A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA
“O jornalismo não é um relato em primeira
mão do material bruto”. A provocação feita por
Walter Lippmann em 1922 foi um dos fatores
estimulantes à pesquisa que originou este
CLAUDIANE CARVALHO livro. Interessada nos processos de construção
da notícia, que extrapolam o âmbito da
Esta obra dedica-se à construção da notícia que promove redação jornalística e envolvem a assessoria de
a articulação entre o campo do jornalismo e os outros imprensa (comunicação estratégica), a autora
campos sociais, mediados pela comunicação estratégica. se debruçou sobre o impacto dessa relação
Que contratos são estabelecidos entre os agentes envolvidos na configuração do discurso informativo.
nessa configuração da informação? Como são definidos Que contratos são estabelecidos? Que
os critérios de noticiabilidade? Como os discursos negociações são realizadas entre os agentes
informativos engendram o efeito de sentido de verdade?
Para responder a essas e outras questões, este livro realiza
a conexão entre análise de discurso, hermenêutica de
A CONSTRUÇÃO desses contratos? Como são definidos os
critérios de noticiabilidade? Como os discursos
informativos conseguem o efeito de sentido
Paul Ricoeur e teorias do jornalismo, convidando o leitor
DA NOTÍCIA
de verdade? Para responder a essas e outras
a trilhar um caminho revelador de nuanças no processo questões, esta obra promove a articulação entre
social de tessitura da realidade. análise do discurso, hermenêutica de Ricoeur e
teorias do jornalismo e convida o leitor a trilhar
INTERSEÇÕES ENTRE JORNALISMO um percurso revelador de nuanças do processo
E COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA configurativo de informações consumidas
CLAUDIANE CARVALHO
diariamente nos diferentes veículos de
comunicação jornalística.
CLAUDIANE CARVALHO
A crescente profissionalização das fontes de
Doutora e mestre em Comunicação informação; o enxugamento das equipes nas
e Cultura Contemporâneas pela redações jornalísticas; as rotinas produtivas
Universidade Federal da Bahia
instauradas pelas novas tecnologias, que
(UFBA). Docente do ensino superior e
pesquisadora do Centro de Estudos e reclamam intervalo cada vez menor ou
Pesquisas em Análise de Discurso e Mídia inexistente entre acontecimento e sua
(Cepad). Jornalista de formação pela publicização; e as complexas relações entre
UFBA, tem experiência profissional em
o campo do jornalismo e outros campos de
redações jornalísticas e em comunicação
estratégica. As questões que mobilizam poder na sociedade têm motivado o aumento
este livro continuaram em foco nos na produção da notícia a partir da relação entre
seus estudos de pós-doutoramento, jornalismo e comunicação organizacional.
financiados pelo Conselho Nacional
Diante desse cenário, compreender o processo
de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq). de construção do discurso informativo torna-
se uma inquietude que conclama pesquisa e
reflexão. Eis a proposta deste livro.
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A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA
INTERSEÇÕES ENTRE JORNALISMO E
COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Reitor
João Carlos Salles Pires da Silva
Vice-reitor
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Assessor do Reitor
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EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
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Conselho Editorial
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Angelo Szaniecki Perret Serpa
Caiuby Alves da Costa
Charbel Niño El Hani
Cleise Furtado Mendes
Evelina de Carvalho Sá Hoisel
Maria do Carmo Soares de Freitas
Maria Vidal de Negreiros Camargo
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CLAUDIANE CARVALHO
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA
INTERSEÇÕES ENTRE JORNALISMO E
COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA
Salvador
Edufba
2019
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2019, Claudiane Carvalho.
Direitos dessa edição cedidos à Edufba.
Feito o Depósito Legal.
Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,
em vigor no Brasil desde 2009.
Capa e Projeto Gráfico
Rodrigo Oyarzábal Schlabitz
Imagem usada na composição de capa
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Revisão e Normalização
Tikinet
Sistema Universitário de Bibliotecas – UFBA
Carvalho, Claudiane
A construção da notícia : interseções entre jornalismo e comunicação
estratégica / Claudiane Carvalho. - Salvador : EDUFBA, 2019.
388 p. : il.
ISBN 978-85-232-1924-6
1. Jornalismo. 2. Análise do discurso. 3. Comunicação nas organizações.
I. Título.
CDD - 070.1
Elaborada por Evandro Ramos dos Santos CRB-5/1205
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AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo Tempo e pelas narrativas.
A Tião Oliveira (em memória), Lara e Rafael, respostas aos meus “porquês”.
A Adriano Sampaio, meu amor.
A minha mãe e meus irmãos, pelo constante exemplo de luta e fé.
A todos os familiares e amigos, pelo porto seguro.
Ao professor Giovandro Marcus Ferreira, orientador da tese que deu
origem a este livro.
Ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Con-
temporâneas (Póscom) da Universidade Federal da Bahia (UFBA),
aos colegas do Centro de Estudo e Pesquisa em Análise de Discurso
(Cepad) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes), pelo apoio na realização deste livro.
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Se informar é ‘dar forma’ àquilo que ocorreu, eis aí
um trabalho de coerência no espaço e no tempo,
a tessitura de uma intriga.
(MOUILLAUD, 2002, p. 50-51)
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SUMÁRIO
13 PREFÁCIO
17 INTRODUÇÃO
PONTO DE PARTIDA: ANÁLISE DE DISCURSO
29 COORDENADAS AO MOMENTO DE PARTIDA
31 INFORMAÇÃO: PROCESSO DE PRODUÇÃO DE DISCURSO
33 AD: NOÇÕES INTRODUTÓRIAS E BREVE PERCURSO HISTÓRICO
38 ANÁLISE DE DISCURSO NA FRANÇA: ABORDAGENS TEÓRICAS DOS
ANOS 1970 E CENTROS DE PESQUISA CONTEMPORÂNEOS
57 INFORMAÇÃO: O DISCURSO NAS NUANÇAS DO
SABER E DA SEDUÇÃO
57 INFORMAR: “PURA ENUNCIAÇÃO”
60 DOS ELEMENTOS E OPERADORES DA ENUNCIAÇÃO
71 INFORMAR: DAS ESPECIFICIDADES DE UM DISCURSO
NO CAMINHO: A HERMENÊUTICA DE RICOEUR
81 COORDENADAS PARA O ENCONTRO ENTRE
AD E HERMENÊUTICA DE RICOUER
89 O CÍRCULO HERMENÊUTICO DE PAUL RICOEUR:
O PROCESSO DE SEMIOTIZAÇÃO GLOBAL
93 A TRÍPLICE MÍMESIS
114 O CÍRCULO DE RICOEUR E A PRODUÇÃO DO DISCURSO INFORMATIVO
NA RELAÇÃO ENTRE AI E REDAÇÃO JORNALÍSTICA
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119 OS PROCESSOS DE TRANSFORMAÇÃO: DOS DISCURSOS
INFORMATIVOS E ZONA DE INTERSEÇÃO
125 A CONFIGURAÇÃO DOS DISCURSOS INFORMATIVOS ESTRATÉGICO E
JORNALÍSTICO
135 CHEGANDO À ESTAÇÃO: PROPOSIÇÕES PARA O PERCURSO ANALÍTICO
143 OS PROCESSOS DE TRANSAÇÃO: DOS CONTRATOS
COMUNICATIVOS E ZONA DE INTERSEÇÃO
144 CONTRATO: DO VÍNCULO À ARTICULAÇÃO ENTRE AS INSTÂNCIAS DE
PRODUÇÃO E RECONHECIMENTO
147 OS CONTRATOS DE COMUNICAÇÃO PELO VIÉS DA CONSTRUÇÃO DO
DISCURSO INFORMATIVO ENTRE AI E REDAÇÃO JORNALÍSTICA
164 CHEGANDO A MAIS UMA ESTAÇÃO: PROPOSIÇÕES PARA O PERCURSO
ANALÍTICO
169 UM MAPA DAS PRIMEIRAS PARTES DO PERCURSO: OS
CONTRATOS E OS CICLOS DAS INFORMAÇÕES ESTRATÉGICA E
JORNALÍSTICA
174 DAS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO, DO PRODUTO E DAS CONDIÇÕES DE
RECONHECIMENTO NOS CICLOS
178 EM OUTRA ESTAÇÃO: PROPOSIÇÕES PARA ANÁLISE DAS ZONAS DE
INTERSEÇÃO ENTRE OS CICLOS
CONFERINDO O ROTEIRO: QUAL O PROPÓSITO DO
CÍRCULO HERMENÊUTICO E DOS CONTRATOS DE
COMUNICAÇÃO?
185 COORDENADAS AO TERCEIRO MOMENTO DO PERCURSO
193 A CONFIGURAÇÃO DO ACONTECIMENTO: UM ESTUDO PELO
VIÉS DAS ABORDAGENS HERDEIRAS DE RICOEUR
193 O PROCESSO EVENEMENCIAL COMO PROPÓSITO DOS CONTRATOS E
DO PERCURSO MIMÉTICO
196 O ACONTECIMENTO PELO VIÉS DO LEGADO DE PAUL RICOUER
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219 A CONFIGURAÇÃO DO ACONTECIMENTO JORNALÍSTICO: DAS
CATEGORIZAÇÕES ESPECÍFICAS
220 O ACONTECIMENTO JORNALÍSTICO NA HISTÓRIA DA MÍDIA
226 NA PERSPECTIVA DA CONFIGURAÇÃO: OS LIMIARES ENTRE FATO,
ACONTECIMENTO E NOTÍCIA
233 OPERADORES DE ENUNCIAÇÃO DO ACONTECIMENTO JORNALÍSTICO
242 PARADA NA ESTAÇÃO: PROPOSIÇÕES AO PROCESSO ANALÍTICO
RUMO AO PONTO DE CHEGADA: A CONFIGURAÇÃO
DO ACONTECIMENTO NA RELAÇÃO ENTRE
JORNALISMO E COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA
247 COORDENADAS AO QUARTO MOMENTO DO PERCURSO
253 NA PERSPECTIVA DO NEWSMAKING: SELEÇÃO E CONSTRUÇÃO
DO ACONTECIMENTO NA RELAÇÃO ENTRE JORNALISMO E
COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA
256 ASPECTOS DA NOTICIABILIDADE: CONVERGÊNCIAS E TENSÕES
261 O VALOR-NOTÍCIA E A SELEÇÃO DO ACONTECIMENTO
275 O VALOR-NOTÍCIA E AS FONTES DE INFORMAÇÃO: SELEÇÃO
DO ACONTECIMENTO PELA COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA E
PELO JORNALISMO
286 O VALOR (NOTÍCIA) INSTITUCIONAL ARTICULADO ÀS FONTES DE
INFORMAÇÃO
293 NAS ÚLTIMAS PARADAS: PROPOSIÇÕES AO PERCURSO ANALÍTICO
297 NA PERSPECTIVA DA AGENDA SETTING: SELEÇÃO E
CONSTRUÇÃO DO ACONTECIMENTO NA RELAÇÃO ENTRE
JORNALISMO E COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA
301 O EFEITO DE AGENDA SETTING, ASPECTOS METODOLÓGICOS E ANÁLISE
DE DISCURSO
311 AGENDAMENTO E NOTICIABILIDADE
319 JORNALISMO E COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA NO PROCESSO CIRCULAR
DO AGENDAMENTO
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324 AGENDAMENTO E LOBBY: INTENÇÕES PARA ALÉM DA CONFIGURAÇÃO
DO ACONTECIMENTO
332 AGENDAMENTO, MONITORAMENTO E MENSURAÇÃO DA MÍDIA
339 CONCLUSÕES
347 POSFÁCIO
359 REFERÊNCIAS
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PREFÁCIO
Eis um trabalho que pode ser lido pela ótica de dois processos, o do
discurso e o do percurso. Poderíamos até recorrer à hermenêutica de
Paul Ricoeur nos processos de configuração – no caso, da produção do
discurso científico – e de transação, pela história profissional da autora,
que atuou tanto nas redações jornalísticas, como também nas assesso-
rias de comunicação. Levando em consideração ambos os percursos,
teremos uma perspectiva que nos distancia também de um olhar ima-
nentista do trabalho, já que os objetivos da reflexão são colimados pelo
ad-intra e pelo ad-extra do mundo acadêmico.
O trabalho objetiva a análise da interseção entre o jornalismo e a
assessoria de imprensa, cuja motivação é uma história de quase um
século; para ser mais exato, de 1922, quando Walter Lippmann fez o
questionamento sobre o crescimento paralelo dessas duas atividades.
Ele aponta que a proximidade entre o jornalismo e a assessoria de im-
prensa é fruto de o exercício do jornalismo não ser um relato em pri-
meira mão acerca do fato, salvo raras exceções. O jornalismo tem como
fonte relatos precedentes que o distanciam da primeira ocorrência.
Para agilizar as rotinas redacionais, sempre se lança mão de um relato
alheio, seja num órgão governamental, seja numa empresa privada ou
mesmo em uma organização de terceiro setor. A assessoria de imprensa
13
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sempre está bem perto para nutrir o jornalismo na sua constante fome
de relatos, que vão, mais tarde, tornar-se notícia ou mesmo um acon-
tecimento mediático.
Pensar, então, a construção da notícia requer ir além dos muros da
redação, como também ir além da quase (e tradicional) oposição entre
jornalismo e assessoria de imprensa, como é facilmente levantado em
conversas corriqueiras no meio jornalístico ou mesmo no acadêmico.
De maneira criativa, a autora reflete a construção da notícia numa zona
de convergência. Ela recorre, sobretudo, a três domínios de conheci-
mento: a análise do discurso, a hermenêutica e as teorias do jornalismo.
A autora articula bem os diferentes apelos teóricos quando diz que:
nesse percurso teórico-metodológico, parte-se de uma questão
que é do domínio da análise de discurso e, portanto, diz respeito
ao processo de construção do sentido; invoca-se a hermenêutica
ricoeuriana com o propósito de impedir as análises imanentistas,
uma vez que é traçado o percurso mimético para dar conta da
relação contratual entre assessoria e jornalismo na produção do
discurso informativo; e, por fim, convocam-se também as teorias
do jornalismo, para abarcar os processos de agendamento e pro-
dução da notícia, advindos das relações contratuais [...].1
O livro amplia o arco ou círculo que envolve a produção da notí-
cia, como também esgarça a noção contratual que edifica seus pilares,
de um lado, na relação entre os suportes concorrentes e, de outro, na
relação entre o suporte imprensa e seus leitores. O desafio do trabalho
avança quando considera que:
para analisar a configuração do discurso informativo, construído
na relação entre assessoria de comunicação/AI e jornalismo, é
preciso reconhecer que as marcas da tessitura desse discurso in-
tercontratual se inscrevem na superfície das zonas de interseção.
1 A citação está nas páginas 20 e 21 deste livro.
14 CLAUDIANE CARVALHO
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Para se chegar às zonas intersectivas, porém, é necessário, antes,
avaliar cada processo de negociação (contrato) e cada discurso
separadamente. Só dessa maneira se pode verificar o que há de
comum nos ciclos produtivos.2
Enfim, o trabalho oferecido representa não só um projeto de pes-
quisa, mas uma parte do projeto de vida, já que implica o passado da
autora, como já falamos neste prefácio; o presente, na condução de
sua atual pesquisa no estágio pós-doutoral; e, igualmente, seu futuro,
pelos desdobramentos das ações atuais marcadas pela dedicação e en-
tusiasmo que acompanham o planejamento para os anos vindouros.
Tivemos o prazer de acompanhar sua reflexão nos últimos anos, au-
xiliando-a a perceber como a academia necessita de um outro tempo
para a construção do discurso científico. O trabalho aqui apresentado
foi, assim, decantado ao longo de alguns anos.
Agora, resta-nos desejar uma boa leitura a todas e todos interessa-
dos no domínio do jornalismo e da assessoria de imprensa, em espe-
cial sobre a construção do discurso jornalístico. O trabalho nos ajuda a
melhor conhecer as tramas discursivas do jornalismo, oferecendo-nos
ricos apontamentos metodológicos para tal compreensão.
Boa leitura!
Giovandro Marcus Ferreira
2 A citação está nas páginas 341 e 342 deste livro.
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INTRODUÇÃO
[...] à exceção de alguns casos excepcionais, o
jornalismo não é um relato em primeira mão do
material bruto. (LIPPMANN, 2008, p. 296)
A observação de Walter Lippmann, divulgada no livro Opinião
pública, originalmente publicado em 1922, indica, entre outros aspec-
tos, a construção do discurso informativo jornalístico a partir da ne-
gociação com o discurso da informação na fonte. O autor reconhece a
importância da padronização de rotinas e práticas para produção da
notícia, mas sublinha a insuficiência desta para garantir a cobertura
dos múltiplos fatos sócio-históricos engendrados nas sociedades con-
temporâneas. (LIPPMANN, 2008, p. 296)
Para minimizar o fardo da impossibilidade, o jornalismo “tem ob-
servadores estacionados em certos lugares” (LIPPMANN, 2008, p. 289)
e recorre às “maquinarias de registro”, das quais a comunicação estra-
tégica, por meio da Assessoria de Imprensa (AI),1 desponta entre os
1 Atualmente, há muitos questionamentos em torno do uso do termo “assessoria de im-
prensa”, considerado limítrofe diante da complexidade dos processos contemporâneos de
17
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protagonistas, para montar o cardápio de “novidades”. No intuito de
explicar tal asserção, o pesquisador apresenta o exemplo de que a fa-
lência de um negócio não ocorre no momento em que é feita, no cartó-
rio, a inscrição desse obituário. Os fenômenos são processuais, mas é a
configuração narrativa que dá forma ao acontecimento. “Onde for que
exista uma boa maquinaria de registro, o moderno serviço de notícias
trabalhará com grande precisão”. (LIPPMANN, 2008, p. 292) Aqui, há
uma inquietação com a construção da notícia a partir da relação entre
assessores e jornalistas. Isso porque a mediação entre as organizações
que são fonte de informação2 e as redações jornalísticas atende tanto
aos interesses do jornalismo, pela pauta, quanto aos interesses da insti-
tuição, no que tange à seleção do que vai ser divulgado e como o será.
Ajustam-se, pois, à convergência de interesses e à disputa (ou comu-
nhão) pelo discurso informativo midiatizado.
Nesse ponto, faz-se uma elipse para ressaltar que a preocupação
trazida por Lippmann há quase um século permanece atual e ainda
suscita reflexões. A crescente profissionalização das fontes de infor-
mação; o enxugamento das equipes nas redações jornalísticas; as roti-
nas produtivas instauradas pelas novas tecnologias, que reclamam um
intervalo cada vez menor, ou inexistente, entre o acontecimento e sua
publicização; e as complexas relações entre o campo do jornalismo e
produção, circulação e reconhecimento das informações geradas nas fontes. Apesar disso,
esta publicação optou por mantê-lo em virtude do seu potencial de economia da atenção,
uma vez que direciona o leitor à compreensão de que se trata de um trabalho de assessoria
de comunicação com foco no relacionamento com a imprensa e produção de conteúdo para
distintos meios. Geralmente, a assessoria de imprensa integra a assessoria de comunicação
– esta última é reponsável pelas práticas, relações, produtos e serviços da comunicação
estratégica ou organizacional e, para tanto, reúne profissionais de relações públicas, jorna-
lismo, publicidade e propaganda, marketing, design, tecnologia da informação, entre outros.
2 O termo “organizações” é usado segundo definição de Gaudêncio Torquato em Tratado de
comunicação organizacional e política (2002). Para o autor, o termo engloba as organizações
de natureza pública e privada e do terceiro setor. Além disso, ele destaca ainda que a comu-
nicação organizacional, na qual a assessoria de imprensa se inscreve, é alargada também
para artistas, políticos e personalidades dos mais distintos campos sociais, além de partidos
políticos e associações comunitárias e sindicais, entre outros.
18 CLAUDIANE CARVALHO
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outros campos de poder na sociedade têm motivado pesquisas tanto na
área da comunicação organizacional ou estratégica quanto nas teorias
do jornalismo. Essas investigações têm o mérito de instigar a reflexão
e trazer à cena abordagens da relação entre assessorias de imprensa e
jornalismo no que diz respeito aos aspectos sociais, políticos, econô-
micos e culturais. Entretanto, ficam em suspenso as indagações sobre
o impacto dessa relação na configuração do discurso informativo. Que
contratos são estabelecidos? Que negociações são realizadas entre os
agentes desses contratos? Como são definidos os critérios de noticia-
bilidade? Como equacionar os valores-notícia com os valores insti-
tucionais? Nas condições citadas, como se dá a produção de sentido
do discurso? Como os discursos informativos conseguem o efeito de
sentido de verdade? Quais as características da configuração do acon-
tecimento que comporta duas instâncias de produção – AI e redação
jornalística – e, consequentemente, dois discursos?
No intuito de preencher algumas lacunas manifestadas nessas in-
terrogações, este livro propõe desenvolver, através do entrecruzamen-
to de diferentes domínios, um aporte metodológico que possibilite
analisar a construção do discurso informativo produzido na relação
já mencionada. Aqui, é focada a situação comunicativa, na qual a AI
produz uma configuração do acontecimento, que será referência para
a narração jornalística – referência que não implica adesão do jorna-
lismo ao discurso da comunicação estratégica, mas o conhecimento e
o acesso que abrem espaço às negociações.
Essa possível negociação provoca uma pergunta de formulação
simples – “de onde vem a notícia?” –3 que, ao ser obliterada, pode es-
camotear as nuanças da relação entre fonte e jornalismo na produção
da notícia. Mesmo que essa última interrogação tenha atravessado o
século em estudos com chãos epistemológicos distintos, ela impulsiona
uma reflexão de cunho metodológico e convida a enxergar as fronteiras
3 Neste livro, a notícia é entendida como o acontecimento configurado, ou seja, resultado do
processo evenemencial.
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da Análise de Discurso (AD) como membranas permeáveis a outros
domínios e aportes teóricos. Por esse viés, a articulação entre a AD e
a hermenêutica ricoeuriana oferece condições de indicar propostas
metodológicas para a análise da construção do discurso informativo a
partir de relações contratuais. Assim, com base no percurso instaurado
pela tríplice mímesis, sustenta-se que o processo comunicativo entre
assessoria, redação jornalística e leitor gera contratos, por meio dos
quais são construídos dois discursos: o da informação estratégica4 e o
da informação jornalística.
Esse duplo processo de configuração, gerado pelas relações contra-
tuais, instiga a reflexão sobre os critérios de noticiabilidade em jogo,
as imposições das rotinas e práticas jornalísticas e também sobre o
processo de agendamento da mídia, que se dá na negociação com as
mais distintas agendas sociais. Ao aporte da AD e da hermenêutica de
Ricoeur, foram associadas as contribuições das teorias do jornalismo
no que tange a newsmaking e agenda setting.
Assim, nesse percurso teórico-metodológico, parte-se de uma ques-
tão que é do domínio da análise de discurso e, portanto, diz respeito ao
4 Usaremos o termo “estratégico” para diferenciar os discursos da informação da assessoria
em detrimento do discurso do jornalismo, mantendo, pois, a consonância com a apropria-
ção feita do termo pela comunicação organizacional, da qual a assessoria de imprensa faz
parte. De origem etimológica grega (strategos), “estratégia” deriva de stratos (exército) e agos
(comando), significando, portanto, a arte de o general comandar sua tropa com fins específi-
cos. Na área de comunicação nas organizações, o termo é usado para referendar o conjunto
de planos e ações gerado a partir de pesquisas e diagnósticos que direcionam a política
global de comunicação. Esses planos de ação visam à construção de identidade, imagem e
reputação, capitais simbólicos que garantem competitividade à instituição. Para tanto, os
departamentos de comunicação, especialmente em instituições de médio e grande portes,
costumam ter uma composição integrada, ou seja, reunir profissionais com diferentes habili-
dades e competências – relações públicas, marketing, jornalismo, publicidade e propaganda,
design, entre outros – para atender às demandas dos âmbitos institucional, administrativo
e de mercado, tanto para os públicos internos quanto para os externos. O profissional (ou
equipe) responsável pela assessoria de imprensa faz parte dessa equipe integrada e, portanto,
segue uma filosofia global de comunicação, pautada na missão, na visão, nos valores e na
filosofia institucionais. Dessa maneira, percebe-se que o discurso informativo construído
na assessoria tem que ajustar os critérios de noticiabilidade aos interesses da instituição,
configurando-se, portanto, num discurso informativo estratégico.
20 CLAUDIANE CARVALHO
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processo de construção do sentido; invoca-se a hermenêutica ricoeu-
riana com o propósito de impedir as análises imanentistas, uma vez
que é traçado o percurso mimético para dar conta da relação contratual
entre assessoria e jornalismo na produção do discurso informativo; e,
por fim, convocam-se também as teorias do jornalismo, para abarcar
os processos de agendamento e produção da notícia, advindos das re-
lações contratuais já citadas.
Vale salientar que esse percurso foi iluminado pela perspectiva
de que a configuração do acontecimento é o propósito dos contratos.
Além disso, o discurso construído no final do processo revela o que a
comunicação estratégica e o jornalismo elegeram em comum para a
seleção e o desenho do acontecimento, passível de ser agendado. A ne-
cessidade de abordá-lo em termos de construção está na contingência
de nomeá-lo, ainda que ele não exista em si. O acontecimento só existe
como tal em um discurso, nasce num processo evenemencial, que se
constrói ao término de uma tríplice mímesis, a qual evidencia os pro-
cessos de transação – a negociação entre as instâncias de produção e de
reconhecimento – e transformação – a configuração do acontecimento.
É através dessa configuração que a narrativa midiática confere sentido
ao tempo. (ALSINA, 2009; CHARAUDEAU, 2003, 2012a; MOUILLAUD,
2002a, 2002b; SODRÉ, 2009)
O acontecimento, pois, é uma espécie de metáfora que conforma
a tessitura da atualidade, isto é, um espaçotemporal que representa
o aqui-agora. Portanto, a informação midiática é a atualização de um
estado de coisas, é a presentificação que confere “ao tempo uma nova
dimensão, um corte transversal que é a sincronia”. (MOUILLAUD,
2002a, p. 71)
***
Este livro, enfim, propõe apresentar ao leitor um trajeto, um percurso
trilhado para elaboração dos apontamentos teórico-metodológicos à
análise do discurso informativo construído na relação entre AI e redação
jornalística. Capítulos teóricos e capítulos de propostas metodológicas
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 21
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se alternam na estrutura geral da publicação. Naqueles de cunho mais
teórico, foram apresentadas as noções e os conceitos que irão subsidiar
as proposições analíticas. Os capítulos com teor mais metodológico
contêm textos que sistematizam os apontamentos e operadores para
análise – são espécies de “paradas na estação”, uma pausa para rever o
caminho já percorrido (construído), analisá-lo e projetar os próximos
passos. Essa rememoração traz em seu cerne o caráter de repetição, mas
cumpre a função de retirar do leitor o compromisso de sistematizar os
“resultados” do caminhar, isentando-o desse mapeamento.
Essa estruturação do livro, aliás, alude metaforicamente à etimolo-
gia da palavra “método”, que vem do grego methodos e é composta de
meta (através de, por meio) e hodo (via, caminho). Elaborar apontamen-
tos teórico-metodológicos é, portanto, arriscar-se a delinear um trajeto
através do qual se possam alcançar os objetivos almejados. Dessa forma,
A construção da notícia: interseções entre jornalismo e comunicação
estratégica convida o leitor a trilhar, a partir dos “mapas” e “roteiros”
indicados, um percurso que, didaticamente, foi dividido em quatro
etapas: 1. “Ponto de partida: análise de discurso”; 2. “No caminho: a
hermenêutica de Ricoeur”; 3. “Conferindo o roteiro: qual o propósito
do círculo hermenêutico e dos contratos de comunicação?”; e, por fim,
4. “Rumo ao ponto de chegada: a configuração do acontecimento na
relação entre jornalismo e comunicação estratégica”. No início de cada
etapa, o leitor encontra as “coordenadas”, um texto introdutório ao tre-
cho a ser percorrido, que assume o papel de uma “bússola” ao caminho.
Na primeira etapa, o trajeto é direcionado à AD e à constituição do
discurso informativo. Essas reflexões estão reunidas em dois capítulos:
o primeiro, “Informação: processo de produção de discurso”, trata da
noção de discurso, especialmente com base nos vieses propostos por
teóricos franceses; já o segundo, “Informação: o discurso nas nuanças
do saber e da sedução”, apresenta a noção de discurso informativo de-
senvolvida por Charaudeau (2003, 2012a) a partir do processo de semio-
tização global do mundo, ou seja, a tríplice mímesis de Paul Ricoeur.
Em síntese, demonstra-se, por meio desse primeiro momento, que o
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ponto de partida é o domínio da AD – mas que há a intenção de olhar
além de suas fronteiras.
No segundo momento, composto por quatro capítulos, a atenção é
direcionada para as contribuições que a hermenêutica de Ricoeur traz
à AD. No mais, a partir do círculo traçado pelo percurso mimético, são
desenvolvidos os primeiros aportes metodológicos para analisar a cons-
trução do discurso informativo entre assessoria e redação.
O capítulo “O círculo hermenêutico de Paul Ricoeur: o processo
de semiotização global” demanda ultrapassar os limites do interior do
discurso, uma vez que, no círculo hermenêutico, a mímesis II se refere
ao círculo semiológico, que é precedido pela mímesis I e antecede a
mímesis III. Nesse contexto, a mímesis I alude às condições de produ-
ção, que reivindicam as perspectivas sociológica e antropológica; já
a mímesis III instaura a semiose ilimitada e incide em todo o círculo.
Ricouer concebe as ações enquanto quase textos, instituindo simulta-
neamente uma teoria da ação e uma teoria do texto. Sua tese – a de que
o tempo humano é um tempo narrativizado – também é sintetizada
no percurso mimético.
Sendo assim, defende-se a seguinte distribuição de conteúdo en-
tre os capítulos dessa parte. Um deles apresenta o arcabouço teórico e
consiste no alicerce às propostas metodológicas, que serão desenvol-
vidas, respectivamente, nos textos sobre os processos de transação e
transformação.
O capítulo “Os processos de transformação: dos discursos infor-
mativos e zona de interseção” é dedicado a destacar as especificidades
configurativas do discurso informativo estratégico – produzido pela
AI – e do discurso informativo jornalístico – produzido pela redação a
partir do texto advindo da assessoria. Já o texto “Os processos de tran-
sação: dos contratos comunicativos e zona de interseção” é voltado
para as relações contratuais, que são engendradas em torno da cons-
trução dos discursos mencionados. Nessa negociação, são gestados o
contrato estabelecido entre assessoria e redação jornalística, de um
lado, e o contrato de comunicação entre suporte jornalístico e leitor,
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do outro. Nos três capítulos, é promovido o diálogo entre Ricoeur e
pesquisadores da AD – como Charaudeau (1997, 2003, 2012a, 2012b),
Fausto Neto (2009, 2011), Ferreira (1997, 1999, 2011), Mouillaud (2002a,
2002b, 2002c), Quéré (1991, 2005, 2013), Verón (1985, 1987, 2004, 2013),
entre outros. Recorre-se também aos autores da chamada comunica-
ção estratégica ou organizacional para elucidar aspectos específicos do
discurso informativo enunciado pela assessoria de comunicação, por
meio da AI, como Ferrari (2009), Kunsch (2003, 2009c, 2009e, 2011),
Sant’anna (2006) e Torquato (2002). No final dessa parte, encontramos
“Um mapa das primeiras partes do percurso: os contratos e os ciclos das
informações estratégica e jornalística”, que consiste numa espécie de
síntese ou cartografia dos apontamentos metodológicos apresentados
até então. Pode ser entendido, também, como uma parada estratégica
na alfândega para demonstrar que, mediante o círculo hermenêutico
de Ricoeur, a análise da notícia construída entre assessoria e redação
jornalística requer um duplo empenho: 1. contemplar as zonas de in-
terseção entre o discurso informativo estratégico e o discurso informa-
tivo jornalístico; e 2. abarcar ainda as zonas intersectivas dos contratos
estabelecidos entre assessoria de imprensa-redação jornalística, de um
lado, e suporte jornalístico-leitor, do outro.
Se, até aqui, a AD invocou a hermenêutica, esse diálogo vai se es-
tender e solicitar ainda outros aportes teóricos. Isso porque o que se
configura no discurso informativo é a narração do acontecimento. Na
terceira etapa do percurso, o primeiro capítulo, “A configuração do acon-
tecimento: um estudo pelo viés das abordagens herdeiras de Ricoeur”,
é dedicado ao mapeamento das categorizações gerais da configuração
do acontecimento a partir do legado do filósofo francês. Para tanto, atra-
vés dos autores Charaudeau (2003, 2012a, 2012b), Quéré (1997, 2005,
2011a, 2011b, 2013), Molotch e Lester (1993), Mouillaud (2002a, 2002b,
2012), Sodré (2009) e Alsina (2009), entre outros, foi abordada a con-
figuração do acontecimento como resultado da tríplice mímesis. Em
seguida, no texto “A configuração do acontecimento jornalístico: das
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categorizações específicas”, são apresentados os operadores de enun-
ciação do acontecimento jornalístico e suas particularidades.
O caminho já trilhado em várias “circunstâncias” indicava a necessi-
dade de abranger a configuração do acontecimento entre comunicação
organizacional e jornalismo pelos vieses do newsmaking e da agenda
setting, que conformam a quarta etapa do percurso – composta de dois
capítulos. A configuração negociada da informação ocorre mediante
a zona de interseção entre o discurso estratégico e o discurso jornalís-
tico e, portanto, analisando esse espaço intersectivo, são detectados os
critérios e valores partilhados e comungados. Assim, o capítulo “Na
perspectiva do newsmaking: seleção e construção do acontecimento
na relação entre jornalismo e comunicação estratégica” aborda os cri-
térios de noticiabilidade acionados nas duas instâncias produtivas.
No decorrer desse trajeto, pondera-se também que a relação contra-
tual assessoria de imprensa-redação jornalística visa ao agendamento
da mídia e à agenda pública, e, por seu turno, o contrato entre reda-
ção jornalística (suporte) e leitor visa à agenda pública, mas pauta os
campos e as instituições sociais. Assim, abordar a construção do dis-
curso informativo nessa relação intercontratual é ter como horizonte
e pano de fundo, concomitantemente, os processos de agendamento.
O caminhar, então, desembocou nas problemáticas da agenda setting,
que constituem o último capítulo do livro – “Na perspectiva da agenda
setting: seleção e construção do acontecimento na relação entre jorna-
lismo e comunicação estratégica” –, uma vez que evidenciam as ins-
tâncias de produção e reconhecimento como polos de construção do
sentido, sejam por si sós ou em interação.
Em suma, nesse momento final do percurso, há dois capítulos vol-
tados a entender a seleção e a construção do discurso informativo, um
pelo viés do newsmaking e outro pela agenda setting, respectivamente.
Vale-se, pois, das teorias do jornalismo, a fim de sustentar as proposi-
ções de que, ao analisar o discurso informativo da AI e o discurso in-
formativo do suporte jornalístico, se encontram pistas dos critérios de
noticiabilidade que são partilhados pelas duas instâncias de produção
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e como eles servem aos processos de agendamento – lembrando que
este consiste num componente intrínseco dos contratos.
A abordagem da seleção e construção do acontecimento na relação
contratual AI-jornalismo leva à percepção de que a triagem já é, por si
só, o início do seu processo de construção. Escolher e configurar são
duas dimensões inseparáveis do newsmaking. No mais, as assessorias
visam agendar a mídia, para, assim, agendar também o leitor. Com esse
intuito, buscam o enquadramento que possa atender às expectativas
das redações jornalísticas, mas que não contrarie a política de comuni-
cação da instituição fonte. Portanto, tratar da construção do discurso
informativo na relação entre AI e jornalismo é abranger as dinâmicas
de seleção e construção do acontecimento (newsmaking) e abarcar a
intenção e a busca pelo agendamento (agenda setting). Como já dito,
neste livro, acolhe-se a perspectiva de que o acontecimento se constrói
no final da tríplice mímesis, ou seja, o acontecimento configurado ou
narrado é a notícia. Com base em autores herdeiros de Ricoeur, com-
preende-se que estudar o processo de construção do acontecimento é
entender a construção da notícia, que solicita as estratégias de seleção
dos fatos sócio-históricos: o recorte midiático do espaço social e a iden-
tificação das fontes.
O acontecimento é convertido em notícia pelo processo narrativo,
sendo aquele a melhor resposta da relação entre assessoria de comu-
nicação e mídia à questão do tempo, porque tem espessura temporal
e espacial; é a ação no presente, cuja extensão é dada pela tessitura da
intriga. Enfim, a relação entre comunicação estratégica e jornalismo
guarda muitas complexidades, as quais impactam na construção so-
cial da realidade.
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PONTO DE PARTIDA
ANÁLISE DE DISCURSO
O discurso da informação é uma atividade de
linguagem que permite que se estabeleça nas so-
ciedades o vínculo social sem o qual não haveria
reconhecimento identitário. (CHARAUDEAU,
2012a, p. 12)
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COORDENADAS AO MOMENTO DE PARTIDA
Para a realização desse percurso, parte-se da ideia de que informar é
um processo de comunicação constituído por escolhas, em busca de
efeitos de sentido para atingir o outro. É contemplado, pois, o aspecto
relacional do processo comunicativo, uma vez que a produção dos
efeitos de sentido implica direcionamentos e tem suas amarras. Em
síntese, considera-se que informar é produzir discurso em situação de
comunicação. (CHARAUDEAU, 1997, 2003, 2012a, 2013)
Neste primeiro momento do percurso, o roteiro abrange um breve
panorama das principais abordagens fundadoras da AD na França –
Pêcheux, sociolinguística e Foucault –, nos anos de 1960 e 1970. Esse
passeio histórico cumpre o papel de desenhar os chãos epistemológi-
cos que serviram de alicerce ou foram abandonados por autores mais
contemporâneos. Além disso, essa retomada funcionou como fio con-
dutor à apresentação de alguns centros de pesquisa em vigência nas
universidades francesas. Entre eles, está o Centre d’Analyse du Discours
(CAD), coordenado pelo pesquisador Patrick Charaudeau, cujos ob-
jetos de estudo e propostas metodológicas têm consonância com as
preocupações deste livro.
Além disso, será feita a passagem da noção de discurso para a de
discurso social, tendo como guia o semiólogo argentino Eliseo Verón,
29
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que durante mais de duas décadas lecionou na França. Em seguida, o
“leitor-viajante” é convidado a se debruçar sobre a noção de discurso
informativo, desenvolvida por Charaudeau com base em um referen-
cial epistemológico que tem colunas de sustentação no processo de
semiotização global do mundo, proposto por Paul Ricoeur, mediante
a tríplice mímesis.
Este primeiro momento, portanto, apresenta o domínio do ponto
de partida, a AD, e sua respectiva questão fundante sobre como é cons-
truído o sentido do discurso. É do território da AD que se olha para
o processo de configuração do discurso informativo na relação entre
assessoria de imprensa e jornalismo. Entretanto, a intenção é enxergar
além das fronteiras da análise de discurso, ou melhor, transformar as
suas fronteiras em membranas que permitam a articulação com outros
aportes teórico-metodológicos, a exemplo da hermenêutica de Ricoeur
e das teorias do jornalismo.
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INFORMAÇÃO
PROCESSO DE PRODUÇÃO DE DISCURSO
Ao tratar do ato social de informar, a ideia de relação emerge como
constitutiva e constituidora do processo, uma vez que a informação não
existe em si, não é exterioridade, mas depende do ato de comunicação
para sagrar-se possível. (CHARAUDEAU, 2012a, 2012b) Informação não
deve ser tomada enquanto coisa, pois integra a ordem do simbólico,
que pode ser constatada no sentido etimológico da expressão: “infor-
mar” significa “dar forma a”.
Nas palavras de Luiz Cláudio Martino (2001), esse fenômeno humano
e social pressupõe o encontro de consciências em determinados contex-
tos, através de suportes – e/ou dispositivos.1 O autor ressalta que não há
1 Luiz Cláudio Martino (2001) usa o termo “suporte” para se referir à materialidade das coi-
sas, diferenciando-o, pois, do nível simbólico. O suporte, segundo o autor, não é meio de
comunicação, mas material – papel e tinta, ondas sonoras, pontos luminosos, por exemplo –,
condição imprescindível, mas não suficiente para o ato de informar. Na segunda etapa do
31
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comunicação sem informação e, ao pensar na possibilidade do armaze-
namento e estoque, não há “informação senão em vista da possibilida-
de dela se tornar comunicação”.2 (MARTINO, 2001, p. 18) O fato é que,
muitas vezes, parece inócuo o debate sobre os limites entre comunicar
e informar, isto porque são processos indissociáveis e ambos solicitam
as dimensões da relação, da intencionalidade e uma provável mudança
de condição entre o saber e o não saber como motivação para o jogo.
Pelas lentes da AD, Charaudeau (2012a, p. 33) constata que as
questões sobre a informação vão sempre convergir para a linguagem,
a qual “não se refere somente aos sistemas de signos internos de uma
língua, mas a sistemas de valores que comandam o uso desses signos
em circunstâncias de comunicação particulares”. A linguagem consis-
te numa mediação necessária entre o homem e a realidade natural e
social. A essa mediação dá-se o nome de discurso (ORLANDI, 2003) –
um trabalho simbólico que está na base da produção da existência hu-
mana e é fundamental para construir, manter e mudar representações,
identidades e relações sociais. (PINTO, 2002) A linguagem, portanto,
é entendida como ato de discurso e, por esse viés, “a informação im-
plica processo e produção de discurso em situação de comunicação”.
(CHARAUDEAU, 2012a, p. 34) Assim, compreende-se informar como
um processo de comunicação.
Ao remontar às origens do termo “comunicação”, é encontrada a
expressão em latim communicatio, que se refere a uma ação engendra-
da por relação, intencionalidade e comunhão. Se dissecada a expres-
são, tem-se munis, que significa “estar encarregado de”; já o prefixo
co expressa simultaneidade, reunião. A ideia de uma “atividade rea-
lizada conjuntamente” é reforçada pela terminação tio, que também
indica atividade. (MARTINO, 2001) Assim, se informar é um processo
percurso proposto neste livro, a noção de dispositivo será abordada a partir de Eliseo Verón
(1987, 2013).
2 Para exemplificar, Luiz Cláudio Martino diz que um livro fechado na estante não é comu-
nicação, até que se reúna a atividade do leitor com a do autor.
32 CLAUDIANE CARVALHO
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de comunicação, ambas as noções têm como pressuposto fundante a
possibilidade de fazer escolhas. “Comunicar, informar, tudo é escolha”
(CHARAUDEAU, 2012a, p. 39) – escolhas de efeitos de sentido para
atingir o outro, escolhas de estratégias discursivas.
O discurso é um espaço em que saber e poder se articulam na cons-
trução da tessitura da relação entre os interlocutores. “O discurso é um
jogo estratégico que provoca ação e reação, é como uma arena de lutas
[...] em que ocorre um jogo de dominação ou aliança, de submissão
ou resistência, o discurso é o lugar em que se travam as polêmicas”.
(BRANDÃO, 2006, p. 7)
Nesse aspecto, o informador e o informado estão sempre envolvi-
dos e posicionados por/(n)esse jogo lançado pelo processo discursivo.
Vale destacar ainda que pensar a informação é debruçar-se sobre as
questões da linguagem. Posto isso, evidencia-se a importância de dis-
correr sobre a noção de discurso, mostrar de que perspectiva este livro
aborda a(s) análise(s) de(o/os) discurso(s).
AD: NOÇÕES INTRODUTÓRIAS E
BREVE PERCURSO HISTÓRICO
Análise de discurso, análise do discurso e/ou análise(s) de(os) discursos
– a definição, ou não, pelo artigo e a variação singular/plural indicam
diferentes abordagens, filiações a autores e métodos e as apostas interdis-
ciplinares propostas por pesquisadores desde o final da primeira metade
do século passado. Além de apontar para a diversidade, as diferentes no-
menclaturas, que podem ser abreviadas por AD, denunciam um amplo
desenvolvimento das pesquisas, que conjugam origens distintas, pontos
de vista por vezes conflitantes, releituras e aproximações com diferentes
disciplinas das ciências sociais. Entretanto, independentemente de qual
seja o ponto de referência, há o princípio fundamental da AD: “partir da
textura – marcas formais da superfície textual que são indícios da pre-
sença do social – do texto para a contextualização”. (PINTO, 2002, p. 9)
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Para Orlandi (2003), a AD instiga o pesquisador a sair da zona de
conforto da inocência para estabelecer uma relação menos ingênua com
a linguagem, cuja opacidade não permite neutralidade nem mesmo ao
mais corriqueiro ou cotidiano dos signos. A autora destaca o caráter
permanente e irremediável do simbólico, frisa o quanto o sujeito social
está comprometido com o sentido e com o político e destaca o fato de
que os discursos acontecem em contextos sociais, num espaço-tempo
das práticas humanas e, portanto, “os sentidos estão sempre adminis-
trados, não estão soltos”. (ORLANDI, 2003, p. 10) Enquanto importantes
construtores da vida social e dos lugares de fala dos interlocutores, os
discursos não têm início demarcado nem final definitivo.
Diante do que foi exposto até aqui, abordar a informação enquanto
produção discursiva é superar, por exemplo, os primeiros estudos da
Mass Communication Research que, sob forte legado da matemática e
da engenharia, resumiam o processo informativo à fórmula: emissor,
através de um canal de transmissão, envia informação para receptor.
(WOLF, 2003) O reducionismo desse processo linear, assim como uma
visão altruísta da informação – a transmissão de um saber a quem não
o tem –, não dá conta da complexidade do fenômeno social.
Segundo Charaudeau (1997, 2003, 2012a), a informação constrói um
saber, e todo saber mobiliza problemas em relação à validade da fonte
de informação, que reverbera no valor de verdade do conhecimento,
e em relação ao repertório do coenunciador e de como atingi-lo, pois
ele nunca é apenas o leitor ideal visado pelo fornecedor da informação.
Não se pode esquecer ainda das questões referentes ao tratamento da
informação, ou seja, como transpor em linguagem os fatos seleciona-
dos em função do alvo predeterminado. Esses problemas expostos são
da dimensão do discurso e trazê-los à luz, nesse momento, tem como
intuito relembrar a importância de continuar a delimitação do que se
entende como discurso neste livro, traçando, concomitantemente, um
rápido panorama da AD. Em outras palavras, para explanar sobre in-
formação, buscar-se-á refletir um pouco mais sobre a AD e seu objeto
sócio-histórico – o discurso.
34 CLAUDIANE CARVALHO
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Dos primórdios da AD
A busca por compreender as mensagens dos oráculos e o desenvol-
vimento da retórica demonstra que o interesse pelos textos vem desde
a antiga cultura grega. A prática interpretativa gerou, entre outros, a
exegese, assim como a hermenêutica,3 cuja especialização é a interpre-
tação de quaisquer textos. No século XIX, foi criada a filologia, que,
voltada para o estudo da linguagem em fontes históricas escritas, arti-
cula estudos literários, História e linguística.
No século XX, especialmente nos anos 1920 e 1930, os formalis-
tas russos – a exemplo de Vladimir Propp, Roman Jakobson, Viktor
Chklovsky e Yuri Tynianov, entre outros – pretendiam chegar a uma
estrutura do texto, uma lógica interna diferente daquela já abordada
pela Análise de Conteúdo (AC). Esta última nasce da confluência en-
tre a tradição hermenêutica, a retórica, o empirismo e o cientificismo
norte-americano e tem como expoentes os pesquisadores Bernard
Berelson, Harold Lasswell, Richard Wright, entre outros. (BARDIN,
2009) Com abordagem de teor mais quantitativo, a AC averigua a in-
cidência de determinadas expressões, construções ou referências em
uma obra/texto. Diferentemente da AD, que busca responder “como”
o texto significa, produz sentido, a AC preocupa-se com o que o texto
quer dizer. (ORLANDI, 2003)
Embora possam se complementar em muitos estudos, AC e AD
têm pontos de aderência e fricção. A AD não considera a linguagem
como transparente e não atravessa o texto para buscar o seu sentido
do outro lado, mas “[...] produz um conhecimento a partir do próprio
texto, porque o vê como tendo uma materialidade simbólica própria e
significativa, como tendo uma espessura semântica”. (ORLANDI, 2003,
p. 18) O texto é interpelado pela sua discursividade.
3 A origem do método hermenêutico é associada à tradução da Bíblia judaica para o grego,
no início do século I, o que o vinculou, por muito tempo, à leitura do Velho Testamento.
Isso explica por que, em teologia, a hermenêutica é o estudo dos diferentes sentidos das
escrituras sagradas. (GOMES, 2012, p. 28)
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A normatização, considerada por Milton Pinto (2002) como a pos-
tura metodológica básica da AC, assim como da análise semântico-
-estrutural dos anos 1950 e 1960 – a exemplo da análise estrutural da
narrativa, criada por Greimas e Bremmond com base em Vladimir
Propp –, configura-se como transcrição e destrói o que é pertinente ao
texto, enquanto discurso:
[...] consiste na transcrição do conteúdo dos textos mediante
uma rede de categorias semânticas, indiferentes quase sempre às
articulações textuais ou linguísticas que os textos apresentam, e
tem sido apontada como o aspecto mais criticável dessas análises.
(PINTO, 2002, p. 19)
O autor é mais contundente em sua crítica e afirma que a análise
semântica é a tradução do texto original em outro texto de responsa-
bilidade do analista. Nos anos 1950, o estruturalista norte-americano
Zellig Harris buscou superar essa “tradução” ao substituir as catego-
rias semânticas pelas categorias sintáticas. Isso não representou, de
acordo com Milton Pinto (2002), um avanço expressivo. Orlandi (2003)
explica que Harris usou o método distribucional para livrar o texto do
viés conteudista, mas caiu no isomorfismo – a utilização do método de
análise de unidades menores (morfemas, frases) para unidades maiores
(texto). Essa abordagem imanentista, ainda hoje, é um dos aspectos
mais frágeis da AD americana (BRANDÃO, 2004), que se distingue
da AD europeia – esta última mais conhecida pela “escola francesa de
análise de discurso”.
De modo geral, essas duas tradições – a análise de discurso francesa,
de um lado, e a anglo-americana,4 ou comumente chamada de “linha
americana”, do outro – ancoram os principais estudos no campo da
4 A tradição anglo-americana, nomeada, às vezes, como discourse analysis, é originária da
Inglaterra, mas foi firmemente enraizada nos Estados Unidos, onde incorporou elementos
da sociologia, da psicologia e da etnologia. Essa tradição costuma prender-se mais ao empi-
rismo e aos conceitos da psicologia do consciente. (PINTO, 2002, p. 21-23)
36 CLAUDIANE CARVALHO
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AD. As diferenças epistemológicas e o uso do termo “discurso” com
distintas (con)acepções são os argumentos usados por alguns pes-
quisadores – como Maingueneau5 (1995), Pinto (2002) e Verón (1987,
1998, 2004) – para empregar análise de(os) discursos no plural. Evitar
o singular é uma estratégia “não só para dar conta da ideia de multi-
plicidade, como também para fugir das grandes categorias abstratas à
maneira do estruturalismo, onde o conceito originalmente se forjou”.
(PINTO, 2002, p. 20)
Com heranças da pragmática, da etnometodologia e de outras pro-
postas psicossociológicas de abordagem de textos, a perspectiva ameri-
cana está mais voltada aos estudos de conversação e se configura como
extensão da linguística, a partir da qual “vê-se o texto de uma forma
redutora, não se preocupando com as formas de instituição do sentido,
mas com as formas de organização dos elementos que o constituem”.
(BRANDÃO, 2004, p. 15)
Já a chamada linha francesa reúne conceitos interdisciplinares e
“exteriores ao domínio de uma linguística imanente para dar conta
da análise de unidades mais complexas da linguagem”. (BRANDÃO,
2004, p. 15) A AD, cujo aporte teórico foi desenvolvido por pesquisado-
res franceses,6 será o âmago das atenções nesta publicação, não só por
tentar romper com uma abordagem imanente, mas também por con-
gregar pesquisadores dedicados aos estudos de produtos mediáticos.
Na sequência, será apresentado um esboço histórico das principais
correntes dessa perspectiva francesa e dos “chãos epistemológicos” so-
bre os quais erigiram o(s) conceito(s) de discurso.
5 Em 1995, Dominique Maingueneau coordenou/organizou a revista Langages (1995).
6 A proposta de mostrar as duas perspectivas não isenta a possibilidade de estudos que as reú-
nam, buscando apropriar-se do que há de melhor em cada uma delas. Como lembra Milton
Pinto (2002, p. 24), o evento de comunicação é socialmente ritualizado e sua contextualização
passa por mediações simbólicas, o que torna promissora, em termos teórico-metodológicos,
a conciliação entre a AD francesa e a anglo-americana.
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 37
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ANÁLISE DE DISCURSO NA FRANÇA: ABORDAGENS
TEÓRICAS DOS ANOS 1970 E CENTROS DE PESQUISA
CONTEMPORÂNEOS
Na França dos anos 1960-1970, os trabalhos do linguista norte-ame-
ricano Zellig Harris (1952) foram inspiração para o desenvolvimento
da AD. Entretanto, matemático de formação, Harris não considera a
questão do sujeito e descarta a produção de sentido fora da linguística.
Admite-se, com frequência, que Jean Dubois, integrante da Université
de Paris 10, “Escola de Nanterre”, institucionalizou as técnicas linguís-
ticas da AD, uma vez que ele transferiu “os métodos linguísticos ame-
ricanos para as análises lexicais sociopolíticas tradicionais na França”.
(MAZIÈRE, 2007, p. 31)
Ao transportar o objeto discurso para a linguística estrutural, Dubois
ofereceu uma nova roupagem às questões em torno desse objeto:
Confirmando uma concepção saussuriana da ‘língua’ e respei-
tando os métodos formais de análise de Harris, ele assegura a
manutenção dos objetos do filólogo-gramático (texto, discurso)
e legitima o retorno da questão do sentido pelo viés das ciências
políticas e sociais, então comprometidas na análise de conteúdo.
(MAZIÈRE, 2007, p. 31)
O contexto epistemológico e o momento político permitiram o
desenvolvimento da AD enquanto disciplina. Segundo Jean-Jacques
Courtine (2006, p. 9), “o aparecimento da problemática do discurso no
interior da linguística francesa é contemporâneo à conjuntura política
dos anos 1968-1970, dominada pelos acontecimentos de maio de 68”.
Assim, a AD dedicou-se, com muito empenho, aos corpora escritos,
extraídos de discursos políticos.
O aspecto mecanicista da metodologia de Dubois7 é revisto por
Michel Pêcheux e pelo coletivo intelectual, grupo de pesquisadores
7 Professor da Universidade de Paris 10, Escola de Nanterre, de 1967 a 1972, Jean Dubois in-
troduz o sintagma “análise do discurso” e possibilita a criação da Escola Francesa de Análise
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nanterrenses e de outras universidades, que o acompanhou no Centre
National de la Recherche Scientifique (CNRS). Para Mazière (2007), na
França, a AD ganhou continuidade a partir dos seguidores de Michel
Pêcheux, o qual, em seus mais de 15 anos de produção acadêmica (1966-
1983), inspirou pesquisadores a ampliar e tensionar suas abordagens.
Neste livro, entretanto, compactua-se com a visão de que, nos anos
1960-1970, três projetos teóricos distintos definiram a AD na França:
1. a linha de Michel Pêcheux; 2. a linha sociolinguística (desenvolvida
por Marcellesi, Gardin e Guespin, dentre outros); e 3. a arqueologia de
Michel Foucault.
Interseções e distanciamentos marcam essas três abordagens. Narzetti
(2010) mostra que Pêcheux e a sociolinguística incorporaram o referen-
cial marxista e buscaram a produção de sentido dos discursos pelo viés
das classes sociais e da ideologia. Além disso, recorreram à linguística
para dar conta dos discursos. “Essa convergência, que, como veremos,
não significa identidade total de posições, estabelece uma enorme dis-
tância em relação à linha de Foucault representada pela Arqueologia”.
(NARZETTI, 2010, p. 52)
Já as perspectivas de Pêcheux e de Foucault se aproximam quando
negam a hermenêutica, assumem uma aversão comum ao humanismo
teórico vigente nas ciências humanas – o psicologismo, o sociologismo
e o antropologismo – e compreendem o sujeito como resultado de dife-
rentes processos históricos de subjetivação. Além disso, ambas aposta-
ram que a análise de discurso poderia servir como um instrumento de
história das ciências e/ou dos saberes em geral. “A aliança nesses pontos
situava os projetos de Pêcheux e Foucault à enorme distância do proje-
to da sociolinguística”. (NARZETTI, 2010, p. 52) Essas três perspectivas,
entretanto, afastam-se severamente em relação a outros pontos, o que
irá garantir a especificidade de cada uma delas.
do Discurso. Em sua tese, Le vocabulaire politique et social en France de 1869 à 1872 (1962),
ele se associa à tradição filológica francesa de estudo do vocabulário, pesquisas lexicológicas,
históricas e discursivas. Assim, constrói um contexto epistemológico para a AD, buscando
legitimá-la enquanto disciplina. (MAZIÈRE, 2007, p. 32)
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O conceito de discurso, por exemplo, teve diferentes acepções em
cada uma dessas linhas. No sentido etimológico, a palavra “discurso”
remete à ideia de curso (cursus), de percurso, de correr por, de movi-
mento; refere-se à palavra em movimento (ORLANDI, 2003), “percorrer
de uma proposição à outra, num processo de raciocínio”. (FERREIRA,
G., 2001, p. 99) Nessa noção mais primária, parece haver uma solicita-
ção pela exterioridade, pois o transitar pede a articulação entre o “inte-
rior” e o “exterior”. As três linhas em voga, nessa discussão, mantêm a
aderência com o sentido original, mas partem de solos epistemológicos
distintos para semear o conceito de discurso.
Discurso na linha de Pêcheux
Michel Pêcheux, ao longo de sua trajetória acadêmica, engendrou
a noção de discurso, articulando, entre outros, Saussure (língua/fala),
Foucault (formação discursiva), Louis Althusser (ideologias como cons-
titutivas da produção/reprodução dos sentidos sociais) e Lacan/Freud
(a noção de sujeito). Promoveu, assim, a tríade linguística, História e
psicanálise para abordar o que considerou um objeto sócio-histórico
– o discurso.
Seguidora da linha de Pêcheux no Brasil, Eni Orlandi (2003, p. 16)
afirma que a AD, desenvolvida pelo filósofo francês, conecta conheci-
mentos da linguística e das ciências sociais, numa proposta em que o
político e o simbólico se confrontam; ou seja, a linguística é interpe-
lada pela historicidade que ela apaga e, do mesmo modo, as ciências
sociais são indagadas em relação à transparência da linguagem sobre
a qual elas se assentam.
Em linhas gerais, Pêcheux propôs a AD como uma região teórica,
situada no interior das ciências das formações sociais, e não da linguís-
tica. (NARZETTI, 2010) Ele procurou compreender “a língua fazendo
sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral,
constitutivo do homem e da sua história”. (ORLANDI, 2003, p. 15)
Embora sua produção seja permeada pela preocupação com a função
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social da ideologia, essa adesão ao materialismo histórico só foi expli-
citada em 1975, quando publicou Semântica e discurso.8 Na ocasião,
indicou o refinamento da noção de ideologia em Althusser (1980),
apresentada em Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado, publicado
originalmente em 1970,9 como aporte para pensar o discurso enquanto
materialidade ideológica.
Ao abdicar da descrição da ideologia em geral (ou “Ideologia”),
Althusser busca formular “conceitos novos que deem conta do cará-
ter material das ideologias concretas existentes numa formação social
dada”. (NARZETTI, 2010, p. 55) Dessa forma, o autor segue para as sin-
gularidades, vai tratar das “regiões ideológicas” (a exemplo da política)
e mostra que em cada “região” há particularidades (esquerda, direita
etc.) e, dentro das particularidades, existem tendências (esquerda ra-
dical), as quais correspondem às posições de classes.
Para Althusser (1980), a ideologia tem uma existência material – por
exemplo, o crente vivencia sua crença rezando, indo à missa, ajoelhan-
do-se etc. Portanto, há uma manifestação material da ideologia. É com
base nessa tese que Pêcheux destaca o discurso como materialidade
ideológica, construído a partir de uma Formação Ideológica (FI).
A noção de formação ideológica consiste em “um conjunto complexo
de atitudes e representações que não são ‘individuais’ nem ‘universais’,
8 Les vérités de la Palice. Ver: Pêcheux (1988).
9 Na obra Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado, Louis Althusser (1980) propõe avançar
na teoria do Estado, apresentada por Marx, argumentando que, para além da distinção entre
poder de Estado e aparelho de Estado, devem ser considerados os Aparelhos Ideológicos do
Estado (AIE). O conceito diz respeito a “um certo número de realidades que se apresentam
ao observador imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas”, a saber: AIE
religioso, escolar, familiar, jurídico, político, sindical, de informação, cultural etc. (ALTHUSSER,
1980, p. 43-44) Para o autor, a diferença entre o aparelho do Estado e o AIE é que o primei-
ro funciona, na maioria das vezes, pela repressão e o segundo, pela ideologia. Althusser
sustenta que a ideologia é uma “representação” da relação imaginária dos indivíduos com
suas condições de existência e que ela interpela os indivíduos como sujeitos. “Para abordar
a tese central sobre a estrutura e o funcionamento da ideologia, proponho duas teses: uma
negativa e outra positiva. A primeira refere-se ao objeto que é ‘representado’ sob a forma
imaginária da ideologia, a segunda refere-se à materialidade da ideologia”. (ALTHUSSER,
1980, p. 77)
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mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classe em
conflito umas com as outras”. (HAROCHE; HENRY; PÊCHEUX, 2007,
p. 26) Essa noção deriva do conceito de Formação Discursiva (FD) de
Foucault, o qual foi lido por Pêcheux e seu grupo à luz da materialidade
histórica. “A formação discursiva se define como aquilo que numa for-
mação ideológica dada – ou seja, a partir de uma posição dada em uma
conjuntura dada – determina o que pode e deve ser dito”. (ORLANDI,
2003, p. 43) Em síntese, “o discurso nunca é universal ou individual,
mas sempre particular na medida em que é produzido no interior de FD
particulares que se inscrevem no interior de FI que também são particu-
lares”. (NARZETTI, 2010, p. 56) Em outras palavras, para os seguidores de
Pêcheux, as formações ideológicas constituem as formações discursivas.
Vale ressaltar que a proposta não é tensionar ou apresentar os con-
ceitos à exaustão, mas sinalizar alguns referenciais teóricos que subs-
tanciaram a construção da noção de discurso nas principais linhas de
estudo e pesquisa da AD francesa. Posto isso, vale alertar para o fato de
que, para contornar a concepção de discurso desenvolvida por Pêcheux
e seu coletivo intelectual, é necessário ainda observar como eles versa-
ram sobre a dicotomia língua/fala, desenvolvida por Saussure.
A questão que emerge aqui concerne à necessidade de desenhar
fronteiras e estabelecer o que diferencia discurso, língua e fala. Num
olhar panorâmico, o discurso não seria universal (como a língua), nem
singular/individual (como a fala). Estaria, então, no nível da particu-
laridade, uma vez que é determinado pelas formações ideológicas.
“Partindo da ideia de que a materialidade específica da ideologia é
o discurso e a materialidade específica do discurso é a língua, a AD
trabalha a relação língua-discurso-ideologia”. (ORLANDI, 2003, p. 17)
Embora a língua seja condição de viabilidade para o discurso, a con-
traposição autonomia/dependência também marca a diferença entre lín-
gua e discurso para essa vertente da AD. A língua (enquanto gramática,
sintaxe, morfologia etc.) é comum a diferentes processos discursivos e,
portanto, goza de relativa autonomia, enquanto o discurso inscreve-se
no interior das posições ideológicas. Entretanto, não se pode tratar de
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uma separação estanque entre língua e discurso, mas de um “recobri-
mento”, conforme descreveu Pêcheux (1988) em Semântica e discurso.
Flexibilizar a estabilidade dessa separação entre língua e discurso
também é função da noção de sujeito, que tensiona a história, questiona
a transparência da linguagem e assume o lugar de um certo desconhe-
cimento – o inconsciente, na psicanálise. Esse deslocamento da noção
de homem para sujeito sublinha a presença do simbólico e da história
na produção de sentido. Isso porque, para o círculo de Pêcheux (1988),
não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia: o indivíduo
é interpelado em sujeito pela ideologia. Mazière (2007, p. 23) reconhece
que essa noção não foi trabalhada a contento na AD e pondera que o
“sujeito não pode ser apreendido, a não ser nas buscas do analista, em
função do seu desígnio interpretativo e de sua posição quanto à língua”.
A partir de uma espécie de linha do tempo, pode-se resumir que a
noção de discurso na produção de Pêcheux passou por três momen-
tos. O primeiro deles, considerado a primeira época da AD, abrange
do fim dos anos 1960 até meados dos anos 1970 e é caracterizado pela
produção pluridisciplinar dos pesquisadores do coletivo intelectual,
que integrou nanterrenses, pesquisadores de outras universidades e
do CNRS. Nesse período, são analisados com maior ênfase os discursos
políticos e inicia-se o processo de questionamento às técnicas linguís-
ticas de Jean Dubois. Em 1968, Pêcheux defendera a tese conhecida
como ADD 69 – Análise automática do discurso, cujo termo também é
usado para distinguir essa primeira fase da AD, que teve muitos traba-
lhos publicados na Cahiers pour l’Analyse, revista da École Normale
Supérieure. (MAZIÉRE, 2007)
De meados ao fim da década de 1970, acontece a segunda fase da
AD, cuja especificidade está na fundação da tríade linguística (Saussure,
Culioli), História/materialismo histórico (Althusser revisitando Marx)
e psicanálise (Lacan revisitando Freud e a noção de sujeito). Aqui,
Pêcheux, à luz do materialismo histórico, incorpora e faz apropriações
de conceitos como formação discursiva – desenvolvido por Foucault,
com base na arqueologia do saber.
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A partir dos anos 1980, é delineada a chamada terceira fase da AD,
em que Pêcheux abre várias questões sobre as noções de discurso, su-
jeito, interpretação/leitura, estrutura e acontecimento. As discussões
sobre heterogeneidades também ganham fôlego nesse momento:
Para a análise de discursos, todo texto é híbrido ou heterogêneo
quanto à sua enunciação, no sentido de que ele é sempre um
tecido de ‘vozes’ ou citações, cuja autoria fica marcada ou não,
vindas de outros textos preexistentes, contemporâneos ou do
passado. (PINTO, 2002, p. 31)
Trabalhar com a heterogeneidade10 é trazer à cena do debate o autor
Mikhail Bakhtin (2002) a partir das noções de polifonia, denominada
por alguns de intertextualidade, que pode ser apresentada, grosso modo,
como a presença direta ou aludida de outros textos no texto em análise;
e de dialogismo, que se refere ao fato de que todo texto se constrói a
partir do embate com outros.
Vale relembrar que a intenção aqui é localizar o terreno no qual
Pêcheux fundamentou a noção de discurso, portanto, a abordagem
dos conceitos é limitada por esse intuito. A seguir, ver-se-á essa noção
pela perspectiva da sociolinguística, que também foi marcada pela in-
fluência do materialismo histórico.
Discurso na sociolinguística
A sociologia, com sua atenção à relação do analista com os atores,
com sua interrogação sobre as categorizações e sobre a constitui-
ção dos grupos, está em forte interseção com as interrogações dos
linguistas acerca das práticas linguísticas localizadas. Daí, vem
essa criação que é a ‘Sociolinguística’, bastante desenvolvida, sob
10 Mais adiante, as noções de heterogeneidade, sujeito e ideológico serão abordadas como
constituintes do discurso informativo.
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diversas formas, nas tradições russas, soviéticas e anglo-saxônicas
e sempre muito difícil de se desenvolver na França, não obstante
uma diversificação certa e a grande autonomia atual. (MAZIÈRE,
2007, p. 74)
Embora, na França, especialmente nos anos de 1960 a 1970, a AD
de linha sociolinguística não tenha tido um desenvolvimento pujante,
há produções expressivas, que ainda hoje influenciam estudiosos.
Ancorada epistemologicamente na linguística, buscou a superação do
estruturalismo, levando em consideração, claro, os fatores sociais, mas
com o intuito da caracterização linguística dos grupos.
Jean-Baptiste Marcellesi, um dos principais expoentes dessa linha,
defendeu que, na AD da sociolinguística, a História ou a sociologia de-
veriam, de certo modo, servir à linguística. Dizendo de outra maneira:
só deveriam ser acessadas para “oferecer modelos de condições de
produção, ou seja, a definição de fatores históricos e sociológicos que
determinam o discurso”. (NARZETTI, 2010, p. 63) Assim, caberia à so-
ciolinguística investigar “as condutas linguísticas coletivas que carac-
terizam grupos sociais, na medida em que elas se diferenciam e entram
em contraste na mesma comunidade linguística global”. (MARCELLESI;
GARDIN, 1975, p. 18)
Também com base em um referencial marxista, o discurso é anali-
sado a partir das condições de produção, uma vez que são relacionados
aos grupos sociais, e há uma busca pelas regularidades entre as estru-
turas linguísticas e as estruturas sociais. Nos anos 1970, essa linha foi
marcada pelos embates entre a tendência formalista e a histórico-so-
ciológica; as discussões sobre o lugar do sujeito freudiano também es-
tiveram presentes, mas faltavam consensos. Nos anos 1980, a intenção
de definir o objeto língua pelo aspecto social tornou-se um ponto de
convergência entre os pesquisadores. Além disso, o diálogo com auto-
res como Pierre Bourdieu, que trabalhou com as noções de campo e
de capitais simbólicos, trouxe novos ares e endossou a abordagem do
discurso a partir das condições de produção.
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Há que se sublinhar, ainda, a influência na obra de Bourdieu do
norte-americano William Labov, cujos textos foram bastante difundi-
dos, na França, pela revista Actes de la recherche en sciences sociales,
fundada, em 1975 pelo próprio Bourdieu, que também a dirigiu por
mais de três décadas. (WACQUANT, 2002) Fundador da sociolinguística
variacionista, Labov iniciou suas pesquisas gravando entrevistas com
pessoas e, depois, observando suas falas. Assim, percebeu que as falas
cotidianas envolviam muitas variações linguísticas, com as quais a teo-
ria padrão não estava preparada para lidar. (LABOV, 2007) “Bourdieu
encontra nas pesquisas de Labov, evidências empíricas do sistema de
valores que regulamentam a avaliação dos diferentes usos sociais, sis-
tema reconhecido inclusive por aqueles que não dominam a língua
legítima”. (GRILLO, 2003, p. 51) Entretanto, ele acusa o sociolinguista
norte-americano de não abordar de forma contundente a influência
da estrutura social sobre os diferentes usos linguísticos. Nesse ponto,
Bourdieu solicita uma atenção diferenciada à dimensão extralinguís-
tica do discurso. Se a AD aborda a linguagem, a partir da mobilização
de conceitos das diferentes ciências sociais, a sociologia de Bourdieu:
[…] pode fornecer aportes teóricos importantes para compreen-
der como as práticas sociais constituem e são constituídas pela
materialidade linguística, a qual, porém, não se reduz aos deter-
minismos sócio-político-econômicos, caracterizando-se […] em
uma ordem de coerções própria. (GRILLO, 2003, p. 56)
Numa perspectiva distinta da sociolinguística e em pleno desacor-
do com o materialismo histórico, tem-se as contribuições de Michel
Foucault à AD.
Discurso em Foucault
As formulações que Michel Foucault desenvolveu acerca de enun-
ciado, discurso e formação discursiva remetem ao saber, e não às
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representações ideológicas, pois estão localizadas no interior de uma
arqueologia do saber.
Para esse autor, o discurso é uma dispersão, cujas regras de forma-
ção permitem apreendê-lo. Essas regras são objetos que se transformam
num “espaço comum” discursivo; referem-se aos diferentes tipos de
enunciação que podem estar presentes no discurso; aos conceitos que,
num campo discursivo, tanto surgem quanto se transformam; e, por fim,
aos temas e teorias que podem dar conta de uma formação discursiva.
Essas regras que compõem o discurso determinam, caracterizam e dão
singularidade à formação discursiva, permitindo, então, a passagem
do discurso da dispersão para a regularidade. (BRANDÃO, 2004, p. 28)
Para Foucault (2010, p. 132), ainda que formado por signos, o dis-
curso deve ser compreendido como “um conjunto de enunciados,
na medida em que se apoiem na mesma formação discursiva”, o que
legitima falar em discurso jurídico, discurso religioso, discurso eco-
nômico etc. O autor concebe o enunciado como a unidade elementar,
básica, que forma um discurso. Ele destaca ainda que o enunciado
pertence a uma formação discursiva, local do qual advém também
sua regularidade, e distingue enunciado de frase, quando atesta que
a regularidade da frase é concedida pelas leis da língua. Sobre forma-
ção discursiva, registra:
Ora, o que se descreveu sob o nome formação discursiva consti-
tui, em sentido estrito, grupos de enunciados, isto é, conjuntos
de performances verbais que não estão ligados entre si, no nível
das frases, por laços gramaticais (sintáticos ou semânticos); que
não estão ligados entre si no nível das proposições, por laços
lógicos (de coerência formal ou encadeamentos conceituais);
que tampouco estão ligados no nível das formulações, por laços
psicológicos (seja a identidade da forma das consciências, a
constância das mentalidades, ou a repetição de um projeto); mas
que estão ligados no nível dos enunciados. (FOUCAULT, 2010,
p. 131-132, grifo do autor)
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E, numa estratégia de síntese argumentativa, ainda no livro A ar-
queologia do saber, Foucault (2010, p. 132, grifo do autor) esclarece:
[…] a formação discursiva é o sistema enunciativo geral ao qual
obedece um grupo de performances verbais – sistema que não
o rege sozinho, já que ele obedece, ainda, e segundo suas outras
dimensões, aos sistemas lógico, linguístico, psicológico. O que
foi definido como ‘formação discursiva’ escande o plano geral
das coisas ditas no nível específico dos enunciados.
Entre enunciado, discurso e formação discursiva, costura-se uma
relação intrínseca, uma vez que a formação discursiva não consiste em
condição de possibilidade para o enunciado, mas uma lei de coexis-
tência. Em troca, ao enunciado é dada uma certa identidade, pois “não
são elementos intercambiáveis, mas conjuntos caracterizados por sua
modalidade de existência” (FOUCAULT, 2010, p. 132) – os conjuntos
referidos são discursos.
Pensar o discurso pelo prisma do saber é supor que a sua produção
numa sociedade é “ao mesmo tempo controlada, selecionada, organi-
zada e redistribuída por certo número de procedimentos que tem por
função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento
aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade”. (FOUCAULT,
2004, p. 8-9) Em sua aula inaugural no Collège de France, em 1970, o
cientista apresentou as dimensões do discurso que põem em jogo o
poder e o desejo. Em diálogo com a psicanálise, ponderou que o dis-
curso “não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo;
é, também, aquilo que é o objeto de desejo”. E, a partir de um sobre-
voo pela História, argumentou que “o discurso não é simplesmente
aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo
por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar”.
(FOUCAULT, 2004, p. 10)
Se o discurso põe em jogo o poder e o desejo, consequentemente,
ele articula duas faces de uma mesma moeda: inclusão e exclusão.
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Assim, entre os sistemas de exclusão e controle que atingem o discurso,
Foucault destaca: 1. a palavra proibida (interdição); 2. a segregação da
loucura (oposição razão e loucura); e 3. a vontade de verdade (oposição
verdadeiro e falso). Ao apontar esses limitadores do processo discursi-
vo, ele explica que os sistemas citados se exercem em movimento do
exterior para o interior.
Conduzido pela questão do saber, Foucault sublinha o terceiro dos
três sistemas de exclusão e questiona qual é essa vontade de verdade
que se manifesta em nossos discursos através dos séculos e que rege
nossa vontade de saber. Ele destaca ainda que a força dessa busca pela
verdade/pelo saber está ancorada também nas instituições:
Ora, essa vontade de verdade, como os outros sistemas de exclu-
são, apoia-se sobre um suporte institucional: é ao mesmo tempo
reforçada e reconduzida por todo um compacto conjunto de
práticas como a pedagogia, é claro, como o sistema dos livros, da
edição, das bibliotecas, como a sociedade dos sábios outrora, os
laboratórios hoje. Mas ela é reconduzida, mais profundamente
sem dúvida, pelo modo como o saber é aplicado em uma socie-
dade, como é valorizado, distribuído, repartido e de certo modo
atribuído. (FOUCAULT, 2004, p. 17)
O estudioso francês completa sua reflexão ponderando que a von-
tade de verdade, assentada em um suporte e distribuída por uma rede
de instituições, tende a exercer sobre os outros discursos sociais uma
espécie de pressão, de coerção. Assim, está valorizada a supremacia da
busca pela verdade ou da busca pelo saber. Volta-se, aqui, à noção de
FD, a fim de inferir que, na perspectiva foucaultiana, cada FD se atém,
de certo modo, a um campo do saber, a uma forma de busca pela ver-
dade. Se entre a FD e o enunciado é dada uma condição de coexistên-
cia, tem-se que a formação discursiva particulariza os discursos, o que
legitima, como posto anteriormente, a falar em discurso médico, jurí-
dico, econômico, político etc.
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Charaudeau e Maingueneau (2004), entretanto, destacam que a no-
ção de formação discursiva conserva grande instabilidade em função
de sua dupla origem no quadro da análise de discurso, uma vez que
foi introduzida por Foucault e reformulada por Pêcheux. Ao abordar a
formação discursiva, Foucault “procurava contornar as unidades tradi-
cionais como ‘teoria’, ‘ideologia’, ‘ciência’, para designar conjuntos de
enunciados que podem ser associados a um mesmo sistema de regras,
historicamente determinadas”. (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU,
2004, p. 241) Aqui, a formação discursiva é caracterizada, simultanea-
mente, em termos de dispersão, de raridade, de unidade dividida e de
sistema de regras. Essa ampla caracterização não comporta “um pro-
cedimento de análise do discurso que não poderia dissociar formação
discursiva e estudos das marcas linguísticas e da organização textual”.
(CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004, p. 241)
É com Michel Pêcheux, sob a perspectiva teórica do marxismo al-
thusseriano, que a noção é acolhida na AD. Mas, no final dos anos 1970,
o próprio Pêcheux e outros pesquisadores revisitam-na, mostrando que
uma formação discursiva não é um espaço estrutural fechado, uma
vez que é invadida por elementos de outras formações discursivas.
Registra-se, então, uma inerência com a ideia de interdiscurso. De ma-
neira geral, Charaudeau e Maingueneau (2004) mostram duas formas
de apreensão da formação discursiva: 1. uma concepção contrastiva, na
qual cada uma mantém sua autonomia em relação às outras; e 2. uma
concepção interdiscursiva, a qual só concebe a constituição e manu-
tenção da formação discursiva pelo interdiscurso.
Atualmente, a tendência é usar a formação discursiva, preferencial-
mente, para discursos políticos e religiosos. A noção carrega o legado
de desconsiderar as situações de comunicação em favor de um cará-
ter doutrinário. Charaudeau e Maingueneau (2004) atribuem o recuo
em relação à noção ao crescente interesse por corpora não doutrinais.
Entretanto, eles alertam para o perigo de um descaso em relação ao
termo, o qual pode ser bastante produtivo para numerosos corpora,
caso seja bem definido.
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Voltando às reflexões sobre a noção de discurso em Foucault, vale
lembrar que a preocupação com a formação discursiva como regra para
construção da área do conhecimento diz respeito à fase inicial do seu
trabalho arqueológico. Nos últimos estudos de caráter genealógico,
os questionamentos se deslocaram para as relações entre o conheci-
mento e o poder. Já no final da produção acadêmica, o filósofo dire-
cionou sua atenção para a ética. Em toda sua obra, entretanto, há uma
dedicação ao estudo do discurso. Ele buscou ir além da hermenêutica
e do estruturalismo, “preocupou-se com as práticas discursivas como
constitutivas do conhecimento e com as condições de transformação
do conhecimento em uma ciência, associadas a uma formação discur-
siva”. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 62) A ênfase foucaultiana “é sobre as
‘condições de possibilidade’ do discurso”. (ROBIN, 1973, p. 83 apud
FAIRCLOUGH, 2001, p. 63)
Centros de pesquisa contemporâneos sobre
discurso e mídia na França
Até aqui, foi apresentado, de forma panorâmica e resumida, como
as principais linhas basilares à chamada AD francesa – Pêcheux, socio-
linguística e Foucault – construíram a noção de discurso a partir de
seus respectivos esteios epistemológicos. Conforme explicitado ante-
riormente, a proposta é elucidar os pontos de partida, os lugares dos
quais falaram alguns estudiosos que contribuíram para a constituição
da AD. Vale ressaltar, todavia, que as questões do analista e o seu corpus
irão direcioná-lo ao aporte teórico indicado e a seus respectivos autores
e metodologias, permitindo a delimitação de um dispositivo analítico.
A AD não se dispõe à busca da melhor interpretação, nem do sen-
tido verdadeiro, pois teoriza a interpretação, revelando seus limites.
(ORLANDI, 2003) Os mecanismos interpretativos devem ser expostos
como parte do processo de significação. Dessa forma, a priori, as res-
postas encontradas estarão em coerência com a questão feita e, assim,
para questões distintas, haverá respostas também diferentes. Orlandi
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(2003) destaca a existência do dispositivo teórico (sustenta-se em prin-
cípios gerais da AD enquanto uma forma de conhecimento com seus
conceitos e métodos) e do dispositivo analítico; o segundo é individual
e construído a partir da questão do analista.
O ponto de vista de que as diferentes perspectivas da AD podem
ser acionadas com base na questão do analista confirma a ineficácia
de tentar estabelecer qual a melhor abordagem ou linha de pesquisa.
Retomar a origem e os processos de desenvolvimento da área, na França,
permite desenhar as margens que conduziram aos estudos que se têm
na contemporaneidade.
Hoje, nesse país, de acordo com Mazière (2007), destacam-se três
centros de estudos em análise de discurso. O primeiro é o Centre d’Études
des Discours, Images, Textes, Écrits, Communications (Ceditec), aloca-
do na Universidade de Paris 12, comporta pesquisadores de ciências
da informação e comunicação, ciências da linguagem e da educação,
sociologia, filosofia e ciências políticas. O discurso é a base de traba-
lho do centro, que desenvolveu o Textopol, um dispositivo de recursos
computacionais para a análise do discurso político.
