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Direito Internacional Privado

O trabalho aborda o conflito entre tratados internacionais e normas de direito interno no Estado Moçambicano, destacando a incorporação do direito internacional na ordem jurídica nacional. A pesquisa analisa a hierarquia das fontes de direito e os procedimentos necessários para a ratificação e publicação de tratados. O estudo conclui que a aplicação de normas internacionais depende de sua conformidade com a Constituição e da observância dos processos legais estabelecidos.
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Direito Internacional Privado

O trabalho aborda o conflito entre tratados internacionais e normas de direito interno no Estado Moçambicano, destacando a incorporação do direito internacional na ordem jurídica nacional. A pesquisa analisa a hierarquia das fontes de direito e os procedimentos necessários para a ratificação e publicação de tratados. O estudo conclui que a aplicação de normas internacionais depende de sua conformidade com a Constituição e da observância dos processos legais estabelecidos.
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INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

CURSO DE LICENCIATURA EM DIREITO

Trabalho do campo de Direito Internacional Privado

Flávio Fernando Cirilo

O Conflito entre tratado internacional e norma de direito interno no Estado Moçambicano

Tete, 2023
INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANOS

CURSO DE LICENCIATURA EM DIREITO

Trabalho do campo de Direito Internacional Privado

Flávio Fernando Cirilo

O Conflito entre tratado internacional e norma de direito interno no Estado Moçambicano

Trabalho de Campo a ser submetido na


Coordenação do Curso de Licenciatura em
Direito, Departamento de ciências sociais e
humanas, como requisito de avaliação parcial na
cadeira de Direito Internacional Privado.

Tete, 2023
Índice
1. Introdução ........................................................................................................................... 4

1.1. Contextualização ......................................................................................................... 4

1.2. Objectivos.................................................................................................................... 4

1.3. Metdologia .................................................................................................................. 4

2. O Conflito entre tratado internacional e norma de direito interno no Estado


Moçambicano ............................................................................................................................. 5

2.1. Preliminares sobre o Conflito ...................................................................................... 5

2.2. Incorporação do direito internacional na ordem jurídica interna ................................ 6

2.3. A Inserção e a Posição do Direito Internacional no Direito Moçambicano ................ 8

2.4. A incorporação dos Tratados Internacionais ............................................................... 9

2.5. Posição do direito internacional na hierarquia de fontes de direito interno .............. 10

2.6. Conflitos entre o Direito Interno e o Direito Internacional Económico - na Primeira


República.............................................................................................................................. 12

2.7. Alterações constitucionais motivadas pela convenção internacional ........................ 15

3. Conclusões ........................................................................................................................ 17

4. Bibliografia ....................................................................................................................... 18
1. Introdução

1.1.Contextualização

O tratado é considerado por alguns autores como a fonte mais importante do Direito
Internacional Público. De facto, ele tem sido, desde a antigüidade, o elo relacional de
interdependência entre as nações. O primeiro registro da celebração de um tratado,
considerado o mais seguro por todos os autores de Direito Internacional, diz respeito à paz de
Hatusil III, Rei dos Hititas, e Ramsés II, faraó egípcio da XIX. dinastia. Esse tratado pôs fim
às guerras nas terras sírias, entre 1280 e 1272 a.C., e dispôs sobre a paz entre os dois reinos,
aliança entre inimigos comuns, comércio, migrações e extradição. O Tratado internacional é
um acto jurídico, em que dois ou mais estados concordam sobre a creação, modificação ou
extinção de algum direito. Fernando (2014)

1.2.Objectivos

O presente trabalho visa abordar sobre conteúdos inerentes ao Conflito entre tratado
internacional e norma de direito interno no Estado Moçambicano. Tendo como objectivos
específicos os seguintes: descrever o Conflito entre tratado internacional e norma de direito
interno no Estado Moçambicano; caracterizar o Conflito entre tratado internacional e norma
de direito interno no Estado Moçambicano; e compreender o Conflito entre tratado
internacional e norma de direito interno no Estado Moçambicano.

1.3.Metodologia

Para a materialização da presente pesquisa optou-se pelo método da pesquisa Bibliográfica.


