou minha coxa
esquerda e a colocou apoiada sobre a mesa. Meu corpo está suando por causa
do calor e o cheiro dele penetra em minhas narinas como droga. Ele usa meu
corpo como quer e faz isso com maestria – Vem cá – saiu de mim e girou-me,
sem exercer muito força, lançou meu corpo contra a parede mais próxima.
Em seus olhos há um desejo animalesco e sem que eu pudesse ter tempo para
falar ou agir, ele me pegou no colo e envolvi seu corpo com minhas pernas.
Abri a boca sem emitir nenhum som quando me instigou, esfregando seu
membro em mim. Meu ponto de prazer já está inchado e não sei até quando
vou aguentar.
– Me mostra como foi ruim ficar sem você – passei minha língua em seus
lábios e ele gemeu descontrolado, foi então que deixou meu tronco escorregar
na parede e se encaixou em mim num impulso rápido.
– Philiph – gritei e ele afundou o rosto em meu pescoço, tratando de
apoderar-se de mim com devassidão. Eu não sinto mais as pernas e meus
seios estão avermelhados com sua boca a me devorar.
– Eu não vou aguentar mais – choramingou sem forças para respirar,
simplesmente esmagou minhas nádegas e se depositou em mim, dando as
últimas investidas. – Ah, como isso é bom... Goza pra mim – pedi sem pudor
nenhum e tomei seus lábios em um beijo avassalador. Suguei sua língua
várias vezes e quando ele estremeceu, grunhiu alto e de forma intensa lançou
seu jato quente dentro de mim. Suas pernas bambearam, mas ele não me
deixa cair.
A expressão de êxtase que vejo em seu rosto é sinal vivo de que adora o
meu corpo. Ao dar as últimas estocadas ainda eufóricas, levou a mão até meu
ponto de prazer e friccionou apenas uma vez, pois segurei seu pulso. Eu não
suportava mais, estava sensível e já tinha gozado só de vê-lo derramar-se em
mim. Ficamos parados controlando a respiração e tomando consciência da
realidade.
Ele ainda está dentro de mim e aos poucos vai saindo, colocando-me no
chão. Me segurou firme, pois sabe que não tenho mais equilíbrio. Deitei a
cabeça em seu peito e descansei. Sinto-me fraca e sem forças para qualquer
coisa, apenas olhei para ele e o beijei, agradecendo por estar aqui.
– Vamos tomar uma ducha quentinha – sorri e como ele sempre fazia,
pegou-me em seu colo e como um cavalheiro antigo, caminhou comigo até o
banheiro. Lavamos nossos corpos, apreciando a paz do momento. Ao
sairmos, Philiph me deu um hobby branco e também vestiu um.
Direcionamos—nos à cozinha e recolhemos nossas roupas que estavam
espalhadas pela sala de jantar. Limpei a mesa que estava marcada pelo meu
suor e em poucos minutos, tudo já estava impecável.
– Agora eu tenho que terminar de te conquistar – falou segurando minhas
mãos e beijando o dorso das mesmas.
– Mas já me conquistou – deixei claro.
– Ainda não conquistei cem por cento. Tem que provar dos meus dotes
culinários – ri de sua fala e admirei seus cuidados comigo.
– Ok. Então vamos ver se você já está apto para casar – estranhei quando
ele tirou o hobby e pediu para eu segurar.
– Vai cozinhar só de cueca? – ri ao ver sua cueca box branca. Ele negou a
hipótese, foi em direção ao armário e abriu uma gaveta. Fiquei boquiaberta
quando o vi tirar um avental de dentro e colocar em volta de seu corpo.
– De cueca e avental – ele está bastante sexy assim.
– Você está me surpreendendo, doutor Philiph – ele me encarou
fascinado.
– Você vai ver que eu sou um bom pretendente – falou carinhoso e me
senti leve ao lado dele. Uma sensação nunca antes experimentada por mim.
– Hoje vou fazer para você um salmão ao molho de limão com hortelã e
legumes regados a queijo branco – ele tirou os ingredientes e começou a
organizá-los na bancada.
– Com quem aprendeu a cozinhar? – indaguei curiosa ao ver que ele tinha
prática.
– Minha mãe. Eu sentava na bancada da cozinha quando era criança e
ficava admirando a forma com que ela cozinhava. Ela falava em receitas
como se fala de poemas – explicou. Philiph começou a cortar os legumes
milimetricamente em pedaços de tamanhos iguais e os colocou para cozinhar.
Ele é organizado e cuidadoso.
– Enquanto os legumes estão no fogo vou te ensinar a fazer o salmão –
falou seguro de seus conhecimentos e me aproximei. – Preste atenção!
Primeiro eu corto o salmão na diagonal, tomando cuidado para a incisão não
sair torta – ri baixinho e ele ficou sem entender.
– O que foi? – questionou encabulado.
– Parece que você está fazendo uma cirurgia no peixe, Philiph – ele riu
descontraído, mas logo voltou a ficar atento.
– Mania de cirurgião. Desculpa – voltou seu olhar para mim e selamos
nossos lábios. – Depois tempero com sal, pimenta do reino e ervas finas – eu
estava adorando observá-lo de avental e fazendo jantar para mim. Meus olhos
se abriram, metaforicamente falando. Philiph é um homem digno de ser
amado.
– Aceita um pouco de vinho? – secou as mãos em um pano.
– Quero sim – respondi.
– Aonde guarda as taças? – perguntei.
– Ali. Primeira porta à sua direita – indicou e peguei as taças. Philiph
abriu a garrafa e nos serviu. Saboreei a bebida e ele aproveitava para me
abraçar, cheirar meu perfume e dizer coisas bonitas para mim.
– Ah! Como eu sonhei com isso, Madame – estou tão entregue às carícias
que nada no mundo agora me chama mais atenção. Tudo o que eu preciso
está aqui. Ele voltou a preparar o jantar.
– E agora? – apontei para o salmão.
– Já está temperado. Agora vou embrulhar no papel alumínio e levar ao
forno por dez minutos – ele fez o pequeno embrulho com cuidado e colocou
numa travessa, levando ao forno. Quando os legumes cozinharam, ele os
despejou na escorredor e os separou num refratário de vidro redondo. Em
seguida picotou nabo e cenoura crua e os espalhou junto aos legumes de
forma a enfeitar o prato.
– Para o molho eu vou usar limão e hortelã – falou e misturou folhinhas
de hortelã ao suco de um limão. Reservou também o molho de queijo e
esperávamos o salmão ficar pronto tomando mais um pouco de vinho.
– Vem morar aqui comigo – assustei um pouco com sua pressa.
– Philiph, eu acho que agora não é momento, ainda mais depois de tudo o
que aconteceu – tentei falar da melhor forma possível.
– É justamente por isso, eu não quero mais desperdiçar nenhum minuto
da minha vida – gesticulou ao falar decididamente.
– Eu já fui relapso com tantas coisas e eu não quero apenas ser um
namorado pra você e te visitar na sua casa às vezes. Não tenho mais idade pra
isso – eu ouvia atentamente seu ponto de vista e notei que ele falava mais
sério do que nunca. Acho que por jamais ter ouvido isso de alguém, essas
palavras me deixam estupefata, amedrontada, porém, me sinto querida como
nunca fui.
– Eu quero morar na mesma casa, dividir a mesma cama e te chamar de
minha mulher – o encarei mais surpresa ainda.
– Sua mulher? – indaguei.
– Toda minha – falou sussurrando. Repuxei seu lábio inferior e ele
apertou minha cintura, afundando seus dedos em minha pele. Abraçamos—
nos, mas dessa vez foi um abraço mais duradouro.
– Obrigada! – agradeci de todo o coração.
– Pelo que? – perguntou sereno.
– Por me mostrar que certas coisas valem à pena – ele beijou minha
bochecha e distribuiu mais beijos pelo meu rosto.
– Vamos jantar – convidou e assenti. O salmão já estava pronto e ele tirou
do forno. Colocou em outro refratário e levamos tudo para a mesa que ele
havia arrumado. Puxou a cadeira para que eu sentasse e em seguida sentou.
Philiph fez questão de me servir e esperou ansioso para minha opinião sobre
o prato. Levei a primeira garfada até a boca e me surpreendi com seu talento.
– Então? – indagou apreensivo.
– Vou amar você cozinhando para mim. Está perfeito! – ele esboçou um
lindo sorriso e acariciou minha mão que estava livre.
– Vou ficar mal acostumada – falei sem jeito. – Eu nunca vou cansar de te
mimar – disse tomando mais um gole de vinho.
– Você é um cavalheiro – elogiei e ele me olhou feliz.

Todo esse momento com ela era o que eu precisava para acalmar meu
coração. Nesse pouco tempo que estamos juntos eu já me sinto um pouco
mais forte para suportar a perda da minha filha. Eu não sei explicar o
tamanho da dor que sinto aqui dentro. Dilacera a alma e corrói cada segundo
mais forte. Nesses vinte dias, peguei meu carro e por diversas vezes saí sem
rumo algum. A única coisa que me fazia voltar para a casa eram meus
pensamentos e coração voltados para Mary.
– Sou um homem de sorte – declarei convicto. Nós finalizamos o jantar e
levei as coisas para a cozinha.
– Eu cuido disso pra você – veio atrás de mim. – Nem pensar – fui
enfático.
– Mas Philiph... – a interrompi.
– Eu faço isso, pode deixar – tentei convencê-la, porém foi difícil e nós
dois arrumamos as coisas. Quando tudo estava pronto, fomos para o meu
quarto. Deitamos na cama e ela se agarrou a mim. Silenciamos por completo.
A porta da sacada estava aberta e o cheiro do mar invadia o quarto. Só a luz
do abajur está acesa e a penumbra deixa a ocasião propicia um momento de
carinho.
– Eu estou te amando Mary – declarei selando demoradamente nossos
lábios.
– E quero tanto fazer você sentir isso – afaguei sua face. – Eu sinto
Philiph – confessou esfregando os lábios nos meus. – Posso te perguntar uma
coisa? – acariciei seus cabelos e ela passou as unhas em movimentos
circulares em meu peitoral.
– Sim – autorizou.
– O que exatamente aquele homem era seu? – notei seu semblante ficar
sério.
– Ele era meu noivo – tive que ajeitar meu corpo na cama para digerir a
informação.
– Noivo? – ela assentiu.
– E o que aconteceu? – instiguei.
– Estávamos em uma festa na casa de uns amigos e eu o flagrei em um
dos quartos, transando com minha melhor amiga na época. Eu fiquei louca,
bati e arrastei a mulher nua até o meio da festa. Ele veio atrás e me chamou
de vagabunda, dizendo que eu me deitava com vários homens. Falou coisas
que nenhuma mulher merece ouvir. No fim das contas eu saí como a vilã da
história e nenhuma daquelas pessoas falou mais comigo, exceto a Leticia –
ouvi a história boquiaberto.
– Eu trabalho pra Sónier desde muito cedo, sempre lidei com muitos
homens. Um dia ele me viu conversando com vários detetives e tirou má
impressão. Como eu não posso revelar nada, nós brigamos e na primeira
oportunidade ele jogou na minha cara – ela fala com pesar relembrando do
passado.
– Na verdade na frente de todos os meus amigos. Nós namoramos por
muito tempo e noivamos, mas tudo veio por água a baixo – suspirou.
– Não precisa falar mais falar desse cara – frisei indignado com o que ele
a fez passar.
– Philiph, eu já tive muitos homens aos meus pés, eu já fiz muitas
loucuras. Eu só queria que você soubesse que... – cerrei seus lábios com meu
indicador.
– O seu passado não me faz te amar menos – enfatizei. – Nenhum de nós
é santo aqui, a única coisa que importa é que você sincera comigo –
categorizei.
– Sabe de uma coisa? – questionou.
– O que? – perguntei.
– Eu descobri que também amo você – sorri emocionado, pois pela
primeira vez ela demonstrou seu sentimento.
– Eu não estou sonhando, não é? – deitei por cima dela e fitei seus olhos.
– Não está. Eu posso ter demorado em tomar minha decisão, mas no
fundo eu sabia que no exato momento em que eu te vi, minha vida não seria
mais a mesma – a olhei apaixonado e roubei sua boca. Nos beijamos
totalmente entregues um ao outro. Deitei de frente para ela e nos abraçamos.
Não demorou muito para adormecermos.
Capítulo 20

Acordei com a sensação maravilhosa de tê-la em meus braços. Sorri ao


ver que estava deitado com a cabeça repousando entre os seios da Madame e
com a perna direita por cima das suas.
Ergui meu olhar para seus seios fartos, aproximei minha boca de um deles
e esfreguei meus lábios sobre a pele, chupando o mesmo gostosamente.
Apertava o outro e mordiscava o bico duro que estava em minha boca. Aos
poucos ela se remexeu na cama e sorriu ainda de olhos fechados.
– Humm – gemeu emaranhando seus dedos em meus cabelos. Subi os
beijos por seu pescoço, sugando avidamente a carne, e percorri o caminho de
sua boca.
– Bom dia! – falei subindo por cima dela e seus braços me envolveram.
– Bom dia, Philiph – falou sonolenta e observei suas feições ao natural.
Belíssimas.
– Deixa eu ver esses olhos lindos – pedi para que ela os abrisse, forçou os
cílios e devagar, abriu os olhos, dando-me a visão do verde mais intenso e
brilhante que já vi.
– Não me olha assim, estou horrível! Acabei de acordar – balbuciou as
palavras e me diverti com elas. Tampou o rosto com as mãos para esconder o
semblante de sono, mas tirei e prendi seus braços contra os travesseiros
– Você é linda dormindo, acordando... É de todo o jeito – dei selinhos em
seus lábios e suspirei quando libertou suas mãos, subindo e descendo as
unhas por minhas costas, causando arrepios deliciosos.
– Posso te fazer um pedido? – falou agarrando-se em meu pescoço.
– Todos os que você quiser – sussurrei em seu ouvido, dando a ela carta
branca. Cheirei seus cabelos e rocei minha barba por sua bochecha.
– Vamos passar alguns dias em Lisboa. Eu estou com saudades de lá – a
encarei fixamente.
– Lisboa? – indaguei deitando ao seu lado. Puxei-a para junto de mim e
ela disse
– Sim, Lisboa – fez sotaque português e ri achando sexy.
– Eu vou para onde você for – sorri e ela se animou.
– Mas só podemos ir daqui nove dias, porque o novo neurocirurgião vai
chegar e tenho que auxiliá-lo – passei a mão por meu rosto e lembrei que ela
disse que ia embora.
– Temos que ver sua situação, ainda dá tempo de dispensar o novo
médico e pegar seu emprego de volta – dei a solução e ela ficou pensativa.
– Eu não sei se quero trabalhar mais no Esmerald City – disse acariciando
meu braço.
– Eu preciso de algo novo, um projeto diferente – entendi seu ponto de
vista. Assim como ela, eu também preciso recomeçar. Aprender a caminhar
novamente. Não tenho mais minha filhinha e não posso sucumbir a uma
terrível depressão.
Por todos os lados que olho só tem lembranças dela. Nós viemos poucas
vezes a esta casa, mas a outra está repleta de imagens e fotografias da
Luanna. Ouço a voz da minha doce garotinha a todo o momento e não
consigo mais passar em frente à escola onde estudava, muito menos no
parque que adorava brincar.
A única coisa que carrego comigo são alguns de seus desenhos e uma foto
em minha carteira. É doloroso olhar o álbum com nossos melhores momentos
e todas as vezes que vejo a bonequinha ruiva, relembro o dia fatídico. Talvez
partir para Lisboa não seja uma má ideia. Depois de tudo o que aconteceu em
minha vida, um pouco de amor de verdade e paz são tudo o que eu mais
quero.
– Você ama esse lugar, não é? – perguntei.
– Amo sim. Passei boa parte da minha vida morando em Lisboa. É um
lugar especial. Muito Tranquilo e nos faz esquecer muita coisa ruim –
enrosquei meus dedos em seus cachos e brinquei com eles.
– Você tem mesmo vontade de voltar a morar lá? – ela ficou sem jeito.
– Philiph, porque está me perguntando isso? Ontem mesmo eu disse que
se você me quisesse eu não iria embora – fez uma pergunta ao invés de
responder, percebo que ficou confusa.
– Eu quero muito fazer essa viagem, conhecer o seu paraíso secreto –
falei misterioso e rimos juntos.
– Eu já estive em Coimbra há uns dois anos. Quem sabe não tenho um
novo olhar sobre Portugal. Quem sabe até não nos mudamos para lá – Mary
sentou-se rapidamente na cama e ajeitou os cabelos.
– Não brinca, não quero ter falsas esperanças – ri divertido. Ela ainda não
perdeu a pose de mulher durona e quando fala firme sua voz tem
empoeiramento.
– Não é brincadeira e você é muito durona, sabia? – ela assentiu.
– É algo com que você vai ter que aprender a se acostumar – concordei e
também sentei ao seu lado.
– Quando te conheci você era durona e é assim que vou continuar
gostando – ela mordeu o lábio inferior e nos beijamos. Depois tomamos um
banho rápido e um café reforçado. Ela foi para o hospital de taxi, pois não
queria que nos expuséssemos agora.
Seu carro ainda está na oficina. Então, fiquei em casa resolvendo algumas
coisas por telefone. Falei com Leticia sobre minha reconciliação com Mary e
ela ficou feliz. Informou-me sobre a investigação e troquei duas palavras com
Senhor S a respeito de minha conta no banco, incluindo o seguro de vida.
Após essa conversa liguei para o meu gerente e este me informou que
estava tudo nos conformes. Nenhum centavo havia sido tirado do cofre. As
suspeitas iniciais sobre o interesse de Kate em meu patrimônio, agora se
desmancham diante de mim e só ficou o rastro da traição. Sobre isso ela me
fez um favor, eu não teria conhecido Madame Mary se não fosse por ocasião
de minhas suspeitas.

Nas primeiras horas da manhã no hospital peguei um gravíssimo caso de


aneurisma e fiquei durante horas no centro cirúrgico. Quando fui para a
minha sala já havia passado do horário do almoço. Estou faminta. Meus
passos estão um pouco fracos pelo bom tempo que permaneci em pé com as
mãos dentro do cérebro de minha paciente. Antes de entrar, vi doutor Conrad
andando um pouco atordoado pelo corredor e falando ao telefone.
Gesticulava irritado e posteriormente caminhou para o andar da plástica.
Quando o perdi de vista decidi entrar. Peguei meu celular e vi uma
mensagem de Philiph. "Diz pra mim que é verdade tudo o que aconteceu
ontem?" Sorri encantada ao ler. Eu ainda não sei bem como lidar com este
relacionamento, mas sei que ele me ensinará a descobrir as coisas boas. Não
tardei a responder.
"Verdade plena."
Enviei e depois guardei o celular dentro de minha bolsa. Remexi em
algumas coisas espalhadas dentro dela e reparei que ainda guardava comigo o
gravador e a escuta. Como num raio de luz, lembrei do ponto que havia
deixado na sala de Conrad assim que o conheci. Mesmo cansada e com fome,
sentei para matar a curiosidade.
Posso estar longe do caso, contudo não tenho como conter meu instinto.
Liguei os aparelhos, acomodei-me na poltrona e coloquei o ponto de escuta
no ouvido, já que o meu está conectado ao dele. Acho que peguei uma
conversa pela metade, mas consegui ouvir frases estranhas, porém,
soltas. "Kate eu não tenho coragem suficiente pra fazer isso.”
Pausou e depois prosseguiu. "Eu já disse que não vou fazer. Sinceramente
você é muito fria. Lá embaixo é uma caixa forte. Não tem como sair" Parou
de falar.
Estou pensativa a respeito do que ouvi. O que será que ele quis dizer? O
que Kate está aprontando dessa vez? Fiquei mais alguns segundos tentando
ouvir alguma coisa, entretanto ele começou a atender um paciente. Guardei
tudo e liguei para Leticia. Convidei-a para um almoço e marcamos de nos
encontrar em um restaurante próximo ao hospital. Peguei minhas coisas e saí
a pé mesmo. Cheguei primeiro e esperei por ela, não tardou muito e a vi
entrar pela porta principal. Levantei e a abracei, não nos vemos há dias.
– Estou sabendo das novidades! – disse feliz e segurou minhas mãos por
cima da mesa.
– Sabe como? – fui curiosa.
– Ele ligou hoje para saber sobre o caso e estava todo feliz. Disse que te
encontrou ontem e que vocês tinham se acertado – sorri para ela.
– Acho que cansei de lutar contra isso, eu gosto demais dele – ela
assentiu.
– Já estava na hora disso acontecer, Mary. Você merece ser feliz, e acima
de tudo, sem ficar tão dependente do seu pai – falou séria. Respirei fundo ao
escutar a verdade.
– Eu preciso ter uma vida só minha. Vai ser difícil para o Philiph aceitar
meu trabalho e esse meu gênio complicado, mas eu quero tentar e meu pai
não vai estragar isso – categorizei e em seguida escolhemos nossos pedidos e
enquanto não chegava, eu contei como tudo aconteceu e da volta
inacreditável de Fernando. Pouco tempo depois, o almoço chegou e comemos
tranquilamente. Pagamos por nosso consumo e nos retiramos do
estabelecimento. – Eu sei que tinha pedido para não mandar mais notícias do
caso, mas agora é diferente. Ele não comentou nada ontem, tenho que saber
como as andam as coisas – ela me olhou com ares de poucas novidades. –
Mary, não há informação nenhuma e sinceramente, estamos prestes a encerrar
o caso – a encarei estupefata.
– Eu pensei que fosse demorar mais um pouco – preocupei-me.
– Não há nenhum vestígio conclusivo. Aquilo que doutor Conrad nos
disse na festa sobre ela ter uma conta no banco não vale de muita coisa. Já
vasculharam o apartamento onde ela mora, já reviraram tudo! A ficha
criminal dela é limpa e se realmente, ela está por trás da morte da menina, ela
é uma assassina invisível e realizou o crime perfeito. Eles podem ter um caso,
mas acredito que ele não sabe mais nada – neguei.
– Eu não tenho tanta certeza disso, no início eu coloquei um ponto de
escuta na sala dele e hoje ouvi uma conversa muito estranha – tirei o
equipamento da bolsa quando nos aproximamos do carro dela. Entramos e
coloquei para tocar. Leticia ouviu as curtas frases atentamente. Repassei duas
vezes e no final ela disse. – É estranho, mas é solto. Não liga nada, Mary –
me desesperei.
– Então pelo amor de Deus, me explica como aquela menina morreu
daquele jeito – meu coração acelerou e senti raiva.
– Nada foi tirado daquela casa, absolutamente nada! Aquelas pessoas
mortas. Aquelas pistas todas para nada? Vocês não podem encerrar o caso
agora, ainda é muito cedo – esbravejei e respirei fundo, buscando
autocontrole.
– Há muitos loucos espalhados por aí, psicopatas que matam por puro
prazer. Já encontramos alguns tipos assim, você sabe – nada do que ela fala
consegue atingir minha consciência, nada faz sentido.
– Então por que eles escreveriam na parede “Ela vai pagar por você sua
vagabunda” – ela me olhou repreensiva.
– Eu sei aonde quer chegar, mas nenhum detalhe foi desperdiçado.
Excepcionalmente tudo foi levado em consideração – tomou fôlego.
– Há investigadores na cola deles vinte e quatro horas por dia, vivendo
como sombras. O que mais você acha que falta? – perguntou irritada e me
reservei ao direito de ficar calada, pois ela tem razão.
– Olha pra mim – olhei para ela tentando de alguma forma, resignar—
me.
– As investigações não irão cessar, mas a nossa equipe está com outros
casos para resolver. A polícia aqui vai dar continuidade. Madame, nada vai
trazer a criança de volta – fiz um esforço sobre-humano tentando me
controlar, porém não aguentei, chorei diante dela. – Eles não vão descobrir
nada, Leticia. Como uma coisa daquelas acontece a uma criança? Quem faria
aquilo sem chantagear a família ou sequer roubar objetos caros? Só levaram
um carro que foi incendiado. Foi ela, eu tenho certeza! Mas com que
propósito eu não sei. Eu não vou conseguir olhar na cara dela quando ela
voltar para aquele hospital – as palavras saem rápidas de minha boca e me
sinto sem ar. – Se fosse ela, aposto que manteria a criança viva em algum
lugar para pedir resgate ou vender para tráfico de órgãos ou infantil. Porém,
não aconteceu nada disso – Leticia tenta me explicar.
– Aposto que ela ia fazer isso, mas simplesmente alguma coisa deu errada
dentro daquele carro – completei.
– São só hipóteses. Eu sinto muito – conversamos mais alguns detalhes
sobre as fotos que vimos no álbum e que demonstram sutilmente a falta de
carinho de Kate tinha pela filha e Leticia me contou como havia sido o
enterro. – Ela estava inconsolável no enterro da filha, parecia muito real o
sofrimento dela. Talvez Kate sentiu o peso de nunca ter amado a menina
naquele momento – ouvi e rebati.
– Se você não ama alguém durante sete anos de vida, não vai amar depois
da morte – ela me olhou rendendo-se à explicação.
– Eu sei disso, mas Senhor S quer deixar tudo aqui nas mãos do Rony.
Somos detetives, ficamos um tempo e depois vamos embora. É assim que
funciona. Não podemos nos apegar aos nossos clientes como se eles fossem
as únicas pessoas do mundo a necessitarem de ajuda – eu não posso acreditar
no que estou ouvindo, meu pai nunca desistiria tão fácil, porém nunca
pegamos um caso tão controverso.
– Isso tudo é um grande pesadelo – exclamei. – É hora de acalmar os
ânimos, tudo o que precisava ser feito, já foi feito – apertou minha mão
dando-me coragem.
– O Philiph precisa de você, é tudo com que deve se preocupar agora. Há
coisas na vida que jamais vamos entender. Segue em frente – fiquei calada
processando o que ela disse.
– De qualquer forma, até o ultimo dia em que vocês estiverem no caso,
peço que deem o seu sangue. Prestem atenção nos detalhes, por favor –
supliquei e Leticia assentiu.
– Você nos conhece – declarou e sorri contida. – Você ainda vai voltar
para o hospital? – questionou.
– Não, era só pela manhã mesmo. Você me leva até a casa do Philiph? –
pedi.
– Claro, onde fica? – expliquei o caminho e durante o trajeto falamos
sobre essa nova fase da minha vida e sobre a futura viagem para Lisboa.
Minutos mais tarde eu já estava em frente à casa.
– Quer dizer que a Madame agora é uma mulher dedicada ao lar – falou
ironicamente a olhei com desdém, porém rimos juntas.
– Não exagera Leticia. Eu não moro com ele – apontei.
– É só uma questão de tempo – sorriu travessa como sempre foi. – A boa
esposa portuguesa. A rainha de Lisboa – ri de seu comentário.
– Eu sabia que tinha que deixar ele roubar você daquele Gogo Boy –
completou.
– Philiph e eu estamos nos conhecendo de verdade agora e você sabe
muito bem que sou espanhola – desci do carro e ela gargalhou.
– E sobre o dançarino você ainda me paga! Sua hora vai chegar –
anunciei e ela se calou.
– Não está mais aqui quem falou – rimos juntas. Nos despedimos e entrei
na casa.

Os dias se passaram depressa, o novo cirurgião chegou ao hospital de


Esmerald City e tudo estava bastante corrido para ela. Mary ainda não veio
morar comigo, apesar de minha insistência e entendo que exigir isso agora é
mentalmente exaustivo. Porém, nesse curto espaço de tempo, estamos nos
conhecendo e encontrando um lugar em nossas vidas para encaixar os
defeitos e as qualidades um do outro.
Vemo-nos com bastante frequência e preservamos a nossa
individualidade. Quando finalmente seu trabalho no hospital terminar,
voltaremos a conversar sobre morar juntos. Estou afastado do hospital por
tudo o que aconteceu e ainda tenho um tempo razoável para espairecer e
colocar aos poucos minha vida no lugar, antes de voltar à rotina.
Estou apostando todas as minhas fichas nessa viagem e por isso decidi
fazer uma surpresa para ela. Já era fim de tarde quando ouvi sua voz vinda da
sala e fui ao seu encontro.
– Que bom que você chegou – ela está parada próxima ao sofá e ao me
ver, caminhou em minha direção.
– Como eu queria te ver hoje – abraçou-me e pude sentir seu cansaço.
– Como foi com o novo neurocirurgião? – perguntei caminhando com ela
até o meu quarto.
– Ele é excelente, mas apareceram tantos casos complicados que mal
tivemos tempo para conversar e amanhã tenho que correr contra o tempo para
mostrar tudo – explicou e a abracei, envolvendo sua cintura.
– Vamos relaxar um pouquinho? – indaguei sugestivo. Mordisquei a pele
de seu pescoço e ela apertou minha nuca.
– Uhum – sussurrou baixinho.
– Eu preparei um banho bem gostoso para você – apontei para o banheiro
e a Madame sorriu aliviada ao encontrar a banheira cheia, com o perfume dos
sais exalando dela.
– Me ajuda a tirar – ficou de frente para mim e comecei a tirar sua blusa,
depois seu sutiã. Visualizei seus seios convidativos e os massageei olhando
para ela.
– Esse teu corpo gostoso – tomei seus lábios puxando os bicos entre meus
dedos. Ela segura meus braços e tenta puxar minha camisa. – Pronto – tirei,
deixando meu peitoral livre. Abri o botão de sua calça e desci o tecido justo
por suas pernas junto com a calcinha. Não me contive, ajoelhei diante dela e
beijei suas coxas, subindo os beijos até encontrar sua intimidade. Apoiei sua
perna esquerda na beirada da banheira que é cercada por granito.
– Ain Philiph – gemeu quando passei minha língua por sua umidade.
Suguei seu ponto de prazer e dei leves batidas com minha língua. Sinto seu
corpo perder aos poucos o equilíbrio e ela busca sustento repuxando meus
cabelos. Apertei suas nádegas, mordi suas coxas e abdome, depois voltei a
torturá-la. – Eu espero por isso o dia inteiro, Madame – olhei para ela que
parecia estar perdendo a consciência.
– Gosto de você como meu homem – mordiquei seu ponto cheio de
nervos e ela arfou, puxando o ar para dentro dos pulmões.
– Gosta? – perguntei penetrando-a com dois dedos.
– Aahh – gemeu flexionando a perna que está apoiada no chão
– Gosto muito, Philiph – confessou e aumentei o ritmo de meus dedos
entrando em sua intimidade apertada. – Mais rápido – ela pede desesperada e
cada vez que sugo com mais voracidade, seu liquido doce escorre por meus
dedos. Chupo com imenso prazer tudo o que sai dela. Movimento minha
língua de baixo para cima e não desvio o olhar dela.
– Goza... Eu quero tudo para mim – ordenei autoritário, concentrando
toda a minha ação em seu ponto mais sensível. E ao sentir seu sexo contrair-
se em minha boca, ela relaxou o corpo gemendo alto.
– Oohh – Tomei todo seu gozo que escorreu pela parte interna de suas
coxas e chupei toda a extensão que estava bastante inchada. Ela respira como
se tivesse emergido de águas profundas e finalmente quando afrouxou os
apertões que dava em meus cabelos, me ergui do chão e avancei contra seus
lábios. Ela está enfraquecida em meus braços e percebo que posso dominá-la
do jeito que eu quiser.
– É perfeito sentir meu gosto em sua boca – enlouqueci com a
declaração.
– Você é perfeita para mim – finalizei nosso beijo e ela sorriu.
– Eu estava tão tensa – suspirou.
– Você pode ter isso todo o dia se quiser – falei sexy e rouco.
– É uma ótima proposta, doutor – sorriu lascivamente.
– Vamos entrar – retirei minhas roupas com a ajuda dela e a puxei para
dentro da banheira. Sentei apoiando-me na borda e ela deitou entre minhas
pernas, recostando as costas em meu peito. Suas mãos acariciam minhas
coxas dentro da água e faço massagens em seu ombro, aproveitando para
cheirar seus cabelos.
– Eu adoro quando você me pega, doutor e me deixa sem saída – falou
maliciosa depois de instantes em silêncio.
– Não me provoca, senhorita – apertei seus ombros e ela encolheu-se.
– Você se lembra da vez em que me deu o livro do Kama Sutra? – riu
baixinho.
– Lembro – respondeu.
– Se lembra do que disse para mim naquele dia? – ela pensou por alguns
segundos.
– Não – afastei os cabelos de seu ouvido e murmurei.
– Que toda mulher gosta de uma pegada mais quente, de alguém que as
domine – ela balançou a cabeça e afastou as costas de mim, engatinhando até
a borda da banheira, oposta à que estou. Ficou de quatro e bateu na própria
bunda sensualmente e logo massageou o local que havia ficado vermelho.
– É verdade, e disse também que do jeito que eu gosto, homem nenhum
foi capaz de fazer – me senti desafiado e me aproximei dela.
– Nenhum homem? – bati contra as laterais de suas coxas.
– Nenhum – protestou alto e grunhindo. Repuxei seus cabelos para trás e
esfreguei meu membro em suas nádegas, depois desci até sua intimidade,
roçando o mesmo contra ela.
– Tem certeza? – instiguei provocando sua entrada. Percebo que toda a
vez que vou entrar, mas retiro-me, ela se revolta e crava as mãos na borda da
banheira.
– Prova para mim que eu estou errada – falou altivamente e me posicionei
em sua entrada.
– Muito errada – alertei e a invadi num só ato, sem dó e nem piedade.
– Aahh – fiz força contra ela e aumentei ainda mais o ritmo, apreciando a
mais bela mulher que já vi totalmente ao meu dispor. Estou de joelhos atrás
dela e a água morna aquece nossas pernas dentro da água.
– Não sou homem de deixar a desejar, tudo o que eu faço é gostoso –
segurei sua cintura e tirei um de meus joelhos apoiados no fundo, deixando o
mesmo flexionado fora d’água e o pé firmando no fundo. Com isso tive mais
equilíbrio e me afundei nela de um jeito avassalador. Levei minha mão
esquerda em seu clitóris e mexi no ritmo de minhas investidas.
– Philiph – clamou por mim batendo de punho fechado na parede à sua
frente.
– É só você... Só você faz do jeito que eu gosto – avancei mordendo suas
costas e ouvi seus gemidos fazerem eco no banheiro. Meus movimentos
sacodem tanto seu corpo que a água faz um barulho pelo atrito de nossos
corpos.
– Que tesão você é – conclui já ensandecido com a situação. – Senta aqui
– sai de dentro dela e sentei na banheira, de forma rápida ela veio para cima
de mim e passou a cavalgar num ritmo alucinante. Minhas mãos percorrem
suas costas e ela morde meus ombros, meu pescoço e passa as mãos por meu
rosto, tomando meus lábios com volúpia. Tomo posse de seus seios e os vejo
subirem e descerem à medida que ela senta com pressão.
– Humm – gemeu revirando os olhos, pois a empurrei para baixo e
segurei-a parada por um tempo para que pudesse ir literalmente até o fundo.
Soltei seu corpo reclinei minha cabeça na borda da banheira, um de meus
braços está esticado na borda e o outro está nos cabelos dela.
– Senta gostoso... Isso – imploro e ela obedece de imediato, liberando seu
lado mais erótico e selvagem. Às vezes penso que tudo isso é um grande
sonho e estou prestes a acordar. Tê-la comigo é tão surreal, mas ao mesmo
tempo é adrenalina pulsante em minhas veias.
Agarrei-me fortemente em seu corpo, enquanto ela friccionava seu ponto
de prazer. Algo libidinoso sobe por minha espinha e se envolve em meu
ventre para me deixar hipnotizado por ela. Vejo seu rosto rubro mostrar tudo
o que está sentido e seu belo corpo se contorce em cima de mim. O nó em
meu estomago está prestes a explodir e já sinto minhas pernas adormecerem
dentro da água.
Ela segurou meu pulso e o levou até sua intimidade, esfreguei meus dedos
com força e entendi que o ápice estava chegando para ela, pois seu orgasmo
veio acompanhado de ondas de tremores pelo corpo inteiro e de um gemido
estrondoso grave.
– Aahh Philiph – desesperado, abracei seu corpo e cheguei ao meu
máximo de nossa loucura.
– Madame! – ela rebolou ao ouvir o próprio nome e mesmo dentro da
água, meu liquido escapou pelas pernas dela, lambuzando meu membro. A
água ainda estava em turbulência, mas aos poucos foi se acalmando junto
conosco. Encaramos—nos ela encostou a testa na minha.
– Linda – elogiei.
– De quem você gosta mais, da Madame Mary ou da Mary? – interrogou-
me e a olhei de lado.
– São duas mulheres incríveis – respondi.
– É sério Philiph – balançou meu queixo. – Com quem eu estava agora? –
perguntei.
– Acho que com a Madame – ri e ela fez o mesmo.
– E quando vou poder me encontrar com a Mary? – ela pensou e logo
tornou a dizer.
– Acho que a Mary só aparece quando estamos bem calmos – concordei.
– Então a Madame é a sua loucura? – ela assentiu positiva. – Vou adorar
ter as duas comigo – falei num tom malicioso e ela gargalhou gostosamente.
– Safado – concordei.
– Você me deixa assim – anunciei. Finalizamos nosso banho sem pressa e
nos dirigimos ao quarto. Separei um espaço no closet para ela e sempre que
vem para cá, algumas peças de roupa acabam ficando por aqui. Abri uma
gaveta do criado mudo e peguei a surpresa para ela. Mary já está sentada na
cama com as costas apoiadas na cabeceira. – Fecha os olhos – parei na
beirada da cama e com a mão para trás.
– Philiph eu não sou boa com surpresas – advertiu e se aproximou de
mim ajoelhada na cama. – Fala o que é – tentou puxar meu braço, porém não
permiti.
– Não, só se fechar os olhos – não tendo outra opção ela os fechou. Tirei
meu braço de trás e coloquei o que estava em minha mão em frente ao meu
rosto. – Agora pode abrir.
– Eu não acredito nisso, Philiph – pulou em meu pescoço e peguei-a em
meu colo, ela flexionou as pernas para trás e a girei, rodando várias vezes.
Depois a coloquei no chão. – Quando você comprou as passagens? –
entreguei a ela que olhou atentamente.
– Hoje de manhã, eu esperei por você o dia inteiro para fazer essa
surpresa – a doutora me retribuiu com um abraço apertado.
– Obrigada – agradeceu carinhosa. – Te amo, doutor Philiph – selei
nossos lábios ou ouvir.
– Eu também, muito – fiz carinho em sua face.
– Eu quero entrar de cabeça nessa nova fase da minha vida, quero fazer
tudo diferente desta vez – falei e ela sorriu.
– Eu quero estar ao seu lado sempre – afagou minha barba.
– Do passado só quero levar as coisas boas, o resto eu quero esquecer.
Quero começar do zero – fui categórico.
– E você é o meu maior recomeço – beijei sua fronte. – Eu me sinto
honrada por isso – me encarou. – A honra é toda minha – sorrimos um para o
outro e em seguida ela se acomodou na cama, enquanto eu guardava as
passagens. Preparei-me para deitar quando ouvi meu celular tocar, eu estava
tão agitado pelo frisson da viagem que não olhei direito para o visor, apenas
atendi a chamada.
– Alô! – falei e a linha estava muda.
– Alô – falei novamente, mas dessa vez ouvi um chiado do outro lado da
linha. Olhei para Mary e li seus lábios perguntando quem era e simplesmente
gesticulei mostrando que não sabia. O olhar dela está apreensivo e decidi
ameaçar.
– Olha se for para fazer algum tipo de brincadeira... – a ligação está
péssima por conta dos chiados, entretanto cortei a frase ao meio ao ouvir lá
no fundo uma voz muito baixa e chorosa.
– Quem está falando? – indaguei rispidamente e sentindo uma agonia
ferrenha.
– Papai – paralisei de corpo e alma. Não tive mais forças para segurar o
telefone, o mesmo caiu e perdi totalmente o chão.
Capítulo 21

– Lu? – um suor gélido brotou pelos poros de minha pele e pronunciei seu
nome de forma inaudível. Senti meus músculos travarem por completo, uma
agonia ferrenha invadiu minhas entranhas e sei também que está por todo o
ambiente. Ou oxigênio entra muito rarefeito em meus pulmões ou o mesmo
está cheio de mais, impedindo-me de expelir o que é tóxico. Nesse exato
momento, apenas ouvi o barulho do celular chocando-se secamente contra o
mármore italiano do chão. Mary me encarou com as pupilas dilatadas e sem
reação alguma.
– Mary, é a minha filha! – ditei a informação absurda e surreal, porém
minhas pernas não se deslocam sequer um centímetro para canto nenhum. Vi
a mulher tomar consciência do que eu acabei de dizer, levantar da cama e
procurar com urgência o telefone que caiu e rolou para debaixo da cama. Ela
se esgueirou estendendo o braço e conseguiu capturar o aparelho.
– Alô? – perguntou aflita, passou a mão livre pelos cachos castanhos de
seus cabelos e respirou fundo. – Quem está falando? – se exaltou e sua voz
saiu num tom ameaçador. De repente, ela silenciou e passou a respirar
descompassadamente. Eu ainda estou paralisado, estático e sem forças para
reagir. – Por favor, diga alguma coisa. Quem​ está aí? – questionou
desesperada e visualizei sua face atormentada pela ligação. Tanto quanto eu,
ela está perplexa. Meus batimentos cardíacos parecem perfurar meu peito e
um clima horrível paira no ar.
– Desligaram – disse apreensiva e voltou seu olhar para mim. Eu nada
pude dizer, apenas lembrei-me de minha garotinha e da forma brutal com que
foi assassinada. Durante todo esse tempo após sua morte, cada segundo do
meu dia foi rememorar os momentos bons com ela. Sua risada meiga e terna
ainda ecoa perfeita por meus ouvidos. Eu ainda não sei como estou
suportando tamanha perda, não fosse por Mary, eu já teria atentado contra
minha própria vida. Não havia sentido nenhum sem elas e só estou vivo
porque a tenho ao meu lado.
– Philiph fala comigo! – segurou meu queixo e o balançou, trazendo-me
de volta à realidade. Quando saí do transe hipnótico, soltei o ar preso em
meus pulmões.
– Era a voz dela, era a minha garotinha – expressei-me eufórico e saí a
passos largos pela casa em direção à sala.
– Philiph me ouve! – ela veio atrás de mim e me puxou pela camisa.
– Liga para o seu pai e também para Leticia. Quero todos aqui agora! –
categorizei seriamente e ela segurou-me pelos braços.
– Fica calmo! – pediu e me soltei dela.
– Como posso ficar calmo? Era a voz da Luanna, ela precisa da minha
ajuda – esbravejei e comecei a dar passadas pela sala sem rumo algum.
– Philiph vem comigo, senta aqui – ela tenta me acalmar, mas estou
aéreo e pensando onde minha menina pode estar.
– Eu vou pegar a chave do carro – nem ao menos me aproximei do sofá e
voltei correndo em direção ao quarto.
– O papai já está indo filha – falei sem me dar conta de que foi apenas um
telefonema a altas horas da noite.
– Philiph para! – ouvi sua voz de comando soar alta em meus ouvidos e
girei meu corpo para encará-la. O chamado dela foi como retirar meu corpo
do efeito anestésico, pisquei várias vezes ao voltar à consciência. Ela pegou o
celular nas mãos e checou os​ registros – Número desconhecido, Philiph – a
olhei com uma sensação estranha querendo emergir de dentro de mim.
– Pode ter sido um trote, muitas pessoas se aproveitam da desgraça do
outro – neguei com a cabeça.
– Era a minha filha, eu tenho certeza – falei esperançoso, segurei firme
em seus braços e mergulhei em seus olhos verdes.
– Philiph, parecia ser uma ligação de beira de estrada. Havia risadas no
fundo e o barulho de carros estava alto – explicou e a adrenalina, que ainda
está rasante em minhas veias, causou-me choques por todo o corpo. É como
se as palavras delas se esvaíssem no ar.
– Era ela – reafirmei com tom de voz mais grave do que pretendia e ela
assentiu.
– Tudo bem, mas fica calmo – foi me empurrando de leve e sentei na
cama. Um nó está preso em minha garganta, ouso dizer, que depois da morte
de minha filhinha, este aperto doloroso estava aqui dentro, no estado latente,
mas agora está regurgitando desesperadamente para sair. Mary se posicionou
em pé entre minhas pernas e abracei sua cintura.
– Acredita em mim, Mary – ergui a cabeça e a encarei suplicante. – Eu
não estou ficando louco – ditei firme e ela concordou.
– Eu sei que não, Philiph – afagou as maçãs de meu rosto. – Ela está viva!
– embarguei as palavras.

O abracei forte, tentei digerir tudo o que acabou de acontecer. Em minha


carreira já presenciei supostos telefonemas para famílias que perderam seus
entes queridos, todos querendo apenas brincar ou arrancar dinheiro de
parentes desesperados que, por mais inacreditável que seja, sentem um fio de
esperança. Beijei o topo de sua cabeça quando ele soluçou.
– Ela está viva, não é? – indagou apertando-me contra ele.
– Philiph – o chamei sem saber o que dizer. Busco palavras de conforto,
mas não as encontro. – Se você tivesse ouvido a vozinha dela – deitei minha
cabeça sobre a sua e deixei que ele chorasse em meus braços.
– Isso dói demais – entrecortou as palavras, meu coração padece junto ao
dele e não sei o que fazer para amenizar seu sofrimento. Suas lágrimas
mancham minha camisola de seda e dentro de mim, eu penso como seria
maravilhoso se tudo isso fosse real e a menina estivesse viva. Porém, sou
realista demais e apenas mantenho meu instinto de detetive.
– O que eu ainda estou fazendo aqui? – caiu em si e me afastou de seu
corpo.
– Eu vou procurar minha filha, ela não está enterrada naquele cemitério –
saiu em direção ao closet e colocou a primeira roupa que encontrou. Eu tento
de todas as formas conter essa louca vontade de Philiph procurar pelo
desconhecido, mas em seu rosto vejo a determinação e o destemor de um pai.
Enquanto não consigo convencê-lo, peguei meu celular e disquei rapidamente
para Leticia. O número chamou​ duas vezes e logo atendeu.
– Leticia, vem para a casa do Philiph agora – soltei as palavras sem
respirar.
– O que houve? – perguntou preocupada.
– Um telefonema, Leticia. Philiph acha que a filha está viva – revelei.
– O que? – rebateu incrédula.
– Leticia depois eu explico. Vem pra cá e traz Senhor S com você – falei
sem paciência e ela apenas disse um OK sem titubear. Desliguei o telefone e
vi Philiph calçando os sapatos.
– Philiph, eles já estão vindo – me aproximei e ele me olhou desatento.
– Você ouviu o que eu acabei de dizer? – ele estava sentado na cama e
ergueu-se num impulso só. – Estou saindo – disse efusivo e passou as mãos
pelos cabelos, depois coçou a nuca como se quisesse lembrar-se de alguma
coisa.
– Philiph, pelo amor de Deus, espera! – pedi aflita, contudo ele não me
ouve de jeito nenhum.
– Eu só volto com a minha filha – falou sem rodeios. Não aguento vê-lo
assim, percebendo sua sanidade escapar por entre os dedos, dei um tapa com
um pouco de intensidade em sua face e ele me encarou estupefato com a mão
sobre o local. Empurrei seu corpo robusto contra a cama e ele caiu sentado.
– Você não vai sair coisa nenhuma – anunciei séria. – A ajuda já está
chegando e você mal sabe de onde veio essa ligação. Pode ter sido de
qualquer lugar – segurei seu rosto e nos olhamos fixamente.
– Não pode vagar por aí sozinho, sem destino algum, sem saber para onde
ir – sem deixar de me fitar, apenas vi suas lágrimas caírem por sua face sem
expressões. Elas deslizam fáceis e o doutor as deixa rolar sem receio ou
vergonha. Limpei seu rosto com meus polegares e suspirei.
– Eu tive tanta esperança – falou baixinho e triste. – Agora eu já não tem
sei se é minha filha que está naquele caixão – completou e senti um arrepio
esquisito inundar minha espinha, provocando-me calafrios angustiantes pelo
corpo.
– Eu sei que já te pedi isso uma vez... – pausei a frase e pensei se
realmente deveria dizer. – Porém eu falhei antes, mas não quero falhar
novamente – ele me encarou atônito. – Confia em mim, deixa eu te ajudar a
superar – implorei e beijei sua fronte. – Deixa? – repeti serena.
– Você não falhou comigo, não fala essas coisas – acariciou minhas
costas e tomou fôlego por causa do choro. – Se eu deixei essa impressão, me
desculpa – sorri contida e o abracei mais forte.
– Eu amo tanto você, não quero que ninguém brinque com o que
aconteceu – selei meus lábios ao dele, e senti o sabor das lágrimas que
caíam.
– Eu sinto que eu vou enlouquecer Mary – confessou choroso.
– Quando você não está aqui eu me sinto tão sozinho, eu penso o tempo
inteiro na minha filha e imagino coisas horríveis – seus olhos azuis estão
demasiadamente vermelhos, flamejam pela dor que liberam.
– Eu não vou te deixar mais, não quero ficar adiando nada na minha vida
– expressei-me e ele se levantou da cama, envolveu-me em seus braços e
suspirou.
– O que isso quer dizer? – encostou sua testa na minha.
– Eu não posso mais ficar fugindo e te ver só em dias alternados – afaguei
seus braços e subi minhas mãos até sua barba que está centímetros maior que
de costume.
– Eu te quero todos os dias – esfreguei meus lábios nos dele. – Chega de
coisas horríveis, eu vou cuidar você – Philiph encarou-me incrédulo e
simplesmente se atirou contra meu corpo, apertando-me de um jeito nunca
antes feito. Senti que ele descarrega as tensões, os medos e inseguranças
pelas quais tem passado nos últimos tempos.
– Você não tem ideia do quanto essa notícia é boa – declarou e invadiu
meus lábios numa atitude inesperada.
– Obrigado – agradeceu erguendo meu corpo do chão e rodopiando pelo
quarto. Fez isso umas três vezes e sorri agarrada a ele.
– Sou eu quem devia ser forte, quem devia cuidar – passou os dedos por
minha face.
– Estou sendo fraco – neguei.
– Não está, é muito forte por sinal – lembrei. – Vamos ser o amparo um
do outro, ok? – assentiu e aliviei as dúvidas do meu coração. Literalmente,
estou me entregando de maneira mais profunda. Na realidade, não sei como
lidar com isso, mas as incertezas não podem me puxar para o fundo do poço.
– Vamos sim – respondeu sorrindo. Parecia que o assunto do telefonema
havia chegado ao fim e por longos segundos esquecemos completamente do
ocorrido, entretanto fomos interrompidos pelo barulho do meu celular. Olhei
para a tela e constatei que era a Leticia. Atendi.
– Libera o portão, já estamos aqui – pediu séria.
– Espera um minuto – desliguei o telefone.
– O meu pai está aqui, não vai gostar nada de me ver na sua casa –
esfreguei as mãos e falei nervosa.
– Você está comigo – gesticulou espalmando a mão direita em seu peito.
– Ele vai ter que passar por cima de mim se ousar dizer qualquer coisa que te
ofenda – assustei-me com seu tom de voz.
– Não quero brigas, por favor – clamei e fui em direção ao closet, peguei
uma calça jeans e uma blusa fina, porém de manga longa para vestir. Voltei
para o quarto e o vi encostado na lateral da porta de forma pensativa – Abre o
portão para eles enquanto eu troco de roupa – fez sinal positivo.
– Está na hora de enfrentar o seu pai – desencostou da porta. – É a hora
de ser uma mulher livre pra viver sua vida – ditou enfatizando.
– Vai Philiph! – apontei para a porta e ele caminhou em direção às
escadas. Vi quando ele desceu pela mesma e um gosto amargo subiu por
minha garganta.
Terminei de me arrumar e por longos minutos encarei meu reflexo no
espelho. Já sou uma mulher madura e necessito perder o medo que tenho de
meu pai. Encorajei-me e andei até o corredor, antes de chegar ao topo da
escada. Visualizei a imagem de meu pai e Dimitriev escoltados por dois
seguranças fortes, entrando na sala e logo em seguida, Leticia e Rony
também preencheram o local com sua presença.
Meu pai está dizendo alguma coisa para Philiph, que balança a cabeça em
sinal positivo. Ele apontou para o sofá e todos se acomodaram, exceto os dois
homens de preto que ficaram em pé, num canto da parede perto da
porta. Coragem! Repito para mim mesma a cada segundo que passa.
Comecei a descer os primeiros degraus e assim que atingi o patamar do
primeiro piso, Senhor S fuzilou-me com seu olhar furioso e levantou-se do
sofá imediatamente. Encarou doutor Philiph e depois lançou mais uma vez o
olhar para mim.

Senhor S mudou as feições e olhou para mim de um jeito desconfiado,


segui seu olhar quando ele mirou algo à sua frente e vi que ele encarou a
própria filha.
– Eu achei que tivesse sido bem claro quanto às minhas ordens, Mary –
andou lentamente pela sala ao reparar que a ela está aqui. A doutora
permanece calada e parece encolher-se como uma garotinha medrosa. Deu
alguns passos com receio e parou um pouco distante de seu pai. Desviou o
olhar e inclinou a cabeça – Olhe para mim quando eu estiver falando com
você – ditou ríspido e um clima de tensão pairou no ar. – E é para me
responder – colocou-se diante dela, enquanto os demais, acomodados no sofá,
observam a cena. Percebo as atenções todas voltadas para Mary. Onde está
aquela mulher destemida e ousada que conheci? Intransigente e até mesmo
arrogante em certos aspectos.
– Tola – disse erguendo seu queixo e ela o encarou. – Está me
envergonhando – falou com extremo desdém.
– Não fale assim, pai – pediu baixinho com pouca força na voz.
– Eu lhe dei um comando e não cumpristes com a tua palavra – ele está
irredutível.
– Pare – reiterou o pedido, falhando as palavras.
– O que falta te falta, minha filha? Sempre desfrutou do mais puro luxo e
requinte. Estudou nos colégios mais caros, rebelou-se como toda jovem e
ainda por cima pode ter o mundo aos seus pés – gesticulou ao explicar. – É
esse tipo de vida que quer? – indagou cruzando os braços e olhou o ambiente
à sua volta.
– Sujeitando-se às sobras de outra mulher e ainda por cima ganhando de
presente todas essas desgraças – comentou indignado. – Está dando murros
em ponta de faca como tua mãe – ela cerrou os olhos e em seguida os abriu.
– Por favor, pare – seus pedidos de clemência estão me matando por
dentro. Por que ela não reage? Por que tanto medo deste homem? – Fraca e
ingênua – completou com um risinho intolerante de canto de boca.
– É a minha única herdeira, não me faça ter arrependimentos disso. Saia
imediatamente daqui e vá o mais depressa possível para Lisboa – os olhos
dela se dilataram e meu sangue ferveu. – Não estou pedindo, estou mandando
– foi rude e cheguei ao meu limite, andei em direção a eles e não hesitei em
me contrapor à decisão.
– Ela não vai a lugar nenhum – falei grave e rouco, com certa dureza em
meu timbre vocálico. Coloquei-me entre eles, protegendo-a e o encarei sem
medo.
– Mais decência para falar com sua filha na minha frente – apontei
visivelmente irritado.
– Abaixe o dedo, doutor – retrucou.
– Olha como fala comigo – advertiu austero.
– Não! Olha como você fala comigo. Quem pensa que é para entrar na
minha casa e ofendê-la dessa maneira? Não me importo se você é o pai,
poderia ser o presidente – ela toca os meus ombros, tentando evitar a
discussão, mas não olhei para trás.
– Eu amo a sua filha e não vou permitir que fale assim com ela – todos na
sala ficaram atônitos com a revelação.
– Que história é essa de amor? – questionou desacreditado.
– Ela está comigo e nunca mais vai precisar se sujeitar a você – ele riu
ironicamente de minha fala e dei passos em sua direção.
– Você é a minha maior decepção, Mary – disse com face de desencanto e
ouvi o choro baixinho dela atrás de mim.
– Cala essa boca! – ordenei efusivamente. – Fala comigo, de homem para
homem. Não seja um covarde – cheguei tão perto dele que pude sentir seu
hálito exalante de charuto cubano. Senhor S calou-se e apenas me olhou de
soslaio, deu dois passos para trás e passou a mão direita em suas mechas
platinadas.
– Maldita hora em que a chamei para este caso – disse ao mirar o rosto da
filha. Ela ainda derrama lágrimas pelo constrangimento. – Olhe só para você,
vulnerável e precisando de defesa. Não foi assim que eu lhe criei. Está
manchando o sobrenome dos Moreau – não me contive e o segurei pelo
colarinho com força.
– Eu mandei calar essa boca – ele nada fez para apartar-se de mim, pois
logo seus seguranças correram em nossa direção, porém foram impedidos por
ela.
– Fiquem onde estão! – deu o comando e se interpôs entre nós, fazendo
com que o pai pudesse respirar direito.
– Parem com isso vocês dois, por favor! Não estamos aqui para isso –
pediu séria e limpou o rosto, cujas lágrimas o haviam lavado. Colocou os
braços para trás e segurou os meus.
– Eu realmente tinha que ver esta cena, você é muito diferente da filha
que eu criei. – falou desiludido.
– Sua avó tinha razão quando dizia que há sangue ruim correndo em suas
veias – a essa altura eu já não estou ponderando mais nada, somente a raiva
me domina.
– Acha que ele vai te assumir pelo resto de sua vida? É um mero
passatempo para que ele possa afogar as mágoas. E vejo que é tão burra
quanto a sua mãe – foi cruel e cerrei os punhos pela ira.
– Agindo como uma cadelinha atrás de qualquer homem só para
satisfazer sua carne – imediatamente minha fúria tornou-se força para que eu
me desviasse dela e o acertasse com um soco na face direita. Ele caiu no sofá
e o ergui novamente pelo colarinho.
– Eu só não acabo com você porque infelizmente o pior castigo que posso
dar a ela é ver o pai morto – o apertei ainda mais, porém senti meus braços
serem agarrados pelos seguranças e logo me afastaram dele.
– Os últimos resquícios do amor que eu tinha por você acabaram hoje,
Senhor S – eles me soltaram e ela me abraçou chorosa, afundando o rosto em
meu peito.
– Não vê? Eu só não quero que cometa os mesmos erros que sua mãe – o
pai falou analisando o polegar que havia passado no canto dos lábios onde o
feri. Ao ouvir o que ele disse, ela apossou-se de uma audácia feroz e franziu​ o
cenho para rebater a injúria.
– Fecha essa boca imunda para falar da minha mãe – desvencilhou-se de
mim e apontou severamente para o mais velho.
– Seu hipócrita – “cuspiu” as palavras.
– Logo você que a destruiu, querido pai – ironizou a última parte.
– Quer mesmo dar lição de moral? – questionou com repúdio.
– Quantas cadelinhas você pegou e depois jogou fora como fez com ela?
– aproximou-se ainda mais do detetive.
– Hein? – insistiu, enquanto o mesmo parece ter caído na real do que
disse, pois esboça uma face de arrependimento.
– Eu cresci numa prisão, um verdadeiro inferno! – gritou e todos na sala
parecem não acreditam na cena que presenciam tão pouco alguém ousam
interromper. Estão pasmos e tampam a boca para não emitir qualquer som.
– Me perdoa filha, na vida eu só tentei fazer o melhor. Ser um bom
pai – suplicou visivelmente abatido pela ofensa lançada contra a filha e, que
certamente, nunca vai poder voltar atrás. Nunca mais.
– É claro que você tentou ser um bom pai, me ensinou a ser arrogante,
esnobe e acima de tudo, aprendi a achar que eu era superior a todos os outros
– sinto que Mary está prestes a explodir, pois seu rosto intensamente rubro já
denota a iminente perda de tolerância. – Você me controlou a vida inteira,
destruiu todos os meus relacionamentos – eu apenas observo sua libertação
gloriosa. – Eu fui apenas um robô na sua mão, aceitando fielmente todas as
suas decisões, me mudando de cidade em cidade e de país em país só porque
você queria – olhou para o alto e retomou o fôlego.
– Agora chega! Eu definitivamente cansei desse jogo – cheguei perto dela
ao ver que mesmo esbravejando ela começa a chorar.
– De hoje em diante eu não trabalho mais para você. Acabou! – ele está
sem reação alguma. – Eu vou ser livre, eu amo o Philiph – pronunciou em
alto e bom tom.
– E você jamais vai estragar isso – completou categórica. – Pode ficar
com seu apartamento, com o carro, com tudo o que mandou preparar para a
minha chegada em Seattle – decretou séria e buscando autocontrole
emocional, contudo é difícil conter as lágrimas que guardou por tanto tempo.
– Houve um tempo em minha vida em que eu te idolatrava, me sentia a filha
de um deus. Era uma honra atuar na sua equipe – disparou em meio ao
ressentimento. – Mas a única coisa que nos une a gora é a paternidade, o
nosso sangue. Esse veneno doentio. Porque fora isso pode esquecer que eu
existo – Leticia a tocou pelo braço e tentou convencê-la a se acalmar.
– Minha mãe te amou e o que foi que você fez? A fez sonhar alto,
acreditar e, por fim a abandonou numa sarjeta à própria sorte – Leticia
colocou-se diante dela e o homem ficou atônito perante todos.
– Vem comigo – pediu à Mary.
– Você é frio, Senhor S. Insensível. Para mim, sempre foi mais um
estranho do que um pai – com muito custo, a mesma a acompanhou até a
escada e subiram. Um silêncio mortal desceu sobre esta casa e assim ficou até
que o ancião resolver quebrá-lo.
Ele ergueu a cabeça que estava pendida depois de ouvir os desabafos da
filha e tirou um charuto de dentro de uma caixinha escondida no bolso de seu
paletó. O objeto passeou entre seus dedos e ele o levou até a altura de suas
narinas, inspirando o cheiro da ponta.
– Tudo o que ela disse é verdade, doutor Philiph. Fui e ainda sou um
péssimo pai – confessou com voz de amargura. – Eu a feri de morte agora e
para isso não há perdão – prosseguiu. – Sei que nunca mais terei seu afeto.
Mas uma coisa eu digo – aproximou-se perigosamente de mim e me encarou
– Eu sempre quis proteger minha filha de canalhas como eu. Eu não queria
essa vida para Mary – alisou os cabelos.
– Se causar a ela o menor dos sofrimentos amorosos eu juro que te mato
sem dó e nem piedade. Prefiro ver minha filha viúva que sofrer por amor
como a idiota da mãe dela – ameaçou.
– E eu sempre sei de tudo. Tenho olhos em todo lugar doutor Williams –
o olhei em silêncio. – Eu sei muito bem honrar uma mulher, mantenho a
minha palavra – ditei confiante de meus sentimentos por ela.
– Eu não sou como você – ele sorriu sem mostrar os dentes, de canto de
boca.
– Vocês são muito diferentes, uma hora ou outra vai perceber. Ela não
nasceu para ficar presa a alguém, gosta de liberdade – disse para me
desanimar.
– Eu não vou abandoná-la porque é diferente de mim, eu a amo pelo que
ela é. Não julgue os relacionamentos alheios por todos os seus fracassos
como homem – antes que eu pudesse continuar a frase fomos interrompidos
por Rony.
– É melhor essa discussão acabar aqui – ordenou sisudo.
– Já perdemos tempo demais e viemos única e exclusivamente para
sabermos da tal ligação – interveio mais uma vez. – Que os problemas
familiares fiquem bem longe daqui. Ouviram? – o clima entre nós pesou de
um jeito insuportável, contudo vou ter que tragar a presença de Senhor S
nesta casa. Afastei-me dele e andei e direção a Rony. – É um número
desconhecido, eu tenho certeza que era a voz da minha filha – afirmei com
confiança.
– Doutor Philiph, nós vamos averiguar isso, mas de antemão que lhe
colocar à par de duas situações – senti um desânimo quando ele falou.
– A primeira é a de que trotes são situações frequentes em famílias que
perderam seus entes queridos. É comum, infelizmente. Reacende uma vã
esperança que se alimentada, pode gerar transtornos, depressão e inclusive o
suicídio – tremi por dentro. – A segunda é a de que todos os exames que
foram realizados com as amostras de sangue apontaram que era a sua filha –
engoli seco a verdade.
– Vou pessoalmente cuidar dessa ligação junto aos federais, enquanto
Senhor S faz buscas minuciosas em todos os registros das companhias aéreas,
em todos os demais necrotérios da cidade e em cada minúsculo beco de
Seattle. Enfim, vamos repetir tudo o que já foi feito – Dimitriev, que está
sentado ao lado de Leticia reforçou a ideia.
– Exatamente, além disso, podemos fazer a exumação do corpo e
reavaliar os exames depois dessas averiguações – ouvi atentamente os passos
da investigação.
– Obrigado! – agradeci. – Mas que fique claro doutor Philiph, a
probabilidade de sua filha não ser a menina naquele caixão e de estar vida é
quase zero – respirei fundo para suportar o soco no estômago.
– Não vamos lhe dar falsas esperanças e tão pouco poderá falar disso com
mais alguém – assenti. – A Kate pode saber? Apesar de tudo ela é a mãe –
expliquei mesmo detestando a ideia de falar o mínimo possível com ela.
– Não, não pode! O senhor sabe de nossas suspeitas, não há uma prova
sequer contra ela, mas creio que por enquanto, esse assunto fique somente
entre nós para não causar alarde. O senhor é rico e poderia muito bem ser
alvo de tabloides sensacionalistas – concordei com a decisão. Em seguida
Rony dirigiu-se até a delegacia e iniciou sua investigação.
Outra parte da equipe foi destinada à minha antiga casa onde tudo
aconteceu para mais uma análise do local. Só restou Leticia, Senhor S e eu na
casa de praia. Mary ficou no quarto durante um bom tempo e em seguida saiu
com Leticia em direção ao jardim, não olhou para o pai que enquanto este dá
as coordenadas para Dimitriev através de celular, pois o mesmo está a
caminho da outra residência, mexe em seu notebook contatando os demais
agentes espalhados pela cidade.
Uma nova caçada está começando, o alvo é incerto e o frio que se iniciou
na espinha, agora se espalha por todo o meu corpo, provocando sensações
aterrorizantes em mim. A dor de perder um filho é a destruição de um pai,
porém saber que há chances mínimas de sua filha estar viva e sem saber onde
ou com quem é ainda pior.