O segundo, Centre de Recherches sur les Discours Ordinaires et
Spécialisés (Cediscor), da Universidade da Sorbonne Nouvelle (Paris 3),
foi criado a partir de um projeto de Sophie Moirand e tem como desa-
fio a articulação entre o fato linguístico e o fato social. Dedica-se aos
discursos produzidos em espaços institucionais, mas também recorre
aos conceitos linguísticos, argumentativos e retóricos como instrumen-
tos de análise. Tem uma publicação regular temática – Les Carnets du
Cediscor.
E o terceiro centro referendado por Mazière é o Centre d’Analyse du
Discours, o CAD, da Universidade de Paris 13, fundado e dirigido por
Patrick Charaudeau, que “pratica uma análise semiótica dos discursos
sociais (principalmente por meio dos suportes midiáticos), reunindo
as ciências da linguagem, a psicossociologia, as ciências da informa-
ção e da comunicação”. (MAZIÈRE, 2007, p. 105) O centro desenvolve,
desde a década de 1980, uma metodologia que estuda os processos de
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produção e recepção em diferentes manifestações semiológicas – verbal,
visual e gestual. Para o fundador do CAD, as ciências humanas e sociais
só podem interpretar e descrever o mundo a partir de uma ação coo-
perativa entre as diferentes disciplinas. Segundo Charaudeau (2012a),
é a análise, a partir da reunião de diferentes disciplinas, que define a
comunicação nas mídias como fenômeno social. “Mas sem ingenuidade.
O objeto da ciência também é construído, e o discurso explicativo que
o acompanha é pertinente tão somente a seus próprios pressupostos
teóricos”. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 29)
As reflexões expostas neste livro são tributárias da perspectiva e da
metodologia desenvolvida no CAD, uma vez que os discursos midiáti-
cos e, especialmente, o discurso informativo figuram entre as preocu-
pações de Charaudeau e seus parceiros. Esses autores buscaram superar
as análises imanentes e encontraram pouso na semiótica social, na qual
as noções de informação, discurso e enunciação são indissociáveis.
As teorias e metodologias da AD vêm sendo desenvolvidas sobre/
com os alicerces da semiologia ou da semiótica. No entanto, a heran-
ça do estruturalismo, que marcou essa disciplina, é relegada quando
se adotam termos como “semiótica social e seus objetos sociodiscur-
sivos” ou “semiologia dos discursos sociais”. Para Eliseo Verón (1987,
1998, 2004, 2013), que trabalhou em universidades francesas da década
de 1970 até 1995,11 a sociossemiótica ou a “teoria dos discursos sociais”
deve transpor as limitações da pragmática, ultrapassando o domínio
dos enunciados linguísticos para abarcar os discursos sociais como
11 A carreira do filósofo e semiólogo argentino Eliseo Verón, na França, começou em 1961,
quando estudou no seminário de antropologia social do Collège de France, com Claude Lévi-
-Strauss – Verón foi o tradutor de Antropologia estrutural para o castelhano. No ano seguinte,
ele participou do seminário de Roland Barthes, na Escola Prática de Altos Estudos. Voltou à
Argentina para dirigir o Centro de Pesquisas Sociais do Instituto Di Tella e o Departamento
de Sociologia da Universidad de Buenos Aires (UBA). Fundou a revista Lenguajes com os
semiólogos Oscar Steimberg e Oscar Traversa. Em 1970, retornou à França, onde permaneceu
até 1995. Ministrou aulas, alternadamente, nas universidades de Bordeaux, Bayonne e Paris.
Em 1985, doutorou-se na Universidade de Paris 8, na especialidade de linguística. Ali, foi
diretor do mestrado em Ciências da Informação e Comunicação.
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constitutivos de matérias significantes heterogêneas. Além disso, a
pragmática aborda os enunciados fora de todo e qualquer contexto
discursivo e do contexto situacional real, enquanto a sociossemiótica
pretende dar conta das condições de produção e de reconhecimento
do discurso – dois polos do sistema produtivo de sentido. Se para a
pragmática vale o estudo de diversos enunciados e de suas possíveis
situações de enunciação, a sociossemiótica adota um caminho inverso:
“origina-se dos discursos sociais e pretende compreender suas proprie-
dades e seu funcionamento numa sociedade determinada, consideran-
do, também, que seu status de objetos sociais determina os restantes
níveis de sentido”. (ALSINA, 2009, p. 21)
A teoria dos discursos sociais (VERÓN, 1987) está amparada numa
dupla hipótese: toda produção de sentido é necessariamente social e
todo fenômeno social é um processo de produção de sentido. Assim,
“só no nível da discursividade o sentido manifesta suas determinações
sociais e os fenômenos sociais revelam sua dimensão significante”.12
(VERÓN, 1987, p. 126, tradução nossa) Em outras palavras, a sociosse-
miótica, ao abordar a produção, a circulação e o consumo dos discur-
sos, empreende um esforço para estudar a construção do real, pois a
realidade social é construída na semiose. (BRAGA, 2008)
No livro La semiosis social 2: ideas, momentos, interpretantes, Eliseo
Verón (2013, p. 118), em diálogo com Culioli (2010), pondera que:
as relações do discurso com suas condições de produção, por
um lado, e condições de reconhecimento, por outro, ‘supõem
processos cognitivos que não são inacessíveis e que remetem, por
definição, a regulações (linguísticas e não linguísticas) entre os
atores, articulados a múltiplas redes institucionais’.13
12 “sólo en el nivel de la discursividad el sentido manifiesta sus determinaciones sociales y los
fenómenos sociales develam su dimensión significante”.
13 “Las relaciones de un tipo de discursividad con sus condiciones de producción, por un lado,
y con sus condiciones de reconocimiento, por otro lado, suponen procesos cognitivos que
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O semiólogo relembra que o caminho possível para trabalhar os
discursos é, em primeiro lugar, reconhecê-los como objetos históricos e,
portanto, conviver com a constatação de que a abordagem será sempre
incompleta. No discurso, faz-se necessário identificar e “conceitualizar
as configurações dos vestígios deixados pelas operações cognitivas, as
quais teremos que postular na forma de gramáticas discursivas, incom-
pletas e fragmentárias”.14 (VERÓN, 2013, p. 118)
Nesse âmbito, a atenção não se atém ao enunciado, mas à enun-
ciação e suas implicações. Trata-se “de estudar não somente os sinais,
nem os discursos, mas os processos de produção, circulação e consu-
mo da comunicação”. (ALSINA, 2009, p. 22) Afinal de contas, o objeto
sociodiscursivo é “historicamente atravessado por fatores espaciais,
temporais, institucionais e políticos”. (SODRÉ, 2009, p. 26) Seu estudo
sempre remete a aspectos extratextuais. Analisar discursos é, pois, não
perder de vista dois aspectos: o social, evitando a ilusão da unidade da
consciência subjetiva, e a complexidade dinâmica da semiose, que não
cabe nas perspectivas calcadas em estruturas e sistemas. (VERÓN, 2013)
Neste capítulo, a proposta do roteiro foi conduzir da noção de dis-
curso à de discurso social; assim, partiu-se das perspectivas fundadoras
da AD, desenvolvidas por teóricos franceses, para se chegar a três centros
de estudos mais contemporâneos, como o CAD, de Charaudeau. Foi si-
nalizado, portanto, que o domínio da AD, acerca de como é construído
o sentido discursivo, é o lugar do qual se olha para a preocupação sobre
a configuração do discurso informativo na relação entre assessoria de
imprensa e redação jornalística. Nessa direção, no próximo capítulo,
o percurso contempla as especificidades do discurso informativo, re-
lembrando que a proposta é enxergar para além das fronteiras da AD.
nos son inaccesibles y que además reenvían, por definición, a regulaciones (lingüísticas y
no lingüísticas) entre los actores, articulados a múltiples redes institucionales”.
14 “Para trabajar con los objetos discursivos, no tenemos otro camino que el de conceptualizar
e identificar las configuraciones de huellas que, en el discurso, han dejado operaciones cog-
nitivas que tendremos que postular bajo la forma de gramáticas discursivas, incompletas y
necesariamente fragmentarias, porque se trata de objetos históricos”.
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INFORMAÇÃO
O DISCURSO NAS NUANÇAS DO SABER
E DA SEDUÇÃO
INFORMAR: “PURA ENUNCIAÇÃO”
Ao afirmar que a informação é “pura enunciação”, Charaudeau
(2012a) declara, peremptoriamente, a necessidade de pensá-la en-
quanto processo comunicativo, num viés da produção discursiva.
Ele diz que a informação constrói saber, o qual “depende ao mesmo
tempo do campo de conhecimento que o circunscreve, da situação
de enunciação na qual se insere e do dispositivo no qual é posta em
funcionamento”. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 36) Antes de dar conti-
nuidade à reflexão proposta pelo fundador do CAD e contornar as
especificidades do discurso informativo, é importante trazer à cena
os conceitos de enunciado e enunciação. Esses, além de constituírem
importantes guias ao processo interpretativo, também mobilizam
outras noções, caras à AD.
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Atendendo à proposta de ir além da interpretação semântica dos
conteúdos para abarcar como e por que o texto diz e mostra, autores
como Émile Benveniste, Antoine Culioli e Oswald Ducrot dedicaram-se
à teoria da enunciação francesa, uma das abordagens que suplanta a
descrição da estrutura interna das frases para conceber o uso da lingua-
gem em contextos. (PINTO, 2002, p. 26) “Na enunciação nós conside-
ramos sucessivamente o próprio ato, as situações onde ele se realiza e
os instrumentos da sua efetivação”. (BENVENISTE, 1974, p. 81) O au-
tor sugere a enunciação como um trabalho relacional, à mercê de um
feixe de situações.
E o que diferencia enunciação de enunciado? “Enunciação é o
ato de produção de um texto e se opõe a enunciado, que é o produto
cultural produzido, o texto materialmente considerado”. (PINTO,
2002, p. 32) É o “acontecimento constituído pela aparição de um
enunciado”. (DUCROT, 1987, p. 179) Aqui, a noção é exposta a par-
tir da concepção discursiva, que vai abordar a enunciação como
“acontecimento em um tipo de contexto e apreendido na multipli-
cidade de suas dimensões sociais e psicológicas”. (CHARAUDEAU;
MAINGUENEAU, 2004, p. 193) Neste livro, essa concepção será
priorizada em relação ao âmbito linguístico, no qual a enunciação
é um conjunto de operações formadoras do enunciado, “o conjunto
de atos que o sujeito falante efetua para construir, no enunciado,
um conjunto de representações comunicáveis”. (RELPREND, 1990,
p. 792 apud CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004, p. 194) Numa
visão considerada “ampla”, a linguística busca abarcar as relações
que ocorrem entre o enunciado e o quadro enunciativo, mas, ainda
assim, não retira de cena um direcionamento inicial que visualiza a
enunciação como colocação da língua em funcionamento individual.
Entretanto, apreender a enunciação numa concepção discursiva é
vislumbrar que:
• enunciação e enunciado constituem o discurso como duas
faces de uma mesma moeda;
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• discurso é efeito de sentido entre enunciadores; e
• o sentido não existe em si, mas em “relação a”.
Afinal de contas, o sentido é intradiscursivo e extradiscursivo e está
também nas condições em que o texto é produzido e recebido, escapu-
lindo às intenções do sujeito.
Assim, a enunciação ocorre em determinadas circunstâncias,1 loca-
lizadas no contexto, o qual pode ser dividido em três níveis: contexto
situacional imediato, contexto institucional e contexto sociocultural
amplo. Nesse ponto, são necessárias algumas pontuações sobre a noção
de contexto. Já se considera que a intervenção deste na comunicação
se dá sob a forma de “saberes” e “representações”. (CHARAUDEAU;
MAINGUENEAU, 2004) A relação dialética entre texto e contexto é
outro ponto que merece destaque, uma vez que o discurso é condi-
cionado pelo contexto, mas também seu transformador. Analisando a
interação discurso/contexto por um ângulo dialético, tem-se uma re-
lação circular e reiterativa entre ambos, caracterizada por movimentos
espiralados, uma vez que se leva em conta o devir da vida, as mudan-
ças nos discursos e na sociedade. Dijk (1990, 1993) propõe uma visão
dinâmica e processual do contexto, destacando sua importância tanto
para a produção quanto para a recepção de enunciados.
A partir do contexto, são caracterizadas as condições de produção
do discurso, as quais só podem ser tratadas como tal se deixarem nele
suas marcas. (VERÓN, 2004) Nesse ponto, vale a pena destacar duas
abordagens no que tange às circunstâncias de enunciação e condições
de produção. As definições mais empíricas de condições de produção
tendem a associá-las às circunstâncias ou situações de enunciação do
1 A definição empírica das circunstâncias ou situação de enunciação é, muitas vezes, tratada
como condição de produção. Essa abordagem é recorrente no chamado conjunto de “de-
finições empíricas” das condições de produção. (COURTINE, 1981) Mas as definições de
condições de produção também se coadunam com o conceito de formação discursiva tanto
na acepção foucaultiana quanto na leitura feita por Pêcheux e seus seguidores, na qual a
formação discursiva está inserida numa formação ideológica.
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discurso. Numa outra abordagem, a condição de produção é conside-
rada em sentido estrito e também amplo. Em sentido estrito, refere-se
à circunstância de enunciação ou contexto imediato; já no sentido am-
plo, as condições de produção dizem respeito ao contexto sócio-histó-
rico-cultural. Numa tentativa de criar um percurso, uma costura entre
os três conceitos, tem-se que, de maneira mais geral, os contextos são
geradores de condições de produção dos discursos, dos quais advêm as
circunstâncias de enunciação. Essas noções, entretanto, são marcadas
por muitas nuanças e abordagens distintas, de acordo com os aparatos
epistemológicos dos pesquisadores.2
O fato é que, suscitada nos/pelos contextos, a enunciação congrega
três dimensões que vão versar sobre a heterogeneidade, o sujeito, o
ideológico e o poder. Esses elementos, todavia, convergem para o su-
jeito e a necessidade de responder à pergunta “a quem atribuir a res-
ponsabilidade por tal ou tal representação reconhecida em um texto?”.
(PINTO, 2002, p. 32)
DOS ELEMENTOS E OPERADORES DA ENUNCIAÇÃO
Heterogeneidade
Expor sobre esse tema é reconhecer que todo texto é híbrido ou
heterogêneo e, consequentemente, deitar por terra o postulado da
unicidade do sujeito, fragilizando a posição do autor empírico como
único responsável pelas representações contidas no texto. A hetero-
geneidade enunciativa manifesta-se na intertextualidade,3 que pode
2 Neste livro, será usada a noção de condições de produção de Verón (1987, 1998, 2004, 2013),
uma vez que impõe certos direcionamentos à noção de contexto, possibilitando melhor
abordagem analítica da construção do discurso. Para que algo seja designado como condição
de produção, é preciso que tenha deixado rastros no discurso.
3 A AD também recorre ao conceito de polifonia, de Mikhail Bakhtin (2002), que diz respeito
ao fato de o texto (poder) veicular muitos pontos de vista, diferentes “vozes”. A noção,
bastante recorrente nos anos 1920, foi recuperada na França, na segunda metade do século
passado, especialmente a partir das pesquisas de Oswald Ducrot (1987). A maleabilidade
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ocorrer em dois planos. A heterogeneidade mostrada consiste na cita-
ção explícita ou alusão a outros textos localizável pelo receptor/leitor
e a heterogeneidade constitutiva ou interdiscurso é o “entrelaçamento
no texto presente de vestígios de outros textos pré-existentes”, muitas
vezes sem referência direta e “segundo restrições sócio-histórico-cul-
turais sobre as quais o(s) autor(es) empírico(s) do texto não tem con-
trole”. (PINTO, 2002, p. 31)
O interdiscurso, portanto, consiste em um processo diacrônico,
pois ressalta o caráter fundamentalmente dialógico de todo enunciado
com enunciados anteriores, produzidos na história de uma formação
social. (SOUZA, 2006) Na linha de Pêcheux, o interdiscurso está asso-
ciado à memória discursiva, um já dito que possibilita a compreensão
e o funcionamento do discurso, a sua relação com os sujeitos e com a
ideologia. Ou seja, “aquilo que fala antes, em outro lugar, independen-
temente”. (ORLANDI, 2003, p. 31)
A tessitura de todo dizer ocorre na confluência da memória (consti-
tuição) com a atualidade (formulação). É no trâmite desse jogo que são
gerados os sentidos. Assim, há uma relação entre o interdiscurso – que
está no nível da constituição do sentido e refere-se ao já dito – com o
intradiscurso – que envolve o nível da formulação discursiva, ou seja,
o que se está dizendo. Courtine (1984) demonstra e relação inter/in-
tra, buscando a metáfora do gráfico, no qual o interdiscurso é um eixo
vertical, em que estão alocados todos os dizeres já ditos, e o eixo hori-
zontal é o intradiscursivo, o da formulação, aquilo que está sendo dito
naquele momento dado, em condições dadas. Em outras palavras, eis
aqui uma relação entre o paradigmático e o sintagmático.4
da noção de polifonia ancora sua aplicação em diferentes contextos – polifonia linguística,
polifonia na análise de discurso e polifonia literária. Pinto (2002) coloca os conceitos de
polifonia e intertextualidade num mesmo patamar e diz que a polifonia/intertextualidade
pode ocorrer no plano da heterogeneidade mostrada ou da heterogeneidade constitutiva
ou interdiscurso.
4 Para ilustrar as relações sintagmáticas e paradigmáticas, será usado um exemplo no nível
lexical ou gramatical do signo, mas alertando para a intenção pedagógica da explicação,
uma vez que tais relações suplantam esse nível. Na linguística de Ferdinand de Saussure, as
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O entrelaçamento entre os discursos – seja na heterogeneidade
mostrada ou na constitutiva – determina condição sine qua non para
a elaboração discursiva. A estas conexões, Mikhail Bakhtin (2002) de-
nominou dialogismo, referência ao fato de que o discurso só pode ser
construído no embate com outros discursos. Amiúde, o intradiscurso
(a formulação) solicita a interdiscursividade e também depende desta.
É pelo funcionamento do interdiscurso que a exterioridade é lançada
no interior do discurso.
Explicitar as formas de heterogeneidade do discurso é apontar
algumas das suas condições de produção, uma vez que, analitica-
mente, a enunciação é agarrada pelo mapeamento das condições
de produção, que compreendem, num olhar panorâmico, situações
e sujeitos.
Sujeito
Localizar, nos textos, os sujeitos do enunciado e da enunciação –
enunciador e coenunciador – é a tentativa de apreender as diferentes
posições ou posicionamentos, discursos que se atraem ou se opõem.
É a busca também por mapear lugares de fala e analisar a construção
da representação de uma prática social ou área do conhecimento.
relações sintagmáticas opõem-se às relações associativas – o autor não fala em relações para-
digmáticas. Os estruturalistas propõem a distinção entre eixo sintagmático (eixo horizontal
de relações de sentido entre as unidades da cadeia falada, que se dão em presença) e eixo
paradigmático (eixo vertical das relações virtuais entre as unidades comutáveis, que se dão
em ausência). No primeiro eixo, abrem-se as relações que pertencem ao domínio da fala –
por exemplo, os elementos que constituem o enunciado “Antônia vai viajar” numa relação
sintagmática. O segundo eixo pertence ao domínio da língua – por exemplo, “viagem” pode
estar em relação paradigmática com “passagem”, “viajante”, “meios de transporte”, “aeropor-
to”, “rodoviária” – ou com outros termos, a depender do tipo de relação estabelecido –, mas
apenas um desses elementos pode ser válido no enunciado produzido. Nesse caso, todas
as palavras podem ser comutáveis, dependendo do contexto e da natureza do enunciado.
Assim, no enunciado “Antônia vai viajar”, pode-se substituir o elemento “vai” por “quer”,
“detesta”, “adora” etc.; e o elemento “viajar” pode ser mudado por “comer”, “escrever”, “ler”
etc. Diz-se que todos esses elementos comutáveis estão em relação paradigmática.
62 CLAUDIANE CARVALHO
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À diferença do autor empírico, que fisicamente produziu o texto, o
sujeito do enunciado – narrador, emissor ou locutor –, geralmente, as-
sume o pronome “eu” e é apresentado no enunciado como responsável
pelo dito. Mas o narrador ou emissor de um enunciado pode trazer à
cena um ou mais enunciadores. O conjunto destes, dos quais o emissor
se apropria, define a imagem ou lugar enunciativo do próprio emissor.
A essa imagem dá-se o nome de sujeito da enunciação ou enunciador.
(PINTO, 2002; FIORIN, 2006)
Sob as coordenadas da semântica de percurso gerativo do sentido,
Fiorin (2006, p. 55) é didático ao relembrar que enunciação é “o ato de
produção do discurso, é uma instância pressuposta pelo enunciado –
produto da enunciação. Ao realizar-se, ela deixa marcas no discurso
que constrói”. Com base nessa definição, o autor sintetiza a enunciação
como a instância de um eu-aqui-agora e destaca que o “eu”, instaurado
no ato de dizer, reclama a presença do tu, pois ambos vão constituir os
sujeitos da enunciação – enunciador e coenunciador.
Dando continuidade à reflexão, mas deslocando-a de uma pos-
sível visão imanentista, provocada pela semântica gerativa, deve-se
lembrar que a todo processo de produção corresponde um processo
de reconhecimento. Assim, para o autor empírico, há o público ou au-
diência – indivíduos de carne o osso que vão interpretar o texto. Desse
conjunto referido como público, sobressaem-se aqueles que vão se
identificar, talvez apenas parcialmente, com os personagens a quem o
emissor se dirige, representando-os pelos pronomes “tu” e “você” – ou
melhor, coemissores. Para “essa imagem ou lugar que o(s) coemissor(es)
assume(m) ao se reconhecer nos enunciadores a ele atribuídos pelo
emissor” (PINTO, 2002, p. 35) dá-se o nome de coenunciador. Nesse
ponto, coloca-se em relevo que os sujeitos da enunciação (enunciador
e coenunciador) são imagens construídas no/pelo discurso.
Se o discurso é uma arena de luta, na qual saber e poder são cons-
truídos na relação entre enunciador e coenunciador, o ideológico e o
poder constituem importantes elementos da enunciação.
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Ideológico e poder
Tratar da semiose social e, portanto, dos discursos enquanto objetos
socioculturais é promover articulações com as dimensões do ideológico e
do poder. Na análise, a aderência a uma noção ou outra, ou a imbricação de
ambas, revela, geralmente, quais são os referenciais teórico-metodológicos
do analista. A ideologia, enquanto mecanismo de investimento de sentido
em matérias significantes, constitui o norte das pesquisas nas linhas de
Pêcheux e da sociolinguística. Já os estudos sobre os discursos e as relações
de poder são presenças constantes nos trabalhos dos foucaultianos. Nesse
tópico, serão apontados autores que trabalham com a noção de ideologia
numa perspectiva ainda influenciada pelo marxismo e, em contrapartida,
Eliseo Verón, que trata as instâncias do ideológico e do poder como cons-
titutivas das condições de produção e reconhecimento do discurso.
Na contemporaneidade, autores como Norman Fairclough e Dijk,
pesquisadores que integram a chamada análise crítica do discurso de
cunho marxista e foucaultiano, desenvolvem seus estudos a partir da
noção de ideologia. Fairclough (2001) reconhece a importância da no-
ção de Louis Althusser (1980) sobre ideologias para a AD, mas pondera
a possibilidade de o sujeito transcender o ideológico de uma sociedade:
As ideologias surgem nas sociedades caracterizadas por relações
de dominação com base na classe, no gênero social, no grupo
cultural, e assim por diante, e, à medida que os seres humanos
são capazes de transcender tais sociedades, são capazes de trans-
cender a ideologia. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 121)
Fairclough discute sobre a naturalização das ideologias. Todavia, a
sociedade, enquanto organismo pulsante e em constante transformação,
através das práticas discursivas, pode remodelar discursos e também
ideologias. Nas palavras do autor:
As ideologias embutidas nas práticas discursivas são muito
eficazes quando se tornam naturalizadas e atingem o status de
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‘senso comum’; mas essa propriedade estável e estabelecida das
ideologias não deve ser muito enfatizada, porque minha referên-
cia a ‘transformação’ aponta a luta ideológica como dimensão da
prática discursiva, uma luta para remoldar as práticas discursivas
e as ideologias nelas construídas no contexto da reestruturação
ou da transformação das relações de dominação. (FAIRCLOUGH,
2001, p. 117)
O pesquisador destaca ainda que os discursos são investidos ideo-
logicamente em graus diferenciados. No mais, referenda como equi-
vocada a rígida oposição entre “conteúdo” ou “sentido” e forma, uma
vez que os aspectos formais do texto também podem ser modulados
ideologicamente. (FAIRCLOUGH, 2001)
Por seu turno, Dijk (1993), ao considerar a notícia enquanto prática
discursiva e propor para ela métodos de análise em jornais impressos,
reitera que a AD não se limita à análise textual, mas envolve também
os contextos sociais, culturais, históricos e cognitivos. O autor relembra
que a produção de sentido é o objetivo do emissor e do destinatário de
um discurso e que o conhecimento social é feito a partir da comunhão
de espécies de roteiros, scripts usados pelos interlocutores para criar
elos entre as proposições do texto e os conceitos, chamados por ele de
icebergs semânticos. O termo se refere ao fato de que o texto expressa
apenas uma parte visível, o acesso ao que está submerso carece de um
arcabouço sociocultural, construído historicamente. Segundo o pes-
quisador, o que está submerso, o não dito, oferece pistas para acessar
os aspectos ideológicos. Nessa perspectiva, a produção de sentido de-
pende do referencial de conhecimento de mundo e opiniões.
Para dar conta dos aspectos ideológicos, Dijk contempla aspectos
da cognição social e contextos socioculturais e dedica esforços a uma
análise de caráter semântico textual da notícia, trabalhando noções
como coerência local e global. A primeira refere-se à coerência entre
as proposições; já a segunda diz respeito ao texto enquanto conjunto,
unidade semântica, o que, intuitivamente, é tratado como tema, mas
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teoricamente pode ser descrito como macroproposição semântica. Os
temas, por sua vez, organizados de forma esquemática no texto, deter-
minam a superestrutura da notícia. Segundo Dijk (1993, p. 141-143), a
ênfase específica em determinados temas e a organização da superes-
trutura esquemática de uma reportagem têm consequências ideológi-
cas. O autor insiste ainda no entendimento de que as opções estilísticas
também têm implicações ideológicas. O estilo, entendido como uma
variável do discurso que se altera em função do contexto, é uma esco-
lha feita pelo falante, que tem implicações sociais porque pode assi-
nalar, por exemplo, a posição do repórter. (CORREIA, 2011, p. 47) “Em
suma, em diferentes níveis de análise, os da semântica global e local,
os esquemas de notícias e o estilo, observamos um modelo coerente
de aspectos discursivos que pressupõem a posição ideológica”.5 (DIJK,
1993, p. 144, tradução nossa) O pesquisador relembra que a análise
ideológica requer, além da descrição do texto, o estudo do contexto6
e das representações e estratégias cognitivas utilizadas na produção e
compreensão, por exemplo, da notícia.
Ao separar o termo “ideo-lógico”, Pinto (2002, p. 46) ressalta as
nuanças da argumentação e da retórica, embutidas nas ideias que, so-
cialmente, consagram “um repertório de conteúdos, opiniões, atitudes
ou representações” que interpelam o sujeito por meio de matérias sig-
nificantes. E completa:
O ideo-lógico de cada discurso é apenas uma pequena parte do
que se chama ideologia ou formação ideológica – uma família de
5 “En suma, en diferentes niveles de análisis, los de la semántica global y local, los esquemas
de noticias, y el estilo, observamos un modelo coherente de aspectos discursivos que pre-
suponen la posición ideológica”.
6 Van Dijk contribuiu para uma noção mais dinâmica de contexto, pois sustenta que este desem-
penha papel fundamental tanto no que diz respeito às atividades de produção quanto às de
interpretação. Entretanto, o analista não deve concluir que o discurso é interpretável apenas
se o destinatário tem acesso a todas as informações contextuais, pois, para o pesquisador, nem
todas essas informações são relevantes no mesmo nível e algumas delas estão inscritas no texto
como índices de contextualização. Ver mais em: Charaudeau e Maingueneau (2004, p. 127-128).
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ideológicos historicamente determinados e capazes de semantizar
matérias significantes muito diferentes na sociedade: textos verbais
orais ou escritos, comportamentos, programas de rádio e televisão,
filmes, os espaços onde vivemos, etc. (PINTO, 2002, p. 45-46)
Já em seus estudos na AD, o cientista Charaudeau, que vem se dedi-
cando especialmente aos discursos midiáticos, prefere não se vincular à
busca de ideologias no discurso para evitar uma certa perversão na cien-
tificidade da investigação, porém afirma orientar-se por um processo de
interpretação que implique uma crítica social, cujo resultado “faça des-
cobrir o não dito, o oculto, as significações possíveis que se encontram
por trás do jogo das transparências”. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 29)
O pesquisador Eliseo Verón adentra nesse terreno pela teoria dos
discursos sociais e propõe, de início, a diferença entre ideologia e ideo-
lógico. O semiólogo não renuncia ao termo “ideologia”, mas reconhece
neste um papel mais descritivo que teórico. Ideologia designa uma
formação histórica, sistema de ideias, filosofia de mundo e de vida,
conjunto de doutrinas, crenças próprias de uma época e de um gru-
po social. No mais, ideologia deve ser tratada no plural, e não no sin-
gular. Já o ideológico não se refere ao objeto, conjunto identificável
de coisas, mas a uma dimensão de análise do funcionamento social.
O ideológico emerge toda vez que uma produção significante é con-
siderada em suas relações com os mecanismos de base do funciona-
mento social enquanto condições de produção do sentido. Em outras
palavras, ideológico é o nome do sistema de relações entre um discurso
e suas condições sociais de produção. (VERÓN, 1987, 2004) Se a noção
de ideologia corresponde ao nível do produto – ideias, representações,
opiniões –, o conceito de ideológico corresponde ao nível da gramática
de sua produção. A análise do ideológico é o estudo dos traços que as
condições de produção de um discurso deixaram na superfície discur-
siva. (VERÓN, 2004, p. 54-59)
Para Verón, abarcar o ideológico e o poder é tratar dos discursos
sociais, ou seja, das suas condições de produção e reconhecimento,
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calcadas nos mecanismos fundamentais de funcionamento da socie-
dade, a saber: política, economia, cultura, social. Se o ideológico está
na instância da produção, o poder é o sistema de relações de um dis-
curso com seus efeitos. Tanto as condições de produção quanto as de
reconhecimento põem em jogo mecanismos e dinâmicas vigentes na
sociedade. Por esse prisma, ideológico e poder não são instâncias pre-
sentes dentro de cada ordenamento social, mas dimensões de funcio-
namento dos discursos sociais, que estão à vista em toda produção de
sentido que circula socialmente. (VERÓN, 1987, 1998, 2004)
Inerentes, portanto, à produção de sentido discursiva, o poder7 e
o ideológico estão intimamente ligados, uma vez que o poder do dis-
curso decorre, também, das condições ideológicas da sua produção.
Entretanto, não deve haver confusão entre ambos e há que se driblar a
hipótese de que o poder funciona sempre e em todo o lugar com uma
única e mesma gramática. Faz-se instigante, portanto, o estudo sobre
os motivos que levam um mesmo discurso, em diferentes contextos
sociais, a produzir poderes distintos e gerar efeitos, por vezes, contrá-
rios. Além disso, vale investigar também “como e por que o poder as-
sume modalidades diferentes em níveis diferentes do funcionamento
social”. (VERÓN, 2004, p. 60)
Como uma dimensão analítica para a AD, o poder não é monolítico,
estático, concreto, nem substantivo, mas uma construção relacional
em jogo em qualquer processo comunicativo. Localizado na instância
de consumo ou reconhecimento, o poder instaura o ciclo ininterrupto
da semiose social. Explica-se: se o poder designa os efeitos de sentido
do discurso num tecido determinado de relações sociais (VERÓN,
1987, 2004), este só pode ser captado, analiticamente, através de ou-
tros discursos – conversas, pesquisas de opinião, debates etc. A proble-
mática do poder, aqui, está vinculada ao consumo dos discursos, que,
7 O conceito de poder diz respeito à problemática dos efeitos de sentido dos discursos. Não
se deve confundir, alerta Verón (2004, p. 59), a problemática do poder com a problemática
do político, que diz respeito a um tipo de discurso, “caracterizado por sua relação específica
com um funcionamento social particular, aquele da rede institucional do Estado”.
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paradoxalmente, remete a outras produções discursivas. Em Salvador,
na Bahia (BA), no I Colóquio Internacional Discurso e Mídia, em 2009,
Eliseo Verón destacou, em debate com o pesquisador brasileiro Antônio
Fausto Neto, que os estudos do reconhecimento/consumo do discurso
precisam suplantar o texto e ir para o campo das pesquisas empíricas,
a fim de que sejam oferecidos resultados mais contundentes.8 Mas a
pesquisa empírica vai produzir outros discursos, lançando o analista
na rede da intertextualidade.
Aliás, estudar as relações do ideológico e do poder com o discurso
é convocar o nível de interdiscurso. É, segundo Verón, reconhecer que
o sentido não está dado, não se pode falar de “lugares de sentido”, mas
de sistemas produtivos que vão implicar a geração, circulação e leitura
dos discursos. Para a teoria da discursividade social, a produção do
sentido pode ser reconstruída a partir das marcas presentes no texto.
A semiose, por conseguinte, só pode ter a forma de uma rede de
relações entre o produto e sua produção – só é possível concebê-la
como sistema puramente relacional: tecido de enlaces entre o
discurso e seu ‘outro’, entre um texto e o que esse texto não é,
entre a manipulação de um conjunto significante destinada a
descobrir as pistas das operações e as condições de produção
dessas operações.9 (VERÓN, 1987, p. 139, tradução nossa)
Em síntese, o ideológico e o poder são duas instâncias inter-relacio-
nadas, a partir das quais se pode ler todo fenômeno social. Instâncias
que, como visto anteriormente, estão nas condições de produção e reco-
nhecimento do discurso e conjugam elementos extra e intradiscursivos.
No que tange ao ideológico e ao poder, tais elementos dizem respeito
8 Informação coletada em debate realizado no I Colóquio Internacional Discurso e Mídia,
realizado em 2009, na cidade de Salvador/BA.
9 “La semiosis, por consiguiente, sólo puede tener la forma de una red de relaciones entre
el producto y su producción: sólo se la puede señalar como sistema puramente relacional:
tejido de enlaces entre el discurso y su ‘otro’, entre un texto y lo que no es ese texto, entre
la manipulación de un conjunto significante destinada a descubrir las huellas de las opera-
ciones, y las condiciones de producción de esas operaciones”.
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ao que Verón considera mecanismos fundamentais ao funcionamento
da sociedade – economia, política, social e cultura.
O analista pode interessar-se pelas condições de produção do dis-
curso (pelas gramáticas de produção), pelas condições de reconheci-
mento (gramática(s) de reconhecimento) ou, ainda, pelas duas. Abarcar
os dois polos de produção de sentido do discurso é trabalhar com a
circulação, a defasagem ou a relação entre as condições de produção
e de reconhecimento. (VERÓN, 1987, 1998, 2004) Em tempo, uma gra-
mática é um conjunto de regras que descreve operações; é sempre o
modelo de um processo de produção discursiva. Uma gramática nun-
ca é exaustiva, ou seja, serão construídas várias gramáticas, de acordo
com as formas de abordagem do texto. (VERÓN, 2004) Reconstituir o
processo produtivo a partir do produto é tirar o texto da inércia e lan-
çá-lo na dinâmica da sua produção.
Todavia, para que algo seja designado como condição de produção,
é preciso que tenha deixado rastros no discurso. Eis, aqui, o motivo
para, neste estudo, ser utilizada essa noção em detrimento de contexto,
embora seja reconhecido o aspecto dinâmico deste último. Se são altera-
das as variáveis das condições de produção, o discurso também muda.
No mais, considera-se ainda, no que tange às condições de produção,
que estas podem ser ilustradas como margens traçadas no contexto a
fim de endereçá-lo a uma produção discursiva específica; é a delimita-
ção e o direcionamento do contexto para servir ao discurso e, conse-
quentemente, à sua enunciação.
Das operações da enunciação: os modos de dizer
Ao abordar a enunciação pelo prisma de seus elementos – hetero-
geneidade, sujeito, ideológico e poder –, é endossada a caracterização
da AD como interessada nos modos de dizer, os quais operacionalizam
as funções de mostração, interação e sedução. (PINTO, 2002)
Mostrar, interagir e seduzir, enquanto modos de dizer, são operações
de enunciação que dão pistas valiosas para refletir, pelo viés discursivo,
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sobre a informação. Verón (2004) pondera, vale acentuar, que a análise
de discurso é a descrição de operações, reconstruídas ou postuladas, a
partir das marcas deixadas na superfície textual.
Estas marcas podem ser interpretadas como os traços de operações
discursivas subjacentes, remetendo às condições de produção
do discurso, cuja economia de conjunto define o marco das lei-
turas possíveis, o marco dos efeitos de sentido desses discursos.
(VERÓN, 2004, p. 65)
Para informar, o emissor vai lançar mão da linguagem verbal e de
outros sistemas semióticos, a fim de criar um referente, um mundo ou
universo discursivo, que o coemissor terá que recriar na recepção – eis a
função de mostração. A liga dessa relação entre emissor e coemissor da
informação será dada pelos vínculos socioculturais, acionados no discur-
so pelo enunciador – função de interação. Mas, para informar, não basta
apenas circular um saber, é necessário garantir a atenção e mobilizar afe-
tivamente o coemissor – função de sedução. Na prática discursiva, essas
funções são integradas e, entre elas, ocorrem sobreposições e mesclas in-
dissolúveis, cuja separação cumpre fins didáticos apenas. (PINTO, 2002)
Se informação é “pura enunciação”, as noções de heterogeneidade,
sujeito, o ideológico e o poder constituem elementos privilegiados
para estudá-la. Esses aspectos põem em evidência os modos de dizer,
os quais operacionalizam as funções de mostração, interação e sedu-
ção. Buscar compreender os elementos de constituição e operação da
enunciação é um percurso rumo ao discurso informativo, o qual será
apresentado pela abordagem de Charaudeau, cuja inspiração vem da
tríplice mímesis de Paul Ricoeur.
INFORMAR: DAS ESPECIFICIDADES DE UM DISCURSO
O discurso envolve, para além da língua, a imbricação de condições ex-
tradiscursivas e intradiscursivas, é o lugar da encenação da significação.
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Fazer alusão à produção de sentido é promover uma correlação entre
essas duas dimensões. No que tange ao discurso da informação, entre-
tanto, essa dinâmica consiste em se indagar sobre três questões: 1. a
mecânica de construção do sentido; 2. a natureza do saber que é trans-
mitido; e 3. o efeito – de sentido – de verdade que pode ser produzido.
(CHARAUDEAU, 2012a)
A construção do sentido ocorre “pela ação linguageira do homem
em situação de troca social” (CHARAUDEAU, 2012a, p. 41), nunca se
dá antecipadamente, mas engendra uma mecânica que envolve um
duplo processo de semiotização: de transformação/configuração –
mundo a significar para mundo significado – e de transação/nego-
ciação – instâncias de produção e reconhecimento, em situação de
comunicação, conferem uma significação psicossocial ao processo.
(CHARAUDEAU, 2003, 2012a; FERREIRA, G., 1997, 1999) Elaborado
pelo filósofo Paul Ricoeur (2010a), o processo de semiotização global
do mundo prevê a articulação entre mundo a configurar (aconteci-
mento não narrado), mundo configurado (acontecimento narrado) e
mundo refigurado (acontecimento interpretado). São as três mímesis
do círculo hermenêutico, que serão apresentadas melhor na próxima
parte deste percurso. Aqui, será antecipada a imagem, a fim de ilus-
trar a explicação.
Figura 1 – Construção do discurso informativo
Instância de Produção Instância de Reconhecimento
(MI) (MII) (MIII)
ACONTECIMENTO Mídia ACONTECIMENTO Leitor ACONTECIMENTO
A CONFIGURAR jornalística CONFIGURADO REFIGURADO
Processo de Processo de
Transformação Processo de Transação Interpretação
Fonte: elaborada pela autora a partir de Charaudeau (2012a), Ferreira (1997, 1999) e Ricoeur (2010a).
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No processo de transformação, o acontecimento a configurar é es-
truturado em acontecimento configurado a partir de categorias expres-
sas em formas, que nomeiam e qualificam os seres do mundo e narram
ações, nas quais estes estão envolvidos, argumentando e também mo-
dalizando essas ações e os seres. No discurso informativo, o processo de
transformação é localizado, porque se identificam e se qualificam fatos;
acontecimentos são narrados e explicados.
Já o processo de transação, também denominado de negociação,
consiste no fato de que a instância de produção constrói o discurso
a partir de determinadas balizas, como as hipóteses sobre a instância
de reconhecimento – sua identidade, posição social, saber, interesses,
aptidões, estados psicológicos etc. –, o efeito que pretende produzir
no outro, o tipo de relação a ser instaurada e a dinâmica de regulação
dessa relação. No ato de informar, o processo de transação é instituí-
do sobre o pressuposto de que há uma informação, cuja transmissão
será realizada por alguém que sabe a alguém que não tem esse saber.
(CHARAUDEAU, 1997, 2003, 2012a)
O processo de transação domina o de transformação, uma vez que
a alteridade é o princípio fundante do discurso e a “linguagem nasce,
vive e morre na intersubjetividade” (CHARAUDEAU, 2012a, p. 42), ou
seja, sempre se transforma o acontecimento a configurar em aconteci-
mento configurado, com base na relação que se estabelece com o outro.
Ao considerar o discurso como produção de sentido entre interlo-
cutores, vê-se que a representação de mundo, por meio do discurso, é
sempre mediada pela relação, ou seja, o discurso “representa o mundo
ao representar uma relação”. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 42) Por mais
que se almeje certa neutralidade ou transparência, o discurso da in-
formação também está sob a batuta dessa regra e será constituído dos
elementos em jogo na situação de troca.
Além de mobilizar um duplo processo de construção do sentido –
transformação e transação –, o discurso da informação é erigido com
base no saber, construído pelo homem através da linguagem. Divididos
entre saberes de conhecimento (olhar do homem voltado para o mundo)
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e de crença (o olhar direcionado para si mesmo), ambos tratam da pro-
blemática das representações, ou seja, da relação-construção do real.
Pautado pela inteligibilidade, o saber do conhecimento busca repre-
sentações mais racionalizadas, ancoradas na aprendizagem pela expe-
riência – sentir, ver, ouvir, estar no jogo da vida – e/ou na aprendizagem
científico-intelectual. Já no saber da crença, o mundo existe a partir do
olhar subjetivo do sujeito. Aqui, a inteligibilidade é descolorida em fa-
vor da intensificação do olhar avaliativo e apreciador.
Embora o discurso da informação seja construído buscando sua
validade no saber do conhecimento, as crenças podem estar imersas
na enunciação informativa, servindo “para fazer com que o outro com-
partilhe os julgamentos sobre o mundo, criando assim uma relação de
cumplicidade”. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 46) No mais, tanto os sabe-
res de conhecimento quanto os de crença são construídos no interior
dos processos de representações.
Sobre o fato de que o nosso acesso ao mundo ocorre pelas repre-
sentações, Lippmann (2008), antecipando algumas ideias dos autores
marxistas que mais tarde se reuniram no Instituto de Frankfurt, diz
que interpretamos os fenômenos sociais com base nos mapas mentais
que construímos nas distintas trocas. Para ele, há pseudoambientes
como mediadores da relação homem/mundo, os quais se constituem
em ficções necessárias. “Por ficções não quero dizer mentiras. Quero
dizer a representação do ambiente que em menor ou maior medida é
feita pelo próprio ser humano”. (LIPPMANN, 2008, p. 30) Para o autor,
a extensão, a complexidade e o continuum do mundo não permitem
a obtenção de um conhecimento direto deste, o que leva à construção
dos mapas mentais. Lippmann também desenvolve a noção de este-
reótipo, o que considera uma estratégia interpretativa de economia da
atenção. “Não há nem tempo nem oportunidade para conhecimento
íntimo. Em vez disso, observamos um traço que marca um tipo muito
conhecido, e o resto da imagem preenchemos com os estereótipos que
carregamos em nossas cabeças”. (LIPPMANN, 2008, p. 92)
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Mesmo que a abordagem de Lippmann esteja ancorada nas teorias
dos efeitos da comunicação de massa, ele enfatiza, em tons quentes e
com muita veemência, a problemática das representações. Na AD, as
representações servem como mediações que “apontam para um desejo
social, produzem normas e revelam sistemas de valores”. (CHARAUDEAU,
2012a, p. 47) Os saberes são construídos no interior dos processos de
representação, portanto, é difícil desenhar as fronteiras entre os sabe-
res do conhecimento e os da crença.
A terceira arguição que tensiona o discurso informativo diz respeito
à produção do efeito de sentido de verdade. Baseado na convicção,10
o efeito de verdade depende de um dispositivo enunciativo, por meio
do qual o enunciador objetiva a adesão do enunciatário ao seu univer-
so de pensamento. Nessa seara, a busca não é pela verdade em si, mas
pela credibilidade. O discurso informativo, de acordo com Charaudeau
(2012a, p. 50), modula tal efeito, respondendo às questões “por que in-
formar?”, “quem informa?” e “quais são as provas?”.
No que tange à primeira questão, os efeitos de verdade vão ter con-
formações diferenciadas em função de ter existido um pedido pela
informação. Se há um pedido, é atribuído ao enunciador um lugar de
fala já privilegiado – poder dizer. A ausência da solicitação, por sua vez,
pode gerar dúvida sobre o que motiva o comunicador.
A segunda pergunta diz respeito à fonte da informação, a qual vai
gozar de maior ou menor grau de credibilidade de acordo com sua po-
sição social, papel que desempenha na situação de troca, representa-
tividade e engajamento com a informação transmitida. Em relação às
provas, “devem ser objetivas, independentes da subjetividade do sujeito
falante, exteriores a ele e reconhecidas por outros”. (CHARAUDEAU,
2012a, p. 55) Demonstrar a autenticidade, verossimilhança e explicar
os porquês do fato legitimam os efeitos de sentido de verdade.
10 Charaudeau (2003, 2012a) mostra a diferença entre valor de verdade (calcado na evidência)
e efeito de verdade (calcado na convicção). Neste trabalho, adota-se a ideia de efeito de
sentido de verdade.
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Neste livro, o foco de interesse é o discurso da informação midiática,
engendrado na narração do acontecimento, cuja forma de expressão e
conteúdo mais vulgar é a notícia. Sendo assim, faz-se necessário com-
preender a mídia noticiosa como “organismo especializado”, que se defi-
ne a serviço da cidadania, mas também sob a égide da lógica comercial.
Essa visão realça um aspecto relevante do discurso informativo midiá-
tico: a transmissão do saber precisa estar atrelada às estratégias de sedu-
ção do destinatário. Aqui, vale relembrar que a verdade está nos efeitos
que o discurso produz, e não no texto em si. Desse modo, “o discurso
da informação midiática joga com essa influência, pondo em cena, de
maneira variável e com consequências diversas, efeitos de autenticidade,
de verossimilhança e de dramatização”. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 63)
Para localizar o duplo mecanismo de produção de sentido do dis-
curso e as estratégias discursivas de construção dos efeitos de verdade
(características do informador, demonstração das provas e finalidade
da informação) e de construção do saber, é preciso empreender a aná-
lise das condições de produção. Nesse ponto, destaca-se que o discurso
informativo é tratado nesta obra a partir de um aspecto específico,
quando é construído na relação entre assessoria de comunicação/as-
sessoria de imprensa e redação jornalística. No mais, recorta-se e en-
quadra-se, para este estudo, a configuração do trabalho de assessoria
de imprensa no Brasil.
Em tempo, uma das motivações para a pesquisa foi a observação
– com base nos autores Chaparro (2016b, 2016c, 2016f ), Duarte (2001,
2003, 2011), Sant’Anna (2004, 2006, 2007a, 2007b, 2008a), Adghirni e
demais autores (2006), Adghirni (2012) e Kopplin e Ferraretto (2001,
2006), entre outros – de que, no Brasil, as assessorias de imprensa, para
se distanciarem do discurso da propaganda e das relações públicas, for-
jam uma aproximação com o discurso da informação.11 As marcas do
11 O material enviado para a imprensa na forma de releases e press kits segue parâmetros do
ritual estratégico de elaboração do texto jornalístico no que tange à forma e ao conteúdo.
Muitas vezes, esses textos chegam a ser aproveitados integralmente pelos veículos, sendo
publicados sem referência à sua origem.
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discurso estratégico parecem ficar veladas sob as estratégias do discur-
so informativo, uma vez que as AI buscam um lugar social nas rotinas
produtivas das notícias. O trabalho de assessoria, que se delineou no
nosso país ao longo do século passado, é pautado nas técnicas e rotinas
do fazer jornalístico e respaldado em contextos sociais, comuns tam-
bém a outros países, nos quais as redações precisam de notícias e as
instituições querem ser fonte de notícias. (BORDEAU, 2006; BUENO,
2012; CHAPARRO, 2010; MAFEI, 2007; MOREL, 2008; NOUTEAU, 2002)
Compreende-se, desse modo, que a AI traça um contato com o jor-
nalismo, que pode ser colaborativo, mas é sempre marcado por uma
tensão, pois é um discurso estratégico em busca da adesão a um dis-
curso jornalístico. Nessa relação, portanto, assessorias e redações de
veículos congregam as instâncias de produção. Uma vez na instância
produtiva, essa presença reverbera, ecoa também no reconhecimento,
porque o processo comunicativo é marcado pela permeabilidade e
pela interpenetração entre esses dois polos ou dimensões. Vale desta-
car que se considera, para a realização deste trabalho, a relação entre
AI e jornalismo na qual a redação constrói o discurso informativo mi-
diático, tendo como referência o discurso e o texto, produzidos pela
assessoria. Essa referência não implica, necessariamente, a aceitação
do enquadramento e da temática da AI por parte do jornalismo, mas
um vínculo estabelecido e uma negociação à vista.
Para abarcar o duplo processo de construção do sentido do discurso
informativo na conexão mencionada, há uma convocação para ir além
da AD. Em virtude dessa convocação, nos próximos capítulos, serão
traçadas as contribuições que o círculo hermenêutico de Paul Ricoeur
traz à AD no sentido de afastar o risco da análise imanente, dando
especial atenção aos lugares sócio-históricos dos sujeitos enquanto
instâncias de produção e reconhecimento. A articulação entre a AD
e a hermenêutica ricoeuriana oferece condições de indicar propostas
metodológicas para análise da construção do discurso informativo a
partir de relações contratuais.
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NO CAMINHO
A HERMENÊUTICA DE RICOEUR
Contamos histórias porque, afinal, as vidas huma-
nas precisam e merecem ser contadas. (RICOEUR,
2010a, p. 112)
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COORDENADAS PARA O ENCONTRO ENTRE
AD E HERMENÊUTICA DE RICOUER
O ponto de largada para o percurso proposto neste livro está no domí-
nio da AD e, portanto, trata dos processos de construção de sentido.
A noção de discurso social esgarça as perspectivas imanentistas e é res-
paldada pelo duplo processo de semiotização, legado da hermenêutica
ricoeuriana aos estudos discursivos.
Patrick Charaudeau (1997, 2003, 2012a) encontra nos processos de
transformação e transação um aporte teórico-metodológico para abor-
dar os discursos midiáticos, em especial o informativo. As dinâmicas
da tríplice mímesis oferecem, pois, os conceitos e as condições de aná-
lise para os três lugares pertinentes à construção de sentido: produção,
produto e reconhecimento. Aqui, uma demonstração da contribuição
de Ricoeur à AD.
Para tratar da produção do discurso informativo na relação entre co-
municação estratégica, mediante assessoria de imprensa,1 e jornalismo,
1 Tradicionalmente, a assessoria de imprensa conforma-se como um dos braços da assessoria
de comunicação, setor que envolve profissionais de relações públicas, jornalismo, publici-
dade e propaganda, marketing, tecnologia da informação, design, entre outros, para gestar,
numa ação sinérgica, identidade, imagem e reputação das organizações. Em outros termos,
a assessoria de comunicação desenvolve, em suas ações, as relações, práticas e discursos da
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será seguida a trilha deixada por autores como Patrick Charaudeau, que
invocam a Hermenêutica (H), mais especificamente o círculo hermenêu-
tico de Paul Ricoeur, no que tange ao aprimoramento das investigações
em AD.2 Isso porque, com base na noção da tríplice mímesis – que se re-
fere ao mundo a configurar, mundo configurado e mundo refigurado –,
o filósofo põe em relevo o duplo processo que se estabelece entre as
comunicação organizacional ou estratégica. Nesse escopo mais amplo, a AI é responsável, a
priori, pela mediação entre fontes e veículos jornalísticos. No entanto, em virtude das mudan-
ças nos processos de produção, circulação e recepção das informações e, também, nas formas
de relacionamento entre a fonte e a mídia noticiosa, o termo “assessoria de imprensa”
vem se dissolvendo na própria nomenclatura mais ampla, “assessoria de comunicação”.
A centenária expressão, todavia, ainda provoca um rápido reconhecimento e identificação
das práticas profissionais, por isso, enfatiza-se a opção por mantê-la nesta publicação.
2 Uma abordagem sobre as aproximações e distanciamentos entre AD e hermenêutica pode ser
conferida no texto “Análise do discurso e hermenêutica: reflexões sobre a relação estrutura
e acontecimento”, de Isabel Carvalho (2005). A autora pondera que tanto a AD quanto a
hermenêutica são tributárias do chamado “giro linguístico” (RORTY, 1990) ou “giro interpre-
tativo” – (GEERTZ, 1994), que marcaram uma ruptura com as tradições filosóficas que deram
sustentação ao ideal científico da modernidade ocidental, especialmente o idealismo (platô-
nico) e o racionalismo (kantiano e cartesiano). No que tange à relação com o estruturalismo,
a autora pondera que a AD de Pêcheux deita raízes no estruturalismo. Já Ricoeur, segundo
Isabel Carvalho (2005), não traça uma oposição entre o estruturalismo e a hermenêutica,
mas reconhece as propostas e limitações de cada um, sendo o primeiro pertencente à ciência
e o segundo, uma disciplina filosófica: “tanto o estruturalismo visa a distanciar, a objetivar,
a separar da equação pessoal do pesquisador a estrutura de uma instituição, um mito, de
um rito, quanto o pensamento hermenêutico embrenha-se naquilo que podemos chamar
de ‘o círculo hermenêutico’ do compreender e do crer, que o desqualifica como ciência e o
qualifica como pensamento mediante”. (RICOEUR, 1978, p. 29 apud CARVALHO, I., 2005,
p. 5) Vale também conferir o texto de Marcelo Gomes (2012). O autor destaca que Ricoeur
acrescentou à teoria hermenêutica clássica outros enfoques e conceitos, como a fenomenologia,
a perspectiva historicista de Paul Veyne e o pós-estruturalismo de Lacan e Greimas. “É bom
que se diga que o confronto entre a inteligência configurativa da intriga e a racionalidade
estrutural da semiótica narrativa se dá de modo assimilativo. Ricoeur absorve os conceitos
de Barthes, Propp e Greimas dentro de um esquema configurativo aberto. Na verdade, ele
considera a semiótica narrativa um grande avanço em relação ao próprio estruturalismo,
porque configura textos, discursos e signos, retirando a análise linguística de um universo
atomista sem intencionalidade. Para Ricoeur, a noção de narrativa dá um sentido (um
conteúdo) à análise formal estruturalista”. (GOMES, 2012, p. 38) Gomes aponta a reflexão
de Ricoeur sobre três estágios da semiótica narrativa: 1. os elementos básicos da narrativa
nos contos folclóricos russos, identificados por Vladimir Propp; 2. os personagens passam
a desempenhar papel mais importante que as funções narrativas na obra de A. J. Greimas;
e 3. a distinção entre enunciação e enunciado, a partir de Todorov, Gunter Müller, Gérard
Genette, Émile Benveniste, Kate Hamburgo e Harald Weinrich.
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instâncias de produção e reconhecimento: o processo de transforma-
ção ou configuração e o processo de transação ou negociação. Assim,
contempla os elementos intradiscursivos e extradiscursivos a partir das
condições de produção e reconhecimento.
O processo de semiotização global do mundo, ou o círculo herme-
nêutico de Ricoeur, amplifica a relação entre enunciadores e coenun-
ciadores para além do interior dos discursos. Na tríplice mímesis, o
círculo semiológico é parte do percurso e refere-se à mímesis II, sendo
precedido pela mímesis I (pré-figuração) e seguido pela mímesis III
(refiguração). O autor propõe uma teoria do texto, porém em conco-
mitância com uma teoria da ação. Isso implica o reconhecimento do
“exílio do signo”,3 uma vez que a linguagem é marginal à experiência.
Mas esse exílio é apenas uma etapa do funcionamento discursivo, que
não pode prescindir do extralinguístico.
Estudar o discurso pelo prisma da tríplice mímesis é acentuar que a
configuração deste ou “a mediação simbólica da ação requer uma pré-
-compreensão do mundo pelo sujeito falante”. (FERREIRA, G., 1999,
p. 84) Para Ricoeur, os discursos são produzidos porque as ações são
“quase textos”. A chamada mímesis I põe em relevo os enunciadores
nos contextos – situacional, institucional e social-macro –, destacando,
pois, as condições de produção. Nesse estágio, a semiologia é convidada
a dialogar com as análises de cunho sociológico e antropológico, a fim
de contemplar o enunciador (no) diante do mundo e do coenuncia-
dor. A hermenêutica de Ricoeur faz com que textos sejam paradigmas
para a ação e ações se tornem uma espécie de referente para toda uma
categoria de textos.4 (FERREIRA, G., 1999, p. 93)
3 “De um lado, o signo não é a coisa referenciada. Ele está recolhido em relação ao seu refe-
rente e engendra, por esta razão, uma nova ordem que se ordena a uma intertextualidade.
De outro lado, o signo designa alguma coisa, e é preciso estar atento a esta segunda função,
que intervém como uma compensação no que toca à primeira, caso ela compense o exílio
do signo na sua ordem própria [...] O signo realiza um recolhimento em relação às coisas, e
a frase regressa a linguagem ao mundo”. (RICOEUR, 1995 apud FERRERA, 1999, p. 84)
4 Ver mais em Ricoeur (1986).
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Na mímesis II, a configuração, essa faculdade da linguagem de dar
forma ao mundo, à ação, constitui uma imitação criativa,5 unindo ele-
mentos extradiscursivos e intradiscursivos. Numa dupla dinâmica,
a configuração, internamente, tece a relação dos sujeitos discursivos
(objeto de estudo da semiologia); e, externamente, tem a capacidade
de apreensão das coisas e projeção fora de, engendrando a “coisa do
texto”. (FERREIRA, G. 1999, p. 87) Aqui, a configuração atende ao que
Ricoeur (1991) reconhece como uma imperiosa demanda de sentido,
uma exigência de ordenamento do mundo prefigurado. No último ve-
tor das três mímesis, há o encontro entre o mundo do texto e o mundo
do leitor. A mímesis III6 incide em todo o círculo, instaurando a semio-
se ilimitada.
O círculo hermenêutico, ao evidenciar os processos de transforma-
ção e transação, revela tanto os sujeitos no interior do discurso quanto
os sujeitos externos à tessitura da intriga, os sujeitos historicamente de-
terminados, que estão em relação nas situações de comunicação. Eis,
então, a justificativa para a escolha deste aporte metodológico:
As três mímesis, que edificam o círculo hermenêutico de Ricoeur,
nos ajudam a melhor apreender as tramas de uma semiotização
global, em que os sujeitos posicionados no interior e fora do
discurso são plenos de sentido para entendermos as estratégias
adotadas para produzir e reconhecer os discursos. (FERREIRA,
G., 1999, p. 93)
Até aqui, destaca-se que o círculo hermenêutico de Ricoeur consiste
em uma lente de aumento sobre a importância de abordar a produ-
ção de sentido a partir da articulação de elementos intralinguísticos e
5 O termo “mímesis” (ou “mimese”), na Poética, de Aristóteles, não representa a cópia, como
se poderia inferir a partir da etimologia do termo (mimoi = imitação), mas guarda uma
dimensão criadora/criativa da representação.
6 A refiguração é identificada como hermenêutica porque é a tentativa de resposta interpre-
tativa aos sentidos inscritos no mundo configurado através dos textos. (CHARAUDEAU,
2003, 2012a)
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extralinguísticos. Essa é a discussão que marca, neste percurso, o en-
contro entre a AD e a hermenêutica de Ricoeur. Para discorrer sobre
essa conjunção, foram desenvolvidos quatro capítulos.
O capítulo “O círculo hermenêutico de Paul Ricoeur: o processo de
semiotização global” apresenta as três mímesis e como estas evidenciam
e expressam os processos de produção do sentido. A tese de que o tem-
po humano é um tempo narrativizado, defendida por Ricoeur nos três
tomos de Tempo e narrativa (RICOEUR, 2010a, 2010b, 2010c), também
é sintetizada no percurso mimético. Nesse capítulo, defende-se que o
círculo hermenêutico, ao ampliar os horizontes da AD, disponibiliza o
aporte metodológico para que sejam estudados os processos de trans-
formação e transação do discurso informativo, construído na relação
entre AI e jornalismo.
Sendo assim, é defendida a seguinte distribuição de conteúdo en-
tre os capítulos deste momento da trajetória. Um capítulo apresenta o
arcabouço teórico e consiste no alicerce às propostas metodológicas,
que serão desenvolvidas, respectivamente, nos textos sobre os proces-
sos de transação e transformação.
O capítulo “Os processos de transformação: dos discursos informa-
tivos e zona de interseção” destaca as especificidades configurativas
do discurso informativo estratégico (produzido pela AI) e do discurso
informativo jornalístico (produzido pela redação, a partir do texto da
AI). Já “Os processos de transação: dos contratos comunicativos e zona
de interseção” é voltado às relações contratuais, que são engendradas
em torno da construção dos discursos mencionados. Nessa negocia-
ção, há o contrato estabelecido entre AI e redação jornalística, de um
lado, e o contrato de comunicação entre suporte jornalístico e leitor,
do outro. Nos três capítulos, é promovido o diálogo entre Ricoeur e
pesquisadores da AD – como Charaudeau (1997, 2003, 2012a), Fausto
Neto (2009); Fausto Neto e demais autores (2011), Ferreira (1997, 1999,
2011), Mouillaud (2002a, 2002b, 2002c), Mouillaud e Porto (2012),
Verón (1987, 2004, 2013), Quéré (2013), entre outros – e também re-
corre-se aos autores da chamada comunicação organizacional, para
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elucidar aspectos específicos do discurso informativo, enunciado
pela assessoria de imprensa. (FERRARI, 2009; KUNSCH, 2003, 2009a,
2009b, 2009c; SANT’ANNA, 2007a, 2007b, 2008a; TORQUATO, 2002)
Nesse trajeto, verificou-se que, para tratar analiticamente o dis-
curso informativo construído na relação entre AI e jornalismo, é pre-
ciso contemplar as zonas de interseção existentes entre o discurso
informativo estratégico e o discurso informativo jornalístico. Essa
é uma etapa do percurso analítico. A outra consiste em identificar
as zonas de interseção dos contratos de comunicação estabelecidos
entre assessoria de imprensa-redação jornalística, de um lado, e su-
porte jornalístico-leitor, do outro. Em termos de processos analíticos
propostos, tem-se, até aqui, a seguinte disposição: a construção do
discurso informativo entre assessoria e redação jornalística se dá a
partir de relações (inter)contratuais e negociação entre os discursos
informativos estratégico e jornalístico.
Para abarcar as zonas de interseção nos discursos mencionados,
sugere-se que eles sejam analisados, no primeiro momento, separa-
damente, para depois serem comparados, a fim de se efetuar a sinali-
zação dos elementos de aproximação e distanciamento. Dessa forma,
pode-se inferir em que medida o processo configurativo do discurso
informativo midiático se apropria (ou não) do discurso da assessoria,
ou seja, da comunicação estratégica. Já no que diz respeito às relações
contratuais, verifica-se como os contratos em jogo podem ser moda-
lizados para atender ao processo configurativo do discurso jornalís-
tico quando este se ancora numa produção da assessoria. Em síntese,
é proposta, para além da consideração analítica dos discursos e dos
contratos individualmente, a investigação sobre as articulações que
são operadas nas conexões entre eles nas zonas de interseção instau-
radas. Essa discussão é desenvolvida no capítulo “Um mapa das pri-
meiras partes do percurso: os contratos e os ciclos das informações
estratégica e jornalística”.
Se, neste momento da “caminhada”, a AD invoca a hermenêutica, é
possível antecipar que esse diálogo vai solicitar outros aportes teóricos.
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Isso porque o que se configura no discurso informativo é a narração
do acontecimento – esse, todavia, é assunto para outro momento. Por
ora, a atenção volta-se ao círculo de Ricoeur articulado à AD, no intuito
de abarcar o discurso informativo, construído na relação entre AI e re-
dação jornalística.
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O CÍRCULO HERMENÊUTICO
DE PAUL RICOEUR
O PROCESSO DE SEMIOTIZAÇÃO GLOBAL
Ao longo deste livro, é acentuado que o processo comunicativo pro-
move a troca entre as instâncias de produção e recepção e instaura
três lugares pertinentes para o estudo da construção de sentido: a pro-
dução, o produto e o reconhecimento. O processo de configuração do
discurso informativo já foi, muitas vezes, abordado a partir do círculo
hermenêutico de Ricoeur, estruturado na articulação da tríplice mímesis.
(ANTUNES, 2007a, 2007b; CARVALHO, C., 2012; CHARAUDEAU, 1997,
2003, 2012a, 2012b; FERREIRA, G., 1997, 1999; SODRÉ, 2009) Por esse
viés, o mundo a configurar refere-se ao acontecimento em estado bruto
(mímesis I); o mundo configurado, ao acontecimento narrado ou notí-
cia (mímesis II); e o mundo refigurado é o acontecimento interpretado
(mímesis III). Analisar a produção da notícia a partir da interferência da
assessoria de imprensa, sob o prisma da proposta de Ricoeur, é um dos
desafios desta publicação. Nessa perspectiva, a instância da produção
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se complexifica e solicita a consideração de outras camadas de sentido.
Com o intuito de realizar tal estudo, deve-se, no primeiro momento,
compreender o círculo de Ricoeur em diálogo com a AD, para depois
usá-lo na abordagem construtiva da notícia.
Registrar fatos sócio-históricos e garantir a circulação desse registro
permitem ao homem vivenciar sua humanidade e produzem, no âm-
bito social, a partilha de informações que consiste numa estratégia de
manutenção do cotidiano, do lugar de cidadão e das relações políticas,
econômicas e culturais que dão liga e corpo à sociedade.
Neste texto, a notícia é entendida como mais uma manifestação de
que o tempo precisa de conteúdo para se manifestar, ou seja, o tempo
humano é um tempo narrativizado. “O tempo torna-se tempo humano na
medida em que está articulado de modo narrativo, e a narrativa alcança
sua significação plenária quando se torna uma condição de existência
temporal”. (RICOEUR, 2010a, p. 93) A principal hipótese, elaborada
pelo filósofo francês Paul Ricoeur nos três volumes sobre o tempo e a
narrativa, surgiu da articulação entre as reflexões sobre o tempo, em
Santo Agostinho, e a tessitura da intriga, em Aristóteles. Ricoeur pro-
pôs reparar duas fissuras: conferir à narratologia um aspecto temporal e
oferecer ao tempo uma extensão. Dessa forma, o círculo hermenêutico
tenta dissolver a aporia do tempo, tratando da problemática do tempo
físico, cronológico, e das indagações em torno da existência de um ser
no tempo. As narrativas, enquanto viabilidade de presentificação, de
permanente atualização, concedem ao tempo a possibilidade do ser,
independentemente das referências ao passado, projeções para o futuro
ou fluidez do presente. Mas narrar não é só atualizar acontecimentos,
é também instaurar a tessitura da intriga, agenciar o que parecia sol-
to ou fragmentado. “Compor a intriga já é fazer surgir o inteligível do
acidental, o universal do singular, o necessário ou o verossímil do epi-
sódico”. (RICOEUR, 2010a, p. 74)
Se compor uma notícia é tecer uma intriga, é agenciar fatos e reti-
rar da multiplicidade um certo encadeamento, esse processo de síntese
conforma a narrativa. A intriga, para Aristóteles, é a mímesis da ação,
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cuja ideia é recuperada e refinada por Ricoeur (2010a, p. 57) na pers-
pectiva de uma imitação criadora:
Evoco em Aristóteles a célula melódica de uma dupla reflexão,
cujo desenvolvimento é tão importante quanto o impulso inicial.
Esse desenvolvimento afetará os dois conceitos inspirados em
Aristóteles, o de tessitura da intriga (mythos) e o de atividade
mimética (mímesis).
A função mimética é exercida, de preferência, no campo da ação e
de seus valores temporais. Para o autor, a narrativa, entendida enquanto
estruturação e não estrutura, comporta três semelhanças miméticas:
mímesis I (pré-configuração) – é o tempo da ação ou vivido; mímesis II
(configuração) – é o tempo da invenção, ou armação da intriga; e mí-
mesis III (reconfiguração) – o tempo de leitura, encontro do mundo do
texto com o mundo do leitor.
Edificado nas três mímesis, o círculo hermenêutico constitui um
aporte metodológico para a análise de discurso, pois ultrapassa o círculo
semiológico ao contemplar os aspectos extralinguísticos. (FERREIRA,
G., 1999) Mediante as noções de mundo a configurar, mundo confi-
gurado e mundo refigurado, Ricoeur aponta que, na relação entre os
interlocutores do ato comunicativo, três dimensões estão dispostas no
discurso: 1. a mediação do signo; 2. o reconhecimento do outro impli-
cado no ato da interlocução; e, por fim, 3. a relação com o mundo tam-
bém solicitada na visão referencial do discurso. O discurso é um lugar
de convergência dessas três problemáticas.
No círculo tridimensional de Ricoeur, o círculo semiológico se
torna a mímesis II (FERREIRA, 1999), que é considerada o eixo da
análise, e assume uma posição intermediária entre as operações das
mímesis I e III. “Seguimos, pois, o destino de um tempo prefigurado
em um tempo refigurado, pela mediação de um tempo configurado”.
(RICOEUR, 2010a, p. 95, grifo do autor) Tendo em vista o processo
comunicativo, mímesis I e III abarcam, respectivamente, condições
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de produção e de reconhecimento, e a mímesis II é o produto, mundo
já configurado. Vimos que, na comunicação entre interlocutores, a
produção de sentido ocorre em um duplo processo: de transforma-
ção (configuração) e de transação (negociação). A Figura 2 representa
essa articulação entre o círculo hermenêutico e o duplo processo de
produção de sentido da AD:
Figura 2 – Círculo hermenêutico de Ricoeur e a produção de sentido no discurso
Processo de configuração (transformação)
Mundo a Sujeito Falante Mundo Sujeito Falante Mundo
configurar configurado refigurado
(Mímesis I) (Mímesis II) (Mímesis III)
Processo de negociação (transação)
Fonte: Ferreira (1999).
À mímesis II é atribuída uma posição mediadora, uma vez que
“por sua função de corte, ela abre o mundo da composição poética”.
(RICOEUR, 2010a, p. 94) O filósofo sustenta a tese de que a configura-
ção é resultado da articulação entre a produção e a recepção: “o próprio
sentido da operação de configuração constitutiva da composição da in-
triga resulta de sua posição intermediária entre as duas operações que
chamo de mímesis I e mímesis III e que constituem o antes e o depois
da mímesis II”. (RICOEUR, 2010a, p. 94) Em outras palavras, é o processo
de negociação que comanda a transformação, como já sublinhado an-
teriormente. E, por esse ângulo, “a mímesis II extrai sua inteligibilidade
de sua faculdade de mediação, que é a de conduzir do antes ao depois
do texto, de transfigurar o antes em depois por seu poder de configu-
ração”. (RICOEUR, 2010a, p. 94)
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A TRÍPLICE MÍMESIS
Sob o amparo da própria justificativa de Paul Ricoeur de que sua her-
menêutica tem um caráter aplicado, recorre-se ao círculo, proposto
pelo filósofo, numa tentativa de abarcar discursos e contratos, que
são estabelecidos no processo de construção da notícia quando há a
interação entre AI e redação jornalística. Em suas reflexões semioló-
gicas, Ricoeur dialogou com os estruturalistas Ferdinand de Saussure,
Barthes, Greimas, Genette etc. Todos esses pensadores, entretanto, ti-
nham em comum uma reflexão ancorada somente nas estruturas do
texto, em detrimento da exclusão das instâncias produtivas e receptivas.
(FERREIRA, G., 1999) Ricoeur (2010a, p. 94-95) foi além e ponderou:
“Em contrapartida, é tarefa da hermenêutica reconstituir o conjunto
das operações pelas quais uma obra se destaca do fundo opaco do vi-
ver, do agir e do sofrer, para ser dada por um autor a um leitor que a
recebe e assim muda o seu agir”.
Por meio das três mímesis, o círculo hermenêutico envolve a situa-
ção de comunicação e os contratos comunicativos gerados nela e por
ela. As noções de mundo a configurar, mundo configurado e mundo
refigurado evidenciam o duplo processo que ocorre entre as instâncias
de produção e recepção: o processo de transformação ou configuração
e o processo de transação ou negociação. (CHARAUDEAU, 1994, 2003,
2012a, 2012b; FERREIRA, G., 1997, 1999; SODRÉ, 2009) Assim, subli-
nha-se, mais uma vez, a superação do ponto de vista de que o círculo
semiológico dá conta da totalidade do processo de significação.
Com as mímesis, Ricoeur elabora, conjuntamente, uma teoria do
texto e uma teoria da ação, ao demonstrar que o tempo estruturado
como narrativa – récit – consiste na passagem do tempo do mundo
ao tempo do homem. No mais, as articulações miméticas também
descrevem a dualidade do signo. “De um lado, ele não é a coisa a
qual ele se refere, quer dizer, ele não se metamorfoseia em sua refe-
rência, mas, de outro lado, ele invoca o referente, ele é uma ‘repre-
sentação’ ou ‘imitação’ daquilo a que se refere”. (FERREIRA, G., 1999,
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p. 83) Eis, aqui, o duplo aspecto do signo, sua força e sua fraqueza,
“de onde se origina o funcionamento dialético das três mímesis”.
(FERREIRA, G., 1999, p. 83)
A escolha pelo círculo hermenêutico de Paul Ricoeur deve-se ao
fato de que ele garante a abordagem de elementos extralinguísticos e
intralinguísticos e permite a demonstração inclusiva dos contratos e
discursos postos em cena na relação entre assessoria de imprensa – co-
municação estratégica –, veículo jornalístico e leitor para construção
da notícia. Essa abertura para além do texto é que provoca a constante
remissão à tríplice mímesis pela AD, pois o discurso é relacional, ocorre
na fricção, conexão e interseção entre o que está fora e dentro.
Das condições de produção ou mímesis I
Como já foi visto, para construir a mediação entre tempo e narra-
tiva, Ricoeur lança mão dos três modos miméticos. Esse processo de
configuração – tessitura da intriga ou estruturação do discurso – é dis-
parado pela dimensão semântica da ação, entendida como um “quase
texto”. Grosso modo, isso implica que, no mundo vivido, as ações são
praticadas e recebidas nas margens balizadoras da história, da cultura,
de seus valores e padrões. Na interpretação de Ricoeur (2010a): a ação
pode ser narrada, porque é simbolicamente mediada, já que está arti-
culada em signos, regras e normas.
A tessitura da intriga – mediação simbólica da ação ou estruturação
discursiva – requer do enunciador (instância da produção) uma pré-
-compreensão do mundo da ação: de suas estruturas inteligíveis, de seus
recursos simbólicos e de seu caráter temporal. (RICOEUR, 2010a, p. 96)
Em resumo, o mundo se torna configurado porque as ações são quase
textos e temos delas uma pré-compreensão, guiada por inteligibilida-
de, simbolismo e temporalidade. Essa pré-compreensão só é possível
porque há um repertório comungado culturalmente. Se, de um lado, o
tempo é configurado a partir da narrativa, do outro, a narrativa se vale
sempre de codificações.
94 CLAUDIANE CARVALHO
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A composição da intriga tem sua primeira ancoragem nas estru-
turas inteligíveis, a partir das quais se distingue o domínio da ação
do domínio do movimento físico. O termo “ação”, aliás, em sentido
estrito, remete à dimensão de que aquilo que alguém faz implica
objetivos, motivos (RICOEUR, 1989, 2010a); guarda uma intenciona-
lidade e consequências. Assim, reconhecer o agente da ação e suas
motivações – “quem” e “para quê” – está no âmbito da inteligibilidade,
ou seja, da relação entre a compreensão prática e a compreensão
narrativa. “A relação entre inteligência prática e narrativa coloca
em evidência o processo de transformação em que o mundo a sig-
nificar torna-se mundo significado, quer dizer, a coisa apresentada
torna-se pela narração a coisa re-presentada”. (FERREIRA, G., 1999,
p. 85) A título de elucidação, a compreensão prática responde ques-
tões como: “o quê”, “por quê”, “quem”, “como”, ou “com” ou “contra
quem” da ação. Compreensão narrativa e compreensão prática assu-
mem, concomitantemente, relações de pressuposição e transformação.
(RICOEUR, 2010a, p. 98)
Com o intuito de explanar sobre a relação entre a dimensão das
ações e a composição narrativa, encontra-se um atalho na semiótica
a partir da comparação com os eixos paradigmático e sintagmático.
Nesse ponto de vista, a rede conceitual da ação refere-se à ordem
paradigmática e as regras de composição narrativa são da ordem sin-
tagmática. As histórias são compreendidas porque se compreende a
tradição social e cultural, da qual nascem os tipos de intrigas. Aqui,
estão as raízes da explicação para a dupla relação de pressuposição
e transformação entre a compreensão prática e a compreensão nar-
rativa. Isso porque “entender o que é uma narrativa é dominar as
regras que governam sua ordem sintagmática” (RICOEUR, 2010a,
p. 100), que pode ser traduzido como mapeamento das condições
de produção discursiva, ou seja, integração e atualização da ordem
paradigmática.
Ao perceber que a narrativa é a instauração de uma ordem sintag-
mática em relação à ordem paradigmática da rede conceitual da ação,
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adentra-se o terreno das condições de produção. Eis, então, o momento
de abordar os agentes da ação. Esses são agentes históricos e culturais e
suas atuações, portanto, carregam o legado de circunstâncias que não
produziram. (RICOEUR, 2010a) Desse modo, se a perspectiva adotada
for da produção discursiva, tratar-se-á da delimitação dos contextos
imediato, institucional e sociocultural amplo, através da atuação dos
interlocutores no processo comunicativo. A ponderação de Ricoeur
(2010a, p. 97-98) vem a calhar:
Entendemos também que esses agentes agem e sofrem em
circunstâncias que eles não produziram e que, no entanto, per-
tencem ao campo prático, na medida precisamente em que elas
circunscrevem a sua intervenção de agentes históricos no curso
dos acontecimentos físicos e que oferecem à ação deles ocasiões
favoráveis ou desfavoráveis.
A questão dos agentes no processo comunicativo é outro aspecto
explicitado pela ancoragem das estruturas inteligíveis na composição
narrativa. Ao demarcar os lugares sócio-históricos dos interlocutores,
Ricoeur deixa uma fresta para a reflexão de que o discurso se constrói
e se sustenta a partir das representações compartilhadas dos interlocu-
tores. Mas também é pelo discurso que essas representações são cons-
truídas, mantendo a dinâmica irreversível da semiose ilimitada. No
mais, focar nos interlocutores do discurso – ou agentes da composição
narrativa – é trazer à cena também as indagações sobre a finalidade
desse encontro. Como é sabido, a noção de finalidade é indissociável
dos interlocutores, portanto, falar dos agentes é abordar as motiva-
ções para a relação, as intenções presumidas. “Identificar um agente e
reconhecer-lhe motivos são operações complementares”. (RICOEUR,
2010a, p. 97-98)
Vale lembrar, ainda, que o agir pressupõe o outro, solicitação que se
estende à tessitura da intriga ou elaboração discursiva. O discurso não é
barco lançado em alto mar para ficar à deriva, ele tem endereçamentos
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e os interlocutores podem estabelecer contatos de cooperação, compe-
tição ou luta. (RICOEUR, 2010c; SODRÉ, 2009)
Essas relações descritas e todas as formas de interações sociais são
simbolicamente mediadas. O enunciador utiliza o sistema simbólico
“em função de”, pode-se dizer “em função da relação com seu auditó-
rio, mas, acima de tudo, pela maneira na qual ele se coloca no mundo
ou chão social em que está inserido”. (FERREIRA, G., 1999, p. 85) Em
outras palavras, a ação simbólica está relacionada à posição do sujeito
no contexto comunicativo, ou melhor, à sua posição definida pelas con-
dições de produção. Por isso, acentua-se, mais uma vez, que é preciso ir
além dos limites do círculo semiológico, sinalizando as conexões entre
o “intra” e o “extra” discursivo.1
No intuito de versar sobre a mediação simbólica, segunda anco-
ragem da tessitura da intriga, Ricoeur recorre aos cientistas sociais
Cassirer (2001) e Geertz (2008) para argumentar que as formas sim-
bólicas são processos culturais, moduladores das experiências, e a
cultura é pública, porque a significação também o é. Essas reflexões
estancam as possibilidades de ver o simbolismo como operação psico-
lógica de caráter individual, para entendê-lo como uma “significação
incorporada à ação e passível de ser decifrada nela pelos outros atores
do jogo social”. (RICOEUR, 2010a, p. 102) Essa estrutura simbólica,
que enquadra e substancia as trocas no ato comunicativo, dá textura
ao duplo processo de produção do sentido, ou seja, tanto a transfor-
mação quanto, especialmente, a negociação ou transação – esta última
porque garante a construção discursiva ou, conforme explicitado antes,
comanda a configuração.
A mediação simbólica tem um ordenamento, é estruturada em
conjunto e, antes de ser texto, apresenta uma textura. “Compreender
um rito é situá-lo num ritual, este num culto e, gradativamente, no
1 Essa abordagem justifica a defesa pela interdisciplinaridade compactuada pelos pesquisa-
dores da AD. A fim de abarcar os aspectos internos e externos ao discurso, dialogam entre
si a linguística, a sociologia, a antropologia etc.