Onde, por meio desta foi possível recolher dados relevantes sobre o tema acima citado com
recurso a diversos livros e manuais de diferentes obras literárias.
2. O Conflito entre tratado internacional e norma de direito interno no Estado
Moçambicano

2.1.Preliminares sobre o Conflito

A contrariedade entre duas normas há de pressupor que ambas estejam devidamente


concluídas ou, em termos mais precisos, que ambas existam. Não há falar em conflito quando
está em jogo simples projeto de lei, ou tratado de natureza solene tão somente assinado. Seria
u m falso conflito. Este se estabelece entre normas vigentes.

É oportuno também recordar que determinadas normas, por motivo de conteúdo ou de


finalidade, não são de molde a suscitarem antinomias. Lembram-se tratados de aliança,
pactos de organização geral ou regional, o Estatuto da Corte Internacional de Justiça, que
dificilmente colidiriam com normas de Direito interno. São exemplos dados por CÉSAR
SEPÚLVEDA, ao relatar tema estudado pelo VI Congresso Internacional de Direito
Comparado, de Hamburgo, 1962. Cita MCNAIR, outrossim, os tratados de garantia entre os
quais o de Locarno, como sendo acordos que não se envolvem com o Direito interno e que
não são discutidos perante os tribunais ingleses.

Não são igualmente aptas a entrarem em colisão com normas de Direito interno as
convenções que delas dependam para se completarem. Para se tornarem executórias na ordem
estatal, necessitam essas convenções de fazerem remissão a normas dessa ordem, quer já
existam, quer devam ainda existir.

Lembra GUGGENHEI M que a execução de decisões da Corte Internacional de Justiça (art.


94 da Carta das Nações Unidas) pode exigir a elaboração de atos jurídicos internos tanto
quanto podem reclamá-los as disposições da Carta concernentes à organização da segurança
coletiva Casos que, eventualmente, ocorram de colisão podem não ser a rigor entre
convenções e leis, mas de leis entre si, a algumas das quais as convenções se limitam a fazer
remissão.

Não basta que o tratado produza efeitos no Direito interno, quer por via de adoção, quer por
via de transformação. Para que possa entrar em colisão com lei (norma de origem
exclusivamente interna), mister se faz que o tratado seja self-executing, se revele
suficientemente "amadurecido e claro" 5S, para ser imediatamente aplicado. Essa
qualificação depende de interpretação, análise da intenção das partes, do objetivo colimado
pelo tratado.
2.2.Incorporação do direito internacional na ordem jurídica interna

As fontes de direito internacional são incorporadas na ordem jurídica moçambicana sem


perderem a sua natureza jusinternacional. A Constituição da República de Moçambique
(CRM) adotou um sistema monista que prevê a receção condicionada dos tratados e acordos
internacionais (art. 18.º, n.º 1, da CRM) e a receção automática das restantes fontes do direito
internacional (art. 18.º, n.º 2, da CRM).

A vigência de tratados e acordos internacionais na ordem jurídica moçambicana depende do


preenchimento cumulativo de três condições:

i) Terem sido validamente aprovados e ratificados;


ii) Estarem publicados no Boletim da República;
iii) Vincularem internacionalmente o Estado moçambicano (art. 18.º, n.º 1, da CRM).

A aplicabilidade interna de tratados e acordos internacionais depende, em primeiro lugar, da


conformidade constitucional do procedimento adotado para a sua conclusão. É este o sentido
que deve ser atribuído à expressão “validamente aprovados e ratificados” incluída no art.
18.º, n.º 1, da CRM.

A constituição moçambicana prevê um regime diferenciado para a conclusão de tratados e


acordos. Estas são as duas espécies da fonte convencional, ou dos tratados em sentido amplo,
que se distinguem por os tratados (em sentido estrito ou solenes) exigirem um ato interno
posterior à sua assinatura, em regra um instrumento de ratificação, em que é confirmada a
vontade do Estado em se vincular aos mesmos. Nos acordos (em forma simplificada), a
vinculação internacional dos Estados ocorre imediatamente no momento da assinatura.

