Modulo 2 - Fundamentos Da Educação Integral
Modulo 2 - Fundamentos Da Educação Integral
MÓDULO
Fundamentos
da Educação
Integral
REALIZAÇÃO:
Coleção: Texto de referência para a Formacão Continuada de secretários (as) de Educação Continuada
de Secretários(as) de Educação e Equipes Técnicas de Secretarias no âmbito do Programa Escola em
Tempo Integral
Brasilia DF
SEB/MEC
2025
MÓDULO 2 | Fundamentos da Educação Integral
Apresentação 5
2. Fundamentos da Educação 15
Integral como direito
Referências 25
MÓDULO 2
Fundamentos
da Educação
Integral
Ementa:
Caros(as) cursistas,
No Módulo I, apresentamos o Programa Escola de Tempo Integral, seus objetivos, seus eixos
estruturantes e sua organização. No Módulo II, vamos nos aprofundar nas concepções que
fundamentam o programa. Para isso, discutiremos o conceito de Educação e os pilares que
sustentam a Educação Integral pensada como direito. Esperamos que esse módulo possa con-
tribuir com uma reflexão acerca da Educação Integral, do vínculo da escola com o território e
seus educadores, como também sobre a importância de reconhecer e valorizar a diversidade
cultural de crianças, jovens e adultos, sujeitos da Educação Integral.
MÓDULO 2 | FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO INTEGRAL 6
A pequena cidade de Ariquemes (RO) estava longe de imaginar que, anos depois de
sua fundação, seria palco de uma revolução na educação de sua comunidade. Inspirada
por sua rica história e pelas tradições de um povo resiliente, a cidade enfrentava desafios
sociais complexos: crianças vulneráveis, bairros marcados pela pobreza e uma juventude
sem perspectivas. Esse era o cenário inicial para a implementação de um ousado projeto
de educação integral.
No ano de 2005, a prefeitura, movida pelo desejo de criar oportunidades para to-
das as crianças, avançar ainda mais em sua trajetória educacional. Foi criado o Projeto
“Burareiro”, um programa que não apenas ampliava o tempo de permanência na escola,
mas redefinia o conceito de aprendizagem. “Não queremos apenas alunos, queremos
cidadãos plenos”, dizia a secretária de educação, à época.
O projeto começou modestamente, com duas escolas localizadas em bairros de peri-
feria e sem recursos. Cada uma das escolas foi adaptada para oferecer mais do que livros
e cadernos. Brinquedos, salas temáticas, parques, espaços de descanso e alimentação
adequada passaram a compor o cenário das instituições. “Aqui, a criança é cuidada e
educada”, destacava a coordenadora pedagógica.
Os desafios iniciais foram muitos. Em uma das escolas, a adesão da comunidade
foi tímida, e as famílias tinham dúvidas sobre o programa. Todavia, na outra escola, a
resposta foi imediata e calorosa. A escola se tornou um ponto de encontro no qual pais
e responsáveis começaram a perceber o impacto positivo que o programa gerava nas
crianças. “Meu filho voltou a sorrir, quer ir para a escola todos os dias”, contou uma mãe
emocionada. Era um Burareiro só, por todos os lados! Burareiro lá, Burareiro cá! Assim
fervilhava a cidade de Ariquemes.
As turmas de educação infantil, compostas por crianças de 2 e 3 anos, exigiram
atenção especial. Foram necessários professores dedicados, estagiários comprometidos
e monitores atenciosos para atender toda a jornada de atividades na escola. A proposta
pedagógica foi redesenhada para integrar múltiplas linguagens e interações, com ativi-
dades que iam do brincar ao explorar a natureza, passando por oficinas de arte, música
e esporte. O objetivo era simples, mas profundo: garantir que cada criança desenvolvesse
todo o seu potencial.
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Nesse sentido, o relato acima nos possibilita várias indagações: quais concepções as educado-
ras e educadores tiveram que abandonar ao implementar o Projeto “Burareiro”? Quais novas
concepções tiveram que assumir? Que transformações aquela rede de ensino viveu? Por que,
para muitos, a escola deixou de ser apenas um lugar de ensino e se tornou um espaço de perten-
cimento e acolhimento?