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conjunto das convenções, das crenças e das instituições que formam a
rede simbólica da cultura”. (RICOEUR, 2010a, p. 102) Assim, as ações
estão sempre contextualizadas e têm sua primeira legibilidade conferida
pelo simbolismo. Afinal de contas, “se podemos falar em ação como
um quase texto é na medida em que os símbolos, entendidos como in-
terpretantes, fornecem as regras de significação em função das quais
determinada conduta pode ser interpretada”. (RICOEUR, 2010a, p. 103)
Dentro de uma cultura, por exemplo, uma ação pode ser valorada como
boa ou ruim e esse juízo pode ser estendido ao seu agente. Essa é mais
uma demonstração da ação como quase texto, ou seja, sempre simbo-
licamente mediada. Aqui, encontra-se terreno fértil para compreender
porque determinadas práticas, tanto no jornalismo como na assessoria
de imprensa, embalam seus respectivos discursos, a fim de que estes
tenham veracidade e verossimilhança e tais efeitos respinguem nos
agentes em tons de legitimidade ou confiança.
Os aspectos simbólicos e a inteligibilidade, entretanto, só garantem
a pré-compreensão da ação se estiverem conectados à temporalidade,
uma vez que a vida cotidiana é organizada numa perspectiva do antes,
do agora e de depois, ou seja, presente passado e futuro:
O ser no tempo é assim visto e interpretado em função da re-
presentação ordinária do tempo. Nossa Preocupação nos coloca
sempre em relação ao mundo numa perspectiva ‘é tempo de fazer
algo’. É nessa ótica que a narração tem, entre outros sustentácu-
los, a temporalidade que escora a pré-compreensão da produção
discursiva. (FERREIRA, G., 1999, p. 86-87)
No discurso jornalístico, apropriado pela assessoria de imprensa,
o aspecto temporal, na tessitura do texto, conforma-se na construção
da atualidade, o tempo do presente estendido, do aqui-agora instau-
rado. Essa conformação adere à reflexão, trazida por Ricoeur, sobre
a noção de intratemporalidade – o ser “dentro” do tempo –, que rom-
pe com a visão linear sobre a passagem do tempo, cuja origem está
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fincada no mundo natural, o claro/o escuro, a mudança das estações.
“O benefício da análise da intratemporalidade reside na ruptura que
essa análise opera com a representação linear do tempo, entendida
como simples sucessão de agoras”. (RICOEUR, 2010a, p. 110) A nar-
rativa seria o lugar, por excelência, desse ser no tempo, pois consiste
numa estruturação que pode negar a linearidade, romper com a su-
cessão de agoras, mas garante sempre a presentificação, a atualização
dos acontecimentos. “É sobre o fundamento da intratemporalidade
que serão edificadas conjuntamente as configurações narrativas e as
formas mais elaboradas de temporalidade que lhes correspondem”.
(RICOEUR, 2010a, p. 110)
Antes de seguir, vale a consideração de que a mímesis I é a pressu-
posição da mímesis II, ou seja, a configuração, a construção discursiva
está ancorada nos aspectos de inteligibilidade, simbolismo e tempora-
lidades, já inscritos nas ações, que se apresentam como quase textos.
A riqueza da mímesis I reside no fato de que representar a ação consis-
te, em primeiro lugar, em compreender o agir humano. Como afirma
Ricoeur (2010a, p. 112): “Resta o fato de que, a despeito do corte que
institui, a literatura seria para sempre incompreensível se não viesse
configurar o que, na ação humana, já faz figura”.
Neste livro, aborda-se a pré-figuração da notícia, a partir da mímesis I,
levando em consideração os aspectos da inteligibilidade, simbolismo
e temporalidade que constituem e são constituídos nos contratos co-
municativos entre assessoria, redação jornalística e leitor. Se a notícia,
enquanto acontecimento configurado (narrado), goza de uma aceita-
ção e, hoje, é um dos produtos mais expressivos da contemporaneida-
de, existiu uma textualidade simbólica antes mesmo do texto. E isso
impulsiona um olhar capaz de envolver o texto, também, a partir de
abordagens antropológicas e sociológicas, embora essas não sejam o
alvo desta publicação.
O estudo da mímesis I favorece observar a situação de comunicação,
uma vez que o discurso produz sentido dentro de uma dada situação
e o interesse social desse discurso está à mercê das condições de troca
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entre os interlocutores. Das trocas nascem os contratos e a necessi-
dade de entender as representações sociais dos parceiros envolvidos
no acordo – nesse caso, jornalismo e assessoria de imprensa/relações
públicas. Além disso, ao ser histórico, há uma imersão numa cultura,
numa língua, e mesmo quem não é jornalista ou assessor de imprensa
tem alguns referenciais do que seja notícia. Na área profissional, por
exemplo, parece haver uma naturalização sobre “o que é ou não é no-
tícia”, frase dita com certa tranquilidade, até mesmo nos primeiros se-
mestres do curso de jornalismo.
A mímesis I acomoda a análise de algumas preocupações do contra-
to comunicativo, como identidade dos parceiros, finalidade da troca,
aspectos da construção social do acontecimento e restrições do dispo-
sitivo. (CHARAUDEAU, 2003, 2012a) Esses operadores analíticos po-
dem ser acionados nas outras mímesis, assim como a mímesis I pode
ancorar discussões sobre os “modos de dizer”, por exemplo. Esse livre
trânsito se justifica pelo fato de que entre as mímesis não há frontei-
ras estanques, pois se referem a etapas do processo de configuração e,
portanto, se sobrepõem, se encontram, se cruzam, estão em desenvol-
vimento. No que tange à construção da notícia na relação entre jorna-
lismo e assessoria de imprensa, algumas análises se fazem vigorosas,
as quais advêm de questões como: que representações sociais têm o
jornalismo e a assessoria de imprensa? Como se desenvolvem rotinas
e práticas produtivas para a construção do discurso informativo, pelo
viés do newsmaking, da agenda setting/framing? Que valores norteiam
o discurso jornalístico? Que valores norteiam a comunicação dita estra-
tégica? Não se exaurem aqui as perguntas que podem ser suscitadas,
mas os quesitos explicitados trazem em seu bojo outras problemáticas:
a notícia enquanto forma e conteúdo previstos (a simbolização), a con-
figuração do tempo no discurso jornalístico (factualidade/atualidade)
e as ambiguidades e dialéticas que marcam a produção da informação
tanto nas empresas jornalísticas quanto nos setores de comunicação
organizacional, entre outros.
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Do produto, acontecimento configurado (notícia),
ou mímesis II
A mímesis II trata da sucessão configurada como obra. Ricoeur, nesse
estágio, substitui o termo “intriga” pela expressão “tessitura da intriga”,
porque se refere a operações, ao agenciamento dos fatos. Numa posi-
ção intermediária, esse modelo mimético tem também uma função
mediadora. “Quero entender melhor sua função de mediação entre o
antes e o depois da configuração. Mímesis II só tem uma posição inter-
mediária porque tem uma função de mediação”. (RICOEUR, 2010a,
p. 113) A mediação se dá entre o extradiscursivo e o intradiscursivo.
A dinâmica interna é explorada pela semiologia, que coloca tônica
na relação dos sujeitos internos do discurso. Já a dinâmica externa
refere-se às marcas da produção deixadas no texto, a capacidade de
tornar interno o que, a priori, seria externo. Assim, a mímesis II é o
“espaço de integração ao nível interno e de mediação ao nível externo”.
(FERREIRA, G., 1999, p. 87-88)
Segundo Ricoeur, essa função de mediação é justificada por três
motivos: 1. transforma eventos em história contada; 2. une fatores he-
terogêneos; e 3. engendra na história aspectos temporais. O primeiro
motivo refere-se à configuração extraída da sucessão, o segundo diz
respeito à passagem do paradigmático ao sintagmático e o terceiro,
mais explícito, concerne aos caracteres temporais próprios da narrativa.
(RICOEUR, 2010a) E o filósofo adianta o que entende por narrativa –
por uma tessitura da intriga – ao referir-se a uma história que se deixa
seguir, permitindo à trama poder ser traduzida num pensamento, num
“tema”:
Em primeiro lugar, o arranjo configurante transforma a sucessão
dos acontecimentos numa totalidade significante, que é o corre-
lato do ato de reunir os acontecimentos, e faz com que a história
possa ser acompanhada. Graças a esse ato reflexivo, a intriga
inteira pode ser traduzida num ‘pensamento’, que nada mais é
que sua ‘chave de ouro’ ou seu ‘tema’ [...] O tempo da ‘fábula-e-
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-do-tema’, para empregar uma expressão de Northrop Frye, é o
tempo narrativo que faz a mediação entre o aspecto episódico e
o aspecto configurante. (RICOEUR, 2010a, p. 117)
Essa possibilidade de a história contada ser traduzida em um “tema”
refere-se à primeira mediação da intriga, ou seja, à configuração extraída
de uma sucessão. A história é calcada numa totalidade inteligível; é,
portanto, o ordenamento em contrapartida aos acontecimentos enume-
rados em série. Já a segunda mediação está vinculada à composição, na
intriga, de fatores heterogêneos, como agentes, objetivos, meios, intera-
ções, circunstâncias, resultados inesperados etc. Nesse ponto, ancora-se
a passagem do paradigmático ao sintagmático, ou seja, a transição de
mímesis I para mímesis II. (RICOEUR, 2010a, p. 114-115)
A terceira mediação da intriga atrai para si, como uma espécie de
ímã, as mediações anteriores quando promove a conexão entre as di-
mensões cronológica e não cronológica. O tempo narrativo, num viés
cronológico, adquire linearidade, comprovada em indagações como:
“e então?”, “o que aconteceu depois?”. Na chamada história contada,
os episódios são envolvidos numa ordem, cuja sequência também
garante sentido à narrativa. Em outras palavras, “da diversidade de
acontecimentos, tira-se uma totalidade temporal”. (RICOEUR, 2010a,
p. 116) Já na dimensão não cronológica, ou configurante, a intriga pode
ser representada por seu “tema”. Além disso, o “senso de ponto final”
realiza um rasgo na infinitude de episódios e incidentes e, finalmente,
a história pode ser contada e recontada como uma flecha que sai do
passado rumo ao futuro.
As mediações fazem a passagem da mímesis I para a mímesis II e é
nessa transição que nascem os paradigmas, os tipos são diversificados,
os gêneros remodelados ou instituídos e as formas, testadas. O jogo en-
tre inovação, tradição e sedimentação é constituinte do configurar. Isso
porque a instância produtora, “além de não ser sem regras, constitui
uma matriz geradora de regras”. (RICOEUR, 2010a, p. 133)
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A tradição é oriunda da sedimentação dos esquemas desenvolvi-
dos nos vários níveis da narrativa, seja na forma da expressão ou na
expressão do conteúdo. Os paradigmas se consagram nesse processo
social porque a obra encontra seu leitor ou, em outros termos, para uma
instância de produção há, em correspondência, uma instância de reco-
nhecimento. A mediação entre elas é garantida pela obra, pelo produto.
Não se pode esquecer, entretanto, que a tradição se mantém, quando
é renovada; ela transita entre dois extremos, o polo da sedimentação e
o polo da inovação. “O esquematismo da função narrativa se presta a
uma tipologia de gênero. Esse esquematismo, por sua vez, constitui-se
numa história que tem todas as características de uma tradição, a qual
repousa, com efeito, no jogo entre inovação e sedimentação”. (RICOEUR,
2010a, p. 119) Mas, ao inovar, é possível a traição ao que já está posto,
ou seja, o surgimento de novos tipos e gêneros. Afinal de contas, “esses
paradigmas, eles mesmos oriundos de uma inovação anterior, forne-
cem regras para uma experimentação posterior no campo narrativo”.
(RICOEUR, 2010a, p. 121)
Neste ponto do trajeto, vale frisar que as mesmas mediações ocor-
ridas da mímesis I à mímesis II alimentam o jogo dialético entre tradi-
ção e inovação, conformam paradigmas e apontam para a mímesis III.
Mais do que a indissociabilidade e a interdependência entre as mímesis,
fica acentuada a remissão da mímesis II à mímesis III, dada pela obra,
mas gerenciada pela mímesis I. A partir disso, pode-se inferir que a
instância de produção busca, em certa medida, controlar o processo
de interpretação.
Esse modelo, traçado por Ricoeur, não aconchega e nem se pro-
põe a acomodar produções como a notícia, mas o autor dá pistas e
deixa margens para estudos nesse sentido – como os de Carvalho,
(2012), Charaudeau (1997, 2003, 2012a), Ferreira (1997, 1999) e Sodré
(2009). Ao recuperar os postulados epistemológicos implícitos no uso
do termo “acontecimento” – singularidade, contingência e desvio –,
Ricoeur (2010a) chama atenção para a necessidade de reformulá-los, a
fim de abarcar a teoria da intriga. O autor propõe uma conexão entre
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 103
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acontecimento e narrativa e defende a tese de que os acontecimentos
históricos não diferem radicalmente dos acontecimentos organizados
por uma intriga. Deixa, portanto, uma porta entreaberta para a realiza-
ção do estudo ora proposto – a configuração da notícia, sob a égide da
mímesis II, levando em conta as relações entre assessoria de imprensa,
redações jornalísticas e leitor.
A notícia, entendida como o acontecimento configurado, é o propó-
sito dos contratos, ou seja, a razão maior da sua existência, o produto
da relação, no qual estão cravadas as marcas de seu próprio percurso.
São inerentes à notícia, tanto na forma da expressão quanto na ex-
pressão do conteúdo, aspectos sobre as representações dos agentes, a
finalidade do contrato e as restrições impostas pelo dispositivo. Essas
marcas do itinerário do discurso são pistas, seguidas e acionadas por
meio dos modos de dizer, que criam os espaços de locução, relação e
tematização. Para análise dos modos de dizer, é comum a aliança entre
a AC e a AD, numa estratégia de complementaridade metodológica.
Das condições de reconhecimento ou mímesis III
e os argumentos contra a circularidade viciosa da
tríplice mímesis
Da circularidade à semiose ilimitada
Antes de iniciar os estudos sobre as especificidades da mímesis III, é
prudente abordar um dos pontos mais vulneráveis da tese de Ricoeur:
a circularidade. As abordagens sobre o círculo hermenêutico de Paul
Ricoeur, neste livro, são balizadas por autores que corroboram a visão
de que a tríplice mímesis clarifica o duplo processo de produção de
sentido do discurso – como Charaudeau (2003, 2012a), Ferreira (1999)
e Sodré (2009). Os processos de transformação e transação são marca-
dos pela reciprocidade e o círculo é passível da acusação de ser vicioso.
A defesa a esse ataque Ricoeur (2010a) apresenta desde o tomo I de
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Tempo e narrativa e ancora sua argumentação na perspectiva de um
movimento espiralado, o que denota um círculo virtuoso em detrimento
de um círculo vicioso.
Ao iniciar um texto de revisão crítica à obra de Ricoeur, Rafhaël
Baroni (2013, p. 13, grifo do autor) resume, assim, o percurso das mí-
mesis: “Ricoeur sugere que há uma diferença entre a prefiguração do
tempo e sua configuração da narrativa, e que, além disso, a fusão des-
tes horizontes na experiência estética iria transformar o leitor, dando
forma à sua experiência temporal”. Após a apresentação dos principais
postulados sobre os quais se ergue a tese ricoeuriana, Baroni enfatiza
o caráter circular da obra e alega que a abordagem do tempo pode ser
melhor contemplada numa visão fenomenológica.2 Mirando a tríplice
mímesis, aponta a contestação à necessidade de uma mímesis II, já que
a poética daria conta da sua proposta, e põe em relevo o caráter redun-
dante nos desdobramentos das mímesis.3
2 “Parece-me que o problema central da teoria desenvolvida em Tempo e narrativa vem do
fato de que a obra parte de uma intuição discutível, e que Ricoeur, gradativamente, tomando
consciência dos problemas causados por essa intuição infeliz, não deixou de deslocar tanto
a solução quanto a formulação do problema, sem conseguir encontrar um lugar onde ele
pudesse fixá-los. Esta intuição infeliz concerne à esperança de que a problemática exposta
em A metáfora viva pudesse ser estendida ao campo da poética da narrativa. A armadilha
é que o funcionamento da metáfora se difere significativamente da mise en intrigue, de
modo que nenhum deles se enraíza da mesma forma no seio da experiência. Como ‘tropo’,
a metáfora ‘viva’ (a que ainda não foi fixada em um repertório socialmente compartilhado)
depende necessariamente de uma mudança no uso normal da linguagem, assinalando, por
definição, um limite ou uma diferença semântica. Assim, é possível definir uma relação
dinâmica entre a experiência de um evento único, ou de um objeto estranho que vai além
das estruturas herdadas da tradição, e a criação posterior de uma nova forma de linguagem,
que permitirá preencher o déficit da língua por uma criatividade poética da fala”. (BARONI,
2013, p. 27)
3 “O círculo vicioso não poderá ser efetivamente quebrado, a não ser na medida em que
Ricoeur seja capaz de definir a diferença entre o que ele associa à mímese I e à poética da
intriga ficcional ou histórica que ele classifica na mímese II. Ora, é precisamente a essa tarefa
que Ricoeur vai se engajar, ao longo de sua obra. Na tentativa de demonstrar a característica
‘espiral’ de seu modelo da tripla mímese, Ricoeur tentará esclarecer, em uma primeira etapa,
o que a mediação narrativa acrescenta à experiência direta do tempo, para, em seguida tentar
aprofundar, em uma segunda etapa, os paradoxos do pensamento fenomenológico, de ma-
neira a enfatizar, por contraste, o valor das mediações ficcionais e históricas. É o movimento
desta dupla argumentação que agora tentarei descrever brevemente, acrescentando alguns
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 105
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Baroni usa as lentes da filosofia fenomenológica e também da
poética, a partir da estética de recepção. Nesse aspecto, levanta ques-
tões intrigantes quando se refere, por exemplo, às histórias que não
foram contadas, mas que permanecem em nossas mentes. Essas his-
tórias também não configurariam o tempo em uma narrativa, ainda
que incoativa? “Além disso, podemos nos perguntar se esta narrativa
incoativa não corresponderia precisamente a esta experimentação do
tempo que a fenomenologia procura descrever”. (BARONI, 2013, p. 17)
No mais, Baroni demanda ainda o fato de Ricoeur não valorizar, por
exemplo, as formas narrativas que aparecem nos meios de comunica-
ção de massa, cartas e até pensamento, e associa tal rejeição ao posto
de hermeneuta do filósofo.
Por que não integrar neste ‘mundo falante’, que dá forma à vida,
os ‘processos de simbolização’ que dependem das nossas conver-
sações, das histórias que lemos na imprensa, das que ouvimos no
rádio, das que assistimos na televisão, e mesmo estas histórias que
se desenrolam nas nossas cartas, nos nossos diários, ou a privaci-
dade dos nossos pensamentos mais secretos, nos nossos sonhos
e nos planos engenhosos, nas nossas esperanças e temores, na
nostalgia e nos arrependimentos? Não é senão ocasionalmente
que as obras literárias ou os trabalhos de historiadores vêm em
nosso auxílio, nos fornecendo formas narrativas que moldam
nossa experiência vivida: como quando dizemos que ele viveu
seu Waterloo ou que ele luta contra os moinhos de vento. Essa
comentários sobre a questão da identidade narrativa, que aparece no final do percurso”.
(BARONI, 2013, p. 18) Questionada a circularidade, Baroni abre flanco para as indagações
expostas anteriormente e, então, se lança a esquadrinhar pontos que considera cruciais na
tese: a) o que a mediação narrativa acrescenta ao tempo; b) a resposta divergente da histó-
ria e da ficção sobre o problema especulativo acerca do tempo; e c) a resposta cruzada da
história e da ficção ao problema de identidade. Depois de tensionar Ricoeur a partir dessas
interpelações, apresenta sua proposta por uma poética comparada das tramas e encerra o
texto com o tópico “Venturas e desventuras” do legado de Ricoeur. Para Baroni, o problema
da mímesis II pode ser resolvido pela Poética, já que a questão do tempo não encontra nesse
modelo uma solução e, talvez, só possa ser elucidada pela fenomenologia do tempo.
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restrição do princípio que confina o processo criativo da ‘mise
en intrigue’ apenas para os gêneros literários – esse privilégio
concedido ao ‘livro’ como um lugar único de renovação das for-
mas simbólicas – não pode ser explicado de outra forma senão
pela fidelidade de Ricoeur à tradição hermenêutica a qual ele se
refere. (BARONI, 2013, p. 30)
Os argumentos que o estudioso apresenta, especialmente quando
adentra pela análise de Ricoeur sobre os textos ficcionais e históricos,
elucidam pontos que permaneceram na sombra, mas, simultaneamente,
o autor escurece aspectos que Ricoeur clarificou com a tríplice mímesis,
no que se refere às ações como um quase texto, cujas estruturas tem-
porais pedem a narração.4 (RICOEUR, 2010a, p. 123) Ora, esse “pedido”
pela narração ocorre até mesmo quando se organiza a experiência em
nossa mente, por meio de narrativas (incoativas), em resposta ao que
expôs Baroni.
Sobre o caráter circular da mímesis, Ricoeur infere que a acusação
se ergue a partir de duas versões: 1. a violência da interpretação (a rup-
tura entre o acontecimento e sua configuração); ou 2. sua redundân-
cia (a narrativa como cópia da história vivida). No combate a ambas as
versões, há as restrições impostas pela própria ação enquanto quase
texto. Falar em redundância, por sua vez, seria plausível, argumenta
Ricoeur (2010a, p. 127), “se a mímesis I fosse ela própria desde sempre
um efeito de sentido da mímesis III. Nesse caso, mímesis II nada mais
faria senão restituir a mímesis III o que ela teria pegado da mímesis I”.
Ainda contra a versão da redundância, há o argumento de que a
experiência humana é mediada por sistemas simbólicos e, entre eles, as
4 Estas são algumas das inquietações de Baroni em relação à obra de Ricoeur: a) primeiramente,
por que não religar essa relação passiva às “histórias que acontecem conosco”, com uma forma
de narrativa mental ao mesmo tempo cognitiva e emocional, ou seja, ligada à experiência
de um acontecimento que nos afeta (pathos-distentio) e ao qual nós respondemos com a
nossa ação (práxis-intentio)?; e b) se existe continuação entre as histórias ainda não ditas ou
ainda não escritas de nossas vidas e as histórias efetivamente contadas, também não haveria
continuação formal entre essas duas formas da narrativa?
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 107
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narrativas. “Como, com efeito, poderíamos falar que uma vida huma-
na é uma história em estado nascente se não temos acesso aos dramas
temporais da existência fora das histórias contadas a seu respeito por
outros e por nós mesmos?”. (RICOEUR, 2010a, p. 127) No que concerne
à violência, há que se dissolver a equivalência entre dissonância e tempo
e a associação entre consonância e narrativa, a fim de que não seja apa-
gado o caráter dialético da relação. “Aplica-se a todas as eventualidades
de concordância discordante e de discordância concordante no nível
da narrativa bem como no nível do tempo. Em todos os casos, o nível
é inevitável sem, no entanto, ser vicioso”. (RICOEUR, 2010a, p. 127)
Nessa compreensão de que o movimento é espiralado, pondera-se
ainda que os discursos gerados na instância do reconhecimento são
lançados na teia da semiose ilimitada, ou seja, voltam ao círculo her-
menêutico, mas numa altitude diferenciada. Para Ricoeur, não se trata
da literatura sobre a vida, mas a vida tem uma autêntica demanda de
narrativas. Por isso, o autor investe na noção de estrutura pré-narrativa
da experiência e defende o círculo como “salutar”.
Embora Ricoeur tenha direcionado suas reflexões à literatura, sua
produção científica serve de ponte para fazer a passagem a outras áreas.
No que diz respeito ao jornalismo, por exemplo, os autores Kovach e
Rosenstiel (2003), no livro Os elementos do jornalismo, citam os traba-
lhos de antropólogos em culturas primitivas na África e nas ilhas re-
motas do Pacífico, nas quais os habitantes tinham definições básicas
para notícias e estas eram imprescindíveis à manutenção da cultura e
dos elos sociais e identitários. Narrar o que acontecia era uma tarefa
para os que tinham habilidade para apurar informações e trazê-las de
forma interessante. Na edição das pesquisas, antropólogos e historiado-
res chegaram à conclusão de que as histórias ou notícias (no sentido de
novidade, que goza de interesse público) atendiam a uma necessidade
desses moradores de saber o que acontecia, para organizarem, assim,
suas vidas. À essa necessidade foi cunhada a expressão “instintos de
percepção”, sob os desígnios da seguinte explicação: “Precisamos de
notícias para viver nossas vidas, para nos proteger, para nos ligarmos
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uns aos outros, identificar amigos e inimigos. O jornalismo é simples-
mente o sistema criado pelas sociedades para fornecer essas notícias”.
(KOVACH; ROSENSTIEL, 2003, p. 18) Se, no jornalismo, a essas nar-
rativas denomina-se notícias, na literatura, Ricoeur as chama de obra
e vê-se, nas palavras do filósofo, a mesma observação dos jornalistas
citados, mas em outros tons: “Contamos histórias porque, afinal, as
vidas humanas precisam e merecem ser contadas”. (RICOEUR, 2010a,
p. 129) O estudioso é enfático, quando diz que as narrativas não caem
sobre a vida como um véu ou manto, mas a vida clama por narrativas.
Mímesis III: um encontro de mundos
Depois de feita essa parada no percurso para reconhecer a circula-
ridade da tríplice mímesis e sua função no duplo processo de semioti-
zação, pode-se, agora, expor sobre a mímesis III.
Para Ricoeur, a refiguração se projeta em todo o círculo hermenêu-
tico, gerando um movimento em espiral. É a leitura que confere à nar-
rativa um sentido pleno, através da “presentificação”. O texto, então, só
se torna obra nessa interação, quando é restituído “ao tempo do agir e
do padecer”. (RICOEUR, 2010a, p. 122-123) E mais: em última instân-
cia, o que se comunica não é o sentido da obra, mas o mundo que ela
projeta. (RICOEUR, 2010a, 2010b) Nesse ponto, o autor retoma sua tese
central, exposta nos três tomos de Tempo e narrativa, para salientar
que uma temporalidade específica se desdobra na interseção entre o
mundo configurado e o mundo da ação efetiva.
Na mímesis III, o leitor é posicionado como o mediador entre a lin-
guagem e o mundo, uma espécie de atravessador, o passeur (passante),
conforme afirma Ricoeur (2010a). Sob influência da estética da recep-
ção, desenvolvida na Escola de Constança, na Alemanha, em especial
os trabalhos de Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser, o filósofo aposta que
os efeitos do texto nascem da conjunção entre o “esplendor” da obra e
a disposição e interesse do leitor para a leitura ou interação.
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Pensar a recepção como esse espaço de convocação do leitor ao lu-
gar de cocriador da obra, na medida em que a executa no processo de
leitura, foi uma provocação trazida pelo professor Hans Robert Jauss
na aula pública inaugural que realizou na Universidade de Kontanz,
em 1967, cujo conteúdo foi divulgado no livro Literaturgeschichte als
Provokation der Literaturwissenschaft (1967), traduzido no Brasil com
o título A história da literatura como provocação à teoria literária.
(JAUSS, 1994) Na ocasião, o escritor sistematizou o que hoje se conhece
como “estética da recepção” e desbancou o autor do posto de legislador
do sentido da obra, colocando em cena o leitor e a leitura como um
processo dinâmico, longe da passividade contemplativa. O processo de
leitura escapa às amarras do autor, porque “o que é interpretado num
texto é a proposição de um mundo que eu poderia habitar e no qual
poderia projetar as capacidades que me são mais próprias”. (RICOEUR,
2010a, p. 147)
No mesmo caminho seguem as reflexões de Pareyson (1997), que se
vincula aos estudos da estética da recepção, na Itália. Para esse pesquisa-
dor, a obra deve ter uma consideração dinâmica, pois ela só se revela ao
leitor que a retira “da sua aparente imobilidade para colhê-la no movi-
mento de onde nasceu”. (PAREYSON, 1997, p. 207) Metaforicamente, a
obra nasce para o leitor que se doa ao movimento de também executá-la,
habitando o mundo possível instaurado por ela a partir dos seus pró-
prios referenciais de mundo. Pareyson defende que não existe uma lei
geral da obra de arte, mas cada obra instaura sua regra individual, que
a conduz ao critério do êxito. No mais, ele também defende a legalida-
de interna da obra, que, no processo da produção artística, transforma
o autor em criador e criatura, uma vez que, ao mesmo tempo em que
tem a autoria e é responsável pela originalidade da obra, precisa saber
“ouvir” o que ela quer e obedecê-la. Esse percurso, que faz do autor o
primeiro leitor de sua obra, é, em certa medida, reavivado pelos ou-
tros leitores na recepção, uma vez que estes precisam executá-la para
adentrar no “seu mundo”. O leitor, entretanto, só acessa o mundo pos-
sível da obra a partir dos seus referenciais. Refigurar não se consagra
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como reprodução do real, porque é a fusão entre o mundo do texto e
o mundo do destinatário influenciada pela implicação histórica do
leitor. (FERREIRA, G., 1999, p. 91)
Observa-se que Ricoeur traz um elemento complementar à refle-
xão ao se valer da noção de horizonte, desenvolvida por Hans-Georg
Gadamer (2011) em Verdade e método, publicado originalmente em
1960, e muito recorrente nos estudos em estética da recepção. Nesse
quadro, o horizonte do leitor refere-se à prefiguração, ou mímesis I, e
o horizonte da obra é a configuração, ou mímesis II. A fusão dos dois
horizontes, que acontece no ato da leitura, “designada pelo rótulo de
refiguração ou de mímesis III, corresponderia à transformação de uma
experiência temporal enriquecida pela mediação narrativa”. (BARONI,
2013, p. 13)
Esse encontro de horizontes também atesta para fragilizar o lugar,
antes intocável, do autor, pois as condições de leitura são diferentes das
condições de produção e ao autor não cabe submeter o leitor “ao pro-
pósito com que compusera a obra: a obra realizada desdobra [...] uma
multiplicidade de significados que, de muito, ultrapassa o horizonte
de sua origem”. (JAUSS, 2002b, p. 102)
As noções de horizonte e referência são caras aos estudos estéticos
e se estendem para outras disciplinas, que carecem delas para discorrer
sobre a questão da comunicação. Como frisou Ricoeur (2010a, p. 132),
o que é comunicado, em última instância, para além do sentido da
obra, é “o mundo que ela projeta e que constitui seu horizonte”. Em
outros termos, a noção de referência deita suas raízes no pressuposto
de que, ao tomar a frase como unidade do discurso, não se corre o risco
de confundir a intenção do discurso “com o significado correlativo de
cada significante na imanência de um sistema de signos. Com a frase,
a linguagem orienta-se para além de si mesma: diz algo sobre algo”.
(RICOEUR, 2010a, p. 133)
Referência e horizonte são noções correlatas. Referência está no
âmbito da linguagem e toda nova obra pode confirmar ou tensionar as
referências já existentes. Já o horizonte é melhor compreendido através
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da noção da fusão de horizontes, quando o mundo projetado pela obra
tem como background as experiências de mundo do leitor. O filóso-
fo mostra que toda experiência tem uma face interna e outra externa.
A interna diz respeito aos limites e aos distintivos próprios da experiên-
cia, já a face externa a insere num horizonte de potencialidades. Assim,
a noção de horizonte se cruza com a de situação de comunicação, que,
embora seja resguardada pelas suas especificidades e quadros sociais,
está inserida em um contexto mais amplo. Em síntese, referência, hori-
zonte e situação de comunicação são noções indissociáveis no processo
de reconhecimento ou mímesis III.
Se a linguagem é da ordem do mesmo e o mundo é seu outro, o
mundo “é o conjunto das referências abertas por todo tipo de textos
descritivos ou poéticos que li, interpretei e gostei”. (RICOEUR, 2010a,
p. 137) Aqui, Ricoeur faz remissão à noção de “horizonte de expecta-
tiva” de Jauss (2002a, 2002b), que constitui as experiências de leitura
e, consequentemente, o conhecimento prévio do leitor sobre gêneros,
formas, estilos e temática do texto. O leitor, portanto, é partícipe do
jogo promovido pelos textos entre esquematização, tradição e inova-
ção. Essas categorias promovem a interação entre escritura e leitura e
quebram as barreiras entre o “dentro” e o “fora”, apresentando a possi-
bilidade de “mudança de expectativa”, patrocinada pelo texto.
Por um lado, os paradigmas aceitos estruturam as expectativas
do leitor e ajudam-no a reconhecer a regra formal, o gênero ou
o tipo exemplificados pela história contada. Fornecem as linhas
diretoras para o encontro entre o texto e o seu leitor. Em suma,
são eles que regem a capacidade que a história tem de se deixar
acompanhar. Por outro lado, é o ato de ler que se junta à configu-
ração da narrativa e atualiza sua capacidade de ser acompanhada.
Acompanhar uma história é atualizá-la em leitura. (RICOEUR,
2010a, p. 131)
Essas discussões, instaladas pela estética da recepção e apropriadas
por Ricoeur, validam e demonstram inquietações dos estudos sobre os
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discursos. Embora o autor não possa confinar o leitor às suas deman-
das, ele prevê o que Umberto Eco (1987) denominou de leitor modelo
e, assim, entram no jogo da produção do sentido os sujeitos internos e
externos ao discurso. Em outros momentos deste percurso, foram feitas
“paradas” para demonstrar que o círculo hermenêutico de Ricoeur aco-
moda a preocupação da pesquisa exposta neste livro, porque visa ir além
dos estudos semiológicos, que se limitam aos sujeitos discursivos. Ao
demonstrar o duplo processo de produção do sentido – a transformação
(configuração) e a transação (negociação entre os sujeitos agentes nas
instâncias produtiva e de reconhecimento) –, o círculo hermenêutico
traz à luz tanto os sujeitos internos ao discurso ou à intriga quanto os
sujeitos externos, estes últimos sob a égide das condições de produção
e recepção, ou seja, marcados pela influência dos contextos.
Se o “processo de transformação é alcançado pela apropriação da
língua e o processo de negociação é conduzido pelas situações de co-
municação” (FERREIRA, G., 1999, p. 92), tem-se mais uma comprova-
ção de que a negociação entre os interlocutores direciona, comanda a
configuração. Por esse prisma, os contratos de comunicação nascem da
relação entre os interlocutores em prol da construção da obra.
No que tange à análise, tais considerações implicam acatar a neces-
sidade de articular a teoria da ação – tributária da sociologia, que leva
em conta a situação de comunicação nas trocas linguísticas – e a teoria
da enunciação. Por outros termos, faz-se necessário atentar para os ele-
mentos intradiscursivos e extradiscursivos. Para Ricoeur, as ações são
quase textos, ele não estabelece graus de desigualdade entre o que está
dentro e fora da intriga, mas, em uma dinâmica de reciprocidade, “faz
com que textos sejam paradigmas para a ação e as ações se tornem uma
espécie de referente para toda uma categoria de textos”. (FERREIRA,
G., 1999, p. 93) No mais, a tríplice mímesis conduz o analista a contem-
plar tanto os sujeitos internos ao discurso quanto os externos, pois as
duas posições são imprescindíveis para compreender a produção e re-
conhecimento discursivos.
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O CÍRCULO DE RICOEUR E A PRODUÇÃO DO
DISCURSO INFORMATIVO NA RELAÇÃO ENTRE
AI E REDAÇÃO JORNALÍSTICA
A construção de sentido do discurso informativo envolve os processos
de transação e transformação, os quais são evidenciados pela tripla
mímesis. Se tal discurso for pensado na perspectiva da produção do
jornalismo, ver-se-á a representação da Figura 3.
Figura 3 – Construção do discurso informativo na redação jornalística
Instância de Produção Instância de Reconhecimento
(MI) (MII) (MIII)
ACONTECIMENTO Redação ACONTECIMENTO Leitor ACONTECIMENTO
A CONFIGURAR jornalística CONFIGURADO REFIGURADO
Processo de Processo de
Transformação Processo de Transação Interpretação
Fonte: elaborada pela autora a partir de Charaudeau (2012a), Ferreira (1997, 1999) e Ricoeur (2010a).
A imagem, já visualizada anteriormente (Figura 1), mostra que o
processo de transformação é a passagem da mímesis I à mímesis II atra-
vés, nesse caso, da mídia jornalística. A transformação, todavia, é co-
mandada pela negociação que ocorre entre as instâncias de produção
e reconhecimento, ou seja, entre o suporte noticioso e o leitor. Nessa
negociação, surgem os contratos de comunicação, por meio dos quais
são estabelecidos critérios e atributos para seleção e construção do
acontecimento midiático.
Na Figura 3, vê-se também que, para realização dos processos de
configuração e transação, são necessários três lugares de construção
do sentido:
• o acontecimento a configurar (mímesis I);
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• o acontecimento configurado (mímesis II); e
• o acontecimento refigurado (mímesis III).
No percurso dessa tripla mímesis, sublinha-se que, para analisar o
processo configurativo do discurso jornalístico, é preciso tomar como
“espaços” de investigação o engendramento do contrato de comunica-
ção e o acontecimento configurado.
O intuito desta obra, entretanto, é uma abordagem mais complexa
do processo de configuração do discurso informativo, calcado na rela-
ção entre AI/comunicação estratégica e redação/jornalismo. Vale lem-
brar que a averiguação parte da situação de comunicação, na qual o
suporte jornalístico usa o discurso da assessoria e sua produção textual
como pontos de partida para a construção da notícia. Nesse processo, o
acontecimento sofre duas configurações: uma por parte da assessoria
e outra via redação jornalística. O percurso mimético mostra também
a geração de dois contratos (ou processos de transação): assessoria-
-redação jornalística e suporte-leitor.
Figura 4 – Construção do discurso informativo na relação entre AI e redação jornalística
Fonte: elaborada pela autora a partir Charaudeau (2012a), Ferreira (1997, 1999) e Ricoeur (2010a).
Constata-se pela figura que, nesse processo configurativo, o aconte-
cimento sofre duas transformações, uma na assessoria e outra quando
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o texto chega à redação. Assim, há, em certa medida, dois produtos,
duas instâncias de produção e duas instâncias de recepção, ou seja,
existem dois contratos, que geram dois círculos hermenêuticos. A par-
ticularidade, entretanto, é que o círculo hermenêutico engendrado na
primeira configuração do acontecimento, no nível da comunicação
estratégica, está contido no círculo maior da configuração do discurso
informativo jornalístico.
Figura 5 – Duplo círculo hermenêutico para a construção do discurso informativo na
relação entre AI e Redação Jornalística
MI2 MII2
MI1 MII1 MIII1 MIII3
ACONTECIMENTO ACONTECIMENTO Redação ACONTECIMENTO ACONTECIMENTO
A CONFIGURAR
AI CONFIGURADO 1 CONFIGURADO 2
Leitor
REFIGURADO
Jornalística
Processo de
Interpretação 1
Processo de Processo de Processo de
Transformação 1 Transação 1 Interpretação 2
Processo de
Transação 2
Processo de Transformação 2
Círculo Hermenêutico I
Círculo Hermenêutico II
Fonte: elaborada pela autora a partir de Charaudeau (2012a), Giovandro Ferreira (1997, 1999) e
Ricoeur (2010a).
A Figura 5 apresenta, então, o processo de tessitura da notícia ora
estudado, engendrando dois círculos hermenêuticos. O primeiro, deno-
minado de círculo 1, envolve a instância de produção do círculo 2, ou
seja, a notícia publicada na mídia é a interpretação feita pela redação
jornalística para o acontecimento narrado pela AI.
Para avaliar, portanto, o quanto o discurso jornalístico se apropria
ou é apropriado pelo discurso da informação estratégica, a averiguação
ocorre a partir das zonas de interseção: entre os discursos informativos
estratégico e jornalístico; e entre os contratos de comunicação gerados
neste duplo processo configurativo. Nesse aspecto, a tríplice mímesis de
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Ricoeur assume duas funções à análise: permite apresentar, de forma
global, o processo configurativo da notícia estudado neste livro; e pos-
sibilita, através da natureza articulatória entre o intra e extradiscursivo
das mímesis, apontar tais zonas de interseção.
Ao evidenciar o duplo processo de produção do sentido, o círculo
hermenêutico traz o discurso enquanto configuração e os contratos
enquanto negociações. Assim, a análise dos discursos informativo es-
tratégico e informativo jornalístico, por um turno, e os exames também
dos contratos entre AI-redação jornalística (círculo hermenêutico 1) e
suporte-leitor (círculo hermenêutico 2), por outro, vão possibilitar a
localização das zonas de interseção. Estas é que conferem especifici-
dades ao processo de construção da notícia, calcado na relação entre
comunicação estratégica e jornalismo.
A seguir, dois capítulos propõem a aplicação metodológica do aporte
teórico então estudado. O capítulo sobre a transformação do aconte-
cimento a configurar em acontecimento configurado trata da análise
das zonas de interseção entre os discursos gestados. Já no texto sobre
os processos de transação, serão elaborados os operadores analíticos
para abarcar os contratos e as zonas de interseção entre eles.
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OS PROCESSOS DE TRANSFORMAÇÃO
DOS DISCURSOS INFORMATIVOS E
ZONA DE INTERSEÇÃO
Antes de expor sobre o processo de construção do discurso informativo,
em foco neste livro, serão apresentados aspectos e fenômenos sociais
que têm promovido, cada vez mais, o contato entre AI e redações jor-
nalísticas para produção da notícia.
Vê-se o cenário: equipes reduzidas de jornalistas nas redações dos
veículos; profissionais sobrecarregados e se adequando a um novo
perfil imposto pela convergência cultural e midiática; uma sociedade
complexa, composta por diferentes sociabilidades e tipos de organiza-
ções, cuja abrangente cobertura dos fatos, se considerarmos apenas a
estrutura das redações jornalísticas, torna-se inviável (ALSINA, 2009;
CHAPARRO, 2010; DUARTE, 2003, 2011; LIPPMANN, 2008); e, por fim,
em nome da sobrevivência, empresas jornalísticas são absorvidas por
grandes conglomerados com atividades múltiplas, tornando-se divul-
gadoras das ações desses conglomerados. (KOVACH; ROSENSTIEL,
119
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2003) Com base nesse cenário, o processo produtivo da notícia, em
muitas situações, extrapola o âmbito da redação jornalística e ocorre
através do contato entre o veículo e as assessorias de comunicação1 das
diferentes instituições, mais especificamente as AI, encarregadas dessa
mediação entre a fonte e a mídia.
Os pesquisadores Adghirni e Pereira (2011b) indicam as altera-
ções na relação entre jornalistas e fontes como um dos fatores rele-
vantes para uma mudança estrutural do jornalismo, que se avizinha.
As instituições, preocupadas com a gestão da imagem, investem em
estruturas e equipes integradas de comunicação organizacional, va-
lorizando, entre outras ações, a mediação com a imprensa. Assim,
oferecem aos jornalistas material informativo – releases e press kits
– de qualidade e produzem conteúdo em suas próprias mídias, criando
canais diretos de comunicação com os públicos. Esse fenômeno
contribui ainda para as mudanças no processo de produção das
notícias, provocadas pela celeridade imposta pelas novas mídias.
Isso porque, para atender à demanda, os jornalistas lançam mão do
“material pronto”, reduzindo o tempo e a margem de investigação.
(ADGHIRNI; PEREIRA, 2011b)
Esses fenômenos, que apontam para o crescente número de negocia-
ções entre jornalistas e assessores no processo de produção da notícia,
podem ser mais impactantes no Brasil se for considerada a hipótese de
que, ao longo do tempo, aqui se desenvolveu uma prática da assessoria
ancorada nas rotinas, técnicas e protocolos do jornalismo. (CHAPARRO,
2003, 2016f, 2016g; DUARTE, 2001, 2003, 2011; SANT’ANNA, 2006,
2007a, 2007b, 2008a)
1 São os departamentos de comunicação das organizações que desenvolvem pesquisas, pla-
nejamentos e planos para execução de ações e estratégias da comunicação organizacional.
Na contemporaneidade, os investimentos convergem para a estrutura da equipe integrada,
que reúne profissionais com diferentes competências na área de comunicação – relações
públicas, marketing, publicidade e propaganda, design, jornalismo, tecnologia da informação
etc. –, que trabalham de maneira sinérgica, sob a perspectiva das políticas de comunicação
comuns. Essas estruturas podem ser internas ou externas à instituição.
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Neste livro, o interesse é pelo processo produtivo da notícia, marcado
pela relação entre AI e redação jornalística, que engendra contratos de
comunicação e produz discursos cujas zonas de interseção2 sustentam
e ancoram a construção discursiva.
Usa-se a expressão “zona de interseção” para tratar dos elementos
em comum no encontro entre o discurso informativo estratégico e o
discurso informativo jornalístico e para atingir também os elementos
comungados e partilhados nos contratos de comunicação entre a asses-
soria e a redação, por um lado, e entre o suporte jornalístico e o leitor,
por outro. O termo “interseção” foi tomado de empréstimo da teoria
dos conjuntos, na matemática, e refere-se a um grupo de elementos que
é comum a dois ou mais conjuntos em conexão. O termo também se
refere ao “ato de cortar-se mutuamente” (FERREIRA, A., 2010, p. 435),
significado que, metaforicamente, é bem sugestivo, pois o processo de
construção da notícia, nessa perspectiva relacional, é uma negociação
caracterizada por “perdas e ganhos” para ambos os lados. A ideia de
interseção também remete à maleabilidade, uma vez que haverá um
grau maior ou menor de interseção entre os campos sociais, a depen-
der das relações estabelecidas e dos capitais em jogo. (BOURDIEU,
1996b, 1999, 2010)
A escolha pela expressão “zona de interseção”, e não simplesmente
interseção, deve-se às possibilidades interpretativas trazidas pelo termo
“zona”, que resguarda as especificidades dos campos sociais mesmo
quando estes estão em contato, pois se refere a “espaços, terrenos” e “re-
giões com certas peculiaridades”. (FERREIRA, A., 2010, p. 789) Assim,
busca-se, com a ideia de zona de interseção, destacar o que é simultâneo,
sem descolorir o que é específico da AI e do jornalismo. Além disso,
2 Na AD no Brasil, autores como Fausto Neto (2010) usam o termo “zona de contato”, tomado
de empréstimo da antropologia, mais especificamente da etnografia. O conceito é trabalhado
por Mary Louise Pratt, no livro Imperial eyes: travel writing and transculturation (1992),
traduzido em solo brasileiro por Jézio Gutierre com o título Os olhos do império: relatos
de viagem e transculturação (1999), assim como por James Clifford em Routes: travel and
translation in the late twentieth century (1997).
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o fato de referendar ainda “espaço bem definido, circunscrito numa
superfície ou volume dados” (FERREIRA, A., 2010, p. 789) põe em re-
levo, mais uma vez, as especificidades e as representações identitárias.
No mais, a expressão zona de interseção também faz coro com os
estudos mais contemporâneos sobre o conceito de contrato de comu-
nicação, os quais apontam para o deslocamento da noção de intervalo
para a articulação entre as condições de produção e as condições de re-
conhecimento. Nesse sentido, há uma ênfase na conexão entre as duas
gramáticas que, via suas operações enunciativas, engendram “pontos
de articulação” a serem analisados.3 (FAUSTO NETO, A. et al., 2011) Este
livro não tem como foco a circulação, mas as condições de produção.
Entretanto, numa perspectiva relacional, a produção se projeta no re-
conhecimento e vice-versa.
Esta pesquisa, ora exposta em livro, foi pensada com um olhar, em
primeiro plano, nas condições de produção da AI no Brasil (CHAPARRO,
2003, 2010, DUARTE, 2003, 2011, SANT’ANNA, 2006, 2008a), cuja
principal característica é a busca pela adesão ao discurso jornalísti-
co, visando mascarar os discursos das relações públicas.4 Sant’Anna
3 Os autores destacam que essa mudança da noção de “intervalo” para articulação entre condi-
ções de produção e condições de reconhecimento reverbera na problemática da circulação,
cujos estudos vão apontar para a busca dos pontos de articulação entre as gramáticas de
produção e reconhecimento. No mais, também enfatizam a importância do diálogo entre
análise discursiva e pesquisas empíricas com receptores para mostrar não mais o intervalo,
mas os “pontos de articulação” entre recepção e produtores do discurso. “É o trabalho empí-
rico sobre operações de receptores junto a ofertas de discursos, quem vai mostrar marcas de
existência não mais de intervalos, porém de ‘pontos de articulação’ entre eles e os produtores
de discursos, na medida em que os receptores trabalham, segundo estratégias próprias no
sentido de se apropriar das estratégias em oferta”. (FAUSTO NETO, A. et al., 2011, p. 24)
4 Maria Aparecida Ferrari (2009, p. 245) entende “relações públicas como uma subárea da
grande área de comunicação a qual compete, por natureza, a função de planejar e de gerir
os assuntos públicos e as políticas corporativas para a manutenção dos relacionamentos da
organização com seus públicos estratégicos [entre eles, a mídia]”. Margarida Kunsch (2003,
2009f ) endossa, destacando que a área de relações públicas deve ter como foco central o
fortalecimento do sistema institucional das organizações. A autora salienta que as organi-
zações tornam-se instituições com o passar do tempo, quando assumem compromissos e
objetivos relevantes à sociedade e ao mercado e, para tanto, a área de relações públicas tem
um papel importante na gestão da identidade, imagem e reputação da organização. Nos
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(2006), relendo Schlesinger (1992), atribui esse fenômeno nacional ao
processo de profissionalização da fonte, que desenvolve situações para
influenciar na construção da notícia e estabelecer uma “cooperação in-
teressante” para reforçar as relações com a imprensa e seus profissionais.
O estreitamento dessa relação tem como objetivo a conquista de visibi-
lidade para as organizações fonte. Para tanto, estruturas profissionais
são instaladas, interna ou externamente às fontes, a fim de atuar “como
verdadeiras usinas de pré-produção e pré-elaboração de conteúdos, vi-
sando a uma interferência na agenda midiática nos países europeus”.
(SCHLESINGER; TUMBER, 1995)
Nos Estados Unidos e nos países da Europa, o enquadramento pro-
fissional dado ao assessor e também a distinção, com ênfase ética, en-
tre comunicação estratégica institucional – especificamente a relação
com a imprensa – e jornalismo, em alguns aspectos, diferem das práti-
cas brasileiras.5 Há um cenário brasileiro que merece uma apreciação
diferenciada, uma vez que a AI, em muitas circunstâncias, integra o
processo de construção da notícia. (CHAPARRO, 2003, 2010)
países europeus e nos Estados Unidos, os serviços de AI são entendidos como funções do
profissional de relações públicas. No Brasil, há uma disputa entre o Conselho Nacional de
Relações Públicas e as instituições representativas do jornalismo no que tange à propriedade
desta atuação. Embora esteja prevista, legalmente, nas atribuições do profissional de relações
públicas, o Manual de assessoria de imprensa (2012), elaborado pela Federação Nacional
dos Jornalistas (Fenaj), defende a atuação de jornalistas no cargo. Este trabalho entende que
a atividade de assessoria, mesmo realizada por jornalistas, tem um papel de relacionamento
da organização com um de seus stakeholders, a mídia. Interessa, aqui, esse enquadramento
da natureza do serviço, mais do que a queda de braço para saber quem vai executá-la no
mercado. Como defende Torquato (2002), na área de comunicação organizacional deve
ocupar a função o profissional que mais capacitado estiver para tal, garantindo, portanto,
uma fluidez entre as subáreas de jornalismo, relações públicas, marketing etc.
5 Em países como Portugal, a busca pela separação entre as atividades do jornalismo e as da
assessoria de imprensa reverbera na legislação, a qual prevê que o jornalista, ao assumir
atividades de relações públicas, deve abdicar da sua carteira profissional, cuja reabilitação
só ocorrerá quando ele voltar à redação jornalística. Em muitos países europeus, não há a
nomenclatura assessor de imprensa, nem existe essa disciplina nos currículos dos cursos
de jornalismo, ficando seu conteúdo diluído em matérias de relações públicas. Ver Duarte
(2003, 2011).
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 123
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Neste capítulo, serão propostos apontamentos metodológicos para
a análise da construção do discurso informativo quando a notícia pu-
blicada resulta da relação mencionada, a qual pode ser colaborativa,
mas é sempre marcada por uma tensão. A principal referência teórica
é a AD em diálogo com a hermenêutica de Ricoeur, que se baseia no
funcionamento do processo de comunicação, caracterizado pelas tro-
cas entre as instâncias de produção e de recepção. (CHARAUDEAU,
1997, 2003, 2012a, 2013; FERREIRA, G. M., 1997, 1999, 2003, 2010, 2011;
FAUSTO NETO, A., 2005, 2007, 2009; FAUSTO NETO, A. et al., 2011;
VERÓN, 1987, 1998, 2004, 2013) Contempla-se, portanto, a relação de
cointencionalidade existente entre essas duas instâncias, mas é de-
marcado que os esforços convergem para a de produção. Isso porque,
reconhecida a relação entre AI e redação jornalística para a construção
da notícia, os discursos da informação e os contratos de comunicação
precisam ser abordados sob a perspectiva das zonas de interseção e
suas implicações.
Neste estudo, a notícia (o acontecimento configurado), enquanto
resultado dessa relação entre AI e veículo jornalístico, será abordada a
partir de uma problemática sociodiscursiva. A análise do discurso mi-
diático envolve, sobretudo, examinar “os sentidos provenientes da es-
truturação do texto e os discursos de representação, tanto aqueles que
circulam o lugar de produção quanto os que caracterizam o lugar das
condições de recepção”. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 28) Esses discursos
de representação constituem os imaginários sociodiscursivos que sus-
tentam o funcionamento da relação entre AI e jornalismo, geram dinâ-
micas próprias de produção e, ainda, alimentam os ciclos de produção,
articulando condições de produção e recepção. (CHARAUDEAU, 2003,
2012a; PINTO, 2002)
Tendo como referência o discurso informativo, seu duplo processo
de produção de sentido e os contratos de comunicação, propõe-se,
como percurso analítico, o círculo hermenêutico de Paul Ricoeur, que
irá congregar os conceitos trabalhados na relação circular e espiralada
das três mímesis. Feito este preâmbulo, segue a proposta, que vai
124 CLAUDIANE CARVALHO
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apresentar um duplo processo de configuração: do discurso informa-
tivo estratégico e do discurso informativo jornalístico.
A CONFIGURAÇÃO DOS DISCURSOS INFORMATIVOS
ESTRATÉGICO E JORNALÍSTICO
Anteriormente, foi mostrado que o discurso informativo midiático per-
segue diferentes equações entre o “fazer saber” e a necessidade de “fazer
seduzir”. Para Miquel Rodrigo Alsina (1995, p. 160-163), o discurso jor-
nalístico é efetivo, porque garante a informação, sem abdicar do lega-
do de também poder fazer crer (persuadir) e fazer sentir (emocionar).
A busca pelo efeito de sentido de verdade é uma resposta à constatação
de que este não está no discurso, mas na relação ou, melhor dizendo,
nos efeitos que o discurso produz, a relembrar: autenticidade, verossi-
milhança e dramatização.
Mas os efeitos de sentido de verdade consistem em uma das per-
guntas às quais o discurso da informação é submetido em processo de
análise. Compreender a mecânica do duplo processo de transforma-
ção e transação e a natureza do saber transmitido também permitem
delinear as especificidades do discurso informativo.
Numa tentativa de fazer com que o seu “texto” seja aceito pela re-
dação jornalística e entre no páreo com outros assuntos para concorrer
à manchete do dia, a AI, em geral, busca uma adesão ao discurso infor-
mativo. (CHINEN, 2003; MAFEI, 2007; MOREL, 2008; NOUTEAU, 2002)
Segue-se, pois, o modelo importado da imprensa massiva, priorizando
“os valores e técnicas jornalísticas para nortear seus textos, tais como
a investigação, a denúncia, a pluralidade informativa, a informação
conscientizadora, a relevância sócio-comunitária”. 6 (SANT’ANNA,
2006) O objetivo é, portanto, colocar em segundo plano ou até mesmo
6 Francisco Sant’Anna (2006, 2008a) cunhou o termo “mídia das fontes”, a partir do qual discute
a possibilidade de agendamento público pelas mídias da comunicação institucional, que
ignora parcialmente os padrões tradicionais do marketing, da propaganda e das relações
públicas.
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 125
a construcao da noticia-miolo.indd 125 02/03/2020 09:14
mascarar os discursos de relações públicas, que identificam e compõem
a comunicação estratégica. Não se pode perder de vista que a divulga-
ção jornalística institucional – ou estratégica – é complexa, de caráter
intencional e negociado, evidenciando o que “a instituição considera
importante e interessante num acontecimento para que ele ganhe o
estatuto de notícia, e também que estratégias utiliza para que este
acontecimento passe a ter existência pública”. (MONTEIRO, 2003)
A autora completa:
De acordo com esse ponto de vista, as notícias institucionais
são marcadas por necessidades e limitações organizacionais
que influenciam e condicionam o modo de fazer (organização
do trabalho e rotinas produtivas) e o que é feito (a notícia em
si), assumindo, portanto, um caráter intencional e negociado.7
(MONTEIRO, 2003, p. 146)
Nesse caso, a AI investe-se do lugar de informador e, como no Brasil
muitos assessores são jornalistas,8 já existe em relação a eles, por parte
da redação, uma expectativa sobre o fazer jornalístico no que tange a
práticas, rotinas e protocolos.
Aderir ao chamado “discurso jornalístico” é atender, em certa me-
dida, a essa expectativa dos jornalistas dos veículos que, diariamente,
selecionam “boas” pautas para fechar a edição. Sob os desígnios dessa
proposta, a AI busca responder às questões balizadoras do discurso
informativo.
Se o assessor constrói seu texto em função dos dados específicos da
situação de troca, a informação que será oferecida enquanto sugestão
7 Graça França Monteiro (2003, 2012) usa o termo “notícia institucional”, que, neste trabalho,
corresponde ao discurso informativo estratégico – acontecimento configurado pela AI.
8 Segundo a pesquisa “Quem é o jornalista brasileiro? Perfil da profissão no Brasil”, publicada
em livro pela editora Insular (MICK; LIMA, 2013), 40% dos jornalistas em atuação no país
estavam, em 2012, trabalhando em assessorias ou órgãos afins. A investigação foi realizada
pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC), em convênio com a Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj).
126 CLAUDIANE CARVALHO
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de pauta9 terá que atender aos critérios de noticiabilidade e ajustar o
enquadramento do assunto à missão, visão, valores e filosofia da ins-
tituição, mas também endereçá-lo à linha editorial do veículo, perfil
do programa, caderno, coluna etc. Para além da dimensão do texto,
essa é uma troca, em última instância, entre instituições e, portanto,
entram nessa negociação questões dos âmbitos político, econômico e
sociocultural, localizadas tanto nos contextos institucionais quanto no
contexto social macro. Aqui, a transação disponibiliza um quadro de
referência para o que pode ou não ser informação e a análise precisa
ser feita a partir dos processos – o discurso é a relação.
Ainda no que tange ao discurso informativo, ao apresentar uma
pauta, uma notícia, o assessor de imprensa parece buscar uma filiação
maior ao saber do conhecimento (ancorado na representação raciona-
lizada) do que ao saber da crença (ancorado num olhar subjetivo sobre
o mundo). Essa análise, entretanto, parece solicitar uma abordagem
mais cuidadosa para cada situação de comunicação e seus discursos
intrínsecos, uma vez que as membranas de separação entre esses sabe-
res são muito tênues.
Seja enquanto saber do conhecimento ou de crença, ou a costura
das duas dimensões, cada discurso modula os seus efeitos de sentido
de verdade de uma maneira particular. Para a análise da construção da
notícia, quando a instância de produção é a assessoria e a instância de
reconhecimento é a redação jornalística,10 é importante também res-
ponder às questões que, segundo Charaudeau (2012a), modulam tal
efeito, a saber: por que informar? Quem informa? Quais são as provas?
9 Embora seja tratado como sugestão de pauta, o texto enviado à imprensa é escrito e produzido
atendendo aos protocolos, regras e técnicas do jornalismo. A assessoria oferece, por assim
dizer, a matéria pronta para publicação.
10 A relação personalizada assessor-jornalista pode ocorrer. Não se faz vista grossa para os
vínculos que correm às margens e, muitas vezes, são presenças constantes nas práticas das
duas áreas de atuação. Entretanto, esse é um mapeamento possível no estudo de um caso,
considerando suas especificidades e transpondo a pesquisa para uma dimensão também
etnográfica.
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 127
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As pistas e marcas do discurso jornalístico, seguidas pelos assesso-
res, têm como base a produção da informação nas redações. Para ser
reconhecido enquanto notícia no veículo de comunicação, o material
do assessor precisa se adequar às regras desse jogo. Esse domínio do
fazer jornalístico e das dinâmicas específicas de cada empresa de co-
municação atesta também a qualidade e a competência do assessor,
relacionadas ao grau de aderência da sua produção aos discursos in-
formativos, ou seja, espera-se que esteja imerso na prática e dotado do
habitus. (BOURDIEU, 1996a, 1996b) Como numa gangorra de interesses,
o assessor parece ter que negociar, em algum instante, entre os interes-
ses da redação/do discurso jornalístico e os interesses da instituição/
do discurso estratégico.
Não é qualquer informação institucional que é transformada em
notícia para a mídia, uma vez que esse trâmite prevê a transmutação
da ocorrência organizacional em acontecimento público, ou seja, a ins-
tituição se põe em visibilidade. Entram em cena os processos de cons-
trução de imagem e de reputação.11 Dessa forma, escrever a notícia “não
11 Os conceitos de identidade, imagem e reputação são caros à comunicação organizacional, uma
vez que justificam, entre outros aspectos, o empenho para desenvolver ações de visibilidade
e estabelecer e manter o diálogo com os públicos interno, externo e misto, a fim de garantir
a sobrevivência da instituição em um mercado competitivo e marcado por constantes mu-
danças. Para a gestão desses capitais simbólicos, é desenvolvido o planejamento estratégico
de comunicação, por meio do qual é feito o diagnóstico de micro e macroambientes e elabo-
rada uma política de comunicação em sintonia com valores, missão e visão da organização.
(KUNSCH, 2003, 2006, 2009b, 2009c; YANAZE; FREIRE; SENISE, 2010) Numa primeira
abordagem, identidade refere-se ao que a instituição é e faz e como quer ser vista, já a imagem
é como a instituição é percebida pelos diferentes públicos. (KUNSCH, 2003; TORQUATO,
2002) Essas definições, entretanto, estão longe de gozar de consensos e também camuflam
a complexidade das noções. Uma organização, por exemplo, pode ter múltiplas identidades,
quando entre os seus integrantes há concepções diferentes sobre o que é central, distintivo e
duradouro. Assim, a identidade pode não ser comum a todos os membros, mas é mantida por
membros específicos como o conjunto de atributos da instituição. Além disso, a identidade
não é estável ou fixa, mas social e historicamente construída, estando sujeita a constantes
revisões. Ela reside em grupos de indivíduos, assim como papéis, símbolos, políticas, regras
e procedimentos. No mais, a identidade de uma organização não pode ser entendida ou ana-
lisada como algo homogêneo e de consenso dos membros da organização. Ela é uma única
identidade por se tratar de uma só organização, mas é vista, vivida e praticada por indivíduos
com as suas particularidades, que vão construindo seus significados e (re)significando-os em
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constitui apenas um ser ou um fazer, não é simplesmente infinitivo,
contém modalidades do poder e do dever. Indica um possível, um du-
plo sentido da capacidade e da autorização”. (MONTEIRO, 2003, p. 38)
Por que informar? Charaudeau (2003, 2012a) mostra que os efeitos
variam em função de ter havido ou não um pedido prévio pela infor-
mação. Caso não tenha, ela gera suspeita. A informação disponibiliza-
da deve estar respaldada no valor notícia para ser reconhecida como
legítima. Além disso, o assessor, enquanto informador, é também ava-
liado. Nesse contato, seu lugar como representante da fonte também
carece de certo apagamento. Ele deve assumir a posição de mediador,
e não de porta-voz da empresa. O grau de engajamento também deve
ser esmaecido. As marcas desse envolvimento com a organização pre-
cisam, por exemplo, ser retiradas do material que é enviado à imprensa
(releases e press kit)12 e, para tanto, valem-se dos critérios e formas do
um ambiente cultural. Enfim, as questões sobre a identidade estão no âmbito da pergunta
“Quem somos como organização?”, sendo que a identidade de uma organização é resultante
de uma representação compartilhada por seus membros. Joan Costa (2001) entende a imagem
da instituição como uma representação mental de um conjunto de atributos e valores que
funciona como estereótipo, determinando opiniões e conduta da coletividade. Para ele, o
indivíduo é o centro da imagem, porque esta se configura subjetivamente para cada um em
função dos seus valores, estilo de vida, motivações etc. O autor defende que a construção da
imagem se dá pelo gerenciamento da identidade – entendida por ele como o que a instituição
é, diz e faz. Já a reputação, na visão de Costa, é um dos atributos da imagem, sua vertente
qualitativa, identificada também pelos termos “prestígio” e “notabilidade”. Nessa vertente,
a reputação diz respeito à percepção que as pessoas têm sobre a organização e pode influir
nas suas decisões. Segundo Paul Argenti (2011), a reputação é um diferencial competitivo e,
portanto, entender como se constrói a reputação, como sustentá-la, trabalhando as diversas
expectativas dos stakeholders, consiste em um grande desafio. A reputação está aliada à ideia
de institucionalização da organização, ou seja, quando esta adquire um papel importante na
tessitura social e desempenha funções de relevância, para além de sua atuação no mercado.
A reputação pode ser entendida como um crédito de confiança adquirido pela organização
por meio de suas ações ao longo dos anos, estando esse crédito associado a um bom nome,
familiaridade, boa vontade, credibilidade e reconhecimento. (THEVISSEN, 2002)
12 O release consiste no texto, de caráter jornalístico, enviado à redação como sugestão de
pauta. Numa prática profissionalizada, o release padrão apropria-se do conteúdo e da forma
do fazer jornalístico, seguindo o modelo da pirâmide invertida, utilizando dados, fontes e
declarações que possam substanciar e legitimar a informação. Geralmente, o texto vem acom-
panhado de foto, quando é para impresso. Há também videorelease, audiorelease e release
para mídias digitais. A estruturação do material deve atentar às especificidades do meio e
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 129
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fazer jornalístico – formato do texto, dados, declaração das fontes, fo-
tos etc. Mas não se pode negligenciar que quem informa é o setor de
comunicação da organização. Embora as suspeitas sobre a veracidade
das declarações da fonte sejam anteriores ao serviço de mediação da
assessoria de imprensa, o “lugar de fala” do profissional da comunica-
ção estratégica é sempre passível de desconfiança.13
No que tange à resposta para quais são as provas, o assessor, mais uma
vez, recorre às técnicas e critérios do campo jornalístico. Além disso, a
tendência é buscar a transparência, por conjecturar que o material en-
viado à imprensa será alvo de investigações. (CASSIANO; SMANIOTTO,
2002; NOUTEAU, 2002) A princípio, o assessor, para integrar o processo
de construção das notícias, é interpelado como fornecedor de pautas
e de informações legítimas, as quais podem passar pelos crivos de au-
tenticidade, verossimilhança e valor das explicações dadas.
O jornalista da redação, possivelmente, fará a seleção da informa-
ção a partir dos efeitos de sentido de verdade que esta engendrar. Aqui,
os emissores precisam comungar dos critérios de noticiabilidade, das
mesmas regras e práticas do fazer jornalístico, ter um habitus partilhado
para que se estabeleça a relação.
Para entender a noção de habitus (BOURDIEU, 1996b; BARROS
FILHO, MARTINO, 2003; MARTINO, 2003), parte-se do pressuposto
de que a vida em sociedade é um contínuo aprendizado da prática
suporte – impresso, TV, rádio, internet – e ao perfil editorial do veículo, editoria, caderno,
coluna, programa de TV ou rádio, site, blog, rede social, entre outros. Já o press kit consiste
em um conjunto de informações jornalísticas, cujo tema divulgado tem valor notícia, que
merece e solicita o uso de diferentes formatos e gêneros do jornalismo para confecção do
material enviado à imprensa. Como estratégia para chamar atenção do jornalista da redação,
o press kit costuma ser um produto criativo.
13 Há situações ainda em que a negociação sobre a matéria a ser publicada não envolve nem a
AI nem a redação jornalística. Quando ocorre de a redação ser, simplesmente, informada de
que determinada notícia deve ser publicada, deve-se lembrar que, ao setor de jornalismo, na
empresa de comunicação midiática, estão reservadas as decisões táticas e operacionais. Nessa
conjuntura, o que concerne ao lugar estratégico das trocas simbólicas e financeiras entre a
instituição-fonte e o veículo jornalístico não é partilhado de forma clara com a redação e,
em alguns casos, a assessoria de comunicação também não participa desse trâmite.
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social, por meio da qual atitudes, valores e ideias são interiorizados
ao ponto de parecerem naturais. Assim, a ação social se dá de maneira
quase autônoma, mecânica, regida por um princípio estruturador de
ações, percepções e comportamentos – o chamado habitus, que se tor-
na “uma espécie de matriz geradora de esquemas de ação e percepção
social que, sob a ilusão de naturalidade, parecem ao indivíduo como
absolutamente corretos e coerentes”. (MARTINO, 2003, p. 75) A noção
de habitus, cunhada por Bourdieu (1996a, 1996b, 1999), constitui-se en-
tre a objetividade da estrutura e a subjetividade da cognição social. Por
esse viés, faz parte do habitus do jornalista a assimilação dos critérios
de noticiabilidade, das rotinas e práticas do fazer jornalístico. (SILVA,
G., 2014) Vale lembrar, então, o que já foi exposto: quando o assessor
entra em contato com a redação, há de ambas as partes uma expecta-
tiva em relação ao outro. Há uma situação de comunicação posta. Em
cena, estão, a priori, profissionais da comunicação, que conhecem o
fazer jornalístico. (DUARTE, 2001)
Destaca-se, ainda, que a assessoria também mira, em certa medida,
as supostas expectativas do público, uma vez que, ao construir o texto
para a redação, a partir das lógicas do perfil editorial e das demandas
específicas de cada caderno, programa ou editoria, também está con-
templando, ali, o leitor. No mais, todo processo de investimento das
instituições em comunicação é com vistas a atingir seus respectivos
públicos ou stakehorders.14 (BOUZON; MEYER, 2006; CAMILO, 2010;
GONÇALVES; SOMERVILLE; MELO, 2003; KUNSCH, 2003, 2009b,
2009c, 2009e; NASSAR, 2009b) Portanto, o assessor não escapa à tensão
que marca o discurso informativo midiático, engendrado na lógica par-
ticular do fazer saber (informar) e do fazer sentir – lógica da captação,
captura do consumidor para sobreviver no mercado. (CHARAUDEAU,
2012a, 2012b) Em outras palavras, o processo de interação entre AI e
14 São os públicos de interesse da organização, que se consagram como fundamentais para sua
sobrevivência social – acionistas, funcionários, mídia etc. A definição dos stakeholders de
uma organização depende da natureza do negócio, atuação no mercado – sua missão, visão
e valores.
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 131
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redação jornalística visa ao agendamento da mídia, ou seja, no que
tange à comunicação da organização, faz parte de um processo mais
amplo de planejamento e gestão de imagem institucional. Monteiro
(2003) sinaliza que as representações sociais têm um papel ativo na
vida social e econômica das organizações.
O contato entre AI e redação jornalística, no estudo proposto, marca a
primeira etapa do processo de construção da notícia. Para transformar
o mundo a configurar em mundo configurado, a AI precisa negociar
entre os interesses da organização – construção de imagem e repu-
tação – e os interesses da redação por boas pautas. Que negociações
são feitas para transformar o mundo a configurar (acontecimento a
configurar) em mundo configurado (acontecimento configurado)
e, ao mesmo tempo, “agradar” ao cliente e ao jornalista de veículo?
Pode-se pensar melhor na produção do discurso informativo a par-
tir da comparação dos processos expostos nas Figuras 6 e 7:
Figura 6 – Construção do discurso informativo na redação jornalística
Fonte: elaborada pela autora a partir Charaudeau (2012a), Ferreira (1997, 1999) e Ricoeur (2010a).
A Figura 6, já trabalhada em outros momentos deste texto, repre-
senta o processo de construção do discurso informativo, considerando
apenas a mediação da redação jornalística. Observe, então, a Figura 7,
que demonstra a construção do discurso informativo a partir da rela-
ção entre AI e veículo jornalístico.
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Figura 7 – Construção do discurso informativo na relação entre AI e Redação Jornalística (RJ)
Instância de Produção
Instância de Reconhecimento
Produção 2
Produção 1 Reconhecimento 1 Reconhecimento 2
ACONTECIMENTO ACONTECIMENTO ACONTECIMENTO ACONTECIMENTO
A CONFIGURAR
AI CONFIGURADO 1
RJ CONFIGURADO 2
Leitor REFIGURADO
Processo de
Interpretação 1
Processo de Processo de Processo de
Transformação 1 Transação 1 Interpretação 2
Processo de
Transação 2
Processo de Transformação 2
Fonte: elaborada pela autora a partir Charaudeau (2012a), Ferreira (1997, 1999) e Ricoeur (2010a).
Ao observar a Figura 7, podemos inferir que, na interação AI-
jornalismo, o acontecimento chega à redação como narrativa, e não en-
quanto mundo a significar. O acontecimento já sofreu, por assim dizer,
sua primeira configuração. Tem-se, então, que a primeira configuração
do mundo a significar em mundo significado, ou seja, acontecimento
em acontecimento narrado (notícia), é feita pela AI com vistas a uma
instância de reconhecimento, formada pelo jornalista. Entretanto, o
alvo último é o leitor. Em outras palavras, se não houver um trabalho
de investigação ou redirecionamento da pauta pelos veículos jornalís-
ticos, existe a possibilidade de ser divulgado o ponto de vista ou o en-
quadramento pretendido pela instituição fonte da informação.
Percebe-se, pois, que se o discurso informativo midiático for pensado
levando em conta a zona de interseção entre AI e redação jornalística,
a mecânica de produção do sentido se complexifica. Haverá mais pro-
cessos de transformação e transação, uma vez que o mundo a significar
passará pela primeira configuração na AI, gerando o Acontecimento
Configurado 1 (AC 1). O AC 1 pode ser o ponto de partida do veículo
para construção da sua própria narrativa.
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 133
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Figura 8 – Configuração do acontecimento na AI
Fonte: elaborada pela autora.
Figura 9 – Configuração do acontecimento no veículo jornalístico a partir da
narrativa na AI
Fonte: elaborada pela autora.
Quando se aborda a configuração do acontecimento a partir da
relação entre AI e jornalismo, percebe-se que esse processo ocorre em
dois níveis, modulando, portanto, dois processos configurativos.
Figura 10 – Configuração do acontecimento em dois níveis: AI e jornalismo
Fonte: elaborada pela autora.
Essa representação do processo de construção da notícia não im-
plica falta de acesso do repórter às fontes ou ausência da averiguação
dos acontecimentos in loco. Porém, a demonstração alerta para a pre-
sença da zona de interseção entre o discurso informativo estratégico e
o discurso informativo jornalístico. A AI precisa atender aos interesses
do cliente e às expectativas dos jornalistas na redação. Diante dessa
conjuntura, como busca o efeito de sentido de verdade? Apropria-se
134 CLAUDIANE CARVALHO
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das condições de veracidade e verossimilhança? Há uma inquietude,
porque é um discurso no qual as respostas à exigência do informativo
cumprem também uma função de “esconder” a fala do cliente e, ao
mesmo tempo, convencer o jornalista da redação sobre o valor da no-
tícia. Se a informação jornalística é construída no tensionamento entre
informar e seduzir, a informação estratégica é tecida, também, a partir
da conexão entre informar e convencer. A AI tem o desafio da credi-
bilidade e o desafio do convencimento: fazer saber e fazer convencer.
As redações jornalísticas, por sua vez, não estão isentas dos confli-
tos quando produzem as notícias com a mediação das assessorias. Ao
mesmo tempo em que, para garantir a produção diária de informações,
precisam do suporte oferecido pelas distintas organizações sociais, reco-
nhecem que a notícia institucional pode ser tendenciosa, o que fere os
princípios deontológicos do jornalismo. Nesse ponto, trata-se de uma
relação de codependência – redações precisam de pautas/notícias e,
grosso modo, as instituições são favorecidas com as notícias positivas,
das quais são fonte.15 As limitações, interesses e representações sociais
tanto da redação jornalística quanto da AI emergem na relação e bali-
zam as consequentes situações de comunicação, geradoras de contratos.
CHEGANDO À ESTAÇÃO: PROPOSIÇÕES PARA O
PERCURSO ANALÍTICO
Neste momento, chega-se à primeira estação; é hora, pois, da primeira
“parada”, hora de retomar e resumir algumas considerações feitas até
aqui. Para entender a configuração do discurso informativo, construído
na relação entre AI e redação jornalística, propõe-se a identificação das
zonas de interseção existentes: entre o discurso informativo estratégico
(AC 1) e o discurso informativo jornalístico (AC 2); e entre o contrato
15 As instituições podem ser notícia também por questões negativas. Nessas ocasiões, as asses-
sorias trabalham na perspectiva da gestão de crise. (BUENO, 2009a, 2009c, 2012; MOREL,
2008)
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 135
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de comunicação AI-redação jornalística e o contrato de comunicação
suporte-leitor. Entretanto, para identificar o que há de comum, é ne-
cessário, antes, entender o que há de específico em cada discurso e re-
lação contratual.
No que tange à análise dos discursos citados e, consequentemente,
da zona de interseção entre eles, foi elaborado um resumo, espécie de
guia, com indicativos de operadores analíticos, desenvolvidos mediante
as contribuições de Patrick Charaudeau (1997, 2003, 2003, 2012a, 2012b).
A partir do pressuposto de que tanto o discurso informativo estratégi-
co quanto o jornalístico são modulados pela necessidade de, simulta-
neamente, “fazer saber” e “fazer seduzir”, sugere-se que a análise seja
conduzida pela busca de repostas para duas indagações-chave: como
se conseguem os efeitos de sentido de verdade e como se conseguem
os efeitos de dramatização.
Quadro 1 – Questões de orientação para a análise do discurso informativo
Discurso informativo
O paradoxo do saber fazer e saber seduzir
Como se conseguem os efeitos de sentido de Aspectos atinentes à seleção e à construção do
verdade? acontecimento
(Abordagens do newsmaking, agendamento/
enquadramento)
Como se conseguem os efeitos de Atributos dos dispositivos
dramatização? Modos de dizer (espaços de locução, interação e
sedução)
Fonte: elaborada pela autora a partir de Charaudeau (2003, 2012a), Pinto (2002) e Verón (1998,
2004).
Ao longo do percurso, pontuou-se que tanto assessores de imprensa
quanto jornalistas partilham, para propósitos distintos, conhecimentos
sobre os critérios de noticiabilidade, rotinas e práticas do jornalismo –
temas absorvidos nos estudos de newsmaking. Além disso, constatou-
-se também que a assessoria visa ao agendamento da mídia a partir de
determinados enquadramentos que venham a favorecer os processos
de gestão de imagem e reputação da organização fonte. Aqui, as refle-
xões conduzem às questões concernentes à hipótese da agenda setting.
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Percebe-se, então, que, para o processo de análise da construção do
discurso informativo na relação entre AI e jornalismo, deve-se invocar,
além da AD e da hermenêutica de Ricoeur, as contribuições das teorias
do jornalismo. Essas, porém, serão tratadas mais adiante. Por ora, vol-
ta-se o olhar às questões apresentadas no Quadro 1.
Já foi sinalizado que os critérios para seleção e construção do dis-
curso informativo por parte de assessores e jornalistas precisam con-
vergir, mas são, a priori, marcados por interesses distintos, uma vez
que um está vinculado à chamada comunicação organizacional e o
outro, ao jornalismo enquanto campo social autônomo. (BOURDIEU,
1999, 2010) A tarefa do analista, portanto, é mapear em que aspectos
os critérios de noticiabilidade são convergentes e divergentes; assim,
terá pistas que o conduzirão também ao agendamento. Ainda no que
tange à questão sobre a busca pelos efeitos de sentido de verdade, dela
se desdobram três outras indagações: por que informar? Quem infor-
ma? Quais são as provas?
Quadro 2 – Questões de orientação para a busca do efeito de sentido de verdade
Discurso informativo
Em busca do efeito de sentido de verdade
Por que informar? As motivações do jornalismo e as motivações da assessoria
de imprensa/relações públicas
(A construção social da realidade)
Quem informa? Características e posicionamentos das fontes
(A relação do jornalismo com as fontes e o lugar da assessoria
de imprensa como mediadora)
Quais são as provas? Do testemunho ao registro
Fonte: elaborada pela autora a partir de Charaudeau (2003, 2012a).
As perguntas suscitadas pela questão mais ampla sobre a produção
dos efeitos de sentido de verdade também reverberam na abordagem
do newsmaking. O vínculo entre jornalistas e assessores é estabelecido
por meio da partilha e comunhão de critérios, rotinas, protocolos e
práticas do jornalismo. (PEREIRA, 2007; RUSSI, 2010; SANT’ANNA,
2006, 2007a, 2007b, 2008a) Todavia, como já visto, esses profissionais
defendem interesses distintos.
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 137
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Se na deontologia do jornalismo a produção da informação im-
plica a busca pela verdade dos fatos (SODRÉ, 2009), as motivações da
AI estão no campo das relações públicas. Nesta última, a constituição
do processo informativo está associada a um conjunto de planos de
ação que visam à gestão e ao pensamento estratégico da comunicação.
(KUNSCH, 2009e) Mais uma vez, é no tensionamento entre fatores
convergentes e divergentes que a notícia se constrói. No campo da
comunicação nas organizações e no campo do jornalismo, a sinto-
nia entre os capitais simbólicos, econômicos, políticos, culturais etc.
em jogo determina o processo construtivo do discurso informativo.
(ADGHIRNI, 2009)
No que se refere à relação com as fontes, é sabida sua necessidade
por parte do jornalismo, a fim de que possa construir as narrativas do
acontecimento. No mais, a credibilidade da fonte (ou falta de) é um
dos fatores que determina a seleção do que vai ser publicizado. Aqui,
instala-se, mais uma vez, a tensão entre a AI (mediadora da fonte) e o
jornalismo (investigador ligado às fontes). Nesses termos, o ponto ful-
cral continua sendo a convergência de interesses e dos critérios para
seleção e construção do acontecimento.
A busca pelas provas é indissociada da fonte e, portanto, também
coloca em cena não apenas as práticas e rotinas produtivas de assesso-
rias e redações jornalísticas, mas também suas representações sociais,
cujo impacto no processo de construção do discurso informativo é de-
terminado pelos respectivos lugares de fala. Em tempo, vale o registro
de que serão aprofundadas nos próximos capítulos as reflexões sobre
os processos de análise – newsmaking e agenda setting –, sugeridos pe-
las indagações apresentadas neste momento.
