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Formação de Rede Alfaletrar Magda Soares

Magda Soares discute a formação de alfabetizadores em Lagoa Santa, destacando a importância de um desenvolvimento profissional colaborativo e de rede, em contraste com a formação tradicional. A proposta visa melhorar a qualidade da educação pública, abordando as lacunas entre a teoria acadêmica e a prática escolar. A experiência prática de Soares revela a complexidade da articulação entre teoria e prática na formação docente.
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Formação de Rede Alfaletrar Magda Soares

Magda Soares discute a formação de alfabetizadores em Lagoa Santa, destacando a importância de um desenvolvimento profissional colaborativo e de rede, em contraste com a formação tradicional. A proposta visa melhorar a qualidade da educação pública, abordando as lacunas entre a teoria acadêmica e a prática escolar. A experiência prática de Soares revela a complexidade da articulação entre teoria e prática na formação docente.
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Formação de rede: uma alternativa

de desenvolvimento profissional de
alfabetizadores/as
Magda Soares

Professora aposentada Resumo: Neste texto, transcrição de uma palestra realizada


da Faculdade de Educação da nos Encontros Abertos promovidos pela Cenpec1 em 18 se
Universidade Federal de Minas setembro de 2013, Magda Soares discute a formação de
Gerais (UFMG) e assessora da alfabetizadores com base em sua experiência no município
rede municipal de ensino de mineiro de Lagoa Santa, onde tem realizado, desde 2007, um
Lagoa Santa trabalho de desenvolvimento profissional de professores
[email protected] e de busca da melhoria da qualidade da educação no
município. Sua experiência indica princípios ou diretrizes
mais gerais para outros programas de formação docente.

Palavras-chave: Alfabetização. Formação de professores.


Currículo.

1
N.E. A conferência constituiu também uma das atividades formativas da Plataforma do Letramento, projeto
desenvolvido pelo Cenpec em parceria com a Fundação Volkswagen. O vídeo da conferência e o material
utilizado por Magda Soares está acessível on line na Plataforma: <www.plataformadoletramento.org.br>. O
mesmo material está disponível no site do Cenpec em <http://www.cenpec.org.br/noticias/ler/Magda-Soares-
especialistas-do-Pa%C3%ADs-em-alfabetização,-ela-falou-sobre-o-projeto-que-vem-desenvolvendo-em-
Lagoa-Santa-%28MG%29>.
Formação DE rede: uma alternativa de desenvolvimento profissional de alfabetizadores/as

A proposta que me foi feita de expor o trabalho que venho desenvolvendo no


município de Lagoa Santa me deixou um pouco tensa no início, mas ao mesmo
tempo muito feliz em poder confrontar minha experiência com pessoas que têm
as mesmas preocupações. Antes, contudo, gostaria de retomar minha trajetó-
ria de professora universitária e pesquisadora, para explicar o que me levou a
este trabalho voluntário junto a uma rede pública, há já mais de oito anos.

Na Universidade, sozinha ou em parcerias com colegas (como o Antônio


Batista2), trabalhei sempre com formação de professores. Após me aposentar
na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), decidi realizar um sonho
que acalentava há muito tempo e esclarecer preocupações e dúvidas que eu
tinha na Universidade. Trabalhando com formação de professores, tanto na
formação chamada inicial nos cursos de Pedagogia e Licenciatura em Letras,
quanto na formação chamada continuada em projetos que desenvolvíamos
no Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da Faculdade de Educação da
UFMG (Ceale)3, preocupações e insatisfações geravam em mim questões de
duas naturezas.

A primeira questão era a dúvida sobre se a formação nos cursos universi-


tários funcionaria na prática real. Nas pesquisas que eu fazia e orientava,
o movimento de irmos à escola, verificar, descrever, analisar o que lá acon-
tecia e voltar à universidade me mostrava que havia uma distância grande
entre a formação dos professores e o que ocorre realmente nas escolas. Isso
provocava em mim questionamentos como: o que as pesquisas descrevem e
analisam (e quase sempre criticam) é o mesmo que realmente acontece no co-
tidiano escolar? Se é, por que acontece dessa maneira? Poderia ser diferente?

A segunda questão que meus estudos e pesquisas na Universidade me


propunham – esta talvez mais séria e mais desafiadora – refere-se à qualidade
da escola pública. Por que a escola pública não poderia ter a mesma qualidade
da escola privada? Por que as crianças das camadas populares recebiam
uma educação de menor qualidade? Por que passamos décadas e décadas

2
N.E. Antônio Batista é coordenador de Desenvolvimento de Pesquisas do Cenpec, foi
orientando de Magda Soares e com ela colaborou estreitamente como professor da
Faculdade de Educação da UFMG e membro do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
(Ceale).
3
N.E. O Ceale é um órgão complementar da Faculdade de Educação, criado, em 1990, por
Magda Soares e por um grupo de professores da Faculdade de Educação e de Letras da
UFMG, com o objetivo de promover uma forte articulação entre pesquisa, ensino e ação
educacional em parceria com as redes públicas de ensino, no campo da alfabetização e
do letramento. Ver: <http://www.ceale.fae.ufmg.br>.

cadernoscenpec | São Paulo | v.4 | n.2 | p.146-173 | dez. 2014 147


Soares, Magda

lutando pela qualidade da educação pública e nunca conseguimos atingir


essa qualidade? É possível ter qualidade na educação pública? Como? Quais
os caminhos?

Essas questões me incomodavam muito, porque eu via que as mesmas


condições que analisei no livro Linguagem e escola: uma perspectiva social 4,
nos já distantes anos 1980, ainda prevalecem, e as questões nele levantadas
ainda são pertinentes. Na obra, eu defendia que as crianças das camadas
populares não são deficientes, são diferentes, que diferença não é deficiência,
e que seria possível uma educação de qualidade para essas crianças. O que
para mim comprova que infelizmente as discussões propostas nesse livro
ainda prevalecem, ainda são pertinentes, é que ele continua sendo editado,
já está na 18ª edição: o aspecto negativo dessas sucessivas reedições é que
elas demonstram que os problemas levantados no livro permanecem.

Foram essas preocupações que me fizeram retornar, depois da aposentadoria,


à escola pública, onde eu tinha começado minha carreira há 30 ou 40 anos,
antes de ingressar na Universidade. Em um primeiro momento, voltei à escola
em uma creche comunitária de um aglomerado de Belo Horizonte e, depois,
em uma rede pública; sobre a experiência na rede pública é que vou me deter
neste relato. Nas duas situações, realizei e realizo trabalho voluntário, porque
queria ser colaboradora, não formadora de novo, só assim poderia viver a
escola “de dentro”; isso também me ajudaria a vencer o “vício” do olhar de
pesquisadora, que dificultaria esse viver a escola “de dentro”.

Quis contextualizar brevemente minha trajetória para explicar como


cheguei à experiência em uma rede pública, experiência que tem me dado
grande satisfação, porque tenho aprendido muito mais do que aprendi na
Universidade... E porque tenho visto resultados que me dão esperança.

Formação inicial, formação continuada e desenvolvimento


profissional de professores

O propósito desta exposição é mostrar uma alternativa, não uma solução, de


desenvolvimento profissional de alfabetizadores e de avanço na qualidade do
ensino para crianças de escolas públicas.