Sabemos que, assim como a Rede de Ensino de Ariquemes, esta é a realidade de toda rede de
ensino que assume inúmeros desafios para implementar o Programa Escola de Tempo Integral
como uma política de Educação Integral.
Carlos Rodrigues Brandão, no início dos anos 1980, realizou uma entrevista com Antônio Cícero
de Sousa, o Ciço, camponês do Sul de Minas Gerais. Nessa entrevista, Ciço falou de seu mundo,
de sua realidade e trouxe uma série de reflexões sobre educação, desigualdades e o papel da
escola para as classes populares. Vamos adotar como base essa entrevista para iniciarmos
nossa conversa sobre os fundamentos da Educação Integral.
Pois o senhor mesmo viu o costume. Eu precisei lhe ensinar? Menino tão ali, vai
vendo um, outro, acompanha o pai, um tio. Olha, aprende. Tem inclinação prum
cantorio? Prum instrumento? Canta, tá aprendendo; pega, toca, tá aprendendo.
Toca uma caixa [tambor da Folia de Reis], tá aprendendo a caixa; faz um tipe
[tipo de voz do cantorio], tá aprendendo cantar. Vai assim, no ato, no seguir do
acontecido.
Agora, nisso tudo tem uma educação dentro, não tem? Pode não ter um
estudo. Um tipo dum estudo pode ser que não tenha. Mas se ela não sabia e
ficou sabendo é porque no acontecido tinha uma lição escondida. Não é uma
escola; não tem um professor assim na frente, com o nome “professor”. Não
tem... Você vai juntando, vai juntando e no fim dá o saber do roceiro, que é um
tudo que a gente precisa pra viver a vida conforme Deus é servido. Quem que
vai chamar isso aí de uma educação? Um tipo dum ensino esparramado, coisa
de sertão. Mas tem, não tem? Não sei. Podia ser que tivesse mais, por exemplo,
na hora que um mais velho chama um menino, um filho. Chama num canto,
fala, dá um conselho, fala sério um assunto; assim, assim. Aí pode. Ele é um
pai, um padrinho, um mais velho. Na hora ele representa como de um professor,
até como um padre. Tem um saber que é falado ali naquela hora. Não tem um
estudo, mas tem um saber. O menino baixa a cabeça, daí ele escuta; aprendeu,
às vezes não esquece mais nunca.
(Antônio Cícero de Sousa, lavrador de sítio na estrada entre Andradas e Caldas, no Sul de Minas
Gerais. Também conhecido como Antônio Ciço, Tonho Ciço e, ainda, Ciço)2 .
O que podemos aprender com os ensinamentos de Ciço? O que ele nos instiga a refletir sobre o
conceito de Educação Integral? A primeira ideia é pensar sobre o que significa a palavra “edu-
cação”, que, como bem destaca Ciço, ganha sentidos diversos. Educação, para determinadas
classes, como a de Brandão, é sinônimo de escola. Já para outras, como a de Ciço, educação,
muitas vezes, é sinônimo de trabalho e de experiência. Entretanto, o que isso, de fato, significa?
Significa reconhecer que a educação vai além da escola; ela é mais ampla e abrangente. A gente
se educa no trabalho, na família, nas rodas de viola, nas Folias de Reis, na luta pela sobrevivência
etc. Acreditar que educação é sinônimo apenas de escola é desconsiderar processos formativos
presentes nas práticas sociais de muitos coletivos que, apesar de pouco escolarizados, são
bastante educados. É o saber esparramado ao qual Ciço faz referência, que reforça que, nele,
não tem um estudo, mas tem um saber.
Ciço, assim, faz uma distinção entre educação e escolarização. Ele sabe que, nesse saber es-
parramado, existe um processo educativo, que pode não ser estudo, mas tem aprendizagem.
2 A entrevista faz parte do prefácio do livro: BRANDÃO, Carlos Rodrigues; BEZERRA, Aida (Orgs.). A questão política da
Educação Popular. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1980.