A outra questão balizadora do percurso investigativo diz respeito
à conquista dos efeitos de dramatização, engendrados, especialmen-
te, pelos atributos dos dispositivos e, consequentemente, pelos modos
de dizer.
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Noção-chave para compreender os processos de midiatização16 na
sociedade, os dispositivos não podem ser entendidos apenas como
suporte técnico, sob pena de não contemplar a produção de sentidos.
Aliás, os dispositivos midiáticos agem sobre as práticas sociais, moda-
lizando-as por meio de operações técnicas e simbólicas. Assim sendo,
estes suplantam o suporte técnico, no qual os discursos são enuncia-
dos, porque constituem uma matriz que orienta e determina as rela-
ções entre as instâncias de produção e reconhecimento. (MOUILLAUD,
2002c; VERÓN, 1997)
Para Verón (1997), os dispositivos modulam os contratos de leitura,
engendrados entre produção e consumo. Por contrato de leitura define-se
o conjunto de “regras, estratégias e ‘políticas’ de sentidos que organi-
zam os modos de vinculação entre as ofertas e a recepção dos discursos
midiáticos e se formalizam nas práticas textuais enquanto constituem
o ponto de vínculo entre produtores e usuários”. (FAUSTO NETO, A.
et al., 2011, p. 17) Esse contrato repousa sobre um espaço imaginário,
no qual são propostos múltiplos caminhos. Cabe à instância de reco-
nhecimento compor o seu próprio percurso de leitura. (VERÓN, 2004)
O dispositivo midiático, portanto, opera e põe em funcionamento as
enunciações, das quais resultam os contratos de leitura, proposições
que a mídia faz ao seu leitor, através dos seus processos enunciativos.
A partir do dispositivo, o processo produtivo opera mecanismos
que incidem na forma como os coenunciadores se relacionam com a
oferta discursiva. Para fins de elucidação, Mouillaud (2002b, 2002c)
explica que o jornal está inscrito no dispositivo geral da informação,
porém contém elementos próprios, como a seleção de notícias, a edição,
a montagem, a hierarquização e os enquadramentos, entre outros, que
consistem em escolhas enunciativas. Estas vão reverberar no reconheci-
mento, determinando a relação do leitor com esse jornal em específico.
16 Desde a segunda metade do século passado, o conceito de midiatização vem ganhando
espaço considerável nos estudos do campo da comunicação. Nas pesquisas mais recentes,
o termo refere-se ao fenômeno sócio-histórico e cultural no qual a ambiência dos meios de
comunicação implica mudanças na sociedade e na cultura. Ver mais em: Lundby (2014).
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Todo suporte midiático engendra seu dispositivo de enunciação, o
qual é construído a partir dos “modos de dizer”. Como destaca Verón
(2004), não há produção de sentido sem enunciação, ou seja, sem as
respectivas modalidades do dizer. No entanto, no contrato enunciativo,
são tão primordiais as modalidades do dizer/mostrar/interagir quanto
os modos de reconhecer. Aliás, o reconhecimento influencia os “modos
de dizer” do enunciador. Afinal de contas, reconhecer é também pro-
duzir sentidos; enunciador e coenunciador se atualizam num processo
recíproco. (FAUSTO NETO; SANCHOTENE, 2009)
A partir de Mouillaud (2002b, 2002c), Véron (1997, 2004) e Antônio
Fausto Neto e demais autores (2011), pode-se sumariar que todo suporte
midiático possui seu dispositivo de enunciação, o qual é gestado nos
modos de dizer (na enunciação), engendrando o contrato de leitura,
ou seja, o vínculo entre o suporte noticioso e o leitor. É através desses
modos de dizer que os veículos buscam seduzir e captar o leitor.
No que diz respeito ao discurso informativo construído entre asses-
soria de imprensa e redação jornalística, há que se pensar a questão do
dispositivo por dois ângulos. Pelo viés da assessoria, existe o desafio de
elaborar produtos de divulgação noticiosa que atendam às demandas
de pauta e às especificidades de cada veículo, isso porque o processo
de publicização não deve ser feito de maneira indiscriminada, mas
pondo em debate as peculiaridades de cada suporte jornalístico. Dessa
maneira, a AI, ao preparar o material de divulgação, tem como pano
de fundo os contratos de leitura estabelecidos entre suporte noticioso
e seu respectivo leitor modelo. (ECO, 1987) Só contemplando os dis-
positivos de enunciação do veículo – suas editorias, cadernos, colunas,
programas, quadros etc. – o projeto de pauta da AI pode lograr sucesso.
Ainda sob o ponto de vista da assessoria, esta tem seus respectivos
modos de dizer, ou seja, suas estratégias enunciativas, que visam à ar-
ticulação entre o informar e o gestar a comunicação organizacional.
Assim, a atividade da AI não pode prescindir de sua enunciação, mas
a negocia com os “modos de dizer” dos veículos jornalísticos visados
nos planos de divulgação.
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Já pelo ângulo do suporte noticioso, pode-se inferir que cada um
possui o seu dispositivo de enunciação, o qual, calcado nos modos de
dizer (na enunciação), postula o contrato de leitura, ou seja, o vínculo
entre o suporte noticioso e o leitor. Nessa esfera, a atividade do gate-
keeper consiste em selecionar a sugestão da assessoria que mantenha
consonância com as atividades de enunciação do veículo.
No processo analítico, portanto, ao abarcar o AC 1, chamado de
discurso informativo estratégico, e o AC 2, denominado de discurso
informativo jornalístico, é possível deduzir os “modos de dizer” da as-
sessoria e do suporte jornalístico e os critérios de seleção e construção
da informação em ambos, além de contemplar o agendamento. Ou
seja, a averiguação da zona de interseção entre o discurso informativo
estratégico e o discurso informativo jornalístico permite inferir quais
critérios de noticiabilidade foram trabalhados e acionados, em conso-
nância, nas duas instâncias de produção, a assessoria e a redação jorna-
lística; investigar também as convergências entre os “modos de dizer”
de ambos; e verificar, ainda, como essa simultaneidade influiu para o
processo de agendamento.
***
Ao longo deste trecho, foi possível observar que as relações entre
AI, redação jornalística e leitor colocam em cena a ideia do contrato, ou
seja, de negociação, a qual existe por conta do desnível, da necessidade
de acordos. Para dar continuidade a este percurso, serão estudados es-
ses contratos, ou seja, as transações que garantem a configuração do
discurso informativo entre AI e jornalismo, e, para tanto, a noção será
melhor definida.
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OS PROCESSOS DE TRANSAÇÃO
DOS CONTRATOS COMUNICATIVOS E
ZONA DE INTERSEÇÃO
Neste capítulo, como já antecipado, serão abordados os processos de
transação que acontecem entre AI/comunicação estratégica, redação
jornalística (o suporte) e leitor, a fim de que seja configurado o dis-
curso informativo a partir das relações contratuais. Nesse aspecto,
dois processos são contemplados: 1. entre AI e redação jornalística;
e 2. entre a redação jornalística (suporte) e o leitor.1 No entanto, o
interesse maior é a zona de interseção entre esses contratos, a qual
vai dar margens à negociação, oferecendo subsídios para tanto.
Essa reflexão, por sua vez, solicita uma abordagem sobre a noção
de contrato.
1 Em tempo, vale explicar que, no primeiro contrato, refere-se à redação jornalística, a fim de
destacar os produtores do discurso informativo. No segundo contrato, entretanto, chama-se
atenção também para o suporte, colocando-o entre parêntese por considerar, a partir de
Verón (1985, 1987, 1995, 1998, 2004), que os acordos estabelecidos entre o suporte e o leitor
são calcados em decisões que extrapolam o campo da redação jornalística.
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CONTRATO: DO VÍNCULO À ARTICULAÇÃO ENTRE AS
INSTÂNCIAS DE PRODUÇÃO E RECONHECIMENTO
A noção de contrato remete ao vínculo entre emissão e recepção, da-
das as condições de produção e reconhecimento de discurso. Proposta
numa revisão às pesquisas administrativas ou funcionalistas sobre
os efeitos e às análises imanentes dos discursos, essa noção tenciona
reduzir o fosso entre os conhecimentos sobre o texto, de um lado,
e os conhecimentos sobre o leitor, do outro. Trata-se de um aporte
metodológico que instiga a junção entre as análises semiológicas e
as pesquisas de campo.
Eliseo Verón (1985, 2004), em diálogo com o conceito de leitor mo-
delo, de Umberto Eco (1987), estudou o contrato de leitura a partir do
estabelecimento de determinados elos entre jornais e revistas impressos
e seus leitores. Já Charaudeau (2003, 2012a), no esteio da semiologia
social, referenda como contrato de comunicação a interação entre os
polos da produção midiática e do reconhecimento. A especificidade
desta última abordagem consiste em afirmar que as produções discur-
sivas são reguladas por relações contratuais, ou seja, o processo comu-
nicativo depende de um contrato de comunicação. Ambos os autores,
é evidente, tratam da relação entre enunciador e coenunciador no que
tange à construção discursiva, ou seja, às marcas da produção que são
revisitadas pela recepção. Desde já, considera-se que os dispositivos da
enunciação posicionam o leitor, mas também não permanecem incó-
lumes à troca e podem sofrer alterações de acordo com as demandas e
respostas da instância do reconhecimento.
Neste trabalho, será adotada, com mais frequência, a nomenclatura
contrato de comunicação, visto que se adéqua ao estudo do processo
produtivo da informação, marcado pelas relações intercontratuais e
pelo avanço constante do processo de midiatização. Como já exposto,
contempla-se a ideia de zonas de interseção, as quais impelem a pen-
sar o contrato num viés que suplanta a proposição de intervalo e, até
mesmo, de vínculo entre as instâncias de produção e reconhecimento
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do sentido, para investir numa perspectiva de interação, destacando o
atributo da atividade em ambos os polos e entre eles.
Antes de ir adiante com as ponderações sobre a construção da notícia,
a partir do aspecto relacional dos discursos e dos contratos, faz-se uma
pausa para refletir sobre a noção de contrato de leitura/comunicação.
O contrato de leitura é formalizado na prática textual, consagra-se
no vínculo entre o produtor e o leitor e refere-se às regras, estratégias
e políticas de sentido que modulam os elos dessa conexão. (FAUSTO
NETO, A., 2007; FAUSTO NETO, A. et al., 2011; FAUSTO NETO, A.;
SANCHOTENE, 2009) Distante do legado da área jurídica, o contrato é
definido por Verón (2004) como um espaço imaginário, no qual o leitor
pode traçar itinerários a partir dos percursos e paisagens propostos, em
que ele pode fazer escolhas, porém sob orientações. Essa definição está
ancorada no entendimento do discurso como “um espaço habitado de
atores, de objetos e ler é colocar em movimento este universo, aceitando
ou recusando, indo mais além à direita ou à esquerda, investindo mais
esforços”. (VERÓN, 2004, p. 216)
Em sua pesquisa sobre o contrato de leitura em revistas e jornais,
Verón observa que os elos são estabelecidos logo na capa, uma vez que,
nesse primeiro contato, já há traços da identidade, do estilo do suporte
e de sua forma de abordagem do acontecimento. O autor assinala que
o contrato de leitura se organiza por diferentes mecanismos nos níveis
da enunciação e defende que o veículo constrói para si mesmo um “lu-
gar” e, assim, “posiciona” o destinatário. Pondera ainda que um mesmo
enunciado pode ser apropriado por estruturas enunciativas diferentes.
O conjunto destas constitui o contrato de leitura que o suporte propõe
ao seu leitor. (VERÓN, 1985) Dessa maneira, o autor sugere análises
que abracem distintos aspectos da instalação do elo entre o suporte e
o leitor, a saber: cobertura dos acontecimentos, relação texto/imagem,
modo de classificação do material produzido (divisão em cadernos,
editorias, disposição nas páginas etc.), dispositivos de apelação (títulos,
subtítulos, legendas etc.), infográficos, entre outros. Ele insiste também
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na complementaridade entre a proposta semiótica e a proposta do tra-
balho em campo para melhor apuração da relação contratual.
Ainda segundo Verón (2004), a interdiscursividade compõe o pro-
cesso de leitura. Isso porque, a instância de reconhecimento constrói
sentido, a partir de sua cultura, crenças, valores e experiências. Há uma
constante negociação entre produção e recepção, o contrato é baliza-
do no conhecimento que os interlocutores têm um da fala do outro.
(FAUSTO NETO, A. et al., 2011; VERÓN, 2004) Dessa forma, diferentes
veículos estabelecem contratos distintos com os leitores e, assim, as-
sumem posicionamentos diferenciados, alimentando e enfrentando
a concorrência no mercado. (VERÓN, 1985) No que toca os estudos
de concorrência, a análise do contrato de leitura permite, segundo o
semiólogo, localizar as especificidades de um suporte e apontar as di-
mensões constituintes do modo particular que tem de construir sua
relação com seus leitores.
A noção de contrato de leitura tem uma perspectiva suporte-leitor e,
neste livro, são focadas as situações de comunicação entre AI e redação
jornalística, por um lado, e redação jornalística (o suporte) e leitor, por
outro. É enfatizado, portanto, o caráter relacional da produção do dis-
curso informativo. No mais, há uma aposta de que a relação intercontra-
tual, constituída pela zona de interseção, pode desencadear mudanças
na produção discursiva, uma vez que as assessorias de comunicação
são convertidas em personagens ativos no processo de construção da
informação na atualidade.2 A ênfase nas situações de comunicação e
no aspecto intercontratual da produção discursiva fundamenta, pois,
a predominância do uso do termo “contrato de comunicação”.3 Além
2 Os atores sociais também assumem papéis importantes no processo de produção e circulação
da informação na atualidade, graças às possibilidades geradas pela midiatização da cultura
e da sociedade. Reconhece-se a importância desse movimento, mas ele não constitui objeto
de estudo deste livro.
3 O livro não visa à análise dos suportes jornalísticos produzidos pela assessoria de imprensa,
mas considera a narrativa do acontecimento, que é enviada à mídia jornalística, através de
releases e/ou press kits.
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disso, essa noção é sustentada teoricamente no percurso mimético de
Ricoeur, cujo círculo é aporte teórico-metodológico para este estudo.
Segundo Charaudeau (1997, 2003, 2012a), a situação de comuni-
cação, na qual é construído o discurso, determina seu impacto social
e engendra os contratos de comunicação. Assim, a relevância ou in-
teresse social de um discurso vai depender das condições específicas
da situação de troca da qual ele surge. As situações de comunicação
constituem quadros de referência, molduras (GOFFMAN, 1974), cujas
restrições são reguladas pelas práticas sociais e discursos de represen-
tação, “produzidos para justificar essas mesmas práticas, a fim de va-
lorizá-las”. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 67) Os contratos são balizados
pela cointencionalidade e são regulados por dados externos e dados
internos ao discurso.
A cointencionalidade é marca distintiva da situação de comunicação,
tecida num jogo de restrições e pressuposições. A atuação do enuncia-
dor é limitada por restrições, as quais ele supõe serem de conhecimento
do leitor. Por sua vez, a instância de reconhecimento também espera
do produtor a consciência destas. É esse conhecimento recíproco das
restrições da situação de comunicação por parte dos enunciadores que
vai gestar, de acordo com Charaudeau, o contrato de comunicação.
“Este resulta das características próprias à situação de troca, os dados
externos, e das características discursivas decorrentes, os dados inter-
nos”. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 68, grifo do autor)
OS CONTRATOS DE COMUNICAÇÃO PELO VIÉS DA
CONSTRUÇÃO DO DISCURSO INFORMATIVO ENTRE
AI E REDAÇÃO JORNALÍSTICA
Os contratos estabelecidos entre os agentes de uma dada situação co-
municativa são social e historicamente definidos. No que diz respeito à
construção da notícia, na relação entre AI e redação jornalística, como
já explicitado, são mapeadas duas situações de comunicação que me-
recem destaque: 1. a situação de comunicação entre a AI e a redação
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jornalística; e 2. a situação de comunicação entre a redação jornalística
(suporte) e o leitor. Esta segunda reverbera na primeira e, assim, são
gestados dois contratos que se encontram e que são estabelecidos em
prol da construção dos discursos informativos e de outros interesses.
Em outras palavras, as condições de produção da notícia ocorrem na
conexão e no tensionamento entre esses dois contratos de comunica-
ção. No processo analítico, o desafio é localizar os aspectos externos
(características da situação de troca) e os aspectos internos (do discurso)
que os determinam.
Segundo Charaudeau (2003, 2012a), os dados externos compreen-
dem as regularidades comportamentais dos indivíduos envolvidos
na situação de troca e as constantes dessa situação. Os discursos de
representação confirmam as regularidades, atribuindo-lhes valores.
Os dados externos podem ser agrupados em quatro categorias, que
correspondem às condições de enunciação: identidade, finalidade,
propósito e dispositivo.
No que tange à condição de identidade, é preciso responder à questão
“quem troca com quem?”, traçando um perfil dos parceiros da situação,
no que concerne ao ato comunicativo. Essa identificação fica nos limi-
tes das representações. A condição de finalidade responde à pergunta
“estamos aqui para dizer o quê?” e está associada à problemática da
influência, conduzir o outro a “fazer fazer”, “fazer saber”, “fazer crer”,
“fazer sentir”. A construção do acontecimento e a pretensão de que os
discursos sejam tematizados convergem para a indagação “do que se
trata?”, abarcada pela condição de propósito. As interrogações sobre as
estratégias de enunciação do suporte midiático podem ser respondidas
pelas condições de dispositivo. É possível mapear sua manifestação e
organização, porque discorrem sobre o quadro do ato comunicativo,
parcialmente previsível.
Depois de definidos e partilhados os dados externos, cabe aos in-
terlocutores saberem o que falar, como falar e os comportamentos
adequados às delimitações situacionais. Os dados internos são propria-
mente discursivos e respondem à pergunta “como dizer?”. Embora as
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restrições da situação de comunicação sejam dadas previamente ao ato
de comunicação, este não está determinado em definitivo e permite
aos interlocutores construírem suas próprias estratégias e até remode-
larem espaços de enunciação.
Os espaços enunciativos conformam os dados internos do contrato
e dividem-se em três:
• espaço de locução: o sujeito falante conquista o direito de
poder comunicar, assumindo o lugar de fala e identificando
seu interlocutor;
• espaço da relação: ao construir seu espaço de locutor e tam-
bém ao identificar o interlocutor, o sujeito falante estabelece
relações de força, submissão, inclusão, exclusão, dependên-
cia etc.; e
• espaço de tematização: no qual é organizado o tema (ou te-
mas) da troca.4 (CHARAUDEAU, 2003, 2012a; PINTO, 2002;
VERÓN, 1985, 1987, 1995, 1998, 2004)
Os dados internos dos contratos permitem operacionalizar os con-
ceitos de heterogeneidade ou interdiscurso, intradiscurso, sujeitos do
enunciado e da enunciação. Já os operadores “o poder” e “o ideológico”
transitam tanto nos dados internos quanto nos dados externos e só po-
dem ser apreendidos nesse movimento de complementaridade entre
a situação de comunicação e o discurso produzido.
A mecânica de produção do sentido do discurso informativo se
complexifica a partir do momento em que as assessorias, enquanto
4 Pode-se, nesse aspecto, traçar um paralelo com as funções de mostração, sedução e interação,
apresentadas por Pinto (2002) como funções dos modos de dizer. A função de mostração
pode corresponder ao espaço de tematização (CHARAUDEAU, 2003, 2012a), já a função
de interação corresponde ao espaço de relação e a função de sedução encontra aderências
no espaço do locutor. Essas correspondências demonstram a convergência das abordagens
traçadas pelos autores.
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comunicação estratégica, são contempladas na instância de produção
e, consequentemente, nas condições de produção. Aqui, chega o mo-
mento de salientar que os contratos de comunicação, nessa construção
da notícia, ganham, portanto, outras dimensões e camadas de sentido.
As Figuras 11 e 12 contemplam, respectivamente, o contrato de comu-
nicação para a produção da notícia quando a redação jornalística atua
sem a participação da AI e com a presença da AI.
Figura 11 – O contrato de comunicação para construção do discurso informativo sem a AI
Contrato de Comunicação
Instância de
ACONTECIMENTO ACONTECIMENTO Instância de ACONTECIMENTO
Produção
A CONFIGURAR CONFIGURADO Reconhecimento REFIGURADO
Jornalística
Processo de Processo de
Transformação Interpretação
Processo de Transação
Fonte: adaptado de Charaudeau (2003, 2012a).
Figura 12 – Contratos de comunicação para construção do discurso informativo na
relação entre AI e RJ (redação jornalística)
Contrato de Comunicação Contrato de Comunicação
AI e RJ RJ - Leitor (suporte)
RJ Leitor
ACONTECIMENTO AI ACONTECIMENTO (Instância de ACONTECIMENTO ACONTECIMENTO
(Instância de (Instância de
A CONFIGURAR CONFIGURADO 1 Reconhecimento CONFIGURADO 2 Reconhecimento) REFIGURADO
Produção) e Produção)
Processo de
Interpretação 1
Processo de Processo de
Transformação 1 Interpretação 2
Processo de
Transação 2
Processo de
Transação 1 Processo de Transformação 2
Fonte: elaborada pela autora a partir de Charaudeau (2003, 2012a) e Giovandro Ferreira (1997, 1999).
Os contratos se referem aos processos de transação no círculo her-
menêutico, que dispõe sobre a semiotização global do mundo. A título
150 CLAUDIANE CARVALHO
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de lembrança, o contrato para produção da informação jornalística é
marcado pela contradição entre o fazer saber (informar) e o fazer sentir
(seduzir). Por sua vez, o contrato para produção da informação estraté-
gica5 é marcado pelo desacordo entre informar e convencer, mas, neste
último, acrescenta-se a finalidade de relações públicas, concernente à
construção de imagem e reputação do cliente.
Em ambos os contratos, há a busca por uma aderência ao saber do
conhecimento e a presença dos operadores enunciativos para a produ-
ção dos efeitos de sentido de verdade. Contudo, no que diz respeito à
informação estratégica, em todas as etapas, faz-se necessário averiguar o
apagamento discursivo do tom promocional enquanto recurso retórico
para convencer o jornalista da redação sobre a legitimidade da pauta.6
Nesse momento, pode-se inferir que contradições e encobrimentos
fazem parte do contrato da informação estratégica, uma vez que o fazer
saber, ou seja, o informar, de maneira ambígua, consiste em artimanha
retórica para posicionar o cliente e subsídio para conquistar a atenção
da redação jornalística. Do ponto de vista da AI, é necessário informar
o jornalista e convencê-lo dos valores da pauta, mas também é preci-
so construir um posicionamento para a organização que ecoe na sua
imagem e reputação.
Dito isso, o desafio é abarcar, analiticamente, as características dos
contratos estabelecidos entre AI e redação jornalística, por um lado, e
redação (suporte) e leitor, por outro. A princípio, a análise precisa aten-
tar para as instâncias de produção e recepção da informação, as finali-
dades dos contratos, o acontecimento em construção e os dispositivos.
(CHARAUDEAU, 2012a)
5 Vale relembrar que o uso do termo “estratégico” consiste numa alternativa para destacar o
ponto de vista das ações da comunicação organizacional, que visam a construir o posicio-
namento do cliente no mercado e, de forma mais ampla, na sociedade.
6 Pela análise dos elementos discursivos do texto produzido pela AI – heterogeneidade, enun-
ciador e marcas das condições de produção –, podem ser avaliados os enquadramentos de
relações públicas presentes no discurso informativo estratégico.
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 151
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Quem são os parceiros da troca (instâncias de
produção e reconhecimento)?
A instância de produção tanto organiza o conjunto do sistema de
produção, num lugar externo, quanto organiza a enunciação discursiva
da informação. Já a instância de reconhecimento prevê o embate entre
o leitor modelo e o leitor empírico. (ECO, 1987) No que tange à relação
mídia-leitor, por exemplo, a instância da recepção, quando considerada
do ponto de vista interno à mídia, é a “instância alvo”, destinatário;
mas, do ponto de vista externo, é o consumidor, “instância público”.
(CHARAUDEAU, 2003, 2012a)
A instância de reconhecimento na relação AI/redação jornalística
reveste-se de diferentes posições:
• é o veículo contemplado nas suas especificidades enquanto
meio – TV, rádio, jornal, revista, site, redes sociais etc. –, per-
fil editorial, gêneros jornalísticos, entre outros;
• é a redação em sua rotina produtiva diária, na qual a deci-
são pelas “melhores pautas” depende de uma conjunção de
fatores; e
• é a empresa, cuja sobrevivência solicita a captura e fideliza-
ção do consumidor, mas também está à mercê de negocia-
ções econômicas e políticas com outras instituições sociais,
especialmente governo e empresas privadas.
Para entrar nesse jogo, as transações ocorrem de forma especular,
explicitando a necessidade da pergunta “que representações a assessoria
constrói de si?”. Não necessariamente a representação coincide com as
práticas, mas é balizadora no ato de comunicação. Há, enquanto lega-
do e conteúdo previsto, uma representação social da AI. Porém, a cada
novo ato comunicativo, cada assessor/assessoria, individualmente, pode
transformar isso. Aqui, há que se pensar nos discursos de justificativa
produzidos pelos profissionais da área, mas também nas peculiaridades
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do funcionamento da comunicação organizacional, especialmente das
AI. Em outras palavras, deve-se levar em conta tanto os discursos da
assessoria sobre as suas práticas, seu modus operandi, quanto as carac-
terísticas do funcionamento da construção da informação estratégica.
Instâncias de produção
A mídia, enquanto instância de produção, contempla uma equipe, o
que torna difícil a delimitação da autoria, uma vez que o processo é de
coenunciação. (CHARAUDEAU, 2003, 2012a) No impresso, por exem-
plo, o repórter, geralmente, trabalhava em parceria com o fotógrafo e
com o diagramador e sob a batuta do editor, do chefe de reportagem e
do coordenador geral. Essa enunciação conjunta compartilha e difun-
de valores e crenças do veículo de informação.
No que diz respeito à comunicação estratégica, o assessor de im-
prensa, ainda que jornalista, divulga uma informação, cuja construção
envolve a apreciação e o veredicto dos gestores da instituição fonte.
Nesse aspecto, ao assessor é forjado o lugar de mediador, não cabendo
a ele a decisão final do que deve ser apresentado à mídia. Mesmo que
faça jus a seu cargo, aconselhando e instruindo as fontes e concebendo a
narrativa do acontecimento, esse profissional não decide sozinho sobre
o que deve ser a notícia institucional. Por trás dele, há uma instituição
e sua trama de interesses.
No mais, há outro aspecto a ser apreciado: se a comunicação orga-
nizacional se articula a partir da filosofia da comunicação integrada, a
ação de uma área ou de um profissional não somente ecoa, mas também
oferece subsídios para a atuação das outras. E nesse viés, AI, relações-
-públicas, publicidade e propaganda, marketing, tecnologia da infor-
mação, design etc. devem trabalhar sob o farol de uma mesma política
de comunicação institucional. (KUNSCH, 2003, 2009a; TORQUATO,
2002, 2009; YANAZE, FREIRE; SENISE, 2010)
Em linhas gerais, a redação jornalística e a assessoria produzem, cada
uma a seu turno, sob a lógica do trabalho em equipe ou da coenunciação,
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 153
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segundo Charaudeau (2012a). Dessa maneira, a produção da informa-
ção entre ambas se torna ainda mais complexa. À pergunta “quem é
responsável pela notícia?” fica uma resposta diluída nas fronteiras en-
tre fonte de informação e suporte jornalístico.
Nesta pesquisa, é considerada a situação de produção da notícia
em que o acesso do jornalista à fonte ocorre através da mediação do
assessor de imprensa que, muitas vezes, também é jornalista de for-
mação. Já foi pontuado que essa relação atende tanto aos interesses
das organizações – públicas, privadas e de terceiro setor – como às de-
mandas dos veículos de comunicação, que, diante da impossibilidade
de abarcar o número incalculável de acontecimentos suscetíveis de
virarem notícia, apropriam-se de rotinas e práticas que lhes garantam
a possibilidade de adotar critérios para identificação, seleção e verifi-
cação dos acontecimentos.
Vale relembrar, entretanto, que as redações, na situação aqui contem-
plada, já recebem as notícias pré-selecionadas pelas assessorias. Nesse
caso, a apuração do veículo sobre as informações prestadas pela fonte
pode ocorrer no espaço entre as dimensões do testemunho e da reve-
lação. O processo de investigação do veículo jornalístico transita entre
essas duas dimensões, não se enquadrando, necessariamente, aqui ou
ali, mas conjugando características das duas posturas.
Na primeira (testemunhar), o grau de confiança parece estar supe-
rior ao de desconfiança e a presença no local do acontecimento ganha
o contorno de legitimação, de assinatura da mídia, de cobertura do
fato. Na segunda (revelação), entretanto, há indícios de dúvidas e o
veículo se coloca no lugar de guardião da cidadania, do bem comum,
ou age segundo o implacável jogo de interesses que marca as relações
entre as organizações e os diferentes campos de poder da sociedade.7
7 Conforme assinala Giovandro M. Ferreira (2002, p. 251), “Bourdieu desenvolve progressi-
vamente a noção de campo de poder na sua produção científica. O conteúdo dessa noção
foi precisado na análise sobre as grandes écoles e mais tarde um estudo sobre o campo de
produção literário”. Ver Bourdieu (1989, 1992).
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(BOURDIEU, 1999) Aqui, o repórter assume o papel do inquisidor, de
quem busca o que está velado.
As inferências sobre os posicionamentos de averiguação, adotados
pela mídia jornalística, parecem direcionar para a questão: “qual é o
papel da fonte no processo de produção da notícia?”. É no rastro dessa
importância que a AI define suas práticas e as margens de negociação
com os profissionais dos veículos. Também em resposta a essa pergunta,
a mídia elabora e legitima critérios para a produção noticiosa. O lugar
privilegiado da fonte na produção da notícia reverbera tanto no con-
trato de comunicação da informação jornalística quanto no contrato
da informação estratégica, mas exerce influência, especialmente, na
zona de interseção entre esses dois acordos.
Para Charaudeau (2003, 2012a), o jornalista assume, simultaneamente,
dois papéis no exercício da sua função: o de “pesquisador-fornecedor”
e o de “descritor-comentador” da informação. Na atuação de fornece-
dor, o conflito é estabelecido com a fonte, ou melhor, com o problema
da credibilidade das fontes. Já em cena como descritor-comentador,8
vê-se a contradição entre informar e seduzir, uma vez que o “leitor” é
conduzido ao saber se for atraído pelo “texto”.
Eis que, no encontro com o assessor de imprensa, os papéis do jor-
nalista do veículo serão modulados também por essa relação. A princí-
pio, a função de fornecedor será partilhada com a assessoria, uma vez
que ela assume outra dinâmica no que tange à produção e divulgação
da notícia.9 O processo de profissionalização garante à fonte o lugar de
promotora no agenciamento da notícia (MOLOTCH; LESTER, 1993); o
tempo entre o acontecimento e sua narrativa é reduzido ou dizimado,
porque a fonte tem seus próprios meios de divulgação e participação
8 Toda informação é passível de produzir ruído, uma vez que a configuração é também um
processo de descontextualização. Para Charaudeau (2012a), tanto o papel de fornecedor
quanto o de descritor-comentador da informação são marcados por contradições.
9 Sobre revolução das fontes, ver O Xis da Questão, blog mantido por Manuel Carlos Chaparro.
Disponível em: <http://www.oxisdaquestao.com.br>.
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 155
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na tessitura da realidade. (ADGHIRNI, 2012; ADGHIRNI; PEREIRA,
2011b; BORGES, 2008; SANT’ANNA, 2008a; RUSSI, 2010)
No desempenho de sua função, marcada pelo relacionamento com
a mídia, o assessor também exerce o papel de “pesquisador-fornecedor
da informação”, pois é responsável pela construção da chamada notícia
institucional, e o papel de “descritor-comentador”, a fim de conven-
cer o jornalista da redação sobre a legitimidade da informação que
apresenta. Para gozar de aceitação, a notícia deve obedecer às regras
do newsmaking e, nesse aspecto, o assessor é um “configurador”, um
“intérprete” da informação. Mas vale acentuar que a informação estra-
tégica deve “fazer saber”, corroborando para a construção de imagem
e da reputação da organização. Assim, o assessor é um mediador, cuja
atuação concerne à função de relações públicas.10
Se contemplada a dimensão discursiva, os lugares dos locutores
serão dados pelo discurso, produzidos nos contratos de comunicação.
Pensando assim, os papéis assumidos por assessores e por jornalistas
de veículos estarão sempre à mercê da natureza do contato entre am-
bos e serão sempre assinalados por contradições. Charaudeau (2012a)
aponta quatro papéis assumidos pelo jornalista da mídia no tratamento
da informação: mediador, revelador, intérprete e didático – os quais
serão usados aqui como parâmetros para pensar essa conexão entre os
profissionais das duas instâncias produtivas.
O papel de mediador solicita que o mundo seja reportado da forma
mais verossímil possível; os efeitos de veracidade e verossimilhança
serão almejados tanto pela mídia quanto pela assessoria. Assim, am-
bas buscam atender às regras de feitura do texto jornalístico no que
10 Com base em Ehling, White e Grunig (1992), Margarida Kunsch (2003, 2009e) relaciona
quatro funções essenciais de relações públicas: 1. função administrativa: concerne à relação
da organização com outras organizações e também às distintas relações entre indivíduos,
grupos, subgrupos, unidades ou departamentos do ambiente corporativo; 2. função estraté-
gica: diz respeito às ações táticas e incertezas que fazem parte dos processos de elaboração e
implantação dos planos de ação; 3. função mediadora: promoção da relação da organização
com seus diferentes públicos; e 4. função política: gerenciamento de crises, conflitos ou
controvérsias.
156 CLAUDIANE CARVALHO
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concerne à captura de dados e apresentação das formas de expressão
e conteúdo, seguindo os protocolos e critérios do newsmaking.
Quando o repórter se apresenta como o revelador, que vai em busca
do que está oculto e deve ser exibido em nome do bem da sociedade
e da cidadania, o assessor se coloca numa postura diplomática, pois
precisa responder às indagações da imprensa, uma vez que a recusa é
vista como despreparo ou culpa. Ele precisa atentar ainda para a ima-
gem da instituição. (LOPES, 1998; PEREIRA, 2007) Aqui, o assessor re-
presenta o relações públicas, aquele que negocia o que deve ser “dito”
e “não dito” para resguardar a reputação organizacional.
Ao colocar-se como intérprete dos acontecimentos para contex-
tualizá-los e explicar as suas causas, a mídia espera da assessoria uma
parceria, no sentido de fornecer informações em tempo hábil e de
qualidade. A mesma colaboração é presumida pela mídia, quando o
jornalista representa um papel educador do público, ou seja, assume
um perfil didático.
O Quadro 3 apresenta a correspondência entre os papéis do jorna-
lista da redação e do assessor de imprensa, definidos na interação, na
atuação conjunta.
Quadro 3 – Operadores para análise dos papéis e funções dos informadores
Correspondência entre os papéis do jornalista e do assessor de imprensa
Jornalista do suporte (redação) Assessor de imprensa (fonte)
Mediador Mediador
Revelador Relações institucionais
Intérprete Intérprete parceiro (configurador)
Didático Didático parceiro
Fonte: elaborado pela autora a partir de Charaudeau (2012a).
As ações e os papéis assumidos pelos atores e seus discursos de
representação engendram a significação psicossocial do contrato em
voga. Embora não exista uma correspondência biunívoca entre repre-
sentação e práticas, estabelece-se uma relação dialética para produção de
sentido. Por esse ângulo, o processo analítico precisa acatar os discursos
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de justificativa produzidos pela comunicação estratégica (neste caso,
AI) e pela mídia sobre suas práticas, modos de fazer e as característi-
cas da produção da notícia nas duas instâncias, no que corresponde
às suas fronteiras.
Instâncias de reconhecimento
Um dos temas mais apreciados nos estudos da comunicação, as
pesquisas sobre recepção, ao longo do tempo, destroem a noção de
passividade e ajustam o receptor ao lugar de coparticipante no ato co-
municativo. Assim, desde a localização do leitor no texto (estudos semió-
ticos, por exemplo) às pesquisas empíricas, a recepção goza de distintas
abordagens que podem ser direcionadas em duas perspectivas: a do
receptor empírico, de “carne e osso”, e a do destinatário, construído pela
emissão. Complementares ou divergentes, essas abordagens impõem a
necessidade de levar em conta que, tanto no contrato de comunicação
entre a AI e a redação jornalística quanto no contrato entre a redação
(suporte) e o leitor, existe a necessidade de contemplar o interlocutor
em suas duas faces: idealizado pela produção e como sujeito empírico.
No contrato entre mídia e receptor, há o “destinatário-alvo” e o
“receptor-público”. O “destinatário-alvo” está na esfera da expectativa.
Mesmo ciente de que comportamentos, afetos e valores escapam às
diferentes tentativas de aprisionamento ou identificação, a instância
midiática se vale de pesquisas e sondagens para prever o seu receptor
e busca produzir informações que atendam às suas demandas. Numa
dinâmica de coexistência, o “destinatário-alvo” convive com o “recep-
tor-público” – este último localizado nos estudos que medem o su-
cesso e a aceitação de determinado produto mediático e nos estudos
de impacto, cujos efeitos são abarcados pelas sondagens de opinião.
O “receptor-público” consiste numa tentativa de prezar pela impor-
tância dos contextos na instância de recepção.
No que se refere ao contrato de informação entre AI e redação jor-
nalística, vale destacar que a primeira comunga da mesma instância de
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reconhecimento da mídia, uma vez que, na maioria dos casos, o obje-
tivo final da assessoria é a publicação (ou veiculação) da informação,
a fim de que seja acessada pelo público de jornal, TV, rádio, websites,
redes sociais etc.
Em síntese, o assessor também mira o público do veículo quando
produz um discurso informativo atendendo aos respectivos requisi-
tos de perfil editorial, gênero, deadline, entre outros.11 No fim das con-
tas, o leitor final é meta tanto para a mídia jornalística quanto para as
organizações-fonte.
Todavia, é importante pôr em relevo que a AI almeja, em primeiro
plano, o jornalista da redação. A assessoria produz o seu texto endere-
çado, por exemplo, ao jornal, ou melhor, a um caderno, editoria, coluna
em específico. Mas, ao mapear e compreender os mecanismos de enun-
ciação do suporte e contemplá-los no seu texto, o assessor também faz
inferências sobre o contrato de leitura que essa mídia estabelece com
seu respectivo leitor.
Até esse ponto, é possível perceber que, entre as instâncias de pro-
dução e reconhecimento, a ideia de intervalo deve ser suplantada por
articulação e interação, uma vez que a produção de sentido ocorre de
maneira relacional e sob acordos. Os enunciadores devem ser analisados
na perspectiva do processo comunicativo, o qual tem suas finalidades.
Qual a finalidade dos contratos?
No que tange à finalidade, a zona de interseção entre os dois contra-
tos, trabalhados nesta pesquisa, é informar. Mas, em cada um desses, os
enunciadores o fazem com propostas distintas. O que é informar para
a redação jornalística? E para a AI? Como constroem a credibilidade?
11 Vale destacar que, no processo de mensuração de resultados da assessoria, além da questão
do público, vários outros fatores são considerados, entre os quais o prestígio do veículo
jornalístico na sociedade. Assim, é importante frisar que o trabalho da AI não mira apenas
o leitor, mas um conjunto mais complexo de capitais simbólicos. Ver Bueno (2003, 2009a,
2009b, 2009d, 2012) e Yanaze, Freire e Senise (2010), entre outros.
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 159
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No contrato para a construção do discurso informativo estratégico,
a finalidade de informar divide a cena com as finalidades de sedução
(conquistar o jornalista em relação à pauta) e de relações públicas (ima-
gem e reputação da organização), visando à adesão da imprensa e do
leitorado, a partir da interferência no agendamento do público. Para
atingir esses fins, a assessoria negocia, diariamente, valores e crenças
embutidos nas suas próprias representações sociais. Ela carrega o es-
tigma de ser a “voz da instituição”, de publicar o que esta deseja, bus-
cando sempre um enfoque positivo. Para tanto, pode omitir e calcar a
transparência em alguns silenciamentos.
Por ter uma finalidade de relações públicas, o discurso informati-
vo estratégico não se encaixa com tranquilidade na descrição jorna-
lística da informação, uma vez que precisa fazer combinações entre
informar o cidadão e atender às necessidades da gestão estratégica
da comunicação institucional.12 Hoje, sabe-se que as instituições reco-
nhecem a importância de construir relações balizadas na transparên-
cia, a fim de garantir sua permanência no mercado. (MOREL, 2008;
NOUTEAU, 2002; BUENO, 2012) Isso vem solicitando novas posturas
organizacionais, mas, conforme já sinalizado, há a lida com uma repre-
sentação histórica em torno da AI – ela está do lado do cliente, e não
da notícia. O trabalho do assessor, hoje, é mostrar que é partidário da
notícia e também do cliente. (CHAPARRO, 2016b, 2016c, 2016f, 2010;
GONÇALVES et al., 2003)
O desafio da credibilidade se apoia na determinação do que é sig-
nificar o verdadeiro ou significar o falso: “para que um discurso seja
12 A gestão estratégica da comunicação, alinhada à administração e ao pensamento estratégico,
é realizada a partir do planejamento, o qual envolve análises de micro e macroambientes,
diagnósticos, definição de políticas de comunicação, elaboração e execução de planos de
ação. “A partir do mapeamento desse estado do ambiente é que uma organização poderá
reavaliar a situação e definir sua missão e visão, rever seus valores corporativos, redefinir
negócios, elaborar filosofias e políticas, traçar objetivos, formular macroestratégias, metas
e planos emergenciais, elaborar o orçamento e implantar ações”. (KUNSCH, 2009c, p. 110)
A gestão estratégica visa à definição de ações para atender demandas da comunicação ins-
titucional, de mercado e administrativa. (YANAZE, FREIRE; SENISE, 2010)
160 CLAUDIANE CARVALHO
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efetivamente informativo, deve acontecer em contrato pragmático fi-
duciário. Devemos acreditar que isso que se diz é verdade e que acon-
teceu de fato assim mesmo”. (ALSINA, 2009, p. 48) “Dizer o exato” é
perseguir as condições de veracidade. Nessa seara, “à instancia midiá-
tica cabe autenticar os fatos, descrevê-los de maneira verossímil, suge-
rir as causas e justificar as explicações dadas” (CHARAUDEAU, 2012a,
p. 88), mas, para se relacionarem com as redações, as AI se apropriam
das condições de veracidade. E autenticam o fato, usando também os
artifícios de fotos, declarações, imagens e ruídos numa transmissão
radiofônica, entre outros.
“Dizer o que aconteceu” é trazer a narrativa como reconstituição,
valendo-se, para tanto, de imagens, testemunhos e das possibilidades
inauguradas pelas tecnologias. Já “dizer a intenção” pode ser buscar
a transparência entre o que é enunciado e o que pensa o sujeito que
fala, quando há confissão ou denúncia. A AI se apropria de todos
esses dizeres e ainda se coloca na incumbência de, se preciso, “for-
necer provas”.
Os dizeres e os fazeres da AI são desenvolvidos para minimizar o
confronto com a questão da credibilidade, especialmente pelo fato de
ela estar imbuída no discurso da comunicação institucional, ou seja,
das relações públicas. (CHOUCHAN, FLAHAULT, 2005)
O discurso informativo estratégico comunga muitas característi-
cas do jornalístico, entretanto, com diferenças no que tange ao tipo
e identidade de cada um. As classificações construídas servem aos
dois, guardadas as proporções de natureza e finalidade. Um desvio
mais explícito torna-se evidente na captação, a qual é endereçada ao
parceiro da troca.
No caso da AI, o assessor precisa convencer que a pauta é “boa” e,
muitas vezes, o convencimento pode estar fundamentado em esconder
as marcas da relações públicas ou da promoção.
Como a AI constrói seu discurso para que ele possa ser avaliado a
partir dos elementos que dão o efeito de sentido de verdade? Aqui,
vê-se que não se trata apenas de uma questão de técnicas jornalísticas,
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 161
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mas de discurso, no qual as visadas de informação e convencimento se
coadunam, construindo não só o que é dito, mas as posições dos seus
interlocutores e de suas respectivas instituições.
Informar sobre o quê? E em que circunstâncias?
Depois de dissertar sobre os parceiros das trocas e as finalidades
dos contratos, cabem as perguntas sobre o que é informado e a partir
de quais dispositivos.
As reflexões em torno da primeira indagação serão realizadas
com mais afinco nos próximos capítulos, voltados à configuração
do acontecimento. Por ora, é possível adiantar que, como compo-
nente e propósito dos contratos, o acontecimento inscreve-se num
processo de construção evenemencial, que aponta para a notícia.
(CHARAUDEAU, 2003, 2012a) Seguindo esse viés, parte-se da ideia
de acontecimento para pensar a abordagem midiática dos fatos so-
ciais. (ALSINA, 2009) A notícia constitui, portanto, o acontecimento
configurado, em função do seu potencial de atualidade, sociabilida-
de e imprevisibilidade. (CHARAUDEAU, 2012a, 2013; SODRÉ, 2009)
Com base nessas considerações, surgem as questões: como é o pro-
cesso de construção do acontecimento na AI? Como é na redação
jornalística? Participam do mesmo jogo? São as mesmas estratégias?
Quais as especificidades do acontecimento configurado na relação
entre assessoria de imprensa e jornalismo? Para essa reflexão, será
dedicado o terceiro momento do percurso, “Conferindo o roteiro:
qual o propósito do círculo hermenêutico e dos contratos de comu-
nicação?”. Agora, serão relembradas e amplificadas as categoriza-
ções dos dispositivos.
As restrições são constitutivas do ato de comunicação, especialmente,
porque este ocorre num determinado ambiente físico que circunscre-
ve sua realização. A expressão “o meio é a mensagem”, cunhada por
McLuhan (1994), aponta para essa limitação, mas indica também que
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forma e conteúdo da mensagem13 serão impregnados por esse ambien-
te. Ampliando a reflexão do pesquisador canadense, será retomado,
aqui, o dispositivo associado a cada situação de comunicação, o qual
“constitui as condições materiais ad hoc de realização do contrato,14
em relação com outros componentes e com um quadro de restrições”.
(CHARAUDEAU, 2012a, p. 104)
Importante componente do contrato de comunicação, o dispositi-
vo é que permite a interpretação dos discursos. Ele comporta um ou
vários tipos de materiais, que constituem o suporte com o auxílio da
tecnologia. Pode ser abordado semioticamente, porque organiza os
diversos materiais em sistemas semiológicos – sistema fônico, sistema
gráfico, sistema mimogestual, sistema icônico. “O suporte também é
um elemento material e funciona como canal de transmissão, fixo ou
móvel: pergaminho, papel, madeira, uma parede, ondas sonoras, uma
tela de cinema, uma tela de vídeo”. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 104) Por
sua vez, é a tecnologia “a maquinária, mais ou menos sofisticada, que
regula a relação entre os diferentes elementos do material e do suporte”.
(CHARAUDEAU, 2012a, p. 104-105)
A noção de dispositivo, porém, abarca aspectos técnicos e simbó-
licos. Como visto, os suportes jornalísticos desenvolvem dispositivos
de enunciação, a partir dos quais constroem o vínculo com a instân-
cia de reconhecimento. (VERÓN, 1987, 1995, 1998, 2004) Sendo assim,
analisar o dispositivo é pensar as relações entre produção e recepção,
é estudar os contratos.
Por realizar a mediação entre a fonte e a mídia, a AI interage com
a redação jornalística, produz pautas para ela, a partir do conhecimento
dos dispositivos de enunciação do seu suporte, ou seja, do contrato de
13 Aqui, usa-se o termo “mensagem” para manter a correspondência com a frase de Marshall
McLuhan; entretanto, a abordagem da AD busca extrapolar a noção de mensagem para
contemplar o discurso. Ver mais em Ferreira (2010, p. 41-58).
14 No contrato, embora já estejam socialmente previstas algumas restrições, há renovação a cada
relação. Cada vez que ele é disparado, as nuanças implicam sua manutenção, mas também
a possibilidade de sua renovação.
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leitura deste com seu respectivo leitor. Nesse trâmite, espera-se que a
assessoria faça as devidas adequações às exigências e gramáticas especí-
ficas, considerando inclusive as especificidades da notícia no impresso,
TV, rádio e internet. Afinal de contas, a comunicação midiática jorna-
lística equaciona “dispositivos tecnológicos e condições específicas de
produção e de recepção, configuração que estrutura o mercado discur-
sivo das sociedades industriais”. (VERÓN, 1997, p. 14) Por fim, a AI pro-
duz informações para os diferentes meios e também tem seus próprios
dispositivos de enunciação, que agregam à finalidade de informar a
função também de atender às demandas de imagem do assessorado.
Analisar os dispositivos enunciativos dos suportes é instaurar uma
ponte entre os dados externos e os internos, ou seja, é concretizar a pos-
sibilidade de abarcar, além dos discursos, as suas condições de produ-
ção e recepção. Isso porque, ao abordar os dispositivos de enunciação,
refere-se aos modos de dizer (intradiscursivo) e aos contratos (extra-
discursivo) que regulam essas modalidades. (FAUSTO NETO, A., 2007;
FAUSTO NETO, A. et al., 2011; VERÓN, 1985, 1987, 1995, 1997, 2004)
Agora, é chegado o momento de parar para sistematizar as possi-
bilidades analíticas apresentadas neste capítulo.
CHEGANDO A MAIS UMA ESTAÇÃO:
PROPOSIÇÕES PARA O PERCURSO ANALÍTICO
Neste trecho do percurso, observou-se que os processos de transação
consistem nas negociações moduladas pelos contratos de comunicação
(e leitura), cuja abordagem analítica remete aos dados internos e exter-
nos do discurso. Em outras palavras, registra-se, aqui, a inerência entre
a transformação e a transação, evidenciada pela dinâmica do círculo
hermenêutico. Através da perspectiva da tríplice mímesis, versar sobre
a configuração é, de certa forma, ser impelido a abordar também as ne-
gociações que a tornaram possível e, no movimento contrário, entender
a negociação é buscar o que foi configurado. A separação dos proces-
sos, portanto, cumpre fins metodológicos. E o analista, mesmo ciente
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dessa escolha, percebe, num dado momento, o quão incontornável é
a associação; assim, a divisão, mesmo metodológica, torna-se inviável.
Como exemplo disso, podem ser citados os estudos dos dispositivos
de enunciação, os quais colocam o analista diante da necessidade de
abordar, simultaneamente, o que está fora e dentro do discurso, para
compreender a produção de sentido.
Para esta pesquisa, o desafio torna-se mais complexo, uma vez que
abarca uma produção discursiva que envolve dois contratos e duas
configurações. Nesse caso, a análise deve abranger as zonas de interse-
ção, sem desmerecer o que é específico de cada processo de transação
e transformação.
No capítulo anterior, foram mapeados os procedimentos analí-
ticos para discorrer sobre os processos de transformação, ou seja, os
discursos informativos estratégico e jornalístico e a zona de interse-
ção entre eles. Na ocasião, foram apontadas questões-guia para uma
análise, que permite constatar os critérios de noticiabilidade lançados
simultaneamente nas duas configurações, gerando, por consequência,
o agendamento da mídia pela AI. Foi anotada também a necessidade de
averiguar a interseção entre os dispositivos e modos de dizer nas duas
instâncias de produção. Por ora, é importante acrescentar que, através
das modalidades do dizer, são operacionalizados, na análise, os concei-
tos de heterogeneidade, inter e intradiscurso e sujeitos da enunciação,
os quais costuram o que está dentro e fora do discurso.
Atinente aos dados externos, a análise dos processos de transação
deve contemplar os agentes envolvidos na negociação, a finalidade e
o propósito dos contratos e as restrições impostas pelo dispositivo. No
que tange aos papéis e às funções dos agentes, foi visto que são molda-
dos na relação entre AI e redação jornalística. Já a finalidade do con-
trato se refere à necessidade de informar e, para tanto, o discurso deve
“fazer saber” e “fazer sentir”. O objetivo, portanto, é a configuração do
acontecimento, ou seja, a construção da notícia, que carrega também
as restrições dos dispositivos.
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 165
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As perguntas devem motivar e orientar o processo analítico. Assim,
as questões sobre os agentes dos contratos, por exemplo, levam ao jogo
disposto pelos respectivos discursos das representações em confronto
com as práticas. As indagações sobre as finalidades e os propósitos re-
verberam no processo de configuração do acontecimento e nas escolhas
que o definem. Já as interrogações em torno do dispositivo concernem
à enunciação, que liga aspectos técnicos e simbólicos. Ou seja, agen-
tes, finalidades, propósitos e dispositivos do contrato são indissociá-
veis, mantêm relações intrínsecas. No Quadro 4, são sistematizados os
operadores para a análise dos contratos nos âmbitos interno e externo.
Quadro 4 – Apontamentos e operadores para análise dos contratos
Contrato de comunicação
Das trocas entre os enunciadores em situações de comunicação
Dados externos
Identidade Finalidade Propósito Dispositivo
(Posições e papéis dos (Os objetivos do acordo) (Processo evenemencial) (As restrições do
agentes na troca) dispositivo)
Representação Para fazer saber, busca A configuração do Especificidades
dos agentes dizer o exato, o que acontecimento dos meios
Produção – o informante aconteceu, as intenções (aspectos da As condições materiais
como testemunha e fornece provas. inteligibilidade, do (técnicas) e simbólicas.
ou revelador, assume simbolismo e da
funções de pesquisador Para fazer sentir, recorre temporalidade).
e/ou comentador. às estratégias retóricas
da dramatização.
Reconhecimento –
idealizado pela produção
e empírico.
Dados Internos
A locução A relação O tema
Os modos de dizer, postulados nos dispositivos de enunciação, permitem operacionalizar os conceitos de
heterogeneidade, inter e intradiscurso e sujeitos na enunciação.
Fonte: elaborado pela autora a partir de Charaudeau (2003, 2012a), Pinto (2002) e Verón (1987,
1995, 2004).
Ao longo dessa “viagem”, percebe-se que aludir ao discurso infor-
mativo é trazer à cena a noção de acontecimento, cuja configuração
é a notícia. (ALSINA, 2009; CHARAUDEAU, 1997, 2003, 2012a, 2013;
MOUILLAUD, 1993; QUÉRÉ, 2005, 2013; SODRÉ, 2009) Construído
ao final da tríplice mímesis, o acontecimento é convertido em notícia
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através de um processo narrativo. Nas instâncias de produção da in-
formação (AI e mídia jornalística), esse processo narrativo edifica a
chamada atualidade e consiste numa resposta à questão do tempo.
(CHARAUDEAU, 2012a, 2013; SODRÉ, 2009)
Para a configuração do acontecimento, serão dedicados dois ca-
pítulos deste percurso. Antes, porém, será delineada uma síntese dos
ciclos (ou círculos) de produção da informação estratégica e da infor-
mação jornalística.
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UM MAPA DAS PRIMEIRAS PARTES
DO PERCURSO
OS CONTRATOS E OS CICLOS DAS INFORMAÇÕES
ESTRATÉGICA E JORNALÍSTICA
Num processo de construção contínua e conjunta, o contrato e o ciclo do
discurso informativo1 vão se formando. Um não é, a priori, o construtor
1 Usa-se o termo “ciclo” em detrimento da metáfora da máquina, recorrente nos estudos de
Charaudeau (2003, 2012a), Pinto (2002) e Sodré (2009). Essa substituição se deve à inquieta-
ção com as implicações mecanicistas e funcionalistas, culturalmente associadas à expressão
“máquina” – que impõem restrições interpretativas à metáfora. Já Alsina (2009) não usa o
termo “máquina”, preferindo falar em sistema, que remete ao funcionamento da mídia, a
partir de determinados inputs, outputs e throughtputs. Ao abordar a questão da produção
da notícia e da construção social da realidade, o autor coloca em relevo dois aspectos: 1. as
especificidades dessa construção pelo discurso informativo, uma vez que este concorre
com outros discursos para a construção social da realidade; e 2. a descoberta do processo
de produção dessa realidade por meio do sistema especializado da mídia. O uso do termo
“sistema”, em detrimento de “máquina”, dribla e evita o caráter mecanicista do último, pri-
vilegiando a ideia expressa na chamada teoria dos sistemas. (CHIAVENATO, 1999) Diante
das alternativas “máquina” e “sistema”, preferiu-se recorrer às significações instigadas pela
palavra ciclo, que, apesar do risco iminente de uma associação à ideia de repetição, traz em
seu cerne a referência à “série de fenômenos que se sucedem numa ordem determinada” e
“sequência de fenômenos que se renovam periodicamente”. (FERREIRA, A. B. H., 2010, p. 164)
169
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do outro, pois ambos se constroem mutuamente. O ciclo discursivo
gera o contrato e o contrato gera o ciclo. A existência de um implica a
construção também do outro, como numa folha de papel, em que um
lado existe porque o outro está lá. São duas faces indissociáveis: tocar
em uma é também tocar na outra; conceber uma é conceber a outra.
Amiúde, o ciclo é o contrato. Então, com base nos contratos expos-
tos neste estudo, existem dois ciclos: o da informação jornalística e o
da informação estratégica. Ambos abarcam os contextos institucionais
e imediatos e integram também o contexto sociocultural, chamado
contexto amplo. Ou seja, abordá-los é dar conta das condições de pro-
dução e reconhecimento do discurso informativo.
Na relação entre AI e redação jornalística para a construção da
notícia, o ciclo jornalístico vai atrelar seus processos ao ciclo da co-
municação organizacional, promovendo as zonas de interseção entre
o campo jornalístico e diferentes campos sociais e, por conseguinte,
a partilha e/ou comunhão de seus respectivos capitais simbólicos.
(BOURDIEU, 1996a, 1996b, 1997; FERREIRA, 2002) Essa observação
não descarta a relativa ligação que já existe entre os campos sociais,
embora com graus de aproximação distintos e vinculações hierar-
quizadas. Em tempo, sobre a noção de campo, Martino (2003, p. 33)
desenvolve uma síntese:
A noção de ‘campo’ pode ser entendida como um espaço es-
truturado de posições, ocupadas por agentes em competição,
A argumentação contra uma possível tautologia é encontrada na AD e em sua premissa de
que as palavras não são inocentes e carregam histórias. Assim, diante das heranças dos termos
“máquina”, “sistema” e “ciclo”, optou-se pelo fardo do último, cujas inferências calcadas na
circularidade podem ser contrapostas ao fato de que repetição não quer dizer igualdade.
O fato de um fenômeno ocorrer repetidas vezes não significa ocorrências de maneira igual.
No mais, como já exposto neste livro, os discursos são tecidos na interdiscursividade – e os
discursos da instância do reconhecimento alimentam e oferecem subsídios à produção, em
um movimento que rejeita a circularidade em nome de uma dinâmica em espiral. Além
disso, o ciclo remete a uma estrutura circular, que, neste estudo, alude ao círculo herme-
nêutico de Ricoeur.
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cuja lógica de funcionamento independe desses agentes. Dessa
forma, o campo se define primeiramente como espaço, lugar
abstrato, onde age o pessoal especializado no jogo pela conquista
da hegemonia, prerrogativa de determinar as práticas legítimas
em cada campo.
Para compreender a noção de campo, traçada pelo sociólogo fran-
cês Pierre Bourdieu, é preciso partir do princípio de que as relações
entre os indivíduos tecem a realidade social. Flexibilizando aspectos
do subjetivismo e do estruturalismo, o cientista destaca que essas re-
lações são determinadas por fatores externos, como espaço geográfico,
profissão, grau de escolaridade etc. Os campos são espaços bélicos, are-
nas invisíveis, em que há um objeto de luta em comum, pessoas dis-
postas a entrar na batalha e também a defender o campo. Cada campo
engendra os seus respectivos capitais e, na sociedade contemporânea,
o espaço de visibilidade propiciado pela mídia jornalística ainda é
alvo de cobiça para os outros campos sociais, alçando o jornalismo ao
status de campo de poder. “O capital do campo jornalístico torna-se,
portanto, uma moeda para se negociar no interior de outros campos”.
(FERREIRA, G., 2002, p. 248)
Traçando um elo com a discussão aqui proposta, a conexão entre os
ciclos da informação estratégica e da informação jornalística consiste,
em última instância, no encontro de seus campos sociais, os quais têm
suas próprias dinâmicas e seus capitais, que são disputados ou com-
pactuados durante a relação. No que diz respeito à construção do sen-
tido discursivo, vale destacar que cada ciclo envolve três momentos:
produção, produto e reconhecimento.
Nas Figuras 13 e 14, serão apresentados aspectos dos processos de
construção de sentidos nos ciclos da informação estratégica e jornalís-
tica. Nas ilustrações, é usada a proposta de Charaudeau (2012a) sobre
a dinâmica da máquina midiática, entretanto, investindo no exercício
de pensar também a dinâmica da comunicação estratégica.
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Figura 13 – Construção de sentido da informação jornalística
Fonte: Charaudeau (2012a).
Figura 14 – Construção de sentido da informação estratégica
Fonte: adaptado de Charaudeau (2012a).
Nas Figuras 13 e 14, são apresentados os ciclos do discurso informa-
tivo na comunicação estratégica e na mídia jornalística. Elaborados a
partir da AD, ambos têm como referência o ato comunicativo, ou seja,
a cointencionalidade que constitui a troca entre as instâncias de pro-
dução e reconhecimento.
172 CLAUDIANE CARVALHO
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Os dois esboços apresentam os ciclos gerados pelos contratos e seus
respectivos lugares de produção, produto e reconhecimento. O primeiro
trata da relação entre mídia e consumidor; já o segundo demonstra o
contrato entre a AI (organização-fonte) e a mídia. O desafio é pensá-
-los em conexão para a construção da notícia. Os questionamentos que
emergem das zonas de interseção podem ser gerais – “Como as rotinas
jornalísticas influenciam a produção nas assessorias de imprensa?”,
“Que expectativas profissionais e éticas regulam o contato entre as-
sessores e jornalistas das redações?”, “Quais os ganhos e capitais que
mobilizam as trocas?” – e específicos, ao se referirem às particularida-
des de determinado veículo jornalístico, suas práticas e rotinas, ou ao
funcionamento e know-how de uma dada AI.
O que constitui lugar de reconhecimento, no ciclo da comunicação
estratégica, é lugar de produção, na mídia. Assim, relembra-se ainda que
o produto do veículo jornalístico tem uma primeira configuração na
AI. As interseções vão além da flexibilização dos lugares de produção e
reconhecimento para abranger outras esferas. Os veículos jornalísticos
ou empresas de comunicação funcionam a partir de uma dupla lógica:
a lógica econômica, porque todo veículo jornalístico é uma empresa
que disponibiliza um produto no mercado e está à mercê da dinâmica
da concorrência, e a simbólica, pois participa do processo de produção,
divulgação e circulação2 das notícias que irão corroborar para a cons-
trução social da realidade.
As organizações-fonte3 também atendem a uma lógica econômica,
produzem bens e serviços que concorrem no mercado pela adesão
e fidelização do consumidor. Mesmo nas organizações da sociedade
civil ou nas organizações públicas a lógica econômica também se
faz presente, mas com outras caracterizações, vide os relatórios de
2 Não faz parte dos interesses desta pesquisa um tensionamento acerca da circulação midiática.
Sobre essa questão, ver Antônio Fausto Neto e demais autores (2008), Castro (2017) e Castro (2018).
3 Vale destacar que as próprias empresas de jornalismo investem na chamada comunicação
organizacional, a fim de garantir um trabalho profissionalizado para o processo de construção
de identidade, imagem e reputação.
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 173
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prestação de contas que ambas devem apresentar à sociedade. No
que concerne à lógica simbólica, a sobrevivência e a representação
dessas organizações dependem também do capital simbólico gerado
por sua imagem e reputação. Nesse aspecto, os produtos e serviços da
AI integram o rol das ações da chamada comunicação institucional, a
qual é focada no processo de construção e consolidação de imagem.
Além disso, ao participar, através das ações da AI, do processo de
construção social das notícias, as organizações – públicas, privadas,
de terceiro setor etc. – também contribuem para a construção social
da realidade. (MONTEIRO, 2003)
As lógicas de funcionamento dos campos sociais geram seus respec-
tivos capitais simbólicos, que são colocados em disputa ou partilha
quando ocorre o encontro entre esses campos. (BOURDIEU, 1996a, 1996b)
Reconhece-se, portanto, que outras lógicas condicionam as práticas e o
funcionamento tanto das mídias quanto das organizações que são fontes
de informação. Para este estudo, entretanto, a abordagem será reduzida
às lógicas econômica e simbólica, pois colocam em evidência a ambigui-
dade do campo jornalístico e a complexa gestão das organizações-fonte,
cuja administração envolve, em paralelo aos planejamentos estratégicos
de desenvolvimento, os planejamentos de comunicação. (KUNSCH,
2003, 2009c, 2009e; TORQUATO, 2002; YANAZE; FREIRE; SENISE, 2010)
As questões suscitadas pela relação dessas lógicas de funcionamento
dos campos sociais – lógicas passíveis às dinâmicas de sobreposição e
influência mútua – vêm à tona no processo de construção da notícia a
partir da relação entre AI e redação jornalística. No encontro dos ciclos,
tanto a lógica simbólica quanto a econômica podem ser tensionadas e
até colocadas em xeque.
DAS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO, DO PRODUTO E DAS
CONDIÇÕES DE RECONHECIMENTO NOS CICLOS
Ao demarcar os três lugares de produção de sentido, retoma-se o círculo
hermenêutico de Ricoeur para reafirmar que o processo de configuração
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extrapola as abordagens imanentistas e solicita o diálogo da linguís-
tica com outras disciplinas das ciências sociais e humanas. Neste mo-
mento, será indicado, pelo atalho da semiologia social, que as análises
do processo de semiotização global dependem de problemáticas, que
ampliam as investigações discursivas.
Das condições de produção
As organizações jornalísticas são moduladas por um conjunto de
práticas já institucionalizadas, cuja realização envolve atores distribuí-
dos em funções específicas e enquadrados em hierarquias definidas. As
condições socioeconômicas da estrutura midiática abrangem as rotinas,
esses modos de fazer já previamente estabelecidos e a logística que atende
aos ditames do mercado – sobrevivência e concorrência. As ações, por
sua vez, são justificadas em discursos de representação, cuja análise de-
pende de uma problemática sociológica. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 25)
Quanto à realização do produto midiático, há as condições semioló-
gicas de produção. Conforme Charaudeau (2012a, p. 25), esse é o lugar
das práticas, justificado por discursos de representação sobre o “como
fazer e em função de qual visada”. Nessa instância, o coenunciador
pode ser abordado apenas como alvo ideal, embora seja impossível
controlá-lo. A análise do “lugar de produção do produto” depende de
uma problemática sociodiscursiva, que permite estudar as práticas,
relacionando-as aos discursos de justificativas.
No que tange à comunicação estratégica nas organizações sociais, esta
apresenta, desde o século XX, um constante crescimento e melhoria de
estrutura, rotinas e práticas, além de ser tema de profícuas reflexões no
âmbito acadêmico. (CAMILO, 2010; KUNSCH, 2009b; TAYLOR, 2000)
As noções de imagem, identidade e reputação, ativos intangíveis e
capitais simbólicos imprescindíveis à gestão das organizações, são cons-
truídas também a partir dos investimentos na chamada comunicação
organizacional. Realizada a partir de uma filosofia de integração dos
esforços de profissionais com diferentes competências – jornalismo,
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 175
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relações púbicas, publicidade, propaganda, marketing, design gráfico,
tecnologia da informação, entre outros –, a comunicação organizacional
visa à construção da relação entre a instituição e seus públicos, atendendo
às demandas de mercado, administrativas e institucionais. O trabalho de
relação com a mídia jornalística integra esse escopo mais amplo de uma
política global de comunicação, mas guarda especificidades.
A mediação com a imprensa, realizada seja numa estrutura externa,
seja interna à instituição, organiza seu conjunto de práticas a partir
da lógica produtiva dos veículos jornalísticos. Como já assinalado,
os efeitos de verossimilhança, veracidade e dramatização costumam
ser proporcionais ao grau de assimilação, por parte da AI, dos modos
de fazer do jornalismo. Entretanto, essa adesão é modulada pela ne-
cessidade de a notícia estratégica dar conta tanto dos interesses da
instituição quanto dos da mídia jornalística. Nesse âmbito, tem-se
uma problemática da sociologia da produção, que patrocina a con-
vergência dos discursos de representação e das práticas da assessoria
de imprensa. Mas também há um problema de caráter sociodiscursivo,
quando o cerne está nas questões do como fazer os textos da AI e
qual o leitor visado.
Das condições de reconhecimento
Como já explicitado, quando se trata do contrato, a mídia dialoga
com o destinatário ideal – aquele idealizado pelo suporte como suscetí-
vel dos efeitos visados – e com o público, o receptor real, que consome
de acordo com suas próprias condições de interpretação. “Analisar as
condições de interpretação desse espaço depende de uma problemá-
tica sociológica e psicossociológica”. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 26)
No tocante às condições de reconhecimento, quando o coenuncia-
dor é o jornalista da redação e o enunciador é o assessor de imprensa,
o quadro de contradições se mantém. O texto da AI prevê o chamado
leitor ideal, pois é construído com o objetivo de conquistar um lugar
de pauta. Mas, ainda que os jornalistas visados sejam convencidos da
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relevância do assunto, a pauta pode ser dispensada se o dia na redação
for marcado por catástrofes, acontecimentos com alto teor de imprevi-
sibilidade e interesse público.4 As contingências podem ainda exceder o
campo dos critérios de noticiabilidade para abranger relações político-
-econômicas entre as organizações jornalísticas e as organizações-fonte.
Das restrições da construção do produto
O discurso informativo, elaborado enquanto texto, promove o en-
cadeamento de diferentes sistemas semiológicos – verbal, icônico, grá-
fico, gestual etc. “O texto produzido é portador de ‘efeitos de sentido
possíveis’, que surgem dos efeitos visados pela instância de enunciação
e dos efeitos produzidos pela instância da recepção”. (CHARAUDEAU,
2012a, p. 28) Para o semiólogo, a análise de discurso é a análise dos
“possíveis interpretativos”.
Uma problemática semiodiscursiva desenha as margens e orienta
o estudo do produto acabado. Seja o discurso informativo estratégico,
seja o discurso informativo jornalístico, a investigação prevê examinar
os sentidos contidos no texto em tensionamento com os discursos de
representação dos lugares de produção e reconhecimento. Os discursos
de representação garantem os movimentos do ciclo, ou seja, o funciona-
mento da dinâmica geradora dos discursos informativos. (ALSINA, 2009;
CHARAUDEAU, 1995, 2012a, 2012b; LIPPMANN, 2008; SODRÉ, 2009)
As condições de produção e recepção e as restrições do produto
determinam a construção de sentido, articulando elementos externos
e internos ao discurso. Distinguir esses três momentos, no ciclo da in-
formação, demonstra que a construção de sentido ocorre na interação
entre produção e reconhecimento e é “resultado de uma cointencio-
nalidade que compreende os efeitos visados, os efeitos possíveis e os
efeitos produzidos”. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 28) Assim, como em
4 O dia noticioso conforma também um critério de noticiabilidade. (SILVA, G., 2014)
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um jogo de espelhos, cada um desses momentos se define na relação
com o outro.
Do encontro entre os ciclos das informações estratégica e jorna-
lística, ficam as indagações sobre os elementos que compartilham,
negociam ou repelem. Considerando que esses ciclos acontecem em
seus respectivos campos sociais, as questões são ampliadas e versam
sobre os capitais que entram em jogo nessa conexão e as relações
estabelecidas em virtude da comunhão, negociação ou repulsa dos
capitais.
EM OUTRA ESTAÇÃO: PROPOSIÇÕES PARA ANÁLISE
DAS ZONAS DE INTERSEÇÃO ENTRE OS CICLOS
Até este ponto do itinerário, foi ponderado que o discurso ocorre e de-
pende de uma situação de comunicação. A atuação dos parceiros no
processo comunicativo, regulada por fatores psicossociais e culturais,
gera o contrato de comunicação. Esse contrato é regido pelas condições
de produção também entendidas como delimitações dos contextos
imediato, institucional e sociocultural amplo. O contrato, enquanto
instrumento metodológico, permite dar conta das categorizações da
relação entre os interlocutores; entretanto, não se pode perder de vista
que o contrato em si é regido e regulado pelas condições de produção
e reconhecimento.
Para pensar a construção da notícia na proposta deste livro, é pre-
ciso contemplar o encontro do ciclo da informação jornalística com o
ciclo da informação estratégica. Sob o prisma dessa relação e revendo o
percurso, o analista é impelido a pensar em zonas de interseção5 entre:
• discurso informativo estratégico e o discurso informativo
jornalístico;
5 Vale ressaltar que as zonas de interseção podem ser maiores ou menores, a depender das
trocas. As Figuras 15, 16 e 17 são, evidentemente, ilustrativas.
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Figura 15 – Zona de interseção entre os discursos informativos
Discurso Informativo Discurso Informativo
Estratégico Jornalístico
Fonte: elaborada pela autora.
• contrato de comunicação AI/redação jornalística e contrato
de comunicação entre redação jornalística (suporte)/leitor;
Figura 16 – Zona de interseção entre os contratos de comunicação
Contrato de Comunicação Contrato de Comunicação
AI - Redação Jornalística Suporte (Redação Jornalística) - Leitor
Fonte: elaborada pela autora.
• ciclo da informação estratégica e ciclo da informação jorna-
lística.
Figura 17 – Zona de interseção no processo de construção do discurso informativo
na relação AI-redação jornalística
Ciclo de Produção do Ciclo de Produção do
Discurso Informativo Discurso Informativo
Estratégico Jornalístico
Fonte: elaborada pela autora.
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 179
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Essas zonas de interseções ocorrem porque há interesses recípro-
cos. A fórmula que poderia ser simplificada com a explicação de que
as instituições querem ser notícia e a mídia jornalística precisa de no-
tícia não atende, de forma satisfatória, à compreensão da complexi-
dade dessas zonas intersectivas, que tensionam, convergem e atritam
interesses econômicos, políticos, de sociabilidade e culturais. No mais,
há estratégias e jogos lançados para situações específicas e que, talvez,
não se repitam.
Mais do que pensar as relações a partir da duplicação do aporte
metodológico, o desafio é abordar as especificidades das zonas de in-
terseção. A natureza do contato entre AI e redação jornalística pode dar
pistas para direcionar a análise ou, numa vertente contrária, esse tipo
de encontro só será detectado após a averiguação dos discursos e con-
tratos em voga. Para tanto, são classificados alguns tipos de contatos, a
saber: simbiótico, colaborativo, instrumental, de rejeição e de dúvida.
O contato simbiótico prevê uma relação de codependência entre AI
e redações jornalísticas. Uma série de aspectos contribui para esse tipo
de contato: a estrutura deficitária da redação, a urgência para divul-
gação de informações intensificada pelas tecnologias digitais, a com-
plexidade social que gera um número incalculável de acontecimentos
noticiosos. Esses fatores fazem com que a redação do veículo dependa
do material enviado pela AI. Esta, por sua vez, também legitima sua
atuação a partir do que é divulgado na mídia jornalística.
O contato colaborativo é calcado na parceria entre AI e redação do
veículo para o processo de produção da notícia a ser divulgada. Essa
colaboração pode abarcar desde o fornecimento de dados até a iden-
tificação de fontes adjacentes, preparação de fotos, imagens em vídeo,
gravação de áudio etc., numa dinâmica em que a assessoria se envolve
na produção jornalística.
No contato instrumental, a redação recebe o material da assessoria
e pode usá-lo ou não, mas não estabelece uma relação mais estreita, a
fim de averiguar ou ampliar a pauta.
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O contato de rejeição pode ser estabelecido pelas duas instâncias.
A negação pode ocorrer de qualquer uma das partes quando há suspei-
tas sobre idoneidade, transparência, ética profissional etc. O contato de
dúvidas também pode ocorrer de ambas as partes: tanto a organização-
-fonte pode olhar de soslaio o trabalho desenvolvido pelo veículo de
comunicação quanto a redação jornalística suspeitar da autenticidade
e veracidade das informações prestadas pela AI.
A aderência a essas classificações depende da atuação dos parceiros
na troca comunicativa, ou seja, depende dos contratos de comunica-
ção estabelecidos entre as duas instâncias – AI e redação jornalística.
Essa relação, como qualquer interação, pode sofrer mudanças e ganhar
contornos diferenciados a partir das atuações, conveniências políticas
e econômicas e outros elementos colocados em cena. No mais, não há
contato puro. Dificilmente a relação é apenas colaborativa, sem que
isso implique algumas suspeições ou usos instrumentais, por exem-
plo. O que se pode verificar é a predominância de um tipo de contato
em detrimento de outros. Diferentes modalidades também podem ser
mapeadas, gerando novas classificações. Destaca-se, novamente, que
as trocas entre os atores sociais ocorrem pelo viés das representações
em suposta comunhão. Essas representações, de cunho sociocultural,
transitam entre os membros de uma comunidade, transportadas pelos
discursos. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 125)
***
No percurso já realizado, houve dois momentos. No primeiro,
foram colocadas em cena a noção de discurso e as especificidades do
discurso informativo, salientando que a questão trabalhada se ins-
creve no domínio da AD, ou seja, concerne à produção de sentido.
No segundo, foi invocada a hermenêutica de Ricoeur, no intuito de
evidenciar, através da tríplice mímesis, o duplo processo de semioti-
zação global do mundo, que solicita abordagens intra e extradiscur-
sivas. O aporte teórico-metodológico do círculo hermenêutico atende
à demanda de transpor os estudos endógenos.
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 181
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Para sinalizar o caminho, capítulos teóricos foram alternados com
capítulos de aplicação metodológica. Essa dinâmica converteu-se em
pistas para endereçar à conclusão de que a análise do discurso informa-
tivo construído entre AI e redação jornalística é balizada pelas zonas
de interseção entre: a. o discurso informativo estratégico e o discurso
informativo jornalístico; e b. os contratos de comunicação AI-redação
jornalística e redação jornalística (suporte)-leitor.
Viu-se também que a construção discursiva, a partir da relação in-
tercontratual, gera o contato entre o ciclo de produção da informação
na assessoria – comunicação estratégica – e o ciclo de produção no su-
porte jornalístico. O encontro – confronto ou aderência – entre esses
“círculos” pode seguir determinados modelos (tipos), os quais cons-
tituem e são constituídos pelos interesses e capitais partilhados. Por
fim, ponderou-se que a confluência entre os ciclos da informação é
abarcada pelo duplo círculo hermenêutico de Ricoeur, que tem como
propósito a configuração do acontecimento (a notícia) – tema dos pró-
ximos capítulos.
182 CLAUDIANE CARVALHO
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CONFERINDO
O ROTEIRO
QUAL O PROPÓSITO DO
CÍRCULO HERMENÊUTICO
E DOS CONTRATOS DE
COMUNICAÇÃO?
Os acontecimentos explodem na superfície da
mídia sobre a qual se escrevem como sobre uma
membrana sensível. (MOUILLAUD, 2002, p. 50)
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COORDENADAS AO TERCEIRO MOMENTO
DO PERCURSO
A partir de Charaudeau (1997, 2003, 2012a, 2012b), foram eleitos qua-
tro operadores para a análise dos contratos de comunicação, estabele-
cidos para construção do discurso informativo entre AI e jornalismo,
a relembrar: a identidade dos agentes, a finalidade, o propósito e os
dispositivos. Desses operadores, o propósito dos contratos destaca-se
neste estágio, pois se refere ao processo evenemencial. (CHARAUDEAU,
2003, 2012a) Em outras palavras, a configuração do acontecimento é o
propósito dos contratos estabelecidos entre assessoria de imprensa-re-
dação jornalística, por um lado, e redação jornalística (suporte)-leitor,
por outro. Os contratos existem, portanto, em nome da construção do
acontecimento. Por que acontecimento? Que implicações esta noção
traz para o discurso informativo?
Em 1972, na clássica edição de número 18 da revista Communication,
Edgard Morin (1972a, 1972b) tira das sombras esse tema há muito eclip-
sado nas ciências sociais. Um fenômeno marcado pela exterioridade, o
acontecimento só se constrói como tal a partir da enunciação. É uma
resposta à impossibilidade de percebermos tudo à nossa volta e só se
faz reconhecível por meio da intertextualidade.
185
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Definido como o “que irrompe na superfície lisa da história”
(RODRIGUES, 1993, p. 27), o acontecimento, para ser apreendido como
tal, solicita uma modificação no estado do mundo e, além disso, pede
que essa alteração seja percebida e significada pelos sujeitos da enuncia-
ção. Nesse sentido, o acontecimento é abordado a partir de dois polos:
antes da configuração, por um lado, e configurado, por outro. Em outros
termos, trata-se da relação entre o mundo fenomenal e o empenho para
a construção do sentido por parte do(s) sujeito(s) enunciador(es). Nesse
aspecto, o acontecimento é sempre uma construção, é o resultado do
processo evenemencial.1 (CHARAUDEAU, 1997, 2003, 2012a) Portanto,
o que interessa, quando se parte da AD e da hermenêutica, não é o
acontecimento como tal, mas o seu processo de configuração, marcado
pela modificação do mundo e pela percepção desta pelos sujeitos, que
a inscrevem numa rede coerente de significações sociais. Ou seja, ao
desequilíbrio, quando percebido, é necessário que o sujeito aponte o
que provoca o efeito de saliência na uniformidade do mundo, inscre-
vendo-o, portanto, numa problematização. Essa problematização vai
existir em função de o sujeito ter um sistema de reconhecimento “que
lhe permita julgar o afastamento entre esse novo estado do mundo e as
leis, as regras ou as normas do sistema preexistente” (CHARAUDEAU,
2012a, p. 100) e em função do desejo do sujeito de “reorganizar o mundo,
através de uma recategorização semântica. Isso produz o que denomi-
namos de efeito de ‘pregnância’”. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 100)
Rodrigues (1993), Molotch e Lester (1993), Charaudeau (1997, 2003,
2012a), Louis Quéré (1997, 2005, 2011b, 2013), Sodré (2009), Mouillaud
(2002a, 2002b, 2002c, 2012) e Alsina (2009) são alguns dos autores
que abordam o acontecimento na perspectiva do antes e depois da
1 O processo evenemencial pressupõe retirar o fato da exterioridade à medida que este depende
do olhar do sujeito, das redes estabelecidas, através de sua experiência, entre os diversos
sistemas de pensamento e crenças. “Assim, não é tanto o acontecimento enquanto tal que
interessa a uma disciplina do sentido, mas o que designaremos como processo evenemencial”.
(CHARAUDEAU, 2012a, p. 99, grifo do autor) O autor afirma que, no processo evenemencial,
os efeitos de desequilíbrio, de saliência e de pregnância são solidários e intimamente ligados.