4
N.E. Publicado pela editora Ática em 1986.

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Formação DE rede: uma alternativa de desenvolvimento profissional de alfabetizadores/as

Para situar essa alternativa, retomo os processos já bastante conhecidos de


formação de professores: as tradicionalmente chamadas formação inicial e
formação continuada. No que se refere aos níveis em que venho atuando na
rede pública, educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental, as
modalidades de formação inicial dos professores são: Magistério, Normal
Superior, Pedagogia.

O para mim saudoso Magistério (nele atuei nos meus anos de professora do
ensino básico), ainda existente em alguns poucos contextos, é um curso cujo
objetivo específico era a formação de professores para a educação infantil e as
séries iniciais. O Normal Superior, curso em que depositei esperanças quando
foi criado, esperanças que se frustraram, seria o Magistério elevado ao nível
superior, com objetivos semelhantes, mas mais avançados. Infelizmente, foi
uma proposta que não teve sucesso no País. Não sei se é de consenso geral,
mas me parece que os cursos do chamado Normal Superior têm qualidade
inferior ao que tinha o Magistério do passado. Já o curso de Pedagogia tem
sido foco de uma luta de longa duração, para que realmente forme professores
para a educação infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental, o que
não tem acontecido. Há uma resistência muito grande a qualquer mudança
no currículo do curso de Pedagogia, que pode estar formando muito bem,
pelo menos em várias instituições, especialistas em educação, mas não
professores de sala de aula preparados para trabalhar nas séries iniciais e na
educação infantil. Pode-se dizer que a situação atual é de ausência no País de
uma formação inicial realmente destinada a professores que atuarão nessas
etapas de escolarização.

Sobre a formação continuada, ainda para situar a alternativa que vem sendo
desenvolvida no município de Lagoa Santa, proponho a distinção entre a
formação continuada em rede e a formação continuada de rede. A mudança
de preposição tem um propósito que vou explicitar.

A primeira expressão – formação continuada em rede – refere-se a uma


articulação entre o Ministério da Educação (MEC), as universidades e
os municípios que, organizando-se em uma rede, oferecem cursos aos
professores em exercício. É uma rede que na verdade institui certa hierarquia,
tendo o MEC no topo, em seguida as universidades, a quem o MEC propõe
que assumam os cursos segundo normas estabelecidas em editais, e, por
fim, os municípios, aos quais são oferecidos os cursos.

Essa formação em rede funciona por adesão, sistema sem dúvida de


inspiração democrática, mas que pode, ao contrário, gerar resultados pouco

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Soares, Magda

democráticos. Assim: o MEC propõe às universidades adesão aos programas;


os municípios, por sua vez, optam por aderir, ou não, aos cursos oferecidos
pelas universidades para a formação continuada de seus professores; em
cada município, os professores optam por seguir, ou não, os cursos. Como
consequência, apesar de democrático, o processo pode ser excludente,
porque resulta em “quem quiser crescer em formação cresce, quem não
quiser, não cresce”, o que não parece justo quando se trata de educação de
crianças e jovens, em que o que se pretende é que todos tenham direito a
uma educação de qualidade. A educação não pode ficar sujeita à vontade
dos que optaram por nela atuar de aderir ou não aderir à possibilidades de
crescimento profissional.

Um segundo aspecto complicador nessa formação em rede, consequência


em parte do formato por adesão, é que, geralmente, os cursos são em
geral curtos, seguem uma programação prévia feita pelo MEC ou pelas
universidades, ou por ambos em articulação, e professores que aderiram à
proposta, de diferentes municípios e diferentes escolas, são reunidos para
realizar o curso. Nesse quadro, ainda que haja grande esforço dos formadores
para articular a proposta do curso com a prática pedagógica, essa articulação
fica comprometida quando os envolvidos são profissionais com práticas
diferenciadas, em territórios diferentes, em contextos diferentes, que
assim não constituem um grupo com objetivos e necessidades comuns. Em
decorrência, o que de mais proveitoso pode acontecer é um avanço individual
de cada professor e uma melhor qualidade de suas turmas, em suas salas
de aula. Não há uma melhora da escola como um todo, da rede como um
todo, a não ser que haja um esforço grande do professor que fez o curso para
dividir com os colegas as experiências e conhecimentos que o curso lhe tenha
trazido, o que depende ainda de condições que a escola possa oferecer para
que isso aconteça.

A alternativa a essa formação em rede, que temos desenvolvido no município


de Lagoa Santa, é uma formação chamada “de rede”. Na formação de rede
não há organização hierárquica. Pretende-se que a rede se constitua como
uma coletividade, um conjunto de pessoas com os mesmos compromissos,
tentando alcançar os mesmos objetivos, se esforçando na mesma direção.
A formação de rede atinge a rede de ensino inteira: todos os professores,
todos os gestores, todos os profissionais que atuam em todas as escolas,
com o objetivo de promover o avanço na qualidade do ensino em todas as
escolas igualmente, e no mesmo ritmo. Persegue-se uma homogeneidade
na qualidade que não possibilite comparações entre escolas – a escola X é

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Formação DE rede: uma alternativa de desenvolvimento profissional de alfabetizadores/as

a melhor, a escola Y é muito fraca –, que é o que tem acontecido quando


são divulgados resultados de avaliações externas nacionais ou estaduais: os
jornais noticiam que em determinado município há uma escola que atingiu
um Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) altíssimo, que
uma escola no município X teve resultados muito acima da média na Prova
Brasil... O alto Ideb e os resultados muito acima da média são, sem dúvida,
uma realização louvável para aquelas escolas especificamente, mas as
informações só reforçam que a educação não está bem no País, porque são tão
poucas as escolas que se destacam que é preciso dar-lhes o reconhecimento
que merecem. Não é isso que desejamos para a educação brasileira: temos
de perseguir um crescimento da qualidade em todas as escolas, para todas as
crianças. Em um País de dimensões continentais, não é uma tarefa simples,
mas a alternativa da formação de rede em Lagoa Santa é o que eu chamaria
de uma microprática que pode contribuir para pensarmos uma formação que
atinja todas as escolas de um município. Talvez o caminho para este País de
dimensões continentais seja tomar como unidades os municípios.

A experiência em Lagoa Santa foi inicialmente definida como uma formação


de rede por meio da formação continuada dos professores5. Ao conhecer o
projeto, um colega da Faculdade de Educação da UFMG, o professor Júlio
Emílio Diniz Pereira, caracterizou o que fazemos como desenvolvimento
profissional dos professores, não como formação continuada. E realmente
é o que acontece: os professores já estão no exercício da profissão, já se
formaram em cursos de graduação de Pedagogia ou Normal Superior, o
que se busca não é continuar essa formação, mas sim o desenvolvimento
profissional no contexto da prática docente: das experiências, problemas,
dificuldades, dúvidas que ela suscita a cada momento. Aliás, em todas as
profissões, é após a formação, no exercício profissional, que as pessoas
desenvolvem competências que só a prática possibilita.