A sequência procedimental prevista para a conclusão de tratados solenes exige a intervenção


dos três órgãos de soberania políticos previstos na constituição. A negociação é dirigida pelo
Governo, através do Conselho de Ministros, a quem é atribuída a missão de “preparar a
celebração de tratados internacionais3”. O texto do tratado é depois assinado pelo Presidente
da República. A vinculação internacional do Estado moçambicano depende de ratificação
pela Assembleia da República.

No procedimento de conclusão dos acordos em forma simplificada intervém apenas o


Governo: ao Conselho de Ministros compete celebrar, ratificar e aderir a acordos
internacionais (arts. 18.º, n.º 1, e art. 210.º, n.º 4, da CRM).
Sendo o Conselho de Ministros um órgão colegial, a assinatura (“celebração”) do acordo
pode ser delegada em qualquer um dos seus membros. Esta assinatura, salvo se feita ad
referendum (art. 10.º, al. b), da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados), marca o
momento da vinculação internacional do Estado moçambicano. Para vigorarem internamente
os acordos têm depois de ser aprovados através de resolução do Conselho de Ministros.

A CRM impede a aplicação interna de convenções internacionais que ainda não vigorem
externamente. O início de produção de efeitos das convenções internacionais depende do que
ficar estabelecido nos respetivos articulados, sendo comum a definição de uma data ou, em
alternativa, a exigência da manifestação do consentimento em ficar vinculado por todos os
Estados que participaram nas negociações (convenções bilaterais) ou apenas por alguns deles
(convenções multilaterais).

Da exigência de conexão de vigência internacional e da publicação no Boletim da República


decorrem um conjunto variado de possilidades de início de vigência interna das convenções
internacionais, a qual será:

a) A data prevista no tratado ou no acordo, caso esta data seja posterior ao momento da
publicação;
b) A data de publicação, caso esta seja posterior à data prevista no tratado ou no acordo;
c) A data de produção de efeitos da notificação ao outro Estado (convenção bilateral) ou
depósito (convenções multilaterais) do instrumento de vinculação de Moçambique a
tratado ou acordo que já vigora internacionalmente, caso essa data seja posterior à
publicação;
d) A data de publicação, caso esta seja posterior à produção de efeitos da notificação ou
depósito do instrumento de vinculação de Moçambique a tratado ou acordo que já
vigora internacionalmente;
e) A data em que Moçambique foi notificado da vinculação que perfaz o número exigido
para a entrada em vigor do tratado ou o acordo, caso esta notificação ocorra em
momento posterior à publicação;
f) Na eventualidade de ser de Moçambique a vinculação que permite a entrada em vigor
do tratado ou do acordo, a data relevante será a da publicação ou a da notificação ou
depósito do intrumento de vinculação, dependendo da que ocorrer em último lugar.
Aferir a vigência interna de uma norma constante de convenção internacional é, na ordem
jurídica moçambicana, uma tarefa digna de encómios em virtude de não serem publicados na
I Série do Boletim da República quaisquer avisos que anunciem o início de vigência de
convenções internacionais às quais Moçambique já se vinculou e que já foram objeto de
publicação no Boletim da República.

As dificuldades do jurista moçambicano neste âmbito são ainda potenciadas pela frequente
demora do MINEC em notificar ou depositar instrumentos de ratificação e aprovação de
tratados e acordos já publicados no Boletim da República.

Uma vez que as fontes convencionais são objeto de receção condicionada, o n.º 2 do art. 18.º
da CRM, ao estabelecer que as “normas de direito internacional” produzem efeitos
“consoante a sua forma de receção”, permite inferir a receção automática das restantes fontes
de direito internacional, designamente do direito costumeiro, dos princípios gerais de direito e
dos atos unilaterais dos Estados.

Os atos de direito derivado adotados no âmbito das organizações internacionais de que


Moçambique seja membro produzem efeitos nos termos definidos nos respetivos tratados
constitutivos, que, por sua vez, são recebidos na ordem jurídica interna nos termos do n.º 1 do
art. 18.º da CRM.

2.3.A Inserção e a Posição do Direito Internacional no Direito Moçambicano

A emergência do Estado/nação na história da organização social impôs ordem e dinâmica


evolutiva das relações jurídicas internacionais. O jus cogens passou a ser o resultado da
vontade dos Estados/nações caracterizado pelo poder soberano destes. Desde cedo, os
Estados/nações se impuseram como sujeitos do Direito Internacional.