Estou estava acaba por dentro e jamais esperei por tamanha ofensa vinda
de meu próprio pai. Não tardou muito para ir embora ao auge da madrugada
depois de resolver algumas coisas com Philiph. A tensão entre os dois
exalava para todos os cantos da casa, e eu podia inspirar o cheiro da raiva que
emanava deles.
Entretanto essas diferenças foram deixadas de lado pelo profissionalismo
e pela causa da Luanna. Após a ida de Senhor S, Leticia fez o mesmo e
esperei no quarto por Philiph. Ele trocou de roupa e se acomodou ao meu
lado na cama. Permanecemos em silêncio por um bom tempo, até que ele
resolveu me puxar para um abraço.
– Eu não queria que tudo tivesse acontecido daquela maneira – falou e
deitei minha cabeça em seu peito, fazendo carinho em seu braço direito.
– Nem eu, Philiph... Nem eu – fechei os olhos apenas recordando as
palavras proferidas a mim. – Eu não sou aquilo que ele falou você não é um
passatempo pra mim – ergueu minha cabeça e o fitei.
– Não precisa dizer isso, eu sei bem quem você é e acredito no que sente
por mim – ao ouvir beijou minha fronte, depois a ponta do meu nariz e em
seguida sua boca percorreu o caminho de meus lábios. Ele me beija
arduamente para curar as feridas que meu pai abriu e me sinto protegida
como nunca fui.
– Você é mulher da minha vida, Mary e não é nada daquilo que ele disse
– meu rosto está entre suas mãos e ele o beija em cada canto. – Eu me
orgulho de quem você é, foi por essa mulher que me apaixonei – sorri
emocionada e subi em seu colo, envolvi meus braços em sua nuca e encostei
minha testa na dele.
– É por sua causa que passei a acreditar no amor – declarei e selamos
nossos lábios mais uma vez. Aconcheguei meu corpo no seu e permaneci ali,
quietinha, sentindo seus afagos deslizarem por minhas costas, sua respiração
ditou o balanço do meu corpo e com todos esses cuidados adormeci em seu
colo.
No dia seguinte, acordei mais cedo que de costume, é meu último dia no
Esmerald City, entregarei tudo ao novo neurocirurgião e me despedirei da
equipe que me acompanhou nesse curto espaço de tempo que fiquei no
hospital. Levantei, tomei uma ducha relaxante e me arrumei rapidamente. Fui
em direção a cozinha e esbarrei com Philiph no meio do caminho, ele vinha
ao meu encontro.
– Eu estava indo te acordar – me abraçou e levantou-me do chão.
– Fui mais rápida – rimos juntos.
– Hoje é seu último dia, não é? – beijou minha bochecha e sussurrou
contra a minha pele.
– É melhor que seja assim, quero me desligar um pouco de tudo isso – me
abraçou de lado e caminhamos até a mesa do café.
– Preciso pensar um pouco no que quero fazer daqui para frente – me
apertou contra ele.
– Se dependesse de mim, você ficaria aqui e não nos desgrudaríamos nem
por um segundo – sorri com as palavras, mas alarguei ainda mais o sorriso
quando vi a mesa posta e repleta coisas gostosas que Philiph preparou para
mim.
– Você não existe, sabia? – dei vários selinhos e massageei seus ombros.
– Eu já estou mal acostumada, Philiph – ele gargalhou.
– Isso é um apenas um pequeno detalhe, há muitas coisas que quero fazer
por você – seus dedos passearam delineando minha face esquerda e inclinei a
cabeça lateralmente para apreciar sua delicadeza. Puxou a cadeira e me
ajudou a sentar, depois se sentou à cabeceira da mesa e serviu-me o café.
– Pega esse – entregou-me um potinho com geleia de uva.
– E o outro é de que? – perguntei apontando para o que está ao lado dele.
– É de pêssego, você não gosta – olhei para ele e nem percebi que eu
estava com o lábio inferior preso entre os dentes.
– Aqui estão suas torradas integrais e as frutas cortadinhas que você gosta
– colocou um prato de porcelana repleto de frutas à minha frente e me deliciei
com uma pequena porção delas.
– Eu nunca disse que não gosto de geleia de uva – comentei ao passar a
geleia de morango em minhas torradas.
– Não precisa, eu percebo – tomou um gole do suco de laranja em seu
copo.
– Você sempre separa esse potinho bem longe de você e sei que também
odeia a de damasco. Evita leite e só bebe café sem açúcar. Toma só a metade
do seu suco preferido – apontou para a segunda jarra sobre a mesa, é de
manga. – Parte as fruta em pequenos cubinhos, junta mais de um pedaço em
uma única garfada e saboreia sorrindo – fiquei em silêncio e sem saber o que
dizer.
– Percebeu tudo isso? – questionei encabulada. – E muito mais –
entrelaçou sua mão na minha que está por cima da mesa.
– O que foi acordado entre vocês ontem? – ele respirou fundo quando
perguntei.
– Eles vão mandar notícias, só me resta esperar – beijei sua mão e ele fez
o mesmo com a minha.
– Eu estou sempre aqui – ele balançou em sinal positivo. Enquanto nos
deliciamos com o café da manhã falamos sobre o meu último dia de trabalho
e como foi essa experiência desde que cheguei.
– Philiph – o chamei.
– Hum – balbuciou.
– Vem comigo até o apartamento hoje – pediu despejando no café
algumas gotas de adoçante. – Por um momento eu achei que você tivesse
decidido a morar aqui – falou triste sem me olhar.
– Ei – segurei seu queixo com a ponta dos dedos. – Eu preciso de ajuda
para trazer minhas coisas para cá – sussurrei as palavras e num impulso
rápido ele levantou da cadeira, dando-me um baita susto.
– O que foi? – questionei sem entender sua reação.
– Aquilo que me disse no quarto é verdade? Está falando sério mesmo? –
perguntou espantado.
– Estou, mas se não me quiser mais... – fiz drama e o vi sorrir para mim
de uma maneira espetacular, me puxou da cadeira e me abraçou,
encurralando meu corpo contra a mesa.
– Estou tão feliz... É a melhor notícia depois de muito tempo – apertei
seus braços e subi até sua face, emaranhando os dedos da mão esquerda em
seus cabelos. – Eu quero muito que isso dê certo, assim como você quer –
delineei seus lábios com meu polegar.
– Eu quero aprender a viver com alguém, a ter uma família, alguém que
me espere com carinho quando eu chegar em casa – ele pressiona seus lábios
contra os meus e aperta minha cintura, afundando seus dedos em minha pele
por debaixo da blusa.
– Eu só quero isso se for com você – anunciei e meus lábios foram
tomados com volúpia e uma dose extrema de paixão. Nossas bocas de
chocam com intensidade e busco a língua dele por cada canto de sua boca.
Ele geme gostoso contra meus lábios e em seus braços tenho a certeza de que
nada em minha vida fazia sentido até conhecê-lo.
– Você precisa me soltar desse jeito não vamos terminar o café e vou
chegar atrasada para a despedida – rimos entre o beijo – A que horas te
encontro lá? – perguntou. – Antes do almoço, arrumamos as minhas malas e
depois podemos sair para almoçar. O que acha? – contei a Ideia.
– Perfeito! – respondeu e me encarou sensual. – Sabe o que eu mais gosto
em você? – indagou ajeitando a barra de minha blusa.
– O que? – quis saber.
– Esse mistério no seu olhar, cada vez que me olha é como se eu tivesse
que descobrir um enigma – o olhei semicerrando os olhos. Cheguei com
minha boca bem perto de seu ouvido e assoprei fazendo com que se
arrepiasse.
– Tente me desvendar, doutor Philiph... Garanto que não vai tão simples –
mordisquei o lóbulo de sua orelha e seu corpo deu um leve espasmo. Seu riso
baixinho e rouco tira toda a minha sanidade.
– Não pense que sou transparente, Madame – apertou minha bochecha
com uma das mãos e minha boca formou um pequeno bico que ele fez
questão de sugar.
– Posso lhe surpreender com uma charada ainda maior – sorri
lascivamente para ele, passei a língua por meus lábios carnudos e ele
pressionou seu membro duro contra minhas pernas.
– Me surpreenda – pedi lambendo seus lábios. – Me mostre o seu lado
mais secreto e quente – apertei seu sexo e ele grunhiu.
– Não brinque com fogo, doutora – advertiu sexy.
– A vida é um jogo de xadrez, meu caro – pausei a fala e deixei um
chupão forte em seu pescoço, marcando o meu território. Mostrando ao
mundo que ele é só meu.
– Aahh – gemeu louco.
– Enquanto você vacila, eu dou o xeque-mate – beijei a ponta do meu
indicador e repousei o mesmo sobre a sua boca.
Olhei as horas em meu relógio de pulso e constatei meu atraso, não dá
mais tempo de terminar o café. Peguei minha bolsa e segui até a porta de
entrada da casa, volvi meu corpo altivamente e amassei os cachos de meus
cabelos do lado direito, deixando-os mais soltos.
– Quanto ao fogo, meu amor, eu adoro me queimar – o vi fechar os olhos
com um pouco de força e apertar o membro por cima da calça,
experimentando o frisson de nossos joguinhos sexuais. Andei a passos largos
até meu carro, abri a porta e entrei. Minutos depois já estava a caminho do
hospital.
Assim que cheguei ao Esmerald City fui direto ao encontro do
neurocirurgião, doutor Ademar Figueiredo. Entreguei-lhe a chave de minha
sala e passei a senha do computador. Depois disso, vendo que doutor Conrad
estava em cirurgia, entrei em sua sala, em surdina, e capturei o ponto sob a
mesa. Da mesma forma que entrei e não fui vista, saí sem que ninguém
percebesse. Caminhei lentamente pelos corredores do hospital relembrando
meu primeiro dia. Algumas enfermeiras passavam por mim desejando boa
sorte, outras diziam não estar se acostumando ao novo médico.
Foi então que se passou a primeira parte da manhã. Os residentes que me
acompanharam desde o início fizeram uma pequena festa de despedida.
Numa sala vazia, prepararam uma decoração graciosa, havia bolo, vários
doces e muitos colegas que fiz aqui vieram se despedir.
– Pensei que não ia aparecer – abracei doutor Henrique quando este
apareceu trazendo um enorme buquê, já era o quarto do dia que eu havia
ganhado.
– Como eu não poderia me despedir de você, é como uma filha para mim
– sorri com suas palavras.
– Eu devo muito a você – beijei sua bochecha e nos sentamos em umas
poltronas no canto da sala, enquanto os demais presentes aproveitavam para
se distrair e experimentar das delicias sobre a mesa farta.
– Seu pai me ligou durante o plantão, disse o que aconteceu ontem na
casa do Philiph – mexi na pulseira com vários golfinhos em volta e olhei para
ele.
– É... Depois de toda a tensão pelo telefonema nós ainda discutimos feio
– falei baixo para que só ele pudesse ouvir.
– Senhor S está arrependido, mas não mudou de ideia sobre o Philiph e
ainda acha que ele não é homem para você – falou visualizando uma
mensagem em seu pager.
– Ninguém é suficiente na visão dele – rebati e senti meu celular vibrar.
Visualizei o número, mas como não conhecia recusei a chamada.
– Sabe que eu conheço o doutor Philiph desde que foi meu residente, não
é? – assenti. – Ele foi um homem de fases, já foi mulherengo e depois
tranquilo – gesticulou.
– Foi instável e agora é um homem totalmente diferente, eu fico feliz por
ter encontrado o Philiph que ele é hoje – disse contente e concordei.
– Ele mudou radicalmente a minha vida, mas sei que estamos nos
adaptando um ao outro, é bem difícil deixar meus instintos de lado – meu
celular vibrou mais uma vez e de novo recusei. – De uma coisa Senhor S tem
razão, mesmo estando sob as rédeas dele, viajando o tempo inteiro, eu podia
ter o que eu quisesse e vivi sem lei alguma quando estava longe. Resolvia os
casos e me divertia até não poder mais – contei-lhe sobre minhas aventuras
recentes e ficamos ali durantes alguns segundos a esquecer do tempo.
– Eu desejo toda a sorte do mundo para vocês, minha querida – agradeci
os bons augúrios.
– Obrigada! – meu celular tocou novamente e me deixou irritada.
– Desculpe eu vou ter que atender – pedi licença e saí um pouco da sala.
– Alô! – esperei pela resposta. – Alô! – repeti ao perceber que ninguém
dizia uma palavra sequer.
– Podemos conversar com mais calma? – finalmente ouvi a voz
inconveniente de Fernando.
– É melhor sumir da minha vida ou te denunciarei por me importunar –
ditei com raiva.
– Eu não vou fazer nada, calma, só quero trocar duas palavras com
você – disse magoado.
– Some da minha vida eu já tenho alguém. Para de me perseguir ou vou
tomar medidas mais drásticas – ameacei e não permiti que ele prosseguisse
com a conversa. Desliguei e tentei me acalmar. Entrei na sala e comecei a me
despedir definitivamente de todos.
Abracei algumas pessoas e juntos tiramos uma foto para o mural de
recordações. Até esse exato momento já estava na segunda parte da manhã.
Fiquei mais um tempo no hospital auxiliando doutor Ademar com algumas
burocracias no centro cirúrgico, passei no setor de internação e conversei com
cada um de meus pacientes e expliquei a eles que o novo médico
acompanharia os pós—operatórios.
Perdi um pouco a noção da hora e quando dei por mim eram quase onze e
meia. Peguei minhas coisas, me direcionei ao elevador e desci até o
estacionamento. A porta se abriu e visualizei meu carro há alguns metros de
distância, os quais andei com pressa pelo atraso. Toquei na maçaneta do
veículo e fui surpreendida com uma mão em meu ombro.
– Fernando! – assustei-me severamente.
– Ficou louco? Quer que eu chame o segurança? – apontei e ele ficou
quieto, abaixou a cabeça e a ergueu lentamente até seus olhos encontrarem os
meus.
– Eu disse que queria conversa, só que na verdade não sou eu quem quer
te ver – o olhei sem entender.
– Do que está falando? – indaguei impaciente.
– Vou te levar comigo – sorriu sádico e não tive tempo de reagir, pois
uma forte pancada com algum objeto acertou em cheio minha nuca e perdi a
consciência no mesmo instante.
Tentei abrir os olhos, mas resmunguei de dor pela agressão. Minha visão
está um pouco turva e sinto que meus pés e mãos então imobilizados.
Relembro vagamente de Fernando e mais nada. Tento falar, porém é
impossível devido ao grande pedaço de fita adesiva em minha boca.
Minha cabeça está zonza e as coisas ao meu redor giram como se eu
estivesse embriagada. Quando consegui enxergar com nitidez, encarei
incrédula a imagem à minha frente. A pessoa se aproximou de mim e deu
forte tapa em meu rosto, fazendo o mesmo inclinar-se para o lado.
– Acha que eu sou idiota? – perguntou e virei o rosto sentindo o mesmo
queimar.
– Sei quem você é desde o princípio – todos os músculos de meu corpo
tremem.
– Não foi difícil tirar a Luanna do meu caminho, aquela criança
insuportável – Kate falou naturalmente, sem remorso.
– Vai ser um grande prazer matar você também – gelei de cima a baixo.
Capítulo 22

Olho à minha volta e me vejo encurralada em um minúsculo quarto com


apenas uma cama, a janela é pequena, muito alta e gradeada, impossível
alcançar sem auxílio de uma escada. A porta robusta e de ferro, possui uma
abertura de vidro retangular por onde se pode visualizar a prisão em que me
encontro neste ambiente inóspito.
– Você não está lidando com amadores, Madame Mary – ela realmente
sabe quem sou eu. Mas como? – O ingênuo do meu ex—marido acha que eu
não sabia de todo o plano dele – puxou uma cadeira, posicionou-a do lado
contrário e sentou-se à minha frente com uma perna de cada lado, analisou as
unhas pintadas de vermelho e em seguida, enroscou os dedos em meus
cachos. – Não foi muito difícil ligar os pontos – disse arrogante, seu ar de
superioridade é intragável.
– Seu nome é muito conhecido no meio, digamos, ilícito. Todos temem
Senhor S e sua bela filha espanhola – suspirou e proferiu a última palavra de
maneira maliciosa. – Contudo, seu pai mora no Seattle e repentinamente você
se aproximou de mim, achando que eu não sei desconfiar de tudo e de todos.
– riu sarcasticamente e ajeitou o cabelo liso e castanho escuro, colocando-o
de lado. – Fazendo o papel de boa amiga e transando com meu marido logo
após o nosso divórcio – minha respiração está descompassando aos poucos e
busco incessantemente elaborar uma forma de saber onde estou e de como
sair daqui.
– Que, aliás, foi bem arquitetado por mim. Eu beijei o Conrad porque
sabia que o Philiph estava espreitando através da porta. Esfreguei-me com o
homem na frente dele e gemi bem gostoso só para que ele se sentisse um
excremento inútil. Porque, além disso, é um frouxo – meus ouvidos doem
pelas barbaridades que ela diz. – Quando você entrou na minha casa naquele
jantar eu percebi os olhares que ele lançou, mas sabia que jamais seria traída.
Ele é fiel. Você apareceu de mãos​ dadas com a Luanna e Philiph te devorou
por inteira. Ri internamente porque sabia que apesar do desejo que sentiu, ele
nunca se tornaria um adúltero. Eu o tinha em minhas mãos porque ele era
obcecado por mim, como um cachorrinho obediente – falou com desdém e
senti uma pontada aguda em meu músculo cardíaco por presenciar tamanha
insensibilidade, falta de amor e até compaixão. – Eu sei que ele esteve em seu
apartamento​ e dormiu bêbado por lá – debochou como se eu fosse digna de
pena.
– Eu também tenho meus informantes e eles estão em lugares onde você
nem pode imaginar – a encarei de forma perturbadora. – Eu soube de cada
passo seu, de seu encontro com Philiph naquele bar, do interrogatório com o
meu homem na noite do baile de máscaras. Eu sabia de tudo! – passou os
dedos por cima da fita sobre minha boca, encontrou a ponta e num
movimento rápido, arrancou—a sem dó.
– Ahh – a sensação de dor me invadiu por alguns instantes e passei a
língua por meus lábios que certamente estão edemaciados, para não dizer,
feridos. – Maldita! – falei baixo e com tom de ira.
– Que belo elogio – sorriu maléfica.
– Você cometeu o maior erro de sua vida ao me prender aqui, isso mostra
que não é tão esperta como diz que é – alertei e Kate ficou pensativa, porém
de imediato tratou de rebater.
– É mais fácil o Philiph me pedir perdão de joelhos pelo divórcio do que
te encontrarem aqui. Esse é o fim da linha, Madame. Vai ter o mesmo destino
que a adorada filha dele – um medo ferrenho toma conta de mim. "O medo é
o refúgio dos fracos, minha pequena. Nunca permita que ele a domine. Uma
vez dentro de você, se espalhará como chagas e essas feridas nunca
cicatrizam."
Era o que minha avó paterna dizia quando na primeira infância, eu corria
para seu quarto com medo da chuva. Essa foi a única vez em que usou um
termo amável comigo. A mulher se recusava a me acolher, e da porta mesmo
ditava as regras.
Eu voltava para o meu quarto naquela mansão vazia de tudo,
desguarnecida de amor, de calor humano e ficava acordada olhando as fortes
gotas de chuva chocando—se contra a janela de vidro. Kate fala da Lu como
se falasse de qualquer coisa. Sem pena ou arrependimentos. Sem coração.
– Como teve coragem de fazer aquilo com sua própria filha? Uma
criança, sua covarde – esbravejei as palavras e percebo que o líquido corrente
em minhas veias está fervendo. – Não era dinheiro que você queria? Por que
tirar a vida de uma inocente? Você é um monstro – ela retribuiu minhas
palavras com uma expiração pesada de impaciência, seu ar pútrido e
malévolo exalou pelo recinto.
– Eu não me livrei da menina por causa do dinheiro – pausou a frase e
revirou os olhos. – Achei que fosse mais perspicaz. Eu tenho uma
promissória em minhas mãos, só estou esperando o momento certo para usá-
la. Quando isso acontecer Philiph ficará sem nenhum centavo – revelou seu
plano sórdido.
– Então por que fez aquilo? – indaguei confusa.
– Simplesmente para causar tristeza, porque o sofrimento dele é doce –
fiquei boquiaberta com tamanha declaração. – Não vou cansar até vê-lo
destruído e o golpe final é o seu desaparecimento – apontou maledicente.
– Onde o Fernando entra nessa história? – perguntei acumulando um ódio
descomunal.
– Ah, seu antigo pretendente? Foi muito fácil descobrir sobre o seu
passado. O encontramos e uma boa promessa em dinheiro foi suficiente, já
que o miserável está falido. Há essa hora ele deve estar se preparando para
fazer uma viagem diferente... Só de ida para o inferno – entregou as
verdadeiras intenções de Fernando, que por má sorte, deve ter sido eliminado
por ela. – O objetivo não era voltar do seu passado e reconquistá-la, muito
menos interferir em seu relacionamento com Philiph. Simplesmente era trazê-
la para mim, de desequilibrá-la emocionalmente e torná-la vulnerável –
confessou a estratégia. Kate é mais suja do que pensei. Minha mente fervilha
e ao mesmo tempo em que a ouço, tento me livrar da corda que imobiliza
meus braços para trás. O nó rígido parece de marinheiro e meus punhos
ardem pelas tentativas discretas, porém inúteis de me soltar.
– Ninguém nunca mais vai ter notícias suas e para todos os efeitos você
evaporou, sumiu do mapa – gesticulou e levantou-se da cadeira.
– Bem vinda aos seus últimos Dias – soltou um beijo asqueroso no ar e
retirou-se do quarto levando a cadeira consigo.
Capítulo 23

Saí de casa em direção ao apartamento de Mary, nem acredito que


finalmente vamos morar juntos, que vou vê-la todos os Dias. Apesar de tudo
o que está acontecendo, Mary é meu único motivo para levantar todas as
manhãs e encarar este mundo tenebroso. O trânsito estava tranquilo e não
tardei a estacionar em frente ao prédio onde atualmente mora.
Desliguei o veículo e abri a janela. Tomei o celular em minhas mãos e
disquei seu número, vislumbrei a praia do outro lado da rua e nesse momento,
uma paz transcendental espalhou-se por cada célula de meu corpo. Sorri, sei
que ela é a razão de tudo isso. Quando tudo se fez trevas ela apareceu e
retirou-me do fundo do poço, salvando-me da morte.
O telefone começou a chamar e, como sempre, espero ansioso para que
ela atenda, porém chamou até cair. Repeti a ação outras vezes, mas o
resultado foi o mesmo. Achei estranho, pois ela sempre atende de imediato.
Marcamos exatamente neste horário e ela nunca se atrasa, o que é uma
virtude excelente que admiro no ser humano.
Resolvi discar o número mais uma vez, contudo, ouvi a célebre gravação
da operadora "o número que você discou está indisponível ou fora da área de
cobertura." Desci do veículo e me direcionei até a portaria do prédio, fui
avisado pelo porteiro de que ela não apareceu por aqui hoje.
Minhas novas tentativas de ligar não dão em nada e imaginei a
possibilidade de estar em uma cirurgia, o novo neurocirurgião, certamente
precisou dela e Mary jamais negaria um chamado médico. Entrei no carro e
me dirigi até o Esmerald City.
Assim que estacionei próximo ao hospital, segui imediatamente para o
andar da cirurgia. Segundo informações da recepcionista ela já havia saído há
bastante tempo. Passei na sala de Henrique e bati na porta. Como chefe deste
setor, ele certamente sabe de seu paradeiro.
– Entra! – escutei a permissão. Abri a porta e vi o homem sentado em sua
poltrona, analisando os exames que estão sobre a mesa. – Que bom receber
sua visita – animou-se e veio me recepcionar, fui acolhido com abraços e
tapas amistosos nas costas. – Há mais de um mês não venho dar um oi,
desculpe o sumiço – expliquei—me, mas ele fez gesto de parada com a mão.
– Não há porque se explicar, doutor Philiph. É o seu tempo e, com todo o
respeito, nos aguardamos a sua volta – deu leves batidas em meu ombro e
apenas assenti.
– Eu não vou tomar muito do seu tempo, Henrique, só gostaria de saber
se a doutora Mary ainda está por aqui. Preciso falar com ela – ele sorriu e
apontou para a cadeira à frente de sua mesa. Acomodei-me e esperei pelas
informações – Ela esteve aqui sim, resolveu os últimos detalhes, mas já foi
embora – disse ao organizar a mesa.
– Eu estou feliz por vocês – estremeci no assento. – Como assim? –
perguntei curioso e fingindo não saber do que ele está falando. Quando ele
desconfiou? Ela havia contado? Por que revelaria tal coisa a ele?
– Doutor Philiph, eu sei quem ela é. Tranquilize essa ansiedade – o olhei
cabreiro e com espanto. – Conheço o pai dela desde a minha adolescência na
Espanha e já trabalhei com ele. Não perdi contato quando foram para a
Grécia e assim que se estabilizou em Seattle, voltamos com a nossa parceria –
estou literalmente abismado com a revelação. – Conheço Mary desde que era
uma menininha e a tenho como filha – apesar da descoberta abrupta, sinto-me
aliviado por dividir isso com alguém.
– Quando Senhor S aceitou seu caso, coincidentemente sabia que eu
trabalhava aqui e preparei todo o caminho para ela – ele mexe em sua caneta
prateada e eu apenas observo.
– Eu sei nem o que dizer – gesticulei. – Todos os dias eu descubro coisas
novas sobre ela, é como se fosse um... – pensei no que disse à doutora no café
da manhã.
– Enigma – ele sorriu sem mostrar os dentes. – Ela sempre esteve cercada
de muito mistério, possui um vendaval de emoções, temperamento forte, é
decidida e bastante teimosa – concordei plenamente.
– Precisa ter muita paciência, pois além de ser essa profissional excelente,
o instinto investigativo está dentro dela – apontou com a caneta. – Não queria
podá-la, apenas reforce o que ela tem de bom. Extraia o melhor dela –
lembrei-me do sorriso largo que recebi quando a presenteei com as
passagens. – Ela é o que é quanto a isso eu nada posso fazer, só quero amá-la
– ditei convicto. – E nada mais! – finalizei.
– Realmente você é merecedor de ter ao seu lado uma mulher como a
Moreau – estendeu a mão que prontamente apertei.
– Eu não consigo encontrá-la em lugar nenhum, o celular está fora de
área, ela não está no apartamento. Pensei que soubesse de alguma coisa – ele
me olhou e ligou para a recepção. Esperei alguns segundos e logo se dirigiu a
mim. – Ela não passou pela recepção, deve ter tomado o elevador até a
garagem no subsolo – um embrulho no estômago e um presságio possuíram
—me, deixando um rastro medonho pelo ar.
– Tem alguma coisa estranha nisso tudo – passei a andar pela sala
pensando mil coisas.
– Leticia! – uma luz irradiou minha mente. – Vou ligar pra ela – assim
que a moça atendeu, disparei.
– Mary está com você? – minha frase saiu como um tiro seco no ar.
– Não! Por quê? – fiquei repentinamente sem ar.
– Não consigo falar com ela, não está no hospital e não foi ao encontro
que marcamos. Estou preocupado porque o celular está fora de área e ela
nunca deixa de me comunicar – passei a mão pelo rosto e notei um suor
gélido brotar aos poucos.
– Se acalme Philiph. Vou tentar ligar para ela e para os nossos amigos.
Aguarde meu retorno – desligou na sequência e tive uma ideia.
– Eu vou dar uma volta, preciso encontrá-la – andei em direção à porta.
– Para onde você vai, Philiph? – indagou—me.
– Eu não sei, mas parado eu não posso ficar – saí em direção à porta e ele
veio atrás de mim.
– Espera doutor Philiph! – ele caminha ao meu lado pelo corredor e por
tudo o que já aconteceu em minha vida, só imagino eventos trágicos.
– Acho que o senhor precisa saber de uma coisa que aconteceu hoje? –
Arthur, o enfermeiro chefe do setor se aproximou cauteloso de Henrique e
paramos para ouvir.
– É urgente? – o mais velho questionou baixinho.
– O guarda de plantão na sala monitoramentos do hospital recebeu um
“boa noite cinderela” – nos olhamos confusos.
– Como é que é? – perguntei.
– Estou dizendo isso porque ocorreram furtos no depósito, na farmácia,
um carro foi roubado em frente ao hospital e para piorar, algumas pessoas
disseram ter visto um homem armado nas cercanias do Esmerald City. Todos
os chefes dos setores estão sendo avisados, mas boatos se espalham mais
fáceis que fumaça e até atentado já ouvi sair da boca de alguém – passamos a
observar os corredores e escutamos murmurinhos, pessoas mexendo em seus
celulares e de repente minha consciência forjou o pior. Contudo, antes que eu
pudesse dizer alguma coisa, o celular vibrou. Senti-me esperançoso, pois é a
Leticia.
– Conseguiu falar com ela? – perguntei um tanto ofegante. Afastei-me um
pouco deles e prestei atenção à chamada.
– Não e ninguém sabe de nada – sua voz apreensiva percorreu meu
ouvido como navalha cortante.
– Tem alguma coisa estranha acontecendo aqui no hospital, eu tive um
mau pressentimento e acho que ela pode estar em perigo – encostei-me na
parede ao sentir um aperto no peito, esmaguei a mão sobre o lado esquerdo e
grunhi de dor.
– Arg! – o médico e o enfermeiro, próximos a mim, acudiram—me
– Estou bem! – recusei os cuidados.
– O que houve Philiph? – preocupou—se, mas nem o incômodo no peito
me tirou os pensamentos de Mary.
– Me ajude a encontrá-la, por favor. Isso não é brincadeira, ela nunca fica
incomunicável – falei desesperado.
– Avisarei Senhor S e vou aos lugares onde costumamos nos encontrar.
Ela está bem eu a conheço. A bateria do celular deve ter acabado – a dor
voltou mais aguda e minhas costas deslizaram na parede fria atrás de mim,
até que caí sentado no chão.
– É a Leticia – entreguei o celular para Henrique e vi quando ele falou
baixinho com ela, justamente para não dar bandeira.
– Não estou enfartando, só me ajuda a levantar – pedi e Arthur usou de
toda a sua força para erguer—me do chão.
– É melhor fazer um eletrocardiograma, doutor Philiph. Pode estar em
estágio de pré-enfarto – fiz sinal de negativo com a cabeça. – Não há
necessidade – fui teimoso.
– Arthur eu preciso de sua total discrição para uma coisa – Henrique me
entregou o telefone e pediu ao rapaz, que assentiu sério. O conheço há muitos
anos e sei de seu caráter como profissional.
– Em que? – questionou.
– Vá até a sala de monitoramentos e peça ao técnico responsável para
analisar as imagens nas câmeras que foram exibidas há sessenta minutos – ele
ouve e sabe muito bem disfarçar as feições.
– O que exatamente quer que eu veja? – indagou mais uma vez.
– Procure por imagens da doutora Mary, veja se ela saiu pela garagem no
subsolo – de imediato o rapaz atendeu ao comando e foi e direção ao
primeiro andar.
– Henrique pelo amor de Deus, o que aconteceu com ela? Eu não aguento
mais nenhum baque – admiti inconsolável.
– Eu não sei Philiph, não gosto fazer suposições infundadas e prefiro
esperar. Agora vem comigo, vou examiná-lo e não ouse me desobedecer,
pode sim está tendo um pré—enfarto e sabe muito bem disso porque é
cirurgião cardiotorácico – não tive muita escolha e o segui até a sala de
exames. Tomei um vasodilatador e fiz o eletro, por sorte, foi apenas uma
arritmia, que por pouco, não evoluiu para o pior.
– Ele está demorando, vou trás dele – coloquei a camisa social e o blazer
de volta e levantei da maca. Não esperei por resposta alguma, porém quando
abri a porta, o rapaz estava preste a bater. Fiz gesto de passagem e ele entrou.
– Viu alguma coisa? Por onde ela saiu? – perguntei apreensivo.
– Ela saiu pela garagem no subsolo, mas o que acontece depois disso eu
não sei, a sequência de imagens foi violada – minhas intuições confirmaram
—se.
– Como? – perguntou Henrique.
– As câmeras da garagem foram temporariamente desligadas das onze e
quinze da manhã até as doze e dez. As filmagens depois disso transcorrem
normalmente – o clima de horror pairou sobre nós.
– Agradeço a ajuda, Arthur. Não comente com ninguém – foi preciso ao
dar o aviso. – Não há com o que se preocupar senhor – disse firme.
– Doutor Henrique – disse visualizando o chamado em seu Pager.
– Talvez isso seja uma informação relevante, quando passei pela recepção
havia um grupo de policiais, eles estão averiguando a história do possível
homem armado, o roubo do carro e os furtos, que pelo visto, foram grandes
rombos nos estoques. Um deles dizia ter encontrado uma pulseira feminina
perdida na garagem – um frio agonizante se apoderou de mim ao ouvir.
– Tudo bem, obrigado por tudo. Pode ir. Estão precisando de você em
algum setor – o mais velho apontou para o Pager do enfermeiro que não
parava de apitar. O mais novo não hesitou e foi cumprir seu dever.
– Hoje de manhã ela estava usando a pulseira que dei de presente há dias
atrás – tampei a boca e senti o chão abrir sob mim. Sem dizer qualquer
palavra, saí em direção à recepção em busca dos policiais. Preciso descobrir
se é a pulseira dela.
– Philiph, pense muito bem no que vai dizer – ando tão depressa que os
passos de Henrique não me alcançam. Não dou ouvidos a ele. Não esperei
pelo elevador e desci pelas escadas numa velocidade perigosa.
– Tome cuidado com as palavras, não ponha em risco a identidade dela –
vire—me bruscamente, ainda nos degraus da escada.
– Eu estou pouco me lixando, Henrique. Que se danem tudo isso! Nem
que eu vasculhe cada canto dessa cidade ou desse país eu vou achar a minha
mulher – falei efusivamente e o mesmo não teve palavras para responder,
somente decidiu me acompanhar. Encontramos os policiais conversando com
o supervisor e abordei um deles. – Soube que acharam uma pulseira na
garagem, eu posso ver? Pode ser da minha esposa – enfatizei a palavra
“esposa” para não causar alarde. Henrique e eu nos olhamos e acabei optando
por ser estrategista.
– É uma pulseira de golfinhos – falei e o agente mostrou o objeto em um
saco plástico, engoli o gosto amargo em minha boca. Procuro coragem dentro
de mim para não gemer na frente de todos.
– É exatamente essa, ela acabou de me telefonar e pediu para que eu
procurasse. É bem provável que tenha deixado cair ao entrar no carro, sempre
anda com muitas bolsas e sacolas – forcei um riso e o indivíduo fardado
comunicou a um terceiro o que eu lhe disse.
Os homens me encararam e pensei que pudessem desconfiar de mim.
Para a minha surpresa a pulseira foi entregue sem burocracia alguma. Assenti
em forma de agradecimento e dessa vez, acionei o elevador mais próximo.
Não consigo pronunciar palavra alguma, sinto minha garganta fechar e
Henrique tomou a frente, vendo meu iminente colapso nervoso. Olhei para
ele e assim que saímos do elevador, após alguns passos voltamos para sua
sala.
– Senta aí – atendi ao pedido e rapidamente ele voltou com um copo de
água. Enquanto forço o liquido a descer por minha garganta estreita devido à
pressão do mundo a esmagar—me brutalmente, estou apático para reagir.
Vejo Henrique conversar com alguém pelo celular, contudo estou tão
aéreo que apenas vejo o movimento de seus lábios, pois a imagem dela
preenche todos os meus sentidos, impossibilitando-me ter percepções de
quaisquer outras coisas. Apenas duas palavras que decifrei através da leitura
labial, despertaram—me do transe hipnótico.
Alerta máximo.
– Vamos agora! – tirou o jaleco e o jogou sobre a cadeira.
– Aonde? – perguntei forças.
– Para a colmeia – fiquei sem entender o uso do termo, ele puxou-me pelo
braço e seguimos até a saída do hospital.
– Não perca o meu carro de vista – ordenou e assim como o meu, o
veículo dele está em frente ao hospital. Após um bom tempo dirigindo às
pressas pelas ruas do Seattle, entramos em uma estrada que dá acesso a
algumas fábricas e instalações desativadas numa região afastada da
civilização. Bem parecido com a Rota do Abandono. Continuamos o trajeto e
minutos depois, visualizei à minha frente um galpão abandonado, cercados
por inúmeros veículos. O cheiro de lataria velha e ferrugem estão
impregnados por todo o lugar. Paramos os carros e descemos dos mesmos.
– Por que colmeia? – indaguei ao andarmos até a entrada.
– Você vai entender – calei-me e esperei para ver com meus próprios
olhos, entretanto quando conseguimos transpor a porta de entrada, me deparei
com um enorme grupo de pessoas, muito mais do que eu podia imaginar.
São homens e mulheres misteriosos e vestidos de preto, alguns carregam
suas armas e reservam munições, já outros falam aos celulares de forma bem
discreta. Todos, porém, voltam seus olhares para Senhor S, ao centro do
galpão. Henrique e eu nos aproximamos e logo Leticia veio nos
cumprimentar.
– Nós vamos achá-la, Philiph. Aonde quer que ela esteja – disse convicta
e, em seguida, todos se agruparam ao redor do ancião para ouvir as ordens.
– Prestem muita atenção no que vou dizer – seu timbre demonstra ira e
ódios retrospectivos. – Isso é um alerta máximo, significa que não seremos
ortodoxos – ele olha para cada um à sua volta, e quando seus olhos
encontraram os meus apenas desviou. – Estão aqui por causa da minha filha,
que também é chefe de vocês – todos se entreolharam, porém recobraram a
atenção quando o homem prosseguiu.
– Eu quero cada minúsculo beco dessa cidade revirada, olhem as casas,
embaixo das camas... Vasculhem cada centímetro deste Estado e não voltem
sem ela – disse efusivamente.
– Eu quero a minha filha viva... Se não a encontrarem num prazo máximo
de quarenta e oito horas, podem dar adeus às suas vidinhas tranquilas. Vou
me acertar com cada um de vocês – uma tensão colossal apoderou-se do
ambiente. – Repito, eu a quero viva! Viva! E quem estiver por trás desse
sumiço também, para que eu posso torturá-lo e matá-lo com minhas próprias
mãos, depois jogar sua carcaça aos cães – um tremor difundiu-se por minha
espinha e paralisei com suas palavras.
– Não ousem me decepcionar, é perigoso demais. – sua voz saiu como
sussurro quando advertiu.
– É de Madame Mary que estou falando. Não parem para pensar, não
durmam e o mais importante, não pisquem – virou a ampulheta na mesa e a
areia do tempo começou a escorrer.
– O tempo está correndo – mal terminou a frase e os investigadores
saíram em direção aos seus carros até restar aqueles que eu conhecia.
– Sabe atirar, doutor Philiph? – perguntou seriamente para mim, o galpão
vazio fez sua voz ecoar por toda a parte.
– Não – respondi.
– Vai ter que aprender – foi categórico e estendeu uma pistola semelhante
à de Mary. Hesitei por um momento, mas peguei o objeto. – Vê aquele alvo?
– apontou para algumas latas bem distantes de nós.
– Sim – assenti.
– Acerte a lata azul – olhei para a arma em minhas mãos e suei frio. Ele
colocou-se ao meu lado e ergueu os meus braços. – Postura! – ordenou
rígido.
– Segure assim – ajeitou—a em minhas mãos. – Não trave os cotovelos,
com o disparo isso prejudica sua visão periférica – fez gesto para que eu
observasse o campo visual. – Pressione o gatilho – ordenou e ao prender a
respiração, apertei. O barulho seco estrondou por meu ouvido, e meu corpo
bambeou para trás. O tiro acertou outra lata mais afastada. – Olhe para mim –
o encarei.
– Você é cirurgião, sua visão do longe é limitada. Você enxerga o
micro e nada mais. Mire pequeno, desvie milímetros do alvo e atire – fiz
como ele ensinou e dessa vez, atingi uma lata acima da qual devia. – Você a
ama como diz que ama doutor Philiph? – foi ríspido e, dessa vez, me segurou
pelo colarinho.
– Amo – afirmei seguro.
– Tem certeza disso? – insistiu nervoso. – Você a ama? – de forma
doentia, ele repete insistentemente enquanto eu digo que a amo várias vezes.
Seu questionamento é infindável e já sinto minha cabeça girar, o homem
intimida-me com fervor e não aguento mais.
– Eu a amo! – gritei rouco e austero. O homem me soltou e nos
olhamos por alguns segundos. – Eu sou louco pela sua filha, Senhor S. Não
consegue enxergar isso? Eu amo tanto aquela mulher que dói aqui dentro –
respondi mais calmo.
– Então honre as calças que veste doutor Williams. Ela está bem ali...
Rendida com uma arma apontada direto para a cabeça – apontou para as latas
como exemplo.
– Se errar a mira ela morre! Então não perca o foco. A distância entre eles
é mínima e um único erro cometido é fatal. Salve a vida da mulher que você
diz que ama – olhei para as latas dispostas à nossa frente, ergui os braços e
cerrei um pouco os olhos para que pudesse ver apenas o alvo.
Ajude—me a acertar! Foi a única prece que consegui fazer. Investido de
uma coragem insana, puxei o gatilho. O disparo estrondou a estrutura
metálica e demasiadamente oxidada, mas respirei suave e sorri ao atingir o
alvo. Minha agitação interna é tão fervorosa, que atirei em outras latas da
mesma cor que se camuflavam no meio das que tinham outras tonalidades.
Por incrível que pareça das sete latas azuis, obtive vitória em seis. Ele
indicou outros alvos numa distância maior e eu os atingia com precisão,
imaginando que poderia estar salvando a vida da mulher que amo.
– Tenho que admitir, você leva jeito – disse ao acender um charuto
cubado. Andou meticulosamente para perto de mim e me ofereceu um. Aos
poucos, a fumaça nos inebriou e as últimas coisas foram recolhidas do local.
Nossas tragadas são lentas e viscerais, Senhor S é sem dúvidas, um ponto de
interrogação. É assustador reconhecer que os dois possuem muitas coisas em
comum.
– Teria uma carreira excelente como atirador de elite – Dimitriev, que
também consome o tabaco, disse e uma sensação diferente tomou conta de
mim.
– Você e Mary farão uma ótima dupla, escreve o que eu estou dizendo.
Não negue isso, acabou de descobrir que está no seu sangue – caminhou ao
meu lado e saímos do local abandonado. Senhor S e Dimitriev seguiram na
frente, escoltados pelos seguranças. Leticia, que estava com eles decidiu nos
fazer companhia.
Capítulo 24

Estou sentada há horas nesta mesma posição, sem comida ou água e sinto
dores por todo o corpo. Tudo está silencioso como a morte, eu diria que essa
ausência de som é terrivelmente amedrontadora. Minha cabeça estava
pendida para frente quando escutei o barulho da chave na fechadura. Olhei
para a maçaneta sendo girada e em poucos segundos vi doutor Conrad
inundar o ambiente com sua presença. Fechou a porta por trás dele e
encostou-se nela. Olhou fixo para mim e depois, caminhou sorrateiramente
até sentar-se na cama ao meu lado.
– Doutora Mary – pronunciou meu nome com tom malicioso.
– Vamos bater um papinho só nós dois – juntou as mãos e esfregou uma
na outra com inquietude. Permaneço calada e sem olhar para ele. O homem
está ao meu lado e miro à porta sem perder a concentração.
– Podia muito bem ter evitado todo esse transtorno, mas resolveu
interferir em nossos negócios​ e isso causou um enorme prejuízo – ainda me
reservo ao direito de ficar calada. Sua mão, em uma atitude descarada, subiu
por minha coxa.
– Eu poderia fazer loucuras com você aqui – seu toque sujo subiu por
meu seio e o apertou.
– Tira essa mão de mim – ditei pausadamente cada palavra e virei o rosto
devagar para encará-lo.
Notei suas feições de homem de meia idade, certamente uns quarenta e
cinco anos e um belo rosto afilado. As poucas mechas grisalhas e a
tonificação dos músculos faciais demonstram seus ótimos cuidados com a
saúde, a pele quase não apresenta marcas de expressão e acredito que foram
esses atributos a chamarem a atenção de Kate.
– O que está fazendo com a sua vida? – perguntei indignada. – Acha
mesmo que ela pretende ficar com você? Ela foi capaz de matar a própria
filha, aquela mulher não precisa de cúmplices. Kate vai apagar qualquer
vestígio de testemunha, a mínima pessoa que possa depor contra ela ou
mesmo que saiba dos esquemas – falei séria e controlei o volume de minha
voz. Ele me olha atentamente. – Ela vai te descartar, Conrad você é só uma
alavanca na vida dela, sabe muito bem que Kate saía com outros homens.
Você não era o único – lancei os fatos e vi em seus olhos a fúria que o corrói
aos poucos. – Quando perder a utilidade ela não vai ter pena. Aquela mulher
é calculista, uma psicopata. – enfatizei.
– Por que não cala essa maldita boca – disse agressivo e colocou-se diante
de mim. – Quer ter o mesmo destino da menina? – indagou sussurrando
contra meus lábios.
– Olhe para mim! Enquanto eu estiver falando com você é para me olhar
– pedi e seus olhos se puseram sobre os meus. – Me escuta! – supliquei. –
Você pode mentir para mim, contudo não pode mentir para si mesmo. Estou
presa aqui, mas sou mais experiente que você. Quer continuar vivendo? –
inclinei a cabeça para acompanhar seu olhar que se esgueirou de mim,
acredito que algo tenha lhe chamado atenção. – Você não é burro Conrad,
pensa com calma em tudo o que te falei – ele sorriu de canto de boca, seguro
meu queixo de forma firme e senti seus dentes repuxarem meu lábio inferior,
balancei a cabeça de um lado para o outro para que não me tocasse.
– Você é bem gostosa, sabia? Eu morro de tesão em você – fechei meus
olhos para não encarar este homem nojento.
– Se for boazinha posso lhe trazer um delicioso jantar – joguei minha
cabeça para trás com repulsa quando seus dedos deslizaram alisando meu
rosto.
– E se usar essa boquinha perfeita lhe garanto que encomendo a melhor
sobremesa – o encarei enojada, juntei a saliva em minha boca e com força,
cuspi em seu rosto. O mesmo fechou os olhos na hora, pegou um lenço no
bolso do blazer e limpou.
– Vagabunda! – riu com escárnio e esboçou face de êxtase.
– Deve ser violenta na cama, tem certeza de que não quer? Seria ótimo
para passar o tempo por aqui – falou acariciando o membro por cima da
calça.
– É melhor matar, filho da puta. Antes morta do que me sujeitar a um
traste como você – falei apertando os dentes, mas depois ri de sua atitude
patética. – Você é péssimo. Precisa ameaçar uma mulher para transar com ela
– retomei o fôlego.
– Porque gratuitamente ninguém te quer porque é patético – me olhou
furioso, deu passos em minha direção e ergueu a mão.
– O que está fazendo Conrad? – foi interrompido por outro homem que
entrou no quarto e questionou com voz grave. Olhamos para o mesmo e vi
um homem alto e moreno, trajando roupas escuras e acredito ser um
segurança. Conrad ajeitou o colarinho e passou as mãos pelo rosto.
– Essa conversa ainda não acabou – intimidou—me. – Fique de olho nela,
é bem arisca – ordenou e saiu da sala.
O moreno fechou a porta por trás dele e girou a chave em seu dedo,
brincando com ela no ar. O sujeito assovia de forma sinistra como se
cantarolasse a trilha sonora de filme de terror. Meu corpo inteiro está travado
na cadeira e ele deu voltas entorno de mim, por um minuto pensei que ousaria
algo repulsivo, mas para meu alivio, retirou a corda que prende meus pulsos.
Movimentei os braços para frente e senti a tensão muscular em meus
ombros pela posição em que ficaram. Massageei meus pulsos, abri e fechei o
punho relaxando as articulações. O moreno abaixou-se em minha frente e fez
o mesmo com a corda em minhas pernas, segundos depois fiquei livre das
amarras. Ele não para de cantarolar assoviando e isso me causa uma sensação
ruim.
– Por favor, eu preciso de água – pedi calma e esperei por sua reação.
– Não posso lhe oferecer absolutamente nada – negou veementemente
meu pedido.
– Estou morrendo de sede, há horas não tomo nada e não almocei. Eu
imploro por um mísero copo com água – já estava desistindo quando o
mesmo tirou um celular do bolso e analisou alguma coisa. Pensou por alguns
segundos e parou de fazer barulhos com a boca.
– A cozinha é aqui do lado, eu não posso abandonar a porta deste quarto
por nada, fico do lado de fora vinte e quatro horas. Eu vou junto, mas se
tentar qualquer gracinha comigo, estouro sua cabeça – afastou o lado direito
do blazer e vi a pistola semiautomática presa no coldre de tórax.
– Eu lhe dou a minha palavra – demonstrei confiança e sinceridade em
minha voz.
– Levanta devagar – ordenou e assim o fiz. – Vai em frente – tirou a arma
e a empunhou. Apontou para a porta e caminhei com cuidado. Ao saímos do
quarto, que é uma espécie de solitária, notei que estamos no meio de um
corredor e tudo aqui tem coloração pastel.
Do meu lado esquerdo, no fim do corredor, há uma escada que não posso
ver aonde leva e do lado direito, a cozinha. Senti o cano da arma em minhas
costas e continuei até chegar a um espaço amplo, devidamente organizado
como se fosse uma cozinha com móveis planejados, meus olhos buscaram
alguma saída ou janela, contudo só visualizei uma entrada de tubulação.
– Sente-se! – mandou autoritário e obedeci. Puxei uma cadeira e
acomodei—me, logo ele retornou com um copo de água fresca e tomei cada
gole bem devagar. Gravei mentalmente o local, as gavetas onde acredito
estarem guardadas as facas e o armário com os objetos de vidro. – Anda logo
com isso – bebi o último gole e lhe entreguei o copo.
– Ai! – senti uma pontada na barriga e prendi a respiração por longos
segundos. Encolhi meu corpo na cadeira e pressionei as mãos contra o meu
ventre.
– O que foi? – perguntou ríspido.
– Nada, é só uma dor. Me leva ao banheiro – o olhei com semblante de
agonia e ele pareceu muito nervoso.
– Rápido – me puxou pelo braço e me arrastou até uma porta ao lado do
quarto onde estou.
– Você tem dois minutos contados a partir de agora – entrei no banheiro e
olhei minha imagem refletida no espelho, vi meu semblante pálido e meus
lábios cianóticos. O local é abafado e não há janela ou báscula. Senti o
incomodo mais uma vez e suspirei.
O que está acontecendo comigo?
Fiz exercício de respiração e a dor se dissipou. Utilizei o banheiro como
precisei e antes que eu pudesse abrir a porta, reparei em um grampo de cabelo
caído no canto esquerdo perto da porta. Sem pestanejar, coloquei o mesmo
em meu bolso e em seguida saí do toalete. O homem me empurrou para
dentro do quanto e advertiu.
– Se contar a algum deles o que fiz eu mesmo me encarrego de torturar
você – neguei.
– Não vou, pode confiar – ele assentiu um pouco desconfiado e me
trancafiou. Sentei na cama encarando o nada e me assustei quando a porta foi
novamente aberta. O moreno invadiu o recinto e sem dar uma palavra sequer,
levou a cadeira e as cordas com ele.
Saímos à procura de Mary por cada canto desta cidade. Bares,
restaurantes, clubes e até pela casa de uma prima londrinense que ela mal vê.
Qualquer mínimo detalhe era importante. Retornamos ao hospital e não
conseguimos recuperar o vídeo do momento exato em que ela estava na
garagem.
Não há pistas e nem vestígios. Estou enlouquecendo e a única vontade
que tenho é de dar​ fim à minha própria vida. As equipes de busca espalharam
—se para obter uma cobertura ampla e assim termos chances de encontrá-la
mais rápido.
A cada segundo Leticia recebe ligações de informantes nas fronteiras e
também de Rony, braço direito de Senhor S dentro da polícia federal. Ela fala
em códigos enquanto dirijo meu carro e sigo o veículo de doutor Henrique
logo à nossa frente. Meus pensamentos recaem sobre a Madame a todo
instante e não quero pensar o pior, mas é inevitável. Já perdi minha filhinha e
tive falsas esperanças com aquela ligação. Eu não posso ficar sem ela.
Definitivamente não vou suportar.
No fim da tarde, quando fui para casa, após horas de buscas frustradas,
recebi conselhos de Leticia para que eu mantivesse a calma, em se tratando
da filha, Senhor S seria capaz de qualquer coisa para encontrá-la.
O pôr do sol já é visível e deixa no céu um vitral alaranjado perfeito.
Sentei-me na mesma cadeira de balanço que um dia a embalei e senti uma
solidão tão forte capaz até de dilacerar a alma. Nunca estive tão desiludido
em minha vida. Eu olho para a lua despontando no céu e tento imaginar onde
ela pode estar.
Quem faria mal a ela?
Por que a vida é tão dura comigo?
A noite já desce esplendorosa sobre mim, não há mais o clarão do dia e
meu olhar contempla a pulseira de golfinhos que dei de presente para Mary.
Seu sorriso foi indescritível ao receber, além disso, ela estava usando o
cordão de ouro, cujo pingente é uma menininha, presente de minha filha
Luanna quando ainda estava viva. Eu apenas observo as horas em meu
relógio de pulso e elas avançam sem piedade, afligindo meu coração de uma
maneira absurda.
Falta pouco para a madrugada e não aguentando mais esperar, segui para
o interior da casa. Liguei o notebook, conectei o cabo da impressora e
procurei pela foto mais recente de Mary. Sem pensar duas vezes, imprimi
tantas quanto pude com a inscrição de desaparecida e coloquei meus
contatos, caso alguém tenha notícias.
O processo demora e enquanto espero, coloco as fitas adesivas numa
bolsa e procuro pela chave do carro. Assim que a impressão finalizou, peguei
todas as fotos e saí em direção ao meu carro. Em poucos minutos eu já estava
na estrada. A movimentação é escassa e não vejo ninguém pelas ruas.
Ao me aproximar do hospital de Esmerald City, estacionai o veículo e
preguei várias fotos dela nos postes. Coloquei também nos para—brisas dos
carros e nas portas das lojas por onde passei. Entrei no carro novamente e saí
para outros lugares. Afixei no bar onde a sequestrei do dançarino, nas praças,
nas palmeiras das praias. Abri a janela e enquanto dirigia rapidamente, joguei
os pequenos cartazes que voavam em direções desconhecidas por mim.
Fiz isso tantas vezes quanto respirei e durante a madrugada inteira.
Enfim, não desisti. Antes do raiar do dia eu já havia espalhado
silenciosamente a notícia de seu sumiço. Alguém há de ter alguma
informação em algum canto desta cidade. Fiz sem o consentimento de Senhor
S, mas que se dane ele e todos os outros que me repreenderem. Eu faço
qualquer loucura por ela.
Quando cheguei em casa já era manhã. Caminhei até o sofá, exausto e
sonolento, mas antes que eu pudesse alcançá-lo, meu telefone tocou. Atendi o
mais rápido que pude, imaginando notícias sobre ela, contudo, ouvi a voz de
Henrique.
– Está louco? – perguntou com voz agressiva. – Como espalhou fotos
dela desse jeito? Senhor S está uma fera, ele já sabe. Aliás, todo mundo já
sabe! Você expôs a filha dele – ri desacreditado e com indignação.
– É mesmo? Eu não estou nem aí. Mande ele vir falar comigo como um
homem e não mandar um garoto de recados – desliguei o celular e deitei no
sofá, desabando sobre ele o meu corpo cansado. Não tenho mais paciência
para coisa alguma. Quando meu celular tocou mais uma vez, olhei para tela e
dessa vez, era Leticia. Atendi com certa ignorância pensando que fosse
represália.
– Se me ligou por causa das fotos eu não quero ouvir nada! – minha voz
saiu bastante ríspida.
– Não é sobre as fotos Philiph. A Kate também desapareceu. Só
descobrimos agora que há dois dias ela não aparece no próprio apartamento e
não saiu do país. Os dois detetives que a espionavam estão mortos. Ninguém
sabe onde ela está – gelei de cima a baixo. Ela certamente está com a
Madame. Não vejo e nem falo com Kate desde o dia do enterro. – Olhe o
extrato de sua conta no banco, preciso de alguns documentos que atestem a
posse dos imóveis e do clube – ela pede de forma rápida e sem respirar.
– E a Mary? – questionei desesperado, sem sequer prestar atenção nos
assuntos de meus bens.
– Uma nova equipe de buscas está indo em direção ao interior do Estado
por causa de uma denúncia anônima. Disseram ter visto o carro da Kate, mas
não temos certeza de nada! – falou seriamente.
– Os documentos estão na outra casa – comentei dando passadas
impacientes pelo cômodo, deixando marcas fundas pelo carpete.
– Então não perca mais nenhum segundo, nos encontramos lá – desligou
em seguida. Paralisei ainda com o telefone em mãos e quando recobrei a
consciência corri em direção ao carro e parti para a mansão. Parei em um
sinal vermelho, abri o porta—luvas e olhei fixamente para a arma que ganhei
de Senhor S.
Pensamentos desastrosos vaguearam por minha mente. Coloquei o
objetivo onde estava e segui viagem, acelerando a cada segundo. Minutos
mais tarde eu já estava próximo ao local, avistei o carro de Leticia e Henrique
estava com ela. Estacionei e desci.
– Está pronto para entrar? – ela questionou levando em conta o meu
estado emocional.
– Eu não sei de mais nada. Não me importo de perder cada centavo do
meu patrimônio, a única coisa que eu quero na vida é saber se ela está bem –
desabafei e Henrique deu leves batidas em meus ombros.
– A cidade toda está sabendo do desaparecimento dela por causa das
fotos, Philiph. Uma delas parou num jornal de circulação local e eles estão
divulgando – o olhei sem expressões em meu rosto.
– Isso é bom, não é? – perguntei e eles se entreolharam.
– A caçada aumentou e os envolvidos devem estar se sentindo acuados
agora, não temos muito tempo. O sumiço de Kate só revela que ela está
envolvida tanto no desaparecimento de Mary quanto... – ele pausou a frase e
respirou fundo.
– Quanto o que? – indaguei receoso.
– Você conhece nossas suspeitas, doutor Philiph. Não estamos aqui para
ludibriar ninguém. Mesmo com sua recusa em acreditar e na ausência de
provas, acreditamos que Kate está por trás do assassinato de sua filha – não
era a primeira vez que ouvia isso, sempre me recusei piamente a acreditar,
mas agora meu coração vacilou e um ódio descomunal invadiu minhas veias
de maneira impiedosa. Respirei pesadamente com seu comentário e um
arrepio louco subiu por minhas pernas.
– Se isso for verdade eu mesmo quero matá-la com minhas próprias mãos
– ditei cada palavra com ira. Eu não consigo acreditar que ela tenha feito
tamanha maldade com a nossa filhinha, sei que nunca desejou ser mãe, mas a
troco de que mataria uma criança? Sua menina. O novo segurança que eu
havia contratado liberou o portão e adentramos à propriedade. Entramos na
casa e senti um calafrio percorrer minha espinha. Toda a cena do massacre
voltou à minha mente e por mais que esteja tudo limpo, o cheiro do sangue
está impregnado por todo o ambiente, mas apenas eu posso sentir.
Capítulo 25

Minhas costas doem por estar deitada nesta cama desconfortavelmente


rígida. Sem travesseiros ou qualquer tipo de cobertor, o frio e a desolação são
meus únicos companheiros. Só consigo ver um rastro de luz próximo ao teto,
pois o único clarão do recinto invade o quarto pela janela gradeada que dista
metros do chão. Isto não é um quarto de uma casa convencional, é como seu
eu estivesse em um porão, uma sela, só que afastado da possível residência e
nem sei se estou sob uma.
Como aqueles labirintos subterrâneos que ligam um lugar a outro e que
possuem pequenas torres ao longo do caminho, como saídas de ar. A
penumbra do ambiente amedronta-me e estou sem comer a horas. Não
almocei e meu corpo está fraco. Meu relógio de pulso foi arrancado no
momento do sequestro e perder a noção do tempo neste cativeiro é o primeiro
indício de uma possível alucinação.
Encolhi meu corpo na cama ao sentir o gelo da noite. Uma pontada fina
em meu ventre insiste em aparecer durante longos segundos e subitamente
vai embora. Isso muito me assusta. Isso não pode estar acontecendo. Foi
nesta solidão e pensando em Philiph que acabei dormindo.
Meus olhos começaram a abrir com o barulho da porta de ferro. Com
esforço, sentei-me e minha cabeça deu um forte giro, tudo está rodando
diante de mim. Agora percebo os efeitos da privação das refeições. Minha
boca está amarga e uma sensação de vazio assola-me por dentro. Ajeitei os
cachos de meus cabelos, tirando—os do meu campo de visão, e assim que o
fiz, pude ver Conrad no recinto.
Ele traz uma bandeja em suas mãos e o segurança que vigia a porta
colocou uma cadeira diante de mim, me olhou de maneira diferente e logo
depois saiu, deixando—nos a sós. Conrad depositou a bandeja em cima da
cadeira e sentou-se ao meu lado na cama, de modo que seu corpo tocava o
meu.
– Está gostando das novas acomodações? Espero que tenha passado uma
noite confortável – disse debochando e com um risinho safado.
– Sabe, Kate adorava trazer a menina para este lugar. Ela oferecia chás
para as amigas enquanto deixava a Lu presa aqui embaixo só para estudar os
efeitos do medo na criança. Ela ficava apavorada – o olhei espantada pela
revelação.
Como um lampejo de luz, recordei do dia do massacre onde vi seus
desenhos dentro do armário embutido em seu quarto, um deles era
exatamente de uma casa grande com outra menor dentro dela. Era este lugar,
tenho certeza. O esboço desta masmorra pela visão de uma criança.
– Depois ameaçava dizendo que se ela contasse para o Philiph ela seria
deixada aqui para sempre – senti uma lágrima escorrer por meu rosto. O
quanto aquela menininha deve ter sofrido nas mãos daquele ser humano
desprezível que, infelizmente, é a mãe de sangue dela. Reparei que seus olhos
passeavam por meu corpo, então fiz menção em pegar o primeiro pedaço de
pão, mas fui impedida por ele quando segurou meu braço. – Vá com calma,
doutora – falou sedutor. – Isso é uma recompensa se for boazinha comigo – o
olhei desesperada.
– Conrad... – pronunciei seu nome quase sem forças. – Você não é um
monstro, eu não estou bem. Olha para mim – toquei suas mãos e ele me
encarou em silêncio. Minha voz saiu tão baixa que ele se aproximou para
ouvir. Pensei que se compadeceria, mas me enganei. Ele apenas sorriu
malicioso.
– Eu vou adorar teu corpo frágil à minha total disposição – o empurrei
pelos ombros. – Eu reparo em você desde o dia em que conversamos na sala
dos médicos. Eu já fiz coisas imaginando teu corpo no meu – respirei fundo,
buscando os últimos resquícios de energia. – É muito simples, a gente brinca
um pouco e depois você vai ter tudo o que quiser – quando ia me tocar algo
em seu bolso vibrou, ele retirou o celular e rejeitou a ligação, guardando-o
novamente.
Encarou-me pervertido e rapidamente subiu por cima de mim,
encurralando-me na cama. Senti um chupão nojento em meu pescoço e ele
gemeu pressionando seu membro duro contra minhas pernas. Suas mãos
passeiam em meu corpo e ele permite que as minhas fiquem livres, então
massageei suas costas e também a lateral de seu corpo. Deixei ele fazer o que
queria por alguns segundos e finalmente o golpeei com meu joelho em sua
parte mais sensível.
– Arg... Filha da puta! – saiu de cima de mim e caiu no chão, contorcendo
—se de dor. Inclinei meu corpo e bati com o braço na bandeja, derrubando
meu café da manhã no chão e boa parte em cima dele.
– Você pode fazer tudo o que quiser comigo, Conrad, mas me mata
primeiro – ele riu sarcástico em meio a dor.
– Eu sou paciente, Madame. Ainda vou conseguir o que quero – revirei os
olhos.
– As consequências podem ser drásticas se não me obedecer – gargalhei
de sua fala, mesmo fraca eu consigo manter a sanidade. Espero que até o
fim.
– Não obedeci nem meu pai quando era mais nova, acha mesmo que vou
acatar as suas ordens? – gesticulei e repleta de cólera, ele levantou do chão
ainda sentindo dores e me prensou na cama mais uma vez, imobilizando
meus braços e travando minhas pernas. Não tenho força alguma para revidar,
ele segurou meus pulsos com uma mão apenas e com a outra tentou
desabotoar minha calça.
– Não! – gritei com toda a força que ainda me resta e tentei me soltar,
porém em vão.
– Hoje à tarde vou te levar para um breve interrogatório – passou a língua
imunda por meus lábios e desviei o rosto várias vezes. – Você pode amenizar
o que vai te acontecer se ficar quietinha – levou a mão direita até minha
intimidade e a apertou por cima da calça. Senti asco na mesma hora. Ele
subiu o toque até o cós de minha calça e invadiu o tecido, tocando-me
intimamente.
– Para! – esbravejei mais uma vez.
– Vamos ver se você é gostosa! – falou maledicente e sorriu de lado.
– Doutor Conrad – ouvimos a voz do moreno, ele invadiu o recinto ao
ouvir meu pedido de socorro.
– Saia de cima dela, isso já foi longe demais – Conrad virou o rosto e
olhou irado para o homem.
– Deixe—nos a sós – ordenou ríspido e encarei o homem como quem
pede socorro.
– Por favor! – pronunciei sem emitir nenhum som. Sei que ele fez leitura
labial.
– Obedeça rapaz! – ditou Conrad com voz grave e tirou sua mão de mim.
O homem simplesmente apontou sua arma em direção ao médico e este,
com cautela, saiu de cima de mim, aliviando a pressão que estava fazendo
sobre meu ventre. Fechei o botão de minha calça
– Você está sendo insubordinado, Leon. Acho bom obedecer às minhas
ordens – chegou mais perto do homem.
– Eu não recebo ordens suas! Sou pago pela doutora Kate e só a ela devo
obediência. Tenho instruções bem claras de não deixar ninguém tocar nesta
mulher. Ninguém! – falou sério e me senti um pouco aliviada. Conrad volveu
o corpo em minha direção.
– Salva pelo gongo, não quis cooperar, agora aguente as consequências –
ditou raivoso e saiu do quarto.
O homem recolheu parcialmente a sujeira do chão e também se retirou.
Assim que me vi sozinha no quarto, coloquei a mão no bolso de trás de
minha calça e peguei o celular que estrategicamente roubei do bolso de seu
blazer quando deixei que se aproveitasse de mim por breves​ instantes​
Minha visão está turva pela fraqueza, mas ainda sim disquei o número de
Leticia com desespero. Ergui-me da cama cambaleando e me apoiei na
parede, na direção da janela alta. O sinal está fraco aqui embaixo, mas ainda
assim o celular chama insistentemente.
– Atende pelo amor de Deus! – supliquei baixinho esperando ouvir sua
voz. É minha última esperança. Preciso ser rápida, logo ele vai perceber que
perdeu o celular e virá atrás de mim. Um suor frio brota de minha pele na
expectativa, uma adrenalina violenta é injetada em meu copo quase sem
forças e por um milagre dos céus ela atendeu.
– Leticia! – falei baixo para que o segurança do lado de fora não pudesse
ouvir.
– Meu Deus, Mary! Onde você está? – perguntou com voz eufórica e por
trás, ouvi Philiph aflito querendo tomar o telefone de suas mãos. Também
pude reconhecer a voz de Henrique. A ligação está péssima e quase não
escuto nada.
– Rastreia essa ligação, Leticia – pedi quase que inaudível.
– De quem é esse... – sua voz corta a cada instante.
– Os desenhos da Lu... Na casa – falhei a voz pelo cansaço. – Porão! –
falei com um pouco mais de força
– Kate e Conrad – sussurrei os nomes.
– Nós vamos te achar, aguenta firme – pediu encorajando—me.
– Mary, eu amo você. Eu não vou desistir – me emocionei com a voz
dele.
– Philiph, os desenhos da Lu no armário, olha... – senti meu coração parar
quando ouvi vozes altas vindo do corredor.
Desliguei e de forma rápida apaguei a última ligação do registro, ainda
com dificuldade de enxergar nitidamente. Olhei pela janela com grades e
tomando impulso joguei o celular na esperança do mesmo passar por entre os
pequenos espaços, mas não consegui de primeira e aparelho caiu em meus
braços.
Comecei a ficar nervosa e cada vez mais as vozes se aproximavam.
Tentei mais uma vez e para a minha sorte, consegui. O celular passou pela
janela e deitei na cama, disfarçando a tensão. Minha respiração está
descompassada e só peço a Deus que eles tenham compreendido minha
mensagem. Meu coração acelerou de maneira descomunal quando a porta foi
aberta bruscamente, Conrad deu passos furiosos em minha direção e
empunhou as mãos em meu pescoço.
– Onde está o meu celular? – apertou ainda mais minha garganta. Olhei
lateralmente e vi Kate parada próxima à porta.

Minha cabeça começou a girar, ouvi sua voz, estava longe, mas era ela.
Minha Madame.
– Onde ela está Leticia? – perguntei exaltado, passando as mãos por meus
cabelos.
– Henrique, pega esse número e passa para o Rony, pede pra ele rastrear
de onde veio essa última chamada – ele acatou e anotou o número de telefone
do qual Mary ligou. – Ela falou em Conrad e Kate, falou também em porão e
sobre os desenhos da Lu – ditou firme.
– Philiph que desenhos são esses? – questionou-me neguei com a cabeça
sem saber.
– Eu não sei, ouvi ela falar de desenhos, mas não sei o que isso tem haver
– raciocinei e decidi verificar o que ela havia desesperadamente pedido na
ligação.
– Vem comigo! – subimos as escadas da mansão com pressa, enquanto
Henrique tentava descobrir a localização da chamada. Depois de muito tempo
entrei no quarto de minha filha e meu coração apertou, mas não perdemos
tempo. Reviramos cada centímetro do quarto até que me deparei com alguns
desenhos em cima de um baú rosa. – Leticia! – a chamei pasmo e intrigado
por nunca ter visto desenhos como esse. Agora vejo que minha menina sofria
calada e eu mal conseguia enxergar por causa de minha obsessão doentia pela
mãe dela.
– Por que ela queria que eu visse esses desenhos? Como ela sabe disso? A
minha filha está viva? – perguntei enlouquecido. Leticia também os olhou e
os arrancou de minhas mãos.
– Eu não sei Philiph. Olha pra esses desenhos, isso te lembra alguma
coisa? – balancei a cabeça negativamente.
– Ela disse que estava em um porão, veja isto, é uma casa dentro da outra.
Um porão desenhado por uma criança. Se ela está refém de Kate
provavelmente sua ex mulher deve ter contado alguma coisa sobre ter lavado
sua filha neste lugar. Ela maltratava a Luanna, Philiph – esmurrei a porta do
armário.
– Por quê? – questionei angustiado.
– Isso não é hora de se questionar, Philiph. É hora de agir! – seu olhar
desviou de mim e encarou o baú rosa. – O que tem aí dentro? – perguntou.
– Não sei – nos olhamos, ela sacou a arma e com um tiro arrebentou o
cadeado. Puxei—o para fora e nos abaixamos para olhar o que havia dentro.
Nos deparamos com um conjunto de fotografias e outros desenhos.
– Que lugar é esse? – apontou para uma foto onde eu estava com a Lu no
colo e Kate abraçava-me de lado. Eu havia me esquecido desse dia e das
inúmeras fotos que tiramos nesse lugar. Só não entendo o porquê estas fotos
estão aqui.
– Fica em Waltham Forest, mas é uma antiga propriedade da mãe dela,
inclusiva já foi vendida. A Lu morria de medo... – minha mente voltou ao dia
da visita a casa e de como minha filha teve receio de um lugar especifico da
casa, o porão. O local interligava a casa principal e seguia numa espécie de
túnel até uma casa de maquinas da pequena tecelagem da família. O espaço
subterrâneo é enorme e praticamente é uma casa debaixo da terra.
– Leticia – a chamei atordoado.
– Já temos localização, a chamada veio de Waltham Forest. Pasmem, do
celular de doutor Conrad – disse Henrique ao entrar no quarto de maneira
efusiva.
Saímos do interior da casa correndo em direção aos respectivos carros e
sequer peguei documento algum.
– Todas as unidades em alerta! Quero todas as equipes em direção a
Waltham Forest agora! – ela anunciava em alto e bom tom rádio enquanto lia
o endereço que estava no papel em minhas mãos. Direcionamos—nos o mais
rápido que podíamos, pois se Deus nos ajudasse, teríamos quatro horas e
meia de trajeto pela frente sem percalço algum.
Capítulo 26

Eles estão me levando à força para um local próximo a escada que


direciona ao andar superior. Kate abriu a porta e assim que entramos vi o
local. É medonho, por toda parte há um terrível odor fétido e a umidade e
mofo são visíveis por aqui. Tremi ao notar o tanque com água e as cordas.
Sem que eu pensasse muito, meus braços foram presos com as amarras e
mesmo tentando me esquivar, é fora de cogitação tentar fugir. A
possibilidade é remota, para não dizer irreal. Dois homens puseram—me
diante do tanque e um deles empunhou as mãos em meus cabelos.
– Eu nem sei por que ainda te mantenho viva? – Kate perguntou
debochada.
– Mas se não cooperar comigo, posso apagar você aqui e agora – engoli a
seco a ameaça. Reparei que o segurança moreno estava de frente para mim,
distante do tanque, encostado na parede. Nossos olhares se encontraram e
clamei silenciosamente para que me ajudasse. Conrad, próximo à sua
cúmplice, esboça face de vingança pelo fato de não ter conseguido o que
queria comigo.
– Onde está o celular do Conrad? – indagou ríspida.
– Eu não vi celular nenhum – falei demonstrando não saber do que ela
está falando. Meu cabelo foi duramente repuxado e senti uma dor invadir
minha cabeça.
– Está me fazendo repetir uma pergunta. Eu odeio repetir qualquer coisa –
apoiou os braços na borda do taque, do lado oposto ao meu e me encarou.
– Vou reformular – disse pensativa.
– Com quem você falou? E o que contou? – seu tom é autoritário, mas me
neguei a responder o que quer que fosse. Vendo a minha recusa, ela deu a
primeira ordem. Minha cabeça foi forçada para dentro da água e por alguns
segundos fiquei sem respirar. Tento levantar meu tronco, mas com os braços
amarrados não tenho chance. Uma sensação terrível percorre meu corpo e o
deixa adormecendo, como se eu fosse perdendo o controle dos músculos
corporais, principalmente o respiratórios. Quando acabaram com a tortura,
respirei pesadamente para retomar o fôlego e senti muito medo.
– Dizem que é uma sensação bem ruim, não é? – se aproximou de mim e
aqueles que me prendem, giraram meu corpo para que eu pudesse encará-la.
Permaneci calada.
– Eu imagino que há essa hora o Philiph esteja louco à sua procura. Já
perdeu a filha e agora vai perder a mulher que ama – riu maléfica e me vi sem
força para mover um dedo sequer. Tento a tudo custo usar toda a energia que
me resta para falar.
– Eu ainda posso te dar mais alguns dias de vida. Só preciso que cooperes
comigo – apontou severamente.
– O que fez com o celular do Conrad? – perguntou austera.
– Como eu esconderia um celular naquele quarto? Muito menos nas
minhas roupas – falei ofegante e num tom muito baixo, ainda me recuperando
do quase afogamento.
– Mais uma! – ordenou e com brutalidade mergulhei no tanque da morte.
Dessa vez sou forçada a ficar mais tempo e já sinto meus pulmões arderem
pela falta de ar.
Minha única vontade é de ver o Philiph mais uma vez e de dizer que eu
estou pronta para morar com ele, que o amo sem inseguranças. Sinto como se
meu consciente se esvaísse aos poucos, uma ânsia medonha avança de meu
estômago para a garganta.
Meus olhos estavam prestes a fechar quando findaram com o flagelo. Foi
inevitável, pendi a cabeça e vomitei ao lado ao tanque. Minhas roupas
ficaram sujas, tento prender o choro, contudo não consigo.
– Joguem um belo jato de água nessa imunda, não quero entrar naquele
quarto com ela desse jeito – Kate ditou enojada e saiu do ambiente, olhei para
o canto da parede e não vi mais o moreno que tanto me olhava. Cambaleei
sem forças e mesmo assim eles me arrastaram para o centro do cômodo, me
desamarraram e jogaram meu corpo no chão. Afastaram—se de mim e logo
em seguida senti um forte jato d’água a me lavar o corpo. É tão intenso que
me machuca a pele. Sem roupas secas vou adoecer muito rápido, não há a
mínima possibilidade de me recuperar.
– Para, por favor – supliquei entre soluços e protegi meu rosto do jato.
Eles não me ouvem, comecei a bater minha mão no chão inúmeras vezes até
que a crueldade terminou. Um dos homens me puxou pelos braços e arrastou
meu corpo pelo chão do local, saímos do cômodo e meus olhos detiveram—
se no teto durante todo o caminho.
A luz forte incide em minha retina e a queima. Quando meu corpo foi
lançado num canto da parede da sela, minhas costas colidiram com o
concreto. Os dois homens estão parados na porta à espera de alguma coisa e
pude ver o que era assim que Kate entrou. Internamente me desesperei
quando vi um aparelho portátil de choque. Ela se abaixou e apontou o
instrumento de tortura.
– Essa descarga de eletricidade no seu corpinho molhado não é uma boa
ideia. Essa é a última chance de cooperar – pensei em dizer a ela as minhas
suspeitas para que assim tivesse uma súbita compaixão, mas desisti, pois sei
que será pior.
– Abre o jogo, para quem você ligou? Falou sobre mim e Conrad? –
pressionou o aparelho contra o meu corpo sem apertar o botão e sem obter a
resposta, esbofeteou-me o rosto.
– Eu não sei de que celular está falando – entrecortei a frase. – Então vai
ser do meu jeito – encolhi meu corpo instantaneamente assim que a corrente
elétrica passou por ele.
– Aaarg! – gritei com os dentes trincados para aguentar.
– Achei o celular! – o choque cessou imediatamente quando a voz do
moreno ecoou pela sela.
– O que? – Kate levantou e fiquei sem me mexer por causa da dor. –
Encontrei caído lá em cima, estava perto do sofá.
– Kate pegou o telefone nas mãos e o analisou por um bom tempo.
– Não há nenhuma chamada para número desconhecido. A última
chamada foi para o meu celular – ouvi quando se comunicou com o
segurança.
– De qualquer forma, torturaram—na à toa – disse o homem.
– Isso é pouco para ela Leon. Não foi um total desperdício. Cuide das
coisas por aqui até que eu volte – ela passou a mão pelo rosto dele e mandou
um beijinho no ar. Eles se olharam e em seguida ela partiu.
A porta ia se fechando lentamente e os olhos dele caiam sobre mim de
maneira ininterrupta. Assim que fiquei a sós no quarto, pressionei as mãos
contra o meu ventre, não pude fazê-lo antes pela presença deles, mas agora
não posso mais esperar. A dor voltou intensa devido o choque, meu corpo em
posição fetal agoniza por tudo isso.
– Por favor, não! – implorei baixinho, contorcendo-me no chão.
Passado algum tempo, não sei precisamente o quanto, acordei com
alguém batendo de leve em meu rosto.
– Acorda! – minhas pálpebras estão pesadas e mal consigo ver
nitidamente, mas pela voz, reconheci o moreno.
– Ela vai voltar, eu não quero – falei ofegante e com medo.
– Calma, ela não vai voltar agora. Só amanhã na hora do almoço – ele me
pegou no colo e me ergueu do chão, colocando-me sobre a cama. Ajeitou
alguns travesseiros por trás de mim e puxou a cadeira para perto da cama.
Notei que preparara uma bandeja com alguns alimentos que não consegui
identificar e a depositou sobre a cadeira. Sentou-se ao meu lado e ofereceu-
me água, levou um canudo até minha boca e instantaneamente, suguei o
liquido.
– Devagar! – ordenou por minha voracidade. Estou há tantas horas sem
água ou alimento que beiro a insanidade. Sentir meu corpo sendo hidratado
aos poucos me deixa aliviada e preciso estar consciente de tudo.
Quando finalizei a bebida ele tomou o prato em sua mão esquerda e com
a direita, me ofertou a primeira colherada de uma sopa. Comi cada pequena
porção que me oferecia com esperanças de sair deste lugar. De poder fugir.
Vejo nele um ponto fraco, preciso usar isso a meu favor. Só não sei como.
Curioso é que seus olhos não possuem expressões de uma pessoa má. Ele é
enigmático.
– Leon, porque está fazendo isso por mim? – perguntei ao saborear a
última colherada de sopa. O homem silenciou e colocou o prato de volta na
bandeja.
– Você pegou o celular que joguei pela janela. Como soube e por quê? –
o questionei.
– Era bem óbvio. Se o celular estava com você e tinha que se livrar dele,
a janela era a única opção. Para a sua sorte, só não quebrou porque a queda
foi amortecida pela grama – ouvi atenta.
– Por que me ajudou? – ele esfregou as mãos uma na outra e respirou
fundo quando insisti.
– Eu nem sempre fui assim – pausou a fala. – Mas a necessidade nos
obriga a muitas coisas, só que até agora a gente só tinha bandido em mãos,
não inocentes – me posicionei melhor na cama.
– Me ajuda a sair daqui – segurei em seus ombros, mas ele se esquivou.
– Não posso. Não te deixar morrer de forme é o máximo que posso fazer
– segurei na manga de seu blazer quando ia levantar. O puxei até que sentasse
mais perto de mim e segurei seu rosto.
– Eu preciso de um médico, acho que estou grávida – falei aflita.
– Não estou bem, você me viu naquela sala. Eu passei mal e agora minhas
roupas estão molhadas. Vou ficar doente! – ele ficou estupefato diante de
mim.
– Mas pelo que eu ouvi você é médica, sabe o que fazer – falou afobado e
neguei com a cabeça.
– Eu preciso ir para um hospital, estou sentindo muitas dores. Vou perder
o bebê assim – ele retirou os travesseiros que me davam apoio e levou as
coisas para o corredor.
– Eu não posso, sinto muito. Se disser que lhe ajudei vai ser ver comigo –
apontou nervoso.
– Espera não me deixa aqui! Não vai embora – estendi os braços, mas foi
em vão. Ele saiu batendo a porta do quarto. Depois disso apaguei por um
bom tempo.
Quando despertei, estava um pouco mais disposta pelo fato de ter me
alimentado, porém sei que não vou aguentar passar por nenhuma emoção ou
tortura, pois certamente vou perder o bebê. Eu nunca quis filho, muito menos
gostava de criança, mas diante de tudo que vivi com Philiph e pelo
sentimento bom que conheci quando Luanna ainda estava viva eu quero
muito ter esse filho.
Temo agora em adquirir uma pneumonia, pois meu corpo treme pelas
roupas encharcadas e nada posso fazer para mudar isso. Fiquei apreensiva
quando a porta foi aberta e vi o moreno entrar assustado.
– Eu não quero ser cúmplice disso – disse ao gesticular e não
compreendi.
– Você tem que fazer alguma coisa! – me puxou pelo braço e o segui até
o corredor, ele me segura firmemente como se eu fosse fugir. Viramos à
esquerda e seguimos até uma porta no fim de um corredor, assim que
paramos diante dela e me olhou com tamanha seriedade que estremeci.
– Eu não quero carregar o peso dessa morte, só você pode ajudá-la – falou
em suplícios. O encarei confusa, porém, no exato momento em que abriu a
porta, cobri a boca com as duas mãos para conter o grito de espanto e
incredulidade. Paralisei por completo diante do segurança, eu mal posso
acreditar no que estou vendo. As lágrimas desceram com facilidade por meu
rosto e mesmo sem condições físicas, corri em direção à cama no canto da
parede e hesitei em tocar.
Ajoelhei na cama e peguei o pequeno e magro corpo em meus braços,
meu coração disparou sem controle e a apertei contra mim de maneira tão
intensa que ouvi seus gemidos baixinhos. Olhei para o alto e depois volvi
meu olhar para ela. Passei a mão por seu rostinho pálido e sem expressões,
sem forças até para abrir os olhos e meu choro desabou pesadamente, saiu
aliviado, mas ao mesmo tempo repleto de medo. Sinto-me feliz e triste. Sinto
tantas coisas!
– Ela está muito mal, há dias não come direito e só dorme. Ela chorava a
noite toda até cansar, mas agora nem isso ela faz. Acho que está morrendo, a
mãe bateu muito nela esses dias – eu ouvia suas palavras e pensava em
Philiph e no que eu um dia havia prometido a ele. Agora tenho chance de
cumprir. E quanto mais ele contava, mas eu abraçava a garotinha que tentava
tatear meu rosto com sua mão pequena e frágil.
– Obrigada Deus! – eu repetia ininterruptamente e beijava seus cabelos,
sua fronte. Nossos corpos estão à beira de fundir-se nesse abraço milagroso.
– Lu! – chamei por ela com a voz embargada, a pobre criança mal reage,
balbucia coisas sem sentido e está muito desidratada​. É bem provável que
esteja entrando em quadro de desnutrição e há varias manchas roxas em seus
bracinhos.
– Lu! Abre os olhos, meu amor. Sou eu a Mary. Eu te contei uma história,
lembra? Por favor, não morre! – supliquei e encarei o moreno.
– Tira a gente daqui, ela precisa ir para um hospital urgentemente e eu
também – ele passou as mãos pela nuca e começou a falar sozinho, num tom
baixo, dando passadas pelo quarto.
– Luanna! – chamei alto seu nome e fiquei aflita por não obter respostas.
Chorei mais ainda por isso, mas ao notar seu esforço para abrir os olhos,
prendi o choro para ver a cena. Aos poucos suas pálpebras afastaram—se e
pude ver seus olhos tão lindos e azuis quanto os do pai dela, apesar de opacos
pelo estado de saúde. Ela me olhou compenetradamente por um bom tempo e
esboçou​ um sorriso com as​ únicas​ forças​ que tinha. Sua mãozinha acariciou
meu rosto e senti seus dedos delinearem minha bochecha.
– Mamãe! – assenti assim que ouvi, com toda a convicção do mundo.
– É a mamãe querida, eu estou aqui! É a mamãe – seus olhos marejaram e
mais uma vez me rendi a esse sentimento louco chamado amor. A embalei e
meus braços, enquanto o moreno estava sentado no chão do quarto olhando
toda a cena.
Capítulo 27