Articulação teoria-prática

O que de mais importante aprendi e tenho aprendido neste projeto em Lagoa


Santa é o verdadeiro significado da articulação teoria-prática, de que tanto

5
N.E. Lagoa Santa é um município da Região Metropolitana de Belo Horizonte afetado
pelo crescimento do Vetor Norte da Capital mineira: sua população praticamente dobrou
entre 1991 e 2010. Mais à frente são fornecidas informações sobre sua rede de ensino.

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Soares, Magda

falamos na Universidade. Fiquei nela quase 40 anos realizando pesquisas,


estudando, formando professores, lendo e escrevendo livros e considerando
que, com base em tudo isso, sabia o que deveria ser feito nas escolas. Quando
cheguei à rede e às escolas, e defrontei com a realidade cotidiana da vida
escolar, percebi quanto nossas teorias ora não funcionam, ora funcionam
mal, ora podem clarear problemas e assim melhorar a prática, ora precisam
ser reformuladas com base na prática... Concluí que não sabemos o que
realmente significa a relação teoria-prática quando estamos na Universidade,
inseridos em uma instituição essencialmente acadêmica, que exige presença
por 40 horas semanais, com dedicação exclusiva, de modo que a única
oportunidade de ir à escola é para buscar dados para pesquisas. Quando
mergulhamos na vida escolar, numa inserção de parceria e colaboração,
percebemos que a relação entre teoria e prática não é tão simples como
parecia, como se pensava, que é complexa e, sobretudo, que é de grande
riqueza e potencialidade.

A experiência de estar há oito anos vivenciando a inserção em uma rede


pública me levou a identificar alguns aspectos em que a relação teoria-prática
tal como a consideramos na Universidade não se confirma na realidade das
redes e das escolas.

Um primeiro aspecto é o confronto da gestão na educação com a realidade


das redes públicas. Muda de quatro em quatro anos a gestão do município
e, consequentemente, mudam a gestão da secretaria de educação e as
equipes pedagógicas centrais; assim, a cada nova gestão, cada uma com
suas características, objetivos, pressupostos político-ideológicos, é preciso
agir para manter projetos, implantados por gestão anterior, em andamento.
Essas alterações alteram práticas e a relação delas com teorias.

Um segundo aspecto é que, em educação, as relações teoria-prática não são


as mesmas em contextos diferentes, mesmo no interior de um município.
No caso de Lagoa Santa, como ocorre na quase totalidade dos municípios
brasileiros, as escolas se localizam em territórios muito diferentes, o que gera
uma articulação também diferente entre teoria e prática em cada local. Na
formação de professores na Universidade e no modelo de formação continuada
em rede, cursos são oferecidos e considera-se que o grupo de professores
que deles participam é homogêneo. Mas cada participante trabalha onde? Em
que contexto? Com quais características?

Um terceiro aspecto que evidencia a distância entre nossas teorias e a prática


nas escolas é articulação destas com as famílias. Teorias afirmam que as
famílias devem participar da educação das crianças, frequentar a escola,

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Formação DE rede: uma alternativa de desenvolvimento profissional de alfabetizadores/as

colaborar com a educação dos filhos. O que se constata em geral nas escolas
públicas, com algumas exceções, é que as famílias não têm condições reais,
concretas, de realmente participar da educação das crianças no nível que a
escola demanda, porque vivem situações muito difíceis, muitas vezes os pais
não têm escolaridade suficiente para ajudar no dever de casa, para ler histórias
para as crianças... É comum o não comparecimento dos pais a reuniões da
escola, embora a grande maioria manifeste grande interesse na escolarização
dos filhos. Na verdade, as teorias partem de uma visão idealizada da família
que se choca com a prática.

Finalmente, um último aspecto da inadequação à realidade das escolas


da relação teoria-prática tal como é concebida na Universidade está na
pressuposição de que a formação continuada existe para preencher lacunas na
formação inicial dos professores. Realmente há lacunas a preencher, já que os
cursos, como disse, não formam professores, mas especialistas em educação;
mas o que os cursos de formação continuada, ainda que pretendam preencher
as lacunas, ignoram é que as professoras já chegam sabendo muito, que elas
constroem permanentemente saberes sobre o ensino e a aprendizagem, sobre
as possibilidades e os limites do contexto escolar, o que obriga a reconstruir o
conceito de prática e sua relação com teorias. O que tenho vivenciado durante
este tempo de inserção nas escolas me fez perceber que seria uma pretensão
considerar que estou “formando” as professoras da rede municipal. Não estou
formando as professoras; na verdade, elas estão me formando tanto quanto
eu estou formando-as. Estamos nos desenvolvendo profissionalmente, tanto
eu quanto elas, também eu estou me desenvolvendo profissionalmente.

O projeto de desenvolvimento profissional de alfabetizadores

Chego finalmente à descrição do projeto que vem sendo desenvolvido no


município de Lagoa Santa. Caracterizei o projeto como uma microprática e
explicito o sentido de micro: é uma alternativa micro no sentido geográfico,
porque se realiza em um só município dos mais de 5.500 municípios brasileiros;
e é micro no sentido curricular, porque focaliza apenas a área da aprendizagem
inicial da língua escrita, que engloba alfabetização – a aquisição de uma
tecnologia, o sistema alfabético e ortográfico da escrita – e letramento – o
desenvolvimento de habilidades de uso da tecnologia da escrita. O projeto em
Lagoa Santa se denomina Projeto Alfaletrar porque entende a aprendizagem
da língua escrita como uma articulação entre alfabetizar e letrar.

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Soares, Magda

O Projeto Alfaletrar considera inicial a aprendizagem que se desenvolve


durante a educação infantil e o primeiro segmento do ensino fundamental
(cinco primeiros anos ou séries). Durante todo esse período, trabalhamos
com alfabetização e com letramento. Em uma síntese do que se desenvolve
durante esse período: no que se refere à alfabetização, o passo essencial é
que a criança redescubra que a escrita alfabética, esta tecnologia inventada
pela humanidade há 3 ou 4 mil anos, não representa o significado das
palavras como o desenho, mas representa os sons das palavras por traços
arbitrários, as letras. Dado esse passo essencial, a criança precisa descobrir
que a cadeia sonora das palavras pode ser segmentada em sílabas e estas
em fonemas, que são entidades abstratas, que não se consegue pronunciar
isoladamente, e que são aquilo que as letras representam. Compreendido
assim o princípio alfabético, a criança precisa aprender as normas ortográficas,
ou seja, as convenções para uso do sistema alfabético. Tudo isso em contexto
de letramento, a criança realizando esse trajeto por meio de convivência e
experiências com material escrito, diferentes portadores de texto, diferentes
gêneros, ao mesmo tempo ampliando sua compreensão dos usos sociais da
escrita e seu interesse por eles. Assim, desde a educação infantil, a criança
vai trilhando o caminho da alfabetização e do letramento: vai aprendendo a
tecnologia da escrita e aprendendo a fazer uso dessa tecnologia.

É este o fundamento e o objetivo do Projeto Alfaletrar: aprender a tecnologia


da escrita para ter condições de desenvolver habilidades de seu uso,
desenvolver habilidades de uso para ampliar o domínio da tecnologia. A
concretização desse objetivo se faz por meio do desenvolvimento profissional
de todas as professoras da rede municipal de ensino, na área de alfabetização
e letramento, incluindo desde as professoras que atuam na creche até as que
atuam no 5º ano.