A criação do Direito Internacional e o sistema da sua vigência nas ordens internas dos
Estados esteve ligado ao poder político e a soberania destes: primeiro em aceitar ou não as
fontes internacionais e segundo na determinação da forma, dos mecanismos e dos
condicionalismos da incorporação do Direito Internacional no Direito Interno.

A experiência das relações entre o Direito Internacional e o Direito Estatual quanto ao


sistema de incorporação das fontes de Direito Internacional nos ordenamentos jurídicos
estaduais e no âmbito do desenvolvimento do Direito Internacional, nas organizações
internacionais e transnacionais, podem ser resumidas em dois sistemas, a saber:
i) O sistema ou modelo da transformação (ordem de execução) – a vigência ou a
incorporação do Direito Internacional passa por um mecanismo de reprodução
interna, transformando-se este numa fonte interna627 ;
ii) O sistema ou modelo da recepção – a vigência do Direito Internacional é mediante
uma disposição geral de recepção na lei fundamental do Estado. Podendo esta
recepção ser automática ou condicionada628 .

A incorporação das fontes jurídico-internacionais nos ordenamentos jurídicos internos dos


Estados dá-se no âmbito das relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno. Não
obstante, o processo técnico-jurídico de inserção constitui um momento especifico dentro dos
mecanismos internacionais de produção, adopção e implementação dos instrumentos
jurídicos internacionais.

A Incorporação do Direito Internacional no Ordenamento Jurídico Moçambicano A temática


da relação entre o Direito Internacional e o Direito Interno na Constituição de Moçambique é
da exclusiva competência da Assembleia da República631 . Compete à Assembleia da
Republica legislar sobre questões da política externa do país. Excepcionalmente, esta
competência é delegada ao Conselho de Ministros quanto aos acordos internacionais.

2.4.A incorporação dos Tratados Internacionais

Os tratados internacionais para ingressarem no ordenamento jurídico moçambicano, desde a


sua formação até a sua incorporação obedecem no geral seis passos:

i) Negociação;
ii) Assinatura;
iii) Proposta de resolução;
iv) Aprovação da resolução pela Assembleia da República;
v) Ratificação;
vi) Publicação.

O processo de negociação e a assinatura compete ao Presidente da República no exercício das


suas funções como chefe de Estado. Todavia, a pré-negociação ou preparação compete ao
Governo através do Ministro dos Negócios Estrangeiros ou chefes das missões diplomáticas.
2.5.Posição do direito internacional na hierarquia de fontes de direito interno

As normas de direito internacional têm, em Moçambique, “o mesmo valor que assumem os


atos normativos infraconstitucionais emanados da Assembleia da República e do Governo”
(art. 18.º, n.º 2, da CRM).

A localização do direito internacional no patamar infraconstitucional constitui um corolário


do princípio da constitucionalidade, do qual decorre que as “normas constitucionais
prevalecem sobre todas as restantes normas do ordenamento jurídico” (art. 2.º, n.º 4, CRM).

A supremacia das normas constitucionais permanecerá meramente teórica se não existirem


mecanismos efetivos de fiscalização da constitucionalidade do direito internacional. Ora, em
Moçambique, tal claramente não é possível no âmbito da fiscalização preventiva, a qual versa
exclusivamente sobre leis da Assembleia da Republica que tenham sido enviadas ao
Presidente da República para promulgação (art. 163.º, n.º 1, e art. 246.º, n.º 1, da CRM).

Resta a possibilidade de, no quadro da fiscalização sucessiva concreta, o controlo da


constitucionalidade dos tratados e acordos internacionais ser efetuado difusamente por
qualquer tribunal. O art. 2.º, n.º 4, da CRM, atribui inequivocamente aos tribunais a
competência para afastar normas internacionais que considerem inconstitucionais. Ao
Conselho Constitucional é dada a última palavra, pois devem-lhe ser obrigatoriamente
remetidas as decisões judiciais que recusem “a aplicação de qualquer norma com base na sua
inconstitucionalidade” (art. 247.º, n.º 1, al. a), da CRM).