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Para refletir
O que Ciço nos ensina sobre Educação Integral em sua entrevista? Desses ensinamentos,
quais podem ser colocados em prática nas escolas da rede de ensino em que você atua?
Todavia, será que essa concepção ampliada de educação tem força em nossa sociedade? Ou
compreendemos a escola como o único espaço educativo legítimo, entendemos a educação
como escolarização e tornamos invisíveis outros processos educativos? Ao pensarmos em
Educação Integral, é necessário, então, alargarmos nosso olhar sobre a concepção de educa-
ção, tanto no sentido de considerar as várias dimensões de formação dos sujeitos, como os
diversos espaços de formação.
Isso fica claro no artigo 2º da Portaria n. 2.036, de 23 de novembro de 2023, que define as di-
retrizes para a ampliação da jornada escolar em tempo integral na perspectiva da Educação
Integral e estabelece ações estratégicas no âmbito do Programa Escola em Tempo Integral.
As ideias de Ciço também coincidem com a concepção proposta pelo Ministério da Educação
(MEC) no Programa Escola de Tempo Integral, como podemos observar:
Essa concepção não é um consenso na educação brasileira. No início do século XX, por exemplo,
conviveram, no país, os movimentos anarquista e integralista, e ambos propunham a Educação
Integral com concepções antagônicas. O Movimento Anarquista lutava pela formação completa
do homem, o que, para o anarquismo, significava romper com o autoritarismo da instituição
escolar. Assim, a Educação Integral não se limitava à escola e estava relacionada à formação
de um novo homem e de uma nova mulher, que transformariam a sociedade. O Movimento
Integralista, sob o lema “Deus, Pátria e Família”, defendia a educação para integrar o homem
à sociedade, por meio do esforço e da disciplina. Para os integralistas, à escola caberia o papel
de instruir, ou seja, de se responsabilizar pelo desenvolvimento cognitivo e de educar ou moldar
o caráter dos sujeitos que a ela ascendiam.
As Escolas Parque e Escolas Classe de Anísio Teixeira, tanto em Salvador como em Brasília, representa-
ram uma visão abrangente de educação, integrando currículos completos e conectados com as comu-
nidades locais. A convivência dos alunos na Escola Parque, descrita por Éboli (1969), ofertava, além da
alimentação, o almoço, atividades artísticas, esportivas e culturais, contando com uma biblioteca, um
teatro ao ar livre, um ginásio de esportes com piscina, um auditório, um pavilhão destinado às oficinas
de atividades para o trabalho, um pavilhão destinado às atividades socializantes que compreendia
o trabalho com o jornal, o rádio e o grêmio estudantil. A permanência dos alunos na Escola Parque
ocorria durante cinco horas, no período do contraturno. Além de cuidar do ensino, Anísio também se
preocupou com o atendimento médico e odontológico de alunos, professores e servidores da escola.
O currículo planejado por Anísio Teixeira foi descrito como “um programa completo de leitura, arit-
mética e escrita, ciências físicas e sociais, artes industriais, desenho, música, dança e educação física.
Além disso, propunha-se a educar, formar hábitos, atitudes e cultivar aspirações, preparar realmente
a criança para a civilização técnica e industrial – que está a se desenvolver – além de garantir-lhes
saúde e alimento” (Éboli, 1969, p. 16). Anísio teve a oportunidade de replicar seu projeto de Educação
em Tempo Integral em Brasília, por solicitação do então Presidente da República, Jucelino Kubitchek
de Oliveira, para que servisse de modelo para as demais escolas brasileiras.
Os movimentos de cultura popular, do início dos anos 1960, trouxeram a proposta de uma edu-
cação transformadora, que integrava a cultura, a escolarização e a mudança social e política,
sendo Paulo Freire seu principal representante. Nos anos 1980, Darcy Ribeiro, como secretário
de educação do Rio de Janeiro no governo de Leonel Brizola, baseou-se nas ideias de Anísio
Teixeira para implantar os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), uma escola com,
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Nas políticas municipais, iniciativas como a Escola Construtivista e Cidadã, em Porto Alegre,
a Escola Plural, em Belo Horizonte e os CEUs, em São Paulo buscaram uma Educação Integral
que aproximasse a escola da comunidade, valorizando saberes populares e promovendo a
leitura crítica do mundo, seguindo os princípios de Paulo Freire. Os Ginásios Vocacionais, em
São Paulo, coordenados por Maria Nilde Mascelani, destacaram-se pela qualidade da formação
integrada no Ensino Fundamental.