O trabalho no município de Lagoa Santa foi iniciado em 2007. O nome da


cidade vem de uma grande lagoa em torno da qual ela se desenvolveu, e que
foi considerada, em tempos distantes, como sendo de águas que curavam,
por isso santas; muitas pessoas conhecem a cidade como o lugar em que
Peter Lund6 passou parte da vida nas cavernas e grutas da região; foi em uma
delas que encontraram o fóssil humano mais antigo das Américas, um crânio
de mulher que ganhou o nome de Luzia.

6
Naturalista dinamarquês que estudou fósseis em cavernas brasileiras. Em 1843 encontrou
na região vestígios de homens pré-históricos, cujos estudos definiram as características
daquele que ficaria conhecido posteriormente como o Homem de Lagoa Santa.

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Formação DE rede: uma alternativa de desenvolvimento profissional de alfabetizadores/as

A rede municipal de Lagoa Santa é atualmente composta por 21 escolas


bastante diversas entre si quanto a segmentos que atendem, número de
alunos, localização no extenso território do município, o que exige do Projeto
um trabalho diferenciado. Três instituições atendem crianças de 0 a 5 anos.
Duas escolas atendem somente parte da educação infantil, a pré-escola, ou
seja, crianças de 4 e 5 anos. Sete escolas atendem, além da pré-escola, o
primeiro segmento do ensino fundamental – 1º ao 5º ano. Há quatro escolas
que oferecem parte da educação infantil e todo o ensino fundamental, até o
9º ano, e ainda três escolas que oferecem somente o primeiro segmento do
ensino fundamental, e duas escolas que oferecem todos os anos do ensino
fundamental. Há, assim, uma diversidade de perfis de escola e de contextos
escolares, no que se refere aos níveis oferecidos em cada um, e temos
percebido como isso exerce influência sobre o ensino e a aprendizagem. Não
são muitas escolas, mas é um número que representa aproximadamente a
média de escolas nos municípios brasileiros, excetuados, naturalmente,
aqueles em que estão as capitais e também as cidades mais populosas.

Começando pelas bibliotecas escolares


As escolas do município de Lagoa Santa têm em geral uma boa infraestrutura,
estão em prédios bons ou, pelo menos, razoáveis. No período de implantação
do Projeto, em 2007, ao visitar as escolas, uma das principais preocupações era
conhecer a biblioteca, certamente essencial para um projeto de alfabetização
e letramento. Como acontece em grande parte do País, em algumas escolas
havia uma sala que chamavam de biblioteca, mas era não mais que um
depósito de livros didáticos: livros didáticos antigos, remanescentes dos que
haviam sido enviados em anos anteriores pelo Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD), não mais usados. Em outras escolas, o local denominado
como biblioteca era ao mesmo tempo sala de professores, sala de castigo,
sala de reuniões, sala das mais diversas ocupações. Várias escolas não tinham
local a que dessem o nome de biblioteca. Por isso, a primeira providência, na
implantação do Projeto Alfaletrar, foi uma negociação com o prefeito e com a
secretária de Educação para instalarmos verdadeiras bibliotecas em todas as
escolas, transformando espaços já chamados “biblioteca” ou redirecionando
espaços até então destinados a outros fins, e mesmo conseguindo da
prefeitura a construção de espaços: a existência de biblioteca nas escolas era
condição para a continuidade do projeto. No final do ano de 2007, todas as
escolas tinham bibliotecas, predominantemente de literatura infantil e juvenil,

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Soares, Magda

por isso denominadas “bibliotecas literárias”; o objetivo era, e é, colocar o


foco no letramento literário das crianças.

Já no primeiro momento, conseguimos muitos livros para as bibliotecas:


livros recebidos do Programa Nacional de Biblioteca da Escola (PNBE), caixas
de livros literários e caixas dos chamados “materiais complementares”. Além
disso, estamos articulados com várias editoras que nos fazem doações; a
Secretaria de Educação compra anualmente livros e as próprias escolas
gastam parte de sua verba de “pequenos gastos” com a compra de livros para
a biblioteca. As bibliotecas passaram a ser privilegiadas na rede, sobretudo
porque as atividades do Projeto incentivam seu uso de forma intensa.
Criamos nosso próprio processo de organização dos livros, adequado às
crianças a que prioritariamente se destinam as bibliotecas. Usamos um
processo de identificação dos livros por cores. Por exemplo, livros de poesia
são identificados por uma fita adesiva azul na lombada, assim a criança,
mesmo a que ainda está se alfabetizando, se quiser ler poemas, saberá
onde encontrá-los, e saberá onde colocar o livro ao devolvê-lo à estante.
Cada gênero, e os subgêneros, quando é o caso (por exemplo, no gênero
prosa, os contos de fada, os contos clássicos, os contos de bruxa, etc.), é
identificado por uma cor diferente. Esse processo também ajuda as crianças
a construírem o conceito de gênero.

Outro aspecto importante na organização das bibliotecas foi decidir como


posicionar os livros de modo a deixar expostas as capas, já que, em livro
infantil, é sobretudo a capa que atrai primeiro a criança. Comprar estantes
sofisticadas não era possível. As próprias professoras criaram, então, como
alternativa, bolsões de plástico para colocar os livros, expondo a capa. Uma
alternativa foi usar trilho de cortina em que se podem colocar os livros apoiados,
em pé. Aprendi, e tenho aprendido, que não há nada que supere a criatividade
das professoras para achar soluções brilhantes para os problemas. As nossas
bibliotecas são lindas e acolhedoras: há tapetes, almofadas, e vejo sempre
crianças deitadas nas almofadas lendo. São desenvolvidas atividades das
professoras na biblioteca, com sua turma, e atividades promovidas pela
professora encarregada da biblioteca (não há, no quadro de pessoal da rede,
o cargo de bibliotecário/a, tem sido responsabilidade do Projeto Alfaletrar
orientar as “professoras de biblioteca”).

156 cadernoscenpec
Formação DE rede: uma alternativa de desenvolvimento profissional de alfabetizadores/as

Professoras formando professoras


A estratégia para desenvolver o projeto em toda a rede, em todas as 21 escolas,
chegando a todas as professoras, foi a criação de um Núcleo de Alfabetização
e Letramento, constituído por uma professora de cada escola, escolhida
pelas colegas como sua representante no Núcleo. Embora tivesse sido uma
possibilidade inicialmente pensada, não se optou por constituir o Núcleo com
as coordenadoras pedagógicas, porque em geral não têm prática de sala de
aula e, sobretudo, sua posição nas escolas é hierarquicamente superior à das
professoras, quando é importante que as professoras participantes do Núcleo
sejam vistas como iguais, colega escolhida pelas colegas, tendo, assim,
condições de exercer a necessária liderança nas atividades de alfabetização
e letramento, cada uma em sua escola.