Fernando Loureiro Bastos recusa a possibilidade de fiscalização concreta do direito


internacional com fundamento na ausência de qualquer referência a “normas internacionais”
ou a fontes internacionais no art. 214.º da CRM, que dispõe que “(n)os feitos submetidos a
julgamento os tribunais não podem aplicar leis ou princípios que ofendam a Constituição”.

Não parece, todavia, admissível retirar de um argumento a contrario sensu uma habilitação
geral para os tribunais violarem a Constituição sempre que aplicam o direito internacional,
uma vez que tal violaria o princípio da constitucionalidade. Acresce que tudo leva a crer que,
neste preceito da constituição – e também noutros (v. g. o art. 245.º, n.º 1) –, o legislador
constituinte utilizou o vocábulo “leis” com o sentido material amplo de “normas”.
Uma interpretação restritiva que circunscrevesse o alcance da disposição às “leis em sentido
formal” da Assembleia da República seria contrária à ratio desta disposição que consiste em
impedir a aplicação de normas inconstitucionais nos feitos submetidos a julgamento. Esta
interpretação abre também a porta para a admissibilidade da fiscalização abstrata da
constitucionalidade: nos termos do art. 245.º, n.º 1, da CRM, “o Conselho Constitucional
aprecia e declara, com força obrigatória geral, a “inconstitucionalidade das leis”.

A afirmação de superioridade normativa da constituição face ao direito internacional não é –


nem podia ser – absoluta. Um dos efeitos do processo de globalização observado nas últimas
décadas é a importação para as constituições nacionais de princípios estruturantes de uma
ordem jurídica internacional que deixou de estar exclusivamente centrada no paradigma
vestefaliano da igualdade soberana entre Estados.

A legitimidade internacional das comunidades políticas estaduais está hoje dependente do


reconhecimento constitucional interno dos princípios democrático e da proteção dos direitos
humanos. Estes princípios constituem manifestações de um constitucionalismo internacional
em gestação que se materializa nas chamadas normas imperativas de direito internacional
geral ou de ius cogens, as quais funcionam como limites heterónomos ao próprio poder
constituinte interno.

A CRM reconhece as obrigações provenientes do ius cogens, ao declarar genericamente que


o Estado moçambicano “aceita, observa e aplica os princípios da Carta da Organização das
Nações Unidas e da Carta da União Africana” (art. 17.º, n.º 2, CRM). Ao longo do seu texto
são feitas alusões a princípios como o do respeito pela soberania e integridade territorial, da
não ingerência em assuntos internos e igualdade soberana (art. 17.º CRM), da
autodeterminação dos povos (art. 19.º e 20.º CRM) ou da proibição do uso da força e da
resolução pacífica de conflitos (art. 22.º CRM).

O direito internacional dos direitos humanos encontra acolhimento expresso por via da
afirmação de que a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Carta Africana dos
Direitos Humanos e dos Povos devem funcionar como parâmetro de interpretação e
integração dos direitos fundamentais consagrados na constituição (art. 43.º CRM).

O direito internacional foi colocado pela CRM no mesmo patamar hierárquico dos atos
normativos da Assembleia da República ou do Governo.
As normas de direito internacional integram a ordem jurídica moçambicana e tornam
inaplicáveis de pleno direito, desde o momento da sua entrada em vigor, quaisquer normas
constantes de atos legislativos anteriores que lhes sejam contrárias. O problema é que o
inverso também ocorre: normas previstas em atos normativos internos adotados pela
Assembleia da República ou pelo Governo afastam, desde o momento da sua entrada em
vigor, a aplicação de normas internacionais anteriores que lhe sejam contrárias.

O risco de violação do princípio de direito internacional pacta sunt servanda (art. 26.º da
Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados) apresenta na ordem jurídica moçambicana
grau máximo. A responsabilidade internacional do Estado moçambicano está à distância da
aprovação de uma lei pela Assembleia da República ou de um decreto-lei ou decreto pelo
Governo que inclua, ainda que inadvertidamente, disposições contrárias a obrigações
internacionais do Estado moçambicano.