186 CLAUDIANE CARVALHO
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configuração, ou seja, entendem-no como o resultado do percurso mi-
mético – abordagem que será acolhida por este livro.
Remetemos neste ponto a Paul Ricouer, que, no âmbito de sua
hermenêutica da narrativa, propõe que a significação social da
experiência humana passa por uma forma de inteligibilidade
que consiste em integrá-la numa narrativa, mais precisamente no
que constitui seu cerne: a ‘intriga’. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 96)
Quéré (2005, 2013) esboça a distinção entre acontecimento existen-
cial e acontecimento objeto, sendo o primeiro concernente ao mundo
dos fenômenos e o segundo resultante dos processos de apreensão
e significação dos sujeitos sociais. O pesquisador defende o poten-
cial hermenêutico próprio do acontecimento e alia à hermenêutica
de Ricoeur o pragmatismo norte-americano de George Mead, John
Dewey e Charles S. Peirce. Para Quéré, o acontecimento tem espessura
espaçotemporal e é vivido no presente, embora projete um passado e
um futuro. Neste ponto, a discussão é direcionada ao interesse desta
pesquisa e recorre-se à Sodré (2009), para quem o acontecimento é o
fato sócio-histórico gerador do espaço da atualidade, do aqui-agora.
É a informação jornalística, concretizada em notícia, a experiência sin-
gular desse aqui-agora. Se informar é “dar forma” àquilo que ocorreu,
eis aí um trabalho de coerência no espaço e no tempo, a tessitura de
uma intriga. (MOUILLAUD, 2002a, p. 50-51)
Tanto Sodré (2009) quanto Mouillaud (2002b, 2002c) tratam a
construção do acontecimento como um processo também de enqua-
dramento, mas rejeitam uma oposição enrijecida entre acontecimento
e informação, pois pressupõem que o primeiro já traz o gérmen do
segundo. Além disso, Mouillaud destaca que a configuração do acon-
tecimento (a informação) não consiste na resposta final ao processo
construtivo, pois este é infinito, dada a existência da semiose ilimitada:
“A informação não é o transporte de um fato, é um ciclo ininterrupto
de transformações”. (MOUILLAUD, 2002a, p. 51)
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 187
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Se o trajeto, nesta pesquisa, conduz à noção do acontecimento, é
porque é comungada a perspectiva de que a configuração deste é o fruto
da tríplice mímesis (CHARAUDEAU, 1997, 2003, 2012a; MOLOTCH;
LESTER, 1993; MOUILLAUD, 2002c; MOUILLAUD; PORTO, 2012;
QUÉRÉ 2005, 2013; RODRIGUES, 1993; SODRÉ, 2009), que representa a
informação em sua forma mais vulgar, a notícia (CHARAUDEAU, 2012a;
SODRÉ, 2009); é a construção da coerência tempo-espacial, a constitui-
ção da atualidade, da espessura do aqui-agora. (CHARAUDEAU, 2012a;
MOUILLAUD, 2002c; QUÉRÉ, 2013; SODRÉ, 2009)
Vêm a calhar, para o aprofundamento das questões sobre a confi-
guração do discurso informativo na relação entre AI e jornalismo, os
estudos de Molotch e Lester (1993) que analisam as agências – news
promoters, news assemblers e news consumers – envolvidas na cons-
trução da informação. Em suas pesquisas, os autores contemplam,
além das redações jornalísticas, a possível presença de assessorias
de imprensa, agências de notícias e outras mediações da fonte (news
promoters) no processo de construção do discurso informativo.
Segundo eles, “o poder do trabalho jornalístico e de toda a activi-
dade de informação”. (MOLOTCH, LESTER, 1993, p. 37) ocorre por-
que o agenciamento é uma forma de bloqueio de possibilidades de
outros acontecimentos.
Ao longo do percurso realizado até aqui, foi visto que a constru-
ção do discurso informativo, a partir da relação entre AI e jornalismo,
comporta uma dupla configuração, ou seja, uma dupla narração do
acontecimento, que resulta na notícia. A referência, para iniciar o tra-
jeto, é Charaudeau, que, mediante o legado de Ricoeur, trata do acon-
tecimento a narrar e do acontecimento narrado,2 sendo este último
a notícia. Em tempo, Charaudeau (2012a), Sodré (2009) e Mouillaud
2 Patrick Charaudeau (2012a) usa os termos “a relatar” e “relatado”. Aqui, adota-se “narrar”,
a fim de manter a sintonia com a perspectiva ricoeuriana da tessitura da intriga, enquanto
passagem do tempo do mundo ao tempo dos homens. Além disso, no livro O si mesmo com
o outro (1991), Ricoeur trata o “narrar” “como um ‘ato da fala’ na linguagem, intermediário
188 CLAUDIANE CARVALHO
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(2002a) destacam a inerência entre fato, acontecimento e notícia, fri-
sando que o acontecimento é a configuração do fato social, enquanto a
notícia diz respeito a essa dimensão do aqui-agora, da factualidade do
acontecimento. Assim, o acontecimento é uma espécie de metáfora que
configura as tramas da atualidade – ou seja, conforma uma dimensão
espaçotemporal que representa o aqui-agora. Portanto, a informação
midiática é a atualização de um estado de coisas, é a presentificação
que confere “ao tempo uma nova dimensão, um corte transversal que
é a sincronia”. (MOUILLAUD, 2002a, p. 71)
Vê-se, portanto, que, sob o prisma desta pesquisa, a configuração
do acontecimento é indissociável da midiatização. Segundo Rodrigues
(1993), esta instaura uma espécie de meta-acontecimento, ou seja, a no-
tícia, enquanto enunciação, é um novo acontecimento que vem integrar
o mundo, que produz o efeito de real e conforma uma experiência de
mundo. Ao longo do tempo, a noção de meta-acontecimento se dissol-
veu na própria ideia de acontecimento na mídia, a qual já carrega as
marcas da enunciação.
Todavia, para o acontecimento ser midiatizado, ser jornalístico, é
preciso apresentar algumas características. Conforme Alsina (2009), é
necessário que promova uma variação no ecossistema, tenha comunica-
bilidade e implique, de alguma maneira, o sujeito social. Com algumas
aproximações em relação à ponderação de Alsina, Charaudeau (2003,
2012a) infere que a seleção do acontecimento a ser midiatizado ocorre
em função do seu potencial de atualidade, sociabilidade e imprevisi-
bilidade. E essas operações precisam ser realizadas tanto no âmbito
da comunicação estratégica/AI quanto no âmbito do jornalismo, para
que existam margens à negociação, ou seja, para que sejam formadas
as zonas de interseção.
entre ‘Descrever’ e ‘Prescrever’. Isto é: a mediação entre o relato (de uma ação) e a ética
(prescrição) resulta ou se estabelece por meio/na narrativa”. (GOMES, 2012, p. 40)
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 189
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AINDA SOBRE AS COORDENADAS: REVENDO O
PERCURSO PARA UM MAPA DE NOVOS TRAJETOS
A zona de interseção entre os contratos e a
configuração do acontecimento
Não há acontecimento fora do discurso. Ele é abordado enquanto
construção porque, não existindo em si mesmo, solicita nomeação. As
mortes podem ser tratadas como “chacina”, “ataque terrorista”, “ge-
nocídio”, mas, para tanto, “é preciso que se insiram em discursos de
inteligibilidade do mundo que apontam para sistemas de valores que
caracterizam os grupos”. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 131) O aconteci-
mento configurado nasce num processo evenemencial, que se constrói
ao término de uma tríplice mímesis, a qual evidencia os processos de
transação e transformação.
Até este momento, foi mostrado que o processo evenemencial é o
propósito dos contratos de comunicação. Percebeu-se também que as
zonas de interseção entre o contrato AI-redação jornalística, por um
lado, e suporte jornalístico-leitor, por outro, possibilitam as negocia-
ções para tessitura do discurso ora contemplado. Dessa maneira, são as
zonas de interseção entre os contratos que dão margem às negociações,
que permitem e sustentam os processos de transação, os quais coman-
dam a construção do acontecimento no discurso informativo. Portanto,
a continuidade desta investigação demanda um capítulo dedicado à
configuração do acontecimento, tratando das características gerais, e
outro abarcando as especificidades do acontecimento na mídia, ou
acontecimento jornalístico.
***
É através da configuração do acontecimento que a narrativa midiá-
tica confere sentido ao tempo. (ALSINA, 2009; CHARAUDEAU, 2003,
2012a, 2013; MOUILLAUD, 2002a; SODRÉ, 2009) Neste momento do
percurso, já foi visto o quanto a assessoria se apropria das formas de
190 CLAUDIANE CARVALHO
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configuração do acontecimento do universo midiático, a fim de ser le-
gitimada por ele. Por isso, pode-se dizer que tanto AI quanto jornalis-
mo, na tessitura do acontecimento, conferem sentido ao tempo. Ambos
produzem seus discursos sob a égide da atualidade.
A mídia jornalística tenta minimizar, ao máximo, a distância entre
o surgimento do acontecimento, sua publicização e seu consumo. Já
a assessoria trabalha com a antecipação – divulga, geralmente, o que
vai acontecer – para estabelecer o vínculo com os suportes. A noção de
atualidade é fundamental tanto para o contrato AI-jornalismo quanto
para o contrato suporte-leitor, guiando as escolhas temáticas e confe-
rindo ao discurso informativo duas características: sua efemeridade e
sua a-historicidade. (CHARAUDEAU, 2012a)
***
Se o tempo humano é um tempo narrativizado (RICOEUR, 2010a),
no discurso informativo, a narrativa é marcada pela urgência. E a atua-
lidade é constituída de uma sucessão de notícias novas, que, cada vez
mais, envelhecem rápido. “O acontecimento é convertido em notícia
através de um processo narrativo que o insere numa interrogação sobre
a origem e o devir, conferindo-lhe uma aparência (ilusória) de espessura
temporal”. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 135) A tessitura dessa narrativa
tem como referência o acontecimento, o qual oferta espessura ao tempo
no discurso informativo.
A zona de interseção entre os discursos
informativos estratégico e jornalístico e a
construção do acontecimento
Constatou-se que a construção do discurso informativo, na rela-
ção entre AI e jornalismo, engendra uma dupla produção: o discurso
informativo estratégico e o discurso informativo jornalístico. Ambas
as narrativas, referenciadas no acontecimento, conferem sentido ao
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tempo, gestando a ideia de atualidade. Esta, entretanto, é constituída
pela informação e simultaneamente orienta os processos de seleção e
construção do acontecimento, o qual se apresenta enquanto notícia
quando já configurado.
A averiguação da zona de interseção entre o discurso informativo
estratégico e o discurso informativo jornalístico permite inferir quais
critérios de noticiabilidade foram trabalhados e acionados, em conso-
nância, nas duas instâncias de produção – a assessoria e a redação jor-
nalística. Possibilita verificar, ainda, como essa simultaneidade influiu
para o processo de agendamento.
Em síntese, a configuração do acontecimento é o propósito dos
contratos. O discurso configurado, no final do processo, carrega as
marcas do que a AI e o jornalismo elegeram em comum para seleção
e construção do acontecimento, possibilitando o agendamento. Aqui,
localiza-se a necessidade de uma dedicação à escrita de outros dois
capítulos voltados, respectivamente, para a seleção e a construção do
discurso informativo nas perspectivas do newsmaking e da agenda
setting.
192 CLAUDIANE CARVALHO
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A CONFIGURAÇÃO DO ACONTECIMENTO
UM ESTUDO PELO VIÉS DAS ABORDAGENS
HERDEIRAS DE RICOEUR
O PROCESSO EVENEMENCIAL COMO PROPÓSITO DOS
CONTRATOS E DO PERCURSO MIMÉTICO
O curso de transformação do acontecimento a configurar em aconteci-
mento configurado constitui, em última instância, o propósito dos con-
tratos de comunicação informativos. Adota-se essa perspectiva porque,
ao mensurar que o objetivo dos contratos sustenta as trocas entre os
interlocutores, parece limitante abordá-lo apenas como o “tema de que
se fala”. Assim, mais do que tematização, é preciso atentar ao “universo
de discurso tematizado”, ou seja, a função referencial da linguagem que
tanto serve ao ato de troca quanto recorta o mundo em representações
para produção de sentido respaldando, pois, a construção social da
realidade. “Desse modo, o mundo-objeto é construído em objeto-sen-
tido, o propósito, objeto de compartilhamento do ato de comunicação”.
(CHARAUDEAU, 2012a, p. 94, grifo do autor)
193
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A noção de “universo do discurso” entrelaça elementos extralin-
guísticos e intralinguísticos e instaura a ideia de que os acontecimentos
do mundo são revestidos de sentido quando apropriados pelo ato da
linguagem e envelopados num tema. Dessa maneira, há uma reversibi-
lidade e uma ligação intrínseca entre as noções de propósito, universo
do discurso e acontecimento. (CHARAUDEAU, 2012a) A tematização
se institui e se consagra no próprio processo de construção do aconte-
cimento, o qual recorta e enquadra o mundo. Em síntese, o aconteci-
mento é o propósito do ato comunicativo informativo, é o objeto de
compartilhamento e troca entre os interlocutores.
Tão importante quanto reconhecer o acontecimento como obje-
tivo do contrato de comunicação informativo é ter em vista que este
propósito “inscreve-se num processo de construção evenemencial,1 que
deve apontar para a notícia” (CHARAUDEAU, 2012a); ou seja, o acon-
tecimento é sempre construído e, em sua forma final, ganha a denomi-
nação de notícia. Sodré (2009) também indica o acontecimento como
critério de produção da notícia. Diferentemente de Charaudeau, que
não se prende à distinção entre fato e acontecimento, Sodré considera
o último como estratégia de narração do fato social. Mouillaud (2002a,
p. 51) sustenta a hipótese “de que o acontecimento é a sombra projetada
de um conceito construído pelo sistema da informação, o conceito de
‘fato’”. Rodrigues (1993), Molotch e Lester (1993) e Alsina (2009) tam-
bém utilizam esse prisma do agenciamento. Quéré (2011a; 2013), por
sua vez, flexibiliza essa dimensão discursiva do acontecimento para
abarcar também o impacto deste nas experiências individuais e cole-
tivas. Guardadas as diferenças entre as referências epistemológicas dos
autores, todos, em alguma medida, discorrem sobre o acontecimento
pelo viés da configuração.
A tríplice mímesis de Paul Ricoeur (2010a), que trata da semiotização
do mundo, foi inspiração para os autores citados desenvolverem seus
1 Diz respeito ao processo de construção do acontecimento. A palavra “acontecimento” em
francês é événement, termo que dá origem ao neologismo.
194 CLAUDIANE CARVALHO
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estudos sobre o discurso informativo midiático. Patrick Charaudeau
(1997, 2003, 2012a, 2013), por exemplo, considera a notícia como o acon-
tecimento relatado, ou seja, a configuração do acontecimento bruto.
Essa perspectiva da oposição entre o acontecimento da ordem do bruto,
“cru”, e o acontecimento da ordem do construído, “cuit”, ganha fôlego
nos anos 1990 com a publicação intitulada L’événement en perspective,
da coleção Raisons Pratiques, da École des Hautes Études en Sciences
Sociales (Ehess) de Paris. Os textos contidos nessa obra expressam um
percurso científico de atenuação das leituras de Ricoeur com forte carga
da filosofia fenomenológica, estruturalismo e hermenêutica.
Com base na abordagem ricoeuriana, tem-se,
De um lado, o acontecimento bruto com o caráter de emergência,
surgimento de algo que muda o estado do mundo, provoca a
desordem, desestabiliza (como uma pedra incrustada na rocha,
antes de se tornar diamante), e, do outro, esses atributos são
absorvidos pela percepção humana, ou seja, são enredados nas
teias das mediações sociais da inteligibilidade, do simbolismo
e da temporalidade. Aqui, há o processo de configuração do
acontecimento (a pedra se torna diamante).2 (CHARAUDEAU,
2013, p. 1, tradução nossa)
Charaudeau (2003, 2012a, 2013) defende que a recepção tem acesso
ao “mundo comentado ou relatado”, ou seja, o mundo é entregue ao
destinatário já configurado, já investido de sentido pelo sujeito da
enunciação. O acontecimento é sempre construído, “encontra-se nesse
‘mundo a comentar’ como surgimento de uma fenomenologia que se
impõe ao sujeito, em estado bruto, antes de sua captura perceptiva e in-
terpretativa”. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 95) Dessa maneira, a recepção
2 “D’une part, l’événement en tant que surgissement de quelque chose qui modifie un état
du monde, qui crée du désordre par rapport à un état antérieur mais qui ne signifie pas
(comme la pierre encastrée dans la roche avant qu’elle devienne diamant). D’autre part,
l’événement construit par un système de signifiance qui le travaille, le fait s’insérer dans un
champ d’intelligibilité et lui donne sens (la pierre devenue diamant)”.
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 195
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não vislumbra o acontecimento em seu estado bruto; “para sua signifi-
cação, depende do olhar que se estende sobre ele, olhar de um sujeito
que o integra a um sistema de pensamento e, assim fazendo, o torna
inteligível”. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 95)
No âmbito midiático, entretanto, a construção do acontecimento
tem suas peculiaridades e abordá-las é levar em conta os efeitos de sa-
liência e pregnância produzidos no processo. Para um acontecimento
ser notado, este deve provocar uma modificação no estado do mundo
fenomênico, gerar um estado de desequilíbrio que será percebido pe-
los sujeitos sociais por conta dos efeitos de saliência. Essa percepção,
por sua vez, ocorre e é legislada numa rede coerente de significações
sociais pelo efeito de pregnância. Vale lembrar que a informação mi-
diática é responsável pelo que acontece no espaço público e, para cum-
prir essa finalidade, o acontecimento é selecionado e construído em
termos de seu potencial de atualidade, sociabilidade e imprevisibili-
dade. (CHARAUDEAU, 2012a, 2013)
O ACONTECIMENTO PELO VIÉS DO LEGADO
DE PAUL RICOUER
Regidos por princípios e leis dos seus próprios sistemas, os fenômenos
existem independentemente do olhar do homem. Na clássica edição
número 18 da revista Communication (1972), Edgar Morin, também
editor da publicação, escreve os artigos “Le retour de l’événement”
(1972a) e “L’événement-sphinx” (1972b) e traz à cena um tema há mui-
to banido pelas ciências sociais: o acontecimento. Nessa publicação,
Morin fala de fenômenos autogerados (um ciclone) e de fenômenos
heterogerados (os efeitos de um ciclone no vilarejo), mas, a despeito
da distinção, o relevante é que, no processo de ordenamento do senti-
do, o sujeito precisa ter a dupla faculdade de perceber o fenômeno e
de estruturá-lo com o auxílio da linguagem. Essas percepções, entre-
tanto, precisam estar integradas a um conjunto de pensamentos e de
experiências, anteriores ao surgimento fenomênico.
196 CLAUDIANE CARVALHO
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O acontecimento é, por conseguinte, esse fenômeno marcado pela
exterioridade e só se constrói como tal porque recebe do sujeito a oferta
de sentido, ou seja, “não existe leitura da realidade que seja descontex-
tualizada e que não esteja objetivada”. (ALSINA, 2009, p. 113) Em outras
palavras, o acontecimento também é, sim, uma forma de construção
social da realidade por parte dos sujeitos e é determinado histórico e
culturalmente.
Miquel Rodrigo Alsina recorre a Berger para explicar como se dá
o processo de subjetivação dos fenômenos externos. Segundo Berger
(1981 apud ALSINA, 2009), o indivíduo é interpelado pelas “facticida-
des” externas, sobre as quais não tem domínio, mas as internaliza, trans-
formando a objetivação em estrutura subjetiva de sentido. A presença
do acontecimento se justifica também pela impossibilidade do sujeito
de perceber e interpretar tudo que está à sua volta. No mais, este se faz
reconhecível porque lança mão da intertextualidade. “O acontecimento
é o resultado da brutal coexistência de um fato com outros fatos, antes
isolados uns dos outros através da informação”. (LEMPEN, 1980, p. 50
apud ALSINA, 2009, p. 115)
O processo de subjetivação do acontecimento também pode ser tra-
duzido pelas noções de saliência e pregnância, já apresentadas anterior-
mente. O acontecimento é o “que irrompe na superfície lisa da história
de entre uma multiplicidade de fatos virtuais”. (RODRIGUES, 1993, p. 27)
Aliás, para que seja depreendido, é necessário que ocorra essa “modifica-
ção” no estado do mundo fenomenal e que essa modificação seja “perce-
bida” por sujeitos, que a inscrevam numa rede coerente de “significações
sociais” por um efeito de “pregnância”. (CHARAUDEAU, 2012a, 2013)
A tríade “modificação-percepção-significação” constitui etapas do
processo evenemencial. A mudança na ordem, a alteração no estado
das coisas, a promoção da desestabilização é o start do processo. Mas
essa mudança sublinha-se, precisa ser percebida pelo sujeito social a
partir do efeito de saliência. E, por fim, é necessário que haja pregnân-
cia, que a alteração adquira sentido para esse sujeito. (CHARAUDEAU,
2012a, 2013)
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Nesse sentido, essa modificação e sua percepção cognitiva, deve
inscrever-se numa problematização, isto é, numa cadeia de
causalidades que lhe conferirá uma razão de ser. E para que essa
problematização se realize, é preciso que, de um lado, exista no
sujeito um sistema de reconhecimento que lhe permita julgar
o afastamento entre esse novo estado do mundo e as leis, as
regras e as normas do sistema preexistente e, de outro, um ato
de intervenção desse sujeito que atenda a um novo desejo de
reorganização do mundo, através de uma recategorização semân-
tica. Isso produz o que denominamos de efeito de ‘pregnância’.
Assim, a modificação não é vista apenas como saliência, ela se
torna pregnância para o sujeito. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 100)
É na pregnância que o sentido é conferido à saliência e este, por
sua vez, torna-se uma nova saliência, garantindo o que já se reconhece
como a irrevogável semiose ilimitada.
Este livro compactua com os autores que abordam a notícia como
acontecimento configurado, constituindo, pois, importante narra-
tiva no processo social de construção da realidade. (ALSINA, 2009;
CHARAUDEAU, 2003, 2012a, 2013; FERREIRA, G., 1997, 1999; MOLOTCH,
LESTER, 1993; MOUILLAUD, 2002a; QUÉRÉ, 1997, 2005, 2011b, 2013;
RODRIGUES, 1993; SODRÉ, 2009) Neste momento, será abordada, de
forma mais aprofundada, a “transformação” do acontecimento a con-
figurar em acontecimento configurado (notícia).
Sustenta-se a constatação de que a notícia, quando produzida a
partir do contrato entre redação e AI, passa por um duplo processo
de configuração, que envolve o discurso da assessoria e o discurso da
mídia. Com o intuito de dar continuidade às reflexões por esse viés,
há uma busca por entender a relação que se estabelece entre o que
surge no mundo fenomenal e o trabalho de construção do sentido por
parte do(s) sujeito(s) enunciador(es). Em outras palavras, confirma-se
a aliança entre este estudo e uma disciplina do sentido e demarca-se
o interesse pelo processo de construção do acontecimento – processo
evenemencial, segundo Charaudeau (2003, 2012a).
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Adiante, a proposta é acompanhar como autores distintos, a partir
do legado de Ricouer, elaboraram a configuração do acontecimento.
Do acontecimento existencial ao acontecimento
objeto: a abordagem de Quéré sobre o processo
evenemencial
Louis Quéré (2013) também trabalha na perspectiva da oposição
entre o acontecimento antes e depois da configuração. Em seus primei-
ros estudos sobre o conceito, o sociólogo partiu da premissa de que o
acontecimento precisa ser apreendido através da tessitura da intriga
(mise en intrigue). Nos últimos anos, entretanto, dedicou-se mais a en-
tender o acontecimento como importante componente da organização
da experiência, aliando-se, então, ao pragmatismo norte-americano de
George Herbet Mead, John Dewey e Charles Sanders Peirce, mas sem
abdicar do espólio hermenêutico.
Pelo viés pragmatista, entendemos que os acontecimentos são
coisas concretas, coisas reais, antes de serem colocadas no dis-
curso. São coisas que ocorrem, que se passam. Tal abordagem
é mais sensível a essa dimensão que chamo real ou existencial,
como coisas que existem. (QUÉRÉ, 2011b, p. 179)
Quéré traça a distinção entre o acontecimento existencial e o acon-
tecimento objeto, sendo este último uma espécie de “segunda vida do
primeiro”, embora defenda a coexistência entre ambos. Para o autor,
interessam as formas de operatividade dos dois tipos de acontecimento
na experiência e, em segunda mão, o estudioso também responde ao
historiador Pierre Nora (2006 apud QUÉRÉ, 2013), discordando da
abordagem de que o acontecimento tenha se dessusbstancializado ou
tenha perdido sua garantia de real por ter se tornado sua própria midia-
tização. Quéré, aliás, é um dos principais críticos dos estudos que res-
tringem o conceito às configurações midiáticas, mesmo reconhecendo
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a relevância da mídia na identificação, publicização e exploração dos
acontecimentos e amplificação dos “campos problemáticos”3 revelados
por eles. (QUÉRÉ, 2011b, p. 176)
Segundo o autor, todo acontecimento tem a dimensão existencial,
no sentido de que são coisas que existem e, nessa dimensão, o sujeito
não pode intervir. Ele declina da conotação existencialista para abor-
dar o existencial como o que é, o que é experimentado como concreto,
existente com suas qualidades imediatas, que se faz sentir antes de ser
articulado pelo pensamento. (DEWEY, 1929 apud QUÉRÉ, 2013) Ele cita
os exemplos de catástrofes naturais, como os tsunamis ou terremotos.
Quando esse acontecimento existencial se torna objeto de pensamento,
de investigação, à mercê de julgamentos e inferências, tem-se o aconte-
cimento objeto. As situações de comunicação, por sua natureza, retiram
o acontecimento da condição única de existencialidade, alçando-o à
condição de objeto, pois é intrínseca ao processo comunicativo a me-
diação simbólica do tema.
Constantemente, há a conversão de acontecimentos existenciais em
acontecimentos objetos, até mesmo com fins práticos, no intuito de in-
tervir para “domesticá-los”. A diferença entre os dois tipos é o grau de
simbolização. Na condição de objeto, entretanto, o acontecimento não
deixa de ser real, mas integra a experiência por outras vias, responde
Quéré a Nora (2006 apud QUÉRÉ, 2013). No mais, o sociólogo volta a
Dewey para demonstrar que o acontecimento permite a experiência,
3 Sobre esse conceito, ver mais em Deleuze (2003). Em entrevista ao Programa de Pós-Gradua-
ção de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), publicada na
edição n. 2, v. 14, da Eco-Pós, Quéré faz uma retomada dos seus estudos sobre o acontecimento
e relembra casos polêmicos na França, os quais se tornaram acontecimentos públicos e até
contribuíram para a criação de novas leis. Um deles foi a discussão pública sobre o incômodo
gerado, no ambiente escolar, pelo uso do véu por uma garota. Por questões religiosas, ela
não o tirava nem nas aulas de Educação Física. O caso ganhou visibilidade e se tornou um
tema público, gerando uma lei francesa para regular os usos de tal adereço em espaços
públicos. Quéré relembra a expressão “campo problemático” ao relatar tal caso: “A questão
do véu islâmico, por exemplo, se tornou um campo problemático, um campo novo, dentro
do qual, em seguida, outros acontecimentos foram se inscrevendo e ganhando significação”.
(QUÉRÉ, 2011b, p. 177)
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pois é preciso que haja algum tipo de resistência, que se lide com a
pressão externa, para que a experiência ocorra.
Para refletir sobre esse primeiro contato com o acontecimento, ainda
isento do discurso, Quéré ancora sua argumentação na perspectiva
triádica de Peirce, valendo-se de primeiridade, secundidade e terceiri-
dade para fazer a passagem da existencialidade à significação. Antes
de seguir, vale uma breve explicação sobre o pensamento de Peirce.
Considerado um dos fundadores do pragmatismo norte-americano,
Peirce, antes de chegar à semiótica, desenvolveu importantes estudos
nas áreas de matemática, física, química e astronomia, respaldando
muitas das suas inferências na metafísica. Em vida, publicou apenas
um livro (Photometric researches), resultado de suas pesquisas sobre o
tamanho e a luz de cerca de 500 estrelas, mas deixou um rico acervo
inédito que foi, posteriormente, editado pela Harvard University Press
e pela Indiana University Press.
Com um texto de difícil compreensão e uma vida acadêmica dis-
tante do previsto pelas regras de conduta, o cientista não logrou reco-
nhecimento ao pioneirismo de suas reflexões. A semiótica peirceana
anda de mãos dadas com uma teoria da realidade. Ele almejou uma
universalidade do pensamento que lhe permitisse a compreensão da
totalidade do mundo, traçou categorias amplas, capazes de abarcar
realidades conhecidas e por conhecer. “Sua perspectiva semiótica ten-
de, pois, a ser uma filosofia do conhecimento”. (ZECCHETTO, 2008b,
p. 49) Em síntese, sustentou uma semiótica do conhecimento, ou seja,
costurou uma aliança com a filosofia para explicar e interpretar o co-
nhecimento. Eis a razão de ser um dos pilares aos estudos de Quéré.
Na semiótica peirceana, a realidade pode ser compreendida a par-
tir de três categorias que permitem dar alguma unidade àquilo que é
complexo e múltiplo. A primeiridade, que seria a dimensão do acon-
tecimento existencial, refere-se à experiência direta que não diz nada,
simplesmente é. É o impacto das coisas do mundo nos sujeitos, é o sen-
timento, o novo, o espontâneo. (PEIRCE, 2010) Diz respeito à dimen-
são da “possibilidade de ser, real ou imaginário. É pura possibilidade,
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todavia ainda indeterminada, é a que permite depois a concretização
de todos os seres. A primeiridade é o abstrato”. (ZECCHETTO, 2008b,
p. 50) Para ficar mais clara a primeiridade, vale o exercício de pensar na
brancura da nuvem, a qualidade da cor geral, sem especificação, ou seja,
a brancura sem relação direta com a nuvem ou qualquer outra coisa.
A primeiridade é o reino do abstrato, a potencialidade de interpreta-
ção (pode ser),4 o pano de fundo sobre o qual as coisas tomam forma.
Para Peirce (2010), é o modo de ser do que é tal como é, sem referência
a nenhuma outra coisa. Ele introduz o termo “ground” para indicar,
desde o ponto de vista lógico, a primeiridade como o momento inicial
do conhecimento.
Desde o ponto de vista metafísico, podemos conceber a primei-
ridade como o ser em geral, tudo que pode ser pensado e dito,
aquilo pelo qual alguma coisa se manifesta enquanto ser, em sua
inefabilidade antes de ser uma coisa concreta.5 (ZECCHETTO,
2008b, p. 50, tradução nossa)
Abrem-se parênteses, aqui, para comentar que Quéré adere à consi-
deração de que a primeiridade é o impacto que as coisas provocam nos
sujeitos antes da realização do processo interpretativo, é a condição de
existência das coisas. Assim sendo, a partir do pragmatismo norte-ame-
ricano, ele não reduz o acontecimento ao seu processo configurativo
4 A primeiridade de Peirce é um estágio anterior à mímesis I de Ricoeur, uma vez que, para
o filósofo francês, a mímesis I encerra a ação enquanto quase texto, simbolicamente mediada.
Ricoeur é hermeneuta, sua preocupação é com a interpretação, com o texto, enquanto
discurso. Peirce está atrelado à filosofia pragmatista e, portanto, tem preocupação com a
construção do conhecimento e da experiência. No mais, são recorrentes as indagações sobre
a possibilidade de vivenciar a primeiridade depois da primeira infância. Depois de inseridos
no mundo da linguagem, será que há algum acesso ao mundo que não seja simbolicamente
mediado? Será que existe acesso a essa qualidade indeterminada, ainda não concretizada nas
coisas e nos seres? Essas questões, embora pertinentes, fogem ao contexto da problemática
deste estudo e emergem, aqui, somente como hipertexto ou provocação.
5 “Desde el punto de vista metafísico, podemos concebir la primeridad como el ser en general,
todo lo que puede ser pensado o dicho, aquello por lo cual alguna cosa se manifiesta en
cuanto ser, en su inefabilidad antes de ser una cosa concreta”.
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e interpretativo. Com base na ideia da primeiridade de Peirce, o soció-
logo contempla uma instância anterior à mímesis I (ao quase texto) – é
esse estágio inicial das coisas, a potencialidade de interpretação. Quéré
olha para o acontecimento pelo prisma de sua questão central – a im-
portância deste para a experiência individual e coletiva –, eis o porquê
de afirmar não conseguir todas as respostas para seu problema com a
hermenêutica de Ricoeur. Neste livro, entretanto, tem-se uma questão de
fórum discursivo e, mesmo diante do inquestionável legado de Peirce,
é a tríade de Ricoeur, mais voltada para as questões do discurso e uti-
lizada ao longo do tempo pela AD, que sinaliza e orienta as reflexões.
Fecham-se os parênteses para continuar tratando da secundidade e da
importância desta para os estudos de Quéré acerca do acontecimento.
A secundidade é uma categoria relacional, de conflito (struggle) de
um fenômeno de primeiridade com outros, é calcada nas analogias –
um terremoto é reconhecido e identificado porque se tem referências
do que seja um. Trata-se do fenômeno existente, da possibilidade rea-
lizada, do que foi concretizado em relação com o pano de fundo geral
da primeiridade. “A atividade semiótica é algo real e, em consequência,
é um fenômeno de secundidade. O Segundo é, pois, sempre o fim, o
elemento ocorrido, o causado”.6 (ZECCHETTO, 2008b, p. 50, tradução
nossa) A secundidade faz referência à exterioridade, ou melhor, ao cho-
que com o externo, ao movimento de resistência, à colisão com o acon-
tecimento. Quéré (2011b) baixa âncora no pragmatismo para dizer que
o acontecimento impõe a experiência porque promove a resistência, o
choque, o embate. Ele compara o acontecimento a um empecilho para
a pedra que desce montanha a baixo.
A simbolização está sob os desígnios da terceira categoria peirceana
– a terceiridade. Esta exibe validade lógica ao real e o ordena, é formada
por leis que regem e regulam os fenômenos. “Se trata, então, de uma
‘interrelação’ estabelecida com o terceiro termo, ou seja, a interconexão
6 “La actividad semiótica es algo real y, en consecuencia, es un fenómeno de secundidad. Lo
Segundo es, pues, siempre el fin, el elemento ocurrido, lo causado”.
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de dois fenômenos em direção a uma síntese, a alguma lei que a rege, ao
que pode ocorrer se se estabelecem certas condições”.7 (ZECCHETTO,
2008b, p. 51, tradução nossa) Aliás, a existência da semiose está condi-
cionada ao regimento de um conjunto de leis e princípios. A terceirida-
de, portanto, promove a aliança com a primeiridade e a secundidade.
Na semiótica peirceana, a forma genuína da terceiridade é a relação
triádica que existe entre o signo, seu objeto e o pensamento interpre-
tador, o qual também se torna signo, desenhando o caráter rizomático
da interpretação. Para Peirce (2010), o signo é uma classe de terceiro,
é algo que sempre estabelece uma conexão entre um primeiro e um
segundo. Portanto, é triádico por natureza.
Figura 18 – O signo triádico de Peirce
Fonte: elaborada pela autora.
Numa tentativa de síntese do processo triádico de Peirce, Zecchetto
(2008b) mostra que o cientista domina uma disposição para análise e
interpretação da realidade desde o sistema de pensamento humano.
A tríade peirceana “pode descrever a situação global das coisas como
qualidades (Primeiridade), ou em sua ação real (Secundidade), ou como
7 “Se trata, entonces, de la ‘interrelación’ establecida con el tercer término, o sea, la intercone-
xión de dos fenómenos en dirección a una síntesis, a alguna ley que la rige, o a lo que puede
ocurrir si se establecen ciertas condiciones”.
204 CLAUDIANE CARVALHO
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entidade regida por leis e finalidades (Terceiridade), e sempre como uma
experiência contínua e fluída”.8 (ZECCHETTO, 2008b, p. 54, tradução
nossa) Assim, a primeiridade é a chamada “qualidade de sentimento”,
a secundidade é a reação como elemento do próprio fenômeno e a
terceiridade é a representação, também como elemento do fenômeno.
Quéré recorre a Peirce no intuito de justificar e embasar a ideia de
que o acontecimento preexiste ao processo de construção do discurso.
Ainda nessa empreitada, o sociólogo vai a George H. Mead – A filoso-
fia do presente, conferência realizada em 1931 – buscar a definição de
acontecimento “como aquilo que se torna”, não o que ocorre simples-
mente. Para Quéré, Mead prioriza a ideia de transição em detrimento
do simples ocorrer e, nesse ponto, o acontecimento não é descolado do
contínuo, mas surge gradualmente, ainda que não seja ordinariamente
seguido ou observado. (MEAD, 1938 apud QUÉRÉ, 2013)
Com a tônica maior na questão da experiência, Quéré (2013, p. 2),
através de Mead (1938, p. 348), mostra que “o acontecimento é vivido no
presente, porque tem uma espessura espaço-temporal”.9 E, aqui, o presente
não se reduz a uma certa duração variável, mas uma direção do passado
para o futuro. Ampliando o diálogo até Ricoeur (2010a), o presente é en-
tendido, então, como uma totalidade temporal na qual os acontecimen-
tos se estendem a outros acontecimentos na tessitura de uma intriga. O
acontecimento tem uma totalidade, é uma experiência que dura, existe
e, quando é apreendido nas teias da reflexão, significações são atribuídas
a ele, engendrando o acontecimento-objeto, diz Quéré (2013).
Nessa direção de pensamento, o acontecimento tem um aspecto
extensionista, portanto, não é o que acontece, mas o que se torna, o
resultado de transições. Dewey também é enfático ao tratá-lo como o
“tornar-se”, marcado pela incompletude e infectado pelo não ser, ou
8 “Éste puede describir la situación global de las cosas como cualidades (Primeridad), o en su
acción real (Secundidad), o como entidades regidas por leyes y fines (Terceridad), y siempre
como una experiencia continua y fluida”.
9 “les événements son présents avec une épaisseur temporelle et spatiale”.
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 205
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seja, o que ainda não é. (DEWEY, 1925 apud QUÉRÉ, 2013) A essa con-
cepção, o autor acrescenta a observação de que o acontecimento tem
uma dimensão teleológica, pois é direcional e aponta para o futuro.
(DEWEY, 1938 apud QUERÉ, 2013) Na primeira metade do século pas-
sado, o teórico pragmatista considerou uma surpresa, senão um mis-
tério, a percepção de que o acontecimento é apreendido, de fato, nos
julgamentos e na investigação em curso no universo discursivo. Aqui,
são localizadas pistas de uma visão do acontecimento, próxima ao viés
da tessitura da narrativa, a qual aprisiona o que emerge, o que é fugaz e
que não pode ser delimitado como intervalo entre um início e um fim.
No mais, a questão da intertextualidade também é evocada nos es-
tudos de Quéré, que pondera sobre a impossibilidade de a experiência
colocar o sujeito em contato com um dado sem conteúdo. Há espé-
cies de roteiros, scripts que auxiliam no ato receptivo e interpretativo.
A experiência transita entre a total novidade e a total redundância, por
isso pode-se pensar em graduações, e não necessariamente em valora-
ções. Como explica Tiercellin (2005 apud QUÉRÉ, 2013), pode-se não
ter conceitos ou proposições, mas são construídas pequenas teorias,
cenários para depreender o acontecimento. Para Quéré (2005, 2011a,
2011b, 2013), a ideia do cenário soa mais interessante do que a de pe-
quenas teorias ou informações conceituais. Segundo ele, as coisas são
percebidas pelo prisma do que elas fazem do sujeito ou pelo sujeito e
também do que este sujeito faz por elas ou delas.
O cientista social insere o acontecimento numa linha do tempo, es-
boçando para ele um antes e um depois. O antes se refere à busca pelas
causas; vasculha-se o passado, remexe-se nas histórias e sedimentações.
Diante disso, o passado não é uma casa fechada, pois todo novo aconte-
cimento oferece a possibilidade de “se abrir” a porta do passado e vê-lo
por ângulos diferentes. Já o futuro é o que diz respeito às consequên-
cias e providências que serão tomadas, dado o impacto e a repercus-
são do acontecimento. Como exemplo, Quéré (2013) cita o terremoto
que aconteceu no Japão em 1923, que teve um efeito devastador sobre
a população, desprevenida e assustada. A partir desse acontecimento,
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as pessoas se estruturaram para não viver novamente um cenário de
tantas destruições e horrores, melhorando a questão estrutural das ci-
dades – os projetos das construções previam os tremores de terra – e
investindo em campanhas de conscientização e treinamento da popu-
lação para os possíveis incidentes. Com esse background, o terremoto
de 2011 não teve os mesmos efeitos e os moradores não reagiram com
tanta insegurança e medo diante do fenômeno. A partir desse exemplo,
vê-se que o acontecimento gera um passado (as causas) e um futuro (as
consequências). Novos acontecimentos dão novas dimensões ao passado,
o que sublinha o fato de este não ser um lugar fechado.
Mas não se deve perder de vista que a avaliação, a narração e a ex-
plicação do acontecimento são sempre do ponto de vista do presente.
Nesse aspecto, vale fazer uma inferência sobre o acontecimento no que
tange à cobertura midiática. Essa relação tempo-espacial gerada pelo
acontecimento e suas significações sociais são exploradas por Eliseo
Verón (1981) ao analisar a cobertura da imprensa francesa (audiovisual
e impressa) sobre o acidente na central nuclear de Three Mile Island
(Estados Unidos) em março de 1979. Verón investigou os discursos pro-
duzidos pela mídia, comparando-os, inclusive, com o material oriundo
das agências de notícias, e constatou que o acontecimento ganhava con-
figurações distintas de acordo com os perfis dos públicos. Além disso,
observou também que a narrativa jornalística foi contaminada pela nar-
rativa ficcional, porque, na ocasião do acidente, estava em cartaz o filme
Síndrome da China,10 cujo roteiro versava sobre um acidente nuclear.
É plausível o leitor questionar-se sobre a aderência de Quéré ao tra-
balho, uma vez que ele se aproxima mais do pragmatismo norte-ameri-
cano que da hermenêutica de Ricoeur. A possibilidade da indagação é
determinante à importância de explicitar as escolhas e caminhos feitos.
A rigor, Ricoeur não desconsidera ou minimiza a dimensão existencial
10 The China syndrome, filme de James Bridges, de 1979. A obra foi lançada em 16 de março de
1979. No 13º dia após a estreia, aconteceu o acidente na usina nuclear de Three Mile Island,
na Pensilvânia.
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 207
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do acontecimento, mas acentua que o sentir e o perceber são também
simbolicamente mediados e, logo, apreendidos nas teias de inteligibi-
lidade, simbolismo e temporalidade. Neste estudo, Quéré é importante
porque mantém o lastro com a configuração do acontecimento, embora
sua problemática em torno da experiência o lance também para ou-
tras terras. Constata-se, entretanto, que a passagem do acontecimento
existencial ao acontecimento objeto elucida as marcas da influência
da tríplice mímesis sobre a obra de Quéré, sugerindo, pois, a leitura
do sociólogo pelas lentes do círculo hermenêutico. Como o próprio
declarou, a diferença entre os dois tipos de acontecimento é o grau de
simbolização (QUÉRÉ, 2013), pois o acontecimento tem um potencial
hermenêutico próprio. (QUÉRÉ, 2005)
O modelo configurativo proposto pela passagem do acontecimento
existencial ao acontecimento objeto, de Quéré, encontra consonâncias
como o modelo configurativo motivação-percepção-significação – di-
nâmica de saliência e pregnância – de Charaudeau. São nomenclaturas
distintas para fazer alusão ao processo evenemencial. Se algo destoa na
comparação entre esses modelos, é a preocupação de Quéré com a expe-
riência. Ele diz que o acontecimento impacta o sujeito antes mesmo de
sua transformação em discurso. É o impacto pelo sentimento, a dimensão
afetiva, que também foi reivindicada por Sodré (2009) ao reclamar por uma
compreensão do acontecimento para além do registro simbólico, também
no registro afetivo do mundo. “Quer dizer, não se põe em jogo apenas a
lógica argumentativa das causas, mas principalmente o sensível de uma
situação, com sua irradiação junto aos sujeitos e a revelação intuitiva do
real que daí poderá advir”. (SODRÉ, 2009, p. 68, grifo do autor) O acon-
tecimento é muito mais do que a transmissão de um conteúdo factual.
Configurar é enquadrar: das abordagens de Sodré e
Mouillaud sobre acontecimento e informação
Se Quéré afirma que o acontecimento tem espessura espaçotempo-
ral e é vivido no presente, Muniz Sodré (2009) enfatiza a importância
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deste para a construção da atualidade. Nessa vertente, o autor também
faz alusão ao aspecto mimético do acontecimento. Segundo o pesqui-
sador, a factualidade da vida não dispõe de enredo, só de repetições,
coincidências e inesperados. Quem lhe outorga uma tessitura de intriga
ou um esquema narrativo é a construção do acontecimento (ou da in-
formação), a partir de um conjunto de regras e convenções discursivas,
hábitos e práticas sociais Ao dar ênfase à informação midiática, o estu-
dioso tem o acontecimento como a “modalidade clara e visível de trata-
mento do fato, portanto, é uma construção ou uma produção do real,
atravessada pelas representações da vicissitude da vida social”. (SODRÉ,
2009, p. 36-37) Assim, linguagem e mundo se conectam na construção
do acontecimento, tornando inviável a separação entre informação e
o que acontece. O acontecimento consiste, sob essa ótica, no fato só-
cio-histórico e é gerador do espaço da atualidade, do aqui-agora. Para
Sodré (2009, p. 33), o fato, mesmo inscrito na história, é uma elabora-
ção intelectual. Por essa ótica: “O real da notícia é a sua ‘factualidade’,
a sua condição de representar um fato por meio do acontecimento”.
(SODRÉ, 2009, p. 27)
A referência sócio-histórica, delimitada pelo que acontece num aqui
e agora da vida social, assume um aspecto funcional na mímesis do
discurso informativo. Nesse âmbito, Sodré (2009) e Mouillaud (2002a,
2002c) vão refletir sobre a indissociabilidade entre a construção do
acontecimento e a questão do enquadramento. Para eles, o processo
evenemencial instaura, ao longo do trajeto, um processo simultâneo
de enquadramento, de delimitação de molduras e quadros. A seleção
do acontecimento a ser configurado em notícia, a constituição dos cri-
térios de noticiabilidade, por exemplo, já denota os primeiros direcio-
namentos e fronteiras, no que tange ao conteúdo e à forma, para um
acontecimento ser admitido no campo jornalístico ou da informação.
(CARVALHO, C., 2012; MOUILLAUD, 2002a, 2002c; SODRÉ, 2009;
TUCHMAN, 1993b)
O percurso mimético, proposto por Ricoeur (2010a), atribui coerên-
cia espacial e temporal à vicissitude dos fatos. Não condiz, portanto,
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 209
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com a ideia de imitação da realidade, mas com a produção do discurso
verossímil. Nesse ângulo, acentua-se que o discurso informativo “se rea-
liza em função de uma referência sócio-histórica, de algo que acontece
num aqui e agora da vida social”. (SODRÉ, 2009, p. 37) Para Mouillaud
(2002c), a mímesis informativa viabiliza o acontecimento por meio do
enquadramento técnico:
a) delimitando um campo e um fora do quadro; o quadro determi-
na o que deve ser visto; b) focalizando a visão no interior de seus
limites, ele a unifica em uma cena; os dados isolados no quadro
tendem à solidarização entre eles. (MOUILLAUD, 2002c, p. 43)
Essa cena, entretanto, “é capturada por uma série de enquadramen-
tos interiores, o enquadramento, por sua vez, reproduz-se em abismo
no interior da cena do acontecimento”. (MOUILLAUD, 2002a, p. 62)
A perspectiva abissal dos enquadramentos explica os porquês de nunca
se cobrir, por exemplo, uma partida de futebol na sua totalidade. Vão
ser seguidos os caminhos da bola, dirigir o refletor ao desempenho de
um determinado jogador, vibrar em sintonia com a torcida, mas de
forma fragmentada e em momentos distintos:11
[...] a totalidade não é passível de ser capturada pela vista (seria
necessário capturar ao mesmo tempo uma grande quantidade de
relações fugindo de uma multiplicidade de focos). A apreensão
de um acontecimento exige que ele seja fragmentado em cenas
parciais que, para serem passíveis de leitura, devem ser, cada
uma, monossêmicas (partir de um ponto e estar orientada em
uma direção; quer dizer, isolar, na parte em que se joga, um jo-
11 Os recursos técnicos de edição nos programas televisivos driblam esse aspecto monossêmico
ao usar o efeito das janelas e colocar na tela, simultaneamente, duas ou mais cenas de um
acontecimento. Assim, pode-se dividir a tela entre o jogo, a torcida e o narrador. O recurso não
é muito recorrente, porque vai de encontro à economia da atenção solicitada na experiência
do espectador televisivo. Sobre edição e linguagem televisiva, ver Chion (1993), Dancyger
(2003), Watts (1990, 1999) e Squirra (2004).
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gador tomado como origem e uma ação de jogo). (MOUILLAUD,
2002a, p. 62)
Essas cenas, portanto, integram e compõem uma cena mais ampla
que é o acontecimento, o qual é mais que “uma moldura no espaço, é
um fragmento no tempo”. (MOUILLAUD, 2002a, p. 63) Assim, o pes-
quisador vislumbra o acontecimento como uma “dinâmica inesgotável
de apreensões”, reforçando a perspectiva de uma multiplicidade de fo-
cos em detrimento de uma soma de microacontecimentos. Tal como
descreve Mouillaud, o acontecimento se apresenta “como um planalto
entre duas linhas que o identificam, isolando-o dentro do continuum
da duração” (MOUILLAUD, 2002a, p. 63); repousa no tempo e no es-
paço, “sobre decisões que, atribuindo-lhe limites arbitrários, instituem
a cena do acontecimento como uma cena legítima”. (MOUILLAUD,
2002a, p. 63)
Em outras palavras, o pesquisador não perde de vista a abordagem
ricoeuriana da tessitura da narrativa, da construção discursiva do acon-
tecimento, a partir de uma coerência espaçotemporal. E ao sublinhar
a inerência entre a construção do acontecimento e o enquadramento,
uma vez que o primeiro é um fragmento extraído de uma totalidade
que não pode ser compreendida por si só, Mouillaud sugere: “Pode-se
descrever este fragmento com um conceito que tomamos emprestado à
fotografia e ao cinema, o enquadramento”. (MOUILLAUD, 2002a, p. 62)
Embora seja familiar a cena do diretor de cinema ou do fotógrafo
em busca dos melhores enquadramentos para suas imagens, a noção,
tratada pelos pesquisadores norte-americanos por framing, remete ao
conceito sociológico de frame analysis, desenvolvido pelo canaden-
se Erving Goffman (1974, 1999) para explicar as diferentes atuações
dos indivíduos, de acordo com as situações sociais. Os quadros são
sistemas de referência que permitem aos indivíduos atribuir sentido
às ocorrências ou situações, organizando, assim, a experiência so-
cial. A noção de quadro ajuda a compreender porque o sujeito social
constrói, modula e interpreta os discursos de maneiras distintas, de
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acordo com as diferentes situações – a sala de aula, a consulta médi-
ca, a mesa de jantar com a família, entre outros, solicitam quadros
específicos. O framing concerne aos esquemas interpretativos e às
regras que permitem ao indivíduo a estruturação da vida cotidiana.
Segundo Sodré, o “enquadre” possibilita a conversão de um proble-
ma social em público:
Seja de natureza política, ética ou estética, o enquadre afina-se
evidentemente com a cultura de um grupo específico, permitindo
ao ator social descrever, interpretar ou categorizar as situações que
se lhe afiguram como problemáticas. Por meio dele, um problema
social é suscetível de converter-se em problema público, dando
margem ao surgimento de ações coletivas. (SODRÉ, 2009, p. 38)
Embora Goffman não tenha contemplado a imprensa em suas re-
flexões, a midiatização cumpre um papel central no processo de visi-
bilização e produção de acontecimentos no espaço público. “Por isso, o
enquadramento midiático é a operação principal pela qual se seleciona,
enfatiza e apresenta (logo, se constrói) o acontecimento”. (SODRÉ, 2009,
p. 38, grifo do autor) Essa ponderação ecoa também nos estudos de
Alsina (2009), Charaudeau (2012a), Mouillaud (2002a, 2002c), Rodrigues
(1993), Giovandro Ferreira (2011), Antônio Fausto Neto (2006), Verón
(1981) e Quéré (2013), entre outros. Mouillaud destaca que o enqua-
dramento midiático não é uma moldura posta sobre a realidade, mas
constitui a própria realidade. “O acontecimento e a mídia confundem-se
em um ponto em que a fala da mídia torna-se performativa, e não mais,
apenas, descritiva”. (MOUILLAUD, 2002a, p. 63-64) Nesse sentido,
pode ser desenhada uma conexão com os estudos de Adriano Duarte
Rodrigues, quando este constata que a construção do acontecimento
pela mídia envolve atos ilocutórios e atos perlocutórios12 e, portanto,
é regido pelas regras do mundo simbólico, do mundo da enunciação:
12 “É sempre uma ordem ditada em função das dimensões associadas do querer-dizer, do
saber-dizer e do poder-dizer. Articula as instâncias enunciativas do sujeito e do objeto
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Ao darem conta dos actos enunciativos, os media não só lhes conferem
notoriedade pública, alargando assim indefinidamente o âmbito e o
alcance das transformações que operam no mundo, como realizam
igualmente novos actos ilocutórios e perlocutórios de acordo com
suas próprias regras enunciativas. (RODRIGUES, 1993, p. 31)
Em suma, Mouillaud (2002a, 2002c) reforça o debate sobre a ine-
rência do enquadramento ao processo de construção do aconteci-
mento, porque enquadrar marca uma distinção entre acontecimento
existencial e informação (acontecimento midiático). As raízes dessa
diferenciação estão na filosofia e concernem às mudanças entre uma
modalidade transparente em oposição à opacidade do acontecimento
midiático: “aquilo que, então, aparece como figura é seu objeto: os
acontecimentos aos quais se refere a informação formam o mundo que
se supõe real”. (MOUILLAUD, 2002a, p. 56) Esse antagonismo entre
acontecimento existencial e acontecimento midiático relembra a visão
de Quéré (2005, 2013), cujas abordagens são passíveis de aplicação da
noção de enquadramento.
Mouillaud aposta que a construção do acontecimento desemboca
na notícia ou informação; entretanto, essa perspectiva do aconteci-
mento, a montante, e da informação, a jusante, não pode implicar uma
armadilha que conduza ao entendimento de uma dualidade ou opo-
sição taxativa. Esse discurso, na verdade, é perigoso, porque sustenta
a visão da mídia como transmissora da realidade se contemplado o
acontecimento como o fato social e a informação como mera projeção
deste. Resguardada por essa dualidade, a mídia aparece como quem faz
a transmissão, o relato fidedigno do fato. Contrariando essa vertente,
coloca-se em pauta a ideia de construção em vez de transmissão, que-
brando as perspectivas dualistas ou oposicionistas para se pensar em
processos, em operações, dos quais as assessorias de imprensa também
de enunciação, individuais ou coletivas, os agentes e os actores. É a realização técnica das
instancias discursivas: é um discurso feito ação e uma ação feita discurso”. (RODRIGUES,
1993, p. 30)
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fazem parte. Aliás, esta pesquisa está sob o farol da configuração e este,
por si só, pressupõe estruturação, não estrutura.
Mouillaud (2002a, 2002b, 2002c) e, por seu turno, Sodré (2009)
rejeitam a perspectiva de uma dualidade enrijecida, porque contem-
plam que o acontecimento já traz, em seu cerne, a forma da informa-
ção. Em outras palavras, ambos flexibilizam o antes (acontecimento)
e o depois (informação) como pontos fixos, para propor articulações,
interações, um processo configurativo. Não tratam, portanto, de um in-
tervalo entre o acontecimento e a informação; pelo contrário, pensam
em transações, em processos. Em seus estudos sobre os acontecimen-
tos da mídia, por exemplo, Mouillaud faz alusão à mímesis I quando
expõe que esse acontecimento é pré-construído nas dimensões sociais
do espaço e do tempo. “O espaço e o tempo social trazem marcas que
definem áreas e momentos que prescrevem sua natureza e sua forma
aos acontecimentos”. (MOUILLAUD, 2002a, p. 64) Para elucidar, reto-
ma-se o exemplo da cobertura de uma partida de futebol, que estará
sujeita ao tempo de duração do jogo, às suas regras e às delimitações
impostas pelo campo, entre outros. Mesmo que ocorram negociações
entre as entidades esportivas e os veículos midiáticos no que tange à
mudança de horários, alguns princípios não podem ser alterados. Além
disso, esse semiólogo também destaca que o acontecimento traça um
passado e aponta para o futuro, embora seja construtor da atualidade.
Um dos aspectos mais relevantes dos estudos de Mouillaud diz
respeito ao processo de agenciamento da informação, que extrapola o
campo midiático, uma vez que este já recebe o “real domesticado” por
agências de informação, pelo leitor na condição de repórter cidadão
ou pelas assessorias de imprensa, principal interesse desta obra. “Os
acontecimentos da mídia podem ser considerados como o terminal e
a parte emergente de um processo de informação que começou bem
antes no espaço e no tempo”. (MOUILLAUD, 2002a, p. 65) No mais, o
autor também destaca a importância da semiose ilimitada e alude à
mímesis III, de Ricoeur, ao relembrar que o discurso informativo, ao
ser interpretado pelo leitor, torna-se outro discurso.
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O jornal é apenas um operador entre um conjunto de operadores
sócio-simbólicos, sendo, aparentemente, apenas o último: porque
o sentido que leva aos leitores, estes, por sua vez, remanejam-no a
partir de seu próprio campo mental e recolocam-no em circulação
no ambiente cultural. (MOUILLAUD, 2002a, p. 51)
Dessa maneira, o acontecimento é uma configuração e também não
logra de solução final. “A informação não é o transporte de um fato, é
um ciclo ininterrupto de transformações”. (MOUILLAUD, 2002a, p. 51)
O processo de agenciamento do acontecimento
público: das abordagens de Molotch e Lester
A construção do acontecimento, que abrange, para além da mídia,
a atuação de instituições promotoras da notícia, é a força motriz de es-
tudos de Harvey Molotch e Marilyn Lester (1993), que irão subsidiar as
reflexões atinentes à relação entre assessorias de imprensa e redações
jornalísticas no processo de construção da notícia. Antes de apresentar
o modelo de agenciamento, desenvolvido pelos autores, é importante
demarcar a diferença entre ocorrência e acontecimento, delineada por
eles. A ocorrência – happening em inglês, occurrence na tradução para
o francês e “fato” para o português –13 diz respeito aos eventos do mundo
empírico: nascimento, aniversário, casamento, morte, acidentes etc.
Quando essa ocorrência ganha um sentido peculiar e utilidade para
demarcação do tempo público, por exemplo, tem-se o acontecimen-
to – news14 em inglês, événement em francês. O termo “tempo público”
é utilizado pelos autores para designar a dimensão da vida coletiva,
na qual há partilha e comunhão de um passado padronizado, de um
presente e de um futuro. Aqui, os estudos de Ricoeur sobre o tempo
13 Muniz Sodré, por exemplo, entende o fato como ocorrência, ponto de partida para o acon-
tecimento.
14 Também pode ser encontrada a tradução por “occurrence”.
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e a narrativa são a fonte para explicar a constatação de que o agencia-
mento dos acontecimentos públicos reverbera, indubitavelmente, na
construção de um tempo comungado coletivamente, ou seja, também
agenciado. Quem instaura o tempo público são os acontecimentos
públicos, daí a importância dos meios de comunicação de massa, do
jornalismo e das AI e agências de notícias para ajudarem o cidadão a
construir esse tempo comum, compartilhado.
De acordo com Molotch e Lester (1993), para chegar ao status de
acontecimento público, uma ocorrência passa por um conjunto de
agências – indivíduos ou grupos – com suas respectivas técnicas, práti-
cas e rotinas ritualizadas. Os autores destacam três agências principais.
A primeira, denominada de promotores de notícias – news promoters –,
refere-se ao start do processo de agenciamento e localiza-se fora do
âmbito da redação jornalística, agregando as agências de notícias, as
AI e, até mesmo, o cidadão comum, por meio do chamado jornalismo
participativo. A atuação profissionalizada dos promotores da notícia
acarretou a chamada revolução das fontes. (CHAPARRO, 2010, 2016b,
2016c, 2016f ), que marca a mudança de posicionamento das fontes no
que tange à produção da notícia, uma vez que se antecipa ao veícu-
lo jornalístico, enviando material – release, press kits, entre outros – e
elaborando suas próprias mídias para difusão das informações de seu
interesse. (SANT’ANNA, 2008a) Molotch e Lester acentuam que os
promotores da notícia têm uma relevância para o agenciamento que
vai além da função de iniciar o processo. A promoção atravessa todo o
agenciamento, pois é responsável pelos primeiros enquadramentos e
por possibilitar a presença do tema na agenda pública. Especialmente
no que tange às organizações – públicas, privadas, terceiro setor – ou
personalidades – artistas, políticos, cientistas etc. –, a gestão das infor-
mações que vão circular midiaticamente é de fundamental importância,
porque elas ressoam na imagem, na reputação e, consequentemente, nos
negócios. (ARGENTI, 2011; GONÇALVES; SOMERVILLE; MELO, 2003)
“O trabalho de promover ocorrências ao estatuto de acontecimento
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público salta das necessidades de acontecimentos daqueles que fazem
a promoção”. (MOLOTCH; LESTER, 1993, p. 37, grifo do autor)
A segunda agência refere-se a todos os profissionais do campo jor-
nalístico envolvidos no processo de elaboração e montagem do produto
jornalístico (news assemblers), que trabalham a partir dos materiais
oferecidos pelos promotores. Nessa etapa do agenciamento, ocorre a
decisão de quais temas vão ser publicados pelos veículos jornalísticos
e de como e quando serão publicados. A terceira agência engloba os
consumidores da notícia (news consumers), os leitores, espectadores,
ouvintes, internautas; ou seja, a instância de recepção, que vai inter-
pretar os acontecimentos, a partir de seus filtros individuais e coleti-
vos, para elaboração desta “sensação do tempo público”. O trabalho de
construção do acontecimento é incorporado por cada agência, sendo
que a subsequente retoma a atividade de execução da anterior para
dar continuidade ao processo. O agenciamento proposto por Molotch
e Lester é um processo circular e reiterativo. Além da própria dinâmica
da semiose ilimitada, que promove essa circularidade em espiral, tem-se,
na contemporaneidade, o advento de tecnologias e modos de fazer
jornalísticos que impõem percursos mais complexos ao agenciamento,
mediante a participação das fontes no processo produtivo da notícia.
Se for traçado um paralelo entre esse modelo de agência e a tríplice
mímesis de Ricoeur, observa-se que tanto os news promoters da notí-
cia quanto os news assemblers constituem a mímesis II – ou melhor, a
passagem da mímesis I para a mímesis II – e os news consumers seriam
alocados na mímesis III, a qual incide sobre todo o círculo, conforme já
visto. Embora as práticas contemporâneas de produção da informação
e a lógica da convergência solicitem novos olhares para o agenciamen-
to de Molotch e Lester, há um princípio que se mantém inalterado: o
agenciamento é uma forma de bloqueio de possibilidades para outros
acontecimentos e, aqui, “reside o poder do trabalho jornalístico e de
toda a actividade de informação”. (MOLOTCH; LESTER, 1993, p. 37)
***
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 217
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Neste capítulo, foi apresentado que a configuração do acontecimento
é o propósito da tríplice mímesis e, consequentemente, dos contratos de
comunicação. Mostrou-se ainda que a construção narrativa do aconte-
cimento implica a construção da notícia. (CHARAUDEAU, 2005, 2012a)
Noção cara a este percurso, o acontecimento constitui uma resposta
narrativa do jornalismo – e, guardadas as devidas proporções, também
da AI – à questão do tempo. Isso porque este tem espessura espaço-
temporal, é vivido no presente (MOUILLAUD, 2002a, 2002c), consiste
num fato sócio-histórico gerador de atualidade, do aqui-agora. (SODRÉ,
2009) Entretanto, tem a capacidade de apontar um passado e um futuro.
(QUÉRÉ, 2013)
O acontecimento, enquanto configuração, estruturação, coloca
uma lente de aumento sobre a relação entre AI no processo de cons-
trução do discurso informativo, uma vez que a noção permite abarcar
a perspectiva do agenciamento para além da mídia noticiosa. Dessa
forma, abrange a relação intercontratual ao promover a coerência es-
paçotemporal. Enfim, o acontecimento tem um potencial hermenêu-
tico próprio. (QUÉRÉ, 2005) Sua existência, porém, está atrelada ao
discurso, ele precisa ser nomeado. (CHARAUDEAU, 2012a, 2013) Eis
a relevância de serem indicadas as especificidades do acontecimento
jornalístico ou midiático.
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A CONFIGURAÇÃO DO
ACONTECIMENTO JORNALÍSTICO
DAS CATEGORIZAÇÕES ESPECÍFICAS
Rodrigues (1993) remonta ao aspecto da imprevisibilidade como jus-
tificativa para o fato tornar-se um acontecimento do ponto de vista
jornalístico. “Pela sua natureza, o acontecimento situa-se, portanto, al-
gures na escala das probabilidades da ocorrência, sendo tanto mais im-
previsível quanto menos provável for a sua realização”. (RODRIGUES,
1993, p. 27) Em função dessa escala social da probabilidade, que pode
ser alterada em decorrência de épocas e culturas distintas, o aconteci-
mento jornalístico ganha um caráter especial. Porém, as especificida-
des do discurso jornalístico, na visão do autor, não param aí. Em suas
análises, o processo de midiatização da narração do acontecimento
traz outras nuanças: “Ao relatar um acontecimento, os media, além do
acontecimento relatado, produzem ao mesmo tempo o relato do acon-
tecimento como um novo acontecimento que vem integrar o mundo”.
(RODRIGUES, 1993, p. 31) Nesse viés, a notícia, enquanto enunciação
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midiatizada, é um novo acontecimento que vem integrar o mundo, é a
representação da realidade, que produz o efeito de real e que se acon-
chega na memória também como experiência de mundo.
Na história da mídia, entretanto, a definição do que poderia ser
acontecimento foi sendo alterada em virtude dos avanços tecnológicos
e das mudanças nas relações sociais, nos cenários político, econômico,
cultural etc. Por conta disso, para tratar do acontecimento jornalístico,
vale a pena rever como este foi se modificando ao longo do tempo,
considerando, portanto, que os critérios para seleção e construção são
mutáveis e definidos pelos contextos.
O ACONTECIMENTO JORNALÍSTICO NA
HISTÓRIA DA MÍDIA
As respostas ao que constitui o acontecimento jornalístico – seus traços
pertinentes, as operações práticas e mentais que o fundamentam e os
terrenos em que aparecem – não são imutáveis nem monolíticas. Ao
contrário, estão à mercê das variações sócio-históricas e culturais que
determinam a notabilidade do fato e o comprometimento dos sujeitos
sociais com o processo evenemencial. O advento do aparato midiático e
a implicação deste para as relações sociais e a constituição dos campos
foram determinantes para a evolução histórica da noção.
Para Sierra Bravo (1984 apud ALSINA, 2009), a transcendência social
é o que caracteriza um acontecimento. Mas o que seria essa transcen-
dência? É determinada pelo sujeito ou pelo objeto do acontecimento?
Ou por ambos? As crenças e os valores culturais distintos revelam e
determinam transcendências também diferenciadas? O que transcen-
de no Ocidente pode não o fazer no Oriente e vice-versa? Com base
nos autores Tudesq (1973), Montanbán (1980) e Terrou (1990), Alsina
elenca três períodos nos quais se pode verificar variações no que é
considerado acontecimento público social: 1. antes da imprensa de
massa (meados do século XV a meados do século XIX); 2. durante a
imprensa de massa (meados do século XIX a meados do século XX); e
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3. com a comunicação de massa (meados do século XX até a atualidade).
(ALSINA, 2009, p. 118)
No primeiro período citado, a falta de tecnologia para transporte
tornava ainda mais expressiva a distância entre os lugares e as infor-
mações demoravam muito a chegar. Isso motivou que governantes e
elite dominassem o conhecimento dos fatos e também o controle do
que iria circular; os menos favorecidos estavam condenados a acessar
as informações do entorno. (BRIGGS; BURKE, 2004) Dessa forma, “no
domínio do acontecimento, não só intervinham os fatores espaço-tempo,
mas também o acontecimento estava compelido pelo poder político,
na tentativa de controlá-lo”. (ALSINA, 2009, p. 119)
O surgimento da imprensa não determinou uma mudança radical
no que diz respeito ao uso do texto escrito, pois era muito grande o nú-
mero de analfabetos. Apesar disso, deixou mais evidente a importância
da informação em relações de poder, controle social e construção de
imagens sociais. De meados do século XVI a meados do século XVII,
por exemplo, a Igreja Católica divulgava um Índex dos livros proibidos.
A censura papal se aliava a outras, como a da Faculdade de Teologia da
Universidade de Paris e a censura protestante, que teve menos impacto
por ser muito dividida. (BRIGGS; BURKE, 2004) O controle do aconte-
cimento não significa apenas censura, mas criação de acontecimentos
de acordo com as intenções da cúria e do poder civil, especialmente.
Porém, no momento histórico citado, houve o início da indústria edi-
torial, patrocinadora de novas redes de poder simbólico, a partir da
produção mercantil que gozava de relativa independência em relação
ao Estado e à Igreja e seus respectivos capitais políticos e simbólicos.
(THOMPSON, 2015)
No que tange à circulação de notícias, o advento do progresso téc-
nico minimizou o impacto dos condicionantes dos aspectos espaço-
temporais, mas consolidou o político. Nessa época, os acontecimentos
tendiam a ser definidos pela importância das pessoas envolvidas e prio-
rizavam-se informações sobre o exterior em detrimento da localidade,
para evitar debates públicos e possíveis críticas à ordem estabelecida.
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No entanto, já no século XVIII, na Inglaterra, por exemplo, os periódi-
cos com bases comerciais e mais independentes introduziam assuntos
de interesse geral. (THOMPSON, 2015)
Em meados do século XIX, a imprensa já era a principal forma de
construção dos acontecimentos, o que autoriza a falar em meios de
comunicação de massa. Há uma postura de busca pelo acontecimento
por parte da recepção, que manifesta, na preferência a determinado
veículo jornalístico, sua posição político-ideológica. A informação in-
veste-se do lugar de mercadoria. (SCHUDSON, 2010)
Há de se destacar que as mudanças apadrinhadas por avanço da
industrialização, surgimento de novas tecnologias, conformação das
cidades contemporâneas e, consequentemente, geração de novas so-
ciabilidades (FERREIRA, G., 2001) provocaram também a abertura do
acontecimento a novos fatos. Afinal de contas, os acontecimentos vão
ganhando roupagens diferentes e construções discursivas distintas de
acordo com as mudanças ocorridas no tecido social. Não se pode es-
quecer que ele é marcado pela exterioridade ao sujeito; todavia, é in-
ternalizado por este, por conta da oferta de sentido. Assim, pensar as
alterações no que toca ao acontecimento é vincular tal movimento às
mudanças ocorridas na sociedade ao longo do tempo.
A partir do século XIX, o acontecimento está relacionado também
ao homem comum, não apenas aos representantes das elites, conforme
visto no período anterior. Qualquer pessoa pode se tornar personagem.
“A transcendência deixa de ser o requisito prévio constitutivo do acon-
tecimento, e em alguns casos, é apenas seu efeito. Ou seja, a mídia se
torna geradora de transcendência social”. (ALSINA, 2009, p. 124) Vale
recordar que o impacto dessa midiatização remete à ideia do meta-
-acontecimento, desenvolvida por Adriano Duarte Rodrigues (1993).
Com o constante crescimento da industrialização da informação,
ocorre também o avanço das práticas questionáveis de apuração e
investigação dos fatos, acarretando o desenvolvimento da teoria da
responsabilidade social da imprensa, que “defende que os meios de
comunicação têm obrigações com a sociedade. Devem intervir por
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causa do interesse público. Os meios de comunicação são livres, mas
devem se autorregular por códigos éticos e deontológicos”. (ALSINA,
2009, p. 126)
O advento da comunicação de massa fomentou uma proliferação
de acontecimentos, tanto na quantidade quanto nos tipos. Para Tudesq
(1973), essa rapidez acelera o processo morfológico do acontecimento – a
opinião da informação atua sobre o próprio acontecimento. A celeri-
dade também tem um efeito espacial, pois, com as novas tecnologias,
o alcance da informação é global e, finalmente, há diversificação nos
tipos de acontecimento – esportivo, culinária, cultura, tecnologia etc.
Para Auclair (1970), há dois tipos de acontecimentos: 1. o que diz respei-
to à res publica, implica uma mudança, ainda que pequena, do corpo
social e está inserido na história; e 2. o que diz respeito à esfera privada
e não traz determinação histórica – poderia ser acontecimento em qual-
quer tempo e em qualquer lugar. Existem ainda aqueles que imbricam
os dois tipos e provocam tipologias nuançadas e impuras. Para Nora
(1972), essa diferença teórica se dilui, porque o leitor contemporâneo
indexa ao conteúdo narrativo o drama, a magia, o mistério, a raridade,
a poesia, a tragicomédia do fato.
A sociedade democrática é marcada pela presença da comunicação
de massa. O processo de “transmissão” do acontecimento determina o
próprio acontecimento e produz a espetacularização. Diferentemente
dos acontecimentos na mídia, esses são os “acontecimentos mediáticos”,
capazes de devolver à sociedade contemporânea o sentido de ocasião, de
dia de festa. (KATZ, 1993) Para Katz (1993, p. 54), o “acontecimento me-
diático” tem algumas características, ou melhor, condições necessárias:
(1) transmissão ao vivo, (2) de um acontecimento pré-planeado,
(3) enquadrado no tempo e no espaço, (4) pondo em destaque
um grupo ou uma personalidade heróica, (5) com grande sig-
nificado dramático ou ritual, e (6) a força de uma norma social
que torna o acto de assistir obrigatório. Estas condições podem
não ser suficientes para assegurar o sucesso do acontecimento na
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manutenção de uma audiência de massas ou na realização dos
seus propósitos políticos ou rituais. Mas são ingredientes básicos.
Elihu Katz (1993, p. 55-56) destaca três tipos de acontecimentos
mediáticos:
• missão heroica: quando um “herói”, que pode ser o presi-
dente, o papa ou uma celebridade, corre algum risco ou
enfrenta desafios em prol do bem comum, de uma causa
humanitária;
• ocasião de Estado: refere-se ao acontecimento de Estado que
marca o início ou fim de uma era, como a morte do ex-sena-
dor Antônio Carlos Magalhães, que foi representada, para
o estado da Bahia, no Brasil, como o fim do coronelismo na
política; e
• competição: os debates políticos, os grandes eventos espor-
tivos, as rivalidades tradicionais, postas às vistas para mi-
lhões de espectadores.
Nos “acontecimentos mediáticos”, os efeitos de dramatização são
acentuados por estratégias discursivas como: narração ao vivo – uma
espécie de “documentário em direto”, a partir do qual entram no jogo
os dilemas de se contar a “estória” –, performance do mediador, movi-
mentos de câmera ou usos de efeitos sonoros, entre outros.
Na transmissão ao vivo, o acontecimento é retirado da dimensão
histórica para ser espraiado à vivência cotidiana. Ao saber que seu dis-
curso está sendo transmitido para milhares de espectadores pela TV
Câmara, um deputado, por exemplo, direciona a sua fala para o público,
e não para os pares, como preconiza o rito político nessa cena. Já na
transmissão de eventos esportivos, há uma organização do aconteci-
mento, que pode submetê-lo às normas e regras de funcionamento e
programação da TV. Mas, apesar dessa interferência, Miquel Rodrigo
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Alsina (2009, p. 129) constata que o acontecimento midiatizado – e,
aqui, acrescenta-se o “acontecimento mediático” de Katz – aproxima
o indivíduo da história: “o que não aparece na mídia não existe para
muita gente. A mídia faz visíveis os fatos”.
No mais, o aparato tecnológico pode mudar os hábitos percepti-
vos do indivíduo. (BOUGNOUX, 1994; MCLUHAN, 1994; MERLEAU-
-PONTY, 1996) Ainda tratando da televisão, a lente, ou chamado olho
eletrônico, permite ângulos e imagens pelo uso de diferentes câmaras,
recursos de aproximação (zoom) e edição de imagem e som, impossíveis
ao olho humano. (CHION, 1993; SQUIRRA, 2004; WATTS, 1990, 1999)
O mesmo pode acontecer com fotografias e infográficos, entre outros.
“É assim que a mídia nos aproxima dos acontecimentos, de uma for-
ma absolutamente diferente para o indivíduo”. (ALSINA, 2009, p. 129)
O advento de novos meios coloca a sociedade num ponto de não
retorno, é impossível dar marcha à ré e desmerecer seu impacto nas rela-
ções sociais. (BOUGNOUX, 1994) Os meios de comunicação favorecem
novos hábitos perceptivos, não alteram a percepção, porque a sede desta
é o corpo, mas interferem na forma e no conteúdo da percepção, nos
hábitos e costumes perceptivos. (MERLEAU-PONTY, 1996) Permitem
experimentar novos acontecimentos e novos mundos, estabelecem a
representação como realidade. “De alguma forma, os acontecimen-
tos vão definir uma sociedade. O sistema de valorização do acontecer
vai ficar implícito na transmissão de determinados acontecimentos”.
(ALSINA, 2009, p. 131) Além disso, os meios de comunicação, a partir
dos discursos, também constroem os lugares de “nós” e “eles”, desta-
cando a alteridade e os processos de formação de identidade. (DIJK,
1990, 2008; PINTO, 2002) Afinal de contas, a formação da alteridade e
das identidades ocorre no e pelos discursos, nas posições também ela-
boradas para enunciador e coenunciador, a partir do jogo das repre-
sentações sociais e da busca pelo efeito de sentido. O acontecimento,
portanto, é concebido para um destinatário modelo previsto (ECO,
1987) e atribui valores a uma realidade construída, a partir dessa “pre-
visão” do que o outro espera.
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 225
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Observar a evolução histórica da noção de acontecimento abre um
diálogo com as teorias do jornalismo, especialmente a interacionista-
-construcionista, uma vez que se observa, no trajeto, uma transforma-
ção dos critérios de noticiabilidade, das rotinas produtivas de redações
de veículos, das assessorias e agências, e ainda mudanças em aspectos
da cultura e da constituição da tribo jornalística. (TRAQUINA, 2005b)
Enfim, vê-se uma conversão nos processos de seleção e construção do
acontecimento. Sobre esses processos, contudo, tratar-se-á no próximo
capítulo. Por ora, neste momento da caminhada, o texto impõe a neces-
sidade de tracejar os limiares entre as noções de fato, acontecimento e
notícia. Ao longo deste trajeto, esses termos aparecem para demarcar os
posicionamentos dos autores, entretanto, sem as explicações que clarifi-
quem as respectivas diferenças. Fala-se em limiares em vez de fronteiras
porque se sabe que os limites não são rígidos, mas flexíveis. Essas noções
estão conectadas, sobrepostas e, para alguns autores, em convergência.
NA PERSPECTIVA DA CONFIGURAÇÃO: OS LIMIARES
ENTRE FATO, ACONTECIMENTO E NOTÍCIA
Ao destacar as especificidades do acontecimento jornalístico em relação
a outros acontecimentos do mundo fenomenológico, Rodrigues (1993)
realça que o fato, gerador do acontecimento no jornalismo, ganha relevo
pelo grau de imprevisibilidade, ou seja, quanto menos previsível, mais
probabilidade tem de se tornar notícia. Nesse sentido, constitui uma
categoria específica em um universo mais vasto. “Todos os fatos regidos
por causalidades facilmente determináveis ficam fora do seu alcance,
ao passo que o acontecimento jornalístico irrompe sem nexo aparente
nem causa conhecida e é, por isso, notável, digno de ser registrado na
memória”. (RODRIGUES, 1993, p. 28) O estudioso, portanto, filia-se à
noção do acontecimento na dimensão do que emerge, e não do que se
torna, quando se trata do campo jornalístico. Ele destaca que há vários
registros dessa emergência ou notabilidade, mas frisa três formas: ex-
cesso, falha e inversão (boomerang). O registro de notabilidade do fato
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por excesso constitui o mais corriqueiro, por ser visto como a “irrupção
por excelência do funcionamento anormal da norma”. (RODRIGUES,
1993, p. 28) Como exemplo, podem ser citados o massacre de popula-
res após uma batida policial na comunidade, a pena máxima aplicada
pelo juiz e os diferentes recordes que poderiam ilustrar as páginas do
Guiness book. Já o registro por falha consiste na insuficiência no funcio-
namento normal tanto do sujeito, individualmente, quanto da coletivi-
dade. Nessa modalidade, estão a morte repentina, a rebelião numa
penitenciária e as diferentes manifestações de greve, entre outros.
A inversão, enquanto notabilidade do fato, pode ser exemplificada pe-
las definições de notícia, a partir do clássico parâmetro do homem que
morde o cachorro. “É o acontecimento-boomerang, o ‘voltar do feitiço
contra o feiticeiro’ [...] o moribundo que se levanta do leito de morte”.
(RODRIGUES, 1993, p. 28, grifo do autor)
Calcado nesses registros de notabilidade e em outros não inventaria-
dos aqui, o discurso do acontecimento jornalístico, segundo Rodrigues,
é a anti-história, a dissolução do devir. O irracional frente à racionalida-
de do previsível e da regularidade, “irrompe acidentalmente à superfí-
cie epidérmica dos corpos como efeito sem causa, como puro atributo”.
(RODRIGUES, 1993, p. 29) Há vários registros de notabilidade e estes
podem modificar de acordo com as épocas, as culturas e as mudanças
na tecnologia, porém, para o autor, o mais contundente registro de no-
tabilidade é a midiatização do relato do acontecimento que, conforme
citado anteriormente, constitui a própria publicização da narrativa como
acontecimento. É o meta-acontecimento regido pelas regras do mundo
simbólico, pela enunciação.
É o próprio discurso do acontecimento que emerge como aconte-
cimento notável a partir do momento em que se torna dispositivo
de visibilidade universal, assegurando assim a identificação e a
notoriedade do mundo, das pessoas, das coisas, das instituições.