Leon permanece calado, de certo, está com medo de alguém chegar e do


que possa acontecer com ele. Minhas roupas ainda estão molhadas pelo forte
jato de água que recebi há momentos atrás, mas não me importo muito,
necessito abraçá-la com urgência. A sensação que tenho agora é surreal e em
toda a minha carreira na área investigativa, jamais presenciei algo tão
inacreditável.
Apesar de fortes calafrios inundarem meu corpo por causa da umidade e
de forma gradativa minar as minhas forças, imediatamente, busquei pelos
sinais vitais da frágil garotinha e notei sua pulsação bem fraca. Ela está febril.
Seu semblante é de dor, ela aperta os olhinhos ainda fechados e ouço sua
respiração acelerada, assim como as batidas de seu coração.
O músculo cardíaco tenta compensar seu estado de saúde delicado,
bombeando mais sangue, porém a desidratação é crítica. Vibro de alegria por
tê-la em meus braços, em saber que está viva, mesmo que toda a minha razão
leve—me a uma insana vontade de matar a Kate, sem piedade alguma.
Olho de forma compenetrada para Luanna e me recordo do jantar
oferecido na mansão dos Williamss, foi quando a vi pela primeira vez, ela me
recepcionou com doçura e simpatia. Foi também neste dia que percebi algo
diferente em Philiph, o modo como tratava a filha deixou-me curiosa.
Lembro-me de naquela mesma noite, antes de encontrá-lo bêbado na sarjeta e
levá-lo para o meu apartamento, me perguntar por que uma mulher seria
capaz de trair homem tão encantador.
A menina tem compleições meigas e gentis, o que me recorda muito o pai
dela. A julgar pelo estado deste quarto, posso concluir que Luanna padeceu
sem conforto algum, sem as mínimas condições essenciais para a subsistência
de uma criança. Pobre menina!
É incrível esta sensação que me invade avassaladoramente. Consigo
distinguir muito bem e sei que apesar de nunca ter tido filhos ou mesmo
gostado de crianças, é verdadeiro o que me prende a ela. É amor, intenso
amor como se eu fosse sua mãe.
– Leon me ajuda! Tira a gente daqui. Ela está muito mal, precisa ir para a
emergência – ele balança a cabeça em sentido negativo.
– Eu não posso! Eles me matam a matam a minha família – disse com
desespero e ergueu-se do chão.
– Porra, Leon! Você tem filhos também, não a deixe morrer. Não me
deixe morrer – esbravejei com indignação, depositei o pequeno corpo de
Luanna novamente sobre a cama e caminhei até o moreno. – Eu estou
grávida, eu não vou aguentar muito tempo assim, você viu o que aconteceu
comigo naquela sala. Olha o meu estado! – toquei em minhas roupas
encharcadas. – Vou adoecer, posso pegar uma pneumonia. É só uma questão
de tempo! – ele me olha confuso com seus pensamentos impenetráveis e
assombrados pelo medo.
– Você não entende – gesticulou com impaciência. – Mesmo se deixasse
vocês saírem daqui, não iriam muito longe. Está repleto de seguranças
cercando este lugar. Seriam mortas assim que colocassem os pés lá fora –
algo dentro de mim diz que ainda resta uma esperança, que vou abraçar o
Philiph outra vez e ter a chance de dizer tudo o que nunca disse a ele.
– Só você pode fazer isso! Peça ajuda... Eu sei para quem deve ligar –
olhei para Lu encolhida na cama a gemer baixinho, depois volvi meu olhar
para ele.
– Olha aqui, em toda a minha vida eu nunca amei tanto uma pessoa como
eu amo o pai dela – apontei na direção da garotinha. – E sinto como se ela
fosse minha, não quero vê-la morrer – embarguei as palavras e, desta vez,
Leon suspirou. Vejo seus olhos marejarem e uma dúvida paira sobre ele.
Antes que pronunciasse qualquer coisa, ouvi os murmúrios dela e corri em
sua direção.
– Leon eu preciso de uma toalha molhada, de água e alguma coisa para
ela comer – ele permanece estático. – Agora! – ordenei com autoridade e
minha voz soou austera.
– Não saia daqui ou estou morto – apontou ríspido e assenti positiva. O
mesmo abandonou o quarto para acatar meu pedido.
Sentei-me na cama com as costas apoiadas na cabeceira, puxei o cobertor
para o meu corpo afim de não molhá-la mais e em seguida a coloquei em meu
colo. Afaguei seus cabelos e sorri ao notar seus traços idênticos aos de
Philiph, ela nada se parece com Kate.
Ah Philiph, se soubesses que a tua menininha está viva e que a tenho em
meus braços. Eu preciso sair daqui, tenho que cumprir minha promessa nem
que seja a última coisa que eu faça na vida. Achei mesmo que eu era um
grande fracasso por minha falha contigo e sabia que a sombra da morte me
perseguiria até o fim.
Cada vez que nossos olhares se encontravam eu sentia meu coração
partir porque mesmo com meus erros você me amava em todos os sentidos. E
me ama de um jeito extraordinário ainda que minha “irresponsabilidade”
tenha lhe custado à “vida” da Luanna. Que destino o nosso! Agora descobri
a verdade sobre a morte forjada desta inocente e estamos tão longe.
– Lu! – chamei por ela acariciando seu belo rosto.
– Olhe para mim, querida – seus olhos se abriram vagarosamente, mirei a
palidez de sua pele e a secura de seus lábios.
– Nós vamos sair daqui, eu prometo! – dito a promessa com convicção.
Ela esboça um sorriso cansado e pisca algumas vezes, tentando acomodar sua
visão à luz do ambiente. Enfim revelou seus olhos, só que os mesmos estão
fundos e acinzentados ao invés de azuis.
– Se lembra de mim? – indaguei ao beijar sua bochecha docemente. Meu
coração palpitou de maneira rápida quando ela movimentou a cabeça duas
vezes.
– Fala comigo, princesa! – peço na expectativa da primeira palavra, é
inegável o imenso sorriso em meu rosto, ele traz alegrias e também
apreensões. Vejo que ela se esforça para pronunciar alguma coisa, sua
garganta provavelmente está seca pela falta de água e isso a impede. Mas ao
notar o primeiro balbucio, uma onda de emoções arrebatou-me de cima a
baixo.
– A namorada... – prendi a respiração quando ouvi sua vozinha baixa. –
Do papai – ela sussurrou buscando forças. Ergui os olhos para o alto e
agradeci até mesmo por este cativeiro. É por que estou nesta prisão que o
destino me trouxe até ela. Eu passei por toda aquela tortura para salvar a filha
do Philiph, para cumprir a minha palavra. É o universo me dando uma nova
oportunidade de me redimir.
– Ah meu amor, estou tão feliz – chorei sem me importar com o lugar ou
com qualquer outra coisa. Aperto a criança contra meu peito só para me
certificar de que não estou sonhando. Sinto seus dedinhos da mão esquerda
tocarem as lágrimas que escorrem por meu rosto, segurei-a e a beijei, em
seguida inclinei minha face lateralmente para provar de seu carinho singelo e
doce.
Minutos depois, Leon voltou para o quarto com uma bandeja. Está
eufórico e acima de tudo, amedrontado. O homem trouxe a toalha, um copo
com água e um canudo, além de um prato de sopa. Certamente a mesma
refeição que recebi quando me ajudou. Depositei a toalha sobre a fronte dela
para abaixar a febre. Peguei a água e oferecei.
– Bebe! – direcionei o canudo até sua boca, mesmo com dificuldade ela
abriu. Preocupei-me quando não teve forças para sugar. – Vamos... Força! –
supliquei e admirei-me com sua vontade. Mesmo tão pequena ela luta para
sobreviver. Alegrei-me quando puxou o primeiro gole e ergui um pouco sua
cabeça para não engasgar.
Leon observa a cena com espanto, como quem vislumbra um milagre.
Aos poucos, ela ingere o líquido por inteiro e isso muito me conforta. Assim
que conseguiu chegar ao fim, ofereci a primeira colherada de sopa, porém o
cheiro do alimento a deixa enjoada, ela se recusa.
– Por favor, Lu! É para você ficar boa – insisto com veemência, preciso
que ela se alimente o melhor que puder até conseguirmos sair daqui.
Meu medo é que sinta enjoo e não consiga segurar nada no estômago,
pois se isso acontecer não vai aceitar nada por via oral e somente por sonda
será possível. Leon verifica as horas no relógio ininterruptamente, vai até a
porta para constatar algum possível movimento e visualiza a tela do celular
tantas vezes que não consigo contar. Sei que está inquieto com tudo o que
está acontecendo.
– Isso, minha querida! – ela aceitou a primeira colher de sopa, que com
sacrifício, demorou a descer por sua garganta. Presto atenção a cada um de
seus movimentos, esperei que engolisse tudo com calma para lhe ofertar
outra. E assim fiz com muita paciência e por longos minutos.
Ela ingeriu tudo muito devagar, entretanto não reclamou, não chorou e
permaneceu firme até o fim. Luanna ainda está lenta no raciocínio, aérea, mas
já esboça outra face, um pouco mais corada. A temperatura está cedendo, e a
minha, por sua vez, tende a despencar.
– Eu vou tirar você daqui! – deixei seu rosto entre minhas mãos e beijei
cada canto, ela me encara com os olhinhos de criança carente de afeto.
– O papai não quer mais me ver? – entristeci quando perguntou.
– Claro que quer meu amor. Ele está louco de saudades. Por que está
dizendo isso? – ela sorri com mais força desta vez, porém ainda fala num tom
mais baixo e abafado.
– Por que ele não vem me buscar? Eu não quero mais ficar aqui, ela me
machuca. – me revolto ainda mais por dentro, porém nada demonstro por fora
para não assustá-la mais do que já está.
– Ninguém nunca mais vai te machucar, eu mesma vou cuidar de você –
tento tranquilizá-la da maneira que posso. O que dizer a uma criança em um
momento desses? Logo eu que sempre fugi de qualquer criança que cruzasse
o meu caminho. Eu não sei o que falar e como fazer. Que os céus me ajudem.
– Não, não! – Leon desesperou-se visivelmente.
– O que foi? – indaguei trêmula.
– Vão entregar uma mercadoria. Você tem que voltar para o quarto agora!
– estremeci com a urgência de sua fala, o moreno responde alguma
mensagem pelo celular e no mesmo instante, a menina agarrou-se ao meu
pescoço e não quis soltar.
– Luanna, me escuta! – ela não me solta por nada.
– Olha aqui – puxei seu rostinho alvo.
– Eu volto! Fica quietinha – a deitei na cama mais uma vez.
– Não vai – choramingou e me puxou pela blusa, percebo seu pavor de
mais um abandono.
– Me obedece, Lu! Eu não vou te abandonar! Fica calma, eu vou para o
outro quarto agora, mas se alguém entrar aqui você não pode dizer que me
viu, entendeu? – instrui séria, para que ela realmente obedeça. – Pode fazer
isso? – insisti, pois ela está em silêncio.
– Uhum – balbuciou e beijei sua fronte com carinho.
– Nosso tempo acabou! – Leon me puxou pelo braço e nossas mãos que
estavam unidas, se soltaram sem delicadeza. Olhei para garotinha enquanto
era arrastada para fora do local.
– Confia em mim! – falei antes de sair e em seguida ele fechou a porta,
trancando-a do lado de dentro, sozinha e sem saber o que está acontecendo.
Ele está me levando para a sela, carrega em uma das mãos a bandeja com as
coisas vazias e segura meu braço com a outra que está livre.
– Leon, eu imploro – assim que chegamos à frente da minha sela, fui
empurrada para o interior do local.
– Ela é só uma criança e eu quero muito ter esse bebê – ele me olha
indeciso, está suando e seu rosto esbanja pânico. – Nos ajude a sair daqui,
pelo amor de Deus! Você sabe bem quem eu sou e para quem eu trabalho.
Uma palavra minha e você e sua família terão proteção – soltei um longo
suspiro ao dizer de maneira tão aflita.
– Eu não sei como fazer isso, sem carro, vamos demorar a chegar à
cidade mais próxima. O caminho pela floresta é perigoso, não temos
nenhuma chance de chegar à estrada e pedir ajuda – sinto que o tempo está se
esgotando. Sempre fui uma investigadora muito estrategista, considerada a
melhor na minha área. Entretanto, nunca fui a prisioneira indefesa, jamais
estive tão impossibilitada de lutar com minhas próprias mãos.
– Desgraçado! Aquela criança foi dada como morta e graças a você eu
descobri que ela está viva e precisando de cuidados. Não é possível que
depois de me levar até ela, simplesmente vai deixar as coisas como estão! Por
que fez isso se sabe que vamos morrer? Há essa hora a Kate está sendo
caçada por todos os lados e ela não vai hesitar em tirar a própria filha do
caminho para fugir depois – ele paralisou diante de mim e me encarou com
os olhos fixos.
– Lá fora é matar ou morrer. Ninguém tem piedade de ninguém. Eu não
posso colocar em risco a vida da minha família. Eu sinto muito! – neguei
veementemente, mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa ele fechou a
porta e me prendeu.
Após alguns instantes escutei passos pelos corredores e vozes masculinas
graves as quais não sei distinguir. Deve ser os entregadores, mas que tipo de
mercadoria é essa? Encostei o rosto lateralmente na porta, tento entender o
que eles dizem, fiquei atenta quando ouvi parte de uma conversa.
– São roletas novas e uma máquina caça níquel – estou boquiaberta com a
informação. Continuo ouvindo.
– Ponha no cômodo dos fundos – as vozes se aproximam e diferenciei
entre elas a voz de Leon.
– A patroa vai chegar e não quer ver nenhum arranhão nestas mercadorias
– ouço suas ordens categóricas. As vozes, aos poucos, se perderam no ar e
não ouço mais nada. Passei bom tempo anestesiada e sem reação alguma.
Tento ligar os pontos e tudo me leva crer que Kate e Conrad estão
envolvidos com jogatina. Só não sei a proporção desse esquema. Volvi meu
corpo e dei passos lentos até a cama, sentei-me na beirada e cerrei os olhos. A
cada segundo sinto mais frio com estas roupas molhadas, os pelos dos braços
estão arrepiados e minhas mãos já tremem. Meus pensamentos estão voltados
para um futuro que nunca vou ter. Desejo isso com tanto fervor que vejo com
nitidez um delicioso passeio pela cidade de Lisboa.
Luanna está linda em seu vestido azul turquesa. Os cabelos loiros estão
presos com um laço branco e ela vai à nossa frente, brincando com as flores
de outono espalhadas pela rua. Olho para as minhas mãos e noto que uma
delas está entrelaçada com a de Philiph e a outra, que está livre, acaricia a
minha barriga em estágio avançado de gravidez. Abri os olhos e abracei meu
corpo em busca de um alento para tudo isso.
Estou sem saída.
Literalmente no escuro.
Capítulo 28

Deitei um pouco pensando nas possibilidades de convencer Leon, mas


minha mente esvaziou-se de tudo pelo cansaço e apenas fechei os olhos. Só
me dei conta de que havia caído em sono profundo quando um forte estrondo
na porta me despertou. Encolho-me no colchão sem saber quem está girando
a chave com tamanho alvoroço, minha respiração descompassou e travei meu
corpo ao ver que a porta foi aberta, mas imediatamente vi que era Leon. O
homem adentrou o recinto com uma sacola preta nas mãos.
– Nós só temos uma chance. Uma única chance! – me ergui com ímpeto e
senti meu coração acelerar drasticamente.
– Leon! – passei as mãos pelos cabelos sem acreditar no que acabara de
dizer.
– Você conseguiu? – perguntei eufórica, com o gosto da adrenalina em
minha boca.
– Presta atenção! – segurou-me repentinamente pelos braços.
– Eu não sei o que vai acontecer quando saímos daqui. Podemos morrer
no meio do caminho, pois saiba de uma coisa, eles irão atrás de nós – tento
espantar as visões ruins de minha mente.
– Como vamos fazer isso? – tornei a questionar com um pouco mais de
apreensão, meus músculos estão tensos a ponto de deixarem os ombros com
dores terríveis.
– O movimento por aqui é intenso pela manhã e à noite, porém depois das
treze horas os guardas se revezam e só ficam o vigia das câmeras e dois
seguranças, um na parte de trás e o outro, no portão principal – ele explica
cauteloso e raciocino junto com eles.
– Sairemos pelos fundos, preciso dar conta do segurança, não há outro
jeito. Depois vamos entrar no meio daquela floresta densa e não vamos parar
por nada, até alcançarmos a estrada. Uns dois quilômetros talvez – engoli a
seco o que ele acabara de dizer.
Por que estou com tanto medo agora? Já me envolvi em situações
piores, cujas chances de sair eram próximas de zero. Eu sempre fui forte, fria
em algumas situações. Calculista e até insensível. Honestamente, a mulher
que sou hoje é muito diferente da que eu era antes de me envolver neste caso.
Apesar de toda guerra interna que travo dentro de mim, sei que estas
mudanças irão transformar para sempre o rumo da minha história.
– Ouça bem o que eu vou lhe dizer – aproximou-se perigosamente de
mim e empunhou suas mãos em meus ombros.
– Vou travar a câmera que vigia a saída pelo portão de trás. O segurança
faz uma pausa para um café e é nesse meio tempo que vamos sair da casa –
assenti um pouco nervosa. – Temos que ser rápidos! Só temos quinze
minutos até que delay acabe – respirei fundo e fechei os olhos com força para
controlar uma dor que me atingiu o ventre. Cambaleei para trás e ele
prontamente me segurou, pois fiquei tonta.
– Isso é arriscado demais com você neste estado! – disse preocupado.
– E vão atrás de nós até o inferno – completou como advertência.
– Aconteça o que acontecer, não posso desistir, eu preciso salvar a vida
daquela criança! Se ficar vou morrer de qualquer jeito – ele se atentou para as
horas no relógio e lançou sobre mim um olhar mortificante. – Se acontecer
alguma coisa comigo, entregue isso a minha esposa – retirou uma fotografia
de dentro do bolso interno do blazer e estendeu em minha direção. Olhei
atenta para a imagem e contemplei uma bela mulher de olhos castanhos ao
seu lado. Cada um segura um menino de mais ou menos dois ou três anos.
São gêmeos.
– Conte a verdade. Diga a ela que eu a amo e que sou louco pelos
meninos – na parte de trás da fotografia há uma pequena inscrição: “À
Cristina, esposa amorosa. E aos meus filhos queridos João e Rafael”.
– Pessoalmente você vai entregar – lhe devolvi a foto, mas ele me
impediu.
– Não pode me negar este pedido – disse efusivo e de imediato concordei.
Ele jogou a sacola em cima da cama e olhei para a mesma.
– O que é? – questionei.
– Ela deixa muitas roupas aqui e vocês devem ter medidas parecidas. Tire
estas roupas molhadas! Vou esperar do lado de fora – sem que eu pudesse
raciocinar ele me deu privacidade. Abri a sacola e visualizei uma calça jeans
azul de tonalidade média, uma blusa branca de botões, cujas mangas são três
quartos e uma jaqueta preta. São de Kate.
Não posso recusar perante tais circunstancias. Retiro uma a uma as peças
de cima do meu corpo, as mesmas estão pesadas e sinto como se estivessem
coladas em mim. Me vesti e experimentei um pouco alívio. Revirei os bolsos
de minha calça para encontrar possíveis papeis ou qualquer outra coisa, mas
de forma intrigante só há o pequeno grampo de cabelo que encontrei caído no
chão do banheiro. Guardei—o no bolso de trás da calça e a fotografia de
Leon no bolso da jaqueta. Bati na porta para que ele pudesse entrar e ele
preencheu o quarto com seu porte alto, dizendo sério.
– Vamos buscar a menina! – saímos pelo corredor e nos aproximamos da
prisão de Luanna. Assim que Leon abriu a porta, nos deparamos com a
garotinha tentando sentar na cama, seu olhar perdido desvela solidão. Quando
me viu, seu rosto foi iluminado com o sorriso intenso e logo estendeu os
braços em minha direção.
Corri para junto dela e a peguei em meu colo. Ela resmungou um pouco e
reparei que além das manchas roxas nos braços, um de seus tornozelos está
inchado. Eu não preciso ouvir nada para entender que aquela maldita mulher
espancava a filha. Apesar de ter emagrecido bastante, ainda é pesada e tenho
certa dificuldade. Envolveu meu corpo com suas pernas e me apertou com as
forças que tinha.
– Eu não disse que ia voltar? – beijei seu ombro e ela deitou a cabeça no
meu. Sentei com ela na cama e chamei sua atenção.
– Nós vamos para casa, você tem que ser obediente e não fazer nenhum
barulho – falei séria e Leon fez sinal com mão pedindo para eu esperar. Ele
saiu do quarto e fiquei a sós com ela. Ajeitei seus cabelos bagunçados e
limpei seus olhos que lacrimejavam.
– Eu tenho medo, ela vai brigar comigo se eu sair. Ela me bate se eu peço
para ir embora – falou baixinho e respirei fundo, buscando esconder o ódio
que tenho da mãe dela.
– Ela não pode mais te machucar, porque agora você está comigo. Eu não
vou deixar nada de mal te acontecer – anuncie firme cada palavra e seus
olhos azuis encontraram os meus.
– Eu quero ver o papai – assenti positiva e sorri.
– Eu também, querida! Eu também – nos assustamos ao ver Leon voltar
afobado. – Leve isto com você – trouxe uma pequena bolsa com algumas
garrafas de água mineral e uma pequena toalha de rosto. O homem se
abaixou e olhou para o relógio de pulso.
– Escuta! – dirigiu-se a mim. – Se acontecer alguma coisa comigo você
corre. Não olhe para trás e não deixe que ela faça nenhum barulho –
estremeci com sua voz estrondosamente forte.
– Ela ainda está fraca... – ele concordou.
– Eu a carrego, não vai ser problema – o vi ajeitar o coldre com uma
pistola 9mm prateada presa em seu tórax, por dentro do blazer. Do outro lado
do suporte posso ver a munição para carregar o pente.
Após esse gesto cuidadoso com a arma de fogo, ele pegou a menina dos
meus braços, Luanna estranhou um pouco a situação, mas logo se quietou. O
acompanhei no trajeto e direcionamo—nos até a escada principal, a mesma
que eu tinha observado antes. Começamos a subir degrau por degrau e
paramos diante de uma grande porta de madeira rústica.
– Espere aqui, eu vou travar a câmera – deu a ordem e colocou a
garotinha sentada no degrau da escada. Fiquei junto dela e notei seu medo
aparente, sei disso porque suas mãos pequenas agarram a barra de sua blusa
como quem deseja arrancar o tecido. Ele passou pela porta e a fechou
posteriormente.
– O que você quer fazer quando chegar em casa? – pergunto na intenção
de distraí-la.
– Eu vi quando a Aline morreu – meu coração gelou instantaneamente
com a revelação. Ela presenciou o assassinato da própria babá e agora solta
lembranças de forma repentina
– Viu? – indaguei baixinho.
– Ela chorava muito e machucaram a garganta dela. Tinha sangue pela
casa toda e eu tinha medo dos gritos – me coloquei de frente para ela e
segurei suas mãos.
– Eu não quero que você pense nisso agora! – sussurrei as palavras com
medo de fazer algum barulho que chame atenção.
– Muitas coisas ruins aconteceram – ela está atenta.
– Muitas – enfatizei. – Coisas que só adultos entendem e que crianças
como você jamais poderiam ver – beijei suas mãos frágeis.
– Esses tempos difíceis irão passar... Quando chegar à hora seu pai e eu
vamos conversar com você, vamos te ajudar a superar – ela assentiu tímida. –
Eu só te peço que confie em mim, quero ser sua amiga também – ela sorriu
sem mostrar os dentes e me puxou para um abraço.
– Bem que você podia se casar com o meu pai, assim eu ia te ver todo dia
e escutar as suas histórias – emocionei-me ao recordar que terminei a história
que eu havia começado e, que não tive tempo de finalizar no dia em que
dormiu comigo, no suposto tumulo dela.
– Mas você vai me ver todos os dias, nós três vamos ficar juntos e tudo
vai ficar bem – confessei com entusiasmo.
– Promete? – suspirei com o pedido.
– Eu prometo minha criança! – seus olhos marejaram com minhas
palavras.
– Venham logo! – Leon apareceu de supetão e num impulso rápido pegou
Luanna no colo. Fez gesto de silencio com o dedo indicador e nos dirigimos
até o outro lado desta masmorra. Eu não posso acreditar no que meus olhos
presenciam agora, é um enorme cassino clandestino no andar superior, onde
eu estava era um porão para depósito de mercadorias e outras coisas mais.
Leon segurou em meu braço e apoiou a menina com um só. Estamos a cruzar
o grande salão com todas as mesas de roleta e as máquinas que roubam
dinheiro. Nossos passos são leves como os de um gato, sorrateiros e
inaudíveis, porém rápidos e precisos. Senti um aperto em meu pulso e olhei
assustada para ele.
– Tem alguém vindo pra cá! – ele me entregou a menina e apontou para a
maior das maquinas do local.
– Não sai de lá até eu mandar – ordenou em sussurros e me escondi com
ela. Pedi para que não abrisse a boca por nada e ela entendeu. Por uma
pequena brecha entre a parede e a máquina consigo ver a movimentação e
meu nervosismo aflorou ao ver outro homem se aproximar dele.
– O que está fazendo aqui em cima, Leon? – perguntou um homem com
bigode grisalho e ar de petulância. Ele tem um copo de café nas mãos e
saboreia a bebida em pequenos goles.
– Meta—se com o seu trabalho, aliás, as câmeras estão desguarnecidas,
não é? – rebateu no mesmo tom.
– Eu só fui pegar o meu café! – o moreno abriu os braços.
– Era pra você deixar uma garrafa na sua sala como ordenou a dona Kate.
Ela vai odiar saber que está circulando por ai – o mais velho com bigodes riu
de maneira nojenta.
– Vai odiar saber também que você deixou o cativeiro sozinho – Leon
olhou as horas no relógio na parede. Temos menos de quatro minutos.
– Saí de lá por sua causa, ela te incumbiu de mexer com toda a parte
elétrica também, mas o seu serviço porco deixou o depósito no escuro.
Preciso pegar umas coisas e não dá para fazer isso – apontou autoritário.
– Mas que droga! – murmurou.
– Não posso abandonar a sala de monitoramento – Leon revirou os olhos.
– Você faz isso a cada cinco minutos para comer, é melhor ir verificar o que
estou dizendo ou a patroa vai ser avisada dessa sua incompetência – o homem
bufou de raiva e caminhou em direção à porta por onde passamos.
– É melhor que o problema seja sério – advertiu com abuso.
– É muito sério, seu imprestável! – advertiu pela última vez, acredito,
pois antes de pisar no primeiro degrau, foi empurrado escada à baixo por
Leon.
Ouvimos gritos agonizantes e o barulho de seu corpo chocando—se
contra os degraus é altíssimo. Dei um pequeno sobressalto com a menina em
meus braços ao ver a cena. O moreno trancou a porta e correu para junto de
nós. Ajudou a nos erguer do chão. Levou Lu consigo e indaguei ainda
abismada com o que aconteceu
– Acha que ele morreu? – ele me olhou antes de alcançarmos outra porta.
– Não sei, espero! Ele se segurava no corrimão sem muito sucesso, mas
aquele é vaso ruim. Não planejei nada disso – ele está transtornado com a
própria atitude.
– Se ele conseguir se safar vai usar o rádio e estamos mortos – ditou as
palavras com desespero.
– O segurança está do lado de fora, eu não acredito que vou fazer isso! –
balançou a cabeça. Olhou por uma pequena báscula e esboçou face de
decepção.
– Não é possível! O vigia do turno seguinte está com ele – sentei-me na
cadeira e aconcheguei Lu em meu colo. Ele andou de um lado para o outro
pensando em como agir. Em seguida, tirou a arma do coldre e encaixou o
suporte silenciador. A garotinha afunda o rosto em meu pescoço para não ver
nada e eu a protejo.
– Droga! – se irritou.
– O que aconteceu? – perguntei tensa.
– A chave não funciona aqui – lembrei que no bolso da calça tem o
grampo de cabelo. Puxei do bolso e lhe mostrei.
– Sabe o que fazer com isso? – ele sorriu de lado, quebrou ao meio e com
destreza, encaixou—os dando apenas um giro para destravar a porta. Olhamo
—nos vitoriosos, ergueu a cabeça para o alto, respirou fundo e seguiu até os
homens. Luanna e eu estamos aqui dentro à espera.
– Ele vai... – cerrei seus lábios com minha mão.
– Shi – pedi silêncio, mas ao retirar a mão de sua boca, ela gritou ao
escutar uma pancada forte contra a porta de onde saímos do cativeiro. A
impedi de gemer mais uma vez, o homem não deve ter morrido, uma vez que
esmurra a porta e pede por socorro. A essa altura já deve ter se comunicado
com alguém e denunciado nossa fuga. A menina começou a chorar
desesperadamente e tento a todo custo tampar sua boca para não fazer
escândalo. Leon está demorando demais, alguma coisa deve ter acontecido.
– Para de chorar! – falei baixo, porém com seriedade. Ela não consegue
se controlar, e sei que não posso cobrar isso, mas preciso ser mais enérgica.
– Cala a boca, Luanna! – falei brava e ela engoliu o choro, olhando-me
espantada. Encolheu-se em meu colo e choramingou angustiada. Sofri por
dentro por tratá-la assim.
Deixei-a sentada numa cadeira próxima a nós e andei a passos largos até a
porta onde o homem tentava arrombar. Empurrei uma pequena estante para
travar sua passagem caso ele consiga derrubar a porta. O esforço que faço é
gigantesco e agora as pontadas em meu ventre só pioram. Quando consegui
colocá-la no lugar, puxei o ar com força para dentro dos pulmões e espalmei
as mãos pela barriga.
– Aguenta mais um pouquinho! – implorei e decidi verificar pela báscula
o que está acontecendo. Congelei, um dos homens está caído no chão,
provavelmente morto e sua arma está distante dele. Leon está brigando pela
posse da arma com o outro rapaz. Sem pensar duas vezes, abri a porta e corri
em direção à arma caída perto de um arbusto.
– Não! – Leon gritou ao me ver, mas já era tarde, mirei da direção deles
com a plena certeza de minha pontaria perfeita. Eles se engalfinham no chão
e rolam se um lado para o outro, tentando apontar a arma para o adversário.
Semicerrei os olhos para não perder o alvo e puxei o gatilho. O barulho
do disparo seco estrondou no ar, pois esta arma não tem silenciador. Os dois
pararam de se movimentar, fiquei estática. Será que errei o alvo? Para a
minha sorte, Leon se desvencilhou do homem e levantou-se de cima dele. O
tiro acertou em cheio a têmpora esquerda de nosso algoz.
Coloquei a arma na parte de trás de minha cintura e a cobri com a jaqueta.
Voltamos para o interior da casa e vimos a garotinha em estado de choque. O
homem ainda esmurra a porta para sair, contudo, sem progresso. Ele carregou
Luanna em seus braços e caminhamos com pressa para sair deste lugar
perverso.
Passamos pelos seguranças mortos no chão e ele acionou o portão de trás.
Assim que o trancamos, pude ver a mata densa à nossa frente. Por mais que o
dia esteja claro é sinistro imaginar o que se esconde ai dentro, uma vez que a
copa fechada das árvores não deixa incidir muita luz.
Leon está bastante machucado e a menina mantém as pupilas dilatadas
por causa do trauma que passou. Começamos a subir uma pequena colina,
além de aguentar o peso dela, ele ainda me puxa porque sozinha eu não tenho
condições. Ao alcançarmos o topo, volvi meu corpo e fiquei boquiaberta por
notar a propriedade por inteiro.
Há uma bela casa na parte da frente de um terreno grandioso, estilo
campeiro. Posso constatar que por debaixo da terra há uma fortaleza para
acomodar o cassino, pois a torre de ventilação, no fim da propriedade é
próxima ao local por onde saímos. Tudo fica resguardado a fim de manter a
privacidade dos apostadores. Ao redor, observo muitas casas coloniais
cobertas por cerração.
– Que lugar é esse? – perguntei ao segurança. – Ele ajeitou a menina em
seus braços, a mesma repousa a cabeça em seu ombro. Ele mirou seu olhar no
meu e depois vislumbrou o pequeno vilarejo.
– Estamos em um vilarejo de Waltham Forest – anunciou.
– Um lugar pequeno com menos de mil e quinhentos habitantes – ele
ainda falava quando fitamos uma pequena estradinha de chão que conduz à
casa. Mais de três carros vinham em alta velocidade em direção a ela,
levantando uma enorme nuvem de poeira. E da casa, um homem observa os
mortos. Provavelmente era o outro segurança da parte da frente. O mesmo
está vindo em nossa direção.
– Precisamos ir agora! – deu o comando e abrimos caminho por entre a
floresta. Ele vai à frente, anda tão rápido que mal consigo acompanhar.
Quando me vê distante, agarra em meu braço e me arrasta para não
perdermos nenhum minuto.
Eu não raciocino direito, praticamente corremos por entre as árvores e
transpomos obstáculos difíceis sem olhar para trás. Abríamos caminho sem
saber o que nos espera. Ao longo do trajeto, caí várias vezes por perder o
equilíbrio ou por prender o pé em algum lugar. Olho para todos os lados para
me esquivar de qualquer animal selvagem ou bicho peçonhento. Luanna
segura forte no blazer do homem. A pior coisa do mundo é saber que ela
sofre assim e meu coração dói ao pensar nas marcas que ela carregará pelo
resto da vida. De repente, nossos passos vacilaram de medo ao ouvirmos uma
voz gemer ao longe, ela veio junto com um barulho de tiro.
– Depressa! – eu não aguento mais nada, e não sei de onde encontro
coragem para correr. Alguém está atrás de nós e pressinto que se aproxima
muito rápido. Seja lá quem nos persegue, é ágil, parece que os sons dos
passos estão por toda parte e em alguns momentos, bem atrás de nós.
Esse lugar nos engana, é como andar em círculos, pois tenho a impressão
de passar por alguns lugares repetidas vezes. É um labirinto cheio de
armadilhas. Chegamos próximos a duas árvores centenárias, de tronco bem
robusto e cercado por plantas de pequeno porte, nos escondemos por entre as
folhagens das mesmas e permanecemos abaixados por algum tempo.
Ele me entregou a criança e empunhou a arma em mão. Nossas
respirações parecem de indivíduos que acabaram se emergir de um mergulho
profundo. Um tempo depois, o barulho da voz e dos passos nas folhas secas
cessou. Somente os ruídos da natureza se fazem ouvir. Não sinto nada de
bom, o medo toma conta de mim e a certeza de alcançarmos a estrada não é
mais tão evidente.
No fundo, sei que minha mente está me pregando uma peça, o pavor nos
faz ver coisas que infelizmente nos impedem de ter esperanças. Reprovei
meus pensamentos e me atentei ao ambiente. Luanna treme em meu colo e
beijo seus cabelos para lhe ofertar um carinho nesta desolação que nos
encontramos.
– Deve ter ido em direção contrária! – Leon sussurrou baixinho em meu
ouvido.
– Vamos! – ergueu—se, fez gesto para pegar a menina que lhe estendeu
os braços, porém, só vi quando foi puxado de maneira selvagem pela gola do
blazer e seus braços foram dominados.
– Aonde vocês pensam que vão? – um homem alto e loiro o agarrou por
trás e apontou uma arma para sua cabeça.
– Deixa elas irem, Dante. São inocentes – o homem nos olhou com
perversidade.
– Leva a menina de volta. Eu quero ficar a sós esta mulher – tremi ao
entender o que ele queria. Cobri o rosto da pobre criança para não ver a fúria
do homem.
– Gostosa! – disse com luxuria. Senti nojo de suas palavras e do modo
como ele me encarava.
– Não se mova ou apago você aqui mesmo na frente delas e depois me
divirto – soltou os braços do moreno sem deixar de apontar a arma para ele,
com a mão livre retirou um rádio comunicador do bolso.
– Estou com... – ele foi interrompido, pois com um gesto brusco, Leon
conseguiu desarmá-lo, e o jogou no chão, mas o homem, com um movimento
exato, derrubou o segurança com uma rasteira e rapidamente subiu por cima
dele, recuperando a arma. Leon mais uma vez, entra em luta corporal para
nos salvar.
Alguns disparos são feitos aleatoriamente e me arrastei para um lado mais
afastado. É impossível que eu ajude desta vez, com Luanna deste jeito não
posso colocar em risco a minha vida e na pior das hipóteses, morrer. Os dois
brigam e rolam no chão com rapidez monstruosa e Leon, com toda a sua
força, obteve vantagem, jogou a arma de lado mesmo começou a esmurrar o
homem.
– Vai! Segue sempre em frente, eu te alcanço – prendeu os braços do
bandido e ditou a ordem severamente. Com dificuldade, peguei a garotinha
em meu colo e andei na direção que ele indicara.
Dei pouquíssimos passos e engoli a seco ao ouvir um disparo, olhei para
trás e visualizei Leon abandonando o corpo do homem, que ainda se remexe
no chão com a mão no abdome. O moreno correu em minha direção e respirei
aliviada por saber que ainda teria a sua ajuda, mas logo tudo voltou a ser
sombrio quando ele cessou os passos, me olhou pasmo e colocou a mão um
pouco abaixo da clavícula.
A bala disparada pelo homem que ainda se contorce com o tiro que levou,
acertou—lhe o ápice do pulmão e perfurou o tórax até sair pela parte anterior.
O loiro havia se arrastado até arma e efetuou o disparo.
– Corre! – sussurrou antes de cair. Desta vez arranquei a arma por de trás
de minha cintura e antes que o homem atentasse contra nós pela segunda vez,
apontei para ele e puxei o gatilho. O malfeitor foi atingido no centro da testa
por causa de minha pontaria.
– Leon! – me ajoelhei no chão segurando a menina e notei que ele ainda
está vivo, entretanto precisa de cirurgia ou morrerá. Está sangrando muito
– Vamos tentar Leon! Venha! – puxei seu braço.
– Me deixe aqui, eu vou atrasar vocês. Vão embora eles estão vindo pra
cá – disse entrecortando as palavras.
– Eu não posso fazer isso com você – peguei a toalha de rosto na bolsa e
pressionei contra o local.
– Arg! – ele grunhiu de dor.
– Estou mandando, não faz tudo isso ser em vão. Vai! – apontou.
– Vai! – insistiu com veemência. Eu tinha que seguir em frente
– Obrigada por tudo. Eu farei o que você me pediu – chorei ao me
despedir dele. Não posso parar agora. O abandonei caído no meio da floresta
e senti meu coração partir ao meio. Ando o mais depressa que posso,
enquanto Luanna se prende a mim e já sinto minhas pernas fraquejarem.
Já perdi a noção de tudo, não sei há quanto tempo estou andando. É como
se essa estrada nunca fosse chegar e que a criança e eu estivéssemos perdidas
para sempre. Precisando de um minuto para respirar, parei e coloquei Luanna
no chão. Respirei pesadamente e ela abraçou minhas pernas.
Olho para todos os lados e sei que estamos no meio do nada. Tentei fazer
com ela andasse um pouco para não sobrecarregar tanto minha coluna, mas
suas pernas não suportam o peso do próprio corpo. A menina ainda andou
uma parte do trajeto, porém muito devagar e tive que carregá-la para não
perdermos tempo.
Capítulo 29

Estamos próximos a Waltham Forest, faltam poucos minutos para


encontrar a casa que era da mãe de Kate. Justamente a casa que Luanna
detestou desde a primeira vez que viu por causa do porão. Henrique dirige
compenetrado e rápido, ele afunda o pé no acelerador e a sensação é de que
voamos pela estrada. Leticia ajeitou o cabelo numa espécie de rabo de cavalo
e verificou a quantidade de munição disponível.
Carregou o pente e analisou a pistola em sua mão. Olho para os dois e
penso que vida louca é está que levam? Desde o início pelo que soube, suas
vidas estão ligadas a mim de alguma maneira. Todos com intuito ajudar—me
e dispostos a morrer pelo que fazem. Além do que, há uma corporação
secreta inteira atrás de Mary. Deus permita que eu a encontre sã e salva
porque não suportarei mais nenhuma perda.
Não vejo sentido nenhum longe dela, aquela mulher roubou o meu
coração de um jeito avassalador, como um vento forte que derrubou toda a
minha estrutura, deixando-me dependente dela. Entregue de alma, a ponto de
não achar mais graça em nada se ela não estiver comigo.
Ao nosso redor, há uma movimentação estranha, alguns veículos passam
por nós fazendo manobras estranhas na rua e estou bastante apreensivo pelo
que vou encontrar nesta casa. Num estalo de consciência, recordei-me da
velha estradinha, uma espécie de atalho para o vilarejo. No ponto mais alto,
podemos ver a casa e tudo o que existe nas cercanias.
Avisei Henrique sobre o caminho e prontamente seguimos por ele. Leticia
se comunica com Senhor S e pelo que entendi, ele está vindo ao nosso
encontro. Ela explicou o caminho e lhe informou do atalho. Paramos no cume
da colina e descemos do veículo. Minutos depois, Senhor S chegou com
Dimitriev e Rony os acompanhava com seu furgão preto.
– Aquela é a casa! – apontei para a propriedade ao longe. – Está bem
diferente do que eu me lembrava, só estive aqui uma vez. Kate é que
costumava vir aqui com algumas amigas e trazia a Luanna. Mas já foi
vendida – em poucos minutos, a pequena trilha estava repleta de carros, pois
os outros agentes haviam chegado. Algumas patrulhas, que não se fazem
presente, vagueiam pela cidade e protegem as fronteiras do Estado. Através
de um binóculo, Senhor S observa as proximidades da casa.
– Omar, quero que queime aquelas duas câmeras que vigiam a entrada – o
rapaz com um gorro preto na cabeça se aproximou dele, olhou pelos
binóculos os locais exatos que o patrão lhe indicara.
– Ao meu comando, entendeu? – o mais velho gesticulou e, sem demora,
o rapaz procurou um lugar mais apropriado e posicionou o rifle, olhando
direto pela luneta. Descemos a inclinação da colina e cercamos a propriedade
de maneira que ninguém possa nos ver.
Os guardas estão em número de cinco e dentro deve haver muito mais.
Rony está à frente da equipe tática e assim que Senhor S deu a ordem ao
atirador de elite, os homens avançaram contra os guardas e os cercaram numa
grande emboscada. Enquanto isso, o resto de nós se encaminha para o interior
da casa. Entramos em surdina e silenciosos. Rony separou a equipe e alguns
foram pelos fundos.
Ele parou de frente para a porta e com uma forte pancada com a botina
bico de aço, arrombou a mesma. Em milésimos de segundos os homens
invadiram o local e renderam os que estavam presentes. Minha satisfação
enorme foi encontrar com doutor Conrad totalmente desprevenido. Dei
passos largos em sua direção e desferi um soco com pressão contra a sua
face. Ele desabou e apontei a arma para ele.
– Onde a Mary está? – o cirurgião plástico falso e ladrão, riu debochando
da minha cara.
– Acha que eu vou perder o meu tempo mantendo aquela mulherzinha
aqui? – desferi outros dois socos tão fortes que o sangue espirrou no chão.
Rony me tirou de cima do homem e me apartou dele.
– Calma Philiph – me desvencilhei com ira dele. – Me solta! – esbravejei
e Conrad se levantou devagar. Seus comparsas foram imobilizados e levados
para juntos dos demais, do lado de fora da casa.
– Entrega a sua cúmplice, vai ser melhor para você. Delação premiada –
ele fez cara de desdém quando Demitri falou.
– Eu não sei onde ela está – estou a cada segundo mais nervoso.
– Não me faz perder a paciência! – apontei efusivo, mas ele me encarou
com desprezo.
– Eu transava com a sua mulher por que você é um frouxo e aproveitei
muito dessa doutora gostosa antes de acabar com ela – me enfureci como
nunca antes na vida.
– Desgraçado! – quis investi contra ele, contudo Rony me imobilizou.
– Ele tem contas a acertar com a justiça! – disse sério. Senhor S, que
estava vasculhando o local, voltou com uma expressão vazia e com algumas
roupas nas mãos. – São dela, mas não a encontro em lugar nenhum –
facilmente reconheci as roupas da Madame e meu estômago embrulhou.
– Ou você me diz onde está a minha filha ou sua irmã vai receber uma
visita indesejada! – ameaçou o homem num tom mais rude.
– À uma hora dessas, ela deve estar enterrada em uma vala qualquer –
falou irônico. Senhor S e eu somos impedidos de nos aproximar, Rony quer o
homem vivo para descobrir todas as falcatruas na qual ele estava envolvido.
– Filho da puta! – apontei descontrolado e com desejo de morte.
– Sabe a melhor parte de tudo isso, seu merda – disse rindo da minha
cara, ele ainda derrama sangue pela minha agressão.
– É ter dado um jeito naquela criança insuportável. Você precisava ver o
quanto ela gemia seu nome enquanto queimava viva – meu ódio foi tamanho
que nem mesmo Rony teve forças suficientes para me segurar, e sem piedade
alguma, estiquei o braço direito em sua direção, deixando meu indicador
apertar gatilho até descarregar a arma totalmente. O matei para vingar a
morte da minha filha e agora pelo desaparecimento de Mary. Ninguém se
moveu, eles olham fixamente para o corpo morto no chão e para a minha
atitude.
– Eu me enganei ao te julgar! – Senhor S disse ao se aproximar de mim,
ele está abatido, mas não perde a cara de sisudo.
– Tem coragem! – deu tapas em meu ombro e saiu da casa. Cada cômodo
foi revirado e nenhum sinal de minha Mary foi encontrado a não ser as
roupas.
Estou enlouquecendo, até mesmo as conversas sobre a casa ser uma
fortaleza e um cassino clandestino não me interessam. Ouço dizer que dois
seguranças estão mortos na parte de trás e um homem está deitado nos
degraus de uma escada, bastante ferido e quase inconsciente. Deve ter caído e
tentando se arrastar para cima com intuito de pedir ajuda.
Fitei o corpo de Conrad alvejado de balas e não aguentei ficar. Retirei-me
para respirar ar puro. Senhor S está com um charuto cubado aceso e traga
arduamente, com ânsia. Aproximei-me dele.
– Eu só tenho um arrependimento na vida, doutor Philiph – lançou a
fumaça no ar e ficou envolto nela por alguns segundos. Exalando mistério.
– Nem Mary ou qualquer outra pessoa sabem disso – me ofereceu o
charuto ao dizer, mas recusei.
– Quer que eu me sinta honrado em saber alguma coisa da sua vida? – me
encarou de soslaio.
– Definitivamente não… É um homem melhor do que eu, ainda que não
esteja à altura de minha filha, na minha nada humilde opinião – ele não perde
o tom arrogante. – A mãe dela era a melhor moça que já conheci, não é ela
que tem sangue ruim, sou eu – apontou para si mesmo.
– Me arrependo amargamente do que fiz com ela e só me dei conta disso
tarde demais – confessou com sua voz mansa, porém firme.
– Eu sempre cobrei demais, não queria que Mary se aventurasse e fizesse
besteira como a mãe dela. No fundo eu só queria o melhor, mas os pais
falham – assenti com compreensão.
– Eu sei. Não percebi que minha filha era maltratada pela própria mãe e
veja o que aconteceu. Estou morto por dentro! – embarguei a frase. – A única
coisa boa que ainda me resta é a sua filha! Ela tem que estar em algum lugar,
ela não pode ter morrido – minhas palavras saem como a uma dose de força,
a única que me resta.
Um silêncio mortal desceu sobre nós e somente a fumaça do charuto
modifica o local, pois até o tempo parou. Para nos retirar dessa melancolia, o
rádio dele começou a tocar e ouvimos a voz pela transmissão.
– Preciso que venha aqui atrás, senhor. Urgentemente! Suba a colina até
a floresta – ao escutar, corri o mais rápido que pude, sei que ele ficou atrás,
pela idade. Leticia já está a caminho e com mais alguns homens, passamos
pelo portão dos fundos.
Deparamos—nos com uma mata fechada e sinistra. O atirador de elite fez
sinal e o seguimos. Estamos subindo um barranco íngreme e ajudo a mulher,
pois ela escorrega. Quando alcançamos a parte mais alta, adentramos por
entre as árvores e nos aproximamos de Omar. Ele apontou para um corpo
caído na mata, estava morto com um tiro no centro da testa, exatamente no
meio do lobo frontal, só que me surpreendi ao ver outro homem baleado,
porém este ainda está vivo, mas agoniza com uma perfuração na parte
superior do hemotórax direito.
Não há nada que possamos fazer por ele. Ajoelhei ao seu lado e tentei
ouvi-lo, já que o mesmo pronuncia coisas inaudíveis. Um círculo de pessoas
está em volta, curiosos para saber quem é o tal homem. De certo, deve ser um
capanga de Kate e Conrad.
– Lá – apontou em uma direção. Sua voz quase não sai. Está pálido e as
partes periféricas de seu corpo estão frias.
– O que tem lá? – perguntei eufórico. Ele respira superficialmente.
– A dete… – não obtém êxito em completar.
– A mulher, doutor Philiph – fiquei estupefato quando o ouvi pronunciar
meu nome com falta de ar.
– Quem? A Kate? – indaguei, imagino que se refira a ela e que a mesma
fugiu pela floresta. O homem cravou sua mão em meu braço e me olhou fixo.
– Do outro lado, na estrada – apertou mais.
– Quem? – o chacoalhei impaciente. Sua respiração falhou e ele engoliu
seco, revirou os olhos e grunhiu baixo.
– A detetive – expôs o nome pausadamente e em seguida exalou o ar dos
pulmões. Pendeu a cabeça para a lateral e veio a óbito.
– Ela está viva! – soltei a sentença no ar fiz menção em correr para onde
ele apontou. Leticia me impediu.
– Não! Esta floresta deve ser um labirinto, ele disse algo sobre a estrada,
se ela está viva deve ter ido para lá! – a mulher deu a ordem para que um
grupo de homens começasse as buscas pelo local, enquanto nos dirigimos
como loucos até ao outro lado, na estrada que leva até a cidade.
Novamente por rádio, ela avisou aos demais e estes se espalharam pela
pequena região. Senhor S que ouviu o final da revelação do homem, veio
conosco e Henrique fez o mesmo. Nosso carro agora dá a volta pela floresta,
no sentido da rodovia.
Eu não usei explicar o que sinto agora, mas os batimentos irregulares de
meu coração denunciam minha ansiedade. Esfrego as mãos sobre o tecido
jeans de minha calça preta e nem presto atenção no que eles dizem. Um
bloqueio mental se apossou de mim. Só a imagem dela e o som de sua voz
ocupam a minha mente.
Capítulo 30

Minhas dores voltaram ainda mais fortes e quase cai com a menina. O
esforço que faço ao carregá-la por todo este trajeto é muito grande e com essa
gravidez de risco, é impossível segurar este filho. As lágrimas já caem por
meu rosto e as derramo sem controle.
Todo o meu emocional está abalado demais agora. Já sinto um pouco de
sangue escorrer por minhas pernas, mas mesmo assim não paro. Em meio ao
pranto, sorri ao ver a estrada logo à minha frente, então apressei o passo. Ao
pisar no acostamento da estrada, não suportei mais, me apoiei numa árvore
cuja sombra ofertada pela imensa copa cobre este trecho da rua. Escorreguei
meu corpo pelo tronco e caí sentada. Abracei a garotinha com força.
– Arg! – as pontadas em meu ventre são violentas, estou em processo de
aborto e meu choro se mistura aos sons de dor. Afundei meu rosto nos
ombros da garotinha para abafar o barulho. Minhas pernas estão vermelhas e
sei que agora mais do que nunca, preciso de um médico ou vou morrer de
hemorragia.
– Está doendo muito? – perguntou chorosa com meu estado, não posso
dizer a ela, porém ela visualiza o sangue.
– Não, estou bem! É só cansaço – disfarcei abraçando-a com mais força
para aguentar. Quase não acreditei quando um carro parou perto de nós e de
dentro, uma mulher de estatura mediana e cabelos curtos saiu para nos ajudar.
– Meu Deus do céu, o que houve aqui? – olhei para ela e tive esperanças.
– Nos leve até o hospital, por favor – supliquei e ela ajudou para que
pudéssemos chegar ao carro. Primeiro levou a criança e a colocou no banco
de trás. Depois me auxiliou a levantar. Sentei-me junto à menina e assim que
ela entrou, senti os estilhaços do vidro por trás de nós.
– Vai! – gritei para mulher e a mesma acelerou o carro. Atrás do nosso
veículo, um pouco distante, vem um carro preto e pela janela alguém tenta
nos acertar. Claramente é por nossa fuga e querem a nossa morte acima de
tudo.
– O que está acontecendo aqui? Eu não quero morrer! – bradou a mulher
que dirige o carro perigosamente sem olhar direito para estrada, pois a mesma
tem receio de mais tiros e abaixa a cabeça toda hora.
Deitei Luanna no assoalho do carro, ela está em desespero, tampa os
ouvidos para não ensurdecer e chora. Conseguimos desviar deles por conta de
passarmos à frente de outros motoristas, mas por pouco tempo porque logo
depois, tiros zuniram no ar e acertaram a lataria.
Peguei minha pistola, a mesma que roubei do guarda morto por Leon,
ergui minha cabeça e notei que estamos sem vidro traseiro nenhum. Olhei
pelo espelho lateral do carro e vi que o veículo se aproximava. Num impulso
rápido, ajoelhei-me no banco e disparei contra o pneu do carro, que bambeou
na pista. Aproveitei para realizar outro disparo, só que dessa vez acertei o
homem no banco carona.
– Acelera! – ordenei à mulher que não diz nada, apenas foge de um
inimigo que não é seu. Um carro de polícia que vem em direção oposta à
nossa, acionou a sirene por conta de nossa alta velocidade, fez uma curva
brusca a passou a nos seguir.
Quando me preparei para atingi-los de novo, o motorista do carro tentou
fazer uma ultrapassagem, porém, outro na pista contrária colidiu lateralmente
com ele, fazendo com que parassem no acostamento de maneira brusca.
Outros carros tiveram que parar inclusive o que estamos, uma vez que todos
perderam o controle.
A mulher que nos ajuda está em choque, paralisada. Olhei para o caos que
se tornara a rua e reparei o que nos seguia. A pancada foi grande e amassou o
lado esquerdo, de certo pegou quem dirigia. Minhas pupilas dilataram com o
meu maior pesadelo ao ver Kate descer do carro, um pouco zonza, mas
decidida a nos matar.
Ela vem em nossa direção e atira para terminar o que começou. Não deve
ter prática, pois atira sem muitos acertos. Disparei em sua direção, mas a
mesma escondeu-se atrás de um dos três veículos que ficaram presos no
engavetamento por conta da batida. A viatura parou bem afastada de tudo.
Kate cometeu um grave erro, ela perdeu as contas, pois sua munição acabou.
Assim que percebi isso, repleta de fúria, dei ordem para que a mulher
cuidasse da criança e desci altivamente do carro. Mesmo sangrando, mesmo
fraca andei em sua direção. Ela tentou recuar, mas cheguei mais perto e logo
acertei seu rosto com um soco bestial.
– Vagabunda! – derrubei a mulher no chão. – Assassina! – esbravejei
arrastando-a pelos cabelos, sinto muita dor, mas a raiva é maior. É por causa
dela que estou perdendo o bebê. – Desgraçada! – distribuí tapas generosos
por seu rosto inúmeras vezes. – Vadia! – ela não se defende, está
impossibilitada para isso.
– Você e o Philiph nunca vão ser felizes! – anuncia perversa.
– Está enganada! Eu amo Philiph e ele me ama. Vou ser a mãe para a
Luanna que você nunca foi... Seu monstro – apontei minha arma direto em
sua cabeça e nesse instante, ouvi as vozes dos policias.
– Abaixe a arma e ponha as mãos na cabeça – ela riu com o rosto bastante
machucado.
– Eu ainda vou acabar com vocês – ameacei puxar o gatilho. Ela olhou
para o sangue em minhas pernas e, astuta, e acertou minha barriga com um
soco.
Cai no chão de dor e me encolhi, ela pegou a arma que não tive mais
forças para segurar. Olhei para seu rosto macabro e como se fosse um filme
em câmera lenta a vi direcionar a pistola para mim e, na hora exata de acabar
com a minha vida, foi acertada em cheio no ombro por um dos agentes da lei.
Ela soltou a arma que consegui recuperar. A maldita ainda se rasteja para
o meu lado, e sem medo algum, decidi acabar com esse terror. Mesmo
encolhida no chão e com muita dor, tirei-a do meu caminho com um tiro
certeiro no peito e outro na cabeça.
E somente quando ela fechou os olhos é que minha ficha caiu. Tudo
estava acabado! Lavei minha alma e fiz isso para vingar todo o mal que ela
fez à Luanna e também a Philiph. Não posso esquecer—me de mim, ela
quase acabou com a minha vida e agora, sinto uma tremenda sensação de
honra.
Depois disso, os policiais me abordaram e tive que contar a eles que
trabalho como investigadora e com apenas um telefonema para a central de
registros, constataram a verdade. Apenas omiti para quem trabalho.
Eles chamaram ajuda médica e o IML. Disseram que não demoram, uma
vez que o vilarejo dispõe destes serviços. O corpo dela agora jaz no
acostamento. Fui em direção ao carro da motorista que nem mesmo sei o
nome e a vi tentando acalmar a garotinha.
– Acabou meu amor. Acabou! – a puxei para mim e me mantive com ela
o tempo inteiro. Encostei meu corpo cansado na parte da frente do carro,
praticamente sentando no mesmo para encontrar apoio, pois Luanna está com
as pernas em volta de minha cintura e abraça o meu pescoço com intensidade.
Agarro-me a ela na certeza de que tudo isso tenha chegado ao fim e de que
apesar de todas as coisas inimagináveis que passamos, está sensação é
gratificante. Estamos à espera da ambulância e deslizo minha mão por suas
costas, ofertando a ela um carinho, um conforto. É muito triste que uma
criança tão pequena tenha sofrido tantos infortúnios. Padecido tantas
desgraças!
Meus olhos se detêm num carro que vem ao longe, sinto que reconheço o
estilo e experimentei uma imensa paz dentro de mim ao ver de quem é. O
carro é de Leticia. Ela se aproximou rápido e parou ao lado da viatura
policial. Vi quando Philiph desceu do carro atordoado, bateu a porta do
veículo com tanta força que um barulho estrondoso e seco ecoou pela estrada
deserta.
Seu olhar desolado e vazio procura-me por todos os lados e ele ainda não
nos viu aqui. Não consigo andar em sua direção, estou impedida já que
minhas forças estão acabando. A última dose dela faz—me forte para segurar
a garotinha e não tenho a mínima coragem de soltá-la.
O sangue ainda escorre por minhas pernas e sei que estou visivelmente
pálida. A dor persiste em causa-me uma tortura, eu não pude evitar esta
fatalidade. E dentro de mim sinto um misto de alegria e tristeza que se
entranham e reviram tudo de cabeça para baixo. Queria tanto dar este filho a
ele. Não tinha planejado nada, fiquei com imensas dúvidas sobre a minha
própria vida e do enredo que destino criara para mim quando suspeitei da
gravidez, mas depois eu desejei tanto experimentar isso.
Ah, como eu queria!
Observo os movimentos dele, sua expressão facial denota desespero em
saber por notícias, nesse momento ele afrouxou o nó da gravata para respirar
melhor. É como se meus olhos pudessem ver ao longe, pois os dele cerraram
de maneira apertada tentando manter a consciência, ele olhou para o alto e
balançou a cabeça negativamente.
Creio que pergunta aos céus o porquê de estar sendo massacrado desse
jeito. Não encontro energia suficiente para gemer por ele e dizer que estamos
aqui, e não pude conter minha aflição quando ele empunhou a mão direita
sobre o peito ao ver o carro do IML passar, eles estão aqui pelos mortos no
tiroteio e que a polícia cobriu com um pano branco.
Ele se aproximou de um dos polícias, certamente para obter informações,
quase não consegue se pronunciar pela angústia terrível que se apoderar dele.
O agente da lei faz sinal para que ele tenha calma, mas Philiph paralisou por
completo ao achar o que estava procurando.
Nossos olhares se encontraram com fixação profunda, ele permanece
estatístico. Sei que suas pupilas estão dilatadas e que seus batimentos
cardíacos acelerados quase furam o peito pela imagem que agora vê. O
homem deu dois passos lentos e receosos em nossa direção e mesmo daqui,
posso ver seu tórax expandir de maneira descontrolada.
Imediatamente ele tampou a boca com as mãos para abafar o grito. Noto
também Leticia e Henrique estupefatos com a cena assim que seguiram o
olhar do doutor, para ser mais específica, todos estão paralisados com o que
veem. Observo meu pai estático ao lado carro. Nunca o vi assim.
Prestei atenção em Philiph, suas mãos que antes repousavam sobre a
boca, agora subiram por seu rosto e em seguida por seus cabelos, onde ele os
pressiona até deslizar os dedos pela nuca, apertando a mesma. Sua boca
entreaberta mostra o quão espantado ele está. Virei o rosto lateralmente e
sussurrei no ouvido da menina.
– O papai chegou! – a garotinha está sonolenta em meus braços,
balbuciou algo que não entendi. Acariciei seus cabelos e massageei suas
costas. – O papai, meu amor! – ela ergueu a cabeça e olhou para mim. –
Olha! – fiz sinal com a cabeça, e com um gesto vagaroso, ela pendeu a
cabeça para olhar para trás.
Vi o canto de sua boca desenhar um sorriso puro e também de exaustão.
Eles se olharam por um bom tempo e mesmo com toda a agitação no local,
parece que só eles existem por aqui. É um instante tão deles.
Philiph abriu a boca para lançar a primeira palavra no ar, mas nenhum
som saiu quando eu fiz a leitura labial. Os lábios dele moveram—se
lentamente ao chamar por “Lu”. Mas da segunda vez que se esforçou para
clamar pela filha, tive a impressão de que até o vento cessou.
– Luanna! – gritou do fundo da alma com seu timbre rouco e grave.
Como um trovão que antecipa os raios para rasgar céu. O doutor limpou as
lágrimas que lhe caem pelo rosto perfeito e sorriu emocionado a ponto de me
fazer chorar junto com ele. A menina inquietou-se em meu colo e balançou as
pernas para descer.
Hesitei por alguns segundos, mas a deixei realizar o que queria. Tive
medo por sua fraqueza e imaginei que não aguentaria manter o equilíbrio,
mas a criança é mais forte do que eu imaginava. Mostra em seus poucos anos
de vida e duras experiências a coragem herdada de seu pai.
Desta vez, fui eu que não permiti que minha boca emitisse algum ruído,
pois a cobri com as mãos quando ela deu passos em direção a ele. Philiph
caminha devagar, desacreditado da situação. Ele para, depois prossegue
incrédulo como quem vê um fantasma.
A menina anda cambaleando pela fragilidade de sua saúde. Seus pés se
arrastam no asfalto, ela não os levanta direito, pois manca de um deles. Sua
marcha distorcida e irregular é semelhante à crianças quando aprendem a dar
os primeiros passos. De repente, ela estendeu os braços em sua direção
pedindo colo e abraço ao pai.
Neste momento, meus olhos contemplam a cena mais impactante que já
presenciei em toda a minha vida como detetive, como médica e como mulher.
Vejo o pai correr como um louco ao encontro da filha que acreditara estar
morta até minutos atrás. Excepcionalmente, todos pararam de respirar por
alguns segundos para vislumbrar este encontro milagroso. Assim que as duas
criaturas, sedentas uma da outra, aproximaram—se depois de tanto tempo,
houve o choque de realidade.
Philiph tomou a menina em seus braços, erguendo-a do chão e a
apertando-a contra si num movimento muito rápido. Ela circundou a cintura
do pai com suas pernas e segundos depois, ele caiu ajoelhado por terra. Seu
choro de felicidade e espanto inundou o lugar, eles se apertam tanto um ao
outro que estão prestes a fundir-se e se tornarem um só.
Nunca pensei que a felicidade deles fosse tão fundamental para mim, ele
toca firma nos braços dela, segura em seu rosto, beija cada pedaço de suas
bochechas e repete a frase “minha filha” inúmeras vezes. Ele olha para ela
repleto de saudades, a acolhe cheio de emoções guardadas.
Philiph ainda não está ciente de que tudo é real, de que sua ex mulher
forjou a morte da filha para lhe causar destruição e dor. O maior desejo de
Kate era que ele definhasse sem amparo algum e ainda por cima com o
trauma pela brutalidade do assassinato de sua única filha. Os dois estão
felizes e dinheiro nenhum paga o que estão sentido agora. Eu quero ir até eles
e me juntar ao abraço, mas meu corpo está fraco demais e para piorar,
comecei a piscar com dificuldade, não estou enxergando nitidamente, vejo
tudo muito embaçado.
Coloquei a mão sobre minha fronte e um suor gelado está impregnado em
mim. Sinto um gosto amargo em minha boca e aos poucos, escorreguei
lateralmente até desabar meu corpo no chão. A mulher me acudiu e apenas
vislumbre a cena entre pai e filha. O olhar do Philiph se encontrou com o
meu e foi difícil não sorrir para ele.
Agora os vejo desfocados e sem muita nitidez. Mais ainda consegui notar
que se levantou com ela nos braços e veio em minha direção. Meus olhos
demasiadamente pesados, não permanecem mais abertos, porém dentro de
mim tenho a sensação de dever realizado. Eu disse a Philiph que encontraria a
filha dele nem que fosse a última coisa que fizesse na vida. Minha promessa
está cumprida!
Capítulo 31