Em 2016, o Mais Educação foi transformado no Programa Novo Mais Educação, com ênfase no
reforço escolar em áreas específicas, descaracterizando sua concepção inicial. Posteriormente,
as iniciativas foram descontinuadas.
https://youtu.be/9s4ckFo_FI0?si=-iYZJX2qVLMWnWXZ
Como pudemos observar, diversas concepções, por vezes antagônicas, transitaram e ainda
transitam em experiências de Educação Integral no Brasil, ao longo da história, o que revela
que a Educação não é neutra, como bem nos alertou Paulo Freire. Ao contrário, ela se configura
em projetos em disputa, imbricados em práticas e experiências educativas.
Um primeiro projeto, que representa o que Paulo Freire chamou de Educação Bancária, defende
uma educação neutra, sem pensamento crítico, pautada unicamente na transmissão de con-
teúdos prontos. Caracteriza-se também por uma perspectiva universalista e meritocrática da
educação, que naturaliza as desigualdades e apaga a diversidade. Assim, o processo educacional
é percebido de forma individualizada, no qual os bons resultados no estudo são compreendi-
dos unicamente como resultado do esforço e mérito pessoal, assim como o fracasso, que é
também responsabilidade dos estudantes e suas famílias. Nessa lógica, os sujeitos deixam de
ter um papel ativo em seu processo de formação para se transformarem em estatísticas. Os
conteúdos acabam sendo apresentados de forma descontextualizada e desvinculada das ex-
periências sociais dos sujeitos. A ampliação do tempo acaba servindo para o que Arroyo (2012,
p. 33) denominou de “mais do mesmo”.
A questão é que essa perspectiva bancária de educação acaba encobrindo e mascarando a reali-
dade, na medida em que não revela que os conhecimentos científicos são históricos e têm base em
experiências sociais; que os estudantes não são uma folha em branco a ser preenchida por pais ou
mestres; que a escola é espaço de problematização do mundo, de desnaturalização de certezas
e verdades, de encontro de culturas; e que a educação não é uma mercadoria, mas um direito.
Entender a educação como direito e não como mercadoria nos faz reconhecer e valorizar os
educandos, educadores e seus saberes, e compreender que eles são sujeitos culturais que
trazem, na bagagem, conhecimentos construídos em suas experiências sociais. Isso significa
entender que a escola se configura como um espaço de encontro de culturas e de saberes. Os
conteúdos acadêmicos são vistos como valiosos instrumentos culturais que auxiliam na leitura,
interpretação e transformação da realidade. Para isso, eles necessitam estar conectados com
as práticas sociais e experiências vividas pelos sujeitos no território. Assim, na perspectiva da
educação como direito, a ampliação do tempo, por si só, não garante a Educação Integral. A
integralidade da educação está tanto em compreender os sujeitos em suas várias dimensões
de formação (cognitiva, física, social, emocional, cultural, ética, estética, entre outras), como
em entender que a formação ocorre em espaços diversos (na escola, no bairro, na cidade etc.),
que a prática social é experiência educativa e que, nos territórios, há saberes e conhecimentos
que a escola precisa reconhecer, valorizar e dialogar.
MÓDULO 2 | FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO INTEGRAL 14
Para refletir
Assista ao seguinte vídeo do professor Miguel Arroyo disponível no link:
<https://www.youtube.com/watch?v=SzqmiJLxmbc>
A partir das ideias trazidas por Arroyo, procure refletir sobre as questões: é possível que
uma escola em tempo integral não se caracterize como uma escola de Educação Integral?
Como? Quais ações a Secretaria de Educação precisa realizar para que as escolas da rede
de ensino se constituam como escolas de Educação Integral em tempo integral?