(RODRIGUES, 1993, p. 29)
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 227
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Sendo assim, para o estudioso, o meta-acontecimento ou a midiatiza-
ção do acontecimento confere a este camadas de sentido que só podem
ser ancoradas e avaliadas a partir da enunciação. O próprio discurso
jornalístico constitui um dispositivo de notabilidade.
No decorrer do tempo, a noção de meta-acontecimento se dilui na
própria ideia do acontecimento na mídia1 (ALSINA, 2009; CHARAUDEAU,
2012a; MOUILLAUD, 2002a, 2002c; SODRÉ, 2009), que já traz implí-
citas ou explícitas as marcas da enunciação e, portanto, a necessidade
de abarcá-las analiticamente. Mas a indicação do autor de que o fato
com notabilidade se torna acontecimento jornalístico tem ressonância
em estudos de outros pesquisadores, como Sodré (2009), que abarca o
acontecimento enquanto enunciação do fato. É o fato sócio-histórico,
ou fato social, que tem o estatuto de acontecimento.
Para Sodré, em linhas gerais, o acontecimento constitui a represen-
tação social do fato. É a ocorrência, apreendida na vivência empírica,
mas construída socialmente, marcada pelo contexto sociocultural,
delimitada pelas relações de espaço e tempo e pelas trocas entre inter-
locutores em situação de comunicação. “O fato genérico é uma forma
de ser relativa a objetos e fenômenos, enquanto o fato social é forma
de ser relativa à existência humana, logo, atinente ao que se dispõe ao
estar-junto-com o outro”. (SODRÉ, 2009, p. 29, grifo do autor) Uma
forma de acesso e conhecimento do mundo, pois constitui o efeito de
real – uma representação da realidade.
Ao buscar em Kant a definição de fato, como “conceito para objetos
cuja realidade pode ser provada – e, assim, como um espaço disponível
ao observador para atribuição de algum sentido à ocorrência” (SODRÉ,
2009, p. 33, grifo do autor), Muniz Sodré observa que o pesquisador é
compelido a encontrar outro termo para a representação sócio-histó-
rica do fato. Assim, o acontecimento – news, para os norte-americanos;
événement, para os franceses; suceso, para os espanhóis – é a informação
1 Sobre a diferença entre a sociedade dos meios e a sociedade midiatizada, ver Fausto Neto e
demais autores (2008).
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jornalística concretizada em notícia, é a experiência singular do aqui-a-
gora. (SODRÉ, 2009, p. 33) A busca por compreender o acontecimento
é, em última instância, a busca pela compreensão da notícia.
Patrick Charaudeau aborda o acontecimento a narrar e o aconteci-
mento narrado – este último consiste na notícia. O semiólogo não traça
distinções entre o fato e o acontecimento; pontua, simplesmente, em
nota de rodapé, que o fato é uma configuração concreta particular do
acontecimento. (CHARAUDEAU, 2012a) Charaudeau, Sodré e Mouillaud
destacam a inerência entre fato, acontecimento e notícia, assinalando
que o acontecimento é a configuração do fato social, enquanto a no-
tícia diz respeito a essa dimensão do aqui-agora, da factualidade do
acontecimento.
A projeção do fato em acontecimento vai além dos registros de no-
tabilidade citados (RODRIGUES, 1993) e precisa responder a alguns
critérios: singularidade, acidentalidade, improbabilidade (MORIN,
1972a); unicidade, singularidade e desvio (RICOEUR, 1991); saliência
e pregnância. (CHARAUDEAU, 2012a) Rodrigo Alsina (2009) tonifica
a perceptibilidade, ou seja, o acontecimento só se constrói como tal se
o sujeito percebe essa modificação do estado do mundo. Já a pregnân-
cia, como visto, é a apropriação que o sujeito faz do fato, tornando-o
fato social ou acontecimento.
Abraham Moles (1972) enfatiza que o acontecimento é definido na
interação perceptiva do sujeito com seu entorno. O autor também acen-
tua o aspecto da imprevisibilidade, que só pode ser definido a partir
de um ponto de referência, e lembra que a variação só ganha o esta-
tuto de acontecimento se for percebida. “Dessa definição, duas carac-
terísticas ganham relevo: 1) o acontecimento pressupõe uma variação
perceptível do ecossistema e 2) o ocupante do ecossistema não prevê o
acontecimento”. (MOLES, 1972, p. 91-92) Já Morin (1972b) destaca que
o acontecimento adquire sentido a partir do ecossistema que o afeta,
ou seja, das condições de produção. Esse autor, além de reforçar que o
acontecimento é tudo que é improvável, singular e acidental, também
ressalva que é tudo o que acontece no tempo.
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 229
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Até aqui, ganham relevo especial, na definição do acontecimento, a
presença e a atuação do sujeito de percepção. Entretanto, vale apontar
que esse sujeito não abrange apenas o público, mas também os jornalis-
tas, os assessores de imprensa, entre outros. Neste estudo, as reflexões
estão sob a égide do agenciamento e, como mostraram Molotch e Lester
(1993), esse processo envolve diferentes agentes. Compactua-se, pois,
com Alsina (2009), Charaudeau (1997, 2003, 2005, 2012a, 2013), Moles
(1972), Molotch e Lester (1993) e Morin (1972a, 1972b), que notabilizam
as distintas perceptibilidades, pelas quais são margeadas, por exem-
plo, as diferenças entre microacontecimento – a morte de um cidadão
comum por um terrorista – e um macroacontecimento – o atentado às
Torres Gêmeas. (QUÉRÉ, 2005)
Partindo da premissa da importância da percepção dos sujeitos so-
ciais e das balizas disponibilizadas pelas condições de produção, Alsina
categoriza o acontecimento, dando um zoom in nas suas interrelações
com o sistema midiático que lhe dá sentido. Na passagem do aconte-
cimento para a notícia, o autor considera aquele como “um fenômeno
de percepção do sistema, enquanto que a notícia é um fenômeno de
geração do sistema”. (ALSINA, 2009, p. 45) Por esse ângulo, considera
a mídia como um sistema que funciona com alguns inputs, os aconte-
cimentos, e que gera alguns outputs transmitidos, as notícias. Ele re-
sume a relação entre acontecimento, fato e notícia da seguinte forma:
A notícia é a narração de um fato ou o reescrever de uma outra
narrativa, enquanto que o acontecimento é a percepção do fato
em si ou da notícia. A informação pode ser entendida como uma
indústria que tem como inputs os acontecimentos e como outputs
as notícias. No entanto, devemos destacar que um acontecimento
não é uma realidade objetiva externa nem alheia ao sujeito que
percebe esse acontecimento. (ALSINA, 2009, p. 12-13)
O autor destaca ainda a função reguladora dos sistemas, mostrando
que o que é notícia para determinado sistema para outro pode ser
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acontecimento. Portanto, o ponto de referência a partir do qual se pode
definir um acontecimento ou notícia é o sistema com o qual eles es-
tão relacionados. (MORIN, 1972b) Essa observação pode ser aplicada,
grosso modo, às AI e aos veículos jornalísticos, por exemplo. Seguindo
a lógica exposta, o que se configura como notícia para a AI pode ser
acontecimento para os veículos jornalísticos.
A mídia, considerada como sistema, deve ser inserida, num contexto
mais amplo, num ecossistema (MOLES, 1972) ou conjunto de campos
sociais que formam a sociedade e suas respectivas relações. Dessa for-
ma, para estudar os acontecimentos, é preciso entender a estrutura
funcional, as rotinas produtivas e as representações tanto das AI – e
respectivos assessorados – quanto dos veículos de comunicação, se
for feita a adequação da perspectiva do autor ao problema desta pes-
quisa. Isso porque a mídia é um sistema aberto, depende dos outros
sistemas sociais para funcionar e, além do mais, pode possuir subsis-
temas.2 (MORIN, 1972b)
Olhando pela perspectiva de Alsina (2009), se a mídia funciona a
partir da dinâmica dos inputs (acontecimentos) e outputs (notícias),
tem-se que ela exerce um determinismo sobre qual acontecimento será
relatado enquanto notícia. Uma demonstração desse controle é a repe-
tição de manchetes em diferentes jornais, mídias digitais ou emissoras
de rádio e TV. Aliás, a instância midiática como espaço de decisão já
foi mencionada, anteriormente, por Molotch e Lester (1993), ao loca-
lizarem os veículos jornalísticos como agências dos news assemblers.
Esse determinismo, entretanto, deve ser flexibilizado, porque
acontecimento e notícia vão sofrer distintas categorizações de acordo
com as mudanças sócio-históricas e culturais, que, indubitavelmente,
também sensibilizam as instituições e as organizações da informação.
Além disso, a definição dos parâmetros do que pode ser considerado
acontecimento não é uma tarefa isolada da mídia, das agências e das
assessorias de comunicação, porque “os acontecimentos são ‘realidades’
2 Edgard Morin (1972b) traça uma distinção entre sistemas abertos e sistemas fechados.
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históricas determinadas socioculturalmente”. (ALSINA, 2009, p. 13) Para
dar conta dessa influência sociocultural no processo de construção da
notícia, como também das engrenagens que envolvem a seleção dos
fatos sociais, Alsina cunha o termo composto “acontecimento-notícia”,
o qual é vinculado à realidade social a partir do viés da construção da
realidade.
De certa forma, o que se solicita na contemporaneidade – a indis-
sociabilidade entre acontecimento e informação e a importância dessa
relação para compreender e acessar o mundo enquanto realidade
social – já foi reivindicado por Morin em 1969:
o acontecimento deve ser concebido, em primeiro lugar, como
uma informação; isto é, um elemento novo que chega de repente
no sistema social [...] o acontecimento é justamente o que nos
permite compreender a natureza da estrutura e funcionamento
do sistema. (MORIN, 1969, p. 225)
Na época, o autor tratava da crise da sociologia dos anos 1960 e
apontava uma abordagem fenomenológica do fato como caminho
para vencer as dificuldades da disciplina, aceitando, pois, o caráter
perturbador e desorganizador do acontecimento. O que foi dito para
a sociologia pode também se referir, guardadas as devidas dimensões,
ao acontecimento noticioso. Entretanto, a abordagem do aconteci-
mento elaborada neste livro prevê um duplo processo configurativo e,
portanto, pressupõe uma complexificação em relação às perspectivas
de Alsina e Morin, por exemplo. No entanto, parte-se do princípio de
que o acontecimento já traz a forma da informação. “É este modo de
apreensão que nos guiará ao longo deste estudo, ao invés da represen-
tação, suposta, evidente, de um acontecimento que existiria inicial-
mente para si mesmo e ao qual, se aplicaria, num segundo momento,
a informação”. (MOUILLAUD, 2002a, p. 57)
Neste livro, adota-se esse aspecto fenomenológico do aconteci-
mento e a sua configuração no espaço-tempo, à luz da tríplice mímesis
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de Ricoeur. O percurso mimético possibilita a compreensão da notícia
como “uma representação social da realidade quotidiana, gerada insti-
tucionalmente e que se manifesta na construção do mundo possível”.
(ALSINA, 2009, p. 14) Nessa definição de notícia estão contemplados:
• o processo configurativo a partir da seleção de acontecimentos;
• a construção da notícia por meio do agenciamento que com-
porta diferentes organizações, cujas rotinas e práticas são le-
gitimadas socialmente para gerar a realidade social; e
• a notícia instaura um mundo possível que vai “dialogar”
com o mundo do leitor, pois a notícia é uma produção dis-
cursiva e prevê a elaboração de um texto.
Assim sendo, retoma-se a ideia de que a notícia é o acontecimento
configurado, é o resultado do processo evenemencial, portanto, con-
siste em uma enunciação. É nesse direcionamento que se entende a
configuração do acontecimento na relação entre AI e mídia jornalística.
Porém, para avançar mais nesse aspecto, faz-se necessário expor os ope-
radores enunciativos que caracterizam o acontecimento jornalístico ou
o discurso informativo.
OPERADORES DE ENUNCIAÇÃO DO ACONTECIMENTO
JORNALÍSTICO
“Promover uma imagem ou uma informação é destacar do real uma
superfície, um simulacro, que vem à frente com relação a um fundo
sem imagem”. (MOUILLAUD, 2002c, p. 37) A declaração de Mouillaud
põe em destaque a variação, o que irrompe, salta à superfície plana da
regularidade. É a comunicação dessa variação no âmbito social, impli-
cando os sujeitos, que constitui o acontecimento noticioso. Com base
nessa explicação, Alsina recorre à noção de sistema aberto de Morin
(1972b) e localiza três elementos que definem esse acontecimento: a
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variação do ecossistema, a comunicabilidade do fato e a implicação
dos sujeitos. (ALSINA, 2009, p. 140)
As rupturas com as normas do ecossistema determinam a midiati-
zação do acontecimento. Assim, com base na contextualização, o que
figura como acontecimento para o morador de uma pequena cidade
interiorana pode não o ser nas grandes metrópoles. Entender as varia-
ções, entretanto, solicita o reconhecimento de algumas características,
a saber:
• a variação ocorre dentro do tempo, tem início e fim (seu pro-
longamento pode retirá-la da condição de acontecimento);
• em consequência dessa primeira característica, salienta-se a
celeridade da variação (a importância e a amplitude da re-
percussão de um acontecimento vão determinar sua obso-
lescência ou validade);
• a variação precisa ter um caráter espetacular;
• uma condição, a priori, da variação é a imprevisibilidade
(mesmo nos acontecimentos previstos, como grandes even-
tos esportivos, seminários e festas populares do calendário,
há um grau de imprevisibilidade. Portanto, há diferentes
graus de imprevisibilidade). (ALSINA, 2009, p. 140-142;
MOLES, 1972, p. 90)
Além de apresentar uma variação em relação ao ecossistema, o
acontecimento jornalístico precisa ser comunicável, pois não basta fi-
car limitado às percepções individuais, deve atingir o conhecimento
público. Como já visto, a produção de sentido do acontecimento jor-
nalístico é tecida nas rotinas e práticas das instituições da informação.
Nessas instâncias, o acontecimento precisa ser comunicável, entregar-se
à tessitura da narrativa para ser transformado em notícia, demarcando
o tempo da atualidade. A comunicabilidade, entretanto, não depende
apenas da notabilidade do fato ou conteúdo lógico de uma narrativa,
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mas existe em função da atenção do leitor. A própria estruturação do
texto, na perspectiva da pirâmide invertida (GENRO FILHO, 1987),
consiste numa estratégia para tornar o acontecimento comunicável,
ou seja, não existe a comunicabilidade do fato se do outro lado não
houver a atenção do leitor. São duas faces de uma mesma moeda. Eis
a justificativa para as manchetes extravagantes e para o resumo do as-
sunto logo no lead. A comunicabilidade, portanto, é relacional e con-
juga, simultaneamente, notabilidade do fato e recursos para atingir os
mecanismos receptivo-cognitivos do público, ou seja, o “fazer saber” e
o “fazer seduzir”. “A notícia é mesmo uma forma incipiente de ‘econo-
mia da atenção’ que terminou caracterizando a mídia contemporânea”.
(SODRÉ, 2009, p. 25)
A midiatização é geradora do acontecimento-notícia (ALSINA,
2009) e este, por sua vez, é condição imprescindível à existência da in-
dústria da informação. Essa relação circular e reiterativa conduz a uma
situação que não permite a ausência de acontecimentos para serem
transformados em notícias. Mesmo em regimes de censura, quando a
mídia é obrigada a banir determinados assuntos da esfera da publici-
zação, outros serão publicados, terão visibilidade e gozarão do conhe-
cimento público.
Atinente à comunicabilidade, merece ser lembrado também o quão
são redundantes os acontecimentos jornalísticos, que se repetem por
vários veículos, numa espécie de eco ou reverberação. Mas essa trans-
missão conjunta também contribui para o caráter de transcendência
do acontecimento: “quando um acontecimento é, ao mesmo tempo,
transmitido como notícia por um grande conjunto de meios de comu-
nicação, podemos valorizar claramente sua transcendência social”.
(ALSINA, 2009, p. 146) No mais, a própria midiatização do aconteci-
mento pode oferecer-lhe um grau de espetacularidade que não está
no fato em si, mas no impacto da sua difusão massiva e redundante.
(ALSINA, 2009; KATZ, 1993)
Todo ato de comunicação busca atingir o interlocutor. Mas como
esse sujeito se implica no discurso? O consumidor, numa abordagem
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subjetiva, de preferências e interesses, pode se implicar mais em algu-
mas notícias do que em outras – o que ocorre, por exemplo, quando a
notícia trata de assuntos que afetam diretamente o seu cotidiano. Nesse
nível individual, a implicação varia desde a ausência até um compro-
metimento direto e pessoal. A teoria da agenda setting, ou construção
do temário (MCCOMBS, 2008, 2009; MCCOMBS; SHAW, 1972), prevê
que o público estabelece uma agenda de assuntos, cuja importância
pode estar atrelada à proximidade, espetacularidade, imprevisibilidade,
interesse público etc. Esse temário é construído, em grande parte, com
base nos assuntos veiculados pela mídia.
A evidência da importância do papel da mídia na formação dos te-
mários intrapessoal (o que indivíduo considera importante indepen-
dentemente do contexto), interpessoal (temas presentes nos diálogos
do indivíduo) e comunitário (o contexto da opinião pública) não deve
colocar na sombra a dupla discussão que versa sobre a constituição do
temário e o envolvimento da mídia na construção do acontecimento.
Em princípio, leva-se em conta que a mídia seleciona os acontecimen-
tos que podem compor os múltiplos temários dos sujeitos.
A evolução das pesquisas, nessa perspectiva, aponta também para
questionamentos acerca de como se constrói a agenda da mídia. Esta
hipótese alinha-se a tais investigações ao considerar a relação entre as
AI e o jornalismo na estruturação do acontecimento. Antes de chegar
à instância midiática, o acontecimento já pode ter passado por um
processo de elaboração, no qual foram contemplados, por exemplo,
os elementos de variação, comunicabilidade e implicação dos sujei-
tos. Por ora, ficam as provocações e segue-se com as especificidades do
acontecimento na mídia.
Para Charaudeau (2003, 2012a, 2013), a seleção do acontecimento
a ser midiatizado ocorrerá em função do seu potencial de atualidade,
sociabilidade e imprevisibilidade. O operador da enunciação de im-
previsibilidade marca consonância com variação do ecossistema; já
a sociabilidade contém traços tanto da comunicabilidade quanto da
implicação do sujeito, listados por Alsina (2009); e o acontecimento
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ajuda a erguer a chamada atualidade, porque é midiatizado. De for-
ma geral, o que Charaudeau chama de operadores de enunciação e
Alsina, de elementos do acontecimento jornalístico, são categoriza-
ções que se complementam e são interdependentes, a existência de
um é justificada pelo outro e atuam como em um jogo de xadrez, no
qual cada peça tem seu valor e movimentá-la é, de certa forma, me-
xer com todas as outras.
A atualidade na configuração do acontecimento
jornalístico
Ao pensar na construção da atualidade, observa-se que a mídia
cria estratégias próprias para configurar o imediatismo e a contempo-
raneidade. A transmissão ao vivo, por exemplo, indica presença “no
acontecimento” e garante a cobertura em tempo real, com delay míni-
mo ou imperceptível, a depender das tecnologias usadas. A liquidez
espaçotemporal instaurada pela ideia de atualidade, do aqui-agora, é
endossada no ato de transmissão a cada tentativa de minimizar ou di-
zimar a distância entre o momento de aparição do acontecimento e o
momento da informação. A inerência entre o discurso do jornalismo e
a noção de atualidade, entretanto, elucida questões que emergem em
momentos anteriores à cobertura do acontecimento em si, complexi-
ficando, então, a reflexão.
A informação midiática é a atualização de um estado de coisas, é a
presentificação, arranca o acontecimento de suas raízes e faz dele uma
superfície rasa, conferindo “ao tempo uma nova dimensão, um corte
transversal que é a sincronia”. (MOUILLAUD, 2002a, p. 71) Reunidas e
dispostas, seja no jornal impresso, seja nas mídias digitais, programas
de TV ou rádio, as informações estão ligadas umas às outras por uma
camada fina e translúcida do tempo – a atualidade.
Consagrada no reino do efêmero, a informação é atual porque
está grávida de sua própria morte. O saber que carrega a sentencia ao
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fim e à inutilidade no dia seguinte ou, até mesmo, em poucas horas.3
“A Atualidade está submetida a um desprendimento perpétuo contra o
qual só pode lutar produzindo uma nova diferença. Condenada a des-
truir-se, nutre-se de si mesma, reproduzindo-se”. (MOUILLAUD, 2002a,
p. 72) O jornal, por exemplo, nasce e morre diariamente; a cada nas-
cer do sol recomeça uma empreitada, cujo fim acontece nas primeiras
sombras da noite, mas é esse movimento entrecortado e circular que
o justifica. Ao jornal é dada a possibilidade de construir coleção. Ele
contribui com a História quando os fragmentos ou peças dessa coleção
são reunidos, sob a perspectiva de um contínuo.
Em outras palavras, a informação jornalística é regida pela lei do
presente: um tempo diferente dos “demais; [porque] ele não se encadeia
com outros tempos, sucede-se a si mesmo sob a forma de um outro pre-
sente”. (MOUILLAUD, 2002a, p. 72, grifo nosso) Para Antunes (2007a,
p. 32), a narrativa jornalística “faz atualidade articulando as dimensões
de passado, presente e futuro, condensando um triplo presente”. Mas
essa experiência singular com a dimensão do tempo só surge, na his-
tória da humanidade, com a Modernidade. Os meios de transporte,
as técnicas de medição do espaço físico – cartográficas e topográficas,
entre outras – e o advento do telégrafo e, posteriormente, da imprensa
gráfica corroboraram para a mutação da nossa relação com a espessura
espaçotemporal. No mais, o uso do relógio, que imprime uma sequen-
cialidade circular à temporalidade, também leva à cena das vivências
cotidianas a experiência do “atual”, provocando um curto-circuito en-
tre o passado e o presente. (SODRÉ, 2009, p. 60)
Na sociedade ocidental, monoteísta e histórica, um grande aconte-
cimento fundava uma “nova era” e dava unidade ao mundo. Na Grécia,
a historiografia e a techné narrativa traziam o passado para o presente
através das histórias que relatavam os grandes feitos heroicos, a fim
3 Não se desconsidera, aqui, que os acontecimentos têm durações variáveis, a depender dos
quadros problemáticos que suscitam no tecido social. Entretanto, pelo caráter mais abran-
gente do estudo, são priorizadas as chamadas notícias factuais. Sobre acontecimentos de
longa duração, ver Antunes (2007a), Quéré (2005), Rassi (2012) e Zanin (2011).
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de servirem como exemplos para uma atuação no presente, ou seja,
uma tradição a ser mantida. O Iluminismo, por sua vez, levanta a hi-
pótese de um futuro diferente, rompendo com o mundo da tradição e
das ordens cristalizadas. (SODRÉ, 2009) Eis o atalho para se chegar à
concepção do atual, “esse aspecto do real que se nos apresenta como
se impondo à nossa experiência sensível, ou ao nosso pensamento do
mundo, como existência singular hic et nunc”. (GRANGER, 1995, p. 75
apud SODRÉ, 2009, p. 60)
A atualidade instaura, portanto, a dimensão temporal do aqui-agora,
é a passagem para o novo, uma renovação continuada, que pereniza a
ruptura com o passado. (HABERMAS, 2005, p. 9) No jornalismo, o po-
tencial de atualidade ganha os contornos da novidade. Assim, quanto
mais pujante for a novidade inscrita no acontecimento, maior a possi-
bilidade de este constituir-se como notícia.
Essa ideia do novo deve ser comungada pelo jornalista da redação,
pelo leitor e também pelo assessor de imprensa – este último, muitas
vezes, participa da configuração do acontecimento num primeiro mo-
mento. A atualidade, então, é feita nessa congruência de acontecimen-
tos, que são contemporâneos do assessor e do jornalista, que enunciam;
das mídias jornalísticas e das “mídias das fontes” (SANT’ANNA, 2008a),
que publicam; e do leitor, que lê. Os presentes, então partilhados, se
conjugam em apenas um. “É no presente que a Atualidade encontra seus
meios, é dele que se mantém, nele que se fundamenta”. (MOUILLAUD,
2002a, p. 72) Não se pode perder de vista, porém, que o “atual” é atual
para alguém em um dado momento. Assim como a informação, a atua-
lidade tem endereçamento, prevê um destinatário.
Por não ser um “território habitável”, a atualidade não é o campo
de uma práxis, porque as ações (individuais e coletivas) não consti-
tuem, a priori, acontecimentos. “O acontecimento vem de alhures (no
espaço e no tempo): tão logo seja territorializado, deixa de tornar-se
acontecimento”. (MOUILLAUD, 2002a, p. 72) Encontra-se, aqui, um
gancho para se estender as reflexões sobre a singularização do acon-
tecimento jornalístico. Nesse campo da informação, o singular tem
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lugar cativo, mas precisa vestir-se de atualidade, ou seja, a singulari-
dade do acontecimento é pautada pelo seu potencial de atualidade.
“A matéria-prima jornalística dessa singularização é o fato bruto ou
a ocorrência (ponto de partida do acontecimento), sensorialmente
perceptível e real, totalidade do que é dado à intuição empírica”.
(SODRÉ, 2009, p. 62)
O potencial de atualidade é, pois, condição sine qua non para o dis-
curso jornalístico. No jornalismo, a notabilidade de um fato, o que se
destaca diante da superfície lisa da História, o que irrompe, é imprevi-
sível e improvável, o que fere o continuum para sagrar-se visível, deve
ter as vestes da novidade. O jornalismo e outras instituições da infor-
mação – agências de notícias e AI – emergem, na contemporaneidade,
como construtores da atualidade.
Ao integrar as tramas sociais que tecem a atualidade, a mediação
jornalística solicita determinada dimensão de experiência do presente,
sobre a qual finca colunas para sustentar a construção social da realidade
e conformar o cotidiano. Dessa forma, o discurso jornalístico promove
a articulação e a interdependência entre atualidade, vida cotidiana e
construção social do real.
Deve-se lembrar que o discurso jornalístico produz sentido para o
leitor porque a ideia de atualidade e a lógica do efêmero estão presen-
tes no seu dia a dia em outras dimensões, seja na lida com o constan-
te avanço tecnológico, que tonifica a cultura do descartável, seja nas
possibilidades de ressignificar as experiências espaçotemporais através
das mídias e dos meios de transporte, seja no ritmo de vida acelerado
das grandes metrópoles, entre outros. Por isso, é plausível ousar dizer
que o potencial de atualidade do acontecimento provoca o reconheci-
mento do leitor e a sua empatia, pois marca consonância com outras
experiências da sua vida, gerando, pois, os primeiros traços do poten-
cial de “sociabilidade”.
O potencial de sociabilidade ancora-se no reconhecimento do des-
tinatário. O leitor vai acessar o seu repertório, lançar mão dos scripts
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sociais que lhe permitam adentrar no “mundo possível” instaurado
pelo acontecimento. Afinal de contas, assim, ocorre o efeito de preg-
nância, preconizado na mímesis III. Uma das estratégias da mídia para
potencializar o operador de sociabilidade é setorizar as informações
nos veículos jornalísticos, alocando-as sob rubricas como economia,
política, esporte, cultura, segurança etc. Destaca-se que o prazer do
reconhecimento desencadeia o processo interpretativo e faz com que
o sujeito social se implique no discurso jornalístico ao agendar os as-
suntos que vão ser pauta nas suas respectivas redes sociais. Nesse mo-
mento, são apontados os elos que ligam o operador de enunciação
sociabilidade (CHARAUDEAU, 2012a, 2013) ao elemento implicação
do sujeito, característico do discurso jornalístico. (ALSINA, 2009) Já a
comunicabilidade é justificada por todos os operadores de enunciação
ou elementos do acontecimento.
A imprevisibilidade (ou variação do ecossistema), por seu turno,
ancora as finalidades de informar e captar o leitor, que justificam o
contrato de comunicação do discurso informativo.4 Ao ser midiatizado,
o imprevisível produz no interlocutor um novo saber, ao mesmo
tempo em que o seduz para a informação. Dessa maneira, a imprevi-
sibilidade atende ao efeito de saliência do acontecimento, pois este
vai ser midiatizado pelo seu caráter insólito, perturbador, que impõe
a desordem e fere a normatividade. Por conta da imprevisibilidade,
também o acontecimento midiático será reinterpretado, em virtude
do potencial de pregnância do receptor. É pela pregnância que o
leitor reorganiza seus referenciais, a fim de acomodar o desvio para
lidar com ele.
4 Para Charaudeau (2012a, 2012b), a imprevisibilidade corresponde à finalidade de captação
do discurso. Aqui, essa restrição é tensionada, porque comunicar o imprevisível é fazer
saber, ao mesmo tempo em que seduz o leitor. Portanto, considera-se que o potencial de
imprevisibilidade do acontecimento cumpre os dois papéis: informa e seduz.
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PARADA NA ESTAÇÃO: PROPOSIÇÕES AO
PROCESSO ANALÍTICO
Revendo o percurso de forma concisa, tem-se que o processo de con-
figuração do acontecimento midiático constitui o propósito5 do con-
trato de comunicação. O acontecimento jornalístico será construído
a partir dos potenciais de previsibilidade – variação do ecossistema –,
atualidade e sociabilidade, e não pode prescindir da comunicabilidade
e da implicação do sujeito receptor. A midiatização dos fatos sócio-his-
tóricos e culturais, por si só, já lhes outorga sentido. Afinal de contas,
os acontecimentos irrompem na superfície da mídia, mas põem em
ressonância os sentidos que nela são inscritos. (MOUILLAUD, 2002a,
2002c) Em outras palavras, as notícias, ou acontecimentos configura-
dos, carregam, além de seus potenciais e categorias próprios, as marcas
das restrições das condições de produção.
O processo de transformação implica difícil equação entre o acon-
tecimento a configurar e o configurado.6 O trabalho dos jornalistas – e,
aqui, os assessores também são incluídos como integrantes do agencia-
mento – é enquadrar um aspecto do real, eleger pontos de vista, esco-
lher trechos das declarações das fontes, editar dados. O acontecimento,
portanto, constitui uma narrativa, perspectiva já defendida, em 1690,
por Tobias Peucer na tese doutoral De relationibus novellis, apresentada
na Universidade de Leipzig.7 Desde então, já se apresenta um argumento
de sustentação da passagem do acontecimento da ordem do “cru” à
5 Segundo Charaudeau (2012b), o processo evenemencial se inscreve no propósito. Neste
livro, equaciona-se que ele constitui o propósito do contrato comunicativo, uma vez que a
narrativa jornalística só se conclui no reconhecimento. A configuração, portanto, não é uma
etapa do processo, mas atravessa a sua totalidade.
6 Enquanto ruptura e desequilíbrio, o acontecimento não perde o vínculo com o que deveria
ter sido, pois seu reconhecimento depende dessa reminiscência. Em analogia aos tempos
gramaticais, o acontecimento é da ordem do pretérito perfeito, mas é necessário o pretérito
imperfeito para que ele seja reconhecido e interpretado.
7 Ver Peucer (2004).
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ordem do “cuit”. Assim, pensar a produção da notícia é transitar por
esses dois polos, englobando aí os processos de escolha e elaboração.
Nesse sentido, ao refletir sobre a produção do acontecimento na
relação entre AI e redação jornalística, surgem algumas questões. Que
valores e critérios regem a seleção e a construção? Que estratégias dis-
cursivas são acionadas ou silenciadas quando a informação jornalística
é configurada numa perspectiva intercontratual (ou entre contratos
diferentes)? Essas são as indagações balizadoras do próximo momento
deste percurso, no qual se fez necessário convocar as teorias do jorna-
lismo, a fim de envolver os aspectos atinentes ao newsmaking e à busca
do agendamento da mídia pela AI.
***
Este capítulo – que, por ora, está finalizando – e os seguintes bus-
cam responder a perguntas que se manifestaram no segundo momento
do roteiro, quando se tratou da configuração do discurso informativo
estratégico e do discurso informativo jornalístico. Naquela etapa, já
estavam dadas as indicações de que estudar a zona de interseção en-
tre esses discursos requisita a compreensão dos operadores de enun-
ciação do acontecimento jornalístico, os quais são seguidos também
pela assessoria de imprensa. Todavia, para avançar na pesquisa sobre
as especificidades desse acontecimento, construído na relação entre AI
e jornalismo, é preciso abranger a discussão acerca dos processos de
seleção e construção da notícia (newsmaking) e de como estes influem
no agendamento.
Retomando a trajetória até aqui, sustenta-se que os contratos entre
AI e redação jornalística, por um lado, e redação jornalística (suporte)
e leitor, por outro, existem para a configuração do acontecimento. As
zonas de interseção entre os contratos é que dão margem à negocia-
ção, necessária à construção discursiva. Apontar a relação contratual
foi condição indispensável para buscar compreender o processo evene-
mencial e, consequentemente, abranger as especificidades do aconte-
cimento jornalístico. Esta pesquisa, entretanto, aborda a configuração
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pelo prisma da relação entre AI e redação jornalística e, assim, vislum-
bra o confronto entre o acontecimento configurado pela AI (discurso
informativo estratégico) e o acontecimento configurado pelo jornalismo
(discurso informativo jornalístico). A zona de interseção entre esses
discursos permite avaliar os critérios de noticiabilidade que foram
partilhados e comungados pelas instâncias de produção e como eles
ecoaram e tornaram possível o agendamento. Está expressa, portanto, a
necessidade de se pensar na configuração do acontecimento na relação
entre AI e jornalismo pelos vieses do newsmaking e do agendamento.
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RUMO AO PONTO
DE CHEGADA
A CONFIGURAÇÃO DO
ACONTECIMENTO NA RELAÇÃO
ENTRE JORNALISMO E
COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA
O gesto de pôr adiante é inseparável de um olhar
que vem a seu encontro. Entre a superfície e o
olhar produz-se uma atração mútua: atração não
apenas do olhar pela superfície, mas da superfície
pelo olhar. (MOUILLAUD, 2002, p. 37-38)
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COORDENADAS AO QUARTO MOMENTO
DO PERCURSO
O acontecimento configurado como informação jornalística e, conse-
quentemente, midiatizado não revela os caminhos percorridos para sua
seleção e elaboração enquanto discurso midiático. A notícia é a parte
visível e emergente de um processo de construção que muitas vezes en-
volve, além da redação jornalística, a atuação de outros agentes, como
a assessoria de imprensa.1 Faz parte do jogo de representação social do
jornalismo a manutenção da imagem de transmissor da informação
que, para tanto, tende a escamotear as restrições de produção impostas
pelas rotinas, práticas e estrutura das redações e das negociações com
outros campos sociais.
1 Como já foi sinalizado, fez-se a opção pelo uso do termo “assessoria de imprensa”, em virtude
do seu potencial de economia da atenção, uma vez que direciona o leitor à compreensão de
que se trata de um trabalho de assessoria de comunicação com foco no relacionamento com
a imprensa. Todavia, registra-se que os processos contemporâneos de produção, circulação
e reconhecimento dos discursos informativos solicitam uma reflexão e possível revisão da
terminologia.
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Neste trecho do itinerário, propõe-se abrir a “caixa preta da mídia”2
e olhá-la sob um determinado ângulo: a relação com as AI na seleção
e transformação do acontecimento. Essa relação, por sua vez, envolve
várias nuanças, geradas nos diferentes tipos de contatos que podem
ser estabelecidos entre os agentes. Nosso interesse, entretanto, é com-
preender a construção discursiva da notícia, quando a redação lida
com o acontecimento narrado pela assessoria, desenvolvendo, pois, sua
própria narrativa nos limites entre o confronto e/ou adesão ao discurso
informativo estratégico.
Contra a abordagem mecanicista de que o jornalismo transmite o
real de forma referencial, investe-se na ideia de que este atua na cons-
trução social da realidade e, para tanto, muitas vezes age em negocia-
ção com os departamentos de comunicação das fontes. Dessa maneira,
a concepção do acontecimento noticioso traz as marcas dos enuncia-
dores, no que diz respeito às suas intenções e modos de dizer e fazer.
Além disso, os contratos de comunicação também serão preponderan-
tes na determinação das características do discurso. Mouillaud trata
dessa relação entre enunciador e enunciação, afirmando que promo-
ver a informação é destacar do real uma superfície, que vem à frente
com relação a um fundo sem imagem e, assim, o “gesto de pôr adiante
é inseparável do olhar que vem ao seu encontro. Entre a superfície e o
olhar produz-se uma atração mútua – do olhar para a superfície e des-
ta para o olhar”. (MOUILLAUD, 2002c, p. 37-38) Em outros termos, os
enunciadores deixam suas marcas na enunciação, localizadas através
das pistas discursivas, que funcionam como pegadas na areia.
No intervalo entre acontecimento a configurar e acontecimento
configurado (informação jornalística), assessores e jornalistas retomam
2 Metáfora usada por Maurice Mouillaud (2002a) para referendar o quanto o processo de
construção da notícia pela mídia torna obscuros os elementos constituintes da transforma-
ção do acontecimento em informação jornalística. Escamotear os critérios, valores, práticas
e rotinas que conformam o processo é uma estratégia de manutenção do autodiscurso da
mídia como transmissora da informação. Assim, ficam veladas as restrições nas condições
de produção.
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e renovam suas práticas, negociam com os valores e critérios do jor-
nalismo, atuam com as balizas das condições dadas pelos contratos de
comunicação em jogo e também justificam suas respectivas deontolo-
gias. Por assim dizer, ao configurarem a informação, os enunciadores
também se (con)figuram nos seus respectivos campos, no sentido de
reafirmar socialmente suas práticas e funções, posições e disposições.
(BOURDIEU, 1996b, 2010)
A complexidade desse processo, visualizada em seus diferentes ân-
gulos e camadas, deve-se ao fato de que o acontecimento, embora seja,
a priori, externo ao homem, tem um caráter sócio-histórico e cultural e,
portanto, o sentido lhe é outorgado à medida que é absorvido e trans-
formado pelas instâncias produtivas. A mídia, enquanto instância de
produção, é definida por Alsina (2009) como sistema; já Charaudeau
(2012a) prefere denominá-la de maquinaria, mas ambos reconhecem
que o acontecimento é regulado e modulado por ela, mas numa dinâ-
mica de negociação com o contexto ou entorno. E “dessa negociação,
fica estabelecida uma racionalidade, uma lógica, que de fato será o
próprio sistema informativo, e que é originária da necessidade produ-
tiva do sistema e do surgimento de determinados acontecimentos”.
(ALSINA, 2009, p. 152)
Aqui, entretanto, chama-se à cena uma outra instância de produção
da informação, a AI, e há indagações sobre os critérios e aspectos que
tanto esta quanto o jornalismo levam em conta na seleção do aconteci-
mento. Neste estudo, já se frisou que o discurso informativo, advindo
da assessoria, precisa atender aos critérios e valores do jornalismo, mas
não pode negligenciar sua finalidade estratégica de cuidar da imagem
e reputação da organização-fonte. O veículo jornalístico, por sua vez,
deve manter o elo com o leitor pelo contrato de leitura, o qual se asse-
gura também nas representações sociais do jornalismo. Enfim, o inte-
resse recai sobre o aspecto negocial da configuração do acontecimento,
nessa relação entre AI e jornalismo.
***
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Desde os primeiros momentos desta rota, foi sinalizada a necessi-
dade de entender os critérios e valores comuns ao jornalismo e à AI, na
relação contratual para seleção e construção do acontecimento.
Quando se tem o encontro dessas duas instâncias produtivas, a
concepção negociada da informação ocorre, mediante a zona de inter-
seção entre o discurso estratégico e o discurso jornalístico e, portanto,
analisando esse espaço intersectivo, localizam-se os critérios e valores
partilhados e comungados. Neste momento do trajeto, a proposta é,
pelo viés do newsmaking, estudar os critérios de noticiabilidade acio-
nados pela assessoria e pelo jornalismo.
Conforme salientado ao longo desta caminhada, a relação contra-
tual AI-redação jornalística visa ao agendamento da mídia e também à
agenda pública; já o contrato entre redação jornalística (suporte)-leitor
visa à agenda pública, mas pauta os campos e instituições sociais. Dessa
forma, abordar a construção do discurso informativo, nessa relação
intercontratual, é ter, concomitantemente, como horizonte e pano de
fundo, os processos de agendamento. A pesquisa, então, desemboca
nas problemáticas da agenda setting. O último capítulo do livro evi-
dencia a construção de sentidos na articulação entre as instâncias de
produção e reconhecimento.
Em suma, neste momento final do percurso, há dois capítulos vol-
tados a entender a seleção e construção do discurso informativo – um,
pelo viés do newsmaking, e outro, pelo da agenda setting, respectiva-
mente. Recorre-se, pois, às teorias do jornalismo, a fim de sustentar
as proposições de que, ao analisar o discurso informativo da AI e o
discurso informativo do suporte jornalístico, tem-se pistas dos crité-
rios de noticiabilidade compartilhados pelas duas instâncias de pro-
dução e como eles servem aos processos de agendamento. Destaca-se,
ainda, que o agendamento consiste num componente intrínseco dos
contratos.
***
250 CLAUDIANE CARVALHO
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A partir de agora, quando for usado o termo “notícia”, leia-se “aconte-
cimento configurado”, o resultado do processo evenemencial. (ALSINA,
2009; CHARAUDEAU, 1997, 2003, 2012a, 2013; MOUILLAUD, 2002a,
2002c; QUÉRÉ, 2005, 2013; SODRÉ, 2009) Já foi explicado que a noção
de acontecimento amplifica as categorizações do discurso informativo
na mídia jornalística, as quais são acolhidas, estrategicamente, pelas
AI. Aliás, acentua-se, mais uma vez, que o acontecimento existe dentro
do discurso, e a tessitura da intriga jornalística é a melhor resposta da
mídia à questão do tempo.
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NA PERSPECTIVA DO NEWSMAKING
SELEÇÃO E CONSTRUÇÃO DO ACONTECIMENTO
NA RELAÇÃO ENTRE JORNALISMO E
COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA
A perspectiva de configuração do discurso informativo midiatizado,
em foco neste livro, põe em evidência que o acontecimento sofre uma
primeira configuração, ou seja, tem sua primeira narrativa na comu-
nicação estratégica, mediante ações da AI, cujo texto é direcionado
para os veículos jornalísticos na intenção de servirem como sugestão
de pauta. No início, o contato entre as instâncias de produção citadas
– AI e redação jornalística – é balizado e regulado pela determinação
de qual acontecimento pode virar notícia.
Inserida no decurso de agenciamento do acontecimento e alocada
na fase de promoção da notícia, embora possa influenciar todo o pro-
cesso (MOLOTCH; LESTER, 1993), a assessoria de imprensa legitima
sua presença, participando do jogo definido pela mídia. Em outras pa-
lavras, segue as regras de seleção vigentes no jornalismo e atende ainda
às demandas de estrutura e organização do discurso, concernentes à
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passagem do fato social à informação. Ou seja, para interferir no jogo,
em que o sistema midiático é regulador, a AI precisa conhecer as joga-
das.1 Entretanto, a submissão a essas regulações é negociada, uma vez
que a AI faz parte da assessoria de comunicação e integra o composto
de ações e produtos da comunicação organizacional. (KUNSCH, 2003;
YANAZE; FREIRE; SENISE, 2010)
Numa visão panorâmica, é possível apreender que a dinâmica ou
ciclo de produção do discurso jornalístico midiático gera graus de de-
terminação de quais serão os acontecimentos alçados ao estatuto de
notícia: “esses acontecimentos terão determinadas características que
serão consideradas tanto pelos produtores quanto pelos consumido-
res da notícia”. (ALSINA, 2009, p. 161) E, mesmo que a assessoria não
esteja conectada, em plenitude, a tais regras, não lhe é possível negar o
“limiar do noticiável” e a imbricação entre fatores estruturais e a roti-
na produtiva do jornalismo na conformação do que são os valores-no-
tícia. (WOLF, 2003) A assessoria integra, pois, a produção da notícia,
cujos estudos e pesquisas ficam sob a rubrica do newsmaking,2 que
1 Essa observação não contempla os veículos jornalísticos que pertencem a grandes conglo-
merados empresariais, a empresas de entretenimento ou outros. Nesses casos, os interesses
comerciais tendem a suplantar a verificação dos critérios de noticiabilidade. Embora haja uma
tendência de crescimento desse tipo de estrutura organizacional, isso ainda não constitui o
que há de mais expressivo nas relações entre AI e redação jornalística, se for considerado que
esse serviço de mediação é usado por diferentes organizações públicas, privadas, de terceiro
setor, além de atletas, artistas etc. Kovach e Rosenstiel (2003) indicam a vulnerabilidade do
jornalismo diante desse cenário, entretanto o interesse desta publicação está nas negociações
entre AI e redação, balizadas também pelos critérios de noticiabilidade.
2 Anterior à abordagem do newsmaking, o gatekeeper privilegia o polo emissor no estudo
da produção da notícia. Elaborada por David Manning White na década de 1950, essa
perspectiva tem como foco a ação pessoal e, de certa forma, arbitrária do jornalista; e pos-
tula que, nas redações, existem “portões” por onde adentram ou não as notícias que serão
publicadas. Na análise de Nelson Traquina (2005a, p. 151): “É uma teoria que privilegia
apenas uma abordagem micro-sociológica, ao nível do indivíduo, ignorando por completo
quaisquer fatores macro-sociológicos, ou mesmo, micro-sociológicos como a organização
jornalística [...]. A teoria do gatekeeper avança igualmente uma concepção bem limitada do
trabalho jornalístico, sendo uma teoria que se baseia no conceito de ‘seleção’, minimizando
outras dimensões importantes do processo de produção das notícias, uma visão limitada
do processo de produção das notícias”.
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consiste na “especial ênfase à produção de informações, ou melhor, a
potencial transformação dos acontecimentos cotidianos em notícia”.3
(HOHLFELDT, 2001, p. 201)
Assim sendo, o conceito de newsmaking marca a superação da hi-
pótese, embutida no modelo funcionalista, de que a mídia representa
ou “transmite” aspectos da realidade, reconhecendo que ela é também
capaz de constituir uma realidade própria, e indica também uma po-
sição frente à questão de que acontecimentos podem virar notícia.
Afinal de contas, ao suplantar abordagens teóricas, como a do espelho,
assimila-se que o acontecimento não é “um mero artefato midiático,
independente da dinâmica social, e sim que a mídia também produz
efeitos de real” (SODRÉ, 2009, p. 25, grifo do autor) e, para tanto, pode
agir em parceria com outras instâncias sociais, como as AI. O modelo
construtivista do newsmaking ou noticiabilidade (newsworthiness)
(CHAPARRO, 1994; FRANCISCATO, 2014; GANS, 1980; MOTTA, 2012;
MOURA, 2002; SILVA, G., 2014; SODRÉ, 2009; TRAQUINA, 2000, 2005a,
2005b; TUCHMAN, 1993b; WOLF, 2003) pode ser aplicado, guardadas
as devidas proporções, às AI, uma vez que elas apresentam o discurso
informativo não como um reflexo, mas como construção social de uma
realidade específica. (MONTEIRO, 2003)
Partindo do pressuposto de que o assessor de imprensa integra o
processo de configuração do acontecimento, o esforço é para mostrar
em que medida esse profissional se apropria de um universo, a priori, do
jornalismo. Para Sodré (2009), por exemplo, a transformação do acon-
tecimento em notícia envolve a articulação entre a cultura profissional
dos jornalistas e a organização geral do trabalho e dos processos produ-
tivos, numa rotina industrial atravessada por uma polifonia discursiva
e identificada pela relativa autonomia de seus agentes:
3 Ao longo do tempo, o newsmaking é ora tratado como teoria, ora como abordagem. Aqui,
não se adentra nessa seara, e a definição do pesquisador Hohlfeldt (2001) é elucidativa.
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Em todo esse processo, o jornalista é apenas parcialmente au-
tônomo, já que tem de obedecer às regras de um planejamento
produtivo, assim como a uma concepção coletiva de aconteci-
mento, que em parte o ultrapassa, fazendo com que a seleção
das ocorrências informe tanto sobre o campo profissional do
jornalismo quanto sobre o meio social a que se refere a notícia.
(SODRÉ, 2009, p. 25-26)
Essa autonomia parcial não é uma peculiaridade do jornalista nesse
processo produtivo, mas também do assessor, cuja participação na
configuração do acontecimento atende à demanda de orquestrar os
critérios de noticiabilidade, inscritos na prática jornalística, com os in-
teresses da fonte. (MONTEIRO, 2003) Nesse sentido, Monteiro define,
como ponto de partida para o estudo das especificidades da chamada
“notícia institucional” (discurso informativo estratégico), o entendi-
mento, já expresso neste trabalho, de que a realidade cotidiana é uma
realidade construída socialmente e ordenada pela ideia do presente.
Dessa forma, a “notícia institucional”, ou seja, o texto que sai da asses-
soria com destino à redação, não é forjada como “espelho da realidade”,
não bastando aos assessores de imprensa relatar os “fatos que estão lá”.
Pelo contrário, essa notícia consiste em um processo de interação social,
marcado por negociações que lhe concernem um papel sociopolítico
nas sociedades contemporâneas. (MONTEIRO, 2003, p. 142)
ASPECTOS DA NOTICIABILIDADE:
CONVERGÊNCIAS E TENSÕES
Os assessores de imprensa aderem, em certa medida, ao universo dis-
cursivo do jornalismo, a fim de conquistar um espaço de legitimidade
para negociação das pautas junto às redações dos suportes. Nesse âm-
bito, as noções de noticiabilidade, valores-notícia e critérios de noti-
ciabilidade deixam de ser uma exclusividade da prática jornalística
para figurar também na comunicação organizacional. Assim, faz-se
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relevante entender tais noções e sua importância para a construção
contratual do discurso informativo na relação entre comunicação es-
tratégica e jornalismo. Em outros termos, estudar os aspectos da noti-
ciabilidade é explanar sobre o processo evenemencial na situação de
comunicação citada.
Antes de continuar esta discussão, serão traçadas as delimitações
entre os conceitos de noticiabilidade, valores-notícia e seleção de no-
tícias – noções que, embora basilares para os estudos nas teorias do
jornalismo, têm usos diversos, acarretando uma complicada sistemati-
zação. De antemão, situa-se a seleção de notícias e valores-notícia como
pertencentes ao universo da noticiabilidade, definida por Gislene Silva
(2014, p. 52) como:
[...] todo e qualquer fator potencialmente capaz de agir no pro-
cesso de produção da notícia, desde características do fato, julga-
mentos pessoais do jornalista, cultura profissional da categoria,
condições favorecedoras ou limitantes da empresa de mídia,
qualidade do material (imagem e texto), relação com as fontes
e com o público, fatores éticos e ainda circunstâncias históricas,
políticas, econômicas e sociais.
A partir dessa abordagem, a autora estabelece três dimensões dife-
renciadas para os critérios de noticiabilidade: na origem dos fatos, no
tratamento dos fatos e na visão dos fatos. Os critérios de noticiabilidade
na origem dos fatos referem-se à seleção primária, os chamados valores-
-notícia, atributos e características próprios dos acontecimentos, iden-
tificados tanto pelos assessores de imprensa quanto pelos diferentes
profissionais nas redações jornalísticas; os concernentes ao seu trata-
mento envolvem a seleção hierárquica dos acontecimentos e conside-
ram, para além dos valores-notícia, aspectos intrínsecos à organização e
extraorganização. Atinentes à organização, podem-se citar a qualidade
do material jornalístico apurado – texto, imagem, áudio etc. –, formato
do produto midiático, deadline, infraestrutura, tecnologias disponíveis,
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entre outros. Os aspectos extraorganizacionais no tratamento dos fatos
abarcam, entre outros fatores, a relação entre a redação jornalística e a
AI, de um lado, e a redação e o leitor, de outro.
Por fim, os critérios de noticiabilidade na visão dos fatos versam so-
bre os fundamentos éticos, filosóficos e epistemológicos do jornalismo,
abrangendo os conceitos de credibilidade, objetividade, interesse público,
imparcialidade, que orientam as ações das dimensões anteriores. (SILVA,
G., 2014, p. 52-53) Na produção da notícia, não há separação entre as di-
mensões citadas, que funcionam de maneira interligada e simultânea.
Os critérios de noticiabilidade, portanto, unem a seleção à construção
do acontecimento, atravessando e constituindo todo o processo.
É a conjunção de diferentes elementos na produção da notícia que
leva Wolf (2003) a conceber a noticiabilidade como ponto de conver-
gência entre a organização do trabalho (rotinas e práticas), a cultura
profissional e os valores embutidos. Essa abordagem mais agregadora
complexifica uma compreensão anterior do autor, na qual a noticiabi-
lidade é “constituída pelo complexo de requisitos que se exigem para
os eventos – do ponto de vista da estrutura do trabalho nos aparatos
informativos e do ponto de vista do profissionalismo dos jornalistas –,
para adquirir a existência pública de notícia”. (WOLF, 2003, p. 195)
Segundo o autor, a noticiabilidade se refere a estratégias constantes
de negociações, presentes em todo o processo produtivo, impelindo
os profissionais a tensionar graus de importância e rigidez dos fatores
implicados na produção noticiosa.
A perspectiva da negociação também é partilhada por Nelson
Traquina (2002, 2005a). À luz da teoria etnoconstrucionista, Traquina
pondera que a produção da notícia demanda um processo de percep-
ção, seleção e transformação do acontecimento em discurso informativo
e, nesse viés, relembra que a institucionalização do campo jornalísti-
co está diretamente atrelada à profissionalização dos seus agentes, no
sentido de exercer a decisão sobre a noticiabilidade do acontecimento.
(TRAQUINA, 2002, p. 94) Noticiabilidade, segundo o estudioso, é “o
conjunto de critérios e operações que fornecem a aptidão de merecer um
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tratamento jornalístico, isto é, possuir valor como notícia”. (TRAQUINA,
2005a, p. 63) E os critérios de noticiabilidade, por sua vez:
[...] são o conjunto de valores-notícia que determinam se um
acontecimento, ou assunto, é susceptível de se tornar notícia, isto
é, de ser julgado como merecedor de ser transformado em matéria
noticiável e, por isso, possuindo ‘valor-notícia’ (newsworthiness).
(TRAQUINA, 2005a, p. 63, grifo do autor)
Gislene Silva (2014) considera que os critérios de noticiabilidade
envolvem mais elementos que os valores-notícia; estes últimos, segundo
a autora, mais diretamente ligados à identificação e seleção4 do acon-
tecimento jornalístico. No entanto, ela observa, num olhar mais apro-
fundado sobre a construção da notícia, que os valores-notícia são mais
robustos ao orientar a seleção, porém também influenciam outras etapas
do tratamento dos fatos dentro da redação, como a hierarquização das
informações, a definição de espaço ou o tempo dedicado a cada assun-
to, entre outros. Eis, então, pondera a autora, a explicação para muitos
autores usarem o termo “valores-notícia” ajustado a todo o processo.
Wolf (2003), Herbert Gans (2004), Traquina (2002, 2005a), Sodré
(2009) e Alsina (2009) entendem que os valores-notícia atravessam
toda a configuração do acontecimento, sendo, portanto, “critérios de
relevância difundidos ao longo de todo o processo de produção e es-
tão presentes tanto na seleção das notícias como também permeiam os
procedimentos posteriores, porém com importância diferente”. (WOLF,
2003, p. 202) Diante dessa constatação, Wolf traçou a distinção entre
valores-notícia de seleção e valores-notícia de construção. A classifica-
ção, que cumpre um papel explicativo nos estudos de noticiabilidade,
dispõe, de um lado, os valores-notícia de seleção, que os jornalistas
4 A noção de seleção nasce, geralmente, do conceito de gatekeeper (seletor de notícias). Ao
tratar jornalisticamente os fatos para a produção da notícia, a seleção, hierarquização e
montagem recorrem, sim, aos valores-notícia, mas eles são apenas uma parte do processo,
cujas escolhas envolvem outros elementos.
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operam para destacar do conjunto de ocorrências aquelas que merecem
virar notícias; e, do outro, os valores-notícia de construção, que “fun-
cionam como linhas-guia para a apresentação do material, sugerindo
o que deve ser realçado, o que deve ser omitido, o que deve ser priori-
tário na construção do acontecimento como notícia”. (TRAQUINA,
2005a, p. 78) Registra-se ainda que os valores-notícia de seleção são
divididos em dois subgrupos: os critérios substantivos, que concer-
nem à avaliação direta do acontecimento em termos de importância
e interesse como notícia, e os critérios contextuais, que abarcam os
aspectos referentes ao contexto de produção.
À parte a discussão de que os valores-notícia desempenham funções
em todo processo configurativo do acontecimento, G. Silva sugere que
eles não sejam tomados como sinônimos de critérios de noticiabilidade,
sob pena de se gerar uma visão reducionista sobre a noticiabilidade, a
qual deve ser entendida como a soma de três conjuntos: dos elementos
intrínsecos ao fato que demonstram seu potencial para ser transformado
em notícia; dos elementos por meio dos quais a empresa jornalística
controla e administra a quantidade e o tipo de acontecimento; e das
questões ético-epistemológicas. (SILVA, G., 2014, p. 56) Com o intuito
de desenhar fronteiras entre as noções, a autora propõe:
[...] localizar tal aptidão do fato em si no campo dos valores-notícia,
entendidos aqui como atributos que orientam principalmente a
seleção primária dos fatos – e, claro, também interferem na seleção
hierárquica desses fatos na hora do tratamento do material dentro
das redações. (SILVA, G., 2014, p. 54, grifo do autor)
Stuart Hall e demais autores (1993) salientam a opacidade dos va-
lores-notícia e os definem como um mapa cultural do mundo social.
John Hatley (2001) mostra que são construções sociais, portanto, não
são naturais, nem neutros, mas códigos ideológicos pelos quais se vê o
mundo de forma muito particular. Ponte (2005) corrobora Hall e des-
taca que esses “são mais do que uma listagem de atributos das notícias,
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combinados ou combináveis. Operam como estrutura de retaguarda
social, profunda e escondida e requerem um conhecimento consensual
sobre o mundo”. (PONTE, 2005, p. 192)
Seja definida como mapa, código, esquema de orientação, coorde-
nadas para seleção dos fatos noticiosos, a noção de valor-notícia não se
destaca da compreensão da notícia como construção social e, portanto,
há que se considerar a presença dos sujeitos informadores diante da
matéria-prima noticiosa. (SILVA, G., 2014, p. 58) Neste estudo, não ape-
nas o jornalista da redação reconhece o fato social que se configurará
como notícia, mas este saber é também comungado pelos assessores
de imprensa, ao selecionarem os acontecimentos que serão endereça-
dos aos veículos jornalísticos ou publicados nas chamadas “mídias das
fontes”. (SANT’ANNA, 2007b, 2008a)
Se um dos pilares de constituição do campo jornalístico diz respeito
à profissionalização dos seus agentes para decidir sobre a noticiabilidade
do acontecimento, ou seja, exercer a soberania nesse julgamento, hoje, os
estudos que apontam uma reestruturação na identidade do jornalismo
sinalizam o esmaecimento desse poder, uma vez que a seleção do que
será notícia e a consequente construção do discurso informativo já não
são exclusividade da mídia jornalística. (ADGHIRNI; PEREIRA, 2011b)
Sabe-se que, a partir das ações e serviços da AI, o valor-notícia orienta
o trabalho de construção do discurso informativo desde a instância da
fonte da informação. Por conta desse caráter originário e atravessador,
a noção de valores-notícia merece mais atenção.
O VALOR-NOTÍCIA E A SELEÇÃO DO ACONTECIMENTO
É o valor-notícia que retira o fato da generalidade e o destaca como
fato sócio-histórico. É na localização de critérios de noticiabilidade
que se estabelece o valor-notícia do acontecimento e, no que concerne
às AI, eis a garantia de que um determinado “assunto” está apto a ser
enviado aos veículos como conteúdo jornalístico. Contudo, fazer re-
ferência aos processos de seleção e construção da notícia é sublinhar
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também o processo de publicização,5 de midiatização do aconteci-
mento. Nesse âmbito, Alsina (2009), Charaudeau (2003, 2012a, 2013)
e Rodrigues (1993), ao abordarem as potencialidades, atributos e ca-
racterísticas que tornam um acontecimento hábil à midiatização, já
fazem alusão aos critérios de noticiabilidade. Embora tal expressão
nem sempre seja citada diretamente, os autores tratam do newsmaking.
Os valores-notícia podem também ser entendidos como os critérios
que vão tornar o fato interessante à visibilidade, à partilha e à comu-
nhão pública, porque a elaboração da notícia é indissociável da mi-
diatização do acontecimento.
Ao indicar que, para ser midiatizado, um acontecimento precisa ter
potencial de atualidade, sociabilidade e imprevisibilidade, Charaudeau
(2012b) traz à cena alguns dos mais referendados valores-notícia que,
interpelando o fato, respondem às questões sobre: novidade (atuali-
dade), valores culturais, interesse humano, proximidade, intensidade
etc. (sociabilidade) e desvio, ruptura com a normatividade (imprevisi-
bilidade). Rodrigues acentua este último potencial e justifica que, em
razão do grau de (im)previsibilidade, um fato é alçado à condição de
acontecimento jornalístico.
O autor também aborda os registros de notabilidade do fato, des-
tacando que a midiatização jornalística não só os ressignifica, como
constitui, por si só, um registro de notabilidade. “O que torna o discur-
so jornalístico fonte de acontecimentos notáveis é o fato de ele próprio
ser dispositivo de notabilidade, verdadeiro deux ex machina, mun-
do da experiência autônomo das restantes experiências do mundo”.
(RODRIGUES, 1993, p. 29)
5 “Publicização” tem o mesmo radical da palavra “publicar”, cujo primeiro registro escrito data
do século XIII, “conforme o Índice de vocabulário do português medieval (FCRB, 1986), e
remete à: 1. tornar (algo) público, amplamente conhecido, divulgar, propagar (para uma
notícia ou boato); 2. levar (algo) ao conhecimento do público (para uma lei) [...]”. (HOUAISS,
2001, p. 2330) Ver mais em Haswani (2009).
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Para ele, como já citado, a existência do discurso jornalístico gera
o meta-acontecimento, um produto fecundado na inerência entre a
produção da notícia e sua midiatização.6
Em outras palavras, anteriormente, ao dissertar sobre a midiatiza-
ção do acontecimento, já se adiantava, de certa maneira, a discussão
sobre os critérios de noticiabilidade, pois tratar da notícia é abordar a
mediação e a midiatização da informação e, assim, a referência ao va-
lor-notícia é, consequentemente, uma alusão aos aspectos que fazem
o acontecimento ser jornalístico, ou seja, midiatizável. Entretanto, vale
frisar que “a ideia de noticiabilidade não se ajusta automaticamente
à ideia de proeminência na mídia”. (SILVA, M., 2014, p. 75) O jogo no-
ticioso não é definido a partir das regras isoladas, mas da sua atuação
conjunta, agregadora ou desagregadora.
A AI, na dianteira do processo configurativo, tem um duplo interesse:
tanto persegue a publicidade, promovida pela mídia massiva, quanto
busca a indexação da informação estratégica aos valores do jornalismo.
(BORDEAU, 2006; MONTEIRO, 2003) A informação, publicada no es-
paço editorial do veículo, tende a ser lida como um assunto que passou
por investigação, pelo crivo da reportagem.
O mesmo não acontece com a propaganda, por exemplo, cujo dis-
curso implícito é o do vendedor. Ao assessor também cabe identificar
traços que destaquem o acontecimento como jornalístico, ou seja, que
o coloquem como passível de midiatização a partir do discurso infor-
mativo. Para estar na mídia, o acontecimento, destacam Alsina (2009) e
Morin (1972b), terá que promover variação do ecossistema (ou seja, ser
reconhecido como imprevisível, extraordinário e/ou singular), implicar
o destinatário (proximidade, interesse humano, intensidade, valores
culturais etc.) e ter comunicabilidade (ou seja, o sentido do aconteci-
mento é conferido também pela institucionalização da comunicação
6 Para Rodrigues (1993), a midiatização do discurso jornalístico confere a ele camadas de sentido,
as quais só podem ser analisadas a partir da perspectiva da enunciação. “O meta-aconteci-
mento é regido pelas regras do mundo simbólico, o mundo da enunciação”. (RODRIGUES,
1993, p. 30)
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jornalística). Mas vale lembrar que os operadores da mediação e da
midiatização jornalística são respaldados e ancorados na construção
do real, da cotidianidade, ordenada pelo presente, pelo aqui-agora.
“É próprio da midiatização, entretanto, pautar a singularização do
acontecimento pela atualidade”. (SODRÉ, 2009, p. 60, grifo do autor)
Elencar, de forma precisa e definitiva, as regras para seleção e elei-
ção do acontecimento que se tornará notícia é uma tarefa árdua e de
resultados insatisfatórios, pois as constantes transformações sociais,
culturais, políticas, econômicas e até mesmo tecnológicas têm impacto
sobre essas regras e passagem do acontecimento para a notícia. Além
do mais, aspectos contextuais pressupõem uma discordância entre o
que pode ou não ser acontecimento em culturas e épocas distintas ou
espaços sociogeográficos diferentes – o que é notícia numa pequena
cidade do interior pode não ser na capital do estado, nem figurar como
relevante para o país. Já se apontou que houve uma evolução histórica
dessa noção com o passar do tempo (ALSINA, 2009) e que o aconteci-
mento é forjado na relação entre as instâncias de produção e a sociedade
ou entorno. Portanto, a multiplicidade de variáveis garante conceber a
noção circunscrita aos ciclos de produção da informação e sua relação
com a sociedade, numa dimensão espaço-tempo. Também não se pode
perder de vista que o acontecimento se dá num duplo processo de ob-
jetivação e subjetivação. Todavia, como o sujeito social transborda o
conceito,7 o mesmo ocorre com o acontecimento social.
Mesmo com as dificuldades impostas pela natureza complexa do
processo, muitos autores se lançaram ao projeto de investigar as regras
que influem na seleção do acontecimento, os chamados critérios de
noticiabilidade, que conferem o valor-notícia – para citar alguns estran-
geiros: Böckelmann (1983), Galtung e Ruge (1965, 1993), Hall e demais
autores (1993), Kunczik (2001), Lippmann (2008), Traquina (2002, 2005a,
2005b), Tuchman (1993a, 1993b), Wolf (2003); e no Brasil: Chaparro
7 Alusão à ideia de Tomás de Aquino de que a vida transborda o conceito.
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(1994), Erbolato (1991), Franciscato (2014), Guerra (2008, 2014), Lage
(2001), Moura (2002, 2012), Silva, G. (2014) e Silva, M. (2014).
No século XVII, foi feito o primeiro registro de uma pesquisa aca-
dêmica sobre jornalismo. Como já citado, em 1690, na Universidade
de Leipzig, Tobias Peucer apresentou sua tese De relationibus novellis,
na qual abordava a seleção de acontecimentos, dignos de registro e di-
vulgação pública, e tratava da construção da notícia como narrativa.
Nesse trabalho, Peucer (2004, p. 21) já apontava as características dos
acontecimentos que lhe conferiam um valor informativo:
Os prodígios, as monstruosidades, as obras ou os feitos maravi-
lhosos e insólitos da natureza, da arte, as inundações ou tempes-
tades horrendas, os terremotos, os fenômenos descobertos ou
detectados ultimamente, fatos que têm sido mais abundantes do
que nunca neste século. Depois as diferentes formas de império,
as mudanças, os movimentos, os afazeres da guerra e da paz, as
estratégias, as novas leis, os julgamentos, os cargos políticos, os
dignatários, os nascimentos e mortes de príncipes, as sucessões
de um reino, as inaugurações e cerimônias públicas [...], as obras
novas dos homens eruditos, as instituições, as desgraças, as mortes
e centenas de coisas mais que façam referência à história natural,
à história da sociedade, da Igreja, da literatura: tudo isto costuma
ser narrado de forma embaralhada nos periódicos [...].
Cinco anos após a defesa de Peucer, Kaspar Stieler (apud KUNCZICK,
2001, p. 242) falava em “valores explícitos”, que os periodistas deveriam
levar em consideração ao selecionar e narrar um acontecimento. Esses
valores – a saber, a novidade, a proximidade geográfica, a proeminência
e o negativismo – separavam o que é ordinário, no sentido de comum,
do importante. Traçando uma elipse ao século XX, Walter Lippmann,
na década de 1920, destaca como características do texto jornalístico:
clareza, surpresa, proximidade geográfica, impacto e conflito pessoal.
(LIPPMANN, 2008)
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Em 1965, entretanto, foi elaborada uma listagem de quais seriam os
valores-notícia (news value) que a comunidade interpretativa8 de jor-
nalistas usa em seu trabalho. Galtung e Ruge (1965) abriram caminhos
para outras pesquisas e para a constante revisão de suas propostas, cuja
base epistemológica é a psicologia da percepção. Partindo da exteriori-
dade dos acontecimentos, os pesquisadores noruegueses separam, de
um lado, a percepção e imagem por parte da mídia e, do outro, a per-
cepção e imagem pessoal por parte do auditório, dedicando-se, pois,
ao estudo da instância midiática. “Galtung e Ruge desenham duas ca-
racterísticas dos processos de percepção e de imagem por parte dos
profissionais, uma que organizam em torno da psicologia da percepção
e outra eminentemente cultural”. (PONTE, 2005, p. 193) Dessa forma,
compreendem que os profissionais interiorizam o acontecimento, por-
que o leem a partir de quadros culturais.
Para responder à questão sobre “como o acontecimento se torna
notícia”, Galtung e Ruge enumeram 12 valores-notícia:
(1) frequência (duração do acontecimento);
(2) amplitude do evento;
(3) clareza;
(4) significância;
(5) consonância;
(6) inesperado;
(7) continuidade;
8 Nos estudos culturais, a autora norte-americana Barbie Zelizer (1997) propõe uma abordagem
dos jornalistas como comunidades interpretativas. Os profissionais, ao comungarem de um
passado e estarem inseridos numa cultura, constroem modelos coesos de apreciação do pre-
sente. Já Gonzalo Abril (1997) aplica aos jornalistas a noção de “comunidade interpretativa”,
calcada na comunhão de modos de interpretação e valorização, ainda que os membros não
partilhem o mesmo espaço e tempo.
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(8) composição (montagem e disposição dos assuntos no veí-
culo jornalístico);
(9) referência a nações de elite;
(10) referência a pessoas de elite;
(11) personalização; e
(12) negatividade – bad news is good news. (GALTUNG; RUGE,
1965, 1993)
Além da listagem, os autores destacaram ainda que, na seleção, são
contemplados aspectos que dizem respeito à rotina produtiva do jorna-
lismo e critérios de consonância. Assim, o acontecimento deve atender
à lógica implacável do deadline dos veículos, pois a duração estendida
pode comprometer a cobertura, caso faltem novidades ao longo do
trajeto – de forma geral, a abertura e o desfecho de um acontecimen-
to encerram o clímax e gozam de maior aceitação. Além disso, ter um
grau de consonância com a expectativa do interlocutor e compor, de
forma eficaz e efetiva, o conjunto de notícias selecionado pelo veículo
midiático são também fatores que podem incidir positivamente sobre
o acontecimento na hora da seleção para a notícia. Galtung e Ruge
(1965, 1993) observam ainda a importância de minimizar, ao máximo,
o grau de ambiguidade do acontecimento. Essa ambiguidade pode ser
gerada, por exemplo, pela pouca confiabilidade da fonte.
Também preocupado com os critérios para seleção do acontecimento,
Böckelmann (1983) busca mapear os temas que mais despertam a aten-
ção dos interlocutores e frisa que um assunto, normalmente, congrega
regras diferentes. No seu rol das regras de atenção, estão: referências
ao pessoal, privado e íntimo; a novidade, a “modernidade” dos fenô-
menos e as últimas tendências; os sintomas do exercício do poder e
suas representações; as crises e seus sintomas; a observação do que é
extraordinário, singular e exótico, entre outros. O autor destaca que,
normalmente, um assunto deve cumprir várias dessas regras para ser
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selecionado. No mais, as normas ganham vigor quando acionadas nos
limites das condições de produção, ou seja, não funcionam de forma
autônoma, pesam sobre elas os fatores contextuais. Colocar os holofotes
sobre alguns temas significa deixar outros na sombra. Esse movimento
do que vai estar no claro ou no escuro é controlado por questões sociais
e culturais. (BÖCKELMANN, 1983)
Por sua vez, Wolf (2003) prioriza os aspectos relacionais dos critérios
de noticiabilidade no que tange ao valor-notícia. Nesse ângulo, frisa
que este atua conjuntamente e segundo hierarquias que estão sempre
mudando. Como esses valores atravessam toda a produção noticiosa,
é necessário observar: as exigências da organização jornalística; os cri-
térios práticos ativados com o uso das fontes; as regras de composição
das informações no veículo jornalístico; e a flexibilização da rigidez da
organização do trabalho diante do imprevisto. Wolf propôs, conforme
já anunciado, a divisão entre valores-notícia de seleção (substantivos e
contextuais) e valores-notícia de construção. Esse estudo foi retomado
por Nelson Traquina (2005a), que explicou a necessidade da classifica-
ção de Wolf, fazendo uma referência ao estudo originário sobre o tema,
desenvolvido por Galtung e Ruge (1965, 1993):
Podemos ver que os seus valores-notícia incluem ambos os tipos
de valor notícia, sem, no entanto, a clareza da distinção entre os
dois tipos. Por exemplo, Galtung e Ruge identificam como um
valor notícia a importância de ‘pessoas de elite’, um valor notícia
de seleção que iremos denominar ‘a notoriedade do ator’. Os
autores identificam como outro valor-notícia a ‘personalização’,
em que referem que ‘as notícias têm a tendência de apresentar
os acontecimentos como frases onde há um sujeito, uma pessoa
nomeada ou uma coletividade que consiste em algumas pessoas’;
a ‘personalização’ é outro valor-notícia, mas um valor notícia de
construção. (TRAQUINA, 2005a, p. 78)
Em releitura à obra de Wolf (2003), Traquina (2005a, p. 79-88) elen-
cou os seguintes valores-notícia de seleção, em termos substantivos: a
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“morte”, a “notoriedade”, a “proximidade”, a “relevância”, a “novidade”,
o “tempo” (atualidade), a “notabilidade”, o “inesperado”, o “conflito”
(controvérsia), a “infração” e o “escândalo”. Estes tendem a gerar con-
sensos na comunidade jornalística, pois convergem, em proporções
distintas, para a tríade do atual, singular e extraordinário, apontada por
Moura (2012) como valores que “costumam fazer da notícia notícia” e
“são marcados pela fugacidade do agora – não irá se repetir de forma
idêntica”. (MOURA, 2012, p. 333)
Com o objetivo de apresentar os critérios que escapam às caracte-
rísticas do próprio acontecimento, mas se referem ao processo de pro-
dução da notícia, Wolf elaborou a designação de valores de seleção
contextuais, que abrangem a disponibilidade, o equilíbrio, a visuali-
dade, a concorrência e o “dia noticioso”. (TRAQUINA, 2005a, p. 88-91)
E, por fim, os valores de construção correspondem aos “critérios de
seleção dos elementos dentro do acontecimento dignos de serem
incluídos na elaboração da notícia” e constituem: simplificação, am-
plificação, relevância, personificação, dramatização e consonância.
(TRAQUINA, 2005a, p. 91-93) Esses valores foram sistematizados no
quadro a seguir.
Quadro 5 – Valores-notícia de seleção e construção segundo Mauro Wolf (2003) e
Nelson Traquina (2005a)
VALORES-NOTÍCIA VALORES-NOTÍCIA
VALORES-NOTÍCIA
DE SELEÇÃO DE SELEÇÃO
DE CONSTRUÇÃO
critérios substantivos critérios contextuais
Morte
Notoriedade
Proximidade
Simplificação
Relevância Disponibilidade
Amplificação
Novidade Equilíbrio
Relevância
Tempo Visualidade
Personificação
Notabilidade Concorrência
Dramatização
Inesperado Dia noticioso
Consonância
Conflito (controvérsia)
Infração
Escândalo
Fonte: Marcos Silva (2014, p. 82).
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A sistematização não pode servir como uma armadilha que aprisiona
os critérios num ordenamento, tornando-os inflexíveis e impermeáveis.
A funcionabilidade dos valores-notícia é garantida nas articulações
dialógicas e influências mútuas. No mais, enquanto operadores de
análise para produtos culturais, estes serão tensionados e modulados
pelos contextos culturais e relações espaçotemporais. Além disso, os
critérios saltam à frente, numa imagem de fundo que é o “consenso”,
construído nas relações sociais.
Alguns destes valores-notícia ajudam eles próprios a construir a
sociedade como ‘consenso’. Primeiro, o consenso requer a noção
de unidade: uma nação, um povo, uma sociedade, muitas vezes
traduzida simplesmente para o ‘nosso’ – a nossa indústria, a nossa
polícia, a nossa balança de pagamentos. (TRAQUINA, 2005a, p. 86)
É o conhecimento consensual, enquanto imagem de fundo, que
permite aos assessores de imprensa, jornalistas e leitores reconhece-
rem, no primeiro plano, a notícia. (TRAQUINA, 2005a)
Na literatura sobre noticiabilidade, a atividade dos estudiosos de
elencar os valores-notícia por si só já revela essa modalização consen-
sual presente, não apenas na produção e leitura da notícia, mas também
na própria pesquisa sobre esse produto. Isso pode ser comprovado, por
exemplo, comparando diferentes estudos, nos quais se constata a repe-
tição e a reiteração de muitos critérios. O Quadro 6, elaborado por G.
Silva, reúne e sistematiza trabalhos de autores estrangeiros e brasileiros
sobre os valores-notícia.
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Quadro 6 – Mapeamento de autores/valores-notícia, por G. Silva (2014)
AUTORES-ELENCO DE VALORES-NOTÍCIA
Stieler: novidade, proximidade geográfica, proeminência e negativismo.
Lippmann: clareza, surpresa, proximidade geográfica, impacto e conflito pessoal.
Bond: referente à pessoa de destaque ou personagem público (proeminência); incomum (raridade);
referente ao governo (interesse nacional); que afeta o bolso (interesse pessoal/econômico); injustiça que
provoca indignação (injustiça); grandes perdas de vida ou bens (catástrofe); consequências universais
(interesse universal); que provoca emoção (drama); de interesse de grande número de pessoas (número
de pessoas afetadas); grandes somas (grande quantia de dinheiro); descoberta de qualquer setor
(descobertas/invenções) e assassinato (crime/violência).
Galtung e Ruge: frequência, amplitude, clareza ou falta de ambiguidade, relevância, conformidade,
imprevisão, continuidade, referência a pessoas e nações de elite, composição, personificação e negativismo.
Golding-Elliot: drama, visual atrativo, entretenimento, importância, proximidade, brevidade, negativismo,
atualidade, elites, famosos.
Gans: importância, interesse, novidade, qualidade, equilíbrio.
Warren: atualidade, proximidade, proeminência, curiosidade, conflito, suspense, emoção e consequências.
Hetherington: importância, drama, surpresa, famosos, escândalo sexual / crime, número de pessoas
envolvidas, proximidade, visual bonito/atrativo.
Shoemaker et al.: oportunidade, proximidade, importância / impacto, consequência, interesse, conflito/
polêmica, controvérsia, sensacionalismo, proeminência, novidade / curiosidade / raro.
Wolf: importância do indivíduo (nível hierárquico), influência sobre o interesse nacional, número de pessoas
envolvidas, relevância quanto à evolução futura.
Erbolato: proximidade, marco geográfico, impacto, proeminência, aventura / conflito, consequências,
humor, raridade, progresso, sexo e idade, interesse pessoal, interesse humano, importância, rivalidade,
utilidade, política editorial, oportunidade, dinheiro, expectativa / suspense, originalidade, culto de heróis,
descobertas / invenções, repercussão, confidências.
Chaparro: atualidade, proximidade, notoriedade, conflito, conhecimento, consequências, curiosidade,
dramaticidade, surpresa.
Lage: proximidade, atualidade, identificação social, intensidade, ineditismo, identificação humana.
Fonte: G. Silva (2014, p. 62).
Mesmo nesse elenco de amplitude reduzida, dada a complexidade
da literatura na área, faz-se uma tarefa exaustiva tanto sublinhar todos
os valores-notícia, que se repetem em pesquisas distintas, quanto locali-
zar os que se aproximam em sentido. Mas essa tentativa de organização,
argumenta G. Silva (2014), cumpre um papel maior do que a identifica-
ção de consensos. Ela propõe, num primeiro momento, distinguir ma-
cro-valores-notícia (pré-requisitos para qualquer seleção noticiosa) de
micro-valores-notícia. Esse reagrupamento entre macro e micro deve
também favorecer a inserção de novos valores-notícia que contribuam
para a análise de acontecimentos noticiáveis/noticiados. O Quadro 7
traz uma proposta com possíveis operadores analíticos.
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Quadro 7 – Proposta de quadro de valores-notícia para operacionalizar análises de
acontecimentos noticiados ou noticiáveis
IMPACTO SURPRESA
Número de pessoas envolvidas (no fato) Inesperado
Número de pessoas afetadas (pelo fato)
Grandes quantias (dinheiro)
PROEMINÊNCIA GOVERNO
Notoriedade Interesse nacional
Celebridade Decisões e medidas
Posicão hierárquica Inaugurações
Elite (indivíduo, instituição, país) Eleições
Sucesso / Herói Viagens
Pronunciamentos
CONFLITO POLÊMICA
Guerra Controvérsia
Rivalidade Escândalo
Disputa
Briga
Greve
Reivindicação
TRAGÉDIA / DRAMA JUSTIÇA
Catástrofe Julgamentos
Acidente Denúncias
Risco de morte e Morte Investigações
Violência / Crime Apreensões
Suspense Decisões judiciais
Emoção Crimes
Interesse humano
PROXIMIDADE ENTRETENIMENTO / CURIOSIDADE
Geográfica Aventura
Cultural Divertimento
Esporte
Comemoração
RARIDADE CONHECIMENTO / CULTURA
Incomum Descobertas
Original Invenções
Inusitado Pesquisas
Progresso
Atividades e valores culturais
Religião
Fonte: G. Silva (2014, p. 65-66).