O Núcleo, que eu coordeno, se reúne toda semana na tarde de segunda-


feira e, eventualmente, na manhã de terça-feira. Nas reuniões, discutimos as
questões que surgem na prática; ficou logo a princípio evidente que o que é
considerado problema de aprendizagem dos alunos resulta, na verdade, de
faltarem às professoras conhecimentos sobre os processos cognitivos e os
fundamentos linguísticos de aprendizagem da língua escrita. Ao mesmo tempo
que esses processos vão sendo esclarecidos, novos procedimentos de ensino
são sugeridos e experimentados. Em geral, as professoras do Núcleo ou as
professoras das escolas criam elas mesmas novas estratégias – já mencionei a
surpreendente criatividade de quem está cotidianamente na prática para criar
procedimentos e estratégias. Nas escolas reserva-se um horário mensal – não
conseguimos mais que isso, nos apertados limites dos horários curriculares
– em que cada professora do Núcleo se reúne com todas as professoras
de sua escola, com a presença também da diretora e das coordenadoras
pedagógicas, para apresentar e discutir o que foi tema das reuniões do Núcleo,
as dificuldades que tenham surgido no processo de alfabetização e letramento,
os procedimentos que uma ou outra professora tentou e deu certo, ou deu
errado... O que ocorre nessas reuniões é relatado nos encontros semanais do
Núcleo, é discutido e esclarecido, levado de volta para a escola. Nas escolas,
as professoras do Núcleo atuam como permanente apoio às colegas, são
procuradas para orientações e ajuda nas dificuldades, orientam as professoras
das bibliotecas. Aos poucos se tornaram tão requisitadas que começaram
a ficar muito sobrecarregadas, acumulando o ensino com a orientação das
colegas e a supervisão da biblioteca. Atualmente, elas ficam exclusivamente
responsáveis pela orientação das colegas e da biblioteca, pelo apoio a todas
as atividades de alfabetização e letramento na escola.

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Soares, Magda

As atividades criadas pelas professoras nas escolas para desenvolver as


propostas do Projeto são tão ricas que realizamos duas exposições em
cada ano. No primeiro semestre, a exposição é a Paralfaletrar, em que as
professoras expõem, umas para as outras, para a comunidade e também
para professoras de municípios vizinhos, alunos de cursos de Pedagogia de
faculdades da região, os procedimentos, materiais, jogos, etc. que criaram
para alfabetizar em contexto de letramento – daí o nome Paralfaletrar. No
segundo semestre, a exposição se chama Alfalendo, e nela são expostos os
trabalhos produzidos pelas crianças a partir de livros de literatura infantil que
leram e discutiram durante o ano.

Desenvolvendo-se dessa forma, o Projeto criou em todos os professores


um espírito de rede: tudo é socializado, tudo é feito igualmente em todas as
escolas, tudo é discutido coletivamente, tudo é trocado entre escolas, entre
professores, todos se sentem responsáveis pela qualidade do ensino na rede,
para além de por sua escola, por sua turma. O Projeto não é visto como vindo
de cima ou de fora, é um projeto construído pela rede, um projeto da rede. Isso
em grande parte é que tem garantido que as gestões municipais mudem e o
Projeto continue. Um fato é exemplo dessa responsabilidade de todos pelo
Projeto. Em 2012 os professores estavam planejando uma greve por carreira
e salário, e combinavam em assembleia uma paralisação em determinado
dia para manifestação diante da prefeitura. No momento de decidir o dia da
paralisação, o presidente do sindicato propôs a segunda quarta-feira do mês
que se iniciava. Uma professora, que nem mesmo era integrante do Núcleo,
contestou: “Esse dia não pode ser, porque é o dia da reunião nas escolas com
a professora do Núcleo”. (As reuniões ocorrem sempre na segunda quarta-
feira de cada mês.) A decisão foi que a reunião tinha de ser preservada, e
escolheram outro dia para a manifestação. Foi um incidente que mostrou como
o Projeto é incorporado pelos professores como um projeto deles, da rede.

Princípios do Projeto Alfaletrar


Mas já é tempo de relatar o que é o Projeto Alfaletrar, quais são os princípios
em que se fundamenta, como se desenvolve ao longo dos anos, da educação
infantil ao 5º ano do ensino fundamental.

Os princípios do Projeto garantem a formação de rede, e são basicamente


quatro: continuidade, integração, sistematização e acompanhamento.

A continuidade se realiza de várias maneiras. O Projeto está construído para


o desenvolvimento da alfabetização e do letramento ao longo da educação

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Formação DE rede: uma alternativa de desenvolvimento profissional de alfabetizadores/as

infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, é concebido como um


continuum. Cada professora se vê como um elo de uma corrente que continua o
que foi feito antes e prepara o que vai ser feito depois. Para isso, os conteúdos
são estruturados de modo que haja um crescimento contínuo, ano a ano. E
são distribuídos de forma que cada conteúdo se relacione com os demais
conteúdos, garantindo a integração entre os componentes do processo de
alfabetização e letramento. Por exemplo, as professoras que lecionam no 2º
ano trabalham em interação com as professoras do 1º ano e do 3º ano; as
professoras que lecionam no 1º ano interagem com as professoras de educação
infantil e do 2º ano. Ou seja, cada professora sabe o que foi feito antes, o que
as crianças realizaram, como estão essas crianças, sabe de onde começar, o
que tem de suprir que não foi alcançado no ano anterior; e sabe o que ela deve
desenvolver para que as crianças estejam em condições de prosseguir sem
dificuldades no ano seguinte. É assim que a integração se concretiza.

Conteúdos e habilidades são desenvolvidos com continuidade e integração,


mas sempre com sistematização. Em minha experiência ao longo do tempo
em que convivi com escolas públicas, sempre me surpreendeu a ausência
de sistematização no ensino. Professoras realizam muitas atividades, mas
de forma desarticulada, selecionando-as aleatoriamente, havendo mesmo
em algumas escolas uma “caixa de atividades”, com propostas entre as
quais professoras escolhiam a que naquele dia reproduziria para uso com
seus alunos, sem considerar como aquela atividade se inseria no processo
de aprendizagem do aluno: o que veio antes? O que vem depois? Respeitando
o princípio da sistematização, o ensino se organiza em uma sequência que
acompanha o processo de aprendizagem do aluno, cada momento avançando
em relação ao que foi realizado, preparando o que virá em seguida. Essa
sistematização é fundamental e exige um acompanhamento permanente, o
quarto princípio do Projeto, a fim de diagnosticar se continuidade, integração,
sistematização estão garantindo qualidade de aprendizagem dos alunos.

Uma das formas de concretização da continuidade é a organização em


ciclos. Embora seja uma organização já bastante difundida, o que acontece
em muitos casos é que ela não altera realmente o funcionamento do ensino.
Em Lagoa Santa, o Projeto tem conseguido que o ensino funcione realmente
em ciclos, com continuidade e integração dentro de cada ciclo e entre um
ciclo e outro: um Ciclo de Introdução à alfabetização e ao letramento, que vai
da creche ao infantil II, seguido do Ciclo Básico, do 1º ao 3º ano do ensino
fundamental, em que se completa a alfabetização e se avança no letramento,
seguido do Ciclo de Consolidação, que engloba os 4º e 5º anos, em que se

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Soares, Magda

consolida a alfabetização e se aperfeiçoa a ortografia, sempre em contexto de


letramento. A Figura 1 representa essa organização:

Figura 1 – Organograma da organização


em ciclos da educação infantil ao ensino fundamental.