Com tudo, como a relação entre normas de direito internacional e direito interno não se
reconduz a uma relação de validade não ocorre aqui qualquer fenómeno revogatório. A
incompatibilidade com o direito internacional de norma interna posterior não tem por efeito
invalidar a norma internacional, mas simplesmente impedir a produção dos seus efeitos na
ordem jurídica interna. A cessação de vigência da norma interna posterior permitirá à norma
internacional retomar plenamente os seus efeitos. O mesmo se passa mutatis mutandis se em
causa estiver um conflito entre uma norma interna e uma norma internacional posterior.

2.6.Conflitos entre o Direito Interno e o Direito Internacional Económico - na


Primeira República

Moçambique, saído do jugo colonial, ao abraçar o ideal marxista-leninista para a edificação


do novo Estado Socialista que passaria pela reconstrução nacional, depois de uma guerra
devastadora, conta com a ajuda e solidariedade dos países socialistas e do movimento dos
não-alinhados.

Para a materialização da estratégia de desenvolvimento, guia-se pelos trilhos da revolução


Russa de 1917 e encontra no Direito Soviético fonte de Direito Internacional para as suas
reformas legislativas económicas.
A sovietização da 1ª Constituição de Moçambique independente de 25 de Junho de 1975
constitui prova inequívoca da ideia do Direito subjacente nas políticas económicas que o
legislador constituinte se apoiou para a reconstrução do país rumo ao desenvolvimento
económico e social.

A Constituição de 25 de Junho de 1975 espelha claramente estas evidências quer quanto aos
pressupostos filosóficos, políticos e ideológicos, quer ao próprio conteúdo que transpõe mais
de cinquenta porcentos das disposições da Constituição Soviética (Estalinista) de 1936.

A 1ª Constituição de Moçambique independente, de 25 de Junho de 1975, dispõe no artigo


71º o seguinte: “Toda a legislação anterior no que for contrário a Constituição fica
automaticamente revogada. As legislações anteriores no que não for contrário a Constituição
mantêm-se em vigor até que seja modificada ou revogada”.

Partindo deste pressuposto, o legislador constituinte inicia uma actividade intensa de reforma
e criação legislativa, tendo como principal fonte de Direito Internacional o Direito Socialista
do modelo soviético.

Cinco áreas sócio-económicas foram identificadas como prioritárias no processo da


reconstrução nacional e da edificação de uma sociedade socialista: a educação, a saúde, a
agricultura, a defesa e a justiça.

O Conselho de Ministros decidiu pela reformulação e criação de um novo quadro legal nestas
áreas, com o objectivo de responder os ditames da nova exigência revolucionária socialista.

Esta decisão foi acompanhada com as resoluções do Comité Central da Frelimo, em 1976, na
sua 8ª Sessão, e depois com as orientações saídas do III Congresso da Frelimo, em Fevereiro
de 1977.

No tocante à educação foi aprovado o Decreto n.º 12/75, de 6 de Setembro, que proíbe o
exercício do ensino privado e passando a ser uma actividade exclusiva do Estado.

O ensino foi centralizado e politizado, passando este a desempenhar as funções e as tarefas


revolucionarias socialistas.

Na Saúde foi aprovado o Decreto-Lei nº.5/75, de 19 de Agosto, que cria o novo Sistema
Nacional de Saúde (abolindo a medicina privada), tendo sido estabelecidas as grandes linhas
políticas e organizativas que devia seguir o Sector da Saúde.
Na agricultura foi aprovada a Resolução nº 3/77, de 1 de Setembro, sobre a Lei de Terras,
durante a 1ª Sessão da Assembleia Popular (Agosto e Setembro de 1977).

Na Defesa foi aprovado o Decreto-Lei nº 21/75, de 11 de Outubro, que cria o Serviço


Nacional de Segurança Popular (SNASP), com atribuições e poderes judiciais ou
quasejudicias. E no mesmo mês foi aprovado o Decreto nº 25/75, de 18 de Outubro, que
aprova a criação da Polícia de Investigação Criminal (eliminada a então Polícia Judiciária) e a
sua integração nas estruturas do Ministério do Interior.

No âmbito da defesa da economia nacional foi aprovado o Decreto n.º 9/79 de 30 de Junho,
que integra a Polícia Aduaneira no Ministério do Interior, posteriormente transferida para os
Serviços Nacionais de Segurança Popular (SNASP) que vela pela defesa e segurança do
Estado.