A separação entre macro e micro-valores-notícia sugere uma hierar-
quização, mas não deve camuflar a recorrente observação nas pesquisas
sobre o tema de que os valores-notícia operam de maneira articulada,
solicitando constantes revisões e adequações. No mais, deve-se con-
siderar que eles comportam todas as etapas de configuração e fazem
parte da cultura profissional do jornalista:
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constituindo-se não em critérios abstratos e pontuais, mas sim
num quadro de avaliação racionalizado e interiorizado pelos
jornalistas; sua utilização visa permitir uma operacionalidade no
processo de produção da notícia e orientação da ação da rotina
dos jornalistas. (CORREIA, 1997 apud SILVA, G., 2014, p. 67)
Todas as pesquisas sobre valores-notícia convergem ao mesmo an-
coradouro – a percepção da impotência das listagens diante do fato de
que estes mudam com o tempo. Nesse sentido, o autor Vicente Campbell
(2004) traz mais uma provocação ao afirmar que os valores-notícia
determinam a seleção dos acontecimentos, mas, simultaneamente, a
seleção dos fatos noticiosos também os determina. Eis, aqui, um argu-
mento às inquietações de Carlos Eduardo Franciscato (2014) ao caráter
operacional dos estudos sobre os critérios de noticiabilidade, dada a
variabilidade do produto-notícia:
Nossa crítica aos modelos apresentados não tem a pretensão
de defender que a notícia seja considerada uma categoria tão
complexa que se torne arbitrária, cuja tipificação seria um ato de
empobrecimento do objeto. Não podemos negar que tipificar é
um recurso bastante usual e funcional no cotidiano profissional.
Questionamos, no entanto, a incapacidade de grande parte dos
estudos de ir além dessas regras práticas precárias e de não usar
a densidade conceitual presente em tradições das ciências hu-
manas para produzir uma teoria que estabeleça uma abordagem
mediadora entre as grandes tradições e os saberes da prática.
(FRANCISCATO, 2014, p. 110-111)
Este texto corrobora a pertinência dos estudos acerca dos critérios
de noticiabilidade, que se consubstanciam em valores-notícia (valoram
o que será ou não noticiável), entretanto também aposta que a pers-
pectiva dos valores-notícia possa ser somada a outras abordagens, no
que tange às pesquisas sobre a produção da notícia. Lorenzo Gomis
(2002, p. 226) infere que o “importante” é tudo o que o público precisa
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saber (interesse público), o “interessante” é o que o público quer saber
(interesse do público) e, portanto, essas duas noções “cobrem todo o
campo de valores-notícia”. Entretanto, valem os questionamentos sobre
o que é importante e interessante para culturas distintas, em épocas
e contextos variados, nos diferentes contratos estabelecidos entre os
veículos jornalísticos e seus leitores. Devem ser levados em conta ainda
os aspectos político-econômicos, ditados pela concorrência entre os
veículos, e as negociações entre os diferentes campos sociais que, por
vezes, tornam a mídia jornalística vulnerável.
Para além dessas questões de abrangência maior, deve-se refle-
tir sobre a ligação entre os valores-notícia e as fontes de informação.
Sagradas ao exercício do jornalismo, as fontes sustentam muitos valo-
res-notícia, mas também podem embotar a possibilidade de seleção de
um acontecimento ou erguê-lo a outro patamar na escala de importân-
cia ou interesse. A título de ilustração do que se assinala, Traquina cita
a cobertura do caso Watergate, quando o diretor do Washington Post,
Benjamin Bradlee, indaga os jornalistas Woodward e Bernstein não
sobre o nome da fonte, mas sobre a sua posição: “Diz-me só se está aí
nível de Assistente do Presidente”. (BERNSTEIN; WOODWARD, 1974,
p. 34 apud TRAQUINA, 2002, p. 106) Ao receber uma resposta negativa,
o diretor do periódico posicionou a notícia numa página inferior, sob
a alegação de que lhe faltava solidez.
Se, ao jornalismo, a fonte de informação é condição sine qua non
para a seleção e a construção do discurso noticioso, situação diferente
não ocorre com a comunicação estratégica, por meio da atuação da AI.
Entretanto, AI e jornalismo adotam pontos de referência distintos em
relação às fontes. Se para a redação jornalística a informação deve prio-
rizar, em primeira instância, a prestação de um serviço público, para a
assessoria, reputação e imagem do assessorado aparecem no primeiro
plano. O denominador comum entre esses dois pontos de referência
é a mirada para a linha de chegada, o acontecimento configurado em
notícia. Para tanto, ambos precisam negociar em seus respectivos inte-
resses, práticas, rotinas, contratos estabelecidos, entre outros.
274 CLAUDIANE CARVALHO
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O VALOR-NOTÍCIA E AS FONTES DE INFORMAÇÃO:
SELEÇÃO DO ACONTECIMENTO PELA COMUNICAÇÃO
ESTRATÉGICA E PELO JORNALISMO
Tendo em vista que, para o jornalismo, a fonte de informação é neces-
sária à construção da narrativa, a assessoria se vale desse pressuposto
e se coloca como mediadora da fonte ou como quem está próxima
dela. A tríade fonte/assessor de imprensa/jornalista está longe de ser
tranquila, pois anexa um complicador (a AI) numa relação já marca-
da por tensionamentos: jornalista/fonte. Dos valores-notícia listados
por Galtung e Ruge (1993), é realçado o que diz respeito à possível
ambiguidade apresentada pelo acontecimento, no que tange à con-
fiabilidade da fonte.
Cabe à assessoria reconhecer, em primeira instância, o valor-notícia e,
para tanto, precisa atender às diferentes características que conferem ao
acontecimento maior possibilidade de se tornar noticiável. Entretanto,
uma das premissas do trabalho da AI é tornar a fonte assessorada uma
referência para a mídia em sua respectiva área de atuação. Isso explica
o investimento das fontes em media training9 e a construção de uma
cultura de comunicação organizacional pautada na transparência, ou
seja, no compromisso de prestar informações fidedignas à sociedade
e manter uma abertura para se reportar aos públicos sempre que for
necessário e, em especial, não se furtar da necessidade de posiciona-
mento em momentos de crise. (BOURDEAU, 2009; BUENO, 2009c;
CHOUCHAN; FLAHAULT, 2009; MOREL, 2008; NOUTEAU, 2002)
À parte essas ações, que indicam a profissionalização das fontes,
atenta-se ainda às suas representações sociais. No geral, um cientista
político goza de mais credibilidade que um político em campanha.
9 Workshop ou curso de capacitação das fontes (porta-vozes) para a relação com a imprensa.
Na programação, estão previstos conteúdos sobre linguagem jornalística, rotina produtiva
na redação, especificidades dos diferentes meios e aspectos éticos e estéticos. Além, é claro,
da importância do posicionamento da fonte para a imagem e a reputação da organização
representada.
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Uma Organização Não Governamental (ONG) voltada para questões do
meio ambiente e reconhecida como atuante e competente pode entrar
em confronto com os pontos de vista de instituições governamentais
representativas da área e conquistar a preferência da audiência, como
ocorre em muitas campanhas desenvolvidas pelo Greenpeace.
No mais, a fonte de informação, por si só, pode conjugar e articular
diferentes critérios de noticiabilidade, como consonância com a expec-
tativa do leitor (fatos ocorridos com celebridades ou personalidades do
cenário político, científico, ainda que corriqueiros, tendem a ser apreen-
didos com atenção diferenciada); relevância (declarações que podem
mudar o cenário econômico, por exemplo); imprevisibilidade; intensi-
dade, entre outros. Essa constatação vai ao encontro do que Galtung e
Ruge (1965, 1993) indicaram ao realçar que os critérios de noticiabilida-
de não devem ser aplicados mecanicamente, uma vez que podem agir
conjuntamente de forma: agregadora (quando um fator agrega valor
ao outro, aumentando o valor de noticiabilidade); complementar (um
fator preenche lacunas deixadas por outro); e excludente (se o acon-
tecimento não tiver nenhum desses fatores, dificilmente será notícia).
Considerando que os valores-notícia não são monolíticos, estáveis e
perenes, mas sofrem alterações ao longo do tempo por serem marcados
também por aspectos culturais e sociais, Sodré (2009, p. 21-22) acentua
que os valores que sustentam a noticiabilidade de um fato,
ou seja, a condição de possibilidade para que este venha a trans-
formar-se em notícia – podem variar segundo o lugar do fato,
do nível de reconhecimento social das pessoas envolvidas, das
circunstâncias da ocorrência, da sua importância pública e da
categoria editorial do meio de comunicação.
Ao demarcar tantas variáveis, o autor deixa uma porta entreaberta
para levantarmos a questão sobre o impacto da comunicação estraté-
gica, por intermédio da AI, no processo de seleção do acontecimento
e, consequentemente, na indicação das fontes. Explica-se: para além
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dos atributos da ocorrência, as relações políticas e econômicas, trava-
das entre AI e veículos jornalísticos, também compõem os critérios
de eleição do acontecimento. (KOVACH; ROSENSTIEL, 2003) “Os po-
derosos promotores podem tentar aumentar a correspondência en-
tre as suas necessidades de acontecimentos e as dos news assemblers,
pressionando os media a alterar as rotinas de trabalho”. (MOLOTCH;
LESTER, 1993, p. 40)
Molotch e Lester (1993) apontam para certa obscuridade na relação
entre os promotores e os news assemblers, atenuada quando fica evi-
dente o controle formal da imprensa. Caso contrário, as margens para
acordos e negociações podem driblar, em certa medida, até alguns
critérios de noticiabilidade. Os pesquisadores acrescentam: “Embora
talvez não estejam conscientes das implicações do trabalho uns dos
outros, eles, de qualquer modo, conseguem produzir um produto que
favorece as necessidades de acontecimentos de certos grupos sociais e
desfavorece as de outros”. (MOLOTCH; LESTER, 1993, p. 41)
Mesmo sinalizando a existência dessas relações, que ocorrem na
sombra, mas influem na construção da notícia, reconhece-se que o
aprofundamento sobre o assunto solicita um percurso mais sociológico
e etnográfico, que foge à proposta deste livro. No entanto, aqui serão
levantados alguns aspectos que possibilitam entender a construção do
discurso informativo na relação entre AI e redações jornalísticas, pelo
viés da semiologia social. Trilhando esse caminho, recorre-se aos auto-
res Molotch e Lester, que destacam três tipos de acesso dos promotores
às mídias noticiosas: habitual, disruptivo e acesso direto.
No habitual, a necessidade de acontecimento dos promotores coin-
cide com a dos news assemblers. Nesse caso, destacam-se as AI, por
exemplo, do presidente da república, dos governadores, prefeitos, além
de órgãos vinculados à segurança pública. Para esse tipo de acesso, a
definição de rede noticiosa de Gaye Tuchman (1993a, 1993b)10 é bem
10 Vale destacar o caráter etnográfico dos estudos de Gaye Tuchman, cujas obras são, muitas
vezes, alocadas como etnoconstrucionistas.
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procedente ao tratar da relação confortável e reiterativa entre as fontes
especializadas e a imprensa. Nesse âmbito, o trabalho de configuração
do acontecimento entre as agências envolvidas costuma ser de parceria
e colaboração, pois há uma sintonia entre os critérios de noticiabilidade
nas duas instâncias produtivas. Já o acesso disruptivo é marcado pela
necessidade dos promotores se fazerem vistos e ouvidos, é a manifes-
tação, o confronto que clama por visibilidade:
Eles têm de ‘fazer notícias’, entrando em conflito, de qualquer
modo, com o sistema de produção jornalística, gerando a surpresa,
o choque ou uma qualquer forma latente de ‘agitação’. Assim,
os pouco poderosos perturbam o mundo social para perturbar
as formas habituais de produção de acontecimentos. Em casos
extremos, reúnem-se multidões num local inapropriado para
intervir no plano diário de ocorrências e acontecimentos. Essas
actividades constituem, de certa forma, acontecimentos ‘anti-ro-
tina’. (MOLOTCH; LESTER, 1993, p. 45)
Por fim, o acesso direto é reservado ao próprio jornalista, que pauta
reportagens, indicando investigações que pretende desenvolver. Os
estudiosos observam que os news assemblers podem “desenterrar” no-
tícias na prática cotidiana ao examinarem, por exemplo, os registros
policiais e constatar o aumento no número de assassinatos.
As formas de acesso traçadas por Molotch e Lester põem em evidên-
cia também as diferentes maneiras de contato entre as fontes noticio-
sas e a redação jornalística. Quando essa mediação é profissionalizada
– através dos assessores de imprensa –, a proposta é colocar na balança
os interesses de ambos os lados, ou seja, a noticiabilidade do aconteci-
mento e a visibilidade da fonte ou organização assessorada. No acesso
habitual, os valores-notícia dos fatos saltam aos olhos, pela legitimida-
de e relevância social das fontes. Já no acesso disruptivo, joga-se com
os critérios do desvio, da quebra da normatividade, do imprevisto, da
ordem desestabilizada. À assessoria cabe o desafio de transformar o
“incômodo” social em estratégia de visibilidade, não de repulsa pública.
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E no acesso direto geralmente se tem em voga uma investigação que
coloca ao assessorado a importância do posicionamento público ou
defesa. A despeito do tipo de acesso, percebe-se que é legada às fontes
a participação em todo o processo de construção da notícia, desde a se-
leção dos acontecimentos (se a fonte não tiver legitimidade, o assunto
pode ser descartado da pauta) até o tratamento destes (nas entrevistas,
enquadramento do tema, confronto de opiniões etc.).
À premissa de que não se faz jornalismo sem as fontes e que estas
são sagradas na cultura jornalística (TRAQUINA, 2002) soma-se o fato
de as redes de fontes serem construídas para agilizar a rotina de pro-
dução, mas também refletirem a estrutura social e de poder existente.
(WOLF, 2003) Molotch e Lester ressaltam que o acesso habitual é um
dos “sustentáculos das relações existentes de poder”. (MOLOTCH;
LESTER, 1993, p. 44) Como já assinalado, a noção de rede noticiosa de
Gaye Tuchman oferece atalhos teóricos para ampliar esta ponderação.
Segundo a cientista, para compreender a construção da notícia, é ne-
cessário dar conta da formação da rede noticiosa e da disposição dos
jornalistas nela. Para Tuchman (1993b), a fixação dessa rede põe em
relevo as posições sociais das fontes e fortalece ou legitima espaços de
poder, impede determinadas ocorrências de serem noticiadas e atende
às demandas de rotinas de produção do jornalismo. Afinal de contas,
se a importância estratégica das fontes for delimitada pela produção
noticiosa e pela imponência do fator tempo ao jornalismo, “então po-
demos compreender por que as fontes estáveis, regulares, institucionais
acabam por ser preferidas pelos membros da comunidade jornalística”.
(TRAQUINA, 2002, p. 107)
Sobre essas observações, pesa a constatação de que tratar das fontes
é abordar, por diferentes ângulos, as questões de noticiabilidade. Neste
estágio da reflexão, enquadra-se a discussão sobre as fontes a partir
do prisma dos valores-notícia, priorizando, num primeiro momento,
a seleção primária do fato e, posteriormente, o tratamento deste na as-
sessoria e na redação.
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No jornalismo, não é raro recorrer a determinadas fontes para expor
um tema específico, em épocas distintas e em veículos diferenciados.
Essa redundância é justificada pela posição que elas ocupam em certas
organizações ou instituições e por estarem ligadas a setores decisivos
do campo político, econômico, cultural, entre outros.11 Assim, a posição
social dispara, por sua própria natureza, critérios de noticiabilidade.
Se ao assessor é reservada a função de mediar a relação da fonte com
a imprensa, servir como ponte entre esses dois mundos – de quem
quer ser notícia e de quem procura notícia –, a ele também é atribuída
a condução da fonte de informação nas diferentes etapas do processo
de construção da notícia.
Essa atribuição de orientar a fonte deve ter como pano de fundo e
horizonte a lógica de manutenção da rede noticiosa, que pressupõe:
• a seriedade na relação entre jornalistas e fontes;
• o investimento feito no cultivo da fonte; e
• os critérios de avaliação dos membros da tribo jornalística
na interação com os diversos agentes sociais. (TRAQUINA,
2002, p. 103-104)
Em todas essas pressuposições está mantida a lei da reciprocidade
de interesses entre AI/fonte de um lado, e jornalistas da redação do
outro, além dos aspectos de noticiabilidade.
Se a autoridade do lugar de “quem fala” é garantida pela legitimação
de “quem ouve” (MONTEIRO, 2003), tem-se que tanto as fontes quanto
as expectativas do leitor são construções sociais, atravessadas por ques-
tões culturais amplas do jornalismo e da ordem espaçotemporal. Nesse
sentido, as posições ocupadas pelas fontes têm mais relevância do que
o saber da pessoa em si, seu repertório e trajetória profissional, uma
vez que a autoridade está embutida no cargo. As fontes oficiais, por
11 Neste trabalho, não há intenção de classificar as fontes. Para tanto, indicamos Chaparro
(2014), Lage (2006), Schmitz (2011), entre outros.
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exemplo, em suas disposições institucionais de autoridade, gozam da
respeitabilidade pública e têm lugar cativo nas coberturas jornalísticas.
“O jornalista pode utilizar a fonte mais pelo que é do que pelo que sabe.
A maioria das pessoas acredita na autoridade da posição [...] Chama-se
a isso a hierarquia da credibilidade”. (TRAQUINA, 2002, p. 105)
Voltando às interpretações da rede noticiosa traçadas por Traquina,
vale olhá-las sob uma dupla perspectiva: do assessor e do jornalista da
redação. A relação entre fonte e jornalista é pautada na (des)confiança.
À parte os atributos da eloquência, conhecimento de causa, conteúdo
atualizado, entre outros, a fonte precisa operar na lógica da transpa-
rência para ser cultivada pelos profissionais dos veículos jornalísticos.
Essa conexão, entretanto, não é tão direta, nem simples. Geralmente,
uma nebulosa parece pairar sobre esta relação, pois, a princípio, a fon-
te pode estar mentindo e/ou o jornalista pode deturpar a declaração
dada. Para a segunda suspeita, a ética, a responsabilidade social e cidadã
da profissão de jornalista e as técnicas de apuração, escrita e edição
oferecem uma resposta imediata – embora nem sempre satisfatória.
Mas, para a questão da credibilidade da fonte, além do recurso jor-
nalístico da investigação e do confronto com outras opiniões e dados,
tem-se, aqui, um relacionamento a ser edificado. Esse relacionamento
terá como base não apenas o teor e o comprometimento da fonte com
a sua fala, mas também a disponibilidade, o atendimento à imprensa
em tempo hábil e a sintonia com as rotinas produtivas da redação. “É
provável que as fontes que cooperam com os jornalistas e os tratam
cordialmente sejam mais utilizadas do que as outras”. (GANS, 1979,
p. 130 apud TRAQUINA, 2002, p. 106) Esse é um dos argumentos usa-
dos pelo assessor para convencer o assessorado a investir nos cursos
de media training.
O espaço de visibilidade midiática é um importante recurso a ser
usado para gestão de imagem e reputação, tanto no que diz respeito ao
indivíduo ou ator social – personalidades da política, área cultural, es-
porte, economia etc. – quanto à fonte como porta-voz de uma instituição.
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 281
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Se, de um lado, a fonte tem seus interesses, do outro, o jornalista tem
seus critérios para avaliá-la. Traquina (2002) elenca três:
(1) autoridade: geralmente, a fonte oficial é escolhida para a
pauta;
(2) produtividade: as fontes oficiais costumam oferecer mate-
rial suficiente, poupando o jornalista do contato com ou-
tras fontes e economizando o tempo de produção; e
(3) credibilidade: as fontes que oferecem materiais credíveis
têm maior possibilidade de ser entrevistadas ou consulta-
das em outras ocasiões – é uma das justificativas de a rela-
ção assessoria (fonte)/imprensa se basear na transparência.
Nos contratos de comunicação estabelecidos para a construção do
discurso informativo, as questões sobre as fontes desembocam nos ele-
mentos de noticialidade, respondendo, em parte, à pergunta “quem
informa?”. Segundo Charaudeau (2012a), o crédito dado à fonte de-
pende da sua posição social; do papel que desempenha na situação de
troca; da sua representatividade para o grupo de que é porta-voz; e do
grau de engajamento que manifesta. Os arranjos entre esses diferentes
elementos na constituição das fontes podem ser determinantes para
seleção ou negligenciamento de um acontecimento.
Uma pessoa pública, a princípio, carrega a notoriedade como atri-
buto, pois, graças ao seu lugar social, tem a responsabilidade de não
esconder informações de utilidade pública, e, por isso, é investida de
autoridade. Mas, ao mesmo tempo, também pode gerar suspeita por
ser uma voz oficial. Esse paradoxo antecede o texto advindo da AI para
a redação. Com o intuito de minimizar as suspeitas, um dos recursos
usados pela assessoria é a adesão ao formato jornalístico da pirâmide
invertida e o uso de técnicas e práticas de apuração e escrita. Assim,
supõe-se que esse impacto da forma no conteúdo seja um artifício para
esmaecer o engajamento da fonte e inserir o acontecimento na disputa
282 CLAUDIANE CARVALHO
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pela composição dos assuntos que vão figurar na ordem do dia no veí-
culo jornalístico.
Quando a fonte é testemunha, seu relato tem o aval de quem viu e
ouviu, portanto não está à mercê das suspeitas de ocultamento. Nesse
caso, o assessor sustenta a mediação com a imprensa, na perspectiva de
certa ingenuidade e isenção de cálculos. Mas, se esta produz um falso
testemunho ou está a serviço de outrem, sua identidade será alterada.
No caso em que o tema a ser divulgado solicita a pluralidade de opi-
niões, sejam convergentes ou divergentes, o assessor vai trabalhar nos
limites do gênero opinativo e interpretativo,12 e aqui entram em cena
as defesas por pontos de vista, embasadas em argumentos, e o embate
entre grupos de interesse. Situações dessa natureza são comuns quando
o tema solicita um debate público que envolve diferentes instituições
sociais, a exemplo da redução da maioridade penal e transposição do
Rio São Francisco, para citar dois casos brasileiros.
Os organismos especializados, como centros de pesquisa, espaços
culturais, arquivos e bibliotecas públicas, despontam socialmente como
dignos de fé e, enquanto fonte de informação, levam os louros de de-
ter, também, um saber especializado. (CHARAUDEAU, 2012a) Já foi
anunciado que à fonte podem estar atrelados diferentes valores-notícia,
como novidade, proeminência, negativismo (STIELER apud SILVA, G.,
2014), surpresa, impacto, conflito pessoal (LIPPMANN, 2008), raridade,
interesse nacional, drama, assassinato (BOND apud SILVA, G., 2014),
amplitude, clareza, relevância, personificação, referências a pessoas
de elite (GALTUNG; RUGE, 1965, 1993), importância do indivíduo,
número de pessoas envolvidas (WOLF, 2003), atualidade, notoriedade
(CHAPARRO, 1994), identificação social, ineditismo, identificação hu-
mana (LAGE, 2002) etc.
Enfim, enumerar os critérios de noticiabilidade mobilizados e des-
pertados pelas diferentes posições, papéis, representatividade e grau
12 Este trabalho não propõe uma discussão sobre gêneros jornalísticos. Para tanto, conferir
Chaparro (1994, 2008) e Seixas (2009).
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de engajamento que as fontes conferem aos acontecimentos é uma ta-
refa quase irrealizável. Compensa-se essa dificuldade trazendo à cena
outra faceta desta relação triádica entre fonte/assessor de imprensa/
jornalista: como se motivam e se articulam assessores e jornalistas, en-
tre si e também diante dos distintos perfis da fonte, a fim de operarem
a seleção e a construção do acontecimento.
As categorizações da fonte demandam dos assessores de imprensa
e jornalistas a tomada de posições e a posse de determinados papéis.
Anteriormente, neste livro, foi mostrado um quadro com o objetivo
de indicar como os assessores de imprensa respondem aos papéis e
funções assumidas pelos jornalistas (Quadro 3). Neste momento, serão
incorporados mais elementos à discussão, no sentido de indicar que
as funções e papéis de jornalistas e assessores respondem também aos
posicionamentos assumidos pelas fontes de informação.
Não se pretende, aqui, levar às coxias do debate a importância dos
gêneros jornalísticos, dos perfis editoriais dos veículos, das rotinas
de produção, das estruturas organizacionais e do fator tempo para a
tessitura desses perfis e posições dos agentes informativos. Contudo,
destaca-se que, aludindo ao discurso, há a relação dinâmica e mutável
entre os interlocutores, a qual determina e é determinada pelo discurso.
Se os veículos jornalísticos se constroem socialmente como trans-
missores da informação, a AI dialoga com essa representação social,
para que seu material seja “aceito” pela redação. Assim, o assessor, a
priori, se coloca para o jornalista como um fornecedor de informações
da fonte. Ele busca uma adesão à prática jornalística que afirma a sobe-
rania do fato e apresenta o acontecimento como “o referente de que se
fala, o efeito de realidade da cadeia dos signos, uma espécie de ponto
zero da significação”. (RODRIGUES, 1993, p. 27) Essa aderência ao dis-
curso de representação da mídia jornalística, por parte da assessoria,
é mais comum quando a negociação envolve os textos dos gêneros in-
formativos e as fontes têm notoriedade ou consistem em organismos
especializados.
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Por outro lado, se a fonte desponta como testemunha ou marca uma
posição específica em algum debate público, aqui o assessor lança mão
dos atributos do descritor-comentador. Como uma espécie de ghost-
-writer, o assessor argumenta, comenta, descreve a partir da visão da
fonte. Esses expedientes são mais usados quando a assessoria sugere ou
envia à redação material vinculado ao gênero opinativo e interpretativo.
Seja como fornecedor de informações ou descritor comentador, o
assessor de imprensa, ao selecionar o acontecimento, tem o compromis-
so de lidar com o discurso informativo estratégico, ou seja, os valores-
-notícia precisam atender ao jornalismo, mas também às necessidades
institucionais. Estar na mídia integra o conjunto de ações de comunica-
ção organizacional, que visa a conquistar a opinião do receptor e usar
a visibilidade como estratégia de sobrevivência no mercado.
Nesse sentido, a notícia institucional, sem abandonar suas carac-
terísticas informativas, assume caráter político, passando a ser
utilizada estrategicamente nos segmentos sociais que detêm o
poder de decisão ou o poder de influenciar decisões que possam
beneficiar a instituição que a originou. (MONTEIRO, 2003, p. 148)
Segundo Monteiro (2003), o conceito de newsmaking pode ser
transposto para dentro das organizações e usado para analisar suas
divulgações jornalísticas, porque, nessa instância, os critérios de noti-
ciabilidade também possibilitam a rotinização das práticas produtivas
da notícia. Entretanto, acrescenta-se que, na seleção do acontecimento,
os assessores negociam entre os valores-notícia e os valores (notícia)
institucionais.
Desde já, é razoável antecipar que não se pretende fixar a nomencla-
tura valores (notícia) institucionais, entretanto, os valores institucionais
são decisivos para definir, no âmbito da organização, qual acontecimento
deve se tornar notícia. Assim, na produção do discurso informativo
na AI, entram em cena não apenas os valores-notícia, referendados na
prática jornalística; os valores institucionais também são convertidos
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em valores-notícia, uma vez que, para a comunicação organizacional,
o informar integra a gestão da imagem e da reputação organizacional.
Conceito de muitos significados (BALDISSERA, 2000; BALDISSERA;
SÓLIO, 2005; CURVELO, 2009; FERRARI, 2009; FREITAS, 2004, 2009a,
2009b; NASSAR, 2009a, 2009b; TAMAYO; PORTO, 2005), “valor institu-
cional”, em primeira instância, remete à perenidade e à transcendência
no que diz respeito a situações específicas. Portanto, tem caráter estável
e duradouro: “os valores, como as normas, as crenças compartilhadas,
os símbolos e os rituais, constituem os elementos da cultura de uma so-
ciedade ou de uma empresa”. (TAMAYO, 1996, p. 175) Para Katz e Kahn
(1978 apud FERRARI, 2009), os valores de uma organização orientam
escolhas e resolvem conflitos, influenciando, pois, o comportamento e
as atitudes de seus membros. “Expressam uma dimensão fundamental
da cultura organizacional tal como ela é vivenciada pelos seus mem-
bros”. (TAMAYO; GONDIM, 1996, p. 64)
Em revisão da literatura sobre essa noção e estudos de caso, Ferrari
(2000, 2009) conclui que os valores de uma organização estão intima-
mente ligados à cultura local – da região, estado, país. Baldissera (2000),
todavia, destaca que essa cultura também pode ser transformada pe-
las organizações. No mais, os valores, alinhados com a missão, visão e
objetivos organizacionais, são necessários à elaboração e execução do
planejamento de desenvolvimento institucional, do planejamento de
comunicação e, consequentemente, das políticas comunicacionais que
ecoam nas ações da AI. (KUNSCH, 2003, 2009a, 2009b, 2009c; MOREL,
2008; TORQUATO, 2009)
O VALOR (NOTÍCIA) INSTITUCIONAL ARTICULADO
ÀS FONTES DE INFORMAÇÃO
O uso da palavra “notícia” entre parênteses, ao tratar dos valores ins-
titucionais, é sustentado pelo argumento de que a chamada “notícia
institucional” – discurso informativo estratégico – conforma valores e
outros critérios além dos previstos na prática jornalística, tais como:
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referencialidade – fixação das fontes institucionais como referência
para assuntos específicos –, sustentabilidade, responsabilidade social,
engajamento sociocultural, tecnologia, esporte e cidadania etc. Esses
valores são definidos e manejados a partir das políticas de comunica-
ção da instituição, identificadas no seu respectivo planejamento es-
tratégico de comunicação.13 (KUNSCH, 2003; LOPES, 2007; OGDEN;
CRISCITELLI, 2007; TAVARES, 2010; TORQUATO, 2009; VIANA, 2004;
YANAZE; FREIRE, SENISE, 2010) São valores, portanto, que mudam de
acordo com as organizações, uma vez que são cultivados com o intuito
de fortalecer identidade, imagem e consolidar marcas.
Assim, no momento em que lê, vê ou assiste a um programa sobre
determinada instituição, o receptor está exercitando sua capacidade
e seu poder de se informar sobre a empresa. Da mesma forma, ao
se por em visibilidade, essa instituição está chamando a atenção
para o que deve ou pode (com o intuito de ser autorizado) ser
visto ou sabido sobre ela. (MONTEIRO, 2003, p. 151)
Em síntese, os valores-notícia e os valores (notícia) institucionais
devem cumprir um duplo papel: rotinizar as práticas de produção e
divulgação jornalísticas na organização e implicar as audiências, seja
o jornalista da redação, seja o leitor final. Entretanto, para que haja im-
plicação da audiência, é preciso que ela se reconheça no discurso e que
suas expectativas sejam, em alguma medida, contempladas.
Por esse viés, seguem os estudos de Guerra (2014), nos quais os va-
lores-notícia são tratados também como expectativa da audiência.14
Os valores-notícia funcionam, portanto, como idealizações do
espectador real, a partir das quais os jornalistas podem supor
13 O planejamento estratégico de comunicação envolve a questão das análises de micro e ma-
croambientes, diagnóstico, definição de políticas da comunicação, objetivos, metas e planos
de ação, os quais serão divulgados, executados e acompanhados via relatórios e pesquisas.
14 O autor destaca que, nesse aspecto, a discussão não deve ser deturpada para justificar os
diferentes padrões de qualidade (ou falta de) dos suportes jornalísticos.
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qual é o seu interlocutor, esforçando-se para adequar a sua ofer-
ta de informações aos interesses presumidos de sua audiência.
(GUERRA, 2014, p. 43)
O ponto de partida do pesquisador é a premissa do jornalismo
moderno, cuja produção está inserida numa lógica de mercado. Nessa
perspectiva, os fatos não devem ser julgados apenas por suas caracte-
rísticas intrínsecas, mas também pelo pressuposto interesse do desti-
natário. (CHALABY, 1998, p. 81-82 apud GUERRA, 2014, p. 41-42) De
acordo com Guerra, desse princípio geral de mediação do jornalismo,
dois outros, complementares, se desdobram:
[a] o objeto das informações são os dados da realidade, os fatos,
sobre os quais se aplicam os valores-notícia; [b] a oferta de infor-
mação está motivada pela expectativa da audiência, que gera os
valores-notícia. Se a oferta não for compatível com as expectativas
dos receptores, o vínculo que une produtores e audiência não se
sustenta. (GUERRA, 2014, p. 42-43)
Guerra (2014, p. 43) trata dos valores-notícia no jornalismo por
duas vertentes – institucional e organizacional. “A instituição é defi-
nida como um conjunto de conceitos, normas e técnicas que definem
o jornalismo e a sua prática enquanto atividade social e profissional”.
Já a organização é um conjunto finito de pessoas e recursos, voltado à
realização do que “a instituição formalmente define como jornalismo”.
(GUERRA, 2014, p. 43) No âmbito institucional, portanto, o valor-no-
tícia, enquanto expectativa presumida da audiência, é o que garante a
mediação jornalística. Mas, no que tange à dinâmica organizacional,
as particularidades e singularidades da relação de cada veículo com
suas respectivas audiências forjam, segundo o autor, a noção de valo-
res-notícia de referência.
A distinção entre valor-notícia, como conceito, e valor-notícia re-
ferência, como uma tipologia de regras práticas que recomendam
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ou não a inclusão de um fato no noticiário, decorre da necessidade
de reconhecer a diferença entre a necessária existência de parâ-
metros de relevância que recomendam a inclusão de um fato no
noticiário e os parâmetros efetivamente usados por organizações
jornalísticas para avaliar os fatos que devem entrar no noticiário
sob sua responsabilidade. Ou seja, sempre, em qualquer tempo
e lugar, a atividade jornalística deverá recorrer a parâmetros de
relevância, mas a definição de quais serão os parâmetros efetiva-
mente usados vai depender de uma série de condições, sejam elas
culturais, institucionais, organizacionais ou qualquer outra, que
se combinam numa determinada forma, a dos valores-notícia de
referência. (GUERRA, 2014, p. 43)
Em consonância com os valores-notícia de referência, pode-se ati-
var a noção de contrato de leitura, que prevê o vínculo entre o pro-
duto jornalístico e o seu leitor (VERÓN, 1985, 1987, 1995, 1998, 2004)
e ancora ainda a concepção moderna de jornalismo como mediador
entre os acontecimentos da atualidade e o indivíduo. Nesse viés, os
valores-notícia de referência sustentam o contrato de leitura, embora
não abarquem a complexidade do conceito, constituindo, pois, parte
integrante dos elementos contratuais.
Dessa maneira, os valores-notícia e os valores (notícia) institucio-
nais,15 que balizam a seleção do fato e a construção do discurso infor-
mativo estratégico, devem envolver não apenas as características do
acontecimento em si, mas também atender às demandas – editoriais,
estruturais e de rotina produtiva – dos veículos, aos quais o texto
será endereçado – ou seja, atender aos valores-notícia de referência.
E, pela lógica do contrato de leitura, ao atender às especificidades do
15 Em tempo, o uso do termo “valores institucionais”, e não “valores organizacionais”, deve-se
ao fato de que estes valores suplantam, muitas vezes, as especificidades de uma ou outra
organização, atendendo também aos aspectos socioculturais de um contexto mais amplo,
que influi nas estratégias de concorrência, provocando, algumas vezes, uma uniformidade
desses valores. No mais, acentua-se ainda que as organizações buscam o lugar de instituições
sociais e, também com esse intuito, investem na gestão da comunicação. (KUNSCH, 2009b)
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veículo, o assessor estará mirando também o seu respectivo leitor.
Essa conquista em cascata se deve à concepção, implícita no contrato
de leitura, de que o produto jornalístico tem previsto um “leitor
modelo”. (ECO, 1987)
Feita a seleção do acontecimento sob essas recomendações, resta à
AI responder a questões como: “A audiência do veículo consiste num
público de interesse para a organização fonte?”. Se a resposta à indaga-
ção for positiva, buscar-se-á a adequação entre os valores (notícia) insti-
tucionais e as expectativas tanto do veículo quanto, por consequência,
do seu leitor. Normalmente, quando a organização tem planejamentos
institucionais e também um trabalho de comunicação planejado, os
valores institucionais estão em evidência também na agenda social –
sejam esses valores da contemporaneidade ou de caráter mais atem-
poral, que se consagram como preocupações em diferentes épocas e
culturas, mesmo que com intensidades variadas.
Embora não constitua um movimento constante, os valores (no-
tícia) institucionais podem despontar como novidades, acarretando
abordagens inovadoras às pautas jornalísticas no que tange a assuntos,
enquadramentos ou fontes de informação, sugerindo uma estruturação
menos trivial aos textos no que diz respeito à forma e ao conteúdo e,
por fim, penetrando nas rotinas e práticas jornalísticas organizacionais.
Caso isso ocorra, eles podem ser absorvidos pelo que Guerra denomi-
nou de valores-notícia potenciais, “isto é, expectativas da audiência
ainda não satisfeitas ou satisfeitas de modo incompleto pelos produ-
tos disponíveis, portanto, margem de crescimento e de renovação dos
padrões jornalísticos vigentes”. (GUERRA, 2014, p. 49)
Ao visitar a história do desenvolvimento da AI no Brasil, são lo-
calizados exemplos de valores (notícia) institucionais que introdu-
ziram novas abordagens e rotinas às redações jornalísticas. Nesse
sentido, é citado o trabalho realizado pelos jornalistas Alaor José
Gomes e Reginaldo Finotti nos anos 1960, no departamento de co-
municação da montadora de automóveis Volkswagen. Ao exercerem
a função de relacionamento com a imprensa, eles lançaram mão dos
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conhecimentos acumulados em anos de redação – Alaor vinha da TV
Record e do jornal Folha de S. Paulo, e Finotti do Última Hora. Os
jornalistas, então assessores, conheciam as restrições produtivas das
redações jornalísticas e sua imperiosa necessidade diária de pautas,
ou melhor, boas pautas.
Com base nessa experiência e com informações sobre as políticas de
comunicação da Volkswagen e seus valores, os profissionais romperam
com a lógica, comum para a época, do calhau e das notas plantadas,
para apostar no automobilismo como pauta. Assim, mais importante
do que informar à imprensa, em nota, sobre o aumento na produção,
ampliação das instalações ou aquisição de novos equipamentos, Alaor
e Finotti produziam notícias sobre automobilismo, nas quais os profis-
sionais da montadora figuravam como fontes de informação. A partir
dos newspags ou ganchos factuais, assuntos como segurança no trânsito,
design de carros, revisão do veículo antes de viagens, manutenção,
entre outros, ganhavam, aos poucos, as páginas dos jornais e tempo
nas programações de rádio e TV. Em 1971, os jornalistas deixaram a
Volkswagen para montar a empresa de comunicação Unipress, cujo
primeiro cliente foi a própria Volkswagen. Para a construção e divul-
gação editorial do automobilismo no Brasil, contribuiu também Enio
Campoi, com a empresa de assessoria Mecânica de Comunicação Ltda.
(CHAPARRO, 2003; DUARTE, 2011)
Dois aspectos merecem destaque nesse caso: além do direciona-
mento ofertado pelos valores (notícia) institucionais para a seleção e
produção do discurso informativo estratégico da Volkswagen, o uso
das fontes de informação também é considerado um case na área.
Essa postura era respaldada na busca por consolidar a marca como
referência em automobilismo e, para tanto, valor-notícia e fonte são
indissociáveis.
Na etapa inicial da seleção e da configuração do fato social, a AI,
enquanto promotora da notícia, precisa articular, de forma insepará-
vel, os valores-notícia, os valores (notícia) institucionais e as fontes de
informação. Estas últimas, seja em representação própria – políticos,
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artistas, atletas etc. –16 ou enquanto porta-vozes de alguma organiza-
ção, têm suas falas e posicionamentos comprometidos com a imagem
e reputação de marcas. Não custa lembrar que um dos objetivos da AI
costuma ser a consolidação do assessorado enquanto fonte de infor-
mação referência para os veículos jornalísticos, uma espécie de espe-
cialista, quando já não se trata de cargo oficial.
Ainda no que tange à seleção, vale acrescentar que o processo de
departamentalização das notícias em editorias – política, economia, se-
gurança, cidade, cultura, turismo, esporte etc. – também constitui um
recurso de localização e enquadramento do acontecimento, que já se
mostra eficaz e eficiente nessa escolha. É comum, na prática jornalística,
o uso de frases como “é uma boa matéria para economia”, “é assunto
para cultura”. Expressões dessa natureza parecem denotar que, desde
a seleção, o fato já ganha um direcionamento. Obviamente, não são
minimizadas as várias possibilidades de pautas sobre o acontecimento,
os enquadramentos, enfoques distintos que podem ser atribuídos a
ele. Chama atenção, entretanto, que no ato de selecionar geralmente
já se tem uma leitura para identificação da editoria mais conveniente.
Outro ponto a comentar é que as próprias editorias variam pouco
entre os veículos, mesmo quando se trata de meios diferentes – impresso,
TV, rádio e internet. Mas as estruturas dessas editorias são diferenciadas
ao comparar mídias nacionais com regionais e/ou locais. Por exemplo,
se em um jornal nacional a editoria de economia ganha um caderno
especial, um jornal de circulação local pode ter uma página para econo-
mia que cubra temas nacionais, e a economia local seria abordada em
cidade. (MOURA, 2002) Essa pouca variação entre as editorias também
repercute no trabalho da assessoria, dando maior ênfase à prática de já
selecionar, enquadrando o acontecimento editorialmente.
16 Artistas e personalidades geralmente estão associadas a outras marcas além de si mesmos,
através da vinculação do patrocínio ou como garoto(a)-propaganda. Por conta disso, suas
falas e posicionamentos costumam reverberar também nas marcas e/ou instituições às quais
estão associados.
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Os valores-notícia, os valores (notícia) institucionais, as fontes im-
plicadas e a editoria selecionada já se apresentam no chamado lead do
texto informativo da AI. O recurso, que visa assegurar que o jornalista
da redação, em poucas linhas, terá acesso ao acontecimento e, portanto,
avaliará o seu grau de noticiabilidade em minutos, segue o rastro das
práticas jornalísticas institucionalizadas.
O recorte do acontecimento, no tempo e no espaço, para responder
às questões “quem, que, onde, quando, como e por que” atende ao pa-
radigma fatual em oposição ao paradigma da opinião. (MOUILLAUD,
2012) A fórmula retórica, que tem origem nos debates dos sofistas, é
considerada a sequência germinal de toda narrativa e a estrutura cons-
tante da notícia moderna. Em que pesem as críticas de que esse padrão
do fato não atende a contento à complexidade da notícia, cuja estrutura
suplanta os conteúdos primários da narrativa (SODRÉ, 2009), tem-se
que esse modelo, retoricamente, pode ser eficaz no que diz respeito
ao agendamento público. Ainda na seleção do acontecimento, a agen-
da pública já é vislumbrada, desejada, e constitui uma preocupação.
A intenção, na maioria das vezes, é pautar a agenda da imprensa, a fim
de chegar à agenda pública.
NAS ÚLTIMAS PARADAS: PROPOSIÇÕES AO
PERCURSO ANALÍTICO
A partir do indicativo de que a notícia é o resultado do processo evene-
mencial, neste capítulo recorreu-se às teorias do jornalismo, a fim de
ampliar o aporte metodológico para análise da seleção e construção do
acontecimento, na relação entre AI e redação jornalística. Na perspec-
tiva do newsmaking (FRANCISCATO, 2014; GALTUNG; RUGE, 1965,
1993; GUERRA, 2014; HOHLFELDT, 2001; MOURA, 2002; PENA, 2012;
SILVA, G., 2014; SILVA, M., 2014; SODRÉ, 2009; TRAQUINA, 1993, 2000,
2002, 2005a, 2005b; TUCHMAN, 1993a, 1993b; WOLF, 2003), foi mos-
trado que os critérios de noticiabilidade, que conformam o valor-notí-
cia, perpassam todo o processo de produção do discurso informativo.
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Foi feita uma revisão histórica destacando alguns textos de referência,
com o intuito de salientar o caráter mutável e contextual dos critérios.
Além disso, foram indicadas abordagens, como as de Traquina, Wolf e
G. Silva, que podem funcionar como orientação à análise.
No que concerne à preocupação central deste livro, destaca-se
que, no âmbito da comunicação estratégica, mediante a AI, a sele-
ção e a construção da notícia também são postuladas pelos valores
institucionais, que se convertem em valores-notícia, dadas as fina-
lidades do discurso informativo estratégico, vinculadas à função
de relações públicas. Portanto, dependendo do grau de adesão da
redação jornalística à narrativa organizacional (da fonte), é possível
a publicização de uma informação que, simultaneamente, cumpra
o papel de “fazer saber” e “fazer seduzir”, atendendo aos interesses
da organização-fonte. Vale destacar que a AI articula, de maneira
inseparável, os valores-notícia, os valores institucionais e a fonte de
informação (assessorado).
Neste estudo, são consideradas as condições de produção da notícia,
nas quais o jornalismo desenvolve sua narrativa, tendo como referência
a primeira configuração do acontecimento na AI. Como diria Lippmann
(2008), nesse aspecto, a redação assume o lugar de um registro de “se-
gunda mão”. Essa situação comunicativa, entretanto, não implica um
jornalismo aderente ao discurso organizacional, mas coloca em cena
a dimensão do contato e da negociação.
Josenildo Guerra (2008, 2014) destaca que os valores-notícia cum-
prem o papel de rotinizar práticas de produção e divulgação jornalísti-
cas, mas também implicam a audiência. A AI, então, busca atingir duas
instâncias de reconhecimento: o jornalista do suporte e seu respectivo
leitor. Assim, ela segue os rastros do contrato de leitura estabelecido
entre tal suporte e seu público visado – contrato que se faz perceptí-
vel na capa, nas fotos, nos elementos ilustrativos, elementos gráficos,
gêneros e formatos de texto do veículo, entre outros (no caso de im-
presso); nos cenários, no uso de enquadramentos, nos movimentos de
câmera, no posicionamento dos mediadores, nos efeitos sonoros dos
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programas etc. (em caso de TV e rádio), sem falar nas especificidades
das mídias digitais.
No quarto capítulo deste livro, foram propostas questões que
funcionam como guias para investigação do processo de seleção e
construção do discurso informativo na relação entre AI e jornalismo.
Naquele momento, já havia indicação de que a análise deve compor:
1. a análise do discurso informativo estratégico; 2. a análise do dis-
curso informativo jornalístico para, depois; 3. ser traçada a zona de
interseção entre ambos, avaliando os critérios comuns à AI e à reda-
ção jornalística no processo.
Desse capítulo, acrescenta-se, ao quadro analítico já proposto, a
importância de atentar aos critérios de noticiabilidade, que influem
não apenas na seleção, mas em todo o processo construtivo da notícia.
Nesta pesquisa, a identificação dos valores-notícia assume um lugar
preponderante, uma vez que, no que tange ao discurso da AI, os va-
lores institucionais também devem ser contemplados enquanto tais.
Portanto, a negociação entre esta e a redação ganha camadas de sen-
tido que evidenciam as relações interorganizacionais intrínsecas ao
fazer jornalístico.
Assim, os valores-notícia – inclusive os valores institucionais – devem
ser pensados, prioritariamente, nos seguintes vieses: seleção do aconte-
cimento; escolha da fonte de informação e expectativa da audiência. E
as respostas devem ser tensionadas com: 1. a perspectiva intercontratual
da condição de produção da notícia na relação entre AI e jornalismo;
e 2. a constatação de que existem, nesta situação comunicativa, duas
narrativas a priori do acontecimento.
Para além da análise conteudística de mapeamento dos valores-
-notícia no discurso informativo estratégico e no discurso informativo
jornalístico, propõe-se a articulação desse resultado com o aporte
teórico da AD e da tríplice mímesis de Ricoeur, que garante a investi-
gação dos elementos intradiscursivos e extradiscursivos, cujas propos-
tas analíticas já foram expostas nos capítulos do segundo momento
deste trajeto. No mais, é sabido que a relação triádica AI – redação
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jornalística – leitor, na produção do discurso informativo, tem como
objetivo e possível consequência o processo em cadeia de agenda-
mento: da mídia, em primeiro lugar, e do público, posteriormente.
Esse é o tema do próximo capítulo.
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NA PERSPECTIVA DA AGENDA SETTING
SELEÇÃO E CONSTRUÇÃO DO ACONTECIMENTO
NA RELAÇÃO ENTRE JORNALISMO E
COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA
O último capítulo deste livro coloca o “viajante” diante do agendamento –
pano de fundo e motivação à configuração do discurso informativo,
construído na relação entre AI e redação jornalística. Ao sinalizar o
caráter estratégico do discurso informativo produzido pela assessoria,
uma vez que este integra o conjunto de ações para gestão da imagem e
reputação da organização-fonte, fica subjacente, na observação, a pers-
pectiva do agendamento. No que diz respeito ao discurso informativo
jornalístico, Alsina (2009) destaca que uma de suas características é a
construção do temário e implicação do leitor.
Na arena de disputa pela visibilidade, o que está em questão é a
negociação entre as pautas dos distintos campos e a pauta da mídia; e
o que é cobiçado é a possibilidade de integrar a agenda pública. Mas
a hipótese requer um olhar mais amplo. As pesquisas sobre agenda
setting lançaram as apostas metodológicas para além das questões de
297
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programação (que acontecimentos são agendados?), visando a contem-
plar também respostas acerca de “como” os acontecimentos são agen-
dados. Nesta segunda dimensão, ecoam as preocupações deste livro.
***
Um dos norteadores da seleção do acontecimento a ser configurado
em notícia, na instância da AI, é a pretensão de que este seja absorvido
pela agenda da mídia e, posteriormente, pela agenda social ou pública.
(BOURDEAU, 2009; CHAPARRO, 2010; CHINEN, 2003; DUARTE, 2011;
KOPPLING; FERRARETTO, 2001, 2006; MAFEI, 2007; MONTEIRO,
2003; MOREL, 2008) Mas o que, de fato, está imbuído nessa afirmação
tão corriqueira na literatura sobre o relacionamento das organizações
com a mídia? No que tange à construção do acontecimento, quais as
implicações e as consequências das negociações entre AI e redação jor-
nalística para a chamada agenda setting?1
Lang e Lang, numa crítica construtiva à hipótese da agenda set-
ting, especialmente às pesquisas sobre as campanhas para eleições
políticas, observaram uma negligência em torno da questão de como
se originam os issues – temas, numa tradução livre, ou constituição do
acontecimento, na perspectiva da teoria da notícia.2 (LANG; LANG,
1981 apud WOLF, 2003, p. 178) Desde então, as investigações avança-
ram (FISHMAN, 1980; HALL et al., 1993; MOLOTCH; LESTER, 1993;
SANT’ANNA, 2008a; FAUSTO NETO, A., 2002; TUCHMAN, 1993a,
1993b), e parte das respostas à inquietação suscitada por Lang e Lang
talvez esteja na indicação de que a agenda midiática é produto de
um conjunto de negociações com outros campos sociais, nos quais os
1 Por conta do foco de pesquisa, não são consideradas aqui as agências de notícias nem as
iniciativas da sociedade civil ou do cidadão comum no que tange à tentativa de pautar a
mídia, ainda que se reconheça sua relevância. Pela mesma razão, também não se considera
que as questões da origem dos issues envolvam problemáticas mais amplas, na dimensão
sócio-histórico-cultural.
2 Nelson Traquina (2001) traduz “issue” por constituição de um acontecimento ou de uma
questão.
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acontecimentos são enquadrados e emoldurados sob diversos ângulos,
atendendo a interesses vários.
Assim como o newsmaking, a chamada agenda setting consiste
em uma das linhas de pesquisa que instauram as tendências atuais da
communication research e marcam a ruptura com as premissas dos
efeitos de curto prazo, para trazer à luz os estudos dos efeitos de longo
prazo e o problema de como estes constroem a imagem da realidade
social. As pesquisas, desenvolvidas especialmente a partir da segunda
metade do século passado, alteram o eixo da questão central da in-
fluência da mídia sobre o destinatário para mostrar os efeitos não como
concernentes às mudanças de comportamentos, atitudes e valores,
mas enquanto efeitos cognitivos que impactam o modo como o leitor
organiza e constrói o real socialmente. Além disso, não se trata mais
do efeito pontual em resposta à exposição a uma mensagem, mas do
efeito processual e cumulativo.
Edificada com base no legado da sociologia cognitiva, a hipótese
da agenda setting contempla estudos interdisciplinares e reconhece a
importância dos processos simbólicos e de comunicação para a sociabi-
lidade. Aqui, o modelo transmissivo cede lugar aos modelos centrados
nos processos de significação, o que ancora o ponto de vista de que a
mídia é também construtora da realidade e as imagens são passíveis de
reestruturação ao longo do tempo, dado o surgimento de novas crenças
e opiniões. (WOLF, 2003)
Foi ultrapassada, pois, a linha dos efeitos intencionais, cuja maior
representante é a teoria hipodérmica, calcada no behaviorismo. A par-
tir dessa mudança de percurso, busca-se entender que atributos teria
a mídia para influir na agenda pública. Para Noelle-Neumann (1973),
as características de acumulação, consonância e onipresença respon-
dem à questão, uma vez que a acumulação concerne à capacidade da
mídia de criar e sustentar um tema como relevante; consonância trata
da repetição de assuntos por diferentes noticiários e, por fim, a onipre-
sença refere-se ao saber partilhado socialmente de que determinado
assunto é público. Essas seriam, portanto, as características midiáticas
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que sustentam a hipótese do agendamento,3 que tem como pressupos-
tos iniciais: o fluxo contínuo de informação, os efeitos a longo prazo e
a aposta de que a mídia não influencia o que pensar, mas sobre o que
pensar e falar. (HOHLFELDT, 2001, p. 190)
O investimento em pesquisas, entretanto, mostrou que o agenda-
mento interfere também no âmbito do como pensar, a partir da seleção
do acontecimento e dos enquadramentos a ele oferecidos. Em artigo
publicado inicialmente em 1993, no Journal of Communication (v. 43,
n. 2), com o título “The evolution of agenda setting research: twenty
five years in the marketplace of ideas”,4 McCombs e Shaw (2000a,
p. 131) constataram o avanço nesta direção:
O agendamento é bastante mais do que a clássica asserção de
que as notícias nos dizem sobre o que é que devemos pensar. As
notícias dizem-nos também como devemos pensar sobre o que
pensamos. Tanto a selecção de objectos para atrair a atenção como
a selecção de enquadramentos para pensar sobre esses objectos
são tarefas poderosas do agendamento.
Ao acatar a inserção da assessoria na configuração do acontecimento,
as problemáticas sobre o agendamento tornam-se mais complexas e
transpõem a relação direta entre agenda midiática e agenda pública,
uma vez que a construção da agenda da mídia envolve a negociação
com outras agendas dos campos sociais e constitui o resultado de mui-
tas transações, articulação de diferentes interesses e múltiplas signifi-
cações. Por esse prisma, a agenda da mídia não pode ser contemplada
como uma decisão unilateral, mas sim o resultado de movimentos so-
ciais entre diferentes campos e suas respectivas agendas, as quais são
movidas nos tabuleiros de negociações de interesses e poderes.
3 Tradução do termo “agenda setting”.
4 O artigo foi reeditado em publicação portuguesa, coordenada por Nelson Traquina em 2000.
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McCombs e Shaw (2000a, p. 128) também destacaram esse aspecto
negocial: “Enquanto as fases iniciais da pesquisa sobre o agendamento
se centravam na questão – ‘Quem determina a agenda pública e em
que condições’, a mais recente fase do trabalho centrou a sua atenção
na pergunta ‘Quem determina agenda dos media’”. Essa constatação
não subtrai do campo das mídias o lugar de instância de produção,
organização e tematização das agendas, mas ressalta a negociação no
processo. (BORELLI, 2003; FAUSTO NETO, A., 2002; FAUSTO NETO,
T.; SANTOS, 2013)
O EFEITO DE AGENDA SETTING, ASPECTOS
METODOLÓGICOS E ANÁLISE DE DISCURSO
A hipótese da agenda setting começou a ser elaborada pelo professor
estadunidense Maxwell McCombs em 1968, em estudo feito sobre a
campanha eleitoral para presidente dos Estados Unidos, no condado
de Chapel Hill, na Carolina do Norte. O pesquisador aplicou cerca de
100 questionários com eleitores de perfis econômico-sociais distintos,
nos meses de setembro e outubro, a fim de analisar a importância ofe-
recida aos assuntos e problemas em jogo. Para comparar a agenda do
público com a da mídia, ele analisou o conteúdo de jornais, revistas e
emissoras de TV, detectando um alto nível de convergência entre os
assuntos destacados pela mídia e a atenção atribuída a eles pela comu-
nidade. (HOHLFELDT, 2001)
Isso não quis dizer que a imprensa tivesse sido bem-sucedida
levando suas audiências a adotar qualquer determinado ponto de
vista, mas sim em fazer as pessoas encararem alguns problemas
como mais relevantes do que outros. A agenda da imprensa virou
a agenda do público. (BALL-ROKEACH; DEFLEUR, 1993, p. 284)
Os resultados dessa primeira experiência e as dúvidas consequen-
tes do processo de pesquisa instigaram novas empreitadas. No início
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dos anos 1970, Maxwell McCombs uniu-se a Donald L. Shaw para apro-
fundar os estudos.5 Ao analisarem a eleição presidencial de 1972, mar-
cada pelo forte embate entre Richard Nixon, concorrendo à reeleição,
e George McGovern, obtiveram, de forma geral, uma confirmação do
que já tinha sido constatado antes. Entretanto, dessa vez, o âmbito da
pesquisa foi mais amplo.
Diferentemente da pacata Chapel Hill, escolheram a cidade de
Charlotte Ville, também na Carolina do Norte, situada entre a capital
federal (Washington, DC) e Atlanta, na Georgia, uma localidade então
marcada pela ampla expansão demográfica e pelo crescimento urbano
acentuado. Nesse espaço, foram aplicados 227 questionários, e o tempo
de averiguação também foi mais extenso, permitindo, por exemplo,
verificar a presença do duplo fluxo de informação ou fluxo da comu-
nicação em dois níveis (two-step flow of communication)6 – descoberta
teórica dos anos 1930 e 1940, da Mass Communication Research, a qual
salienta que muitas vezes não há um caminho linear entre o conteúdo
midiático e o receptor, dada a interferência de líderes de opinião. Os
fatores interpessoais ajudam a explicar as condições nas quais os efei-
tos de agenda setting são mais salientes.
Desde então, os estudos de McCombs e Shaw têm suscitado várias
pesquisas e a confirmação de que a hipótese da agenda é mais complexa
do que sua formulação inicial demonstrou. Em tempo, fala-se em hi-
pótese em vez de teoria, porque aquela não é um paradigma fechado,
impermeável a complementações e revisões; trata-se de um caminho a
ser testado, no qual acertos e erros não invalidam a perspectiva teórica,
mas motivam novas reflexões. (HOHLFELDT, 2001) Ultrapassar, pois,
a formulação programática em nome de um maior aprofundamento
tem sido imperativo nos estudos sobre agendamento.
5 Os pesquisadores já tinham publicado um estudo preliminar. Ver McCombs e Shaw (1972,
2000b).
6 Ver mais sobre o assunto em Lazarsfeld (1940, 1941, 1944).
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A asserção de base da agenda setting é que os meios de comunicação
de massa modificam a compreensão das pessoas acerca da realidade
social. (SHAW, 1979 apud WOLF, 2003, p. 143) Essa perspectiva, con-
tundente nos estudos de Lang e Lang e de Noelle-Neumann, já havia
sido anunciada por Lippmann (2008) em 1922, quando inferiu que o
mundo é acessado através de imagens mentais construídas socialmente,
muitas vezes a partir dos estereótipos.
McCombs e Shaw reconheceram ter buscado inspiração nos estu-
dos de Lippmann, assim como nas pesquisas de Bernard Cohen dos
anos 1960, para desenvolver a hipótese da agenda setting. No texto
de Cohen, já havia a observação de que a mídia interfere no temário
público. McCombs e Shaw (2000a, p. 49) atribuíram um conceito ao
fenômeno e o sistematizaram: “Embora os media possam ter pouca
influência sobre a direção ou a intensidade das convicções, coloca-se
a hipótese de que possam estabelecer a agenda de cada campanha, in-
fluenciando a relevância das atitudes em relação às questões políticas”.
Ao longo das últimas décadas, entretanto, tem ficado mais evidente
a necessidade de projetar articulação entre a agenda setting e outras
tendências teóricas, no sentido de garantir um maior amparo metodo-
lógico e refinamento dos aspectos gerais da hipótese.
Como falta unidade metodológica nos estudos sobre agenda setting,
esta não se constitui um paradigma de pesquisa estável e definido, pois
trata da influência em longo prazo e é um terreno aberto às práticas
interdisciplinares. No mais, o agendamento refere-se ao conjunto es-
truturado de conhecimentos sobre a realidade social, adquiridos na re-
lação com a mídia. Assim sendo, os diferentes elementos que atuam na
produção da informação também podem ser incorporados nos estudos
sobre a hipótese, como noticiabilidade e enquadramento (framing).
Da mesma maneira que os critérios de noticiabilidade conformam,
ao longo do tempo, o quadro institucional e o profissional, a partir
dos quais a noticiabilidade do fato social é percebida por jornalistas e
assessores de imprensa, a ênfase constante em certos temas também
formam uma moldura interpretativa – “um frame que se aplica (de
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maneira mais ou menos consciente) para dar sentido ao que observa-
mos”. (WOLF, 2003, p. 145) Por esse prisma, os veículos jornalísticos
não oferecem só um conjunto de notícias, mas enquadramentos pelos
quais os destinatários o significam.
Ainda desatando os nós metodológicos, outro aspecto a examinar
nos estudos de efeito da agenda setting diz respeito às especificidades
dos meios de comunicação. A construção do discurso informativo vai
articular diferentes elementos, a partir das gramáticas próprias de cada
meio. Os dispositivos comunicacionais acionados pela TV, rádio, im-
presso, internet (mídias digitais) são díspares entre si e vão influir na
produção de sentido do discurso.
Além disso, investigações demonstraram que os diferentes meios de
comunicação têm capacidades diferenciadas para estabelecer a ordem
do dia, de acordo com os hábitos de consumo e a composição textual
dos distintos elementos semióticos presentes nos produtos de áudio,
vídeo e texto, sejam isolados ou em convergência.7 “O estudo sobre a
capacidade diferencial da agenda dos diversos meios de comunicação
de massa permite também articular diversas qualidades de influência”.
(WOLF, 2003, p. 151, grifo do autor) Nessa seara, localizam-se as investi-
gações que se debruçam a compreender o efeito de agenda particular
e específico na televisão e na internet.
Vale lembrar também que a mídia noticiosa, além de expor os as-
suntos da “ordem do dia”, apresenta-os de forma hierárquica, e tal dis-
posição, por si só, já é geradora de significações. (FERREIRA, G., 2001)
Mas o poder de “redigir” a agenda pública engendra outras implicações:
trazer alguns assuntos à visibilidade significa deixar outros fora da pauta.
Em um período eleitoral, por exemplo, essa intensidade ofertada a de-
terminados assuntos pode direcionar os discursos e as propostas dos
políticos em campanha, mas, para além de uma interferência nos ritos
sociais, essa dinâmica pode acarretar a chamada espiral do silêncio.
7 Sobre o diferente poder de agenda dos diversos meios de comunicação de massa, ver pesquisa
de McClure e Patterson (1976).
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Face oculta do agendamento, esta hipótese trata dos temas silenciados
na mídia noticiosa em contextos específicos e avalia os impactos desse
silenciamento.8
Na omissão ou desprestígio, a espiral do silêncio pode dividir a cena
com um agendamento marcado pela cobertura tímida ou prejudicada
de determinados assuntos, seguindo argumentos ou intenções várias.
“Pode haver entre os diferentes meios de comunicação de massa vários
modos de gerar o efeito de agenda setting por omissão, mas todos, em
certa medida, incorrem nele, e certamente também o sistema informa-
tivo em seu conjunto”. (WOLF, 2003, p. 151)
À medida que os questionamentos são descortinados, revela-se a
complexidade do efeito de agenda setting. A hipótese sustenta que a
mídia interfere na imagem da construção social do indivíduo. Essa
imagem, por sua vez, não representa a totalidade do mundo, mas pode
funcionar como pano de fundo ou padrão, com o qual a nova infor-
mação é confrontada e significada, ou seja, é background ou script, ati-
vado pelo sujeito a cada situação de comunicação. Nesse caso, tem-se
uma sedimentação, uma continuidade, no sentido de que os efeitos
de agendamentos anteriores alicerçam o caminho para novos efeitos
e, desse modo, a construção da realidade será sempre o resultado das
mediações de elementos simbólicos e temporais e das estruturas de
inteligibilidade.
Essa observação amplifica o lugar do sujeito e das possibilidades de
integração entre as agendas subjetivas e as propostas da mídia. Aqui, a
influência da mídia sobre o que é relevante e importante varia conforme
os temas tratados e o grau de adesão dos interlocutores. Ou seja, a va-
riável da centralidade do tema para o indivíduo (e suas predisposições)
é um dos fatores de mediação da agenda setting. Por conta disso, são
destacados três tipos de agenda: a intrapessoal (o que o indivíduo des-
taca como saliente, de acordo com seu próprio grau de implicação); a
interpessoal (refere-se à saliência negociada nas relações comunitárias)
8 Sobre a hipótese da Espiral do Silêncio, conferir Noelle-Neumann (1973, 1974, 1983).
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 305
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e uma terceira, que diz respeito à percepção de um indivíduo sobre a
chamada “opinião pública”. A primeira constitui a mais fácil de ser tes-
tada empiricamente. (ALSINA, 2009; MCCOMBS, 1981; WOLF, 2003)
Na trilha das inquietações patrocinadas pela hipótese, as indagações
referem-se ainda ao desnível entre as agendas do público e da mídia,
pois sempre há uma dúvida sobre a existência ou não de conhecimento
e sobre quais temas. Dentro dessa interrogação, instala-se uma outra,
também relevante, que se volta à compreensão de que tipos de informa-
ção são difundidos e transitam nas agendas. Nas investigações guiadas
por esse tensionamento, as respostas suplantam a esfera do “o que” para
abarcar também o “como”. À formulação programática é anexada uma
análise mais aprofundada, que busca dar conta dos níveis de conheci-
mentos adquiridos e da influência, por exemplo, das especificidades
dos meios nesse nivelamento. Nos anos 1970, estudos comprovaram
que os níveis de conhecimento mais aprofundados eram conquistados
a partir do contato com o texto impresso, e à TV cabia uma inserção
nos assuntos ou aprendizados mais superficiais.9
Sob a projeção das interrogações acerca de “como” os conhecimen-
tos são adquiridos, há também a constatação da inexistência de uma
difusão homogênea do efeito de agenda setting. Isso porque são con-
templados destinatários diferenciados, seja em suas histórias e arca-
bouço cultural, seja no enquadramento institucional, uma vez que há
os públicos específicos e o público genérico.
Todos os questionamentos levantados desembocam na necessida-
de metodológica de um avanço em relação às abordagens empíricas
táticas, que marcaram as primeiras pesquisas sobre esse efeito. Além
do mais, os estudos baseados na Análise de Conteúdo (AC) revelam-
-se importantes, mas são limitadores quando se leva em conta, por
exemplo, a possível conexão entre as especificidades dos meios de
comunicação e a capacidade de gerar agendamento. Para Wolf (2003),
9 Ver mais sobre a relação entre o agendamento e as especificidades dos meios de comunicação
em Benton e Frazier (1976).
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apreciar as modalidades específicas dos meios é considerar as tecnolo-
gias da informação, os formatos e os gêneros informativos acionados
pela comunicação.
Ainda no que diz respeito aos resultados alcançados pela AC, parece
frágil a associação direta entre a frequência com que determinado as-
sunto aparece e sua importância. Fica insustentável também a justifica-
tiva de que o leitor realiza, sem contestação, essa correspondência entre
frequência e relevância. Essas formas de associação estão em sintonia
com modelos pré-semióticos de análise do agendamento e, portanto,
não comportam os mecanismos de comunicação e interpretação acio-
nados no processo nem levam em conta aspectos relativos à memo-
rização que influem na construção da enciclopédia do destinatário.
Segundo Wolf (2003), a junção dialógica entre conceitos da semiótica
e da psicologia cognitiva pode preencher tais lacunas.
Se os quesitos apontados já complexificam metodologicamente a
hipótese, a questão temporal vem corroborar mais para o desconforto.
Tendo em vista que a agenda setting trata do efeito de longo prazo,
qual o melhor arco temporal para verificar a existência ou inexistên-
cia desse efeito? As pesquisas nesse viés são impelidas ao encontro de
arguições sobre: frame temporal (extensão global do tempo em que
se realiza a pesquisa); intervalo temporal ou time lag (intervalo entre
levantamento na mídia e levantamento da agenda do público); dura-
ção do levantamento da agenda da mídia; duração do levantamento
da agenda do público; e duração do melhor efeito (período dentro do
qual se determina a máxima associação entre a ênfase dos temas por
parte da mídia e sua importância no conhecimento do público). (EYAL;
WINTER-DE GEORGE, 1981 apud WOLF, 2003, p. 173; HOHLFELDT,
2001) São muitas as divergências no que tange às respostas para essas
questões; no entanto, há o consenso de que elas respingam nos resul-
tados, uma vez que cada issue tem sua própria dinâmica temporal.
Uma síntese do caminho já desenhado torna possível inferir que
há muito as pesquisas sobre agenda setting lançaram as apostas meto-
dológicas para além das questões de programação (o quê), visando a
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abranger também respostas acerca de “como” os acontecimentos são
agendados. Essa modalização está presente tanto na instância da cons-
trução da agenda da mídia quanto na instância do reconhecimento, ou
seja, na passagem de uma agenda da mídia para uma agenda do público.
Nesse trânsito, saltam aos olhos as indagações concernentes ao im-
pacto provocado pelo enquadramento significante das notícias, pelas
especificidades dos dispositivos midiáticos e pela convicção episte-
mológica de que não há transmissão homogênea. Em lugar da ho-
mogeneidade, são encontradas mediações simbólicas alicerçadas nos
roteiros e scripts do destinatário, na centralidade do tema para ele e
nas negociações com suas agendas subjetivas e a agenda da mídia. No
que diz respeito à construção da agenda midiática, área de interesse
deste livro, dada a inserção da AI no processo, ficam em relevo as ne-
gociações com as agendas de outros campos sociais para definição dos
critérios de noticiabilidade e enquadramento para seleção e construção
do acontecimento midiático.
As várias problemáticas imbricadas na abordagem do agendamento
não tardaram muito para revelar as limitações metodológicas impostas
pela AC e pelas avaliações qualitativas e quantitativas dos questioná-
rios. A necessidade de ampliar a medição simbólica e os mecanismos
de construção da realidade direcionaram as pesquisas para a sociologia
e psicologia cognitivas, semiótica e análise de discurso.
Os efeitos da agenda setting parecem intangíveis se contempladas
as várias facetas dessa hipótese. Definição de frame temporal, time lag,
tempo da exposição ao conteúdo midiático, interferências do repertório
pessoal na assimilação dos conteúdos e tematização: esses são alguns
dos problemas que se impõem ao pesquisador. Considera-se que mui-
tos desses questionamentos podem ser incorporados pela perspectiva
discursiva. Pelo viés da AD, o discurso é abarcado nas suas condições
de produção e reconhecimento, a partir dos aspectos contratuais nos
quais foi gerado. Ou seja, o discurso é sempre relacional e propõe a
articulação de elementos intra e extralinguísticos. E, mesmo que haja
quadros previstos pela situação de comunicação, cada ato comunicativo
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coloca os interlocutores em condições de estabelecer relações próprias
a partir dos contextos, repertórios e intenções previstas no ato da troca.
Para preencher algumas brechas metodológicas da hipótese do
agendamento, a noção de contrato, modulada pelos operadores de
análise de finalidade, propósito, identidade dos agentes e dispositivo,
engloba questões referentes às especificidades dos meios, tematização,
negociação entre agendas, entre outros. (CHARAUDEAU, 2012a) Além
disso, o discurso jornalístico, enquanto texto, pode ser analisado em
sua estrutura, a partir do método proposto pelo pesquisador Dijk (1990,
1999) e pelos “modos de dizer” desenvolvidos por Charaudeau (2003),
Pinto (2002) e Verón (1997, 1998, 2004). No mais, não se descarta, pelo
contrário, estimula-se ainda a conexão entre apostas analíticas da AC,
da AD e das pesquisas empíricas. Aliás, como já sinalizado, a AD abre
diálogo com as ciências sociais, a fim de mobilizar conceitos em prol
do aprofundamento analítico.
Neste momento, o eixo é direcionado à construção do agendamento
da mídia, a partir da inserção das AI. Desse modo, concorda-se com
Wolf (2003), quando pondera que, para dar conta das modalidades de
mediação simbólica do jornalismo, é preciso compreender e analisar as
condições produtivo-profissionais do discurso jornalístico. McCombs
(2009), em seus estudos sobre o campo político e a origem da agenda
da mídia, já havia cogitado que o processo de produção da notícia en-
volve a negociação entre distintas agendas:
Refletir sobre as origens da agenda da mídia faz lembrar muitas
outras agendas, tais como as agendas de temas e de questões
políticas consideradas pelas casas legislativas e por outros órgãos
públicos que são rotineiramente objetos de cobertura da mídia
noticiosa, assim como as agendas que competem entre si nas
campanhas políticas, ou ainda a agenda de assuntos, usualmente
é proposta pelos profissionais das relações públicas. Há muitas
agendas organizadas nas sociedades modernas. (MCCOMBS,
2009, p. 153)
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Fausto Neto também alerta para o fato de que a agenda midiática
é uma elaboração tensa e se conforma, muitas vezes, a partir do fenô-
meno de “injunções dos trabalhos de agendas de outros campos”, o
que comprime e relativiza a autonomia midiática diante da definição
de sua própria agenda. (FAUSTO NETO, A., 2002) Na visão do autor:
O que se torna problemático é adoção de critérios que definem
o processo de noticiabilidade, o que permite perguntar: em que
medida o que preside a visibilidade de um acontecimento, na
esfera da mídia, é definido por critérios explicitamente de na-
tureza pública, aos quais o jornalismo deve estar subordinado,
ou por outros critérios, muitas vezes, agendados em ‘agendas
particulares’? Vale lembrar que, neste caso, prevalecem interesses
de instituições e atores que pertencem à esfera de campos sociais,
que, por seu turno, nutrem perspectivas muito particulares quanto
ao processo da visibilidade. (FAUSTO NETO, A., 2002, p. 15)
Sem entrar numa abordagem conspiratória, tem-se que, na instân-
cia de produção da AI, a seleção do acontecimento é orientada tam-
bém pelos valores (notícia) institucionais. Dessa inferência, emergem
as indagações sobre o processo de construção da agenda midiática e
a suspeita de que a mídia, sob o peso da limitação de suas estruturas
produtivas, pode ser uma ponte entre as agendas de diferentes campos
sociais e a agenda pública. As assessorias não estariam influenciando
na construção da agenda pública, via mídia jornalística?
Em entrevista à Revista Brasileira de Ciências da Comunicação,
celebrando os 35 anos de formulação da hipótese, McCombs (2008,
p. 211) admitiu a importância das assessorias na construção da agenda,
pois se constituem como promotoras da notícia: “Podem ser as agências
de relações públicas, assessorias de imprensa dos governos ou pessoas
entrevistadas pelos jornalistas. Obviamente, elas têm influência sobre
a mídia porque fornecem muitas das informações utilizadas”.
A partir de agora, serão elaborados alguns apontamentos sobre a rela-
ção entre AI e redação jornalística no que tange ao agendamento público.
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AGENDAMENTO E NOTICIABILIDADE
Ao considerar que a construção da informação é elementar ao proces-
so de agenda setting (TRAQUINA, 2002), cogita-se que a tentativa de
exercer algum tipo de influência sobre o destinatário (leitor) inicia-se
com a escolha do fato social. Os valores-notícia operados na seleção já
conferem determinados atributos à ocorrência, os quais constituem
os primeiros enquadramentos, extrapolando, desde então, o limite de
“o que” agendar.
A relação intrínseca entre o agendamento e o processo evenemen-
cial, ou construção do acontecimento, é também chamada de temati-
zação. (ALSINA, 2009; WOLF, 2003) Ato configurativo, que constitui
uma dimensão peculiar da agenda setting, “tematizar um problema
significa, na realidade, colocá-lo na ordem do dia da atenção do pú-
blico, dar-lhe a importância adequada, salientar sua centralidade e sua
significatividade em relação ao fluxo normal da informação não tema-
tizada”. (WOLF, 2003, p. 165)
Assim, o estudo da chamada tematização, aos olhos da teoria da
notícia (ALSINA, 2009; TRAQUINA, 2002; WOLF, 2003), implica a ar-
ticulação entre os paradigmas do agendamento e do newsmaking. Na
relação entre AI e jornalismo, portanto, a tematização é a conexão ne-
cessária entre três elementos: critérios de noticiabilidade aplicados por
jornalistas e assessores; limiar de visibilidade dos temas; e os efeitos
de agenda resultantes da relação entre noticiabilidade e visibilidade.
A tematização implica a natureza pública do tema, sua relevância so-
cial. Nem todo acontecimento ou problema é suscetível de tematização,
apenas os que denotam alguma relevância político-social. “Os meios de
comunicação de massa, portanto, tematizam dentro dos limites que eles
mesmos não definem, num território que eles não delimitam, mas que
simplesmente reconhecem e começam a cultivar”. (WOLF, 2003, p. 165)
Colocar sob os holofotes a agenda da mídia definida em negociação
com a AI é fragilizar a ponderação de Traquina (2002) de que o conceito
de agenda setting implicou a “redescoberta do poder do jornalismo”,
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porque é complicado dissociar “poder” e autonomia, esta última muitas
vezes fragilizada no contato com as fontes de informação profissiona-
lizadas. (KOVACH; ROSENSTIEL, 2003) Se, de um lado, a deontologia
do jornalismo ancora-se no pacto com o efeito de sentido de verdade,
do outro, as assessorias têm um compromisso com a imagem da fonte.
A imprensa livre garante ao jornalista o ethos “de um comunicador de-
sinteressado que não só serve à opinião pública e constitui uma arma
imprescindível em democracia contra a tirania insensível ou quaisquer
eventuais abusos de poder, mas também que se sente comprometido
com a verdade”. (ELIOTT, 1978 apud TRAQUINA, 2002, p. 78)
O ethos do assessor, entendido como concernente à área de rela-
ções públicas, diz respeito à negação da atividade como propaganda,
afirmando-a como benéfica à sociedade, pois promove o diálogo e o
bem-estar social. (FERRARI, 2009; KUNSCH, 2009b; SILVA, D., 2012)
No ethos de relações públicas, no entanto, são identificadas duas dimen-
sões conflitantes: a função social e o domínio estratégico. Na primeira,
as relações públicas buscam o equilíbrio entre os interesses da organi-
zação e de seus respectivos públicos. Na segunda, elas são defendidas
enquanto função estratégica, a qual corresponde à realização de ações
e à tomada de decisões balizadas pelo planejamento estratégico. (REIS,
2014) Nessa segunda abordagem, ancoram-se as práticas dos discursos
informativos estratégicos. Como equacionar, na construção da notícia,
interesses que, a priori, podem parecer distantes? Como pensar a for-
matação da agenda do jornalismo nessa relação? Em resumo, destaca-se
como crucial a questão: “Quem determina a agenda jornalística?”.
Com base nas variáveis elaboradas por Traquina (2002, p. 29), são
definidos dois vieses, que afloram como determinantes na constitui-
ção dessa agenda: 1. a atuação profissional de jornalistas e assessores,
que utilizam os critérios de noticiabilidade na seleção e configuração do
acontecimento; e 2. a ação estratégica dos assessores (news promoters),
por meio da qual mobilizam recursos para obter acesso ao campo
jornalístico. Essas investidas podem contar com a adesão ou réplica
dos news assemblers, de acordo com a rotina e estrutura de trabalho,
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o valor de noticiabilidade do discurso informativo estratégico e/ou
as relações político-econômicas entre a organização jornalística e as
organizações-fonte.
Não se pode sublimar que a hipótese da agenda setting seja uma
resposta acadêmica ao descontentamento com a abordagem dos efeitos
limitados e, portanto, constitua a possibilidade de superação das pro-
postas mais simplificadas nas teorias dos efeitos. Tendo como principal
objeto de estudo as campanhas eleitorais e o cenário político, a literatura
dessa linha de investigação comporta três elementos que constituem
o processo de agendamento: agenda midiática (media agenda setting),
agenda pública (public agenda setting) e agenda das políticas governa-
mentais (policy agenda setting). (ROGERS; DEARING; BREGMAN, 1993)
Ao olhar para essa tríade à luz do paradigma do newsmaking e, es-
pecialmente, com as lentes do quadro desenhado por Molotch e Lester
(1993) para o campo jornalístico, torna-se viável fazer a ligação entre
news assemblers e agenda midiática; news consumers e agenda pública
e, por fim, há uma convocação a ir além do campo político para pensar
que os news promoters podem referir-se a qualquer outro campo social.
Dessa maneira, a terceira categoria, a agenda dos promotores (promoters
agenda setting), provoca a abordagem das diferentes negociações que
ocorrem entre os distintos campos sociais e o campo jornalístico para
definição da agenda midiática.
Para estabelecer sua agenda de “notícias institucionais”, os promo-
tores lançam mão dos valores (notícia) institucionais, ajustando-os aos
critérios de noticiabilidade que também fazem parte do horizonte de
expectativa do jornalismo e do público. Como visto antes, a seleção do
acontecimento nas AI tem como imperativo atender, simultaneamen-
te, aos interesses das fontes de informação e dos veículos noticiosos.
Portanto, há uma natureza concorrencial entre os próprios issues – cons-
tituição do acontecimento –, assim como entre as diferentes formas de
enquadrar (frame) o fato social.
Desse modo, um issue ocorre quando há, no mínimo, duas utili-
zações opostas dele e quando envolve, pelo menos, duas partes com
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acesso aos mass media. “Assim, existem utilizações diferentes para as
ocorrências, ou seja, existem diferentes necessidades de acontecimento
(event need) por parte dos diversos agentes sociais”. (TRAQUINA,
2002, p. 23, grifo do autor) Nesse sentido, o agendamento da mídia é
uma arena de disputa na qual os promotores da notícia buscam a con-
vergência entre as suas respectivas necessidades de acontecimento e
as necessidades dos profissionais do campo jornalístico. Com base nessa
asserção, Traquina propõe visualizar o processo de agendamento a
partir da teoria da notícia.
Figura 19 – Agendamento e critérios de noticiabilidade
Fonte: Traquina (2000, p. 45).
Nessa figura, vê-se a complexidade do processo de agendamento.
Nele, as práticas profissionais e a conformação textual do discurso são
moduladas por meio do conhecimento dos critérios e técnicas jorna-
lísticas. Esse arcabouço, quando acionado e usado, embasa e dá vestes
de “credibilidade” à concorrência entre os issues. A disputa, portanto,
não é simplesmente pela visibilidade do fato social, mas, especialmente,
pelo enquadramento a partir do qual ele será difundido. Os diferentes
enquadramentos atendem a necessidades distintas e contêm não só a
dimensão de recusa ou aceitação de um determinado acontecimento,
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mas também a recusa ou aceitação de um ponto de vista, do quadro e
moldura, pelos quais o acontecimento é configurado e representado.