Para reforçar a continuidade e a integração intraciclo e interciclos, as


exposições mencionadas, Paralfaletrar e Alfalendo, são organizadas por
ciclo: cada ciclo tem seu espaço na exposição. Dessa maneira, é possível às
professoras de toda a rede ver o que cada ciclo realiza, a relação de cada um
com o anterior e com o seguinte.

Para orientar essa integração e continuidade, os componentes do processo


de alfabetização e letramento são distribuídos ao longo dos ciclos, como
mostra a Figura 2, que todas as professoras têm e está em geral exposto na
sala de professores:

160 cadernoscenpec
Formação DE rede: uma alternativa de desenvolvimento profissional de alfabetizadores/as

Figura 2 – Organograma da continuidade e integração em alfabetização e


letramento do maternal ao 5º ano do ensino fundamental.

Analiso rapidamente as linhas da Figura 2. Atividades de consciência fonológica


se iniciam no maternal, quando já se trabalham parlendas, poemas, cantigas,
não só para que a criança desenvolva a oralidade, mas também para que volte
sua atenção para a cadeia sonora da fala. São atividades que buscam levar a
criança a focalizar os sons das palavras, base para a aprendizagem da escrita,
pois esta depende da compreensão de que se grafam os sons das palavras,
o significante, e não o significado. O trabalho com consciência fonológica
continua, como mostra a Figura 2, no infantil I, no infantil II, no 1º ano do
ensino fundamental. No 1º ano, deseja-se que a criança esteja em condições
de desenvolver a consciência fonêmica, as correspondências fonema-grafema
e grafema-fonema. O eixo para o desenvolvimento de consciência fonológica
e conhecimento das letras são as fases de conceitualização da escrita na
orientação psicogenética: o avanço de uma fase para outra depende do
desenvolvimento da consciência fonológica, pois a criança se torna silábica
quando compreende que a palavra sonora pode ser segmentada em sílabas,
ou seja, quando adquire consciência silábica, torna-se alfabética quando
identifica, na sílaba, os fonemas; simultaneamente, a criança vai aprendendo
que é com letras que ela representa os sons, e então representa cada sílaba
por uma letra, depois cada fonema por uma letra. Assim, paralelamente
ao desenvolvimento da consciência fonológica, trabalha-se o alfabeto,

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Soares, Magda

relacionando as letras com os sons das palavras. Não é fácil o trabalho com
as letras, porque a criança inicialmente considera as letras como objetos,
o que a leva a pensar que não importa a posição delas, tal como qualquer
objeto, em qualquer posição, é sempre o mesmo objeto; é o que pode levar à
escrita espelhada, em que a criança não diferencia p de q, ou b de d. Trabalhar
com o alfabeto significa levar a criança a compreender que as letras são
representações arbitrárias em que uma rotação horizontal, como de b e d, ou
vertical, como de p e q, transforma a letra em outra letra.

A Figura 3 representa esse desenvolvimento simultâneo da conceitualização


da escrita, da consciência fonológica e do conhecimento das letras:

Figura 3 – Esquema: alfabetização – continuidade, integração, sistematização.

Dando continuidade à análise das linhas da Figura 2, atividades de tecnologia


da escrita estão presentes desde o maternal, quando se dão lápis e papel para
que a criança rabisque, já aprendendo a lidar com o suporte e o instrumento
da escrita. No infantil I e no infantil II, as crianças já começam a escrever
palavras, não só a “escrita inventada”, também chamada “criativa”, em que
a criança escreve “do jeito que sabe”, evidenciando suas hipóteses sobre a
escrita, mas também aprende a escrever, porque sempre deseja isso, o nome
da mãe, do pai, da professora, o nome dela mesma.

162 cadernoscenpec
Formação DE rede: uma alternativa de desenvolvimento profissional de alfabetizadores/as

A partir do 1º ano, avançamos da escrita da palavra para a produção de


textos, de início textos pequenos que ao longo das séries vão crescendo em
tamanho e complexidade. Desde a educação infantil começamos a trabalhar
com recontos, a professora atuando como escriba enquanto a criança não
é ainda capaz de escrever ela mesma; o reconto é um gênero que permite à
criança concentrar-se mais na forma que no conteúdo, já que este já é dado.
Mas se trabalha também com outros gêneros de texto que são “para escrever”
– discutimos muito quais gêneros são sobretudo para ler, quais gêneros é
preciso aprender a escrever.

Também a leitura parte da palavra: escrevendo palavras, a criança está


também lendo palavras. Progressivamente, como se vê no organograma,
a criança avança para a leitura de textos: inicialmente pequenos, pouco
complexos, aos poucos textos mais longos, mais complexos. Trabalha-se
tanto a leitura oral quanto a leitura silenciosa. A leitura silenciosa precisa ser
desenvolvida, pois a leitura oral gera um comportamento a que as professoras
sempre se referem: a criança lê oralmente, mas, quando questionada sobre
o que leu, não sabe responder porque, concentrada em decifrar, em oralizar,
não compreendeu o que leu.

Desenvolver a compreensão de texto é importante desde o maternal, como


está na Figura 2: a professora lê uma história para a criança e faz perguntas,
antes, durante e depois da leitura, não quaisquer perguntas, mas perguntas
previamente planejadas de forma a desenvolver diferentes estratégias de
leitura – as professoras se orientam por um quadro de estratégias de leitura
que foi discutido nos encontros do Núcleo. Atividades de vocabulário estão
estreitamente ligadas à leitura e compreensão de textos. Fundamental na
educação infantil para ampliação da linguagem oral da criança, continua
fundamental nos anos seguintes, ampliando o universo linguístico, oral e
escrito.

Para selecionar livros e textos adequados a cada ano, a cada idade, é preciso
analisar o nível de complexidade do texto; a tendência é, geralmente, classificar
textos por seu tamanho, mas este não é o principal critério. Nos encontros do
Núcleo, discutimos um quadro que construí apresentando critérios para definir
a adequação de textos a diferentes anos e idades. As professoras analisaram
textos, aplicando os critérios. Por exemplo, analisamos uma mesma fábula
em diferentes versões; em grupos, as professoras classificaram as versões
da mais fácil à mais difícil, orientando-se pelos critérios, e se espantaram ao
perceber que a versão mais complexa era o texto mais curto, o que possibilitou

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Soares, Magda

perceber que a escolha de livros e textos para diferentes anos e idades não
deve ser feita somente com base no tamanho do texto, é preciso considerar
outras características, como o vocabulário, as estruturas sintáticas, as
imagens, as metáforas, as anáforas... Essa questão discutida no Núcleo é
depois discutida com as professoras nas escolas, para que saibam como
definir textos adequados para sua turma, de acordo não só com o interesse
das crianças mas também com o nível de complexidade do texto.

Finalmente a reflexão sobre a língua, última linha da Figura 2, é um


componente que, mais que ser incentivado, precisa ser controlado. No
ensino fundamental, foi sempre tradição ensinar desde cedo gramática às
crianças: conceitos das classes de palavras, de gênero, número e grau de
substantivos e adjetivos, conjugação de verbos, estrutura das orações. Sem
que se questione a adequação e utilidade disso para crianças em fase de
apropriação da leitura e da escrita. Como se vê na Figura 2, na última linha,
denomina-se o componente reflexão sobre a língua, e não gramática, a fim
de dar sentido adequado a esse componente: reflexão sobre os recursos que
a língua nos oferece para compreendermos textos, e para nos expressarmos
por escrito, a nomenclatura sendo secundária.