Eu estava convicto de que diante de mim era uma miragem, uma falsa
visão sobre um futuro que jamais aconteceria, pois minha filha jazia em um
túmulo e um exame de DNA havia comprovado sua morte. No dia do funeral,
eu também estava morto, era apenas uma casca vazia no meio do cemitério.
Ao jogarem as primeiras porções de terra por cima do pequeno caixão dentro
da cova, ajoelhei-me diante de todos e chorei inconsolavelmente, pois minha
criança tinha sido arrancada de mim de maneira tão bruta, tão inacreditável e
perversa.
Nas primeiras semanas que se seguiram ao enterro, recebi o apoio de
minha família. Minha mãe permaneceu comigo até Dias antes de minha
decisão em procurar por Mary, desabafei com ela e obtive seus conselhos
maternais, sempre tão atentos e sensíveis aos problemas dos filhos. Minhas
duas irmãs, que residem fora do país há um ano e meio, em Sevilha, na
Espanha, vieram me consolar.
Quando minha mãe retornou para a casa, elas fizeram o mesmo e depois
disso, eu estava sozinho. Perdi as contas de quantas vezes visitei o cemitério
e permaneci durante horas deitado sobre o túmulo, só atentava-me para o
tempo quando o zelador pedia para eu me retirar, pois precisava fechar os
portões do local.
Era a minha garotinha que estava ali, logo abaixo de mim, tragada pela
terra. Ela tinha medo do escuro, pavor de trovões, e há Dias as fortes chuvas
torrenciais castigavam a cidade de maneira nunca antes vistas por mim. Eu
não podia deixá-la sozinha, eu tinha que protegê-la.
Eu não conseguia superar. Com o tempo, o zelador passou a trazer água e
alguma coisa para comer, nas infinitas horas que eu passava com minha filha,
mesmo morta. Mesmo sem vida. Foram os piores Dias e eu havia aprendido
da forma mais cruel que às vezes só damos verdadeira importância a quem
amamos, quando perdemos.
Eu sempre amei minha menina, esta constatação não se aplica a mim,
contudo me martirizei com este pensamento pelo fato de não perceber os
maus tratos pelos quais ela passou. Culpei-me e me odiei severamente.
Por diversas vezes quis atentar contra a minha própria vida, mas na hora
eu não conseguia ir até o fim. Alguma força me prendia aqui, estranhamente
me preparava para este momento, que agora, arrebata-me a alma, os sentidos,
a razão. Por mais que eu tente, é difícil acreditar que seja real.
Enquanto estamos neste abraço, sinto-me em choque profundo. Será
mesmo a minha menina? Ela realmente está em meus braços?
– Luanna? – seguro seu rostinho mais magro entre as mãos e miro seus
olhos iguais aos meus. Meu corpo inteiro estremece incrédulo e espantado.
Minhas mãos afagam seus cabelos, descem pelos braços e a aperto para
comprovar minha lucidez.
– Pensei que não gostasse mais de mim, papai – confessou baixinho, com
pouca força na voz. Agarrei-me ainda mais à minha filha, não consigo
controlar meu choro e tão pouco meu sorriso. Se tudo isso for um sonho, por
favor, Deus, não me deixe acordar!
– Como eu poderia não gostar, filha? Eu te amo com todas as forças deste
mundo! Você é tudo para mim – declarei beijando seu rostinho e suas mechas
loiras.
As mãos dela acariciam minha barba, gesto que adora desde que era um
bebê. Estou ajoelhado com ela no meio da estrada e observo minha Mary
encostada no carro a admirar a cena, ela sorri de maneira tão emocionada,
limpando as lágrimas do rosto e retribuo com o mesmo sorriso, só que de
gratidão eterna, de paixão avassaladora, de amor.
Como em toda a minha vida eu poderia conceber a ideia de que a
detetive encontraria a minha filha viva? Ela prometeu tanto! Até a liberação
do laudo do instituto médico legal, Mary estava convicta de que Luanna não
havia morrido, ela tinha esperanças. A Madame estava certa!
Estendi o braço em sua direção, fazendo sinal para que ela se juntasse a
nós. Mas de repente, meu sorriso começou a se desfazer quando a vi perder o
equilíbrio e cair no asfalto. Ela me olhou ainda esboçando um sorriso cansado
e rapidamente me ergui do chão com Luanna para me aproximar, apenas vi
quando seus olhos cerraram e ela não reagiu a mais nada.
– Mary! – chamei por ela passando a mão em seu rosto. Assustei-me ao
ver a quantidade de sangue em suas roupas e me desesperei, pois devido à
queda, o chão ficou manchado e o sangue começou a escorrer. Por causa do
jeans escuro, só pude constatar agora, que estamos mais perto.
– Mary acorda! Fala comigo! – supliquei sentindo sua pulsação fraca.
Tateei seu corpo loucamente em busca de possíveis ferimentos à bala, de
qualquer lesão, porém nada encontro. O sangue pode não ser dela, mas deve
ter padecido muito e chegou à exaustão até desmaiar. Chacoalhei-a com mais
intensidade, porém ela não acorda. Meu coração está apertado demais. Leticia
furou o bloqueio policial e imediatamente colocou-se ao nosso lado.
– O que houve? Mary? Ela foi baleada? – pergunta dando leves tapas no
rosto dela.
– Ela não está sangrando por causa de ferimentos! – exclamou uma
mulher desconhecida ao aproximar-se de nós, ela parece nervosa e aérea com
os acontecimentos.
– Você viu se aconteceu alguma coisa? – indaguei com nervosismo e
angustia. Ela nos olhou com pesar e prosseguiu. – Ela olhava e passava as
mãos pela barriga, ficava suplicando o tempo inteiro, eu acho que está
grávida. Mas já sangrava muito quando a encontrei com a menina,
praticamente caída perto daquela árvore. Ela é bem forte! – olhei para minha
Mary, agora tão frágil diante de mim.
– Não, não – meu desespero aumentou drasticamente.
– Socorro! Chamem uma ambulância! – gritei o mais alto que pude e até
mesmo Luanna se assustou.
– Os policiais já fizeram o chamado, devem estar chegando – a mulher
tornou a dizer.
– Grávida, Philiph? – questionou Leticia sem saber o que fazer, está um
tanto perplexa com a notícia.
– Eu não sabia Leticia, eu não sabia... Meu Deus! – a olhei atordoado. A
situação está cada vez mais crítica. Minutos depois, Henrique e Senhor S
puseram—se ao nosso lado.
– Minha filha está ferida? – abaixou-se com dificuldade e questionou.
O homem parece não acreditar no que vê e muito menos no sangue sobre
a filha. Eu chamo por Mary, e escondo o rosto de minha menina contra o meu
peito, ela insiste em querer o colo dela.
– Por que ela não acorda papai? – perguntou preocupada e chorosa,
falhando a voz pela fraqueza. Eu não consigo raciocinar direito.
Henrique também sentiu a pulsação da doutora e analisou sua pele
consideravelmente fria. Lu está em meu colo, eu a aconchego em meus
braços e ao mesmo tempo clamo pela mulher que mais amo na vida. Olho
para os lados e grito por socorro mais uma vez.
Tenho a impressão de que tudo está em câmera lenta, de que nossas ações
são inúteis, e de que a qualquer momento irei perdê-la. Leticia tenta acalmar
Senhor S da forma como pode, ele abraça a filha caída no chão como se fosse
sua última esperança, como quem está prestes a perder tudo.
– Senhor S, calma! – o homem demonstra face de dor e espalma a mão
sobre o peito, comprimindo o mesmo.
– Tira ele daqui senão ele vai enfartar! – ordenei enfático, Leticia
visivelmente transtornada com a situação da amiga, acatou meu pedido e
Henrique a ajudou. Não consigo conter as lágrimas, uma dor violenta está
sobre mim. Ora vejo o estado de saúde frágil de minha filha, os inúmeros
hematomas pelo corpo e a desidratação profunda ora acaricio os cabelos de
Mary, implorando para que fique comigo, para que não morra. O que eu faço
no mundo sem você?
– Não morre... Pelo amor de Deus... Não faz isso comigo. Eu te amo
tanto! – minhas preces são incessantes e doloridas, as palavras entrecortadas
revelam a grave tribulação que alardeia minha alma.
Recordo-me de suas palavras para mim no dia em que encontrei o
massacre em minha casa. “Sua filha não morreu, eu vou trazê-la sã e salva
nem que seja a última coisa que eu faça na minha vida. Isto é uma
promessa!”.
Estava envolvido nas coisas que ela proferiu a mim, quando de súbito,
percebi mãos tocarem meus ombros e assim que ergui a cabeça para olhar
quem era, respirei aliviado ao ver os paramédicos. – Por favor, senhor, nos dê
licença – um deles pediu gentilmente.
– Ela está grávida e sangrando muito – falei às pressas, ele assentiu
compreendendo as premissas do caso e precisei me afastar para que ele
pudesse fazer seu trabalho.
Outro membro da equipe apareceu para examinar minha filha e a tirou
dos meus braços, mas logo ela começou a chorar assustada, seu pranto é
abafado pela energia que não tem, pois seu corpo está muito fraco, então tive
que acudi—la.
Por mais que eu tente explicar que sou médico, eles não me deixam
ajudar por questões meramente éticas, aproximo-me das macas onde Luanna
e Mary estão deitadas, mas é impossível tocá-la s por conta de todos os que já
exercem suas funções.
Apenas observo as primeiras medidas de socorro adotadas ainda no local,
eu absolutamente posso nada pode fazer, isso me deixa impotente como
médico, e acima de tudo, como homem. São duas ambulâncias a prestar
atendimento de forma simultânea, então, por alguns segundos, girei meu
corpo para olhar a movimentação ao nosso redor e vi o caos que se instalou
nesta estrada.
Muitas manchas de sangue estão espalhadas pelo asfalto, num canto
próximo ao acostamento, há um corpo protegido com um lençol branco e
outros que jazem dentro de um carro que certamente colidiu com um segundo
veículo, pois a lataria esquerda está bem amassada. Não sei quem são as
vítimas, pois agora só as duas são minhas únicas prioridades.
Minha cabeça lateja de uma maneira absurda, é surreal que tudo isso
tenha acontecido. Enquanto Senhor S é atendido por um dos paramédicos, as
macas são encaminhadas para o interior da ambulância. Minha vontade é de
acompanhar as duas, mas só posso escolher uma e Leticia, percebendo meu
desespero, veio em meu auxílio.
– Ela está muito mal Leticia, e minha filha não pode ficar sozinha – falei
aflito ao notar que minha garotinha estendia os bracinhos para mim, ela chora
amedrontada ao ver tantos rostos estranhos e mãos que a examinam
ininterruptamente. Mary ainda está inconsciente e só Deus sabe a agonia que
se apossa de mim, sinto meu coração ser esmagado de maneira brutal.
– Eu vou com Mary, Philiph! Com certeza é o desejo dela que você
acompanhe sua filha! – assenti imediatamente e logo em seguida fui em
direção à maca onde ela está. Antes que seja colocada dentro da ambulância,
preciso que Mary saiba que estou aqui, mesmo que não possa me ouvir.
Afaguei seu rosto e pressionei meus lábios contra os dela.
– Eu estarei logo atrás. Você vai ficar bem, meu amor – desci minha mão
por seu ventre e me inclinei sobre ele para depositar um beijo.
– Vocês vão ficar bem! – um dos médicos tenta me afastar dela, porém
meu medo de que algo aconteça é aterrorizante.
– Senhor, nós temos que ir. Ela precisa com urgência de um hospital! –
disse com seriedade na voz, é um jovem médico que me fez lembrar a gana
que eu dispunha no início da carreira.
– Tudo bem! – afastei-me e corri para perto de minha filha, os olhinhos
dela percorrem a ambulância enquanto ela sai e no mesmo instante entrei com
ela no respectivo veículo onde será conduzida. Ela ergueu a cabeça e esticou
o braço para apontar, mas o abaixei por conta da punção venosa onde é
injetado soro em suas veias.
Minha garotinha está à procura de Mary, e nunca em toda a minha vida,
presenciei uma afinidade tão rápida e profunda crescer entre duas pessoas que
se viram apenas duas vezes. Ela tenta retirar a máscara de oxigênio para falar,
mas já sei o que quer dizer.
– Nós vamos vê-la eu prometo! A Mary foi na frente, mas nós já estamos
indo – ela se acalmou e após alguns segundos, seguimos para o hospital mais
próximo.
As ambulâncias estão em alta velocidade pelo estado crítico das pacientes
e o barulho da sirene ecoa por todos os lugares por onde passamos. Quando
dei por mim, já havíamos chegado ao hospital mais próximo em Waltham
Forest.
Eu queria que elas fossem atendidas em outro lugar, mas as duas
necessitam de atendimento imediato, sem demora. As ambulâncias
estacionaram e uma equipe de médicos e enfermeiros já estava a postos para
recepcioná-la s. Leticia desceu junto com Mary e eu com a Luanna.
Meu coração está apertado, contudo senti um pouco de conforto ao
reparar que um dos médicos era meu colega de faculdade que eu não a via há
meses, Augusto trabalhava nos Esmerald City, mas transferiu-se após o
casamento, já que a esposa, fisioterapeuta, trabalha neste hospital.
– Philiph! – disse surpreso, veio ao meu encontro e me cumprimentou
com tapas firmes nas costas.
– Augusto, a minha filha e a minha mulher precisam de ajuda – apontei e
percebi o tremor em minha mão.
– Eu to desesperado, por favor, salva as duas – ele fez gesto para que eu
parasse de falar.
– Fique calmo! Sua filha e a doutora Kate já vão entrar – neguei com
raiva só por ouvir este nome.
– Não é a Kate! Ela é o meu passado e eu não sou mais aquele Philiph –
ele assentiu sem jeito, pensando que cometeu uma gafe.
– Desculpe! – assenti.
– Augusto, aquela mulher na maca é a minha vida – apontei e ele olhou.
– Eu vou cuidar da sua esposa e o melhor pediatra da equipe está com sua
filha – mostrou-me o homem que avalia o caso de minha garotinha.
– Elas estão em boas mãos, meu amigo! Tente se acalmar, eu sei que é
uma pena nos reencontrarmos nesta situação, mas seja aquele Philiph
confiante que eu conheço! – passo as mãos pelos cabelos, massageio minha
nuca pela forte tensão e sinto minha boca amargar. Tento desesperadamente
dar atenção às duas, mostrar a elas que estou aqui. É como se eu gemesse e
ninguém pudesse me compreender, já estou tonto e angustiado.
– Vamos entrar agora! – ele deu leve tapa em meu rosto para me tirar do
transe hipnótico causado pelo trauma. Apenas fui capaz de balançar a cabeça
em sinal positivo. Os paramédicos passam o caso e em segundos, elas são
encaminhadas para o interior do hospital.
Leticia e eu seguimos as duas equipes que correm contra o tempo para a
emergência. Olhei para trás e reparei que Henrique e Senhor S vinham em
nossa direção. Assim que chegamos a entrada da emergência, fomos
impedidos de transpor a porta. Só nos resta a espera por notícias.
– Para onde minha filha foi levada? – Senhor S indagou apreensivo.
– Para a emergência, não podemos entrar – expliquei e logo após
caminhei em direção à sala de espera.
Leticia chamou-me num canto e disse que precisava conversar. Fiquei
pasmo ao ouvir da investigadora que o corpo estendido no acostamento da
estrada era o de Kate, eu não pude ver, pois o mesmo estava coberto. Um
filme passou por minha mente, eu me recordo do dia em que a conheci no
hospital e do nascimento de Luanna.
O que aconteceu dentro daquela mulher?
Para se tornar um monstro?
Capítulo 32

Um abismo silencioso paira entre nós, eu ainda estou digerindo a


notícia. Um tempo depois, um membro da equipe da pediatria surgiu para
coletar o histórico do paciente, passei os dados da Luanna e por incrível que
pareça, observo Senhor S ser questionado por uma residente e mal sabe
responder indagações simples sobre sua própria filha.
Eu tive que responder por ele, e em troca, recebi um olhar de
agradecimento. Preenchemos alguns papéis fundamentais para a internação e
nos direcionaram para uma segunda sala de espera, a mesma está vazia e tem
mais privacidade, pois uma equipe de jornalistas está do lado de fora do
hospital a fim de cobrir a reportagem sobre a tragédia na estrada.
As notícias se espalham rapidamente e pela televisão da sala,
acompanhamos a matéria exibida em algum canal de grande audiência.
Porém, nada foi mencionado sobre a casa ou o cassino clandestino.
– O Rony é mesmo um gênio, ele não ia expor vocês – Leticia tem razão,
a notícia é relatada e traz informações de que um grave acidente deixou três
mortos na estrada do vilarejo antigo em Waltham Forest. – Ele me ligou
enquanto eu ainda estava na ambulância e me disse que chegou ao local
pouco tempo depois que nós saímos, por ser um caso de investigação
particular envolvendo uma organização devidamente registrada, o caso deve
ser tido como morte por vingança. As três vítimas foram assassinadas e os
culpados estão foragidos – a encarei repleto de dúvidas.
– Ele burlou a cena do crime? Não estamos agindo como bandidos
também? – ela me olhou como seu eu fosse um pobre ingênuo.
– Não Philiph, nós não somos os bandidos. A Kate tinha um esquema
milionário com aquele cassino, mas ela é só a ponta de um grande iceberg.
Sua ex—esposa e Conrad foram os primeiros punidos por isso, nem você e
nem a sua filha precisam de suas identidades reveladas e muito menos que o
caso venha à tona. De qualquer forma, Conrad já estava sendo investigado
por fraudes em próteses hospitalares e ela pelo cassino. Ambos morreram por
que seus negócios corruptivos deram errados – respirei profundamente ainda
sem conceber tal história.
– Quando o nome dela estiver nos jornais, todos vão saber que era a
minha ex—mulher – ela assentiu.
– Vamos aguardar, não é? Eu garanto a você que por estar nas mãos de
quem está – apontou com a cabeça para Senhor S, o mesmo, sentado longe de
nós, encostou a cabeça no apoio da cadeira e está de olhos fechados, como se
descansasse ou refletisse alguma coisa.
– O sigilo que você tem é infinitamente maior – sorriu para mim,
demonstrando confiança.
As horas passam tão lentamente, que a agonia pela espera é o maior de
nossos tormentos. Em certos instantes, permaneço sentado, mas quando sinto
meu corpo doer acabo por levantar e andar de um lado para o outro. Até
agora nenhuma notícia de minha filha ou de Mary, não sei exatamente
quantas vezes me direcionei até a recepção do andar em busca de alguma
resposta.
Quando Henrique e Leticia saíram da sala para tomar um café, Senhor S
se sentou ao meu lado e durante alguns segundos ficou sem dizer uma palavra
sequer. Eu noto sua inquietação ao meu lado, ele entrelaça as mãos e as
aperta em demasia, balança a perna direita com ansiedade e respira
pesadamente.
– A minha filha vai ficar bem? – perguntou, por fim. Sinto que sua
preocupação o consome por inteiro.
– É tudo o que eu mais quero Senhor S – respondi sem ao menos olhá-lo.
– Minha filha grávida? – sua pergunta soou quase inaudível e
desacreditada.
– Passando por tudo isso... – ele quis embargar as palavras, mas travou
pelo orgulho.
– Eu sei que não sou um bom pai, nunca fui para falar a verdade – pausou
a frase como quem pede as energias. Eu escuto o homem misterioso que vi
pela primeira vez quando fui procurá-lo em busca de ajuda, o charuto cubano
é sua marca registrada, ele exala o cheiro mesmo sem tragá-lo no momento.
Sua pose altiva e durona foram traços herdados pela filha, que apesar de
não ter recebido atenção e carinho do pai, tem muito de seus trejeitos.
Herança genética e muita influência do meio externo.
– Fui o pior dos homens para ela, Mary não teve nenhum modelo
feminino para seguir, nem mesmo o exemplo de uma figura masculina digna.
Mas uma coisa eu te falo doutor, Philiph. Eu amo a minha filha… Do meu
jeito torto, mas eu amo – pendi a cabeça e olhei o velho homem enigmático.
Agora sem aquela pose tão inabalável, inatingível.
– Eu sei o que está sentindo, minha filha também está lá – falo com certa
rouquidão na voz, ela trepidou ao sair de minha boca. – Senhor S, eu amo a
sua filha. Ela está grávida de um filho meu e tudo o que eu mais quero é que
eles fiquem bem! – enfatizei e o homem abaixou a cabeça.
– Quando se é velho, doutor Philiph, não se muda muita coisa,
principalmente os pensamentos. Porém tenho que reconhecer o seu respeito
por minha filha. Você não a trata como qualquer uma! – não é imperceptível
notar que ele usa de todas as forças para dizer isto, quebrar um pouco da
arrogância é tarefa mortal para ele.
– Ouça! – peço sério, entretanto com calmaria na voz. – Eu tenho muitos
defeitos como qualquer homem, mas sou um pai de família. Jamais brincaria
com os sentimentos dela, a Mary é a melhor coisa que já me aconteceu, eu
não sou ninguém sem ela – ele me encara em silêncio, analisando minhas
palavras como um verdadeiro investigador. Procurando um ponto em falso,
como um polígrafo humano.
– Faria uma coisa por mim? Já que gosta tanto dela – minhas pupilas
dilataram com sua pergunta.
– O que? – indaguei curioso, arqueando a sobrancelha direita.
– Sei exatamente onde a mãe dela está! Eu soube todos esses anos.
Impedi a mulher de vê-la muitas vezes alegando que Mary sentiria vergonha
pelo abandono, pelo que ela era... Dançarina noturna, prostituta – estou
chocado com a revelação.
– Por que mentiu para ela? Você não tinha esse direito, Senhor S! –
anunciei efusivamente e ele concordou, entretanto sem face de culpa.
– Não é do meu feitio chorar pelo leite derramado, meu rapaz. A mãe dela
ainda mora na Espanha, aliás, nunca saiu de lá. Quando Mary ficou uma
mocinha, com temperamento forte eu decidi ir embora com ela de Madri só
para que ela não tivesse a ideia de procurar pela mãe – enquanto ele fala, eu
observo as horas no relógio. Já estamos há muito tempo sem notícias. E ouvir
essas confidências me revela o quanto ele é difícil de lidar. – Ela estudou e se
casou depois de alguns anos... Teve um filho! – não tenho condições de
pronunciar uma palavra sequer, estou estupefato. – Enfim, doutor Philiph. Eu
só estou esperando para ver minha filha, pois quero resolver os últimos
trâmites do seu caso. Depois retornarei para Madri e ela não vai mais precisar
sofrer por minha causa – disse ao ajeitar uma mecha de seu cabelo platinado.
– Você é um canalha... – confessei baixo, o homem me fitou sem esperar
por esta reação. – A humilhou de todas as formas, mas mesmo assim ela
ainda te ama. Se for embora desse jeito ela vai sofrer muito mais – gesticulei
preocupado.
– Ela vai entender... – foi a única coisa que o detetive disse antes de
sermos interrompidos por doutor Augusto. Ele usa um uniforme azul do
centro cirúrgico e uma touca na mesma cor.
– Augusto! Como ela está? – indaguei ofegante e levantei da cadeira.
Senhor S, ao meu lado, fez o mesmo. Henrique e Leticia estão chegando da
cafeteria do hospital, aproximam—se de nós para ouvir o que o médico tem a
dizer.
– Fale logo rapaz, eu preciso saber do estado de saúde de minha filha! –
o investigador pediu alterado e o doutor decidiu prosseguir.
– Conseguimos estabilizá-la! – Senhor S e Leticia, por serem leigos, se
acalmam com a notícia, mas Henrique eu sabemos que o parecer ainda não
acabou.
– Prossiga, por favor! – pedi apreensivo e ele assentiu.
– Ela teve uma hemorragia muito grave, quase entrou em choque e nós
tivemos que transfundir duas bolsas de sangue. Ela está sendo transferida
para a UTI e vai ficar em observação por algumas horas – vi quando seu
semblante ficou mais sério e pressenti a notícia que ele iria me dar. Meu
coração disparou, sinto que minha respiração vai findar.
– E o bebê? – questionei com minha voz falhada.
– Conseguiram salvar o meu filho? – engoli a seco seu silêncio.
Simplesmente caí sentado na cadeira atrás de mim, pois perdi as forças nas
pernas.
– Nós fizemos tudo o que podíamos doutor, Philiph. O estado de saúde
dela era muito delicado, por si só ela não tinha forças para levar a gravidez à
diante. Era uma gestação muito inicial, eu sinto muito! – eu não consigo
respirar, nem pensar. Só vi quando o pai de Mary deixou a sala com muita
pressa, acompanhado de Henrique, não sei para onde foram. Abaixei a cabeça
e não pude conter o choro, por mais que Leticia tente me consolar e me
ofertar uma palavra de conforto, nada é suficiente para aliviar a minha dor.
Por longos e intermináveis segundos eu chorei, enquanto os dois estavam ao
meu lado.
– Também preciso de notícias da minha filha! – supliquei angustiado.
– Logo o pediatra vem, meu amigo! Acalme-se – Augusto sentou-se ao
meu lado e com bastante destreza e habilidade em dar notícia aos familiares
dos pacientes, contou-me todos os procedimentos adotados na emergência e
de como Mary reagiu ao voltar à consciência no meio do atendimento. Ela
rapidamente foi sedada para que não se alterasse mais e encaminhada ao
centro cirúrgico.
– Com licença, vocês são os pais da paciente Luanna Vieira Williams? –
a voz do pediatra nos tirou completamente do rumo da conversa e nós três
nos erguemos com ímpeto.
– Ele é o pai, eu sou apenas uma amiga da família – Leticia explica com
ansiedade, está preocupada.
– A menina está bem? – ela pergunta por mim, porque estou paralisado,
com receio de más notícias e nenhuma frase sai de minha boca.
– Fiquem tranquilos, ela está bem – a mulher respirou aliviada e eu ainda
permaneço afônico.
– O senhor poderia me acompanhar, por gentileza? – quando a ficha caiu,
abracei Leticia e Augusto, ainda que o medo só passe ao constatar a
veracidade do anuncio do pediatra.
– Leticia, eu preciso que espere por notícias dela. Pode ficar aqui até eu
voltar? – pedi e sem titubear, ela compreendeu.
– Mas é claro que sim, vai ver sua filha – gesticulou confiante e segui o
médico. Subimos de elevador até o respectivo andar da pediatria e assim que
a porta abriu, prosseguimos o trajeto por um longo corredor. Ele apontou para
uma porta no final deste e me concedeu passagem quando nos aproximamos.
– É aqui! – ele abriu a porta e no exato momento em que coloquei os pés
no quarto, minha filha olhou-me com saudade. É impossível conter o imenso
sorriso em meu rosto, corri em sua direção e a abracei emocionado. Ela está
deitada na cama, mas a cabeceira elevada à deixa numa posição favorável
para o abraço.
Ela me aperta com suas mãozinhas pequenas, ainda que não exerça força,
enquanto beijo seus cabelos e suas bochechas. Apesar de carecer de atenção
redobrada, está mais alerta do que quando a encontrei na estrada. O médico
se aproximou, ele assiste à cena e aguarda o instante exato para colocar—me
a par do estado de saúde de minha filha.
– Como você está meu amorzinho? – perguntei sentindo seus dedinhos
limparem as lágrimas do meu rosto.
– Estou tão cansada, papai! Minha perna dói – apontou para o tornozelo
inchado e com uma série de hematomas, que sobem até as coxas. Por dentro,
um ódio brutal me consome só em imaginar quem causou estas agressões.
– Minha cabeça também. Eu quero ir para casa – sua doce voz ecoa em
meus ouvidos, mesmo que saia pesada e arrastada. Como eu senti falta de
ouvi—la, de rir junto com suas gargalhadas gostosas. De ter minha criança
em casa proporcionando tantas alegrias. Filhos são as melhores coisas do
mundo!
– Em breve nós vamos voltar para a casa e a nossa vida vai ser muito
diferente – ela me olha com os olhinhos concentrados em minhas palavras.
– Eu senti tanta a sua falta, pensei em você todos os dias – a abracei ainda
mais, vislumbrando o grande milagre que é a vida de minha filha.
– Eu também pensei todos os dias, eu ficava esperando você aparecer e
você nunca chegava – falou cabisbaixa e embolou um pouco a frase. Os
remédios a deixam assim. Ergui seu queixo e a encarei.
– Eu não sabia onde você estava! Eu procurei muito... – ela respirou
profundamente e esboçou face de mágoa.
– Por que ela não gosta de mim? – um nó se fez em minha garganta
quando ela indagou. Eu não tenho respostas para esta pergunta? Como dizer
a uma criança que sua própria mãe não a amava. Kate a teria matado sem
dó nem piedade. Sem remorso algum – Ela me batia muito e dizia que você
tinha me abandonado lá – neguei com veemência o absurdo que ouvi.
Crianças são muito sinceras, não se dão conta das maldades ao seu redor,
apenas perguntam porque necessitam saciar sua curiosidade. Mesmo que esta
seja algo tão grave.
– Pode nos dar licença um minuto? – direcionei as palavras ao pediatra
que acatou de bom grado, dando—nos privacidade. Quando o mesmo passou
pela porta, olhei para a minha garotinha. – Luanna, presta bem atenção no
que o papai vai dizer – sentei-me parcialmente na cama e segurei sua mão,
encarando-a com firmeza. – A sua mãe... – é difícil pronunciar isto, mas não
concluí, pois ela logo interrompeu.
– Eu não queria ela como mãe, ela nunca ia na festinha do dia das mães
na escola – surpreendi-me com a revelação, na presença de nossos amigos e
familiares, Kate sempre dizia fazer de tudo pela filha. Maldita! E eu
acreditava porque jamais poderia conceber a ideia de tudo o que aconteceu.
Eu acreditava em minha ex—esposa. Com o tempo as pessoas revelam sua
verdadeira face. Nada fica encoberto e crianças mais do que ninguém, não
escondem seus sentimentos. – Ela me deixava no escuro quando você ia
trabalhar no hospital à noite – suas palavras começam a embargar e eu me
seguro por dentro, apenas ouço o desabafo dela. – E apertava meu braço
quando eu pedia ajuda com fazer a lição de casa – ao visualizar uma lagrima
ressentida deslizar por seu rosto, olhei para o céu e pedi forças.
– Por que não procurou por mim? O papai nunca ia deixar nada de mal te
acontecer – limpei seu rostinho.
– Por que ela dizia que você ia ficar com raiva de mim, ia embora se eu
contasse e.. – travou com medo de alguma coisa. É irreal o tamanho do
sofrimento que minha filha tão pequenina passou.
Quando Madame Mary apareceu em nossas vidas, fazia alguns Dias que
Luanna havia completado sete anos, é uma menina de estatura mediana como
a mãe, talvez seja a única coisa que se assemelhe a ela, mas depois de perder
alguns quilos e desidratar consideravelmente, aparenta ainda mais a estatura
de uma criança de seis anos.
Contudo, seus pensamentos não serão mais os de uma menininha, certas
coisas não sairão de sua mente jamais. E como pai, eu devo fazer de tudo
para protegê-la de seus fantasmas e ensiná-la que no mundo ainda existem
pessoa boas.
– Pode falar filha! – peço para que continue, tento encorajá-la.
– “Se contar eu mato o papai, você não vai ver ele nunca mais!” – tampei
a boca com as mãos ao entender a tortura psicológica a qual foi submetida.
Ela repete várias vezes a frase dita por Kate, põe as mão na cabeça e aperta os
olhos exercendo força, como se tentasse espantar as vozes aterrorizantes em
sua cabeça.
– Olha para mim! – segurei suas mãos. – Confia no papai! – ela abriu os
olhos e os mesmos trazem consigo um pavor descomunal. – Você confia em
mim, filha? – ela assentiu com seu olhar fixo no meu. – Ela não vai mais te
assustar, nem machucar. Você nunca mais vai precisar vê-la, eu prometo! –
falei com exatidão e meu coração dói ao notar os soluços de minha garotinha.
– Nós vamos superar juntos, e a partir de hoje, seremos somente eu, você e a
Mary – sorri quando seu rosto se iluminou com a notícia.
– A sua namorada que me contou a história? – questionou feliz, com a
pureza de uma criança que só precisa ser amada. Ela se esforça para
pronunciar a frase direito, pois sente os efeitos dos sedativos.
– É ela sim! – respondi emocionado.
– Ela cuidou de mim lá no porão – é como ela se refere àquele lugar.
– Disse que não ia me abandonar! – assenti em concordância. – Ela ama
você e eu sei que as duas vão se dar muito bem! – ela tentou levantar da
cama.
– Me leva onde ela está papai! – a impedi.
– Eu te levo, mas não pode ser agora porque também estão cuidando dela.
Ela precisa descansar assim como você – ela tenta aguentar a espera, com sua
ansiedade de criança a mil por hora. Luanna ainda respira ofegante e com
certa dificuldade. As medicações correndo em sua veia, juntamente com o
soro, a hidratam e dentro de algumas horas, no mais tardar amanhã pela
manhã, vai estar bem melhor.
– Fica quietinha, filha! – pedi por precaução médica. – Se você casar, ela
pode ser minha mãe – me encantei com sua fala.
– Você gostaria que ela fosse sua mãe? – ela balançou a cabeça em sinal
positivo, um tanto encabulada como se isso não fosse coisa certa a se dizer.
– Quando que ela contou a história da princesa, nós dormimos juntinhas...
Eu não tive pesadelo aquela noite porque eu sei que ela me protegia –
inclinei-me e beijei sua fronte com carinho.
– Ela vai adorar ter uma filha linda como você – cutuquei sua barriga e
ela riu. Distraia-me com minha filha quando o médico retornou.
– Nós precisamos levá-la para a tomografia e depois ela precisa descansar
– compreendi.
– Olha, o papai está aqui! Vamos sair deste hospital juntos! Você vai
fazer um passeio bem legal agora, e enquanto isso, o papai vai ver a Mary –
ela sorriu triste.
– Você volta, não é? – perguntou receosa. Encarei-a passando a mão
direita em sua bochecha, fazendo um leve carinho com meu polegar. –
Eu volto, acredita em mim! O que você vai fazer é um exame importante
– expliquei carinhoso e disse mais algumas palavras para que ela se
acalmasse.
Precisei de mais alguns minutos para que Luanna tivesse confiança na
equipe médica e em seguida, eles a levaram. Ela foi acompanhada de um
enfermeiro e um residente. Quando fiquei a sós com o médico, ele me
mostrou os primeiros exames realizados e não tive como segurar a tristeza,
ele me conduziu a um consultório vazio e me explicou cada uma das marcas
espalhadas pelo corpo de minha filha.
Capítulo 33

Suas palavras são pancadas duras em mim. Existem feridas quase


cicatrizadas no couro cabeludo de minha filha e isso levou meus pensamentos
ao dia do massacre, onde encontrei algumas mechas de cabelos loiros
ensanguentadas, e pela confirmação dele, elas foram arrancadas a sangue frio
e com muita violência.
Muitas marcas de espancamento, lesões cutâneas causadas por graves
arranhões e, o maior dos problemas foi encontrado no exame de sangue.
Perda excessiva de eletrólitos, anemia profunda e deficiência de vitaminas
importantes. Enquanto ele me passa o diagnóstico eu desabafo, não paro de
criar as imagens em minha mente, vejo minha menina pedindo socorro e
sendo maltratada por quem devia protegê-la.
Ele me ofertou um copo com água e esperou até que pudesse me acalmar
o mínimo possível para sair da sala. Após uma conversa longa, nos retiramos
do consultório, Luanna ainda não voltou do exame, vai demorar mais um
pouco.
Ia sentar em um dos bancos do lado de fora do quarto, mas senti meu
coração gelar quando olhei para o fim do corredor. Leticia caminha em minha
direção, meu músculo cardíaco dispara loucamente e por mais horrível que
pareça, depois de todas estas tragédia eu só consigo pressentir o pior.
Alguma coisa aconteceu com ela!
Não estou preparado! O médico pediu licença e se retirou, enquanto estou
estático observando a aproximação dela.
– O que houve? – indaguei repleto de temor.
– Ela já está em observação na UTI! – encostei-me à parede e puxei o ar
com força para dentro dos pulmões. Um alívio imenso relaxou os músculos
do meu corpo.
– Obrigado por vir me avisar – ela assentiu esperançosa.
– E a sua filha, como ela está? – perguntou preocupada.
– Ela está melhor, teve que fazer uma tomografia agora e não está no
quarto – compreendeu. O pediatra retornou e se aproximou de nós.
– Doutor Philiph, eu sei que está esperando por notícias de alguém que
está na UTI – balancei a cabeça em sinal positivo.
– Estou – confirmei.
– Sua filha, por estar um pouco agitada ainda, provavelmente vai ser
sedada para o procedimento e vai voltar dormindo, isso lhe confere tempo
suficiente para visitar seu ente querido – me aliviei com a notícia, eu não
pensei nisso antes. Nunca estive deste lado, como parente de alguém que se
encontra em um hospital, e tudo o que sei como médico se desvanece aos
poucos com minha apreensão.
– Leticia... – ela não me deixou terminar.
– Não se preocupe, eu fico aqui até você voltar, sei que minha amiga
estará em boas mãos – agradeci imensamente por sua empatia e gentileza.
Despedimos—nos e segui em direção à UTI. Assim que adentrei ao andar
específico, encontrei Augusto no corredor.
– É bem provável que ela vá para o quarto hoje à noite – explica com
cautela.
– Eu preciso vê-la! – ele permitiu e me paramentei para entrar no local.
– Apenas por alguns minutos doutor Philiph, essas primeiras horas são de
repouso absoluto e o menor contato possível por conta do risco de infecção! –
assim que fiquei pronto, ele me conduziu até o quarto. Paramos em frente ao
quarto e tomei coragem para entrar.
Não sei explicar as sensações que me invadem agora, pois tenho a visão
de Mary deitada na cama, completamente dependente de alguém e sinto meu
coração dilacerar. Só me recordo da doutora e detetive arrogante, presunçosa
e efusiva que entrou em minha sala, revelando—se como Madame Mary. No
exato momento em que trocamos o aperto de mão, nossa história começou.
Sem plateia alguma, somente duas pessoas desconhecidas que mal sabiam
onde aquela investigação por adultério iria chegar. Se naquela época eu
pudesse prever o futuro e descobrir este sentimento que tenho por ela, tirando
o filme de terror que acabamos de passar, eu a teria roubado do Gogo Boy
quantas vezes fosse possível.
Teria esperado do lado de fora do seu apartamento por horas a fio até ela
abrir e reviveria nossa primeira noite juntos. Fugiria novamente com ela no
meio do baile de máscaras e a enlouqueceria de prazer. Por fim, pediria
abrigo em sua casa numa noite solitária, pois sei que ao seu lado eu tenho
tudo. Absolutamente tudo.
Mas ela está aqui, imóvel nesta cama de hospital, aguardando para que
sua saúde se restabeleça. Estou em silêncio ao lado de sua cama, penso na
mulher corajosa que é e em seu ato heroico para salvar minha filha. Segurei
sua mão e a apertei.
– Eu te amo! Fica bem, amor – confessei entrecortando as palavras. – Nós
precisamos de você! – aproximei-me de seu rosto. – Você não salvou
somente a Luanna, mas a mim também! – confesso cercado por tantos
sentimentos que por ora não sei decifrar todos, apenas o principal.
Amor.
Doutor Augusto verifica alguns dados no prontuário, anota outros
resultados. Tudo de maneira silenciosa. Aproveito cada segundo desta visita,
eu queria abraçá-la, mas os aparelhos e tubos me impedem.
– Você precisa saber de algumas coisas – tremi por dentro de maneira
cruel. À medida que ele revela detalhes do que aconteceu à Mary, eu
desmorono por dentro. E assim como ocorreu com o caso de minha filha, não
há um só segundo em que eu não experimente uma dor colossal por saber
tudo o que ela padeceu. Mais uma vez choro e sei que não tenho mais forças
para tal ato.
Após os esclarecimentos, tivemos que nos retirar da UTI apesar de minha
relutância em ficar por mais alguns minutos. Voltei para junto de minha filha
e ela já havia retornado do exame, porém em sono profundo. Leticia
permaneceu com ela e a agradeci imensamente.
Aproveitei para entrar em contato com minha mãe, ela sabia que eu tinha
me deslocado até Waltham Forest em busca de Mary e saiu do interior de
Seattle, onde mora, para vir ao meu encontro. Pegou o primeiro voo que saiu
de Paris logo após a minha ligação.
Já estava em Seattle quando nos falamos e pedi que passasse na casa de
praia e trouxesse roupas para mim e para Mary. Ela tem uma cópia da chave
pelo tempo que ficou comigo após o enterro. Não ousei em falar sobre
Luanna, pois esse tipo de notícia ela só pode receber pessoalmente e
amparada por equipe médica, por conta das arritmias cardíacas.
A detetive e ela ainda não se conhecem, Mary estava apreensiva e queria
escolher o melhor momento para o encontro. Eu respeitei a decisão e minha
mãe também. Leticia e eu passamos a tarde inteira de um lado para o outro
neste hospital, Luanna está dormindo desde que voltou do exame, estava
exausta e necessitava de descanso.
Henrique e Senhor S ausentaram—se por um período de tempo a fim de
resolver burocracias da organização, depois voltaram e se hospedaram num
hotel bem perto daqui. Ele só espera a filha acordar para se despedir.
Dimitriev não pôde ficar mais de dez minutos conosco porque voltou com
Rony até as instalações da polícia.
Eles irão finalizar a investigação com o aval de Senhor S. Leticia os
acompanhou, pois na ausência de Mary, ela é a mulher de confiança do
senhor Moreau. Minha mãe chegou a Waltham Forest trazendo as coisas que
eu havia pedido. Recepcionei-a na entrada do hospital e nos direcionamos
para o mesmo hotel onde o pai de Mary está hospedado.
Preciso de um banho rápido e não pretendo demorar, logo quero voltar
para junto delas. Assim que tomei uma ducha morna relaxante e comemos
alguma coisa de forma bem rápida, retornamos. Minha mãe está ansiosa para
ver Mary e caminho receoso ao lado dela até a sala de doutor Augusto para
lhe dar a notícia sobre a neta.
O médico já está ciente de que preciso de ajuda. Entramos no consultório,
fechei a porta por trás de nós e pedi que ela sentasse. Dei algumas voltas no
assunto para quebrar um pouco da tensão, mas quando finalmente contei a
verdade, nós a socorremos, pois sua pressão despencou de imediato e um
desmaio a fez cair de lado no sofá onde está sentada. A colocamos deitada na
maca de exames e esperamos até ela voltar a si. Aos poucos, ela recobrou a
consciência.
– Que susto a senhora me deu dona Rowena – ela já abriu os olhos,
emocionada. Sorri de felicidade ao se dar conta de que a neta está viva e se
pergunta mil vezes como isso é possível. Peço a ela paciência porque não vou
entrar em detalhes agora.
Ao se recuperar e tomar um remédio que Augusto lhe deu, levei minha
mãe para ver Luanna. Pedi que não comentasse absolutamente nada sobre
morte ou sobre Kate. Observo Rowena com a neta, ela abraçou e beijou tanto
a menina que ela acordou com os carinhos. Luanna está corada e dispõe de
mais ânimo que antes.
Deixei as duas curtirem o momento só delas e avisei ao médico que
estaria no andar da UTI. Uma alegria imensa tomou conta de mim ao chegar
ao respectivo andar, fui informado pela enfermeira chefe do setor que Mary
foi levada há alguns minutos para o quarto.
É um excelente sinal, significa que está fora de perigo! Sem esperar mais
nenhum segundo, pedi informações sobre o número do quarto e segui até lá.
Sinto tremores em meu corpo, estou inquieto e nervoso. Hesitei em tocar a
maçaneta, mas investi-me de destemor para girar a mesma.
Abro a porta do quarto vagarosamente e me deparo com Mary dormindo
após uma sessão de exames e intervenção cirúrgica por conta do aborto. Sua
cabeça está levemente pendida para o lado direito, a mão esquerda envolve
sua cintura como se abraçasse o próprio corpo e o semblante empalidecido é
de muito cansaço.
Fechei a porta por trás de mim sem fazer barulho e dei passos em sua
direção. Parei ao lado de sua cama e inclinei meu corpo com muito cuidado,
meus lábios tocam sua fronte com delicadeza e zelo. Experimento
avidamente, neste instante, a imensa saudade que eu estava dela, agora com
mais lucidez e sem o choque pelo reencontro com minha filha.
Como eu senti sua falta, minha querida!
Acariciei seus cachos macios, fitando seu belíssimo rosto sem nenhuma
maquiagem. Por longos minutos analisei tudo que ela passou para trazer
minha menina de volta, foi por força do destino que esta mulher ficou presa
naquele lugar e por um milagre encontrou minha filhinha. Passassem mais
um dia ou dois naquele estado, Luanna não teria suportado tamanha privação
de alimentos e água, muito menos com as agressões físicas que sofria
constantemente.
Ela teria morrido por abandono, e meu coração lateja só em pensar nas
atrocidades cometidas por Kate à nossa própria filha. Uma criança inocente.
Aliás, aquele monstro nunca foi mãe. Segundo avaliação médica de Augusto,
sobre a qual fui informado enquanto ela estava na UTI, Mary tinha resquícios
de água no pulmão direito quando deu entrada na emergência deste hospital,
o que foi constatado por um raio x feito imediatamente após sua admissão.
Sem demora, um dreno de tórax foi inserido a fim de eliminar tal liquido
e não prejudicar sua respiração, pois a mesma estava com ruídos à ausculta e
ela mal conseguia respirar sozinha. Ela agonizava sem ar. Os lábios estavam
cianóticos pela hipotermia, ela apresentava tremores incontroláveis pelo
corpo e intensas dores musculares.
Quando voltou ao seu estado consciente, no meio do atendimento, Mary
relatou aos médicos que além das tentativas de afogamento e dos fortes jatos
de água fria, recebeu uma descarga elétrica em seu corpo que deixou seus
músculos fatigados e dormentes.
Ela se queixava de uma cefaleia persistente associada a uma vertigem
considerável. Tudo isso, em conjunto com a enorme distância que percorreu
naquela floresta com minha filha nos braços, fizeram—na alcançar um nível
de exaustão limite. Definitivamente, ela deu início ao processo de aborto
quando seu corpo passou pelo primeiro período de estresse com o
afogamento.
Augusto me disse que ela só perguntava pela Luanna, pois ansiava por
notícias dela, por mim e principalmente pelo bebê, se ele estava bem. Se ela
não tinha perdido o filho. Ela não obteve informações no momento por
questões óbvias, mas daqui a pouco, doutor Augusto vai entrar por esta porta
para dar a notícia de que infelizmente ela perdeu o nosso bebê.
Afago seus cabelos, em seguida deposito um beijo suave em sua
bochecha. Por fim, presenteio-a com um selinho demorado nos lábios,
mesmo que ainda esteja dormindo. Coloquei minha mão por cima da sua que
repousa sobre o ventre e fiz leve carinho com meu polegar.
– Eu te amo! Você é a melhor coisa que já aconteceu na minha vida –
sussurrei baixinho perto de seu ouvido.
– Sem você eu não teria conhecido o amor, eu ainda estaria vivendo
aquela obsessão – suspirei ao constatar sua debilidade diante de mim,
necessitando com urgência de alguém que a proteja, que lhe dê carinho. De
todos os sentimentos cruciais dos quais foi privada durante toda a vida.
– Sem você a Lu estaria morta – completei com a voz embargada por
imaginar o pior. Luto que eu vivenciei por um bom tempo, tendo enterrado
alguém que julguei ser minha garotinha.
– Eu me sentia literalmente perdido, e eu lhe devo tudo – afundei meu
rosto em seu ombro e não pude conter o choro, é uma dor e ao mesmo tempo,
alivio. Todos os dois sentimentos com um nível monstruoso de magnitude.
Alivio porque as duas pessoas que mais amo no mundo estão vivas e tão
perto de mim, e dor pela perda do bebê. Como eu adoraria ter filhos com
você! Sei que ficaria ainda mais linda grávida. Derramo meu pranto de forma
incontrolável, sei que preciso me conter, entretanto é complicado para mim e
eu nunca demonstrei minhas emoções desse jeito.
Surpreendi-me ao notar o movimento de suas mãos, afastei meu rosto de
seu ombro e a olhei fixamente. Com certa dificuldade, Mary abre as
pálpebras, mostrando-me seus belos olhos verdes. Ela virou lentamente a
cabeça em minha direção e ficamos em silencio por um tempo, mergulhados
em nossos olhares penetrantes.
Ela esticou a mão e tocou minha barba, sorriu com um pouco de força,
mas logo o desfez quando passou a outra mão por sua barriga, ela desviou o
olhar para o ventre e antes que pudesse me fazer qualquer pergunta, o médico
adentrou ao quarto.
– Olá, Mary! Que bom que já acordou – entrelacei minha mão à sua e a
apertei.
– Doutor, Philiph! – ele me cumprimentou e assenti positivo.
– E o bebê? – sua pergunta saiu com esforço e pesar.
– Eu não consegui segurar? Eu perdi? – indagou ao médico, depois me
olhou aflita e nada pude dizer.
– Vamos conversar Mary – Augusto colocou-se ao lado dela e lançou
sobre mim um olhar bem conhecido, olhar que antecede uma má notícia a um
paciente.
– Quando você deu entrada neste hospital sua hemorragia era muito
grave, seu estado de saúde era delicado... – ele pausou a frase.
– Nós fizemos de tudo, mas não foi possível conter o sangramento – ela
tampou a boca para abafar o choro instantâneo e despejou sua angustia sem
receio por estar na frente de um desconhecido.
– Eu sinto muito pela sua perda! – disse com voz serena.
Eu limpo meu rosto das lágrimas que insistem em cair, tentando ser forte
por ela, mas por dentro estou destruído com a notícia. Apesar de saber
previamente, não queria vê-la assim. O choro dela é angustiante,
desesperador e me corrói aos poucos. Ela tenta se encolher na cama, mas não
pode por causa do dreno e cada movimento brusco lhe causa dor.
– Eu queria tanto o bebê! – agarrou minhas mãos e chorou ainda mais.
– Eu sei... Eu também queria – respiro de forma pesada e no fundo, se eu
pudesse arrancar está dor dela eu assim o faria.
– Mary, você é uma mulher saudável, seu útero está intacto, sem sequelas
nenhuma pelo trauma – ele explica calmo e convicto de seu diagnóstico
médico. – Apesar de sua idade, onde gravidez é algo delicado, nada lhe
impede de tentar de novo e ter uma gestação tranquila, com todos os cuidados
médicos – o sofrimento dela é o meu, se ela padece, eu morro junto. Ela
permanece em estado de choque. Inconsolável.
Minutos se passaram e com muitas palavras de conforto, com as
explicações de Augusto e com meu apoio, ela está se acalmando. Mesmo
sendo médicos, nós nunca estamos preparados para nos tornar pacientes.
– À noite nós vãos repetir alguns exames, mas o eletroencefalograma não
teve alterações por causa do choque e daqui doze horas nós retiramos esse
dreno. Descanse bem – ele orientou.
Uma enfermeira adentrou ao quatro para administrar as medicações e
cuidar do dreno, não demorou muito para que instantes depois, nós
ficássemos a sós.
– Eu quero ver a Lu! – pediu com face de dor, pois ao ajeitar sua posição
na cama, o dreno repuxou.
– Cuidado, não se mexa! – adverti. – Ela está bem, minha mãe está com
ela – informei.
Capítulo 34

Ver Philiph mais uma vez é o maior alento que meu coração pode ter. É
imensurável a alegria que sinto ao saber que Luanna está bem. E ao mesmo
tempo um vazio enorme me encurrala em um buraco negro sem saída. Até
sentir as primeiras dores naquele lugar, jamais passou pela minha cabeça que
eu pudesse estar grávida.
Mesmo quando eu saía pelas noites com os homens, nunca sequer tive
suspeita parecida. Mas eu soube, sem dúvida alguma, que eu esperava um
filho de Philiph e experimentei uma felicidade assombrosa, se assim posso
dizer, pois nunca desejei ser mãe até o dia em que conheci a filha dele.
E não posso negar, ao perceber os enjoos e as pontadas, eu lutei sem
nenhuma arma para salvar o bebê, mas não consegui. Nessa luta eu fracassei.
– Graças a Deus! – suspirei aliviada por saber notícias dela, limpei meu
rosto do choro.
– Você é nossa heroína! E já tem uma fã, porque ela só fala em você –
sorri com suas palavras.
– Eu amo aquela criança – declarei com intensidade.
– Não é um amor qualquer, é amor de mãe... E eu nunca fui amada por
uma e nem sei se o que estou dizendo faz sentido – gesticulei e Philiph me
encarou pensativo.
– Faz todo sentido... A Lu – deu ênfase na frase. – Já lhe tem como mãe
desde o dia em que te conheceu – Philiph me abraçou carinhosamente. Pela
primeira vez na vida eu me sinto amparada, sinto que tenho aonde repousar,
que não vou viver mais sozinha.
Mendigando possíveis amores em bares noturnos, em sexos casuais onde
eu nem lembrava o nome de quem havia se deitado comigo. Em pessoas que
me olham, mas não me enxergam de verdade. Assim como fizeram com
minha mãe.
– Eu te amo, doutor Philiph! – seus olhos azuis desnudam a minha alma.
– Eu também amo você, Madame! – deu-me um sorriso afável, como só
ele é capaz de dar.
– Me perdoa – pedi acariciando sua face.
– Do que eu tenho que lhe perdoar? – indagou em entender meu pedido.
– Eu fiz de tudo para impedir que isso tivesse acontecido – prossegui.
– Eu não sei nenhuma oração, Philiph, mas eu pedi tanto pelo nosso bebê
– ele balança a cabeça em sinal de consentimento.
– Não fala mais assim, você não teve culpa – ele diz convicto e
cuidadoso.
– Foi uma fatalidade. Eu também queria muito esse filho – falou com
imensa vontade. Sinto que a perda do bebê o abalou de maneira intensa.
– E eu sei o quanto você lutou, o quanto se arriscou... Tudo o que você
sofreu para tirar a Lu daquele lugar. Essas coisas infelizmente contribuíram
para... – cerrei seus lábios com meu polegar.
– Por você e pela Luanna eu faria tudo de novo, mil vezes se fosse
preciso. Se antes eu fazia por que era o meu trabalho, hoje eu fiz por amor –
dito as palavras de maneira forte, corajosa, como sempre aprendi.
– Nós podemos ter outro filho e eu vou amar se for uma menina tão linda
quanto você, com esses olhinhos verdes – ele beijou-me os lábios assim que
me transmitiu seu desejo.
– Eu vou amar também – completei e nos beijamos, só que agora com
mais rapidez.
– Eu achei que nunca mais fosse te ver – disse ao desconectar nossas
bocas.
– Não sei o que seria de mim, eu teria morrido – neguei veementemente.
– Não vamos pensar mais nisso, eu não vejo a hora de sair daqui e voltar
para a casa com vocês, de sermos uma família – falei tímida.
– Nós já somos Mary... Nós já somos! – Philiph beija cada canto de meu
rosto, cheira meus cabelos e distribui carinhos, fazendo-me sentir especial. E
eu realmente me sinto quando estou em seus braços.
– Philiph, a investigação... – ele me interrompeu.
– Seu pai, a Leticia e o Dimitriev estão cuidando de tudo. Acabou! O
pesadelo acabou – sussurrou. Seus dedos delinearam minha face, senti um
arrepio gostoso que me fez sorrir.
– Mas a Kate... – tento prosseguir, eu preciso dizer a ele que a ex—
mulher morreu por minhas mãos.
– Não toque mais no nome dela – ficou sério. – Ela está morta e não pode
mais fazer nada contra nós – não me segurei.
– Eu a matei! – despejei as palavras. Ele me encarou atônito por uns
instantes. Apenas me abraçou mais uma vez e silenciamos.
– Você fez o que tinha que fazer. Tudo o que aconteceu ainda é pouco
diante de todas as atrocidades que aquela mulher cometeu – nossos olhares se
encontraram fixamente.
– Ela e o doutor Conrad... – pela terceira vez me interrompeu.
– Conrad está morto! ... Não são apenas as suas mãos que estão sujas de
sangue e só me arrependo do desgraçado não ter sofrido mais – minhas
pupilas dilataram ao ouvir sua declaração. Ele matou um homem, se vingou.
Nunca vi em seus olhos tamanha coragem e destemor. Este é um Philiph que
eu não conhecia e surpreendentemente estou desvendando.
Um tempo depois, Philiph precisou ver a filha, pediu imensas desculpas
por ter que me deixar sozinha, e disse que não tardaria a voltar. Em sua
ausência, recebi a visita de médicos, enfermeiras.
De muitas pessoas, exceto de Senhor S, meu estranho e inexplicável pai.
Segundo Philiph, ele está em um hotel aqui perto e ficou abalado com todos
os acontecimentos, ainda que por fora sua pose de homem inatingível faça as
honras da casa.
Aproveito este tempo para descansar, porém não consigo parar de pensar
no bebê. O cansaço me domina e sinto meus olhos pesarem, estou quase
cochilando. Eles fechariam não fosse um pequeno ranger da porta a me
deixar com os sentidos alerta. Olhei na direção da mesma e franzi o cenho,
pois uma mulher alta e de cabelos grisalhos adentrou ao quarto e caminha
devagar ao meu encontro.
Em silêncio, vejo-a aproximar-se de mim com cautela, como quem
invade a privacidade de alguém e eu não sou capaz de dizer uma palavra
sequer. Porém, a reconheci, não por tê-la visto antes, mas eu sei quem é por
causa dos olhos.
De certo, tão suaves e ternos, retinas que guardam tantas coisas e que
expõem os mais belos e profundos sentimentos. Agora, ela está bem perto da
cama e me olha de um jeito diferente.
– Nós ainda não fomos apresentadas! – disse com voz mais densa,
apresentando uma discreta rouquidão na voz, tão semelhante ao timbre de
voz do filho dela. É impossível não notar os traços idênticos, o sorriso
charmoso, a sobrancelha arqueada.
– Eu sinto muito que tenha sido nesta ocasião – falou com pesar.
Concordei com ela.
– Rowena, não é? – ela assentiu.
– E você é a famosa Mary! – sorri sem jeito. – Meu filho fala tanto de
você... Tenho a impressão de que lhe conheço há anos – ela segura minha
mão e distribui um singelo carinho. – Já você não deve saber nada sobre
mim. Philiph é muito discreto, as pessoas que passam por ele acham que é
solto no mundo... Que não tem mãe, irmãs ou sobrinhos. Ele é o mais fechado
dos meus filhos – mencionou com a propriedade de quem viu o filho crescer
e se desenvolver como homem.
– Mas também é generoso, íntegro. Meu filho do meio... – suspira com a
declaração. É bonita a forma como se expressa sobre ele.
– Eu sei, eu amo seu filho! – ela marejou os olhos.
– Amo tudo o que ele é – completei. – Ele sofreu muito, estava
destruído... Mas graças a você eu tenho o meu Philiph de volta, tenho a
minha neta – apertou minha mão. – Serei eternamente grata! – é curioso
como seu jeito de falar é parecido com o dele.
– Se alguém tem que agradecer, esse alguém sou eu. Seu filho e sua neta
mudaram a minha vida. Devo muito a eles – a mãe de Philiph, além discreta,
é uma pessoa amável. Direciona as palavras a mim como se eu fosse uma
filha. Após conversarmos mais um pouco, ela percebeu o quanto eu estava
cansada e sonolenta, apenas massageou meus cabelos com as pontas dos
dedos para eu adentrar num sono profundo.
Lembro-me de ter acordado horas depois, contudo a madrugada já caia
sobre o mundo lá fora. As medicações me deixaram grogue, mas sei que notei
Philiph deitado numa poltrona perto da cama. Também me recordo, em
algum momento, de seus beijos em minha fronte e dos pedidos para que eu
voltasse a dormir tranquila, pois ele ficaria ao meu lado.
Acordei pela manhã com a voz de doutor Augusto a chamar por mim. Há
um residente e uma enfermeira na sala.
– Nós vamos tirar isso de você – apontou para o dreno e senti alivio.
Meus olhos percorrem o quarto ou mesmo a porta em busca de Philiph. –
Fique calma, ele volta. Doutor Philiph passou a noite inteira sem dormir,
revezando com a mãe. Só não está aqui por que eu o obriguei a tomar um
café forte para acordar – ele explicou ao perceber minha aflição. – O seu pai
também esteve aqui, durante horas enquanto estava dormindo – fiquei
pensativa ao ouvir. Apesar de tudo, Senhor S é meu pai e por incrível que
pareça, eu o amo. Todas as palavras de raiva que proferi a ele se esvaem
como as águas. Mesmo que eu não volte atrás com nenhuma delas, porque ele
precisava ouvir, não queria que tudo tivesse chegado àquele ponto.
– Ele ainda está por aqui? – indaguei curiosa.
– Doutor Philiph disse que ele está no hotel, volta mais tarde – lembrei de
nossa última discussão, mas repreendi meus próprios pensamentos.
– Eu quero ir embora deste lugar! – ele checou o monitor, anotou os
dados no prontuário e fez outros exames físicos.
– Dependendo do resultado dos últimos exames eu te libero no fim da
tarde – eles ajeitaram minha posição na cama e realizaram o procedimento.
Agora, apenas com o curativo no local do dreno, aguardo o café da manhã.
Estou inquieta demais, já fiz a refeição e nada de Philiph ou da mãe dele.
Eu não posso sair e todas as informações que peço através do botão da
campainha, são vagas. Conto os segundos para voltar a ser a Mary e não uma
simples doente nesta cama. Eu nunca pude perceber o quanto é ruim ser
paciente. Já estou impaciente.
Onde ele está?
Num estalo de consciência, tremo ao pensar que alguma coisa aconteceu
à Luanna e ele não quer me dizer. Passei a tocar a campainha
ininterruptamente. Chamei alto por ajuda.
– Doutor Augusto! – não obtive respostas, o que me deixa ainda mais
apreensiva.
Decidi então me levantar da cama, mas antes que eu tentasse qualquer
movimento, meu coração palpitou de um jeito inesperado quando a mãe de
Philiph abriu a porta e parou, sem transpor completamente. Meu corpo está
paralisado, resultado do medo repentino.
– O que aconteceu? Onde está o Philiph? – questionei quase se voz.
– Tem alguém aqui que quer muito te ver – disse com semblante feliz,
afastou-se da porta para dar passagem a alguém e senti uma forte emoção ao
ver a cena.
Philiph entrou pela porta com a filha nos braços e imediatamente me
recordei do dia em que buscou abrigo em minha casa, com a garotinha
adormecida em seu colo. Passei as mãos pelos cabelos para constatar que não
estou sonhando. Luanna fitou-me com um olhar de saudade e esticou
ansiosamente os bracinhos em minha direção. No esquerdo, ela traz o equipo
de soro e Philiph carrega o frasco porque ainda precisa ser hidratada.
– Lu! – chamei por ela e sorri extremamente feliz. Fiz gesto com as mãos
para chamá-la e Philiph se aproximou e com cuidado a colocou em meu colo.
A menina agarrou em meu pescoço e afundou o rosto nele, como se
buscasse proteção. Apertei-a contra mim, não me importo com quem está no
quarto, pois não consigo conter as lágrimas. Meus soluços incontroláveis
denunciam a emoção com o momento, a paz que sinto aqui dentro. Philiph e
a mãe observam tudo abraçados um ao outro.
– Estou tão feliz em te ver, meu amor! – deixei seu rosto entre minhas
mãos e a encarei, ela também está chorando, mas sorriu quando nossos olhos
se encontraram. Beijei seu rostinho alvo em todos os lugares e acariciei seus
fios loiros. Ela passou os dedinhos da mão esquerda em meu rosto e o
limpou.
– Eu tinha escolhido um presente para você, mas eu não pude dar. Era pra
colocar no pescoço – inclinei a cabeça lateralmente para sentir seus afagos.
Lembrei do cordão com o pingente de menininha.
– Mas o papai não esqueceu! Ele me entregou o seu presente – apontei
para o armário onde estão as minhas coisas e Philiph entendeu. Logo voltou
com a joia. Peguei o objeto e o pressionei contra o meu peito.
– Você gostou? – ela perguntou com voz tão doce que pressionei suas
bochechas. Sua inocência é evidente, tão pura.
– É o presente mais lindo que eu já ganhei – declarei.
– A menininha sou eu, é para não se esquecer de mim – disse embargando
as palavras.
– Não chora minha princesa! – ergui sei queixo e beijei a ponta de seu
nariz tão pequeno e perfeito. Luanna tem infinitas carências a serem supridas,
principalmente a do amor de mãe
– Como eu posso me esquecer se vamos ficar juntinhas para sempre? –
seus olhos se iluminaram. Coloquei o objeto em volta do pescoço e beijei o
pingente.
– Nunca mais vou tirar! – ela sorriu. Puxou meu rosto com as mãos e
sussurrou em meu ouvido.
– O papai disse que você vai morar com a gente. É verdade? – balancei a
cabeça em sinal positivo.
– Nós três vamos ficar juntos e eu vou cuidar de você – suas bochechas
ficaram vermelhinhas e mais uma vez sussurrou para mim.
– Obrigada por me salvar, mamãe. Eu te amo! – um sorriso imenso brotou
de meus lábios, eu não sei explicar as sensações que se apoderam de mim
agora. Limpei meus olhos, os mesmos estão molhados devido às palavras que
ouvi. Encostei minha testa na dela e nos olhamos.
– Eu também te amo filha! – a abracei fortemente e por um tempo mais
demorado. Eu nunca esperei que a felicidade nascesse de coisas tão simples
como um abraço de uma criança.
Olhei para Philiph, que está encantado com a cena e o chamei para juntar-
se a nós. Ele nos abraçou de lado e me senti em paz ao inspirar seu perfume.
Vendo nosso momento mais íntimo, a mãe dela saiu o quarto sem que eles
notassem, somente assentimos uma para a outra. Com a ajuda de Philiph,
deitei corretamente na cama e Luanna aconchegou-se ao meu lado,
abraçando-me pela cintura. Philiph pendurou o soro dela no mesmo suporte
que o meu e nos aquietamos.
– Obrigada, Philiph! – agradeci.
– Pelo que? – perguntou e em seguida selou nossos lábios.
– Por me dar uma família! – anunciei.
– Vocês duas são tudo o que eu mais amo na vida! – declarou e cada uma
de nós beijou um lado de sua bochecha, o fazendo sorrir.
Depois ficamos unidos num abraço a três. Eu, Luanna e Philiph. A porta
novamente foi aberta, a mãe de Philiph deve ter voltado, pensei. Mas ao
olhar, me deparei com uma figura enigmática.
– Eu preciso falar com minha filha! – Senhor S anunciou.
Capítulo 35

Observo atenta e receosa a figura complexa e inexorável de meu pai.


Ele adentra ao quarto de hospital, caminhando sorrateiro em minha direção,
seu olhar está perdido em mil pensamentos que jamais saberei decifrar. O
semblante austero dificilmente se abala, ainda que seja por morte.
Não me lembro de tê-lo visto esboçar face de dor ou angústia com a
morte da própria mãe, permaneceu três dias em completo silêncio após o
enterro, e quando finalmente voltou a se comunicar deu uma ordem seca a
uma das empregadas, “Se desfaça de tudo o que há naquele quarto!”, a
mulher o encarou atônita, depois desviou o olhar para mim em busca de
refúgio ou explicação.
Eram os pertences pessoais da falecida patroa, coisas muito íntimas
para serem tratadas assim. “Mas senhor, são as coisas de sua mãe! O que faço
com elas?”, indagou tremendo—se de medo pelo filho. “Queime!”, decretou
efusivamente.
Após a ordem deu com os ombros, e ajeitando o nó da gravata, saiu
em direção ao Club da cidade para fumar charutos blend. Sempre tão
enigmático, o maior opressor de seus próprios sentimentos. É o velho Senhor
S que eu conheço muito bem.
Meu tão apático e incompreensível pai, a quem estranhamente amo e
venero, como um antigo culto de adoração. Amo apesar de seu relapso como
figura paterna e, acima de tudo, da falta de proximidade e de afeto que eu
julgava necessários.
Em raros momentos experimentei alguns lampejos de sua humanidade
patriarcal, mas eram tão escassos que logo se dissipavam, dando lugar à
realidade nua e crua. De certo, não posso negar que nunca tive provas do seu
amor, tive muitas. Mas todas convinham a ele e da maneira como achava
correto educar a própria filha.
O amor para Senhor S traduz-se em manipular as situações,
solucionar casos e me ver cada dia no mais alto pódio. Ele me ama a seu
modo, mas esse modo é cruel, bem diferente do amor genuíno que vejo
Philiph nutrir pela filha.
Senhor S distorceu a imagem e ideia que faço deste sentimento, por
isso guardo na memória lembranças tristes, e se há possibilidade de instantes
felizes terem acontecido, estes se perderam ou foram sufocados pela repulsa
que meu pai tinha de grandes aproximações.
Ainda latejam em meus ouvidos as palavras duras que proferiu em
nossa última conversa e os insultos à minha conduta de vida, pois meu
relacionamento com Philiph é visto por ele como um ato falho, uma fraqueza
colossal. Ele não criou uma filha para que ela se tornasse simplesmente um
ser humano comum, queria uma sucessora sem resquícios de sentimentos
maculados como paixão ou amor.
Senhor S nunca se dedicou ao oficio de zelar por mim, ainda que,
materialmente, tenha me ofertado os maiores requintes de que uma herdeira
pode dispor. E o fato mais incomum é que a raiva que me consumia, a
rebeldia interna manifestada ainda em minha adolescência, eram frutos da
mais angustiante tentativa de fazer com que ao menos uma vez na vida ele
olhasse para mim como sua filha e não como uma de suas serviçais. Jamais se
aproximou para perguntar como havia sido o meu dia, mas sabia exatamente
de minhas notas no internato.
À sombra de um único “B” em meu boletim eu era chamada às
responsabilidades estudantis nos poucos Dias em que voltava para casa.
Nunca tivemos a mínima intimidade familiar, mas ele me conhece como
ninguém, sabe facilmente descrever a filha como um perito descreve a cena
de um crime.

Até o início de minha vida adulta, antes de enfrentar a primeira


graduação, não me lembro de nenhuma única vez em que estivemos juntos à
mesa para um mísero café da manhã. Na infância, ao mínimo sinal de contato
entre nós, ele repelia-me e clamava de forma ávida pela babá, “Anelise! Leve
já a menina para a sala de estudos! Fique com ela até o tutor francês chegar”.
E esse distanciamento prolongou-se até os meus vinte e dois anos,
quando comecei a ser preparada a ingressar no submundo dos negócios de
meu pai. Esta iniciação, de fato, se deu na infância ao aprender a lidar com
minhas emoções e temperamento de maneira torpe. Ensinada a ser fria e
calculista, a nunca abaixar cabeça, a não chorar e, principalmente, a ser
implacável com quem quer que fosse.
Tudo isso culminou para que eu apreciasse o suspense, a adrenalina
do desconhecido, e Senhor S tinha tanto poder sobre mim que optar pela
faculdade de direito foi decisão minha, mas trabalhada em meu subconsciente
por ele através das artimanhas de persuasão mais mórbidas.
Quando dei por mim, ele já havia escolhido minha profissão, minhas
futuras moradias e até mesmo meus pensamentos. Ah! Meus vinte e dois
anos, foi quando recebi o primeiro abraço, rápido e isento de calor humano.
Passei horas tentando acreditar se tinha sido real, neste dia eu me
formava com honras no curso de direito como a primeira da turma, a mais
jovem. Eu tinha acabado de completar dezessete anos quando recebi a carta
de admissão da universidade.
Sempre fui precoce entre o seleto grupo de pessoas a conviver
comigo. Homenageada por todos os professores como a advogada
promissora, cuja carreira brilhante era evidentemente óbvia, eu desejava
ardentemente ouvir algo bonito de meu pai, mas o máximo que consegui foi
“Não há muito tempo para responder suas perguntas! Este é o negócio da
família, não me decepcione”.
Toda perspicácia e sutileza foram aptidões herdadas dos Moreau, isso
fez de mim uma audaciosa perita criminal, quando também passei em
primeiro lugar nas provas de especialização. Um jantar foi oferecido a um
pequeno grupo da alta cúpula da sociedade a fim de brindar a conquista para
a família.
Foi a primeira vez que me sentei à mesa junto de meu pai e pensei que
nossa relação fosse melhorar. Sempre estive à frente de todos os meus
colegas de cursos e trabalhos, sempre dei motivos para que se orgulhasse de
mim, mas para Senhor S nada disso é digno de elogio, é senão apenas uma
obrigação para com o nome da família.
“Nossa obrigação, antes de qualquer coisa, é honrar quem somos e
honrar os nossos antepassados”, ele dizia ao vislumbrar orgulhosamente a
árvore genealógica na parede de seu escritório. A estirpe de sangue puro, da
qual a única bastarda era eu. Nascida de um relacionamento com uma
dançarina e prostituta. Concebida fora do casamento.
Aos poucos, passei a imergir demais neste mundo misterioso, mantive
meu orgulho e ego em níveis tão elevados que por diversas vezes pensei ser a
cópia fiel de meu velho pai. De certa forma, tudo o que recebi durante a
minha criação impregnou-se inconscientemente em meu comportamento e
externei tudo em cada ação praticada.
Para ser sincera, até o exato momento em que meu coração foi
“tocado” por Philiph, fazendo-me sair da zona de conforto, eu estava
predestinada a ser a substituta perfeita a assumir os negócios de Senhor S.
Porém, depois dos acontecimentos recentes posso afirmar sem resquícios de
dúvidas que os rumos desta história mudaram.
Ao vislumbrar a garotinha, percebo que nossas vidas se assemelham,
principalmente pela carência de amor. Ela recebe meus afagos repletos de
afeição, ainda que eu não tenha experimentado na infância e não saiba
exatamente me expressar. É tão intenso o meu desejo de protegê-la, de amá-
la, que algo dentro de mim pulsa apenas em tê-la por perto.
Luanna está frágil, sua saúde física requer atenção redobrada e a
mental inspirará cuidados por um longo tempo.
Philiph está em pé ao lado da cama como uma muralha, nos protegendo.
Sinto sua apreensão pela presença do investigador, as veias de sua têmpora
esquerda pulsam inúmeras vezes por segundo
– Posso falar a sós com minha filha? – indagou num tom mais baixo
que o normal, olhando para a menina deitada ao meu lado e para o pai dela,
pois o doutor deu dois passos em sua direção a fim de me defender de uma
possível represália, como sempre espero de meu pai. Senhor S Indagou!
Estou perplexa! Ele jamais fez isso! Em outra ocasião daria ordens curtas e
grossas, somente.
– Não é hora, Senhor S! Ela precisa descansar – o clima entre eles não
é amistoso. A voz de Philiph ecoa mais firme e grave que o normal.
– Não vou abalar a recuperação de minha filha, doutor Philiph! E
como pai tenho esse direito – os dois que encaram—se com seriedade. A
respiração de Philiph descompassa.
– Como eu já disse, ela está exausta e... – não permiti que Philiph
terminasse a frase, toquei seu braço esquerdo e chamei sua atenção para mim.
– Está tudo bem, Philiph, não se preocupe – sussurrei, ele me fitou
apreensivo e acariciou meus cabelos.
– Tem certeza disso? – perguntou baixinho com sua voz
deliciosamente rouca. O único timbre que me acalma.
– Tenho – de tanto afagar os cabelos da menina ela adormeceu
abraçada ao meu corpo.
– Ela acabou dormindo – falei após beijar—lhe a fronte.
– Vou levá-la de volta à pediatria – afirmou dando a volta na cama e
preparando—se para pegar a filha no colo. Retirou o soro do suporte e com
cuidado, tomou—a nos braços.
A criança está tão exausta desta tragédia que permanece em sono
profundo. O doutor me olhou uma última vez antes de sair e assenti
demonstrando segurança. A mãe dele estava do lado de fora, quando o filho
deixou o quarto com a neta, ela fechou a porta, deixando-me sozinha com
Senhor S.
Meus olhos se encontram com os de meu pai e o vejo aproximar-se da
cama com certo receio. Para o meu espanto, o velho homem sentou-se na
beirada e segurou minha mão. Travei meu corpo de imediato, não sei o que
dizer ou o que pensar, mas desde o último abraço, também inesperado, que
recebi em seu apartamento ao descobrir meu envolvimento com Philiph, é a
primeira vez que me revela ternura em um gesto. Seu polegar acaricia o dorso
de minha mão e um silêncio instaura—se entre nós, estou muito apreensiva.
Depois de um tempo ele tomou fôlego.
– Eu não queria que isso tivesse acontecido, pedi tanto para que você
fosse embora, que não se envolvesse mais – suspirei com as palavras.
– Senhor S eu... – tento argumentar.
– Não estou lhe julgando, apenas mostrando os fatos. Acredite ou não,
estou triste... – silenciei-me para ouvi-lo, jamais me confidenciara qualquer
sentimento.
– Não sou um bloco de gelo como você pensa, o seu filho ou filha
também seria um Moreau! Nossa posteridade, Mary, e já não somos muitos –
ergueu a cabeça ao mencionar o sobrenome de poder, e em seguida, voltou-se
para mim com um olhar indecifrável.
– Encontrá-la naquela situação foi a pior coisa que já me aconteceu,
você é tudo o que eu tenho. É a única coisa boa que um dia fui capaz de fazer
– disse convicto. O investigador desfez a fisionomia séria, inclinou a cabeça e
ficou em silêncio.
Durante este pequeno espaço de tempo, reparo em seus cabelos
platinados, nas infinitas marcas de expressões em seu rosto, na mão enrugada
que segura a minha e em seu porte de lorde inglês à minha frente. “Por que
nunca conseguiu ser o que pai que eu precisava?”, é a única coisa que
consigo pensar. Meus olhos fixos nele o visualizam erguer o pescoço e
pousar sobre mim uma enorme incógnita.
– Eu nunca fui o pai que você desejou, não é? – sua pergunta me
atinge como navalha afiada, invadindo os recantos mais profundos do meu
coração. Pendi lateralmente a cabeça e engoli a vontade de chorar.
– Eu sempre quis tê-lo como um pai de verdade. Sonhei muito com
isto! – seguro firme para não desabar.
– Mas acho que nenhum de nós soube desempenhar o papel que nos
coube. Na verdade, que ainda nos cabe, Senhor S. Durante toda a minha vida
tantas coisas ficaram sem respostas e eu senti falta de um pai que me amasse
porque eu vivia a mais completa solidão até o dia em que eu vim para Seattle!
– suas expressões faciais são inertes, não sei analisar o que está sentindo.
– Há erros irreparáveis, filha! Coisas que jamais vou saber explicar a
você, e também existem as palavras, com estas eu já te machuquei demais –
sua mão aperta a minha como se fosse um esforço gigantesco afirmar isto.
– Mary, eu só soube o que é o amor duas vezes na vida – engoli a
seco ao ouvir a confissão.
– Eu senti primeiro quando conheci a sua mãe – pressiono os lábios
na tentativa de não escapar nenhuma palavra de assombro.
Ele fechou os olhos e inspirou com sofreguidão, como se estivesse
sendo transportado àquela época para sentir um perfume familiar. O perfume
de Mary. Então percebo que transpus uma barreira que julguei intransponível.
Ele jamais se referiu a ela deste jeito. Ele jamais se referiu a ela em tom de
saudades.
– Eu estava encantado pela liberdade que ela exalava, pela leveza ao
dançar e por não estar presa a nenhuma convenção social. Não havia moça
mais bonita na cidade e a mais livre também! – observou. Os vocábulos saem
de sua boca como uma espécie de exaltação.
– Ela era só uma garota, e eu era muito mais velho. Mas tudo se
estreitou, eu quis tirá-la daquela vida – ajeito cuidadosamente minha posição
na cama. Neste instante, adentro milimetricamente ao submundo de meu pai.
Para ser sincera, não sei se estou preparada.
– Sua mãe é a maior dívida que tenho, ainda hei de pagar muito caro
pelo que a fiz passar – meu corpo está travado, vejo-me boquiaberta diante da
confissão.
– Mas sua avó jamais permitiria aquilo, como poderia seu filho casar-
se com uma prostituta? Mary era o que minha mãe chamava de escória –
balancei a cabeça em sinal negativo, reprovando tal pensamento.
– Acredita mesmo que ela era livre tendo que vender o corpo para
sobreviver? – questionei entristecida.