Garantir a Educação Integral como direito significa romper com a separação entre escola e
vida, ao conectar a experiência social com a aprendizagem escolar e ao transformar a escola,
o bairro e a cidade em território educativo.
Fundamentos da Educação
Integral como direito
O que fundamenta a Educação Integral proposta pelo Programa Escola de Tempo Integral como
direito? Em quais pilares ela se apoia?
Dentro desse contexto, é importante que nos perguntemos: conseguimos enxergar que, por trás
de um aluno, existe uma criança, um jovem que carrega um conhecimento, uma cultura, uma
forma própria e diversa de ver e viver o mundo?
Para refletir
Leia o texto da professora Nilma Lino Gomes, Educação Integral e relações
étnico-raciais, disponível no link:
https://teia.fae.ufmg.br/wp-content/uploads/2024/03/Nilma-Lino-
Gomes-Educacao-integral-e-relacoes-etnico-raciais-2023.pdf
Uma Educação Integral inclusiva e democrática pressupõe, ainda, que a escola se abra para as di-
ferenças de gênero, ao reconhecer a violência de gênero e combater o machismo e a homofobia.
Também deve garantir o direito de crianças e jovens com deficiência de serem tratados com
igualdade de condições em relação aos demais, com a eliminação de todas as barreiras físicas
e comportamentais que possam causar a exclusão da pessoa com deficiência, como atitudes
e comportamentos individuais ou coletivos que resultem em qualquer tipo de discriminação.
Assim, a luta pela inclusão de excluídas e excluídos da e na escola passa pela compreensão das
diferenças e pelo reconhecimento e valorização da diversidade.
MÓDULO 2 | FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO INTEGRAL 17
https://youtu.be/D9Ihs241zeg?si=cwKbVspoQeaZDQG_
https://youtu.be/6JEdZQUmdbc?si=oNZxZK6AflfTbrTG
Todavia, os muros também revelam uma forma de olhar para o território, já que são pensados
para proteger os alunos dos perigos do bairro e da cidade. A cidade, assim, é vista como perigosa,
ameaçadora e violenta. Um dos grandes méritos da escola de tempo integral, na visão de muitos
pais, educadores e até dos próprios estudantes, é o de tirar as crianças e os jovens da rua, prin-
cipalmente se essa rua for de periferia. Dessa forma, crianças e jovens das camadas populares
começam a ver, na escola, a imagem de seu bairro ser identificada como um território perigoso,
lugar de bandidos, de bêbados e de drogados. Assim, sob o olhar da falta, da carência e da vio-
lência, seus territórios são demarcados.
É possível romper esses muros? É possível abrir a escola para o território? Abrir a escola para
a vida, ocupar as ruas e as praças das cidades, retomar a vida comunitária de bairros e de pe-
quenas cidades, criar espaços públicos de convivência e socialização para crianças e jovens em
todo território brasileiro, são alguns dos desafios da Educação Integral no Brasil. O território,
na perspectiva de Santos (2005), não é apenas natureza, pois pressupõe também o sentimento
de pertença e de identidade. Não há como desvincular nossa história dos lugares que vivemos
e não há como arrancar, de nossa identidade, os espaços que nos (de)formaram.
A cidade, o campo e a floresta são vistos, assim, como territórios educativos, espaços de aprendi-
zagens para seus sujeitos. Mas o que significa isso? Sabemos que não significa apenas a saída da
MÓDULO 2 | FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO INTEGRAL 18
escola com os alunos para ter aula em outro espaço mais “agradável”. Na perspectiva da Educação
Integral, a cidade se apresenta como texto a ser lido, como currículo.
Para refletir
Assistam aos vídeos abaixo, que apresentam as experiências de duas escolas
municipais brasileiras: a Escola Municipal Edson Pisani, de Belo Horizonte (MG), e
a Escola Municipal Waldir Garcia, de Manaus (MG). Ambas receberam prêmios pelo
trabalho feito na relação com as famílias e o território.
<https://www.youtube.com/watch?v=Rqua2cZNWzI>
<https://www.youtube.com/watch?v=CzTPCIYklB0>
<https://educacaointegral.org.br/wp-content/uploads/2014/04/
territorioseducativos.pdf> Nesse link, você encontra textos da Série
Cadernos Pedagógicos, Centro de Referência da Educação Integral.