Como se pode inferir, os componentes da Figura 2 se referem tanto à alfabeti-


zação quanto ao letramento. Consciência fonológica e fonêmica, conhecimen-
to das letras, leitura e escrita de palavras referem-se à alfabetização propria-
mente dita. Os demais componentes estão predominantemente no campo do
letramento. No entanto, alfabetização e letramento são indissociáveis, por-
que, seja qual for o componente, o ponto de partida é sempre o texto. Que
seja uma parlenda, que seja um poema, que seja uma história, que seja um
texto informativo, que seja um livro, sempre se parte de um texto, que será
lido. A leitura do texto, oral ou silenciosa, dependendo da série e dos objeti-
vos da professora, provoca o desenvolvimento de habilidades de compreen-
são, orientado pelo quadro de estratégias de leitura que foi mencionado an-
teriormente. Inserido na compreensão do texto está o estudo do vocabulário,
enriquecido por aprendizagem de novas palavras, de discussão de processos
de formação de palavras por prefixação ou sufixação, sinônimos, antônimos,
etc. Partem do texto atividades de consciência fonológica e fonêmica, de lei-
tura de palavras, dele derivam atividades de escrita de palavras, de produção
de frases e de textos. Esse processo é representado pela Figura 4, que, como
a Figura 2, todas as professoras guardam como um guia:

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Formação DE rede: uma alternativa de desenvolvimento profissional de alfabetizadores/as

Figura 4 - Alfabetização e letramento.

Por exemplo, a professora de uma turma da educação infantil, crianças de 4 ou 5


anos, lê uma história escolhida criteriosamente de acordo com seus objetivos, ex-
plora o vocabulário, propõe perguntas às crianças com o objetivo de desenvolver
determinadas habilidades de compreensão, seleciona frase da história para di-
visão em palavras, palavras da frase para divisão em sílabas, escreve frase e
palavras no quadro de giz para que as crianças já associem o oral com o escrito,
forma novas palavras com as sílabas, frases podem ser construídas com as no-
vas palavras, finalmente pode ser construído o reconto da história. Parte-se da
leitura de um texto e termina-se com a produção de um texto, ao longo desse
caminho desenvolvendo-se atividades de letramento e de alfabetização.

Os componentes do processo de alfabetização e letramento se organizam no


que é o mais fundamental no Projeto Alfaletrar: a organização em continuidade,
integração e sistematização por meio da definição de metas de aprendizagem,
estabelecidas para cada ciclo e ano do ensino. As metas foram construídas já
na implantação do Projeto, em 2007, e vêm sendo periodicamente atualizadas,
na dependência do progresso das crianças e da crescente competência das
professoras: estamos agora na terceira versão das metas, e já preparando
a quarta versão. Nos Quadros 1, 2 e 3, pode-se ter uma ideia das metas de
um dos componentes enumerados no cronograma que foi apresentado, o
componente leitura, desde o maternal até o 5º ano, e de sua organização em
sequência e integração ao longo dos anos:

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Soares, Magda

Quadro 1: Metas de leitura – ciclo de introdução

Quadro 2: Metas de leitura – ciclo básico

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Formação DE rede: uma alternativa de desenvolvimento profissional de alfabetizadores/as

Quadro 3: Metas de leitura – ciclo de consolidação

As metas definem o que toda criança tem o direito de aprender, em cada fase
de seu desenvolvimento. Para garantir esse direito e, ao mesmo tempo, a
sequência, continuidade, integração e sistematização das metas, todas as
professoras e demais profissionais da rede têm os quadros das metas de todos
os componentes em um material impresso, de modo que cada uma saiba o
que terá sido atingido no ano precedente àquele pelo qual está responsável, e
saiba o que seus alunos devem atingir para que a professora do ano seguinte
possa dar continuidade ao processo. A referência às metas pelas professoras
é constante, seja para mencionar habilidades que estão tendo dificuldades
de desenvolver nas crianças, ou o que as crianças têm tido dificuldade de
aprender, ou o que tem ou não tem sido atingido em cada ano, o que evidencia
que as metas têm dirigido e orientado o ensino e a aprendizagem.

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Soares, Magda

Do exposto até aqui espero que tenham ficado claros os princípios de


continuidade, integração, sistematização em que se fundamenta o Projeto
Alfaletrar. Mas lembre-se de que foi indicado um quarto princípio, o
acompanhamento do processo de alfabetização e letramento.

Acompanhamento do processo

Para acompanhar esse processo contínuo, integrado e sistematizado, são


realizados diagnósticos periódicos de cada turma, do conjunto de turmas de
um mesmo ano em cada escola, e de todas as turmas de um mesmo ano
de todas as escolas da rede como um todo. Assim, o mesmo instrumento
diagnóstico é aplicado a todas as crianças de um mesmo ano. Os instrumentos
são construídos com base em uma matriz elaborada pelo Núcleo e discutida
com as professoras nas escolas; a matriz enumera os descritores a serem
avaliados, que traduzem as metas, e são distribuídos pelos vários anos, de
modo a que se visualize na matriz, e também nos instrumentos diagnósticos,
a continuidade das metas e das habilidades a serem desenvolvidas.

Os instrumentos diagnósticos são elaborados pelas professoras que


compõem o Núcleo, que para isso consultam as colegas em sua escola, que
também colaboram com sugestões e questões; construídos os instrumentos,
cada professora realiza o diagnóstico em sua turma, de modo que a autoria
da construção, aplicação e análise dos resultados é assumida por todas as
professoras e escolas. Os diagnósticos são considerados como indispensáveis
mecanismos de acompanhamento da aprendizagem e do ensino, não como
uma avaliação de alunos, professoras ou escolas.

Os diagnósticos são feitos em quatro momentos: no início do ano letivo, a


fim de que as professoras saibam como as crianças estão chegando a elas,
se atingiram as metas do ano anterior, se há metas que precisam ainda ser
desenvolvidas ou retomadas; ao fim do primeiro trimestre e ao fim do segundo
trimestre, para acompanharmos se as metas em cada ano estão sendo atingidas
ao longo do ano, se há dificuldades sobre as quais precisamos refletir e para as
quais é preciso buscar soluções; e ao fim do quarto trimestre, já no fim do ano
letivo, para sabermos como as crianças estão terminando o ano que cursaram.

Em cada escola, as professoras constroem uma tabela dos resultados de sua


turma; os resultados das turmas de um mesmo ano na escola são reunidos
em uma tabela do ano pela representante da escola no Núcleo, as tabelas
são discutidas pela representante na escola em encontro com as professoras,
analisando-se o que vai bem, o que não vai bem, que intervenções são

168 cadernoscenpec
Formação DE rede: uma alternativa de desenvolvimento profissional de alfabetizadores/as

necessárias. Finalmente, os resultados das tabelas de cada ano de todas as


escolas são reunidos em uma única tabela daquele ano na rede, e as tabelas
da rede são analisadas em encontro do Núcleo e, em seguida, em reuniões
nas escolas. Isso permite acompanhar com clareza o desenvolvimento de toda
a rede, turma por turma, ano por ano, escola por escola, e orientar o trabalho
de desenvolvimento profissional das professoras e o suporte a turmas, anos
ou da rede que dele necessitem.