– Você deu esperanças à minha mãe, ela deve ter sofrido tanto! –
exalo um grande rancor de Senhor S, rancor entranhado há anos.
– Minha mãe a tiraria do caminho, seria capaz de tudo e eu tive medo
pela vida dela – soltei nossas mãos, penteio os cabelos para trás com os
dedos, a fim de digerir tudo o que ele está dizendo.
– Não, você não teve medo pela vida dela! Teve medo pela sua. Você
foi tão covarde, pai! – anuncio com pesar imenso, entrecortando as palavras.
– Deveria ter protegido a minha mãe, ter lutado por ela e ser um
homem digno de honra – as últimas palavras saíram num tom mais grave, ele
assentiu duas vezes positivamente. – Eu não merecia a sua mãe, me deixei
levar por influências e pela minha enorme arrogância, também porque tive
vergonha de manchar o nome da família mais importante da região. Sempre
me escondi atrás de sua avó e me tornei um homem tão desprezível quanto
ela como mãe – neguei veementemente a autocensura.
– Por que não se redimiu? Por que não a procurou depois que a vovó
morreu? Por que nunca me deu nenhuma informação a respeito dela? Que
droga, Senhor S! Eu tinha esse direito. A única coisa que me restou foi uma
foto envelhecida que achei em suas coisas – esbravejo mesmo estando fraca e
proibida de me exaltar. Ele se espantou com a informação, no mínimo pensou
que havia perdido o retrato.
– Eu já tinha destruído a vida dela e depois de nos deixar você ela
sumiu... Por favor, eu não quero mais falar sobre isso! Não aqui, me dê um
tempo – nos olhamos por longos segundos em silêncio.
– Mais um tempo... – ri baixinho, ironicamente. – Eu já esperei
demais – desviei meu olhar e senti seus dedos tocarem meu queixo, fazendo-
me olhar para ele.
– Preciso terminar de dizer o que inicialmente havia começado –
relutei um pouco, mas acenei com a cabeça dando a ele a chance, está
inquieto desde que mencionou minha mãe. Ele puxa o ar para dentro dos
pulmões e se concentra para me revelar mais alguma coisa.
– A segunda vez em que senti amor na vida, foi quando te segurei
pela primeira vez nos braços – de repente, desconheço o pai que sempre
julguei impiedoso.
Sinto meu corpo paralisar aos poucos, esbocei um riso emocionado,
mas logo recolhi por que talvez ainda me custe acreditar que seja verdade.
Meus olhos marejados anunciam que a sensibilidade que Philiph aflorou em
mim está mais viva do que nunca.
– Você era linda! E fica mais a cada dia – salientou com um sorriso
no rosto, talvez o primeiro de que eu me lembre.
– E me olhava com estes olhos verdes. Eu não tinha a menor ideia do
que fazer – voltei a segurar suas mãos com firmeza. – Dentro de mim não
havia vocação, porém era meu dever, e também a única chance de me redimir
com sua mãe – observo o homem engolir secamente as palavras que saem de
sua boca, pressinto que se esforça para não demonstrar fraqueza.
– Eu quis te dar absolutamente tudo, mas falhei demais. Achei que
podia compensar a minha ausência com os colégios caros, dinheiro... –
balanço a cabeça negativamente afirmando que nada disso faz diferença para
mim.
– Mas no fundo, eu morria todas as vezes que você se aproximava e
eu não conseguia te abraçar, porque eu te amo muito filha, mas você sempre
me lembrou muito a sua mãe, de todas as formas – a essa altura meu orgulho
está desfeito, choro diante de meu pai. Perante o homem que me ensinou a
domar os sentimentos como se imobiliza um animal feroz.
– Mary estava perdida no mundo por minha causa, sem amparo. Você
me odiaria quando soubesse a verdade, porque toda filha necessita de uma
mãe e eu lhe privei disso! – respiro pesadamente. É a primeira vez que o ouço
pronunciar o nome de minha mãe.
– Eu tinha uma urgência doentia em me aproximar de você, de lutar
contra mim mesmo e dizer que eu te amava, que a levaria para passear ou que
iria às suas apresentações da escola – ele pausou a frase e prendeu as
palavras, vejo um nó subir e descer por sua garganta.
– Mas você perguntava sempre por sua mãe e me fazia lembrar o quão
canalha eu era – apertou demasiadamente as mãos. – E ainda sou! –
reconheceu suas misérias humanas. – Uma noite, quando você tinha uns seis
anos, teve uma crise fortíssima de convulsão – o olhei fixamente, curiosa
pelo relato. Não me recordo de nada.
– Passamos praticamente dois dias no hospital, sua febre não cedia e
eu não saí um minuto sequer do leu lado! Mas você estava amedrontada,
chamava pela babá, parecia estar com medo de mim – o fitei com compaixão.
Sentimento este que ele me ensinou a desprezar. – Foi ali que senti o quanto
eu era péssimo, que era mais um estranho do que seu próprio pai! – limpo
meu rosto com as pontas dos dedos e busco força interior para lidar com o
vazio que ainda dói em mim.

– Eu não sou um bom pai, nunca fui! Tens toda a razão em nutrir
raiva e mágoas – neguei a afirmação. – Mas jamais deve se esquecer de que
apesar de meus piores defeitos, você é a pessoa que mais amo! Mato e morro
pra salvar a sua vida. A única coisa neste mundo que importa para mim é a
sua integridade – assustei—me, quando de sobressalto, ele ergueu-se da cama
e caminhou até a janela do quarto, ficando de costas. Vejo que respira
rapidamente como se necessitasse de ajuda.
– Senhor S – chamo seu nome, porém sem respostas. Ele pressiona as
mãos contra o rosto na tentativa de frear seu lado mais humano. – Pai! –
insisto intensamente.
– Olha pra mim! – ele se recusa, então decidi ir mais além. – Hoje, eu
não me importo com os teus erros, ainda que seja duro relembrar o que vivi.
Se durante todos esses anos eu trabalhei ao seu lado e se agora eu choro
diante de você, é por amor. Eu te amo, pai, apesar de tudo, e hoje, eu só
preciso de um abraço seu – minhas palavras, carregadas de angustia, rancor e
carência, saem difíceis, pesadas demais para serem ditas.
Capítulo 36

O homem está imóvel, e agora estamos os dois em silêncio. Meus


sentimentos em relação a ele sempre foram conturbados. Amor, ódio,
admiração e medo. Entretanto, todos subjugados pelo primeiro deles. Sinto
como se estivéssemos zerando uma partida de xadrez no qual as peças se
perderam pelo caminho, sinto que estamos tentando uma segunda chance.
Estremeci quando o homem de cabelos grisalhos volveu o corpo e me
encarou com os olhos vermelhos, ele começa a andar em minha direção e o
sangue fervilha em minhas veias com a primeira aproximação
verdadeiramente afetiva. Prendi a respiração por poucos segundos assim que
sentou perto de mim e deixou meu rosto entre suas mãos.

Meu pai me olha aflito e ofegante, imagino que as palavras lhe


querem explodir pela boca. “Quebre este maldito orgulho!”, grito sem ao
menos dizer uma palavra. De repente, o homem mais indecifrável que eu
conheço, puxou-me para junto de si e me acolheu num abraço desesperado.

Enquanto desabo todos os anos de solidão paterna sem medo de ser


condenada, meu pai, educado para não se deixar envolver por
sentimentalismo, soluça o mínimo possível. Porém, ao erguer os meus olhos,
vi os dele completamente marejados.
– Por que não se permite chorar, pai? – indaguei chacoalhando-o com
tom de revolta.

– Você é humano! Pelo menos uma vez me deixa sentir isso – ele
engoliu as palavras que ia dizer e suspirou. Olhou-me por longos segundos e
franziu o cenho, como se fosse dizer algo dilacerante.
– Eu nunca disse a ninguém o que vou dizer a você agora – pausou a
frase e respirou fundo. – Eu quero que... – mais uma vez não terminou. – Eu
preciso que você me perdoe não pelo que sou porque não posso mudar isto,
mas pelo que neguei a você durante toda a sua vida. Afeto! Amor como
verdadeiramente uma filha merece – segurei as mãos dele próximas a mim.
– Não que eu não amasse você, amo mais do que tudo desde que
apareceu trazida por sua mãe. Mas me perdoe por que fui covarde, não
conseguir superar tudo o que fiz a ela e acabei projetando em você todas as
frustrações, medos e acima de tudo, as minhas expectativas. Te impus todas
as minhas regras de maneira cruel e acabei cerceando sua liberdade. Só te fiz
sofrer – cortou as palavras ao soluçar. Estou atônita. De todas as coisas que
eu podia esperar dele, a última seria um pedido de perdão.
– Eu quis te mandar embora para que se afastasse do doutor Philiph,
eu tive medo dele ser como eu e fazer mal a você como fiz com sua mãe. –
balancei a cabeça em sinal negativo.
– Ele não é pai – fez gesto para que eu não continuasse.

– Admito que eu estava errado! O julguei inferior a você quando na


verdade me vi diante de um bom homem. E apesar de ainda achar que a
minha única filha merece o mundo e principalmente uma pessoa com menos
problemas, acredito no amor que ele diz ter por você. Vi o modo como o
Philiph te defendeu de minhas palavras e o modo como ficou com você
internada neste hospital. O vi chorar, se desesperar e dar mil e uma voltas,
revezando entre você a filha. – não sei se prendo as lagrimas para dar lugar a
um sorriso consolador ou faço os dois de uma vez.
– Você me perdoa filha? – não há mais como segurar este turbilhão de
emoções dentro de mim e o abracei repetindo a palavra e sua libertação.
– Eu perdoo pai, eu perdoo você – as lágrimas saem entre risos e uma
paz inquietante paira no ar. E permanecemos neste abraço por um longo
tempo. Tempo este que arrancou de mim as raivas, as mágoas e outros
sentimentos que não sei nomear. Ele me acalentou como um pai que segura
seu filho pequeno nos braços e o livra dos assombros da noite. Hoje eu
finalmente tive um pai!
Quando nos acalmamos melhor, ele limpou meu rosto e me beijou a
fronte como nunca antes. Nem mesmo sua fortaleza o impediu de derramar
suas dores e fiz o mesmo com ele. Acariciei seu rosto com meus polegares
para secar o choro que derramou.
– Eu sempre achei o choro uma grande fraqueza... Eu fui ensinado a
pensar assim – falou mais baixo. – Minha mãe me esbofeteou quando eu
tinha dez anos. Nós tínhamos um cachorro no qual eu não podia fazer carinho
algum, ela dizia que era um cão de guarda e não um animal de estimação – a
infância de meu pai sempre foi um mistério para mim, estou surpresa ao ver
que ele me confidencia algo tão íntimo. O homem está com a cabeça baixa e
parece trazer à tona suas dores mais secretas. – Todos os dias eu brincava
com esse cachorro escondido da sua avó, no dia que ele morreu eu chorei
muito. Chorei incontrolavelmente e quando eu disse o porquê, ela me bateu
no rosto. Não uma vez, mas muitas até eu cair no chão. A minha blusa ficou
com marcas de sangue por que ela feriu a minha boca com as pancadas. E
desse dia em diante eu só chorei quando perdi a sua mãe e quando te vi caída
naquela rua. Pensei que tinha morrido – olho para o meu pai e junto pequenos
fragmentos de sua personalidade com as coisas que me revelou até agora.
Não encontro muito que dizer, apenas sinto cada músculo do meu corpo
anestesiado.
– Por muitos anos eu também achei que chorar ou demonstrar amor
eram coisas de gente fraca, mas nenhum de nós nasceu para ser frio, pai.
Estou dizendo isso por experiência própria – ele analisa minha colocação.
– Você se tornou uma grande mulher, filha! Corajosa, sábia e muito
leal. Sei que eu lhe disse muitas coisas terríveis, mas tive receio de suas
decisões te levaram à ruína, quando na verdade você lutou até o fim para
cumprir seus juramentos. Estou muito orgulhoso de ver que você é muito
diferente de mim – neguei com a cabeça ao ouvi-lo dizer.
– Somos muito parecidos, pai... Eu apenas fiz o que achei certo e
tomei as minhas próprias decisões. E também decidi ser feliz! – ele assentiu
positivo.
– E eu quero que seja muito feliz, que tenha as melhores coisas na
vida. Você não é qualquer uma, não pode querer menos do que isso – disse
com tom de voz mais sério, segurando meus ombros.
– Seja quem você é, não se diminua por ninguém – ordenou com
clareza e entendi o recado.
– Isso não vai acontecer – declarei com serenidade.
– Mary eu já cumpri a minha missão aqui, e você está sã e salva! –
não entendo o que ele quer me dizer.
– Como assim? – questionei.
– Os últimos detalhes do caso Doutor Philiph Dias Williams estão
sendo finalizados no Seattle. No máximo até amanhã à noite tudo estará
encerrado – suspirei aliviada. Todo o terror está finalmente acabado.
– Que notícia boa! – anunciei com paz de espírito. – Estou voltando
para o Londres daqui uma hora e depois de resolver algumas coisas por lá eu
viajo para Madri. Vou voltar para nossa antiga casa – estranhei essa mudança
repentina de meu pai.
– Madri? Logo agora que estamos bem, que todo esse pesadelo
acabou – confessei um pouco abalada.

– Preciso avaliar alguns negócios e você precisa de um tempo sem


mim – esta decisão, sem sombra de dúvidas, é inesperada se tratando de meu
pai. Estou incrédula e também sem ação. – Aproveite o seu momento, minha
filha! Só não se esqueça de que eu te amo e venho correndo se precisar –
engoli a seco suas palavras, mas sei que é o melhor para nós, um tempo para
cada um rever aquilo que fez de sua vida.

– Você está em boas mãos, e eu vou em paz – sem dizer mais nada, o
puxei pelos ombros e o abracei como se fosse a última vez. O gosto da real
liberdade está em minha boca, é um misto de euforia e dor, mas ainda assim,
necessário.
Meu pai e eu ficamos juntos por mais um tempo, falamos sobre a
investigação e da forma como tudo acabou. E depois ele resolveu partir, mas
antes de alcançar a porta, olhou-me uma última vez e fez menção em dizer
alguma coisa. Hesitou, mas depois encorajou—se.
– Eu sei que durante toda a sua vida muitas coisas ficaram sem
respostas, mas não será mais assim. Espero que um dia você me entenda e
que me perdoe também por isso – estou confusa.
– Do que você está falando? Eu já te perdoei – indaguei desentendida
da situação.
– Fique bem, minha filha – despediu—se.
– Pai! – o chamei, mas em vão. Ele simplesmente deixou o quarto de
hospital, como se estivesse destelhando a casa sólida que acabara de
construir. Não sei ao certo quando nos veremos de novo. Talvez em breve,
talvez não. O tempo dirá.
Ele plantou inúmeras dúvidas em minha cabeça ao dizer estas
palavras, paralisei minhas ações e pensamentos até Philiph voltar para o
quarto, o que de forma inusitada ocorreu quase uma hora depois.
Luanna estava na ala pediátrica e dormia desde que saiu daqui,
Rowena não se afasta da neta e me parece ser uma pessoa amável.
Ao retornar, Philiph disse que Senhor S o chamou para conversar
antes de ir embora e que era para eu não pensar nisso, pois ele me contaria
tudo em outro momento. Apesar de minha curiosidade, da aflição pelas
últimas palavras de meu pai e esse suspense de Philiph, optei por não fazer
tantas perguntas.
Reservei-me ao direito de esperar sem precisar sofrer os temores da
ansiedade. Então, contei a ele sobre o ocorrido e de como meu pai me tratou
pela primeira vez como filha, me emocionei outra vez e senti o quanto eu
estava no caminho certo. Philiph é a minha pessoa, o homem mais incrível
que já conheci.
Além de me ouvir atentamente, seus cuidados comigo tiram todo o
peso dos meus ombros. Toda angústia desaparece quando estamos dentro do
abraço um do outro. E assim permanecemos até eu dormir pelo efeito dos
remédios.
Capítulo 37

Após três Dias no hospital, Mary e Luanna receberam alta médica.


Estou prestes a levá-la s embora e, confesso estar exausto, pois durante estas
setenta e duas horas não dormi direito, estou à base de cafeína. Não fosse a
ajuda de minha mãe, tão sensível a cada gesto meu, eu já teria desmoronado.
Neste momento, aproximo-me do quarto de número seis da ala
pediátrica, mais precisamente onde se encontra a minha filha. Ela está mais
calma, porém, abateu-se sobre ela um silêncio inquietante, suas poucas
palavras resumem—se em pedir para que eu não me ausente. “Fique aqui,
papai”, ela diz agarrando—se à minha mão, e a sua, pequenina, se perde na
minha.
A avó tem reconfortado a neta tão fragilizada. Rowena é peça
fundamental neste início de recuperação. Frequentou minha casa menos do
que gostaria durante os anos em que estive casado, nunca escondeu de mim o
quanto achou precipitada minha união com Kate, a quem ela nunca procurou
sequer dar um sorriso forçado. Eram extremamente formais ao se
encontrarem, e por causa disso, renunciei muitos natais e ano novo em
família.
Eu estava cego e sendo constantemente manipulado para acreditar que
minha própria mãe não queria minha felicidade. Mas Rowena sempre soube
contornar tudo, mostrando-me que as coisas não eram bem assim. Por ironia
do destino, descobri da forma mais cruel que fui enganado através de uma
trama maléfica para acabar com a minha vida e com a vida de minha filha.
Tudo isso me envolve num emaranhado de arrependimentos e
sensações mortais de vingança e dor. Entretanto, os meus alvos já pagaram,
estão mortos e só me resta seguir em frente, eu não posso e nem quero
recordar esta tragédia, este passado tão latente dentro de mim.
Desde que abracei as duas no quarto onde Mary estava hospitalizada,
até uma hora atrás, decidi me concentrar apenas no futuro e nas pessoas mais
importantes da minha vida.
Caminho mais alguns passos de forma sutil e abro a porta do quarto, é
inevitável não sorrir ao ver minha menina viva.
É surreal. Elas ainda não perceberam a minha presença. As marcas do
terror ainda estão em seu corpo tão pequeno, o tornozelo ainda está enfaixado
por conta das contusões e há algumas falhas em seu cabelo que o tempo
corrigirá.
Com agressividade algumas mechas foram arrancadas a sangue frio e
a dor maior em meu peito é saber que quem fez isso devia protegê-la de todo
o mau. Quantas Kates existem por aí maltratando suas crianças?
O mau estava em minha casa, tão perto de mim que eu podia tocá-lo.
Tão carrasco tão fatal. Pergunto-me a todo o momento quando o fantasma
dela deixará de rondar meus pensamentos e os pesadelos de minha filha. Kate
morreu pelas mãos de Mary e até mesmo ela carregará consigo as lembranças
desse tormento.
As duas, enfim, visualizam—me neste quarto, mas continuo a
observar o trabalho de minha mãe em ajeitar cuidadosamente o casaco em
volta de minha garotinha. O tempo lá fora mudou rápido, de repente tudo
ficou cinza e a temperatura caiu bastante por aqui, encobrindo o sol morno e
pálido que fazia esta manhã.
Graças à minha mãe temos roupas, ela organizou tudo como pedi,
trazendo uma bolsa com nossos pertences quando veio ao saber do ocorrido.
A pedido de Senhor S, Leticia retornou para junto de nós no dia seguinte, e
também a meu pedido, trouxe roupas para Mary e algumas coisas para a
Luanna da antiga casa onde só restam apenas roupas e mobília, pois tudo de
que preciso se encontra na casa de praia. Leticia ficou conosco até esta
manhã, quando se despediu para voltar ao trabalho.
– Pronto, meu filho, está tudo certo por aqui! – disse ao fechar o zíper
da bolsa e me mostrar que não faltava mais nada.
– Finalmente vamos embora – falei ao suspirar aliviado. Cheguei
perto e primeiro abracei minha mãe, logo em seguida voltei minha atenção à
Lu.
– Vamos sair deste lugar, filha. Vamos para casa! – sentei-me ao lado
dela na cama.
– Ela também vai com a gente? – sorri da forma como falou, pois por
um momento ficou mais animada.
– Vai! – afirmei convicto, apertando sua bochecha com suavidade.
– Pensou na proposta que te fiz Philiph? – olhei para a minha mãe e
assenti.
– Eu vou conversar com ela, talvez seja o melhor a se fazer agora –
ela me abraçou de lado e ajeitou meus cabelos.
– Você tem tudo para ser feliz com ela – puxei Luanna para o meu
colo e a aconcheguei comigo.
– Não só eu, mamãe... Não só eu – ela encarou a neta, que nos olha
atentamente.
– Eu sei – disse ao confirmar o brilho nos olhos de minha filha, apesar
das poucas palavras que proferiu.
Deixei Mary por alguns minutos a fim de buscar as duas, e repleto de
esperanças, dirijo-me acompanhado de Luanna e minha mãe até o quarto
onde ela está. Carrego minha filha nos braços, além de algumas bolsas, ela se
prende ao meu pescoço como se estivesse com medo constante.
Mary já estava pronta quando saí do quarto em direção à ala
pediátrica e, certamente, apenas espera por mim. Do lado de fora do aposento
há algumas poltronas confortáveis, então cessei os passos ao passar por elas.
– Esperem aqui, só alguns minutos, por favor – elas se acomodaram e
acenei com a cabeça, o que foi rapidamente retribuído por Rowena. Preparei-
me para entrar, respirei fundo e assim o fiz.
Ao adentrar o recinto a vi parada perto da janela, imersa em seus
pensamentos, ela abraça seu próprio corpo e respira como se soluçasse.
Fechei a porta por trás de mim com cuidado e fui até ela. Para não assustá-la,
toquei seu ombro por trás e o senti enrijecido.
– Elas estão lá fora, vamos? – falei calmo. Ao voltar-se para mim
reparei em seus olhos, marejados, de um verde tão intenso capaz de me tirar
desta dimensão.
– O que houve? – indaguei ao tocar seu rosto e para sentir melhor
meus afagos, inclinou a cabeça. Um sorriso breve surgiu em seus lábios, e
sem nada dizer, a puxei para junto de mim, abraçando—a.
– Vai ficar tudo bem, eu vou cuidar de você! – ela se aconchegou
ainda mais ao meu corpo.
– Você está trêmula! – afirmei ao senti-la trepidar. – Mary? – chamei
por ela, sensação esquisita me invade agora.
– Pela primeira vez na vida estou com medo do mundo real – disse ao
erguer a cabeça.
– Eu não sou assim, você me conhece – prosseguiu aflita e talvez até
envergonhada de sua reação.
– Ei... – fixei nossos olhares.
– Escute com atenção! – segurei seu rosto.
– Nós acabamos de sair de um pesadelo, você e a Lu, principalmente.
Então não precisa mostrar que está bem o tempo inteiro, você é de carne e
osso – ela me ouve em silêncio.
– Só tenha paciência consigo mesma e com o momento que está
vivendo. Esta também é você e vou estar aqui, ao seu lado, para superarmos
juntos – minhas palavras a confortam, mas sei que Madame Mary é autentica
o suficiente para não se contentar com meras palavras. É mulher que exige
respostas rápidas, concretas. Soluções palpáveis e não abstratas. E talvez a
vida a ensine a esperar, a perceber que somente as horas incontáveis do
relógio curam as feridas.
– Parece que estou me desconstruindo, como se esta não fosse a
minha vida – por um instante a insegurança também pairou sobre mim.
– E de repente, estou saindo daqui com você e a Lu... Parte de mim
vai ficar neste quarto para sempre – respirou fundo. Sua voz se torna grave à
medida que ela fala.
– Quem eu sou ou quem eu era, entende? – abaixei a cabeça em sinal
de rendição, ela pode ter se arrependido.
– Você tem dúvidas, não é? – questionei-a e me afastei. – Por favor,
seja franca comigo. Tem uma menina lá fora que está impaciente para te ver,
não quero criar expectativas nela. Luanna já sofreu demais! E eu também – a
doutora se surpreendeu com minha fala.
– Não... Não é nada disso! – andou rápido em minha direção e firmou
meu rosto entre a maciez de suas mãos.
– Eu não tenho dúvida alguma, Philiph! – disse resoluta e senti seu
hálito fresco em meu rosto.
– Conhecer você foi a melhor coisa que já me aconteceu na vida –
beijou meus lábios com pressa e em seguida desfez o contato.
– Naquele dia em que combinamos de passar no meu apartamento
para pegar minhas coisas eu não estava brincando, mas aí tudo aconteceu –
pausou a frase.
– Eu nunca tinha presenciado o mal tão de perto, já tinha visto coisas
ruins, macabras. Mas o seu caso foi o mais perverso e difícil de todos, eu
falhei muito como investigadora... Mas por outro lado, me encontrei como
mulher
– Mary segurou minha mão direita e a repousou sobre o lado esquerdo
de seu peito.
– E eu senti isso – seu músculo cardíaco está acelerado e a olhei de
maneira carinhosa.
–Além de ter tido coragem de enfrentar o meu pai! – ela se expressa
corajosamente, mas algo dentro dela quer dizer mais alguma coisa. Algo que
sufoca a garganta.
– Mas nem tudo está sendo fácil para mim! – a aflição de minutos
atrás voltou com intensidade e ela se esquivou dos meus braços.
– Philiph, eu matei sua ex—mulher! – pressionou as têmporas no
intuito de fugir de seus próprios pensamentos. – Quando aquela criança lá
fora começar a perguntar pela Kate o que vamos dizer? A Luanna vai crescer,
vai questionar! Mais cedo ou mais tarde ela vai descobrir que matei a mãe
dela – antes que ela pudesse prosseguir a interrompi.
– Aquela mulher nunca foi mãe! Nunca! – enfatizo de maneira
efusiva. – Ela aterrorizou os primeiros sete anos de vida daquela criança. Foi
por muito pouco que a Lu não morreu. Você estava lá, você viu de perto! –
quase não consigo respirar.
– Só Deus sabe o medo que tenho de ver minha filha entrar em
colapso ou em depressão. É por isso que agora, mais do que nunca,
precisamos ficar unidos, ela gosta muito de você. E eu sei que podemos
enfrentar estas coisas. Honestamente eu não tive família, por que era tudo
uma grande mentira e você sempre sentiu falta de uma. A gente só precisa do
amor um do outro, só isso! – finalizei expirando o ar de meus pulmões. De
repente seu rosto entristeceu—se.
– Eu também perdi um bebê. Sei que estava muito no início, mas eu
queria. Isso se soma a todas as outras coisas que já falei. Eu preciso digerir
tudo isso – assenti compreensivo e demasiadamente tocado com tudo o que
ela disse. Aproximei-me e a abracei mais uma vez.
– Eu sempre fui extremamente objetiva, avessa a demonstrações de
afeto e acima de tudo, sozinha – acariciou minha barba ao dizer.
– A vida me deu uma pancada de realidade muito grande! – confessou
enfatizando as palavras.
– Eu também queria muito o filho que você estava esperando – fechei
os olhos com certa pressão para não deixar a angústia se abater sobre mim.
– Muito mesmo! – completei.
– Mary, eu sei que está se sentindo amedrontada, mas... – ela
silenciou meus lábios com o indicador.
– Philiph, agora é você quem vai meu ouvir – observou e seus grandes
olhos verdes puseram—se sobre mim. – Não há nada no mundo que eu queira
mais do que ir embora deste lugar, de ficar junto com você e a Lu. Eu quero
tudo isso! Só estou tentando colocar a minha mente no lugar e eu peço que
tenha paciência comigo – beijei sua fronte e encostei a minha na dela.
– Eu não sou apenas o homem com quem você vai ficar junto, eu sou
melhor amigo, confia em mim! – ela retribui minhas palavras com um olhar
doce e terno.
– Confio! – selei calmamente nossos lábios e permanecemos alguns
instantes em silêncio, porém lembrei que há duas pessoas nos esperando lá
fora.
– Olha, eu estive pensando em irmos pra outro lugar que não a casa de
praia. Estamos a quatro horas de Londres e.... – mais uma vez meus lábios
foram cerrados por seu indicador.
– Me leva pra onde você quiser... Só por hoje eu não quero ter que
pensar ou decidir nada – a encarei por longos segundos, reflexivamente, e
sem esperar mais, peguei sua bolsa que já estava fechada em cima da cama e
estendi a mão para ela.
– Vem! – ela não hesitou em segurar para sairmos do quarto.
Assim que pusemos os pés do lado de fora, vislumbrei o reencontro
das duas, minha filha e Mary olharam—se com uma profundidade imensa,
nem mesmo eu ou minha mãe temos a capacidade de mensurar os
sentimentos que as envolve. Num gesto típico de criança, Luanna, mesmo
com o tornozelo enfaixado e ainda dolorido, ajeitou-se e ficou de joelhos na
poltrona, a fim de alcançar Mary. A mulher deu poucos passos e finalmente
abraçou a menina.
Um abraço demorado e silencioso que nos colocou em uma espécie de
transe, admirando duas criaturas que mal se conhecessem, compartilhando
um sentimento tão raro. É como se elas se entendessem apenas com o olhar e
suas almas tocassem uma à outra. Às vezes acho tudo isto inacreditável.
Capítulo 38

Após o intenso abraço, ouvi suspiros de saudade, uma vez que ao


darem entrada no hospital, só estiveram juntas quando levei Luanna ao quarto
de Mary, ademais, esta é a segunda vez que entram em contato. Minha mãe
tenta entender tamanha intimidade, a Madame beija o rostinho de minha
menina e afaga—lhe os cabelos com o carinho que somente as mães têm por
seus filhos.
Nós três temos muito a dizer um ao outro, mas nenhuma palavra supre
a calmaria deste momento, nenhuma delas seria capaz de explicar tudo o que
aconteceu, nem mesmo as alegrias e as chagas abertas que ainda sangram.
– Temos que ir, a previsão é de chuva e é melhor pegar a estrada
agora – diz minha mãe, com sua voz pouco rouca e um tanto aveludada,
lembrando a minha própria. Mary assentiu de imediato, então, estendi os
braços e tomei minha filha no colo, ela deitou a cabeça em meu ombro e
ajeitou as pernas em torno de mim.
Sinto seu pequeno corpo mais leve pela quantidade se peso perdida.
Seguimos para o estacionamento do hospital, em direção ao carro de minha
mãe, minhas coisas e as dela já se encontram no porta—malas e ao pararmos
ao lado do veículo, as portas foram destravadas.
Rowena guardou as bolsas de minha filha e a de Mary junto às nossas.
Estamos calados, mas estranhamente isso não gera desconforto, o cansaço é
nosso algoz e apenas o recolhimento poupará nossas forças. Abri a porta do
carro e dei passagem para Mary, a mesma entrou e se acomodou próximo à
janela, no lado oposto.
Inclinei-me e deixei Luanna sentada ao lado dela. Fechei a porta e
entrei na parte da frente, do lado carona, minha mãe deu partida no carro e
em poucos segundos saímos do local.
Eu não consigo explicar o que se passa comigo agora, eu poderia gemer,
esbravejar o quanto estou em paz, o quanto me sinto feliz, mas estou sereno.
Incrédulo.
Volvi meu corpo para trás para observar as duas, só posso sorrir
emocionado com a cena que vejo, minha menina deitou no assento do carro e
repousou a cabeça sobre o colo de Mary, sei que ela não descansa apenas o
corpo e sim o espírito.
A bela mulher lhe oferta tanto carinho neste gesto que sinto meus
olhos arderem, o coração parece saltar—me pela boca. Por onde você vagava
neste mundo que não nos conhecemos antes? Eu teria me apaixonado por
você em qualquer momento da minha vida.
Agora eu vejo teus olhos voltados para mim e tua cabeça encostada na
janela do carro, você me olha de um jeito inexplicável, esboçando um leve e
tímido sorriso sem mostrar os dentes. Eu nem me importo com o trajeto que
fazemos, bem conhecido por minha mãe, concentro-me somente em ti porque
minha vida depende disso, meu peito rasga aos poucos pela imensidão dos
sentimentos guardados aqui.
Sabe, quando te vi entrar pela primeira vez em meu consultório para
cumprimentar—me, apresentando—se como Madame Mary,
inconscientemente você roubou algo de maneira violenta, coisa de valor
inestimável, parte vital de mim. É por isso que sou inteiramente seu.
Um dia você me disse que costumava viciar, que poderia ser a melhor
e a pior coisa da minha vida. Faço uma correção, pois não há como se tornar
causa de ruína, uma vez que foi a minha salvação e sim, estou loucamente
viciado em você.
Naquele mesmo dia, após deixar minha sala, eu saí do hospital e
comecei a dirigir pelas ruas do Seattle, me perguntando por que o nosso
aperto de mão me causou tanto arrepio e por que meu coração não havia
parado de acelerar até então. Dentro do carro tocava uma seleção de músicas
clássicas, você não me disse, mas vi uma porção de álbuns eruditos na sua
estante na primeira vez em que estivemos juntos.
Eu conduzia o veículo, ainda sentindo o contato da tua mão na minha,
a melodia de Melody of Love, de Beethoven, ecoava no carro, vibrando todo
o meu corpo e quando tive a percepção de que eu sorria involuntariamente ao
recordar a tua esplendida imagem, soube que minha vida nunca mais seria a
mesma.
Minha mãe conduz o veículo até o município de Lorena, distante uns
noventa quilômetros de Waltham Forest. Estamos indo para a casa de uma
tia, num bairro afastado do centro urbano. Um lugar calmo com uma enorme
área verde no quintal.
Adelaide, irmã de Rowena, está de férias em Bariloche, viagem que
faz todos os anos com o marido, nesta mesma época. A última vez que nos
vimos foi no cemitério, onde minha família estava quase toda presente. A
empregada da casa que há mais de quinze anos trabalha para a minha tia,
prepara tudo para a nossa chegada, assim disse Adelaide à minha mãe, por
telefone, antes de sairmos do hospital.
Sem entrar muito em detalhes para não chocar a família, minha mãe
apenas disse que necessitava de alguns Dias na casa a fim de descansar do
caos do Seattle. Discreta, minha tia cedeu de imediato, dizendo que Rowena
poderia ficar o quanto quisesse, pois ela passaria o mês inteiro aproveitando o
frio delicioso da Rússia.
Temos um longo percurso pela frente e a previsão é de não pararmos
na estrada até chegarmos ao nosso destino. Depois de um bom tempo, reparei
que as duas dormiam no banco de trás, e por cautela, seguíamos um trajeto
diferente, já que minha filha não está na cadeira apropriada para crianças de
sua idade. Nenhuma mísera palavra foi dita, a mudez apoderou-se de nós e se
fez presente até ser quebrada pela voz carinhosa de minha mãe.
– Estamos chegando, filho! – olhei ao redor e tomei consciência de
onde estávamos, passei a viagem toda aéreo. Meu relógio de pulso marca
dezessete horas e vinte minutos, contradizendo o céu tempestuoso e cinzento
do lado de fora. Mary e Luanna ainda dormem profundamente.
Agora, noto as primeiras gotas de chuva chocando—se contra o vidro
do automóvel, meu cansaço é tão grande que me faz ver todo este processo
em câmera lenta. Após algumas curvas à direita ou à esquerda, não afirmo
com exatidão, paramos em frente a um enorme portão de garagem na cor
bronze envelhecida.
Minha mãe desceu do carro e tocou o interfone. Duas ou três palavras
bastaram para ela retornar e adentrarmos à casa onde não venho há muitos
anos. À medida que entramos, percebo que o jardim está intacto, há muitas,
árvores antigas e um caminho repleto por roseiras que leva até a espaçosa
varanda da frente. As recordações me veem como turbilhão.
Olhei para Mary e com um toque suave em sua coxa direita a acordei.
– É aqui! – ela ainda está acomodando a própria visão à luz do
ambiente.
– Lu! – chamo por minha filha, mas a sonolência dificulta.
– Chegamos querida – falei assim que ela abriu os olhos. A chuva
ainda castiga a pequena cidade e, por sorte, a garagem é coberta. Minha mãe
e eu descemos do carro e as auxiliamos a fazerem o mesmo. Maria, a
funcionária da casa, espantou-se quando viu Luanna em meu colo,
certamente que sua patroa lhe contara sobre o enterro. Dá última vez que
estive aqui Luanna ainda nem era nascida, mas sei que há fotos nossas em
porta retratos da casa, segundo informações de minha mãe.
– Está tudo bem, amanhã lhe explicou. Não conte nada a ninguém,
você me entendeu? – ela assentiu confusa e fiz gesto para que se acalmasse.
Não posso correr o risco de que ela comunique a descoberta à minha tia de
que sua sobrinha neta está viva. A família toda saberia em questão de
minutos e tudo o que mais quero é discrição e isolamento.
– Amanhã resolvo isso, meu filho – Rowena me tranquiliza.
Ainda sob efeito da surpresa, Maria ajuda Rowena e Mary com as
malas, enquanto carrego minha filha.
– Obrigado, Maria – agradeço a gentileza de guardar o segredo.
Assim que chegamos à sala, as malas foram deixadas de lado e nos
acomodamos no sofá.
– Aceitam alguma coisa para comer ou beber? – perguntou trepidando
as palavras, mas nenhum de nós sente vontade de comer ou beber nada.
– Talvez uma sopa mais tarde, algo leve, mas por agora não – ela
assentiu ao compreender—me.
– Querem que eu leve as malas até os quartos – minha mãe adiantou
—se.
– Não se preocupe, Maria, depois levamos. Nós estamos bem aqui – a
mulher entendeu que queríamos ficar a sós e com um pedido de licença,
retirou-se do ambiente. Entreolhamos—nos vagamente e só ouvimos o som
de nossas respirações. Nossas faces revelam o esgotamento físico e mental a
que chegamos. Mary recostou a cabeça no sofá e fechou os olhos. Luanna,
sentada ao seu lado, tenta decifrar em que lugar está. Por fim, minha mãe e eu
buscamos respostas no olhar um do outro para saber que passo daremos a
seguir.
– Tem certeza de que não quer comer nada? – indaguei. Mary abriu os
olhos e me olhou com suas brilhantes íris verdes.
– Eu só preciso de um banho e de uma cama para deitar – confessou
exausta. Decidi então levá-la s até as suítes preparadas para nós. Mary tomou
uma ducha morna de forma demorada e Luanna a acompanhou. A doutora
cuida de minha menina com delicadeza e paciência, uma sintonia que jamais
vi igual. Ajeitei a cama e preparei tudo para que pudessem descansar. Ao
saírem do banho retirei a proteção que colocamos no tornozelo enfaixado de
minha filha e finalmente as duas deitaram. Luanna virou de lado e encolheu-
se na cama em posição fetal, está quietinha recebendo os nossos carinhos.
Sentei-me perto dela, enquanto Mary está do outro lado, deixando a garotinha
no meio.
– A gente vai mora aqui? – perguntou com sua voz meiga.
– Não, filha. Aqui é a casa da tia Adelaide, irmã da vovó. Vamos ficar
aqui só por um tempo – ela me olhou pensativa. – Eu não me lembro da irmã
da vovó – bocejou de sono ao falar.
– É porque você a viu poucas vezes – explicou. – E onde ela está? Por
que ela não veio receber a gente? – indagou esfregando os olhinhos.
– Ela está viajando – ela olhou para um ponto fixo no quarto e depois
voltou a se expressar.
– Eu quero dormir – Mary aninhou-se a ela e a abraçou por trás
carinhosamente, como uma concha.
– Pode dormir minha querida, eu estou aqui – disse com doçura, o que
me fez sorrir admirado. – E se ela aparecer? Às vezes ela não me deixava
dormir – Mary e eu nos olhamos preocupados.
– Como assim? – questionei segurando sua mão. – Ela me batia e à
noite jogava água na cama e na coberta... Fazia muito frio e eu não conseguia
dormir – a saliva desceu por minha garganta como uma navalha cortante ao
ouvir o relato de uma criança tão inocente e machucada. A expressão no rosto
de Mary é de dor e revolta.
– Lu, aquela mulher nunca mais vai chegar perto de você, nunca
mais! – decretei firme.
– E eu vou sempre estar aqui, abraçadinha com você. Sempre te
protegendo – Mary disse beijando sua bochecha rosada.
– Ela morreu, não é? – a pergunta de minha filha nos deslocou
completamente e por um instante pensei no que dizer, talvez eu pudesse
contar que Kate foi morar bem longe ou que está em um lugar de onde nunca
mais poderá sair. Mas tomei uma coragem insana para prosseguir com uma
parte da verdade.
– Por que está dizendo isso, filha? O que você sabe sobre a morte? –
seus olhos azuis puseram—se sobre os meus e a menina inspirou fundo.
– Se ela nunca mais vai me ver é porque ela morreu! Ela estava caída
na rua, tinha muito sangue e ela não se mexia. Eu vi – Mary pressionou os
olhos com certa força ao recordar a cena.
– Lu, escute... – a mulher busca palavras certas, mas não obtém muito
sucesso.
– As pessoas boas vão para céu e as ruins ficam naquele lugar escuro,
não é, papai? – não consigo responder a isto. – Eu não para onde as pessoas
vão depois que morrem filha.
Ela fez algumas coisas que não foram boas. Que não eram certas –
tentei dar voltas no assunto, mas decidi abrir o jogo da única maneira que
encontrei.
– Ela... Ela morreu sim – falei com cuidado para não assustá-la e
suspirei, porém não consigo pronunciar mais nenhuma palavra sequer.
Estamos atônitos e minha menina emudeceu-se por um tempo. Mil e uma
coisas passam por nossas mentes, nada poderia ter sido mais revelador. Ela
amadureceu muito em pouco tempo. Após longos minutos ouvi sua voz.
– Eu posso dormir agora, papai? – Luanna falou como se pela
primeira vez se sentisse segura, como quem está em paz. Beijei sua fronte
delicadamente.
– Pode sim – sussurrei para ela e vi quando fechou os olhos,
adentrando em um mundo onde eu não posso entrar. Afaguei seus lindos
cabelos e ao notar que ela realmente dormia, dei a volta na cama e deitei ao
lado de Mary.
– Descansa também, você precisa – murmurei em seu ouvido.
– Fica aqui um pouquinho, por favor – ela pede com a voz sonolenta e
com uma ponta de receio pelas palavras de Luanna.
– Eu vou ficar – cheiro seus cabelos, um pouco úmidos pelo banho.
Mary pendeu a cabeça em minha direção e mantive meu olhar preso ao dela.
Aproveito para tocar a maçã de seu rosto com a ponta dos dedos e deslizar os
mesmos sobre ele. Vagarosamente, inclino-me em sua direção e tomo seus
lábios quentes, aprofundando num beijo caloroso. Ela levou a mão por trás de
minha cabeça e emaranhou seus dedos em meus cabelos, fazendo uma
massagem enquanto me beija.
– Obrigada por tudo – disse ao parar nosso beijo com selinhos.
Percebo em sua face o quanto está sendo dominada pela fraqueza ao
adormecer quase que instantaneamente depois do beijo.
– Acho que nunca vai ter ideia do quanto te amo! Sou eu que devo
tudo a você – proferi analisando seu belo rosto tão perto e tão distante
enquanto dorme.
Fiquei com elas por mais alguns minutos, depois sentei numa pequena
poltrona de couro preto de frente para a cama a fim de observá-la s, como um
anjo que vela o sono de alguém. Perdi a noção do tempo, eu nem piscava,
tinha medo de tudo ser apenas um sonho e elas não estarem verdadeiramente
aqui. Estava tão absorto em meus pensamentos que só despertei quando senti
um toque suave em meu rosto.
– Preciso falar com você, filho! – tentei negar, afirmando que tenho
de zelar por elas e que a qualquer momento podem acordar necessitando de
algo, mas Rowena foi enfática ao exigir que eu a obedecesse.
– Não posso demorar mãe, tenho que voltar logo – falei com voz
cansada ao entramos no quarto ao lado.
– Toma um banho, é a sua vez de relaxar um pouco – neguei
veementemente.
– Agora não! Eu quero ficar com elas – ela me olhou séria.
– Elas estavam exaustas, meu filho, é bem provável que só despertem
à noite ou até mesmo amanhã. Para de ser teimoso, não precisa fingir! Eu sou
tua mãe e vejo nitidamente que você precisa de colo – não bastou um
segundo a mais para eu demonstrar como estou de verdade. Meus olhos
pesaram na hora, sinto um nó me desmontar por dentro, pressionar minha
garganta e assim que ela abriu os braços, me atirei sobre eles e chorei como o
garoto que ela sempre acolhia quando tinha medo. Meu pranto é aterrorizado
por tantas coisas, pela monstruosidade do que nos aconteceu, por não
acreditar ainda que Mary e Luanna estão vivas e, ao mesmo tempo, pela
felicidade em tê-las comigo.
– Desculpa chorar assim, mas não consigo controlar – falei com voz
embargada.
– Põe tudo pra fora, Philiph – ela faz carinhos em minha face.
– Tudo o que eu tenho está naquele quarto, mamãe. Eu morreria sem
elas – confesso entre soluços.
– Eu sei filho! – limpou meu rosto.
– Eu ainda nem consigo acreditar que minha filha está viva. Eu fui a
um enterro eu chorei durante muitos Dias deitado em cima daquele túmulo –
meu desabafo é inevitável.
– A Mary estava grávida, mamãe. Nós perdemos um filho – vi o
semblante de espanto de minha mãe, eu não havia contado isso a ela.
– Ela foi torturada naquele lugar, assim como a Lu. Ela quase morreu
pra salvar a minha filha! Quando a vi caída naquela estrada... – não consigo
pronunciar o estado em que a encontrei.
– Eu senti meu mundo acabar – completei finalmente. Estou
exorcizando toda a tristeza dentro de mim, ela me protege e ouvi cada
lamento meu. E Quando não aguentei mais chorar e libertar minhas dores em
forma de palavras permaneci abraçado a ela até findarem meus suspiros.
Acatei os conselhos de Rowena e tomei um banho para retirar o
cheiro do hospital. Maria insistiu e aceitei a refeição leve que dispôs à mesa.
Alimentei-me na companhia de minha mãe e depois resolvi me retirar. Eu
disse a ela que tentaria dormir um pouco, mas desviei o caminho e sentei na
poltrona do quarto onde elas estão. Enrolei-me numa coberta e ali fiquei,
observando a paz que as envolve neste momento.
Capítulo 39

Tento mover—me na cama, mas percebo um peso sobre o pescoço e a


escuridão do quarto não me faz ver nitidamente coisa alguma. Estiquei o
braço e com esforço acendi o abajur no criado mudo à minha direita. A
iluminação parcial do ambiente me fez mergulhar na realidade, Luanna está
abraçada comigo e seu braço me envolve, a menina está totalmente
descoberta.
Mas detive meu olhar em um ponto do quarto, vejo Philiph sentado na
poltrona em frente à cama. Ele está com a cabeça pendida na lateral e
certamente não saiu de perto de nós. Com cuidado, esquivei-me da criança e
depois a cobri, certificando-me para não acordá-la. Feito isto, levantei. Meus
pés quentes tocam o chão frio e a noite revela—se bem gelada.
Ajeito o robe de seda que está por cima de minha camisola longa para
proteger—me do frio.
– Philiph – chamei baixinho ao me aproximar.
– Vem pra cama! – pedi. Ele apenas resmungou. Beijei suavemente
sua bochecha e logo após, seus cabelos.
– Acorda! – falei junto a seu ouvido e aos poucos ele despertou um
pouco assustado.
– O que aconteceu? – fiz gesto de silêncio para que ele não acordasse
a menina.
– Está tudo bem, só vem comigo – Philiph olhou para o quarto,
tentando lembrar-se do ambiente.
Ao se levantar, inesperadamente, me envolveu com seus braços fortes
e abraçou minha cintura com força. Assustei-me por um momento, mas
retribui com a mesma intensidade, sinto que quer me dizer alguma coisa, pois
sussurra palavras desconexas e quentes em meu ouvido, aos poucos ele
aumenta o volume da voz e posso distinguir suas afirmações e súplicas.
– Você está aqui! – ele diz aflito e ao mesmo tempo aliviado.
– Não vai embora, não vai – neguei sua fala. O cansaço o impede de
raciocinar, talvez delire um pouco por causa do stress e noto uma inquietude
consumir a sanidade do homem diante de mim.
O puxei pelo braço até o closet e fechei a porta de correr, o trilho é
suave, então nenhum ruído é emitido. Fiz com que se sentasse em um
banquinho largo e redondo disposto no canto próximo à parede, e sob o
móvel, um tapete cinza aveludado em toda a extensão do closet realça ainda
mais a beleza das prateleiras amarronzadas. Ele ergueu seu olhar para mim e
observei sua face pesarosa.
– Philiph, nós duas estamos vivas e aqui tão perto! Você vai ficar bem
e eu não vou a lugar nenhum – estou entre suas pernas, segurando seu rosto
para que preste bastante atenção.
– Eu não sei o que seria da minha vida sem você, por que eu já havia
perdido a Lu e quando você sumiu eu enlouqueci – o nível de angustia em
sua voz é tamanho que os soluços começam a entrecortar as palavras.
– Eu te procurei tanto, pela cidade inteira – choramingou. Ele mal
consegue continuar, vejo em minha frente um homem capaz de tudo por
mim.
– Quando te vi naquela estrada com a Lu no colo fiquei louco, parecia
não ser real... – travou mais uma vez.
– Daí você caiu e.... Tive tanto medo de te perder – o abraço com
força, deixo seu desabafo sair completamente até que se acalme. Limpo seu
rosto com meus polegares e nem me importo com o meu, que a essa altura
também está molhado.
– Já passou! – coloquei suas mãos eu meu rosto.
– Eu também já não sei pensar na minha vida sem você, achei que eu
fosse morrer naquele lugar – busco forças para me reerguer, mas este é o
momento de afugentarmos nossas dores.
– Eu pensava o tempo todo em você, que tinha ido ao meu
apartamento me ajudar com as coisas e não me encontrou por lá... Só me
lembrava das palavras que disse para mim, de que me queria ao seu lado
sempre – os olhos dele me dominam a cada segundo, hipnotizando—me.
Eu mal pude concluir minha fala, senti suas mãos grandes puxarem
meus quadris, fazendo-me sentar em seu colo com uma perna de cada lado.
Com esse movimento minha camisola subiu até a metade das coxas.
– Sempre! – repetiu a palavra inúmeras vezes beijando meu pescoço.
Um arrepio cortante sobe pelo meu corpo ao observá-lo delineando com a
língua a parte do meu busto descoberta pelo robe da camisola de seda.
Enrosco meus dedos em seus cabelos e repuxo os fios sentindo um frisson
invadir cada centímetro meu.
Fico louca com a sensação de suas mãos em mim, mato um pouco a
saudade avassaladora que eu estava de ser desejada e amada por este homem.
Ele pressiona minha cintura para baixo e sinto o quanto está ansioso, o
quanto esperou este dia chegar. Sua boca desliza ávida mais uma vez em
busca de meu pescoço, ele suga minha carne e seus dentes mordiscam a pele.
– Ahhh – gemi ensandecida, mas para evitar o barulho e não acordar a
filha, ele tomou meus lábios com voracidade arrancando de mim suspiros
intensos. Nossas línguas brigam por espaço e sou apertada contra ele como se
nossos corpos fossem fundir um no outro.
– Que saudade – disse ao desconectar-se de minha boca. Esfreguei
meu indicador em seu lábio vermelho pelo beijo. A iluminação é baixa neste
local, além da temperatura ser um pouco mais quente.
À medida que ele afunda as mãos e arranha sensualmente minha pele,
sinto um misto de prazer e dor, pois ainda estou em fase de recuperação de
toda aquela tortura. Não estou totalmente descansada e meus músculos
sentem a pressão que ele exerce. Nossas respirações já denunciam o estado
desesperador em que estamos e a qualquer momento podemos acordar a
Luanna.
– Vamos acordar a Lu com esse barulho – sussurrei ao cair na real,
mas ele não me ouve, sei que minhas compleições mostrarão os sinais de sua
loucura por um bom tempo.
– Shiii – tampou minha boca com sua mão.
– Não vamos... Me deixa sentir você, estou louco – pediu puxando a
barra de minha camisola ainda mais, ele aproveita para alisar minhas coxas
de modo a me causar espasmos em seu colo. Sinto minha intimidade
umedecer ardente entre as pernas, a mesma lateja e eu seria capaz de ter um
orgasmo antes mesmo de ser tocada. Pressiono seus quadris com minhas
pernas e nosso encaixe facilita sua ação dominadora.
Estou quente e o rosto dele está rubro, intensificando suas expressões
de luxuria e desejo. Os olhos semicerrados e lábios edemaciados de tanto
sorver o gosto da mulher que ama só provam que eu não poderia ser mais de
ninguém.
– Espera Philiph! – puxei mais uma vez seus cabelos e nos olhamos
ofegantes.
– Não sei se consigo com ela aqui tão perto – de imediato, levantei-
me de seu colo e sorvi o ar para dentro dos pulmões. Virei-me e apoiei os
braços na prateleira, mas me assustei quando Philiph agarrou meu corpo por
trás e fui prensada contra ela.
– Não vai acordar, estamos trancados aqui – jogou meu cabelo de lado
e mordicou o lóbulo de minha orelha, girando a língua em torno dela.
– Não faz assim – as coisas que digo contradizem totalmente a minha
vontade, pois me sinto fervilhar, empino-me para trás me esfrego em seu
membro totalmente duro e ensandeço por saber que sou eu o motivo. A
impressão que tenho é de que o chão sob meus pés não existe mais. Meus
lamúrios de prazer e resquícios de dor já não podem ser controlados. Girei
meu corpo até ficar de frente para ele.
– Você adora se arriscar, não é? – segurei seu queixo e o mordi de
leve. Ele concorda com minha fala esboçando uma face obscena.
– Mas adoro quando você me aperta – prossegui e revirei os olhos
quando dedilhou meu ponto de prazer por cima da camisola. Friccionei as
pernas para senti-lo melhor
– Madame! – gemeu entre dentes.
– E se aproveita de mim, quando domina o meu corpo, porque só você
sabe ser o meu homem – continuei a provocação eufórica.
Com rapidez ele me despiu do robe e puxou lateralmente as alças de
minha camisola, o tecido de seda caiu em meus pés, deixando-me apenas
com a calcinha de renda preta. Philiph parou durante alguns segundos para
me analisar.
– Deliciosa – enrubesci ao vê-lo apertar com força o membro já
marcado na calça moletom. Soltei um grito abafado quando empunhou suas
mãos em meus seios e os apertou, espalmando—os com voracidade. Paramos
para constatar algum possível barulho vindo de fora após o meu grito, mas
tudo está como antes.
– Repete! – ordenou autoritário. Estou encurralada neste closet e não
tenho como medir forças com ele.
– O que? – indaguei com voz suave e inocente para instigá-lo.
– O que você disse agora sobre mim – minha respiração é dificultada
pelo modo como me prende.
– Então é isso doutor, você quer ouvir que estou rendida e sem
forças? Que o deixo fazer comigo o que nunca ninguém fez? – ele me encara
compenetrado, o cheiro de sua pele adentra minhas narinas para me fazer
refém.
– Que nenhum homem conseguiu me domar até você chegar e mudar
tudo! Que só você me satisfaz em todos os sentidos! Eu que me rendo
completamente a você... Eu me rendo, doutor Philiph – confesso com a mais
pura veracidade. Espero por alguma atitude dele, o homem diante dos meus
olhos está em transe. Seus apertos bruscos em meus seios cessaram, uma
caricia branda é distribuída por eles agora e ele me encara de um jeito
diferente.
– Acho que nunca vou saber explicar tudo o que você significa pra
mim – disse calmo e envolvi meus braços em sua nuca.
– O eu te amo parece algo tão pequeno – sorri carinhosa ao ouvir.
– Mas é muito verdadeiro quando digo – os calafrios voltaram a me
castigar. Puxei seu rosto para junto do meu e mirei fixamente em seus olhos,
e sei que agora digo com mais certeza que nunca.
– Tenha certeza de que é a coisa mais pura que já ouvi – ele desviou
as mãos de meus seios e segurou meu rosto.
– Eu também amo você – declaro com todas as letras. – Amo –
enfatizei. Em fração de segundos, Philiph avançou contra minha boca num
beijo insano. Minhas pernas fraquejaram instantaneamente e suas mãos
seguraram meu corpo pequeno.
O jeito como tocamos um ao outro, como exploramos cada recanto da
boca é imensurável. Com um braço ele envolve minha cintura e com a outra
mão agarra meus cabelos. Nossa diferença de altura é visível e isso faz com
que eu seja presa fácil. Respirei como quem é salvo de um afogamento
quando cessou o beijo para se deliciar com meus seios.
– Assim... – murmurei lenta ao sentir seus chupões em minha carne.
Ele alterna entre um seio e outro e quando se agarra a um, puxa o bico rígido
do outro. Philiph sabe como anular minhas forças, como se meu corpo
estivesse adormecendo.
Prendi o lábio inferior entre os dentes e joguei a cabeça para trás
quando se ajoelhou e passou a chupar cada pedaço de meu abdome. Tento
buscar apoio nas prateleiras por trás de mim, mas derrubo as roupas
penduradas nos cabides. Contorço-me diante dele, meus batimentos cardíacos
estão descompassados e quando puxou minha calcinha, cravei minhas mãos
em seus cabelos e os massageei. Sei o que pretende fazer comigo.
Passou o pequeno tecido úmido por meus pés, jogou num canto
qualquer do closet e ergueu minha perna esquerda, apoiando-a em seu ombro.
– Philiph – gemi ao sentir sua boca movimentar-se pela parte interna
de minha coxa.
– Não me tortura – ouvi sua risadinha abafada e sensual. No mesmo
instante prendi um grunhido alto de satisfação ao delirar com sua língua
quente passeando em minha intimidade. Trinco os dentes um no outro para
aguentar calada e não explodir.
Estamos dentro do closet em plena madrugada. E ele sabe exatamente
o que fazer para explorar meus sentidos, faz movimentos circulares e rápidos
sobre meu ponto de prazer, depois sobe e desce repuxando o mesmo. Não sei
por quanto tempo vou conseguir evitar o barulho e para testar a meu
autocontrole, fiquei na ponta dos pés para suportar pressão, pois seus dedos
entram em mim num movimento de vai e vem arrebatadores.
Mordo o dorso da mão para conter minha vontade de gemer. Não
tenho muito equilíbrio, com uma das mãos seguro na prateleira e com a outra
empurro sua cabeça ainda mais contra mim. Rebolo em seu rosto e reparo em
sua face de êxtase só em provar meu gosto. Estou absurdamente molhada, o
observo com os trajes de dormir e me excito ainda mais com a visão de seu
belo corpo inteiramente à minha disposição, mesmo que coberto. Já não
posso mais evitar os tremores que me invadem.
– Isso... Não para – só para provocar ele ameaçou levantar.
– Não ouse me contrariar, isto é uma ordem – apontei o dedo
efusivamente, ele sorriu de canto de boca bem maldoso.
– Goza pra mim – disse ao esfregar minhas coxas internamente e
voltou a me devorar. Meu ventre se contrai excitantemente, ainda sinto dores
pelo corpo, mas o prazer fala mais alto e nossa loucura também. Um arrepio
frio sobe por minha espinha e cerca meu abdome, junto ao nó que se forma
em minha garganta. Meu suor começa a escorrer e a parte de trás de minha
nuca está molhada.
– Deus – choramingo ao derrubar mais algumas roupas nas
prateleiras. Tudo está rodando, não tenho mais forças para resistir.
Os arrepios voltaram ainda mais fortes, só tive tempo de olhar para o
lado e encontrar algumas toalhas de rosto empilhadas, macias como plumas.
Quando meus últimos resquícios de força acabaram, mordi o pano de uma
delas e me libertei gloriosamente em sua boca.
Reviro os olhos ao sentir meu liquido quente escorrer entre as pernas
e ser sugado por ele. Uma sensação de arrebatamento invade meu corpo e me
arranca as energias, não consigo me manter em pé, meu corpo está
escorregando e ele toma todo o meu prazer com um homem faminto.
Antes que eu caísse, imediatamente ele me segurou até que eu
deitasse exausta no tapete. Retirei a toalha da boca e experimentei o alivio,
fechei os olhos por uns instantes na tentativa de recuperar—me, mas logo os
abri ao sentir o peso de seu corpo sobre o meu.
– Teu gosto me enlouquece – esfregou seus lábios nos meus. O
abracei com segundas intenções, pois não hesitei em retirar sua camisa e
morder seu peitoral farto e nu.
– Nós dois estamos mortos de cansaço, olha onde estamos – falei
entre suspiros, sei que nossas expressões demonstram isto.
– Eu estou morto de cansaço – o esgotamento é notório em seus olhos
pesados e vermelhos.
– Mas estou bem vivo pra você – decretou me olhando
profundamente.

Não sei explicar minhas reações, sou com ela o homem que nunca fui
com nenhuma outra mulher. Senti-me preso durante anos, e mesmo tendo me
envolvido com muitas antes de Kate, nenhuma delas, e inclusive minha ex—
esposa, permitiam—me ser quem sou. Era como se Mary precisasse chegar
para me mostrar como é doce o gosto da liberdade e mesmo me entregando a
carta de soltura, ela é a única que me faz desejar ser escravo em suas mãos.
Sou completamente dela!
A Madame me desnuda com seus olhos verdes, minha boca saliva ao
vê-la nua e entregue a mim. Levantei—me, retirei a calça moletom e fiquei
de cueca box em sua frente. Meu membro parece explodir a qualquer
momento, nossos olhares encontram—se repletos de pensamentos insanos, e
para completar tal insanidade, passei a acariciar meu membro por cima da
cueca.
– Tira – pediu baixinho, acariciando minha coxa com a ponta de seu
pé.
– O que você quer fazer? – pergunto libidinoso, abaixando o tecido
que mal consegue conter meu membro duro. Assim que retirei por completo
ela arqueou o tronco para trás e alisou sua intimidade. As veias por toda a
extensão de meu sexo pulsam latejantes, ele está completamente ereto.
– Eu quero você aqui – ajoelhei entre suas pernas quando a vi penetrar
os dedos em si mesma. Retirei—os e os chupei deliciosamente, ela sorri
maliciosa com a cena e passa a língua pelos lábios. Deslizei sua mão em meu
abdome e a coloquei em meu membro.
– Aonde você quer? – incitei-a após vê-la movimentá-lo com rapidez.
– Ohhh – grunhi de maneira intensa.
– Baixinho – ordenou ao perceber que faço barulho. Ela o esfrega em
seu sexo encharcado e ameaça colocar.
Não posso mais suportar toda essa tortura, apoiei suas pernas em
meus ombros, de modo que seus quadris se elevaram um pouco e me
posicionei.
– Não faz barulho – pedi e em seguida a invadi num só ato. Ocasionei
um solavanco tão forte em seu corpo que sua face de prazer e choque foi
súbita. Mary aperta os olhos com força e prende a respiração por alguns
segundos, enquanto meu membro espesso é comprimido para dentro dela.
Seu corpo inteiro enrijece e treme em meus braços.
– Que delícia Philiph – suspirou ao exalar o ar e relaxar o corpo.
– Me mostra o quanto você estava com medo de me perder – ditou as
palavras como o lamento de quem faz uma prece. Permaneço imóvel dentro
dela por alguns instantes, só quero eternizar esse momento que as tragédias
ocorridas jamais poderão destruir.
Olho para você e tenho vontade de nunca mais sair deste closet. E de
repente me vejo te amando, amando a mulher que julguei inalcançável, a
detetive arrogante e presunçosa que adentrou à minha sala. A mulher mais
misteriosa a cruzar meu caminho, a mulher que julguei e o fiz erroneamente.
E de repente você é tão minha, e nada poderá aniquilar o que sinto por
você. No início, meus movimentos são lentos, graduais, acaricio suas pernas
apoiadas em mim e observo a face extasiada que expressa todo seu prazer, a
boca entreaberta, algumas mechas cacheadas grudadas em seu rosto. Percebo
até mesmo os pelos eriçados em seus braços.
Mas sou tomado rapidamente por uma loucura aflitiva e passo a
possuí-la como devassidão. A doutora crava suas mãos no tapete para
aguentar minhas investidas bruscas e faz um esforço sobre—humano para
não denunciar nossa relação secreta neste pequeno ambiente, mas sem muito
sucesso.
O barulho de nossos sexos chocando—se um contra o outro atiça
meus instintos mais primitivos e nossos gemidos já ecoam com maior
amplitude, é impossível nos controlarmos. Mantemos nossos olhares fixos,
como droga que se apodera do sistema nervoso. Seguro firme em suas coxas
para me apoiar, e agora, ela esmaga os próprios seios com as mãos,
massageia o ventre e gira a cabeça de um lado para o outro, consumida pelo
frenesi.
– Philiph – ela chama manhosa por meu nome, aérea, e em seguida
fala coisas sem sentido. Estou fora de mim, excitado a nível extremo com a
visão que tenho dela a meu dispor, aparentemente frágil, aparentemente
ingênua. E eu, aparentemente no comando, quando na verdade é ela que
domina meu estado de espírito e sabe muito bem que ao me olhar assim, tem
poder absoluto. Nosso sexo, quase isento de palavras por causa da
circunstância, é o único remédio que alivia meu passado assombroso.
– Esse teu corpo tão gostoso – ditei ao retirar meu membro e
friccioná-lo várias vezes em seu ponto cheio de nervos.
– Porra Philiph – revirou os olhos ao dizer e arranhou meus braços
com as unhas. Tirei suas pernas de meus ombros e deitei por cima dela, para
senti-la mais de perto. Suas pernas prontamente envolveram minha cintura e
voltei a penetrá-la com rapidez.
Imobilizo seus braços na altura acima de sua cabeça e me deleito com
seus seios fartos, sugando—os e os deixando marcados com os dentes, sem
machucá-la. Mary tenta se soltar, mas a impeço. Abocanho cada pedaço de
sua pele alcançado por minha boca e ouço sua respiração descontrolada.
– Adoro quando você me pega desse jeito doutor. Mais forte! – gemeu
baixinho e libertina em meu ouvido.
– Pede! – provoquei várias vezes e cessei os movimentos. Com toda a
força que tinha conseguiu se soltar e cravou as mãos em minhas nádegas,
impulsionando-as.
– Eu quero agora – uma dor estimulante e fina me fez ranger os
dentes ao senti suas unhas subirem por minhas costas, deixando marcas
ardentes pelo caminho.
– Aaarg – apertei seu queixo e pressionei suas bochechas formando
um bico.
– Não brinca comigo, Madame – falei em tom ameaçador, mas ao
mesmo tempo sexy.
– Neste jogo eu já venci doutor! Dei—lhe xeque—mate há muito
tempo. Viciei você, e vou extrair até a última gota porque sei que é isso que
você quer – suas palavras causaram em mim uma euforia desconhecida, nem
mesmo eu sabia desse lado animalesco dentro de mim.
Passei a investir contra ela vorazmente, ergui meu tronco e firmei os
punhos cerrados no chão para auxiliar na precisão de meus movimentos. Já
rezo para que este barulho não acorde minha filha, mas não consigo parar.
Meu corpo inteiro está formigando, já sinto dormências e algumas gotas de
suor escorrem por meu rosto. Um arrepio gelado invade meu corpo quente e
causa-me choques térmicos, anunciando a onda de prazer que está por vir.
Visualizei o que eu faço entre suas pernas e não me contive, comecei a
friccionar seu ponto de prazer.
– Humm... – seus quadris se movimentam em minha direção, ela
passa as mãos por minha barba e já me encara sem forças.
– Só mais um pouco – implorou falhando as palavras. Levei até sua
boca os dedos lambuzados com seu liquido doce, ela chupou cada um até
roubar os últimos resquícios, esboçando face de satisfação.
E quando finalmente respirou de maneira irregular, arfando
desesperada diante de mim só tive tempo de cerrar seus lábios com a palma
de minha mão. Seu gemido agoniado ressoou pelo cômodo inteiro, ela se
abandonou completamente em meus braços e seu corpo se contorcendo
embaixo do meu fez com que minhas últimas investidas fossem carregadas de
meu prazer.
Afundei meu rosto em seu pescoço, mordisquei e suguei avidamente
enquanto me derramava dentro ela. Meu jato saia e minava minhas últimas
gotas de energias. Escorreguei meus lábios por sua bochecha e tirei minha
mão de sua boca, a fim de provar seu beijo enquanto estou no auge desse
momento. Estou dentro dela, não vai e vem lento e torturante, suas mãos
passeiam em mim e nossas bocas conhecem cada canto uma da outra para nos
proporcionar a sensação de relaxamento.
Desabei sobre seu corpo e me aconcheguei, provo de seus carinhos,
sentindo seus afagos em minhas costas e também em meus cabelos. Nossas
respirações ainda alteradas revelam a exaustão limite a que chegamos.
Quando saí de dentro dela joguei-me para o lado e deitei, puxando-a para se
aninhar em meu peito.
O silencio paira sobre nós e aos poucos recobramos a consciência. É
maravilhosa a sensação de seu corpo nu junto ao meu, sua pela macia,
perfumada. Seus dedos passeando de leve em meu peitoral e nosso cheiro
exalando pelos poros, inebriando-me cada segundo mais intensamente.
– Tudo isso parece tão surreal, Philiph – abro os olhos que há poucos
segundos havia fechado para analisar cada traço de se rosto, Mary me olha
compenetrada.
– Há tempos atrás eu não imaginava que isso poderia acontecer,
porque sempre me acostumei a resolver os casos e ir embora, como um jogo
que você passa de fase, entende? – escuto com atenção o que ela diz.
– Quando me ligaram para falar do seu caso eu estava sentada em um
daqueles bancos solitários no terraço do Hemingway, em Lisboa, tomando
um Martini e fumando um cigarro. Eu havia parado de fumar, mas precisava
urgente de um trago ou surtaria – pela primeira vez ela me confidencia sua
vinda para Seattle com detalhes.
– Eu deveria estar feliz naquele dia, tinha finalizado um caso
importante e um dos meus pacientes críticos havia saído do coma... Eu
deveria estar muito feliz, era quase uma obrigação estar – Mary parece
carregar um fardo maior do que eu imaginava em relação à sua vida.
– Mas naquele momento da minha vida eu estava tão só – se apertou
ainda mais contra meu corpo.
– Me via disposta a desistir das investigações, desistir de mudar
constantemente de cidade e ter que abandonar o hospital. Amo o que eu faço,
amo as duas coisas, mas me esquecia de viver – diz com voz entristecida.
– Eu já estava no terceiro cigarro quando vi um casal se acomodar
numa mesa distante da minha, eles pareciam absurdamente felizes – resolvi
deitar de frente para ela. Entrelaçamos as pernas e abracei sua cintura.
– Senti inveja – confessou com pesar e a olhei compadecido.
– Mas ninguém pode ter tudo, eu pensei – arqueou a sobrancelha.
– Meu celular não parava de tocar, mas não atendi naquele exato
momento, não conseguia para de olhar para eles, já sentia raiva de mim
mesma por isso... – ela enrubesce de vergonha ao contar.
– Passei das contas, bebi e fumei mais do que devia. Deixei o dinheiro
sobre a mesa e saí daquele lugar, eu necessitava de ar fresco, tudo em mim
cheirava a álcool e a nicotina – distribuo um carinho lento por suas costas,
enquanto ela dedilha minha barba.
– Meu carro estava na revisão, também não chamei um táxi. Era
quase meia noite e eu estava vagando pelas Colina de Paris, é meu lugar
preferido em toda Lisboa, sempre sonhei em ter uma casa por lá, mas minha
vida de nômade nunca permitiu. Eu apenas me contentava com um
apartamento do outro lado da cidade – Mary revela—se uma mulher doce e
suave ao falar de detalhes da sua vida, o que contrasta visivelmente com a
Madame inflexível e irônica que ousou me provocar em meu consultório com
sua analogia entre os deuses gregos e minha ex—esposa adultera.
– Caminhei até um miradouro, tem uma praça bonita com um chafariz
e de lá podemos ver a cidade iluminada. Deitei em um dos bancos e
cochilei... Nem sei onde estava com a cabeça, Philiph! – permaneço em
silêncio profundo.
– Só acordei com meu celular tocando novamente e me dei conta que
era Dimitriev, ele estava desesperado pela minha demora em atender. Recebi
um sermão por minha voz embriagada àquela hora da noite e uma intimação
para embarcar para o Londres em menos de quarenta e oito horas – houve
uma pequena pausa em sua fala.
– Recusei de imediato, sabia? Esbravejei com Dimitriev minhas
frustrações com Senhor S, “Diga ao meu querido pai que morri, que não
serei mais um cachorrinho que apanha e volta com o rabo entre as pernas.
Estou fora!” – repetiu sua fala ao telefone.
– Dimitriev sempre foi o pai que nunca tive, Henrique e ele são muito
importantes para mim, mas diferente de Henrique, ele nunca me chamou a
atenção tão friamente, até aquele momento. “Isso... Torne-se exatamente a
mulher que sua avó sempre disse que você se tornaria, uma inconsequente
degenerada, uma perdedora! Se lamentando pelos cantos porque o papai não
lhe deu um beijo de boa noite quando criança ou porque a sua vida repleta de
privilégios não faz de você uma pessoa comum. Mas vou lhe dizer uma coisa,
Mary, você é uma grandessíssima covarde! Te amo como filha, mas não vou
passar a mão na sua cabeça. Quer alguma coisa? Vá buscar. Quer desistir do
seu trabalho como investigadora? Desista! Mas tenha a decência de olhar nos
olhos do teu pai e dizer a verdade! Honre sua palavra, seja ela sim ou não.
Não fuja como uma pessoa medíocre!” – sua voz embargou ao relatar o
ocorrido e senti o quanto seu psicológico foi testado durante todos estes anos.
– Palavras duras – falei com tom de voz baixo e grave.
– Não, Philiph, palavras certas – corrigiu—me.
– Ele tinha razão eu sou muito covarde – balancei a cabeça
negativamente.
– Nós ainda temos muito que conhecer um do outro, mas covarde eu
sei que você não é! – rebati sério.
– É a mulher mais corajosa que conheço, a mais íntegra e a mais leal
também – completei.
– As nossas decisões do passado refletem quem nós éramos no
passado – enfatizei o “passado”.
– Não se condene por quem você era antes, o que importa é o que
você decidirá ser daqui para frente. E estarei sempre aqui, abraçando tudo o
que você é. Seus Dias bons ou ruins, Seu sorriso ou sua cara emburrada. Suas
certezas ou inseguranças, porque acima de tudo eu amo você, amo mais que
tudo na minha vida – ela tentou, mas não conseguiu evitar a lágrima que
escorreu, fazendo um traçado delicado por seu rosto. Prontamente a sequei
com a ponta dos meus dedos.
– Eu sentia um nó dentro de mim, mas obedeci como sempre e
quando percebi já estava desembarcando no aeroporto do Seattle – pausou e
sorriu de canto de boca.
– No dia em que entrei na sua sala para me apresentar eu estava
nervosa, você me olhou de um jeito diferente e depois parecia me desafiar –
ri de sua fala.
– Henrique me perguntou o que eu tinha achado do famoso doutor
Philiph – a olhei curioso.
– Por que ele perguntou isso? – indaguei curioso.
– Ele sentiu que eu poderia gostar de você, e ele estava certo –
suspirei e selei nossos lábios.
– Você praticamente invadiu meu apartamento com os papéis do
divórcio, depois me arrancou à força daquele bar, sem contar o baile de
máscaras onde praticamente fui sequestrada – ri mais alto e imediatamente
ela tampou minha boca.
– Assim você não acorda só a Lu, mas a sua mãe também – me dei
conta de que ainda estamos no closet e controlei—me.
– E você me deve um grande favor – fiquei curioso.
– Que favor? – arqueei a sobrancelha ao indagar.
– Ainda vou pensar numa forma de pagamento por ter cuidado de
você quando estava bêbado, até banho eu dei – mordi o lábio ao recordar
vagamente de algumas coisas.
– Eu estava muito bêbado, mas você foi o motivo da minha loucura e
é bem verdade que estava adorando aquilo – ela negou.
– Você se aproveitou de uma possível debilidade e eu não podia
deixá-lo na sarjeta – ele assentiu assumindo a culpa.
– Eu realmente estava muito embriagado! Vê-la naquele jantar me fez
sentir muitas coisas, depois eu acabei flagrando aquela situação... Tive
vontade de abandonar todos os convidados e te levar para outro lugar, mas a
única coisa que consegui fazer foi pegar uma garrafa de uísque na adega e
sair o mais rápido possível. Eu vaguei pelas ruas e bebi a garrafa inteira
pensando em como você estava linda com aquele vestido azul marinho. Me
penitenciei por sentir aquilo diante do esfacelamento da família que eu achei
que tinha. Às vezes eu me culpava por aquelas desgraças, imaginando que a
traição da Kate era resultado de falhas minhas. Depois quando caí na real eu
via o mal que ela me fazia – Mary afagou meus cabelos.
– Naquele dia, quando você caiu bêbado na minha cama no quarto de
hóspedes, eu sentei ao seu lado e fiz carinho em seus cabelos – me surpreendi
com a revelação.
– Dei um beijo em sua fronte e fiquei me perguntando por que alguém
tão especial como você estava passando por coisas assim – jamais poderia
imaginar que ela havia feito isso. Sua imagem de durona não deixava
transparecer quaisquer gestos de carinho.
– Mas sabe de uma coisa? Quando você apareceu no meu apartamento
com a Lu dormindo no colo, tive a certeza de que não era apenas sexo –
concordei assentindo positivamente.
– Nunca foi – assegurei.
– Me perdoa pelas coisas ruins que eu lhe disse todas as vezes que nós
discutimos. Você nunca foi insistente ou sufocante... Eu falei aquilo para te
afastar de mim, eu tinha medo de me apaixonar e tinha muito medo do meu
pai! Mas ainda assim você lutava por mim num momento da minha vida em
que eu nunca estive tão confusa – a abracei com firmeza.
– Eu já lhe perdoei há muito tempo, lhe disse isso no meio daquela
estrada deserta – ela inclinou-se para frente e beijou minha boca, num ósculo
doce.
– Me promete uma coisa? – nos olhamos após o beijo. – O que você
quiser! – respondi. – Sejamos sinceros e verdadeiros sempre, porque você
viveu uma mentira e eu mal conheço a história a que pertenço. Quero
definitivamente superar o abandono que sofri da minha mãe e seguir em
frente – analiso silenciosamente sua fala.
– Somos uma família agora – concluí e recebi mais um beijo calmo.
Após o pedido, ficamos alguns minutos sem dizer uma palavra
sequer, mas logo ela se antecipou em me recordar que estamos aqui há
bastante tempo e que temos que voltar para o quarto, pois minha filha está
sozinha. Levantamos—nos, recolhemos as roupas espalhadas pelo chão e nos
enrolamos em toalhas.
Mary ajeitou as coisas que tinha derrubado das prateleiras e seguimos
até o banheiro sem emitir barulho. Tomamos uma ducha rápida e retornamos
ao quarto. Luanna ainda dorme encolhida em posição fetal. Finalmente nos
acomodamos na cama, Mary está no meio, ela aproveita para abraçar minha
filha e faço o mesmo com ela.
– Estou muito feliz – sussurrei em seu ouvido. A mulher pendeu a
cabeça para trás e me olhou.
– Eu também – retribuiu a declaração com carinho e fechou os olhos,
aquietando—se. Os meus, ao contrário, ainda permanecem abertos. Penso em
todas as coisas que ouvi de Senhor S antes que ele partisse para o Seattle.
Talvez a paz que se instalou entre eles e o perdão concedido por ela
venham por água a baixo. Estou apreensivo, não estou pronto para ser o
portador de uma notícia tão grave. Rezo para que sua ira não se direcione a
mim.
Capítulo 40