<https://www.youtube.com/live/deJd-3doltE?si=WM2Atkd_ny-b_wdm>
Nesse link, você tem acesso à live “Territórios educativos para uma
Educação Integral”, Undime RN.
MÓDULO 2 | FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO INTEGRAL 19
Retomando a conversa de Ciço com Brandão, ele fala de uma educação que não está na escola,
mas na enxada e na Folia de Reis. Como a educação que se aprende no trabalho e nos movimen-
tos culturais e sociais pode ajudar a escola a repensar suas formas de ensinar e aprender? O que
ela nos diz sobre a Educação Integral na escola? Dois aspectos, entre muitos outros, precisam
ser destacados: a dimensão da experiência na aprendizagem e as relações democráticas.
Os currículos, os materiais didáticos e as relações entre tempo e espaço na nossa tradição es-
colar foram forjados em formas rígidas de conhecimento, fechadas tanto na sua forma como
no seu conteúdo.
Essa tradição fechada não está presente nas formas de aprender e ensinar dos grupos sociais e
culturais. Para eles, por meio da experiência, o conhecimento está sendo construído o tempo
todo, pois o mundo está sendo vivido e pensado simultaneamente. O corpo não se separa da
experiência. No entanto, a escola, na sua construção, muitas vezes, separou-se dessa forma de
conhecimento. Para cumprir seu papel de introduzir as crianças no mundo da vida produtiva e
do mercado, negou os modos de persistência e aprendizado da cultura popular.
se uma guarda de reinado fosse adotar esse sistema ocidental, suas crianças
poderiam, por exemplo, ser inscritas em uma escola de música onde elas
aprenderiam canto, harmonia, ritmos e melodia. E, quando elas finalmente
aprendessem a tocar o tambor, estariam prontas para participar da guarda.
Mas, para o reinado, não basta aprender a técnica para cantar afinado ou saber
fazer a divisão certa do ritmo. O músico precisa também aprender o sentido
cultural da ação, entender a relação de cada toque com o que está acontecendo
no momento da festa. Se olharmos atentamente para uma guarda de reinado,
veremos a presença de tambores pequenos, médios e grandes sendo tocados
por crianças, jovens e adultos ao mesmo tempo.
Para refletir
Assista ao depoimento do educador Gil Amâncio que, recentemente,
recebeu o título de doutor por notório saber pela UFMG, prestou concurso
e hoje é professor da Escola de Belas Artes da UFMG. Nesse vídeo, ele
fala sobre os processos de aprendizagem construídos na sua experiência
social. O depoimento está disponível no link: https://www.youtube.com/
watch?v=Rg7ZGkT7Ym8>
Você conhece algum educador popular na sua cidade? Conhece a trajetória dessas
pessoas? Para você, é possível incorporar esses educadores populares e seus saberes
na construção do programa Escola de Tempo Integral? De que forma?
Como vimos, não há separação entre conhecimento e vida, saber e experiência, conhecimento
e corpo. O tempo de aprender e refletir é o tempo da experiência. Uma lógica que nossa cul-
tura ocidental deixou de lado, mas que permanece nas práticas dos grupos culturais e sociais.
Continuando com as reflexões de Amâncio (2021, p. 260):
O que esses movimentos trazem para o cotidiano e o currículo escolar é que “não existe um
único jeito de tocar o tambor”. O respeito às singularidades de cada um, a convivência entre
diferentes idades, e o tempo de brincar, de experimentar, de trocar experiências e de observar
são tempos de aprender. Fortalecer os currículos e os projetos pedagógicos das escolas, con-
MÓDULO 2 | FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO INTEGRAL 21
Assim, as experiências de Educação Integral podem inaugurar uma nova relação entre a
escola e os territórios e seus atores, ao evidenciar que é possível romper com a dicotomia
entre escola e bairro, entre experiência social e aprendizagem, e garantir o direito a uma
educação democrática voltada para a cidadania.