Na Justiça foi aprovado o Decreto-Lei nº 4/75, de 16 de Agosto, que proíbe o exercício da


advocacia e das funções de consultoria jurídica, solicitaria, procuradoria judicial ou
extrajudicial, a título de profissão liberal.

Para colmatar a lacuna cria-se o Serviço Nacional de Consultoria e Assistência Jurídica


(SNCAJ), na dependência da Procuradoria-Geral da República.

Conquistada a independência em 1975, a FRELIMO iniciou uma reflexão e debate com o


enfoque nas teorias marxistas e revolucionárias da sociedade, decidindo adoptá-las para a
realidade moçambicana.

Pouco tempo depois, ao constatar-se o fraco desenvolvimento das forças produtivas e as


precárias relações de trabalho em Moçambique, colocou-se o problema da viabilidade da
implementação do socialismo científico (marxista) ou do propalado socialismo cultural
africano.

Não obstante, olhando para o grau ou estado de economia deixada pelo colonialismo e a
qualidade dos recursos humanos, assim como a força produtiva existente duvidava-se se o
bloco socialista, já no prenúncio da crise estaria em condições de suportar as novas
economias emergentes nos países africanos e noutros continentes.

Como se pode constatar, estas reflexões e indefinições sobre a ajuda aos países recém-
independentes, por exemplo, no caso de Moçambique, ditou a sua não admissão no
COMECON por ter-se posicionado como um país de “orientação socialista”.
Esta realidade excludente criou clivagens políticas e económicas e impeliu Moçambique a
adoptar o socialismo científico como sistema e modelo de economia e do desenvolvimento. A
adopção de Moçambique do socialismo científico permitiu o seu reconhecimento por
Moscovo e consequentemente o acesso aos recursos e as relações políticas e económicas
privilegiadas.

2.7.Alterações constitucionais motivadas pela adoção de uma convenção


internacional

A primeira Constituição da República de Moçambique foi aprovada a 20 de junho de 1975 e


entrou em vigor às zero horas do dia 25 de junho de 1975 (art. 73.º da CRM de 75). Adotada
depois de uma longa guerra de libertação colonial e no contexto da chamada guerra-fria, a
constituição de 1975 apresentava um forte pendor soberanista.
A única alusão ao direito internacional constante na versão original da constituição de 1975
consta do art. 23.º, em que se refere que “A República Popular de Moçambique aceita,
observa e aplica os princípios da Carta das Nações Unidas e da Organização da Unidade
Africana”. O texto constitucional foi revisto em 1976 (duas vezes), 1977, 1978, 1984 e 1986.
Nenhuma das alterações introduzidas foi justificada pela adoção de uma convenção
internacional. Com relevância para o direito internacional, assinala-se a introdução, em 1978,
do procedimento de conclusão de tratados e acordos internacionais (arts. 44.º, 54.º e 60.º da
CRM75).
A segunda Constituição da República de Moçambique foi aprovada a 2 de novembro de 1990
e entrou em vigor a 30 de novembro do mesmo ano. Apesar de ser a constituição que marca a
abertura democrática, não inclui qualquer referência direta ao direito internacional, exceto as
relativas à aceitação, observância e aplicação dos princípios da Carta das Nações Unidas e da
Carta da Organização da Unidade Africana (art. 62.º, n.º 1) e ao procedimento de conclusão
de tratados e acordos internacionais.
A constituição de 1990 foi objeto de revisão em 1992 (duas vezes), 1996 e 1998. Nenhuma
das alterações introduzidas teve como causa próxima a adoção de uma convenção
internacional.
A atual CRM foi aprovada a 16 de novembro de 2004, tendo entrado em vigor no dia 21 de
janeiro de 2005. Ao contrário das duas constituições que a antecederam, trata profusamente
de matérias relacionadas com o direito internacional (v. supra a resposta às questões 1.1. e
1.2.).
A CRM não foi objeto de qualquer revisão com implicações para o direito internacional. A
eventual adesão da República de Moçambique ao Estatuto de Roma do Tribunal Penal
Internacional (TPI) poderá implicar a prévia revisão do art. 67.º com vista a ultrapassar a
proibição de expulsão ou extradição de nacionais (n.º 4) e a proibição de extradição por
crimes a que corresponda no Estado requisitante a pena de prisão perpétua (n.º 3).
Uma das características do direito internacional contemporâneo é o da multiplicação de
tribunais internacionais. Este fenómeno tem conhecido particular incidência nos últimos anos
em África, mas é pouco provável que venha a ter efeitos a breve prazo sobre a ordem jurídica
moçambicana.
Enquanto membro da Organização das Nações Unidas e parte no Estatuto do Tribunal
Internacional de Justiça (TIJ), o Estado de Moçambique pode vir a ser demandado por outro
Estado – algo que nunca aconteceu – junto do TIJ. Uma vez que Moçambique não apresentou
uma declaração de aceitação da jurisdição obrigatória do TIJ ao abrigo do art. 36.º, n.º 2, do
Estatuto do TIJ, o processo só avançará se o Estado moçambicano o consentir.
3. Conclusões