Sinto um carinho gostoso em meus cabelos, fazendo meu corpo


despertar calmamente. Alguns beijos são distribuídos em meu rosto,
alternados com o roçar de uma barba macia, que aos poucos acaricia minha
pele. Posso inspirar um perfume delicioso e um aroma de frutas e chás. Meus
olhos abrem aos poucos e se fixam na figura sentada ao meu lado na cama.
– Achei que seria bom tomarem café, já passam das dez da manhã –
atestou com cuidado por me arrancar do sono profundo, mas fui acometida
por um susto repentino.
– Dez? – indaguei incrédula. Olhei rapidamente para o lado, vejo que
Luanna ainda descansa. Seu sono é tão pesado como quem sofre de letargia.
Há tantas marcas agressivas em seu corpo que sinto um nó em minha
garganta. Ele trava a voz e prende minha respiração. É impossível não
imaginar e desenhar na cabeça as cenas do que ela passou.
– Chamei umas duas vezes, mas ela não devia dormir em paz há Dias.
Vocês duas precisam se alimentar, não comem nada desde que saímos do
hospital – assenti ainda exausta. Meu corpo inteiro está dolorido, é difícil me
movimentar sozinha, somático pelas dores e pela noite de ontem dentro
daquele closet. Philiph me ajudou a sentar e apoiar as costas no travesseiro.
Ele lança sobre mim um olhar cúmplice, recordando-me nossa
concupiscência na madrugada.
– Obrigada! – ele sorriu para mim e não pude conter a expressão de
surpresa e ao mesmo tempo timidez, pois notei que ele deixou sobre a
cômoda uma belíssima bandeja de café da manhã.
– Você trouxe mesmo café na cama? – olhamos na direção da bandeja
e o vi balançar a cabeça. Quando seus olhos puseram—se sobre mim outra
vez, Philiph aproximou sua face da minha e mergulhei em sua imensidão
azul. Olhar tão profundamente nos olhos de alguém é algo que eu não fazia.
– Eu deveria ter feito isso há mais tempo, porque é assim que você
merece ser tratada – um calafrio gostoso inundou meu corpo e no mesmo
instante ele pressionou seus lábios contra os meus, mordiscando de leve meu
lábio inferior. Ao nos desconectarmos do ósculo, acariciei sua face esquerda.
– É a primeira vez que alguém faz isso para mim – confesso. É
estranho pensar que durante toda a minha vida só me relacionei friamente
com os homens. Alguns tentaram se aproximar, mas logo foram rechaçados
por mim. Expulsos de minha vida porque eu não conseguia lidar com o
deserto de emoções que se formava em meu peito desde a minha Infância.
Um a um os sentimentos deixavam—me sem dizer adeus e me tornei frívola,
fazendo com que os demais se tornassem meros expectadores da minha vida.
Quando meu olhar era nítido e eu enxergava boas intenções,
imediatamente estragava tudo com minha excêntrica capacidade de
autoflagelação. Minha obsessão momentânea pelo abismo. Eu me torturava e
me dividia entre as lições que aprendi de meu pai sobre manter as paixões
aprisionadas, pois destroem nossa centralidade e um convite para jantar do
bom homem que me cortejava. Eu aceitava, transávamos e no máximo
mantinha contato se ele quisesse um replay meramente sexual.
Do contrário, havia outro na fila à minha espera sem muitas
expectativas, a não ser aquelas que me convinham. E assim como fui
perversa com alguns, também havia os que nada tinham de delicado, e nada
faziam para despertar em mim qualquer sentimento humano vital que fosse.
Madame Mary saciava desejos eróticos.
Eu poderia ter homens belos e sofisticados aos meus pés todas as
noites, era excitante e me conferia poder. Muito poder. Mas tudo era carnal.
Tudo era apenas um enorme vazio, um precipício obscuro. Ao mesmo tempo
em que meu talento como detetive era exaltado, minha reputação como
mulher era completamente arraigada à superfície.
Apesar de meus envolvimentos serem constantes e sigilosos, nada era
pior do que a sensação que pairava sobre mim nos momentos em que eu me
via só. A consciência não era algo que me afetava, nunca fui adepta do
politicamente correto, mas quando a lucidez decidia me visitar trazia consigo
um desânimo mórbido e um gosto amargo de fel em minha boca. Um breu
esfumaçava minha visão e eu não era capaz de enxergar o mínimo de
sensibilidade dentro de mim.
Era convidada a dançar com minhas misérias, a lembrar de que eu não
passava de um capacho nas mãos de meu pai, e que a maioria dos homens
que cruzavam o meu caminho não pretendiam ficar mais do que algumas
horas. Noites e mais noites de festas, bebidas caras, sexo, e no fim, a
debilidade dos sentidos. Eu me ausentava da minha própria vida.
Não lembrava os nomes no dia seguinte, até do rosto esquecia. Eles
iam embora pela manhã e só restavam as roupas espalhadas e garrafas de
bebidas jogadas no chão, literalmente liquidadas. Os arranhões e manchas em
meu corpo denunciavam minha vida profana. Mas todo dia ansiava por mais.
Era como encher uma taça com enorme buraco no fundo.
Algumas teorias afirmam que as filhas buscam na figura masculina do
pai traços da personalidade que serão cruciais para o homem de suas vidas.
Cresci sem um bom exemplo do sexo oposto, alguém que demonstrasse amor
e proteção. Não aprendi a confiar ou me entregar a quem quer que fosse, pois
o pavor me consumia, então eu me blindava para todos. Tenho muitas
pendências emocionais e afetivas com meu pai, algo assim deixa marcas
irreparáveis em uma mulher.
E o fato de não ter conhecido minha mãe só dificultou as coisas. A
ternura de Philiph me assusta, ele é gentil, afetuoso. Nunca recebi café na
cama nem mesmo um botão de rosas. Fernando jamais me presenteou com
flores, apenas vinhos para brindarmos às nossas noites insanas. Por isso
minha estranheza quando o vi diante de mim com um buquê. Philiph deixa
minhas mãos trêmulas e com um frio subtraindo o estômago enquanto olho
para ele.
– A primeira de muitas – mordi o lábio ao ouvir sua voz sexy e rouca
tão perto. Ele tem o dom de atingir o lado mais excêntrico em mim. Lado que
eu não sabia que tinha e ainda está aprisionado por cautela. Talvez eu não
queira. Talvez eu tenha medo.
– Vou ficar mal acostumada – ele sorriu charmoso ao segurar meu
queixo e deslizar o polegar sobre o mesmo.
– Não me importo – sussurrou ao dizer. Estendi minha mão até sua
nuca e o puxei para junto mim. Neste momento onde reconheço outras
carências em minha vida necessito veementemente de abraço.
Philiph envolveu meu corpo e me esqueceu por longos segundos. Ao
nos encararmos novamente, suspirei cercada de sentimentos indescritíveis.
Olhamos para a menina adormecida ao nosso lado, é inacreditável que
estejamos todos aqui. Balanço a cabeça para que as lembranças ruins possam
se dissipar de minha mente. Respiro fundo para manter o autocontrole.
– Filha! – chamou por ela repetidas vezes até obter respostas. Vejo a
garotinha acordar aos poucos. Tão frágil. Com seus olhos perdidos em
lugares que jamais conseguiremos habitar.
– O seu pai trouxe café – falei alisando seus cabelos um tanto
engrenhados. Ajudamos a menina a sentar-se na cama até que encontrasse
uma posição confortável.
– Bom dia! – ela olhou diretamente para mim quando falei, mas ficou
em silêncio. Philiph e eu nos entreolhamos. Depois de tudo o que aconteceu
talvez Philiph jamais tenha sua menina de volta. Quando atravessamos o vale
dos traumas ainda na infância nosso subconsciente prende-se aos momentos
de pavor extremo e, aos poucos, libera a carga de dor ao longo dos anos,
deixando cicatrizes expostas em nossa forma de nos relacionar com as
pessoas.
A confiança torna—se uma difícil conquista e para cada mínima
pessoa que se aproxima revelamos um escudo. Uma casca firme e rígida a
qual construímos com o tempo. Inflexíveis, desconfiadas e o mais peculiar,
realistas demais.
A inocência de Luanna foi arrancada de maneira precoce.
Infelizmente um elo assim é irrecuperável. A paciência e o amor de um
adulto são essências para a recuperação de uma criança maltratada. E eu darei
a ela o amparo que nunca tive, pois, sozinha, tratei das feridas que surgiam
em mim. Não havia ninguém para me ajudar.
– Um café da manhã com as coisas que você gosta – disse ele para
quebrar o clima denso. Analiso sua mansidão, o modo como se dirige a ela e
a atenção que me oferta ao mesmo tempo.
Ao ver a larga bandeja ser disposta diante de mim, encantei—me.
Tudo está milimetricamente organizado, as frutas frescas, minha geleia
preferida, as torradas integrais. Há uma mini jarra com suco de laranja, uma
taça com vitamina de morango e dois pequenos bules com café e chá. Além
de outras coisas que ele fez questão de trazer, como cereais, passas e mel.
Não posso esquecer—me de mencionar três pequenos botões de rosas claras.
– Está linda! – elogiei de imediato, tomando as rosas em minha mão e
inspirando o perfume das mesmas.
– Espero que gostem – disse esperançoso. Philiph é obstinado e isso
me faz ter orgulho do homem que é.
– Você fez tudo sozinho? – indaguei. Ele soltou um riso baixo, mas
delicioso de se ouvir.
– Você deveria acreditar – disse confiante e pleno de seus feitos.
– Não desacredito – toquei sua mão e alisei o dorso da mesma.
– Agora basta saber se a Lu acredita que eu fiz tudo isto! – falou com
intuito de chamar atenção da menina, para animá-la ou mesmo ouvir sua voz,
mas ela está apática e com o olhar vago. Vejo o homem com a expressão
preocupada e não sei o que fazer. Ele se levantou, deu a volta na cama e
sentou-se ao lado dela, puxando-a para o seu colo. A garotinha deitou a
cabeça em seu peito e encolheu—se.
– Fale comigo! Por que está tão calada? – a criança nada responde. Eu
que nunca lidei tão intimamente com crianças, não faço ideia de como agir.
Ele faz carinho em seus cabelos e movimenta lentamente o próprio corpo
como um pêndulo, como quem nina um bebê para dormir.
– Parou de chover, está um dia bonito lá fora! E eu estou sentindo
muita falta do seu sorriso – parou de balançá-la e a olhou fixamente.
– Eu também senti do seu – disse algumas palavras, finalmente. Há
tanto afeto entre eles, uma cumplicidade desconhecida por mim.
– Você tem que comer porque depois vou te levar para tomar sol – ela
apenas assentiu. Philiph beijou a fronte da filha e suspirou.
– Eu te amo muito e preciso que fique bem – a garotinha me olhou e
ele acompanhou seu olhar.
– Você também vai tomar sol? – perguntou num tom de voz baixo.
– Vou sim! – respondi com feições confiantes.
A menina abraçou o pai de maneira apertada por e beijou—lhe a face.
Em seguida, desvencilhou-se dele e, com esforço por causa do tornozelo
machucado, sentou-se ao meu lado, presenteando-me com um beijo
inesperado na maça esquerda de meu rosto.
– Eu vou cuidar de você – meu coração palpitou ao ouvi-la e me
surpreendi com suas palavras.
– Vai cuidar de mim? – indaguei suavemente curiosa. Busco entender
o porquê das coisas que diz.
– “Uhum” – enroscou seus dedos em meus cachos e me encarou como
o pai dela costuma fazer, com seus olhos azuis cravados nos meus.
– Você cuidou de mim lá dentro, agora eu vou cuidar de você –
Philiph e eu não sabemos o que falar após a declaração. A abracei de lado,
com cautela para não derrubar a bandeja, e me rendi aos seus afagos.
– Você é muito especial – confesso diante das coisas que ouvi.
– O papai também é especial – olhei para Philiph que nos observa em
silêncio.
– Ele é muito especial, sem ele eu não teria te conhecido – estendi a
mão para o pai dela e Philiph a apertou como resposta, em seguida beijou—a.
– Promete que não vai embora? – puxou meu rosto em sua direção e
disse aflita.
– O que eu disse no hospital sobre nós três ficarmos juntos é verdade
– a menina deitou a cabeça em meu peito e abraçou minha cintura.
– Para sempre? – tornou a perguntar e meus pensamentos viajaram em
momentos da minha vida onde eu não tinha compromissos com o coração de
alguém.
– Eu quero muito que seja – e durante alguns segundos ficamos
quietas e abraçadas. Suas mãos pequenas me seguram com força, revelando o
medo do abandono.
– O café vai esfriar! – o alerta nos fez voltar à realidade e prontamente
nos posicionamos diante da bandeja.
– Morango é a minha fruta preferida, sabia? – disse depois de um bom
tempo, ingressando numa conversa descontraída, típica da espontaneidade de
uma criança.
– Verdade? – questionei afastando uma mecha de seu cabelo.
– Eu também gosto, mas a minha favorita é uva – ela me fitou
carinhosa e se interessou.
– Ah eu também adoro outras frutas no café da manhã – completou
apontando para a bandeja.
– Nós temos gostos muito parecidos – sorri apertando seu nariz e ela
enrubesceu. À medida que falamos, tomamos nosso café da manhã com
tranquilidade.
Luanna parece entusiasmar-se com cada uma das pequenas
descobertas que faz sobre mim, sinto-me feliz em saber que aos poucos
estamos nos conhecendo, que ela confia na pessoa diante dela. Agora a
criança já sorri facilmente, prendendo nossa atenção, pois é sua primeira
manifestação de bem estar.
Apesar de não comer quase nada, Luanna se esforça em acatar o
pedido do pai para que se alimente, pois é para o seu bem.
– A vitamina toda – apontei para a taça ainda pela metade. Ela me
olhou a procura de um olhar complacente.
– Não quero mais – balancei a cabeça negativamente
– Tem que tomar tudo, – ela esboçou uma face desanimada, mas
obedeceu sem mais objeções. Após ingerir a vitamina, ficou com a parte de
cima do lábio suja de leite e morango. Olhei para ela e ri.
– Está toda suja de leite – Philiph entregou—lhe um guardanapo e
ambos se divertiram numa gargalhada gostosa. Ela agradeceu a gentileza do
pai e mais uma vez admirei a cumplicidade dos dois.
– Obrigada também, tudo estava ótimo – agradeci o cavalheirismo,
atípico nos homens que conheci.
– Vamos tomar um pouco de sol? – indagou sugestivo e assenti
convicta. Ele tratou de levar as coisas para a cozinha, enquanto Luanna e eu
nos arrumávamos.
Não disponho de paciência com crianças e alguns paradigmas são
quebrados aos poucos. Sinto-me a vontade, ainda que no fundo eu esteja
insegura sobre o futuro. Minha vida parece mudar numa velocidade rápida
demais, fazendo-me viver do avesso.
Nossas bolsas estão dispostas num canto do quarto, escolhi então a
roupa mais leve que encontrei. Optei por uma calça moletom cinza
confortável e uma blusa branca de alcinhas. Calcei um sapatinho fechado e
soltei meus cachos.
Raramente me visto assim, nem mesmo quando estou sozinha em
casa. Fui educada sob—regras de etiqueta rígidas de que a mulher necessita
estar impecável em todo o tempo. Mesmo sozinha. Sempre pronta para todas
as ocasiões. E especialmente hoje, decidi não passar maquiagem alguma, o
que é libertador para mim.
Luanna pediu para que eu escolhesse algo em sua bolsa, pensei um
pouco e peguei um vestido amarelo soltinho, de mangas três quartos. Seu
comprimento lhe cai até os joelhos e combina com seus cabelos loiros.
A sapatilha na cor creme com um enfeite pequeno de laço ela mesma
decidiu usar e quando nos olhamos no espelho do closet, reparei que o
simples também revela sua beleza.
A menina se direcionou ao banheiro com passos tortos. Sobre a pia, pegou
uma escova de cabelo e começou a difícil tarefa de desembaraçar algumas
mechas.
– Quando precisar de ajuda você pode me pedir – me aproximei e
segurei sua mão, direcionando-a para o quarto. A fiz sentar na cama e cuidei
de seus cabelos, ela pacientemente espera. Penteio com calma cada mecha
loira e macia. Entristecida, reparo entre suspiros as falhas que restaram
daqueles terríveis Dias de cativeiro.
– Não doeu nada – disse assim que terminei.
– Mas não precisa doer – a abracei por trás e apertei-a contra meu
corpo para que pudesse se aconchegar.
– Sempre doía quando ela penteava – disse voltando seu olhar para
mim. Vejo a profundidade das recordações que existe dentro dela, cada uma
mais assombrosa que a outra. Busco por palavras para consolá-la, então
segurei seu rosto e fixei nossos olhares.
– Todas as coisas ruins ficaram lá atrás, está bem? – ela moveu a
cabeça em sinal positivo. – Nada do que aconteceu com você vai se repetir.
Isto é uma promessa! – falo com propriedade para que ela se sinta confiante.
– Então agora nós duas vamos combinar uma coisa – me encarou atenta e
afaguei seu rosto. – Todas as vezes que os pensamentos ruins chegarem e te
fizerem lembrar o passado, você vai fechar os olhos e respirar fundo – ela fez
da forma como falei.
– E depois? – questionou apreensiva e sem demora.
– Depois que fizer isso o medo vai passar, porque você não vai estar
sozinha – beijei a ponta do seu nariz e acariciei suas bochechas com meus
polegares.
– Estão prontas? – ouvimos a voz de Philiph a nos chamar. Admirei-
me quando o vi parado na porta, já se arrumou. Está informal e muito bonito,
trajando uma bermuda jeans clara e uma camisa gola polo cinza escura, que
acentua ainda mais os desenhos de seus músculos, uma vez que é justa ao
corpo. Nos pés, para finalizar, um All Star sem cadarço na cor branca.
– Estamos! – respondi e ele se ofereceu para carregar a filha. O
tornozelo ferido ainda a impede de fazer isto sozinha sem sentir muitas dores.
Direcionamos—nos até a varanda lateral da casa e só agora reparo na
suntuosidade da arquitetura, uma construção térrea e espaçosa. Seu estilo
vitoriano é magnífico, os móveis e os papéis de parede em estilo clássico
trazem ao ambiente a sensação da estarmos na Inglaterra do século XIX.
Transpassamos uma porta larga que dá acesso à parte externa, onde posso
apreciar o belo jardim e uma brisa deliciosa balançando meus cabelos.
– Minha tia mora aqui desde que se casou, a mais de quarenta anos.
Minhas irmãs e eu costumávamos vir aqui nas férias, mas já não visito a
minha família a mais de oito anos – as palavras dele saem com um peso.
– E por que todo esse tempo? – questionei, observando a rede
espaçosa no final da varanda. Ele inspirou demoradamente o ar e fitou o
horizonte.
– Depois falamos disso, está bem? – aceitei seu pedido, que mais
parece uma súplica.
– Nós temos tantas coisas para conversar, mas aqui não. Ela não vai
largar a gente – colocou a filha no chão e alisou seus cabelos.
São coisas que ela jamais poderá ouvir. Mesmo que seja tempo de
quietude, se pudéssemos extravasar tudo, assim faríamos. Porém, nem
mesmo eu estou preparada. Muito menos para conhecer os sentimentos que
jazem adormecidos, acorrentados. Philiph e eu carregamos uma dor que ainda
não foi exorcizada.
– Minha irmã costuma dizer que o ar fresco daqui é terapêutico –
Rowena disse ao se aproximar de nós, eu não tinha notado sua presença.
– Conseguiu descansar um pouco? – indagou-me preocupada. Sinto
uma serenidade peculiar estando ao lado dela.
– Dormi muito bem – respondi. A mulher segurou minhas mãos e me
fitou.
– Estou muito feliz, queria dizer as palavras certas, só não encontro –
apertei ainda mais nossas mãos que estão unidas.
– Não precisa dizer nada – afirmei.
– Eu posso te dar um abraço? – pediu.
E antes que de minha boca saísse alguma palavra, ela veio ao meu
encontro. Por uns instantes não tive reação, mas deixei que a mãe dele me
ofertasse o gesto que precisava.
– Vou deixar vocês à vontade e dar algumas orientações para Maria a
respeito do almoço – exclamou ao findar o abraço.
– Se precisar estarei na cozinha, meu filho – foi em direção a Philiph
e o abraçou apertadamente.
– Quer fazer biscoitos com a vovó? – indagou ao distribuir beijos na
face da neta.
– Agora não, vovó – respondeu com sua voz doce.
– Quero ficar com eles – olhou para mim e pisquei.
– Está bem, amorzinho – ela notou nosso desejo por privacidade, e
sem mais delongas retirou-se para ficarmos a sós. Puxei os dois pelas mãos e
caminhei até a rede.
O sol brando aquece parcialmente o local e presumo ser um ótimo
momento para desfrutarmos dele. Philiph acomodou-se no meio, está sentado
de modo que seus pés tocam o chão. Luanna e eu nos colocamos uma de cada
lado, inclinamos o corpo para trás, e com os braços abertos ele nos acolheu,
cada uma com a cabeça recostada em seu peito.
– Aqui é tão bonito! – concordei com Luanna. Nossas mãos estão
sobre o peito dele, ela tocou a minha e a segurei, beijando seu diminuto
dorso.
– Também achei – acompanhei seus pensamentos. – Por que você
nunca me trouxe aqui? – as mãos do homem passeiam em meus cabelos,
proporcionando uma sensação deliciosa. Ouço a conversa dos dois e sinto sua
apreensão quanto à pergunta.
– É um pouco longe de Seattle, por isso nunca viemos – contornou a
situação. A menina soltou a mão da minha e passou a massagear a maçã de
meu rosto com o polegar. Fechei os olhos para sentir os cuidados que ambos
têm comigo. Nada mais foi pronunciado e por bastante tempo permanecemos
emudecidos.
Ao abrir meus olhos, vejo Luanna me olhando compenetrada, e agora,
ela desenha meu rosto com a ponta do indicador, como se guardasse meus
traços na memória.
– Termina de contar a história da princesa Lis e do príncipe Atos! –
me surpreendi com o pedido. Engulo a seco a sensação esquisita que paira em
minha garganta, pois me recordo com exatidão do dia em que fui ao
cemitério para finalizar a história diante do túmulo.
Naquele momento eu me sentia arruinada como mulher, como
investigadora. Respiro fundo, reúno forças para não pensar aqueles
momentos tenebrosos e me rendo.
– Achei que tivesse esquecido a história – brinco com ela que me
retribui com um sorriso acolhedor.
– Eu gostei muito! – disse animada. – Papai você tem que ouvir! –
ergui a cabeça e olhei para ele, o encontrei com um semblante atento.
– Eu também quero ouvir você contar – eu não tenho outra escolha.
Estou encabulada por estar perto dele assim, mas é um pedido dela.
– A Lua e sua filha Noite... – as lembranças de onde parei a narrativa
me veem à tona, assim como minha infância.
Meu pai não permitia que minhas babás contassem histórias, não
queria “infantilizar” demais a filha. Ele mal sabia que a garotinha que eu era
necessitava de alguma fantasia para se agarrar, algo que lhe trouxesse
esperança diante da vida fria que levava. Senhor S decretava e era lei
absoluta.
Eu tinha somente ensino de Artes Liberais baseadas na educação
clássica. Desde os meus quatro anos, tive aulas de Gramática, Lógica,
Retórica, Aritmética, Geometria, Música e Astronomia. Cada disciplina
respeitava minha capacidade intelectual e algumas foram inseridas apenas aos
sete anos. Mesmo ao ingressar no colégio regular continuei com os estudos
paralelos.
Ao entrar para o internato, aos onze anos, meu QI foi avaliado em um
grau acima da média. Porém, nada disso preenchia minha vontade de ser
apenas uma criança. Mas no meio de tanta solidão, uma das empregadas da
mansão sempre me consolava às escondidas, Anastácia era a mais antiga a
servir minha família e foi dela que aprendi esta história.
Recordo-me plenamente de suas palavras quando me via chorar, “Um
dia tudo isso vai passar, minha menina”
– Você esqueceu a história? – despertei ao ouvir a pergunta, meus
pensamentos me levaram muito longe.
– Não, minha querida – sorri para ela e dei continuidade. – A Lua e
sua filha Noite disseram à princesa Lis que Atos estava no planeta Vênus.
Ela, então, foi visitar o astro conhecido pelos antigos astrônomos como
estrela d'álva ou joia do céu. Vênus disse à bela moça que o príncipe se
perdera durante um passeio nas constelações em busca de outra estrela que
daria a ela de presente.
O jovem rapaz tinha feito um amigo, a estrela Sírius. Ele tinha três
filhas, todas de nome Maria. Juntas, elas formavam o cinturão de Órion, as
três Marias. A primeira Maria trazia um cinto reluzente envolta da própria
cintura, a segunda, um colar de pérolas negras e, a terceira Maria, a mais
nova, ganhara do pai em seu décimo segundo aniversário um laço de bronze
com tamanho infinito que circundava o cinturão de Órion.
Um dia, um grande meteoro atingiu a constelação e roubou o laço,
deixando todos à mercê da galáxia, pois uma vez sem a proteção, eles podiam
se perder no cosmos e nunca mais se reencontrarem. Sírius suplicou por ajuda
e Atos não pensou duas vezes. Por treze Dias e treze noites eles vagaram
através da poeira das galáxias até encontrarem o laço.
Ela estava com o planeta Kelt, o mais quente do universo fora do
sistema solar. Houve uma intensa batalha, Sírius combateu com seu exército
de cães maiores, eles eram como fumaça e se tornavam invisíveis para atacar
os inimigos blindados a fogo.
Nosso príncipe estava quase sendo derrotado quando o mago que o
ajudou a subir aos céus em busca da estrela enviou—lhe uma espada
cravejada de gelo. Com ela apareceram os guerreiros enviados pela Lua,
congelantes e esmagadores, chamados eclipses. Juntos, destruíram o exército
de fogo e conseguiram recuperar o que mantinha unido o Cinturão de Órion.
Como recompensa por sua bravura, cada uma das Três Marias
presenteou o príncipe Atos com uma parte de suas relíquias. A primeira
Maria deu a ele um bracelete feito com as luzes resplandecentes de seu cinto.
A segunda, um diadema com pérolas negras e, a terceira, utilizou uma
pequena fração do laço de bronze e a transformou em dois anéis. Ela
entregou o presente dizendo ao rapaz que escolhesse a moça certa e que ao
usarem o anel, eles jamais iriam se separar. A princesa Lis, ao saber de toda a
história foi ao encontro de seu amado no planeta Vênus.
Ao chegar, o encontrou acompanhado da estrela que ele daria de
presente a ela. Os dois se abraçaram e com as bênçãos dos astros que a
ajudaram a encontrar o jovem rapaz, uniram—se para sempre – ao finalizar a
história reparei que os dois nem piscavam.
– E fim... – a menina esboça uma face de encantamento e Philiph traz
um sorriso bobo no rosto.
– Foi a história mais linda que eu já ouvi – confessou sorridente.
– Que bom que gostou! – me senti contente em proporcionar um
momento de felicidade a ela.
– Vai ser sempre minha história favorita – inclinei meu corpo em sua
direção e beijei sua fronte.
– Eu não conhecia esse seu lado – Philiph disse surpreso.
– Como você mesmo disse, há tantas coisas que precisamos conhecer
um do outro – ele simplesmente assentiu e suspirou de leve. E assim
passamos um bom tempo deitados na rede em silencio e sentindo a
companhia um do outro.
Capítulo 41

Estamos nesta casa há dez Dias, e durante todo este tempo não
tocamos no assunto. Por mais urgente que seja, optamos por nos resguardar e
recuperar as energias que nos foram roubadas, como se a casa e o silêncio
fossem válvulas de escape.
Tudo por aqui é excepcionalmente comum. E é como se nossos
corpos estivessem aqui, mas a mente vagando em outro lugar. Luanna já
caminha sem dores ou dificuldade de marcha, se alimenta bem e a vejo mais
ativa. Ainda estou me acostumando a dividir a cama todas as noites com o
mesmo homem e a sentar—me à mesa como uma pessoa comum.
Estranhamente, nos últimos Dias, Philiph me parece preocupado. E hoje,
trancou-se em um dos quartos com a mãe, enquanto eu cuido da Lu.
A menina adormeceu no quarto onde a avó se instalara, após o café da
tarde. Fiquei com ela até que pegasse no sono, e ao notar que havia dormido,
decidi sair do quarto para dar uma volta no jardim, mas ouvi murmúrios
vindos do escritório. Um cômodo próximo aos dormitórios. A porta está
entreaberta, caminho cautelosamente para ouvir melhor. Philiph e a mãe
conversam sobre algum assunto que ainda não sei decifrar.
– Quando pretende contar a ela? – Rowena adverte seriamente o filho
e o clima parece nebuloso.
– Logo. Havia muita coisa pra resolver – vejo seu cenho franzido e
sua voz ecoa ligeiramente insegura.
– Você tem certeza de que é isso que quer filho? – questiona
preocupada. Ela toca o rosto dele e o homem segura suas mãos para beijá-las.
– Eu nunca tomei uma decisão tão séria! – respondeu com exatidão.
– Arrisco qualquer coisa – a mãe o segurou pelos ombros e o olhou
com profundidade.
– E a minha neta? Ela precisa de estabilidade, serão grandes
mudanças. Não quero que isso atrapalhe a recuperação dela! – disse com
propriedade e Philiph silenciou por uns instantes.
– Eu preciso me dar à chance de ser um pai melhor, estive muito
ausente – suspirou com ares de remorso.
– Rowena – chamou—a docemente pelo nome.
– Tudo o que faço agora é para o bem dela – a mulher assentiu
compreensiva.
– Então tudo está vendido, não é? – indagou com tristeza profunda de
quem perde um ente querido.
– Quase tudo – afirmou. Sinto algo estranho no ar. Minha vontade é
adentrar ao quarto e interrogá-los.
– Você e a Mariana são dois loucos! – ele assentiu em concordância.
Tento buscar na memória qualquer coisa da vida de Philiph que se remeta a
este nome.
– Conte logo para ela – insistiu com veemência e engoli a seco ao
ouvir.
– Eu vou contar, mas ela não pode saber disso hoje – minha
respiração findou.
– Preciso de mais um dia – completou ao gesticular. De repente me
vejo tomada de uma inquietação absurda.
– O que eu não posso saber? – invadi o quarto sem cerimônia alguma.
Os dois me olham assustados pelo modo efusivo como entrei.
– Mary! – exclamou surpreso e logo encarou a mãe.
– Que susto! – pôs a mão do lado esquerdo do peito.
– Rowena, com todo o respeito, pode nos dar licença, por favor? –
pedi educadamente sem tirar os olhos dele. Philiph encarou a mãe e assentiu
como se pedisse a mesma coisa. A mulher saiu do quarto sem dizer uma
palavra, trancou a porta devagar e por fim, deixou—nos a sós.
– Há quanto tempo estava ouvindo a conversa? – perguntou ao se
aproximar, mas me esquivei.
– Tempo suficiente – respondi seca. – O que está escondendo de
mim? O que eu não posso saber? – o interroguei séria. – Fala Philiph! – o
intimei com aspereza. Meus batimentos cardíacos aceleram gradualmente e
minha boca está seca.
– Senta aqui, vamos conversar – tocou meu braço, mas o puxei de
volta.
– Quem é Mariana? – questionei pausadamente.
– Mary eu vou explicar, fica calma – andou em minha direção e tocou
meu rosto. Tirei suas mãos de mim, recostei-me na cômoda e cruzei os
braços.
– É claro que você vai explicar quem é Mariana e também vai me
dizer por que tem estado tão esquisito nos últimos Dias! – seus olhar para
mim é de incompreensão, Philiph tentou prosseguir, mas continuei com as
indagações.
– Ultimamente passa horas no celular e quando chego perto seu tom
de voz muda, você desconversa! – minhas palavras sem filtro interpelam o
homem de modo a encurralá-lo contra a parede.
– Philiph o meu pai tinha razão? – sua face mudou completamente
com a pergunta.
– Chega! – decretou e travei o interrogatório sentindo meu corpo
inteiro tremer de raiva.
– Não precisa mais agir como detetive, não comigo – apontou e engoli
a seco suas palavras. O homem deus passos rápidos em minha direção e
apoiou os braços na cômoda, prendendo-me ao móvel. Com o gesto brusco
inclinei meu corpo para trás e mirei direto em seus olhos.
– Realmente você ainda não me conhece – sinto uma doçura
melancólica em sua voz e a respiração quente em meu rosto, diante da atitude
que o magoou.
– Você tem ideia do que significa para mim? Eu sou incapaz de te
machucar – o chão por debaixo de mim some aos poucos.
– Philiph eu... – ele cerrou meus lábios com seu indicador.
– Só não contei antes o que estou prestes a contar agora porque eu
estava pensando na melhor forma de te dizer o que preparei durante esses dez
Dias que estamos aqui, muitos dos quais também foram madrugadas em claro
conversando com a Mariana, depois que você dormia – o encarei incrédula.
Ele levou a mão direita até o bolso da frente da calça jeans e retirou o celular.
Desbloqueou a tela, passou alguns segundos procurando por algo até que
ergueu o olhar novamente para mim e mirou o aparelho em minha direção.
– Esta é a Mariana! – mostrou-me uma foto, apontando com o dedo a
mulher de cabelos negros de comprimento até os ombros e pele alva que
estava abraçada a ele, seus olhos castanhos escuros contrastam com os azuis
de Philiph e os da outra mulher loira junto a eles.
– Minha irmã caçula – fecho os olhos com certa força para refrear
minha conduta impulsiva.
– A outra se chama Luísa – abri os olhos para analisá-la.
– Minha Irmã mais velha – ele se afastou de mim e respirei
superficialmente. O homem sentou sobre a cama e ficou em silêncio.
Percebo agora que estou dominada por um sentimento que nunca tive
por homem nenhum. Uma sensação esquisita que comprime o peito e me
esmaga um pouco. Pela primeira vez na vida experimento o gosto amargo do
ciúme. Olhei para o alto e recuperei o fôlego. Dei alguns passos e me sentei
ao lado dele.
– Olhe para mim – segurei seu queixo e puxei seu rosto para mim.
– Eu te achei distante a maior parte do tempo todos esses dias. Não
jogue comigo desta maneira – ele intercala o olhar entre meus lábios e meus
olhos e esboça uma expressão interrogativa na face.
– Não importa o que o seu pai pensa ou pensou ao meu respeito, mas
o que você pensa, sim. Isso importa! – disse sério. E assim como meu pai,
também carrego dentro de mim um orgulho colossal que só Philiph tem a
capacidade de quebrar.
– Eu sei... – tento contornar minhas palavras duras.
– Só não mente para mim! Você disse que é meu melhor amigo –
relembrei suas palavras.
– Eu sou seu melhor amigo – esboçou face de arrependimento, mas o
abracei em seguida e ele me apertou com seus braços.
– Confia em mim! – pediu sussurrando quente em meu ouvido.
– Acredito em você – afirmei com exatidão. – Não veja minha atitude
como invasão de privacidade, foi apenas um ato inesperado – expliquei-me e
ele encarou-me com ar de preocupação.
– Tomei algumas decisões administrativas em relação a uma parte dos
meus bens – ditou a frase como timbre mais grave que o habitual. Estou
atenta ao que tem a dizer.
– Acionei meu advogado e aceitei a oferta de uma construtora pela
venda do clube. – recordo-me exatamente deste lugar, estive no SPA com
Leticia no dia do meu aniversário e desfrutei de uma loucura absurda com
Philiph na noite do baile de máscaras.
– Por que decidiu se desfazer? – inquiri.
– Lembranças ruins! Lembranças dela. Não vou conseguir mais pisar
naquele lugar. Só tenho uma única recordação boa – me olhou cúmplice e fiz
carinho em seu cabelo, assentindo sem nada dizer. Compreendo seus motivos
e rememoro as cenas de nossa entrega no quarto de descanso do SPA.
– O dono da construtora já me fazia essa proposta há alguns meses,
não foi difícil fechar o contrato. É uma área nobre e a especulação imobiliária
é grande – Philiph revela os acontecimentos com certa nostalgia, afinal,
apesar de tudo, havia uma história por trás das coisas que construiu com
Kate. Mesmo que a importância de toda esta história tenha sido unilateral.
– É por isso que estava tão misterioso? – sondei com cuidado.
– Também coloquei a mansão à venda, a corretora já tem clientes em
vista, mas eles disseram que talvez possa demorar por causa das coisas que
aconteceram por lá – as imagens daquela noite trágica passam como um filme
diante dos meus olhos. Ainda posso sentir o cheiro agridoce de sangue
pairando no ar, os corpos dependurados na árvore e a boneca ensanguentada
de Luanna caída no jardim junto às mechas de seus cabelos.
– Não há mais nada naquela casa a não ser os móveis, meus pertences
pessoais estão na casa de praia. De lá não quero absolutamente nada, um
alfinete sequer – o escuto silenciosamente. Enquanto ele desvenda a razão
pela qual estava tão esquivo nesses Dias.
– É muita burocracia, meu advogado tem uma procuração em meu
nome para resolver isto – relatou-me com detalhes.
– Eu só queria que durante esse tempo pudéssemos esquecer um
pouco a vida lá fora, não podia quebrar esse momento perturbando a sua
cabeça com negócios – respirei aliviada ao tomar consciência de que minha
paranoia não tem fundamento.
– Eu entendo. Não tenho excepcionalmente nenhuma objeção a fazer
a não ser a de que você não mantenha segredos – ele assentiu compreensivo.
– Eu gosto muito da verdade – concluí minha observação.
– Tudo o que eu fiz foi único e exclusivamente para um fim – olhei
para ele com inquietude.
– Era necessário que eu me desfizesse de algumas coisas de maneira
rápida. Tomei uma decisão – estou intrigada com suas palavras, achei que
tivesse entendido, mas Philiph confundiu minha mente.
– Como assim? – recolhi o semblante tranquilo que eu trazia há fração
de segundos atrás.
– Está entranho! Que decisão é essa? – Philiph me olhou m silêncio.
Posso ver uma tensão nítida em seus ombros.
– Vem comigo, preciso lhe mostrar uma coisa – levantou-se da cama
e me estendeu a mão. Hesitei, mas logo decidi acompanhá-lo.
Uma apreensão esquisita inunda o ambiente. Philiph foi sempre tão
claro e expositivo em suas ações, que o menor sinal de mudança em seu
comportamento deixa-me em alerta. Ele está me conduzindo ao quarto onde
nos hospedamos aqui. Entrei e ele fechou a porta.
– Philiph diz logo o que você tem para me dizer! – gesticulei e parei
no meio do quarto. Ele por sua vez, dirigiu-se até a cômoda próxima a cama,
ficando de costas para mim.
– Eu sempre tomei decisões precipitadas. Muitas inconsequentes. E a
gente só percebe o quanto precisa mudar quando algo muito sério acontece –
suas mãos seguraram os puxadores da cômoda e aos poucos a mesma foi
sendo aberta.
– Eu fiz uma escolha. Você é o motivo – estou sem ação diante das
coisas que diz. As sentenças que saem de sua boca tem a capacidade de
acalmar e ao mesmo tempo de me deixar aflita.
– Para com esse suspense – pedi nervosa, esfregando minhas mãos
frias uma na outra. Reparo no movimento que está a executar, sua mão direita
adentra a gaveta e retira dela um envelope branco, sem inscrições na frente ou
no verso.
Philiph fecha lentamente o compartimento do móvel e gira o corpo
para olhar—me fixo nos olhos mais uma vez. Encarando-me como se
adentrasse o meu íntimo, os olhos brilhando num azul vivo e intenso.
Nossa mudez recorda-me o homem que vi pela primeira vez na sala
de reuniões do hospital de Esmerald City, tão bonito em seu jaleco branco e
impávido na postura. Suas expressões faciais me intrigaram e causaram um
calafrio instantâneo que presumi ser prelúdio de algo grande a voraz. Algo
que traria uma névoa de dúvidas ou talvez fosse um instante
de Insight. Nossos corpos reconheceram—se imediatamente. Nossos
hormônios exalavam pela sala a procura um do outro e me acompanhavas a
cada movimento meu, seus olhos me seguiam harmonicamente como numa
dança. Nosso aperto de mão na tua sala só confirmou minha premonição.
Agora o vejo dar passos em minha direção e parar diante de mim.
– Eu quero lhe dar uma coisa – estendeu a mão com o envelope. Sua
calma perante minhas indagações é surreal.
– O que é? – perguntei sem tocar o objeto.
– Abre! – pediu seguro de si.
– Esta é a razão pelo nosso mal entendido? – fiz nova pergunta.
– É – observo. Tomei coragem e recebi o envelope.
Analisei—o com cuidado e fitei o homem algumas vezes preparando-
me para abrir. Não sei exatamente qual o conteúdo, mas é demasiado
estranho todo este mistério.
Rompi o lacre e levantei a aba, para enfim revelar o que está escondido. Mas
imediatamente, uma onda de emoções tomou conta de mim e sorri ao ver o
que estava reservado.
– Philiph... – me emocionei ao ver três passagens aéreas com destino
a Lisboa.
– Você não esqueceu – ele sorri ao ver minha reação de êxtase.
Faltam—me palavras para agradecer.
– Você não esqueceu mesmo – repeti e avancei sobre ele não abraço
avassalador.
– Jamais – disse apertando-me forte conta seu corpo, enquanto eu
sorrio feliz em seus braços.
– A Lu vai adorar passar uma temporada em Lisboa – falei contente.
Passei as mãos em seus braços até subir por seus ombros, onde os massageei
e logo em seguida envolvi sua nuca.
– Estou morrendo de saudades daquele lugar – beijei sua boca várias
vezes ao dizer.
– Nós precisamos mesmo desse tempo longe daqui – ele concordou
acenando com a cabeça.
– Precisamos, mas não podemos passar uma temporada em Portugal!
– ainda que não seja um período longo, poucos Dias serão o suficiente.
– Não tem problema, sei que precisamos retomar a rotina. Alguns
Dias em Lisboa serão suficientes – ele negou em silêncio. Deixou sua posição
mais ereta e segurou meu rosto.
– Você ama mesmo esse lugar, não é? – perguntou-me mais uma vez.
– Philiph, não é pressão, mas você sabe que amo. Tem valor
sentimental para mim – respondi com sinceridade e ele me olhou de um jeito
diferente.
– É por esta razão que eu só comprei passagens de ida – travei meu
corpo instantaneamente e fiquei boquiaberta ao ouvir.
– Que? – minha voz quase não sai. Encaro o homem à minha frente
com uma sensação indescritível de espanto. Philiph jamais manifestou
qualquer desejo de se estabelecer fora de Seattle.
Quando eu mencionava os lugares onde morei, ele se pronunciava
dizendo que apesar de ter feito muitas viagens, sempre retornava a este país
saudoso do cheiro do mar do Seattle. Até mesmo da cafeteria ao lado do
hospital sentia falta.
– Eu quero recomeçar. O Seattle está repleto de recordações. Eu não
vou conseguir ficar em paz naquele lugar – permaneço afônica, sem desviar
minha atenção dele.
– E agora mais do que nunca, é o momento de não pensarmos muito, de só
ir... – intercalo meu olhar entre seus olhos e as passagens em minha mão.
– Eu sei que parece loucura, mas nunca estive tão certo – confessa
sem rastros de dúvidas.
– Portugal é aconchegante, é bonito – necessito com urgência de me
pronunciar. Dizer alguma coisa, mas estou em choque.
Philiph está me dizendo que decidiu mudar toda a sua vida por mim.
Mudar de país, de rotina. E eu não sei o que lhe dizer. Por uns instantes ele
calou. De certo, espera profundamente por uma palavra minha. Passei minha
mão por seu rosto, olhei novamente para as passagens. Ele tem razão, isto é
loucura. E de todas as loucuras que já cometeu, esta é a mais inimaginável.
– Está falando sério? É Lisboa, Philiph – comentei incrédula, quase
em sussurro. Mas algo começa a crescer dentro de mim, é a voz da minha
covardia diante da possibilidade de ser feliz. Um presente inesperado que de
tão maravilhoso parece assustador a princípio. Minha voz se altera aos
poucos, dou continuidade ao meu momento de ceticismo.
– Outro país, outra cultura. Uma viagem longa e definitiva! – disparo
as palavras sobre o homem, num misto de euforia e questionamentos. Ao
mesmo tempo em que sinto vontade de dizer o quanto isso me deixa
exultante, sinto também que pode ser precipitado da parte dele.
– Você não tem que pensar em mim agora, tem a Lu, o seu trabalho e
a sua família aqui – meneou a cabeça em sinal de reprovação.
– Como não pensar em você? – agarrou meus braços e puxou-me para
junto de si, inusitadamente.
– Se você é a razão que me fez permanecer vivo! – declarou com um
tom de voz sôfrego e efusivo.
– Nada nesta minha vida existiria se não fosse por sua causa! Nem
mesmo a minha filha, e com a notícia da morte dela, a minha família toda
tinha morreu um pouco. E por que depois que você se ausentou do caso nada
fazia mais sentido para mim – completou seu pensamento.
– Não estou fazendo isso por mero capricho, desespero ou como mais
uma de minhas decisões impulsivas do passado – ele pegou as passagens de
minha mão.
– Eu quero ir! Pensei muito durante estes dez Dias, mas desde que vi
você e a Lu debilitadas naquele hospital eu prometi a mim mesmo nunca
mais adiar as coisas – meus olhos não se desviam dele. Neste instante, já não
me sobrevém o espanto, mas sim, uma sensação forte de plenitude. Eu jamais
soube o que era isso até este momento.
– E sim, eu quero te levar de volta ao lugar que você mais ama. Faço
qualquer coisa para te ver feliz! – meu músculo cardíaco parece explodir.
Minha única resposta à sua declaração foi ir de encontro à sua boca e beijá-lo
com desespero. É a primeira vez que alguém arrisca alguma coisa por mim e
beijo-o para demonstrar o que sinto. Suas mãos apertam minhas costas e
pressionam—me em direção a seu corpo, alternando os movimentos com os
puxões fortes em meus cabelos. Ele mordisca meus lábios e suga—os de
maneira gostosa, arrepiando cada pedaço do meu corpo. Uma espécie de
euforia se apodera de mim, o sangue fervilha em minhas veias. Cessei o beijo
e sorri para ele.
– É o segundo melhor presente que você já me deu – sua sobrancelha
esquerda arqueou e uma interrogação surgiu em sua face.
– Qual o primeiro? – questionou acariciando a maça de meu rosto.
Nossas respirações estão descontroladas, mas aos poucos se acalmam.
– A sua companhia, a proteção que sinto ao seu lado. A Lu! Isso que
as pessoas chamam de... – busquei mentalmente a palavra.
– Família? – antecipou—se.
– É. Gosto de sentir que tenho uma, embora eu não saiba o que
significa. Isso me assusta muito, mas eu nunca me senti tão bem. Tão livre –
ele roçou nossos lábios ainda quentes pelo beijo.
– A liberdade foi a primeira coisa que eu amei em você. Sei que a
todo o momento eu digo que te quero. Que você é só minha, mas não entenda
isto como posse. Eu não sou o seu dono! – fechei os olhos ao sentir seus
afagos em meu rosto.
– Eu não era livre Philiph, não era – confidenciei.
– Mas o meu amor por você te deixa livre! E é assim que te convido
para morarmos em Lisboa. Aceita? – deixei o envelope sobre a cama e
segurei as mãos dele, entrelaçando nossos dedos.
– É claro que sim – respondi abraçando-o mais uma vez.
– Mil vezes sim! – reforcei com um riso delicioso, enquanto ele me
erguia do chão e começava a rodar comigo pelo quarto. Vejo-me como uma
adolescente no frescor da juventude.
– Papai, sonhei com um gato. Posso ter um? – Philiph colocou-me no
chão quando a filha irrompeu o quarto trajando um pijama rosa.
– Vem aqui! – chamou animado por ela e a pegou no colo. Sentamos
na cama e colocamos a menina no meio.
– Posso ter um gato? O nome dele seria Atos, como o príncipe da
história – voltou-se para mim, como se esperasse minha avaliação. E eu olhei
para Philiph, por ser o pai e conhecê-la melhor saberá o que dizer.
– Lu, a Mary e eu vamos pensar nessa possibilidade. Um bichinho de
estimação não é um brinquedo – orientou à filha. O fato de ter me incluído
nesta decisão trouxe—me uma espécie de pertencimento.
– Pense com carinho, eu vou cuidar dele – rimos ao ver suas mãos
juntas em prece.
– Vamos pensar. Mas antes preciso te contar uma coisa! – ver seu
rostinho de ansiedade e alegria já compensa tudo o que passei para salvar sua
vida. Talvez os dois estivessem no meu destino para me mostrar o valor dos
sentimentos que eu desconhecia.
Para frear minha arrogância e egoísmo. Meu pragmatismo ácido, hoje
dá espaço a uma visão do mundo menos imediatista e realista ao me conceber
o dom da benevolência. Ainda sou a Mary de antes, não me aniquilei, mas
aos poucos me reconstruo e aperfeiçoo aquilo que posso.
Todos nós temos um rastro sombrio que alimentamos com nossas próprias
misérias humanas, contudo há algo de sublime, e que posso ver no sorriso
deles agora. A pureza.
Não a de corpo ou a que dizem pertencer aos anjos, mas aquela que
permite ao mais lastimável ser humano experimentar os gozos terrenos de sua
existência. Os dois carregam traumas escondidos por trás desta felicidade, e
este dom de sobreviver é que os tornam tão vitais para mim.
Eu precisei descer do pedestal e ir ao mais profundo abismo para
sentir que nem tudo gira em torno do mundo frio e obscuro de meu pai.
Quem sabe, talvez, nossa reconciliação traga—lhe de volta àquele momento
da infância onde ele ainda sabia chorar.
Onde havia afeto parcialmente intacto, pois minha avó destruiu
Senhor S aos poucos. Ela destilava fel e o filho foi seu principal alvo.
A notícia de nossa mudança fez a menina pular de alegria sobre a
cama. Achei que seria difícil, mas Luanna empolgou-se instantaneamente
com a novidade. Na tentativa de fazer a menina parar de pular, Philiph
brincou de lhe jogar travesseiros. Por fim, estávamos os três numa guerra de
travesseiros de proporção descomunal.
Philiph e eu como duas crianças junto a ela. Nós riamos e
guerreávamos mais, enquanto as espumas vazavam dos tecidos e inundavam
o quarto. Quando não havia mais espuma nenhuma, nos jogamos sobre a
cama e ficamos com os olhares fixos no teto.
– Sua tia vai te matar Philiph – avisei ao notar o estrago que fizemos
no quarto.
– Eu falo que foi a Lu – falou retomando o fôlego.
– Mais foi você que começou – a menina se defendeu e gargalhamos
da situação.
– O que é que aconteceu aqui? – sentamos rapidamente na cama ao
ouvir a voz de Rowena. A mulher está incrédula.
– Foi ele – Luanna e eu apontamos para Philiph em uníssono, que nos
olhou esperando cumplicidade.
Capítulo 42

Esta noite minha filha decidiu dormir com a avó. Passou o restante do
dia falando sobre a viagem e pediu pelo amor de Deus para que Mary lhe
contasse nos mínimos detalhes sobre como era o Portugal. Expliquei que
quando era mais novinha eu a tinha levado a Portugal dos Pequenitos e logo a
menina sorriu radiante, passando a fazer mil perguntas a mais sobre tudo o
que lhe vinha à mente.
Mary e eu conversamos sobre a viagem e rascunhamos alguns planos
mentalmente. Não há tempo para nada, embarcamos para Lisboa dentro de
três Dias. Rowena se encarregará, a meu pedido, da transportadora, com a
qual já negociei a transferência de minhas coisas e as de Mary até Lisboa.
Leticia ficou responsável por recolher os pertences dela na cobertura
onde morava e levá-los até minha cada na praia. Não voltaremos ao Seattle.
Doutor Henrique já foi comunicado de meu pedido de demissão e por
gentileza me dispensou do aviso prévio. Como eu poderia imaginar que até
mesmo ele tivesse ligações com Senhor S?
Todas as obrigações de regimento interno do hospital já foram
acertadas por meu advogado, que inclusive virá amanhã para resolvermos
algumas pendências básicas e outras burocracias.
Já passam das três da manhã, observo Mary dormir ao meu lado, seu
corpo nu, coberto parcialmente pelo lençol nesta noite quente é provido de
lindas curvas. Os cachos de seus cabelos lhe caem nos ombros, o
cumprimento está maior do que quando a vi pela primeira vez. Ajeito para
trás uma mecha que encobre seu rosto e suspiro com uma agonia fria em meu
peito.
No calor do momento, Mary não perguntou sobre o que eu e Mariana
falávamos ao telefone durante as madrugadas. Meu celular vibrou há alguns
minutos atrás e a mensagem de Mariana deixou-me com um nervosismo
acima do comum. Releio o trecho inúmeras vezes:
“Com toda cautela obtive as informações que você pediu. Pasme, é
também Portugal. Uma hora e meia de Lisboa”.
Bloqueei a tela do aparelho e o coloquei sobre o criado mudo. Inspirei
fundo, preparando-me para dormir, mas prestei atenção quando Mary se
movimentou na cama, ainda em sono profundo, ficando de bruços. Sua
cabeça está apoiada sobre o travesseiro, o qual ela abraça com intensidade.
A perna direita, flexionada em direção ao abdome fez com que o
lençol a descobrisse por completo e sua seminudes revela—se diante de meus
olhos. Admiro-a com lascívia, imaginando tudo o que somos capazes de
fazer. Levei a mão direita sobre meu membro e o senti latejar quente entre as
pernas.
O apertei com força para aliviar minha euforia. Inclinei-me
vagarosamente em sua direção e beijei a maciez de suas costas, passeando
sobre ela com minha língua.
– Adoro teu corpo – sussurrei ao iniciar um ato instintivo. Sugo sua
pele com avidez e me sacio com o gosto doce que exala de seus poros. De
súbito, a mulher abriu os olhos e resmungou manhosa.
– Philiph? – chamou-me aérea pelo nome. Ergui meu tronco e
aproximei minha boca de seu ouvido. Afastei uma mecha generosa de seus
cabelos e mordisquei o lóbulo de sua orelha. Sua respiração tornou-se
inquieta no mesmo instante e seu corpo trepidou embaixo do meu.
– Eu não consigo resistir a você, Madame! – confessei entre
murmúrios baixos e logo ela girou o corpo na cama, ficando de frente para
mim. Coloquei-me de joelhos para observá-la e mordi o lábio inferior,
vislumbrando seu belo corpo tão de perto. O corpo iluminado pela luz da
noite que entra pela janela.
Os seios fartos estão à mostra e apenas uma minúscula calcinha de
renda vermelha cobre sua intimidade. Permanecemos em silêncio por uns
instantes. Ela toca os próprios seios e deixa a boca entreaberta ao
experimentar as carícias.
Observo cada movimento e aos poucos minha boca saliva por vontade
de possuí-la. Segurei a única peça de roupa que cobre seu corpo e a tirei tão
lentamente que pude ouvir o som o tecido em atrito com sua pele. Voltei à
posição em que estava e agora vislumbro seu corpo nu por completo.
– Eu gostaria de imaginar o que se passa ai dentro quando você me
olha assim? – indagou sensual e provocativa. Inesperadamente, ela também
se ajoelhou na cama e aproximou-se de maneira perigosa.
As unhas descem por meu abdome causando arrepios torturantes e sua
temperatura quente em contato com a minha é motivo de meu delírio.
– Loucuras – confessei seduzido. Ela tem o poder notável de
ensandecer até o mais lúcido dos mortais. Estou em transe com sua beleza,
como se a visse pela primeira vez. Seus lábios carnudos e bem desenhados,
seus olhos. Tudo nela exerce poder sobre mim. E à medida que a conheço me
torno mais dependente.
– Que tipo de loucuras? – prendi a respiração quando sua mão invadiu
minha cueca box e iniciou uma massagem lenta e firme que me fez apertar
seus braços.
– As insanas, as que encorajam um homem a pular de um precipício –
prendi um gemido alto quando ela o apertou em sua mão. Mary me encara
com ares de satisfação. De quem está no controle.
– Não quero que isso assuste você – esclareci ofegante, mas ela soltou
um riso misterioso e me olhou profundamente com seus instigantes olhos
verdes.
– Madame Mary não teme o perigo – seu timbre ecoou grave. Aos
poucos ela me hipnotiza, pois conhece meu ponto fraco e me domina com
destreza absoluta.
– Você tem? – questionou-me e retirou a mão de dentro de minha
box. Como protesto por sua atitude, segurei firme os seus cabelos e os
repuxei, analisando os detalhes de seu rosto.
– Não! – respondi categórico, ela me olhou de um jeito diferente.
Como se eu estivesse sob investigação policial, pronto para um
interrogatório.
– Tem certeza, doutor? – Mary joga com as palavras para me desafiar
e minhas veias pulsam ardentes ao ser contestado. Seu poder de persuasão é
uma arma paralisante. Ela se mantém soberana.
– Madame... – adverti sério. Ela me provoca sem pensar nas
consequências de tais atos.
– Então você gosta do abismo? – delineou meu lábio inferior com
dedo e rapidamente suguei o mesmo. A mulher fecha olhos e suspira com o
gesto libidinoso.
– Eu tenho uma atração fatal por ele – respondi convicto de minhas
palavras. Quando pousou o olhar sobre mim mais vez, notei que seu
semblante havia mudado. De repente, vejo a pose altiva da mulher que entrou
em minha sala no Esmerald City pela primeira vez, destemida e audaciosa.
Com um mistério que jamais vi em qualquer outra mulher. De
repente, ela traz à tona seu lado mais luxurioso. Um convite perfeito para
encarnar a mulher que me presenteou com o Kama Sutra e que me mostrou o
lado mais envolvente e voluptuoso que já pude experimentar.
– Gosto muito desse Philiph – ela desceu da cama e me puxou para
fora, pressionando meu corpo contra a larga penteadeira ao lado da cama.
– É deliciosamente excitante – prendeu meus braços contra o móvel e
sugou cada parte de meu pescoço. Ergui a cabeça para sentir melhor os
chupões que ela distribui tão estrategicamente para me ensandecer. Depois
sua boca deslizou por meu abdome até que a observei se ajoelhar diante de
mim.
– O que foi que você fez comigo? – indaguei buscando compreender
tudo o que nos trouxe até aqui. A doutora empunhou suas mãos em minha
cueca e a retirou bem devagar, expondo meu membro rijo. O tecido foi
jogado em um canto qualquer do quarto e me detive a encará-la. Segurei seus
cabelos fazendo um coque e ela levantou os olhos para mim.
– Apenas ajudei a revelar seu verdadeiro instinto – Mary tomou meu
membro em sua mão e chupou a ponta com força, joguei a cabeça para trás
sentindo um arrepio frio eriçar todos os pelos de meu corpo. Ao soltá-lo, sua
boca fez um pequeno barulho que me tirou do transe.
– Então me mostre como fez isso – instiguei de modo obsessivo e
com rapidez ela me abocanhou, causando tremores colossais. Ela aperta
minhas coxas, depois puxa meu corpo em sua direção. Mary sabe exatamente
o que fazer para tirar minhas defesas.
– Ohhh – gemi quando sua língua brincou por toda a extensão. Em
seguida ela faz movimentos de sobe e desce com as mãos e me encara
umedecendo os lábios com a língua, os mesmos já estão vermelhos pelo ato.
Ainda seguro seus cabelos no formato de um coque. Sua boca
enlouquecidamente me devora e minha respiração fora do ritmo anuncia que
não vou aguentar por muito tempo. Com volúpia repuxei seus cabelos para
trás.
– Arg! – ela rangeu. Nossos olhares entendem o desejo um do outro.
Mas ela não parou com a tortura. Sua mão frenética já me deixa totalmente
úmido, ela se aproveita com um desespero ardente e me faz grunhir ouvindo
seus gemidos sensuais ao saborear meu gosto. No ímpeto, afastei sua mão e
segurei meu membro, esfregando-o em sua boca. Estou prestes a explodir.
– Você me enlouquece quando fica assim – ela deixou o lábio inferior
preso entre os dentes e não me contive, a puxei para junto de mim em um
impulso só, firmei as mãos em seus quadris, girando seu corpo. A mulher está
de costas para mim, massageio seu corpo e esfrego-me em suas nádegas. Ela
se apoia no móvel a frente e deita a cabeça em meu ombro para apreciar o
momento.
– Assim como? – indagou falhando a frase a respeito de minhas
últimas palavras.
– Selvagem. Totalmente entregue – sussurrei rouco e ela respirou
descompassada.
– É? – questionou com tom inocente. Sou acometido por vontades
obscenas. Desejos revelados por Madame Mary. E quanto mais sou instigado
mais liberto o lado animalesco dentro de mim.
– É – gemi em seu ouvido. Afastei suas pernas e rocei meu membro
em sua intimidade completamente molhada. Faço movimentos como se fosse
penetrá-la, enquanto mordisco seus ombros. Ela levou o braço para trás,
repuxou meus cabelos com veemência e empinou-se em minha direção.
– Aaahh – me posicionei em sua entrada e aos poucos ameaço invadi
—la, colocando somente a ponta de meu membro.
Faço isso para torturá-la e sei que ao brincar com fogo, posso me
queimar, mas a mulher conhece bem minhas intenções. Ela crava as mãos na
cômoda, enquanto entro e saio de seu corpo para atiçar seu desejo.
Murmuro palavras excitantes em seu ouvido e percebo sua loucura
aflorar. A temperatura de sua pele aumenta e nem mesmo o ar condicionado
do quarto alivia nosso calor.
– Philiph! – tapei imediatamente sua boca quando clamou em alto e
bom tom pelo meu nome. Ela bateu com o punho cerrado na madeira e vendo
seu desespero a invadi num só ato. Ela soltou um grito de desespero que foi
abafado por minha mão, sinto meu membro dilatar as paredes de sua
intimidade, comprimindo-me para dentro dela.
Mary inclinou o corpo para frente por causa da pressão que exerci. E
esperei alguns segundos para me permitir ouvir sua voz. Assim que retirei a
mão ela gemeu aliviada e abracei seu corpo por trás. Estou imóvel dentro
dela. Olhamos—nos no espelho à nossa frente e reparo em seus olhos
semicerrados pelo desejo, sua respiração descompassada e seus cabelos
grudados no rosto pelo suor que começa a brotar.
Subi minhas mãos até seus seios, os apertei e iniciei meus
movimentos, que por agora são lentos e angustiantes para mim. Mordisco seu
ombro e nossos olhos se encontram ainda no reflexo diante de nós. E à
medida que minhas estocadas aumentam ela geme com a boca entreaberta.
Seguro sua cintura com a mão esquerda, e com a direita, repuxo seus
cabelos para trás. O barulho de nossos sexos chocando—se é meu incentivo
para continuar com mais força. Ela jogou o corpo para frente, quase deitando
de bruços na penteadeira.
Desferi tapas de cada lado de suas nádegas e em seguida segurei sua
perna esquerda no ar, o que permitiu que meu membro fosse mais fundo.
Nossos gemidos preenchem cada centímetro do lugar e perigosamente não
nos preocupamos com o barulho que exala pelos corredores.
Eu não consigo parar, eu não posso me controlar. Um calafrio
violento pairou sobre mim quando ela ergue cabeça e olhou para mim através
do espelho. Seus olhos parecem os de uma fera selvagem prestes a atacar.
Apalpei a curvatura sensual de sua cintura até seus quadris e volvi seu
corpo, saindo de dentro dela. Coloquei a mulher sobre a penteadeira ouvimos
o som dos objetos caírem no chão. Afastei suas pernas e visualizei a umidade
que há entre elas, ela escorre pelas laterais de suas coxas.
A Madame levou uma de suas mãos e a escorregou lenta até seu sexo,
lambuzando os dedos com sua excitação. Ela me encarou felina e direcionou
os dedos até a boca, chupando os mesmos com expressão libidinosa na face.
As batidas que dou em meu membro ao vislumbrar a cena são intensas.
– Humm – se deliciou, deixando-me em transe. Ela gesticulou com o
indicador, chamando-me para junto dela. A mulher guiou minha mão até ela
e fez com que eu molhasse seus seios, cujos bicos estão completamente duros
em minhas mãos. As gotas de seu suor escorrem pelos cantos de seu rosto.
– Gosto quando sua língua me devora, doutor – afastei bruscamente
suas mãos ao ouvir seus lamúrios. Avancei contra seus seios e me deliciei
com eles, sentindo o gosto de seu liquido quente e doce.
Suas pernas envolvem minha cintura, ela agarra meus cabelos com
ardor e sinto meu couro cabeludo queimar por sua loucura. Minha língua gira
em torno dos bicos e faço movimentos circulares em sua carne. Ao mesmo
tempo, fricciono seu clitóris e fixo nossos olhares com urgência, visualizando
seu êxtase. Introduzo dois dedos e a ouço grunhir de prazer.
– Meu Deus! – tomei seus lábios após largar os seios. Os mesmos
estão vermelhos e com leves marcas de meus dentes. Apesar de conhecer seu
corpo, há alguns pontos onde toco que revelam sensações novas. Mary é
repleta de reentrâncias que desvendo com o passar do tempo.
Ela tem plena consciência do que pode causar em um homem e faz
questão de não colocar todas as cartas na mesa. É um enigma intenso, um
veneno que paralisa aos poucos. E acima de tudo, gosta de me ver refém.
Desenlacei suas pernas de minha cintura e reclinei-me até que minha boca
pudesse tocar sua intimidade. A posição neste móvel não é tão confortável
para ela, mas proporciona-me um prazer deliciosamente impuro.
– Assim.. você fode tão gostoso – disse fora si, aérea. Intensifiquei os
chupões, dando batidas com minha língua em seu ponto de prazer. Passeio
entre seus grandes lábios e giro a língua em sua entrada.
– Aaahh – seu corpo começa a tremer por inteiro. Alguns espasmos
são incontroláveis. Voltei a torturá-la com os dedos e executo duas ações ao
mesmo tempo para aniquilar suas forças. Quando a vejo entregue a mim, sem
defesas, percebo que adoro esta dominação. A sensação de controle é uma
droga na qual já estou viciado.