A Tabela 1 é um exemplo dos resultados da rede no infantil II (5 anos), no final


do ano de 2012:

Tabela 1 – Avaliação diagnóstica – novembro 2012 – resultados da rede

Pode-se identificar na primeira coluna da Tabela 1 as escolas que mantêm


educação infantil, na segunda coluna o número de crianças no infantil II de
cada escola; nas linhas do alto, os descritores, separados por componente,
e o número das questões que avaliam cada descritor. Para cada questão, a
primeira coluna apresenta o número de crianças que acertaram a questão,
a segunda coluna apresenta a percentagem em relação ao número total de
crianças. A cor amarela indica acertos acima de 60% das crianças; a azul
indica acertos entre 40% e 60% das crianças, consideradas habilidades em

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Soares, Magda

construção; a cor vermelha indica resultados fracos, entre 20% e 40% de


acertos. A cor verde, que não aparece nesta tabela, indicaria resultados nulos,
abaixo de 20% de acertos. A análise da tabela evidencia que, ao final do ano,
as crianças do infantil II estão preparadas para o ingresso no ano seguinte no
1º ano do ensino fundamental, tendo atingido as metas previstas, estando,
portanto, preparadas para as metas do 1º ano; por outro lado, a tabela
mostra que há uma escola com resultados inferiores às demais – o azul se
concentra na linha dessa escola, o que é um alerta para que se identifiquem
as dificuldades, das crianças ou das professoras, e se dê o suporte necessário
para a superação delas.

As tabelas por turma são semelhantes à Tabela 1, apenas no lugar das


escolas, na primeira coluna, ficam os nomes das crianças, de modo que se
pode identificar facilmente, pelo uso das cores, em quais descritores houve
dificuldades (cor vermelha em colunas) e quais crianças estão enfrentando
dificuldades (cor vermelha na linha correspondente à criança). Assim, a tabela
torna claros para a professora os resultados da aprendizagem em sua turma
e de cada criança individualmente. Cada professora conhece e analisa os
resultados de sua turma, e isso acontece quando constrói a tabela e depois
quando a analisa com a professora do Núcleo; e cada escola conhece e analisa
os resultados de cada uma de suas turmas, em cada ano, em reunião de
professoras e diretora sob a orientação da professora do Núcleo, e confrontam
suas tabelas com as tabelas da rede, podendo assim avaliar os resultados de
sua escola no conjunto. As tabelas da rede têm como principal objetivo verificar
se estamos conseguindo o que perseguimos, e de que falei anteriormente: se
todas as escolas atingem aproximadamente o mesmo nível de resultados, se
estão crescendo igualmente, se a rede toda está conseguindo qualidade de
ensino e de aprendizagem.

Reflexões finais

Para terminar, com base em tudo o que expus até agora, retomo minhas
reflexões iniciais sobre a formação de professores para a educação infantil
e as séries iniciais do ensino fundamental: os cursos têm formado para o
conhecimento e compreensão dos processos linguísticos e cognitivos da
aprendizagem inicial da língua escrita e suas implicações para a orientação
das crianças? Entretanto, na prática docente, são esses processos linguísticos
e cognitivos que os professores precisariam conhecer para traduzi-los
em procedimentos, métodos, atividades que promovam e acompanhem o

170 cadernoscenpec
Formação DE rede: uma alternativa de desenvolvimento profissional de alfabetizadores/as

desenvolvimento das crianças. É no exercício da profissão, ao defrontarem


com a responsabilidade de ensinar as crianças a ler e a escrever, que os
professores se ressentem da falta daquilo que deveria lhes ter sido ensinado
em sua formação para a profissão. Em Lagoa Santa, frequentemente eu me
surpreendia com quanto de essencial as professoras não sabiam a respeito
do processo de alfabetização e letramento, a verdadeira revelação que era
para elas compreender os processos cognitivos e linguísticos que seus alunos
experimentavam tentando aprender a ler e a escrever, e como as dificuldades
que crianças enfrentavam eram muitas vezes geradas por ausência de uma
orientação adequada e pertinente que não tinham fundamentos para dar.

O projeto de desenvolvimento profissional das professoras em Lagoa


Santa, orientado por metas, fundamentado nos princípios de continuidade,
integração, sistematização e acompanhamento, construído e realizado
em uma permanente interação teoria-prática, tem conseguido um avanço
significativo na aprendizagem das crianças e na competência das professoras.
Por isso falei em esperança no início desta exposição: a escola pública pode,
sim, ter qualidade; talvez o que sobretudo falte, entre, naturalmente, outros
fatores, é a formação adequada de professores e estratégias adequadas de
desenvolvimento profissional deles, quando já estão em exercício. Penso
que é especialmente por isso que devemos lutar, talvez a principal arma para
vencermos o reiterado fracasso na alfabetização das crianças deste país.

Nota dos editores


É típico das disposições acadêmicas da professora Magda Soares problematizar
a experiência e descrever com precisão os princípios e diretrizes que orientam
as ações de um processo. Segundo essas disposições, esses elementos
são mais importantes que a mera apresentação de bons resultados, pois
são eles que fazem o conhecimento avançar. Tomamos a liberdade aqui de,
contrariamente a essas disposições e à modéstia que caracteriza a professora,
de apresentar os resultados que o projeto vem alcançando. Observa-se que
houve considerável evolução do Ideb do município de Lagoa Santa nos
anos iniciais do ensino fundamental: de 4,5, em 2007 (quando o projeto foi
iniciado), foi para 5,9, em 2013, superando a meta projetada (5,6).

A evolução no desempenho em leitura na Prova Brasil tem sido crescente: em


2007, 30% dos alunos estavam no nível de aprendizado adequado; em 2011
eram 54% (aumento de 24%). Esses resultados são superiores em 6 pontos

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Soares, Magda

percentuais à média mineira (que em 2007 tinha 28% de seus alunos no nível
adequado e, em 2011, 50%) e em 19 pontos à brasileira (24% em 2007 e 35%
em 2011).

No Programa de Avaliação da Alfabetização do Estado de Minas Gerais


(Proalfa), a porcentagem de alunos do 3º ano da rede municipal de Lagoa
Santa com nível de proficiência recomendado tem aumentado de maneira
bastante expressiva: em 2006, era 33,9%, e em 2012, 84,9%.

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Formação DE rede: uma alternativa de desenvolvimento profissional de alfabetizadores/as

Public teacher education:


an alternative of
professional development for
alphabetization teachers

Abstract: This text results from a conference made in Encontros Abertos, that
were promoted by Cenpec on September 18, 2013, in which Magda Soares
examines alphabetization teachers’ education based on her experience
in Lagoa Santa (a city in the State of Minas Gerais), where since 2007 she
has been working on teachers’ professional development and searching to
improve education quality in the city. Her experience may suggest principles
or guidelines for other teacher education programs.

Keywords: Alphabetization. Teacher education. Curriculum.

RECEBIDO: Abril de 2015.


APROVADO: Abril de 2015.

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