A vigência de tratados e acordos internacionais na ordem jurídica moçambicana depende do


preenchimento cumulativo de três condições: terem sido validamente aprovados e ratificados;
estarem publicados no Boletim da República; e vincularem internacionalmente o Estado
moçambicano (art. 18.º, n.º 1, da CRM).

A constituição moçambicana prevê um regime diferenciado para a conclusão de tratados e


acordos. Estas são as duas espécies da fonte convencional, ou dos tratados em sentido amplo,
que se distinguem por os tratados (em sentido estrito ou solenes) exigirem um ato interno
posterior à sua assinatura, em regra um instrumento de ratificação, em que é confirmada a
vontade do Estado em se vincular aos mesmos. Nos acordos (em forma simplificada), a
vinculação internacional dos Estados ocorre imediatamente no momento da assinatura.

Uma vez que as fontes convencionais são objeto de receção condicionada, o n.º 2 do art. 18.º
da CRM, ao estabelecer que as “normas de direito internacional” produzem efeitos
“consoante a sua forma de receção”, permite inferir a receção automática das restantes fontes
de direito internacional, designamente do direito costumeiro, dos princípios gerais de direito e
dos atos unilaterais dos Estados.

A supremacia das normas constitucionais permanecerá meramente teórica se não existirem


mecanismos efetivos de fiscalização da constitucionalidade do direito internacional. Ora, em
Moçambique, tal claramente não é possível no âmbito da fiscalização preventiva, a qual versa
exclusivamente sobre leis da Assembleia da Republica que tenham sido enviadas ao
Presidente da República para promulgação (art. 163.º, n.º 1, e art. 246.º, n.º 1, da CRM).

As normas de direito internacional integram a ordem jurídica moçambicana e tornam


inaplicáveis de pleno direito, desde o momento da sua entrada em vigor, quaisquer normas
constantes de atos legislativos anteriores que lhes sejam contrárias. O problema é que o
inverso também ocorre: normas previstas em atos normativos internos adotados pela
Assembleia da República ou pelo Governo afastam, desde o momento da sua entrada em
vigor, a aplicação de normas internacionais anteriores que lhe sejam contrárias.

Moçambique, saído do jugo colonial, ao abraçar o ideal marxista-leninista para a edificação


do novo Estado Socialista que passaria pela reconstrução nacional, depois de uma guerra
devastadora, conta com a ajuda e solidariedade dos países socialistas e do movimento dos
não-alinhados.
4. Bibliografia

Contra, B. G. (n.d.). Direito Constitucional de Moçambique. que considera uma “dificuldade


assinalável” a omissão de qualquer referência aos costumes e aos atos unilaterais no
art. 18.º da CRM.

Fernando, L. B. (2010). “O Direito Internacional na Constituição Moçambicana de 2004”.


O Direito, ano 142, n.º 3.

Henriques. (n.d.). “A europeização indirecta do Direito Constitucional moçambicano –


cláusula internacional”.

Jorge, B. G. (2013). Direito Internacional Público (4 ed.). Coimbra: Almedina.

Pereira., A. G., & Quadros, F. d. (2009). Manual de Direito Internacional Público, op. cit., p.
94. 628 Para a caracterização destes sistemas ou modelos, vide, Ibidem, p. 391 e p.
94 respectivamente.

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