Meu corpo rende-se a tudo o que ele faz. Seguro sua cabeça entre
minhas pernas e observo sua boca perversa brincar comigo. Jogo minha
cabeça de um lado para o outro e percebo que não falta muito, pois minhas
pernas estão dormentes. Meu abdome contrai—se inúmeras vezes por
segundo, eu não consigo inspirar o ar para os pulmões. Ele suga tantas vezes
meu ponto cheio de nervos que sinto meu corpo flutuar. É nítido no olhar
dele o desvario em provocar em meu corpo as sensações mais insanas
possíveis. Um sorriso malicioso em meus lábios denota meu ímpeto em
querer mais. Ao mesmo tempo em que sua boca arranca de mim os resquícios
de sobriedade que me restam, suas mãos percorrem meu corpo.
– Mexe! – ordenou. E da forma como pude, rebolei em seu rosto.
Minhas costas doem pelo modo como estou sentada na penteadeira, mas isso
só o instiga. Meus dedos emaranham—se nos fios de seus cabelos e ele me
corresponde intensificando as carícias.
De tanto morder meus lábios, sinto que os mesmos estão doloridos e
provavelmente avermelhados por isso. Uma sensação de euforia começa a
inundar—me, todos os pelos de meu corpo estão arrepiados. Os músculos
estão enrijecidos por causa do nó que se forma em meu estômago. Ele sobe e
desce, perpassando toda a extensão de meu abdome e irradia por minha
espinha. Estou zonza, não consigo raciocinar.
– Eu sei que você está quase lá, goza pra mim! – disse sexy,
aumentando freneticamente o ritmo de sua língua em mim.
– Por favor – gemi desesperada. Busco apoio no móvel e em seus
cabelos. – Não para – pedi falhando a frase. Mal consigo pronunciar—me e a
cada segundo, sinto o nó em meu ventre crescer e tomar proporções
incontroláveis. O sangue pulsa quente em minhas veias e meus olhos já
reviram.
– Pede! Implora para mim! – o ar me faltou e neste momento só reuni
forças para fazer sua vontade.
– Não pa. – cortei a palavra ao meio ao travar os dentes – Aaahh –
não consegui me conter, soltei o ar preso nos pulmões e gozei gloriosamente
em sua boca. O nó que antes me consumia, à medida que se desfaz anestesia
meu corpo, enquanto um orgasmo avassalador liberta minha alma. Philiph
não se dá por satisfeito e suga até minha última gota.
Estamos acorrentados um ao outro, ele me prende, me domina e
detém todo o meu prazer. Um frisson vagueia por minha pele e rebolo com
força, empurro meu quadril em sua direção e busco por mais contato.
Percebendo minha aflição, ele não teve pena.
Levantou rápido, espalmou as mãos em minhas nádegas e segurou
meu corpo, carregando pelo quarto até a parede mais próxima, sem objetos
por perto. Fui prensada bruscamente contra a parede, o que causou uma dor
assustadoramente prazerosa.
– Quero ver seu autocontrole, Madame – o encarei sem entender.
Ainda estou fraca, sem ter como agir ou ditar alguma regra.
– Geme baixo – ditou com voz grave e penetrou-me sem cerimônias.
Choraminguei entre dor e prazer, pois o atrito de seus movimentos dentro de
mim são tão brutais que meu corpo balança em seus braços. Ele afunda as
mãos em minhas nádegas e esmaga meu corpo contra a parede fria.
Puxo seu rosto para mim, pois o mesmo afunda em meu pescoço e se
aproveita de minha carne. Apertei suas bochechas e roubei seus lábios sem
delicadeza. Sua boca me explora com devassidão e sua língua ao pedir
passagem, digladiou-se sensualmente com a minha. É tão gostoso o modo
como ele me faz mulher.
Minhas unhas arranham suas costas sem levar em conta as marcas que
ficarão depois, ele reclama usurpando ainda mais meu corpo, apossando—se
da maneira como quer. Philiph deixa meu lábio inferior entre seus dentes e
lança sobre mim seus olhos embriagados pela luxuria. Quando necessitamos
de ar nos desprendemos do beijo, sua boca está vermelha pelo beijo.
– Madame – ele sussurra coisas sem sentindo em meu ouvido e
percebo que logo vai alcançar o prazer. Cada palavra desconexa que sai de
sua boca vem acompanhada de suspiros e gemidos.
– Você é só meu – confessei ao repuxar seu cabelo, fazendo com que
ele me encarasse. Um sentimento de posse apoderou-se de mim. Assustei-me
no momento, mas é mais forte do que eu.
– De mais ninguém... – confessou convicto, enfeitiçado. As paredes
internas de minha intimidade parecem tragá-lo. O homem respira acelerado,
ele me aperta tanto que sinto seus batimentos cardíacos dês ritmados. Tudo
parece rodar.
Philiph está insaciável, ele aumenta as pressões que faz em mim,
penetra-me com força e me torna sua prisioneira no modo como me possui.
Quanto mais sons de prazer ecoam pelo quarto, mais ele enlouquece. E
quando sua mão se encontrou entre minhas pernas foi inevitável não sentir
meu corpo vibrar mais uma vez.
Pendi a cabeça lateralmente e arfei, permitindo que o prazer me
dominasse. Sorri em êxtase, pois meu liquido quente escorreu por minhas
pernas e enquanto ele mordia meu ombro para não gemer, se arrepiava e
derramava seu jato quente dentro mim ao mesmo tempo em que eu alcançava
o clímax.
Nos olhamos enquanto ele dá as últimas estocadas com os resquícios
de força que lhe resta. Ele dita palavras que não consigo compreender, está
tremulo e seu semblante demonstra a exaustão de nosso sexo impetuoso. Ele
se agarra a mim e eu o aperto com meus braços. Silenciamos e
permanecemos imóveis por algum tempo.
Nossas respirações, aos poucos, se acalmam. Devagar, ele me põe no
chão e me segura para que eu não caia. Minhas pernas estão dormentes,
deslizo as mãos por suas costas e ele me abraça.
Depois de um tempo nos desprendemos, mas antes o homem selou
nossos lábios. Já é madrugada e o silêncio da noite é reconfortante. Philiph
me deixou por alguns segundos e voltou do banheiro com dois roupões.
– Veste isso por enquanto – ajudou-me a vestir e colocou sobre si o
dele. Andou até a porta de correr que dá acesso à varanda e abriu a mesma,
dando passagem a um vento frio que adentrou o quarto.
– Me espere aqui, já volto – disse afagando meus cabelos.
– Aonde você vai? – questionei sem entender sua atitude. Ele beijou o
dorso de minhas mãos e saiu sem dizer uma palavra sequer. Olho para esta
noite e me recordo das vezes em que estive em Lisboa apreciando o mesmo
céu, mas sozinha.
Lembrei que em minha bolsa há algo que jurei nunca mais usar desde
que briguei com Philiph antes do massacre, quando ele se declarou para mim
em meu apartamento. Porém, a vontade me leva a declinar da decisão.
Adentrei ao quarto, peguei minha bolsa e retirei um maço
de Insígnia, juntamente com um isqueiro.
Retornei à varanda após acender um, e assim que traguei pela
primeira vez, senti meu corpo relaxar. Joguei meus cabelos de lado e recostei
no parapeito da varanda à espera de Philiph. Assim que me viu, sua atitude
foi peculiar. Ele traz uma garrafa de uísque nas mãos e um copo. Olhou-me
de cima a baixo, a fumaça que exalo vai ao seu encontro, esfumaçando-o à
minha frente.
– Não consegui me conter. Eu prometi a mim mesma que iria parar –
explicou, enquanto ele dá passos lentos e graduais até onde estou. Sem que eu
esperasse, Philiph retirou o cigarro de minha mão e sorveu a nicotina do
mesmo, tragando longamente o objeto mórbido de prazer.
Inebriei-me quando exalou o conteúdo e o mesmo subiu, sendo
arrastado pela brisa noturna. Fitou-me calado por uns instantes e me devolveu
o cigarro. Eu não sabia que ele fumava.
– Deixe—me conhecer os teus vícios – disse sexy e com tom de voz
seriamente rouco.
– Você é motivo de todos os meus vícios – ele sorriu cercado por um
mistério e preencheu o copo com a bebida, ofertando—me. Tomei um gole
generoso e assim ele também o fez, mas direto da garrafa.
– Eu voltei a fumar no dia em brigamos no meu apartamento. Você
foi embora depois de dizer aquelas coisas e eu enlouqueci. Fumei tantos
cigarros que perdi a conta, fumei até você ligar – ele assentiu como se
também tivesse algo a confessar.
– Eu sempre tive controle sobre minha sobriedade. Sempre soube a
hora de parar, desde muito jovem. Sou regrado, metódico. Mas naquele jantar
na minha casa a cada vez que eu te via andar pela sala e conversar com as
pessoas, eu bebia uma dose de uísque. Eu tinha urgência de tocar em você, de
falar com você. Não me reconhecia! Foi uma dose atrás da outra e quando
não suportei mais, saí e me embriaguei como nunca. Acordei no seu
apartamento no dia seguinte com medo do que ia pensar ao meu respeito –
revelamos nossos segredos mais recônditos.
Mas de modo assustador eu não tenho pudor agora e apavoro-me em
pensar que posso perder o controle sobre quem sou. Exponho coisas que
pensei deixar acorrentadas por receio de parecer fraca. Aprendi com meu pai
a manter a postura intacta, ainda que por dentro tudo seja um caos. “Revele
pouco de si e saiba muito dos outros. Este será seu trunfo”, diz meu pai.
– Quando meu pai me expulsou do caso eu não suportei ficar na
cobertura, tudo ali me lembrava do meu cliente. Eu estava quebrando toda a
ética. E antes que você descobrisse que Senhor S era meu pai, roubei uma
foto do seu álbum de fotografias de família. Na investigação precisávamos de
um retrato recente da Lu, gostei tanto de uma onde você está com ela que
guardei no bolso de minha jaqueta. Eu usava uma... – ele me interrompeu.
– Preta. Você estava usando uma jaqueta preta – me surpreendi e
traguei mais uma vez, dividindo em seguida com ele.
– Peguei meu carro e dirigi numa velocidade insana, faltou muito pouco para
eu não bater. Passei em meu apartamento... – pausei e analisei a garrafa em
sua mão.
– Peguei um maço de cigarros, uma garrafa de uísque e outra de
vodka... Saí do prédio, atravessei a rua e andei se rumo pela praia. Eu devo
ter bebido e fumado tanto aquela noite que só despertei com Henrique,
Leticia e muita água fria.
Quase entrei em coma alcoólico. A única coisa de que me recordo é
de olhar para aquela fotografia antes de apagar. Não aguentei ser humilhada
pelo meu pai. E não queria ficar longe de você – o homem deixou a garrafa
sobre uma pequena mesa de vime com tampo de vido ao nosso lado, apagou
o cigarro contra a parede e depositou a bituca junto ao objeto de vidro. Tocou
minha face com a ponta de seus dedos e deslizou os mesmo por ela.
– Por que não me contou sobre isso? – indagou-me e segurou meu
rosto entre as mãos.
– Por que não consigo me abrir tão facilmente. Você é a primeira
pessoa para quem eu pedi perdão. E só para você revelo coisas íntimas, mas
sou muito reservada, Philiph. Não gosto de ser omissa, não oculto coisas
graves, mas há alguns detalhes pessoais que me travam – o homem puxou-me
para junto dele e me abraçou.
O cerquei com meus braços e apreciei seus beijos em meus cabelos.
Até pouco tempo atrás eu fugia de qualquer contato emocional.
– Eu não costumo demonstrar meus sentimentos com tanta clareza,
não sei falar o que você quer ou precisa ouvir. Cresci aprendendo que isto o
que estamos fazendo agora é sinal de fraqueza. Nunca costumo abraçar as
pessoas, existem raríssimas exceções como você e Leticia.
Não comemoro data alguma, não digo as palavras eu te amo para as
pessoas. Philiph, você me assusta! Por que estou nadando contra a maré, você
me faz ir na contramão. Lembre-se do que eu disse sobre ter paciência
comigo. A mulher que conheceu está longe de ser a mulher que você espera!
Quer uma notícia preocupante, me pareço muito com meu pai – ele pegou-me
pelos braços e me encarou.
– Eu não desisto de você! Ainda que você insista em dizer que é
muito parecida com seu pai, o que vou sempre negar. Sabe por quê? Por que
você é muito melhor do que ele. É muito melhor do que eu. Você ajuda as
pessoas, se arrisca por elas mesmo que sua vida esteja em perigo.
Você me disse que não tinha jeito com crianças, mas olha como a
Luanna fica quando está ao seu lado! Eu não estou aqui para ouvir
declarações de amor, não quero que prove nada ou que seja uma mulher que
não queira ser. Eu só quero você. E quero profundamente que se sinta amada
por mim. Deixe—me amar você? Sem todos estes medos...
Ainda sem desviar nossos olhares, inclinei-me em sua direção e o
beijei como resposta. Minhas mãos envolvem sua nuca e aos poucos
intensifico o beijo. E suas mãos habilidosas desfazem o nó do roupão,
encontrando meu corpo nu debaixo dele.
A noite ainda está em seu auge, todos dormem. E nós estamos aqui
explorando com desejo o corpo um do outro. Quando suspirei ao sentir minha
intimidade ser pressionada por ele, percebi que nada lá fora tinha mais
importância.
Capítulo 43

No dia seguinte, acompanhei Mary até uma cidade um pouco distante


de Lorena. Leticia vasculhou os registros policiais e encontrou o endereço de
Leon. Ela cumpriu a promessa que fez a ele antes de saírem do cativeiro.
Não houve longa conversa, a mulher descobrira o trabalho ilícito do
marido e organizava a mudança para outro Estado, para junto de sua mãe. Ela
nos recebeu com desconfiança, mas assim que Mary lhe entregou a
fotografia, Cristina, como dizia no verso da imagem, se emocionou ao ver o
rosto do homem que jurou sinceridade a ela no dia do casamento.
“Ele salvou a minha vida e a vida de uma criança indefesa. Se havia
dívidas, elas já foram pagas. Saiba que ele teve um ato heroico e me pediu
para dizer a amava e que amava os filhos”.
A mulher questionava o porquê das coisas terem chegado àquele
ponto. Tentava arrancar de nós palavras que a consolassem, mas nenhum de
nós podia curar o que ficou dentro dela. Na volta para casa, estávamos
silenciosos, reflexivos.
Talvez ela imagine o mesmo que eu. O socorro vem de onde menos
esperamos. E Leon foi desses homens que a vida se encarregou de provar sua
existência.
De alguma forma, Mary se lembrará dele em algum pequeno gesto ou
momento que trará à sua memória lembranças daquele dia. Boas ou ruins, há
pessoas que sempre rondarão nosso subconsciente.
Falta pouco para sairmos de Seattle, apenas dois Dias para o
embarque. Estamos ansiosos, inquietos. Talvez a mudança de país, traga
grandes transformações, muito mais do que imaginamos e espero que não
mais do que possamos suportar. Minhas duas irmãs já foram avisadas sobre
ocorrido com minha filha, o que gerou grande comoção e dúvidas. As duas só
não vieram imediatamente para o Londres, pois garanti explicações
pessoalmente.
Apenas pedi sigilo absoluto. Mariana já sabia de minha ida para
Portugal desde o início, e por ser a mais centrada, foi a primeira a descobrir
que a sobrinha estava vida. Mas as duas só saberão a verdade sobre Kate no
momento certo.
Quando finalmente nos despedimos de minha mãe e embarcamos para
Lisboa, deixamos uma vida inteira para trás a fim de recomeçar. Estou
arriscando tudo. Deixei minha vida e meu passado para trás por causa dela. E
também por mim. Durante o voo, com nossas mãos entrelaçadas, eu olhei
para ela e senti medo.
Medo do futuro, apesar da certeza de meus sentimentos. Sou otimista,
mas conhecendo-a como conheço sei que um desafio monumental está por
vir.
Após as longas horas que passamos no avião, vi o rosto de Mary se
iluminar ao sairmos pela porta principal do aeroporto de Lisboa. A mulher
parou, olhou à sua volta e inspirou o perfume do lugar. Luanna e eu apenas a
observamos.
– Você saiu de Seattle por minha causa – disse voltando—se para
mim.
– Meu lugar é onde você estiver – esclareci e abracei as duas. Luanna
agarra—se às nossas pernas e carinhosamente diz como tudo o que vê é
bonito.
– Vamos, daqui até meu apartamento são uns trinta minutos –
chamamos um taxi e seguimos trajeto pelas ruas de Lisboa.
No porta—malas apenas duas malas grandes preenchem o espaço.
Todos os nossos demais pertences serão entregues dentro de alguns Dias pela
transportadora. Pelo caminho, Luanna pergunta absolutamente sobre tudo o
que vê e como guia turística, Mary explica nos mínimos detalhes.
A cidade é muito elegante, o farol da lusofonia, com intensa vida
cultural. Um sol delicioso pairando sobre a cidade e sobre nossa esperança de
superar o passado. Ver minha filha sorrir é a maior prova de que tomei a
melhor decisão. Meu relógio marca nove horas da manhã, pois nosso voo foi
noturno saindo do Seattle. Estou atento ao trajeto que fazemos, decorei
precisamente o mapa em minha mente após todas as tardes de pesquisas.
– O senhor pode entrar à sua esquerda? – pedi ao motorista.
– Philiph, estamos desviando da rota, meu apartamento é do outro
lado da cidade – Mary me interpelou ao perceber que ele acatara meu pedido.
– Continuo senhor? Tu sabes para onde vai? – o homem, na dúvida
pela colocação da mulher, indagou—me. Confirmei o trajeto que designei.
– Só um passeio. Fiquei curioso em conhecer a colina da qual você
me falou – ela sorriu para mim.
– Isso vai nos atrasar, teremos muito tempo para conhecer a colina e o
miradouro outro dia – o carro começou a subir por uma rua larga e de
paralelepípedos. Há muitas construções, casas e lojas de colorações fortes e
outras em tons claros. E todo o caminho é repleto delas.
– O homem vai gastar o dobro do tempo – ela insistiu.
– Eu pago o que for preciso só para ver o miradouro onde tudo começou – ela
me encarou sentindo—se desafiada, mas logo sua face de desfez ao
compreender meus motivos.
– É um lindo lugar! – assenti em concordância. À medida que o taxi
avança estrada acima as construções mudam de figura, aqui do alto as
propriedades são espaçosas e possuem uma bela visão do mar diante do
miradouro.
O carro parou em um determinado ponto onde indiquei e descemos do
veículo. Conversei com o motorista e o mesmo foi compreensível. Mary
perdeu-se no tempo com seu olhar e caminhou em direção à fonte no meio da
praça. Luanna vasculha tudo o que pode, mergulha a mão na água e brinca
com alguns pássaros no local. Cada movimento da Madame é
milimetricamente acompanhado por mim.
– Como é lindo o seu lugar – me rendi à beleza do mesmo e declarei
abraçando sua cintura por trás. Ela está com os olhos fechados, abraça o
próprio corpo num momento só dela. A visão diante de nós é esplêndida.
Compreendo agora o que ela dizia. Daqui de cima podemos ver toda a
cidade, o mar e ao longe, algumas antigas construções medievais. Tudo
perfeito.
– Eu não sei explicar, mas gosto desse local em específico da cidade.
Foi aqui, mais especificamente naquele banco, que recebi a ligação do
Dimitriev – diz alisando meus braços que a afagam. Beijei sua bochecha da
face direita e deslizei minha boca te seu ouvido.
– Que bom que aceitou o caso – ela balançou a cabeça positivamente.
Minha filha se sente à vontade, mas achegou para junto de nós com uma
expressão preocupada. – Onde é seu apartamento? – Mary me olhou e sorri
discreto para ela.
– Estávamos indo para lá, mas seu pai quis conhecer o Miradouro –
explicou segurando a mão da menina.
– Vamos, Philiph? Outro dia voltamos com tempo. Tem ótimos
restaurantes por aqui – assenti e seguimos em direção ao taxi. Antes de
entrar, reparei que Mary olhou mais uma vez para o lugar tão significativo.
Se naquele dia em que aceitou meu caso ela pudesse pressentir o que
estava por mim não sei se teria feito a mesma escolha. Às vezes é bom não
olhar o futuro. O taxi seguiu, mas não estamos no trajeto proposto. Seguimos
pela Colina até um ponto bem distante do miradouro e totalmente oposto ao
endereço do apartamento.
– Eu conheço bem a cidade, devia ter feito o contorno lá atrás. Assim
nos atrasa! – reclamou.
– Não reclames comigo, estamos perto – Mary riu contrariada pela
forma como o taxista se referiu.
– Philiph, vamos descer e pegar outro táxi. Ele está perdido! –
concordei, mas nenhuma palavra saiu de minha boca até o taxi buzinar. Ele se
aproxima de um carro parado próximo à entrada de uma casa.
Há uma mulher recostada na parte da frente do capô. Quando o
veículo definitivamente parou de se movimentar, Mary olhou efusivamente
para mim
– Por que estamos aqui? Pode me dizer? – eu ia responder, mas foi
interrompido por minha filha.
– Posso papai? – Luanna pediu eufórica e prontamente acatei seu
pedido.
– Pode filha – sem esperar, ela abriu a porta, desceu do automóvel e
correu em direção à mulher. Ao se encontrarem, a menina foi erguida do chão
e acolhida nos braços de quem sofreu muito sua falsa perda.
– Quem é ela? – disse séria e confusa. Descemos do carro e paramos
perto das duas. Mary finalmente distinguiu quem era a pessoa.
– Mariana – pronunciei seu nome e abracei—a. Ela chora ao ver a
sobrinha e Luanna não consegue entender o porquê deste choro. Ao mesmo
tempo ela também se enlaça a mim.
– Eu estava com saudades, tia Nana – é assim que a Lu chama a tia
desde muito novinha.
– Eu também, minha menina – retribuiu o carinho e a pôs no chão.
Mary está paralisada diante de nós, seu semblante não esconde o desconforto
por não saber o que está acontecendo. Marquei este encontro com Mariana há
Dias e Luanna já sabia. O homem do taxi foi dispensado discretamente.
– Eu senti tanta a sua falta – Mariana confessa e beijo sua fronte.
Minha irmã caçula. Sempre a protegi e nos tornamos grandes parceiros da
vida. Ela sempre me apoia e eu sempre a incentivo a fazer o que ama.
– E eu a sua! – sequei suas lágrimas com meus polegares.
– Quero que conheça a. – Mariana adiantou-se coma apresentação.
– Mary! – disse o nome e estendeu a mão em direção a ela. Mary
ficou um pouco dispersa, mas logo cumprimentou minha irmã.
– Meu irmão fala muito de você. Sinto-me honrada em conhecê-la! –
as duas se olham e noto que minha irmã se orgulha da escolha que fiz.
– É um prazer, Mariana! Mas preciso de explicações. Estou surpresa
que esteja aqui e que eu a conheça desta maneira. O que eu preciso saber que
ainda não sei? – sua sensibilidade apurada busca por vestígios de culpa.
– Ela está aqui para entregar algo que lhe pertence – respondi ao notar
que Mariana ficou tensa com a pergunta.
– Algo que me pertence? – questionou séria. Mariana retirou uma
chave de dentro da bolsa e me entregou.
Acionei o portão do nosso lado direito e o mesmo se abriu, revelando
o jardim suntuoso que antecede uma propriedade no ponto mais alto da colina
de Paris. Como Mary sempre desejou. A mulher está boquiaberta, sem
reações.
– Uma casa na colina? – disse emocionada.
– Era uma surpresa! Você merece – Mary aproximou-se de mim e
colocou as mãos em meu rosto. Mordeu o lábio inferior e sorri ao ver a cena.
– Você é louco, Philiph! Louco – ela repete várias vezes e sorri. Sua
ficha ainda não caiu, mas a retenho junto ao meu corpo e a rodopio no ar.
– Eu não esperava por isso. Philiph você pensou em tantos detalhes. –
completou seus pensamentos.
– É sua! A casa na colina que você tanto queria – entreguei a chave
nas mãos da mulher. Luanna a puxou pelo braço e as duas adentraram a
propriedade em estilo clássico. Cujas janelas são amplas e rodeiam a casa
inteira.
A construção mescla o clássico com o moderno, é rodeada de um
gramado extensamente verde com caminhos talhados em mármore. No
centro, há uma fonte menor como réplica da que está no miradouro que
visitamos.
As colunas robustas da varanda na parte da frente rememoram
colunas gregas e uma enorme piscina rodeia a lateral esquerda da
propriedade.
Mariana e eu pensamos nos mínimos detalhes. Não foi difícil
encontrar uma casa à venda, e com a ajuda de uma boa equipe de engenheiros
e arquitetos, planejamos em um curto espaço de tempo os detalhes cruciais da
decoração.
Mary e Luanna sobem agora os degraus que levam a varanda, enquanto
minha irmã e eu nos entreolhamos.
– Dê tempo a ela, mas não demais – alertou-me e assenti.
– Eu sei, mas por agora vamos respirar! – decretei e seguimos até o
encontro das duas que já adentraram a mansão.

Nossos primeiros Dias em Lisboa têm sido peculiares, grande parte do


tempo nos organizamos na casa nova. A transportadora atrasou, porém
recebemos sem maiores percalços a entrega com as coisas que deixamos em
Seattle.
Muitas caixas com livros, discos antigos, roupas e todas as obras de
arte que ganhei de Senhor S quando me hospedei na cobertura, em Seattle.
Ele fazia questão de me acomodar nos melhores apartamentos. Tudo
preparado nos mínimos detalhes para a minha estadia.
Durante uma manhã inteira, ajeitamos os livros na estante do
escritório, que mais se assemelha a uma pequena biblioteca e dependuramos
em locais específicos da residência as telas que mais combinavam com o
local. No período da tarde, saímos os três pela cidade à procura dos demais
utensílios e aparatos que faltavam, e cuja escolha Philiph havia destinado a
mim.
Mal sabia ele que sou a última pessoa do mundo a entender disso.
Desde a minha infância tudo sempre esteve à minha disposição. Casa
arrumada e decorada, comida à mesa, roupas lavadas e passadas quando eu
bem quisesse. A única tarefa que desempenho bem é cozinhar, ainda que eu
tivesse cozinheiras em todos os lugares por onde passei, exceto em Seattle.
Quase não parava em casa, e estando por lá, eu mesma providenciava.
Aos poucos, a casa passou a tomar nossas formas. Cada cômodo
possui algo de escolha pessoal e ele pacientemente ouve todas as minhas
sugestões. Preocupa—se com o que eu penso e está atento aos meus desejos.
Os corredores já possuem o cheiro de seu perfume masculino.
Vez ou outra eu encontro alguma boneca repousando nos assentos da
sala ou nas poltronas da varanda. Aperto-a contra o peito e também está tem
o perfume da garotinha. Se estou no escritório, ouço sua risada no cômodo
mais próximo e logo em seguida a voz de Philiph penetra em meus ouvidos,
os dois conversam e brincam e ela se esconde.
Philiph mergulha no universo da menina como fosse um homem cuja
infância também tivesse sido roubada. Mas a verdade é que ele corre contra o
tempo para recuperar os momentos perdidos.
Quando sai à tarde ou pela manhã, dedico grande parte deste tempo à
Luanna. Aprendi a ouvir, a gostar das coisas mais simples. É curioso, pois ela
cuida de mim, a criança doce e genuína que ela é cura inconscientemente a
criança solitária e machucada que eu fui. Aos poucos, faço as pazes com
minha infância, vejo que nós duas sofremos perdas monstruosas e
necessitamos uma da outra para superar.
Luanna acostumou-se a tomar sol todos os Dias logo cedo e
segurando a minha mão, puxa-me animada até a varanda, alegando
recomendações médica. Ela tem boa lábia como o pai. Quando me deito no
divã do escritório ou na cama para ler algum livro, ela aparece e sem dizer
uma palavra para não atrapalhar a leitura, deita—se cuidadosamente ao meu
lado, abraça a minha cintura e permanece silenciosa até que eu finde a tarefa.
Às vezes adormece quietinha, e quando não dorme, pergunta-me
sobre a história que eu acabara de ler. Há Dias em que ela acomoda—se ao
meu lado e conta-me as histórias que sabe, despertando em mim um olhar
doce e terno.
Estamos nos adaptando a tantas coisas, ela mais do que ninguém teve a vida
sacudida e atormentada pela mãe biológica.
Possui dúvidas em sua cabeça e vê em mim o oposto de Kate. Às
vezes, ao escutá-la me chamar de mãe, sinto um gelo no estômago. Não é
algo desconfortável ou amedrontador. É uma sensação boa, que firma meus
pés no chão, que me mostra que os bons sentimentos podem florescer até nos
corações mais endurecidos.
Philiph e eu decidimos nos ausentar de quaisquer tarefas de trabalho
nos primeiros meses, o que será crucial para nos aproximarmos. Doutor Abel
Amorim, diretor chefe no Hospital dos Lusíadas, deixou as portas abertas
para mim e não vai ser difícil para Philiph continuar sendo o célebre cirurgião
cardiotorácico que é.
O melhor com quem tive o prazer de atuar, apesar de na época nos
alfinetarmos a cada cinco minutos. Ontem mesmo, ao acordar, o observei
dormindo ao meu lado. Ainda era cedo demais e tudo estava no mais
completo silêncio.
Acariciei sua barba macia e me recordei de quando afirmava
categoricamente que eu seria sua e de mais ninguém. Extremamente
prepotente e muitas vezes arrogante como eu. Batíamos de frente por sermos
parecidos. Às vezes quando se olha para uma pessoa só temos a impressão da
casca.
Não sabemos absolutamente nada de seu interior. Eu não tinha ideia
do homem maravilhoso que estava diante de mim. Todas as suas ações
prezam pelo nosso bem. Resolvi não acordá-lo. Andei em direção ao quatro
de Luanna, e como sempre a menina está descoberta, sorri ao ver que ela
dorme abraçada com a boneca que eu dei.
Aproximo-me dela e a cubro. Excepcionalmente hoje, o tempo está
um pouco gélido lá fora. Beijo sua bochecha e contemplo-a por longos
minutos. Depois disso visitei os outros cômodos. Talvez eu tenha esse fetiche
de vislumbrar cada canto das casas onde morei assim que chegava.
Sinto o cheiro dos móveis novos, das cortinas suntuosas e passo as
mãos por alguns objetos para sentir que fazem parte de mim. Que tudo o que
aqui está se parece comigo. Neste quesito meu pai é excelente. Todas as
vezes que eu me instalava em algum lugar preparado para mim, era como se
eu nunca tivesse saído de minha antiga casa.
Capítulo 44

Após uma manhã corrida resolvendo burocracias ainda pertinentes à


nossa transição de Seattle para Londres, tomei uma ducha fresca e sentei na
cama, esperando que ela findasse seu banho.
– Vem aqui – chamei baixinho, estendendo o braço em sua direção.
Ela me olhou através do reflexo do espelho e sorriu ajeitando a última mecha
do cabelo encaracolado.
– Um minuto – observo seu ritual diário e minucioso de beleza. O
hidratante corporal que distribui igualmente em cada canto da pele. As mãos
e os pés que recebem um tratamento específico. E também o rosto, com os
produtos de limpeza e tônicos. De tanto analisá-la durante o processo decorei
a sequência de cada etapa. E não me canso de admirar a paciência com que
cuida de si mesma. Apesar de suas feições serem mais perfeitas ao natural,
fazendo dos cosméticos e maquiagens meros coadjuvantes de sua beleza.
– Preciso falar com você – insisti. Mary largou um pequeno frasco de
perfume sobre a pia de mármore e girou o corpo para andar em minha
direção.
Só em pensar no que estou prestes a dizer sinto que está calmaria
entre nós está com os segundos contados. Não há mais o que adiar, pois tudo
se revelou. E se revelou de modo inacreditável. Eu não queria ser o portador
da notícia.
Na verdade, eu não podia ser. Não cabia a mim esta missão tão
delicada, mas diante dos fatos, talvez eu seja a única pessoa capaz de ampará-
la quando ouvir a verdade.
– Está apressado! – brincou sentando—se sobre meu colo, com uma
perna de cada lado. Inspirei imediatamente seu perfume maravilhoso e a olhei
compenetrado.
– Eu gosto de aproveitar cada segundo com você – falei passando os
dedos delicadamente por seu rosto. Mary me abraçou e aninhou-se contra
meu corpo. É curioso como ela pode ser a de temível Madame Mary, de
temperamento forte e colérico e um minuto depois, transformar-se numa
mulher doce, cuja proteção encontra—se em meus braços.
– O que tem para me dizer? – indagou tranquilamente e suspirei ao
relembrar a semelhança física que constatei.
– Senta aqui – pedi para que se sentasse à beirada da cama. Ela saiu
de cima de mim, um pouco cabreira, mas nada disse até então. Levantei—me,
puxei uma das duas poltronas que ficam num canto do quarto e posicionei-me
de frente para ela. Conheço bem o olhar de Mary. O sexto sentido apurado
pressente estranhezas como um gato pressente o perigo.
– Philiph você sabe muito bem que eu não gosto que dê voltas no
assunto. O que está acontecendo? – inquiriu com o semblante fechado. Séria
e áspera como Senhor S. Engoli a seco as palavras e ameacei dizer qualquer
coisa, mas travei por falta de coragem. Inclinei a cabeça e pensei em nas
palavras que preciso dizer.
– Você confia em mim? – passou as mãos pelo rosto e me encarou
impaciente.
– Eu confio em você, Philiph! Claro que confio! Mas por que tem que
me deixar tão apreensiva – assenti após encorajar—me. Segurei suas mãos
que repousam sobre as pernas e massageei os dorsos das mesmas. Ergui meu
olhar e encontrei os dela, com aflição.
– O seu pai... – iniciei, mas fui interrompido por seu sobressalto.
– O que tem o meu pai? – a simples menção de Senhor S a deixou
assustada. Nesta circunstância pode concluir coisas precipitadas.
– Nada, ela está bem – sua respiração descompassou, busco acalmá-
la. Talvez isto seja muito difícil.
– Há algo que preciso lhe contar... Algo que seu pai me pediu para
dizer quando você estivesse recuperada – Mary me encara de maneira
inquieta e agarrei-me ainda mais às suas mãos.
– Meu pai te fez um pedido? – perguntou incrédula.
– Meu pai não pede nada a ninguém! O que ele quer que eu saiba por
você que não me contou pessoalmente? – a mulher ergueu-se de súbito e deu
passadas no quarto.
– Ele está doente? – neguei de imediato ou ouvi—la.
– O seu pai está bem de saúde, não é isso – respondi aproximando-me
e segurando-a pelos braços.
– Senhor S está ótimo, você mesma disse que raramente ele tem uma
gripe – creditou minha fala, mas alterou—se.
– Eu já estou ficando nervosa – sinto minha cabeça latejar com tudo o
que sei.
– Eu vou ligar pra ele agora – foi efusivamente em direção à cômoda
e tomou o celular nas mãos, mas a impedi quando começou a discar.
– Era ele quem devia lhe contar isso, mas seu pai tem verdadeira
adoração por você, apesar daquele jeito torpe – Mary desviou-se de mim, está
cada segundo mais nervosa e a verdade custa-me a sair pela boca.
– Que droga Philiph, para de me enrolar! Eu odeio isso! – apontou-me
o dedo com raiva. Eu só desejo arrancar dela toda a dor que virá.
– O seu pai tem medo da sua reação, do seu ódio – esboçou face de
dúvida e sarcasmo.
– Porra, Philiph! Tenho muitos motivos para ter ódio do meu pai, ele
sabe disso. Mas nos reconciliamos naquele hospital e.. – decidi interrompê-la
e contar de uma vez.
– Ela sabe o paradeiro da sua mãe – as palavras me saíram pausadas,
num tom grave. Suas pupilas dilataram ao ouvir a confissão.
– Ele sempre soube – completei para cravar de vez a punhalada.
Mary está paralisada. Os olhos perdidos e opacos. A mente vagueia para
longe de mim, para longe do que acabara de escutar. O corpo parece congelar
como quem leva uma pancada forte no estômago. Falta—lhe o ar, a palidez
toma conta de sua pele alva.
– O que você está dizendo? – indagou assombrosa e tapou a boca com
as mãos, a fim de conter o espanto.
– A sua mãe está muito perto – ela passou a movimentar a cabeça
várias vezes em sentido negativo, bestificada com meu anuncio. A boca
entreaberta em busca de uma palavra que a tire do transe, as mãos trêmulas e
o aspecto paralisante de suas ações deixam—me com medo do que está por
vir.
– Não brinque comigo – recostou-se à parede por trás dela para se
equilibrar.
– Eu jamais brincaria com algo tão sério – falo de maneira tensa,
estou desesperado por vê-la assim, mas minha tentativa de tranquilizá-la se
esvai. Observo seus lábios murmurarem coisas inaudíveis, dialoga consigo
mesma num misto de confusão e revolta.
– Mary? – tento trazê-la à realidade, mas ela não me ouve.
Repentinamente ela cessou as palavras. Olhou-me fixo nos olhos até
sentenciar.
– Estou indo para Madri! – disse seca, porém não tive reação. Num
movimento rápido pegou a bolsa e o celular sobre a cômoda e disparou até a
saída do quarto, andando rápido até alcançar as escadas. Corri atrás dela e a
detive pelos braços na metade dos degraus.
– O que está fazendo? Para! Você não vai a lugar nenhum – alterei-
me por medo que faça alguma besteira, mas a mulher soltou-se de mim
bruscamente.
– Quem é você para me dizer o que eu posso ou não fazer? – retrucou
sem titubear.
– Eu sou seu marido, seu parceiro. Não me exclua das decisões que
você vai tomar – rebati com o mesmo nível de sisudez, mas na mesma hora
me arrependi do tom e desfiz o semblante rude. No fundo estou me sentindo
um canalha por ter escondido a verdade, por ter sido cúmplice de Senhor S
desde o dia em que fez a revelação naquele hospital.
– Você escolheu não me contar a verdade quando soube. Mentiu pra
mim, traiu a minha confiança! – seus olhos transbordam uma fúria nunca
antes vista por mim. Mary continuou descendo as escadas. Atravessou a sala
a passos largos, mas a interceptei pela segunda vez.
– Pelo amor de Deus me ouve! Deixa eu te contar tudo o que
aconteceu – segurei seu rosto entre minhas mãos e implorei.
– Eu não traí a sua confiança, eu só não podia contar antes... você
estava se recuperando, seu estado de saúde ainda inspirava cuidados – com
raiva, ela retirou minhas mãos de seu rosto. Sua ira é externada com uma
terrível carga de dor.
Uma dor que nunca vou conseguir abrandar, que destrói por dentro.
Seu sofrimento e solidão não podem ser divididos comigo. Ela crava as mãos
nos cabelos e se esforça para engolir o choro.
– Você tem ideia do que essa informação causou em mim? –
embargou as palavras.
– Se isso for verdade eu vou odiar meu pai para o resto da minha vida
– está repleta de raiva, então neguei seu pronunciamento veementemente.
– O seu pai teve os motivos dele – riu irônica ao ouvir.
– Motivos? Não fala o que você não sabe Philiph. Você não teve uma
infância como a minha! Seus pais amaram e cuidaram de você – abaixei a
cabeça, totalmente rendido.
– Eu nunca me fiz de vítima ou de coitadinha pela vida que eu tive.
Eu cresci e conquistei muita coisa – apontou efusiva.
– Mas Senhor S fez da maior parte da minha vida um grande inferno –
gesticulou dando as costas para mim. Ela não vai odiar só o pai, mas a mim
também quando souber o que fiz.
– Se Senhor S sempre soube onde minha mãe estava então ele foi
muito cruel Covarde! – a angustia a esmaga, sinto uma tristeza profunda por
não poder protegê-la.
– Eu sei que é algo muito grave! – peguei suas mãos e as beijei. Mas
senti sua frieza para comigo.
– Para Philiph! Para, por favor! – se afastou de mim e respirou fundo.
– Eu estou indo para Madri! Você não vai me impedir. Preciso ouvir
da boca dele, Senhor S tem me dizer onde ela está – exclamou decidida.
– Mary você não pode sair assim, seu pai me revelou a história
justamente porque não teve coragem depois da reconciliação de vocês. Ele
não podia contar porque você estava hospitalizada – fui em direção a ela.
– Tinha perdido um filho... Não podia passar por nenhum tipo de
estresse – já não consigo mais convencê-la.
– Ele teve tempo suficiente pra fazer isso. Foram quarenta e dois anos
para concertar o erro – olhei para o alto e busquei ajuda mentalmente.
– Ele escondeu o paradeiro da minha mãe. Da minha mãe Philiph! –
enfatizou desolada.
– Como ele pode fazer isso comigo? Como ele pode fazer isso com
ela? Até quando Senhor S vai manipular a minha vida? – expressou as
últimas palavras num tom ríspido.
– Eu preciso dizer tudo o que o seu pai me disse e eu sei que está
doendo – a olhei compassivo.
– Eu não vou mais ser a filha que abaixa a cabeça, ele vai contar tudo
olhando dentro dos meus olhos – estou sem saída. Não consigo dizer mais do
que duas ou três palavras de uma verdade longa e dura. Impiedosa a ponto de
deixá-la assim.
– Mas sabe Philiph. O meu pai é o homem que causa esse tipo de dor,
mas estou decepcionada. Eu não esperava isso de você! Eu poderia esperar
tudo, menos que fosse me trair desta maneira. Como foi capaz de ocultar isso
de mim! – manifestou-se frustrada.
– Mary, eu só quis te poupar naquele momento – expliquei minha
atitude de guardar o segredo.
– Mas eu nunca quis ser poupada de nada! Não ouse decidir nada por
mim, não faça minhas suas palavras sem saber o que eu penso! Não lhe dou
esse direito e isso que você fez é desleal, é baixo. Pare de querer me poupar,
eu não preciso de alguém que amenize as coisas para mim! Hoje você foi
péssimo. Hoje você foi imperdoável! – retrucou em alto e bom tom.
– Imperdoável! – enfatizou.
– Mary eu... – fui interrompido por ela.
– Eu vou descobrir onde ela está e não volto hoje. Cuida da Lu –
caminhou depressa até a porta, e foi então que decidi não esperar mais.
– Mary eu sei onde sua mãe está! – seus passos travaram antes da
porta de entrada e ali ela ficou. Imóvel. Minhas palavras ecoaram precisas
pelo ambiente. Lentamente ela volveu o corpo e me encarou com o cenho
franzido.
– Como você pode saber disso? Senhor S disse o endereço a você? –
indagou pasmada.
– Eu sei onde sua mãe está por que eu estive com ela – libertei o
segredo e vi o rosto de Mary mudar de fisionomia.

Não consigo digerir as palavras de Philiph. São como um soco no


abdome. Minha cabeça vai explodir de dor e me sinto sem alicerces, sem
ninguém. As coisas que saíram da boca dele acabaram de me aniquilar. Eu
confiei neste homem e o trouxe para a minha vida acreditando que seria o
oposto de todos os outros que tive o desprazer de conhecer. Não posso
acreditar que Philiph mentiu para mim.
– Você o que? – indaguei espantosa. Minhas pernas começaram a
tremer de maneira vertiginosa.
– Repete o que você disse! – ordenei. Philiph fechou os olhos com
certa força e tomou coragem.
– Eu estive com sua mãe – ele dá passos receosos em minha direção e
sua voz sai falhada.
– Eu não posso acreditar no que estou ouvindo! – ele fez gesto de
parada com as mãos, a fim de me pedir mais uma vez para ter calma.
– Mais uma vez eu peço para você me ouvir – me recusei
imediatamente. É surreal. É inacreditável demais. De repente, me vejo cheia
de tudo, como se o clima neste ambiente pesasse e me esmagasse. Não posso
mais ficar aqui.
– Se afasta de mim! – declarei com sofreguidão. Não sei mais o que
pensar.
Minha cabeça lateja com mais força pelas revelações, e como num
estalo, depois de suas últimas palavras, minha mente se esvaziou. Nenhum
pensamento bom ou ruim ronda-me neste instante. Apenas concentrei os
resquícios de minhas forças para me dirigir a ele.
– Eu vou sair e se você tem algum tipo de consideração por mim não
vem atrás – dei as costas e saí em direção à garagem.
Philiph ainda me acompanhou, impediu-me várias vezes, colocou-se
diante de mim e implorou para que eu o escutasse, mas eu só queria ficar
longe dele e da verdade que acabara de ouvir. Esquivei-me o quanto pude até
alcançar o carro.
Como estamos com apenas um veículo, pois o modelo de sua
preferência ainda está para chegar na concessionária, adentrei o mesmo, girei
a chave na ignição e fechei os vidros. Ele tentou me manter ali de todas as
maneiras e frustrou-se em todas. Travei as portas, acionei o portão da
garagem e saí com o carro, ouvindo seus gritos por mim. Olhei pelo espelho e
o vi correr em minha direção, mas já era tarde.
Capítulo 45

Não dirijo em alta velocidade, não furo nenhum sinal vermelho ou


realizo ultrapassagens arriscadas. Nada faço que possa aumentar os níveis de
adrenalina em meu sangue ou que me renda multas e apreensões. Estou
vagando há horas, sem rumo. É a única coisa que tenho forças para fazer. Eu
não consigo chorar e até este exato momento, meu estado emocional é de
torpor.
Meu celular toca insistentemente, o mesmo está depositado no banco
do carona ao meu lado, e no visor, está o nome dele. As imagens da minha
infância e da conversa que tive com meu pai no hospital passam digladiando
minha mente, torturando-me da forma mais cruel e tenebrosa. As cenas se
repetem uma após a outra repetidamente. Meu isolamento pelos cantos da
mansão, minha avó ordenando que eu engolisse o choro e o perdão que
concedi a Senhor S enquanto ainda estava convalescendo.
Eu não consigo chorar, talvez isto expurgasse a dor que machuca meu
peito e me corrói por dentro. Estou sufocada. Como sobreviver à ideia de que
meu pai sabia onde estava minha mãe?
E como imaginar meu encontro com esta mulher da qual só me resta
uma antiga fotografia da juventude, tão gasta e velha que mal se pode ver
nitidamente os contornos? Há tantas perguntas a fazer. Ela ainda se lembra do
bebê que abandonou a quarenta e dois anos atrás? Tenho raiva, tenho pena.
Tenho sentimentos que não se pode nomear.
Olho à minha volta, já é tarde. A gasolina está acabando e em meu
telefone há registros incontáveis das ligações e mensagens de Philiph. Paro
em um posto de gasolina qualquer e abasteço o carro. O relógio em meu
pulso marca dezesseis horas e cinquenta minutos, recordo-me que não comi e
nem bebi nada durante estas longas horas.
Uma sensação esquisita vem ganhando espaço dentro de mim, pois
minha respiração ao poucos acelera. Efetuo o pagamento após encher o
tanque. O homem, com uma educação erudita, agradece a preferência e me
deseja uma excelente noite, mas o deixo sem respostas, afinal será um
esforço inútil.
Fecho os olhos com certa pressão para manter o controle, aciono o
botão dos vidros, e em segundos a imagem do homem desaparece. Então sigo
até um lugar bastante conhecido, que dista a alguns quilômetros de minha
casa. Desta vez dirijo o mais rápido que posso.
Agora meus olhos estão turvos e isso dificulta a minha visão. Esfrego
os mesmos com os dedos, pois pressinto o que está prestes a acontecer. Pego
o celular a fim de retornar a última ligação, e não basta mais que um toque
para ouvir a voz do outro lado da linha.
– Onde você está pelo amor de Deus? – sua voz soa em extrema
preocupação. Consigo notar que entrecorta as palavras pela fadiga,
demonstrando sua respiração pesada e ofegante.
– Vem me encontrar, eu preciso de você – peço baixinho e manobro
com o carro ao mesmo tempo. Estaciono em frente ao miradouro e desço do
veículo, olhando para os lados para ver o movimento, mas para meu alívio o
local está vazio.
– Diz onde você está? Estou num taxi, vagando atrás de você a
horas! – de repente sinto-me egoísta por fazê-lo passar por isso. Fecho a porta
do automóvel e me recosto na lateral.
– Estou no miradouro. Venha depressa – dei as coordenadas e
desliguei o telefone. Acho que ele disse mais alguma coisa, porém não ouvi.
Começo a caminhar com peso nas pernas, passo pelo chafariz e direciono-me
até um dos bancos.
Não há ninguém por aqui e o sol irá se pôr em exatos trinta e quatro
minutos. Sentei—me, apoiei os cotovelos sobre os joelhos, e repousei o rosto
sobre as palmas das mãos.
Alguns minutos se passaram desde que liguei para ele, estou sentindo que não
posso mais segurar, a sensação esquisita de minutos atrás está voltando mais
forte.
Meu coração fica cada segundo mais apertado, dolorido dentro o peito
e não respiro com ritmo. Quando não aguentei mais, deitei no banco frio e
deixei as lágrimas caírem.
– Mãe – clamo com voz fraca, abraçando meu próprio corpo em busca
de abrigo.
– Que dor! – choro ao relembrar o que passei nestes últimos meses e
pela falta que ela me fez todos esses anos. Choro angustiadamente. E por
mais que eu enxugue as lágrimas, outras veem mais volumosas tornando este
trabalho completamente vão.
A menina assustada, amuada pelos cantos da mansão veio me visitar e
sinto tanto medo quando ela. Encolho-me no banco em posição fetal, todo o
tormento que vivi na infância rumina aqui dentro. Não consigo digerir a
mentira, o abandono. A falta de sensibilidade que tiveram comigo.
– Mary! – eu mal consigo abrir os olhos, mas reconheço a voz de
Philiph. Ouço o barulho da porta de um carro sendo fechada e o som de
pisadas fortes. Ele corre em minha direção.
– Estou aqui – o homem me segurou pelos braços e ajudou-me a
levantar. O perfume de sua pele rapidamente inundou minhas narinas, sou
acolhida num abraço apertado e me agarro a ele num misto de raiva e medo.
Ele afaga meus cabelos e sussurra “estou aqui” várias vezes para eu
me sentir segura. Sofro pela criança que fui e pela mulher que sou. A mulher
que descobriu a maior das traições. Quando minhas dores abrandaram e
consegui respirar, fizemos silêncio total. Estou soluçando, e ele, paciente,
aguarda alguma palavra minha.
– Não ouse esconder mais nada – ordenei olhando para ele.
– Você tem todo o direito de estar assim – diz com arrependimento.
– Não posso descontar em você as minhas frustrações, mas isso não
apaga a sua mentira. Estou profundamente magoada com você! E o pior de
tudo é que as informações de que preciso estão em suas mãos – reconheço
meu erro, porém sou filha de Senhor S, o orgulho é meu algoz. E o fato dele
ter omitido algo tão grave causou fissuras em um elo que eu julgava
inquebrável.
– Meu grande erro foi adiar Mary – manifestou-se e me afastei de
seus braços, como quem repele um estranho.
– Seu erro não foi adiar, foi me subestimar! Foi achar que sou frágil,
de que eu não suportaria a verdade. Quando você faz isso perde a minha
confiança – ele me encara de forma aflita.
Ao mesmo tempo em que necessito de seu amparo emocional, preciso
de respostas urgentes sobre meu passado. E me vejo tomada pela Mary que
não aceitava de maneira nenhuma qualquer deslize de alguém em quem ela
confia.
– Eu não te acho frágil, tão pouco subestimo você! – diz com sua voz
grave e rouca. Observo os galhos das árvores ao nosso redor que balançam
com o vento, um ar gélido nos cerca, talvez anunciando uma chuva fina na
cidade de Lisboa, o que certamente contradiz este pôr do sol e o tempo firme
que fez hoje. As mudanças dos Dias, das horas e dos instantes onde tudo
pode se perder ou se reencontrar.
– Você disse que precisava de mim e estou aqui! – ele diz enquanto
chega mais perto.
– Fiquei com medo de ter acontecido alguma coisa, você saiu
transtornada – explica aliviado por estar comigo e ver que estou sã e salva.
– Foi no impulso, eu tinha que respirar. Estava com raiva de tudo, de
você e principalmente do meu pai – ele assentiu ciente das consequências de
seus atos.
– Eu não sabia como contar, nunca quis mentir para você – o encaro
séria, fixando nossos olhares por um bom tempo. Mas Philiph é insistente,
isso talvez seja uma de suas melhores qualidades. Ele não suportou e me
puxou para junto de si, abraçando-me mais uma vez. O doutor me protege
com seu corpo forte e beija meus cabelos como se estivesse com medo de me
perder.
– É difícil aceitar – confesso com rancor de meu pai.
– Eu sei – com um movimento suave, ele desliza os polegares pelas
maçãs de meu rosto.
– Eu não imaginei que estaria neste lugar – olhou em volta para
apreciar a bela visão do vitral, o sol preparando—se para deitar no horizonte,
e do lado oposto, a noite devorando o céu com um tom cinza escuro.
– Quando dei por mim já estava aqui – pronuncio as palavras com
esforço.
– Vamos para a casa – anunciou e por um momento pensei se seria a
melhor opção. A decepção ainda fala mais forte.
– Não quero que a Lu me veja assim! – expresso-me decidida.
– Pedi um pouco mais de tempo pra Mariana – a irmã mais nova de
Philiph veio nos visitar na manhã de hoje e levou a garotinha para passear,
justamente antes de Philiph me fazer a confissão.
Sem dizer nada, entrego as chaves e ele a toma em suas mãos, a fim
de dirigir até nossa casa. O trajeto é silencioso, parece mais longo que o
habitual e meus pensamentos vagam soltos. Talvez eu não queira pensar em
nada ou simplesmente fujo da realidade. Estou tão absorta que não reparei
quando chegamos. Sentei-me no sofá, assim que adentramos a sala.
O cansaço percorre todo meu corpo e meus olhos ardem, causando
certo incomodo por conta da luminosidade. Ainda me sinto em choque, a ira
dilata minhas veias e sinto-as queimar por dentro. Procuro autocontrole,
busco permanecer calma e ouvir o que ele tem a me dizer. Philiph trouxe um
copo com água e um analgésico para minha enxaqueca segundos depois de
chegarmos.
– Venha, precisa comer – chamou—me. Sempre me surpreendendo
nos pequenos gestos. É generoso, gentil e isso cria uma barreira entre meu
ressentimento e o homem que fez tudo por mim.
– Agora não – recusei-me com tom áspero. Ele insistiu, mas não
forçou. Ficou ao meu lado até que eu tivesse condições de ouvi-lo.
– Eu quero toda a verdade – peço séria. Ele pensou. Verificou as
horas no relógio e fez o exercício lento de exalar o ar dos pulmões.
– Sem omissões, doutor Philiph – acrescento. Philiph traz na face uma
expressão indecifrável. Está mudado, diferente do homem que conheci
naquele hospital. O vejo mais centrado e convicto de suas escolhas.
Ele carregou um grande fardo até hoje, pois meu pai se acovardou da
maneira mais perversa possível. Porém, minha personalidade e temperamento
ainda estão intactos aqui dentro. Detesto ser a última a saber sobre algo que
me diz respeito, e neste ponto sou implacável. Acho que ele enxerga isto em
meus olhos agora e escolhe minuciosamente cada palavra para proferir.
– Quando a sua mãe te abandonou com os Moreau, seu pai
enlouqueceu. Ela só tinha dezessete anos na época, era uma menina – apoio
minhas costas no sofá, sinto minha respiração rarefeita. Estou diante da
história da minha vida contada por Philiph.
– No dia seguinte, ele foi até a casa noturna onde sua mãe trabalhava,
mas estava fechada. Literalmente fechada. Os boatos eram de que havia sido
interditada pelo grande número de menores que se prostituíam. Nos fundos
funcionava uma espécie de bordel. Todos já tinham fugido! – seus olhos
penetram os meus e não esboço reação alguma.
– Seu pai contratou um advogado para descobrir o paradeiro dela sem
que sua avó soubesse. Ele não podia contar com as pessoas que trabalhavam
para ela, então recorreu a um freelance na área investigativa.
O homem vasculhou delegacias, hospitais, rodoviárias, pensões, até
que numa dessas, ele descobriu que a proprietária deu abrigo a sua mãe
durante uma noite. Ela soube de quem se tratava por que o detetive estava
com uma foto, e segundo o seu pai, é a fotografia que ele lhe deu há alguns
anos.
A sua mãe não tinha dinheiro, não tinha nada! Mas disse à dona que
iria embora pela manhã. No outro dia, um cara que estava na pensão pegaria a
estrada até uma cidade vizinha. Ela pediu carona e ele a levou! – tudo o que
ele me revela agora causa uma paralisia temporária em meu corpo.
Remonto cada cena, parece que estou lá, a quarenta e dois anos atrás.
Minha relação com Senhor S sempre foi nebulosa, mas desta vez o que sinto
por ele é algo muito ruim.
– Eu quero saber de quando esteve com ela! Porque isso tudo parece
um pesadelo! – ele compreende minha angustia.
– Você só vai entender como eu cheguei até sua mãe quando eu
contar e prometo ser breve – tocou minhas mãos e controlei minha ansiedade.
– Depois disso o seu pai iniciou uma intensa busca e só teve notícias
de sua mãe dois meses depois. Ela estava trabalhando num bar em outra
cidade, desses de beira de estrada.
Um lugar horrível.
Este mesmo detetive, com ordens de seu pai, deu um jeito de se
aproximar da sua mãe – neste momento me ergui do sofá e abri uma grande
janela por detrás do mesmo. Eu preciso de ar, e generosamente o vento frio
adentra a sala, balançando os cachos de meus cabelos. Noto o cheiro da
chuva aproximando—se de nós e penso em Luanna que ainda não chegou.
– Eu estou com tanto ódio de Senhor S que se eu pudesse... – Philiph
segurou-me pelos ombros e girou meu corpo.
– Não se precipite no julgamento. Até mesmo as piores pessoas, um
dia na vida, são capazes de atitudes nobres – neguei desacreditada.
– Nunca conheci ninguém assim, e certamente meu pai não é uma
dessas pessoas – retruquei de imediato. Philiph silenciou e me olhou fixo.
– Naquele dia no hospital, depois de me contar esses detalhes ele me
passou o endereço dela. Ficava em Sevilha, mesma cidade onde minhas irmãs
moram! – ouço atentamente.
– Ela mora na Espanha? E Senhor S já voltou para Madri! – ele
negou.
– Não mora mais, a última notícia que o seu pai teve da sua mãe foi
há dois anos – estranhei.
– Então como você a encontrou? – gesticulei impaciente ao
perguntar.
– A Mariana me ajudou, é por isso que eu passava um bom tempo ao
telefone. Ela é ótima jornalista – referiu-se orgulhoso da irmã. Estou
boquiaberta com tudo o que me é revelado.
– Ela se dedicou totalmente, conversou com algumas pessoas e
descobriu que sua mãe havia se mudado para outra cidade – fez uma pausa e
preparou—se.
– Mary, sua mãe mora em Évora! Há uma hora e meia daqui! –
entreabri a boca e tapei-a pelo espanto.
– Évora? – pergunto para ter certeza de que eu não estou
ensandecendo.
– Évora – confirma com uma expressão feliz no rosto.
– A história é longa! Mas seu pai não contou mais do que isso, o
restante eu soube pela sua mãe! E você só saberá por ela – me exaltei.
– Como assim? – voltei a sentar no sofá e ele me acompanhou.
– Ela pediu – sinto como se o chão por debaixo de meus pés estivesse
se diluindo e meu corpo caísse num abismo profundo.
– Pediu? – estranhei.
– Sim – respondeu e segurou minhas mãos.
– Me leva até ela! Me leva agora – levantei mais uma vez, entretanto
Philiph não permitiu. Desta vez sua imposição me faz recuar.
– Não hoje. Não com você nesse estado. Vamos amanhã! – disse
puxando-me para junto de si. – Não acha que eu já esperei demais? – inquiri
extremamente indignada.
– A sua mãe também, porém há três semanas ela teve um pré—
infarto. Entende porque não podemos ir assim sem prepará-la e avisá-la do
momento em que vamos chegar?
Entende também que a única razão para eu ter omitido essa história
até hoje é o fato de não saber o que eu iria encontrar? Se ela estava viva, em
que condição vivia, e até mesmo para não chocá-la!
Eu quis ser cuidadoso para que você não sofresse mais nenhuma
desilusão – ponderou, e de certo estou me precipitando. Dou passadas pela
sala e paro diante de um quadro que ganhei de Senhor S. Uma imagem de
Hidra, bela cidade localizada no mar Egeu.
– Tem razão – aquietei-me por fora. Mas aqui dentro a desordem é
total.
– Como ela é? O que você disse a ela? Como foi que ela reagiu? – são
dúvidas demais, perguntas demais que lanço de uma só vez.
– O seu pai me deu uma coisa naquele dia no hospital e pediu para eu
lhe dar na hora certa – Philiph retirou a carteira do bolso, vasculhou algo e
me entregou uma pequena fotografia de meu pai sentado numa poltrona de
escritório com um bebê nos braços. Fiquei surpresa ao ver a foto em tom
sépia, datando meu terceiro mês de vida, pois é o que está escrito na parte de
trás.
– Meu Deus! Nunca tinha visto nenhuma foto da minha infância,
muito menos dessa época! Esta é a primeira – olho a imagem de meu pai
encarando o bebê enrolado num mantinha de linho branco.
Inacreditavelmente ele sorri e segura com muito cuidado o que está em suas
mãos.
– Aliás, não havia fotografias além das que meu pai pregava na árvore
genealógica da família. Mas por ironia do destino eu não estou lá.
Para ser sincera, só me lembro de fotos na época da faculdade e nunca
tive o hábito de guardar em álbuns. As que eu tenho foram tiradas por amigas
que me davam de presente como lembrança – silenciei ao rememorar tais
fatos.
– Foi com esta foto que fui até sua mãe. Ela mora num lugar muito
bonito, não há muros nas casas e ela estava no jardim quando cheguei. Pedi
licença para me aproximar, me apresentei e perguntei se ela poderia me
receber por alguns minutos – apenas escuto o relato, enquanto meu coração
dispara ávido dentro do peito.
– Ela ficou um pouco assustada, achou estranho. Perguntou a natureza
do assunto, mas antes que eu pudesse responder, um rapaz apareceu na
varanda e veio até nós. Perguntou quem eu era e se havia algum problema ali.
Eu disse que estava tudo bem, mas que era um assunto importante e
do interesse dela – as horas voam no relógio e daqui a pouco Luanna chega
acompanhada por Mariana. Estou em aflição mortal.
– Ainda sim eles estavam desconfiados de mim, sua mãe disse que
não tinha tempo para falar e foi então que mostrei a foto, dizendo que era por
causa daquele bebê que eu estava ali – me vejo como alguém que se
desestabilizou e que de maneira assustadora tenta achar o caminho de volta.
– Assim que olhou para o retrato ela se sentiu mal, ficou tonta e ajudei
a levá-la pra dentro de casa. Eu disse que era médico, que podia ajudar. Sua
mãe teve uma queda brusca de pressão!
Ela não largava a foto, olhava pra ela e chorava silenciosamente.
Angustiada. Ficou assim por muito tempo – ele confidencia e busco imaginar
o semblante de alguém que não conheço.
– Quando sua mãe conseguiu falar perguntou como eu conhecia o
bebê da foto e eu disse que a foto pertencia à minha mulher – nem Philiph,
nem meu pai e acho que nem mesmo a minha mãe podem imaginar como me
sinto agora. Nada do que aprendi preparou-me para este momento.
A cada palavra dita por ele vejo minha vida sendo desmontada, como
um brinquedo que é devolvido a caixa e que vive a sabor das vontades das
crianças. Eu sou adulta, uma mulher experiente, intelectualmente formada e
financeiramente privilegiada.
Mas neste momento não passo de uma menina assustada e desprovida
de tudo. A ira contra o meu pai impingi uma cólera nociva a mim mesma. E
quanto a minha mãe, tenho pavor e urgência deste encontro. Apesar de não
saber o que me espera.
– Tudo que ouvi da sua mãe foi forte demais e ela me fez prometer
que eu não contaria nada, porque ela mesma faria isso – a essa altura eu já
estou anestesiada, apenas digerindo tudo com muito esforço. Ficamos em
silêncio por um longo tempo. Uma pausa que dilacerou meus pensamentos,
até que voltei à realidade.
– Eu me pareço com ela como Senhor S diz? – decidi perguntar. Ele
parece refletir.
– Ela é muito bonita, aparenta ser bem mais jovem – um sorriso brota
de meus lábios.
– Você tem muitos dos traços da sua mãe, seu pai tem toda razão –
tento relembrar a única fotografia que tenho dela, antiga e amarelada, Mary
não está muito visível de rosto por causa da distância em que a fotografia foi
tirada.
Eu ainda via parcialmente o rosto dela quando ganhei a imagem de
meu pai, mas os anos castigaram o papel em que foi impressa, fazendo-me
esquecer dos detalhes da mulher de olhar penetrante.
– Há muita semelhança. O rosto, o cabelo encaracolado assim – tocou
meus cachos.
– O olhar forte, mas doce – meu coração aquece devagar.
– Quem é o rapaz que estava com ela? – indaguei curiosa, sondando
detalhes.
– Seu irmão – respondeu ele.
– Irmão? Eu tenho irmão? – indaguei comovida.
– Se chama Miguel – fico pensativa por uns instantes.
– Seis anos mais novo. Casado, pai de duas meninas. Uma tem a
idade da Lu. A outra tem sete meses – Philiph inclinou-se para mim e
segurou minha mão. Olhou diretamente nos olhos para dizer alguma coisa.
– A sua mãe deseja muito te ver – revelou—me.
– Quando foi que você a viu? – inquiri.
– Há dois Dias. Eu só contei hoje porque a Mariana veio ficar com a Lu,
assim teríamos tempo e privacidade – assenti.
– Sabe o que eu não entendo? Por que Senhor S não me disse nada
sobre ter ido atrás dela e sobre o detetive ter encontrado a minha mãe? Ele
teve todas as oportunidades naquele hospital – Philiph acaricia o dorso de
minha mão.
– Dizer isto era alegar o possível paradeiro de sua mãe. Era confessar!
Vocês nunca tinham tido um momento como aquele, ele não queria sentir o
ódio da pessoa que mais ama na vida – as últimas palavras de Philiph
emudeceram—me por completo.
Depois disso, deitei no sofá e recostei minha cabeça em seu colo. Ele
me oferta carícias nos cabelos, enquanto me deixa processar todo o ocorrido.
Sem barulho, sem questionamentos, sem censura. Acabei adormecendo ali
mesmo e só despertei com uma sucessão de beijos em meu rosto. Abro os
olhos devagar, pois os mesmos estão pesados.
– Trouxe pra você – alegrei-me ao observar Luanna dando-me de
presente uma trufa de chocolate num lindo embrulho. Sentei para fitá-la
melhor e passei as mãos pelos cabelos, arrumando meus cachos.
– Dormi muito? – perguntei a ele.
– Um pouco – levantou-se para esticar as pernas. Mariana está
sentada na poltrona ao lado e sorrindo encabulada para mim. Pelo olhar,
constata que já sei a verdade. Puxei Luanna para o meu colo e apertei seu
narizinho afilado.
– Obrigada! – agradeci beijando de forma intensa sua bochecha e
recebendo a trufa.
– Por que você estava chorando? – disparou de imediato. Penso no
que dizer, olho para Philiph e depois para Mariana.
– É que eu recebi uma notícia muito importante – respondo, mas a
menina não se dá por satisfeita.
– É ruim? – passou a ponta dos dedos na maça direita de meu rosto.
Eu apenas neguei meneando negativamente a cabeça.
– Me abraça? – pedi a ela. Luanna aconchegou-se a mim e a apertei
contra meu peito. Fechei os olhos e me entreguei ao abraço que um dia
gostaria de ter recebido de minha mãe.
Costuma—se dizer que só damos aquilo do qual recebemos ou só
oferecemos o que há dentro de nós. A questão é: Eu não teria nada a oferecer
a esta criança já que fui uma que não foi planejada e muito menos tratado
com esmero.
Cuja criação foi relegada a terceiros boa parte do tempo. Penso que
esta premissa nem sempre está coberta de razão. O que faço agora é algo que
jamais fizeram comigo. Fui ensinada a negar todo e qualquer tipo de afeto.
Eu desconhecia o que é o amor, até encontrar o sentido da minha vida. Até
me redescobrir como mulher. Estou certa de uma coisa: Amo apesar de não
ter sido tão amada, ainda que o amor disponha de várias faces.
O amor nasce por entre as pedras. Pelas fendas de corações como o do
meu pai. E o que sinto por esta garotinha não se explica. Tão pouco o que
sinto pelo pai dela. Não se senta numa cadeira de faculdade e recebe
instruções sobre o amor. Não se calcula este sentimento. O amor se sente e
não necessita de pretexto. Ninguém deve perguntar a uma mãe por que ela
ama o filho ou porque uma pessoa ama a outra. Ela simplesmente ama. Amar
precede todas as coisas.
– Está na hora de tomar seu banho e ir para a cama – falei assim que
nos desprendemos do abraço, pois passa das nove. O vestido dela está repleto
de manchas de doces e o laço de fita no cabelo está caindo.
– Ela tem muita energia. Estou velha pra acompanhar – rimos da
confissão de Mariana.
– Nós brincamos no parque, andamos de pedalinho no lago, vistamos
museus, dançamos com as apresentações na loja de doces e ela ainda queria
mais – Philiph gargalhou rouco das enumerações da irmã. Ela contava nos
dedos tudo que fizeram.
– Luanna é ótima para tirar as pessoas do sedentarismo – a mulher
concordou.
– Preciso. Acho que vou levá-la para passear três vezes por semana –
rimos mais uma vez e Luanna se animou.
– Vem morar aqui perto tia Nana – é assim que ela chama a tia.
– Não moro tão longe, querida – fez gesto chamando a menina para
perto dela. Abraçou—a e beijou—lhe a bochecha.
– Posso visitá-la com mais frequência – elas sorriram uma para a
outra.
– São quatro horas e meia de distância, tia – disse Luanna e nos
atentamos para sua precisão.
– Como você sabe? – perguntou Philiph.
– Olhei no Google Maps no seu iPad! – nos entreolhamos
boquiabertos.
– Promete que vai ser minha garotinha para sempre? – Philiph fez
cara de menino entristecido, inclinando lateralmente a cabeça. Como um pai
que vê a filha escorregar por entre os dedos.
– Mas eu vou crescer papai – respondeu com a inocência de criança.
– Eu sei... – ele completou rendido e vislumbrei suas feições de pai
amoroso, preocupado.
– Mas enquanto isso já para o banho mocinha – Luanna obedeceu
imediatamente e correu das cócegas que o pai lhe fazia, mas antes de subir as
escadas, sussurrou alguma coisa em seu ouvido, o que fez com que ele ergue-
se a menina do chão num abraço longo. Em seguida ela subiu.
– Você também precisa descansar – disse voltando—se para a irmã.
Mariana e eu nos levantamos.
– Obrigada pelo que fez por mim, você foi muito corajosa – Mariana
negou.
– Eu fiz o certo! Eu lhe serei eternamente grata por tudo o que fez e
vem fazendo ao meu irmão! Eu nunca o vi assim, tão feliz e muito menos ela.
Você trouxe de volta a felicidade da minha família – Philiph se aproximou.
– Acho que todos nós precisamos de descanso – concordamos, a
exaustão é visível em nossos rostos.
Despedimos—nos, e Mariana dirigiu-se ao quarto de hospedes,
enquanto Philiph e eu fomos para o nosso quarto. Estou tão aérea com o dia
de hoje que meu silêncio não o incomoda, ele compreende que necessito de
espaço e tempo para me acalmar.
Uma ducha morna e relaxante, acompanhada, posteriormente, por
uma xícara de chá foi a solução para minhas dores. Em seguida, bastou que
ele me abraçasse de lado na cama sem dizer nenhuma palavra para eu cair
num sono profundo. Meus olhos abrem—se vagarosamente, olho ao meu
redor para constatar a presença da luz do dia, porém ainda estamos nas
primeiras horas da madrugada.
Eu não consigo mais dormir, uma inquietação mortificante atinge meu
corpo, só um pensamento norteia minha mente agora. Com cuidado, retiro o
braço de Philiph que envolve minha cintura e sento na cama. Olho para ele e
no fundo sinto resquícios de raiva, de decepção.
Mas apesar disso eu não consigo ficar longe. Em outro momento da
minha vida eu teria ido embora, mas Philiph mexe demais comigo e foi para
ele que liguei em busca de ajuda. Enrolo-me no robe de ceda e o fecho na
parte da frente para cobrir a camisola de cumprimento até os joelhos que uso
por baixo.
Saio do quarto sem emitir o mínimo ruído. Desço as escadas
cautelosamente, pois todo o local está no escuro, apenas os flashes de luz que
penetram os espaços da casa através das frestas das janelas se fazem presente.
Direciono-me até o escritório no primeiro andar, abro a última gaveta
e por detrás de alguns objetos encontro um maço de cigarros. Retirei um e em
seguida guardei o maço novamente. Sigo até a sala, mais precisamente até o
bar ao lado da escada e pego uma pequena garrafa de conhaque.
Respiro pesadamente, como se eu fosse mergulhar e estivesse
tomando fôlego para aguentar a submersão. Encho um copo com a bebida,
mas percebo que ainda não acendi o cigarro. Vou até a cozinha para realizar a
última ação, mas no meio do caminho paro para visualizar um porta—retrato
na estante, é a fotografia que roubei do álbum de Philiph e que agora está
aqui.
O sorriso da garotinha é tão puro que suspiro somente em
vislumbrar. Como é que duas pessoas que conheci há pouco tempo tem tanta
influência na minha vida? Como num ato fugaz, andei a passos largos até a
cozinha e desprezei o conteúdo do copo na pia, deixando o mesmo de lado.
Fiz o mesmo com o cigarro jogando-o no lixo. Há um aperto em
minha garganta, algo que quer roubar minha sanidade. Eu não aceito este tipo
de fraqueza. Optei por fazer o caminho de volta, e ao retornar para a minha
suíte, cessei os passos em frente ao quarto de Luanna.
Pela porta entreaberta vejo o abajur aceso, pois ela tem medo de
dormir no escuro como eu tinha quando criança. Entro sorrateiramente, ela
está dormindo agarrada à boneca que eu dei de presente.
Aproximo-me e afasto as cobertas, há espaço suficiente para nós,
então deito junto a ela sem fazer barulho, enrolando-me sob as cobertas
quentes e abraçando-a de lado. Beijo carinhosamente a lateral de sua
bochecha e apesar de minhas tentativas de não acordá-la a menina despertou
sonolenta. Assim que me viu, girou o corpo na cama ficando de frente para
mim.
Luanna me olha por longos segundos sem articular uma só palavra.
Sua mão pequena faz carinho em meus cabelos e em minha face. Os olhos
dela estão pesados pelo sono e sua simples presença me faz sentir segura.
Minha criança interior está à procura de alento, a menina da mansão
dos Moreau agora toma meu lugar. Diante de Luanna não se encontra
Madame Mary, cuja força reside na altivez e coragem, mas é Mary, a criança
solitária e desesperada a procura de um colo para se aninhar.
– Pode chorar se quiser, eu não conto para ninguém – quando suas
palavras doces ecoaram em meus ouvidos eu segui seu conselho.
É como se eu precisasse dela para superar tudo. Um soluço
incontrolável surge em mim e as lágrimas começam a escorrer pelo meu
rosto, descendo quentes até meu queixo, onde deslizam por meu pescoço.
Ela segura minha mão com sua força de criança e passa a me dizer
coisas que talvez só um adulto com sensibilidade poderia dizer.
– Eu nunca vou abandonar você, mamãe – choro copiosamente.
Minhas feridas estão sendo tratadas com o amor que ela tem por mim. Todo
processo de cura começa com a exposição da dor e a minha está difícil de
suportar. Meus soluços já ecoam alto. Tudo o que eu menos queria era que
Luanna me visse assim, mas algo mais forte me trouxe a este quarto.
– Eu vou te amar para sempre – meu coração está rasgando ao meio.
– Serei sua menina – ela enxuga meu rosto e segura meu queixo para
que eu possa olhá-la sem desviar o olhar.
– Nunca vou deixar ninguém te machucar – enquanto ela me consola,
as palavras de Philiph latejam em minha cabeça. Seguro mais forte nas mãos
dela na tentativa de afastar os pensamentos que me fazem ter ódio de tudo o
que houve.
– Está doendo tanto – quase não posso me expressar, a frase curta é
entrecortada e confesso sem pensar muito no que isto significa para ela.
– Onde dói? – pergunta com inocência. Respiro fundo, mas
honestamente não tenho força para explicar. Guiei sua mão e a pressionei
contra o lado esquerdo do meu peito.
– Aqui – mostro a ela o lugar exato, mas nem eu sei se o coração
comporta todo o meu sofrimento, pois já sinto em meu físico as mudanças
advindas de todo este caos. A menina ajeita sua posição na cama, o que a
deixa quase sentada, pois suas costas apoiadas no travesseiro permitem que
se forme uma espécie de colo.
– Vem cá – me aconcheguei em seus braços e abracei seu corpo
pequeno. Sua mão direita acaricia minhas costas e afaga meus cabelos,
enquanto a esquerda serve de apoio para minha cabeça.
– Posso te contar um segredo? – ergo meu olhar para ela. Ao me fitar,
a criança beija minha fronte e fecho os olhos com certa força para apreciar tal
gesto. Assenti positiva para que ela compartilhasse comigo.
– O seu pai veio falar comigo no hospital, mas ele pediu pra eu
guardar segredo – estou surpresa com a confidência.
– Meu pai? – questiono pasma e entre suspiros.
– Ele me disse que um dia você ia ficar muito triste e que era para eu
te proteger! – me assombra a percepção tão apurada em uma criança que
deveria preocupar-se apenas com suas bonecas e em fazer amizades.
Luanna é apenas uma garotinha, e o fato de meu pai saber, por
astúcia, que ela é meu ponto fraco na relação que desenvolvo com Philiph,
torna todo este momento em um mar revolto, cujas ondas colidem contra
mim numa força colossal.
– Por que você está tão triste? – pergunta-me com cuidado.
– Você não entenderia agora, minha querida – explanei e ela retribuiu
com um olhar de quem sabe tudo.
– Ele também disse que só eu entenderia você – parece que ela
consegue ler nas entrelinhas que há algo de errado, muito mais do que meu
pranto pode dizer. É surreal o fato de meu pai ter tido uma conversa aberta e
séria com uma criança, logo ele que não conseguia lidar com a própria filha.
Ter colocado nas mãos de Luanna está difícil missão foi algo calculado por
ele, estudado milimetricamente, como um psicólogo estuda a melhor
estratégia para atingir seu alvo em uma análise.
– É porque ele sabe que eu preciso de você – a menina está com uma
voz sonolenta, enquanto fala comigo.
– É porque ele sabe que eu te amo – completa. Agarro-me ainda mais
a ela para me aquecer da noite fria, pois a chuva chegou por aqui e consigo
ouvir o barulho da mesma lá fora.
– Feche os olhos e durma mamãe eu vou contar uma história para
você – nos aconchegamos mais uma na outra, cerro os olhos como ela diz e
descanso em seus braços pequenos.
Aos poucos, sua voz rouca como a do pai invade meus ouvidos numa
história de contos de fadas e desta vez sou eu que mergulho num mundo onde
ninguém pode entrar.
Capítulo 46