(ENTMAN, 1993; GOFFMAN, 1974; RODRIGUES, 2002)
Ao acentuar a dimensão negocial do agendamento, não se retira de
cena a possibilidade de os próprios jornalistas e editores se colocarem
como promotores da notícia, por meio das reportagens investigativas.
Essa prática, aliás, atesta a independência da mídia noticiosa. Não se faz
uma tônica sobre esse aspecto, porque o foco deste texto é a negocia-
ção, as relações que podem colocar em xeque a autonomia do veículo
jornalístico na definição da sua própria agenda.
Jornalistas e assessores nos processos de
newsmaking e agendamento
O processo de institucionalização do campo jornalístico é calcado
na industrialização da produção da notícia e, consequentemente, na
profissionalização da área. Desde o século XIX, a consagração do jor-
nalismo adotou diversas expressões, que envolvem desde a formação
de clubes, associações, sindicatos e outros tipos de organização até a
elaboração de códigos deontológicos e o desenvolvimento do ensino
do jornalismo. (TRAQUINA, 2002)
A formação de ideologias para justificar a prática social teve como
ponto fulcral a constituição de um conjunto de normas, rituais e valo-
res, que engendraram uma cultura profissional com linguagem própria
e uma maneira peculiar de mediar a relação temporal. (ALSINA, 2009;
SODRÉ, 2009; TRAQUINA, 2002, 2005a, 2005b) A partilha e a comu-
nhão dos valores-notícia constituem uma pedra angular dessa cultura
profissional, e o conhecimento desses valores, na hora de selecionar
o fato e enquadrá-lo, enquanto informação, atesta “uma capacidade
performativa digna de um profissional competente”. (TRAQUINA,
2002, p. 28)
A performance do jornalista situa-se num contexto cultural e situa-
cional e faz passar algo da virtualidade à atualidade, operando enquanto
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reconhecimento. (ZUMTHOR, 2000) Essa performance jornalística,
entretanto, não é mais um privilégio dos profissionais da informação
alocados nas redações, mas também é incorporada pelos assessores de
imprensa. Aliás, a profissionalização do serviço de AI está também vin-
culada à capacidade performativa de seus profissionais, no que tange à
seleção e construção do discurso informativo, ou seja, no manejo dos
valores-notícia – e, portanto, no convencimento dos news assemblers
sobre a legitimidade informativa do discurso.
Em linhas gerais, o processo de agendamento da mídia não atinge
apenas uma negociação entre organizações sociais e seus respectivos in-
teresses, mas também entre profissionais da comunicação, no exercício
diário de suas atribuições e na consequente construção da competên-
cia profissional. E como cenário para esse processo está a prerrogativa
de que o acesso ao campo jornalístico sustenta as relações de poder.
(MOLOTCH; LESTER, 1993, p. 44)
Ao longo deste percurso, está sendo enfatizado o caráter de configu-
ração ou construção do discurso informativo. Nas palavras de Traquina
(1993, p. 168): “As notícias acontecem na conjunção de acontecimentos
e textos. Enquanto o acontecimento cria a notícia, a notícia cria o acon-
tecimento”. Essa asserção põe em relevo a tessitura de uma narrativa
de “estórias” (TUCHMAN, 1993a, 1993b), elaborada a partir de padrões
industrializados, que conferem à forma a credibilidade da narração. As
formas da pirâmide invertida, por exemplo, são usadas por jornalistas
e assessores como recurso para comunicar uma narrativa limpa, sem
excessos, consagrando ao discurso da informação um duplo poder: o
narrar em si e a forma como fazê-lo. (SCHUDSON, 1995, 2010) Conforme
observou Tuchman (1993a), essa construção das “estórias” do jornalismo
é definida pelo ritual estratégico da objetividade, que se institui na
forma e no conteúdo da narrativa e nas relações interorganizacionais,
imperativas no processo produtivo.
Esse ritual que, além de proteger o jornalismo contra processos di-
famatórios, auxiliar na lida com o tempo e minimizar a possibilidade
de reprimendas dos superiores (TUCHMAN, 1993a, p. 76), também é
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usado pelo assessor como estratégia de legitimidade da narrativa ins-
titucional ou do discurso informativo estratégico.
Aliado à seleção do acontecimento e à sua construção narrativa, o
fator tempo se faz imponente na configuração do discurso informativo.
Tanto para jornalistas quanto para assessores, a qualificação da com-
petência está atrelada ao cumprimento dos marcos temporais, instau-
rados pela rotina de produção nas redações jornalísticas, mas também
pela cultura do presente, do novo, que é ressignificada com o advento
das novas tecnologias. O novo é cada vez mais perecível e os aconteci-
mentos devem desdobrar-se em suítes para não envelhecerem e serem
condenados aos arquivos em poucas horas de divulgação.
Esses saberes profissionais constituem o repertório, o background,
ou o “vocabulário de precedentes” (ERICSON; BARANEK; CHAN, 1987),
que autoriza jornalistas e assessores a desempenhar suas funções, man-
tendo os elos entre suas respectivas práticas e a possibilidade de troca
na configuração do discurso informativo. A princípio, ambos devem
ter o “faro para a notícia”, o “saber de reconhecimento”, que permite
localizar o valor-notícia do acontecimento. Feito isso, eis o momento
de acionar o “saber do procedimento”, as práticas e escolhas que vão
definir a elaboração da notícia. É no procedimento, entretanto, que se
encontram as mais expressivas dissonâncias entre news promoters e
news assemblers.
Para além da forma da pirâmide invertida, a definição pelos enqua-
dramentos, a escolha das fontes, das perguntas a serem feitas, dos da-
dos e recursos a serem recolhidos, a edição das citações, entre outros,
colocam em embate, pelo menos num primeiro momento: a necessi-
dade de promoção de uma fonte ou organização (news promoters) e a
necessidade jornalística de informação apurada por diferentes ângu-
los (news assemblers). Se esse embate for visto pelo prisma dos news
promoters, a luta pela inserção na pauta da mídia é uma luta simbólica
pela construção dos acontecimentos, cujo efeito cumulativo na agenda
pública vai reverberar na imagem e reputação das organizações e/ou
fontes de informação, porque o papel do agendamento é mais que a
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seleção dos objetos que despertam a atenção – é também a seleção dos
enquadramentos. (MCCOMBS; SHAW, 2000a)
Ao pensar nos diferentes campos sociais e suas respectivas institui-
ções e organizações, são retomadas as noções de identidade, imagem
e reputação, que constituem capitais simbólicos, ativos intangíveis,
moduladores das relações das organizações com seus diferentes inter-
locutores. Esses capitais reverberam nas tomadas de decisão e avalia-
ção dos distintos públicos da organização – interno, externo e misto
(para usar uma nomenclatura da comunicação estratégica) – e também
ecoam nas relações políticas e econômicas da respectiva organização
no tecido social.
Vale lembrar que as representações são construídas na interação,
na percepção do outro – dos diferentes públicos –, no repertório que se
acumula e se constrói ao longo do tempo sobre a organização. Nesse sen-
tido, Torquato (2002, 2009) destaca a importância do trabalho contínuo
de comunicação organizacional, pois produtos e ações do chamado mix
comunicacional – assessoria de imprensa, mídias informativas institu-
cionais, relações públicas, publicidade e propaganda, marketing, entre
outros – são importantes recursos na mediação social para a construção
das imagens. Sendo assim, a AI profissionalizada, por exemplo, não in-
tenta uma resposta direcional a uma informação estratégica específica,
mas o cultivo constante de uma interferência na agenda midiática, a
fim de que esta auxilie nos processos sociais de construção de reputa-
ção. (BOUZON; MEYER, 2006; GONÇALVES et al., 2003)
Em estudo publicado em 1981, McCombs, Weaner, Graber e Eyal
destacaram o importante papel do agendamento no que diz respeito
aos atributos e qualidades da imagem dos candidatos políticos. Os
autores apontaram que a função do agendamento na construção da
imagem dos candidatos (image agenda setting) tinha mais interferên-
cia na decisão do eleitorado do que o agendamento de questões na
mídia noticiosa e, por consequência, na agenda pública (issue agenda
setting). Para o agendamento dessa imagem, o enquadramento dado à
questão assume um papel primordial, pois abre um leque de atributos
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que direcionam o “como” pensar sobre um determinado candidato
ou organização-fonte assessorada. Em resumo, agendar não é apenas
garantir a presença de determinados issues na mídia, mas influir no
enquadramento midiático. Configurar o acontecimento é também um
processo de enquadramento. (MOUILLAUD, 2002b; SODRÉ, 2009)
JORNALISMO E COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA NO
PROCESSO CIRCULAR DO AGENDAMENTO
O pesquisador Nelson Traquina afirmou que os estudos sobre agen-
damento apontam a necessidade de conhecer melhor o campo jorna-
lístico, investigando as relações advindas da existência, no processo
produtivo da notícia, da “porta giratória entre assessorias de imprensa
e jornalismo”. (TRAQUINA, 2002, p. 47) A solicitação do autor consiste
em motivação para este livro, no que tange ao processo de transação
na construção da agenda da mídia.
Para Zélia Leal Adghirni (2012), Francisco Sant’Anna (2008a), Russi
(2010) e demais integrantes do Sojor/REJ,10 esse movimento de fora
para dentro, ou seja, a influência das diferentes agendas sociais sobre
a agenda da mídia, é chamado de contramovimento na hipótese da
agenda setting:
agendamento praticado num percurso inverso, de fora para
dentro das redações, mediante estratégias montadas e mantidas
pelas assessorias de comunicação dos órgãos institucionais que
alimentam as mídias convencionais com informações de interesse
das fontes. (ADGHIRNI, 2009)
10 Grupo de professores e pesquisadores da linha de Jornalismo e Sociedade da Pós-Gra-
duação em Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), fundado em 2002 com o
objetivo de estudar a produção e a mediação da informação jornalística. O grupo integra
a Rede de Estudos sobre Jornalismo (REJ), iniciativa interdisciplinar e internacional
(www.surlejournalisme.com).
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Essa dinâmica põe em relevo o caráter circular do processo de
agendamento.
Figura 20 – O processo circular do agendamento
Fonte: adaptada de Russi (2010).
Essa circularidade é calcada “em um esquema de retroalimentação
da mídia para a sociedade e desta para a mídia, atuando as assessorias
de imprensa e comunicação como um canal intermediário e facilitador
desta comunicação”. (RUSSI, 2010, p. 44) A agenda setting, portanto, não
pode ser apreendida numa perspectiva linear, mas como um processo
interativo. Assim, leva-se em conta que a agenda pública, a agenda da
mídia e a agenda dos “promotores da notícia” se influenciam mutua-
mente, embora em graus diferenciados. “Desta maneira, propõe-se que
a problemática do efeito do agendamento seja diferente de acordo com
a natureza da questão”. (BERTONI, 2006, p. 17)
Adghirni (2004, 2009) trabalha com a hipótese de um embaralha-
mento entre os campos do jornalismo e da comunicação organizacio-
nal quando discorre sobre o processo de agenda setting. O primeiro
refere-se à produção noticiosa nos veículos jornalísticos, e o segundo
diz respeito à produção de informações a partir do aparato das “mídias
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das fontes” e dos serviços e produtos da AI.11 A estudiosa avança nas
inferências ao observar uma espécie de retração do campo jornalístico,
diante do fenômeno de profissionalização das fontes e a consequente
produção de informação em outros campos sociais:
A legitimidade do jornalismo como campo do saber dotado de
reconhecimento para atuar socialmente no sistema operacional
no qual está envolvido tende a se deslocar para o campo do hi-
bridismo comunicacional sem contornos nítidos. A extensão das
competências jornalísticas para a área da comunicação institucio-
nal pretende substituir o trabalho do jornalista convencional nas
rotinas produtivas da notícia. É neste espaço que se legitimam
formas de atuação e de influência sobre o fazer jornalístico, con-
fiada a um sistema de mediação institucionalizado. (ADGHIRNI,
2004, p. 272)
Vale destacar que parte expressiva da produção bibliográfica dos
integrantes da Sojor/REJ vinculados à UnB é dedicada aos estudos so-
bre a produção de notícias por parte de comunicação organizacional
ligada aos poderes legislativo, judiciário e executivo, especialmente
aqueles que têm sede no Distrito Federal. Os pesquisadores investigam
esse fenômeno no campo jornalístico, nas dimensões do newsmaking
e da agenda setting. A relação quase simbiótica entre os objetos de
estudo – assessorias de comunicação e imprensa vinculadas ao gover-
no, em especial – e a imprensa local e nacional explica a hipótese do
embaralhamento sugerida por Adghirni. Essa sugestão de confusão
entre os campos, no que tange à produção do discurso informativo,
11 Assim, a autora faz a distinção entre a produção informativa nos campos sociais citados:
“Deixando de lado as inúmeras definições de jornalismo consagradas, vamos simplificar
e dizer que o jornalismo é investigativo e produz notícias para o público consumidor dos
veículos comerciais, enquanto que o assessor de imprensa produz pautas, na forma de press
releases ou não, decorrentes de uma atividade muito complexa mas pode ser resumida
como um trabalho que consiste em ajudar o cliente a discernir o que é notícia ou não e a se
relacionar com a imprensa”. (ADHIRGNI, 2004, p. 275)
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está ancorada na perspectiva de fronteiras borradas ou fragilizadas em
suas estruturas deontológicas. Estima-se, entretanto, que a hipótese do
embaralhamento não deve ser aplicada sem contestação às distintas
formas de relação entre as fontes – campo da comunicação organiza-
cional – e o jornalismo.
A variedade de possibilidade de contatos, por sua vez, revela graus
diferenciados de interseção para distintas estruturas de comunicação
organizacional e mídias jornalísticas. Diante disso, prefere-se aludir à
relação entre os campos, no processo de agendamento, pela perspec-
tiva da negociação, não assumindo a priori o ponto de vista de uma
relação simbiótica ou marcada pelo embaralhamento.
Para Wolton (2004), no espaço público midiatizado, o poder é sim-
bólico e, assim, as organizações – empresas, entidades, associações, go-
vernos etc. – precisam tornar visíveis suas ações nesse espaço, sendo que
essa presença na mídia já funciona como uma outorga de legitimação
e autoridade. Segundo Giovandro Ferreira (2002), a negociação entre
a agenda da mídia e as distintas agendas sociais, a fim de estabelecer o
que vai ser publicado nos veículos jornalísticos, está sustentada no lugar
social do jornalismo como campo de poder e na instável relação que este
mantém com os outros campos, em especial o político e o econômico.
Este campo – de poder – é um espaço de relação de força no qual
os agentes sociais dominantes dos diversos campos se disputam.
Ele é o lugar de disputa entre os possuidores de poder dos capi-
tais específicos que atuam sobre o conjunto dos campos sociais.
(FERREIRA, 2002, p. 249)
Um exemplo ilustrativo do jornalismo como campo de poder em
relação com o campo político – também campo de poder – foi analisado
por Hália Costa dos Santos (2007). Conhecido como “caso Kelly”, o
acontecimento envolve a BBC, o governo britânico e a divulgação de
um dossiê sobre Armas de Destruição em Massa (ADM) no Iraque,
cujo desdobramento foi de 2002 a 2004 e ultrapassou o Reino Unido.
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“O debate girou em torno do rigor da informação, do relacionamento
dos jornalistas com as fontes e das pressões exercidas pelos políticos
junto aos media, através dos seus assessores de imprensa (ou spin doc-
tors)”, segundo resumo de Hália Santos (2007, p. 71) para a pesquisa.
Para entender o caso, remontam-se alguns dos principais fatos.
Em conversa em off (maio de 2002), o cientista David Kelly fala com
o jornalista Andrew Gilligan, do programa Today, da rádio BBC. O as-
sunto do diálogo foi o dossiê sobre as ADM no Iraque, organizado pelo
Ministério da Defesa do Reino Unido, sobre o qual Kelly, especialista
no assunto, foi consultado.
O relatório foi divulgado pelo então primeiro ministro britânico
Tony Blair, em abril daquele ano. Após a conversa, o jornalista reali-
zou uma série de reportagens no seu programa de rádio, atribuindo as
informações a uma fonte oculta e digna de confiabilidade, dado o seu
envolvimento com o tema e o cargo ocupado no governo. Entre as no-
tícias estava a de que o Iraque tinha capacidade de acionar uma ADM
em apenas quatro minutos. O desdobrar dessas reportagens levou às
indagações sobre quem era esta fonte, colocando o governo britânico
numa situação constrangedora e abalando a credibilidade da BBC.
Após a identificação de Kelly e divulgação em jornais como Guardian,
Times e Financial Times, o cientista aparece morto nas proximidades
de sua residência e iniciam-se as investigações, tanto concernentes ao
assassinato quanto às informações divulgadas pelo governo e a provável
autorização de Blair para Kelly tratar sobre o assunto com a imprensa.
A BBC garantiu apoio ao jornalista, mas o desenrolar dos fatos
provocou a demissão ou saída voluntária de editores e repórteres da
empresa de comunicação e um pedido oficial de desculpas da rede ao
governo britânico. Diante desses fatos, Santos aponta quatro questões
que merecem atenção: cuidado dos profissionais da mídia na seleção
das fontes; o espírito de classe dos jornalistas e a credibilidade da mí-
dia; o respeito da mídia pelo embargo de documentos; os spin doctors
e a definição da agenda política dos media. (SANTOS, 2007, p. 74-89)
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Dessa lista, o último aspecto concerne ao foco de debate deste livro e,
portanto, será alvo de uma contemplação maior.
Para Santos, uma questão crucial, nesse caso, foi a definição da agen-
da da mídia pela agenda política, através da interferência de Blair nas
opções editorias da BBC, o que contrastava com a postura de outros
ministros que não intervinham nesse campo de forma tão intensa, a
fim de promover suas ideias e sua imagem. (SANTOS, 2007, p. 85)
Segundo um editorial do Daily Telegraph (21/julho/2003),
tudo o que aconteceu até então ficou a dever-se a uma ‘dança
macabra’ entre os spin doctors liderados por Campbell (Alastair
Campbell, conselheiro de comunicação de Blair) e os jornalistas,
principalmente os da BBC (que sempre se opuseram à guerra
no Iraque e se mostraram a fazer de tudo para a desacreditar).
(SANTOS, 2007, p. 86)
Campbell pediu demissão do cargo em agosto de 2003 e Gillingan
abandonou a BBC. Ficou, aos estudiosos, a questão sobre o agendamento
quando os campos de poder do jornalismo e da política se encontram.
As especificidades do encontro entre o campo jornalístico e os
outros campos sociais justificam, por exemplo, o processo de agen-
damento para ações de lobby e também a necessidade, por parte das
organizações-fonte, de mensurar os resultados do agendamento da mí-
dia pela AI. Dada a estreita vinculação entre esses temas e o processo
de agendamento na relação entre AI e jornalismo, dedicam-se a eles
os próximos tópicos.
AGENDAMENTO E LOBBY: INTENÇÕES PARA ALÉM DA
CONFIGURAÇÃO DO ACONTECIMENTO
Esta publicação defende que o discurso informativo da AI tem caráter
estratégico, no sentido de que mantém uma sintonia com a missão, vi-
são e valores da organização-fonte e está a serviço de suas respectivas
políticas de comunicação. Assim, o processo de agendamento da mídia
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pode integrar um esforço maior da comunicação organizacional, deno-
minado “comunicação integrada”, que impõe à AI o desenvolvimento
de seus planos de ação em parceria com outros profissionais, a exem-
plo de relações governamentais e institucionais, focado no debate e
na defesa de pleitos da organização junto ao governo, especialmente
os Poderes Executivo e Judiciário, e também atua com empresas pri-
vadas, entidades representativas de classe, terceiro setor, entre outros
stakeholders. Porém, antes de versar sobre a ligação entre AI e relações
governamentais e institucionais, será brevemente exposto o papel so-
cial destas últimas.
As relações governamentais e institucionais12 estão ancoradas nos
princípios da democracia participativa, que nasce da falência dos mo-
delos representativos, legitimando, pois, a defesa de pontos de vista e
dos pleitos por parte de diferentes grupos de interesse, nos moldes da
participação política e da construção da cidadania. (MOTA et al., 2013;
SCHMIDT, 2012) O lobby é considerado o principal recurso de atuação
do profissional de relações governamentais e institucionais.13 Nesse
12 No que tange às Relações Governamentais (RelGov), Mota e demais autores (2003) apontam
que o trabalho inicia com a identificação de canais de interlocução e entendimento dos ritos,
regimentos e estruturas governamentais e passa pelo estabelecimento de relacionamentos e
manutenção do diálogo com diversos atores, como o governo, órgãos fiscalizadores, legisladores,
organizações e grupos de interesse. “O trabalho empreendido nas Relações Governamentais
consiste na ação estratégica, inteligente e qualificada, promovida por instituições públicas
ou privadas, buscando interagir técnica e institucionalmente com os poderes constituídos,
contribuindo efetivamente para o aprimoramento do processo legislativo ou da tomada de
decisões executivas. Nesse sentido, antecipa cenários, produz estudos comparados, indica
caminhos políticos alternativos, minimiza impactos e utiliza-se do diálogo e das ferramentas
de comunicação para ter seus pleitos considerados”. (MOTA et al., 2013)
13 É comum, na literatura sobre o tema, uma duplicidade na abordagem do lobby ora como
função, ora como ferramenta de trabalho. No primeiro caso, designa a atividade executada
pelo lobista; no segundo, nomeia um dos recursos utilizados pelos profissionais da área de
relações governamentais e institucionais. Neste trabalho, acolhe-se a segunda acepção.
A tradução do termo “lobby” significa “antessala”, “parte do prédio em que o acesso é público”.
A expressão passou a ser utilizada na linguagem política para identificar a atividade de de-
fesa de interesses quando, na Inglaterra, designava a sala de espera da Câmara dos Comuns,
onde os membros do Parlamento eram abordados pelos que tinham algo a demandar. Nos
Estados Unidos, lobby indicava a sala de espera dos hotéis onde os presidentes eleitos ficavam
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ponto, Farhat (2007) e Galan (2012) esclarecem que lobby não deve ser
confundido com corrupção, troca de favores, tráfico de influências
ou relacionamentos escusos. Trata-se de uma atividade organizada,
exercida por um grupo de interesse definido e legítimo, cujo objetivo,
geralmente, é ser ouvido pelo poder público para influir nos proces-
sos decisórios.14 Em síntese, consiste em um esforço para influenciar a
decisão dos poderes constituídos. (FARHAT, 2007)
A empresa brasileira de cosméticos Natura, que também atua no
mercado internacional, mantém um plano constante de relações gover-
namentais e institucionais, cujas diretrizes e princípios éticos constam
no site institucional.15 Já a Alcoa América Latina, multinacional atuante
nos setores de mineração, metalurgia e geração de energia, também
expõe em seu site os norteadores das suas relações com o governo
brasileiro, fundamentadas na lei anticorrupção dos Estados Unidos.16
Como exemplificado nesses dois casos, o trâmite com o governo
geralmente é o alvo mais expressivo da área de relações institucionais,
sendo respaldado no nível de conhecimento sobre o tema em pleito
e na discussão pública em torno dele. Parlamentares e membros do
hospedados antes de se mudar para a Casa Branca, atendendo, ali, às demandas iniciais do
cargo. (SCHIMIDT, 2012)
14 No Brasil, seis projetos de lei para regulamentação do lobby estão parados no Congresso; o
mais conhecido deles, do ex-senador Marco Maciel, do Partido Democratas (DEM), é o Projeto
de Lei do Senado (PLS) no 203/89, arquivado desde 2007. Nos Estados Unidos, a atividade
do lobista é regulamentada. Em 2007, a legislação estadunidense foi atualizada a partir do
Honest Government Act, que obriga o lobista a se registrar e a informar para quem trabalha,
a causa defendida e sua remuneração. (GALAN, 2012)
15 Nesse site, a Natura incentiva o debate público, declara acreditar ter importantes contribui-
ções às discussões sobre os destinos da economia e da sociedade brasileira e afirma buscar o
relacionamento ético: “[A Natura] Entende que as múltiplas interfaces que possui com agentes
públicos devem ser desenvolvidas por meio do diálogo claro, apartidário e transparente.
Reafirma aqui o estrito cumprimento da Lei em qualquer contato com agentes do Estado
pelo primado do respeito à legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiên-
cia. Acredita que observados esses princípios, é também capaz de desenvolver com a esfera
pública relações positivas como agente transformador da realidade brasileira”. (NATURA,
2014)
16 A empresa disponibiliza em seu site o documento intitulado Política de Relações Governa-
mentais Alcoa na América Latina. (ALCOA, 2016)
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Executivo17 precisam de informações antes de decidir, por exemplo, a
aprovação ou revisão de uma lei ou os rumos dos planejamentos orça-
mentários. Para tanto, os profissionais da área de relações institucionais
reúnem dados e argumentos que sustentem a defesa de seus respectivos
pleitos. É evidente, portanto, que haverá distintos grupos de interesse
e pressão18 atuando em momentos de decisão. Nessa seara, a AI entra
em cena para colocar o tema na agenda pública.
O agendamento da mídia, durante a definição de políticas públi-
cas, ajustes orçamentários, aprovação ou revisão de leis, escolha de
país-sede para eventos esportivos etc., funciona como pano de fundo
e motivador do debate público, acionado pelos profissionais das rela-
ções institucionais em suas negociações.19 Vale a lembrança, por exem-
plo, da acirrada disputa por espaço na mídia internacional vivenciada
em 2009 pelo governo do Brasil – na figura do então presidente Luiz
Inácio Lula da Silva – e dos Estados Unidos da América – na figura de
Barack Obama – durante a escolha da cidade-sede dos Jogos Olímpicos
e Paralímpicos de 2016. A votação foi realizada na 121ª Sessão do Comitê
Olímpico Internacional (COI) no dia 2 de outubro, em Copenhague,
Dinamarca, e o projeto Rio 2016 derrotou as candidaturas de Chicago,
17 No Brasil, o Executivo também atua no âmbito legislativo, através de Medidas Provisórias
(MP), que têm força de lei e vigência imediata, e encaminha projetos já prontos para o
congresso. (MOTA et al., 2013) Além disso, o Executivo também faz lobby, praticado pelos
assessores parlamentares dos ministérios e de outros órgãos ligados ao governo.
18 Segundo Galan (2012), os grupos de interesse, quando estão em exercício para influenciar
as decisões do poder político, consistem nos grupos de pressão. Ou seja, o segundo é um
tipo específico do primeiro.
19 A negociação presencial, realizada pelo profissional de relações governamentais e institu-
cionais, é chamada de lobby direto; já o trabalho de agendamento da mídia, com vistas ao
agendamento público, é denominado lobby indireto (classroots lobbying). (FARHAT, 2007;
GALAN, 2012) Neste estudo, faz-se referência à nomenclatura, mas esta não é usada, pois
se considera o agendamento da mídia pelo viés da construção do discurso informativo na
relação AI e jornalismo. No entanto, seja qual for a finalidade do pleito, o profissional de
relações institucionais e governamentais deve construir seu discurso, considerando legítimos
os interesses contrários, os quais devem ser combatidos em seus méritos, e não julgados como
indignos de atenção. As decisões serão sempre sustentadas nas seguintes questões: quem
são os interessados? Quais são as alternativas? Quais os efeitos da decisão? (SCHMIDT, 2012;
LÔBO, [2005?])
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Tóquio e Madri.20 Em ocasiões dessa natureza, a busca pelo agendamen-
to da mídia evidencia o quanto podem ser indissociáveis os processos
de agendar e enquadrar. Em momentos de crise ou decisão sobre te-
mas com alto grau de saliência, os diferentes enquadramentos serão
acionados pelos profissionais da área de relações governamentais em
suas audiências ou reuniões.
Nesse aspecto, o esforço de agendamento é comungado simultanea-
mente por relações governamentais e institucionais, além de assessores
de imprensa. Wolf (2003) delineou um percurso do agendamento, o
qual será usado como guia para entender como assessores de imprensa
trabalham em parceria com relações governamentais e institucionais,
a fim de influenciar, de um lado, o agendamento da mídia e, do ou-
tro, o temário de instituições governamentais, privadas e de terceiro
setor, entre outras, à mercê da negociação e interesses em voga. Uma
vez realizado esse duplo agendamento, o trabalho do lobby tem mais
possibilidades de êxito. (GALAN, 2012) Para Wolf (2003), são quatro
as fases do agendamento:
(1) A primeira fase é a focalização, na qual a mídia coloca um
acontecimento em primeiro plano. Nesse ponto, há o des-
taque para o fato de que temas diversos solicitam quan-
tidade e qualidades diferentes de cobertura para atrair a
atenção;
(2) O objeto focalizado deve ser enquadrado e interpretado à
luz de algum tipo de problema que ele representa – esta é
a fase do framing;
(3) Cria-se o vínculo entre o objeto ou o evento e um sistema
simbólico, de forma que o objeto se torna parte do pano-
rama social e político reconhecido. Nessa fase, os meios de
20 Em junho de 2008, confirmada pelo COI como candidata, a capital carioca, pela primeira vez,
chegou à fase final do processo de escolha da sede olímpica. A cidade havia sido eliminada
da disputa nas Olimpíadas de 2004 e 2012.
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comunicação são importantes para significar acontecimen-
tos discretos; e
(4) O tema ganhará mais peso se for personificado em indiví-
duos que se tornem seus “porta-vozes”.
Com o intuito de ilustrar essas fases do agendamento, a partir da
ação conjunta entre assessores e relações institucionais e governamen-
tais, serão rapidamente mostrados os principais produtos e serviços de
comunicação estratégica utilizados por esses profissionais. Ao assessor,
cabe a seleção do acontecimento, a partir da negociação entre os valo-
res-notícia e os valores (notícia) institucionais; ou seja, ele negocia entre
os critérios de noticiabilidade que conferem a um assunto o lugar de
fato sócio-histórico e também os interesses de visibilidade e construção
de imagem da organização-fonte. A construção envolve a focalização
e o framing, portanto escolhas sobre os aspectos de configuração do
acontecimento. Essa configuração é apresentada na forma de texto, os
chamados press releases ou conjunto de textos, os press kits.
O envio do material para a imprensa deve atender à consonância
entre o tema focado, seu respectivo enquadramento e o perfil editorial
do veículo, caderno, editoria, coluna, programa de rádio ou TV, webjor-
nais, sites de redes sociais etc., além de submeter-se aos limites impostos
pelo deadline da mídia jornalística. Uma vez considerada como rele-
vante também pelos news assemblers, a notícia pode ser configurada,
na instância midiática, com a colaboração da assessoria, no que tange
ao envio de fotos, informações adicionais, produção de entrevistas, es-
paços para locação de imagens para TV, gravação de áudio para o rádio
ou produção multimídia.
A assessoria também estará interessada em fazer o fato social se
tornar relevante a partir de um determinado porta-voz – presidente,
diretor ou outro integrante da organização.21 Um recurso pode garantir
21 Como, neste ponto, o alvo do debate diz respeito às relações institucionais e governamentais,
não são mencionadas as assessorias de personalidades individuais, artistas, políticos, atletas etc.
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a personalização do assunto. Vale ressaltar que o trabalho de AI e rela-
ções governamentais deve ser direcionado por planos de ação estraté-
gica, desenvolvidos com base nos planejamentos de desenvolvimento
institucional e no planejamento de comunicação. Sobre esse alicerce,
assessor e relações governamentais podem definir o encaminhamento
aos produtos e serviços usados nos processos de agendamento. Nessa
ação conjunta, o profissional de relações governamentais estará anco-
rado no planejamento para gestão e lançará mão do issue management,
position paper, white paper, coalizões, frente parlamentar ou bancada.
O issue management consiste em um amplo levantamento de infor-
mações sobre o tema para subsidiar ambos os profissionais. Aqui são
consultados órgãos especializados, reunidas informações legitimadas
por fontes com conhecimento técnico e elaborados conjuntos de argu-
mentos. Nesse momento, pode ser necessário contratar consultores es-
pecializados, a fim de auxiliar no andamento do trabalho. A partir desse
levantamento, faz-se o planejamento de ação analisando os micro e ma-
croambientes, as possíveis instituições parceiras, coalizões a serem feitas e
trâmites a resolver. Já o position paper é o documento elaborado para ser
distribuído aos parlamentares e outros representantes envolvidos com o
tema. Por fim, o white paper é um resumo das informações contidas nos
documentos anteriores, disponível ao acesso público. (GALAN, 2012)
Não é necessário referendar que assessor de imprensa e relações
institucionais e governamentais podem desenvolver, em comum acor-
do, o issue management, cujo conteúdo auxilia o trabalho de ambos. A
decisão do que vai ser divulgado na mídia noticiosa cabe às redações
jornalísticas, assim como a eloquência, pesquisas e argumentos tecidos
pelos profissionais das relações institucionais não determinam a deci-
são dos parlamentares ou de outros stakeholders. É importante frisar,
portanto, que tanto o assessor de imprensa quanto os profissionais de
relações institucionais e governamentais não podem garantir resultados
a priori ao assessorado.
Ao retomar o exemplo da disputa entre Rio de Janeiro e Chicago, ob-
serva-se que as duas candidaturas desenvolveram arrojados planejamentos
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de comunicação, os quais não se restringiram à AI nem às relações ins-
titucionais e governamentais, mas abarcaram a ação sinérgica das di-
ferentes áreas da comunicação, além da política, economia e turismo
nacional. Este livro, entretanto, realça as AI, a fim de refletir sobre as
fases do agendamento. (WOLF, 2003)
As fases da focalização e framing são tecidas na relação entre AI
e redações jornalísticas, no sentido de buscar a construção do acon-
tecimento, a partir do ângulo e molduras sugeridos pela assessoria.
A adesão da mídia noticiosa à aposta pode ser subsídio para o traba-
lho das relações governamentais junto ao governo, uma vez que esse
profissional terá como respaldo a questão do pleito no temário social.
A figura do porta-voz é outro aspecto a ser analisado com cuidado
pelos dois lados da questão. Na época da disputa entre Rio e Chicago, os
presidentes Lula e Barack Obama personificaram o embate. Eram dois
líderes, dois representantes do povo que “lutavam”, através do lobby
e com apoio da divulgação midiática, pela escolha do seu respectivo
país, ou melhor, cidade. No mais, brasileiros e estadunidenses fizeram
desse duelo também um espaço de luta simbólica, no qual o ufanismo,
a defesa dos valores, riquezas e patrimônios nacionais foram prioriza-
dos. As quatro fases previstas por Wolf foram cumpridas nesse proces-
so de agendamento da candidatura olímpica carioca, o qual enfatizou
o projeto mais geral de desenvolvimento do Brasil e foi ancorado no
modelo econômico e na política externa de reposicionamento do país
na geopolítica mundial. (ATHAYDE et al., 2013) Em estudo que anali-
sou comparativamente o agendamento dos jogos olímpicos na mídia
internacional, por parte do Brasil e China, Ni (2012) também consta-
tou que a nação verde e amarela investiu na ênfase de seus aspectos
culturais, tradição e beleza.
Trazer à luz a relação entre a prática do lobby22 e a AI reforça o ca-
ráter estratégico do discurso informativo, construído na instância de
22 Além de lobby, há também o termo “advocacy”, geralmente usado para a defesa de políticas
públicas ou temas de interesse social mais amplo. Registra-se a divergência dos autores no que
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produção da AI. A intenção é salientar tal característica, destacando
que a busca pelo agendamento da mídia e pelo agendamento público
constitui motivação e background à configuração do acontecimento
no contrato entre assessoria e redação jornalística. Esse contrato, por
sua vez, tem como propósito o processo evenemencial, ora em prol de
objetivos específicos – como os pleitos que geram lobby –, ora em nome
do objetivo geral de gestão de imagem e reputação organizacionais.
Contudo, a própria designação de “estratégico” a tal discurso informativo
deve-se também ao fato de que este é produzido com vistas ao agenda-
mento, cuja mensuração ainda é um desafio aos profissionais da área.
AGENDAMENTO, MONITORAMENTO E
MENSURAÇÃO DA MÍDIA
Os processos de monitoramento e mensuração do agendamento da
mídia, de certa forma, tentam incluir também o resultado da constru-
ção do discurso informativo na relação entre AI e jornalismo. Constitui
um recurso dos profissionais da comunicação organizacional para
quantificar e qualificar, entre outras, as notícias produzidas a partir
das relações contratuais entre AI e redação jornalística. Essa proposta,
entretanto, não contempla o discurso a rigor, nem desenvolve opera-
dores para abranger a configuração do acontecimento. Serve, a priori,
às demandas de visibilidade e gestão de imagem da organização-fonte.
A perspectiva de que a mídia desempenha um importante papel na
construção das imagens mentais partilhadas socialmente (LIPPMANN,
2008) sustenta a hipótese de que a publicação de notícias sobre uma
determinada organização constitui, a longo prazo, um importante
componente no mix comunicacional para a construção da imagem e
reputação organizacionais. A relevância desse entendimento impele os
profissionais a se debruçar sobre modelos e técnicas de mensuração e
tange à distinção entre as expressões. Ora contemplam advocacy como um termo retórico;
ora consideram-no uma evolução da prática do lobby.
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monitoramento. (BUENO, 2003, 2009a, 2009b, 2009d, 2012; YANAZE;
FREIRE; SENISE, 2010)
A execução do clipping, que consiste em reunir material publicado
em veículos impressos, rádio, TV e internet sobre uma determinada
organização e/ou assunto, não permite avaliar a abrangência de um
processo de agendamento. Também se revela evasiva a metodologia
que se restringe a contar o centímetro coluna de uma notícia publicada
no impresso ou o tempo de exibição no rádio e TV, traduzindo-os nos
valores da propaganda.
A afirmativa grosseira embutida nesse método revela-se na frase “Se
você fosse pagar por este espaço no setor comercial, pagaria...”. Assim,
a alta cifra parece comprovar, por si só, a necessidade de a organização
investir na AI, a fim de participar do agendamento da mídia. A compa-
ração do espaço editorial com a tabela de publicidade oblitera as espe-
cificidades dos dois discursos – jornalismo e publicidade – e apresenta
um olhar míope sobre a proposta da sinergia entre as diferentes áreas
da comunicação no trabalho com as organizações.
Segundo Bueno (2009a, 2009c, 2012) e Yanaze, Freire e Senise (2010),
os softwares padronizados também são soluções falaciosas, pois não
permitem que organizações diferentes tenham propostas particula-
res de relacionamento com a mídia, vinculadas à sua área de atuação
ou cultura organizacional, nem mesmo seus objetivos em relação à
inserção midiática – missão, visão, valores, temas, posicionamentos
estratégicos etc. Dessa maneira, se a análise do agendamento for feita
pelo prisma das organizações, os projetos de monitoramento e men-
suração devem ser customizados por meio do desenvolvimento de
indicadores e métricas adequados a cada organização em contextos
distintos. Como esses projetos abarcam não apenas o material publi-
cado na mídia a partir de uma motivação da AI da organização, mas
também as notícias geradas nas redações jornalísticas ou suscitadas
por outras fontes, é comum definir esses processos como auditoria
de imagem na mídia.
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A auditoria de imagem na mídia não pode ser vista como um
mero registro de presença na mídia, mas como um instrumento
sistemático, vigoroso de análise, que precisa ser repetido periodi-
camente (a periodicidade mensal é ideal para organizações com
razoável esforço de divulgação) para que, observadas as lacunas
ou os equívocos, elas possam intervir a tempo. Em momentos de
crise, este monitoramento tem que ser diário ou permanente [...]
Se não for assim, a auditoria de imagem não cumpre sua função
que é estratégica, não é tática ou operacional. (BUENO, 2009b)
A auditoria, portanto, contém o processo de agendamento, cuja
verificação pode ficar comprometida por conta das lacunas metodo-
lógicas. A título de descrição, serão apontadas, brevemente, algumas
dessas brechas deixadas pelos processos analíticos.
O clipping23 representa a comprovação do processo de agendamento
da mídia pela AI. Essa coleta de notícias, entretanto, deve atender às
especificidades dos meios. O recorte de um material publicado no im-
presso, por exemplo, deve conter, além da identificação do veículo e sua
data, informações sobre caderno, editoria, coluna, jornalista responsá-
vel, número e quadrante da página, sinalização se houve chamada na
capa, entre outros. Em caso de clipping de TV, a presença na escalada
do telejornal na passagem de bloco e a localização da notícia no espelho
do programa estabelecem o grau de importância do assunto na hierar-
quia estabelecida pela edição. Equívocos na coleta do material podem
reverberar nos resultados. Por outro lado, o estudo do clipping pode
sinalizar “oportunidades de divulgação, diagnosticar personalidades
e estilos de veículos e editores e, sobretudo, permitir que as empresas
ou entidades refinem seu trabalho de relacionamento com a mídia”.
(BUENO, 2003, p. 391)
23 No processo de monitoramento e mensuração, o indicado é que não seja analisado apenas
o material publicado sobre o cliente, mas também o de seus concorrentes e notícias concer-
nentes à sua área de atuação. Por exemplo, para o monitoramento e a mensuração de uma
instituição superior de ensino privado, deve-se executar a clipagem de suas concorrentes e
de matérias da área de educação, especialmente de nível superior.
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O maior desafio, todavia, é a definição dos indicadores e métricas
para avaliação. Nesse âmbito, devem ser considerados aspectos como:
• importância do veículo de comunicação no contexto sócio-
-político-econômico e para os stakeholders da organização,
estabelecendo-se pesos diferentes para veículos distintos;
• temas de interesse da empresa e seu impacto para a imagem
e reputação da organização; e
• qualificação das matérias de acordo com as políticas de co-
municação e negócios das organizações, evitando, se possí-
vel, a tríade positivo, negativo e neutro.
• O cruzamento de informações entre o plano de divulgação
da AI e o que foi publicado na mídia também oferece pistas
para avaliar as apostas feitas e o possível aprimoramento
dos projetos futuros. Ou seja, é preciso levar em conta as
estratégias de comunicação da organização e o sistema de
produção jornalística.
Para realizar a auditoria de imagem da mídia, assim como o monito-
ramento e o processo de mensuração do agendamento, Bueno (2009a,
2012) defende que é preciso desenvolver o planejamento dessa ativi-
dade, o qual vai comportar informações relativas ao conhecimento da
organização e de seu mercado de atuação, dos veículos a serem investi-
gados, além de diagnósticos de cobertura de tema específico na mídia,
objetivos, hipóteses, variáveis, padrões de medida etc. Esse processo de
averiguação é ponto de partida para a execução de novas estratégias
de comunicação, o que justifica a importância de definir os objetivos.
Desses objetivos, são geradas as hipóteses, variáveis, categorias, veícu-
los para análise e tempo de execução.
Como já sinalizado, a coleta e o registro de dados – ou seja, o ri-
gor na execução do clipping – interferem diretamente na planilha de
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resultados. No mais, o reconhecimento de variáveis e a delimitação de
categorias de análise – indicadores e métricas – precisam estar anco-
rados nas políticas de comunicação e no posicionamento estratégico
da organização no mercado, na relevância dos veículos noticiosos, ou
seja, pressupõem um bom diagnóstico de macro e microambientes.
Nesse sentido, as empresas com foco no trabalho de monitoramento e
mensuração desenvolvem metodologias específicas, cuja capacidade
de modulação e flexibilização para atender a organizações distintas,
em contextos também variados, atesta qualidade do serviço e compe-
tência profissional.24
Porém, o que se observa nesses processos investigativos é uma an-
coragem muito expressiva na AC, cujos resultados poderiam ser mais
bem tensionados em diálogo com abordagens da AD. Os estudos sobre
o contrato de leitura entre a mídia noticiosa e seus leitores, por exem-
plo, podem oferecer importantes elementos para a elaboração dos ín-
dices e métricas voltados à averiguação do grau de relevância social do
veículo e impacto na audiência.25
No que corresponde ao agendamento da mídia por parte da as-
sessoria, esses processos de averiguação buscam ultrapassar o aspecto
quantitativo; no entanto, há que se estabelecer comparativos entre
o material enviado para a imprensa e o que foi, de fato, publicado e
como o foi. O paralelo entre os textos, portanto, deve ser lido à luz
das variáveis presentes na negociação entre AI e redação, a saber: os
critérios de noticiabilidade, as relações interorganizacionais, transa-
ções políticas e econômicas, entre outros. Assim, uma visão mais am-
pla do processo sugere um avançar rumo às investidas etnográficas
24 Todo projeto de auditoria de imagem na mídia é singular, ou seja, tem que estar sintonizado
com as demandas da organização. Desse modo, a consultoria ou a agência só podem con-
cebê-lo em parceria com o cliente. No Brasil, a CDN Comunicação Corporativa, a Mitsuru
Yanaze & Associados, a ComTexto Comunicação e a Máquina PR são referências nesse tipo
de análise. Os métodos da Agência Burson-Marsteller, da Espanha, também inspiram as
empreitadas brasileiras.
25 Os autores destacam a importância de associar os resultados da auditoria de imagem na
mídia a pesquisas empíricas ou estudos de recepção.
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e sociológicas, sanando, então, parte da insatisfação em torno dos
resultados de monitoramento e mensuração do processo de agenda-
mento da mídia pela AI.
***
Ao longo deste capítulo, foi apresentado que o processo de agen-
damento congrega um conjunto de funções e papéis na construção do
discurso informativo a partir da relação entre comunicação estratégica,
por meio da AI, e jornalismo. Mostrou-se que ele constitui motivação e
pano de fundo para esse processo configurativo, mas também consiste
em possibilidade de resultado desse processo, no que tange à implica-
ção da instância de reconhecimento. E esse caráter do que desponta
na finalização do processo configurativo é ratificado, por exemplo, nos
investimentos para mensuração e monitoramento da agenda da mídia
e nas pesquisas empíricas com a audiência.
A busca pelo agendamento pode ser definida como efeito suposto,
tanto no contrato entre AI-redação jornalística quanto na relação
contratual redação jornalística (suporte)-leitor. Consiste, portanto,
em um processo adjacente ao processo evenemencial e, em certa
medida, o discurso informativo estratégico e o discurso informativo
jornalístico são construídos com vistas ao agendamento. No mais,
manifesta-se socialmente em dinâmicas circulares e reiterativas, nas
quais as organizações-fonte, suportes jornalísticos e leitores se agen-
dam mutuamente.
O fato de atravessar todo o processo configurativo, constituindo-o,
mas também emergindo como possibilidade de resultado, determinou
ser o agendamento o tema do último capítulo deste livro. A constru-
ção do discurso informativo na relação entre AI e redação jornalística
engendra contratos, os quais são baseados na configuração do aconte-
cimento e envolvidos por um duplo círculo hermenêutico.
Rever os percursos analíticos propostos ao longo deste trabalho é
reunir apontamentos e operadores para análise do discurso informativo
construído nessa relação intercontratual. Porém, este trajeto revela
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simultaneamente que, nas condições de produção destacadas neste
livro, a construção discursiva é indissociável das questões em torno
da agenda setting.
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CONCLUSÕES
A mídia jornalística, em sua mise-en-scène, não costuma revelar o seu
processo de produção, limitando-se ao lugar de uma transmissora de
informações. Essa representação se ergue sobre os pilares do senso
comum e do positivismo de Auguste Comte, porque ambos tratam
do fato,1 negligenciando quem fala, quem ouve e suas implicações no
discurso. (SODRÉ, 2009) No que tange aos jornalistas, “a autoimagem
que eles pretendem transmitir sobre o seu trabalho é a de receptores
e transmissores da informação. A sua atividade se reduz, então, à pro-
cura pelas notícias e à utilização de uma tecnologia para sua difusão”.
(ALSINA, 2009, p. 11)
Diante da importância social da notícia, recomenda-se ir na contra-
mão dessa definição, para comungar a teoria da construção social da
realidade. (BERGER; LUCKMANN, 1979) Assim, a mídia jornalística é
entendida como parte dos elementos que constroem a realidade social,
no que diz respeito à institucionalização das práticas e dos papéis na
vida cotidiana.
1 Usa-se o termo “fato” em respeito aos dizeres do autor. Para Sodré, o acontecimento é a
representação social do fato.
339
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Ao fazer esse desvio, ilumina-se a abordagem sobre o processo de
construção do discurso informativo na relação entre comunicação es-
tratégica, por intermédio da AI, e jornalismo, ou seja, quando o processo
de produção extrapola a instância midiática. Coloca-se em debate que,
na interação com a AI, o jornalismo pode vivenciar o processo de cons-
trução da notícia de maneira mais complexa, mesmo que permaneçam
as rotinas e formas de organização da informação como balizadoras
desse processo. Neste livro, o interesse foi circunscrito a essa dinâmica
de produção discursiva.
***
Diferentes domínios – AD, hermenêutica de Ricoeur e teorias do
jornalismo – foram articulados, a fim de desenvolver um aporte teó-
rico-metodológico que possibilitasse analisar o discurso informativo,
construído na relação entre AI e redação jornalística. Vale destacar que,
dada a natureza da pesquisa feita e a proposta de estruturação do livro,
os apontamentos e proposições analíticas foram apresentadas ao longo
do percurso, em textos conclusivos no final dos capítulos. Aqui, por-
tanto, retomam-se as principais considerações realizadas na travessia.
No intuito de apresentar a trajetória realizada, no que diz respeito
aos caminhos percorridos, pontos de chegada e partida, o livro foi di-
vido em quatro partes. No momento dedicado ao “ponto de partida”
(Parte I), transitou-se da noção de discurso à de discurso social e das
perspectivas fundadoras da AD, desenvolvidas por teóricos franceses,
para se chegar ao Centre d'Analyse du Discours (CAD), cujas produções
estimularam e balizaram as investigações postas em curso neste livro.
Nessa etapa inicial, foi sinalizado que o domínio da AD acerca de como
é construído o sentido discursivo é o “lugar” de onde se olha para a tes-
situra da notícia na relação entre jornalismo e comunicação estratégica.
A produção de sentido do discurso informativo (CHARAUDEAU,
1997, 2003, 2012a, 2013), referenciada no processo de semiotização
global do mundo, serviu como guia de todo o percurso. Nesse âmbito,
as contribuições de Ricouer à AD forjaram pontes que outorgaram a
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articulação com outros aportes teórico-metodológicos, aprofundando
o diálogo com a própria hermenêutica ricoeurana e adentrando as teo-
rias do jornalismo.
No segundo momento, “No caminho, a hermenêutica de Ricoeur”
(Parte II), a tríplice mímesis ricoeuriana evidencia os processos de
configuração e negociação, revelando tanto os sujeitos no interior do
discurso quanto os sujeitos externos à tessitura da intriga. A escolha
desse aporte metodológico se sustenta nas possibilidades de transpor
as abordagens imanentistas.
Ainda nessa segunda parte, constatou-se que o processo evenemencial
é o propósito dos contratos de comunicação; averiguou-se também
que as zonas de interseção entre o contrato AI-redação jornalística e
o contrato suporte jornalístico-leitor viabilizam as negociações entre
as instâncias de produção e reconhecimento para a configuração (tes-
situra) do discurso em pauta. Assim sendo, as zonas intersectivas dos
contratos se constituem como margens para as negociações – as quais
comandam a construção do acontecimento no discurso informativo.
Observou-se ainda, através dos processos de transformação, que a
construção do discurso informativo na relação entre o ciclo produtivo
da comunicação estratégica e o do jornalismo engendra uma dupla
produção: o discurso informativo estratégico e o discurso informativo
jornalístico. Ambas as narrativas, referenciadas no acontecimento, con-
ferem sentido ao tempo, gestando a atualidade. Aqui, a investigação da
zona de interseção entre os discursos informativos estratégico e jorna-
lístico possibilita responder as questões sobre como conseguem o efeito
de sentido de verdade e também como atingem o efeito de dramatiza-
ção. Dessa forma, é plausível esboçar inferências sobre os “modos de
dizer” dos discursos e sobre os critérios de noticiabilidade trabalhados
e acionados, em consonância, nas duas instâncias de produção – a as-
sessoria e a redação jornalística. Essa zona intersectiva deixa entrever
os mecanismos do processo de agendamento.
Em síntese, para analisar a configuração do discurso informativo,
construído na relação entre assessoria de comunicação/AI e jornalismo,
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é preciso reconhecer que as marcas da tessitura desse discurso inter-
contratual se inscrevem na superfície das zonas de interseção. Para
chegar às zonas intersectivas, porém, é necessário, antes, avaliar cada
processo de negociação (contrato) e cada discurso separadamente.
Só dessa maneira se pode verificar o que há de comum nos ciclos
produtivos.
A constatação de que os contratos existem em nome da tessitura
do acontecimento justificou o terceiro trecho percorrido “Conferindo
o roteiro: Qual o propósito do círculo hermenêutico e dos contratos
de comunicação?”. Para tanto, foi importante não apenas reconhecer
o acontecimento como propósito dos contratos de comunicação, mas,
especialmente, ter em vista que este propósito “inscreve-se num pro-
cesso de construção evenemencial, que deve apontar para a notícia”
(CHARAUDEAU, 2012a), ou seja, o acontecimento é sempre construído
e, em sua forma final, ganha a denominação de notícia.
Com base na abordagem ricoeuriana, tem-se, de um lado, o acon-
tecimento bruto com o caráter de emergência, surgimento de algo que
muda o estado do mundo, desestabiliza, provoca a desordem e, do outro
lado, esses atributos absorvidos pela percepção humana, ou seja, enre-
dados nas teias das mediações sociais da inteligibilidade, do simbolismo
e da temporalidade. Eis o processo de configuração do acontecimento,
que tem suas peculiaridades, e abordá-las é levar em conta os efeitos de
saliência e pregnância produzidos no processo. Para um acontecimen-
to ser notado, deve modificar o estado do mundo fenomênico, gerar
um estado de desequilíbrio que será percebido pelos sujeitos sociais,
por conta dos efeitos de saliência. Essa percepção, por sua vez, ocorre
e é legislada numa rede coerente de significações sociais, pelo efeito
de pregnância. A noção de acontecimento é cara a este livro, porque
só existe acontecimento dentro do discurso. E no âmbito jornalístico,
o acontecimento deve ter potencial de atualidade, sociabilidade e im-
previsibilidade; deve implicar o sujeito. No discurso da informação, a
narrativa midiática confere sentido ao tempo através da configuração da
atualidade, do aqui-agora, uma espessura espaçotemporal que marca a
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sincronia. (ALSINA, 2009; CHARAUDEAU, 2005, 2012a; MOUILLAUD,
2002a; SODRÉ, 2009)
Nesse trecho do percurso, observou-se que a AI se apropria das for-
mas de configuração do acontecimento do universo midiático, a fim de
ser legitimada por ele. Por isso, pode-se inferir que tanto a AI quanto o
jornalismo, na tessitura do acontecimento, conferem sentido ao tempo.
Ambos produzem seus discursos sob a égide da atualidade. A mídia
jornalística tenta minimizar, ao máximo, a distância entre o surgimento
do acontecimento, sua publicização e consumo. Já a assessoria busca,
na maioria das vezes, trabalhar com a antecipação – geralmente, divulga
o que vai acontecer –, para estabelecer o vínculo com os suportes. A no-
ção de atualidade é fundamental tanto para o contrato AI-jornalismo
quanto para o contrato suporte-leitor, guiando as escolhas temáticas e
conferindo ao discurso informativo duas características: sua efemeri-
dade e sua a-historicidade.
Neste livro, portanto, abordou-se o aspecto fenomenológico do
acontecimento e a sua configuração no espaço-tempo, à luz da tríplice
mímesis de Ricoeur. O percurso mimético assente a compreensão da
notícia como “uma representação social da realidade quotidiana, gerada
institucionalmente e que se manifesta na construção do mundo possí-
vel”. (ALSINA, 2009, p. 14) Nessa definição, há três aspectos relevantes:
1. o processo configurativo, a partir da seleção de acontecimentos; 2. a
construção da notícia, por meio do agenciamento que comporta dife-
rentes organizações, cujas rotinas e práticas são legitimadas socialmente
para gerar a realidade social; e, por fim, 3. a notícia instaura um mundo
possível que vai “dialogar” com o mundo do leitor, pois a notícia é uma
produção discursiva e prevê a elaboração de um texto. A notícia é o
acontecimento configurado, é o resultado do processo evenemencial,
portanto, consiste em uma enunciação.
Por meio do indicativo de que a notícia é o resultado do processo
evenemencial, as buscas direcionam às teorias do jornalismo. A quarta
etapa do percurso “Rumo ao ponto de chegada: a configuração do
acontecimento na relação entre jornalismo e comunicação estratégica”
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tem o propósito de ampliar o aporte metodológico para análise da
seleção e construção do acontecimento na relação mencionada. Os
critérios de noticiabilidade foram acrescentados ao quadro analítico
dos discursos informativos. A identificação dos valores-notícia as-
sume um lugar preponderante, uma vez que, no que diz respeito ao
discurso da AI, os valores institucionais também devem ser contem-
plados enquanto tais.
Portanto, a negociação entre AI e redação ganha camadas de sentido,
que evidenciam as relações interorganizacionais intrínsecas ao fazer
jornalístico. Assim, os valores-notícia – inclusive os valores institucionais
– devem ser pensados, prioritariamente, nos vieses da seleção do acon-
tecimento; escolha da fonte de informação e expectativa da audiência.
E as respostas devem ser tensionadas com: 1. a perspectiva intercontra-
tual da condição de produção da notícia na relação entre comunicação
estratégica/AI e jornalismo; e 2. a constatação de que, nesta situação
comunicativa, existem, a priori, duas narrativas do acontecimento.
Estimula-se, com essa abordagem, ir além da análise conteudística de
mapeamento dos valores-notícia no discurso informativo estratégico
e no discurso informativo jornalístico.
Por fim, observa-se que a construção da notícia no contato entre
comunicação organizacional e jornalismo torna intrínseca a busca
pelo agendamento. Este constitui motivação e pano de fundo aos
processos de transação e transformação e pode emergir na sua fina-
lização. Ou seja, analiticamente, abordar a construção do discurso
informativo, nas condições apresentadas aqui, é também tratar de
agendamento, considerando que este manifesta-se socialmente em
dinâmicas circulares.
No intuito de elaborar um aporte metodológico para análise do
discurso informativo, construído na relação entre a produção da co-
municação estratégica, mediante a AI, e a produção do jornalismo, este
livro promoveu o entrecruzamento de diferentes domínios, AD, herme-
nêutica e teorias do jornalismo. Foram sugeridos pontos de chegada e
partida e defendido um percurso que não goza da pretensão de ser o
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melhor ou único, mas pode alimentar a esperança de contribuir para
que haja novas abordagens epistemológicas, teóricas e metodológicas
dos processos comunicativos que envolvem a comunicação das orga-
nizações e o jornalismo.
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POSFÁCIO
Um convite a outros trajetos e outras estações
“Ocupo muito de mim com o meu desconhecer”: o verso escrito por
Manoel de Barros (2001, p. 27) na obra O livro das ignorãças explica,
em parte, o trabalho científico, especialmente porque os resultados de
um processo investigativo são também a gestação de novas questões.
Os trajetos sugeridos pelo percurso já trilhado e os desafios que acenam
para a continuidade da pesquisa fazem lembrar, constantemente, que o
conhecimento científico é aproximado e o objeto construído. Portanto,
não se conhece do objeto além de sua faceta iluminada pelo “espírito
do problema”. (BACHELARD, 1996)
Este livro é fruto da tese de doutorado que consistiu no desenvolvi-
mento de um aporte teórico-metodológico para análise da notícia ela-
borada na articulação entre o campo do jornalismo e os outros campos
sociais, mediante as assessorias de imprensa. Uma configuração do dis-
curso mediático que engendra contratos de comunicação específicos e
gera uma dupla tessitura narrativa do acontecimento, complexificando
a semiotização. Em tempo, essa vertente do discurso informativo foi
sinalizada por Lippmann (2008) no início do século passado e permeia
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as práticas profissionais até os dias atuais. Constitui uma dimensão
importante nos movimentos sociais de produção da notícia e alia-se
às dinâmicas instauradas pelos fluxos contemporâneos de circulação,
podendo, inclusive, ser remodelada por eles.
O percurso desenhado neste livro acentua o processo comunicati-
vo, que promove a troca entre as instâncias de produção e recepção e
instaura três lugares pertinentes para o estudo da construção de senti-
do: a produção, o produto e o reconhecimento. Enquanto mímesis II,
o produto consiste na mediação entre as instâncias produção (mímesis I)
e reconhecimento (mímesis III), acentua o desnível e invoca a circula-
ção, a qual tem reclamado seu lugar de polo gerador de significação
em tempos de “hipermediação”. (SCOLARI, 2008)
Todos os aspectos do mercado tradicional dos meios têm sido ten-
sionados pela revolução do acesso promovida pela rede. (VERÓN, 2013,
2014) Atinente à construção da notícia na relação entre jornalismo e
comunicação estratégica, ultrapassam-se as dinâmicas de sequência
quase linear de oferta da pauta pela fonte ou busca de dados e decla-
rações pela redação. Os fluxos são reticulares, as fontes produzem suas
próprias mídias, chegam ao leitor ou são impelidas por ele nas redes
sociais, o jornalismo faz do gatewatcher um processo constitutivo do
newsmaking. A estrutura enxuta das redações e as complexidades das
práticas e relações sociais contemporâneas impulsionam a redação a
usar e negociar com os dados advindos dos discursos informativos
estratégicos. Dessa forma, os contratos de comunicação estabelecidos
entre assessoria de imprensa (comunicação estratégica), jornalismo e
leitor para produção da notícia reorganizam-se diante das modalidades
atuais de circulação, que dão novas dinâmicas ao esquema produtivo
da informação. Eis uma preocupação em voga na atualidade, a qual
aponta às contribuições deste livro, simultaneamente como alicerce
teórico-metodológico factível e como mirante, de onde se avistam ou-
tros percursos possíveis.
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Circular é preciso
A enunciação informativa reflete os processos sociais de mediatização1
tanto nos modos de dizer quanto na circulação dos discursos. Para se
ocupar dessa reflexão, é preciso compreender que a noção de media-
tização é alicerçada na perspectiva de que os meios de comunicação
transformam as relações nos distintos campos das práticas sociais, de-
senvolvendo uma ambiência reconfiguradora dos dispositivos de enun-
ciação e dos contratos comunicativos. (CARVALHO; FERREIRA, 2018;
FAUSTO NETO, 2010; FAUSTO NETO et al., 2008; FAUSTO NETO;
VALDETTARO, 2010; HJARVARD, 2014; LUNDBY, 2014; VERÓN,
2014) Numa interpelação semioantropológica, a mediatização se mani-
festa na enunciação (FAUSTO NETO, 2010; FAUSTO NETO et al., 2008;
VERÓN, 2013, 2014; VERÓN; FISHER, 1986), cuja abordagem solicita
uma maior compreensão das condições de circulação e suas implica-
ções na tessitura do acontecimento jornalístico.
Os estudos desenvolvidos sobre o fenômeno, no geral, são agrupados
em três vieses: institucional, construcionista e materialista/tecnológi-
co – este último menos recorrente nas análises discursivas. A partir de
um olhar abrangente para os meios de comunicação, considerando-os
como tecnologias, instituições e formas estéticas, Hjarvard (2014) ar-
gumenta que, na sociedade mediatizada, os meios mudam as relações
entre as instituições, indivíduos e outros meios, impactando, portanto,
diferentes dimensões das interações sociais.
Hjarvard (2014) é identificado como institucionalista e, em sua vi-
são, a mediatização é um fenômeno da modernidade tardia – ou alta
modernidade –, que foi intensificado, especialmente, nas últimas dé-
cadas do século XX, com o surgimento dos meios digitais e a expan-
são acentuada da comunicação no tempo, no espaço e na modalidade.
1 Adotamos o termo “mediatização” em referência à noção de médium e à mediação inerente
ao processo social de construção do sentido. Essa nomenclatura é trabalhada, a partir dos
estudos sociodiscursivos, pelo Centro de Estudo e Pesquisa em Análise do Discurso e Mídia
(Cepad) da Faculdade de Comunicação (Facom) da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
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Em suas últimas publicações, o semioticista Verón (2013, 2014) lan-
ça ao fenômeno um olhar semioantropológico, ancorado na corrente
construcionista. De acordo com o cientista, a mediatização é a exterio-
rização de processos cognitivos, que se efetiva através de um suporte
material, ou seja, é a exteriorização da produção sígnica, mediante o
uso dos dispositivos técnicos da comunicação. Em outros termos, a se-
quência de fenômenos mediáticos constitui o processo de mediatiza-
ção, que goza de características especiais com o advento da internet,
meios digitais e das redes móveis de telecomunicações.
Nessa direção, o conceito está ancorado no papel sócio-histórico
dos dispositivos técnicos. Verón (2014) se preocupa com as implicações
nas interações sociais e, se toda (inter)ação é calcada nos processos de
produção de sentido, o fenômeno merece atenção diferenciada. O se-
miólogo afirma que os dispositivos técnicos promovem mudanças es-
truturais nas relações sociais e suas práticas discursivas, especialmente
no que diz respeito à autonomia e à persistência do discurso no espaço
e no tempo e às suas condições de acesso.
No que tange ao jornalismo, desde o século XIX, a constituição e
institucionalização do campo estão diretamente vinculadas ao processo
social de mediatização, uma vez que a produção, circulação e recepção
dos discursos informativos jornalísticos só foram possíveis graças aos
dispositivos técnicos, que, ao longo do tempo, vêm imprimindo alte-
rações, especialmente nos modos de produzir, distribuir e consumir
notícias. A cada novo momento dessa dinâmica histórica, verificam-se
implicações na construção social da realidade, novas formas de fazer –
mudanças nas rotinas produtivas –, alterações nas narrativas, perfil do
profissional, identidade profissional, habitus, entre outros.
A configuração do discurso informativo na interação entre redação
(campo do jornalismo) e assessoria de imprensa (comunicação estra-
tégica de outros campos sociais) é tributária da mediatização, a qual
redefine práticas e discursos sociais, forjando, por intermédio da cir-
culação, as relações entre as instâncias de produção e reconhecimento.
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À luz da perspectiva de que o fenômeno da mediatização se mani-
festa na enunciação, este livro se converte no “mirante” que permite vi-
sualizar o desafio à frente: a busca de pistas para abordar as implicações
das novas modalidades de circulação na construção dos dispositivos
enunciativos e, consequentemente, nos efeitos de sentido. No trajeto
vislumbrado, observa-se que a tessitura do acontecimento consiste em
um espaço privilegiado para a análise da enunciação jornalística, ela-
borada entre o jornalismo e a comunicação estratégica, sob a égide das
condições contemporâneas de circulação dos sentidos.
***
Da linguística de Benveniste à Teoria dos Discursos Sociais de Verón,
o conceito de enunciação desenha um itinerário que propõe reparar a
fissura entre os estudos do texto e da recepção, apontando na direção
de que os sentidos são construídos na defasagem ou na relação entre
as condições de produção e reconhecimento. Em outros termos, o cam-
po dos efeitos de sentido é concebido de acordo com as modalidades
e a natureza da circulação. Essa abordagem, entretanto, surge como o
resultado de um longo caminho, que se inicia com a compreensão do
texto enquanto processo.
Atentando ao uso da linguagem em contextos, Benveniste (1974),
Ducrot (1987) e Culioli (1990) dedicaram-se à teoria da enunciação
francesa, suplantando, em distintas interpretações e proporções, as
perspectivas mais imanentes. Com esse espólio, Verón (2013, p. 119)
enfrentou a heterogeneidade dos discursos sociais, a qual solicita uma
dupla condição: “1) evitar a ilusão da unidade da consciência subje-
tiva, que faz desaparecer o social, e 2) resistir à tentação de reificar o
sistema, que ignora a complexidade dinâmica da semiose”. No esfor-
ço de não cair nessa dupla armadilha, Verón (1985, 2004) dedicou-se
a estudar como as modalidades do dizer constroem os dispositivos de
enunciação, chamados de contrato de leitura, o qual reverbera num
posicionamento discursivo.
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No contrato de leitura, apresenta-se um enunciador que propõe um
lugar a um “destinatário”. (VERÓN, 1985, 2004) Com base no conceito
de leitor modelo, de Umberto Eco (1987), a análise semiológica do con-
trato consiste em destacar e descrever as operações que, no discurso do
suporte, determinam a posição do enunciador e, consequentemente, a
do coenunciador. Nesse ponto de vista, analisar o dispositivo de enun-
ciação é analisar as condições de produção inscritas na materialidade
discursiva,2 ou seja, a relação proposta entre enunciador e coenuncia-
dor, o posicionamento discursivo do suporte.
A noção de contrato de leitura diz respeito ao vínculo, desnível,
zonas de contato ou articulações3 entre as condições de produção e de
reconhecimento, ou seja, às modalidades da circulação. Dito de outra
forma, se novas modalidades de circulação são gestadas na articulação
entre jornalismo e comunicação estratégica para tessitura do discurso
informativo, são acarretadas mudanças nos dispositivos da enunciação,
ou seja, nos contratos. (FAUSTO NETO, 2008, 2010)
Na ótica de Verón (2004), a circulação não deixa traços na superfície
discursiva; materializa-se no desnível, na diferença entre a produção e
os efeitos de sentido, ou seja, na defasagem, num dado momento, entre
as condições de produção do discurso e a leitura feita pela recepção. As
condições de circulação, por sua vez, estão ligadas ao suporte material-
-tecnológico e à dimensão temporal. No primeiro aspecto, a circulação
é diretamente afetada pelas condições de técnicas e tecnologias da so-
ciedade em determinados momentos. Já o enfoque temporal remete à
história social dos discursos. (VERÓN, 2004)
2 Eliseo Verón sempre defendeu a articulação entre as análises semiológicas e os estudos
sociológicos e empíricos de recepção. Para ele, a análise dos dispositivos de enunciação
compreende a análise da produção, mas o contrato se cumpre, mais ou menos bem, no leitor,
ou seja, no reconhecimento.
3 Termos atenuantes à noção de vínculo entre produção e recepção, originalmente proposta
por Verón. As expressões buscam atender às mudanças nas condições de circulação, patro-
cinadas pelas novas tecnologias e meios de comunicação.
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Embora não deixe traços no discurso, a circulação é responsável
pela dinâmica do modelo: “designa o modo como o trabalho social de
investimento de sentido nas matérias significantes se transforma no
tempo”. (VERON, 2004, p. 54) Essa observação só ratifica a ideia de que,
ao mudar as condições de produção, mudam-se as práticas discursivas
e as modalidades do dizer.
Não obstante os lugares de emissão e recepção sejam flexibilizados
no processo configurativo da informação mencionado neste livro, é
“conveniente, também neste caso, distinguir o mais cuidadosamente
possível os processos que têm lugar em um e outro polo da circulação,
quer dizer, na produção e na recepção (reconhecimento)”. (VERÓN,
2013, p. 282-283) O alerta é para não se perder de vista que, nas lógicas
produtivas dos meios de comunicação, ainda se localizam a produção e
a recepção. Os fluxos da circulação e as implicações deles na produção
enunciativa da sociedade mediatizada precisam ser lidos pelo interpre-
tante político. (VERÓN, 2013) Nessa visada, a análise da circulação de
sentido na produção da notícia entre jornalismo e comunicação estraté-
gica não descarta os operadores do ideológico e do poder na análise dos
dispositivos enunciativos, conforme exposto ao longo destas páginas.
O novo sempre vem...
Como já destacado, as condições de circulação do discurso informati-
vo têm passado por transformações expressivas, mediante o advento
e a consolidação nas práticas sociais de tecnologias que expandem
a comunicação no tempo, no espaço e na modalidade. (HJARVARD,
2014) Os fenômenos mediáticos que comportam a mediatização con-
temporânea têm alterado as formas sociais de contato em dimensões,
nas quais a circulação possui atividade estruturante: as relações entre
os indivíduos e o conhecimento, os indivíduos entre si e os indivíduos
e as instituições. (VERÓN, 2013, 2014) Essas novas configurações rela-
cionais alteram a natureza dos elos e dos vínculos na sociedade.
A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA 353
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Nesse cenário contemporâneo, as condições da circulação discur-
siva implicam mutações em três níveis:
(1) das práticas sociais de forma mais ampla;
(2) da comunicação mediática; e
(3) do senso comum. (CENTRO INTERNACIONAL DE SEMIÓTICA
E COMUNICAÇÃO, 2017)
No primeiro nível, surgem os questionamentos sobre a redefinição
dos campos sociais, promovida pela alteração nas suas práticas e dis-
cursividades. (COULDRY, 2012) Indagações dessa envergadura moti-
vam estudos sobre as mudanças estruturais no campo jornalístico, no
qual os modos de fazer e dizer têm sido revistos e modificados para
atender às dinâmicas atuais de produção, circulação e recepção do dis-
curso. Situação similar observa-se também na esfera da comunicação
organizacional ou estratégica, “território” das assessorias de imprensa.
Nesse âmbito, a ampliação do acesso à discursividade mediática gera
novas estratégias à construção e consolidação de marcas, diferentes
dinâmicas de disputa pela agenda setting e outros posicionamentos e
embates entre a fonte (via discurso estratégico) e a mídia (via discurso,
a priori, jornalístico). Nesse horizonte, as perguntas sobre os contra-
tos estabelecidos e sobre a construção do efeito de sentido de verdade
precisam ser formuladas, considerando a circulação, especialmente na
gestão do acontecimento.
Para Braga (2017), essa conjuntura revela a instauração de novos
modelos de circulação e a remodelagem dos circuitos em fluxos re-
ticulares. O autor observa que, com a mediatização da sociedade, os
campos sociais perdem a liderança na administração dos seus circui-
tos interacionais, gerando uma “circuitaria” complexa, na qual o senso
comum mistura-se com os campos especializados.
Braga (2017) propõe quatro modelos de situações de circulação,
dos quais é possível lançar mão para pensar distintas configurações
do discurso informativo. No primeiro modelo, o jornalismo é gerador
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de produtos e circuitos próprios. A indústria cultural apresenta-se
enquanto a situação de circulação estabelecida, constituindo proces-
sos de produção, emissão e circulação que se desenvolvem a partir de
um núcleo gerador de produtos. O discurso informativo conforma-se
como um produto que negocia entre o “saber fazer” e o “saber se-
duzir” nas dinâmicas de institucionalização e autonomia do campo.
(CHARAUDEAU, 2012a)
No segundo modelo proposto por Braga (2017), a mídia jornalística é
o lugar de passagem de outros discursos. Entra em cena o agendamento
da mídia por outros campos sociais, a partir da mediação profissiona-
lizada das assessorias de imprensa, uma das vertentes da comunicação
estratégica ou organizacional. Neste livro, analisou-se a configuração
do discurso informativo contemplada nesse paradigma de circulação.
Os distintos campos sociais também desenvolvem lógicas próprias
para fazer circular seus processos. (BRAGA, 2017) A profissionaliza-
ção da comunicação organizacional envolve a articulação sinérgica
de diferentes profissionais que atuam com planejamentos estratégi-
cos e gestão de comunicação para construção de identidade, imagem
e reputação institucionais. Aqui, as organizações-fonte não buscam, a
priori, o agendamento público pela mídia jornalística, mas constituem
seus próprios meios. Nesse terceiro modelo de situação de circulação, o
discurso informativo transita pelas “mídias das fontes” (SANT’ANNA,
2008), constituindo, no tecido social, “sistemas conjuntos e complexos
de circuitos”. (BRAGA, 2017, p. 50)
O quarto modelo constitui uma representação dos fluxos advindos
da revolução do acesso; é engendrado nas teias da “hipermediação”.
(SCOLARI, 2008) A circulação ocorre entre campos especializados e
espaços da cotidianidade e os circuitos vão sendo paulatinamente as-
sumidos pelo senso comum. “O mote, aqui, é o redesenho das relações
entre campos especializados de ação midiática e setores não especiali-
zados. Em meio ao mar de processos institucionalizados e instituídos,
surgem correntes de ‘desespecialização’”. (BRAGA, 2017, p. 60)
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Nesse contexto, ganham destaque ações do marketing de influên-
cia, pelo qual a comunicação estratégica das organizações desenvolve
discursos informativos e outros produtos para os influenciadores di-
gitais, reconhecendo nessa atuação “desespecializada” um(a) forma-
dor(a) de opinião. Já o marketing de conteúdo preza pela difusão de
informação, tendo como critério a expectativa da audiência e, muitas
vezes, dispondo de protocolos e técnicas do jornalismo. Nesse esteio,
o ciberacontecimento, por sua vez, ganha uma primeira configuração
narrativa nos espaços midiáticos não especializados, como os perfis de
cidadãos comuns nas redes sociais digitais. (MOURA, 2018) Segundo
Braga, as relações de todos os campos especializados são modificadas
com o ambiente geral da cotidianidade. “Em síntese, isso significa que
a circuitaria social se reelabora, desenvolvendo perspectivas comuni-
cacionais experimentais”. (BRAGA, 2017, p. 61)
As problemáticas trazidas pelas modalidades contemporâneas de
circulação instigam um olhar mais atento aos processos configurativos
do acontecimento, uma vez que as instâncias de emissão foram expandi-
das com as novas tecnologias, possibilitando aos atores sociais e fontes
de informação – profissionalizadas ou de forma amadora – a construção
de seus próprios espaços público-midiáticos. O prognóstico de Roland
Barthes (2003) de que teríamos uma “sociedade de emissores” parece
concretizar-se e, especialmente, a partir dos fluxos instaurados pelas
redes sociais, desenha-se um cenário a partir da qual é, muitas vezes,
difícil distinguir a informação elaborada por enunciadores profissio-
nais – seja nas redações jornalísticas ou nas assessorias de imprensa –
dos enunciados feitos por amadores.
Mesmo nessas complexas modalizações da circulação, as relações
de poder e a produção de sentido são assimétricas (VERÓN, 2013), as-
pecto que direciona um interesse ou um questionamento especial ao
discurso informativo que é produzido na conexão entre o jornalismo
e a comunicação estratégica das organizações. Afinal de contas, nes-
se contato, são ainda mais acirradas as negociações ou disputas pela
construção da agenda setting, no que tange não só à configuração do
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acontecimento – a tematização e suas nuanças. Como os agentes do
contrato comunicativo negociam o processo de transformação do acon-
tecimento a configurar em acontecimento configurado é uma proble-
mática que não escapa aos fluxos reticulares da circulação.
Se o acontecimento se constitui nas tramas da atualidade, o que
lhe oferece essa natureza discursiva é o fato de retomar o passado e
projetar-se ao futuro. (QUÉRÉ, 2013) O processo contemporâneo de
produção e circulação do acontecimento, entretanto, impõe desafios
irrefutáveis aos estudos da enunciação. Os discursos circulam 24 horas
por dia, todos os dias, dos meios massivos às redes sociais digitais e das
redes aos meios de comunicação de massa. Não há rota fixa, nem ma-
pas previstos: “A heterogeneidade que caracteriza a produção discursi-
va, em termos de enunciação, oferece tampouco um mapa de rota, um
percurso fixo a seguir”. (CENTRO INTERNACIONAL DE SEMIÓTICA
E COMUNICAÇÃO, 2017)
O estudo caso a caso apresenta-se, num primeiro momento, como a
alternativa mais viável para a investigação, a fim de que sejam evitados
os prognósticos apocalípticos ou o entusiasmo generalista impulsiona-
do pelo “novo”. Afinal de contas, o novo sempre vem e o conhecimento
científico, delineado na relação em continuum entre sujeito e objeto,
resulta da mediação dos aspectos de inteligibilidade, simbólicos e tem-
porais e, portanto, não pode ser reduzido à mera produção de signifi-
cantes; é preciso levar em consideração sua dimensão sócio-histórica.
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Este livro foi composto na EDUFBA.
As fontes usadas foram a Ashbury e Branding.
Sua impressão do miolo foi feita no
setor de Reprografia da EDUFBA.
A capa e o acabamento foram feitos na Gráfica Cian.
O papel é Alcalino 75 g/m².
300 exemplares.
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A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA
“O jornalismo não é um relato em primeira
mão do material bruto”. A provocação feita por
Walter Lippmann em 1922 foi um dos fatores
estimulantes à pesquisa que originou este
CLAUDIANE CARVALHO livro. Interessada nos processos de construção
da notícia, que extrapolam o âmbito da
Esta obra dedica-se à construção da notícia que promove redação jornalística e envolvem a assessoria de
a articulação entre o campo do jornalismo e os outros imprensa (comunicação estratégica), a autora
campos sociais, mediados pela comunicação estratégica. se debruçou sobre o impacto dessa relação
Que contratos são estabelecidos entre os agentes envolvidos na configuração do discurso informativo.
nessa configuração da informação? Como são definidos Que contratos são estabelecidos? Que
os critérios de noticiabilidade? Como os discursos negociações são realizadas entre os agentes
informativos engendram o efeito de sentido de verdade?
Para responder a essas e outras questões, este livro realiza
a conexão entre análise de discurso, hermenêutica de
A CONSTRUÇÃO desses contratos? Como são definidos os
critérios de noticiabilidade? Como os discursos
informativos conseguem o efeito de sentido
Paul Ricoeur e teorias do jornalismo, convidando o leitor
DA NOTÍCIA
de verdade? Para responder a essas e outras
a trilhar um caminho revelador de nuanças no processo questões, esta obra promove a articulação entre
social de tessitura da realidade. análise do discurso, hermenêutica de Ricoeur e
teorias do jornalismo e convida o leitor a trilhar
INTERSEÇÕES ENTRE JORNALISMO um percurso revelador de nuanças do processo
E COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA configurativo de informações consumidas
CLAUDIANE CARVALHO
diariamente nos diferentes veículos de
comunicação jornalística.
CLAUDIANE CARVALHO
A crescente profissionalização das fontes de
Doutora e mestre em Comunicação informação; o enxugamento das equipes nas
e Cultura Contemporâneas pela redações jornalísticas; as rotinas produtivas
Universidade Federal da Bahia
instauradas pelas novas tecnologias, que
(UFBA). Docente do ensino superior e
pesquisadora do Centro de Estudos e reclamam intervalo cada vez menor ou
Pesquisas em Análise de Discurso e Mídia inexistente entre acontecimento e sua
(Cepad). Jornalista de formação pela publicização; e as complexas relações entre
UFBA, tem experiência profissional em
o campo do jornalismo e outros campos de
redações jornalísticas e em comunicação
estratégica. As questões que mobilizam poder na sociedade têm motivado o aumento
este livro continuaram em foco nos na produção da notícia a partir da relação entre
seus estudos de pós-doutoramento, jornalismo e comunicação organizacional.
financiados pelo Conselho Nacional
Diante desse cenário, compreender o processo
de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq). de construção do discurso informativo torna-
se uma inquietude que conclama pesquisa e
reflexão. Eis a proposta deste livro.
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