<https://www.youtube.com/c/SaberesTradicionaisUFMG/about> Nesse
link, você tem acesso ao canal Saberes Tradicionais da UFMG, do Programa
de Formação Transversal em Saberes Tradicionais da UFMG, e encontra
vídeos, cursos, playlist, videoaulas, filmes sobre os saberes tradicionais de
diferentes povos e regiões do país.
estar disposto para uma formação mais ampla, que considere as temporalidades da vida
(ser criança, criança bem pequena, adolescente, jovem e idoso), com experiências que
permitam, aos estudantes, sua afirmação social, cultural e étnica.
Para refletir
Assistam aos vídeos sobre educação e democracia, disponíveis nos links:
<https://www.youtube.com/watch?v=_wAIAqBRlD8&t=24s> Vídeo da
professora Macaé Evaristo, quando era secretária municipal de Educação
de Belo Horizonte, em que reflete sobre gestão democrática, diversidade e
territórios educativos.
MÓDULO 2 | FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO INTEGRAL 23
A partir desses vídeos, reflita sobre quais ações da secretaria são necessárias para o
fortalecimento da gestão democrática das escolas, no âmbito do Programa Escola em
Tempo Integral em seu município/estado.
O ambiente social é espaço de aprendizagem e assim deve ser considerado pelos sujeitos
que se enxergam como aprendizes.
Para refletir
Assista aos vídeos a seguir, que apresentam as experiências de duas redes municipais
de ensino brasileiras:
<https://www.youtube.com/watch?v=6DxeXJQUIlE> Programa
Escola Integrada da Rede Municipal de Belo Horizonte, quando de sua
implantação, em 2006.
<https://www.youtube.com/watch?v=8gkBFvROes4> Programa de
Educação Integral da Rede Municipal de Diadema, relançado em 2021.
A partir desses vídeos, reflita sobre como o Programa Escola em Tempo Integral pode
se constituir como uma política pública conectada a uma rede educativa e de proteção
em seu município.
Referências
AMANCIO, Gil. Enugbarijó: a boca que tudo come. In: MOULIN, Gabriela; CARNEVALLI, Felipe;
ROSENBURG, Marcela; LAGOEIRO, Vítor (Orgs.). Avizinhar fabulações. Belo Horizonte: Educativo
BDMG Cultural, 2021, p. 254-259.
ARROYO, Miguel G. O direito a tempos-espaços de um justo e digno viver. In: MOLL, Jaqueline.
Caminhos da Educação Integral no Brasil: direito a outros tempos e espaços educacionais. Porto
Alegre: Penso, 2012, p. 33-45.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues; BEZERRA, Aida (Orgs.). A questão política da Educação Popular. 2. ed.
São Paulo: Brasiliense, 1980.
BRASIL. Ministério da Educação. Decreto n. 7.083, de 27 de janeiro de 2010. Brasília, 2010. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7083.htm. Acesso em: 6
mar. 2024.
BRASIL. Ministério da Educação. Portaria n.º 2.036, de 23 de novembro de 2023. Brasília, 2023.
Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.036-de-23-de-novembro-
de-2023-525531892. Acesso em: 6 mar. 2024.
BRASIL. Ministério da Educação. Escola em Tempo Integral. Brasília, [s.d.]. Disponível em: https://
www.gov.br/mec/pt-br/escola-em-tempo-integral. Acesso em: 6 mar. 2024.
BRASIL. Ministério da Educação. Escola em Tempo Integral. Acompanhar, 2023a. Disponível em:
https://www.gov.br/mec/pt-br/escola-em-tempo-integral/acompanhar. Acesso em: 6 mar. 2024.
BRASIL. Ministério da Educação. Escola em Tempo Integral, Entrelaçar, 2023b. Disponível em:
https://www.gov.br/mec/pt-br/escola-em-tempo-integral/entrelacar. Acesso em: 6 mar. 2024.
ÉBOLI, T. Uma experiência de Educação Integral. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1969.
SACRISTÁN. J. G. O aluno como invenção. Tradução de Daisy Vaz de Moraes. Porto Alegre: Artmed,
2005.