Já é manhã, ainda estou no quarto de Luanna, e a medida em que


meus olhos se abrem, vejo Philiph sentado aos pés da cama com o celular nas
mãos. Ele nos observa pensativo, talvez se pergunte por que estou aqui e não
tenha despertado ao seu lado na cama.
Ou talvez entenda que eu preciso me afastar por enquanto, forçar as
coisas não me ajudará em nada. Seu olhar está pesado, entristecido e apesar
de não me importar com as horas, soube que estava no momento exato
quando ele meneou positivamente a cabeça.
Permaneci silenciosa por vários minutos, olhando para a menina que
passou boa parte da noite cuidando para que eu pudesse me sentir amparada.
Após este momento paralisante resolvi levantar, seguir até meu quarto
e tomar uma ducha fria e demorada. Enquanto a água percorre meu corpo, o
barulho da mesma caindo no chão me põe em transe. Deslizo as mãos por
meus cabelos e em seguida por meus braços.
O perfume do sabonete inunda minhas narinas e uma sensação de
aperto afugenta meu estômago. Encosto-me contra a parede para apoiar meu
corpo, respiro num ritmo fora do comum e sinto-me impotente, incapaz.
Jamais imaginei está reviravolta do destino.
Na vida de Madame Mary não havia espaço para afetos, e de repente,
um passo em falso me jogou de encontro a uma realidade paralela da qual
não fui preparada.
Após um bom tempo, desligo o chuveiro e enrolo-me com uma toalha macia,
e com uma segunda, seco os fios de meus cabelos.
Deixo esta última dependurada num suporte do banheiro e vou para o
closet. No espelho largo que há neste recinto, olho-me compenetradamente,
percebendo minhas pálpebras edemaciadas por tudo o que aconteceu, e nesta
solidão, só eu sei o que se passa aqui dentro.
É como seu eu mergulhasse fundo para dentro de mim, através dos
meus olhos. O vazio existencial deixado por uma mãe é irrecuperável. Nunca
permiti que meus sentimentos viessem à tona, nunca deixei transparecer
absolutamente nada. Cresci e sobrevivi, mas as marcas, a ausência da figura
materna, o exemplo de mulher que não tive arrastaram—me para um lugar
insólito e me tornei uma pessoa incompleta.
Ao longo dos anos busquei resposta em tantos lugares, na medicina,
na psicanálise. Mas nada foi capaz de suprir ou de oferta-me respostas
plausíveis. Ouço dizer que não há ligação mais forte do que a existente entre
mães e filhos. A doce ternura de uma mãe é a principal responsável pelo
equilíbrio psíquico de uma criança.
E para uma filha torna—se crucial para o estado feminino, sobre
nossa essência. Passei a minha vida inteira lendo artigos sobre isso e também
estes foram superficiais para mim. Aprendi muito mais com a experiência da
orfandade, se assim posso dizer, do que por meios acadêmicos. Quando me
dou conta de que sou a figura feminina em que Luanna irá se espelhar tenho
um medo assombroso.
Não trago comigo nenhuma experiência de amor maternal, e por
muitos anos, pensei que isso era a marca da minha impossibilidade de amar,
de me entregar, de sempre afastar de mim qualquer um que se aproximasse
com boas intenções. Por que uma criança encontra sua centralidade a partir
do olhar amoroso de uma mãe, isso a torna um adulto confiante, receptivo e
com os medos infantis sob controle.
Porém, a chegada de Philiph e desta criança desnuda-me e revela
minhas fraquezas mais primitivas. Aquelas que não foram sanadas quando eu
ainda era pequena. Quando chorei sozinha durante uma noite inteira com
pavor do escuro ou quando escutei minha avó dizer que eu era suja, filha de
mãe vagabunda, enquanto a mesma me batia porque por curiosidade adentrei
em seu quarto na mansão dos Moreau.
Jamais contei este incidente ao meu pai. O simples barulho do salto
alto de minha avó causava-me um tremor angustiante. Eu não tinha a quem
recorrer, eu sofria calada.
Aos poucos percebo que encaro meu próprio reflexo no espelho e de
que parei no tempo com a toalha enrolada em meu corpo. Solto o ar de meus
pulmões e decido não parar no meio do caminho. Analiso as roupas dispostas
à minha frente e opto por um macacão preto, longo com um decote em v,
extremamente discreto.
Ele cai perfeito em meu corpo, delineando cada curva. Escolho uma
maquiagem leve, acessórios pequenos e por fim, uma sandália de salto alto
médio na cor verde safira. Meus cachos molhados e soltos caem sobre os
ombros e utilizo do secador para finalizá-los.
Estou nervosa, me preparo para lançar—me num abismo do
desconhecido, num passado devastado e cheio de dor. Pego meu celular, o
coloco dentro de uma bolsa preta e pequena e começo a caminhar para a saída
do quarto. Ao passar pelos aposentos de Luanna percebo que ela já não está
mais lá e que a porta do quatro de hóspedes está aberta, revelando o vazio do
ambiente.
Desço as escadas, atravesso a sala de estar e me deparo com Philiph
esperando-me para o café da manhã antes de partirmos para Évora. Ao redor
da mesa, todos estão quietos, Mariana volta para Sevilha e nós seguiríamos
viajem.
Não desce nada por minha garganta, apenas um café amargo e preto. Luanna
me olha pensativa, de certo rememora o que fez por mim ontem.
Ao término de nosso café nos despedimos de Mariana e partimos. O
tempo parou, o trajeto parece eterno, onde apenas nossas respirações são
audíveis dentro do carro. Pelo retrovisor observo Luanna concentrada na
paisagem, seus pensamentos devem estar longe. Ela tem muito que recordar.
Seja bom ou ruim.
Queria desvendar sua mente, mas nem mesmo a minha está no lugar
num dia como este. Ela não sabe para onde estamos indo, e como uma
criança, apenas segue os adultos. Em alguns momentos Philiph segura minha
mão e a beija, trazendo-me conforto.
É aquele tipo raro de pessoa que sofre junto com quem se ama, pois a
maioria não se interessa verdadeiramente pela nossa dor. E mesmo que eu
esteja magoada com ele, algo dentro de mim diz para que não soltar sua mão.
No exato momento em que o carro perdeu velocidade, estacionamos
em frente a uma casa com um jardim na entrada. Meu coração disparou, pois
o tempo transcorreu e nem vi.
Estou travada no assento, minhas mãos tremem e um suor gélido
brota de meus poros, mal consigo olhar pela janela. Permanecemos calados
por longos minutos. Luanna que sempre faz indagações curiosas, também
está em silêncio, ela percebe a atmosfera que paira no ar.
– Está pronta? – perguntou Philiph depois de um tempo. Eu nada
consigo responder, ele toca minha mão, massageia a mesma e me transmite
segurança.
– Mary? – ele chama por mim, entretanto não tenho reação.
– Aquele rapaz na varanda é o seu irmão – sussurrou. Engulo a seco
suas palavras, estou com medo de olhar para a outra realidade da minha vida!
Aquela que me foi negada. Inspiro e expiro várias vezes, depois olho para
Philiph em busca de abrigo.
– É mais difícil do que pensei – o homem assentiu em concordância.
Sensível, ele pensou exatamente no que dizer e sua voz ecoa rouca pelos
meus ouvidos.
– A sua mãe está a poucos metros de nós. E você é a mulher mais
corajosa que conheço – afagou suavemente meu rosto.
– É hora de se entender com o seu passado, de enterrar as mágoas. De
perdoar e de se permitir não carregar tanta raiva. Ela também sofreu muito.
Vai abraçar sua mãe! – um nó asfixia minha garganta. Penso insistentemente
no meu pai, na reviravolta que houve em minha vida e se realmente minha
coragem não vinha de toda a proteção oferecida por Senhor S.
– Não sou tão corajosa – proferi trêmula.
– É mais do que imagina – Philiph desceu do veículo, deu a volta e
abriu a porta do lado carona, fazendo o mesmo com a de trás. Luanna desceu,
mas hesitei por instinto. Os dois me olham na expectativa, no entanto meu
pavor é aparente.
– Venha eu te ajudo – a menina estendeu sua mão pequena para mim.
Observo o gesto afável e esboço um tímido sorriso. Não posso mais
esperar ou me acovardar diante do maior dilema da minha existência. Aceitei
a ajuda e desci do carro, parando junto a eles. Finalmente olho para o homem
que desce cabreiro os degraus da varanda e vem muito lentamente em nossa
direção.
– A sua mãe mora aqui? – a pergunta de Luanna me atinge fina como
uma adaga.
– Mora – respondi quase sem som na voz.
– Como ela é? – inclino-me em sua direção e passo a mão em seu
cabelo.
– Eu não sei. Não conheço a minha mãe – Luanna colocou as duas
mãos em minha face e encarou—me.
– Ela vai amar você assim como eu amo – sorrio emotiva e beijo seu
rosto, envolvo a menina em meus braços com toda intensidade.
– Eu também amo você, querida – ela intensifica o abraço e após me
soltar foi para perto do pai.
– Estaremos aqui – Philiph segurou firme a minha mão e beijou a
mesma, roçando sua barba macia em minha pele.
Sei que ninguém pode fazer isto por mim, ninguém pode viver a
minha vida. Agora dou passos em direção ao rapaz que parou no meio do
jardim, suponho tão apreensivo quanto eu. É muito bonito, alto, cabelo
escuro. Ele esfrega as mãos e traz uma expressão inquieta na face. Nos
parecemos, reconheço traços meus nele.
Estamos à mínima distância um do outro agora e surpreendentemente
ele sorri contido para mim. Paro diante dele, afônica. O homem analisa-me de
um jeito peculiar.
– A minha vida inteira eu ouvi falar de você – emocionou-se ao dizer.
Tomo a iniciativa de cumprimentá-lo, mas ele não aperta minha mão.
– Posso? – pediu aproximando—se ainda mais. Em poucos segundos,
perante meu silêncio embaraçoso, me vi cercada por um abraço inesperado.
No início não consegui corresponder, mas aos poucos retribui mesmo
permanecendo anestesiada. Não sei distinguir o que sinto, absolutamente
nada aqui dentro de mim tem explicação. Soltamos—nos. Noto que ele está
bastante comovido, os olhos vermelhos, enquanto eu busco coragem para
pronunciar qualquer coisa. Porém, antes que eu pudesse, ele antecipou meus
anseios.
– Não vou te prender aqui, ela está a sua espera. Não dormiu a noite
inteira – apenas assenti, mas antes de prosseguir olho para trás. Philiph e
Luanna estão encostados no carro e observam atentos os meus passos. Mirei
nos olhos de meu irmão e acenei com a cabeça.
– É um prazer, Miguel – foi a última coisa que fiz antes de caminhar
até a entrada da casa.
Subo cada degrau sem olhar para trás, o esforço que emprego nesta
ação é pungente, angustiante. Exigindo de mim uma força sobre—humana, a
ponto de roubar—me o ar dos pulmões. Sinto como se enfrentasse o maior de
todos os casos de minha carreira.
A vida passa diante de meus olhos como um filme. E posso garantir
que não é somente a iminência de morte que permite tal proeza, mas os
grandes embates da vida também. Tenho a ligeira impressão de que todos os
sentimentos dilaceram—me o peito. Arrependimento, raiva, rancor de meu
pai e também dela. A saudade de algo que nunca tive dá sinais de que sempre
esteve comigo, bombardeando minhas memórias.
Em um segundo, o gosto amargo do ressentimento paira em minha
boca, noutro, experimento doses intensas de euforia e minhas veias parecem
dilatar—se, queimando aqui dentro. Depois se abate sobre mim medos,
inseguranças.
Apoiei-me na porta à minha frente, a única barreira a transpor.
Os últimos segundos antes do Grand finale.
Após respirar fundo toquei a maçaneta, num movimento único girei—
a. Adentro o hall que antecede a sala e meticulosamente fecho a porta por trás
de mim. Recosto-me na mesma e fechei os olhos, esquecendo-me do mundo
lá fora. Este silêncio me perturba, somente o barulho do meu salto se faz
ouvir. Já respiro em descompasso e meus batimentos cardíacos oscilam em
níveis absurdos.
Abro os olhos para voltar à realidade e começo a caminhar um tanto
temerosa, reparando em cada objeto elegante da decoração. Tudo parece ser
de muito bom gosto. Mas confesso que o ambiente taciturno é desesperador.
Ao sair do hall paralisei ao ver a sala. Um cômodo amplo, belíssimo.
Há quadros delicados, poltronas e sofás brancos que combinam de
modo singular com o piso amadeirado. Sem contar na imponente lareira que
termina por embelezar o local. A casa possui um aroma deliciosamente
adocicado, resgatando alguma coisa em minha memória olfativa. Mas
nenhum sinal de vida.
Ninguém.
Não vejo ninguém ao alcance de minha visão.
Capítulo 47

No entanto, a sensação de vazio e estranheza findou quando volvi


meu corpo para observar algo que passara despercebido, a princípio, pelo
meu olhar. Estremeço violentamente de cima a baixo e minha respiração
finda por alguns instantes.
Num canto isolado da sala, parada próximo a um piano, um valioso
Steinway de cauda longa, vejo a silhueta de uma mulher, está de costas para
mim. Sobre o piano encontram—se alguns porta—retratos e ela parece buscar
no instrumento algum apoio, pois segura na lateral. Está completamente
imóvel.
Por mais difícil que seja, encontrei coragem para caminhar em sua
direção, e quando parei no meio da sala, estava mais próxima. A mulher veste
uma calça de cintura alta feita em linho bege escuro, um modelo clássico. A
blusa, soltinha de mangas três quartos tem a coloração perolada.
O salto mais largo e no mesmo tom da calça a deixa com muita
esbelteza. Eu mal consigo encontrar um ponto de equilíbrio pelos tremores
que percorrem meu corpo.
De repente, sou tomada por um grande assombro, uma paralisia. É como se
eu olhasse para mim mesma de costas. Os cachos dos cabelos, a mesma
postura, o mesmo formato das mãos. Abro a boca na tentativa de emitir
algum som, mas nada sai.
Estou em choque.
Noto que a mulher busca ainda mais apoio, pois treme ao sentir minha
presença. Estamos eu e ela nesta casa. Sozinhas. Interligadas por breves
momentos ocorridos há quarenta e dois anos atrás. Pelo sangue que corre em
nossas veias e pelos meus pensamentos que sempre foram dela.
Nunca permiti exonerá-la de minha memória, ainda que eu não tivesse
memória visual e afetiva alguma. Contudo, sabia que tinha uma mãe e tinha
ciência da história que hoje já não sei se ouvi por completo.
Deus, eu sinto o perfume que exala desta mulher! Inspiro de olhos
fechados um misto de florais brancos e almíscar. Quase posso ouvir meus
batimentos acelerados. Estou ofegante, prestes a explodir. Então me recordo
de algo que meu pai sempre diz e do qual jamais esqueci. Tenho orgulho de
lembrar por que talvez seja uma das coisas que me assemelha a ela.
Lembro-me do homem lá fora à minha espera, e de tudo o que fez
para eu estar aqui. Necessito quebrar este silêncio. Afinal, não há mais nada o
que esperar.
– O meu pai me chama de Madame Mary, porque diz que fisicamente
eu me pareço com você – as palavras saem como se eu me libertasse de uma
prisão. Toneladas são arrancadas de meus ombros.
Minha voz falhou, embargou e senti a garganta queimar. A mulher
diante de mim gira o corpo como se estivesse em câmera lenta e finalmente,
tenho a plena visão de sua face. Meu esforço para manter o equilíbrio é
descomunal. Observo suas pupilas dilatarem, ela encobre a boca com a mão
para conter o espanto e se segura ainda mais no piano.
Descubro que não tenho a força que julguei ter segundos atrás, pois
algo quente e úmido ameaça escorrer por minha face e um aperto me
afugenta, fazendo com que eu não tenha controle algum sobre mim. Esforço-
me retraindo o semblante, tento ao máximo demonstrar sobriedade emocional
diante dela.
Eu olho para você e entendo tantas coisas. Quando Senhor S olhava
para mim era você que ele via. Durante todos esses anos meu pai se
martirizou e se condenou pelo que fez a você porque, tendo-me por perto, era
como se seus olhos estivessem sobre ele.
E dando-me de tudo ele buscava redimir-se das dores que lhe causou.
Meu rosto é parecido com o seu, até mesmo a forma de andar é familiar. As
expressões faciais quando estou com medo ou receio. O olhar. O jeito de
morder o lábio inferior quando se quer prender o choro.
Ela vem em minha direção, está cada segundo mais perto. A mulher
mais cercada de suspense e mistérios que se relaciona ao meu passado.
Subitamente, ela esboça face de quem tem uma triste lembrança.
– Me recordo tanto do nosso último momento juntas – diz ao se
aproximar um pouco mais.
Em silêncio, escuto sua voz inundar meus ouvidos. A lágrima que eu
prendia desesperadamente para não parecer fraca, agora não consigo mais
segurar. Ela escorre quente e desliza até meu queixo, traçando um caminho
por minha pele. Quero enxugar meu rosto, mas as mãos não obedecem aos
meus comandos.
– Eu segurei você – estendeu parcialmente as mãos.
– Te amamentei. Foi a última vez que meu leite saiu. Eu nunca
consegui me esquecer destes olhos verdes olhando para mim – entrecortou a
última frase e suspirou.
– Foi o dia mais difícil da minha vida! – diz pausadamente cada
palavra.
– Eu sofri tanto – fecho os olhos por alguns segundos.
Estamos frente a frente, poucos centímetros me afastam dela. Mary não se
intimida em demonstrar o que sente, derramando um choro sem barulhos,
mas carregado de inquietações. Há muitas coisas reprimidas que somente um
pranto pode aliviar.
– Achei que nunca mais fosse te ver de novo – ela fez menção em me
tocar, mas recuou. A mulher vislumbra minhas feições, repara em meus
detalhes e se emociona como se presenciasse algo milagroso. Eu preciso
questioná-la, necessito fazer todas as perguntas que entalam minha garganta.
– Você jamais saberá a falta que me fez – anuncio pesadamente. Ela
assente porque também conhece a dor do afastamento. E minha confissão traz
consigo traumas incuráveis.
– Eu sei que você tem todos os motivos do mundo para me odiar – ela
desnuda-me. Há algo de muito poderoso emanando desta mulher.
– Mas em nenhum dia da minha vida deixei de pensar em você. Te
amei profundamente desde o momento em que eu soube que estava grávida –
estou tão frágil. Vulnerável. Irreconhecível perante a mulher que sou. Mary
abaixou a cabeça após a declaração
– Está com medo de olhar para mim? – questiono com incômodo. O
tom de minha voz está sombrio e inquisidor.
– Estou com medo do que você sente aí dentro – confessa entristecida.
Dou dois passos para trás e me afasto lentamente. Não sei lidar com os
sentimentos humanos que ligam pessoas e as transformam em entes
necessários, apesar de ter desejado uma aproximação afetuosa com meu pai e
ter abraçado a causa de idealizar uma figura materna que suprisse toda a vida
insana que eu tive.
Aprendi a me desgarrar muito cedo de qualquer apego emocional.
Deixei de me aproximar das pessoas e Philiph foi o primeiro a transpor o
muro que construí em volta de mim. Se ela diz ter medo do que sinto quem
dirá eu! Eu que ainda receio o convívio familiar com Philiph e Luanna.
Que fico perdida na maior parte do tempo sobre qualquer questão
parental. Eu que me aninho nos braços dele a noite e o vejo tão caloroso
comigo, mesmo não tendo destrezas para dividir a vida com alguém. Eu que
passei a vida inteira resolvendo problemas alheios tão pouco sei da minha
vida e o que fiz dela.
Eu que me escondi atrás de um jaleco ou de um colete a prova de
balas para salvar vidas, esqueci de salvar a mim mesma. Então, eu também
tenho medo do que sinto aqui dentro.
Você não conhece os caminhos por onde andei Mary. Você não sabe
da dificuldade que tenho de me entregar, em confiar e principalmente de
estabelecer uma relação concreta e duradoura com alguém. O meu coração
ainda tem muitos cantos obscuros e inflexíveis.
– Quarenta e dois anos, mamãe – digo com ironia velada na voz, mas
sem alterá-la. É mais forte do que eu, minhas ações contradizem os planos
que fiz para este encontro.
– Eu queria tanto que essa palavra tivesse saído do fundo do seu
coração – amargurou-se pelo modo como falei e franzi a testa em sinal de
desconforto.
– E saiu, digamos que eu só não tenha um coração tão manso – ela me
olha penalizada.
– Teus olhos não mentem. Desarme seu coração para mim – a mulher
pede com expressão desolada e me ponho a refletir. Olho para o alto e
vagarosamente volto meu olhar para ela.
– Eu sempre estive tão desarmada para você. A defendi das palavras
duras de meu pai, eu idealizei você. Só que eu não posso simplesmente correr
para os seus braços e te chamar de mãe como se você tivesse se ausentado da
minha vida por algumas horas. Somos estranhas. Completamente estranhas –
ela negou.
– Você não pode imaginar o que eu estou sentindo. A angústia que
está aqui dentro por ver você se afastando de mim neste momento em que eu
queria te pegar no colo e te abraçar. E chorar toda dor da nossa separação –
acovardei—me. Por que ela parece tão serena e segura de si? Por que tudo
tem que ser tão difícil para mim? Solto um riso abafado e quase inaudível.
– O Tempo não costuma voltar atrás – falo com certa dureza e dedilho
com a ponta dos dedos um porta—retrato sobre a aparadeira. Ela está
abraçada a um belo homem e junto deles há um menino que julgo ser meu
irmão. Uma antiga fotografia em preto e branco que me fez sentir ciúmes da
vida a qual fui privada.
– Eu sei que não. Sei também que não tenho direito de lhe cobrar
nada, mas ainda assim eu sou a sua mãe – sorriu para mim, um riso sofrido,
de quem tenta uma chance, cuja face expõe a vulnerabilidade de quem
aguarda o perdão. Mas suas palavras mansas causam—me inquietude.
– Eu precisei de uma mãe, mas do que de qualquer outra coisa na
vida. E onde você estava? – alterei o tom de minha voz.
– Não é possível que nesses quarenta e dois anos não tenha tido a
oportunidade de voltar pra ver se estava viva ou morta a criança que você
abandonou! – fui áspera.
– O que estamos fazendo com nós duas? – gesticulou abalada. A olhei
confusa por sua colocação.
– Será, mamãe, será possível que se o Philiph não tivesse vindo aqui
você alguma vez na vida teria me procurado? – fiz o questionamento para
colocá-la contra a parede. Mas de modo estranho meu coração apertou e
esmagou-se um pouco dentro do peito.
– Me parece que no seu imaginário sou aquela mãe que abandona o
filho para se eximir da responsabilidade – olhou-me sem forças ao dizer.
– Como gostaria que eu imaginasse você? – pergunto com uma ponta
de sarcasmo. Parece haver um abismo entre nós, e a cada segundo, está
imensidão obscura aumenta.
– Como sua mãe. Apenas como sua mãe – responde—me com
serenidade. Olhamos—nos em silêncio, entretanto preciso explodir, pois já
não suporto mais.
– Onde você estava Mary? – indaguei amargurada. – Por que é que
minha vida inteira foi vazia da sua presença? – cessei rapidamente as palavras
quando a vi desabar num choro pesado.
A mulher inclinou a cabeça e cobriu o rosto, deixando seu corpo cair
sentado no sofá e ali permaneceu, em seu lamento. Eu não reajo, não faço
absolutamente nada. Nem corro para os braços dela. Tenho a impressão de
que estou diante de uma criatura inalcançável.
Tenho raiva, tenho medo e tudo se mistura.
Pelos lábios de meu pai ela era destrutiva, inconsequente, mas suas
imposições sempre vinham carregadas de um sentimento que precisou ser
cortado precocemente e com severidade. A mulher que o fez conhecer o
amor, mas também o mostrou como é viu e covarde.
Mary trouxe à tona a maior fraqueza de Senhor S e ele não suportou
ter a ferida exposta. E todas as vezes que eu, inconscientemente, resgatei está
memória, seja por minha aparência ou por meu comportamento, ele
acariciava a ferida que ela deixará aberta.
Sento numa poltrona no lado oposto ao dela e espero até que pondere
seu desespero. É difícil dizer se sinto algo por minha mãe neste momento. Eu
adorei durante anos uma mulher da qual não vi nitidamente o rosto, da qual
não tenho lembranças. Endeusei-a para enfrentar meu pai.
Tudo o que ouvi sobre Mary veio da boca de minha tia, única irmã de
meu pai. A filha quase não mencionada por minha avó. A filha que não se
deixou dominar pela mãe. Após se acalmar, ela me fitou séria, mas abalada
estruturalmente.
– Eu voltei tantas vezes – entrecortou as palavras e entrei em choque
quando me revelou.
– É mentira! – rebato em voz alta, desacreditada. Meu corpo inteiro
treme.
– Eu nunca mentiria para você – defendeu—se. Mary encara-me
segura de si.
– Como eu posso acreditar? – indaguei desacreditada, vendo a mulher
ainda soluçar diante de mim.
– Por que no fundo você sabe que digo a verdade. É só olhar para
mim! – fecho os olhos e tento imaginar a volta de minha mãe enquanto eu
ainda era criança, protegida de toda a malícia e ira de um coração adulto.
Talvez naquela época eu apenas corresse em sua direção, abraçando-a com
todas as forças. Tudo teria sido diferente.
– Sua avó nunca permitiu que eu me reaproximasse de você desde o
dia em que te deixei nos braços dela – abro meus olhos assim que ela começa
a falar.
– Quantas vezes eu esperei do lado de fora da mansão, nas
redondezas. Dia e noite! Só para ver se por alguns minutos você sairia com
uma babá ou com seu pai. Mas só havia seguranças. Era impossível! –
procuro coerências em sua fala, e apesar de encontrar todas, meu coração
ainda se recusa a aceitar que minha avó e meu pai tenham minado a relação
entre mãe e filha de maneira tão letal.
– Eu implorava aos seguranças para falar com sua avó ou com seu
pai. Fiz isso por meses. Mas era a sua avó quem vinha ao meu encontro. E
não era para me deixar entrar. “Se insistir nessa ideia absurda de ver a
menina eu mato você. E mando aquela bastarda para longe do pai dela. Eu
sumo com o bebê! O estúpido do meu filho morreria de desgosto. É isso o
que você quer para sua filha e para meu filho?” – ela dita as palavras e é
como se eu enxergasse minha avó diante de mim. Ela teria coragem de fazer
coisas muito piores.
– Foi a última vez que vi a sua avó. Ela faria exatamente tudo o que
disse – falou com falta de ar e levantei depressa quando a vi pressionar a
palma da mão direita sobre o peito e esboçar face de dor. Corri em sua
direção e pela primeira vez desde que cheguei toquei em minha mãe.
– O que está sentindo? Eu posso ajudar, sou médica! – a mulher me
olha extasiada com a aproximação. Ela retirou a mão do peito e segurou meu
rosto.
– Está sentindo dores no braço ou na nuca? Fala pra mim! – verifico
seu pulso, pouso minha mão sobre sua fronte e vejo que a temperatura está
normal.
– Foi só um aperto, já estou bem – ela não tira os olhos dos meus.
– Philiph me disse que há algumas semanas... – sou interrompida
imediatamente.
– Já está passando – aos poucos ela se acalma. Mary segura minhas
mãos e não solta.
– Sente aqui ao meu lado – eu ainda não estou preparada, ainda há
tanta coisa a perguntar e ouvir.
– Por favor – sentei-me como ela deseja. E durante alguns instantes
ela se preparou. Emudeceu e distribuiu um carinho por minha mão, notando
as semelhanças de nossos traços.
– Eu não podia mais ir até a mansão, já estava em outra cidade. O que
eu ganhava trabalhando num bar de beira de estrada mal dava para a
passagem do trem. Eu não tinha absolutamente nada para lhe oferecer, não
tinha como enfrentar sua avó. Eu temia por você e também pelo seu pai –
estranhei o modo como se referiu a Senhor S.
– Teve medo pelo meu pai? Foi ele quem arruinou a sua vida! – fui
incisiva.
– Seu pai me magoou muito, mas aquela mulher o destruiu – não
consigo compreender porque Mary se refere a ele desta maneira ponderada.
– Ele era bom, porém fraco. Tenho certeza de que o homem que
conheci naquela casa noturna não existe mais – apenas assenti positiva e
desfiz o contato de nossas mãos.
– Mas depois que minha avó morreu ele poderia ter te procurado,
Senhor S sabia o tempo todo onde você estava, sabia disso? Todos esses anos
ele me privou de você – a encaro de lado. Sua mão com poucas rugas volta a
me tocar, enxuga meu rosto e sinto um caloroso arrepio.
– Eu sei – diz compreensiva.
– Mas há coisas que fogem às nossas forças! Coisas que podemos
recuperar e outras que jamais poderão ser reestabelecidas – viro o rosto para
não encará-la e levanto—me.
– Sabe o que? – intriguei-me de modo estranho.
– De certo modo, Mary, se estou viva, devo isto ao seu pai – uma
grande confusão se abate sobre mim.
– Você deve estar brincando, não é? Ele não foi homem o suficiente
para assumir você diante da mãe dele. E mesmo sabendo do seu paradeiro ele
nunca me disse nada. Acha justo o que ele fez a nós duas? – minha ira
perante sua benevolência começa a crescer. Sinto meus lábios trepidarem
toda vez que pronuncio algo para confrontá-la.
– O que eu não acho justo é sabermos tão pouco a respeito das
pessoas que convivem conosco! Quando olho para você, uma mulher perfeita
e forte. Saudável! Eu reconheço que fiz a coisa certa ao deixá-la aos cuidados
de seu pai – entreabri a boca, não sei mais o que falar. Permaneci calada até
ter coragem de dizer mais algumas palavras.
– Talvez você tenha razão e esta conversa é inútil – fechei meu
semblante duramente. Volvi o corpo para caminhar o mais rápido possível
em direção à saída, quando ela segurou meu braço e girou-me pelos ombros
com firmeza.
– Não é inútil! – anunciou séria e fixou nossos olhares com urgência.
Paralisamos um pouco, mas em seguida ela me soltou. A mulher se assustou
com sua própria atitude.
– Desculpe por isso – pediu sem jeito pela forma como agiu e a
encarei com incomodo.
– Eu não queria que os anos tivessem roubado de nós a chance de
sermos mãe e filha. Eu não tive escolha! Eu me apaixonei pelo seu pai
naquela época. Ele frequentava a casa noturna todas as noites, e eu era tão
nova, tão esperançosa das coisas que ele me dizia. A gente nunca pensa no
depois quando se está amando, eu não calculava o abismo que havia entre
nós. Eu não pensava na possibilidade de ser abandonada porque eu acreditava
nas promessas que ele me fazia. Senhor S me contava sobre como era difícil
viver com a mãe e ser o herdeiro em quem ela depositava toda a confiança.
Ele morria de medo. Sua avó estava envolvida com gente poderosa, agiotas,
mafiosos. Se preciso fosse ela mataria – desvio minha atenção para recuperar
o fôlego. Penteio os cabelos para trás auxílio dos dedos e tento pensar em
tudo isso. – Ele assumiu a posição de sua avó no sentido mais amplo da
palavra? Ele se tornou uma pessoa como ela? Porque eu sei que ele sempre
seria fiel à família, eu soube quando olhei nos olhos dele pela última vez. Ali
sim, eu passei a odiar o seu pai, muito! Mas tive que engolir esse ódio quando
você chegou. Ele havia me dado algo precioso demais, algo que fazia eu me
lembrar todos os Dias do homem que eu amava. Eu não contei quando
descobri, somente no dia em que cheguei àquela mansão e sua avó logo me
reconheceu. Para a minha surpresa ela não esboçou reação alguma, apenas
segurou você – tais revelações parecem neutralizar alguns de meus
argumentos.
– Ele não é corrupto como ela. No temperamento ele é muito
parecido, às vezes tenho a impressão de vê-la na minha frente quando estou
com ele – comento analisando os quadros dependurados na parede.
– Mas não o defenda! Eu não posso negar que o amo, mas Senhor S já
me machucou demais. Fato é que raras as vezes eu o vi como pai. Então não
é só de uma mãe que eu senti falta. Ele abandonou você covardemente,
mesmo te amando ele foi capaz disso. – sentenciei.
– Senhor S me abandonou sim, e nunca deixei de sofrer por ele. De
recordar e remoer dentro de mim o passado. Mas ele não abandonou você.
Anastácia dizia que ele era seu exímio defensor naquela casa e que com a sua
chegada, foi a primeira vez que ela o viu enfrentar a mãe – arqueio a
sobrancelha, meu cenho franzido revela minhas dúvidas.
– Senhor S fez tudo por mim. Do jeito dele, mesmo que isso custasse
a minha paz. Por que aquilo que ele julgava ser bom nem sempre era o que
me fazia feliz. Então saia desse mundo abstrato de pensar que tudo foi ótimo
– esclareço duramente.
– Eu sinto muito que seu pai tenha feito com você o mesmo sua avó
fez a ele – diz com pesar. – Se eu tivesse tido outra oportunidade, outra
chance... – a interrompi.
– Não ouse ter pena de mim ou da vida que eu tive. Não gosto desse
sentimento – rebato secamente.
– Não é pena, não é disso que estou falando – Mary se explica,
enquanto a tensão em minha nuca aumenta. Estou tão parecida com meu pai
neste momento que me assusta o fato desta mulher conhecê-lo tão bem
mesmo depois de tantos anos.
– Eu não posso, infelizmente, voltar atrás. Mary, eu não me arrependo
das minhas decisões. A única coisa da qual nunca vou me perdoar é de não
ter dito ao seu pai logo que eu soube da gravidez. Talvez as coisas não
tivessem acontecido da forma como aconteceram. Talvez ele não tivesse me
abandonado e nós duas teríamos um destino diferente. Não ver você crescer
foi o maior trauma da minha vida. Eu não estava lá quando você aprendeu a
falar, a andar ou quando se formou. Eu perdi tudo. Absolutamente tudo. E eu
não conheço a minha própria filha! – apenas senti. Ela realmente perdeu tudo
sobre mim.
– Eu jamais desistiria de procurar por alguém que amo – ela juntou as
mãos em forma de prece e quando ia dizer alguma coisa segurou—se.
Respirou fundo e prosseguiu.
– Eu imaginei tantas coisas desde que o seu marido esteve aqui!
Pensei que você passaria por aquela porta e correria ao meu encontro e nós
duas retomaríamos uma relação que começou a quarenta e dois anos atrás –
me afastei dela e ri do comentário. Por dentro estou machucada e ouvi-la
dizer isto com tanta simplicidade faz—me pensar que não está sentindo a
profundidade dos sentimentos que este encontro evoca.
– Eu sofri demais nesta vida para abrir meu coração assim. Como eu
disse, você é uma estranha para mim – seu semblante está mortificado com
minha declaração.
– Nós não temos que continuar esta conversa, foi um erro vir até aqui
– mais uma vez ela se interpôs no meu caminho.
– Deixe—me tentar explicar, por eu sei que você veio até aqui por
uma explicação. Eu sonhei com esse dia a minha vida inteira... E se minhas
palavras não forem suficientes, você pode ir! Não quero que sofras e não
posso te prender ao teu passado – silencio por uns instantes, neste momento o
ambiente ficou pequeno demais para nós duas, no entanto a raiva não é boa
conselheira.
Voltei a me sentar do lado oposto ao sofá onde estava. Vejo a mulher
dar passos entorno de si mesma, talvez procure a melhor versão de sua
história e tenho medo do que está por vir. Mary desviou-se do sofá e
procurou repouso próximo a mim, numa poltrona. Ficou quieta por um bom
tempo até decidir que seria a hora.
– Eu penso que morrer pelas ameaças de sua avó seria uma nobre
causa, pois eu morreria tentando. Ver você mais uma vez, segurar meu bebê
nos braços era meu único objetivo Eu só queria saber se estava bem –
enquanto ela fala um frio arrepiante sobe por minha espinha, nos olhamos
intensamente e busco não demonstrar na face como estou por dentro. Meu
grande orgulho, herança de meu pai. – Eu voltei àquela mansão até se
esgotarem as minhas forças, até ouvir da boca de sua avó que sua vida estaria
em perigo se eu insistisse. Eu não paguei para ver, Mary – ela se esforça para
manter o equilíbrio.
– Apesar de tudo eu amava o seu pai e durante muito tempo eu pensei
que ele se libertaria dela. A verdade é que eu sempre esperei por ele – ouço
atenta o que ela diz, mas recordo-me das coisas brutais que meu pai proferia
sobre ela. Ele a usava como válvula de escape, porém os erros que ele
apontava não passavam de projeções subjetivas. Era ele o culpado de sua
própria ruína como homem.
– Uma das empregadas da mansão que me viu nas vezes em que
estive lá, veio às escondidas ao meu encontro, eu vagava naqueles arredores –
suspirou e retomou fôlego. – Anastácia era meus olhos e meus ouvidos
naquela casa – não contive a emoção quando ouvi, pois as lembranças da
única pessoa da casa que me acolhia nos braços vieram à tona. Anastácia
cuidava de mim com atributos de mãe.
– Foram mais de trinta anos servindo os Moreau – recordei os bons
anos ao lado dela, ainda na infância e juventude.
– Ela disse que nada de mal iria te acontecer, mas que eu precisava ir
embora. A sua avó estava planejando te mandar para um orfanato. Aquela
mulher era temida! Não queria escândalos ou algo que pudesse manchar a
reputação dos Moreau mais do que uma criança bastarda filha de quem era –
um turbilhão de lembranças dolorosas invade minha mente.
– Eu nada podia fazer. Tive medo e jamais me perdoaria se algo de
ruim acontecesse. Eu sabia que o seu pai era o único que podia lhe proteger, e
ele cumpriu! Você não estava sozinha e está aqui agora, sã e salva – apontou
para mim visivelmente emocionada.
– Naquele mesmo dia eu parti com a promessa de que Anastácia
cuidaria de você – a encarei perplexa.
– Você desistiu de... – ela negou, não permitindo que eu terminasse a
frase.
– Eu nunca desisti de você, por favor, não repita isso! – foi veemente.
– Eu só tinha dezessete anos, não tinha família, casa... Ninguém a
quem eu pudesse recorrer. Pedi abrigo numa pensão durante a noite, pois no
dia seguinte eu precisava voltar para o trabalho. Um bom homem me
ofereceu carona e não recusei. Entrei no carro e fui embora! – inclino meu
corpo para frente, apoio os cotovelos nos joelhos e cubro o rosto com as
mãos, eu só quero ser transportada daqui por alguns instantes até recobrar a
consciência da realidade.
– Voltei para o meu trabalho no bar, eu vivia num quarto dos fundos.
Era tudo tão precário! Na casa noturna ou bordel como alguns chamavam, eu
não era humilhada assim – levanto minha cabeça devagar e deixo o queixo
apoiado nas mãos.
– Você era mesmo uma prostituta? – indago sem ofensas.
– Perdi meus pais quando tinha treze anos, era filha única. Quem
cuidou de mim foi a dona daquele lugar e inevitavelmente era o destino de
todas as que ali chegavam – a mulher pendeu a cabeça envergonhada.
– Não há do que se envergonhar, eu não julgo você – ela me olhou
serenamente. – Continue – pedi e fui atendida.
– No bar as coisas eram muito piores. Muitas brigas. Assédio – sua
voz se tornou mais grave e séria. – Por que quando você aceita um cliente
num bordel, você faz por livre vontade. Ali não. Eu estava exposta a todos os
tipos de porcos, um dia só não fui violentada por que um homem apareceu na
hora e impediu. Saí de lá e nunca mais voltei. Fiquei sem emprego e
literalmente na rua! Não fosse por ele eu não sei qual teria sido meu destino –
há amargura em suas palavras, uma dor externada ao recordar tudo o que
passou. – Mary, eu não sabia se estava sendo louca por aceitar ajuda de um
estranho ou se realmente Deus havia olhado para mim. Era um desconhecido,
só sabia que era advogado e que estava fechando a compra de uma casa na
cidade para se estabelecer. O que fiz foi entregar a minha vida nas mãos do
destino porque eu não tinha mais nada a perder, tudo havia sido tirado de
mim! – somente ela conduz a conversa, eu não tenho mais forças para
rebater. E em silêncio vejo Mary tão plena. Se meu pai a visse agora estaria
tão paralisado quanto eu.
– Ele pagou minha estadia num pequeno quarto de hotel por três ou
quatro Dias e não fiz perguntas. Afonso... – seu semblante demonstrou paz
quando pronunciou o nome.
– Era estranho, sabe? Ele não quis saber sobre o meu passado, só
disse que queria ser um amigo e me ajudar. Assim que fechou a compra da
casa ele me convidou para morar com ele, recusei de imediato achando que
no fundo ele queria me fazer algum mal, mas ele havia conquistado os
últimos resquícios de confiança que havia em mim. Me ofereci para trabalhar
na casa, disse que faria qualquer coisa: lavar, passar, cozinhar. Ele brigou
comigo por isso. O fato é que eu aceitei – ela inquietou—se, levantou da
poltrona e balançou a cabeça negativamente várias vezes.
– Ele fez mal a você? – questionei—a, porém a mesma não respondeu
de imediato.
– Não! – a resposta demorou um pouco.
– Ele Também viajava muito e nunca entendi direito o motivo. As
viagens só cessaram quando ele conseguiu um emprego na Corregedoria
Geral da Justiça, era um ótimo emprego! Eu comecei e estudar, ele me
incentivou muito e nos aproximamos. A verdade, Mary, é que eu deixei ele
me amar e cuidar de mim e o único remorso que tenho até hoje é de não tê-lo
amado da forma como ele merecia. Afonso foi meu melhor amigo e o homem
mais leal que conheci, apesar de... – Mary tomou nas mãos o porta—retratos
que há pouco eu havia dedilhado. A foto onde ela se encontra ao lado de um
belo homem e de um menino.
– Até descobrir pouco antes dele morrer que o seu pai o havia
contratado para descobrir onde eu estava e me ajudar financeiramente. Como
se o dinheiro fosse suprir o que aconteceu – a encarei atônita.
– Como é que é? – indago sem acreditar no que estou ouvindo.
– Philiph não me contou tudo porque você mesma queria fazer isto –
ela assentiu e voltou a sentar-se na poltrona. Os olhos vermelhos demonstram
seu estado emocional. Não consigo esconder a agonia em meu semblante
– Afonso morreu há um ano, nem mesmo ele sabia da existência de um bebê
quando aceitou o caso e apenas quando tive plena confiança contei a história.
Ele ficou transtornado com tudo, irado, para ser sincera. Era estranho vê-lo
assim e na época eu ficava confusa – confessou.
– Ele prometeu me ajudar a rever você. Por que eu já tinha uma casa,
uma vida. Ainda que já tivessem se passados alguns anos. Contudo, quando
voltamos à cidade onde você nasceu a mansão estava vazia, não estava à
venda, só vazia e ninguém sabia informar absolutamente nada. Todos tinham
medo de passar qualquer informação – me ergo do sofá com ânsia. Um
incômodo súbito surge em meu estômago. – Durante anos tentamos encontrá-
la, mas a sensação é de que você tinha sumido – embargou as palavras.
– Eu não tenho boas recordações da minha infância, mas lembro-me
de morar em muitos lugares diferentes – ela me olhou sem dizer uma palavra.
E no fundo a dor de minha mãe, aos poucos, revela—se maior do que eu
podia imaginar. A raiva que me consumia há minutos a atrás agora parece
diluir-se aos poucos.
– Quando eu soube da verdade – emocionou-se de maneira forte.
– Eu tive tanto ódio dele e do seu pai, porque confiei em um homem
que mentiu para mim a vida inteira e também por que nunca deixei de amar
Senhor S. Afonso viajava para se encontrar com seu pai e receber muito bem
os honorários que sustentavam a nós dois. Depois que se apaixonou por mim
rompeu relações com Senhor S, que talvez não tenha visto isso como uma
afronta, e sim uma forma de ver que alguém estava disposto a me amparar.
No fim das contas, eu não morri por causa do seu pai. Se Afonso não tivesse
me encontrado a mando de Senhor S, provavelmente eu estaria morta nas
mãos daqueles bêbados. E conhecendo o íntimo do seu pai eu ainda afirmo
que ele guarda mágoas de mim porque acha uma grande burrada eu ter me
envolvido com ele e dele não ter sido homem o suficiente para enfrentar a
mãe por mim. Ele deve ter se tornado uma pessoa amarga pela própria
covardia – diante deste relato minhas percepções estão alteradas. Ela
descreve perfeitamente o homem que não vê a mais de quarenta anos.
– Eu não esperava essa atitude do meu pai! – declaro com angustia no
peito. Estou totalmente em choque.
– Eu jamais poderia imaginar. Meu pai e minha avó destilavam coisas
horríveis a seu respeito. Nunca acreditei piamente, também nunca duvidei por
completo – ela meneou a cabeça e vi seu rosto apreensivo.
– De uma coisa tenha certeza, você sempre ocupou meus
pensamentos. Sempre! – discretamente, olho os detalhes do lugar. Pego um
objeto qualquer próximo a mim e o admiro em minhas mãos.
– Você constituiu família, teve um filho. Eu fico feliz por você – ela
se aproxima mais, porém esquivo-me e passo a caminhar a passos lentos pela
sala.
– No ano em que seu irmão nasceu fiquei muito feliz – entrecortou as
palavras e em seguida soltou um longo suspiro de remorso.
– Mas todas as noites eu pedia perdão a Deus por não conseguir ser
uma mãe completa para o meu filho. Sempre havia um quarto preparado para
você, e no dia do seu aniversário eu fazia ele cantar os parabéns comigo. É
mórbido, eu sei... Fui a consultas com psicanalistas durante anos para lidar
com isso, levei muito tempo para conseguir me levantar. E quando seu
marido apareceu com aquela foto eu voltei imediatamente ao meu passado,
àquele tempo onde me chamavam de Madame Mary e onde conheci seu pai.
Eu tive tanto medo do dia de hoje, de você lançar ódio sobre mim, de nem me
escutar. Não dormi apenas pensando nas coisas que eu iria te dizer,
imaginando como você era – sorri um tanto melancólica, sem mostrar os
dentes.
– Você tem filhos? – indagou—me.
– Quando conheci o Philiph ele já tinha uma filha e a tenho como
minha – ela expressou encantamento.
– Então você sabe o que uma mãe é capaz de fazer pela sobrevivência
de um filho – pensei imediatamente nos momentos de terror que vivi no
cativeiro. Na batalha que travei naquela floresta para cumprir a promessa que
fiz a Philiph.
– Faço qualquer coisa por ela – declaro abertamente.
– Eu sei! Estou vendo uma mulher corajosa diante de mim. Seu pai
deve estar muito orgulhoso da mulher que você se tornou – visualizo alguns
livros sobre a mesa de centro e ao lado destes, curiosamente, há uma pequena
estátua grega.
– Quando eu era adolescente, Senhor S me levou à Grécia. Me
apaixonei por aquele país – seguro a pequena estátua em minhas mãos e a
observo. Sobreveio-me a lembrança de quando estive na sala de Philiph pela
primeira vez.
– Conhecemos algumas ilhas, mas ficamos hospedados em um hotel
em Santorini. Fiquei fascinada por mitologia grega. E gosto muito de Gaia –
ela me olha de um jeito doce, enquanto dedilho a imagem.
– Deusa da terra, mãe de tudo. Você se interessa por esse tipo de
assunto? – pergunto devolvendo a estatura para seu devido lugar.
– Eu leciono grego na universidade – a encarei atônita. Um gosto tão
incomum, tão peculiar ser compartilhado de forma tão inesperada.
– Você é professora! – exclamo sorrindo e embargando a voz. E de
repente, eu vejo que Mary deu a volta por cima e encontrou um meio de
seguir em frente. Apesar das dores e do sofrimento, ela sobreviveu.
– Foi o seu pai que me ensinou as primeiras palavras em grego ainda
naquela época. Mas só fui conhecer a Grécia depois de formada. Acho que
isso ainda me conecta a ele – confessa entre suspiros.
– Você ainda sente alguma coisa pelo meu pai? – pergunto olhando
fixamente em seus olhos. Sem entender o tom de suas palavras, que é
docemente melancólico quando fala dele.
– Sinto tudo! Seu pai é a lembrança mais bonita e mais cruel do meu
passado. O coração da gente é lugar confuso, não é? Quem vai entender? Eu
consegui ser a pessoa mais feliz e a mais triste também. Mas antes de você
entrar por aquela porta hoje, eu estava muito só! E quando isso acontece eu
corro para o meu quarto e pego uma fotografia em que nós duas estamos
juntas. Você tinha alguns Dias de vida. E eu retomo cada pequeno detalhe
que mesmo depois de quarenta e dois anos estão perfeitamente vivos aqui
dentro – posso compreender os motivos que levaram meu pai a se apaixonar
por ela.
Ouso afirmar que todas as vezes em que ele demonstrava raiva ao
mencioná-la era um escudo, uma barreira construída por sua covardia. Ele a
culpava e a maldizia para não morrer de desgosto por suas decisões. Mas no
fundo meu pai mergulhou num abismo enlouquecedor. Ele abandonou a
mulher que amava. Ele a traiu e traiu a si mesmo.
– Diante de tudo isso, saiba que nunca passei um dia sequer sem me
preocupar com você. Eu rezo todos os Dias. A coisa mais dolorosa para uma
mãe é estar longe de um filho. Eu não te procurei só naquela época, os anos
se passaram e tudo o que eu podia fazer para saber do seu paradeiro eu fiz.
Mas a impressão que eu tinha é que vocês haviam sumido! Nenhum registro,
nenhum sinal. Nada – gesticulou envolta a vários sentimentos
. A família Moreau sempre foi discreta por onde passou. Em nosso
ramo, é comum que não deixemos rastros. Mas agora não é o momento certo
de explicar isto a ela.
– Sabe, eu cresci ouvindo que você me abandonou. Que sou como sou
porque seu sangue ruim corre em minhas veias. Era sempre uma avalanche de
dúvidas, de mil pensamentos ao seu respeito. E sempre tive uma relação
muito conturbada com o meu pai. Ele sempre controlou a minha vida. Muito
intransigente quando se tratava dos planos que havia traçado para mim. Eu o
amo e ele me ama, mas nunca tivemos momentos para demonstrar, até a
última vez que nos encontramos em Seattle. Pela primeira vez eu o enfrentei,
ele me fez uma série de confissões. Ele ainda ama você! E foi ao Philiph que
ele revelou o seu paradeiro. Eu soube ontem que a minha mãe estava viva e
que mora há uma hora e meia da minha casa. Você pode imaginar o que está
se passando dentro de mim agora? Uma mistura de raiva, de assombro. Mary,
eu não sou mais aquele bebê que você deixou nos braços da minha avó. Já se
passaram quarenta e dois anos! Toda uma vida – ela deu passos em minha
direção e inusitadamente acariciou os cachos de meus cabelos.
– Posso não ser como você imaginou, posso não ter dito as coisas que
você queria ouvir. Mas a verdade é que hoje eu voltei a viver. Eu sei que o
tempo é irrecuperável e que laços não se fazem de uma hora para outra. Sei
também que esse momento ainda é pouco para fazer você se aproximar de
mim. Mas filha me perdoa – pediu como numa prece. Uma prece urgente.
– Me perdoa por não ter estado ao seu lado. Por que quando você
chorava a minha ausência, acredite, eu sofria miseravelmente aqui. Eu não
quero que tudo isso tenha sido em vão. Te reencontrar hoje e ver que se
tornou uma mulher forte é a maior prova de que ainda há um tempo para nós.
Porque eu preciso tanto te abraçar e curar as mágoas que deixei ai dentro. Me
dê uma chance. Uma única chance de sentir você novamente em meus braços
– um nó esmaga minha garganta, meus olhos ardem e sinto minha respiração
rarefeita neste momento. – Eu também tive medo – abracei meu próprio
corpo ao sentir um arrepio gélido atingir minha pele.
– Medo de sofrer mais uma decepção. De aniquilar a imagem da mãe
que construí desde que eu era criança. Por que apesar de parecer forte eu
também tenho as minhas fragilidades. Eu as escondo tão bem que posso
afirmar que só você e o Philiph presenciaram meu lado mais humano. Eu sou
tão orgulhosa, tão difícil. Enfrento qualquer coisa, mas preciso aprender a dar
um passo em direção às pessoas. Ainda dói demais, ainda me sinto ferida. A
sua ausência deixou um vazio muito grande. Eu me fechei para o mundo, me
tornei uma mulher arrogante e aprendi com o meu pai a ser fria e calculista.
Hoje eu sei que nós dois sofremos muito. E que você sofreu. O destino não
foi gentil conosco – vejo Mary se aproximais mais uma vez de mim.
– Eu contei cada segundo desde que soube. Esperei ansiosamente para
te ver! Mas no início eu queria despejar todo o meu sofrimento por que aí eu
mostraria de onde vinha toda aquela dor – gesticulei trêmula.
– E eu ainda tenho muito medo e muita dor, mas não quero que eles
saibam disso! – pedi, referindo-me a Philiph e Luanna. Meus olhos
vermelhos se encontram com os dela completamente inundados.
– Então não espere mais, abrace a sua mãe! Finalmente estamos aqui.
Vamos acabar com a tristeza uma da outra – Mary estendeu os braços e senti
meu coração palpitar violentamente. E sem pensar muito, me ergui do sofá,
avançando sobre ela não abraço desesperador. Desmoronei em seus braços e
chorei todo choro de uma vida. Apertamo—nos uma contra a outra e
permitimo—nos ser quem somos. A sensação é inexplicável, o calor de seu
corpo me envolve e seu perfume traz consigo uma imensa nostalgia.
Matamos uma saudade cruel, impiedosa e torturante que assolou nosso
passado. Nosso contato é longo e intenso, eu poderia viver e morrer aqui.
– Ah, minha menina – diz emocionada. Ela segura meu rosto e
acaricia meus cabelos, em seguida toca meus braços e volta a me abraçar.
Eu não tenho forças para dizer uma palavra. Tento recuperar neste
abraço todos os outros que perdi. Todo o carinho que não tive. Todo afago
que me foi negado. De todas as coisas que enfrentei na vida, nada se compara
a este momento.
Jamais pensei que me aproximaria tanto dos sentimentos os quais eu
repudiava. Quando se cresce moldada pela frieza nada pode ser mais
visceralmente assustador do que afeto gratuito, pois a mais simples tentativa
era estudada por mim, e no final, descartada, como boa parte das relações
interpessoais que desenvolvi ao longo dos anos.
Eu não tenho ideia do que dizer a ela, não sei me expressar com
palavras doces ou de amor. Declarações são difíceis para mim e não sou
adicta da delicadeza. Mas eu sinto, recebo e absorvo a energia que provém
dela.
Talvez isto me cure da mulher dura e pragmática que ainda sou. Em
silêncio, cercada por minha mãe, esvazio minha mente e não penso em mais
nada.
Capítulo 48

Aos poucos vou ajoelhando devagar, sem me soltar de seu corpo.


Agarro-me em suas pernas, enquanto ela se senta no sofá atrás de si. Apoio
minha cabeça em suas coxas e permito que suas mãos afaguem meus cabelos
de maneira deliciosa.
– Me perdoa – suas suplicas baixinhas em meu ouvido me
emocionam, ela diz vária vezes aconchegada a mim. Estou sentada no chão,
enquanto minha cabeça repousa em seu colo.
– Eu perdoo você – olho para ela, que ao mesmo tempo seca meu
rosto.
– Eu perdoo – ouço palavras de saudade, de amor e provo de seu
carinho maternal.
Tento digerir a veracidade dos fatos, mas não sou capaz. Sinto-me
como uma criança aos cuidados da mãe, e não acredito no que vivencio
agora. Perdemos a noção do tempo, e para ser sincera, ele já não importa
mais.
Gostaria de parar o relógio para que este momento ficasse para
sempre intacto, para que o perfume dela nunca saísse de minhas roupas e para
que sua voz nunca deixasse de sussurrar “mamãe está aqui” em meus
ouvidos.
O destino me arrancou violentamente da conforto, me fez reviver todo
o passado, a questionar o que penso sobre o amor e principalmente, a me
encontrar como mulher. Hoje, experimento pela primeira vez a condição de
ser filha. Ainda não sei o que pensar sobre meu pai, talvez seja cedo demais
para me precipitar.
Talvez nossa relação precise de tempo. Talvez não haja o que
recuperar. Mary beija meus cabelos e de olhos fechados eu apenas me
entrego. Após algumas horas a sós, confidenciando detalhes de nossas vidas,
Philiph e Luanna entraram, juntamente com Miguel.
Minha mãe segurou nas mãos de Philiph e o agradeceu por ter trago a
filha dela de volta. Os dois falavam sobre mim e eu os observava com
atenção. Luanna estava tímida, mas abraçou minha mãe dizendo que estava
cuidando muito bem de mim e que não era preciso se preocupar.
No começo não quis ficar longe de mim, surpreendo-me com o ciúme
que sentiu de minha mãe, porém sua sensibilidade para comigo falou mais
alto, pois enquanto Philiph conversava com Miguel, a garotinha encontrou o
gato de estimação de minha mãe e não o soltou o restante do tempo. Mary
levou-me até um cômodo da casa onde permanecemos o resto do dia.
Ao adentrar ao ambiente simplesmente fiquei sem reação. É o quarto
que sempre estava pronto à minha espera. Quando ela disse durante nossa
conversa eu não acreditei, mas agora, meus olhos contemplam sua angustia
como mãe.
É praticamente um quarto de criança. Está repleto de bonecas, ursos e
outros brinquedos dispostos pelo lugar de maneira organizada, como se ela
até hoje esperasse por sua menina e os anos não tivessem dito a ela que a
filha havia crescido. Minha mãe me conta a história de cada objeto e de como
eles suportaram as mudanças. E assim como Luanna fez comigo, Mary deitou
na cama e deitei ao seu lado. A abracei e ficamos quietas. Por que este
momento é tão nosso que nada mais importa.
O tempo transcorreu trazendo a tarde consigo. O céu já escurecia,
sabíamos que estava na hora de retornar a Lisboa e após passarmos o dia
inteiro ao lado de minha mãe, Philiph e eu decidimos voltar para casa.
Luanna adormeceu no banco de trás do carro, abraçada ao gato de pelúcia que
ganhou de Mary.
Não tive muito tempo para conversar com meu irmão. É estranho
pensar nele, quando soube da existência de Miguel, algo em mim sentiu
rancor. Inveja por que ele desfrutou da presença de uma mãe. Entretanto,
buscando compreender as coisas que me foram ditas, o nascimento de uma
segunda criança foi o que salvou Mary de não sucumbir.
O retorno para Lisboa é silencioso. Ainda estou sem acreditar em tudo
o que aconteceu. A imagem dela não sai de meus pensamentos. Minha cabeça
está recostada no vidro do carro e meus olhos fechados, recordam o que
passei em Évora.
Agora, há quilômetros de distância eu ainda posso sentir o perfume de
minha mãe impregnado em minha roupa, a voz dela ecoando em meus
ouvidos como se eu ainda estivesse lá. Como se parte de mim voltasse às
origens. Deixei a casa com a promessa de que voltaria e com a sensação de
que precisava rever alguns conceitos sobre mim.
Houve momentos em que prestei atenção no que acontecia a minha
volta, quando pareciam distraídos. No poder dos detalhes. Mary conversava
com Philiph, meu irmão mostrava as fotos das filhas para Luanna e eu estava
ali, sentindo receio da mulher que estou me tornando. Confesso que a falsa
liberdade que me nutria antes do caso “Dr. Philiph Williams”, como consta
nos arquivos, não permitia que eu sofresse por questões comuns, porque a
visão de meu pai havia se infiltrado de tal modo em minha mente que me
repugnavam as mínimas reações humanas de caráter genuíno como saudade e
ternura.
E àquelas que nos fazem de carne e osso, incertezas e medos. Eu não
recuava diante de nada, era destemida e apesar da pressão advinda de meu
pai, eu me viciava com a adrenalina proposta a mim. Era um prazer quase
doentio em me arriscar, em ser coroada como a melhor no meu ramo. Eu me
encontrava em um pedestal, tinha um mundo sob a minha vontade. Minha
voz era soberana.
Hoje sou recebida no mundo dos mortais, onde fui sacudida para me
mostrar que as coisas vão muito além dos casos e das grandes organizações
secretas com que aprendi a conviver.
Mas principalmente vão muito além das idealizações que Senhor S
fazia sobre mim, de que eu era a filha criada para jamais ser uma pessoa
comum. Ele esperou muito de mim, me superestimou. Eu deveria ser a
melhor, e ninguém era bom o bastante para mim. Você estava errado pai.
Epílogo

Algumas semanas se passaram desde meu encontro com Mary, não


nos vimos mais desde a última vez. Nos falamos pouco por telefone. Preciso
me adaptar a ela. Não procurei por meu pai e não atendi as ligações de
Dimitriev ou Leticia.
Devoto toda a atenção nas duas pessoas que me salvaram da forca que
envolvia meu pescoço. Mesmo com todas as tempestades em meu
psicológico, mantenho-me firme. Philiph e eu nunca estivemos tão íntimos e
confidentes. Sou capaz de tudo por ele, até mesmo me afastar do que me
manteria longe, o trabalho como detetive.
Aquilo que me manteve viva e que depois da medicina, é minha
insana paixão. Somos fadados a escolhas, quando ganhamos uma coisa
perdemos outra. A vida é feita de decisões. E não faço isto simplesmente por
ele, mas também por mim, precisamos estar unidos e sinto algo maior se
aproximar de nós.
Enquanto ajeito os livros novos na estante do escritório, o cheiro de
grama molhada adentra ao ambiente pela janela que está aberta na minha
lateral direita, pela mesma, aprecio o céu nublado que sucedeu a chuva forte
da madrugada, e que paira sobre a cidade nesta manhã. Suspiro lentamente,
observando a paisagem.
Estou à espera de Philiph e analiso cada palavra que sairá de minha
boca. Ele toma uma ducha quente neste momento, pois acaba de chegar de
sua corrida matinal. Aproveitou a trégua do tempo para se exercitar. Não o
acompanhei, apesar dos pedidos, pois necessitava ficar um pouco mais na
cama quente.
Concentro-me nos livros de investigação criminal à minha frente, mas
meus ouvidos captam os ruídos do lado de fora. Mesmo com a porta fechada,
posso ouvir as risadas deliciosas de Luanna, ela brinca com Atos, o gato
chartreux cinza que demos a ela de presente.
Dentre todos os animais do abrigo que visitamos, ela escolheu o
filhote com olhos cor de mel e peculiar sociabilidade. O bichinho segue a
menina por onde quer que ela vá dentro desta casa e já nos acostumamos com
sua presença por aqui.
Esboço um leve sorriso ao escutar os miados pelo corredor,
entretanto, logo percebo uma mudança e atento-me ao som diferente no ar, é
o barulho da maçaneta sendo girada. Volvo meu corpo para trás e lanço meu
olhar sobre o homem, Philiph fechar a porta por trás de si e sorri misterioso.
Ele caminha em minha direção e recosto-me na mesa por trás de mim
em busca de apoio, pois agora seus braços envolvem minha cintura e o
abraço com intensidade maior.
– Senti falta da minha companheira de corrida – mordo o lábio ao
apreciar a sonoridade de sua voz. Rouca e grave junto ao meu ouvido. Philiph
empunhou a mão direita em meus cabelos e os repuxou, então olhei para ele,
encontrando seus olhos azuis.
– Destino? – pergunto acariciando sua nuca. Ele destila malicia e
esfrega o polegar em meus lábios.
– Até a Bettina – seguro seu queixo de maneira firme ao ouvir.
– Estou orgulhosa, doutor – Philiph mordisca de leve meu queixo e
sobe até encontrar minha boca.
– Mas não tem graça ir sozinho – aproximo meu rosto. Iniciamos um
beijo lento e quente, fazendo com que nossas línguas colidam com calma.
Um arrepio gostoso percorre minha pele e o perto contra mim. Facilmente me
perco em seu corpo robusto e alto. Desfaço devagar nosso contato, roçando
nossas bocas edemaciadas e vermelhas.
– Então por que a coragem de ir até a Bettina? – minha voz sai mais
grave e o encaro.
– Para lhe trazer isto – ele retirou de bolso um pequeno embrulho
verde, e ao visualizar, imediatamente fiz carinho em seus cabelos, depois em
seu rosto e recebi seu olhar intenso.
– Eu amo o quanto você é gentil comigo – confesso e o beijo mais
uma vez. Philiph trouxe um bombom de chocolate amargo, avelã e recheio de
uva da minha loja de doces preferida aqui em Lisboa. Este homem é capaz de
captar meus gostos mais íntimos.
– Eu sou louco por você, Madame – diz enquanto desembrulha o
bombom e o põe em minha boca. Mordo um pedaço e deixo a outra metade
para ele. O mesmo saboreia o doce ao passo que minhas mãos percorrem seus
braços e seu peitoral, alisando—os.
– Você me ensina tantas coisas todos os Dias – Philiph negou e
segurou meu rosto.
– Eu sou um homem melhor por sua causa – puxo sua nuca em minha
direção e avanço contra sua boca. Nossas línguas brigam por espaço e o gosto
doce que ainda está em nós é deliciosamente excitante.
Nosso beijo é tão ardente voraz, que ao buscar mais apoio na mesa do
escritório, derrubei vários objetos que estavam sobre ela. Suas mãos grandes
pressionam meu corpo e aos poucos já sinto falta de ar, necessito retomar o
fôlego. Meus pensamentos querem sair pela boca, como seu eu precisasse
com urgência exprimir o que estou sentindo.
Suas caricias desceram por meu pescoço, onde ele cheira minha pele e
mordisca sensualmente. Distribuo beijos em seu peitoral e busco dirigir sua
face para mim. Por uns instantes, rememorei a maneira como Philiph
enfrentou meu pai, defendendo-me da ira do carrasco. Ele se colocou diante
de mim não porque me enxergou frágil, mas por que saímos em defesa
daqueles que amamos.
– Eu te amo! – sussurro quente contra seus lábios. Philiph fixou
nossos olhares assim que falei, porque meus gestos sempre dizem mais do
que minhas palavras. Traduzir o que se passa comigo é incomum, traço
enraizado de minha personalidade. Mas me declarar para este homem é me
libertar de algumas amarras, e hoje necessito dizer abertamente o quanto ele é
vital para mim.
– Eu levei um grande choque de realidade – suas expressões faciais
são intensas, mas carregadas de interrogações.
– Relutei tanto comigo, briguei com meu orgulho... – seguro suas
mãos na altura do meu peito.
– Por que eu não acreditava no amor. Sempre achei este sentimento o
maior sinal de fraqueza. Eu cresci e fui ensinada a rejeitar tudo o que provém
dele – minha voz embarga, mas seguro porque preciso ir até o fim.
– Aprendi a venerar o sexo desmedido, porque minhas relações eram
rasas e o prazer se tornou um vício difícil de abandonar. Você foi o primeiro
homem a olhar além do meu corpo e a me tratar como uma mulher realmente
merece. Nenhum outro perguntou sobre os meus desejos. Se para mim estava
bom ou se eu havia sentido prazer. Mas você foi capaz de sentir os meus
anseios, os meus medos. Deixou tudo para trás só para que pudesse ter uma
vida – ele assentiu confiante.
– Faria tudo outra vez – sorri ao ouvir.
– Eu sei. Quando descobri que sentia algo por você eu me afastei e foi
justamente quando você mais precisou de mim. Eu não sabia como agir, e me
desculpe por aquela ocasião, porque quem cresce sem amor tem dificuldades
para confiar – ele aperta minhas mãos e não desfaz nosso contato visual.
– Nunca tive problemas com quem eu era. Nem mesmo alguns
questionamentos tiravam o foco de Madame Mary. Até que você chegou e
me mostrou que eu poderia estar completamente equivocada. E você tinha
razão! – respiro fundo para continuar.
– Às vezes eu tenho medo do que sinto por você, sinto pavor de me
perder. De mudar tanto a ponto de não saber mais nada sobre mim. Só que eu
não quero mais sentir isso – digo firme cada palavra.
– Eu não quero que mude absolutamente nada em você! Eu sei
exatamente por quem me apaixonei. É essa mulher diante de mim que eu
desejo todos os Dias. Não é a primeira vez que eu repito isto. Não mude nada
– dita cada palavra com segurança.
– Já mudei, eu nunca mais serei a mesma – ele me olhou confuso.
– Por que está falando assim? – questionou inquieto. Repousei suas
mãos em meu ventre e por alguns segundos o encarei.
– Estou grávida! – quebrei o silêncio que a pouco eu havia
estabelecido entre nós. Philiph imediatamente entreabriu a boca e de súbito,
retirou as mãos, dando passos para trás. Ele tapou a boca e me encarou
atônito, num misto de espanto e surpresa. Ao voltar para junto de mim,
deixou meu rosto entre suas mãos, e retribuiu o sorriso que oferto a ele.
– Grávida? – ele pergunta entre risos roucos e emotivos de felicidade.
– Quatro semanas, sei que está cedo demais – antes que eu pudesse
terminar a frase, Philiph me ergueu do chão numa euforia insana e rodopiou
comigo pelo cômodo. Agarro-me a ele com medo de cair e sorrimos como há
muito tempo não sorriamos. Seus olhos azuis cravaram—se em mim quando
ele me colocou no chão.
– Um filho? – assenti emocionada com as perguntas.
– Eu não imaginei que fosse acontecer depois do que houve. Pela
minha idade, meu corpo. Eu não sou mais jovem. Mas estou – Philiph beija
meu rosto em cada canto. Acaricia minha barriga e me transmite uma
felicidade imensurável.
– Você é perfeita! – meu coração pulsa vibrante com sua reação.
– Eu não sei o que dizer – confesso meio aérea. Da primeira vez
descobri num momento horrível. Eu nada podia fazer para que tudo ficasse
bem. Naquele tempo a ideia de ter filhos nunca havia habitado a minha
história. Estava liquidada qualquer chance, pois eu não queria uma criança.
Eu não sabia lidar com minha infância deturpada. Mas perder de maneira tão
dolorosa o filho que eu esperava arrancou parte do que me nutria. E que
também era parte do único homem que significou para mim. O tempo passou
e não pensei mais no ocorrido. Desta vez, quando tive as primeiras suspeitas
não quis contar, fiquei reflexiva, pensando em como certas decisões mudam
nossas vidas para sempre. E são irreversíveis. Houve um instante de negação,
depois de incredulidade. Mas nesta madrugada, ao observá-lo dormir ao meu
lado, lembrei-me do que vida me ensinou nestes últimos meses. Eu precisei
descer os abismos para saber como é crucial se entregar, se permitir. Estar
grávida me mostra quão humana eu sou, muito longe do futuro que meu pai
quis para mim. Da filha quase endeusada e impecável em tudo o que fazia. O
que é muito questionável. Ao descobrir a gravidez, passei horas andando de
um lado para o outro após sair da clínica. Imaginando o que eu estaria
deixando para trás, porque é muito difícil se desprender de um passado onde
eu era uma mulher sem amarras, se assim posso dizer. As únicas pessoas que
dependiam emocionalmente de mim eram os clientes dos casos que eu
resolvia. Não havia um homem que me amava ou uma criança apegada a
mim. Não havia ninguém que me fizesse pensar duas vezes numa decisão.
Naquele dia, peguei meu celular e visualizei as mensagens diárias de Leticia,
as quais eu não havia respondido desde que saí de Seattle. “Sinto sua falta.
Quero que saiba que estou bem”, respondi com estas palavras a última delas.
– Você é a melhor coisa que já aconteceu na minha vida – vejo
Philiph se ajoelhar, abraçar meu corpo e beijar minha barriga várias vezes.
Massageio seus cabelos e fecho os olhos por longos segundos. Tenho a
sensação de vida em mim, de que finalmente algo faz sentido, mesmo
trazendo consigo inúmeras incógnitas.
– A recíproca é verdadeira, Philiph – ele ergueu-se quando falei.
– Eu conheço tão bem você para saber que está com medo – apenas
assenti ao ouvir a verdade. E mais uma vez ele consegue ler minhas
entrelinhas.
– Nada de ruim vai acontecer, é outro momento da nossa vida – ele
sabe que minha apreensão se remete ao dia fatídico.
– Você é um pai incrível, leva jeito – afirmei com plena certeza. E
daqui de dentro ouvimos mais uma vez as risadas altas da garotinha.
– Está ouvindo isto? – indaga com os olhos voltados para mim.
– Você tem o dom de salvar as pessoas. Salvou aquela criança. Não
estou falando só por fora, mas por dentro. Você já é uma ótima mãe! – selou
nossos lábios ao dizer e me agarrei a ele não abraço forte.
– Acredite piamente no que vou dizer – passei as mãos por seu rosto.
– Estou muito feliz! E a única coisa que quero é você assim, perto de
mim – ele me olhou emotivo e seguro de si.
– Sempre – nos abraçamos mais uma vez e ficamos em silêncio.
Esvaziei minha mente, enquanto seus braços percorrem meus cabelos, minhas
costas e me fazem sentir protegida. Sito seus beijos em minha fronte e minha
cabeça recostada em seu peito, sente os batimentos descompassados.
– Não escuto mais os barulhos da Lu, o que será que ela está fazendo?
– questionei curiosa.
– Ela vai surtar quando souber, sempre quis um irmão ou irmã –
revelou e imaginei a felicidade de Luanna. Respirei fundo e o fitei.
– Não me sinto pronta para dizer a ninguém ainda – ele compreendeu
e segurou minhas mãos, trazendo-me segurança.
Somente quando você estiver pronta! – agradeci a cumplicidade e
beijei docemente sua boca. Afastamos—nos ao ouvir batidas na porta do
escritório. Certamente é Luanna, autorizamos sua entrada e a pequena entra
na sala saltitando.
– Temos uma novidade meu amor!
– O que mamãe? – pergunta curiosa, mordo o lábio e a chamo mais
perto, pego suas pequenas mãos e toco em meu ventre.
– Sua irmã ou irmão está aqui meu amor, em alguns meses vamos ter
um bebê nesta casa! – seus olhos brilham e ela me abraça intensamente.
– Obrigada mamãe.
– Pelo que meu amor?
– Por me dar uma família. – Phillip se junta ao nosso abraço e agora
sim somos uma família completa.
FIM!

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